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O Batismo Infantil

João Calvino

Editora Caridade Puritana


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Todos os direitos em língua portuguesa pertencem à ECP.

© 2021, Editora Caridade Puritana Edição 11, outubro de 2021


Traduzido da publicação em inglês no site
“https://www.apuritansmind.com/covenant-theology/dr-john-calvin-
on-infant-baptism/”
Contribuidores da obra:
Design: Wallas Pinheiro
Tradução: Filipe Macedo
Revisão: Gabriel Lago / Walker Rainnier
1. Agora, tendo em vista que a prática de batizar crianças é
impugnada e assaltada por alguns espíritos malignos — como se
não tivesse sido ordenada por Deus, mas inventada recentemente
pelos homens, ou, ao menos, em alguns anos após os dias dos
apóstolos —, penso que será muito oportuno fortalecer as
consciências fracas nessa matéria e refutar as objeções mentirosas
que tais sedutores possam fazer no intuito de destronar a verdade
de Deus nos corações dos indoutos; que podem não ser hábeis o
suficiente para responder às suas objeções e sofismas.
O argumento pelo qual o pedobatismo é atacado é, sem dúvida,
falacioso; a saber, que ele não se baseia na instituição de Deus,
mas foi introduzido apenas pela presunção humana e pela
curiosidade depravada — permanecendo depois por uma facilidade
tola, recebido precipitadamente na prática, [como se fosse um
sacramento que não está assentado sobre o fundamento seguro da
palavra de Deus. Mas, se tendo sido o assunto devidamente tratado,
for descoberto que uma calúnia é falsa e injustamente trazida contra
a santa ordenança do Senhor?
Primeiro, então, investiguemos a sua origem. Se ela parece ter
sido concebida apenas pela pressa humana, temos de abandoná-la
e regular a verdadeira observância do batismo inteiramente pela
vontade do Senhor; mas, se ela não se provar de modo algum
destituída de sua autoridade segura, tomemos, então, cuidado para
não descartarmos as instituições sagradas de Deus e, assim,
insultar seu Autor.
2. Em primeiro lugar, então, por se tratar de uma doutrina bem
conhecida, a respeito da qual todos os piedosos estão de acordo,
importa afirmar que a consideração correta dos sinais não reside
apenas nas cerimônias exteriores; mas depende principalmente da
promessa e dos mistérios espirituais, para tipificá-las. Isto é, as
próprias cerimônias são designadas. Aquele, portanto, que
compreende profundamente o efeito do batismo — seu objeto e seu
verdadeiro caráter — não deve estar limitado ao elemento ou ao
objeto corpóreo, mas deve olhar adiante para as promessas divinas
que nele são oferecidas a nós e elevar-se aos segredos internos
que nele estão representados. Aquele que compreende essas
coisas alcança a verdade sólida e, por assim dizer, toda a
substância do batismo, de modo que perceberá a natureza e o uso
da aspersão externa.
Por outro lado, aquele que passa por isso em desprezo e
mantém os seus pensamentos inteiramente fixados na cerimônia
visível não compreenderá a força nem a natureza própria do
batismo, nem o que se entende, nem o que se ganha com o uso da
água. Isso é confirmado por passagens da Escritura
demasiadamente numerosas e claras; não é necessário discuti-las
mais detalhadamente. Resta, portanto, indagar sobre a natureza e
eficácia do batismo, as quais são evidenciadas pelas promessas
que nele estão anexadas. A Escritura mostra, em primeiro lugar, que
o batismo aponta para aquela purificação do pecado que obtemos
pelo sangue de Cristo; e, em segundo, para a mortificação da carne,
que consiste na participação da sua morte — obra pela qual os
crentes são regenerados para a novidade de vida e, assim, para a
comunhão com Cristo. A partir desses assuntos gerais, tudo o que
as Escrituras nos ensinam a respeito do batismo pode ser
mencionado com este acréscimo: que ele é também um símbolo
para testificar nossa religião aos homens.
3. Agora, uma vez que, antes da instituição do batismo, o povo
de Deus já tinha a circuncisão em seu lugar, nós veremos até que
ponto esses dois sinais diferem e até que ponto eles se parecem um
com o outro. Dessa forma, aparecerá qual é a analogia que existe
entre eles. Quando o Senhor ordena a Abraão que observe a
circuncisão (Gn 17:10), Abraão presume que Deus seria um Deus
para ele e para sua descendência, porquanto o Senhor acrescenta
que em si mesmo havia uma perfeita suficiência para todas as suas
necessidades; Abraão poderia contar com sua mão como uma fonte
de toda bênção. Essas palavras incluem a promessa de vida eterna,
como o nosso Salvador interpreta quando as emprega para provar a
imortalidade e ressurreição dos crentes: “Deus”, diz Ele, “não é o
Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22:32). Assim, também Paulo,
ao mostrar aos efésios quão grande foi a destruição da qual o
Senhor os livrou, afirma que naquele tempo eles eram estrangeiros
do pacto da promessa, sem Deus e sem esperança, visto que não
foram admitidos no pacto da circuncisão (Ef 2:12); mas, depois,
todos foram compreendidos no pacto.
Agora, o primeiro acesso a Deus, a primeira entrada para a vida
imortal, é a remissão dos pecados. Disso resulta o que corresponde
à promessa da nossa purificação no batismo. O Senhor, depois, faz
alianças com Abraão, que, por sua vez, deve andar perante Ele com
sinceridade e inocência de coração; isso se aplica à mortificação ou
à regeneração. E para que ninguém duvide de que a circuncisão era
sinal de mortificação, Moisés a explica mais claramente em outro
lugar, quando exorta o povo de Israel a circuncidar o seu coração;
porque o Senhor os escolhera, entre todas as nações da terra, para
serem o seu próprio povo.
Assim como o Senhor, ao escolher a posteridade de Abraão para
ser o seu povo, lhes ordenou que fossem circuncidados, assim
também Moisés declarou que eles deveriam ser circuncidados de
coração, explicando, assim, o que é tipificado por essa circuncisão
carnal. Logo, para que ninguém tente fazê-la em suas próprias
forças, ele mostra que a circuncisão do coração é uma obra da
graça divina. Tudo isso é tão frequentemente inculcado pelos
profetas, que não há nenhuma necessidade de coletar as
passagens que ocorrem em todos os lugares.
Temos, portanto, uma promessa espiritual dada aos pais na
circuncisão, semelhante àquela que nos é dada no batismo, pois ela
figurava para eles tanto o perdão dos pecados como a mortificação
da carne. Além disso, como já demostramos, ambos residem em
Cristo. Por ser Ele o fundamento do batismo, assim também Ele
deve ser o fundamento da circuncisão. Porque Ele foi prometido a
Abraão e nele são benditas todas as nações. Para selar essa graça,
o sinal da circuncisão é adicionado.
4. Não há agora qualquer dificuldade em ver no que os dois
símbolos concordam e no que diferem. A promessa, na qual
mostramos que consiste o poder dos sinais, é uma em ambos, isto
é, a promessa do favor paterno de Deus, do perdão dos pecados e
da vida eterna. E a coisa figurada é uma e a mesma, isto é, a
regeneração. O fundamento do qual depende a realização de essas
coisas é um em ambos.
Portanto, não há diferença no significado interno, a partir do qual
todo o poder e a natureza peculiar do sacramento devem ser
estimados. A única diferença que permanece está na cerimônia
externa, que é a menor parte dela, a parte principal consiste na
promessa e no significado. Por isso, podemos concluir que tudo o
que se aplica à circuncisão se aplica também ao batismo, exceto
sempre a diferença na cerimônia visível.
A essa analogia e comparação, somos guiados pela regra do
apóstolo, na qual ele nos ordena a levar toda interpretação da
Escritura para a analogia da fé (Rm 12:3,6). Certamente, nessa
questão, a verdade pode quase ser sentida. Porque assim como a
circuncisão, que era uma espécie de distintivo para os judeus,
assegurando-lhes que eram adotados como povo e família de Deus,
foi a primeira entrada delesna Igreja — enquanto, por sua vez,
professavam a sua fidelidade a Deus —, do mesmo modo somos
agora iniciados pelo batismo, para sermos inscritos entre o seu povo
e ao mesmo tempo jurar pelo seu nome. Portanto, é indiscutível que
o batismo foi substituído pela circuncisão e que ele desempenha a
mesma função.
5. Ora, se quisermos investigar se o batismo é ou não é
justamente administrado às crianças, também não suspeitaremos
que o homem que se limita apenas ao elemento da água e à
observância exterior é mesquinho, ou melhor, delirante? Ele não
deveria permitir que sua mente subisse ao mistério espiritual? Se a
razão for ouvida, sem dúvida, será demonstrado que o batismo é
bem administrado às crianças como algo que lhes é devido. O
Senhor não outorgou a circuncisão a eles sem torná-los
participantes de todas as coisas significadas pela circuncisão. Ele
teria iludido o seu povo com uma mera impostura, se os tivesse
acalmado com símbolos falaciosos; essa própria ideia é algo
chocante.

Em vez disso, Ele afirma claramente que a circuncisão da


criança será um selo da promessa da aliança. Mas, se o pacto
permanece firme e fixo, ele não é menos aplicável aos filhos dos
cristãos nos dias de hoje do que aos filhos dos judeus sob o Antigo
Testamento. Agora, se eles são participantes da mesma coisa com o
mesmo significado, como a eles pode ser negado o sinal? Se eles
obtêm a realidade, como a eles pode ser recusada a figura? O sinal
externo está tão unido no sacramento com a palavra, que não pode
ser separado dela; mas se eles podem ser separados, a qual dos
dois devemos atribuir o maior valor?
Certamente, quando virmos que o sinal é subserviente à palavra,
diremos que está subordinado, e lhe atribuiremos o lugar inferior. Já
que, então, a palavra do batismo está destinada às crianças, por
que deveríamos negar-lhes o sinal que é um apêndice da palavra?
Essa única razão, que não poderia ser outra, seria amplamente
suficiente para refutar todos os contraditórios. A objeção de que
havia um dia fixo para a circuncisão é uma mera disputa. Nós
admitimos que não estamos agora, como os judeus, presos a certos
dias; mas, quando o Senhor declara que — embora não prescreva
nenhum dia — Ele ainda se agrada de que as crianças sejam
formalmente admitidas em sua aliança, o que mais, então, podemos
questionar?
