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Traduzido da publicação em inglês no site “https://www.apuritansmind.com/covenant-theology/dr-john-calvin- on-infant-baptism/” Contribuidores da obra: Design: Wallas Pinheiro Tradução: Filipe Macedo Revisão: Gabriel Lago / Walker Rainnier 1. Agora, tendo em vista que a prática de batizar crianças é impugnada e assaltada por alguns espíritos malignos — como se não tivesse sido ordenada por Deus, mas inventada recentemente pelos homens, ou, ao menos, em alguns anos após os dias dos apóstolos —, penso que será muito oportuno fortalecer as consciências fracas nessa matéria e refutar as objeções mentirosas que tais sedutores possam fazer no intuito de destronar a verdade de Deus nos corações dos indoutos; que podem não ser hábeis o suficiente para responder às suas objeções e sofismas. O argumento pelo qual o pedobatismo é atacado é, sem dúvida, falacioso; a saber, que ele não se baseia na instituição de Deus, mas foi introduzido apenas pela presunção humana e pela curiosidade depravada — permanecendo depois por uma facilidade tola, recebido precipitadamente na prática, [como se fosse um sacramento que não está assentado sobre o fundamento seguro da palavra de Deus. Mas, se tendo sido o assunto devidamente tratado, for descoberto que uma calúnia é falsa e injustamente trazida contra a santa ordenança do Senhor? Primeiro, então, investiguemos a sua origem. Se ela parece ter sido concebida apenas pela pressa humana, temos de abandoná-la e regular a verdadeira observância do batismo inteiramente pela vontade do Senhor; mas, se ela não se provar de modo algum destituída de sua autoridade segura, tomemos, então, cuidado para não descartarmos as instituições sagradas de Deus e, assim, insultar seu Autor. 2. Em primeiro lugar, então, por se tratar de uma doutrina bem conhecida, a respeito da qual todos os piedosos estão de acordo, importa afirmar que a consideração correta dos sinais não reside apenas nas cerimônias exteriores; mas depende principalmente da promessa e dos mistérios espirituais, para tipificá-las. Isto é, as próprias cerimônias são designadas. Aquele, portanto, que compreende profundamente o efeito do batismo — seu objeto e seu verdadeiro caráter — não deve estar limitado ao elemento ou ao objeto corpóreo, mas deve olhar adiante para as promessas divinas que nele são oferecidas a nós e elevar-se aos segredos internos que nele estão representados. Aquele que compreende essas coisas alcança a verdade sólida e, por assim dizer, toda a substância do batismo, de modo que perceberá a natureza e o uso da aspersão externa. Por outro lado, aquele que passa por isso em desprezo e mantém os seus pensamentos inteiramente fixados na cerimônia visível não compreenderá a força nem a natureza própria do batismo, nem o que se entende, nem o que se ganha com o uso da água. Isso é confirmado por passagens da Escritura demasiadamente numerosas e claras; não é necessário discuti-las mais detalhadamente. Resta, portanto, indagar sobre a natureza e eficácia do batismo, as quais são evidenciadas pelas promessas que nele estão anexadas. A Escritura mostra, em primeiro lugar, que o batismo aponta para aquela purificação do pecado que obtemos pelo sangue de Cristo; e, em segundo, para a mortificação da carne, que consiste na participação da sua morte — obra pela qual os crentes são regenerados para a novidade de vida e, assim, para a comunhão com Cristo. A partir desses assuntos gerais, tudo o que as Escrituras nos ensinam a respeito do batismo pode ser mencionado com este acréscimo: que ele é também um símbolo para testificar nossa religião aos homens. 3. Agora, uma vez que, antes da instituição do batismo, o povo de Deus já tinha a circuncisão em seu lugar, nós veremos até que ponto esses dois sinais diferem e até que ponto eles se parecem um com o outro. Dessa forma, aparecerá qual é a analogia que existe entre eles. Quando o Senhor ordena a Abraão que observe a circuncisão (Gn 17:10), Abraão presume que Deus seria um Deus para ele e para sua descendência, porquanto o Senhor acrescenta que em si mesmo havia uma perfeita suficiência para todas as suas necessidades; Abraão poderia contar com sua mão como uma fonte de toda bênção. Essas palavras incluem a promessa de vida eterna, como o nosso Salvador interpreta quando as emprega para provar a imortalidade e ressurreição dos crentes: “Deus”, diz Ele, “não é o Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22:32). Assim, também Paulo, ao mostrar aos efésios quão grande foi a destruição da qual o Senhor os livrou, afirma que naquele tempo eles eram estrangeiros do pacto da promessa, sem Deus e sem esperança, visto que não foram admitidos no pacto da circuncisão (Ef 2:12); mas, depois, todos foram compreendidos no pacto. Agora, o primeiro acesso a Deus, a primeira entrada para a vida imortal, é a remissão dos pecados. Disso resulta o que corresponde à promessa da nossa purificação no batismo. O Senhor, depois, faz alianças com Abraão, que, por sua vez, deve andar perante Ele com sinceridade e inocência de coração; isso se aplica à mortificação ou à regeneração. E para que ninguém duvide de que a circuncisão era sinal de mortificação, Moisés a explica mais claramente em outro lugar, quando exorta o povo de Israel a circuncidar o seu coração; porque o Senhor os escolhera, entre todas as nações da terra, para serem o seu próprio povo. Assim como o Senhor, ao escolher a posteridade de Abraão para ser o seu povo, lhes ordenou que fossem circuncidados, assim também Moisés declarou que eles deveriam ser circuncidados de coração, explicando, assim, o que é tipificado por essa circuncisão carnal. Logo, para que ninguém tente fazê-la em suas próprias forças, ele mostra que a circuncisão do coração é uma obra da graça divina. Tudo isso é tão frequentemente inculcado pelos profetas, que não há nenhuma necessidade de coletar as passagens que ocorrem em todos os lugares. Temos, portanto, uma promessa espiritual dada aos pais na circuncisão, semelhante àquela que nos é dada no batismo, pois ela figurava para eles tanto o perdão dos pecados como a mortificação da carne. Além disso, como já demostramos, ambos residem em Cristo. Por ser Ele o fundamento do batismo, assim também Ele deve ser o fundamento da circuncisão. Porque Ele foi prometido a Abraão e nele são benditas todas as nações. Para selar essa graça, o sinal da circuncisão é adicionado. 4. Não há agora qualquer dificuldade em ver no que os dois símbolos concordam e no que diferem. A promessa, na qual mostramos que consiste o poder dos sinais, é uma em ambos, isto é, a promessa do favor paterno de Deus, do perdão dos pecados e da vida eterna. E a coisa figurada é uma e a mesma, isto é, a regeneração. O fundamento do qual depende a realização de essas coisas é um em ambos. Portanto, não há diferença no significado interno, a partir do qual todo o poder e a natureza peculiar do sacramento devem ser estimados. A única diferença que permanece está na cerimônia externa, que é a menor parte dela, a parte principal consiste na promessa e no significado. Por isso, podemos concluir que tudo o que se aplica à circuncisão se aplica também ao batismo, exceto sempre a diferença na cerimônia visível. A essa analogia e comparação, somos guiados pela regra do apóstolo, na qual ele nos ordena a levar toda interpretação da Escritura para a analogia da fé (Rm 12:3,6). Certamente, nessa questão, a verdade pode quase ser sentida. Porque assim como a circuncisão, que era uma espécie de distintivo para os judeus, assegurando-lhes que eram adotados como povo e família de Deus, foi a primeira entrada delesna Igreja — enquanto, por sua vez, professavam a sua fidelidade a Deus —, do mesmo modo somos agora iniciados pelo batismo, para sermos inscritos entre o seu povo e ao mesmo tempo jurar pelo seu nome. Portanto, é indiscutível que o batismo foi substituído pela circuncisão e que ele desempenha a mesma função. 5. Ora, se quisermos investigar se o batismo é ou não é justamente administrado às crianças, também não suspeitaremos que o homem que se limita apenas ao elemento da água e à observância exterior é mesquinho, ou melhor, delirante? Ele não deveria permitir que sua mente subisse ao mistério espiritual? Se a razão for ouvida, sem dúvida, será demonstrado que o batismo é bem administrado às crianças como algo que lhes é devido. O Senhor não outorgou a circuncisão a eles sem torná-los participantes de todas as coisas significadas pela circuncisão. Ele teria iludido o seu povo com uma mera impostura, se os tivesse acalmado com símbolos falaciosos; essa própria ideia é algo chocante.
Em vez disso, Ele afirma claramente que a circuncisão da
