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MODULO 1 - FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS PRINCIPAIS TEORIAS DE

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

1.1. Psicometria: técnicas de medida psicológica

No presente contexto são particularizadas algumas das questões fundamentais da


psicometria: (a) requisitos básicos dos testes psicométricos, (b) psicometria clássica e
teoria de resposta ao item; (c) análise fatorial e modelo dos cinco grandes fatores de
personalidade e (d) uso de recursos da psicometria por não-psicólogos. A seguir, cada
uma dessas questões é abordada.

(a) Requisitos básicos dos testes psicométricos - os testes psicológicos, de uso exclusivo
de psicólogos, são amplamente utilizados como recursos de avaliação. A psicometria,
decorrente da teoria da medida em ciências, adota a validade, a precisão
(fidedignidade), a padronização e a normatização como parâmetros de garantia da
confiabilidade dos testes.

O parâmetro validade informa se o instrumento mede realmente aquilo que se propõe


medir. Um teste é válido quando há concordância entre o que ele pretende avaliar e o que
avalia de fato. Bunchaft (2002, p. 69) afirma que “não se pode falar de uma validade em
geral, mas de uma validade relativa ao tipo de decisão e uso específico para o teste em
questão”. Assim, um teste apresenta validade quando estabelece correlação alta com
outro teste que mede o mesmo traço, ou seja, validade refere-se à conformidade dos
resultados entre dois métodos distintos utilizados para medir os mesmos construtos ou
quando há concordância entre testes de mesmo tipo.

Por precisão ou fidedignidade de um teste entende-se o quanto os seus escores acham-se


livres de erros de mensuração. Um instrumento é considerado preciso (fidedigno) quando
conduz a resultados idênticos, quer seja utilizado para avaliar processos psicológicos de
um mesmo indivíduo em situações diferentes, quer seja utilizado para avaliar esses
processos por meio de dois ou mais testes na mesma ocasião.

Os graus de validade e de precisão de um teste são tanto mais altos quanto maiores
forem os índices de correlação. A correlação, fator que determina o grau de validade e de
precisão (fidedignidade) de um teste, expressa o nível de relação (ou correspondência)
existente entre dois eventos. O coeficiente de correlação varia entre menos um (-1) e mais
um (+1), conforme ilustra o esquema abaixo, no qual, quanto mais próximo de (1) menor o
erro cometido.
-1_____-0,75_____-0,5_____-0,25____0____+0,25_____+0.5_____+0,75_____+1

perfeita alta média baixa ausente baixa média alta perfeita

Negativa Positiva

Para interpretar os resultados de um teste é preciso recorrer a padrões pré-estabelecidos,


que servem de referência e que são definidos por meio de um processo denominado
padronização. A padronização da testagem visa garantir o uso adequado dos
instrumentos e, para isso, alguns requisitos devem ser atendidos: além de sua qualidade e
adequação ao estudo pretendido, é preciso haver uniformidade em sua aplicação,
ambiente adequado (físico e psicológico) de testagem, competência teórico-técnica de seu
aplicador e parâmetros ou critérios para a interpretação dos resultados obtidos. Atendidos
esses requisitos, será possível construir uma curva normal de distribuição dos resultados
obtidos por um determinado grupo ou por uma amostra significativa desse grupo.

A curva normal possibilitará o processo de normatização, ou seja, permitirá situar o escore


de um determinado sujeito submetido a determinado teste, comparando-o com escores
de outros sujeitos submetidos ao mesmo teste, para verificar a posição por ele ocupada na
curva normal, em relação ao traço medido. O procedimento de normatização inclui a
conversão de escores brutos de um teste em medidas relativas, com o objetivo de indicar a
posição relativa do indivíduo na amostra normativa, por meio da avaliação de seu
desempenho em relação a outras pessoas. Simultaneamente, esse procedimento permitirá
comparar o desempenho de um mesmo indivíduo em diferentes testes.

(b) Psicometria clássica e teoria de resposta ao item - no âmbito da Teoria da Medida


inclui-se a Teoria de Resposta ao Item (TRI), dirigida predominantemente ao estudo de
questionários e outras listas de itens. No campo da psicometria, a TRI distingue-se da
Teoria Clássica dos Testes (TCT) porque o foco incidir em cada item específico e não no
total de acertos, ou seja, enquanto na Teoria de Resposta ao Item são investigadas as
propriedades de cada item, na Teoria Clássica dos Testes investigam-se as propriedades do
conjunto de itens que constituem dado teste.

(c) Análise fatorial (AF) e modelo dos cinco grandes fatores de personalidade - um dos
procedimentos centrais no desenvolvimento de escalas de avaliação e de teorias
psicológicas é a análise fatorial (AF). Reis (1997, apud Arte, s.d.) define AF como "um
conjunto de técnicas estatísticas cujo objetivo é representar ou descrever um número de
variáveis iniciais a partir de um menor número de variáveis hipotéticas". Por isso,
quando Spearman postula o Fator "G" como um fator de inteligência implicitamente
associado ao desempenho de um conjunto de variáveis psicológicas e passível de ser
medido, fundamenta-se em princípios da AF. Esses princípios garantem ser possível saber
o quanto cada fator em particular está associado a cada variável e o quanto o conjunto de
fatores explica a variabilidade geral dos dados originais. A técnica estatística da AF inclui-se
entre os procedimentos centrais do desenvolvimento de alguns modelos psicológicos.

Tomemos como exemplo o modelo dos cinco grandes fatores de personalidade (modelo
CGF), que descreve dimensões psicossociais básicas. O fator I, extroversão/introversão; o
fator II, nível de socialização; o fator III, escrupulosidade, impulso para realizar, o fator IV,
neuroticismo/estabilidade emocional e o fator V, intelecto ou abertura para a experiência.
Essa teoria da personalidade, cuja construção teria sido impossível sem a técnica
estatística da AF, descreve a personalidade por meio de instrumentos de avaliação
psicológica.

