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Missão holística adventista

Por Marcelo A. Coelho1

A missão da igreja adventista do Sétimo Dia é proclamar o evangelho no contexto


das três mensagens angélicas de Ap. 14, restaurando o ser humano ao seu estado original
por meio da graça de Jesus. A declaração de missão oficial da Igreja lista suas quatro
tarefas principais como sendo: pregação, ensino, cura e discipulado. E explica “cura”,
como sendo: “Afirmando os princípios bíblicos do bem-estar de toda a pessoa, fazemos
da preservação da saúde e da cura dos enfermos uma prioridade e, por meio de nosso
ministério aos pobres e oprimidos, cooperamos com o Criador em seu trabalho
compassivo de restauração”.2
Essa missão convida todos os membros a dedicar seus dons e talentos para ensinar,
curar, libertar e restaurar o ser humano caído numa obra de salvação completa, a que
podemos chamar de missão holística adventista. Mas de onde vem essa ideia?

Holístico ou (w)holístico
A missão holística adventista está baseada na compreensão bíblico-teológica que
a igreja sustenta a respeito da natureza humana. A sétima crença fundamental diz o
seguinte: “Torna-se claro que todo ser humano é uma união indivisível. Corpo, alma e
espírito funcionam em íntima cooperação, revelando um relacionamento intensamente
harmonioso entre as faculdades espirituais, mentais e físicas da pessoa. Deficiências em
uma área criarão embaraços nas outras duas. Um espírito ou mente doente, impuro, terá
efeitos deletérios sobre a saúde física ou emocional da pessoa. O inverso também é
verdade. Uma constituição física enfraquecida, doente ou sofredora, em geral, afetará a
saúde emocional ou espiritual da pessoa. O impacto que as faculdades exercem umas
sobre as outras, significa que todos os indivíduos receberam de Deus a responsabilidade
de manter essas mesmas faculdades em suas melhores condições. Proceder assim constitui
parte vital no processo de restauração da imagem do Criador na criatura.”3
A visão adventista a respeito da constituição do homem impacta diretamente sua
abordagem e missão. Entendendo que o ser humano é uma “unidade indivisível”, a
missão deve trabalhar o ser humano como um todo, e não apenas a parte espiritual. Para
entender melhor o conceito holístico adventista, é necessário entender as diferenças que
existem entre as cosmovisões existentes.
Dualismo platônico
Uma das teorias deturpadas a respeito da natureza humana que vem desde os
tempos de Jesus e ainda influencia o mundo hoje é chamada de dualismo platônico. Essa
visão compreende o ser humano como um ser divisível em corpo e alma, onde o corpo,

1 Graduado em Teologia pelo SALT-FADBA e pós-graduado em Missiologia Urbana pela FTSA-PR.


2 KRAUSE, Gary. Seeking the Shalom: Wholistic Adventist Urban Mission and Centers of Influence. Journal of
Adventist Mission Studies, Vol. 10, 2014. Disponível em
<https://digitalcommons.andrews.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1276&context=jams>
3 Nisto Cremos: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,

2008, p. 107.
que é matéria, é mau e a alma, algo imaterial, é boa. Esse entendimento refletia a
cosmovisão de Platão a respeito da origem do mundo e acabou por influenciar muitos
cristãos da igreja Primitiva. Durante o período do Novo Testamento o dualismo platônico
refletido no gnosticismo levou os cristãos a ver o corpo humano como inerentemente
pecador ou como uma “casca” irrelevante para uma alma imortal e, posteriormente, aos
extremos do libertinismo (como cristãos visitando prostitutas) e ascetismo conservador
(como o celibato e jejum obrigatórios). Paulo teve que lutar contra essas duas ideias. Da
mesma forma, por causa dessa visão negativa do corpo humano, os cristãos-gnósticos
ensinaram que Jesus só veio na forma de espírito (conhecido como docetismo). Isso levou
o apóstolo João a descrever qualquer pessoa que negasse que Jesus tinha vindo em carne
como um anticristo. 4
Crer no gnosticismo implicava ainda em rejeitar a Volta de Jesus em carne (cf. At
1:9), a ressurreição e transformação do corpo por ocasião da sua volta (cf. 1 Co 15:51), a
compreensão bíblica sobre a mortalidade da alma (cf. Gn 2:7), deturpa o conceito da
Criação (que Deus disse que era boa cf. Gn 1) transformando-a em pecado e relativizava
o cuidado do corpo como sendo trivial, já que o fim da vida, conforme esse pensamento,
é a libertação da alma imortal que está aprisionada no corpo mortal. Se a matéria é má,
por que cuidar do corpo e da saúde?
Holismo
Em contraste com o dualismo de Platão, há o conceito holístico a respeito do
homem. Holismo (holism em inglês) deriva da palavra grega holos que significa inteiro,
todo, total, integral. É a compreensão de que o todo só pode ser entendido a partir das
partes. O termo foi cunhado primeiramente por Jan Christiaan Smuts em 1927.5 Holismo
é a “crença de que a natureza dos humanos consiste em uma união, em última análise,
divisível de componentes como corpo, alma e espírito”.
É uma visão unificada a respeito da vida. No dualismo, o corpo e a alma são vistos
como constituindo a vida humana, mas são distintos e separados. Na linguagem holística,
eles são partes do todo. A morte, portanto, separa o corpo mortal e a alma imortal.6

