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CONTROVERSANDO

SOBRE O ÁLCOOL

Afinal, o cristão pode beber ou não?

Cremilson Rezende Meirelles

São Pedro da Aldeia


2014
DEDICATÓRIA

Dedico esta obra a todos os cristãos que, tal como o


protagonista desta estória, peregrinam em busca de respostas
bíblicas que fundamentem suas práticas e fortaleçam sua fé.
AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Jesus, que transformou minha vida, colocou


este propósito em meu coração e dirigiu-me ao longo de todo o
processo, capacitando-me diariamente para chegar até este
momento.
À Bianca, minha amada esposa, companheira, ajudadora,
a qual contribuiu significativamente, dando ideias e abrindo
mão, muitas vezes, de alguns momentos de atenção,
compreendendo que isto era necessário para a realização deste
sonho.
À Jurema, minha mãe, mulher de oração, serva do
Senhor, exemplo de vida, que continuamente tem intercedido
por meu casamento e ministério.
Ao Pastor Vanderson Miranda Rossatti pela revisão da
obra.
Ao querido amigo Estélio Batista por prefaciar meu
primeiro livro.
A todos os meus irmãos e amigos que, direta ou
indiretamente, contribuíram para a composição desta estória.
ÍNDICE

Prefácio .............................................................................. 04
Introdução ............................................................................ 06
1. Buscando Respostas ......................................................... 09
2. O Encontro .................................................................... 15
3. O Dia Seguinte .............................................................. 23
4. Mais do que Primeiros Socorros ..................................... 35
5. Controversando em Família ........................................... 45
6. Abrindo um Parêntese .................................................... 52
7. Beber ou não Beber? ....................................................... 62
8. Da Teoria à Prática ........................................................ 77
9. Controversando ainda mais ............................................ 86
10. Um Novo Debatedor .................................................... 98
11. Aparando as Arestas .................................................... 111
12. Ainda não Acabaram as Discussões .............................. 127
13. Uma Noite Inesquecível ............................................... 138
14. Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas ................................. 146
15. Encerrando a Controvérsia ........................................... 163
Conclusão .......................................................................... 181
Bibliografia ........................................................................ 184
PREFÁCIO

Um nobre amigo, ministro do evangelho, foi interpelado


por um colega de trabalho da seguinte forma: “Pastor, ontem eu
me converti, gostaria que você me dissesse o que crente pode e
o que não pode fazer?”
O autor de “Controversando sobre o álcool”, embora não
tenha este objetivo, alveja de maneira apropriada, oportuna e
adequada algumas questões controversas no meio cristão.
O dilema do Cristiano, protagonista da ficção versada, é
o mesmo de muitos crentes sinceros. Por conseguinte, as
respostas desencontradas, polêmicas e paradoxais dadas aos seus
questionamentos são exatamente as mesmas.
“Controversando sobre o álcool”, além do suspense
comum às tramas que tratam do assunto em pauta, é também
empolgante, envolvente e intrigante, pois cuida do tema em tela
pelo viés da teologia, da ética e da problemática social.
Em sua teologia e doutrina, a obra apresenta os
argumentos paradoxais de liberais e legalistas: o primeiro
desliza diante de um problema que dista em muito dos portões
eclesiais, enquanto o segundo, de igual modo, relativiza o
sacrifício de Cristo em natureza e valor, legando seu poder
salvífico e libertador ao mérito humano. O que a bíblia ensina
em relação ao envolvimento do cristão com o álcool? Quais são
as implicações teológicas impostas pelos vícios, de qualquer
natureza? Encontraremos boas respostas em Controversando
com o álcool.
Além dos imbróglios teológicos, naturalmente listados
em temas controversos, o autor nos apresenta o problema ético
inerente ao consumo de álcool pelo cristão. Neste viés, nós
somos instados a outras interrogações tensas e perturbadoras: o
álcool é uma droga? Quais são os seus efeitos na mente

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humana? Se o álcool pode causar dependência, o que podemos
dizer sobre o uso continuo e indiscriminado de substâncias
como o café, por exemplo? A estes questionamentos, o Dr.
Bruno, um dos personagens desta ficção, apresenta argumentos
científicos que lançam luz sobre as densas trevas de nossas
dúvidas. Mas, o problema ético não se limita apenas à bandeira
sanitária do fato. Logo, surge outra mazela: o que o não crente
espera do cristão? O crente deve ser antissocial, contra
relacional e distante dos seus semelhantes? Ou ainda, o servo de
Deus deve descuidar-se das questões ligadas à santidade, a fim
de agradar os amigos incrédulos?
O livro tem a preocupação não apenas com as lides
teológicas e éticas em tela, mas também, com o compromisso
social da comunidade cristã diante de um o fato de magnitude
imensurável: o álcool tem destruído vidas, destroçado famílias e
desolado grande parte da nossa juventude.
Portanto, “Controversando com o Álcool” nos conduz ao
entendimento destas sentenças interrogativas por um caminho
aplainado, iluminado e amplo. Numa linguagem simples, porém
rica, o autor norteia-nos em doutrinas simples, como a graça e a
suficiência da cruz de Jesus Cristo à nossa salvação. Fala-nos de
perdão, reconciliação e família restaurada. E, ao mesmo tempo,
remonta o nosso compromisso ético e social em um mundo cada
vez mais secularizado e de aversão indescritível aos valores
cristãos.

Estélio Batista da Silva

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INTRODUÇÃO

A vida cristã é recheada de experiências marcantes.


Dentre todas, acredito que a de maior monta é a conversão. O
impacto que ela causa é evidente. É a partir dela que o indivíduo
experimenta a transformação da qual o Evangelho fala; é o
marco inicial da comunhão com Deus. Afinal, somente após
converter-se é que o ser humano passa a ser habitação do
Espírito Santo e membro do Corpo de Cristo.
Contudo, junto com a conversão surgem diversas
indagações acerca do comportamento cristão. Até porque, a
nova vida abre a porta para um universo completamente novo.
Aquilo que antes era encarado com normalidade, agora se torna
alvo de reflexão. Porquanto, o recém-convertido, embora tenha
se rendido aos pés de Jesus e deseje profundamente agradá-lo,
nada conhece a respeito da fé que abraçou. Isso faz com que os
questionamentos abundem em sua mente.
Assim, ainda que conheça alguma coisa a respeito da
religiosidade cristã por causa da cultura de nosso país, isto é
insuficiente para fornecer respostas adequadas aos seus
conflitos. Por isso, a fim de dirimir suas duvidas, o neoconverso,
seguindo a orientação de sua liderança, passa a ler a Bíblia todos
os dias, além de comparecer à Escola Dominical e aos cultos de
sua igreja. No entanto, à medida que os primeiros passos vão
sendo dados, as indagações aumentam, visto que, diariamente, o
novo crente é submetido às pressões impostas pelos incrédulos,
que confrontam sua fé, tentando por em xeque suas convicções,
e às diversas tentações proporcionadas pelo mundo, pela carne e
pelo diabo, as quais geram mais conflitos.
Diante disso tudo, a sede por esclarecimento aumenta.
Daí para frente, o indivíduo começa a procurar respostas em
todo canto: na internet, entre os amigos, no meio da família, etc.

6
Onde houver um crente com mais tempo de Cristianismo, este
será alvo da investigação do novo convertido, que perguntará,
basicamente, o que fazer e o que não fazer, e como agir diante
dessa ou daquela situação. O grande problema é que, nem
sempre essa peregrinação é bem sucedida. Às vezes, ela só
contribui para o surgimento de novas dúvidas. Isto porque, nem
todos que possuem bastante “tempo de igreja” são dotados de
maturidade. Na verdade, há muita gente imatura.
A situação tende a piorar dependendo do
questionamento. Porque, quando se trata de temas polêmicos,
dificilmente a pessoa encontrará uma resposta consensual. Pois,
ainda que, a maioria dos cristãos concorde em pontos de
natureza teológica, tais como a Trindade, céu, inferno, e a
encarnação de Cristo, quando o foco muda para o
comportamento do crente, há muita divergência. Dessa forma,
se alguém decidir buscar uma resposta padrão para dúvidas
relacionadas a temas como sexo, linguajar, vestimentas, dízimo
e ao consumo de álcool, encontrará os posicionamentos mais
variados. O mais interessante, entretanto, é que cada um
apresentará sua posição de maneira apaixonada e com extrema
convicção.
Então, o que fazer? Foi justamente pensando nessa
pergunta que decidi escrever este livro. Isso não significa, no
entanto, que vou apresentar um padrão universal de respostas
para a pergunta central da estória. De maneira nenhuma! Não
tenho a pretensão de colocar-me como o dono da verdade. Sou
apenas mais um que a busco. Meu desejo é leva-lo a refletir
sobre diversos aspectos da nossa religiosidade, a questionar suas
convicções e olhar por diversos ângulos esse tema tão rico e
controverso.
Conquanto, o livro não seja uma autobiografia, confesso
que as desventuras do protagonista se assemelham às minhas

7
quando, no princípio da fé, peregrinava em busca de respostas.
Naquela ocasião, cada indivíduo que abordei contribuiu para a
formação de minhas convicções. Por isso, considero de suma
importância dar oportunidade de expressão a ambos os lados da
controvérsia. Todos devem ter espaço para apresentar e defender
suas interpretações, tanto os que concordam com o consumo
moderado do álcool, quanto quem discorda.
O consumo do álcool por parte dos cristãos é uma
questão que ainda divide opiniões. Ao longo do tempo duas
linhas arregimentaram um grande número de defensores, a
saber, a que aprova e a que desaprova. Todavia, mesmo após
anos de debate, ainda não há um consenso sobre o assunto.
Sinceramente, acredito que nunca haverá. Por isso, não tenho a
intenção de convencer ninguém. Quero apenas contar uma
estória que retrata experiências vivenciadas por todos.
É claro, porém, que o conteúdo da narrativa poderá
influenciá-lo tanto para um lado quanto para o outro. Mas saiba
que o objetivo desta obra, em hipótese alguma, é defender o
legalismo exacerbado de alguns nem tampouco sustentar um
posicionamento liberalista. Escolher qual a interpretação mais
coerente é tarefa sua. A única posição que o convido a assumir é
a de leitor. Mergulhe nessa estória, dialogue com os
personagens, reflita com eles! Para que, ao fim, não só o seu
intelecto seja robustecido, mas sua vida seja edificada. Boa
leitura. Deus o abençoe!

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1
BUSCANDO RESPOSTAS

N ossa história começa em um bairro na periferia do rio de


janeiro, no final da década de 1970. Naquela ocasião, no
seio de uma família pobre, em uma noite chuvosa,
nascia um menino a quem os pais, Jurandir e Odete, deram o
nome de Cristiano. Não houve nenhuma motivação especial
para a escolha do nome, escolheram, simplesmente, porque
acharam bonito. Afinal, seu desejo era que o filho sempre
recebesse o melhor, a começar do nome.
Não obstante, o melhor nem sempre foi possível. Isto
porque, o pai do menino, era alcoólico. Assim, ainda que
Cristiano tivesse o privilégio de ter um lar e uma família, sofreu
bastante ao longo de sua infância e adolescência. Por vezes, foi
obrigado a contemplar seu progenitor caído na calçada em frente
à sua casa, entre outros inconvenientes resultantes da
embriaguez, tais como a falta de dinheiro (afinal, tudo era gasto
com o álcool), a vergonha diante dos amigos, além das
agressões verbais, físicas e psicológicas.
Tudo isso o levou a perder a esperança na recuperação de
seu pai. Houve um momento, inclusive, que o menino, já
crescido, chegou, até mesmo, a assumir certo ceticismo em
relação à existência de Deus. Porquanto, não conseguia
compreender como Deus, sendo bom, poderia deixá-lo sofrer.
Sua mãe, por outro lado, era extremamente religiosa,
professando continuamente sua fé nas entidades dos cultos afro-
brasileiros, acreditando que, por meio de sua crença, seu marido
poderia ser modificado. Por isso, obrigava seu filho a

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Controversando sobre o álcool

acompanha-la nas reuniões de seu credo, o que ele fazia com


desagrado.
Após alguns anos, Cristiano já adulto, com vinte e quatro
anos, conheceu uma jovem, chamada Beatriz, por quem se
apaixonou. Esta, ao contrário dele, acreditava firmemente em
Deus, e, com certa frequência ia a uma igreja evangélica, à qual
o jovem cético apenas a levava e buscava, nunca permanecendo
para o culto. Beatriz, entretanto, sempre aproveitava as
oportunidades para falar-lhe acerca do Deus ao qual servia.
Conquanto, aparentemente, Cristiano permanecesse duro diante
do discurso convicto de Beatriz, as palavras penetravam em seu
coração, parecendo praticamente irresistíveis.
Certo dia, Cristiano, já quebrantado pelo Evangelho,
decidiu acompanhar sua namorada à igreja e permanecer no
culto. Foi então que, mediante a pregação proferida pelo pastor
da igreja, o Espírito Santo falou profundamente ao seu coração.
Não podendo mais resistir, chorando copiosamente, Cristiano
atendeu ao apelo feito pelo pregador, indo à frente e recebendo
Jesus como seu Salvador. Enfim, o jovem que outrora negara ao
Senhor, se reconciliava com Deus.
Sua conversão foi tão nítida, tão evidente, que, mais à
frente, sua mãe, vendo a mudança operada em seu filho, não
resistiu e também entregou sua vida a Jesus. Daí por diante,
Cristiano passou a orar e ler a Bíblia todos os dias, querendo
conhecer mais do Senhor. Entretanto, à medida que ele
avançava em sua busca, mais questionamentos surgiam, pois o
contato com as várias denominações e pensamentos evangélicos
o deixara cheio de dúvidas. A maior delas, porém, dizia respeito
ao consumo de bebidas alcoólicas. Ele indagava: - pode um
cristão ingerir álcool? Ora, a Bíblia diz que Jesus bebeu vinho.
Além disso, nós bebemos vinho na Ceia do Senhor. Será que é
lícito beber?

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Buscando Respostas

Essa questão o perseguia continuamente. Até porque, as


más lembranças relativas ao consumo do álcool ainda estavam
vivas em sua mente. Como poderia um cristão compactuar com
algo que lhe trouxera tanto sofrimento, indagava Cristiano.
Todavia, por vergonha, não procurara seu pastor para esclarecer-
lhe. No entanto, em seu trabalho havia um homem que lhe
chamava à atenção por sua postura extremamente espiritual.
Então, um dia, olhando para ele, Cristiano pensou:
- Acho que vou perguntar ao João Batista, ele parece ser
um crente de verdade! E aí João, tudo bem? - Perguntou
Cristiano.
João, no entanto, respondendo de maneira ríspida disse:
- Tudo bem nada meu irmão, a Paz do Senhor! Eu sou
crente!
Cristiano hesitou por um tempo e, meio sem graça,
respondeu:
- Desculpa... a Paz do Senhor!
- Ah bom - disse João -Você precisa de alguma ajuda? -
Questionou o “crente espiritual”.
- Na verdade, eu queria tirar uma dúvida - declarou o
jovem, que já pensava em não perguntar.
- Qual é a sua dúvida?
- Bom, eu queria saber se é lícito a um crente consumir
bebidas alcoólicas.
- É claro que não! Você tá maluco?!? O álcool é a bebida
do inferno! Quando Jesus morreu, os demônios encheram a cara
de cachaça lá no inferno. Se você beber é pra lá que você vai!
- Tá bom João, mas o que você me diz dos relatos
bíblicos de que Jesus bebia vinho?
Cheio de ira, João afirma com veemência:
- Jesus é Deus meu irmão, Ele pode tudo! Você quer
saber mais do que eu? Eu fiz um curso básico de teologia! Eu

11
Controversando sobre o álcool

sei do que tô falando! Agora, se você beber meu irmão, o


inferno te espera, tu vai arder lá!
Cristiano, ao perceber que não dava para encontrar uma
resposta razoável conversando com o irmão João Batista,
decidiu encerrar o assunto por ali mesmo. Assim, agradeceu
pelas palavras e continuou a trabalhar. Contudo, a dúvida ainda
pairava sobre a sua mente. As colocações limitadas de João não
lhe satisfaziam. Ele queria um argumento coerente com o texto
bíblico, uma fé fundamentada, ansiava por algo mais.
Ao chegar a casa, contou a sua mãe o que havia
acontecido no trabalho. Ela ficou espantada com as repostas de
João, pois, como também era nova convertida, achava que esse
tipo de comportamento não existia entre os crentes. Foi aí que
sugeriu a seu filho que vencesse a vergonha e procurasse o
pastor de sua igreja. A princípio ele ficou receoso, mas decidiu
seguir o conselho da mãe.
Então, no dia seguinte, telefonou ao pastor solicitando o
agendamento de um horário, pois, como disse, precisava tratar
de um assunto sério. Preocupado, o pastor agendou para o
mesmo dia, às dezoito horas. Cristiano ficou extremamente
feliz. Até porque, era a oportunidade de dirimir todas as suas
dúvidas.
Aquele, sem dúvida, foi o dia mais longo de sua vida.
Não via a hora de encerrar o expediente para encontrar com o
pastor. Por isso, assim que a sirene soou, saiu apressado para o
esclarecedor encontro. Antes, entretanto, decidiu dar uma
passada na casa da Beatriz, porque os dois já não se viam há
quatro dias. Chegando lá, contou-lhe da conversa com o irmão
João Batista e da reunião marcada com o pastor. Foi então que
chegou Edmilson, o primo de Beatriz. Como não os visitava há
algum tempo, foi recebido calorosamente. A fim de situar seu
namorado, Beatriz prontamente apresentou-lhe seu primo.

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Buscando Respostas

- Cristiano, esse é meu primo Edmilson. É homem de


Deus, graduado em teologia e mestre em Ciências das Religiões.
- É um grande prazer conhecê-lo – disse Cristiano.
- O prazer é todo meu! – respondeu Edmilson.
Beatriz logo interrompeu a apresentação e contou a
Edmilson o dilema de Cristiano. A resposta do visitante
inesperado, porém, surpreendeu o jovem neófito.
- Olha Cristiano, não se preocupe com isso. Esse papo de
que crente não pode beber é coisa de gente que tem o cérebro do
tamanho de um grão de mostarda. Basta pensar um pouco.
Beber ou não beber é uma questão exclusivamente cultural.
Jesus, por exemplo, bebia vinho porque essa era a cultura
judaica. Em nossa cultura, por exemplo, se um crente beber
causa escândalo, mas, em alguns países, é perfeitamente normal
os cristãos consumirem álcool. Quanto ao respaldo bíblico que,
com certeza, você deve estar buscando, te digo que a Escritura
está repleta de textos que favorecem o consumo do álcool. No
salmo 104.14,15, por exemplo, onde Deus é glorificado suas
obras, o vinho é apresentado como bênção do Senhor, como
algo que traz alegria ao coração. “Faz crescer a erva para os
animais, e a verdura para o serviço do homem, para que tire da
terra o alimento e o vinho que alegra o coração do homem, e o
azeite que faz reluzir seu rosto, e o pão que fortalece o seu
coração”. Pode relaxar meu irmão! O problema é apenas a
embriaguez, mas esta é condenada desde o primeiro livro da
Bíblia.
- Pôxa, nunca tinha ouvido alguém falar assim com tanta
propriedade! - respondeu Cristiano, admirado com as afirmações
de Edmilson.
- Espero ter ajudado - disse Edmilson.
Conquanto, o argumento apresentado tenha sido bastante
convincente, as palavras de Edmilson aumentaram mais ainda os

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Controversando sobre o álcool

questionamentos de Cristiano. Porquanto, ele não conseguia


aceitar essa realidade. Era difícil entender como o limite entre a
sobriedade e a embriaguez poderia ser conhecido por alguém
sem que a pessoa chegasse a esse limite. Isto o fazia comparar o
consumo do álcool com a missão de transportar um caminhão
carregado de explosivos. Como ter certeza de que, ao passar
sobre um buraco, não explodirá?
- Que foi amor? Você está tão pensativo - declarou
Beatriz.
- Não é nada, só estava pensando no que seu primo falou.
- Colocou minhoca na cabeça do meu namorado, né
Edmilson? - brincou Beatriz.
- Que nada! Isso é bom pra ele. Aliás, pensar é sempre
bom - replicou Edmilson.
No meio da conversa, Cristiano olhou para seu relógio e
descobriu que estava atrasado para o encontro com seu pastor.
Então, rapidamente, deu um beijo na Beatriz, despediu-se de
Edmilson, e seguiu em frente, rumo à igreja, mais confuso do
que antes, esperando encontrar algum conforto na orientação
pastoral.

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O ENCONTRO

D epois de correr muito, Cristiano conseguiu chegar à


igreja às dezoito e trinta. Embora ao longo do trajeto
tenha pensado que, por causa do horário, faria uma
viagem perdida, foi surpreendido pela perseverança de seu
pastor. Ele ainda o estava aguardando encostado em seu carro.
- Olá Cristiano, tudo bem? - Perguntou o pastor.
- Melhor agora pastor Ricardo.
- Posso dizer o mesmo - respondeu o pastor.
- Pastor, quero me desculpar pelo atraso. Sei que o
senhor é um homem muito ocupado.
- Pode ficar tranquilo Cristiano, para mim é muito
importante passar algum tempo com minhas ovelhas. Você não
está me incomodando. Mas, me acompanhe até o gabinete para
conversarmos mais à vontade.
Ao chegar ao gabinete pastoral, o pastor convidou-o a
orar com ele, para que juntos pedissem a direção de Deus. Após
a oração, o pastor Ricardo indagou Cristiano acerca do teor da
conversa. O jovem, um pouco receoso, começou, aos poucos, a
compartilhar suas dúvidas, pois ele temia que seus
questionamentos fossem mal interpretados. Em seguida, o pastor
indagou: - Pra você, parece certo ou errado?
- Errado, é claro! Respondeu Cristiano.
- Bom, vejo que você já tem um posicionamento. O que
você está buscando é a fundamentação para defendê-lo. Estou
certo?
- É... eu não tinha pensado dessa forma. Acho que é por
aí.

15
Controversando sobre o álcool

- É claro que é por aí. Conforme você me contou, sua


família foi mais uma das vítimas do álcool. Se você fosse a
favor seria louco! Seria o mesmo que dizer que nada aconteceu.
- É... faz sentido.
- Entretanto, antes de tratarmos disso, é necessário que
você perdoe seu pai. Se não você confundirá o álcool com ele. E
esse é o entendimento errado.
- Tudo bem, disse Cristiano.
- Então vamos orar?
Cristiano orou com seu pastor por cerca de vinte
minutos. Lágrimas foram derramadas, o coração foi aberto, e, ao
fim, os dois se abraçaram. Sem dúvida, o pastor acertou em
cheio, Cristiano precisava remover a mágoa que ainda residia
em seu coração. Por isso, o jovem ficou extremamente
agradecido, porque, até aquele momento, ele não havia
compreendido isso.
- Obrigado pastor Ricardo, o senhor me ajudou muito! -
Disse o jovem regozijante - Sem a sua ajuda acho que não
conseguiria chegar a essa conclusão.
- Meu irmão, é pra isso que estamos aqui: para ajudar.
Não foi nenhum sacrifício pra mim, foi um prazer.
Em meio aquele clima fraterno, Cristiano olha
rapidamente para o seu relógio de pulso e percebe que uma hora
já havia se passado.
- Bom, acho que é melhor eu ir andando. Já tomei
bastante do seu tempo.
- Espera aí meu jovem. Você acha que é assim? Chega
aqui com uma dúvida e sai sem nenhum tipo de esclarecimento?
Senta aí, vamos conversar. Você está com tempo?
- Claro pastor! Pode falar.
- Bom, quanto ao consumo de álcool por parte dos
crentes, há duas linhas de raciocínio no meio evangélico. Uns

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O Encontro

defendem a abstinência e outros o uso moderado. As duas


interpretações são baseadas em textos bíblicos, e ambas se
apresentam como corretas.
- Ora, como é isso possível pastor? A Bíblia não é uma
só? Como pode não haver um consenso? Como é possível duas
visões tão diferentes partirem do mesmo texto?
- É... esse é um dos primeiros dilemas da fé cristã: a
constatação da diversidade de interpretações. Confesso que, a
princípio, é inquietante pensar nisso. Contudo, ao observarmos o
contexto geral vamos perceber que essa diferença de
perspectivas não fere a essência do Cristianismo. Até porque, as
divergências não interferem nos princípios fundamentais, tais
como: salvação, Trindade, céu e inferno, encarnação de Cristo,
etc. O consumo de álcool, por exemplo, é algo que não é
determinante para a salvação, visto que esta é pela Graça, e não
pelas obras1. Acredito que isto está mais relacionado à
santificação.
- Então quer dizer que cada um tem sua própria verdade?
- Não. Não foi isso que quis dizer. Essa ideia de que cada
um tem sua própria definição de certo e errado, que tudo é
relativo, é absurda e extremamente angustiante. Pois, se não há
absolutos, não há fundamentos, cada um se encarrega de
construir seu próprio pensamento, sem direção, sem norte. Essa
ótica, infelizmente, tem fragilizado a sociedade contemporânea.
Nada é sólido, durável, permanente, tudo está em constante
mudança. Cada um faz a sua própria religião, cria seu próprio
Deus, sua igreja particular.
Antes que o pastor pudesse dar sequência ao seu
pensamento, Cristiano, boquiaberto, o interrompeu,
perguntando:
1
Ef 2.8,9

17
Controversando sobre o álcool

- Qual a sua formação?


- Por que a pergunta? - Respondeu intrigado.
- Porque o senhor fala com tanta profundidade!
- Meu irmão, a profundidade e a sabedoria com que as
pessoas discorrem não devem ser vinculadas à sua formação
acadêmica. Há pessoas que possuem apenas o ensino médio,
mas, em função de sua leitura, conseguem discernir tão bem
quanto muitos pós-graduados. Entretanto, se isso faz diferença
pra você, eu sou graduado em teologia e filosofia. Então, vamos
voltar ao nosso assunto?
- Claro! Pode continuar.
- Como eu falava, acredito que há apenas uma verdade,
mas várias formas de compreendê-la. Há trechos em que a
Bíblia deixa isso muito claro. Em João 14.6, por exemplo, Jesus
declara: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. ninguém vem
ao Pai senão por mim”. Não há dúvida de que não existe
salvação sem Jesus. No entanto, há outros textos, como Gênesis
6.1,2, onde a mensagem não é clara. Quem eram os filhos de
Deus? Não sei, eu não estava lá! É daí que brotam as diversas
linhas interpretativas. Nesses casos, devemos optar pelo
entendimento que julgarmos mais coerente, desde que o mesmo
não fira as verdades fundamentais da Escritura.
- A questão do consumo do álcool é um desses casos?
- Sim e não.
- Pastor, agora o senhor me confundiu. Como assim, sim
e não?
- Calma, eu vou explicar. A questão do consumo do
álcool é um pouco mais complexa porque não envolve apenas o
âmbito teórico, como acontece com Gênesis 6.1,2, mas toca na
prática e na ética cristã. Apesar disso, como a Bíblia não
apresenta nenhuma declaração explícita nem a favor e nem
contra, temos de ficar com as interpretações. Contudo,

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O Encontro

dependendo da linha que abraçarmos, teremos de arcar com


consequências ruins.
- Tudo bem pastor, mas qual a sua visão?
- Eu acredito que beber não é adequado ao cristão, seja
ele brasileiro, americano, judeu, ou de qualquer outra
nacionalidade.
- Mas Jesus não bebia?
- Sim. Mas qual era o tipo de bebida ingerida por Ele?
Será que o seu vinho era o mesmo servido hoje nas adegas?
- Sinceramente, não sei.
- Na época de Jesus, pelo menos entre os judeus, bebidas
destiladas ou fortes, tais como o uísque o rum e a aguardente,
não eram conhecidas. O vinho alcoólico era obtido a partir da
fermentação. Logo, as bebidas da época possuíam menor
concentração de álcool.
- Pastor Ricardo, eu não quero parecer meio burro, mas
como nunca me interessei por bebidas, não faço ideia da
diferença entre bebida destilada e fermentada.
- Pode deixar, eu explico. A fermentação é um processo
biológico causado por microorganismos, que se alimentam de
açúcar e expelem álcool. A destilação, por outro lado, é um
processo físico, por meio do qual o álcool é separado da água,
para que se possa aumentar o teor alcoólico da bebida.
- Deixa eu ver se entendi: na época de Jesus, as bebidas
eram apenas fermentadas e, por isso, possuíam menor
quantidade de álcool, certo?
- É isso aí.
- Mas elas não deixavam de ser embriagantes. E aí
pastor?
- É aí que entra o contexto histórico! Pois, segundo
uma literatura antiga, chamada Talmude, cujo conteúdo reflete
as tradições e costumes judaicos observados entre 200 a.C. e

19
Controversando sobre o álcool

200 d.C., na antiguidade os judeus costumavam beber vinho


misturado com água. Há um trecho, inclusive, onde afirma-se
que o vinho que não é misturado com três partes de água não é
vinho2. De acordo com essa tradição, não era de bom alvitre
servir vinho alcoólico não diluído, pois contaminava quem o
consumia, impedindo-o de receber a bênção dos rabinos. Quer
ver alguns exemplos disso na Bíblia?
- É claro!
- Então abre aí em Provérbios 23.31. O que diz o texto?
- Deixa eu ver... “não olhes para o vinho, quando se
mostra vermelho, quando resplandece no copo e se escoa
suavemente”. Mas o que isso significa?
- Ora, “o vinho, quando se mostra vermelho”, é a
bebida fermentada não misturada com água. Pois, quando
inserimos água em sua composição, seu vermelho fica
esmaecido, ou seja, mais fraco. Entendeu?
- Sim.
- Então agora abre aí em Apocalipse 14.10.
- É pra já.
- Encontrou?
- Sim.
- Então leia por favor.
- Bom, vejamos... “também o tal beberá do vinho da ira
de Deus, que se deitou, não misturado, no cálice da sua ira, e
será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e
diante do Cordeiro”.
- Tá vendo Cristiano? O texto fala de um vinho não
misturado, o que evidencia a prática de diluir a bebida
fermentada. Se não fosse assim, para quê ressaltar esse detalhe?
Além do mais, o fato de João empregar essa linguagem mostra
2
Babylonian Talmud: Tractate Shabbath. 77a.

20
O Encontro

que seus leitores a conheciam. Isto é, eles compreendiam que o


vinho, normalmente, era misturado com água. Por isso, o
apóstolo viu a necessidade de destacar que aquela bebida não
havia passado por esse processo.
- É, faz sentido.
Repentinamente, em meio à esclarecedora conversa, o
telefone celular de Cristiano começou a tocar. Ao olhar
rapidamente viu que o número era de sua mãe. Assim, pediu
licença ao pastor e atendeu a ligação.
- Alô! Pode falar mãe.
- Ô meu filho, esqueceu da vida é? Já são dez horas da
noite! Você ainda está na igreja?!?
- Ih mãe, a conversa estava tão boa que nem percebi o
tempo passar. Vou só me despedir do pastor e já estou indo.
- Tá bom, te aguardo em casa. Tchau!
Após o inesperado telefonema, Cristiano, com grande
pesar, informou ao pastor Ricardo que precisava retirar-se. Este,
naturalmente, não se opôs. Apenas ressaltou que precisariam de
outro encontro para concluir o assunto, com o que Cristiano
concordou sem hesitar.
Por conseguinte, depois de uma breve oração de
gratidão ao Senhor pela oportunidade de tratar de questões
inerentes à vida cristã, os dois se despediram e Cristiano partiu
pensativo, rumo ao seu lar, comparando os pensamentos que até
agora tinha ouvido. Ao chegar a casa, contudo, foi surpreendido
por sua mãe, que, em prantos, o abraçou, sem nem ao menos
conseguir proferir uma palavra. Sem entender o que acontecia,
Cristiano conduziu lentamente a cabeça de sua genitora,
recostando-a sobre seu peito, e orou ao Senhor.
Decorridos alguns minutos, o jovem finalizou a oração
e perguntou a sua mãe o que acontecera. Foi então que ela deu a
trágica notícia: Jurandir havia abandonado o lar e a família.

21
Controversando sobre o álcool

Porquanto, segundo ele, desde que Odete se convertera, não se


sentia mais à vontade para se embriagar em casa. Naquele
momento, Cristiano sentiu-se extremamente culpado, pois,
enquanto ele estava preocupado com uma questão ética, seus
pais punham fim a um casamento de 27 anos. Sua mãe,
entretanto, consolou-o dizendo:
- Meu filho, mesmo que você estivesse aqui, nada o
teria impedido. Seu pai estava decidido. Não havia nada que
você pudesse fazer.
- Havia sim, mãe. Eu podia estar aqui pra te consolar!
- Você está filho! Você chegou na hora certa!
Mais uma vez, mãe e filho se abraçaram, choraram, e
elevaram seus pensamentos ao trono da graça de Deus,
intercedendo por Jurandir, que partira sem deixar endereço,
número de telefone ou qualquer outro meio para contatá-lo.
Novamente, o álcool atuara como vilão na vida de Cristiano.

22
3
O DIA SEGUINTE

D epois de enfrentar uma noite difícil, mesmo não tendo


conseguido dormir, ao amanhecer, Cristiano arrumou-se
e foi trabalhar. Contudo, ainda que sua atividade
exigisse atenção, visto que fazia manutenção de componentes
eletrônicos, não conseguia se concentrar. Sua mente fervilhava
com pensamentos relacionados à fé e à família. Então, de
repente, seus conflitos interiores foram interrompidos por João
Batista, seu companheiro de trabalho.
- E aí varão, tudo na santa paz do Senhor? - Disse o
intrépido João Batista.
- Pior que não, meu irmão. Meu pai saiu de casa ontem -
respondeu o jovem neófito, já meio cabisbaixo.
- Levanta essa cabeça meu irmão! Derrota não é coisa de
cristão!
- É... você tem razão, eu não posso deixar que a
inconsequência do meu pai atrapalhe meu trabalho e meus
relacionamentos.
Compadecido com a situação de Cristiano, João
convidou-o para orar. Os dois foram a uma sala mais reservada e
conversaram com Deus. Após a oração, se abraçaram e
retornaram ao trabalho. Horas depois, ao se encontrarem para
almoçar, percebendo que Cristiano já estava melhor, João lhe
perguntou sobre o questionamento que o jovem lhe fizera no
outro dia a respeito do álcool.
- Olha, meu pastor me deu um esclarecimento muito
bom acerca disso - declarou Cristiano com certo receio.
- O que ele falou? - Perguntou João, pronto para atacar.

23
Controversando sobre o álcool

- Bom, ele me disse que há duas maneiras de entender


essa questão. Uns defendem a abstinência e outros a moderação.
Segundo o pastor Ricardo, os dois pensamentos são baseados na
Bíblia.
Repentinamente, João Batista interrompeu o discurso de
Cristiano, demonstrando irritação e dizendo:
- Meu irmão, seu pastor é um herege! Onde já se viu
isso?!? Quem pensa que beber é certo vai pro inferno!
- Calma João, deixa eu terminar de explicar!
- Tá bom, pode falar.
- Como eu estava dizendo, meu pastor disse que discorda
daqueles que optam por beber com moderação. Pra justificar sua
posição ele me apresentou uma série de referências bíblicas e
históricas. Porém, ele ressaltou que beber ou não beber nada tem
a ver com a salvação.
- O quê?!?! Ah não, esse teu pastor é herege mesmo! Se
eu fosse você saía dessa igreja! Já vi que é uma igreja da porta
larga! - Asseverou João Batista com indignação.
- Pôxa João, assim você me ofende!
- Você quer que eu diga o quê? Você me conta que seu
pastor disse que dá pra ir pro céu com a cara cheia de cachaça, e
não quer que eu fale nada!
- Espera aí João, não foi isso que ele disse. Sua
afirmação foi de que a salvação é pela Graça, não por obras.
Logo, se as obras não salvam, elas não condenam.
- Ih, você já tá falando igual a ele! Cuidado, hein! No céu
não entra pinguço não!
- É João, já vi que não dá pra conversar contigo sobre
esse assunto. Vamos terminar de almoçar porque tem bastante
serviço pra gente hoje.
- Tá bom, tá bom... - disse João com descaso.

24
O Dia Seguinte

Ao fim do horário de almoço, eles retornaram ao


trabalho sem tocar novamente no assunto. Contudo, mesmo com
seu pouco tempo de Cristianismo, Cristiano percebera que as
divergências quanto à interpretação de alguns textos geravam
muito mais do que diferentes linhas de raciocínio. Produziam,
na verdade, certa animosidade entre pessoas que diziam servir
ao mesmo Deus.
Diante disso, ele se questionava acerca do amor pregado
por Jesus. Onde estaria? Com certeza, não estava nas palavras
de João Batista. Porquanto, ainda que o visse como um homem
sincero em sua busca por santidade percebia que lhe faltava
exercitar o grande mandamento do amor.
Terminado o expediente, Cristiano, envolto em
pensamentos conflitantes, partiu em direção à sua residência,
que não ficava muito longe dali. No meio do caminho,
encontrou com Edmilson, o primo de Beatriz, o qual, após
cumprimenta-lo, tocou no assunto que o levara a se indispor
com João Batista.
- E aí Cristiano, solucionou aquela questão?
- Bom, depois de conversar com meu pastor pude
entendê-la um pouco melhor.
- É mesmo? O que ele disse?
- Ele falou que, de fato, o consumo do álcool era uma
questão cultural. Porém, ele me explicou que a cultura da época
era somente ingerir vinho fermentado misturado com água,
cortando assim o efeito do álcool.
- E você deu crédito?
- Claro! Pareceu bastante lógico.
- Não acredito! É esse tipo de pensamento que aliena as
pessoas. Esses “pastores” querem formatar a sua fé de acordo
com as instituições às quais eles estão ligados, mas não têm
nenhum compromisso com o cristianismo de Jesus. Defendem,

25
Controversando sobre o álcool

ao contrário, sofismas religiosos a fim de sobrecarregar as


pessoas com fardos pesados. Criticam a infalibilidade papal3
defendida pelo catolicismo romano, no entanto não estão longe
dela.
- Opa, opa, espera aí! Você usou um monte de termos
que eu não conheço. Esqueceu que eu sou novo convertido? Me
explica aí: o que é sofisma?
- Resumidamente, um sofisma é uma conclusão errada a
partir de uma estrutura lógica baseada em afirmações
verdadeiras. Trata-se de uma manipulação da verdade. Um
argumento que parece correto, mas que induz ao erro.
- Dá pra você citar um exemplo?
- Claro. Preste atenção nessas afirmações: Deus é amor.
O amor é um sentimento. Logo, Deus é um sentimento.
Entendeu Cristiano?
- Bom, eu entendi o que é sofisma, mas deixa eu ver se
compreendi bem o que você disse. De acordo com sua visão,
tudo aquilo que nos foi apresentado por nossos líderes nas
igrejas não passa de mentiras com aparência de verdade. É isso?
- Mais ou menos. Na verdade, o que eu quis dizer é que
as instituições, conhecidas como “igrejas”, se afastaram muito
do ideal promulgado por Cristo, visto que criaram uma série de
ordenanças de natureza humana, aprisionando o homem ao
invés de libertá-lo, tornando pecado àquilo que a Bíblia nunca
proibiu. Com isso, ficaram mais parecidas com os fariseus do
que com os discípulos de Cristo, esbanjando hipocrisia e
rarefazendo o amor genuíno. Por isso, milhões de pessoas têm se
afastado dessas estruturas religiosas.
3
Doutrina católica, promulgada pelo Concílio Vaticano I (1870), que
defende que o Papa, no exercício de seu cargo, está sempre correto em suas
deliberações e definições acerca da fé e da moral (MATOS, 2005).

