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Extratos de notas da imprensa inglesa de fins do século :

“Pember escreve com grande clareza, seu método de organização é distinto e


sempre escreve com mais atenção às regras da lógica do que os escritores deste
departamento, às vezes, fazem. Não menos importante entre seus méritos são a
modéstia e a falta de tendência a dogmatizar sobre os assuntos misteriosos que
marcam seu livro. Seu trabalho merece leitura cuidadosa de todos os estudiosos
das profecias.”
— British and Foreign Evangelical Review

“Esta é uma das exposições proféticas mais valiosas já publicadas. Foi escrita em
estilo popular e interessante, e trata com distinção magistral, revela pesquisa
acadêmica e faz descrição eloquente das principais profecias da Bíblia.”
— Prophetic News

“Este livro foi escrito em linhas futuristas, mas evita declarações extremas e
dogmáticas, e será de muito proveito para quem o estudar.”
— Christian

“Os assuntos são notavelmente bem tratados, entre os quais, mencionamos a


teoria napoleônica, a terra e a nação judaica e o uso das sete parábolas de
Mateus 13 e das sete cartas de Apocalipse 2 e 3 em relação à igreja de Cristo nos
últimos tempos. Até os nomes das igrejas são altamente significativos.”
— Clergyman’s Magazine

“Este é livro de caraterística singular e conspícua sobre o tema inesgotável das


profecias bíblicas. É evidente que o trabalho consciente e o pensamento de anos
estão incorporados no livro. Embora o autor mostre que estudou com cuidado a
literatura pertinente ao tema e reuniu diligentemente informações relevantes de
vários setores, ele elaborou, ao mesmo tempo, um esquema independente de
interpretação marcado por grande abrangência e autoconsistência.”
— United Presbyterian Magazine

“É raro lermos um livro desse tema com interesse tão frequente. Pember é sério.
O livro, do começo ao fim, é obra de homem devoto, que crê profundamente na
doutrina que ele professa. Nós também, crendo que haverá um reino universal de
Cristo, podemos desfrutar do entusiasmo do autor e nos alegrar com ele em sua
esperança.”
— Watchman

“O livro foi escrito em espírito de devoção e reverência.”


— Record

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“As Grandes Profecias contêm muitas informações históricas boas. A
interpretação das profecias cumpridas é sensata e confiável. As advertências
proféticas bíblicas são aplicadas com grande sinceridade e força. O dever dos
cristãos é declarado com extrema fidelidade. A melhor parte do livro são as sete
igrejas da Ásia, que, quando reunidas, exibem todas as fases da sociedade cristã
já encontradas no cristianismo e na ordem em que elas se seguirão até a vinda do
Senhor.”
— Leeds Mercury

“As conclusões às quais Pember chegou foram desenvolvidas mediante um


estudo cuidadoso e prolongado da revelação divina. Na opinião dele, elas são a
mente do Espírito nos assuntos com os quais elas se relacionam. Toda opinião
formada sobre as opiniões propostas nestas páginas relativas às partes mais
envolventes e intricadas das Escrituras proféticas, lançarão muita luz sobre o
texto sagrado e serão instrutivas e edificantes. As seções da terceira parte, que
tratam de algumas parábolas de nosso Senhor, são peculiarmente ricas em
pensamentos sugestivos e construtivos.”
— Primitive Methodist Magazine

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G. H. Pember

AS GRANDES PROFECIAS

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Título original em inglês: The Great Prophecies Concerning the Gentiles, the Jews, and the
Church of God. Publicado originalmente em 1887, terceira edição revista e ampliada.
Domínio público.

Copyright © 2021 por Editora Escriba do Reino.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte
deste livro pode ser utilizada, reproduzida ou armazenada em qualquer forma ou meio, seja
mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação, etc., sem prévia permissão, por escrito, da
editora.

Editor: Daniel de Queiroz Moraes


Tradução: Márcia Maluf
Revisão da tradução: Luís Aron de Macedo
Revisão: Esdras Garcia Cajaíba
Capa: Rute Sayão de Oliveira Corrêa e Adriana Cristina de Oliveira Bueno
Diagramação: Gian Felipe Design

Salvo indicação específica, as referências bíblicas citadas neste livro foram extraídas da
Versão Almeida Revista e Atualizada (Barueri: SBB, 1993).

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro


(Fundação Biblioteca Nacional, Brasil)

Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:


Editora Escriba do Reino
Rua 13 de Maio, 57 - Centro
16300-065 Penápolis, SP

1ª Edição - Dezembro de 2020

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G. H. Pember

AS GRANDES PROFECIAS
RELATIVAS AOS GENTIOS, AOS JUDEUS E À IGREJA DE DEUS

Tradução de
Márcia Maluf

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Índice
Capa
Colofão
Apresentação
Prefácio do Editor à Edição Brasileira
Prefácio
PROLEGÔMENOS
1. Introdução e Método de Interpretação
2. Os Sinais dos Tempos
3. As Sete Dispensações
4. As Três Linhas da Profecia
5. Os Três Períodos Proféticos
6. A Cronologia Mística
7. Julgamentos sobrenaturais
PARTE UM: OS GENTIOS
8. A Profecia de Balaão
9. O Reino das Dez Tribos
10. O Sonho de Nabucodonosor
11. A Visão dos Quatro Animais
12. A Visão do Carneiro e do Bode
13. O Grande Dragão Vermelho
14. A Besta que Sobe do Mar
15. A Besta que Sobe da Terra
16. Mistério: Babilônia, a Grande
17. Os Sete Reis e o Oitavo Rei
18. A Vitória do Secularismo sobre o
Eclesiasticismo
19. A Teoria Napoleônica
20. A Reconstrução da Grande Babilônia
PARTE DOIS: OS JUDEUS
21. O Propósito de Deus Concernente a Israel
22. A Perplexidade de Daniel
23. A Profecia das Setenta Semanas
24. O Intervalo Predito por Zacarias

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25. O Intervalo Confirmado por Mateus
26. O Intervalo nas Outras Visões de Daniel
27. A Chave de Todas as Profecias
28. O Retorno dos Judeus à Palestina
29. O Sermão do Monte das Oliveiras
30. O Capítulo 24 de Mateus
31. A Condição da Nação e da Terra Judaicas
PARTE TRÊS: A IGREJA DE DEUS
32. O Mistério Oculto das Eras
33. As Sete Parábolas
34. A Parábola do Semeador
35. A Parábola do Trigo e do Joio
36. A Parábola do Grão de Mostarda
37. A Parábola do Fermento
38. A Parábola do Tesouro no Campo
39. A Parábola da Pérola de Grande Valor
40. A Parábola da Rede Lançada ao Mar
41. Resumo das Sete Parábolas
42. A Estrutura do Livro do Apocalipse
43. As Cartas às Sete Igrejas
44. A Igreja em Éfeso
45. A Igreja em Esmirna
46. A Igreja em Pérgamo
47. A Igreja em Tiatira
8. A Igreja em Sardes
49. A Igreja em Filadélfia
50. A Igreja em Laodiceia
51. A Presença (Parousia) e a Aparição (Epifania)
2. O Primeiro Arrebatamento Conforme Revelado
aos Tessalonicenses
53. O Mistério Consumado
54. Conclusão

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Apresentação

A nomes dos homens e mulheres que foram


levantados pelo Senhor no século , verifiquei que esses servos
de Deus foram especiais. Primariamente, pelo nível de vida que
desfrutaram com o Senhor, pelo testemunho da semelhança com
Cristo e pela originalidade, profundidade e precisão do
conhecimento que tinham da Palavra de Deus.
George Hawkins Pember está incluso no grupo seleto
supramencionado. Os nomes que pude reunir não passam de cem
homens e mulheres. Além da profunda erudição, Pember deixou um
testemunho maravilhoso com respeito à sua vida com o Senhor.
Antes de partir para estar com seu Salvador, ele procurou destruir
todas as suas fotos. Uma explicação foi achada depois que ele
dormiu no Senhor: “Propositadamente procurei destruir todas as
minhas fotos, porque eu não gostaria que ninguém contemplasse o
rosto de um pecador, mas apenas o rosto do Salvador”! Tais
palavras valem mais do que centenas de livros sobre a vida desse
homem de Deus.
Aqueles que puderem ler os quatro volumes escritos por Pember
sobre as grandes profecias terão feito o melhor e o mais completo
curso de escatologia. Neste volume, ele aborda as três divisões da
humanidade, conforme nos foi dada pelo Espírito Santo: os gentios,
os judeus e a igreja de Deus (1Co 10.32).
A grande dificuldade que a maior parte dos cristãos encontra para
entender as profecias jaz neste fato: o conhecimento da revelação
bíblica é parcial. Aqui entra a grande importância dos escritos de

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Pember: ele aborda todos os aspectos necessários para um
entendimento mais completo da escatologia. Na primeira parte deste
livro, o autor descortina a profecia de Balaão, o reino das dez tribos,
o sonho de Nabucodonosor, os quatro animais de Daniel, o carneiro
e o bode, o grande dragão vermelho, a besta que sobe do mar e a
que sobe da terra, mistério: Babilônia, a Grande, os sete reis e o
oitavo rei, a vitória do secularismo sobre o eclesiasticismo, a teoria
napoleônica e a reconstrução da grande Babilônia.
Não tenho como falar amplamente sobre cada um dos temas por
ele desenvolvidos, mas chamo a atenção para o sonho de
Nabucodonosor, a besta que sobe do mar e a que sobe da terra, os
sete reis e o oitavo rei e a reconstrução da grande Babilônia.
Na segunda parte do livro, o autor aborda as questões
relacionadas com Israel: o propósito de Deus concernente a Israel, a
perplexidade de Daniel, a profecia das setenta semanas, o intervalo
predito por Zacarias, confirmado por Mateus, e intervalo nas outras
visões de Daniel, a chave de todas as profecias, o retorno dos
judeus à Palestina, o Sermão do Monte das Oliveiras, o capítulo 24
de Mateus, a condição da nação e da terra judaicas. Desses
assuntos, destaco o propósito de Deus para Israel, as setenta
semanas e o Sermão do Monte das Oliveiras.
Na terceira parte do livro, o autor trata com as questões
relacionadas à igreja de Deus: o mistério oculto das eras, as sete
parábolas, a estrutura do livro do Apocalipse, as cartas às sete
igrejas, a parousia e a epifania, o primeiro arrebatamento conforme
revelado aos Tessalonicenses, o mistério consumado e a conclusão.
Falar sobre os escritos de G. H. Pember tem uma única
dificuldade: é quase impossível destacar apenas alguns pontos de
importância, porque todas as suas abordagens são perfeitamente
bíblicas, espirituais e compreensíveis.
Prezado leitor, posso garantir que apenas a leitura de As Grandes
Profecias de Pember trará um novo horizonte de luz e revelação ao
seu espírito com respeito às verdades da escatologia. Tudo o que
eu puder falar aqui ainda ficará aquém da realidade contida neste
abençoado escrito.
Meu coração se alegra por ver esta joia depositada no corpo de
Cristo sendo colocada à disposição dos filhos de Deus neste país.

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Com certeza, o Senhor Jesus há de abençoar este rico ministério,
como ele tem feito desde o seu primeiro lançamento.

Delcio Meireles

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Prefácio do Editor à Edição
Brasileira

I , um tempo de cumprimento
profético do que está registrado nas páginas das Escrituras
sagradas. Nos dias que antecedem a vinda do Filho do Homem,
mais do que nunca, os filhos do Senhor deveriam se voltar para a
palavra profética de Deus e buscar entendê-la até que chegue o
clarear do Dia, tendo a estrela da alva nascido em seus corações.
Há uma bênção toda especial, um cumular de alegria para aqueles
que leem as palavras da profecia; que nenhum servo do Senhor
deixe de usufruí-la, pois para os tais a Palavra profética foi escrita.
Mas é justamente pela apostasia e confusão, desses dias do fim,
que muitas pessoas, ao tentarem aproximar-se da Palavra de Deus,
deparam-se com falsos mestres, falsos ministros de Cristo ou
puramente com a loucura produzida pelo estudo descontextualizado
da escatologia bíblica, a qual se mostra em homens que arrogam
para si os títulos de mestres e profetas, mas que nunca estiveram
de fato no conselho de Jeová. A forma superficial e irreverente com
a qual eles lidam com a Palavra de Deus e suas profecias prova que
nunca foram tocados pelo encontro com aquela santidade que
obriga os próprios serafins de fogo a cobrirem o rosto.
Todavia, ao ler as páginas deste livro, o leitor encontrará o que
posso talvez chamar de escritor seráfico — alguém que sendo
profundamente reverente para com a santidade divina, quis de certo
modo fazer eco à postura dos viventes de fogo que voam diante do

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trono do Adonai. Alguém que queimou todos seus registros e fotos
pessoais para que o mundo nunca contemplasse o rosto de um
pecador. Alguém que se portou de forma a ocultar a si mesmo
enquanto as palavras escritas em seus livros nos fazem sentir no
coração em relação a Deus, a voz que foi ouvida como provindo de
entre os querubins abaixo do trono divino, dizendo: “Bendita seja a
glória de Jeová” (Ez 3.12, ). Essa voz que foi ouvida pelo profeta
Ezequiel, durante o tempo do cativeiro babilônico, quando a casa de
Israel com suas iniquidades profanava o nome de Deus de tal forma
que ele teve de vindicar sua própria glória ao puni-los por sua
apostasia, é a mesma voz que ecoará no coração de todo filho de
Deus que ler com coração devoto as páginas escritas pelo autor —
as quais vindicam a glória de Deus no transcorrer da história
apóstata de Israel e da cristandade, ao analisá-las à luz da profecia
bíblica.
O benefício do estudo dos 4 volumes dessa série As Grandes
Profecias certamente não pode ser mensurado. Além de unir todos
os dois testamentos da revelação divina com harmonia,
desvendando o eterno propósito de Deus ao longo das eras,
Pember com sua vasta erudição nos faz ver todo o escopo da
história humana em harmonia com as profecias bíblicas,
demonstrando assim que, em todos os tempos, o conselho do
Senhor sempre prevaleceu e sempre prevalecerá. E que no fim das
eras, ele fará convergir em Cristo todas as coisas, tanto na terra
quanto no céu, e quando seu eterno propósito estiver cumprido, a
História terá alcançado seu sentido e objetivo.
Devido a tudo isso, sentimo-nos extremamente agraciados por
Deus por podermos disponibilizar para os cristãos do Brasil mais
esta obra desse gigante espiritual do século . É apenas o
primeiro volume de uma série de quatro — a mais volumosa obra de
Pember e umas das mais profundas obras já escritas sobre o estudo
das profecias bíblicas.
Que nosso Deus seja glorificado pela publicação desta obra e
possa ser do agrado divino usá-la entre os crentes de língua
portuguesa, para adornar a Noiva de seu Filho, a qual é composta
de todo aquele que pode dizer: Maranata! Vem, Senhor Jesus!
Ao Senhor toda a glória!

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Daniel de Queiroz Moraes
Penápolis, 23 de Outubro de 2020

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Prefácio

O D dignou-se a fazer revelações pelas quais


procurava comunicar seus propósitos aos homens e, por um
processo gentil, inclinar a mente humana à poderosa e irresistível
vontade divina. Contudo, miríades de cristãos contentam-se em
chegar ao final da vida em total ignorância dessas preciosas
revelações, ao mesmo tempo que ministros credenciados de Cristo
muitas vezes não têm habilidade para expô-las.
Tendo em vista que Deus achou adequado colocar as revelações
diante de nós, não estamos deliberadamente acusando-o de tolice
quando as negligenciamos? O significado de nossa conduta não
seria o mesmo se persistíssemos em desvirtuá-las de seu
significado e uso apropriados, como fazem, por exemplo, aqueles
que pouco encontram no Apocalipse, exceto acontecimentos que se
tornaram história antes de serem escritos e doutrinas que são
amplamente ensinadas em outras partes das Escrituras, embora o
próprio Senhor declare que o objeto do livro é “mostrar aos seus
servos as coisas que em breve devem acontecer”?[1] (Ap 1.1).
Repito: não podemos atribuir muito da apatia do cristianismo, do
espírito laodiceano que nos rodeia e do mundanismo do cristianismo
popular ao fato de que os crentes não se entregam aos estudos e
contemplações que Deus já lhes propiciou? Uma passagem na
Epístola aos Hebreus força-nos a essa conclusão. O escritor
inspirado queixa-se da dificuldade de comunicar o que ele desejava
dizer sobre Melquisedeque, porque seus destinatários tornaram-se
tardios em ouvir e eram inexperientes na palavra da justiça; essa

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condição provoca nele uma severa repreensão seguida pela
exortação: “Pelo que, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo,
prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o fundamento
do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus, e da doutrina
dos batismos, e da imposição das mãos, e da ressurreição” (Hb 6.1-
2, ).
Observemos que a lista de fundamentos inclui quase todas as
doutrinas ouvidas nos púlpitos. Contudo, o apóstolo compara os que
sempre se ocupam com eles a alguém que desperdiça tempo e
trabalho lançando e retirando os fundamentos de uma construção,
quando deveria estar construindo o edifício. Portanto, o escritor
exorta os hebreus a passar dos princípios elementares para a
perfeição, e enfatiza a exortação com as seguintes palavras:

É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram
o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a
boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é
impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo,
estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à
ignomínia. (Hebreus 6.4-6)

Sem entrar no significado completo das palavras aterrorizantes


do texto acima, devemos admitir que o contexto não nos deixa
dúvida quanto à maneira pela qual as pessoas correm o risco da
queda prevista, e no que tange ao terrível julgamento que
indubitavelmente se seguirá. São os cristãos que recusam-se a
olhar além dos princípios elementares de Cristo; que não estudam,
não meditam e não toleram que o Espírito Santo os molde a mente
pelas revelações que Deus proporcionou para esse fim e com as
quais ele ordenou que enchêssemos o coração e satisfizéssemos o
intelecto; que inutilmente esforçam-se em desculpar a indolência e a
falta de apetite pelas coisas celestes, afirmando que o simples
evangelho é suficiente para eles, como se o efeito de provar as boas
coisas de Deus não nos fizesse querer mais, apesar de o banquete
estar posto e Deus não cessar de dizer: “Comei e bebei, amigos;
bebei fartamente, ó amados” (Ct 5.1b).
Ao longo de toda dispensação cristã, a apatia espiritual e o perigo
da apostasia sempre têm ameaçado os que negligenciam conhecer,

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com a maior precisão possível, as declarações divinas — as únicas
através das quais estamos aptos a estimar corretamente as coisas
terrenas e sermos movidos a procurar a bendita esperança e a
gloriosa aparição do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo.
O que dizer de nós, “sobre quem os fins dos séculos têm
chegado” (1Co 10.11) e que vivemos no tempo em que as predições
de outrora estão a ponto de cumprir-se? Como nos é mais
convincente a palavra de exortação, pois podemos até estar vendo
o dia se aproximando!
Isaac Taylor[2] pensava que Deus, através do livro do Apocalipse,
iria fazer uma separação entre os que apoiam e os que se opõem à
verdade. Sua ideia geral está sem dúvida correta, pois uma
autoridade muito mais alta e absolutamente indiscutível disse a
mesma coisa no apocalipse veterotestamentário: “Estas palavras
estão encerradas e seladas até ao tempo do fim. Muitos serão
purificados, embranquecidos e provados; mas os perversos
procederão perversamente, e nenhum deles entenderá, mas os
sábios entenderão” (Dn 12.9-10). Essa será a marca distinta dos
eleitos de Deus nas últimas horas de juízo sobre este mundo. E
para os sábios daquela geração, quer seja a nossa ou outra, a
palavra da profecia não será assunto a ser negligenciado, mas
revelação de importância transcendente!
São inumeráveis as grandes questões que dependem de receber
as profecias, mesmo no caso dos que não viverem para vê-las
tornarem-se história. O grande Criador age em nós durante a vida
presente de formas que desconhecemos e com resultados que só
aparecerão depois que o mortal for revestido de imortalidade. Claro
que o estudo paciente e piedoso das revelações que descortinam o
propósito divino produz uma disposição de espírito favorável à
santificação e crescimento espiritual, de modo a afetar nosso estado
eterno em grau não insignificante. Os métodos educativos prescritos
por Deus devem ser os melhores, e mesmo aqueles que pensam
que fizeram grandes coisas por obras de tipo diferente, arriscam ver
suas esperanças esmagadas pela repreensão implacável: “Eis que
o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que
a gordura de carneiros” (1Sm 15.22).

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A causa que mais fortemente leva os homens a negligenciar as
revelações de Deus sobre o futuro é a repugnância da mente
humana a algo que seja contrário quer à sua experiência, quer às
aspirações da natureza caída. Há uma verdade profunda e
maravilhosa na repreensão de nosso Senhor, quando disse: “Ó
néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas
disseram!” (Lc 24.25) — não tardos de coração para saber ou
entender, mas para crer. Foi aversão instintiva ao curso da vontade
de Deus que levou os próprios discípulos a compreender mal as
previsões da primeira vinda, e será um sentimento similar que fará
com que muitos cristãos sejam pegos de surpresa na segunda.
Tal aversão raramente é reconhecida. É comum atribuir sua
manifestação a causas irreais, das quais a mais citada é a grande
diversidade de exposições proféticas. A perplexidade aumenta
indefinidamente pelo reconhecimento descuidado de qualquer um
que se apresenta como intérprete. Em tais circunstâncias, não
admira ouvirmos interpretações estranhas e tresloucadas! Se a
igreja despertasse de sua indiferença e se esforçasse para aplicar
os testes apropriados, o dano seria verificado e restrito. Dois testes
óbvios são estes:

1. Ninguém pode afirmar ser mais do que um expositor provisório


da profecia, a menos que formule um sistema completo e
consistente.[3]
2. Nenhum sistema de profecia pode ser verdadeiro, a menos que
todas as principais profecias da Bíblia encaixem-se fácil e
naturalmente nele.

Estamos bem cientes das muitas objeções que se levantam com


a simples menção de um sistema de profecia; mas não é preciso
muita reflexão para descobrir que a reação é irracional. Se as
profecias são declarações de um mesmo Espírito, então elas podem
ser reduzidas a um método sistemático e não podem ser
compreendidas de outra forma. Até que descubramos qual é esse
método, ai de nós, porque se, como a maioria dos cristãos
concorda, estamos nos confins dos últimos tempos, o conhecimento
do método logo será uma marca distintiva daqueles que Deus

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escolheu. É por isso que, no tempo do fim, “os perversos
procederão perversamente, e nenhum deles entenderá, mas os
sábios entenderão” (Dn 12.10b).
Neste livro, apresento ao leitor o método que se recomenda à
nossa opinião. Foi construído com cuidadosa referência a
determinados indícios que acreditamos terem sido dados para esse
propósito e que serão explicados nos últimos seis capítulos dos
prolegômenos.
Os mais importantes são: (1) o reconhecimento das três classes
distintas nas quais a humanidade está dividida, (2) o entendimento
dos três períodos proféticos e (3) o conhecimento do princípio
simples que Deus usa para calcular a cronologia da história judaica.
Acreditamos que a clara apreensão desses pontos removerá toda
dificuldade e incerteza com relação à interpretação geral e
sistemática.
Quando entrarmos em detalhes, não será mais possível falar com
a mesma confiança, pois há algumas previsões que só serão
perfeitamente entendidas quando o cumprimento estiver iminente.
Não obstante, temos de estudar e mantê-las firmemente na mente,
para que, o que estiver faltando, nos seja revelado na hora da
necessidade. Assim, nas crises que deixam as pessoas perplexas,
ou talvez nem sejam percebidas por elas, teremos pleno
entendimento do que estará prestes a acontecer e do que
deveremos fazer.
Os primeiros discípulos não entenderam o mandamento do
Senhor que determinava que eles fugissem para os montes assim
que vissem Jerusalém cercada de exércitos. “Como poderemos”,
devem eles ter pensado, “fugir em tais circunstâncias? Certamente,
o próprio sinal que ele prometeu tornará a obediência impossível.”
No tempo certo, tudo se tornou claro para eles. Seus corações
devem ter transbordado de gratidão, quando perceberam os
arranjos graciosos que o Senhor lhes deu — não só o sinal, mas
também a oportunidade para a fuga; e, ao mesmo tempo, ele
removeu os fanáticos conterrâneos do caminho que iriam impedi-
los.[4] “Os que esperam em mim não serão envergonhados” (Is
49.23b).

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* * *

Ao preparar esta obra para a segunda edição, fizemos uma


cuidadosa revisão e correção, acrescentamos muita matéria
explicativa e diversos novos capítulos, e esperamos que agora seja
útil como manual sistemático para os estudiosos da profecia bíblica.
Entretanto, não abrange o assunto todo, mas apenas as partes que
mais se relacionam com os que estão esperando pela convocação
do Senhor.
Os eventos detalhados da última semana, a descida de Cristo
sobre o monte das Oliveiras, a era do milênio, o julgamento final e o
estado eterno foram assuntos reservados para tratamento futuro.
Algumas respostas a críticas negativas foram inseridas no texto,
mas podemos de imediato mencionar três pontos com relação ao
que reconhecemos não precisar de defesa.
O fato de um evento ser improvável, até onde podemos ver, não
é motivo para recusar um lugar para ele na revelação de Deus
acerca do futuro.
Muitos perguntam que base temos para inserir eventos entre a
sexagésima nona e a septuagésima semanas de Daniel.
Respondemos que estamos seguindo a profecia, que faz com que o
“corte” do Messias ocorra após o término da sexagésima nona
semana, e interpõe os eventos em questão antes de prosseguir para
a septuagésima semana. Cabe a quem violar essa ordem defender
a posição.
Por último, somos acusados de pessimismo. Não desejamos
negar a acusação, pois confessamos que aprendemos a desconfiar
do poder do homem caído em restaurar a si mesmo — desconfiança
essa que está implantada nas Escrituras de Gênesis ao Apocalipse.
Contudo, o pessimismo derivado dessa fonte não é sem esperança.
Embora nossa ajuda seja pequena, esperamos pela vinda daquele
que tem o poder de salvar. Por mais escuro que o céu possa estar,
sabemos que o sol ainda brilha em plena força por trás das nuvens,
e em breve, quando as nuvens tempestuosas da grande tribulação
se esvaecerem, a luz e calor do Sol da justiça irão se revelar para
alegria da terra.

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Acreditamos que o quadro colorido ao fim desta edição irá ajudar
o leitor a entender mais facilmente o método de interpretação das
profecias.

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PROLEGÔMENOS

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Capítulo 1
I M
I

O
Filho de Deus já visitou a terra uma vez, depois que ela se
tornou a morada do pecado e da morte. Por muitos séculos,
os profetas anunciaram sua vinda e previram as coisas que
lhe aconteceriam. Quando ele apareceu no tempo previsto e
começou a cumprir diante dos olhos dos homens tudo o que fora
dito acerca dele, eles não reconheceram o grande Libertador. Até o
povo escolhido, a quem as revelações divinas foram confiadas,
entendeu erroneamente e o rejeitou.
Logo, porém, foram surpreendidos pelas mais graves
consequências. Não se passaram muitos anos para que as chamas
de Jerusalém lançassem seu brilho sobre o rosto agonizante de
seus proeminentes cidadãos pendurados em cruzes ao redor dos
muros. Os demais dentre o povo infeliz caíram ao fio da espada ou
foram levados para o cativeiro e espalhados entre todas as nações.
Esses foram os temidos resultados de desprezar ou perverter as
profecias dadas por Deus para guiar os que o amavam e servir de
luz em locais escuros pelos quais eles teriam de passar.
A indescritível importância de entender o que foi revelado sobre o
nosso tempo e a proximidade de seu fim é suficientemente evidente.
Esperamos que este livro seja útil a quem estiver desejoso de

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adquirir as informações necessárias. Com esse objetivo em mente,
examinamos apenas as profecias que nos possibilitam construir o
plano das interações de Deus com a raça humana, na medida em
que lhe agradou revelá-las. Se conseguirmos discernir o esboço
geral, todos os detalhes se encaixarão.
Estas páginas são apresentadas sem o sentimento da certeza
dogmática: o escritor está bem ciente da fraqueza da mente humana
em lidar com um assunto tão vasto e da propensão da vontade
humana de ver apenas o lado de um assunto que seja favorável às
suas conclusões inevitáveis. Contudo, ele julga que a Bíblia, sendo
uma revelação aos homens, pode ser compreendida por eles, se
pedirem a ajuda do Espírito Santo. E até onde ele sabe, o sistema
aqui proposto não foi o primeiro a ser construído e justificado, mas
foi gradualmente desenvolvido com base em um estudo minucioso
dos oráculos divinos.
O leitor provavelmente está mais ou menos familiarizado com os
diferentes métodos de interpretação, os quais vêm sendo discutidos
com tanta frequência que pouco precisa ser dito sobre eles.
Há alguns anos, o grande conflito era entre os milenaristas, que
esperavam a volta do Senhor para o estabelecimento do milênio, e
os pós-milenaristas, que pensavam que os mil anos de paz e
bênçãos seriam ocasionados pelos esforços da igreja e precederiam
a vinda do rei.
Entre os estudiosos sérios de profecias, essa distinção não é
mais reconhecida. Agora se admite de maneira geral que o
testemunho consistente das Escrituras mostra o mundo cada vez
pior, até que o Senhor apareça para destruir os corruptores e tomar
o reino. É verdade que há esforços em relacionar as previsões de
falha e depravação humanas à revolta que ocorre após o milênio,
mas as previsões contêm evidências diretas que as conectam com o
fim da presente era. Mesmo que nada mais pudesse ser citado
como evidência, a parábola do trigo e do joio já bastaria para refutar
a teoria, uma vez que ela não admite intervalo de bênçãos
universais entre a semeadura e a colheita, mas demonstra que o
joio continuamente nasce, floresce e amadurece até que os ceifeiros
angélicos o ajuntem para lançá-lo no fogo (Mt 13.24-30, 36-43).

23
Muitas passagens que por séculos foram citadas para apoiar a
teoria pós-milenarista, foram, após investigação mais cuidadosa,
apropriadas pelos que mantêm a visão oposta. Citamos, por
exemplo, as parábolas do grão de mostarda e do fermento, as quais
podem ser interpretadas, à luz de seu contexto e de outras
passagens, para indicar a propagação não da verdade, mas da
corrupção.
Diversos textos isolados que aqueles que esperavam converter o
mundo queriam considerar conclusivos, mostraram que, ao serem
examinados em seus contextos, referiam-se aos tempos
subsequentes à segunda vinda. É o que ocorre com a conhecida
profecia de Isaías de que “a terra se encherá do conhecimento do
S , como as águas cobrem o mar” (Is 11.9). Uma olhada no
contexto revela o fato significativo de que a profecia é precedida
pela descrição da queda do anticristo (Is 10.20-34) e do reino do
Senhor Jesus (Is 11.1-10), e também está estreitamente relacionada
à restauração do reino a Israel (Is 11.11-16).
É muita coisa para a controvérsia milenarista. Há também três
métodos de interpretação bem definidos e fundamentalmente
antagônicos que necessitam de breve explicação. Refiro-me às
conhecidas visões preterista, histórica[5] e futurista.
A visão preterista foi primeiramente proposta como método
completo pelo jesuíta Alcázar[6] em seu trabalho denominado
Vestigatio Arcani Sensus in Apocalypsi, publicado em 1614. Era
visão desconhecida nos primeiros tempos da igreja e recebeu pouca
aceitação, exceto entre os católicos romanos e os expositores de
tendência racionalizante.[7] Ela limita o escopo do Apocalipse aos
eventos durante a vida do apóstolo João e a outras coisas que ele
poderia ter adivinhado, e afirma que toda a profecia foi cumprida na
destruição de Jerusalém por Tito e na subsequente queda do
Império Romano, ou seja, nas sucessivas derrocadas do judaísmo e
do paganismo.
A visão histórica, também desconhecida pela igreja primitiva,
surgiu inicialmente por volta da metade do século nos
ensinamentos dos cátaros heréticos. No começo do século , foi
sistematizada pelo abade Joaquim de Fiore, cujo manto desceu
sobre o inglês Walter Brute. Posteriormente, a visão foi adotada e

24
aplicada ao papa pelos precursores e líderes da Reforma e pelas
igrejas protestantes, e alcançou o ápice no estudo escatológico
intitulado Horæ Apocalypticæ (Horas com o Apocalipse), de Edward
Bishop Elliott.
É também chamada de interpretação protestante, porque
considera que o papismo cumpriu tudo o que fora predito sobre os
poderes do anticristo, e nada deste é possível encontrar na meretriz
ou nas duas bestas. Neste ponto, o sistema de interpretação revela
sua fraqueza. É a exposição de homens que tanto olharam
fixamente para um poder contemporâneo do mal que não
conseguiram conceber outro, e que, assim, acabaram forçando as
Escrituras para concordar com suas mentes tacanhas.
Como era de se esperar, as interpretações da visão histórica são
vagas e insatisfatórias. Carecem de precisão exata e literal que
caracterizava o cumprimento das profecias ligadas à primeira vinda
de Cristo — cumprimento que é nosso único guia confiável, se
quisermos saber como lidar com as predições relacionadas aos
tempos subsequentes.
Entre as falhas dessa escola de interpretação, são muito
conspícuas as tentativas totalmente inadequadas de explicar o sexto
selo e as duas testemunhas. São falhas observadas com tanta
frequência que podemos passar para outros pontos que afetam
mais nosso objetivo atual.
Como salientamos acima, aqueles que apoiam a interpretação
protestante acreditam que o romanismo é o grande poder do mal, no
qual todas as profecias pertinentes ao anticristo se cumprirão. Por
conseguinte, sustentam que ele continuará até ser destruído pelo
Senhor na ocasião de sua manifestação.
Se, contudo, verificarmos a última predição sobre esse assunto
que está em Apocalipse 17, uma dificuldade surge no caminho. Ali
temos a visão de uma besta que pode ser prontamente identificada
com a quarta visão de Daniel e representa o poder secular de
Roma. Mas a besta não usa coroas, como ocorre em Apocalipse 13,
por uma razão óbvia: a besta é montada e conduzida por uma
mulher que os estudiosos universalmente aceitam que é a igreja de
Roma. Assim, podemos reconhecer um quadro dos tempos em que

25
o Império Romano esteve temporariamente inativo e uma soberania
eclesiástica tomou mais ou menos o seu lugar.
Qual é o final da visão? A mulher é tirada à força de seu assento
e destruída com ódio e violência, não pelo Senhor, mas pelos dez
reis, que podem ser identificados com os dez dedos dos pés da
estátua que Nabucodonosor sonhou (Dn 2.31-45). Após ela ser
destruída, os reis transferem a soberania que ela reivindicava para a
besta, ou seja, o poder secular.
Se a habitual e indubitavelmente correta[8] interpretação
protestante da meretriz for sustentada, temos a clara sugestão de
que o papismo será exterminado por agentes humanos e será
substituído por um poder secular antagônico. E é esse o poder que
Cristo destruirá em sua manifestação, pois então a besta, e não a
mulher, será abatida e seu corpo destruído e entregue às chamas
flamejantes (Dn 7.11).
O fato de a mulher e a besta serem diferentes e poderes
antagônicos quebra a estrutura da chamada interpretação
protestante. Temos apenas de olhar ao redor para ver a mobilização
das forças diante das quais o eclesiasticismo irá logo sucumbir.[9]
De acordo com a visão histórica, os dez reis apareceram há
cerca de treze séculos. Mas a conclusão negligencia três fatos: (1) A
visão de Nabucodonosor mostra todo o transcurso do domínio
secular dos gentios até a manifestação do Senhor; (2) de acordo
com a interpretação inspirada dada por Daniel, o rei vê a estátua
formando-se gradual e regularmente da cabeça aos pés, à medida
que um novo império surge ou muda de forma; e (3) os dedos dos
pés são a última parte adicionada à estátua, depois do que nada
mais há para acontecer, exceto o ataque instantâneo da pedra.
Além do mais, os reis representados pelos dedos dos pés só
poderiam ter aparecido no império do Oriente e do Ocidente,
prefigurados pelas pernas, depois que tivessem terminado seu
curso de ação. Contudo, Elliot calcula que os dez reinos existiam
“na época de 532 d.C.”,[10] mesmo tendo de admitir que o império
oriental só caiu com a captura de Constantinopla pelos turcos em
1453 d.C.! E ainda assim, a Rússia alegou ter continuado seu
domínio, e com base nisso, denominou seu imperador de czar ou
césar e adotou como padrão a águia de duas cabeças, que era

26
símbolo do império dividido. Quanto à divisão do Ocidente, se o
leitor consultar nosso capítulo sobre a teoria napoleônica verá que
ela continuou a representar o império fundado por Augusto até
sucumbir às forças incitadas pela Revolução Francesa de 1789. O
último período marcou a transferência de poder para os pés,[11]
enquanto os dedos dos pés ainda não estavam desenvolvidos.
Os historicistas esquecem que, como cinco dedos estão no pé
direito e cinco no esquerdo, a coerência requer que procuremos
cinco dos dez reis na divisão ocidental e cinco na divisão oriental do
Império Romano.
A falta de espaço nos proíbe de continuar o comentário. Só
mencionaremos mais um erro da escola histórica e tem a ver com o
rio Eufrates representar o Império Turco. Não há base para a ideia,
como sustentam muitos que a aceitam, pois ela é apresentada com
a vaga declaração de que é a interpretação geralmente admitida. No
entanto, alguns citam o fato de o rio estar no Império Turco, o que
não é conclusivo; outros afirmam que os turcos começaram as
migrações a partir do Eufrates, o que dificilmente é verdade, uma
vez que podemos determinar sua origem a centenas de quilômetros
do interior da Ásia.[12]
Esse é o sistema histórico, ao qual talvez a mais séria objeção
geral é que elimina o elemento sobrenatural dos julgamentos de
Deus, contradizendo assim a palavra do próprio Todo-poderoso (Êx
34.10).[13] E não há melhor maneira de concluir nossas observações
sobre o assunto do que citar o esquema gráfico de seu surgimento e
futura desaparição.

Mil anos se passaram e o Mestre não veio. Para preencher o intervalo,


alguns procuraram cumprimentos atuais das profecias, até do que se
entendia que pertenceria apenas aos tempos finais. Dessa forma, foi
produzida a escola histórica de intérpretes, que tem prosperado
ininterruptamente, e é justo que prospere, até que o primeiro som do
julgamento do Apocalipse dissipe o sonho e a profecia, há muito
desacreditada e escarnecida, e venha a retirar os visionários do armário
para o consentimento de um mundo aterrorizado.[14]

O terceiro sistema é a visão futurista, que é adotada na presente


obra e data dos tempos modernos, já no início do século . No

27
entanto, é uma revitalização da primeira de todas as interpretações
que, com muitas outras verdades há muito tempo perdidas, vêm
sendo restaurada pela igreja, para ela ser limpa de suas corrupções
e sair ao encontro do Senhor em pureza de doutrina e santidade de
vida.
Tendo em vista que as características distintas da escola futurista
vêm sendo interpretadas muito erroneamente, algumas palavras
explicativas são necessárias. Em primeiro lugar, o nome não é
adequado, pois de forma alguma relega todas as profecias ao futuro
e ignora o romanismo e as provações e problemas da verdadeira
igreja nos tempos atuais. É assim denominada por agrupar a
maioria das profecias ao redor das duas vindas e, portanto, refere a
maior parte do Apocalipse[15] à última das setenta semanas de
Daniel, que ainda está no futuro. As razões para esse método de
interpretação aparecerão nas páginas seguintes, e o leitor
perceberá que as acusações em geral feitas contra a escola
futurista não se aplicam ao sistema aqui apresentado.
O sistema futurista não omite o papado, mas o encontra
fortemente acentuado na profecia e descrito de tal forma a expor
sua real natureza. Estabelece que o romanismo tem sido até agora
obra-prima de Satanás e o grande inimigo da verdadeira igreja, mas
também ensina, de acordo com as Escrituras, que o mistério da
Babilônia cairá pelas mãos dos homens e será sucedido, por breve
espaço, por um poder secular ainda mais perverso e terrível.
Não se pode dizer que ignora a igreja, pois revela dois quadros
desenhados pelo próprio Senhor de tudo o que deverá acontecer
com ela, do início ao fim de sua carreira.
Não se trata de mera especulação humana, mas de um sistema
que se acredita ter sido desvelado por Deus na revelação cardinal,
que deu habilidade e conhecimento a Daniel e lhe propiciou
compreender suas visões. Por conseguinte, se descobrirá que ela
concorda e explica todas as Escrituras sobre as quais se baseia, e
especialmente o sermão no monte das Oliveiras e o Apocalipse.
Este é o ponto mais forte do sistema futurista: é o único sistema
baseado apenas na grande mensagem de interpretação confiada a
Daniel e na própria divisão do Apocalipse feita pelo Senhor em “as
coisas que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois

28
destas” (Ap 1.19). Consequentemente, descobriu-se que é um
retorno à interpretação pregada pelos apóstolos entre os primeiros
convertidos e um retorno a uma luz mais clara, pois os cristãos de
outrora só podiam contemplar os poderosos eventos do fim a uma
distância desconhecida, ao passo que nós, devido ao subsequente
cumprimento da profecia e sua interpretação gradualmente
revelada, descobrimos que esta era está quase acabando e suas
cenas finais estão prestes a começar.
Os objetores também ressaltam que o sistema futurista engloba
diversos grandes eventos no curto espaço de três anos e meio,
enquanto seria mais provável que os feitos atribuídos ao anticristo
teriam ocorrido no transcurso de mil duzentos e sessenta anos por
meio de uma série de anticristos. Insistem ainda que é muito
improvável que Deus tivesse dado profecias tão importantes apenas
para alertar os cristãos deste século contra um único inimigo.
Respondemos que é perigoso argumentar baseado na
probabilidade ou improbabilidade dos tratos de Deus com os
homens. Seus caminhos diferem de nossas expectativas, e nada
podemos saber sobre eles, exceto quando nos é revelado. Com
relação aos detalhes, não há garantia para supor que, quando a
profecia menciona dias, está falando de anos. Tampouco há
indicação no Novo Testamento de uma linha contínua de anticristos,
pois o grande rebelde sempre é tratado como um inimigo.
Quanto à brevidade de tempo, o espaço de três anos e meio já é
considerado memorável como tempo do ministério de Cristo e assim
será mais uma vez como tempo da tirania do anticristo. A coerência
lógica também o requer, pois nas Escrituras, “o Cristo” (ό Χριστός, o
Christos) é oposto a “o Anticristo” (ό Ἀ ντίχριστος, o Antichristos). A
injustiça também culminará, como a justiça culminou, em uma só
pessoa e será exibida visivelmente ao mundo pelo mesmo período.
Tampouco a descrição do que irá acontecer dentro de um período
tão restrito é inútil aos cristãos deste século. Como nosso primeiro
pai saboreou o fruto da árvore fatal, agora é necessário que também
adquiramos muito conhecimento sobre as consequências da queda,
pois assim teremos um senso humilde do pecado no qual estamos
envolvidos. Devemos estudar os feitos preditos acerca do Anticristo
e seus adoradores, para que compreendamos algo das profundezas

29
de Satanás e sejamos alertados para resistir ao início do mal e
enchidos de gratidão, quando, com olhar assustado, virmos a
horrível e repugnante morte da qual fomos salvos apenas pelo
sacrifício do Filho amado.
Paulo claramente declara a lição que nos é apresentada, quando
diz: “Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda
somente que seja afastado aquele que agora o detém; então, será,
de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o
sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda”
(2Ts 2.7-8).
Os homens sempre estão prontos a irromper na terrível
iniquidade final. Vivemos em cima de uma mina que pode explodir a
qualquer momento, mas até agora houve um poder restritivo. O
Espírito, que desceu no Pentecostes, ainda está com a igreja e
convence tão poderosamente o mundo do pecado, da justiça e do
juízo que os homens não ousam fazer o pior que podem. Contudo, a
rebelião desafiadora vive em seus corações, e assim que o Espírito
deixar a terra com os crentes que serão reunidos ao seu Senhor, os
poderes das trevas e seus súditos terrenos se manifestarão em seu
verdadeiro caráter.
O Anticristo nos é revelado antecipadamente para que
conheçamos a verdadeira natureza da injustiça ao redor, ainda que
disfarçada por justificativas plausíveis e filosofias ilusórias, e
evitemos a culpa a que os cristãos incorrem por manifestações
como, por exemplo, desobediência aos pais, desrespeito aos mais
velhos, indiferença às relações da vida, tendência a falar mal das
autoridades e a desprezar os senhorios e todos os esforços
similares de serem os primeiros onde Deus os chama para serem os
últimos, de ocuparem o lugar mais alto quando ele reservou o mais
baixo. “Não matarás”, determina o mandamento, e o Senhor diz que
significa que não devemos nos irar sem motivo (Mt 5.22). Da mesma
forma, a injustiça do Anticristo nos é apresentada para que
tenhamos cuidado com tudo o que pode nos levar em direção à sua
má eminência.
Portanto, não podemos admitir que a interpretação futurista seja
inútil a todos, exceto aos que vivem nos tempos atuais do
cumprimento. Deus indubitavelmente instrui e disciplina a mente dos

30
crentes por meio de visões e revelações das coisas que em breve
devem acontecer como consequência natural do pecado.
Com relação ao nosso método de interpretação, é, até onde
sabemos, totalmente deduzido das Escrituras e suas conclusões
são as seguintes.
Entendemos que há três povos sobre a terra em conexão com os
quais Deus revelou seus propósitos: os gentios, os judeus e a igreja.
As predições concernentes aos gentios são muito simples.
Começando com o reino de Nabucodonosor, quatro impérios
sucessivos seguiram seu curso, o último deles continuando até a
aparição de Cristo. O terceiro se dividiria em quatro domínios depois
de existir por curto tempo como unidade. O curso do quarto seria
ainda mais variado, incluindo três fases de soberania: primeiro,
governaria sobre a terra como força indivisível, depois, como dois
impérios mais ou menos conectados e, por último, como dez reinos
confederados sob um grande e blasfemo presidente, que será
destruído pelo próprio Senhor. Mas entre as fases dois e três, o
quarto império seria por algum tempo privado de sua soberania e
seria dominado por uma hierarquia eclesiástica. O tempo dos
gentios deve fluir sem interrupção até a volta de Cristo.
As profecias para os judeus são um pouco mais intrincadas, e
Daniel só entendeu os propósitos de Deus concernentes a Judá e
Jerusalém quando recebeu uma revelação especial que lhe deu
capacidade e conhecimento. A revelação mostrou que Deus estava
prestes a tirar quatrocentos e noventa anos do tempo dos gentios
para disciplina especial dos judeus, conforme a aliança. O período
começaria a partir da emissão do decreto para reconstruir a cidade
e os muros destruídos de Jerusalém. Depois de passados 483 anos,
o Messias seria cortado, e em consequência de sua rejeição, a
aliança seria quebrada e um longo e desconhecido intervalo de
tempo se passaria, durante o qual os judeus seriam dispersos e
renegados por Deus. Ao término do intervalo, os judeus estariam
novamente em sua própria terra e o último príncipe do quarto
império faria um pacto com a maioria deles por sete anos. Deus, ao
mesmo tempo, retomaria seus procedimentos com eles e
completaria, no tempo do acordo do Anticristo, o que ainda restasse
dos quatrocentos e noventa anos. Após os judeus sofrerem a

31
disciplina apavorante durante os últimos três anos e meio, o
Libertador iria a Sião e daria ao remanescente de Israel “a grandeza
dos reinos debaixo de todo o céu” (Dn 7.27, )
Com relação à igreja de Deus, descobrimos que ela começou a
ser formada de todas as nações logo depois que a aliança com os
judeus foi suspensa, e que sua era ocuparia o intervalo que se
seguiu. Eles sofreriam diversas provações e aflições sobre as quais
foram instruídos e alertados em duas profecias feitas pelo próprio
Senhor. Sentiriam o amor esfriar com o passar do tempo, passariam
pelo fogo da perseguição e seriam atraídos a sair do caminho da
humildade por verem a grandeza terrena. Sua fé seria furtivamente
corrompida e mudada, até que se misturassem com idólatras, e
fossem logo pegos na rede da mãe das abominações. Após um
período de sofrimento exaustivo, eles romperiam a rede e
descobriam outra tentação a enfrentar. Seriam rodeados por uma
ortodoxia sonolenta e indiferente, que acabaria se desenvolvendo
em deísmo, panteísmo e ateísmo ou em um religiosismo
autossatisfatório.
Contudo, nos últimos dias da dispensação, haveria entre os fiéis
um renascimento do amor que levaria alguns a lavar as vestes
manchadas, guardar a palavra de Cristo e professar seu nome.
Assim, o intervalo da igreja chegaria ao fim. O Senhor Jesus
desceria dos céus até os ares: os integrantes da igreja que tivessem
morrido ouviriam a voz dele e sairiam dos túmulos, enquanto os
vivos que perseveraram, apesar da tentação, seriam no mesmo
momento transformados e arrebatados com eles à presença do
Senhor. Lá, permaneceriam durante os últimos sete anos do pacto
judaico, ao fim do qual se juntariam a alguns de seus companheiros,
cuja condição despreparada fez com que fossem deixados para trás
por um tempo. Então, a multidão inteira, vestida de branco,
apareceria em glória com o rei, e após a destruição dos inimigos,
reinaria como subordinados do rei na terra redimida.
Este é um esboço do plano profético que o escritor acredita ser a
revelação de Deus. Se ele é capaz ou não de fundamentar a
opinião, o leitor irá julgar.

32
Capítulo 2
O S T

Q
uando nuvens azul-acinzentadas começam a formar-se no
céu e mover-se umas às outras, sabemos, mesmo que ainda
não haja clarão ou som, que uma tempestade é iminente e
que os montes e vales silenciosos logo serão surpreendidos por
relâmpagos coriscantes e trovões ribombantes.
“Hipócritas”, disse nosso Senhor aos fariseus. “Sabeis interpretar
o aspecto da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta
época?” (Lc 12.56). Assim ele falou sobre a primeira vinda, cujos
sinais não estão tão inteiramente descritos nas Escrituras como os
da segunda vinda.
O que ele nos dirá se não descobrirmos o segredo de Deus nas
coisas que estão acontecendo ao redor, quando temos um
excelente comentário para explicá-las? Mesmo os estadistas,
filósofos e pensadores deste mundo esperam por grandes
mudanças na condição social e política. Com certeza, cabe a nós
procurar e ver se os preparativos incessantes que ocorrem em todo
lugar, se a tendência de opiniões em questões civis e religiosas, se
o estado geralmente instável e frequentemente desordenado da
cristandade não estão mostrando que os últimos tempos de nossa
era chegaram, que o mundo em breve será confrontado pelo rei
desprezado, mas legítimo e todo-poderoso, e que a igreja — os

33
vivos e os mortos — não mais poderá, mas será imediatamente
convocada para encontrá-lo nos ares.
Se estivéssemos flutuando em um rio caudaloso que tivesse, a
pouca distância, uma fortíssima catarata, o que concluiríamos ao
descobrir que quando estávamos sendo levados pela forte
correnteza, percebemos uma crescente agitação nas águas ao
redor e começamos a ouvir, misturado ao tumulto, o som de um
rugido mais profundo? Entenderíamos que já estávamos caindo nas
águas da terrível catarata!
E não descrevemos com exatidão a atual condição da corrente
do tempo? Os profetas e o próprio Senhor predisseram uma
poderosa catástrofe que seria o prenúncio de uma nova era, um
tempo de perplexidade e problema imediatamente precedente aos
tempos de refrigério pela presença do Senhor, uma ruptura e
desintegração geral da sociedade, em meio a guerras, tumultos e
horribilíssimas calamidades, seguidas pelo glorioso reino do
Príncipe da Paz. Os sinais da aproximação dos dias de terror
previstos estão continuamente se multiplicando. Os eventos que
costumavam transcorrer em lenta procissão, agora passam
correndo diante de nossos olhos confusos com tanta rapidez que
desaparecem em questão de meses ou até de semanas em vez de
anos. As correntes de opinião pública pararam de originar-se
apenas dos planos de príncipes e estadistas, e todo país é
dilacerado por facções antagonistas que arrastam o Estado, ora em
uma direção, ora em outra.[16] Há também multidões de indivíduos
que tem cada um a sua própria solução para os diversos males,
sempre agitando a superfície da sociedade ao colocar-se em
evidência.
Uma das principais causas de toda essa confusão é exatamente
o que o mundo considera a cura para todos os males: a
disseminação do conhecimento. Muitos dos que adquirem um pouco
de instrução — e a maioria da humanidade não consegue ir além
disso —, não demoram a provar que “rascunhos rasos intoxicam o
cérebro”[17] e por meio da apresentação confiante e persistente de
suas opiniões, costumam desviar as pessoas cuja ignorância
excede a deles e, dessa forma, confundem os conselhos de
condutores mais sábios e experientes.

34
A educação tornou-se de certa forma geral, mas infelizmente não
com o resultado esperado, pois ao mesmo tempo a moral está se
degenerando na proporção inversa. Como é comum a falta de
honestidade, não apenas na vida comercial, mas em todas as
camadas da sociedade! Esse mal existe e é reconhecido pelo
menos como pecado venal, ou quando não, como necessidade
absoluta. A lei “jura com dano próprio e não se retrata” (Sl 15.4), não
tem popularidade nos tempos atuais e quem a quebrar, encontrará
muitos advogados e defensores.
Nesse meio-tempo, o aumento da impaciência e irritabilidade dos
homens, proveniente da indulgência de gerações, do abuso dos
estimulantes e narcóticos e da penosa pressão e agitação da vida
moderna começam a manifestar-se em feitos de imprudência e
violência, como os que encontramos nas páginas dos jornais,
enquanto a injustiça e os crimes de todo tipo crescem e, o que é
ainda pior, assumem formatos difíceis de detectar ou punir.
E acima de todo esse pecado e miséria, as formas gigantescas
de desgraças ainda mais terríveis projetam suas sombras que
avançam. A Europa está armada em um grau até agora
desconhecido, e converteu-se em um vasto campo pelo ciúme das
grandes potências que estão apenas esperando pela oportunidade
de executar seus planos agressivos. A guerra mais cruel e
sangrenta de nossos dias terminou em uma paz que não pode ser
mais do que a calmaria antes da tempestade, pois o temido
problema do Ocidente ainda não foi resolvido. Poucos são os que
esperam mais do que uma breve pausa antes que o ar seja
novamente atormentado com rajadas de tiros e lançamentos de
granadas, e poluído com a fumaça de cidades e casas queimando.
Mesmo durante a curta trégua armada na Europa, guerras eclodiam
em partes da Ásia, África e América.
A rápida difusão dos princípios socialistas entre todas as nações
cristãs, e as numerosas ligas secretas organizadas para sua
propagação, dão aos estadistas severa razão para conceder um
ataque revolucionário que pode despedaçar toda estrutura da
sociedade.
E por último, brechas têm sido feitas nas barreiras estabelecidas
por Deus para separar os moradores da terra do mundo dos

35
espíritos, de forma que um intercurso declarado foi agora
estabelecido entre homens e demônios.
Tampouco faltam as comoções da natureza para aumentar o
desassossego. Os últimos anos foram incomumente prolíficos em
tempestades violentas e inundações destruidoras de vida e
propriedade. Terremotos tornaram-se frequentes de forma alarmante
e, por sua aparente onipresença, provocam perturbações
generalizadas nas entranhas da terra que culminam em catástrofe
tremenda. Embora atualmente o maior número de abalos sísmicos
seja em comparação pequeno, não foram poucos os terremotos
graves, como os que ocorreram em Casamicciola Terme (Itália),
Chio (Espanha), Ísquia (Itália) e Java (Indonésia), este último
caracterizado pelas autoridades competentes como a mais
estupenda convulsão já registrada. Também têm ocorrido fomes em
diversos lugares, em diferentes partes da Índia, Pérsia, China,
Marrocos e em vários outros países, ao mesmo tempo em que
diversos tipos de doenças e males são mais prevalecentes do que
costumavam ser.
Todas essas coisas e muitas outras que poderiam ser
mencionadas prenunciam desastres e angústias generalizadas, mas
não necessariamente a última tribulação, as agonias finais do
mundo. A terra, nos dias de outrora, tiveram tempos de convulsão,
sofrimento e mudança. As doloridas pragas de Deus, a guerra, a
fome, a peste, e os animais da terra têm desolado seus domínios
em anos passados, mas o fim ainda não veio. Mesmo que
sentíssemos a terra sólida tremer embaixo de nós, e
contemplássemos as montanhas serem erguidas e lançadas ao mar,
tal visão não provaria que o grande dia do Senhor havia chegado.
Os homens se esquecem disso, e quando recorrem às Escrituras,
elaboram suas inferências baseadas no exagero de um ou mais
textos destacados, em vez de considerar com cuidado tudo o que os
profetas falaram. Por conseguinte, tem havido muitos alarmes falsos
e pânicos.
Um exemplo notável ocorreu em fins do século . Naquela
época, os homens estavam tão acostumados ao domínio de Roma
que pensaram que o seu poder só pereceria com o próprio mundo.
Quando a viram nas dores da dissolução, com suas terras

36
destruídas pela guerra, fome, e doença, a tal ponto que muitos
locais anteriormente populosos tornaram-se pestilentos por
negligência.[18] Quando vislumbraram seus suprimentos serem
cortados e muitos de seus edifícios destruídos por tempestades e
inundações, eles imaginaram que o mundo também havia seguido
seu curso, e que o último terrível julgamento estava próximo.
Gregório, o Grande,[19] estava fortemente imbuído dessa ideia e,
em carta ao rei Etelberto,[20] assim expressou-a:

Sabemos pela palavra do Todo-poderoso Deus que o fim do presente


mundo está agora próximo, e que o reino dos santos, que nunca poderá
terminar, está prestes a começar. Agora que o fim do mundo se aproxima,
muitas coisas acontecerão que nunca haviam acontecido. Haverá
mudanças atmosféricas, terrores vindos do céu, tempos desordenados,
guerras, fomes, pestes e terremotos em diversos locais.[21]

E como havia a necessidade de um Anticristo para os últimos


dias, Gregório tinha certeza de que o detectara na pessoa do
patriarca de Constantinopla, João, o Jejuador, que havia irritado a
santa Sé ao proclamar-se bispo universal.
No século , houve pânico ainda mais geral. Imaginou-se que
Satanás estava aprisionado desde o tempo da primeira vinda de
nosso Senhor e que ele, tendo em vista que os mil anos estavam
quase completados, estava prestes a ser solto como preparação
para o último julgamento. Conforme o suposto momento do evento
se aproximava, o terror dos homens chegou perto do lastimoso.
Alguns entregaram as propriedades a fundações monacais, e
saíram em peregrinação para a Palestina, enquanto esperavam pela
descida de Cristo. Muitos se prenderam a juramentos solenes de
serem servos de igrejas ou mosteiros, na esperança de que se
fossem encontrados agindo como servos dos servos de Cristo, eles
seriam tratados com mais brandura no julgamento. Casas e edifícios
foram deixados sem manutenção, pois supunha-se que haveria
pouco uso para eles. Se houvesse um eclipse do sol ou da lua,
multidões amedrontadas fugiriam correndo para as cavernas das
rochas, ou para algum outro lugar que pensavam que poderia
protegê-los da glória da temida Aparição.[22]

37
Mas o ano 1000 passou, nada aconteceu e, em pouco tempo, a
agitação diminuiu.
Esses alertas e muitos outros surgiram de argumentos crus e
sem base, que não resistem um só momento ao teste da
investigação inteligente. Os resultados foram algo pior do que o
mero engano dos que foram afetados pelos alertas, pois causaram
descrédito geral e desgosto pelas Escrituras proféticas, uma vez
que os homens estão sempre prontos a culpar a palavra de Deus
pelo fracasso, que é unicamente devido à interpretação tola e míope
desses homens.
Nosso dever é ficar atentos para que não sejamos levados por
essas vãs agitações, as quais há muitas em nossos dias; mas
devemos ser ainda mais cautelosos para evitar o extremo oposto. É
melhor sermos perturbados por falsos alarmes do que sermos
pegos de surpresa. Os habitantes da terra hão de acordar uma
manhã e ver que o dia do Senhor está presente, o qual, como uma
armadilha, virá sobre todos os que não tiverem entendido os alertas
da revelação. Devemos orar em busca de sabedoria para entender,
e em busca do poder do Espírito para vigiar. Não há palavras mais
fortes do que a injunção de nosso Senhor sobre esse ponto, quando
ele disse:

Estai de sobreaviso, vigiai e orai; porque não sabeis quando será o tempo.
É como um homem que, ausentando-se do país, deixa a sua casa, dá
autoridade aos seus servos, a cada um a sua obrigação, e ao porteiro
ordena que vigie. Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da
casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã;
para que, vindo ele inesperadamente, não vos ache dormindo. O que,
porém, vos digo, digo a todos: vigiai! (Marcos13.33-37)

O objetivo deste livro é estimular a obediência ao mandamento


de nosso Senhor, rastreando as principais correntes de profecia e
verificando nossa posição com relação a elas. Se descobrirmos que
os conselhos revelados por Deus colocam diante de nós a
transladação da igreja como o próximo evento a ser esperado e,
ainda mais, que a inclinação atual da opinião humana, e a condição
e tendência geral do mundo, já seguem na direção das apostasias,
convulsões, revoluções e julgamentos que afetarão os homens após

38
a retirada da igreja, então teremos motivo para acreditar que nossa
era entrou nos últimos dias, e que os que seriam de Cristo na sua
vinda precisam urgentemente guardar as suas vestes, para que ele
não se manifeste de repente, e eles sejam encontrados nus, e
sejam vistas as suas vergonhas por todos os homens (cf. Ap 16.15).

39
Capítulo 3
A S D

P
or que o homem, imediatamente após entrar no mundo, teve
de ficar exposto à tentação e ao pecado, com todas as suas
concomitantes misérias, é algo que não sabemos. Todos
somos inaptos para decidir se ele agora está passando por uma
ardente provação destinada a humilhá-lo e erradicar os sentimentos
de rebelião concebidos em épocas anteriores,[23] enquanto o sangue
do Senhor Jesus faz expiação por eles, ou se alguma outra causa
talvez muito diferente moldou os conselhos sábios e misericordiosos
do Altíssimo com respeito à raça humana.
Nada pode ser mais tolo do que tentar penetrar em um mistério
totalmente acima de nosso conhecimento – um mistério que, a
despeito de todos os nossos esforços, deve permanecer escondido
até que em alguma era futura agrade ao Senhor Todo-poderoso
levantar a cortina com suas próprias mãos, e revelar àqueles que
confiaram nele em meio às trevas da vida, as profundezas e a
sabedoria irrepreensível do seu indefectível amor.
Ainda que não possamos sondar as coisas profundas de Deus,
não podemos deixar de ficar impressionados com uma característica
de seus tratos com a humanidade. O governo do mundo tem
passado por diversas mudanças que nós, seguindo o exemplo de
Paulo, chamamos de dispensações, e embora elas variem conforme
as leis e condições, são sempre constantes em um objetivo

40
principal. Todas combinam-se para provar que em nenhuma
circunstância concebível estão os homens aptos a preservar sua
integridade e salvarem-se da corrupção; que a única esperança dos
homens reside na intervenção direta do Eterno e de uma infusão,
tão miraculosa de seu Espírito Santo, que uma mudança completa
será trabalhada na natureza humana. Esse fato aponta para uma
profunda alienação e tendência à rebelião contra Deus, que deve
ser erradicada antes que a paz e a harmonia sejam restauradas
para a raça humana. Qualquer que seja ele, ou qualquer que seja o
mistério que o envolva, fica pelo menos claro que o homem não
entendeu a lição da dependência absoluta de que a criação deveria
ser suficiente para ensinar, e que agora só pode aprendê-la através
de uma redenção mais maravilhosa do que a própria criação.
Na primeira dispensação, Adão e Eva foram criados em um
estado de inocência e totalmente livres do trabalho penoso ou da
ansiedade, e foram colocados em um jardim de delícias. Como
prova do espírito de obediência ao Criador, que é tanto razoável
quanto necessário, uma pequena coisa foi exigida deles, a saber, o
mandamento de absterem-se do fruto de uma só árvore do jardim.
Por mais fácil e imperceptível que o jugo deve ter sido — pois nada
mais que as fantasias destemperadas do orgulho e da obstinação
poderiam tê-los feito senti-lo assim — eles o quebraram com as
próprias mãos. Foram, então, expulsos do paraíso da alegria, depois
de terem mostrado que o homem não consegue reter a inocência
quando a possui; não, nem mesmo se ele for ajudado pelas
circunstâncias mais favoráveis.
Uma era diferente se seguiu. Adão e seus descendentes foram
provados para ver se, após a dolorosa experiência da queda, eles
conseguiriam se recuperar por bondade inata, sem lei ou governo.
Em vez de melhorarem, tornaram-se cada vez piores, até que a
terra encheu-se de tanta corrupção e violência que Deus foi
obrigado a exterminar toda criatura vivente. Assim foi demonstrado
que o homem, se estiver livre de restrições e deixado sozinho, não
só falhará em obter a salvação, como também se precipitará rumo à
destruição.
Quando o dilúvio passou, Noé saiu da arca e uma terceira
dispensação começou. Deus agora investiu o homem com a espada

41
do magistrado, ordenando que dali em diante a violência seria
controlada pela execução do assassino, e assim, ele colocou suas
criaturas caídas sob a disciplina do governo visível e terreno. Mas a
união política tanto os intoxicou com um novo poder que eles
deliberadamente rebelaram-se contra ele, e só foram impedidos de
um ousado ato de desafio através da confusão das línguas. O
governo dos homens serviu para uni-los contra o Criador, ao mesmo
tempo que não restringiu sua corrupção moral. É o que aprendemos
pela história deprimente das cidades das planícies, cuja catástrofe
fechou a terceira dispensação ou dispensação de Noé.
Com o início da quarta dispensação, que pode ser denominada
de a era do peregrino, Deus desistiu do mundo como um todo, e
escolheu para si uma só família, objetivando primeiro regenerar o
povo que descenderia dela e, através deles, restaurar e abençoar
todas as nações. Abraão e seus descendentes por Jacó,
consequentemente, foram separados do restante da humanidade,
para que pudessem ser levados à comunhão com Jeová. Foram
levados a andar como estrangeiros e peregrinos, não tendo morada
própria. Quando se estabeleceram no Egito, repentinamente
começaram a sofrer a hostilidade da terra em que viviam ao
acharem-se reduzidos a uma escravidão cruel e sem esperança.
Mas mesmo a severa disciplina de separação e aflição, embora
fosse encerrada por maravilhosa exibição da fidelidade e poder de
Deus, não lhes subjugou o egoísmo rebelde, como vemos pela
conduta após a libertação. Tampouco o tratamento que receberam
do mundo mudou-lhes a inclinação para a rebeldia. Quando
jornadeavam para Canaã, ficaram insatisfeitos com Deus, ansiando
por carne, peixe, pepino, melão, alho e cebola do Egito; e em seus
corações retornaram à terra que os oprimira tão cruelmente.
Chegou o tempo do estabelecimento da nação escolhida como
reino sobre a terra, e a introdução da quinta dispensação.
Consequentemente, os israelitas, impressionados pelas maravilhas
de sua libertação do Egito, foram conduzidos através do deserto do
pecado, sendo sustentados pelo pão que caia do céu e pela água
que saia da rocha ferida, até que pararam à plena vista das
íngremes e escarpadas alturas do Sinai. Lá, entre às mais terríveis
manifestações da presença de Jeová, as leis do reino foram

42
entregues para eles, e posteriormente escritas, para que eles e seus
filhos conhecessem as coisas pelas quais, se as cumprissem,
deveriam viver. Mas desde o primeiro momento, eles não
obedeceram e, consequentemente, retardaram a entrada na terra
prometida por quarenta anos.
Quando Deus os estabeleceu na Palestina, logo mostraram que
eram o mesmo povo de dura cerviz e rebelde. Nem o maravilhoso
ensino que receberam e nem a posse das leis escritas de Deus
foram eficientes para ocasionar neles uma mudança radical.
Cansaram-se de Jeová como seu único Regente, e exigiram um
monarca terreno. O pedido lhes foi concedido, mas após três
sucessivos reinados, surgiram dissenções que causaram a
separação do povo em dois Estados diferentes, e na maioria das
vezes, hostis uns aos outros. Os dois reinos, a despeito dos avisos
dos profetas e dos castigos de Deus muitas vezes repetidos,
demonstraram ser tão incorrigivelmente propensos à feitiçaria e
idolatria que por fim o Todo-poderoso permitiu a destruição de Israel
e, algum tempo depois, Judá também foi levado cativo.
Depois de setenta anos, os exilados do reino de Judá receberam
a permissão de voltar para Jerusalém a fim de reconstruir o templo e
os muros em ruínas. A aflição curou-os da idolatria aberta e não a
praticaram mais. No entanto, não se aproximaram de Deus, mas
substituíram o antigo pecado por uma formalidade hipócrita ou uma
indiferença cética.
Tornaram-se tão inteiramente carnais que quando Deus, na
plenitude do tempo enviou seu Filho unigênito ao mundo, em vez de
saudá-lo como o Messias há muito desejado, rejeitaram e
crucificaram-no. Irado, Deus suspendeu a aliança, recusou restaurar
naquele tempo o reino de Israel, entregou novamente a cidade e o
santuário à destruição, e espalhou os judeus entre todas as nações
para um segundo e muito mais longo e severo cativeiro.
Veio então a dispensação parentética da graça, durante a qual os
israelitas são deixados de lado por um tempo, mas não esquecidos
nos conselhos de Deus, pois um dos objetivos da presente era
parece ser a remoção do obstáculo à obediência do povo de Israel.
Foi o rebelde príncipe deste mundo, auxiliado por seus anjos e os
espíritos dos ares, que continuamente seduziu os filhos de Abraão à

43
idolatria e hipocrisia. Por causa disso, preparações estão agora
sendo feitas para a expulsão desses poderes hostis — “o exército
dos altos [que estão] nas alturas” (Is 24.21, ) — e a colocação em
seu lugar de um novo governo espiritual: o governo do Senhor
Jesus e de sua igreja. Para esse fim, os apóstolos receberam a
ordem de declarar o significado da morte de Cristo na cruz. Ele
ofereceu-se em sacrifício pelos pecados de todo o mundo e, desde
então, todos os que o amassem e quisessem segui-lo seriam
considerados mortos Nele e, assim, teriam pagado integralmente a
penalidade por seus pecados. Deus os consideraria revestidos da
perfeita justiça do Salvador deles e, após curto período de provas
para serem santificados, eles seriam, ao término da era,
arrebatados, quer mortos ou vivos, para encontrar seu Senhor nos
ares, e com Ele tornarem-se governantes espirituais do mundo no
lugar de Satanás e seus anjos. E, nos tempos por vir, o Criador
mostraria as abundantes riquezas de sua graça em bondade para
com eles através de Cristo Jesus (Ef 2.7).
Tal demonstração de amor por parte do Deus Altíssimo,
combinada com as ofertas gloriosas feitas às suas criaturas caídas
e desmerecedoras, teria constrangido todos os habitantes da terra a
juntarem-se em uma poderosa atribuição de louvor Àquele que está
assentado no Trono e ao Cordeiro! Mas não. Os homens receberam
o anúncio com apatia impassível ou tiveram sentimentos de ódio
amargo e oposição. Apenas alguns, cujo coração o Senhor abrira,
ouviram, acreditaram e regozijaram-se. Esses estão, em sua
maioria, entre os pobres e os desprezados, mas são conhecidos do
grande Rei, e ele em breve confessará seus nomes diante do Pai e
dos anjos. O restante do mundo ficará cada vez pior, até que a sexta
dispensação também termine em completo fracasso, provando que
sequer a revelação do amor de Deus em Cristo Jesus pode
abrandar o coração rebelde do homem.
Então virão os últimos sete anos da quinta dispensação e a
completarão.[24] A maior parte do povo judeu, que não recebeu
Cristo, aceitará um acordo com o Anticristo, e o Senhor encerará os
terríveis tempos da tribulação aparecendo em glória com sua igreja
redimida para tomar o reino.

44
Durante a era milenar, a qual será a sétima e última prova para a
raça humana, Cristo reinará nos lugares celestiais, a região agora
em posse dos anjos caídos, e fará do povo de Israel os “reis da
terra, na terra” (Is 24.21). Então, as promessas a Abraão e as
gloriosas predições dos profetas do Antigo Testamento serão
totalmente cumpridas. O tentador e suas hostes de maldade serão
lançados no abismo, e suas influências maléficas não mais
impregnarão os ares com incitações ao pecado. A maldição será
removida da terra e a glória visível do Senhor estará presente no
templo de Jerusalém, enquanto os cadáveres dos rebeldes mortos
no vale de Josafá ficarão para sempre expostos à vista (Is 66.24).
Porém, nem mesmo essa era de maravilhas, bênçãos e alertas
com a total imunidade da tentação espiritual trará restauração ao
homem caído. O povo de Israel será realmente perfeito, ainda que
apenas pelo poder do Espírito de Deus, que, de acordo com a nova
aliança prometida, escreverá Sua lei no coração deles (Jr 32.40). As
outras nações, embora por medo sejam levadas a aceitar, renderão
uma submissão fingida.[25] Quando o tentador for solto, como prova
final de obediência, as nações irão alegremente ouvir-lhe as
sugestões e reunir-se-ão em rebelião aberta contra Deus. A
tolerância do Todo-poderoso terá, no entanto, se esgotado. Fogo
será arremessado do céu para destruir o exército rebelde e, após o
julgamento final, terá início o estado eterno, a era de glória
imaculada quando a justiça não irá meramente reinar, como ocorreu
no milênio, mas habitará nos céus e terra renovados.
Então, por sete testes diferentes e variados, terá sido provada
que nenhuma circunstância possível pode dar ao homem o poder de
recuperar-se sozinho do pecado.[26] Ele tem de clamar pela ajuda do
Senhor ou perecer banido de sua presença para sempre.

45
Capítulo 4
A T L P

A
ntes de interpretar as profecias da Bíblia, é necessário
averiguar a quem elas pertencem. Deus agora está lidando
com três classes distintas de homens na terra, e com cada
classe em termos peculiares a cada uma delas.
Até o encerramento da terceira era, ele concedeu todas as suas
revelações, e emitiu todos os mandamentos, para toda a raça
humana sem distinção. Por meio da aliança com Abraão, ele
chamou uma tribo dentre as famílias do mundo para ser
particularmente dele. Cerca de dois mil anos mais tarde, ele
proclamou a formação de outro corpo eleito, e homens de toda tribo,
língua, povo e nação foram convidados a juntar-se à igreja de
Cristo, e assim, separarem-se dos israelitas e dos gentios.
A população da terra está atualmente dividida em três grandes
ordens, cada uma das quais com suas próprias leis, aliança,
soberania e profecias.

Os gentios
As leis primitivas que foram dadas na criação de Adão até a
chamada de Abraão pertencem aos gentios ou ao mundo em geral.
A aliança específica aos gentios é a aliança de Noé, que Deus
fez entre ele “e toda carne sobre a terra” (Gn 9.17), e cujas

46
cláusulas ainda estão em vigor no caso dos que não são israelitas
ou membros da igreja. A grande controvérsia de Deus com os
gentios, depois do arrebatamento dos crentes vigilantes e antes da
restauração do reino a Israel, diz respeito à quebra da aliança, como
inferimos pela presença de seus símbolos no trono do julgamento, o
qual está cercado por um arco-íris e é servido por querubins.[27]
A soberania pertencente aos gentios é terrena: ela já falhou uma
vez, e agora os gentios aproximam-se do final de sua segunda
tentativa. Nos tempos dos primórdios da monarquia babilônica, foi-
lhes permitido exercer domínio, e o resultado foi uma revolta geral
contra Deus. Contudo, por causa da idolatria de Israel, a supremacia
voltou para eles na pessoa de Nabucodonosor e, desde então,
permanece nas mãos deles.
As profecias relacionadas aos gentios, além dos enunciados
primordiais pertencentes a toda humanidade, são facilmente
distinguidas, uma vez que são escritas não no hebraico comum do
Antigo Testamento, mas em aramaico, o idioma da primeira grande
potência gentia mundial. Seis capítulos de Daniel estão marcados
para as nações (Dn 2–7), e há no livro de Jeremias um exemplo
ainda mais significativo. Deus envia uma curta mensagem pelo
profeta aos gentios, e a mensagem, embora ocupe apenas um
versículo, é expressa em aramaico (Jr 10.11).

Israel
Passando para a segunda divisão, sabemos que a esperança de
Israel reside na aliança com Abraão, e que sua lei foi dada por
Moisés.
Certa vez, o reino já estava em seu alcance, mas os israelitas
mostraram-se indignos de possuí-lo e foram expulsos para entrar
em disciplina. Ao final do tempo dos gentios, a soberania lhes será
restaurada, mas não até que tenham sido regenerados pelo Espírito
de Deus, para que não haja mais receio de um segundo fracasso.
Todas as profecias do Antigo Testamento pertencem a eles,
exceto algumas mencionadas acima que são para os gentios; [28] ao
passo que, no Novo Testamento, as profecias que dizem respeito a
eles são prontamente distinguidas pelo contexto, ou por alguma

47
indicação que liga o cumprimento com a economia judaica e a exclui
especificamente da nossa.

A igreja
Para a igreja, cujo chamado é celestial, as leis foram
estabelecidas pelo Senhor e pelos apóstolos, que receberam dele o
poder de ligar e desligar. Sua aliança é a aliança da graça, o
glorioso evangelho do Deus bendito. O reino, que no seu caso é
celestial, ainda não lhe foi entregue, mas está chegando o tempo
em que os santos dos lugares celestiais irão recebê-lo, e então, o
reinado da igreja será com Cristo. Suas profecias estão todas
contidas no Novo Testamento.
Essas são as três grandes divisões da raça humana, a uma das
quais todo ser humano pertence. Lembremos que todo judeu infiel e
todo cristão nominal estão incluídos na primeira classe, sendo que a
única diferença entre eles e os pagãos absolutos é a terrível
responsabilidade que repousa sobre os judeus infiéis, da qual os
cristãos nominais estão livres. Consequentemente, dois terços dos
judeus perecerão na grande tribulação (Zc 13.8), e quando o Senhor
pleitear com toda carne por meio do fogo e pela sua espada, os
povos rebeldes do cristianismo serão destruídos (Mt 13.40-42), mas
ele enviará mensageiros de paz às nações que não ouviram sua
fama e nem viram sua glória (Is 66.15-19).
Há diversas alusões na Bíblia às três divisões da humanidade, e
será bom, antes de encerarmos o assunto, chamar a atenção para
algumas delas.
Primeiro, temos um exemplo notável no Salmo 50, cujos
versículos iniciais são os seguintes:

O Deus poderoso, o S , falou e chamou a terra desde o nascimento


do sol até ao seu ocaso. Desde Sião, a perfeição da formosura,
resplandeceu Deus. Virá o nosso Deus e não se calará; adiante dele um
fogo irá consumindo, e haverá grande tormenta ao redor dele. Do alto,
chamará os céus e a terra, para julgar o seu povo. Congregai os meus
santos, aqueles que fizeram comigo um concerto com sacrifícios. E os céus
anunciarão a sua justiça, pois Deus mesmo é o Juiz. (Selá) (Salmo 50.1-6,
)

48
O sentido geral da passagem é bastante evidente. Ela apresenta-
nos uma grande descrição da vinda do Senhor. Sua chamada aos
céus do alto e à terra de baixo refere-se, como o contexto indica, a
congregar a ele os santos do Novo Testamento, quer estejam
esperando no paraíso de Deus ou ainda vivos na terra. Eles fizeram
um concerto com Ele baseado no sacrifício, ou seja, confessaram a
necessidade de expiação e aceitaram Cristo como propiciação por
seus pecados. Eles são congregados da terra e do céu, para que
Deus julgue o seu povo, a saber, Israel, pois assim que a igreja for
retirada da terra, Israel se tornará novamente o povo de Deus.
A igreja é chamada a encontrar o Senhor nos ares, e os céus
anunciam a justiça de Deus ao exaltá-la, pois Cristo, que não
conheceu o pecado, foi feito pecado por ela, e agora ela precisa
manifestar-se como a justiça de Deus Nele.
O destino da primeira das três classes está esclarecido e a
solene pausa indicada pela palavra “selá” mostra que o assunto está
para mudar.
O restante do Salmo 50 pode ser dividido em duas seções. A
primeira, que vai dos versículos 7 a 15, contém um apelo aos filhos
de Jacó, exortando-os a não confiar mais em sacrifícios externos e
formais, mas fazer ofertas espirituais a seu Deus. E termina com a
graciosa promessa de que se eles ouvirem a voz de Deus, eles o
invocarão no dia da angústia, ou seja, na grande tribulação, e Ele os
livrará e eles O glorificarão.
Mas o versículo 16 começa com um tom muito diferente, com
palavras dirigidas aos ímpios que, o que quer que pensem de si
mesmos, não podem, segundo o critério divino, ser classificados
nem como judeus e nem como cristãos, estando, portanto, em
perigo da ira iminente. Sua hipocrisia é denunciada em termos
contundentes. São os desobedientes que sabem a vontade do
Senhor e não a seguem — até ousam pregá-la aos outros, embora
eles mesmos sejam obreiros da iniquidade. Deus abomina tal
conduta e, em especial repulsa, entrega-os ao engano pelo qual se
livram do temor a ele, ou seja, representam os atributos divinos de
acordo com suas próprias concepções depravadas e não de acordo
com a revelação de Deus. Portanto, a destruição total os aguarda, a

49
menos que rapidamente se arrependam e ofereçam frutos de
arrependimento dando glória a Deus.
Daniel 7 também apresenta as três classes muito claramente.
Encontramos a menção aos quatro animais ou potências mundiais
dos gentios, os santos do Altíssimo ou a igreja, assim chamados por
estarem destinados a reinar nos lugares altos ou celestiais com
Cristo, e o povo dos santos do Altíssimo, a saber, os israelitas, que
estarão em estreita relação com a igreja durante o período milenar.
Temos outro exemplo que ocorre na Primeira Epístola de Paulo
aos Coríntios, onde lemos: “Não vos torneis causa de tropeço nem
para judeus, nem para gentios, nem tampouco para a igreja de
Deus” (1Co 10.32). Traduzida dessa forma, a passagem não precisa
de comentário, mas ao conferir o original, descobrimos que Paulo
escreveu “gregos” e não “gentios” (cf. , ). O sentido não muda,
pois, ao advertir os coríntios para que não se tornassem pedra de
tropeço para os indivíduos que pertencem a qualquer uma das
grandes divisões do mundo, o apóstolo denomina a segunda classe
de “gregos”, porque os gentios em contato com os coríntios eram
principalmente daquela nacionalidade. Além disso, o termo “gregos”
era aplicado a toda nação civilizada em oposição ao restante da
humanidade, que era considerada como bárbaros.
Poderíamos citar outras passagens, mas essas são suficientes
para mostrar quão distintamente as Escrituras reconhecem as três
divisões da raça humana, sobre as quais a interpretação do
presente livro se baseia.

50
Capítulo 5
O T P P

H
á mais outro fato, cujo conhecimento é indispensável a quem
quer compreender as revelações divinas do futuro. O tempo
profético, do início das setenta semanas até ao segundo
advento, é dividido em três grandes períodos que estão
expressamente marcados em Daniel e são plenamente
reconhecidos no Apocalipse. As evidências do fato serão dadas no
devido lugar. Por ora, faremos apenas uma declaração a respeito,
para que os princípios que guiam nossa interpretação sejam
apresentados ao leitor.
Ao olhar o livro de Daniel, observamos que o profeta não
entendeu todas as visões que ele narra nos capítulos 7 e 8 (Dn
7.28; 8.27). No capítulo 9, em resposta à sua fervorosa oração, um
anjo é enviado para lhe dar “percepção e entendimento” (Dn 9.22,
, ). Depois de receber essa mensagem, ele prontamente
entendeu a visão final (Dn 10.1), que é narrada nos capítulos 10 a
12. Fica claro que os quatro versículos, ou seja, Daniel 9.24-27, que
contêm as palavras do anjo, são a chave para o livro todo.
O significado dos versículos é que Deus dividiu em três períodos
o que então era o tempo futuro.

Primeiro período profético

51
O primeiro período é um tempo definido de quatrocentos e oitenta
e três anos, que começa com a emissão do decreto para a
reconstrução da cidade e dos muros de Jerusalém e termina com a
apresentação do Messias como seu Rei para a filha de Sião, quatro
dias antes da morte Dele.

Segundo período profético


O segundo é um período indefinido, que começa imediatamente
com o encerramento do primeiro e termina com a ressurreição dos
mortos em Cristo e seu arrebatamento, com todos os crentes
expectantes que estavam na terra, para encontrar o Senhor nos
ares. É a era atual, o tempo da igreja, durante o qual todas as
profecias dos judeus foram suspensas.

Terceiro período profético


O terceiro, um breve período de apenas sete anos, começa no
dia em que o Anticristo fará um pacto de sete anos com a maior
parte da nação judaica, e termina com a gloriosa manifestação do
Senhor Jesus para estabelecer o reino. É tempo de julgamento, a
obra estranha e inaudita de Deus (Is 28.21), durante o qual Ele
retomará seus procedimentos com os judeus, lançando-os no forno
do crisol, continuará sua controvérsia com os gentios e permitirá o
cumprimento das profecias em relação ao Anticristo e à grande
tribulação.
Agora com os três períodos proféticos distintamente assinalados
diante de nós, lembremo-nos de dois fatos. Em primeiro lugar, as
Escrituras não apresentam ideias descontinuadas nem divergentes.
Podemos esperar encontrar no Apocalipse um reconhecimento dos
períodos revelados a Daniel.
Em segundo lugar, João escreveu muitos anos após a entrada de
Cristo em Jerusalém. Portanto, o primeiro dos períodos de Daniel já
havia passado, e o apóstolo estava vivendo o segundo período, o
período da igreja.

52
Voltando agora ao Apocalipse, verificamos que seu conteúdo nos
foi dado pelo próprio Senhor, que disse: “Escreve, pois, as coisas
que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois destas”
(Ap 1.19). Temos então a seguinte harmonia com o plano das
setenta semanas: (1) O primeiro período de Daniel já havia
passado. (2) O que João viu está escrito no capítulo 1 (“as coisas
que viste”), que descreve a visão do santuário arrumado para a
atual dispensação. Depois, ocupando os capítulos 2 e 3, vêm “as
[coisas] que são”, ou as profecias da era na qual João vivia, que
ainda continua e que corresponde ao segundo e indefinido período
de Daniel. (3) Por último, indo dos capítulos 4 ao 19, vêm “as
[coisas] que hão de acontecer depois destas”, ou seja, o terceiro
período de Daniel, os sete anos de julgamento.
Uma cuidadosa aplicação do plano divinamente revelado desfará
confusões, e nos possibilitará explorar as predições dos dois
grandes profetas, bem como de todos os outros, em sua devida
ordem.

53
Capítulo 6
AC M

N
ão devemos concluir nossas observações introdutórias sem
mencionar a cronologia mística que os escritores inspirados
usam ao tratar dos tempos de Israel e que se baseia em um
princípio muito simples.
Assim que os filhos de Israel foram tirados do Egito, deveriam ter
sido o povo de Deus para sempre, sem qualquer intervalo. Mas eles
O provocaram com suas idolatrias, de forma que Ele repetidamente
“os vendeu” para as mãos de seus inimigos. Sempre que Ele fazia
assim, a teocracia era suspensa e o tempo de servidão não era
computado na cronologia mística.
Encontramos notável ilustração desse fato quando examinamos a
profecia das setenta semanas. Lá, todo o tempo da rejeição do
Senhor como Rei da filha de Sião até o ainda futuro dia em que o
Anticristo fará um pacto com os judeus, é omitido do cálculo por
tratar-se do período do Lo-Ammi (“Não-Meu-Povo”), durante o qual
nenhum israelita de qualquer tribo pode ser nacionalmente
reconhecido como povo de Deus. Mas acerca disso falaremos em
breve.
Há outro exemplo instrutivo que não precisaremos mencionar
novamente e iremos nos esforçar para expor agora.
O livro de 1Reis diz que Salomão começou a construir o templo
no quarto ano de seu reinado, que era o “ano quatrocentos e

54
oitenta, depois de saírem os filhos de Israel do Egito” (1Rs 6.1).
Mas quando verificamos Atos 13, encontramos um cálculo
diferente. Lá, Paulo fala que os israelitas passaram quarenta anos
no deserto (At 13.18), quatrocentos e cinquenta anos durante o
período dos juízes (At 13.20), e quarenta anos sob o reinado de
Saul (At 13.21). Se a esses quinhentos e trinta anos adicionarmos
os quarenta durante os quais Davi foi rei (1Rs 2.11) e os três anos
do reino de Salomão, que se passaram antes de ele começar seu
grande trabalho, veremos que Paulo computa quinhentos e setenta
e três anos entre o Êxodo e a reconstrução do templo.
Temos, aqui, uma aparente discrepância de não pequena
importância, pois o mesmo período contém, de acordo com Paulo,
quinhentos e setenta e três anos e, de acordo com 1Reis,
quatrocentos e oitenta anos, de modo que a diferença é de noventa
e três anos.
Alguns cronologistas defendem o cálculo de Paulo e outros o do
livro de 1Reis, mas, seja o que for que afirmem, o resultado em
ambos os casos é igualmente desastroso, visto que um dos dois
autores inspirados sempre se mostrará errado.
No entanto, se aplicarmos o princípio acima estabelecido, a
discrepância desaparece e indica que nem o autor do livro de 1Reis
e nem Paulo estavam errados, visto que o primeiro cômputo é
calculado pela cronologia mística e o último, pela cronologia comum.
Tampouco há qualquer dificuldade em demonstrar o fato.
Durante o período em questão, os únicos exemplos em que Deus
rejeitou formal, embora temporariamente seu povo ocorrem no livro
de Juízes. Examinando o livro, vemos que ele entregou os israelitas
por oito anos a Cusã-Risataim, rei da Mesopotâmia, por dezoito
anos a Eglom, rei de Moabe, por vinte anos a Jabim, rei de Canaã,
por sete anos aos midianitas e por quarenta anos aos filisteus.
Há menção também a uma opressão feita pelos amonitas que
durou dezoito anos, mas ela foi contemporânea à dos filisteus[29] e
pode, portanto, ser omitida de nossos cálculos.
Os tempos durante os quais os inimigos governaram sobre os
israelitas e quando a teocracia foi consequentemente suspensa são
os seguintes: Cusã-Risataim, oito anos; Eglom, dezoito anos; Jabim,

55
vinte anos; os midianitas, sete anos; os filisteus, quarenta anos;
perfazendo a diferença de noventa e três anos.
Assim, a soma dos tempos de servidão é de noventa e três anos,
que é, como acabamos de ver, a diferença exata entre os períodos
atribuídos ao tempo entre o Êxodo e a construção do templo,
conforme relatado em Atos e em 1Reis.
O exemplo mostra inquestionavelmente o princípio da cronologia
mística aplicada à história de Israel. Entre outras lições, alerta-nos a
termos cuidado ao encontrar “erros” na Bíblia. Se uma discrepância
é, ao que tudo indica, totalmente incorrigível, como a que acabamos
de considerar, e em um momento desaparece pela descoberta e
aplicação de uma das leis divinas, não deveríamos atribuir sem
hesitar outras dificuldades à nossa ignorância, em vez de dizer que
há erro na revelação de Deus?

56
Capítulo 7
J S

O
último princípio geral de interpretação para o qual chamamos
a atenção do leitor é a necessidade de reconhecer um poder
sobrenatural nos eventos que encerrarão esta era.
Lógico que o preterista nega o princípio abertamente. O
historicista está praticamente do mesmo lado, uma vez que ele
explica os selos, as trombetas e as taças como ocorrências comuns,
sugerindo, quer intencionalmente ou não, que seja o que for que
ainda resta para se cumprir, também passará para a história no
curso natural das coisas. Mas a sugestão só pode ser recebida
pelos que desejam ignorar as palavras do próprio Todo-poderoso.
Quando os israelitas cometeram seu grande pecado, e
quebraram o segundo mandamento poucos dias depois dos terrores
em meio aos quais ele fora dado, Moisés intercedeu por eles e
ofereceu sua alma pelo bem deles. Mas Deus recusou a
substituição oferecida com as solenes palavras: “Riscarei do meu
livro todo aquele que pecar contra mim” (Êx 32.33), pois o próprio
Moisés era também homem culpado. Havia apenas Um que, sem
pecado, poderia ser feito pecado pelos outros e, não tendo
transgressões própria, poderia levar as de Seus seguidores.
Por fim, o Senhor revelou-se como o Salvador do Israel apóstata
e, em resposta aos sérios pedidos de Moisés para que o Senhor os
aceitasse como sua herança, Ele respondeu da seguinte forma:

57
Eis que faço uma aliança; diante de todo o teu povo farei maravilhas que
nunca se fizeram em toda a terra, nem entre nação alguma, de maneira
que todo este povo, em cujo meio tu estás, veja a obra do S ; porque
coisa terrível é o que faço contigo. (Êxodo 34.10)

Essas palavras foram proferidas logo depois que o Egito foi


destruído pelas dez pragas, após a divisão do mar Vermelho e
enquanto a terrível aparição da divina majestade sobre o monte
Sinai ainda estava fresca na mente do povo. Portanto, eventos mais
maravilhosos e mais terríveis do que as antigas maravilhas deverão
acontecer no fim dos tempos dos gentios, antes que Israel habite
novamente com segurança na terra santa e manifeste-se como
herança de Deus.
Se mantivermos isso em mente, entenderemos em sentido literal
muitas predições que até agora considerávamos simbólicas, e não
deixaremos de notar a similaridade das pragas apocalípticas mais
universais com as que sobrevieram sobre a terra do Egito.
A aparição no monte Sinai também se repetirá com terrores
indescritivelmente mais aterradores, quando as trombetas de Deus
fizerem com que toda a terra trema, e “do céu se manifestar o
Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama de fogo,
tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os
que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” (2Ts 1.7-
8)
Paulo refere-se a isso quando, ao citar Ageu, ele diz: “Aquele,
cuja voz abalou, então, a terra; agora, porém, ele promete, dizendo:
Ainda uma vez por todas, farei abalar não só a terra, mas também o
céu” (Hb 12.26).
Portanto, não demorará muito para que Deus comece a
responder os escárnios dos positivistas, evolucionistas, teosofistas e
todos os outros tipos de incrédulo, de uma forma que eles pouco
esperam.
Não demorará muito para que um poder muito mais forte do que
as energias sobrenaturais, que agora perturbam o mundo,
manifeste-se na desorganização das leis da natureza,
presumidamente inalteráveis, e na inflição de pragas que clamarão
com voz cada vez mais alta: “Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é

58
chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a
terra, e o mar, e as fontes das águas” (Ap 14.7).
O Salmo 2 está, ao que parece, perto de ter seu cumprimento
final. A rebelião contra o Senhor e contra o seu Ungido está
ganhando força, e a cada dia fica mais forte o clamor desafiador:
“Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas”
(Sl 2.3).
Enquanto isso, o Senhor ainda está assentado nos céus, coberto
por nuvens espessas e silencioso, como se ele não ouvisse a
gabação dos filhos dos homens. Em breve, porém, ele lhes falará
em sua ira e os perturbará em seu doloroso desagrado. A ira do
Filho brilhará por fim como o relâmpago, e bem-aventurados serão
os que depositarem a confiança Nele.

59
Parte Um
OS GENTIOS

60
Capítulo 8
AP B

O
s filhos de Abraão estão destinados a ser os “reis da terra,
na terra” (Is 24.21). Por isso, podem com razão ter suposto
que, desde o dia em que se instalaram em Canaã, o poder
supremo seria imediatamente tirado de todas as outras nações.
Lógico que isso teria acontecido, caso seus corações tivessem se
rendido totalmente ao seu Senhor, mas foram teimosos e rebeldes.
Por conseguinte, enquanto ainda estavam no deserto, Moisés foi
instruído a predizer as aflições e cativeiros que recairiam sobre eles
nos últimos dias.
Mais uma vez, no fim de suas peregrinações, Deus declarou
claramente pela boca de Balaão que seus inimigos teriam poder
para perturbá-los e expulsá-los da terra prometida. Haveria um
tempo de soberania dos gentios que interviria antes do cumprimento
das promessas feitas a Abraão, mas cuja semente seria libertada
pelo advento de um rei poderoso e vitorioso. A declaração é tão
grandiosa e impressionante — trazendo à vista a forma sombria e
ameaçadora do poder gentio, embora estivesse separada do ponto
de vista do profeta pelo vasto período de oito séculos — que anexo
mais adiante uma tradução melhorada da maior parte do texto.
Depois de declarar que suas palavras referiam-se a “o fim dos
dias”,[30] o tempo em que os propósitos de Deus com relação a Israel
começariam a cumprir-se, Balaão prossegue:

61
Eu o vejo, mas não agora; eu o contemplo, mas não de perto; uma estrela
procede de Jacó, de Israel sobe um cetro que fere os cantos de Moabe e
destrói todos os filhos do tumulto. Edom torna-se uma possessão; Seir,
seus inimigos, também se torna uma possessão; mas Israel adquire força.
De Jacó surge o Dominador e extermina os que restam das cidades.[31] Viu
Balaão a Amaleque, proferiu a sua palavra e disse: Amaleque é o primeiro
das nações; porém o seu fim é destruição. Viu os queneus, proferiu a sua
palavra e disse: Durável é a tua habitação, e puseste o teu ninho na penha.
Todavia, Caim[32] será consumido. Até quando Assur[33] te levará cativo?
Proferiu ainda a sua palavra e disse: Ai! Quem viverá, quando Deus fizer
isto? Homens vêm das costas de Chipre em suas naus; afligem a Assur e a
Héber; e ele[34] também vai para destruição. (Números 24.15-24, tradução
minha)

A profecia inicia com uma grande visão da segunda manifestação


de Cristo como Rei dos reis e Senhor dos senhores.[35] Até que esse
grande evento ocorresse, os inimigos de Israel permaneceriam, mas
depois seriam exterminados ou reduzidos à submissão.
Amaleque, que foi o primeiro a atacar o povo escolhido, sendo
este o significado evidente da expressão “o primeiro das nações”,
seria destruído muito antes.[36]
Por outro lado, os amistosos queneus durariam até que a nação
de Israel fosse capturada por Assur, um inimigo oriental.
O cativeiro não seria o último dos problemas. Nações mais
poderosas viriam do outro lado de Chipre, ou seja, do Ocidente, e
oprimiriam Assur e Héber ou os asiáticos dos dois lados do
Eufrates. Contudo, eles também seriam destruídos quando o cetro
de Israel ferisse os cantos de Moabe.
Embora nessa antiga data — cerca de 1452 a.C. — ainda não
existisse nenhuma das potências mundiais designadas, de forma
que pudessem ser distintivamente nomeadas, Balaão previu que a
soberania seria entregue primeiro nas mãos do Oriente e depois nas
dos gentios ocidentais. Muitos séculos mais tarde, foi revelado
através de Daniel e Zacarias que esse domínio temporário seria
sustentado por quatro impérios sucessivos, dos quais o primeiro e o
segundo eram asiáticos e o terceiro e quarto, europeus. É a mais
antiga predição dos tempos dos gentios, contendo, como é comum

62
nas antigas profecias, o germe de tudo o que se seguiria, e dada
muito apropriadamente na presença de um rei gentio por um profeta
que não tinha o pálio do povo escolhido.
Antes de prosseguirmos, uma teoria moderna que confunde a
casa de Israel com algumas das nações do Quarto Império,[37]
obriga-nos a dizer algumas palavras com respeito à parte de Israel
que se rebelou contra Roboão.

