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APROXIMAÇÕES PSICOLÓGICAS
LIMEIRA - 2015
Reginaldo Alves Campoe
Introdução
Unindo na Sua Pessoa divina, sem confusão nem separação a natureza divina à
natureza humana, Cristo restabeleceu a natureza humana do seu estado primitivo,
aparecendo assim como o Novo Adão e a conduziu à perfeição à qual ela estava destinada:
a perfeita semelhança a Deus, a participação na natureza divina (2 P 1,4). Ele tem deste
modo dado a cada pessoa humana que, na Igreja que é o seu corpo, estar unida a Ele pelo
Espírito, de tornar-se Deus pela graça.
* Esta tradução foi se ordenando a partir de algumas necessidades e buscas de aspectos comportamentais,
psicológicos e teológicos do mundo monástico. Não se teve a intenção de copiar nem burlar os direitos do
autor Jean-Claude Larchet.
Procurou-se manter fiel ao texto, às ideias e posições do autor, o que se colocou nas notas de rodapé foi
somente no intuito de acrescentar algumas abordagens psicológicas ocidentais.
Reginaldo Alves Campoe
Uma das finalidades deste trabalho é mostrar toda a importância que reveste a
Tradição ortodoxa a qual Vladimir Lossky chama “imagem medical”. Se os Padres têm
feito, como nós o veremos, um uso tão frequente nos seus ensinamentos, se se o encontra
na sua quase totalidade dos textos litúrgicos em uso na Igreja Ortodoxa e assim como no
texto ritual da maior parte de seus sacramentos, se a maioria dos Concílios tem
homologado nos seus cânones, enfim, se ela é recebida por toda a Tradição, é porque ela
constitui, uma parte particularmente adequada de representar o modo de Salvação, de um
valor pelo menos equivalente àquele da Redenção. [...] O Redentor é também o Salvador;
se nós somos resgatados, nós também somos salvos; ou se esquece de muito
frequentemente que o verbo σώζω (soté - salvar), frequentemente utilizado no Novo
Testamento, significa, não somente, “resgatar” ou “tirar do perigo”, mas também “curar”
e que a palavra σωτηρία (sotería - salvação) designa não somente salvação, mas também
a cura... O Cristo médico Mt 1,21; 8,16-17; 9,12; Mc 2,17; Lc 4,18.
A doença mental sempre suscitou, de uma época à outra, de uma sociedade à outra,
e frequentemente no seio de uma mesma sociedade, atitudes contraditórias, indo até
tornar-se para uns uma mensageira do além, um mediador entre os homens e a divindade,
objeto de respeito e de veneração elevando até à função de sacerdote ou à dignidade de
profeta, e para outros, mais frequentemente, um sub-homem, companheiro ou escravo de
poderes maus, objeto de deboche e de uma exclusão podendo ir até ao isolamento,
enclausuramento, e mesmo à eliminação psíquica.
- a primeira defende uma etiologia puramente orgânica e rejeita pois, todo fator psicógeno
ou sociógeno;
- a quarta exclui de tais fatores, mesmo com recursos do inconsciente e, enquanto admite
um substrato orgânico das doenças mentais, de fato não se faz depender diretamente e
mecanicamente seus sintomas, mas reconhece um papel essencial à dinâmica das forças
psíquicas na estrutura e evolução destas doenças.
Por vezes, no seio de uma mesma raiz teórica e prática, podem-se encontrar variações
consideráveis, divergentes e contraditórias (esta é particularmente simples em considerar
só as psicoterapias, e mesmo as psicoterapias de um mesmo tipo, por exemplo, a
psicanálise freudiana ou junguiana).
A constatação que, quanto aos resultados, todas as terapias deixam pensar: o fato de
que métodos tão heterogêneos, fundados sobre princípios teóricos tão diferentes até
contraditórios, tenham efeitos equivalentes, contradizem o principio lógico da não
contradição e podem facilmente conduzir a pensar que sua eficiência detém outra coisa
que aquilo que faz sua especificidade, a saber, uma atenção concedida ao doente, uma
escuta e uma avaliação na escuta...
Enquanto que a psiquiatria moderna, em cada uma de suas tendências, parece de certo
modo redutora, a concepção dos Padres tem o mérito de levar em conta as três dimensões
do ser humano: corporal, psíquica e espiritual [...]
Olhando as coisas sob o ângulo negativo, poder-se-ia concluir igual ineficácia destas
diferentes terapias em face de uma natureza que nestes casos, segundo o velho princípio
hipocrático, encontraria nelas mesmas os meios de sua própria cura.
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Eles admitem uma etiologia espiritual, de modo geral definida por uma ou outra
paixão desenvolvida [...] Esta etiologia é muito importante, porque concerne à maioria
das neuroses da nosografia2 clássica atual, assim como a certas formas de psicoses. Deste
modo a atitude que a psiquiatria moderna designa como ‘supervalorização’ ou ‘hipertrofia
do eu’, que está presente no seu mais alto grau na psicose paranoica, e em menor grau na
neurose histérica3, e naquelas maiores dificuldades racionais - sintoma presente na maior
parte das neuroses, - podem estar ligadas às manifestações que correspondem à paixão do
orgulho tal como a descreve os Padres. Na mesma ordem de realidade, aquilo que é
comumente chamado depois de Freud ‘narcisismo’ parece corresponder igualmente a
esta, mas se liga mais estreitamente ainda à paixão original da filáucia, o amor passional
por si mesmo que tem por objeto primeiro o corpo. A ansiedade e a angústia, presentes
na maioria das psicoses e em todas as neuroses, podem ser facilmente ligadas às paixões
de medo e tristeza tais como as concebe a ascética cristã oriental. A agressividade que se
encontra na maior parte das neuroses e em certas psicoses, pode estar ligada à paixão da
‘cólera’ no seu senso largo como lhe dão os Padres. A astenia4 sintoma comum a muitas
das doenças mentais, corresponde muito precisamente a um dos componentes essenciais
da paixão da acédia. Pode-se igualmente perceber uma ligação direta entre as neuroses
fóbicas5, classicamente definidas como ‘medos angustiantes’, e a paixão do ‘medo’. A
2
Descrição das doenças.
- A característica essencial do Transtorno da Personalidade Paranoide é um padrão invasivo de desconfiança
e suspeita quanto aos outros, de modo que seus motivos são interpretados como malévolos. Este padrão
tem início no começo da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos. Os indivíduos com o
transtorno supõem que as outras pessoas os exploram, prejudicam ou enganam, ainda que não exista
qualquer evidência apoiando esta ideia (Critério A1). Eles suspeitam, com base em poucas ou nenhuma
evidência, que os outros estão conspirando contra eles e que poderão atacá-los subitamente, a qualquer
momento e sem qualquer razão. Estes indivíduos costumam acreditar que foram profunda e
irreversivelmente prejudicados por outra(s) pessoa(s), mesmo que para tal não existam evidências objetivas.
Eles preocupam-se com dúvidas infundadas quanto à lealdade e confiabilidade de seus amigos ou colegas,
cujas ações são minuciosamente examinadas em busca de evidências de intenções hostis (Critério A2).
(BARLOW e DURAND, p. 509)
3
Classe de neuroses que apresentam quadros clínicos muito variados. As duas formas sintomáticas mais
bem identificadas são a histeria de conversão, em que o conflito psíquico vem simbolizarem-se nos
sintomas corporais mais diversos, paroxismos (ex. crise emocional com teatralidade) ou mais duradouros
(ex. anestesias, paralisias histéricas, sensação de ‘bola’ faríngica, etc.), e a histeria de angústia, em que a
angústia fixada de modo mais ou menos estável neste ou naquele objeto exterior (fobias). LAPLANCHE E
PONTALIS, Vocabulário da Psicanálise), p.211.
4
A Astenia Psíquica é uma fadiga que é resultante de uma atividade psicológica e intelectual, digamos que
seja um estresse psicológico, como quando não se consegue mais ir adiante seja no estudo, ou seja, por uma
angústia acumulada.
5
As neuroses fóbicas são quadros caracterizados pelo medo de determinados lugares, objetos ou situações,
que determinam uma série de condutas de evitação e outras de segurança.
Causas: Segundo a psicanálise, a constituição desse quadro deve ser considerada uma atualização de
situações de conflito profundamente relacionadas com o complexo de Édipo. O seu padrão provém dos
primeiros medos e terrores infantis, normais na infância, e, por meio de um duplo mecanismo de projeção
e deslocamento, coloca no mundo exterior a situação de conflito interno. De acordo com a visão
psicanalítica, o fator que inicia esse processo especificamente é o medo da castração. O sujeito ficaria
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neurose de angústia pode ser facilmente situada no quadro desta mesma paixão de medo
e da paixão da tristeza. A psicose melancólica a uma ligação manifesta de uma parte com
a acédia e, de outra parte, e, sobretudo como ‘desespero’, forma extrema da paixão da
tristeza.
Em primeiro lugar elas são fruto de uma experiência acumulada por numerosas gerações
de ascetas que, por uma parte, exploraram a alma humana no menor de seus recônditos e
são trazidas a um conhecimento desta (a alma) extremamente fino e profundo e, de outra
parte, são aplicadas durante toda a vida a dirigi-la e transformá-la, adquirindo uma
eficácia notável.
Em segundo lugar elas visam o homem em toda a complexidade de sua natureza, tomam
em conta as múltiplas dimensões de seu ser, os problemas que lhe colocam sua própria
existência (notadamente aquele de seu sentido), seu destino global e sua relação com
Deus, a importância destes fatores na etiologia e na terapêutica das doenças mentais sendo
recentemente descobertos pela corrente de psicoterapias existenciais.6
As doenças mentais que têm uma origem espiritual não devem portanto ser
confundidas com as próprias doenças espirituais. As doenças espirituais são constituídas
por uma desordem ou uma perversão da natureza (mais precisamente de seu modo de
existência) na relação pessoal do homem a Deus. As doenças mentais correspondem no
plano psíquico às desordens análogas àqueles que constituem sobre o plano do corpo as
doenças somáticas; trata-se de perturbações do psiquismo considerado em si mesmo, de
uma disfunção de sua natureza considerada segundo sua ordem natural.
recalcado por uma ideia edipiana (a fantasia inconsciente de perder a genitália por causa da ação ativa do
pai) que foi reprimida, e que se expressa de maneira disfarçada e diferente, mas com a mesma força afetiva.
Quando as fobias não são tratadas, o temor pode se estender, ampliando a variedade dos objetos temidos.
Sintomas: Existem três características constitutivas da estrutura fóbica: as condutas de evitação, o
permanente estado de alerta e a atitude de fuga. Os mecanismos de defesa e os sintomas são os mesmos.
6
V. FRANKL, A psicoterapias e sua imagem de homem; O Deus inconsciente; W.DAIM, Transvaluation
de la psychanalyse; I.CARUSO, Psychanalyse et synthèse personnelle; Psychanalise pour la personne.
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Mas tal distinção não pode ter, do ponto de vista da antropologia patrística, senão um
valor relativo, na medida em que a natureza não pode jamais ser considerada inteiramente
nela mesma, e se define fundamentalmente por sua relação com Deus, o homem sendo,
pela vontade do Criador, naturalmente ordenado a Ele em todas as faculdades de seu ser,
bem que ele dependa de seu livre arbítrio de fazê-lo agir segundo a natureza ou contra a
natureza. O modelo patrístico de saúde e de doenças espirituais se ligam pois ao modo de
exercício das diferentes faculdades do homem.
É deste modo que para os Padres uma parte importante das desordens que nós
consideramos hoje como puramente psíquicas revela de fato que são do domínio
espiritual. Neste sentido a nosografia e a terapia das doenças espirituais englobam a
psicologia de maneira indireta. De outro modo dizem que as doenças mentais (os
sintomas) de etiologia não orgânica são para eles tributárias de um diagnóstico e de uma
terapêutica espirituais.
É também mais entre os sintomas que entre as síndromes que as aproximações são
possíveis.
Um fator importante de diferença é de outra parte dado ao fato que a psiquiatria atual
está constituída sobre o modelo das ciências médicas e está deste modo situado numa
perspectiva naturalista excluindo a priori toda referencia ao domínio religioso e moral.
1 - FILÁUCIA – ψιλαυτία7
A filáucia8 é considerada por muitos dos Padres como a fonte de todos os males
da alma, a mãe de todas as paixões9, e em primeiro lugar das três paixões genéricas da
qual todas as outras são derivadas: gastrimargia, filargiria e cenodoxia.
“Incontestavelmente é ela, escreve são Máximo, que engendra a loucura dos três
pensamentos primeiros e fundamentais.”10
7
- amor próprio exagerado – egoísmo – vaidade – egolatria – narcisismo – dela se origina três doenças
espirituais fundamentais: gula, vanglória, avareza.
“Transtorno de Personalidade narcisista – Todos conhecemos pessoas que possuem um conceito elevado
de si mesmas – talvez exagerem suas reais capacidades. Elas se consideram diferentes das demais e
acreditam que merecem tratamento especial. No transtorno, essa tendência é elevada ao grau máximo.
1. Possui senso grandioso de auto importância (supervaloriza realizações e talentos, espera ser reconhecido
como superior sem que tenha feito ações à altura);
3. Acredita que é especial e único e que só pode ser compreendido por pessoas especiais;
4. Aproveita-se de relacionamentos interpessoais; isto é, manipula os demais para atingir seus objetivos;
5. Não possui empatia; não tem disposição para reconhecer os sentimentos e as necessidades alheias ou
identificar-se com isso;
“James Strain, em 1978, formulou sete categorias de estresse no adoecimento: (cito somente aquela que
tem importância para o texto): Ameaça básica à integridade narcísica: Essa categoria compreende a
realização onipotente do indivíduo, do conceito de integridade física e do controle sobre o próprio corpo e
destino”. (Spinelli, p.39)
8
É um termo que parece cercar-se de significação, conhecido como algo como amor próprio ou egoísmo,
algo que cheira a mofo. Contudo, é um termo antiquíssimo passando por Platão, Aristóteles e Cícero.
(Hausherr, p. 07)
9
Máximo o Confessor, Evágrio, João Damasceno, Hésychius de Batos, Nicétas Stéthatos, Isaac le Syrien,
Théodore d’Édesse, Doroteu de Gaza.
10
O que fala Máximo o Confessor - o doutor da filáucia -, doutor nos dois sentidos, na sua obra, se fundou
o cristianismo e o neoplatonismo, além disto, exerceu uma profunda influência na visão medieval de
mundo. (Hausherr, p. 10)
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10
São Máximo explica deste modo que este processo conduz o homem da ignorância
de Deus à filáucia e da filáucia às paixões: “Esta ignorância [...] distancia completamente
o homem do conhecimento divino por não preencher sua existência senão do
conhecimento apaixonado das coisas sensíveis. Está livremente entregue a somente
aquelas emoções dos sentidos a exemplo das bestas desprovidas de inteligência, o homem
distancia-se da beleza espiritual e divina, encontra, através da experiência da parte
exterior e corporal de sua natureza, uma criação que ele eleva (coloca) ao lugar de Deus,
porque ela responde melhor às necessidades de seu corpo. Como o corpo é da mesma
natureza que a criação elevada ao lugar do Criador, o homem cobre seu corpo de amor e
sonhos múltiplos. Com efeito, não se pode adorar a criação senão cuidando do próprio
corpo [...] Dedicado à servidão corrompida de seu próprio corpo e escravizado pela
filáucia, o homem deixa desenvolver sem cessar em si mesmo as paixões do gozo (prazer)
e do sofrimento”.
11
Idem, p, 12.
12
“O ser humano tende a se dissolver na vã tentativa de se bastar a si mesmo: o narcisismo – como Freud
já o sabia – só pode ser vivido como desespero da consciência mergulhada na própria miséria.”
Reginaldo Alves Campoe
11
Contudo, não somente o filáutico não se ama, mas sem o saber, se odeia. Ele é,
diz são Máximo, “amante de si, contra si mesmo”.14 Com efeito, em negando Deus por
amor exclusivo de si mesmo (Diadoque de Photicé), ele nega a si mesmo no seu ser
essencial, renuncia ao seu destino divino e corta (rompe, afasta) da fonte de sua verdadeira
vida, executando, como nós já o notamos, um suicídio espiritual. “É verdadeiramente
terrível”, escreve são Máximo evocando a filáucia, “fazer morrer voluntariamente, por
amor das coisas corruptíveis, a vida que nós recebemos de Deus pelo dom do Espírito
Santo.” Assim, o homem cessa de praticar as virtudes (que são correlativas de sua
orientação para Deus) e abre a porta às paixões, em se fazendo o maior dano, pois estas
introduzem nele, portanto doenças, dúvidas, prisões, sofrimentos de toda sorte. Vivendo
na filáucia e em seu cortejo de paixões, “os homens”, diz são Máximo, “louvam (honram)
a própria causa da negação de sua existência e seguem a si mesmos sem saber a causa de
sua corrupção. [...] Os homens destroem como feras a sua própria natureza.”
13
Hausherr, p.13
14
Encontramos em Santo Tomás (1224+1274) uma aproximação com a “philautía” – amizade, mas amizade
como caridade, mas caridade num senso estrito e porque como próxima de Deus não pode ser definida –
Charitas est quaedam amicitia (Summa Teologica, II)( Hausherr, p. 13)
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12
“Oh filáucia, ódio universal!” - escrevem Evágrio, são Théodore d’Édesse e são
João Damasceno: ódio de Deus , de si mesmo, mas também do próximo.”
Não se apercebendo mais de seu próximo, o que constitui sua realidade profunda,
e cessando de ser unido espiritualmente, o filáutico se priva de toda relação autêntica a
ele. É então que se instauram entre os homens dissemelhanças onde reinam o
desconhecimento recíproco e até ignorância mútua, a insensibilidade do face-a-face e a
ausência de comunicação verdadeira, mesmo em situações de proximidade objetiva,
como aquelas da célula familiar. Para os filáuticos, os outros homens cessam de ser
próximos, irmãos como sendo filhos do mesmo Pai e pertencentes em Deus por natureza,
para tornar-se estrangeiros (Col 1,21) e mesmo pior: rivais e inimigos.
Mas é também porque o filáutico procura antes de todas as coisas seu próprio
prazer pelo viés das múltiplas paixões que a filáucia engendra, pois esta se opõe ao amor
do próximo e carrega o ódio. Em lugar de visar à vantagem e o bem do outro, é a
afirmação de si mesmo e seu interesse próprio que o filáutico procura. Seu próximo não
é então o mais frequente para ele que um simples meio de obter os prazeres que ele quer
obter e se encontra assim reduzido para ele no lugar de um simples objeto.