26
O Dia Seguinte

- Espera aí Edmilson, você não frequenta nenhuma


igreja?
- Claro que sim. Não só frequento como também faço
parte do corpo diaconal, sou professor da Escola Bíblica
Dominical e líder da juventude.
- Agora eu fiquei mais confuso ainda. Como você pode
criticar a igreja e fazer parte dela?
- Espera um pouco! Em momento algum eu disse que
sou contra a “igreja”. Afinal, ela é o corpo de Cristo. Sou contra
os erros da instituição, ou seja, dessa estrutura organizacional
cheia de regras, regimentos, estatutos, etc. Mesmo assim,
entendo que não há como caminhar sem ela. Por isso, estou lá.
- Olha só Edmilson, até entendo seu pensamento, mas,
ainda que seja novo na fé, não consigo olhar para as pessoas que
frequentam o templo e não enxergar a Igreja de Jesus. Creio que
se não fosse por Ele aquela gente não estaria ali. Quanto ao que
você falou a respeito dos pastores, também tenho que discordar,
pois toda vez que converso com meu pastor não vejo nenhuma
manipulação ou hipocrisia. Ao contrário, sinto um imenso amor
pelas pessoas. Inclusive, quando perguntei sobre o consumo do
álcool, ele não me deu uma resposta pronta, mas tentou me levar
à reflexão, advertindo que, por meu pai ser alcoólico e ter me
causado muitos problemas decorrentes dessa doença, havia um
grande risco de que eu estivesse confundindo meu pai com o
álcool. Ele destacou ainda que a Bíblia não se posicionava de
maneira explícita acerca desse assunto. Fui eu quem quis saber
qual a posição dele. Por isso, posso afirmar com convicção que
ele não tentou me “formatar”.
- Cristiano, Cristiano, você ainda está dando seus
primeiros passos. Com o passar do tempo verá que as coisas não
são tão românticas como você pensa. Agora você defende seu
pastor, mas amanhã, certamente, irá criticá-lo. Porque, uma hora

27
Controversando sobre o álcool

ou outra ele terá de escolher entre você e o sistema no qual está


inserido. Quando esse dia chegar, não tenha dúvida que ele
decidirá a favor do sistema. Aí você me dirá se eu estava certo
ou não.
- Pôxa Edmilson, acho que a sua visão é muito
pessimista. Ninguém na igreja presta pra você?
- Na igreja sim, na instituição só alguns.
- Tá bom... vamos mudar de assunto?
- Claro. Afinal, já temos um assunto: beber ou não beber,
eis a questão!
- É... mais ou menos isso.
- Então deixa eu te contar uma história. Ela começa há
cerca de 8.000 anos atrás, quando o homem já havia deixado a
vida nômade e começado a desenvolver a agricultura.
- Espera um pouco! O que é um nômade mesmo?
- Ora, nômades são pessoas ou povos que, por não terem
moradia fixa, vagueiam pelo mundo.
- Ah, entendi. Acho que eu já tinha ouvido falar sobre
isso.
- Que bom, mas posso continuar?
- É claro!
- Bom, como eu falava, ao fixar residência, o homem
primitivo passou a dedicar-se mais intensamente às técnicas
agrícolas, dando às plantas um lugar central em sua nova
cultura. Assim, com o passar do tempo, o processo de
fermentação foi descoberto e o homem percebeu que consumir
bebidas fermentadas produzia um estado alterado de
consciência. Assim começou a longa história do álcool.
- Nossa! Eu não imaginava que as bebidas alcoólicas
existiam há tanto tempo assim!
- É... os primeiros a produzir bebidas alcoólicas foram os
chineses, os quais aproveitaram a fermentação do arroz, mel,

28
O Dia Seguinte

uvas, etc. Além deles, sumérios, egípcios e babilônios, também


foram pioneiros na produção de álcool. A cerveja, por exemplo,
era conhecida desses povos desde pelo menos 4.000 a.C. É
óbvio, no entanto, que, por causa da fermentação, o teor
alcoólico dessas bebidas era bem mais baixo que das bebidas
atuais.
- É... isso daí o meu pastor me falou.
- Que bom. Contudo, tem algo que, com certeza, ele não
falou.
- O que, por exemplo?
- Sem dúvida, ele não te disse que, na Antiguidade, as
bebidas inebriantes eram usadas com frequência nos ritos
religiosos. Isto não era particularidade de um único povo, mas
ocorria nas mais diversas culturas. Havia, inclusive, divindades
relacionadas diretamente ao consumo do álcool. Um exemplo
claro disso, são os cultos que gregos e romanos prestavam a
Dionísio4, deus do vinho, também conhecido como Baco. Eram
celebrações regadas a bebedeiras e orgias.
- Tá vendo aí? Uma coisa dessas é certa? É claro que
não!
- Calma Cristiano, deixa eu concluir o raciocínio.
- Tá bom, vai lá.
- Como eu falava, no pensamento do homem primitivo,
até os deuses eram consumidores frequentes de bebidas que
alteravam a consciência humana5. Além disso, para se
comunicarem com o mundo sobrenatural, muitos ingeriam
substâncias que provocavam alucinações e alterações no humor,
tal como acontece hoje em dia em algumas práticas religiosas de
4
Dionísio para os gregos e Baco para os romanos.
5
Os mitos hindus dão destaque a uma bebida chamada Soma, a qual causava
alucinações e era consumida por homens e deuses.

29
Controversando sobre o álcool

origem indígena6. Isto porque, conforme o entendimento desses


povos, as plantas que serviam de base para a produção dessas
bebidas eram sagradas, pois, segundo os mitos, elas teriam
origem divina.
- Tudo bem Edmilson, mas o que isso tem a ver com o
fato do crente poder beber ou não?
- Seja paciente rapaz, eu vou chegar lá!
- Tá bom, tá bom!
- Bom, bebidas inebriantes eram sagradas para gregos,
romanos, indianos, egípcios, escandinavos, e, até mesmo, para
os judeus.
- Para os judeus?
- É, isso aí, para os judeus.
- Você pode provar isso?
- Claro. Basta apenas que você fique bem quietinho, só
ouvindo. Pode ser?
- Tá bom, pode falar.
- Bem, de acordo com a Lei, os israelitas tinham de
oferecer diariamente dois sacrifícios, um pela manhã e outro à
tarde. Como parte desse ritual, o sacerdote derramava cerca de
um litro de vinho sobre o animal separado como oferenda ao
Senhor. Esse derramamento era realizado como um ato de culto
a Deus7. O mesmo uso da bebida era observado pelo povo
quando este se corrompia e adorava outros deuses8.
- Nossa! nunca imaginei que houvesse isso na Bíblia!
6
O personagem refere-se ao consumo da ayahuasca, bebida feita a partir da
mistura de um cipó e das folhas de um arbusto amazônico, cuja ingestão
provoca alucinações. É, ainda hoje, utilizada em rituais religiosos, através
dos quais se busca alcançar o êxtase necessário para comunicar-se com o
sobrenatural.
7
Cf. Êx 29.38-41
8
Cf. Jr 44.15-25

30
O Dia Seguinte

- Então, se o vinho fazia parte do culto prestado a Deus,


por que o crente não pode consumí-lo? Esse pensamento de que
tudo o que diz respeito ao lazer, ao prazer, à diversão é proibido
porque é “do mundo”, nada mais é do que uma espécie de
“etiqueta evangélica”, recebida do protestantismo norte-
americano. Por causa disso, somos obrigados a abrir mão do que
gostamos a fim de não sermos enquadrados como “desviados”
ou, pior ainda, sermos excluídos do rol de membros. Para nos
manterem nessa prisão inventam essa história de que o vinho de
Jesus era misturado com água. Quanta bobagem! Basta ler
1Coríntios 11.20,21, onde Paulo comenta que, por ocasião da
Ceia do Senhor, alguns se embriagavam. Ora, como, pois,
alguém se embriagaria com uma bebida não alcoólica?
Diante das palavras de Edmilson, Cristiano ficou
indignado, porém calado, pois seu pouco conhecimento bíblico e
teológico o limitava. Percebeu, claramente, que os argumentos
apresentados eram muito fortes. Por isso, decidiu ir para casa
confortar sua mãe e refletir sobre esse tema tão polêmico numa
outra hora. Assim, despediu-se de Edmilson, agradecendo-lhe a
atenção dispensada.
Minutos depois, ao chegar à esquina de sua rua,
Cristiano se deparou com André, seu vizinho e amigo de
infância. Este, ao vê-lo, com alegria, foi ao seu encontro para
cumprimentá-lo. Em seguida, aproveitando a oportunidade,
convidou-o para ir à sua casa. Cristiano, entretanto, explicou que
precisava retornar ao seu lar. Mesmo assim, após muita
insistência, decidiu acompanhar André e dar-lhe um pouco de
atenção antes de encontrar sua mãe. Chegando a casa, dona
Amélia, mãe de André, gentilmente, lhe ofecereu um copo de
vinho. Isto porque, a família tinha por costume reunir-se toda
semana para compartilhar uma garrafa de vinho tinto.

31
Controversando sobre o álcool

Naquele momento, a mente de Cristiano foi invadida por


uma série de pensamentos. Por um lado, sentia que, ainda que
lhe faltassem argumentos, seria errado, por ser cristão, aceitar
aquela bebida; por outro, receava que estivesse errado em sua
posição, impondo a si mesmo um jugo desnecessário. “O que
fazer”? Pensou ele por um breve momento. Se dissesse não,
teria de explicar a razão da recusa; se aceitasse, sofreria com o
peso na consciência. Então, repentinamente, em meio ao
angustiante dilema, André interrompeu, dizendo:
- Ei mãe, esqueceu? O Cristiano agora é crente! Crente
não bebe.
- Ah, me desculpa Cris - disse dona Amélia, meio
encabulada.
Aproveitando a deixa, Cristiano contornou a situação,
afirmando:
- Não liga não dona Amélia, essas coisas acontecem.
Depois disso, ele e seu amigo conversaram bastante
sobre o passado, trazendo à memória as travessuras de criança,
as dificuldades da adolescência, e compartilhando as
experiências mais recentes, o que os levou a darem boas risadas.
Contudo, com o avançar da hora, Cristiano, preocupado com sua
mãe, achou melhor ir embora. Agradeceu à dona Amélia pela
recepção e ao André pelo convite, e retirou-se logo em seguida.
Chegando à sua residência, viu sua mãe dormindo no
sofá da sala, em frente à Televisão. Diante daquela cena, sentiu-
se penalizado por não ter chegado mais cedo, tendo gasto a
maior parte de seu tempo tratando de um assunto que nada tinha
a ver com o sofrimento de sua mãe. Por isso, fez questão de
dobrar os joelhos no meio da sala e orar, pedindo perdão ao
Senhor, além de rogar a Ele que confortasse o coração de sua
mãe. Ainda que tivesse orado em pensamento, Odete acabou

32
O Dia Seguinte

despertando do sono, porque um choro soluçante acompanhou a


oração de seu filho.
- O que houve meu filho? - Disse Odete, preocupada.
- Nada mãe. Só estava conversando com Deus -
respondeu Cristiano.
Os dois se abraçaram bem forte e oraram juntos em voz
alta, clamando a Deus pelo consolo do Espírito Santo. Logo
após, Odete lhe perguntou por que havia chegado tão tarde.
Cristiano lhe contou tudo o que acontecera, sua conversa com
Edmilson, seu encontro com André, ressaltando que sua
intenção era chegar mais cedo.
- Não se preocupe com isso meu filho, eu estou bem -
disse Odete com uma voz terna e suave.
– Mas e aí? Conseguiu esclarecer suas dúvidas? -
Prosseguiu Odete perguntando a Cristiano.
- Infelizmente não. Acho que eu acabei aumentando os
questionamentos - respondeu Cristiano, meio desapontado.
- Por que filho? O que houve?
- Ah, o Edmilson falou umas coisas que tiraram o meu
sossego. De acordo com seu raciocínio o crente pode beber
livremente.
- Nossa! Que absurdo!
- É. Mas o pior de tudo é que o argumento dele é
fundamentado e bastante convincente.
- Cristiano, Cristiano... não me diga que você está
pensando em beber! Olha o que aconteceu com seu pai...
- Claro que não mãe! Eu só fiquei confuso. Pra
completar, a dona Amélia vem e me oferece vinho.
- Conversa com o pastor de novo, meu filho. Certamente,
ele vai te ajudar.
- É... acho que vou procurá-lo outra vez.

33
Controversando sobre o álcool

- É isso aí meu filho. Agora, vamos dormir? Amanhã é


dia de trabalho.
- Tudo bem. Boa noite mãe.
- Boa noite Cris. Dorme com Deus.
Depois de tomar um bom banho, Cristiano foi deitar-se.
Contudo, não conseguiu dormir de imediato, pois não parava de
pensar em tudo que vivenciara naquele longo dia. De todas suas
experiências, entretanto, a que mais lhe chamou atenção foi a
intervenção de André, dizendo à sua mãe que Cristiano não
poderia consumir álcool porque era crente. Ele pensou: “Até
aqueles que não são cristãos, compreendem que os crentes não
devem beber. A própria sociedade espera que não façamos isso.
Por que fazer então”?
Envolto em pensamentos, o jovem cristão penou ainda
por algumas horas antes de adormecer. Até que, por volta das
duas horas da manhã, conseguiu conciliar o sono.

34
4
MAIS DO QUE PRIMEIROS SOCORROS

Q uando raiaram as primeiras luzes do dia, Cristiano


acordou assustado, olhou rapidamente para o relógio em
seu pulso e percebeu que estava atrasado para o serviço.
De um salto levantou-se, foi ao banheiro, lavou o rosto, trocou
de roupa, despediu-se de sua mãe, e saiu correndo para o
trabalho. Estava tão preocupado com o horário que nem tomou o
café da manhã.
Como a firma onde trabalhava ficava no mesmo bairro
em que residia, após ter corrido bastante, conseguiu chegar em
cima da hora. Cumprimentou a todos, colocou seu jaleco e pôs a
mão na massa. Porém, como não havia nada para comer ali,
Cristiano seguiu sem se alimentar.
Cerca de três horas depois, o cansaço resultante das duas
noites mal dormidas e a falta de alimentação deram seus
primeiro sinais. Cristiano começou a suar frio, a sentir-se fraco e
meio tonto. João Batista, que estava próximo, percebeu a
situação e, prontamente, se dispôs a ajudar.
- E aí Cristiano, o que aconteceu cara?!?
- Não sei, estou me sentindo mal, com fraqueza, uma
sensação de desmaio, sei lá.
- Olha só, eu vou falar com o chefe. O filho dele tá aí
hoje! Ele é médico. Vou ver se ele pode dar uma olhada em
você.
- Obrigado!
João Batista subiu as escadas correndo, na esperança de
conseguir ajuda para seu amigo e companheiro na fé. Chegando
ao escritório do chefe de sua seção, este, vendo sua expressão,

35
Controversando Sobre o álcool

desconfiou que alguma coisa estivesse errada, porquanto seu


semblante já denunciava seu desespero. Por conta disso, antes
que João proferisse a primeira palavra, o chefe perguntou
preocupado:
- o que houve João?!?
João, sem pestanejar, contou-lhe o ocorrido. Ao ouvir, o
filho do chefe, Dr. Bruno, prontamente voluntariou-se para
socorrer o jovem, garantindo que iria ficar tudo bem. Assim,
acompanhando João Batista, foi ao encontro de Cristiano. Ao
chegarem, encontraram o jovem caído no chão, desacordado.
João Batista, aflito, indagou:
- Ele morreu doutor?!?
Com paciência e serenidade Dr. Bruno respondeu-lhe:
- Acalme-se, ele apenas desmaiou. Venha, ajude-me a
arrumar o seu corpo em uma posição confortável.
Estranhando a tranquilidade do médico, João Batista
perguntou:
- O senhor não vai fazer nada além disso?!?
Mais uma vez, com a mesma expressão serena, o doutor
afirmou:
- Olha, ele está respirando. Está apenas desmaiado. O
que temos de fazer é coloca-lo em uma posição confortável,
virar sua cabeça para o lado a fim de evitar o sufocamento pela
aspiração de secreções, e aguardar até que, por si só, ele acorde.
Ouvindo a explicação do médico, João ficou mais calmo
e decidiu aguardar. Felizmente, a espera não demorou muito.
Decorridos alguns minutos, Cristiano recobrou a consciência.
Meio desorientado, tentou levantar-se, sendo impedido pelo
médico, o qual o ajudou a sentar-se, orientando-o a permanecer
nessa posição por algum tempo, até que pudesse se readaptar à
posição vertical.

36
Mais do que Primeiros Socorros

Enquanto isso, o médico verificou sua pressão arterial e


questionou-o a respeito de sua noite de sono, bem como sobre
sua alimentação. Cristiano confessou que já não dormia bem há
duas noites e que não tomara o café da manhã. Diante dessas
informações e da pressão arterial ainda baixa, Dr. Bruno
concluiu que o episódio era resultante de um distúrbio
metabólico, que poderia ser corrigido mediante hidratação,
alimentação e repouso. Mesmo assim, antes de dar o
diagnóstico, perguntou ao jovem se havia se embriagado na
noite anterior. Ao que lhe respondeu Cristiano:
- Não! Eu sou crente!
Imediatamente, o medicou replicou-lhe:
- Olha, eu respeito sua fé, mas tenho que dizer que, ser
cristão não é o único motivo para não beber. Eu,
particularmente, não bebo, mas não sou cristão. Na verdade, não
sou adepto de nenhuma religião. A razão pela qual não bebo é
puramente científica.
- Como assim? - Indagou Cristiano.
Antes de responder, no entanto, o médico solicitou a
João Batista que fosse a algum comércio próximo dali e
comprasse um suco para que o jovem pudesse se hidratar. Em
seguida, começou a justificar sua abstinência do álcool, dizendo:
- Bom, como eu dizia, me abstenho de bebidas alcoólicas
por motivos científicos, não religiosos. Basta observar as
consequências da ingestão da substância que serve de base para
elas, o etanol, cujo nome popular é álcool9. Esse composto de
elementos químicos é facilmente absorvido pelo sangue,
chegando rapidamente ao cérebro e a praticamente todos os
órgãos, alterando seu ritmo normal de funcionamento. Podendo
9
Nome derivado do árabe al-kuhl, atribuído no século XVI pelo médico e
químico suíço Paracelso (Pseudônimo de Theophrastus Bombastus von
Hohenheim).

37
Controversando Sobre o álcool

causar desde um leve estado de euforia até o coma alcoólico. É


claro que isso vai depender da quantidade ingerida. Mas de
qualquer maneira, sua presença é estranha ao organismo. Afinal,
o álcool é uma droga psicoativa. Ele atua diretamente no sistema
nervoso central. Sua ação entorpecente afeta várias áreas do
cérebro, reduzindo a capacidade sensorial e motora,
comprometendo também a memória. Por isso, muitos, depois de
“tomar todas”, não se recordam de nada.
- É, doutor. Mas, isso que o senhor está dizendo diz
respeito somente à embriaguez, não é?
- Realmente. Porém, o consumo moderado também tem
seu lado ruim. Os primeiros sinais de entorpecimento, por
exemplo, já aparecem com pequenas doses. A ingestão de uma
dose com uma concentração de até 99 mg/dl 10 já pode provocar
sensação de calor, avermelhamento da face, prejuízo de
julgamento, diminuição da inibição, coordenação reduzida e
euforia.
- Isso é verdade doutor. Meu pai é alcoólico. Eu sei bem
como é. Ele fica bem diferente quando está embriagado. Eu já
conheço de longe.
- É, mas não para por aí não. Há estudos que revelam
que o álcool destrói o revestimento dos neurônios, mostrando,
inclusive, um poder destrutivo maior do que as demais drogas.
Se for consumido constantemente e em grandes quantidades,
quase todos os órgãos do corpo são afetados, direta ou
indiretamente, podendo ocorrer graves danos físicos. Cerca de
60 tipos de doenças podem resultar dessa prática, entre as quais
está a famosa cirrose hepática, o câncer, transtornos
neuropsiquiátricos, etc. Mesmo o uso moderado do álcool pode
10
Miligrama (o mesmo que Mililitro – ml) por decilitro de sangue. 1 dl = 100
ml.

38
Mais do que Primeiros Socorros

causar sérios distúrbios no desenvolvimento mental e físico dos


bebês, quando praticado por gestantes.
- Caramba! E ainda tem gente que paga pra beber esse
negócio!
- É... é o mesmo que se voluntariar para ser torturado.
- É verdade. Mas doutor, me explica uma coisa: por que
algumas pessoas bebem a vida toda e não manifestam nenhuma
dessas enfermidades?
- Olha, cientificamente, não há uma causa conhecida
para o alcoolismo ou o abuso de álcool. Entretanto, há estudos
que apontam a herança genética como causa da predisposição ao
alcoolismo. De acordo com esses dados, os filhos de alcoólicos
teriam maior probabilidade de se tornarem dependentes do
álcool na idade adulta. Contudo, é pouco provável que alguém
herde um gene ou grupos de genes para o alcoolismo. É possível
que, por causa das influências biológicas de fundo genético,
algumas pessoas tenham alto risco de se tornarem dependentes,
uma vez que comecem a beber. Isto por apresentarem maior
tolerância ao álcool e menos consciência de seu impacto. Por
conta disso, a probabilidade de que moderem a quantidade de
álcool ingerida é menor.
- Então as pessoas podem reagir de maneira diferente
diante do álcool?
- Sim. Há pessoas que conseguem metabolizar11 o álcool
melhor do que outras. Isto é, elas eliminam o álcool de seu
corpo com mais facilidade do que as outras. Estas, naturalmente,
ficam embriagadas com maior rapidez do que as outras. Mesmo
assim, com o consumo frequente e abusivo, é possível que se
11
A metabolização das drogas é a transformação de uma droga no sentido de
aumentar sua solubilidade em água para ser eliminada eficientemente. Isto
ocorre, principalmente, no fígado.

39
Controversando Sobre o álcool

tornem mais tolerantes e bebam cada vez mais. Até porque, o


álcool altera o equilíbrio químico no cérebro. Portanto, assim
como a cocaína, o álcool aumenta a liberação de dopamina no
cérebro, proporcionando prazer e euforia. Quando cessa o efeito,
o corpo passa a ansiar pela substância novamente, levando o
indivíduo a consumir álcool de novo.
- Tudo bem doutor, eu entendi que o álcool proporciona
uma sensação de euforia e prazer, e, por isso, o cérebro acaba
querendo mais. Só não sei o que é dopamina. O senhor pode me
explicar?
- Claro. Dopamina é uma substância que funciona como
estimulante do sistema nervoso central. Ela é liberada no
cérebro durante situações agradáveis, estando, portanto,
associada ao prazer. Entendeu?
- Entendi.
Entretidos naquela conversa, Cristiano e Dr. Bruno nem
perceberam que João Batista chegara, ofegante, com um suco de
laranja em uma das mãos e um sanduíche natural na outra. João
os interrompeu para dar o alimento ao jovem, aproveitando o
ensejo para perguntar ao médico sobre a condição de seu amigo.
Dr. Bruno respondeu contando que Cristiano já havia melhorado
sensivelmente, e concluindo que a súbita queda de pressão
resultara do jejum forçado e das noites mal dormidas. Destacou
também que, durante sua ausência, ele e o jovem haviam tido
uma boa conversa sobre o consumo do álcool. Ao ouvir isso,
João Batista, impetuoso como sempre, olhou para Cristiano e
exclamou:
- Caramba, Cristiano! Até passando mal, você só fala em
cachaça! Tô começando a achar que você gosta de uma pinga.
Olha o que eu te falei, hein! Dá mole pro capirôto!
Imediatamente o médico interrompeu, dizendo:

40
Mais do que Primeiros Socorros

- Calma João. Fui eu quem tocou no assunto. Na


verdade, eu praticamente aluguei o Cristiano com essa conversa.
- Que isso doutor! Pra mim foi um privilégio poder
aprender com o senhor. Foi mais que uma consulta! - Afirmou
Cristiano com um sorriso no rosto.
- Acredito que você também teria gostado João. Pois,
embora não seja cristão também defendo a abstinência do
álcool. Até porque, como expliquei antes, isso não está
diretamente relacionado com religião, mas com a ciência.
- É, pode ser... - Respondeu João Batista.
- Você sabia, por exemplo, - continuou o médico - Que a
capacidade do álcool causar dependência é maior que a da
maconha?
- Caramba! Nunca imaginei isso!
- Outro dado alarmante e igualmente desconhecido, é
que, em relação aos danos individuais e coletivos provocados
pelas drogas no cérebro humano, o álcool também sai na frente.
Isto, é óbvio, se dá por causa de sua grande aceitação na
sociedade12. Além do mais, o alcoolismo supera todas as
internações por dependência de drogas. Sabia disso?
- É... quem sabe, sabe. Não é por acaso que o senhor é
doutor!
- É, mas não para por aí não. Como todos sabem, o
álcool é um dos grandes causadores de acidentes de trânsito. Por
isso, as autoridades têm endurecido a fiscalização. Muitos
reclamam, no entanto, da cobrança, julgando-a excessiva, visto
que o indivíduo não pode tomar nem uma dose, por ocasião das
12
Informações baseadas na pesquisa de David Nutt, publicada em novembro
de 2010 no periódico médico lancet. Disponível em
http://veja.abril.com.br/noticia/saude/alcool-e-mais-prejudicial-para-a-
sociedade-que-crack-e-heroína-diz-cientista-ingles. Acesso em 28 de
novembro de 2013.

41
Controversando Sobre o álcool

“leis secas”. Contudo, isso se justifica nas consequências


decorrentes da ingestão de 14g de etanol, ou seja, uma dose. Ao
beber uma lata de cerveja, por exemplo, o indivíduo já pode
apresentar sinais e sintomas de intoxicação alcoólica
incompatíveis com o ato de dirigir.
- Pôxa - Respondeu João Batista, admirado com as
explicações dadas pelo médico.
Nesse intervalo de tempo, Cristiano, refletindo sobre o
que o doutor falava, decidiu interpelá-lo acerca de uma dúvida
que lhe viera à mente.
- Doutor. Deixa eu aproveitar e esclarecer uma dúvida
que eu tenho.
- Pode falar - Disse gentilmente o médico.
- Olha, eu já ouvi dizer que, até bem pouco tempo atrás,
os médicos costumavam receitar Vodka aos pacientes. O que o
senhor me diz disso?
- Bom, há muito tempo atrás, por falta de recursos, era
comum médicos receitarem gotas de vodka para tratar asma e
bronquite. Com o avanço tecnológico, isso foi deixado de lado.
Não há mais necessidade disso. Existem medicamentos
específicos e mais eficazes.
- Outra coisa doutor. E quanto àquela história de que o
vinho faz bem ao coração? É verdade? Tem muita gente que usa
isso como desculpa para encher a cara.
- Olha... você tocou num ponto realmente complicado
para nós médicos. Isto porque, existem pesquisas sérias que
confirmam o pensamento popular de que o hábito de beber um
pouco de vinho durante as refeições reduz o risco de ataques
cardíacos e derrames cerebrais. Alguns pesquisadores, inclusive,
concluíram que isso se aplica também ao consumo moderado de
outras bebidas alcoólicas. Mesmo assim, não posso, como
profissional da área, recomendar tal prática. Pois os efeitos

42
Mais do que Primeiros Socorros

nocivos do álcool superam seus benefícios. Seria como


substituir uma doença por outras. Por isso, prefiro ficar com as
sábias palavras do doutor Ira Goldberg, professor de medicina e
chefe da divisão de medicina preventiva e nutrição da
Universidade de Columbia: “se o álcool fosse uma droga recém-
descoberta, nenhuma companhia farmacêutica ousaria
comercializá-la para diminuir a incidência de doenças
cardiovasculares. Nem os médicos a indicariam para reduzir
de 25% a 50% do risco de infarto, às custas de milhares de
mortes por outras causas13”.
- É doutor, realmente o senhor está certo. Não é preciso
ser cristão para entender que consumir álcool não é nem um
pouco saudável. Basta ter acesso a esses dados.
A conversa estava tão interessante que nenhum dos três
percebeu o tempo passar. Por outro lado, Mascarenhas, chefe da
seção e pai do doutor Bruno, vendo que o horário avançava e o
atendimento não terminava, imaginou que algo mais grave
tivesse acontecido. Assim, decidiu descer e verificar. Chegando
lá, e vendo que estava tudo bem, alertou-lhes que o horário de
almoço já estava quase no fim, determinando que, já que
Cristiano havia melhorado, eles deveriam aproveitar para
almoçar logo e retornar ao trabalho. Seu filho, contudo,
preocupado com Cristiano, recomendou que o jovem fosse
liberado o restante do dia para recuperar-se. Mascarenhas
relutou um pouco, mas cedeu aos apelos de Bruno, liberando o
jovem.
Caminhando em direção ao seu lar, Cristiano pensava
sobre o que havia ouvido em relação ao consumo do álcool. Por
13
Disponível em http://drauziovarella.com.br/dependencia-
quimica/alcoolismo/o-alcool-e-o-coracao/ Acesso em 03 de dezembro de
2013.

43
Controversando Sobre o álcool

um lado acreditava que o álcool era realmente prejudicial à


saúde, mas por outro sentia que faltava o respaldo bíblico para
fundamentar seu pensamento. Isto porque, até então, a
argumentação mais forte que ouvira era a de Edmilson. Ele não
queria aceitar, mas o primo de Beatriz parecia ter razão. As
explicações do doutor Bruno, embora fossem bastante
embasadas, apenas reforçavam a ideia de que beber é um hábito
perigoso. Todavia, tais informações não seriam suficientes para
demover um consumidor frequente do álcool de sua prática,
pois, conforme pensava Cristiano, existem outras substâncias
consideradas prejudiciais, como o café, por exemplo, que todo
mundo consome. Inclusive os crentes.
Ao chegar a casa, sua mãe, preocupada, logo questionou:
- Aconteceu alguma coisa meu filho? Você chegou tão
cedo!
Tentando tranquilizar sua mãe, Cristiano disse:
- Fica calma mãe, não foi nada de mais. Eu tive uma
queda brusca de pressão, mas já está tudo bem.
- Cristiano, Cristiano, você tem que cuidar melhor da sua
saúde! - Ressaltou dona Odete, preocupada com seu filho.
- É mãe... você está certa - replicou-lhe o jovem - eu
preciso me alimentar melhor e dormir mais. Estou exausto e
com fome. Essa combinação não é nada boa. Por isso, vou
almoçar e, logo em seguida, tirar uma soneca.
- Isso meu filho, vai descansar.
Tendo, então, almoçado, Cristiano, esgotado, enfim pode
dormir.

44
5
CONTROVERSANDO EM FAMÍLIA

P or volta das dezenove horas, Beatriz, querendo encontrar-


se com seu namorado, telefonou para a casa de Cristiano.
Dona Odete atendeu e informou-lhe o que acontecera,
destacando que ele ainda estava dormindo. Mesmo assim, a
jovem, preocupada, decidiu ir à sua casa para vê-lo. Dona
Odete, como toda boa mãe, queria que seu filho repousasse,
porém, entendendo a preocupação de Beatriz, resolveu permitir
sua vinda.
Cerca de quarenta minutos depois, a jovem chegou à
casa do namorado. Dona Odete a recebeu com muita satisfação,
oferecendo-lhe, inclusive, uma xícara de café. No entanto, após
os cumprimentos iniciais, Beatriz solicitou-lhe que chamasse
Cristiano, pois desejava vê-lo. Dona Odete, por outro lado,
pediu que o deixasse dormir, a fim de que cumprisse o repouso
recomendado pelo médico. A jovem continuou insistindo, mas
dona Odete manteve-se firme em sua posição.
Enquanto as duas buscavam um entendimento, Cristiano
acordou. Ouvindo a voz de sua namorada, levantou-se e foi até a
sala. Beatriz, ao vê-lo, dirigiu-se até ele e lhe deu um abraço
apertado, dizendo:
- Nossa! Que bom que você está bem! Não me assusta
mais desse jeito! Ouviu?
Cristiano, meio sem graça, disse:
- Que isso meu amor, não é motivo pra tanto.
- Claro que é - disse Beatriz, indignada - você passa mal
no trabalho, não me fala nada, e acha que eu tenho que ficar
feliz e sorridente?

45
Controversando sobre o álcool

- É, mas tudo tem o seu lado bom. O meu mal-estar


proporcionou-me uma aula sobre os males decorrentes do
consumo do álcool.
- Como assim?
- Bom, o filho do chefe da minha seção é médico. Foi ele
quem me socorreu quando eu desmaiei.
- Desmaiou!!!! – interrompeu, surpresa, dona Odete –
isso você não me falou! Eu pensei que você só tinha se sentido
mal!
- Fica tranquila mãe, já tá tudo bem. Não precisa se
preocupar. Bom... como eu estava falando, o médico explicou,
com detalhes, as consequências do consumo de bebidas
alcoólicas. Ele falou tanto do uso moderado quanto do
demasiado.
- E aí, depois dessa aula, chegou a alguma conclusão? -
perguntou Beatriz.
- O pior de tudo é que ainda continuo confuso. Embora
interiormente eu não queira admitir que ele esteja certo,
reconheço que seu primo tem argumentos convincentes. Além
disso, enquanto caminhava pra casa, refletia sobre o que tinha
acabado de ouvir. A minha conclusão foi que, ainda que o álcool
cause muitos males, isso não constitui prova suficiente para que
o álcool seja banido de nossos arraiais. Até porque, se formos
levar em consideração os malefícios provocados, deveríamos
banir também o café. E, como posso ver, é exatamente o que
vocês estavam tomando. Da mesma forma, muita gente diz que
coca-cola faz mal à saúde, mas os crentes estão sempre
tomando. Comer carne vermelha também causa prejuízos e todo
mundo come.
Ouvindo isso, dona Odete irritou-se e disse:
- Cristiano! Por favor! Não vai me dizer que passou a
concordar com esse negócio de crente beber!

46
Controversando em Família

- Calma mãe! Eu já falei pra senhora que não vou


começar a beber. Eu só quero encontrar um argumento mais
convincente para justificar minha postura.
- Então, meu filho, você deveria pensar mais um
pouquinho e perceber que por mais que tomássemos um montão
de coca-cola ou comêssemos bastante carne, ainda
conseguiríamos dirigir, não espancaríamos ninguém, nem
falaríamos pornografias, pois, mesmo consumindo esses
produtos, continuamos de posse de nossas faculdades mentais.
- É, Cristiano... sua mãe tem razão - comentou Beatriz –
além disso, acredito que o prejuízo do consumo do álcool é
muito maior do que os males causados pela carne ou pelo café.
- É isso aí minha nora! – declarou dona Odete – se
pensarmos dessa maneira: “não posso condenar o álcool porque
consumimos outras coisas que fazem mal”; deveríamos
concordar com o fumo também.
- Que isso mãe! Fumar é muito mais grave do que beber!
- É mesmo? Pensa bem: o fumante, depois de um trago
pode dirigir tranquilamente, sem qualquer perigo, quem bebe
não; fumar não faz ninguém agredir seus familiares, o álcool
sim; o fumo não leva ninguém a ter relações sexuais
inconsequentes. É... acho que o álcool ainda é pior.
- Poxa mãe, falando assim parece até que a senhora é a
favor do cigarro.
- Não! Não estou dizendo isso. Pelo contrário. Pra mim,
o fumo é algo terrível, extremamente nocivo à saúde. É só ler o
que diz nos maços de cigarro pra ver. O que estou dizendo é que
o álcool não é nenhum inocente nessa história. Ele causa muito
mais destruição que uma carteira de cigarros. Disso, eu e você
sabemos muito bem.
- Tudo bem, mãe. Eu concordo com você. O álcool é
realmente prejudicial. O que eu estou questionando é se nós,

47
Controversando sobre o álcool

como cristãos, podemos bebê-lo, assim como fazemos com


outras substâncias maléficas à saúde. Não estou afirmando com
isso que quero beber, e muito menos que vou beber. A questão,
na verdade, não sou eu, mas a postura mais adequada à fé que
abraçamos.
- Olha só - interrompeu Beatriz - a esse respeito eu
concordo com o pastor Ricardo, pois creio que ninguém vai para
o inferno por consumir bebidas alcoólicas. Até porque, como ele
costuma afirmar, a salvação é pela graça. Se alguém deixasse de
ir para o céu porque bebeu, Cristo não seria mais o único
caminho, pois teríamos que concordar que bastaria alguém não
beber para ser salvo. Pensando assim, estaríamos condicionando
a salvação às obras, anulando, assim, o papel de Jesus. Por isso,
mesmo que eu não ache o álcool benéfico, prefiro não condenar
quem o consome. Nem Jesus fez isso. Só acho que nós, como
crentes, precisamos ser exemplo daquilo que é correto. Portanto,
creio que não devemos beber.
- Espera aí Bia! - disse Cristiano, intrigado - se me
lembro bem, seu primo me deu outra orientação quando
estávamos na sua casa e você não falou nada disso!
- Claro! Eu não queria entrar em um debate com meu
primo. Sabe, o Edmilson é um homem de Deus, tem muito
conhecimento, mas tem uns posicionamentos esquisitos demais.
Ele é sempre do contra, acha que sabe de tudo. Em suma, é
difícil conversar com ele. Por isso, pensei que seria melhor que
você conversasse com o pastor Ricardo. Ele tem muita
sabedoria!
- É verdade... - observou Cristiano.
Coincidentemente, enquanto conversavam, o telefone
tocou. Dona Odete olhou no identificador de chamadas e
exclamou:
- Nossa! É o pastor Ricardo! Acabamos de falar nele!