63
Capítulo 9
OR D T

A
triste história dos israelitas é bem conhecida (1Rs 17.1-23).
Desde os primeiros dias em que se estabeleceram em
Canaã, não cumpriram inteiramente os propósitos de Deus
para que fossem um povo separado e santo, e depois de certo
tempo, a nação foi dividida em dois reinos.
O reino das dez tribos logo começou a adorar “outros deuses e
imagens fundidas”, e o Senhor pronunciou a sentença sobre eles
antes da morte do primeiro rei. A sentença foi pronunciada pela
boca do profeta Aías nestas palavras terríveis: “Também o S
ferirá a Israel para que se agite como a cana se agita nas águas;
arrancará a Israel desta boa terra que dera a seus pais e o
espalhará para além do Eufrates, porquanto fez os seus postes-
ídolos, provocando o S à ira” (1Rs 14.15). Esse foi o decreto,
mas a misericórdia de Deus atrasou a execução por mais de
duzentos anos, no final dos quais Salmaneser transportou os
israelitas capturados a localidades na Assíria e Média, do outro lado
do rio Eufrates.
Há grande significado no local do exílio. Quando Deus chamou
Abraão de Ur dos Caldeus, ordenou-lhe que saísse do país idólatra
de seus parentes e atravessasse o rio Eufrates em direção a uma
terra que Ele lhe mostraria. Abraão obedeceu e foi imediatamente
chamado de “hebreu”, ou seja, “aquele que atravessou”, por cujo

64
nome os estrangeiros passaram a conhecer os descendentes de
Abraão.
Mas levando em conta que as dez tribos se separaram da casa
de Davi e caíram no demonismo e na idolatria, Deus não permitiu
mais que fossem hebreus, antes, enviou-os de volta ao lugar de
onde os tirara. Lá, além do rio, eles permanecem, e nos dias em que
escrevo ainda estão, seja no Afeganistão, China ou qualquer outro
local, até o fim do tempo dos gentios. Então, quando o Senhor
ordenar, eles voltarão à sua terra e, ao aproximarem-se da barreira
do rio, ele o secará diante deles, como fez com o rio Jordão, e
revelará seu povo escolhido como os “reis do Oriente”.[38] Daí em
diante, eles e seus irmãos habitarão aquém do rio, e suas fronteiras
se estenderão, de acordo com a promessa feita a Abraão, “desde o
rio do Egito até ao grande rio Eufrates” (Gn 15.18).

65
Capítulo 10
OS N

D
a maneira em que acabamos de relatar, as dez tribos
desapareceram da cena profética, e só voltarão a entrar nos
gloriosos tempos da volta do Senhor. Mas, quando se trata
dos que permaneceram fiéis à casa de Davi, o caso é muito
diferente. Por cento e cinquenta anos após a desolação de Israel,
Deus continuou pleiteando com Judá. Nada funcionou; nem avisos,
castigos ou libertações conseguiram produzir algo mais do que um
arrependimento temporário, de forma que a paciência de Deus
começou a se esgotar.
No quarto ano do reinado de Jeoaquim, Nabucodonosor
apareceu pela primeira vez nas ruas de Jerusalém, a cidade que ele
logo destinaria à destruição. Foi um período crítico para a história
mundial, pois a recente batalha de Carquemis abatera o Egito e
exaltara a Babilônia para ser a senhora das nações. O faraó Neco II,
que surgira como inundação do Nilo e estendera-se como o curso
de suas águas, disse: “Subirei, cobrirei a terra, destruirei a cidade e
os que habitam nela” (Jr 46.8). Mas a gabação foi em vão, pois a
coroa do mundo fora dada à Babilônia, e logo veio o clamor: “O
faraó, o rei do Egito, só faz barulho; perdeu sua oportunidade!” (Jr
46.17, ).
Imediatamente após a vitória, Nabucodonosor partiu para
Jerusalém a fim de castigar os judeus pelas alianças rebeldes que

66
fizeram com o Egito. A resistência foi rapidamente dominada, a
cidade tomada, e o rei Jeoaquim preso com grilhões para ser levado
como prisioneiro para a Babilônia. Mas naquele tempo, algo
desconhecido mudou os sentimentos de Nabucodonosor em relação
ao cativeiro de Jeoaquim, e ele o libertou e o colocou no trono para
governar, como tributário, no reino judaico destruído e miserável.
No entanto, o orgulhoso conquistador não retornaria de
Jerusalém de mãos vazias. Ele saqueou parte dos utensílios do
templo, e orientou Aspenaz, príncipe de seus eunucos, que
selecionasse, entre os de origem real ou nobre, os jovens hebreus
mais atraentes e intelectuais e os levasse para a Babilônia, onde
seriam instruídos no idioma e sabedoria dos caldeus. Os jovens
cativos, dentre os quais estavam Daniel, Ananias, Misael e Azarias,
foram levados para a grande metrópole do mundo e colocados em
um curso de estudos para adaptá-los ao serviço do rei.
Pouco depois do tempo designado para a formação educacional
dos jovens, Nabucodonosor teve um sonho estranho. Ele vencera
os inimigos, seu poder agora não tinha igual e não havia ninguém
para disputá-lo. Tampouco havia cidade que se comparasse em
glória e força à “grande Babilônia”. Um dia, o rei ficou pensativo e,
lembrando como passou rápido a glória de outros monarcas,
perguntou-se como seria o fim de sua magnificência e quem surgiria
depois dele. Enquanto se esforçava para espiar o futuro obscuro,
caiu no sono. Mesmo assim, não conseguiu deixar de lado os
pensamentos perturbadores, que pareciam se mover como nuvens
negras e revolventes diante de seus olhos. Então, uma pálida luz
começou a despontar na visão sombria, e gradualmente assumiu
uma forma tremeluzente e cintilante de proporções colossais.
Imperceptivelmente, foi se tornando mais lustrosa e claramente mais
definida, até que as nuvens passaram, e o rei estava olhando uma
estátua majestosa, cujo brilho era excelente e a forma terrível.
Era uma estátua de metal, mas não apenas de um metal. Ao
primeiro olhar, Nabucodonosor percebeu que emitia quatro brilhos
diversos. A cabeça era de puro ouro, o peito e os braços eram de
prata, o ventre e os quadris eram de bronze, as pernas eram de
ferro e os pés eram em parte de ferro e em parte de barro.

67
Com estupefação, o rei contemplou a temerosa aparição. E
levantando os olhos, viu, elevando-se muito acima da estátua
imponente, um monte cujo topo chegava até as nuvens. Enquanto
olhava, uma pedra soltou-se do topo do monte e foi arremessada
com grande força contra a estátua. Atingiu os pés com um estrondo
e, em um momento, o barro, o ferro, o bronze, a prata e o ouro
despedaçaram-se e tornaram-se como a palha na eira durante o
verão, de modo que o vento os levou para longe.
Nabucodonosor ficou atônito. A forma majestosa desapareceu
num instante e deixou em seu lugar a pedra destruidora. Enquanto
ainda olhava, ele viu a pedra começar a crescer, expandir-se pelos
lados e elevar o topo, até tornar-se uma grandiosa montanha que
encheu toda a terra.[39]
O rei acordou em apuros e perplexo. Ele tivera uma visão
maravilhosa que jamais poderia ser esquecida; mas quem poderia
lhe decifrar o obscuro enigma? Instintivamente repeliu o
pensamento de consultar os adivinhos e feiticeiros. Até então, eles o
tinham satisfeito; mas naquela noite, os mensageiros do Deus vivo
estiveram com ele, e ele não podia mais ter confiança nos mágicos
da Babilônia.
Não havia outros a quem ele pudesse recorrer. Por fim, convocou
os sábios, determinando ao mesmo tempo fazer um severo teste
com eles. Ordenou-lhes que primeiro lhe relatassem o sonho como
garantia de que tinham poder, para então declarar a interpretação.
Se eles cumprissem o pedido, receberiam esplêndidos presentes;
mas se não conseguissem, os ministros da morte puniriam suas
mentiras. Em vão, os miseráveis caldeus imploraram que se ele lhes
mostrasse o sonho, eles dariam a interpretação. Nabucodonosor foi
inexorável, e replicou: “Minha palavra está dada” (Dn 2.8, ), ou
seja, “eu fiz um decreto e não revogarei”.[40]
Quando começou o massacre dos sábios da Babilônia, Daniel foi
a Arioque, capitão da guarda, e disse-lhe com ousadia que, se lhe
fosse dado um pouco de tempo, ele faria o que o rei exigiu.
Tendo a oferta sido aceita, Daniel foi para casa, onde, em
resposta à fervorosa oração dele e de seus companheiros, o
assunto foi revelado a ele numa visão à noite. Depois de proferir
uma gloriosa atribuição de louvor ao Deus de Israel, ele apresentou-

68
se à presença do rei, descreveu a visão com precisão minuciosa e
prosseguiu com a interpretação.
Aprouve ao Deus Altíssimo satisfazer o desejo de
Nabucodonosor, erguendo a cortina do futuro e, revelando a ele as
coisas que sucederiam. Israel fora rebelde, portanto, a soberania do
mundo seria agora entregue aos gentios, de forma a poderem, se
conseguissem, provar-se mais obedientes e dignos de mantê-la. A
estátua de brilho excelente e forma terrível era representação do
poder dos gentios desde o tempo de Nabucodonosor, que foi a
primeira cabeça, até o reino do iníquo, a quem o Senhor destruirá
quando se manifestar para tomar o reino.
Daniel anunciou a Nabucodonosor que o poder mundial,
anteriormente reservado a Israel, fora-lhe dado e que,
consequentemente, agora ele era o rei dos reis sobre todos os filhos
dos homens. Por agora, todos os reinos da terra haviam sido como
um animal selvagem preso por uma coleira; até que Israel fosse
rejeitado, nenhum deles poderia obter a supremacia. Mas agora,
toda restrição foi removida do leão real da Babilônia, e a ele foi
permitido rapinar à vontade. Nabucodonosor era a cabeça de ouro.
Depois dele, surgiriam três outros reinos em sucessão, o último dos
quais passaria por determinados estágios de desenvolvimento.
Assim, o esboço dado por Balaão foi até certo ponto cumprido, e
descobriu-se que o domínio do Oriente e do Ocidente do qual ele
havia falado incluiria a ascensão e queda de quatro impérios.
Com relação aos nomes das potências, não nos surpreendemos.
A Bíblia revela todos eles, tornando-se neste e em todos os outros
casos, se soubermos usá-la, sua própria intérprete.
Daniel indica o primeiro império, Babilônia, quando interpreta a
visão ao monarca caldeu: “Tu és a cabeça de ouro” (Dn 2.38).
O segundo, ele aponta no relato dado no banquete de Belsazar
com as enfáticas palavras: “Naquela mesma noite, foi morto
Belsazar, rei dos caldeus. E Dario, o medo, [...] se apoderou do
reino” (Dn 5.30-31).
Encontramos o terceiro império em Daniel 8, pois depois que o
carneiro foi vencido pelo bode, o anjo Gabriel explica que a visão
representa o reino medo-persa e os que o destruíram, os gregos
(Dn 8.20-21). A mesma sucessão também aparece em Daniel 10,

69
nas palavras: “Eu tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas; e,
saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia” (Dn 10.20).
Para encontrar o quarto império, voltemos a Daniel 9, que prediz
que o Messias seria cortado e que, depois, Jerusalém e o templo
seriam destruídos pelo povo de um grande príncipe que encontraria
seu fim na última indignação, ou seja, pelo povo da quarta potência
mundial (Dn 9.26).[41] Sabemos que os destruidores de Jerusalém,
cerca de quarenta anos após a morte do Senhor, foram os romanos.
Lemos no Evangelho de Lucas um decreto do imperador romano
que determinava que o mundo todo deveria ser recenseado (Lc 2.1).
Portanto, a palavra de Deus reconhece que Augusto é a cabeça da
quarta potência mundial, pois o domínio da Grécia havia passado.
Os quatro grandes impérios são: Babilônia, Medo-Persa, Grécia e
Roma. Se voltarmos à história secular, a sucessão é mais
plenamente confirmada.
Há, sem dúvida, uma adequabilidade significativa nas partes do
corpo humano atribuídas a cada reino.
A cabeça aponta para a unidade e compactação do império
caldeu, como algo mantido por um povo dominante sob absoluto
controle de uma soberania. Tendo em vista que a cabeça é a
diretora e governadora natural de todos os membros, também pode
representar a autocracia babilônica, pois tal forma de governo
assemelha-se muito com a de Deus e é a única que pode sempre
ser perfeita.
O peito e os braços, uma parte dupla, são designados ao Império
Medo-Persa. O braço direito e o peito significam os persas, a mais
forte das duas nações, e o braço esquerdo indica os medos.
O ventre e as coxas, ou melhor, com os quadris, uma
combinação de duas partes do corpo associadas respectivamente à
lentidão e ao vigor, representam o reino de Alexandre, no qual o
sempre ativo grego governou a plácida região asiática, sem
conseguir incutir nela as qualidades que ele tinha.
A palavra hebraica que é traduzida por “quadris” (Dn 2.32) tem o
sufixo possessivo de substantivo singular, e só aparece no plural por
indicação dos rabinos.[42] Das seis partes mencionadas da estátua, a
única em questão que é inquestionavelmente singular é a cabeça,
tendo o mesmo sufixo. As expressões caldaicas para referirem-se a

70
peito, braços, ventre e pernas estão todas no plural, e estão
uniformemente acompanhadas com o sufixo plural. Aqui há pouca
dúvida de que ‫ ירכתה‬é palavra no singular e significa “quadril”, ou
seja, a parte lateral do ventre inferior, de onde as coxas saem.
As pernas apontam para a grande divisão de Roma entre os
impérios oriental e ocidental, e os dedos do pé, para a divisão final
em dez reinos. Ao mesmo tempo, as pernas e os pés eram os
membros apropriados para simbolizar o poder relatado em Daniel 7,
que pisará aos pés toda a terra e a fará em pedaços (Dn 7.23).
Observemos que embora as duas grandes nacionalidades do
quarto império estivessem temporariamente unidas, elas não se
misturaram. Desde a primeira Roma, composta de duas partes
diferentes,[43] os gregos nunca foram absorvidos pelo império, mas
mantiveram sua individualidade até que o elo artificial foi cortado.
Os diferentes metais da estátua indicam uma deterioração
gradual do governo.
Nabucodonosor recebeu seu poder diretamente de Deus, e após
o profeta declarar que tal poder era absoluto, exclamou: “Tu és a
cabeça de ouro” (Dn 2.38). Em outra ocasião, Daniel também disse
acerca do mesmo rei: “Por causa da grandeza que lhe deu, povos,
nações e homens de todas as línguas tremiam e temiam diante
dele; matava a quem queria e a quem queria deixava com vida; a
quem queria exaltava e a quem queria abatia” (Dn 5.19).
A interpretação dada por Daniel diz que o segundo reino era
inferior ao primeiro e seu metal é a prata. O Império Medo-Persa
não era uma autocracia, mas uma monarquia dependente do apoio
de uma aristocracia hereditária. O rei não podia de forma alguma
fazer o que queria, como vemos no caso de Dario, que
sinceramente desejava salvar Daniel da cova dos leões, mas não
conseguiu resistir à pressão dos presidentes e príncipes.
Semelhantemente, Assuero não conseguiu rescindir sua ordem de
massacrar os judeus, mas pôde apenas emitir um contra decreto
que lhes permitia defender a vida e matar quem os atacasse.
O metal do terceiro império é o bronze. O governo de Alexandre
foi uma monarquia apoiada pela autocracia militar de escalão
inferior aos nobres hereditários da Pérsia.

71
O poder de ferro dos césares mostrou uma depreciação ainda
maior. Eles eram nominalmente eleitos pelo povo e meramente
chamados de principais magistrados do estado ou generais. Por
longo tempo, não usavam diadema, mas apenas a coroa de louros
de um comandante bem-sucedido. Tinham também um Senado, que
deveria ter a função de aconselhá-los e controlá-los. Entretanto, sob
esse véu de autoridade popular, eles exerciam um poder absoluto.
O povo não tinha permissão de legislar para eles, nem interferir com
eles. Se um senador tentasse ser independente, era rapidamente
tirado de sua posição e teria motivo para alegrar-se, caso a pena
não fosse pior do que o exílio para uma ilha deserta.
Assim, o império permaneceu metálico: era coerente e forte como
o ferro. Mas, conforme o tempo foi passando, as tribos nômades do
norte, que há tempos eram inimigas de Roma, começaram a afirmar
sua superioridade, e pouco a pouco foram se aproximando da
cidade imperial. Muitas vezes recuaram, como se estivessem com
medo de que algum poder sobrenatural os acometesse e os
destruísse caso tentassem oferecer violência a Roma. Até que, por
fim, o feitiço foi quebrado, e o mundo começou a olhar para a
grande cidade como os filisteus fizeram com Sansão quando
cortaram suas tranças, e ele se tornou fraco como os outros
homens.
Os cidadãos romanos devem ter sentido isso amargamente na
segunda aproximação de Alarico, rei dos visigodos. A embaixada,
que enviaram para aterrorizar o bárbaro com ameaça de opor-se a
ele com um exército numeroso e bem disciplinado, só provocou uma
réplica insolente: “Quanto mais grosso o feno, mais fácil é cortá-lo”.
Encontrando-o indiferente às ameaças, os embaixadores mudaram
de tom e quiseram saber sob quais termos ele consentiria em
retirar-se. As condições eram tão vorazes que exclamaram em
desespero: “Se são essas suas exigências, ó rei, o que você
pretende nos deixar?”. “Suas vidas”, foi a resposta curta. Alarico foi
subornado para afastar-se por um tempo, mas logo voltou, e o dia
fatal chegou em que Roma experimentou os horrores que por
séculos ela infligira a outras cidades. Um longo período de maior ou
menor anarquia se sucedeu, e os modernos reinos da Europa foram
gradativamente se desenvolvendo, mas sob a presidência de uma

72
hierarquia eclesiástica que por alguns séculos ocupou o lugar do
imperador.
Foi pela incursão dos bárbaros ocidentais, e do espírito que
trouxeram, que o barro começou a misturar-se com o ferro no que
chamamos de constitucionalismo, cuja natureza inclinou-se cada
vez mais para a pura democracia. Mas é impossível que os
governos assim formados sejam coerentes por muito tempo. Os
homens não podem ser governados e ao mesmo tempo ser eles
mesmos os governantes. Esse arranjo pode, sob determinadas
circunstâncias, ser o melhor paliativo na era atual, exatamente como
o veneno é medicinalmente útil para o corpo doente. Mas não passa
de paliativo; não haverá descanso estável para os habitantes febris
da terra até que sejam colocados sob o domínio de um Autocrata de
sabedoria inabalável, justiça absoluta e amor perfeito.
É a solução que Deus propõe para as dificuldades do mundo.
É a esperança que surgiu na gloriosa visão diante dos olhos de
Davi ao final de sua vida cheia de altos e baixos e que inspirou as
últimas palavras do doce salmista de Israel: “Um rei sobre os
homens, justo; um rei no temor de Deus! E ele é como a luz da
manhã, quando o sol se levanta, como uma manhã sem nuvens! Da
luz do sol, depois da chuva, a erva brota da terra!”[44] (2Sm 23.3-4,
tradução minha).
Os dez reinos ainda não se manifestaram claramente, mas estão
agora em processo de formação em meio às mudanças desses
tempos de desassossego. A parte da profecia que já se cumpriu
assegura que, nesse caso, a figura será estritamente realizada, de
forma que, como cinco dos dedos da estátua estavam no pé direito
e cinco no esquerdo, cinco dos reinos surgirão no Ocidente e cinco
na divisão oriental do antigo Império Romano. Deste último, quatro,
como mostraremos agora, serão os reinos ressuscitados dos
generais de Alexandre, cobrindo a área hoje ocupada pela Grécia,
pelo Império Turco na Europa, Ásia, e África, e pelos estados
independentes entre ele e a Rússia. O quinto reino pode ser a
Pérsia que, pelo visto, deve estar incluída no último grande império,
[45]
embora, é claro, não necessariamente como um dos dez reinos,
mas como colônia.[46]

73
Considerando que a estátua estava com todas as suas partes
quando a pedra a atingiu e todas elas foram destruídas no mesmo
momento, é evidente que os dez reinos incluirão ou dominarão tudo
o que antes pertenceu aos reinos da Babilônia, da Pérsia, da Grécia
e do antigo Império Romano.
Pelo fato de o quarto império em sua fase final incluir os pés e os
dedos dos pés da estátua, que nunca pertenceram ao seu domínio
nem a qualquer outro império, é claro que seus limites excederão as
próprias fronteiras antigas e também as dos três reinos anteriores.
Sempre que cada um dos outros membros do corpo era adicionado,
havia aumento territorial para a terra profetizada. Também não há
razão para supor que uma regra que era invariavelmente boa não
ocorra no único caso restante ao qual possa ser aplicada no futuro.
Estão enganados os estudiosos que esforçam-se em traçar as
fronteiras do antigo Império Romano, segundo o pensamento de
que, quando ele renascer, as fronteiras terão de estar confinadas
dentro dos mesmos limites exatos. E podemos dizer algo ainda mais
forte acerca dos intérpretes que insistem em afirmar que a Inglaterra
deve se separar da Irlanda e libertar a Índia e as outras colônias,
porque esses países não estavam formalmente sob o domínio de
Roma. O engano torna-se em dano prático, pois de certa forma
ajuda a provocar a calamidade predita. Se o espírito imperial da
Inglaterra declinar e ela enfraquecer e tornar-se mesquinha em seus
conselhos, ela perderá tanto a Irlanda como a Índia, e com elas,
toda prosperidade que seu vasto império tem mantido para ela, ou
seja, a própria segurança de sua existência. Se um fato tão terrível
acontecesse com ela, não poderíamos deixar de reconhecer como
justo julgamento de Deus sobre uma nação que, apesar de muito
favorecida por ele, tem abusado continuamente de seus privilégios.
Mesmo assim, não seria cumprimento de profecia, embora suas
causas possam fornecer exemplo impressionante do provérbio que
diz: “Primeiro Deus tira a razão de quem Ele destruirá”.
Quanto ao atraso no desenvolvimento dos dez reinos,
encontramos diversos paralelos se estudarmos as antigas
interpretações dos propósitos de Deus na história. Esta visão, como
algumas outras, parece demorar, mas é por tempo determinado. No
fim, falará e não mentirá. O Império Romano desapareceu por certo

74
tempo como potência secular e recuperará sua soberania nos
últimos dias, como está claramente estabelecido em Apocalipse 17.
Lá, vemos que a besta que o representa está sem coroa e é
montada por uma mulher, sob cuja influência ela caiu. A mulher, que
mostraremos agora, é o poder eclesiástico que subiu ao trono do
império, e por séculos tem dificultado o surgimento dos dez reinos.
Mas em breve surgirão, e seus reis detestarão a meretriz, torná-la-
ão desolada e nua, comer-lhe-ão a carne e queimá-la-ão no fogo
(Ap 17.16). É o que farão, porque Deus porá em seus corações que
cumpram Sua vontade, destruindo a falsa igreja, e restabelecendo o
império caído sob a presidência do último e maior dos césares.
Quando todas essas coisas tiverem acontecido, o tempo do
arremesso da pedra cortada do monte estará próximo.
Aqui apresenta-se um exemplo notável da justiça de Deus: a
destruição só cairá sobre o império mundial quando o povo for
responsável por sua condição. O domínio gentio passa
gradualmente da cabeça para os pés, do órgão que direciona para
os membros que foram feitos para levar o corpo para onde a cabeça
guiar. Enquanto o domínio permanecer com o autocrata, haverá
desculpa para os que estiverem sob seu governo. A mesma
observação se aplica, embora em grau menor, a toda forma de
governo em que o povo tem pouca soberania absoluta. Por isso, a
pedra ainda não atingiu a estátua. Assim que o povo estiver
investido de poder, a humanidade se tornará responsável pela
impiedade e rebelião do mundo perante seu Criador. O julgamento
não será mais adiado, e a pedra será cortada do monte para atingir
os pés da estátua (Dn 2.34), em outras palavras, para destruir o
corpo político do qual os dez reis democráticos surgem e dos quais
são parte.
O terrível evento acontecerá com a rapidez de um raio,[47] quando
o Senhor Jesus se revelar em chama de fogo, como é descrito em
Apocalipse 19. O poder mundial da cristandade será destruído em
um momento. Quando o Messias, como ocorreu com Davi, tiver
obtido vitória contra todos os seus inimigos, Ele se tornará o grande
antítipo de Salomão, e seu reino de paz, começando de Jerusalém,
espalhar-se-á por toda a terra.[48]

75
Esse foi o sonho e sua interpretação. A visão foi dada a
Nabucodonosor, mas ele só conseguiu entendê-la quando Daniel
apresentou-se como intérprete. Embora o poder terreno tenha sido
transferido para os gentios, a mente de Deus permaneceu com os
judeus. Ele ainda não havia derramado o seu Espírito sobre toda
carne e só o faria quando Israel tivesse rejeitado o Messias.

76
Capítulo 11
AV Q A

P
ouco tempo depois de seu memorável sonho, a rebelião de
Jerusalém obrigou Nabucodonosor a marchar contra a
cidade. A invasão foi irresistível, e tendo deposto, como as
profecias de Jeremias disseram, e matado Joaquim, colocou o
jovem Jeoaquim no trono e partiu sem demora para o cerco de Tiro.
Mas um impulso fatal moveu o partido dominante em Jerusalém a
retomar suas intrigas com o Egito, causando o retorno imediato de
Nabucodonosor, cuja determinação tanto aterrorizou os judeus que
Joaquim, sua mãe Neústa e todos os príncipes e oficiais reais
saíram e entregaram-se para serem levados cativos para a
Babilônia.
Com clemência incomum, que só pode ser atribuída às
impressões causadas nele pelas revelações de Daniel, o irado
autocrata ainda se conteve de destruir a cidade. Sua tolerância
resultou em nada mais do que uma breve pausa, pois Zedequias,
que jurara governar como seu vassalo, logo foi descoberto, como
seus antecessores, “enviando os seus embaixadores ao Egito, para
que lhe desse cavalos e muita gente” (Ez 17.15, ). O rei caldeu
deu vazão à sua ira justa e, depois de pequena demora, Jerusalém
foi destruída e o templo, no qual os judeus fanáticos, mas ímpios,
haviam depositado a confiança, foi consumido pelo fogo.

77
Mas Deus não desistiu de Israel; mesmo pecadores como eram,
os habitantes de Judá ainda eram o povo de Deus e Seus profetas
continuavam entre eles.
Jeremias ficou com os miseráveis remanescentes na Palestina e,
apesar de ainda repreender severamente os pecados do povo,
predisse que a terra logo seria abalada com a ruína da grande
Babilônia e que o Israel caído se levantaria novamente. Anunciou
também que se os seus compatriotas fossem humildes de espírito
perante Jeová, ele os consolaria com a doce certeza: “Eu é que sei
que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o S ;
pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais”
(Jr 29.11).
Mesmo quando os judeus, rebeldes como sempre, decidiram
contra a vontade de Deus fugir para o Egito em busca de refúgio,
Jeremias ainda permaneceu entre eles e profetizou aos judeus que
habitavam em Migdol, Tafnes, Nofe e no país de Patros.
Os cativos do rio de Quebar também não foram esquecidos. Com
eles estava o profeta Ezequiel, que teve visões tristes da saída da
glória do templo e da punição de Jerusalém, mas que também
declarou que o Espírito do Senhor ainda passaria por cima dos
ossos secos de Israel para fazer o povo sair de seus túmulos e
formar um exército imenso. Anunciou que o Messias construiria, em
tempos felizes, uma estrutura que ultrapassaria o templo de
Salomão, para a qual a glória do Senhor retornaria e permaneceria
para sempre.
Foi essa a distribuição dos profetas dentre os judeus que, em
todas as suas aflições, não deixaram de ser o povo de Jeová, até
terem enchido a medida de suas iniquidades ao contemplarem o
seu Filho.
Tendo em vista que agora a soberania estava, de acordo com os
propósitos de Deus, nas mãos de Nabucodonosor, e os gentios
estavam sendo postos à prova, um profeta também estava na
Babilônia para revelar a vontade divina e dirigir ou advertir conforme
fosse o caso. Assim começou uma nova era.
Agora trataremos das revelações do profeta nomeado para
ministrar aos gentios. Já consideramos a interpretação que ele deu
a Nabucodonosor acerca da grande estátua que representava o

78
domínio gentio, nobre e terrível como parecia aos olhos dos
homens. Vimos que foi revelado que quatro impérios estavam
destinados a seguir seu curso antes do tempo dos gentios e da volta
do Senhor para restaurar o reino a Israel. Observamos que o quarto
império seria primeiro dividido em dois, e então, depois que ele se
tornasse mais ou menos democrático, seria mais uma vez dividido
em dez reinos, os quais seriam de alguma forma unidos sob a
autoridade de uma cabeça. Investigamos que as partes do corpo
retratavam a unidade ou o caráter composto dos impérios por elas
simbolizados. Verificamos que a ordem dos metais sugeria uma
contínua degeneração na forma de governo. Examinamos que o
julgamento só viria quando o poder atingisse os pés da estátua, ou a
mais baixa classe social do povo. Por último, ponderamos que o
quarto império iria incluir em sua fase final novos acréscimos
territoriais, todo o território anteriormente em posse dos outros.
É a primeira grande profecia que fala exclusivamente das
potências gentias. É muito significativo que ela não foi escrita em
hebraico, mas em aramaico, a língua universal daquela época. É o
que também ocorre nos cinco capítulos seguintes de Daniel, o
último dos quais contém a segunda visão dos impérios gentios,
enquanto os quatro intermediários, embora estritamente históricos,
são ao mesmo tempo proféticos, pois ilustram o espírito que anima
as potências mundiais e também prenunciam cenas que
aconteceriam em escala muito maior nos anos de encerramento da
era.
Em Daniel 3, a estátua de ouro que Nabucodonosor estabeleceu
na planície de Dura foi sugerida por seu sonho narrado e
interpretado em Daniel 2. Alguns estudiosos têm dificuldade em
aceitar a ideia, porque não é uma cópia exata da estátua da visão.
Mas, tendo em vista que o rei sabia que a cabeça de ouro
representava ele mesmo, foi natural que usasse apenas esse metal
para simbolizar seu poder. A homenagem à estátua pode ter tido a
intenção de significar nada mais que a submissão ao rei, pelo
reconhecimento de que seus deuses eram superiores aos das
nações derrotadas. É muito mais provável que era uma adoração a
ele — como a adoração que Dario recebeu no segundo império, que
foi oferecida a Alexandre, quando ele entrou na Babilônia, e que os

79
imperadores romanos esforçavam-se em exigir dos cristãos nos
primórdios da igreja. Nesse caso, a cena na planície de Dura
prenuncia muitas coisas que virão a seguir. O último rei dos gentios,
assim como o primeiro, irá estabelecer sua imagem para adoração,
e o falso profeta, que estará em sua presença, fará com que todos
os que se recusarem a dar a divina honra à imagem sejam mortos.
Os assuntos de Daniel 4 — o segundo sonho de Nabucodonosor,
sua interpretação e a sequência — são claramente um tipo do curso
total dos procedimentos de Deus para com os gentios. Está mais
plenamente revelado em Daniel 7, onde vemos que Deus considera
as potências mundiais como animais, ao passo que, em contraste
com eles, o Senhor Jesus assume o governo sobre seus ombros
como Filho do homem, ou seja, do homem como Deus
originalmente criou antes que caísse na condição animalesca.
Quanta esperança vemos para a raça humana na restauração de
Nabucodonosor à sua soberania e glória e na nobre confissão, pela
qual ele mostra que seu castigo foi um meio de cura para ele!
Os tipos em Daniel 5 e 6 são impressionantes e óbvios. Em
Daniel 7, chegamos a uma visão que nos oferece outro vislumbre
dos impérios gentios, mas desta vez de um ponto de vista diferente.
Quem vê não é mais a cabeça da potência mundial que olha para o
domínio gentio mostrado diante de seus olhos na aparência nobre
com proporções justas de uma majestosa forma humana, mas o
profeta de Deus, a quem foi dado a ver as coisas como elas
realmente são. Doravante, não temos a mera revelação do número
dos futuros impérios e de sua gradual descida da monarquia
absoluta para a democracia, mas o discernimento de seu verdadeiro
caráter como é visto, não pelos homens, mas por Deus.
Foi no primeiro ano do vice-reinado de Belsazar na Babilônia,
quando os exércitos de Ciro avançavam e talvez a derrota dos
babilônios já havia forçado o rei Nabonido a refugiar-se em Borsipa,
que Daniel recebeu uma revelação adicional, quando estava
refletindo sobre as iminentes mudanças.
Ele viu-se na praia do mar Grande, e eis que dos quatro cantos
do céu, violentas rajadas de vento golpeavam as águas turbulentas
e açoitavam a superfície das profundezas gerando um turbilhão de
ondas escuras. O profeta fitou com temor a cena conturbada e,

80
enquanto olhava, um enorme animal gradualmente se levantou das
ondas tempestuosas, uma criatura na forma de leão e com asas de
águia. De repente, as grandes asas foram-lhe arrancadas e ele foi
levantado e posto em pé sobre as pernas traseiras na postura de
homem, mesmo sendo animal; e foi-lhe dado um coração de
homem.
Depois, um segundo animal semelhante a um pesado urso saiu
das águas. Ele levantou-se sobre seu lado direito e segurava três
costelas entre os dentes. O profeta ouviu uma voz que bradava para
o urso: “Levanta-te, devora muita carne” (Dn 7.5). Então, apareceu
um terceiro animal, semelhante a um leopardo, que tinha nas costas
quatro asas, não como as da águia, mas como as de um pássaro
comum. Tinha também quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio. Por
último, surgiu o quarto animal, diferente de todos os outros e com
forma diferente de qualquer criatura terrestre. Possuía dentes de
ferro e garras de bronze, com os quais devorava e despedaçava e
com os pés esmagava o que restava. Havia sobre a cabeça dez
chifres, e enquanto o animal passava em frente de Daniel, outro
chifre pequeno despontou, arrancando, enquanto crescia
gradualmente, três dos dez chifres. O profeta percebeu que havia
nesse chifre olhos como os de homem e boca que falava grandes
coisas.
Virando o rosto para o céu, Daniel viu que os tronos do tribunal
estavam sendo postos nas alturas celestiais, os mesmos que foram
descritos por João em Apocalipse 4, ou seja, o trono de Deus e os
dos vinte e quatro anciãos. Então, em indescritível majestade, o
Ancião de Dias apareceu rodeado por inúmeros anjos, os livros
foram abertos e Daniel viu em visão a sessão do grande tribunal,
que desse momento em diante julgará o mundo ainda que esteja
inconsciente de estar sendo julgado. Pela sentença recebida, a
carreira do quarto animal foi subitamente detida. Por causa das
blasfêmias do chifre, o animal foi morto e seu corpo jogado às
chamas. Seu destino foi diferente do destino dos outros animais
que, sucessivamente desprovidos de seu domínio, tiveram a vida
poupada.
Então, no lugar dos animais, Daniel viu dirigir-se ao Ancião de
Dias um semelhante ao Filho do Homem, que recebeu todo poder

81
para que Seu domínio, ao contrário dos que o precederam, fosse
duradouro e Seu reino jamais fosse destruído.
Assim foi a visão, cuja interpretação parcial foi dada por um anjo
que estava por perto. Ao compará-la com a revelação anterior, o
profeta percebeu que os quatro animais representavam os mesmos
quatro impérios que foram mostrados a Nabucodonosor nas partes
e nos metais da estátua, e que a estátua prenunciava o curso e o
fim das potências gentias, às quais Deus delegara a soberania da
terra durante o castigo de Seu povo de Israel.
Daniel pensava estar na praia do “mar Grande” (Dn 7.2),
expressão que no Antigo Testamento sempre significa o mar
Mediterrâneo (Nm 34.6; Js 1.4; 9.1; 15.12). Indicava a localização
das potências mundiais, que todas deveriam fazer fronteira com o
Mediterrâneo para que tivessem alguma coisa a ver com a visão.[49]
No escuro e tempestuoso mar, temos o símbolo da anarquia
confusa das nações, o tumulto dos povos, do qual os impérios
costumam ascender. É o que ocorreu com Napoleão depois da
revolução francesa e do reinado de terror na França.
Mas a menos que fossem provocadas, as ondas nunca teriam
produzido a fúria de uma tempestade. Foram impelidas por forças
externas: as rajadas de vento que caíram sobre elas. As rajadas
representam os poderes malignos dos ares, os anjos e demônios
das trevas, os quais através de seus ataques incessantes mantêm
os homens em estado perpétuo de agitação, suscitam seus desejos
e os impulsionam para todo tipo de maldade.
O fato de haver quatro ventos, correspondendo aos quatro cantos
do céu, aponta para a universalidade da influência, e mostra que as
pessoas de todas as regiões da terra são afetadas por ela, e
movidas para lá e para cá em violenta comoção.
O primeiro animal que surgiu das águas agitadas do mar tinha a
forma de leão, mas também tinha asas de águia. As figuras de
tamanho colossal e provável reminiscência dos querubins eram bem
conhecidas em Nínive e na Babilônia, e muitas delas foram
desenterradas por sir Henry Layard[50] e estão agora no Museu
Britânico. A visão sugeriria a Daniel o Império Babilônico, e ele
reconheceria a combinação do leão, o rei dos animais, com a águia,
a rainha dos pássaros, como símbolo de significado similar à cabeça

82
de ouro da estátua. O reino dos caldeus governou regiamente como
leão e alçou seu voo de conquista sobre o mundo como a águia.
Nada era mais característico de Nabopolasar e Nabucodonosor do
que a energia e rapidez de seus movimentos irresistíveis.
Enquanto Daniel olhava o animal, as asas do leão foram
subitamente arrancadas, de forma que não podia mais voar
vitoriosamente sobre a terra ou pairar sobre ela como governante.
Em seguida, levantou-se e andou como homem sobre dois pés e
não sobre quatro, ao mesmo tempo que recebeu o coração de
homem.[51] Ainda era animal, mas assumiu a atitude e foi dotado do
intelecto de homem. Não confiava mais na força selvagem de suas
garras e dentes, que haviam falhado, mas recorrera à perícia e
habilidades humanas. Dessa maneira, era ainda capaz de maquinar
seus objetivos, apesar da perda da força bruta. Embora homem, se
ele se opuser a animais selvagens somente com a defesa de seus
membros naturais, terá pouca chance na luta, mas deixe-o apenas
fazer planos e fabricar armas, e ele rapidamente destruirá os
animais mais terríveis.
As asas do leão estavam velhas e eram pesadas, quando Ciro
marchou contra seu aliado lídio. Não havia então Nabucodonosor
para entrar sem demora na cena de ação e impedir com vigor o
progresso da conquista persa. Os caldeus se tornaram tão lentos
em guerrear que seus confederados lídios e egípcios não tiveram
chance e foram derrotados. Quando o exército babilônico partiu da
Babilônia para ajudar, Sardes já estava capturada e Creso já era
prisioneiro. Ao tomarem conhecimento dos desastres, não mais
ousaram pensar em atacar fora do país, mas começaram a construir
enormes obras defensivas. O espírito feroz e bravio da amarga
nação caldaica lhe foi tirado; não podia mais sair conquistando.
Quinze anos após a captura de Sardes, Ciro invadiu a Babilônia,
exterminou tudo o que via pela frente, e no final tomou a grande
cidade. Então, as asas do animal caldaico foram arrancadas para
sempre. Foi-lhe privado de toda força bruta e deixou de ser
reconhecido como o rei dos animais e pássaros da terra.
Note que o animal não foi destruído, mas assumiu a atitude e
recebeu o coração de homem. A descrição olha de relance na
subsequente história da casta caldeia. Enquanto seus membros

83
empunhavam o vigoroso poder da Babilônia, foi-lhes possível
governar o mundo pela força. Quando Ciro e os quase monoteístas
persas os expulsaram da cidade, eles se retiraram para Pérgamo,
onde buscaram por maquinações e trapaça alcançar o que não
podiam mais obter pela força. Falaremos agora, nesta parte do livro,
sobre o sucesso que alcançaram e como recuperaram a soberania
do mundo, primeiro através do império e depois através da igreja de
Roma, para então explicarmos a maneira pela qual a existência do
primeiro animal foi prolongada até os tempos do fim, e como
ocorrerá a transferência de nome da Babilônia para Roma.
O segundo império é representado por um urso, o animal mais
forte depois do leão, distinto pela voracidade e chamado por
Aristóteles de “animal onívoro”. Não possui a agilidade e majestade
do leão, mas é de movimentos desajeitados e realiza seus objetivos
com lentidão comparativa e pura força bruta. Como aparece na cena
da visão de Daniel, ele levantou-se de um lado, pronto para atacar,
com três costelas na boca e foi-lhe dada a ordem: “Levanta-te,
devora muita carne” (Dn 7.5).
Todos esses pontos encontram pronta interpretação nas
características e história do segundo império. Era de movimentos
ponderados. Não obteve vitórias por bravura ou habilidade, mas
derrotou seus inimigos lançando sobre eles enormes massas de
tropas, os maiores exércitos já reunidos. Por exemplo, quando Dario
I invadiu a Cítia, levou setecentos mil homens, além de uma força
naval de seiscentos navios tripulados por cento e vinte mil
marinheiros e fuzileiros navais. A expedição de Xerxes contra a
Grécia foi feita com dois milhões e meio de guerreiros reunidos de
cinquenta e seis nações. Somando os vendedores de provisões e os
provedores de serviços que seguiam a unidade militar, todo o corpo
militar compunha-se de cerca de cinco milhões de homens, uma
vasta multidão, que, como Justino comentou, podia beber rios
durante sua marcha, mas não exaurir o tesouro real. Artaxerxes
Longímano utilizou seiscentos mil homens para subjugar uma
província do Egito e reuniu um milhão e duzentos mil para esmagar
a rebelião de seu irmão Ciro. Mesmo durante os últimos espasmos
agonizantes do império, Dario serviu-se de quase seiscentos mil
homens para o confronto com Alexandre na batalha de Isso. Após

84
ser derrotado, ele reuniu outro supremo esforço militar e apareceu
na planície de Gaugamela com um exército bem equipado de um
milhão de homens de infantaria, quarenta mil na cavalaria e
duzentos carros de guerra.
No movimento das enormes unidades militares de homens, muita
carne era consumida, não apenas pela espada, mas também pela
fome nos campos requisitados para os vastos exércitos, e também
pelo imprudente desperdício de vida nos próprios exércitos.
O lado do urso que levantou-se indica a Pérsia, na qual jazia a
principal força do duplo império. Corresponde ao peito e braço
direito da estátua e também ao chifre do carneiro que subiu por
último, mas que se tornou mais alto do que o outro (Dn 8.3).
As três costelas são os três reinos da Lídia, Babilônia e Egito,
que formaram uma liga para subjugar o poder medo-persa, mas
foram todos destruídos por ele.
O terceiro animal, que representa o império grego de Alexandre,
era como o leopardo. É o mais ágil e gracioso dos animais, mas sua
velocidade aqui aumenta ainda mais com as asas. De estrutura
leve, mas forte, veloz e destemido, suas características fazem-no
símbolo das conquistas rápidas de Alexandre que, seguido por um
exército pequeno, mas bem equipado e esplendidamente bravo,
movia-se com grande velocidade e habilidade e em cerca de dez
anos derrubou as pesadas forças da Pérsia e subjugou todo o
mundo civilizado.
As quatro cabeças e quatro asas devem ser interpretadas como
coisas diferentes e não todas juntas, pois, de outra forma, haveria
duas cabeças para corresponder às quatro asas.
As asas denotam que o domínio foi se espalhando e se
estendendo aos quatro cantos da terra. Mas são apenas as asas de
um pássaro comum e não as de uma águia. O progresso não seria
tão vitorioso como o do poder dos caldeus.
Por outro lado, as quatro cabeças são os quatro reinos em que o
império de Alexandre foi dividido por seus generais: Trácia e Bitínia;
Macedônia e Grécia; Babilônia e Síria; e o Oriente e Egito. Nesses
reinos, o império de Alexandre continuou até 31 a.C., e o Egito, o
último sobrevivente, foi destruído pelos romanos.

85
O quarto animal, diferente de todos os que o precederam, foi
indescritivelmente terrível e excepcionalmente forte. Claro que a
trajetória do Império Romano já foi, mesmo no passado, mais
sangrenta que a de todos os outros, e entre seus crimes inclui-se o
assassinato do próprio Filho de Deus. Daniel viu quando ele subiu e
destruiu o Império Grego, mas nada lhe foi revelado sobre a
trajetória posterior do quarto reino até o tempo ainda futuro dos dez
reinos.
Acerca do gentio Nabucodonosor, há a predição da divisão
intermediária em dois impérios, o Oriental e o Ocidental, mas o
evento aconteceu no tempo em que a profecia dos hebreus está em
período de suspensão.[52] Portanto, a divisão não foi revelada a
Daniel. Ele só vê o animal e os dez chifres — o império na primeira
fase até a destruição de Jerusalém por Tito, e sua condição final nos
últimos sete anos dos procedimentos de Deus para com Israel,
quando os dez chifres correspondendo aos dez dedos da imagem
se desenvolverão. Ele é informado que os dez chifres são dez reis,
e que outro surgirá entre eles diferente dos demais, o qual
subjugará três dos dez e ganhará ascendência sobre todos eles. Os
olhos do chifre indicam que esse rei se distinguirá pela inteligência e
grande poder intelectual, enquanto a boca que fala grandes coisas
mostra que ele será orgulhoso e blasfemo. Ele é o último monarca
dos gentios, que com estupenda magnificência, ficará na retaguarda
da longa procissão encabeçada pelo caldeu Nabucodonosor há
cerca de dois mil e quinhentos anos.
O breve relato desse potentado dado a Daniel corresponde
exatamente às descrições feitas em Apocalipse 13 e 17. Ele falará
palavras insolentes contra o Altíssimo, oprimirá os santos dos
lugares altos[53] e cuidará em mudar os tempos e as leis. Seu poder
se estenderá até onde ele quiser por um tempo, tempos e metade
de um tempo, ou seja, por três anos e meio ou, como está escrito
em outra porção das Escrituras, por quarenta e dois meses (Ap
13.5).
Ao final desse tempo, Deus se sentará para julgar, o domínio será
dado ao Senhor Jesus e ele virá para destruir o Iníquo com o sopro
da sua boca. “Então, estive olhando, por causa da voz das
insolentes palavras que o chifre proferia; estive olhando e vi que o

86
animal foi morto, e o seu corpo desfeito e entregue para ser
queimado” (Dn 7.11).
Considerando que o animal, que representa o corpo político, é
morto pelas palavras blasfemas do chifre, é evidente que o
Anticristo estará em perfeita empatia com os ímpios habitantes da
terra. Não há aqui melhor ilustração do que o famoso verso de
Horácio: “Quidquid delirant reges plectuntur Achivi”.[54]
Diferentemente dos reis dos tempos antigos, esse monarca será
um exponente exato da vontade do povo, portanto, irão compartilhar
da mesma punição. A comunhão de afetos é surpreendentemente
demonstrada em Apocalipse 17, onde diz que o oitavo rei, que
corresponde ao pequeno chifre, é a própria besta (Ap 17.11).
Os impérios anteriores não foram destruídos quando seu poder
foi tomado; a Babilônia prolongou sua vida da maneira descrita
acima, enquanto a Pérsia e a Grécia permanecem impérios
insignificantes até os dias de hoje. Mas com o quarto império, todos
irão encontrar seu destino fatídico. Na visão da estátua, a pedra que
a atinge nos pés quebra-lhe toda em pedaços, de forma que o ouro,
a prata, o bronze, o ferro e o barro são misturados juntos em uma
ruína indistinguível.
Não nos esqueçamos do significado peculiar da visão dos quatro
animais para Daniel e os judeus, pois eles ficaram sabendo o
quanto Jerusalém deveria ser pisada pelos gentios. Quatro impérios
mundiais iriam seguir seu curso, e então, o tempo dos gentios
terminaria, e o Senhor desceria e restauraria o reino a Israel.
Esse propósito preordenado também foi revelado a Zacarias,
quando ele ouviu o anjo do Senhor clamando: “Ó S dos
Exércitos, até quando não terás compaixão de Jerusalém e das
cidades de Judá, contra as quais estás indignado faz já setenta
anos?” (Zc 1.12). O Senhor respondeu com palavras consoladoras
para o anjo e para o profeta, e mostrou para Zacarias quatro chifres
e quatro ferreiros. Quando o profeta pediu uma explicação, a
resposta foi: “Aqueles são os chifres que dispersaram a Judá, de
maneira que ninguém pode levantar a cabeça; estes ferreiros, pois,
vieram para os amedrontar, para derribar os chifres das nações que
levantaram o seu poder contra a terra de Judá, para a espalhar” (Zc
1.21; cf. 1.18-20).

87
Capítulo 12
AV C B

D
aniel 8 revela a ligação que existe entre o terceiro império e o
Anticristo. É uma relação que serve, talvez, para identificá-lo
quando ele aparecer e que ao mesmo tempo sugere que seu
governo será caracterizado pelo brilho intelectual e pela moralidade
defeituosa da Grécia, bem como pela força do ferro de Roma.
Cerca de dois anos depois da grande visão dos quatro animais,
outra visão maravilhosa foi apresentada aos olhos de Daniel. O
tempo era crítico, e o profeta pode ter sentido a necessidade de
mais orientações e orado por isso, pois o cerco da Babilônia estava
cada vez mais intenso e seu fim estava tão próximo que na nova
revelação foi tacitamente presumido, e as previsões começaram
com o poder que a derrubou.
As antigas experiências de Daniel e sua proximidade com Deus
haviam impulsionado suas percepções espirituais. Agora, as
comunicações divinas poderiam alcançá-lo sem a necessidade de
sonho como meio intermediário. Acordado e plenamente consciente,
parece que ele foi pego — como Ezequiel — pelo Espírito de Deus e
transportado da Babilônia sitiada até a distante cidade de Susã,
para que pudesse contemplar em visão a queda do Império Persa,
cuja capital era Susã, e receber instruções com respeito ao terceiro
império e ao arqui-inimigo que surgiria de um de seus quatro reinos
nos últimos dias.

88
Logo achou-se em pé às margens do rio Ulai e, levantando os
olhos, viu um carneiro com dois chifres, um dos quais era mais alto
do que o outro, mas o mais alto surgiu por último. O carneiro dava
marradas para o oeste, o norte e o sul, de forma que ninguém
conseguia ficar na frente dele. Ele fazia tudo o que queria e tornou-
se grande.
Enquanto o profeta considerava a visão, de repente, apareceu
um bode vindo do oeste com tamanha velocidade que parecia não
tocar o chão, e tinha um grande chifre entre os olhos. Na fúria do
seu poder, ele virou-se para o carneiro, feriu-o, quebrou-lhe os
chifres, derrubou-o e pisou no seu corpo prostrado. O carneiro não
lhe pôde resistir, tampouco encontrou quem o ajudasse. O bode
tornou-se poderoso, mas no meio de sua força, o grande chifre
quebrou-se, e no seu lugar quatro outros apareceram em direção
aos quatro ventos do céu.
De um dos quatro chifres brotou um chifre pequeno, que tornou-
se excepcionalmente grande em direção ao sul, ao leste e à glória,
ou seja, à terra de Israel. E mais ainda: ele cresceu até ao exército
dos céus, derrubou ao chão alguns do exército e das estrelas e
pisoteou-os. Engrandeceu-se contra o Príncipe do exército, tirou o
sacrifício diário e destruiu o santuário.
Em seguida, Daniel viu dois anjos conversando e, procurando
ouvir o que diziam, não conseguiu entender o que o primeiro dizia,
mas entendeu as palavras do outro, que perguntou: “Até quando
durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora,
visão na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem
pisados?”. E o primeiro anjo respondeu: “Até duas mil e trezentas
tardes e manhãs; e o santuário será purificado” (Dn 8.13-14). As
palavras foram ininteligíveis para Daniel e lhe causaram grande
ansiedade. Enquanto ponderava, subitamente assustou-se ao
perceber que alguém olhava para ele a distância: uma presença
sobrenatural na forma humana. Então ouviu uma voz de comando,
procedente aparentemente de alguém que pairava sobre as águas
do Ulai, que disse: “Gabriel, dá a entender a este a visão” (Dn 8.16).
Instantaneamente, o ser celestial começou a mover-se em
direção de Daniel, que embora fosse muito amado, experimentou o
indescritível horror que acomete todo homem pecador quando é

89
trazido face a face diante da santidade perfeita. Antes de desmaiar,
captou uma única frase dos lábios do instrutor celestial: “Entende,
filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do fim” (Dn
8.17).
Aqui está a primeira pista para a interpretação. A visão não é
uma profecia acerca de Antíoco Epifânio. O chifre pequeno é
outro perseguidor muito mais terrível que surgirá nos últimos dias.
Enquanto Gabriel falava, Daniel desmaiara, mas o anjo o
recuperou com um toque, levantou-o e continuou: “Eis que te farei
saber o que há de acontecer no último tempo da ira, porque esta
visão se refere ao tempo determinado do fim” (Dn 8.19).
Aqui está outro aviso solene contra a má interpretação. A
primeira parte da visão, que logo seria cumprida, só é usada para
introduzir, conectar e tornar inteligível o que se segue. Todavia, o
encargo principal é uma profecia dos dias finais da indignação, que
Moisés ameaçou a desobediente nação de Israel, e sob a qual as
doze tribos estão agora sofrendo, e sofrerão até o término do tempo
dos gentios.
Gabriel explica que o carneiro simboliza o rei da Média e da
Pérsia, e o bode peludo, o rei da Grécia. Na visão anterior, as duas
potências foram representadas respectivamente por um urso e por
um leopardo, mas os símbolos aqui são outros, talvez para melhor
identificação. Na visão anterior, os animais representativos foram
selecionados com o objetivo de delinear as características dos
reinos aos quais eles correspondiam. Aqui, também há referência às
insígnias heráldicas.
A maioria das grandes potências asiáticas foi fundada por
montanheses ou nômades, entre os quais os persas. É o que
explica o fato de seu conhecido emblema, ou um deles, ser um
carneiro. No dicionário Calmet de Taylor[55] há a gravação de uma
moeda persa que mostra no anverso a cabeça de um carneiro, e no
reverso um carneiro deitado. O mesmo símbolo aparece entre as
esculturas de Persépolis, que foi a capital da Pérsia no tempo de
Hispastes até o tempo em que foi destruída por Alexandre. O
símbolo foi mantido por longo tempo, pois quando o historiador
Amiano Marcelino descreveu a marcha de Sapor, disse que o rei
persa cavalgou na frente do exército usando “a figura dourada de

90
uma cabeça de carneiro cravejada de pedras preciosas, em vez de
usar um diadema”.[56] Podemos acrescentar que no Avesta,[57] Ized
Behram, o espírito guardião da Pérsia, aparece “como um carneiro
de pés retos e chifres pontudos”.
O carneiro corresponde ao urso, uma vez que também é um
animal pesado e forte. Os dois chifres, um maior que o outro,
indicam o caráter duplo do império, bem como a superioridade dos
persas em relação aos medos.[58] Os mesmos fatos são marcados
pelos braços direito e esquerdo da estátua e, na visão dos quatro
animais, pela atitude do urso, que se levanta para atacar com o lado
que é mais forte.
As marradas do carneiro em três direções indicam, como as três
costelas na boca do urso, a conquista dos reinos da antiga liga da
Lídia, Babilônia e Egito. Os dois primeiros reinos foram subjugados
por Ciro e o último, por seu filho Cambises.
Por fim, a queda de todos os outros animais e a nota que
ninguém poderia livrá-los do poder do carneiro, corresponde à
ordem dada ao urso: “Levanta-te, devora muita carne” (Dn 7.5).
Até aqui vai a referência ao carneiro. O bode, por outro lado,
devido a sua ligação com a famosa lenda de Carano,[59] era o
emblema nacional da Macedônia e encontra-se nas moedas
daquele país, cuja capital ancestral chamava-se Egea ou cidade dos
bodes. Por isso, o filho de Alexandre com Roxana foi chamado de
Aegus ou “filho do bode”, e alguns de seus sucessores são
representados em suas moedas pelos chifres do bode. Na sua obra
Vida de Pirro, Plutarco descreve o entusiasmo com que aquele
monarca foi recebido pelos macedônios quando usou seu elmo
adornado com uma pluma alta e uma crista de chifres de bode.[60]
No carneiro e no bode existem o mesmo contraste de força
maciça e energia ágil que há no urso e no leopardo. O bode vem do
Ocidente, isto é, da Grécia, que fica a oeste da Pérsia.
Ele tinha um notável chifre entre os olhos, símbolo de
proeminente força guiada pela inteligência. Isso, como explica o
anjo, representa o primeiro rei da potência mundial da Grécia,
Alexandre, o Grande, cuja maravilhosa força foi guiada por um
também maravilhoso intelecto.

91
A fúria e violência do bode demonstram bem o vigor do ataque de
Alexandre, que arrasou tudo o que encontrava pela frente, e do qual
há um excelente exemplo no primeiro embate, o furioso ataque
contra as posições dos persas em Grânico. Todas as ofertas de paz
foram recusadas e Alexandre declarou abertamente aos
embaixadores de Dario que ele perseguiria o senhor deles até a
morte, não como inimigo honrado, mas como assassino e
envenenador. Em seguida, houve a decisiva batalha de Gaugamela,
após a qual Alexandre, instigado por um cortesão ateniense,
destruiu arbitrariamente Persépolis, cujas ruínas provam que ela foi
uma das maiores cidades que o mundo já viu. Então, levando um
exército compacto, fez uma marcha forçada de quatrocentos e
oitenta quilômetros em onze dias em ardente perseguição a Dario.
Quando o bode estava no ápice da força, o destacado chifre
quebrou-se subitamente. No meio de sua glória, com planos em
mente inconcebivelmente grandiosos, Alexandre “sucumbiu à febre
do pântano e à intemperança”, na Babilônia, aos 33 anos de vida. O
grande centro do poder despedaçou-se, mas a inteligência e força
dos gregos permaneceram, e logo quatro chifres surgiram no lugar
onde havia um. O império mundial dividiu-se em quatro domínios
que estenderam-se em direção aos quatro ventos do céu. Após a
batalha de Ipso, quatro dos generais de Alexandre dividiram seus
territórios entre eles da seguinte maneira: Ptolomeu tomou por
possessão o Egito, Cirene, Celessiria e algumas partes da Ásia
Menor; Cassandro ficou com a Macedônia e a Grécia; Lisímaco,
assenhoreou-se da Trácia, Bitínia Oriental, Frígia Menor, Mísia e
Lídia, tendo Meandro como fronteira; e Seleuco ficou com o restante
da Ásia Menor e o Oriente.
Logo depois do surgimento dos quatro chifres, Daniel viu um
chifre pequeno saindo de um deles e tornando-se excepcionalmente
grande. Se a visão fosse dada sem interpretação, teríamos suposto
que o chifre pequeno indicava algum monarca, ou estado, que
surgiria de um dos quatro reinos não muito depois de seu
estabelecimento. O anjo intérprete explica que o poder representado
pelo chifre pequeno só vai aparecer “no fim do seu reinado, quando
os prevaricadores acabarem” (Dn 8.23). Portanto, percebemos que,
neste ponto, a visão passa para o “tempo do fim”, com o qual ela se

92
ocupa mais especificamente, como já vimos acima. Todos os quatro
reinos fundiram-se no Império Romano antes do nascimento de
Cristo, sendo que o último sobrevivente foi o Egito, que permaneceu
até que Augusto derrotou Marco Antônio e Cleópatra em 31 a.C.[61]
No entanto, eles serão ressuscitados, pois o “fim do seu reinado”
deve ser sincronizado com o “tempo determinado do fim” e o “último
tempo da ira” (Dn 8.19, 23). De outra forma, nenhuma parte da visão
se referiria àquela crise, e as solenes declarações de Gabriel não
teriam significado. Assim, entendemos que o período do chifre
pequeno só chegará nos dias finais da dispensação em que Daniel
vivia, ou seja, nos sete anos que ainda restam, depois que nosso
tempo parentético terminar.[62]
Na visão anterior, descrita em Daniel 7, também surge um chifre
pequeno entre os dez chifres do quarto animal. Os dois chifres
pequenos são em geral diferenciados com base no fato de que o
primeiro surge do quarto animal e o segundo, do bode, que
corresponde ao terceiro animal da visão anterior.
No entanto, quando os examinamos com cuidado, constatamos
que a distinção é muito superficial. As características morais das
duas potências são exatamente as mesmas. Ambas são violentas,
blasfemas e opressoras do povo de Deus. Ambas ousam desafiar
os poderes do céu: o Altíssimo e o Príncipe dos príncipes. Ambas
existem ao mesmo tempo, pois o chifre pequeno da visão em Daniel
7 continuará até que Cristo venha tomar o reino, enquanto o chifre
pequeno da visão em Daniel 8 prospera até o “último tempo da ira”
(Dn 8.19), que também terminará com a manifestação do Senhor.
Ambas as potências tornam-se extremamente grandes na terra, e
destroem terrivelmente e, por fim, ambas serão depostas pela
intervenção direta de Deus. Dificilmente haveria lugar no mundo
para dois seres como eles ao mesmo tempo. As descrições são de
uma mesma pessoa.
A aparente dificuldade da origem diferente de cada chifre
pequeno pode ser explicada com facilidade. Vimos em Daniel 7 que
o Império Romano ressuscitado consistirá em dez reinos, cada um
governado localmente por seu próprio rei, mas fundido em um
grande domínio debaixo do poder do Anticristo. Em Daniel 8,
descobrimos que os quatro reinos dos sucessores de Alexandre

93
também existirão durante a última semana de Daniel, mas foram
fundidos no Império Romano antes de seu desaparecimento; e
mesmo que não houvessem, aprendemos pela visão de
Nabucodonosor, bem como pela descrição da besta no Apocalipse,
que a quarta potência mundial, pouco antes de sua queda,
abrangerá todos os domínios dos três impérios anteriores.
Conclui-se que se os quatro reinos dos sucessores de Alexandre
existirão até o fim, eles estarão entre os dez reinos que naquele
tempo irão compor o Império Romano.[63] Assim, enquanto Daniel 7
prevê apenas que o Anticristo surgirá de um dos dez reinos, a visão
subsequente amplia a declaração e anuncia que ele procederá de
um dos quatro reinos formados pelos territórios de Alexandre.
Falando a grosso modo, dois dos quatro reinos ocuparão a
península ao sul do Danúbio, a Bulgária, a Turquia e a Grécia; o
terceiro, a Ásia Menor; e o quarto, o Egito. Nos dias em que
escrevo, a Grécia já é um reino separado, e não há muitas
indicações de que o Império Turco esteja prestes a dividir-se em
algumas partes como os outros três.
Se essa interpretação estiver correta, o Anticristo surgirá dos
domínios do terceiro império, mas dominará o quarto, que incluirá
todos os outros.
A terceira e a quarta potências mundiais eram diferentes. A
terceira distinguiu-se por seu esplendor intelectual, embora ao
mesmo tempo fosse totalmente desprovida da verdade e da moral.
[64]
Destacou-se em tudo o que poderia embelezar e adornar a vida
exterior e educou o mundo: seus poetas, filósofos, historiadores,
oradores, pintores e escultores serviram de modelo para todas as
gerações que se sucederam. Até os conquistadores romanos
serviram-se do poder da Grécia e reconheceram sua superioridade
na esfera intelectual. Paulo, na epístola aos Romanos, divide todo o
mundo gentio entre “gregos” e “bárbaros” (Rm 1.14-15). A divisão,
que originalmente significava gregos e estrangeiros, por causa da
influência grega no mundo, tornou-se designação não tanto de
nacionalidade quanto de grau de cultura. Os próprios romanos
foram considerados gregos por terem importado para o país e ficado
impregnados com a língua e a cultura da Grécia.

94
As características da quarta potência, pelo contrário, eram a
vontade férrea, a manutenção da lei e a força poderosa com a qual
tudo se inclinava segundo suas regras. Virgílio delineou bem as
características de qualquer império em uma famosa passagem, que
podemos traduzir da seguinte forma:

Outros moldarão com um toque mais suave o bronze vivente —


Admito — o rosto vivo do desenho do mármore frio;
Exortarão com a mais rara eloquência o apelo de seus clientes;
Traçarão com a hábil vara os caminhos emaranhados do céu,
E falarão do nascer e do pôr de cada estrela prateada.
Mas, romanos, o vosso dever é fazer o mundo obedecer!
Essa é a vossa nobre habilidade: fixar os termos da paz,
Para poupar os suplicantes derrotados e combater os orgulhosos.[65]

Pelo visto, o Anticristo fascinará o mundo com um brilho


intelectual como o da Grécia, que ele o usará para dirigir a vontade
irresistível de Roma. Assim, quando o quarto animal aparecer em
sua última fase, ele já não será diferente de todos os outros, mas
será “semelhante a leopardo” (Ap 13.2), e assumirá muito da graça
e beleza exteriores da Grécia, ao mesmo tempo que reterá o poder
e a força de Roma. Em Daniel 8, o capítulo que estamos estudando,
o anjo intérprete destaca a mesma coisa. O rei é “feroz de catadura
[cara]” (Dn 8.23), algo que é característico de Roma e descrito
também em outra passagem com palavras semelhantes: “Nação
feroz de rosto” (Dt 28.50). Mas a próxima frase em Daniel 8.23,
“entendido em adivinhações” ( ), aponta para a sutileza da mente
grega.
Algumas das considerações que acabamos de fazer explicam a
razão pela qual Israel e Grécia são levados em forte colisão, no
tempo do fim, segundo a profecia de Zacarias: “Porque entesei Judá
como meu arco de guerra e fiz de Efraim a minha flecha. Levantarei
os seus filhos, ó Sião, contra os filhos da Grécia” (Zc 9.13, ). E
vale a pena notar que na primeira vinda de Cristo, os três reinos —
Roma, Grécia e Israel — encontram-se juntos na inscrição sobre a
cruz (Lc 23.38).
Quando a profecia anuncia que o rei feroz de cara “se fortalecerá
a sua força, mas não pelo seu próprio poder” (Dn 8.24, ),

95
lembramos estas outras palavras: “Deu-lhe o dragão o seu poder, o
seu trono e grande autoridade” (Ap 13.2). Fortalecido por tal ajuda,
ele espalhará destruição de maneira assombrosa, fará, por sua
perícia, com que os enganos tenham sucesso e destruirá a muitos
por professar a paz ou, como as palavras podem significar, por meio
de ataques inesperados e malignos em tempos seguros (Dn 8.25). A
profecia menciona especialmente que ele maquinará para arruinar
“os poderosos e o povo santo” (Dn 8.24). O “povo santo” é o povo
judeu, sobre quem — como o versículo está corretamente traduzido
–— já lemos que “o exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário,
por causa das transgressões” (Dn 8.12). É mais difícil saber quem
são os “poderosos” acima indicados, mas devem ser as nações que,
abrangendo muitos crentes em Cristo, serão inicialmente
mobilizados para resistir ao Anticristo com a espada,
consequentemente, terão de sofrer a pena com a qual os que assim
reagem são ameaçados (Ap 13.9-10).
O rei também desafiará a Deus destruindo o templo e, por fim,
levantando-se contra o próprio Príncipe dos príncipes, mas ele será
feito em pedaços pela pedra cortada do monte sem o auxílio de
mãos.
As palavras do anjo com relação aos dois mil e trezentos dias são
misteriosas. A expressão hebraica literal não é “dias”, mas “noites e
manhãs”, o que prova que a referência é a dias de vinte e quatro
horas, como quando ouvimos quarenta dias e quarenta noites, ou
três dias e três noites. Observemos que sete anos proféticos
completos conteriam dois mil quinhentos e vinte dias, ou seja, o
tempo mencionado pelo anjo é duzentos e vinte dias a menos que o
total de dias que perfazem sete anos.
Pode ser que a visão do sacrifício diário e da transgressão
desoladora (Dn 8.13) refira-se a todo o período da relação do
Anticristo com Jerusalém. Se assim for, ele fará um pacto com a
maior parte da nação judaica por sete anos, como veremos em
capítulo posterior, e depois dos primeiros três anos e meio ele
causará o fim do sacrifício e oblação. Os restantes três anos e meio
são o tempo da grande tribulação, e o Senhor Jesus prometeu que
aqueles dias serão encurtados para o bem dos eleitos (Mt 24.22). A
intenção das palavras do anjo é nos dar a extensão do

96
encurtamento e, se assim for, Deus poupará a seu povo duzentos e
vinte dias do último ano.
Assim, examinamos algumas das profecias mais extraordinárias
do Antigo Testamento relacionadas com o domínio gentio. Antes que
as últimas partes das Escrituras fossem escritas, três das grandes
potências mundiais haviam desaparecido, de modo que não
ouvimos nada mais sobre a Babilônia, a Pérsia e a Grécia, mas
somente sobre Roma. E mesmo sobre Roma, pouco é dito, até que
seja colocada diante de nós encarnada, como será, em seu último
rei.
Naquele tempo, como veremos a partir de agora, muitos judeus
morarão em sua própria terra, tendo sido reunidos ali para sofrer a
purificação pelo Espírito de julgamento e de fogo (cf. Is 4.4, ) que
preparará os mansos entre eles para sua herança glorificada. Então,
quando Deus começar a lembrar-se de Israel, seus procedimentos
retomarão a atenção direta ao governo da terra, de forma que, neste
ponto, a profecia volta a dar detalhes de assuntos terrenos.
Somente um pequeno esboço é revelado sobre o que acontecerá
aos reinos deste mundo durante a dispensação da graça. Os
crentes em Cristo têm uma chamada celestial e receberam a ordem
de não se importar com as coisas terrenas, mas de permanecer
sempre esperando a vinda de seu Senhor.
Consideraremos agora brevemente algumas predições do Novo
Testamento com respeito ao quarto império.

97
Capítulo 13
OG D V

O
segundo dos sinais admiráveis que João descreve em
Apocalipse 12 é o grande dragão vermelho de sete cabeças,
dez chifres e dez coroas sobre suas cabeças.
A própria visão declara que o dragão é “a antiga serpente, que se
chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo” (Ap 12.9). Os
dez chifres também indicam o quarto animal da visão de Daniel, e
revelações posteriores tornam as sete cabeças igualmente
características do quarto animal. O símbolo representa o poder da
iniquidade espiritual que estampa sua imagem e trabalha na esfera
da carne por meio do quarto reino mundial. Em outras palavras,
estabelece diante de nós Satanás em poder ativo por meio do
Império Romano.
Discutiremos agora o significado das cabeças e dos chifres em
seu desenvolvimento terreno. Comentaremos apenas na expectativa
de que as cabeças são sete governantes consecutivos dos reinos
latinos (Ap 17.10), agentes especiais de Satanás em suas várias
tentativas de corromper ou destruir os seguidores de Cristo. Eles
aparecem coroados, porque a visão inclui os reinos de todos os
monarcas representados por eles.
Os dez chifres, pelo contrário, são reis contemporâneos (Ap
17.12-13), os mesmos que os dedos dos pés da estátua e os chifres
do quarto animal de Daniel. A condição sem coroa sugere que

98
aqueles a quem eles representam não receberão reinos, enquanto a
cena da visão estiver em processo de cumprimento, mas começarão
a ter sua parte no grande drama em algum período subsequente ao
arrebatamento do Filho varão.
É o monstro que apareceu no céu, e não estava parado em
posição ociosa, pois seus olhos estavam fixos e suas energias
concentradas na mulher que se contorcia em trabalho de parto
diante dele, enquanto ele esperava para devorar seu filho assim que
nascesse.
Nas Escrituras, a mulher é símbolo de um sistema ou da igreja.[66]
Esta que estudamos representa o sistema perpétuo de Deus no
mundo, a corporação daqueles que, seja qual for a dispensação em
que vivam, são reconhecidos como seus servos e são usados por
Ele como instrumentos para exercer a grande vontade divina na
terra e levar salvação aos indivíduos que Ele escolheu. É a essa
última função que devemos relacionar a figura apropriada de uma
mãe.
Na dispensação anterior, esse símbolo não teria englobado todo
o Israel, mas apenas os fiéis, os verdadeiros israelitas. Eram os que,
ao final de seu tempo, foram considerados exclusivamente os
“pobres do rebanho” (Zc 11.11), que quando ouviram a voz do
grande Pastor, esperaram por Ele e foram gentilmente conduzidos
para fora do judaísmo e para dentro da aliança da graça.
A descrição da mulher a relaciona com três dispensações. A
cabeça estava coroada com doze estrelas, que, se interpretarmos
como no sonho de José, retratam os doze filhos de Jacó e referem-
se à era patriarcal. A lua está agora debaixo de seus pés, mas
talvez nem sempre foi assim. Na dispensação mosaica, ela
precisava da luz refletida da lua quando não havia luz disponível,
quando ela podia buscar os raios da glória do seu Senhor somente
quando olhava de relance o esplendor menor da lei. Mas agora, ela
está vestida do sol e aparece não na terra, mas no céu, pois o
Senhor revelou-se para ela, tornou-se sua gloriosa cobertura e
elevou-a em si mesmo para os lugares celestiais.
Quando João a olhou, viu que ela estava grávida, gritava em
trabalho de parto e estava com dores para dar à luz, detalhes que
nos permitem descobrir o tempo da cena marcada com precisão

99
para nós tanto no Antigo como no Novo Testamento (Mq 5.1, 3; Jo
16.19-22).
O último capítulo de Isaías também menciona um parto
subsequente da mesma mulher em circunstâncias muito diferentes.
Ao falar da restauração de Israel na segunda vinda, o profeta
exclama: “Antes que estivesse de parto, deu à luz; antes que lhe
viessem as dores, nasceu-lhe um menino. Quem jamais ouviu tal
coisa? Quem viu coisa semelhante? Pode, acaso, nascer uma terra
num só dia? Ou nasce uma nação de uma só vez? Pois Sião, antes
que lhe viessem as dores, deu à luz seus filhos” (Is 66.7-8). Aqui,
como na passagem que estamos estudando, um Filho varão nasce,
mas não há um longo trabalho de parto como ocorreu em
Apocalipse 12. O filho recém-nascido não foi arrebatado para Deus
e para o seu trono. Pelo contrário, ele foi amamentado e consolado
em Jerusalém, e a glória dos gentios chega até ele e sua mãe como
um rio que transborda (Is 66.12-13). Em outras palavras, ele
representa um corpo governamental na terra, e não aqueles que
reinarão com Cristo no céu.
Quando Miqueias prediz que seu povo ferirá a face do Juiz de
Israel, ele fala sobre o nascimento que estamos tratando agora, e
acrescenta: “Portanto, o S os entregará até ao tempo em que
a que está em dores tiver dado à luz; então, o restante de seus
irmãos[67] voltará aos filhos de Israel” (Mq 5.3; cf. 5.1).
Portanto, o trabalho de parto ocupa todo o tempo da rejeição de
Israel, a saber, o período da Igreja ou o espaço entre as duas vindas
de Cristo. Guiados pela profecia de Miqueias, podemos considerá-la
o início da angústia dos discípulos, quando o corpo do seu Senhor
jazia morto no túmulo e seu desespero só podia ser ventilado na
lamentação inconsolável: “Ora, nós esperávamos que fosse ele
quem havia de redimir a Israel” (Lc 24.21a). E desde então, a
angústia continua nas provações, aflições e perseguições do povo
do Senhor, e continuará até aquela noite em que dois estarão
dormindo na mesma cama, um será levado e o outro deixado.
Precisamente as mesmas datas de início e fim das dores de parto
também foram dadas pelo próprio Senhor, quando, na noite anterior
à sua morte, ele proferiu as palavras solenes:

100
Indagais entre vós a respeito disto que vos disse: Um pouco, e não me
vereis, e outra vez um pouco, e ver-me-eis? Em verdade, em verdade eu
vos digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará; vós
ficareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher,
quando está para dar à luz, tem tristeza, porque a sua hora é chegada;
mas, depois de nascido o menino, já não se lembra da aflição, pelo prazer
que tem de ter nascido ao mundo um homem. Assim também agora vós
tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a
vossa alegria ninguém poderá tirar. (João 16.19b-22)

O período de trabalho de parto e angústia é exatamente


coextensivo com o tempo da ausência do Senhor de sua igreja.
A descendência da mulher é um menino em oposição a uma
menina, pois ele reinará com força. Na verdade, o único detalhe que
nos é dado para sua identificação é seu destino: “Reger todas as
nações com cetro de ferro” (Ap 12.5).
No Salmo 2, as nações e as partes mais longínquas da terra são
prometidas ao Senhor Jesus com as seguintes palavras adicionais:
“Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de
oleiro” (Sl 2.9).
No Apocalipse, quando ele vem tomar posse da sua herança, os
detalhes são repetidos: “Sai da sua boca uma espada afiada, para
com ela ferir as nações; e ele mesmo as regerá com cetro de ferro”
(Ap 19.15a). Portanto, o destino do Senhor Jesus e do Filho varão é
o mesmo.
Mas quando o Senhor vier, a Sua unidade e de Sua Igreja se
manifestará: o que quer que Ele tiver, ela partilhará com Ele. A
prerrogativa do Filho varão não é exceção a essa lei, fato que Ele
mesmo nos assegura ao dizer aos remanescentes em Tiatira: “Tão-
somente conservai o que tendes, até que eu venha. Ao vencedor,
que guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei autoridade
sobre as nações, e com cetro de ferro as regerá e as reduzirá a
pedaços como se fossem objetos de barro; assim como também eu
recebi de meu Pai” (Ap 2.25-28a).
A prerrogativa foi originalmente dada a Cristo, e Ele a concede a
todos os que vencem e guardam as obras Dele até o fim. Assim o
Filho varão, como coerdeiro de uma herança dada ao Senhor e ao
seu povo, prefigura um Cristo místico, do qual o Cristo pessoal é a

101
cabeça, e as primícias da igreja, o corpo. Já a atitude do dragão
aponta para o grande objetivo ao qual Satanás usa o poder mundial,
a saber, destruir o povo de Deus.
Dissemos que o Filho varão inclui apenas as primícias da igreja,
pois uma leitura consecutiva e cuidadosa de Apocalipse capítulos 12
e 13 nos dá a seguinte ordem de eventos: (1) O Filho varão é
arrebatado para Deus e para o Seu trono; (2) Satanás é expulso do
céu; e (3) o Anticristo é evocado do mar.
Fica evidente que os crentes representados pelo Filho varão
serão arrebatados para Deus e para o Seu trono, isto é, o trono
descrito em Apocalipse 4 como trono de julgamento, antes da
manifestação do Anticristo, de cujas perseguições eles escaparão.
Contudo, quando toda igreja for reunida, veremos que ela é
formada dos que se assentam no trono, ou da classe de crentes que
acabamos de mencionar, e de outros que morrem sob o poder do
Anticristo ou que pelo menos persistem na recusa de adorá-lo ou
receber sua marca. Esses são os remanescentes da semente da
mulher, a quem o dragão atualmente perseguirá, os que sairão da
grande tribulação e que, quer estejam vivos ou mortos, serão
arrebatados para o seu Senhor no encerramento desse período
tribulacional, assim como o Filho varão o foi antes que começasse.
A esse respeito falaremos mais no momento apropriado.
O trabalho de parto continuará até que o número das primícias se
complete. Então, o Filho varão terá nascido de maneira completa, e
imediatamente todo o corpo de crentes expectantes serão
arrebatados para Deus e para o Seu trono. Tendo a igreja se
desfeito como instituição terrena, o Senhor começará a trabalhar na
redenção de Israel, sequência de eventos também anunciada na
passagem citada em Miqueias, que declara que assim que a mulher
em trabalho de parto der à luz, o resto dos irmãos do Senhor, ou
seja, os judeus, retornará com os filhos de Israel (Mq 5.3). O fato
corresponde à declaração de Paulo: “Veio endurecimento em parte
a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo
o Israel será salvo” (Rm 11.25b-26a).
A visão da mulher em trabalho de parto e do dragão mostra a
ação de Satanás em seus esforços em destruir a igreja por meio do

102
quarto império, e a forma na qual o Senhor Jesus irá confundi-lo
reunindo os santos para encontrar Cristo nos ares.
Imediatamente depois do arrebatamento do Filho varão, Satanás
e seus anjos serão expulsos do reino dos ares — lugar que, como
governantes do mundo dessas trevas, eles agora ocupam —, e
serão atirados à terra para ficarem confinados em limites estreitos,
até que o Senhor os jogue em uma prisão ainda mais baixa e mais
estreita. Há um grande significado na menção do agente escolhido
para expulsá-los, pois é possível que Miguel tenha sido o anjo
designado a conduzir os filhos de Israel para Canaã, e ser, em
submissão a Cristo, o príncipe espiritual deles pelo menos até que
as promessas se cumprissem (Êx 23.20-23; 32.34; Nm 20.16).[68]
Sua aparição mostra que os filhos de Abraão estão sendo
lembrados perante Deus e identifica o conflito que o intérprete
celestial alude, quando diz a Daniel: “Nesse tempo, se levantará
Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo, e
haverá tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve
nação até àquele tempo; mas, naquele tempo, será salvo o teu
povo, todo aquele que for achado inscrito no livro” (Dn 12.1).
Assim, os ares serão limpos dos poderes malignos que agora os
contaminam, e daí em diante, Satanás irá dirigir seus domínios
terrenos a partir de um nível mais baixo. Ao mesmo tempo, os céus
serão preparados para Cristo e a igreja, e uma voz dará um alto
brado de alegria, dizendo: “Então, ouvi grande voz do céu,
proclamando: Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso
Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de
nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do
nosso Deus. Eles, pois, o venceram por causa do sangue do
Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e,
mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. Por isso,
festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais”.[69] Mas a voz que
anuncia alegria para o céu tem uma mensagem muito diferente para
o mundo abaixo dele: “Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até
vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta”
(Ap 12.10-12).

103
Capítulo 14
AB S M

Q
uando o dragão foi expulso dos céus, João o viu esforçando-
se em descarregar sua fúria frustrada na mulher. Mas as duas
asas da grande águia foram dadas à mulher, e ela pode voar
para o deserto e ficar a salvo das perseguições do dragão.
Nesse ponto, precisamos de cuidadosa atenção, pois se o dragão
atacou a mulher após ele ter sido expulso do céu, então fica claro
que ela deve ter descido de alguma maneira. É o que exatamente
esperaríamos, pois o arrebatamento do Filho varão é o sinal para a
mudança dispensacional. Os judeus tornaram-se novamente o
grande centro da ação divina, e a igreja não é mais o sistema de
Deus na terra, embora seu número no céu ainda não esteja
completo. Os crentes que ainda permanecem aqui embaixo, devem
ser considerados retardatários, e recrutas alistados por eles, que em
breve se juntarão ao principal corpo acima. Nesse meio-tempo,
embora preguem e orem poderosamente, não conseguirão afetar o
mundo em geral, mas apenas influenciar os indivíduos por cuja
conversão o número dos eleitos celestiais se completará.
Podemos considerar que o período é de transição. A velha ordem
não é mais um sistema reconhecido, embora muitos ainda estejam
sendo levados à salvação por meio dela; enquanto a nova ordem já
está em vigor e a disciplina daqueles que no momento a exercerão
no poder já começou.

104
Agora, a mulher representa os israelitas fiéis a quem Deus
conduzirá ao deserto para que se refugiem da perseguição do
dragão, como outrora Ele conduziu o Seu povo para fora do Egito e
os salvou das mãos de Faraó, levando-os sobre asas de águia (Êx
19.4).
As águas do mar Vermelho se voltaram sobre os egípcios e eles
afundaram como chumbo para o fundo do mar. Agora, a terra abre a
boca e engole os exércitos perseguidores, que o dragão envia outra
vez em ardorosa caçada ao Israel de Deus.
Com raiva desconcertada, ele volta a fazer guerra contra os
remanescentes da semente da mulher, “os que guardam os
mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12.17). A
descrição visa incluir todo o povo de Deus, que naquele momento
estará exposto à malignidade do dragão, quer sejam os judeus
piedosos, ou os cristãos que não foram considerados merecedores
de escapar das aflições iminentes.
Para executar seu propósito, o dragão vai à praia e evoca das
águas turbulentas, a besta de sete cabeças e dez chifres, símbolo
do grande império que na época em que João teve a visão
governava sobre a terra e que futuramente será útil aos poderes das
trevas, conforme o fim se aproxima (Ap 13.1-9).
A besta chamada pelo dragão será diferente da quarta visão de
Daniel, pois possui sete cabeças. A revelação dada ao profeta judeu
restringia-se aos detalhes que afetavam sua nação. A besta que ele
viu tinha apenas uma cabeça, representando o poder que destruiria
Jerusalém; não obstante, também possuía dez chifres, porque
durante o reinado dos dez reis, Deus retomará a Sua aliança com
Israel. Assim, a trajetória do Império Romano foi mostrada para
Daniel somente nos pontos de contato com a sua cidade e povo.
A besta que emerge do mar da revolução e anarquia humanas —
longe de ser diferente de todas as outras, como o quarto animal da
visão de Daniel — exibe o corpo gracioso do leopardo grego, os pés
do urso persa e a boca cruel do leão caldeu. Representa a última
forma composta do poder romano que incluirá todos os territórios, a
força e as características dos quatro impérios, conforme o sonho de
Nabucodonosor nos mostra: a estátua estava de pé e era completa

105
com todas as suas partes, até o momento em que a pedra a atinge
nos pés, a mói e tudo vira pó.
As sete cabeças já não brilham com diademas, porque o tempo
de seu domínio passou. Mas os chifres têm coroas, pois a Babilônia
meretriz, de quem logo ouviremos mais adiante, fora derrubada, e o
império está agora nas mãos dos dez reis confederados, que
entregam todo seu poder ao seu grande chefe.
Embora a besta sem sombra de dúvida represente a quarta
potência mundial na força de sua última fase, ela também tem um
significado restrito, que nos é apresentado especificamente. Em
Apocalipse 17, lemos que depois que as sete cabeças caírem, uma
delas ressuscitará e será a própria besta (Ap 17.10-11; cf. 13.3).
Podemos entender por que na presente passagem a descrição não
é de um estado, mas de um homem — o grande Anticristo que, ao
concentrar em sua pessoa todo poder e inteligência do Império
Romano e governá-lo de acordo com sua vontade, é aqui
identificado com o império.
Ao relacionar a besta como o último imperador, podemos
considerar que o mar do qual ele sobe é indicação do que está
abaixo, ou seja, o abismo. De fato, outro trecho do Apocalipse
declara nitidamente que o Anticristo subirá do abismo (Ap 17.8) ou,
em outras palavras, que ele será um espírito reencarnado dentre os
mortos.[70] Sabemos que assim será pelo relato da quinta trombeta
que, quando tocada, João viu uma estrela que há algum tempo tinha
caído do céu[71] e que “foi-lhe dada a chave do poço do abismo” (Ap
9.1). Agora haverá pouca dificuldade para identificarmos a estrela
caída com Satanás, quando foi expulso dos lugares celestiais por
Miguel. Tendo em vista que poder lhe fora concedido, da mesma
forma que ele abriu o poço do abismo para soltar os gafanhotos
infernais na terra, podemos inferir que ele também destrancará as
portas da morte para a fuga do Anticristo.
A descrição da besta mostra quão poderoso será o domínio e
múltiplas as energias do príncipe que virá. Ele é como leopardo;
mostrará a pronta determinação e a maravilhosa rápida ação de
Alexandre, ao mesmo tempo que executará seus planos com
tamanha graça e plausibilidade que conquistará a admiração do
mundo. Seus pés são como pés de urso com toda a terrível força e

106
poder de esmagar. Ele adicionará todas as vastas frotas e exércitos
do poder do segundo império mundial à agilidade do terceiro, e
possuirá forças suficientemente grandes para subjugar e destruir
todos os seus inimigos. Sua boca assemelha-se à boca do leão, o
terror das selvas, pois seu poder será como o de Nabucodonosor,
de quem foi dito: “Por causa da grandeza que lhe deu, povos,
nações e homens de todas as línguas tremiam e temiam diante
dele” (Dn 5.19a).
No tempo em que o Senhor estava para entrar em seu ministério
público, Satanás apareceu em seu caminho e ofereceu entregar em
Suas mãos todos os reinos do mundo e a glória deles, se Ele tão
somente se prostrasse e adorasse o deus desta era. O Salvador
rejeitou a blasfema tentação. A proposta será, ao que parece,
repetida ao Anticristo e não encontrará uma segunda rejeição.
Satanás cumprirá sua parte do acordo e dará seu poder, seu trono e
grande autoridade à besta, a quem o coração de todos os homens
se voltará, e ela receberá um domínio não conquistado pela força,
mas assumido com um título inalcançável com base provavelmente
em um plebiscito de toda cristandade. E quando, depois disso, o
novo herói for investido de um halo de glória sobrenatural pela
descoberta de que ele é um líder ilustre de tempos remotos, que
voltou a seu lugar após longa permanência nas regiões dos mortos,
então todo o mundo se maravilhará diante dele.
Talvez seja difícil pensar que um espírito do abismo seja
reconhecido como alguém que já teve um papel tão importante no
drama da história dos homens, após o intervalo de tantos séculos.
No entanto, a partir de Apocalipse 13.3 fica claro que haverá um
reconhecimento suficientemente surpreendente para atrair o mundo
maravilhado após a besta. Mas tanto progresso foi alcançado nos
últimos anos na demolição do muro que separa homens e
demônios, que é impossível dizer até que ponto a comunicação
proibida não possa em breve ser estabelecida.
Alguns estudiosos supõem que o sétimo rei será morto, e que
seu corpo será, pela entrada de outro espírito, restaurado à vida
com a marca do ferimento fatal à mostra. Tal solução das
dificuldades não concorda com o que foi revelado. O oitavo rei será
um dos primeiros cinco ressuscitados, uma vez que no momento da

107
visão narrada em Apocalipse 17 ele já havia passado para o lugar
dos mortos após o término de sua primeira vida (Ap 17.8, 11), e
apenas cinco dos reis já haviam caído (Ap 17.10). Em exata
concordância com isso, está a visão anterior, na qual João vê uma
das cabeças da besta “como golpeada de morte”, ou mais
literalmente “abatida até a morte” em algum tempo anterior, pois o
particípio esfagmenēn( ἐ σφαγμένην) está no tempo perfeito (Ap
13.3). Essa é a cabeça que posteriormente revive.
Assim é a contradição do coração humano. Os homens zombam
da ressurreição de Cristo, mas em breve se prostrarão diante de um
espírito perdido que virá do abismo.
E irão ainda mais longe, e também adorarão o dragão, ou seja, o
diabo, que o rei ressuscitado reconhecerá abertamente como
salvador. Por mais surpreendente que a ideia teria sido há alguns
anos, as correntes de pensamento estão agora tão mudadas que a
tornam concebível. O terror outrora inspirado pelo mero nome do
príncipe das trevas tem sido gradualmente dissipado pela negação
de sua existência, pelas teorias que o incluem em uma redenção
universal e pela disposição geral de considerá-lo — se existe tal ser
— como não totalmente mau ou irrecuperável. Para os que
avançaram até esse ponto será fácil irem mais longe, até estarem
dispostos, como os iazidis,[72] a adorá-lo como o doador de todos os
bens terrenos, em outras palavras, de tudo o que os homens carnais
desejam ter.
É a adoração direta que ele já recebeu nos tempos antigos até de
grandes nações, e “o que se fez, isso se tornará a fazer” (Ec 1.9). O
retorno à prática não indicaria mudança mais violenta na opinião
humana do que outras que foram características de nossa era. O
caminho para isso é indicado até pelo renascimento multiforme dos
modernos espiritualistas e teosofistas da doutrina gnóstica, que
afirmam que a serpente é o verdadeiro amigo do homem por tê-lo
guiado ao que é a fonte de todo o poder humano — a árvore do
conhecimento.[73]
Com relação à besta, grande parte da cristandade já está
preparada para adorar um homem de habilidade transcendente e
sucesso contínuo. Para ignorar a adoração dos santos das igrejas
romana e grega, já existe um calendário positivista, no qual cada dia

108
é designado para o “culto” de algum homem notável na arte,
literatura, filosofia ou outra atividade considerada gloriosa entre os
homens. Enquanto isso, a tendência geral do mundo de adorar
heróis aumenta a cada dia, e manifesta-se em louvor verbal, na
frequente criação de estátuas, na celebração de centenários, e de
muitas outras formas. A que altura esse sentimento será elevado,
quando for invocado por alguém que concentrará em si mesmo o
guerreiro, o estadista, o legislador, o rei e o filósofo perfeito, e
deslumbrará o mundo pela inexaurível inteligência de suas
habilidades e pelos contínuos flashes de poder sobrenatural,[74] de
forma que, aos olhos carnais, ele parecerá ser uma grande
divindade que apareceu entre os homens para curar suas tristezas e
trazer a era de ouro pela qual tanto almejam.
Em seu deslumbramento, os habitantes da terra dirão: “Quem é
semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?” (Ap 13.4b). Na
última frase detectamos talvez a alusão ao cumprimento da visão de
Daniel, quando fala do arrancamento de três chifres diante do chifre
pequeno, e possivelmente a Apocalipse 11, onde diz que a besta
fará guerra contra as duas testemunhas e, ao matá-las, alivia a terra
de seus terrores e pragas.
O restante da descrição de João contém uma frase três vezes
repetida: “foi lhe dada”, que enfatiza que o fato anunciado foi
especialmente permitido por Deus como meio de forçar os crentes
indiferentes à abnegação e à decisão, e de endurecer os ímpios
para a destruição. Primeiramente, somos alertados de que a besta
teve permissão de proferir blasfêmias, pois suas palavras ao Deus
vivo serão tão fortes e desafiadoras que os que as ouvirem e não
virem interferência, poderiam recuar horrorizados e duvidar da
própria existência de Jeová, caso não tivessem sido previamente
informados (Ap 13.5a).
Eles também serão consolados por saber que foi posto um limite
ao poder da terrível besta, que agirá e prosperará por quarenta e
dois meses (Ap 13.5b), e depois cairá para não mais se levantar. O
período corresponde à “hora da provação que há de vir sobre o
mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra” (Ap
3.10b), à grande tribulação e à última metade da septuagésima
semana de Daniel.

109
O Anticristo não se esforçará em blasfemar apenas de Deus; ele
também atacará “os que habitam no céu”, ou como devem as
palavras originais gregas ser literalmente traduzidas, “os que
tabernaculam no céu” (Ap 13.6). A referência é aos crentes que
foram arrebatados da terra e cuja partida e lugar de permanência
ele evidentemente saberá; mas eles serão removidos para muito
longe do alcance do Anticristo, que se voltará irado contra os santos
de Deus que ainda restar no mundo e recusar-se a adorar a ele e ao
dragão. Contra eles, ele irá fazer guerra (Ap 13.7, “pelejasse”),
expressão que supõe que haverá uma resistência organizada da
parte deles. A resistência será inútil e só será feita por ignorância
culpável em relação à revelação divina, porque o poder será dado à
besta sobre todos os povos, línguas e nações, e ninguém poderá
resisti-lo até ele ser confrontado pelo grande Rei.
Não são poucos os cristãos que logo adotariam a política de
resistência ao mal pela força dos braços, porque sempre
negligenciam os preceitos e revelações que não estão de acordo
com seus sentimentos. São os que, esquecendo-se dos avisos do
Senhor de ter cuidado com o fermento de Herodes, e do fato de
que, se sua cidadania está no céu, eles são peregrinos e
estrangeiros na terra, mergulham na política do mundo com muito
entusiasmo e com sentimento mais forte do que demonstram em
lutar pelo reino dos céus. Falam também do que chamam de
liberdade, pouco importando com a lei divina, que só conhece a
liberdade para a qual Cristo nos libertou, que reconhece tão-
somente a cidadania que é do céu (Fp 3.20) e que, ainda que
ordenem os ouvintes a obedecer nas coisas terrenas aos poderes
que existem, ensina-lhes a ter tamanha indiferença à sua condição
terrena que ordena: “Foste chamado sendo servo? Não te dê
cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita, ou seja, permanece
na servidão” (1Co 7.21, tradução minha).[75]
Os cristãos que se afastam do espírito desses preceitos são
seduzidos a importar-se com as coisas terrenas, quando deveriam
estar esperando pela chegada do Rei dos céus. Mesmo hoje, muitos
estão inconscientemente ajudando a apostasia romana a recuperar
seu poder sobre a Inglaterra. Em breve irão se arrepender do que
fazem. A mulher irá governar novamente a besta e embebedar-se

110
com o sangue dos santos. Assim que o outro grande inimigo, a
infidelidade popular, surgir e atacar a falsa igreja, eles demonstrarão
simpatia momentânea pelo novo movimento, esperando que ele
abrande seu padrão do que é certo. Quando o iníquo arrancar seu
véu e for decretado que todos devem adorá-lo ou morrer, esses
crentes carnais receberão uma segunda e contundente repreensão.
Porém, mais uma lição será necessária. Quando recusarem
prestar adoração ao Anticristo, ele se preparará para mobilizar seus
exércitos contra eles, que esquecerão do exemplo do Capitão de
sua salvação, que não permitiria que Seus servos usassem a
espada em defesa do corpo de Cristo, e que ordenou que
lembrassem que o discípulo não é maior que seu mestre. Não
conhecendo as Escrituras, eles dirão: “Deus não pode permitir tão
grande maldade! Quem é esse filisteu para desafiar os exércitos do
Deus vivo?”. E partirão para a guerra, viverão cenas de
derramamento de sangue e carnificina e, quando estiverem
perecendo na batalha ou sendo capturados e mortos, seus olhos
irão se abrir, e talvez se lembrarão das palavras do anjo ditas para
Daniel: “Alguns dos sábios cairão para serem provados, purificados
e embranquecidos” (Dn 11.35a). Mas será severo o destino dos que
não quiserem ser instruídos pela palavra de Jeová, e só se afastam
das coisas terrenas por amarga disciplina que os persegue até à
hora mais importante da vida.
João conclui seu relato da primeira besta com um alerta aos
crentes que estiverem dispostos a defender-se por armas. “Se
alguém”, diz ele, “leva para cativeiro, para cativeiro vai. Se alguém
matar à espada, necessário é que seja morto à espada. Aqui está a
perseverança e a fidelidade dos santos” (Ap 13.10). Deus não
abençoará seus esforços, pois como declara a última frase do
versículo, esse será um tempo em que os santos não devem se
munir de armas, mas de paciência e fé.