criança será um selo da promessa da aliança. Mas, se o pacto permanece firme e fixo, ele não é menos aplicável aos filhos dos cristãos nos dias de hoje do que aos filhos dos judeus sob o Antigo Testamento. Agora, se eles são participantes da mesma coisa com o mesmo significado, como a eles pode ser negado o sinal? Se eles obtêm a realidade, como a eles pode ser recusada a figura? O sinal externo está tão unido no sacramento com a palavra, que não pode ser separado dela; mas se eles podem ser separados, a qual dos dois devemos atribuir o maior valor? Certamente, quando virmos que o sinal é subserviente à palavra, diremos que está subordinado, e lhe atribuiremos o lugar inferior. Já que, então, a palavra do batismo está destinada às crianças, por que deveríamos negar-lhes o sinal que é um apêndice da palavra? Essa única razão, que não poderia ser outra, seria amplamente suficiente para refutar todos os contraditórios. A objeção de que havia um dia fixo para a circuncisão é uma mera disputa. Nós admitimos que não estamos agora, como os judeus, presos a certos dias; mas, quando o Senhor declara que — embora não prescreva nenhum dia — Ele ainda se agrada de que as crianças sejam formalmente admitidas em sua aliança, o que mais, então, podemos questionar? 6. A Escritura nos dá um conhecimento ainda mais claro da verdade. Pois é mais evidente que a aliança que o Senhor fez uma vez com Abraão não é menos aplicável aos cristãos, agora, do que era antigamente ao povo judeu; portanto, essa palavra não tem menos referência aos cristãos do que aos judeus. A menos que, de fato, imaginemos que Cristo, com o seu advento, diminuiu ou reduziu a graça do Pai — uma ideia não livre de blasfêmia abominável. Portanto, ambos os filhos dos judeus — porque, quando foram feitos herdeiros daquela aliança, estavam separados dos pagãos — foram chamados de semente santa. Pela mesma razão, os filhos dos cristãos, ou aqueles que têm apenas um pai crente, são chamados santos, e, pelo testemunho do apóstolo, diferem da semente impura dos idólatras. Então, já que o Senhor — logo depois que a aliança foi feita com Abraão — ordenou que ela fosse selada nos bebês por um sacramento exterior, como se pode dizer que os cristãos não devem atestá-la nos dias de hoje e selá-la em seus filhos? Que não seja objetado: o único símbolo pelo qual o Senhor ordenou, para que o seu pacto fosse confirmado, era o da circuncisão que foi ab-rogado há muito tempo. É fácil responder que, de acordo com a forma da antiga dispensação, Ele nomeou a circuncisão para confirmar sua aliança; mas que, sendo revogada, a mesma razão para a confirmação ainda continua, uma razão que temos em comum com os judeus. Por isso, é sempre necessário considerar cuidadosamente o que é comum a ambos judeus e gentios, e no que é que eles diferem de nós. A aliança é comum, e a razão para confirmá-la é comum. O modo de confirmá-la é tão diferente, que eles tiveram circuncisão em vez do que agora temos: o batismo. Caso contrário, se o testemunho pelo qual os judeus estavam seguros da salvação da sua semente for tirado de nós, a consequência será que, pelo advento de Cristo, a graça de Deus — que antes foi dada aos judeus — é mais obscura e menos perfeitamente atestada a nós. Se isso não pode ser dito sem insulto extremo a Cristo, por quem a infinita bondade do Pai foi mais brilhante e benigna do que nunca derramada na terra e declarada aos homens, deve-se confessar que a graça de Deus não pode ser mais confinada e menos claramente manifestada do que sob as sombras obscuras da lei. 7. Por conseguinte, o nosso Senhor Jesus Cristo, para dar um exemplo do qual o mundo poderia aprender que Ele veio para alargar, ao invés de vez de limitar, a graça do Pai, bondosamente toma as crianças em seus braços e repreende a seus discípulos por tentar impedi-las de se aproximarem (Mt 19:13); porque eles estavam mantendo estes, a quem o reino dos céus pertencia, longe do único que lhes dá esse acesso. Mas perguntarão alguns homens: que semelhança existe entre o batismo e o abraço de nosso Salvador a crianças pequenas? Não se diz que Ele as tenha batizado, mas sim que as tenha recebido, abraçado e abençoado; e, portanto, se quisermos imitar o seu exemplo, devemos dar às crianças o benefício de nossas orações, e não batizá-las. Mas devemos prestar atenção ao ato de nosso Salvador com um pouco mais de cuidado do que esses homens. Pois não devemos negligenciar levianamente o fato de que nosso Salvador, ao ordenar que crianças pequenas sejam trazidas a Ele, acrescenta a seguinte razão: “destes é o reino dos céus”. Em seguida, Ele testifica a sua boa vontade por meio do ato de abraçá-las e de recomendá-las a seu Pai em oração e com bênçãos. Se é justo que as crianças sejam levadas a Cristo, por que não deveriam ser igualmente admitidas no batismo, que é o símbolo da nossa comunhão e convívio com Cristo? Se o reino dos céus é deles, por que lhes deveria ser negado o sinal pelo qual o acesso, por assim dizer, é aberto à Igreja, para que, sendo admitidos nela, possam ser arrolados entre os herdeiros do reino dos céus? Quão injustos seremos nós em afastar aqueles que Cristo convida a si mesmo, em privar aqueles que Ele adorna com os seus dons, em excluir aqueles que Ele espontaneamente admite. Mas, se insistirmos em discutir a diferença entre o ato do nosso Salvador e o batismo, até que ponto teremos mais estima pelo batismo — pelo qual testificamos que as crianças estão incluídas na aliança divina — do que pelos atos de Cristo que, quando esteve presente, no tocante a elas, as declarou pela aceitação, abraço, imposição de mãos e oração que a Ele estão unidas e que por Ele são santificadas?
Através de outras passagens, os opositores esforçam-se para
evitar esse trecho da Escritura; eles apenas confirmam que são ignorantes. Diante do que o nosso Salvador diz: “Deixai os filhinhos, e não os estorveis de vir a mim”, eles tergiversam, dizendo que essas crianças tinham uma idade mais avançada e que, por essa razão, estavam aptas a ir até Cristo. Em contraposição, elas são chamadas pelos evangelistas de brethe kai paidia, termos que denotam bebês que ainda estão sendo amamentados por suas mães. O termo “vir” é usado simplesmente para denotar “aproximação”. Vejam as disputas a que os homens são obrigados a recorrer quando se endurecem contra a verdade! Ademais, não resta solidez alguma na sua alegação de que o reino dos céus não é destinado às crianças, mas àqueles que são como crianças, uma vez que a expressão é “dos tais”, e não “de si mesmos”. Se isso for admitido, por qual razão o nosso Salvador faz uso desse termo para mostrar que eles não são estranhos a Ele por serem mais novos? Quando Ele ordena que se permita às crianças pequenas irem até Ele, nada é mais claro de que os próprios bebês não devem ser afastados. Para que isso não pareça absurdo, Ele acrescenta: “dos tais é o reino dos céus”. As crianças precisam necessariamente ser compreendidas, e a expressão “dos tais” mostra claramente que as próprias crianças e aquelas como elas estão sendo abordadas. 8. Cada um deve agora ver que o pedobatismo, que recebe tão forte apoio das Escrituras, não é de modo algum uma invenção humana. Também não há nada de plausível na objeção que diz que não se lê na Bíblia que um único bebê tenha sido batizado pelas mãos dos apóstolos. Pois, embora o pedobatismo não seja expressamente narrado pelos evangelistas, os bebês também não são expressamente excluídos quando é feita menção de qualquer família batizada (At 16:15,32). Qual homem de bom senso argumentará, a partir disso, que as crianças não foram batizadas? Se tal tipo de argumento fosse correto, seria necessário, da mesma forma, interditar as mulheres da Ceia do Senhor, pois não lemos que elas foram admitidas na ceia durante os dias dos apóstolos. Mas aqui estamos contentes com a regra da fé. Pois, quando refletimos sobre a natureza da ordenança da Ceia do Senhor, facilmente julgamos quem são as pessoas a quem o uso dela deve ser comunicado. O mesmo observamos no caso do batismo. Pois, atendendo ao fim para o qual fora instituído, percebemos claramente que não é menos aplicável aos bebês do que às crianças de anos mais avançados, e que, portanto, elas não podem ser privadas dele sem fraude manifesta à vontade do seu Autor divino. A afirmação que difundem entre as pessoas comuns, de que uma longa série de anos se passou após a ressurreição de Cristo, durante a qual o pedobatismo era desconhecido, é uma falsidade vergonhosa, já que não há nenhum escritor, por mais antigo que seja, que não trace a sua origem aos dias dos apóstolos. 9. Resta indicar brevemente o benefício da observância — tanto para os crentes que trazem os seus filhos à igreja para serem batizados quanto para as próprias crianças, a quem a água sagrada é aplicada — para que ninguém possa desprezar a ordenança como inútil ou superficial. Qualquer um que pensa em ridicularizar o batismo sob essa pretensão também ridiculariza a ordenança divina da circuncisão; pois o que eles podem dizer para impugnar um sacramento que não pode ser replicado contra o outro? Assim, o Senhor pune a arrogância daqueles que condenam imediatamente qualquer coisa que a sua mente carnal não possa compreender. Mas Deus nos fornece outras armas para reprimir a estupidez deles. A sua santa instituição, da qual sentimos que a nossa fé goza de admirável consolação, não merece ser chamada de inútil. Pois o símbolo divino comunicado à criança, como a impressão de um selo, confirma a promessa dada ao pai piedoso e declara que o Senhor será um Deus não apenas para ele, mas para sua semente. Deus não apenas visita o pai com sua graça e bondade, mas sua posteridade também até a milésima geração. Quando a infinita bondade de Deus se manifesta assim, ela, em primeiro lugar, fornece os mais amplos instrumentos para proclamar a sua glória e enche os corações piedosos de uma alegria incomum, incitando-os mais fortemente a amar o seu Pai afetuoso; eles veem que, por causa deles, Ele estende o seu cuidado à sua posteridade. Não me comove a objeção de que a promessa deva ser suficiente para confirmar a salvação dos nossos filhos. Parecia o contrário a Deus, que, vendo nossa fraqueza, teve o prazer de se compadecer dela. Aqueles, portanto, que abraçam a promessa de misericórdia aos seus filhos, considerem como seu dever oferecê-los à Igreja, selá-los com o símbolo da misericórdia e animarem-se com uma confiança mais segura; vendo, com os olhos do corpo, a aliança do Senhor gravada nos corpos dos seus filhos. Por outro lado, as crianças também retiram um benefício de seu batismo, quando, ao serem enxertadas no corpo da Igreja, tornam- se objeto de maior interesse para os demais membros e, à medida que crescem, são fortemente impelidas a um desejo sincero de servir ao Deus que as recebeu como filhos pelo símbolo formal da adoção. Antes da maioridade, eles foram capazes de reconhecer a Deus como Pai. Em suma, devemos ter muito respeito pelas denúncias de que Deus se vingará de todo aquele que desprezar a impressão do símbolo da aliança em seus filhos (Gênesis 17:15). Tal desprezo é uma rejeição e, por assim dizer, uma abjuração da graça oferecida. 