(d) Uso de recursos da psicometria por não-psicólogos - a Lei Federal no 4.119/62, em


seu Capítulo III, Art. 13, § 1º, determina o seguinte:

Art. 13 - § 1º Constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas


psicológicas com os seguintes objetivos: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção
profissional; c) orientação psicopedagógica e d) solução de problemas de ajustamento.

Essa Lei, determinante de que métodos e técnicas psicológicas sejam de uso privativo de
psicólogos, acha-se em consonância com a Lei das Contravenções Penais, Decreto-Lei Nº
3688/41, de 03 de outubro de 1941 que, ao tratar “Das contravenções relativas à
organização do trabalho” em seu Capítulo VI, Art. 47, § 1º, garante o seguinte:

Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem
preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena: prisão
simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de
réis.

Em Nota Técnica de 9 de dezembro de 2013, o Conselho Federal de Psicologia (CFP)


reafirma a importância para a classe profissional de realizar denúncia em delegacia de
polícia nos casos de uso indevido de testes psicológicos. Considerando que a avaliação
psicológica, processo científico pautado em teorias e métodos devidamente reconhecidos
pela Psicologia, somente pode ser realizada por psicólogos, o CFP alerta ao fato de que seu
uso por profissionais não habilitados e não credenciados para esse fim os faz incorrer em
exercício ilegal da profissão.

O rigor psicométrico de um instrumento de medida é avaliado por alguns destes


critérios: Profissionais treinados apresentam grau de concordância satisfatório quanto à
pontuação de suas variáveis; As estimativas do grau de fidedignidade indicam que ele
fornece informações precisas, isto é, que os resultados têm variância de erro mínima,
sendo próximos dos valores reais.

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MODULO 2 - PRINCIPAIS CONCEITOS TEÓRICOS SUBJACENTES ÀS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO


PSICOLÓGICA

D-B-C

2.1. Estrutura da personalidade – algumas teorias

No âmbito das teorias sobre a estrutura da personalidade retomamos aqui alguns elementos
relativos (I) ao conceito de self nas abordagens de Carl Jung (Psicologia Analítica) e de Carl Rogers
(Perspectiva Centrada no Cliente); (II) à estrutura do aparelho psíquico em Sigmund Freud
(Psicanálise); (III) à noção de inconsciente nas abordagens cognitiva e psicanalítica e (IV) à
personalidade e ao comportamento nas abordagens comportamentais de aprendizagem.
Consideramos a seguir, cada um desses quatro conjuntos de elementos.

I O conceito de self em Jung e Rogers: Para Jung, há um centro responsável pela formação da
personalidade: o self (si mesmo) que expressa a unidade e totalidade da personalidade. O self
como totalidade psíquica, por abarcar conteúdos conscientes e inconscientes, somente pode ser
descrito em parte.

Por sua vez, para Rogers o self pode ser compreendido como o sentido atribuído a si mesmo pelo
indivíduo, ou a percepção de si como ser-no-mundo. Rogers reúne três conceitos em um único
tópico: self, concept of self e self-structure, termos que se pode traduzir, respectivamente, por eu,
ideia ou imagem de si e estrutura do eu. Esses três termos designam uma configuração composta
por percepções relativas ao eu, de relações do eu com o outro, com o meio e com a vida em geral,
e os valores atribuídos pelo indivíduo a essas percepções. Embora nem sempre plenamente
consciente, essa configuração organizada, coerente e em contínua mudança, acha-se disponível à
consciência.

II Estrutura do aparelho psíquico em Freud: localização do ego, id e superego: Freud, em sua


Primeira Tópica (1900 - 1915), distingue entre aparelho inconsciente, pré-consciente e consciente,
supondo haver uma separação topográfica entre os sistemas inconsciente e consciente, sem
exclusão, contudo, da possibilidade de um conteúdo existir simultaneamente em dois lugares do
mecanismo mental: não ocorrendo inibição da censura, um conteúdo avança de uma posição para
outra sem perda da localização original. Segundo essa concepção, o pré-consciente está situado
entre o inconsciente e o consciente. Ao propor a Segunda Tópica (1923), Freud passa a considerar
que o ego, como instância resultante de uma porção modificada do id, por influência do mundo
externo, é em grande parte inconsciente, sendo regido pelo princípio da realidade, enquanto o id é
regido pelo princípio do prazer. O superego, enquanto porção diferenciada do ego, pela
internalização das normas sociais age como regulador, permitindo a adaptação social ao censurar
os impulsos do id.
Devido à separação topográfica e à dinâmica psíquica propostas por Freud, seria errôneo
considerar o aparelho psíquico como um órgão estático, constituído de uma porção consciente e
outra pré-consciente que abrigam o ego e o superego e outra porção inconsciente que abriga o id.

III Noção de inconsciente nas abordagens cognitiva e psicanalítica: Conforme sugerido no tópico
anterior, na abordagem psicanalítica a descrição topográfica do aparelho psíquico denota a
dificuldade de acesso aos conteúdos, já que a maior parte do funcionamento mental seria
inconsciente. Importante destacar que este era o único referencial que tínhamos sobre o
inconsciente, já que nenhuma outra teoria havia surgido. Porém, na década de 1980, a revolução
cognitiva na psicologia, passou a comparar a mente com o computador, fundamentando-se no
conceito de mente como um mecanismo de processamento de informação e relacionando o
processamento automático como processamento inconsciente. A partir disso, surgiu a expressão,
“Inconsciente Cognitivo” (Kihlstron, 1987), como modelo alternativo da mente inconsciente.

IV Personalidade e comportamento nas abordagens comportamentais de aprendizagem: Nas


abordagens comportamentais de aprendizagem os comportamentos devem ser analisados sempre
em relação ao contexto em que estão inseridos. Assim, não se atribui a causa dos comportamentos
a estados internos, psíquicos, mentais, ou à personalidade do indivíduo e sim, à sua relação com o
ambiente (antecendente/consequente). Para a abordagem comportamentalista, a personalidade
nada mais é do que o repertório comportamental adquirido ao longo da história individual de vida,
levando em consideração influências filogenéticas, ontogenéticas e culturais.

