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"Reynold A.

Nicholson

Os Místicos
do Islã

Tradução:
Julia Vidili

MADRAS
Traduzido originalmente do inglês sob o título
The Mystics of lslam
© 2003, Madras Editora Ltda.

Editor:
Wagner Veneziani Costa

Produção e Capa:
Equipe Técnica Madras

Tradução:
Julia Vidili

Revisão:
Jefferson Rodrigues
Augusto do Nascimento
Ana Maria Balboni Palma

ISBN: 85-7374-767-6

Os direitos de tradução desta obra pertencem à Madras Editora assim como


sua adaptação e a coordenação. Fica, portanto, proibida a reprodução total ou
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(Lei n2 9.610, de 19.2.98).
/

Ináice

Introdução ....................................................................................... 7

1. O Caminho ................................................................................ 23
II. Iluminação e Êxtase ................................................................. 35
III. A Gnose .................................................................................. 45
IV. Amor Divino ........................................................................... 65
V. Santos e Milagres ..................................................................... 77
VI. O Estado Unitivo .................................................................... 93
Í ndice Remissivo ........................................................................ 1 07
Bibliografia ................................................................................. 115

5
Introáução

O título deste livro explica suficientemente o porquê de ele ter


sido incluído em uma série que "exemplifica as aventuras e labores
de pesquisadores individuais ou de grupos de pesquisadores em bus­
ca da realidade". O Sufismo, filosofia religiosa do Islã, está descrito
nas mais antigas definições existentes como a "apreensão de reali­
dades divinas"; os místicos maometanos gostam de ser tratados como
Ahl al-Haqq, "os seguidores do Real" - Al-Haqq é o termo geral­
mente usado pelos Sufis quando se referem a Deus. Na tentativa de
apresentar suas doutrinas principais a partir desse ponto de vista,
devo expor boa parte dos materiais que coletei durante os últimos
vinte anos para uma história geral do misticismo islâmico - um
assunto tão vasto e multifacetado que seriam necessários muitos vo­
lumes para começar a lhe fazer justiça. Aqui, posso apenas esboçar
em linhas gerais certos princípios, métodos e feições característicos
da vida privada, como foi vivida por muçulmanos de todas as clas­
ses e condições desde o século VIII de nossa era até hoje. Difíceis
são os caminhos traçados, escuras e confusas as altitudes intransitá­
veis além dos caminhos; mas mesmo se não podemos esperar acom­
panhar os viajantes até o fim de sua jornada, qualquer informação
que tenhamos conseguido sobre seu ambiente religioso e sua histó­
ria espiritual nos ajudará a compreender as estranhas experiências
que eles descreverem.
Em primeiro lugar, proponho oferecer algumas observações
sobre a origem e o desenvolvimento histórico do Sufismo, sua rela­
ção com o Islã e seu aspecto geral. Não apenas esses assuntos são

7
8 Os Místicos do Islã

interessantes para os estudantes de religião comparada como um certo


conhecimento deles é indispensável para qualquer estudante sério
do próprio Sufismo. Pode-se dizer, com razão, que todas as expe­
riências místicas acabam por se encontrar em um único ponto; mas
esse ponto assume aspectos completamente diferentes de acordo com
a religião, o grupo social e o temperamento do místico, enquanto as
linhas convergentes mais próximas admitem variações quase infini­
tas. Embora todos os grandes tipos de misticismo tenham algo em
comum, cada um deles é marcado por características peculiares re­
sultantes das circunstâncias nas quais ele nasceu e se desenvolveu.
Assim como o tipo cristão não pode ser compreendido sem referên­
cia ao Cristianismo, o tipo maometano deve ser observado em rela­
ção ao desenvolvimento interno e externo do Islã.
A palavra "místico", que passou da religião grega para a litera­
tura européia, está representada em árabe, persa e turco, as três lín­
guas principais do Islã, como Sufi. Os termos, porém, não são preci­
samente sinônimos, pois "Sufi" tem uma conotação religiosa espe­
c ífica e está restrita ao uso dos místicos que professam a fé
maometana. E a palavra árabe, embora ao longo do tempo tenha
apropriado o alto significado da grega - lábios selados por misté­
rios sagrados, olhos fechados em êxtase visionário -, trazia um sig­
nificado mais humilde quando começou a se tomar corrente (por
volta de 800 d.C.). Até tempos recentes, sua derivação era discutida.
A maioria dos Sufis, indo contra a etimologia, originou-se da raiz
árabe, que tem uma noção de "pureza" ; assim, Sufi significaria "aque­
le de coração puro" ou "um dos eleitos" . Alguns estudiosos euro­
peus identificaram a palavra com sophós, no sentido de "teósofo".
Mas Nõldeke, em um artigo escrito há vinte anos, mostrou conclusi­
vamente que o nome era derivado de suf (lã) e era originalmente
aplicado aos ascetas muçulmanos que, imitando os eremitas cris­
tãos, se embrulhavam em grosseiras vestimentas de lã como sinal de
penitência e renúncia às vaidades mundanas .
Os primeiros Sufis eram, na verdade, ascetas e quietistas, mais
do que místicos . Uma consciência impressionante do pecado, com­
binada com um temor - que para nós é difícil de imaginar - do
Dia do Julgamento e os tormentos do fogo do inferno, pintados de
maneira tão vívida no Alcorão, levou-os a buscar a salvação no aban­
dono do mundo. Por outro lado, o Alcorão os advertia de que a sal­
vação dependia inteiramente da vontade inescrutável de Alá, que
Introdução 9

guia corretamente o bom e desvia do caminho o mau. Seu destino


estava inscrito nas tábuas eternas da Providência Divina e nada po­
deria alterá-lo. A única certeza era que, se eles estavam destinados a
ser salvos pelo j ejum, pela oração e por trabalhos piedosos, assim
eles seriam salvos. Tal crença deságua naturalmente no quietismo, a
submissão completa e sem questionamento à vontade divina, uma
atitude característica do Sufismo em sua mais antiga forma. O eixo
principal da vida religiosa muçulmana durante o século VIII era o
medo - medo de Deus, medo do inferno, medo da morte, medo do
pecado -, mas o motivo oposto já começara a fazer sentir sua in­
fluência, tendo produzido na mulher sagrada Rabi' a ao menos um
exemplo evidente de verdadeiro auto-abandono místico.
***

Até aqui, não havia grandes diferenças entre o Sufi e o fanático


maometano ortodoxo, exceto pelo fato de os Sufis darem impor­
tância extraordinária a certas doutrinas do Alcorão e as desenvol­
verem acima de outras que muitos muçulmanos teriam considerado
igualmente essenciais. Deve-se também admitir que o movimento
asceta foi inspirado por ideais cristãos e contrastava fortemente
com o espírito ativo e amante dos prazeres do Islã. Em uma famosa
frase, o Profeta denunciava austeridades monacais e convocava seu
povo a se devotar à guerra sagrada contra os infiéis; e ele dava,
como bem se sabe, o testemunho mais convincente a favor do ca­
samento. Embora sua condenação do celibato não tenha sido sem
efeito, a conquista da Pérsia, da Síria e do Egito pelos seus suces­
sores trouxe aos muçulmanos o contato com idéias que modifica­
ram profundamente sua visão sobre a vida e a religião . Leitores
europeus do Alcorão não podem deixar de notar a vacilação e a
inconsistência de seu autor ao tratar dos problemas maiores. Ele
próprio não percebia essas contradições, as quais também não eram
um obstáculo para seus seguidores devotos, cuj a fé simples aceita­
va o Alcorão como a Palavra de Deus. Mas a fenda estava ali e
logo produziu conseqüências de grande repercussão.
Por conseguinte, apareceram os Murj itas, que punham a fé
acima dos trabalhos e enfatizavam o amor e a bondade divinos ; os
Qadaritas, que afirmavam e os Jabaritas, que negavam ser os homens
responsáveis por seus atos; os Mu' tazilitas, que construíram uma
10 Os Místicos do Islã

teologia baseada na razão, rejeitando as qualidades de Alá como


incompatíveis com Sua unidade e a predestinação como contrária à
Sua justiça; e finalmente os Ash' Aritas, os teólogos escolásticos do
Islã, que formularam o sistema metafísico e doutrinal rígido que fun­
damenta o credo dos maometanos ortodoxos atualmente. "Todas es­
sas especulações, influenciadas pela teologia e pela filosofia gregas,
reagiram poderosamente perante o Sufismo. No início do século ter­
ceiro da Hégira - o nono depois de Cristo -, encontramos sinais
manifestos das novas influências agindo dentro dele. Os Sufistas
não deixaram de mortificar a carne e de se orgulhar de sua pobreza,
mas começavam a ver o ascetismo como apenas o primeiro estágio
de uma longa jornada, o treino preliminar para uma vida espiritual
mais ampla do que um simples asceta podia conceber. A natureza da
mudança pode ser ilustrada citando-se algumas frases dos místicos
daquele período.
"O amor não deve ser aprendido com os homens: é um dos
dons de Deus e vem de Sua graça."
"Nada fará com que os desejos deste mundo impeçam de ser
salvo aquele em cujo coração há uma luz que o mantém sempre ocu­
pado com um novo mundo."
"Quando o olho espiritual do gnóstico está aberto, seu olho
corporal está fechado: ele nada vê além de Deus."
"Se a gnose tomasse uma forma visível, todos os que a olhas­
sem morreriam à vista de sua beleza e delicadeza e bondade e graça,
e todo brilho se tornaria escuro diante de seu esplendor."
Pode-se aqui comparar com Platão, Fedro (tradução de Jowett):
"Pois a visão é o mais aguçado de nossos sentidos corporais; embora
mesmo assim a sabedoria não possa ser vista, sua delicadeza teria
sido transportadora se houvesse dela uma imagem visível".
"A gnose é mais próxima do silêncio do que da fala."
"Quando o coração suspira por ter perdido, o espírito ri por ter
achado."
"Nada vê Deus e morre, assim como nada vê Deus e vive, pois
Sua vida é eterna; quem quer que o veja é assim tornado eterno."
"Oh, Deus, eu nunca ouço o grito dos animais ou o farfalhar
das árvores ou o murmurejar das água ou o chilrear de pássaros ou o
vento uivante ou o urro do trovão sem senti-los como evidência de
Tua unidade e prova de que nada há como Tu."
Introdução 11

***

"Ó meu Deus, eu Te invoco em público como os senhores são


invocados, mas em particular como se invocam os entes queridos.
Publicamente digo "Ó meu Deus!", mas intimamente digo "Ó meu
amado!"
Essas idéias - de luz, conhecimento e amor - formam as
expressões centrais do novo Sufismo, e nos capítulos seguintes ten­
tarei mostrar como elas se desenvolveram. No fim das contas, re­
pousam numa fé panteística que depôs o Deus único transcendente
do Islã e adorou em seu lugar Um Ser Real que está e trabalha em
toda parte e cujo trono não é menor, mas maior, no coração humano
do que no céu dos céus. Antes de prosseguir, seria conveniente res­
ponder a uma questão que o leitor pode ter feito a si mesmo - de
onde os muçulmanos do século IX tiraram essa doutrina?
A pesquisa moderna prova que a origem do Sufismo não pode
ser atribuída a uma única causa, por isso as generalizações que, por
exemplo, a representam como uma reação da mente ariana contra
uma religião semítica dominante e como produto, essencialmente,
do pensamento indiano ou persa foram desacreditadas. Afirmações
desse tipo, mesmo quando são parcialmente verdadeiras, ignoram o
princípio de que, com a finalidade de estabelecer uma conexão his­
tórica entre A e B , não basta trazer evidência da semelhança entre
uma e outra, sem mostrar ao mesmo tempo, primeiro, que a real
relação de B e A era tal que traduzia a assumida filiação possível e,
segundo, que a hipótese possível estava de acordo com todos os fatos
comprovados e relevantes. As teorias que mencionei não satisfazem
r.ssas condições. Se o Sufismo não passasse de uma revolta do espí­
rito ariano, como explicar o fato indubitável de que alguns dos pio­
neiros do misticismo maometano eram nativos da Síria e do Egito e
de origem árabe? Da mesma maneira, os que defendem uma origem
budista ou veda esquecem que a corrente principal da influência in­
diana sobre a civilização islâmica pertence a uma época posterior,
quando a teologia, a filosofia e a ciência muçulmanas desenvolve­
ram suas primeiras raízes exuberantes em um solo saturado de cul­
tura helenística. A verdade é que o Sufismo é algo complexo e por
isso. nenhuma resposta simples pode ser dada à questão de sua ori­
gem. Já estaremos avançados, porém, na resposta a essa questão após
termos distinguido os diversos movimentos e forças que moldaram
12 Os Místicos do Islã

o Sufismo, e determinado que direção ele deve tomar nos primeiros


estágios de seu crescimento.
Consideremos primeiro as influências externas, ou seja, não­
islâmicas, mais importantes.

I. Cristanáaáe
É óbvio que as tendências ascéticas e quietísticas às quais me
referi estavam em harmonia com a teoria cristã e se alimentaram
dela. Diversos textos do Evangelho e os ditos apócrifos de Jesus são
citados nas antigas biografias Sufi, e o eremita cristão (rahib) apare­
ce freqüentemente no papel de um professor dando instruções e con­
selhos a ascetas muçulmanos errantes. Vimos que o traje de lã, do
qual vem o nome "Sufi", é de origem cristã: votos de silêncio, litanias
(dhokr), e outras práticas ascéticas podem ter vindo da mesma fonte.
No que diz respeito à doutrina do amor divino, os seguintes trechos
falam por si mesmos:
"Jesus passou por três homens. Seus corpos eram magros e
suas faces pálidas. Ele lhes perguntou, dizendo: 'O que vos levou a
essa condição?' Eles responderam: 'Medo do fogo' . Jesus disse: 'Vós
temeis algo criado; apenas Deus pode salvar os que temem' . Então
ele os deixou e passou por três outros, cujos rostos eram ainda mais
pálidos e os corpos ainda mais magros, e lhes perguntou, dizendo:
'O que vos levou a essa condição?' Eles responderam: 'Saudades do
paraíso' . Ele disse: 'Vós desejais uma coisa criada e apenas Deus
pode vos dar o que desejais' . Então ele continuou e passou por três
outros de palidez e magreza excessivas, de forma que seus rostos
eram espelhos de luz, e disse: 'O que vos levou a essa condição?'
Eles responderam: 'Nosso amor por Deus' . Jesus disse: 'Vós sois os
mais próximos Dele, vós sois os mais próximos Dele".
O místico sírio Ahmad ibn al-Hawari perguntou certa vez a um
eremita cristão:
"'Qual é a mais forte ordem que encontrais em vossas Escritu­
ras?' O eremita respondeu: 'Nada há mais forte que isso: Ama teu
criador com todo o teu poder e força"'.
Outro eremita foi questionado pelo mesmo asceta muçulmano:
"'Quando um homem é mais perseverante na devoção?' 'Quan­
do o amor toma posse de seu coração' , foi a resposta; 'pois então ele
não tem nem alegria nem prazer senão na devoção contínua"'.
Introdução 13

A influência da cristandade por meio de seus eremitas, monges


e seitas heréticas (por exemplo, os rnessalianos ou euchites) tinha
duas facetas: ascética e mística. O misticismo cristão oriental, po­
rém, continha um elemento pagão: tinha há muito absorvido as idéias
e adotado a linguagem de Plotino e da escola neoplatônica.

II. �opfatonismo
Aristóteles, e não Platão, é a figura dominante na filosofia
muçulmana e mais conhecido entre os maometanos pelo nome de
Plotino, chamado "Mestre Grego" (al-Sheykh al- Yaunani). Mas, urna
vez que os árabes adquiriram seu primeiro conhecimento de Aristó­
teles a partir de seus comentaristas neoplatônicos, o sistema do qual
eles se imbuíram foi o de Porfírio e Procluso. Assim, a chamada
Teologia de Aristóteles, cuja versão arábica apareceu no século IX,
é na verdade um manual do neoplatonismo.
Outro trabalho dessa escola merece atenção especial: refiro­
rne aos escritos falsamente atribuídos a Dioniso, o Areopagita, o
converso de São Paulo. O pseudo-Dioniso - que deve ter sido um
monge sírio - nomeia corno seu mestre um certo Hieroteu, que
Frothingham identificou com Stephen Bar Sudaili, um proeminente
gnóstico sírio e contemporâneo de Jacob de Saruj (45 1 -5 2 1 d.C.).
Dioniso cita alguns fragmentos de hinos eróticos de autoria desse
Stephen, e um trabalho completo - O Livro de Hieroteu sobre os
Mistérios Ocultos da Divindade - surgiu em um único manuscrito
que está atualmente no Museu Britânico. Os escritos dionisíacos,
vertidos para o latim por John Scotus Erigena, fundaram o misticis­
mo cristão medieval na Europa ocidental. Sua influência no Oriente
foi muito menos vital. Eles foram traduzidos do grego para o sírio
quase imediatamente após seu surgimento, e sua doutrina foi vigo­
rosamente propagada por comentários na mesma língua. Por volta
de 850 d.C., Dioniso era conhecido do Tigre ao Atlântico.
Além da tradição literária, houve outros canais pelos quais as
doutrinas da emanação, iluminação, gnose e êxtase foram transmiti­
das, mas já se disse o suficiente para convencer o leitor de que as
idéias místicas gregas estavam no ar e facilmente acessíveis aos
muçulmanos da Ásia ocidental e do Egito, onde a filosofia Sufi to­
rnou forma pela primeira vez. Urn dos que tornaram parte nesse de­
senvolvimento principal, Dhu 'L-Nun, o Egípcio, é descrito corno
14 Os Místicos do Islã

filósofo e alquimista - em outras palavras, um estudante da ciência


helenística. Quando se acrescenta que muito de sua especulação con­
corda com o que se encontra, por exemplo, nos escritos de Dioniso,
somos levados irresistivelmente à conclusão (a qual, como apontei,
é altamente provável em linhas gerais) de que o neoplatonismo der­
ramou no Islã um forte verniz do mesmo elemento místico no qual o
cristianismo já pisara.

III. Çjnosticisnw
(Conforme Goldziher, "Neuplatonische und Gnostische
Elemente im Hadit", in Zeitschrift far Assyriologie, xxii. 3 1 7 ff.)
Embora haja pouca evidência direta, o lugar óbvio ocupado
pela teoria da gnose na especulação Sufi primitiva sugere o contato
com o gnosticismo cristão. Deve-se notar que os pais de Ma' ruf al­
Karkhi, cuja definição de Sufismo como a "apreensão das realida­
des divinas" foi citada na primeira página desta Introdução, eram,
diz-se, sabianos, ou seja, mandeanos, vivendo no pântano babilôni­
co entre Basra e Wasit. Outros santos muçulmanos aprenderam o
"mistério do Grande Nome". Este foi comunicado a lbrahim ibn
Adham por um homem que ele encontrou enquanto viajava no de­
serto, e logo que ele o pronunciou viu o profeta Khadir (Elias). Os
antigos Sufis emprestaram dos maniqueus o termo siddiq, que apli­
cam aos próprios adeptos espirituais, e uma escola posterior, retor­
nando ao dualismo de Mani, sustenta a opinião de que a diversidade
dos fenômenos resulta da mescla de luz e escuridão.
"O ideal da ação humana é a libertação da mancha de escuri­
dão; e a libertação da luz da escuridão significa a autoconsciência da
luz enquanto luz." (Shaikh Muhammad Iqbal, The Development of
Methaphysics in Persia, 1 908, p. 1 50.)
A seguinte versão da doutrina dos setenta mil véus, explicada
por um dervixe Rifa' i moderno, mostra claros traços de gnosticismo
e é tão interessante que não posso deixar de citá-la aqui:
"Setenta mil véus separam Alá, a Realidade Única, do mundo
da matéria e do sentido. E cada alma passa antes de seu nascimen­
to através desses setenta mil. A metade interna são véus de luz; a
metade externa, véus de escuridão. Para cada um dos véus de luz
por que passa, em sua jornada para o nascimento, a alma tira uma qua­
lidade divina; e, para cada um dos véus escuros, ela põe uma qualidade
Introdução 15

terrena. Assim, a criança nasce chorando, pois a alma sabe de sua


separação de Alá, a Realidade Única. E, quando a criança grita du­
rante o sono, é porque a alma se lembra de algo que foi perdido.
Além disso, a passagem pelos véus trouxe consigo o esquecimento
(nisyan), e por essa razão o homem é chamado insan. Ele está agora
como que aprisionado em seu corpo, separado de Alá por essas gros­
sas cortinas.
***

"Mas toda a proposta do Sufismo, o Caminho do dervixe, é dar


a ele uma fuga dessa prisão, um apocalipse dos Setenta Mil Véus,
uma recuperação da unidade original com O Único, enquanto ainda
está em seu corpo. O corpo não deve ser deixado de lado; deve ser
refinado e tornado espiritual - um ajudante e não um empecilho do
espírito. É como um metal que tem de ser refinado com o fogo e
transmutado. E o Xeque diz ao aspirante que tem o segredo dessa
transmutação: 'Devemos atirar você no fogo da paixão espiritual' ,
ele diz, 'e de lá você sairá refinado." (The Way of a Mohammedan
Mystic, por W. H. T. Gairdner, Leipzig, 1 9 1 2, pp. 9 f.)

I'll. 'Buáismo
Antes da conquista maometana da Índia no século XI, o ensi­
namento de Buda exerceu considerável influência na Pérsia oriental
e Transoxânia. Ouvimos falar de monastérios budistas prósperos em
Balkh, a metrópole da antiga Báctria, uma cidade famosa pelo nú­
mero de Sufis que nela residiam. O professor Goldziher chamou a
atenção à significativa circunstância em que o asceta Sufi lbrahim
ibn Adham aparece na lenda muçulmana como um príncipe de Balkh
que abandonou seu trono e se tornou um dervixe errante - a histó­
ria de Buda novamente. Os Sufis aprenderam o uso de rosários dos
monges budistas e, sem entrar em pormenores, pode-se afirmar com
segurança que o método do Sufismo, enquanto autocultura ética, me­
ditação ascética� abstração intelectual, deve muito ao budismo. Mas
as caractetísticas que os dois sistemas têm em comum apenas acen­
tuam a diferença fundamental entre eles. Em espírito, eles são pólos
separados. O budista moraliza a si mesmo, o Sufi se torna moral
apenas ao conl,�cer e amar Deus.
16 Os Místicos do Islã

A concepção Sufi da passagem (fana) do eu individual para o


Ser Universal é certamente, acredito eu, de origem indiana. Seu pri­
meiro grande expoente foi o místico persa Bayazid de Bistam, que
deve tê-lo recebido de seu mestre, Abu 'Ali de Sind (Scinde). Eis
algumas de suas frases:
"As criaturas estão sujeitas à mudança de 'estado' , mas o
gnóstico não tem 'estado' , pois seus vestígios são apagados e sua
essência aniquilada pela essência de outro, e seus traços são perdi­
dos nos traços de outro."
"Por trinta anos, o Deus elevado foi meu espelho, agora sou
meu próprio espelho.", ou seja, de acordo com a explicação dada
por seu biógrafo, "aquilo que fui não sou mais, pois 'Eu' e 'Deus'
são uma negação da unidade de Deus. Já que não sou mais, o Deus
elevado é seu próprio espelho."
"Fui de Deus para Deus, até que eles criaram de mim em mim,
'Ó, Vós Eu!"'
Pode-se observar que isso não é Budismo, mas o panteísmo do
Vedanta. Não podemos identificar fana com o Nirvana incondicio­
nalmente. Ambos os termos implicam o morrer da individualidade,
mas enquanto o nirvana é puramente negativo, ofana é acompanha­
do pelo baqa, vida eterna em Deus. O êxtase do Sufi que se perdeu
em contemplação extática da beleza divina é inteiramente oposto à
serenidade intelectual sem paixão do Arahat. Enfatizo esse contras­
te porque, em minha opinião, a influência do Budismo no pensa­
mento maometano foi exagerada. Muito do que é atribuído ao Bu­
dismo é, antes, indiano: a teoria dofana dos Sufis é um caso. Muçul­
manos comuns têm aversão aos seguidores de Buda, olhando-os como
idólatras, e provavelmente não procurariam contato pessoal com eles.
Por outro lado, por cerca de mil anos antes da conquista maometana,
o Budismo foi poderoso na Báctria e na Pérsia oriental em geral: ele
deve, portanto, ter afetado o desenvolvimento do Sufismo nessas
regiões.
Enquanto ofana em sua forma panteística é radicalmente dife­
rente do nirvana, os termos coincidem tão intimamente em outros
pontos de vista que não podemos vê-los como desconexos. O fana
tem um aspecto ético: envolve a extinção de todas as paixões e dese­
jos. Diz-se que a morte das qualidades más e das más ações que elas
produzem é trazida por meio da continuidade das boas qualidades e
Introdução 17

ações correspondentes. Compare com a definição do nirvana dada


pelo professor Rhys Davids :
"A extinção da condição pecadora, avarenta, da mente e do co­
ração, que de outra maneira, de acordo com o grande mistério do
carma, seria a causa da existência individual renovada. Essa extin­
ção deve vir com - e lhe é paralela - o crescimento da condição
oposta de mente e coração; e se completa quando essa condição oposta
é atingida."
Além da doutrina do carma, que é estranha ao Sufismo, essas
definições do fana (visto como um estado moral) e do nirvana con­
cordam quase textualmente. Seria impróprio prosseguir na compa­
ração, mas acho que podemos concluir que a teoria Sufi do fana foi
influenciada em certa medida pelo B udismo, assim como pelo
panteísmo persa-indiano.
A receptividade do Islã às idéias estrangeiras foi reconhecida
por todo pesquisador imparcial, e a história do Sufismo é apenas um
simples exemplo da regra geral . Mas isso não deve nos levar a bus­
car em tais idéias uma explicação para toda a questão que se discute
aqui, ou a identificar o próprio Sufismo com os ingredientes estra­
nhos que ele absorveu e assimilou em seu desenvolvimento. Mesmo
se o Islã tivesse sido miraculosamente isolado do contato com reli­
giões e filosofias estrangeiras, alguma forma de misticismo teria cres­
cido dentro dele, pois as sementes já estavam ali. Claro que não
podemos isolar as forças internas que agiam com esse fim, pois elas
eram sujeitas à lei da gravitação espiritual. As poderosas correntes
de pensamento descarregadas no mundo maometano por sistemas
não-islâmicos, anteriormente mencionados, deram estímulo às di­
versas tendências dentro do Islã que afetaram o Sufismo positiva ou
negativamente. Como vimos, seu tipo mais antigo é uma revolta as­
ceta contra a luxúria e o mundano; mais tarde, o racionalismo e o
ceticismo dominantes provocaram contramovimentos em direção ao
conhecimento intuitivo e à fé emocional, e também uma reação or­
todoxa que por sua vez levou muitos muçulmanos fervorosos ao grau
dos místicos.
Como, pode-se perguntar, pode uma religião fundada em um
simples e austero monoteísmo de Maomé tolerar essas novas doutri­
nas e, mais ainda, chegar a um acordo com elas? Pareceria impossí­
vel reconciliar a personalidade transcendente de Alá com uma Rea­
lidade imanente que é a verdadeira vida e alma do Universo. O Islã
18 Os Místicos do Islã

aceitou o Sufismo. Os Sufis, em vez de serem excomungados, são


estabelecidos com segurança na igreja maometana, e a Lenda dos
Santos Muçulmanos registra os excessos mais abusivos do panteísmo
ocidental.
Voltemos rapidamente ao Alcorão, essa infalível pedra de to­
que pela qual toda teoria e prática muçulmana deve ser provada.
Pode-se encontrar sementes de misticismo nele? O Alcorão, como
eu disse, principia com a noção de Alá, o Uno, Eterno e Poderoso
Deus, muito acima dos sentimentos e aspirações humanos - o Se­
nhor de Seus escravos, não o Pai de Seus filhos; um juiz distribuin­
do justiça severa aos pecadores e estendendo sua piedade apenas
àqueles que evitam sua ira com o arrependimento, a humildade e
palavras incessantes de devoção; um Deus de medo e não de amor.
Esse é um lado, e certamente o mais importante, do ensinamento de
Maomé; mas mesmo pondo um abismo intransponível entre o mun­
do e Alá, seu instinto mais profundo suplica por uma revelação direta
de Deus para a alma. Não há contradições na lógica do sentimento.
Maomé, que tinha em si algo de um místico, sentiu Deus tanto longe
quanto perto, tanto transcendente quanto imanente. No último as­
pecto, Alá é a luz dos céus e da terra, um Ser que age no mundo e na
alma do homem.
"Se meus servos lhe perguntam sobre mim, veja, estou perto"
(Cor. 2 . 1 82 ); "Nós (Deus) estamos mais perto dele que a veia de seu
próprio pescoço" (50. 1 5); "E na terra há sinais para aqueles de fé
real e em vós mesmos. O quê! Vocês não vêem?" (5 1 .20-2 1 )
Passou-se muito tempo antes que eles vissem. A consciência
muçulmana, assombrada pelas terríveis visões da ira, devagar e do­
lorosamente acordou para o significado dessas idéias libertadoras.
Os versos que citei não estão isolados e, por mais desfavorável
ao misticismo que possa ser o Alcorão como um todo, não posso
concordar com a visão de que ele não dá base para uma interpreta­
ção mística do Islã. Isso foi trabalhado minuciosamente pelos Sufis,
que trataram do Alcorão de maneira bastante parecida com a que
Filo tratou o Pentateuco. Mas eles não teriam sido tão bem-sucedi­
dos em trazer a multidão de muçulmanos religiosos para seu lado, a
menos que os campeões da ortodoxia tenham se dedicado a cons­
truir um sistema de filosofia escolástica que reduzisse a natureza
divina a uma unidade puramente formal, imutável e absoluta, uma
Introdução 19

mera vontade desprovida de todas as afeições e emoções, um poder


tremendo e incalculável com o qual nenhuma criatura humana pode
ter qualquer comunhão ou intercurso pessoal, qualquer que seja. Esse
é o Deus da teologia de Maomé. Essa era a alternativa ao Sufismo.
Por conseqüência, "todos os muçulmanos pensantes, religiosos, são
místicos", como notou o professor D. B. Macdonald, uma das maio­
res autoridades no assunto. E acrescentou: "Todos são, também,
panteístas, mas alguns não sabem disso".
A relação de Sufis individuais com o Islã varia de mais ou
menos conformidade a uma profissão meramente nominal de crença
em Alá e Seu Profeta. Enquanto se acredita que o Alcorão e as Tra­
dições são um padrão inalterável de verdade religiosa, esse reconhe­
cimento não inclui a admissão de qualquer autoridade externa que
possa decidir o que é ortodoxo e o que é herético. Credos e catecismos
nada contam na estimação Sufi. Por que ele se importaria com isso,
quando possui uma doutrina vinda diretamente de Deus? Enquanto
ele lê o Alcorão com meditação estudiosa e atenção arrebatada, ora
vejam, os significados ocultos - infinitos, inexauríveis - da Pala­
vra Sagrada brilham diante de seu olho interior. Isso é o que os Sufis
chamam istinbat, uma espécie de dedução intuitiva; o fluxo miste­
rioso de conhecimento divinamente revelado em corações que se
tornaram puros pelo arrependimento e cheios do pensamento de Deus,
e o derramamento daquele conhecimento sobre a língua interpreta­
dora. Naturalmente, as doutrinas obtidas por meio do istinbat não
concordam muito bem com a teologia maometana ou com qualquer
outra, mas essa não-concordância é facilmente explicada. Não se
pode esperar que os teólogos, que interpretam a letra, cheguem à
mesma conclusão dos místicos, que interpretam o espírito; e se ambas
as classes têm diferenças em si mesmas, essa é uma piedosa distri­
buição da sabedoria divina, já que a controvérsia teológica serve
para extinguir o erro religioso, enquanto a variedade de verdade
mística corresponde aos graus e modos multifacetados da experiên­
cia mística.
No capítulo sobre a gnose, vou tratar, de forma mais completa,
da atitude dos Sufis em relação à religião positiva. É apenas um
relato grosseiro sobre o assunto, para dizer que muitos deles foram
bons muçulmanos, muitos outros quase não o foram e uma terceira
parte, talvez a maior, muçulmanos após uma adaptação. No início da
20 Os Místicos do Islã