10. Vamos agora discutir os argumentos pelos quais alguns loucos e furiosos não param de atacar essa santa ordenança de Deus. Eles, primeiro, sentindo-se desmedidamente pressionados pela semelhança entre o batismo e a circuncisão, argumentam que há uma grande diferença entre os dois sinais, que um não tem nada em comum com o outro. Eles sustentam que as coisas significadas são diferentes, que a aliança é completamente diferente e que as pessoas incluídas sob o nome de crianças são diferentes. Quando começam a oferecer suas evidências, fingem que a circuncisão é uma figura de mortificação, e não de batismo. Isso lhes concedemos de bom grado, pois apoia admiravelmente a nossa visão; pois eles acabam apoiando assim a única prova que usamos que é a de que o batismo e a circuncisão são sinais de mortificação. Portanto, concluímos que um foi substituído pelo outro. O batismo representa para nós a mesma coisa que a circuncisão representava para os judeus. Ao afirmarem uma diferença de aliança, com que audácia bárbara eles corrompem e destroem as Escrituras? E isso não em uma só passagem, mas de modo que nenhuma passagem permaneceria intacta e inteira. Os judeus que eles descrevem são tão carnais que se assemelham mais a brutos do que a homens. Eles representam a aliança que foi feita com os judeus como não indo além de uma vida temporária e desvalorizam as promessas que lhes foram dadas, considerando-as como bênçãos passageiras e corpóreas. Se esse dogma é recebido como válido, o que resta senão um argumento que diz que a nação judaica foi sobrecarregada por um tempo com uma bondade divina (assim como os porcos são engordados em sua pocilga), para que eles pudessem finalmente perecer eternamente? Sempre que citamos a circuncisão e as promessas a ela anexadas, eles respondem que a circuncisão era um sinal literal e que suas promessas eram carnais. 11. Certamente, se a circuncisão foi um sinal literal, deve-se ter a mesma visão do batismo; pois, no segundo capítulo aos colossenses, o apóstolo Paulo demonstra que um não é mais espiritual que o outro. Ele diz que, em Cristo, nós estamos “circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, pela circuncisão de Cristo” (Cl 2:11). Na explicação do seu sentimento, acrescenta imediatamente que estamos “sepultados com ele no batismo” (Cl 2:12). O que essas palavras significam, senão apenas que a verdade e a conclusão do batismo é a verdade e a conclusão da circuncisão, já que elas representam a mesma coisa? Pois o objetivo de Paulo é mostrar que o batismo é a mesma coisa para os cristãos que a circuncisão anteriormente era para os judeus. Agora, como já mostramos claramente que as promessas de ambos os sinais e os mistérios por eles representados concordam entre si, não nos alongaremos mais sobre esse ponto. Importa apenas lembrar aos crentes que reflitam — sem que nada seja dito por mim — se isso deve ser considerado como um sinal terreno e literal, que não tem nada de celestial ou espiritual sob ele. Mas, para que não eles ceguem os simples com a sua fumaça, nós eliminaremos uma objeção com a qual eles encobrem outra falsidade mais insolente. É absolutamente certo que as promessas originais que envolviam a aliança que Deus fez com os israelitas sob a velha dispensação eram espirituais e tinham referência à vida eterna, ao passo que foram — evidentemente — recebidas da mesma forma, a saber, espiritualmente pelos patriarcas; para que eles pudessem ter uma esperança segura de imortalidade, aspirando a ela com toda a sua alma. Estamos longe de negar que Deus testificou a sua bondade para com eles com bênçãos carnais e terrenas; embora afirmemos que por elas a esperança das promessas espirituais foi confirmada. Dessa forma, quando Deus prometeu bênção eterna ao seu servo Abraão, Ele, a fim de colocar uma indicação manifesta de favor diante de seus olhos, acrescentou a promessa de posse da terra de Canaã. Da mesma maneira, devemos entender todas as promessas terrestres que foram dadas à nação judaica. A promessa espiritual é como a cabeça daquelas promessas secundárias, estando sempre em primeiro lugar. Tendo lidado plenamente com esse assunto, ao tratar da diferença entre as dispensações judaicas antigas, agora serei mais breve. 12. Quanto à alcunha de “filhos”, a diferença que eles observam é que os filhos de Abraão, sob a velha dispensação, foram aqueles que derivaram a sua origem da semente abraâmica; mas, agora, essa designação é dada àqueles que imitam a sua fé. Portanto, aquela infância carnal, que foi inserida na comunhão da aliança pela circuncisão, tipificou os filhos espirituais da nova aliança, regenerados pela Palavra de Deus para a vida imortal. Nessas palavras, descobrimos uma pequena faísca de verdade, mas esses espíritos tontos erram gravemente no fato de que agarram tudo o que vem primeiro às suas mãos, quando deveriam ir mais longe e comparar conjuntamente muitas outras coisas. Eles se prendem obstinadamente a uma única palavra. Por isso, não deixa de acontecer que, de vez em quando, estejam iludidos. De fato, eles não se esforçam para obter um conhecimento pleno sobre qualquer assunto. Admitimos indubitavelmente que a semente carnal de Abraão, por um tempo, ocupou o lugar da semente espiritual, que é enxertada nele pela fé (Gl 4:28; Rm 4:12). Pois somos chamados de seus filhos, embora não tenhamos nenhuma relação natural com ele. Mas se eles querem dizer — por mais que não admitam — que a promessa espiritual nunca fora feita à semente carnal de Abraão, eles estão muito enganados. Devemos, por outro lado, ser guiados pela infalível orientação das Escrituras a uma conclusão melhor. O Senhor prometeu a Abraão que ele teria uma semente na qual todas as nações da terra seriam abençoadas e, ao mesmo tempo, lhe assegurou que Ele seria um Deus tanto para ele como para a sua semente. Logo, todos os que na fé recebem a Cristo como o autor da bênção são os herdeiros dessa promessa, e, por isso, são chamados de filhos de Abraão. 13. Embora, depois da ressurreição de Cristo, os limites do reino de Deus tenham começado a se estender indiscriminadamente por todas as nações — de modo que, segundo a declaração de Cristo, os crentes foram recolhidos de todos os lados para se assentarem com Abraão, Isaque e Jacó, no reino dos céus (Mt 8:11) —, mesmo assim, durante muitos séculos passados, os judeus já tinham desfrutado dessa grande misericórdia. O Senhor os selecionara (passando por todas as outras nações) para serem por um tempo os depositários do seu favor. Ele os designou como o seu povo peculiar e comprado (Êx 19:5). Para o atestado dessa bondade, Ele indicou a circuncisão, símbolo pelo qual os judeus foram ensinados que Deus zelava pela sua segurança; por conseguinte, eles foram elevados à esperança da vida eterna. Pois o que pode faltar àquele a quem Deus outrora tomou sob a sua proteção? Por isso o apóstolo, para provar que os gentios, assim como os judeus, eram filhos de Abraão, fala desta forma: “Vem, pois, esta bem-aventurança sobre a circuncisão somente, ou também sobre a incircuncisão? Porque dizemos que a fé foi imputada como justiça a Abraão. Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão. E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que creem, estando eles também na incircuncisão; a fim de que também a justiça lhes seja imputada; e fosse pai da circuncisão, daqueles que não somente são da circuncisão, mas que também andam nas pisadas daquela fé que teve nosso pai Abraão, que tivera na incircuncisão” (Rm 4:9-12). Não vemos que ambos são iguais em dignidade? Pois, no tempo determinado pelo decreto divino, ele foi o pai da circuncisão. Mas — como escreve o apóstolo em outro lugar (Ef 2:14) — quando o muro de separação, que separava os gentios dos judeus, foi derrubado, àqueles também fora dado acesso ao reino de Deus, e ele se tornou seu pai; sem o sinal da circuncisão, o seu lugar foi suprido pelo batismo. Ao dizer expressamente que Abraão não era o pai daqueles que eram apenas da circuncisão, o seu objetivo era reprimir a supremacia de alguns que, deixando de lado toda a consideração pela piedade, mergulharam em meras cerimônias. De um modo semelhante, podemos, nos dias atuais, refutar a vaidade daqueles que, no batismo, nada mais buscam do que água. 14. Em oposição a isso, é apresentada uma passagem da Epístola aos Romanos, na qual o apóstolo diz que aqueles que são da carne não são filhos de Abraão, mas que somente aqueles que são filhos da promessa são considerados verdadeiramente como os da sua semente (Rm 9:7). Pois ele parece insinuar que a relação carnal com Abraão — que nós pensamos ser algo — não é nada. Devemos prestar atenção ao assunto de que o apóstolo está tratando. O seu objetivo foi mostrar aos judeus que a bondade de Deus não estava restrita à semente de Abraão que, por si só, nada contribui ou produz. Como prova desse fato, temos os casos de Ismael e Esaú. Esses foram rejeitados, como se tivessem sido estrangeiros, embora, segundo a carne, fossem descendentes genuínos de Abraão. A bênção residiu em Isaque e Jacó. Isto prova o que ele afirma depois, isto é, que a salvação depende da misericórdia que Deus concede a quem quer que Ele queira, de modo que os judeus não têm motivo para se gloriarem ou se gabarem dos seus nomes associados à aliança, a menos que eles guardem a lei da aliança, isto é, obedeçam à palavra. Por outro lado, depois de derrubar a sua vaidosa confiança na sua origem judaica e ciente de que a aliança que tinha sido feita com a posteridade de Abraão não poderia ser propriamente infrutífera, ele declara que a devida honra ainda deveria ser dada à relação carnal com Abraão. Afinal, os judeus eram os herdeiros primários e nativos do evangelho, mesmo que, por ingratidão, eles fossem rejeitados como indignos, embora sua nação não estivesse totalmente destituída de bênçãos celestiais. Por essa razão, embora eles fossem violadores contumazes da aliança, Paulo os chama de santos (tal respeito ele dá à geração santa que Deus honrou com sua sagrada aliança). Enquanto nós, em comparação com eles, somos chamados de filhos posteriores, ou adotados de Abraão. E isso não por natureza, mas por adoção, como se um galho fosse quebrado de sua própria árvore e enxertado em outra linhagem. Portanto, para que não fossem defraudados de seu privilégio, era necessário que o evangelho lhes fosse pregado primeiro. Porque eles são, por assim dizer, os primogênitos da família de Deus. A honra devida, por esse fato, foi-lhes, portanto, paga até o tempo em que eles rejeitaram a oferta e, por sua ingratidão, fizeram com que ela fosse transferida para os gentios. Por maior que seja a conivência com que persistem em guerrear contra o Evangelho, nós não devemos desprezá-los. Devemos considerar que, em relação à promessa, a bênção de Deus ainda reside entre eles. Como testemunha o apóstolo, nunca se afastará inteiramente deles, “porque os dons e o chamado de Deus são sem arrependimento” (Rm 11:29). 