48
Controversando em Família

- É Jesuscidência - brincou Cristiano.


A mãe do jovem atendeu ao telefone e compartilhou com
o pastor a coincidência que acabara de acontecer. No entanto,
ele explicou que não era tanto coincidência assim, visto que,
enquanto dirigia-se para a casa do namorado, Beatriz lhe
telefonou, contando o que ocorrera com o jovem. Então,
preocupado com Cristiano, decidiu ligar para obter maiores
informações a respeito. Para tanto, solicitou à Dona Odete que
passasse o telefone para seu filho.
- E aí meu jovem, já está melhor? - Perguntou o pastor.
- Graças a Deus, já! Foi apenas um susto - respondeu
Cristiano.
- Que bom! Fiquei preocupado com o irmão.
- Obrigado pastor. É bom saber que o senhor se
preocupa.
- É, e por falar em se preocupar, lembra daquele novo
encontro que ficamos de agendar para continuarmos aquela
conversa?
- Ah, lembro sim!
- Então, você está livre amanhã?
- Sim. Qual o horário?
- O mesmo da última vez: dezoito horas. Pode ser?
- Claro. Estarei lá.
- Até amanhã. Vê se não atrasa, hein!
- Pode deixar! Tchau!
Assim que Cristiano desligou o telefone, sua mãe, com
um sorriso no rosto, disse:
- Graças a Deus! Com certeza o pastor Ricardo vai
esclarecer todas as suas dúvidas!
- Espero que sim - respondeu Cristiano.
- Não há porque duvidar disso, meu filho - ressaltou
dona Odete - Inclusive, se você parar pra observar verá que, de

49
Controversando sobre o álcool

todos os que conversaram com você sobre o assunto, o pastor


Ricardo foi o mais sábio. Aquele seu colega de trabalho... qual o
nome dele mesmo?
- João Batista.
- Isso mesmo! Ele, mesmo sendo crente, mostrou muita
agressividade; esse tal de Edmilson, como a Bia falou, se acha o
dono da verdade; já o pastor Ricardo, fala sempre com mansidão
e temperança. Ele sabe expor as verdades bíblicas sem forçar a
barra, sem brigar. Pra mim ele é um exemplo. Conversar com
ele é extremamente edificante!
- É, mas não foi só o pastor Ricardo que falou com
educação. O doutor Bruno também foi bastante polido. Em
momento algum ele quis brigar, apenas me apresentou dados
que eu desconhecia. O mais impressionante é que o cara nem
tem religião!
- Ué, mas quem foi que disse que pra ser educado tem
que ser religioso ou cristão? - interrompeu Beatriz – nesse ponto
eu tenho que concordar com meu primo; essa ideia de que o
cristão é um ser humano perfeito, foram implantadas em nossas
mentes ao longo de muito tempo, chegando ao ponto de parecer
verdade. Contudo, a verdade é que somos tão imperfeitos quanto
aqueles que não receberam a Cristo; o que há de perfeito em nós
não é nosso, isto é, o Espírito Santo; nós é que somos dEle. Por
causa da Sua atuação em nossas vidas é que seguimos em um
processo de aperfeiçoamento chamado santificação. Estar nesse
processo mostra que não somos perfeitos. Por isso, não podemos
julgar o caráter ou a educação a partir da fé. Há ateus mais
fáceis de conviver do que alguns cristãos. Por outro lado, na
igreja encontramos um monte de bipolares, pessoas com
hipersensibilidade, sem contar os fofoqueiros que estão sempre
lá.
- Nossa, Beatriz! Você falou igualzinho ao Edmilson!

50
Controversando em Família

- É... acho que é a convivência.


- Mesmo assim, tenho de admitir que você está certa.
Não posso fazer esse tipo de julgamento.
- Bom, já que você admite isso, vê se me ouve, por
favor: cuida bem da sua saúde! Procure dormir mais, se
alimentar melhor; não estou querendo ficar viúva antes de casar
não, hein!
- Pode ficar tranquila, daqui a pouco eu vou dormir.
- Daqui a pouco nada! Você vai dormir agora!
- A Beatriz está certa, meu filho. Você precisa descansar
- aconselhou dona Odete.
Depois de alguns minutos de insistência, Cristiano deu
ouvidos ao conselho de Beatriz. O casal se despediu, e, em
seguida, o jovem foi dormir. Sua mãe, entretanto, permaneceu
acordada, orando a Deus, pedindo que concedesse sabedoria ao
pastor Ricardo para que pudesse esclarecer cada um dos
questionamentos de Cristiano, retirando, assim, as “minhocas”
que foram implantadas em sua mente. Após a oração, dona
Odete, cansada, também foi se deitar.

51
6
ABRINDO UM PARÊNTESE

...trim...trim...trim - soava o barulhento despertador de


Cristiano, acordando de imediato seu proprietário, que com um
golpe certeiro o desligou. O sono estava tão bom que o jovem,
mesmo desperto, decidiu permanecer mais um pouco na cama.
Minutos depois, sua mãe foi ao seu quarto para, gentilmente,
convidá-lo a levantar-se e tomar o café da manhã que ela
preparara com todo amor. O jovem prontamente atendeu ao
convite, pois não queria desmaiar novamente. Tendo se
alimentado, arrumou-se, despediu-se de sua mãe, e seguiu mais
uma vez para o trabalho.
No caminho para a firma, Cristiano recebeu uma
mensagem de texto em seu celular, enviada pelo pastor Ricardo,
na qual alertava:
- Não se esqueça do encontro hoje! Dezoito horas, hein!
Cristiano ficou feliz pela preocupação de seu pastor, que
além de ligar no dia anterior enviara também uma mensagem
para relembrá-lo. Isto o fazia admirá-lo cada vez mais,
aumentando também sua ansiedade em relação ao encontro
marcado.
Tendo chegado ao seu local de trabalho, foi logo
abordado pelos companheiros de labuta, cuja preocupação os
levava a perguntar-lhe acerca de sua saúde. Novamente,
Cristiano alegrou-se por perceber o carinho demonstrado por
todos. Por isso, naquele dia trabalhou com mais empolgação do
que o normal. Mesmo assim, sua sede por respostas era maior
do que o ânimo renovado. Por conta disso, passou o dia todo

52
Abrindo um Parêntese

ansioso, querendo acelerar o tempo e encontrar-se logo com seu


pastor.
Percebendo a diferença no comportamento de Cristiano,
João Batista se aproximou e perguntou ao jovem a razão
daquilo. Com um semblante enfeitado com uma alegria
transbordante, Cristiano respondeu:
- Poxa João, eu estou feliz porque vejo que meus
companheiros de trabalho, assim como meus amigos e meu
pastor, se importam comigo. O pastor Ricardo ligou para minha
casa ontem, a Beatriz foi me ver, e hoje, logo que cheguei, vi a
preocupação dos colegas em relação à minha saúde. Sabe, é
muito bom nos sentirmos queridos!
- É, isso é verdade - comentou João Batista - não há nada
como fazer parte da família!
- É isso aí, meu amigo!
- Mas, além da alegria, sinto certa ansiedade em você.
- Ué, como você pode saber disso?
- É fácil. Você tá olhando o relógio o tempo inteiro! Tem
algum compromisso pra hoje?
- Tenho. Vou me encontrar com meu pastor para
conversar sobre minhas dúvidas a respeito do consumo do
álcool.
- Caramba Cristiano! Vira o disco! Só fala nisso! Para de
questionar a Bíblia rapaz! Quem começa assim... logo, logo se
desvia. Meu irmão vai por mim, esquece esse negócio, senão
você vai acabar perdendo a sua salvação!
- Perder a salvação?!?! Isso é possível?!?!
- Claro. O tempo todo tem alguém perdendo. Cuidado...
- Espera aí João, mas a salvação não é pela graça? Como
posso perder algo que não conquistei? Eu não merecia antes,
não mereço agora e nunca vou merecer!

53
Controversando sobre o álcool

- Ih, lá vem você com essas heresias... Aposto que é o


teu pastor que tá colocando essas coisas na tua cabeça. Ele
chegou até dizer que dá pra ir pro céu com a cara cheia de
cachaça!
- Poxa João, lá vem você com ofensas mais uma vez.
Para com isso meu irmão. Nós dois somos cristãos, pregamos o
amor, a paz, a comunhão. Não faz sentido ficarmos nos
ofendendo. É contraditório.
Enquanto Cristiano tentava domar o inconveniente
colega de trabalho, soou a sirene, indicando o final do
expediente. Com educação, o jovem despediu-se de João Batista
e foi rapidamente para casa, a fim de tomar um banho, trocar de
roupa, fazer um lanche e ir para a igreja encontrar-se com o
pastor. Feito isso, caminhou feliz, cantarolando, em direção à
sua igreja. Dessa vez, decidiu não parar em nenhum lugar antes,
para não correr o risco de se atrasar.
Enquanto se aproximava do templo, conferiu a hora no
relógio de pulso. Ficou extremamente satisfeito ao verificar que
ainda faltavam dez minutos para as dezoito horas.
- Enfim, cheguei no horário! - exclamou Cristiano.
Antes que o jovem pudesse concluir o pensamento
dizendo: “cheguei primeiro que o pastor”; o carro do ministro
adentrou a rua. Tendo estacionado o veículo, saiu e
cumprimentou o jovem, dizendo:
- E aí meu jovem! Tudo bem?
- Graças a Deus! - respondeu Cristiano.
- Hoje chegou até mais cedo, hein! - Observou o pastor,
com um sorriso no rosto.
- É claro, quero aproveitar cada minuto!
Após os cumprimentos, os dois adentraram as
dependências do templo e se dirigiram ao gabinete pastoral.
Chegando lá, Cristiano compartilhou com o pastor que, desde o

54
Abrindo um Parêntese

último encontro, suas dúvidas haviam aumentado. Diante desse


comentário, o pastor pediu que ele detalhasse seus
questionamentos.
- Muito bem, - começou o jovem – depois que conversei
com o senhor, encontrei-me com o primo da Beatriz e ele
buscou o tempo inteiro pôr em dúvida seus ensinamentos.
- Sim, mas o que ele falou, exatamente?
- Bom... primeiro ele fez uma série de críticas à nossa
estrutura organizacional, fazendo distinção entre Igreja e
Instituição, dizendo que os pastores só querem nos manipular.
- É estranho... pois, até onde eu sei, o primo da Beatriz é
diácono na igreja dele. Portanto, faz parte da “estrutura” que
tanto criticou.
- Sei lá pastor. Foi o que ele disse.
- Sabe Cristiano, existe um movimento crescente no seio
do Cristianismo que condena toda e qualquer espécie de
instituições quando o assunto é a Igreja de Cristo. Esse
movimento tem duas vertentes: uma dentro da instituição e outra
fora dela. Os primeiros veem a instituição como um mal
necessário, os últimos a enxergam como uma enfermidade que
descaracteriza o ideal de Cristo. Por isso, estes decidiram
abandonar todo ajuntamento institucionalizado, sendo
chamados, por conseguinte, desigrejados.
- Quando o senhor diz instituição, a que se refere?
- Agora você tocou no ponto principal dessa discussão: o
conceito de instituição. Os adeptos dessa visão usam o termo
indiscriminadamente para referir-se às igrejas evangélicas
modernas, que possuem regras, líderes, CNPJ, conta bancária,
etc. No entanto, ao observar sua etimologia, a palavra não
aponta, exclusivamente, para um espaço físico, uma entidade,
estabelecimento ou organização pública. Esse conceito parcial
de instituição, na verdade, foi posteriormente atribuído à

55
Controversando sobre o álcool

palavra. De acordo com sua etimologia, o termo diz respeito aos


preceitos, costumes ou leis duradouras, estabelecidos formal ou
informalmente, que estruturam as relações sociais, sendo, por
conta disso, sancionados pela sociedade. Isto é, trata-se da
expressão da cultura de um povo. Por isso, variam geográfica e
cronologicamente.
- Ih... agora o senhor me confundiu. Não entendi nada! O
que é etimologia?
- Ah, me desculpe. Etimologia é o nome dado à ciência
que investiga a origem e o desenvolvimento das palavras, a fim
de compreender melhor seu significado. Entendeu?
- Sim, entendi; mas dá para explicar melhor o significado
de instituição?
- Bom, vou tentar. Vamos lá. Instituições são práticas,
costumes, regras, que recebemos por meio da tradição cultural
da qual fazemos parte. Por exemplo: os ritos religiosos, as regras
da boa etiqueta, a divisão do tempo, o casamento, etc. Dentro do
contexto eclesiástico, os exemplos que temos são o batismo e a
Ceia, os quais foram “instituídos” por Jesus. Isso sim é
instituição14!
- Ahaamm, agora entendi.
- A partir daí fica fácil entender que não há como nos
desvencilharmos das instituições, pois elas são o cimento da
vida social. Logo, o grupo formado por Jesus não poderia se
furtar delas. Eles tinham regras, que foram apresentadas no
sermão do monte; reuniões regulares, que foram incentivadas
por Ele por ocasião da última ceia; e práticas repetitivas, como o
batismo e a ceia. Esses aspectos são característicos da
14
De acordo com Roland de Vaux (2004, p.15), renomado historiador e
arqueólogo francês, “instituições de um povo são as formas de vida social
que esse povo aceita por costume, escolhe livremente ou recebe de uma
autoridade”.

56
Abrindo um Parêntese

instituição. Portanto, a primeira comunidade cristã era, em


essência, uma instituição.
- É... faz sentido.
- O grande problema, na verdade, é que os críticos da
igreja como realidade histórica são pessoas que sofreram
mágoas profundas em suas comunidades cristãs. Isso as fez se
voltarem contra tudo o que provém desses grupos. Passaram a
desaprovar cada um de seus elementos, cobrando uma perfeição
que a igreja nunca teve. Até porque, por mais que seja o corpo
de Cristo, os seres que o constituem são terrivelmente
imperfeitos. Por isso, desde a sua fundação já mostrava traços
dessa imperfeição. Entre os discípulos de Jesus, por exemplo,
havia discriminação15, competição16, furto17, traição18,
incredulidade19, entre outros problemas. O que me alegra,
entretanto, é que, diante de todos esses defeitos, Jesus mostrou
um amor inextinguível, mesmo àqueles que o abandonaram,
assim como àquele que o traiu. Mas quem será que escolheu
essa turma?!? - Perguntou o pastor, retoricamente - Jesus, é
claro! Por mais que a igreja seja falha, cada um de seus
componentes foi escolhido por Cristo! Aliás, foi por meio desse
grupo cheio de falhas que eu e você conhecemos a verdade. Não
podemos nos voltar contra ele, mas sim tentar ajudá-lo a
aproximar-se do ideal estabelecido pelo mestre.
- É, concordo com o senhor. Atitudes como as do
Edmilson, realmente, estão distantes do comportamento que
Cristo espera de nós. Ele chegou a criticar até o senhor. Disse
que os pastores não têm compromisso com o cristianismo de
15
Lc 9.51-56
16
Mc 10.35-45
17
Jo 12.1-6
18
Mt 26.14-16
19
Jo 20.24-29

57
Controversando sobre o álcool

Jesus, pois só querem “formatar” a fé das ovelhas, enganando-as


com meias verdades e sobrecarregando-as com fardos
pesadíssimos. Eu discordei, é claro - comentou Cristiano - até
porque, nunca me senti manipulado nem formatado pelo senhor.
- Eu agradeço meu jovem. Contudo, embora discorde do
pensamento do Edmilson em relação aos pastores, reconheço
que alguns membros dessa classe têm deixado a desejar. Estes,
realmente vêm manipulando suas ovelhas, impondo fardos
pesados, e, até mesmo, defendendo meias verdades. De fato,
muitos têm propagado falsas doutrinas e escravizado muitos.
Apesar disso, tal como Deus falou a Elias, quando este se
escondia numa caverna, creio que ainda há vários pastores,
cujos joelhos não se dobraram a Baal20. Não podemos
generalizar e julgar todos por alguns. Quando fazemos isso,
estamos com o olhar limitado, assim como Elias na caverna, o
qual chegou a afirmar que não havia mais nenhum profeta do
Senhor a não ser ele.
- É verdade.
- Por outro lado, reconheço também que, algumas das
críticas feitas às nossas igrejas têm certo fundamento. Isto
porque, quando olhamos para a Bíblia, vemos que o “ser igreja”,
na atualidade, está muito distante do modelo original. Criamos
uma série de coisas que não existiam entre Jesus e os apóstolos.
Temos bandas, grupos de dança, uma infinidade de cargos,
nossas reuniões parecem apresentações teatrais; o povo segue
passivo diante do show que se desenrola diante de seus olhos.
Por não participar efetivamente, a única coisa que lhes resta é
avaliar, criticar, julgar, apontar erros. No fim, a maioria não
cultua de fato, pois enquanto alguns estão preocupados em
apresentar um entretenimento de qualidade, outros estão
20
1Rs 19.1-18

58
Abrindo um Parêntese

avaliando os detalhes para confirmar o bom espetáculo. O povo


gosta tanto de ser passivo que muitos preferem pagar para que
alguém seja santo por eles, trabalhe por eles, estude a Bíblia por
eles. Por isso, esse indivíduo é extremamente cobrado. Ele tem
de fazer visitas, evangelizar, pregar, orientar, administrar, etc.
Não consigo ver isso na igreja primitiva. Vejo, ao contrário, um
grupo que se empenha na realização das tarefas que hoje são
atribuídas a um só. Muita gente questiona o salário do pastor,
mas ninguém questiona o desgaste excessivo ao qual ele é
submetido. Mesmo assim, não podemos desistir de amar ainda
mais, seguindo a cada dia o exemplo de Jesus. Só assim
poderemos influenciar nossa geração.
- Essa visão não é um pouco pessimista, pastor? Do jeito
que o senhor falou, parece que a igreja é uma comunidade de
hipócritas.
- Desculpe se dei a entender isso. O que eu quis dizer, na
verdade, é que existe muita gente enganada nas comunidades
cristãs; pessoas que não vivem o evangelho genuíno, só
participam de programações, sem compromisso algum com
Cristo. Muitos, inclusive, só comparecem para apresentar solos,
encenações teatrais, dirigir cultos, etc. Em suma, só querem
“aparecer”. Isso, é claro, não é a realidade de todos. Ainda há
verdadeiros discípulos de Cristo na igreja contemporânea,
pessoas que se doam na execução da obra de Deus, fazendo-a
não só dentro do templo, mas estendendo-a por onde passa.
- Olhando por esse lado, faz sentido.
- Mesmo assim, não dá para viver sem a igreja; ainda
que seus componentes sejam falhos. Não há como abrir mão
dela, seja no seu aspecto comunitário ou institucional. É
impossível prestarmos um serviço cristão de maior alcance
agindo individualmente. Além do mais, um cristianismo sem o
próximo não é cristianismo; uma fé que me leva ao afastamento

59
Controversando sobre o álcool

da comunidade por causa dos erros de alguém contraria os


ensinos de Jesus, que orientou seus discípulos a, quando fossem
ofendidos, procurarem o ofensor, em busca de reconciliação.
- O senhor tocou em um ponto que me intriga. Qual a
situação daquelas pessoas que ficam sem igreja? É possível ser
cristão sem pertencer ao rol de membros de uma igreja?
- Olha Cristiano, cada caso deve ser analisado
separadamente. Até porque, há pessoas que nem
compreenderam o evangelho, mas são membros de uma igreja,
enquanto outras o entendem e tentam vive-lo, mas não estão
filiadas a nenhuma igreja. O fato é que estar arrolado como
membro de uma igreja não garante a salvação. Entretanto,
acredito que o verdadeiro cristão não consegue permanecer
afastado do ajuntamento dos crentes por muito tempo. De um
jeito ou de outro ele vai querer se reunir com outros que
professem a mesma fé.
- É mesmo... até porque, como o senhor falou, “um
cristianismo sem o próximo não é cristianismo”.
- É isso aí! Mas, precisamos tratar do assunto que
motivou esse encontro, não é? Afinal, estamos aqui pra isso! –
disse o pastor Ricardo com o um sorriso no rosto.
- É verdade. Mas, de qualquer maneira, foi bom ter
aberto esse parêntese para falar sobre essas questões.
- Com certeza! É sempre bom conversar sobre aquilo que
diz respeito a Deus e ao seu povo.
Enfim, quando decidiram retornar à discussão sobre a
licitude do consumo do álcool por parte dos cristãos, foram
interrompidos por uma forte batida na porta do gabinete.
- Deve ser o irmão Mário, zelador da igreja. Ele bate
forte assim.
Ao atender, viu que realmente era o zelador. Este disse
que precisava conversar em particular, ressaltando, no entanto,

60
Abrindo um Parêntese

que não demoraria, pois o assunto era pacífico. O pastor pediu


licença a Cristiano e acompanhou o irmão. Enquanto isso, a
mente do jovem continuou fervilhando de questionamentos,
aguardando ansioso o retorno de seu pastor.

61
7
BEBER OU NÃO BEBER?

A
pós uma rápida conversa com o zelador da igreja, o
pastor, então, retornou ao gabinete, trazendo em uma
bandeja duas xícaras de café e alguns biscoitos. Ao ver
o pequeno lanche, o jovem sorriu e disse:
- Já vi que esse bate papo com o zelador rendeu, hein! Se
o senhor quiser ir lá mais vezes eu não ligo não!
- É, não foi bem sobre isso que fui falar com ele, mas
aproveitei e trouxe esse lanchinho pra gente. Mesmo assim, se
você quiser mais eu posso ir lá pegar.
- Que isso pastor, tô brincando!
- Tudo bem. Vamos retomar nosso assunto?
- Claro. Estamos aqui pra isso, não é?
- Bom, então vamos lá. Se me lembro bem, da última vez
que conversamos falei a respeito da diversidade de
interpretações a qual a Bíblia é constantemente submetida, além
de salientar que o vinho na época de Jesus era misturado com
água. Foi isso mesmo?
- Foi, mas... depois daquele dia encontrei-me com o
Edmilson na rua e ele falou que, na Antiguidade, as bebidas
alcoólicas eram usadas com frequência nos ritos religiosos de
vários povos, inclusive entre os judeus. De acordo com ele, os
israelitas derramavam, por ocasião do sacrifício diário, mais ou
menos um litro de vinho sobre o animal oferecido a Deus. Com
base nisso, ele perguntou: “se o vinho fazia parte do culto
prestado a Deus, por que o crente não pode consumí-lo”?21
21
Cf. p. 31.

62
Beber ou não Beber?

Além disso, ele disse que essa história de vinho misturado com
água é besteira, pois em 1Coríntios 11.20,21 a Bíblia mostra que
que havia pessoas que participavam da Ceia do Senhor e
ficavam embriagadas. Isso me deixou extremamente confuso.
Os argumentos dele pareceram muito convincentes.
- Aparentemente, são realmente convincentes. Porém,
quando olhamos de perto o primeiro ponto que ele ressaltou,
vemos que não faz tanto sentido assim; pois, o que tem a ver o
uso do vinho na realização de um rito com o consumo dessa
bebida? Se fosse assim, deveríamos beber o sangue dos animais
sacrificados também; o que seria um absurdo. O vinho era usado
no sacrifício por causa de sua associação com o sangue. Em
Gênesis 49.11 e Deuteronômio 32.14, esse vínculo simbólico
fica bem claro, visto que a Escritura, em função de sua
coloração avermelhada, chama o produto da vide de “sangue de
uvas”. Não foi por acaso que Jesus associou a bebida ao seu
sangue.
- Nossa! Nunca tinha pensado nisso.
- E tem mais: o derramamento do vinho era a oferta de
um dos produtos da terra, ou seja, uma dádiva divina, tal como o
azeite e a farinha. Isso não significa que a oferenda fosse
fermentada. Nada indica isso. Na verdade, o derramamento do
vinho sobre o animal era um ato de culto a Deus, não um
incentivo ao consumo do álcool. Seguir esse raciocínio é forçar
a barra.
- Depois desse esclarecimento tenho que concordar com
o senhor. Mas, e quanto ao texto de 1Coríntios 11.20,21?
- Veja bem, o texto que você mencionou não constitui
uma autorização bíblica para o consumo do álcool, mas trata-se
de uma crítica ao procedimento dos crentes coríntios. Eles
estavam usando bebida alcoólica na celebração da Ceia.
Acredito que no seu contexto cultural isso era até aceitável, pois

63
Controversando sobre o álcool

a cidade de Corinto era bastante conhecida na Antiguidade pelo


seu desenfreado estilo de vida, que incluía promiscuidade e
bebedeiras. Um dos deuses adorados pelos coríntios, por
exemplo, era Dionísio, deus do vinho. As celebrações dedicadas
a essa divindade eram caracterizadas por orgias e embriaguez.
Não é de se estranhar, portanto, que os coríntios achassem
normal o consumo de bebidas alcoólicas nos cultos prestados a
Deus.
- Espera aí. O senhor está dizendo que, ao contrário das
outras comunidades cristãs, os coríntios usavam vinho
fermentado ao invés do suco de uva?
- Na verdade, estou apresentando uma possibilidade,
uma linha de raciocíno, que, por sinal, é bastante coerente.
Porquanto, quando analisamos o pano de fundo cultural que
dava suporte à Ceia do Senhor, vemos que a bebida utilizada
não poderia ser alcoólica. Até porque, na ocasião em que Jesus
instituiu a Ceia, estava celebrando a Páscoa com seus apóstolos.
Ora, a Lei determinava que, durante a semana pascal, nenhum
tipo de fermento ou agente fermentador22 poderia ser usado no
preparo de alimentos e bebidas23. Isto porque, havia uma relação
simbólica entre o fermento e o mal, pois a fermentação altera,
decompõe e deteriora o elemento original. Por causa disso, na
literatura judaica posterior, o fermento passou a simbolizar
corrupção e impureza. Essa ideia fica clara, inclusive, nos
22
O termo hebraico, comumente traduzido como fermento é o substantivo
“seor” (HARRIS, JR e WALTKE, 1998). No Novo Testamento, o termo
equivalente é o grego “zymē”, o qual dá a idéia de levedura (GINGRICH e
DANKER, 1984).
23
Essa determinação está registrada em Êx 12.19,20, onde emprega-se o
hebraico mahmetset, que aponta para toda e qualquer coisa fermentada
(HARRIS, JR e WALTKE, 1998).

64
Beber ou não Beber?

ensinos de Jesus24 e Paulo25. Logo, como poderia o Cristo ter


usado uma bebida fermentada justamente na celebração da
Páscoa? Além disso, por qual motivo usaria algo fermentado
para simbolizar seu precioso sangue derramado na cruz do
calvário? Não faz sentido! Ele mesmo afirmou que veio para
cumprir a Lei26! Soma-se a isso o fato de que nenhum dos
evangelistas utiliza a palavra vinho quando se refere à Ceia do
Senhor. Eles usam a expressão “fruto da vide”27, uma clara
alusão ao vinho não fermentado, pois a videira não produz
bebida alcoólica. Esse sim é um símbolo adequado para o
sangue incorruptível do Filho de Deus.
- Pôxa, depois dessa fica difícil caminhar com o
Edmilson!
- Ainda te digo mais. Muitos insistem em dizer que o
consumo do álcool é uma questão cultural, que na época de
Jesus os judeus costumavam beber vinho alcoólico, etc.
Contudo, pensa bem: ainda que fosse uma questão cultural,
como afirmam, mesmo que fosse comum ingerir bebidas
inebriantes, o vinho alcoólico daquele tempo possuía um baixo
teor de álcool. Por isso, “o alcoolismo não era tão comum nem
tão grave como hoje em dia. E num contexto agrícola, seus
efeitos eram menos mortais do que agora” 28. Sendo assim, se
fosse permitido, de fato, seria algo contextual, porque, na
atualidade, tal “permissão” seria totalmente inviável, tendo em
vista a alta periculosidade do álcool. Nos dias atuais, temos
automóveis, que precisam ser guiados por pessoas
completamente sóbrias, famílias que, segundo Jesus, não devem
24
Mt 16.2; Mc 8.15.
25
1Co 5.8.
26
Mt 5.17.
27
Mt 26.29; Mc 14.25; Lc 22.18.
28
HARRIS, JR e WALTKE, 1998, p. 614.

65
Controversando sobre o álcool

ser desfeitas, e o alcoolismo cada vez mais crescente. Bem


diferente dos tempos do Novo Testamento, não é?
- Olha só pastor, quanto ao trânsito e ao alcoolismo,
concordo com o senhor, mas fiquei com dúvidas em relação à
dissolução da família. Ela podia ser desfeita antes de Cristo?
- Sim. O divórcio era algo muito comum entre os judeus
daquele tempo. Com base em Deteronômio 24.1, a maior parte
dos homens dava carta de divórcio às suas mulheres por
qualquer motivo, embora ela não pudesse mover esse mesmo
processo contra o marido. O rabino Hillel, por exemplo,
defendia que a carta poderia ser emitida, até mesmo, se a esposa
estragasse a refeição do marido. Pensando assim, muitos
aproveitavam essa “brecha” na Lei para contrair um novo
matrimônio, caso enjoasse da companheira. Essa questão,
inclusive, é o que motiva as declarações de Jesus em Mateus 19.
Entretanto, nós, os cristãos, ficamos com a orientação do Mestre
a respeito da indissolubilidade do casamento. Por isso,
preconizamos a conservação da união conjugal, que pode ser
maculada pelo consumo do álcool.
- É mesmo! Já que não havia uma predisposição de
conservar o casamento, eles não estavam nem aí para a
destruição que o álcool poderia provocar.
- É mais ou menos por aí.
- Deixa só o Edmilson vir de novo com esse papo pra ele
ver uma coisa!
- Opa, opa, opa! Não é por aí não meu jovem! Eu estou
aqui para esclarecer suas dúvidas, não para incentivar
confrontos. Usar o conhecimento para combater ou humilhar
pessoas é errado. Isso só nos afasta do ideal proposto por Jesus.
Ganhamos o debate, mas perdemos uma oportunidade de
mostrar com nossas vidas o verdadeiro amor de Cristo. Ao invés
de brigarmos com os outros, precisamos anunciar a verdade

66
Beber ou não Beber?

através de nossas vidas. Quer ver um exemplo? A maioria dos


evangélicos discorda das práticas homoafetivas, porém, se
entrarmos em brigas com os homossexuais a respeito de sua
sexualidade, facilmente os afastaremos do evangelho. É
preferível, ao contrário, mostrar-lhes o amor na prática, a
compaixão. Tal como Jesus fazia, abraçando os excluídos, os
desprezados. É disso que a humanidade precisa: ver Cristo em
nós. Se gastarmos nosso tempo em discussões estéreis, faremos
justamente o oposto: apresentaremos uma imagem distorcida do
Filho de Deus.
- É, eu estou errado. Não deveria nem ter cogitado essa
possibilidade.
- Calma, calma. Errar faz parte do processo de
aprendizagem. Basta olhar para os discípulos de Cristo. Como
eles erraram! Mas o tempo que passaram dando ouvidos à voz
do mestre os fez crescer e influenciar muitas vidas.
- Espero, um dia, poder fazer pelo menos a metade do
que eles fizeram.
- Busque o Senhor cada vez mais intensamente e, com
certeza, você será um instrumento valoroso em Suas mãos!
- Amém pastor!
- Bom, mas a respeito do que estávamos falando, volto a
dizer que considero o consumo do álcool inadequado ao cristão.
Aliás, é inadequado a todo homem. Afinal, o álcool é uma
droga! Acredito que foi por isso que, já no princípio da
Escritura, Deus mostrou os perigos inerentes a essa prática em
uma das narrativas que tratam das origens. Estou me referindo
ao episódio no qual Noé, após a cessação do dilúvio, plantou
uma vinha, colheu o seu fruto e bebeu seu suco depois de
fermentado, ficando completamente embriagado29. A
29
Gn 9.20,21.

67
Controversando sobre o álcool

embriaguez do patriarca levou-o a despir-se no meio de sua


tenda. Ele bebeu tanto que chegou a desmaiar. Entretanto, as
consequências do alcoolismo de Noé não pararam por aí. Um de
seus filhos, Cam, ao contemplar a situação deplorável de seu
pai, achou engraçado e compartilhou a “piada” com seus irmãos,
fazendo do incidente motivo de riso30. Ora, o homem justo e
íntegro, que andava com Deus31, agora sob o efeito do álcool se
tornara motivo de escárnio, maculando a sua imagem como
pregoeiro da justiça32 e como pai, expondo-se ao ridículo. Isso
tudo em um tempo em que o teor alcoólico das bebidas era bem
menor; imagina hoje!
- Sem dúvida, Deus deve ter colocado esse texto no
início para destacar o perigo dessa prática.
- Exatamente. Não dá para deixar passar isso
despercebido. O álcool é uma droga, em qualquer tempo e lugar!
Por isso, a Bíblia traz logo no princípio algumas advertências
em relação ao seu consumo. O que eu acho mais interessante
nisso é que esse episódio tem lugar em um momento histórico
anterior à formação do povo de Israel e, consequentemente, da
igreja. Isto é, trata-se de um alerta à toda a humanidade, não só a
uma determinada cultura ou povo, mas a todo homem.
- Caramba! O Senhor consegue enxergar alguns aspectos
da Escritura que ninguém vê!
- Calma. Não é bem assim. Existe muita gente que
enxerga até mais que eu. Considero-me apenas um estudioso.
Continuo aprendendo a cada dia; nunca me canso de estudar,
porque sei que não conheço tudo. Na verdade, estou bem
distante disso.
30
Gn 9.22.
31
Gn 6.9.
32
2Pe 2.5

68
Beber ou não Beber?

- Espero um dia chegar a ter pelo menos um pouco do


seu conhecimento.
- Pode ter até mais. Não me veja como o limite do
conhecimento, mas conheça e prossiga em conhecer o Senhor33,
examinando tudo e retendo o que é bom34. Fazendo isso, você
será um instrumento poderoso nas mãos de Deus.
- Amém! Mas... quanto àquilo que falávamos sobre Noé,
eu estava pensando: o texto de Gênesis que o senhor mencionou
não seria apenas um incentivo à moderação no consumo do
álcool?
- É possível entender desse jeito. Todavia, acredito que a
ideia transmitida é que se deve manter distância de tal produto,
pois existe uma linha muito tênue entre a sobriedade e a
embriaguez. Não há como conhecer o limite entre um estado e
outro, a não ser que se chegue nele.
- Nisso eu concordo com o senhor; realmente, não dá pra
saber qual o limite de consumo sem chegar nele.
- É por aí. E, talvez, por causa de todos os problemas
inerentes à ingestão do álcool, encontramos, não só na Bíblia,
advertências relacionadas a essa prática. Há mais de três mil
anos, na Mesopotâmia, por exemplo, já havia regras que
visavam restringir o fornecimento de bebidas alcoólicas para
aqueles que estivessem fortemente embriagados. Já naquela
época, inclusive, havia a ideia de que aqueles que fossem
devotados a uma divindade não deveriam consumir álcool. Caso
o fizessem, deveriam ser severamente punidos. No artigo 110 do
código de Hamurabi, diz que se uma sacerdotisa, que morasse
em um convento, abrisse uma taberna ou entrasse em uma para
beber cerveja, deveria ser queimada35. Semelhantemente, o
33
Os 6.3.
34
1Ts 5.21.
35
BALTIERE e CORTEZ In: MALBERGIER et al., 2009, p. 148.

69
Controversando sobre o álcool

código de Manu, o antigo compêndio de leis indianas, que


preconizou o sistema de castas, apresenta um posicionamento
contrário à ingestão de álcool. O artigo 651 dessa legislação
iguala o “bebedor de licores fermentados”36 a um assassino,
adúltero e ladrão. Além disso, no artigo 654 é dito que o tal
homem deve ser excluído do convívio social, pois não é boa
companhia37. Encontramos também, na antiga civilização
chinesa38 costumes e códigos que visavam à redução dos
resultados funestos do consumo de bebidas inebriantes. A
tradição judaica também adverte seus adeptos acerca das
consequências do alcoolismo. Um de seus midrashes39 declara
que Noé plantou a vinha em associação com Satanás, o qual
matou um cordeiro, um leão, um porco e um macaco, e regou,
com o sangue deles, o solo onde a semente fora plantada.
Conforme a história, após consumir a bebida fermentada, o
patriarca manifestou o caráter dos animais sacrificados. Esse
relato, portanto, tem como finalidade apontar a semelhança do
homem com os animais, depois de beber. Segundo a tradição,
bebendo somente um copo, o homem fica manso como o
cordeiro, a partir do segundo, começa achar que é forte como
um leão; depois do terceiro copo, deita-se como um porco; daí
pra frente, quanto mais bebe mais palhaçadas faz, como um
macaco40.
- Ah! Ah! Ah! Ah! - Riu Cristiano, interrompendo o
pastor - Isso é engraçado! - Comentou o jovem.
- É concordo com você. Realmente a comparação é
engraçada - replicou o pastor - mas, na prática, não tem graça
36
CÓDIGO DE HAMURABI. Código de Manu. Lei das XII Tábuas, 1994.
37
Idem.
38
ANTHONY In: MALBERGIER et al., 2009.
39
Comentário judaico do Antigo Testamento (GEISLER, 1997, p.191).
40
TORÁ, 2001.