As teorias psicodinâmicas descrevem a personalidade como um sistema energético marcado por


forças conscientes e inconscientes que, em conflito não resolvido, podem levar aos sintomas
psicopatológicos. A psicologia evolutiva descreve a personalidade como uma função
biopsicológica, com traços geneticamente herdados, cujas características foram selecionadas pela
interação com o ambiente evolutivo de adaptação.

2.2. Linguagem e memória

Ao analisarmos a relação entre linguagem, memória e solução de problemas é importante


considerarmos que a primeira cumpre importante papel no funcionamento das outras. O foco da
dissertação de mestrado de Cruz (2004) incide exatamente na relação entre memória e linguagem
e, ao situar esse binômio especificamente no âmbito das teorias psicológicas e neuropsicológicas,
destaca, entre outras, as contribuições de Piaget e Inhelder, de Vygotsky e de Benveniste.

Piaget e Inhelder (1979) relacionam memória e inteligência e, ao proporem duas possibilidades


para a compreensão do processo mnemônico consideram memória no sentido lato e memória
no sentido estrito. A memória no sentido lato é considerada uma função cognitiva fundamental,
dado propiciar o conhecimento do passado, e a memória no sentido estrito é considerada
responsável pelas funções de reter e reativar (conservar), bem como organizar (transformar por
meio da inteligência). Segundo esses autores é inaceitável uma dualidade que colocaria, de um
lado, “a inteligência, que compreende ou inventa, mas não conserva, a não ser reconstruindo” e de
outro lado a memória, responsável somente pela função de conservar, sem tentar compreender.
(PIAGET; INHELDER, 1979, p. 377 apud CRUZ, 2004, p. 40)

Vygostsky (2003), responsável pelo desenvolvimento do primeiro estudo sistemático sobre o


desenvolvimento das formas superiores de memória, considera impossível pensar uma atividade
cognitiva humana realizada à margem dos processos de significação, pois cabe à linguagem a
função de constituir o sujeito social, sujeito que pensa e fala. Nos primeiros anos da infância a
função da memória é básica e sobre ela são construídas as demais funções cognitivas. Assim, o
pensamento da criança depende diretamente da memória e dos processos que a constituem: suas
experiências, registradas na memória, definem a estrutura geral de seu pensamento. Ao
desenvolver sua teoria sobre a função da memória em relação aos demais processos cognitivos,
entre os quais a linguagem e a capacidade de solucionar problemas, Vygotsky considera que a
linguagem, relevante componente da cognição, deve ser concebida também como processo
sociocultural, dada a importância da linguagem e do pensamento discursivo nas interações sociais.

Se consideramos com Benveniste (1966,1974), que a linguagem não é apenas um sistema


semiótico, mas também semântico, constatamos que na relação linguagem e memória ocorrem
semioses, não necessariamente verbais, já que nem toda memória é verbal. Mas, a memória
relacionada à linguagem alcança a condição de “materialidade discursiva da memória”, com
implicações diretas na busca de solução para problemas: (...) nenhuma semiologia do som, da cor,
da imagem, será formulada em sons, em cores, em imagens. Toda semiologia de um sistema não-
linguístico deve pedir emprestada a interpretação da língua, não pode existir senão pela e na
semiologia da língua. (...) a língua é o interpretante de todos os outros sistemas, linguísticos e não-
linguísticos. (BENVENISTE, E., 1974/1986, p. 61 apud CRUZ, 2004, p. 46)

Baseados nos estudos de Piaget e Inhelder, de Vygotsky, de Benveniste e de Cruz, concluímos que
a linguagem é importante auxiliar da memória e favorece a solução de problemas, uma vez que a
mediação verbal aprimora a habilidade para lembrar objetos e eventos. Além disso, a
formulação de regras verbais orienta e pode ampliar o raciocínio e contribuir para a solução de
problemas. No entanto, os processos cognitivos também podem dispensar a linguagem. Para
Myers (2012), frequentemente o pensamento ocorre em imagens e representações visuais. As
imaginações, simulações e ensaios mentais, assim como os processamentos de informação
ocorridos fora da consciência, são exemplos de cognição sem linguagem, pois incluem lembranças
implícitas e soluções de problemas. Embora a discussão persista e não haja consenso geral, o mais
aceitável atualmente é a ideia de que há uma via de mão dupla, isto é, a linguagem influencia o
pensamento e o pensamento influencia a linguagem (FELDMAN, 2015; GLEITMAN et al., 2009;
MYERS, 2012).

No experimento descrito por Mussen, Conger e Kagan (1977), ao ser observada uma diferença
significativa na performance de crianças integrantes de dois grupos - um experimental e outro,
controle -, foi constatado que crianças às quais foi oferecida a oportunidade de associar elementos
do sistema linguístico a elementos do sistema não-linguístico, apresentaram melhor desempenho
no pareamento de figuras pertencentes a duas amostras distintas do que as crianças de outro
grupo, que não tiveram a mesma oportunidade.

A linguagem, com as funções de intercâmbio cultural e pensamento generalizante, é o sistema de


mediação das relações que orienta o desenvolvimento humano.

2.3. Neurociências das emoções

As emoções, frequentemente manifestas por meio de expressões faciais, acham-se relacionadas a


pensamentos, sensações e sentimentos, estejam estes associados a lembranças do passado, a
projetos desenvolvidos no presente, ou a planos de realizações futuras. Antonio, V. E. et al. (2008),
ao realizarem uma revisão da literatura sobre neurologia das emoções, identificaram que as
expressões faciais não apenas constituem uma das formas de manifestação emocional como
servem de estímulo emocional nas relações interpessoais.