13
direcionados uns contra os outros [...] donde a divisão de uma única natureza em muitas
partes.”
Lá onde está o amor de Deus, “Cristo é tudo em todos (Col 3, 11) e não há nem
grego, nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem bárbaro nem Scythe nem
escravo nem homem livre”, “nem homem nem mulher” (Gl 3,28). Lá onde reina a
filáucia, não se vê a não ser oposições, divisões, rivalidades, inveja, ciúme, dissenções,
inimizades, discussões, agressividade, todas as manifestações que são frutos desta paixão,
insociabilidade (João Damasceno), a injustiça (João Damasceno), a exploração de uns
sobre os outros (Théodoret de Cyr), e mesmo homicídio (Máximo o Confessor) e as
guerras (Clemente de Alexandria).
15
O místico conhece epistemologia dura, pois não reconhece a teologia de autoajuda, isto é, não se afasta
do fato de que o humano guarda em si uma disfunção degenerativa ou que na carência de sermos absolutos
de nós mesmos, ficamos nos sentidos, na tentativa de sobrevivermos à catástrofe pessoal. Ficamos na
circularidade pessoal e na melancolia do fracasso, sem avançarmos para uma “fuga mundi” visto como
descondicionamento natural ou naturalismo infeliz. Talvez pudéssemos pensar como não humano – o que
falta às práticas contemporâneas da ateologia humanista que tende a reduzir tudo ao referencial humano,
como um tipo de célula narcisista.
Reginaldo Alves Campoe
14
Estes efeitos patogênicos são devidos àqueles que são em si mesmos uma doença
(Macário do Egito) consistindo na inversão contra a natureza, de uma tendência natural
do homem: que o amor seja virtuoso (Máximo o Confessor) indissoluvelmente ligado ao
amor de Deus e ao amor do próximo. É assim que santo Máximo escreve: “Pela filáucia,
[...] o diabo nos separou resolutamente de Deus e dos outros: ele distorceu o que era
direito, e desta maneira dividiu a natureza.”
2 - GASTRIMARGIA (γαστριμαργια)
A gastrimargia pode ser definida como uma busca do prazer de comer, dito de
outro modo, o desejo de comer em vista do prazer, ou ainda, negativamente em
16
HausHerr, p. 14.
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15
Esta paixão toma duas formas principais: ela pode trazer consigo essencialmente
sobre a qualidade dos alimentos, e ela é então a busca de comidas saborosas, finas,
delicadas, desejo de que os alimentos estejam temperados com atenção; ela pode também
trazer essencialmente atenção sobre a quantidade, e é assim o desejo de comer muito. 18
No primeiro caso, é o prazer da boca, do paladar, que é buscado antes de tudo; no segundo
caso, é o prazer do estômago ou dos órgãos digestivos em geral. Nos dois casos, há a
busca de certo tipo de prazer corporal, é por isto que a gastrimargia pode ser classificada
entre as “paixões corporais”.
Mas mesmo que o corpo seja diretamente implicado, a gastrimargia não procede
diretamente das necessidades: uma prova disto é que o desejo ultrapassa frequentemente
a necessidade, por vezes mesmo muito além, notadamente como no caso da bulimia. 19
Isto permite considerá-la também como uma paixão da alma. Evágrio chamá-la em vários
lugares de pensamento passional, e são Máximo igualmente. O corpo não intervém, com
efeito, senão como instrumento de realização do desejo da alma. Evágrio pode ainda
escrever: “Aqueles que erradamente nutrem muito bem a sua carne [...], que eles se
prendam a si mesmos e não a ela”. (Traité Pratique)
Esta não é uma ideia de que o alimento seria em si mesmo impuro e mau ou que
a própria função da nutrição comportaria algum mal que faça a gastrimargia como uma
paixão, porque como o diz o Cristo, “não é aquilo que entra pela boca que torna o homem
impuro” (Mt 15, 11), e como o ensina o Apóstolo, “tudo aquilo que Deus criou é bom, e
nenhum alimento está abolido se se o toma com ação de graças” (Tm 4, 4). Detestar os
alimentos por eles mesmos como coisa má seria “uma abominação e sortilégio puro”
precisa são Diadoque de Photicé, que acrescenta: “Comer e beber dando graças a Deus
de tudo aquilo que se serve ou mistura não se opõem de forma alguma à regra da ciência,
porque ‘tudo é bom’ (Gn 1, 31)”.
Esta paixão não consiste pois no próprio alimento, na sua qualidade, mas de um
certo modo no seu uso, como o indica santo Gégroire le Grand: “O vício não está na
nutrição, mas na maneira de comer. Porque é completamente possível tomar alimentos
17
“Ao se colocar juntos o que sabemos sobre os transtornos alimentares, é importante lembrarmos que
nenhum fator parece importante suficiente para causa-los. Os indivíduos com transtornos alimentares
podem ter alguma vulnerabilidade biológica (acontecimentos estressantes) que os indivíduos com
transtorno de ansiedade. A ansiedade e os transtornos de humor são comuns também em famílias de
indivíduos com transtornos alimentares, e as emoções negativas juntamente com a “intolerância de humor”
parecem desencadear a compulsão alimentar” (Barlow – Durand, 320)
18
Esta é uma distinção feita por Doroteu de Gaza que a chama de λαιμαργία (laimargia = glutonaria) que
seria a primeira forma e a segunda a gastrimargia. Saint Jean Cassian ajunta uma segunda forma que ele
coloca em primeiro lugar, o desejo de adiantar o momento da refeição. Saint Grégoire Le Grand distingue
cinco modos de manifestação da gastrimargia, o primeiro corresponde ao citado por Cassiano e os outros
quatro podem ser repartidos entre as duas categorias distinguidas por Doroteu.
19
Bulimia é um transtorno alimentar que leva a pessoa a exagerar na ingestão de alimentos, o mesmo que
compulsão alimentar.
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16
finos sem nenhuma falta, assim como absorver de pratos muito mais grosseiros podem
ser manchados pela culpa.”
Não é portanto no ato mesmo do comer que se encontra a paixão, mas na intenção
que aí se tem e no objetivo que lhe é dado pelo homem. “No uso do alimento, está uma
mesma ação de comer por necessidade e de comer por prazer, mas o pecado está na
intenção”, precisa são Doroteu de Gaza. A paixão reside pois numa certa atitude do
homem diante do alimento e da nutrição, mais precisamente num desvio por ele da
finalidade deste. É em efeito num fim preciso os alimentos tem sido dado por Deus aos
homens, e eles os fazem servir para outros fins, pervertem o uso, fazem dele um mau uso.
“As coisas que nós comemos, escreve são Máximo, foram criadas para um duplo fim:
alimentar-nos e nos servir de remédio. Comer por outros motivos, é fazer um mau uso
daquilo que Deus nos deu para nossa utilidade.” O homem respeita a finalidade natural
dos alimentos e da nutrição assim que se nutrem por necessidade, para conservar ou
preservar a vida de seu corpo, para guardar ou encontrar a santidade, mas fazem da
nutrição e da função nutritiva que está neles um uso contra a natureza quando o fazem
como um meio de prazer.
17
são Paulo afirma claramente que Deus criou os alimentos para que eles sejam tomados
com ação de graças (1 Tm 4,3), aconselhando em consequência: “seja pois que vós
comais, seja pois que vós bebais, façais tudo pela gloria de Deus” (1 Cor 10,31). A
gastrimargia constitui uma verdadeira perversão desta finalidade essencial da nutrição
que é de ser consumida eucaristicamente, já que nesta paixão o homem, em lugar de
alegrar-se em Deus e alegrar-se de Deus através deles, quer alegrar-se pelos alimentos
neles mesmos, fora de Deus. Por eles ele coloca uma barreira entre si mesmo e Deus em
lugar de utilizá-los como um suporte para elevar-se até Ele.
Em rendendo graças a Deus, pela nutrição que Ele concede, o homem se santifica
a si mesmo e santifica particularmente as funções da nutrição que estão nele; ele se nutre,
assim Deus, ao mesmo tempo em que dá o pão, sua nutrição torna-se assim para ele
duplamente fonte de vida. Ele santifica ao mesmo tempo os alimentos que ele incorpora
(1 Tm 4,5), e através deles, o cosmos que ele une assim a Deus, segundo a vontade
manifestada pelo próprio Deus ao primeiro homem. A gastrimargia ao contrário separa o
homem de Deus e nele as criaturas. Os alimentos, no lugar de revelar a Deus (são Isaac
fala de “aquele que viu o Senhor na sua própria nutrição”), no lugar de ser transparente a
Suas energias, de servir à glorificação de Deus e à deificação do homem, tornam, pela
falta do homem, para ele mesmo e para o mundo, um obstáculo ao encontro com Deus.
Cessando de ser fonte de vida, uma vez que cessam de serem unidos à fonte da Vida pela
perda de sua finalidade espiritual pelo uso perverso que faz, eles tornam por isto princípio
de morte, neste caso mesmo que creia por eles se assegurarem a vida.
A gastrimargia, por todos os aspectos que nós temos evocado, e em particular pela
razão de que ela constitui uma perversão do uso natural e normal da nutrição, é qualificada
Reginaldo Alves Campoe
18
pelos Padres de doença (Doroteu de Gaza– João Cassiano). São João Cassiano, por
exemplo, diz a propósito das três formas desta paixão que ele descreveu: “Há ali três
centros principais de doenças da alma tão terríveis quanto elas são numerosas”.
Compreende-se igualmente que ela possa ser considerada por eles como uma forma de
loucura (Théodoret de Cyr, Máximo o Confessor). São Doroteu de Gaza toma, aliás, como
argumento suplementar a origem mesmo das chamadas “glutonaria” e “gastrimargia”:
“Μαργαίνειν (margaínein) significa nos autores pagãos “estar fora de si” e insensato é
chamado de μάργος (márgos). Quando chega a alguém esta doença (νόσος – nósos) e esta
loucura (μανία – mania) de querer encher a barriga, chama-se gastrimargia
(γαστριμαργία), quer dizer “loucura do ventre”. Quando se trata somente do prazer da
boca chama-se “glutonaria” (λαιμαργία – laimargia), quer dizer “loucura da boca”.
Doença e loucura, a gastrimargia não o é somente pelas atitudes que ela revela
quanto aos seus fundamentos: ela o é ainda em razão de suas numerosas consequências
patológicas, e isto em muitos níveis.
Outro é que ela tiraniza o homem, aliena-o ao seu desejo e ao seu prazer de comer,
torna-o indisponível para Deus e se distancia de seu centro, a gastrimargia tem por
caminho na sua alma, numerosos efeitos indesejáveis, ao mesmo tempo em que ela coloca
em perigo a saúde do corpo (Basílio de Cesaréia).
Tal disposição tem ainda por efeito de arrastar para baixo todas suas faculdades,
orientando em primeiro lugar seus desejos para as preocupações carnais. Todas as
paixões, das quais esta em particular, faz são Máximo remarcar, “acorrentam o espírito
aos objetos materiais, o depreciam para a terra como o faria uma pedra muito pesada que
pesasse sobre ele, ele mais leve por natureza e mais vivo que o fogo”. Santo Gregório de
Nissa, por sua vez, evoca “o homem num pensamento grosseiro que olha para baixo”, e
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19
ele constata com este modelo: “não vivam pelo estômago e aqueles que vivem pelo ventre,
se encontram distantes da vida de Deus” (Isaac, o Sírio).
20
“Todo el combate del hombre tiene lugar em los logismoi dice literalmente “Macário”. Y por su boca
habla toda la tradición espiritual cristiana, empezando por el Evangelio. En efecto, Orígenes había tomado
Del evangelio de San Mateo su rotunda afirmación: “La fuente y el principio de todo pecado son los malos
logismoi. Los logismoi, esto es, los “pensamientos”, los “impulsos”, las “passiones”, los “vícios”, tales son
las principales acepciones que puede revestir este término, que quantas veces aparece en la literatura
monástica antigua... Nuestros maestros no advierten que no hay que entrar en liza a tontas y a locas, sino
“com conciencia” [...]. Dada su importância, los logismoi ocuparon, más que cualquier outra cosa, a los
monjes antiguos, muy particularmente a los “psicólogos del desierto”. (Colombás, 1998, p. 154)
“...τα δε εκπορευομενα εκ του στοματος εκ της καρδιας εξερχεται, κακεινα κοινοι τον αντρωπον εκ γαρ
της καρδιας εξερχονται διαλογισμοι πονηροι... Quae autem procedunt de ore, de corde exeunt, et ea
coinquiant hominem. De corde enim exeunt cogitationes malae..”.(Mc 7,14-16) (Novum Testamentum,
1944, p.139) “Ao contrário, as coisas que saem da boca vêm do coração e essas é que tornam o homem
impuro. Pois é do coração que vêm as más intenções (pensamentos)”. (Bíblia Sagrada, 1990)
“Ce sont aussi les dons de prophétie, de cardiognosie, scrutation des coeurs et des pensées secrètes ; de
diacrisis, discernement des esprits et de clairvoyance. Les startzi lisaient les pensées sans rien demander,
savaient le contenu d’une lettre sans ouvrir, ‘decachetaient’ les coeurs. Enfin, c’est l’art de pénétrer et
d’illuminer la subconscience. L’extériorisation emmédiate des pensées ou logismoï évite leur refoulement.
En devançant les découvertes de la psychologie des profondeurs, ils disaient : ‘Beaucoup de passions sont
cachées dans notre âme, mais échappent totalement à l’attention, la tentation les révèle. Qui manifeste ses
pensées est bienntôt guéri, qui les cache se rend malade. Discerne tes pensées, interroge um père capable
de les discerner .” (EVDOKIMOV, p. 79)
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passionais que nascem da saciedade, é necessário querer ao que quer que seja não o prazer
mas a utilidade que defina em cada caso a medida da conduta da temperança”.
A ação terapêutica que visa curar o homem de seus males espirituais deve atacar
em primeiro lugar à paixão da gastrimargia, por uma parte porque esta paixão é a mais
grosseira, a mais primitiva, de outra parte porque a vitória sobre ela condiciona em uma
larga medida o combate contra as outras paixões. Por isto são Gregório o Grande escreve:
“Ninguém pode se sentir vitorioso no combate espiritual se primeiro não dominou em si
mesmo o inimigo que se camufla sob seus gulosos apetites. Seria um engodo querer entrar
em combate contra potencias distantes, assim que se for abatido por aquelas que são todas
vizinhas [...]. Certos homens, que ignoram a tática a seguir no combate, negligenciam
domar seu apetite (gulodice), mas se lançam nos combates espirituais: eles não deixam
de realizar por vezes coisas importantes que necessitam muito do temperamento, mas
dominados pela gulodice, pelos atrativos da carne, fazem perder todo o proveito daquilo
que eles tinham realizado com coragem”. (João Cassiano)
1. Nós temos visto, examinando a paixão da gastrimargia, que ela consiste em primeiro
lugar no desejar alimentos não com o fim de se nutrir, mas em vista do prazer que
procuram, e que este prazer é procurado pelo viés da qualidade, seja pelo viés da
quantidade, o que constitui nos dois casos uma verdadeira perversão da função nutritiva,
um desvio de sua finalidade natural e normal. A terapêutica da gastrimargia e a aquisição
Reginaldo Alves Campoe
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um mal essencial”; “se a ele não se acompanha da intemperança [...] ou de algum outro
vício, não se pode dizer que seja mal”. A temperança consiste pois, estritamente falando,
mais que abster-se do prazer, a não procurá-lo e a não se apegar a ele, mas mais
fundamentalmente a não lhe prestar nenhum atenção. E neste sentido que o Abba Poemen
aconselha: “Comer sem comer, beber sem beber.”
Porque a gastrimargia não se atém somente sobre a qualidade dos alimentos, mas
também sobre a quantidade, os Padres recomendam ao mesmo tempo evitar todo excesso
(Basílio de Cesaréia – Doroteu de Gaza) e tendo como princípio concreto de aplicação de
não comer nem beber à saciedade (Basílio de Cesaréia– Evágrio – Barsanuphe) e
permanecer sempre com algum pouco de fome e sede (João Cassiano – Isaias o Asceta).
São João Cassiano escreve assim: “A regra geral a seguir quanto à temperança consiste
em admitir [...] aquilo que é necessário para a nutrição para o sustento do corpo, não o
bastante para satisfazê-lo.” E mais adiante: “A sentença dos Padres é profundamente
justificada e provada pela experiência: a medida [...] da temperança consiste na privação
que a pessoa se impõe a quantidade de alimento; e a perfeição desta virtude, àquela que
é necessário dirigir, é a mesma para todos: parar de comer aquilo que nós somos forçados
a tomar para sustentar nosso corpo restando ainda um pouco de fome.” São João de Gaza
ensina a mesma coisa: “Ao modelo de medida da temperança, os Padres dizem que, seja
para o comer, seja para o beber, é necessário restar um pouco nisto, quer dizer não se deve
encher o ventre nem de comida nem de bebida.” Não comer à saciedade contribui par
afastar o prazer sensível que a busca leva a ultrapassar os limites do necessário (Gregório
o Grande), mas também a evitar as repercussões indesejáveis sobre o estado da alma e os
inconvenientes para a vida espiritual de uma nutrição e de bebida muito abundantes; ter
o controle da fome e da sede permite inversamente benefícios com certos efeitos positivos
sobre o jovem, mesmo que não se trate de um jovem no senso estrito (Diadoque de
Photicé). Deste modo são João Cassiano recomenda: “Que ninguém [...] coma à
saciedade. Com efeito, não é somente a qualidade, mas também a quantidade dos
alimentos que enfraquece a vivacidade do coração, entorpece o espírito tanto quanto o
corpo e atiça o lareira brilhante dos vícios”, porque “o espírito pesado (entorpecido) pelo
alimento, não pode mais guardar a regra do discernimento [...], todos os excessos de
alimento o tornam inseguros, mutáveis e instáveis”.