111
Capítulo 15
AB S T

E
nquanto João refletia sobre a besta que subiu do mar, ele viu
outra besta desta feita subindo da terra (Ap 13.11-18). Neste
caso também podemos procurar um significado duplo e
considerar o símbolo como representação de um sistema, bem
como do homem que o organiza. Na primeira aplicação, “a terra”
significa um estado estabelecido de coisas promovido talvez pela
primeira besta, que reprime a anarquia inquieta da qual ela surge e
consolida a sociedade. Indica certa situação como a que Napoleão
provocou na França revolucionária, quando tentou transferir o papa
de Roma para Paris e torná-lo seu subordinado e coadjutor.
Na segunda e pessoal aplicação, uma vez que esse ser também
é um espírito do Hades, consideramos “a terra” em seu sentido
literal e a comparamos com as palavras da bruxa de En-Dor
relativas à aparição de Samuel: “Vejo um deus subindo da terra” e
“vem subindo um ancião” (1Sm 28.13-14). A mesma ideia também
se encontra em Isaías 29.4. “Subirá da terra a tua voz como a de um
fantasma [demônio]; como um cochicho, a tua fala, [subindo] desde
o pó”. O Salmo 10.18 descreve a segunda besta como “o homem
que é da terra” ( ).
É algumas vezes chamada de “falso profeta” (Ap 16.13),
enquanto a besta de sete cabeças é invariavelmente chamada de
“besta”. Tem chifres de cordeiro, mas voz de dragão. Há na

112
aparência externa e profissão uma caricatura da mansidão e
brandura do Espírito de Cristo, mas sempre que a plenitude do seu
coração sai pela boca, ele mostra que é inspirado pelo grande
dragão “que engana todo o mundo” (Ap 12.9, ). Ele é então o
chefe daqueles de quem o Senhor disse: “Acautelai-vos dos falsos
profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por
dentro são lobos roubadores” (Mt 7.15). Enquanto a primeira besta
assume o lugar de Cristo e exige adoração, a segunda coloca-se
diante dela como seu profeta. Não há menção de sacerdotes, pois a
nova deidade nada sabe da substituição ou do sacrifício vicário, e só
precisa de um profeta para declarar e executar sua vontade.
Isso nos mostra imediatamente que não há aqui referência ao
papado, pelo menos não na forma em que ele tenha se mostrado
até agora.
Embora o lugar do falso profeta seja subordinado, ele exerce toda
a autoridade de seu líder, e a usa com o objetivo de convencer os
homens a adorar a besta, baseado no fato de que ele foi morto e
ressurgiu dos mortos. Com essa finalidade, ele mostra seu poder
miraculoso e, como Elias, invoca fogo do céu à vista das multidões.
O efeito da exibição será muito grande, mais especificamente no
caso dos judeus, e lembremos que não será combatida nem por um
espírito satânico de ceticismo e nem por algo intragável nas
doutrinas que apoia. O falso profeta aumentará a vantagem da
besta e fará com que seja construída uma imagem dela para
adoração, para a qual, quando estiver concluída, ele enviará um
espírito para ordenar de sua boca o massacre de quem recusar
adorá-la. E para que ninguém escape do suplício, os homens de
todas as classes, pequenos e grandes, pobres e ricos, presos e
livres serão forçados a imprimir na testa ou na mão direita uma
marca visível que consistirá no nome ou no número da besta, e será
exibida como declaração pública de devoção a ele.
Da parte da besta e do falso profeta, ninguém terá permissão de
comprar ou vender sem exibir a marca, de forma que aqueles que
se recusarem a recebê-la passarão fome caso se escondam, ou
serão mortos caso sejam encontrados. Mas na defesa de Deus, um
anjo será enviado para voar no meio do céu, proclamando
solenemente: “Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a

113
sua marca na fronte ou sobre a mão, também esse beberá do vinho
da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e
será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na
presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos
séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem
de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que
receba a marca do seu nome” (Ap 14.9-11).
A essas terríveis ameaças, segue-se uma exortação: “Aqui está a
paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos
de Deus e a fé em Jesus” (Ap 14.12). Eles devem provar que são
santos e crentes obedientes recusando-se firme, mas
silenciosamente, a sancionar de qualquer forma a rebelião contra
Deus e seu Cristo. Se cederem mesmo que no mínimo grau à
terrível pressão que lhes sobrevirá, eles estarão perdidos, pois é
tempo de prova, a grande hora da provação. Não é surpresa que
João imediatamente ouça uma voz vinda do céu, dizendo: “Escreve:
Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no
Senhor”[76] (Ap 14.13). A partir do exato momento que o reino de
terror começar, o maior favor que Deus poderá conceder será reunir
rapidamente pela foice da morte aqueles que Ele ama.
Os crentes que não estiverem prontos na primeira convocação,
encontrar-se-ão nessa situação aterrorizante, e amarga será a
disciplina mediante a qual eles deverão aprender a, daí em diante,
não hesitar em obedecer ao grande Rei. Mas receberão força, para
que nenhum deles, nem seus convertidos e nem os judeus tementes
a Deus cedam ao Anticristo; antes, submeter-se-ão a ser destruídos
na mais furiosa perseguição que já se tenha levantado contra os
servos de Deus. Uma das muitas passagens que fazem essa
descrição é a que aparece no Salmo 10, cujos primeiros versículos,
quando traduzidos mais cuidadosamente como faço a seguir, dizem:
1
Por que estás longe, ó Jeová? Por que te escondes nos tempos de
dificuldade? 2 Pelo orgulho do ímpio, o aflito está febril de medo; eles são
apanhados nas ciladas que [os ímpios] maquinaram. 3 Porque o ímpio
gloria-se do desejo da sua alma, bendiz ao roubador e despreza a Jeová.
4
O ímpio, tal é a sua arrogância, [diz]: Ele não exigirá. Deus não existe, é a
soma dos seus pensamentos, 5 Os seus caminhos [do ímpio] são sempre

114
fortes; muito acima estão os teus juízos, fora da vista dele. 6 Quanto a
todos os seus adversários, ele os repele. Ele diz em seu coração: Não serei
abalado, de geração em geração sou eu aquele que não será tocado pelo
mal. 7 A sua boca está cheia de imprecações, enganos e opressão; debaixo
da sua língua há dano e maldade. 8 Ele assenta-se de tocaia nas aldeias;
nos lugares secretos ele mata o inocente; os seus olhos estão ocultamente
fixos no desamparado. 9 Ele fica à espreita em seus lugares secretos, como
o leão no seu covil; ele faz armadilhas para apanhar o aflito; ele apanha o
aflito, puxando-o para a rede. 10 E esmagado, [o aflito] desaba e cai, o
desamparado entre os fortes. (Salmo 10.1-10, tradução minha)

O Salmo 10 refere-se à perseguição que a segunda besta em


breve fará, como indica o último versículo que descreve o opressor
nestes termos: “o homem, que é da terra” (Sl 10.18). O salmo inicia
com o clamor dos perseguidos, que sobe a Deus como subiu o do
Senhor Jesus no extremo de sua agonia: “Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste?” (Mt 27.46). A terrível condição dos
perseguidos é vividamente ilustrada. Eles estão febris de medo. A
vida não está segura sequer por um instante. A qualquer momento,
eles podem ser descobertos, arrastados para a frente da imagem da
besta e forçados a adorá-la ou morrer. De manhã à noite,
armadilhas são incessantemente armadas para levá-los a fazer a
confissão de sua fé. Não ousam entrar em mercado ou loja, pois
sequer podem satisfazer as necessidades mais básicas da
subsistência, a menos que o comprador primeiro mostre na testa ou
na mão a marca com o sinal da besta.
O versículo 3 diz que todos os desejos do falso profeta estarão
focados no iníquo que é o seu superior. Fala que o iníquo, por mais
cruel que ele seja, abençoará e agradecerá ao falso profeta, ao
mesmo tempo que desprezará Jeová.
Pelas frases dos versículos 4 a 7, podemos inferir que as
principais características do iníquo serão ignorar totalmente a Deus
e promover o desenvolvimento da infidelidade, que mesmo hoje está
aumentando em popularidade diariamente. E sejam quais forem
seus pronunciamentos acerca da verdade, ele será astuto e
inescrupuloso.
O versículo 8 volta à crueldade vigorosa de suas perseguições.
Nenhum vilarejo ou local secreto estará a salvo de seus agentes.

115
Com atividade incansável, eles procurarão em todo canto remoto, e
caçarão todos os que não se curvarem diante da imagem da besta,
sejam os crentes em Cristo ou os judeus conscienciosos.
Os lugares secretos referidos no versículo 9 podem ser
estabelecimentos semelhantes aos da Inquisição, com masmorras
subterrâneas e câmaras ocultas de tortura e morte. E com essa
interpretação, a próxima frase do mesmo versículo concorda,
aludindo, como provavelmente faz, a algum sistema assustador de
espionagem.

116
Capítulo 16
M :B , G

T
emos de considerar agora um assunto misterioso e
extremamente interessante, e para entendê-lo, precisaremos
examinar cuidadosamente Apocalipse 17.1-18. Na famosa
passagem, iremos encontrar uma visão que nos afeta de perto, pois
entre outras coisas preanuncia forte convulsão, cujos rumores
premonitórios já estão forçando a entrada em nossos ouvidos e
ameaçando a geração atual com a terrível violência de seu embate.
No tocante aos detalhes revelados no capítulo apocalíptico,
desejamos em primeiro lugar chamar a atenção para os seguintes
pontos: (1) O Império Romano deixaria de existir por um tempo
como poder unido e secular, mas nesse meio-tempo suas partes
seriam mantidas juntas e dominadas por um sistema eclesiástico
que governaria a partir de sua antiga sede de governo, a cidade de
Roma. (2) O sistema eclesiástico iria dolorosamente perseguir e
destruir os santos de Deus. (3) No fim, facções seculares uniriam
forças e após uma luta amedrontadora derrubariam o poder
eclesiástico em meio a cenas de grande violência e crueldade. (4)
Ao mesmo tempo, o Império Romano, organizado em dez reinos,
seria abertamente restaurado sob o comando de um grande
imperador, um espírito reencarnado, debaixo de cuja influência o
império já havia se curvado antes do tempo da visão.

117
No início do capítulo, João é convidado a ir ao deserto para ver o
julgamento da grande prostituta, a saber, a falsa igreja da Babilônia,
e para sua surpresa, ela apareceu montada na besta! Podemos
entender sua surpresa, pois até aquele momento só houvera guerra
entre a igreja e o mundo, e o Mestre declarara que assim seria até o
fim. Portanto, ele tinha motivos para ficar perplexo ao ver que ela
fingia ser igreja, não apenas tolerando ser sustentada pelo poder
mundial que odiava Cristo, mas alegrando-se por sentar-se como
rainha e dirigir seu curso, embora ainda estivesse como sempre na
condição de caída e sensual.
O apóstolo estava contemplando as profundezas de Satanás e
aprendendo algo acerca das contrafações assombrosas e ilusões
mentais, por meio das quais o deus desta era ilude nosso fraco
intelecto e espírito doentio, e atrai para o triste pântano da morte
todos os que estão propensos a abandonar o caminho do Rei.
Ao olhar para a besta, João notou que nem as cabeças e nem os
chifres tinham coroas. Ele a viu em um tempo em que seus poderes
governantes não poderiam ser de qualquer uma das sete cabeças e
nem mesmo do oitavo imperador com seus reis confederados, mas
do sistema eclesiástico simbolizado pela mulher. Não é preciso
estudar muito a Bíblia para aprendermos que a figura de uma
prostituta dificilmente seria usada para simbolizar um sistema
manifestamente hostil a Cristo; antes, seria usada para representar
um sistema que se mostra semelhante a uma igreja, embora suas
doutrinas e práticas sejam todas opostas ao que ela afirma, e ela
nem se importa em disfarçar seu ódio pelos verdadeiros crentes.
O nome Mistério, a Grande Babilônia, sugere que de forma
enigmática a mulher é a Babilônia, embora mais adiante seja dito
sem rodeios que ela é Roma. Entretanto, com nosso conhecimento
atual, o enigma é solucionado. Descobrimos que cada uma das
duas grandes cidades foi por sua vez a sede de seu poder, de modo
que ela foi identificada como uma delas em tempos anteriores, e
com a outra em uma época posterior. Aqui é mostrada a grande
organização, o instrumento de Satanás para enganar e escravizar o
coração dos homens, sobre a qual foi dita nos dias do Antigo
Testamento: “Do seu vinho beberam as nações; por isso,
enlouqueceram” (Jr 51.7), enquanto que no Novo Testamento o

118
mesmo poder é ilustrado pela figura de uma mulher chamada “A
” (Ap 17.5).
De sua longa história oculta, que foi agora revelada por
descobertas em Nínive e Babilônia, o espaço limitado que temos
não permitirá oferecer mais do que um breve esboço. Uma
organização secreta de incrédulos foi formada logo depois da morte
de Ninrode, em uma época em que a apostasia aberta era perigosa.
Os membros da organização estabeleceram a sede na Babilônia,
onde empenharam-se com atividades incessantes com a finalidade
de confundir e destruir o conhecimento de Jeová no mundo e
colocar os homens sob o jugo de deuses demoníacos. Logo
tornaram-se uma corporação poderosa e influente, mas descobriram
que seu método original de procedimento era tão eficaz que, mesmo
quando tinham se esquecido do medo indicador de suas
precauções, e logo se tornariam supremos em toda terra, eles
recusaram mudar o caráter de sua corporação e continuaram a ser
uma sociedade secreta. Os indivíduos que quisessem partilhar de
seu poder e privilégios só poderiam fazê-lo passando pela provação
da iniciação que incluía um batismo, após o qual o iniciado era
chamado de duas vezes nascido ou regenerado (δίφυής).
Inicialmente, a adoração era oferecida a uma trindade formada
por pai, mãe e filho. A primeira pessoa era confundida com a
terceira e quase foi esquecida, de forma que as divindades
proeminentes eram a mãe e o filho. Dessas, a primeira era de longe
a mais popular e ficou conhecida, de acordo com o tempo e o lugar,
como a Rainha dos Céus, Mãe dos Deuses, Milita, Astarte, Diana de
Éfeso, Afrodite, Vênus, Ísis e Bendita Virgem.[77]
A cabeça terrena da sociedade foi um rei-sacerdote que usurpou
uma dignidade que Deus nunca concederá a ninguém, até que
venha Aquele a Quem pertence de direito, e que será sacerdote no
Seu trono (Ez 21.27; Zc 6.13).
A Babilônia, como já dissemos, era a antiga sede da
confederação rebelde, e de lá sua influência foi disseminada pelo
mundo inteiro. Depois que os medo-persas capturaram a cidade de
Nabucodonosor, seus líderes, expulsos da fortaleza, mudaram a
sede para Pérgamo (Ap 2.13) e permaneceram lá por séculos.[78]

119
Enquanto isso, a quarta potência gentia estava rapidamente
ofuscando o mundo e, diferente do reino persa de Ciro, professava a
fé dos caldeus. A religião de Roma foi instituída pelo etrusco Numa
Pompílio, seu segundo rei. Há recentes pesquisas que provam que
os etruscos eram uma colônia da própria Babilônia ou de algum país
vizinho que adotou o credo dos caldeus. E aconteceu que a
autoridade de Pérgamo nunca foi contestada pelos pontífices da
cidade das sete colinas e, quando Átalo III morreu, ele deixou seu
sacerdócio real, domínio e vasta riqueza ao povo romano. No
entanto, como seu governo era uma república, eles não tinham
cidadãos que pudessem assumir as altas funções de Átalo, até que
Júlio César, que fora sido eleito pontífice máximo, tornou-se também
imperador, e pôde ser o sucessor de toda dignidade do pontífice
babilônico. Imediatamente declarou-se descendente da deusa
Vênus e, a partir de então, o imperador romano era conhecido por
divus, ou seja, “divino” e era adorado como deus.
A vasta potência mundial de Roma foi montada pela mulher
babilônica antes da chegada de Cristo, e, por instigação dela, todo o
maquinário do império foi posto em funcionamento para esmagar a
igreja, provocando perseguição após perseguição em sangrenta
sucessão. Foi somente depois que todos esses esforços
fracassaram que ela mostrou-se como prostituta por falsamente
professar fidelidade a Jesus a Quem ela perseguira. Por nada ter
conseguido por violência aberta, ela tentou a hipocrisia e a
corrupção e, num espaço de tempo incrivelmente curto, a igreja
cristã tornou-se paganizada e foi persuadida a receber todas as
antigas divindades sob o novo nome de “santos”, bem como as
doutrinas, rituais e vestes do paganismo.
Por fim, em 366 d.C., mediante manobras hábeis e não pouca
violência, Dâmaso, líder dos conspiradores, foi levado à força ao
bispado de Roma, tornou-se o chefe da igreja cristã e foi eleito o
pontífice máximo do mundo pagão. Os pagãos não podiam mais ter
escrúpulos. Juntaram-se à igreja aos montões. A fusão em pouco
tempo se completou, e o resultado foi a igreja de Roma, cujo chefe
governante, sob o antigo título de pontífice máximo, que ele
conserva até hoje, logo elevou-se acima de todos os monarcas
seculares e reivindicou a supremacia sobre a cristandade.

120
É a história da sociedade babilônica, que depois de influenciar o
primeiro império mundial e ter muito a ver com o terceiro, tornara-se
no tempo de João a amante do quarto império, de forma que a
mulher, ao governar o mundo a partir da cidade das sete colinas,
identificou-se com Roma, e o anjo a descreveu como “a grande
cidade que reina sobre os reis da terra” (Ap 17.18).
Na visão, o apóstolo a viu como ela se tornará em um estágio
posterior da história, quando, parcialmente disfarçada sob o manto
roubado da igreja de Cristo, ela deixará de governar secretamente
por meio dos poderes seculares, e terá se colocado abertamente
acima deles, reinando com autoridade suprema. Portanto, nesta
visão, a besta, que sempre representa o poder secular, aparece sem
coroa, não usa diadema nem na cabeça nem nos chifres, mas é
montada e dirigida pela mulher.

121
Capítulo 17
O S R O R

A
o explicar para João o significado da besta, o anjo lhe disse
que as sete cabeças tinham duplo significado, e deveriam ser
interpretadas de uma maneira com respeito à mulher, e de
outra quando relacionadas com a besta. Com relação à mulher, as
cabeças denotavam os sete montes sobre os quais ela se sentava,
e como era comum naqueles dias falar de Roma como a cidade das
sete colinas,[79] o apóstolo perceberia facilmente qual era a intenção,
mesmo antes que o anjo acrescentasse que a mulher era a cidade
imperial que então governava o mundo (Ap 17.8-10).
Quando entendidas em conexão com a besta, as cabeças têm
um significado muito diferente — elas significam sete reis, enquanto
a própria besta significa um oitavo. Desses oito monarcas, o anjo
informa ao apóstolo que cinco já haviam caído, um existia quando
João escreveu, e um sétimo ainda estava por chegar. O oitavo, que
seria um dos sete, tão intimamente ligado ao poder mundial e tão
perfeito expoente da vontade popular, nem é chamado de cabeça,
pois é a própria besta.
A visão profética anuncia que cinco reis já caíram. Pelo uso do
verbo “cair” no Apocalipse, deduzimos que eles pereceram por
morte violenta e não por morte natural.[80]
A descrição em Apocalipse 13 fala que sobre as sete cabeças da
besta havia nomes de blasfêmia e, em Apocalipse 17, menciona que

122
o corpo todo estava cheio deles. É indicação de que cada um dos
sete reis, bem como o oitavo, que é a besta, estabelece-se como
deus para o mundo. Até aqui, temos os seguintes dados para
identificar os oito reis: (1) Todos os reis são monarcas da quarta
potência mundial, isto é, a potência romana. (2) Cinco dos reis já
haviam perecido de morte violenta antes de João ter a visão. (3) Um
sexto rei reinava na ocasião da visão. (4) O sétimo rei e o oitavo rei
ainda iriam chegar. (5) Todos os reis eram ou seriam adorados como
deus.
Portanto, até onde podemos julgar pela história deles, os cinco
reis que caíram foram Júlio Cesar, Tibério, Cláudio, Calígula e Nero.
[81]
O sexto foi sem dúvida Domiciano, durante cujo reinado João
recebeu a revelação.[82] Ele foi o último dos doze césares e
comandou a segunda perseguição contra a igreja.
Pode ser que um espaço considerável intervenha entre o sexto e
o sétimo rei. Há uma possível pista nas palavras “o outro ainda não
chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco” (Ap 17.10b). Talvez
ele ainda esteja no futuro, mas existem outras razões, que
consideraremos mais adiante, para acreditar que ele já apareceu na
pessoa de Napoleão I.
Com relação ao oitavo rei, podemos deduzir as seguintes
particularidades quando juntamos as informações de Apocalipse 13
e 17.
Apocalipse 17 descreve o oitavo rei como um dos sete reis, ou
seja, um deles ressuscitou. Sendo assim, não há menção a uma
oitava cabeça, mas apenas a um oitavo rei. Apocalipse 13 também
não menciona uma oitava cabeça, mas João percebeu que uma das
sete cabeças fora “golpeada de morte”, ou seja, foi inegavelmente
morta (Ap 13.3). Enquanto ele a olhava fixamente, a cabeça reviveu,
dando indicação clara do significado da visão em Apocalipse 17,
quando declarou que o último rei “procede dos sete” (Ap 17.11).
Assim, o oitavo rei é um dos sete reis ressuscitados e,
consequentemente, a visão anuncia que a besta que o representa
subirá do abismo ou do lugar dos mortos (Ap 17.8). Com isso em
mente, entendemos seu destino final, e também o do falso profeta:
por ambos serem espíritos reencarnados, e já terem experimentado
a primeira morte, eles não serão, quando capturados no ápice da

123
rebelião, lançados no abismo, mas lançados vivos no lago de fogo e
enxofre (Ap 19.20),[83] pois foi ordenado aos homens morrerem uma
só vez, vindo em seguida o julgamento (Hb 9.27).
Mais uma vez, o anjo diz a João que a besta, o oitavo rei, “era e
não é, está para emergir do abismo e caminha para a destruição”
(Ap 17.8). Em outras palavras, o oitavo rei esteve na terra antes de
João ter a visão, estava, durante a visão, no lugar onde os mortos
estão e irá, no futuro, subir dali para liderar a grande rebelião que o
fará ser condenado à perdição eterna. O terrível ser, que pela
segunda vez perturbará o mundo, não pode ser o sexto ou o sétimo
rei, mas tem de ser um dos reis que já haviam caído no momento da
visão, ou seja, se os nomes mencionados estiverem corretos, ele
deve ser um dos cinco Césares: Júlio, Tibério, Cláudio, Calígula ou
Nero.
Mais do que isso, só podemos prosseguir por conjecturas, mas
conjecturas tão fortemente apoiadas que vale a pena mencionar.
Mostramos que a besta é símbolo de duplo significado, o que
denota o poder mundial bem como o oitavo rei. Ao considerar a
visão registrada em Apocalipse 13 com vistas à interpretação
anterior, observamos que o oitavo rei combina características tiradas
de outros três animais por ter o corpo de leopardo, os pés de urso e
a boca de leão. A peculiaridade estabelece, como já dissemos, a
última forma do poder mundial, quando representará a totalidade
dos quatro impérios e incluirá em si tudo o que já pertenceu a eles,
além de acessórios próprios.
Ao desenvolver a interpretação, é claro que as cabeças não
podem ser reis individuais, mas representam sete formas diferentes
de governo, que é exatamente o número indicado nas visões de
Nabucodonosor e Daniel. Elas serão os seguintes: a primeira forma
de governo é a Babilônia; a segunda, o Império Medo-Persa; a
terceira, o império de Alexandre; a quarta, os quatro reinos de seus
sucessores; a quinta, o Império Romano em sua unidade; a sexta,
os impérios do oriente e ocidente; e a sétima, os dez reinos.
Na analogia com a interpretação pessoal, supomos que uma das
formas de governo que desapareceu será restaurada sob a
liderança do Anticristo, e que será, sem dúvida, o Império Romano
unificado ou a quinta cabeça, que será revivida quando os dez reis

124
entregarem seu poder à besta e forem rebaixados à posição de
meros governadores de província. Não é possível que, em
correspondência com isso, o quinto rei também será aquele que
subirá do abismo? Se assim for, contanto que os cinco reis sejam os
que acabamos de mencionar, o Anticristo será o espírito
reencarnado do terrível Nero. Poderia haver outro instrumento mais
adequado para o objetivo de Satanás?
Caso admitamos a conclusão, encontraremos surpreendentes
corroborações na história de Nero, bem como nas concepções
formadas sobre ele e nos rumores que circularam por seus
contemporâneos e pelos que vieram depois deles, pagãos e
cristãos.
Primeiramente, alguns de seus atos eram prenúncios muito
sugestivos do que o Anticristo fará daí para frente, pois ele foi o
primeiro a exercer o poder imperial contra os cristãos e as
crueldades amargas de sua perseguição — entre cujas vítimas
estava Paulo, o apóstolo dos gentios — foram imitadas muito bem
pelos sucessivos imperadores. Foi Nero que enviou a expedição sob
o comando de Vespasiano e Tito que devastou a Judeia e destruiu
Jerusalém e o templo.
Não menos notáveis foram as ideias prevalentes acerca de Nero
no mundo pagão, pois acreditava-se que ele seria privado de seu
poder e posteriormente lhe seria restaurado. De acordo com alguns
adivinhos, Jerusalém seria a capital do seu segundo império. A
seguir, apresentamos uma passagem de sua biografia escrita por
Suetônio:

Os astrólogos haviam predito outrora a Nero que chegaria a vez em que se


veria abandonado, o que deu oportunidade para que repetisse muitas
vezes esta frase: “Toda a terra nutre a arte”, querendo, assim, justificar seu
gosto pela música, arte agradável ao príncipe, necessária ao homem
particular. Entretanto, houve quem lhe prometesse, para depois da sua
destituição, o Império do Oriente. Outros designaram-lhe o reino de
Jerusalém. A maior parte anunciou-lhe que recobraria a sua antiga fortuna.
[84]

Relatos de previsões semelhantes espalharam-se por toda parte,


e há evidências abundantes nos escritores clássicos sobre a

125
impressão profunda e duradoura causada por isso. Por exemplo,
Suetônio, depois de mencionar a alegria geral pela morte de Nero,
acrescenta:

A alegria pública foi tal que, o povo, ostentando o gorro da liberdade, corria
de um lado para outro da cidade. Entretanto, não faltou quem adornasse,
durante muito tempo, o seu túmulo de flores da primavera e do verão e ora
levasse aos Rostros as suas imagens pretextas, ora seus éditos, tudo como
se ele estivesse vivo e não demoraria a voltar, com grande dano para os
seus inimigos. Além disso, Vologeso, rei dos partos, que enviara
embaixadores ao Senado para renovar seu pacto de aliança, pedira
reiteradamente que prestassem homenagens à memória de Nero. Para
finalizar, 20 anos mais tarde, na minha adolescência, apareceu um
aventureiro dizendo-se Nero. Em virtude do nome, foi tão bem acolhido
entre os partos e tão poderosa ajuda lhe prestaram que só a muito custo
conseguimos a sua restituição.[85]

Por três vezes nos reinos de Galba, Tito e Domiciano, os partos


ficaram prestes a lutar contra impostores que haviam assumido o
nome de Nero. Há algo de impressionante nisso, pois embora fosse
necessário para o cumprimento da visão de Nabucodonosor que a
Pérsia pertencesse ao quarto império, os partos, que então estavam
na posse daquele reino, resistiram com sucesso a todos os esforços
romanos para subjugá-los, e mantiveram a independência. Se Nero
for o Anticristo, houve quase um instinto profético na honra que os
vigorosos guerreiros partos deram ao nome de Nero, e na vontade
de segui-lo, como se reconhecessem nele um líder destinado.
Tácito menciona o incidente relatado por Suetônio[86] e também o
subsequente distúrbio de Acaia e Ásia provocado pelo falso alarme
de que Nero estava vivo e rumando para o Oriente.[87] Temos relatos
similares em Dião Cássio, Zonaras e outros escritores, mas já
dissemos o suficiente para indicar as estranhas ideias relacionadas
ao imperador que circulavam pelo mundo pagão.
Se nos voltarmos às comunidades cristãs, ficaremos não menos
surpresos com os rumores que encontraremos em todos os lugares.
Havia a crença na igreja primitiva de que quando Paulo falava do
“homem da iniquidade” e do “iníquo”, ele estava se referindo a Nero,
o imperador governante, embora não o mencionasse por nome. Daí
surgiu a opinião de que Nero era a cabeça da besta que fora

126
mortalmente ferida; e que ele ressurgiria da morte e seria o último
grande perseguidor, assim como fora o primeiro. Lactâncio[88] e
Agostinho[89] mencionam que a ideia era predominante em seus
respectivos tempos, mas não a endossam.
A ideia é adotada sem hesitação no mais recente comentário
apocalíptico que chegou até nós — o comentário de Vitorino de
Pettau, que acrescenta a seguinte observação: “Fica claro que
quando a cavalaria enviada pelo Senado o estava perseguindo, ele
próprio cortou a garganta. Portanto, quando ele ressuscitar, Deus o
enviará como rei digno, mas digno da forma que os judeus
mereciam”. Comodiano também, quando fala sobre o Anticristo,
afirma que ele será Nero que saiu do inferno, e ao descrever os
últimos sete anos da era, ele diz: “Mas Elias ocupará metade do
tempo e Nero ocupará a outra metade. Então, a Babilônia prostituta
será reduzida a cinzas, suas brasas avançarão até Jerusalém e o
conquistador latino dirá: ‘Eu sou Cristo, a quem vós sempre
adorais’”. Por último, Sulpício Severo menciona a opinião de muitos
em seus dias, que Nero ainda está por vir como o Anticristo, e
explica: “É incerto se ele se matou, de onde se acredita que ele,
embora tenha se ferido com a espada, foi salvo pela cura de seu
ferimento de acordo com o que está escrito: ‘cuja ferida mortal fora
curada’ [Ap 13.12]. No final dos tempos, ele será enviado
novamente para que exerça o mistério da iniquidade.” Declarações
similares encontram-se nas profecias sibilinas e em muitos outros
escritos antigos.
Esses são exemplos das ideias que prevaleciam entre pagãos e
cristãos relativas a Nero desde seu tempo até o século V. São muito
notáveis e interessantes, e concordam mais ou menos com as
Escrituras, fato que precisamos admitir. Não é de forma alguma
impossível que sejam verdadeiras em sua maior parte, mas não
podemos ir além disso.[90]

127
Capítulo 18
AV S
E

A
ntes que o anjo intérprete revelasse o modo em que a aliança
entre a mulher e a besta terminaria, ele faz uma pausa para
explicar um ponto obscuro em sua descrição da mulher. Ele a
chama de “a meretriz [que] está assentada [sobre] as águas”, e é
necessário informar ao apóstolo que as águas significam “povos,
multidões, nações e línguas” (Ap 17.15). Lembremos que ela é a
Babilônia mística, as águas sobre as quais ela se assenta são o
Eufrates místico.
Portanto, esse rio comumente citado não simboliza o Império
Turco, como muitos têm exposto; representa os povos sobre os
quais o sistema babilônico tem dominado desde que estabeleceu-se
em Roma. Não significa o poder muçulmano que, com todas as
suas falhas, sempre foi inimigo do babilonismo, mas os reinos do
cristianismo, os países que se curvaram à falsa igreja, mas logo
darão boas-vindas ao Anticristo e seus dez reis.[91]
Após esse prefácio, pelo qual o anjo tencionava indicar com mais
clareza as nações envolvidas na profecia, a cena muda, e vemos
diante de nós a terrível luta entre o eclesiasticismo e o secularismo,
para a qual a Europa está se preparando e na qual uma das partes
em disputa será a igreja papista e todos os que absorveram seus

128
princípios eclesiásticos, enquanto, do outro lado, estarão
enfileiradas as crescentes forças diárias de socialistas, comunistas,
niilistas, positivistas, agnósticos e pensadores livres de todos os
tipos. Em todos os países do cristianismo, os homens estão mesmo
agora tomando partido em um ou outro dos dois grandes campos, e
é provável que a luta final não vá demorar muito para ocorrer.
Contudo, a questão já foi decidida. O eclesiasticismo será destruído
com amedrontador derramamento de sangue, e o encarregado de
Satanás se assentará no trono deste mundo como rei e deus, e
receberá a homenagem de adoração de seus povos, multidões,
nações e línguas que antes era dada à mulher.
Pode ser que a influência de Roma já esteja diminuindo até
chegar ao fim. Os golpes que ela tem continuamente recebido
desde o começo da grande Revolução Francesa a vem abalando
tanto que, quando os dez reis aparecerem, ela precisará apenas de
uma pancada final. Por outro lado, é possível que o tempo do seu
poder não esteja de todo exaurido. Em algumas regiões, ela mostra
sinais de renovada força, sobretudo na Inglaterra e Alemanha,[92] e
já podemos ver uma repentina reação, ainda que efêmera,
estabelecendo-se em toda a Europa. Ela pode por um momento ver-
se outra vez firmemente assentada sobre a besta e, tirando
vantagem de sua popularidade para renovar a antiga política de
perseguição, ficar cada vez mais embriagada com o sangue dos
santos. E pode ser que sua sede de sangue cause a repulsa de
sentimento e intenso ódio em que ela será consumida.
O fato de ninguém além dos dez reis serem mencionados como
agentes da destruição do eclesiasticismo, e de concluírem seu
objetivo com extrema violência, implica que ele estará em pleno
vigor, quando eles caírem sobre ele. Isso está em analogia com
outros procedimentos de Deus, que o criminoso endurecido deve
enfrentar a sentença condenatória quando estiver em flagrante com
seu último crime. Assim Jerusalém, que já havia matado os profetas
e apedrejado os que lhe foram enviados, recebeu permissão para
perseguir o Senhor e seus discípulos, para que sobre ela caísse
todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do
justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias (Mt 23.34-
35).

129
Se esta visão estiver correta, ainda haverá duas grandes
perseguições antes da manifestação do Senhor: a primeira feita pela
prostituta, e a segunda pela besta. E quem pode olhar em volta para
a multidão corrupta e inerte de cristãos professos, sem admitir que
eles precisam verdadeiramente da limpeza do fogo ardente, se
quiserem juntar-se ao grupo purificado e vestido de branco que
aparecerá com a glória do Senhor?

130
Capítulo 19
AT N

D
esde o tempo em que Faber sugeriu, tem aumentado
gradualmente a força da opinião de que Napoleão Bonaparte
foi o sétimo rei, e que o oitavo também emergirá de sua
família. Não dá para negar que há certa base para a opinião,
portanto, os que entendem os sinais dos tempos devem continuar
olhando na direção indicada.
Mas, como a evidência não é incontestável, dogmatizar é
insensato, e designar qualquer membro da família Bonaparte como
o Anticristo é muito pior. É impróprio entre os cristãos caluniar
qualquer pessoa, muito mais acusá-la de ser o grande inimigo de
Deus e seu Cristo, quando não há prova da afirmação. Pelo visto, o
Anticristo só se revelará depois que a igreja tiver ido embora, e
mesmo assim, ninguém poderá apontar o iníquo até que a última
cabeça do poder romano seja vista subir da obscuridade
comparativa, derrubando três dos dez reinos e estabelecendo-se
como imperador sobre todos eles, até que se ouça que ela negou o
Pai e o Filho; e até que se saiba que ela fez um pacto por sete anos
com a maioria da nação judaica.
Embora os fatos ainda não se realizaram, seja qual for nossa
suspeita, não temos mais do que a possibilidade ou no máximo a
probabilidade sobre a qual nos basear. Também não esqueçamos o
quão pouco realmente sabemos, o quão ávidos somos,

131
inconscientemente, em traduzir a profecia dentro da história de
nosso próprio tempo, e o quão facilmente nos enganamos.
Com esse prefácio, mencionaremos algumas razões que tornam
provável que Napoleão foi o sétimo rei e que também indicam sua
família como aquela de quem o oitavo surgirá. Resumimos as
razões a seguir.

1. Napoleão efetuou importante mudança no Império Romano,


pondo fim à linha de imperadores que vieram em direta
sucessão de Augusto.
2. Napoleão transferiu a dignidade imperial da Alemanha para a
França, e já que o reino francês, pela revolução de 1789,
começou a espalhar os princípios da anarquia de onde o
Anticristo surgirá, não é improvável que o próprio grande rei
fosse um monarca francês.
3. Napoleão objetivou a restauração do Império Romano sob seu
domínio, da mesma forma como foi predito que o Anticristo o
restaurará.
4. Napoleão manipulou os judeus, e fez com que eles o
lisonjeassem em termos que provocaram a suspeita de que ele
acabaria se declarando o Messias deles, caso ele mantivesse a
soberania.
5. Napoleão exibiu os nomes de blasfêmia e desejou ser
considerado mais do que humano.
6. A origem grega de Napoleão poderia satisfazer a profecia
contida em Daniel 8.
7. O nome de Napoleão é excepcional e suas insígnias são muito
adequadas às pretensões do último governante do poder
romano.

O ideal de Napoleão o revestiu de surpreendente semelhança


com o Anticristo da Bíblia, mas ele não o percebeu. A tenacidade
com a qual sua família se agarra às suas tradições é bem
conhecida. Não parece impossível que um deles tenha sucesso em
executar o gigantesco plano de seu muito reverenciado fundador.
Caso aconteça, o evento não terá de forma alguma colidido com o
que foi dito anteriormente a respeito de Nero. É apenas o espírito de

132
Nero que subirá do abismo; não há indicação do corpo no qual ele
fará morada.
Em poucas palavras, iremos agora explicar a razões acima
enumeradas.

1. Napoleão pôs fim à sucessão de imperadores que descendiam


em linha direta de Augusto. Para entender isso, precisamos traçar
em linhas gerais as vicissitudes do império, que por três séculos
permaneceu unido sob uma cabeça.
O primeiro que dividiu o Império Romano foi Deocleciano, que
entregou os territórios ocidentais para Maximiano, os coimperadores
assumiram respectivamente os nomes de Jóvio e Hercúleo. Mas a
divisão dos cuidados governamentais não bastou para aliviar a
carga. Dois outros associados, Galério e Constantino, também
foram designados, mas eram considerados inferiores a Diocleciano
e Maximiano, este último tomando o título de Augusto, enquanto
seus colegas mais jovens eram chamados de Césares. A divisão foi
feita em 292 d.C. e, embora, cada um dos quatro imperadores fosse
supremo em seu distrito, sua autoridade unida estendia-se por todo
o império.
Cerca de trinta e dois anos mais tarde, o governo foi centralizado
em um homem: Constantino. Depois de sua morte, o império foi
dividido entre seus três filhos. Juliano, e depois dele Joviano, foram
imperadores únicos, mas Valenciano, que veio a seguir, entregou o
oriente a seu irmão Valente, retendo o ocidente para si. A partir daí,
se excetuarmos os reinos de Teodósio, sempre houve dois
imperadores até 476 d.C., quando o Império Ocidental caiu, e o
Oriental permaneceu sozinho para apoiar a dignidade de Roma.
Mas em 799 d.C., o Império Ocidental, que até então prestava
fidelidade ao Oriental, revoltou-se, e o Sacro Império Romano foi
formado. A causa primária da alienação foi a controvérsia
iconoclasta; e quando permitiu-se que uma mulher, a imperatriz
Irene, usurpasse o trono do Império Oriental, a indignação do
Ocidental chegou ao ápice, e Carlos Magno foi coroado imperador
de Roma. Voltou então a ter dois impérios distintos até 1453,
quando o Império Oriental foi derrotado pelos turcos. A partir daí, a
menos que se aceite a reivindicação da Rússia, a soberania

133
ocidental permaneceu a única representante de Roma até 1806,
quando Napoleão forçou Francisco a renunciar ao título de rei e
imperador dos romanos[93], e constituiu alguns dos países que
formavam o Sacro Império Romano como a Confederação do Reno,
do qual ele se fez protetor.
Assim, de acordo com a interpretação referente às cabeças da
besta como formas de governo,[94] ele destruiu a sexta cabeça e
estabeleceu o poder da sétima — realização que o aponta como o
sétimo rei.

2. Como acabamos de relatar, a liderança do Império Romano foi


transferida pela segunda vez para a França. Agora, esse país é a
mãe da democracia moderna, e foram assustadoras as dores de
parto quando ela deu à luz seu filho, pois na revolução que começou
em 1789 nada menos que dois milhões de pessoas foram
massacradas, de modo que os rios corriam com sangue, e até
mancharam as ondas para as quais corriam.
Então, do mar da anarquia enfurecida surgiu o grande imperador.
Mas as profecias de Deus indicam que as cenas em breve serão
repetidas em escala muito maior. Pode ser que a coroa de Roma
tenha sido dada à França porque ela, que até agora desempenhou
sua parte tão bem, também está destinada a ser o centro do grande
movimento.

3. Napoleão queria restaurar o Império Romano da mesma forma


como está predito que o Anticristo o restaurará. Em 2 de dezembro
de 1804, ele coroou-se imperador da França na Catedral de Notre-
Dame, tendo a cerimônia sido ministrada pelo papa Pio , a quem
ele induzira visitar Paris com esse propósito. Sua ideia de império
revela-se no fato de que ele pegou a coroa de ferro de Carlos
Magno para a coroação, embora naquele tempo grande parte dos
domínios de Carlos Magno prestasse lealdade ao imperador da
Áustria. Mas em 1806, ele fez uso de sua vitória em Austerlitz para
arrancar essas províncias do protetorado da Áustria, unindo-as sob
seu domínio com o título de Confederação do Reno. Ao mesmo
tempo, ele planejava estabelecer alguns de seus irmãos e generais

134
como reis vassalos sobre outros países da Europa. Suas intenções
são explicadas por um de seus últimos biógrafos.

Ele propôs fazer uma transformação radical em todo sistema europeu.


Quando no início do império ouviram que ele evocava o nome e a memória
de Carlos Magno, pensaram que ele fizera fantasiosa comparação, usando
palavras para causar efeito — palavras que não tinham real conexão com
os fatos. Após Austerlitz, ficou evidente que ele queria dizer algo mais do
que a mera expressão casual. Não que a federação de reinos, da qual ele
desejara cerca-se, tivesse algo em comum com a antiga federação
carolíngia. O que ele tinha em mente sob o nome de federação era a mais
estrita e absoluta unidade. Os reis vassalos eram nada mais que humildes
instrumentos da dominação napoleônica. Eram um disfarce ao qual ele
recorrera, porque o puro e simples conhecimento de seus projetos lhe teria
feito muitos inimigos no atual estado da conquista europeia. [...] Mas sob os
títulos imponentes de reis, príncipes, duques, grandes e pequenos
feudatários, todos esses homens eram meros servidores subservientes
para uma centralização de ferro.[95]

Até agora, Napoleão visava restaurar o Império Ocidental na


forma em que o Anticristo irá doravante efetivá-la, a saber, reinos
confederados sob o domínio dele como imperador. Em despacho ao
papa durante aquele mesmo ano, ele expressou-se: “Sua Santidade
é o soberano de Roma, mas eu sou o imperador dela!”.[96] Em 1809,
ele anexou os estados papais e nomeou Roma a segunda cidade do
império. Em 1811, escolheu o título de rei de Roma para seu infante
filho.
Mas sua ambição aspirava um poder ainda maior. Desde a
divisão de Roma em Império Oriental e Império Ocidental, seu
símbolo fora a águia bicéfala, ainda usado por alguns países
europeus que antigamente pertenciam ao Império Ocidental e pela
Rússia, cujo czar ou césar alegava ser a cabeça do Oriental. Mas
Napoleão ousadamente retomou a águia de uma só cabeça,
revelando seu projeto de mais uma vez unificar o dividido império
sob seu único domínio. Alison, ao falar da invasão russa, destaca:
“A principal razão que dirigiu o poderoso conquistador a Moscou, e
não a São Petersburgo, foi o projeto secreto que ele manteve de,
após subjugar os moscovitas, levar seus exércitos vitoriosos em
direção sul, e colocar na testa o diadema do Império Oriental”.[97]

135
Ele tinha o projeto em mente há muito tempo, e dizem que desde
quando ele era apenas um oficial subalterno da artilharia, já nutria a
esperança de ser o rei de Jerusalém. É estranho ele ter desejado o
que os adivinhos pagãos predisseram ser o destino de Nero.
Satanás só descansará depois de ter insultado e profanado a cidade
do grande Rei fazendo dela o trono da besta. Por fim, ele será bem-
sucedido; mas seu sucesso encherá a medida de suas iniquidades.
Napoleão parece ter aceitado o comando do exército egípcio, na
esperança de estabelecer uma dinastia oriental e, após o fracasso
de um de seus ataques a Acre, ele entregou-se a seu secretário
Bourrienne nos seguintes termos extraordinários:

Aquele forte miserável tem me custado caro, mas a questão foi longe
demais para não fazer uma última tentativa. Se for bem-sucedido, como
confio que serei, encontrarei na cidade todos os tesouros do paxá e armas
para munir trezentos mil homens. Levantarei e armarei toda a Síria, que
neste momento reza unanimemente pelo sucesso do ataque. Marcharei
sobre Damasco e Alepo, aumentarei meu exército conforme eu avançar,
com o descontentamento em todo país por onde eu passar. Anunciarei ao
povo a quebra de suas correntes e a abolição da tirania dos paxás. Não
está vendo que os drusos só esperam pela queda de Acre para se
declararem? Já não me ofereceram as chaves de Damasco? Só me
demorei dentro desses muros, porque no momento ainda não consegui tirar
vantagem daquela grande cidade. Depois que Acre for tomada, irei prender
o Egito; do lado do Egito cortarei todo socorro dos governadores turcos, e
proclamarei Desaix general-em-chefe daquele país. Chegarei em
Constantinopla com as massas armadas, derrubarei o império dos turcos, e
estabelecerei um novo no Oriente, que fixará meu lugar com a posteridade.
E talvez, eu volte a Paris por Adrianópolis e Viena, após ter aniquilado a
casa da Áustria.[98]

Nessa exposição de seus vastos planos, é interessante notar que


os pensamentos de Napoleão centralizam-se em Constantinopla, a
antiga sede do Império Oriental, e na casa da Áustria, que naquele
tempo mantinha a chefia titular do Império Ocidental. Mas a bravura
dos turcos sob a orientação inglesa, e a praga que suas tropas
trouxeram consigo de Jafa, frustraram seus objetivos, forçando-o a
recuar com a convicção que ele estava renunciando um trono e que,

136
como muitas vezes depois comentou, Sir Sydney Smith o fez perder
seu destino.
Mas não foi apenas no gigantesco projeto de unificar todo o
Império Romano sob seu comando e governá-lo por meio de reis
vassalos que Napoleão desenvolveu o plano que o Anticristo ainda
irá executar. Ele também sentiu a necessidade de um profeta —
como a segunda besta — para reforçar seu poder e empenhou-se
em satisfazer o desejo. Ele forçou o papa e os cardeais a mudarem-
se para Paris, levando para lá os arquivos do Vaticano, a mitra e
todas as insígnias e ornamentos do estado pontifical, e tentou
estabelecer o papa na França. Seu objetivo é explicado por Lanfrey:

Era para ser um tipo de patriarcado oriental, no qual o papa, jurando


lealdade a ele, pago e inspirado por ele, seria nada mais que um importante
funcionário do império, um colega de Cambacérès, uma espécie de
arquichanceler eclesiástico. “Que alavanca! Que meio de influência sobre o
resto do mundo!”, exclamou ele entusiasticamente mais tarde ao rever suas
ideias favoritas daquele período sobre o assunto da igreja. “Eu deveria ter
feito do papa um ídolo; ele deveria ter permanecido perto de mim. Paris
teria se tornado a capital do mundo cristão, e eu teria governado o mundo
religioso e o mundo político juntos. [...] Eu deveria ter tido minhas sessões
de religião bem como minhas sessões legislativas. Meus conselhos teriam
sido a representação do cristianismo, do qual os papas seriam apenas os
presidentes” [Memorial de Sainte Helene, de Las Cases]. Todas as notas,
cartas e atos de Napoleão daquele período provam que era esse o objetivo
final de seus projetos em matéria de organização religiosa. A igreja, uma
vez escrava da vontade dele, seria disciplinada como um regimento, e os
dois poderes se fundiriam na pessoa do imperador. Considerando a infinita
perfeição à qual ele já dera ao despotismo, não há dúvida de que esse
sistema teria produzido a mais absoluta tirania que o mundo já vira. Seria
um flagelo comparado ao qual os abusos da soberania temporal nada
valem.[99]

Parece então que se um membro da família Bonaparte puder


realizar o ideal do primeiro imperador, ele irá, concernente à
extensão e arranjo de seu domínio civil e religioso, preencher as
condições exatas de candidato ao Anticristo, contanto que seus
reinos vassalos sejam em número de dez.

137
4. Napoleão fez tentativas de diálogo com os judeus, e até certo
ponto os tomou sob sua proteção. Em julho de 1806, ele convidou-
os para realizarem o Sinédrio em Paris, e em março de 1807,
setenta e um doutores e líderes da nação instalaram-se naquela
cidade e formaram um conselho nacional, algo que não ocorria há
mais de mil e setecentos anos; na verdade, desde a destruição de
Jerusalém por Tito.
O interesse imediato de Napoleão nos judeus está, sem dúvida,
no desejo de conciliar os judeus ricos da Antiga Prússia, Polônia e
províncias do sul da Rússia. Contudo, eles o olharam como
libertador e o chamaram de “Ciro ungido do Senhor”, e visto que
conhecemos seus planos com relação ao oriente, temos certeza de
que ele também tinha algum plano posterior para usar os judeus em
seus respectivos países.

5. Napoleão mostrava os nomes da blasfêmia. Quando estava no


Egito, ele abertamente lamentou não poder, como Alexandre,
anunciar ser tido por filho de Júpiter Amom.[100] Mas o que pôde
fazer, ele fez, como pode ser visto pela seguinte proclamação
emitida após a supressão de uma revolta no Cairo:

Xeiques, ulemás, oradores da Mesquita, ensinem ao povo que os que se


tornarem meus inimigos não terão refúgio neste mundo ou no próximo. Há
alguém tão cego que não enxergue que eu sou o Homem do Destino?
Façam o povo entender que desde o início dos tempos foi ordenado que,
tendo destruído os inimigos do islã e derrotado a cruz, eu viria de partes
distantes do ocidente para realizar a tarefa a mim destinada. Mostrem-lhes
que em vinte passagens do Alcorão está prevista a minha vinda.[101]

Durante toda sua carreira, ele mostrou o desejo de ser


considerado algo mais do que humano, e embora muitos dos
discursos dirigidos a ele o reconhecessem como uma espécie de
divindade, não há registro de que tenha imitado a nobre conduta de
Canuto. Pelo contrário, ele desculpou muitos procedimentos
inescrupulosos e ultrajantes baseado na insistência de que ele
estava agindo como o braço de Deus. Napoleão adorava ser
chamado pelo título de Vôtre Providence (Vossa Providência), e
Lanfrey, após citar uma de suas cartas ao papa, observa: “Essas

138
expressões singulares mostram que Napoleão já se considerava
como algo mais do que o suserano do papa, pois chegou a ponto de
disputar com ele o título de vigário de Deus”.[102]
No salão onde o sinédrio reuniu-se em Paris, cifras com o nome
de Napoleão e de Josefina foram misturadas com o nome de Deus e
colocadas sobre a arca da aliança! Mas um exemplo ainda mais
amedrontador de blasfêmia foi dado por Madame de Rémusat, no
livro Memoirs, que passamos a citar:

Alguns anos mais tarde, em outra fête [festa] dada pela cidade de Paris ao
imperador, tendo se exaurido o repertório de inscrições, recorreu-se a um
dispositivo brilhante. Acima do trono que ele ocuparia quando lá estivesse,
estava escrito em letras de ouro as seguintes palavras das Sagradas
Escrituras: “Eu Sou o que Sou”. E ninguém pareceu estar escandalizado!
[103]

6. Já mostramos que o Anticristo deverá, de alguma forma, surgir


de um dos quatro reinos nos quais o terceiro império foi dividido. A
origem dos Bonaparte talvez satisfaça a condição. No livro Memoirs
(Memórias), da Duquesa d’Abrantès, a genealogia dos Bonaparte
remonta à nobre família dos Comneni, que “apoiaram por um tempo
o destino decrescente do Império Oriental”[104] e dos quais seis
ascenderam ao trono imperial em Constantinopla.[105]
Após a captura da cidade pelos latinos, eles tentaram fundar um
novo império na cidade turca de Trebizonda, onde governaram até
que David da Escócia rendeu-se aos turcos em 1461. Alguns
membros de sua família migraram das praias do Bósforo para
Mania, nas vizinhanças do monte Taígeto. Mas depois de um lapso
de dois séculos, discórdias civis na Grécia levaram-nos a fugir de
seu país e procurar asilo na Itália.
Em 1º de janeiro de 1676, três mil refugiados sob a liderança de
Constantino Comneno, que fora o décimo Protágoras de Mania,
aportaram em Gênova. O Senado da República os recebeu
cordialmente, tratando os Comneni como pessoas distintas e,
concedeu-lhes sob determinadas condições três distritos da
Córsega. Constantino recebeu o título “chefe privilegiado”, e o clero
recebeu ordens de oferecer-lhe incenso em sua chegada,
aparentemente como reconhecimento da linhagem imperial.

139
Dos filhos que o acompanhavam, um chamado Calomeros[106] foi
subsequentemente mandado para Florença em missão ao grão-
duque da Toscana. Mas, com a morte de seu pai Constantino logo
depois que partiu, o grão-duque, que estava muito fascinado pelo
jovem, persuadiu-o a renunciar a Córsega e fixar morada na
Toscana. Após um intervalo, um de seus descendentes retornou à
Córsega e tornou-se o fundador da família do imperador Napoleão.
Ele foi recebido como parente pelos Comneni, que, no entanto, ao
falarem de sua linhagem, sempre mantiveram a forma grega do
nome, chamando-o de Calomeri ou Calomeriani.[107]
Foi, sem dúvida, o conhecimento de sua genealogia que inspirou
Napoleão, ainda jovem, com a esperança de reviver o Império
Oriental, e caso tivesse conseguido estabelecer-se no Ocidente,
talvez teríamos sabido mais sobre sua descendência imperial.[108]

7. Por último, o nome e a insígnia de Napoleão parecem


concordar com o que nos foi dito sobre o Anticristo. O nome
imediatamente se tornará em grego, o idioma do Novo Testamento,
por mera mudança de posição das letras (Ναπολέων), cujo
significado é o “leão da floresta”. Pode ser apenas coincidência,
contudo, harmoniza-se notavelmente com a grande profecia de
Jeremias: “Já um leão subiu da sua ramada, um destruidor das
nações; ele já partiu, já deixou o seu lugar para fazer da tua terra
uma desolação, a fim de que as tuas cidades sejam destruídas, e
ninguém as habite” (Jr 4.7).[109]
Mas um mistério ainda mais grave está escondido no nome,
quando descobrimos que no caso dativo (Ναπολέων) expressa
dedicação ou devoção e resulta no número exato da besta, o
sinistro número seiscentos e sessenta e seis.
Os emblemas da dinastia napoleônica são igualmente notáveis.
São a águia, a violeta e a abelha, todos inclusos em uma das
apresentações feitas em Chislehurst, Inglaterra, ao falecido príncipe
imperial, quando ele chegou à maioridade. A insígnia era composta
de um tinteiro em forma de colmeia com uma águia em cima e
decorado ao redor com ametistas usadas para representar a cor
violeta. Apresento agora o significado dos símbolos.

140
A águia de uma cabeça simboliza a união de todo Império
Romano, o Oriental e o Ocidental, como o objetivo tradicional da
família.
A cor violeta é em geral representada pela pedra preciosa
ametista-oriental ou safira violeta, que Plínio disse ter a perfeição
das mais ricas nuanças de púrpura. Tem a intenção de distinguir os
napoleões como a família imperial do Império Romano.
Mas a cor tem ainda mais significância do que parece à primeira
vista. Nas orientações dadas para a preparação do tabernáculo,
encontramos frequente menção ao “azul, e púrpura, e carmesim”
(e.g., Êx 26.36), e se notará que a cor do meio é produzida pela
mistura das duas outras. O azul simboliza a origem celestial do
Senhor Jesus, e o carmesim (ou a escarlate), sua natureza humana
de carne e sangue, enquanto a púrpura representa a mistura das
naturezas em Cristo encarnado, o Deus-Homem. Um significado
similar está associado à cor púrpura imperial, cujos usuários eram
chamados de “divi” e adorados como deidades. Durante as
primeiras perseguições, o teste proposto aos cristãos era que eles
deveriam oferecer incenso no altar diante do busto do imperador. A
revelação de Deus do futuro diz que nessa questão a história irá se
repetir, e que “o que foi é o que há de ser” (Ec 1.9).
Com relação à abelha, o mesmo substantivo é usado no idioma
caldaico para significar “abelha” e “palavra”. Consequentemente, a
abelha foi adotada pelos iniciados como emblema da “Palavra” ou o
“Revelador da Divindade”. Na mitologia persa, o deus mitra era
algumas vezes representado como um leão com uma abelha na
boca. O leão o distinguia como o deus-sol, sendo o leão a casa
astrológica do sol, enquanto a abelha na boca do leão indicava que
ele era a Palavra de Deus, o Iluminador. O quanto esse artefato se
adequa bem às pretensões do Anticristo é suficientemente óbvio.
São essas algumas das razões para considerar Napoleão como a
sétima cabeça da besta e para supor que a oitava surge dessa
família. Não representam uma demonstração absoluta do segundo
ponto, embora tenhamos de admitir que mesmo assim as razões
não devem ser deixadas de lado. Com relação ao primeiro
Napoleão, confessamos que o testemunho da história é completo e
decisivo.

141
Se realmente tem fundamento, a inferência é muito grave, pois
então a sétima cabeça caiu, e a oitava pode aparecer a qualquer
momento. Todavia, como entendemos pelos capítulos 12 e 13 do
Apocalipse, antes que esse último rei suba do abismo, deverão ser
ouvidos o brado, a voz do arcanjo e a trombeta de Deus, e os
crentes à espera, quer estejam vivos ou mortos, serão transportados
desta terra condenada para a presença do seu Senhor.

142
Capítulo 20
AR G
B

A
mulher chamada de Mistério, a Grande Babilônia, representa,
como já vimos, a grande sociedade fundada em ligação com
Ninrode, que sempre exerceu um papel de liderança no
drama da humanidade, e o fez durante a era cristã, e no Ocidente,
principalmente manipulando a igreja de Roma.
Mas em Apocalipse 18 encontramos algo muito diferente: a
descrição de uma cidade literal, o centro comercial do mundo. O
erro dos que a identificam com a mulher aparecerá nas
considerações enumeradas a seguir.

1. O assunto de Apocalipse 17 é “Mistério: B , G ”


(ou M , G B ”, ) e em Apocalipse 18 é
apenas “a grande Babilônia” ou “a grande cidade”.

2. A Babilônia-Mistério será destruída pelos dez reis, “porque em


seu coração incutiu Deus que realizem o seu pensamento, o
executem à uma e deem à besta o reino que possuem” (Ap 17.17).
Assim, a mulher é destruída para que seu poder seja transferido
para a besta; seu fim, portanto, precede o reino do Anticristo.

143
Mas a grande cidade da Babilônia encontra seu destino com a
sétima taça, que é derramada ao final da carreira do Anticristo (Ap
16.17-19).
Sendo assim, as catástrofes são diferentes e há um intervalo de
não menos que três anos e meio entre elas.

3. A mulher é odiada pelos dez reis, que a fazem ficar desolada e


nua, comem sua carne e a queimam no fogo (Ap 17.16).
Mas esses mesmos reis, por serem naquele tempo os “reis da
terra”, choram e lamentam a queda da cidade (Ap 18.9).[110]

4. A agência humana dos dez reis trabalha na ruína da mulher e


o faz por um processo prolongado.
A cidade, ao contrário, perece por um julgamento amedrontador e
instantâneo, é afogada em um momento como uma mó lançada ao
mar e desaparece em meio às chamas vomitadas pela terra que
abre bem a boca.[111] O seu fim é tão inesperado, tão extraordinário,
tão terrível, que faz com que os marinheiros e mercadores, que
estão a caminho dela, parem a certa distância segura para
consternar-se e desesperar-se.

Se encontramos tantas diferenças nos detalhes apresentados,


fica claro que não podemos considerar que a mulher e a cidade são
absolutamente a mesma entidade. Ao mesmo tempo, é
incontestável que existe uma estreita conexão entre elas, de uma
forma provável que nos esforçaremos em descrever.
Em tempos passados, como o leitor já sabe, o estranho poder
proveniente da Babilônia que afetara o mundo foi transferido para
Roma. No futuro, e possivelmente em um futuro próximo, Roma ou
pelo menos o sistema romano será destruído, e o centro da
iniquidade será restaurado por breve período em sua antiga sede às
margens do Eufrates.
As profecias relativas à Babilônia ainda não se cumpriram (Is
13.1–14.23). Ela nunca foi subitamente destruída “como Sodoma e
Gomorra, quando Deus as transtornou” (Is 13.19), e nem, até agora,
conheceu completa desolação, a ponto de ficar sem habitantes (Is
13.20). Capturada, mas não arrasada, ou mesmo seriamente ferida,

144
por Ciro, a cidade foi preservada como residência real durante todo
período do governo persa. Alexandre projetava reerguê-la da
decadência em que ela caíra, restaurar o maravilhoso templo de
Belo, e torná-la novamente a capital do mundo. Josefo e Fílon falam
que no seu tempo, a cidade continha casas de muitos judeus e, por
conseguinte, não ficamos surpresos ao constatar que Pedro, o
apóstolo da circuncisão, visitou-a e destinou sua primeira epístola
aos “estrangeiros da Dispersão” escrevendo-lhes enquanto estava
na cidade de Nabucodonosor (1Pe 5.1, 13, ). Quinhentos anos
depois de Cristo, ela ainda contava com numerosos judeus entre
seus habitantes, e foi o lugar de onde o Talmude Babilônico foi
redigido para cegar ainda mais os olhos e endurecer o coração dos
parentes do Senhor segundo a carne. E mesmo agora, a próspera
cidade de Hila ocupa seu local com uma população de cerca de dez
mil pessoas[112] e está rodeada de aprazíveis jardins e tâmaras.
As profecias da súbita e total destruição da cidade ímpia e de sua
perpétua desolação ainda não se cumpriram. Notemos também que
em Isaías e Jeremias sua inesperada catástrofe está estritamente
relacionada com a restauração final de Israel. Portanto, a Babilônia
terá de ser reconstruída e tornar-se novamente o centro do mundo e
a glória dos reinos como mostramos no comentário a Apocalipse 18.
Agora, em relação à restauração da cidade, existem três
questões de profundo interesse, em cada uma das quais nos
deteremos por alguns minutos. As questões são: (1) Podemos
discernir nas revelações que temos algum motivo que impeça
Satanás de instigar a reconstrução da Babilônia? (2) Há a
probabilidade da restauração da cidade, a partir de um ponto de
vista puramente humano? (3) As Escrituras contêm indicação de
que o centro da iniquidade será retirado de Roma e levado de volta
ao seu local original às margens do rio Eufrates?
Com relação à primeira questão, é o reino de Deus em mistério
que está agora na terra, ao qual Satanás se opõe por meio da
Babilônia-Mistério. O Espírito ainda está presente no poder
pentecostal, portanto, as piores manifestações do mal são contidas,
e o adversário é obrigado a executar suas operações com astúcia
mais ou menos sigilosa. Sua grande organização no passado foi
uma igreja falsa que ele não dirigiu para uma negação aberta, mas

145
para uma confissão fingida do Pai e do Filho. Com esse credo
hipócrita, a prostituta babilônica já estabelecida em Roma foi
disfarçada e mascarada como a igreja de Cristo. Mas ela reteve
toda sua abominação, especialmente sua deusa, a rainha do céu, a
quem, com o novo nome de virgem Maria, a adoração devida ao Pai
e ao Filho foi secretamente desviada, até chegar o tempo da
negação aberta da divindade das duas últimas pessoas.
Esse era o estado das coisas no passado. Porém, antes de os
dez reis entregarem o poder à besta, a igreja será removida da terra
e o Espírito que agora dificulta a manifestação do iniquo também
partirá, e será tirado do caminho (2Ts 2.6-8).
Quando toda restrição for removida, Satanás irá imediatamente
aumentar o padrão da rebelião aberta para a qual o mundo já está
preparado. Sua igreja falsa não terá mais serventia e, mais ainda,
será um obstáculo à mudança de seus planos. Portanto, ele porá o
coração dos filhos da desobediência contra ela, e os incitará à
destruição violenta e cruel de sua organização e de seus honestos
ou preconceituosos devotos.
Aqueles que tiverem secretamente manipulado a igreja falsa em
prol dos objetivos malignos, e todos os que uniram-se a ela por
considerações egoístas, ele fará com que mudem a linha de
batalha, façam do comércio internacional e da prosperidade
mundana a base de seu sistema, no lugar da religião, e reconstruam
a Babilônia como a sede de seu poder.
O retorno dos judeus, e outros sinais, irão assinalar que Deus,
tendo removido seu reino em mistério, está prestes a restaurar o
reino manifesto a Israel, e Satanás, por sua vez, precisará
novamente do velho inimigo de Jerusalém, a iníqua cidade do
Eufrates.
Quanto à segunda questão, o renascimento do Oriente é um dos
fenômenos mais notáveis que temos diante de nós. Muitos de seus
países estão acordando de sua letargia e parecem prontos para
comunicações abertas com o Ocidente. E talvez não haja lugar mais
adequado para um mercado central do que a Babilônia com as
grandes vantagens e o rio navegável que ela oferece. Desde 1850,
a Ferrovia Euphrates Valley está em projeto de estudo e não é

146
provável que demore muito mais para ser construída. Ao falar dos
prováveis resultados desse empreendimento, W. P. Andrew observa:

Ela põe dois quartos do globo em justaposição, e três continentes —


Europa, Ásia e Austrália — em correlação. Reúne a vasta população do
Hindustão com um elo de ferro aos povos da Europa. Envolve
inevitavelmente a colonização e civilização dos grandes vales do Eufrates e
do Tigre, o ressurgimento da Babilônia e de Nínive em um formato moderno
e o despertamento de Ctesifonte e Bagdá de outrora.[113]

Em 1850, o governo britânico pensou tão seriamente no projeto


que enviou o general Chesney para fazer um levantamento e
explorar o rio Eufrates, a um custo de mais de trinta mil libras
esterlinas. A Inglaterra não é a única nação que estimou o valor
desse distrito, pois o escritor mais tarde recebeu uma carta de W.
Greene, C.E., contendo as seguintes informações interessantes:

Por volta de 1851, fui contratado por alguns eminentes banqueiros


parisienses a examinar a região entre Madri e Sevilha, visando a
construção de uma ferrovia então em estudo entre as duas cidades. Tendo
em vista que naquele tempo, como ainda hoje, havia grande escassez de
bons mapas e levantamentos do distrito, obtive acesso ao Departamento do
Escritório de Guerra, onde estavam guardados todos os valiosos
levantamentos feitos por ordem de Napoleão para o movimento de seus
exércitos na Espanha. Com a assistência de um desenhista francês que
copiou tudo o que considerei útil, examinei muitos documentos preparados
a pedido do grande imperador, e entre eles encontrei um levantamento do
rio Eufrates. Continha o plano de uma nova Babilônia com cais, bancadas
de rio e outros arranjos necessários para uma grande cidade comercial.
Evidentemente, os grandes projetos de Napoleão compreendiam o lado
oriental e o ocidental do antigo Império Romano, sobretudo a parte
maravilhosamente fértil do vale do Eufrates nas vizinhanças do local da
Babilônia.[114]

Com base nisso, parece que a mente de Napoleão estava fixa na


restauração da grande Babilônia, a capital de Nabucodonosor e de
Ciro, a sede escolhida de Alexandre, e, com toda probabilidade, a
destinada residência real do mais poderoso rei do quarto império.
Assim, a Inglaterra e a França formaram, em conexão com o vale
do Eufrates, projetos que se tivessem sido executados teriam

147
resultado na reconstrução da Babilônia; enquanto os jornais
ultimamente divulgaram o rumor de uma intriga russa para obter a
permissão do governo otomano para a construção de uma ferrovia
no mesmo distrito. Com certeza, um lugar que possua esses
atrativos para as nações não permanecerá muito tempo na condição
em que está.
Se a Babilônia tiver de ser reconstruída, não devemos permitir
que a sua restauração se choque com outras predições bíblicas, ao
colocá-la entre o tempo presente e a vinda do Senhor para a igreja,
mas lembremos que a empreitada não precisa necessariamente ser
feita até depois do primeiro arrebatamento dos santos.
Agora estamos aptos para entender com que rapidez isso pode
ser realizado. As conjunções europeias estão se tornando cada vez
mais frequentes e, com a atual mania de as grandes potências
anexarem territórios, temos indicação de que as partes separadas
do Império Romano estão começando a unir-se outra vez e a
assumir a soberania que eles possuirão sobre toda a terra.[115]
Quando as nações estiverem mais completamente unidas e mais
acostumadas a agir juntas, não será de forma alguma improvável,
mesmo do ponto de vista humano, que algum grande plano do
comércio mundial induza os dez reinos a reconstruir a Babilônia
como mercado internacional situado, como está, entre o Ocidente
civilizado e o Oriente de rápida recuperação. Nesse caso, a
construção de seu próprio quinhão da cidade seria atribuída para
cada país, e haveria a realização da Feira da Vaidade de Bunyan:
“Aqui está a Rua da Inglaterra, a Rua da França, a Rua da Itália, a
Rua da Espanha, a Rua da Alemanha, onde se vendem vários tipos
de vaidades”.[116]
Sem dúvida, a rivalidade entre as nações as estimulariam a
colocar em movimento todo o maquinário de seus vastos recursos,
tendo em vista a rapidez da construção e a magnificência da
arquitetura. Quando lembramos da atenção que Satanás e todo o
reino das trevas concentrarão no trabalho e o poder que exercerão
para promovê-lo, supomos que o resultado se aproximaria, em certo
grau, à fantasia do poeta: “Uma enorme construção surgiu de uma
vez da terra como uma expiração”.[117]

148
Assim como a Babilônia, que é o centro de Satanás na terra em
oposição a Jerusalém, foi originalmente construída por esforço
cosmopolita sobre o qual o julgamento de Deus caiu, assim ela será
ressuscitada em meio a exibições ainda maiores de poder e orgulho
humanos, mas apenas para ser rápida e finalmente destruída pela
mão forte e pelo braço estendido do Todo-poderoso.
Passando agora para a terceira questão, temos em Zacarias 5.5-
11 a indicação bíblica de que a sede da iniquidade será transferida
de Roma para a Babilônia.
O profeta teve três visões noturnas, na primeira das quais o
Senhor lhe mostrou que Jerusalém, embora naquele momento
humilhada como arbustos de murta em um buraco, estava guardada
por seus anjos e reservada para os propósitos divinos de
misericórdia que já estavam começando a realizar-se. Na segunda
visão, foi mostrado ao profeta que quatro reinos hostis se
levantariam contra Israel, mas Deus mandaria agentes para
aterrorizá-los e expulsá-los. E na terceira visão, ele viu que a
prosperidade voltaria a Israel, para que Jerusalém fosse habitada
como cidade sem muros por causa da multidão de homens e gado
que lá haveria, enquanto o Senhor seria para ela um muro de fogo
em redor e a glória no meio dela (Zc 1.8-16, 18-21; 2.1-5).
A mente de Zacarias pode ter procurado saber como que a filha
de Sião poderia ser limpa e receber tão grandes bênçãos, e a
resposta lhe foi concedida através das seguintes visões.
Ele foi transportado em espírito até o Santo dos Santos, e lá
contemplou o sumo sacerdote, Josué, em pé diante do propiciatório
no grande Dia da Expiação. No lugar das vestes normais de branco
puro, Josué vestia roupas sujas, simbolizando os pecados seus e os
da nação israelita, e Satanás estava lá para resisti-lo. Mas o Senhor,
após repreender o adversário, perdoou seu povo no representante
deles e lhes proporcionou justiça.
Do Santo dos Santos, o profeta foi levado ao Santo Lugar, onde
viu o resultado do favor que acabara de ser concedido: o castiçal
dos judeus brilhava ardentemente pela ministração do Espírito
através das duas testemunhas (cf. Zc 4.11-14 e Ap 11.4).
Assim ele compreendeu de que forma Deus cobriria a iniquidade
do restante do Seu povo, segundo as palavras do anjo a Daniel. Nas

149
visões seguintes do rolo voante e do efa, correspondendo
respectivamente às duas que as precederam, ele conseguiu
entender o pecado dos corruptores da terra, o desenvolvimento final
desse pecado e a punição dele.
Prosseguindo para o átrio exterior, Zacarias contemplou um rolo
voante[118] passando sobre a face de toda terra, de maneira que
pudesse entrar nas casas dos pecadores e destruir a eles e as suas
moradas. Os pecadores foram classificados como ladrões e
perjuros, portanto, transgressores da primeira e da segunda tábua
da lei (Zc 5.1-4).
O profeta novamente levantou os olhos e viu um efa “que sai” (Zc
5.5). O efa, que é a maior das medidas hebraicas para grãos, é
usado como símbolo do comércio, sendo esse, sem dúvida, seu
significado na visão. Quando o anjo explica: “Esta é a semelhança
deles em toda a terra” (Zc 5.6, ), ele quer dizer que os ladrões e
perjuros que serão destruídos pelo rolo, são os que foram
desonestos e juraram falsamente no comércio, dos quais, no tempo
do cumprimento da visão, o mundo estará cheio.
Como a Babilônia de outrora embriagou a todas as nações, assim
a corrupção acarretada pelo efa da impiedade será universal. Seus
princípios já foram adotados pela igreja falsa, que comercializou
tudo — os sacramentos, as missas pelos mortos e as almas dos
homens —, mas “que sai” agora. A expressão é peculiar e foi usada
mais de uma vez no Antigo Testamento para referir-se aos que
foram forçados pela pressão dos inimigos a abandonar a cidade (Jr
39.4; 50.8). Há um significado similar que podemos atribuir à
expressão: a calamidade em Roma e a destruição da igreja romana
forçaram os que estavam dirigindo o sistema da impiedade a fugir
da cidade e mudar de tática. Por conseguinte, o profeta vê o efa
vindo do Ocidente e prosseguindo para o Eufrates no Oriente.
Enquanto Zacarias olhava, a tampa de chumbo do efa foi
levantada e, vejam só, havia sentada dentro do efa uma mulher, que
pareceu ter se levantado imediatamente. O anjo disse: “Isto é a
impiedade”, e quando falou, empurrou-a de volta para dentro do efa
e tapou-o com a tampa de chumbo (Zc 5.7-8). O efa com a mulher
foi transportado em segredo para a Babilônia. Ninguém deveria
saber que a mulher era a fonte de um novo sistema até que, de

150
forma alterada, ela se manifestasse na terra de Sinar, e os dez reis,
que a odiaram e a destruíram como a igreja de Roma, viessem a
amá-la novamente como a prostituta babilônica do comércio.
Mais uma vez, o profeta levantou os olhos e viu “que saíram duas
mulheres, e o vento [ou o espírito] estava nas suas asas (ora,
tinham elas asas como as asas da cegonha), e elevaram o efa entre
a terra e o céu” (Zc 5.9, ). Ele perguntou o destino do efa, e o anjo
respondeu que estava sendo levado para a terra de Sinar, onde uma
casa lhe seria construída, lá se estabeleceria e seria posto em sua
base (Zc 5.10-11).
O que as mulheres representam não é fácil de determinar, mas o
trabalho no qual estavam engajadas é de Satanás e, já que a
próxima visão apresenta a execução do julgamento de Deus através
dos poderes espirituais de sua presença (Zc 6.5), pode ser que as
mulheres sejam os agentes espirituais de Satanás que farão o
transporte do efa. Há pelo menos algo de muito fatídico na
descrição das asas, se examinarmos as três características da
cegonha mencionadas na Bíblia.
De acordo com a lei mosaica, a cegonha é ave impura. O nome
em hebraico pelo qual ela era conhecida entre os homens é chasid
e significa “pássaro piedoso”. Por conseguinte, simboliza algo bom
aos olhos dos homens, mas abominável a Deus. Será que isso é
indício de que, no transporte do efa, os anjos de Satanás agirão de
modo que os homens irão pensar que eles sejam anjos de luz? Há
um significado similar no levantamento do efa entre a terra e o céu?
É possível que haja a ostentação de princípios piedosos, enquanto a
impiedade permanece oculta, mas quando ela se manifestar, tais
princípios irão rapidamente desaparecer.
O salmista fala que a casa da cegonha são “os ciprestes”, que
são árvores altas como torres (Sl 104.17). O que ela representa
baseia-se nos poderes estabelecidos da terra. Ela é como as aves
do céu que devoraram a boa semente, mas encontraram abrigo na
planta da mostarda que, por um crescimento descomunal e artificial,
tornou-se árvore.[119]
Por último: “Até a cegonha no céu conhece as suas estações; [...]
mas o meu povo não conhece o juízo do S ” (Jr 8.7). Até os
filhos deste mundo são sábios na sua geração, e muito mais o são

151
os espíritos malignos. Eles sabem muito bem quando agir e
entendem seus tempos determinados, de maneira que, mesmo que
creiam e estremeçam, ainda podem dizer: “Vieste aqui atormentar-
nos antes do tempo?” (Mt 8.29). Portanto, reconhecem a
oportunidade, e no momento oportuno transportarão a prostituta
encerrada no efa até seu lugar próprio.
Assim, as mulheres podem representar as agências satânicas
pelas quais os restos do sistema destruído em Roma serão
transportados para a terra de Sinar. E através de seu novo
desenvolvimento, a última rebelião universal acontecerá no mesmo
lugar onde os homens fizeram a primeira conspiração contra Deus.

152
Parte Dois
OS JUDEUS

153
Capítulo 21
OP D
C I

D
elineamos toda a linha da profecia dos gentios, que flui em
uma corrente ininterrupta desde Nabucodonosor até a última
grande cabeça do quarto império.
Descobrimos que agora estamos no tempo do ferro misturado
com o barro dos pés da estátua, e que o mundo logo verá o
renascimento do Império Romano na forma dos dez reinos
confederados, cujo breve, mas memorável curso será encurtado
pela queda da pedra da montanha, isto é, pela descida do Senhor
Jesus do alto do seu poder.
Mas enquanto a terra se curvava ao domínio do monarca
babilônio ou tremia debaixo da ameaça de milhares persas;
enquanto os homens refletiam na rapidez relampejante e bravura
irresistível das legiões de Alexandre, ou saudavam César como o
senhor do mundo e uma divindade presente; quando a coroa era
colocada na cabeça de Carlos Magno e a majestade de Roma
pairava sobre a Europa; enquanto o Império Oriental era destruído
pelas hordas muçulmanas ou os exércitos de Napoleão
espalhavam-se como fogo na pradaria ao longo da superfície do
cristianismo, qual era o conselho de Deus com relação aos judeus
durante esses longos tempos de comoção e mudança? Ele rejeitara

154
o seu povo? De maneira nenhuma! Ele não rejeitou o seu povo a
quem dantes conhecera.
Durante toda turbulência do tempo dos gentios, o propósito de
Deus com relação a Israel permaneceu firme. Embora os filhos de
Abraão há muito fossem uma nação espalhada, devastada,
diminuída e abatida, a quem os invasores de terras, como rios
transbordantes, danificaram, mesmo assim, quando a iniquidade
dos gentios se completasse e a paciência de Deus para com eles se
exaurisse, a nação de Israel seria lembrada e reunida novamente. A
Grande Babilônia cairia e Jerusalém surgiria e brilharia como a
verdadeira cidade do grande Rei, e a alegria de toda a terra.
A chave para o futuro de Israel encontra-se em Daniel 9. Se
entendermos essa parte da Palavra de Deus, nossa dificuldade para
com o restante da profecia hebraica diminuirá muito, e veremos
facilmente como dispor as outras profecias em seu lugar apropriado.
Não é tudo. Os versículos finais de Daniel 9, ao marcar o tempo
da interação de Deus com os judeus, instruem-nos também sobre a
posição da igreja no grande progresso dos propósitos divinos.
Mostram-nos que, a despeito de seus membros irem posteriormente
reinar com Cristo, no presente a igreja ocupa apenas pequeno
parêntese na história mundial.
Os crentes em geral não conseguem perceber esse fato na
prática, mesmo quando concordam com ele na teoria. Ficam
ansiosos em aplicar as Escrituras proféticas diretamente a si
mesmos. Reservam só um pouco para os israelitas. Chegam até a
falar da história de Israel como se o grande objetivo da existência
israelita fosse suprir um tipo de igreja da era cristã.
Para contrariar essas visões, Paulo escreveu Romanos, mais
exatamente no capítulo 11, onde mostra que os gentios são meros
galhos de oliveira brava que no momento estão enxertados no
tronco judaico, mas que logo serão cortados para dar espaço à
restauração dos galhos naturais (Rm 11.17-24). Ele alerta os gentios
para não ignorarem esse mistério, a fim de que não se
ensoberbeçam em sua arrogância (Rm 11.25-27), e recorda-os que
Deus tem uma aliança com Israel e que seus dons e chamamentos
são irrevogáveis (Rm 11.28-29). Portanto, a glória da terra deve
voltar aos filhos de Abraão e “se o fato de terem sido eles rejeitados

155
trouxe reconciliação ao mundo, que será o seu restabelecimento,
senão vida dentre os mortos? (Rm 11.15).
A igreja tem um destino glorioso, mas o seu chamado é celestial,
ao passo que os israelitas serão os reis da terra. Tendo em vista que
a profecia bíblica refere-se principalmente à terra, os israelitas, por
conseguinte, têm a maior parcela dela. Aqueles que são
estrangeiros e peregrinos aqui, e têm a ordem de não se importar
com as coisas terrenas, precisam conhecer muito pouco da história
do mundo. Aqueles cujo Salvador, lar e cidade estão no céu, não se
preocupam muito com o curso dos acontecimentos na terra. Aqueles
que estão avisados que, a qualquer momento, até em uma hora,
quando eles menos pensarem, os mensageiros do Rei podem
anunciar: “O Mestre chegou e te chama” (Jo 11.28), não precisam
conhecer os tempos e as épocas (1Ts 5.1).
Por isso, o Senhor deu apenas duas profecias contínuas acerca
da igreja, enquanto as Escrituras proféticas abundam com detalhes
do tempo em que ele retomará suas relações de aliança com Israel.

156
Capítulo 22
AP D

N
o quarto ano do reinado de Jeoaquim, antes que
Nabucodonosor viesse a Jerusalém pela primeira vez, Deus
predisse pela boca de Jeremias a desgraça iminente e
também estabeleceu seu limite para isso. Judá tornar-se-ia em
desolação e serviria ao rei da Babilônia por setenta anos. Ao fim
desse tempo, a Babilônia seria punida e a terra dos caldeus
destruída (Jr 25.8-14). No entanto, o profeta nada acrescentou com
relação à restauração de seus compatriotas.
Mas logo depois da partida do segundo grupo de cativos,
composto por Jeoaquim e os que haviam sido levados com ele, o
falso profeta Hananias declarou que dentro de dois anos o Senhor
quebraria o jugo de Nabucodonosor que estava sobre o pescoço de
todas as nações, e traria de volta a Jerusalém os vasos da casa do
Senhor que haviam sido levados para Babilônia (Jr 28.10-17). O
mesmo tema profético foi soado entre os cativos por “Acabe, filho de
Colaías, e de Zedequias, filho de Maaseias” (Jr 29.20-23). A
esperança dos exilados aumentou e muitos contemplaram um
retorno imediato para a Judeia.
Mas isso foi proibido por meio de uma carta de Jeremias (Jr 29.1-
11), que os orientou a instalarem-se na Babilônia, pois Deus queria
que eles fizessem assim até o final dos setenta anos, quando os
visitaria e permitiria que voltassem à sua própria terra (Jr 29.4-11).

157
Ao que parece, o povo obedeceu ao mandamento e permaneceu
onde estava.
Por fim, o império dos caldeus caiu, e no primeiro ano do reinado
de Dario, o medo, Daniel, que fora promovido a primeiro-ministro,
ficou perplexo e apreensivo por dois motivos. O primeiro motivo foi
que Daniel estudou com cuidado as profecias de Jeremias e
descobriu que em dois anos seria dada permissão para a volta a
Jerusalém. Era, então, o ano 69 do cativeiro. Quando, porém,
considerou a disposição do povo, percebeu que o exílio não os
levara de volta a Deus, que não se subjugaram e se humilharam
pela aflição e que, de forma alguma, estavam em condição de
receber misericórdia das mãos do Senhor.
O segundo motivo foi que Daniel estava ciente de que haveria um
ajuntamento de todos os israelitas provenientes das nações entre as
quais eles foram espalhados, quando o Messias reinasse sobre eles
em sua própria terra. Parece que ele olhou para essa grande
restauração e a considerou idêntica à volta no final dos setenta
anos. Daí a grande perplexidade do profeta, pois ele sabia por
revelações anteriores que quatro impérios gentios seguiriam seu
curso antes que a soberania fosse transferida a Israel. Mas apenas
um desses impérios havia caído e ainda restavam três para cumprir
seus respectivos destinos, o último dos quais passaria por três
fases. E para que todos esses eventos acontecessem, restava
pouco mais de um ano! (Dn 9.1-20).
Foi por essa dupla causa que Daniel ficou perplexo; ele não se
sentia capaz de solucionar o enigma. Seu procedimento foi
característico. Deixou de lado a dificuldade com relação aos
impérios, não duvidando que Deus encontraria uma forma de
cumprir seus propósitos, e lembrou que, na terrível profecia de
Moisés a respeito do cativeiro (Lv 26.40-42), a confissão é
mencionada como a causa que fará com que o Senhor retorne ao
seu povo. Assim, Daniel dirigiu o rosto ao Senhor Deus para buscá-
lo com oração, súplica, jejum, pano de saco e cinza, e fez a humilde
confissão para si e para o seu povo, rogando fervorosamente ao
Senhor que afastasse Sua ira e fúria contra eles e Jerusalém por
conta de Suas grandes misericórdias.

158
Capítulo 23
AP S
S

U
ma resposta foi rapidamente enviada ao profeta. Enquanto
ainda falava, sua oração foi interrompida por um toque gentil
e, olhando ao redor, viu o varão Gabriel que interpretara sua
outra visão, em pé outra vez próximo a ele. O mensageiro celestial
fora sido enviado do trono de Deus para assegurar ao mui amado
Daniel que seu pedido fora ouvido e seria concedido. Contudo, o
anjo lhe disse que Deus adiaria por um tempo a remoção de sua ira
e fúria contra Jerusalém. Daniel deveria esperar e persistir
pacientemente, como seu Senhor faria e fez quando o cálice que
Ele tanto temia não pôde ser afastado Dele; ou como Paulo, quando
lhe seria e foi revelado que o espinho na carne, sobre o qual ele três
vezes suplicara ao Senhor que o livrasse, ainda seria um
mensageiro de Satanás para esbofeteá-lo.
Assim como um anjo desceu para dar forças ao Senhor em sua
agonia, e foi dito a Paulo que a graça de Deus lhe bastaria, Gabriel
foi enviado a Daniel para dar-lhe habilidade e entendimento, revelar-
lhe a questão e fazê-lo conhecer os propósitos de Deus. A oração
do profeta abriu um canal de bênçãos e fez surgir uma grande
revelação profética, da qual todas as outras profecias parecem
depender e sem um claro conhecimento dela parece em vão tentar

159
entender qualquer coisa (Dn 9.24-27). Ainda que o maravilhoso
enunciado esteja bastante concentrado, não apresenta grande
dificuldade, contanto que comecemos com uma boa tradução. Os
quatro versículos que se seguem são uma tradução literal minha:

● Daniel 9.24. “Setenta semanas estão separadas para o teu povo


e sobre a tua santa cidade, para trancar a transgressão, selar
os pecados, cobrir a iniquidade, trazer a justiça eterna, selar a
visão e a profecia e ungir o Santo dos santos”.
● Daniel 9.25. “Portanto, sabe e entende: desde a saída da ordem
para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido, ao
Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; a rua e o
muro serão restaurados e edificados mesmo em tempos de
pressão”.
● Daniel 9.26. “Depois das sessenta e duas semanas, será
cortado o Ungido e não haverá nada para ele. A cidade e o
santuário serão destruídos pelo povo de um príncipe que há de
vir, cujo fim será num dilúvio [da ira de Deus], e até ao fim
haverá guerra, a que está determinada para as desolações”.
● Daniel 9.27. “Ele [o príncipe que há de vir] firmará aliança com a
maioria [dos judeus] por uma semana. Na metade da semana,
ele fará cessar o sacrifício e a oferta. E o assolador estará
sobre a asa das abominações até mesmo à consumação, e
aquilo que está determinado será derramado sobre o
assolado”.

Examinemos, agora, os quatro versículos minuciosamente.


“Setenta semanas”, literalmente, “setenta setes”. A palavra
“semana” é mantida, por não termos o equivalente exato do
hebraico original,[120] que significa um período de sete, mas sem
decidir se os setes são horas, dias, meses, anos ou outra medida de
tempo. A questão deve ser sempre determinada pelo contexto. Na
passagem em estudo, a intenção, sem dúvida, refere-se a períodos
de sete anos cada, porque a mente de Daniel está ligada nos
setenta anos de Jeremias.[121] O anjo parece estar dizendo que os
setenta anos de provação não serão suficientes. Por isso, depois
dos setenta anos, deverão vir outros setenta vezes sete. Não

160
esqueçamos que os anos sabáticos e o jubileu tornaram a ideia de
uma semana de anos muito familiar aos israelitas.
“Estão separadas”, ou seja, estão separadas dos tempos dos
gentios, a partir da era durante a qual os seus quatro impérios
mundiais iriam manter o domínio.
“Sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade.” Essa profecia diz
respeito aos israelitas e não aos cristãos. Sete vezes setenta, ou
quatrocentos e noventa anos devem ser tirados do tempo dos
gentios para os procedimentos especiais de Deus com os judeus e
Jerusalém, isto é, com os judeus em Jerusalém, pois o povo deveria
durante esse período estar habitando em sua própria terra.
Os quatrocentos e noventa anos dos procedimentos de Deus
com seu povo irão produzir seis resultados, nomeados da seguinte
forma: (1) Trancar a transgressão, (2) selar os pecados, (3) cobrir a
iniquidade, (4) trazer a justiça eterna, (5) selar a visão e a profecia e
(6) ungir o Santo dos Santos.
Podemos dividir os seis resultados em duas classes. Os três
primeiros falam da retirada do pecado e os três últimos falam da
introdução da justiça. Os três últimos resultados correspondem aos
três primeiros.
“Para trancar a transgressão.” Em outras palavras, aprisionar a
transgressão e restringi-la, de forma que não mais opere e se
espalhe. O artigo indica todo o curso da transgressão de Israel ou o
“rompimento” com Deus.
“Selar os pecados.” A figura do selamento está ligada com o
fechamento na prisão ou restrição. Dario selou com seu selo e com
o selo das altas autoridades a pedra que foi colocada sobre a boca
da cova dos leões (Dn 6.17). O livro de Jó diz que Deus sela as
estrelas para que elas não brilhem (Jó 9.7), e diz também que Ele
sela as mãos de todo homem, quando pela neve e chuva do
inverno, Ele impede que continuem o trabalho diário nos campos (Jó
37.7, ). Portanto, selar os pecados significa restringi-los sob
guarda segura.
Em Apocalipse 20.1-3, há uma boa ilustração para ambas as
figuras, a qual provavelmente é a chave para a interpretação da
passagem. Um anjo, após prender Satanás e lançá-lo no abismo,

161
tranca-o e coloca selo sobre ele, para que não mais engane as
nações.
“Cobrir a iniquidade”, ou, de acordo com a figura bíblica bem
conhecida, “fazer expiação por ela”. Enquanto as frases anteriores
parecem se referir aos dois terços da nação judaica que perecerão
durante o processo de refinamento e terão parte com Satanás e
seus anjos, essas palavras falam de outra forma de ser livrado do
pecado e indicam a “terceira parte” que será salva (Zc 13.8-9).
Vejamos, agora, o segundo grupo de resultados.
“Trazer a justiça eterna.” Quando a transgressão for trancada e
os pecados forem selados, então a justiça eterna será trazida. É o
que será feito pela introdução da nova aliança, segundo a qual Deus
não mais escreverá em tábuas de pedra, mas colocará sua lei no
interior do seu povo e a escreverá no coração deles (Jr 31.33).
“Selar a visão e a profecia.” Quando os pecados forem selados, a
visão e a profecia também serão deixadas de lado, pois não serão
mais necessárias. Só depois que o pecado entrou no mundo foi que
a profecia foi introduzida como grande instrumento de Deus na
guerra contra o pecado. Quando o pecado for tirado, as profecias
também acabarão.
“Ungir o Santo dos Santos.” No lugar do tabernáculo e templos,
nos quais a cobertura ou expiação estava tipificada, um novo Santo
dos Santos será ungido. A declaração é de grande importância.
Embora o tabernáculo de Moisés tenha sido ungido, não há menção
da cerimônia na consagração do templo de Salomão, pois era
considerado continuação do tabernáculo. Sem dúvida, é pelo
mesmo motivo que não há registro sobre a unção do Santo dos
Santos do templo de Zorobabel. Contudo, o Santo dos Santos desta
profecia, o majestoso templo descrito nos últimos capítulos de
Ezequiel, não será mera continuação dos santuários anteriores. O
fato de o grande sacrifício já ter sido oferecido de uma vez por todas
e o pecado, pelo menos com relação a Israel, estiver trancado e
selado, provocará grandes mudanças nas ordenanças e culto. Além
do mais, esse templo que o próprio Messias edificará (Zc 6.12-13),
também será o lugar da manifestação da sua glória durante o reino
milenar e, talvez, a unção o consagrará para esse propósito.

162
Esses serão os resultados das interações de Deus com os judeus
ao final dos quatrocentos e noventa anos. A transgressão estará
restringida e os pecados selados, para que não mais os afete. Os
tropeços terão sido consumidos com os ímpios (Sf 1.3, ). A
iniquidade dos judeus será expiada e a nova aliança do seu Deus
lhes trará justiça eterna. Todas as promessas terão sido cumpridas.
A lei de Deus estará escrita no coração de cada israelita, de modo
que não haverá mais necessidade de exortações, repreensões,
advertências e ameaças pelos profetas. O monte Sião será coroado
com um templo, do qual o edifício de Salomão era apenas um tipo
fraco e para o qual, como fala outro texto bíblico, os querubins e a
glória retornarão para serem uma nuvem e fumaça de dia e o brilho
de uma chama de fogo de noite (Ez 43.1-5; Is 4.5-6).
Mas que sinal marcaria o início dos quatrocentos e noventa
anos? Seria o seu curso ininterruptamente até ao fim ou haveria
interrupções? São perguntas que o anjo passa a responder.
O tempo designado começaria com “a saída da ordem para
restaurar e edificar Jerusalém” — não o templo, do qual não há
menção, mas a cidade, “a rua e o muro”.
A profecia não teve início com o decreto de Ciro, que se referia
apenas à reedificação do templo, nem com o decreto de Dario
Histaspes, que foi nada mais que a confirmação da permissão
concedida por Ciro. O decreto publicado no sétimo ano de
Artaxerxes Longânimo apenas permitiu que Esdras executasse os
serviços relacionados ao templo.
Porém, no ano vinte de Artaxerxes, certos homens de Judá foram
a Susã e, em resposta às perguntas de Neemias sobre seus irmãos
em Jerusalém, disseram: “Os restantes, que não foram levados para
o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e
desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas
portas, queimadas” (Ne 1.3). Diante dessa informação, Neemias
pranteou e, como Daniel, fez confissão humilde na presença de
Deus pelos pecados seus e os do seu povo.
Logo depois, no mês de nisã, ele entrou na presença do rei para
realizar sua tarefa como copeiro, e o rei notou que seu rosto estava
mudado pela tristeza. Interrogado com respeito ao motivo, Neemias
respondeu: “Viva o rei para sempre! Como não me estaria triste o

163
rosto se a cidade, onde estão os sepulcros de meus pais, está
assolada e tem as portas consumidas pelo fogo?” (Ne 2.3). O rei
Artaxerxes, simpatizando com sua tristeza, imediatamente publicou
um decreto para a reedificação da cidade e do muro, e enviou
Neemias a Jerusalém para superintender a obra. Está claro que os
quatrocentos e noventa anos começaram em algum dia do mês de
nisã, no ano vinte de Artaxerxes Longânimo.
A partir dessa data até o aparecimento do “Ungido”, que também
seria “Príncipe”, quer dizer, um Sacerdote real, passariam “sete
semanas e sessenta e duas semanas”. Em outras palavras, seriam
quarenta e nove anos e quatrocentos e trinta e quatro anos, ou
quatrocentos e oitenta e três anos no total, entre o édito e a vinda do
Messias como Príncipe.
O período separado para a restauração da cidade e do muro foi
de quarenta e nove anos.[122] Quanto aos “tempos de pressão”,
encontramos informações no livro de Neemias.
O Ungido que também seria Príncipe não pode ser outro senão o
Senhor Jesus, de quem foi dito: “Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedeque” (Sl 110.4); “Ele mesmo
edificará o templo do e será revestido de glória; assentar-
se-á no seu trono, e dominará, e será sacerdote no seu trono; e
reinará perfeita união entre ambos os ofícios” (Zc 6.13).
Mas em que período da vida do nosso Senhor pode-se dizer que
ele apresentou-se como Sacerdote e Rei? Não foi no Seu
nascimento, pois Ele só foi conhecido como o filho do carpinteiro.
Não foi durante a maior parte do Seu ministério, pois, embora tenha
sido ungido pelo Espírito e imediatamente se revelado como o
grande Sacerdote por ensinar ao povo, curar leprosos e perdoar os
pecados, Ele não se apresentou como Rei. Pelo contrário, proibiu os
discípulos de revelarem sua verdadeira natureza. Quando a
multidão, entusiasmada pelas palavras e obras maravilhosas que
Ele fazia, teria colocado a coroa em sua cabeça, Ele a recusou e a
despediu (Jo 6.15).
Porém, ao entrar em Jerusalém quatro dias antes de morrer na
cruz, sua conduta mudou. Ele permitiu que a multidão que o seguia
prorrompesse num clamor: “Bendito é o Rei que vem em nome do
Senhor!” (Lc 19.38). Quando os fariseus mandaram que Ele

164
repreendesse os discípulos, Ele respondeu: “Asseguro-vos que, se
eles se calarem, as próprias pedras clamarão” (Lc 19.40). Em outras
palavras, Ele escolheu naquele tempo ser proclamado publicamente
como Rei. Mateus informa que ele assim fez para que se cumprisse
a profecia de Zacarias, que diz: “Dizei à filha de Sião: Eis aí te vem
o teu Rei, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de
animal de carga” (Mt 21.5; cf. Zc 9.9). A profecia revela a
importância do evento e mostra que o dia indicado foi o do
aparecimento do Messias como Príncipe.
O ponto de partida dos quatrocentos e noventa anos foi a
promulgação do édito, no mês de nisã, no vigésimo ano do reinado
de Artaxerxes Longânimo. O ano 483 findou no dia 10 do mês de
nisã, quando Jesus entrou em Jerusalém como Rei da filha de Sião.
O ponto de partida e a meta estão tão claramente indicados na
Escritura que não precisamos nos incomodar com as variações da
computação humana, e podemos aceitar de imediato que o intervalo
foi exatamente de quatrocentos e oitenta e três anos.
Se, no entanto, a profecia puder ser verificada cronologicamente,
sua influência aumentará; ela se tornará um forte testemunho para
os não crentes, bem como uma luz-guia para o povo de Deus. Entre
todas as tentativas de verificá-la, a solução recentemente proposta
pelo Dr. Anderson[123] parece a mais satisfatória. Iremos resumi-la
aqui, recomendando que o leitor procure mais detalhes nas páginas
do livro The Coming Prince (O Príncipe que Virá).
O primeiro ponto a ser estabelecido é a duração de um ano
profético. A Bíblia fornece evidências de que esse ano não foi
computado de acordo com o calendário juliano, pois continha
apenas trezentos e sessenta dias. Na história do dilúvio, verificamos
que os cinco meses foram contados do 17º dia do segundo mês até
ao 17º dia do sétimo mês e reconhecidos como cento e cinquenta
dias (Gn 7.11, 24; 8.3-4). Apocalipse descreve o mesmo período
como três anos e meio, como quarenta e dois meses, e como mil
duzentos e sessenta dias. Portanto, doze meses de trinta dias cada,
perfazem trezentos e sessenta dias, que formam um ano. Por
conseguinte, os quatrocentos e oitenta e três anos proféticos
contêm 173.880 dias (483 anos vezes 360 dias).