Expressões faciais encontram correspondência neurológica em determinadas zonas cerebrais. As


sensações de prazer, alegria, felicidade, medo e raiva, por exemplo, uma vez distinguidas pelas
expressões faciais daqueles que as vivenciam induzem sentimentos em quem as observam. Por
exemplo, a alegria pode surgir como resposta à identificação de expressões faciais de felicidade e o
reconhecimento de expressões faciais de medo estimulam respostas apropriadas à ameaça e ao
perigo. A percepção de tons da voz, de movimentos e de expressões faciais estimulam o sistema
nervoso autônomo, diretamente envolvido em situações de enfrentamento e esquiva, e este, por
sua vez, estimula comportamentos que visam a obtenção de segurança.

O desenvolvimento das neurociências possibilitou conhecer que a emoção, a percepção e a ação


acham-se relacionadas a circuitos cerebrais distintos. As emoções geralmente se fazem
acompanhar de respostas autonômicas (reações autônomas do sistema nervoso), endócrinas
(alterações relativas ao funcionamento das glândulas) e motoras esqueléticas que, dependentes de
áreas subcorticais do sistema nervoso, preparam o corpo para a ação. ANTONIO, V. E. et al. (2008)
consideram que embora a ciência possa vir a explicar aspectos biológicos da emoção, a questão
relativa à sua natureza, acerca do que é uma emoção, permanece como questão
predominantemente filosófica.

O SNA está diretamente envolvido nas denominadas “situações de luta e/ou fuga” e
imobilização45. Tais ocorrências estão intrinsecamente relacionadas a um mecanismo de
neurocepção, que se caracteriza pela capacidade de o indivíduo de agir conforme sua percepção
de segurança ou ameaça a respeito do meio onde ele se encontra. Essa percepção pode ser dada,
por exemplo, pelo tom da voz ou pelos movimentos e expressões faciais da pessoa ou do animal
com quem ele se comunica. (ESPERIDIÃO-ANTONIO, V. et al., 2008, p.62)

Miguel, F. K. (2015), em seu artigo Psicologia das emoções: uma proposta integrativa para
compreender a expressão emocional, refere-se à contribuição trazida pelas teorias
psicoevolucionistas para o debate desse tema. Segundo tais teorias os estados emocionais de hoje
são reflexos da evolução das espécies, resultam de respostas adaptativas a situações ambientais.
Segundo esse autor, desde Darwin (1872) considera-se que algumas formas de manifestação de
emoções podem ser aprendidas e outras, especialmente as expressões faciais, são inatas. Assim,
deve ser refutada qualquer teoria reducionista que atribua à emoção uma base exclusivamente
ambiental ou uma base exclusivamente genética na manifestação de expressões faciais.

Em favor do componente genético das expressões faciais de emoções, esse autor menciona o caso
de crianças nascidas cegas e que expressam felicidade por meio de sorrisos ou tristeza por meio de
choro. Refere-se, também, à similaridade na expressão de estados emocionais entre culturas
distintas: “em todas as culturas a alegria é expressa com sorriso, a raiva com franzimento das
sobrancelhas e tensão dos lábios, e assim por diante” (p. 3).

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MODULO 3 - TESTES DE AVALIAÇÃO DE INTELIGÊNCIA PARA A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

B-E

3.1. Avaliação psicológica: possibilidades e limitações

A Cartilha sobre Avaliação Psicológica, lançada pelo Conselho Federal de Psicologia em junho de
2007 e atualizada em novembro de 2013 tem por objetivo oferecer informações de natureza
ética, teórica e metodológica, para aprimorar a qualidade dos serviços psicológicos oferecidos à
sociedade brasileira.

Nessa Cartilha encontramos respostas a questões que possibilita ao psicólogo compreender a


avaliação psicológica em seus múltiplos aspectos: seus limites, passos mínimos a serem
executados, instrumentos que podem ser utilizados e elaboração de laudos, entre outros. Destaca
que reconhece a pessoa como um ser que se modifica no tempo, com condicionantes históricos e
sociais atuando sobre o seu psiquismo. Além disso, privilegia o indivíduo e não a sua patologia.

A avaliação psicológica é um processo amplo que envolve a integração de informações


provenientes de diversas fontes, entre as quais, os testes psicológicos. A testagem psicológica, que
deve ser considerada uma etapa da avaliação psicológica e que implica na utilização de diferentes
tipos de instrumentos, deve atender aos critérios de validade, precisão e padronização.

A Resolução CFP n° 002/2003, no artigo 11, orienta que “as condições de uso dos instrumentos
devem ser consideradas apenas para os contextos e propósitos para os quais os estudos
empíricos indicaram resultados favoráveis”. Isso significa que a escolha adequada de um
instrumento ou estratégia é complexa e deve levar em conta os dados empíricos que justifiquem
simultaneamente o propósito da avaliação e seu contexto. No caso da escolha de um teste
específico é necessário que o psicólogo faça a leitura cuidadosa do manual e das pesquisas
envolvidas na sua construção para decidir se esse teste pode ou não ser utilizado em dado. O uso
de instrumentos corretos e adequados à demanda da pessoa ou de um grupo, maximiza a
qualidade de uma avaliação e possibilita levantar hipóteses. O comportamento humano resulta de
uma complexa teia de dimensões inter-relacionais que interagem para produzi-lo e se torna
praticamente impossível entender e considerar todas as nuances e detalhes a ponto de prevê-lo
por completo. Mas, quanto mais fidedignos forem os resultados obtidos, maior será a possibilidade
de diagnosticar corretamente.

Realizado o processo de avaliação, o psicólogo emitirá um laudo/relatório, levando em


consideração a sua finalidade. Esse documento reunirá dados sobre os procedimentos adotados e
as conclusões resultantes. Deverá estar fundamentado cientificamente e mostrar-se útil à
realização do devido encaminhamento, apresentando recomendações relativas a possíveis
intervenções ou possível necessidade de acompanhamento psicológico.