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situação. Assim são João Cassiano nota que deve se “procurar a perfeição da temperança
[...] primeiro no testemunho da consciência”. É ela que deve fazer prova do discernimento
indispensável. Santo Doroteu de Gaza insiste sobre a importância do discernimento:
“Aquele que quer ser purificado dos pecados [...] deve pois, se guardar da falta de
discernimento no alimento, porque, segundo os Padres, a falta de discernimento na
nutrição engendra todo o mal no homem.” Trata-se com efeito de determinar se o estado
atual do corpo favorece a vida espiritual ou se, ao contrário, ele é um obstáculo. Os
obstáculos são, por um lado, uma força muito grande do corpo, e, de outra parte, uma
grande fraqueza, que constituem dois excessos a evitar. Convém pois, nutrir mais o corpo
se se parece inapto a exercer seu papel na vida espiritual e se enfraquece a alma no lugar
de sustentá-la, deprimi-a e polariza sua atenção no lugar de estimulá-la, ao contrário, de
restringir sua alimentação que pela força excessiva entorpece a alma e favorece a
emergência e desenvolve pensamentos e movimentos passionais. Santo Hypatios ensina:
“Nós ordenamos de governar o corpo, afim de que ele não seja entorpecido de alimentos
e não faça soçobrar a alma nos pecados, e, de outra parte, que não se endureça e se abata
e não impeça a alma de se consagrar às coisas espirituais. Mas a alma deve forçar o corpo,
de modo que, assim que se enfraqueça, ela ceda um pouco, e logo que retome as energias,
ela afrouxe as rédeas.” Santo Doroteu de Gaza pontua no mesmo sentido: “Coma por
necessidade aquele que, tendo fixado uma ração quotidiana, a diminua, se pelo
entorpecimento que ela lhe cause, se dá conta que é necessário suprimir alguma coisa.
Se ao contrário esta ração, longe de entorpecer, não sustenta seu corpo e deve ser
ligeiramente aumentada, ajunte-se um pequeno suplemento. Desta maneira, ele avalia
justamente suas necessidades e se conforma em seguida àquilo que tinha sido fixado, não
para o prazer, mas com o fim de manter a força do corpo.” (Callinicos)
2. Nós temos visto examinando à paixão da gastrimargia que no seu caráter patológico se
atém não somente àquilo que constitui uma perversão, um uso contra a natureza da função
nutritiva, mas também e, sobretudo, ao fato que ela afasta o homem de Deus. Nós temos
visto também como ela constitui no fundo uma atitude idolátrica, o homem fazendo de
suas funções gustativas e digestivas o centro de seu ser e de sua satisfação uma causa de
preocupação e, por vezes mesmo, um dos fins essenciais de sua existência, dando a ela o
lugar que seria naturalmente de Deus.
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É também rendendo graças a Deus assim que se nutre que o homem manifesta a
atenção e adoração devida a Deus somente e pode colocar fim à paixão. Nós temos visto,
com efeito, que na paixão da gastrimargia, o homem desfruta dos alimentos fora de Deus,
considerando-os em si mesmos e fazendo-os servir exclusivamente ao seu próprio prazer.
Ora, os alimentos são uma criação (direta ou indireta) de Deus e um dom de Deus aos
homens, é por isto que eles não têm valor por si mesmos, mas por causa de Deus, e são
destinados a ser consumidos eucaristicamente. É por isto que são Paulo ensina que Deus
os “criou para que sejam tomados como ação de graças por aqueles que são fieis e
conhecem a verdade” (1 Tm 4,3). O homem curado da paixão e retoma uma atitude
virtuosa por um retorno de sua atitude que lhe faz cessar de considerar o alimento em si
mesmo e de fazê-lo servir ao seu próprio prazer, pelo contrário considera-o em Deus,
lembra a Deus e Lhe rende graças. É assim que são Paulo aconselha: “Seja comendo, seja
pois, bebendo, façam tudo pela glória de Deus” (1 Cor 10,31). (Basílio de Cesaréia,
Diadoque de Photicé, Doroteu de Gaza) Em consumindo pois os alimentos, o homem os
santifica (1 Tm 4,5) e neles todo o cosmos criado que eles representam. Ao mesmo tempo
e, sobretudo se santifica a si mesmo, e não somente suprime a barreira que a gastrimargia
colocou entre ele e Deus, mas se une a Deus a cada vez que ele Lhe rende graças.
A gastrimargia não tem sua fonte nas necessidades do corpo, mas em certos
desejos que procedem do coração, quer dizer, do homem interior. Ela consiste em uma
atitude diante dos alimentos e em certo modo de encarar a nutrição. Ela reside
essencialmente na busca do prazer ligada à qualidade ou/e à quantidade dos alimentos,
que leva frequentemente o homem a se nutrir excessivamente, quer dizer, para além das
necessidades. Por isto a luta contra esta paixão passa como nós o temos visto, pelo
discernimento, mas também pelo domínio dos pensamentos (João de Gaza) que caminha
junto com a vigilância. (João Cassiano, João de Gaza)
Mas é incontestável de outra parte que a gastrimargia seja uma das ‘paixões
corporais’, quer dizer que tem com o corpo uma relação direta e essencial, não somente
porque elas não podem se manifestar senão por seu intermediário, mas ainda porque ele
contribui a suscitá-las; ora “estas paixões”, como o diz são João Cassiano, “não curam
senão por um tratamento duplo”. Dito de outro modo, a terapêutica trabalhada no nível
da alma deve ser completada por uma terapêutica se aplicando ao próprio corpo. São João
Cassiano escreve a este propósito: “A gastrimargia e a luxúria [...] se despertam muitas
vezes sem que a vontade tenha parte nisto, pelo incitamento e pelo prurido da própria
carne, tem necessidade portanto por se consumir, de um objeto exterior, e não chegam ao
efeito senão mediante um ato do corpo [...] . Precisamente porque eles não se consomem
pelo ministério (intervenção) da carne, estes dois vícios reclamam especialmente, outra
terapêutica espiritual da alma, a prática da temperança corporal”, quer dizer, daquilo que
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nós chamamos precedentemente ascese corporal. É deste modo que, aos jovens e aos
velhos (João Clímaco), o trabalho corporal (João Cassiano, João Clímaco) podem
conforme os casos e as circunstâncias (João Clímaco) contribuir à cura da gastrimargia.
Nós temos visto, estudando a paixão da gastrimargia, que ela é, para a alma e para
o corpo do homem, a fonte de grande número de males, e que os Padres a consideram
como a “introdutora de todas as outras paixões” (João Clímaco) e como “a destruidora de
todos os frutos das virtudes” (Máximo o Confessor). É assim pois, que a virtude da
temperança permite a eliminação destes males (Callinicos) e destas paixões (Máximo o
Confessor, Gregório Nanzianzo) e se revela o princípio de uma multidão de bens
(Callinicos) e virtudes (João Crisóstomo, Gregório de Nissa).
Nós temos repetido em primeiro lugar que a gastrimargia estabelece uma série de
obstáculos à vida espiritual, pois ela tem por efeito de mergulhar a alma no torpor, de
tornar o espírito grosseiro e entorpece-lo, tornar lento os seus movimentos, impedindo de
conduzir como necessário o combate, reduzindo e alterando sua capacidade de
discernimento e tornando difícil a oração. A temperança permite erguer estes obstáculos
(Basílio de Cesaréia, Callinicos) e tem deste modo por efeito de “facilitar as funções da
alma” (Gregório de Nissa), notadamente de tornar o espírito mais vigilante, mais
dinâmico, de reforçar suas capacidades de discernimento e de compreensão (Callinicos),
de favorecer a compunção (João Clímaco) e a oração.
Nós temos visto igualmente que a gastrimargia suscita e nutre numerosas paixões
que tem como primeiro lugar a luxúria. A temperança tem por efeito “domar as paixões
do corpo” (Callinicos) e permite finalmente de suprimi-la (Evágrio), mas contribui
também para reduzir as paixões da alma, em particular a cenodoxia, o orgulho e a filáucia,
e ela favorece o restabelecimento das virtudes contrárias: continência e castidade para
aquilo que é luxúria, humildade para aquilo que é do orgulho. Assim como a gastrimargia
suscita e nutre numerosos pensamentos passionais, a temperança contribui em “guardar
o espírito livre em face dos objetos e suas representações”, instaurando na alma a calma
e a estabilidade, e em purificar o coração, o que ajuda o homem a chegar a uma oração
pura e encontrar um conhecimento verdadeiro. (Callinicos, Clemente de Alexandria,
Máximo o Confessor).
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3 - LUXÚRIA
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A palavra πορνεία significa literalmente prostituição. Mas os Padres englobam neste vocábulo todas as
formas de paixões sexuais.
- O conceito “perversão sexual” foi revisto pela Classificação Internacional de Doenças – CID 10 – e
substituído pela terminologia “parafilia”, com a conotação de: maldade, malignidade e erro moral.
A perversão é também uma forma erótica do ódio, pois o que preside o ato perverso é o desejo de
ferir ou danificar o outro. O perverso não conhece outra lei que não seja a lei do seu desejo, é colocar-se no
mesmo nível de Deus. Porém, para ser Deus, é preciso situar-se além das leis, desafiá-las, transgredi-las.
O perverso domina como ninguém o discurso da razão, do contrato e do cerimonial, precisa do
espaço teatral (a cena, os gestos, o aparato), não pode cair da sua categoria de deus.
São geralmente inteligentes, espontâneos e, à primeira vista, encantadores, emocionalmente
imaturos, impulsivos e sem capacidade crítica de seus atos.
Alguns traços indicadores deste tipo de personalidade:
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mesmo o seu valor, que ela é chamada à mesma santificação que todas as outras funções
da existência humana.
Há o abuso, ou mais exatamente o mal uso, assim que o homem usa da sua
sexualidade tendo em vista somente o prazer que aí se tem, quando faz do prazer a
finalidade de sua atividade neste domínio. Tal visão é perversa e patológica por várias
razões.
Primeiro, ela nega uma de suas finalidades principais da função sexual, a mais
aparente e que está inscrita na sua própria natureza: a procriação. É assim que são Máximo
nota que, de uma maneira geral, “o vício está no julgamento falso colocado sobre as
representações e do mau uso das coisas”, e que, por exemplo, “para as relações com as
mulheres, a regra do julgamento, é que elas sejam ordenadas para a procriação. Se pois
se visa o prazer, se julga mal, instituindo em bem aquilo que não o é , e, consequência
necessária, abusa-se da mulher em se unindo a ela.”
Esta finalidade, portanto, por essencial que ela seja, não é a única nem a mais
importante. Na espécie humana, a procriação pode aparecer mais como um resultado
natural da união sexual do que como seu fim natural. A união sexual é em primeiro lugar
um dos modos de união do homem e a mulher, ela é uma das manifestações do amor
mútuo, ela traduz este amor a um plano de seu ser, aquele do corpo [...]
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“A concupiscência é uma doença da alma (έπιθυμια νόσος έστι ψυχή), escreve são
Basílio, evocando notadamente aquela que está no produto desta paixão”. “Está doente
(aegrum) e ferido (saucium) pela paixão, o coração que olha com concupiscência” diz são
João Cassiano que qualifica em vários lugares a mesma paixão de “perniciosa doença
(langor)” ou de “doença (morbus)” sem mais nada, e fala do espírito tornado doente (mens
aegra) por seu prejuízo. Para designar esta paixão, são Gregório de Nissa fala da “doença
do prazer (νόσος της ήδονης – nósos tes édonones)”. São João Crisóstomo, que a qualifica
como são João Cassiano de “doença perniciosa” diz em outra parte: “É uma oftalmia tão
má quanto à luxúria; doença não dos olhos do corpo, mas dos olhos da alma”.
1. Uma inquietação e uma agitação da alma que acompanham seu exercício depois
do nascimento do desejo até a saciedade deste.
2. Uma inquietude que acompanha a paixão desde o começo, na busca de seu objeto
e na elaboração dos meios que permitem de chegar (com tudo aquilo que isto
implica principalmente da incerteza, da espera ansiosa disto ou de medo da falta).
Uma inquietude igualmente que segue a satisfação do desejo. O prazer desaparece
quase no momento em que ele aparece e deixa na alma um gosto tanto mais
amargo no momento em que o homem espera uma satisfação plena e total. O
apaixonado prova desde então um sentimento de frustração acompanhado de
ansiedade e mesmo por vezes de angústia. É no renovamento do prazer que, sob
o efeito de sua paixão, ele crê poder remediar a este estado de sofrimento. Deste
modo o desejo, mal satisfeito, renasce de novo com seu quinhão de inquietude.
Esta inquietude é, portanto, tão grande que o exercício da paixão entretém e
reforça a potência do desejo que o exprime, ao mesmo tempo que ele aumenta a
importância concedida ao prazer, o que não torna mais dolorosa de uma parte as
dificuldades inevitavelmente reencontradas na renovação da satisfação do desejo
na quantidade de vezes que a paixão o exige, de outra parte, a decepção que resulta
do deslocamento entre aquilo que o apaixonado espera do prazer e aquilo que este
traz na realidade.
3. Um obscurecimento do espírito, da inteligência, da consciência e uma perda do
julgamento.
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Além destes três principais efeitos, esta paixão tem por consequência o adormecer
espírito e entorpecer. Ela exerce sobre aquele que ela possui uma verdadeira tirania, mais
que todas as outras paixões, em razão de seu extraordinário poder. “Entre as numerosas
paixões que assediam o coração humano, não há nenhum que tenha contra nós uma força
comparável àquela do frenesi da volúpia”, escreve são Gregório de Nissa. Ela é por esta
razão “um inimigo difícil de combater e fazer repousar”, mas também por causa da
surpreendente rapidez da ação do demônio que o inspira.
Como todas as outras paixões, ela é destruidora de virtudes. Ela engendra as outras
paixões correlativamente na alma toda sorte de atitude viciosa e notadamente a ausência
do temor de Deus, o horror à oração, o amor por si mesmo, a insensibilidade, o apego
deste mundo, o desespero.
- A castidade monástica
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à paixão da luxúria, ela pressupõe e designa, neste último plano, uma total abstinência de
todo ato e, antes de tudo, de todo desejo sexual, àqueles, qualquer que seja sua forma,
revelam senão a paixão. Esta total abstinência pressupõe ela mesma uma perfeita
continência (έγκράτεια - égkráteia), quer dizer a capacidade de dominar e reprimir
totalmente as pulsões e os desejos sexuais.
Porque a luxúria é uma paixão que o corpo contribui para suscitar e realizar, sua
terapêutica “reclama especialmente outros remédios espirituais, a prática da temperança
[corporal]”. É deste modo que os jejuns, as vigílias, o trabalho fatigante, que mortificam
o corpo, são para o monge meios essenciais de se enfrentar as tentações, ser
continente/casto/sóbrio, guardar a abstinência e vencer este nível de luxúria. Estas três
práticas visam enfraquecer o corpo de maneira a privá-lo de uma energia excessiva que
poderia ser facilmente investida na sexualidade, mas cada uma dentre elas a uma
finalidade particular:
A estas práticas ascéticas, é necessário juntar “a fuga das ocasiões” que se realiza
essencialmente pela retirada para a solidão. “É necessário desviar da concupiscência dos
objetos de natureza sedutora, de medo que eles nos precipitem na satisfação”. Escreve
são João Damasceno: “Esta doença [a luxúria], além da mortificação do corpo e da
contrição do coração, exige também a solidão e a calma para poder fazer tombar a má
febre das paixões e se curar completamente. O mesmo que, o mais frequentemente, é útil
àqueles que sofrem de uma doença determinada de nem mesmo lhe fazer ver as
colocações que lhe fazem mal para evitar fazer conceber um desejo que seria fatal, assim
como a calma e a solidão são muito úteis para combater esta doença particular, sem ser
alterado por múltiplas imagens, possa chegar a um olhar interior mais puro e desarraigado
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petite métanie où l’on s’incline en touchant le sol de la main droite ; la grande métanie
où l’on se prosterne complètement en touchant le sol du front. A salmodia se confirma
igualmente muito eficaz contra esta doença.
O papel da prece é sempre e, sobretudo, de pedir a Deus a graça sem a qual todos
os esforços humanos para vencer esta paixão pareceriam irrisórios e não podem chegar a
nenhum resultado conclusivo. A castidade aparece sempre como um dom de Deus. São
João Clímaco escreve: “Há alguns que se gabam em vão que resolveram o combate contra
a carne e que a venceram por si mesmos.” E ainda: “Nenhum daqueles que se exercitou
com sucesso na prática da castidade, se vangloria de tê-la conquistado por suas próprias
forças. Porque isto é coisa impossível que se vença por sua própria natureza. Quando a
natureza é vencida, deve se reconhecer a presença d’Aquele que está acima da natureza.”
E são João Cassiano aconselha: “Se nós estamos no coração [...] de combater nas regras
do combate espiritual, concentremos todo nosso esforço em dominar este espírito impuro
colocando nossa confiança não nas nossas forças – porque a atividade/comportamento
humano não seria capaz jamais -, mas na ajuda do Senhor. Porque a alma será
necessariamente atacada por este vício tão longo tempo até que ela reconheça que traça
uma guerra acima de suas forças e que sua dificuldade e sua aplicação a ela não pode
obter a vitória se o Senhor não lhe venha em ajuda e não a proteja [...] em meio ao
contínuo labor, é necessário aprender da mestra que é a experiência que [a castidade] é
um dom livre da graça divina.”
Porque todas as paixões são solidárias, a terapêutica luxúria não seria dissociada
das outras paixões, em particular daquelas que favorecem diretamente suas
manifestações. É deste modo que a luta contra a luxúria deve ser acompanhada em tudo
primeiramente pela gastrimargia, como nós temos visto, mas também do combate contra
o orgulho e cenodoxia (vaidade), o julgamento do próximo, a acédia, a cólera, a paresia
(familiaridade excessiva com alguém – dizer aquilo que tem de mais íntimo. Definição
linguística de paresia: repetição de argumento, ou é a disfunção ou interrupção dos
movimentos de um ou mais membros superiores, inferiores ou ambos e conforme o grau
do comprometimento) e a cenologia (paixão por palavras vãs ou a ciência do vazio), a
filargiria, às quais ela está imediatamente ligada.
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A castidade, seja ela monástica ou conjugal, não pode ser considerada como
conquistada senão quando ela tornou-se habitual e permanente, não exigindo mais
combate, e é acompanhada de uma tranquilidade inalterável. “Tal é, nota são João
Cassiano, a consumação da verdadeira castidade: ela não tem mais o combate dos
movimentos da concupiscência carnal, mas ela os detesta com um horror total, e ela se
conserva numa constante e inviolável pureza.”
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dominação, mas ainda enquanto fonte do desejo sensual e da paixão. O outro é tomado
na sua realidade fundamental de pessoa portadora em sua natureza da imagem de Deus;
torna-se ícone de Deus, transparente diante d’Ele, sujeito a glorificá-l’O.