15. Tal é o valor da promessa dada à posteridade de Abraão, tal é a balança em que ela deve ser pesada. Embora não tenhamos dúvida de que, ao distinguir os filhos de Deus entre judeus e estrangeiros, a eleição divina reina livremente, apercebemo-nos, ao mesmo tempo, que Ele teve o prazer especial de abraçar a semente de Abraão com sua misericórdia. E, para melhor atestá-la, aprouve- lhe selá-la pela circuncisão. O caso da Igreja Cristã é exatamente da mesma forma. Pois, assim como Paulo declara que os judeus são santificados por seus pais, ele diz também, em outro lugar, que os filhos dos cristãos derivam santificação de seus pais. Por isso, infere-se que aqueles que são acusados de impureza são justamente separados dos outros. Ora, quem pode duvidar da falsidade de suas afirmações? Por exemplo, a afirmação de que as crianças que antes eram circuncidadas apenas tipificavam a infância espiritual que é produzida pela regeneração da palavra de Deus. Quando o apóstolo diz em Romanos 15:8 “que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão, por causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas feitas aos pais”, ele não filosofa sutilmente, como se quisesse dizer algo a mais. Não vês como ele considera que, depois da ressurreição de Cristo, a promessa será cumprida à semente de Abraão, não alegoricamente, mas literalmente? Para todos os efeitos, temos a declaração de Pedro aos judeus: “a promessa é para vós, a vossos filhos e a todos os que estão longe” (At 2:39); nos capítulos seguintes, ele os chama de filhos do pacto, ou seja, herdeiros. Não muito diferente desse trecho é aquela passagem do apóstolo citada acima, na qual ele considera e descreve a circuncisão realizada em crianças como um atestado da comunhão que elas têm com Cristo. E, na verdade, se ouvirmos os absurdos daqueles homens, o que será da promessa pela qual o Senhor, no segundo mandamento de sua lei, se compromete a ser gracioso para com a semente dos seus servos até mil gerações? Devemos aqui recorrer à alegoria? Devemos dizer que a lei foi revogada? Desse modo, vamos eliminar a lei que Cristo veio não para destruir, mas para cumprir, na medida em que ela é feita para o nosso bem eterno. Que seja, pois, sem controvérsia, que Deus é tão bom e generoso para com o seu povo, que Ele se agrada e tem como marca do seu favor estender os seus privilégios aos filhos que lhes nasceram. 16. As distinções que esses homens tentam desenhar entre batismo e circuncisão não são apenas ridículas e vazias de toda a aparência da razão, mas estão também em desacordo umas com as outras. Pois, quando afirmam que o batismo se refere ao primeiro dia de batalha espiritual e a circuncisão ao oitavo dia, com a mortificação já realizada, eles imediatamente esquecem a distinção e mudam de discurso, representando a circuncisão como tipificação da mortificação da carne e o batismo como o enterro, que só é dado àqueles que já estão mortos. O que são essas contradições frívolas senão sonhos frenéticos? De acordo com a visão anterior, o batismo deveria preceder a circuncisão; de acordo com a última, deve vir depois. Não é a primeira vez que vemos as mentes dos homens vagarem quando substituem seus sonhos pela infalível Palavra de Deus. Afirmamos, portanto, que sua distinção anterior é uma mera imaginação. Se estivéssemos dispostos a fazer uma alegoria do oitavo dia, a deles não seria o modo apropriado. Era mais comum para os primeiros cristãos associarem o número oito à ressurreição, que ocorreu no oitavo dia e da qual sabemos que a novidade da vida depende, ou associarem com todo o curso da vida atual, durante o qual a mortificação deveria estar em andamento; terminando apenas quando a própria vida termina. No entanto, parece que Deus pretendia prover a ternura da infância, adiando a circuncisão para o oitavo dia, pois a ferida teria sido mais perigosa, se infligida imediatamente após o nascimento. Quão mais racional é a declaração das Escrituras de que nós, quando já estamos mortos para o pecado, somos sepultados pelo batismo (Rm 6:4), uma vez que afirma claramente que estamos sepultados na morte de Cristo, para que possamos morrer completamente, e daí em diante almejarmos essa mortificação? Igualmente engenhoso é este questionamento que eles fazem: que as mulheres não devem ser batizadas, se o batismo for conforme a circuncisão. Na verdade, assim como é certo que a santificação da semente de Israel fora atestada pelo sinal da circuncisão, também não se pode duvidar que ela fora designada da mesma forma para a santificação de homens e mulheres. Embora o rito só pudesse ser realizado em homens, as mulheres eram, através deles, parceiras e associadas à circuncisão. Portanto, desconsiderando todas essas distinções sem importância, fixemo- nos na semelhança entre o batismo e a circuncisão, como visto internamente nos seus ofícios, promessas, usos e efeitos. 17. Eles parecem pensar que produzem o argumento mais forte para negar o batismo às crianças quando alegam que elas ainda não estão aptas, desde a idade mais baixa, a entender o mistério que está lá selado, a saber, a regeneração espiritual; que isso não se aplica à mais nova infância. Portanto, eles inferem que os filhos devem ser considerados apenas filhos de Adão até que eles atinjam uma idade adequada para a recepção do segundo nascimento. Mas tudo isso se opõe diretamente à verdade de Deus. Pois, se devem ser considerados filhos de Adão, eles são deixados na morte, uma vez que, em Adão, nada podemos fazer senão morrer. Ao contrário disso, Cristo pede que eles sejam trazidos a Ele. Por quê? Porque Ele é a vida. Portanto, para que Ele possa vivificá-los, Ele os faz parceiros dele; enquanto esses homens os afastariam de Cristo e os condenariam de morte. Se eles fingem que os bebês não perecem quando são considerados filhos de Adão, o erro é mais do que suficientemente refutado pelo testemunho das Escrituras (1Co 15:22). Tendo em vista que é declarado que todos morrem em Adão, segue-se que nenhuma esperança de vida permanece, a menos que em Cristo. Logo, para que possamos nos tornar herdeiros da vida, precisaremos ter comunhão com Ele. Torno a dizer — visto que está escrito em outra passagem que somos todos por natureza filhos da ira (Ef 2:3) e concebidos em pecado (Sl 51:5), cuja condenação é a parte inseparável — que devemos nos separar da nossa própria natureza, antes de termos acesso ao reino de Deus. E, quanto a isso, o que pode ser mais claro do que a expressão: “Carne e sangue não podem herdar o reino de Deus?” (1Co 15:50). Portanto, que tudo que é nosso seja abolido (isso não pode acontecer sem a regeneração), e, consequentemente, teremos essa posse do reino. Em suma, se Cristo fala verdadeiramente quando declara que Ele é a vida, devemos necessariamente ser enxertados nele; que é por quem somos libertos da morte. Mas como — perguntam eles — os bebês são regenerados, se não possuem um conhecimento do bem ou do mal? Respondemos que a obra de Deus, embora esteja além do alcance de nossa capacidade, não é, por essa razão, inoperante. Além disso, os bebês que são salvos (e que alguns são salvos nessa idade é algo certo) são, sem dúvida, previamente regenerados pelo Senhor. Pois, se eles trazem a corrupção inata com eles do ventre de suas mães, é apropriado que eles sejam purificados antes de serem admitidos no reino de Deus, no qual não deve entrar nada que possa contaminar (Ap 21:27). Se nascem pecadores, como Davi e Paulo afirmam, eles ou permanecerão reprovados e odiados por Deus, ou serão justificados. Afinal, por que — perguntamos mais — o próprio Juiz declara publicamente que: “aquele que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus” (Jo 3:3)? Além disso, para silenciar essa classe de objetores, Deus deu — no caso de João Batista, a quem ele santificou no ventre de sua mãe (Lc 1:15) — uma demonstração do que Ele poderia fazer em outros. Eles não ganham nada com a queixa a que recorrem aqui, a saber, que isso fora feito apenas uma vez e, portanto, não se pode imediatamente concluir que o Senhor sempre aja assim com crianças. Não é esse o modo pelo qual raciocinamos. O nosso único objetivo é mostrar que eles injustamente e malignamente confinam o poder de Deus dentro de limites nos quais Ele não pode ser confinado! O pouco peso desse argumento é devido também a outra astúcia. Eles alegam que, pela fraseologia usual das Escrituras, “desde o ventre” tem o mesmo significado que “desde a infância”. Mas é fácil ver que o anjo tinha um significado diferente quando anunciou a Zacarias que a criança ainda não nascida fora enchida com o Espírito Santo. Em vez de tentarmos dar uma ordem a Deus, vamos entender que Ele santifica — da maneira que santificou a João — a quem lhe aprouver, visto que o seu poder não é limitado. 