Idade Média, o Islã era um organismo crescente, tendo se transfor­


mado gradualmente sob a influência de diversos movimentos, in­
cluindo o próprio Sufismo. A ortodoxia maometana em sua forma
presente deve muito a Ghazali, que era um Sufi. Pelo seu trabalho e
exemplo, a interpretação sufística do Islã foi em grande medida har­
monizada com as afirmações rivais de razão e tradição, mas por cau­
sa disso ele é menos valorizado que místicos de um tipo mais puro
pelo estudioso interessado no que essencialmente é o Sufismo.
Embora as numerosas definições de Sufismo que há nos livros
árabes e persas sejam historicamente interessantes, sua importância
principal está em mostrar que o Sufismo é indefinível. Jalaluddin
Rumi, em seu Masnavi, conta uma história de um elefante que alguns
hindus exibiam em um quarto escuro. Muitas pessoas se reuniram
para vê-lo, mas como o lugar era escuro demais para que pudessem
ver o elefante, eles todos o apalparam, para ter uma idéia de sua
aparência. Um tateou seu tronco e disse que o animal se parecia com
um barril; outro tateou sua orelha e disse que deveria ser semelhante
a um grande leque; outro, sua perna, e pensou que pudesse ser como
um pilar; outro tateou as costas e declarou que deveria ser um imen­
so trono. É assim com os que definem o Sufismo: apenas podem
tentar expressar o que eles próprios sentiram, não havendo fórmula
concebível que compreenda cada matiz de sentimento religioso pes­
soal e íntimo. Porém, uma vez que essas definições ilustram com
conveniente brevidade certos aspectos e características do Sufismo,
alguns exemplos podem ser dados:
***

"O Sufismo é isso: que as ações devem passar pelo Sufi (ou
seja, ser feitas acima dele), conhecidas apenas por Deus, e que ele
deve estar com Deus de um modo conhecido apenas por Deus."
"O Sufismo é inteiramente a autodisciplina."
"O Sufismo é nada possuir e por nada ser possuído."
"O Sufismo não é um sistema composto de regras ou ciências,
mas uma disposição moral; ou seja, se fosse uma regra, poderia tor­
nar-se a regra de uma pessoa com um forte empenho e, se fosse uma
ciência, poderia ser adquirida pela instrução; mas, pelo contrário, é
uma disposição, de acordo com o ditado: 'Formem a si mesmos na
natureza moral de Deus' ; e a natureza moral de Deus não pode ser
atingida nem por meio de regras nem por meio de ciências. "
Introdução 21

" O Sufismo é liberdade e generosidade e ausência d e autolimi­


tações."
"É isso: Deus deve te fazer morrer para ti mesmo e deve te
fazer viver Nele."
"Observar a imperfeição do mundo perceptível ou, pelo con­
trário, fechar o olho a tudo o que é imperfeito na contemplação Dele,
que é remoto de qualquer imperfeição - isso é Sufismo."
"O Sufismo é o controle das faculdades e a observação das
respira ções."
"E Sufismo pôr de lado o que tens em tua cabeça, dar o que
tens em tuas mãos e não recuar diante do que quer que suceda a ti."
***

O leitor perceberá que o Sufismo é uma palavra que une mui­


tos significados divergentes, e, para esboçar seus muitos alicerces,
somos obrigados a fazer uma espécie de retrato composto, que não
representa exclusivamente nenhum tipo particular. Os Sufis não são
uma seita, não têm sistema dogmático; os tariqas ou caminhos pelos
quais eles buscam Deus "são em mesmo número que as almas dos
homens" e variam infinitamente, embora uma semelhança de família
possa ser traçada em todos . Descrições de tal fenômeno multiforme
diferem largamente uma da outra, e a impressão produzida em cada
caso dependerá da escolha de materiais e da importância dada a esse
ou aquele aspecto do todo multifacetado. A essência do Sufismo é
mais bem apresentada em seu tipo extremo, que é panteístico e espe­
culativo, e não ascético e devocional. Por isso, coloquei esse tipo em
primeiro plano. A vantagem de limitar o campo é bastante óbvia,
mas confere uma certa perda de proporção. Para ter um julgamento
justo do misticismo maometano, os capítulos seguintes devem ser
suplementados por um retrato traçado especialmente por aqueles ti­
pos moderados que, por falta de espaço, injustamente deixei de lado.
Capítulo!

O Caminho

Místicos de todas as raças e credos descreveram o progresso


da vida espiritual como uma jornada ou uma peregrinação. Outros
símbolos foram usados com o mesmo propósito, mas o que se apre­
senta aqui parece ser o mais universal por seu alcance. O Sufi que se
prepara para buscar a Deus define-se como "viajante" (salik); ele
avança em "estágios" lentos (maqamat) por um "caminho" (tariqat)
para o objetivo de união com a Realidade (fanafi 'l-Haqq). Se ele se
aventurasse a traçar um mapa de sua ascensão interior, este não
corresponderia exatamente a nenhum outro feito por exploradores
anteriores. Tais mapas ou escalas de perfeição foram elaborados por
professores Sufis em um período primitivo, e o infeliz hábito muçul­
mano de sistematizar produziu uma enorme coletânea. O "caminho"
exposto pelo autor do Kitab al-Luma, talvez o mais antigo tratado
compreensível de Sufismo que se conhece, consiste nos sete "está­
gios" seguintes, cada um dos quais (exceto o primeiro membro da
série) sendo o resultado dos "estágios" que imediatamente o prece­
deram - ( 1 ) Arrependimento, (2) Abstinência, (3) Renúncia, (4)
Pobreza, (5) Paciência, (6) Confiança em Deus e (7) Satisfação. Os
"estágios" constituem a disciplina ascética e ética do Sufi e devem
ser cuidadosamente distintos dos assim chamados "estados" (ahwal,
plural de hal), que formam uma cadeia psicológica similar. O autor
que acabei de citar enumerou dez "estados" - meditação, proximi­
dade de Deus, amor, medo, esperança, saudades, intimidade, tran­
qüilidade, contemplação e certeza. Enquanto os "estágios" podem

23
24 Os Místicos tÚJ Islã

ser adquiridos e dominados pelos próprios esforços de uma pessoa,


os "estados" são sentimentos e disposições espirituais sobre os quais
um homem não tem controle:
"Eles vêm de Deus para seu coração, sem que este seja capaz
de repeli-los quando eles vêm ou de retê-los quando se vão."
O "caminho" Sufi não termina até que ele haja atravessado
todos os "estágios", tornando-se perfeito em cada um deles antes de
avançar para o próximo, e experimentando também quaisquer "esta­
dos" que agrade a Deus conceder-lhe. Então, e apenas então, ele é
permanentemente elevado aos planos mais altos da consciência que
os Sutis chamam de "a Gnose" (ma'rifat) e "a Verdade" (haqiqat),
onde o "buscador" (talib) se torna o "conhecedor" ou "gnóstico"
('arif) e percebe que o conhecimento, o conhecedor e o conhecido
são um só.
***

Tendo esboçado, o mais brevemente possível, a moldura exter­


na do método pelo qual o Sufi encara sua meta, devo agora partir
para alguma descrição de seu trabalho interior. O presente capítulo
trata da primeira parte da jornada tríplice - o Caminho, a Gnose e a
Verdade - pela qual a busca da realidade é simbolizada com fre­
qüência.
O primeiro lugar em qualquer lista de "estágios" é ocupado
pelo arrependimento (tawbat) . Este é o termo muçulmano para a
"conversão" e marca o início de uma nova vida. Nas biografias dos
Sufis eminentes, os sonhos, visões, audições e outras experiências
que os levaram a entrar no Caminho são normalmente relatados. Por
mais triviais que possam parecer, esses registros têm uma base psi­
cológica e, se autênticos, são merecedores de estudo pormenorizado.
O arrependimento é descrito como o despertar da alma do sono do
descuido, de forma que o pecador tome consciência dos maus cami­
nhos e sinta pesar da desobediência passada. Ele não é realmente
penitente, porém, a menos que antes ele abandone de uma vez o
pecado ou pecados dos quais ele está consciente e depois resolva
firmemente que j amais recairá nesses pecados no futuro. Se falhasse
em manter seu voto, deveria voltar-se novamente a Deus, cuja pie­
dade é infinita. Um certo Sufi célebre se arrependeu setenta vezes e
recaiu em pecado setenta vezes antes de um último arrependimento.
O Caminho 25

O converso deve também, até onde estej a a seu alcance, satisfazer


aqueles que ele possa ter ofendido. Diversos exemplos de tal resti­
tuição podem ser recolhidos na Lenda dos Santos Muçulmanos.
De acordo com a teoria mística elevada, o arrependimento é
puramente um ato de divina graça, vindo de Deus para o homem,
não do homem para Deus. Alguém disse para Rabi' a:
"Cometi muitos pecados ; se eu fizer penitência a Deus, terá
Ele piedade de mim?" "Não'', ela replicou, "mas se Ele se voltar
para ti, tu te voltarás para Ele."
A questão sobre se os pecados devem ser lembrados após o
arrependimento ou esquecidos ilustra um ponto fundamental da éti­
ca Sufi: a diferença entre o que é ensinado aos noviços e discípulos
e o que é mantido como doutrina esotérica pelos adeptos. Qualquer
mentor de almas maometano diria a seus pupilos que pensar humil­
demente e com remorsos sobre o pecado de alguém é um remédio
soberano contra o orgulho espiritual, mas ele mesmo pode muito
bem acreditar que o arrependimento verdadeiro consiste em esque­
cer-se de tudo, exceto de Deus.
" O penitente", diz Huj wiri, "é um amante de Deus e o amante
de Deus está em contemplação de Deus; em contemplação é errado
lembrar-se do pecado, pois a recordação do pecado é um véu entre
Deus e o contemplativo."
O pecado pertence à própria existência, que é em si o maior
dos pecados. Esquecer o pecado é esquecer o eu.
Essa é apenas uma aplicação do princípio que, como eu disse,
está em todo o sistema ético do Sufismo e será explicado de forma
mais completa em um capítulo subseqüente. Seus perigos são evi­
dentes, mas devemos admitir que a mesma teoria de conduta pode
não ser igualmente indicada para os que se tornaram perfeitos em
disciplina moral e para aqueles que ainda estão lutando pela perfeição.
Sobre o portão do arrependimento, escreveu-se:
"Todo o eu abandona a quem aqui entra ! "
O converso inicia, então o que o s místicos cristãos chamam de
Estrada Purgativa. Se ele seguir a regra geral, tomará de um mentor
ou guia (Xeque, Pir, Murshid), ou sej a, um homem santo de expe­
riência amadurecida e profundo conhecimento, cuja menor palavra
é lei absoluta para seus discípulos. Um "buscador" que tenta atra­
vessar o "caminho" sem assistência goza de pouca simpatia; e dele
26 Os Místicos do Islã

diz-se que "seu guia é Satã" e é comparado a uma árvore que, por
falta de cuidados do jardineiro, "não dá frutos ou os tem amargos".
Falando dos xeques Sufis, Hujwiri diz:
"Quando um noviço se junta a eles, com o propósito de renun­
ciar ao mundo, eles o sujeitam à disciplina espiritual pelo período de
três anos. Se ele preenche os requerimentos dessa disciplina, tudo
bem; de outra forma, eles o declaram incapaz de ser admitido no
'Caminho' . O primeiro ano é devotado ao serviço do povo; o segun­
do ano, ao serviço de Deus; e o terceiro ano, para cuidar do próprio
coração. Ele pode servir as pessoas apenas quando se põe no grau de
servo e todos os outros no grau de mestres, ou seja, ele deve respei­
tar a todos, sem exceção, como se fossem melhores que ele, e deve
ser sua obrigação servir a todos da mesma forma. E ele apenas pode
servir a Deus quando se livra de todos os interesses egoístas relacio­
nados seja à vida presente, seja à futura e adorar a Deus apenas por
Deus, uma vez que aquele que adora Deus por causa de qualquer
outra coisa adora a si mesmo, e não a Deus. E ele pode cuidar de seu
coração apenas quando seus pensamentos estão recolhidos e todo
cuidado foi descartado, para que em comunhão com Deus ele guar­
de seu coração dos ataques do descuido. Quando possui essas quali­
ficações, o noviço pode usar o muraqqa 'at (o hábito remendado usado
pelos dervixes) como um verdadeiro místico, não apenas como um
imitador dos outros. "
Shibli era um aluno do famoso teósofo Junayd de Bagdá. Em
sua conversão, ele foi até Junayd, dizendo:
"Disseram-me que você possui a pérola do conhecimento divi­
no. Dê para mim ou venda-a." Junayd respondeu: "Não posso vendê­
la, pois você não poderia pagar seu preço; e, se eu lhe der, você a
terá ganho muito barato. Atire-se logo, como eu, nesse oceano, para
que você possa ganhar a pérola esperando pacientemente".
Shibli perguntou o que devia fazer.
"Venda enxofre", disse Junayd.
Ao fim de um ano, ele disse a Shibli:
"Esse comércio o toma muito conhecido. Tome-se um dervixe
e se ocupe somente de mendigar. "
Durante um ano inteiro, Shibli vagou pelas ruas de Bagdá, men­
digando aos passantes, mas ninguém ligava para ele. Então, foi a
Junayd, que exclamou:
O Caminho 27

"Veja agora! Você não é nada aos olhos do povo. Nunca se


preocupe com eles nem os leve em conta. Por algum tempo", conti­
nuou, "você foi um camarista e agiu como governador de uma pro­
víncia. Vá àquele país e peça perdão a todos os que você prejudicou."
Shibli obedeceu, passando quatro anos de porta em porta, até
ter obtido o perdão de cada pessoa, com exceção de uma, que não
conseguiu encontrar. Quando voltou, Junayd disse a ele:
"Você ainda tem que considerar sua reputação. Seja um men­
digo por mais um ano."
Todos os dias, Shibli trazia as esmolas que lhe eram dadas para
Junayd, que as distribuía aos pobres e deixava Shibli sem comer até
a manhã seguinte. Depois de um ano passado dessa maneira, Junayd
aceitou-o como um dos discípulos sob a condição de agir como ser­
vo dos outros. Após um ano de serviço, Junayd lhe perguntou:
"O que você pensa de si agora?" Shibli respondeu: "Conside­
ro-me a mais miserável das criaturas de Deus". "Agora", disse o
mestre, "sua fé é firme."
Não me aterei aos pormenores desse treinamento - os jejuns
e vigílias, os votos de silêncio, os longos dias e nóites de meditação
solitária, todas as armas e táticas, em suma, da batalha contra o pró­
prio ego, que o Profeta declarou ser mais dolorosa e meritória que a
Guerra Santa. Por outro lado, meus leitores esperam que eu descre­
va de modo geral as teorias e práticas características pelas quais "o
Caminho" é uma designação conveniente. Essas podem ser tratadas
sob os seguintes títulos: Pobreza, Mortificação, Confiança em Deus
e Recordação. Embora a pobreza seja negativa em natureza, exigin­
do o desligamento de tudo o que é mundano e irreal, os três termos
restantes denotam a contrapartida positiva desse processo, isto é, a
disciplina ética pela qual a alma é levada a ter relações harmoniosas
com a Realidade.
O espírito fatalista que pairou sobre a infância do Islã - o
sentimento de que todas as ações humanas são determinadas por um
poder invisível e, em si mesmas, são inúteis e vãs - fez a renúncia
se tomar a palavra de ordem do ascetismo muçulmano primitivo.
Todo verdadeiro crente precisa abster-se de prazeres ilegais, mas o
asceta adquire mérito abstendo-se dos que são legais. No princípio,
a renúncia era entendida quase exclusivamente em um sentido mate­
rial. Ter o menor número possível de bens mundanos parecia o modo
28 Os Místicos do Islã

mais seguro de obter a salvação. Dawud al-Ta' i nada possuía, exce­


to urna esteira de junco, um tijolo que usava corno travesseiro e urna
vasilha de couro que lhe servia para beber e se lavar. Certo homem
sonhou ter visto Malik ibn Dinar e Maomé ibn Wasi sendo levados
ao Paraíso, e que Malik fora admitido antes de seu companheiro. Ele
se espantou, pois pensara que Maomé ibn Wasi tinha privilégio de
honra. "Sim", veio a explicação, "mas Maomé ibn Wasi possuía duas
camisas e Malik apenas urna. Essa é a razão pela qual Malik tem a
preferência."
O ideal Sufi de pobreza vai muito além disso. A verdadeira
pobreza não é apenas a falta de abundância, mas a falta de desejo de
abundância: o coração vazio, assim corno as mãos vazias. O homem
pobre (faquir) e o mendigo (dervixe) são nomes pelos quais o dervixe
maometano sente orgulho de ser chamado, pois eles implicam que
ele é despoj ado de qualquer pensamento ou desejo que possa des­
viar sua mente de Deus. "Ser afastado inteiramente da vida presente
e futura e nada querer além do Senhor da vida presente e da vida
futura - isto é ser verdadeiramente pobre." Tal faquir é despido de
existência individual, assim ele não atribui a si mesmo qualquer ação,
sentimento ou qualidade. Ele pode até ser rico, no significado comum
da palavra, embora espiritualmente sej a o mais pobre dos pobres;
pois, às vezes, Deus dota seus santos com urna exibição exterior de
abundância e materialismo para escondê-los do profano.
Quem conhece os escritores místicos não precisa ser informado
de que sua terminologia é ambígua e que a mesma palavra freqüen­
temente abrange um grupo, senão urna abundância, de significados
que divergem mais ou menos de acordo com o ponto de vista. Daí a
confusão aparente nos textos Sufi. Quando "pobreza", por exemplo,
é explicada por um intérprete corno teoria transcendental e por outro
corno urna regra prática de vida religiosa, os significados não podem
coincidir. Assim, do ponto de vista desse último, a pobreza é apenas
o princípio do Sufismo. Os faquires, segundo Jarni, renunciam a to­
das as coisas terrestres com o objetivo de agradar a Deus. Eles são
levados a esse sacrifício por um de três motivos : (a) esperança de
prestar contas facilmente no Dia do Julgamento, ou medo de serem
punidos; (b) desejo do paraíso; (c) procura da paz espiritual e tran­
qüilidade interior. Assim, já que não são desinteressados mas procu­
ram beneficiar a si mesmos, estão num grau abaixo do Sufi, que não
O Caminho 29

tem vontade própria e depende absolutamente da vontade de Deus.


É essa ausência do "eu" que distingue o Sufi do faquir.
Eis algumas máximas para dervixes:
"Não mendigue, a menos que você esteja morrendo de fome. O
Califa Omar açoitou um homem que mendigou após ter satisfeito
sua fome. Quando compelido a mendigar, não aceite mais do que
você precisa."
"Seja bom e não se queixe. Agradeça a Deus a sua pobreza. "
"Não gabe o rico por dar nem o culpe por não dar."
"Tema a perda da pobreza mais que o rico a lamentar a perda
da abundância."
"Tome o que é voluntariamente oferecido: é o pão de cada dia
que Deus envia a você; não recuse um presente de Deus."
"Não deixe que pensamentos sobre o dia seguinte penetrem
em sua mente, ou você incorrerá em perdição infinita."
"Não faça de Deus uma arapuca para caçar esmolas. "
***

Os mestres Sufi gradualmente construíram um sistema de


ascetismo e cultura moral fundado no fato de que há no homem um
elemento mau - a alma baixa ou apetitiva. Esse eu mau, a sede da
paixão e do desejo, é chamado .nafs; pode ser considerado, de um
modo geral, equivalente à 'carne' e, com seus aliados, o mundo e o
demônio, constitui o grande obstáculo à realização de uma união
com Deus. O Profeta disse: "Teu pior inimigo é teu nafs, que está
entre teus dois lados". Não pretendo discutir as diversas opiniões
sobre sua natureza, mas a prova de sua materialidade é curiosa de­
mais para ser omitida. Maomé ibn 'Ulyan, um Sufi eminente, relata
o dia em que algo parecido com uma jovem raposa saiu de sua gar­
ganta e Deus fê-lo saber que aquilo era seu nafs. Ele o pisoteou, mas
aquilo crescia a cada pontapé. Disse, então:
"Outras coisas se destroem com dor e ferimentos; por que tu
cresces?" "Porque fui criado perverso", respondeu; "o que é dor para
outras coisas é prazer para mim e seu prazer é minha dor."
O nafs de Hallaj foi visto correndo atrás dele em forma de ca­
chorro; em outros casos, registrou-se que ele aparecia como uma
cobra ou um rato.
A mortificação do nafs é o trabalho principal da devoção e
leva, direta ou indiretamente, à vida contemplativa. Todos os Xeques
30 Os Místicos do Islã

concordam que um discípulo que negligencie seu dever jamais apren­


derá nem mesmo os rudimentos do Sufismo. O princípio da mortifi­
cação é que o nafs deve ser despojado das coisas a que é acostuma­
do, deve ser encorajado a resistir a suas paixões, seu orgulho deve
ser quebrado, e ele deve ser levado, por meio de sofrimento e tribu­
lação, a reconhecer a vileza de sua natureza original e a impureza de
suas ações. Sobre os métodos externos de mortificação, como o je­
jum, o silêncio e a solidão, muito pode ser escrito, mas devemos
passar agora à mais elevada disciplina ética que completa o Caminho.
A automortificação, como os Sufis avançados a entendem, é
uma transmutação moral do homem interior. Quando eles dizem:
"Morre antes que morras", eles não querem afirmar que o eu inferior
pode ser essencialmente destruído, mas que pode e deve ser expur­
gado de seus atributos, que são totalmente maus. Esses atributos -
ignorância, orgulho, inveja, falta de caridade, etc. - são extintos e
substituídos pelas qualidades opostas, quando a vontade é entregue
a Deus e a mente concentrada Nele. Assim, morrer para o eu é na
verdade viver em Deus. Os aspectos místicos da doutrina assim
mostrada ocupam uma parte considerável dos capítulos seguintes;
estamos aqui interessados principalmente em seu significado ético.
Diz-se que o Sufi que erradicou a vontade própria, em lingua­
gem técnica, alcançou os "estágios" de "aquiescência" ou "satisfa­
ção" (rida) e "confiança em Deus" (tawakkul).
Um dervixe cai no rio Tigre. Percebendo que ele não sabia
nadar, um homem na margem gritou: "Devo buscar alguém para tirá­
lo daí?" "Não", disse o dervixe. "Então você deseja afogar-se?"
"Não." "O que você deseja então?" O dervixe respondeu: "A vonta­
de de Deus será feita! Por que eu precisaria desejar qualquer coisa?"
Confiança em Deus, em sua forma extrema, envolve a renún­
cia a qualquer iniciativa e vontade pessoal; total passividade, como
a de um cadáver nas mãos de quem o prepara para seu enterro; per­
feita indiferença com qualquer coisa que esteja mesmo remotamente
conectada com o eu. Uma classe especial dos antigos Sufis tirou seu
nome dessa "confiança", que eles aplicaram, até onde podiam, aos
assuntos da vida cotidiana. Por exemplo, eles não buscavam alimen­
to nem trabalhavam por salário, nem praticavam qualquer comércio
ou permitiam que lhes fossem dados remédios quando adoeciam.
Eles se entregavam silenciosamente aos cuidados de Deus, nunca
O Caminho 31

duvidando de que Ele, a quem pertencem os tesouros da terra e do


céu, atenderia às suas necessidades e que sua porção devida viria a
eles assim como vinha aos pássaros, que nunca semeavam nem co­
lhiam, aos peixes do mar, e às crianças no útero.
Esses princípios dependiam da teoria sufística da unidade di­
vina, como mostrado por Shaqiq de Balkh na seguinte passagem:
"Há três coisas que um homem deve praticar. Quem quer que
negligencie uma delas deve negligenciar a todas, e quem quer que seja
fiel a uma delas deve ser fiel a todas. Esforça-te, assim, para entender,
e considera com cuidado.
"A primeira é esta, que com tua mente e tua língua e tuas
ações declares que Deus é Um; e que tendo declarado que Ele é
Um, e tendo declarado que nada te favorece ou fere, exceto Ele, tu
devotes todas as tuas ações apenas para Ele. Se dedicas a menor de
tuas ações a outro, teu pensamento e fala são corruptos, pois tua
razão para agir por outro deve ser esperança ou medo; e quando
ages por esperança ou medo de outro que não seja Deus, que é o
Senhor e sustento de todas as coisas, tomaste para ti outro deus
para honrar e venerar.
"Em segundo lugar, que, enquanto falas e ages na sincera cren­
ça de que não há Deus além Dele, deves acreditar Nele mais que no
mundo ou dinheiro ou tio ou pai ou mãe ou qualquer um na face da
terra.
"Terceiro, quando tiveres estabelecido essas duas coisas, a cren­
ça sincera em Deus e a confiança Nele, cabe a ti satisfazer-te com
Ele e não te enraiveceres por algo que te humilhe. Cuidado com a
raiva! Deixa teu coração estar sempre com Ele, não o deixes afastar­
se Dele em nenhum momento."
A confiança Sufi não pensa em nada além do momento presen­
te. Em uma ocasião, Shaqiq perguntou aos que ouviam seu discurso:
"Se Deus faz com que vocês morram hoje, vocês acham que
Ele lhes pedirá as orações de amanhã?" Eles responderam: "Não;
como Ele pediria a nós as orações de um dia em que não estamos
vivos?" Shaqiq disse: "Assim como Ele não lhes pedirá as orações
de amanhã, assim vocês não pedirão a Ele o alimento de amanhã.
Pode ser que vocês não vivam até lá".
Em vista das conseqüências práticas de tentar viver "na con­
fiança", não é surpreendente ler o conselho dado àqueles que
32 Os Místicos do Islã

cumprem perfeitamente a doutrina: "Deixe-os cavar um túmulo e


enterrar-se a si mesmos". Mais tarde, os Sufis afirmariam que o em­
penho ativo para obter os meios de subsistência é bastante compatí­
vel com a "confiança", de acordo com o dizer do Profeta: "Confie
em Deus e amarre a perna do camelo". Eles definem tawakkul como
um estado habitual da mente, comparável apenas aos pensamentos
agradáveis; ou seja, achava-se que era um rompimento de "confian­
ça" pensar que o paraíso era um lugar mais desejável que o inferno.
Que tipo de caráter tal teoria provavelmente produz? Na pior
das hipóteses, um zumbido inútil e uma rapinagem hipócrita com os
semelhantes; na melhor delas, um dervixe inofensivo que permane­
ce imóvel na tristeza, encara o elogio e a ofensa com igual indiferença
e aceita insultos, ferimentos, torturas e morte como meros inciden­
tes do drama eterno do destino. Essa fria moralidade, porém, não é a
mais elevada da qual o Sufismo é capaz. A mais alta moralidade
vem apenas do amor, quando a auto-rendição se torna autodevoção.
Tratarei disso no devido momento.
Entre os elementos positivos na disciplina Sufi, há um que os
místicos muçulmanos vêem unanimemente como a peça-chave da
religião prática. Refiro-me ao dhikr, um exercício bem conhecido
dos leitores ocidentais por intermédio da cuidadosa descrição de
Edward Lane em seu Modem Egyptians e outra do professor D. B.
Macdonald em seu Aspects of Islam. O termo dhikr - "recordação"
me parece o termo mais apropriado - significa mencionar, lembrar
ou simplesmente pensar sobre; no Alcorão, os fiéis são comandados
a "lembrar-se freqüentemente de Deus", um ato simples de adoração
sem nenhum sabor místico. Mas os Sufis fizeram uma prática de
repetição do nome de Deus ou alguma fórmula religiosa, por exem­
plo: "Glória a Alá" (subhan Allah), "Não há Deus senão Alá" (la
ilaha ilia 'llah), acompanhando a entonação mecânica com uma in­
tensa concentração de cada faculdade sobre a palavra ou frase; e
eles dão mais valor a essa litania irregular, que os capacita a gozar
de ininterrupta comunhão com Deus, do que aos cinco serviços de
oração realizados em certas horas do dia e da noite por todos os
muçulmanos. A recordação pode ser falada ou silenciosa, mas é
melhor, de acordo com a opinião comum, que a língua e a mente
possam cooperar. Sahl ibn 'Abdallah ordenou a um de seus discípu­
los que dissesse "Alá! Alá!" o dia inteiro sem intermissão. Depois
O Caminho 33

de ele adquirir o hábito de o fazer, Sahl o instruiu a repetir as mes­


mas palavras durante a noite, até que ela viesse a seus lábios mesmo
quando ele adormecesse. "Agora", disse ele, "fique em silêncio e
ocupe-se de recordá-la." Por fim, o discípulo tornou-se absorvido
pelo pensamento de Alá. Um, dia um tronco caiu em sua cabeça e as
palavras "Alá, Alá" foram vistas escritas no sangue que saiu do
ferimento.
Ghazali descreve o método e os efeitos do dhikr em uma pas­
sagem que Macdonald assim resumiu:
"Deixe-o reduzir seu coração ao estado em que a existência de
qualquer coisa e a não-existência são a mesma coisa para ele. Então
deixe-o sentar-se sozinho em algum canto, limitando seus deveres
religiosos ao que é absolutamente necessário, e não se ocupar de
nada que não seja recitar o Alcorão ou considerar seu significado ou
com livros ou tradições religiosas ou com qualquer coisa do tipo. E
deixe-o ver assim que nada exceto Deus Poderoso entra em sua mente.
Então, se ele está sentado sozinho, não o deixe cessar de dizer con­
tinuamente com sua língua: ' Alá, Alá' , mantendo nisso seu pensa­
mento. Por fim, ele atingirá um estado em que o movimento de sua
língua cessará e será como se a palavra fluísse dela. Deixe-o perse­
verar nisso até que qualquer traço de movimento sej a removido de
sua língua e ele perceba seu coração perseverando no pensamento.
Deixe-o ainda perseverar até que a forma da palavra, suas letras e
forma, seja removida de seu coração, e que fique apenas a idéia,
como se viesse de seu coração, inseparável dele. Assim, tudo depen­
de de sua vontade e escolha; mas trazer a Vontade de Deus não está
em sua vontade ou escolha. Ele agora se expôs aos sopros daquela
verdade e nada lhe resta a não ser esperar que a Vontade de Deus lhe
apareça, pois Deus fez assim com seus profetas e santos. Se ele segue
o curso acima, pode ter certeza de que a luz do real brilhará em seu
coração. A princípio instável, como um relâmpago de luz, ela vem e
volta; embora por vezes ela hesite. E se retorna, às vezes ela perma­
nece e às vezes é momentânea. E se permanece, por vezes sua per­
manência é longa, por vezes curta."
Outro Sufi põe a essência do assunto em uma frase:
"O primeiro estágio do dhikr é esquecer o eu, e o último está­
gio é apagar no adorador o ato de adorar sem consciência da adora­
ção, e tal absorção no objeto de adoração impede o retorno a seu
tema".
34 Os Místicos tÚJ Islã