165
Como acabamos de mostrar, o ponto de partida da profecia é
algum dia do mês nisã do vigésimo ano do rei Artaxerxes, ou seja,
em 445 a.C. Ao provar que Neemias começou sua viagem para
Jerusalém muito cedo no mês de nisã, o Dr. Anderson torna
provável que o decreto foi emitido no primeiro dia do mês, que
naquele ano corresponderia a 14 de março.
Por outro lado, o fim do ano 483 é marcado pela entrada do
Senhor em Jerusalém quatro dias antes de sua morte. Para
encontrar a data da ocorrência, lembremos que seu ministério
começou no décimo quinto ano do reinado de Tibério, ou seja, no
ano que começou em 19 de agosto de 28 d.C.
Assim, a primeira Páscoa do ministério público de nosso Senhor
deve ter sido em nisã de 29 d.C., e visto que parece que ele
guardou quatro páscoas, a última teria sido em nisã de 32 d.C. A
Páscoa caiu no dia 14 de nisã; portanto, nosso Senhor deve ter
entrado em Jerusalém no dia 10 de nisã ou 6 de abril de 32 d.C.
Temos, então, até agora: (1) o édito de Artaxerxes foi promulgado
em 14 de março de 445 a.C. e (2) Cristo apresentou-se em
Jerusalém como Rei em 6 de abril de 32 d.C.

O período intermediário, de acordo com o cômputo do calendário juliano, foi


de 476 anos e 24 dias (os dias foram contados inclusivamente, como exige
a linguagem profética e está em conformidade com a prática judaica).

Porém, 476 vezes 365 são 173.740 dias


Mais (14 de março a 6 de abril, ambos 24 dias
inclusivamente)
Mais os anos bissextos 116 dias
[124] 173.880 dias
Total

Mas foi mostrado acima que sessenta e nove semanas de Daniel,


ou quatrocentos e oitenta e três anos proféticos, contêm exatamente
173.880 dias.
Portanto, a primeira parte da grande profecia foi exatamente
cumprida naquele mesmo dia.
Os judeus do tempo do Senhor indubitavelmente conservaram
uma cópia do famoso édito que restaurava sua existência nacional,
ou, pelo menos, a data era bem conhecida. Assim, com pouca

166
dificuldade, eles poderiam calcular o dia exato em que o Messias se
apresentaria como Rei, enquanto a profecia de Zacarias os
informaria quanto à forma de entrada do Rei na cidade. Com essa
precisão e de maneira tão literal, as predições de Deus dão lugar ao
seu cumprimento!
No final do intervalo designado, o Messias, o Príncipe, dirigiu-se a
Jerusalém. Depois de parar para chorar sobre ela nas elevações do
monte das Oliveiras, Ele passou pelas portas da cidade, andou
pelas ruas e ofereceu-se como Rei à filha de Sião. Mas, que
tristeza! Ela não viu nenhuma beleza Nele para que o agradasse.
Ele foi desprezado, rejeitado e, em apenas quatro dias, a multidão
instável, que o aclamara com entusiasmo: “Bendito é o Rei que vem
em nome do Senhor!”, agora estava golpeando os ares com gritos
discordantes de “Crucifica-o! Crucifica-o!” (Lc 19.38; 23.21).
Depois de sofrer os horrores daquela noite, cujo início viu-o
ignobilmente traído por um dos seus discípulos, e durante cujas
vigílias escuras Ele ofereceu as costas ao chicoteador e a face aos
que Lhe arrancavam os cabelos, Ele não escondeu o rosto da
vergonha e da cusparada. Depois do julgamento zombeteiro em que
os juízes subornaram falsas testemunhas, sem obter um
testemunho coerente. Depois de ser arrastado uma vez à presença
de Herodes e duas vezes à presença de Pilatos para ser julgado por
eles, ninguém conseguiu achar nada contra Ele. Depois de tudo
isso, o Ungido foi “cortado”.
Não havia “nada para ele”, nenhuma das glórias que deviam
envolver a pessoa do Messias. Ao invés de aparecer como o Rei
dos reis e Senhor dos senhores, Ele foi achado na forma de
escravo. Tão longe estava Ele de possuir um reino acima de todos
os demais, e um domínio eterno, que durante a vida, Ele não tinha
onde reclinar a cabeça, e logo foi Ele totalmente cortado da terra
dos viventes.
No lugar da beleza divina e majestade aterradora, cujo primeiro
brilho lançou o Saulo perseguidor ao solo, inerme, e que levou até o
discípulo amado a cair aos seus pés como morto, o Seu semblante
estava mais desfigurado do que qualquer outro homem. Ele não
tinha aparência nem formosura, nem havia beleza desejável Nele.

167
Sua missão dolorosa naqueles dias era tomar nossas
enfermidades, levar nossas dores, ser traspassado pelas nossas
transgressões e moído pelas nossas iniquidades; era receber o
castigo que nos traz a paz, para que pelas Suas pisaduras
fôssemos sarados. Ele veio para dar a sua alma como oferta pelo
pecado, para derramar a Sua alma na morte, ser contado com os
transgressores e levar sobre si o pecado de muitos.
Ele foi cortado, e não havia nada para Ele.
Porém, a crucificação do nosso Senhor aconteceu quatro dias
após o seu aparecimento como Sacerdote-Rei, isto é, quatro dias
depois da conclusão do ano 483 e, todavia, não se diz nada do que
aconteceu nos sete anos que ainda restavam para serem
cumpridos. Neste momento, parece haver um intervalo que separa o
ano 483 dos últimos sete anos, pois Deus abandonara a nação
pecadora que rejeitara Seu Filho. Sua aliança foi suspensa, de
modo que eles não eram mais o seu povo e, por conseguinte, o
andamento dos quatrocentos e noventa anos deixara de avançar.[125]
A profecia prossegue falando da vingança que viria após o
Messias ser cortado. “A cidade e o santuário”, Jerusalém e o templo
seriam destruídos por “um príncipe que há de vir”. Foi o que se
cumpriu com os romanos sob as ordens de Tito, quarenta anos
depois da morte de Cristo, mas ainda não há menção dos últimos
sete anos. O intervalo continua.
Por fim, a profecia informa que, após a destruição da cidade e do
santuário, haveria guerras e desolações até o fim, durante um
período determinado por Deus, mas desconhecido pelo homem.
Como tem sido terrível a comprovação desses fatos. Como têm sido
frequentes as capturas de Jerusalém pelos romanos, persas,
sarracenos e turcos, de modo que a cidade da época do nosso
Senhor tem sido enterrada sob sucessivas camadas de ruínas e
escombros, e agora encontra-se de quinze a vinte e cinco metros
abaixo do nível do solo. Todas essas destruições estão incluídas
nas palavras: “E até ao fim haverá guerra, a que está determinada
para as desolações”. Mesmo assim, ainda não há menção dos
últimos sete anos.
Desse modo, a partir do aparecimento do Messias, o Príncipe,
ocorre um intervalo indefinido, uma grande interrupção no progresso

168
das setenta semanas. Como logo veremos, o intervalo não passa
despercebido em outras partes da Escritura.
Mas, repassando por um momento os passos que demos, vemos
que a cidade e o santuário seriam destruídos pelo povo de um
príncipe que haveria de vir. Visto que a profecia também anuncia
que esse príncipe terá sua ruína no último grande derramamento da
ira de Deus, está claro que ele não apareceu no passado. Ora, os
romanos destruíram a cidade e o santuário. Concluímos, então, que
o príncipe será a cabeça do quarto império, mas o tempo do seu fim
mostra-nos que ele será a última cabeça, isto é, o Anticristo.
O versículo final da profecia declara que ele “firmará aliança com
a maioria” do povo judeu “por uma semana”. Aqui, encontramo-nos
nos últimos sete anos que faltam: a septuagésima semana.
Nessa ocasião, os judeus estarão restabelecidos em sua própria
terra, porque a profecia está expressamente relacionada com o
povo e a cidade. Possivelmente, o próprio príncipe os terá
restaurado, mas, seja como for, ele os encontrará em alguma
dificuldade ou aterrorizados por algum perigo iminente, e se
encarregará de protegê-los na Palestina durante sete anos. O pacto
será, talvez, semelhante ao pacto pelo qual Napoleão prometeu
manter Maximiliano como imperador do México por tempo
determinado. Seja qual for a aliança, ela só será aceita pela maioria
do povo, e não pela nação inteira. Deus deixará para si um
remanescente que não dobrará os joelhos a Baal.
Assim restaurados e estabelecidos em sua própria terra, os
judeus reedificarão o templo e renovarão os sacrifícios e os demais
serviços, mas provavelmente com um espírito soberbo e ateísta, e
certamente de uma forma que desagradará a Deus. O último
capítulo de Isaías apresenta-os empenhados nos trabalhos, não
muito tempo antes do aparecimento do Senhor Jesus em glória, cuja
descrição começa com o versículo 15. Mas seus esforços brotarão
do orgulho nacional e não serão estimulados pelo amor a Deus, pelo
que, ele declara: “Assim diz o S : O céu é o meu trono, e a
terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis vós? E qual
é o lugar do meu repouso? Porque a minha mão fez todas estas
coisas [isto é, o mundo visível], e todas vieram a existir, diz o

169
, mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido
de espírito e que treme da minha palavra” (Is 66.1-2).
Depois, com referência aos sacrifícios que serão novamente
oferecidos, o Senhor acrescenta: “O que imola um boi é como o que
comete homicídio; o que sacrifica um cordeiro, como o que quebra o
pescoço a um cão; o que oferece uma oblação, como o que oferece
sangue de porco; o que queima incenso, como o que bendiz a um
ídolo” (Is 63.3a). Em outras palavras, as ofertas serão tão ofensivas
a Deus, como se os homens estivessem insultando-o, ao
sacrificarem aquilo que Ele já declarou ser imundo, ou ao prestarem
adoração a deuses falsos.
Contudo, os judeus seguirão seus próprios caminhos durante a
primeira metade dos sete anos, e depois haverá uma mudança. “Na
metade da semana”, isto é, nos três anos e meio finais, o Anticristo
“fará cessar o sacrifício e a oferta”, e transferirá para si a adoração
dada a Jeová. Ele se exaltará “contra tudo que se chama Deus ou é
objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus,
ostentando-se como se fosse o próprio Deus” (2Ts 2.4).
As palavras “o assolador estará sobre a asa das abominações”
são difíceis de interpretar. Mas lembremos que abominação era um
termo comum entre os hebreus para designar um deus falso. Em
1Reis, encontramos “Milcom, abominação dos amonitas”, “Quemos,
abominação de Moabe” e “Moloque, abominação dos filhos de
amom” (1Rs 11.5, 7). O Antigo e o Novo Testamento declaram que
os deuses falsos têm uma existência real:[126] “Antes, digo que as
coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam e não a
Deus” (1Co 10.20a).
Se entendermos que as abominações aqui são os demônios,
então a referência pode ser a uma imitação blasfema, produzida
pelo poder satânico, da carruagem dos querubins e, talvez,
semelhante à que Satanás poderia ter transportado nosso Senhor
do pináculo do templo, caso o tivesse rendido à tentação.
Possivelmente, o aparecimento do Anticristo assim, transportado em
voo pela ação de demônios, pode ser o que induzirá o mundo a
adorá-lo como Deus, enquanto os judeus apóstatas podem
considerá-lo como o sinal esperado do céu e como o retorno da
glória ao seu templo, porque, quando “outro vier em seu próprio

170
nome, certamente, o recebereis” (Jo 5.43). Logo depois disso, terá
início a terrível perseguição de todos os que se recusarem a adorar
a besta e sua imagem.
O príncipe continuará debochando da divindade, até que a hora
determinada para os poderes das trevas chegue ao seu fim. O que
está decretado será derramado sobre a cidade assolada de
Jerusalém, e o tempo da consumação terá chegado. Do céu será
derramado o dilúvio da indignação de Deus. O embusteiro blasfemo
ficará confuso pelo esplendor muito maior do que o do sol, o qual,
iluminando o globo inteiro com a velocidade do relâmpago,
proclamará o tão longamente esperado advento do Rei dos reis.
Essa é a grande revelação dada em resposta à confissão e
oração de Daniel como chave para todas as profecias hebraicas.
Antes de recebê-la, ele não teria como entender as próprias visões
que teve. Depois da visão dos quatro animais, temos sua
declaração: “Quanto a mim, Daniel, os meus pensamentos muito me
perturbaram, e o meu rosto se empalideceu” (Dn 7.28). Ao final de
outras visões tidas, ele observa: “Eu, Daniel, enfraqueci e estive
enfermo alguns dias; então, me levantei e tratei dos negócios do rei.
Espantava-me com a visão, e não havia quem a entendesse” (Dn
8.27).
A revelação das setenta semanas, que foi concedida a Daniel
para que recebesse habilidade e conhecimento, capacitou-o a
entender os propósitos de Deus. Por conseguinte, no prefácio da
próxima revelação, ele afirma que “entendeu a palavra e teve a
inteligência da visão” (Dn 10.1). Claro que aquilo que iluminou
Daniel também nos é de grande importância, para quem os fins dos
tempos têm chegado (1Co 10.11). Não esqueçamos estas palavras
significativas: “E nenhum deles [os perversos, os ímpios] entenderá,
mas os sábios entenderão” (Dn 12.10).

171
Capítulo 24
OI P
Z

C
om base nas palavras de Daniel, ficamos sabendo que o
curso dos quatrocentos e noventa anos seria interrompido
pouco antes da morte do Messias. Há outros anúncios nas
Escrituras com respeito ao abandono da aliança de Deus com os
judeus naquele tempo? Encontramos um anúncio em Zacarias 11,
de cujo conteúdo fazemos a seguir um pequeno esboço.
O profeta começa com a descrição da terrível destruição (Zc 11.1-
3), cujo motivo é dado nos versículos subsequentes.
Judá nos é apresentado como um rebanho destinado ao abate,
cujos governantes são influenciados apenas por motivos egoístas:
seus compradores (os romanos), seus vendedores (os herodianos)
e seus pastores (os fariseus e saduceus) unem-se para oprimir os
judeus.
Mas o Senhor os apascenta, diferenciando especialmente os
pobres do rebanho. Como Moisés tinha sua vara, assim Cristo pega
duas varas que simbolizam Seu ofício, uma das quais Ele chama
Graça, e a outra, União. Por meio da primeira vara, o derramamento
total do amor de Deus foi assegurado à nação, de acordo com a
intercessão de Moisés: “Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso
Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma

172
a obra das nossas mãos” (Sl 90.17). Por meio da segunda, mesmo
que perdessem por um tempo a graça de Deus, ainda seriam
mantidos juntos como povo da aliança.
Tendo se encarregado de ser o Pastor, o Senhor prosseguiu em
dar cabo de três pastores mercenários em um mês, a quem Sua
alma se enfastiara (Zc 11.8a, ). Eram provavelmente os fariseus,
saduceus e herodianos, que foram silenciados em Mateus 22.
Nosso próprio Senhor os destaca como falsos mestres quando, em
certa ocasião, alerta os discípulos contra o fermento dos fariseus e
dos herodianos (Mc 8.15), e outra, contra o dos fariseus e dos
saduceus (Mt 16.6).
Então, tendo em vista que a alma das ovelhas detestava o Pastor
(Zc 11.8b, ), Ele declarou que não mais as apascentaria, e
quebrou sua vara chamada Graça, dando como motivo “para anular
a minha aliança, que eu fizera com todos os povos” (Zc 11.10), ou
seja, o acordo que Ele estabelecera com os gentios para impedi-los
de ferir a nação judaica.[127] Essa retirada da luz da face do Pastor
foi predita pelo Senhor no monte das Oliveiras, quando Ele chorou
pela cidade condenada, e teve cumprimento rápido — assim que os
governantes do povo recusaram-se a reconhecê-lo como Rei da
filha de Sião — em um tempo que corresponde exatamente à
profecia das setenta semanas.
Contudo, os pobres do rebanho, tantos quantos criam Nele,
continuaram a esperar pelo Senhor, e Ele ainda os apascenta. Mas,
quanto ao restante da nação, Ele exige o salário por seus serviços,
em antecipação à sua traição, o valor de trinta moedas de prata.
A outra vara, chamada União, foi quebrada, pois os judeus
feriram a face do Juiz de Israel com uma vara, e não podiam mais
ser mantidos juntos como nação da aliança em Jerusalém. Foram,
então, entregues para serem espalhados de sua cidade até o tempo
em que ela, estando em trabalho de parto, tivesse dado à luz (Mq
5.1, 3).
Este é um esboço da profecia até o fim de Zacarias 11.14, após o
qual veio o intervalo revelado a Daniel. Por conseguinte, somos
levados imediatamente da traição do Messias e da dispersão dos
judeus para o pastor insensato, o Anticristo (Zc 11.15-16), que

173
destruirá o rebanho na última semana, e será ele mesmo derrotado,
“logo que o Supremo Pastor se manifestar” (1Pe 5.4).

174
Capítulo 25
OI C
M

F
aremos um esboço similar do evangelho dispensacional de
Mateus, pois tanto o precursor quanto o próprio Senhor
começaram seu ministério com o clamor: “Arrependei-vos,
porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2; 4.17). Os
quatrocentos e oitenta e três anos estavam se encerrando, mas o
intervalo sombrio não seria necessário se Israel pudesse, naquele
tempo, se arrepender e receber o Príncipe ungido.
Nos capítulos 5 a 7 de Mateus, as leis do reino foram
pronunciadas pelo Rei, que falou baseado na autoridade de Sua
palavra, e Ele revelou-se à atônita multidão como o futuro Juiz dos
vivos e dos mortos (Mt 7.21-23).
Mas, era razoável esperar que as alegações fossem apoiadas por
provas de tipo não comum, e a expectativa não foi desapontada. Um
leproso, acometido irremediavelmente pela doença sagrada que
ninguém, exceto Jeová, poderia curar, estava ouvindo à distância; e,
convencido pelas palavras impressionantes do Orador, de que ele
poderia ser o Filho de Deus, correu corajosamente até Ele, e disse:
“Senhor, se quiseres, podes purificar-me” (Mt 8.2). A fé simples e o
reconhecimento incondicional de que Jesus era o Senhor, logo

175
provaram que todas as coisas são realmente possíveis aos que
creem.
O Salvador estendeu a mão e, ao tocar o sofredor pálido,
pronunciou as palavras de poder: “Quero, fica limpo” (Mt 8.3). Em
um instante, a doença desapareceu. Um fluxo de sangue morno
correu pelas veias estagnadas do leproso, e ruborizou seu rosto
branco, e ele foi curado na presença da multidão abismada.
E esse foi só o início das poderosas palavras pelas quais o
Senhor mostrou que Ele era em verdade o Filho de Deus. Mateus 8
e 9 contém relatos de outros milagres estupendos que testemunham
Sua soberania absoluta sobre as doenças, as intempéries, os
espíritos malignos e até sobre a própria morte.
Os líderes de Israel não o saudaram como o tão esperado
Messias, mas desdenharam de Seus ensinos e tornaram-se cada
vez mais antagônicos a Ele, conforme multiplicavam-se os sinais do
seu poder. Consequentemente, Ele logo começou a indicar que
haveria um atraso na restauração do reino e falou de uma futura
ausência do Noivo, durante a qual os filhos das bodas ficariam
tristes (Mt 9.15, ).
Contudo, quando Ele olhou para as multidões, foi movido pela
compaixão, “porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que
não têm pastor” (Mt 9.36). Então, renovou a oferta e, ao enviar seus
doze discípulos, apelou novamente ao coração do povo com a
comovente exclamação: “O reino dos céus está próximo” (Mt 10.7,
). Não houve resultado adequado. Ele passou a queixar-se da
desobediência de sua geração e a censurar as cidades onde a
maioria de suas poderosas obras haviam sido feitas, porque elas
não se arrependeram (Mt 11.16-24).
Em Mateus 12, a malícia e oposição dos governantes são ainda
mais marcantes. Sem conseguirem negar os atos de poder do
Messias, ousaram dizer: “Este não expele demônios senão pelo
poder de Belzebu, maioral dos demônios” (Mt 12.24). Então, por fim,
Ele começa a mostrar que Sua alma também os detestava. Sua
boca falou coisas terríveis e declarou que os privilégios que
desdenharam fariam descer o trovão do julgamento de Deus sobre a
cabeça deles.

176
Concluiu o discurso com a profética parábola do homem de quem
saíra um espírito imundo, e predisse que o manto de hipocrisia que
eles usavam ainda lhes seria arrancado e a verdadeira apostasia
que mantinham para com Deus seria posta a descoberto. O espírito
da idolatria declarada fora realmente exorcizado pelo cativeiro
babilônico e suas manifestações grosseiras foram varridas de seus
corações. Mas não era tudo. Eles também haviam ornamentado a
casa, mas com uma religião fria e formal que, apesar de professar
honrar a Deus, não servia para nada, exceto para o propósito da
autoglorificação. O Espírito de Deus não os havia enchido, portanto,
o demônio imundo voltaria para a morada vazia com sete outros
demônios piores do que ele, e o último estado dos judeus seria mais
abertamente idólatra do que o primeiro. Rejeitaram o Senhor da
glória. Todavia, agora seriam levados a adorar um homem, o próprio
iníquo, que se oporá e se exaltará acima de tudo o que se chama
Deus ou é objeto de culto.
O Senhor parou de falar e seguiu-se um incidente significativo,
pré-arranjado pelo seu poder, para mostrar que nenhum vínculo da
carne, por mais forte que fosse, seria reconhecido diante Dele, a
menos que fosse acompanhado por fé e obediência. Sua mãe e os
filhos dela chegaram aos arredores da multidão querendo vê-lo, e
um espectador avisou: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e
querem falar-te”. Ele respondeu ao espectador: “Quem é minha mãe
e quem são meus irmãos?”. E, estendendo a mão em direção aos
discípulos, disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer
que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e
mãe” (Mt 12.46-50). A mera relação terrena de nada valeria para
embargar o julgamento; até a semente de Abraão, segundo a carne,
e os parentes do Senhor perecerão, se continuarem na
incredulidade. Ele assinalaria por misericórdia apenas os que
fizeram a vontade do Pai, a qual era que cressem naquele que o Pai
enviara; mas, eles o estavam rejeitando e, portanto, deveriam ser
eles mesmos rejeitados.
Tendo assim predito o destino dos judeus, o Senhor passa a
predizer naquele mesmo dia (Mt 13.1) o que viria a acontecer. Falou
dos ramos da oliveira brava que seriam enxertados depois que os
ramos naturais fossem quebrados. Revelou, ainda que só em

177
parábolas, algo do grande mistério que ficou escondido em eras
passadas e, ao fazê-lo, está escrito que Ele cumpriu a profecia:
“Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei coisas ocultas desde
a criação [do mundo]” (Mt 13.35; Sl 78.2), pois só depois que a
disposição dos judeus em relação ao Senhor tornasse evidente que
eles deveriam ser postos de lado por um tempo, é que Deus iria
revelar o que aconteceria durante o tempo em que manteriam a
rejeição a Ele. É como se Ele tivesse deixado aberto para eles
decidirem, pela obediência ou pela desobediência, se a última
semana de Daniel deveria ser cumprida imediatamente após a
sexagésima nona semana ou se deveria haver um cansativo
intervalo de disciplina.
Daqui em diante, o caráter da pregação de nosso Senhor mudou,
e descobrimos em Lucas que, conforme Ele se aproximava de
Jerusalém para morrer na cruz, Ele contou uma parábola para
mostrar que as primeiras ofertas foram retiradas, e que agora o
reino dos céus não poderia manifestar-se imediatamente (Lc 19.11).
Um pouco mais tarde, provavelmente em menos de uma hora, Ele
estava no cume do monte das Oliveiras e, ao contemplar a cena que
se apresentava diante dele, chorou enquanto pronunciava a
memorável lamentação: “Ah! Se tu conheceras ainda hoje o que te
pode trazer a paz! Mas isso está agora oculto aos teus olhos. Pois
sobre ti virão dias, em que os teus inimigos levantarão trincheiras
em redor de ti, te cercarão e te apertarão de todos os lados e te
derribarão a ti bem como a teus filhos que estiverem dentro de ti; e
não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o
tempo da tua visitação” (Lc 19.42-44, ).
Assim seria, porque o Messias estava prestes a ser cortado[128] e,
posteriormente, a cidade e o santuário seriam destruídos.
Contudo, Ele entrou na cidade no último dia dos quatrocentos e
oitenta e três anos do período de Daniel, e o fez “montado em
jumento, num jumentinho, cria de animal de carga” (Mt 21.5), para
que, pelo cumprimento simultâneo de duas grandes profecias, Ele
fizesse um último apelo aos judeus rebeldes. Mas foi tudo em vão: o
entusiasmo da população foi apenas momentâneo, e a maldade dos
governantes foi enormemente intensificada.

178
Então, a aliança foi quebrada, a figueira estéril foi amaldiçoada
como sinal, a parábola dos lavradores maus foi proferida com a
terrível conclusão: “Portanto, eu vos digo que o Reino de Deus vos
será tirado e será dado a uma nação que dê os seus frutos” (Mt
21.43, ), e o templo foi abandonado com as palavras: “Eis que a
vossa casa ficará deserta” (Mt 23.38).
Na profecia que o Senhor fez imediatamente depois no monte
das Oliveiras, o Senhor completa a parte do esboço de Daniel, que
ainda estava no futuro, inclusive mencionando o profeta pelo nome.
Ele indica que, após morrer na cruz, a cidade e o santuário seriam
destruídos (Mt 24.2), e depois passa a revelar o que aconteceria nos
dias precedentes ao cumprimento dos tempos dos gentios e à
conclusão simultânea dos últimos sete anos das interações de Deus
para com os judeus em Jerusalém. Assim, também no Novo
Testamento, a grande revelação interpretada e dada a Daniel é
considerada a chave de toda profecia no que diz respeito aos
judeus.

179
Capítulo 26
OI O V
D

I
remos, agora, empenhar-nos em traçar o plano das setenta
semanas nas outras visões de Daniel. De acordo com nossas
conclusões anteriores, esperamos encontrar essas visões,
primeiramente, conectadas com acontecimentos não posteriores à
destruição da cidade e do santuário e, depois, passando pelo
intervalo em silêncio e retomando seus detalhes na última semana
(Ad 8.23; 10–12).
Claro que a expectativa não se estende à visão da estátua, pois
ela foi dada não para o profeta hebreu, mas para a primeira cabeça
do domínio gentio. Naturalmente, as semanas abrangem todo o
período daquele domínio, revelando sua condição durante a
suspensão, bem como durante o progresso das interações de Deus
com os judeus. Por isso, as duas pernas da estátua revelam a
divisão da quarta potência mundial em dois impérios, ocorrência que
não é mencionada na profecia hebraica, pois aconteceria durante o
intervalo.
Por outro lado, a primeira das visões vistas por Daniel, a dos
quatro animais, ignora completamente os acontecimentos do
intervalo. O quarto animal representa o Império Romano em
unidade, como era no tempo da destruição de Jerusalém, e a

180
primeira parte da descrição aplica-se bem ao império e até a esse
período de sua história. Em seguida, ocorre a frase: “E tinha dez
chifres” (Dn 7.7), referindo-se aos dez reinos nos quais será
finalmente organizado. A divisão do império em duas partes é
omitida, e somos levados da destruição de Jerusalém, por Tito, para
a última semana.
A visão do carneiro e do bode começa a ter seu cumprimento nos
dias do profeta, embora o anjo tenha afirmado que sua principal
referência fosse “ao tempo do fim” (Dn 8.17), fato que parece
identificar o chifre pequeno dessa revelação com o chifre da besta
que tem dez chifres. Sabemos que o chifre do bode é Alexandre, o
Grande, enquanto os quatro chifres que saíram do chifre quebrado
são os quatro reinos nos quais o Império Macedônico foi
subsequentemente dividido, cujo último sobrevivente, ou seja, o
Egito, foi absorvido por Roma depois da batalha de Ácio em 31 a.C.
O intervalo ocorre entre os quatro chifres e o chifre pequeno, e é
plenamente declarado pelo anjo, que antecede a descrição que ele
faz do rei de semblante feroz com as palavras: “Nos últimos dias
dos seus reinos, quando os transgressores tiverem chegado ao
auge” (Dn 8.23, ). Assim, a predição é transferida imediatamente
de 31 a.C., que está dentro das sessenta e nove semanas, ao
aparecimento do Anticristo na septuagésima semana.
A última revelação de Daniel contida nos capítulos 10, 11 e 12
também começa suas exposições desde o tempo do profeta, e
destaca os reinos de Cambises, Pseudo-Esmérdis, Dario Histaspes
e Xerxes (Dn 11.2). Do último rei mencionado, a profecia passa para
Alexandre e fala de seu grande domínio, mas ao mesmo tempo
prediz que nenhum de seus sucessores manteria o poder
alexandrino e que seu império seria dividido em quatro reinos (Dn
11.3-4). Em seguida, determina a sorte de dois desses reinos, a
Síria e o Egito, pois suas políticas e guerras afetaram a Palestina,
que situa-se entre os dois. Com detalhes ocasionais,
maravilhosamente minuciosos, a profecia prediz os conflitos entre
os selêucidas e os lágidas, sobretudo os feitos de Antíoco Epifânio
(Dn 11.5-32). Mais adiante, há evidente referência aos macabeus
nas palavras, “mas o povo que conhece ao seu Deus se esforçará e
fará proezas” (Dn 11.32, ).

181
O versículo seguinte menciona o surgimento de uma classe muito
diferente de agentes: “os sábios entre o povo”, que não farão
proezas, mas “ensinarão a muitos” (Dn 11.33). Essa é descrição em
que não podemos deixar de reconhecer a aparição e obra do
Senhor Jesus e seus discípulos. Mas o ensino deles seria rejeitado
pela massa do povo e, portanto, não serviria para livrá-los do
julgamento que se aproximava, pois a profecia continua: “Todavia,
cairão pela espada, e pelo fogo, e pelo cativeiro, e pelo roubo, por
muitos dias” (Dn 11.33, ).
Essa é uma evidente referência à destruição da cidade e do
santuário executada por Tito, e a consequente dispersão dos
judeus. Nosso Senhor usa linguagem similar ao predizer os mesmos
eventos (Lc 21.24). Ele expressa os “muitos dias” de Daniel dizendo
que, “até que os tempos dos gentios se completem, Jerusalém será
pisada por eles”.
Por conseguinte, somos levados para a mesma crise, conforme
prevista na profecia das sessenta semanas, e imediatamente
levados para os feitos do Anticristo, visto que Daniel 11.36
apresenta o rei obstinado. E assim, podemos detectar o mesmo
plano em todas as grandes revelações dadas a Daniel.

182
Capítulo 27
AC T P

D
escobrimos pela profecia das setenta semanas, bem como
de outras partes das Escrituras que apresentam o Senhor
quebrando sua aliança com Israel pouco antes de morrer na
cruz, que hoje faz mais de mil e oitocentos anos que Deus cessou
totalmente de tratar os judeus como nação.[129] O grande intervalo
estende-se, como entendemos (1) pelas palavras de Daniel: desde
o Messias, o Príncipe, até ao falso príncipe que virá; (2) pelas
palavras de Zacarias: desde o bom Pastor, que o rebanho detestou
e rejeitou, até ao pastor insensato, a quem a maioria do rebanho
seguiria até a própria destruição; e (3) pelas palavras do próprio
Senhor: desde Aquele que veio em nome de Seu Pai até o outro
que viria em seu próprio nome.
E durante o intervalo entre o Messias verdadeiro e o falso, a
profecia hebraica está quase totalmente ausente e permanece
atualmente em operação apenas um ou dois pronunciamentos
terríveis que estendem-se, por assim dizer, aqui e ali, por toda a
largura da lacuna.
Tal é o clamor de Oseias que assombrou os tempos prósperos e
altivos de Uzias com as palavras fatídicas: “Porque os filhos de
Israel ficarão por muitos dias sem rei, sem príncipe, sem sacrifício,
sem coluna, sem estola sacerdotal ou ídolos do lar” (Os 3.4).

183
Tal é o encargo triste de Miqueias que, por causa do ferimento
com vara feito na face do Juiz de Israel, Deus abandonaria seu povo
até que a mulher em trabalho de parto desse à luz (Mq 5.1, 3).
E tais são de maneira especial as terríveis imprecações e
palavras de medo registradas em Levítico e Deuteronômio:

O S vos espalhará entre todos os povos, de uma até à outra


extremidade da terra. Servirás ali a outros deuses que não conheceste,
nem tu, nem teus pais; servirás à madeira e à pedra. Nem ainda entre estas
nações descansarás, nem a planta de teu pé terá repouso, porquanto o
S ali te dará coração tremente, olhos mortiços e desmaio de alma. A
tua vida estará suspensa como por um fio diante de ti; terás pavor de noite
e de dia e não crerás na tua vida. Pela manhã dirás: Ah! Quem me dera ver
a noite! E, à noitinha, dirás: Ah! Quem me dera ver a manhã! Isso pelo
pavor que sentirás no coração e pelo espetáculo que terás diante dos
olhos. (Deuteronômio 28.64-67)

Com exceção de passagens como essas, e as poucas predições


que dizem respeito aos gentios, todas as profecias do Antigo
Testamento, que invariavelmente referem-se a Judá, Jerusalém e
Israel literais, centralizam-se nos acontecimentos relacionados às
duas vindas de Cristo, pois, como Pedro disse, o Espírito, pelos
profetas, testemunhou de antemão “sobre os sofrimentos referentes
a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam” (1Pe 1.11), ou seja, a
primeira vinda para sofrer e morrer, e a consequente rejeição dos
judeus, e a segunda vinda para reinar com poder, e a consequente
restauração de todo o Israel.
O conhecimento desse fato é indispensável para o correto
entendimento da profecia, pois acontecimentos associados a duas
grandes eras, mas agora amplamente separadas, são mencionados
juntos até na mesma frase. Não existe confusão nessa disposição
dos fatos. Se os judeus tivessem recebido Cristo na primeira vinda,
João Batista teria sido o Elias para eles,[130] os últimos sete anos
teriam ocorrido imediatamente, e o reino teria sido restaurado a
Israel. Mas a incredulidade dos judeus separou as coisas que
poderiam ter ocorrido juntas e, consequentemente, os
acontecimentos maravilhosos da última semana ainda não
começaram a ocorrer.

184
No entanto, para que não fiquemos perplexos com relação à
interpretação da profecia do Antigo Testamento, o próprio Senhor
nos deu uma dica importante. Em Lucas 4, encontramos o relato de
sua visita à sinagoga em Nazaré, onde Ele leu uma passagem de
Isaías e declarou que ela cumpriu-se naquele dia aos ouvidos de
Sua audiência. A passagem é a seguinte: “O Espírito do Senhor
está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da
vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o
ano aceitável do Senhor” (Lc 4.18-19; Is 61.1-2). Quando ficou
satisfeito com a leitura, Ele fechou o livro. Se verificarmos Isaías 61,
veremos de que maneira ele extraiu a passagem. Ele parou a leitura
no meio de uma frase, porque a frase seguinte atravessa o grande
intervalo entre a primeira e a segunda vinda, e fala do “dia da
vingança do nosso Deus” (Is 61.2). Não tivesse Ele fechado o livro
quando o fez, Ele não poderia ter dito: “Hoje, se cumpriu a Escritura
que acabais de ouvir” (Lc 4.21).
Antes de deduzirmos um cânone da interpretação baseado no
método de procedimento de nosso Senhor, devemos ter cuidado ao
observar que a profecia sempre deve, quando possível, ser tomada
literalmente. A Bíblia não é um enigma, mas uma revelação. Escrita
para ajustar-se à capacidade mediana do ser humano enquanto
este ainda está na carne, é de fácil compreensão para os que se
rendem à orientação do Espírito. Apresenta poucas dificuldades, se
estivermos dispostos a recebê-la exatamente como nos foi
entregue, e não quisermos evitar aquilo que é sobrenatural. Com
algumas exceções declaradas — como quando a mente que tem
sabedoria é desafiada, ou quando aquele que tem ouvidos para
ouvir é convidado a ouvir — se ela estiver falando figurativamente,
empregará figuras claras e óbvias, cujo objetivo é ilustrar e
esclarecer, e não confundir.
O que afirmamos ser verdadeiro é fato que pode ser visto pelas
profecias acerca da primeira vinda, as quais, cumpridas com
maravilhosa literalidade, devem nos tornar sábios com relação ao
futuro. Deixemos que o quadro a seguir sirva de exemplo.

PREDIÇÃO PROFECIA CUMPRI-

185
MENTO
O mensageiro Ml 3.1 Mc 1.2-8
A mãe virgem Gn 3.15; Is Mt 1.18-23[131]
7.14
Os outros filhos da mãe do Sl 69.8[132] Mt 12.46; Jo
Senhor 7.5
A cavalgada a Jerusalém Zc 9.9 Mt 21.1-11
As trinta moedas de prata Zc 11.12 Mt 26.15
O campo do oleiro Zc 11.13 Mt 27.7
As feridas e as cusparadas Is 50.6 Mt 26.67
A perfuração com os cravos Sl 22.16 Mt 27.35; Jo
20.25-27
A perfuração com a lança[133] Zc 12.10 Jo 19.34, 37
As vestes e túnica Sl 22.18 Jo 19.23-24
O vinho com fel Sl 69.21 Mt 27.34
Os ossos não quebrados Sl 34.20 Jo 19.33, 36

A lista poderia ser bem mais extensa e não há motivo para


duvidar que as profecias da segunda vinda serão literalmente
cumpridas como as da primeira.
A partir dessa consideração e do exemplo dado acima acerca da
maneira de nosso Senhor lidar com as Escrituras, sugerimos o
seguinte método de interpretação: (1) Em qualquer previsão do
Antigo Testamento, considere exatamente o que foi cumprido na
primeira vinda como algo já no passado; (2) aplique todo o restante
ao tempo da segunda vinda, tão literalmente quanto o caso permitir.
Como exemplo, citemos as palavras de Isaías: “Porque um
menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os
seus ombros” (Is 9.6). Agora o menino nos nasceu, e o Filho nos foi
dado, na primeira vinda, mas o governo ainda não está sobre Ele,
pois Ele foi cortado e não havia nada para Ele. Ele deixou nosso
mundo como homem nobre e foi para um país distante, a fim de
receber para si um reino e depois voltar (Lc 19.12). Na segunda
vinda, portanto, o governo será colocado sobre os seus ombros.
Somente depois que o quarto animal for morto, e o seu corpo for
destruído e jogado às chamas flamejantes, é que o Filho do Homem

186
será levado ao Ancião de Dias e empossado com domínio, glória e
um reino (Dn 7.11-14).
Assim também em Zacarias 13, o versículo 17 refere-se à
primeira vinda (Mt 26.31), mas os versículos 8 e 9, à segunda, pois
a destruição de Jerusalém por Tito resultou na dispersão de toda a
nação judaica, e não na libertação de um terço deles.
Se aplicarmos esse processo, do qual nosso próprio Senhor nos
dá um exemplo, a Bíblia se tornará uma revelação clara e não mais
um véu de enigmas. Cada uma de suas páginas brilhará com glória,
e a encontraremos cheia de revelações e ensinos que Paulo com
toda razão comparou a ouro, prata e pedras preciosas.

Nota sobre os Irmãos


e Irmãs do Senhor
A verdadeira relação sanguínea do Senhor com as pessoas que
no Novo Testamento são chamadas de “seus irmãos”, e geralmente
mencionadas em conexão com sua mãe, é uma verdade de grande
importância. Ela bloqueia o caminho da doutrina do paganismo que
sempre corrompeu a igreja nominal de forma, talvez, mais poderosa
ou, pelo menos, mais persistente do que qualquer outra. Tendo em
vista que essa verdade foi veementemente atacada nos primeiros
séculos de nossa era, agora é ignorada ou contestada por muitos,
porque as causas que primeiro a consideraram indesejável estão
outra vez operando ativamente entre nós (Jo 7.1-10; Sl 69.8; At
1.13-14).
A adoração a Maria está ganhando terreno nos países que até
aqui vinham sendo chamados de protestantes, ao passo que aquilo
que ela realmente representa, a saber, a adoração ao princípio da
natureza feminina, tem encontrado nos últimos tempos
favorecimento entre muitos secularistas, como Strauss, Auguste
Comte e John Stuart Mill, e predomina extensivamente entre os
espiritualistas e os teosofistas.
O erro amplamente difundido, que pode, enfim, provar que é um
elo de união para homens de opiniões muito diversas, estará
privado de todo apoio que pretende extrair do cristianismo, se for

187
demonstrado que os irmãos do Senhor são filhos de sua mãe. A
deusa pagã universal de muitos nomes, com a qual os homens
sempre tentam identificá-la, era mãe de um filho divino e, mesmo
assim, ela permanecia virgem. Daí a importância da questão.
Para a mente sem preconceito, não pode haver qualquer dúvida.
Se não estivéssemos interessados na controvérsia, ao lermos “a
mãe e os irmãos” do Senhor, instintivamente entenderíamos que os
irmãos estavam relacionados a Ele na carne, no mesmo sentido
literal em que sua mãe estava. Se um sentimento em nós impede a
tão óbvia conclusão, não surge das Escrituras, que nada contêm
que o indique.
Ao contrário, a simples ordem a José: “Não temas receber Maria,
tua mulher” (Mt 1.20), é suficiente para mostrar que as relações
conjugais habituais subsistiram entre os dois após o nascimento de
nosso Senhor. A clara narração de que José “recebeu sua mulher,
contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho” (Mt
1.24-25), sustenta a evidência conclusiva de que Mateus, pelo
menos, não desejava precaver-se do significado legítimo de suas
palavras.
É significativo, mas muito negligenciado, que nas Escrituras
Maria nunca é chamada de virgem após o nascimento de seu Filho
primogênito, fato que é fatal à doutrina puramente pagã de sua
virgindade perpétua.
Não pode ter sido sem propósito que, em um salmo
repetidamente aplicado a Cristo no Novo Testamento, e
imediatamente antes de um versículo, cujas duas frases são citadas
por escritores divinamente inspirados como referência a Ele,[134]
encontremos estas palavras: “Tornei-me estranho a meus irmãos e
desconhecido aos filhos de minha mãe” (Sl 69.8).
É desnecessário dizer mais. A Bíblia pressupõe que os irmãos do
Senhor são filhos de Sua mãe, pois, com apenas duas memoráveis
exceções, sobre as quais falaremos agora, sempre são
apresentados junto dela. Com tanto cuidado, Aquele que sabe o fim
desde o início previu a tentativa de identificar os pais terrenos do
Salvador com Ísis, a mãe sempre virgem de Hórus, assim como
também, no projeto do tabernáculo e do templo, Ele ordenou que o
Santo dos Santos fosse situado em direção oeste, e desse modo

188
distinguiu seus adoradores dos numerosos devotos da natureza e
do sol, que voltam-se para o leste.
Neste caso, como em muitos outros, a corrupção humana logo
tornou sem efeito a palavra de Deus. Em tempos muito remotos, o
desejo de unir o cristianismo ao paganismo por meio de uma deusa-
virgem e a tendência prevalecente ao asceticismo resultaram na
teoria de que José era viúvo ao desposar Maria e que os “irmãos do
Senhor” eram filhos de sua primeira esposa.
A origem da teoria denuncia os sentimentos de seus apoiadores.
Nem uma partícula de evidência pode ser extraída a seu favor, pois
não há menção histórica de um casamento anterior de José e nem
os fictícios meios-irmãos mais velhos aparecem nos poucos
incidentes que nos foram revelados sobre o nascimento e infância
do Senhor. Até Jerônimo zomba dos que creem na teoria, dizendo
que “seguem os escritos apócrifos e inventam uma mulherzinha
miserável chamada Melcha ou Escha”.
Mas, para paganizar o cristianismo, não bastou descartar os
irmãos de sangue do Senhor. Foi também necessário mostrar que
Maria não poderia ter tido outros filhos além do seu primogênito. Em
meados do século , o Protoevangelho de Tiago fala que José, na
época de seu segundo casamento, era homem já muito velho com
filhos adultos. Para a infelicidade da reputação da obra, ela não deu
a José filhas, embora o Novo Testamento mencione as irmãs do
Senhor (Mt 13.56), assim como seus irmãos. Mas a ideia da idade
avançada de José tornou-se muito popular nos escritos apócrifos e,
baseada nela, é elaborada com extravagância grotesca nas Peças
de Milagre de Coventry,[135] preservadas no Museu Britânico.
Enquanto a doutrina da virgindade de Maria estava sendo
disseminada, o nome Teótoco, Mãe de Deus, foi atribuído a ela e
levou à inferência natural de que a divindade de Cristo e Seu corpo
humano procediam dela e, portanto, que ela própria era uma deusa.
Perto do fim do século , várias mulheres devotas que haviam
migrado da Trácia para a Arábia declararam ser sacerdotisas de
Maria, e iniciaram uma adoração idólatra que, pela forma assumida,
parece identificá-la com a deusa Ceres. Nos dias de festa, os
devotos transportavam em carros, como os que os pagãos usavam
nas procissões religiosas, certos bolos ou pães consagrados a

189
Maria e chamados de colirides, de onde derivaram o nome de
coliridianos. Após oferecer os bolos como ofertas, eles os comiam.
A cerimônia era uma adaptação do festival da colheita de Ceres,
conhecida como Tesmofórias, ou talvez do mizd, que é um pão
redondo usado na adoração a Mitra.[136] Este último é o protótipo da
hóstia e a origem do termo católico missa.
Claro que uma deificação tão aberta da mãe humana do Senhor
não foi feita sem considerável oposição. Contudo, foi defendida com
violência fanática por Epifânio, bispo de Salamina de Chipre, que
inventou um nome para os oponentes de sua idolatria, chamando-os
de antidicomarianitas ou “adversários de Maria”.
Entre os que levantaram objeções à nova deusa estava Helvídio,
advogado de Roma. Ele, chocado pelos louvores extravagantes ao
celibato enunciados por Jerônimo, empenhou-se em combater a
detestável visão e, no transcurso da argumentação, sustentou que
após o nascimento do Senhor, Maria tornou-se esposa e mãe de
filhos.
Diante dessa declaração, Jerônimo, que era muito superior em
estudo e dialética do que Helvídio, e que não gostou ou não
acreditou na teoria de casamento anterior de José, respondeu que
os irmãos do Senhor não eram filhos de Maria, mas apenas primos
Dele. Vemos o espírito soberbo em que ele apresentou a opinião na
alegação que fez da virgindade de Maria e também de José. Os
argumentos com os quais ele sustentou a ideia é um conjunto
desprezível de erros que podemos expor e refutar da seguinte
forma.
Na lista dos doze apóstolos há dois com o nome de Tiago. Temos
também o Tiago, irmão do Senhor, que era um dos doze ou, caso
contrário, haveria três pessoas com o mesmo nome.
Nesse caso, como poderia um deles ser chamado de “Tiago, o
menor”, termo que implica que haveria apenas mais um outro?
Ao escrever aos cristãos gálatas, Paulo diz: “E não vi outro dos
apóstolos, senão Tiago, o irmão do Senhor” (Gl 1.19), dessa forma,
classificando Tiago, o irmão do Senhor, com os doze.
Podemos descartar esse argumento, que é a base da teoria de
Jerônimo, sem muitas dificuldades, pois a expressão “Tiago, o
menor” não se encontra no original grego do Novo Testamento. O

190
apóstolo é chamado de “Tiago, o pequeno” ( ὁ μικρός; o micros, Mc
15.40).
As palavras de Paulo podem ser traduzidas assim: “Não vi
nenhum outro apóstolo [ou seja, nenhum outro senão Pedro, que ele
acabara de mencionar], mas apenas Tiago, o irmão do Senhor”.
Mesmo que admitamos que esse Tiago era apóstolo, de maneira
alguma se conclui que ele era um dos doze, pois o título também foi
conferido a outros, como por exemplo a Barnabé (At 14.4, 14). De
fato, em outra passagem, Paulo parece fazer distinção entre “os
doze” e “todos os apóstolos” (1Co 15.5, 7).
Foi sobre essa falsa base que Jerônimo contentou-se em
construir sua teoria.
Tendo em vista que Tiago, o irmão do Senhor, é mencionado
após a morte de Tiago, filho de Zebedeu, ele deve ser identificado
com Tiago, filho de Alfeu.
Ora, Tiago, filho de Alfeu, tinha um irmão chamado José. Há nos
evangelhos de Mateus e Marcos o registro de uma Maria, mãe de
Tiago e de José, que estava presente na crucificação (Mt 27.56; Mc
15.40). Ela deve ter sido a esposa de Alfeu.
Mas no quarto evangelho, no lugar da mãe de Tiago e de José,
lemos que houve uma Maria de Clopas, a irmã da mãe do Senhor,
que estava junto à cruz (Jo 19.25). Essa Maria deve ser a mesma
Maria que é esposa de Alfeu[137] e prova que é a irmã da mãe do
Senhor.
Portanto, os filhos de Maria de Clopas eram os primos do Senhor,
e são chamados de “seus irmãos” meramente porque o termo grego
era em geral aplicado a qualquer parente próximo.
Essa superestrutura elaborada é tão inútil quanto a fundação, e
um único fato será suficiente para provar o que afirmamos. Tiago,
irmão do Senhor, não poderia ter sido filho de Alfeu, pois este era
um dos doze, enquanto o registro bíblico declara sem reservas que
os irmãos do Senhor não criam Nele (Jo 7.5). Embora não haja
necessidade de mais argumentos, adicionaremos uma ou duas
observações que ajudarão o leitor a ter uma visão ainda mais clara
da posição de Jerônimo como professor.
Primeiramente, Maria, a esposa de Clopas, não deve ser
identificada com a irmã da mãe de nosso Senhor, pois a passagem

191
em João deve ser lida da seguinte forma: “E junto à cruz estavam [1]
a mãe de Jesus, e [2] a irmã dela, e [3] Maria, mulher de Clopas, e
[4] Maria Madalena” (Jo 19.25). Não são mencionadas apenas três,
mas quatro mulheres, as quais estão agrupadas em duplas,
exatamente como os apóstolos estão nas listas dos doze (Mt 10.2-4;
Lc 6.14-16). Por assim entender a passagem, evitamos o absurdo
de concluir que, de acordo com Jerônimo, a mãe do Senhor e a irmã
da mãe do Senhor tinham o mesmo nome: Maria. Alguns
apoiadores da teoria são suficientemente ousados ao afirmar que
era frequente os judeus darem o mesmo nome a irmãs; mas, até
onde sabemos, esses estudiosos não apesentaram evidências da
prática de um costume tão irracional.
O argumento baseado nos nomes de Tiago e de José também
não tem valor, já que havia poucos nomes de uso comum entre os
judeus naquele tempo, como podemos deduzir pela frequente
recorrência de determinados nomes no Novo Testamento. Por
conseguinte, é provável que muitas mulheres na Judeia poderiam
ter sido chamadas de mães de Tiago e de José.
Finalmente, a afirmação de que “primos” pode designar “irmãos”
dificilmente é verdadeira, pelo menos, não em sentido absoluto. Os
exemplos apresentados por Jerônimo (Gn 13.8; 29.15) ocorrem em
apelos afetuosos ou retóricos; ele não cita qualquer exemplo
simples dos fatos históricos, como os que estão registrados nos
evangelhos. Sua teoria é considerada muito mais improvável pela
menção das “irmãs” do Senhor, e ainda resta outra dificuldade. Se
os “irmãos” fossem os primos do Senhor, por que eles dão contínua
assistência à sua mãe enquanto seu próprio pai ainda estava vivo?
Não poderia ter sido por sentimento de veneração para com o Filho
dela, pois eles não criam Nele.
Essa é a tentativa de explicação de Jerônimo. O fato mais notável
é que homens letrados tenham admitido uma teoria tão imperfeita e
disparatada dentro da gama de sua teologia. O autor da teoria foi
menos tenaz sobre isso do que alguns de seus discípulos. Na Carta
a Hedibia, que pertence a seus últimos anos, Jerônimo evidencia
uma mudança mental completa, renegando a identificação da mãe
de Tiago e de José com a irmã de Maria. Como esse é o ponto mais

192
forte de sua posição, fica claro que ele descobriu sua
insustentabilidade e deliberadamente a abandonou.
O bispo Lightfoot, no artigo anexado a seu Comentário sobre a
Epístola aos Gálatas, decide peremptoriamente contra Jerônimo,
mas depois, hesitando entre a teoria literal e a dos meios-irmãos,
inclina-se, como Hilário de Poitiers, para a última por motivo
subjacente. Em sua concepção, é impossível que nosso Senhor,
quando na cruz, “tivesse rompido os mais sagrados laços de afeição
natural”, recomendando que João cuidasse de sua mãe, se ela
tivesse tido quatro filhos próprios vivendo naquele tempo.
Embora seja sempre perigoso substituir o sentido claro e literal
das Escrituras pelas nossas teorias, neste caso, não há razão para
agirmos assim. Contanto que nos contentemos em dispensar a
tradição e nos atenhamos à revelação, a suposta dificuldade é muito
facilmente removida.
Na única passagem dos evangelhos em que os irmãos de nosso
Senhor aparecem sem sua mãe (Jo 7.3, 9), eles mostram um forte
espírito de oposição, e o texto fala que eles não criam Nele.
Portanto, esse é o motivo pelo qual a mãe não está mais com eles.
Ela guardou as palavras de Jesus em seu coração e teve fé para
segui-lo até a cruz. Ela tentou uma vez interferir nas ações Dele, e
aprendeu a lição pela repreensão recebida.[138]
Mas se os irmãos eram descrentes e até estavam zangados com
o Senhor por ele ter-se recusado a buscar a popularidade, quais
devem ter sido os sentimentos que tiveram, quando viram Seu
ministério tornando-se cada vez mais oposto aos pré-julgamentos
da nação e perceberam que o consequente rancor à sua pessoa
aumentava a cada dia? Não é mais do que provável que o crescente
dissabor que tinham em relação a Ele, agora aumentado pelo medo
da desgraça à família, viesse a separá-los de sua mãe, que persistia
em sua fé? Assim, negligenciada pelos próprios filhos em seu
momento de mais extrema dificuldade, ela estaria em grande
necessidade de proteção temporária, a qual o Senhor
graciosamente providenciou.
Até aqui, não há dificuldade. Mas neste ponto, a tradição
intervém e adiciona uma história, oposta a toda inferência razoável
das Escrituras, que conta que Maria permaneceu sob a proteção do

193
apóstolo João pelo resto da vida. Não há dúvida de que é pura
ficção elaborada para dar apoio à teoria de sua virgindade, pois a
Bíblia indica claramente que ela voltou a seus filhos depois que eles
se converteram (At 1.14).
O coração sensível do Senhor anelava por seus irmãos na carne,
e depois de aparecer em seu corpo ressurreto a Pedro, aos doze e
aos quinhentos irmãos, Ele apresentou-se a seu irmão Tiago. Quem
pode duvidar do efeito da visão gloriosa? Os olhos de Tiago foram
abertos e ele não mais contemplou o filho do carpinteiro de Nazaré,
o criminoso executado, mas o vencedor da morte, o Senhor de todo
poder, o unigênito Filho do Pai. Pelo seu testemunho ou, talvez, por
revelações especiais a eles concedidas, os outros irmãos também
se converteram antes que o Senhor deixasse a terra.
Entendemos prontamente como a mudança de pensamento os
afetaria com relação à sua mãe negligenciada, que foi tirada da
proteção temporária de João para os cuidados amorosos de sua
própria família. Assim, na lista dos que permaneceram em oração
no cenáculo, esperando pelo poder prometido do alto, encontramos
a mãe de Jesus e seus irmãos, agora crentes novamente unidos (At
1.14).

194
Capítulo 28
OR J
P

E
ste é um esboço dos tratamentos de Deus com os judeus
como foram revelados a Daniel. Por quatrocentos e oitenta e
três anos, o Espírito de Deus lutou com eles em sua própria
terra e, ao final do tempo designado, o Messias, o Príncipe
apareceu e eles o rejeitaram. Veio para os seus e os seus não o
receberam. Ele também os rejeitou e os expulsou, para que
enfrentassem a maldição proferida por Moisés.
Logo os judeus retornarão e se colocarão sob a proteção da
última cabeça do quarto império gentio. Quando o Anticristo fizer
seu pacto com eles, o mundo e Satanás ficarão sabendo que faltam
sete curtos anos para a indulgência do pecado desenfreado.
Naquele tempo, o grande corpo da nação estará descrente e tomará
parte na loucura do mundo, admirando e adorando a besta. Dentre o
pequeno número que teme Jeová, alguns, se houver, conhecerão o
Senhor Jesus como o Cordeiro de Deus. No entanto, não poderão
reconhecê-lo como Messias e Rei, pois, de acordo com Zacarias, a
casa de Davi e os habitantes de Jerusalém só encontrarão a fonte
aberta para remover o pecado e a impureza depois de terem
contemplado a face daquele a quem eles traspassaram (Zc 12.9–
13.1).

195
Os judeus reconstruirão o templo, fato que está implícito, como já
vimos, em Daniel 8 e 9 e também em Isaías 66. Mas a passagem de
Isaías revela o espírito em que os exilados restaurados realizarão a
obra, e a rejeição indignada do Senhor pelo que é feito pelos
pecadores orgulhosos e obstinados, que escolhem seus próprios
caminhos e não sabem nada sobre corações contritos e
quebrantados, com os quais Ele se deleita.
Ao mesmo tempo, há o reconhecimento de uns poucos judeus
que tremerão diante da palavra do Senhor, e cujos irmãos os
odiarão e expulsarão por amor do nome do Senhor, enquanto
hipocritamente dizem: “Seja glorificado o S ”. Esses aflitos
serão fortalecidos para a breve provação com as palavras
significantes: “Mas Ele aparecerá para a vossa alegria, e eles serão
envergonhados” (Is 66.5, ).
Quando os judeus confiantes erigirem o templo, todos estarão
prontos para as cenas de medo que encerrarão a dispensação e
que foram preditas no sermão do monte das Oliveiras e em alguns
capítulos do Apocalipse. Com um breve comentário sobre a primeira
dessas profecias, ou melhor, sobre a parte que diz respeito ao
nosso assunto, concluiremos o que temos a dizer a respeito das
profecias hebraicas.

196
Capítulo 29
OS M
O

O
s leitores cuidadosos terão notado a considerável variação
nos relatos do memorável discurso proferido no monte das
Oliveiras, como nos foram dados por Mateus e Lucas (Mt 24;
Lc 21). As diferenças só são desconcertantes à primeira vista. Para
os que podem pesquisar seu significado, o discurso é inteligível e
profundamente instrutivo, pois só temos de ter em mente o objetivo
principal de cada evangelista e tudo ficará claro. Mateus escreveu
seu evangelho para os judeus, e para estabelecer o Senhor Jesus
como seu Rei, ao passo que Lucas destaca Cristo como o Filho do
Homem e é o evangelista de todos os convertidos, os quais,
estando em Cristo, não são nem judeus nem gregos.
Podemos encontrar muitos vestígios dos objetivos diversos. Por
exemplo, o objetivo da genealogia em Mateus é provar o direito de
nosso Senhor à coroa de Israel. Primeiro, ela mostra que Ele é filho
genuíno de Abraão, o pai da nação, e depois apresenta sua
linhagem oficial, exibindo os sucessivos herdeiros da coroa desde
Davi até Cristo. Mas Lucas, ao nos apresentá-lo como o Filho do
Homem, revela Sua descendência natural desde Adão, o pai comum
de todos os homens.[139]

197
A descrição feita por nosso Senhor acerca de um espírito maligno
saindo de um homem, narrada em Mateus, é concluída com a
aplicação especial: “Assim também acontecerá a esta geração
perversa” (Mt 12.45), pois, como o próprio contexto mostra, ela está
lá para ser considerada como profecia acerca do povo judeu. Mas
Lucas dá um contexto completamente diferente e omite as palavras
conclusivas, porque em seu evangelho, o aviso está escrito para
aplicação geral e individual (Lc 11.24-26).
É exatamente a mesma coisa em relação à profecia dada no
monte das Oliveiras. Seja qual for nossa exegese histórica,
permanece o fato de que o Senhor falou pelos dois evangelistas
com especial referência a dois grupos distintos de Seu povo
respectivamente. Mateus escreve para convencer os judeus e para
os crentes despreparados, que terão de partilhar o mesmo destino
dos judeus ao permanecer na terra durante a última semana. Assim,
ele segue a linha normal da profecia judaica, isto é, ele destaca
brevemente o curso dos eventos até a destruição de Jerusalém por
Tito. Em seguida, omitindo em silêncio o longo intervalo, concentra
nossa atenção nos últimos sete anos, quando Deus retomará Seu
tratamento com Seu povo e Sua cidade santa. Consequentemente,
seus avisos e instruções aplicam-se não ao cerco de Tito, mas às
aflições futuras muito mais graves, quando todas as nações se
reunirão contra Jerusalém para guerrear (Zc 14.2).
Por outro lado, Lucas está escrevendo para os crentes, que
poderiam estar preocupados com o cerco de Tito, mas que estarão
diante do Filho do Homem quando o Anticristo for revelado e, por
conseguinte, precisariam saber pouco acerca da última semana.
No evangelho lucano, a pergunta feita a nosso Senhor foi quando
o templo, o qual naquele momento eles estavam contemplando,
seria destruído e quais seriam os sinais que acompanhariam a
destruição. Portanto, seu relato da resposta aprofunda-se em
detalhes acerca dos tempos imediatamente após a ascensão, e fala
das tentações, perseguições e tristezas que os crentes teriam de
suportar. Ele não se esquece de assinalar que a sinagoga seria a
principal causa de seus problemas (Lc 21.12; compare com Mt
24.9). Também lhes dá um sinal pelo qual eles poderiam saber
quando deveriam sair de Jerusalém, para que fugissem dos

198
horrores da agonia suprema da cidade (Lc 21.20-21).[140] Depois
descreve os dias de vingança em que ela seria destruída, e
acrescenta que dali em diante ela seria pisada pelos gentios, até
que os tempos dos gentios se cumprissem. O fim desse longo
período seria anunciado por sinais no sol e na lua, convulsões na
natureza e angústia entre as nações na terra. E então o Filho do
Homem viria com poder e grande glória.
Nada poderia ser mais claro ou de mais fácil compreensão do
que o grande pronunciamento do Senhor conforme nos foi
apresentado. Mas, como estamos considerando o futuro da nação
judaica, estamos agora mais preocupados com o relato feito por
Mateus.

199
Capítulo 30
OC 24 M

O
sermão do monte das Oliveiras, como aparece no Evangelho
de Mateus 24, está estreitamente relacionado ao capítulo
anterior, cujo conteúdo está incluso na pergunta: “Dize-nos
quando sucederão estas coisas?”. Devemos entender os discípulos
perguntando: Como irão os judeus encher a medida de seus pais?
Quando os profetas, os sábios e os escribas serão enviados e
perseguidos até a morte? Em que tempo todo sangue justo
derramado sobre a terra recairá sobre essa geração? Quando o
templo será destruído e Jerusalém, deixada desolada? E quando o
povo irá clamar: “Bendito o que vem em nome do Senhor!”? são
perguntas todas judaicas, portanto, tenhamos certeza de que a
resposta também apontará para os judeus.
Mas os discípulos continuaram a perguntar: “E que sinal haverá
da tua vinda [presença, parousia] e da consumação do século
[era]?” (Mt 24.3). Agora, o arrebatamento da igreja será o sinal de
que Cristo está presente nos ares, ao passo que o Seu julgamento
das nações gentias vivas será o ato final da era. Portanto, a
resposta às três perguntas envolve o destino dos judeus, da igreja e
dos gentios, respectivamente. E o Senhor prosseguirá a revelar a
forma em que o estado atual das coisas cessará para cada uma das
três grandes divisões do mundo.[141]

200
Começando com os judeus, Ele mostra, em resposta à primeira
pergunta, que essas coisas só serão plenamente cumpridas na
última semana, pouco antes de Sua manifestação (Mt 24.4-30), e
acrescenta que quando Ele se manifestar, Ele enviará seus anjos
para reunir os Seus eleitos dos judeus.[142]
Iremos, então, fazer um pequeno esboço dessa parte do discurso
de nosso Senhor, que pertence exclusivamente ao assunto que
estamos tratando aqui.
As primeiras palavras no final de Mateus 24.6 (“porque é
necessário assim acontecer”) referem-se ao futuro imediato. Logo
haveria eventos, sinais e problemas relacionados com a Judeia,
similares em pequena escala aos que precederão o final da era.
Falsos cristos surgiriam — e temos prova histórica que foi o que
ocorreu — e enganariam a muitos, embora não conseguissem
apoiar suas pretensões por meio de poder miraculoso, como o que o
Anticristo e o Falso Profeta irão exibir. Haveria guerras e rumores de
guerras na Judeia, comoções que resultariam na destruição de
Jerusalém e do templo. Contudo, os discípulos não deveriam se
preocupar, pois todas essas coisas iriam passar, pois o fim ainda
não haveria chegado.
Com as palavras significativas, “mas ainda não é o fim” (Mt 24.6),
o Senhor indica o intervalo tão invariavelmente marcado na profecia
judaica, e depois passa direto para a septuagésima semana. Ele
falara dos sinais que fariam alguns pensarem que o fim chegara,
quando o propósito de Deus era apenas a dispersão dos judeus,
para que eles pudessem passar por um grande joeiramento entre as
nações. Agora, ele revela qual será o começo do verdadeiro fim,[143]
as contorções de dor ou dores de parto (é assim que a palavra
traduzida por “dores” deve ser entendida) da terra pouco antes da
manifestação do Rei (Mt 24.8).
Naquele tempo, os judeus estarão novamente de posse de suas
próprias terras que lhes foram restauradas, talvez, pelo Anticristo,
ou, quem sabe, por um outro poder. Ou é possível que eles irão
voltar gradualmente e encher seu país conforme forem sendo
expulsos de outras nações pelo ódio que parece já ter começado na
Rússia, Alemanha, Áustria, os estados independentes entre a
Rússia e a Turquia, Itália e ao longo da costa norte da África.[144]

201
Mas, sejam quais forem os meios pelos quais eles vierem a
reocupar a Palestina, lá eles se encontrarão no começo da última
semana e entrarão em aliança com o Anticristo pelos termos do
pacto dos sete anos. Então, os sinais preditos pelo Senhor
começarão a se manifestar, cada um seguindo-se em rápida
sucessão.
A primeira dor de parto será a guerra, mas guerra universal e não
mais local, pois “se levantará nação contra nação, reino contra
reino” (Mt 24.7). Isso corresponde à abertura do segundo selo do
Apocalipse, quando o cavalo vermelho saiu e “foi-lhe dado tirar a
paz da terra para que os homens se matassem uns aos outros;
também lhe foi dada uma grande espada” (Ap 6.4). Embora nosso
Senhor estivesse lidando apenas com eventos visíveis, João parece
ter visto as entidades espirituais que os causarão. Quem considera
a atual situação do mundo, repleto de exércitos cada vez maiores de
milhões de soldados armados, não pode deixar de ver que há de
todos os lados uma preparação para esse início de sofrimentos.
O segundo sinal se manifestará em fomes locais. Isso
corresponde ao cavalo preto do terceiro selo, cujo cavaleiro provoca
escassez nas necessidades da vida: o trigo e a cevada, mas não na
vida de luxos: o óleo e o vinho (Ap 6.5-6). Já vimos um ensaio do
sofrimento na última grande fome em diversas partes do mundo;
uma fome que empobreceu vários países e os deixou menos aptos
a enfrentar os problemas graves que poderiam estar muito perto.[145]
O terceiro sinal são as pestes (Mt 24.7, ), que também são
uma tragédia infligida pelo cavaleiro do cavalo amarelo, que surge
quando o quarto selo é aberto e cujo nome é Morte (Ap 6.7-8). Será
o resultado da guerra universal e das fomes locais. Todas essas
angústias anteriores são problemas que têm ocorrido
frequentemente na história do mundo, mas em um futuro não muito
distante, elas serão repetidas com severidade incomum e
espantosa.
Em seguida, virão os terremotos, o mais terrível dos quais será
sem dúvida o grande abalo após a abertura do sexto selo (Ap 6.12).
Todos já notamos o aumento na frequência dos terremotos durante
os últimos anos, e embora até aqui, a maioria dos abalos sísmicos
tenha sido comparativamente leve,[146] seu número elevado levou

202
muitos a supor que estamos entrando em um período de comoção
terrestre, um tempo possivelmente de convulsões terríficas de
características semelhantes às que deram fim a algumas das eras
geológicas.
O texto de Mateus 24.8-13 descreve a condição do povo de Deus
durante os tempos de ira e sofrimento. Os judeus fiéis, que serão
afligidos e mortos pelo seu próprio povo e odiados por todas as
nações, serão, em sua maioria, os que foram despertados pela
pregação das duas testemunhas e, se é assim, isso explicaria a
perseguição que sofrerão. O mundo irá considerar que as
testemunhas são os seus atormentadores, e em sua raiva e
excitação contra elas, irá provavelmente mostrar pouco amor a seus
seguidores.
A perseguição é indubitavelmente a mesma que é indicada na
abertura do quinto selo (Ap 6.9-11). Os mártires ali mencionados
são claramente distinguíveis como pertencentes à última semana, e
não ao tempo presente, pois, em consonância com a antiga
dispensação, eles clamam por vingança, coisa que nenhum cristão
desta era poderia ousar fazer.
Os efeitos da perseguição não serão restritos aos verdadeiros
adoradores; também redundarão em prova para toda a nação
judaica. Os que não são sinceros se sentirão insultados pela
perseguição e odiarão e trairão seus parentes e amigos fiéis. É a
esse tempo que pertence o conselho de Miqueias: “Não creiais no
amigo, nem confieis no companheiro. Guarda a porta de tua boca
àquela que reclina sobre o teu peito” (Mq 7.5).
No meio da agitação predominante, enquanto a pura adoração a
Jeová é odiada, muitos falsos profetas surgirão e, por suas
sugestões enganadoras, enganarão as multidões. E não será tudo,
pois devido à apavorante imoralidade e ilegalidade que abundarão
em todo lugar, o amor de muitos, que desejam que tudo corra bem,
perderá gradualmente sua luz e calor, e esfriará como a dos demais
homens. Esses não serão os eleitos, visto que somente quem
conseguir suportar todas provações e tentações e resistir até o fim,
será salvo.
Mas, por quais meios a fé será nutrida e fortalecida durante o
tempo de terror, de modo a finalmente vencer? Claro que será pela

203
forma como ela sempre se manifesta e se sustenta: pelas obras. Se
alguém não tem o Espírito de Cristo, ele não é Dele, mas quem se
une ao Senhor é um espírito com Ele, e é forçado a, de maneira
humilde, cooperar com seu Salvador, deixando que a nova luz que
nele está brilhe diante dos homens, oferecendo salvação ao mundo.
O que aproveita é a fé que opera pelo amor, e o mandamento para
todos os crentes é: “Vós sois as minhas testemunhas, diz o
S ” (Is 43.12).
Correspondentemente, na presente passagem, a menção dos
que irão resistir até o fim, e serão salvos, dá agora lugar a um relato
de suas obras: “E será pregado este evangelho do reino por todo o
mundo, para testemunho a todas as nações” (Mt 24.14). Que zelo e
energia, que gastos e deixar-se gastar as palavras implicam! Os
servos de Cristo aprenderão a ser fervorosos quando souberem
pelo sinal prometido que Ele saiu do Seu lugar, que sua presença
(parousia) é um fato, que a sociedade humana assumiu sua última
forma do mal e que os pilares do mundo estão sendo sacudidos
pela queda. Felizes os que pela graça do Senhor não necessitarão
do estímulo daquele tempo apavorante, mas cuja fé simples basta
para levantá-los da indolência, de modo que serão considerados
dignos de escapar de todas as coisas que têm de suceder, e serem
achados em pé na presença do Filho do Homem. A eles aplicam-se,
em sentido especial, estas palavras: “Bem-aventurados os que não
viram e creram” (Jo 20.29).
Claro que o evangelho do reino não é o mesmo que o evangelho
da graça. Embora o evangelho da graça traga as boas novas de que
Jesus Cristo morreu pelos pecadores, o evangelho do reino traz as
alegres notícias de que o Seu reino de paz e alegria está prestes a
manifestar-se na terra, de maneira que Seus servos não precisarão
mais orar: “Venha o teu reino”. Tal evangelho, portanto, só poderia
ser pregado às vésperas da manifestação do Senhor.
Mas, nem mesmo essa proclamação emocionante levará os
homens a Deus. Ela será, na verdade, divulgada em todo o mundo
habitável ou, pelo menos, civilizado. Servirá em grande parte
apenas como testemunho para as nações e para vindicar a justiça
de Deus nos julgamentos que se seguirão imediatamente.

204
É possível que as duas testemunhas serão os líderes da
pregação. Baseado na próxima frase do discurso de nosso Senhor,
não parece improvável que o Anticristo irá se esforçar para obter
vantagem própria por meio desse evento, dizendo que ele é o
grande rei que está sentado no trono de seu pai Davi.
É o que o Senhor dá a entender, quando passa imediatamente a
falar do estabelecimento da abominação da desolação no Lugar
Santo (Mt 24.15). O significado dos termos é prontamente
descoberto pelo uso hebraico, pois os judeus não reconheciam
nenhum lugar santo, exceto o templo (At 6.13; 21.28), e a palavra
“abominação” era comumente usada com o significado de ídolo ou
falso deus (1Rs 11.5-7; 2Rs 23.13). E com respeito à aplicação, o
Senhor nos pede que vasculhemos os escritos do profeta Daniel,
que por três vezes falou da “abominação da desolação” ou
“abominação que causa desolação”.
Em Daniel 11.31, fora declarado que Antíoco Epifânio colocaria
no santuário a abominação que traz a desolação, e encontramos o
cumprimento da profecia em 1Macabeus 1.54 e na história de
Josefo.[147] O próprio Antíoco entrou no santuário e, após levar
embora o mobiliário santo e os tesouros, construiu um altar de
ídolos em cima do altar de Deus, sem dúvida, também instalando o
ídolo em seu devido lugar, e sacrificou porcos sobre ele. Isso nos dá
um indício do que será a futura abominação da desolação.
A segunda passagem de Daniel, a qual já consideramos, informa-
nos a imagem de quem será erigida. Lá, falando sobre o Anticristo,
diz que “sobre a asa das abominações virá o assolador” (Dn 9.27).
A retirada do sacrifício diário e a colocação da abominação da
desolação são mencionados em Daniel 12.11 como sinais do início
da grande tribulação.
As declarações subsequentes de Paulo e João lançam uma luz
mais forte sobre as palavras de nosso Senhor, e confirmam a alusão
que fazem à colocação da imagem da besta no templo na metade
da última semana, quando o iníquo fará cessar o sacrifício e a
oblação, e negará publicamente o Pai e o Filho exaltando a si
mesmo “contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a
ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se
fosse o próprio Deus” (2Ts 2.4).

205
Como já observamos, é possível que a nova era será inaugurada
por uma farsa do retorno dos querubins, conforme profetizado por
Ezequiel (Ez 43.1-3), e que a profecia em Daniel 9 refira-se a essa
cena blasfema. Se assim for, a falsa descida do céu explicaria o fato
de que o sinal será visto do alto das casas e nos campos.
Mas, por mais que seja assim, o povo de Deus que estiver nas
vizinhanças de Jerusalém poderá reconhecer o sinal e saberá que
ele é um alerta para estarem prontos para uma fuga imediata, pois
um decreto imperial será logo emitido, forçando todos os homens
sob pena de morte a adorar a besta e sua imagem. Esse será o
plano de Satanás para a destruição dos eleitos, o esforço do dragão
para devorar a mulher, após seu filho ter sido transportado para fora
do alcance dele.
Sem demora, todos os habitantes da Judeia que naquele tempo
forem guiados pela palavra de Deus deverão fugir em circunstâncias
de grande ansiedade e sofrimento. Ai das mulheres grávidas e das
mães com filho nos braços! A angústia poderá ser aliviada, se
aqueles que a terão de suportar, orarem antes que o tempo chegue.
É assim que o Senhor os exortou a fazer, para que seus problemas
não fossem agravados, quer por causas naturais, quer por arranjos
humanos. Foi-lhes dito para suplicar que a fuga não fosse no
inverno, pois então os dias seriam curtos, o clima difícil, o solo onde
pisariam estaria úmido e frio e não encontrariam alimento nem nas
árvores, nem nos campos. Também deveriam orar para que a fuga
não ocorresse no sábado, pois se assim fosse, eles não poderiam,
como judeus conscientes, mas não esclarecidos, viajar mais do que
a jornada do dia de sábado, e certamente seriam capturados, pois,
sem dúvida, serão perseguidos. A figura do dragão expelindo água
da boca como um rio atrás da mulher parece indicar uma expedição
enviada com pressa incrível. O fato de a terra ajudar a mulher
abrindo a boca e engolindo o rio, poderia indicar a destruição do
exército perseguidor através de um terremoto, exatamente quando,
talvez, estivessem bem perto de suas vítimas.
A perseguição será o início da grande tribulação, na qual o
julgamento deve começar na casa de Deus e cairá sobre os judeus
renegados, que consentiram em adorar a besta e sua imagem, e
sobre o mundo. É descrita como a “grande tribulação, como desde o

206
princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais”
(Mt 24.21). As palavras mostram que só pode haver um desse
tempo de angústia, portanto, tem de ser o mesmo que é
mencionado no último capítulo de Daniel, onde o profeta diz:
“Haverá tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve
nação até àquele tempo; mas, naquele tempo, será salvo o teu
povo, todo aquele que for achado inscrito no livro” (Dn 12.1).
Tendo em vista que tanto o profeta como o evangelista estão
falando da mesma tribulação, a última frase do versículo de Daniel
prova que estamos certos em referir a passagem que estudamos
aos tempos do Anticristo, e não à queda de Jerusalém por meio de
Tito. E o profeta acrescenta: “Naquele tempo, será salvo o teu
povo”, declaração que seria notoriamente falsa, caso aplicássemos
a profecia ao cerco passado, mas que concorda exatamente com o
que Zacarias diz sobre o que ainda está por vir.
É notável que Lucas, ao descrever o problema do futuro imediato,
evita as expressões mais fortes de Mateus e Daniel, dizendo:
“Porque haverá grande aflição na terra e ira contra este povo” (Lc
21.23), pois a tribulação da qual ele fala, embora grande, não era
ímpar, sendo apenas local, mas a que está por vir será universal e
mais terrível do que qualquer coisa que já houve ou que há de vir,
de modo que, se seus dias não fossem encurtados, nenhuma carne
se salvaria. Podemos encontrar os detalhes em diversas passagens
dos profetas e no Apocalipse, e devemos estudá-las com atenção,
para que saibamos como será o fim desta era e de todos os que se
unirem a ela.
Em tempos de sofrimento que confundem o poder de previsão e
cálculo, os homens sempre estiveram propensos a recorrer ao
sobrenatural. Foi o que ocorreu com os ilustres atenienses e outros
gregos no início da guerra do Peloponeso, quando Tucídides diz:
“Muitas profecias foram repetidas continuamente e os anunciadores
de oráculos não paravam de recitá-las tanto no momento em que
estavam prestes a engajar-se na guerra quanto em outros”.[148]
Em nossos dias de incerteza, perplexidade e medo, quando a fé
de antigamente está desaparecendo, e não apenas um reino, mas o
mundo todo está cheio de rumores de guerra e parece estar nas
vésperas de uma explosão revolucionária, cujo resultado ninguém

207
pode prever, é nesse tempo de agitação que uma ânsia pelo
sobrenatural está mais uma vez voltando na forma de espiritualismo
e teosofia, e no renascimento do que se supunha ser uma
superstição ancestral: a arte da astrologia.[149]
São movimentos que provavelmente continuarão a espalhar-se e
estender sua influência, e baseado em Mateus 24.24, descobrimos
que eles afetarão fortemente os judeus na grande tribulação,
quando suas mentes forem agitadas pelo sofrimento geral, as
pragas estranhas e o medo do que possa vir a seguir.[150] Pode ser
que nesse momento eles comecem a desconfiar do príncipe com
quem fizeram aliança, e a sentir sua opressão tirânica. Por isso,
começarão a desejar libertação, porém, não com espírito de
mansidão e submissão a Deus, mas para que sejam vingados de
seus inimigos e exaltados no mundo. Satanás não deixará de tirar
proveito desse temperamento, e levantará falsos messias para
enganar ainda mais as miseráveis pessoas que não receberam o
Senhor Jesus para reinar sobre elas.
Haverá uma diferença notável entre os falsos cristos dos últimos
dias e os que se aglomeraram em torno da primeira vinda de Cristo.
Os falsos cristos da primeira vinda eram apoiados apenas pelo
próprio testemunho e não exibiam maravilhas sobrenaturais, mas os
dos últimos dias terão seus profetas para testificar deles, serão
cheios do poder satânico e mostrarão grandes sinais e maravilhas, e
tão grandes, que se não fosse a graça especial de Deus, os próprios
eleitos seriam enganados.
Seus seguidores farão esforços vigorosos para fazer discípulos, e
dirão continuamente: “Eis que ele está no deserto!” ou “Ei-lo no
interior da casa!” (Mt 24.26), isto é, Cristo está em lugares solitários,
nos locais secretos bem longe dos tormentos dos homens; ou, Ele
está escondido em algum local das grandes cidades, onde apenas
os discípulos podem vê-lo. Mas nenhuma dessas afirmações
poderia ser verdade acerca do Senhor Jesus. Em vez de aparecer
em segredo para alguns, a manifestação de sua presença será
como o relâmpago que em um momento percorre os céus de leste a
oeste; tampouco ele busca os lugares desertos. Mas seja onde for
que a grande multidão dos que corrompem a terra se encontrarem,

208
lá Ele descerá com os ministros de Sua vingança, como a águia que
precipita-se do céu para a carcaça caída.
Imediatamente após a grande tribulação — perto do fim, se não
antes, todas as nações se levantarão contra Jerusalém e a sitiarão
— haverá convulsões da natureza como advertência do fim que se
aproxima. O sol, a lua e as estrelas, até aqui usados para dar luz e
para governar as estações, os anos e os dias, agora servirão ao
propósito primeiramente mencionado de sua criação, e serão
usados como “sinais” de que o Senhor está próximo.
A expressão “logo em seguida” (Mt 24.29) contrasta fortemente
com o que vem depois do relato lucano dos dias de angústia. Em
Lucas, após a destruição de Jerusalém, lemos que a cidade santa
“será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se
completem” (Lc 21.24, ). E será somente ao final desses
tempos, que já continuam por mais de mil e oitocentos anos,[151] que
haverá “sinais no sol, na lua e nas estrelas” (Lc 21.25). Mesmo que
não houvesse outra prova de que os evangelistas estão se referindo
a tribulações diferentes, essa já seria decisiva.
O sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do
céu e todas as potências celestes serão abaladas. Será nesse
momento terrível que o sinal do Filho do Homem aparecerá no céu
(Mt 24.30). Qual será esse sinal não parece estar claramente
revelado, nem a conjetura de uma cruz luminosa, com a qual
escritores antigos e modernos têm se deliciado, lança maior luz
sobre o enigma. Nossa única base escriturística reside, ao que
parece, nas palavras anteriormente ditas pelo Senhor, de que as
manifestações de Sua presença serão como o relâmpago que
lampejam de uma extremidade a outra do céu. Pode ser que isso irá
ocorrer enquanto os homens estiverem aterrorizados com a
escuridão não natural, e que será causada por uma súbita e
momentânea fissura dos céus enegrecidos, de modo que a glória do
Senhor irromperá e Ele será revelado por um instante em forte
proximidade com a terra. Dessa maneira, os judeus finalmente
poderão receber seu sinal vindo do céu (cf. Mt 16.1).
O que vem a seguir, e cuja tradução correta é “todas as tribos da
terra se lamentarão” (Mt 24.30, ), aponta para a ligação desse
versículo com a profecia de Zacarias: “E sobre a casa de Davi e

209
sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça e
de súplicas; olharão para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-
ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele como
se chora amargamente pelo primogênito” (Zc 12.10).
A forma em que a profecia de Zacarias é mencionada em
Apocalipse permite, talvez, um pequeno argumento em favor da
explicação acima sugerida, de que o sinal do Filho do Homem é o
próprio Cristo visto por um momento através de uma brecha nas
nuvens, pois João diz: “Eis que vem com as nuvens, e todo olho o
verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se
lamentarão sobre ele” (Ap 1.7).
Assim, os judeus, embora ainda não tenham entendido tudo, pelo
menos saberão que foi o Mensageiro de Jeová aquele a quem
mataram, e que, ao fazê-lo, eles o traspassaram. Eles prantearão
com lamentação sem fingimento, como alguém que chora pelo
primogênito, ou melhor, pelo único filho. Todo o orgulho que tiverem
será esfacelado, pois a palavra será cumprida: “Naquele dia, não te
envergonharás de nenhuma das tuas obras, com que te rebelaste
contra mim; então, tirarei do meio de ti os que exultam na sua
soberba, e tu nunca mais te ensoberbecerás no meu santo monte.
Mas deixarei, no meio de ti, um povo modesto e humilde, que confia
em o nome do S ” (Sf 3.11-12).
Assim, Deus humilhará o povo rebelde e de dura cerviz, a quem
longos séculos de castigo não conseguiram subjugar, e eis um
remanescente, de coração quebrantado e contrito, que
humildemente confessa que todos eles são como o imundo, que
todas as suas justiças são como trapo de imundícia, que todos eles
murcham como a folha e que as suas iniquidades, como um vento,
os levam embora (Is 64.6). Eles anseiam pela intervenção pessoal
de Deus, o Pai deles, e clamam: “Oh! Se fendesses os céus e
descesses!” (Is 64.1a). Estão finalmente prontos para o Messias.
Cristo tornou-se precioso para eles. Não há mais necessidade de
que Ele se contenha. Ele dissera: “Já não me vereis, até que
venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mt
23.39), mas essa palavra não o impede mais, pois agora os olhos
deles aguardam o Senhor, seu Deus, até que Ele tenha misericórdia
deles (Sl 123.2); suas almas o anseiam mais do que os guardas

210
pelo romper da manhã (Sl 130.6). E, como descobrimos no último
capítulo de Zacarias, eles também estão em situação de aperto
maligno e são quase que engolidos por seus inimigos.
Nessa crise, Ele repentinamente sairá de Seu pavilhão de
nuvens, e toda a terra se iluminará com sua glória. Os filhos de
Abraão, olhando para cima, contemplarão o desprezado Jesus de
Nazaré descendo em direção a Jerusalém com poder e grande
glória para a destruição total de seus inimigos.
Os profetas predisseram a forma pela qual ele preservará os
judeus, enquanto destrói as miríades do Anticristo. É o que Isaías
indica nas palavras: “Vai, pois, povo meu, entra nos teus quartos e
fecha as tuas portas sobre ti; esconde-te só por um momento, até
que passe a ira. Pois eis que o S sai do seu lugar, para
castigar a iniquidade dos moradores da terra; a terra descobrirá o
sangue que embebeu e já não encobrirá aqueles que foram mortos”
(Is 26.20-21). Sofonias também diz: “Buscai o S , vós todos os
mansos da terra, que cumpris o seu juízo; buscai a justiça, buscai a
mansidão; porventura, lograreis esconder-vos no dia da ira do
S ” (Sf 2.3).
Se compararmos Zacarias 14.4-5 com Malaquias 4.1-3, veremos
o significado dessas misteriosas declarações. Na passagem de
Zacarias, verificamos que quando o Senhor descer, o monte das
Oliveiras se dividirá em dois montes com um vale muito grande
entre eles, e que por esse vale os judeus fugirão apressadamente
para fora da cidade quase capturada. Esse será o quarto, o
esconderijo onde eles se abrigarão com segurança, enquanto os
relâmpagos do Senhor fizerem seu trabalho de destruição (Ap
19.20-21). Ao final do dia, que “arde como fornalha”, está escrito:
“Saireis e saltareis [não “crescereis”, significado que não pertence
às raízes hebraicas] como bezerros soltos da estrebaria” (Ml 4.2), ou
seja, como bezerros que saem pulando contentes dos estábulos
escuros do inverno para os pastos aprazíveis da primavera, assim
os judeus sairão de seu sombrio lugar de refúgio para a bela manhã
do milênio. O Sol da Justiça nascerá para eles com a salvação nas
suas asas, e eles encontrarão os incontáveis exércitos dos temíveis
inimigos reduzidos a cinzas debaixo de seus pés.

211
Então, Ele preservará o povo que restou na cidade quase
capturada e enviará, com grande som de trombeta, os Seus anjos
que reunirão para Ele em Jerusalém os eleitos[152] de Israel de todos
os lugares para onde foram espalhados. Em seguida, Ele se dará a
conhecer a eles, como José se deu a conhecer a seus irmãos, os
perdoará e consolará, dizendo-lhes: “Deus me enviou adiante de
vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a
vida por um grande livramento” (Gn 45.7).
Será provavelmente nesse tempo que se instalará o trono da
glória, diante do qual os anjos reunirão as nações para o julgamento
das ovelhas e dos bodes, enquanto os irmãos judeus do Senhor
estarão aguardando (Mt 25.31-46).
Depois ocorrerá o estabelecimento do reino em Jerusalém e
haverá a festa do Senhor para todos os povos no monte Sião (Is
25.6). Assim, finalmente, o inimigo e o vingador serão silenciados, e
o grande Rei reinará em justiça. Os sonhos delirantes dos homens
desaparecerão; a inquietação, a contenda, a angústia e o sofrimento
universal desta era terão terminado, e as palavras gloriosas terão se
realizado: “Já agora descansa e está sossegada toda a terra. Todos
exultam de júbilo” (Is 14.7). Naquele dia, o Senhor destruirá “a
máscara do rosto com que todos os povos andam cobertos e o véu
com que todas as nações se escondem. Aniquilará a morte para
sempre, e assim enxugará o S Jeová as lágrimas de todos os
rostos, e tirará o opróbrio do seu povo de toda a terra; porque o
S o disse” (Is 25.7-8, ). E “a terra se encherá do
conhecimento do S , como as águas cobrem o mar” (Is 11.9).

212
Capítulo 31
AC N
T J

E
sse é um esboço simples da linha da profecia relativa aos
judeus até o tempo em que o Senhor restaurará o reino a
Israel. O projeto deste livro, e a consequente necessidade de
brevidade, proíbe a referência aos interessantes detalhes que são
abundantes nas Escrituras. Mas, acrescentaremos algumas
palavras sobre a condição atual da nação e da terra judaicas[153] (Ez
20; 38–39).
Está claro que o primeiro grande sinal do fim é o retorno dos
exilados em considerável número para o seu próprio país, e a
subsequente reconstrução do templo. O retorno já começou e
diversas causas vigentes parecem favorecê-lo, algumas das quais
nos propomos a anunciar.
Em primeiro lugar, mencionamos que a própria Jerusalém está
gradualmente se tornando um centro de civilização e assumindo a
aparência de cidade moderna. Há mansões sendo construídas nas
vizinhanças, e não menos que três sociedades de crédito imobiliário
exclusivamente judaicas vêm funcionando há algum tempo.
Durante os últimos dez anos, a população judaica dobrou, de
modo que atualmente ultrapassa o restante dos habitantes. Tal

213
estado das coisas não era conhecido em Jerusalém desde que foi
destruída por Adriano.
Diversas causas contribuíram para o resultado e é provável que
aumente ainda mais. Entre elas, estão as seguintes.
Em 1840, a pedido de Sir Moses Montefiore, o sultão emitiu um
decreto para o alívio de seus súditos judeus. Depois de afirmar no
prefácio que as várias acusações — como a de sacrificar um ser
humano para fazer uso de seu sangue na Páscoa — que eram
popularmente feitas contra os judeus eram pura calúnia, ele
declarou que a partir de então a nação israelense deveria ser
protegida e defendida, e possuir as mesmas vantagens e gozar dos
mesmos privilégios que as numerosas outras nações sob seu
domínio. Assim, um grande obstáculo ao retorno dos judeus à
Palestina foi removido.
Em 1867, o governo turco fez importante concessão em relação à
legislação das terras dos judeus, e deu permissão aos súditos de
países estrangeiros para comprar terras em seu próprio nome. É
fácil ver como a mudança foi indiretamente favorável à imigração,
pois qualquer judeu europeu rico poderia comprar propriedade na
Palestina e deixá-la conforme sua escolha para as famílias de sua
própria nação. Não foram poucos os que se beneficiaram com a
oportunidade.
Em 1874, a Rússia, em cujo vasto império havia entre dois e três
milhões de judeus, adotou o sistema militar alemão, de forma que os
hebreus tornaram-se sujeitos ao serviço militar. Isso lhes
desagradou em extremo, e por volta do mesmo tempo, eles foram
submetidos a perseguições, principalmente na Polônia, como as
efetuadas pela Igreja Ortodoxa Grega. Há relatos que afirmam que,
por essas razões, quase toda a comunidade judaica resolveu deixar
a Rússia, família por família, pois cada uma tinha o direito de sair, e
ocasionou uma contínua emigração estimulada em intervalos por
assaltos ferozes e atrocidades cruéis, dos quais o governo não
parecia absolutamente desejoso em proteger seus cidadãos
estrangeiros. Muitas famílias chegaram à Palestina, aumentando
grandemente a população hebraica local; outras escaparam para os
Estados Unidos, onde encontraram o povo estranhamente relutante

214
em recebê-las. Uma quantidade ainda maior de famílias espalhou-
se pela Alemanha.
Contudo, os judeus não encontraram na Alemanha facilidade
nem descanso para a planta dos pés e, ao que parece, foram
levados a procurar outro lar, e até causaram a partida de seus
irmãos que anteriormente lá haviam se instalado. Nos últimos anos,
o antigo ódio contra os judeus reviveu na Alemanha. A maravilhosa
prosperidade e o poder cada vez mais crescente dos judeus
provocou inveja e preconceito, e induziu à persuasão de que muitos
males do país relacionavam-se à sua presença lá. Uma agitação
iniciada por Adolf Stöcker, capelão da corte, foi empreendida sob os
auspícios do — estranho dizer — Partido Liberal. Todas as classes
da sociedade entraram com entusiasmo no movimento, grandes
encontros ocorreram e associações antissemitas formaram-se em
todo o país. O objetivo dos agitadores era restringir o aumento da
imigração de judeus estrangeiros, e privar os já residentes de muitos
dos direitos civis, excluindo-os dos cargos estatais ou judiciais e das
profissões jurídicas e educacionais.
Agora há uma calmaria na violência das perseguições,
interrompidas aqui e ali por deflagrações locais, mais
especificamente na Rússia e Áustria. Mas, a menos que o forte
sentimento antissemita se apazigue rapidamente, todos os judeus
serão forçados a deixar os países que mencionamos. Tampouco
parece certo que eles encontrarão boa acolhida em outros países da
Europa. Um jornal de Londres comentou em uma matéria o que
segue:

Claro que esse sentimento não é expresso com a mesma rudeza entre nós
e nem com algo parecido na mesma medida. Mas sabemos por nossa
correspondência que seria ir longe demais dizer que os próprios ingleses se
livraram disso completamente. [...] A verdade indubitavelmente é que os
judeus são mais ou menos objeto de inveja em todo país da Europa. O
antagonismo que eles provocam é parcialmente religioso, ainda que seja
uma antipatia mais racial. Em parte, também é a sobrevivência de um
tempo muito menos humano e muito mais ignorante do que o nosso
próprio. Principalmente devido ao fato de que, durante este século, eles
tiveram um avanço extraordinariamente rápido no empreendedorismo e na
prosperidade.