18. E, de fato, Cristo fora santificado desde a mais tenra infância, para que pudesse santificar seus os eleitos em si mesmo em qualquer idade, sem distinção. Pois Ele, eliminando a culpa da desobediência que havia sido cometida na nossa carne, encarnou- se para que pudesse, nessa condição — por nossa conta e em nosso lugar —, executar uma perfeita obediência. Assim, Cristo fora concebido pelo Espírito Santo, que permeava completamente sua santidade na carne. Ele a assumiu, para que pudesse transfundir essa santidade em nós. Se em Cristo há um padrão perfeito de toda a graça — que Deus derrama a todos os seus filhos —, nesse caso, temos uma prova de que a idade da infância não é incapaz de receber a santificação. Isto, pelo menos, estabelecemos como incontestável: que nenhum dos eleitos é chamado para longe da vida atual sem ser previamente santificado e regenerado pelo Espírito de Deus. Quanto à objeção deles de que, nas Escrituras, o Espírito não reconhece nenhuma santificação, exceto a que vem da semente incorruptível, ou seja, da Palavra de Deus; [entendemos que] eles interpretam erroneamente as palavras de Pedro, nas quais ele aborda apenas os crentes que haviam sido ensinados pela pregação do evangelho (1Pe 1:23). Com efeito, confessamos que a Palavra do Senhor é a única semente da regeneração espiritual; mas negamos a inferência de que, por conseguinte, o poder de Deus não pode regenerar bebês. Isso é tão possível e fácil para Ele, assim como é maravilhoso e incompreensível para nós. É perigoso negar que o Senhor é capaz de fornecê-los com o conhecimento de si mesmo da maneira que Ele desejar. 19. Mas a fé — dizem eles — vem pela audição, cujo uso, por parte dos bebês, ainda não está apto a conhecer a Deus; como Moisés declara, eles estão sem o conhecimento do bem e do mal (Dt 1:39). Mas eles não observam que, onde o apóstolo faz do ouvir o início da fé, ele está apenas descrevendo a economia e a dispensação comuns que o Senhor costuma empregar ao chamar o seu povo, e não estabelecendo uma regra invariável pela qual nenhum outro método pode substituí-la. A muitos Ele certamente chamou e dotou do verdadeiro conhecimento de si mesmo por meios internos, pela iluminação do Espírito, sem a intervenção da pregação. Mas, como eles consideram muito absurdo atribuir qualquer conhecimento de Deus a bebês, a quem Moisés anula o conhecimento do bem e do mal, digam-me onde está o perigo se lhes for dito que agora recebem parte dessa graça que eles terão em medida completa logo depois. Pois, se a plenitude da vida consiste no perfeito conhecimento de Deus e uma vez que alguns daqueles a quem a morte precipita nos primeiros momentos da infância passam para a vida eterna, certamente eles são admitidos a contemplar a presença imediata de Deus. A respeito desses bebês, portanto, a quem o Senhor iluminará com o brilho total de sua luz, pergunto: por que Ele, se assim desejar, não irradia atualmente um pequeno raio, especialmente se Ele não lhes remove a ignorância antes de libertá- los da prisão da carne? Eu não digo precipitadamente que eles são dotados da mesma fé que experimentamos, ou que possuem algum conhecimento que se assemelhe a essa fé (prefiro deixar isso como algo indefinido); mas refreio um pouco a arrogância obstinada daqueles homens que com bochechas infladas afirmam ou negam o que lhes convêm. 20. A fim de ganharem uma posição mais forte aqui, eles acrescentam que o batismo é um sacramento de penitência e fé. Como nenhum deles é aplicável à tenra infância, devemos tomar cuidado para não tornar o seu significado vazio e vaidoso, admitindo bebês à comunhão do batismo. Mas esses dardos são dirigidos mais contra Deus do que contra nós; já que o fato de que a circuncisão era um sinal de arrependimento é completamente estabelecido por muitas passagens das Escrituras (Jr 4:4). Não é por acaso que Paulo chama a circuncisão de selo da justiça da fé (Rm 4:11). Que Deus, então, seja questionado por que Ele ordenou que a circuncisão fosse realizada nos bebês. Estando o batismo e a circuncisão unidos como sacramentos, eles não podem acusar de nada ao segundo sem afetar ao primeiro. Se eles recorrem à sua evasão habitual de considerar os bebês como figuras de realidades espirituais, já fechamos esse meio de fuga contra eles. Dizemos então que, como Deus concedeu a circuncisão, o sinal de arrependimento e fé, aos bebês, não deveria parecer absurdo que eles agora sejam feitos participantes do batismo, a menos que os homens sejam contra uma instituição de Deus. Mas, como em todos os seus atos, aqui também brilha bastante sabedoria e retidão para reprimir as calúnias dos ímpios. Pois, embora os bebês, no momento em que foram circuncidados, não compreendessem o significado do sinal, ainda assim eram verdadeiramente circuncidados para a mortificação de sua natureza corrupta e poluída; uma mortificação pela qual aspiravam depois quando adultos. Em suma, a objeção é facilmente descartada pelo fato de que as crianças são batizadas para um futuro arrependimento e fé. Embora essas coisas ainda não estejam formadas neles, a semente de ambas está oculta pela operação secreta do Espírito. Essa resposta derruba imediatamente todas as objeções que são distorcidas contra nós a partir do significado do batismo nas Escrituras; o apóstolo Paulo, por exemplo, distingue o batismo quando o chama de a “lavagem da regeneração e da renovação” (Tt 3:5). Se eles argumentam que o batismo não deve ser dado a ninguém, senão àqueles que são capazes de tais sensações; nós, por outro lado, podemos contestar que a circuncisão, símbolo da regeneração, fora realizada tão somente nos regenerados. Se fizermos conforme os nossos opositores, condenaremos uma instituição divina. Assim, como já sugerimos, todos os argumentos que tendem a abalar a circuncisão não têm força para atacar o batismo. Tampouco podem falaciar dizendo que tudo o que repousa sobre a autoridade de Deus é absolutamente fixo. Não há razão para isso, porque essa reverência não se deve ao pedobatismo nem a outras coisas semelhantes que não nos são recomendadas pela Palavra expressa de Deus. Eles sempre permanecem presos nesse dilema. O mandamento de Deus para circuncidar os bebês era legítimo e isento de censura; não merecia repreensão. Se não havia nada incompetente ou absurdo naquilo, logo nenhum absurdo pode ser demonstrado na observância do pedobatismo. 21. Descartamos a acusação de absurdo com a qual eles tentam estigmatizar o pedobatismo. Se aqueles a quem o Senhor concedeu a sua eleição, depois de receber o sinal de regeneração, abandonam esta vida antes de se tornarem adultos; Ele, pela incompreensível força do seu Espírito, renova-os da maneira que somente Ele considera conveniente. Caso atinjam uma idade em que possam ser instruídos sobre o significado do batismo, eles serão estimulados a um maior zelo pela regeneração, cujo distintivo aprenderão que receberam desde a infância, podendo, inclusive, aspirarem à renovação durante as suas vida inteiras. Para o mesmo efeito são as duas passagens nas quais Paulo ensina que somos sepultados com Cristo pelo batismo (Rm 6:4; Cl 2:12). Pois, com isso, ele não quer dizer que aquele que deve ser batizado deve ter sido previamente sepultado com Cristo. Ele simplesmente declara a doutrina que é ensinada pelo batismo; e ele faz isso para os que já foram batizados; para que os mais insensatos não venham a sustentar que nessa passagem o sepultamento deveria preceder o batismo. Dessa maneira, Moisés e os profetas lembraram ao povo do significado da circuncisão que os bebês recebiam. Para o mesmo efeito, Paulo diz aos gálatas: “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo” (Gl 3:27). Por quê? Para que depois eles pudessem viver para Cristo, para quem anteriormente não haviam vivido. E embora, em adultos, o recebimento do selo deva seguir a compreensão de seu significado, mesmo assim — como será explicado em breve — uma regra diferente deve ser seguida com as crianças. Nenhuma outra conclusão pode ser retirada de uma passagem em I Pedro, na qual eles se confundem. O apóstolo diz que o batismo “não é o despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo” (1Pe 3:21). A partir disso, eles afirmam que nada resta para o pedobatismo; que se torna mera fumaça vazia, por ele está em total desacordo com o significado do batismo. Mas a ilusão que os engana é que eles sempre teriam a possibilidade de preceder o sinal na ordem do tempo. Pois a verdade da circuncisão consistia na mesma resposta de uma boa consciência; mas se a verdade tivesse necessariamente precedido, os bebês nunca teriam sido circuncidados pelo mandamento de Deus. Do contrário, Ele mesmo, mostrando que a resposta de uma boa consciência forma a verdade da circuncisão e, ao mesmo tempo, ordenando que os bebês sejam circuncidados, declara claramente que, no caso deles, a circuncisão tinha referência ao futuro. Portanto, nada mais de efeito imediato deve ser exigido no pedobatismo, a não ser o confirmar e sancionar o pacto que o Senhor fez com eles. A outra parte do significado do sacramento seguirá no momento que o próprio Deus providenciar. 22. É claramente perceptível a qualquer pessoa — penso eu — que todos os argumentos desses tipos são meras perversões das Escrituras. Os outros argumentos remanescentes semelhantes a esses serão examinados brevemente. Eles objetam que o batismo é dado para a remissão dos pecados. Quando isso é concedido, temos, na verdade, um forte apoio à nossa visão; pois vendo que nascemos pecadores, precisamos de perdão e misericórdia desde o próprio ventre. Além disso, uma vez que Deus não exclui da infância a esperança pela misericórdia, mas antes a assegura, por que devemos privá-la do sinal, que é muito inferior à realidade? A flecha, portanto, que eles apontam para nós, lançamo-la sobre eles mesmos. Os bebês recebem perdão dos pecados, portanto eles não devem ser privados do sinal. Eles apresentam a passagem de Efésios em que se diz que Cristo se entregou pela igreja — “Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra” (Ef 5:26). Nada poderia ser citado mais apropriado do que isso para derrubar o seu erro e nos fornecer rapidamente um contra-argumento. Se, pelo batismo, Cristo pretende atestar a ablução pela qual Ele purifica sua Igreja, não seria justo negar esse atestado a bebês, que são justamente considerados parte da Igreja, pois são chamados herdeiros do reino celestial. Paulo aborda toda a Igreja, quando diz que ela foi purificada pela lavagem da água. De maneira semelhante, em outro lugar, ele expressa que pelo batismo somos enxertados no corpo de Cristo (1Co 12:13). Nós deduzimos que os bebês — que