70
Beber ou não Beber?

nenhuma. É triste, na verdade, ver alguém agindo como um


animal.
- É... eu vejo isso de perto desde criança...
definitivamente, não tem graça.
- Bom... vamos voltar para o assunto que tratávamos?
- Sim, vamos lá.
- Se tantas culturas conseguiram perceber os perigos do
consumo do álcool, isso significa que esse aspecto da bebida
ultrapassa os limites culturais, o que joga por terra o argumento
de que a cultura legitima sua ingestão. Até porque, pensar que,
por ser o consumo de bebidas inebriantes inerente à cultura de
um povo, não deve ser combatido, é o mesmo que afirmar que a
cultura tem precedência sobre a fé e a saúde. Essa ideia de que a
cultura deve ser mantida a qualquer custo é extremamente
problemática. Porquanto, se pensarmos assim, deixaremos de
evangelizar outros povos, visto que a religião está intimamente
ligada à cultura. Proclamar o Evangelho seria ferir tanto uma
quanto a outra. Amado, se a cultura, de fato, legitimasse o que
fazemos, o que poderíamos dizer sobre os canibais? A
antropofagia fazia parte da sua cultura. Seguindo esse
raciocínio, estes não precisariam, ao se converterem, deixar de
devorar pessoas?
- É claro que precisariam! Isso é uma desumanidade!
- Infelizmente, há uma série de culturas aberrantes e
desumanas pelo mundo. Uma delas é a circuncisão feminina,
que consiste na amputação do clitóris da mulher de modo a que
esta não possa sentir prazer durante o ato sexual. Tal ato é
bastante comum em certas partes da África, na Península
Arábica e em zonas da Ásia. Será que, por ser um aspecto da
cultura de um povo, tal prática estaria, automaticamente,
autorizada aos crentes dessas regiões? E o que dizer do trágico
episódio ocorrido no Iêmen, que culminou no divórcio de uma

71
Controversando sobre o álcool

menina de dez anos, a qual, por força da cultura, aos nove anos
foi obrigada a casar com um homem de trinta anos.
- Nossa! Não sabia disso! Que absurdo!
- É. Mas o pior de tudo é que, conquanto o homem
houvesse prometido à família que faria sexo com ela somente
quando a mesma completasse vinte anos, descumpriu a
promessa desde o início do casamento. Ainda que a menina
tenha tentado impedí-lo, ele a violentou. Desesperada, ela
procurou a justiça e solicitou seu divórcio, contrariando sua
tradição tribal. Mesmo tendo conseguido divorciar-se, no
entanto, quem recebeu uma indenização, no valor de duzentos
dólares, foi o marido, pois assim normatiza a cultura local. A
menina, que voltou a morar com os pais, passou a ser hostilizada
por ter desafiado os costumes locais. Ora, embora se trate de
uma questão cultural, não tenho dúvidas de que Deus não
aprova isso. Deveríamos, então, considerar uma atrocidade
dessas, normal? Acredito que, como cristãos, o que nos norteia
não é a cultura regional, até porque, em sua essência, o
Evangelho é uma contracultura. Nosso referencial é o texto
bíblico. Assim, mais importante é sabermos o que a Escritura,
não a cultura, nos diz a respeito. Porquanto, se o uso do álcool
for apenas uma questão cultural, não sendo, portanto, condenado
pela Bíblia, as demais condutas relacionadas à cultura não
podem ser proibidas; isso é claramente um absurdo.
- Concordo. Como o senhor ensina na igreja, a Bíblia é a
nossa única regra de fé e prática.
- É isso aí meu jovem! Muito bem!
- Obrigado pastor... mas eu fiquei com uma dúvida.
- Pode dizer.
- Conforme o senhor bem explicou, nenhum ser humano
deveria consumir álcool. Correto?
- Exato.

72
Beber ou não Beber?

- De igual modo, nós, como cristãos, não devemos beber.


Certo?
- É claro.
- O que o senhor faria, então, se uma de suas ovelhas lhe
dissesse que tem por costume consumir álcool? A excluiria?
- Bom, a minha visão sobre exclusão é bem diferente do
que muitos imaginam. Acredito que ela é a última instância. Não
é algo que a igreja deva fazer por qualquer motivo. Na verdade,
penso que devemos excluir somente quando o indivíduo já se
excluiu, quando não quer mais reconciliação. De outro modo,
pra que excluir? Devemos, como Jesus orientou41, buscarmos a
restauração do irmão, por mais obstinado que ele seja. Não
podemos desistir; ainda que ele tenha nos ofendido, temos de
buscá-lo, não afastá-lo de nós. Afinal, a igreja é uma
comunidade que tem por objetivo agregar, não segregar, incluir,
não excluir. Por conseguinte, numa situação dessas, eu
procuraria encorajar a pessoa a abandonar essa prática,
aconselhando e ensinado com base nas Escrituras, mais ou
menos como a gente está fazendo aqui.
- Mas e se ela não quisesse?
- Bom, a única coisa que me restaria seria não permitir
que o mesmo exercesse cargos no contexto da igreja, visto que
suas práticas funcionariam como exemplo negativo para os
demais membros. Até porque, se todos pensassem como ele,
correríamos o grande risco de contribuir para a recaída de
muitos alcoólicos regenerados, pois, por ocasião da Ceia do
Senhor, ou de qualquer outra celebração, serviríamos bebida
fermentada. E, como se sabe, para um ex-alcoólico, basta o
primeiro gole para que retorne à embriaguez.
- Mas o senhor iria deixa-lo de lado?!?
41
Mt 18.15-22.

73
Controversando sobre o álcool

- Claro que não. Eu continuaria a buscá-lo, a orar por ele


e a inseri-lo em nossas atividades. Não é só porque alguém não
exerce cargos na igreja que significa que é desprezado. Pelo
contrário, continua sendo amado. São as pessoas que confundem
as coisas e acabam se magoando de graça.
- É. Olhando por esse lado, não parece tão desumano.
Depois de tratar de vários assuntos, Cristiano olhou,
rapidamente, para o relógio afixado na parede do gabinete, e
percebeu que mergulhara tão profundamente no diálogo com seu
pastor que havia perdido a noção do tempo. Já eram onze horas
da noite! O jovem, preocupado com sua mãe, disse ao pastor
que precisava ir. Os dois oraram, agradecendo a Deus pelo
momento de comunhão e aprendizado que tiveram, e
despediram-se logo em seguida.
Todavia, ao longo da caminhada rumo ao seu lar,
Cristiano continuou refletindo sobre os tópicos abordados
naquele encontro. Pois, conquanto concordasse com seu pastor
em alguns pontos, entendia que o tema merecia uma maior
atenção. Até porque, conforme pensava o jovem, os argumentos
do pastor Ricardo apontavam sempre para os males do consumo
exagerado, não levando em conta a moderação defendida por
outros cristãos. Além disso, ele não conseguia concordar com a
visão do ministro a respeito dos membros que bebem com
moderação. Porquanto, ainda que Cristiano abominasse toda e
qualquer bebida alcoólica, considerava justo que outros
pudessem desfrutar delas, moderadamente, se assim quisessem
sem ser alvo de quaisquer sanções administrativas.
Pouco tempo depois, chegando a casa, sua mãe logo o
recebeu, perguntando sobre a conversa com o pastor.
- E aí meu filho, como foi? - Perguntou dona Odete.
- Ah mãe, foi bastante esclarecedor! - Respondeu
Cristiano.

74
Beber ou não Beber?

- E as suas dúvidas, foram resolvidas?


- Em parte.
- Como assim, em parte?
- Bom, o pastor me mostrou que os argumentos do
Edmilson não se sustentavam. O que foi muito bom. No entanto,
os argumentos que ele me apresentou, mais uma vez, depuseram
contra o consumo exagerado do álcool. A respeito da
moderação, ele nada acrescentou. Além disso, ele me falou um
negócio que eu não engoli muito bem. Ele disse que se alguém
de sua igreja não concordasse com sua visão, seria impedido de
exercer cargos até que abandonasse a prática.
- Ué! Você acha que ele está errado?
- Se está errado ou não, eu não sei. Só sei que não
concordo.
- Espera aí, meu filho. Pensa comigo. Já imaginou se seu
pai bebesse moderadamente?
- Pôxa, seria ótimo!!!!
- É. Mas, se fosse assim, possivelmente você não teria
aversão ao álcool. Desse modo, você também consumiria essas
bebidas. Isso poderia te levar ao alcoolismo, assim como
ocorreu com seu pai. Aliás, você sabia que ele começou
bebendo moderadamente? Só um pouquinho, aos finais de
semana. Mesmo assim, perdeu o controle. Na igreja poderia
acontecer a mesma coisa. Um pouco de fermento poderia
levedar toda a massa. Por isso, acho melhor coibir os maus
exemplos.
- Nossa! A senhora me surpreendeu mãe! Nem o pastor
Ricardo me apresentou a questão dessa maneira! A senhora está
de parabéns. Me convenceu!
- Vem cá meu filho. Vamos orar então e agradecer ao
Senhor, pois é o Espírito Santo quem convence o homem do
pecado, da justiça e do juízo.

75
Controversando sobre o álcool

Após uma oração recheada de sentimentos, dona Odete


abraçou seu filho e disse:
- Filho, você é uma bênção na minha vida! Continue
assim.
- Amém, mãe - Respondeu o rapaz.
Logo em seguida, os dois foram dormir.

76
8
DA TEORIA À PRÁTICA

N o dia seguinte, por volta de dez horas da manhã,


Cristiano acordou, sentindo o perfume exalado pelo café
que sua mãe acabara de confeccionar. Levantou-se,
espreguiçou-se e dirigiu-se à cozinha, onde sua mãe, com um
sorriso, o esperava para compartilhar a refeição matinal.
- Nada como dormir até tarde no sábado! - Exclamou o
jovem.
- É verdade. É muito bom recarregar as baterias -
Afirmou sua mãe.
Em seguida, mãe e filho deram as mãos e fizeram uma
oração de gratidão a Deus, e, assim, desfrutaram do saboroso
café da manhã preparado por dona Odete. Logo após, Cristiano
decidiu dar uma pequena arrumação em seu quarto. Começou
dando uma geral nos papéis e revistas antigas guardadas em
cima de seu guarda-roupa. Foi aí que o jovem se deparou com
uma revista que continha um artigo a respeito da história do uso
de drogas. Ele a leu atentamente até o fim. Alguns minutos
depois, o telefone tocou. Era Beatriz.
- Oi amor, tudo bem? - Perguntou a jovem.
- Tudo ótimo! - Respondeu Cristiano.
- E aí, vamos aproveitar o sábado para passearmos?
- Claro. Estou doido para espairecer um pouco. Daqui a
mais ou menos uma hora eu passo aí!
- Tá combinado!
Rapidamente, Cristiano tomou um banho, pôs sua
melhor roupa, despediu-se de sua mãe e saiu. Chegando à casa

77
Controversando sobre o álcool

de Beatriz, logo foi recebido com um forte abraço e muitos


beijos.
- Nossa, por que isso tudo?!? - Comentou o jovem.
- Ah, eu estava com saudades de você! Ultimamente
você só quer saber de falar sobre álcool... - Respondeu Beatriz.
- Que isso, meu amor! Você sabe que eu sou louco por
você, não sabe?
- Claro que sei. Mas eu quero receber atenção também.
- Então, por isso é que nós vamos sair agora, para que
você receba toda a atenção que merece.
- Tudo bem.
Após a rápida conversa, o casal saiu rumo ao shopping
do bairro. No entanto, no decorrer da caminhada se depararam
com uma cena nada agradável. Viram o pai de Cristiano
desmaiado na calçada. Ao contemplar aquela imagem
decadente, o jovem não suportou e derramou lágrimas.
- Meu Deus! Será que isso não vai acabar nunca?!? -
Questionou Cristiano.
Beatriz, vendo a tristeza no olhar de seu namorado, e
ouvindo aquelas palavras desoladoras, tentava consolá-lo,
dizendo:
- Calma meu amor, Deus vai trabalhar no coração dele!
Confia no Senhor!
- Eu sei amor, mas essas cenas me tiram do sério!
Todavia, enquanto os dois conversavam, seu Jurandir
começou a despertar.
- Ai, que dor de cabeça! - Falou, gemendo, o pai de
Cristiano.
- Pôxa pai, quando você vai deixar essa vida? -
Perguntou o jovem.
- Oh meu filho, é você?!? Que bom te ver! - Respondeu
Jurandir.

78
Da Teoria à Prática

- Pai... Sinceramente, eu até queria te encontrar, mas


confesso que não é nada bom vê-lo nessas condições.
- Por que filho? Só porque eu bebi?
- Só por isso pai? Não acredito! O senhor acha que é
pouco?!? Eu vejo cenas como essa desde criança. Pra mim, isso
é muito!
- Mas filho, todo mundo toma uma biritinha de vez em
quando. Acho que Deus não vai me mandar para o inferno por
causa disso.
- Nisso você está certo. Você não vai para o inferno
porque bebeu. O que te leva para lá é não receber a Cristo como
Senhor e Salvador.
- Então tá tudo certo! Eu tenho Jesus no meu coração! Eu
vou para o céu! Tá vendo aí? Posso beber e ir para o paraíso!
Foi você mesmo que disse. Pra quê parar?
- Espera aí, não foi bem isso que eu disse. Quem recebe
a Cristo como Senhor e Salvador de sua vida, é regenerado pelo
Espírito Santo, torna-se nova criatura. Isto é, deixa de ter prazer
no pecado, pois encontra a real felicidade em Jesus.
- Mas quem disse que beber é pecado? Até onde eu sei, a
Bíblia fala contra a embriaguez, mas não proíbe a bebida.
Quero ver você me mostrar na Bíblia, onde está escrito que eu
não posso beber!
- Só se o senhor me mostrar onde está escrito que pode.
- Ué, eu já ouvi dizer que Jesus bebia. E aí, o que você
me diz?
- É pai, muita gente usa esses argumentos para justificar
a bebedeira; e esquecem que, por mais que a Bíblia não diga
nada diretamente, o álcool continua sendo uma droga. Beber
prejudica o bebedor, sua família, amigos e, até mesmo,
desconhecidos. Isto é, todo mundo sofre.

79
Controversando sobre o álcool

- Não é bem assim. Quem sofre é quem bebe, com um


monte de gente reclamando do seu lazer.
- Lazer?!? Perder o controle de suas faculdades mentais é
lazer?!? Dormir na calçada é lazer?!? Agredir a família é
lazer?!? Então, sinceramente, não sei o que é monotonia!
- Espera aí, você está mudando de assunto. Responda
logo: Jesus bebia ou não bebia?
- A questão, pai, não é se Ele bebia, mas o que ele bebia.
- Ele bebia vinho, oras!
- Sim, mas o vinho naquela época não era como o vinho
de hoje. Era muito comum misturá-lo com água, o que cortava
seu efeito embriagante. Além disso, a Bíblia diz: “quer comais
quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para
glória de Deus” 42. Ser dominado pelo álcool, sem dúvida, não
glorifica a Deus.
- Ué, mas quem disse que eu sou dominado pelo álcool?
Eu bebo por prazer. Na hora que eu quiser parar, eu paro.
- Então, eu te desafio a ficar um mês sem beber. O
senhor consegue?
- É claro que consigo, só não vou fazer porque eu não
quero.
- Espera aí pai! Isso é desculpa para justificar sua
incapacidade de deixar o álcool!
Diante dessas palavras, Jurandir, irado, respondeu:
- Veja bem como fala comigo, hein rapaz! Eu sou seu
pai!
Beatriz, preocupada com o desfecho daquilo,
imediatamente interveio, tentando apaziguá-los, dizendo:
42
1Coríntios 10.31.

80
Da Teoria à Prática

- Vamos nos acalmar, não estamos aqui para brigar.


Afinal, estamos no meio da rua. Além disso, vocês são pai e
filho, deveriam se amar!
- É, você tá certa - Respondeu Cristiano - Me desculpe
pai, eu me excedi.
- Eu também peço desculpas meu filho. Não quero fazer
uma cena perto da sua namorada - Replicou Jurandir.
- Pai, o que eu mais quero é que o senhor abandone essa
vida! Não tenho a intenção de brigar contigo, só desejo vê-lo
completamente livre desse vício! Dói profundamente no meu
coração encontrá-lo nessas condições! Meu sonho é poder vê-lo
completamente restaurado e servindo a Deus ao lado de minha
mãe. Eu te amo pai! Só quero o seu bem! Por isso, eu apelo ao
seu coração: receba a Jesus como seu Salvador, só Ele pode te
libertar. Na Sua Palavra Ele disse: “se, pois, o Filho vos libertar,
verdadeiramente sereis livres” 43. Ele não veio para levar
pessoas ao cativeiro, mas para libertá-las. Logo, jamais poderia
concordar com o consumo do álcool, visto que este aprisiona
muitos.
- Tudo bem filho, mas esse é o único prazer que tenho na
vida. Se eu abandoná-lo, como vou viver?
- Seu Jurandir, - Interrompeu Beatriz – Jesus tem algo
muito melhor para o senhor, Ele pode te dar uma nova vida, uma
alegria que não vai mais sair do seu coração44, uma paz que não
é limitada à ausência de problemas45! Ele pode transformar a sua
vida de tal maneira, que o álcool nunca mais exercerá domínio
sobre o senhor, pois Ele será o Senhor da sua vida, o seu prazer
será nEle, não em breves momentos de prazer! Aceita Jesus, seu
Jurandir!
43
João 8.36.
44
João 16.22.
45
Filipenses 4.7.

81
Controversando sobre o álcool

- Calma querida, um dia eu chego lá - Respondeu


Jurandir - Quando Deus tocar no meu coração, eu vou. Cada um
tem a sua hora.
- Desculpe a minha insistência, seu Jurandir, mas preciso
lhe dizer que a hora é agora. A Bíblia, a respeito da decisão do
homem em relação ao apelo divino, diz o seguinte: “hoje, se
ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações [...]” 46. O
seu dia é hoje, a sua hora é agora! Deixa Cristo entrar no seu
coração! Deixa Ele mudar a sua vida!
- Eu agradeço por suas palavras, Beatriz; mas não posso
te dizer que vou me tornar um crente hoje. Na verdade, não é
isso que eu quero agora. Quem sabe um dia eu faça uma visita
na igreja de vocês...
- Espero que haja tempo para isso...
- Claro que haverá, minha jovem. Deus é muito bom.
Penso, inclusive, que Ele é melhor do que o que vocês
apresentam. Aliás, pra mim, Ele não vê problema nenhum no
meu hábito de beber. Acho que isso é coisa que os crentes
inventaram.
- Pai. - Interrompeu Cristiano - Posso te fazer algumas
perguntas?
- Faça meu filho.
- O senhor crê em Deus?
- Claro! Como poderia não acreditar?!? Ele é o criador
de tudo.
- O senhor crê que Ele sabe de tudo? Passado, presente e
futuro?
- Creio sim.
- O senhor crê que Jesus é Deus?
- Bom, Ele é o Filho de Deus. Foi assim que eu aprendi.
46
Hebreus 3.15.

82
Da Teoria à Prática

- Tá, mas filho de peixe é:


- Peixe.
- Filho de cachorro é:
- Cachorro.
- Filho de homem é:
- Homem.
- E Filho de Deus é o quê?
- É, pensando assim... é Deus, né?
- É isso aí pai! Então, se Jesus é Deus, Ele possui os
mesmos atributos, as mesmas características de Deus. Correto?
- Sim.
- Logo, Jesus também sabe de todas as coisas. Concorda?
- É, se Ele é Deus, sabe de tudo.
- Então, por mais que o senhor goste de beber, a verdade
é que o álcool causa um monte de problemas. É por causa dele
que muitos acidentes acontecem, famílias são desfeitas, pessoas
agridem as outras, doenças como a AIDS são transmitidas, além
dos riscos à saúde que ele proporciona. Ora, será que diante de
todos os problemas resultantes do consumo do álcool, Jesus, que
sabia de tudo, teria aprovado o uso, ainda que moderado, de
bebidas alcoólicas? Jesus, mesmo sabendo que o consumo, tanto
moderado quanto extremado, de álcool, provocaria uma série de
males, teria incentivado tal prática?
- É, olhando por esse lado...
- Mesmo que a Bíblia, aparentemente, não fale nada a
respeito do consumo do álcool, acredito que Deus não se alegra
ao ver alguém que o consome. Até porque, a Escritura não diz
também para não fumarmos maconha ou cheirarmos cocaína,
mas será que, só por isso, essas práticas seriam, então,
“aprovadas” por Deus?
- É, mas naquela época, nem existiam essas coisas. Por
isso que a Bíblia não fala nada.

83
Controversando sobre o álcool

- É aí que o senhor se engana. Esta manhã, olhando umas


revistas antigas, encontrei um artigo na Super Interessante, que
contava a história do uso das drogas. O autor, citando o primeiro
homem reconhecido como historiador, relata que a maconha, no
quinto século a.C., era queimada nas saunas para levar os
frequentadores ao êxtase. De acordo com o texto, “o banho de
vapor dava um gozo tão intenso que arrancava gritos de alegria”
47
. Isto é, na época de Jesus já existia maconha, mas nem Ele,
nem a Bíblia falaram nada sobre ela. Isso significa que Ele
autorizou seu consumo?
- Acho que não.
- O mesmo artigo destaca ainda que os cogumelos
alucinógenos são conhecidos pelos homens há, pelo menos,
cinco mil anos! Mesmo assim, as Escrituras nada falam sobre
eles. Não há nem uma advertência sequer. Será que isso indica a
aprovação? De maneira nenhuma! Não precisa estar escrito na
Bíblia para sabermos que é errado e que desagrada a Deus!
- Eu até concordo meu filho, mas acho que, por mais que
Deus não goste do que eu faço, Ele não vai me punir por isso.
- Nem precisa né pai. Só os males do próprio álcool, em
si, já constituem uma punição. A perda da família e da saúde já
provoca uma dor muito grande.
Ao ouvir essas palavras, Jurandir ficou sem ação, pois
percebera que tudo o que Cristiano dissera era a mais pura
verdade. Realmente, seu comportamento estava errado. Não
havia mais argumentos. Apesar disso, não quis dar o braço a
torcer. Manteve-se quieto por alguns instantes, até que, colocou
a mão no ombro de seu filho e disse:
47
LOPES, 2006, p. 65.

84
Da Teoria à Prática

- Filho... acho melhor você ir passear com sua namorada.


Aproveita o seu dia de folga. É melhor do que ficar aqui
discutindo com um bêbado, perdendo seu tempo.
- Não pai, não é perda de tempo!
- É sim. Me deixa sozinho, eu preciso pensar na vida.
- Mas... como vou te encontrar de novo? Eu nem sei
onde você está morando?
- Fique tranquilo meu filho. Na hora certa, eu te procuro.
Sei onde você mora e tenho seu telefone, lembra?
- Mas, e se você ficar doente? E se sofrer um acidente?
Como vou saber?
- Calma meu filho, depois eu te ligo e te passo um
número de telefone, tá bom? Agora vai passear! Aproveita a
vida que Deus te deu!
- Deixa ele amor - orientou Beatriz - É o que ele quer:
ficar um pouco sozinho.
Um pouco contrariado, Cristiano resolveu atender ao
pedido de seu pai. Antes, no entanto, deu-lhe um abraço
apertado e pediu que não o abandonasse e que refletisse naquilo
que haviam conversado. Tendo o casal se despedido de Jurandir,
seguiram rumo ao passeio anteriormente marcado.

85
9
CONTROVERSANDO AINDA MAIS

A
pesar das circunstâncias do encontro que tivera com seu
pai, Cristiano levou Beatriz a um parque de diversões
para aproveitar o restante do sábado. Ela, empolgada,
acompanhou o namorado em todos os brinquedos, incentivando-
o a desfrutar plenamente de cada momento. Afinal de contas,
naquela semana eles não haviam tido muito tempo para lazer.
Algumas horas mais tarde, estando os dois já bastante
cansados, decidiram ir embora. Beatriz, entretanto, sugeriu que
passassem o restante do dia em sua casa, com o que Cristiano
concordou sem discutir. Seu único pedido foi que, antes,
passassem em um restaurante para almoçar; até porque, já eram
dezenove horas.
- Na verdade, você está me convidando para jantar; mas
tudo bem, vamos lá. Afinal, já faz um tempão que a gente não
passa tanto tempo junto, né? - Destacou Beatriz.
- Qual restaurante você quer ir? - Perguntou Cristiano.
- Tem um restaurante que meu primo sempre fala, aqui
pertinho. Eu gostaria de ir lá. Eles servem carnes exóticas; eu
sou doida para experimentar! Podemos ir lá?
- Claro meu amor! Você é quem manda!
Assim, o casal seguiu em frente, conversando e rindo,
lembrando-se das cenas cômicas que vivenciaram no parque.
Chegando ao restaurante, escolheram uma mesa localizada em
frente a uma TV. Logo que se acomodaram e fizeram seu
pedido, foram surpreendidos por Edmilson, primo de Beatriz,
acompanhado de Maria, sua esposa.

86
Controversando ainda mais

- Olá! Que prazer vê-los aqui! Este é o nosso restaurante


preferido! - Salientou Edmilson.
- Que baita coincidência! Bem que a Beatriz falou que
você falava muito desse lugar! - Replicou Cristiano.
- Uma feliz coincidência, Cristiano! Podemos sentar com
vocês? Nós também viemos jantar.
- Embora estejamos aqui para “almoçar”, será um prazer
tê-los conosco! Senta aí!
- Almoçar!?! Caramba!!! Por onde vocês andaram?
- Ah, a gente estava aproveitando o dia juntos. Fomos ao
parque de diversões e andamos um pouco por aí.
- Poxa, que legal!
Tendo Edmilson e sua esposa se assentado,
imediatamente fizeram seu pedido. Em seguida, o garçom
perguntou a todos o que iriam beber. Então, Edmilson, com os
olhos fitos em Cristiano e um sorriso no rosto, pediu que
trouxessem uma garrafa de vinho tinto. Beatriz se indignou e
disse:
- Para de bobeira Edmilson! Você sabe que nós não
bebemos!
- Tudo bem, tudo bem - Replicou Edmilson e disse ao
garçom:
- Traga vinho só para mim e minha esposa.
- Pra nós, por favor, traga duas taças de suco de uva tinto
- Solicitou Cristiano ao garçom.
Ao ouvir o pedido de Cristiano, Edmilson não resistiu e
deu mais uma alfinetada nele.
- Caramba, Cristiano! Você não parou com esse
comportamento formatado! Já te expliquei várias vezes que não
há problema algum em beber um pouquinho. Pensa comigo: não
dá pra dizer que ter um carro potente é errado, só porque
conheço pessoas que morreram ao usá-lo. Porquanto, sempre

87
Controversando sobre o álcool

haverá outros que possuem o mesmo carro, mas vivem bem. Isto
porque, o problema não é o carro, mas a imprudência do
condutor. Com a bebida acontece o mesmo. O problema está em
quem bebe, não na bebida em si; o que precisa ser trabalhado é o
autocontrole do indivíduo.
- Concordo com você. O problema realmente está em
quem bebe; eu nunca disse o contrário. Da mesma forma,
acredito que a maconha não é um problema, é só uma planta. O
uso que se faz dela é que acaba sendo problemático. Não me
considero, portanto, formatado. Só não acho que beber seja algo
adequado à minha fé, e nem à minha saúde. Afinal, o álcool é
uma droga. Beber moderadamente seria o mesmo que fumar
maconha apenas socialmente.
- Aí você já está apelando! Nossa conversa é sobre o
álcool, não sobre maconha ou cocaína.
- Ora, mas não são todos reconhecidos como drogas?
Então, o que eu falei tem tudo a ver! Além disso, consumir
álcool funciona como um mau exemplo para os filhos e para
outros crentes. A própria Escritura nos orienta a pensarmos nos
outros antes de fazermos essas coisas. Em Romanos 14.21, por
exemplo, a Bíblia diz: “bom é não comer carne, nem beber
vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se
escandalize, ou se enfraqueça”. Por que eu continuaria, então,
com uma prática que pode levar outros ao tropeço? Seria muito
egoísmo da minha parte.
- Então me responde uma pergunta.
- Pode fazer.
- Seguindo a sua linha de raciocínio, se não tivesse
ninguém por perto, você beberia?
- Não.
- Mas por quê?!? Não haveria o risco de levar alguém a
tropeçar!

88
Controversando ainda mais

- Me diz uma coisa: por que é tão importante pra você


que eu beba?
- Olha, em momento algum eu disse que queria que você
bebesse. Na verdade, minha intenção é te libertar desse
pensamento fundamentalista que foi implantado na sua mente.
Por isso, a questão não é se você vai beber ou não, mas por que
você não bebe. Se você me dissesse, por exemplo, que prefere
não beber por não gostar do sabor do álcool, eu aceitaria numa
boa. Porém, quando você vem com esse papo de que crente não
pode beber, eu fico indignado.
- Acho que você está enganado, Edmilson. O álcool é
uma droga! Meu pai começou a beber moderadamente e se
tornou um alcoólico! Você acha justo que eu me exponha ao
mesmo risco?!? Considera justo expor outros crentes,
desnecessariamente, a esse risco?!? Afinal de contas, por que
temos que beber?!? Você mesmo disse que beber era uma
questão cultural. Por que tenho de ceder à cultura do álcool?!?
Por que tenho que fazer isso? Pra me sentir mais homem?!? Pra
me tornar aceitável aos olhos da sociedade? Sabe, eu estava
pensando: muita gente diz que consumir ou não consumir álcool
é uma questão cultural. Responda-me então: por que o consumo
do álcool aparece em, praticamente, todas as culturas da
humanidade? Se é cultural, tinha que aparecer em um lugar e
noutro não; mas se é regra, como pode ser “uma questão
cultural”? Pra mim, isso não passa de asneira!
- É aí que você se engana; posso citar um exemplo,
próximo de nós, de uma cultura na qual não há consumo de
álcool. Na comunidade indígena Waimiri Atroari, que vive na
divisa dos estados do Amazonas e Roraima, nenhum integrante
consome álcool, nem qualquer outro tipo de droga.
- É, mas esse caso é um em um milhão! A maioria
esmagadora da população mundial consome álcool. Você

89
Controversando sobre o álcool

mesmo me disse que o álcool era empregado, nas mais diversas


culturas, inclusive nos ritos religiosos. Além disso, noutro dia,
assisti a um documentário na TV que dizia que até os animais se
drogam! De acordo com estudos, cerca de quatrocentas espécies
animais procuram substâncias inebriantes! Isso não é uma
questão cultural. Acredito que se trata da tendência natural que
todos temos para aquilo que é errado. Por conta do pecado, toda
a criação foi maculada.
- Mas olha só, pensa comigo: se até os animais bebem e
não se discriminam, por que nós haveríamos de criminalizar os
humanos que o fazem?
- Mas quem foi que disse que eu discrimino quem bebe?
Pelo contrário! O que eu estou defendendo é o meu direito de
não beber. Até porque, penso que nenhum ser humano deveria
fazê-lo. Ademais, sobre o que você disse a respeito de
seguirmos o exemplo dos animais, eu discordo. Pois, se é para
seguir o exemplo deles, por que não imitamos seu hábito de
defecar e jogar suas fezes nos outros? Esse hábito ninguém quer
imitar!
- Eca! O que é isso Cristiano?!? Estamos à mesa! - Disse
Beatriz, chamando a atenção de seu namorado.
- Desculpe, meu amor - Respondeu o jovem.
- Concordo com a Beatriz, Cristiano. Não precisa apelar
- Ironizou Edmilson.
- Eu não estava apelando, apenas argumentando -
Replicou Cristiano.
- Entendo. Contudo, quero relembrar que não sou
totalmente a favor do álcool; minha visão é que podemos
consumi-lo desde que o façamos moderadamente. Porquanto, é
sobre isso que a Bíblia fala, não sobre abstinência. Até mesmo
Jesus, quando enfatizou a necessidade de uma transformação
completa, utilizou o vinho alcoólico em sua ilustração,

90
Controversando ainda mais

ressaltando que a pressão produzida pela fermentação da bebida


poderia romper facilmente o odre, uma espécie de cantil de
couro usado para armazenar o vinho48. Além disso, o próprio
Cristo foi chamado por seus acusadores de comilão e beberrão49.
É claro que isso era uma calúnia dos fariseus, pois Jesus nunca
se embriagou. Porém, para que pudessem chama-lo de beberrão,
alguém teria que tê-lo visto consumindo vinho alcoólico. Se Ele
fosse abstêmio como João Batista, por exemplo, a acusação seria
completamente infundada.
- Ou poderiam tê-lo visto consumindo suco de uva e,
para acusa-lo mentiram dizendo que era vinho, tal como fizeram
os sacerdotes, arrumando falsas testemunhas contra Jesus50.
Quanto à ilustração do odre, mesmo que fosse vinho
fermentado, não significa que Jesus aprovasse seu consumo só
porque o usou em uma história fictícia. O propósito dEle era
transmitir uma mensagem. O pastor Ricardo, por exemplo, já
contou uma ilustração sobre um homem que colocava seus dois
cachorros para brigar diante de um público ávido por violência,
que nem imaginava que ele alimentava aquele que desejava que
fosse vitorioso e deixava sem comida o que ele queria que
perdesse. Essa história, no entanto, tinha como objetivo mostrar
que a área de nossas vidas que recebe maior alimento, carne ou
espírito, é a que vence. Mesmo assim, isso não significa que
meu pastor concorde com briga de cães.
- Boa! Você tá aprendendo a debater, não é rapaz?!?
- Que isso! A gente só tá conversando.
- Tá bom. Então pensa comigo: por que no episódio
narrado em Atos 2, Pedro, diante daqueles que acharam que os
discípulos estavam embriagados, não disse que a eles não
48
Mateus 9.16-17.
49
Mateus 11.19.
50
Mateus 26.59-61.

91
Controversando sobre o álcool

convinha beber por serem cristãos? Ao contrário, ele só


salientou que a hora, nove horas da manhã, não era apropriada
para o consumo do álcool51. E aí, o que você me diz?
- Eu digo que, de acordo com a sua afirmação, Pedro
estaria dizendo que eles só não estavam embriagados porque
eram nove horas da manhã, mas se fosse, por exemplo, três
horas da tarde seria normal que todos estivessem bêbados.
Pensando assim, eu poderia entender que é lícito ao crente se
embriagar, desde que o faça depois do meio dia, o que é
claramente um absurdo.
- Então, qual seria a interpretação correta, sabichão? -
Questionou Edmilson com certo sarcasmo.
- Não sei, diga você, cientista da religião - Replicou
Cristiano, com uma dose de ironia.
- Bem, quando Pedro faz menção ao horário, ele não
tinha em mente a permissividade relativa à embriaguez; na
verdade, a afirmação do apóstolo estava ligada à cultura judaica,
visto que a terceira hora do dia, isto é, nove horas da manhã, era
o momento das orações matinais. Antes disso, os judeus não
comiam e nem bebiam nada. Quem se embriagasse logo pela
manhã era mal visto. O próprio Deus, por intermédio do profeta
Isaías, condenava diretamente tais pessoas, afirmando: “ai dos
que se levantam pela manhã, e seguem a bebedice52 [...]”.
Todavia, assim como os demais judeus, acredito que Pedro
concebia a ideia de beber, sem se embriagar, em outros
momentos. Até porque, no texto, os acusadores mencionam um
vinho mais leve, que, apesar de não ser tão forte e concentrado
como os mais envelhecidos, podia muito bem causar
embriaguez.
51
Atos 2.15.
52
Isaías 5.11.

92
Controversando ainda mais

- Me desculpe Edmilson, mas, pra mim, continuou na


mesma. Pois, da mesma forma que você diz que Pedro, em seu
discurso, não favoreceu a embriaguez, alguém pode dizer que
ele admitiu a possibilidade. O texto dá margem para os dois
lados; porque, uma vez que o problema era a embriaguez
matinal por causa do período dedicado às orações, cessadas as
preces eles poderiam tranquilamente se embebedar.
- Então, por que você não apresenta uma solução para
isso?
- Porque eu não sou teólogo. Só estou defendendo meu
posicionamento. Mesmo assim, acho que existe uma solução
mais adequada para essa questão, que sem dúvida não faz
apologia ao consumo do álcool.
- Ah é? Só que esse não é o único texto que favorece o
consumo. Em Juízes 9.1353, por exemplo, a Bíblia diz que o
próprio Deus é alegrado pelo vinho; em Eclesiastes 9.754, o
pregador incentiva o leitor a beber; em Provérbios 31.6,755, a
mãe do rei Lemuel o aconselha a dar bebida forte e vinho aos
moribundos e amargurados de espírito, a fim de que esqueçam
de sua miséria; em Amós 9.1456, Deus promete que libertaria o
povo do cativeiro para que pudesse plantar vinhas e beber vinho
53
“Porém a videira lhes disse: deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e
aos homens, e iria pairar sobre as árvores”?
54
“Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração contente o teu
vinho, pois já Deus se agrada das tuas obras”.
55
“Dai bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados
de espírito. Que beba, e esqueça da sua pobreza, e da sua miséria não se
lembre mais”.
56
“E trarei do cativeiro meu povo Israel, e eles reedificarão as cidades
assoladas, e nelas habitarão, e plantarão vinhas, e beberão o seu vinho, e
farão pomares, e lhes comerão o fruto”.