6. A Escritura nos dá um conhecimento ainda mais claro da
verdade. Pois é mais evidente que a aliança que o Senhor fez uma
vez com Abraão não é menos aplicável aos cristãos, agora, do que
era antigamente ao povo judeu; portanto, essa palavra não tem
menos referência aos cristãos do que aos judeus. A menos que, de
fato, imaginemos que Cristo, com o seu advento, diminuiu ou
reduziu a graça do Pai — uma ideia não livre de blasfêmia
abominável. Portanto, ambos os filhos dos judeus — porque,
quando foram feitos herdeiros daquela aliança, estavam separados
dos pagãos — foram chamados de semente santa. Pela mesma
razão, os filhos dos cristãos, ou aqueles que têm apenas um pai
crente, são chamados santos, e, pelo testemunho do apóstolo,
diferem da semente impura dos idólatras. Então, já que o Senhor —
logo depois que a aliança foi feita com Abraão — ordenou que ela
fosse selada nos bebês por um sacramento exterior, como se pode
dizer que os cristãos não devem atestá-la nos dias de hoje e selá-la
em seus filhos?
Que não seja objetado: o único símbolo pelo qual o Senhor
ordenou, para que o seu pacto fosse confirmado, era o da
circuncisão que foi ab-rogado há muito tempo. É fácil responder
que, de acordo com a forma da antiga dispensação, Ele nomeou a
circuncisão para confirmar sua aliança; mas que, sendo revogada, a
mesma razão para a confirmação ainda continua, uma razão que
temos em comum com os judeus. Por isso, é sempre necessário
considerar cuidadosamente o que é comum a ambos judeus e
gentios, e no que é que eles diferem de nós. A aliança é comum, e a
razão para confirmá-la é comum. O modo de confirmá-la é tão
diferente, que eles tiveram circuncisão em vez do que agora temos:
o batismo. Caso contrário, se o testemunho pelo qual os judeus
estavam seguros da salvação da sua semente for tirado de nós, a
consequência será que, pelo advento de Cristo, a graça de Deus —
que antes foi dada aos judeus — é mais obscura e menos
perfeitamente atestada a nós. Se isso não pode ser dito sem insulto
extremo a Cristo, por quem a infinita bondade do Pai foi mais
brilhante e benigna do que nunca derramada na terra e declarada
aos homens, deve-se confessar que a graça de Deus não pode ser
mais confinada e menos claramente manifestada do que sob as
sombras obscuras da lei.
7. Por conseguinte, o nosso Senhor Jesus Cristo, para dar um
exemplo do qual o mundo poderia aprender que Ele veio para
alargar, ao invés de vez de limitar, a graça do Pai, bondosamente
toma as crianças em seus braços e repreende a seus discípulos por
tentar impedi-las de se aproximarem (Mt 19:13); porque eles
estavam mantendo estes, a quem o reino dos céus pertencia, longe
do único que lhes dá esse acesso.
Mas perguntarão alguns homens: que semelhança existe entre o
batismo e o abraço de nosso Salvador a crianças pequenas? Não
se diz que Ele as tenha batizado, mas sim que as tenha recebido,
abraçado e abençoado; e, portanto, se quisermos imitar o seu
exemplo, devemos dar às crianças o benefício de nossas orações, e
não batizá-las.
Mas devemos prestar atenção ao ato de nosso Salvador com um
pouco mais de cuidado do que esses homens. Pois não devemos
negligenciar levianamente o fato de que nosso Salvador, ao ordenar
que crianças pequenas sejam trazidas a Ele, acrescenta a seguinte
razão: “destes é o reino dos céus”. Em seguida, Ele testifica a sua
boa vontade por meio do ato de abraçá-las e de recomendá-las a
seu Pai em oração e com bênçãos. Se é justo que as crianças
sejam levadas a Cristo, por que não deveriam ser igualmente
admitidas no batismo, que é o símbolo da nossa comunhão e
convívio com Cristo? Se o reino dos céus é deles, por que lhes
deveria ser negado o sinal pelo qual o acesso, por assim dizer, é
aberto à Igreja, para que, sendo admitidos nela, possam ser
arrolados entre os herdeiros do reino dos céus? Quão injustos
seremos nós em afastar aqueles que Cristo convida a si mesmo, em
privar aqueles que Ele adorna com os seus dons, em excluir
aqueles que Ele espontaneamente admite.
Mas, se insistirmos em discutir a diferença entre o ato do nosso
Salvador e o batismo, até que ponto teremos mais estima pelo
batismo — pelo qual testificamos que as crianças estão incluídas na
aliança divina — do que pelos atos de Cristo que, quando esteve
presente, no tocante a elas, as declarou pela aceitação, abraço,
imposição de mãos e oração que a Ele estão unidas e que por Ele
são santificadas?

Através de outras passagens, os opositores esforçam-se para


evitar esse trecho da Escritura; eles apenas confirmam que são
ignorantes. Diante do que o nosso Salvador diz: “Deixai os filhinhos,
e não os estorveis de vir a mim”, eles tergiversam, dizendo que
essas crianças tinham uma idade mais avançada e que, por essa
razão, estavam aptas a ir até Cristo. Em contraposição, elas são
chamadas pelos evangelistas de brethe kai paidia, termos que
denotam bebês que ainda estão sendo amamentados por suas
mães. O termo “vir” é usado simplesmente para denotar
“aproximação”. Vejam as disputas a que os homens são obrigados a
recorrer quando se endurecem contra a verdade!
Ademais, não resta solidez alguma na sua alegação de que o
reino dos céus não é destinado às crianças, mas àqueles que são
como crianças, uma vez que a expressão é “dos tais”, e não “de si
mesmos”. Se isso for admitido, por qual razão o nosso Salvador faz
uso desse termo para mostrar que eles não são estranhos a Ele por
serem mais novos? Quando Ele ordena que se permita às crianças
pequenas irem até Ele, nada é mais claro de que os próprios bebês
não devem ser afastados. Para que isso não pareça absurdo, Ele
acrescenta: “dos tais é o reino dos céus”. As crianças precisam
necessariamente ser compreendidas, e a expressão “dos tais”
mostra claramente que as próprias crianças e aquelas como elas
estão sendo abordadas.
8. Cada um deve agora ver que o pedobatismo, que recebe tão
forte apoio das Escrituras, não é de modo algum uma invenção
humana. Também não há nada de plausível na objeção que diz que
não se lê na Bíblia que um único bebê tenha sido batizado pelas
mãos dos apóstolos. Pois, embora o pedobatismo não seja
expressamente narrado pelos evangelistas, os bebês também não
são expressamente excluídos quando é feita menção de qualquer
família batizada (At 16:15,32). Qual homem de bom senso
argumentará, a partir disso, que as crianças não foram batizadas?
Se tal tipo de argumento fosse correto, seria necessário, da
mesma forma, interditar as mulheres da Ceia do Senhor, pois não
lemos que elas foram admitidas na ceia durante os dias dos
apóstolos. Mas aqui estamos contentes com a regra da fé. Pois,
quando refletimos sobre a natureza da ordenança da Ceia do
Senhor, facilmente julgamos quem são as pessoas a quem o uso
dela deve ser comunicado. O mesmo observamos no caso do
batismo.
Pois, atendendo ao fim para o qual fora instituído, percebemos
claramente que não é menos aplicável aos bebês do que às
crianças de anos mais avançados, e que, portanto, elas não podem
ser privadas dele sem fraude manifesta à vontade do seu Autor
divino. A afirmação que difundem entre as pessoas comuns, de que
uma longa série de anos se passou após a ressurreição de Cristo,
durante a qual o pedobatismo era desconhecido, é uma falsidade
vergonhosa, já que não há nenhum escritor, por mais antigo que
seja, que não trace a sua origem aos dias dos apóstolos.
9. Resta indicar brevemente o benefício da observância — tanto
para os crentes que trazem os seus filhos à igreja para serem
batizados quanto para as próprias crianças, a quem a água sagrada
é aplicada — para que ninguém possa desprezar a ordenança como
inútil ou superficial. Qualquer um que pensa em ridicularizar o
batismo sob essa pretensão também ridiculariza a ordenança divina
da circuncisão; pois o que eles podem dizer para impugnar um
sacramento que não pode ser replicado contra o outro? Assim, o
Senhor pune a arrogância daqueles que condenam imediatamente
qualquer coisa que a sua mente carnal não possa compreender.
Mas Deus nos fornece outras armas para reprimir a estupidez
deles. A sua santa instituição, da qual sentimos que a nossa fé goza
de admirável consolação, não merece ser chamada de inútil. Pois o
símbolo divino comunicado à criança, como a impressão de um
selo, confirma a promessa dada ao pai piedoso e declara que o
Senhor será um Deus não apenas para ele, mas para sua semente.
Deus não apenas visita o pai com sua graça e bondade, mas sua
posteridade também até a milésima geração.
Quando a infinita bondade de Deus se manifesta assim, ela, em
primeiro lugar, fornece os mais amplos instrumentos para proclamar
a sua glória e enche os corações piedosos de uma alegria incomum,
incitando-os mais fortemente a amar o seu Pai afetuoso; eles veem
que, por causa deles, Ele estende o seu cuidado à sua posteridade.
Não me comove a objeção de que a promessa deva ser suficiente
para confirmar a salvação dos nossos filhos. Parecia o contrário a
Deus, que, vendo nossa fraqueza, teve o prazer de se compadecer
dela. Aqueles, portanto, que abraçam a promessa de misericórdia
aos seus filhos, considerem como seu dever oferecê-los à Igreja,
selá-los com o símbolo da misericórdia e animarem-se com uma
confiança mais segura; vendo, com os olhos do corpo, a aliança do
Senhor gravada nos corpos dos seus filhos.
Por outro lado, as crianças também retiram um benefício de seu
batismo, quando, ao serem enxertadas no corpo da Igreja, tornam-
se objeto de maior interesse para os demais membros e, à medida
que crescem, são fortemente impelidas a um desejo sincero de
servir ao Deus que as recebeu como filhos pelo símbolo formal da
adoção. Antes da maioridade, eles foram capazes de reconhecer a
Deus como Pai.
Em suma, devemos ter muito respeito pelas denúncias de que
Deus se vingará de todo aquele que desprezar a impressão do
símbolo da aliança em seus filhos (Gênesis 17:15). Tal desprezo é
uma rejeição e, por assim dizer, uma abjuração da graça oferecida.