ele enumera entre seus membros — devem ser batizados, para que não sejam separados do seu corpo. Veja a iniciativa violenta que eles fazem com todas as suas artimanhas nos baluartes da nossa fé. 23. Eles também se referem ao costume e a prática da era apostólica, alegando que não há nenhum caso de alguém ter sido admitido no batismo sem uma profissão anterior de fé e arrependimento. Pois, quando Pedro é perguntado por seus ouvintes, que foram atingidos em seus corações, a respeito do que eles deveriam fazer, o seu conselho é: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados” (At 2:37-38). Da mesma maneira, quando Filipe foi abordado pelo eunuco, a fim de ser batizado, ele respondeu: “É lícito, se crês de todo o coração” (At 8:37). Por isso, eles entendem que o batismo não pode ser legalmente concedido a alguém sem fé e arrependimento anteriormente. Se cedermos a esse argumento, a primeira passagem — na qual não há menção à fé — provará que apenas o arrependimento é suficiente, e a segunda — que não exige arrependimento —, que só é necessário ter fé. Objetarão — presumo — que uma passagem ajuda a outra e que ambas, portanto, devem ser conectadas. Eu, contudo, sustento que essas duas partes devem ser comparadas com outras que contribuem um pouco para a solução dessa dificuldade. Existem muitas passagens cujo significado depende de sua posição particular. Disso temos um exemplo para esse caso. Aqueles a quem essas coisas são ditas por Pedro e Filipe têm idades apropriadas para almejarem o arrependimento e receberem a fé. Nós insistimos arduamente que tais homens não devem ser batizados, a menos que sua a conversão e fé sejam discernidas, pelo menos na medida em que o julgamento humano possa determinar isso. Mas é perfeitamente claro que os bebês devem ser colocados em uma classe diferente. Pois quando alguém anteriormente se juntava à comunhão religiosa de Israel, ele se comportava para ser ensinado sobre a aliança e instruído na lei do Senhor, antes de receber a circuncisão, porque era de uma nação diferente; em outras palavras, era um estrangeiro no povo com quem a aliança, que a circuncisão sancionava, havia sido feita. 24. Assim, o Senhor, quando escolheu Abraão para si, não lhe outorgou imediatamente a circuncisão — Ele lhe ocultou o que demonstraria com esse sinal —, mas primeiro anunciou que pretendia fazer um pacto com ele. E, depois de sua fé na promessa, tornou-o participante do sacramento. Por que o sacramento veio depois da fé em Abraão e precedeu toda a inteligência em seu filho Isaque? É certo que aquele que, na idade adulta, é admitido na comunhão de uma aliança por alguém de quem, até então, fora alienado, deve aprender previamente as suas condições; mas não é assim com o bebê nascido dele. Ele, de acordo com os termos da promessa, é incluído na promessa por direito hereditário desde o ventre de sua mãe. Ou, para declarar o assunto de maneira mais breve e clara: se os filhos dos crentes, sem a ajuda do entendimento, são participantes da aliança, não há razão para que lhes seja negado o sinal, porque são incapazes de jurar pelas suas estipulações. Essa é, sem dúvida, a razão pela qual o Senhor, às vezes, declara que os filhos nascidos dos israelitas são gerados e nasceram para Ele (Ez 16:20; 23:37). Pois, sem dúvida, Ele dá o lugar de filhos aos filhos daqueles de cuja semente Ele prometeu que será Pai. Mas o filho descendente de pais incrédulos é considerado um estranho à aliança até que esteja unido a Deus pela fé. Portanto, não é estranho que o sinal seja retido quando a coisa significada é vã e falaciosa. Nessa perspectiva, Paulo diz que os gentios mergulhados na idolatria eram estranhos aos pactos (Ef 2:11). Toda a questão pode, se não me engano, ser assim breve e claramente explicada: aqueles que, na idade adulta, abraçam a fé de Cristo — que até então eram estranhos à aliança — não devem receber o sinal de batismo sem fé e arrependimento prévios. Somente essas graças podem dar-lhes acesso à comunhão da aliança. Quanto aos filhos vindo de cristãos, por serem imediatamente recebidos por Deus como herdeiros da aliança, eles também devem ser admitidos no batismo. Para isso, devemos nos reportar à narrativa do evangelista — de que aqueles que foram batizados por João, confessaram os seus pecados (Mt 3:6). Sustentamos que esse exemplo deve ser observado nos dias atuais. Se um mulçumano se oferecesse ao batismo, não realizaríamos imediatamente o ritual sem recebermos uma confissão que fosse satisfatória para a Igreja. 25. Outra passagem que eles aduzem é do terceiro capítulo de João, onde as palavras de nosso Salvador parecem sugerir que uma regeneração imediata é necessária no batismo: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3:5). Veja — eles questionam — como o batismo é denominado regeneração pelos lábios do próprio Senhor. Sob qual pretexto, então, ou com que consistência o batismo é dado àqueles que obviamente não são capazes de ter a regeneração? Primeiro, eles estão errados ao imaginar que haja alguma menção do batismo nessa passagem apenas porque a palavra “água” é usada. Nicodemos, nesse contexto — mesmo depois que o nosso Salvador já lhe explicara a corrupção da natureza e a necessidade de nascer de novo —, continuou sonhando com um nascimento corporal. À vista disso, o nosso Salvador explana o modo pelo qual Deus regenera, a saber, pela água e pelo Espírito; em outras palavras, pelo Espírito que, ao irrigar e purificar a alma dos crentes, opera à maneira da água. Por “água e o Espírito”, portanto, eu simplesmente entendo o Espírito, que é a água. A expressão também não é nova. Está perfeitamente de acordo com o que é usado no terceiro capítulo de Mateus: “aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo” (Mt 3:11). Portanto, assim como batizar com o Espírito Santo e com fogo é conferir o Espírito Santo, que, na regeneração, tem o ofício e a natureza do fogo, assim também é o novo nascimento da água e do Espírito. Isso nada mais é do que receber esse poder do Espírito, que tem o mesmo efeito na alma que a água tem no corpo. Sei que uma interpretação diferente é dada, mas não tenho dúvida de que esse é o significado genuíno; porque o único objetivo do nosso Salvador era ensinar que todos os que aspiram ao reino dos céus devem deixar de lado a sua própria vontade. Por mais que estivéssemos dispostos a imitar esses homens em seu modo de perversão, podemos facilmente — depois de conceder o que eles desejam — responder a eles que o batismo é anterior à fé e ao arrependimento, uma vez que, nessa passagem, nosso Salvador menciona-o antes do Espírito. Isso certamente deve ser entendido dos dons espirituais. Se eles vêm depois do batismo, eu ganho todo o argumento. Mas, deixando de lado esse assunto, a simples interpretação a ser adotada é a que eu dei, a saber, que ninguém, até ser renovado pela água viva — isto é — pelo Espírito, pode entrar no reino de Deus. 26. Além disso, isso explode claramente a ficção daqueles que enviam todos os não-batizados à morte eterna. Suponhamos, então, que, como eles insistem, o batismo seja administrado apenas a adultos. O que eles farão com um jovem que, depois de receber os rudimentos da piedade de maneira adequada e apropriada, enquanto esperava pelo dia do batismo, é inesperadamente levado pela morte súbita? A promessa de nosso Senhor é clara: “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24). Minha postura não deve ser interpretada como insinuação de que o batismo pode ser condenado impunemente. Longe de desculpar esse desprezo, sustento que isso viola a aliança do Senhor. A passagem serve apenas para mostrar que não devemos considerar o batismo tão necessário a ponto de supor que todo aquele que perdeu a oportunidade de obtê-lo pereceu eternamente. Se concordarmos com essa ficção, devemos condenar a todos, sem exceção, a quem qualquer acidente possa ter impedido de obter o batismo, não importando o quanto eles possam ter sido dotados da fé pela qual o próprio Cristo é possuído. Além disso, como o batismo é necessário — como eles sustentam — para a salvação, eles, negando-o aos bebês, os enviam à morte eterna. Vamos, agora, considerar que tipo de acordo eles têm com as palavras de Cristo, que diz que “dos tais é o reino dos céus” (Mt 19:14). Embora devêssemos conceder tudo a eles, em relação ao significado dessa passagem, eles não extrairão nada dela, até que tenham derrubado previamente a doutrina que já estabelecemos a respeito da regeneração de bebês. 27. Eles ainda se gabam de ter seu fundamento mais forte na própria instituição do batismo que encontram no último capítulo de Mateus, onde Cristo, enviando seus discípulos por todo o mundo, lhes ordena que ensinem e depois batizem. Posteriormente, no último capítulo de Marcos, é adicionado: “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16:16). O que mais — dizem eles — argumentaremos, uma vez que as palavras de Cristo declaram claramente, atribuindo ao batismo o lugar posterior à fé, que o ensino deve preceder o batismo? Desse arranjo, nosso próprio Senhor nos deu um exemplo ao escolher não ser batizado até o seu trigésimo ano. De quantas maneiras eles se envolvem nessa passagem e revelam a sua ignorância! Eles erram mais do que infantilmente nisso, quando derivam a primeira instituição do batismo dessa passagem; enquanto Cristo, desde o início de seu ministério, ordenou que fosse administrado pelos apóstolos. Portanto, não há fundamento para argumentar que a lei do batismo deva ser buscada nessas duas passagens, como contendo a primeira instituição. Mas, para satisfazê-los em seu erro, quão sem nexo é esse modo de argumento? Se eu estivesse disposto a fugir, eu não só tenho um lugar de fuga, mas um campo amplo para correr. Eles se colocam agarrados tão desesperadamente à ordem das palavras, insistindo que se deve pregar antes de batizar e crer antes de ser batizado; porque fora dito: “Vá, pregue e batize” e “Quem crê é batizado”. Por que não podemos, por nossa vez, batizar antes de ensinar a observância das coisas que Cristo comandou? Porque fora dito: “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mt 28:19-20). Trata-se da mesma questão que observamos na outra passagem que Cristo fala da regeneração da água e do Espírito. Pois, se interpretarmos como eles insistem, o batismo deve ter precedência na regeneração espiritual; ele é mencionado primeiro. Cristo ensina que devemos nascer de novo, não do Espírito e da água, mas da água e do Espírito. 