93
Controversando sobre o álcool

em sua terra natal. Além disso, em Dt 14.2657, é dito que o


israelita, ao participar de uma refeição de comunhão no
santuário, poderia consumir vinho e bebida forte. E depois você
vem me dizer que não podemos beber! Besteira!
Enquanto apresentava todas aquelas referências,
esperando intimidar o ousado jovem que lhe contestava,
Edmilson percebeu que Cristiano fazia algumas anotações em
um guardanapo. Intrigado com a atitude do rapaz, o primo de
Beatriz, mostrando indignação, logo indagou:
- O que você está escrevendo aí? Eu estou aqui falando,
falando, falando e você fazendo anotações. Que falta de
respeito! Mostra logo esse papel aí.
- Relaxa Edmilson, eu só estou anotando os versículos
que você falou para eu poder perguntar ao pastor Ricardo como
interpretá-los.
- Como é que é?!? Você está duvidando da minha
interpretação? Não está acreditando no que eu estou falando? E
ainda vai submeter as minhas palavras ao crivo do seu
pastorzinho? Não acredito nisso! É o cúmulo! Você não vê que
esse camarada está te formatando, moldando seu pensamento de
acordo com o dele?!?
- Opa, opa, opa, espera aí! Eu já falei que o pastor
Ricardo nunca tentou me formatar; ele me leva à reflexão, me
faz pensar, só isso; mas eu tenho minhas próprias concepções.
- É mesmo? Então por que em nossas últimas conversas
você estava mais aberto a me ouvir e agora você está
questionando tudo?
57
“E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por
ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma;
come-o ali perante o SENHOR teu Deus, e alegra-te, tu e a tua casa”;

94
Controversando ainda mais

- Acho que aprendi isso com você - Respondeu o jovem,


com sarcasmo, à crítica de Edmilson.
- Ah é? Então leva mais duas passagens bíblicas para o
seu pastor te explicar. Pergunte a ele porque, em 1 Timóteo 3, a
respeito dos pastores é dito que estes não devem ser dados ao
vinho, isto é, que não devem beber, enquanto a acerca dos
diáconos faz-se apenas a observação de que bebam
moderadamente. Depois o questione sobre o episódio narrado
em 1Sm 25.18, no qual Abigail, ao levar as provisões para Davi
e seu grupo, inclui dois odres de vinho entre os mantimentos, e o
futuro rei não faz nenhuma reclamação. Quando tiver a resposta
você me procura. – Comentou Edmilson com ironia.
Sentindo que a discussão estava muito acalorada, Beatriz
entendeu que era hora de intervir. Assim, antes que Cristiano
respondesse à provocação de seu primo, ela interferiu,
chamando a atenção dos dois para o propósito que os levara até
ali, a saber: jantar. Para reforçar seu argumento, disse também
que se continuassem gastando o tempo naquele debate a comida
iria esfriar. Pois, enquanto os dois se digladiavam, o garçom
servira a refeição, escolhida pelas mulheres, e eles nem
perceberam.
Um pouco contrariados, Edmilson e Cristiano atenderam
ao apelo de Beatriz e as acompanharam no jantar, um bebendo
vinho e o outro suco de uva. Todavia, a fim de evitar que o
debate fosse reiniciado, Beatriz introduziu um novo assunto,
bastante pacífico, para conversarem durante a refeição.
Consequentemente, os ânimos foram se esfriando, até que o
clima voltou a ser amigável.
Ao finalizarem o jantar, Edmilson e Maria ofereceram
uma carona ao casal em seu veículo. Estes, porém, recusaram,
argumentando que preferiam caminhar um pouco para colocar o
namoro em dia. Em seguida, despediram-se deles e deram início

95
Controversando sobre o álcool

à caminhada. Dados os primeiros passos, Beatriz, aproveitando


que os dois estavam sozinhos, fez alguns comentários acerca do
que ocorrera no restaurante.
- Cristiano, você não agiu bem no jantar. Seu
comportamento foi, no mínimo, inadequado a um servo de Deus
- Disse ela com uma expressão de lamento em seu rosto.
- Como assim? - Respondeu o jovem, indignado - Foi
seu primo que me provocou o tempo inteiro. Além do mais, ele
também é crente.
- Meu amor, não importa o que ele fez, a questão é o que
você não deveria ter feito. A igreja de Cristo está cheia de
crentes imaturos; alguns possuem até muito conhecimento, mas
falta maturidade. Não se torne um desses. Seja diferente!
- Mas qual foi o problema da nossa conversa?
- Você foi irônico e, em alguns momentos,
inconveniente. Precisava ter citado aquele exemplo das fezes?!?
Sinceramente, achei muita imprudência sua também, dizer que
estava anotando os versículos para que o pastor Ricardo pudesse
ensinar como interpretá-los.
- O que eu deveria ter feito então Beatriz?
- Se contido um pouco mais. Não precisava ter sido tão
sarcástico; você sabe que o Edmilson é arrogante, se mexer com
o brio dele... ele parte pra cima! Eu não quero ver você brigando
com a minha família. Poxa, somos todos crentes! Nós pregamos
o amor, mas diante do orgulho e das bandeiras que levantamos,
parece que esse amor some! Você estava parecendo aquele seu
colega de trabalho, o João Batista! Acabou transformando um
dia agradável em um fiasco.
Tendo ouvido o desabafo de sua namorada, Cristiano
ficou um tempo calado, pensativo; refletindo em cada palavra
que ouvira. Entretanto, só de lembrar-se do debate com
Edmilson já ficava indignado com sua impertinência. Apesar

96
Controversando ainda mais

disso, não podia ignorar o apelo de Beatriz. Afinal, ela estava


certa. Ele não deveria ter agido daquela maneira. Ao chegar a
essa conclusão, Cristiano parou de frente para Beatriz, segurou-a
nos braços, olhou-a bem nos olhos, e disse:
- Me desculpe meu amor. Eu reconheço que não agi
legal. Até porque, com nosso comportamento, a noção de certo e
errado desapareceu, nenhum argumento seria suficiente para nos
demover de nossas posições. Na verdade, enquanto pensávamos
estar certos, nos afundávamos cada vez mais no erro. Logo eu
que critiquei tanto o João Batista, acabei manifestando a mesma
intolerância. Perdoe-me.
Beatriz, de pronto, disse sim. Os dois beijaram-se,
abraçaram-se, e, logo depois, continuaram a caminhada, felizes
por terem chegado a um entendimento. Cristiano, porém,
carregava ainda, em seu coração, as dúvidas plantadas por
Edmilson.

97
10
UM NOVO DEBATEDOR

D epois do caloroso debate com Edmilson, Cristiano


passou alguns dias buscando intensamente mais
conhecimento bíblico, a fim de encontrar respostas
acerca do assunto. Ele não se contentava com a carência de
evidências explícitas contra o consumo do álcool. Por isso,
pesquisou em diversos sites as mais variadas abordagens sobre o
tema. Contudo, isso só o confundiu mais, levando-o à conclusão
de que precisava, mais uma vez, conversar com o pastor
Ricardo. No entanto, apesar desse dilema, sua vida seguia
normalmente.
Assim, certo dia, estando Cristiano em seu local de
trabalho, concentrado no reparo de um aparelho, foi abordado
por Mascarenhas, seu chefe, o qual trazia consigo um jovem
com uma aparência um tanto quanto desleixada. Este, conforme
explicou o chefe, havia concluído recentemente um curso
técnico e, por conta disso, iria estagiar com eles na firma. No
entanto, após as devidas apresentações, Mascarenhas deu a
Cristiano a responsabilidade de dar orientações a Maurício, o
jovem estagiário, acerca dos procedimentos de trabalho e do
funcionamento da empresa.
Cristiano alegrou-se com a decisão do chefe, pois
entendeu seu ato como sinal de que o considerava um bom
profissional. Assim, depois que o chefe retirou-se, Cristiano
começou a mostrar o ambiente de trabalho e a explicar como
eram desenvolvidas as atividades diárias. Antes de concluir,
porém, foi interrompido por João Batista, que disse:

98
Controversando sobre o álcool

- E aí varão de fogo, tudo na santa e gloriosa paz do


Senhor?
- Graças a Deus meu irmão! - Respondeu Cristiano -
Esse aqui é o Maurício. Ele vai estagiar aqui com a gente. -
Explicou o jovem.
Todavia, quando Maurício foi apertar a mão de João
Batista, o cumprimentou ao estilo pentecostal, dizendo:
- A paz do Senhor, profeta!
João Batista abriu um sorriso e disse:
- Êta glória! Mais um canela de fogo! Tu é servo do
Senhor, varão?
- É claro! Não dá pra viver sem esse Deus maravilhoso! -
Respondeu Maurício.
- Vai ser bom a gente estar junto nesse período! Vamos
dar muito glória a Deus e aleluia! - Ressaltou João Batista.
Depois desse momento de descontração, João Batista
voltou ao trabalho e Cristiano deu sequência à tarefa que seu
chefe lhe atribuíra, descrevendo cada detalhe do serviço ali
realizado ao jovem estagiário. Durante as explicações, Cristiano
abriu um parêntese e recomendou ao jovem que melhorasse sua
aparência, ou seja, que cuidasse mais do asseio corporal, haja
vista que Maurício tinha um aspecto que depunha contra sua
contratação. Ao ouvir esse conselho, o jovem, não muito
satisfeito, respondeu:
- Meu irmão, cuida da sua vida que eu cuido da minha!
- Eu só estava querendo ajudar, não está mais aqui quem
falou! - Respondeu Cristiano, meio sem graça.
Cristiano achou estranha a resposta de Maurício, visto
que ele havia se apresentado a João Batista como crente. Além
disso, ele precisava causar boa impressão. Afinal, estava
estagiando. Mesmo assim, seguiu normalmente com a
apresentação da firma.

99
Um Novo Debatedor

Passadas algumas horas, chegou o momento do almoço.


Cristiano perguntou ao rapaz se ele trouxera marmita, ao que lhe
respondeu negativamente. Então, Cristiano questionou:
- Você vai comer em alguma pensão?
- Não, estou sem dinheiro - Disse Maurício.
- Ué, o que você vai comer? Perguntou Cristiano,
preocupado.
- Eu trouxe pão com manteiga.
- E você vai comer só isso?
- É. Só tem isso.
Ao ouvir essa resposta, Cristiano, compadecendo-se do
jovem, ofereceu-lhe a metade de sua marmita. Maurício, enfim,
abriu um sorriso e, de bom grado, aceitou a oferta. Os dois,
então, repartiram tanto o pão quanto a refeição. Antes de ingerir
o alimento, entretanto, Cristiano convidou Maurício a se unir a
ele em oração. Assim, eles curvaram suas frontes e agradeceram
a Deus pela comida.
Durante a refeição, contudo, Maurício fez um
comentário que deixou Cristiano indignado. Ele disse que para
completar aquele momento agradável só faltava uma cervejinha
gelada. Na mesma hora, Cristiano, incomodado, falou:
- Que negócio é esse Maurício?!? Ficou maluco?!? Você
não é crente? Como pode dizer uma coisa dessas?
- Mas qual o problema? - Respondeu Maurício. - Eu não
vou me embriagar, só vou beber uma cervejinha. Nesse calor,
não tem coisa melhor!
- Tem sim: água.
- Mas por que eu não posso beber cerveja? Só porque eu
sou crente?
- Não, você pode fazer o que quiser; a questão é que,
quando te vi cumprimentando o João Batista, pensei que você
fosse um evangélico tão fervoroso quanto ele.

100
Controversando sobre o álcool

- Então você está me dizendo que eu sou menos crente


porque bebo cerveja?!? - Indagou Maurício.
- Eu não quis dizer isso, mas, já que você tocou no
assunto, acredito que o consumo do álcool interfere em nosso
relacionamento com Deus; pois é uma exposição desnecessária a
um perigo muito grande. Além do mais, isso causa escândalo.
Afinal, todo mundo espera que o crente não beba. Até os ímpios.
- Só porque todos “querem” que eu não beba, não devo
beber? Que absurdo! Eu sou livre. Faço o que quiser. Cristo me
libertou!
- Espera aí. A liberdade que Cristo oferece não é para
fazermos tudo o que der na telha. Isso é inconsequência! Cristo
nos convida a vivermos para Ele, fazendo tudo o que Ele
orientou.
- Então me diz aí: quando foi que Ele disse que não
poderíamos beber cerveja?
- E quando foi que Ele disse que poderíamos?
- Cristiano, acho que você precisa ler mais. Sua visão é
muito limitada! Você já leu o texto de Gálatas 5.22, onde a
Bíblia diz que um dos aspectos do fruto do Espírito é o domínio
próprio? Ora, Deus nos deu a capacidade de nos controlarmos,
temos de exercitar isso. Quando bebo sem me embriagar, é isso
que estou fazendo: exercitando o autocontrole.
- É, meu amigo, mas a mesma Bíblia determina em
1Tessalonicenses 5.22 que nos abstenhamos de toda a aparência
do mal. Isto é, não precisa ser mal, basta aparentar. Creio que o
álcool preenche esse requisito. Portanto, é melhor nos
mantermos distantes dele.
- Pra mim o álcool não parece nem um pouco mal. As
pessoas são más, não a bebida. O álcool não atropela ninguém,
não acaba com casamentos, e nem mata; quem faz isso são as
pessoas. Elas sim são más. Por isso, não me abstenho do álcool.

101
Um Novo Debatedor

- Então você se abstém das pessoas?!? Porque, como


você disse, elas é que são más, não é?
- É isso aí!
- O quê!!!! Como você pode ser crente e falar um
negócio desses?!? O Cristianismo nos ensina a amar as pessoas,
a viver em comunhão; como podemos nos abster das pessoas?!?
Você não vai à igreja?!?
- Não. Eu sou igreja, não preciso me reunir com um
bando de hipócritas para ser mais crente ou menos crente. Cristo
é suficiente pra mim. Como o Senhor afirmou, a graça dEle me
basta. Não preciso ir a um templo ou pertencer a uma instituição
religiosa para estar em paz com Deus. O Espírito Santo habita
em mim. A igreja só vai ficar me dizendo o que devo e o que
não devo fazer! Sinceramente, não preciso de um pastor pra
tomar conta da minha vida, tenho Jesus.
- Poxa Maurício, você tá com uma visão deturpada do
que é ser igreja de verdade. Jesus nunca apregoou esse
Cristianismo autônomo que muitos defendem. Pelo contrário,
Ele incentivou seus discípulos a permanecerem juntos. Basta
você ler Lucas 24.49, onde o Cristo ressurreto ordena: “ficai,
porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos
de poder”. Isto é, a ordem era para que eles permanecessem
juntos.
- Não foi isso que eu entendi.
- O que você entendeu, então, Maurício?
- Bem, Jesus ordenou que eles ficassem em Jerusalém,
mas não especificou que deveriam ficar juntos. O negócio era
ficar em Jerusalém, ou seja, na cidade. Além do mais, essa
estadia tinha prazo. Era até que do alto fossem revestidos de
poder. Depois disso não havia obrigação.
- Caramba! Você está torcendo tudo! Não é isso que a
Bíblia diz.

102
Controversando sobre o álcool

- Eu é que estou torcendo?!? E as igrejas de hoje, que,


com seu legalismo, impõe cada vez mais jugos sobre os fiéis?
Elas que estão torcendo! O “crente” moderno não pode jogar na
loteria, comprar uma rifa, comer doce de Cosme e Damião, se
masturbar e nem fumar. Cara! Jesus nunca falou nada contra
isso!
- Poxa! Agora você abusou! Você concorda até com
masturbação?
- E por que não deveria concordar? Existe algum texto
bíblico que diga que eu não posso fazer isso? É claro que não!
Deus não está preocupado se eu me masturbo ou não, o
problema está no vício. Até porque, se sou viciado, sou escravo.
- Tudo bem, mas quando alguém se masturba,
naturalmente cobiça uma mulher. Logo, está pecando.
Concorda?
- Não. E se a mulher que eu pensar for minha esposa?
Qual o problema? Ela não é do próximo, é minha.
- Ora, mas se ela é sua esposa, por que se masturbar?
Vocês não são casados? É só cumprir a Escritura e pagar a
devida benevolência58.
- Mas e se a mulher não quiser?
- Acho que aí entra aquilo que você mesmo falou: o
domínio próprio.
- Tá bom... mas o que você me diz a respeito da loteria?
Pra isso, com certeza você não tem resposta!
- Bom, eu creio que, nesse caso, o problema é que,
normalmente, as pessoas se viciam.
- Tá, mas e se alguém não for viciado? É permitido?
58
“O marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a
mulher ao marido” (1Coríntios 7.3).

103
Um Novo Debatedor

Diante da pergunta de Maurício, Cristiano hesitou por


um momento, visto que nunca havia se deparado com tal
questionamento. Assim, com certa frustração, respondeu:
- Não sei, mas continuo achando errado.
- Sabe por que você não tem resposta? Porque não existe
resposta, é uma regra inventada pelas instituições evangélicas.
Onde já se viu, nem uma rifa você pode comprar!
- Espera aí! O fato de eu não ter uma resposta
fundamentada para te apresentar, não torna o consumo de álcool
correto, e, muito menos, o seu desigrejamento.
- Desigre o quê?
- Desigrejamento. Isso significa que você é um
desigrejado. Isto é, alguém sem igreja.
- Tá, e por isso você acha que eu sou menos crente que
você, que vai a um templo todos os domingos para cumprir
rituais e assistir apresentações. Fala sério! Se isso é seguir a
Cristo, eu tô fora!
- Olha Maurício, eu reconheço que a igreja de hoje está
distante do ideal de Cristo, mas isso não é motivo para
abandoná-la. Noutro dia, conversei com meu pastor a esse
respeito e ele disse que “um cristianismo sem o próximo não é
cristianismo”59; os erros de nossos pares jamais devem nos
afastar da igreja. O próprio Jesus nos ensina no evangelho que,
diante dos erros de um irmão, devemos mostrar perdão. Ora, se
eu me afasto da igreja por causa dos erros das pessoas, significa
que me considero melhor do que elas, quando, na verdade, não
sou. Aliás, com essa atitude, estou contrariando a fé que
professo, porque nem Jesus agiu assim. Basta observar os seus
discípulos. Todos eles tinham defeitos: competiam entre si60,
59
Cf. p. 59.
60
Mc 10.35-45

104
Controversando sobre o álcool

discriminavam pessoas61, tinham pouca fé, fugiram quando o


mestre foi preso, e havia até um entre eles que furtava62. Apesar
de tudo isso, Jesus não os abandonou. Na verdade, foi ele quem
os convocou. Poxa, se o Filho de Deus conviveu com os erros
dos outros, quem somos nós para dizermos que não o faremos?
- Caramba, Cristiano! O teu “pastor” caprichou na
lavagem cerebral, hein! Você tá sendo um fantoche na mão de
mais um charlatão.
- O que é isso cara?!? Você nem conhece meu pastor;
como pode fazer uma afirmação dessas?!?
- Meu pai é pastor, meu chapa! Eu sei do que estou
falando!
- Como é que é? Você é filho de pastor?!?! O que ele
acha dessas suas ideias?
- Ele não tem que achar nada, porque é justamente por
causa dele que eu penso assim. Eu assisti, desde criança, meu
pai se dedicar feito um louco à igreja que pastoreava,
defendendo suas regras e costumes humanos com unhas e
dentes. Minha mãe e eu sempre ficávamos em segundo plano.
Ele nunca tinha tempo pra nós; só falava comigo quando
cobrava o cumprimento das normas da igreja. “Você é filho de
pastor, tem que dar o exemplo”! Era o que ele dizia. A maior
parte do seu tempo era gasto com pessoas que o criticavam por
qualquer coisa que ele falava ou fazia; gente que não tinha mais
o que fazer e que, por isso, ficava choramingando, querendo
visitas infindáveis; “crentes” que eram uma coisa no templo,
mas outra fora dele. Quanta falsidade! Você acha que “isso” é a
igreja de Cristo? Meu amigo, Cristo não tem nada a ver com
isso.
61
Lc 9.51-56
62
Jo 12.1-6

105
Um Novo Debatedor

- Mas Maurício, a questão não diz respeito aos erros que


os outros cometem ou cometeram com você; o importante é
você e Deus, ou seja, o seu relacionamento com Ele. Se você
estiver na igreja buscando como referência as pessoas, a
decepção certamente virá, pois elas são humanas e, portanto,
imperfeitas. Seu único referencial deve ser Cristo. Ele é o autor
e consumador da nossa fé63.
- É exatamente isso que eu faço! Eu olho só para Cristo.
Por isso, não pertenço a nenhuma instituição evangélica. Até
porque, ao invés de benefícios essas “igrejas” só arrumam mais
problemas para as pessoas. Acho que é justamente por isso que
eu só vejo problemáticos dentro dos templos. Um bando de
marmanjos que ficam fazendo biquinho porque alguém falou
isso ou aquilo, apegados a cargos e ordenanças humanas. É o
pior tipo de gente que eu conheço!
- Sua visão é muito pessimista! Você não vê nada de
bom na igreja?
- Claro que vejo! Cristo!
- Espera aí, se Cristo está na igreja, por que você a
despreza?
- Porque Cristo é Deus, mas a igreja é humana.
- Ué, mas a igreja não é o Corpo de Cristo? Como é
possível amar a Cristo e não gostar do seu corpo? É o mesmo
que um homem dizer que ama sua esposa, mas não ter contato
com seu corpo. É, no mínimo, contraditório.
- Ah, pense o que quiser, nada disso vai mudar meu
posicionamento. Vou continuar bebendo minha cervejinha e
vivendo sem a igreja.
- Mas o que você me diz do texto de 1Co 10.31?
- O que diz lá?
63
Hebreus 12.1,2.

106
Controversando sobre o álcool

- “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra


qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus”.
- Você está insinuando que o que eu faço não glorifica a
Deus? Pois eu discordo de você! O texto diz para fazermos tudo
para a Glória de Deus, não é? É exatamente isso que eu faço: eu
bebo minha cervejinha para a glória de Deus.
- O que é isso cara, você tá maluco?!? Você está
assassinando o texto!
- Assassinando nada! Você já ouviu falar em Charles
Spurgeon?
- Não.
- É, como eu falei, você precisa ler mais. Nunca ouviu
falar em Spurgeon e quer discutir comigo.
- Mas o que esse tal de Spurgeon tem a ver com nossa
discussão?
- Tudo. Ele foi um dos maiores pregadores de todos os
tempos, chamado por muitos, inclusive, de “príncipe dos
pregadores”, e considerado um grande ícone do protestantismo.
Algo curioso a seu respeito, entretanto, é que até o fim da vida
ele fumou, pelo menos, um charuto por dia. Por conta disso,
certa vez, Spurgeon, ao ser criticado por Dwight Pentecoste, um
pregador pentecostal, declarou que fumava para a glória de
Deus. Para justificar seu posicionamento, citou Romanos 14.23,
que diz: “mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado,
porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado”.
Com base nesse trecho da Escritura, afirmou que se alguém
acredita que algo é pecado, não deve praticar o ato. No entanto,
se a sua consciência e nem a Bíblia o condenam, não há
problema algum. Basta ler Romanos 14.22: “[...] bem-
aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que
aprova”.

107
Um Novo Debatedor

- Tudo bem Maurício, mas esse cara não é Jesus. Logo,


ele não é referência pra mim. Só porque esse “Spurgeon”
fumou, eu estou autorizado a fazer o mesmo? É claro que não!
- Você é cabeça dura mesmo, hein! Está preso numa
caixa, formatado pelo farisaísmo moderno! Você não vê que
foram os norte-americanos que nos evangelizaram que
implantaram esses costumes, criminalizando substâncias que o
seu puritanismo não lhes permitia consumir?!? Beber ou não
beber é apenas uma questão cultural!
- Não é nada disso. O problema desse pensamento é que
o escândalo não é o único mal produzido pela ingestão do
álcool. Além dele há os danos causados ao próprio consumidor.
Isso envolve muito mais do que questões culturais. Diz respeito
ao zelo que precisamos ter, como mordomos do Senhor, pelo
corpo que Ele nos concedeu. Afinal, o álcool é uma substância
estranha ao corpo humano.
- Olha só Cristiano, com certeza você vai pirar, mas, na
minha visão, nem álcool, nem cigarro, nem maconha são
proibidos por Deus na Sua Palavra. Na verdade, Ele não está
nem um pouco preocupado com isso. Sua preocupação é com a
salvação da alma, não com o que você põe na boca. Como o
próprio Jesus disse: “o que contamina o homem não é o que
entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o
homem”64. Tem tanta coisa que é estranha ao nosso corpo e nós
consumimos assim mesmo. Tudo isso são ideias arcaicas,
ultrapassadas.
- Caramba, Maurício! Você é a favor até da maconha!
- Por que o espanto? Eu é que deveria me espantar com
sua visão limitada.
64
Mateus 15.11.

108
Controversando sobre o álcool

- Me desculpe, mas se para ter uma visão ampla é preciso


pensar como você, prefiro continuar cego.
Ao ouvir essa colocação de Cristiano, Maurício se irritou
e disse:
- Faz o seguinte então, Cristiano: fica com sua cegueira,
sendo conduzido por outros cegos, que eu vou continuar
vivendo a liberdade para a qual Cristo me chamou. Eu hein!
Acabei de te conhecer e você já quer me dar sermão! Acabou o
assunto!
Cristiano, percebendo que Maurício ficara com raiva,
lembrou-se imediatamente de sua última conversa com Beatriz.
Por conta disso, respondeu-lhe com mansidão, dizendo:
- Está bem. Se você quer assim...
Todavia, mesmo tendo aceitado o ponto final imposto
por Maurício, Cristiano permaneceu indignado com o
pensamento do estagiário. Porquanto, nunca imaginara que um
cristão poderia ter aquelas convicções. Por conseguinte, após a
refeição, foi até o banheiro, trancou a porta, e orou, pedindo a
Deus pela vida de seu novo companheiro de trabalho, a fim de
que ele pudesse refletir acerca dessas questões e mudar sua
conduta. Rogou também por si mesmo, pois reconhecia que sua
imaturidade, muitas vezes, acabava causando mais problemas do
que soluções.
Ao iniciar o expediente, continuou instruindo Maurício,
explicando-lhe minuciosamente a rotina de trabalho, assim
como a filosofia da empresa. Como queria evitar uma nova
discussão, Cristiano procurou dali para frente, manter a relação
no âmbito profissional.
Após algumas horas, enfim Cristiano pode caminhar em
direção à sua casa. Durante a caminhada, mais uma vez, imergiu
em seus conflitos. Isto porque, a conversa com Maurício, trouxe
à tona as questões suscitadas por Edmilson na última vez em

109
Um Novo Debatedor

que debateram. Ainda que Maurício ultrapassasse limites dos


quais Edmilson nem se aproximava, suas afirmações pareciam
apontar na mesma direção. Essa, na verdade, era a maior
dificuldade de Cristiano, porque, a soma dos argumentos de seus
rivais, o levavam a, mais uma vez, fragilizar sua posição. Assim,
envolto em pensamentos, o jovem se questionava:
- Será que realmente há respostas biblicamente coerentes
para as críticas de Edmilson e Maurício? Ou será que nós
forçamos a barra para alinhar os textos de acordo com o que
queremos que seja verdade?
De repente, o jovem, mesmo estando distraído, ouviu
uma buzina de automóvel. Quando olhou, tentando encontrar
quem era o autor do sinal sonoro, avistou o carro do pastor
Ricardo, de onde este acenava convidando-o a aproximar-se.
Sem pensar duas vezes, Cristiano foi até o carro, cumprimentou
o pastor e lhe disse que precisava conversar. Ao que lhe
respondeu o pastor:
- Podemos aproveitar e conversar agora. Estou indo à
igreja, se quiser eu te levo e a gente coloca o papo em dia. Pode
ser?
- Claro! - Respondeu, empolgado, o jovem. - Me deixa
só ligar para minha mãe avisando que vou chegar mais tarde em
casa.
Após o telefonema, Cristiano entrou no carro e os dois se
dirigiram ao templo para mais uma conversa.

110
11
APARANDO AS ARESTAS

C
onquanto Cristiano não tivesse compartilhado o assunto
que desejava tratar, seu pastor já imaginava qual seria o
teor da conversa. Assim, tendo Chegado ao templo, a
dupla se dirigiu ao gabinete pastoral, onde o pastor, com um
sorriso no rosto, lhe perguntou:
- E aí, qual é o assunto? Não vai me dizer que ainda está
com dúvidas sobre o consumo do álcool.
- É exatamente isso! – Replicou Cristiano, sorrindo.
- Nem precisava falar. Esse foi o tema de nossos últimos
encontros. Era de se imaginar que ainda houvesse algumas
arestas a serem aparadas. Então me diga: o que suscitou novos
questionamentos? Você conversou com o Edmilson de novo?
- É, esse camarada não larga do meu pé! Estávamos eu,
Beatriz, Edmilson e Maria, sua esposa, num restaurante; e ele
teve a coragem de pedir uma garrafa de vinho, só para me
provocar. Aí iniciamos um debate que foi esquentando cada vez
mais. Por fim, a discussão acabou gerando problemas entre mim
e Beatriz.
- Mas ficou tudo resolvido? Vocês fizeram as pazes?
- Sim, graças a Deus!
- Então me diga: o que produziu as dúvidas em seu
coração?
- Ah, como sempre, o Edmilson fez umas colocações a
respeito de alguns textos bíblicos para as quais eu não tive
resposta.
- Cite uma.

111
Controversando sobre o álcool

- Bom, ele mencionou um trecho de Atos 2, onde Pedro


declara que os homens não estavam embriagados, visto que
eram apenas nove horas da manhã. Foi aí que surgiu um dos
questionamentos. Pois, a afirmação de Pedro dá margem para
pensarmos que, em outro horário, eles poderiam se embebedar.
Essa nem o Edmilson soube responder!
- Quanto às narrativas bíblicas, vale ressaltar que muito
do ambiente original está perdido. Até porque, o fato é sempre
mais colorido que o registro. É semelhante à experiência de
nadar. Por mais que você descreva cada sensação, cada detalhe
da piscina, nada se compara à experiência real. É necessário
frisar também que o grande distanciamento histórico contribui
sobremaneira para dificultar o entendimento. Assim, ainda que
recorramos ao idioma original, às informações históricas e aos
demais recursos da exegese, sempre haverá lacunas que não
conseguiremos preencher. Entretanto, em relação ao texto que
você citou, posso dizer, a princípio, que o termo grego
empregado, traduzido como mosto, refere-se, normalmente, ao
suco de uva não fermentado. Até no português a palavra tem
esse sentido!
- Português tudo bem, mas o que o grego tem a ver com
isso?
- Ah, eu esqueci de explicar primeiro. Desculpe. A
necessidade de conhecer o idioma grego vem da própria origem
do texto bíblico, pois o Novo Testamento não foi escrito em
português, como nós, brasileiros, geralmente o encontramos.
Originalmente, foi redigido em grego. Portanto, as palavras das
nossas Bíblias são traduções de termos gregos.
- Agora entendi. Mas e o Antigo Testamento? Também
foi escrito em grego?
- Não. A maior parte do texto foi escrita em hebraico e
alguns trechos em aramaico.

112
Aparando as Arestas

- Nossa! É aquela língua que se escreve da direita para a


esquerda?
- É, essa aí mesmo. Mas, voltando ao nosso assunto,
acredito que os judeus que assistiram ao resultado do
derramamento do Espírito Santo estavam, como diz o texto,
zombando dos discípulos65. Até porque, como judeus, eles
sabiam que, por ser aquele um dia santo, o costume era esperar
até mais tarde, antes de comer ou beber. Logo, ainda que eles
fossem beberrões, teriam cumprido a tradição. Por isso, Pedro,
em seu discurso, chama a atenção dos acusadores para a hora do
dia. Com isso, porém, ele não estava dizendo que eles poderiam
se embriagar em outros horários; sua intenção é dizer que,
mesmo que eles fossem bebuns, seria muito difícil que um
grupo tão grande de pessoas estivesse já àquela hora
embriagado. Isso fugia à lógica! Foi essa a ideia que ele quis
transmitir.
- É... até que faz sentido. Mas como explicar a acusação
de embriaguez, já que o tal do mosto não era fermentado?
- Bem, o vinho novo, ou seja, o mosto, era o suco de uva
recém-extraído; este, mesmo sem ter completado o processo de
fermentação possuía um leve teor alcoólico, que, embora não
fosse tão forte e concentrado como o vinho velho, poderia
embriagar quem o consumisse em excesso. Para isso, seria
preciso beber muito, isto é, estar literalmente “cheio de mosto”.
Foi o que supuseram os acusadores quando viram os discípulos,
empolgados, falando em outros idiomas que, possivelmente, eles
não dominavam. Isto não significa, como falei anteriormente,
que era prática dos seguidores de Cristo beber excessivamente.
Era só uma acusação zombeteira. Ficou claro?
65
Atos 2.13.

113
Controversando sobre o álcool

- Agora sim. Mas o que o senhor me diz do trecho em


que Jesus menciona que alguns o apontavam como comilão e
beberrão? Esse foi um dos textos que o Edmilson usou. Ele disse
que para fazer esse tipo de acusação, alguém deve tê-lo visto
consumindo vinho alcoólico. O que o senhor acha?
- Certamente, Jesus não se embriagava. Basta dar uma
olhada no restante das Escrituras. Ele nos deu o Espírito Santo
para que, como fruto, evidenciássemos uma série de virtudes,
dentre as quais está o domínio próprio. Seria, no mínimo,
contraditório se Jesus fizesse justamente o contrário do que nos
capacita a fazermos. Mesmo assim, no texto grego de Mateus
11.19 e Lucas 7.34 o termo empregado dá a ideia de que o
estavam acusando de ser um bêbado. É óbvio que se trata de
mais uma crítica infundada. Os mesmos homens que haviam
rejeitado João Batista estavam agora rejeitando Jesus, lançando
mão de acusações falsas, assim como fizeram para conduzi-lo à
crucificação. A acusação, porém, foi feita ou porque Jesus
consumia algum tipo de vinho, o que não significa que se tratava
de bebida alcoólica, ou por causa de Sua disposição de estar no
meio dos publicanos e pecadores, dentre os quais havia quem,
de fato, era comilão e beberrão. Isto é, julgavam-no com base
nas aparências, sem fundamento algum. Eu, particularmente,
creio que, se o mestre consumia algum tipo de vinho, este era
misturado com água.
- Foi isso que eu falei para o Edmilson, mas ele, como
sempre, não deu ouvidos.
- É... ao que parece, ele não é uma pessoa tão fácil de
lidar.
- Por causa dessa característica dele, acabei me
enfurecendo e quis revidar às suas provocações, usando ironias e
fazendo comentários ácidos... Que mancada!

114
Aparando as Arestas

- Nisso eu concordo: foi uma tremenda mancada. A ira


não deve nortear nossas atitudes. Principalmente, quando se
trata de um diálogo acerca da Palavra de Deus, cujo conteúdo
versa essencialmente sobre o amor. Senão, estaremos fazendo
justamente o contrário do que diz a Escritura sobre a qual
debatemos.
- É verdade, vacilei feio...
- Sim, mas isso não é o fim do mundo; basta reconhecer
o erro e lutar para não mais cometê-lo. Mas, voltando ao
assunto, diga-me: há mais alguma dúvida?
- Ah sim, é claro! Tenho muitas!
- Então compartilhe.
- Tá bom. Depois que ele já estava estressado com
minhas colocações irônicas, começou a citar um montão de
textos que, supostamente, dão suporte ao consumo moderado do
álcool. Como eram muitas passagens eu decidi anotar tudo para
que o senhor pudesse esclarecer. Está aqui nesse guardanapo.
- Deixe-me ver...
O pastor olhou atentamente as anotações de Cristiano,
refletiu durante um tempo, e disse:
- Responda-me uma coisa: você não pretende usar as
respostas que eu te der em um novo debate com o Edmilson,
pretende?
- Claro que não, pastor! Eu aprendi a lição. Só quero
sanar minhas dúvidas. Até porque, noutro dia li um texto na
Bíblia que dizia para rejeitar as questões loucas, pois estas só
produzem contenda66.
- Sendo assim, vamos lá. Vejamos o que a Bíblia diz em
Juízes 9.13: “porém a videira lhes disse: deixaria eu o meu
66
2Timóteo 2.23.

115
Controversando sobre o álcool

mosto, que alegra a Deus e aos homens, e iria pairar sobre as


árvores”? Aparentemente, é comprometedor, não?
- Eu achei um texto muito complicado. Parece que a
ideia é que até Deus bebe um vinhozinho. Mas como, se Ele é
Espírito?
- Bem, a primeira coisa que precisamos saber a respeito
desse texto é que se trata de uma parte da parábola contada por
Jotão67, filho de Gideão. Isto porque, seu meio-irmão,
Abimeleque, com o propósito de tornar-se rei, matara setenta
filhos legítimos de seu pai, eliminando, assim, a concorrência. O
único sobrevivente daquela matança lançou mão de uma
parábola para mostrar que só homens maus têm o desejo de
governar os outros, pois os bons, por estarem ocupados
realizando tarefas nobres, não buscam serem reis. Além disso, a
menção ao “vinho que alegra a Deus” é, na verdade, uma
referência à bebida que era derramada sobre o sacrifício, ou seja,
não significa que “Deus bebe um vinhozinho”. Porém, ainda que
o texto tivesse a intenção de dizer isso, vale salientar que o
termo traduzido em nossas Bíblias como “vinho”, nesse texto, é
o hebraico tirosh, cujo significado dá a ideia de “vinho novo”,
“vinho fresco”, “vinho doce” ou “vinho da vindima” 68. Essa
palavra inclui todos os tipos de sucos doces e mosto, mas não se
trata de vinho fermentado. Portanto, ainda que Deus o bebesse
não haveria problema algum.
67
Juízes 9.7-15.
68
De acordo com Larry A. Mitchel (1996), Esta palavra ocorre 38 vezes nos
textos veterotestamentários. Em 20 dessas ocorrências, aparece ao lado de
“trigo” ou “azeite”, a fim de designar o fruto fresco do campo. O mais
interessante é que, apesar dessa palavra ser traduzida como vinho, em
nenhuma das ocorrências aparece como referência à bebida fermentada, mas
sim ao vinho novo, ou seja, o suco no cacho de uvas (Is 65:8) ou o suco doce
de uvas recém-colhidas (Dt 11:14; Pv 3:10; Jl 2:24).

116
Aparando as Arestas

- Como é mesmo essa palavra que o senhor falou?