A castidade é uma das portas da caridade. Ela é também uma das condições
fundamentais do conhecimento espiritual. De uma maneira geral, esta virtude aparece
como sendo para o homem uma das principais fontes de santificação; é por ela de modo
particular que o Espírito Santo e o Cristo fazem sua morada no coração do homem e que
este é assimilado não somente aos anjos, mas ao próprio Deus.
4 - FILARGIRIA e a PLEONEXIA
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a atitude perversa do homem com relação a elas. A finalidade do dinheiro e dos bens
materiais é de serem utilizados pelo homem para satisfazer suas necessidades em relação
à subsistência. O cúpido e o avaro não respeitam esta finalidade e adotam por elas uma
atitude patológica em lhes conferindo um valor nelas mesmo em um valor utilitário e um
prazer não pelo seu uso, mas pela sua posse. (João Crisóstomo – Commentaire sur saint
Matthieu; Basílio de Cesaréia – Homélies sur les riches). São Máximo sublinha sobre isto
igualmente que « nada é mal entre as criaturas de Deus”, a paixão é devido ao mau uso
que nós fazemos das potências de nossa alma, na circunstância da potência desejada.
Assim, diz são Máximo, aquilo que é mal, “não é a riqueza, mas a avareza [...]”. Nada
daquilo que existe é mal, mas somente o mal uso, pela negligência do nosso espírito em
se cultivar segundo a natureza.”
É este mal uso da faculdade desejante, mas também todas as outras faculdades que
elas implicam, que constituem fundamentalmente o caráter patológico da filargiria e da
pleonexia. Mas este mal uso não se define somente em relação aos bens materiais. Ele
se define, mais fundamentalmente, na relação a Deus, e implica também nas relações do
homem consigo mesmo e com seu próximo.
Quando o homem em seu estado primeiro investia totalmente seu desejo em Deus
e se apegava em conservar as riquezas espirituais recebidas d´Ele e em conquistar novas,
em se conformando em tudo à finalidade natural de sua faculdade desejante, nas suas
paixões ele voltava seu desejo desta finalidade normal para o retorno aos seus bens
materiais, e uso contra a natureza para adquiri-las e conservá-las. O amor a Deus e o
apego aos bens materiais de uma parte, o amor do dinheiro e o apego aos bens materiais
de outra parte, se fundem na mesma faculdade desejante do homem, é porque eles são
incompatíveis, e se excluem um ao outro, como o ensina o próprio Cristo: “Ninguém pode
servir a dois senhores, ou odeia um e amará o outro, se apegará a um e desprezará o outro.
Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 15, 13; Mt 6, 24). O homem se distancia
mais de Deus portanto quando ele se apega ao dinheiro e se mostra ávido pela riquezas
materiais, “este amor, vitorioso entre todo outro amor, expulsando da alma todo outro
desejo’, como o nota são João Crisóstomo (Discursos). São Nicétas Stéthatos escreve
sobre isto: a filargiria “incita os homens a preferir o amor ao dinheiro do amor ao Cristo,
ela coloca o Criador da matéria mais baixo que a própria matéria, ela o persuade a adorá-
la antes que Deus”. “Se tu amas ser amigo do Cristo, desprezarás pois o ouro e sua cobiça,
porque ela torna sobre si mesma o pensamento daquilo que ama e se afasta do dulcíssimo
amor de Cristo”.
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a mesma atitude que eles, (João Crisóstomo, Comentário sobre são João): ele lhe dá de
fato a mesma importância, e até mesma sacralidade, experimenta em si mesmo da mesma
atenção, a postura do mesmo respeito, manifesta a mesma veneração, e se não lhe oferece
sacrifício materiais, lhe consagra bem mais, dispensando por elas toda sua energia, todas
as suas forças e todo seu tempo; imola-lhe sua alma. (João Crisóstomo).
38
igualmente nas relações do homem com seu próximo que se tornam gravemente
perturbadas por estas duas paixões.
23
Ambrósio de Milão, Naboth le pauvre; são Gregório de Nissa, Traité de la virginité; são Basílio de
Cesaréia, Homélies contre les riches; são Gregório o Grande, Morales sur Job; são João Crisóstomo,
Commentaire sur le Psaume; Syméon le Nouveau Theologien, Catéchèses.
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João Crisóstomo, Homélies sur la Genèse; Gregório Nanzianzo, Discours; Gregório de Nissa, De
l’amour des pauvres; Basilío de Cesaréia, Homélies contre les riches; Marcos o monge, De la pénitance.
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Por todas estas razões, os Padres afirmam que a filargiria e a pleonexia constituem
verdadeiras doenças da alma. (João Crisóstomo, Basílio de Cesaréia, João Cassiano, João
Clímaco, Nicétas Sthétatos, Nil Sorsky). Não hesitam em ver nestas duas paixões formas
de loucura.
A filargiria e a pleonexia tem por caráter ser insaciável; isto permite compreender
uma parte importante de sua patogenia. Os Padres mostram frequentemente que estas
paixões comportam em si mesmas uma tendência em se desenvolver mais e mais e tanto
que elas não conhecem jamais um fim definitivo, não são jamais dominadas ou contidas
pelos objetos aos quais se apegam. O que se subentende neste desejo, não somente se
exerce indefinidamente, mas cresce mais e mais na medida de sua realização e de sua
manifestação. (São Gregório o Grande, Basílio de Cesaréia, Ambrósio de Milão) Para são
João Crisóstomo, a filargiria e a pleonexia são uma “bulimia da alma”: “Não há doença
mais cruel que esta fome incessante que os médicos nomeiam de bulimia; o bem comer
ou comer insaciavelmente, nada a acalma. Transportar tal doença do corpo para a alma;
o que poderia haver de mais horrível? Ora a bulimia da alma é a avareza, mais ela se
empanzina dos alimentos, mais ela os deseja. Ela estende sempre para além daquilo que
possui”. Esta insaciabilidade ataca, aliás, tanto os pobres como os ricos. Submissos a esta
paixão, os pobres invejam os ricos, mas os ricos invejam aqueles que são ainda mais ricos
que eles, porque, como nota santo Ambrósio, “todo ser que possui em abundância se
estima ainda mais pobre”. (Naboth o pobre)
25
“O rico, mesmo quando não provou alguma perda, tem medo de provar”. João Crisóstomo
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Crisóstomo, que diz ainda “a avareza é um terrível flagelo, ela fecha os olhos, ela entope
os ouvidos daquele que é possuído”. Em consequência, o avaro tem uma visão da
realidade radicalmente falsa: “A avareza é um tipo de noite que obscurece todas as coisas,
ou mais ainda os faz ver de outro modo tanto que elas não são elas mesmas”, faz se
necessário ainda remarcar são João Crisóstomo em vários lugares que a filargiria
engendra ‘o delírio’. [...] “O homem apegado às riquezas delira igualmente naquilo que
ele dá um valor absoluto, considera os objetos como se eles fossem realmente eternos
visto que eles são todos perecíveis, destrutíveis (Mt 6, 19-20); Jo 5,3). Se deixando
enganar, obnubilados pelo prazer sensível que se apegam à sua paixão, o filargírico e o
cúpido deste modo estão cegos na ignorância dos verdadeiros bens, das riquezas
autenticamente absolutas e eternas”.
26
São João Crisóstomo, Commentaire sur saint Matthieu, Commentaire sur saint Jean; Jean Moschus, Le
pré spirituel ; Évagre, Des diverses mauvaises pensées ; Jean Cassiano, Institutions cénobitiques ; Grégoire
le Grand, Morales sur Job ; Thalassios, Centuries ; João Damasceno, Discours utile à l’âme.
27
João Cassiano, Conférences; Gregório de Nissa, Traité de la virginité; Hésychius de Batos, Chapitres
sur la vigilance; Nicétas Stéthatos, De l’âme; João Climaco, L’Échelle.
Reginaldo Alves Campoe
41
A filargiria e a pleonexia, como nós vimos, tem por caráter fundamental serem
insaciáveis. Nesse caso, o corpo impõem certos limites aos desejos que subentendem a
gastrimargia e a luxúria, o desejo que é a base da filargiria e da pleonexia crescem mais
assim que são satisfeitos, e estas paixões tornam-se portanto mais difíceis de cuidar
quando deixadas crescer por mais tempo. É por isto que os Padres, antes de considerar os
remédios que possam ser aplicados, convidam a uma rigorosa profilaxia. Assim são João
Crisóstomo diz, ela causa uma febre que não se pode mais apagar, de modo que: “Eu vos
exorto a cortar este mal desde seu início. Como a febre que no começo não preocupa,
primeiro uma sede bem impetuosa, mas quando ela cresce e ilumina o fogo, a bebida mais
abundante não poderia estancar, e não faz senão atiçar a fornalha; assim chega esta
paixão: se nós não a estancamos desde o seu princípio, se nós não lhe fechamos a porta
de nossa alma, uma entrada, ela nos dará uma doença que não poderá ser mais curada [...]
Eu suplico pois, àqueles que não conhecem ainda esta doença, de se garantir”. (Homélies
sur 1 Corinthiens, XI) São João Cassiano remarca que convém proceder deste modo cara
a cara com todas as paixões, isto se impõem mais ainda com a filargiria: “Portanto nós
podemos estar em guarda contra [esta doença] e tranquilizá-la, contudo, se se, por
negligência, deu entrada no teu coração, ela se torna mais perigosa que todas as outras
doenças e mais difícil de tranquilizar”. (Instituições Cenobíticas)
Mas convém que para esta esperança tenha um fim, trabalhar certo número de
meios terapêuticos precisos. É por isto que são João Crisóstomo propõe “prescrever uma
regra detalhada, seguindo as normas médicas”. ((Homélies sur 1 Corinthiens XI)
Enfim é necessário, para aquele que quer estar curado da filargiria e da pleonexia,
conhecer muito bem esta paixão e seus efeitos nefastos, este conhecimentos constitui o
primeiro elemento da terapêutica. É por isto que os Padres no seu ensinamento reportam-
se, tomando atenção de fazer proceder à prescrição dos remédios numa minuciosa
nosologia. São João Clímaco introduz assim o capítulo ‘Escada’ que lhe é consagrado:
“Diremos de início algumas palavras sobre a doença, nós trataremos em seguida dos
remédios que a curam.” São João Crisóstomo diz mais precisamente a propósito da
filargiria: “Que loucura que ela é! Que doença!” Mas, dir-se-á, não se trata somente de
acusar os doentes, mas de curá-los de sua paixão. E “como curá-los, senão em mostrando
que a sua paixão é ignóbil e entroniza males incalculáveis.” A mesma nota em outro lugar
diz que é necessário ao doente de “não somente sonhar sobre aqueles que são curados do
mal, mas ainda nos sofrimentos que aqueles perseveraram”. (Homélies) E é no capítulo
sobre as Instituições Cenobíticas consagrado à filargiria que são João Cassiano escreve:
“Se ainda não se expos as formas variadas duma doença, se ainda não se inventariou sua
Reginaldo Alves Campoe
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origem e suas causas, não se poderá aplicar aos doentes o tratamento adaptado nem
permitirá aos perseverantes de conservar a boa saúde. Os antigos, que têm uma grande
experiência neste gênero de quedas, tem o costume de expor nas suas conferências [...]
Nós ali reconhecíamos bem frequentemente os elementos em nós enquanto que os antigos
fazendo a exposição completa como se eles mesmos estivessem perturbados por estas
paixões, e, sem ter que corar de vergonha, nós estávamos curados tomando sem nada
dizer os remédios ao mesmo tempo em que as causas dos vícios nos consumiam”.
(Institutions...) Tomando a consciência da nocividade da doença, o doente é conduzida a
cessar a solidariedade asseadamente da doença e procurar ardentemente a cura; em se
adquirindo uma consciência profunda, não ignora mais nada de seus mecanismos e se
encontra melhor armado para o combate.
4) O Apóstolo indica para isto uma quarta condição da vitória sobre a filargiria e a
pleonexia: a aquisição de uma fé sólida em Deus. Isto é o que afirma explicitamente são
João Clímaco: “Uma fé inquebrantável corta toda inquietação pela raiz”.
Nós temos visto que há, na base das duas paixões, uma inquietação do homem em
face de um futuro que ele não conhece nem tem domínio, a tentativa de aquisição ou
conservação de alguma maneira de uma multidão de bens materiais, de assegurar de
alguma maneira este futuro, o homem se confiando em suas próprias riquezas no lugar de
esperar em Deus todo socorro. Para poder curar estas paixões, é indispensável então que
Reginaldo Alves Campoe
43
o homem, após ter tomado consciência da impossibilidade de encontrar nos seus bens
materiais uma garantia verdadeira, remete toda sua confiança e sua esperança em Deus, e
consagra em consequência todas as suas forças em chegar ao Seu Reino, em se apropriar,
no lugar de riquezas materiais vãs e passageiras, das riquezas espirituais duráveis e
seguras que Ele dá àqueles que tendem para Ele. Aí está o ensinamento do próprio Cristo:
“Não vos inquieteis por vossa vida, daquilo que comereis, nem por vosso corpo, com o
que vestireis. [...] Quem de vós, por suas inquietações pode ajuntar um côvado à duração
de sua vida? [...] Não vos inquieteis em nada e não digam: Que comeremos? Que
beberemos? O que vestiremos? Porque todas estas coisas são os pagãos que as procuram.
Vosso Pai celeste sabe do que tendes necessidade. Procurai primeiramente o reino e a
justiça de Deus; e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 25-33). “Não
vos acumuleis de tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os
ladrões entram e roubam” (Mt 6, 19-20). É nesta perspectiva que são João Crisóstomo
aconselha: “Voltemo-nos [ao nosso Mestre] em todas as coisas e não nos deixemos de
nenhum jeito nos encastelar às inquietações desta vida”; “se nós damos a prioridade ao
bens espirituais, porque Deus no-los concedeu”; estejamos inclinados de todo nosso
espírito para o desejo dos bens espirituais e consideremos todo o resto como secundário
em comparação às alegrias dos bens futuros, afim de receber em abundancia os bens
presentes, aqueles da promessa”.
O homem pode às vezes constatar que quanto mais se apega aos bens espirituais,
mais adquire em relação dos bens sensíveis uma das virtudes opostas à da filargiria e
pleonexia: o desapego. “Aquele que adquiriu o gosto das coisas do alto, despreza
facilmente aquelas daqui de baixo”, remarca são João Clímaco que escreve ainda: “Um
pequeno fogo é suficiente para queimar muita madeira; e com a ajuda de uma só virtude,
escapamos de todas as paixões que possam nos dizer. Esta virtude se nomeia desapego;
ela é engendrada pela experiência e pelo gosto de Deus [...].”
Para se apegar aos bens espirituais, é necessário que o homem tenha desde o início
tomado consciência que existe “outra beleza, outras riquezas, outras alegrias superiores”,
“riquezas verdadeiras que procuram uma alegria imortal”, que não há nenhuma riqueza
superior à glória de Deus e que mereça ser por ele preferida. Mas esta tomada de
consciência não é realmente possível, como o indica são João Clímaco, senão por uma
experiência das realidades espirituais às quais o homem chega senão quando cessa de se
conduzir por uma vida inteiramente carnal e se una a Deus pelo amor e pela prática dos
mandamentos. Somente “o gosto de Deus”, como o diz tão concretamente são João
Clímaco, lhe permite medir, por comparação aos bens divinos, o pouco valor dos “bens”
sensíveis.
O fato de que o apego em comparação aos bens sensíveis seja correlativo do apego
aos bens espirituais, e vice-versa, se explica como nós o temos sublinhado várias vezes,
pela impossibilidade do desejo de se portar simultaneamente sobre dois objetos
antagônicos, como o ensina o próprio Cristo, justamente a propósito da filargiria:
“Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará um e amará o outro; ou se
Reginaldo Alves Campoe
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apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e a Mamon” (Mt 6, 24)
(mammon significa “riqueza” em aramaico). E compreende-se por isto que o homem não
pode se apegar a Deus do mesmo modo que ele se apega às riquezas materiais, o que nos
permite lembrar que a finalidade da cura da filargiria e pleonexia, é de permitir ao homem
de se unir a Deus, de amá-lO, com toda sua inteligência, com toda sua alma e com todas
as suas forças, de libertar todas suas faculdades de seu apego às riquezas sensíveis para
que elas possam se consagrar a Deus, segundo a sua finalidade natural. A situação
espiritual do homem inteiro e seu destino dependem do tipo de riqueza que ele deseja
possuir e às quais ele se apega; a questão fundamental é aqui saber se ele se acumula “dos
tesouros sobre a terra” (Mt 6, 19) ou “de tesouros no céu” (Mt 6,21), porque, diz o Cristo:
“Lá onde está teu tesouro, lá também estará o teu coração” (Mt 6,21).
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5 - A TRISTEZA
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A tristeza aparece como um estado de alma feito - diferente daquilo que esta
palavra deveria indicar - de desencorajamento, astenia, de indisposição e dor psíquica, de
abatimento (Doroteu de Gaza), de angústia, de opressão, de depressão (João Cassiano),
acompanhada o mais frequentemente de ansiedade ou mesmo de angústia.
Este estado pode ter múltiplas causas, mas é sempre constituído por uma reação
patológica da faculdade irascível ou/e da faculdade desejante da alma, e se encontra pois
essencialmente ligado à concupiscência e/ou da cólera. “A tristeza, explica Evágrio,
sobrevém por vezes pela frustração dos desejos, por vezes também ela é uma
consequência da cólera”. (Doroteu de Gaza) Mas ela pode igualmente ser produzida na
alma por uma ação direta dos demônios, ou ainda aí nascer sem motivo aparente.
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muitas vezes entristecido”, diz ainda Evágrio. O prazer estando ligado ao desejo pode se
ainda dizer, com o mesmo autor que “a tristeza é a frustração de um prazer presente ou
previsto”. São Máximo e são Thallasios dão a mesma definição. Temos visto que são
Máximo sublinha que o prazer sensível é inevitavelmente seguido de dor, sendo este mais
frequentemente psíquico do que físico, tomando de outra maneira, a forma da tristeza. É
por isto que são Máximo diz que a tristeza “é o fim do prazer sensível”.
A tristeza pode estar em relação com outros sentimentos como o rancor: ela resulta
frequentemente do sentimento que a cólera possa ser excessiva ou desproporcional àquilo
que a motivou.