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MODULO 4 - TESTES DE AVALIAÇÃO DE PERSONALIDADE PARA A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

E-D-E

Teorias da Personalidade

Não há um consenso absoluto sobre o que seja “personalidade”. Em função de seus pressupostos
teóricos e epistemológicos, cada abordagem teórica elege estes ou aqueles fatores como
determinantes da personalidade e tal variação se dá num continuum entre dois pólos extremos:
um deles enfatiza a importância dos fatores biológicos e o outro a importância dos fatores
ambientais. Há dezenas de definições de personalidade, que pode ser definida, por exemplo, como
“o conjunto de características da pessoa que explicam padrões consistentes de sentimentos, de
pensamentos e de comportamentos”.

Se da multiplicidade de teorias psicológicas elegemos as cognitivistas, as psicodinâmicas, as


humanistas e a Psicologia Evolutiva, constatamos o seguinte: as teorias cognitivistas descrevem a
personalidade como um sistema ativo de processamento de informações; as psicodinâmicas
ressaltam as forças subjetivas, conscientes e inconscientes; as humanistas atribuem grande
importância às potencialidades humanas e a Psicologia Evolutiva recorre à lógica dos
mecanismos de seleção natural e de seleção sexual, propostos por Darwin, ao considerar os
processos mentais e os comportamentos humanos. Ou seja, a psicologia evolutiva busca
identificar estratégias comportamentais e mecanismos psicológicos propiciadores de soluções para
problemas adaptativos enfrentados pela espécie humana ao longo de sua história evolutiva.
Subjacente a cada teoria psicológica há uma noção de pessoa e uma concepção de psiquismo
humano. Para melhor situar o tema debatido nesta questão, convém recorrer a Maslow (1962),
que agrupa as psicologias em quatro categorias, por ele denominadas “forças”.

A Primeira Força é considerada "clássica" por descender em linha direta das antigas concepções
de ciência ligadas à Astronomia, Mecânica, Física, Química e Geologia e "acadêmica" por haver
florescido nos departamentos de Psicologia das universidades. Ela acha-se enraizada no
mecanicismo e inclui as psicologias behaviorista (teorias S-R, de Skinner, 1953), associacionista e
experimental.
A Segunda Força reúne as psicologias psicanalíticas, oriundas de Freud e de seus seguidores.

Terceira Força reúne psicologias de cunho humanista e existencial, agregando junguianos,


adlerianos, rankianos, rogerianos, lewinianos, adeptos da psicologia organística de Kurt Goldstein,
adeptos da psicologia genética de Piaget, cognitivistas, evolucionistas, psicanalistas do ego e
psicólogos da personalidade - Allport, Murphy, Murray, Maslow. A Psicologia Humanista, que inclui
a autorrealização entre as metas básicas de desenvolvimento, tem o principal mérito de
reconhecer que a compreensão do fenômeno psicológico demanda conhecimento de fatores
psíquicos e de fatores sociais, culturais, ecológicos, econômicos e políticos.

Quarta Força reúne psicologias que consideram, além dos fatores já enunciados, outra
dimensão: a transindividual – ouseja, que incluem aspectos que transcendem o eu pessoal. Na
condição de expansoras do movimento humanista, estas psicologias conservam a ótica da terceira
força – inclusão de aspectos complementares ao intrapsíquico - e, de certo modo, ampliam o
espectro ao considerarem e valorizarem a dimensão espiritual do humano.

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MODULO 5 - A ENTREVISTA E A OBSERVAÇÃO NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

B-D-A

A prática da entrevista psicológica

As entrevistas iniciais têm como principal objetivo levantar dados para a formulação de hipóteses,
com base nas quais será realizada uma análise funcional do caso. A primeira atividade desse
processo é a apresentação da queixa. Posteriormente serão levantados dados sobre o histórico dos
problemas; os contextos de ocorrência do comportamento e suas consequências; o repertório
comportamental da criança; a capacidade de mediação e as expectativas das principais pessoas
que convivem com ela e as tentativas anteriores de busca de ajuda.

A entrevista aberta deve possibilitar, em certa medida, que o entrevistado configure o campo da
entrevista segundo sua estrutura psicológica particular.

No decorrer da pesquisa, o entrevistador deve, baseado nas observações realizadas, formular


hipóteses que, durante a entrevista, serão verificadas e modificadas e enriquecerão as observações
subsequentes.

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MODULO 7 - DIAGNÓSTICO, PROGNÓSTICO, DEVOLUTIVA E ENCAMINHAMENTO EM AVALIAÇÃO


PSICOLÓGICA

B-D-E

7.1. Procedimentos para investigação científica e avaliação de fenômenos psicológicos:


Queixa escolar

Avaliações psicológicas de queixas escolares realizadas por meio da aplicação de testes


cognitivos e de testes elaborados no âmbito da Neuropsicologia, ciência que estuda a relação
entre o cérebro e o comportamento humano, permitem compreender melhor certos aspectos do
processo de aprendizagem ao avaliar o desenvolvimento de funções corticais superiores, tais
como linguagem, atenção e memória, bem como da aprendizagem simbólica, dos conceitos, da
escrita e da leitura.

A neuropsicologia infantil, que objetiva identificar precocemente possíveis alterações no


desenvolvimento cognitivo e comportamental, serve-se de instrumentos de avaliação do nível de
organização e desenvolvimento do sistema nervoso da criança. Tais testes avaliam a variabilidade
dos parâmetros de desenvolvimento entre crianças da mesma idade e a estreita ligação entre, de
um lado, o desenvolvimento neurológico e, de outro, o desenvolvimento progressivo de funções
corticais superiores.