10. Vamos agora discutir os argumentos pelos quais alguns
loucos e furiosos não param de atacar essa santa ordenança de
Deus. Eles, primeiro, sentindo-se desmedidamente pressionados
pela semelhança entre o batismo e a circuncisão, argumentam que
há uma grande diferença entre os dois sinais, que um não tem nada
em comum com o outro. Eles sustentam que as coisas significadas
são diferentes, que a aliança é completamente diferente e que as
pessoas incluídas sob o nome de crianças são diferentes.
Quando começam a oferecer suas evidências, fingem que a
circuncisão é uma figura de mortificação, e não de batismo. Isso
lhes concedemos de bom grado, pois apoia admiravelmente a nossa
visão; pois eles acabam apoiando assim a única prova que usamos
que é a de que o batismo e a circuncisão são sinais de mortificação.
Portanto, concluímos que um foi substituído pelo outro. O batismo
representa para nós a mesma coisa que a circuncisão representava
para os judeus. Ao afirmarem uma diferença de aliança, com que
audácia bárbara eles corrompem e destroem as Escrituras? E isso
não em uma só passagem, mas de modo que nenhuma passagem
permaneceria intacta e inteira. Os judeus que eles descrevem são
tão carnais que se assemelham mais a brutos do que a homens.
Eles representam a aliança que foi feita com os judeus como não
indo além de uma vida temporária e desvalorizam as promessas
que lhes foram dadas, considerando-as como bênçãos passageiras
e corpóreas.
Se esse dogma é recebido como válido, o que resta senão um
argumento que diz que a nação judaica foi sobrecarregada por um
tempo com uma bondade divina (assim como os porcos são
engordados em sua pocilga), para que eles pudessem finalmente
perecer eternamente? Sempre que citamos a circuncisão e as
promessas a ela anexadas, eles respondem que a circuncisão era
um sinal literal e que suas promessas eram carnais.
11. Certamente, se a circuncisão foi um sinal literal, deve-se ter a
mesma visão do batismo; pois, no segundo capítulo aos
colossenses, o apóstolo Paulo demonstra que um não é mais
espiritual que o outro. Ele diz que, em Cristo, nós estamos
“circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do
corpo dos pecados da carne, pela circuncisão de Cristo” (Cl 2:11).
Na explicação do seu sentimento, acrescenta imediatamente que
estamos “sepultados com ele no batismo” (Cl 2:12). O que essas
palavras significam, senão apenas que a verdade e a conclusão do
batismo é a verdade e a conclusão da circuncisão, já que elas
representam a mesma coisa? Pois o objetivo de Paulo é mostrar
que o batismo é a mesma coisa para os cristãos que a circuncisão
anteriormente era para os judeus.
Agora, como já mostramos claramente que as promessas de
ambos os sinais e os mistérios por eles representados concordam
entre si, não nos alongaremos mais sobre esse ponto. Importa
apenas lembrar aos crentes que reflitam — sem que nada seja dito
por mim — se isso deve ser considerado como um sinal terreno e
literal, que não tem nada de celestial ou espiritual sob ele.
Mas, para que não eles ceguem os simples com a sua fumaça,
nós eliminaremos uma objeção com a qual eles encobrem outra
falsidade mais insolente. É absolutamente certo que as promessas
originais que envolviam a aliança que Deus fez com os israelitas sob
a velha dispensação eram espirituais e tinham referência à vida
eterna, ao passo que foram — evidentemente — recebidas da
mesma forma, a saber, espiritualmente pelos patriarcas; para que
eles pudessem ter uma esperança segura de imortalidade,
aspirando a ela com toda a sua alma. Estamos longe de negar que
Deus testificou a sua bondade para com eles com bênçãos carnais
e terrenas; embora afirmemos que por elas a esperança das
promessas espirituais foi confirmada.
Dessa forma, quando Deus prometeu bênção eterna ao seu
servo Abraão, Ele, a fim de colocar uma indicação manifesta de
favor diante de seus olhos, acrescentou a promessa de posse da
terra de Canaã. Da mesma maneira, devemos entender todas as
promessas terrestres que foram dadas à nação judaica. A promessa
espiritual é como a cabeça daquelas promessas secundárias,
estando sempre em primeiro lugar. Tendo lidado plenamente com
esse assunto, ao tratar da diferença entre as dispensações judaicas
antigas, agora serei mais breve.
12. Quanto à alcunha de “filhos”, a diferença que eles observam
é que os filhos de Abraão, sob a velha dispensação, foram aqueles
que derivaram a sua origem da semente abraâmica; mas, agora,
essa designação é dada àqueles que imitam a sua fé. Portanto,
aquela infância carnal, que foi inserida na comunhão da aliança pela
circuncisão, tipificou os filhos espirituais da nova aliança,
regenerados pela Palavra de Deus para a vida imortal.
Nessas palavras, descobrimos uma pequena faísca de verdade,
mas esses espíritos tontos erram gravemente no fato de que
agarram tudo o que vem primeiro às suas mãos, quando deveriam ir
mais longe e comparar conjuntamente muitas outras coisas. Eles se
prendem obstinadamente a uma única palavra. Por isso, não deixa
de acontecer que, de vez em quando, estejam iludidos. De fato, eles
não se esforçam para obter um conhecimento pleno sobre qualquer
assunto.
Admitimos indubitavelmente que a semente carnal de Abraão,
por um tempo, ocupou o lugar da semente espiritual, que é
enxertada nele pela fé (Gl 4:28; Rm 4:12). Pois somos chamados de
seus filhos, embora não tenhamos nenhuma relação natural com
ele. Mas se eles querem dizer — por mais que não admitam — que
a promessa espiritual nunca fora feita à semente carnal de Abraão,
eles estão muito enganados. Devemos, por outro lado, ser guiados
pela infalível orientação das Escrituras a uma conclusão melhor. O
Senhor prometeu a Abraão que ele teria uma semente na qual todas
as nações da terra seriam abençoadas e, ao mesmo tempo, lhe
assegurou que Ele seria um Deus tanto para ele como para a sua
semente. Logo, todos os que na fé recebem a Cristo como o autor
da bênção são os herdeiros dessa promessa, e, por isso, são
chamados de filhos de Abraão.
13. Embora, depois da ressurreição de Cristo, os limites do reino
de Deus tenham começado a se estender indiscriminadamente por
todas as nações — de modo que, segundo a declaração de Cristo,
os crentes foram recolhidos de todos os lados para se assentarem
com Abraão, Isaque e Jacó, no reino dos céus (Mt 8:11) —, mesmo
assim, durante muitos séculos passados, os judeus já tinham
desfrutado dessa grande misericórdia. O Senhor os selecionara
(passando por todas as outras nações) para serem por um tempo os
depositários do seu favor. Ele os designou como o seu povo peculiar
e comprado (Êx 19:5).
Para o atestado dessa bondade, Ele indicou a circuncisão,
símbolo pelo qual os judeus foram ensinados que Deus zelava pela
sua segurança; por conseguinte, eles foram elevados à esperança
da vida eterna. Pois o que pode faltar àquele a quem Deus outrora
tomou sob a sua proteção? Por isso o apóstolo, para provar que os
gentios, assim como os judeus, eram filhos de Abraão, fala desta
forma: “Vem, pois, esta bem-aventurança sobre a circuncisão
somente, ou também sobre a incircuncisão? Porque dizemos que a
fé foi imputada como justiça a Abraão. Como lhe foi, pois, imputada?
Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão,
mas na incircuncisão. E recebeu o sinal da circuncisão, selo da
justiça da fé quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de
todos os que creem, estando eles também na incircuncisão; a fim de
que também a justiça lhes seja imputada; e fosse pai da circuncisão,
daqueles que não somente são da circuncisão, mas que também
andam nas pisadas daquela fé que teve nosso pai Abraão, que
tivera na incircuncisão” (Rm 4:9-12).
Não vemos que ambos são iguais em dignidade? Pois, no tempo
determinado pelo decreto divino, ele foi o pai da circuncisão. Mas —
como escreve o apóstolo em outro lugar (Ef 2:14) — quando o muro
de separação, que separava os gentios dos judeus, foi derrubado,
àqueles também fora dado acesso ao reino de Deus, e ele se tornou
seu pai; sem o sinal da circuncisão, o seu lugar foi suprido pelo
batismo. Ao dizer expressamente que Abraão não era o pai
daqueles que eram apenas da circuncisão, o seu objetivo era
reprimir a supremacia de alguns que, deixando de lado toda a
consideração pela piedade, mergulharam em meras cerimônias. De
um modo semelhante, podemos, nos dias atuais, refutar a vaidade
daqueles que, no batismo, nada mais buscam do que água.
14. Em oposição a isso, é apresentada uma passagem da
Epístola aos Romanos, na qual o apóstolo diz que aqueles que são
da carne não são filhos de Abraão, mas que somente aqueles que
são filhos da promessa são considerados verdadeiramente como os
da sua semente (Rm 9:7). Pois ele parece insinuar que a relação
carnal com Abraão — que nós pensamos ser algo — não é nada.
Devemos prestar atenção ao assunto de que o apóstolo está
tratando. O seu objetivo foi mostrar aos judeus que a bondade de
Deus não estava restrita à semente de Abraão que, por si só, nada
contribui ou produz. Como prova desse fato, temos os casos de
Ismael e Esaú. Esses foram rejeitados, como se tivessem sido
estrangeiros, embora, segundo a carne, fossem descendentes
genuínos de Abraão. A bênção residiu em Isaque e Jacó.
Isto prova o que ele afirma depois, isto é, que a salvação
depende da misericórdia que Deus concede a quem quer que Ele
queira, de modo que os judeus não têm motivo para se gloriarem ou
se gabarem dos seus nomes associados à aliança, a menos que
eles guardem a lei da aliança, isto é, obedeçam à palavra.
Por outro lado, depois de derrubar a sua vaidosa confiança na
sua origem judaica e ciente de que a aliança que tinha sido feita
com a posteridade de Abraão não poderia ser propriamente
infrutífera, ele declara que a devida honra ainda deveria ser dada à
relação carnal com Abraão. Afinal, os judeus eram os herdeiros
primários e nativos do evangelho, mesmo que, por ingratidão, eles
fossem rejeitados como indignos, embora sua nação não estivesse
totalmente destituída de bênçãos celestiais.
Por essa razão, embora eles fossem violadores contumazes da
aliança, Paulo os chama de santos (tal respeito ele dá à geração
santa que Deus honrou com sua sagrada aliança). Enquanto nós,
em comparação com eles, somos chamados de filhos posteriores,
ou adotados de Abraão. E isso não por natureza, mas por adoção,
como se um galho fosse quebrado de sua própria árvore e
enxertado em outra linhagem.