Tiróide?
- Quase isso, meu jovem. O termo correto é Tirosh.
- Isso é hebraico?
- É.
- Ahaammm! Legal! Mas... Pastor, eu gostaria de tirar
uma dúvida.
- Diga.
- O que é uma parábola? Embora eu já tenha visto essa
palavra na Bíblia e lido as “parábolas” que Jesus contou, não
sei, de fato, o que é. O senhor pode me explicar?
- É claro! Parábola é uma pequena história que usa fatos
do dia a dia a fim de ilustrar uma verdade moral ou espiritual.
- O que é contado nessa história realmente aconteceu?
- Não. Trata-se de um relato fictício. Seu foco é a
mensagem que se deseja transmitir, não relatar eventos que
ocorreram de fato.
- Então, é uma mentira?
- Não, não é nada disso! Parábola é um gênero literário,
não uma mentira. Esse tipo de história tem, mais ou menos, a
mesma função que as “ilustrações” têm hoje: transmitir verdades
profundas através de uma linguagem mais simples e acessível.
- Entendi... mas, voltando ao nosso assunto, eu gostaria
de fazer uma pergunta sobre o que o senhor explicou sobre o
termo hebraico que é traduzido como vinho.
- Então faça.
- Bom, já que o tal do tirosh representa o vinho sem
álcool, eu queria saber se existe outra palavra na Bíblia que
signifique vinho alcoólico.
- Boa pergunta! Além de tirosh, há um outro termo
hebraico utilizado com referência ao vinho: yayin.
- Ia aonde?!?

117
Controversando sobre o álcool

- É yayin, Cristiano.
- Ah tá.
- Bem, esse termo, ao contrário de tirosh, é um tanto
quanto elástico, ou seja, ele aparece nas Escrituras significando
tanto o vinho embriagante quanto o não fermentado. Um
exemplo disso é Neemias 5.1869, onde se usa yayin para referir-
se a “vinho de todas as espécies”, isto é, com e sem álcool. O
mesmo termo é empregado em textos que se referem ao suco
fresco da uva recém-espremida. Vemos isto, por exemplo, em
Isaías 16.10, onde o profeta declara: “já o pisador não pisará as
uvas nos lagares”. Nesse texto, a palavra “uvas” é uma tradução
do termo yayin. Seguindo a mesma linha, Jeremias afirma: “fiz
que o vinho acabasse nos lagares; já não pisarão uvas com
júbilo”70. Ora, o vinho do lagar era o suco de uva recém-
produzido. Assim, mais uma vez yayin é traduzido como vinho
sem álcool. Contudo, em outros textos o termo é usado para
aludir ao vinho alcoólico71.
- Caramba!!! Conhecer essas variações, então, é algo
muito importante, né?
- Sem dúvida.
- Bem, aproveitando seu conhecimento, gostaria de
esclarecer mais algumas dúvidas.
- Prossiga meu jovem.
- O Edmilson afirmou que há textos na Bíblia que
incentivam o consumo do álcool. Naquela ocasião, ele
mencionou dois deles. São os próximos aí no guardanapo.
69
“[...] E o que se preparava para cada dia era um boi e seis ovelhas
escolhidas; também aves se me preparavam e, de dez em dez dias, muito
vinho de todas as espécies; e nem por isso exigi o pão do governador,
porquanto a servidão deste povo era grande”.
70
Jeremias 48.33.
71
Juízes 13.4; Números 6.3.

118
Aparando as Arestas

O pastor voltou seu olhar mais uma vez para as


anotações de Cristiano e identificou que as passagens
mencionadas pelo jovem eram Eclesiastes 9.772 e Provérbios
31.6,773. Em seguida, pegou sua Bíblia e leu em voz alta cada
uma delas, uma após a outra, e disse:
- Cristiano, um dos maiores erros que um teólogo pode
cometer é interpretar um texto independente de seu contexto. O
dano é muito maior do que se pensa. Pois, é a partir de
interpretações equivocadas que surgem as heresias. Por isso,
antes de falar sobre o texto de Eclesiastes 9.7, preciso te
apresentar seu contexto.
- Tá bom, pastor, pode falar.
- O livro do Eclesiastes possui uma abordagem um tanto
quanto pessimista da realidade, mas uma conclusão
maravilhosa. O autor, partindo de suas observações, reflexões e
experiências, conclui que tudo isso só o havia levado a
frustrações. Sua peregrinação o conduziu à ideia de que todo
empreendimento humano é vaidade, ou seja, futilidade. Para ele,
tudo é inútil, nada que o homem faz é proveitoso74. Até mesmo
os prazeres, ainda que seja a melhor coisa que se pode fazer
nesta vida miserável, são inúteis75. Na sua perspectiva, o mundo
é marcado por ingratidão, injustiças, coisas sem explicação e
pela certeza da morte76. Então ele pensou, mais ou menos,
assim: “para que gastar tempo tentando entender os enigmas
desta vida? No fim, todos morrerão mesmo! Portanto, o que nos
72
“Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração contente o teu
vinho, pois já Deus se agrada das tuas obras”.
73
“Dai bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados
de espírito. Que beba, e esqueça da sua pobreza, e da sua miséria não se
lembre mais”.
74
Eclesiastes 1.3.
75
Eclesiastes 2.1.
76
Eclesiastes 9.1-3.

119
Controversando sobre o álcool

resta é tirar proveito do que temos; comer, beber, amarmos


nossas mulheres, etc. Talvez assim, consigamos amenizar a
agonia da existência humana”. Entretanto, no último capítulo,
ele apresenta outra solução: o pregador afirma que o que
realmente importa, o que de fato vale a pena, é temer ao Senhor
e guardar os seus mandamentos77. Assim, acredito que sua
intenção, na verdade, era denunciar o vazio que é a vida sem
Deus, não incentivar a bebedeira ou a comilança. Porque, sem
Deus, só nos resta comer beber e amar nossas mulheres; não há
mais nada.
- Caramba, pastor! O senhor sabe muito!
- Você diz isso hoje; quero ver daqui a algum tempo,
quando você estiver num seminário.
- Seminário, eu?!?
- Ué, por que não?
- Sei lá, acho que eu não tenho capacidade pra isso.
- Jamais diga isso novamente. Deus quer pessoas
disponíveis; quanto à capacitação, Ele dá um jeito. Não é à toa
que a Bíblia diz: “tendo por certo isto mesmo, que aquele que
em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus
Cristo78”.
- Amém!
- É isso aí! Mas... onde eu estava mesmo?
- O senhor falava sobre o texto de Eclesiastes 9.7, e
acredito que, na sequência, iria tratar de Provérbios 31.6.
- Ah sim, é isso mesmo! Provérbios 31.6 não é uma
autorização para o consumo do álcool. Até porque, no versículo
4, a mãe do rei Lemuel orienta-o a não beber, pois, como ela
mesma diz, “não é próprio dos reis beber vinho, nem dos
77
Eclesiastes 12.13,14.
78
Filipenses 1.6.

120
Aparando as Arestas

príncipes desejar bebida forte”. Seria bastante estranho,


portanto, que no versículo 6 dissesse o contrário a seu filho.
- Como explicar isso então, pastor?
- A bem da verdade, esse texto não é tão fácil de ser
interpretado, visto que parece haver uma contradição entre os
versículos 4 e 5 e o 6; uma vez que este recomenda que se dê
bebida forte ao que está prestes a perecer, enquanto aqueles
orientam ao rei que se abstenha do álcool. Ora, é para se abster
ou não?
- É isso que eu quero saber, pastor.
- Calma Cristiano, calma. Vamos por partes.
- Tá bom...
- Muitos têm tentado, ao longo do tempo, oferecer
soluções para esse dilema. Contudo, o que fica evidente é que o
assunto abordado nesse trecho da Escritura diz respeito à
preocupação da mãe do rei Lemuel em relação à conduta de seu
filho. Ela o aconselha a precaver-se contra os vícios e pecados,
entre os quais inclui o consumo do álcool, a fim de que seu
reinado fosse bem sucedido. Até porque, a sobriedade era de
suma importância para a execução da justiça e o socorro aos
aflitos. Afinal, essa era a finalidade do rei. Seria muito estranho
que uma mãe tão preocupada orientasse seu filho a não beber e,
logo em seguida, lhe dissesse para dar bebida aos outros,
concorda?
- Claro!
- Penso que entender o texto dessa maneira é afirmar
uma contradição bíblica. Por conseguinte, como o livro de
provérbios é um livro poético, acredito que o versículo 6 trata-se
de uma figura de linguagem conhecida como ironia.
- Ih pastor, agora o senhor me confundiu. O que é “figura
de linguagem”? Eu já ouvi falar sobre isso no ensino médio, mas
não me lembro.

121
Controversando sobre o álcool

- De um modo geral, posso te dizer que as figuras de


linguagem são maneiras diferentes de empregar as palavras, a
fim de expressar melhor a mensagem que se quer transmitir.
Para tanto, usa-se as palavras ou frases fora de seu sentido real.
Quer um exemplo? Se eu disser: fulano é uma anta! Estou
claramente utilizando uma figura de linguagem conhecida como
metáfora, onde um sentido figurado é atribuído ao termo “anta”;
até porque, nenhum ser humano é uma anta de verdade. A frase
aponta para a falta de inteligência do indivíduo. Entendeu?
- Entendi. Mas o que isso tem a ver com o texto de
provérbios?
- Então, conforme falei, acredito que o versículo 6 é, na
verdade, uma ironia, ou seja, a mãe do rei Lemuel estaria
dizendo o contrário do que pretendia de fato, com o propósito de
ridicularizar o consumo do álcool, mostrando que tal prática
parece apropriada apenas àqueles que já arruinaram suas vidas e
aos que estão destituídos de esperança, não aos reis. Isso é
confirmado pelos versículos 8 e 9, os quais apresentam a forma
adequada de proceder em relação aos desolados, injustiçados,
pobres e necessitados. Nesse trecho, a nobre senhora diz que o
rei deve ajudar, e não embriagar essas pessoas. Essa história de
aliviar os problemas e as angústias fazendo uso do álcool é
invenção do homem. Além disso, se insistirmos em entendermos
o versículo 6 literalmente, isolando-o do seu contexto, teremos
que abraçar a seguinte ideia: o álcool é só para os moribundos e
os tristes; logo, quem está bem não deve beber. Que negócio
esquisito, não é?
- É verdade, não faz sentido algum entender dessa forma!
- Mesmo se entendêssemos dessa forma, concluiríamos
que o Cristão não deve beber, haja vista que Jesus nos deu uma

122
Aparando as Arestas

alegria que ninguém mais pode tirar de nossos corações79;


ademais, o texto diz que o álcool é para os que estão morrendo,
o que daria a ideia de uma finalidade anestésica da bebida, só
que hoje já é possível anestesiar alguém sem a necessidade de
embriaguez. Para que beber, então? Aliás, se entendermos que o
texto em questão é um incentivo ao consumo do álcool, teremos
de admitir uma gritante contradição no livro de provérbios,
porque em Provérbios 20.1 a Bíblia diz que “o vinho é
escarnecedor, a bebida forte alvoroçadora”; e ainda faz uma
advertência: “todo aquele que neles errar nunca será sábio”.
- É... isso seria complicado.
- E bota complicado nisso!
- Pelo que eu estou vendo, então, nenhum dos textos que
anotei traz grandes dificuldades interpretativas.
- Claro que trazem. Tanto, que alguns os usam para
advogar em favor do álcool. Daí a necessidade de
esclarecimento, pois, sem a fundamentação adequada, o leigo
não tem como chegar a essas conclusões.
- É verdade...
- O maior problema, entretanto, é que sempre aparece
alguém usando o que as pessoas faziam em um determinado
contexto, no universo bíblico, para defender o consumo de
bebidas alcoólicas ou qualquer outra prática condenada na
atualidade. Contudo, é necessário observar que na Bíblia há
comportamentos errados que são tolerados em determinado
momento, o que não significa que sua observância seja benéfica
ou mesmo aprovada por Deus. Um exemplo claro disso é a
poligamia, a qual não sofre nenhuma crítica ao longo de todo o
Antigo Testamento, quando era tão comum, embora o relato da
criação do primeiro casal humano apresente80 o casamento
79
João 16.22.
80
Gn 2.21-24

123
Controversando sobre o álcool

monogâmico como de acordo com a vontade de Deus. Da


mesma forma, ainda que o texto bíblico, aparentemente não
contenha críticas ou condenação quanto ao consumo de álcool,
sabe-se que a ingestão do mesmo produz uma série de males.
Ademais, como Jesus e Paulo iriam proibir, se é que de fato o
vinho era alcoólico, o consumo dessa bebida? Com que
argumento? Científico? As pessoas entenderiam? Simplesmente
diriam que é pecado? Mas por quê? Algum dia alguém
questionaria: por que não posso beber? Outro responderia:
porque não, oras. Todavia, a tecnologia avançou e hoje sabemos
exatamente o que o consumo de álcool pode causar. Diante
dessas informações, seria correto fechar os olhos com base em
afirmações tradicionais?
- É claro que não, pastor.
- Então, passemos então ao texto seguinte. Vejamos...
Amós 9.14. Abra a Bíblia e leia por favor.
- Deixe-me ver... achei! Bom, o texto diz assim: “E trarei
do cativeiro meu povo Israel, e eles reedificarão as cidades
assoladas, e nelas habitarão, e plantarão vinhas, e beberão o seu
vinho, e farão pomares, e lhes comerão o fruto”.
- Conforme já falei, não há como interpretar um texto
fora de seu contexto. Portanto, preciso apontar alguns detalhes
em relação ao livro do profeta Amós.
- Pastor, não sei se eu vou parecer meio burro, mas tenho
visto o senhor falar muito sobre contexto, só que não sei o que
isso significa. O senhor poderia me explicar?
- Claro. A palavra contexto está relacionada com tudo
aquilo que diz respeito ao texto a ser analisado. Isto é, ambiente
histórico, cultural, social, religioso, no qual o texto foi falado ou
redigido, além de sua localização no livro do qual ele faz parte.
Por isso, há quem tente explicá-la afirmando que se trata de tudo
aquilo que vem “com o texto”. Entendeu?

124
Aparando as Arestas

- Sim. Agora ficou bem claro.


- Pois bem, sigamos em frente: Amós profetizou contra
Israel, apontando seus pecados, e anunciando o julgamento que
viria sobre a nação. Contudo nos versículos finais, mais
especificamente no trecho compreendido entre o versículo 11 e
o 15 do capítulo 9, a última palavra transmitida por Deus através
de seu profeta não é de punição, mas sim de salvação. O Senhor
promete que o reino de Davi será restaurado81 e que a terra será
próspera mais uma vez82. Para tanto, usa elementos agrícolas
associados à prosperidade material, como as vinhas e os
pomares, assim como o seu produto, a fim de que o povo tivesse
a real ideia daquilo que aconteceria. É óbvio que, nesse texto, o
vinho é empregado como símbolo da riqueza; não se trata de um
incentivo ao consumo do álcool. A mensagem é: o Deus que
julga é o mesmo que salva; e Ele cumpre suas promessas. Não
tem nada a ver com beber vinho, mas com a ação de Deus.
Beber vinho e comer frutas não é o foco, são apenas símbolos
para transmitir uma mensagem: o Senhor, enfim, restauraria a
fertilidade da terra e o reino davídico. Da mesma forma, quando
Jesus conta a parábola do juiz injusto, a intenção não era
associar a injustiça do juiz a Deus, mas destacar a importância
de perseverar em oração. Essa é a mensagem. Se porventura
alguém quisesse abraçar a literalidade do texto, como o
Edmilson tentou fazer com Amós 9.14, diria que Cristo estava
afirmando que, embora Deus fosse injusto, nossas orações o
incomodariam tanto que Ele deixaria de lado a injustiça para nos
ajudar.
Enquanto o jovem acompanhava, atento, as explicações
de seu pastor, o telefone da igreja tocou. Era a esposa do pastor
Ricardo, a irmã Luciana, que ligara para lembrá-lo de outro
81
Am 9.11-12.
82
Am 9.13-15.

125
Controversando sobre o álcool

compromisso: sair com ela. O pastor, meio sem graça, começou


a justificar-se, dizendo:
- É, meu irmão, você sabe como é, né: até o pastor tem
que dar atenção à sua família.
- Poxa, e eu que pensava que pastor não passava por
isso!
- Pastor também é marido, pai e filho. Não somos
pessoas de outro mundo.
- Eu entendo. A Beatriz também vive me cobrando
atenção.
- Então você sabe que eu não posso descumprir minha
promessa.
- É, eu sei. Vai lá pastor.
- É, mas vamos agendar um novo encontro. Esse assunto
não pode ficar em aberto. Que tal no sábado?
- Pra mim tá bom.
- Então tá combinado: sábado às dezoito horas.
- Amém. Estarei aqui.
Depois disso, pastor e ovelha oraram juntos por alguns
minutos, pedindo a direção de Deus para suas vidas. Em
seguida, o pastor ofereceu uma carona a Cristiano, a qual foi
prontamente aceita pelo jovem. Assim, tendo-o deixado em
casa, os dois se despediram.

126
12
AINDA NÃO ACABARAM AS DICUSSÕES

A
o chegar a casa, Cristiano foi surpreendido por sua mãe,
que, depois de lhe dar um beijo no rosto, disse:
- Meu filho, temos visitas!
Tendo adentrado a sala, identificou quem eram os
visitantes: sua tia, Otília, e seu primo, Rafael, os quais já eram
evangélicos há muito mais tempo que Cristiano e sua mãe. Por
conta disso, Dona Odete estava transbordando de alegria.
Afinal, além de poder reunir-se com parte da família, agora eles
tinham um assunto em comum: a fé cristã. Por conseguinte, a
mãe do jovem, solicitou aos visitantes que pernoitassem ali, até
porque sua residência era muito distante. Cristiano, mesmo
cansado, alegrou-se com a presença de seus parentes, o que foi
evidenciado pelo abraço apertado que deu em seu primo, o que
era de se esperar, haja vista que, quando crianças, os dois
adoravam brincar juntos.
- Calma aí rapaz, vai me quebrar! - Disse Rafael, em tom
de brincadeira.
- Relaxa meu irmão, não sou tão forte assim - Respondeu
Cristiano, após soltar o primo.
- É, mas, com certeza você está bem mais forte do que
quando éramos crianças - Replicou Rafael.
- É verdade... O tempo passou, as coisas mudaram... -
Comentou Cristiano.
- Sem dúvida, muita coisa mudou! - Interrompeu sua tia.
- Eu me lembro bem daquele rapaz incrédulo, que questionava
Deus. Quem diria que ele se tornaria um servo do Senhor!
Aleluia! Só Jesus mesmo para transformar o coração de pedra
em coração de carne!

127
Controversando sobre o álcool

- É mesmo, só Jesus! - Reconheceu Cristiano.


- Eu ainda vou ver meu sobrinho querido cursando
teologia e trabalhando na igreja! - Declarou Otília com um
sorriso estampado no rosto.
- É... quem sabe um dia. Eu só acho que seminário é uma
coisa muito séria, que exige muita dedicação. Por isso, eu quero
estar bem preparado antes de iniciar algo dessa natureza. Não
quero desistir no meio da caminhada. Afinal de contas, são
quatro anos de estudo. Não é brincadeira não!
- Quatro anos?!?!? Que seminário é esse? É na NASA? -
Questionou Rafael.
- Ué, por quê?!? - Perguntou Cristiano, espantado.
- Primão, eu já fiz seminário - Respondeu Rafael com
certa arrogância. - O meu curso durou um ano, com aulas só às
segundas-feiras. Hoje em dia, sou bacharel em teologia,
formado pelo IBTEIMAIB.
- Caramba! O que significa isso? - Indagou Cristiano.
- É uma sigla, que significa Instituto Bíblico Teológico
Evangélico Interdenominacional Ministerial Aplicado às Igrejas
Brasileiras. Entendeu?
- Ahaaamm, entendi... E o curso é bom?
- Excelente! Pode, inclusive, me perguntar qualquer
coisa acerca da Bíblia pra você tirar a prova.
- Tem certeza?
- Claro Cristiano, pergunta logo!
- Tá bom. O que a Bíblia diz sobre o consumo do álcool
por parte dos cristãos? É permitido ou é proibido?
- Definitivamente, não há nenhum versículo bíblico que
proíba a ingestão de bebidas alcoólicas. Existe apenas a
recomendação para que não nos embriaguemos, o que pode ser
verificado em 1Coríntios 6.10, onde Paulo fala que os bêbados
não herdarão o reino de Deus, e em Efésios 5.18, que condena

128
Ainda não Acabaram as Discussões

claramente a embriaguez. Isto é, não há proibição contra o


consumo moderado do álcool. Deve-se somente manter o
equilíbrio.
- Mas... como saber o limite entre a sobriedade e a
embriaguez?
- Bem, isso é variável, cada um tem o seu limite. Cabe a
nós não ultrapassá-lo.
- É, mas o único meio de conhecer esse limite é
chegando nele, não é? Você começou a ficar meio tonto... aí
entende que é hora de parar, não é?
- É isso aí.
- O problema, Rafael, é que, quando isso acontece, você
já está embriagado. Até porque, o que é a embriaguez senão o
entorpecimento dos sentidos?
- Você está sendo muito legalista, Cristiano. De acordo
com o seu pensamento, se a pessoa ficar um pouco tonta já está
condenada ao tormento eterno.
- Não foi isso que eu falei; eu disse que argumentar em
favor do consumo moderado com base na ideia de que cada um
conhece seu limite, é muito complicado, visto que o limite já é a
embriaguez.
- Eu entendi, mas do jeito que você fala parece que quem
bebe já tá no inferno!
- Não, eu não creio assim. Na verdade, como meu pastor
me ensinou, acredito que não há nada que eu faça que me leve
para o inferno, pois como ser humano, já estou, naturalmente,
caminhando para lá. Matar, roubar, estuprar, são apenas
evidências da minha natureza caída, mas essas coisas não me
condenam. Afinal, já nascemos condenados. Todavia, ao receber
Cristo como Salvador da minha vida, tenho, pela graça, meu
ingresso garantido na morada celeste. Daí para frente, não
preciso fazer nada para “merecer mais o céu” ou “ganhar pontos

129
Controversando sobre o álcool

com Deus”. Até porque, não há nada que eu possa fazer para me
salvar. A salvação, como Jesus disse, é impossível aos homens,
mas é possível para Deus83. Só pela graça de Deus podemos ser
salvos84. Não adianta frequentar um templo, ser bonzinho, dar
esmola, etc. Nada disso salva. Só Cristo. Por isso, não faço ou
deixo de fazer algo pensando em ir para o céu ou com medo de
ir para o inferno. Seria infantilidade. Faço o que faço porque
amo o meu Deus, que me salvou; quero agradá-lo em tudo.
Portanto, dou minha contribuição financeira e física para Sua
igreja porque O amo. Da mesma forma, quando deixo de beber,
o faço porque amo esse Deus maravilhoso e os seres que Ele
criou, e, como bom mordomo de Cristo, busco cuidar bem da
Sua criação.
- Concordo com você quanto à salvação, primo; porém
penso que restringir o consumo de álcool, apontando-o como
pecado, é errado. Trata-se de mais uma regra imperfeita imposta
pelas instituições evangélicas, e colocada no mesmo nível do
evangelho! É farisaísmo! Jesus criticou fortemente essa atitude.
Em Marcos 7.9-13, por exemplo, Ele denuncia o absurdo da
aplicação da regra da Corbã, a qual era posta acima da própria
lei, tal como fazem atualmente.
- Corbã? O que é isso?
- Desculpe primo, eu deveria ter explicado. Corbã é um
termo de origem hebraica, que significa “sacrifício”, “oferta”;
literalmente, “aquilo que é levado para junto do altar”. Os
fariseus usavam esse termo como referência a um voto feito ao
Senhor, a fim de se eximirem da responsabilidade de sustentar
os pais. Baseavam-se, para tanto, no trecho da lei que dizia que
algo consagrado a Deus não podia ser usado para fins seculares.
Um utensílio dedicado ao Senhor para o serviço no tabernáculo,
83
Lucas 18.27.
84
Efésios 2.8,9.

130
Ainda não Acabaram as Discussões

não poderia, em hipóstese alguma, ser usado no lar. Assim,


quando os pais solicitavam sua ajuda, mesmo sabendo que não
lhes era lícito empobrecer a família por conta da consagração de
algo a Deus, os fariseus negavam o auxílio, com a justificativa
de que tudo o que tinham era Corbã, ou seja, consagrado ao
Senhor. O pior é que ainda consideravam isso como justiça.
- Eles faziam isso só para não ter que gastar o dinheiro
com os pais?!?
- Infelizmente, sim.
- Que absurdo! Mas o que isso tem a ver com a
abstinência de álcool? Até porque, se eu disser a alguém que
consumir álcool é inadequado, e que deve ser evitado, de modo
algum estarei lesando a pessoa, e, muito menos, sendo hipócrita.
Ao contrário, estarei fazendo um favor à sociedade, evitando
acidentes automobilísticos, crises familiares, além do
surgimento de mais alcoólicos. Não vejo razão, portanto, para
comparar-me aos fariseus! Não tem nada a ver!
- Tem sim, pois, ao apregoar a abstinência, você age
exatamente como eles: diminuindo o evangelho por causa de
uma regra inventada pelos homens. Enquanto o evangelho
proclama a liberdade, você prega restrições, dizendo “não
toques, não proves, não manuseies85”.
- Entendo. Contudo, liberdade não significa
inconsequência. É bem diferente. Ser livre não é fazer o que der
na telha.
- O que é liberdade, então? Ser proibido de beber ou de
usar bermuda? Ser forçado a dar o dízimo? É óbvio que não!
Isso é o reflexo da hipocrisia das instituições religiosas, que
colocam suas regras acima da lei, tal como faziam os fariseus.
Por exemplo: para exercer um cargo na igreja, o camarada tem
85
Colossenses 2.21.

131
Controversando sobre o álcool

que ser dizimista; para ser visto como consagrado, tem que usar
roupa social, etc. Você não vê que isso é uma alienação?
- Olha Rafael, eu te respeito muito, mas continuo
discordando. Até porque, já estou cheio desse papo de “erros da
instituição”. Pra mim, esse é o discurso de quem sofreu alguma
decepção em sua relação com a igreja e agora se volta contra
tudo e todos que se associam a ela; pessoas que, ao invés de
tentarem resolver seus problemas, optaram por criticar a igreja
de Cristo; entendendo que só existem dois extremos: o erro
institucional e desigrejamento.
- É exatamente isso! A “igreja”, como você diz, têm
produzido mais decepcionados do que transformados. Com
certeza, tem algo errado! Há pessoas sendo excluídas do rol de
membros porque beberam um pouco de vinho ou foram a uma
festa “do mundo”. Isso é um absurdo!
- Acho que você está confundindo as coisas, primo. Em
momento algum, eu falei que a igreja não continha erros, e,
muito menos, concordei com exclusões baseadas nesses
motivos. Só considero inadequado um cristão consumir álcool.
Nosso amor a Deus e ao próximo deve nos levar a essa
concepção, visto que podemos servir de mau exemplo para os
mais fracos. Se eu não me engano, é exatamente isso que Paulo
diz, em Romanos 14.21: “bom é não comer carne, nem beber
vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se
escandalize, ou se enfraqueça”. Aliás, como certa vez disse um
médico que conheci, há pessoas que possuem uma predisposição
genética ao alcoolismo, de modo que correm o risco de se
tornarem dependentes, uma vez que comecem a beber. Então,
como eu não quero contribuir para a desgraça alheia, prefiro não
beber, e acho que todo cristão deveria pensar assim.
- Concordo com você. Não podemos ser pedra de
tropeço na vida de ninguém. Porém, penso que devemos ensinar

132
Ainda não Acabaram as Discussões

o evangelho, não regras humanas. Isto é, não podemos


restringir o consumo de bebida alcoolica, colocando o pecado no
processo. Porque, como afirma o apóstolo Paulo, “todas as
coisas nos são lícitas, mas nem todas convêm86”. Assim, se não
convém a você beber, então não beba, mas não critique quem
bebe moderadamente. É o que a Bíblia diz em Romanos 14.3:
“quem come de tudo não despreze aquele que não come. Quem
não come não julgue aquele que come, porque Deus o acolhe do
mesmo modo”. Isto porque, o cristão é livre para julgar por si só
o que lhe convém ou não, por meio da influência do Espírito
Santo. É claro que, como você mesmo disse, devemos tomar
alguns cuidados para não levar outros ao tropeço. Por causa
disso, considero coerente que, aquele que bebe, o faça, de
preferência, em sua residência; se for beber em um lugar
público, que tome os devidos cuidados para não escandalizar
ninguém.
- Olha, eu acho que os textos que você citou não querem
dizer isso não. Acredito que Paulo usou essas afirmações para
combater problemas da época e não para estabelecer um
princípio geral, como você disse.
- É mesmo? - Perguntou Rafael, ironicamente. - Quem te
ensinou isso, seu pastor? Porque, até onde eu sei, você não
estudou em nenhum seminário.
- E se tiver sido o meu pastor, qual o problema?
- Cristiano, Cristiano... como você é ingênuo! Esses
pastores não sabem de nada! Falam um monte de asneiras!
Depois que eu fiz seminário, tudo ficou claro para mim!
- O que ficou claro? Você deixou de ser crente?!? Pois,
se me lembro bem, quando éramos crianças você só andava de
calça e vivia na igreja; como agora você vem com esse papo?
86
1Coríntios 6.12;10.23.

133
Controversando sobre o álcool

- Porque agora eu conheço a verdade.


- Ué, mas a verdade não é a Bíblia?
- É. Mas, definitivamente, não é o que a maioria dos
pastores ensina. A regra deles são os jargões evangélicos, as
frases de efeito, as músicas gospel e os telepregadores.
- É, isso realmente tem acontecido. Contudo, não
significa que todos os pastores agem da mesma forma. Creio
que, assim como Deus declarou a Elias, quando este se escondia
numa caverna87, ainda há muita gente fiel às Escrituras, que não
se dobrou diante do pensamento majoritário. E quanto ao que
você falou em relação ao consumo do álcool, pude perceber um
erro gritante: ao afirmar que o cristão julgará por si só o que lhe
convém, podendo algo convir a um e a outro não, você
relativizou a verdade; ou seja, seguindo essa linha, a conclusão
inevitável é que cada indivíduo tem sua própria concepção de
certo e errado. Logo, não há uma verdade única e absoluta, mas
várias. Se pensarmos assim, chegaremos ao ponto de
enfraquecermos a própria Escritura. Por conta disso, preciso
frisar: só há uma verdade, porém existem diversas perspectivas
em relação a essa verdade. Isto, entretanto, não muda a verdade,
que é uma. A regra de fé e prática do cristão é a Bíblia, não é a
palavra do líder, o estatuto da igreja, o regimento interno ou
qualquer outra coisa, mas a Palavra de Deus inspirada. Ela
norteará nossas vidas, e o Espírito Santo iluminará nosso
entendimento para que a compreendamos88. Por isso, seguindo a
orientação paulina, considero inadequado o consumo de bebidas
alcoólicas. Até porque, seja em casa ou na rua, sempre haverá
um alcoólico em potencial: meu filho, amigos, sobrinhos,
irmãos, etc. Não quero desgraçar a vida de ninguém. Contudo,
não considero um "pecado" beber, só acho inadequado e
87
1Reis 19.7-18
88
Efésios 1.18.

134
Ainda não Acabaram as Discussões

totalmente desnecessário. Esse papo de que tem que beber para


beneficiar o coração é desculpa, pois o corpo humano não
precisa de álcool. O suco de uva integral, não fermentado,
possui as mesmas propriedades do vinho em relação aos
benefícios à saúde. Por que tenho que beber o vinho? Para
seguir a “galera”? Tô fora!
- Primo, primo... você está completamente envenenado.
Quando Paulo diz que “nem todas as coisas convêm” e que
“nem todas as coisas edificam”, ele não estava dizendo que não
se deve praticá-las; sua declaração aponta para a liberdade
cristã. Assim, o que ele está dizendo é que se algo não te edifica,
se te faz tropeçar, então não faça. Até porque, se formos pensar
nas coisas que fazemos que podem levar os outros tropeçar, não
faremos praticamente nada! O simples fato de assistir uma
partida de futebol pode se tornar pecado para alguns, mas não
para outros. Existem cristãos, por exemplo, que assistem a uma
partida de futebol, porém não conseguem se controlar: xingam,
brigam, arrumam problemas com os outros, etc.
- Me desculpe Rafael, mas mais uma vez tenho de
discordar. Noutro dia, na Escola Bíblica Dominical, ouvi uma
explicação totalmente diferente a respeito do texto que você
citou. De acordo com o estudo, a frase “todas as coisas me são
lícitas89” vinha sendo empregada pelos coríntios para justificar a
imoralidade sexual. Era uma interpretação frouxa da liberdade
oferecida por Cristo. Em virtude disso, Paulo declara: “nem
todas as coisas convém90”, além de dizer, mais à frente, que
“nossos corpos são membros de Cristo”. Isto é, a igreja deve
viver como Cristo viveu; não pertencemos a nós mesmos, somos
dEle! Tudo o que fazemos, fazemos como corpo de Cristo, não
há como nos desvencilharmos disso! Ele é o único que deve nos
89
1Coríntios 6.12.
90
Idem.

135
Controversando sobre o álcool

dominar! Pensando nisso, Paulo completa dizendo: “todas as


coisas me são lícitas, mas não me deixarei dominar por
nenhuma delas”. Nem pelo álcool, nem pelo sexo, ou qualquer
outra coisa! O fato de sermos propriedade de Cristo deve nortear
nossas vidas de agora em diante. Tudo o que fizermos deve ser
resultado de uma reflexão profunda em relação ao nosso
relacionamento com Jesus. Afinal de contas, nossos corpos,
como o apóstolo afirma no mesmo contexto, são “templo do
Espírito Santo91”, ou seja, locais de adoração a Deus, não de
corrupção. Nós não somos de nós mesmos! Pertencemos ao
Senhor. Portanto, não dá pra dizer que Paulo estava dizendo
para que cada um avaliasse segundo sua própria ideia ou
entendimento o que convém ou não. O apóstolo estava
combatendo um procedimento errado, não dando carta branca
para que cada um decidisse o que fazer.
- Eu entendo sua posição Cristiano, mas o texto que você
citou não foi o mesmo que eu mencionei. Enquanto eu
argumentei com base em 1Coríntios 10.23, você respondeu
usando 1Coríntios 6.12. Tá vendo? Isso que dá ficar limitado só
ao que é falado na igreja. Você tá preso nessa caixa primo! Tem
que se libertar!
Dona Otília, ao perceber que seu filho estava
extrapolando, interrompeu a conversa e repreendeu seu filho,
lembrando-lhe que ele só pode cursar teologia porque a igreja,
que agora se tornou alvo de suas críticas, lhe forneceu o
conhecimento básico de que necessitava. De igual modo, a mãe
de Cristiano, indignada com as colocações de Rafael, chamou-
lhe à atenção, dizendo:
- Me admira você Rafael, um menino criado na igreja,
falando esse monte de asneira! Se o ímpio ouve um negócio
91
1Coríntios 6.19.

136
Ainda não Acabaram as Discussões

desses, vai pensar o quê? Pode parar com essa discussão agora!
Eu hein! Você também Cristiano, pode parar com esse assunto!
Já está resolvido! Você não já conversou com o pastor Ricardo?
Então sossega o facho!
Após a repreensão de Dona Odete, os jovens
emudeceram por um instante, olharam um para o outro, e se
desculparam. Daí em diante, a família tratou de outros assuntos,
enquanto saboreava o delicioso jantar preparado pela anfitriã.
Cristiano, todavia, continuava cheio de dúvidas em relação ao
consumo do álcool, as quais estavam mais ligadas à
interpretação de textos bíblicos do que ao seu posicionamento.
Por conseguinte, não via a hora de encontrar-se mais uma vez
com o pastor Ricardo.

137
13
UMA NOITE INESQUECÍVEL

A
pós uma agradável noite de sono, mais uma vez o jovem
levantou-se para ir trabalhar. Antes que saísse,
entretanto, sua mãe levantou da cama, foi ao seu
encontro e o abraçou. Surpreso, o jovem perguntou se havia
acontecido algo. Dona Odete, com um olhar contrito, respondeu:
- Eu só queria me desculpar, filho. Acho que fui um
pouco rude ontem, ao chamar sua atenção. Você me perdoa?
- O que é isso, mãe? - Respondeu Cristiano. - Não tem
nada do que se desculpar, eu é que me excedi. Por isso, sou eu
quem deve pedir desculpas. Perdoe-me a inconveniência e o
constrangimento que gerei. Realmente, preciso corrigir minhas
atitudes.
Tendo ouvido essas palavras, Dona Odete, com um
sorriso compassivo, o abraçou mais forte ainda e disse:
- Eu te amo, meu filho! Você é bênção do Senhor!
Assim, mãe e filho oraram juntos e agradeceram a Deus
por ter lhes dado um ao outro. Em seguida, Cristiano despediu-
se de sua mãe e foi para o trabalho. Chegando lá, foi logo
abordado por João Batista, que o cumprimentou, dizendo:
- E aí varão! A paz do Senhor!
- A paz - Respondeu Cristiano.
- Olha só, antes de a gente pegar no batente, eu quero te
fazer um convite: hoje, lá na minha igreja, vai ter um culto
abençoado; vamos receber um pregador que é fogo puro. Vamos
lá cultuar com a gente?
- Poxa João, eu não sou muito fã desse negócio de fogo
puro, prefiro um culto mais calmo.

138
Uma Noite Inesquecível

- Que papo é esse Cristiano, tá discriminando minha


igreja?!?
- Não é isso João, a questão é que eu me sinto melhor
num ambiente mais tranquilo, ordenado, onde eu consigo
entender claramente tudo o que se diz.
- Ah, já entendi... minha igreja não é boa o suficiente pra
você, não é?
- O que é isso João?!? Jamais eu diria algo dessa
natureza!
- É, mas foi o que você quis dizer!
- Tá bom, tá bom, eu vou lá fazer uma visita.
- Ohhhh glóóóória! - Exclamou João Batista, empolgado.
Cristiano deu um sorriso, e disse:
- Só você mesmo, João!
João o abraçou e agradeceu por aceitar o convite. Depois
disso, os dois iniciaram mais um dia de trabalho. João Batista,
cheio de alegria, executava suas tarefas cantando louvores a
Deus e proferindo frases de exaltação ao Senhor. Cristiano, por
outro lado, mostrava-se um pouco preocupado com o que veria e
ouviria na igreja da qual João Batista era membro.
Ainda pensando no compromisso assumido, Cristiano
telefonou para sua mãe a fim de informar-lhe a respeito de sua
saída. Contudo, para sua surpresa, Dona Odete, ao ouvir sobre o
evento, se interessou e decidiu acompanhar seu filho.
- Eu estou doida para ver como é a igreja desse tal João
Batista! - Disse ela. - Ele é tão rude em suas palavras, que eu
fiquei curiosa e quero conferir se todos lá são assim - Brincou
Dona Odete.
- Ah, se a senhora vai, vou convidar também a Beatriz. -
Replicou Cristiano.
- Fique à vontade, meu filho. Vamos todos louvar ao
Senhor juntos!