A recordação pode ser ajudada de muitos modos. Quando era


um noviço, Shibli ia diariamente a um porão, levando um maço de
gravetos. Se sua atenção vacilasse, ele se bateria até os gravetos
quebrarem e por vezes todo o maço terminaria antes da noite; então
ele bateria suas mãos e pés contra a parede. A prática indiana de
inalar e exalar a respiração era conhecida dos Sufis do século IX e
foi muito usada desde então. Entre as ordens dervixes, a música, o
canto e a dança são métodos favoritos de induzir o estado de transe
chamado "trespasse" (fana), que, como na definição acima, é o clí­
max e a razão de ser do método.
Em "meditação" (muraqabat), reconhecemos uma forma de
auto concentração similar ao dhyana e o samadhi budistas. Isto é o
que o Profeta queria dizer quando afirmou: "Adora Deus como se tu
o visses, pois se tu não o vês, Ele o vê". Qualquer um que tivesse a
certeza de que Deus velava por ele se devotaria a meditar sobre Deus
e nenhum pensamento mau ou sugestão diabólica chegariam a seu
coração. Nuri costumava meditar tão profundamente que nem um
pêlo de seu corpo se movia. Ele declarou ter aprendido esse hábito
com um gato que observava um buraco de rato e que o animal ainda
ficava mais imóvel que ele. Abu Said ibn Abi '1-Khayr mantinha os
olhos fixos em seu umbigo. Diz-se que o demônio é acometido de
epilepsia quando se aproxima de um homem assim ocupado, como
acontece com outros homens quando o demônio os possui.
Este capítulo terá cumprido seu objetivo se trouxe aos leitores
uma visão clara das linhas principais do treinamento preparatório do
Sufi. Imaginemos agora que seu xeque o investiu do traje remenda­
do (muraqqa 'at ou khirqat), que é o símbolo exterior de que ele
emergiu com sucesso da disciplina do "Caminho" e agora avança
com passos incertos em direção à Luz, assim como viajantes fatiga­
dos, chegando ao topo de um desfiladeiro profundo, repentinamente
apanham raios do sol e cobrem os olhos.
Capítulo II

/\

I[uminação e 'E�ase

Deus, que é descrito no Alcorão como "a Luz dos céus e da


terra", não pode ser visto pelo olho físico. Ele é visível apenas à visão
interior do "coração". No próximo capítulo, retomaremos a esse ór­
gão espiritual, mas não entrarei no labirinto da psicologia Sufi mais
do que o necessário. A visão do coração (ru 'yat al-qalb) é definida
como "a contemplação do coração pela luz da certeza que está es­
condida no mundo invisível". Eis o que Ali queria dizer quando per­
guntava: "Vês Deus?" e respondia: "Como podemos adorar Alguém
que não vemos?" A luz da certeza intuitiva (yaqin) pela qual o cora­
ção vê Deus é um raio da própria luz de Deus atirada por Ele; nenhu­
ma visão Dele é possível.
"Esse é o próprio sol que permite que se veja o sol."
De acordo com uma interpretação mística da famosa passagem
no Alcorão em que a luz de Alá é comparada a uma vela queimando
em uma lanterna de vidro transparente, posta em um nicho da pare­
de, o nicho é o coração do crente; assim, sua fala é luz e seus atos
são luz e ele se move na luz. "Quem discursa sobre a eternidade",
disse Bayazid, "deve ter em si a lâmpada da eternidade."
A luz que brilha no coração do místico iluminado o dota de um
poder sobrenatural de discernimento (jirasat). Embora acreditem,
como todos os muçulmanos, que Maomé é o último dos profetas
(assim como, de outro ponto de vista, ele é o Logos ou o primeiro
dos seres criados), os Sufis realmente dizem possuir uma forma me­
nor de inspiração. Quando Nuri foi questionado sobre a origem do
firasat místico, respondeu citando o verso do Alcorão em que Deus

35
36 Os Místicos do Islã

diz que Ele soprou Seu espírito em Adão; mas os Sufis mais ortodo­
xos, que combatem energicamente a doutrina de que os espíritos
humanos não são criados e são eternos, afirmam que o firasat é o
resultado do conhecimento e da percepção, rnetaforicarnente cha­
mado "luz" ou "inspiração'', que Deus cria e distribui entre Seus
favoritos. A Tradição "Cuidado com o discernimento do verdadeiro
crente, pois ele vê pela luz de Alá" é exemplificada em narrativas
corno estas :
Abu' Abdallah al-Razi disse:
"Ibn al-Anbari me apresentou um traje remendado, e, vendo na
cabeça de Shibli um capuz que combinava perfeitamente com aqui­
lo, concebi o desejo de que ambos fossem meus. Quando se levan­
tou para partir, Shibli olhou para mim, corno era seu hábito quando
desej ava que eu o seguisse. Assim, segui-o até sua casa e, quando
entramos, ele me mandou tirar o traje remendado e o dobrou e atirou
seu capuz por cima. Então, pediu fogo e queimou tanto o traje corno
o capuz" .
Sari al-Saqati encorajava freqüentemente Junayd a falar em
público, mas Junayd não queria consentir, pois duvidava ser mere­
cedor de tamanha honra. Urna noite de sexta-feira, ele sonhou que o
Profeta aparecia e mandava-o falar ao povo. Ele acordou, foi à casa
de Sari antes do raiar do dia e bateu à porta. Sari abriu a porta e
disse: "Você não me acreditou até que o Profeta veio e o disse a
você".
Sahl ibn Abdallah estava na mesquita congregacional quando
um pombo, vencido pelo intenso calor, caiu ao solo. Sahl exclamou:
"Pela graça de Deus, Shah al-Kirmani acabou de morrer" . Isso foi
escrito e comprovou-se ser verdade.
Quando o coração está purgado do pecado e dos maus pen­
samentos, a luz da certeza brilha sobre ele e faz dele um espelho
resplandecente, assim o diabo não pode aproximar-se sem ser visto.
Daí o dizer de alguns gnósticos: "Se desobedeço meu coração, deso­
bedeço ao Deus". Foi para um homem assim iluminado que o Profe­
ta disse: "Consulta teu coração, e ouvirás a ordem secreta de Deus
proclamada pelo conhecimento interno do coração, que é a fé e a
divindade reais" - algo muito melhor que o aprendizado de adivi­
nhos. Não preciso antecipar aqui a questão, que será discutida no
próximo capítulo, sobre o quanto as queixas de urna consciência
Iluminação e Êxtase 37

infalível são reconciliáveis com a religião e a moralidade externas.


O Profeta, também, pedia que Deus pusesse uma luz em seu ouvido
e em seu olho; e, após mencionar os diferentes membros de seu cor­
po, ele concluiu: "E faça de mim inteiro uma luz". (0 leitor deve
lembrar que a maioria das Tradições místicas atribuídas a Maomé,
se não todas, foi fabricada e atribuída a ele pelos Sutis, que se repre­
sentam como os verdadeiros intérpretes de seu ensinamento esotéri­
co.) Da iluminação do esplendor gradualmente crescente, o místico
se eleva à contemplação dos atributos divinos, e, por fim, quando
sua consciência está toda dissolvida, ele se toma transubstanciado
(tajawhara) no brilho da essência divina. Essa é a estação do bem­
fazer ( ihsan )
- pois "Deus está com os benfeitores" (Ale. 29.69), e
temos autoridade profética para afirmar que "fazer o bem consiste
em adorar a Deus como se O estivesses vendo".
Não desperdiçarei tempo nem abusarei da paciência dos leito­
res tentando classificar e expor esses vários graus de iluminação,
que podem ser descritos simbolicamente, mas não explicados em
linguagem científica. Devemos deixar que os místicos falem por si
mesmos. Uma vez que seu ensinamento é com freqüência difícil de
entender, a verdade é mais bem conduzida assim do que poderíamos
esperar de análise e dissecção.
Há duas passagens do mais antigo tratado persa sobre o Sufismo,
o Kashf al-Mahjub de Hujwiri:
"Conta-se que Sari al-Saqati disse: Ó Deus, qualquer que seja
a punição que inflijas a mim, não me punas com a humilhação de ser
impedido de Te ver; porque, se eu não for impedido de Te ver, meu
tormento e minha aflição serão iluminados pela recordação e con­
templação de Ti; mas se eu for impedido de Te ver, mesmo Tua
bondade será mortal para mim. Não há no inferno punição mais do­
lorosa e dura de suportar que a de ser vendado. Se Deus fosse reve­
lado no inferno para as pessoas do inferno, pecadores, crentes nunca
pensariam no paraíso, já que a visão de Deus os encheria tanto de
alegria que eles não sentiriam dores corporais. E no paraíso não há
prazer mais perfeito que não estar vendado. Se as pessoas ali desfru­
tassem todos os prazeres daquele lugar e de puros prazeres multipli­
cados por mil, mas fossem impedidas de ver Deus, seus corações
seriam completamente quebrados. Então, essa é a maneira de Deus
de deixar os corações daqueles que O amam ter visões Dele com
38 Os Místicos do Islã

freqüência, para que o deleite possa capacitá-los a enfrentar qual­


quer tribulação; e eles dizem em suas visões: 'Consideramos todos
os tormentos mais desejáveis do que ser impedidos de Te ver. Quando
Tua beleza é revelada a nossos corações, não pensamos em aflição' ."
"Há na verdade dois tipos de contemplação. A primeira é re­
sultado da perfeita fé, a segunda, de amor entusiasmado, pois no
arrebatamento do amor um homem atinge um grau tal que todo seu
ser é absorvido no pensamento em seu Amado e nada mais vê. Maomé
ibn Wasi' disse: 'Nunca vi nada sem ver Deus em seu interior' , ou
seja, através da fé perfeita. Shibli disse: 'Nunca vi nada além de
Deus' , ou seja, no arrebatamento do amor e no fervor da contempla­
ção. Um místico vê o ato com seu olho corporal e, enquanto olha,
contempla o Agente com seu olho espiritual; outro é arrebatado por
amor do Agente de todas as outras coisas, vendo assim apenas o
Agente. O primeiro método é demonstrativo, o outro, extático. No
primeiro caso, uma prova manifesta é derivada das evidências de
Deus; no último, o vidente é deleitado e transportado pelo desejo:
evidências são veladas a ele, pois quem conhece uma coisa não se
preocupa com nada além daquilo, e quem ama uma coisa não olha
para nada além daquilo, mas renuncia à disputa com Deus e interfe­
re com Ele em Seus decretos e atos. Quando o amante desvia seu
olho das coisas criadas, vê inevitavelmente o Criador com seu cora­
ção. Deus disse: 'Diga aos crentes para fechar seus olhos' (Ale.
24.30), ou seja, para fechar seus olhos corporais aos desejos e seus
olhos espirituais para as coisas criadas. O mais sincero na automor­
tificação é o mais firmemente fundado na contemplação. Sahl ibn
Abdallah de Tustar disse: 'Se alguém fecha seus olhos a Deus por
um simples momento, nunca será corretamente guiado por toda a
sua vida' , porque olhar outro que não Deus é ser manipulado por
outro que não Deus, e quem se deixa à mercê de outro senão Deus
está perdido. Então a vida dos contemplativos é o tempo no qual eles
gozam da contemplação; o tempo gasto na visão ocular eles não vêem
como vida, pois para eles isso é na verdade a morte. Assim, quando
se perguntava a Bayazid quantos anos tinha, ele respondia: 'Quatro
anos' . Diziam a ele: 'Como pode ser?' Ele respondia: 'Fui impedido
de ver Deus neste mundo por setenta anos, mas O vi durante os últi­
mos quatro anos; o período em que se está vendado não pertence à
vida."
Iluminação e Êxtase 39

Tomo a seguinte citação do Mawaqif de Niffari, um autor com


o qual devemos nos tornar mais familiares ao longo desta obra:·
"Deus disse a mim: 'A menor das ciências da proximidade é
que você possa ver em tudo os efeitos de contemplar a Mim, e que
essa visão possa prevalecer sobre você mais que sua gnose de Mim."
Explicação do comentarista:
"Ele quer dizer que a menor das ciências da proximidade (pro­
ximidade de Deus) ocorre quando você olha para algo, sensivelmen­
te, intelectualmente ou de outra maneira, e deve estar consciente de
contemplar a Deus com uma visão mais clara que sua visão daquela
coisa. Há diversos graus nesse assunto. Alguns místicos dizem que
eles nunca vêem nada sem ver Deus antes. Outros dizem: ' Sem ver
Deus em seguida' ou 'junto' ; ou dizem que nada vêem além de Deus.
Um certo Sufi disse: 'Fiz a peregrinação e vi a Caaba, mas não o
Senhor da Caaba' . Essa é a percepção de alguém que está vendado.
Então ele disse: 'Fiz a peregrinação novamente e vi tanto a Caaba
quanto o Senhor da Caaba' . Esta é a contemplação da Auto-subsis­
tência por meio da qual tudo subsiste, ou seja, ele viu a Caaba sub­
sistindo através do Senhor da Caaba, mas não a Caaba. Então ele
disse: 'Fiz a peregrinação uma terceira vez e vi o Senhor da Caaba,
mas não a Caaba' . Essa é a 'estação' do waqfat (trespasse para a
essência). No presente caso, o autor se refere à contemplação da
Auto-subsistência".
Outro tanto diz respeito à teoria da iluminação. Mas, como
afirma Mefistófeles, "Grau ist alle Theorie", e, embora para a maior
parte de nós a experiência viva sej a negada, podemos ouvir seus
ecos mais altos e sentir sua mais quente fosforescência na poesia
que ela criou. Traduzirei parte de uma ode persa do dervixe e poeta
Baba Kuhi de Shiriz, que morreu no ano de 1 050.
***

"No mercado, no claustro - apenas Deus vi.


No vale e na montanha - apenas Deus vi.
Ele vi perto de mim no sofrimento;
No favor e na fortuna - apenas Deus vi.
Na oração e no jej um, no louvor e na contemplação,
Na religião do Profeta - apenas Deus vi.
Nem alma nem corpo, acidente nem substância,
40 Os Místicos do Islã

Nem qualidades nem causas - apenas Deus vi.


Abri meus olhos e pela luz de Seu rosto a meu redor
Em todo o olho descoberto - apenas Deus vi.
Como uma vela eu derretia em Seu fogo:
Dentre as chamas faiscantes - apenas Deus vi.
Eu com meus próprios olhos vi mais claramente,
Mas quando olhei com os olhos de Deus - apenas Deus vi.
Morri no nada, desmaiei,
E vej am, eu era O que vive em tudo - apenas Deus vi."
Todo o Sufismo está na crença em que, quando o eu individual
se perde, o Eu Universal é encontrado ou, em linguagem religiosa,
que o êxtase permite os únicos meios pelos quais a alma pode comu­
nicar-se diretamente e unir-se com Deus. Ascetismo, purificação,
amor, gnose, santidade, enfim todas as idéias principais do Sufismo,
são desenvolvidas a partir desse princípio fundamental.
Entre os termos metafóricos comumente empregados pelos
Sufis como mais ou menos equivalentes a êxtase, estão fana (tres­
passe), wajd (sentimento), sarna (audição), dhawq (paladar), shirb
(ato de beber), ghaibat (ausência do eu), jadlbath (atração), sukr
(intoxicação) e hal (emoção). Seria tedioso e, em minha opinião,
pouco instrutivo examinar por parte as definições desses termos e de
muitos outros semelhantes que aparecem nos textos Sufi. Não so­
mos levados apreciavelmente próximo à compreensão da natureza
do êxtase quando ele é descrito como um "mistério divino que se
move no chão da alma e é produzido pelo desejo do amor". A teoria
maometana do êxtase, porém, pode ser discutida sem referência a
duas das expressões técnicas anteriormente mencionadas, fana e
sarna.
Como observei na Introdução, o termo fana inclui diferentes
estágios, aspectos e significados. Eles podem ser resumidos desta
forma:

1 . Uma transformação moral na alma pela extinção de todas as suas


paixões e desejos.
2. Uma abstração mental ou morte da mente de todos os objetos da
percepção, pensamentos, ações e sentimentos por meio de sua con­
centração no pensamento de Deus. Aqui, o pensamento de Deus sig­
nifica contemplação dos atributos divinos .
Iluminação e Êxtase 41

3. A cessação de todo pensamento consciente. O mais alto estágio


de fana é atingido quando mesmo a consciência de ter atingido o
fana desaparece. Isso é o que os Sufis chamam "o trespasse do tres­
passe" (jana-al-fana). O místico agora é arrebatado na contempla­
ção da essência divina.
O estágio final do fana, o completo trespasse do eu, forma o
prelúdio do baqa, "continuação" ou "sobrevivência" em Deus, e será
tratado de forma mais completa no capítulo VI.
O primeiro estágio lembra muito o nirvana budista. É uma morte
das más qualidades e estados de mente, que envolve a continuação
simultânea das boas qualidades e estados de mente. Esse é necessa­
riamente um processo extático, uma vez que todos os atributos do eu
são maus em relação a Deus. Ninguém pode tornar-se perfeitamente
moral, ou seja, perfeitamente abnegado (privado do eu). Isso deve
ser feito por Ele, por meio de "um clarão da beleza divina" em seu
coração.
Enquanto o primeiro estágio se refere ao eu moral, o segundo
se refere ao eu sensitivo e intelectual. Usando a classificação geral­
mente adotada pelos místicos cristãos, podemos ver o primeiro como
a consumação da Vida Purgativa, e o último, como a meta da Vida
Iluminativa. O terceiro e último estágio constitui o mais alto nível
da Vida Contemplativa.
Freqüentemente, embora não invariavelmente, o fana é acompa­
nhado da perda de sensação. Sari al-Saqati, famoso Sufi do século III,
exprimiu a opinião de que, se um homem nesse estado fosse golpeado
no rosto com uma espada, não sentiria o ferimento. Abu '1-Khayr al­
Aqta' tinha uma gangrena no pé. Os médicos declararam que seu pé
deveria ser amputado, mas ele não permitiria isso. Seus discípulos
disseram: "Corte-o fora enquanto ele estiver rezando, pois nesse mo­
mento ele estará inconsciente" . Os médicos seguiram esse conselho e,
quando Abu '1-Khayr terminou sua oração, percebeu que a amputação
ocorrera. É difícil perceber como alguém avançado no fana pode ser
capaz de manter a lei religiosa - um ponto ao qual os místicos orto­
doxos dão grande ênfase. Aqui, entra a doutrina da santidade. Deus
cuida de preservar Seus eleitos da desobediência a Seus comandos.
Diz-se que Bayazid, Shibli e outros santos estavam continuamente no
estado de arrebatamento até que chegava a hora da oração; então, eles
retomavam à consciência e após terminar suas orações eram arrebata­
dos novamente.
42 Os Místicos do Islã

Em teoria, o transe extático é involuntário, embora certas con­


dições sej am reconhecidas como especialmente favoráveis a essa
ocorrência. "Ocorre a um homem por meio da visão da majestade de
Deus e por meio da revelação da onipotência divina a seu coração."
Tal foi, por exemplo, o caso de Abu Hamza, que, conforme andava
nas ruas de B agdá e meditava sobre a proximidade de Deus, caiu
repentinamente em êxtase e continuou seu caminho, nada vendo nem
ouvindo, até que recobrou os sentidos e se viu no deserto. Transes
desse tipo duravam às vezes muitas semanas. Há registros de que
Sahl ibn Abhdallah costumava ficar em êxtase por vinte e cinco dias
de cada vez, sem se alimentar; respondia ainda a perguntas de dou­
tores em teologia e mesmo no inverno sua camisa estava empapada
de suor. Mas os Sufis logo descobriram que o êxtase podia ser indu­
zido artificialmente, não apenas por concentração de pensamento,
recordação (dhikr) e outros métodos inocentes de auto-hipnose, mas
também por música, canto e dança. Esses se incluem no termo sarna,
que significa propriamente nada mais que audição.
Não há dúvida de que os muçulmanos são extraordinariamente
suscetíveis às doces influências do som, como pode-se notar na obra
As Mil e Uma Noites, em que tanto heróis quanto heroínas desmaiam
ante a mais leve provocação feita por uma cantora que toca seu alaúde
e trina algumas linhas de verso apaixonado. A ficção é semelhante à
vida. Quando escritores Sufi discutem o análogo fenômeno do êxta­
se, eles o fazem comumente em um capítulo intitulado "Sobre o
Sam.a " . Sob este título, Huj wiri, no capítulo final do Kashfal-Mahjub,
nos dá um excelente sumário de suas próprias e outras teorias
maometanas, ao lado de numerosas narrativas de pessoas que caíram
em êxtase ao ouvir um verso do Alcorão ou uma voz celeste (hatij),
poesia ou música. Diz-se que muitos morreram dessa emoção. Devo
acrescentar para fins explicativos que, de acordo com uma conheci­
da crença mística, Deus inspirou cada coisa criada a adorá-Lo em
sua própria linguagem; assim os sons do universo formam um vasto
hino coral pelo qual Ele se glorifica. Como resultado, aqueles cujo
coração Ele abriu e dotou de percepção espiritual ouvem Sua voz
em toda parte, e o êxtase os submete enquanto ouvem o canto rítmi­
co do muezim, ou na rua o grito do saqqa com sua bolsa de água no
ombro ou, talvez, o barulho do vento ou o balir de um cordeiro ou o
gorjeio de um pássaro.
Iluminação e 'Êxtase 43

Pitágoras e Platão são os responsáveis por outra teoria, à qual


os poetas Sufi freqüentemente aludem, isto é, de que a música des­
perta na alma lembranças de uma harmonia celestial ouvida num
estado de preexistência, antes de a alma se separar de Deus. Desse
modo, diz Jalaluddin Rumi :
"A canção das esferas em suas revoluções
É o que os homens cantam com alaúde e voz.
Pois somos todos membros de Adão,
Ouvimos todos essas melodias no paraíso.
Guardamos fracas reminiscências dessas canções celestes.
Mas enquanto estamos todos amortalhados por grossos véus
terrestres,
Como podem os tons da dança das esferas chegar a nós?"
(E. H. Whinfield, tradução abreviada do Masnavi, p. 1 82)
A prática formal do sama rapidamente se espalhou entre os
Sufis e produziu uma aguda segmentação de opiniões; alguns sus­
tentando que ela era legal e louvável, e o outros a condenando como
uma inovação abominável e uma incitação ao vício. Huj wiri adota a
visão intermediária expressa em uma fala de Dhu 'L-Nun, o Egípcio:
"A música é uma influência divina que empurra o coração à
busca de Deus; aqueles que a ouvem espiritualmente atingem Deus,
e aqueles que a ouvem sensualmente caem na descrença."
Ele declara, na verdade, que a audição não é boa nem má; ela
deve ser julgada por seus resultados .
"Quando u m eremita vai a uma taverna, a taverna s e toma sua
cela, mas quando um beberrão vai a uma cela, a cela se toma sua taverna."
Uma pessoa com o coração absorvido no pensamento de Deus
não pode ser corrompida pela audição de instrumentos musicais. Com
a dança acontece o mesmo.
"Quando o coração pulsa e o arrebatamento é intenso, a agita­
ção do êxtase se manifesta e as formas convencionais se vão, isso
não é dança nem indulgência corporal, mas uma dissolução da alma."
Hujwiri, porém, dá diversas regras de precaução para aqueles
que se prendem à audição e confessa que os concertos públicos da­
dos pelos dervixes são extremamente desmoralizantes. Noviços, pen­
sa ele, não devem ter a permissão de assisti-los. Em tempos modernos,
tais cenas orgíacas foram freqüentemente descritas por testemunhas
,_

44 Os Místicos do Islã

oculares. Traduzo a seguir, de Lives of the Saints, de Jami, o relato


de uma apresentação similar que ocorreu cerca de setecentos anos
atrás .
"Havia um certo dervixe, um negro chamado Zangi Bashgirdi,
que atingira um grau tão alto de espiritualidade que a dança mística
não podia ser iniciada até que ele viesse e tomasse parte nela. Um
dia, durante o sarna, ele foi tomado de êxtase e, erguendo-se no ar,
sentou-se em um grande arco que encimava os dançarinos. Ao des­
cer, saltou sobre Majduddin de Bagdá e abraçou com as pernas o
pescoço do Xeque, que apesar disso continuou a girar na dança,
embora fosse um homem muito frágil e magro, enquanto o negro era
alto e pesado. Quando a dança terminou, Majduddin disse: 'Eu não
sabia se era um negro ou um pardal em meu pescoço' . Descendo dos
ombros do Xeque, o negro mordeu sua bochecha com tanta força
que a cicatriz ficou visível para o resto de sua vida. Majduddin cos­
tumava dizer que no Dia do Julgamento ele não ostentaria coisa al­
guma além da marca dos dentes do negro em seu rosto."
Características grotescas e ignóbeis - para não falar de defor­
midades grosseiras - aparecem em qualquer delineamento fiel da
vida extática do Islã. Nada se ganha ocultando sua existência ou
minimizando sua importância. Se, como Jalaluddin Rumi diz:
"Os homens buscam o vinho e as drogas
Para q u e e l e s p o s s am e s c apar por um momento da
autoconsciência,
Já que todos sabem que essa vida é uma armadilha,
Memória de vontade e se acredita que é um inferno", isto nos
deixa perceber que os transportes da intoxicação espiritual não são
sempre sublimes e que a natureza humana tem um truque para se
vingar daqueles que a abandonaram.
Capítulo III

5'L (jnose

Os Sutis distinguem três órgãos de comunicação espiritual: o co­


ração (qalb), que conhece Deus; o espírito (ruh), que O ama; e o terreno
mais interno da alma (sirr), que O contempla. Se embarcássemos
em urna discussão sobre esses termos e sua inter-relação, entraría­
mos em águas profundas. Bastarão algumas palavras sobre o primei­
ro dos três. O qalb, embora ligado de alguma maneira misteriosa
com o coração físico, não é algo de carne e sangue. Diferentemente
do vocábulo "coração", sua natureza é antes intelectual que emocio­
nal, mas enquanto o intelecto não pode obter conhecimento real de
Deus, o qalb é capaz de conhecer as essências de todas as coisas e,
quando iluminado pela fé e pelo conhecimento, reflete todo o con­
teúdo da mente divina; assim o Profeta disse: "Minha terra e Meu
céu não Me contêm, mas o coração de Meu fiel servo Me contém."
Essa revelação, porém, é urna experiência comparativamente rara.
Normalmente, o coração é "velado", obscurecido pelo pecado,
maculado por imagens e impressões sensoriais, empurrado entre a
razão e a paixão; um campo de batalha em que os exércitos de Deus
e do demônio combatem pela vitória. Por um portão, o coração rece­
be conhecimento imediato de Deus; por outro, permanece nas ilu­
sões do sentido. "Aqui um mundo e ali um mundo", diz Jalaluddin
Rurni. "Estou sentado no limiar." Por isso, o homem é potencial­
mente mais baixo que os brutos e mais elevado que os anjos.