A interpretação de dados obtidos em testes psicológicos apoia-se numa análise que, por vezes,
utiliza a curva normal ou percentílica. O percentil é um ponto de distribuição ordenada (em
ordem crescente) dos dados de uma amostra, sendo os pontos distribuídos em 100 partes de igual
amplitude. Em cada ponto específico, ou abaixo dele, situa-se uma determinada porcentagem de
casos. Por exemplo, um resultado no percentil 95 significa que 95% dos resultados obtidos por
indivíduos se situam nesse ponto ou abaixo dele, enquanto um resultado no percentil 5 significa
que apenas 5% dos resultados se situam nesse ponto ou abaixo dele. Obtém-se o percentil ao
comparar os resultados obtidos por um indivíduo com os resultados médios obtidos por uma
amostra de referência. O percentil indica a posição relativa do sujeito em relação aos demais
membros de um mesmo grupo normativo.

7.2. Funções psíquicas e alterações psicopatológicas

Durante os exames do estado mental normalmente são avaliadas as seguintes funções psíquicas:
nível de consciência, orientação alopsíquica (relativa ao tempo e ao espaço) e autopsíquica
(relativa a si mesmo), atenção, memória, percepção sensorial (senso-percepção), pensamento
(velocidade e modo de fluir; estrutura e conteúdo; organização), linguagem, juízo de realidade,
vida afetiva, processo volitivo, psicomotricidade, inteligência e personalidade. Desse conjunto de
exames particularizamos, a seguir, os exames de atenção, senso-percepção, memória, linguagem e
pensamento.

O exame da atenção tem por objetivo verificar se há normoprosexia (funcionamento normal) ou


hipoproxia (diminuição global da atenção e da concentração); se o paciente é capaz de concentrar-
se, de manter a atenção sobre determinado objeto e de alterar o foco da atenção de um objeto
para outro. Alterações da atenção são comuns em distúrbios neurológicos e neuropsicológicos,
bem como em transtornos mentais, como demências e transtornos do humor.
Durante o exame de senso-percepção busca-se verificar, entre outras variáveis, a qualidade
perceptual, ou seja, se há percepção deformada de objetos reais (ilusão) ou percepção sem a
presença de objetos estimulantes (alucinação). Ilusões e alucinações visuais geralmente indicam
comprometimento orgânico, enquanto as auditivas indicam psicoses funcionais - esquizofrenia,
mania, depressão psicótica.

Durante o exame da memória são verificadas as funções da memória imediata, recente e remota,
bem como da memória de fixação e de evocação. Disfunções da memória incluem, além dos casos
de amnésia, casos de retenção de lembranças que insistem em permanecer na consciência por
mais que o paciente se esforce por livrar-se delas. Esse tipo de fixação e recorrência de
lembranças, muitas vezes indesejáveis, sugere tratar-se de paciente com transtorno obsessivo-
compulsivo.

Durante o exame do pensamento busca-se verificar a velocidade e fluência do pensamento e seu


conteúdo; sua organização e coerência. Para esse exame certamente recorre-se ao exame da
linguagem, buscando verificar se a fala do paciente é compreensível e se ele entende o que ouve.
Entre as alterações psiquiátricas da linguagem incluem-se a inibição da linguagem, o aumento do
fluxo verbal sem incoerência, o aumento do fluxo verbal com incoerência, o mutismo, as verbais e
os neologismos. Alterações da linguagem podem indicar a presença de quadro esquizofrênico, uma
vez que a formação e uso de conceitos, o raciocínio e a capacidade de julgar podem estar afetados
por uma desestruturação da personalidade.

7.3. Psicologia e o diagnóstico de quadros psicopatológicos

O primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) surgiu no âmbito da


Medicina somente em 1952, elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana. A essa primeira
edição seguiram-se outras: DSM-II (1968), DSM-III (1980), DSM-III-R (1987) e DSM-IV (1994),
atualmente em uso. O DSM apresenta a descrição de transtornos, relaciona sintomas e fornece
dados sobre a prevalência deum quadro psicopatológico na população e atribui códigos numéricos
aos diferentes quadros para possibilitar a comunicação entre os profissionais que fazem uso dele.

As considerações a respeito dos quadros psicopatológicos apresentados no DSM variam de uma


abordagem teórica para outra. O enunciado da questão considera apenas algumas das abordagens
que integram o conjunto de possibilidades do saber psicológico: as abordagens comportamental e
sistêmica, a Psicanálise e a perspectiva fenomenológico-existencial.

Para a Psicanálise os sintomas, ao revelarem dinamismos inconscientes, atuam como porta-vozes


do sistema psíquico e, por isso, não podem ser submetidos a classificações generalizantes, nem a
uma apreciação crítica com vistas a sua classificação. Assim, segundo essa abordagem, as
descrições e classificações do DSM não apresentam utilidade. Para a abordagem comportamental
as categorias nosológicas também não se mostram úteis, dado que objetiva identificar as variáveis
presentes nos comportamentos e as relações estabelecidas entre elas. A abordagem sistêmica,
por sua vez, dispensa totalmente o uso do DSM, pois, visando a identificar a relação complementar
entre o sintoma e o sistema no qual ele se manifesta, considera que as classificações nosológicas
prestam um desserviço, na medida em que contribuem para ocultar dinâmicas do sistema, ao
atribuir as causas do sintoma a um único indivíduo, desconsiderando o contexto em que ele está
inserido. Finalmente, a perspectiva fenomenológico-existencial também dispensa o uso do DSM
por considerar que a classificação de quadros psicopatológicos em nada contribui para elucidar
vivências subjetivas, que devem ser compreendidas e acolhidas,ao invés de serem rotuladas.