Portanto, para que não fossem defraudados de seu privilégio,
era necessário que o evangelho lhes fosse pregado primeiro.
Porque eles são, por assim dizer, os primogênitos da família de
Deus. A honra devida, por esse fato, foi-lhes, portanto, paga até o
tempo em que eles rejeitaram a oferta e, por sua ingratidão, fizeram
com que ela fosse transferida para os gentios. Por maior que seja a
conivência com que persistem em guerrear contra o Evangelho, nós
não devemos desprezá-los. Devemos considerar que, em relação à
promessa, a bênção de Deus ainda reside entre eles. Como
testemunha o apóstolo, nunca se afastará inteiramente deles,
“porque os dons e o chamado de Deus são sem arrependimento”
(Rm 11:29).
15. Tal é o valor da promessa dada à posteridade de Abraão, tal
é a balança em que ela deve ser pesada. Embora não tenhamos
dúvida de que, ao distinguir os filhos de Deus entre judeus e
estrangeiros, a eleição divina reina livremente, apercebemo-nos, ao
mesmo tempo, que Ele teve o prazer especial de abraçar a semente
de Abraão com sua misericórdia. E, para melhor atestá-la, aprouve-
lhe selá-la pela circuncisão.
O caso da Igreja Cristã é exatamente da mesma forma. Pois,
assim como Paulo declara que os judeus são santificados por seus
pais, ele diz também, em outro lugar, que os filhos dos cristãos
derivam santificação de seus pais. Por isso, infere-se que aqueles
que são acusados de impureza são justamente separados dos
outros. Ora, quem pode duvidar da falsidade de suas afirmações?
Por exemplo, a afirmação de que as crianças que antes eram
circuncidadas apenas tipificavam a infância espiritual que é
produzida pela regeneração da palavra de Deus. Quando o apóstolo
diz em Romanos 15:8 “que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão,
por causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas
feitas aos pais”, ele não filosofa sutilmente, como se quisesse dizer
algo a mais. Não vês como ele considera que, depois da
ressurreição de Cristo, a promessa será cumprida à semente de
Abraão, não alegoricamente, mas literalmente? Para todos os
efeitos, temos a declaração de Pedro aos judeus: “a promessa é
para vós, a vossos filhos e a todos os que estão longe” (At 2:39);
nos capítulos seguintes, ele os chama de filhos do pacto, ou seja,
herdeiros. Não muito diferente desse trecho é aquela passagem do
apóstolo citada acima, na qual ele considera e descreve a
circuncisão realizada em crianças como um atestado da comunhão
que elas têm com Cristo.
E, na verdade, se ouvirmos os absurdos daqueles homens, o
que será da promessa pela qual o Senhor, no segundo mandamento
de sua lei, se compromete a ser gracioso para com a semente dos
seus servos até mil gerações? Devemos aqui recorrer à alegoria?
Devemos dizer que a lei foi revogada? Desse modo, vamos eliminar
a lei que Cristo veio não para destruir, mas para cumprir, na medida
em que ela é feita para o nosso bem eterno. Que seja, pois, sem
controvérsia, que Deus é tão bom e generoso para com o seu povo,
que Ele se agrada e tem como marca do seu favor estender os seus
privilégios aos filhos que lhes nasceram.
16. As distinções que esses homens tentam desenhar entre
batismo e circuncisão não são apenas ridículas e vazias de toda a
aparência da razão, mas estão também em desacordo umas com as
outras. Pois, quando afirmam que o batismo se refere ao primeiro
dia de batalha espiritual e a circuncisão ao oitavo dia, com a
mortificação já realizada, eles imediatamente esquecem a distinção
e mudam de discurso, representando a circuncisão como tipificação
da mortificação da carne e o batismo como o enterro, que só é dado
àqueles que já estão mortos. O que são essas contradições frívolas
senão sonhos frenéticos?
De acordo com a visão anterior, o batismo deveria preceder a
circuncisão; de acordo com a última, deve vir depois. Não é a
primeira vez que vemos as mentes dos homens vagarem quando
substituem seus sonhos pela infalível Palavra de Deus. Afirmamos,
portanto, que sua distinção anterior é uma mera imaginação. Se
estivéssemos dispostos a fazer uma alegoria do oitavo dia, a deles
não seria o modo apropriado. Era mais comum para os primeiros
cristãos associarem o número oito à ressurreição, que ocorreu no
oitavo dia e da qual sabemos que a novidade da vida depende, ou
associarem com todo o curso da vida atual, durante o qual a
mortificação deveria estar em andamento; terminando apenas
quando a própria vida termina. No entanto, parece que Deus
pretendia prover a ternura da infância, adiando a circuncisão para o
oitavo dia, pois a ferida teria sido mais perigosa, se infligida
imediatamente após o nascimento. Quão mais racional é a
declaração das Escrituras de que nós, quando já estamos mortos
para o pecado, somos sepultados pelo batismo (Rm 6:4), uma vez
que afirma claramente que estamos sepultados na morte de Cristo,
para que possamos morrer completamente, e daí em diante
almejarmos essa mortificação?
Igualmente engenhoso é este questionamento que eles fazem:
que as mulheres não devem ser batizadas, se o batismo for
conforme a circuncisão. Na verdade, assim como é certo que a
santificação da semente de Israel fora atestada pelo sinal da
circuncisão, também não se pode duvidar que ela fora designada da
mesma forma para a santificação de homens e mulheres. Embora o
rito só pudesse ser realizado em homens, as mulheres eram,
através deles, parceiras e associadas à circuncisão. Portanto,
desconsiderando todas essas distinções sem importância, fixemo-
nos na semelhança entre o batismo e a circuncisão, como visto
internamente nos seus ofícios, promessas, usos e efeitos.
17. Eles parecem pensar que produzem o argumento mais forte
para negar o batismo às crianças quando alegam que elas ainda
não estão aptas, desde a idade mais baixa, a entender o mistério
que está lá selado, a saber, a regeneração espiritual; que isso não
se aplica à mais nova infância. Portanto, eles inferem que os filhos
devem ser considerados apenas filhos de Adão até que eles atinjam
uma idade adequada para a recepção do segundo nascimento.
Mas tudo isso se opõe diretamente à verdade de Deus. Pois, se
devem ser considerados filhos de Adão, eles são deixados na
morte, uma vez que, em Adão, nada podemos fazer senão morrer.
Ao contrário disso, Cristo pede que eles sejam trazidos a Ele. Por
quê? Porque Ele é a vida. Portanto, para que Ele possa vivificá-los,
Ele os faz parceiros dele; enquanto esses homens os afastariam de
Cristo e os condenariam de morte.
Se eles fingem que os bebês não perecem quando são
considerados filhos de Adão, o erro é mais do que suficientemente
refutado pelo testemunho das Escrituras (1Co 15:22). Tendo em
vista que é declarado que todos morrem em Adão, segue-se que
nenhuma esperança de vida permanece, a menos que em Cristo.
Logo, para que possamos nos tornar herdeiros da vida,
precisaremos ter comunhão com Ele. Torno a dizer — visto que está
escrito em outra passagem que somos todos por natureza filhos da
ira (Ef 2:3) e concebidos em pecado (Sl 51:5), cuja condenação é a
parte inseparável — que devemos nos separar da nossa própria
natureza, antes de termos acesso ao reino de Deus. E, quanto a
isso, o que pode ser mais claro do que a expressão: “Carne e
sangue não podem herdar o reino de Deus?” (1Co 15:50). Portanto,
que tudo que é nosso seja abolido (isso não pode acontecer sem a
regeneração), e, consequentemente, teremos essa posse do reino.
Em suma, se Cristo fala verdadeiramente quando declara que Ele é
a vida, devemos necessariamente ser enxertados nele; que é por
quem somos libertos da morte.
Mas como — perguntam eles — os bebês são regenerados, se
não possuem um conhecimento do bem ou do mal? Respondemos
que a obra de Deus, embora esteja além do alcance de nossa
capacidade, não é, por essa razão, inoperante. Além disso, os
bebês que são salvos (e que alguns são salvos nessa idade é algo
certo) são, sem dúvida, previamente regenerados pelo Senhor. Pois,
se eles trazem a corrupção inata com eles do ventre de suas mães,
é apropriado que eles sejam purificados antes de serem admitidos
no reino de Deus, no qual não deve entrar nada que possa
contaminar (Ap 21:27). Se nascem pecadores, como Davi e Paulo
afirmam, eles ou permanecerão reprovados e odiados por Deus, ou
serão justificados. Afinal, por que — perguntamos mais — o próprio
Juiz declara publicamente que: “aquele que não nascer de novo,
não poderá ver o reino de Deus” (Jo 3:3)?
Além disso, para silenciar essa classe de objetores, Deus deu —
no caso de João Batista, a quem ele santificou no ventre de sua
mãe (Lc 1:15) — uma demonstração do que Ele poderia fazer em
outros. Eles não ganham nada com a queixa a que recorrem aqui, a
saber, que isso fora feito apenas uma vez e, portanto, não se pode
imediatamente concluir que o Senhor sempre aja assim com
crianças. Não é esse o modo pelo qual raciocinamos. O nosso único
objetivo é mostrar que eles injustamente e malignamente confinam o
poder de Deus dentro de limites nos quais Ele não pode ser
confinado!
O pouco peso desse argumento é devido também a outra
astúcia. Eles alegam que, pela fraseologia usual das Escrituras,
“desde o ventre” tem o mesmo significado que “desde a infância”.
Mas é fácil ver que o anjo tinha um significado diferente quando
anunciou a Zacarias que a criança ainda não nascida fora enchida
com o Espírito Santo. Em vez de tentarmos dar uma ordem a Deus,
vamos entender que Ele santifica — da maneira que santificou a
João — a quem lhe aprouver, visto que o seu poder não é limitado.
18. E, de fato, Cristo fora santificado desde a mais tenra infância,
para que pudesse santificar seus os eleitos em si mesmo em
qualquer idade, sem distinção. Pois Ele, eliminando a culpa da
desobediência que havia sido cometida na nossa carne, encarnou-
se para que pudesse, nessa condição — por nossa conta e em
nosso lugar —, executar uma perfeita obediência. Assim, Cristo fora
concebido pelo Espírito Santo, que permeava completamente sua
santidade na carne. Ele a assumiu, para que pudesse transfundir
essa santidade em nós. Se em Cristo há um padrão perfeito de toda
a graça — que Deus derrama a todos os seus filhos —, nesse caso,
temos uma prova de que a idade da infância não é incapaz de
receber a santificação. Isto, pelo menos, estabelecemos como
incontestável: que nenhum dos eleitos é chamado para longe da
vida atual sem ser previamente santificado e regenerado pelo
Espírito de Deus.