Visão adventista
A visão do adventismo a respeito da vida desde o início do movimento não utiliza
nem o dualismo platônico nem o holismo de Smuts. O termo que aparece na literatura
adventista em inglês para descrever a natureza humana é wholistic, foneticamente igual a
holistic, porém conceitualmente diferente. “O wholismo [...] apresenta a vida humana como
feita de partes, mas nunca divisível, nem mesmo na hora da morte. Embora o ser humano
seja feito de corpo, alma e espírito, ele é inteiramente mortal.”7 A palavra com um W a

4 https://www.hopechannel.com/au/read/wholism-why-adventist-should-make-terrible-monks
5 https://www.infoescola.com/filosofia/holismo/
6 Estes são os sentimentos do nirvana no Budismo, reencarnação no Hinduísmo, adoração aos ancestrais através da

libação na religião tradicional africana, orações pelos mortos em algumas igrejas protestantes e não protestantes e o
pensamento-chave por trás da feitiçaria e filmes de terror ocidentais.
7 KESIS, R. T.. Wholistic or Holistic? Does it Matter?. AAMM, 2012, Vol. 5, pp. 63–70. Disponível em

<https://www.andrews.edu/library/car/cardigital/Periodicals/Asia_Africa_Journal_Of_Mission_And_Ministry/20
12/v.5/4.pdf>
mais em inglês tem sua raiz na palavra whole8, e mesmo não sendo amplamente usada na
literatura inglesa, é o termo preferido da literatura adventista.
A Bíblia mantém uma compreensão (w)holística da natureza humana, a morte
não separa o corpo da alma para permitir que a alma continue existindo (imortalidade da
alma). Em vez disso, a morte leva a vida inteira a um fim completo. Nenhuma função da
vida humana sobrevive à morte.
Por meio da visão (w)holística sobre a natureza do homem e o estado dos mortos,
a Igreja Adventista crê que o corpo humano foi feito à própria imagem de Deus, unificado
em uma entidade indivisível. Embora a queda tenha corrompido algumas funções, o
corpo não é intrinsecamente mau, mas sim templo do Espírito Santo (cf. 1 Co 6:19). O
(w)holismo, portanto, “é uma forma muito positiva de descrever nossa mensagem
remanescente.”9
“O adventismo em sua forma mais clara de pensar evita toda separação da
realidade entre o sagrado e o secular. Nada é secular no sentido de que está separado de
Deus. Toda a criação e a vida são sagradas porque Deus é o Criador e Sustentador de
tudo o que existe.”10
Nos últimos anos o departamento de saúde da Conferência Geral dos
Adventistas11 tem usado o termo comprehensive12 (“abrangente” em tradução livre) para
descrever a missão adventista a todas as dimensões da vida. Portanto, wholistic e
comprehensive são termos adequados para descrever o intuito adventista para o ser humano.
Como as palavras (w)holismo e (w)holístico com W não existem em português, doravante
usaremos o termo holístico, porém com o conceito da palavra wholistic em inglês.