7.4. Atendimento clínico infantil: conduta ética e intervenção terapêutica

"Uma menina de 10 anos de idade, filha única, veio encaminhada pelo médico psiquiatra ao
Serviço-Escola de Psicologia, com solicitação de acompanhamento psicológico. Sua mãe relatou
que a filha tem medo excessivo em diversas situações, como dormir sozinha, ficar doente ou fazer
novas amizades. A mãe descreveu que a menina é muito quieta e tímida, queixa-se
constantemente de dor no peito, cefaleia, náusea, que tem pesadelos e chora constantemente. Ela
relatou que, depois que se separou do marido, há dois anos, ficou com a guarda da filha e ambas
foram morar na casa da avó materna. Desde essa época, percebeu que esses comportamentos se
acentuaram. A mãe foi chamada pela escola porque a menina está com dificuldade de realizar
atividades em grupo, fica apreensiva quando tem que apresentar um trabalho e não brinca com os
colegas durante o intervalo, ficando sozinha no pátio da escola. A orientadora da escola e a
professora relataram que o rendimento da menina nas tarefas escolares é muito bom e que não há
prejuízo na sua capacidade cognitiva." (ENADE, 2015).

Alguns procedimentos éticos e clínicos básicos são comuns a todas as abordagens teórica adotadas
para a realização de diagnóstico e indicação psicoterápica.

No caso contemplado no exemplo, a criança, em seu contexto familiar, manifesta medo excessivo
em diversas situações - dormir sozinha, ficar doente, fazer novas amizades. Muito quieta e tímida,
tem pesadelos, constantemente chora e queixa-se de dor no peito, cefaleia e náusea. No contexto
escolar, embora seu rendimento seja muito bom e não haja prejuízo em sua capacidade cognitiva,
apresenta dificuldade para realizar atividades em grupo, apreensão quando tem que apresentar
um trabalho e isolamento (durante o intervalo não brinca com os colegas).

O histórico dessa queixa, relatado pela mãe, inclui o episódio de separação parental ocorrido dois
anos antes, a guarda da filha exclusiva da mãe e o fato de ambas morarem na casa da avó materna
desde a separação conjugal. Acrescenta a esses dados o fato de ter ocorrido intensificação dos
sintomas após esses episódios familiares. A mãe, chamada pela escola, levou a criança para
atendimento psiquiátrico e o psiquiatra a encaminhou ao psicólogo.

O enunciado do exemplo fornece pouquíssimas informações: desconhecemos o contexto da


separação, o motivo pelo qual a mãe ficou com guarda exclusiva da criança, que tipo de relação há
entre a menina e cada um de seus familiares, como foi feito o encaminhamento da escola, porque
motivo a mãe optou por levar a menina ao psiquiatra antes de levá-la ao pediatra ou psicólogo,
qual terá sido a hipótese diagnóstica do psiquiatra, e assim por diante. As informações disponíveis
são insuficientes para o levantamento de muitas hipóteses. É preciso evitar um diagnóstico
precipitado e, principalmente, evitar um diagnóstico precipitado de transtorno mental. Este
somente pode ser realizado com muita cautela, após serem eliminadas todas as outras hipóteses.

Como em muitos casos clínicos, neste também é possível utilizar diversas abordagens.
Suponhamos que seja utilizada uma abordagem comportamental. Se a opção for essa, o
comportamento da menina deverá ser analisado em contexto histórico, familiar e escolar para
levantamento de hipóteses e definição da conduta terapêutica que contemple o repertório social
empobrecido, o reforçamento positivo na forma de atenção (mãe, avó, escola) para
comportamentos inadequados ou para relatos verbais de sintomas físicos e, eventualmente, a falta
de reforçamento para comportamentos adequados, inclusive e principalmente, sociais e de
autonomia.

A atuação clínica comportamental infantil inclui, além da própria criança, seus pais e outras
pessoas significativas do seu meio - familiares, professores e profissionais que já prestaram
atendimento a ela. Tal conduta se justifica por serem esses os principais agentes de seu
encaminhamento para o atendimento psicológico e é possível que haja inúmeros fatores
relacionados a esses agentes que possam estar contribuindo para a problemática vivida por ela.
Além disso, o trabalho a ser feito, na maioria das vezes, implicará em alterações ambientais a
serem introduzidas em casa, na escola e em outros ambientes de convivência, o que demanda
avaliação e definição do tipo de colaboração a ser esperada de cada um desses ambientes
(SILVARES; GONGORA, 2006).

As entrevistas iniciais têm como principal objetivo levantar dados para a formulação de hipóteses,
com base nas quais será realizada uma análise funcional do caso. A primeira atividade desse
processo é a apresentação da queixa. Posteriormente serão levantados dados sobre o histórico dos
problemas; os contextos de ocorrência do comportamento e suas consequências; o repertório
comportamental da criança; a capacidade de mediação e as expectativas das principais pessoas
que convivem com ela e as tentativas anteriores de busca de ajuda.

As análises funcionais, elaboradas como hipóteses, devem especificar principalmente os processos


comportamentais envolvidos e sua relação com os diferentes ambientes nos quais a criança
convive com outras pessoas. Comportamentos inadequados podem ser mantidos por
reforçamento positivo e/ou por reforçamento negativo. Há reforçamento positivo quando, por
exemplo, é dada à criança atenção ou algum outro reforçador e há reforçamento negativo quando
alguma demanda é retirada ou quando algum tipo de estimulação aversiva é evitada. Além disso,
pode ocorrer que comportamentos adequados não sejam reforçados com atenção por parte das
pessoas significativas e isso geralmente contribui para que esses comportamentos não perdurem.

Ao investigarem habilidades sociais educativas de mães separadas e a relação com o


comportamento infantil, Boas e Bolsoni-Silva (2010) verificaram que nem todas as crianças
apresentam problemas após a separação parental se as interações sociais entre pais e filhos são
satisfatórias. Igualmente importante é considerar aspectos relacionados ao contato e à relação da
criança com o pai. Leme e Marturano (2014) relacionaram habilidades sociais, problemas de
comportamento e competência acadêmica com práticas parentais e com a qualidade da relação da
criança com o pai biológico, independentemente da configuração familiar. Os resultados obtidos
confirmam os achados de Boas e Bolsoni-Silva.