28. Esse argumento inatacável, no qual eles confiam tanto, parece já estar consideravelmente abalado; mas, como temos proteção suficiente na simplicidade da verdade, não estou disposto a fugir do assunto por meio de sutilezas insignificantes. Portanto, deixemos que eles tenham uma resposta sólida. A ordem aqui dada por Cristo refere-se principalmente à pregação do evangelho — a ele o batismo é adicionado como uma espécie de apêndice. Em seguida, Cristo apenas fala do batismo, na medida em que a dispensação dele é subordinada à encenação do ensino apostólico. Cristo envia seus discípulos para clamar o evangelho em todas as nações do mundo, a fim de que, pela doutrina da salvação, eles possam reunir homens que antes estavam perdidos em seu reino. Mas quem ou o que são esses homens? É claro que a menção é feita apenas àqueles que estão aptos a receber sua doutrina. Ele afirma que, depois de serem ensinados, deveriam ser batizados, acrescentando a promessa: “Quem crer e for batizado será salvo”. Existe uma sílaba sobre bebês em todo o discurso? Qual é, então, a forma de argumento com a qual eles nos atacam? Aqueles que são maiores de idade devem ser instruídos e trazidos à fé antes de serem batizados e, portanto, é ilegal tornar o batismo comum aos bebês. Eles não podem, no máximo, provar qualquer outra coisa fora dessa passagem, a não ser que o evangelho deve ser pregado àqueles que são capazes de ouvi-lo antes de serem batizados; pois é apenas sobre eles que a passagem fala. A partir disso, deixemos que eles, se puderem, joguem um obstáculo no caminho do batismo infantil. 29. Mas farei as suas falácias palpáveis até para os cegos, por uma semelhança muito clara. Se alguém insistir em que os bebês devam ser privados de comida, sob o pretexto de que o apóstolo não permite que ninguém coma, a não ser aqueles que trabalham (2Ts 3:10), isso não deve ser observado por todos? Por quê? Porque aquilo que foi dito sobre uma certa classe de homens em uma certa idade é por eles distorcido e aplicado a todos indiferentemente. A destreza desses homens, nesse caso, não é pouca. Aquilo que cada um considera destinado apenas à idade adulta aplica-se a bebês, sujeitando-os a uma regra que foi estabelecida apenas para os de idade mais madura. No que diz respeito ao exemplo de nosso Salvador, ele não respalda o caso deles. Ele não foi batizado antes dos trinta anos. Isso é verdade, e a razão é óbvia: porque Ele decidiu estabelecer o sólido fundamento do batismo por sua pregação, ou melhor, confirmar o fundamento que João havia estabelecido anteriormente. Por isso, quando Ele ficou satisfeito com sua doutrina para instituir o batismo, a fim de dar maior autoridade à sua instituição, Ele a santificou em sua própria pessoa; assim o fez no momento mais conveniente, ou seja, no início do seu ministério. Em suma, eles podem provar nada mais do que o fato que o batismo recebeu sua origem ou início com a pregação do evangelho. Mas se eles se contentam em fixar o trigésimo ano, por que não o observam, ao invés de admitirem qualquer um ao batismo de acordo com a visão de sua profissão de fé? Nem mesmo Servetus, um de seus mestres, embora insistisse pertinentemente nesse período, começou a agir como profeta em seu vigésimo primeiro ano; como se alguém pudesse ser tolerado por arrogar o cargo de professor na Igreja antes de ser membro da Igreja. 30. Por fim, objetam que não há maior razão para admitir crianças ao batismo do que à Ceia do Senhor, na qual, no entanto, nunca foram admitidas — como se as Escrituras não fizessem, de todo modo, uma grande distinção entre os dois sacramentos. Na igreja primitiva, de fato, a Ceia do Senhor era frequentemente dada a crianças, como aparece nos escritos de Cipriano e Agostinho (agosto. ad Bonif. Lib. 1), mas a prática tornou-se justamente obsoleta. Pois, se atendermos à natureza peculiar do batismo, ele é uma espécie de entrada — como se fosse a iniciação na Igreja — pela qual somos classificados entre o povo de Deus. É um sinal de nossa regeneração espiritual, pela qual nascemos de novo para sermos filhos de Deus. Ao passo que, ao contrário, a Ceia é destinada àqueles em idade mais madura que, tendo passado o período tenro da infância, estão aptos a digerir alimentos sólidos. Essa distinção é muito claramente apontada nas Escrituras. Pois lá, no que diz respeito ao batismo, o Senhor não faz nenhuma seleção de idade; em contrapartida, Ele não admite todos na participação da Ceia, mas a limita àqueles que estão aptos a discernir o corpo e o sangue do Senhor, para que eles examinem a sua própria consciência, meditando na morte do Senhor e entendendo o seu poder. Podemos desejar algo mais claro do que o que o apóstolo disse na seguinte exortação: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice” (1Co 11:28)? O exame, portanto, deve preceder a Ceia, e é vão esperar isso dos bebês. Antes é dito: “qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor” (1Co 11:27). Se alguns não podem participar da Ceia sem serem capazes de discernir a santidade do corpo do Senhor, por que devemos estender o mesmo veneno para os nossos filhos pequenos, em vez de os vivificarmos com alimentos saldáveis? Qual é a injunção de nosso Senhor? “…fazei isto em memória de mim.” E qual a inferência que o apóstolo tira disso? “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1Co 11:26). Como podemos exigir que os bebês comemorem qualquer evento do qual eles não têm compreensão? Como exigir que eles “entendam a morte do Senhor”, sua natureza e benefícios dos quais eles não têm ideia? Nada do tipo é prescrito para o batismo. Portanto, há grande diferença entre os dois sinais. Isso também observamos em sinais semelhantes sob a antiga dispensação. A circuncisão — que, como é bem conhecida, corresponde ao nosso batismo — destinava-se aos bebês; mas a Páscoa, pela qual a Ceia é substituída, não admitiu todos os tipos de convidados de forma indiferente, antes fora devidamente comida apenas por aqueles que tinham idade suficiente para perguntar o significado dela (Êx 12:26). Se esses homens tivessem a menor partícula de solidez em seu cérebro, eles estariam assim cegos quanto a um assunto tão claro e óbvio? 31. Embora eu não esteja disposto a incomodar o leitor com a série conceitual de Servetus — que não era o menor entre os anabatistas nem a grande honra dessa equipe —, valerá a pena citá-los e descartá-los brevemente, já que ele, ao se preparar para a batalha, os aduziu, considerando os argumentos dos nossos opositores como ilusórios. Ele sugere que como os símbolos de Cristo são perfeitos, eles requerem pessoas perfeitas, ou, pelo menos, capazes de perfeição. Mas a resposta é clara. A perfeição do batismo, que se estende até a morte, é indevidamente restrita a um momento do tempo; além disso, a perfeição — que o batismo nos convida a progredir continuamente durante a vida — é por ele exigida tolamente, de uma só vez. Ele objeta que os símbolos de Cristo foram designados para lembrança, para que cada um lembre-se de que foi sepultado junto com Cristo. Eu respondo que o que ele retirou de seu próprio cérebro não precisa de refutação. O que ele transfere para o batismo pertence apropriadamente à Ceia, como aparece nas palavras de Paulo: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”. Não há, em nenhum lugar, palavras semelhantes às que são usadas com referência ao batismo. Por essa razão, deduzimos que são devidamente batizados aqueles que também são novos de idade e incapazes de examinarem-se. Seu terceiro ponto é que todos os que não creem no Filho permanecem na morte, a ira de Deus permanece sobre eles (Jo 3:36); e, portanto, os bebês que são incapazes de acreditar estão sob condenação. Eu respondo que Cristo não fala, nesse texto, da culpa geral em que está envolvida toda a posteridade de Adão, mas apenas ameaça os desprezadores do evangelho, que orgulhosa e continuamente rejeitam a graça que lhes é oferecida. Isso não tem nada a ver com bebês. Ao mesmo tempo, eu vou contra ele com o argumento oposto. Todo aquele que Cristo abençoa está isento da maldição de Adão e da ira de Deus. Portanto, visto que é certo que os bebês são abençoados por ele, segue-se que eles são libertos da morte. Em seguida, ele cita falsamente uma passagem que não é encontrada em lugar algum: quem nasce do Espírito, ouve a voz do Espírito. Embora devamos admitir que tal passagem ocorra nas Escrituras, tudo o que ele pode extrair é que os crentes, conforme o Espírito faz a sua obra neles, são moldados à obediência. Mas o que é dito sobre um certo número de pessoas é ilógico aplicar a todos igualmente. Sua quarta objeção é que assim como o que precede é natural (1Co 15:46), devemos esperar o tempo certo pelo batismo, que é algo espiritual. Embora eu admita que toda a posteridade de Adão, nascida da carne, carrega consigo a condenação desde o ventre, sustento que isso não é obstáculo à aplicação imediata do remédio divino. Servetus não pode mostrar que, por designação divina, vários anos devem decorrer antes que a nova vida espiritual comece. O testemunho de Paulo é que, embora perdidos pela natureza, os filhos dos crentes são santos pela graça sobrenatural (1Co 7:14). Posteriormente, Servetus apresenta a alegoria de que Davi, ao subir ao monte Sião, não levou consigo cegos nem coxos, mas soldados vigorosos (2Sm 5:8). E se eu contrapuser isso com a parábola em que Deus convida, para a festa celestial, coxos e cegos? De qual maneira Servetus desembaraçará esse nó? Eu me pergunto, além disso, se o coxo e o aleijado não haviam servido anteriormente com Davi. Mas é bobagem insistir em refutar esse