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46 Os Místicos tÚJ Islã

"Anj o e bruto o maravilhoso fermento do homem compõe;


Para esses inclina-se, menos que eles cresce,
Mas se ele quer o anjo, mais do que aqueles."
Menos que os brutos, pois eles carecem do conhecimento que
lhes permitiria crescer; mais que os anjos, pois eles não estão sujei­
tos à paixão e assim não podem cair.
Como um homem conhece Deus?
Não pelos sentidos, pois Ele é imaterial ; nem pelo intelecto,
pois Ele é inconcebível. A lógica nunca vai além do finito; a filoso­
fia vê em dobro; o aprendizado pelos livros aumenta a presunção e
obscurece a idéia da Verdade com nuvens de palavras vazias .
Jalaluddin Rumi, dirigindo-se ao teólogo escolástico, pergunta com
desdém:
"Você conhece um nome sem que haj a uma coisa que responda
a ele?
Você já colheu uma rosa de R, O, S, A?
Você nomeia o nome Dele; vá, procure a realidade nomeada
assim !
Olhe para a Lua no céu, não na água!
Se você desej a crescer acima de meros nomes e letras,
Liberte-se do eu de um golpe.
Torne-se puro de todos os atributos do eu,
Assim você verá sua própria essência brilhante.
Sim, vej a em seu próprio coração o conhecimento do Profeta,
Sem livro, sem tutor, sem preceptor."
Esse conhecimento vem por iluminação, revelação, inspiração.
"Olhe para seu próprio coração", diz o Sufi, "pois o reino de
Deus está dentro de você". Aquele que realmente conhece a si mes­
mo conhece a Deus, pois o coração é um espelho no qual cada qua­
lidade divina se reflete. Mas, assim como um espelho de aço, quando
coberto de ferrugem, perde seu poder de reflexão, também o sentido
espiritual interior, que os Sufis chamam de olho do coração, é cega­
do para a glória celestial até que a escura obstrução do eu perceptí­
vel, com todas as suas contaminações sensoriais, sej a inteiramente
limpa. A limpeza, se for feita efetivamente, deve ser trabalho de
Deus, embora demande certa cooperação interior da parte do ho­
mem. "Quem quer que se empenhe por Nossa causa, Nós o guiare­
mos em Nossos caminhos." (Ale. 29.69). A ação é falsa e vã, se
A Gnose 47

pretende vir do eu, mas a iluminação mística vê Deus como o Agente


real em cada ato e não recebe crédito por seus bons trabalhos nem
deseja ser recompensada por eles.
***

Enquanto o conhecimento ordinário é denotado com o termo


'ilm, o conhecimento místico peculiar aos Sufis é chamado ma 'rifat
ou 'irfan. Como indiquei nos parágrafos anteriores, ma 'rifat é fun­
damentalmente diferente de 'irfan e uma palavra diferente deve ser
usada para traduzi-lo. Não precisamos procurar muito para encon­
trar um equivalente adequado. O ma 'rifat dos Sufis é a "gnose" da
teosofia helenística, ou sej a, o conhecimento direto de Deus basea­
do na revelação ou visão apocalíptica. Não é o resultado de qualquer
processo mental, mas depende inteiramente da vontade e do favor
de Deus, que o dá como presente Dele àqueles que Ele criou com a
capacidade de recebê-lo. É uma luz de graça divina que brilha no
coração e inunda cada faculdade humana em seus raios ofuscantes.
"Quem conhece Deus se emudece."
A relação da gnose com a religião positiva é discutida em um
notável tratado sobre misticismo especulativo de Niffari, um dervixe
errante desconhecido que morreu no Egito na última metade do sé­
culo X. Seu trabalho, que consiste em uma série de revelações em
que Deus se dirige ao escritor e o instrui acerca da teoria da gnose, é
formulado em linguagem hermética e seria muito pouco inteligível
sem o comentário que o acompanha; mas seu valor como exposição
original do Sufismo avançado apareceria suficientemente nos
excertos dados neste capítulo.•
Os que buscam Deus, diz Niffari, são de três tipos: primeiro,
os adoradores a quem Deus se faz conhecer por meio de bondade, ou
seja, eles O adoram na esperança de ganhar o paraíso ou alguma
recompensa espiritual como sonhos e milagres; segundo, os filóso­
fos e teólogos escolásticos, a quem Deus se faz conhecer por meio
de glória, ou seja, eles nunca podem encontrar o Deus glorioso que
buscam, portanto, afirmam que Sua essência é incognoscível, dizen­
do: "Sabemos que não O conhecemos e este é nosso conhecimento" ;

* N. do A.: Preparo uma edição do texto arábico, com uma tradução em inglês e
comentários.
48 Os Místicos do Islã

terceiro, os gnósticos, para quem Deus se torna conhecido através


do êxtase, ou seja, são possuídos e controlados por um arrebatamen­
to que os priva da consciência da existência individual.
Niffari exorta o gnóstico a praticar tais atos de adoração ape­
nas se estiverem de acordo com sua visão de Deus, embora fazendo
isso ele necessariamente desobedeça à lei religiosa que foi feita para
o vulgo. Seu sentimento interior deve decidir o quanto as formas
externas de religião lhe são boas.
"Deus me disse, Pergunta a Mim e eu disse: Ó Senhor, como
me unir a Ti, para que quando meu dia (do Julgamento) chegar, Tu
não me punas nem desvies Tua face de mim?' Então Te responderei
e dirás : 'Mantém-te fiel à tua teoria exterior e pratica o Sunna (a
regra do Profeta) e aos sentimentos interiores da gnose que eu te dei ;
e sabe que quando Me fizer conhecer a ti, não aceitarei de ti nada do
Sunna a não ser o que Minha gnose trouxer a ti, pois tu és um daque­
les com quem falei : tu Me ouviste e soubeste que Me ouviste, e tu
viste que Eu sou a fonte de todas as coisas' ."
O comentarista observa que o Sunna, sendo de alcance geral,
não faz distinção entre indivíduos, por exemplo, buscadores do pa­
raíso e buscadores de Deus, mas na realidade contém exatamente o
que cada pessoa requer. A porção especialmente apropriada em cada
caso é discernida sej a por meio da gnose, que Deus comunica ao
coração, seja por meio dos conselhos de um dirigente espiritual.
"E Ele disse a mim: 'Minha revelação exotérica não sustenta
Minha revelação esotérica' ."
Isso significa que o gnóstico não precisa ter medo dos confli­
tos de sua experiência interior com a lei religiosa. A contradição é
apenas aparente. A religião se dirige ao rebanho dos homens comuns
que são vendados de suas mentes, de lógica, de tradição e assim por
diante; enquanto a gnose pertence ao eleito, cujo corpo e espírito
são banhados na Luz eterna. A religião vê as coisas sob o aspecto da
pluralidade, mas a gnose vê a Unidade que engloba o todo. O mes­
mo ato pode ser bom na religião e mau na gnose - uma verdade que
se pode resumir nesta afirmação:
"As boas ações dos piedosos são as más ações dos favoritos de
Deus."
Embora trabalhos de devoção não sejam incompatíveis com a
gnose, ninguém que os ligasse, mesmo levemente, a si mesmo, seria
A Gnose 49

um gnóstico. Esse é o tema da alegoria a seguir. Niffari raramente


escreve com tanta lucidez como aqui, e eu imagino que poucos leito­
res acharão supérfluas as explicações dadas entre colchetes .

.9L �ve{açiW áo '.Mar


"Deus me ordenou que contemplasse o Mar, e eu vi os navios
afundando e as tábuas boiando; então também as tábuas submergiram."
[O Mar denota as experiências espirituais pelas quais o místi­
co passa em sua jornada para Deus. O ponto em questão é se ele
prefere a lei religiosa ou o amor desinteressado. Aqui ele é preveni­
do para não contar com suas boas obras, que não são melhores que
navios naufragados e nunca o levarão em segurança ao porto. Não.
Se ele quer atingir Deus, deve contar apenas com Deus. Se ele não
contar totalmente com Deus, mas deixar alguma confiança, por me­
nor que sej a, em qualquer outra coisa, ele ainda está agarrado a uma
tábua. Embora sua confiança em Deus sej a maior do que antes, ain­
da não é completa.]
"E Ele disse a mim: 'Aqueles que viaj am não estão salvos' ."
[O viajante usa o navio como meio de cruzar o mar; assim, ele
confia não na Causa Primária, mas nas causas secundárias.]
"E Ele disse a mim: 'Aqueles que, em vez de viaj ar, se atiram
no Mar correm um risco' ."
[Abandonar todas as causas secundárias é como se atirar ao
mar. O místico que toma essa iniciativa corre um risco, por duas
razões : ele pode se ver, e não a Deus, como iniciador e cumpridor da
ação de abandono - e quem renuncia a uma coisa por meio do "eu"
está em caso pior do que se não houvesse renunciado a ela - ou ele
pode abandonar causas secundárias (bons trabalhos, esperança do
paraíso, etc.), não por causa de Deus, mas por pura indiferença e
falta de sentimento espiritual.]
"E Ele disse a mim: ' Aqueles que viaj am e não correm riscos
perecerão' . "
[Não obstante os perigos citados, ele deve fazer de Deus seu
único objetivo ou falhará.]
"E Ele disse a mim: 'Ao correr o risco, há uma parte de salvação' ."
[Apenas uma parte da salvação, porque a perfeita abnegação
ainda não foi atingida. O todo da salvação consiste no apagar de
50 Os Místicos tÚJ Islã

todas as causas secundárias, todos os fenômenos, pelo arrebatamen­


to que resulta da visão de Deus. Mas essa é a gnose, e a revelação
presente é dirigida aos místicos de grau mais baixo. O gnóstico não
corre riscos, pois nada tem a perder.]
"E a onda veio e desencalhou os que estavam sob ela e chegou
à praia."
[Os que estavam sob as ondas eram os que viajavam nos na­
vios e conseqüentemente sofreram o naufrágio. Sua confiança nas
causas secundárias os traz para a terra firme, ou seja, os traz de volta
ao mundo dos fenômenos onde são vendados da visão de Deus.]
" E Ele disse a mim: 'A superfície do Mar é um fulgor que não
pode ser alcançado' ."
[Quem quer que dependa de ritos externos de adoração para
chegar a Deus segue um fogo-fátuo.]
"E seu fundo é uma impenetrável escuridão."
[Deixar de lado a religião positiva, raiz e ramos, é vagar em um
labirinto.]
"E entre os dois há peixes que devem ser temidos."
[Ele se refere ao caminho entre o puro exoterismo e o puro
esoterismo. Os "peixes" representam os perigos e obstáculos.]
"Não viajes no Mar, para que Eu não te faça ser vendado pelo
veículo."
[O "veículo" significa o "navio", ou sej a, confiança em algo
que não é Deus.]
"E não te atires no Mar, para que Eu não te faça ser vendado
, por teres te atirado."
[Quem quer que olhe um ato como seu próprio ato e o atribua a
si mesmo está longe de Deus.]
"E Ele disse a mim: 'No Mar há limites: qual deles diz respeito
a ti?"'
[Os "limites" são os vários graus de experiência espiritual . O
místico não deve contar com nenhum deles, pois são todos
imperfeitos .]
"E Ele disse a mim: 'Se tu te entregasses ao Mar e afundasses
nele, tornar-te-ias uma presa de um de seus animais' ."
[Se o místico confia nas causas secundárias ou as abandona
por seus próprios atos, ele sairá do Caminho.]
"E Ele disse a mim: 'Eu te engano se te dirijo a qualquer coisa
que não sej a Eu' ."
A Gnose 51

[Se a voz interior do místico diz para ele se voltar para qual­
quer coisa além de Deus, ela o está enganando.]
"E Ele disse a mim: 'Se tu morres por causa de outro que não
Eu, pertencerás àquele pelo qual morreste' ."
"E Ele disse a mim: 'Este mundo pertence ao que afastei dele e
de quem o afastei ; e o próximo mundo pertence àquele em direção
ao qual ele veio e que Eu trouxe em Minha direção ' ."
[Ele quer dizer que a alegria infinita é a cota daqueles cujos
corações estão afastados deste mundo e que não têm posses munda­
nas. Eles realmente gozam o mundo, pois este não pode separá-los
de Deus. Da mesma maneira, os verdadeiros donos do próximo mundo
são aqueles que não o buscam, já que ele não é o verdadeiro objeto
de seu desejo, que é apenas contemplar Deus.]
O gnóstico vê o elemento de realidade na religião positiva, mas
sua gnose não se derivou da religião ou de qualquer tipo de conheci­
mento humano; é propriamente relacionada com os atributos divi­
nos; o próprio Deus revela o conhecimento deles a Seus santos que
O contemplam. Dhu 'l-Nun do Egito, cuj as especulações místicas o
fizeram sobressair como o pai da teosofia muçulmana, disse que os
gnósticos não são eles mesmos, nem subsistem por si mesmos, mas
enquanto subsistem, o fazem através de Deus.
"Eles se movem porque Deus os faz mover-se, e suas palavras
são as palavras de Deus que rolam sobre suas línguas, e sua visão é
a visão de Deus que entrou em seus olhos."
O gnóstico contempla os atributos de Deus, não Sua essência,
pois mesmo em gnose um pequeno traço de dualidade permanece:
esta desaparece apenas no fana al-fana, o trespasse total na divinda­
de indiferenciada. O atributo principal de Deus é a unidade e a uni­
dade divina é o primeiro e último princípio da gnose. (De acordo
com alguns místicos, a gnose da unidade constitui um estágio mais
elevado chamado "Verdade" (haqiqat) . (Vej a p. 24)
Tanto os muçulmanos quanto os Sufis declaram que Deus é
Uno, mas a afirmação tem um significado diferente em cada exem­
plo. O muçulmano quer dizer que Deus é único em Sua essência,
qualidades e atos; que ele é exatamente diverso dos outros seres . O
Sufi quer dizer que Deus é o Ser Uno Real que sustenta todos os
fenômenos. Esse princípio é levado a conseqüências extremas, como
veremos. Se nada além de Deus existe, então todo o universo, in­
cluindo o homem, é essencialmente um com Deus, se for visto como
52 Os Místicos do Islã

uma emanação vinda Dele, sem prejudicar Sua unidade, como raios
do sol, ou se for concebido como um espelho no qual os atributos
divinos se refletem. Mas certamente um Deus que é tudo em tudo
pode não ter nenhuma razão para se revelar: por que o Uno deveria
ceder aos muitos? Os Sufis respondem - um filósofo diria que eles
fogem da dificuldade - citando a famosa Tradição: "Eu era um
tesouro oculto e desejava ser conhecido; assim, criei a criação para
me tornar conhecido" . Em outras palavras, Deus é a eterna Beleza, e
está na natureza da beleza desejar o amor. Os poetas místicos des­
creveram a automanifestação do Uno com uma profusão esplêndida
de imagens . Jami diz, por exemplo:
"De toda a eternidade o Amado revelou Sua beleza na solidão
do invisível ;
Ele segurou o espelho em frente a Sua própria face, Ele mos-
trou Sua delicadeza
A Si mesmo.
Ele era o espectador e o espetáculo; nenhum olho além do Seu
Olhara o Universo.
Tudo era Um, não havia dualidade nem pretexto de 'meu' ou
'teu' .
A vasta orbe do céu, com sua miríade indo e vindo,
Estava oculta em um só ponto.
A Criação estava deitada no sono da não-existência, como uma
criança
Ela respirara.
O olho do Amado, vendo o que não era, olhou o nada como
Existente.
Embora Ele contemplasse Seus atributos e qualidades como
um todo perfeito
Em Sua própria essência,
Ele desej ava que eles pudessem ser mostrados a Ele em outro
espelho,
E que cada um de Seus atributos eternos pudesse se tornar
manifesto
Em uma forma diversa correspondente,
Então Ele criou os campos verdes do Tempo e do Espaço e o
j ardim vivificante do mundo
Para que cada galho e folha e fruto mostrasse Suas diversas
A Gnose 53

Perfeições,
O cipreste deu uma idéia de Sua bela estatura, a rosa deu notícias
De sua linda fisionomia.
Por toda parte em que a Beleza espreitava, o Amor aparecia
atrás dela; onde quer que a Beleza brilhasse em uma face rosada, o
Amor acendia sua tocha naquela chama.
Onde quer que a Beleza estivesse em negras tranças, o Amor
vinha e encontrava um coração
Embaraçado em seus cachos.
Beleza e Amor são como corpo e alma; a Beleza é a mina e o
Amor, a pedra preciosa.
Eles sempre estiveram juntos desde o início; eles nunca viaj a­
ram senão em companhia um do outro."
Em outro trabalho, Jami apresenta a relação de Deus com o
mundo mais filosoficamente, como se segue:
"A única Substância, vista como absoluta e livre de qualquer
fenômeno, limitações e multiplicidade, é o Real (al-Haqq) . Por ou­
tro lado, visto sob o aspecto da multiplicidade e da pluralidade, sob
as quais Ele se mostra quando vestido com fenômenos, Ele é todo o
universo criado. Então o universo é uma expressão exterior visível
do Real, e o Real é a realidade interior visível do universo. O univer­
so antes de se desenvolver para a visão exterior era idêntico ao Real;
e o Real após essa evolução é idêntico ao universo."
Fenômenos, como tais, são não-seres e apenas derivam uma
existência contingente das qualidades do Ser Absoluto pelas quais
eles se irradiaram. O mundo sensorial parece o círculo de fogo feito
por uma única fagulha girando rapidamente.
O homem é a coroa e a causa final do universo. Embora sej a o
último em ordem de criação, ele é o primeiro no processo do pensa­
mento divino, pois sua parte essencial é a Inteligência primal ou
Razão universal que emana imediatamente da divindade. Esta cor­
responde ao Logos - o princípio animador de todas as coisas - e
se identifica com o Profeta Maomé. Um paralelo interessante pode
ser traçado entre as doutrinas cristã e Sufi. As mesmas expressões são
aplicadas ao fundador do Islã e por São Paulo, São João e, mais
tarde, por teólogos místicos que trataram de Cristo. Assim, Maomé
é chamado a Luz de Deus, e diz-se que existiu antes da criação do
mundo, ele é adorado como a fonte de toda a vida, real e possível,
54 Os Místicos do Islã

ele é o Homem Perfeito em quem todos os atributos divinos são


manifestados, e uma Tradição Sufi atribui a ele o dizer: "Aquele que
viu a mim viu Alá" . Na tradição muçulmana, porém, a doutrina do
Logos ocupa um lugar inferior, como é óbvio, já que se acredita que
a obrigação do homem consiste em compreender a unidade de Deus.
A característica mais distintiva do misticismo oriental, enquanto opos­
to ao europeu, é sua profunda consciência de uma unidade onipre­
sente, em que todo vestígio de individualidade é tragado. Tornar-se
como Deus ou participar pessoalmente da natureza divina não são
objetivos Sufi, mas sim escapar das amarras de sua individualidade
irreal e assim se reunir com o Ser infinito e Uno.
De acordo com Jami, a Unificação consiste em tornar o cora­
ção solteiro - ou sej a, purificá-lo e despi-lo da ligação com qual­
quer coisa além de Deus, tanto no que se refere ao desejo e à vontade
como ao conhecimento e à gnose. O desejo e a vontade místicos
devem ser afastados de todas as coisas que são desejadas e queridas ;
todos os objetos de conhecimento e compreensão devem ser remo­
vidos de sua visão intelectual. Seus pensamentos devem ser dirigi­
dos apenas para Deus, o Sufi não pode ser consciente ou nada além
disso.
Enquanto for um cativo na armadilha da paixão e do desejo, será
difícil para ele manter sua relação com Deus, mas quando a sutil in­
fluência daquela atração se torna manifesta nele, expelindo a preocu­
pação com objetos do sentido e da cognição do ser interior, o deleite
da comunhão divina prevalece sobre os prazeres corporais e alegrias
espirituais; a dolorosa tarefa da auto mortificação está terminada e a
doçura da contemplação deixa sua alma radiante.
Quando o aspirante sincero percebe em si o princípio dessa
atração, que é o deleite na recordação de Deus, prepara sua mente
encoraj ando-a e fortalecendo-a, ficando longe de tudo o que for in­
compatível com aquilo.
"O Amor fez vibrar a corda do amor no alaúde de minha alma
E me transformou em amor da cabeça aos pés.
Foi apenas um toque momentâneo, mas o Tempo para sempre
De mim deve cobrar atribuir a dívida do agradecimento."
É axioma do Sufismo que aquilo que não está em um homem
ele não pode conhecer. O gnóstico - homem por excelência - não
poderia conhecer Deus e todos os mistérios do universo, a menos
A Gnose 55

que o s encontre e m s i mesmo. Ele é o microcosmo, "urna cópia feita


à imagem de Deus", "o olho do mundo pelo qual Deus vê Suas pró­
prias obras". Conhecendo-se corno realmente é, ele conhece Deus e
conhece a si mesmo por intermédio de Deus, que está mais próximo
das coisas do que o conhecimento delas sobre si mesmas. O conhe­
cimento de Deus vem, e é causa, do autoconhecirnento.
A gnose, então, é a unificação, a percepção do fato de que o
aparecimento da "diversidade" junto à Unidade é um sonho falso e
ilusório. A gnose enterra esse espectro, que assombra homens de pou­
cas luzes por toda a sua vida; que cresce, corno urna parede de escu­
ridão impenetrável, entre eles e Deus. A gnose proclama que o "eu"
é urna figura de linguagem, e que ninguém pode atribuir a si nenhu­
ma vontade, sentimento, pensamento ou ação.
Niffari ouviu a voz divina dizendo-lhe:
"Quando tu te olhas corno existente e não Me vês corno Causa
de tua existência, eu cubro Minha face, e tua própria face aparece a
ti. Assim, pensa no que é mostrado a ti e no que é escondido de ti ! "
[Se u m homem v ê a s i mesmo corno existente por causa de
Deus, o que é de Deus nele predomina sobre o elemento perceptível
e o faz fenecer, assim ele nada vê além de Deus. Se, pelo contrário,
ele se vê corno tendo urna existência independente, seu egoísmo ir­
real é mostrado a ele, e a realidade de Deus fica escondida dele.]
"Não olhe nem Minha manifestação nem o que é manifestado,
senão tu rirás e chorarás; e quando ris e choras, tu és teu, não Meu."
[Quem vê o ato da revelação divina é culpado de politeísmo,
pois a revelação envolve um sujeito revelador e um objeto revelado;
e quem vê o objeto revelado que é parte do universo criado vê algo
diferente de Deus. A risada significa a alegria pelo que se ganhou e
o choro denota a raiva pelo que se perdeu. Ambos são ações egoís­
tas. O gnóstico nem ri nem chora.]
"Se tu não pões atrás de ti tudo o que mostrei e mostro, tu não
progredirás ; e, a menos que progridas, não te tomarás centrado em
mim."
[O progresso é a verdadeira crença em Deus, que requer com­
pleta abstração das coisas criadas.]
Logicamente, essas doutrinas anulam qualquer lei moral e reli­
giosa. Na visão do gnóstico não há recompensas nem punições divi­
nas, nem padrões humanos de certo e errado. Para ele, a palavra
escrita de Deus foi exterminada por urna revelação direta e íntima.
56 Os Místicos tÚJ Islã

"Eu não digo", exclama Abu 1-Hassan Khurqani, "que o paraí­


so e o inferno não existem, mas digo que nada são para mim, pois
Deus criou a ambos e não há espaço para qualquer objeto criado no
lugar em que estou."
Desse ponto de vista, todos os tipos de religião são iguais, e o
Islã não é melhor que a idolatria. Não importa que credo um homem
professe ou que ritos realize.
"A verdadeira mesquita em um coração puro e sagrado
é construída: ali possam todos os homens adorar a Deus;
Pois ali Ele está, não em urna mesquita de pedra."
Entre todas as variedades de credos e adoradores, o gnóstico
só vê um objeto real de adoração.
"Os que adoram a Deus no sol", disse lbn al-Arabi, "contem­
plam o sol e os que O adoram nas coisas vivas vêem urna coisa viva,
e os que O adoram em coisas inanimadas vêem urna coisa inanima­
da, e os que O adoram corno um Ser único e sem paralelo vêem algo
sem igual. Não se prenda", ele continua, "a nenhum credo particu­
lar, para que você desacredite de todo o resto; de outra maneira,
você perderá muito, e além disso falhará em reconhecer a verdade
real do assunto. Deus, o onipresente e onipotente, não é limitado
pelo credo de ninguém, pois Ele diz (Ale. 2 . 1 09) : 'Para onde quer
que te voltes, há a face de Alá' . Cada um glorifica o que acredita;
seu deus é sua própria criatura e adorando-o ele adora a si mesmo.
Conseqüentemente, ele culpa as crenças dos outros, o que ele não
faria se fosse justo, mas sua antipatia é baseada na ignorância. Se
conhecesse a frase de Junayd, ' A água torna a cor do recipiente que
a contém' , ele não interferiria nas crenças de outros homens, mas
perceberia Deus em cada forma de crença."
E Hafiz canta, mais no espírito de livre-pensador, talvez, do
que no de místico:
"O amor é onde a glória cai
De Tua face - em paredes de convento
Ou em chãos de tavernas, a mesma
Chama inextinguível.
Onde o anacoreta com turbante
Canta Alá dia e noite,
Os sinos da igrej a tocam a chamada à oração
E a Cruz de Cristo está ali."
A Gnose 57

O Sufismo pode juntar as mãos com o livre-pensamento - fez


isso freqüentemente - mas dificilmente com o sectarianismo. Isso
explica por que a grande maioria dos Sufis foi, ao menos nominal­
mente, ligada ao corpo católico da comunidade muçulmana. Abdallah
Ansari declarou que, entre os dois mil Xeques Sufis que conhecera,
apenas dois eram xiitas. Certo homem, descendente do Califa Ali e
xiita fanático, conta a seguinte história:
"Por cinco anos", ele diz, "meu pai me levava todos os dias a
um mentor espiritual. Aprendi uma útil lição dele: ele me disse que
eu nunca deveria conhecer nada sobre o Sufismo até ter me livrado
completamente do orgulho que eu sentia de minha linhagem."
Observadores superficiais descreveram o B abismo como um
desdobramento do Sufismo, mas o dogmatismo de um é naturalmen­
te oposto ao amplo ecletismo do outro. Na proporção em que o Sufi
adquire mais conhecimento de Deus, seus preconceitos religiosos
diminuem. O Xeque Abd al-Rahim ibn al-Sabbagh, que no início
não gostava de viver no Alto Egito, com sua grande população ju­
daica e cristã, disse em sua velhice que teria prontamente abraçado
um judeu ou cristão como alguém de sua própria fé.
Enquanto as inumeráveis formas de credos e rituais podem ser
vistas com um certo valor relativo, pois o sentimento interior que os
inspira é sempre um e o mesmo, por outro aspecto eles parecem ser
véus da Verdade, barreiras que o Unitarista cuidadoso deve tentar
abolir e destruir.
"Este mundo e aquele mundo são o ovo, e o pássaro dentro
dele
Está na escuridão e tem as asas quebradas e é desdenhado e
desprezado.
Veja a descrença e a fé como a clara e a gema desse ovo,
Entre elas, juntando e dividindo, uma barreira que elas
Não devem ultrapassar.
Quando Ele graciosamente cuidar do ovo sob Sua asa,
A infidelidade e a religião desaparecem: o pássaro da Unidade
abre suas
Asas."
O grande místico persa Abu Sa' id ibn Abi 'l-Khair, falando no
nome dos calendários ou dervixes errantes, expressa seus princípios
iconoclastas com impressionante audácia:
58 Os Místicos do Islã

"Antes que cada mesquita sob o sol


Fique arruinada, nosso trabalho sagrado não será feito;
E nunca o muçulmano verdadeiro aparecerá
Enquanto a fé e a infidelidade forem uma só."
Tais declarações abertas de guerra contra a religião de Maomé
são excepcionais. Apesar da largura e da profundidade do abismo
entre o Sufismo completamente desenvolvido e o Islã ortodoxo,
muitos, se não a maioria, dos Sufis, prestaram homenagem ao Profeta
e observaram as formas exteriores de devoção que são incumbidas a
todos os muçulmanos. Eles investiram esses ritos e cerimônias de
novo significado; alegorizaram-nos, mas não os abandonaram. Veja
a peregrinação, por exemplo. Aos olhos de um Sufi genuíno, ela é
nula e vazia a menos que cada um dos sucessivos atos religiosos que
envolve sej a acompanhado por "movimentos do coração" corres­
pondentes.
Um homem que acabara de retomar de sua peregrinação veio a
Junayd, e este disse:
"Desde a hora em que iniciou a jornada em sua casa, você está
viaj ando para longe de seus pecados?" Ele disse: "Não". "Então",
disse Junayd, "você não realizou jornada nenhuma. A cada estágio
em que parou para passar a noite, você atravessou uma estação no
caminho até Deus?" "Não", ele respondeu. "Então", disse Junayd,
"você não pisou na estrada, estágio por estágio. Quando vestiu o
traje de peregrino, você descartou as dualidades da natureza humana
da mesma forma que tirou suas roupas?" "Não." "Então você não
vestiu o traje de peregrino. Quando você parou em Arafat, ficou por
um momento na contemplação de Deus?" "Não." "Então você não
parou em Arafat. Quando chegou a Muzdalifa e cumpriu seu desejo,
você renunciou a todos os desejos sensoriais?" "Não." "Então você
não foi a Muzdalifa. Quando deu as voltas na Caaba, você contem­
plou a beleza imaterial de Deus na residência da purificação?" "Não."
"Então você não deu voltas na Caaba. Quando andou entre Safa e
Marwa, você atingiu a pureza (safa) e a virtude (muruwwat)?" "Não."
"Então você não andou. Quando chegou a Mina, todos os seus desejos
(muna) cessaram?" "Não." "Então você ainda não visitou Mina.
Quando você atingiu o altar e ofereceu o sacrifício, você sacrificou
os objetos do desej o mundano?" "Não." "Então você não sacrificou.
Quando atirou os seixos, você atirou também os desejos sensuais
A Gnose 59

que acompanhavam você?" "Não" "Então você ainda não atirou os


seixos e você ainda não cumpriu a peregrinação."
Essa história contrasta as leis exteriores da teologia com a ver­
dade espiritual interior do misticismo e mostra que elas não devem
ser separadas uma da outra.
"A Lei sem a Verdade", disse Huj wiri, "é ostentação, e a Ver­
dade sem a Lei é hipocrisia. Sua relação mútua pode ser comparada
à do corpo e do espírito: quando o espírito se separa do corpo, o
corpo vivo se toma um cadáver e o espírito vaga como o vento. A
profissão de fé muçulmana inclui ambos: as palavras 'Não há Deus
senão Alá' são a Verdade, e as palavras 'Maomé é o apóstolo de
Alá' são a Lei; quem renega a Verdade é infiel e quem rejeita a Lei é
herético."
Os caminhos intermediários, embora proverbialmente seguros,
são difíceis para se trilhar; e apenas com um tour de force o Alcorão
pode ser alinhado com a doutrina esotérica e da qual derivam os
Sufis. Indubitavelmente, eles fizeram um grande trabalho pelo Islã.
Aprofundaram e enriqueceram as vidas de milhões, arrancando im­
placavelmente a casca da religião e insistindo que a polpa deveria
ser buscada, não em qualquer ato formal, mas no cultivo de senti­
mentos espirituais e na purificação do homem interior. Esse foi um
desenvolvimento legítimo e muito fértil do ensinamento do Profeta.
Mas o Profeta era um monoteísta estrito, enquanto os Sufis, o que
quer que possam pretender ou imaginar, são teósofos, panteístas ou
monistas. Quando falam e escrevem acreditando nos dogmas da re­
ligião positiva, usam uma linguagem que não pode ser conciliada
com uma teoria da unidade tal como agora examinamos. 'Afifuddin
al-Tilimsani, de cujo comentário sobre Niffari citei alguns trechos
neste capítulo, disse claramente que todo o Alcorão é politeísmo -
uma afirmação perfeitamente j usta do ponto de vista monístico,
embora poucos Sufis tenham ousado ser tão explícitos.
***