O conceito bíblico de salvação


A compreensão da missão adventista está baseada na Bíblia e nos escritos de Ellen
White. E quando nos valemos das Escrituras, a missão holística adventista ganha uma
importância ainda maior.
Os escritores do Novo Testamento utilizam a palavra sōzō 13 para descrever a
salvação, porém com uma conotação mais abrangente, já que ela é utilizada para
atividades diferentes. Por exemplo, em Lc 8:36 o termo é traduzido como libertação do
diabo, em Mt 8:25 como livramento, em Mat 9:21 como cura de uma enfermidade e em
Mt 1:21 como salvação dos pecados. No conceito judaico-cristão, salvar (sōzō) envolvia
não apenas alguém aceitar a Jesus como Salvador para ter os pecados perdoados, mas
também ser liberto da escravidão do mal, ser curado das enfermidades e ser livre tanto
no sentido espiritual quanto físico. “No sentido mais verdadeiro, saúde e salvação são uma
coisa só.”14

8 https://www.dictionary.com/e/holistic-vs-wholistic/
9 Wholism: Why Adventist Should Make Terrible Monks. Disponível em
<https://www.hopechannel.com/au/read/wholism-why-adventist-should-make-terrible-monks>
10 KNIGHT, George. The Fat Lady and the Kingdom: Adventist Mission Confronts the Challenges of Institutionalism

and Secularization, p. 82
11 https://www.adventistreview.org/141519-4
12 Church’s goal to be world leader in lifestyle medicine. Disponível em

<https://record.adventistchurch.com/2018/02/20/churchs-goal-to-be-world-leader-in-lifestyle-medicine/>
13 Nos 4 Evangelhos, sozo é usada 49 vezes, soteria 5 vezes e soter 3 vezes. Michael D. Morrison, “Salvation”, ed. John

D. Barry et al., The Lexham Bible Dictionary (Bellingham, WA: Lexham Press, 2016).
14 FIELDER, Dave. d'Sozo: Reversing the worst evil. Remnant Publications. Edição do Kindle.
Missão de Jesus
A vida e obra de Jesus fornecem um modelo de missão para a igreja primitiva.
Ellen White descreve essa obra que Jesus fez enquanto esteve na terra como sendo a de
cumprir a profecia de Isaías 61:1-3: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque
o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos pobres, enviou-me a curar os
quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os
algemados, a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus, a
consolar todos os que choram e a pôr sobre os que choram em Sião uma coroa em vez
de cinzas, óleo de alegria em vez de pranto, manto de louvor em vez de espírito
angustiado. Eles serão chamados carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua
glória.” Ela diz ainda: “leia o capítulo 61 de Isaías. Esse capítulo nos dirá qual é a obra
diante de nós.”15
A obra de Jesus envolvia a proclamação de boas novas, conforto, libertação,
alegria e restauração. Sua encarnação e vida nesta terra foram um modelo de missão e
devem servir de padrão para todos os esforços missionários da igreja hoje. Falando sobre
o conteúdo da mensagem que Jesus pregava, ela diz que “o evangelho que Ele ensinava
era uma mensagem de vida espiritual e de restauração física. A libertação do pecado e a cura das
enfermidades achavam-se ligados.”16
O teólogo holandês W.A. Visserhuef observou em 1968 que “um Cristianismo
que perdeu sua dimensão vertical ou espiritual perdeu seu sal, e não é apenas insípido em
si mesmo, mas inútil para o mundo. Mas um Cristianismo que usa essa preocupação
vertical ou espiritual como um meio de escapar de sua responsabilidade para com a vida
comum do ser humano, é uma negação da encarnação do amor de Deus pelo mundo manifestado em
Cristo”.17 Portanto, o modelo encarnacional de Cristo deve levar a igreja a um
engajamento maior com as pessoas, ao invés de usarmos a salvação como um escape da
nossa responsabilidade.
“A verdadeira religião bíblica [...] visa transformar a natureza humana. Elevar e
restaurar a natureza humana é o objetivo da encarnação, do sacrifício de Cristo e do
envio do Seu Espírito. Essa é uma obra sobrenatural que traz à natureza humana
elementos sobrenaturais.”18
Falando sobre os discípulos de Cristo, Ellen White diz que “quando Jesus enviou
os doze na primeira missão de misericórdia, comissionou-os “a pregar o reino de Deus e
a curar os enfermos” (Lc 9:2). “E, indo”, disse Ele, “pregai, dizendo: É chegado o reino
dos Céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os
demônios; de graça recebestes, de graça dai” (Mt 10:7, 8). “E, saindo eles, percorreram
todas as aldeias, anunciando o evangelho e fazendo curas por toda a parte” (Lc 9:6), e as
bênçãos do Céu acompanharam seus trabalhos.”19
E ela sumariza o que os discípulos deveriam fazer após a ascensão de Cristo: “e
ao fim de Seu ministério terrestre, quando encarregou os discípulos da solene missão de

15 WHITE, Ellen. Ministério para as cidades: esperança para os centros urbanos. CPB, 2012, p. 109.
16 Idem.
17 Citado por SYME, David em Symposium on Mission and Social Action: The Role of Social Ministry in the Seventh-day

Adventist Church, 1997. Silver Spring, MD, p. 3.