Durand (2011) encontrou relação entre violência por parceiro íntimo contra a mulher e desajustes
comportamentais e problemas escolares dos filhos. Teixeira (2014) encontrou relação entre, de um
lado, fatores de proteção associados a problemas emocionais e comportamentais de escolares e,
de outro lado, desempenho acadêmico e habilidades sociais. Intervenções que têm por foco o
desempenho acadêmico e as habilidades sociais são recomendadas para redução de problemas
comportamentais e emocionais.

Tendo sido a cooperação entre os genitores após a separação avaliada como importante no
ajustamento dos filhos (GADONI-COSTA; FRIZZO; LOPES, 2015), a guarda da criança também foi
considerada uma variável a ser investigada.

A partir da formulação das análises funcionais, a intervenção é realizada por meio de


atendimento clínico que envolva a criança e seus pais ou principais cuidadores. Otero (1993)
recomenda que seja concedida especial atenção aos sentimentos experimentados pelos pais e pela
criança e à rotina de interação familiar durante o atendimento. A partir de sessões
semiestruturadas semanais, com atendimentos intercalados entre a criança e os pais, o psicólogo
deve descrever para os clientes as análises funcionais correlacionando os relatos e
comportamentos durante o atendimento com as queixas, problemas e situações reais vividas pela
criança. É também a partir dessas análises que ele orientará os pais, familiares e professores sobre
o modo como devem se comportar em relação à criança e que alterações ambientais devem ser
feitas em benefício dela.

O processo de mudança ocorre na medida em que a criança e os familiares começam a reconhecer


o que mantém os comportamentos-problema e o que deve ser feito para mudar a relação com a
criança. A expressão e identificação de sentimentos relacionados às queixas e dificuldades é um
mecanismo importante para a formulação de análises funcionais, bem como para a aprendizagem
de autocontrole. As técnicas utilizadas durante o atendimento podem incluir, além da entrevista
clínica, atividades lúdicas diversas com a criança sozinha ou em conjunto com os pais.

Nas situações em que se mostra necessária a associação de tratamento farmacoterápico e


psicoterapia, pode-se adotar recursos da terapia cognitivo-comportamental, dada a evidência
consistente de efetividade dessa associação em curto prazo (BARLOW et al, 2000; UHLENHUTH et
al, 1998, apud YANO; MEYER; TUNG, 2003). Por exemplo, se no caso dessa criança levantamos a
hipótese de um quadro de transtorno do pânico (TP), dado que alguns sintomas desse transtorno
foram relatados pela mãe da criança – medo excessivo em diversas situações (dormir sozinha, ficar
doente, fazer novas amizades); tendência ao isolamento; dor constante no peito; cefaleia; náusea;
pesadelos e choros constantes-, é preciso dar especial atenção a esses sintomas durante o
diagnóstico.

Isto por exigência teórico-técnica e por exigência ética: um diagnóstico de transtorno mental
precoce poderia colocar o foco do problema na menina, relativizando a possibilidade de o
problema surgir e ser mantido no contexto familiar. Por outro lado, do mesmo modo que é
antiético realizar um diagnóstico precipitado e equivocado, é igualmente antiético ignorar a
possibilidade de haver, de fato, um transtorno mais grave. Evidentemente, para evitar diagnósticos
precipitados e equivocados será preciso verificar se os sintomas relatados associam-se a outros
transtornos da ansiedade e da afetividade, se os episódios são frequentes e inesperados e se são
acompanhados da preocupação de sofrer novos episódios, entre outros sinais que sugerem tratar-
se de um quadro de TP.

Caso seja confirmada a hipótese de tratar-se de um TP, em conformidade com modelos propostos
por Barlow (1988) e Clark (1986, 1997), nos quais a resposta do indivíduo com TP é o medo na
presença de sensações corporais, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem apresentado
bons resultados, gerando efeitos mais rápidos na supressão dos sintomas, por meio de diferentes
recursos de intervenção – relaxamento, respiração, técnicas cognitivas e comportamentais. Tendo
por premissa básica a necessidade de promover o descondicionamento de sensações corporais e
do medo, além de corrigir a hipervigilância, essa abordagem também vale-se dos princípios da
aprendizagem para enfraquecer comportamentos inadaptados.

O tratamento do TP por meio da TCC, modalidade de terapia breve e focal, objetiva eliminar
sintomas que causam desconforto e bloquear a ocorrência de episódios de pânico. Pode ser
iniciado com a psicoeducação do cliente, visando a retificar mitos e representações distorcidas dos
sintomas. Tal correção possibilita a ressignificação de pensamentos, que passam a ser
compreendidos de forma mais funcional. Um recurso técnico que tem se mostrado bastante útil é
o de eliciar no ambiente protegido da clínica as sensações que causam sofrimento para que o
cliente possa adaptar-se a elas, até que deixem de ser assustadoras.

Além dos cuidados teórico-técnicos a serem adotados, como o da inclusão dos pais, de outros
educadores e de outros profissionais no processo psicoterápico, é preciso, também, adotar
cuidados éticos, como o já mencionado, de diagnosticar com cautela.

Adotado esse princípio básico, outros cuidados éticos mostram-se necessários no atendimento de
crianças e adolescentes, o Código de Ética Profissional do Psicólogo e o Estatuto da Criança e do
Adolescente reúnem norteadores da ação nesses casos, podendo-se salientar os cuidados a serem
adotados com as autorizações de pais e responsáveis; a privacidade – não permissão da entrada de
outrem no espaço de atendimento; o sigilo e a confidencialidade, que permitem à criança e ao
adolescente a livre expressão de suas questões e revelação de informações.

No caso de intervenção conjunta com outros profissionais, cabe ainda a adoção de outras
medidas éticas, entre as quais o preparo do prontuário com informações passíveis de serem
compartilhadas e a capacidade de atuar em equipe para formular um diagnóstico correto e
promover o tratamento adequado.

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