Os Unitaristas místicos admitem a aparência de contradição,


mas negam sua realidade. "A Lei e a Verdade", eles poderiam dizer,
"são a mesma coisa em diferentes aspectos. A Lei é para você, a Ver­
dade, para nós. Dirigindo-nos a você, falamos de acordo com a me­
dida de sua compreensão, já que o que é carne para os gnósticos é
60 Os Místicos de Islã

veneno para o não-iniciado, e os mais altos mistérios devem ser cui­


dadosamente guardados longe de ouvidos profanos. Apenas a razão
humana vê o simples como duplo e equilibra a Lei contra a Verdade.
Saia do mundo dos opostos e se tome um com Deus, que não tem
oposto."
O gnóstico reconhece que a Lei é válida e necessária na esfera
moral. Enquanto o bem e o mal permanecem, a Lei vigia ambos,
comandando e proibindo, recompensando e punindo. Ele sabe, por
outro lado, que apenas Deus realmente existe e age: então, se o mal
realmente existe, deve ser divino, e se coisas más são realmente fei­
tas, Deus deve ser quem as faz. A conclusão é falsa porque a hipóte­
se é falsa. O mal não tem existência real ; é o não-ser, que é a priva­
ção e a ausência do ser, assim como a escuridão é a ausência da luz.
"Certa vez", disse Nuri, "contemplei a Luz e fixei meu olhar sobre
ela até que me tomei a Luz." Não é de espantar que tais almas ilumi­
nadas , supremamente indiferentes às sombras da religião e da
moralidade em um mundo fantasma, estejam prontas a exclamar com
Jalaluddin :
" O homem d e Deus é tomado sábio com a Verdade,
O homem de Deus não é aprendido nos livros.
O homem de Deus está além da infidelidade e da fé,
Para o homem de Deus, o certo e o errado são iguais."
Deve-se ter em mente que essa é uma teoria da perfeição e que
aqueles que ela exalta acima da Lei são santos, guias espirituais e
profundos teósofos que gozam de especial preferência de Deus e
presumivelmente não precisam ser cerceados, coagidos ou punidos.
Na prática, é claro, isso leva em muitos casos ao antinomianismo 'e à
libertinagem, como entre os Bektashis e outras ordens dos assim
chamados dervixes "sem lei". A mesma teoria produziu os mesmos
resultados na Europa durante a Idade Média, e o historiador impar­
cial não pode ignorar as corrupções pelas quais um misticismo pura­
mente subjetivo é responsável ; mas na presente ocasião nós estamos
preocupados com a própria rosa, não com seus cânceres.
Nem todos os Sufis são gnósticos, e, como mencionei anterior­
mente, os que ainda não estão maduros para a gnose recebem de
seus professores gnósticos a instrução ética adequada às suas neces­
sidades. Jalaluddin Rumi, em sua coleção de poemas líricos intitula­
da O Divã de Shamsi Tabriz, libera as rédeas de um entusiasmo
panteístico que vê todas as coisas sob a forma da eternidade.
A Gnose 61

"Eu pus d e lado a dualidade, v i que o s dois mundos são um;


Um eu busco, Um eu conheço, Um eu vejo, Um eu chamo.
Estou intoxicado pela taça do amor, os dois mundos desfalece-
ram
Em meu conhecimento;
Só me preocupo com festas e orgias."
Mas em seu Masnavi - um trabalho tão famoso e venerado
que foi denominado "o Alcorão da Pérsia" - encontramo-lo de uma
maneira mais sóbria expondo as doutrinas Sufi e justificando os
modos de Deus para o homem. Aqui, embora sej a um otimista con­
victo e concorde com Ghazali que este é o melhor dos mundos pos­
síveis, ele não descarta levianamente o problema do mal como algo
fora da realidade, mas tenta mostrar que o mal, ou o que parece o
mal para nós, é parte da ordem e da harmonia divinas. Citarei algu­
mas passagens de seu argumento e deixarei que os leitores julguem
até onde ele é bem-sucedido e, em algum nível, sugestivo.
Os Sufis, deve-se lembrar, concebem o universo como uma
imagem projetada e refletida de Deus. A Luz divina, jorrando em
uma série de emanações, recai por fim sobre a escuridão do não-ser,
cada átomo do qual refletindo algum atributo da Deidade. Por exem­
plo, os belos atributos do amor e da piedade são refletidos na forma
do céu e dos anjos, enquanto os terríveis atributos da ira e da vingan­
ça são refletidos na forma do inferno e dos diabos. O homem reflete
todos os atributos, tanto o terrível como o belo: ele é uma síntese do
céu e do inferno. Omar Khayyam alude a essa teoria quando diz:
"O inferno é uma fagulha de nossa dor estéril,
o céu uma respiração de nosso tempo de alegria" .
- Uma quadra que Fitzgerald moldou nesta magnífica estrofe:
"O céu é a Visão do Desejo satisfeito,
E o inferno a Sombra de uma Alma no fogo,
Atirada na Escuridão dentro da qual nós mesmos
Tão tarde emergimos, tão cedo expiraremos" .
"(Heav 'n but the Vision offul.filled Desire
And Hell the Shadow from a Soul on fire,
Cast on the Darkness into which Ourselves
So late emerged from, shall so soon expire. ")
62 Os Místicos do Islã

Jalaluddin, então, faz de Deus, em certo sentido, o autor do


mal, mas ao mesmo tempo pinta o mal intrinsecamente bom em rela­
ção a Deus - pois ele é o reflexo de certos atributos divinos que em
si mesmos são absolutamente bons. Quando o mal é realmente mal,
ele vem do não-ser. O poeta dá um valor diferente a esse termo em
sua relação com Deus e em sua relação com o homem. No que se
refere a Deus, o não-ser não é nada, pois Deus é um Ser real, mas o
homem é o princípio do mal, que constitui metade da natureza hu­
mana. Em um caso é pura negação, no outro é positivo e ativamente
pernicioso. Não precisamos brigar com o poeta pela tristeza em sua
lógica. Há algumas ocasiões em que o intenso sentimento moral
merece algum pensamento acurado.
É evidente que a doutrina da unidade divina implica a predes­
tinação. Onde Deus está e em qualquer parte junto a Ele não pode
haver outro agente senão Dele, nenhum ato além do Seu. "Tu não
atiras, quando atiras, mas Deus atira." (Ale. 8 . 1 7). A compulsão só é
sentida por aqueles que não amam. Conhecer Deus é amá-lo; e o
gnóstico responderia, como o dervixe a quem se perguntou como ele
agia:
"Ajo como alguém por cuj a vontade sublime
o mundo se revolve, as correntezas sobem e o rio corre,
Estrelas em seu curso se movem; sim, morte e vida
Esperam seu assentimento e voam aos confins da terra,
Seus ministros do lamento ou da alegria."
Essa é a Verdade; mas para o benefício de quem não pode com­
preendê-la, Jalaluddin justifica a justiça de Deus afirmando que os
homens têm o poder de escolher como agirão, embora sua liberdade
sej a subordinada à vontade divina. Ao tratar da questão "Por que
Deus ordena e cria o mal?" , ele faz ver que as coisas se conhecem
por seus opostos e a existência do mal é necessária para a manifesta­
ção do bem.
"Não-ser e falha, onde quer que se vej am,
São espelhos da beleza de tudo o que é.
O médico, onde praticaria sua habilidade
Senão no paciente que quebra a perna?
Se não houvesse cobre no cadinho,
Como o alquimista exerceria seu ofício?"
A Gnose 63

Mais que isso, a onipotência divina não estaria completamente


realizada se o mal não houvesse sido criado.
"Ele é a fonte do mal, como disseste,
E o mal não O fere. Ter feito esse mal
Denota Nele a perfeição. Ouça de mim
Uma parábola. O Artista celeste pinta
Belas e feias formas : em uma pintura
A mais bela mulher da terra do Egito
Espiando amorosamente o jovem José;
Vê, outra cena da mesma mão,
O fogo do inferno e Iblis com sua companhia horrenda:
Ambas obras-primas, criadas com bons propósitos,
Para mostrar Sua perfeita sabedoria e confundir
Os céticos que negam Sua maestria.
Se não pudesse fazer o mal, Lhe faltaria habilidade;
Então Ele constrói o infiel assim como
O verdadeiro muçulmano, para que ambos possam testemunhar
A Ele e adorar Um Senhor Todo-Poderoso."
Em resposta à obj eção de que um Deus que cria o mal deve ser
mau, Jalaluddin, continuando na analogia traçada com a arte, nota
que a feiúra na pintura não diz da feiúra do pintor.
Novamente, sem o mal seria impossível conseguir a virtude,
que é a recompensa pelo autodomínio. O pão deve ser quebrado an­
tes de servir como alimento, e as uvas não viram vinho antes de ser
esmagadas . Muitos homens passam pela tribulação em seu caminho
para a felicidade.
Quando o mal declina, o bem transborda. Muito do mal é ape­
nas aparente. O que parece uma maldição para um pode ser uma
bênção para outro; assim, o próprio mal é transformado em bem
para o justo. Jalaluddin não admitiria que algo fosse absolutamente
ruim.
"Tolos compram moedas falsas por se parecerem com as ver-
dadeiras.
Se no mundo nenhuma genuína moeda cunhada
Fosse corrente, como os falsificadores passariam a falsa?
A falsidade não existe a menos que haj a a verdade,
Para a tornar plausível. Assim o amor do certo
Conduz os homens ao erro. Se o veneno for misturado
Com açúcar, eles encherão a boca.
64 Os Místicos do Islã

Oh, não clame que todos os credos são vãos ! Algo


De verdade eles têm, senão não seduziriam.
Não diga: ' Isso é absolutamente fantasioso ! '
Nenhuma fantasia deste mundo é totalmente mentirosa.
Na multidão de dervixes se esconde um
Um verdadeiro faqir. Procura bem e tu encontrarás !"
Seguramente essa é urna doutrina digna de nota. Jalaluddin mor-
reu alguns anos após o nascimento de Dante, mas o poeta cristão
está muito abaixo do nível de caridade e tolerância atingido por seu
contemporâneo muçulmano.
Corno é possível distinguir a alma da bondade nas coisas más?
Pelo amor, diz Jalaluddin, e pelo conhecimento que apenas o amor
pode dar, de acordo com a frase de Deus nesta Tradição sagrada:
"Meu servo está perto de Mim, e Eu o amo; e quando o amo,
sou seu ouvido, assim ele ouve por Mim, e seu olho, assim ele vê por
Mim, e sua língua, assim ele fala por Mim, e sua mão, assim ele
pega por Mim."
Embora sej a conveniente tratar do amor místico em um capítu­
lo separado, o leitor não deve pensar que um novo assunto está se
abrindo a seus olhos. A gnose e o amor são espiritualmente idênti­
cos ; ensinam a mesma verdade em diferentes linguagens.
Capítulo IV

.91.mor fJJivino

Quem quer que conheça, mesmo que pouco, a poesia mística


do Islã deve ter notado que a aspiração da alma a Deus é expressa,
via de regra, quase nos mesmos termos que poderiam ter sido usados
por um Anacreonte ou Herrick oriental. A semelhança, de fato, é
freqüentemente tanta que, a menos que tenhamos alguma pista so­
bre a intenção do poeta, ficamos em dúvida quanto ao significado.
Em alguns casos, talvez a ambigüidade sirva para um fim artístico,
como nas odes de Hafiz, mas, mesmo quando o poeta não está deli­
beradamente mantendo seus leitores suspensos entre o céu e a terra,
é bastante fácil confundir um hino místico com uma canção de beber
ou uma serenata. lbn al-Arabi, o maior teósofo que os árabes produ­
ziram, viu-se obrigado a escrever um comentário para alguns de seus
poemas, para refutar a escandalosa acusação de que eles eram escri­
tos para celebrar os encantos de sua amante. Eis algumas linhas :
"Oh, sua beleza - a terna moça! Seu brilho ilumina como
lâmpadas em uma viagem no escuro.
Ela é uma pérola escondida em uma concha de cabelo negro
como azeviche,
Uma pérola na qual o Pensamento mergulha e fica para sempre
nas profundezas
Desse oceano.
Quem a vê pensa que é uma gazela nas dunas,
Por seu pescoço formoso e a delicadeza de seus gestos ."
Já se disse que os Sufis inventaram esse estilo figurativo como
uma máscara para mistérios que eles desejavam manter secretos.

65
66 Os Místicos IÚJ Islã

Esse desejo era natural naqueles que orgulhosamente diziam possuir


uma doutrina secreta apenas conhecida por eles; além disso, uma
simples afirmação do que eles acreditavam teria posto em risco suas
liberdades, senão suas vidas. Mas, além de tais motivos, os Sufis
adotavam o estilo simbólico porque não há outra maneira possível
de interpretar a experiência mística. O conhecimento do infinito re­
velado na visão extática precisa de um disfarce artificial, pois não
pode ser comunicado a todos, exceto por meio de tipos e emblemas
tirados do mundo sensorial que, mesmo imperfeitos, podem sugerir
e esboçar um significado mais profundo do que aparece na superfície.
"Os gnósticos", diz Ibn al-Arabi, "não podem dividir seus sentimen­
tos com outros homens ; eles apenas podem indicá-los simbolica­
mente àqueles que começaram a experimentar a preferência." O tipo
de simbolismo que cada místico prefere depende de seu tempera­
mento e caráter. Se ele for um artista religioso, um poeta espiritual,
suas idéias da realidade provavelmente se revestirão instintivamen­
te em formas de beleza e imagens brilhantes do amor humano. Para
ele, a face rosada da amada representa a essência divina manifesta
em seus atributos; os cachos negros significam o Uno velado pelos
Muitos ; quando ele diz "Beba o vinho que o libertará de si mesmo",
quer dizer "Perca seu eu perceptível no arrebatamento da contem­
plação divina". Eu poderia encher muitas páginas com exemplos
semelhantes.
Esse simbolismo erótico e orgiástico não é, claro, exclusivo da
poesia mística do Islã, mas em nenhum outro lugar é usado com
tanta opulência e com tal perfeição. Foi freqüentemente mal com­
preendido pelos críticos europeus, um dos quais foi capaz de descre­
ver os êxtases dos Sufis como "inspirados parcialmente pelo vinho e
fortemente ligados à sensualidade" . Tendo em vista todo o corpo
dos Sufis, a acusação é inteiramente falsa. Nenhum estudioso inteli­
gente e sem preconceitos desses escritos poderia tê-la feito, e con­
vém que nos informemos sobre o tipo de provas em que se baseia.
Há ovelhas negras em todos os rebanhos e entre os Sufis encontramos
muitos hipócritas, corruptos e bêbados que trazem o descrédito aos
irmãos puros. Mas é tão injusto generalizar o Sufismo com base nos
excessos desses impostores quanto seria condenar todo o misticis­
mo cristão apenas porque algumas seitas e indivíduos são imorais.
Amor Divino 67

"Deus é o Saqi (copeiro) e o Vinho:


Ele sabe de que tipo é meu amor",
Disse Jalaluddin. Ibn al-Arabi declarou que nenhuma religião
é mais sublime que a religião do amor e a busca por Deus. O Amor é
a essência de todos os credos: o verdadeiro místico sabe recebê-lo,
não importa que disfarce possa usar.
"Meu coração tomou-se capaz de qualquer forma: é um pasto
para gazelas e um convento para monges cristãos.
E um templo para ídolos, e a Caaba do peregrino, e as tábuas
Da Torá e o livro do Alcorão.
Sigo a religião do Amor, não importa que caminho tomem seus
camelos.
Minha religião e minha fé são a verdadeira religião.
Temos um modelo em Bishr, o amante de Hind e sua irmã,
E em Qays e Lubna, e em Mayya e Ghaylan."
Sobre o último verso, o poeta escreveu:
"O Amor, como o amor, é a única e a mesma realidade para
esses amantes árabes e para mim; mas os objetos de nosso amor são
diferentes, pois eles amavam um fenômeno, enquanto eu amo o Real.
Há um padrão em nós, pois Deus apenas os atingiu com o amor
pelos seres humanos para poder mostrar, por meio deles, a falsidade
daqueles que fingem amá-Lo e não se sentem transportados e arre­
batados amando-O nessa condição de homens enamorados, despro­
vidos de razão e inconscientes de si próprios."
A maioria dos grandes Sufis medievais teve vidas santas, so­
nhando com Deus, intoxicados de Deus. Quando tentavam contar
seus sonhos, sendo homens, usaram a linguagem dos homens . Se
eram também artistas literários, escreviam naturalmente no estilo de
sua própria época e geração. Na poesia mística, os árabes renderam
a palma aos persas. Quem quer que lesse o segredo do Sufismo não
se preocuparia mais com artigos teológicos nem seria mais
obscurecido por sutilezas metafísicas - que ele possa voltar-se para
'Attar, Jalaluddin Rumi e Jami, cujos trabalhos são parcialmente
acessíveis no inglês e em outras línguas européias. Traduzir esses
hinos maravilhosos é quebrar sua melodia e trazer sua paixão altiva
de volta à terra, mas nem mesmo uma tradução em prosa pode
68 Os Místicos do Islã

esconder o amor pela Verdade e a visão da Beleza que os inspiraram.


Ouçamos novamente Jalaluddin:
"Ele veio, uma lua como o céu nunca vira, acordado ou
sonhando,
Coroado com a chama eterna que nenhuma corrente pode
acalmar.
Vej a, no odre de Teu amor, Ó Senhor, minha alma nada,
E por causa dele a casa de argila de meu corpo está arruinada.
Quando o Doador da uva primeiro meu coração solitário aco-
lheu,
O vinho incendiou meu peito e minhas veias se encheram,
Mas quando Sua imagem todo meu olho possuiu, uma voz
desceu,
'Muito bem, Ó Vinho soberano e Taça inigualável ! "'
O amor assim simbolizado é o elemento emocional da religião,
o arrebatamento do vidente, a coragem do mártir, a fé do santo, a
única base da perfeição moral e do conhecimento espiritual. Pratica­
mente, é auto-renúncia e auto-sacrifício, a doação de todas as posses
- saúde, honra, vontade, vida e o que quer que o homem valorize
- por causa do Amado, sem nenhum pensamento de recompensa.
Já me referi ao amor como o princípio supremo da ética Sufi e darei
a seguir algumas ilustrações .
" O Amor", diz J alaluddin, " é a cura d e nosso orgulho e presun­
ção, o médico de todas as nossas enfermidades. Apenas aquele cujo
traj e é rasgado por amor se torna totalmente desprendido."
Nuri, Raqqan e outros Sufis foram acusados de heresia e con­
denados à morte.
"Quando o carrasco se aproximou de Raqqan, Nuri subiu e se
ofereceu no lugar de seu amigo, com o maior prazer e submissão.
Todos os espectadores ficaram espantados. O carrasco disse: 'Jo­
vem, a espada não é algo que as pessoas gostem tanto de encontrar;
e sua vez ainda não chegou' . Nuri respondeu : 'Minha religião é fun­
dada no desprendimento. A vida é a coisa mais preciosa no mundo:
desejo sacrificar por meus amigos os poucos momentos que restam' ."
Em outra ocasião ouviu-se Nuri rezar como segue:
"Ó Senhor, em Teu eterno conhecimento e poder e vontade Tu
punes as pessoas com o Inferno que criaste; e, se for Tua inexorável
vontade encher o inferno com a espécie humana, és capaz de enchê­
lo apenas comigo, e mandá-los ao paraíso."
Amor Divino 69

Da mesma forma que o Sufi ama a Deus, ele vê Deus em todas


as Suas criaturas e dirige-se a elas em atos de caridade. Trabalhos
piedosos nada são sem amor.
"Agrada um coração triste: teu ato de amor será
Mais do que mil templos que ergues .
Um homem livre que tua gentileza escraviza
Pesa mais que mil escravos libertados."
A Lenda dos Santos muçulmana esta repleta de contos de pie­
dade com os animais (incluindo o desprezado cão, e os pássaros) e
mesmo insetos. Conta-se que Bayazid adquiriu algumas sementes
de cardamomo em Hamadhan e antes de partir pôs em sua gabardina
uma pequena quantidade que sobrara. Chegando a Bistam e lem­
brando-se do que fizera, ele pegou as sementes e viu que havia tam­
bém algumas formigas. Disse a si mesmo: "Carreguei essas pobres
criaturas para longe de sua casa", e imediatamente tomou o caminho
de volta para Hamadhan - uma distância de muitas centenas de
quilômetros.
Essa caridade universal é um dos frutos do panteísmo. A visão
ascética do mundo que reinou entre os primeiros Sufis, e sua cons­
ciência viva de Deus como uma Personalidade transcendente e não
como um Espírito imanente, os fez esmagar duramente suas afei­
ções humanas. Eis uma historinha da vida de Fudayl ibn 'lyad. Seria
tocante se não fosse tão edificante.
"Um dia ele tinha em seu colo uma criança de quatro anos e
tentou lhe dar um beijo, à maneira dos pais. A criança disse: ' Pai,
você me ama?' 'Sim' , disse Fudayl. 'Você ama a Deus?' 'Sim.'
'Quantos corações você tem?' 'Um. ' 'Então' , perguntou a criança,
'como você pode amar a dois com um só coração?' Fudayl percebeu
que as palavras da criança eram uma admoestação divina. Em seu zelo
com Deus, ele começou a bater a cabeça e se arrependeu de seu amor
pelo filho e deu seu coração totalmente a Deus."
O misticismo Sufi mais elevado, como representado por
Jalaluddin Rumi, ensina que o fenômeno é uma ponte para o Real.
"Sej a deste mundo ou daquele,
Teu amor por fim vai te levar até lá."
E Jami diz, em uma passagem traduzida pelo professor Browne:
"Mesmo do amor terrestre tua face não desvia
Pois ao Real ele pode servir para levá-lo.
70 Os Místicos túJ Islã

Antes que A, B ou C sej am aprendidos,


Como podes decorar as páginas do Alcorão?
Um sábio (assim me contaram), a quem um estudante
Veio pedir conselho no caminho atrás dele,
Disse: 'Se teus passos forem estranhos aos caminhos do amor,
Parte, aprende o amor
E então volta diante de mim !
Pois, se temesses beber do vinho do Grande odre,
Não poderias exaurir o trago do Ideal.
Mas cuidado ! Não sej as atrasado pela Forma:
Aspira antes com toda a velocidade a ponte atravessar.
Se ao riacho tu queres levar tua bagagem,
Sobre a ponte não deixes teus passos hesitar ' ."
Emerson resume o significado disto quando diz:
"Contemplando em muitas almas o traço da beleza divina e
separando em cada alma o que é divino das manchas contraídas no
mundo, o amante ascende à mais elevada beleza, ao amor e conheci­
mento da Divindade, nos degraus da escada das almas criadas."
"O amor do homem por Deus", diz Huj wiri, "é uma qualidade
que se manifesta, no coração do crente piedoso, na forma de venera­
ção e exaltação; assim ele busca satisfazer a seu Amado e se torna
impaciente e inquieto em seu desejo da visão Dele, e não pode des­
cansar com ninguém além Dele, e se torna familiar com a lembrança
Dele, e renuncia a qualquer outra lembrança. O repouso se torna
ilegal para ele, e o descanso foge dele. Ele larga todos os seus hábi­
tos e associações, e renuncia à paixão sensual, e se volta à corte do
amor, e se submete à lei do amor, e conhece Deus por Seus atributos
de perfeição."
Inevitavelmente, um homem assim ama seu semelhante. Qual­
quer que sej a a crueldade que lhe inflij am, ele perceberá apenas a
mão purificadora de Deus, "cujos amargores são doces para a alma" .
B ayazid disse que, quando Deus ama um homem, dá a ele três qua­
lidades: uma generosidade como a do mar, uma simpatia como a do
sol e uma humildade como a da terra. Nenhum sofrimento pode ser
grande demais, nenhuma devoção alta demais, para o discernimento
penetrante e para a fé ardente de um verdadeiro amante.
Ibn al-Arabi diz que o Islã é particularmente a religião do amor,
j á que o Profeta Maomé é chamado de amado de Deus (Habib), mas,
Amor Divino 71

embora alguns traços dessa doutrina apareçam no Alcorão, seu im­


pulso principal derivou-se inquestionavelmente do Cristianismo.
Embora a antiga literatura Sufi, escrita em árabe e que infelizmente
chegou a nós em estado fragmentário, ainda sej a dominada pela in­
sistência do Alcorão no temor de Alá, traz também marcas evidentes
da tradição cristã oposta. Assim como no Cristianismo, por intermé­
dio de Dioniso e outros escritores da escola neoplatônica, no Islã,
provavelmente sob a mesma influência, o amor devoto e místico por
Deus desenvolveu-se tão logo em êxtase e entusiasmo que encon­
trou na imageria sensorial do amor humano o meio mais sugestivo
para sua expressão. O doutor lnge observa que os Sufis "parecem,
como verdadeiros asiáticos, ter tentado dar um caráter simbólico e
sacramental à indulgência de suas paixões". Não preciso ressaltar
novamente que tal visão do Sufismo genuíno é ao mesmo tempo
superficial e incorreta.
O amor, como a gnose, é em essência um dom divino, não algo
que possa ser comprado. "Se todos desej assem atrair o amor, não po­
deriam; e se fizessem os maiores esforços para repeli-lo, não o conse­
guiriam." Aqueles que amam a Deus são aqueles a quem Deus ama.
"Fantasiei que O amava", disse Bayazid, "mas, considerando bem,
vi que Seu amor precedia o meu." Junayd definia o amor como a
substituição das qualidades do amante pelas qualidades do Amado.
Em outras palavras, o amor significa o trespasse do eu individual; é
um arrebatamento incontrolável, uma graça de Deus que deve ser
buscada com aspiração e oração ardentes .
***

"Ó Tu, e m cujo bastão recurvo meu coração como uma bola
está,
Nem mesmo um pouco me desviei de Tuas ordens nem a elas
· desobedeci.
Lavei meu exterior até limpá-lo, a água eu tirei e derramei;
Meu íntimo é Tua propriedade - Mantenha-o imaculado, Ó
Senhor ! "
Jalaluddin ensina que o amor d o homem é n a realidade o efeito
do amor de Deus, através de um apólogo. Uma noite, certo devoto
rezava em voz alta, quando Satã lhe apareceu e disse:
"Por quanto tempo gritarás 'Ó Alá' ? Cala-te, pois não obterás
resposta." O devoto inclinou a cabeça em silêncio. Após certo tempo,
72 Os Místicos IÚJ Islã

ele teve uma visão do profeta Khadir, que disse a ele: "Ah, por que
paraste de chamar a Deus?" "Porque a resposta ' Aqui estou' não
veio", respondeu ele. Khadir disse: "Deus mandou-me vir a ti e di­
zer isto:
"Não fui Eu que te mandei ao serviço?
Não te ocupei com Meu nome?
Teu chamado 'Alá" era Meu "Aqui estou",
Tua dor saudosa Meu mensageiro para ti .
De todas essas lágrimas e gritos e súplicas
Fui o magneto e lhes dei asas ."
O amor divino está além de quaisquer descrições, e seus sinais
são manifestos. Sari al-Saqati questionou Junayd no que diz respeito
à natureza do amor.
"Alguns dizem", ele respondeu, "que é um estado de concór­
dia, e alguns dizem que é o altruísmo, e alguns dizem que é assim e
assim." Sari pegou a pele de seu antebraço e a puxou, mas ela não
esticou; então ele disse: "Juro pela glória de Deus, se eu dissesse
que essa pele seria enrugada nesse osso pelo amor Dele, eu estaria
dizendo a verdade." Por isso, ele desmaiou e seu rosto tomou-se
uma lua brilhante.
O Amor, "o astrolábio dos mistérios celestes", inspira todas as
religiões merecedoras desse nome e traz consigo não a crença racio­
nal, mas a intensa convicção que vem da intuição imediata. Essa luz
interior é sua própria evidência; quem a vê tem um conhecimento
real e nada pode aumentar ou diminuir sua certeza. Além disso, os
Sufis nunca se cansaram de expor a futilidade de uma fé que se sus­
tenta em provas intelectuais, autoridade externa, auto-interesse ou
auto-estima de qualquer espécie. A dialética estéril do teólogo; a jus­
tiça hipócrita do fariseu, enraizada em formas e cerimônias; a menos
crua mas igualmente interesseira adoração cujo motivo é ganhar a
felicidade infinita para o resto da vida; a devoção relativamente pura
do místico que, embora ame a Deus, pensa em si mesmo amorosa­
mente e cujo coração não está inteiramente vazio de "diversidade" ;
tudo isso são "véus" que devem ser removidos.
Eis algumas frases que serão mais instrutivas que outras expli­
cações.
"Ó Deus ! Qualquer que seja a parte deste mundo que destinas
a mim, entrega-a a Teus inimigos; e qualquer que sej a a parte do
Amor Divino 73

próximo mundo que tenhas destinado a mim, entrega-a a Teus ami­


gos. Tu és suficiente para mim." (Rabi' a.)
"Ó Deus ! Se eu Te adoro por medo do inferno, queima-me no
inferno; e se eu Te adoro na esperança do paraíso, exclui-me do
paraíso; mas se Te adoro por causa de Ti apenas, não ocultes Tua
beleza infinita ! " (Rabi ' a.)
"Não importa que os amantes de Deus estej am separados dele
por seu amor, eles têm o essencial, pelo qual dormem ou acordam,
buscam e são buscados, e não estão ocupados com a própria busca e
amor, mas estão arrebatados na contemplação do Amado. É um cri­
me no amante olhar seu amor e um ultraje no amor olhar para sua
busca quando está face a face com o Buscado." (Bayazid) .
"Seu amor entrou e removeu tudo exceto Ele e não deixou tra­
ço de nada mais; assim ele ficou sozinho, da forma como Ele é sozi­
nho." (Bayazid).
"Sentir-se um com Deus por um momento é melhor que todos
os atos humanos de adoração desde o início até o fim do mundo."
(Shibli)
"Medo do fogo, em comparação com o medo de ser separado
do Amado, é como uma gota de água derramada no maior dos ocea­
nos." (Dhu 'l-nun)
"A menos que eu tenha o rosto de meu coração voltado para
Ti,
Considero que a oração não merece ser chamada de oração.
Se volto minha face para a Caaba, é pelo amor de Ti ;
De outra forma estou longe tanto da oração como da Caaba."
(Jalaluddin Rumi)
O amor, assim, é o instinto divino da alma impelindo-a a per­
ceber sua natureza e destino. A alma é o primogênito de Deus: antes
da criação do universo, ela vivia e se movia e tinha seu ser Nele e
durante sua manifestação terrestre é um estrangeiro em exílio, sem­
pre desejando voltar a seu lar.
"Isto é Amor: voar para o céu,
Rasgar, a cada instante, uma centena de véus;
O primeiro momento, renunciar à vida;
O último passo, prosseguir sem pés ;
Olhar este mundo como invisível,
Não ver o que se mostra ao eu."
74 Os Místicos do Islã