3) Por vezes, portanto, a tristeza parece imotivada. “Acontece que nós sejamos tomados
de uma angústia súbita e sem causa; nós nos sentimos acabrunhados duma tristeza à qual
não se encontra um ponto de motivo.” (João Cassiano) O mesmo santo diz que muitas
vezes não existe senão duas formas de tristeza: a primeira comporta todas as formas que
nós vimos precedentemente, “a outra provém de uma ansiedade ou de um desespero sem
razão”. (Barsanuphe; Doroteu de Gaza) O limite é então pouco preciso entre esta espécie
de tristeza e a paixão da acédia.
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que está unicamente na alma mesma do homem, mais precisamente na atitude que ele
adota diante dos acontecimentos exteriores como diante de si mesmo. O homem é pois
responsável pela tristeza que o afeta. “Nossas alegrias e nossas tristezas, vêm menos da
natureza das coisas que de nossas próprias disposições. Se elas são sabiamente regradas,
nós teremos sempre no nosso coração um grande fundo de contentamento. As doenças do
corpo têm por causa, mais que qualquer coisa a desordem interior; mas a mais forte razão
são as doenças da alma. Porque se aquelas do corpo são atributos de nossa natureza, as
outras dependem senão da nossa vontade”. (São João Crisóstomo)
Sob o efeito do desespero (e por vezes mesmo da simples tristeza), o homem pode
se dar às paixões dissolutas, pensando que elas podem trazer remédio ao seu estado, não
faz outra coisa senão afastar a consciência desta. Como o Apóstolo constata: “Tendo
perdido toda esperança, eles se entregam à dissolução, abertos a todo tipo de erro,
mergulhados na impureza” (Ef 4,19).
Fonte da morte espiritual, o desespero, pode também arrastar o homem a dar fim
da sua vida: colocando-o a não esperar mais nada da sua vida, ele imprime a sua alma
ideias de suicídio.
A tristeza, por todas estas razões, é considerada pelos Padres como uma doença
da alma da qual a importância é grande e os efeitos poderosos.
Notemos ainda que, como todas as outras paixões, a tristeza enche a alma de
obscuridade, recobrindo o espírito de trevas, cegando a inteligência, e reduzindo
consideravelmente sua faculdade de discernimento. (São Gregório o Grande; Nil Sorsky)
Um de seus efeitos específicos é entorpecer a alma (Isaac, o Sírio). Ela produz no homem
inteiro um estado de astenia e de tédio, tornando-o pusilânime e paralisa sua atividade.
Este último efeito se confirma particularmente grave ao plano espiritual, privando-o de
todo seu dinamismo contraria seus esforços ascéticos, “devasta as preces” (Evágrio),
particularmente se vem em consequência de uma falta. (João Clímaco)
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Na nosologia da tristeza nós vimos que ela pode ter diferentes causas. A cada uma
convém uma terapêutica especifica.
2) Uma segunda causa essencial da tristeza é a cólera, como consequência de uma ofensa
súbita, tomando então frequentemente a forma de rancor.
Os Padres sublinham que a causa da tristeza não está naqueles contra os quais nós
dirigimos a nossa cólera e diante daqueles que nós experimentamos rancor, nem ao menos
naqueles que nos ofenderam, mas em nós somente. Colocar um fim na relação com as
pessoas nesta ocasião concernentes não seria, como consequência, constituir uma terapia
adequada. Assim são João Cassiano escreve: “Deus, o criador de tudo, sabendo melhor
que qualquer um como curar sua criatura e que isto não estava nas coisas, mas em nós
Reginaldo Alves Campoe
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mesmos que residem a raiz e a causa de nossas faltas, não nos ordenou de abandonar a
relação com nossos irmãos, nem de evitar abandonar aqueles pelos quais imaginamos
lesados ou por aqueles que nós nos imaginamos ofendidos.” A convivência com o outro,
neste caso, permite ao contrário uma cura mais rápida que a solidão, na medida em que
ela constitui para o homem uma prova que confronta diretamente com as dificuldades que
estão na origem da tristeza que ele experimenta, e lhe permite assim de aí remediar mais
facilmente e mais rapidamente. O risco, de outra maneira, seria que estas dificuldades
tornam-se mais ou menos inconscientes permanecendo operantes e mantendo o homem
mergulhado na tristeza; sabe-se de outra parte que a lembrança das injúrias, o
ressentimento, o rancor, e em geral todas as consequências da cólera, têm a tendência de
não se apagar espontaneamente, mas ao contrário se desenvolver silenciosamente, a se
reforçar sob a empresa da imaginação, a ser tomada como um veneno e a envenenar pouco
a pouco a alma inteira.
Se um dos teus irmãos “te injuria ou te aflige faça de outro modo”, recomenda
uma Ancião, “reze por ele como os dizem os Padres, com o pensamento de que ele te
proporcionará grandes benefícios e que ele é um remédio curador em ti do amor ao
prazer”. Outro aconselha: “Se alguém guarda a lembrança de alguma pessoa que afligiu,
lesou ou insultou, ele deve se lembrar dele como um médico enviado por Cristo e
considerá-lo como um benfeitor. Porque se tu te afliges nestas circunstancias, é porque
tua alma está doente.”
3) Nós temos visto que ao lado das formas de tristeza de que é possível determinar a causa
com precisão, existe uma tristeza “imotivada”, que pode aparecer na alma sem razão, e
que é na maioria das vezes suscitada por intervenção do demônio. Neste caso não há um
remédio específico, e é uma terapêutica de caráter geral que deve se usar e mesmo as
terapias anteriores.
51
6 - ACÉDIA ou acídia.28
- O demônio do meio-dia.
A acédia é vizinha da tristeza (João Cassiano), a tal ponto que a tradição ascética
da qual são Gregório o Grande é inspirador no Ocidente reuniu estas duas paixões em
uma só. A tradição ascética oriental, contudo as distingue (Athanase d’Alexandrie –
Pallade – Máximo o Confessor – João Clímaco).
O termo grego (ακηδία) tomado em latim sob a forma de acedia e em francês sob
acédie: é com efeito difícil de dar uma tradução às vezes simples e às vezes completa; as
palavras paresse (preguiça, moleza, indolência) ou ennui (tédio, aborrecimento, tristeza)
pelas quais se é frequentemente tomado, não exprimem senão uma parte da realidade
complexa que ela designa.
28
- Tédio – apatia – negligência – indiferença – tristeza – depressão anímica- Um dos oito pecados mortais
ou vícios capitais instituídos por Evágrio e mais tarde retirado da lista por Gregório Magno.
- Abulia (abulia espiritual): enfraquecimento grave e duradouro da vontade, segundo a psiquiatria, ela se
associa à neurose.
52
pode portanto colocar o homem no sono (Symeon) sem que ele esteja cansado (João
Clímaco).
A acédia torna o homem instável na sua alma e no seu corpo (Cassiano). Suas
faculdades tornam-se inconstantes; seu espírito incapaz de se fixar vai de um objeto ao
outro. Logo que fica sozinho, contudo, não suporta permanecer no lugar onde está: a
paixão põe-no a sair (Cassiano), a se deslocar de um lugar ao outro. Coloca-se às vezes a
errar e vagabundear (Cassiano). De uma maneira geral, ele procura a todo preço contato
com os outros (Cassiano). Esses contatos não são objetivamente indispensáveis, mas
transportados pela paixão, sentem a necessidade de encontrar ‘bons’ pretextos para
justificá-los (Cassiano). Ele estabelece e entretém assim relações frequentemente fúteis
que alimenta com discursos vãos ou manifesta geralmente uma vã curiosidade.
Pode acontecer que a acédia inspire àquele que está sob o seu efeito, uma aversão
intensa e permanente pelo lugar onde se reside (Evágrio – Cassiano), ela lhe dá motivos
por se sentir descontente, leva-o a acreditar que se sentirá melhor em outro lugar
(Cassiano – Arsène). “Ele é levado a desejar outros lugares onde poderá encontrar mais
facilmente aquilo que necessita” (Evágrio). A acédia pode também levar a fugir (escapar)
de suas atividades, principalmente do seu trabalho do qual se tornou insatisfeito
(Evágrio), e ela leva-o então a procurar outros, fazendo-se crer que eles serão mais
interessantes e vão torná-lo feliz [...].
53
daqueles que estão adiantados na oração ou que são assíduos a ela”, nota Syméon. E
muitos observam que é, sobretudo à hora da prece, que ela engendra do torpor na alma e
no corpo e põem o homem para dormir: Quando não é a hora da salmodia, a acédia não
aparece. “E quando o ofício termina, nossos olhos se abrem”, santo João Clímaco. E
“assim que o momento do ofício e da prece chega, (este demônio) começa novamente a
nos tornar o corpo pesado. E logo nós oramos, ele nos lança no sono, e fora do momento
ela nos incita com bocejos, impede de pronunciar os versos inteiros”, constata ainda.
Se for verdade que a acédia afeta a todos especialmente aqueles que se esforçam
a se submeter a uma disciplina espiritual regular e, por causa disto, reduzem ao
estritamente necessário suas atividades exteriores e seus deslocamentos, e buscam o
máximo possível de silêncio e solidão; se é verdade que mais o homem se regra
espiritualmente e se isola para se dedicar à oração que o une a Deus, mais ele é atacado
por esta paixão particularmente temida dos ermitões, a acédia não deixa portanto em paz
aqueles que vivem sem disciplina (fora: en dehors) rígida e mesmo aqueles que deixam a
atividade espiritual. É sob outras formas que ela se prende a eles, como insiste santo Isaac,
o Sírio: “àqueles que conduzem suas vidas ao serviço do corpo”, “surge uma outra acédia
que é visível aos olhos de todos” (Discours ascétiques) . Esta acédia toma a forma
frequentemente de um sentimento obscuro e confuso de insatisfação, desgosto, angústia,
lassidão, sempre preocupados com a própria existência “Diadoque de Photicé: l’espirit
d’acédie dévalorise cette vie temporaire), com suas companhias, com o lugar onde
moram, seu trabalho, não importa qual atividade. (Santo Poemen: La acédie se presente
chaque fois que l’on commence quelque chose)”. Eles são ainda afetados de uma
inquietude sem razão, de uma ansiedade generalizada, ou de uma angústia episódica ou
contínua. Geralmente eles se encontram aprisionados, correlativo de um estado de torpor,
adormecimento psíquico e físico, de uma fadiga geral e constante, experimentada sem
uma razão particular, duma sonolência periódica ou permanente da alma e do corpo.
Frequentemente, paralelamente, e por conjurar de todas as maneiras seus estados penosos,
a acédia os coloca em múltiplas atividades e a deslocamentos inúteis e de visitas sem
utilidade, e a tudo aquilo que possa fazê-lo escapar da angústia e ao tédio, a fugir da
solidão e a se entulhar da insatisfação que eles ressentem. É assim então que eles querem
e creem repetidamente se satisfazer e se encontrar, na realidade, eles não se voltam a si
mesmos e ao seu devir espiritual, de sua natureza e de seu verdadeiro destino, e por isto
mesmo da satisfação plena e inteira.
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Diferente das outras paixões principais, a acédia não engendra nenhuma paixão
particular pela razão de que é ela que anteriormente as produz. “Este demônio não é
seguido imediatamente de um outro”, afirma Evágrio que explica em outro lugar: “O
pensamento da acédia não é seguido por nenhum outro pensamento, primeiro porque ela
dura, em seguida porque ela tem em si mesma todos os pensamentos”. São Máximo o
Confessor afirma o mesmo sobre a acédia, “ela coloca em movimento todas as paixões”.
Santo Barsanuphe ensina de maneira mais geral que “o espírito de acédia engendra todo
o mal”. Santo João Clímaco nota em consequência que “a acédia, para o monge, é uma
morte que o encerra por todos os lados” e santo Syméon conclui do mesmo modo, ela “é
Reginaldo Alves Campoe
55
a morte da alma e do espírito”. E conclui: “Se Deus deixasse (este demônio) empreender
toda sua força contra nós, sem dúvida nenhum asceta seria salvo”.
Assim, diante da amplidão destes efeitos, os Padres afirmam que a acédia é a mais
tirânica, a mais opressiva de todas as paixões (são Máximo), “a mais grave das oito” (João
Clímaco), que “não há paixão pior do que ela”. Santo Isaac diz que ela “faz gotejar o
inferno na alma”.
A patologia da acédia não pode ser considerada, como aquela das outras paixões,
como constituída pela perversão do uso de alguma faculdade particular. São Máximo faz
remarcar que nela implica todas: “Todas as outras paixões que afetam a alma seja a parte
irascível, seja a concupiscência, seja mesmo a parte racional [...] acédia contudo, se
prende em todas as faculdades da alma” (Evágrio). Mas, por outra parte, ela não se
constitui pelo seu uso contra a natureza, mas não tendo na natureza nenhum fundamento
positivo. Ela é uma espécie de entorpecimento, uma inércia de uma parte, e a distração
de outra, como todas as faculdades que contribuem para a vida espiritual do homem.
Santo Thalassios exprime bem este aspecto na sua dualidade quando a define como “a
negligencia da alma”. Ela poderia de certa maneira ser considerada como constituída pela
ausência do zelo espiritual dado pelo Espírito, tanto ao primeiro homem como ao homem
renovado em Cristo para que eles completassem com fervor seu papel espiritual.
- A TERAPÊUTICA DA ACÉDIA
Nós temos visto descrevendo a paixão da acédia que ela tem por particularidade
de se prender em todas as faculdades da alma e de colocar em movimento quase todas as
paixões, e que ela significa, em consequência disto, a morte de todas as virtudes. Também,
diferentemente das outras paixões, a acédia não é susceptível de ser curada ou substituída
por uma virtude que lhe seja especificamente oposta. “Cada uma das outras paixões
podem ser destruídas por uma determinada virtude, mas a acédia [...] é uma morte que
encerra [o homem] de todos os lados”, ensina são João Clímaco. Esta particularidade
necessita uma terapêutica multiforme, como sublinha são João Cassiano: aquele “que
deseja permanecer nas regras, no combate da perfeição deve [...] combater sobre todos os
frontes este pernicioso espírito de acédia”.
A terapêutica supõe que a doença seja colocada em dia e seja observada como tal,
porque esta paixão tem por característica de ser imotivada e estar por isto frequentemente
inconsciente e incompreensível, tanto assim que um de seus principais efeitos é cegar o
espírito e tornar totalmente obscura a alma. É por isto que são João Cassiano escreve
ainda que aquele que quer combater como é preciso “deve se apressar em extirpar esta
Reginaldo Alves Campoe
56
doença do secreto da alma”. E Abba Poemon nota por sua vez que “se o homem a
reconhece naquilo que ela é, obtém o repouso”.
A paixão se caracteriza por uma parte, nos solitários, sobretudo, pela necessidade
de deixar a cela, de se deslocar, de entrar em contato com os outros, trata-se
primeiramente de reconhecer que as justificações desta necessidade o homem apresenta
então, não são senão vãos pretextos ditados pela própria paixão ela mesma. Isto o ajudará
a não ceder a esta necessidade. Os Padres recomendam unanimemente, assim que a paixão
se apresenta sob esta forma, combater por resisti-la, esforçando-se em primeiro lugar de
não deixar o lugar onde se encontra por qualquer pretexto que seja. “Não é necessário”,
escreve Evágrio, “deixar a cela na hora das tentações, quão plausíveis sejam os pretextos
que se forje, mas é necessário permanecer sentado no interior, ser paciente, e acolher
valentemente os assaltantes (ou assaltos), todos, mas sobretudo o demônio da acédia [...]”.
“Quando o espírito da acédia se eleva em ti, não deixe a casa e não fuja da luta [...]”,
aconselha ele ainda. São João Cassiano sublinha do mesmo modo que ele “não se deixe
ser caçado como um fugitivo fora do recinto de seu eremitério sob qualquer pretexto,
mesmo que seja piedoso”.
Ceder à acédia seria em todo o caso uma má solução que não faria senão enganar
a doença. “Assaltado pela astucia do inimigo, a infeliz alma pressionada pelo espírito de
acédia [...] e levada seja a ceder ao sono, seja a deixar os limites da cela e a procurar na
visita a um irmão um remédio a sua tentação. Mas o remédio que ela utiliza presentemente
- 635 - vai deixá-la mais doente pouco depois. Porque o adversário atacará mais
violentamente aquele que ele sabe deverá lhe dar as costas logo que se empenhe no
combate, e que espera a salvação não na vitória ou na luta, mas da fuga”, nota são João
Cassiano que diz em outras passagens sobre aqueles que a acédia ataca: “Se eles admitem
em sair muito frequentemente, eles suscitarão contra si mesmos um flagelo mais terrível,
naquilo mesmo que se imaginam encontrar um remédio. Certas doenças onde se
imaginam apagar os ardores da febre em tomando agua fresca. Mas é ali evidente o excitar
este fogo interior mais que abatê-lo; este alívio de um instante será seguido de uma dor
mais viva.”
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A (2º) esperança aparece como outro remédio fundamental que deve se juntar à
paciência. (Macário do Egito) Um homem “pleno de esperança é o assassino da acédia
rebrota armado desta espada”, ensina são João Clímaco. E Evágrio aconselha: “Logo que
nós nos chocamos com o demônio da acédia, [...] semeando em nós boas esperanças,
pronunciemos com Davi este encantamento: “Por que estás triste, oh minha alma, e
Reginaldo Alves Campoe
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porque turvas? Espera em Deus, porque eu o louvarei, Ele é a salvação de minha face e
meu Deus (Ps 41, 6)”. A esperança implementada é não somente aquela de ser mais ou
menos a longo prazo livre da paixão e de obter repouso, mas ainda aquela dos bens futuros
que, nota são João Clímaco, constitui o julgamento desta paixão e a sua “negação
completa”.
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dizia nosso mestre muito santo e experiente: É necessário que o monge esteja sempre
pronto, como se ele fosse morrer amanhã [...]. Isto, com efeito, dizia ele, afasta os
pensamentos de acédia e torna o monge mais zeloso[...]” Isto se justifica pelas
considerações precedentes, mas também pelo fato que, como Evágrio nota em outros
lugares, o demônio da acédia “representa [ao homem] quanto é longa a duração da vida”
procurando inspirá-lo à lassitude e ao desgosto diante das dificuldades do futuro, e
notadamente diante “das fatigas da ascese”.