18 Enciclopédia Ellen White, p. 1112.
19 CP, p. 465.
irem “por todo o mundo”, e pregarem “o evangelho a toda criatura” (Mc 16:15), Ele
declarou que Seu ministério seria confirmado por meio da restauração dos doentes.”20
Assim, aliando o conceito neotestamentário de salvação abrangente (sōzō) e o
ministério holístico de Jesus, pode-se traçar um modelo que a igreja cristã primitiva seguiu
e o que a Igreja Adventista fez no início da sua história.

Missão holística adventista


A contribuição de Ellen White para a visão adventista a respeito da obra holística
é indiscutível. A partir de seus escritos a igreja entendeu que seu escopo deveria ser global,
que as cidades eram uma prioridade e que a mensagem a ser pregada não era apenas de
salvação, mas de restauração do ser humano como um todo e assim, todos os esforços
foram direcionados para esse fim.
Por meio de suas visões, Deus enfatizou que somos seres holísticos. A visão dada
em Otsego, Michigan, em 6 de junho de 1863, trouxe a mensagem clara de que é um
dever espiritual cuidar do templo do corpo, e a integração holística de corpo, mente e
espírito foi claramente confirmada.21
Porém todo o ímpeto e ousadia presentes nos primeiros anos da história
denominacional foram arrefecendo com o tempo e Ellen White teve que dedicar pelo
menos dez anos, de 1901 a 1910, para corrigir a aparente negligência da igreja quanto à
obra nas grandes cidades.22 Ela fez inúmeros apelos para que a administração da igreja
apresentasse um plano ousado para alcançar os grandes centros com a mensagem
holística adventista.
Em 1909 ela declarou: “O Senhor tem mantido diante de nós este trabalho faz
vinte anos ou mais. Alguma coisa tem sido feita em alguns lugares, mas poderia fazer-se
muito mais. Sinto o peso da responsabilidade dia e noite, porque tão pouco está sendo
realizado para advertir os habitantes de nossos grandes centros de população, a respeito
dos juízos que cairão sobre os transgressores da lei de Deus.”23
Ela usou com frequência o termo “médico-missionária” para descrever a
amplitude da missão adventista, onde a saúde e o alívio do sofrimento do mundo
deveriam estar aliados ao evangelismo.
“A obra médico-missionária é a obra pioneira. Ela deve estar ligada ao ministério
evangélico. É o evangelho na prática, o evangelho conduzido de maneira prática. Tenho-
me sentido muito triste ao ver que nosso povo não se tem aproveitado desta obra como
devia.”24
Ela imaginou pequenos centros urbanos de ministério holístico ligando a igreja à
comunidade por meio do serviço. Ela falou sobre locais como centros de saúde, salas de
tratamento e restaurantes vegetarianos como centros de influência para que a obra fosse
desenvolvida.