argumento que, como o leitor aprenderá com a história sagrada, se baseia em meras citações feitas de forma errada. Ele acrescenta outra alegoria, a saber, que os apóstolos eram pescadores de homens, e não de crianças. Pergunto, então, o que nosso Salvador quis dizer quando disse que na rede são pescados todos os tipos de peixes (Mt 4:19; 13:47)? Mas, como não tenho prazer em brincar com alegorias, respondo que, quando o ofício de ensino estava comprometido com os apóstolos, eles não foram proibidos de batizar crianças. Além disso, gostaria de saber o porquê de o evangelista usar o termo anthropous (que compreende toda a raça humana sem exceção), se ele nega que os bebês sejam incluídos. O sétimo argumento usado por Servetus é que uma vez que as coisas espirituais estão de acordo com as palavras espirituais (1Co 2:13), os bebês, não sendo espirituais, são impróprios para o batismo. É claro o quão perversamente ele distorce essa passagem de Paulo. Ela está relacionada à doutrina. Os coríntios, dedicando- se excessivamente a uma vaidade aguda, encontram Paulo repreendendo a loucura deles; porque ainda precisam ser instruídos nos primeiros rudimentos da doutrina celestial. Quem pode inferir, a partir disso, que o batismo deve ser negado aos bebês que, conquanto gerados pela carne, o Senhor os consagra para si mesmo por adoção gratuita? Sua objeção de que, se são homens novos, devem ser alimentados com alimento espiritual, é facilmente evitada. Pelo batismo, eles são admitidos no rebanho de Cristo; e o símbolo da adoção é suficiente para eles, até que cresçam e se tornem aptos a digerir alimentos sólidos. Devemos, portanto, esperar o tempo de autoexame que Deus exige distintamente na Santa Ceia. Sua próxima objeção é que Cristo convida todo o seu povo para a Ceia Sagrada. Mas, como é óbvio que Ele admite apenas aqueles que estão preparados para celebrar a comemoração da sua morte, segue-se que os bebês, que Ele honrou com seu abraço, permanecem em uma posição distinta e peculiar até crescerem; porém não permanecem como estranhos a Ele. Quando ele objeta que é estranho o motivo pelo qual a criança não participa da Ceia, eu respondo que as almas são alimentadas por outros alimentos além da alimentação externa da Ceia e que, consequentemente, Cristo é o alimento das crianças; embora elas não participem do símbolo. O caso é diferente com o batismo, pelo qual a porta da Igreja é aberta a eles. Servetus, novamente, objeta que um bom chefe de família distribui carne para sua casa no devido tempo (Mt 24:45). Isso eu admito de bom grado; mas como ele definirá o tempo do batismo, de modo que prove que não é oportunamente dado aos bebês? Além disso, ele adota a ordem de Cristo aos apóstolos de se apressarem, porque os campos já estão brancos para a colheita (Jo 4:35). Nosso Salvador apenas quer dizer que os apóstolos, vendo o fruto atual de seu trabalho, devem se superar com mais entusiasmo para ensinar. Quem deduzirá disso que apenas a colheita é o momento adequado para o batismo? Seu décimo primeiro argumento é que, na igreja primitiva, cristãos e discípulos eram os mesmos; mas já vimos que ele argumenta sem habilidade do início ao fim. O nome dos discípulos é dado aos homens de maior idade, que já haviam sido ensinados e assumiram o nome de Cristo, assim como os judeus se comportaram como discípulos sob a lei de Moisés. Ainda assim, ninguém pode deduzir corretamente disso que bebês, aqueles quem o Senhor declarou ser de sua casa, sejam estranhos a Cristo. Além disso, ele alega que todos os cristãos são irmãos e que os bebês não podem pertencer a essa classe, pois os excluímos da Ceia. Volto à minha posição. Primeiro, ninguém é herdeiro do reino dos céus, a não ser aqueles que são membros de Cristo; segundo, o abraço de Cristo era o verdadeiro emblema da adoção, no qual os bebês são unidos em comum com os adultos; e, por fim, a abstinência temporária da Ceia não os impede de pertencer ao corpo da igreja. O ladrão na cruz, quando convertido, tornou-se irmão dos crentes, embora nunca tenha participado da Ceia do Senhor. Servetus acrescenta depois que nenhum homem se torna nosso irmão, a não ser pelo Espírito de adoção, que é conferido apenas pela audição da fé. Respondo que ele sempre volta ao mesmo paralogismo, porque aplica absurdamente aos bebês o que é dito apenas dos adultos. Paulo ensina que a maneira comum pela qual Deus chama seus eleitos e os leva à fé é levantando mestres fiéis; e, assim, estendendo a mão para eles pelo ministério e trabalho deles. Quem presumirá disso que devemos dar a ordem a Deus e dizer que Ele não pode enxertar crianças em Cristo por outro método secreto? Ele objeta que Cornélio foi batizado depois de receber o Espírito Santo. Quão absurdamente ele converte um único exemplo em regra geral! É evidente, no caso dos eunucos e samaritanos, em relação a quem o Senhor deu uma ordem diferente, que o batismo precedeu os dons do Espírito Santo. O décimo quinto argumento de Servetus é mais do que absurdo. Ele diz que nos tornamos deuses por regeneração; para quem a palavra de Deus é enviada (Jo 10:35; 2Pe 1:4). Algo que não é possível para crianças pequenas. A atribuição da divindade aos crentes é um dos seus delírios. Este não é o lugar apropriado para discuti-lo. Sobretudo, isso expõe o máximo de esforço da parte dele para destruir a passagem do Salmo 82, verso 6, ao atribuí-lo um significado estranho. Cristo diz que reis e magistrados são chamados deuses pelo profeta, porque exercem um ofício divinamente designado. Esse intérprete hábil transfere o que é dirigido, por ordem especial, a certos indivíduos à doutrina do Evangelho, de modo a exterminar os bebês da Igreja. Mais uma vez, ele objeta que os bebês não podem ser considerados novos homens, porque não são gerados pela palavra. O que eu disse repetidas vezes, repito agora. Para nos regenerar, a doutrina é uma semente incorruptível, estando nós aptos a percebê- la. Mas, enquanto bebês, somos incapazes de ser ensinados; de modo que Deus usa os seus próprios métodos de regeneração. Depois, Servetus volta às suas alegorias e diz que, segundo a lei, as ovelhas e as cabras não eram oferecidas em sacrifício no momento em que nasciam (Êx 12:5). Se eu estivesse disposto a negociar com figuras, obviamente, eu poderia responder — em primeiro lugar — que todos os primogênitos, ao “abrir a madre”, eram sagrados ao Senhor (Êx 13:12). Em segundo lugar, um cordeiro de um ano de idade deveria ser sacrificado. Então, segue- se que não era necessário esperar a maturidade, pois os filhos jovens e tenros eram selecionados por Deus para serem sacrificadas. Além disso, ele afirma que ninguém poderia vir a Cristo, a não ser aqueles que foram previamente preparados por João; como se o ministério de João não tivesse sido temporário. Mas deixemos isso de lado, porque certamente não houve tal preparação nos filhos que Cristo tomou em seus braços e abençoou. Portanto, descartamos rapidamente o seu falso ensino. Por fim, ele pede a assistência de Trismegisto e os Sibilas, para provar que as purificações sagradas são adequadas apenas para adultos. Veja quão honrosamente ele pensa sobre o batismo cristão, quando o julga pelos ritos profanos dos gentios, chegando ao ponto de não o administrar, exceto da maneira agradável a Trismegisto. Confiamos mais na autoridade de Deus que julgou apropriado consagrar os bebês a si mesmo e os preparou por um símbolo sagrado, cujo significado eles são incapazes de compreender na sua idade de nascimento. Não achamos lícito o pegar emprestado das expiações gentílicas a fim de mudar, em nosso batismo, a lei eterna e inviolável que Deus promulgou na circuncisão. Seu último argumento é que se os bebês, sem entendimento, podem ser batizados, o batismo pode ser imitado e administrado com brincadeira por meninos. Aqui, deixemo-lo argumentar com Deus, por cujo comando a circuncisão era comum aos bebês antes que eles recebessem entendimento. A circuncisão foi, então, uma questão adequada para o ridículo, ou uma brincadeira infantil? Mas não me admira que esses espíritos reprovados, como se estivessem sob a influência da loucura, introduzam os mais grosseiros absurdos em defesa de seus erros; porque Deus, por esse espírito louco, castiga justamente o seu orgulho e obstinação. Espero ter tornado claro como Servetus tem apoiado fracamente seus amigos anabatistas. 32. Presumo que nenhum homem sadio possa duvidar de quão impulsivamente a igreja é perturbada por aqueles que provocam brigas e distúrbios por causa do pedobatismo. É importante observar o que Satanás quer dizer com todo esse ofício, a saber, roubar-nos a benção singular da confiança e da alegria espiritual, prejudicando-a e retirando dela a glória da bondade divina. Pois quão doce é para as mentes piedosas serem asseguradas não apenas por palavras, mas também por demonstrações visíveis, de que os bebês têm tanto favor do Pai celestial; que Ele se interessa pela posteridade da sua igreja! Aqui podemos ver como Ele age conosco: como o Pai mais cuidadoso, não deixando de cuidar de nós, mesmo após nossa morte, mas aconselhando e cuidando de nossos filhos. Não deveria todo o nosso coração ser despertado dentro de nós, como era o de Davi (Sl 48:11), para bendizer o seu nome por essa manifestação de bondade? Sem dúvida, o objetivo de Satanás em agredir o pedobatismo com todas as suas forças é manter fora de vista e gradualmente apagar a declaração da graça divina que a própria promessa apresenta aos nossos olhos. Dessa maneira, não apenas os homens seriam impiedosamente ingratos pela misericórdia de Deus, como também teriam menos cuidado ao ensinar seus filhos conforme a piedade. Pois não é um pequeno estímulo para nós educá-los no temor de Deus e na observância de sua lei, quando refletimos que, desde o nascimento, eles foram considerados e reconhecidos por Ele como seus filhos. Portanto, não obscureçamos maliciosamente a bondade de Deus, mas apresentemos a Ele os nossos filhos, a quem Ele designou um lugar entre seus amigos e familiares, ou seja, entre os membros da igreja.