139
Controversando sobre o álcool

- Amém! Tchau mãe!


Com o ânimo renovado por ter companhia para ir à
festividade na igreja de seu colega de trabalho, Cristiano,
imediatamente, telefonou para Beatriz, convidando-a para o
culto. A princípio ela relutou um pouco, porque imaginava que a
igreja de João Batista deveria ser bastante barulhenta; apesar
disso, acabou se rendendo aos apelos de seu namorado e aceitou
o convite.
Daí em diante, Cristiano, mais animado, trabalhou com
mais empolgação. Por conta disso, o horário de expediente
parecia, aos seus olhos, estar mais longo. Mesmo assim, após
algumas horas, enfim, a sirene soou, encerrando as atividades
daquele dia. Então, enquanto Cristiano recolhia seus pertences
para ir embora, João Batista o abordou e disse:
- Não se esqueça, hein! O culto inicia às sete e meia da
noite. Vê se chega um pouquinho antes! Eu anotei o endereço
nesse papel, basta seguir as orientações que escrevi aí que você
chega lá.
Cristiano pegou o papel, despediu-se de João, e seguiu
rumo ao seu lar. Chegando lá, encontrou sua mãe,
empolgadíssima, escolhendo suas roupas. Então, o jovem
percebeu que, embora, inicialmente, o convite tenha parecido
algo ruim, na verdade, se tornara positivo, visto que trouxera
alegria ao coração de sua mãe. Isto serviu de incentivo para
fazer aquilo que ele não gostava: ajudar sua mãe a escolher o
que vestir. Então, depois de olhar muitas roupas, lhe ocorreu que
só ele e sua mãe estavam em casa. Por isso, perguntou:
- A tia Otília e o Rafael já foram?
- Já sim, meu filho.
- Ainda bem, o Rafael é muito chato!
- O que é isso Cristiano?!? Ele é seu primo!

140
Uma Noite Inesquecível

- É, mas ele é muito cheio de si. Além do mais, quer


convencer todo mundo de que as besteiras que ele crê são a
verdade absoluta. Parece até o Edmilson! Eu hein, que cara
chato!
- Nisso eu concordo com você, meu filho; porém, temos
que aprender a conviver com essas pessoas e promover a paz,
mesmo que isso pareça muito difícil. Não foi isso que Jesus
ensinou? Como o pastor costuma afirmar, “Cristo nos deu o
ministério da reconciliação92”. Por isso, nosso prazer deve ser
agregar, e não segregar.
- Mais uma vez, você está certa, mãe. Obrigado por me
amar e me aconselhar.
- Eu é que me sinto orgulhosa por ter um filho obediente
e atencioso!
Depois desse momento agradável com sua mãe, os dois
fizeram um lanche, tomaram banho e, em seguida, saíram para
buscar Beatriz. Ao chegar à sua casa, já a encontraram pronta.
Tendo então conversado um pouco com a família da moça,
despediram-se e seguiram em direção à igreja.
Chegando lá, foram recebidos pelo próprio João Batista,
que ostentava um imenso sorriso em seu rosto, resultante da
alegria de receber seus convidados. Motivado por essa
felicidade, apresentou-lhes a toda igreja, inclusive, ao pastor,
fazendo-os se sentir mais à vontade. Além disso, João fez
questão de lhes conduzir ao mesmo banco que ele sentaria, que
por sinal era o primeiro.
Aos poucos a igreja foi enchendo, de modo que não
havia mais lugares para sentar. Havia pessoas em pé nos
corredores e na galeria. Era uma grande festa! Estavam
presentes representantes de várias igrejas e congregações.
92
2Coríntios 5.18.

141
Controversando sobre o álcool

Quando o culto começou, Cristiano ficou um pouco


incomodado, pois os irmãos mais empolgados davam gritos e
saltos, enquanto ele, sua mãe e Beatriz, adoravam de maneira
mais comedida. O dirigente incentivava os presentes a gritar
cada vez mais alto, argumentando que quem não o fizesse seria
um “crente gelado”. Com isso Cristiano, cada vez mais se
arrependia de ter aceitado o convite.
Todavia, em meio a tantos gritos, houve um momento
em que o barulho diminuiu. Era a hora de o mensageiro assumir
a palavra. Este, ao empunhar o microfone, perguntou quem eram
os visitantes. Muitos se levantaram. Então ele disse:
- Olha, Deus tem uma grande obra na vida de vocês! E
nesta noite Ele vai mostrar isso através da Sua Palavra!
Dando sequência, ele leu o texto de João 3.16, e pregou
uma mensagem aparentemente simples, cujo tema era baseado
em três perguntas: “Por que Jesus te ama? Por que Ele quer te
salvar? Por que o sangue de Jesus tem poder?”. Assim, embora
Cristiano, até ali, estivesse incomodado com o barulho, daquele
momento em diante o incômodo se foi. Até porque, ainda que o
pregador também fosse um pouco barulhento, a forma como
abordava o texto e discorria sobre o tema que propusera era
contagiante.
Após discorrer sobre os três questionamentos, o
mensageiro concluiu, dizendo:
- Bem, agora que você já sabe que Jesus te ama e que o
desejo dEle é a salvação da tua alma, receba-o como Salvador
de sua vida e seja alcançado pela eficácia de Seu sangue. Se
alguém deseja tomar essa decisão nesta noite, venha aqui à
frente! Eu quero orar por você! Não importa o que você viveu
até aqui, o que importa é que, se você se entregar para Cristo
agora, Ele lhe dará uma nova vida! Você será uma nova
criatura!

142
Uma Noite Inesquecível

Durante o apelo feito pelo pregador, Cristiano pôs-se a


orar, intercedendo pelas pessoas, para que estas atendessem o
convite. Apesar disso, quando o pregador, empolgado,
glorificou a Deus, o jovem não resistiu e abriu os olhos para ver
quem fora à frente. Para sua surpresa, o homem que, em prantos,
se aproximava do altar, era seu pai. Cristiano não conseguiu se
controlar e, chorando, deixou seu lugar e foi ao encontro de
Jurandir, que foi igualmente surpreendido, uma vez que não
sabia que sua família estaria ali naquela noite. Dona Odete, ao
perceber o que estava acontecendo, ficou estática, não
acreditando que seu marido acabara de receber Cristo como
Salvador. Beatriz, vendo que Dona Odete não se movia, pegou
na sua mão e a conduziu até o altar. Então, a família se abraçou
e chorou copiosamente.
O pregador, ao contemplar aquela cena, perguntou a
Jurandir:
- Você está recebendo Cristo como seu Senhor e
Salvador?
- Sim - Respondeu Jurandir, ainda derramando lágrimas.
Entendendo que os outros eram familiares de Jurandir, o
pregador dirigiu a Deus uma palavra de oração, após o que
agradeceu a oportunidade e passou o microfone às mãos do
pastor daquela igreja. Nesse ínterim, Jurandir e sua família se
assentaram juntos, regozijantes pelo que acontecera.
O pastor glorificou a Deus em alta voz e, em seguida,
conclamou os presentes a fazerem o mesmo. A igreja entrou em
um frenesi sem igual, as pessoas pulavam, batiam palmas,
rodavam e proferiam frases de exaltação a Deus. Aproveitando a
alegria do povo, o pastor fez uma nova oração de gratidão.
Terminada a oração, ele impetrou a bênção apostólica,
encerrando assim a programação.

143
Controversando sobre o álcool

Quando Cristiano e sua família davam os primeiros


passos a fim de se retirarem do templo, os membros da igreja
foram ao seu encontro para cumprimenta-los pela bênção
recebida. Muitos abraçaram Jurandir, dizendo-lhe palavras
animadoras. Diante daquelas manifestações de carinho, mais
uma vez ele não se conteve, e derramou lágrimas. João Batista
se aproximou, abraçou Cristiano e disse:
- Tá vendo aí o que Deus faz meu irmão? Tem que ter fé!
Você dá glória que a bênção desce!
- É João... eu tenho que admitir: realmente Deus operou
nesta noite! - Respondeu Cristiano - Confesso que eu jamais
imaginava que isso aconteceria, justamente aqui. Não me leve a
mal, mas eu tinha uma barreira com igrejas como a sua; achava
que era só oba-oba. Reconheço que, de fato, era um preconceito,
pois, nesta noite, vi que Deus opera independente da prática de
culto ou da denominação. Seja com mais ou menos movimento,
a obra é do Senhor! Portanto, ainda que discorde de algumas
coisas... vejo que Deus se faz presente entre vocês. Louvado seja
o nome dEle!
- Também... você fica indo atrás das ideias malucas
daquele seu pastor - Observou João Batista com um pouco de
desdém.
- Poxa João, não estraga esse momento... a gente tá tão
feliz! Deixa suas críticas para outra ocasião. Vamos celebrar ao
Senhor!
- Tá bom, tá bom, você tá certo... vou deixar passar só
desta vez.
Assim, João Batista abraçou Jurandir e o parabenizou
pela decisão tomada. De igual modo, felicitou Dona Odete e
Beatriz pela bênção alcançada. Ao fim, todos agradeceram a
João Batista pelo convite, pois, por causa dele, tiveram o

144
Uma Noite Inesquecível

privilégio de testemunhar o momento mais marcante de suas


vidas. Afinal de contas, aquela fora uma noite inesquecível!
A família, feliz da vida, agora voltava para o lar. Beatriz
os acompanhou na caminhada e nos louvores que entoaram ao
longo do percurso. Enfim, eles podiam afirmar: nossa casa serve
ao Senhor! E foi exatamente o que fizeram por muitas vezes
naquela noite. No entanto, tendo chegado a casa, Beatriz
despediu-se de Jurandir e Odete, e Cristiano foi levá-la à sua
residência. No trajeto, o casal comentava com entusiasmo a
bênção que Deus lhes concedera.
- Enfim você vai poder respirar aliviado, porque, além de
voltar ao lar, seu pai agora é uma nova criatura! - Ressaltou
Beatriz.
- É verdade. Meu coração está transbordando de alegria!
- Respondeu o jovem.
Nesse clima de alegria, o casal ainda conversou durante
algum tempo no portão da casa de Beatriz. Porém, com o
avançar da hora, a mãe da jovem os interrompeu, solicitando
que eles se despedissem, visto que já estava tarde. Assim, após
alguns beijos, Cristiano retornou para sua casa a fim de desfrutar
da companhia de seus pais e louvar a Deus com eles. Contudo,
chegando ao seu lar, percebeu que Jurandir e Odete já estavam
dormindo. Por conseguinte, ele decidiu fazer o mesmo.

145
14
DÚVIDAS, DÚVIDAS E MAIS DÚVIDAS

D epois de uma noite de sono agradabilíssima, Cristiano


despertou com a sensação de que a conversão de seu pai
havia sido um sonho. Por isso, foi até o quarto dos pais
para conferir. Então, com todo o cuidado, abriu a porta para
verificar. Para sua alegria, o casal estava lá, dormindo
profundamente.
- Glória a Deus! - Pensou Cristiano.
Feliz da vida, o jovem retornou ao seu quarto e fez uma
oração de gratidão a Deus, pois o milagre que ele tanto almejava
agora se tornara realidade.
- Obrigado Senhor! Muito Obrigado! - Dizia ele em sua
oração.
Durante alguns minutos, permaneceu de joelhos,
conversando com Deus, até que, de repente ouviu um barulho e
abriu os olhos. Era Jurandir, que acordara com a averiguação de
Cristiano. Este, vendo-o, logo se pôs em pé, e, meio sem graça,
disse:
- Olá pai... bom dia!
Jurandir, igualmente constrangido, respondeu:
- Bom dia, meu filho. Desculpe te interromper... Você
estava orando, né?
- Não esquenta pai - Respondeu o jovem - Assim como
Deus tem prazer em conversar conosco, creio que Ele também
se agrada quando nos relacionamos um com o outro.
- É verdade. Então, me deixa aproveitar para fazer uma
coisa que, sem dúvida, vai agradar o Senhor: eu quero te pedir
perdão por todo mal que eu causei a você e a sua mãe. Eu me
arrependo tanto...

146
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

Cristiano, com lágrimas nos olhos, disse:


- Pai... eu já tinha te perdoado, antes de você sair de casa.
Deus usou o pastor Ricardo para me mostrar que eu precisava
fazer isso.
Tendo feito essa declaração, o jovem abraçou seu pai, e
os dois choraram abundantemente. Em meio às lágrimas,
Jurandir olhou nos olhos de seu filho e afirmou:
- Filho... vou tentar com todas as minhas forças não
decepcioná-los de novo! Buscarei o Senhor com intensidade!
Creio que nunca mais vou botar nenhuma gota de álcool na
boca! Jesus me libertou por completo!
- Amém! Glória a Deus! - Exclamou o jovem.
Enquanto os dois glorificavam a Deus, a mãe de
Cristiano chegou toda sorridente, declarando:
- É... como é maravilhoso o nosso Deus! Só Ele mesmo
para nos proporcionar momentos como este! Aleluia!
Novamente, a família se abraçou e louvou ao Senhor
pela bênção recebida. Depois disso, se reuniram para desfrutar
do café da manhã. Antes, entretanto, oraram agradecendo a
Deus pela refeição. Em seguida, Jurandir declarou:
- Como é bom estar com vocês! E pensar que perdi tanto
tempo aprisionado por Satanás através do álcool! Por isso, eu já
me decidi: vou procurar os alcoólicos anônimos e participar de
todas as reuniões.
- Que bom, meu amor! - Exclamou Odete.
Aproveitando o ensejo, Cristiano decidiu fazer uma
pergunta que o estava inquietando.
- Pai, me explica uma coisa: o que fez com que você
fosse àquela igreja?
- Sabe filho, desde que você e a Beatriz me encontraram
caído na calçada e me disseram aquelas palavras, Deus começou
a me incomodar profundamente. Eu senti o Senhor falando ao

147
Controversando sobre o álcool

meu coração, me impulsionando a buscá-lo! Porém, acho que o


fator determinante para minha conversão foi o encontro que tive
com um grupo de jovens cristãos. Eles foram usados pelo
Senhor para me alertar! Um deles, inclusive, me disse: “Deus
quer fazer de você um novo homem, quer restaurar a sua
família, mudar a sua história! Só depende de você”! Quando ele
falou aquilo... tudo o que eu fiz pra vocês e o que você e sua
namorada falaram pra mim, veio à minha mente! Então eu
chorei. Um dos jovens, vendo aquilo, me abraçou e todos eles
oraram por mim. Terminada a oração, uma menina que
acompanhava o grupo me entregou um panfleto de divulgação
da programação de ontem. Por isso, eu fui lá.
- Eu nunca imaginaria que você apareceria lá! -
Ressaltou Odete.
- É, Deus sempre nos surpreende! - Destacou Cristiano.
Enfim, a família podia desfrutar de momentos felizes na
presença do Senhor. Parecia um sonho. Dona Odete era só
sorrisos. Cristiano, da mesma forma, não conseguia conter sua
alegria. Assim, o dia avançou e ele nem se deu conta de que era
sábado, ou seja, o dia em que agendara um novo encontro com o
pastor Ricardo. Consequentemente, às dezoito horas em ponto, o
pastor ligou para saber o que acontecera, visto que ele já estava
na igreja e Cristiano não. O jovem, assustado e constrangido,
desculpou-se com o pastor e disse que em pouco tempo estaria
lá.
Jurandir, vendo aquilo, indagou:
- Qual o assunto que você vai tratar com o pastor?
Na mesma hora, Dona Odete interrompeu, dizendo:
- Ah Jurandir... o Cristiano vive às voltas com um
dilema: o cristão pode beber ou não?
- Ué meu filho, eu achei que isso já estava bem claro pra
você. Pra mim, você já tinha suas convicções, pois naquele dia

148
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

em que você me encontrou na rua seus argumentos foram


bastante convincentes - Disse Jurandir ao seu filho.
- Fique tranquilo pai, minha visão já está bem definida;
só falta esclarecer umas dúvidas a respeito de alguns textos
bíblicos - Respondeu o jovem.
- Ahhhh, ainda bem! Pensei que depois de tudo o que eu
passei e fiz vocês passarem, você ainda tivesse dúvida se deve
beber ou não.
- Claro que não! Eu quero distância do álcool!
- É isso aí meu filho!
A seguir, Cristiano despediu-se de seus pais e dirigiu-se
até o templo de sua igreja, a fim de encontrar seu pastor.
Chegando lá, de imediato, pediu desculpas ao pastor pelo atraso.
Este, amorosamente, o abraçou e disse:
- Não esquenta meu irmão, é só evitar esquecer de novo.
Tá bom?
- Claro pastor! Da próxima vez vou anotar e colar na
porta da geladeira.
- Boa ideia! Isso funciona comigo. Mas, desculpas à
parte, temos que colocar o assunto em dia, não é?
- É verdade pastor, tenho muito para falar!
- Então diga meu irmão: você debateu aquela questão
com mais alguém?
- Sim. Porém, a grande novidade que eu tenho para
contar não é essa.
- Então qual é? Diga logo rapaz!
- Meu pai, enfim, se converteu e voltou para casa!
- Que bênção! Glória a Deus! Valeu a pena esperar no
Senhor! Viu? Deus é bom demais! Traga-o à escola bíblica
dominical amanhã! Vai ser muito bom contemplar a família
reunida na presença do Senhor!
- Amém! Vou chamá-lo sim.

149
Controversando sobre o álcool

- Mas me diga: como foi que aconteceu?


- Bem, ontem, eu, minha mãe e Beatriz, fomos à igreja
onde congrega o João Batista, um colega de trabalho. O culto
era meio barulhento, mas, mesmo assim, foi uma bênção.
Quando o pregador fez o apelo, para nossa surpresa, quem
estava lá na frente? Meu pai! Foi uma choradeira tremenda!
- Nossa, que bom! Espero que ele permaneça firme.
- Amém! Esse é o nosso desejo!
- Então... depois de me contar essa bênção maravilhosa,
há mais alguma coisa que eu possa fazer por você?
- Sim. Porque, embora eu já tenha uma posição a
respeito do consumo do álcool, há alguns textos bíblicos que
não se encaixam muito bem nela.
- Pois bem, quais são?
- Aham... deixa eu ver nas minhas anotações... ah,
encontrei! Deuteronômio 14.26. Este texto me trouxe certa
inquietação, pois, aparentemente, ele afirma que, durante uma
refeição de comunhão no santuário, o israelita estaria autorizado
a consumir vinho e bebida forte. Ao lê-lo eu fiquei com a pulga
atrás da orelha.
- Isso é perfeitamente compreensível. Sempre haverá
passagens da Bíblia que nos deixarão com dúvidas. Não pense
que você encontrará respostas para tudo. Há questionamentos
que só serão respondidos lá no céu. Mas quanto ao texto que
você mencionou, precisamos lê-lo mais uma vez, inserindo-o no
seu contexto, para podermos compreendê-lo.
Assim, o pastor solicitou que Cristiano abrisse sua Bíblia
e lesse o trecho de Deuteronômio 14.22-2693 em voz alta, o que
93
Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano
se recolher do campo.
E, perante o SENHOR teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar
o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e

150
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

o jovem fez de bom grado. Ao concluir a leitura, o pastor


comentou:
- Meu jovem, o contexto dessa passagem trata da
regulamentação da prática do dízimo, apontando o lugar para a
entrega e o cerimonial a ser observado. Isto porque, o povo
estava prestes a adentrar a terra prometida, um lugar onde
existiam diversos locais de adoração a outros deuses, bem como
uma série de atitudes reprováveis diante do Senhor. Por conta
disso, com o intuito de resguardá-los da influência pagã, Moisés
estabeleceu os parâmetros preconizados no texto.
- E quanto ao banquete que aparece no texto?
- Bem, trata-se de uma refeição de comunhão que
acontecia por ocasião da entrega dos dízimos no santuário. Este
cerimonial envolvia toda a família, ou seja, homens, mulheres,
jovens e crianças. O alimento para o evento eram os dízimos, ou
seja, a décima dos produtos agrícolas e os primogênitos dos
animais. Como havia quem morasse distante do local de culto,
era permitida a venda desses bens; desde que, com o dinheiro
recebido, fossem adquiridas novas provisões nas proximidades
do santuário. Entendeu?
- Sim. Era tipo uma festa americana, né? Cada um trazia
uma parte da refeição.

os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer
ao SENHOR teu Deus todos os dias.
E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar
longe de ti o lugar que escolher o SENHOR teu Deus para ali pôr o seu
nome, quando o SENHOR teu Deus te tiver abençoado; Então vende-os, e ata
o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher o SENHOR teu Deus;
E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por
ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma;
come-o ali perante o SENHOR teu Deus, e alegra-te, tu e a tua casa;

151
Controversando sobre o álcool

- É mais ou menos por aí. Todavia, o que devemos


observar é que o termo traduzido como vinho, nesse texto, é o
hebraico yayin, cujo significado, como falamos da outra vez,
pode ser suco de uva fermentado ou não fermentado. Da mesma
forma, a palavra hebraica traduzida como bebida forte é shekar,
que, embora seja quase sempre mencionada como substância
embriagante, admite a tradução “bebida doce”. Portanto, não dá
para afirmar com convicção se a bebida consumida era alcoólica
ou não. Eu, particularmente, creio que não era. Porquanto,
aquela festa era uma ocasião de adoração; logo, era necessário
que o adorador estivesse perfeitamente sóbrio e temperante. Se
houvesse bebidas alcoólicas, alguém certamente iria causar
problemas. Aliás, o culto onde a embriaguez era algo comum
era o cananeu, não o israelita. Por conseguinte, se a ideia era
estabelecer distinção entre pagãos e povo de Deus, penso que
eliminar o álcool do culto e das festas seria importante. Além
disso, deve ser relembrado que havia crianças presentes, e seria
um absurdo liberar o álcool. Até porque, se os pais se
embriagassem, provavelmente largariam os filhos à deriva,
contemplando a decadência de seus genitores.
- Geni o quê?
- Genitores, Cristiano; é a mesma coisa que pais. É um
sinônimo.
- Ah, entendi... seria um péssimo exemplo para os filhos.
- É isso aí, meu jovem. Tem mais algum texto?
- Tem sim. Na minha última discussão com o Edmilson
ele mencionou uma passagem na qual Davi recebe, dentre as
provisões fornecidas por Abigail, dois odres de vinho. Eu li o
texto, mas de cara percebi que ele não serve para respaldar o
consumo do álcool. Ora, Abigail levou somente dois odres, mas
Davi estava acompanhado de um exército! Se fosse dividir entre

152
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

eles, levando em conta o baixo teor alcoólico da bebida naquela


época, não haveria problema algum! Seria uma dose ínfima!
- É, mas aí você estaria dando margem para o consumo
moderado, concorda?
- Puxa! Eu não tinha parado para pensar nisso! Então,
qual a resposta, pastor?
- Vamos ler o texto primeiro?
- Claro.
Cristiano prontamente começou a procurar o texto no seu
exemplar da Escritura. Ao encontrar, entusiasmado, o jovem
logo começou a ler. O pastor ouviu atentamente, e, após a
leitura, começou a fazer suas considerações.
- Realmente, quando lemos 1Samuel 25.18, o episódio
ali narrado soa estranho aos ouvidos, porque, apesar de ter
preparado grandes provisões para Davi e seus homens, Abigail
se preocupou mais com o alimento sólido que com o líquido.
Isto é perceptível na disparidade entre as quantidades de
mantimentos e os dois odres de vinho. Ora, normalmente,
utilizava-se algum líquido durante a refeição para facilitar a
ingestão dos sólidos. Contudo, esta grande diferença de
quantidade constitui uma clara indicação de que o vinho estava
em forma de suco de uva concentrado, mais ou menos como
uma geleia. Nesta condição, seria necessário adicionar água para
viabilizar o consumo. Este era um método muito comum de
preservação do suco de uvas na Antiguidade. As uvas eram
fervidas até que se transformassem em um xarope, o qual era
chamado por historiadores antigos de vinho. Inclusive,
conforme alguns eruditos, no passado, os vinhos mais pareciam
xarope do que outra coisa, e muitos não eram alcoólicos. Por
isso, Abigail levou apenas dois odres de vinho, pois, para bebê-
los, os indivíduos, necessariamente, precisariam misturá-lo com
água, aumentando assim o seu volume. Dessa forma, dois odres

153
Controversando sobre o álcool

poderiam tranquilamente suprir as necessidades de um exército.


A mesma discrepância de quantidades é observada em 2Samuel
16.1, onde Ziba, o servo de Mefibosete, ao encontrar-se com
Davi, lhe entrega um par de jumentos, duzentos pães, cem
cachos de passas, cem de frutas de verão e somente um odre de
vinho. Isto é, ele lhe fornece apenas a base para a confecção do
refresco de uva.
- É verdade... Faz todo o sentido!
- O grande problema é que existem cristãos que sempre
desejaram fazer aquilo que o mundo faz, e acham que todos os
demais sentem o mesmo. Por isso, começam a criticar tudo e
todos, tentando fragilizar as instituições evangélicas e as
verdades defendidas por estas ao longo dos séculos, com o
propósito de justificar suas práticas. Para tanto, apontam
algumas atitudes incentivadas pelas mais diversas
denominações, tais como não beber, não ouvir nem dançar
músicas seculares, dar o dízimo, etc., como fardos. Só que eles
esquecem que a maioria das pessoas segue essas orientações
com prazer. Eu, por exemplo, não fico “me segurando” para não
beber ou para não ouvir música do mundo; simplesmente não
gosto dessas práticas, e não vejo edificação nenhuma nelas. Para
mim, não é um fardo me abster disso. Conheço muitos crentes
que pensam o mesmo; que se alegram em ouvir apenas louvores
a Deus, em não beber, em dizimar, etc.
- Pode me inserir nesse grupo, pastor! Pois não tenho
desejo algum de consumir álcool, nem de dançar ou ouvir
músicas seculares. O meu maior prazer é exaltar o meu Senhor e
anunciar Sua Palavra. Não preciso das coisas do mundo para ser
feliz. Cristo é a razão da minha felicidade! Sinto-me plenamente
livre, ainda que não beba, não fume, nem ouça músicas
mundanas.

154
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

- Glória a Deus! Você é uma bênção, Cristiano! Gostaria


que existissem mais jovens como você! Pena que a maior parte
da juventude cristã esteja tão secularizada...
- É... isso é muito triste...
- Sem dúvida. Mas, deixemos as lamentações de lado e
voltemos para o nosso assunto.
- Está bem, vamos lá. Outro ponto questionado pelo
Edmilson, foi a discrepância existente em 1Timóteo 3, onde é
dito que os pastores não devem ser dados “ao vinho”, mas
quanto aos diáconos a orientação é que não sejam dados a
“muito vinho”. Esta, pra mim, é uma das passagens mais
complexas no tocante ao consumo do álcool.
- Concordo contigo, Cristiano; esse é um dos textos que
mais geram dificuldades no que tange à sua interpretação.
Porquanto, muitos entendem que o apóstolo estava dizendo mais
ou menos o seguinte: os pastores não podem beber, mas os
diáconos estão autorizados, desde que não se embriaguem.
- É o que parece, não é?
- Sim. Apesar disso, uma análise mais detida nos levará a
outra conclusão. Senão vejamos: o que seria “muito vinho”? É
uma delimitação muito vaga. Até porque, o ponto entre a
embriaguez e a sobriedade varia de pessoa para pessoa. Há
pessoas que são mais tolerantes ao álcool e outras menos.
Naturalmente, os menos tolerantes se embriagam com
facilidade. De modo que podem beber “pouco vinho” e ficar
bêbados, e, ainda assim, não transgredir a orientação paulina.
Afinal, não teriam bebido “muito vinho”. Aliás, Paulo não deixa
claro se a ideia é evitar a embriaguez, como faz em Efésios 5.18.
Por isso, embora 1Timóteo 3.8 pareça dar margem ao consumo
moderado do álcool, deve-se salientar que seria um absurdo o
apóstolo Paulo, cuja evangelização contribuiu para a conversão
de alguns dos próprios farrapos da humanidade, dentre os quais

155
Controversando sobre o álcool

muitos haviam sido devassos, idólatras, adúlteros e bêbados,


defendesse o uso de algo que poderia conduzi-los de volta ao
lamaçal. Pois, para um ex-alcoólico retornar ao vício bastaria o
primeiro gole. Seguindo esse raciocínio, acredito que Paulo, ao
se dirigir aos diáconos, provavelmente, estava se referindo ao
vinho não fermentado, advertindo-os contra a glutonaria. Isto
porque, tal procedimento seria uma evidência de ausência do
domínio próprio, característica que é essencial em todas as áreas
da vida. Além disso, aos olhos de observadores desavisados, o
descontrole no consumo poderia produzir uma interpretação
equivocada. Isto é, alguém poderia indagar: o que eles estão
bebendo? Suco de uva, vinho misturado com água, ou bebida
alcoólica? Exatamente, o risco que corremos quando bebemos
aqueles refrigerantes colocados em garrafa de cerveja.
- Tudo bem pastor, mas por que o apóstolo faz distinção
entre o pastor e o diácono? Isso não ficou claro.
- Tá bom, vou tentar esclarecer; mas antes disso, deixa
eu te explicar uma coisa: você lembra do que eu disse acerca do
vinho usado naquela época?
- Sim. O senhor disse que o vinho alcoólico daquele
tempo possuía baixo teor de álcool, e que, mesmo assim,
costumava ser misturado com água.
- Exatamente. Assim, já que o vinho era diferente, o
ensino bíblico relacionado a ele era distinto do que se ensina
hoje. O mesmo ocorre em outras áreas da vida. As táticas de
guerra de hoje, por exemplo, são diferentes das empregadas no
passado, visto que o poderio bélico dos exércitos do passado era
mais fraco do que atualmente. Não há como aplicar, na
atualidade, ensinos que diziam respeito a características
pretéritas.
- É... faz sentido.

156
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

- Outra coisa que preciso compartilhar contigo são os


termos gregos empregados no Novo Testamento para se referir
às bebidas de um modo geral, inebriantes ou não.
- Grego?!? Ué, mas o senhor não falou que a Bíblia foi
escrita em hebraico e aramaico?
- Não, não foi isso que eu disse. Eu falei que as
Escrituras foram redigidas com o emprego de três idiomas:
hebraico, aramaico e grego. O Antigo Testamento foi escrito em
hebraico e o Novo Testamento em grego.
- Ahhhaaaammm, entendi.
- Pois bem, no texto grego há palavras que equivalem
aos termos hebraicos traduzidos como vinho ou bebida forte. A
palavra hebraica shekar, que dá a ideia de “bebida forte” ou
“bebida doce”, por exemplo, é traduzida, no grego, como sikera.
- Caramba, que nome esquisito!
- Bem, como não é nosso idioma, qualquer palavra vai
soar estranha aos nossos ouvidos.
- É verdade.
- Como eu estava falando, existem palavras gregas
equivalentes aos termos hebraicos traduzidos como vinho ou
bebida forte. Você tá lembrado do hebraico tirosh?
- Não dá pra esquecer essa palavra tão estranha! Parece
até tireoide! Eu hein!
- Já que você lembra, fica mais fácil. O termo tirosh,
conforme já comentei, aponta para o suco de uva recém-
espremido, ou seja, o “vinho novo”, que não era embriagante.
No Novo Testamento, a palavra correspondente é o grego
gleukos, que aparece no texto de Atos 2.13, e do qual deriva o
termo “glicose”.
- Caramba pastor! Dá pro senhor falar português? Tô
ficando meio confuso!

157
Controversando sobre o álcool

- Calma, meu jovem... eu só estou preparando o terreno


para responder à pergunta que você fez.
- Tá bom, tá bom, pode prosseguir.
- Então, como eu dizia, os termos hebraicos que no
Antigo Testamento eram traduzidos como vinho têm
equivalentes no grego. Um deles, chamado oinos, chama
atenção porque traduz duas palavras hebraicas: yayin e tirosh.
Isto evidencia seu amplo significado, pois ora diz respeito ao
vinho fermentado e ora ao não fermentado. Até porque, como te
falei, o termo yayin pode significar tanto um quanto outro tipo
de vinho. Por isso, diversos escritores da Antiguidade, como
Aristóteles, Anacreontes, Nicandro e Papias, empregaram o
grego oinos para falar do vinho não fermentado.
- Pastor, me esclarece uma coisa.
- Claro, Cristiano.
- Se esse termo tem várias acepções, por que as
traduções existentes no mercado brasileiro não apresentam
palavras que distingam o vinho fermentado do não fermentado?
- Bem, a tradução da Bíblia de João Ferreira de Almeida
foi desenvolvida no decorrer do século 17, e a este tempo a
palavra portuguesa “vinho” ainda significava “suco de uva
fermentado” ou “não fermentado”. Por essa razão ela é utilizada
para ambos os casos.
- Entendi.
- Basta observar o texto bíblico para identificar a
diferença no uso da palavra vinho. Em Efésios, por exemplo, o
apóstolo Paulo no capítulo 5 verso 18, declara: “Não vos
embriagueis com vinho...”. Este caso constitui uma clara
referência ao vinho fermentado, visto que emprega-se o termo
oinos. Apesar disso, em Apocalipse 19.15 aparece algo curioso:
“Ele pisa o lagar do vinho”. Ora, a mesma palavra grega é usada
neste texto, mostrando que o até o suco da uva recém-espremida

158
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

é identificado como oinos. Até porque, conforme Isaías 16.10 e


Jeremias 48.32,33, o que se pisa no lagar são as uvas. Decerto, o
vinho oriundo desse processo não poderia ser fermentado e sim
o suco doce da uva. Como, pois, o vinho sairia já fermentado da
uva? Da mesma forma, em Apocalipse 6.6, “oinos” é usado
como referência às uvas da videira como uma safra que deve ser
preservada. Esses indícios revelam que, para a comunidade
cristã do período neotestamentário, oinos era uma palavra
genérica utilizada para indicar tanto o vinho fermentado e o não
fermentado.
- Nossa! Isso esclarece muita coisa!
- Enfim, a respeito da discrepância entre a orientação
dada aos pastores e a recomendação aos diáconos, é necessário
observar atentamente o texto, analisando, inclusive os termos
gregos utilizados.
- Caramba, pastor! Mais palavras gregas?!? Isso é muito
para os meus neurônios!
- Calma Cristiano, a gente vai bem devagar. Se você
tiver alguma dúvida, é só me interromper e perguntar. Eu vou
tentar deixar o mais claro possível. Pode ser?
- Tá bom, tá bom...
- Então vamos lá: a expressão “dado ao vinho”, que
aparece em 1 Timóteo 3.3 é a tradução do grego paroinos cujo
significado é “colocar-se ao lado do vinho”, ou seja, é o mesmo
que se sentar ao lado de um recipiente cheio de vinho.
- Não entendi. O que tem a ver sentar ao lado de um
recipiente de vinho? Ninguém fica bêbado desse jeito.
- Na verdade, a ideia que o apóstolo Paulo quis transmitir
não é tão literal assim. Ele quis dizer que nenhum bispo deveria
ter contato com o vinho embriagante. Isto é, não deveria estar
com o vinho, ao lado do vinho ou perto do vinho. Sua
recomendação é que mantenham distância do álcool. Acredito

159
Controversando sobre o álcool

que suas palavras aludiam à consagração que sempre foi exigida


dos líderes religiosos, desde o Antigo Testamento94.
- Tudo bem, pastor; mas essa exigência diz respeito
exclusivamente aos bispos, não é? Como ficam, então, os
demais crentes?
- Cristiano, Cristiano... pense comigo: seria aceitável que
qualquer cristão tivesse várias esposas, fosse espancador,
ganancioso, desonesto, ou mesmo “dado ao vinho”?
- É claro que não!
- É óbvio que não. As orientações de 1 Timóteo 3 não
são apenas para pastores ou bispos, mas para toda a igreja. Um
líder eclesiástico deveria, no mínimo, praticar aquilo que os seus
liderados devem observar. Concorda?
- É verdade... Pois, se não fosse assim, o exercício do
ministério pastoral seria baseado naquele ditado popular: “faça o
que eu falo, mas não faça o que eu faço”.
- Exatamente. Não é à toa que, no capítulo 4 da mesma
carta, Paulo adverte Timóteo para que seja exemplo dos fiéis95.
Até porque, desde aquela época as pessoas já tinham a tendência
de imitar as ações do líder.
- Isso acontece até hoje, né pastor. Sempre tem alguém
querendo justificar suas atitudes com base naquilo que o líder
faz ou não faz.
- É verdade. Isso ocorre porque a maioria não se
interessa pela Bíblia. Por isso, ouvimos frases do tipo: “meu
pastor falou”; ao invés de: “a Bíblia diz”.
- Por causa disso, os crentes, de um modo geral, acabam
sendo julgados como manipulados.
- Infelizmente, pagamos pela preguiça de alguns. Porém,
como nós não somos preguiçosos, vamos voltar ao tema.
94
Levítico 10.8-11.
95
1Timóteo 4.12.

160
Dúvidas, Dúvidas e mais Dúvidas

- Ok. Pode prosseguir pastor.