Entre os remédios prescritos pelos Padres, é necessário ainda citar (6º) o trabalho
manual. Ele pode, com efeito, ajudar o homem a evitar o tédio (ennui), a instabilidade, o
torpor e a sonolência que são por sua vez constitutivos desta paixão (João Cassiano). Pode
contribuir a estabilizar ou a manter a assiduidade, a continuidade da presença, do esforço
e da atenção que supõe a vida espiritual e que a acédia procura romper. Sobretudo, ele se
opõe diretamente à ociosidade que é uma das formas principais que pode se prender à
acédia e que é uma fonte de males inumeráveis. É em se referindo ao ensinamento de são
Paulo que são João Cassiano apresenta longamente o trabalho manual como um remédio
à acédia que ele considera essencialmente sob esta ultima forma. “O bem-aventurado
Apóstolo escreve ele, quer tenha visto que esta doença nasce do espírito de acédia
começava já a se insinuar, quer pela revelação do Espírito Santo que ele tenha previsto
que a acédia se manifestava, se desvela, como um autêntico médico espiritual, de
prevenir-se dela com remédio salutar em seus preceitos. Escrevendo com efeito aos
Tessalonicenses, ele apazigua por primeiro, como médico muito competente, a fraqueza
de suas doenças pela terapêutica atraente e doce de sua palavra. Começa por falar da
caridade e, sobre este ponto, faz lhe louvores, até que a ferida mortal adoçada por esta
medicação calmante possa suportar mais facilmente os remédios mais enérgicos, sendo
suprimida a irritação do tumor.” Depois de ter deste modo sublinhada a proximidade
terapêutica do Apóstolo, são João Cassiano coloca em evidência os preceitos que
constituem os remédios propostos – 1 Ts 4,11 - :
1) “Empenhai vossa a honra em levar uma vida tranquila”, quer dizer, comenta ele,
“permanecei nas vossas celas e não vos deixeis inquietar com os diversos rumores [...]”;
2) ocupar-vos dos vossos negócios, quer dizer “ não desejeis vos com inquietar com o
que acontece no mundo nem espiar ou descobrir de que modo certas pessoas vivem, ou
despender vossa inquietação (miséria) em criticar vossos irmãos mais que em se corrigir
e vos aplicar às virtudes”;
3) e “Trabalhai com vossas mãos como nós temos ordenado”. Depois são João Cassiano
relembra e comenta o exemplo que são Paulo, na 2 Ts 8, nos dá de sua própria conduta:
“Não vivemos de maneira desordenada em vosso meio, nem recebemos de graça o pão
que comemos, antes, no esforço e na fadiga, de dia e de noite, trabalhamos para não
sermos pesados a nenhum de vós”. E depois de ter citado sem interrupção esta passagem
Reginaldo Alves Campoe
60
onde são Paulo evoca aqueles “que vivem em desordem, que não trabalham, mas se
ocupam com futilidades” (2 Ts 3,11). São João Cassiano reforça que o Apóstolo “se
esforça por trazer a correção que convém [...]. Ele mexe mais uma vez nas entranhas [...]
com um remédio compassivo e [...] traz a salvação com este conselho salutar:“ Aos que
levam a vida deste modo ordenamos e exortamos, por Nossos Senhor Jesus Cristo, que
trabalhem na tranquilidade, para ganhar o pão com o próprio esforço”(2 Ts 3,12). Só pelo
preceito salutar do trabalho, como um médico fortemente experimentado, ele cura a causa
de todas estas pragas que se desenvolvem na ociosidade, sabendo que todas as doenças
que pululam num mesmo cepo desaparecerão logo, uma vez suprimida a causa da doença
principal”. Ao mesmo tempo em que ele sublinha ao valor terapêutico29 dos conselhos de
são Paulo relativos ao trabalho manual, são João Cassiano indica seu valor profilático:
“Contudo, como um médico muito experiente e previdente, não contente em procurar a
curar as feridas das doenças, ele dá também recomendações adaptadas aos saudáveis, afim
de que eles possam perpetuamente conservar sua saúde.” Para fechar seu ensinamento
sobre esta questão, são João Cassiano cita o exemplo do Abba Paulo que, mesmo vivendo
em um lugar muito longe da cidade onde ele poderia vender os produtos de seu trabalho,
se impunha no entanto a cada dia uma certa quantidade de trabalho “ e logo que sua gruta
estivesse cheia do trabalho do ano todo, colocava fogo uma vez por ano ao trabalho que
lhe tinha custado tanto cuidado”; e ele conclui: “Assim, para bem provar que, sem
trabalho manual, o monge não poderia permanecer estável nem se chegar um dia ao cume
da perfeição, ele trabalhava, apesar de que não tinha tanta necessidade em se nutrir, mas
somente para purificar seu coração, impedir divagação dos pensamentos, perseverar na
cela e conseguir uma vitória completa sobre a própria acédia.”
Uma dificuldade depende contudo pelo fato de que a acédia põe o homem a
abandonar a oração e impedi-lo de a ela recorrer. É então essencial que ele resista com
todas suas forças a esta tentação e proteja a oração se ele ainda não a abandonou, ou a
retome se já a perdeu. A prática simultânea da prosternação é particularmente
recomendada neste caso de acédia, porque ela faz imediatamente o corpo participar da
29
A terapêutica das doenças espirituais supõe, da parte daquele que está afetado, uma tomada de consciência
em ralação às próprias doenças. A descrição minuciosa das paixões às quais se entregam os Padres não tem
outro fim senão ajudar a uma tal tomada de consciência.. “Se não se tem primeiro exposto as formas
variadas de uma doença, se não se tem primeiro inventariado sua origem e suas causas, não se poderá aplicar
aos doentes o tratamento adequado”, diz são João Cassiano (Instituições Cenobíticas), que nota ainda:
“Jamais os doentes poderão estar curados nem os remédios encontrados aos que não tem saúde se antes não
se encontrou, numa investigação minuciosa, suas origens e causas”.
Reginaldo Alves Campoe
61
oração (a oração do corpo), pois a paixão entorpece ao mesmo tempo a alma e o corpo, e
contribui em tirar todos os dois da sua letargia. São Simeão, o novo teólogo, recomenda:
“Depois que você conhece a causa deste estado e de onde ele vem, torna corajosamente
ao lugar onde rezas habitualmente; prosterne-te diante do Deus da misericórdia; peça com
lágrimas e gemidos na aflição do teu coração de se livrar deste peso da acédia e dos maus
pensamentos; se tu te afligires com força e persistência, obterás dentro em pouco estar
livre.”
Outra coisa toma o lugar, o efeito principal da vitória sobre esta paixão é “uma
alegria inefável” que preenche a alma.
Reginaldo Alves Campoe
62
7) A CÓLERA
A potência irascível, como nós temos visto, foi dada por Deus ao homem no início
da sua criação, e ela faz parte da própria natureza do homem. Ela devia ter por função,
segundo o plano do Criador, de permitir ao homem lutar contra as tentações e o tentador,
e de evitar o pecado, o mal: deste modo tendo, desde a origem, definido sua finalidade
natural e seu uso normal. Mas o homem mostrou pelo pecado, o desvio desta finalidade,
e no lugar de utilizar esta faculdade para combater o Maligno, ele a desviou contra seu
próximo, fazendo dela um uso contra a natureza. É este uso contra a natureza da potencia
irascível que constitui a paixão da cólera sob todas as suas formas e que a torna uma
doença da alma.
A cólera aparece como uma paixão todas as vezes toma o próximo como objeto.
De mais, nenhum motivo existe que ela possa ser legitimada (Evágrio). É contra o
Maligno que convém se colocar em cólera não contra aquele que é a vítima, porque, diz
o Apóstolo, “nós não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas contra as
Dominações, Principados, contra os Príncipes deste mundo das trevas, contra os espíritos
maus nos lugares celestiais” (Ef 6,12). É contra o pecado que é necessário combater, não
contra aquele que o comete: “Odeie a doença, não o doente”, recomenda são Sinclético.
O que a tradição ascética coloca sob o nome de “cólera” não consiste somente
nestas manifestações violentas, exteriores, que nós colocamos ordinariamente sob este
nome e que geralmente episódicas afetam particularmente certos indivíduos de
comportamento dito colérico: os Padres a concebem como uma paixão mais desenvolvida
que as outras e elencam igualmente sob este termo todas as formas de agressividade,
exteriorizadas ou internalizadas, abertas ou fechadas, grosseiras ou sutis, das quais o
homem é capaz, e que tem de uma maneira geral o próximo como foco. Assim, ao lado
disto que nós chamamos habitualmente cólera, e que constitui a manifestação mais
exterior, visível e violenta desta, a forma aguda da paixão onde “o θυμός explode e se
desenvolve”, os Padres30distinguem principalmente: o ressentimento (μήνις) – que é uma
“cólera conservada”, que dura sob uma forma mais interiorizada e mais escondida, e que
tem por fundamento a memória duma ofensa, duma humilhação, de injustiças sofridas -,
João Damasceno; Evágrio –Traité pratique; João Clímaco – L’Échelle; João Cassiano – Conférences;
30
63
Os Padres notam que em toda forma de cólera, o homem experimenta certo prazer
que o faz se apegar a ela. “Pouco lhe importa o mal que a alma faz a si mesma”, remarca
são João Crisóstomo: “ela se transforma então, ela transforma numa espécie de prazer
que é necessário satisfazer a todo custo. Sim, esta perturbação do coração não existe sem
um prazer, ele exerce mesmo sobre a alma uma tirania mais imperiosa que todo outro
prazer.” (Traité du sacerdoce) São João Clímaco nota do mesmo modo a proposito da
lembrança das injúrias e do rancor: “É uma dor sensível e pungente que não se deixa de
amar por causa da doçura que se encontra na amargura mesmo da cólera.” (L’Échelle)
Mas existe aí uma relação secundária ao prazer, que permite compreender como aquele
que pode dialogar com a cólera (e singularmente o rancor), não sabe por que razão
condiciona sua aparição. É num lugar prévio e mais fundamental do prazer à cólera que
se pode compreender a origem das diversas manifestações desta paixão. Evágrio,
retomando por sua vez o proposto de outro Padre, afirma: “Eu sei que esta se debate
sempre na busca do prazer”. São Máximo e são Doroteu veem do mesmo modo no amor
ao prazer (φιληδονία) uma causa fundamental da cólera. A cólera nasce no homem assim
que ele se aflige por não poder alcançar um prazer que busca, (Máximo, o Confessor;
Atanásio d’Alexandria), mas igualmente e principalmente logo que ele se encontra, se
sente, ou crê estar privado de um prazer que o alegraria, e “assim pois que o amor por si
mesmo (φιλαυτία) se encontra contundida pelo sofrimento”. (Máximo) Ela se torna então
contra aquele que é ou parece ser a causa da frustração, ou que pelo menos possa ameaçar,
ou parece ameaçar. É por isto que Evágrio define assim a cólera: “Um movimento contra
aquele que faz um mal/injustiça ou parece em vias de fazê-lo”.
Estas não são, portanto as fontes mais importantes e mais frequentes e retomadas:
a cólera pode ter causas muito numerosas que difícil cercar de maneira simples como
assinala são João Clímaco se exprimido uma vez mais, na linguagem da medicina
espiritual: “A febre corporal é sempre do mesmo tipo, mas seu ardor, longe de ter sempre
Reginaldo Alves Campoe
64
a mesma origem, pode proceder de múltiplas causas. A mesma agitação da cólera e seus
movimentos, como sem dúvida aqueles de nossas outras paixões, podem ter causas e
origens diversas. Por isto é impossível de prescrever uma regra única com relação a ela.
Eu aconselharia antes a cada um daqueles que estão doentes de procurar com o maior
desvelo o método a seguir para se cuidar. O primeiro ponto do tratamento é conhecer a
causa da doença; quando ela teria surgido, com efeito, as doenças receberão da
providencia de Deus e de seus médicos espirituais o remédio eficaz”. (L’Échelle)
- É por causa do amor aos bens materiais e dos prazeres que eles procuram e porque
preferem aos bens às alegrias espirituais;
31
Hermas – Pasteur; Méhode d’Olympe – Le Banquet; João Crisóstomo – Commentaire sur le Psaume;
Gregório, o Grande – Morales.
Reginaldo Alves Campoe
65
porque ele tornou-se o joguete de uma potência que lhe é estranha, e se seu furor torna-
se sobre seus membros fazendo os dar golpes, é que interiormente ela mantém cativa a
alma que deveria ser sua mestra.” (Morales sur Job) Os Padres mostram frequentemente
no mesmo sentido em que aquele que é tomado por estas formas violentas de cólera
assemelham-se a um possuído (Basílio de Cesaréia – Homélies, Sur la colère; João
Crisóstomo – Commentaire sur Santo Jean; Evágrio – Lettres), e pode se lembrar, nestas
ocasiões, a ligação direta de como eles são vistos pelos outros como formas agitadas de
loucura e a possessão demoníacas.
Assim, segundo todo o contexto, que a cólera constitui um obstáculo à prece que
é precisamente, diz Evágrio, “uma descendente da doçura e da ausência da cólera”.
(Traité de l’oraison) “Desordenando o estado de oração”, a cólera destrói a santidade da
alma e impede o homem de direcionar sua vida para aquilo pelo qual foi feito.
66
Para que o homem seja curado da cólera, é pois necessário que ele tenha vencido
as paixões ligadas à concupiscência, em particular a gastrimargia, a luxuria e a filargiria
que são as causas frequentes desta paixão, e que pratique as virtudes que lhe são opostas.
Os Padres insistem particularmente na luta contra a filargiria, e apresentam assim
paradoxalmente a esmola como um remédio essencial para a cólera. Evágrio escreve: “É
necessário aproximar-se do Médico das almas, que cura a parte irascível pela esmola.”
São Máximo esclarece que “certos remédios [...] enfraquecem e reduzem as paixões”,
precisa que para a cólera é a esmola que convém: “A esmola é o tratamento da cólera”.
67
Contudo, a doçura espiritual não tem nada a ver com a indolência nem com a
moleza (Gregório de Nissa – João Crisóstomo). Esta é uma atitude não passiva, mas ativa.
Ela é um estado de estabilidade da alma (Gregório de Nissa), de serenidade, próximo da
impassibilidade quando ela chega ao seu término (João Clímaco). E acrescenta: “A doçura
é um estado imóvel da alma que permanece igual a ela mesma tanto na humilhação
quando diante dos louvores.”
A paciência consiste em suportar com calma os males que nos são afligidos pelas
circunstancias ou por uma pessoa, e simplesmente, neste último caso, suportar sem se
inquietar com as críticas, ultrajes, insultos, ou palavras ofensivas. São Máximo define:
“Ela consiste em permanecer constante na adversidade, suportar os males, sustentar-se
até o fim da tentação, não ceder repentinamente à cólera, não deixar escapar uma palavra
pelo golpe da emoção, não trazer nenhuma desconfiança, nem pensamento qualquer coisa
que seja indigno de um homem que crê em Deus.” João Cassiano diz: “Ninguém ignora
que ‘paciência’ vem de ‘sofrer - pâtir’ e ‘sustentar’. É claro portanto que aquele que
merece ser chamado de paciente, suporta sem revolta os maus tratamentos que se lhe
infringi”.
Reginaldo Alves Campoe
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8 ) TEMOR32
Os Padres classificam as paixões do medo (φόϐος) e todos os estados que lhe são
próximos e constituem formas ou graus, como temor, fraqueza, pavor, terror, mas
igualmente ansiedade, angústia, aflição. (João Damasceno – Exposé exact de la foi
orthodoxe).
Portanto, o temor/medo assim definido pode ser bem mais uma virtude que uma
paixão. “Se o temor é também uma paixão, nem todo temor é uma paixão”, nota Clemente
de Alexandria. É necessário pois, distinguir dois tipos de temor.
1) O primeiro tipo de temor, que Deus colocou no homem em o criando, que pertence
pois à sua natureza, tem uma dupla forma.
a. Sua primeira forma é uma força que prende o homem ao seu próprio ser e o faz
temer de perder a si mesmo, alma e corpo. (João Damasceno - Exposé) Por este temor em
suas manifestações as mais elementares, ele se apega à vida, ao ser e teme tudo aquilo
que poderia corrompê-los e arruiná-los, experimenta uma repulsa ao não-ser, como
explica são Máximo que sublinha que esta tendência pertence à sua própria natureza de
homem [...]. faz parte dos λογοι que Deus inseriu na natureza do homem pela criação.
Este medo, diz ainda João Damasceno, “é a repulsa por tudo aquilo que possa destruí-lo”;
ela corresponde, poder-se-ia se dizer, ao instinto de conservação, ao instinto da vida, à
tendência inata que nós temos a preservar o ser e perpetuar nossa existência. Ela se
manifesta em particular como temor da morte, tendência natural, pois o Criador nos deu
a vida para que nós a conservemos e que a corrupção e a morte constituem fenômenos
antinaturais.
32
« ...os transtornos de humor são caracterizados por desvios brutais do humor ... indicam estado de humor
bastante deprimido (menos valia e indecisão); funções físicas perturbadas (padrão de sono, mudanças
significativas no apetite ou peso ou perda perceptível de energia [...] no geral é acompanhado pela perda de
interesse nas coisas; incapacidade de experimentar qualquer prazer – anedonia. Demonstra negligência em
relação à responsabilidade e aparência; irritabilidade; reclamações sobre problemas que costumam ser
resolvidos sem dificuldades.” (Barlow e Durand, pp. 265-298)
Reginaldo Alves Campoe
69
2) O segundo tipo de temor, que os Padres consideram uma paixão, é uma consequência
do pecado ancestral. Ela se manifesta sempre como uma repulsa que experimenta diante
aquilo que pode corromper e destruir eu ser, mas não se trata mais do seu ser segundo
Deus, mas de seu ser decaído ao qual é apegado pela filáucia, ao prazer, aos objetos
sensíveis.
O temor/paixão revela em todos os casos um apego a este mundo: aos bens deste
mundo, ao gozo sensível.
Do mesmo modo que o temor é “segundo a natureza”, este segundo tipo que é
uma paixão maléfica, é “contra a natureza (παρα φύσιν)” (João Damasceno) e insensatez
(παράλόγος)”. Ele provem porque o homem modificou a dupla finalidade natural e normal
do temor que o ligava ao seu verdadeiro ser e à Deus, por transformá-lo em medo de ser
decaído, de ser separado do mundo sensível, perder a vida apaixonada e o prazer ao qual
ele se apega.