Quanto à objeção deles de que, nas Escrituras, o Espírito não
reconhece nenhuma santificação, exceto a que vem da semente
incorruptível, ou seja, da Palavra de Deus; [entendemos que] eles
interpretam erroneamente as palavras de Pedro, nas quais ele
aborda apenas os crentes que haviam sido ensinados pela
pregação do evangelho (1Pe 1:23). Com efeito, confessamos que a
Palavra do Senhor é a única semente da regeneração espiritual;
mas negamos a inferência de que, por conseguinte, o poder de
Deus não pode regenerar bebês. Isso é tão possível e fácil para Ele,
assim como é maravilhoso e incompreensível para nós. É perigoso
negar que o Senhor é capaz de fornecê-los com o conhecimento de
si mesmo da maneira que Ele desejar.
19. Mas a fé — dizem eles — vem pela audição, cujo uso, por
parte dos bebês, ainda não está apto a conhecer a Deus; como
Moisés declara, eles estão sem o conhecimento do bem e do mal
(Dt 1:39). Mas eles não observam que, onde o apóstolo faz do ouvir
o início da fé, ele está apenas descrevendo a economia e a
dispensação comuns que o Senhor costuma empregar ao chamar o
seu povo, e não estabelecendo uma regra invariável pela qual
nenhum outro método pode substituí-la.
A muitos Ele certamente chamou e dotou do verdadeiro
conhecimento de si mesmo por meios internos, pela iluminação do
Espírito, sem a intervenção da pregação. Mas, como eles
consideram muito absurdo atribuir qualquer conhecimento de Deus
a bebês, a quem Moisés anula o conhecimento do bem e do mal,
digam-me onde está o perigo se lhes for dito que agora recebem
parte dessa graça que eles terão em medida completa logo depois.
Pois, se a plenitude da vida consiste no perfeito conhecimento de
Deus e uma vez que alguns daqueles a quem a morte precipita nos
primeiros momentos da infância passam para a vida eterna,
certamente eles são admitidos a contemplar a presença imediata de
Deus. A respeito desses bebês, portanto, a quem o Senhor
iluminará com o brilho total de sua luz, pergunto: por que Ele, se
assim desejar, não irradia atualmente um pequeno raio,
especialmente se Ele não lhes remove a ignorância antes de libertá-
los da prisão da carne? Eu não digo precipitadamente que eles são
dotados da mesma fé que experimentamos, ou que possuem algum
conhecimento que se assemelhe a essa fé (prefiro deixar isso como
algo indefinido); mas refreio um pouco a arrogância obstinada
daqueles homens que com bochechas infladas afirmam ou negam o
que lhes convêm.
20. A fim de ganharem uma posição mais forte aqui, eles
acrescentam que o batismo é um sacramento de penitência e fé.
Como nenhum deles é aplicável à tenra infância, devemos tomar
cuidado para não tornar o seu significado vazio e vaidoso, admitindo
bebês à comunhão do batismo. Mas esses dardos são dirigidos
mais contra Deus do que contra nós; já que o fato de que a
circuncisão era um sinal de arrependimento é completamente
estabelecido por muitas passagens das Escrituras (Jr 4:4). Não é
por acaso que Paulo chama a circuncisão de selo da justiça da fé
(Rm 4:11).
Que Deus, então, seja questionado por que Ele ordenou que a
circuncisão fosse realizada nos bebês. Estando o batismo e a
circuncisão unidos como sacramentos, eles não podem acusar de
nada ao segundo sem afetar ao primeiro. Se eles recorrem à sua
evasão habitual de considerar os bebês como figuras de realidades
espirituais, já fechamos esse meio de fuga contra eles. Dizemos
então que, como Deus concedeu a circuncisão, o sinal de
arrependimento e fé, aos bebês, não deveria parecer absurdo que
eles agora sejam feitos participantes do batismo, a menos que os
homens sejam contra uma instituição de Deus. Mas, como em todos
os seus atos, aqui também brilha bastante sabedoria e retidão para
reprimir as calúnias dos ímpios. Pois, embora os bebês, no
momento em que foram circuncidados, não compreendessem o
significado do sinal, ainda assim eram verdadeiramente
circuncidados para a mortificação de sua natureza corrupta e
poluída; uma mortificação pela qual aspiravam depois quando
adultos. Em suma, a objeção é facilmente descartada pelo fato de
que as crianças são batizadas para um futuro arrependimento e fé.
Embora essas coisas ainda não estejam formadas neles, a semente
de ambas está oculta pela operação secreta do Espírito. Essa
resposta derruba imediatamente todas as objeções que são
distorcidas contra nós a partir do significado do batismo nas
Escrituras; o apóstolo Paulo, por exemplo, distingue o batismo
quando o chama de a “lavagem da regeneração e da renovação” (Tt
3:5). Se eles argumentam que o batismo não deve ser dado a
ninguém, senão àqueles que são capazes de tais sensações; nós,
por outro lado, podemos contestar que a circuncisão, símbolo da
regeneração, fora realizada tão somente nos regenerados. Se
fizermos conforme os nossos opositores, condenaremos uma
instituição divina.
Assim, como já sugerimos, todos os argumentos que tendem a
abalar a circuncisão não têm força para atacar o batismo. Tampouco
podem falaciar dizendo que tudo o que repousa sobre a autoridade
de Deus é absolutamente fixo. Não há razão para isso, porque essa
reverência não se deve ao pedobatismo nem a outras coisas
semelhantes que não nos são recomendadas pela Palavra expressa
de Deus. Eles sempre permanecem presos nesse dilema. O
mandamento de Deus para circuncidar os bebês era legítimo e
isento de censura; não merecia repreensão. Se não havia nada
incompetente ou absurdo naquilo, logo nenhum absurdo pode ser
demonstrado na observância do pedobatismo.
21. Descartamos a acusação de absurdo com a qual eles tentam
estigmatizar o pedobatismo. Se aqueles a quem o Senhor concedeu
a sua eleição, depois de receber o sinal de regeneração,
abandonam esta vida antes de se tornarem adultos; Ele, pela
incompreensível força do seu Espírito, renova-os da maneira que
somente Ele considera conveniente. Caso atinjam uma idade em
que possam ser instruídos sobre o significado do batismo, eles
serão estimulados a um maior zelo pela regeneração, cujo distintivo
aprenderão que receberam desde a infância, podendo, inclusive,
aspirarem à renovação durante as suas vida inteiras.
Para o mesmo efeito são as duas passagens nas quais Paulo
ensina que somos sepultados com Cristo pelo batismo (Rm 6:4; Cl
2:12). Pois, com isso, ele não quer dizer que aquele que deve ser
batizado deve ter sido previamente sepultado com Cristo. Ele
simplesmente declara a doutrina que é ensinada pelo batismo; e ele
faz isso para os que já foram batizados; para que os mais
insensatos não venham a sustentar que nessa passagem o
sepultamento deveria preceder o batismo. Dessa maneira, Moisés e
os profetas lembraram ao povo do significado da circuncisão que os
bebês recebiam.
Para o mesmo efeito, Paulo diz aos gálatas: “Porque todos
quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo” (Gl
3:27). Por quê? Para que depois eles pudessem viver para Cristo,
para quem anteriormente não haviam vivido. E embora, em adultos,
o recebimento do selo deva seguir a compreensão de seu
significado, mesmo assim — como será explicado em breve — uma
regra diferente deve ser seguida com as crianças. Nenhuma outra
conclusão pode ser retirada de uma passagem em I Pedro, na qual
eles se confundem. O apóstolo diz que o batismo “não é o
despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma
boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo”
(1Pe 3:21). A partir disso, eles afirmam que nada resta para o
pedobatismo; que se torna mera fumaça vazia, por ele está em total
desacordo com o significado do batismo. Mas a ilusão que os
engana é que eles sempre teriam a possibilidade de preceder o
sinal na ordem do tempo. Pois a verdade da circuncisão consistia na
mesma resposta de uma boa consciência; mas se a verdade tivesse
necessariamente precedido, os bebês nunca teriam sido
circuncidados pelo mandamento de Deus. Do contrário, Ele mesmo,
mostrando que a resposta de uma boa consciência forma a verdade
da circuncisão e, ao mesmo tempo, ordenando que os bebês sejam
circuncidados, declara claramente que, no caso deles, a circuncisão
tinha referência ao futuro. Portanto, nada mais de efeito imediato
deve ser exigido no pedobatismo, a não ser o confirmar e sancionar
o pacto que o Senhor fez com eles. A outra parte do significado do
sacramento seguirá no momento que o próprio Deus providenciar.
22. É claramente perceptível a qualquer pessoa — penso eu —
que todos os argumentos desses tipos são meras perversões das
Escrituras. Os outros argumentos remanescentes semelhantes a
esses serão examinados brevemente. Eles objetam que o batismo é
dado para a remissão dos pecados. Quando isso é concedido,
temos, na verdade, um forte apoio à nossa visão; pois vendo que
nascemos pecadores, precisamos de perdão e misericórdia desde o
próprio ventre. Além disso, uma vez que Deus não exclui da infância
a esperança pela misericórdia, mas antes a assegura, por que
devemos privá-la do sinal, que é muito inferior à realidade? A flecha,
portanto, que eles apontam para nós, lançamo-la sobre eles
mesmos. Os bebês recebem perdão dos pecados, portanto eles não
devem ser privados do sinal.
Eles apresentam a passagem de Efésios em que se diz que
Cristo se entregou pela igreja — “Para a santificar, purificando-a
com a lavagem da água, pela palavra” (Ef 5:26). Nada poderia ser
citado mais apropriado do que isso para derrubar o seu erro e nos
fornecer rapidamente um contra-argumento. Se, pelo batismo, Cristo
pretende atestar a ablução pela qual Ele purifica sua Igreja, não
seria justo negar esse atestado a bebês, que são justamente
considerados parte da Igreja, pois são chamados herdeiros do reino
celestial. Paulo aborda toda a Igreja, quando diz que ela foi
purificada pela lavagem da água. De maneira semelhante, em outro
lugar, ele expressa que pelo batismo somos enxertados no corpo de
Cristo (1Co 12:13). Nós deduzimos que os bebês — que ele
enumera entre seus membros — devem ser batizados, para que
não sejam separados do seu corpo. Veja a iniciativa violenta que
eles fazem com todas as suas artimanhas nos baluartes da nossa
fé.