Todos os romances de amor e alegorias da poesia Sufi - os


contos de Laila e Majnun, Yusuf (José) e Zulaykha, Salaman e Absal,
A Traça e a Vela, O Rouxinol e a Rosa - são esboços da busca
apaixonada da alma para se reunir com Deus. É impossível, no bre­
ve espaço que tenho, dar ao leitor mais que uma visão muito geral
dos tesouros que a exuberante fantasia do Oriente guardou em cada
quarto de seu palácio encantado. A alma é comparada a uma pomba
chorosa que perdeu seu companheiro; a uma cana arrancada e trans­
formada em uma flauta cuj a música queixosa faz encher os olhos de
lágrimas; a um falcão chamado pelo assobio do caçador para voltar
a pousar em seu pulso; à neve derretendo sob o sol e subindo como
vapor ao céu; a um camelo irascível viaj ando pelo deserto à noite; a
um papagaio na gaiola, um peixe em terra seca, um peão que procu­
ra se tornar um rei.
Essas figuras implicam que Deus sej a concebido como trans­
cendente e que a alma não pode alcançá-Lo sem o que Platino, em
uma esplêndida frase, chama "o vôo do Só para o Só". Jalaluddin
diz:
"O movimento de qualquer átomo é em direção à sua origem;
Um homem se torna a coisa para a qual ele é propenso.
Pela atração da afeição e da saudade, a alma e o coração
Assumem as qualidades do Amado, que é a Alma das almas ."
"Se um homem se torna a coisa para a qual ele é propenso", o
que, então, o Sufi se torna? Eckhart, em um de seus sermões, cita a
frase de Santo Agostinho de que o homem é o que ele ama, e ele
acrescenta este comentário:
"Se ele ama uma pedra, ele é uma pedra; se ele ama um ho­
mem, ele é um homem; se ele ama Deus - melhor eu não dizer mais
nada, pois se digo que ele seria então Deus, vocês poderiam me ape­
drej ar."
Os místicos muçulmanos gozaram de maior liberdade de ex­
pressão que seus irmãos cristãos, que deviam obediência à Igreja
Católica medieval ; e se eles iam longe demais, a alegação do êxtase
era aceita como desculpa suficiente. Quer eles enfatizassem o as­
pecto exterior ou interior da unificação, a transcendência ou a
imanência de Deus, suas expressões são destemidas e inflexíveis.
Segundo Abu Sa' id:
"Em meu coração Tu vives - com sangue o regarei:
Em meus olhos Tu incendeias - com lágrimas o apagarei;
Amor Divino 75

Apenas ser um Contigo minha alma desej a -


O que for de fora de meu corpo, com gancho ou anzol, eu o
arrancarei ! "
Jalaluddin Rumi diz que o amor d a alma por Deus é o amor de
Deus pela alma, e que amando a alma Deus ama a si mesmo, pois
Ele traça para Si um lar que em sua essência é divino.
"Nosso cobre", diz o poeta, "foi transmutado por essa rara al­
quimia", querendo dizer que a base amalgamada do eu foi purifica­
da e espiritualizada. Em outra ode, ele diz:
"Õ minha alma, busquei de ponta a ponta: não vi em ti nada
além do Amado;
Não me chames infiel, ó minha alma, se eu digo que tu mesma
és Ele."
E de forma mais simples:
"Tu que buscas Deus, Deus persegues,
Não precisas procurar pois Deus és tu, és tu !
Por que procurar por algo que nunca deixou de estar lá?
Além de ti ninguém é, mas tu és - onde, oh, onde?"
Onde está o amante quando o Amado se mostra? Em nenhum
lugar e em toda parte; sua individualidade morreu. No quarto nupcial
da Unidade, Deus celebra o casamento místico da alma.
Capítulo V

Santos e Milagres

Suponhamos que o muçulmano médio possa ler inglês e que


coloquemos em suas mãos um desses admiráveis volumes publica­
dos pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas . Para entender seus sen­
timentos em tal ocasião, precisamos apenas imaginar quais seriam
os nossos se um amigo cientista nos convidasse para estudar um
tratado mostrando provas em favor da telegrafia e com registros con­
fiáveis de exemplos de comunicação telegráfica. O muçulmano ve­
ria provavelmente no telégrafo algum tipo de espírito - um afreet
ou jinn. A telepatia e fenômenos ocultos similares são tidos por ele
como fatos evidentes. Nunca lhe ocorreria investigá-los. Há algo na
constituição de sua mente que a torna impermeável à idéia de que o
sobrenatural pode ser sujeito a leis. Ele crê, pois não pode evitá-lo,
na realidade do mundo invisível que "fica além de nós", não apenas
em nossa infância, mas sempre e em toda parte; um mundo do qual
não estamos excluídos, acessível e, em certa medida, revelado a to­
dos, embora a comunicação livre e aberta com ele sej a um privilégio
de poucos. Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos.
"Os espíritos, todas as noites, dos corpos capturados
se libertam, e raspam os tabletes.
[ou seja, apagando todas as impressões sensoriais que formam
um véu entre a alma e o mundo da realidade.]
Os espíritos se libertam todas as noites dessas gaiolas,
Independentes, sem comandados nem comandantes.

77
78 Os Místicos do Islã

À noite os prisioneiros esquecem sua prisão,


À noite os reis esquecem seus poderes:
Sem sofrimentos, sem considerações sobre perdas e ganhos,
Nenhum pensamento sobre essa ou aquela pessoa.
Esse é o estado do gnóstico, mesmo quando acordado;
Deus disse: 'Tu deves considerá-los acordados enquanto eles
dormem. '
[Ale. 1 8 . 17]
Ele está adormecido, dia e noite, aos assuntos do mundo,
Como uma pena na mão controladora do Senhor."
Os Sufis sempre se declararam e acreditaram ser pessoas esco­
lhidas por Deus. O Alcorão faz referência em diversas passagens a
Seus eleitos. De acordo com o autor de Kitab al-Luma, esse título
pertence, primeiramente, aos profetas, eleitos em virtude de sua vida
sem pecados, sua inspiração e sua missão apostólica; e, em segundo
lugar, a certos muçulmanos, eleitos por sua devoção sincera e au­
tomortificação e firme ligação com as realidades eternas ; em uma
palavra, os santos. Enquanto os Sufis são os eleitos da comunidade
muçulmana, os santos são os eleitos dos Sufis.
O santo maometano é conhecido comumente como wali (plu­
ral, awliya). Essa palavra é usada em diversos sentidos, derivados
em sua raiz, que significa "proximidade" ; ou seja, familiar, padroeiro,
protetor, amigo. Isso se aplica, no Alcorão, a Deus como protetor do
Fiel, aos anjos ou ídolos que supostamente protegem seus adoradores,
e aos homens que são vistos como especialmente sob a proteção
divina. Maomé ridiculariza os judeus que ensinam ser protegidos de
Deus (awliya lillah). Apesar de suas associações algo equivocadas,
o termo foi adotado pelos Sufis e se tomou a designação comum
para pessoas cuj a santidade as conduz para junto de Deus e que re­
cebem Dele, como dons de Seu favor particular, presentes miraculosos
(karamat, 'charismata '); eles são amigos Dele, sobre os quais "ne­
nhum temor pode vir, e não devem se entristecer" (Ale. 1 0.63); qual­
quer injúria feita a eles é uma hostilidade contra Ele.
A inspiração dos santos islâmicos, embora verbalmente distinta
da dos profetas e inferior em grau, é do mesmo tipo. Em conseqüên­
cia de sua relação íntima com Deus, o véu que cobre o sobrenatural
ou, como diria um muçulmano, o mundo invisível, de suas percep­
ções é retirado a intervalos e em seus momentos de êxtase eles se
Santos e Milagres 79

erguem ao nível profético. Nem o aprendizado profundo na divinda­


de, nem a devoção às boas obras, nem o ascetismo, nem a pureza
moral fazem do maometano um santo; ele pode ou não ter todas
essas coisas, mas a única qualificação indispensável é o êxtase e o
arrebatamento, que é o sinal exterior da "morte" do eu perceptível.
Uma pessoa assim arrebatada (majdhub) é um wali (waliyyat, se for
uma santa), e quando são reconhecidas por seu poder de realizar
milagres, tais pessoas são veneradas como santos não apenas após a
morte, mas também durante a vida. Freqüentemente, porém, vivem
e morrem na obscuridade. Hujwiri conta que entre os santos "há
quatro mil que estão ocultos e não se conhecem nem sabem da exce­
lência de seu estado, estando em todas as circunstâncias escondidos
de si mesmos e da humanidade" .
Os santos formam uma hierarquia invisível, da qual se diz de­
pender a ordem do mundo. Seu chefe supremo é chamado Qutb
(Axis). Ele é o Sufi mais eminente de sua idade e preside os encon­
tros regularmente realizados por seu augusto parlamento, cujos mem­
bros não são embaraçados em sua intendência pelas inconvenientes
ficções do tempo e do espaço, mas vêm juntos de todas as partes da
terra em um piscar de olhos, atravessando mares e montanhas e de­
sertos tão facilmente como os mortais comuns atravessam uma es­
trada. Abaixo do Qutb ficam diversas classes e graus de santidade.
Hujwiri as enumera. Em séries ascendentes, como se segue: trezen­
tos Akhyar (Bons), quarenta Abdal (Substitutos), sete Abrar (Piedo­
sos), quatro Awtad (Sustentos) e três Nuqaba (Vigilantes).
"Todos se conhecem uns aos outros e não podem agir sem con­
senso mútuo. É tarefa do Awtad dar a volta ao mundo todas as noites
e, se houver algum lugar em que seus olhos não pousem, no dia
seguinte alguma falha aparecerá naquele lugar e eles devem então
informar o Qutb para que ele dirija sua atenção para o ponto fraco e
para que com sua bênção aquela imperfeição possa ser reparada."
Estudamos neste livro a vida mística de indivíduos muçulma­
nos, e é necessário manter o assunto dentro de limites estreitos. De
outra maneira, eu teria ficado na organização externa e histórica do
Sufismo como uma escola de santos e descrevendo o processo de evo­
lução pelo qual o wali, conversando em particular com um pequeno
círculo de amigos, se tomou, primeiro, um professor e guia espiritual,
reunindo discípulos em torno de si durante sua vida, e, finalmente, o
80 Os Místicos do Islã

cabeça de uma ordem religiosa perpétua que trazia seu nome. A pri­
meira dessas grandes fraternidades data do século XII. Em adição a
seus próprios membros - os assim chamados dervixes -, cada or­
dem tem um grande número de irmãos seculares ligados a ela; assim
sua influência atinge todos os níveis da sociedade muçulmana. "Elas
são independentes e autodesenvolvidas. Há rivalidade entre elas, mas
nenhuma manda na outra. Na fé e nas práticas, cada uma faz de seu
jeito, limitadas apenas pela consciência universal do Islã. Assim,
doutrinas estranhas e graves defeitos morais se desenvolveram aos
poucos, mas a liberdade se conservou." (D. B . Macdonald, The
Religious Life and Attitude in Islam, p. 1 64.) Claro que o wali típico
é incapaz de fundar uma ordem, mas o Islã produziu, não menos
freqüentemente que a cristandade, homens que combinam intensa
iluminação espiritual com energia criativa e tino para negócios em
grande escala. A noção maometana de santo como uma pessoa pos­
suída por Deus permite uma aplicação muito extensa do termo: no
uso popular, ele se estende dos grandes teósofos Sufi, como Jalaluddin
Rumi e Ibn al-Arabi, até os que ganharam a santidade apenas por
perder a sanidade - vítimas de epilepsia e histeria, idiotas sábios e
lunáticos não perigosos .
Tanto Qushayri - autor de um famoso trabalho destinado a
fechar a brecha entre o Sufismo e o Islã e que morreu em 1 047 d.C.
- quanto Hujwiri discutem a questão de um santo poder ser consci­
ente de sua santidade e respondem a isso na afirmativa. Seus
opositores argumentam que a consciência da santidade envolve a
certeza da salvação, que é impossível, j á que ninguém pode saber
com certeza se estará entre os salvos no Dia do Julgamento. Em res­
posta, afirmou-se que Deus pode miraculosamente assegurar ao santo
sua salvação predestinada, enquanto o mantém em um estado de resis­
tência espiritual e o preserva da desobediência. O santo não é imacu­
lado, como são os profetas, mas a proteção divina da qual ele goza é
uma garantia de que não agirá mal sempre, mesmo que ele possa
temporariamente se desviar do bem. De acordo com a visão susten­
tada em geral, a santidade depende da fé, não da conduta, assim
nenhum pecado, exceto a infidelidade, pode fazer com que ela seja
perdida. Essa perigosa teoria, que abre as portas ao antinomianismo,
foi mitigada pela ênfase posta no cumprimento da lei religiosa. A
seguinte história de Bayazid al-Bistami mostra a atitude oficial de
Santos e Milagres 81

todos o s Sufis principais, citados como autoridades nos livros mu­


çulmanos.
"Contaram-me (ele diz) que um santo de Deus estava vivendo
em tal e tal cidade, e me preparei para visitá-lo. Quando entrei na
mesquita, ele veio direto de seu quarto e cuspiu no chão. Voltei mi­
nhas costas sem saudá-lo, dizendo a mim mesmo: 'Um santo deve
manter a lei religiosa para que Deus o mantenha em estado espiri­
tual. Se este homem fosse um santo, seu respeito pela lei o teria
impedido de cuspir no chão, ou Deus o teria impedido de estropiar a
graça concedida a ele' .
"

Muitos walis, porém, viam a lei como um freio necessário en­


quanto a pessoa permanece no estágio disciplinar, mas que pode ser
descartado pelo santo. Tal pessoa, eles declaram, fica em um plano
mais elevado que os homens comuns e não deve ser condenada por
ações que de fora parecem não-religiosas. Enquanto os Sufis mais
antigos insistem em que um wali que quebra a lei mostra ser um
impostor, a crença popular nos santos e o rápido crescimento da ado­
ração a eles tenderam a elevar o wali à custa da lei, e a aumentar a
convicção em que um homem com dons divinos não poderia come­
ter erros, ou ao menos que suas ações não deveriam ser julgadas
pelas aparências . O exemplo clássico desse jus divinum investido
aos amigos de Deus é a história de Moisés e Khadir, contada no
Alcorão ( 1 8 .64-80). Khadir ou Khizr - o Alcorão não o chama pelo
nome - é um misterioso sábio dotado da imortalidade, que diz en­
trar em conversação com Sufis errantes e compartilhar com eles seu
conhecimento dado por Deus. Moisés desej ava acompanhá-lo em
uma viagem para aproveitar seus ensinamentos, e Khadir consentiu,
estipulando apenas que Moisés não lhe deveria fazer perguntas.
"Assim combinaram, até que entraram em um barco no qual
Khadir fez buracos. 'O quê ! ' , gritou Moisés, 'esburacaste o barco
sabendo que podes afogar a tripulação? Realmente, coisa estranha
fizeste. '
"Ele disse: 'Eu não te havia dito que tu não poderias ter pa­
ciência comigo?'
"Então eles continuaram até encontrarem um j ovem, e ele o
matou. Disse Moisés: 'Tu matas quem está livre da culpa do san­
gue? Certamente fizeste algo inaudito ! "'
82 Os Místicos do Islã

Depois de Moisés quebrar sua promessa de silêncio pela ter­


ceira vez, Khadir resolveu deixá-lo.
"Mas primeiro", ele disse, "vou te contar o significado daquilo
para o que não tiveste paciência. No barco, pertencente a homens
pobres, trabalhadores do mar, eu tinha em mente danificá-lo, pois
em sua popa estava um rei que tomava todos os barcos à força. E
com o jovem, seus pais eram crentes, e eu temia que ele pudesse
perturbá-los com erro e descrença."
Os Sufis gostam de citar esse impecável testemunho de que o
wali está acima da crítica humana e que sua mão, como Jalaluddin
afirma, é como a mão de Deus. A maioria dos muçulmanos admite
que essa afirmativa é válida quando eles recuam para aplicar os pa­
drões convencionais de moralidade aos homens sagrados. Expliquei
essa justificativa metafísica em um capítulo anterior.
Um milagre realizado por um santo é chamado karamat, ou
seja, um "favor" que Deus lhe deu, enquanto um milagre realizado
por um profeta é chamado mu 'jizat, ou seja, um ato que não pode ser
imitado por ninguém. A distinção originou-se em controvérsia e foi
usada para responder àqueles que sustentavam que os poderes
miraculosos dos santos eram uma grave intrusão à prerrogativa do
profeta. Apologistas Sufi, confessando que ambos os tipos de mila­
gre são substancialmente o mesmo, esforçam-se para diferenciar as
características de cada um; eles declaram, além disso, que os santos
são as testemunhas do Profeta, e que todos os seus milagres (como
"uma gota pingando de um odre cheio de mel") são na realidade
derivados dele. Essa é a visão ortodoxa e é sustentada pelos místicos
maometanos que reconhecem a Lei assim como a Verdade, embora
em alguns casos isso pode ter crescido um pouco mais do que uma
opinião piedosa. Percebemos com freqüência a dificuldade em que
os Sufis se encontram quando tentam fazer um compromisso lógico
com o Islã. Mas a palavra "lógica" é muito enganadora nessa cone­
xão. O início da sabedoria, para estudantes europeus de religião orien­
tal, fica na descoberta de que as crenças incongruentes - falo, é
claro, das crenças com que nossas mentes não se podem harmonizar
- convivem pacificamente na mente oriental; que seu proprietário
está perfeitamente consciente de sua incongruência; e que, via de
regra, ele é absolutamente sincero. As contradições que nos pare­
cem ofuscantes não o perturbam em nada.
Santos e Milagres 83

O elemento taumatúrgico no antigo Sufismo não era tão im­


portante como mais tarde se tornou na adoração dos santos comple­
tamente desenvolvida, associada às ordens dervixes. "Um santo seria
um santo apesar de tudo", diz Qushayri, "mesmo se nenhum milagre
fosse realizado por ele neste mundo." No primitivo Vitae Sanctorum
maometano não é incomum encontrar afirmações de que os poderes
miraculosos são comparativamente de pequena importância. Sahl
ibn Abdallah disse elegantemente que o maior milagre é a substitui­
ção de uma má qualidade por uma boa; e o Kitab al-Luma dá muitos
exemplos de homens sagrados que não gostavam de milagres, ven­
do-os como tentações.
"Durante meu noviciado", diz Bayazid, "Deus costumava tra­
zer a mim maravilhas e milagres, mas eu não lhes dava atenção; e,
quando Ele viu que eu assim fazia, deu a mim os meios de atingir o
conhecimento Dele." Junayd observou que a estima pelos milagres
é um dos "véus" que impedem o eleito de penetrar no santuário inte­
rior da Verdade. Essa era uma doutrina alta demais para a massa dos
muçulmanos, e no final a idéia vulgar de santidade triunfou sobre a
concepção mística e teosófica. Tais recomendações e escrúpulos fo­
ram deixados de lado pelo mesmo instinto irresistível que tornou
vãs as solenes asseverações de Maomé de que nada havia de sobre­
natural nele, e que transformou o Profeta humano da história em um
hierofante e mago onipotente. A demanda popular por milagres
excedeu em muito a oferta, mas, onde faltava o wali, uma vívida e
crédula imaginação veio a seu socorro e o representou, não como
era, mas como deveria ser. Ano após ano, a Lenda dos Santos tor­
nou-se mais gloriosa e fantástica enquanto continuava a prestar tri­
buto ao insondável oceano do romance oriental. As pretensões dos
awliya; em seu interesse, cresceram fortemente e as histórias contadas
sobre eles se tornavam mais fantásticas e extravagantes. Dedicarei o
que resta deste capítulo a um esboço do wali tal como aparece na
vasta literatura medieval sobre o assunto.
O santo muçulmano não diz que realizou um milagre; ele diz
que "um milagre foi concedido ou manifestado a mim". Por um pon­
to de vista, ele pode estar completamente consciente no momento,
mas muitos dos Sufis sustentam que tal "manifestação" não pode
ocorrer senão no êxtase, quando o santo está inteiramente sob o con­
trole divino. Sua própria personalidade está então em suspensão e os
84 Os Místicos do Islã

que interferem com ele se opõem ao Poder Onipotente que fala com
seus lábios e golpeia com suas mãos. Jalaluddin (que usa incidental­
mente a analogia de duplo sentido de um homem possuído por um
peri, um dos espíritos chamados coletivamente de Jinn) relata a se­
guinte história sobre Bayazid de Bistam, um celebrado santo persa
que diversas vezes declarara em frenesi extático que não era outro
senão Deus.
Após ter voltado a si após uma dessas ocasiões e vendo a lin­
guagem blasfema que utilizara, B ayazid ordenou a seus discípulos
que o esfaqueassem se ele fizesse a ofensa novamente. Citarei a se­
qüência, da tradução abreviada de Whinfield do Masnavi (p. 1 96):
"A torrente de loucura carregou sua razão
E ele falou mais impiamente do que antes :
' Dentro de minhas vestes nada há além de Deus,
Quer vocês o procurem no Céu ou na Terra. '
O s discípulos enlouqueceram de horror
E o feriram com suas facas em seu corpo sagrado.
Cada um que buscava o corpo do xeque -
Tinha seu golpe desviado e era ferido por ele.
Nenhum ataque atingiu aquele homem de dons espirituais,
Mas os discípulos estavam feridos e afundados em sangue."
Eis a conclusão do poeta:
"Ah ! Vocês que o golpeiam com sua espada, ele, junto a si
mesmo;
Vocês golpeiam a si mesmos com ela. Cuidado !
Pois ele, que está junto a si mesmo, está aniquilado e salvo;
Sim, ele está em segurança para sempre.
Sua forma desapareceu, ele é um mero espelho;
Nada se vê nele além do reflexo de outro.
Se você cospe nele, cospe em seu próprio rosto,
E se atinge esse espelho, atinge a si mesmo.
Se você vê nele um rosto feio, é o seu próprio, e se você vê
Jesus ali, você é a Virgem Maria.
Ele não é nem isso nem aquilo - ele é vazio de forma;
Esta é sua própria forma devolvida a você."
A vida de Abu '1-Hasan Khurqani, outro Sufi persa, que mor­
reu em 1 033 d. C . , nos dá um retrato completo do panteísta oriental
e exibe a arrogância e a sublimidade do personagem com a maior
Santos e Milagres 85

clareza possível . Como o texto original tem cinqüenta páginas, tra­


duzirei aqui apenas uma parte.
"Uma vez o xeque disse: 'Esta noite muitas pessoas (ele men­
cionou o número exato) foram feridas por facínoras em tal deserto. '
"Fazendo perguntas, eles descobriram que a afirmação era per­
feitamente verdadeira. Estranhamente, na mesma noite a cabeça de
seu filho foi cortada e deixada sobre o umbral da casa, e ele não
sabia nada sobre isso. Sua mulher, que deixou de acreditar nele, gri­
tou: 'O que você pensa de um homem que pode dizer coisas que
acontecem a muitas léguas de distância, mas não sabe que a cabeça
do próprio filho foi cortada e está na frente da própria porta?' ' Sim' ,
o xeque respondeu: 'quando vi aquilo, o véu foi erguido, mas quan­
do meu filho foi morto, ele foi descido novamente' ."
"Um dia, Abu '1-Hasan Khurqani cerrou os dedos e estendeu o
dedinho dizendo: 'Este é o desejo de me tornar um Sufi ' . Essas pala­
vras foram relatadas ao Grande Xeque, que, avaliando a coexistên­
cia de dois qiblas como um insulto à Unidade divina, exclamou:
'Uma vez que um segundo qibla apareceu, cancelarei o primeiro' .
Após isso, nenhum peregrino conseguia chegar a Meca. Alguns
morriam no caminho, outros caíam nas mãos de ladrões ou eram
impedidos por diversas causas de completar sua jornada. No ano
seguinte, um certo dervixe disse ao Grande Xeque: ' Qual é o sentido
de afastar o povo da Casa de Deus?' Então o Grande Xeque fez um
sinal e a estrada se abriu novamente. O dervixe perguntou: 'Com
que culpa todas essas pessoas pereceram?' O Grande Xeque respon-
deu: 'Quando elefantes se empurram, quem se importa se alguns

poucos pássaros infelizes sej am esmagados?"'


"Algumas pessoas que estavam realizando uma jornada pedi­
ram a Khurqani que lhes ensinasse uma oração que os mantivesse a
salvo dos perigos do caminho. Ele disse: 'Se qualquer infortúnio
cair sobre vocês, mencionem meu nome . ' A resposta não lhes agra­
dou; eles partiram, porém, e enquanto viaj avam foram atacados por
facínoras . Um dos viaj antes mencionou o nome do santo e imediata­
mente se tomou invisível, para grande espanto dos facínoras, que
não podiam encontrar nem seu camelo nem seus fardos de mercado­
rias; os outros perderam todos os seus trajes e bens. Ao voltar para
casa, pediram ao xeque para explicar-lhes o mistério. 'Todos invo­
camos Deus' , disseram, 'e sem sucesso; mas um homem que o invo­
cou desapareceu da frente dos olhos dos ladrões . ' 'Vocês invocaram
86 Os Místicos do Islã

a Deus formalmente' , disse o xeque, 'enquanto eu O invoco real­


mente. Assim, se vocês invocam a mim e eu então invocar a Deus
para seu benefício, suas orações são concedidas; mas é inútil para
vocês invocar formalmente e por costume a Deus' ."
"Uma noite, enquanto ele orava, ouviu uma voz gritar: Ó Abu 'l­
Hasan ! Queres que eu conte às pessoas o que sei de ti, para que elas o
apedrejem até a morte?' 'Ó Senhor Deus' , ele respondeu, 'Tu queres
que eu conte às pessoas o que conheço de Tua piedade e o que perce­
bo de Tua graça, para que nenhum deles nunca mais se curve ante Ti
em oração?' A voz respondeu: 'Mantém teu segredo, manterei o
Meu' .
"Ele disse: 'Ó Deus, não me envies o Anjo da Morte, pois não
darei minha alma a ele. Como poderá entregá-la a ele, de quem não a
recebi? Recebi minha alma de Ti e não a darei a ninguém além de
Ti' ."
"Ele disse: ' Após eu ter morrido, o Anjo da Morte virá a um de
meus descendentes e se esforçará para levar sua alma e terá difi­
culdades para tratar com ele. Então erguerei minhas mãos no túmulo
e derramarei a graça de Deus sobre seus lábios' ."
"Ele disse: 'Se eu ordeno que o empíreo se mova, ele obedece­
rá, e se eu digo ao Sol que pare, ele deixará de rodar em seu curso' ."
"Ele disse: 'Não sou nem devoto nem asceta nem teólogo nem
Sufi. Ó, Deus, Tu és Um, e através de Tua unidade eu sou Um' ."
"Ele disse: ' A caveira de minha cabeça é o empíreo e meus pés
estão sob a terra e minhas duas mãos são Leste e Oeste' ."
"Ele disse: 'Já que Deus me produziu de mim mesmo, o paraí­
so me busca e o inferno me teme; e se o paraíso e o inferno tivessem
que passar no lugar em que estou, ambos se anulariam em mim, com
todas as pessoas que contêm' ."
"Ele disse: ' Eu estava deitado de costas, adormecido. De um
canto do Trono de Deus algo pingou em minha boca e eu senti uma
doçura em meu ser interior' ."
"Ele disse: ' Se algumas gotas do que está sob a pele de um
santo caíssem entre seus lábios, todas as criaturas do céu e da terra
entrariam em pânico' ."
"Ele disse: ' Por meio da oração os santos são capazes de parar
o nado do peixe no mar e de fazer a terra tremer, e as pessoas pensam
que é um terremoto' ."
Santos e Milagres 87

"Ele disse: 'Se o amor de Deus no coração de Seus amigos se


manifestasse, o mundo se encheria de inundações e incêndios' ."
"Ele disse: ' Quem vive com Deus viu todas as coisas visíveis e
ouviu tudo que é audível, e fez tudo o que pode ser feito e conheceu
tudo o que há para ser conhecido' ."
"Ele disse: 'Todas as coisas estão contidas em mim, mas não
há espaço para mim mesmo em mim' ."
"Ele disse: 'Milagres são apenas o primeiro dos mil estágios
no Caminho para Deus ' ."
"Ele disse: 'Não busques até que sej as buscado, pois quando
encontrares o que buscas, aquilo se parecerá contigo' ."
"Ele disse: 'Deves diariamente morrer mil mortes e voltar à
vida, pois deves ganhar a vida imortal' ."
"Ele disse: 'Quando dás a Deus tua falta de valor, ele te dá Seu
Todo' ."
***