20 CP, p. 466.
21 https://www.adventistreview.org/141527-8
22 KNIGHT, George. Another look at city mission. Adventist Review, Dez. 2001, p. 28.
23 Counsels to Parents, Teachers, and Students, p. 168 (1909).
24 CSa, p. 532.
Seus escritos inspiraram muitas iniciativas ao longo da história. John Tindall se
valeu das ideias de Ellen White e se tornou o pioneiro do evangelismo usando a saúde
como base.
Quando ele fez uma conferência em San Bernardino, Califórnia em 1910, tinha
em sua equipe multidisciplinar sua esposa, que era musicista e culinarista, C. E. Garnsey,
médico evangelista e chefe da enfermaria no hospital de Loma Linda e a senhora Garnsey
que era enfermeira. Em 6 semanas eles batizaram 17 pessoas fruto do evangelismo aliado
à saúde. Eles repetiram essas campanhas em Indiana, Winsconsin, Oklahoma e Texas,
batizando mais de 100 pessoas em cada cidade que passaram. Tindall entendia que a
mensagem de saúde era um braço da mensagem do evangelho.
Em Redlands, Califórnia, ele conduziu um evangelismo público de três noites por
semana. Duas noites (terças e quintas) eram dedicadas inteiramente para a saúde, com
aulas sobre dietas, culinária, tratamento de doenças e demonstrações onde serviam
comida saudável. Os encontros evangelísticos ocorriam no domingo à noite. Temas como
alimentação, câncer e outros foram apresentados ao longo de 6 meses de campanha.
Enquanto isso, era anunciado publicamente que “médicos e enfermeiras estão felizes em
oferecer seus serviços, como consultas, tratamentos ou o que você desejar, e tudo isso sem
custo”. À medida que as pessoas iam preenchendo os cartões (tipo de apelo), os obreiros
visitavam as casas e eram bem recebidos. Todos da equipe estavam fazendo parte desse
esforço de visitar as pessoas nos lares.
Em resumo, Tindall promoveu uma fusão entre a obra de saúde e evangelismo,
sem muitos gastos, com muitos obreiros voluntários e com resultados consistentes.
Jerry Moon resume o segredo dessas iniciativas evangelísticas, como as de Tindall,
assim: “Quando profissionais de saúde oferecem seus serviços gratuitamente a pessoas
que normalmente não poderiam pagar por tais serviços, o apelo é enorme. Por tal
benefício, as pessoas em necessidade desesperada deixarão de lado seu orgulho, medo ou
preconceitos religiosos, e aceitarão ansiosamente o presente - mesmo que seja oferecido
por uma religião diferente da sua. Além disso, tratar o corpo leva o profissional de saúde
a um nível semelhante de intimidade como o do pastor que trata a alma. Assim, a
assistência profissional gratuita à saúde, dada com amor, abre a mente e o coração para
o potencial de cura espiritual. Este é o papel da saúde como uma “cunha de entrada”
para o evangelho, e o segredo do sucesso que os pioneiros da igreja tem em comum”.25
Porém quando os profissionais de saúde são usados somente em assuntos
periféricos dentro de um programa de evangelismo, as pessoas têm uma tendência de
acreditar que a mensagem de saúde não é importante e que o objetivo do programa ou
projeto é apenas proselitismo.
Quadrilátero missiológico
George Knight diz que, ao cumprir essa tarefa, a igreja desenvolveu um programa
quádruplo de alcance missionário (chamado quadrilátero missiológico) que consistia na obra
de publicação, saúde, educação e de administração. Ou seja, as instituições deveriam
trabalhar em conjunto para organizar os esforços evangelísticos da obra holística
adventista.

25 MOON, Jerry. Ellen White and Missional Models for the City. Journal of Adventist Mission Studies: Vol. 10: No. 2,

2014, p. 39.
Doutrinas
A abordagem holística adventista para a missão era reforçada por três doutrinas
principais: a compreensão acerca da natureza humana, a experiência do sábado e a
convicção de que a igreja é chamada a compartilhar o evangelho antes da Segunda Vinda
de Jesus,26 além da associação da mensagem de saúde com a terceira mensagem angélica
de Ap 14.

Missão holística urbana


Se as cidades deveriam ser o grande foco missionário da igreja adventista, hoje
Knight diz que “as massivas cidades do mundo são provavelmente os campos missionários
mais intocáveis do adventismo.”27 Se por um lado a obra ainda precisa avançar, por outro
lado a missão holística pode ser um caminho seguro para a efetividade desta obra. Gary
Krause descreve a missão holística como sendo a “força adventista para o ministério
urbano.”28
Ellen White, por sua vez, afirma que “em breve nenhuma obra será realizada pelo
plano ministerial senão a obra médico-missionária”29, se referindo ao desenvolvimento
de um trabalho multifacetado para restaurar todas as dimensões da vida como sendo o
único caminho a ser seguido para o sucesso no evangelismo urbano.
Uma das formas de se cumprir a missão atualmente é através dos centros de
influência holísticos urbanos, que foram designados para aplicar o método holístico do
ministério de Jesus. “Esses centros oferecem uma ampla variedade de atividades, como
educação sobre estilo de vida, salas de tratamento, livrarias, salas de leitura, restaurantes,
ministério de literatura, palestras, pequenos grupos, instruções sobre como preparar
alimentos saudáveis e muito mais.”30
Ellen White incentivou a criação e estabelecimento de “pequenas instalações que
se tornem centros de influência”31, pois via nesses locais uma oportunidade de a igreja
estar massivamente inserida e engajada no trabalho de restauração da vida e saúde, bem
como na proclamação do Evangelho nas cidades.