215
Sobre esse ponto, há pouco exagero no que falam seus inimigos. Mesmo
quando impedidos por todo tipo de restrição, eles eram em alguns
departamentos de atividade comercial mais do que iguais a seus rivais, e
desde a sua emancipação, eles aumentaram amplamente o escopo de
suas atividades. E por que deveriam ter feito isso é bastante claro: eles
possuem em alto grau as qualidades que se esperaria que séculos de
opressão desenvolvessem: paciência, tato, industriosidade e capacidade.
[154]

Essa é opinião competente a respeito do estado de espírito


europeu em relação aos judeus. A Rússia, a Alemanha e a Áustria
não são os únicos países em que o sentimento já se transformou
em hostilidade aberta. Os novos estados liberados pelo Tratado de
Berlim estão, sem dúvida por influência da Igreja Ortodoxa Grega,
mostrando a forte disposição de perseguir a raça hebraica. O
sentimento não é novo, como vemos pelo apelo significativo dos
judeus de Bucareste, datado de 20 de agosto de 1880, que há
algum tempo foi publicado no jornal londrino The Jewish Chronicle,
de onde extraí os parágrafos seguintes.

Os problemas que os judeus da Romênia foram obrigados a sofrer são bem


conhecidos por vocês. Trata-se de uma terra cujos príncipes são como os
lobos da floresta em seus esforços de aniquilar os filhos de Israel. Com zelo
destemido, eles procuram nos perseguir. Um dia eles nos perseguem em
nome do entusiasmo religioso, e no dia seguinte abandonam o clamor que
lhes é tão infame. Mas então, ocultam o ódio com a desculpa da economia,
alegando que o estado do comércio e as perspectivas mercantis do país os
obrigam a agir opressivamente quanto aos judeus que absorvem a
essência dos romenos, e muitas outras desculpas como essa.

Assim, somos constante e severamente atacados, e nosso poder de


resistência se exaure. Resolvemos então, após cuidadosa deliberação,
deixar o país. Com essa opinião, formamos a Sociedade para a
Colonização da Terra Santa, composta por cem famílias. Todos os
membros são experientes no trabalho de cultivo do solo, e é nossa intenção
viajar à Palestina para cultivar a terra e guardá-la.[155]

E em sua interessante reportagem, datada de 15 de outubro de


1884, Friedländer continua:

216
Deus enviou um sentimento de desabrigo no coração de milhares de
judeus, que espalhou-se por toda parte. O punhado de judeus abastados
na Inglaterra e Alemanha não admitirá, mas o fato permanece o mesmo.
Onde quer que o espírito de perseguição esteja prevalecendo, os judeus
começam a pensar na Palestina como o único lugar seguro que este
mundo pode lhes dar. O pensamento é novo e lhes é imposto por
ocorrências fora do comum. O fato de os Estados Unidos, abertos ao
mundo todo, mandarem de volta os refugiados judeus de suas terras é uma
experiência tão extraordinária que todo futuro emigrante se sente preso à
ideia de que, para encontrar um novo lar, ele só pode ir para a Palestina.

Mesmo assim, quem pode resistir à vontade do Todo Poderoso


ou mudar seus propósitos? O tempo determinado para o
cumprimento parece agora ter chegado.
Antes do início da agitação antissemita na Alemanha, parecia que
os judeus estavam confortavelmente instalados na maior parte da
Europa, exceto na Rússia. Sua riqueza e influência cresciam cada
vez mais e, provavelmente, sua satisfação e confiança no futuro
nunca foram tão grandes desde a destruição de Jerusalém. O
sentimento que neles prevalecia foi bem exemplificado por um artigo
no Jewish Chronicle, cujo escritor brincou com a ideia cristã do
destino da nação judaica. Ele afirmou que eles sentiam-se muito em
casa nas luxuosas cidades da Europa para pensar em voltar para o
bárbaro país asiático, e citou com aprovação o que disse um judeu
famoso que, quando lhe citaram as profecias da restauração,
replicou: “Bem, se tivermos de voltar para a Palestina, já sei o que
devo fazer. Vou pedir que sua Majestade judaica me envie como
embaixador em Paris”.
Surgiu, então, o pensamento no coração dos filhos de Abraão de
que eles se esqueceriam de sua própria terra, e seriam como as
nações; e ao mesmo tempo, aproximava-se a hora da interferência
de Deus.
Uma furiosa perseguição estava sendo elaborada na Rússia. Os
judeus perceberam o surgimento da tempestade, e o mais alto
ministro do governo anunciou-lhes que, pagando uma vasta soma
em dinheiro, eles poderiam impedi-la. Recusaram-se a pagar, e
seguiu-se uma série de atrocidades cruéis envolvendo a destruição
de muitas vidas e propriedades, além de outros sofrimentos de

217
natureza terrível. Imediatamente depois, os alemães, que há muito
tempo encaravam com inveja e ódio as riquezas e influência dos
judeus na Alemanha, também começaram a dar prova de que o ódio
que sentiam pela devotada raça havia revivido.
Poderia haver maior sinal de cumprimento literal, ainda que em
estágio inicial, das vívidas palavras de Ezequiel? Vejamos:

O que vos ocorre à mente de maneira nenhuma sucederá; isto que dizeis:
Seremos como as nações, como as outras gerações da terra, servindo às
árvores e às pedras. Tão certo como eu vivo, diz o S Deus, com mão
poderosa, com braço estendido e derramado furor, hei de reinar sobre vós;
tirar-vos-ei dentre os povos e vos congregarei das terras nas quais andais
espalhados, com mão forte, com braço estendido e derramado furor. Levar-
vos-ei ao deserto dos povos e ali entrarei em juízo convosco, face a face.
(Ezequiel 20.32-35)

A parte final da citação contém uma ameaça terrível que agora


pode estar em processo de cumprimento, mas que ainda não foi
totalmente realizada. Falamos, às vezes, da solidão de Londres, e
poucas circunstâncias são mais deprimentes do que passar
necessidade e sofrer angústia em meio a vastas multidões, nas
quais não percebemos nenhum olhar de compaixão, nem
encontramos nelas quem nos ajude. Mas parece que os judeus
sofrerão algo pior em breve, pois, para onde quer que se voltem,
encontram-se cercados de rostos carrancudos, ameaçadores e
cruéis. O deserto dos povos será muito mais medonho para eles do
que o deserto imenso, no qual Moisés era seu líder.
Mas a inveja e o ódio das pessoas entre as quais eles
peregrinam será o meio de Deus levá-los de volta ao lugar onde Ele
tratará com eles. Como nos dias antigos, a dureza da escravidão os
fará felizes por deixarem as panelas de carne do Egito, e voltarem o
rosto em direção a Canaã.
Pode ser que Deus já esteja começando a fixar seu selo nos
remanescentes eleitos, a respeito dos quais os profetas com
frequência falavam, a “terça parte” que Ele guiará em segurança
durante os tempos de tribulação para a glória milenar, visto que um
movimento muito impressionante e significativo está agora em curso
entre uma parte dos judeus.

218
Durante a perseguição no sul da Rússia, um advogado da
Bessarábia (atual Moldávia), de nome Joseph Rabinowitch, ficou
impressionado com o pensamento de que seus parentes
importunados só pudessem achar descanso em sua própria terra.
Encontrando muita simpatia dos judeus, dedicou-se a procurar
meios de executar sua ideia e, para obter informações completas,
realizou uma viagem à Palestina. Durante sua estadia, comoveu-se
profundamente ao perceber a grande discrepância entre a descrição
que Deus fez do país, como uma terra boa, que mana leite e mel, e
sua verdadeira condição vigente.
Se ele estivesse imbuído com o espírito do século , ele teria
solucionado rapidamente suas dificuldades, desmentindo a
revelação. Mas ele cria no Deus que fez os céus, a terra, o mar e as
fontes das águas e, portanto, começou a perguntar imediatamente
como as coisas poderiam ser, pesquisando diligentemente as
Escrituras do Antigo Testamento. Sua fé foi recompensada pela
descoberta de que Jesus de Nazaré era o Messias e a única
esperança de Israel, e que a maldição caíra sobre os filhos de
Abraão e sua terra, porque eles o rejeitaram.
Tendo apreendido a verdade do ponto de vista exclusivamente
judaico, Rabinowitch voltou à Bessarábia e apresentou-a na
sinagoga, resultando na formação de uma comunidade que já então
somava oitocentas pessoas. Seus membros sustentavam que o
Senhor Jesus é o Messias, e o Único que poderia restaurar a nação
à terra deles e à paz. No entanto, não o reconheceram como o
unigênito Filho do Pai, e provavelmente só o farão, pelo menos,
como um corpo, quando o virem com os próprios olhos. Chamam-se
de A Nova Congregação Judaica Nacional, e adotaram uma nova
liturgia para o serviço da Páscoa, em que reconhecem o Senhor
como seu Redentor e como a pessoa referida em Isaías 53 e em
outras profecias.
Assim, parece que o clamor “Bendito o que vem em nome do
Senhor!” está começando a subir do coração dos judeus, e, se
continuar e aumentar, a separação entre eles e seu Rei acabará, e
Ele cumprirá a promessa de voltar outra vez para eles sem medo de
uma segunda rejeição. Verdadeiramente, os propósitos de Deus
estão se apressando para o fim!

219
Enquanto os judeus são perseguidos em muitas outras terras, o
dedo de Deus parece se revelar na atitude relativamente amigável
dos atuais ocupantes da Palestina para com os judeus e no apreço
que dão à terra. O apreço mostrou-se muito nitidamente durante as
recentes dificuldades entre a Inglaterra e a Rússia, pelo apoio
vigoroso que dão à política do lorde Beaconsfield. E quando eles
foram tributados pela oposição com sua preferência pela Turquia,
uma carta foi publicada no jornal The Times admitindo seu viés, e
justificando que eles sempre receberam melhor tratamento dos
muçulmanos do que das igrejas latina e grega, tanto que, durante
séculos, eles usaram o velho provérbio: “Os filhos de Ismael são
mais misericordiosos que os filhos de Edom”.
Não é improvável que as relações amistosas continuem, e que os
judeus sejam restabelecidos em sua terra com a aprovação e boa
vontade dos turcos, que outrora os receberam como proscritos do
cristianismo, e que nunca mostraram para com eles o ódio
sistemático que sempre caracterizou as igrejas católicas.
Mesmo que o Império Turco se desintegre em suas antigas
quatro divisões — como ocorrerá no tempo do fim — antes que a
Palestina seja repovoada, os judeus terão poucos motivos para
queixar-se do poder governante na Síria, seja ele qual for, pois a
grande profecia de Ezequiel 38 e 39 prova que eles conseguirão
estabelecer-se em paz e segurança e habitar com toda sua riqueza
em cidades não fortificadas (Ez 38.11-12), até que o príncipe de
Rôs, Meseque e Tubal venha sobre eles. Está então
suficientemente indicado que o instinto dos judeus está correto, e
que a Rússia, e não a Turquia, é o grande inimigo de Israel.
Essas são algumas das influências que fortemente afetam os
exilados das duas tribos. A operação influente pode continuar ou
não, mas até onde podemos ler os atuais sinais dos tempos, Deus
abriu um caminho para o retorno dos judeus e está guiando e
atraindo-os para a sua própria terra.
Nesse meio tempo, o interesse geral, especialmente dos cristãos
britânicos, despertado em relação à Palestina, as viagens
frequentes de europeus e americanos por todo o território
geográfico, as expedições de exploração e pesquisa e os esforços
de Sir Moses Montefiore e de outros judeus têm feito muito para

220
melhorar a condição do país, fazendo-nos lembrar da profecia:
“Levantar-te-ás e terás piedade de Sião; é tempo de te
compadeceres dela, e já é vinda a sua hora; porque os teus servos
amam até as pedras de Sião e se condoem do seu pó” (Sl 102.13-
14).
Entre os muitos incidentes surpreendentes dos últimos anos,
podemos mencionar a proposta para a colonização da Palestina
Oriental sugerida por Lawrence Oliphant,[156] que, em comum com a
maioria dos ingleses ponderados e não preconceituosos, viu com
temor o rápido avanço da Rússia em direção sul e sentiu a
necessidade de controlá-la antes que a rota britânica para a Índia
ficasse seriamente ameaçada. Os resultados da última guerra
colocaram importantes posições militares nas mãos do czar, e
estenderam o Império Russo até a Armênia; enquanto que a
Turquia, devido à sua contínua má administração, incessantemente
fomentada pela Rússia, não pode mais ser considerada uma
barreira confiável e, de fato, exceto que sejam introduzidas
reformas, logo irá desmoronar e deixará para os moscovitas um
caminho aberto para Jerusalém e para o canal de Suez.
Com essa perspectiva para o futuro, ocorreu a Oliphant que ao
colocar uma grande colônia de judeus na terra de Gileade, as
finanças da Turquia aumentariam e seria exemplo de bom governo,
o que poderia ser imitado por outras províncias da Ásia Menor. Ao
mesmo tempo, com o desenvolvimento da colônia, uma forte
comunidade hebraica, somada com a influência da raça, poderia no
decorrer do tempo, interpor-se entre a Rússia e o mar Vermelho.
Assim, ele elaborou o esboço de um plano que recebeu a
aprovação privada dos lordes Beaconsfield e Salisbury, bem como
de M. Waddington, que era ministro francês das relações exteriores,
e no qual o Príncipe de Gales e o Príncipe e Princesa do estado
alemão de Eslávico-Holsácia demonstraram o maior interesse. Logo
após, ele começou pela Síria e fez um cuidadoso levantamento da
região da Palestina onde propunha estabelecer a colônia, achando-
a fértil, admiravelmente adaptada ao cultivo e praticamente
inabitada.
Ele recebeu o apoio cordial de Midhat Paxá, governador da Síria,
e seguiu para Constantinopla com seu plano completo. Lá, o grão-

221
vizir Khaireddin Paxá considerou o projeto positivo, percebendo
rapidamente a vantagem que seria atribuída ao Império Turco por
um meio que poderia facilmente ser usado para obter uma aliança
com toda rica e poderosa raça judaica. Mas naquele tempo crítico, o
ministério turco foi derrubado e seus sucessores suspeitaram de
toda proposta vinda de estrangeiros.
Toda esperança de execução imediata do plano foi refreada. O
atraso é temporário, pois a importância política da Palestina
aumenta a cada dia. Por ora, o Congresso de Berlim colocou um
entrave para o avanço da Rússia na Europa, mas essa potência
incansável, que parecia destinada a ser uma grande perturbadora
do mundo, tornou-se mais aberta a operações na Ásia. E devido à
última guerra, suas fronteiras asiáticas estão agora tão próximas do
Mediterrâneo quanto suas fronteiras europeias, enquanto que nada
há nos países que fazem fronteira com a Palestina que impeça o
progresso russo, exceto a Convenção de Chipre que, por conta da
atual disposição do povo britânico, a Rússia o considerará um
documento inválido. Se a Rússia atingisse seu objetivo, que são as
costas do Mediterrâneo por meio da Ásia Menor, e se estabelecesse
em Alexandreta (atual Iskenderun), Turquia, uma marcha fácil pela
Palestina lhe daria o comando do canal de Suez, Egito e mar
Vermelho, e a passagem britânica para a Índia seria fechada.
Mas embora o domínio dos dois mares e a interceptação da
comunicação britânica com a Índia fossem suficientemente
vantajosos para estimular a Rússia ao mais desesperado esforço,
há outro motivo que a impulsionaria ainda com mais força à rota que
mencionamos. Sua população fanática sempre desejou a posse dos
lugares sagrados da Palestina, tanto que, mesmo durante a guerra
da Crimeia, seus sentimentos marciais foram estimulados e
sustentados pela promessa de que Jerusalém seria seu objetivo
final. Nem o tempo decorrido esfriou seu ardor. Diz Oliphant:

Todos os dias, cerca de quatro mil peregrinos russos, formados em grande


parte por soldados dispensados, fazem viagens penosas e trabalhosas
para visitar os lugares santos. Entramos em contato com eles no meio da
multidão durante a Semana Santa, e é impossível não ficar impressionado
com a atmosfera de superstição fanática que os caracteriza.[157]

222
Essa nação poderia facilmente ser levada a fazer uma cruzada
que, embora satisfizesse os desejos supersticiosos do povo, poderia
também servir à insaciável ambição de seus líderes.
Se, antes que a oportunidade passe, a Inglaterra descobrir a
necessidade de colocar um obstáculo ao avanço russo na Palestina,
não é improvável que o estabelecimento de uma colônia judaica
grande e influente seja parte de seu plano. O projeto recebeu muita
consideração como podemos deduzir no fato de que Cazalet
elaborou um plano similar ao de Oliphant, ambos publicados na
mesma época.
Quando consideramos a condição atual da Inglaterra, é difícil
evitar concluir que ela pode estar na decrepitude da velhice, pois de
todos os lados vemos um declínio do patriotismo, uma preferência
do partido pelos interesses imperiais, uma indiferença geral pelas
colônias e linhas de fronteira, uma instabilidade na política externa,
uma negligência pelos aliados e uma segurança falsa, que insiste
que o império pode ser defendido por milhares de soldados, embora
seus vizinhos ambiciosos estejam começando a contar seus
exércitos por milhões. A menos que tudo isso mude rapidamente, a
Inglaterra se mostrará desigual para a luta que ela não pode evitar
e, nesse caso, outra nação está pronta para entrar na arena. A
vigilância incessante da França em todos os assuntos que dizem
respeito ao Egito e seus projetos conhecidos sobre a Síria, apontam
para ela como a potência que enfrentará a Rússia. A ideia da
restauração dos judeus como auxílio à política francesa no Oriente
não é nova: já foi sugerida por Napoleão I e, de fato, faz parte das
tradições de sua família.
Agora, podemos discernir em linhas gerais a forma pela qual as
nações irão inconscientemente fazer a vontade de Deus, que desde
o princípio anuncia o que há de acontecer. Mas, caso isso realmente
tenha ou não fundamento, a progressão dos acontecimentos fez da
Palestina o centro da grande questão do Oriente.
Tampouco faltam sinais de que seu solo está destinado em breve
a ser o campo de batalha das nações, embora não até que os
judeus tenham se estabelecido nela. Os conflitos de exércitos
oponentes, como as antigas lutas entre os reis da Síria e do Egito,
formam, talvez, uma parte não pequena da disciplina pela qual os

223
parentes do Senhor ainda tenham de passar durante o tempo da
angústia de Jacó. E vemos as sombras escuras que esses
acontecimentos vindouros já estão lançando diante deles no
seguinte trecho de um jornal, no qual o escritor comenta o atraso na
publicação do mapa da Palestina em escala por polegada, feito no
último levantamento. Após um esboço histórico para provar a
importância estratégica que sempre foi atribuída à terra santa “como
a porta de entrada entre o Oriente e o Ocidente, ou melhor, como a
barbacã que comanda as duas vias das linhas de comunicação do
Eufrates e do mar Vermelho”, ele conclui com as palavras:

É provável que, desde a data das incursões de Totemés até o momento,


a Rússia é a potência que conseguiu o maior avanço concernente à
aquisição permanente da Palestina. “Situada no local próximo à velha torre
de Psefino”, diz o autor de Tent Work in Palestine,[158] “o Asilo Russo tem
uma vista panorâmica de toda a cidade [de Jerusalém] e muitos
consideram que está em uma posição propositadamente de força militar.”
Esse não é o único lugar em que o czar fixou o seu controle. Se a disputa
entre a civilização do Ocidente e o barbarismo autocrático do Norte for
comprometida com a arbitragem por armas, em nenhum lugar a disputa é
tão provável de ser decidida do que na região que protege as duas
estradas do mar Mediterrâneo ao oceano Índico. Nem é necessário esperar
por esse tempo para perceber o valor estratégico do mapa da Palestina em
escala por polegada.[159]

Parece, então, que estamos muito próximos do tempos sobre o


qual está escrito: “Naquele dia, farei de Jerusalém uma pedra
pesada para todos os povos; todos os que a erguerem se ferirão
gravemente; e, contra ela, se ajuntarão todas as nações da terra”
(Zc 12.3).
A grande arremetida da águia russa parece estar descrita em
Ezequiel 38 e 39, onde se admite quase universalmente que o nome
e títulos do rei do norte são “Gogue, da terra de Magogue, príncipe
de Rôs, de Meseque e Tubal” (Ez 38.2). Podemos
inquestionavelmente identificar o reino desse líder com os atuais
domínios do czar e, como destaca o reitor Stanley, “esse precoce
aviso bíblico de um império tão grande é duplamente interessante
por ser uma ocorrência solitária. Nenhum outro nome de qualquer
nação moderna ocorre nas Escrituras”.[160]

224
Escritores bizantinos do século e Ibn Foszlan, um árabe da
mesma época que habitava às margens do rio Ra ou Volga,
mencionaram que as tribos citas ou tártaras de Rôs localizavam-se
ao norte dos montes Tauro. E recentemente etnologistas russos
reconheceram por comum acordo que elas são a origem de seu
nome e povo.
Meseque foi outra tribo cita, conhecida pelos escritores clássicos
como “moski”. Rawlinson diz sobre ela: “Eles são mencionados nas
Escrituras pelo nome de Meseque, e aparecem como Muskai em
diversas inscrições assírias. [...] Há motivos para acreditar que eles
acabaram encontrando refúgio na região das estepes, onde ficaram
conhecidos como muscovs e deram seu nome à cidade de Moscou,
antiga capital da Rússia”.[161]
Os clãs de Tubal, terceira tribo cita, são associados aos muskai
nas inscrições assírias pelo nome de Tuplai, enquanto entre os
autores clássicos eles são chamados de tibarenos, ou o povo de
Tubai, e estão associados aos moski. Os registros assírios os
colocam na Capadócia Menor, nos flancos sulistas dos montes
Tauro. Mas, após alguns séculos, nós os encontramos conduzidos
até a costa sudeste do mar Negro, e parece ter subsequentemente
continuado suas andanças em direção norte até se estabelecerem
na Sibéria Ocidental, onde deram seus nomes ao rio Tobol e
também à cidade e governo de Tobolsk.
Assim, as três tribos citas da Ásia Menor, que outrora parecem ter
vivido em estreita proximidade, sendo que duas delas em termos de
amizade e aliança, foram gradualmente forçadas a sair de suas
habitações aprazíveis e terras férteis e ir para a região fria e inóspita
das estepes, estando agora unidas como russos, moscovitas e o
povo de Tobolsk no grande império dos czares.
Se mantivermos em mente essa história, perceberemos um
sentido peculiar nas palavras dirigidas a Gogue: “Far-te-ei que te
volvas” (Ez 38.4). Pode significar que nos tempos do fim os citas
voltarão para a região de onde vieram. Eles romperão as “Portas de
Ferro”, que fizeram quando anexaram as províncias
transcaucasianas, e passarão pela Armênia. É o que já começaram
a fazer até que, tendo cruzado novamente a cordilheira de Tauro,
cheguem às planícies da Mesopotâmia e às margens do Eufrates,

225
onde ouvimos falar deles pela primeira vez nos tempos do antigo
Império Assírio. Então, eles não estarão muito longe das fronteiras
da terra santa, sobre a qual virão como uma tempestade e a
cobrirão como uma nuvem (Ez 38.9).
Há, então, uma feroz tribulação à espera dos filhos de Abraão no
futuro imediato. A maldição que o povo miserável chamou sobre
suas cabeças ainda não se esgotou. O sangue daquele que o Pai
enviou ainda está sobre eles e seus filhos. Ainda não há uma fonte
aberta para casa de Davi e para os habitantes de Jerusalém para
remover o pecado e a impureza. Todos eles ainda carregam sua
própria iniquidade.
Mas a hora da decisão aproxima-se, quando aquele que pode ser
salvo será salvo e aquele que perecerá, perecerá. Está próximo o
tempo em que o povo na incredulidade será reunido em sua própria
terra, como os homens “ajuntam a prata, e o cobre, e o ferro, e o
chumbo, e o estanho no meio do forno, para assoprar o fogo sobre
eles, a fim de se fundirem” (Ez 22.20). Não está longe o dia em que
o habitante de Jerusalém dirá: “Estou doente” (Is 33.24) e todas as
cidades e campos da terra consagrada estarão angustiados de dor,
sofrimento, choro e morte, pois o último tempo da ira, como a última
angústia dos irmãos de José, será o pior sofrimento de todos.
Porém, seu fruto será o coração quebrantado e contrito, e então a
misericórdia tomará o lugar do julgamento, e aquele que pode salvar
totalmente aparecerá e tornará “a sombra da noite em manhã” (Am
5.8, ).

226
Parte Três
A IGREJA DE DEUS

227
Capítulo 32
OM O E

N
a seção anterior, vimos que no primeiro advento nosso
Senhor quebrou sua aliança com os judeus, porque eles o
rejeitaram, e que a suspensão do cumprimento da profecia
judaica acarretou consequentemente um longo intervalo que, pelo
visto, está quase terminando.
Mas quais eram os planos de Deus para aquele intervalo? Iria Ele
em seu curso permanecer sem povo na terra? De modo nenhum;
enquanto tardava a glória de Israel, Cristo haveria de ser uma luz
para iluminar os gentios e revelar no tempo determinado outro
propósito do Todo-poderoso (Rm 11.25-26; 16.25-26; Cl 1.26-27).
Era tarde da noite naquele dia memorável quando o Senhor
comeu a última Páscoa. Ele ainda estava sentado à mesa com onze
de seus discípulos. A ceia terminara; o pão fora partido e o vinho,
bebido. Embora o traidor tivesse tido permissão de — diferente de
muitos outros que nunca irão se sentar com Cristo no reino dos céus
—, comer do pão e beber do vinho, não lhe seria dada autorização
de conhecer o grande segredo que estava prestes a ser revelado.
Foi, portanto, dispensado para que o Senhor pudesse falar em paz
as palavras de despedida de amor e esperança aos que ele
escolhera.
Tinham acabado de participar do banquete festivo da libertação,
mas não havia sinais de alegria em suas feições. Uma tristeza

228
profunda, ou melhor, a própria sombra da morte caíra sobre o
pequeno grupo e todos os rostos ficaram sombrios.
Haviam ouvido naquela noite coisas estranhas e terríveis: sua
segurança fora dissipada e suas esperanças, destruídas. Na
verdade, não havia desculpa para a surpresa. No passado, o
Senhor mais de uma vez predissera os problemas iminentes, mas
sequer haviam considerado ou procurado entender os avisos.
Estavam totalmente despreparados para os eventos que Ele
acabara de declarar que os confrontariam.
A primeira observação de Jesus foi feita antes da ceia e deve tê-
los deixado alarmados, pois Ele falou da intensidade do Seu desejo
de comer com eles aquela Páscoa antes que Ele sofresse (Lc
22.15).
Em seguida, anunciou que um dos seus doze era um traidor e
que o trairia. Falou que Satanás havia exigido e obtido todos eles,
para que ele pudesse peneirá-los como trigo. Predisse que Pedro,
que expressara sua devoção com tanta veemência, negaria o seu
Senhor três vezes no transcurso daquela mesma noite.
E o mais triste de tudo foi que Ele mesmo estava prestes a deixá-
los, e que, para onde Ele estava indo, eles não poderiam ir, embora
pudessem ir após algum tempo.
Essa revelação deve ter desferido um golpe mortal em todas as
suas esperanças. Até então, nada sabiam dos propósitos de Deus:
eles só falavam da Palestina e da Jerusalém terrena, e nunca
sonhavam que seriam designados para um destino superior, que o
céu seria seu lar e que a Jerusalém lá de cima seria sua cidade-
mãe. De acordo com suas concepções, Cristo estabeleceria seu
estandarte real e convocaria toda a Judeia para segui-lo. Ele faria,
depois de destruir as legiões romanas, com que Ele fosse coroado
em Jerusalém e colocaria os apóstolos nos prometidos tronos
tribais. Mas agora Ele falava de ir embora, deixá-los e abandonar a
terra prometida à semente de Abraão! Todas as suas expectativas
estilhaçaram-se em um momento, e eles eram como aqueles que
vêm as lindas formas de um sonho perfeito a dissolver-se no
nevoeiro cinza e frio da manhã.
Não foram apenas suas altas esperanças que se arruinaram.
Havia algo ainda pior: se o Senhor fosse embora, o que seria deles

229
no mundo? Ele fora o seu apoio e sustento; o seu guia, ajudador e
defensor em todos os perigos; Aquele a quem nunca faltava
recursos para livrá-los de todas as armadilhas e repelir todo ataque
dos inimigos. Ele também fora sua alegria, e se o Noivo fosse tirado,
o que fariam os convidados do casamento, além de chorar e
lamentar-se para sempre? Agora começaram a compreender sua
declaração misteriosa: “Virá o tempo em que desejareis ver um dos
dias do Filho do Homem e não o vereis” (Lc 17.22).
Quem, então, poderia consolá-los em tempos de aflição, falar
palavras que fizessem seus corações arder e elevá-los à esperança
a partir do mais profundo desespero? Quem os socorreria em cada
situação perplexa, criaria pão para eles no deserto e ordenaria aos
peixes do mar que trouxessem na boca a moeda do tributo?
Se o barco dos apóstolos começasse a afundar em uma
tempestade, quem faria o vento impetuoso parar e daria ordens para
que as ondas agitadas recuassem antes de quebrar? Se os fariseus
provocassem um tumulto contra os apóstolos, quem se levantaria e
exporia a hipocrisia dos adversários com palavras de poder tão
claras e incisivas que a multidão inquieta se dispersaria, até que
restassem só uns pecadores aterrorizados, não mais ameaçadores,
mas gritando com emoção: “Jamais alguém falou como este
homem”? (Jo 7.46).
Se um dentre os apóstolos adoecesse, quem iria repreender a
doença e em um momento curar o doente? Se a morte de um ente
querido lhes despedaçasse o coração de angústia, quem
transformaria o pranto em alegria, ordenando, estando ele à porta
do sepulcro, com uma voz que nem a Morte, nem o Hades poderiam
resistir: “Lázaro, vem para fora!”? (Jo 11.43).
E quem daria aos apóstolos a terna afeição que Jesus
costumeiramente dava? Ele esteve com eles os três anos e não
impediu que Ele se entrelaçasse no coração deles, fazendo-os
sentir que Nele eles tinham um verdadeiro amigo, cujo amor
ultrapassava o amor das mulheres e que estava mais próximo deles
do que um irmão. Mesmo assim, Ele acabara de predizer que todos
iriam abandoná-lo naquela noite, na hora da provação. Não somente
isso, mas que um deles iria traí-lo e que outro iria negá-lo!

230
Podemos imaginar o desespero dos apóstolos, os pensamentos
confusos que lhes assomava a mente, como ondas de vento no mar
tempestuoso. Contudo, eles não podiam desabafar; nenhum som
lhes escapou dos lábios, e um silêncio triste tomou conta da sala.
Por fim, o Senhor abriu a boca e quebrou a quietude opressiva
com palavras suaves que lançaram esperança em seus corações,
assim como a ordem que Ele outrora dera, “Haja luz”, viajou por
sobre o oceano sem margens de terra, e dissipou as trevas.
“Não se turbe o vosso coração”, disse Ele. “Credes em Deus,
crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se
assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E,
quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para
mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (Jo
14.1-3).
É difícil entendermos a surpresa que essas palavras devem ter
causado aos discípulos, se é que eles as entenderam naquele
momento. Eles haviam pensado apenas na paz e glória em relação
à Jerusalém que está na terra, e tal visão teria sido seu único
consolo na presente angústia. Mas o Senhor acabou com essa
ideia, não lhes deu esperança de algo melhor do que tribulações no
mundo, e revelou em termos claros o grande segredo do propósito
de Deus.
Jesus exortou-os a renunciar seus privilégios e expectativas
como judeus, pois Ele chamou-os para um destino superior. Visto
que eles o receberam, Ele lhes dará poder para que se tornem filhos
de Deus; e eles habitarão não em Jerusalém, mas com Ele, onde
Ele estiver, para que eles contemplem a glória que Ele tem. Embora
estivesse prestes a deixá-los por um tempo, é para que Ele lhes
preparasse moradas na casa do Pai, e assim que todos eles
estiverem reunidos e prontos, Ele voltará e os levará com Ele para
sempre.
Algumas semanas mais tarde, quando os apóstolos e outros
crentes fiéis estavam reunidos em um cenáculo, o Espírito Santo
desceu para batizá-los em um corpo, e para estabelecer a igreja de
Cristo. Daquele momento em diante, Deus começou a procurar para
si um povo entre toda carne (Jl 2.28), porém, não para roubar dos
israelitas o domínio futuro sobre a terra, mas para eles sentarem-se

231
nos lugares celestiais com o Senhor Jesus e, em associação com
Ele, tornarem-se os governantes espirituais do mundo.
Assim começou a presente era, mas não há profecia que nos
permita descobrir sua extensão exata. No entanto, lembremos que
embora as dispensações possam se sobrepor, resultando em um
curto período de transição, Deus não pode, com essa exceção, ter
ao mesmo tempo dois povos de diferentes chamamentos na terra. É
a lei que está implícita em Miqueias, quando predisse que, por
causa de a face do Juiz de Israel ter sido ferida, os judeus seriam
entregues à dispersão até que a mulher em trabalho de parto desse
à luz. ou seja, até que o número de crentes se completasse (Mq 5.1,
3). Quando esse ponto é retomado no Livro do Apocalipse,
aprendemos que assim que o Filho Varão nascer, ele será
arrebatado até Deus e Seu Trono, de modo que estará aberto o
caminho para a retomada das interações de Deus com os judeus. É
exatamente o que Paulo ensina, quando afirmou que “veio
endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude
dos gentios” e que, depois, “todo o Israel será salvo” (Rm 11.25-26).
Assim, o primeiro sinal do fim desta era será a súbita
transladação de todos os santos que estão esperando, e até que o
evento aconteça, não há lugar para cálculos. Como já observamos,
os tempos da igreja não são propriamente parte da quinta
dispensação, mas um parêntese nela fixado por causa da
perversidade dos judeus; é um período inserido, desconhecido pelas
profecias do Antigo Testamento, e separado para a preparação de
um povo celestial, e não terrestre.
Foi, como está escrito, “ao se cumprirem os tempos”, ou melhor,
“na consumação dos séculos” ( ) que Cristo manifestou-se para
“aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (Hb 9.26). Quando
o Filho do Homem inclinou a cabeça para morrer na cruz, restavam
apenas sete curtos anos para o curso deste mundo. A misericórdia
fora rejeitada, o tempo de tolerância exaurira-se, e os terríveis
agentes descritos no Apocalipse estavam à espera da ordem para
agirem velozmente em suas missões mortais e executarem a última
indignação. Mas a ira que acumulara-se irrompeu sobre o Senhor
Jesus, a espada da justiça do Todo-poderoso voltou-se contra o
Homem que era Seu companheiro, e Deus concedeu uma trégua ao

232
mundo pelo qual Cristo morrera. Ele refreou a rápida sequência de
eventos e, por assim dizer, deteve as asas da era fugaz, até que um
tempo tivesse passado, cuja duração só Ele conhecia.
Se a igreja perguntar quando seu Senhor voltará, ela receberá
apenas as respostas: “À hora em que não cuidais”, “certamente,
venho sem demora”, “ficai também vós apercebidos” (Mt 24.44; Ap
22.20). O grande apóstolo dos gentios alertou a igreja sobre a
futilidade de calcular a duração de sua permanência na terra. Ele
disse: “Irmãos, relativamente aos tempos e às épocas, não há
necessidade de que eu vos escreva; pois vós mesmos estais
inteirados com precisão de que o Dia do Senhor vem como ladrão
de noite” (1Ts 5.1-2). A tarefa da igreja é manter-se de prontidão e
vigiar, e não ficar a calcular os tempos. Mas, assim que ela for
removida, tudo mudará. A quinta era terminará seu curso
interceptado, os sete anos começarão imediatamente, haverá o
tempo, tempos e metade de um tempo, os três anos e meio, os
quarenta e dois meses, os mil e duzentos e sessenta dias: todos os
períodos serão então passíveis de cálculo exato.
Mas se não podemos calcular com precisão os tempos da igreja,
de forma alguma ficamos sem indicação da proximidade da vinda de
Cristo. Vemos a cristandade começar a assumir sua última forma, e
o mistério da iniquidade diariamente ganhar força; enquanto as
profecias judaicas estão prestes a se cumprir. Já que a igreja tem de
ser removida antes da consumação de qualquer uma dessas coisas,
podemos estar seguros de que o Senhor está próximo e devemos
exortar-nos mutuamente, conforme vemos o Dia aproximar-se cada
vez mais.
Além de outras revelações do Novo Testamento, há duas grandes
profecias vindas da boca do próprio Cristo, cuja interpretação indica
que o ano aceitável do Senhor está quase terminando. As profecias
são as sete parábolas de Mateus 13 e as sete cartas de Apocalipse
2 e 3, as quais examinaremos agora.
O número de parábolas e de cartas é sete, número que significa
completude dispensacional. Em cada uma das duas profecias estão
definidas sete frases sucessivas, ou épocas características da
igreja, que englobam todo o seu percurso na terra. Essas épocas
começam na ordem em que são dadas, mas qualquer uma delas

233
pode se sobrepor à que a sucede ou mesmo estender sua influência
em maior ou menor grau até o fim da era.

234
Capítulo 33
A S P

É
comum tratar as parábolas de Mateus 13 como se contivessem
matéria para o que se chama aplicação prática. Como
esperamos demonstrar, não é o que sucede. Elas são uma
predição contínua de todo percurso da igreja entre as duas vindas
de Jesus. Também irão, sem dúvida, produzir suprimento abundante
de instruções mais gerais, mas pelo menos neste contexto, o
significado primário é profético (Mt 13.35).
Já fizemos um esboço do plano dos capítulos anteriores de
Mateus, e destacamos a maneira pela qual eles levam e
apresentam as parábolas como revelação de uma nova ordem de
coisas que estão prestes a ser ocasionadas. Por um lado, elas
relatam as repetidas ofertas do reino aos judeus, a proclamação de
suas leis pelo Rei e a exibição de suas maravilhosas credenciais.
Por outro, mostram o ódio cada vez maior dos líderes judeus e a
recusa em reconhecer a autoridade do Senhor — recusa motivada
por um espírito tão amargo que, quando não conseguiram negar as
obras poderosas do Senhor, até ousaram acusá-lo de fazê-las com
a ajuda do poder infernal. A afirmação blasfema revela a verdadeira
condição dos judeus e prova que sua salvação imediata é
impossível. Ao final de Mateus 20, o Senhor dá a entender que eles
estão em vias de serem rejeitados por Deus e entregues nas mãos
de Satanás por um período.

235
Uma crise na história da nação havia chegado, similar em alguns
pontos ao tempo em que Jerusalém foi entregue a Nabucodonosor,
mais envolvendo uma degradação muito mais profunda.
O castigo anterior meramente privou os judeus por um tempo do
direito de serem “os reis da terra, na terra” (Is 24.21). Deus ainda os
manteve como seu povo, embora os tivesse enviado ao cativeiro e
fizera com que ficassem presos à aflição e ao ferro. Naquela época,
era necessário apenas designar governantes mundiais temporários
até que o reino fosse restaurado a Israel, o que foi feito pela
transferência da soberania para os gentios. Tendo em vista que o
segredo do Senhor é sempre revelado àqueles que o temem, Seus
propósitos em relação à mudança foram revelados aos judeus
piedosos pela pena de Daniel.
Tais foram as circunstâncias relacionadas com a assunção da
supremacia por Nabucodonosor, com as quais o plano do
Evangelho de Mateus está em estrita analogia. Mas nesta segunda
crise, os judeus, pela rejeição e assassinato do Filho de Deus,
trouxeram sobre si uma punição muito mais grave do que a mera
perda de seu domínio terreno. A aliança de Jeová estava agora
suspensa, e eles não eram mais reconhecidos como o Seu povo.
Contudo, durante o intervalo que se seguiu, foi necessário que
algumas testemunhas fossem escolhidas para manter o testemunho
de Jeová na terra, sem, ao mesmo tempo, infringir o poder já
concedido aos gentios. Por conseguinte, a partir desse momento,
Ele começou a levantar um novo grupo de crentes que receberam
uma chamada celestial. E visto que o Pai iria, como nos dias de
Daniel, desvendar algo do Seu propósito para orientar os humildes,
o Senhor Jesus passou, no mesmo dia em que anunciou a rejeição
dos judeus, a revelar o mistério que estivera oculto por eras, e a
predizer em parábolas o que sucederia ao povo de Deus durante o
intervalo de tempo entre a sexagésima nona e a septuagésima
semana de Daniel.
O evangelista informa que o discurso do Senhor continha uma
revelação totalmente nova, e observa que, ao fazê-lo, Cristo
cumpriu a profecia: “Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei
coisas ocultas desde a criação [do mundo]” (Mt 13.35). O Novo
Testamento lembra-nos mais de uma vez que o propósito de Deus

236
em relação à igreja e à chamada celestial foi mantido em segredo
até que o próprio Senhor o revelasse (Rm 16.25-26; 1Co 2.7; Ef 3.5,
9; Cl 1.26).
As sete parábolas eram similaridades do reino dos céus,
destinadas a prenunciar as condições diversas sob as quais aqueles
que irão reinar com Cristo foram, e ainda estão sendo, reunidos na
presente era. O principal encargo da predição era que este corpo,
durante sua permanência na terra, estaria continuamente sujeito a
ser carregado e corrompido por misturas do mal, e que seria
interpenetrado, cercado, e até totalmente ocultado, por uma
multidão muito maior que professaria pertencer ao corpo, embora
fossem na realidade filhos do Maligno.
A profecia trata de todos os crentes nominais em todo o mundo,
com cada igreja ou seita que professa derivar suas doutrinas da
palavra de Deus e que, de algum modo, aceita Jesus Cristo, o Filho
de Deus. Essa vasta e diversificada multidão espalha-se por toda
extensão do cristianismo no sentido amplo do termo, enquanto que,
aqui e ali no meio dela, e sempre agindo mais ou menos como freio
da corrupção, permanecem os filhos dispersos de Deus, incapazes
de livrarem-se da pressão, e destinados a continuar assim, até que
do céu soe o clamor: “Congregai os meus santos, os que comigo
fizeram aliança por meio de sacrifícios” (Sl 50.5).
Toda essa grande multidão mista que compõe o cristianismo é,
por enquanto, chamada de reino dos céus, porque mantém dentro
de si — de forma tão emaranhada que ninguém, exceto Deus, pode
distinguir — os verdadeiros herdeiros do reino. Cada uma das sete
parábolas prevê algumas características da igreja nominal
especialmente proeminentes em determinado tempo. Estão, ao que
parece, em ordem cronológica, pois sem entrarmos em detalhes que
agora consideraremos, elas começam com a semeadura (ou
primeira pregação) da palavra e terminam com a separação entre o
bem e o mal ao final da dispensação.
Embora as sete parábolas indiquem a verdadeira sucessão das
fases que representam, não se segue necessariamente que o
período de uma parábola deva terminar antes que outra comece.
Pelo contrário, como observamos antes, elas podem se sobrepor e

237
uma ser contemporânea à que a segue. Vamos, agora, examiná-las
separadamente.

238
Capítulo 34
AP S

A
primeira cena que abre-se diante de nós é um grande campo
já arado e preparado para a semeadura. Em um de seus
lados, há uma estrada em que caminhantes e carroças
trafegam com tanta falta de atenção que pisaram e amassaram a
borda da terra arada, até ela tornar-se quase tão dura quanto a
própria estrada. Estendendo-se por baixo de parte considerável do
campo acha-se uma placa rochosa com pouca terra sobre si, de
modo que essa parte seca-se rapidamente com o sol. Uma terceira
parte possui um húmus rico e profundo, mas é abundante em raízes
espinhosas e sementes. O restante do campo consiste em solo
limpo e bom.
Agora o semeador vem e espalha sementes pelos sulcos do
campo. Algumas caem sobre o solo pisoteado perto da estrada, e
ficam expostas à superfície dura e lisa. É possível que a terra as
cubra, se ainda estiverem ali quando as fortes chuvas chegarem,
mas não há chance que isso aconteça. Bandos de pequenos
pássaros espreitam, e assim que o semeador der as costas, irão
arrebatar e devorar todos os grãos.
Outras sementes caem em solo rochoso e, não conseguindo ir
muito abaixo da superfície, imediatamente brotam folhas viçosas e
promissoras. Mas o sol nasce com força e logo murcham e morrem,
pois em pouco tempo a fina camada de húmus vira pó seco.

239
Outras sementes ainda são espalhadas sobre o lugar já ocupado
pelas raízes espinhosas; elas crescem bem, mas os espinhos
também aparecem. Não são machucadas pelo sol, pois há
profundidade de solo, mas os espinhos crescem, retiram o alimento
das sementes e lhes tomam o lugar, até que, quase escondidas pelo
crescimento exuberante dos espinhos, elas ficam doentes e
mirradas, e não podem dar frutos com perfeição.
Mas as sementes que caem em solo bom brotam no tempo
devido, crescem e dão muitos frutos, embora em quantidades
variáveis. Algumas delas produzem cem vezes, outras sessenta
vezes e outras trinta vezes por um (Mt 13.1-23).
Essa parábola mostra o primeiro período da dispensação do
evangelho. O campo arado é o mundo preparado para receber
Cristo por meio dos procedimentos prévios de Deus. O solo duro da
estrada não cultivada é a fronteira do reino dos ares, ocupado por
anjos caídos e espíritos, a quem as ofertas de Cristo não foram
dadas, de forma que seu domínio não é arado nem semeado. O
semeador é, primeiro e principalmente, o próprio Senhor Jesus, e,
depois, aqueles que o sucederam na obra de continuar tudo o que
Ele começou a fazer e a ensinar. A semente é a gloriosa palavra do
evangelho. As diferentes condições do solo representam as quatro
classes de ouvintes encontradas entre os homens. O fato de que
somente um deles produz o fruto desejado é indício, logo no início
do sermão, de que todas as expectativas de sucesso universal do
evangelho na era atual são falsas, o caminho da porta estreita
permanecerá apertado, e apenas uns poucos, comparativamente, o
encontrarão, até que ocorra uma mudança pela vinda do Rei.
A primeira classe de ouvintes são os que vivem tão perto e em
tão próxima comunhão com os poderes do mal, que tornam-se
semelhantes a eles e quase tão irremediavelmente insensíveis. Se
os homens, como os demônios, não se importam em guardar Deus
em seus corações, Ele os entrega a uma mente reprovável, de
forma que não pensam mais Nele. Seu Espírito entristece-se, para
de lutar, e é pronunciada a sentença: “Efraim está entregue aos
ídolos; é deixá-lo” (Os 4.17). Daí para frente, eles ficam cada vez
mais endurecidos. Assim, a semente não consegue penetrar em
seus corações, mas permanece na superfície, de onde é

240
imediatamente recolhida e devorada pelos espíritos vigilantes dos
ares, para que algo imprevisto não faça com que ela seja coberta de
terra e cresça. Esses agentes do mal têm incontáveis dispositivos
pelos quais podem roubar a palavra, como pensamentos frívolos,
conversas ociosas, excitações de prazer, preocupações com os
negócios e muitas outras coisas. Assim, destroem o germe do bem
que há na terra, para que não beneficie nem a pessoa em quem foi
semeado, nem qualquer outra ao redor.
Há outros ouvintes cujo coração é tão duro quanto a pedra de
mó, mas exteriormente têm uma fina camada de sentimento. Eles
recebem o evangelho, ou qualquer outra coisa, com avidez e grande
entusiasmo, dando esperança de frutos abundantes. Mas se a
perseguição aparece no horizonte, ou se são chamados a abnegar
certa indulgência ou conveniência, eles descartam imediatamente a
fé e, por inabalável teimosia a todos os apelos subsequentes,
mostram ter um coração verdadeiramente de pedra por baixo do
invólucro mole. São pessoas que sentadas em suas salas
confortáveis choram pelas misérias dos outros, mas raramente se
mexem para ajudar o objeto de sua compaixão. Deliciam-se em falar
sobre o que pretendem fazer, mas se a oportunidade de ação surge,
descobrem que precisam tratar de necessidades pessoais, ou
deveres sociais, que têm precedência sobre os assuntos do Senhor.
São os que surgem de todos os lados em tempos de avivamento, e
afrontam em extremo a Cristo por aparentarem conversão e zelo
ostensivo. Rapidamente desistem, e praticamente, se não
confessadamente, renegam a fé pela qual professaram estar
prontos a morrer. Seu egoísmo íntimo é firme como a rocha, mas,
instáveis como a água em todas as outras coisas, não se destacam
e, por fim, encontrar-se-ão do lado de fora das portas da cidade
dourada.
A mente da terceira classe de ouvintes é de tipo diferente.
Pensam e sentem com profundidade, mas o fazem com relação a
assuntos que estão fora do amor de Deus em Cristo. Em seus
corações, a palavra acha-se no meio de várias sementes e raízes,
que logo brotarão nas enganosas buscas dos prazeres da infância,
nos cuidados da meia-idade, e nos desejos de outras coisas e não
em Deus. Tampouco a extensão das tentações mencionadas

241
restringe-se a esferas como ambição, poder político, intelecto, amor,
ódio ou ganância, pois podem ser encontradas em locais muito
insuspeitos. Em alguns casos, elas guerreiam contra a alma
induzindo a uma condescendência silenciosa com os apetites, aos
quais muitos se entregam, de modo algum a ponto de provocar a
censura dos seus semelhantes, mas apenas inclinar o corpo a uma
indolência e complacência aparentemente bem-intencionada, a qual,
enquanto perdura, mais eficazmente bloqueia os poderes do mundo
porvir. Mas seja qual for sua inclinação individual, o trigo e os
espinhos crescem juntos nas pessoas desta classe. Elas poderiam
ser de Cristo, mas não desistem do mundo. Persistem no esforço de
servir a dois senhores, e visto que não podem odiar um, encontram-
se incapazes de curvar-se ao outro. Não seguem o Senhor de todo
o coração, portanto, Ele as rejeitará, e, no fim, retirará todas as
súplicas do Seu Espírito. Então, os espinhos sufocam a palavra, e
cobrem seus minguados restos mortais com crescimento luxuriante.
Os frutos começam a aparecer, mas nunca amadurecem. Essas
pessoas estão quase salvas, mas ainda continuam perdidas.
Por último, há ouvintes que, humilhados e com o coração
quebrantado pelo senso de sua condição pecadora, recebem a
palavra com gratidão. Ao perceberem os horrores dos quais foram
resgatados, são propensos a desistir de todas as coisas por amor
ao Senhor que os redimiu, a negar a si mesmos diariamente, a
tomar a cruz e segui-lo, a em nada considerar a vida preciosa para
eles mesmos, contanto que completem a sua carreira com alegria.
No coração dessas pessoas, a palavra cresce pelo poder do Espírito
Santo, de modo a serem testemunhas do seu Salvador e a fazerem
obras que serão sua alegria e coroa no dia da aparição de Jesus.
A menção das taxas de crescimento “A cem, a sessenta e a trinta
por um” (Mt 13.8) sugere um pensamento solene. O Senhor não
reconhece um crescimento menor que trinta vezes. Cabe a todo
verdadeiro cristão verificar se a semente nele semeada ainda pode
dar o mínimo de frutos na conversão e edificação dos outros. Mais
ainda, ele deve se perguntar se há prova de que ele está na fé por
cumprir-se nele a palavra do Senhor: “Quem crer em mim, como diz
a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.38).

242
A essas quatro classes de ouvintes, o evangelho começou a ser
pregado primeiro pelo próprio Senhor, e depois pelos discípulos.
Estes começaram seus labores em Jerusalém e acrescentaram três
mil almas à igreja logo no primeiro dia da missão. Tão ativos foram
eles e seus conversos em espalhar o conhecimento do Senhor
Jesus que, em menos de trinta anos, Paulo disse aos crentes
colossenses sobre a esperança do evangelho, “que ouvistes e que
foi pregado a toda criatura debaixo do céu” (Cl 1.23). Quanto à
veracidade da afirmação, até escritores pagãos confirmam
amplamente. Por exemplo, Tácito menciona a prisão de uma “vasta
multidão” de cristãos em Roma apenas um ou dois anos depois da
data da Epístola aos Romanos. Cerca de setenta anos após a
crucificação de Jesus, Plínio, em sua famosa Carta a Trajano, afirma
que o “contágio” do cristianismo se apoderara não apenas das
cidades da Bitínia e Ponto, mas até das aldeias e vilas.
Assim foi o mundo semeado na primeira era da igreja, e durante
esse tempo a característica principal dos seguidores de Cristo foi
uma propagação fervorosa de sua fé em todas as terras, ainda que
seus esforços tenham sido frustrados pelas condições geralmente
desfavoráveis do coração humano, e tenham alcançado um sucesso
muito parcial.

243
Capítulo 35
AP T J

N
a segunda parábola há também um semeador da boa
semente. Mas em seguida, vem inimigo maligno que,
enquanto os homens estão dormindo, espalha joio no meio
do trigo, e foge imperceptivelmente. O joio usado para esse
propósito pernicioso ainda é muito conhecido na Palestina, e tanto
se parece com o trigo bom em seu crescimento, que é quase
impossível distinguir um do outro até que a espiga comece a
amadurecer, e o fruto se torne preto em vez de amarelo. No devido
tempo, a prova da mistura apareceu e os servos do dono do campo
o informaram do fato, perguntando se deveriam arrancar o joio
nocivo. Mas após explicar que um inimigo fez a confusão, ele diz
que o joio e o trigo estão agora tão inextricavelmente misturados
que devem ser deixados para crescer até a colheita, quando então
os ceifadores irão separá-los, amarrar o joio em feixes para serem
queimados, e recolher o trigo no celeiro (Mt 13.24-30).
O próprio Senhor também interpreta esta parábola (Mt 13.36-43).
O campo é o mundo e o inimigo é o diabo, mas o significado da
semente não é o mesmo da primeira parábola, pois já não significa
doutrinas, mas pessoas: “A boa semente são os filhos do reino; o
joio são os filhos do maligno” (Mt 13.38). Os filhos do maligno são
os hipócritas que servem de instrumentos adequados para
desenvolver os profundos e traiçoeiros desígnios de Satanás.

244
Embora não conheçam a Cristo, misturam-se entre os cristãos e
fazem o negócio de suas vidas ao espalhar corrupção, tanto na
doutrina como no comportamento.
Muitos desses homens infiltraram-se na igreja mesmo nos
tempos apostólicos, mas é a história dos séculos e que fornece
a mais terrível prova da presciência do Senhor. Durante esse
período, milhares de lobos ferozes entraram furtivamente no redil,
não poupando o rebanho, e muitos apareceram falando coisas
perversas para atrair os discípulos após eles. Heresias de todas as
formas e matizes imagináveis começaram a surgir por todos os
lados, resultando em seitas que enfraqueceram ou destruíram o
poder da palavra de Deus de formas diversas, e criaram uma
religião atraente, mas inútil, para todo tipo de intelecto e disposição.
A igreja universal se corrompeu, e nunca se livrou das manchas
dessa época. Até os dias de hoje, cada grupo cristão carrega traços
dessas manchas em seus princípios ou rituais.
Apenas os que estão familiarizados com a literatura dos séculos
e podem formar uma concepção adequada dos muitos joios que
durante essa época manifestaram-se pelo seu fruto preto. Contudo,
o estudo de duas obras que chegaram até nós dará uma ideia dos
principais erros com os quais Satanás confundiu a igreja. Uma delas
foi publicada no último quarto do século . Trata-se da obra Contra
as Heresias, da pena de Irineu de Lyon, discípulo de Policarpo que
recebera ensinos diretamente do apóstolo João. A outra obra é
Refutação de Todas as Heresias, escrita por Hipólito de Roma,
discípulo de Irineu, na primeira metade do século .
Aprendemos com esses livros que a semente de quase todos os
erros subsequentes foi imperceptivelmente semeada nas igrejas já
em seus primeiros anos, com a resultante colheita de heresias,
seitas e escolas tão numerosas, que seria tedioso só mencionar
seus nomes. Eram heresias de todos os tipos, começando com uma
leve mistura do mal, e indo a tal ponto de loucura que alguns
chegaram a declarar que a serpente amaldiçoada que enganou Eva
era o verdadeiro Messias. Por isso, autodenominaram-se ofitas, isto
é, adoradores da serpente. Outra seita sustentava que as Escrituras
não emanavam do Deus supremo, mas de uma divindade inferior e
maligna chamada demiurgo, a qual, conforme afirmavam, fez com

245
que a história sagrada fosse distorcida, para que os “justos”, como
Caim, Esaú, os homens de Sodoma e Corá, parecessem ímpios, e
os ímpios, justos. Por conseguinte, consideraram Caim como o
primeiro santo mencionado na Bíblia e, baseado nele,
denominaram-se cainitas.
Durante todo o período incluso na parábola em estudo,
perseguições violentas ocorreram em intervalos, e em outra
contínua profecia acerca da igreja verificamos que elas foram
especialmente registradas. Aqui, nada mais há do que uma alusão
muito óbvia. O Senhor temia que a igreja aprendesse a lição com
seus opressores e, se a qualquer tempo, a igreja tivesse o poder,
condenasse à morte os hereges obstinados. É por isso que os
servos recebem a ordem de não arrancar o joio do campo —
mandamento que é facilmente compreendido se lembrarmos que “o
joio são os filhos do maligno” e que “o campo é o mundo” (Mt
13.38).
Com respeito à colheita, surgiu uma dificuldade na mente de
muitos estudiosos, porque a ordem: “Ajuntai primeiro o joio” (Mt
13.30), dá a entender que Cristo julgará os ímpios antes de tratar
com a Igreja. É impossível que tal sequência de eventos seja
intencional, ou que somente esta passagem se oponha ao
testemunho geral das Escrituras.
Como exemplo desse testemunho, citamos Apocalipse 14, no
qual três classes de homens afetados pela volta do Senhor são
representadas como primícias, ceifa e vindima. De acordo com a
ordem da natureza, as primícias, como vemos pelo contexto, são os
que serão “comprados da terra” antes da tribulação, a ceifa ocorre
imediatamente após ao término da tribulação; e depois vem a
vindima, cujas uvas correspondem ao joio da parábola em estudo.
Em Apocalipse 19, é depois da ceia das bodas que João vê o céu
aberto e o Senhor aparecendo, com toda a igreja em seu séquito,
para destruir os que corrompem a terra.
Na verdade, se lermos a parábola da rede, que é a última da
série de sete parábolas, encontraremos a ordem da segunda
parábola invertida. Primeiro, os peixes bons são retirados da rede e
colocados em cestos e, depois, os peixes ruins são jogados fora (Mt
13.48).

246
O correto entendimento das Escrituras afasta imediatamente
todas as supostas inconsistências. Como podemos explicar essa
aparente discrepância nas parábolas da mesma série? Iremos
explicar pelas seguintes considerações.
No texto original da ordem dada aos ceifeiros, não há palavras
(“então” ou “depois”) para sinalizar a apódose de “ajuntai primeiro”
(Mt 13.30). Temos de fornecer uma, talvez na próxima frase, pois o
“mas” (δέ, de) que aparece é usado de forma adversativa e pode
meramente indicar uma antítese ou contraste do destino, sem
referência à sequência do tempo. Assim, a ordem terá esta leitura:
“Primeiro recolhei o joio e depois atai-o em feixes para ser
queimado; mas, quanto ao trigo, ajuntai-o no meu celeiro”.[162]
Podemos talvez acrescentar que um fazendeiro provavelmente não
se incomodaria com o joio, contanto que ele fosse cuidadosamente
separado do trigo, até que o fazendeiro tivesse levado o trigo com
segurança a seu receptáculo.
Lembremos que as duas parábolas são elementares e gerais.
Elas não têm a intenção de fornecer detalhes sobre o fim, mas
apenas estabelecer o amplo princípio de que Cristo purificará
completamente o solo. A mistura inevitável do mal com o bem na
era atual, e a certeza do julgamento e da separação finais são as
grandes lições que elas ensinam.
Uma palavra grega peculiar, que significa “colher separando”, é
usada para aludir ao joio em uma parábola e aos peixes bons em
outra, a fim de que o significado fique claro de ambos os lados.
Satanás irá semear o joio, que crescerá com o trigo e com ele ficará
inextricavelmente emaranhado até a colheita. Mas antes que o
Senhor reúna os Seus, Ele não deixará de separar do meio deles
todos os filhos do Maligno. Enquanto a rede do evangelho estiver no
mar das nações, a igreja nominal terá multidões de membros
meramente intelectuais, sentimentais e hipócritas, bem como
crentes verdadeiros. Mas, assim como a rede é puxada para a praia
e os pescadores selecionam cuidadosamente os peixes bons para
colocá-los nos cestos e depois jogar fora o resto, o Senhor tirará
cada alma Sua das grandes massas de adoradores espúrios, antes
de destinar estes para a condenação.

247
Ao prosseguir com a interpretação das parábolas restantes,
devemos manter um ponto claramente em mente. Acabamos de ver
que o trigo e o joio devem crescer juntos até o fim e,
consequentemente, na sétima e última parábola encontraremos
peixes bons e maus misturados na mesma rede. Está claro,
portanto, que todas as parábolas intermediárias também devem
representar a igreja em condições mais ou menos corruptas.

248
Capítulo 36
AP G
M

N
a terceira símile, um grão de mostarda, conhecido
proverbialmente na Palestina como a menor das sementes
conhecidas, é semeado por um homem em seu campo. Com
um significado solene, o Senhor diz que essa planta, embora na
verdade pertença à classe das hortaliças e hortas de jardim (τά
λάχανα, ta lachana), cresce e torna-se uma árvore alta.[163] Essa é
uma declaração evidente de algo errado, pois Deus deseja que toda
semente se desenvolva de acordo com os parâmetros da sua
espécie.
Ao tornar-se uma árvore, a mostarda lança grandes galhos (Mc
4.32), de forma que as aves dos ares, que na primeira parábola
apanharam e devoraram a boa semente, vêm e aninham-se sob seu
abrigo (Mc 4.31-32). Aqui, há outro indício muito fatídico que, tivesse
sido devidamente ponderado, teria impedido o erro frequente e
indubitavelmente equivocado da parábola para sermões
missionários.
O grão representa os princípios da igreja semeados por Cristo no
mundo. A descrição de seu crescimento de forma não natural
significa que os princípios seriam abandonados com o transcurso da
era — predição que claramente se cumpriu.

249
O Senhor encarregou os discípulos de ensinar a respeito Dele, de
ser mansos e humildes de coração durante sua jornada na terra, de
deixar de lado todo pensamento soberbo e de seguir seu
desprezado e rejeitado Mestre. Mas Satanás, por meio de falsos
mestres e erros introduzidos furtivamente durante o período do joio,
prevaleceu sobre o grande corpo de cristãos professantes para que
ignorassem as palavras de preciosa esperança: “Eis que venho sem
demora” (Ap 22.12), inscritas, por assim dizer, pelo Senhor sobre o
véu azul do céu, através do qual Ele ascendeu, e para que fixassem
os olhos nas coisas terrenas. Satanás os ensinou a pensar na
cessação da inimizade humana e na crescente importância de cada
um. Assim, ele atraiu essa comunidade na direção de uma
superioridade à qual eles só poderiam obter renunciando a Cristo e
servindo a Mamom. Então, quando o momento adequado chegou,
ele aproximou-se deles e ofereceu o atual favor dos reis terrestres
em troca da esperança do Rei do céu. Esquecidos do exemplo de
seu Senhor, eles aceitaram a oferta; como Eva, eles foram
seduzidos e cegamente consentiram em receber o poder e
influência do príncipe deste mundo.
A fase representada na parábola começou a desenvolver-se no
início do século , quando Constantino foi levado ao trono imperial
sobre os ombros de seus legionários britânicos, cuja grande maioria
era composta de cristãos, e uma cristandade nominal tornou-se a
religião oficial do Império Romano.
Ora, os romanos politeístas tinham o costume frequente de
reconhecer todos os deuses, enquanto escolhiam um para ser seu
patrono especial e objeto de adoração. Constantino, então, em
deferência aos sentimentos de seus soldados, colocou Cristo no
panteão e o adotou como seu deus favorito, embora ao mesmo
tempo ele continuasse a adorar as deidades pagãs, dando
preferência a Apolo. Sua religião era ditada por motivos políticos e
seu desejo era unificar seus súditos cristãos e pagãos em um só
povo. Para promover esse fim, um conjunto de símbolos de duplo
significado foi cuidadosamente preparado, ou melhor, inúmeros
símbolos pagãos reconhecidos foram adaptados para que, aqueles
que quisessem, os interpretassem como sendo de Cristo, enquanto

250
os outros continuariam a explicá-los como pertencentes à sua
própria mitologia.
Entre os símbolos estava o místico tau,[164] o famoso, mas
obsceno “sinal da vida”, conhecido desde a antiguidade em todo o
círculo do paganismo e marcado na testa durante o batismo dos
iniciados nos mistérios.[165] O símbolo recebeu a maior
proeminência, e para os cristãos passou a significar a cruz de
Cristo, enquanto que entre os pagãos ele manteve o antigo
significado.
Da mesma maneira, o emblema no estandarte de Constantino,
que ele teria visto em sua visão, o Chi-Rho, foi apresentado aos
cristãos como o monograma de Cristo, mas os pagãos facilmente o
reconheceram como uma forma ligeiramente alterada do sinal de
Osíris ou Júpiter Amon.[166] O emblema era geralmente colocado no
topo do mastro, enquanto que no canto inferior da seda púrpura do
estandarte havia as cabeças do imperador e de seus filhos, que
podiam ser adorados pelos pagãos de acordo com o costume.
Outro exemplo da política de Constantino merece ser
mencionado. Os cristãos daquele tempo eram escrupulosos quanto
a santificar o primeiro dia da semana em memória de seu Senhor
ressuscitado. Percebendo que isso já era suficiente para distingui-
los de seus compatriotas e para promover um espírito partidário, ele
emitiu um édito para que os pagãos observassem o mesmo dia em
honra de Apolo, o deus-Sol, e o chamassem Dies Solis ou Dia do
Sol. Logo, Cristo e Apolo começaram a ser mais ou menos
identificados como a mesma pessoa, e dessa origem indecente vem
o termo inglês Sunday.[167]
Foi provavelmente nesse mesmo tempo que foi introduzido na
igreja o costume de se virar para o leste. No entanto, seja como for
que a cerimônia seja explicada, ela é completamente pagã e tem
relação com a adoração ao deus Sol. Reconhece-se sua extrema
antiguidade pelo fato de que, quando Deus deu instruções para o
posicionamento do tabernáculo e do templo, Ele fez com que o
Santo dos Santos fosse colocado no oeste,[168] para que Seu povo
pudesse ser facilmente distinguido dos idólatras.
É apenas tendo isso em mente que podemos entender o
significado profundo de uma passagem de Ezequiel. Ao relatar

251
como ele foi pego pelo Espírito e transportado a Jerusalém para ver
as abominações que fizeram Deus condenar à destruição a cidade e
o santuário, o profeta descreve a última e maior delas: “Levou-me
para o átrio de dentro da Casa do S , e eis que estavam à
entrada do templo do S , entre o pórtico e o altar, cerca de
vinte e cinco homens, de costas para o templo do S e com o
rosto para o oriente; adoravam o sol, virados para o oriente” (Ez
8.16; cf. 8.15).[169]
É fácil imaginar os efeitos desconcertantes e corruptores da
política de Constantino. O cristianismo foi transformado em um tipo
de paganismo com novos nomes, e o mundo deixou de vê-lo
desfavoravelmente. Nesse ínterim, a conduta particular do
imperador, na medida em que tinha de ser tolerada pela igreja,
contribuiu muito para o relaxamento moral, pois, entre outros crimes,
ele condenou à morte sua própria esposa e seu filho mais velho,
ouvindo em cada caso as acusações que depois descobriu serem
falsas. Isso fez com que seus inimigos dissessem que ele se tornara
cristão porque nenhuma outra religião oferecia perdão pelas
atrocidades que ele decidiu cometer.
Certamente, quando a igreja aceitou a aliança com tal homem,
podemos dizer dela como se disse de Jerusalém: “Como se fez
prostituta a cidade fiel!” (Is 1.21). Ela realmente crescera muito na
terra, mas em vez da presença do Espírito Santo, o Consolador,
vieram os espíritos imundos e rebeldes dos ares, acomodaram-se
em seus galhos, tomaram posse dela e a dirigiram, de forma que ela
deixou de ser testemunha de Cristo como um corpo visível, e
tornou-se poderoso instrumento nas mãos de Satanás.

252
Capítulo 37
AP F

E
sta parábola apresenta uma mulher escondendo o fermento
em três medidas de fina farinha,[170] para que o processo de
fermentação começasse e prosseguisse silenciosamente até
que tudo estivesse levedado (Mt 13.33). Lógico que a interpretação
da cena depende do significado a ser dado ao fermento, que
comumente se supõe representar o cristianismo puro. Mas tal
explicação só pode ter sido originada na mente de homens que a
determinaram por suas ideias preconcebidas de como deveria ser o
futuro, e não por uma investigação paciente. O fermento é símbolo
inequívoco de pecado e corrupção, como ficará claro pela
consideração de (1) a natureza do fermento usado pelos antigos e
seu consequente significado figurativo tanto no mundo pagão
quanto no mundo judaico, (2) a base evidente da parábola no Antigo
Testamento, (3) o uso invariável do fermento como símbolo do mal
na Bíblia e (4) o fato de que, se fosse dado um significado contrário
a esse neste exemplo, tal interpretação envolveria uma doutrina não
encontrada em qualquer lugar das Escrituras.

1. O único fermento conhecido pelos antigos era algo azedo e o


efeito que produzia era a corrupção incipiente, que se espalhava
pela massa, azedava-a e, a menos que fosse assada no momento
certo, positivamente corrompia. Ao falar de pão, os hebreus usavam

253
“azedo” para referir-se ao pão levedado, e “doce” para o não
levedado. Por isso, o fermento tornou-se símbolo de corrupção tanto
para os judeus como para muitas nações pagãs.
No Talmude, o fermento é figura frequente para designar
“afeições más e maldade do coração”, e, entre outros casos,
encontramos a seguinte oração: “Senhor das eras, é revelado e
conhecido diante da tua face que faríamos a tua vontade, mas tu
subjugas o que nos impede, a saber, o fermento que está na
massa”. Um dos rabinos também diz: “Só confie em um prosélito
depois de vinte e quatro gerações, pois ele ainda tem fermento”.
Em Roma, o flâmine dial, ou sumo sacerdote de Júpiter, era
proibido de tocar o fermento. Plutarco, o historiador grego, explica a
proibição com base em que “o fermento é gerado pela corrupção,
que também corrompe a massa à qual é misturado”.

2. Nosso Senhor, que frequentemente baseia suas palavras em


algo escrito no Antigo Testamento, tomou a parábola do fermento da
descrição da oferta de manjares em Levítico 2. A oferta, que
representa a devoção de Cristo, nosso substituto, ao serviço, era de
flor de farinha. Se a farinha fosse de alguma forma cozida, havia a
determinação expressa de não poder haver fermento nela. Além
disso, este mandamento especial é imediatamente seguido pelo
preceito geral: “Nenhuma oferta de manjares, que fizerdes ao
S , se fará com fermento; porque de nenhum fermento e de
mel nenhum queimareis por oferta ao S ” (Lv 2.11). Portanto,
quando a mulher colocou fermento na flor de farinha, tornou-a
imprópria para ser uma oferta ao Senhor.

3. Somos orientados a interpretar a Bíblia comparando coisas


espirituais com coisas espirituais, e o fermento é, sem uma só
exceção, usado como figura bem conhecida de corrupção tanto no
Antigo quanto no Novo Testamento. Os israelitas tinham de tirá-lo de
suas casas na Páscoa (Êx 12.15, 19-20; 13.6-7; Dt 16.3-4). Deus
não permitia que fermento fosse oferecido em seu altar (Lv 2.4-5,
11; 6.17; 10.12), o que claramente contrasta o fermento com o sal,
símbolo da pureza (Lv 2.11, 13). Quando Amós, em amarga ironia,
pede ao povo que multiplique suas transgressões e provoque ainda

254
mais a Deus, ele diz que isso pode ser feito por meio da oferta de
um sacrifício de louvores com fermento (Am 4.4-5).
Mas, o exemplo mais notável do significado figurativo do fermento
encontra-se na descrição da Festa do Pentecostes (Lv 23.15-21).
Naquela ocasião, dois pães comuns com fermento, feitos do grão do
ano, eram trazidos das habitações dos israelitas para o altar como
primícias ao Senhor. Mas, por haver fermento nos pães, eles não
podiam ser queimados no altar e dele subirem como cheiro suave;
eram apenas colocados diante dele. Esses pães simbolizam a
igreja, que foi chamada à existência no dia de Pentecostes pela
descida do Espírito Santo, como um tipo de primícias da criação (Tg
1.18), e é apresentada diante de Deus, mas inaceitável para Ele, por
causa do pecado que nela há.
Em seguida, sete cordeiros sem defeito, um novilho e dois
carneiros eram oferecidos em holocausto, como um tipo da devoção
total de nosso Cristo substituto até a morte. Cada um desses
sacrifícios era acompanhado por devida oferta de comida e bebida,
apontando para o serviço perfeito e voluntário de Cristo na vida
diária, o Seu cumprimento da segunda tábua da lei por nós. Então,
um bode era morto como oferta pelo pecado, um paralelo de Cristo
tirar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. Por último, dois cordeiros
eram levados ao altar como ofertas pacíficas, para retratar Cristo
reconciliando-nos com Deus e restaurando-nos à comunhão com
Ele.
Depois de toda a obra do Salvador ser assim representada, os
dois pães foram pegos e movidos diante do Senhor e, embora não
pudessem ser colocados no altar por causa do fermento, eram
aceitos e passados para uso do sacerdote, um tipo prodigioso da
igreja, que a despeito de todas as suas faltas, também deve ser
aceita no Amado.
O pecado que nos agarra e nos torna inadequados para a
presença de Deus, a menos que sejamos purificados no sangue e
vestidos da justiça de Cristo, é simbolizado pelo fermento. No Novo
Testamento, o Senhor dá indícios com respeito às formas especiais
desse mal, alertando os discípulos a tomarem cuidado com o
fermento dos fariseus (Lc 12.1), dos saduceus (Mt 16.6) e dos

255
herodianos (Mc 8.15), três seitas judaicas que sempre têm seus
representantes na igreja professa.
Passando dos evangelhos para as epístolas de Paulo,
encontraremos outros exemplos do significado simbólico do
fermento. Em duas ocasiões, ao exortar as igrejas a abandonar o
mal, o apóstolo destaca: “Um pouco de fermento leveda a massa
toda” (1Co 5.6; Gl 5.9). Em uma dessas admoestações, ele
acrescenta as significativas palavras: “Livrem-se do fermento velho,
para que sejam massa nova e sem fermento, como realmente são.
Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado. Por isso,
celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento
da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento, os
pães da sinceridade e da verdade. (1Co 5.7-8, ). A ausência total
de todo fermento é o que Deus deseja na igreja; e não podemos
consentir em deixar de lado o significado enfático e repetido do
símbolo no único caso em que é ponto de debate.

4. Se nesta passagem interpretássemos o fermento como sendo


um tipo de boa influência, a parábola só poderia significar que todo
o mal seria vencido por um processo suave, gradual e quase
imperceptível e, assim, contradiria todo o testemunho da Bíblia. Os
escritores inspirados afirmam repetidamente que a maldade
aumentará até que, por fim, será contida à força pela interferência
do próprio Senhor. O mistério da iniquidade começou a operar como
fermento mesmo nos tempos apostólicos, e irá continuar até que
sua verdadeira natureza seja revelada na pessoa do iníquo. É
desnecessário multiplicar passagens que falam de homens maus e
sedutores que pioram cada vez mais, enganando e sendo
enganados; do amor que esfria; da fé que diminui; das predições
que o mundo se tornará novamente corrupto e cheio de violência
como nos dias de Noé; do mau cheiro que exalará dos crimes mais
horrorosos, como ocorreu nas cidades da planície, de forma que o
Senhor sairá do Seu lugar para sacudir a terra terrivelmente e punir
seus habitantes por sua iniquidade.
Mesmo essa série de parábolas nos ensina que o trigo e o joio
devem crescer juntos até o fim dos tempos; que os filhos do Maligno
só serão incomodados quando o Filho do Homem enviar Seus anjos

256
para banir do Seu reino todas as coisas ofensivas e os que
cometem iniquidade; e que após a rede ter sido puxada até a praia,
os iníquos serão separados dos justos, mas não serão feitos
semelhantes a eles.
Portanto, não há dúvida em relação ao significado do fermento
nas Escrituras, o qual, se for aceito, a parábola se encaixa
perfeitamente. O agente na cena é uma mulher — o símbolo
habitual de um sistema ou igreja. O fato de ela estar secretamente
corrompendo a flor de farinha, agindo como o inimigo que semeou o
joio no meio do trigo, prova que ela é a Prostituta, e não a
verdadeira igreja.
O fermento é a doutrina corrupta, que Mateus nos explica com
estas palavras: “Então, entenderam que não lhes dissera que se
acautelassem do fermento de pães, mas da doutrina dos fariseus e
dos saduceus” (Mt 16.12).
No capítulo anterior, descrevemos a forma pela qual o
cristianismo começou a tornar-se pagão. O processo de
transformação continuou até que as verdades da revelação foram
totalmente mudadas pela gradual mistura de tradições e filosofias
humanas, que, como o fermento, não eram apenas corruptas em si
mesmas, mas também tinham a propriedade de transmitir sua
natureza àquela com a qual elas estavam misturadas. A agência
terrena pela qual esse estranho resultado foi atingido tornou-se cada
vez mais poderosa sob o nome de Igreja Católica. Sua organização
era tão eficaz e sua ação tão vigorosa que em pouco tempo toda a
sociedade do mundo romano foi interpenetrada por sua influência, e
os homens consideravam-se cristãos quando, na verdade, eram
idólatras politeístas que haviam mudado os nomes de seus deuses.
Os três tipos de fermento mencionados pelo Senhor podem ser
facilmente distinguidos nessa apostasia. Tanto na comunidade
grega quanto na latina sempre há um punhado de fariseus que têm
algum tipo de fé naquilo que ensinam, mas que colocam a confiança
nas formas externas, nas tradições humanas e na autoridade de sua
própria igreja. Embora olhem para baixo, às vezes com piedade,
fazem-no mais frequentemente com espírito de desprezo e
perseguição por todos os que se aventuram a divergir deles.

257
Sempre também há uns saduceus, homens que mais ou menos
recusam-se a acreditar em algo que não vivenciaram ou não podem
compreender, que menosprezam a revelação, evitam a menção ao
sobrenatural e nunca são favoráveis a falar da expiação; que
sonham que o novo nascimento pode ser efetuado pela educação,
filosofia humana e prática da virtude e da filantropia, e que, embora
aparentemente concordando com as doutrinas e práticas de sua
igreja, são em seus corações totalmente indiferentes a elas. Mais
ainda, são possuídos por um amargo espírito de ceticismo que se
ressente da própria sugestão de haver um Deus. Quando a falsa
religião está envelhecendo em uma terra, e sua autoridade está
enfraquecendo, esses homens são os fungos que sugam vida dessa
decadência. Multiplicam-se em quantidade e aumentam a ousadia
até que, por fim, abandonam todos os disfarces e confessam
abertamente seus verdadeiros sentimentos e ódio por toda forma de
adoração. Tais são os resíduos que o romanismo invariavelmente
deixa para trás quando tudo o mais se evaporou.
Não é necessário falar dos herodianos, que apoiariam a religião
pelo braço do poder secular e que consideram a intriga política um
meio adequado de promover os interesses do reino de Cristo.
Homens dessa classe sempre se destacam nas comunidades das
igrejas apóstatas, e em nenhuma mais do que da de Roma.
Há também muitos crentes equivocados, de visões mais
ortodoxas, que se preocupam tanto com as coisas terrenas que
consideram as questões políticas da época mais importantes do que
as questões muito mais importantes do reino celestial. E eles se
convencem de tal estado de espírito pela falsa suposição de que a
obra de Cristo é melhorar o mundo, mas esquecem que Ele ordena
que cooperemos com Ele para que tiremos os eleitos do mundo.
Assim se deu o período do fermento; nem as reformas ou os
avivamentos, por maiores que fossem seu sucesso parcial,
conseguiram libertar o cristianismo de sua influência perniciosa. O
fermento ainda se encontra, em maior ou menor grau, e em uma ou
outra de suas formas, em cada igreja e seita. Ele continua a
trabalhar em toda a massa de cristãos professos, embora às vezes
um ou outro de seus desenvolvimentos seja mais poderoso. Até
agora,[171] os elementos fariseu e herodiano eram os mais

258
proeminentes, mas por um longo tempo o elemento saduceu tem
aumentado rapidamente, o qual será o principal agente para forçar o
mistério da iniquidade ao seu clímax. Todos os três fermentos
permanecerão ativos até o fim e, em seu desenvolvimento final, são
representados pelos três espíritos imundos da sexta taça, que
levará os homens ao último extremo da rebelião, e irá “ajuntá-los
para a peleja do grande Dia do Deus Todo-Poderoso” (Ap 16.14).

259
Capítulo 38
AP T
C

A
gora há uma pausa no discurso de nosso Senhor, e as
parábolas restantes são ditas apenas aos discípulos (Mt
13.44). Há a indicação de um ponto de virada, e
possivelmente de uma área mais confinada, como se a ação da
cena fosse restrita a alguns países privilegiados do cristianismo.
Assim, reconhecemos os resultados trazidos pela Reforma. O
trabalho incessante e o rápido progresso do fermento são
controlados, mas isso é tudo — o fermento não foi eliminado. O que
fora ativo para o mal, agora acomoda-se em uma massa fria e
inerte, de modo que a aparência externa da igreja nominal passa a
ser a de um campo. No entanto, escondido debaixo da superfície
nada promissora está o tesouro celestial.
A descrição é maravilhosamente verdadeira quando aplicada aos
tempos do protestantismo inoperante, que logo após a Reforma, deu
apenas alguns sinais de vida para variar a monotonia, até ser
quebrada pela pregação de Wesley, Whitefield e outros. Depois que
o entusiasmo do conflito com Roma passou, os homens
acomodaram-se em uma forma de piedade, enquanto negavam seu
poder. Acharam que era um dever passar pelos cultos insensíveis,
mas o amor esfriara. Vangloriavam-se de sua fé pura, mas não

260
mostraram as obras que deveriam ter sido produzidas. A triste prova
disso está no fato de que dois séculos se passaram para que eles
se empenhassem em qualquer esforço missionário de modo geral.
Logo, os povos do cristianismo entre os quais a Reforma triunfara
dividiram-se em seitas claramente separadas, como campos
cercados. Cada uma manteve a doutrina vivificadora da expiação,
mas estava mais ou menos escondida em outros ensinos, que em
alguns casos foram imperfeitamente purificados do fermento.
Durante esse período, o número de crentes aumentou da
maneira indicada na parábola. Um homem que por acaso[172]
ouvisse o evangelho de Cristo e o recebesse, comprava em sua
alegria todo o campo, ou seja, aceitava para si a qualquer custo
todas as doutrinas da comunidade de cristãos na qual ele encontrou
o tesouro. Esta foi uma característica muito marcante dos tempos da
Reforma até a metade do século atual:[173] os homens bons em
geral, após encontrarem o tesouro celestial em algum corpo de
cristãos professos, mantinham-se firmemente às verdades
fundamentais e vitais, mas, a partir daí, em outros assuntos,
passavam a ler a Palavra de Deus não independentemente, mas
pela luz das doutrinas que haviam adotado e para provar a correção
delas. As diversas igrejas protestantes, embora oferecessem a
salvação a todos os crentes com base na expiação de Cristo,
estavam acostumadas a preservar linhas de separação bem
demarcadas, e a lembrar seus princípios distintos.

261
Capítulo 39
AP P
G V

N
esta símile, a cena muda novamente: o campo duro quebra-
se em ondas sempre mutáveis do mar, e o segredo do reino
é como uma pérola em suas profundezas. Isso aponta para
tempos em que já estamos entrando, nos quais os limites estreitos
dos grupos cristãos estão se tornando indistintos e são pouco
notados, enquanto quase todo indivíduo mantém sua própria
opinião. Como a pérola está bem abaixo da superfície inquieta das
ondas do mar, assim, em um tempo não distante, a palavra do
Senhor ficará escondida embaixo das muitas águas das confissões,
credos, seitas, opiniões e filosofias que estão sempre em constante
mudança. E ainda mais tarde, no auge da grande apostasia, a
própria existência da palavra será quase esquecida. A verdade de
Deus não será mais encontrada, por assim dizer, acidentalmente —
como alguém que inesperadamente tropeça no tesouro escondido
— mas apenas por meio de séria investigação.
No caso desta parábola, um comerciante que conhece o valor
das pérolas, procura por elas. A recompensa de sua diligência é a
descoberta da pérola de grande valor e, para obtê-la, ele abre mão
de tudo o que possui. O Senhor assim dá a entender que mesmo
nos perigosos tempos do fim, aqueles verdadeiramente desejosos

262
da verdade serão guiados até a grande verdade. Mas, como
aprendemos em outras profecias, a sinceridade deles será
duramente testada. Eles terão de afastar-se daquilo que provoca o
entusiasmo do mundo para começar a procurar, e quando forem
bem-sucedidos, podem ser obrigados a renunciar a família, posição,
propriedade e até a própria vida, se quiserem possuir o prêmio.
Visto que o comerciante consegue encontrar a pérola,
aprendemos que Deus não se deixará ficar totalmente sem
testemunhas enquanto o iníquo estiver reinando. Ainda haverá
pescadores, abençoados por Ele, que terão o poder de trazer à tona
a verdade escondida sob as águas turbulentas das opiniões
humanas, e oferecê-la àqueles que estão honestamente procurando
por “glória, honra e incorruptibilidade” (Rm 2.7).[174]
Se olharmos ao redor, não podemos deixar de suspeitar que
estamos vivendo no período de transição entre a parábola anterior e
esta que estamos estudando. Já, por todos os lados, os campos do
dogma da fé estão se rompendo, e onde uma lei distinta e
inalterável costumava prevalecer, não há nada além de incerteza e
inúmeras opiniões — opiniões que raramente derivam da revelação
de Deus, mas são declaradamente baseadas na autoridade
humana, seja antiga ou moderna, seja eclesiástica ou secular.
Os grupos protestantes, como comunidades, atraídos pela
tradição e filosofias humanas estão deixando de reter a cabeça (Cl
2.19), e tornando-se cada vez menos aptos a resistir ao forte influxo
da corrupção. Os princípios que costumavam caracterizá-los estão,
como casas surpreendidas por uma enchente, cambaleando e
ameaçando cair a qualquer momento por causa da violência da
enchente, de forma que logo nada mais restará senão as águas
turbulentas das quais Satanás evocará o último grande inimigo de
Cristo.
Cerca de vinte ou trinta anos atrás, os primeiros pequenos
avanços do secularismo eram vistos com alarme onde quer que
fossem descobertos, e os sete ensaístas e o bispo Colenso[175] eram
considerados mestres estranhos na Igreja Nacional. Mas não é
assim agora, pois quase todas as revistas e resenhas populares
fervilham de ceticismo, o qual é abertamente ensinado por quem
deveria agir como barreira contra ele. E a propagação do

263
romanismo, especialmente em formas secretas, não é menos
notável.
O riacho de verão que ninguém notava transformou-se em um rio
largo e espumante que traz das montanhas a destruição. Não
esperemos deter a rápida maré que sobe, pois ela prevalecerá até
que apareça Aquele a quem todo o poder foi dado. Mas não
permaneçamos ociosos o dia todo! Somos exortados a empreender
mais esforços à medida em que as dificuldades aumentam e o fim
se aproxima, para que o Senhor, vindo de repente, não nos encontre
dormindo. Podemos ficar à margem da correnteza para tirar muitos
que estão sendo levados por ela, antes que seu espírito se extinga.
Podemos advertir os outros para que evitem a correnteza. E pela
misericórdia de Deus ainda há inúmeras pessoas do seu povo que
fazem essa obra. No momento, a força do mal está provocando uma
pequena força correspondente do bem, mas sobre isso saberemos
mais na segunda profecia contínua de nosso Senhor, pois nas
parábolas, Ele lida mais especificamente com a aparência externa
geral daquilo que afirma ser a igreja.

264
Capítulo 40
AP R L
M

O
Senhor agora completou a triste história da mistura do joio
de Satanás com o trigo de Deus. Resta falar da separação
final, que mais uma vez tornará fácil discernir entre o justo e
o ímpio, entre aquele que serve a Deus e aquele que não o serve. A
parábola da rede (Mt 13.47-50) ilustra esse tempo de julgamento.
O mar aqui, como geralmente em outras partes da Escritura,
representa o mundo em agitação. O salmista diz acerca do Senhor:
“[Tu] aplacas o rugir dos mares, o ruído das suas ondas e o tumulto
das gentes” (Sl 65.7).[176]
A rede é o círculo da igreja visível — todos os grupos cristãos
usados para reunir o povo de Deus. Observemos que as redes não
apanham todos os peixes do mar, nem a rede é uma mera profissão
universal. Embora apanhem toda sorte de peixes, ao fim, existem só
dois tipos: todos são ou bons ou maus.
A rede só é levada para a praia, que é o fim da era de confusão
incessante, quando está cheia, pois Deus preordenou quantos da
raça humana entrarão no círculo do evangelho durante os tempos
dos gentios. A primeira indicação de que ela foi arrastada do mar
será a remoção de inúmeros crentes para a presença do seu
Senhor. Então, o processo de separação continuará com uma

265
segunda ascensão dos santos, ao som da sétima trombeta, e
terminará com a aparição do Senhor em glória e a destruição dos
iníquos. Assim, primeiro os bons serão reunidos nos cestos, e
depois os maus serão lançados fora.

266
Capítulo 41
R S P

E
ssa, então, é a primeira grande revelação relacionada ao
curso da igreja nominal. O Senhor semeou a boa semente,
mas o solo mau dos corações humanos o tornou infrutífero
em sua maior parte. E onde cresceu bem, um inimigo causou
confusão desastrosa, introduzindo furtivamente os filhos do Maligno
disfarçados entre os filhos do reino.
Mudada por essa mistura maldosa, a igreja professa rejeita a
humildade e, deixando de esperar pelo Senhor dos céus, esforça-se
para estabelecer-se sobre a terra. Pondo de lado a cruz, ela anela
dizer: “Estou sentada como rainha. Viúva, não sou” (Ap 18.7), e para
realizar sua ambição, entra em vergonhosa aliança com os grandes
da terra e permite que os poderes das trevas, os devoradores da
palavra, venham aninhar-se em seus galhos.
Assim, organiza-se com esses conselheiros e ajudantes, e
corrompe toda a palavra de Deus pelos ensinos de demônios, não
podendo mais ser recuperada, como a flor de farinha que uma vez
levedada, não pode mais ser purificada. Depois de um tempo,
segue-se um período de avivamento parcial, correspondente à
reforma dos judeus sob a liderança de Zorobabel e Josué, mas
também assemelhando-se ao movimento no rápido declínio, até
chegar à apatia e morte. Durante esse período, a palavra pode ser
separada do campo, embora não possa ser recuperada do

267
fermento, e muitos se deparam com ela inesperadamente e a
recebem com alegria como um grande tesouro, ainda que, para
obtê-lo, precisem comprar todo o campo.
Então, a palavra é novamente escondida, mas desta vez não por
dogmas fixos e rígidos, mas por opiniões de variedade
desconcertante que mudam sempre como as ondas do mar. O
estado agitado e ameaçador do mundo move alguns a buscarem
seriamente a revelação e as verdades divinas, e os que as buscam,
encontram a pérola de grande valor e, se estiverem dispostos a
desistir de tudo o mais, podem possuí-la e desfrutá-la.
No final deste período, o Senhor repentinamente começa a
inspecionar todo o cristianismo, isto é, todas as nações que ouviram
o evangelho, e depois de tomar para si aqueles que o aceitaram, Ele
lança os obstinadamente rebeldes na fornalha de fogo. Por fim, Ele
efetua a separação que Seus servos não tiveram a permissão de
fazer, e finaliza o mistério de Deus.
Quem poderá considerar cuidadosamente essas parábolas e se
recusar a admitir seu notável cumprimento até agora na história da
igreja professante, junto com a solene percepção de que os dias
desta dispensação estão contados?

268
Capítulo 42
AE L
A

A
ntes de examinarmos a profecia contida nas cartas às sete
igrejas, é necessário termos ideia da estrutura geral do Livro
do Apocalipse — a última dádiva do Senhor Jesus a seu
povo. Sem entender um pouco desse livro, é improvável que o
cristão se resguarde das desilusões religiosas e políticas que agora
se espalham pela terra: “Bem-aventurados aqueles que leem e
aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas
nela escritas, pois o tempo está próximo” (Ap 1.3).
O amado apóstolo estava sofrendo na deserta ilha de Patmos,
“por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” (Ap 1.9),
quando a revelação lhe foi feita.
Ele estava, como ele nos diz, “em espírito, no dia do Senhor”, (Ap
1.10), ou seja, de acordo com a maioria dos intérpretes, “em espírito
no primeiro dia da semana”. Mas essa explicação faz João introduzir
um termo desconhecido no Novo Testamento, no lugar da invariável
designação do sábado cristão. Mais ainda, o sentido assim deduzido
é fraco e inadequado, sem conexão aparente com as revelações
que se seguem.
Para nós, embora admitamos uma leve dificuldade gramatical,[177]
a interpretação “Eu estava em espírito no dia do Senhor” é mais

269
provável. Quando a adotamos, garantimos um sentido vigoroso em
toda a Bíblia, ao mesmo tempo que preservamos para a expressão
“o dia do Senhor”, ou o dia pertencente ao Senhor, o significado
que, por mais que o uso subsequente possa ter se afastado dele, é
sempre retido no Antigo e no Novo Testamento.
Pelas palavras “em espírito”, João explica sua própria condição.
Ele não estava, como Paulo em ocasião similar, incerto com relação
à condição, mas completamente ciente de que ele estava fora do
corpo e no plano do espírito. Já a expressão “no dia do Senhor” faz
referência ao ambiente externo no qual ele se achava, e fornece
uma indicação geral para a interpretação das visões. Encontramos
uma descrição estritamente análoga em Apocalipse 4.2, onde ele
diz: “Imediatamente, eu me achei em espírito, e eis armado no céu
um trono”.
Se assim entendermos a frase, ela contém o anúncio de que a
visão é para o tempo do fim, primeiro lidando com Cristo que julga
toda a carreira da igreja, e depois passando para a última das
setenta semanas, na qual Ele terá Seu grande conflito com os
judeus e os gentios. Tal significado estará em concordância exata
com Apocalipse 21.19 e também, como veremos em breve, com
toda a estrutura do Livro de Apocalipse.
Quando estava em espírito e desconectado das coisas terrenas,
João de repente ouve por trás de si uma grande voz, como de
trombeta, dizendo: “O que vês escreve em livro e manda às sete
igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e
Laodiceia” (Ap 1.10-11).
Ao ouvir a voz, João virou-se e teve uma visão que, a princípio,
pode ter-lhe sugerido o Santo Lugar do templo. Mas não era o
templo, pois logo percebeu a ausência de objetos familiares. Não
havia altar de incenso, nem mesa dos pães da proposição.
Tampouco estava contemplando uma das realidades celestiais que
foram mostradas como modelo para Moisés no monte, pois, em
lugar de um único candelabro de sete braços, sete lâmpadas
distintas foram colocadas diante dele.
O que ele viu foi o santuário celestial organizado para a presente
dispensação parentética. Por conseguinte, tudo o que antes
representava a Cristo foi removido, porque Ele estava presente

270
pessoalmente. João nada viu, exceto o Senhor e os símbolos da
igreja pela qual Ele havia morrido. Havia sete lâmpadas distintas de
ouro, conectadas apenas por sua associação com a gloriosa Figura
Sacerdotal que caminha no meio delas.
Mas por que a mudança em relação ao único candelabro de sete
braços dos tempos dos israelitas?[178] O próprio Senhor nos dá aqui
mesmo a razão: cada lâmpada representa a igreja de um lugar
particular, de modo que indicam a localidade, e não, como alguns
estudiosos supõem, as divisões humanas dos grupos cristãos, que
jamais poderiam ser reconhecidas no santuário celestial.
Na dispensação anterior, havia um centro de adoração terrestre e
visível e, para simbolizá-lo, o candelabro do tabernáculo era só um.
Agora não há Jerusalém para a qual os homens devam ir. Os
verdadeiros adoradores devem adorar o Pai em espírito e em
verdade, e a igreja de Cristo é definida por nós, “todos os que em
todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor
deles e nosso” (1Co 1.2). Em cada localidade, o corpo todo de
crentes, não importando a denominação a que cada um pertença,
formam coletivamente a lâmpada daquele lugar.
Infelizmente, há cristãos que ainda ignoram o fato da unidade, ou
se seus lábios o confessam, condenam-se pela hipocrisia de seus
atos! Mesmo que tenham nascido de novo, Deus só se deleita neles
quando estão andando como irmãos, pois são membros do corpo de
Cristo, de sua carne e de seus ossos. Por mais impossível que seja,
nessa presente angústia, livrar-se das distinções denominacionais,
tal existência deve-se ao pecado humano e à falta de amor.
Portanto, elas desaparecerão quando a igreja for glorificada, e
devem ser mantidas tanto quanto possível fora da vista da igreja
militante.
Em pé, no meio das lâmpadas de ouro, estava a forma majestosa
do Sumo Sacerdote que entrou nos céus, agora para comparecer na
presença de Deus por nós. João, entretanto, não o viu no Santo dos
Santos celestial voltando-se para Deus em intercessão, mas no
Lugar Santo observando as lâmpadas, isto é, dirigindo e julgando a
igreja. Ele ainda não estava vestido com as vestes de glória e
ornamento, pois sua roupa correspondia às vestes de linho que
eram usadas no serviço sacerdotal comum, e especialmente pelo

271
sumo sacerdote no grande Dia da Expiação (Lv 16.4). Depois que
as ofertas pelo pecado eram sacrificadas, a expiação no Santo dos
Santos realizada e o bode expiatório mandado embora, Arão tirava
a vestimenta de serviço no Santo Lugar e, vestindo-se com sua
esplêndida vestimenta, levantava o véu, e aparecia para o povo que
o esperava. A aparição era sinal de que a iniquidade do povo estava
expiada (Lv 16.23-24). Mas a intercessão de Cristo ainda não havia
terminado. Não era hora de Ele cumprir esta tipologia aparecendo
aos que o aguardam sem pecado para a salvação (cf. Hb 9.28).
Ele estava vestido com uma roupa que chegava até os pés, e
cingido com um cinto de ouro. Sua cabeça e Seu cabelo eram
brancos e brilhantes, Seus olhos como chamas de fogo, Seus pés
como o bronze brilhando na fornalha. João faz um esforço para dar
alguma ideia da plenitude e majestade da voz de Cristo, pela
gloriosa comparação de que ela era como o som de muitas águas.
Em sua mão direita — seguradas, talvez, como guirlanda —
estavam sete estrelas, e de Sua boca saia uma espada afiada de
dois gumes, enquanto o rosto, no qual antes não havia beleza a ser
desejada, e que era mais desfigurado do que o de qualquer outro
homem, agora resplandecia como o sol brilhando em sua força.
Embora, mesmo isso estando longe de ser a plenitude de Sua
glória, o discípulo amado foi incapaz de suportar, e caiu a seus pés
como morto.
Então, o Senhor o tocou, e João ouviu novamente as amadas
palavras: “Não temas”, e foi fortalecido para receber o mandamento:
“Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de
acontecer depois destas” (Ap 1.19).[179] Fica evidentemente implícito
que a revelação a ser escrita pelo apóstolo consistiria de três partes
distintas, e a menos que dividamos Apocalipse assim, é inútil pensar
que conseguiremos interpretá-lo.
Agora, com relação à primeira divisão, não há dificuldade. “As
coisas que viste”[180] só podem se referir à visão do santuário
celestial, pelo qual foi mostrada a diferença entre a igreja cristã e o
sistema judaico, e pelo qual foi revelado o fato solene de que os
olhos em chama do Senhor estão sempre sobre aqueles que
professam ser Dele.