23. Eles também se referem ao costume e a prática da era
apostólica, alegando que não há nenhum caso de alguém ter sido
admitido no batismo sem uma profissão anterior de fé e
arrependimento. Pois, quando Pedro é perguntado por seus
ouvintes, que foram atingidos em seus corações, a respeito do que
eles deveriam fazer, o seu conselho é: “Arrependei-vos, e cada um
de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos
pecados” (At 2:37-38). Da mesma maneira, quando Filipe foi
abordado pelo eunuco, a fim de ser batizado, ele respondeu: “É
lícito, se crês de todo o coração” (At 8:37). Por isso, eles entendem
que o batismo não pode ser legalmente concedido a alguém sem fé
e arrependimento anteriormente. Se cedermos a esse argumento, a
primeira passagem — na qual não há menção à fé — provará que
apenas o arrependimento é suficiente, e a segunda — que não
exige arrependimento —, que só é necessário ter fé.
Objetarão — presumo — que uma passagem ajuda a outra e
que ambas, portanto, devem ser conectadas. Eu, contudo, sustento
que essas duas partes devem ser comparadas com outras que
contribuem um pouco para a solução dessa dificuldade. Existem
muitas passagens cujo significado depende de sua posição
particular. Disso temos um exemplo para esse caso. Aqueles a
quem essas coisas são ditas por Pedro e Filipe têm idades
apropriadas para almejarem o arrependimento e receberem a fé.
Nós insistimos arduamente que tais homens não devem ser
batizados, a menos que sua a conversão e fé sejam discernidas,
pelo menos na medida em que o julgamento humano possa
determinar isso.
Mas é perfeitamente claro que os bebês devem ser colocados
em uma classe diferente. Pois quando alguém anteriormente se
juntava à comunhão religiosa de Israel, ele se comportava para ser
ensinado sobre a aliança e instruído na lei do Senhor, antes de
receber a circuncisão, porque era de uma nação diferente; em
outras palavras, era um estrangeiro no povo com quem a aliança,
que a circuncisão sancionava, havia sido feita.
24. Assim, o Senhor, quando escolheu Abraão para si, não lhe
outorgou imediatamente a circuncisão — Ele lhe ocultou o que
demonstraria com esse sinal —, mas primeiro anunciou que
pretendia fazer um pacto com ele. E, depois de sua fé na promessa,
tornou-o participante do sacramento. Por que o sacramento veio
depois da fé em Abraão e precedeu toda a inteligência em seu filho
Isaque? É certo que aquele que, na idade adulta, é admitido na
comunhão de uma aliança por alguém de quem, até então, fora
alienado, deve aprender previamente as suas condições; mas não é
assim com o bebê nascido dele. Ele, de acordo com os termos da
promessa, é incluído na promessa por direito hereditário desde o
ventre de sua mãe. Ou, para declarar o assunto de maneira mais
breve e clara: se os filhos dos crentes, sem a ajuda do
entendimento, são participantes da aliança, não há razão para que
lhes seja negado o sinal, porque são incapazes de jurar pelas suas
estipulações.
Essa é, sem dúvida, a razão pela qual o Senhor, às vezes,
declara que os filhos nascidos dos israelitas são gerados e
nasceram para Ele (Ez 16:20; 23:37). Pois, sem dúvida, Ele dá o
lugar de filhos aos filhos daqueles de cuja semente Ele prometeu
que será Pai. Mas o filho descendente de pais incrédulos é
considerado um estranho à aliança até que esteja unido a Deus pela
fé. Portanto, não é estranho que o sinal seja retido quando a coisa
significada é vã e falaciosa. Nessa perspectiva, Paulo diz que os
gentios mergulhados na idolatria eram estranhos aos pactos (Ef
2:11).
Toda a questão pode, se não me engano, ser assim breve e
claramente explicada: aqueles que, na idade adulta, abraçam a fé
de Cristo — que até então eram estranhos à aliança — não devem
receber o sinal de batismo sem fé e arrependimento prévios.
Somente essas graças podem dar-lhes acesso à comunhão da
aliança. Quanto aos filhos vindo de cristãos, por serem
imediatamente recebidos por Deus como herdeiros da aliança, eles
também devem ser admitidos no batismo. Para isso, devemos nos
reportar à narrativa do evangelista — de que aqueles que foram
batizados por João, confessaram os seus pecados (Mt 3:6).
Sustentamos que esse exemplo deve ser observado nos dias atuais.
Se um mulçumano se oferecesse ao batismo, não realizaríamos
imediatamente o ritual sem recebermos uma confissão que fosse
satisfatória para a Igreja.
25. Outra passagem que eles aduzem é do terceiro capítulo de
João, onde as palavras de nosso Salvador parecem sugerir que
uma regeneração imediata é necessária no batismo: “Na verdade,
na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do
Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3:5). Veja — eles
questionam — como o batismo é denominado regeneração pelos
lábios do próprio Senhor. Sob qual pretexto, então, ou com que
consistência o batismo é dado àqueles que obviamente não são
capazes de ter a regeneração?
Primeiro, eles estão errados ao imaginar que haja alguma
menção do batismo nessa passagem apenas porque a palavra
“água” é usada. Nicodemos, nesse contexto — mesmo depois que o
nosso Salvador já lhe explicara a corrupção da natureza e a
necessidade de nascer de novo —, continuou sonhando com um
nascimento corporal. À vista disso, o nosso Salvador explana o
modo pelo qual Deus regenera, a saber, pela água e pelo Espírito;
em outras palavras, pelo Espírito que, ao irrigar e purificar a alma
dos crentes, opera à maneira da água. Por “água e o Espírito”,
portanto, eu simplesmente entendo o Espírito, que é a água. A
expressão também não é nova. Está perfeitamente de acordo com o
que é usado no terceiro capítulo de Mateus: “aquele que vem após
mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de
levar; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo” (Mt 3:11).
Portanto, assim como batizar com o Espírito Santo e com fogo é
conferir o Espírito Santo, que, na regeneração, tem o ofício e a
natureza do fogo, assim também é o novo nascimento da água e do
Espírito. Isso nada mais é do que receber esse poder do Espírito,
que tem o mesmo efeito na alma que a água tem no corpo.
Sei que uma interpretação diferente é dada, mas não tenho
dúvida de que esse é o significado genuíno; porque o único objetivo
do nosso Salvador era ensinar que todos os que aspiram ao reino
dos céus devem deixar de lado a sua própria vontade. Por mais que
estivéssemos dispostos a imitar esses homens em seu modo de
perversão, podemos facilmente — depois de conceder o que eles
desejam — responder a eles que o batismo é anterior à fé e ao
arrependimento, uma vez que, nessa passagem, nosso Salvador
menciona-o antes do Espírito. Isso certamente deve ser entendido
dos dons espirituais. Se eles vêm depois do batismo, eu ganho todo
o argumento. Mas, deixando de lado esse assunto, a simples
interpretação a ser adotada é a que eu dei, a saber, que ninguém,
até ser renovado pela água viva — isto é — pelo Espírito, pode
entrar no reino de Deus.
26. Além disso, isso explode claramente a ficção daqueles que
enviam todos os não-batizados à morte eterna. Suponhamos, então,
que, como eles insistem, o batismo seja administrado apenas a
adultos. O que eles farão com um jovem que, depois de receber os
rudimentos da piedade de maneira adequada e apropriada,
enquanto esperava pelo dia do batismo, é inesperadamente levado
pela morte súbita? A promessa de nosso Senhor é clara: “Na
verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê
naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em
condenação, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24).
Minha postura não deve ser interpretada como insinuação de
que o batismo pode ser condenado impunemente. Longe de
desculpar esse desprezo, sustento que isso viola a aliança do
Senhor. A passagem serve apenas para mostrar que não devemos
considerar o batismo tão necessário a ponto de supor que todo
aquele que perdeu a oportunidade de obtê-lo pereceu eternamente.
Se concordarmos com essa ficção, devemos condenar a todos, sem
exceção, a quem qualquer acidente possa ter impedido de obter o
batismo, não importando o quanto eles possam ter sido dotados da
fé pela qual o próprio Cristo é possuído. Além disso, como o batismo
é necessário — como eles sustentam — para a salvação, eles,
negando-o aos bebês, os enviam à morte eterna.
Vamos, agora, considerar que tipo de acordo eles têm com as
palavras de Cristo, que diz que “dos tais é o reino dos céus” (Mt
19:14). Embora devêssemos conceder tudo a eles, em relação ao
significado dessa passagem, eles não extrairão nada dela, até que
tenham derrubado previamente a doutrina que já estabelecemos a
respeito da regeneração de bebês.
27. Eles ainda se gabam de ter seu fundamento mais forte na
própria instituição do batismo que encontram no último capítulo de
Mateus, onde Cristo, enviando seus discípulos por todo o mundo,
lhes ordena que ensinem e depois batizem. Posteriormente, no
último capítulo de Marcos, é adicionado: “Quem crer e for batizado
será salvo” (Mc 16:16). O que mais — dizem eles —
argumentaremos, uma vez que as palavras de Cristo declaram
claramente, atribuindo ao batismo o lugar posterior à fé, que o
ensino deve preceder o batismo?
Desse arranjo, nosso próprio Senhor nos deu um exemplo ao
escolher não ser batizado até o seu trigésimo ano. De quantas
maneiras eles se envolvem nessa passagem e revelam a sua
ignorância! Eles erram mais do que infantilmente nisso, quando
derivam a primeira instituição do batismo dessa passagem;
enquanto Cristo, desde o início de seu ministério, ordenou que fosse
administrado pelos apóstolos.
Portanto, não há fundamento para argumentar que a lei do
batismo deva ser buscada nessas duas passagens, como contendo
a primeira instituição. Mas, para satisfazê-los em seu erro, quão
sem nexo é esse modo de argumento? Se eu estivesse disposto a
fugir, eu não só tenho um lugar de fuga, mas um campo amplo para
correr. Eles se colocam agarrados tão desesperadamente à ordem
das palavras, insistindo que se deve pregar antes de batizar e crer
antes de ser batizado; porque fora dito: “Vá, pregue e batize” e
“Quem crê é batizado”. Por que não podemos, por nossa vez,
batizar antes de ensinar a observância das coisas que Cristo
comandou? Porque fora dito: “batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas
que eu vos tenho mandado” (Mt 28:19-20). Trata-se da mesma
questão que observamos na outra passagem que Cristo fala da
regeneração da água e do Espírito. Pois, se interpretarmos como
eles insistem, o batismo deve ter precedência na regeneração
espiritual; ele é mencionado primeiro. Cristo ensina que devemos
nascer de novo, não do Espírito e da água, mas da água e do
Espírito.