Desafio para hoje


“Este ministério holístico envolve palavras e ação. Não pode ser feito a partir de
um enclave religioso, por controle remoto, à distância. Não pode ser de curto prazo, com
apenas um contato passageiro. Envolve trabalhar ombro a ombro, tocar as mãos, olhar
nos olhos com a compaixão de Jesus (Mt 9:36). Não se trata apenas de falar às pessoas
sobre a verdade da Palavra de Deus, mas demonstrar a verdade dessa Palavra.”32

26 Idem.
27 KNIGHT, George. Another look at city mission. Adventist Review, Dez. 2001, p. 28.
28 KRAUSE, Gary. Seeking the Shalom: Wholistic Adventist Urban Mission and Centers of Influence. Journal of

Adventist Mission Studies, Vol. 10, 2014.


29 CSs, 533
30 https://urbancenters.org/about
31 CSa, p. 481.
32 KRAUSE, Gary. Seeking the Shalom: Wholistic Adventist Urban Mission and Centers of Influence. Journal of

Adventist Mission Studies, Vol. 10, 2014.


Com o que se parece esse ministério holístico que atende todas as dimensões da
vida? Peter Sandless33 nomeia 4 marcas dessa iniciativa:
1. Quando colocado em prática, parece que Jesus está entre nós. Os doentes são
cuidados, os famintos são alimentados, os nus são vestidos e abundam a simpatia,
o amor e a inclusão.
2. Não é meramente um método, mas sim um ministério e uma missão - estendendo
o ministério de cura de Jesus Cristo “para fazer homens e mulheres completos.”
3. Preocupa-se tanto com o bem-estar e integridade quanto com o tratamento de
doenças. Iniciativas preventivas de estilo de vida são vitalmente necessárias.
4. O continuum de cuidado se dirige ao ser holístico em todos os aspectos, incluindo
físico, social, mental e espiritual.
Cuidar do ser humano em todas as áreas da vida é preparar o solo para que a
mensagem do Evangelho seja plantada. É o Evangelho na prática e toda motivação deve
ser o ministério de Cristo e o amor que Ele demonstrou ao vir a esse mundo.
Um artigo publicado em 1901 pelo Dr. David Paulson, que era amigo próximo
de Ellen White e John Kellogg, intitulado “O verdadeiro motivo do serviço cristão”,
distinguia entre aqueles que se concentram em fazer membros da igreja e aqueles que
amam as pessoas incondicionalmente como Jesus; entre aqueles que visam “promover a
causa ou algum ramo da obra” e aqueles que estão focados na “humanidade”. Jesus focou
nas “necessidades” e não nos “resultados”. É apenas “amor genuíno pela humanidade”,
diz Paulson, que ganhará pessoas para Cristo. A pessoa que está interessada em ministrar
apenas às pessoas que ela pensa que podem se tornar membros da igreja, na verdade cria
“desconfiança e suspeita” e “fecha mais e mais portas”.34
“Jamais a necessidade do mundo quanto ao ensino e à cura foi maior do que o é
em nossos dias. A Terra está cheia de entes humanos que carecem de nosso auxílio -
fracos, desamparados, ignorantes e degradados.”35
“Este mundo é um imenso hospital, mas Cristo veio para curar os doentes,
proclamar liberdade aos cativos de Satanás. Ele era, em Si mesmo, saúde e força.
Comunicava a própria vida ao enfermo, ao aflito e aos possessos de demônios.”36
“Trabalhem com o coração cheio do fervoroso anseio pelos perdidos. Façam a
obra médico-missionária. Desse modo, obterão acesso ao coração das pessoas. O caminho
estará preparado para uma proclamação mais decidida da verdade. Vocês descobrirão
que aliviar-lhes o sofrimento físico abre a oportunidade para ministrar às suas
necessidades espirituais.”37
Não há soluções simples para alcançar o mundo. Mas a resposta passa pelo
ministério holístico e multifacetado que a igreja deve desenvolver neste mundo até a Volta
de Jesus.

33 https://www.adventistreview.org/141519-4
34 KRAUSE, Gary. Seeking the Shalom: Wholistic Adventist Urban Mission and Centers of Influence. Journal of
Adventist Mission Studies, Vol. 10, 2014. Disponível em
<https://digitalcommons.andrews.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1276&context=jams>
35 CP, p. 467.
36 CP, p. 466.
37 WHITE, Ellen. Ministério para as cidades: esperança para os centros urbanos. CPB, 2012, p. 101.

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