272
“As [coisas] que são”, ou seja, o esboço profético das fases da
igreja nominal, que se sucederiam uma após a outra, durante a era
presente. Esta divisão inicia-se em Apocalipse 2 e continua e
termina em Apocalipse 3, pois, já no primeiro versículo de
Apocalipse 4, João vê uma porta aberta no céu e ouve uma voz que
diz: “Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois
destas coisas”.
Em seguida, a cena muda da terra para o céu. A ascensão do
apóstolo é indubitavelmente um tipo da translação dos crentes que
encerrará “as [coisas] que são” e anunciará a aproximação da
retomada da aliança com Israel, que fora suspensa. Deste ponto em
diante, a igreja desaparece da profecia, e o nome não ocorre mais
até chegarmos a Apocalipse 22.16, que menciona “as igrejas”, mas
apenas como aquelas a quem foi dado testemunho, e não como se
elas tivessem parte nas cenas de terror que caracterizarão “as
[coisas] que hão de acontecer depois destas”. Esse fato é o indício
mais significativo da remoção dos crentes da terra antes que os
julgamentos dos selos, trombetas ou taças comecem. Há ainda
evidências mais fortes de uma mudança de dispensação em
Apocalipse 4 e nos capítulos subsequentes.
Não esqueçamos a diferença entre o tempo anterior e o atual
tempo da graça, em que Deus tinha um reino visível na terra, o que
não é o que ocorre agora. Consequentemente, durante o tempo
anterior, o julgamento era executado sobre quem violasse a lei de
Deus. A vingança, como tantas vezes encontramos nos Salmos, era
pedida sobre todos os que não o temessem; e era correto destruir
os inimigos de Deus com a espada.
Mas o Espírito desceu sobre nosso Senhor na forma de uma
pomba inofensiva, e não há nada em seu ensino, ou exemplo,
análogo ao assassinato dos primogênitos, ou ao afogamento de
Faraó e seu exército no mar Vermelho, ou ao extermínio dos
cananeus, ou à invocação de fogo do céu para consumir os
adversários. Pelo contrário, quando os discípulos quiseram que Ele
imitasse Elias, Jesus respondeu: “Vós não sabeis de que espírito
sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos
homens, mas para salvá-las” (Lc 9.55-56). Portanto, qualquer desejo
de vingança é ilegal para os crentes de nossa época. Devemos

273
amar nossos inimigos, e mesmo que sejamos perseguidos até a
morte, tenhamos em nossas orações somente exemplos como: “Pai,
perdoa-lhes; pois não sabem o que fazem” (Lc 23.34), ou: “Senhor,
não lhes imputes este pecado!” (At 7.60).
O Espírito irá, em sua forma de pomba, subir com a igreja
arrebatada. Portanto, em Apocalipse 4, sua influência é
representada de maneira muito diferente, a saber, como “sete
tochas de fogo, que [...] ardem [...] diante do trono” (Ap 4.5),
aparência que corresponde à profecia de Isaías de que Deus, nos
tempos do fim, purificará “o sangue de Jerusalém do meio dela, com
o espírito de justiça e com o espírito de ardor” (Is 4.4, arc).
A mudança na forma do poder celestial logo manifesta seu
significado solene. Em Apocalipse 6, as pragas de Deus começam a
perturbar o mundo, e ouvem-se os mártires debaixo do altar a
clamar por vingança. Sua petição não parece estranha, visto que,
em Apocalipse 7, descobrimos que os israelitas voltam a ser o povo
do Senhor, e os selados para a preservação pertencem às doze
tribos. Um pouco mais adiante, a incumbência dada às duas
testemunhas de destruir os que lhes tentarem fazer mal, e a terrível
severidade com que exercem seu poder, provam que elas também
não estão sujeitas às leis [da graça] que agora estão em vigor, mas
estão ligadas à dispensação de Moisés e Elias.
Veremos, então, que a estrutura do Apocalipse não apresenta
grande dificuldade, contanto que nos lembremos de suas três
divisões, e o interpretemos por meio da grande chave: a profecia
das setenta semanas. Podemos resumir seu conteúdo da seguinte
maneira.
O capítulo 1 é uma visão do santuário celestial preparado para os
tempos atuais.
Os capítulos 2 e 3 revelam todo o percurso da igreja visível,
desde o encerramento do período apostólico até à vinda do Senhor.
Os capítulos 4 e 5 mostram as preparações no céu para os
julgamentos da última semana.
Os capítulos 6 a 18 descrevem a culminação apavorante da
maldade nos últimos sete anos. Também preveem os julgamentos
pelos quais aqueles que corrompem a terra serão destruídos,
enquanto o remanescente de Israel estará sendo purificado e

274
libertado da opressão do mundo através de terríveis sinais,
maravilhas e pragas, de tal maneira que nunca mais se dirá: “Tão
certo como vive o S , que fez subir os filhos de Israel do Egito;
mas: Tão certo como vive o S , que fez subir os filhos de
Israel da terra do Norte e de todas as terras para onde os tinha
lançado” (Jr 16.14-15).
Os capítulos desta seção do Apocalipse são geralmente
consecutivos. Primeiro temos os selos, dos quais o sétimo, inclui as
sete trombetas, e depois a última trombeta é desenvolvida em sete
taças, as pragas finais pelas quais a ira de Deus é consumada.
Os capítulos 6 a 15 são um parêntese inserido com o propósito
de fornecer detalhes que ocorrerão nos tempos dos selos,
trombetas e taças. O capítulo 17 refere-se parcialmente à história
anterior da mulher e da besta, para que a última cena de sua
história conjunta seja mais bem compreendida. O capítulo 18
descreve a queda da grande Babilônia.
Os capítulos 19 a 22 tratam da aparição do Senhor, da destruição
de seus inimigos e do estabelecimento de seu reino. Há um breve
sinal de rebelião, que se dará após Satanás ser liberto do abismo no
final dos mil anos, e há também o julgamento final. A profecia
termina com a descrição da cidade celestial.
Se for assim interpretado, o Apocalipse não é mais um livro
selado. As partes que já se tornaram história podem ser explicadas
sem dificuldade, enquanto o restante é, pelo menos no esboço
geral, suficientemente fácil de compreender.

275
Capítulo 43
A C S I

N
ão há dúvida de que as sete cartas do Apocalipse foram
primariamente endereçadas às comunidades para as quais
foram escritas, e tratam de circunstâncias reais do tempo.
Mas, como também são chamadas de “as [coisas] que são” (Ap
1.19) para distinguir as coisas que estarão futuramente em uma
dispensação diferente, é igualmente claro que as igrejas
endereçadas foram selecionadas por conta do seu caráter
representativo (Ap 1.11-12). O arranjo foi feito para servir a um
duplo propósito.
Em primeiro lugar, porque, quando consideradas juntas, mostram
todas as fases da sociedade cristã já encontradas em diversas
partes do cristianismo, o que possibilitou ao Senhor dar consolo,
conselho, exortação, aviso e ameaça. Elas tinham algo que se
adequava a qualquer circunstância possível de Seu povo até o fim
dos tempos.
Em segundo lugar, porque, na ordem em que foram dadas,
prenunciaram as sucessivas fases predominantes pelas quais a
igreja nominal iria passar, desde o tempo em que João teve a visão
até a vinda do Senhor.
Temos, então, duas razões para a seleção dessas igrejas
específicas em detrimento de outras de igual ou maior importância,

276
e também para o místico número sete que aqui, como em todo
lugar, significa completude dispensacional.
No momento, estamos principalmente preocupados com as
cartas como prenúncio profético das grandes mudanças que
sucederiam umas às outras na condição da igreja visível. Elas o
fazem de maneira notável, e os meros nomes das igrejas, quando
entendemos seu significado, sugerem sete épocas eclesiásticas.
Listaremos os nomes agora, antes de entrarmos em detalhes com
respeito às próprias cartas, e acrescentaremos os significados e os
períodos da história da igreja em que têm o seu cumprimento:

● Éfeso. Significado: “relaxamento”. Período: declínio do amor no


encerramento do período apostólico.
● Esmirna. Significado: “mirra, amargor”. Período: as dez
perseguições.
● Pérgamo. Significado: “uma torre”. Período: grandeza terrena
da igreja a partir da subida ao trono de Constantino.
● Tiatira. Significado: “aquela que é incansável em sacrifícios”.
Período: a Igreja de Roma com o sacrifício da missa
perpetuamente repetido.
● Sardes. Significado: “renovação”. Período: os resultados da
Reforma.
● Filadélfia. Significado: “amor fraterno”. Período: a reunião
daqueles que acham que o amor de Cristo é um elo de união
mais forte do que quaisquer vínculos denominacionais e que
serão arrebatados para encontrá-lo quando Ele vier.
● Laodiceia. Significado: “julgamento do povo”. Período: a igreja
na qual o povo constitui-se juiz do que é correto. O corpo
autoconfiante, que vai pelo seu próprio caminho, e está
profundamente satisfeito com ele, mas é rejeitado do Senhor.

Assim, os meros nomes das igrejas fornecem um esboço da


história do cristianismo até o fim dos tempos, e o esboço, como
veremos em breve, é preenchido pelas próprias cartas. Não é difícil
entender por que o Senhor escolheu uma forma tão peculiar para
Sua revelação. Embora esses capítulos tenham sido sempre os
mais úteis para reprovação, correção, instrução ou encorajamento,

277
seu significado profético só poderia ter sido descoberto ou mesmo
suspeitado depois que estivessem praticamente cumpridos. Assim,
eles nunca, ao sugerir eventos que devem acontecer primeiro,
levariam a igreja a dizer: “Meu Senhor demora-se”. Por outro lado,
quando no tempo do fim, o Espírito revelasse seu significado oculto,
daria profunda convicção da proximidade da segunda vinda para
todo aquele que fosse sóbrio e reverente.[181]

278
Capítulo 44
AI É

O
s crentes em Éfeso tinham, como igreja, desfrutado dos
maiores privilégios. Tendo sido estimulados pelo ministério
de Paulo, Apolo, Áquila e Priscila, Timóteo, Tíquico e outros,
eles avançaram tanto na santidade e no conhecimento de nosso
Senhor Jesus Cristo que Paulo, em sua epístola a eles, falou em
termos de alta recomendação.
A carta que vamos considerar agora (Ap 2.1-7) foi ditada cerca de
trinta anos mais tarde, e os sintomas de decadência mortal estavam
apenas começando a aparecer. Outra geração surgira, ainda se
apegando à tradição da devoção sincera a Cristo, mas tendo
perdido muito do poder motivador da devoção. Esta igreja, com o
sugestivo nome de Éfeso, ou “relaxamento”,[182] representa
adequadamente o declínio do amor ao término dos tempos
apostólicos.
Aos efésios, o Senhor se apresenta como Aquele que mantêm
controle total dos sete anjos das igrejas e anda continuamente em
meio às lâmpadas, pois os crentes que perderam seu primeiro amor
esqueceram esses fatos solenes. O resultado de sua inspeção
incessante é que Ele conhece, não somente toda palavra e ação,
mas até todo pensamento da igreja, e de maneira mais graciosa, Ele
primeiro menciona o que parece ser digno de ser louvado.

279
As obras, o labor e a perseverança com relação a todos que
estavam dentro do corpo professo não escapou da observação do
Senhor. Ele notou o ódio que tinham por aquilo que era mau e o
cuidado em provar e detectar os falsos apóstolos, sobre os quais
haviam sido prevenidos (At 20.28-30). Viu também a atitude para
com os que eram de fora, a firme paciência que tiveram no esforço
de conduzi-los para Ele e a disposição em suportar a perseguição
por amor a Ele. Ele ressaltou que, apesar de todos os obstáculos e
oposição, eles não se cansaram de fazer o bem.
Ele não tinha queixa a fazer com relação à doutrina ou ao
trabalho. Havia tanto ortodoxia quanto energia e, mais ainda, a
louvável determinação de apartar-se do mal. No entanto, tudo isso
não bastava. Havia sobre a igreja aparentemente perfeita uma
mancha de praga que se espalhava lentamente, que fez com que
Ele mudasse repentinamente de tom. O louvor que Ele deu é
merecido, mas acrescentou: “Tenho,[183] porém, contra ti que
abandonaste o teu primeiro amor” (Ap 2.4). O ensino, o trabalho e o
zelo de Éfeso eram irrepreensíveis, mas seu amor estava esfriando,
e, portanto, ela estava se tornando como o bronze que soa ou como
o címbalo que retine.
Mas o Senhor não entregaria a igreja à ruína. Ele pede que ela se
lembre, que olhe para o que ela era, a fim de chorar pelo que ela é e
exclame: “Oh, como eu gostaria se ser como eu era nos meses
anteriores!”. Afinal, esta igreja, que aos olhos dos homens parecia
perfeita e não precisava de nada, foi considerada “caída”.
Segue-se uma ameaça. A menos que Éfeso se arrependa e
pratique as primeiras obras — não apenas sinta os primeiros
sentimentos, mas faça as obras que brotam deles —, o Sumo
Sacerdote removerá seu candelabro: ela não será mais sua
testemunha. O castigo não envolve destruição eterna, mas apenas a
retirada do poder para dar testemunho eficaz. Muitos crentes infiéis
e de mentalidade mundana são atingidos pelo castigo, e andam pela
terra privados de todo o poder para falar em nome de seu Salvador.
Eles podem proferir palavras, mas elas não têm peso; a influência
do Espírito não os acompanha. Pelo pecado da cobiça, do egoísmo
e porque a alma se apega ao pó da terra, eles são privados dos
dons que abusaram. Eles perdem o precioso tempo de semear a

280
vida; não há recompensa guardada nos céus para eles. Tal crente
não pode esperar ter ousadia no dia do julgamento, quando estiver
diante do tribunal de Cristo para prestar contas das coisas feitas
pelo corpo, pois é certo que sofrerá dano, e só será salvo “como que
através do fogo” (1Co 3.15).
O Senhor usa de modo mui perscrutador os seus olhos de fogo.
Ao expor a condição de Éfeso, Ele revela o primeiro sintoma de
declínio que apareceu na igreja universal: o declínio do amor. Mas
como é profunda a ternura que Ele mostra nesta carta! Primeiro, Ele
fala longamente sobre as coisas que podiam ser elogiadas e então,
depois de pouquíssimas palavras de censura, volta a elogiar. No
entanto, Ele repreende; Ele não ignora nossas falhas por causa de
nossas virtudes.
A última coisa pela qual Éfeso pode ser louvado é que ela odeia
as ações dos nicolaítas, que Cristo também odeia. É possível que a
referência seja a uma seita que na época existia em Éfeso, mas
nada se sabe de sua história. Todas as advertências dos escritores
primitivos são conjecturas manifestadamente formuladas para
explicar a alusão que o nosso Senhor fez aos nicolaítas. Mas, o que
quer que possam ter sido na Éfeso literal, está claro que a grande
predição para com toda a igreja é algo mais do que um partido ou
seita desconhecida. Na interpretação profética da carta, o nome
nicolaíta é, sem dúvida, tipológico — como Jezabel, Sodoma e Egito
em outras partes do Apocalipse — e não histórico. Significa
“subjugadores do laicato” ou “do povo”[184] e sua introdução sugere
que os arranjos apostólicos para o governo das igrejas estavam
começando a ser abusados; alguns já estavam se esforçando para
agir como senhores sobre o cargo que lhes foi atribuído,
esforçando-se por estabelecer uma hierarquia, uma casta clerical
que deveria ser distinguida e superior ao grande corpo de crentes.
Não há no Novo Testamento autoridade para tal esquema, e
aqueles que eram guiados pela palavra e pelo Espírito de Deus
deveriam ter previsto quão desastrosos seriam seus resultados. Se
fosse ser bem-sucedido, desviaria os olhos da igreja de seu grande
Sumo Sacerdote para os líderes humanos, despertaria sentimentos
partidários, causaria cismas e tenderia a secularizar o que deveria
ser puramente espiritual. E assim suavizaria e por fim apagaria a

281
linha de demarcação entre a igreja e o mundo, e induziria a igreja a
usar táticas e desejar a ajuda do mundo.
Paulo previu o nicolaísmo no sermão de despedida aos anciãos
efésios, quando disse: “Eu sei que, depois da minha partida, entre
vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que,
dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas
pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles” (At 20.29-30).
Tendo em vista que a igreja em Éfeso ainda não havia se rendido a
esses homens, eles devem ser identificados com aqueles que
diziam ser apóstolos, mas quando submetidos à prova, foram
detectados e considerados mentirosos (Ap 2.2).
Pedro também indica que o mal estava se espalhando em outras
igrejas, quando roga aos anciãos a quem ele escrevia para que não
cuidassem de seus rebanhos como se eles fossem dominadores do
encargo a eles atribuído (1Pe 5.2-3). João menciona um caso
particular, e fala de Diótrefes, que se deleitava em ter primazia e
expulsava da igreja quem não se submetia a ele (3Jo 9-10).
Mas todo esse dano fora previsto e reprovado pelo próprio
Salvador nas memoráveis palavras: “Sabeis que os governadores
dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre
eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se
grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o
primeiro entre vós será vosso servo” (Mt 20.25-27).
A maneira significativa em que o Senhor nota a rejeição das
obras dos nicolaítas por parte dos efésios, com o acréscimo enfático
das palavras, “as quais eu também odeio”, é indicação de que,
embora a igreja ainda estivesse permanecendo naquele padrão, ela
precisava tomar cuidado para não cair. Se uma igreja está perdendo
seu amor por Cristo, como ela pode evitar tornar-se mera
organização terrena governada por líderes humanos?
Cerca de doze anos após esta carta ter sido escrita, Inácio de
Antioquia endereçou uma epístola aos efésios que contém
evidências inequívocas de que uma hierarquia estava sendo
estabelecida entre eles. Inácio a apoia e dá as prescrições mais
extravagantes concernentes à obediência ao bispo, que culminam
nas palavras: “Está claro, portanto, que devemos considerar o bispo
como ao próprio Senhor”.[185] O assunto atraiu a atenção geral na

282
época, pois Inácio o alude muitas vezes e, em sua Carta aos
Magnésios, chega a dizer: “Portanto, assim como o Senhor nada
faz sem o Pai, pois ele disse: ‘Eu não posso fazer nada por mim
mesmo’, da mesma forma vós nada façais sem o bispo, quer vós
sejais presbítero, ou diácono, ou leigo”.[186] [187]
Assim, os sinais de decadência entre os cristãos professos da era
primitiva foram o declínio do amor profundo e sincero para com o
Senhor Jesus, e o consequente descontentamento com Ele como o
único cabeça do Seu corpo, a igreja. É, talvez, sentimento
semelhante ao que levou os israelitas a exigirem um rei que
estivesse diante deles. Os homens começaram a formar
organizações humanas, as quais, independente de sua soberania
nominal, logo mostrariam por seus atos que prestavam lealdade,
não a Cristo, mas ao adversário, o príncipe deste mundo.
Na última parte da carta à igreja em Éfeso, que trata da promessa
ao vencedor, o Senhor dirige-se aos membros da igreja que são
guiados pelo Espírito, para que possam discernir até as coisas
profundas de Deus. Há uma promessa semelhante no final de cada
uma das outras cartas, e todas foram tiradas do Antigo Testamento
e organizadas em ordem histórica. No primeiro caso, a recompensa
oferecida é a árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.
A alusão é singularmente apropriada. Os pais de nossa raça
foram criados na inocência, e deveriam ter comido da árvore da
vida, mas Deus lhes ordenou não tocar na árvore do conhecimento
do bem e do mal. Então outro ser, o tentador, apareceu em cena
induzindo-os a quebrar a ordem de Deus baseados na
conveniência.
Então, deram as costas a Jeová e obedeceram a Satanás.
Comeram do fruto proibido e consequentemente foram expulsos do
jardim e para longe da árvore da vida que os teria mantido vivos
para sempre.
Nos primeiros dias da igreja, Satanás astutamente a atraiu para
longe do Senhor. À medida que o amor dela por Ele começou a
esfriar, o inimigo sugeriu que a presença espiritual de Cristo não era
um elo de ligação suficiente para as assembleias do povo do Senhor
na terra, e que os crentes deveriam se esforçar para se unir em

283
sociedades, adotando as formas de governo que são habituais no
mundo.
A igreja cedeu às seduções e, desprezando a sabedoria que vem
do alto, escolheu ser levada por aquilo que é terreno, animal e
demoníaco. Sua pureza inicial tornou-se como o orvalho da manhã;
rapidamente, como sociedade corporativa, foi expulsa dos lugares
celestiais para os quais fora chamada para assentar-se com Cristo.
Sua organização ficou cada vez mais semelhante às deste mundo.
Logo enfraqueceu, preocupando-se com coisas terrenas e
procurando consolo para a perda do poder espiritual, que agora
permanecia só com alguns de seus membros.

284
Capítulo 45
AI E

V
imos que no primeiro período, o período de Éfeso, a igreja
perdeu o fervor de seu amor pelo Senhor Jesus. No segundo
período, discernimos a correção do declínio, o castigo severo
que veio logo depois dos sintomas iniciais de corrupção (Ap 2.8-11).
É o que está prefigurado na carta à igreja em Esmirna, cujo nome é
altamente sugestivo,[188] pois o significado de sua raiz é “amargura”,
de onde veio a significar “mirra”, um unguento comumente usado
em conexão com a morte (Jo 19.39). O amor da igreja por Cristo
diminuía, e o mundo que a atraía ficaria amargo; ela seria entregue
à aflição e sofrimento mesmo até à morte. Mas a amorosa
compaixão do Senhor resplandece nesta dolorosa crise. Ele detém
Seu vento forte no dia do vento leste, e não tem censura para a
igreja perseguida, mas apenas palavras graciosas de louvor e
encorajamento, e a terna exortação aos Seus para serem fiéis até o
fim, para que Ele possa dar-lhes a coroa de vida.
O Senhor se descreve a eles como o Primeiro e o Último, e como
é reconfortante o pensamento transmitido pelo título àqueles que
estão sofrendo e deprimidos. Às vezes, quando a esperança é muito
adiada, ela parece enfraquecer a fé, como se Deus tivesse deixado
nosso mundo e não restasse ninguém para deter o cruel poder do
inimigo. Mas não é verdade. O que quer que aconteça nesse
ínterim, Aquele que foi o Primeiro e deu as promessas, também

285
aparecerá com poder irresistível como o Último, para garantir que
eles não falhem nem nos mínimos detalhes. De forma que todo
crente débil seja reavivado com as gloriosas palavras de Jó, as
quais estão obscurecidas em traduções malfeitas: “Porque eu sei
que o meu Redentor vive e que ele se levantará como o Último
sobre o pó da minha sepultura” (Jó 19.25).
O Senhor também lembra a Seu povo atribulado que Ele é
Aquele que “esteve morto e tornou a viver” (Ap 2.8). “E, quando tira
para fora as suas ovelhas, vai adiante delas” (Jo 10.4, ). Todos
os sofrimentos das Suas ovelhas, Ele os suportou em Sua própria
pessoa, portanto, sabe como socorrê-las. O seu caminho de morte o
levou à vida eterna e, como foi com Ele, assim seria com seus
discípulos fiéis.
O Sumo Sacerdote também conhece bem as condições e
provações desta igreja; Ele registrou a tribulação que ela passou e a
paciência com que ela a suportou. Sempre que a aflição cessa, é
para nós como as águas que passaram por nós. Mas Ele lembra
com que espírito a suportamos, e de forma alguma esquecerá nossa
confiança, se tivermos nos entregado a suas mãos como nosso fiel
Criador (1Pe 4.19).
Os crentes em Esmirna estavam abatidos pela opressão e
também estavam em grande pobreza, mas haviam aceito com
alegria o espólio de seus bens. O Senhor declara que, enquanto
isso, o tesouro deles no céu está aumentado e que eles se verão
extremamente ricos e serão exemplo notável da palavra: “Alguns há
que espalham, e ainda se lhes acrescenta mais” (Pv 11.24, ).
O Senhor não apenas conhece as aflições do Seu povo e recolhe
suas lágrimas no odre que Ele tem (Sl 56.8), mas também vê a
crueldade e blasfêmia dos opressores. Na aplicação literal da carta,
aqueles que “se declaram judeus e não são” (Ap 2.9), eram judeus
verdadeiros, segundo a carne, que nos tempos antigos estavam
sempre do lado dos inimigos da igreja. É digno de nota que, no
relato da morte de Policarpo em Esmirna, havia certos judeus que
ocuparam-se em fornecer a lenha para a fogueira do martírio. Pode
ter sido uma das provações peculiares dos crentes naquele tempo
descobrir que os filhos de Abraão invariavelmente aliavam-se com
os pagãos contra eles. Satanás pode ter atormentado a muitos com

286
a seguinte dúvida: “Tem certeza de que você está certo? O próprio
povo escolhido é contra você; aqueles a quem os oráculos de Deus
foram confiados. A nação que por tantos séculos foi estabelecida
por Deus como Sua testemunha na terra, e da qual você confessa
que o seu Messias nasceu, declara que você está enganado”. Mas
aqui o Senhor dá a entender que aqueles que antes eram Seu povo
não o eram mais, pois se tornaram sinagoga de Satanás, assim
como Ele anteriormente dissera na cara deles: “Vós sois do diabo,
que é vosso pai” (Jo 8.44).
Na aplicação profética da carta, aqueles que “se declaram judeus
e não são” representam a multidão de falsos mestres que naquele
tempo entraram na igreja e de quem já falamos na interpretação da
parábola do joio e do trigo. Muitos dos chamados Pais da Igreja
estavam entre eles, os quais se empenharam, sob o falso pretexto
da autoridade do Antigo Testamento, em introduzir o sacerdócio
babilônico. O plano era aumentar a importância das formas
externas, e afirmar que ninguém além dos sacerdotes iniciados
poderia ministrar corretamente uma doutrina que os pagãos
conseguissem entender bem. O batismo e a ceia do Senhor foram
convenientemente modificados; e embora fossem raramente
mencionados no Novo Testamento, tornaram-se o fundamento do
falso cristianismo.
Mas a igreja em Esmirna não estava apenas sofrendo as
maldições e insultos dos judeus; ela também sabia o que era ser
afligida e perseguida com maldade, e que haveria ainda problemas
piores por vir. Satanás estava prestes a lançar alguns dos discípulos
na prisão, e até mover seus agentes para matá-los. Mas enquanto o
adversário faria isso para o mal da igreja, Deus o transformaria em
bem. Isso mostraria que a prova da sua fé e paciência, após ter
ação completa, os deixaria perfeitos e íntegros, em nada deficientes
(Tg 1.4). Ainda que os homens tirassem suas vidas, o Senhor
transformaria a sombra da morte em uma manhã gloriosa e perene.
No caso literal de Esmirna, dez dias foram o tempo exato da maior
perseguição. Na interpretação profética, encontramos referência às
dez grandes perseguições que começaram com as crueldades de
Nero no fim dos tempos apostólicos.[189]

287
A promessa com a qual a carta conclui está repleta de
significado. Há evidente alusão nas palavras: “O vencedor de
nenhum modo sofrerá o dano da segunda morte”, à entrada da
morte no mundo, depois que a chama circundante cortou todo o
acesso à árvore da vida. Sobre Abel, o primeiro mártir, a Bíblia fala
que pela fé ele ofereceu um sacrifício mais excelente do que Caim,
e que Deus confirmou sua justiça ao aceitá-lo, ao passo que rejeitou
seu irmão (Hb 11.4). Mas Caim “era do Maligno”, sua inveja foi
despertada e ele matou Abel, porque suas obras eram más e as de
seu irmão, justas (1Jo 3.12). Este foi o primeiro ataque de inimizade
da semente da serpente, e desde então até agora, o que é nascido
segundo a carne persegue ao que é nascido segundo o Espírito.
Não demorou muito para que a igreja descobrisse essa verdade, e
ela teve a amarga experiência disso nas dez grandes perseguições.
Mas ela é consolada com a promessa de que se ela
permanecesse fiel, ela não sofreria nada pior do que a primeira
morte, e nunca seria ferida pela segunda, que é o lago de fogo e
enxofre (Ap 21.8).[190] E assim o Senhor aqui repete de outra forma a
advertência solene: “Digo-vos, amigos meus, não temais aos que
matam o corpo, e depois disto nada mais podem fazer. Mas eu vos
mostrarei a quem haveis de temer: Temei aquele que, depois de
matar, tem poder de lançar-vos na geena” (Lc 12.4-5, ).

288
Capítulo 46
AI P

A
o examinar a terceira carta (Ap 2.12-17), achamos oportuno
considerar primeiro sua relação prática no que tange à
Pérgamo literal,[191] para que entendamos com mais clareza
seu significado profético.
Para esta igreja, o Senhor é “aquele que tem a espada afiada de
dois gumes” (Ap 2.12). Contra Esmirna, a espada do homem foi
levantada; mas agora a espada do Senhor está desembainhada, e
Ele está enfrentando aqueles que estão se movendo em direção ao
mundo, assim como Seu anjo se colocou no caminho de Balaão.
Pérgamo, como já mencionamos, foi outrora o centro do
paganismo, e ainda retinha muito de seu prestígio. Diziam que era
mais devotada à adoração das divindades do que qualquer outra
cidade da Ásia, o que não é de admirar quando lembramos que
durante muito tempo ela foi a sede do rei-sacerdote caldeu. “Foi”,
diz Joseph Blakesley, “uma espécie de união de uma cidade-
catedral pagã, uma cidade universitária e uma residência real
embelezada, durante uma sucessão de anos, por reis que tinham
paixão por despesas e amplos meios de gratificá-la”. Seus
habitantes foram denominados νεωκόροι πρ ῶ τοι της 'Ασίας
(neokóroi prótoi tis 'Asías), título difícil de traduzir, mas que indicava
que lhes foi confiada a manutenção de alguns importantes cultos
religiosos em benefício da Ásia. Não temos meios de determinar

289
que tipo de adoração era, mas provavelmente estava relacionado
com a história que já esboçamos. Seja como for, a Bíblia não nos
deixa na incerteza quanto à suprema importância de Pérgamo para
o paganismo, visto que revela o fato de que o trono de Satanás
ainda estava lá. Em tal cidade, ocorreriam surtos de zelo fanático, e
a carta sugere que os seguidores de Cristo haviam recentemente
sofrido por conta deles. Satanás se apresentara como leão que
ruge; ele despedaçou alguns dos crentes de Pérgamo e levou
outros a uma grande aflição, mas não conseguiu lograr coisa
alguma. A igreja manteve firme o nome de seu Senhor e não negou
a fé.
Agora, o adversário mudou de tática: ele desistiu da perseguição
e operava por meio de “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos,
transformando-se em apóstolos de Cristo” (2Co 11.13). Não
somente isso, mas se transfigurava em anjo de luz e usava lisonjas
sedutoras, de tal modo que, a igreja que poderia enfrentar sua fúria
acabava cedendo às suas fascinações. Ela deixara de expulsar os
falsos mestres, os quais estavam eliminando a diferença entre ela e
o mundo.
Essa era a acusação que o Senhor tinha de fazer contra os
habitantes de Pérgamo, embora Ele só a pronunciasse depois de
elogiar a fidelidade da igreja na hora da provação. Mas a
comodidade e a prosperidade lhes deixavam tão descuidados, que
estavam permitindo que a doutrina do filho de Beor prevalecesse
entre eles, sem expulsar aqueles que a defendiam. Era sintoma de
temeroso declínio, pois Balaão, embora chamado por Deus para ser
profeta, ensinara Balaque, um dos reis deste mundo, a armar
ciladas diante dos filhos de Israel, induzindo-os a comer coisas
sacrificadas aos ídolos e a cometerem fornicação. Aquilo que fora
feito para enganar Israel estava agora sendo repetido para
ocasionar a ruína da igreja em Pérgamo.
A primeira parte da história de Balaão é muito bem conhecida e
não precisa ser repetida. Está suficientemente claro que, se lhe
tivesse sido permitido, ele estaria disposto, por questão de ganho, a
abusar dos poderes a ele confiados e a amaldiçoar o povo de Deus.
Contudo, ele foi impedido pela intervenção do Todo-poderoso, mas
mesmo enquanto estava sob influência divina, ele vacilou, e assim

290
que ela foi retirada, ele cedeu ao poder da ganância. Pela ganância
dos proventos do rei gentio, ele ficou ansioso em ajudá-lo a reduzir
Israel ao nível de Midiã. Com esse objetivo, deu o diabólico
conselho de que eles deveriam desistir da resistência aberta à
nação peregrina, estender-lhes uma mão amistosa e colocar os
prazeres do pecado diante deles. Se por esse meio eles fossem
levados às abominações idólatras, não haveria mais razão para o
favor especial de Deus continuar sobre eles, ou motivos para Ele
destruir os reinos do mundo em favor do Seu povo.
O plano astuto foi executado, e as festas aos ídolos, com suas
atrações sensuais, foram realizadas à curta distância do
acampamento no deserto. A curiosidade dos israelitas foi
despertada; o sentimento que os levou a comer, beber e festejar
diante do bezerro de ouro foi novamente provocado. Muitos foram
ver a cena atrativa e, para sua surpresa, foram recebidos como
amigos pelos midianitas e convidados a participar da festa. Claro
que poderiam participar, assim como faziam nas orgias do Egito,
mas sem adorar a Baal ou provocar a Jeová. Afinal, Jeová e Baal
eram apenas nomes diferentes para o mesmo Ser supremo, e os
midianitas o serviam de acordo com a luz que tinham. Talvez com
tais pensamentos, os israelitas foram atraídos para o círculo de
abominações pagãs e entraram nos recintos fatais, cercados —
como o povo de Deus sempre está, se voluntariamente
aproximavam-se da tentação — por hostes de espíritos malignos
esperando a oportunidade de lançá-los no precipício assim que os
vissem perto da beira. Talvez, por um breve momento, pensaram
que apenas olhariam, mas as seduções do pecado os venceram.
Logo estavam festejando em torno das ricas mesas de Baal e
fascinando-se com as seduções das filhas de Moabe. Enquanto
isso, o Senhor nos céus estava afiando a espada reluzente,
curvando o arco e colocando as flechas na corda contra o Seu povo
rebelde.
Essa história repetiu-se em Pérgamo e, após amarga
perseguição, os pagãos mudaram de tática; esforçaram-se à guisa
de amizade e, pela sensualidade atraente de sua adoração,
cativaram os crentes que eles não haviam conseguido mover pelo
medo. Indubitavelmente, os gnósticos, que são incansáveis

291
mediadores entre o paganismo e o cristianismo descuidado,
infiltraram-se entre os discípulos e os confundiram por ardilosas
combinações e explicações, levando-os a ceder gradualmente e
permitindo serem pegos pela armadilha. Seus líderes também, já
acostumados a fazer uso egoísta de sua influência, começaram
como Balaão a avidamente correr atrás de ganhos que poderiam ser
obtidos pela conciliação dos grandes da terra. Assim, visto que a
igreja estava saindo do campo de separação a ela designado, o
Senhor de repente apareceu no caminho e severamente mandou
que os Seus se arrependessem e expulsassem os balaamitas, ou
Ele seria compelido a usar Sua espada flamejante.
Era essa a condição da comunidade cristã em Pérgamo, e com
esse conhecimento, podemos prosseguir para considerar o
significado profético da carta, conforme estabelecido para nós no
terceiro período da igreja universal.
Os tempos de inflamada perseguição haviam passado. Os
apóstolos massacrados agora descansavam com seu Senhor, e as
cinzas dos corpos em chamas usados para iluminar os jardins de
Nero jaziam frias há mais de dois séculos. A crueldade de
Domiciano, Trajano e Adriano estava quase esquecida. Há muito
que Lião deixara de estremecer com as dores de Blandina e Potino,
e nem Perpétua se preocuparia mais com os animais selvagens do
anfiteatro ou se seria trespassada pela espada do gladiador.
Máximo e Décio estavam mortos; o forno de cal africano e a
adoração a Júpiter não eram mais alternativas para eles. O reinado
sangrento de Diocleciano e Maximiano terminara. Sebastião
suportou seu segundo martírio, e o último suspiro de Timóteo e
Maura subira a Deus de seus corpos crucificados. Uma nova era
começara. Satanás parou com as perseguições que eram
ineficazes, e agora tentava obter melhor sucesso por meio de lisonja
e corrupção, fazendo com que a igreja aceitasse o poder mundano.
Para essa mudança, ele há muito fizera a preparação através dos
falsos mestres — o joio que ele sutilmente semeou no meio do trigo
em tempos de angústia, quando a hipocrisia era pouco suspeita.
Pela influência deles, o nicolaísmo tornou-se regra quase universal,
de modo que as igrejas estavam sendo governadas de forma muito
similar às comunidades terrenas, por aqueles cujo poder intelectual,

292
hierarquia, riqueza ou intriga os levavam às primeiras fileiras. Como
consequência natural, muitos dos líderes ansiavam estender sua
influência e manifestavam o desejo de preeminência mundial que
logo causaria mudança na doutrina.
Nos primeiros tempos, os apóstolos ensinaram aos crentes a
viver em expectativa diária do retorno do Senhor, e reconheceram
não haver outra forma de libertação permanente dos problemas
deste mundo. Agora, ideias de um tipo muito diferente começaram a
ser ventiladas. Sugeriram que Cristo poderia não voltar a um mundo
tão despreparado, que a perseguição em breve cessaria e que
poderiam esperar que Deus desse grande poder à Sua igreja e a
capacitasse a converter todos os homens pela pregação. Dessa
forma, o milênio entraria sem necessidade da interferência pessoal
de Cristo. Visto que algum apoio bíblico era necessário para a nova
doutrina, foi obtido afirmando que os judeus foram rejeitados para
sempre, e depois aplicando erroneamente as profecias da futura
glória de Israel ao corpo de crentes nominais sobre a terra. Assim,
os discípulos foram induzidos a dizer com o servo indolente: “Meu
Senhor tarda em vir” (Lc 12.45); e um espírito de mundanismo
continuou a prevalecer na igreja até que, quando a hora fatal da
prosperidade chegou, ela parou de esperar pelo Filho do céu e
orgulhosamente pensou: “Estou sentada como rainha. Viúva, não
sou. Pranto, nunca hei de ver!” (Ap 18.7).
Enquanto essas opiniões eram disseminadas, a grande maioria
dos cristãos manifestava a disposição de conformar-se tanto quanto
possível na aparência exterior ao mundo. Como exemplo da
tendência, notamos que durante esse período, vários festivais foram
instituídos nos tempos dos grandes festivais pagãos, porque os
cristãos não gostavam de parecer singulares. Embora tenham dado
nomes próprios aos dias santos, mesmo assim, para atingir seu
objetivo, foram forçados a imitar muitos dos costumes pagãos.
Daremos um exemplar desse tipo de adaptação.[192]
De acordo com Edward Greswell, que sustenta sua proposição
por um raciocínio muito capaz, nosso Senhor deve ter nascido em 5
de abril. Mas quer a data esteja correta ou não, é evidente que 25
de dezembro não foi o dia, pois os pastores “que viviam nos campos
e guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite” (Lc 2.8)

293
não poderiam fazer isso na estação fria do ano, visto não estarem
acostumados a fazê-lo depois de outubro. A mãe de nosso Senhor
dificilmente poderia, pouco antes do nascimento de seu Filho, viajar
de Nazaré a Belém em pleno inverno. “Orai para que a vossa fuga
não se dê no inverno” (Mt 24.20), é a própria recomendação de
Jesus no Sermão do Monte das Oliveiras.
Como pode ser que a festa do nascimento de Cristo seja mantida
no dia 25 de dezembro? Para entender o mistério, olhemos uma
passagem de Tertuliano, na qual ele reclama dos cristãos do final do
século ou início do :

Mas se não temos o direito de comunhão em tais assuntos, a saber, nas


festas pagãs com estrangeiros, quão mais pecaminoso é os irmãos
reunirem-se nelas! Quem pode suportar ou manter isso? O Espírito Santo
reprova os judeus por seus dias de festa. “Os sábados”, diz Ele, “as vossas
Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece”
[Is 1.13-14]. E nós, a quem os sábados não pertencem, nem as luas novas,
nem os dias de festa outrora amados por Deus, celebraremos a festa de
Saturno, a festa de Janeiro, a festa do Solstício de Inverno e a festa das
Matronas? Para nós, virão os presentes, tinirão os presentes de ano-novo,
rugirão os esportes e os banquetes? É mais verdadeira a fidelidade das
nações à sua religião, que não reivindica para si a solenidade dos cristãos!
Nenhum dia do Senhor, nenhum Pentecostes, mesmo que eles os
conhecessem, eles não teriam participado conosco! Pois eles teriam medo
de que fossem considerados cristãos: não temos medo de parecer que
somos pagãos! [193]

Essa passagem expõe a origem de muitas das chamadas festas


da igreja, que eram desconhecidas nos tempos antigos, e foram
adaptadas do paganismo, porque os cristãos haviam ficado
covardes e não estavam mais dispostos a testemunhar de Cristo por
meio de toda separação do mundo. Eles não permaneceriam no
topo do monte, onde não poderiam ficar escondidos (Mt 5.14), então
desceram metade do caminho em direção ao vale.
Agora, para deixar as generalidades e voltar ao assunto do Natal,
o dia 21 de dezembro é o dia mais curto do ano, a época em que o
sol atinge seu ponto mais baixo, e só no dia 25 que ele começa a
prolongar a duração da luz.[194] Consequentemente, em todo o
mundo pagão, o dia 25 era considerado o aniversário do deus Sol, e

294
nele, uma grande festa era celebrada em Roma com o nome de
“Grandes Jogos” do Circo Máximo. Por razões óbvias, os cristãos
decidiram comemorar o nascimento de Cristo no mesmo tempo.
Em sua 31ª homilia, Crisóstomo observa, após citar as instruções
do calendário pagão: “Nesse dia, também o nascimento de Cristo foi
mais tarde fixado em Roma, para que, enquanto os pagãos
estivessem ocupados com as cerimônias profanas, os cristãos
executassem seus rituais sagrados sem serem perturbados”. Ele
parece estar ciente de que o procedimento necessitava de mais
defesa, além do pretexto contido na última parte de sua frase, e
adiciona: “Mas eles, ou seja, os pagãos, chamam esse dia de
aniversário do Invencível,[195] e quem seria tão invencível quanto o
Senhor que derrotou e venceu a morte? Por que o chamam de
aniversário do sol? Ele é o Sol da justiça”. Esse é um tipo de
argumento que muito contribuiu para a corrupção do cristianismo.
Vemos que tipo de confusão de pensamento isso produziu no
assunto específico que estudamos, em um sermão de Natal do papa
Leão Magno, que surgiu na metade do século . O prelado culpa
certos cristãos por ofenderem seus irmãos mais fracos
reverenciando a festa, não tanto por conta do nascimento de Cristo,
mas pelo “nascer do novo Sol”.[196]
O exemplo é suficiente para mostrar de que forma os cristãos
foram gradualmente induzidos a fazer concessões, até caírem
quase sem perceber na armadilha que Satanás preparou. O
processo de misturar o cristianismo e o paganismo foi executado até
fabricar uma religião composta, sobre a qual podemos dizer que o
cristianismo forneceu a nomenclatura, e o paganismo, as doutrinas
e ritos. As outras grandes festas da Igreja Católica, como o Natal,
estão associadas aos fenômenos celestiais, como detectou Sir Isaac
Newton, que sugeriu que eles eram determinados com base
astronômica. Foram estruturadas pelos astrólogos da Babilônia para
a adoração das hostes do céu e, tendo sido recebidos pelos
romanos, como já explicamos, foram mais tarde passados para a
igreja nominal, assim que ela ficou suficientemente corrompida para
aceitá-las.
Essa era a condição das coisas quando a última perseguição
começou. Constantino que, após a morte de seu pai Constâncio,

295
tornou-se imperador do distrito a oeste dos Alpes, não sancionou o
tratamento cruel da igreja, pois seus países da Bretanha e da Gália
estavam cheios de cristãos professos e suas legiões foram
recrutadas de entre eles. Consequentemente, quando dominou seus
aliados no império e o obteve todo para si, mostrou especial
favorecimento aos seguidores de Cristo. Tal patrocínio fez com que
grande número de pessoas insinceras se juntasse à igreja; os
verdadeiros cristãos foram engolfados, e pastores e bispos foram
eleitos por crentes nominais. Constantino achou que essa
multiplicidade estava dividida pela controvérsia ariana, e
considerando a igreja um mero instrumento político, ele viu a
necessidade de sanar a falha, e convocou um concílio de bispos
para discutir a questão e decidir através do voto. Os bispos
reuniram-se em Niceia, ou seja, Nice na Bitínia, e o partido ortodoxo
venceu, mas não sem a compra de votos mediante concessões
perigosas, uma das quais foi a introdução na igreja da adoração de
Ísis sob o nome de Virgem Maria. Mas os procedimentos não foram
bem-sucedidos, e embora Ário tenha sido banido naquela ocasião, o
imperador o chamou de volta.
Das verdadeiras opiniões de Constantino, de suas tentativas de
fundir o cristianismo e o paganismo por motivos políticos e de seu
comportamento moral, já falamos na explanação sobre a parábola
do grão de mostarda. Ele queria fazer da igreja a escrava do
Estado, e os cristãos foram tão moldados pela astúcia de Satanás e
tinham entre eles tantos cristãos meramente nominais, que
pareceram muito dispostos a correr com ganância atrás do erro de
Balaão por recompensa.
Assim uma nova comunidade começou a espalhar-se pela terra
romana, professando ser cristã, mas negando pelo menos um
preceito de seu suposto Fundador, na medida em que reconhecia
abertamente ter dois senhores. Enquanto afirmava receber sua
autoridade do Senhor dos céus, estava disposta, sempre que seus
interesses fossem atendidos, a exercer essa autoridade de acordo
com as ordens dos imperadores de Roma. Em todos os lugares, a
nova comunidade indicava sua presença pelo surgimento de
edifícios majestosos, por ritos e cerimônias deslumbrantes e por

296
uma adoração de heróis e mártires um tanto difícil de distinguir do
politeísmo que se supunha ter suplantado.
Os balaamitas que trouxeram essa mudança nunca foram
expulsos da igreja visível e ainda encontram-se, de uma forma ou
de outra, professando as coisas celestiais, mas preocupando-se
com as coisas terrenas. O Senhor ainda não veio para lutar contra
eles com a espada de Sua boca, mas quando a medida de sua
iniquidade estiver completa, Ele aparecerá para a profunda tristeza
deles e em resposta ao apelo frenético: “Senhor, Senhor!
Porventura, não temos nós profetizado em teu nome”? Então
responderá severamente: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim,
os que praticais a iniquidade” (Mt 7.22-23).
Na promessa ao vencedor, há outra referência aos tempos em
que Balaão viveu. A ideia do maná escondido não é tirada do que
constituía o alimento diário dos israelitas e que se estragava, a
menos que fosse comido imediatamente, mas baseia-se no maná
incorruptível, que, tendo sido acondicionado em uma urna para as
gerações futuras de Israel, foi guardado dentro da arca e nunca
visto (Êx 16.33-34; Hb 9.3-4). Ele representa o alimento do corpo
ressurreto, guardado para aqueles que, durante sua jornada aqui,
abstêm-se das coisas oferecidas aos ídolos e recusam-se a mudar
os caminhos de Deus para agradar ao mundo e obter suas coisas
boas. Se nos afastarmos das iguarias com que o deus desta era nos
tenta, comeremos o pão dos anjos e sentaremos para a ceia das
bodas do Cordeiro. O grande Sumo Sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque nos receberá, quando voltarmos da batalha contra
os reis deste mundo, e nos abençoará trazendo pão e vinho, os
alimentos reais que Ele reservou para aqueles que o amam.
A promessa da pedra branca pertence especialmente aos que se
abstêm da fornicação espiritual, da associação pecaminosa com
este mundo. Tem havido muita discussão a respeito da metáfora,
mas rejeitamos imediatamente explicações baseadas em alusões
clássicas por serem todas irrelevantes.
A palavra traduzida “branca” é usada para referir-se à brancura
brilhante e ofuscante, como por exemplo, a de um raio de sol. A
pedra branca poderia ser uma gema cintilante, talvez um diamante.
O instrumento misterioso pelo qual o sumo sacerdote obtinha uma

297
resposta do Senhor e que se chamava Urim e Tumim, isto é, “Luzes
e Perfeições”, era um diamante e é provável que o nome do Senhor
estivesse inscrito nele. O peitoral do sumo sacerdote formava uma
espécie de bolsa na qual o instrumento era colocado. Mas, por mais
precioso que fosse o peitoral, o que era guardado nele era ainda
mais precioso. Consequentemente, o Urim pode ter sido um
diamante, a mais cara das gemas.[197]
O Senhor irá dar ao vencedor uma pedra brilhante inscrita com o
nome Dele, como a que o sumo sacerdote carregava no peitoral do
juízo, de modo que o possuidor poderá conhecer a vontade do
Senhor em todos os momentos, e terá o privilégio de comunhão
contínua com Ele. Há uma recompensa muito gloriosa para quem
renunciar a amizade fugaz e insincera deste mundo, e para quem,
voltando-se das ilusões atraentes que acenam para ele, enrijece o
rosto como uma pedra para seguir pelo caminho que o Mestre
trilhou, e para vigiar com Ele durante a curta hora da vida.

298
Capítulo 47
AI T

S
eguindo a ordem, vem a igreja que sempre oferecia
sacrifícios,[198] O Senhor se apresenta a ela como o Filho de
Deus, assim, solenemente, vindicando Sua desprezada
majestade contra suas idolatrias e as reivindicações da falsa
profetisa. Sem qualquer rejeição formal, Ele foi fortemente negado
pela introdução de outros objetos de adoração e pela atenção dada
aos espíritos das trevas. Visto que Tiatira imagina que ela escondeu
seu paganismo sob o manto do cristianismo, Ele fala de seus olhos
de chamas que podem penetrar nos segredos mais íntimos do
homem e detectar todas as profundezas de Satanás, e dá a
entender que em breve Ele virá pisar Seus inimigos sob os pés que
brilham como bronze em uma fornalha.
Nessa igreja, a grande multidão de membros é composta de
filhos da adúltera Jezabel, e somente um remanescente pertence a
Cristo. Estes são sinceros, mas devido à corrupção que os rodeia,
vivem em grande ignorância, e o Senhor se dirige exclusivamente a
eles. Muito Ele vê para elogiá-los: obras abundantes, amor, fé,
serviço e paciência, que são bons frutos que estão sempre
aumentando. Mas a afeição da igreja é desequilibrada e seu poder
de resistir ao mal é consequentemente fraco. Eles são melhores do
que os efésios, porque seu amor, longe de enfraquecer, torna-se
cada vez mais ardente; mas, por outro lado, são inferiores a eles,

299
pois não aprenderam a testar os que falsamente alegam serem
apóstolos, e os achar mentirosos.
Preeminentemente entre os impostores estava uma mulher,
talvez de origem nobre, certamente de grande influência; mas ainda
sim, adoradora de ídolos, feiticeira e prostituta que, embora
trouxesse o nome de Jezabel, também era semelhante à infame
esposa de Acabe em seu caráter e ações. Para entender o que ela
estava fazendo em Tiatira, e mais especialmente, qual é seu modelo
profético, consideraremos brevemente a história da rainha
israelense.
Jezabel não era filha de Abraão por nascimento, mas princesa da
idólatra cidade de Tiro, em um tempo quando sua família real tinha
fama de ser selvagem e cruel na devoção intensa a Baal e Astarote.
Seu pai Etbaal, sacerdote de Astarote, assassinou o monarca
reinante Pheles, e o sucedeu. Seu sobrinho, a quem Virgílio chama
de Siqueu, depois tornou-se rei e sacerdote de Baal, e foi marido de
Dido. Ele foi assassinado por seu irmão Pigmalião, que ascendeu ao
trono em seu lugar. Por medo deste, a viúva Dido fugiu para a África
e fundou a cidade de Cartago. Nascida de uma família tão
conhecida pelo fanatismo e crime, Jezabel mostrou de todas as
formas ser merecedora de sua linhagem, e descobriu que a
condição do domínio de seu marido era mais favorável aos planos
dela.
O primeiro monarca de Israel desrespeitara a lei de Deus com
base na conveniência, e estabelecera os bezerros de ouro em Betel
e Dã, incorrendo em culpa tão terrível que é repetidamente dito de
reis posteriores: “Fez o que era mau perante o S e andou no
caminho de Jeroboão e no seu pecado, o qual fizera Israel cometer”
(1Rs 15.34; cf. 16.19, 26, e outros). Por concordar com este ato, os
israelitas das dez tribos foram separados de seus irmãos, mas ainda
não foi o fim do dano. Dentro das fronteiras dessas tribos, todos os
verdadeiros servos de Jeová se recusaram a ser separados de Seu
templo e, portanto, deixaram suas casas e migraram para Judá, de
modo que a terra foi abandonada pelos piedosos (2Cr 11.13-17).[199]
Tendo as restrições sido removidas, os israelitas inclinaram-se cada
vez mais a seus vizinhos pagãos, dos quais assimilaram a religião

300
pela criação dos bezerros, uma vez que eles próprios eram
adoradores de imagens, ou seja, idólatras.
Mas os pecados menores são precursores dos maiores. Ao
adorar Jeová sob a forma de imagem, eles estavam preparando o
coração para um crime ainda pior: a adoração declarada a outros
deuses. No momento certo, Satanás apresentou a tentação na
pessoa de Jezabel. Ajudada por sua beleza juvenil, sua fascinação
por vencer e carisma popular, ela propagou a religião das
divindades fenícias com feroz determinação de caráter e entusiasmo
fanático. O sucesso de seus esforços foi tão grande, que um templo
com altar e imagem de Baal foi erigido em Samaria. Acabe também
fez um “bosque”, que não era uma plantação de árvores, mas um
símbolo obsceno de Astarote. Resumindo, a pomposa e lasciva
adoração dos pagãos foi tão apreciada, que logo se tornou a religião
nacional substituindo a antiga fé, de forma que Elias supôs ser o
único temente a Deus que restava em Israel. Nenhuma voz se
levantou para protestar, embora os altares de Jeová tivessem sido
destruídos e seus profetas assassinados pela espada, sendo
substituídos pelos quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e os
quatrocentos profetas do bosque, ou seja, de Astarte. Quando
invocou fogo do céu, Elias fez com que o povo renegado se
prostrasse e clamasse por um momento: “Jeová é o Deus”! (1Rs
18.39, ).
No entanto, a influência de Jezabel era tão forte, que no dia
seguinte Elias estava fugindo para salvar a vida. Ela exerceu
influência, não só enquanto seu marido estava vivo, mas também
durante os reinados de seus dois filhos: Acazias e Jorão (2Rs 1.17).
[200]
O casamento de sua filha Atalia com Jeorão, filho de Josafá, rei
de Judá, forneceu para ela uma alavanca para ele mover esse país
também. E Atalia não desapontou as esperanças de sua mãe, pois
mandou construir uma casa para Baal na própria cidade de
Jerusalém (2Cr 23.17), enquanto seus filhos destruíam a casa do
Senhor e ofereciam aos baalins as coisas consagradas ao Senhor
(2Cr 24.7).
Podemos concluir o esboço do caráter de Jezabel citando as
palavras de Jeú ao filho dela: “Que paz, enquanto perduram as

301
prostituições de tua mãe Jezabel e as suas muitas feitiçarias?” (2Rs
9.22).
Voltando à Jezabel de Tiatira, encontramos acusações feitas
contra ela: ela falsamente chamou-se de profetisa, ensinou e
seduziu os servos de Cristo a cometerem fornicação e a comer
coisas sacrificadas aos ídolos. Quando lembramos que os cristãos
daqueles dias estavam mais cercados pelo paganismo do que os
israelitas da antiguidade, compreendemos facilmente o processo de
corrupção a que essa profetisa mentirosa os estava sujeitando. Foi-
lhe dado tempo para se arrepender, mas ela não se arrependeu,
portanto, o julgamento estava próximo. Ela escolhera o leito do
pecado, que agora seria transformado em um leito de angústia.
Seus amantes seriam lançados em grande tribulação e seus filhos
adúlteros, mortos. Seu destino faria o medo cair sobre as igrejas,
como o medo que os homens sentiram quando viram Ananias e
Safira feridos de morte no meio da assembleia.
Tendo pronunciado a sentença, o Senhor voltou-se para os Seus,
a quem Ele chama de “os restantes” (Ap 2.24, ), pois mesmo em
Tiatira, Ele tinha muitas pessoas espalhadas entre a massa de
professantes idólatras, exatamente como havia sete mil em Israel
que não haviam dobrado os joelhos a Baal, ainda que Elias não
soubesse deles. Eles se enfileiravam lado a lado com os
corruptores, mas sem consciência de sua verdadeira posição. Eles
foram enganados pelos sedutores, e nada sabiam das profundezas
de Satanás e de seus planos obscuros.
Os gnósticos, como o nome indicava, orgulhavam-se de ter uma
visão profunda das coisas de Deus e dos mistérios do mal. Sob o
pretexto de suposto conhecimento, levaram seus seguidores passo
a passo para um abismo de maldade e impureza. Mas o
remanescente era inocente desta grande iniquidade, e embora
tivessem escrúpulos ocasionais que às vezes confessavam com
ousadia, estavam honestamente dispostos a considerar o mal ao
redor como mais do que contrabalançado pelo bem, e não
perceberam de forma alguma a intenção de todo o sistema de
doutrinas apresentado para sua aceitação. Ao tratá-los, por mais
ignorantes e confusos que sejam, o Senhor é cheio de consideração
e terno amor. Eles não têm poder para sondar as profundezas

302
satânicas, portanto, Ele não colocou sobre eles outro dever além
das poucas verdades a que eles se atinham firmemente até a vinda
Dele.
É digno de nota que esta carta trata de um estado de
perversidade muito mais estável do que o que existia em Pérgamo.
Pérgamo cometera fornicação com o mundo, mas em Tiatira
aparecem os filhos dessa ligação adúltera.
Esta carta prenuncia a carreira do eclesiasticismo, o poder
misterioso que foi dominante durante a Idade das Trevas, e mesmo
em nossos dias continua a exercer influência funesta. O corpo de
cristãos nominais uniu-se primeiro ao reino do mundo pagão, que
estava sob a influência da Babilônia misteriosa, e permitiu que a
Mãe das Abominações os pegasse e os usasse para seus próprios
fins. Os iniciados, tendo uma vez começado a professar o
cristianismo, diplomatizaram tão habilmente que conseguiram obter
o bispado de Roma para um de seus próprios líderes. É o que
sucedeu nos anos 366 e 367 d.C., quando após sua facção ter se
envolvido em conflito sangrento com a de seu rival Ursicino, e em
uma ocasião ter invadido uma igreja,[201] de onde arrastaram cerca
de cento e cinquenta cadáveres, Dâmaso encontrou-se em posse
segura da cadeira episcopal, e imediatamente passou a completar a
união das comunidades cristã e pagã. Em 378 d.C., o imperador
concedeu-lhe o título e o cargo de Pontifex Maximus[202] e recursos
foram tomados para subordinar a igreja universal à Sé de Roma,
assim como todo o mundo pagão estava sujeito ao Grão-Mestre dos
iniciados. Todos os que se recusaram a reconhecer Astarote sob
seu novo nome de Virgem Maria, ou que não negaram a segunda
vinda de Cristo em sua carne glorificada, foram considerados
hereges.
Em 381 d.C., o segundo concílio geral reuniu-se em
Constantinopla, e por seus decretos o Pontifex Maximus foi
reconhecido como chefe da igreja universal, enquanto o bispo de
Constantinopla seria colocado como o segundo depois dele. A
mistura tornou-se um fato consumado, e antes do ano 400 d.C., “os
sacerdotes tonsurados de Ísis, consagrados ao celibato”, estavam
sendo recebidos como ministros de Cristo. Assim como em Israel os
profetas de Baal e Astarote substituíram os de Jeová, a falsa igreja,

303
a nova Jezabel, introduziu os hierofantes das mesmas divindades
com nomes alterados entre os seguidores do Senhor Jesus. Todas
as doutrinas do paganismo começaram a ser pregadas, com uma
pequena mudança na nomenclatura, e foram declaradas cristãs —
regeneração batismal, justificação pelas obras, o sacrifício da missa,
extrema unção, orações pelos mortos e muitas outras. O tau místico
era exibido proeminente em toda parte como sinal da cruz. A hóstia
de Astarote substituiu o pão partido. O bispo manteve o bastão torto
do áugure romano, mas o chamou de báculo, e usava na cabeça a
mitra com cabeça de peixe dos sacerdotes de Dagom.[203] Tudo era
pagão, exceto os nomes simples. A vasta conspiração para
converter o cristianismo em paganismo teve sucesso, no que diz
respeito à grande maioria dos cristãos professos.
Para os que não estavam cientes desse temível mistério e ainda
se agarravam à igreja visível, na ignorância da mudança que havia
ocorrido, o Senhor falava em conhecer suas obras e amor, fé e
paciência. A pregação dos inovadores era dirigida principalmente
para esses pontos, para que pudessem extirpar a doutrina da mente
dos cristãos e preservar sua influência sobre eles. A sinceridade da
pregação funcionou, resultando em muitas obras maravilhosas de
amor, trabalho e abnegação. Essas obras não escaparam da
atenção do Senhor: Sua graça repousava nos cristãos que, mesmo
que parcialmente iluminados, fizeram coisas vindas de um coração
puro, e o Espírito Santo os ensinou, de forma que detectavam o erro
e resistiam a ele até a morte. A Jezabel romana, como a princesa
fenícia, logo começou a matar os profetas de Deus, os quais
deveriam ter tido percepção suficiente para descobrir que Roma não
tinha parte com Cristo, e a rejeitar. Mas eles estavam cegos.
Sofreram com os ensinos e sedução da mulher, olhando para ela
como a verdadeira igreja, e lutaram apenas contra erros específicos,
que não associavam ao sistema em geral. Mas, depois de um
tempo, alguns começaram a ver o nome “Mistério Babilônia” na
testa da prostituta.
As palavras “até que eu venha” (Ap 2.25) é indício de que a
apostasia não desaparecerá até que a igreja seja convocada para
encontrar seu Senhor. Na verdade, já vimos que o grande sistema
eclesiástico será quebrado e destruído pelos dez reis, a fim de que

304
eles possam dar todo o poder à besta, e que a besta só surgirá das
águas turbulentas depois que o Filho Varão tiver sido arrebatado
com segurança ao trono de Deus.
Nesta carta, o Senhor acrescenta apenas algo à descrição
daquele que obterá a recompensa e o designa como “o vencedor,
que guardar até ao fim as minhas obras” (Ap 2.26). Haveria forte
tentação de manter outras obras, de servir à igreja e não a Cristo, e
se alguém fosse tão influenciado, por mais piedoso que parecesse,
ele não seria encontrado entre os vencedores.
A promessa é surpreendentemente apropriada. Depois das
labutas do deserto, os israelitas deveriam, se permanecessem fiéis,
subjugar as nações cananeias e tomar posse de sua terra. A igreja
no futuro subjugará e governará o mundo com Cristo, assim que o
último viajante cansado de sua longa jornada tiver saído do deserto
desta vida. Na época atual, somos individualmente sacerdotes para
Deus, e devemos tomar cuidado para não negligenciar os deveres
sacerdotais de interceder e instruir o povo; mas, quando o grande
Rei tiver reunido os filhos de Deus que estão espalhados, então
chegará o tempo de os santos das regiões superiores possuírem o
reino.[204] A Igreja Romana deseja reinar agora, sem a presença de
Cristo, sem seus apóstolos e sem os incontáveis membros de seu
corpo que já cruzaram o rio. Mas os que resistem às suas seduções
e estão dispostos a serem estimados como nada neste mundo,
quando o Senhor vier, gozarão ao máximo aquilo pelo qual ela está
se esforçando em vão. O Senhor identifica-se tão completamente
com os Seus que lhes dá o mesmo poder sobre as nações que Ele
recebeu do Pai (Ap 2.26-27).
“Fiel é esta palavra: Se já morremos com ele, também viveremos
com ele; se perseveramos, também com ele reinaremos” (2Tm 2.11-
12).
Mas há algo mais para o vencedor: ele terá a estrela da manhã
— promessa diferente daquela que foi feita ao judeu piedoso, sobre
quem o Sol da justiça surgirá. A explicação é, talvez, a seguinte:
Aqueles que esperam ansiosamente pelo amanhecer conhecem seu
precursor de boas-vindas, o planeta prateado, que emerge no
vislumbre do início do crepúsculo, brilhante e claramente visível no
início e depois ficando cada vez mais fraco na luz gradualmente

305
crescente, até que finalmente morre “em uma cama de céu narciso”.
Mas às vezes se dá algo muito diferente. Pode ser que mal ela
tenha aparecido quando a nuvem de tempestade chega, oblitera-a
em um momento, fecha a esperança do dia e traz de volta a
escuridão da meia-noite. No entanto, depois de um tempo, o rugido
da tempestade é silenciado, os relâmpagos raivosos cessam, as
nuvens se separam e flutuam, e eis que o sol nasceu e está olhando
para a terra com todo o esplendor de seu poder.
Ao que parece, um amanhecer como este deve estar em nossa
mente quando consideramos a promessa da estrela da manhã. Os
servos de Cristo que estão sempre esperando por Sua vinda, o
verão quando Ele chamar os Seus para si mesmo. Mas esta
manifestação, da qual o mundo adormecido está inconsciente, será
apenas momentânea, e então as nuvens da tempestade da grande
tribulação trarão de volta a escuridão da meia-noite sobre a terra.
No entanto, ao final do tempo de angústia, o Messias aparecerá em
toda a Sua glória para libertar os filhos de Abraão e, à medida que
as nuvens se abrirem, Ele será visto surgindo como o Sol da justiça,
com cura em Suas asas, sobre aqueles que temem o nome do
Senhor (Ml 4.2).

306
Capítulo 48
AI S

P
assemos agora para a igreja que possui conhecimento e
ortodoxia destacável, mas que está descendo dos lugares
celestiais para o mundo, e perdendo todo o seu poder
espiritual (Ap 3.1-6). A palavra “Sardes” não é grega. alguns
estudiosos a derivaram de uma raiz hebraica, o que lhe daria o
significado de “remanescente”, que eles associam com o “restante”
em Tiatira mencionado na carta anterior (Ap 2.24, ). Mas a
derivação é injusta, pois a palavra não é mais hebraica do que
grega.
É um nome lídio e devemos buscar sua interpretação em uma
raiz lídia, que significa “nova”, “recém-nascida” ou “renovada”.[205]
Isso imediatamente sugere as igrejas originárias da Reforma, que
foram distinguidas como ortodoxas em geral, mas muito raramente
mostrando um poder espiritual na devida proporção de seus
privilégios. Como observamos anteriormente, quando o entusiasmo
ocasionado pela libertação da escravidão de Jezabel diminuiu, em
vez de reunir-se em um círculo de amor ao redor do Salvador, os
cristãos dividiram-se em seitas antagônicas, de acordo com aquilo
que as grandes multidões de seus membros estavam preocupadas,
e logo caíram em um estado de morte espiritual. E poucas foram as
exceções que fugiram à regra, pelo menos até que os esforços de

307
Wesley, Whitefield e seus contemporâneos começassem a
despertar alguns sintomas de retorno à vida.
Aos cristãos professos desse período, o Senhor apresenta-se
como “aquele que tem os sete Espíritos de Deus” (Ap 3.1), título
cheio de significados para eles. Eles careciam de vitalidade, e Ele
aparece como possuidor do Espírito em toda a plenitude sétupla do
seu poder. Qualquer que fosse a força e atividade intelectual, eles
eram pouco movidos pelo poder divino, e Ele veio a eles com um
propósito gracioso, para que tivessem vida e a tivessem em
abundância.
Em suas mãos, Ele tem as sete estrelas que são os anjos das
igrejas. É, por assim dizer, uma solene repetição de Sua afirmação
de ser o cabeça sobre todas as coisas, e indica o tempo crítico de
um novo começo, uma nova partida, análoga ao retorno dos judeus
do cativeiro e à reconstrução do templo.
O Senhor sabe. Ele não precisa que alguém Lhe preste
testemunho sobre essa igreja, e advogados especiais eram inúteis
para defendê-la. Seus olhos chamejantes perfuram toda cobertura
de hipocrisia. Vazia como ela está de poder espiritual, não lhe será
proveitoso ter um nome de que vive. Ela pode enganar os homens e
até, como a mais avançada Laodiceia, continuar enganando a si
mesma, mas não pode esconder do Senhor sua verdadeira
condição. Contra a igreja que a precedeu, ela se vangloria de que
ela se mantém na palavra de Deus, contudo, sua vitalidade está
com um fluxo tão baixo que ela espiritualmente é quase como uma
pessoa desmaiada. Pode-se dizer dela, como Paulo diz da mulher
que vive em prazeres, que ela, “mesmo viva, está morta” (1Tm 5.6).
Não é sem profundo significado que, enquanto adversários estão
atacando cinco das igrejas, tanto de dentro quanto de fora, não haja
menção de qualquer inimigo nas cartas a Sardes e Laodiceia. Estas
duas deixaram de ser testemunhas eficazes e, portanto, Satanás
não tem contenda com elas. De forma alguma, elas não atormentam
os que se estabeleceram como habitantes da terra, por que, então,
ter raiva delas? Elas têm um entendimento tão amigável com o
mundo que, embora suas opiniões possam divergir em alguns
pontos, não há nada que impeça uma amizade mútua.

308
A primeira admoestação do Senhor aponta diretamente para a
fonte e raiz de toda essa morte às coisas espirituais e conformidade
com o mundo. “Sê vigilante” (Ap 3.2a), ordena Ele, e, se
interpretarmos o versículo com base no próximo, veremos que Ele
não está falando de vigilância geral, mas de esperar pela Sua volta.
No entanto, tal espera certamente inclui vigilância em todas as
coisas, pois aquele que vive na expectativa diária de ver a Cristo
como Ele é, não será deficiente em zelo para purificar-se assim
como Ele é puro (1Jo 3.3). Mas, após a Reforma, as igrejas
protestantes tinham pouco amor pela manifestação de seu Senhor.
Raramente o mencionavam e persuadiam-se de que, embora fosse
um evento que seguramente deva ocorrer em algum tempo distante,
não aconteceria por um longo tempo; não até que o mundo inteiro
se convertesse e mudasse por meio dos esforços dos cristãos.
Então cometeram o erro fatal, do qual as Escrituras deveriam tê-los
salvado, de dizer em seus corações: “Meu Senhor demora-se” (Mt
24.48), e logo caíram no sono ocioso do qual Ele agora os chama
para se levantar, para que Ele não volte de repente e venha
encontrá-los dormindo.
“Confirma”, continua Ele, “o que ainda permanece, que estava
prestes a morre” (Ap 3.2b, ), pois a vida não estava totalmente
extinta. Discernimos nesta advertência uma referência ao ensino e
ao trabalho; o pensamento da vinda do Senhor havia sido posto de
lado, e todas as outras doutrinas estavam se tornando indistintas. A
grande revelação, que nos impressiona mais fortemente do que
qualquer outra revelação, o fato de que somos peregrinos e
forasteiros aqui, foi “espiritualizado”, e tudo o que era pesado foi
privado de seu significado de maneira semelhante. A presença
literal de Cristo não era desejada; Sua pessoa não era mais um
objeto constante de contemplação. Comparado com a multidão que
tinha a responsabilidade do conhecimento, mas poucos olharam
fixamente para Ele e foram transformados de glória em glória
segundo a Sua mesma imagem. Visto que a igreja não mais temia
ser repentinamente chamada, ela achou fácil fazer quase o mesmo
que o mundo e, estabelecendo-se na terra, começou a perder todos
os dons celestiais. Gradualmente, tornou-se o costume de levar tudo
à prova do intelecto e da filosofia humana, de forma que, com o

309
passar do tempo, a doutrina fundamental da expiação começou a
desaparecer da vista daqueles que não foram afetados pelo
avivamento de Filadélfia, e um grande número de cristãos professos
passou agora a negar o Senhor que os comprou.
Mas o enfraquecimento da fé muda a conduta exterior, e assim o
Senhor prossegue, dizendo: “pois não tenho achado tuas obras
completas diante de meu Deus” (Ap 3.2c, ). As obras eram de
qualidade deficiente; não era o puro amor de Cristo que os
constrangia, mas motivos inferiores. Eram de quantidade deficiente;
o número diário que Deus designou não estava sendo cumprido.
“Deixa por enquanto, porque, assim, nos convém cumprir toda a
justiça”, disse o Senhor (Mt 3.15), mas se os de Sardes cumpriam
friamente parte do seu dever, ficavam satisfeitos com a contribuição
encurtada e negligenciavam todo o resto. Entretanto, não é
suficiente. “Também dizei a Arquipo: atenta para o ministério que
recebeste no Senhor, para o cumprires” (Cl 4.17). Deus nota, não
apenas as coisas que são feitas, mas também as que não são.
Para que perceba sua atual condição sem vida, Sardes é
exortada a lembrar como ela recebeu a palavra que foi enviada a
ela: a cordialidade de alegria, que agora se foi, o calor de amor, que
agora esfriou, a demonstração do Espírito e poder, que não se sente
mais! Ao mesmo tempo, ela deve lembrar-se da substância da
instrução, reprovação e correção que ouviu, dos apelos fervorosos,
dos ensinos do Espírito e das grandes responsabilidades que eles
envolvem.
Ela recebeu e ouviu, por conseguinte, não há desculpa para ela,
como houve para o restante em Tiatira. “Se fôsseis cegos, não
teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos,
subsiste o vosso pecado” (Jo 9.41). Então, o Senhor lhe faz um
apelo solene; exorta-a a observar e guardar o que ouviu e
arrepender-se. Mas se ela se recusar a obedecer, o tempo da
visitação está passando; há um limite até para a paciência de Deus.
A igreja infiel terá de participar do destino do mundo que ela amou,
e esse Dia virá sobre ela sem que ela perceba. Em um momento
que ela não pensa, inesperadamente, como o ladrão na noite, o
Senhor chegará nos ares para chamar todos os que esperam por
Ele; como Enoque que desapareceu entre seus companheiros, eles

310
se irão, ou como Ló, que saiu apressado pelas ruas da adormecida
Sodoma. Mas os crentes que ousarem dormir como os outros
homens, que deixarem adormecer sua percepção de Deus, de modo
a tornaram-se apáticos e os poderes do mundo vindouro deixarem
de dominá-los — tais insensatos serão deixados por um momento
entre os ímpios, para experimentar o desenvolvimento completo e a
natureza desenfreada da iniquidade, a qual eles não foram
suficientemente cuidadosos em evitar.
Mas o Senhor diz que há alguns nomes em Sardes que não
contaminaram suas vestes. Como é ampla a acusação implícita
nessas palavras! Como? No cristianismo professante há apenas
alguns com quem o Senhor está satisfeito! Mesmo assim podemos
nos gabar agora, mas em breve estaremos sujeitos a um tipo de
julgamento muito diferente, e descobriremos como terrível é
confundir privilégios com o uso que se faz deles. “Tu, Cafarnaum,
elevar-te-ás, porventura, até o céu? Descerás até o Hades; porque,
se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se
fizeram, ela teria permanecido até o dia de hoje. Eu vos digo,
contudo, que menos rigor haverá no dia de juízo para a terra de
Sodoma do que para ti” (Mt 11.23-24, ). Já antes de nós, no caso
dos judeus, houve um terrível exemplo da severidade de Deus para
com aqueles que se revelaram infiéis, apesar da abundante graça e
da longa tolerância; de quão mais severa punição serão julgados
dignos os que tornaram-se frios, mundanos, desobedientes e
obstinados, mesmo enquanto Jesus Cristo estava sendo
abertamente exposto como crucificado diante deles?
Existem alguns em Sardes cujas vestes não estão manchadas
pela carne (Jd 23), porque se em algum momento as mancharam,
foram imediatamente à fonte e as branquearam no sangue do
Cordeiro. Escaparam da contaminação do fermento e preservaram a
pureza da doutrina. Consideraram Cristo em todas as coisas como o
Primeiro e o Último, e se exortados a terem uma conduta que não
estava em estrito acordo com Seus mandamentos, eles
responderam: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens”
(At 5.29), e não hesitaram em permanecer firmes, mesmo quando
eram apenas dois ou três contra as grandes multidões. Deus não se
esquecerá da fé e paciência deles. Quando os outros estiverem em

311
angústia, quando toda a terra estiver contorcendo-se e gemendo
sob os golpes repetidos do Todo-poderoso nos dias de terror, eles
estarão andando com Cristo nos lugares celestiais, vestindo os
mantos brancos da justiça. Já terão sido removidos há tempos de
todo problema e temor, como se deu com Abraão quando, das
montanhas de Canaã, ele olhou para baixo em direção das ruínas
de Sodoma.
Nessa promessa, há alusão à procissão de sacerdotes e levitas
que, vestidos de linho branco, seguiam Salomão em seu caminho
para consagrar o templo recém-construído (2Cr 5.11-12). O salmo
de louvor, que naquele tempo subiu para Deus, será adequado para
a multidão feliz que daqui em diante se aglomerará em torno do
Senhor Jesus, para nunca mais deixá-lo. Com coração e lábios, eles
se regozijarão em clamar: “Porque ele é bom, porque a sua
misericórdia dura para sempre” (Sl 136.1).
Mas eles se darão bem assim, porque são dignos. Não ousem os
cristãos de nosso tempo recuar diante da palavra dita por Aquele
que é o mesmo ontem, hoje e para sempre. A luz do glorioso
evangelho deve primeiro brilhar em nosso coração pela ordem de
Deus somente, mas depois que as trevas forem dissipadas, embora
todo o poder ainda tenha de vir Dele, Ele espera uma cooperação
sincera de nossa parte. Quando conhecemos Sua promessa de dar
Seu Espírito Santo àqueles que Lhe pedem, torna-se nosso dever
pedir; e se pedirmos, receberemos e seremos capacitados para
fazer as “boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que
andássemos nelas” (Ef 2.10). Mas se formos descuidados neste
assunto, não teremos poder, nosso trabalho ficará por fazer e não
ganharemos o prêmio que nos foi proposto pela perseverança na
corrida e abnegação na luta. É possível que o cristão sofra perdas e
seja salvo apenas através do fogo (1Co 3.15), em vez de ter uma
entrada ricamente fornecida para o reino eterno de nosso Senhor e
Salvador (2Pe 1.11). E uma maneira de sofrer a perda e passar pelo
fogo é ser deixado na terra nos dias em que o iníquo for revelado.
Nas palavras ao vencedor, a promessa de vestes brancas é
repetida; e somos informados de que aqueles que são vestidos
assim terão passado em todos os testes e nunca mais estarão em
perigo, pois o Senhor de forma alguma apagará seus nomes do livro

312
da vida. A expressão é difícil; parece implicar que todos os que
ouviram as boas novas do evangelho estão graciosamente escritos
no livro da vida do Cordeiro, assim como todo israelita ao nascer era
contado entre o povo favorecido. Mas um israelita poderia
negligenciar ou desprezar a lei de seu Deus de tal maneira que o
sacrifício não pudesse ser aceito por Ele, de modo que ele seria
condenado a levar a sua iniquidade e ser eliminado de seu povo (Lv
19.8; Nm 15.30-31; 19.13). Da mesma forma, aqueles que ouviram
as boas novas da salvação podem, por desobediência e rebelião
contínua, fazer com que seus nomes sejam apagados do livro da
vida. Eles poderão estar dentro da rede do evangelho quando ela for
trazida para a praia, mas poderão ser jogados fora como peixes
ruins quando a separação ocorrer.
Em Esdras, há um versículo significativo que os estudiosos
descuidados fariam bem em ponderar. Sobre alguns dos filhos dos
sacerdotes, lemos: “Estes procuraram o seu registro nos livros
genealógicos, porém o não acharam; pelo que foram tidos por
imundos para o sacerdócio” (Ed 2.62).
O Senhor reconhecerá os vencedores da igreja em Sardes diante
de Seu Pai e dos anjos, porque eles não têm vergonha de confessá-
lo diante dos homens. Vivendo no meio de uma geração fria e
espiritualmente morta, que considerava a tentativa de colocar a fé
em prática ou demonstrar amor pela obediência, como ato de um
entusiasta problemático, eles permaneceram fiéis àquele que
morreu por eles e aceitaram as consequências. Assim, Ele os
encontrará, quando a prova terminar, com o gracioso
reconhecimento: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25.21, 23). Ele os
apresenta ao Pai como sendo Seus, aqueles a quem Ele escolheu
para reinar com Ele, aqueles que Ele tirou do monturo para fazê-los
herdar o trono de glória (1Sm 2.8).

313
Capítulo 49
AI F

N
as cartas a Filadélfia e Laodiceia, chegamos aos tempos
imediatos do fim. Essas igrejas representam o resultado final
do período da Reforma, e as duas classes que se
desenvolverão a partir delas. Filadélfia, que significa “amor
fraternal”, é a companhia dos eleitos na terra; são aqueles que
serão escolhidos quando Laodiceia for rejeitada e deixada para
sofrer o julgamento ameaçado a Sardes. A presente carta é
especialmente dirigida ao povo do Senhor nos últimos dias, àqueles
que estiverem vivos quando Ele vier (Ap 3.7-13).
A voz da profecia concorda com o curso dos eventos ao apontar
para nós como as pessoas diretamente envolvidas, seja com esta
carta ou com a que a segue, de modo que a questão solene se
dirige a cada um de nós. Qual delas se aplica ao meu caso? Estou
entre os amados do Senhor que serão livrados da hora da tentação?
A questão é urgente e deve ser respondida imediatamente,
enquanto ainda há oportunidade, pois todas as coisas apontam para
a advertência de que o Senhor está próximo. Às razões que já foram
propostas para esta expectativa, adicionaremos aqui outra, que está
ligada ao assunto desta carta.
No dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu e
capacitou os discípulos com seu poder, grande foi o assombro dos
judeus que vieram de regiões distantes quando ouviram, cada um

314
em seu idioma, a fala dos apóstolos. “Que quer isto dizer?” (Ap
2.12). Eles clamaram em sua perplexidade: “Vede! Não são,
porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os
ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?” (At 2.7-
8). Mas enquanto alguns estavam impressionados, outros
escarneceram e disseram: “Estão embriagados!” (At 2.13). Então,
entre o barulho desconcertante, os doze se levantaram, e Pedro
adiantou-se como porta-voz. Ele disse que eles não estavam
bêbados de vinho como alguns supuseram, mas Deus estava
cumprindo o que Ele falara pela boca do profeta Joel nas gloriosas
palavras:

E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor,


Que derramarei do meu espírito sobre toda a carne;
Vossos filhos e vossas filhas profetizarão,
Vossos mancebos terão visões,
E sonharão vossos anciãos; e sobre os meus servos e sobre as minhas
servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão.
Mostrarei prodígios em cima no céu e sinais embaixo na terra; sangue, fogo
e vapor de fumo.
O Sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o
grande e glorioso Dia do Senhor.
E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
(Atos 2.17-21, )

Esta profecia acerca dos últimos dias prediz o derramamento do


Espírito de Deus sobre toda a carne, ou seja, sobre todas as nações
sem distinção, e não apenas sobre Israel, ao qual tais influências
estavam previamente confinadas. Pedro afirmou que a promessa já
estava começando a cumprir-se aos olhos do povo. Mas as palavras
que ele citou falam de sinais em cima no céu e embaixo na terra,
que não ocorreram naquele momento, mas só ocorreriam no
encerramento da dispensação e na véspera do Dia do Senhor. Na
verdade, são os mesmos sinais mencionados no discurso no Monte
das Oliveiras, que serão o sinal de que os tempos dos gentios
acabaram. Consequentemente, a obra do Espírito, que foi
profetizada, estende-se por toda a presente era. Daí, a razão pela
qual Pedro não diz: “O que ocorre é o cumprimento do que foi
falado”, mas apenas: “O que ocorre é o que foi dito” (At 2.16), em

315
outras palavras: “O que ocorre é uma parte” ou “o começo do
cumprimento”. Visto que haveria derramamentos como os do
Pentecostes relacionados com todo o período da dispensação da
graça, de que maneira eles deveriam acontecer?
Se tivermos em mente o fato de que a metáfora é a de chuva
refrescante, encontramos uma resposta para a pergunta nas
seguintes palavras de Tiago: “Sede, pois, irmãos, pacientes, até à
vinda do Senhor. Eis que o lavrador aguarda com paciência o
precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas.
Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a
vinda do Senhor está próxima” (Tg 5.7-8).
Na Palestina, a primeira chuva, ou chuva de outono, começa em
outubro, na época da semeadura, enquanto a última chuva surge
em março e continua mais um pouco até abril. Em meados de abril,
a cevada está pronta para o corte e a colheita do trigo ocorre cerca
de quinze dias depois. Atualmente, ambas as chuvas são escassas,
mas, por outro lado, não há interrupção absoluta do clima úmido
entre as estações. Mas esta é uma condição anormal das coisas,
pois em mais de uma passagem do Antigo Testamento estava
claramente declarado que o suprimento de chuva na Terra Santa
dependeria da obediência do povo. Podemos citar a seguinte
promessa como exemplo: “Se obedecerdes diligentemente aos
meus mandamentos que eu hoje vos ordeno, de amar a Jeová,
vosso Deus, e de o servir de todo o coração e de toda a alma, darei
chuvas à vossa terra a seu tempo, a chuva temporã e a chuva
serôdia, [206] para que recolhas o teu pão, e o teu mosto, e o teu
azeite” (Dt 11.13-14, ; compare com Lv 26.3-4; Jr 3.3; Jl 2.23).
Devemos entender que Tiago está aludindo às primeiras e
últimas chuvas regulares, cujo curso se daria desta forma: As
primeiras chuvas davam-se durante o tempo da semeadura. As
tempestades prevaleciam por um ou dois dias. Depois havia um
curto intervalo de chuva fina, sucedido por outra série de chuvas e
assim por diante, até que a estação seca se instalasse, ao final da
qual, cerca de seis semanas antes da colheita, as nuvens
retornavam e as últimas chuvas começavam.
Ao aplicar a figura, devemos esperar copiosos derramamentos do
Espírito nos primeiros dias da igreja e também no fim dos tempos,

316
na semeadura e pouco antes da colheita, com um período
intermediário de pouco poder. Foi exatamente o que aconteceu.
Desde o Pentecostes, que foi o nascimento da igreja, houve por
cerca de três séculos de chuvas de graça em muitos países, e
multidões de pregadores fervorosos espalharam-se pelo mundo.
Mas no século , quando as perseguições cessaram e o
cristianismo estava se tornando corrupto e moderno, uma frieza,
mundanismo e frouxidão de doutrina instalaram-se. O poder do
Espírito foi retirado, e houve uma grande seca que durou, sem
interrupção geral, por muitos anos cansativos, até o fim da Idade
das Trevas.
Depois, a estação da chuva serôdia começou e as primeiras
chuvas abundantes resultaram na Reforma. O próximo
derramamento notável neste país causou o despertamento em
meados do século . Veio uma chuva maravilhosa e abundante
nos avivamentos de 1857 a 1859, que afetou todo o mundo
protestante, e, por último, surgiu o movimento que ainda está
acontecendo.
Observemos que as grandes chuvas seguem em períodos cada
vez mais curtos. Entre a Reforma e os dias de Wesley, mais de dois
séculos se passaram, mas setenta ou oitenta anos cobriram o
intervalo entre Wesley e o avivamento que começou na América, e
cerca de quatorze anos depois deste, começou o atual movimento.
Outro fato interessante é que a última chuva durou cerca de
trezentos anos, e que agora estamos mais além do tempo que se
deu a Reforma. Será que toda espera paciente das primeiras e
últimas chuvas acabou, e a estação da colheita chegou?
O que significa o clamor que está ganhando força cada vez maior
entre o povo do Senhor: “Eis o noivo! Saí ao seu encontro”? (Mt
25.6). Os olhos da fé já discernem Alguém semelhante a um filho do
homem sentado sobre a nuvem branca com a foice afiada na mão e
esperando a mensagem: “Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a
hora de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu”? (Ap
14.14-15). Mas se for assim, como a colheita nos afetará? Será que
seremos ajuntados no celeiro do Mestre, teremos uma entrada
ricamente ministrada a nós no reino de nosso Senhor e Salvador e
passaremos pelas portas de pérola da cidade com o grito de júbilo:

317
“Até que enfim, o céu”? Ou seremos deixados na terra ceifada,
gemendo miseravelmente: “Passou a sega, findou o verão, e nós
não estamos salvos”? (Jr 6.20).
Temos mais uma observação sobre os quatro grandes
avivamentos, pois discernimos neles um progresso muito notável e
significativo da doutrina.
Nos tempos do primeiro avivamento, a eterna pedra fundamental,
que ficara enterrada sob o entulho de vários séculos, foi descoberta,
para que pudesse ser vista por todos. Mais uma vez, a mensagem
apostólica foi livremente proclamada, que o homem só pode ser
salvo pela fé em Cristo Jesus e não por suas próprias obras ou
merecimentos.
No segundo avivamento, o novo ponto em que se insistia
principalmente era que a conversão é instantânea e milagrosa,
sendo causada pela entrada do Espírito Santo no homem, por cuja
habitação ele é feito uma nova criatura em Cristo Jesus, separado
do mundo, e gradualmente santificado e preparado para sua
glorificação.
No terceiro movimento, a grande verdade da unidade da igreja foi
restaurada, e os homens começaram a ver como nunca antes nos
tempos modernos, que Cristo é o único centro, ao redor do qual
todos os que creem Nele devem se agrupar; que a nenhuma seita
humana ou credo deve ser permitido manter os cristãos separados,
porque toda a igreja foi batizada pelo Espírito em um corpo.
E por último, durante o atual derramamento da graça, duas
coisas foram trazidas à proeminência incomum: a doutrina da
santificação com a necessidade de uma vida espiritual mais
elevada, e a proclamação de que o Senhor está próximo. Essas
doutrinas estão intimamente relacionadas, e seu aparecimento
simultâneo mostra que o Espírito está agora impulsionando a igreja
com as palavras: “Por isso, ficai também vós apercebidos; porque, à
hora em que não cuidais, o Filho do Homem virá” (Mt 24.44).
Essas considerações podem ser acrescentadas ao que foi dito
anteriormente, pois tendem a fortalecer a convicção de que estamos
agora vivendo o tempo indicado pela carta à igreja em Filadélfia, a
profecia que está sendo manifestamente cumprida ao nosso redor.
A morte de Sardes deu lugar, por algum tempo, ao calor do

318
reavivamento; embora este acesso de poder não esteja de forma
alguma confinada à igreja de Cristo, pois todos os poderes de
Satanás estão em atividade por todos os lados.
Não encontramos na carta nenhuma menção aberta de culpa ou
repreensão em relação àqueles a quem ela é diretamente
endereçada. Filadélfia é a igreja do amor fraternal,[207] e quando a
graça reina, Cristo tem poucos defeitos a encontrar. Devemos ter o
cuidado de compreender o significado que o Novo Testamento
atribui a este termo: não devemos interpretá-lo como o amor do
mundo pelos homens da mesma classe, como o sentimento que
mantém unidos os membros da mesma comunidade ou sociedade,
ou como a atração mútua de mentes que foram moldadas em
moldes semelhantes. É um anseio por todos os verdadeiros crentes,
não por causa de quaisquer qualidades que possuam, nem por
causa de coincidência de opinião, mas porque eles são objetos da
afeição de Cristo.
A isso João se refere quando diz: “Nós sabemos que já
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1Jo
3.14). Se o amor de Cristo nos constrange, de modo que somos
atraídos para os que naturalmente nos seriam pouco atraentes ou
mesmo ofensivos, temos prova de que somos uma nova criatura
Nele, porque não conhecemos mais nossos semelhantes segundo a
carne, mas somente pelo grande coração do Senhor Jesus, que se
tornou nossa vida (2Co 5.14-17; Gl 2.20). Essa graça deve ser
manifestada em nós, se quisermos pertencer à igreja em Filadélfia e
ser salvos do mal que está vindo sobre toda a carne.
Para o seu povo, Cristo escolhe ser conhecido como “o santo”
(Ap 3.7), indicando que tipo de pessoas também devemos ser, se
quisermos ser Seus em Sua vinda, pois sem santidade nenhum
homem verá o Senhor (Hb 12.14).
Ele também se apresenta como “o verdadeiro” (Ap 3.7), e que
diligentes sondagens de coração essa palavra suscita em cada um
de nós! Que grande falta de sinceridade e que confusão de motivos
pode ser encontradas até em nosso serviço a Deus! É tão natural
essa condição para nós que ninguém pode dizer quantas vezes ela
o ofende, mas ainda assim o Altíssimo deseja a verdade no mais
íntimo do nosso ser, e todas as coisas estão nuas e expostas diante

319
dos olhos daquele a quem temos de prestar contas. O crente mais
avançado sempre precisará orar com o salmista: “Afasta de mim o
caminho da mentira” (Sl 119.29, ).
Por último, o Senhor fala que tem a chave de Davi, expressão de
considerável dificuldade devido ao propósito para o qual a chave é
posteriormente usada. Talvez seja melhor não buscar uma
explicação de Isaías 22.22, onde “a chave da casa de Davi” tem um
significado diferente, mas entender como afirmação simples da
parte do Senhor com respeito ao poder do trono de Davi.
Quando o coração de Acaz e de seu povo se agitou como as
árvores da floresta agitadas pelo vento, por medo de que a família
real de Judá fosse exterminada, Deus anunciou que a raiz de Jessé
não cairia até que uma virgem houvesse dado à luz um Filho, em
cujos ombros, o governo deveria descansar para sempre (Is 7.2, 14;
9.6-7). Agora Cristo, é o único dos homens que nasceu de uma mãe
virgem, e Ele também é o herdeiro linear do trono de Davi; portanto,
Nele a profecia deve se cumprir. Por conseguinte, aqui Ele confirma
sua reivindicação daquele poder sobre o mundo que é prerrogativa
da coroa davídica. Ele tem o direito de abrir, e ninguém ousa fechar;
ou de fechar, de modo que ninguém possa abrir; só Ele pode soltar
e só Ele pode amarrar. Este grande poder Ele logo assumirá para si
mesmo aos olhos de todos os homens; mas, mesmo antes que sua
hora chegue, Ele o antecipará em favor dos de Filadélfia, de modo a
estabelecer para eles uma porta aberta que nenhum homem pode
fechar.
A porta aberta significa uma oportunidade de testemunho. Paulo
diz: “Suplicai, ao mesmo tempo, também por nós, para que Deus
nos abra porta à palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo” (Cl
4.3). Outra vez: “Ficarei, porém, em Éfeso até ao Pentecostes;
porque uma porta grande e oportuna para o trabalho se me abriu”
(1Co 16.8-9). E em outro lugar, ele relata que quando ele foi a
Trôade para pregar o evangelho de Cristo, uma grande porta foi
aberta para ele no Senhor (2Co 2.12).
Assim, o título “aquele que tem a chave de Davi”, tomado em
conexão com a promessa que o segue, tem a intenção de
demonstrar que o Senhor usará seu legítimo poder sobre o mundo
para restringir a oposição à pregação de Seu povo nos tempos do

320
fim. Em outras palavras, um testemunho deverá ser transmitido; um
último brado de advertência, como o de Enoque antes de ser
transladado da terra condenada.
A promessa agora está sendo cumprida diante de nossos olhos.
O mundo não mudou, mas nos tempos presentes, ele ainda sente a
pregação de Cristo com tolerância nunca antes conhecida. Seus
grandes e sábios homens não escondiam seu desprezo pela
revelação divina, através de seu desdém, por meio do qual eles
estão sempre confirmando a verdade do evangelho, enquanto
clamam: “Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que
os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o
princípio da criação” (2Pe 3.4). Seus eclesiásticos e sectários ainda
são tão avessos à real doutrina de Cristo quanto os fariseus e
saduceus o eram na primeira vinda. Contudo, não há atualmente
interferência séria ao trabalho dos cristãos evangélicos, pois o
Senhor abriu, e não há quem se atreva a fechar. Como é terrível
nossa responsabilidade durante um tempo tão graciosamente
concedido. Como deve ser sincero nosso esforço, se de algum
modo podemos salvar alguns daqueles por quem Cristo morreu!
Agora é o dia, mas o dia rapidamente declina e a noite chega
quando nenhum homem pode trabalhar.
O Senhor é cuidadoso em explicar por que Ele abriu uma porta
para Filadélfia. Ela acatou a advertência feita a Sardes, fortaleceu
as coisas que estavam para morrer, de modo que agora possui
“pouca força” (Ap 3.8). Portanto, Ele pode enchê-la com suas
próprias palavras: “Ao que tem se lhe dará” (Mt 13.12). Este
pequeno poder foi demonstrado pelo fato de que ela não se deixou
levar por nenhuma das correntes do mundo, ela se apegou à
palavra de Cristo e não se rendeu às tradições nem às filosofias de
homens. Nos dias de hoje, como é difícil fazer isso; como são
poucos os que seguem tal regra! Ainda assim, o Senhor ama
Filadélfia e a salvará da hora da provação (Ap 3.10).
Que todos os verdadeiros crentes apliquem a lição assim
apresentada a eles, e comecem a preparar-se para a mudança
iminente por meio de estrita comparação de sua doutrina e prática
com as leis reveladas do Rei! De que outra forma poderemos nós
estar prontos para a Sua vinda? E não imaginemos que qualquer

321
suposto serviço esconderá os defeitos de nossa obediência: “Tem,
porventura, o S tanto prazer em holocaustos e sacrifícios
quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é
melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de
carneiro” (1Sm 15.22).
Não esqueçamos que, sem contar os erros individuais, não há
grupo no cristianismo que não tenha erros em seu credo. O dever
de todo cristão é detectar e descartar. Assim, todo verdadeiro crente
se encontraria cada vez mais próximo uns dos outros, e logo
estariam nesses últimos tempos como um corpo, separados da
religião mundana, bem como de todo outro tipo de mundanismo,
esperando a convocação que será oferecida a eles para
abandonarem para sempre os dolorosos conflitos terrenos, para a
glória que habita a terra de Emanuel.[208]
Os habitantes de Filadélfia não negaram o nome de Cristo (Ap
3.8). Tal negação não é necessariamente feita em termos
expressos. Pode ser colocar uma igreja terrena no lugar que
pertence a Cristo, divinizar o intelecto humano ou ignorar o nome de
Cristo, seja por vergonha hipócrita, seja porque, por mais que
estejamos dispostos a falar Dele como um grande mestre e filósofo,
não cremos que Ele seja o Filho unigênito do Pai e o único sacrifício
pelo pecado.
Há muitos caminhos pelos quais Satanás conduz os cristãos
professos para longe dos limites da igreja em Filadélfia. Como é fácil
nestes tempos confessar a Cristo, quando as piores consequências
de um testemunho fiel serão nada mais do que o escárnio do
mundo, a censura da parte de cristãos nominais e, talvez, a perda
de alguns poucos amigos! Será muito diferente quando a liberdade
for tirada, e o falso rei sentar-se em seu trono, pois então, no caso
de todos os que estão para ser salvos, a confissão que o amor não
evocou em dias de tranquilidade, será extorquida pelo fogo da
perseguição.
A renovada atividade de pregação, causada pela chuva serôdia,
moveu Satanás a repetir a estratégia pela qual ele gradualmente
neutralizou a obra da igreja primitiva. Por conseguinte, os falsos
judeus, a sinagoga de Satanás mencionada na carta a Esmirna,
aparecem pela segunda vez em cena (Ap 2.9; 3.9). Por alguns anos,

322
eles têm se espalhado pelos países em que ocorreram
derramamentos do Espírito, especialmente a Inglaterra e os Estados
Unidos, neutralizando a pura palavra de Deus por meio de rituais e
sacerdócio babilônicos, e muitas vezes levando os homens de volta
à própria Roma. Seus seguidores são ensinados a desprezar os
crentes que sustentam pontos de vista mais bíblicos e a arrogar
para si o lugar da igreja de Deus, assim como os fariseus fizeram no
primeiro advento.
Todos os que descansam em seu Senhor devem ficar bem
contentes em suportar esse tratamento por algum tempo, pois aqui
Ele prometeu pleitear a causa deles pessoalmente e mostrar que os
amou. É o que Ele fará de tal maneira que alguns dos que foram
levados com os olhos vendados à falsa sinagoga, por não
compreenderem as profundezas de Satanás, arrepender-se-ão e
prostrar-se-ão diante daqueles a quem perseguiram, confessando
que eles eram, afinal, a verdadeira igreja, e desejando unir-se a eles
em Cristo.
Agora o Senhor passa a explicar como a mudança será efetuada
e de que maneira Ele fará a distinção entre obedientes e
enganados. Mas, antes de tudo, não deve haver equívoco em
relação às suas razões: porque os habitantes de Filadélfia
guardaram a palavra da perseverança Dele, então Ele os guardará
da hora da provação. Quantos grandes problemas poderíamos
poupar se apenas guardássemos a palavra de Cristo! Recebê-la é
relativamente fácil; a dificuldade é retê-la com perseverança até o
fim.
A ideia transmitida pelo substantivo grego traduzido por
“perseverança” é de resistência; o verbo a ele associado é usado
para referir-se a soldados que, quando atacados pelo inimigo, não
se rendem, mas mantêm a posição. Assim o Senhor estabeleceu a
cada um de nós em uma posição que devemos manter, a despeito
de todos os esforços dos poderes das trevas para nos desalojar.
Esperar em meio a provações e tentações é o ingrediente
principal de nosso cálice de disciplina, pois “bom é aguardar a
salvação do S , e isso, em silêncio” (Lm 3.26). Não há
satisfação para nós agora, exceto a paz e alegria no Espírito.
Devemos viver para o futuro e, como o Mestre, suportar a cruz,

323
desprezando a ignomínia, por causa da alegria que nos está
proposta. Não temos aqui cidade permanente, mas somos
estrangeiros e peregrinos, até que sejamos levados para a nossa
cidade que está nos céus. Por isso, Paulo[209] disse aos Hebreus:
“Com efeito, tendes necessidade de perseverança, para que,
havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa” (Hb 10.36).
Ele elogia os tessalonicenses, porque eles se voltaram dos ídolos
para Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro e aguardar dos
céus o seu Filho (1Ts 1.9-10). Esta paciência e vontade de esperar
por Cristo os de Filadélfia têm, e sua recompensa é que Ele os
livrará da grande hora da provação.
A provação não será parcial, mas universal, pois deverá vir
“sobre o mundo inteiro” (Ap 3.10). Consequentemente, os que serão
livrados, serão retirados do mundo, assim como ocorreu com
Enoque antes que a corrupção e violência dos homens chegassem
ao seu pior nível nos dias de Noé. O que o Senhor quer dizer fica
evidente nas seguintes palavras: “Venho sem demora” (Ap 3.11). Os
de Filadélfia obedecerão à ordem de vigiar e orar sempre, para que
sejam considerados dignos de escapar de todas as coisas que hão
de acontecer e de estar diante do Filho do Homem (Lc 21.36); e eles
serão atendidos. Em um tempo conhecido apenas por Deus, mas,
como vimos anteriormente, antes do surgimento do Anticristo, o
Senhor descerá até a região intermediária dos ares e chamará para
si todos os que esperam por Ele. Então, a provação virá sobre todo
o mundo, “para experimentar os que habitam sobre a terra” (Ap
3.10).
Devemos entender essa última expressão no sentido moral de
todos os que se estabeleceram na terra, com pouca ou nenhuma
aspiração, exceto por ela. Eles devem ser experimentados, porque
há um pouco de trigo até na vasta pilha de joio. Há muitos que
creem no Senhor Jesus, mas não vão muito longe nos caminhos
eternos. Descuidam-se em prosseguir a conhecer Ele e ao poder de
Sua ressurreição, contentando-se com as coisas aqui embaixo, com
as igrejas, atos de devoção e boas obras. Seus pensamentos estão
fixos na terra, raramente contemplam a vocação celestial, e não
anelam pela bendita esperança e o aparecimento da glória de nosso
grande Deus e Salvador Cristo Jesus (Tt 2.13).