28. Esse argumento inatacável, no qual eles confiam tanto,
parece já estar consideravelmente abalado; mas, como temos
proteção suficiente na simplicidade da verdade, não estou disposto
a fugir do assunto por meio de sutilezas insignificantes. Portanto,
deixemos que eles tenham uma resposta sólida. A ordem aqui dada
por Cristo refere-se principalmente à pregação do evangelho — a
ele o batismo é adicionado como uma espécie de apêndice. Em
seguida, Cristo apenas fala do batismo, na medida em que a
dispensação dele é subordinada à encenação do ensino apostólico.
Cristo envia seus discípulos para clamar o evangelho em todas as
nações do mundo, a fim de que, pela doutrina da salvação, eles
possam reunir homens que antes estavam perdidos em seu reino.
Mas quem ou o que são esses homens? É claro que a menção é
feita apenas àqueles que estão aptos a receber sua doutrina. Ele
afirma que, depois de serem ensinados, deveriam ser batizados,
acrescentando a promessa: “Quem crer e for batizado será salvo”.
Existe uma sílaba sobre bebês em todo o discurso? Qual é, então, a
forma de argumento com a qual eles nos atacam? Aqueles que são
maiores de idade devem ser instruídos e trazidos à fé antes de
serem batizados e, portanto, é ilegal tornar o batismo comum aos
bebês. Eles não podem, no máximo, provar qualquer outra coisa
fora dessa passagem, a não ser que o evangelho deve ser pregado
àqueles que são capazes de ouvi-lo antes de serem batizados; pois
é apenas sobre eles que a passagem fala. A partir disso, deixemos
que eles, se puderem, joguem um obstáculo no caminho do batismo
infantil.
29. Mas farei as suas falácias palpáveis até para os cegos, por
uma semelhança muito clara. Se alguém insistir em que os bebês
devam ser privados de comida, sob o pretexto de que o apóstolo
não permite que ninguém coma, a não ser aqueles que trabalham
(2Ts 3:10), isso não deve ser observado por todos? Por quê?
Porque aquilo que foi dito sobre uma certa classe de homens em
uma certa idade é por eles distorcido e aplicado a todos
indiferentemente. A destreza desses homens, nesse caso, não é
pouca. Aquilo que cada um considera destinado apenas à idade
adulta aplica-se a bebês, sujeitando-os a uma regra que foi
estabelecida apenas para os de idade mais madura.
No que diz respeito ao exemplo de nosso Salvador, ele não
respalda o caso deles. Ele não foi batizado antes dos trinta anos.
Isso é verdade, e a razão é óbvia: porque Ele decidiu estabelecer o
sólido fundamento do batismo por sua pregação, ou melhor,
confirmar o fundamento que João havia estabelecido anteriormente.
Por isso, quando Ele ficou satisfeito com sua doutrina para instituir o
batismo, a fim de dar maior autoridade à sua instituição, Ele a
santificou em sua própria pessoa; assim o fez no momento mais
conveniente, ou seja, no início do seu ministério.
Em suma, eles podem provar nada mais do que o fato que o
batismo recebeu sua origem ou início com a pregação do
evangelho. Mas se eles se contentam em fixar o trigésimo ano, por
que não o observam, ao invés de admitirem qualquer um ao batismo
de acordo com a visão de sua profissão de fé? Nem mesmo
Servetus, um de seus mestres, embora insistisse pertinentemente
nesse período, começou a agir como profeta em seu vigésimo
primeiro ano; como se alguém pudesse ser tolerado por arrogar o
cargo de professor na Igreja antes de ser membro da Igreja.
30. Por fim, objetam que não há maior razão para admitir
crianças ao batismo do que à Ceia do Senhor, na qual, no entanto,
nunca foram admitidas — como se as Escrituras não fizessem, de
todo modo, uma grande distinção entre os dois sacramentos. Na
igreja primitiva, de fato, a Ceia do Senhor era frequentemente dada
a crianças, como aparece nos escritos de Cipriano e Agostinho
(agosto. ad Bonif. Lib. 1), mas a prática tornou-se justamente
obsoleta. Pois, se atendermos à natureza peculiar do batismo, ele é
uma espécie de entrada — como se fosse a iniciação na Igreja —
pela qual somos classificados entre o povo de Deus. É um sinal de
nossa regeneração espiritual, pela qual nascemos de novo para
sermos filhos de Deus. Ao passo que, ao contrário, a Ceia é
destinada àqueles em idade mais madura que, tendo passado o
período tenro da infância, estão aptos a digerir alimentos sólidos.
Essa distinção é muito claramente apontada nas Escrituras. Pois
lá, no que diz respeito ao batismo, o Senhor não faz nenhuma
seleção de idade; em contrapartida, Ele não admite todos na
participação da Ceia, mas a limita àqueles que estão aptos a
discernir o corpo e o sangue do Senhor, para que eles examinem a
sua própria consciência, meditando na morte do Senhor e
entendendo o seu poder. Podemos desejar algo mais claro do que o
que o apóstolo disse na seguinte exortação: “Examine-se, pois, o
homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice”
(1Co 11:28)? O exame, portanto, deve preceder a Ceia, e é vão
esperar isso dos bebês. Antes é dito: “qualquer que comer este pão,
ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e
do sangue do Senhor” (1Co 11:27). Se alguns não podem participar
da Ceia sem serem capazes de discernir a santidade do corpo do
Senhor, por que devemos estender o mesmo veneno para os
nossos filhos pequenos, em vez de os vivificarmos com alimentos
saldáveis?
Qual é a injunção de nosso Senhor? “…fazei isto em memória de
mim.” E qual a inferência que o apóstolo tira disso? “Porque todas
as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a
morte do Senhor, até que venha” (1Co 11:26). Como podemos exigir
que os bebês comemorem qualquer evento do qual eles não têm
compreensão? Como exigir que eles “entendam a morte do Senhor”,
sua natureza e benefícios dos quais eles não têm ideia?
Nada do tipo é prescrito para o batismo. Portanto, há grande
diferença entre os dois sinais. Isso também observamos em sinais
semelhantes sob a antiga dispensação. A circuncisão — que, como
é bem conhecida, corresponde ao nosso batismo — destinava-se
aos bebês; mas a Páscoa, pela qual a Ceia é substituída, não
admitiu todos os tipos de convidados de forma indiferente, antes
fora devidamente comida apenas por aqueles que tinham idade
suficiente para perguntar o significado dela (Êx 12:26). Se esses
homens tivessem a menor partícula de solidez em seu cérebro, eles
estariam assim cegos quanto a um assunto tão claro e óbvio?
31. Embora eu não esteja disposto a incomodar o leitor com a
série conceitual de Servetus — que não era o menor entre os
anabatistas nem a grande honra dessa equipe —, valerá a pena
citá-los e descartá-los brevemente, já que ele, ao se preparar para a
batalha, os aduziu, considerando os argumentos dos nossos
opositores como ilusórios. Ele sugere que como os símbolos de
Cristo são perfeitos, eles requerem pessoas perfeitas, ou, pelo
menos, capazes de perfeição.
Mas a resposta é clara. A perfeição do batismo, que se estende
até a morte, é indevidamente restrita a um momento do tempo; além
disso, a perfeição — que o batismo nos convida a progredir
continuamente durante a vida — é por ele exigida tolamente, de
uma só vez. Ele objeta que os símbolos de Cristo foram designados
para lembrança, para que cada um lembre-se de que foi sepultado
junto com Cristo. Eu respondo que o que ele retirou de seu próprio
cérebro não precisa de refutação. O que ele transfere para o
batismo pertence apropriadamente à Ceia, como aparece nas
palavras de Paulo: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”. Não
há, em nenhum lugar, palavras semelhantes às que são usadas com
referência ao batismo. Por essa razão, deduzimos que são
devidamente batizados aqueles que também são novos de idade e
incapazes de examinarem-se.
Seu terceiro ponto é que todos os que não creem no Filho
permanecem na morte, a ira de Deus permanece sobre eles (Jo
3:36); e, portanto, os bebês que são incapazes de acreditar estão
sob condenação. Eu respondo que Cristo não fala, nesse texto, da
culpa geral em que está envolvida toda a posteridade de Adão, mas
apenas ameaça os desprezadores do evangelho, que orgulhosa e
continuamente rejeitam a graça que lhes é oferecida. Isso não tem
nada a ver com bebês.
Ao mesmo tempo, eu vou contra ele com o argumento oposto.
Todo aquele que Cristo abençoa está isento da maldição de Adão e
da ira de Deus. Portanto, visto que é certo que os bebês são
abençoados por ele, segue-se que eles são libertos da morte. Em
seguida, ele cita falsamente uma passagem que não é encontrada
em lugar algum: quem nasce do Espírito, ouve a voz do Espírito.
Embora devamos admitir que tal passagem ocorra nas Escrituras,
tudo o que ele pode extrair é que os crentes, conforme o Espírito faz
a sua obra neles, são moldados à obediência. Mas o que é dito
sobre um certo número de pessoas é ilógico aplicar a todos
igualmente.
Sua quarta objeção é que assim como o que precede é natural
(1Co 15:46), devemos esperar o tempo certo pelo batismo, que é
algo espiritual. Embora eu admita que toda a posteridade de Adão,
nascida da carne, carrega consigo a condenação desde o ventre,
sustento que isso não é obstáculo à aplicação imediata do remédio
divino. Servetus não pode mostrar que, por designação divina,
vários anos devem decorrer antes que a nova vida espiritual
comece. O testemunho de Paulo é que, embora perdidos pela
natureza, os filhos dos crentes são santos pela graça sobrenatural
(1Co 7:14).
Posteriormente, Servetus apresenta a alegoria de que Davi, ao
subir ao monte Sião, não levou consigo cegos nem coxos, mas
soldados vigorosos (2Sm 5:8). E se eu contrapuser isso com a
parábola em que Deus convida, para a festa celestial, coxos e
cegos? De qual maneira Servetus desembaraçará esse nó? Eu me
pergunto, além disso, se o coxo e o aleijado não haviam servido
anteriormente com Davi. Mas é bobagem insistir em refutar esse
argumento que, como o leitor aprenderá com a história sagrada, se
baseia em meras citações feitas de forma errada.