- Bem, como eu falava, creio que em 1Timóteo 3 a
abstinência é exigida do líder a fim de que este sirva de exemplo
prático para os liderados. Se você verificar o versículo 2, por
exemplo, perceberá essa exigência no emprego do adjetivo
“sóbrio”, o qual aparece como uma das qualidades essenciais de
um bispo. Cabe ressaltar ainda que esse termo, tanto no
português quanto no grego, é o antônimo da embriaguez. Logo,
é evidente que, no versículo 3, quando o apóstolo afirma que os
bispos não devem ser dados ao vinho, estava se referindo ao
vinho embriagante; diferente do que ocorre no versículo 8, onde
acredito que Paulo tinha em mente o vinho não fermentado.
Ficou claro?
- Ainda não, pastor. Eu tenho uma dúvida: em 1Timóteo
3, embora os bispos e as mulheres96 sejam orientados a se
manterem sóbrios, Paulo não recomenda o mesmo aos diáconos.
Então, levando em conta o que o senhor falou sobre a
sobriedade, destacando-a como o contrário da embriaguez,
parece que o apóstolo está dizendo que os diáconos tinham
permissão para se embriagar.
- Nossa! Eu nunca havia ouvido uma colocação como
essa! Agora você pegou pesado! Tá andando muito com o
Edmilson, hein! - Replicou o pastor, em tom de brincadeira.
- Tô fora! - Respondeu o jovem, com um sorriso no
rosto.
- Bem, se você analisar o texto mais de perto, verá que,
no versículo 11, Paulo salienta que, assim como os diáconos, as
mulheres deveriam ser, entre outras coisas, sóbrias. Por
conseguinte, não há dúvida de que o apóstolo requer o mesmo
de todos os grupos ali citados: bispos, diáconos e mulheres.
96
1Timóteo 3.11.

161
Controversando sobre o álcool

Aliás, o mesmo ocorre no versículo 8, quando o apóstolo usa o


mesmo termo referindo-se aos diáconos. Isto é, assim como os
pastores, os diáconos deveriam se abster do álcool. Resolvido o
problema?
- Agora sim!
- Deixa eu te dar um conselho, meu jovem: não fique
muito preocupado com aquilo que os outros estão pensando,
apenas mantenha suas convicções. Você, mais do que qualquer
um, é quem precisa crer! Nunca pare de anunciar o evangelho,
mas não brigue com as pessoas ao fazê-lo, pois elas precisam
ver, na prática, o amor que pregamos.
- É... o senhor tá certo. Muito obrigado, eu precisava
ouvir isso.
Depois de aconselhar o jovem, o pastor Ricardo olhou
rapidamente para o relógio e percebeu que já passava das vinte e
duas horas, e disse:
- Bem... como o horário já está um pouco adiantado,
acho melhor encerrarmos nossa conversa por aqui. Afinal de
contas, amanhã é domingo, dia de Escola Bíblica Dominical.
- Sem problema, pastor. Eu louvo a Deus por sua vida! O
senhor se dispôs a gastar tempo comigo para esclarecer dúvidas
pessoais! Muito obrigado!
- Isso não foi nada. Na verdade, eu não estava gastando
tempo, estava investindo. A propósito, vamos investir mais um
tempinho conversando com o Senhor?
- É claro!
Os dois ajoelharam e oraram em voz alta, agradecendo a
Deus por tudo que lhes permitira fazer e pedindo que o Senhor
os fortalecesse dia após dia. Em seguida, o pastor ofereceu uma
carona ao jovem, que, com alegria, aceitou. Assim, tendo-o
deixado em sua residência, o pastor seguiu para sua casa.

162
15
ENCERRANDO A CONTROVÉRSIA

A
o chegar a casa, sua mãe logo lhe disse que preparasse
sua roupa para a Escola Bíblica Dominical. Dona Odete
estava muito feliz, porque aquele seria o primeiro
domingo em que sua família caminharia unida rumo ao templo
de sua igreja. Por conta disso, mostrava uma preocupação acima
do normal. Ela queria que tudo fosse perfeito. Cristiano,
percebendo a inquietação de sua mãe e compreendendo a causa,
procurou ajudá-la nos preparativos. Para sua surpresa, Jurandir
fez o mesmo.
Ao término da preparação, a família se reuniu para
realizar seu culto doméstico, orando, cantando e lendo as
Escrituras. Jurandir, embora não tivesse profundo conhecimento
bíblico, entendia que essa era a melhor maneira de manter a
família unida e fortalecer o relacionamento com Deus.
No dia seguinte, todos levantaram cedo. A empolgação,
nitidamente, os dominava. Dona Odete cantarolava hinos do
hinário de sua igreja, enquanto Jurandir procurava seus óculos.
Afinal, ele não queria perder nenhum detalhe das explicações
sobre a Bíblia. Cristiano também não conseguia esconder sua
alegria, evidenciada através de um sorriso constante. Parecia um
sonho!
Tendo aprontado tudo, a família pode, enfim, dirigir-se à
igreja. Chegando lá, encontraram Beatriz, que os esperava em
frente ao templo. Ao vê-los, a jovem abriu um sorriso de orelha
a orelha, tamanha era sua felicidade. A mesma reação se repetiu
quando os demais membros e o pastor Ricardo os viram. Cada
um fez questão de cumprimentar o mais novo membro do Corpo
de Cristo e congratular a família pela bênção recebida. A

163
recepção calorosa facilitou a integração de Jurandir àquela
comunidade de fé.
Depois de muitos apertos de mão, abraços e frases de
gratidão ao Senhor, Jurandir foi convidado pelo pastor a fazer
parte da classe de novos convertidos, enquanto Cristiano,
Beatriz e Odete dirigiram-se para suas respectivas classes. Ao
fim da EBD, a família, novamente reunida, pode participar do
primeiro culto juntos.
Naquela ocasião, o pastor da igreja havia convidado um
amigo para trazer a Palavra, o pastor Marcelo. O mais
interessante, entretanto, é que a mãe do pregador era vizinha da
família de Cristiano, ou seja, ele já era conhecido deles. Mesmo
assim, aquela era a primeira vez em que o ouviriam.
Ao assumir a palavra, o convidado agradeceu à igreja e
ao seu pastor pelo convite e glorificou a Deus pela conversão de
Jurandir. Na sequência, abriu a Escritura e leu o texto de 1Pedro
1.15, que diz: “mas, como é santo aquele que vos chamou, sede
vós também santos em toda a vossa maneira de viver”. Usando
esta passagem, ressaltou a importância da santidade, salientando
que esta diz respeito a todas as áreas da vida. Partindo desse
princípio, apontou algumas atitudes que contribuem
negativamente para a santificação. Dentre elas, destacou a
imprudência de alguns que argumentam em favor do consumo
moderado do álcool. Ao ouvir isto Cristiano, ficou ainda mais
interessado no sermão.
Cerca de trinta minutos depois, o pregador devolveu a
palavra ao pastor Ricardo, o qual agradeceu a Deus por sua vida
e fez uma oração encerrando a programação. Alfim, antes de
sair do templo, Cristiano fez questão de cumprimentar o pastor
Marcelo, e compartilhar com ele um pouco da história de sua
peregrinação em busca de respostas coerentes no tocante ao
consumo de álcool por parte dos crentes. Ao ouvi-lo, o pastor

164
comentou que estava escrevendo um livro sobre o assunto, e
disse que, se fosse do seu interesse, eles poderiam conversar
mais naquele mesmo dia. Cristiano, empolgadíssimo, aceitou a
oferta. Assim, os dois marcaram de se encontrar após o almoço.
Tendo se despedido de todos, Cristiano e seus pais
retornaram regozijantes para sua residência. Chegando lá,
conversaram um pouco sobre o que fora ensinado na igreja.
Jurandir estava bastante entusiasmado. Não parava de falar
sobre o que vivenciara naquela manhã de domingo. Nesse clima
festivo, eles almoçaram e ainda falaram bastante acerca da
Bíblia.
Todavia, lá pelas duas da tarde, Cristiano pediu licença e
foi até a casa de Dona Ivone, a mãe do pastor Marcelo. Ao tocar
a campainha, logo foi atendido pelo pastor, o qual
imediatamente o convidou a entrar. Para surpresa de Cristiano, a
casa estava cheia. Era uma reunião familiar. Então, prontamente,
o jovem cumprimentou a todos e sugeriu ao pastor que se
reunissem em outra ocasião. Não obstante, ele não acatou sua
sugestão, dizendo:
- Fica tranquilo, meu irmão. A gente não vai demorar
tanto assim. Além disso, dificilmente haverá outra ocasião. Eu
nem moro aqui. Vim para pregar e visitar a família.
- Se é assim, então tudo bem - Respondeu Cristiano.
Ato contínuo, o pastor convidou o jovem para
acompanhá-lo até seu escritório. Ao adentrar o cômodo,
Cristiano imediatamente perguntou:
- Ué, o senhor não disse que não mora mais aqui? Como
tem um escritório montado para você?
- Ah, isso é coisa da minha mãe. Ela fez questão de
manter o ambiente do mesmo jeito que quando eu morava aqui,
para que sempre que a visitasse eu pudesse ler um livro,

165
preparar um sermão, ou, até mesmo, receber pessoas para
conversar.
- Poxa, que legal!
- É mesmo, minha mãe é uma bênção! Mas, me diga: em
que posso te ajudar?
- Bem, como eu falei, tenho peregrinado em busca de
respostas relativas ao consumo de álcool por parte dos cristãos.
Ao longo dessa busca, pude definir minha posição em relação a
isso. E, por sinal, é a mesma que a sua. O pastor Ricardo me
ajudou muito nesse processo. Ele é um homem de grande
conhecimento e sabedoria! No entanto, por falta de tempo, ele
acabou não esclarecendo todos os pontos que me incomodam no
que tange ao meu posicionamento. Na verdade, esse incômodo
diz respeito a uns textos bíblicos que alguns conhecidos meus
usaram para defender o consumo moderado de bebidas
alcoólicas. Por isso, aproveitei que compartilhamos das mesmas
ideias, e que o senhor está aqui do lado da minha casa, para
solucionar os questionamentos que me restam.
- Estou à disposição, pode falar.
- Bem, noutro dia lá no trabalho eu conheci um cara
meio doido, que me falou que bebia para a glória de Deus! A
fim de se justificar, ele usou o texto de 1Coríntios 10.31 e citou
o exemplo de um tal Spurgeon, o qual, segundo ele, afirmou que
fumava para a glória de Deus! O que o senhor me diz disso.
- Sem dúvida, Charles Spurgeon foi um grande pregador.
Sua eloquência lhe rendeu o título de “Príncipe dos Pregadores”.
As multidões afluíam para o ouvirem. Mesmo assim, não posso
fechar os olhos para o fato de que ele conservou até o fim da
vida o hábito de fumar, em média, um charuto por dia. Contudo,
cabe salientar que, tal como ocorria com ele, todos nós
cometemos erros. Isso faz parte da natureza humana. Já
nascemos na condição de pecadores. Quantas vezes nós

166
falhamos e tentamos justificar-nos recorrendo a textos bíblicos?
Se eu disser que nunca fiz isso, estaria mentindo. Portanto, ainda
que Spurgeon tenha fumado, vejo que isso não o torna pior do
que nós. Reconheço, porém, o fumo como uma prática
inadequada ao Cristianismo. Até porque, como poderíamos nós,
que pregamos a liberdade, consentirmos com algo que aprisiona
tantas pessoas? Apesar disso, penso que precisamos manter o
foco em Jesus, não em Spurgeon ou Wesley. Porque, no fim das
contas foi isso que todos os ícones do passado fizeram: seguir
Jesus, não homens.
- Foi mais ou menos isso que eu respondi. Eu disse que
esse tal de Spurgeon não é Jesus. Ele não é referência pra mim.
O fato de ele fumar não constitui uma autorização para fazermos
o mesmo.
- É isso aí. E quanto ao texto de 1Coríntios 10.31, é
importante deixar claro que Paulo estava estabelecendo um
princípio norteador para toda conduta cristã. Isto não significa
fazer ou deixar de fazer algo, mas encarar todas as ações da vida
como atos de devoção a Deus. Tudo o que fazemos e o que não
fazemos deve concorrer para honra e glória do Senhor. Não
creio que o fumo se enquadre nisso. Pois, se lermos o versículo
seguinte97, veremos que quando levamos outros a tropeçarem,
sejam crentes ou não crentes, não estamos glorificando a Deus.
O abuso da liberdade cristã pode levar muitos a cair ou se
escandalizar. Esse é o contexto no qual o texto que você citou
está inserido. Paulo explica que, por causa da consciência do
outro98, ou seja, por causa do que o outro pode pensar de mim,
97
“Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos
gregos, nem à igreja de Deus” (1Coríntios 10.32).
98
“E, se algum dos infiéis vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que
se puser diante de vós, sem nada perguntar, por causa da consciência. Mas, se
alguém vos disser: Isto foi sacrificado aos ídolos, não comais, por causa

167
devo deixar de comer ou beber algo. Esse outro poderia ser tanto
o pagão que servia o alimento sacrificado aos ídolos, quanto um
crente débil na fé. Por isso, conforme já disse, considero
totalmente inadequado ao cristão tanto o fumo quanto o
consumo de álcool. Essas coisas não trazem edificação alguma,
não promovem a glória de Deus! Pelo contrário, elas só geram
escândalos e tropeços. Não é à toa que a mesma sociedade que
rejeita a Cristo entende que um cristão não deve beber.
- Concordo plenamente. O problema é que esse cara de
quem eu falei usou ainda o texto de Romanos 14.22 e 23 para
defender seu raciocínio, argumentando que se alguém acredita
que algo é pecado, não deve praticar o ato, mas se nem a sua
consciência e nem a Bíblia o condenam, não há problema algum
em fazê-lo. O que o senhor acha disso?
- Acredito que a maior dificuldade está nos extremos.
Uns acham que ser cristão significa apenas deixar de praticar um
monte de coisas, porque creem que se as puserem em prática
perderão sua salvação; outros, por outro lado, entendem que a
liberdade que Cristo concede lhes outorga o direito de fazer o
que bem entenderem, pois já que essas coisas não salvam que
mal há em praticá-las? São dois pensamentos equivocados. O
capítulo 14 de Romanos, ao contrário do que alguns pensam,
não se trata de uma autorização para consumir álcool. Quem
pensa assim, deveria ler os versículos finais do capítulo 13, que
dizem o seguinte: “andemos honestamente, como de dia; não em
glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem
em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do
Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas

daquele que vos advertiu e por causa da consciência; porque a terra é do


Senhor, e toda a sua plenitude. Digo, porém, a consciência, não a tua, mas a
do outro. Pois por que há de a minha liberdade ser julgada pela consciência
de outrem?” (1Coríntios 10.27-29).

168
concupiscências”. Estes versículos provocaram um grande
impacto na vida de Agostinho, um dos maiores teólogos
cristãos, porque, ao lê-los, pode compreender a verdade, a qual
dissipou todas as suas dúvidas. Ele entendeu que precisava
vestir-se de Cristo, o que o levaria, naturalmente, a abandonar
sua vida devassa.
- Nossa! Não sabia disso!
- Interessante né?
- Muito.
- Mas, como eu falava, no capítulo 14 da carta aos
Romanos, o apóstolo estava tratando de um problema
semelhante ao que havia em Corinto; isto é, facções no interior
da comunidade cristã. Dois grupos, para ser mais específico: os
“fortes na fé”, que argumentavam em favor da liberdade cristã,
abrindo mão de todos os tabus dietéticos e dias santos, e os
“fracos na fé”, os quais ainda se mantinham apegados às
proibições do judaísmo. Uma das questões que mais os dividia
dizia respeito à carne que era vendida nos mercados pagãos. Os
fracos na fé, como não tinham certeza se o alimento havia sido
dedicado aos ídolos ou não, optavam pela abstinência de todo o
tipo de carne, ou seja, eram vegetarianos. Como a maioria
estava entre os “fortes na fé”, os fracos eram desprezados, vistos
como antiquados. Estes, em reação às críticas da maioria,
julgavam os fortes como liberais demais. Veja que a
controvérsia entre os crentes de Roma não focava o consumo do
álcool ou o hábito de fumar, o debate visava estabelecer um
padrão de conduta cristã em relação aos preceitos e tradições
judaicas. Não tinha nada a ver com o assunto que trato no meu
livro. Mesmo assim, podemos encontrar no texto princípios que
podem nos ajudar nessa questão. Isto porque, o apóstolo, a fim
de solucionar o problema, prescreve um remédio para aquela
comunidade: o amor. Ele mostra que, embora um pensasse de

169
um jeito e o outro de outro, o fator norteador não deveria ser
nem um lado nem outro, mas o amor fraternal.
- Como assim, pastor?
- O exercício do amor paulatinamente daria espaço para
a aceitação e o respeito mútuo. Isto é, o apóstolo recomenda que
os fracos não julguem os fortes, antes tentem amá-los como
membros da família de Cristo. Os fortes, da mesma forma,
sendo conduzidos pelo amor, e não somente pelo intelecto,
deveriam, mesmo sabendo que fazer isso ou aquilo não os
levaria para o inferno, ter o cuidado de não abusar da sua
liberdade, a fim de não escandalizar seu irmão ou fazê-lo
tropeçar. Por isso, ele diz, em Romanos 15.1 e 2: “mas nós, que
somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não
agradar a nós mesmos. Portanto cada um de nós agrade ao seu
próximo no que é bom para edificação”. Visto isso, creio que,
por amor ao próximo, devemos evitar o álcool, o fumo, e
qualquer outra droga.
- E quanto aos versículos 22 e 23 do capítulo 14?
- Ah, foi bom você perguntar, eu já havia esquecido!
Mas vamos lá! Esses versículos destacam o aspecto subjetivo do
pecado. Neles, Paulo ressalta que se alguém faz algo achando
que Deus desaprova aquilo, ainda que a prática seja lícita, o
indivíduo cometeu pecado, visto que, deliberadamente,
desprezou o preceito que considerava divino.
- Não entendi muito bem essa parte, o senhor poderia dar
um exemplo?
- Certamente. Vamos supor que, para você, usar
bermudas seja pecado. Porém, mesmo tendo essa convicção,
você decide usar. Ora, se você crê que isso é pecado, ainda que
de fato não seja, você pecou, pois decidiu fazer mesmo crendo
que estaria desobedecendo a Deus. Isto, no entanto, não dá ao
cristão a autonomia para decidir o que é pecado ou não, apenas

170
aponta para o pecado como algo que interfere em nosso
relacionamento com Deus, e não como uma mera relação de
faça ou não faça. Apesar disso, a Bíblia nomeia alguns pecados,
revelando que embora o crente tenha liberdade em Cristo, essa
liberdade tem limites; e uma das maiores limitações humanas é a
existência do outro.
- Como assim, a existência do outro?
- Ora, o simples fato de existir outra pessoa já me limita.
Eu tenho que conviver com a realidade de que não posso ser ela,
nem forçá-la a me amar e a me aceitar; e é justamente dessa
limitação que Paulo fala no capítulo 14 de Romanos. O meu
amor ao próximo deve limitar minhas atitudes, de modo que a
minha liberdade não o fira. Pensando assim, o apóstolo afirmou:
“bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras
coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se
enfraqueça”99. Esse mesmo princípio está presente em
1Coríntios 10.23 e 24, onde Paulo, tratando da mesma questão,
ou seja, comer carne sacrificada ou não, salienta que a liberdade
do crente encontra expressão quando este luta pelo bem-estar do
próximo. No versículo 23, ele diz que “nem todas as coisas
edificam”, porque, conforme já havia destacado no capítulo 8 da
mesma epístola, o que edifica de verdade é o amor, não o
conhecimento100. De que adianta saber que comer a carne
sacrificada não trará dano algum, se isso escandaliza tanto o
ímpio quanto o crente? É necessário amar ao ponto de nos
abstermos daquilo que pode levar o outro ao erro.
- Caramba, pastor! O senhor respondeu até o que eu iria
perguntar em seguida! O senhor é bom mesmo! Parece até o
pastor Ricardo!
99
Romanos 14.21.
100
1Coríntios 8.1.

171
- Ah, eu e o seu pastor somos amigos de longa data.
Estudamos juntos no seminário. Ele é um homem de Deus!
- É verdade. Aquele homem é uma bênção!
- Você acredita que um dia nós chegamos a debater
sobre esse mesmo assunto?
- Foi mesmo?
- É. Mas naquela ocasião eu não tinha esse
posicionamento. Depois de conversar muito com ele, mudei a
maneira de enxergar essa questão.
- Poxa, que impressionante!
- É rapaz, seu pastor é um homem sábio. Siga suas
orientações que você vai se dar bem.
- Amém!
- Bem, mas... voltando ao assunto, eu quero ainda falar
contigo sobre um texto bastante usado pelos defensores do
consumo do álcool: João 2.1-11. O Ricardo já falou contigo
sobre esse texto?
- Não, ainda não.
- Então vamos lá. Inicialmente, precisamos ter em mente
que considerar alcoólico o vinho produzido por Jesus em seu
primeiro milagre, traz diversas complicações. Pois, se olharmos
por esse prisma, o relato de João, além de não orientar a
abstinência, serve de respaldo para a embriaguez. Isto porque
João declara que a água, posteriormente transformada em vinho,
estava posta em seis talhas de pedra, nas quais cabiam dois ou
três almudes. Ora, o almude era uma unidade de medida que
variava entre 30 e 40 litros. Por conseguinte, Jesus teria suprido
a festa com aproximadamente 600 litros de vinho embriagante.
Seria o mesmo que dizer: aí galera, pode encher a cara!
- Caramba! Era muito vinho!
- É verdade. Mas a situação se agrava ainda mais por
conta da ocasião na qual ocorreu o milagre. De acordo com o

172
relato de João, o fato se deu em uma festa de casamento
realizada em Caná da Galiléia. Normalmente, tais festas
duravam sete dias101, podendo se prolongar por até duas
semanas. Sendo assim, se o vinho servido durante a celebração
fosse fermentado, os convidados já estavam bebendo há muito
tempo. Mesmo assim, Jesus dá mais vinho a eles!
- Espera um pouco, pastor. O episódio narrado por João,
não poderia ter acontecido de manhã cedo? Ou, de repente, eles
poderiam ter começado a beber naquele momento. Dessa
maneira, os convidados estariam sóbrios ainda, e o que Jesus fez
não causaria tanto problema.
- Eu entendo. Contudo, deve-se analisar o seguinte:
dificilmente a falta de vinho teria sido observada no início de
um dia, até porque no final do dia anterior certamente alguém
verificaria o problema e procuraria saná-lo. Ademais, o texto dá
a entender que o término da bebida causou surpresa e desespero.
O próprio mestre de cerimônias deixa claro que o vinho
produzido por Jesus apareceu no final da festa. Tanto, que diz ao
esposo: “tu guardaste até agora o bom vinho102”. Logo, seguindo
a interpretação de que o vinho era alcoólico, os presentes já
deviam estar alcoolizados, e se ainda não estavam, Jesus
contribuiu significativamente para que ficassem. Até porque,
fornecer tamanha quantidade de bebida “no final da festa”, seria
o mesmo que dizer: “podem se embriagar”!
- É... eu não havia olhado por esse ângulo...
- É um ângulo que desfigura o Jesus que conhecemos.
Aliás, essa visão corrompe também outros personagens, porque,
se optarmos por essa interpretação temos de admitir que Maria,
serva exemplar, escolhida para ser o meio físico através do qual
viria o salvador, estaria lastimando a falta de bebida
101
Gênesis 29:27; Juízes 14:12.
102
João 2.10.

173
embriagante e, pior ainda, requerendo que Cristo pusesse um
fim àquela “catástofre”, produzindo mais vinho fermentado para
a “rapaziada” se embebedar. Além disso, deve-se observar que
tal pensamento leva, inevitavelmente, à conclusão de que Jesus
teria produzido vinho alcoólico como seu primeiro milagre, com
o intuito de manifestar a sua glória103, a fim de que a fé de seus
discípulos fosse reforçada e confiassem nEle como o Messias
prometido!
- Pastor, eu acho que a maioria das pessoas que defende
essa posição nunca refletiu dessa forma. Não é possível! Não
tem como imaginar Jesus optando por manifestar publicamente
sua divindade, através da milagrosa produção de centenas de
litros de vinho fermentado, para suprir a necessidade de alguns
beberrões! Pois, como poderia o mesmo Deus que produz no
crente o fruto do Espírito, o qual tem como uma de suas
características o domínio próprio104, contribuir para que alguém
perdesse o autocontrole? É um completo absurdo!
- Na verdade Cristiano, muitos nem querem refletir. O
que sempre quiseram, de fato, foi praticar as mesmas coisas que
o mundo faz e permanecer nos limites do Cristianismo. Por isso,
vemos pessoas transformando tudo quanto é procedimento dos
ímpios em atividades “gospel”. Tem cerveja gospel, danceteria
gospel, funk gospel, piercing gospel... só ainda não vi a
prostituta gospel, mas acho que não vai demorar muito para
aparecer.
- É desse jeito mesmo pastor. Eu conheço um rapaz que
afirma estar vivendo o verdadeiro evangelho, mas bebe, se
masturba, joga na loteria, e, ainda por cima, não frequenta
templo algum. Diz que, na igreja, estão todos errados. Só ele
103
João 2.11.
104
Gálatas 5.22.

174
está certo. Aponta os erros de todo mundo, mas quando eu fui
falar sobre a conduta dele, me deu uma patada.
- É... é difícil conversar com algumas pessoas, né?
- Põe difícil nisso!
- A melhor saída é amar, testemunhar e orar por ele.
Julgá-lo seria errado. Tente, com amor, levá-lo à sua igreja, por
exemplo. Tenho certeza de que o Ricardo vai cuidar bem desse
rapaz.
- Boa ideia, pastor! Vou convidá-lo essa semana!
- É isso aí. Mas, quanto ao texto do qual falávamos,
penso que é muito mais coerente com a divindade de Jesus,
compreender que Ele criou, de forma sobrenatural, o suco de
uva não fermentado, produto da uva espremida, o qual a criação
divina produz todos os anos, destaca a honra e a soberania de
Deus, além de ressaltar a glória de Cristo. Até porque, não dá
nem para imaginar o Senhor Jesus, dando seus primeiros passos
em seu ministério terreno, contrariando a vontade do Pai, o qual,
em Habacuque 2.15, declara: “Ai daquele que dá de beber ao
seu companheiro! Ai de ti, que adiciona à bebida o teu furor, e o
embebedas para ver a sua nudez!” Na verdade, afirmar isto
constitui uma afronta aos relatos das Escrituras de que o Filho
obedecia ao Pai. Vemos isso, por exemplo, em João 4.34,
Mateus 26.39 e Filipenses 2.8-9. Compreende a natureza
contraditória dessa linha de raciocínio?
- Sim. Mas ainda tenho uma dúvida.
- Pode falar.
- No texto, o mestre de cerimônias chamou o vinho que
Jesus produziu de bom, ressaltando que este, geralmente, é
oferecido quando os convidados já beberam bastante. Isso não
dá margem para uma interpretação que justifique o consumo do
álcool? Alguém, inclusive, pode entender que isso era feito para
que os convidados, com os sentidos entorpecidos pelo álcool,

175
não percebessem a diferença entre um bom vinho e uma bebida
inferior. Concorda?
- Esse questionamento é possível. Eu já o ouvi diversas
vezes. Entretanto, naquela época, o bom vinho, em hipótese
alguma, era o que continha mais álcool. Ao contrário do que se
pensa, os melhores vinhos eram aqueles cuja potência alcoólica
havia sido removida pela fervura, filtração ou acréscimo de
água. Além do mais, o comentário do mestre de cerimônias não
indica, necessariamente, que tal situação estava acontecendo
naquele momento. Era só uma observação com base em sua
experiência. Mas mesmo que pensássemos que ele fez menção
daquilo que ocorria ali, o verbo grego empregado é usado no
sentido de beber bastante, apontando para a saciedade, não para
a embriaguez.
- Caramba! O senhor também entende de grego?!?
- Sim. Eu e o seu pastor, estudávamos grego e hebraico,
juntos, na casa dele. A gente sempre gostou de idiomas.
Fizemos até um curso de inglês juntos.
- Poxa, que legal! Vocês são amigos mesmo!
- É, o Ricardo é um amigão.
- Então me diz aí, pastor: qual é o termo grego que
aparece no texto?
- Ah, é a palavra methusko.
- Não adianta, não consigo me acostumar com esse
negócio de grego e hebraico! É muito esquisito!
- Relaxa. Você se acostuma. Afinal, se você quer
conhecer mais sobre a Palavra de Deus, inevitavelmente, terá de
encarar esses idiomas.
- Deus tenha piedade de mim!
- Ah! Ah! Ah! - Riu o pastor diante do comentário de
Cristiano - Cristiano, você é uma bênção!

176
- Me ensine mais pastor, para que eu possa ser uma
bênção maior ainda!
- Tudo bem. Uma coisa que precisamos falar é que a
abstinência não é uma atitude de uns poucos crentes bitolados.
Até mesmo em outras religiões vemos esse tipo de
comportamento. Buda, por exemplo, ensinou que o caminho
para libertação do sofrimento passa pela abstinência de tudo que
anuvia a mente. Igualmente, o Alcorão, Escritura sagrada do
islamismo, proíbe o consumo do álcool, em quantidades
pequenas ou grandes. É claro que essas vertentes religiosas,
diferente de nós, valorizam as obras como meio de salvação.
Não obstante, o ponto que quero ressaltar é que não somos os
únicos a pensarmos assim. Estudos, inclusive, mostram que o
exercício da religiosidade está associado à menor frequência de
problemas relacionados ao álcool, sobretudo, entre os
adolescentes.
- Isso que o senhor falou me fez lembrar um trecho da
Bíblia que li esses dias, lá em Jeremias 35.18 e 19. O profeta
elogia os recabitas por sua abstinência do vinho.
- Excelente exemplo! No Antigo Testamento há vários
elementos que advogam em favor da abstinência. Porquanto,
naquela época era exigido dos reis, príncipes e juízes que se
abstivessem totalmente do vinho fermentado105. Da mesma
forma aqueles que buscavam um elevado nível de consagração a
Deus, como os sacerdotes106 e os nazireus107, deveriam observar
tal abstinência. Até na literatura extra bíblica encontramos
indícios da abstenção do álcool. O versículo 100 do Evangelho
de Filipe, por exemplo, fala de vinho misturado com água.
105
Provérbios 31.4-7.
106
Levítico 10.8-11.
107
Números 6.1-5.

177
- Espera aí, pastor. O senhor falou uma palavra que eu
não entendi muito bem: narizeu. Pode me explicar, por favor?
- É nazireu, Cristiano! Este termo era usado com
referência a todo israelita que fazia voto de dedicação ao serviço
de Deus. Essa consagração, normalmente, envolvia um estilo de
vida abstêmio, que podia ser permanente ou temporário. Dois
dos nazireus mais conhecidos são Sansão e João Batista. Se
você quiser conferir depois, basta ler Números 6.1-21.
- Ah, deixa eu anotar aqui... Números 6.1-21. Beleza!
Mas e essa literatura extra bíblica que o senhor falou? Deve ser
levada em conta?
- Bem, o texto que eu citei foi escrito, mais ou menos,
no século II d.C. É um texto duvidoso, assim como os demais
evangelhos extra bíblicos. Mesmo assim, creio que, de alguma
maneira, ele reflete os costumes que vigoravam na época de sua
redação. Esse aspecto pode sim ser levado em consideração,
ainda que não ponha um ponto final no assunto. Satisfeito?
- Sim. Completamente satisfeito. Conversar com o
senhor foi muito bom! Tanto, que já não resta mais dúvida
alguma. Os encontros que tive com o senhor e com o pastor
Ricardo foram extremamente esclarecedores. Agora entendo
que, embora acredite que a abstinência é o melhor caminho, não
tenho o direito de julgar o meu irmão que pensa diferente. Devo,
com amor, apresentar essa convicção através da minha vida.
Não preciso brigar com os outros. Até porque, o tempo que
perdemos em discussões infindáveis poderia ser mais bem
aproveitado se investíssemos na evangelização, anunciando
Jesus Cristo a toda criatura!
- É isso aí Cristiano! É essa visão que falta a muita
gente. A maioria prefere gastar tempo em discussões calorosas a
proclamar o evangelho. Parece que preferem massagear o ego a
fazer a vontade de Deus.

178
- É verdade. Espero que Deus use nossas vidas para
impactar essas pessoas!
- Vamos orar Cristiano?
- Sim.
Assim, os dois dobraram seus joelhos e clamaram ao
Senhor, rogando-lhe que despertasse cada cristão, a começar
deles, para a proclamação do evangelho. Aproveitaram a ocasião
também para agradecer-lhe pela oportunidade de tratar daquele
assunto tão importante para suas vidas. Terminada a oração, os
dois se abraçaram e o pastor conduziu o jovem até a porta,
salientando que teria de viajar e, por isso, não poderia continuar
a conversa. Cristiano não se importou, pois já estava mais do
que satisfeito pela tarde edificante que passara na companhia
daquele servo de Deus.
Após despedir-se, o jovem retornou à sua casa, onde se
deparou com uma cena que tocou seu coração: seus pais
deitados e abraçados, dormindo no sofá da sala. Cristiano ficou
parado ali, durante um bom tempo, só admirando e exaltando ao
Senhor por sua intervenção.
Então, ele dobrou os seus joelhos, mais uma vez, e
rogou ao Senhor para que fizesse dele um ganhador de almas.
Porquanto, seu desejo era ser instrumento de Deus para que
outras famílias pudessem gozar da mesma alegria que ele.
Naquele momento, sentiu o Senhor falar profundamente ao seu
coração, chamando-o para o ministério pastoral. Isso o fez
chorar copiosamente, pois se considerava indigno de tal tarefa.
Subitamente, por conta do alto volume do choro, sua
mãe acordou e foi ao encontro do rapaz. Ela o abraçou e
questionou a razão das lágrimas. Ele, então, contou-lhe tudo o
que acontecera. Odete, cheia de amor, disse:
- Filho, Deus é contigo! Se Ele te chamou, vai capacitá-
lo! Basta olhar para nossa família para ver como Ele tem

179
cuidado de nós! Ele te capacitou, até mesmo, para evangelizar
seu pai! Confia nEle!
Ao ouvir essas palavras, Cristiano se acalmou e
lembrou-se de um texto que ouvira, recentemente, na EBD, que
dizia: “tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós
começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo”
108
. Em seguida, agradeceu a sua mãe e disse que a amava.
Daí em diante, Cristiano, entendendo ter sido
convocado para o exercício do ministério da Palavra, seguiu
buscando cada vez mais conhecimento da Escritura, o que o
levou a “controversar” com outras pessoas sobre outros temas
polêmicos. Os detalhes dessas controvérsias, entretanto, não
narraremos aqui, até porque eles fazem parte de outra história.

108
Filipenses 1.6.

180
CONCLUSÃO

Decerto, acompanhar Cristiano ao longo dessas páginas


foi uma experiência extremamente edificante. Mesmo sendo o
autor da história, não pude deixar de me emocionar em alguns
momentos. Até porque, a história desse jovem é bem semelhante
àquilo que cada um de nós vive. Todos, em algum momento da
vida, fizemos os mesmos questionamentos que ele. Acredito,
inclusive, que muitos encontraram as mesmas respostas.
Pensar nisso leva, inevitavelmente, a uma reflexão: não
estamos todos na mesma peregrinação em busca de respostas?
Creio que sim. Ao longo dessa caminhada, tal como ocorre com
o jovem deste livro, a confusão e os conflitos tomam conta de
nossas mentes. O que fazer? Como agir? São perguntas que nos
perseguem. É possível que, ao ler esta obra, nada tenha mudado.
Contudo, tenho certeza que você refletiu naquilo que foi falado.
Esse era o propósito!
Cristiano e seus amigos foram apenas instrumentos para
te conduzir a uma profunda reflexão acerca das dificuldades
inerentes ao evangelicalismo contemporâneo: a animosidade
entre os segmentos evangélicos, o desigrejamento, o anti-
institucionalismo, as interpretações divergentes, a secularização,
etc. Sem dúvida, a igreja de Cristo precisa atentar para essas
questões. Não dá para fechar os olhos!
Graças a Deus, como foi retratado na estória, ainda
existe pessoas que procuram viver o evangelho, levando a sério
o chamado de Cristo. Creio que este é o ponto fundamental do
texto. Isto é, independente das convicções, é necessário
questionar-se: será que tenho vivido para a glória de Deus? Pois
para isso fomos recriados em Cristo Jesus. Será que nossas
discussões acaloradas têm funcionado como um bom

181
testemunho da fé cristã? Será que temos amado como Cristo
amou? A proclamação do evangelho tem sido nosso propósito?
Muito mais do que saber se devemos beber ou não,
precisamos responder a essas questões. De nada adianta deixar
de beber se não amarmos o próximo como a nós mesmos, se não
tivermos paixão pelas almas perdidas, se não amarmos a Deus
de verdade. Essa é a mensagem da estória que você leu. Não se
trata apenas de um manual para te dizer o que você deve ou não
fazer. Até porque, o evangelho não é uma lista de pecados; isto
seria uma notícia desagradável! Ao contrário, a mensagem de
Cristo são boas novas! Ele veio anunciar que, mesmo cheios de
pecado, podemos ser alcançados pela graça divina, por
intermédio dEle. É exatamente isso que acontece com a família
de Cristiano: um jovem cético, magoado pelo alcoolismo do pai,
e sua mãe seguidora de outra religião, a despeito de seus
pecados, são convencidos pelo Espírito Santo e se rendem aos
pés de Cristo. De igual modo, o pai do jovem, um homem
destruído pelo álcool é restaurado por completo ao receber Jesus
como Salvador. Aleluia!
Não há como permanecer impassível diante dessa
manifestação do amor divino. Por conta disso, o jovem pede a
Deus para que faça dele um ganhador de almas. Sabe, esse
deveria ser o desejo de todos nós. Ao invés de dedicar a maior
parte do tempo a nós mesmos, em prol da satisfação de nossos
desejos, deveríamos dizer: “eis-me aqui, envia-me a mim”.
Cristiano demorou mais de cem páginas para compreender isso;
e você, quanto tempo será preciso para atender ao chamado do
Senhor?
Desejo, sinceramente, que este livro sirva de base para
sua reflexão, não só a respeito do consumo do álcool, mas,
sobretudo acerca de sua postura em relação a Deus. Quanto a
beber ou não beber, creio que ainda há muito que controversar.

182
Porquanto, penso que nenhuma estória, artigo, pesquisa ou
palestra poderia por fim a essa polêmica. Mesmo assim, tenho
certeza de que Cristiano e seus amigos lhe fizeram repensar
alguns pontos. Se isto aconteceu, fico feliz, pois, assim como os
amigos do jovem protagonista contribuíram para a construção de
seu raciocínio, tive também o privilégio de conduzi-lo até este
momento de reflexão. Obrigado pela companhia. Deus o
abençoe!

183
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