Seria uma tarefa quase infinita enumerar e exemplificar a s di­


ferentes classes de milagres que são relatados na vida dos santos
maometanos - por exemplo, andar sobre a água, voar (com ou sem
um passageiro), fazer chuva, aparecer em diversos lugares ao mes­
mo tempo, curar pelo sopro, devolver o morto à vida, conhecimento
e predição de eventos futuros, leitura de pensamentos, telecinese,
paralisar ou decapitar uma pessoa agressiva com uma palavra ou
gesto, conversar com animais e plantas, transformar terra em ouro
ou pedras preciosas, produzir comida e bebida, etc . Para o muçul­
mano, que não tem o sentido da lei natural, todas essas "violações de
costume," como ele as chama, parecem igualmente críveis. Nós, por
outro lado, nos sentimos obrigados a distinguir os fenômenos que
vemos como irracionais e impossíveis daqueles para os quais pode­
mos encontrar algum tipo de explicação ' natural' . As teorias moder­
nas da influência psíquica, cura pela fé, telepatia, alucinação verídi­
ca, sugestão hipnótica, e assim por diante, abriram diante de nós
uma larga avenida de acesso a esse negro continente na mente orien­
tal. Não continuarei, porém, a expor esse assunto, por mais interesse
que ele possa oferecer. No mais alto ensinamento Sufi, os poderes
miraculosos dos santos representam um papel mais ou menos insig­
nificante; a excessiva importância que eles assumem no misticismo
organizado das ordens dervixes é uma das mais claras marcas de sua
88 Os Místicos do Islã

degenerescência. A seguinte passagem, que modifiquei levemente,


dá um breve sumário do processo hipnótico pelo qual um dervixe
atinge a união com Deus:
"O discípulo deve, misticamente, sempre trazer seu Murshid
(mentor espiritual) em mente, e se tornar mentalmente absorvido
nele através de uma constante meditação e contemplação dele. O
mestre deve ser seu escudo contra maus pensamentos. O espírito do
mestre o segue em todos os seus esforços, e o acompanha onde quer
que vá, como um espírito guardião. Nesse nível, ele vê o mestre em
todos os homens e todas as coisas, como um objeto nas mãos de um
magnetizador. Esta condição é chamada de ' auto-anulação ' no
murshid ou xeque. O último vê, em seus sonhos visionários, o grau
atingido pelo discípulo e se seu espírito se tornou ou não ligado ao
dele.
"Nesse estágio o xeque o entrega à influência espiritual do Pir,
ou fundador original da ordem, há muito morto, e ele vê esse último
apenas com a assistência espiritual do xeque. Isso se chama ' auto­
anulação' no Pir. Ele agora se torna tanto uma parte do Pir que chega
a possuir todos os seus poderes espirituais.
"O terceiro grau o leva, também com a assistência espiritual
do Xeque, até o próprio Profeta, que agora ele vê em todas as coisas.
Esse estágio é chamado ' auto-anulação' no Profeta.
"O quarto grau o leva até Deus . Ele se torna unido com a Dei­
dade e O vê em todas as coisas." (J. P. Brown, The Dervishes, or
Oriental Spiritualism, 1 868, p. 298 .)
Uma excelente ilustração concreta do processo aqui descrito
encontra-se no conhecido caso de Tawakkul Beg, que passou por
todas essas experiências sob o controle de Molla-Shah. Sua história
é longa demais para ser contada integralmente; além disso, foi re­
centemente traduzida pelo professor D . B . Macdonald em seu
Religious Life and Attitude in Islam (p. 1 97 ff.). Copio, dessa ver­
são, um parágrafo que descreve o primeiro dos quatro estágios men­
cionados acima.
"Por isso ele me fez sentar diante dele, meus sentidos como
que intoxicados, e me ordenou que reproduzisse minha própria ima­
gem dentro de mim; e, após ter vendado meus olhos, pediu-me para
concentrar todas as minhas faculdades mentais em meu coração.
Obedeci e, em um instante, pelo favor divino e a assistência espiritual
do Xeque, meu coração se abriu. Eu vi, então, que havia algo como
Santos e Milagres 89

uma taça derramada dentro de mim. Ela foi posta na posição certa,
e uma sensação de felicidade desenfreada encheu meu ser. Eu dis­
se ao mestre : 'Esta cela onde estou sentado diante de ti - vej o
uma fiel reprodução dela dentro d e mim e e l a aparece a m i m como
se outro Tawakkul Beg estivesse sentado diante de outro Molla­
Shah' . Ele respondeu : 'Muito Bom ! A primeira aparição que vem
a ti é a imagem do mestre' . Ele me mandou então descobrir os
olhos ; e eu o vi, com o órgão físico da visão, sentado diante de
mim. Ele me fez então vendar os olhos novamente e eu o percebi
com minha visão espiritual, sentado da mesma maneira diante de
mim. Cheio de espanto, exclamei : 'Ó, Mestre ! Quer eu olhe com
meus órgãos físicos, quer com minha visão espiritual, é sempre a
você que vejo ! ' "
Eis um caso de auto-hipnotismo, testemunhado e registrado
pelo poeta Jami:
"Mawlana Sa' duddin de Kashghar, após uma pequena concen­
tração de pensamento (tawajjuh), costumava exibir sinais de incons­
ciência. Quem ignorasse a circunstância juraria que ele adormecia.
Logo que comecei a travar contato com ele, sentei-me um dia di.ante
dele na mesquita congregacional. De acordo com seu costume, ele
entrou em transe. Supus que ele iria dormir e disse-lhe: 'Se você
deseja descansar um pouco, você não vai me parecer estar distante' .
Ele sorriu e disse: ' Aparentemente você não acredita que isso é algo
diferente de dormir' . "
A seguinte história apresenta maiores dificuldades:
"Mawlana Nizamuddin Khamush conta que um dia seu mes­
tre, Ala' uddin Attar, foi visitar a tumba do celebrado santo Maomé
ibn Ali Hakim, em Tirmidh. 'Não o acompanhei' , disse Nizamuddin,
'mas fiquei em casa e, concentrando a mente (tawajjuh), consegui
trazer a espiritualidade do santo diante de mim; assim quando o mestre
chegou na tumba encontrou-a vazia. Ele deve ter conhecido a causa,
pois quando voltou começou a trabalhar para me colocar sob seu
controle. Eu concentrei também minha mente, mas me senti como
uma pomba e meu mestre como um falcão voando à minha caça.
Para onde quer que me voltasse, ele sempre estava logo atrás. Por
fim, desesperado da fuga, refugiei-me na espiritualidade do Profeta
(a paz esteja com ele) e me apaguei em seu infinito brilho. O mestre
não mais podia exercer qualquer controle. Ele caiu doente em con­
seqüência da decepção e apenas eu conhecia a razão' ."
90 Os Místicos do Islã

O filho de Ala' uddin, Khwaj a Hasan Attar, possuía tais pode­


res de "controle" e podia, quando quisesse, colocar qualquer pessoa
em estado de transe e fazê-la experimentar o 'trespasse' <fana) que
alguns místicos atingem apenas em raras ocasiões e depois de pro­
longada automortificação. Conta-se que os discípulos e visitantes
que tinham a permissão da honra de beijar sua mão caíam sempre
inconscientes no chão.
Acredita-se que certos santos tenham o poder de assumir a for­
ma que lhes agrade. Um dos mais famosos era Abd Abdallah de
Mosul, mais conhecido pelo nome de Qadib al-Ban. Um dia, o Cadi
de Mosul, que via nele um detestável herético, o viu em uma rua da
cidade, vindo da direção oposta. Resolveu agarrá-lo e lançar uma
acusação contra ele diante do governador, para que fosse punido. De
repente, percebeu que Qadib al-Ban tomara a forma de um curdo; e,
como o santo avançava em sua direção, sua aparência mudou nova­
mente, desta vez para árabe do deserto. Por fim, ao chegar ainda
mais perto, ele assumiu a forma e o traje de um doutor de teologia, e
gritou: "Ó Cadi ! Qual Qadib al-B an você vai arrastar diante do go­
vernador e fazer punir?" O Cadi se arrependeu de sua hostilidade e
se tornou um dos discípulos do santo.
Para concluir, darei dois exemplos da "obediência dos objetos
inanimados," ou sej a, telecinese:
"Durante uma conversa sobre esse assunto com seus amigos,
Dhu 'L-Nun disse: 'Eis um sofá. Ele se moverá pelo recinto, se eu o
mandar fazê-lo' . Mal dissera a palavra "moverá", o sofá fez um cir­
cuito no quarto e voltou a seu lugar. Um dos espectadores, um jo­
vem, caiu em prantos e entregou a alma. Eles o deitaram no sofá e o
lavaram para o enterro."
"Avicena fez uma visita a Abu ' 1-Hasan Khurqani e imediata­
mente entrou em uma longa e difícil discussão. Após algum tempo,
o santo, que era uma pessoa iletrada, sentiu-se cansado, levantou-se
e disse: 'Desculpe; devo sair e consertar o muro do jardim' ; e saiu,
levando consigo uma machadinha. Assim que atingiu o alto do muro,
a machadinha caiu de suas mãos. Avicena correu para apanhá-la,
mas antes que a alcançasse a machadinha se ergueu sozinha e voltou
às mãos do santo. Avicena perdeu o controle, e a crença entusiasta
no Sufismo que então se apoderara dele continuou até que, no fim
da vida, abandonou o misticismo pela filosofia."
Santos e Milagres 91

Sei bem que neste capítulo s e fe z pouca justiça a um grande


assunto. O historiador do Sufismo deve reconhecer, por mais pro­
fundamente que possa lastimar, a posição fundamental ocupada pela
doutrina da santidade e a grande influência que ela exerceu em seus
resultados práticos - submissão humilhante à autoridade de uma
classe extática de homens, dependência de seu favor, peregrinação a
seus santuários, adoração de suas relíquias, devoção de quaisquer
faculdades mentais e espirituais a seu serviço. Pode ser perigoso
adorar a Deus com sua própria luz interior, mas é muito mais mortal
procurá-Lo com a luz interior de outra pessoa. A santidade indireta
não tem compensações . Essa verdade é expressa pelos escritores
místicos em passagens eloqüentes, mas me contentarei em citar al­
gumas linhas da vida de Ala' uddin Attar, o mesmo santo que, como
vimos, tentou em vão hipnotizar seu pupilo como vingança por uma
peça desrespeitosa que este pregara nele. Seu biógrafo conta que ele
disse: "É mais certo e vale mais a pena viver junto de Deus que viver
junto das criaturas de Deus", e o seguinte verso derramava com fre­
qüência de sua abençoada língua:
"Por quanto tempo você vai adorar as tumbas dos homens san-
tos?
Preocupe-se com os trabalhos dos homens santos e você será
salvo !"
(tu ta kay gur-i mardan-ra parasti
bi-gird-i kar-i mardan gard u rasti. )
Capítulo VI

O 'Estaáo 'Unitivo

"A história admite ser contada até este ponto,


Mas o que se segue é oculto e inexprimível em palavras .
Se você pudesse falar e tentar cem modos de exprimi-lo,
Isto seria inútil; o mistério não se toma mais claro,
Você pode galopar sobre a sela de um cavalo até a costa,
Mas você deve então usar um cavalo de madeira (ou seja, um
barco),
Um cavalo de madeira é inútil em terra seca,
É o veículo especial dos viaj antes do mar.
Silêncio é esse cavalo de madeira,
Silêncio é o guia e o sustento dos homens no mar."
(O Masnavi, de Jalaluddin Rumi. Tradução abreviada de E. H.
Whinfield, p. 326.)
Ninguém pode tratar do assunto deste capítulo - o estado do
místico que atingiu o fim de sua jornada - sem sentir que todas as
descrições simbólicas de união com Deus e as teorias sobre a nature­
za dela são um pouco melhores que saltos no escuro. Como se pode
formar qualquer concepção do que se declara inefável por aqueles
que o experimentaram de verdade? Posso apenas responder que a
mesma dificuldade confronta-nos ao tratar de todos os fenômenos
místicos, embora apareça menos formidável em níveis inferiores, e
que o conselho de silêncio do poeta não o impeça de interpretar os
mais profundos mistérios do Sufismo com percepção e poder sem
rivais.

93
94 Os Místicos do Islã

Não importa os termos usados para descrevê-lo, o estado unitivo


é a culminação do processo simplificador pelo qual a alma é gra­
dualmente isolada de tudo o que lhe é estranho, de tudo o que não é
Deus. Diferentemente do nirvana, que é apenas a cessação da indivi­
dualidade, o fana, o trespasse do Sufi de sua existência perceptível,
envolve o baqa, a continuação de sua existência real. Quem morre
no eu vive em Deus, e o fana, a consumação dessa morte, marca a
chegada ao baqa, ou união com a vida divina. A deificação, em resu­
mo, é o ultima Thule do místico muçulmano.
Na primeira parte do século X, Husayn ibn Mansur, famoso
como al-Hallaj (o cardador), foi barbaramente condenado à morte
em Bagdá. Sua execução parece ter sido ditada por motivos políti­
cos, mas eles não nos interessam. Na multidão reunida em torno do
cadafalso, alguns, talvez, acreditavam que ele era o que dissera ser;
o resto testemunhava com exultação ou severa aprovação a punição
de um herege blasfemo. Ele expressou em duas palavras uma sen­
tença que o Islã perdoou, mas nunca esqueceu : "Ana 'l-Haqq" -

"Eu sou Deus."


As pesquisas recentemente publicadas de M . Louis Massignon
(Kitab al-Tawasin, Paris, 1 9 1 3 , especialmente as páginas 1 29- 1 4 1 .)
tornam possível, pela primeira vez, indicar o significado que o pró­
prio Hallaj deu a essa celebrada fórmula e afirmar definitivamente
que ela não concorda com interpretações mais ortodoxas oferecidas
em épocas posteriores por Sufis pertencentes a diversas escolas. De
acordo com Hallaj , o homem é essencialmente divino. Deus criou
Adão à Sua imagem. Projetou de Si aquela imagem e Seu eterno
amor, para poder Se contemplar como em um espelho. Então ele
mandou os anjos adorar Adão (Ale. 2.32), em quem, como em Jesus,
ele encarnou.
"Glória a Ele que revelou em Sua humanidade (ou seja, em
Adão)
o segredo de Sua radiante divindade,
E então apareceu a Suas criaturas visivelmente em forma de
alguém
Que comia e bebia (Jesus)."
Uma vez que a "humanidade" (nasut) de Deus compreende toda
a natureza corporal e espiritual do homem, a "divindade" (tahut) de
Deus não se pode unir com essa natureza exceto por meio de uma
O Estado Unitivo 95

encarnação ou, para adotar o termo empregado por Massignon, uma


infusão (hulul) do Espírito Divino, como a que ocorre quando o es­
pírito humano entra no corpo.
(Massignon parece estar certo ao identificar o Espírito Divino
com a Razão Ativa (intellectus agens), que, de acordo com Alexan­
dre de Afrodisia, não é parte de uma faculdade de nossa alma, mas
vem a nós de fora. Sobre isso, veja Inge, Christian Mysticism, p.
360, 36 1 . A doutrina de Hallaj pode ser comparada com a de Tauler,
Ruysbroeck e outros, no que concerne ao nascimento de Deus na
alma.)
Assim, Hallaj diz em um de seus poemas :
"Teu espírito está misturado a meu espírito como o vinho é
misturado à água pura.
Quando algo Te toca, toca a mim. Vê, em qualquer caso Tu
É s eu !"
E ainda:
"Sou Aquele que amo, e Aquele que amo sou eu ;
Nós somos dois espíritos vivendo em um só corpo.
Se tu me vês, tu O vês,
E se tu O vês, tu nos vês a ambos."
Essa doutrina de deificação pessoal, na forma peculiar que foi
expressa por Hallaj, é obviamente semelhante à doutrina central do Cris­
tianismo, e assim, do ponto de vista muçulmano, uma heresia do pior
tipo. Sobreviveu inadulterada apenas entre seus seguidores imediatos.
Os Hululis, ou sej a, os que acreditam em encarnação, são repudia­
dos pelos Sufis em geral tão veementemente quanto pelos ortodoxos
muçulmanos . Mas ao mesmo tempo que condenaram sem hesitar a
doutrina do hulul, os Sufis fizeram também o possível para limpar
Hallaj da suspeita de a ter ensinado. Há três linhas principais de
defesa, como se segue:
Primeira: Hallaj não pecou contra a Verdade, mas foi punido
justamente por ter cometido uma grave ofensa contra a Lei. Ele traiu
o segredo de seu Senhor proclamando a todos o supremo mistério
que deveria ser reservado ao eleito. Segunda: Hallaj falou sob a in­
fluência intoxicante do êxtase. Imaginou-se unido com a essência
divina, quando de fato estava unido apenas com os tributos divinos.
Terceira: Hallaj pretendia declarar que não há diferença essencial
ou separação entre Deus e Suas criaturas, j á que a unidade divina
96 Os Místicos do Islã

inclui todos os seres. Um homem que se separou completamente de


seu eu perceptível existe como seu ser real, que é Deus.
"Nessa glória não há 'Eu' ou 'Nós' ou 'Tu' .
'Eu, "Nós ' , 'Tu' e 'Ele' somos todos uma só coisa."
Não foi Hallaj que gritou Ana 'L Haqq, mas o próprio Deus,
falando pela boca do abnegado Hallaj , assim como falou a Moisés
por meio da sarça ardente. (Ale. 20.8 . 1 4).
A última explicação, que converte Ana 'L Haqq em um axioma
monístico impessoal, é aceita pela maioria dos Sufis como represen­
tante do verdadeiro ensinamento de Hallaj . Em uma magnífica ode,
Jalaluddin Rumi descreve como a Luz Una brilha em miríades atra­
vés de todo o universo e como a Essência Una, permanecendo a
mesma, se disfarça de tempos em tempos em profetas e santos que
são suas testemunhas para a humanidade.
"A cada momento, a ladra Beleza toma uma forma diferente,
Impressiona a alma e desaparece.
A cada instante, o Amado assume um novo vestuário, ora de
velho,
Ora de jovem.
Ele mergulhou no coração da substância da argila
Do oleiro - o espírito mergulhou, como um mergulhador.
Logo Ele subiu das profundezas do barro que é moldado e
cozido,
Então Ele apareceu no mundo.
Tomou-se Noé, e com Sua oração o mundo se inundou enquanto
Ele estava na Arca.
Tomou-se Abraão e apareceu em meio às chamas, que
Se transformaram em rosas por Sua causa.
Por algum tempo, ele esteve errando pela terra por prazer,
Então Ele se tomou Jesus e ascendeu ao Domo do Céu e
começou
A glorificar Deus.
Em breve, era Ele que ia e vinha a cada geração
Que vistes,
Até que por fim Ele apareceu na forma de um árabe e ganhou o
império do mundo.
O que é que é transferido? O que é a transmigração em
realidade?
O amável vencedor de corações
O Estado Unitivo 97

Tomou-se uma espada e apareceu na mão de Ali e se tomou o


Assassino do tempo.
Não ! Não ! Pois ainda era Ele que gritava em forma humana,
Ana 'L Haqq.
Aquele que subiu ao cadafalso não era Mansur [Hallaj é fre­
qüentemente chamado Mansur; que na verdade é o nome de seu pai],
embora o tolo pensasse assim.
Rumi não dissera e não dirá palavras de infidelidade: não duvi­
dem dele !
Quem quer que mostre descrença é um infiel e um daqueles
que foram malditos com o inferno."
***

Embora n a Á sia ocidental e central - onde o s reis persas eram


vistos por seus súditos como deuses, e onde as doutrinas da encarna­
ção, antropomorfismo e metempsicose são nativas - a idéia do Deus­
homem não fosse nem pouco conhecida nem antinatural a ponto de
chocar profundamente a consciência do povo, Hallaj formulara essa
idéia de modo que nenhum mistic ismo que se denominasse
maometano pudesse tolerar e muito menos adotar. Afirmar que as
naturezas divina e humana podem ser combinadas e misturadas
{Hulul não era entendido nesse sentido por Hallaj (Massignon,
op. Cit. , p. 1 99), embora os versos citados na p. 1 5 1 sugiram pron­
tamente tal interpretação. Hallaj, acho eu, teria concordado com
Eckhart (que disse: "A palavra eu sou não pode ser falada com
verdade por ninguém além de Deus ".) que a personalidade na qual
o Eterno é imanente tem uma parte na eternidade (lnge, Christian
Mysticism, p. 149, nota)}.
teria sido negar o princípio da unidade na qual o Islã se baseia. A
subseqüente história do Sufismo mostra como a deificação foi iden­
tificada com a unificação. A antítese - Deus, Homem - misturou­
se na teoria panteística explicada anteriormente (vej a p. 55). Não há
existência real além de Deus. O homem é uma emanação ou uma
reflexão ou um modo do Ser Absoluto. O que ele entende por indivi­
dualidade é na realidade o não-ser; não pode ser separado ou unido,
pois não existe. O homem é Deus, ainda que com uma diferença. De
acordo com Ibn Al-Arabi (Massignon, op. cit. , p. 1 83), o eterno e o
perceptível são dois aspectos complementares do Uno, um necessário
98 Os Místicos tÚJ Islã

ao outro. As criaturas são a manifestação externa do Criador, o Ho­


mem é a Consciência de Deus (sirr) revelada na criação. Mas uma
vez que o homem, em razão das limitações de sua mente, não pode
pensar todos os objetos do pensamento simultaneamente, e assim
expressa apenas uma parte da consciência divina, ele não tem o di­
reito de dizer Ana '1-Haqq, "Eu sou Deus" . Ele é uma realidade, mas
não a Realidade. Podemos ver que os outros Sufis - Jalaluddin
Rumi, por exemplo - em seus momentos extáticos, em qualquer
nível, ignoram essa sutil distinção.
A afirmação de que ao perceber a não-entidade de seu eu indi­
vidual o Sufi percebe sua unidade essencial com Deus resume a teo­
ria maometana da deificação em termos com os quais meus leitores
estão familiarizados. Tentarei mostrar um significado mais preciso
para isso, parte com minhas palavras e parte com trechos ilustrativos
de diversos autores.
Muitos aspectos do fana j á foram diferenciados (veja. p. 42,
43). O mais alto deles - o trespasse na essência divina - foi com­
pletamente descrito por Niffari, que emprega, em vez de fana efani,
(auto-anulado), os termos waqfat, significando o fim da busca, e
waqif, isto é, alguém que desiste de buscar e morre no Objeto Bus­
cado. Eis alguns dos pontos principais que ocorrem no texto e o
comentário.
O waqfat é luminoso: expele os pensamentos negros de "diver­
sidade", como a luz expulsa o escuro; muda os valores perceptíveis
de todas as coisas existentes em valores reais e eternos.
Então, o waqif transcende hora e lugar. "Ele entra em toda casa
e ela não o contém; ele bebe de todos os poços mas não está satisfei­
to; então ele chega a Mim, e Eu sou sua casa, e seu lar é Comigo" -
ou sej a, ele compreende todos os atributos divinos e engloba todas
as experiências místicas. Não está satisfeito com os nomes (atribu­
tos), mas busca o Nomeado. Ele contempla a essência de Deus e vê
que é idêntica à sua própria. Ele não reza. A oração é do homem a
Deus, mas no waqfat nada há além de Deus .
O waqifnão deixa um gancho atrás de si nem qualquer herdei­
ro além de Deus. Quando até o fenômeno do waqfat desapareceu de
sua consciência, ele se toma a Luz. Então seu louvor a Deus procede
de Deus e seu conhecimento é o conhecimento de Deus, que con­
templa a Si mesmo, sozinho como no princípio.
O Estado Unitivo 99

Não precisamos esperar descobrir como essa essencialização,


substituição ou transmutação é efetuada. Esse é o grande paradoxo
do Sufismo - o Magnun Opus fundido de alguma forma no homem
criado por um Ser cuj a natureza é eternamente desprovida de qual­
quer mancha de criatura. Como fiz notar anteriormente, a mudança,
embora possa ser concebida, não envolve a infusão da divina essên­
cia (hulul) ou a identificação com as naturezas humana e divina
(ittihad). Ambas as doutrinas são em geral condenadas. Abu Nasr
al-Sarraj as critica em duas passagens de seu Kitab al-Luma, a se­
guir:
"Alguns místicos de Bagdá se enganaram em sua doutrina de que,
quando morrem em suas qualidades, entram nas qualidades de Deus.
Isso leva à encarnação (hulul) ou à crença cristã que trata de Jesus. A
doutrina em questão foi atribuída a alguns dos antigos, mas seu verda­
deiro significado é que um homem, quando avança por suas próprias
qualidades e entra nas qualidades de Deus, avança por sua própria
vontade e entra na vontade de Deus, sabendo que sua vontade é dada
a ele por Deus e que por virtude desse dom ele é impedido de se
observar, tornando-se inteiramente devotado a Deus ; e este é um dos
estágios dos Unitaristas . Os que se enganaram nessa doutrina não
conseguiram observar que as qualidades de Deus não são Deus. Fa­
zer Deus igual a suas qualidades é ser culpado de infidelidade, pois
Deus não desce ao coração, mas o que desce ao coração é a fé em
Deus e a crença em Sua unidade e a reverência pelo pensamento
dele."
Na segunda passagem, ele usa um argumento similar para re­
futar a doutrina do ittihad.
"Alguns se abstiveram de alimento e bebida, fantasiando que,
quando o corpo de um homem está enfraquecido, é possível que ele
perca sua humanidade e sej a investido dos atributos da divindade.
Os ignorantes que sustentam essa doutrina errônea não podem dis­
tinguir entre humanidade e qualidades inatas da humanidade. A hu­
manidade não parte do homem, assim como o negrume não parte do
que é negro ou a brancura do que é branco, mas as qualidades inatas
da humanidade são mudadas e transmutadas pelo brilho todo-pode­
roso que é derramado sobre elas pelas Realidades divinas. Os atri­
butos da humanidade não são a essência da humanidade. Os que
inculcam a doutrina do fana estão falando da morte da observação
100 Os Místicos do Islã

das ações e trabalhos de devoção de uma pessoa pela contínua ob­


servação de Deus como o fazedor dessas ações em benefício de Seu
servo."
Huj wiri caracteriza como absurda a crença em que o trespasse
<fana) significa perda de essência e destruição da substância corpórea,
e que a "obediência" (baqa) indica a permanência de Deus no ho­
mem. O trespasse real de qualquer coisa, ele diz, implica a consciên­
cia de sua imperfeição e a ausência de desejo por ela. Quem quer
que morra em sua própria vontade perecível obedece à infinita von­
tade de Deus, mas os atributos humanos não podem tomar-se atribu­
tos divinos e vice-versa.
"O poder do fogo transforma para sua própria qualidade qual­
quer coisa que cai dentro dele, e certamente o poder da vontade de
Deus é maior que o do fogo ; o fogo afeta apenas a qualidade do ferro
sem mudar sua substância. Pois o ferro nunca pode virar fogo."
Em outra parte de seu trabalho, Hujwiri define a "união" (jam ')
como concentração de pensamento sobre o objeto desejado. Assim
Maj nun, o Orlando Furioso do Islã, concentra seus pensamentos em
Layla, de forma que ele só vê a figura dela em todo o mundo; todas
as coisas criadas assumem a forma de Layla ante seus olhos. Al­
guém veio à cela de Bayazid e perguntou: "Bayazid está?" Ele res­
pondeu: "Haverá aqui alguém além de Deus?"
O princípio em tais casos, acrescenta Hujwiri, é sempre o mes­
mo, ou seja:
"Que Deus divide a substância única de Seu amor e concede
dela uma partícula, como um presente único, a cada um de Seus
amigos na proporção de sua alegria com Ele; então ele deixa sobre
aquela partícula as mortalhas da carne e da natureza humana e do
temperamento e do espírito, para que por meio de seu trabalho pode­
roso ela possa transmutar para sua própria qualidade todas as partí­
culas presas a ela, até que a argila do amante esteja completamente
convertida em amor e todos os seus atos e aparências se tomem ou­
tras tantas propriedades do amor. Esse estado é chamado 'união'
pelos que olham tanto o sentido interior quanto a expressão exte­
rior."
Então ele cita estes versos de Hallaj :
"Tua vontade sej a feita, ó meu Senhor e meu Mestre. Tua von­
tade sej a feita, ó meu propósito e significado" . Ó essência de meu
ser, ó meta de meu desejo, ó minha fala e meus conselhos e meus
O Estado Unitivo 101

gestos ! Ó todo de meu todo, ó minha audição e minha visão, ó meu


todo e meu elemento e minhas particulas ! "
O Sufi arrebatado que passou pela ilusão d e sujeito e objeto e
penetrou na Unidade não pode negar que é algo nem afirmar que é
todas as coisas . Como exemplo do "modo negativo", tomemos as
primeiras linhas de uma ode de Jalaluddin:
"Vej a. Que eu de mim mesmo sou desconhecido, e em nome de
Deus o que devo fazer?
Não adoro nem a Cruz nem o Crescente, não sou um infiel nem
um judeu.
Nem Leste nem Oeste, nem terra nem mar é meu lar, não tenho
parentesco com anjo nem gnomo,
Não sou fundido nem de fogo nem de espuma, não sou feito
nem de pó nem de orvalho.
Não nasci na distante China, nem em S aqsin, nem na Bulgária;
Nem na Índia, onde cinco rios há, nem no Iraque ou Khorasan
cresci .
Nem neste mundo nem no outro vivi, nem no paraíso ou no
inferno;
Não caí do É den nem de Rizwan, nem minha linhagem vem de
Adão.
Em um lugar além do mais extremo Lugar, em uma região sem
sombra de pegadas,
Alma e corpo transcendentes, vivo na alma de meu Amado
novamente ! "
O seguinte poema, também d e J alaluddin, expressa o aspecto
positivo da consciência cósmica:
"Se houver algum amante no mundo, ó muçulmanos, sou eu.
Se há algum crente, infiel ou eremita cristão, sou eu.
A borra do vinho, o copeiro, o menestrel, a harpa e a música,
O amado, a vela, a bebida e a alegria do bêbado - sou eu.
Os duzentos e setenta credos e seitas no mundo
Não existem de verdade: juro por Deus que todos os credos e
seitas - sou eu.
Terra e ar e água e fogo - sabes quem é?
Terra e ar e água e fogo, e corpo e alma também - sou eu.
Verdade e falsidade, bem e mal, facilidade e dificuldade do
início ao fim,
102 Os Místicos do Islã

Conhecimento, aprendizado, ascetismo, piedade e fé - sou eu.