Vemos ainda aqui que o temor segundo Deus e o temor “mundano” não
constituem duas atitudes diferentes por sua natureza, mas a mesma atitude fundamental
orientada para dois fins diferentes. Aqui se ressalta dois ensinamentos dos Padres onde
eles são apresentados como separados um do outro: se se teme qualquer coisa deste
mundo, é porque não se teme a Deus; inversamente, aquele que teme a Deus não tem nada
a temer: “aquele que é o servidor de Deus teme somente a Ele [...] mas aquele que não O
teme temerá porém sua própria sombra”. (João Clímaco) É por esta razão igualmente que
os Padres dizem que o temor/paixão está favorecido pela esterilidade da alma, pela perda
da presença divina nele.
Pusilanimidade
Os Padres a consideram como uma doença: Orígenes vai figurá-la na lista das
paixões que chama de “doenças da alma”, e um apoftegma lembra: “Um irmão veio
encontrar Abba Victor, o hesicasta, no mosteiro de Élousa e lhe diz: Que devo eu fazer,
Reginaldo Alves Campoe
70
Pai, porque sou presa da paixão da pusilanimidade”? O ancião responde: “É uma doença
da alma”.
A pusilanimidade pode parecer como uma atitude infantil que está fixada e
subsiste anormalmente no adulto: “Pusilanimidade, escreve são João Clímaco, é uma
disposição pueril, numa alma que não é mais jovem.”
Reginaldo Alves Campoe
71
Ela está essencialmente ligada à paixão da cenodoxia, a tal ponto que podemos
afirmar que “todos aqueles que são pusilânimes são vaidosos”.
A fonte primeira do temor é, como temos visto, a falta de fé. O temor encontra-se
pois, abolido no coração do homem na medida de sua fé em Deus. Uma fé inflexível, nota
Evágrio, “não admite absolutamente nenhum acesso de temor”. (Chapitres gnostiques)
Aquele que crê firmemente em Deus e em sua providência está certo de receber d’Ele em
todas as circunstâncias ajuda e proteção, e não há mais desde então temor nem
circunstâncias, nem qualquer adversário, nem a própria morte. São Paulo lembra que “o
próprio Deus disse: Eu não te abandonarei mais e Eu não te desampararei mais” e é pois,
“com segurança que nós podemos dizer: O Senhor é minha ajuda, eu não temo nada”(Hb
13, 5-6) E o salmista nota: “O Senhor é minha luz e minha salvação, de que eu poderia
pois temer? O Senhor o protetor de minha vida, diante de que eu temeria? [...] Se uma
armada acampa contra mim, meu coração não temerá”(S 26, 1-3); “Nem temor nem terror
repentino, nem um ataque da parte dos maus; porque o Senhor será tua segurança, e Ele
Reginaldo Alves Campoe
72
preservará teu pé de toda armadilha” (S 3, 25-26); “Mesmo que eu marche nas sombras
da morte, eu não temerei mal algum, porque Tu estás comigo” (S 22, 4).
Não é a fé por ela mesma que livra o homem de seu temor, mas Deus que, em
resposta a esta fé traz a Sua ajuda e Seu socorro. (João de Gaza – Isaac, o Sírio) São Isaac,
o Sírio, escreve: “Quando seu coração temer e tremer fora de toda serenidade, que [o
homem] compreenda então e que ele tenha de fato necessidade de uma outra ajuda, [...]
É dito que só o salva a ajuda de Deus .”
Esta ajuda, na fé que Deus possa lhe conceder, e na esperança que Ele te trazer, o
homem deve pedir pela prece. Devemos notar que é a “prece de Jesus” que é contra o
medo e todas as paixões que sendo próximas (inquietude, medo, ansiedade, angústia) o
remédio mais eficaz. São João Clímaco aconselha: “Flagele teus inimigos com o nome
de Jesus, porque não há arma mais poderosa no céu e na terra. Quando tu fores curado
desta doença [e do temor], glorifica Aquele que dele te livrou. Se tu Lhe rende graças,
Ele te protegerá sempre.” E Evágrio nota: “Quem se esforça na oração pura entenderá
fama e fracassos, vozes e insultos; mas não se ofenderá, nem perderá seu sangue-frio,
dizendo a Deus: “Não temerei mal algum, porque Tu estás comigo” e outras palavras
semelhantes.” Ele constata ainda: “Aquele que a inteligência está sempre dirigida a Deus,
a parte irascível plena da lembrança de Deus, e a parte desejante toda inteira tendendo
para Ele, a este é natural não temer aqueles que rodeiam em torno dos nossos corpos, a
saber, os inimigos rebeldes.” A prece do coração permite com efeito ao homem de estar
unido a Deus permanentemente e beneficiar constantemente seu socorro; a partir de então
nenhuma causa de temor irá surpreendê-lo mais. Um ancião dizia: “Esteja tu dormindo
ou acordado, o que quer que faças, se Deus está diante de teus olhos, o inimigo não pode
mais te apavorar. Se teu pensamento habita em Deus, a força de Deus habita também em
ti.” O homem conhece portanto, menos medo se sua prece é mais pura. “O sinal que indica
uma prece perfeita é não ficar duvidoso, mesmo se o mundo inteiro nos ataca”, escreve
são Barsanuphe. O desaparecimento do temor e das paixões que lhe são próximos
decorrem aqui da presença permanente da força divina no homem, graças à prece
permanente. Mas o homem pode também livrar-se destas paixões por uma prece
específica. Assim João, o Solitário, escreve: “Pelo pedido a Cristo, nós podemos receber
força e socorro contra nossas angústias.” (Dialogue sur l’âme et les passions des hommes)
Um apoftegma lembra que “perguntaram ao Abba Théodore: Se uma catástrofe sobrevier
subitamente, o senhor teria medo, Abba? O ancião respondeu: Mesmo se o céu e a terra
entrarem em colisão, Thédore não teria medo.” Ele tinha com efeito pedido a Deus de
retirar dele o temor”.
73
O temor, como nós o temos visto, está ligado ao orgulho e, no momento em que o homem
coloca sua confiança em suas próprias forças, ele está sujeito a esta paixão. Para poder
vencê-la pela força do próprio Deus, para receber esta força e guarda-la, o homem deve
renunciar a si mesmo, reconhecer sua própria impotência, senão a energia divina não
poderá encontrar lugar nele. Também são Isaac recomenda àquele que quer ser livre do
temor, orar antes de tudo para adquirir a humildade: “Mais ele reza, mais seu coração se
faz humilda e, logo a compaixão o preenche e o coração então sente o socorro divino. Ele
descobre que sobe nele uma força, a força da confiança.”
É igualmente pelo amor que o homem pode vencer o temor: “O temor não está no
amor, mas o amor perfeito baniu o temor.” (1 Jo 14,18) Tendo constatado que “na medida
onde a caridade desaparece, o temor aparece”, são João Clímaco ensina em seguida
seguindo são João que aquele que está “cheio de caridade [...] não provou da caridade”.
O temor de Deus pode ser considerado apesar das comparações como uma virtude
fundamental. Santo Isaac por sua vez afirma: “O começo da verdadeira vida do homem
está no temor de Deus.”
Há, portanto, duas formas de temor de Deus, correspondendo a dois graus desta
virtude:
a. A primeira forma resulta do temor do julgamento divino, atual ou futuro e das penas
que possam dai resultar e que os Padres designam frequentemente com o nome de
“castigo”. Temos mostrado que por este termo não é necessário entender a punição que
um Deus vingador e cruel infligirá àqueles que transgridem sua lei, mas os sofrimentos
interiores, ligados ao estado de separação com Deus e a privação dos bens espirituais aos
quais o próprio homem se condena por seu pecado e julgamento divino.
Esta primeira forma de temor é o “temor inicial”, aquele que acontece desde os
inícios. Vemos que logo que os Padres afirmam que esta primeira forma de temor é
próprio dos iniciantes, entendem por isto aqueles que ainda não chegaram à perfeição,
que não são santos ainda. E este medo, mesmo as pessoas com espírito avançado, podem
e até devem provar. São Doroteu de Gaza não hesita em dizer aos seus monges: “Este
temor inicial é pois o nosso”.
É assim que santo Antônio, o Grande, pode dizer: “De hoje em diante, eu não creio
mais em Deus, eu O amo; porque o amor expulsa fora o temor”.
Reginaldo Alves Campoe
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b. A segunda forma de temor é inerente à caridade perfeita. Ela provém do amor de Deus
assim que a primeira espécie de temor é afastada por esta. É o temor de estar separado de
Deus, o temor de ser privado da “familiaridade inerente ao amor”. (Máximo, o Confessor)
Como diz muito justamente Clemente de Alexandria, “aquilo que se crê, não é Deus, mas
estar separado de Deus”.
Esta segunda forma de temor aparece deste modo como “o temor perfeito”,
“aquele dos santos que chegaram à perfeição e ao cume do santo amor”. Contudo, como
diz são Doroteu de Gaza, ninguém chega a este temor perfeito sem antes ter passado pelo
primeiro, pelo inicial.
- Está diretamente ligado à pratica dos mandamentos e que aplicam toda sua vontade aos
seus preceitos;
9 – VAIDADE
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75
São João Cassiano nota que “ela varia muito suas formas e se divide em tipos”,
mas “se reduz contudo a dois gêneros”, que são como dois graus.
Os bens dos quais o vaidoso se mostra confiar nesta altura tem por característica
comum do ser carnal (João Cassiano), terrestres e é uma consideração e uma glória
humana exclusivamente e que atende ao desejo de posse.
O vaidoso pode assim se gloriar e desejar a admiração do outro pelos dons que a
natureza lhe concedeu (Doroteu) como a beleza real ou suposta de seu corpo (Doroteu)
ou sua voz, por exemplo, mas também por suas maneiras, sua nobreza de porte (Máximo,
o Confessor – João Clímaco) e tudo aquilo que contribui para lhe dar uma bela aparência
(vestimentas, perfumes, joias).
Pode-se também gloriar e levar em consideração por sua habilidade manual ou sua
habilidade em tal ou tal domínio (Doroteu de Gaza).
Esta paixão se apega ainda ao poder sob todas suas formas, e se encontra
frequentemente ser causa de sua busca; ela está aliada e é motor de duas paixões que os
Padres nomeiam “amor ao poder” (φιλαρχία) (João, o Solitário) e “espírito de
dominação”. É claro que aquele que tem poder e que é habitado pela cenodoxia procura
ser admirado e louvado, mas também se esforçam constantemente em agradar para
entreter e fazer crer, esta admiração, não obstante para conservar seu poder, manter os
privilégios que se apegam a ele e as vantagens que tira disto.
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2. O segundo tipo de cenodoxia distinguida por são João Cassiano “se infla do desejo do
vão renome para os bens espirituais e escondidos”. Nos que estão na vida espiritual,
embora ainda submissos às paixões, ela coexiste com a primeira espécie ou toma seu lugar
assim que ultrapassou todo apego aos bens mundanos. Consiste em se gloriar em si
mesmo ou diante dos outros homens de suas virtudes ou de sua ascese e a procurar por
elas a admiração e os louvores dos outros. Assim, logo que o homem se esforça em
combater as diversas outras paixões e pratica as virtudes que são a negação, ele se
encontra particularmente sitiada por este segundo grau da cenodoxia. Também são João
Clímaco reafirma que “o demônio da vanglória sente uma alegria particular quando ele
vê multiplicar as virtudes”, e que, “do mesmo modo que a formiga espera que o tempo da
colheita chegue e que o milho esteja maduro, assim a vanglória espera todas as nossas
riquezas espirituais sejam colhidas”. Evágrio constata com o mesmo sentido que “apenas
entrando os pensamentos da cenodoxia e do orgulho, sobrevém derrota de outros
pensamentos” e que “a derrota de outros demônios faz crescer este pensamento”. São
Máximo reafirma: “Se tu tens motivo para paixões mais vergonhosas [...], imediatamente
os pensamentos da vanglória fundem em você.” A cenodoxia é então capaz de atrelar em
si mesma o lugar para todas as outras paixões juntas.
77
faças para se desembaraçar dela, torna para ti uma nova fonte de vaidade.” A sutilidade
da cenodoxia é tal que ela pode levar o homem, paradoxalmente, a se mostrar zeloso na
ascese, combatente de certas paixões e a praticar certas virtudes, como obter certos
carismas. É necessário dizer portanto que toda ascese feita sob o impulso da cenodoxia
se torna-se vã definitivamente, do mesmo que as virtudes assim praticadas são ilusórias e
somente aparentes os carismas obtidos: vê-se assim os homens chegarem a resultados
espirituais surpreendentes quando se entregam à ascese pela força da cenodoxia, mas
penar miseravelmente e murchar assim que se encontram colocados na condição onde
esta paixão que os inspirava não encontra mais possibilidade de se exercer. De mais, os
bens assim adquiridos não somente não são de nenhum valor diante de Deus, mas ainda
são “semelhantes às injustiças”, como o sublinha são Macário, que lembra esta palavra
do Salmista: “Espalha os ossos daqueles que querem orar aos homens”(S 52, 6).
Como de todas as paixões, o homem tira da cenodoxia um certo prazer que o apega
fortemente a ela e para a obtenção do qual ele está prestes a tudo fazer e paradoxalmente
a tudo sofrer (Gregório de Nissa). É por causa deste prazer normalmente poderoso que
mantém a filáucia que o homem se rende à vanglória.
A cenodoxia é considerada pelos Padres como uma doença e como uma forma de
loucura33. São João Crisóstomo, por exemplo, escreve diretamente: “A cenodoxia é uma
espécie de loucura (μανία τίς έστιν ή κενοδοξια)”. É notar que o próprio são Paulo ensina
que é uma loucura gloriar-se de si mesmo (2 Cor 12,11), e nota ainda que o demônio da
cenodoxia coloca o homem fora de si, extravia seu espírito e, depois de possuir sua alma,
“turva sua razão até o delírio”.
33
(João Cassiano: Instituitions Cénobitiques; Máximo, o Confessor: Centuries sur la théologie et
l’économie, Questions à Thalassios; João Crisóstomo: Commentaire sur saint Mathieu, Consolations à
Stagire; Homélies sur l’épitrê aux Hébreus; Sur la vaine gloire; Gregório Nazianzo: Discours; João
Clímaco: L’Échelle; Orígines: Traité de la prière; Amonas: Lettre; Hermas, o pastor: Similitudes;
Gregório de Nissa: Traité de la virginité; Gregório, o Grande: Morales sur Job: Simeão, o novo teólogo:
Cathéchèses; João, o solitário: Dialogue sur l’âme et des hommes).
Reginaldo Alves Campoe
78
aquela que vem de Deus e aquela que vem dos homens, se encontra em muitos textos
onde se explica a questão da cenodoxia. Nós a encontramos explicitada no Evangelho de
são João (Jo 12, 43); são Paulo aí se refere implicitamente assim que ele se diz gloriar em
Jesus Cristo posicionando-se contra o perigo que se possa ter em se gloriando fora de
Deus (Fl 3, 3; Gl 6, 14). São João Clímaco precisa categoricamente: “Há uma glória que
vem de Deus, segundo esta palavra da Escritura: “Eu glorificarei aqueles que glorificam”,
diz o Senhor” (1 Rs 2, 30) E há uma glória que procede senão da malicia artificial do
demônio.” “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” ensina o apostolo Paulo (1 Cor 1,
31; 2 Cor 10,17).
Podemos juntar a tudo isto que a cenodoxia constitui num outro sentido de uma
perversão da natureza, esta ultima palavra sendo entendida num sentido mais geral, e
designando todos os bens que o homem recebeu de Deus, trata-se de suas qualidades
naturais ou adquiridas, ou de suas virtudes ou ainda dos bens materiais que ele possui.
Em usando destes para a sua própria glória em lugar de fazê-las servir exclusivamente à
glória de Deus, o homem, diz são Máximo, “falsifica a natureza e a própria virtude”. Ele
explica simplesmente que a ostentação, composta da cenodoxia e do orgulho, “tem por
natureza a aversão alienante com aquela mania contra a natureza, pelo mal uso de todas
as coisas da natureza”.
Ela revela que o homem cessa de ter fé em Deus constam os Padres, seguindo
nisto o ensinamento do próprio Cristo que pergunta: “Como podeis vós crer, vós que tirais
vossa glória uns dos outros e não procurais a glória que vem somente de Deus” (Jn 5, 44).
Ela traduz um apego a este mundo: aquele que ela afeta se coloca em ter fé nos homens
de quem espera atenção, estima, admiração, louvores, e em tudo aquilo que é susceptível
de suscitar neles estas atitudes em relação a eles. É por isto que são João Clímaco qualifica
o vaidoso de idólatra, e são Macário o faz do mesmo modo: “Os homens que fazem seu
elogio, estes são aqueles que são deuses.”
79
à potencia se dissolvem e antes de se elevar são humilhadas, que a condição natural está
sujeita à total mutação, não se apegam a meditar estas coisas, estão satisfeitos pelo amor
do louvor recíproco, sobretudo sendo dado que o homem não reflete muito por muito
dizer sobre si mesmo: qual é o preço desta vaidade que me cativa, ao ponto que a visão
dos homens seja preferível à visão de Deus , e que eu seja apreciador dos seus elogios e
não dos elogios de Deus , como se a glória que vem deles me seja superior à glória que
vem do Mestre universal, como se eu tivesse a honra do homens por equivalente à honra
dos anjos.”
A cenodoxia parece deste modo incluir uma visão delirante da realidade pois que,
sob sua empreitada, o homem não acorda para a realidade, valor e importância daquilo
que está para se dar: sua visão do mundo está transtornada, invertida; seu espírito erra na
apreciação que ele faz sobre as coisas, de sorte que parece atingir à loucura: “Aquele que
está tomado por esta paixão perde por assim dizer a lucidez das percepções e consegue
menos que os loucos, constata são João Crisóstomo. Esta percepção delirante da realidade
sob o efeito da cenodoxia aparece frequentemente na realidade mais quotidiana e sob
formas frequentemente grosseiras.
A cenodoxia devota àquele que ela habita toda espécie de males. Aqueles que
procuram ser glorificados pelos homens já receberam a sua recompensa, diz o Cristo (Mt
6, 2), que endereça igualmente esta preocupação: “Infeliz de vós quando todo mundo
disser bem de vós” (Lc 6, 26). “Deus dissipou os ossos daqueles que alegram aos
homens”, constata o salmista (S 52, 6). “Seja nesta vida, seja na outra, desgosto e
sofrimentos seguem a cenodoxia”, escreve são Máximo.
Esta paixão destrói a paz interior agitando a alma de varias maneiras. “Ela
entretém, nota são Isaac, a dúvida contínua e a confusão mental”. E são Marcos, o monge,
afirma: “Logo que tu percebes um pensamento te fazendo admirar a glória humana, saiba
bem que ela te prepara a confusão”.