324
Tal estado de espírito gera mundanismo e irá fazer com que
aqueles que o possuem sejam mais ou menos habitantes da terra.
Para separá-los do que é totalmente carnal, fazê-los recuar com
horror das coisas visíveis e ansiar pelo advento do Libertador, a
hora da provação chegará. Eles serão deixados para experimentar o
que o mundo será quando a influência restritiva do Espírito for
retirada, e o mistério da iniquidade for revelado. Então os milagres
do Anticristo serão mais confusos e suas perseguições sangrentas
os aterrorizarão, mas, visto que são os amados do Senhor, Ele os
sustentará, e a terrível agitação da peneiração manifestará que eles
são trigo.
Muito diferente será o resultado para o resto do mundo. Eles irão
se render à tentação; tendo rejeitado a Deus e a Seu Cristo, eles
encherão a medida da sua iniquidade adorando Satanás e a besta,
e serão varridos como palha para dentro do fogo inextinguível.
Visto que a graça de Deus terá previamente feito a separação
dos de Filadélfia do mundo e da falsa igreja, eles não precisarão da
severidade do último joeiramento, e serão removidos antes que
comece a terrível purificação do campo. Suas mentes estarão
fixadas na promessa: “Venho sem demora”! A labuta, o testemunho
e a leve aflição não durarão muito: Cristo logo aparecerá e
transformará toda a sua tristeza em alegria eterna.
Mas Ele adiciona um aviso. Sejam cuidadosos e vigiem e orem
continuamente, para que possam reter a graça que lhes foi dada.
Embora Seu povo nunca possa perecer e ninguém o arrebatará da
Sua mão, eles podem ser iludidos no que tange à recompensa. Se
cederem à inclinação pessoal e às palavras dos que desprezam o
fanatismo, eles cairão na indolência. Se seguirem o caminho dos
outros, satisfizerem os apetites carnais, permitirem que os cuidados
da vida se acumulem em torno deles, como uma névoa fora da qual
nada possam ver, se desviarem-se para a filosofia ou para a
tradição humana, então poderão não se apossar daquilo para o qual
foram conquistados por Cristo, e perderão a glória do reino, embora
sejam salvos da morte eterna.
O Senhor intensifica ainda mais Sua exortação através da
promessa ao vencedor. Quando os que estiverem prontos tiverem
sido arrebatados para Ele, então será o momento de começar a

325
construção do grande templo vivo. O chefe das pedras as terá
transportado para o local designado, talhado, cinzelado e encaixado
cada uma em seu lugar, de modo que nenhum som de martelo,
machado ou outra ferramenta de ferro da aflição jamais ali será
ouvido (1Rs 6.7). Na gloriosa construção do edifício, aqueles que
suportaram o desprezo dos homens por amor de Cristo serão
pilares de força e formosura, fixados em suas bases, para que não
saiam mais, porque as coisas antigas terão passado, e aqueles que
em tempos anteriores foram convidados a saírem do mundo ou, o
que é ainda mais doloroso, virarem as costas para a falsa igreja e ir
a Cristo fora do arraial suportando seu vitupério, terão alcançado a
morada de descanso eterno, a morada da glória.
A menção do lugar designado para eles no templo implica que
durante o intervalo entre seu arrebatamento e a aparição do Senhor
em glória, Ele os julgará em relação às coisas feitas no corpo, e
designará a cada um a parte que deverá sustentar na adoração
celestial.
Mas ainda existem outras recompensas para o vencedor. O
Senhor acrescenta: “Gravarei também sobre ele o nome do meu
Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce
do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome” (Ap 3.12).
Há algo muito gracioso na expressão “meu Deus”, que ocorre quatro
vezes neste versículo. Por meio dela, lembramo-nos de uma
declaração anterior: “Vai ter com os meus irmãos e dize-lhes: Subo
para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” (Jo 20.17).
Ao falar assim o Senhor, como o último Adão, identifica-se em
ambos os casos com o Seu próprio povo, de acordo com as
Escrituras: “Pois, tanto o que santifica como os que são santificados,
todos vêm de um só. Por isso, é que ele não se envergonha de lhes
chamar irmãos” (Hb 2.11).
Com respeito ao significado dos nomes, Cristo reconhecerá Seus
discípulos fiéis diante de seu Pai, que então os reconhecerá e, ao
colocar Seu nome sobre eles, os selará como Seus. O vencedor
também será marcado como cidadão da Jerusalém que agora é lá
de cima, do alto, mas que em breve descerá para ser a luz e a glória
da terra redimida. E, por último, Cristo escreverá sobre ele seu
próprio novo nome, provavelmente aquele ao qual se faz alusão

326
mais tarde: “Tem um nome escrito que ninguém conhece, senão ele
mesmo” (Ap 19.12). Na terra de Emanuel, o nome não é um som
vazio, como se dá aqui conosco: ali, o nome declara a verdadeira
natureza de seu possuidor. Portanto, o novo nome indica algum
mistério glorioso do qual, por sua união com Cristo, o crente se
tornará participante na era vindoura.
As últimas palavras da carta, a exortação para ouvir, devem
penetrar solenemente em nossos ouvidos. Como acabamos de
dizer, há forte probabilidade de que elas se apliquem a nós acima de
todos os outros, dentre os quais o Senhor está agora mesmo
completando o número dos da igreja de Filadélfia, e irá, nos tempos
da atual geração, removê-la para os lugares celestiais. “Vigiai, pois,
porque não sabeis o Dia nem a hora em que o Filho do Homem há
de vir” (Mt 25.13, ).

327
Capítulo 50
AI L

E
m seu porte profético, esta carta descreve o grande corpo de
cristãos professos em sua última fase, e discorre sobre a
disposição mundana e satisfeita pela qual Cristo os rejeitará
abertamente. É também um aviso final, convocando todos os que
podem ouvir para deixar a igreja morta, embora aparentemente
próspera, e juntar-se aos desprezados de Filadélfia, antes que
Laodiceia seja repudiada por Aquele a quem ela insinceramente
chama de Senhor, enquanto ela não faz as coisas que Ele tem
mandado. Seu nome aponta para sua ilegalidade, uma vez que
significa a igreja na qual o povo é o juiz do que é certo.[210] Isso
indica a causa de corrupção profundamente arraigada, pela qual ela
foi tão terrivelmente afetada que, embora o Senhor não encontre
nenhuma falha em Filadélfia, Ele não sabe de nada pelo qual possa
elogiar Laodiceia (Ap 3.14-22).
Como Sardes, que não conheceu as coisas profundas de
Satanás, evoluiu de Tiatira, assim Filadélfia é formada pelos fiéis e
verdadeiros, que saíram de Sardes. Mas Laodiceia — para citar as
surpreendentes palavras de Stier — é “o grande resíduo do
cristianismo morto reunido pela última vez.”
O Senhor se apresenta para esta igreja de maneira tão
peculiarmente solene, o que sugere que a fé em Suas promessas e
pessoa diminuiu e quase desapareceu. Em primeiro lugar, Ele é o

328
“Amém”, isto é, a verdade, a mesma palavra que também é
traduzida duplamente por “em verdade, em verdade”, com cuja
expressão Ele costumava prefaciar muitas de Suas declarações. Ele
encontra a descrença sempre crescente, que, em várias formas e
graus, pode ser detectada em quase todos os círculos. Agora é a
hora dos escarnecedores, que dizem: “Onde está a promessa da
sua vinda?” (2Pe 3.4). Não são poucos que professam ser cristãos
e, ainda assim, eliminam tudo o que é sobrenatural de seu
cristianismo! Outros, como os fariseus, estão tão satisfeitos com sua
própria igreja na terra, que não veem a necessidade do
aparecimento de Cristo e não gostam do pensamento das
mudanças que tal evento ocasionaria. Essas e outras ideias
semelhantes estão destruindo a fé de muitos, de forma que, embora
professem pensar muito sobre o ensino moral do Senhor,
desconsideram ou justificam Suas declarações proféticas. Mas sua
loucura logo se transformará em amargo arrependimento, pois tudo
o que Ele disse será o “sim” e o “amém” — uma alegria para os
filadelfienses, mas uma desgraça terrível para os laodicenses.
Ele também é a “testemunha fiel e verdadeira”, portanto, embora
seja longânimo, Sua fidelidade fará com que Ele envie a ira.
Consequentemente, em Apocalipse 19.11, que o apresenta
revelando-se repentinamente diante do mundo apavorado, Ele é
denominado o “Fiel e Verdadeiro”.
Há também outro significado para o título. Laodiceia fracassou
em seu testemunho, portanto, Ele terá de aparecer. Está registrado
sobre os perseguidos cristãos em Lião e Vienne que, durante seus
severos e prolongados sofrimentos, eles se recusaram a ser
chamados de mártires ou testemunhas, afirmando que seu Senhor
era o único verdadeiro Mártir. A satisfeita Laodiceia não tem tais
pensamentos sobre Ele, por isso, Ele declara seu caráter antes de
proferir sobre ela um julgamento terrivelmente contraditório ao que
ela afirma de si mesma. Ela se vangloriava perante os outros, mas
Ele é o grande arauto da Verdade. Ousaria ela sustentar sua causa
contra Ele?
Por último, o Senhor é “o princípio da criação de Deus”,
expressão que os arianos interpretam como o significado de que Ele
era o primeiro dos seres criados. Mas a revelação ensina que Ele é

329
o Filho unigênito do Pai e que “todas as coisas foram feitas por
intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3).
Portanto, é evidente que Ele é chamado “o princípio da criação de
Deus”, por ser a Primeira Causa de todas as coisas criadas. Ele é o
Princípio e também o Amém, ou o Fim, enquanto no meio tempo,
Ele é a Testemunha Fiel e Verdadeira.
Com relação a quem Ele se dirige, pelo fato de serem descritos
como nem quentes e nem frios, eles devem ser os salvos que foram
permitidos afundar de volta na “corrupção e nas paixões que há no
mundo” (2Pe 1.4), os crentes instáveis que se empenham por fazer
o melhor para ambos os mundos, a fim de servir a Deus e a
Mamom. Tal tentativa só pode ser feita afastando-se a certa
distância de Cristo, e então o calor e zelo do amor inicial começam a
esfriar na atmosfera gelada que o circunda. Assim se dá com os
laodicenses, onde quer que eles estejam. Eles não se permitem ser
afetados pelos poderes da era vindoura (Hb 6.5). Cristo não está
mais neles como a esperança da glória. Visto que não
experimentaram seu amor que constrange, eles são naturalmente
relutantes em sofrer o desconforto em nome Dele, a gastar e deixar-
se desgastar em Seu serviço.
As cidades de Laodiceia e Colossos eram muito próximas uma da
outra, de forma que as duas igrejas tinham estreitas ligações. É
interessante notar que Paulo, em sua carta aos Colossenses, dirige-
se a eles pedindo para saudarem os laodicenses e os laodicenses
enviarem sua epístola para ser lida na assembleia de Colossos (Cl
4.15-16). Podemos de forma justa, deduzir que a proximidade e
intimidade dessas igrejas fez com que elas fossem infectadas por
erros similares, e que as faltas de uma tornaram-se, pelo menos até
certa medida, as faltas da outra.
Supondo que seja isso que tenha ocorrido, podemos ter um
vislumbre do estado de Laodiceia lendo cuidadosamente a Epístola
aos Colossenses. Assim, descobriremos a grande acusação contra
eles: que Cristo foi privado de Sua honra e glória por doutrinas e
práticas desenvolvidas a partir delas. Consequentemente, em
Colossenses 1, Paulo apresenta o poder e a divindade do Senhor
Jesus em uma descrição maravilhosa, e comenta sobre os erros
que o levaram a ser menosprezado.

330
Os convertidos não buscaram Nele todos os tesouros de
sabedoria e conhecimento, e foram se permitindo ser corrompidos
por filosofias e vãos enganos, seguindo a tradição dos homens, indo
após os rudimentos do mundo e não após Cristo (Cl 2.1-3, 8).
Eles não andaram em Cristo Jesus, o Senhor, como o receberam
e foram ensinados. Eles não se consideraram completos Nele, feitos
cheios de Sua plenitude, nem acreditaram sinceramente que Ele
havia apagado o escrito de ordenanças que era contra eles (Cl 2.6-
7, 9-10, 14).
Assim, foram movidos a buscar a salvação de outras fontes bem
como Dele, de modo que sua religião consistia em grande parte em
distinções entre carnes puras e impuras, e em observâncias de
festas, que Deus designara anteriormente como sombra da vinda do
Salvador, mas que perderam todo o seu valor agora que o corpo
que projetou a sombra tomara seu lugar. Estavam também se
dedicando a uma humildade autoconsciente e, portanto, inútil, e
associando outros objetos de adoração ao Senhor Jesus, até
ousando orar aos seres angelicais que Ele criara. Assim, deixaram
de reter firmemente a cabeça e, como se Ele não tivesse morrido
por eles, estavam se sujeitando a ordenanças que Ele nunca
ordenara, e que só poderiam significar que Sua obra não era
totalmente suficiente (Cl 2.16-23).
Eles praticavam jejum e outras desconsiderações do corpo que
Paulo declarara não ter valor, servindo meramente para satisfação
da carne. Em vez do serviço espiritual ordenado por Cristo, eles o
substituíram por uma adoração infrutífera, arranjada de acordo com
ideias humanas e já condenadas pelas palavras do Senhor: “Em vão
me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mc
7.7). Eles estavam sendo desencaminhados de sua recompensa e
desperdiçando o tempo que Deus lhes havia dado na terra.
Depois de esboçar seus erros, Paulo faz um poderoso apelo para
eles. Se eles haviam realmente ressuscitado com Cristo, então
deveriam olhar muito além das ninharias sem sentido que ocupavam
sua mente. O que “não manuseies isto, não proves aquilo, não
toques aquilo outro” tinha a ver com os que estavam mortos para o
mundo, e cuja vida estava escondida com Cristo em Deus? (Cl 2.21;
3.1-3). Não cabia a eles construir sistemas elaborados sobre a terra.

331
Eles deveriam colocar os afetos nas coisas do alto, onde Cristo está
assentado à destra de Deus, onde está a cidade dos verdadeiros
crentes e de onde eles deveriam aguardar o Senhor Jesus que
haveria de vir e mudar seus corpos à semelhança de Seu corpo
glorioso! (Fp 3.20-21).
Mas a carta que estamos considerando mostra que as palavras
de Paulo não tinham valido para os laodicenses, qualquer que fosse
o efeito que pudesse ter tido sobre os colossenses. Os laodicenses
provaram-se dignos do nome que tinham: tudo o que fosse bom aos
seus olhos, era também a sua fé e a sua lei. Como consequência
natural, seu amor por Cristo esfriara até o ponto mais frio, sua
religião era mera prática de ritos e costumes externos e crença em
certas doutrinas, e não um apego pessoal a seu Senhor e Salvador.
Na interpretação profética, os laodicenses identificam-se, ou
melhor, incluem-se com os que a carta anterior descreve como
denominando-se falsamente de judeus. Em tudo o que aprendemos
deles, há avisos solenes contra a religiosidade carnal e a filosofia
humana que agora caracterizam o cristianismo. Os mornos são
abomináveis ao Senhor. Ele prefere lidar com os absolutamente
frios. A classe dos mornos, por sua falta de amor e conduta
inconsistente, leva os adversários a blasfemar, e compele Deus a
rejeitá-los abertamente. Se qualquer homem tiver a forma de
piedade e negar seu poder, seu castigo será manifestado a todos,
para que a santidade de Deus seja vindicada e os homens saibam
que Ele não tolera a falta de sinceridade.
Portanto, o Senhor vomitou[211] os laodicenses da antiguidade e
assim fará a todos os que Ele encontrar como eles em sua vinda.
São os que serão deixados, quando os outros forem levados.
Ficarão de fora, bater na porta em vão, depois que o Mestre
ressuscitou e fechou a porta. Tendo praticamente negado a Cristo
pela adoção de tradições, ensinos e sistemas que não vieram Dele,
eles sentirão o que significa ser negado por Ele e serão ensinados
pelo aguilhão afiado da perseguição a guardarem mais
cuidadosamente os caminhos simples que Ele revelou.
Mas a pior característica dos cristãos de Laodiceia é que eles não
percebem sua triste condição. Pensam bem de si mesmos, dizem
que são ricos e que ficaram ricos, expondo o fato afirmado e o

332
processo que os levaram a isso a tal ponto de sugerir que seu
próprio braço o fez. Mas a afirmação é falsa. Eles sentem — o mais
fatal dos sintomas — que não precisam de nada! Ordenanças e
adoração à vontade satisfizeram completamente a carne.
Severamente, o Senhor expõe a real condição dos laodicenses
nas palavras “e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre,
cego e nu” (Ap 3.17).
Quantas vezes nesta vida os homens são iludidos por sonhos
sensuais e artimanhas dos espíritos malignos, até que chegue a
hora do terrível despertamento! O homem rico está vestido de
púrpura e linho fino, e vive suntuosamente todos os dias, mas logo
ele abre os olhos no Hades, estando em tormentos e incapaz de
obter uma gota d'água para refrescar a língua. Mesmo entre os
salvos, quantos estão agora andando como os primeiros que terão
de mudar para o último lugar quando o Rei vier! Quantos que estão
sentados na cadeira de chefe, mas que ouvirão a ordem humilhante:
“Dá o lugar a este” (Lc 14.9).
Nas palavras: “E nem sabes que tu és [...] [o] miserável” (Ap
3.17), o artigo aponta para a carta anterior, na qual os que são aqui
chamados de laodicenses são representados olhando com desprezo
para os filadelfienses, enquanto o Senhor consola estes com a
certeza de que ele fará com que os que os desprezam venham e
adorem diante dos pés deles e saibam que Ele os amou. Não é o
pequeno rebanho, a quem o pai agradou-se dar o reino, mas os que
professam e adoram a si mesmos que precisam de misericórdia. O
Senhor sabe o que é iminente e os chama de miseráveis e pobres,
porque Ele está prestes a rejeitá-los como indignos de escapar de
todas as coisas que hão de acontecer. E também são pobres, pois
nada têm a não ser as riquezas e a influência do mundo, que está
prestes a desaparecer; cegos, pois não podem ver a sua condição
miserável e a perspectiva terrível; nus, porque o Senhor não os
vestiu, para que andem com Ele de branco.
Nas palavras a seguir: “Aconselho-te” (Ap 3.18), há um
significado triste, pois dão a entender que Laodiceia está partindo do
reino do querido Filho de Deus e cruzando a linha divisória para os
domínios das trevas, de modo que Ele não mais comanda essa
igreja, como faria com Seus súditos, mas apenas oferece conselho.

333
Laodiceia perdeu o hábito de obedecer-lhe e busca as tradições, os
concílios, os cânones, a ciência e os grandes homens, e não mais a
palavra de Deus como única autoridade.
As doutrinas de Pérgamo e Tiatira estão voltando, e nefasto é o
fato de que o Senhor agora não encontra circunstâncias atenuantes,
como antes, e não menciona boas obras, pois esta rebelião é contra
a luz e o conhecimento.
Ele ainda alertou os laodicenses para parar de vangloriar-se de
sua imaginária riqueza e comprar Dele “ouro refinado pelo fogo”, ou
seja, uma fé que resistirá à tentação e que será ainda mais
purificada, quando for exposta à prova do fogo ardente (1Pe 1.7).
Assim, seja qual fosse a condição deles no mundo, eles seriam ricos
em fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que o amam.
É a falta dessa qualidade que os estava arruinando, pois aqueles
que não podem confiar em Cristo para toda necessidade e em toda
perplexidade, logo começam a confiar em si mesmos ou em sua
igreja, e assim são seduzidos para longe do único fundamento.
Ele também ordena que venham a Ele em busca de vestes
brancas, para que possam se cobrir com sua justiça, em vez dos
trapos imundos que nunca podem esconder a vergonha de sua
nudez. E, por último, Ele destaca que eles precisam de seu colírio
para curar a cegueira e permitir que percebam o que são e para
onde estão indo.
Há pouca esperança de que Laodiceia seja restaurada, exceto
pelo Espírito de juízo e de ardor, portanto, o Senhor adiciona
significativamente: “Eu repreendo e disciplino a quantos amo” -
palavras que parecem ter o seguinte significado: “Ou você é meu ou
não é. Se você não é, siga o seu caminho e mostre a verdade da
Escritura que diz: ‘O coração dos homens está cheio de maldade,
nele há desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos’ [Ec
9.3]. Se, no entanto, você é meu, prepare-se para o castigo”. Mas
será tão terrível o castigo dos que forem deixados na terra durante
os dias de vingança, que a misericórdia do Senhor novamente
exorta: “Sê, pois, zeloso e arrepende-te” (Ap 3.19).
Mesmo agora, o tempo aceitável ainda não passou. Cristo ainda
está à porta. Ele estaria no meio dos que estão reunidos em Seu
nome, mas os pecados deles fizeram com que Ele se afastasse do

334
seu lugar, embora Ele ainda permaneça perto deles. A dispensação
está se encerrando e a cena é, talvez, semelhante à que Ezequiel
testemunhou quando Jerusalém estava sendo entregue à
destruição. O profeta viu a glória do Senhor retirar-se lenta e
involuntariamente do templo. Ele a viu parar primeiro no limiar da
casa (Ez 10.4), depois erguer-se da terra, assumir uma posição
mais distante acima da porta leste (Ez 10.19), passar pelo meio da
cidade e demorar-se mais uma vez sobre o monte que está no lado
leste dela (Ez 11.23), [212] antes da subida final dos querubins e da
partida do guardião de Israel.
O Senhor, não podendo mais suportar a desobediência e as
abominações multiplicadas do período de Laodiceia, está deixando
a igreja que ostenta o Seu nome. Ele também demora-se um pouco,
como fez a glória em sua passagem do templo, e volta a bater, para
ver se por acaso alguém possa despertar à consciência de que
aquele que seria o centro está do lado de fora, e possa correr e abrir
a porta para Ele.
Talvez a batida à porta se refira a dois meios diferentes que o
Senhor usa para despertar o povo. O primeiro é o castigo, e embora
pareça incluir todo tipo de incerteza, repreensão e aflição, existe
uma tristeza que de maneira especial pertence ao tempo presente.
Os verdadeiros crentes estão continuamente sendo atormentados
pelo fracasso e, pior ainda, pela perversão do testemunho, nas
seitas às quais uniram-se, e pela corrupção e iniquidade que os
cercam. Eles estão sendo privados da segurança irrefletida que
alguns colocam tão inteiramente em organizações externas, que
diferem muito pouco dos habitantes da terra. Eles estão sendo
avisados por sinais manifestos de que, se a corrente com a qual
correram até agora foi desviado do canal adequado, eles não devem
mais se deixar ser levados por ela, para que não sejam engolfados
pelas ondas da destruição em vez de serem levados para o oceano
do amor de Cristo. Eles estão sendo ensinados a apegar-se mais
intimamente à pessoa do Senhor, a serem mais obedientemente à
Sua revelação e a ansiarem por Sua vinda, pela qual somente, o
poder do mal poderá ser controlado e a presente perplexidade
desfeita.

335
Enquanto Ele está acabando com o descanso terreno deles, Ele
não se esqueceu de lhes apresentar a gloriosa esperança. Seu
segredo foi comunicado para que o temessem, Ele não escondeu
deles o que Ele está para fazer, e em todos os lados está sendo
feita a proclamação de que Ele está perto. Os que o buscam
receberam poder para entender as grandes declarações proféticas
de Deus, que por séculos permaneceram seladas e relativamente
despercebidas; muitos as leram por completo e o seu conhecimento
aumentou.
Tais são os apelos do Senhor, os quais Ele não dirige mais para
toda a igreja, mas apenas aos seus membros individuais: “Se
alguém”, diz Ele, “ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua
casa e cearei com ele, e ele, comigo”. Pode haver alguns que
ouvirão as palavras, mas a grande multidão dos laodicenses não
deseja cear com o Senhor.
Eles estão festejando com os habitantes da terra, nutrindo o
coração no dia da matança, comendo e bebendo, casando-se e
dando-se em casamento, e assim continuarão até o dia em que o
dono da casa se levantar e fechar a porta. Então, ao som das portas
se fechando, a indiferença será transformada em ansiedade febril:
eles estremecerão ao perceber que a hora do julgamento chegou.
Nestes dias de luxúria, muitos crentes, como a esposa no Cântico
dos Cânticos (Ct 5.2-6), deixaram o trabalho de cuidar dos rebanhos
no deserto e foram para a cidade do mundo. Estão adormecidos
tranquilos e sufocando a consciência com a fraca desculpa: “Eu
estava dormindo, mas o meu coração vigiava” (Ct 5.2, ). Não faço
demonstração externa de trabalho ou labor de amor, mas sou certo
e verdadeiro por dentro. Assim, eles permitem que o medo de
qualquer pequeno inconveniente os impeça de levantar-se para
abrir-se ao seu Senhor, até que sua mão seja vista pela fresta da
porta, e Ele manifeste sua presença pelo arrebatamento dos que
estão aguardando por Ele.
Os descuidados despertarão para a consciência, serão
golpeados no coração com remorso e retorno do amor, e saltarão do
leito pecaminoso e correrão para abrir a porta.
Mas nenhuma Figura justa e gloriosa está esperando na
escuridão da noite. O Amado retirou-se e foi-se. Eles o buscam,

336
mas não o encontram. Chamam por Ele, mas nenhuma resposta
ressoa na escuridão. Brincaram com os avisos por muito tempo. O
tempo determinado passou e eles contorcem-se de angústia ao
perceber que a ameaça desprezada foi súbita e inexoravelmente
cumprida. O Mestre bateu à porta, eles não estavam prontos para
abrir-se para Ele imediatamente e Ele partiu e os deixou sozinhos
na meia-noite da angústia.
Mas se um dos laodicenses mornos for despertado antes que
seja tarde demais, eles serão fortalecidos para vencer e ainda
alcançarão a dignidade de sentar-se com Cristo no trono da glória,
de onde Ele julgará o mundo no reino milenar. Mesmo os que
passarem pela tribulação, desde que se recusem a adorar a besta
ou sua imagem, ou a receber sua marca na testa ou nas mãos,
também reinarão com Cristo, mas, como veremos em breve, apenas
como subordinados e não no trono.

* * *

Agora consideraremos as sete mensagens do Senhor ao Seu povo


a respeito das coisas que existem. Quem é sábio para compreender
as advertências solenes e encontrar graça para agir de acordo com
elas enquanto ainda é tempo? No relato da entrada de Cristo em
Jerusalém, João observa: “Seus discípulos a princípio não
compreenderam isto; quando, porém, Jesus foi glorificado, então,
eles se lembraram de que estas coisas estavam escritas a respeito
dele e também de que isso lhe fizeram” (Jo 12.16).
De quão grande suspense e ansiedade teriam eles sido
poupados se tivessem estudado e aplicado as Escrituras antes da
morte de seu Mestre, e se tivessem reconhecido cada incidente
conforme ocorrido e sabido que Ele primeiro deveria sofrer essas
coisas para depois entrar em sua glória? Mas eles só apreenderam
depois que a grande crise, com os dias de perplexidade e terror,
passou. Não devemos nós aprender sabiamente com o erro deles, e
evitar as consequências muito mais calamitosas de um erro
semelhante no final desta era? É noite e o dia já findou. Quem, pois,
tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas, porque o tempo
está próximo.

337
Capítulo 51
AP (P )
A (E )

A
o estudar as profecias referentes aos judeus, já comentamos
Mateus 24 até o parágrafo em que o Senhor fala da Sua
aparição e da libertação dos eleitos judeus. Nas frases
imediatamente seguintes, Ele os ensina como saber que Ele está
próximo e declara a certeza de Suas predições. Então, no versículo
36, Ele passa a responder à segunda pergunta dos discípulos: “Que
sinal haverá da tua vinda [presença, parousia]?” (Mt 24.3).
Mas antes de considerarmos o assunto solene, será necessário
evitar uma confusão investigando brevemente o significado dos
termos “presença” e “aparição” (cf. 2Ts 2.8; 1Jo 2.28).
A palavra grega παρουσία (parousía) é geralmente traduzida por
“vinda”. Mas a traduzimos por “presença”, porque “presença” é o
significado estrito e literal, enquanto que “vinda” é o significado
derivado, subordinado e nunca absolutamente necessário. O sentido
é quase o mesmo, quer digamos sobre uma pessoa ausente —
“ficaremos felizes com a sua presença” ou “com a sua vinda”. É
mais importante reter o significado literal, porque a palavra é usada,
não apenas para aludir à descida de Cristo desde os altos céus,
mas para todo o período de Sua permanência nos ares que, ao que
parece, estender-se-á por pelo menos sete anos.[213] Durante esse

338
tempo, Seu povo será arrebatado para Ele, alguns imediatamente
após Sua descida, outros mais tarde. Mas todos estão incluídos na
descrição de Paulo: “Os que são de Cristo, na sua vinda [presença]”
(1Co 15.23).
O arrebatamento do primeiro grupo, como veremos agora, será o
sinal de que Ele veio e de que os julgamentos do Apocalipse estão
para começar. Podemos compreender o apelo de Paulo aos
tessalonicenses: “Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos
a que não vos demovais da vossa mente, com facilidade, nem vos
perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola,
como se procedesse de nós, supondo tenha chegado [estar
presente] o Dia do Senhor” (2Ts 2.1-2).[214] Os tessalonicenses
haviam passado por muitas aflições e, supondo que nenhuma
tristeza poderia ser maior do que a deles, precipitadamente
concluíram que estavam nos últimos tempos e que o Dia do Senhor
havia chegado. Mas Paulo os lembra que aquele Dia será
ocasionado pela presença de Cristo nos ares, e que o sinal da Sua
presença, a saber, o ajuntamento do Seu povo para Ele, não havia
ainda acontecido.
A segunda palavra, έπιφάνεια (épifáneia), significa “aparição” ou
“manifestação” e ocorre em conexão com a primeira (παρουσία)
nesta passagem: “A quem o Senhor Jesus matará com o sopro de
sua boca e o destruirá pela manifestação [ou aparição] de sua vinda
[presença]” (2Ts 2.8). Aqui a palavra é usada para referir-se à
manifestação de Cristo ao mundo, ao resplendor de Sua glória,
quando o tempo da presença invisível terminar. Mas também pode
ser aplicada à revelação dessa presença para aqueles que são
arrebatados para Ele, de modo que a referência, em cada
ocorrência, só pode ser decidida pelo contexto.
Voltaremos agora ao discurso de nosso Senhor no monte das
Oliveiras registrado em Mateus 24. Depois de uma admoestação
especialmente concebida para os convertidos judeus dos últimos
dias se lembrarem de que o cumprimento das coisas que Ele
predissera mostraria que Ele estava perto, assim como o
brotamento da figueira proclama a proximidade do verão, Ele passa
a falar de Sua presença, durante a qual os eventos mencionados

339
entre os versículos 6 e 29 acontecerão. O tempo exato de Sua
descida não pode ser revelado, pois nem os homens, nem mesmo
os anjos podem sabê-lo. Semelhante aos outros grandes
julgamentos de Deus, Ele é anunciado repetidas vezes, mas, se sua
época designada fosse declarada, não poderia ser a prova que Ele
deseja que seja. Os que vissem que a descida foi adiada para além
do prazo de suas vidas descartariam o assunto, ao passo que os
que esperassem vê-la, poderiam, quando perto do dia designado,
cair em uma fé tão inútil quanto a fé que os homens mostram em
predições que fixam a hora do fim do mundo e que desliza em um
ceticismo sem esperança.
O Senhor nada disse a respeito do dia e da hora, mas deu sinais
pelos quais podemos descobrir que eles estão próximos. Um
período memorável da história será repetido. Será como no tempo
do dilúvio, quando os homens comiam e bebiam, casavam-se e
davam-se em casamento até que saiu a ordem e Noé entrou na
arca. O mundo repentinamente percebeu que a porta de fuga fora
fechada e que a execução do julgamento havia começado. O
descaso e a alegria logo transformaram-se em medo agonizante,
enquanto o vigor da vida era confrontado com a morte inexorável.
Na passagem paralela de Lucas, o Senhor acrescenta Sodoma
também como ilustração da maneira em que o mundo estará na
véspera da Sua vinda. Reunindo os relatos de ambos os períodos
conforme dados no livro de Gênesis, descobrimos que suas
características gerais são relação sexual com seres de outra esfera,
corrupção de toda carne, violência e crime não naturais. Nenhum
desses sinais sinistros está faltando no mundo de hoje. Mas o
Senhor não detalha essas coisas, pois pertencem a homens não
regenerados e movidos por demônios, e Ele proferiu a profecia para
orientação e consolo do Seu povo, fossem judeus ou cristãos. Por
essa razão, Ele especifica as ocupações em que Ele pode, em Sua
vinda, encontrar os salvos tão despreocupadamente entretidos, que
Ele será forçado a deixá-los para disciplina. São elas:

● Comer e beber.
● Casar-se e dar-se em casamento.
● Comprar e vender.

340
● Plantar e construir.

Todas essas práticas e ocupações são lícitas em si mesmas,


mas, se escondem as realidades eternas de nossos olhos, tornam-
se causa de destruição. O mundo estará totalmente absorvido por
elas até o fim, e os salvos precisam vigiar e orar, para que não
caiam na armadilha e sejam pegos de surpresa.
Com respeito ao caráter geral, observemos que os julgamentos
de Deus vêm sobre os homens depois que eles fazem avanços
consideráveis na civilização e em suas perversões, pois é o orgulho,
a fartura de pão e a abundância de ociosidade que geram rebelião,
assim como aconteceu em Sodoma (Ez 16.49) e, nos tempos
antigos, Jesurum[215] engordou e deu coices (Dt 32.15).
Uma vida luxuriosa é característica frequente dos que estão
amadurecendo para o julgamento. “Tendes engordado o vosso
coração, em dia de matança” (Tg 5.5) é acusação que Deus mais de
uma vez fez contra os homens. Ele está especialmente indignado
com o fato de que aqueles que professam conhecê-lo estejam
satisfazendo a carne, quando deveriam estar gemendo e clamando
pelas abominações que os cercam.
Mesmo um pequeno excesso pode privar o crente de sua coroa,
pois para obtê-la ele deve vencer, e entre seus pecados persistentes
pode haver um do tipo que não sai, exceto com oração e jejum. Se
ele se sair bem todos os dias o suficiente para induzir conteúdo
carnal e amor à comodidade, certamente será encontrado entre os
servos indolentes. Qualquer mimo do corpo traz fraqueza e cegueira
no espírito, e de maneira solene nosso Senhor reconhece o fato
nestas palavras: “Guardai-vos, para não suceder que os vossos
corações fiquem pesados com o excesso no comer e no beber e
com os cuidados desta vida, e que aquele dia venha sobre vós de
repente, como um laço” (Lc 21.34, ).
Mas existem outras armadilhas insidiosas além da vida luxuriosa.
Há as conexões sociais que, por mais puras e honradas que sejam,
frequentemente tomam posse indevida do coração e monopolizam
os pensamentos à exclusão de Cristo. Existe a tentação comercial,
a ânsia de adquirir e acumular tesouros nos últimos dias. A cobiça
que procura defender-se do olhar do Todo-poderoso através de

341
grandes doações que, contudo, caracterizam-se por insignificante
proporção em relação às posses do doador e não o privam de uma
única gratificação. Por último, há a disposição para acumular
riquezas, os preparativos para uma longa vida na terra, que são
dispositivos através dos quais a vida pode ser ganha agora e
certamente perdida no futuro (Lc 9.24), a construção de mansões
que no julgamento serão testemunhas de extravagância, luxo e
egoísmo dos construtores: “Porque a pedra clamará da parede, e a
trave lhe responderá do madeiramento” (Hc 2.11).
Tais eram os pensamentos e ocupações em meio dos quais os
pré-diluvianos e os sodomitas pereceram miseravelmente, com tudo
o que construíram na vida. Em cada caso, a remoção silenciosa dos
justos era o sinal de que o dia da graça passara. [216] Haverá, então,
algum sinal semelhante para anunciar que Cristo está nos ares e
que o dia do Senhor chegou? A pergunta é respondida no próximo
versículo, e mais explicações são encontradas na Primeira Epístola
aos Tessalonicenses.
Um dia, o mundo será surpreendido pelo desaparecimento
repentino e inexplicável de muitas pessoas no meio de suas
ocupações normais. Dois homens estarão trabalhando no campo no
meio do dia, um desaparecerá instantaneamente (Mt 24.40). Seu
colega perplexo ainda poderá ver no chão a roupa que havia sido
vestida para o trabalho, mas o homem terá ido embora. Duas
mulheres estarão moendo o suprimento diário de grãos no início da
manhã, a mão de uma falhará e sua colega de trabalho procurará e
verá que ela não está mais em seu lugar (Mt 24.41). Duas pessoas
— a referência evidentemente é a um homem e sua esposa —
estarão na mesma cama à noite, uma pessoa será levada e a outra
despertará para a solidão e o luto (Lc 17.34). Assim que este sinal
for dado, ai da terra e do mar! Os que forem considerados dignos de
escapar terão sido removidos do mundo. O Espírito Santo não mais
restringirá o mistério da iniquidade, nem os julgamentos de Deus
serão mais postergados.
Com relação ao significado das palavras “um será levado” (Mt
24.40-41, ), um erro tem sido cometido por ignorância acerca do
texto original. Comparando a expressão com a do versículo 39,
onde diz “veio o dilúvio e os levou a todos”, alguns interpretaram:

342
“Um será levado em juízo e o outro será poupado em misericórdia”.
Mas um exame do grego dissipa imediatamente a ideia. No
versículo 39, o verbo usado é α ἱ ρε ἱ ν (airein), que significa “tirar por
destruição”. Mas nos versículos 40 e 41, encontramos uma palavra
muito diferente: παραλαμβάνειν (paralambánein), que significa
propriamente “receber” ou “levar ao lado” e também, às vezes,
“levar alguém como companheiro”. Assim, a palavra é mais
apropriadamente usada para referir-se aos que serão arrebatados
para Cristo, a fim de que andem com Ele de branco e sigam o
Cordeiro para onde quer que ele vá.
Em João 14, a mesma expressão ocorre em uma passagem
muito significativa: “E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e
vos receberei [παραλήψομαι, paralēmpsomai] para mim mesmo,
para que, onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14.3). Aqui, é
usado para aludir ao próprio ato do qual o Senhor fala em Mateus.
Em outro lugar, lemos que o Senhor “tomou” (παραλαμβάνεί,
paralambanei) Pedro, Tiago e João como Seus companheiros ao
monte da transfiguração (Mt 17.1). Ele seleciona três dos doze
discípulos para contemplar Sua glória, enquanto os nove são
deixados ao pé do monte para lutar desesperadamente com
Satanás e, consequentemente, estar sujeitos ao desprezo do
mundo, até que o Mestre é visto descendo do monte em companhia
daqueles que Ele levara consigo.
Esta cena é típica e confirma nossa interpretação da passagem
que estamos estudando, que um é levado para ser companheiro do
Senhor e para ver Sua glória, enquanto o outro é deixado para
agonizar com o mundo e Satanás como disciplina adicional. A
admoestação para vigiar no próximo versículo (Mt 24.42) implica
que os dois são discípulos.
Tendo descrito o sinal da Sua presença, o Senhor passa a exortar
seus seguidores sobre a necessidade de vigiar, e a mostrar, pela
parábola do chefe de família e do ladrão, que perdas graves serão
sofridas por quem negligenciar Suas instruções. As Escrituras
apresentam muitas outras advertências e seu objetivo especial está
claramente estabelecido na exortação do Senhor: “Vigiai, pois, em
todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar

343
todas essas coisas que hão de acontecer e de estar em pé diante
do Filho do Homem” (Lc 21.36, ).

344
Capítulo 52
OP A
C R
T

A
nenhuma das igrejas com as quais esteve ligado, Paulo
comunicou tantos detalhes das últimas coisas quanto à igreja
em Tessalônica. Em uma das duas epístolas endereçadas a
eles encontramos a predição mais circunstancial do primeiro
arrebatamento dos santos (1Ts 4.13-18), enquanto na outra existem
muitos detalhes a respeito da carreira subsequente do Anticristo.
Atos 17 descreve a plantação dessa igreja, e pelo relato ali dado,
bem como pelas duas epístolas, inferimos que Paulo falou muito aos
convertidos sobre a vinda e o reino de Cristo. Pode ser que o
Espírito, prevendo as perseguições e tribulações que os
aguardavam, tivesse direcionado o apóstolo a concentrar-se na
glória que haverá de vir. Até do próprio Senhor nos é dito que, pela
alegria que lhe estava proposta, Ele suportou a cruz, desprezando a
vergonha.
Descobrimos a proeminência dada nos ensinos de Paulo ao
futuro reinado de Cristo na acusação pela qual os judeus
procuraram predispor os governantes contra ele. Disseram: “Estes
que têm transtornado o mundo chegaram também aqui, os quais

345
Jasom hospedou. Todos estes procedem contra os decretos de
César, afirmando ser Jesus outro rei” (At 17.6-7).
Mas, por mais que judeus ou gregos tenham distorcido o
significado dado pelo apóstolo, a revelação da bendita esperança e
gloriosa aparição do grande Deus e Salvador Jesus Cristo elevou a
igreja em Tessalônica ao entusiasmo. Assim, sempre afetou aqueles
cujo coração estava aberto para recebê-la. Foi essa esperança que
estimulou a igreja primitiva aos esforços extraordinários dos
primeiros dois séculos e meio. Foi ela que desde então tem
sustentado os crentes nos dias de provação, pois sempre que a
perseguição surge por causa da palavra, o Apocalipse e os salmos
proféticos quase invariavelmente formam o grande apoio e consolo
dos perseguidos. No tempo atual, a mesma esperança está
exercendo poderosa influência em despertar a igreja a esforços
renovados e separar um povo para a presença do Senhor.
Ainda que os tessalonicenses tivessem recebido a mensagem
empolgante com alegria, eles não a compreenderam corretamente
em todos os seus aspectos, e a consequência do conhecimento
imperfeito foi vista em certas inferências falsas e prejudiciais.
Empolgados pela expectativa e supondo que o Senhor viria
imediatamente, eles não conseguiam mais se estabelecer na rotina
normal da vida. Paulo, então, achou necessário exortá-los a
acalmarem-se, comerciarem e trabalharem com as próprias mãos,
para que a conduta deles fosse adequada para os que eram de fora
e para que, por descaso de seus deveres, não fossem forçados a
depender da ajuda dos outros.
Embora tivessem ouvido falar da vinda do Senhor e de sua
reunião com Ele, ainda não haviam sido instruídos a respeito da
primeira ressurreição. Por conseguinte, sabendo apenas da
ressurreição final e do juízo final, estando bem cientes de que esses
eventos só aconteceriam depois do milênio, e distinguindo
claramente entre o milênio e o estado eterno, eles concluíram que
todos os que tiveram a infelicidade de morrer antes da volta do
Senhor perderiam as glórias do reino.
Não admira que lamentassem excessivamente quando o espírito
de uma pessoa amada entre eles falecia, já que pensavam que
veriam seu rosto somente depois do longo intervalo de mil anos; a

346
menos que eles também fossem chamados a segui-la antes que o
Senhor viesse, e fossem, assim, eles mesmos privados da almejada
glória.
Tirar a melancolia de seus olhos e revelar a eles a alegre verdade
era o objetivo de Paulo na última parte de 1Tessalonicenses 4. “Não
queremos, porém, irmãos” ele disse, “que sejais ignorantes com
respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os
demais, que não têm esperança” (1Ts 4.13).
Então, Paulo revela a verdade maravilhosa de que cada um dos
grandes eventos na vida de nosso Senhor tem sua correspondência
na vida de Seus membros. Ele revela também que se, em nossa
medida, formos chamados a sofrer como Ele sofreu, a ser homens
de dores e familiarizados com o sofrimento, a suportar a contradição
dos pecadores e o ódio do mundo, e se agora Ele demorar e
tivermos de olhar pela última vez a luz do sol natural, poderemos
olhar para a eminência do outro lado do vale escuro, onde Ele se
assenta na glória, e saber que, por Sua graça, nós também não
deixaremos de emergir da noite da morte para a manhã da
ressurreição.
Não chorem tão desesperadamente por seus mortos, diz ele, aos
entristecidos tessalonicenses. Vocês sabem que Cristo morreu e
ressuscitou, e Sua igreja deve participar de todas as coisas com sua
grande cabeça. Quando Ele aparecer como o Ressuscitado, então
todos aqueles que Nele dormem, Deus os trará com Ele.
A expressão “aos que em Jesus dormem” (1Ts 4.14, ). é
muito bela. Na ideia do sono, temos a sugestão de que não há
interrupção da vida e que logo haverá o despertamento. A
fraseologia é do próprio Senhor: “Lázaro, o nosso amigo, dorme,
mas vou despertá-lo do sono” (Jo 11.11, ).
Mas, a respeito dos santos tessalonicenses, somos informados
de que eles dormem em Jesus, isto é, por Sua morte e mediação.
Sim, pois, sem sua interposição, eles agora não estariam dormindo,
mas mortos.
Os ímpios, quando abandonam a vida natural, não dormem.
Estão mortos e separaram-se para sempre de toda esperança de
vida; estão excluídos de Deus. Deverão comparecer diante do
Grande Trono Branco, mas isso será na existência miserável

347
chamada morte. A morte, no sentido escriturístico, não é a cessação
do ser, mas estar eternamente separado Dele em quem somente
podemos encontrar luz, amor e descanso. Todos os que deste
mundo passam para o outro em rejeição deliberada de Cristo, serão
excluídos, pois “o testemunho é este: que Deus nos deu a vida
eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a
vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1Jo 5.11-
12).
Mas todos os que partiram e obtiveram a vida do Senhor Jesus,
Deus os trará com Ele. Semelhante ao seu Salvador, eles
desapareceram do mundo e, quando Ele voltar visivelmente, eles
também serão vistos em Sua companhia. Agora que Ele é invisível,
Ele e Sua igreja estão misticamente unidos: Ele é a videira e eles
são os ramos. Mas o que é místico nada é, a menos que tenha uma
realidade por trás que venha a ser revelada em breve. Portanto,
assim que o Senhor for visto novamente, a conexão entre Ele e a
igreja também se tornará visível: “Quando Cristo, que é a nossa
vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com
ele, em glória” (Cl 3.4).
Então Paulo passa a dizer como essa consumação será
realizada, e o faz dizendo que será “por palavra do Senhor” (1Ts
4.15), isto é, por uma revelação direta de si mesmo.
As palavras, “nós, os vivos”, são de grande importância
doutrinária. Dão clara evidência de que Paulo considerou como
possibilidade a ocorrência do advento em sua vida. Ele estava bem
ciente de que ninguém poderia saber o dia e a hora e, portanto, não
expressou nenhuma expectativa definida.
Mas ele tinha um desejo muito definido, e deu-lhe expressão em
termos inconfundíveis em outra epístola: “Pois, na verdade, os que
estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por
querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja
absorvido pela vida” (2Co 5.4).
Mesmo assim, Paulo e muitos outros morreram e o Senhor não
veio. Não há razão para acreditar que a atitude de espera dos
tessalonicenses seja alterada de alguma forma: os espíritos dos que
dormem também estão esperando pelo Senhor, que virá dos céus, e
ansiando pelo tempo em que os filhos de Deus se manifestarão e

348
seus corpos serão redimidos. A esse respeito, a esperança de toda
a igreja, em ambas as margens do rio da morte, é a mesma.
Quando chegar a hora, estejam eles na terra ou no paraíso de
Deus, eles serão glorificados juntos, e nem vivos nem mortos terão
precedência.
As palavras “o Senhor mesmo [...] descerá” (1Ts 4.16) excluem
totalmente a interpretação “espiritual” à qual alguns cristãos até
agora se apegam. A sua presença espiritual já está conosco, e
assim permanecerá até o fim. A alusão aqui é ao Seu corpo
glorificado, que só pode estar em um lugar por vez. A descida é o
primeiro estágio no cumprimento das palavras ditas pelos anjos, a
saber, que Ele viria da mesma maneira como foi visto subindo ao
céu (At 1.11).
À medida que Ele vier descendo, passando por seus reinos
ilimitados, sobre as asas do relâmpago, seguido por suas hostes
brilhantes e fazendo com que as incontáveis estrelas que enfeitam
os céus percam o brilho diante da glória Dele, Ele proferirá a palavra
de ordem, e os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a
ouvirem, pois nem todos ouvirão, viverão.
Sairão do paraíso e do túmulo, desde o pobre ladrão, cuja agonia
mortal foi prolongada até o momento em que o céu e o Hades se
emocionaram com as poderosas palavras: “Está consumado!”, até o
último que terá dormido em Cristo, exatamente quando a trombeta
de Deus estiver proclamando a chegada do Rei.
E dificilmente será menos maravilhosa a transformação no caso
dos vivos.
Foi uma visão agradável ver o rubor quente voltar ao rosto do
leproso, e seus membros em decomposição crescer e adquirir a
saúde rosada.
O coração dos espectadores deve ter se alegrado ao ver o cego
Bartimeu receber a recompensa de sua fé, e abrir os olhos
maravilhados pela primeira vez no mundo justo de Deus e diante do
rosto terno e amoroso do Filho de Deus.
Foi a dureza de coração que fez com que algum espectador
contivesse as lágrimas de simpatia, quando viu o pobre
endemoninhado cessar os delírios loucos, as perambulações entre
as sepulturas e as cruéis automutilações, e estar sentado, vestido e

349
em sã consciência aos pés daquele que o salvou de seus
torturadores demoníacos.
Mas mesmo esses milagres de amor parecerão nada em
comparação com as libertações daquela noite gloriosa, quando o
Senhor chamará o Seu povo e, em resposta, os inválidos de anos,
os cegos, os paralíticos, os mutilados, os tuberculosos, os
acometidos de febre, os lunáticos oprimidos, os possessos por
demônios, os abatidos pela idade, pelas dores, pelos cuidados, pelo
luto, pela perseguição e pela fadiga de trabalhos árduos surgirão
dos lugares de dificuldades, nos quais foram graciosamente
capacitados a ganhar a alma na perseverança (cf. Lc 21.19) e a
bradar de alegria, porque o ano dos remidos do Senhor chegou.
E derrubando todos os grilhões da morte, perdendo todas as
cicatrizes e desfiguração conforme se levantam, unidos pela
companhia dos que dormiam, eles subirão em um corpo glorioso à
presença do Rei.
Como Cristo será precioso para eles! Como será indizível a
largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo,
quando eles forem separados de todas as coisas más e arrebatados
nas nuvens ao lugar onde Ele os espera, onde bradarão um clamor
arrebatador: “Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou
dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu
Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos.
Amém!” (Ap 1.5-6).
Os que forem convocados para a reunião exultante ver-se-ão
repentinamente arrebatados, sem dúvida pelo poderoso poder do
Espírito por quem foram selados até o dia da redenção. Ai de todos
os que tiverem entristecido o Espírito de Deus naquela noite
desconhecida e fatídica!
As palavras gregas ε ἰ ς ἀ πάντησιν (eis apantēsin, “para o
encontro”, 1Ts 4.17) implicam que os que irão ao encontro do
Senhor nos ares irão subsequentemente voltar à terra com Ele[217], e
não sem Ele. Não haverá mais separação entre eles e o amado
Salvador, ou os amigos que Ele restaurará para eles. Daí em diante,
estaremos para sempre com o Senhor; seguiremos o Cordeiro para
onde quer que Ele for.

350
E é com pensamentos nesse futuro glorioso que devemos
consolar uns aos outros em nossas lutas. E não pela comunicação
com demônios, que fingem ser os espíritos de parentes mortos para
nos atrair aos caminhos da destruição, mas por olhar ao tempo em
que Cristo virá e, com todas as outras bênçãos, nos restaurará para
sempre aqueles a quem amamos e perdemos por um tempo.

351
Capítulo 53
OM C

A
o escrever aos crentes coríntios, o apóstolo Paulo os convida
a considerarem a ele e seus colegas como “despenseiros dos
mistérios de Deus” (1Co 4.1). A expressão é distorcida pelos
sacerdotalistas de acordo com pontos de vista próprios, e
interpretada com o significado de “administradores dos
sacramentos”.
Mas nem o batismo, nem a ceia do Senhor são chamados de
mistério no Novo Testamento. O termo é invariavelmente aplicado
às revelações dadas pelo Espírito para serem comunicadas à igreja.
A natureza dos mistérios dos quais Paulo foi despenseiro, ou
mordomo, pode ser facilmente compreendida pela seguinte lista
completa daqueles que são mencionados em suas epístolas.

OS MISTÉRIOS CONFIADOS REFERÊNCIAS


A PAULO BÍBLICAS
1. O mistério da atual condição de Romanos 11.25-26
Israel e sua futura libertação
2. O mistério da sabedoria de Deus 1Coríntios 2.7
3. O mistério da ressurreição: nem 1Coríntios 15.51-52
todos dormiremos, mas todos
seremos transformados
4. O mistério da vontade de Deus Efésios 1.9

352
5. O mistério do casamento como tipo Efésios 5.32
de Cristo e a igreja
6. O mistério do evangelho Efésios 6.19
7. O mistério de Cristo Colossenses 4.3
8. O mistério da iniquidade 2Tessalonicenses
2.7
9. O mistério da fé 1Timóteo 3.9
10. O mistério da piedade 1Timóteo 3.16
11. O mistério[218] da igreja Romanos 16.25;
Efésios 3.3-12;
Colossenses 1.26-
27; 2.2

O mistério da igreja é o grande mistério da atual dispensação e o


mais mencionado de todos. A palavra diz que esteve oculto ao longo
das eras, e seu segredo era que Deus convidaria judeus e gentios,
sem distinção, para serem um em Cristo, tornarem-se membros do
Seu corpo, de Sua carne e de Seus ossos e serem participantes de
um destino celestial. Como já vimos, o Senhor revelou alguns
detalhes nas sete parábolas e, ao fazê-lo, cumpriu-se a profecia:
“Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei coisas ocultas desde
a criação do mundo” (Mt 13.35).
A Bíblia fala acerca do término do mistério, dizendo: “Nos dias da
voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta,
cumprir-se-á, então, o mistério de Deus” (Ap 10.7). Nesse momento,
o último membro da igreja dos primogênitos terá sido aperfeiçoado
e, ao soar da sétima trombeta, será realizada sua assembleia geral.
Mas agora surge a pergunta: Esse evento é o mesmo que Paulo
descreve na Primeira Epístola aos Tessalonicenses?
Diversas razões nos induzem a pensar que não. Primeiro, porque
Paulo não inicia a descrição com aviso das perseguições violentas
ou julgamentos sobrenaturais, que ocorrerão pouco antes do
mistério se consumar.
E mais, nos primeiros cinco versículos de 1Tessalonicenses 5, ele
trata claramente o arrebatamento como algo que inicia o Dia do
Senhor, assim como Jesus faz quando aponta o mesmo evento
como sinal de Sua presença nos ares. O mesmo ocorre em
2Tessalonicenses, quando ele exortou os tessalonicenses pela

353
vinda de Cristo e nossa reunião com Ele, a não se persuadirem de
que o Dia do Senhor já estivesse então acontecendo (2Ts 2.1-2),[219]
ele deixou claro que a vinda e a reunião devem ocorrer antes desse
dia.
Por outro lado, o estrondo que sinaliza a consumação do mistério
soa apenas no final do tempo do julgamento. O período do sétimo
anjo inclui o derramamento final das taças da ira, cujas pragas serão
de tal natureza que sua duração será restrita, ou nenhuma carne se
salvaria. Além disso, seus horrores são cumulativos, visto que, com
a quinta taça, vemos os homens blasfemando contra Deus pelo que
ainda estão sofrendo desde a primeira taça (Ap 16.2, 11).
O arrebatamento do qual Paulo fala e o cumprimento do mistério
de Deus são, ao que parece, eventos distintos, e não há falta de
prova de que a igreja será reunida ao Senhor em dois
arrebatamentos, um ocorrendo antes e o outro depois da grande
tribulação e das perseguições do Anticristo. Mas apresentaremos a
prova dessa verdade depois que tenhamos considerado uma
dificuldade que tem incomodado a muitos.
Costuma-se perguntar que se Paulo não inclui a igreja inteira no
arrebatamento que ele fala, por que ele diz: “Depois, nós, os vivos,
os que ficarmos, seremos arrebatados” (1Ts 4.17), sem dar
indicação de possíveis exceções à regra?
A dificuldade é sanada por duas considerações. Primeiramente,
Paulo diz “seremos arrebatados” e não “todos seremos
arrebatados”. O significado da omissão será dado daqui a pouco.
Em segundo lugar, o testemunho de outros textos bíblicos mostra
que haverá um segundo arrebatamento na hora marcada para a
assembleia da igreja[220] e que, portanto, devemos considerar as
palavras do apóstolo como declaração geral, que expressa o que
deve ocorrer e potencialmente pode ocorrer com todo cristão.
Comparemos a passagem “Depois, nós, os vivos, os que ficarmos,
seremos arrebatados” com esta em que ele diz: “Aos homens está
ordenado morrerem uma só vez” e, no versículo seguinte, ele revela
o segredo de que alguns escaparão da morte (Hb 9.27-28) ou, como
ele coloca em sua epístola aos crentes coríntios, que “nem todos
dormiremos” (1Co 15.51).

354
Semelhantemente, o Senhor prometeu a seus discípulos: “Em
verdade vos digo que vós, os que me seguistes, [...] também vos
assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt
19.28). Nessa ocasião, Judas o seguia e era um dos doze. Mas não
é possível que o traidor ocupe um trono na regeneração, visto que o
Senhor depois fala que ele é o “filho da perdição” (Jo 17.12).
Vemos o quanto é significativa a omissão da palavra “todos” no
discurso contido em João 5. O Senhor revela os três atos de poder
pelos quais Ele mostrará que, “assim como o Pai ressuscita e
vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem
quer” (Jo 5.21). O primeiro é a ressurreição do espírito, isto é, a
conversão (Jo 5.24).
O segundo ato de poder é a ressurreição física dos Seus na Sua
vinda. Embora nessa ocasião Ele irá ressuscitar apenas alguns
dentre os mortos, Ele diz: “Os mortos ouvirão a voz do Filho de
Deus” (Jo 5.25).
Mas quando Ele fala do terceiro ato de poder, ou seja, a
ressurreição de todos os mortos, Ele descreve a ressurreição de
“todos os que se acham nos túmulos” (Jo 5.28).
Há pouca dificuldade em relação à passagem na Primeira
Epístola aos Tessalonicenses. Mas na Primeira Epístola aos
Coríntios, temos de lidar com uma declaração muito mais precisa.
“Nem todos dormiremos”, diz o apóstolo, “mas transformados
seremos todos, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao
ressoar da última trombeta” (1Co 15.51-52). Não há possibilidade de
interpretar mal a afirmação, pois só pode significar que todos os
verdadeiros cristãos que estiverem vivos na época a que se faz
referência serão transformados e arrebatados. Mas o tempo é o da
última trombeta, e a palavra “última” evidentemente implica que as
outras já foram tocadas. Consequentemente, é provável que Paulo
se referisse à sétima trombeta do livro do Apocalipse, cujo toque
anunciará que o mistério se consumou.
Agora estamos preparados para entender as repetidas alusões
no Apocalipse a dois arrebatamentos.[221] O primeiro, como já
observamos, dissolverá a igreja como instituição na terra e abrirá o
caminho para a retomada da obra de Deus com os judeus. Deus
nunca teve e é provável que nunca terá dois povos eleitos na terra

355
ao mesmo tempo, sob diferentes alianças e diferentes leis. O
segundo arrebatamento, por outro lado, completará o número da
igreja no céu.
Para mencionar algumas características desses dois
arrebatamentos, já ressaltamos a distinção entre o arrebatamento
que Paulo descreve e a consumação do mistério de Deus. Também
mostramos que os primeiros três capítulos do Apocalipse tratam
apenas de assuntos que dizem respeito à dispensação cristã, ao
passo que a partir do capítulo 4, já no início, João é chamado ao
céu tipologicamente, a igreja desaparece completamente, as tribos
de Israel destacam-se e a dispensação é mudada, sendo ouvido
entre o povo de Deus o clamor do Antigo Testamento por vingança.
[222]
Mas esse período, durante o qual a igreja não é reconhecida na
terra, não é o tempo da perseguição do Anticristo, cujas vítimas são
posteriormente encontradas entre os eleitos celestiais? (Ap 20.4).
Elas devem, portanto, ter sido levadas para o céu em um segundo
arrebatamento. Portanto, o Filho Varão é arrebatado antes que o
Anticristo receba o poder.[223]
Mas, em Apocalipse 7, há diante do trono uma grande multidão
dos que saíram da “tribulação, a grande” (Ap 7.14, tradução literal
do original grego) e que completam os números da primeira
ressurreição.
Da mesma forma, Apocalipse 14 começa com a descrição de
cento e quarenta e quatro mil em pé com o cordeiro no monte Sião,
[224]
tendo sido redimidos da terra e provenientes dentre os homens,
como as primícias para Deus e para o Cordeiro.
Depois, seguem-se três mensagens angelicais, uma das quais
tem referência especial com a perseguição do Anticristo.
Logo após, nossa atenção é dirigida para a colheita, que é
reunida pelo próprio Senhor com uma “foice afiada” (Ap 14.14).
Indubitavelmente, o adjetivo alude à terrível disciplina, à qual os
cristãos que permaneceram na terra estarão sujeitos durante o
reinado da besta.
Após a colheita, temos, ainda na ordem da natureza, a vindima
ou destruição dos ímpios, de modo que o capítulo nos apresenta o
fim contrastante de todos os que estiverem vivos quando Cristo
descer para os ares.

356
Outra indicação dos dois arrebatamentos acha-se no mar de
vidro que João viu diante do trono, e conseguiu entender (Ap 4.6). O
aparecimento dos dois altares com as sete tochas de fogo para
representar o candelabro, e o trono com os querubins no lugar da
arca, devem ter-lhe imediatamente sugerido que o mar de vidro era
o padrão celestial da pia de bronze e do mar fundido.
A pia, que ficava no pátio do tabernáculo, representava
santificação, assim como o altar de bronze representava a
justificação. Cabia aos sacerdotes lavar-se antes de prosseguir para
servir no Lugar Santo. Portanto, o mar que João viu é o elemento
purificador pelo qual devem passar os que seguirão sem medo para
prestar serviços diante do trono. O que é esse elemento, Paulo
revela quando fala de Cristo amar a igreja e entregar-se por ela,
“para que a santificasse, tendo-a purificado pela lavagem de água
com a palavra” (Ef 5.26, ).
Por conseguinte, os que passam por este mar de vidro são
homens tão dotados de fé nas revelações de Deus, que Seu Espírito
pode aplicar a palavra com poder em seus corações e purificar seus
caminhos, fazendo-os obedecer a ela. A pia celestial era clara como
cristal e sem mistura,[225] quando João a viu preparada para a
santificação daqueles cujo arrebatamento era representado pelo
seu. Mas, um pouco mais tarde, em Apocalipse 15, ele viu a pia em
condição muito diferente.
Era “um mar de vidro, mesclado de fogo” (Ap 15.2). Outro
elemento purificador foi adicionado à água, o qual, em todo o Novo
Testamento, é usado como figura do castigo agonizante de Deus,
por meio do qual a carne é consumida e destruída, enquanto o
espírito é purificado e tornado branco.
O que isso significa especialmente neste caso, não temos
dificuldade em descobrir, pois na praia do mar mais próxima do
trono está uma multidão alegre que passou e emergiu
triunfantemente de suas águas dolorosas: são os que “venceram a
besta, a sua imagem e o número de seu nome” (Ap 15.2, ).
Deixados para trás na terra, eles suportaram até o fim o período da
prova de fogo, através da hora da provação. Eles são a colheita que
o Senhor colheu com uma foice afiada, mas que agora está

357
seguramente recolhida no celeiro celestial, para onde as primícias já
haviam sido transportadas.
Com tanto testemunho a respeito dos dois arrebatamentos, não
ficamos surpresos ao descobrir que, quando finalmente o céu se
abre e o Senhor e Sua igreja são revelados em glória, diz que Ele é
seguido pelos “exércitos[226] que há no céu” (Ap 19.14), as diferentes
divisões que constituem um corpo.
Por fim, em Apocalipse 20, a assembleia completa da igreja dos
primogênitos é descrita nestes termos:

Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada


autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do
testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos
quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não
receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo
durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se
completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. (Apocalipse
20.4-5)

Na passagem, discernimos três diferentes classes de crentes


glorificados. Primeiramente, há os que são vistos assentados nos
tronos e que são o grupo que será arrebatado para o Senhor no
início da parousia (presença). Depois, há os que, sendo deixados
para trás, serão martirizados pelo testemunho de Jesus durante a
sétima semana. E por último, há os que serão testemunhas fiéis de
Cristo nos tempos da provação, não tendo adorado a besta e nem a
sua imagem, mas que escaparão da morte, ou pelo menos da morte
por perseguição. A primeira classe ocupa posição mais alta do que
as outras, mas todas viverão e reinarão com Cristo por mil anos,
enquanto o restante dos mortos só será trazido de volta à vida no
final daquele período.
Assim, os santos glorificados que João viu são os que, nas
palavras do Senhor, serão considerados dignos de alcançar aquela
era (το ῦ αί ῶ νος ἐ κείνον, tou aiōnos ekeinou) e a ressurreição
dentre os mortos (Lc 20.35). Eles viverão e reinarão durante a era
milenar, enquanto os demais ainda estarão confinados na morada
dos espíritos desencarnados. Eles não esperarão pelo

358
despertamento geral, mas serão levantados dentre a grande
multidão de mortos e participarão da primeira ressurreição.
Não deixemos de notar que seu reinado limita-se a um tempo
determinado. Portanto, este reino não é idêntico à vida eterna, nem
mesmo à herança que, como Pedro diz, é “imarcescível”. É algo
adicional a ambos e especial. E sempre que é mencionado no Novo
Testamento, está mais relacionado com os frutos da fé do que com
a fé abstrata.
A expressão “as almas dos decapitados” (Ap 20.4) é peculiar, e
seu possível significado não é muito óbvio para o leitor simples. Em
grego, uma mesma palavra significa “alma” e “vida”, o tipo de vida
que nos permite regozijar em tudo o que Deus criou. O Senhor usa
esta palavra na frase frequentemente citada: “Quem quiser salvar a
sua vida [ou alma] perdê-la-á; e quem perder a vida [ou alma] por
minha causa achá-la-á” (Mt 16.25). Da promessa da última frase,
todos os que se gastam e se deixam gastar a serviço do Senhor,
são herdeiros, e especialmente aqueles cujo amor os impele a
seguir no caminho da obediência, embora a morte se mostre no
caminho.
Há um gracioso reconhecimento disso em uma visão anterior, na
qual as almas dos mártires foram vistas debaixo do grande altar,
derramadas como o sangue de um sacrifício que fora oferecido a
Deus. Tal sacrifício, com o qual Ele se agrada, foi apresentado por
aqueles que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus.
Por ordem do Senhor, eles lançaram suas vidas ao chão, e agora,
em troca de poucos e maléficos anos de uma existência na vida
mortal, Ele lhes deu o prolongamento de dias, até vida para sempre.
Esse é o evidente ensino da Escritura que a igreja subirá ao
Senhor em duas divisões, a primeira das quais deixará a terra no
início da parousia, e a outra no final. Mas é mais importante lembrar
que a hora marcada para a reunião completa será ao soar da sétima
trombeta. Então o mistério de Deus estará consumado, e o convite
aos judeus e gentios para tornarem-se um em Cristo, como povo
celestial, será retirado.
Portanto, até agora, pelo menos no que diz respeito aos vivos, ter
parte no primeiro arrebatamento é uma recompensa e privilégio
dado apenas àqueles a quem o Senhor, quando vier, achar vigiando.

359
Envolve imunidade aos terríveis infortúnios do fim. É a bênção pela
qual o Senhor nos exorta a lutar, quando nos manda tomar cuidado
para que, vindo de repente, Ele não nos encontre dormindo.
Aqueles que a alcançarem terão assegurado o cumprimento de sua
promessa: “Porque guardaste a palavra da minha perseverança,
também eu te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o
mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra” (Ap
3.10).
A promessa é de interesse vital para nós, que estamos, como
parece termos chegado, no fim dos tempos. Ela não pode ser mal
interpretada, pois não tem nada a ver com os judeus, mas ocorre
em uma das cartas às igrejas. Não é dada incondicionalmente aos
meros crentes, mas apenas aos que andam consistentemente e
estão dispostos a perseverar com Cristo. Para eles, traz a certeza
de escapar de uma provação pela qual todos os outros homens
deverão ser provados, visto que ela sobrevirá ao mundo inteiro. E
como o próximo versículo sugere, sua libertação será operada pelo
advento pessoal do Senhor (Ap 3.11).
Vemos o quão sinceramente Ele anseia por resgatar os Seus da
terrível provação, pela qual de outra forma eles deverão passar, pelo
memorável, mas muito negligenciado mandamento no Evangelho de
Lucas, que Ele proferiu logo após ter retratado os terrores da última
semana de Daniel: “Vigiai, pois, a todo tempo, orando, para que
possais escapar de todas estas coisas que têm de suceder e estar
em pé na presença do Filho do Homem” (Lc 21.36).
Também é impossível confundir o significado dessas palavras, a
menos que o façamos deliberadamente. Elas dão a entender que o
cristão, embora seguro da vida eterna, não está seguro de ser
arrebatado da terra antes dos problemas da última semana de
Daniel. O favor será concedido apenas aos que progrediram na
santidade, aos que foram fortalecidos com poder no homem interior,
para que possam vigiar e orar. O crescimento na graça pode ser
alcançado por todos os crentes, o poder da vigilância e oração é
dado a cada homem em sua conversão, mas para que ele o coloque
em ação, ele deve querer negar a si mesmo, tomar sua cruz e
seguir o Mestre. Portanto não haverá dúvida quanto à questão,
porque “fiel é o que vos chama, o qual também o fará” (1Ts 5.24).

360
Mas o Senhor não pensa em arrebatar os crentes de mentalidade
mundana das labutas da vida para a alegria de Sua presença; nem
pensa em admiti-los à honra e à imortalidade pela porta da glória em
vez de pelo vale escuro da Morte. Aqueles que em vão esperam tal
coisa são como os judeus, que gostariam que Cristo os
encabeçasse como o Rei vitorioso, quando ainda não os havia
salvado de seus pecados. Ele não concederá ao servo descuidado e
indolente a bênção que Paulo ansiava, mas não recebeu, a alegria
de ser revestido, sem a necessidade de se livrar deste invólucro
mortal.
Assim, Ele exorta-nos a sempre vigiar e orar, para que sejamos
considerados dignos de escapar do tempo dos maiores problemas e
permanecer em pé diante Dele, enquanto tais problemas
acontecem. Quem obedecerá ao mandamento? Quantos até entre
os leitores deste livro? Mas Suas palavras não podem ser
menosprezadas impunemente, e gostaríamos de sugerir um
pensamento solene. Entre aqueles que primeiro subirem para
encontrá-lo nos ares, não haverá uma única pessoa que tenha
negligenciado o mandamento amoroso vindo da própria boca do
Senhor.
Portanto, não podemos deixar de ver a astúcia do adversário, que
ardilosamente trabalha para apanhar os cristãos desprevenidos nos
argumentos pelos quais muitos se esforçam em fugir da
responsabilidade do mandamento do Senhor e em lançá-la aos
judeus. Contudo, tal fuga é impossível, pois o Evangelho de Lucas
não possui características judaicas como o de Mateus, mas é
especialmente dirigido aos cristãos, fossem eles anteriormente
judeus ou gentios.
O discurso no monte das Oliveiras foi proferido depois que o
Senhor, no que dizia respeito ao primeiro advento, rejeitou os
judeus. Ele acabara de sair do templo, quando proferiu as palavras
sinistras: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta” (Lc 13.35). Nem
mesmo o Santo dos Santos era propriedade de Deus; Suas relações
com os judeus foram suspensas, porque eles rejeitaram o Rei.
Consequentemente, todo o sermão foi dirigido aos discípulos
como representantes do corpo que agora tomaria o lugar de Israel
como testemunhas de Deus.

361
Para os discípulos, e somente para os discípulos, a previsão
poderia ser aplicada. As sinagogas seriam inimigas deles (Lc 21.12).
Eles sofreriam perseguição por causa de Cristo antes da destruição
de Jerusalém por Tito (Lc 21.12, 17). O sinal prometido para a fuga
é aquele de que os cristãos realmente se valeram (Lc 21.20),[227]
mas pelo qual, tanto quanto sabemos, nem um único judeu foi salvo.
O intervalo entre a sexagésima nona e a septuagésima semana está
assinalado claramente como “os tempos dos gentios” (Lc 21.24) e
não apenas inferido, como acontece nas profecias judaicas. E, por
último, muito pouco é dito acerca da septuagésima semana, a qual
diz respeito principalmente aos judeus.
Assim, uma vez que tanto o cenário como todo o conteúdo da
profecia mostram que ela é distintamente cristã, não podemos
consentir em separar e referir aos judeus a ordem que está no final,
pela qual uma aplicação prática é feita de tudo o que foi falado
anteriormente.
A outra objeção de que o título “Filho do Homem” não tem nada a
ver com as relações de nosso Senhor com a igreja e, por isso,
nunca é usado por Paulo, é mera conjectura e não tem forca para
opor-se ao argumento afirmado acima. Os que levantam a objeção
não mostram muita perspicácia crítica, pois os fatos são os que
passamos a apresentar.
O Senhor, ao descrever a si mesmo, usa a expressão Filho do
Homem, mas, com uma única exceção, nunca é aplicada a Ele por
seus seguidores em qualquer parte do Novo Testamento. A possível
razão é que o título era considerado título de humilhação, que não
sairia bem dos lábios dos servos, mas deveria ser abandonado pela
condescendência graciosa do Mestre.
No entanto, o único homem que está registrado ter usado a
expressão foi o mártir Estêvão, que era membro da igreja. Pouco
antes da morte, ele exclamou: “Eis que vejo os céus abertos e o
Filho do Homem, em pé à destra de Deus” (At 7.56). Isso não nos
leva a considerar que o título carece de significado para a eleição
celestial. Nem o fato de que, quando o Senhor apareceu a João —
na época, um representante da igreja — era o Senhor “semelhante
a filho do homem” (Ap 1.13), e que o apóstolo posteriormente o
descreveu nos mesmos termos quando o viu sentado em uma

362
nuvem branca, esperando para ceifar a colheita que deveria ser
levada do campo (Mt 13.38) para a Sua companhia acima (Ap
14.14).
Mas, se crentes irrefletidos e inconsistentes forem deixados na
terra durante a maior parte da última semana de Daniel, embora não
sejam mais reconhecidos como igreja, haverá alguns traços leves
de sua presença durante os tempos de luta. É o que identificamos
nas passagens que falam que a besta os oprime e eles a vencem,
bem como nas seguintes passagens.
Quando os mártires judeus clamam por vingança, eles são
convidados a descansar com paciência até que “seus conservos e
seus irmãos” sejam mortos (Ap 6.11). Os irmãos são, sem dúvida, o
remanescente judeu, e os conservos são os cristãos.
Já concluímos que a mulher em trabalho de parto representa o
sistema de Deus na terra, seja cristão ou judeu. Agora, após o
arrebatamento de seu filho e sua fuga do dragão, este retorna para
fazer guerra contra o remanescente da semente da mulher, “os que
guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus”
(Ap 12.17). A descrição, como já observamos, abrange todo o povo
de Deus que estiver ao alcance do dragão naquele momento. A
primeira frase do versículo que acabamos de citar refere-se aos
judeus piedosos, e a segunda aos cristãos.
Talvez, quando lemos sobre a quantidade de incenso que é dado
a um anjo, para que ele o adicione às orações de “todos os santos”
(Ap 8.3), devemos entender que, na crise solene do julgamento
renovado, as súplicas estão subindo a Deus provenientes de ambas
as classes dos que o temem, e dos que estão sofrendo opressão na
terra.
Antes de encerrar o assunto, observemos que no futuro de Israel
há uma analogia exata com o caso dos cristãos que terão de passar
pela grande tribulação.
Em Apocalipse 7, um anjo traz o selo do Deus vivo para imprimi-
lo na testa de seus servos, e doze mil homens são distinguidos em
cada uma das doze tribos de Israel. Mas elas não são as doze
tribos. O número doze aqui é formado de maneira incomum,
contando a tribo geralmente omitida de Levi e deixando de fora a de
Dã.

363
Há muitas razões para a exclusão da tribo de Dã. Uma nuvem
negra sobrepaira toda a história do clã, cujo fundador viu a luz pela
impaciência rebelde de Raquel, e foi o primeiro filho de uma serva
introduzida na família de Jacó.
Ao abençoar seus filhos em seu leito de morte, o patriarca Jacó
não conseguiu encontrar senão a comparação sinistra de uma
serpente para Dã. Moisés falou que a tribo é “leãozinho” (Dt 33.22),
mas o acréscimo agourento das palavras “saltará de Basã”,
conecta-o com o leão que ruge, que anda em busca de alguém a
quem possa devorar, e não com o Leão da tribo de Judá. O monte
de Basã opõe-se ao monte de Deus (Sl 68.15-16), os seus fortes
touros mugem contra o Filho de Deus (Sl 22.12-13), as suas vacas
oprimem os pobres e esmagam os necessitados (Am 4.1), os seus
carvalhos são altos e levantados em rebelião orgulhosa (Is 2.13).
A tribo não desmentiu as previsões a seu respeito. Astúcia,
habilidade e força eram suas características. No deserto, era inferior
em número apenas a Judá, e ficava na retaguarda da marcha.
Forneceu um dos dois artistas habilidosos que trabalharam no
tabernáculo (Êx 31.6). O principal operário de Salomão estava
ligado à tribo de Dã (2Cr 2.14). Foi de suas fileiras que urgiu
Sansão, o grande libertador, mas de forma alguma um perfeito servo
de Deus (Jz 13.2, 24).
Por outro lado, a mãe israelita do homem apedrejado por
blasfêmia era danita (Lv 24.11). Logo após a entrada do povo em
Canaã, alguns da tribo de Dã foram os primeiros a estabelecer a
idolatria (Jz 18.1-31), de modo que, em tempos subsequentes, sua
cidade foi um local adequado para o estabelecimento do bezerro de
Jeroboão (1Rs 12.29-30). E talvez, por terem sido uma pedra de
tropeço para Israel, nada é dito sobre Dã nas genealogias de
Primeira Crônicas.
Os detalhes apontam para as razões pelas quais a tribo de Dã foi
excluída do selamento, mas qual é a importância da exclusão? Será
que os danitas serão destruídos e desaparecerão para sempre entre
os filhos de Israel?
Não será assim, pois a selagem ocorre antes das trombetas e
taças, e temos no último capítulo de Ezequiel duas outras listas de
tribos, relacionadas com tempos posteriores e milenares, em ambas

364
as quais o nome Dã reaparece. Ele terá sua porção na terra
restaurada de Canaã, mas será no extremo norte, na região mais
distante do templo que o Messias irá construir (Ez 48.1), e uma das
doze portas na Jerusalém milenar será a porta de Dã (Ez 48.32).
Portanto, a tribo de Dã não foi excluída do selamento para ser
extinta, mas para ser disciplinada. O anjo com o selo aparece
exatamente quando quatro outros ministros de Deus estão prestes a
liberar os julgamentos divinos sobre a terra, e em alta voz ordena
que eles se contenham até que ele tenha selado os servos de Deus
para serem preservados (Ap 7.1-3). Então, quando os gafanhotos
infernais são soltos do abismo, sua missão é ferir os homens que
não têm o selo de Deus na testa (Ap 9.4).
Consequentemente, a tribo de Dã não será isenta dos tormentos
desta e de outras pragas, e assim vemos o paralelismo entre o caso
deles e o dos cristãos não preparados.
Não foi sem significado que Jacó, ao falar do futuro de Dã,
proferiu a exclamação: “A tua salvação espero, ó S !” (Gn
49.18). Através da visão profética, ele discerniu que haveria
dificuldades no modo de salvar essa tribo, as quais só poderiam ser
superadas por uma disciplina peculiar mais demorada.

365
Capítulo 54
C

C
remos que já foi dito o suficiente nos capítulos anteriores
para apresentar o grande segredo que o Senhor revelou aos
que o temem. A qualquer momento de qualquer dia ou hora,
Ele pode descer aos ares e requerer nossa assistência imediata.[228]
Para nós, todo o dever da vida é manter um estado de contínua
prontidão para deixar nossa habitação terrena e estar diante Dele
face a face.
É o que podemos fazer mantendo-nos próximos a Ele em
comunhão espiritual, sempre esperando e zelando por Ele, e
ocupando o tempo restante de Sua ausência nas obras para as
quais Ele nos chamou. Como Paulo, devemos trabalhar para que
sejamos aceitos por Ele (2Co 5.9).
Se alguém perguntar: Quem, porém, é suficiente para essas
coisas? Responderemos: Nenhum homem em sua própria força,
mas o poder será dado a todos que séria e sinceramente o desejar.
A revelação de Deus declara que toda graça nos é oferecida
gratuitamente, e que o único obstáculo surge de nossa hesitação
em receber Seus dons, porque nos esquivamos das
responsabilidades que acarretam o recebimento da graça, e porque
amamos o mundo presente.
Algumas vezes, a fraseologia da Bíblia é muito instrutiva com
relação a esse ponto.

366
“Não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução”, diz
Paulo, “mas enchei-vos do Espírito”[229] (Ef 5.18). A segunda frase
do versículo não é uma ordem tão direta quanto a primeira? Em
outro lugar, o mesmo apóstolo, depois de citar as palavras: “Ainda
uma vez por todas, farei abalar não só a terra, mas também o céu”,
acrescenta: “Por isso, recebendo nós um reino inabalável,
retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável,
com reverência e santo temor” (Hb 12.26, 28).
Mas muitos cristãos não conseguem obter a graça necessária,
porque recusam-se a encarar o futuro que a palavra de Deus lhes
apresenta. Rejeitam a doutrina da vinda pessoal do Senhor que é
apresentada em seus termos claros ou, no mínimo, praticamente a
ignoram.
Mas se não amam a manifestação de Jesus, como obterão a
coroa da justiça? (2Tm 4.8). Se não tiverem essa esperança, como
se purificarão assim como Ele é puro? (1Jo 3.3).
Não é incomum ouvir os crentes que têm alguma ideia desta
verdade, mas não ousam estender as mãos trêmulas para agarrá-la.
Eles desculpam-se com a observação de que, embora não cuidem
em pensar na volta do Senhor, eles preparam-se para a morte. Se
estão prontos para a morte, então também estão para a vinda de
Jesus, caso ela aconteça em suas vidas.
Está certo pensar assim? Com base em que princípio explicamos
o fato de que, em todo o Novo Testamento, nunca recebemos o
mandamento de nos preparar para a morte, mas que somos
repetida e urgentemente advertidos de que a vinda do Senhor está
perto e exortados a vigiar e orar, para que, vindo de repente, não
nos encontre dormindo? Não somos forçados a uma conclusão
diretamente oposta à opinião de que nos é suficiente manter a morte
em vista?
Basta um pouquinho de reflexão para capacitar nossa mente
débil a justificar o caminho que Deus tomou a respeito da questão
em vista.
Quando um espírito desencarnado passa para o mundo invisível,
ele vai para o seu lugar, para o seu lado apropriado do abismo
intransponível. Mas, se for um espírito salvo, será possível que sua

367
condição permaneça inalterada até a ressurreição? Todas as
analogias com as obras conhecidas de Deus proíbem tal suposição.
Aquele que está livre do corpo do pecado e das distrações dos
sentidos, pode concentrar a atenção no glorioso Ser que é e será
tudo para Ele. Tal pessoa poderia fazer isso e desfrutar da presença
espiritual[230] do seu Salvador sem progredir ou sem se tornar cada
vez mais apto para ser manifestado com Cristo em glória?
Impossível!
No caso dos espíritos redimidos, parece que algum preparo para
a glória acontece durante o estado intermediário.
Por outro lado, os que estiverem vivos quando o Senhor vier não
terão essa vantagem, mas terão de passar imediatamente das
cenas terrestres para a plena luz da majestade divina. Essa será
uma mudança muito mais abrupta e séria, de modo que não
precisamos nos maravilhar com a direção tomada pela
admoestação bíblica. Quem está assim preparado para encontrar
seu Juiz e Rei tem pouca necessidade de se preocupar com a
morte. Mas o inverso da proposição não pode ser mantido de forma
alguma.
Talvez o erro de alguns de nós conduza na direção oposta à que
estamos discutindo. Pode ser que reconheçamos a certeza da volta
do Senhor e até amemos conversar sobre o assunto solene; mas
estamos falando sério? Os desejos que expressamos são reais e as
palavras não fingidas?
Na época do primeiro advento, os fariseus haviam falado por
muitos anos sobre a vinda do Messias; eles gloriavam-se Nele e
engrandeciam-se acima dos outros por causa Dele. Quando
ouviram a pergunta: “Onde está o recém-nascido Rei dos judeus?”
(Mt 2.2), alarmaram-se com toda a Jerusalém. O que os lábios
professavam foi subitamente colocado à prova, e não se
importavam nem com Deus nem com Seu Cristo!
Vinham usando os nomes santos apenas para dar autoridade a
seus ensinos, para apoiar um sistema que haviam desenvolvido e
que os colocava em posições de honra e influência. Sentindo
instintivamente que o Senhor da glória nunca seria persuadido a
promover objetivos tão egoístas como os deles, eles ficaram
perturbados quando Ele nasceu, e posteriormente quando Ele se

368
apresentou como Profeta e Rei, eles o odiaram, rejeitaram e
crucificaram.
Essa história de hipocrisia será repetida? Há muitas razões para
temer que, na medida do possível, assim será no caso de muitos,
pois quando Ele vier novamente, glorioso em Suas vestes e
viajando na grandeza de Seu poder, não teremos força para negá-
lo, mas Ele poderá nos rejeitar. “Filhinhos, agora, pois, permanecei
nele, para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança e
dele não nos afastemos envergonhados na sua vinda” (1Jo 2.28).

* * *

Nossa tarefa está cumprida. Não nos propomos a falar neste livro
sobre a última semana de Daniel, a era milenar e o julgamento final.
Consideramos as grandes profecias gentílicas e judaicas para
entendermos melhor os tempos da igreja, e traçamos o curso da
igreja, desde o início, até que a virmos no céu com seu Senhor.
Seus membros glorificados esgotaram os sofrimentos designados
para sua santificação e agora viverão e reinarão com Ele. Nenhum
deles poderia evitar as dores, as ansiedades, os cuidados e as
mesquinharias da vida, mas eles foram elevados acima de todas
essas coisas pelo poder da ressurreição de Jesus, e vejam só, as
coisas antigas passaram e os dias de choro terminaram.
Ó almas cansadas e preocupadas, olhem para cima e
contemplem a visão gloriosa! Não é mero sonho de deleite não estar
em breve sendo arrastado pela correnteza infindável da aflição.
Não, é a alegria que nosso Senhor de amor, que não pode mentir,
colocou diante de nós. Se nos apegarmos a Ele com propósito de
coração, Ele, por Seu poder onipotente, nos levará com segurança a
essa alegria, ainda que por meio de muitas tribulações.
O simples pensamento de suas promessas não alivia o peso da
cruz? Dores, conflitos e perplexidades estão aumentando no mundo,
mas tais coisas nos fazem clamar com mais fervor ainda: “Venha o
teu reino!” (Mt 6.10). No quarto do doente, ou no local de trabalho
doloroso, ou no sótão solitário, ou na casa cheia em que
peregrinamos como estranhos entre pessoas desagradáveis, ou
diante da sepultura recém-aberta, ou no lar abandonado, enfim,

369
sempre que a carga da angústia humana nos oprima com mais
força, regozijemo-nos, mesmo na tristeza, porque o tempo de
sofrimento em breve terá passado — Ele disse: “Eis que venho sem
demora” (Ap 22.12). Então, Deus enxugará dos nossos olhos todas
as lágrimas, e não haverá mais morte, nem pranto, nem choro, nem
dor.

370
371
[1]
Portanto, o livro de Apocalipse trata do futuro, a começar da época em que
foi escrito, e somente do futuro. Não violamos essa regra, como fomos acusados,
quando interpretamos que a mulher em trabalho de parto em Apocalipse 12 é a
igreja em aflição. Embora suas aflições tivessem começado muitos anos antes de
João ter a visão, elas continuavam na época em que ele a escreveu e estavam
destinadas a continuar por mil e oitocentos anos depois.
[2]
N. do E.: Isaac Taylor (1787-1865) foi escritor, historiador, filósofo, inventor e
artista inglês.
[3]
Lógico que com a manipulação arbitrária de passagens selecionadas, seria
possível aplicar profecia a qualquer evento ou eventos, assim como quase todas
as doutrinas concebíveis já foram ensinadas com base bíblica pelo uso hábil, mas
inescrupuloso, de textos isolados.
[4]
Para ler uma descrição deste evento extremamente interessante, consulte a
nota na p. 241.
[5]
Chamada às vezes de visão continuísta e ainda com mais frequência de
interpretação protestante.
[6]
N. do E.: Luis del Alcázar (1554-1613) foi jesuíta e teólogo espanhol.
Vestigatio Arcani Sensus in Apocalypsi é sua principal obra e foi publicada
postumamente. Ao interpretar o Apocalipse, Alcázar ataca o ponto errado em que
o abade Joaquim de Fiore (1135-1202) interpretava a escatologia bíblica. A
interpretação de Joaquim acerca do tempo e do modo em que o Anticristo e a
segunda vinda de Cristo se manifestariam era equivocada. O erro sistematizou-se
na corrente da interpretação histórica da escatologia que foi adotada depois pelos
pré-reformadores e reformadores protestantes, impedindo-os de ver mais
claramente a correta interpretação do livro do Apocalipse. Para corrigir o erro
extremo de Joaquim, Alcázar caiu erroneamente em outro extremo, quando
considerou que todas as visões de João no último livro da Bíblia referiam-se a
eventos contemporâneos aos cristãos do século I.
[7]
A visão preterista foi aceita entre os racionalistas, porque os ajuda a eliminar
o aspecto sobrenatural da profecia. Os católicos romanos costumavam usar essa
interpretação como escudo para defender-se dos dardos de seus agressores
protestantes, transferindo a aplicação da Roma papal para a Roma pagã. Os
protestantes responderam que, se a queda de Babilônia fosse interpretada com a
Roma pagã, então Apocalipse 18.2 tinha de ser uma descrição da mesma cidade
sob o domínio papal. A lógica da resposta era inexorável, e o sistema preterista
deixou de ser popular entre os romanistas.
[8]
Isto é, correta até onde é possível aplicá-la. O símbolo da mulher
compreende muito mais do que a igreja de Roma; na verdade, abrange nada
menos do que todo o sistema babilônico, que tem se espalhado pelo mundo e do
qual o romanismo é mero desenvolvimento local e relativamente recente. Veja
Parte 1, cap. 16.

372
[9]
Veja Parte 1, cap. 18.
[10]
Edward Bishop Elliott, Horæ Apocalypticæ, vol. III, p. 140.
[11]
E marcou também, como esperamos mostrar mais adiante, a queda da
sexta cabeça da besta e a ascensão da sétima.
[12]
Veja Parte 2, caps. 22 e 31. As Escrituras, ao que parece, mostram que o
Império Turco, como existia antes da revolta dos gregos, será dividido em quatro
reinos, com um dos quais o anticristo terá ligação (veja Parte 1, cap. 12).
[13]
Veja Prolegômenos, cap. 7.
[14]
Charles Maitland, The Apostle’s School of Prophetic Interpretation
(Londres: Longman, Brown, Green, and Longmans, 1849), p. 4.
[15]
A saber, a porção de Apocalipse 4–9.
[16]
Em discurso proferido em Aylesbury, Inglaterra, em 20 de setembro de
1876, o falecido lorde Beaconsfield referiu-se assim sobre outro descomunal
elemento de distração: “Na tentativa de conduzir o governo deste mundo, há
novos elementos a serem considerados com os quais nossos antecessores não
tiveram de lidar. Não temos de lidar apenas com imperadores, príncipes e
ministros, mas existem as sociedades secretas — um elemento que devemos
levar em consideração — que no último momento podem frustrar todos os nossos
planos, que têm seus agentes em todos os lugares, que possuem agentes
perigosos, que apoiam o assassinato e que, se necessário, podem produzir um
massacre”.
[17]
N. do E.: A citação é de An Essay on Criticism, de Alexander Pope, a qual
considerada no contexto deixa o significado um pouco mais claro:

A little learning is a dangerous thing;


Drink deep, or taste not the Pierian spring:
There shallow draughts intoxicate the brain,
And drinking largely sobers us again.