Ele acrescenta outra alegoria, a saber, que os apóstolos eram
pescadores de homens, e não de crianças. Pergunto, então, o que
nosso Salvador quis dizer quando disse que na rede são pescados
todos os tipos de peixes (Mt 4:19; 13:47)? Mas, como não tenho
prazer em brincar com alegorias, respondo que, quando o ofício de
ensino estava comprometido com os apóstolos, eles não foram
proibidos de batizar crianças. Além disso, gostaria de saber o
porquê de o evangelista usar o termo anthropous (que compreende
toda a raça humana sem exceção), se ele nega que os bebês sejam
incluídos.
O sétimo argumento usado por Servetus é que uma vez que as
coisas espirituais estão de acordo com as palavras espirituais (1Co
2:13), os bebês, não sendo espirituais, são impróprios para o
batismo. É claro o quão perversamente ele distorce essa passagem
de Paulo. Ela está relacionada à doutrina. Os coríntios, dedicando-
se excessivamente a uma vaidade aguda, encontram Paulo
repreendendo a loucura deles; porque ainda precisam ser instruídos
nos primeiros rudimentos da doutrina celestial. Quem pode inferir, a
partir disso, que o batismo deve ser negado aos bebês que,
conquanto gerados pela carne, o Senhor os consagra para si
mesmo por adoção gratuita?
Sua objeção de que, se são homens novos, devem ser
alimentados com alimento espiritual, é facilmente evitada. Pelo
batismo, eles são admitidos no rebanho de Cristo; e o símbolo da
adoção é suficiente para eles, até que cresçam e se tornem aptos a
digerir alimentos sólidos. Devemos, portanto, esperar o tempo de
autoexame que Deus exige distintamente na Santa Ceia.
Sua próxima objeção é que Cristo convida todo o seu povo para
a Ceia Sagrada. Mas, como é óbvio que Ele admite apenas aqueles
que estão preparados para celebrar a comemoração da sua morte,
segue-se que os bebês, que Ele honrou com seu abraço,
permanecem em uma posição distinta e peculiar até crescerem;
porém não permanecem como estranhos a Ele. Quando ele objeta
que é estranho o motivo pelo qual a criança não participa da Ceia,
eu respondo que as almas são alimentadas por outros alimentos
além da alimentação externa da Ceia e que, consequentemente,
Cristo é o alimento das crianças; embora elas não participem do
símbolo. O caso é diferente com o batismo, pelo qual a porta da
Igreja é aberta a eles.
Servetus, novamente, objeta que um bom chefe de família
distribui carne para sua casa no devido tempo (Mt 24:45). Isso eu
admito de bom grado; mas como ele definirá o tempo do batismo, de
modo que prove que não é oportunamente dado aos bebês? Além
disso, ele adota a ordem de Cristo aos apóstolos de se apressarem,
porque os campos já estão brancos para a colheita (Jo 4:35). Nosso
Salvador apenas quer dizer que os apóstolos, vendo o fruto atual de
seu trabalho, devem se superar com mais entusiasmo para ensinar.
Quem deduzirá disso que apenas a colheita é o momento adequado
para o batismo?
Seu décimo primeiro argumento é que, na igreja primitiva,
cristãos e discípulos eram os mesmos; mas já vimos que ele
argumenta sem habilidade do início ao fim. O nome dos discípulos é
dado aos homens de maior idade, que já haviam sido ensinados e
assumiram o nome de Cristo, assim como os judeus se
comportaram como discípulos sob a lei de Moisés. Ainda assim,
ninguém pode deduzir corretamente disso que bebês, aqueles quem
o Senhor declarou ser de sua casa, sejam estranhos a Cristo.
Além disso, ele alega que todos os cristãos são irmãos e que os
bebês não podem pertencer a essa classe, pois os excluímos da
Ceia. Volto à minha posição. Primeiro, ninguém é herdeiro do reino
dos céus, a não ser aqueles que são membros de Cristo; segundo,
o abraço de Cristo era o verdadeiro emblema da adoção, no qual os
bebês são unidos em comum com os adultos; e, por fim, a
abstinência temporária da Ceia não os impede de pertencer ao
corpo da igreja. O ladrão na cruz, quando convertido, tornou-se
irmão dos crentes, embora nunca tenha participado da Ceia do
Senhor.
Servetus acrescenta depois que nenhum homem se torna nosso
irmão, a não ser pelo Espírito de adoção, que é conferido apenas
pela audição da fé. Respondo que ele sempre volta ao mesmo
paralogismo, porque aplica absurdamente aos bebês o que é dito
apenas dos adultos. Paulo ensina que a maneira comum pela qual
Deus chama seus eleitos e os leva à fé é levantando mestres fiéis;
e, assim, estendendo a mão para eles pelo ministério e trabalho
deles. Quem presumirá disso que devemos dar a ordem a Deus e
dizer que Ele não pode enxertar crianças em Cristo por outro
método secreto?
Ele objeta que Cornélio foi batizado depois de receber o Espírito
Santo. Quão absurdamente ele converte um único exemplo em
regra geral! É evidente, no caso dos eunucos e samaritanos, em
relação a quem o Senhor deu uma ordem diferente, que o batismo
precedeu os dons do Espírito Santo.
O décimo quinto argumento de Servetus é mais do que absurdo.
Ele diz que nos tornamos deuses por regeneração; para quem a
palavra de Deus é enviada (Jo 10:35; 2Pe 1:4). Algo que não é
possível para crianças pequenas. A atribuição da divindade aos
crentes é um dos seus delírios. Este não é o lugar apropriado para
discuti-lo. Sobretudo, isso expõe o máximo de esforço da parte dele
para destruir a passagem do Salmo 82, verso 6, ao atribuí-lo um
significado estranho. Cristo diz que reis e magistrados são
chamados deuses pelo profeta, porque exercem um ofício
divinamente designado. Esse intérprete hábil transfere o que é
dirigido, por ordem especial, a certos indivíduos à doutrina do
Evangelho, de modo a exterminar os bebês da Igreja.
Mais uma vez, ele objeta que os bebês não podem ser
considerados novos homens, porque não são gerados pela palavra.
O que eu disse repetidas vezes, repito agora. Para nos regenerar, a
doutrina é uma semente incorruptível, estando nós aptos a percebê-
la. Mas, enquanto bebês, somos incapazes de ser ensinados; de
modo que Deus usa os seus próprios métodos de regeneração.
Depois, Servetus volta às suas alegorias e diz que, segundo a
lei, as ovelhas e as cabras não eram oferecidas em sacrifício no
momento em que nasciam (Êx 12:5). Se eu estivesse disposto a
negociar com figuras, obviamente, eu poderia responder — em
primeiro lugar — que todos os primogênitos, ao “abrir a madre”,
eram sagrados ao Senhor (Êx 13:12). Em segundo lugar, um
cordeiro de um ano de idade deveria ser sacrificado. Então, segue-
se que não era necessário esperar a maturidade, pois os filhos
jovens e tenros eram selecionados por Deus para serem
sacrificadas.
Além disso, ele afirma que ninguém poderia vir a Cristo, a não
ser aqueles que foram previamente preparados por João; como se o
ministério de João não tivesse sido temporário. Mas deixemos isso
de lado, porque certamente não houve tal preparação nos filhos que
Cristo tomou em seus braços e abençoou. Portanto, descartamos
rapidamente o seu falso ensino.
Por fim, ele pede a assistência de Trismegisto e os Sibilas, para
provar que as purificações sagradas são adequadas apenas para
adultos. Veja quão honrosamente ele pensa sobre o batismo cristão,
quando o julga pelos ritos profanos dos gentios, chegando ao ponto
de não o administrar, exceto da maneira agradável a Trismegisto.
Confiamos mais na autoridade de Deus que julgou apropriado
consagrar os bebês a si mesmo e os preparou por um símbolo
sagrado, cujo significado eles são incapazes de compreender na
sua idade de nascimento. Não achamos lícito o pegar emprestado
das expiações gentílicas a fim de mudar, em nosso batismo, a lei
eterna e inviolável que Deus promulgou na circuncisão.
Seu último argumento é que se os bebês, sem entendimento,
podem ser batizados, o batismo pode ser imitado e administrado
com brincadeira por meninos. Aqui, deixemo-lo argumentar com
Deus, por cujo comando a circuncisão era comum aos bebês antes
que eles recebessem entendimento. A circuncisão foi, então, uma
questão adequada para o ridículo, ou uma brincadeira infantil? Mas
não me admira que esses espíritos reprovados, como se estivessem
sob a influência da loucura, introduzam os mais grosseiros absurdos
em defesa de seus erros; porque Deus, por esse espírito louco,
castiga justamente o seu orgulho e obstinação. Espero ter tornado
claro como Servetus tem apoiado fracamente seus amigos
anabatistas.
32. Presumo que nenhum homem sadio possa duvidar de quão
impulsivamente a igreja é perturbada por aqueles que provocam
brigas e distúrbios por causa do pedobatismo. É importante
observar o que Satanás quer dizer com todo esse ofício, a saber,
roubar-nos a benção singular da confiança e da alegria espiritual,
prejudicando-a e retirando dela a glória da bondade divina. Pois
quão doce é para as mentes piedosas serem asseguradas não
apenas por palavras, mas também por demonstrações visíveis, de
que os bebês têm tanto favor do Pai celestial; que Ele se interessa
pela posteridade da sua igreja! Aqui podemos ver como Ele age
conosco: como o Pai mais cuidadoso, não deixando de cuidar de
nós, mesmo após nossa morte, mas aconselhando e cuidando de
nossos filhos. Não deveria todo o nosso coração ser despertado
dentro de nós, como era o de Davi (Sl 48:11), para bendizer o seu
nome por essa manifestação de bondade?
Sem dúvida, o objetivo de Satanás em agredir o pedobatismo
com todas as suas forças é manter fora de vista e gradualmente
apagar a declaração da graça divina que a própria promessa
apresenta aos nossos olhos. Dessa maneira, não apenas os
homens seriam impiedosamente ingratos pela misericórdia de Deus,
como também teriam menos cuidado ao ensinar seus filhos
conforme a piedade. Pois não é um pequeno estímulo para nós
educá-los no temor de Deus e na observância de sua lei, quando
refletimos que, desde o nascimento, eles foram considerados e
reconhecidos por Ele como seus filhos. Portanto, não obscureçamos
maliciosamente a bondade de Deus, mas apresentemos a Ele os
nossos filhos, a quem Ele designou um lugar entre seus amigos e
familiares, ou seja, entre os membros da igreja.

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