80
considera como “a última e mais miserável das servidões”, e que chega a dominar as
grandes almas.
Reginaldo Alves Campoe
81
10 – O ORGULHO
Portanto, de outro ponto de vista, menos definido pela prática ascética, e que
analisa as paixões segundo seu grau de gravidade, indo dos mais originários e
fundamentais àqueles que provêm deste, o orgulho aparece como a primeira de todas as
paixões, produzindo em primeiro lugar a cenodoxia e mantendo por esta razão com ela
laços de estreitos privilégios.
1. A primeira forma de orgulho consiste em o homem se crer superior aos outros homens,
(Doroteu de Gaza; Máximo o Confessor; João Crisóstomo) mas também procurar esta
superioridade se ele não pensa já possui-la (Gregório de Nissa; Basílio de Cesaréia; João
Crisóstomo). Em todos os casos, o orgulho consiste em se elevar, seja sem motivo
particular, seja – e é o caso mais frequente -, pelas mesmas razões que podem servir de
pretexto à cenodoxia, e que nós temos apresentado precedentemente (qualidades
físicas, intelectuais, espirituais, posição social, riquezas, etc.). E no ato de se elevar, achar-
se melhor. O orgulhoso se estima e se admira, se felicita e se louva interiormente (Máximo
o Confessor; Gregório o Grande). Encontram-se estas atitudes na cenodoxia, mas nesta
última paixão o homem espera de preferência louvores dos outros, enquanto que no
orgulho ele atribui a si mesmo.
82
O orgulho põe o homem a se medir com o seu próximo e afirma antes sua
superioridade em comparação ao outro, afirmando o que o distingue, em se crer
fundamentalmente diferente [...] estabelece hierarquia, conclui sua superioridade.
2. Assim como a primeira forma de orgulho eleva o homem diante de seus semelhantes,
a segunda forma o eleva diante de Deus, contudo o levanta contra Ele. (Doroteu de Gaza;
João Cassiano; João Clímaco). O orgulho surge então como uma paixão de extrema
gravidade: todos os Padres não cessam de afirmar que ela é a pior de todas (João Clímaco)
e de lembrar que é ela que provocou a queda de Satã e dos anjos tornados demônios
(Apoftegmas; João Cassiano; João Clímaco; João Crisóstomo), depois a queda do próprio
homem.
Não é somente nesta circunstância onde as paixões têm sido combatidas e negadas
que o orgulho é susceptível de substitui-las, mas também logo que por esta ou aquela
razão elas adormecem ou se escondem sem no entanto cessar de existir ou ser diminuídas
na sua aparência. São Máximo nota deste modo que “quando as paixões adormecem, o
orgulho surge, ora como causa inconsciente, ora como ataque dissimulado do demônio”
e são João Clímaco pontua, evocando a mesma paixão: “Acontece que todas as paixões
se retiram de certos fiéis, e mesmo de certos infiéis, salvo uma só: e ele é colocado como
o maior de todos os males que, somente, preenche o lugar de todas as outras”.
Vemos, pois por isto, que se a segunda forma de orgulho ameaça particularmente
os homens espirituais, não seria errado crer que ele se espalha nos outros homens [...]
Viver fora de Deus, direcionar uma existência totalmente autônoma, independente d’Ele
e se afirmar como princípio e fim de sua própria existência, é uma manifestação deste
orgulho fundamental que perpetua no pecado ancestral. Todo homem, enquanto vive fora
Reginaldo Alves Campoe
83
de Deus, ignora-O ou O esquece, mesmo que seja por pouco tempo, negando-O
implicitamente e toma o Seu lugar fazendo deste modo prova do orgulho que o habita.
As duas formas de orgulho que apresentamos aqui, mesmo sendo muito diferentes,
não são, contudo, separadas e independentes. Elas são como duas faces do orgulho e estão
sempre juntas no homem decaído, se bem que em alguns momentos uma pode parecer
tomar lugar da outra. É verdade que a primeira forma direciona o homem contra seus
semelhantes, assim como a segunda direciona contra Deus, cada uma de fato, nota são
João Cassiano, direciona o homem às vezes contra Deus e contra o seu próximo [...] Com
efeito, se o homem se eleva e se estima ou se admira, é porque ele não reconhece que as
qualidades, as virtudes e todos os bens que ele possa possuir e crê ter por ele mesmo, lhe
vem de fato de Deus. Se ele deprecia o outro, é em parte pela mesma razão: desprezar os
outros como não tendo sabido bem agir, por exemplo, vem, consta em são Máximo, em
atribuir as boas ações às suas próprias forças no lugar de se reportar a Deus. Crer-se
superior ao outro, procurar superá-lo, colocar-se no topo da perfeição ou se tomar por
centro em toda circunstância, atribuir-se todas as qualidades e virtudes ou pelo menos
algumas em grau eminente, vem por outra parte, pelo orgulhoso de se auto deificar, fazer
de si mesmo um pequeno deus, e assim toma o lugar sozinho do verdadeiro Deus que é
absoluto, o sumo e o centro, o princípio e o fim, o sentido e o valor de todas as coisas, a
fonte e o fundamento de todo bem, de toda qualidade e virtude, o princípio de toda
perfeição.
“Se o Absoluto não for incorporado como absoluto, mas como relativo, e
se, ao contrário, qualquer coisa de relativo é tomado como o absoluto, um conflito
fundamental nasce no homem. Deste modo este relativo erigido em absoluto não
é Deus, mas um ídolo. Este nasce da deificação de um relativo e caminha junto
com o destronamento de Deus que, em relação a ela, foi privado de seu caráter
divino, e, por consequência, tornou-se relativo. Deus tendo sido tornado relativo
e ídolo erigido em absoluto, um conflito com a realidade sobrevém, trazendo,
necessariamente, consequências funestas [...] Se uma porção do mundo é extraída
da realidade e elevada ao grau de ídolo, quer dizer erigida em absoluto, uma
desfiguração e desalinhamento (desenraizamento) da ótica intervêm, concernente
deste às coisas que o individualiza em si mesmo. Nas suas comparações
recíprocas, o homem e o mundo tornam-se desencaixados, a ordem estabelecida
está destruída. Fazendo-se isto, o próprio ídolo é monstruosamente
superestimado, e Deus na mesma medida, subestimado. Assim, desencaixados
geram atos desencaixados não são adequados à situação e passam perto de seus
objetos. Resulta um conflito com a realidade que constitui a verdadeira razão da
neurose e pode ser também da psicose.” 34
O orgulho passa aos olhos dos Padres por uma doença “terrível”35, “muito grande
e cruel”, uma “doença mortal”. O orgulho, escreve são Gregório o Grande, “corrompe a
34
Wilfried Daim, Transvaluation de la psychanalyse. L’Homme et l’Absolu, Paris, 1559, p.134.
35
João Cassiano – Instituitions Cénobitiques; João Crisóstomo – Commentaire sur saint Jean; Léonce de
Néapolis – Vie de Jean de Chypre; Máximo o Confessor – Questions à Thalassios; João Clímaco – L’
Échalle ; Isaac o Sírio – Lettres.
Reginaldo Alves Campoe
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alma à maneira de uma doença contagiosa que generalizada corrompe o corpo inteiro”.
São João Crisóstomo diz que do mesmo modo “que a inflamação é para o corpo o que o
orgulho é para a alma”.
Qualquer que seja o caráter patológico do orgulho pode-se ver nele o resultado de
uma perversão, uma tendência fundamental da natureza humana. O homem, como nós
temos visto, foi criado para se elevar até Deus e se unir fundamentalmente a Ele na
plenitude do amor e do conhecimento.
Esta elevação de si mesmo até Deus está destinada a se completar em Deus, pela
realização de sua semelhança a Ele, tendo como base as virtudes que foram colocadas
como gérmen na sua natureza, e por apropriação progressiva da graça dada pelo Espírito.
1. Terapêutica da cenodoxia.
Nós temos visto, descrevendo a cenodoxia, que ela é uma paixão particularmente
sutil, difícil de reconhecer, susceptível de se revestir de formas múltiplas e atacar o
homem de diversos sentidos e maneiras, e são João Clímaco a considera como “a mais
difícil e mais perigosa de todas as pragas”.
85
O homem será estimulado em combater esta paixão se ele toma consciência dos
riscos que ela o faz incorrer, notadamente aquele de perder totalmente o benefício das
penas que ele tem suportado assim com todas as virtudes que ele poderia adquirir, e de se
ver finalmente reduzido a si mesmo como um nada, conforme a palavra do salmista: “O
Senhor dispersa os ossos daqueles que querem agradar aos homens” (S 52,6). É deste
modo que contribuem à luta da meditação e ao medo do julgamento divino para o presente
e para o futuro (Macário do Egito), julgamento que nos revela em particular esta palavra
de Cristo: “Aquele que se eleva será humilhado” (Lc 14,11).
2. Terapêutica do orgulho
Nós temos visto examinando a cenodoxia e o orgulho, que estas paixões são tão
próximas que certos Padres não julgam necessário examiná-las separadamente. A
Reginaldo Alves Campoe
86
Será de ajuda nesta tarefa, considerar a vaidade e o nada das coisas sobre as quais
o homem, na paixão, funda sua superioridade: instabilidade de todas as coisas humanas,
a fugacidade das riquezas, do poder, fraqueza e fragilidade do próprio homem submisso
neste mundo à doença, ao envelhecimento e à morte, e que sem Deus não é senão “terra
e cinza, sombra e fumaça” (João Crisóstomo).
3. A humildade.
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87
O humilde não se estima em nada e não faz nenhum caso de si mesmo. “Ele se vê
aos seus próprios olhos como um nada.” Até mesmo se desvaloriza. “O humilde vê a si
mesmo como um homem desprezível” (Isaac o Sírio). “A humildade é um abismo de
autodepreciação” (João Clímaco). A humildade se caracteriza assim por “desapego de si
em todas as coisas” (João de Gaza); por uma renúncia à vontade própria (João Cassiano,
Barsanuphe); pela ausência de confiança em si mesmo e de desconfiança do próprio
julgamento; pelo abandono de todo espírito de contestação e de oposição (João Clímaco);
por uma atitude frequentemente silenciosa.
36
Todos sabem que a vida cristã precisa de ascese, de renúncia, de mortificações etc., pelas quais os
apetites inferiores são dominados com vantagem pela vontade racional e pela vida espiritual. “A vida
espiritual de muitos neuróticos... não distingue timidez e humildade, sentimentalismo e devoção, prazer
e pecado, repúdio da sexualidade e castidade, medo e prudência, comodismo e paz, inércia e mansidão,
mediocridade e moderação.” (IONATA, p. 22 ).
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88
“a mãe, a raiz, o alimento, o lugar e a base de todos os bens” (João Crisóstomo; Isaac o
Sírio; Barsanuphe; Doroteu de Gaza).
Esta descrição das doenças espirituais na sua natureza, suas origens, seus
mecanismos profundos e suas manifestações comuns a todos os homens deve
evidentemente ser completada por uma análise que concerne à forma, o grau e a
conjunção particulares que elas tomam em cada pessoa. Nesta comparação a confissão e
a manifestação dos pensamentos assim como os conselhos dados pelo Padre espiritual
nesta ocasião exercem um papel fundamental na tomada de consciência.
89
O papel do terapeuta não deve somente ser ajudar a uma tomada de consciência
do conteúdo do inconsciente. Contudo, Larchet propõe uma outra concepção de
inconsciente: o inconsciente espiritual.
Apesar disto não se pode dizer que isto se situe na “parte” ou na “esfera” espiritual
de nosso ser. Certamente, diz se frequentemente, no plano da antropologia cristã, e
seguindo uma passagem da primeira epístola de são Paulo aos Tessalonicenses (1 Th
5,23), que o ser humano é “tripartite”, sendo composto de três elementos: o corpo, a alma
(ou o psiquismo) e o espírito. E é verdade que o espírito (que os Padres gregos chamam
geralmente nous, palavra que se traduz habitualmente, mas impropriamente por
“intelecto”) é a mais alta faculdade do homem, a primeira a entrar em contato com Deus
na contemplação e na “visão de Deus”, aquela pela qual, em primeiro lugar, nós
37
Larchet conceitua dois tipos de inconscientes espirituais: o “Theophile” e o “déifuge”:
- Inconsciente Théophile: é a dimensão positiva do inconsciente espiritual, constituído de tudo aquilo que,
no homem, o liga, o une a Deus e o orienta para Ele sem que ele seja consciente;
- Inconsciente Déifuge: é a dimensão negativa constituído de tudo aquilo que o torna indiferente, separa,
distancia o homem de Deus e o orienta para um sentido oposto d’Ele sem que ele seja consciente.
38
Ver principalmente na República, IX, 571ª.
39
Ler Nouveaux essais sur l’entendement humain, Préface.
Reginaldo Alves Campoe
90
Contudo, o espiritual não está sem ligação como corporal e o psíquico: ele os
engloba de uma certa maneira.
O espiritual pode se definir como aquilo que em nós é constitutivo de uma relação
com Deus.
a) positiva mas também negativa (razão pela qual as paixões, disposições e estados pelos
quais nós nos separamos de Deus, são qualificados de “doenças espirituais”);
c) consciente, mas também inconsciente (é aquilo que nós estamos tentando mostrar).
91
da existência sua justa dimensão.40 Seu discípulo Wilfried Daim retomou esta concepção.
Segundo ele, o homem constituído por uma relação vital com o Absoluto, desencadeia
em si dos conflitos psíquicos cada vez que ele confere um caráter absoluto aos seres
relativos e substitui o único absoluto que é Deus por ídolos.
Pode-se ainda dizer que o inconsciente espiritual é uma noção que, no quadro da
espiritualidade cristã, não se fez até hoje objeto de nenhum estudo sistemático. Portanto,
as referências ou as alusões àquilo que se possa chamar um “inconsciente espiritual” são
suficientemente numerosas nas fontes tradicionais (em particular nos escritos patrísticos)
para que se possa considerar que há, na espiritualidade cristã oriental, uma concepção
subjacente do inconsciente espiritual e que esta noção pode servir para compreender uma
grande parte não somente da vida espiritual, mas ainda, por via de consequência, da
psicologia e do comportamento humano que lhe são relativos, e aí compreender aqueles
que não entendem como posicionar seu ser e seu modo de existência em relação a Deus
ou em relação a uma espiritualidade definida.
São Macário nota o caráter inconsciente, para a maioria dos homens, dos efeitos
neles do pecado ancestral: “O pecado que se introduziu no mundo por Adão, e que
corresponde a uma certa potência espiritual de Satã e a uma realidade, semeou todos os
males. Sem ser detectada, age sobre o homem interior e sobre o espírito, e coloca os
pensamentos em conflito. Mas o homem ignora que se trata de instigação de uma força
diferente. Ele imagina que tudo isto seja natural e que se trata das próprias reflexões [...]
O mundo está doente da paixão má e não o sabe.” São Simeão o No Teólogo constata no
mesmo sentido, assinalando que as paixões são não somente o conteúdo deste
inconsciente mas sua fonte: “Tal é o império que as paixões tem sobre nós, tais são o
escurecimento e a ignorância onde nós nos encontramos, que nós não sentimos em qual
estado estamos, que nós não nos apercebemos que agimos mal”. “A luz do coração está
tão obscurecida que não se apercebe mais a que ponto a alma está ferida e dilacerada
[...]”, observa João o Solitário.
“Um homem se crê paciente e humilde tanto que não se relaciona com ninguém,
mas assim que se apresente uma ocasião de contrariedade, ele voltará à sua primeira
natureza. Os defeitos escondidos reaparecem imediatamente e, como os cavalos sem freio
40
Ler Psicanálise e síntese pessoal.
Reginaldo Alves Campoe
92
depois de um longo repouso, se precipitam por uma irresistível necessidade para fora da
baia, com uma violência e uma ferocidade que causam a perda do cocheiro. Com efeito,
todas as relações humanas cessam, nossos vícios se desenvolvem ainda em nós se não
forem purificados antes.” Este ensinamento de são João Cassiano coloca em evidência o
fato de que a paixão, enquanto não for totalmente extirpada, não somente subsiste na
alma, aí se desenvolve sem que o sujeito dela tenha consciência. Nas suas Conferências,
são João Cassiano reafirma a subsistência e o fortalecimento inconscientes das paixões
não destruídas ou pelo menos não combatidas e às quais não se deu ocasião de se
manifestar: “Saibamos que se nós nos recolhermos ao deserto ou em qualquer lugar
secreto, antes de ter curado nossos vícios, nós somente impedimos seus efeitos, mas a
paixão é em nada cessa. A raiz dos pecados permanece escondida em nosso coração.
Enquanto nós não a extirparmos”.
CONCLUSÃO
93
Contudo, o problema de suas relações se põe em medir onde, como nós o temos
mostrado precedentemente, a vida psíquica é amplamente tributária da vida espiritual, e
onde um grande número de doenças psíquicas estão ligadas às doenças espirituais, a cura
daquelas dependem pois da cura destas.
1. A terapêutica das doenças espirituais tem como fim a saúde espiritual e a salvação do
homem e não pode ser utilizada como simples meio de tratar as doenças psíquicas.
3. Esta última nota implica que, no quadro da vida espiritual, o doente deve participar na
sua própria cura com um modo de vida ascética e eclesial e por se esforçar por aplicar os
conselhos de seu pai espiritual.
b) aos doentes que as dúvidas psíquicas são tão graves que eles impedem o domínio de
seu comportamento.
94
3. Este reconhecimento deve nutrir e orientar sua prática, em relação a todos os doentes
não cristãos ou não crentes.
Mas, têm igualmente o dever de não esconder do doente a dimensão espiritual que
lhe pareça poder explicar suas perturbações e poder contribuir na cura.
ÍNDICE
- Introdução .................................................................................................................. 02
95
1) Filáucia ......................................................................................................... 09
2) Gastrimargia ................................................................................................ 15
3) Luxúria ......................................................................................................... 27
5) Tristeza ......................................................................................................... 46
Terapêutica ........................................................................................... 56
7) Cólera ............................................................................................................ 63
8) Temor ............................................................................................................ 69
9) Vaidade ......................................................................................................... 76
- Conclusão ....................................................................................................................94
- Bibliografia
BIBLIOGRAFIA
96
- IONATA, Pasquale. Psicoterapia e religião: casos práticos, Paulinas, São Paulo, 1995.
- LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Martins Fontes, São Paulo,
1991.
Tradução:
reginaldo.campoe@yahoo.com.br