O fogo do inferno, tenha certeza, com seus limites flamejantes,
Sim, e o paraíso, e o Éden, e as Hauris - sou eu.
Esta terra e o céu com tudo o que contêm,
Anjos, Peris, Gênios e a Humanidade - sou eu."
O que Jalaluddin descreve em um momento de visão extática é
descrito por Henry More em uma experiência passada:
"Quão agradável" ele diz, "quão magnífico o estado em que
está a alma do homem, quando a vida de Deus, agindo sobre ela, a
leva consigo através do céu e da terra; torna-a integrada, o que a faz
sentir-se cheia de vida, com o mundo todo. Aquele que aqui está
considera todas as coisas Uma, e ele mesmo, se ele pode então pen­
sar em si, como parte do Todo."
Para alguns Sufis, a absorção no êxtase do fana é o fim de sua
peregrinação. Após isso, nenhuma relação existe mais entre eles e o
mundo. Nada deles próprios fica neles ; como indivíduos, eles estão
mortos. Imersos na Unidade, eles não conhecem lei ou religião, nem
qualquer forma de ser perceptível. Mas esses devotos intoxicados
de Deus que nunca voltam à sobriedade não chegaram à mais alta
perfeição. O círculo completo de deificação deve compreender tan­
to o aspecto interior como o exterior da Deidade - o Uno e os Mui­
tos, a Verdade e a Lei. Não basta escapar de tudo o que é criatura,
sem entrar na vida eterna de Deus Criador como manifesto em Seus
trabalhos. Permanecer em Deus (baqa) após ter morrido na indivi­
dualidade (fana) é a marca do Homem Perfeito, que não apenas via­
j a para Deus, ou sej a, passa da pluralidade à unidade, mas em e com
Deus, ou seja, continuando no estado unitivo, ele volta com Deus ao
mundo perceptível do qual saiu e manifesta a unidade na pluralida­
de. Nessa descida:
"Ele faz da Lei seu traje exterior
E do Caminho místico seu traje interior."
Pois ele traz e mostra a Verdade à humanidade enquanto cum­
pre as obrigações da lei religiosa. Pode-se dizer dele, nas palavras
de um grande místico cristão:
"Ele vai em direção a Deus pelo amor interior, em trabalho
eterno, e vai em Deus por sua inclinação prazerosa, em eterno des­
canso. E ele permanece em Deus; e ele vai em direção às coisas
criadas em um espírito de amor por todas as coisas, nas virtudes e
O Estado Unitivo 103

nos trabalhos de justiça. E este é o cimo mais exaltado da vida inte­


rior." (Ruysbroeck, citado em Introduction to Mysticism, de E.
Underhill, p. 522.)
Afifuddin Tilimsani, em seu comentário sobre Niffari, descre­
ve quatro jornadas místicas :
A primeira começa com a gnose e termina com a morte com­
pleta (fana).
A segunda se inicia no momento em que a morte é sucedida
pela "permanência" (baqa).
Quem atingiu essa estação viaj a no Real, pelo Real, para o
Real, sendo então uma realidade (haqq) (ver p. 1 04). Viaj ando as­
sim para a frente, ele chega à estação do Qutb (Vej a p. 85), que é a
estação da perfeita humanidade. Ele se torna o centro do universo
espiritual, assim cada ponto e limite atingido por seres humanos in­
dividuais está igualmente distante de sua estação, sej am próximos
ou distantes, uma vez que todas as estações giram em torno da dele,
e em relação ao Qutb não há diferença entre a proximidade e a lonjura.
Para alguém que atingiu a posição suprema, o conhecimento e a gnose
e a morte são rios de seu oceano, em que ele volta a encher do modo
que queira. Ele tem o direito de guiar os outros para Deus e busca
permissão para o fazer a partir de si mesmo. Antes de o portão do
Apostolado se fechar - ou seja, antes do tempo de Maomé, que é o
Selo dos Profetas -, ele teria merecido o título de apóstolo, mas em
nossos dias o título apropriado é Diretor de Almas, e ele é uma bên­
ção para aqueles que invocam sua ajuda, pois compreende as capa­
cidades inatas de toda a humanidade e, como um condutor de came­
los, manda todos para sua casa.
Na terceira jornada, esse Homem Perfeito volta sua atenção
para as criaturas de Deus, como apóstolo ou como mentor espiri­
tual (Xeque), e se revela àqueles que de bom grado seriam liberta­
dos de suas faculdades, a cada um de acordo com seu grau : ao
aderente da religião positiva, como um teólogo ; ao contemplativo,
que ainda não gozou da plena contemplação, como um gnóstico;
ao gnóstico como alguém que trespassou inteiramente da indivi­
dualidade (waqij) ; ao waqif como um Qutb. Ele é o horizonte de
toda estação mística e transcende o mais alto grau de experiência
conhecido em cada nível de buscadores.
104 Os Místicos do Islã

A quarta jornada é normalmente associada à morte física. O


Profeta referia-se a ela quando exclamou em seu leito de morte: "Es­
colho os mais elevados companheiros" . Nessa jornada, a julgar pe­
los obscuros versos em que ' Afifuddin a descreve, o Homem Perfei­
to, tendo sido investido de todos os atributos divinos, se toma, por
assim dizer, o espelho que mostra Deus para Ele próprio.
"Quando meu Amado aparece,
Com qual olho eu O vejo?
"Com O olho Dele, não com o meu,
Pois ninguém o vê exceto Ele próprio."
(lbn Al- 'Arabi)
A luz na alma, o olho pelo qual ela vê e o objeto da visão são
todos um só.
***

Seguimos o Sufi n a busca pela Realidade até o ponto e m que a


linguagem falha. Seu progresso quase nunca será tão suave e contí­
nuo como aparece nestas páginas. A proverbial dor de cabeça após a
intoxicação serve de paralelo para períodos de intensa aridez e sofri­
mento agudo que, por vezes, enchem o intervalo entre os estados
mais baixos e mais altos do êxtase. Descrições dessa experiência -
a Noite Negra da Alma, como é chamada por autores cristãos -
podem ser encontradas e m quase toda biografi a dos santos
maometanos . Assim, Jami relata em seu Nafahat al- Uns que certo
dervixe, discípulo do famoso Shihabuddin Suhrawardi,
"Era dotado de um grande êxtase na contemplação da Unidade
e na estação do trespasse (fana) . Um dia, começou a soluçar e la­
mentar. Quando o Xeque Shihabuddin lhe perguntou o que o afligia,
ele respondeu: ' Vej a, estou impedido pela pluralidade da visão da
Unidade. Sou rejeitado e não posso reencontrar um estado anterior! '
O Xeque notou que esse era o prelúdio à estação da 'permanências'
(baqa), e que seu estado presente era mais elevado e mais sublime
do que aquele em que estava antes."
A personalidade sobrevive na união final com Deus? Se perso­
nalidade significa uma existência cônscia distinta, embora não sepa­
rada, de Deus, a maioria dos místicos avançados diz: "Não ! " Assim
como a gota de chuva absorvida no oceano não é aniquilada mas
deixa de existir individualmente, assim a alma sem corpo se torna
indistinguível da Deidade universal. É verdade que, quando traduzem
O Estado Unitivo 105

a união mística em termos de amor e casamento, os escritores Sutis


não cancelam (aliás, não podem fazê-lo) a noção de personalidade,
mas tais frases metafóricas não são necessariamente inconsistentes
com um panteísmo que exclui toda a diferença. Unir-se, aqui e ago­
ra, com o Mundo Alma é a maior bênção imaginável para almas que
se amam de coração.
"Feliz o momento em que estamos no Palácio, tu e eu,
Com duas formas e duas figuras mas uma alma, tu e eu.
As cores do bosque e a voz dos pássaros concederão a imorta-
lidade
Na hora em que vamos ao jardim, tu e eu.
As estrelas do céu virão nos espiar;
Devemos mostrar-lhes a própria Lua, tu e eu.
Tu e eu, não mais indivíduos, devemos estar misturados em
êxtase,
Alegres e seguros contra o murmúrio tolo, tu e eu.
{ p. 1 68 }
Todos os pássaros de plumagem brilhante do céu devorarão
seus corações de invej a
N o lugar e m que deveremos rir dessa maneira, t u e eu.
Esta é a maior das maravilhas, que tu e eu, sentados aqui no
mesmo canto,
Estamos neste momento no Iraque e em Khorasan, tu e eu."
(Jalaluddin Rumi)
Estranho como pode parecer a nosso egoísmo ocidental, a es­
perança de fazer parte da imortalidade geral e impessoal da alma
humana acende no Sufi um entusiasmo tão profundo e triunfante
quanto o do mais ardente crente em uma vida pessoal após a morte.
Jalaluddin, após descrever a evolução do homem no mundo material
e antecipar seu crescimento no universo espiritual, expressa uma
oração sincera - para quê? - para a auto-anulação no oceano do
Deus.
"Morri como mineral e me tomei uma planta,
Morri como planta e virei um animal,
Morri como animal e eu era um homem.
Por que eu deveria temer? Quando eu era inferior ao morrer?
Mais uma vez devo morrer como homem, decolar
Com as bênçãos dos anjos; mas mesmo do estado de anjo
Devo sair: tudo, exceto Deus, deve perecer.
106 Os Místicos do Islã

Quando houver sacrificado minha alma de anjo,


Me tomarei o que nenhuma mente jamais concebeu.
Oh, deixe-me não existir ! Pois a Não-existência
Grita com sons de órgão: ' Para Ele devemos retomar ' .
/

Ináice !Rsmissivo

A Alma, a mais baixa


Abdal 19 ou apetitiva 1 4, 1 5 , 1 7 , 1 8, 24,
'Abdallah Ansari 57 27, 29, 39, 40, 43, 45 , 53, 54, 6 1 ,
'Abd al-Rahim ibn al-Sabbagh, 64, 65, 68, 70, 74, 75, 77, 86, 90,
57, 90 94, 96, 1 0 1 , 1 02, 1 04, 1 05 , 1 06
Abraão 96 Amor divino 5 , 65
Abrar 19 Ana 'l-Haqq,
Absal, 74 Mil e uma Noites, as 98
Abu 'Ali de Sind 1 6 ' Arafat 5 8
Abu Hamza 42 'arif 24
Abu '1-Hasan Khurqani 84, 85, Aristóteles 1 3
90 Ascetismo 1 0, 27, 29, 40, 79, 1 02
Abu '1-Khayr al-Aqta 4 1 Ash' aritas, os 1 0
Abu Nasr al-Sarraj 99 ' Attar, Fariduddin 67 , 89, 90, 9 1
Adão 36, 43 , 94, 1 0 1 Audição, Ver Sama 40, 42, 43, 101
A h l al-Haqq 7, 5 3 Agostinho, santo 74
Ahmad ibn al-Hawari 1 2 Avicena 90
Ahwaf 23 Awliya 78, 83
Akhyar 19 Awtad 19
Ala' uddin Attar 89, 9 1
Alcorão, o . 8 , 9 , 1 8, 1 9 , 32, 33, B
35, 42, 59, 6 1 , 67, 70, 7 1 , 78, 8 1 Baba Kuhi 39
Alexandre de Afrodisia 95 Babismo 57
Al-Haqq, Ver Haqq 7, 53 Bagdá 26, 42, 44, 94, 99
'Ali, o Califa 9, 1 6, 1 7 , 35, 45 , Baqa 1 6, 4 1 , 94, 1 00, 1 02, 1 03,
56, 57, 84, 89, 97 1 04
107
108 Os Místicos do Islã

B asra 1 4 ff. 1 6, 2 1 , 23, 25, 35, 37, 38, 39,


Bayazid d e Bistam 1 6, 84 40, 4 1 , 54, 58, 66, 73, 88, 1 03,
Bektashis, os 60 1 04
Bishr 67
Brown, J. P. 88 D
Browne, professor E. G. 69 Dança 34, 42, 43 , 44
Buda 15, 16 Dante 64
Budismo, Ver nirvana 15, 1 6, 17 Davids, professor T. W. Rhys 1 7
Dawud al-Ta' i 2 8
e Deificação 94, 95, 9 7 , 98, 1 02
Caaba, a 39, 5 8 , 67 , 73 Dervixe,
Calendários, os. 57 Ordens Dervixes, as, ff. 14,
Caminho, o 1 02 1 5 , 26, 28, 30, 32, 39, 44, 47, 62,
Canto 33, 34, 42, 86, 1 05 85, 88, 1 04
Carma, a doutrina do 1 7 Dervixes, máximas dos 26 29
'
Celibato, condenado 34, 43, 57, 60, 64, 80, 83, 87
por Maomé 9 Demônio, o. Ver lblis e Satã 29,
Céu e inferno, subj etivos 1 1 , 3 1 , 34, 45
45 , 46, 52, 6 1 , 65, 68, 73, 74, 84, Dhawq 40
Dhikr 32, 33, 42
86, 96, 1 02, 1 05
Dhu '1-Nun, o Egípcio 1 3, 43, 5 1 ,
China 1 0 1
73, 90
Confiança e m deus 2 3 , 27, 30, 49
Dioniso o Areopagita 1 3 , 14, 7 1
Conhecimento de Deus.
Divã de Shamsi Tabriz O 60
Ver Gnose, a 55, 57, 98
Coração, o, um órgão espiritual E
8, 1 0, 1 1 , 1 7 , 24, 26, 28, 3 1 , 33,
Eckhart 74, 97
34, 35, 36, 38, 4 1 , 42, 43, 45, 46, Ê xtase,
47, 48, 53, 54, 56, 5 8 , 67, 68, 69,
Ver fana 5 , 8, 1 3 , 16, 35, 40,
70, 7 1 , 72, 73, 74, 87, 88, 96, 99,
42, 43, 44, 48, 7 1 , 74, 78, 79, 83,
1 05
95, 1 02, 1 04, 1 05
Conhecimento religioso oposto Éden 1 0 1 , 1 02
ao místico 8, 1 1 , 1 3 , 1 7 , 1 9 , 24,
Elias 1 4
25 , 26, 36, 45, 46, 47, 5 1 , 54, 55, Emanação, a teoria da, 1 3 , 52, 97
57, 6 1 , 64, 66, 68, 70, 72, 8 1 , 83 , Emerson 70
98, 1 02, 1 03 Encarnação, Ver hulul 95, 97, 99
Cristo, Ver Jesus 1 0, 53, 56 Espírito Divino, p 95
Cristandade 1 2, 13, 80 Espírito Humano, o 95
Contemplação, Estado unitivo, o 5, 93, 94, 102
Índice Remissivo 109

Euchites, os 1 3 Hasan ' Attar, Khwj a 84, 85, 86,


Evolução do Homem 1 05 90
Hatif 42
F Hieroteu 1 3
Fana 1 6, 1 7 , 23, 34, 40, 4 1 , 5 1 , Hind 67
90, 94, 98, 1 00, 1 02, 1 03 , 1 04 Homem, a causa final do
Fana ai-fana 5 1 Universo 1 2 , 14, 1 5 , 1 8 , 24,
Fani 98 25, 28, 29, 30, 3 1 , 34, 36, 3 8, 4 1 ,
Faqir 64 42, 44, 45 , 46, 5 1 , 53, 54, 5 5 , 56,
Fenômeno, a natureza do 2 1 , 42, 57, 5 8 , 59, 60, 6 1 , 62, 68, 69, 70,
53, 67, 69, 98 7 1 , 74, 8 1 , 84, 85, 94, 96, 97, 98,
Fenômenos, uma ponte para a 99, 1 00, 1 02, 103, 1 04, 1 05
realidade dos Filo 1 4, 50, 5 1 , Homem Perfeito, o 54, 1 02, 1 03 ,
53, 77, 87, 93 1 04
Firasat 35, 36 Hujwiri 25, 26, 37, 42, 43 , 59,
Fitzgerald, Edward 6 1 70, 79, 80, 1 00
Frothingham, A. L . 1 3 Hulul 95, 97
Fudayl ibn 'Iyad 69 Hululis, os 95
Husayn ibn Mansur, 1 49 . Ver
G Hallaj . 94
Gairdner, W. H. T. 1 5 Hipnotismo 89
Ghaylan 67
Ghazali 20, 33, 6 1
Gnose, a . 5 , 1 0, 1 3 , 14, 1 9, 40, lblis, Ver Demônio, o 63
45 , 47, 48, 50, 5 1 , 54, 55 , 60, 64, lbn al-Anbari 36
7 1 , 103 lbn al- ' Arabi 1 04
Gnosticismo 14 lbrahim ibn Adham 1 4, 1 5
Goldziher, professor 1 . 14, 15 Iluminação 5 , 1 3 , 35, 37, 39, 46,
47 , 80
H 'ilm 47
Í ndia 1 5 , 1 0 1
Hafiz 56, 65
Hal 23, 40 lnge, Dr. W. R. 7 1 , 9 5 , 97
Hallaj 29, 94, 95, 96, 97, 1 00 lqbal, Xeque Muhammad 1 4
Hamadhan 69 Iraque 1 O 1 , 1 05
Haqiqat, Ver Verdade a 24, 5 1 Islã, relações do Sufismo com o
Haqq = Deus, Ver Ana 'l-Haqq. 1 , 3 , 7 , 8, 9, 1 0, 1 1 , 1 4, 1 7 , 1 8 ,
Haqq 7, 23, 53, 94, 96, 97, 98, 1 9 , 20, 27, 44, 53, 56, 58, 59, 65,
103 66, 70, 7 1 , 80, 82, 94, �7. 1 00
1 10 Os Místicos do Islã

lstinbat 1 9 Logos, os 35, 53, 54


lttihad 99 Lubna 67

J M
Jabaritas, os 9 Macdonald, professor D. B . 19,
Jacob de Saruj 1 3 32, 33, 80, 88
Jalaluddin Rumi 20, 43, 44, 45 , Majdhub 79
46, 60, 67, 69, 73, 75, 80, 93, 96, Majduddin de Bagdá 44
98, 1 05 Majnun 74, 1 00
Jami 28, 44, 52, 53, 54, 67, 69, Mal, a irrealidade do 60, 6 1 , 62,
89, 1 04 63, 66, 80, 90, 1 0 1
Jesus, Ver Cristo 1 2 , 84, 94, 96, Malik ibn Dinar 28
99 Mandeanos, os 14
Judeus, os 78 Mani 14
Jinn, o 77, 84 Maniqueus, os 14
João, São 53 Mansur, Ver Hallaj 94, 97
John Scotus Erigena 1 3 Maqamat 23
José 63, 74 ma 'rifat, Ver Gnose, a 47
Junayd de B agdá 26 Mar, a Revelação do, por Niffari .
3 1 , 49, 50, 70, 82, 86, 93, 1 0 1
K Marwa 5 8
Maria 4, 84
Karamat 78, 82
Masnavi, o, Ver Jalaluddin Rumi.
Khadir 1 4, 72, 8 1 , 82
20, 43, 6 1 , 84, 93
Khirqat 34
Massignon, L. 94, 95, 97
Khizr, Ver Khadir 8 1
Mawaqif, o, Ver Niffari 39
Khorasan 1 0 1 , 1 05
Mayya 67
Khurqani, Ver Abu ' 1-Hasan
Meca 85
Khurqani 56, 84, 85, 90
Meditação 1 5 , 19, 23, 27, 34, 88
Kitab al-Luma ' 23, 78, 83, 99 Mefistófeles 39
Kitab al-Tawasin 94 Messalianos, os 1 3
Mina 5 8
L Milagres 5, 47 , 79, 82, 83, 87
Lane, Edward 32 Maomé, o Profeta, Ver Tradições
Lei religiosa, a 4 1 , 48, 49, 80, 8 1 , do Profeta. 1 7 , 1 8, 1 9, 28, 29, 35,
1 02 37, 38, 53, 58, 59, 70, 78, 83, 89,
Layla, 1 00 1 03
Lives of the Saints, de Jami, Maomé ibn ' Ali Hakim 28, 29,
Ver Nafahat al- Uns. 44 38, 89
Índice Remissivo 111

Maomé ibn 'Ulyan 29 p


Maomé ibn Wasi' 38 Panteísmo, Ver Unidade,
Molla-Shah 88 a Divina 1 6, 1 7 , 1 8, 69, 1 05
More, Henry 1 02 Paulo, São 1 3 , 53
Mortificação 29, 30, 54 Pecado 8, 9, 24, 25, 36, 45 , 80
Moisés 8 1 , 82, 96 Pentateuco, o 1 8
Muraqabat 34 Personalidade, sobrevivência da
Muraqqa 'at 26, 34 1 7 , 69, 83, 97, 1 04, 1 05
Murjitas, os 9 Peregrinação, interpretação ale­
Murshid 25, 88 górica da 23, 39, 58, 59, 9 1 , 1 02
Música 34, 42, 43 , 74, 1 0 1 Pir 25, 88
Mu' tazilitas, o s 9 Platão 1 0, 13, 43
Muzdalifa 5 8 Porfírio 1 3
Pobreza 10, 23, 27, 28, 29
N Predestinação 1 O, 62
Nafahat ai- Uns, 1 66. Ver Lives Procluso 1 3
of the Saints 1 04 Profeta, o . Ver Maomé,
Nafs 29, 30 o profeta. 9, 14, 19, 27, 29, 32,
Noite Negra da Alma, a 1 04 34, 36, 37, 39, 45 , 46, 48, 53, 59,
Nome, o Grande 8, 1 2, 1 3 , 14, 70, 82, 83, 88, 89, 1 04
30, 32, 46, 57, 72, 80, 8 1 , 85 , 90, Profetas, os. 33, 35, 78, 80, 96,
97, 1 0 1 1 03
Nasut 94 Pitágoras 43
Neoplatonismo 1 3 , 1 4
Niffari, Nirvana, ff. 3 9 , 47 , 48, Q
49, 55, 59, 98, 1 03 Qadaritas, os 9
Nizamuddin, Khamush, Qadib al-Ban 90
Mawlana 89 Qalb 35, 45
Noé 96 Qays 67
Nõldeke, Th. 8 Qibla 85
Não-ser, o princípio do mal 60, Quietismo , Ver Confiança
6 1 , 62, 97 em Deus. 9
Nuqaba 79 Qushayri 80, 83
Nuri 34, 35, 60, 68 Qutb 79, 1 03

o R
Omar, o Califa 29, 6 1 Rabi ' a 9, 25, 73
Omar Khayyam 6 1 Rahib 12
1 12 Os Místicos do Islã

Razão Ativa, a 95 Sari al-Saqati 36, 3 7 , 4 1 , 72


Recordação, ver dhikr 25, 27, 32, Satã, Ver Demônio, o. 26, 7 1
34, 37, 42, 54 Shah al-Kirmani 36
Religião, todos os tipos de, são Shaqiq de Balkh 3 1
iguais 8, 9, 1 1 , 1 7 , 1 9 , 32, 37, 39, Shibli 26, 27 , 34, 36, 38, 4 1 , 73
47, 50, 5 1 , 56, 57, 58, 59, 60, 67, Shihabuddin Suhrawardi 1 04
68, 70, 82, 1 02, 1 03 Shirb 40
Religião positiva. Sua relação Siddiq 1 4
com o misticismo, Ver Islã, Sirr,
relação do Sufismo com o. ver nafs. 45 , 98
Arrependimento 1 9 , 47 , 50, Stephen Bar Sudaili 1 3
5 1 , 59, 1 03 Sufi, significado e derivação de
Respiração, prática de inalar 8, 9, 1 2, 1 3 , 14, 1 5 , 1 6, 1 7 , 19,
e exalar 34, 6 1 20, 23, 25, 28, 29, 30, 3 1 , 32, 33,
Rida 30 34, 35, 39, 40, 4 1 , 42, 43, 46, 5 1 ,
Rizwan 1 0 1 5 3 , 54, 57, 5 8 , 6 1 , 68, 7 1 , 74, 79,
Rosários usados por Sufis, 1 5 80, 82, 84, 86, 87, 94, 98, 1 0 1 ,
Ruh 45 1 04, 1 05
Sufismo, definições de 7 , 8, 9,
Rumi, Ver Jalaluddin Rumi. 20,
10, 1 1 , 12, 14, 15, 1 6, 1 7 , 1 8, 19,
43 , 44, 45, 46, 60, 67, 69, 73, 75,
20, 2 1 , 23, 25, 28, 30, 32, 37, 40,
80, 93, 96, 97, 98, 1 05
47, 54, 57, 5 8 , 66, 67, 7 1 , 79, 80,
Ruysbroeck 95, 1 03
83, 90, 9 1 , 93, 97, 99
Sukr 40
s
Sunna, a 48
Sabianos, os 1 4
S a ' duddin d e Kashghar. T
Mawlana 89 Talib 24
Safa 5 8 Tariqat 23
Sahl ibn ' Abdallah d e Tustar 32, Tauler 95
36, 42, 83 Tawajjuh 89
Santos muçulmanos, os 14, 1 8, Tawakku/ 30, 32, 88, 89
25 Tawakkul Beg 88, 89
Santidade, a doutrina da 40, 4 1 , Telecinese 87, 90
78, 79, 80, 83, 9 1 Telepatia, Ver firasat. 77, 87
Salaman 74 Teologia de Aristóteles, a assim
Salik 23 chamada 1 3
Sarna 40, 42, 43, 44 Tirmidh 89
Saqsin 1 0 1 Torá, a 67
u Waliyyat, 79
Underhill, E., 1 03 Waqfat, 39, 98
União com Deus, Ver Estado 29, Waqif, 98, 1 03
88, 93 Wasit, 1 4
Unidade divina, teoria Whinfield, E. H., 4 3 , 84, 93
sufística da, 3 1 , 5 1 , 62, 85, 95
Unitivo, o, e fana. 5, 93, 94, 1 02 X
Xeque, o, Ver Mentores
V espirituais. 1 5 , 25 , 34, 44, 57,
Vedanta, o, 1 6 84, 85, 86, 88, 1 03, 1 04
Verdade, a, 8 , 1 1 , 1 3 , 19, 24, 30, Xiitas, os, 57
33, 36, 37, 38, 43, 46, 48, 5 1 , 56,
57, 59, 60, 62, 63, 64, 68, 72, 82, V
83, 9 1 , 93, 95 , 97, 1 0 1 , 1 02, 1 04 Yaqin, 35
Véus, setenta mil, doutrina dos, Yusuf, Ver José. 74
14, 1 5 , 43 , 57, 72, 73, 83
Visão espiritual, 89 z
Zangi B ashgirdi, 44
w Zulaykha, 74
Wajd, 40
Wali, Ver santos muçulmanos, os.
78, 79, 80, 8 1 , 82, 83
'13i6[iografia
A. GERAL

BROWN, J. P. The Dervishes, or Oriental Spiritualism. Lon­


dres, 1 868.
Não-científico, mas contém bastante material interessante.
BROWNE, E. G. Literary History of Persia. Londres, 1 902,
vol . i, p. 4 1 6-444.
DEPONT, O. e COPPOLANI, X. Les Confréries Religieuses
Musulmanes, Argel, 1 897 .
Um trabalho padrão sobre as Ordens Dervixes .
GIBB , E. J. W. History ofTurkish Poetry. Londres, 1 900- 1 909,
vol . 1, pp. 1 5-69.
GOLDZIHER, 1 . Vorlesungen über den lslam. Heidelberg,
1 9 1 0, pp. 1 39-200.
Esboço do misticismo filosófico persa.
Um relato do ascetismo e do misticismo Sufi pela maior auto­
ridade viva em Islã.
--- . Muhammedanische Studien. Halle, 1 888-90, Parte II,
pp. 277-378 .
D á detalhes completos sobre a adoração dos santos muçulma-
nos.
IQBAL, Shaikh Muhammad. The Development ofMethaphysics
in Persia. Londres, 1 908, p. 96.
MACDONALD, D. B. The Religious Life and Attitude in lslam.
Chicago, 1 909 .

115
1 16 Os Místicos do Islã

Uma valiosa introdução ao estudo do tipo moderado de Sufismo


representado por Ghazali. Os capítulos sobre psicologia são particu­
larmente úteis.
PALMER, E. H. Oriental Mysticism. Cambridge, 1 867 .
Um tratado sobre a teosofia persa, baseado em um trabalho de
Nasafi.
THOLUCK, F. A. G . , Ssufismus sive Theosophia Persarum
Pantheistica. Berlim, 1 82 1 .
Em Latim. Desatualizado em alguns assuntos, mas ainda vale
a leitura.
VON KREMER, A. Geschichte der herrschenden Ideen des
lslams. Leipzig, 1 868, pp. 52- 1 2 1 .
Um brilhante esboço da origem e do desenvolvimento do
Sufismo.

B) TRADUÇÕES
ATTAR. Le Manticu 'ttair ou le Langage des Oiseaux. Tradu­
zido, com um ensaio sobre a poesia filosófica e religiosa da Pérsia,
por Garcin de Tassy Paris, 1 864.
HUJWIRI. Kashf al-Mahjub. Traduzido por R. A. Nicholson.
Londres, 1 9 1 1 .
O mais antigo tratado persa sobre Sufismo.
IBN AL- ' ARABI. , Tarjuman al-Ashwaq. Uma coleção de odes
místicas. Texto em árabe com a tradução e comentários de Reynold
A Nicholson Londres, 1 9 1 1 .
JAMI. Lawa 'ih. Texto persa com tradução de E. H. Whinfield
e Mirza Muhammad Kazvini, Londres, 1 906.
Um tratado em prosa sobre a teosofia Sufi.
-- . Yusuf e Zulaikha. Traduzido em versos por R. T. H.
Griffith Londres, 1 882.
Um dos mais famosos romances de amor místicos na literatura
persa.
Jalaluddin Rumi. Masnavi. Tradução abreviada de E. H.
Whinfield, 2ª ed. Londres, 1 898.
-- . Masnavi, Livro 1 . Traduzido por Sir James Redhouse,
Londres, 1 88 1 .
-- . Masnavi, Livro II. Traduzido com comentário de C . E.
Wilson. Londres, 1 9 1 0 .
Bibliografia 117

-- . Selected Odes from the Divani Shamsi Tabriz. Texto


persa com tradução inglesa, introdução e notas de R. A. Nicholson
Cambridge, 1 898.
SHABISTARI MAHMUD. Gulshani Raz. Texto persa com tra­
dução inglesa, introdução e notas de E. H. Whinfield. Londres, 1 880.
Uma exposição em verso das principais doutrinas Sufi. Deve
ser lido por qualquer pessoa que estej a realmente interessada no as­
sunto.
Leitura Recomendada
HEREGES DE DEUS
A Cruzada dos Cátaros e Albigenses
Aubrey Burl
Hereges de Deus - A Cruzada dos Cátaros e Albigenses trata de uma
tragédia agonizante que perdurou por séculos em uma das regiões mais
agradáveis da França, cuja hi stória medieval é como a elaborada ane do
mosaico, colorida e trabalhada de forma atrativa, mas, quando observa­
da fi x amente, apresenta-nos a i magem do di abo medieval .
Esperamos q u e este l i vro desperte seu i n teresse por e x p l orar os en­
cantamentos de Languedoc, mas também por encontrar e l a mentar os
tristes lugares onde tantas pessoas i nocentes ti veram suas vidas exter­
mi nadas pela Santa Inqui sição.

LÚCIFER
O Diabo na Idade Média
]effrey Burton Russel
Esta obra, de teor hi stórico, apresenta idéias a respeito do Di abo que
perduram desde a Idade Média, as quais incluem visões onodoxas
orientais e i s l âmicas, mas enfatizam o pensamento cri stão oc idental, o
qual dá ao Diabo mais direitos. O autor mostra que o contexto social
i nfluenciou a diabologia somente no senso geral, na cu ltura medieval
primitiva, dominada pelo monasticismo, segu ida da vi são tradicional do
Diabo desenvolvida pelos padres do deseno; mais tarde, a ascensão das
cidades permitiu o cresci mento de uni versidades e a aproxi mação
estudantil da diabologia e da teologia em geral.

O GUERREIRO
O Soldado e o Legionário
Giovanni Brizzi
A figura do legionário romano, do soldado de i n fantaria que domina os
campos de batalha da Antiguidade, traduz valores que são a ex pressão
de um profu n d o s e n t i mento de dever nos c o n frontos do Estado. A
partir dos arquétipos homéricos do guerrei ro e da análise das batalhas
e dos armamentos hoplíticos, o l i vro segue a evol ução da fi gura do
s o l dado n o c o n t e x t o dos re g u l a m e n t o s m i l i t a re s , p r i m e i ro gregos,
depois romanos, c o m p re e n d e n d o as t r a n s fo r m a ç õ e s das eras
monárq u i c a , repu b l i c a n a e i mperi a l .

ESPADA E o GRAAL, A
Sobre o Graal, os Templários e a
Verdadeira Descoberta da América
Andrew Sinclair
Uma i ntensa pesq u i s a de A ndrew S i nclair revela a e x i stênc i a de uma
espada e u m Graal n a forma de u m cálice que estão entalhados numa
pedra n a Capela Rosslyn, na Escóc i a . A espada aponta para uma
antiga aportagem e descoberta da América do Norte, quase cem
anos antes de Colombo chegar no Caribe. Os degraus do Te mplo de
Salomão gravados na base do Graal do Graal i n i c i aram uma
i n v e st i gação sobre o dest i n o dos Cavaleiros Te mplários.
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