Um pouco de conhecimento é uma coisa perigosa;


Beba profundamente ou não prove da fonte piéria:
Rascunhos raros intoxicam o cérebro,
E beber muito nos torna sóbrios outra vez. (Tradução livre.)

Na mitologia grega, beber da fonte piéria daria grande conhecimento e


inspiração. A mensagem de Pope é que um pouco de conhecimento (rascunhos
rasos) pode “intoxicar” a mente, de modo a fazer com que você sinta que sabe
muito mais do que realmente sabe. No entanto, quanto mais você aprende (mais
você bebe profundamente), mais você entende o pouco que realmente sabe.
[18]
Veja o sermão de Gregório sobre a praga e a obra de Edward Emily Gibbon
intitulada A História do Declínio e Queda do Império Romano, caps. e . De

373
uma passagem de Procópio de Cesareia (Anekdota, cap. ), citada por Gibbon,
foi calculado em relação aos tempos de Justiniano que pelo menos 100 milhões
de seres humanos “foram exterminados durante o reinado do demônio imperial”.
[19]
N. do E.: Gregório, o Grande (540-604), também conhecido como Gregório
Magno ou papa Gregório , foi papa de 3 de setembro de 590 a 12 de março de
604. Suas obras foram mais numerosas que as de seus predecessores. É
considerado um dos grandes doutores da Igreja Católica Apostólica Romana.
[20]
N. do E.: Etelberto de Kent (550-616) foi rei do reino anglo-saxão de Kent.
A partir do século , na famosa Crônica Anglo-Saxônica, ele ficou conhecido
como Bretwalda ou Governante da Bretanha. Foi o primeiro rei inglês a converter-
se ao cristianismo.
[21]
Venerável Beda, Ecclesiastical History of the English People, Livro , 32.
[22]
Veja John Lawrence Mosheim, An Ecclesiastical History, cent. , Parte ,
cap. ; e James Craigie Robertson, History of the Christian Church, Livro , cap.
.
[23]
Não mencionamos isso para expressar a crença em uma preexistência do
homem, mas apenas na sua possibilidade. Caso fosse provado que é fato, o
fundamento de quase todos os discursos difíceis que pecadores ímpios têm feito
contra Deus seria exterminado em um momento. Seja como for, Deus tem uma
solução muito melhor para as dificuldades, que ele poderá futuramente mostrar
para os que o amam.
A suposição diz que a descrição da criação do homem exclui a questão de sua
preexistência, porque fala que Deus soprou em suas narinas o fôlego de vida (Gn
2.7). Mas a expressão não é materialmente diferente da que se encontra na
profecia para os ossos secos: “Eis que vou fazer entrar em vós o fôlego, e
vivereis”. E novamente: “Assim diz o Senhor Jeová: Vem, ó fôlego, dos quatro
ventos e assopra sobre estes mortos, para que vivam” (Ez 37.5, 9, ). Visto que
as palavras dessa passagem são confessadamente usadas para a ressurreição,
parece que o versículo em Gênesis não decide contra a possibilidade da
preexistência, mas deve ser considerado neutro.
Mas não nos debrucemos sobre esse mistério impenetrável, pois embora um
olhar passageiro ajude, talvez, uma fé fraca, a tentativa de especular sobre ela
está repleta do mais grave perigo, já que não há revelação a respeito: “As coisas
encobertas pertencem ao S , nosso Deus, porém as reveladas nos
pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre” (Dt 29.29). Que tenhamos a
profunda reverência pelas coisas ocultas do Todo-poderoso, que são retidas para
nossa disciplina, e que aprendamos a dizer com Davi: “S , não é soberbo o
meu coração, nem altivo o meu olhar; não ando à procura de grandes coisas, nem
de coisas maravilhosas demais para mim” (Sl 131.1). E lembremo-nos sempre
das palavras de alguém maior que Davi: “Em verdade vos digo que, se não vos
converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no
reino dos céus” (Mt 18.3).

374
[24]
O leitor encontrará provas dessa afirmação na Parte .
[25]
Duas vezes nos Salmos, a palavra hebraica ׁ ‫( כָּחַ ש‬kachash) é usada para
descrever a atitude dos gentios em relação a Cristo durante o milênio (Sl 66.3,
“submissos”; 81.15, “submeteriam”). O termo também aparece no Salmo 18.44
(“submissos”), onde a aplicação final é a mesma. Quando seguida pelo caso
dativo, como em cada uma das passagens citadas, a palavra significa “mentir
para uma pessoa” e, por conseguinte, “encolher-se de medo”, “bajular por medo”,
“prestar obediência fingida a” (cf. Sl 66.3, “adulam”, ),
Se essa palavra pode ser usada para referir-se à condição geral do mundo em
uma época em que os homens estarão livres da tentação provocada por espíritos
malignos e impressionados pela presença visível do Senhor, então é evidente que
sua submissão exterior, por mais completa que seja, será mais exatamente o
resultado do medo do que do amor. Por conseguinte, no fim dos tempos, assim
que Satanás for solto da prisão e puder novamente provocar e dirigir a maldade
humana, ocorre a última grande rebelião.
[26]
Claro que Deus não precisa de qualquer prova, pois ele sabe tudo o que há
no coração do homem, mas parece ser necessário para Seus propósitos que o
próprio homem seja convencido. Não é algo fácil, como todo cristão experiente
sabe muito bem. Uma coisa é endossar a crença histórica na depravação da raça
humana, e outra, é estar humildemente consciente do fato terrível em nossa
própria pessoa. Todas as provações dos crentes são necessárias para levá-los a
perceber sua verdadeira condição. No entanto, quando o sofrimento que os
prendeu ao pó é removido, quantas vezes eles se levantam da humildade e se
juntam ao grupo das pessoas autoconfiantes, até que outro sofrimento repita a
lição que eles tão rapidamente esqueceram.
[27]
Veja Apocalipse 4.6-8. Para inteirar-se de uma exposição sobre os
querubins e sua conexão com a aliança de Noé, veja do mesmo autor, As Eras
mais Primitivas da Terra (Editora dos Clássicos), cap. 8, e Animais: Seu Passado
e Futuro (Editora Escriba do Reino).
[28]
A igreja, como mostraremos a partir de agora, era um mistério oculto das
eras até que foi revelada pelo Senhor e seus apóstolos. Portanto, não há no
Antigo Testamento profecias diretas sobre a eleição celestial, mas apenas
algumas alusões que não poderiam ter sido entendidas sem outras revelações, e
sempre haverá referências à conexão entre Israel e a igreja.
[29]
Veja Juízes 10.7, que menciona a dupla opressão e onde o historiador
imediatamente passa a descrever a opressão dos amonitas, retornando aos
filisteus em Juízes 13.
[30]
No hebraico, a importante frase profética é ‫( ְבּאַ חֲ ִרי ת הַ יּ ִָמי ם‬Nm 24.14; cf.
“os derradeiros dias”, Gn 49.1, ; “os últimos dias”, Is 2.2; Dn 10.14; Mq 4.1). “A
expressão denota aqui e em todos os outros lugares em que ocorre, o tempo em
que as promessas e esperanças de salvação dadas para qualquer era devem ser
cumpridas. Como Heinrich Havernick observou apropriadamente, sempre aponta

375
para o horizonte de um anúncio profético. Para qualquer era em particular, ‘o fim
dos dias’ começa quando as expectativas da salvação que ainda não se
cumpriram, mas que ocupam a vanguarda da esperança, da espera paciente e do
desejo anelante, começam a passar pelo cumprimento para a esfera da realidade”
(Kurtz).
[31]
“O termo hebraico ‫ ֵמ ִﬠי ר‬é empregado no sentido coletivo e geral, como no
Salmo 72.16. Toda cidade em que houver um remanescente de Edom, será
destruída”, C. F. Keil & F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament
(Edimburgo: T. & T. Clark, 1866), sem página.
[32]
Caim, o nome do pai da tribo, é usado poeticamente para referir-se à tribo
que ele fundou.
[33]
Assur era originalmente o nome da Assíria, mas depois foi aplicado ao
grande império asiático em seus estágios posteriores, sob o domínio da Babilônia
e da Pérsia. Em 2Reis 23.29, Nabopolassar é chamado de “o rei da Assíria
[Assur]”. No livro apócrifo de Judite, Nabucodonosor recebe um título semelhante
e seu general Holofernes é denominado de “comandante-em-chefe do exército de
Assur” ( ). Em Esdras 6.22, Dario Histaspes é denominado de “o rei da
Assíria [Assur]”.
[34]
Obviamente, a referência final é ao último cabeça do poder ocidental, isto
é, ao Anticristo.
[35]
É impossível aplicar o parágrafo de abertura à primeira vinda, como muitos
estudiosos esforçaram-se em fazer. Nenhum dos detalhes diz respeito à
humilhação ou sofrimento de Cristo, mas apenas à glória que ainda se seguirá. O
poder de Moabe não foi destruído na primeira vinda, e em vez de Edom tornar-se
possessão de Israel, foi exatamente nessa crise que a família edomita dos
Herodes tornou-se governante na Judeia. E os edomitas só desapareceram
depois que o estado judaico foi destruído pelos romanos. Na verdade, Herodes
Agripa II lutou pelo lado vencedor na batalha final. É desnecessário acrescentar
que Israel não adquiriu força naquele tempo de angústia, e nenhum Dominador
surgiu de Jacó para salvar o miserável povo da destruição e do exílio, que ainda
não terminou nos dias em que escrevo.
[36]
Para inteirar-se de uma descrição do ataque surpresa dos amalequitas,
veja Êxodo 17.8-16. Deus manifestou seu forte desagrado ao declarar
imediatamente: “Eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo
do céu” (Êx 17.14). Ebn Ezra explica a causa da severidade: “Ele provocou a ira
do Senhor, pois enquanto os príncipes de Edom, os moabitas e os filisteus
estavam estupefatos de medo por causa dos sinais que o Senhor fizera no Egito e
no mar Vermelho, Amaleque veio para combater Israel e não teve temor de Deus”.
Assim que se estabeleceram na terra de Canaã, os israelitas receberam o
mandamento direto de executar a sentença de Jeová (Dt 25.19) e lhe obedeceram
no reinado de Saul, mas o fizeram apenas em parte (1Sm 15.1-34). Os
amalequitas que foram poupados tornaram-se problemáticos para Davi e foram

376
repetidamente castigados por ele (1Sm 27.8; 30.1-25; 2Sm 8.12). No reinado de
Ezequias, quinhentos simeonitas foram ao monte Seir e feriram um remanescente
de amalequitas que moravam ali (1Cr 4.42-43)).
No livro de Ester, Hamã é chamado de “agagita”. Os judeus afirmam que ele
era descendente de Agague e, dessa forma, explicam seu ódio contra a nação
israelita. Se a afirmação é verdadeira, há algo muito instrutivo no surgimento
desse descendente da raça amaldiçoada depois de tantos séculos, e no fato de
ele ter quase conseguido destruir o povo que desobedientemente permitiu que os
ancestrais do inimigo vivessem. Pode ser que na morte de Hamã e sua família a
destruição de Amaleque tenha sido cumprida.
[37]
A teoria anglo-efraimita torna as grandes profecias de Daniel ininteligíveis.
Esses são tempos do domínio dos gentios e, como o Senhor diz, continuarão até
que seu fim seja anunciado por sinais no sol, na lua e nas estrelas. Visto que
esses sinais ainda não ocorreram, nenhuma das dez tribos poderia, no momento,
estar ocupando uma posição tão dominante no mundo quanto a da Inglaterra, e
nem mesmo poderiam estar vivendo deste lado do Eufrates — caso nossa
exposição dada no capítulo 9 esteja correta. O erro dos anglo-efraimitas e dos
pós-milenaristas é que eles aduzem as profecias do milênio e as aplicam a esta
era. Muitas das afirmações não suportam o teste das Escrituras, como, por
exemplo, a ideia de que a realeza sempre permanecerá com Israel é contradição
direta às palavras de Oseias: “Porque os filhos de Israel ficarão por muitos dias
sem rei, sem príncipe, sem sacrifício, sem coluna, sem estola sacerdotal ou ídolos
do lar” (Os 3.4).
Contudo, o pior de tudo é que eles confundem o chamado celestial com o
terreno, e em lugar da tribulação que o Senhor nos avisou que esperássemos no
mundo até que ele nos chamasse para fora, eles apontam-nos para a glória
terrena. Não se contentam em dizer como Paulo: “A nossa pátria está nos céus,
de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3.20), mas
dizem-nos que temos uma nação e uma terra aqui e, portanto, não somos
“estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hb 11.13). O Novo Testamento nunca
oferece promessas israelitas aos cristãos; pelo contrário, informa aos judeus de
nascimento que, se eles são seguidores de Cristo, devem renunciar seus
privilégios judaicos, pois Nele não há judeu nem grego.
[38]
A expressão aparece em Apocalipse 16.12 ( ). Tendo em vista que terão
de atravessar o rio Eufrates, eles devem necessariamente vir do Oriente ( ἀ π ὸ
ἀ νατολ ῆ ς ἡ λίου), e depois de terem se juntado aos seus irmãos, os judeus do
Ocidente, então “o reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o
céu serão dados” para eles (Dn 7.27). O Antigo Testamento menciona duas vezes
o secamento do Eufrates para abrir caminho para a volta de Efraim, e em ambas
as passagens é vinculado com um milagre semelhante em relação ao mar do
Egito, pelo qual uma passagem foi aberta para outros israelitas, provavelmente
judeus, que vêm pelo Egito.

377
Em Isaías 11.15-16, lemos: “O Senhor destruirá totalmente o braço do mar do
Egito, e com a força do seu vento moverá a mão contra o Eufrates, e, ferindo-o,
dividi-lo-á em sete canais, de sorte que qualquer o atravessará de sandálias.
Haverá caminho plano para o restante do seu povo, que for deixado, da Assíria,
como o houve para Israel no dia em que subiu da terra do Egito”. O rio nessa
passagem é o Eufrates, porque o caminho feito por ele será uma estrada da
Assíria à Palestina, e o secamento é literal, porque nos é dito que será como o
mar Vermelho e o rio Jordão que, nos dias de outrora, secaram quando Israel saiu
do Egito. Os remanescentes da Assíria são obviamente as dez tribos que foram
levadas em cativeiro pelos assírios, e se o leitor olhar o versículo 14, encontrará
uma explicação suficiente para o título apocalíptico “Reis do Oriente”, pois todas
as nações serão submetidas ao domínio deles: “Antes, voarão para sobre os
ombros dos filisteus ao Ocidente; juntos, despojarão os filhos do Oriente; contra
Edom e Moabe lançarão as mãos, e os filhos de Amom lhes serão sujeitos” (Is
11.14). Há uma previsão semelhante em Zacarias 10.6-11, que também menciona
o secamento do mar do Egito e do rio da Assíria, e os versículos 6 e 7 indicam
que Judá está relacionado com o mar do Egito e Efraim com o rio Eufrates.
[39]
É importante observar que a pedra só começa a aumentar depois do
desaparecimento total da estátua. O fato enfatiza o absurdo de interpretar o
lançamento da pedra como previsão da primeira vinda de Cristo.
[40]
Esse é, sem dúvida, o sentido do texto original. O versículo seguinte (Dn
2.9) prova que Nabucodonosor não se esqueceu do sonho. Além disso, se ele
realmente tivesse esquecido, é muito provável que os caldeus tentariam enganá-
lo.
[41]
Veja a tradução corrigida na Parte 2.
[42]
É provável que os rabinos seguiram a Septuaginta, que traduz ‫ ירכת ה‬por
οί μηροί.
[43]
“O decreto pelo qual Caracalla estendeu a todos os nativos do mundo
romano os direitos da cidadania romana, embora não motivado por bondade,
provou ser benéfico. A aniquilação das distinções legais completou o trabalho que
o comércio, a literatura e a tolerância a todas as crenças (exceto uma) já estavam
realizando e deixou, até onde sabemos, apenas duas nações acalentando um
sentimento nacionalista. Os judeus permaneceram separados pela religião e os
gregos ostentavam a original superioridade intelectual”, James Bryce, The Holy
Roman Empire (Londres: Macmillan & Co., 1871), p. 6-7. É claro que a estátua
que Nabucodonosor viu não tinha os judeus, pois era representação exclusiva do
poder gentio.
[44]
A tradução é minha, é literal e a ordem das palavras hebraicas foi
cuidadosamente preservada. Somente alguém familiarizado com o Oriente pode
apreciar corretamente a beleza da metáfora na última frase; alguém que viu a
mudança maravilhosa que acontece na face da terra queimada e embranquecida
por uma longa seca, quando uma chuva abundante é sucedida pelo brilho claro

378
do sol da manhã, e as minúsculas folhas verdes começam a despontar aos
milhares. É a figura que temos para ilustrar o efeito físico e moral que será
produzido pelo surgimento do Sol da Justiça trazendo cura debaixo de suas asas.
Que os homens não chamem de pessimistas os que, por mais que não confiem
nos poderes humanos, esperam esse fim perfeito e ousam acreditar que, em
poucos anos, o pecado será subitamente suprimido e a criação inteira se
regozijará por conta da vinda do rei.
[45]
A Pérsia nunca se submeteu ao domínio romano. Mesmo após a separação
entre o Oriente e o Ocidente, ela permaneceu inimiga obstinada do Império
Bizantino, até que os sarracenos fizeram sua investida contra os dois
combatentes exaustos.
[46]
Embora haja apenas dez reinos soberanos, é preciso lembrar que nenhum
limite é definido para as colônias, o que pode incluir todo o mundo conhecido. É o
que parece estar implícito no relato apocalíptico acerca do Anticristo, quando diz
que “deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação” (Ap
13.7).
[47]
É estranho que o arremesso veloz da pedra e a pulverização instantânea
da estátua tenham sido interpretados como conversão gradual do mundo desde a
época da primeira vinda de Cristo. Sem levar em conta a incongruência
desesperançosa da metáfora da estátua, se esse fosse o significado a ser
transmitido, como poderia a pedra atingir a estátua nos pés quando ainda não
havia pés nem pernas? A divisão de Roma entre os impérios oriental e ocidental,
sem falar da formação dos dez reinos, só ocorreu séculos depois da primeira
vinda.
[48]
Isso acontecerá rapidamente, mas não de modo instantâneo. Por mais
irresistível que seja, não passa de uma pedra que se cortou de um monte e, por
conseguinte, o efeito imediato do arremesso sem mãos é localmente restrito.
Após a destruição da estátua, a pedra torna-se uma grande montanha e enche
toda a terra.
Baseado em outras passagens bíblicas, concluímos que a agência pela qual
Cristo espalhará seu reino será semelhante à que ele agora usa, com a diferença
de que as circunstâncias serão totalmente outras.
A palavra não sairá mais em fraqueza, mas em poder manifesto. O ministério,
como vemos em Isaías 66.19, será feito pelos filhos de Abraão, e a oposição dos
poderes espirituais da maldade terá sido removida.
[49]
É digno de nota que cada império sequencialmente adquiriu extensão cada
vez maior da costa do Mediterrâneo, até que todo o “mar Grande” tornou-se um
lago romano.
[50]
N. do E.: Sir Austen Henry Layard (1817-1894) foi arqueólogo, historiador,
cuneiformista, viajante, desenhista, político e diplomata britânico. Realizou
diversas viagens para pesquisas e importantes escavações e descobertas nas
regiões de Babilônia e Nínive. Os livros Nineveh and its Remains (Nínive e suas

379
Ruínas) e Nineveh and Babylon: A Narrative of a Second Expedition to Assyria
estão entre as melhores obras de registros de descobertas arqueológicas já
produzidas na história inglesa. Grande parte de todos os monumentos antigos da
Assíria que hoje se encontram no Museu Britânico deve-se às suas escavações e
descobertas. Credita-se a ele a escavação da antiga cidade assíria chamada
Ninrude (quase totalmente destruída pela organização terrorista do Estado
Islâmico em 2015). Layard também publicou importantes obras sobre viagens e
descobertas do antigo Império Persa e de sua antiga capital, a cidade de Susã.
[51]
Lembremos que os hebreus consideravam o coração a sede do intelecto e
das emoções.
[52]
O leitor encontrará explicação para isso nos comentários expostos em A
Profecia das Setenta Semanas, cap. 23, na Parte 2.
[53]
É interessante distinguir o significado de três expressões em Daniel 7.
Nos versículos 18, 22, 25 e 27, as traduções bíblicas trazem a expressão
“santos do Altíssimo”, que deveria ser lida como “santos dos lugares altos”. Claro
que Daniel não saberia quem seriam, pois o mistério da igreja ainda não fora
revelado, mas reconhecemos facilmente que são os que viverão e reinarão com o
Senhor nas regiões celestiais, substituindo “os exércitos dos altos nas alturas” (cf.
Is 24.21, ). No versículo 25, a referência é ao grupo entres esses santos que
estará na terra durante a grande tribulação, mas sofrerá o martírio por não adorar
a besta ou sua imagem.
Em Daniel 7.27, há também a menção de outra classe, o “povo dos santos
[dos lugares altos]”, ou seja, o povo que se mantém em estreita relação com
esses santos, a saber, os israelitas, para quem serão dados “o reino, e o domínio,
e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu” (grifo meu). Em outras palavras,
eles se tornarão “os reis da terra, na terra” no lugar das potências gentias
destruídas (Is 24.21).
Em Daniel 7.21, a simples expressão “os santos” abrange todo o povo de Deus
que está na terra naquele tempo, os crentes que passam pela tribulação e os
judeus piedosos. Em Daniel 7.22, a mesma expressão abrange ainda mais, nada
menos que a igreja completa e todo o povo israelita, pois a referência é à era
milenar, e “o reino” compreende as partes celestial e terrestre do governo de
Cristo.
[54]
“Quanto mais os reis [Agamenon e Aquiles] deliram, mas os gregos
apanham”, verso de Horácio em alusão à guerra de Troia (Horácio, Epístola I, 2,
14).
[55]
Calmet’s Dictionary of the Holy Bible (Dicionário da Bíblia Sagrada), de
Augustin Calmet, publicado por Charles Taylor (Boston: Crocker and Brewster,
1832), p. 649.
[56]
Amiano Marcelino, Livro XIX, 1.
[57]
N. do E.: Coleção de livros sagrados do zoroastrismo escritos durante um
longo período e em diferentes idiomas. Parece-se com um livro de orações e

380
possui poucas narrativas.
[58]
A visão profética diz que o chifre mais alto subiu por último, porque a
dinastia dos medos foi anterior à dos persas.
[59]
Um dos heráclidas e fundador da Macedônia. Sua história é assim relatada
pelo historiador Justino: “Mas Carano também, que foi seguido por grande número
de gregos, quando recebeu a resposta de um oráculo para procurar
assentamentos na Macedônia, chegou a Emátia e tomou a cidade de Edessa. Ele
a pegou de surpresa, pois uma chuva pesada e névoa densa impediram que os
habitantes avistassem sua aproximação, enquanto ele tramava encontrar o
caminho para a cidade, seguindo um rebanho de bodes que fugiam da
tempestade. Após a conquista, lembrou-se de um oráculo que o aconselhara a
procurar um reino sob a orientação de bodes e, assim, foi induzido a fazer da
cidade sua capital. Desse dia em diante, ele foi escrupulosamente cuidadoso em
ter bodes na frente de seus estandartes sempre que marchasse com o exército,
para manter em todos os seus empreendimentos os guias que o colocaram no
caminho da conquista do seu reino. Para comemorar o serviço dos animais, ele
mudou o nome da cidade de Edessa para Egea, e chamou seus habitantes de
egedas”, Justino, Historiarum, . 1.
[60]
É possível que, em alusão a tal crista, Alexandre seja chamado no Alcorão
de Dhu’lkarnein, que significa “o dos dois chifres” (cap. , “A Caverna”).
[61]
Com essa data, o que podemos chamar de tempos antigos do reino do
Egito chegou ao fim.
[62]
O leitor encontrará esta declaração totalmente explicada na Parte 2, cap.
23.
[63]
A frase “no fim do seu reinado” (Dn 8.23) indica evidentemente que os
quatro reinos não se encontrarão no Império Romano revivido como meras
colônias imperiais, mas serão contados entre os dez estados soberanos.
[64]
Como exemplo da moral grega, citamos o seguinte relato da maneira pela
qual o comandante ateniense Paques ganhou posse de Nócio. “Ele convidou para
uma conversa Hípias, o oficial comandante dos arcadianos, que estavam na
fortificação, com a condição de que se ele não propusesse algo aceitável ao
outro, ele seria enviado de volta são e salvo para a fortaleza. Com esse acerto,
Hípias saiu ao encontro, mas foi posto sob custódia, ainda que não preso com
correntes. Paques imediatamente atacou a fortaleza e a tomou, porque a
guarnição não esperava ser atacada, e matou todos os que estavam na prisão,
fossem arcadianos ou estrangeiros. Posteriormente, de acordo com o que
prometera, levou Hípias à fortaleza e, assim que ele entrou nela, Paques o
agarrou e o matou” (Tucídides, Livro , 34). Este é o relato do historiador e
filósofo Tucídides, que friamente narra o ocorrido como negociação comum contra
a qual ninguém pensaria em levantar objeção. O leitor notará a meticulosidade
diabólica de Paques, que evitou prender Hípias com correntes, para que seu

381
prisioneiro não se ferisse e, assim, fosse impossível devolvê-lo são e salvo à
fortaleza.
[65]
Virgílio, Eneida, Livro , versos 847-853. [Tradução livre.]
[66]
É também símbolo de uma cidade, mas tal explicação seria inapropriada
para o presente caso, já que a mulher voa para o deserto e é perseguida.
[67]
Ou seja, os irmãos do Senhor segundo a carne, a saber, os judeus.
[68]
Miguel pode ter sido o anjo-guia, como mostram as passagens que dizem
que ele é o “vosso príncipe” (Dn 10.21) e “o grande príncipe, o defensor dos filhos
do teu povo” (Dn 12.1). Encontramos também uma possível forte confirmação do
fato em Judas 9, onde há alusão ao resgate que ele fez do corpo de Moisés das
mãos daquele que tem o poder da morte, para que o corpo fosse preservado da
corrupção. O arcanjo, que como governante do exército de Deus confronta o
príncipe das trevas, é Miguel. Os estudiosos que associam Miguel a Cristo devem
ter ignorado Daniel 10.13, que afirma claramente que o arcanjo, por mais
poderoso que seja, não é o Senhor de todos, mas apenas “um dos primeiros
príncipes” ( ‫)אַ חַ ד הַ ָשּׂ ִרי ם הָ ִראשֹׁנִ י ם‬.
[69]
N. do E.: A expressão “vós, os que neles habitais” (Ap 12.12) ou,
literalmente, segundo o texto grego, “vós que neles armais tabernáculo”. Para
Pember, a expressão sempre aponta para os cristãos que nesse tempo já terão
sido arrebatados e estarão habitando temporariamente nos céus, de onde mais
tarde, voltarão com o Senhor no tempo da sua parousia em direção à terra.
[70]
Para conhecer mais provas sobre essa afirmação, veja os comentários
feitos a Apocalipse 19.20, mas adiante, na p. 143.
[71]
Em Apocalipse 9.1, o texto no original grego é ἀ στέρα ἐ κ το ῦ ο ὐ ρανο ῦ
πεπτωκότα ε ἰ ς τ ὴ ν γ ῆ ν, que significa literalmente “uma estrela que caiu do céu
para a terra”.
[72]
N. do E.: Sobre os iazidis, Pember comenta: “Sobre este povo notável e
sua adoração a Satanás, Sir Henry Layard nos dá alguns detalhes interessantes.
Falando da reverência dada por eles ao objeto de sua adoração, ele diz que, entre
eles, ‘o nome do espírito maligno nunca é mencionado. Toda alusão feita ao nome
pela boca de outros irrita-os e atormenta-os tanto que, dizem, já mataram pessoas
que ultrajaram os sentimentos deles por usarem o nome. Até o presente, temem
de tal maneira ofender o princípio do mal que chegam ao ponto de
cuidadosamente evitar toda expressão que se assemelhe em som ao nome de
Satanás, ou à palavra árabe para referir-se a maldito. Portanto, ao falarem acerca
de um rio, eles não dirão a palavra shat, porque está muito próxima da primeira
sílaba do nome Shaitã (nome que eles dão ao diabo). Usam como substituto a
palavra nahr. E pela mesma razão, nunca proferem a palavra keitan, que significa
fio, franja. [...] Os iazidis relacionam Satanás ao sol, considerando-o o deus-sol.
Por conseguinte, eles têm o cuidado de olhar para o Oriente, quando realizam
suas cerimônias sagradas, e costumam sepultar os mortos com o rosto voltado
para a mesma direção. Por razão semelhante, eles veneram o fogo: Nunca

382
cospem nele, mas frequentemente passam as mãos pelas chamas, beijam as
mãos e as esfregam sobre a sobrancelha direita ou sobre todo o rosto’”, G. H.
Pember, O Anticristo, a Babilônia e a Vinda do Reino, 1ª edição, p. 49-50, nota 17,
publicado pela Editora Escriba do Reino.
[73]
Como ilustração dessa reversão doutrinária, que está se tornando popular,
citamos um trecho da carta do correspondente de Paris para o Record (27 de
maio de 1881). Ele fala de um congresso anticlerical que acabara de ser
convocado por M. Schoelcher, eminente senador, e do qual ele faz o seguinte
relato: “Este congresso mostrou seu verdadeiro espírito ao eleger a vice-
presidente Maria Deraisme, notória palestrante ateísta. Em longo discurso, ela
traçou um paralelo entre Eva e Maria. Mostrou que Eva libertou a humanidade
pela árvore do conhecimento, enquanto a educação dada por Maria a Jesus
colocou os homens novamente em cativeiro. Um dos membros da assembleia
propôs que todas as crianças fossem educadas no ódio a Deus”.
[74]
Em 2Tessalonicenses 2.9, a tradução “prodígios mentirosos” ( , ) dá a
impressão de que as maravilhas serão meros truques ilusórios, como o sangue de
São Januário, mas não serão. A tradução literal do grego é “com todo poder e
sinais e prodígios de uma mentira” (cf. ), ou seja, sinais e prodígios
relacionados ou pertencentes à mentira, usados com a finalidade de autenticá-la.
Os sinais e prodígios serão reais e executados pelo exercício do poder satânico,
como está escrito na parte “a” do versículo (“o aparecimento do iníquo é segundo
a eficácia de Satanás”), mas serão usados para dar credibilidade à mentira de que
o Anticristo é Deus.
[75]
Alford comenta: “Esta tradução, que foi feita por Crisóstomo, Teodoreto,
Teofilacto, Ecumênio, Fócio, Estius, Wolf, Bengel, Meyer, De Wette e outros, é
exigida pelo uso da partícula ε ἰ κα ὶ , pelo que o κα ὶ “também” ou “mesmo” não
pertence ao ε ἰ , como em κα ὶ ε ἰ , mas está subentendida pelo teor da cláusula
concessiva. [...] É também exigida pelo contexto, pois o ônus da passagem é:
‘Cada um permaneça na vocação em que foi chamado’ [1Co 7.20]”, Henry Alford,
“The First Epistle to the Corinthians”, in The Greek Testament Critical Exegetical
Commentary, Vol. (Cambridge: Deighton, Bell & Co., 1877), p. 527.
[76]
É costume citar as palavras de Apocalipse 14.13 como se pudessem ser
usadas indiscriminadamente para referir-se aos que morrem no Senhor em
qualquer tempo, mas a restrição “desde agora” limita a aplicação generalizada. A
morte nem sempre é bênção para os salvos como Paulo mostra ao declarar que
ela foi infligida como punição a certos cristãos coríntios descuidados. “Eis a
razão”, diz ele, “por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que
dormem” (1Co 11.30). É possível que o crente, antes de terminar seu trabalho,
perca a recompensa sendo cortado na ira do Senhor, e a passagem citada acima
mostra que não é algo muito raro. Do mesmo modo, o ímpio pode por
agravamento do seu pecado encurtar seu tempo de vida no período da graça.
“Quantas vezes sucede que se apaga [é apagada] a candeia dos ímpios”, ou seja,

383
a candeia não é deixada acesa até apagar (Jó 21.17, ). Os “homens
sanguinários e fraudulentos não chegarão à metade dos seus dias” (Sl 55.23).
[77]
Após o nascimento de seu primogênito, Maria nunca é chamada de
“virgem” na Bíblia, mas sempre de a “mãe do Senhor” ou a “sua mãe”. King
mostra a identificação da virgem Maria romana com a Ísis egípcia: “A esse
período pertence uma bela pedra de sárdio em minha coleção, representando
Serápis sentado com seus atributos, como Macróbio o vira, enquanto diante dele
está Ísis segurando em uma mão o sistro e na outra um feixe de trigo, com a
seguinte legenda: ἡ κυρία Ἴ σις άγνή, ‘imaculada é nossa senhora Ísis’, que são
os mesmos termos aplicados posteriormente à personagem que foi a sucessora
de sua forma, títulos, símbolos, ritos e cerimônias. Assim, seus devotos levaram
para o novo sacerdócio os antigos emblemas de sua profissão, a obrigação do
celibato, a tonsura e a túnica talar, omitindo desafortunadamente as frequentes
abluções prescritas pelo antigo credo. A imagem sagrada também anda em
procissão, como quando Juvenal zombou dela, dizendo: grege linigero
circumdatus et grege calvo, que significa ‘escoltada pelo séquito tonsurado e de
roquete’ (Sátiras, Livro , 530). O título apropriado Domina é a tradução exata do
sânscrito Isi e sobrevive com ligeiras mudanças na moderna palavra Madona”, C.
W. King, The Gnostics And Their Remains (Londres: Bell & Daidy, 1864), p. 71-72,
grifo no original.
King explica também que o lótus de Ísis foi renomeado para o lírio da deusa
posterior, e que o som do instrumento musical sistro foi substituído pelo som do
sino, cujo instrumento “veio diretamente dos usos religiosos budistas, o qual forma
um elemento tão essencial como outrora formava no cristianismo celta primitivo,
quando o sino sagrado era o verdadeiro tipo da divindade para os novos
convertidos” (ibid., p. 72). Em uma nota, ele acrescenta que “as ‘virgens negras’,
tão altamente reverenciadas em certas catedrais francesas durante a longa noite
da Idade Média, quando foram examinadas criticamente provaram que eram
imagens de basalto de Ísis” (ibid. p. 71).
[78]
É possível que a dispersão resultante da queda da Babilônia tenha dado
impulso aos esforços missionários dos iniciados e causado o reavivamento de
seus ritos e doutrinas em muitas partes do mundo. Em menos de um século após
a morte de Belsazar, uma nova e reformada fé espalhou-se na Índia: a religião
budista, que é apenas um babilonismo ligeiramente mudado e tem a maior
semelhança com o romanismo. O professor Max Muller demonstrou recentemente
que o Buda é um santo no calendário católico romano sob o nome de São Josafá.
A história de Josafá e Barlaão aparece pela primeira vez nas obras de João de
Damasco, teólogo do início do século , tornou-se extremamente popular na
Idade Média e é identificada com a história de Buda. De acordo com a história, um
monge devoto chamado Barlaão recebeu uma ordem divina e, em obediência a
ela, viajou para a Índia disfarçado de comerciante. Lá, tendo obtido acesso ao
jovem príncipe que depois tornou-se o fundador do budismo, ele revelou seus

384
dogmas e especialmente as bênçãos de uma vida monástica (veja Henry Yule,
Marco Polo, vol. , p. 304-309).
Não nos esqueçamos de que o budismo era mera reforma pela qual a fé
original, corrompida pela política sacerdotal dos brâmanes, foi restaurada para
algo como a forma em que os emigrantes arianos o trouxeram da Babilônia após
a confusão das línguas.
Para passar para o outro canto do mundo, Prescott diz que, quando os
espanhóis conquistaram o México, ficaram surpresos ao encontrar cruzes de
pedra nas estradas e puderam facilmente converter os mexicanos ao papismo,
porque a diferença entre o papismo e o sistema asteca era pequena. Pascoe, que
por muito tempo foi missionário no México, declarou que a religião mexicana era
puramente caldaica, e confirma a declaração com os detalhes mais
surpreendentes. Ele diz: “Eles tinham um sacerdócio regular, lindos templos
grandiosos e conventos vistosos, faziam procissões nas quais desfilavam cruzes
e até cruzes vermelhas, e empregavam incenso, flores e ofertas de frutos em sua
adoração. Confessavam-se a sacerdotes, e em geral, apenas uma vez,
recebendo a absolvição por escrito, que servia pelo resto da vida como
salvaguarda eficaz contra a punição, mesmo por crimes cometidos após o
recebimento da referida absolvição. Adoravam e depois comiam um deus-hóstia,
um ídolo feito de farinha e mel, que eles chamavam de ‘deus da penitência’ e
sempre o comiam em jejum. Também veneravam o bezerro preto ou o touro, e
adoravam uma deusa-mãe com um filho pequeno nos braços. Sacrificavam
vítimas humanas ao deus do inferno, de quem consideravam a cruz como símbolo
e a quem vítimas humanas eram sacrificadas, colocando-as sobre uma grande
pedra preta e arrancando o coração delas” (Discurso de Pascoe na Conferência
Mildmay, 1876).
[79]
Embora a cidade tenha ultrapassado os limites antigos, os romanos nunca
contaram mais de sete colinas. De fato, como observa Niebuhr, “quando Augusto
dividiu a cidade em regiões, embora fosse para fins práticos, determinou o
número dobrando a quantidade das divisões mais antigas. A Roma cristã também
foi muito cedo dividida em sete regiões”.
O costume foi perpetuado pelo Septimônio, o Festival das Sete Colinas
realizado anualmente para comemorar a área delimitada pelos muros de Roma.
Curiosamente, Suetônio (“Domiciano”, in Vidas dos Doze Césares, Livro )
menciona a celebração do festival realizada por Domiciano, o imperador em cujo
reinado o Apocalipse foi escrito. Cerca de um século depois, Tertuliano (A
Idolatria, ) reclama que os mestres das escolas cristãs tinham o hábito de
participar do festival para obter novos alunos.
[80]
A profecia não determina se o sexto e o sétimo rei pereceriam da mesma
maneira.
[81]
Supomos que os césares restantes foram excluídos da profecia pelas
seguintes entre outras razões. Augusto Vespasiano e Tito, porque suas vidas

385
foram encerradas por doenças comuns, e Galba, Otão e Vitélio, por causa de sua
insignificância e pela probabilidade de nenhum deles ter-se tornado um grão-
mestre interino dos iniciados.
[82]
O testemunho quase universal da antiguidade é a favor da data do reinado
de Domiciano para a composição do Apocalipse. Contra tal combinação é
impossível dar importância à afirmação notoriamente imprecisa de ter sido
Epifânio de Salamina, que teve seu apogeu em fins do século IV. Como exemplo
de evidências do outro ponto de vista, podemos citar Irineu, que fora ensinado por
Policarpo, discípulo do apóstolo João, e que morreu em fins do século ou
princípios do século . Falando da visão apocalíptica, ele diz: “Porque não faz
muito tempo que ela foi vista, e sim próximo aos nossos dias, no fim do reinado de
Domiciano” (Contra Heresias, Livro , cap. 30.3). É improvável que tal atestação
esteja equivocada, sendo corroborada por muitas outras (por exemplo: Eusébio,
Tertuliano, Victorino, Jerônimo, Sulpício Severo) e também pelo fato de que o que
sabemos do banimento de João está em perfeita concordância com o
procedimento de Domiciano, ao passo que a perseguição de Nero não se
estendeu além do distrito imediato de Roma, ou nunca empregou a punição por
exílio.
Quanto aos alegados argumentos históricos das evidências internas, que
recentemente ressurgiram, são raciocínios que afetam somente os que creem que
o livro foi motivado e está relacionado aos eventos contemporâneos. Para quem
considera que a visão é previsão divina, não há nada de estranho no fato de
Jerusalém e o templo serem representados como existentes, apesar de terem
sido destruídos por Tito (Ap 11.1-2); pois os profetas contemplavam sua
restauração. Também não vemos dificuldade em mencionar que as doze tribos
existem (Ap 7.4-8), pois a Bíblia em outros lugares assegura que elas ainda serão
reunidas.
Explicar por que o grego do Apocalipse é menos polido e contém mais
hebraísmos que o do evangelho e das epístolas, que foram escritos
anteriormente, é difícil, mas a dificuldade não derruba as evidências diretas. As
pessoas não continuam necessariamente a melhorar em um idioma que
adquiriram, e visto que João escreveu seu último livro em extrema idade
avançada, ele pode ser exemplo da comparação que assemelha a mente de um
velho a um palimpsesto e que, esquecendo-se um pouco do grego que aprendera,
ocasionalmente lembrava-se de frases e construções do discurso de sua
juventude. Também é possível que o assunto do livro, que é muito mais judaico do
que os seus outros trabalhos, teve certa influência no estilo.
[83]
O castigo imediato da besta e do falso profeta será mais severo que o do
próprio Satanás. Visto que nunca sofreu a primeira morte, Satanás terá de sofrê-la
antes de ser submetido à segunda, portanto, ele ficará confinado no abismo até o
final do milênio (Ap 20.1-3). Veja também minha exposição ao Salmo 82 em As

386
Eras Mais Primitivas da Terra (Monte Mor, SP: Editora dos Clássicos, 2008), cap.
3.
[84]
Caio Suetônio Tranquilo, As Vidas dos Doze Césares (Brasília: Congresso
Nacional, 2012), p. 224.
[85]
Ibid., p. 232.
[86]
Tácito, Histórias, Vol. , 2.
[87]
Ibid., 8. O historiador Zonaras (Extratos da História, , 18) menciona o
aparecimento de um terceiro falso Nero no reinado de Tito.
[88]
Lactâncio, A Morte dos Perseguidores, cap. 2.
[89]
Agostinho, A Cidade de Deus, Livro , 19.
[90]
Logo após o lançamento da primeira edição deste livro, o cônego Farrar
publicou “Os Primeiros Dias do Cristianismo”. Lamentamos muito a teoria de
racionalização que ele aplicou à interpretação do Apocalipse, mas o trecho a
seguir é curioso e interessante.
“Então morreu o último dos césares! [...] Mas [...] sua história não termina com
seu túmulo. Ele viveria na expectativa de judeus e cristãos. A quinta cabeça da
besta do Apocalipse terá de reaparecer de algum modo como a oitava cabeça; a
cabeça com diadema e nomes de blasfêmia fora ferida de morte, mas no sentido
apocalíptico a ferida mortal será curada (Ap 13.3; 17.11). O mundo romano não
podia acreditar que o herdeiro da linhagem juliana deificada pudesse ser cortado
de maneira repentina e obscura e desaparecer como espuma na água. Os
cristãos tinham certeza de que era necessário algo mais que um golpe de morte
comum para destruir o Anticristo e acabar com a vitalidade da besta que sobe do
abismo, que fora a primeira a colocar-se em antagonismo mortal contra o
Redentor e fazer guerra contra os santos de Deus”, Frederic W. Farrar, The Early
Days of Christianity (Londres: Cassell, Petter, Galpin & Co., 1882), p. 44.
[91]
Já expressamos a opinião de que o secamento do rio Eufrates em
Apocalipse 16.12 deve ser entendido literalmente e não figurativamente, como em
Apocalipse 17.15. Se esse ponto não for aceito, o rio não pode, no primeiro trecho
bíblico, significar o Império Turco. Tampouco pode, se preferirmos a interpretação
figurativa, pois sendo assim, como o secamento do Eufrates é consequência da
sexta taça e a queda da Babilônia segue-se ao derramamento da sétima, há
alusão clara à captura da grande cidade sob o comando de Ciro, que era um
assunto da profecia. Sabemos que o líder persa desviou a correnteza do Eufrates
e a secou, não totalmente, mas apenas na parte relacionada à Babilônia. Assim,
ele marchou pelo canal do rio que não era mais obstáculo e obteve acesso à
cidade (veja Is 44.27–45.3; Heródoto, Histórias, Livro , 191; Xenofonte, Ciropédia,
Livro , 5). Portanto, a sexta e a sétima taças estão relacionados entre si como
causa e efeito.
Ao aplicar isso à interpretação figurativa, conclui-se que o Eufrates místico é o
poder ativo que protege a Babilônia mística. E já que Apocalipse 17.15 informa
que as águas representam povos, multidões, nações e línguas, esses devem ser

387
os povos que apoiam o sistema babilônico, seja ele qual for. Se acertarmos que o
sistema é o romanismo, os povos deverão ser as nações do cristianismo.
Quanto ao significado do secamento das águas, levando em conta que no
cerco real o volume do rio não diminuiu, mas apenas afastou-se de Babilônia, de
modo a não mais protegê-la, da mesma forma, na aplicação figurativa devemos
entender não a ruína das nações do cristianismo, mas apenas a alienação do
eclesiasticismo, que tornaria fácil a destruição da mulher pelos dez reis. Esse é o
método justo de interpretação para os que insistem em considerar a passagem
figurativamente.
[92]
N. do E.: Deve-se levar em conta que este livro foi escrito em fins do
século .
[93]
O visconde Bryce escreve: “Dos que em agosto de 1806 leram nos jornais
ingleses que o imperador Francisco II anunciara à Dieta sua renúncia à coroa
imperial, poucos foram os que refletiram que a mais antiga instituição política do
mundo havia chegado ao fim. E chegou. O império, que uma nota emitida por um
diplomata às margens do Danúbio extinguiu, era o mesmo que o astuto sobrinho
de Júlio ganhou para si contra os poderes do Oriente, sob os penhascos de Ácio”,
James Bryce, The Holy Roman Empire (Londres: Macmillan & Co., 1871), p. 1.
[94]
Veja p. 144-145.
[95]
Pierre Lanfrey, The History of Napoleon the First (Londres: Macmillan &
Co., 1871), vol. , p. 531.
[96]
Ibid., vol. , p. 538 (grifos no original).
[97]
Archibald Alison, History of Europe (Edimburgo: William Blackwood &
Sons, 1840), vol. ., p. 544 (grifos meus).
[98]
Citado em ibid., vol. , p. 302-303.
[99]
Pierre Lanfrey, The History of Napoleon the First (Londres: Macmillan &
Co., 1876), vol. , p. 563 (grifos no original).
[100]
Ibid., vol. , p. 283.
[101]
N. do E.: Citação ausente conforme o original.
[102]
Pierre Lanfrey, The History of Napoleon the First (Londres: Macmillan &
Co., 1876), vol. , p. 113.
[103]
Memoirs of Madame de Rémusat (Londres: Sampson Low, Marston,
Seable & Rivington, 1880), vol. 1, p. 336.
[104]
N. do E.: Citação ausente conforme está no original.
[105]
Um subiu ao trono no século e cinco no século .
[106]
Ou seja, καλ ὸ ν μέρος, cujo equivalente italiano exato é buona parte. O
primeiro membro do composto aparece em Calo-Johannes, nome dado ao
ancestral de Napoleão, o imperador João Comneno (1118 d.C.).
[107]
Sobre a exatidão da genealogia dada acima, há pouca dúvida no que diz
respeito aos Comneni. No final do século , Demétrio Comneno solicitou ao

388
governo francês a restauração de suas propriedades, que haviam sido
apropriadas pela coroa, e de seu posto de chefe privilegiado, que havia sido
abolido. A justiça de suas reivindicações foi aceita, desde que ele provasse sua
linhagem. E “após investigação no conselho do rei, uma filiação direta de David II,
último imperador de Trebizonda, morto por ordem de Maomé II, Demétrio
Comneno foi reconhecido e confirmado por autorização de patente de Luís ,
datada de 1º de setembro de 1783”, Memoirs of Madame de Rémusat (Londres:
Sampson Low, Marston, Seable & Rivington, 1880), vol. 1, p. 13.
[108]
Se a ligação com a Grécia é muito pequena para satisfazer a profecia do
chifre que surge de um dos quatro, o escritor não deseja se opor aos que assim
pensam. Só o tempo pode mostrar a certeza dessas coisas, e é bem possível que
o oitavo monarca esteja usando a coroa da Grécia, ou de um dos outros três
reinos dos sucessores de Alexandre, quando ele aparecer pela primeira vez no
palco da cristandade. No entanto, o fato de os Napoleões serem uma família
grega é um tanto significativo e, claro, que um descendente da família poderá ser
posteriormente escolhido como soberano da terra de sua origem. Notemos que o
oitavo rei não tem conexão necessária com o sétimo e, por conseguinte, qualquer
objeção aos argumentos deste livro a respeito do primeiro não afeta a
identificação do primeiro Napoleão com o último.
[109]
A Septuaginta, no entanto, não usa a palavra νάπη (napi) ou νάπος
(napos) na tradução deste versículo.
[110]
Em Apocalipse 19.19, os dez reis são novamente chamados de os “reis da
terra”.
[111]
Mas, além do terremoto da sétima taça (Ap 16.18-19) e do incêndio (Ap
18.8), a visão anuncia que as pragas da “morte” (ou seja, pestilência), do “pranto”
e da “fome” virão sobre ela em um dia (Ap 18.8). São coisas ocasionadas talvez
durante o derramamento da sexta taça, pela seca do grande rio para o qual o
esgoto é despejado, pela escassez de água e pela interrupção repentina do
transporte aquaviário pelo qual ela obtém os suprimentos necessários para sua
vasta população.
[112]
N. do E.: Esse era o número de habitantes na época em que Pember
escreveu o livro. Atualmente (2020), a população de Hila é de cerca de 1.729.000
habitantes. É a terceira cidade mais populosa do Iraque, ficando atrás apenas de
Bagdá e Basra.
[113]
W. P. Andrew, Memoirs on the Euphrates Valley Route to India (Londres:
W. H. Allen & Co., 1857), p. 129.
[114]
N. do E.: Citação ausente conforme está no original.
[115]
N. do E.: São palavras escritas em 1887, e já vemos aqui a semente do
que mais tarde se tornou a União Europeia.
[116]
John Bunyan, O Peregrino.
[117]
John Milton, Paraíso Perdido, Livro 1, versos 710-711. [Tradução livre.]

389
[118]
Considerando que as dimensões do rolo voante são as mesmas do recinto
do Santo Lugar no tabernáculo, talvez elas indiquem que o profeta viu o rolo
voante saindo dali; ou podem significar que a punição será de acordo com a
medida do santuário.
[119]
Veja Parte 2, caps. 23-24.
[120]
Há comentaristas que usam “septeto” ou “hebdomadário”. Qualquer uma
das duas palavras serviria, se pudesse ser considerada na tradução.
[121]
Se os cristãos são suspeitos de favorecer a interpretação de “os setes”
como semanas de anos, porque assim o final da sexagésima nona semana
sincroniza-se com o tempo da morte de Cristo, é impossível sustentar tal
acusação contra judeus. No entanto, até que a Idade Média estivesse bastante
avançada, os judeus invariavelmente adotavam a mesma explicação, embora, ao
fazê-lo, se condenassem por rejeitar o Messias, e colocavam uma arma
formidável nas mãos de seus oponentes cristãos.
[122]
Neemias informa que o muro foi concluído em cinquenta e dois dias (Ne
6.15), mas deve ter sido apenas um trabalho temporário diante das exigências
vigentes. Além disso, a cidade também deveria ser reconstruída.
[123]
N. do E. Sir Robert Anderson (1841-1918) foi um oficial do serviço secreto
britânico, teólogo e escritor. Entre suas muitas obras preciosas, o livro The
Coming Prince: The Marvelous Prophecy of Daniel's Seventy Weeks Concerning
the Antichrist é uma das obras magnas sobre a escatologia bíblica. Ele esteve
junto de grandes eruditos das Escrituras sagradas, como C. I. Scofield, Horatius
Bonar, E. W. Bullinger e John Nelson Darby.
[124]
The Coming Prince (Londres, 1881), 2ª edição, p. 128, nota.
[125]
Para inteirar-se do princípio em que esta explicação se baseia, consulte o
cap. 6. “A Cronologia Mística”, em Prolegômenos.
[126]
Veja As Eras mais Primitivas da Terra, Tomo 2 (Campinas, SP: Editora
dos Clássicos, 2004), p. 255-287.
[127]
Em Oseias 2.18, Deus promete fazer um acordo semelhante, a favor de
Israel, “com as bestas-feras do campo, e com as aves do céu, e com os répteis da
terra”. Compare também com Jó 5.23 e Ezequiel 34.25.
[128]
N. do E.: “Depois das sessenta e duas semanas, será cortado o Ungido”
(Dn 9.26a), segundo a tradução de Pember apresentada no capítulo 23 acima.
[129]
N. do E.: Levemos em conta que este livro foi escrito em fins do século
.
[130]
Muitos supõem que João Batista consumou a profecia de Malaquias 4.5,
mas nada menos que a aparição pessoal de “o profeta Elias” (ou “Elias, o tesbita”,
como diz a Septuaginta) pode cumprir o enunciado. Além disso, sua vinda deve
ser um pouco antes do segundo advento, o “grande e terrível Dia do S ”.
Quando o Salvador fala desse assunto, é com ambiguidade que só pode ser
entendida com o conhecimento das setenta semanas. Em certa ocasião, ele diz

390
sobre João: “E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir”
(Mt 11.14), ou seja: “Se permitirdes que João faça a obra de Elias, ele será Elias
para vós; a septuagésima semana ocorrerá imediatamente após a sexagésima
nona, e então o reino será restaurado a Israel”. Mas a pregação de João não
mudou o coração dos judeus e, por conseguinte, após a sua morte, quando a
oportunidade passou, o Senhor disse: “De fato, Elias virá e restaurará todas as
coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio [ήδη ήλθε], e não o
reconheceram; antes, fizeram com ele tudo quanto quiseram” (Mt 17.11-12a).
Aqui está afirmando que a vinda pessoal de Elias ainda está no futuro e que
ele fará o que João poderia ter feito, mas não fez, e trará Israel de volta da
apostasia. Nas palavras que se seguem, a alusão a João mostra que sua
aparição “no espírito e poder de Elias” (Lc 1.17) foi um cumprimento provisório da
profecia de Malaquias, em preparação às ofertas do Reino que Cristo fez no início
do seu ministério, mas que nunca as repetiu após a morte de João. Embora a
entrada em Jerusalém tenha marcado o tempo em que Ele se permitiria ser
reconhecido como Rei, caso já não tivesse sido rejeitado, Sua lamentação sobre a
cidade condenada, antes de passar por suas portas, prova que essa não foi uma
oferta real, porque os judeus estavam irremediavelmente endurecidos.
[131]
Na profecia de Isaías 7.14, a tradução bíblica que omite o artigo,
obscurece o significado, pois devemos ler: “Eis que a virgem conceberá”. O
mesmo erro pode ocorrer na citação em Mateus 1.23. Dificilmente precisamos
dizer que o artigo é da maior importância, uma vez que aponta para uma virgem
em particular que foi indicada por revelação anterior e, portanto, associa as
palavras de Isaías com o enunciado primevo referente a “a semente da mulher”. A
expressão incomum implica evidentemente que, assim como o pecado entrou no
mundo pela mulher, no que concerne aos meios terrenos, o Libertador deveria ser
introduzido no mundo pela mulher. Em outras palavras, significa que nosso
Senhor deveria nascer de uma virgem.
[132]
Nesta profecia, cujo próximo versículo é aplicado a Cristo no Novo
Testamento (cf. Jo 2.17; Rm 15.3), a expressão “filhos de minha mãe” obsta todas
as tentativas de mostrar que os irmãos do Senhor eram seus primos ou meios-
irmãos. Sem dúvida, Tiago, José, Simão e Judas (Mt 13.55) eram irmãos literais
do Senhor, e nunca teria ocorrido a alguém negar um fato tão claro, se não fosse
o desejo de substanciar teorias idólatras concernentes à Sua mãe, e identificá-la
com Ísis, a mãe de Hórus, contudo ainda sempre virgem. Veja a nota no final
deste capítulo.
[133]
Na passagem do Salmo 22.16. “Traspassaram-me as mãos e os pés”,
encontra-se o verbo ‫( כָּאַ ר‬semelhante a ‫)כּ ָָר ד כּוּ ר‬, que significa “cavar” ou
“perfurar através de”, sendo o termo mais apropriado em relação a cravos. Mas
em Zacarias 12.10 (“traspassaram”), o verbo é ‫דּק ר‬, ַ que significa “furar com
espada ou lança”.
[134]
Salmo 69.9. Compare João 2.17 e Romanos 15.3.

391
[135]
N. do E.: Peças de milagre designam um dos três principais tipos de
peças teatrais representadas durante a Idade Média. Os temas tratavam da vida,
feitos e milagres dos seguidores de Cristo e das lendárias intervenções divinas da
virgem Maria. Coventry é uma cidade e distrito metropolitano do Reino Unido, na
região de West Midlands.
[136]
Do ponto de vista cristão paganizado, isso seria obviamente uma
transferência da ceia do Senhor para a adoração a Maria.
[137]
Os dois nomes Clopas e Alfeu podem ser considerados os mesmos, pois
ambas as formas são derivadas da mesma palavra original aramaica. Jerônimo
não estava ciente desse fato.
[138]
Nosso último vislumbre dos irmãos, antes da crucificação, mostra-os
separados pela primeira vez de sua mãe e fazendo censuras ao Senhor. Quando
Ele estava na cruz, vemos a mãe abandonada pelos filhos. É impossível negar a
importância de tal fato.
[139]
Essa consideração, ao lado de outras duas, será suficiente para explicar
todas as aparentes discrepâncias entre as genealogias de Mateus e Lucas, as
quais, lembremos, são expressamente consideradas genealogias de José (Mt
1.16; Lc 3.23). Os outros dois pontos são: (1) Se a linhagem direta de um homem
se extinguisse por falta de filhos, os judeus costumavam inserir seu herdeiro no
registro como filho; e (2) eles tinham o hábito de abreviar genealogias pelo
processo simples de eliminar nomes, de modo que era frequente um homem
aparecer como filho de um ancestral que morrera um século ou mais antes de
nascer.
Tendo esses fatos em mente, examinaremos as listas dos dois evangelistas
que, embora sejam coincidentes de Abraão a Davi, são diferentes de Davi a
Jeconias. A razão é muito simples. Davi foi sucedido por Salomão, cuja linhagem
ocupou o trono até sua extinção em Jeconias que não teve filhos (Jr 22.30) O
direito de sucessão passou para a família de Natã — outro filho de Davi, de quem
nosso Senhor descendeu — e Salatiel, filho de Neri, tornou-se herdeiro do trono
e, segundo o costume judaico, foi transferido para as tabelas genealógicas reais
como “o filho de Jeconias”. Depois de Jeconias, as genealogias coincidem por
quatro gerações: cada uma delas tem Salatiel e Zorobabel; Resa( ‫ישׁ א‬ ָ ‫ר‬,
ֵ “o
príncipe”) é apenas um título de Zorobabel, que parece ter entrado na lista a partir
da margem; Mateus omite Joanã, de acordo com a prática supramencionada; e
Abiúde e Judá são a mesma pessoa. Abiúde teve dois filhos: Eliaquim e José. A
linhagem de Eliaquim cessou com Eleazar e, por conseguinte, Matate (Matã), da
casa de José, tornou-se herdeiro da coroa. Matate teve dois filhos: Jacó e Eli.
Jacó morreu sem prole (ou, pelo menos, sem prole do sexo masculino, pois é
muito provável que Maria fosse sua filha) e assim José, filho do seu irmão mais
novo Eli, tornou-se seu herdeiro e foi colocado na genealogia oficial como filho de
Jacó.

392
É fácil provar que Mateus omitiu nomes do seu registro, por querer enquadrar
os números, e é explicação suficiente do fato de que ele menciona apenas vinte e
oito gerações de Davi a Cristo, enquanto Lucas tem quarenta e duas. Se Maria
era prima de José, casada com ele, segundo o costume judaico, porque ele era
herdeiro do tio dele, então as genealogias pertencerão a ela tanto quanto a seu
marido.
[140]
O sinal era: “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei
que está próxima a sua devastação” (Lc 21.20), e foi-lhes apresentada de forma
mais clara no momento crítico, como sabemos por Josefo (Guerras dos Judeus,
Livro , cap. ). Céstio Galo cercou a cidade no outono de 66 d.C. e, no sexto
dia, conseguiu minar o templo, quase tomando-o, e tanto amedrontou os judeus
que muitos deles estavam prontos para abrir as portas. Nesse momento crítico,
ele repentinamente retirou seus soldados do local e se foi, como diz Josefo, “sem
nenhuma razão no mundo”. “Assim, se esse general”, observou o historiador,
“tivesse continuado o cerco, teria logo se apoderado da cidade; mas Deus, irritado
contra aqueles malvados, não permitiu que a guerra acabasse logo”. Essa pode
ter sido uma razão, mas também havia outra, e os cristãos reconheceram o sinal
que o Senhor lhes dera: viram Jerusalém cercada de exércitos. E com o sinal para
a fuga, também veio a oportunidade. Em circunstâncias comuns, os judeus
rebeldes em Jerusalém jamais teriam permitido a partida de uma numerosa
multidão de cristãos, mas a retirada de Céstio deu-lhes tanta coragem e inflamou-
os com tanto ardor que eles saíram das portas da cidade, perseguiram
vigorosamente os inimigos por mais de sessenta quilômetros na estrada para
Cesareia, mataram cinco ou seis mil deles e quase efetuaram a captura de todo o
exército romano. Enquanto Jerusalém estava esvaziada de seus principais
habitantes, os cristãos fugiram silenciosamente na direção oposta, para o lado do
rio do Jordão, e conseguiram escapar.
É digno de nota que, enquanto o sinal prometido em Lucas foi tão claramente
dado antes que as legiões de Tito se aproximassem da cidade santa, o mesmo
não pode ser dito do que é mencionado em Mateus. A ideia de que as águias
romanas, e não a imagem da besta, são “a abominação da desolação”, é
insustentável. Não podem ser, pois as águias romanas nunca estiveram no Lugar
Santo, isto é, no templo.
[141]
O discurso inteiro pode ser dividido em três partes, correspondendo às
três perguntas feitas pelos discípulos. A primeira parte (Mt 24.4-35) diz respeito
aos judeus e corresponde à pergunta: “Quando sucederão estas coisas?”. A
segunda (Mt 24.36–25.30) revela o sinal que tornará conhecida a presença de
Cristo nos ares, equivalendo à pergunta: “Que sinal haverá da tua vinda
[presença, parousia]?”. Uma vez que será a remoção repentina dos que o
buscam, Ele acrescenta algumas instruções e avisos a respeito do assunto
solene. A última parte (Mt 25.31-46) é resposta à pergunta: “Que sinal haverá [...]
da consumação do século [era]?”. O Senhor responde que Seu último ato a esse

393
respeito será o julgamento dos vivos, das nações que, estando fora do círculo da
cristandade, não ouviram a Sua fama nem viram a Sua glória (Is 66.19), e que
serão julgadas em relação à maneira pela qual obedeceram à lei da misericórdia
escrita em seus corações (cf. Rm 2.14-15) no tratamento dado aos judeus
dispersos.
[142]
O remanescente da igreja já terá sido removido ao som da sétima
trombeta. Sobre este assunto, o leitor encontrará mais detalhes em um capítulo
da Parte 3.
[143]
A paráfrase a seguir explica, talvez, a força de ligação do termo
“porquanto” no início de Mateus 24.7. “Esses distúrbios, causados por falsos
messias na Judeia, e guerras e problemas locais, devem ocorrer, mas não serão
sinais do fim; porquanto antes que isso aconteça, deverá haver guerras e fomes
em geral, pestilências e terremotos em muitos lugares do mundo. Esse será o
caráter dos eventos que anunciarão o tempo do fim”.
[144]
N. do E.: Não esqueçamos que este livro foi escrito em 1887.
[145]
N. do E.: É provável que Pember esteja fazendo referência à grande fome
que sobreveio a partes do mundo entre os anos de 1876 a 1879.
[146]
Observei anteriormente que escrevi isso antes da ocorrência dos
terremotos em Zagrebe (Croácia), Casamicciola Terme (Itália), Chio (Espanha),
Ísquia (Itália), Java (Indonésia), Colchester (Inglaterra) e Andaluzia (Espanha).
Para inteirar-se da teoria bíblica pertinente aos terremotos, veja a descrição que
Moisés faz do fogo subterrâneo aceso na ira de Deus (Dt 32.22).
[147]
Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, Livro , 5.4.
[148]
Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Livro , 8.
[149]
Atualmente, existem milhões de espiritualistas que, com a ajuda de
literatura abundante, estão por toda parte influenciando a sociedade e
preparando-a para a liderança de um espírito declaradamente vindo dentre os
mortos. Sobre essa apostasia, por mais importante que seja, pouco falo neste
livro, uma vez que já analisamos em detalhes em outra de minhas obras, “As Eras
Mais Primitivas da Terra” (2 Volumes, Editora dos Clássicos). Quanto aos
astrólogos e suas cartas, ambos aparecem frequentemente nos jornais diários, e
Zadiel está rapidamente se tornando uma autoridade.
[150]
Baseado nisso, podemos entender o significado de Zacarias 13.2, que diz:
“Acontecerá, naquele dia, diz o S dos Exércitos, que eliminarei da terra os
nomes dos ídolos, e deles não haverá mais memória; e também removerei da
terra os profetas e o espírito imundo”.
[151]
N. do E.: O autor escreveu este livro em 1887.
[152]
Os eleitos serão provavelmente os israelitas que na época tiverem se
voltado para Cristo, a ponto de esperá-lo como o Libertador. É possível que a
formação deste grupo já tenha começado no maravilhoso movimento no sul da
Rússia, sob a liderança de Joseph Rabinowitch. Mas, os dispersos que ainda

394
estiverem afastados de Cristo serão posteriormente reunidos e transportados
pelos gentios para a terra santa (cf. Is 66.20).
[153]
N. do E.: Cabe ao leitor lembrar que este capítulo menciona a condição
dos judeus em fins do século .
[154]
Extraído do jornal londrino St. James's Gazette, 19 de novembro de 1880.
[155]
“Nunca tive a oportunidade de falar com os romenos sobre seus
sentimentos em relação aos judeus. Embora eu esteja propenso a pensar que
eles tenham razões conscientes para fazer o que fazem, é muito difícil entendê-
los. Com elegância digna de uma causa melhor, eles aprovam lei após lei para
privar os judeus na Romênia de ganhar o sustento, e o resultado é uma
emigração cada vez maior”, H. Friedländer, 15 de outubro de 1884.
[156]
Esse plano é explicado no interessante livro de Oliphant, The Land of
Gilead: With Excursions in the Lebanon (Londres: W. Blackwood & Sons, 1880).
[157]
Oliphant, The Land of Gilead, p. 517-518.
[158]
Claude Reignier Conder, Tent Work in Palestine: A Record of Discovery
and Adventure (Londres: R. Bentley & Son, 1878), vol. , p. 27.
[159]
Extraído do jornal londrino St. James's Gazette, 15 de setembro de 1880.
[160]
John M’Clintock and James Strong, Cyclopaedia of Biblical, Theological,
and Ecclesiastical Literature, 12 Volumes (Nova York: Harper, 1880-1881), vol. 9,
p. 135.
[161]
George Rawlinson, The History of Herodotus, 4 Volumes (Londres: John
Murray, 1860), vol. , p. 222, grifos no original.
[162]
A razão pela qual o Senhor, ao descrever a colheita, fala primeiro do joio é
suficientemente óbvia, visto que o joio é o tema da parábola.
[163]
Thomson comenta que viu a mostarda selvagem tão alta quanto o cavalo
e seu cavaleiro, e sugere que pode ter havido uma espécie perene que crescia e
tornava-se em árvore, assim como a mamona às vezes faz. Consulte William
McClure Thomson, The Land and the Book (Nova York: Harper, 1880), p. 414.
Muito possivelmente, não há exagero na afirmação de R. Simeon Ben Chalaphta,
quando diz: “Havia um pé de mostarda em meu campo, no qual eu costumava
subir como os homens sobem em uma figueira”, The Journal of Sacred Literature.
Editado por John Kitto, Volume III (Londres: William Clowes & Sons, 1849), p. 270.
[164]
O grande emblema fálico. “Já é hora de os cristãos compreenderem um
fato sobre o qual os céticos há muito falam e escrevem, a saber, que a cruz era o
símbolo central de todo o paganismo antigo. O que ela representa deve
permanecer indizível, mas provavelmente tornou-se o meio da morte de nosso
Senhor através dos ardis do Maligno, em cujas mãos Ele foi por um tempo
entregue, com vistas à futura corrupção do cristianismo, e a continuação em seu
nome de todas as abominações dos pagãos”, Mourant Brock, Rome: Pagan and
Papal (Londres: Hodder & Stoughton, 1856), p. 144.

395
[165]
Outra forma desse símbolo era a crux ansata egípcia, o conhecido sinal da
deusa Vênus.
[166]
Hargrave Jennings, The Rosicrucians: Their Rites and Mysteries (Londres:
Chatto & Windus, 1879), p. 147, 180.
[167]
N. do E.: “Domingo”, em inglês é Sunday, sun sendo “sol” e day sendo
“dia”, Dia do Sol.
[168]
Os lados mais compridos do tabernáculo estavam voltados para o norte e
para o sul, respectivamente, de forma que se estendiam do leste para o oeste (Êx
26:18-20). A extremidade oeste era totalmente fechada, assim como as laterais,
porque o Santo dos Santos estava lá (Êx 26.22-30). Mas a extremidade leste era
a entrada para o Santo Lugar e estava coberta por uma cortina. A passagem de
Ezequiel 8.16, citada no parágrafo seguinte, mostra a posição do templo de
Salomão, uma vez que os homens que adoravam o sol virados para o leste
estavam de costas para o templo do Senhor.
[169]
O número de homens indica que o grupo compunha-se do sumo
sacerdote e dos chefes dos vinte e quatro turnos (1Cr 24.1-31).
[170]
As medidas são alqueires, três dos quais constituíam um efa, ainda que o
efa fosse a medida completa para a panificação (Gn 18.6; Jz 6.19; 1Sm 1.24).
[171]
N. do E.: Ou seja, até fins do século , levando-se em conta que este
livro foi escrito em 1887. Pember parece mostrar que até aquele tempo o fermento
dos fariseus (a hipocrisia religiosa de exterioridades sem fé e amor substancial) e
dos herodianos (a preocupação de aparentemente promover os interesses do
reino por meio da política mundana) eram os fermentos mais fortes. Mas mesmo
em seus dias, o terceiro tipo de fermento — o fermento dos saduceus — já estava
em grande escala de multiplicação. Foi no final do século e início do século
, que, a teologia liberal, cheia do ceticismo saduceu, alcançou seu apogeu.
Nomes como Friedrich Schleiermacher (1768-1834), Albrecht Ritschi (1822-1889),
Ernst Troeltsch (1865-1923) e Julius Wellhausen (1844-1918) estão entre os
infelizes nomes mais destacados desse sistema pernicioso, que, negando a
historicidade ortodoxa e inspiração divina das Escrituras, a existência dos
milagres, a morte expiatória de Cristo e a salvação pela fé exclusivamente no
Filho de Deus, ajudaram a promover a fermentação do cristianismo com os
mesmos critérios presentes em forma de germe no ensinamento dos saduceus.
[172]
O lavrador achou o tesouro, enquanto estava empenhado no trabalho
comum; a relha do arado ou a enxada deve ter batido em algo que era valioso.
Foi, então, exemplo do que chamamos de tesouro enterrado. Por conseguinte, a
interpretação dos que dizem que o lavrador é Cristo e o tesouro, Seu povo, leva a
resultados muito estranhos. Nosso Senhor não iluminou a igreja acidentalmente,
enquanto estava tratando de outro assunto no mundo! Seu povo dificilmente pode
ser chamado de tesouro no momento em que Ele o acha. Eles se tornam tesouro
depois, por Sua graça, como novas criaturas Nele.

396
[173]
Ou seja, até a metade do século .
[174]
Devemos manter em mente que o comerciante não mergulha para tirar a
pérola das profundezas, mas apenas a compra de quem a adquiriu anteriormente.
Grande é o erro dos intérpretes que veem nesta parábola uma representação de
Cristo buscando e salvando a igreja.
[175]
N. do E.: John William Colenso (1814-1883) foi um bispo da Igreja da
Inglaterra que ficou famoso por suas ideias liberais na área da bibliologia e da
teologia dogmática. Em 1855, publicou uma obra intitulada Remarks on the Proper
Treatment of Polygamy que foi considerada um dos trabalhos mais convincentes a
favor da poligamia. Ele negou a doutrina da condenação eterna e escreveu vários
tratados contra a confiabilidade histórica do Pentateuco de Moisés e do Livro de
Josué. Na área da bibliologia, ele foi resistido e refutado por William Henry Green
(1824-1900). Falando do liberalismo teológico de Colenso e desse importante
embate travado contra ele por Green, Gino Iafrancesco Villegas (1951-2017) diz
em seu artigo Cosmogonia, Toledot e Alta Crítica: “Mas a tocha da corrente
corrosiva modernista liberal alemã foi levada aos países de língua inglesa pelo
bispo Colenso; a este lhe fez resistência William Henry Green em sua obra O
Pentateuco defendido das divagações do bispo Colenso. Green também
enfrentou outros seguidores [do liberalismo modernista] entre os de língua
inglesa. A obra de Green tem se demonstrado excelente nessa questão;
destacam-se dentro desse ramo várias obras suas, como Moisés e os Profetas,
As Festas Hebraicas, Introdução ao Antigo Testamento (O Cânon e o Texto) e
principalmente suas últimas obras A Alta Crítica do Pentateuco e A Unidade do
livro de Gênesis”, extraído de Gino Iafrancesco Villegas, Conflito de Paradigmas:
Uma Coleção de Artigos.
[176]
Da mesma forma, Daniel vê as quatro potências mundiais gentílicas
emergindo do mar revolto.
[177]
Falamos que a dificuldade é leve, porque o grego do Apocalipse não é de
forma alguma um ático severo, e João pode ter tido em mente antes o fato de que
ele acha-se no dia do Senhor do que o fato de que foi levado para lá. Nesse caso,
haveria pouca diferença entre a construção desta frase e a frase ἐ γενόμην ἐ ν τ ῇ
νήσ ῳ (egenomēn en tē nēsō) do versículo anterior (“achei-me na ilha”, Ap 1.9).
Encontramos um bom paralelo com τῇ κυριακ ῇ ἡ μέρ ᾳ (tē kyriakē hēmera), no
sentido de dia do Senhor, no uso que Paulo faz de ἀ νθρωπίνη ἡ μέρα
(anthrōpinē hēmera) para referir-se a “dia do homem” como algo oposto ao
primeiro (1Co 4.3-5). As opções “tribunal humano” ou “juízo humano” são uma
exposição e não uma tradução.
[178]
Talvez ocorra ao leitor que havia dez candelabros no templo de Salomão
(1Rs 7.49; 2Cr 4.7). Não há informação do que aconteceu com o candelabro
original que estava no tabernáculo. Podemos concluir que ele ocupava seu devido
lugar no templo, e entender, com os rabinos, que os dez candelabros eram
adicionais ao candelabro original e tinham significado distinto. No reinado de

397
Abias, encontramos menção de um único candelabro de ouro, o qual o sacerdote
tinha o dever de mantê-lo aceso durante a noite (2Cr 13.11). Nos templos de
Zorobabel (1Mc 1.21; 4.49) e Herodes, também havia apenas um candelabro que,
após a destruição do seu último local de descanso, foi levado para Roma e,
depois de ter honrado o triunfo de Tito, foi depositado no Templo da Paz. De
acordo com a lenda, ele foi perdido nas águas do Tibre ao cair da ponte Mílvia
quando Magêncio fugia precipitadamente de Constantino.
[179]
Henry Alford sustenta fortemente uma tradução diferente para esse
versículo: “Escreva as coisas que viste, e o que elas significam, e as coisas que
estão prestes a acontecer depois delas”. A mudança dificilmente é necessária e,
se for preferível, não afeta nossa interpretação. A exposição do que João viu
ainda deve revelar as coisas que são, ou o período da igreja atual, simbolizado
pelos candelabros no santuário. E Apocalipse 4.1 marca a transição desta
dispensação para aquela que a seguirá.
[180]
O tempo aoristo ε ἶ δες (eides) que deve ser traduzido por “tu viste” e que
é repetido no versículo seguinte (1.20), implica que a visão já havia sido dada. A
partir de Apocalipse 4, o santuário é totalmente diferente. A pia, os altares e a
arca da aliança reaparecem, mostrando que a profecia diz respeito aos judeus
dos últimos dias.
[181]
Não esqueçamos que, tanto na profecia das setes cartas como na das
sete parábolas, pode haver uma fase contínua, embora com área contraída, muito
além do tempo de seu predomínio, durando até a volta do Senhor. Há indicação
clara de que é o que ocorre com Pérgamo, pois o Senhor ainda não pelejou
contra os balaamitas com a espada da sua boca. Podemos dizer o mesmo de
Tiatira, pois os remanescentes são convidados a conservar o que têm até que o
Senhor venha. Também ocorre com Sardes, pois ela é advertida que, a menos
que vigie, o Senhor virá sobre ela como um ladrão; e com Filadélfia, pois o Senhor
lhe promete que virá sem demora, e a incumbe de conservar o que ela tem, para
que ninguém tome sua coroa. A igreja nominal irá, em seus últimos dias como nos
primeiros, aceitar comunidades que, tomadas em conjunto, exibirão todas as
características mencionadas por Cristo, de modo que cada uma das cartas reterá
seu valor diretamente prático até o fim. Mas no tempo do fim, a fase predominante
será a de Laodiceia.
[182]
O termo é Ἔ φεσος (Ephesos), derivado de ἐ φίημι (ephiemi), que muitas
vezes significa “deixar ir” ou “afrouxar a rédea”.
[183]
A tradução bíblica que adiciona o termo “algo”, que não é encontrado no
grego, esconde a severidade da reprovação.
[184]
Νικολαιτοί (Nikolaitoi), formado de νικάω (nikao), “conquistar”, “dominar”, e
de λαός (laos), “pessoas”. É da palavra λαός que vem o termo “laicato”, através do
adjetivo λάϊτος (laitos). O nome Balaão, que é relacionado com os nicolaítas na
carta a Pérgamo, tem um significado ainda mais forte: “devorador do povo”.

398
[185]
Inácio de Antioquia, Carta aos Efésios, 6.1. Extraído de Padres
Apostólicos (São Paulo: Paulus, 2008).
[186]
Inácio de Antioquia, Carta aos Magnésios, 7.1. Inácio é o primeiro escritor
que usa o termo “bispo” no sentido moderno e não no sentido apostólico. Os
apóstolos instituíram apenas duas ordens de ministros: os anciãos ou presbíteros
e os diáconos. Mas assim que as igrejas começaram a organizar-se entre os
helenistas, o termo grego “bispo” (επίσκοποσ, episkopos, “supervisor”) foi usado
para substituir o termo “ancião”. As duas palavras eram estritamente sinônimas,
como vemos ao examinar as seguintes passagens: Atos 20.17, 28; Tito 1.5-7;
1Pedro 5.1-2. Em Filipenses 1.1, Paulo saúda os bispos e diáconos; ele não teria
omitido os presbíteros, se eles fossem de outra ordem. Em 1Timóteo 3.1-7, ele
fala dos bispos e nos versículos 8-13, passa imediatamente para os diáconos.
Clemente de Roma usa “bispo” e “presbítero” como termos intercambiáveis, e o
recém-descoberto Ensino dos Apóstolos (Didaquê) contém o mandamento:
“Escolhei para vós bispos e diáconos dignos do Senhor” (Didaquê, 15.1).
[187]
N. do E.: As Cartas de Inácio têm mais de uma versão. Algumas editoras
adotam a versão mais resumida, outras, a mais longa. A Editora Paulus, ao
disponibilizar a tradução das Cartas de Inácio para o público cristão brasileiro, deu
preferência à versão mais resumida. Já a citação feita por Pember da Carta aos
Magnésios provém da versão mais longa. As duas versões podem ser
encontradas em inglês, por exemplo, no site
<http://www.earlychristianwritings.com/ignatius.html>.
[188]
A palavra Σμύρνα (Smyrna) é usada no lugar de μύρρα (myrra), “mirra”.
Tem ligação com uma raiz hebraica, o que demonstra que “amargura” é seu
significado principal.
[189]
N. do E.: As dez grandes perseguições duraram, com breves intervalos,
aproximadamente 250 anos. Para inteirar-se de mais detalhes sobre elas, veja a
obra O Livro dos Mártires, de John Fox (Editora CPAD).
[190]
N. do T.: É digno de nota que venhamos a perceber que as palavras de
nosso Senhor aqui são dirigidas aos cristãos da igreja em Esmirna, e que,
portanto, sendo estes justificados gratuitamente mediante a obra de redenção do
Senhor Jesus, jamais poderiam ser condenados à perdição eterna no lago de
fogo. O pagamento perfeito, realizado por Cristo em favor deles, impede que o
destino eterno de cada um deles incorra em tal sentença. Todavia, por todo o
Novo Testamento, não existe uma só palavra que diga que os cristãos
genuinamente salvos pela obra redentora e expiatória de Cristo, não poderão
sofrer na era vindoura uma disciplina de Deus por conta da maneira, muitas
vezes, pecaminosa ou infiel em que vivem nesse mundo e partem dele (quer na
hora da morte ou no momento da vinda de nosso Senhor). Pelo contrário, as
palavras do Senhor Jesus e de seus apóstolos divinamente inspirados mostram-
nos claramente que, pelo menos, durante a era vindoura, mesmo os que Nele
creem poderão ser entregues durante um tempo ao poder ou “autoridade” (gr.

399
exousia) da segunda morte. Os que discordam desse fato, não podem explicar o
que o Senhor, falando aos discípulos que Nele criam, quis dizer nas seguintes
passagens: Marcos 9.43-49; Mateus 5.20-26; 10.28; Lucas 12.45-48; ou quando
os apóstolos nas epístolas falam sobre rejeição e fogo de disciplina naquele Dia.
Somente esse entendimento nos ajuda a entender algumas passagens onde os
apóstolos se dirigem, não a falsos crentes, como insinuam os calvinistas, mas aos
verdadeiros crentes nascidos de novo e que, portanto, não podem perecer
eternamente; as passagens são 1Coríntios 3.10-15; Hebreus 6.4-8; 10.26-31
[deve-se notar que o autor de Hebreus fala do juízo vindo sobre o povo de Deus
no v. 31 dessa passagem]. Falando sobre o dano da segunda morte no volume 4
dessa mesma obra, Pember diz: “O que é a segunda morte que não poderá lhes
causar dano e que não tem poder sobre eles? Não é difícil uma resposta para
essa pergunta, porque a Escritura nos fala claramente que a segunda morte é
nada menos que o lago de fogo e enxofre (Ap 20.14). Visto, então, que uma
declaração inspirada afirma que os crentes vencedores não sofrerão o dano da
segunda morte (Ap 2.11), qual é a dedução natural com respeito àqueles que não
são vencedores, que não resistem as tentações, não levam uma vida consistente,
embora sejam crentes no Senhor Jesus e ocasionalmente demonstrem sua fé de
uma forma inesperada? Se eles deixarem o mundo justificados pela fé, mas
santificados de forma incompleta, conclui-se que eles sofrerão o dano da segunda
morte, mesmo que seja apenas temporariamente. Devido ao fato de a vida de
Cristo estar neles, por fim, eles deverão derrotar o poder da morte. É certo que o
fogo terá poder sobre eles, mas somente até consumir o que for deixado de
errado neles. Senão que objetivo haveria para uma menção tão importante da
imunidade desfrutada pelos vencedores?”, extraído de G. H. Pember, The Great
Prophecies, Vol. 4. Para ganhar um melhor entendimento do assunto, veja
Watchman Nee, O Evangelho de Deus, G. H. Pember, The Great Prophecies, Vol.
4 (a ser publicado futuramente por esta editora), Robert Govett, Entrance into the
Kingdom.
[191]
O nome “Pérgamo” está associado com πύργος (pyrgos), “torre”. Por
conseguinte, Πέργαμος (pérgamos) ou o plural Πέργαμα (pérgama) era o nome da
cidadela de Troia, e posteriormente a palavra foi usada para aludir a qualquer
cidadela.
[192]
Muitos estariam dispostos a dizer: “Por que não permitir que a cortina do
esquecimento repouse para sempre sobre esses lamentáveis fatos? Ora, pelo
menos os dias são honestamente mantidos como festas cristãs. Não é bom
perturbar a mente dos homens rastreando tais observâncias até sua origem
pagã?”. Existe, infelizmente, uma razão muito urgente para fazê-lo! Já estão em
circulação entre as classes cultas, livros infiéis, de considerável habilidade, nos
quais as vestes pagãs de certas formas de cristianismo são expostas de maneira
forte e convincente. Então, visto que muito do que eles aprenderam a considerar
santo foi provado que vieram de fontes pagãs, os cristãos são convidados a crer

400
que todas as outras doutrinas e observâncias da fé também são de caráter
semelhante. É, portanto, absolutamente necessário que de agora em diante nos
acostumemos a discriminar entre as coisas que, sendo ordenanças do homem, só
se justificam por seu valor na guerra contra o mundo e Satanás, e as que, sendo
mandamentos diretos do Senhor e Seus apóstolos, devem ser firmemente
mantidas, apesar da oposição e das consequências reais ou possíveis.
[193]
Tertuliano, Sobre a Idolatria, .
[194]
N. do E.: O autor se refere ao hemisfério norte.
[195]
Nome comum do deus Sol.
[196]
. Sermões II. Veja King, “Gnostics”, p. 49-50.
[197]
N. do T.: Admite-se em geral que a palavra traduzida por “esmeralda”
tenha o sentido de “diamante”.
[198]
Θνάτιιρα (Thyateira), isto é, θυ ῶ ν ἀ τειρής (thyón ateirís), que significa
“aquela que nunca se cansa de apresentar ofertas de sacrifício”.
[199]
Essa migração explica a presença de algumas famílias das dez tribos
entre os judeus na época do Novo Testamento.
[200]
N. do E.: Em algumas versões da Bíblia, o nome de Jorão, filho de
Jezabel e irmão de Acazias, é também Jeorão, ou seja, ele teria o mesmo nome
do rei de Judá, seu contemporâneo. Neste ponto, seguimos a ao transcrever
o nome do rei das tribos do norte, a fim de evitar confusão por conta da igualdade
do nome dos dois monarcas.
[201]
Outrora chamada Basílica Liberiana, mas agora Basílica de Santa Maria
Maior.
[202]
Pontífice Máximo, título ainda hoje mantido pelo papa.
[203]
Encontramos no Museu Britânico muitas ilustrações curiosas da mitra
entre as antiguidades assírias e babilônicas. Ela não tinha semelhança com a
chamada mitra do sumo sacerdote israelita, que era um turbante de linho fino e
seu nome ‫ ִמצְ נֶפֶ ת‬deriva de ‫ ףצָ ַנ‬, que significa “enrolar”.
[204]
Não é sem profundo significado que encontramos em Apocalipse 1.6 a
expressão notável: “reino, sacerdotes”, cuja leitura está correta, sendo aplicada à
igreja. A diferença de número aponta para o fato de que, imediatamente após a
conversão, cada membro de Cristo é um sacerdote individualmente, mas que os
crentes só podem se tornar um reino quando todos estiverem reunidos no Senhor.
[205]
Veja Rudolf Ewald Stier, The Words of the Risen Saviour.
[206]
N. do T.: A expressão chuva temporã significa “primeiras chuvas” e a
expressão chuva serôdia significa “últimas chuvas”.
[207]
A palavra Φιλαδέλφεια (filadélfeia) é formada por φιλε ῖ ν (fileín), “amar”, e
ἀ δελφός (adelfós), “um irmão”.
[208]
Com isso, não queremos sugerir a formação de uma nova igreja com
somente cristãos verdadeiros como membros. Tal esquema tem sido

401
frequentemente tentado com o resultado invariável de que outra seita, se não
mais de uma, foi adicionada às distrações anteriores. Ninguém, exceto o supremo
Pastor, terá sucesso em reunir as ovelhas atormentadas em um rebanho visível.
Mas enquanto os cristãos permanecerem — enquanto a consciência permitir —
em quaisquer comunidades que estejam, que estejam sempre prontos para
unirem-se em intercomunhões e que se lembrem do contexto solene destas
palavras: “Então, os que temiam ao S falavam uns aos outros” (Ml 3.16).
Se as distinções e sentimentos do grupo os afastam dessas coisas, eles terão
pouca chance de serem incluídos no âmbito da Igreja favorecida de Filadélfia.
[209]
N. do E.: Para Pember e outros eruditos, Paulo é o autor da Epístola aos
Hebreus.
[210]
A palavra Λαοδίκεια (laodíkeia) é formada por λαός (laos), “pessoas”, e
δίκη (díki), “costume”, “uso”, “direito”.
[211]
A metáfora é tirada do uso de água morna como emético e expressa a
mais forte aversão. Portanto, diz-se que a terra de Canaã vomitou seus habitantes
por causa de suas abominações (Lv 18.28).
[212]
Não está escrito que a glória ascendeu imediatamente. Talvez o Senhor
tenha permanecido por um tempo no monte das Oliveiras para supervisionar o
julgamento que estava para sobrevir à cidade e ao santuário. Mais tarde, no
mesmo local, Ele anunciou a segunda destruição de Jerusalém (Lc 19.43-44), e
proferiu a grande profecia de seu problema final (Mt 24). Dali Ele ascendeu ao céu
e de lá retornará com todos os seus santos (Zc 14.4).
[213]
Trata-se, obviamente, da última semana de Daniel, quando a dispensação
será novamente judaica. Não está revelado se o período virá imediatamente após
a remoção da igreja, ou se haverá um intervalo anormal, semelhante ao que
ocorreu entre o décimo dia de nisã, no qual a aliança judaica foi suspensa, e o dia
de Pentecostes.
[214]
Em grego, as palavras “tenha chegado” não significam “estar perto” (cf.
, ), mas “estar presente”. A mesma expressão ocorre em Romanos 8.38;
1Coríntios 3.22; 7.26; Gálatas 1.4 ( ); Hebreus 9.9, em cada uma das
passagens traduzida por “presente”. Em 2Timóteo 3.1, que está no futuro, foi
traduzida por “sobrevirão tempos difíceis”. Em 2Tessalonicenses 2.2, a tradução
“está perto” é errada, porque evidentemente o propósito é fazer com que o
significado concorde com a escatologia dogmática dos tradutores.
[215]
N. do E.: Algumas versões bíblicas trazem a palavra “amado” ( ) em
vez do nome “Jesurum” ( ) que, de acordo com os estudiosos, é um adjetivo
hebraico para designar os filhos de Israel como sendo o povo reto e justo, já que a
palavra hebraica em sua raiz tem o sentido de “justiça ideal” ou a “retidão
provinda do amor de aliança”.
[216]
Obviamente, apenas no que diz respeito à vida natural. Ainda restou
espaço para o arrependimento e para a salvação do espírito, até que o julgamento
fosse realizado.

402
[217]
Ou seja, quando Ele descer ao monte das Oliveiras para libertar
Jerusalém: “Então, virá o S , meu Deus, e todos os santos, com ele” (Zc
14.5). Veja Zacarias 14.3-5 e compare com Judas 14-15.
[218]
Há duas outras ocorrências do uso da palavra mistério por Paulo. Em
1Coríntios 13.2, ele diz: “Ainda que eu [...] conheça todos os mistérios”, e em
1Coríntios 14.2, ele descreve que quem fala em línguas fala mistérios em espírito.
Nos Evangelhos Sinóticos, o termo é aplicado às parábolas pelas quais o Senhor
revelou o futuro da igreja (Mt 13.11; Mc 4.11; Lc 8.10). No Apocalipse, mistério é
usado para referir-se às estrelas que são os anjos das igrejas (Ap 1.20), à própria
igreja (Ap 10.7) e à mulher sentada na besta (Ap 17.5, 7). Portanto, os mistérios
são segredos revelados por Deus, com os quais todo aquele que é feito discípulo
para o reino dos céus deve estar familiarizado, para que ele seja como um pai de
família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas (Mt 13.52).
[219]
Veja a nota 214.
[220]
O leitor encontrará provas disso mais adiante. Alguns estudiosos queixam-
se de que, a menos que todos os crentes sejam levados ao mesmo tempo, a
igreja será dividida em duas partes, mas a queixa é uma falácia. Não estará mais
dividida então do que está agora pela circunstância de que seus membros
encontram-se tanto entre os vivos como entre os mortos; e alguns deles podem
ainda não ter nascido. Mas nos dias da voz do sétimo anjo e antes da
manifestação de Cristo, todos estarão reunidos com segurança; nenhum faltará.
Outros estudiosos não negam o segundo arrebatamento, mas supõem que
todos os crentes serão levados no momento do primeiro e que os membros do
segundo serão totalmente constituídos de pecadores subsequentemente
convertidos. Na verdade, a explicação corta a igreja em duas partes, pois se todos
os seus membros fossem levados da terra, ela só poderia retomar seu trabalho
depois de um replantio absoluto.
[221]
Em Apocalipse 16.15, encontramos as palavras: “Eis que venho como
vem o ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para
que não ande nu, e não se veja a sua vergonha”. Os estudiosos, em sua maioria,
explicam que a referência é à igreja e, nesse caso, indicaria um terceiro
arrebatamento. Mas, sem insistir no fato de que o mistério de Deus já foi
concluído, não há nada em suas palavras que sugira um arrebatamento
proveniente da terra. É antes um último aviso dado aos judeus, pois o Senhor está
prestes a descer e todos os seus santos com Ele (Zc 14.5).
A figura na última parte do versículo foi apropriadamente tirada de um costume
judaico, que, como foi preservado na sexta seção da Mishná, sob o título Midot,
isto é, “Medições do Templo”, não é improvável que venha a ser restaurado
quando os judeus retornarem à Palestina. Era o seguinte: “O sacerdote que
andava ao redor dos guardas do templo à noite carregava tochas diante de si, e
se ele encontrasse algum deles dormindo no posto da guarda, ele queimava suas

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roupas com as tochas” (Midot, cap. , halal 2), Veja The Whole Works of the late
John Lightfoot, Vol. (Londres: Hatchard & Son, 1825), p. 357.
[222]
Veja p. 332-335.
[223]
Veja p. 111-112.
[224]
Esse é o monte Sião celestial. Pois o som de harpas vem do céu (Ap
14.2), os cento e quarenta e quatro mil cantam diante do trono e eles foram
comprados da terra (Ap 14.3).
[225]
Claro que isso não significa que os que participaram do primeiro
arrebatamento não passaram por aflições. Mas a palavra de Deus, tornada eficaz
por Seu Espírito, será o meio principal de sua santificação. Eles não precisaram
mais do que problemas comuns e, portanto, serão considerados dignos de
escapar das terríveis desgraças e perseguições da grande tribulação.
[226]
Em grego, τ ὰ στρατεύματα (tà strateumata), “os céus”. No singular, o céu
significa o céu da terra ou o reino dos ares, onde a igreja está tabernaculando
com Cristo. Por outro lado, quando no plural, céus significa todo o sistema dos
céus ou o céu dos céus, como nas frases “o reino dos céus”, “Pai nosso, que
estás nos céus” e outras.
[227]
Veja p. 241.
[228]
Perceber isso, e agir de acordo, é a maior perfeição da vida cristã, “de
maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso
Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até ao fim, para serdes
irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1.7-8).
[229]
Se traduzirmos por “enchei-vos no espírito”, o sentido ainda é o mesmo.
Nosso espírito deve ser cheio do Espírito Santo ou dos espíritos malignos, e claro
que Paulo não se refere a estes.
[230]
Não esqueçamos que os espíritos dos que partiram não podem ter nada
mais do que relações espirituais com o Senhor e são incapazes de vê-lo como Ele
é. Eles só o poderão fazer quando seus corpos forem, como o Dele, redimidos e
glorificados pela ressurreição. Por isso, João diz: “Sabemos que, quando ele se
manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”
(1Jo 3.2) — palavras que implicam claramente que os espíritos desencarnados
não podem vê-lo dessa forma. Mas eles têm a vantagem de um estágio
intermediário em seu conhecimento, e por atingir, durante o período de
comunicação espiritual ininterrupta, um relacionamento mais próximo com Ele do
que é possível na terra, eles podem se tornar mais preparados para a visão
beatífica de sua presença revelada.
[N. do E.: Para entender melhor esse assunto, veja Robert Govett, Hades: O
Lugar dos Mortos (Editora Escriba do Reino), e G. H. Lang, Firstfruits and Harvest
(Primícias e Colheita), cap. 6. Gostaria, porém, de citar algumas palavras de
Govett acerca da questão da comunicação dos que partiram com a presença
espiritual de Cristo manifestada a eles no paraíso dentro do Hades/Sheol. Em um

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artigo escrito resumidamente para responder algumas perguntas baseadas em
versículos, como Filipenses 1.21, 23 e 2Coríntios 5.6-8, que parecem apontar que
os que partiram estão com Cristo em um sentido muito especial (o que na ideia de
muitos implicaria que só podem estar no céu), Govett assim se expressa:
“É certo, a partir dessas passagens, que os que partiram são sensíveis à
presença de Cristo de forma muito superior aos vivos. [...] O estado dos justos
que partiram é, em si, um grande avanço na paz e consolo comparados à
condição em que se achavam enquanto estavam aqui. Tal avanço surge da
presença do Salvador (Sl 139.8b), sendo percebida de maneira desconhecida por
nós aqui na terra. Mas nenhuma dessas passagens fala especificamente do lugar
onde estão os espíritos que partiram. Nenhuma passagem das Escrituras diz que
os espíritos dos justos estão agora no céu”.
Nesse pequeno comentário, Govett confirma o que é dito por Pember, a saber,
que os espíritos desencarnados dos justos conseguem perceber de maneira mais
real a presença espiritual de Cristo de uma forma que desconhecemos. Que Sua
presença, de maneira onipresente e imanente, se manifesta dentro do próprio
Hades/Sheol, está claro pelo que é dito no Salmo 139.8, segundo o sentido literal
do hebraico, que diz que a presença de Jeová poderia ser percebida pelo salmista
até no Sheol. É claro que, de acordo com o que Pember afirma com base em
1João 3.2, essa é Sua presença espiritual e não inclui Sua presença imediata em
seu corpo glorificado, o qual o cristão só verá na glorificação e que, de acordo
com Atos e Hebreus, está à destra de Deus e lá ficará até “o tempo da
restauração de todas as coisas” (At 3.21), que se dará em sua segunda vinda.]

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