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OBSTETRÍCIA – ZUGAIB – CAPÍTULO 31: DOENÇA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL

INTRODUÇÃO, CONCEITOS E CLASSIFICAÇÃO:

A proliferação anormal dos diferentes tipos de epitélio trofoblástico (citotrofoblasto,


sinciciotrofoblasto e trofoblasto intermediário) é a alteração que caracteriza as Doenças
Trofoblásticas Gestacionais. Tal proliferação tem potencial de invasão local e emissão de
metástases, tornando adequada a denominação Neoplasia Trofoblástica Gestacional.

A OMS classifica as doenças trofoblásticas gestacionais conforme seu comportamento


anatomoclínico. De uma maneira geral, dividimos entre malformações das vilosidades coriônicas
que predispõem ao desenvolvimento de neoplasias malignas (mola hidatiforme) e as neoplasias
trofoblásticas gestacionais (coriocarcinoma gestacional, tumor trofoblástico do sítio placentário e
tumor trofoblástico epiteloide.

MOLA HIDATIFORME

A mola hidatiforme pode ser dividida em completa ou parcial. Não sabemos ao certo o grande
agente causador do quadro, entretanto sabe-se que há mais casos em países asiáticos e na América
Latina e há evidências de dois fatores de risco: idade materna (especialmente nos extremos da vida
reprodutiva) e antecedente gestacional de mola hidatiforme.

MOLA COMPLETA

Um óvulo “vazio” (sem carga genética) é fecundado por um espermatozoide 23X. Ainda não se
sabe exatamente porque tal óvulo encontra-se desta maneira. Por inexistir a carga genética materna,
o genoma paterno é duplicado, originando uma célula 46XX. A maioria dos casos ocorrem dessa
maneira, entretanto pode haver a formação de uma célula 46XY originada pela fecundação de um
óvulo “vazio” por dois espermatozoides (cerca de 10 a 15% dos casos).

Essa célula não desenvolve um embrião, suas membranas ou seu cordão umbilical.
Macroscopicamente, vê-se uma estrutura de formato de cacho de uva, enquanto histologicamente
identificamos uma hiperplasia difusa do citotrofoblasto e do sinciciotrofoblasto e ausência de vasos
ou hemácias fetais na vilosidade coriônica.
MOLA PARCIAL

No caso da Mola Parcial, em 90% dos casos um óvulo normal é fecundado por dois
espermatozoides, resultando numa célula triploide 69XXX ou 69XXY (10% dos casos são células
tetraploides).

Nessa célula será possível identificar um embrião ou feto com inúmeras malformações associadas a
placenta aumentada com presença de vesículas. Histologicamente, a inclusão de trofoblasto dentro
do estroma é muito sugestivo de Mola Parcial.

A Mola Parcial apresenta evolução mais benigna que a Completa. 5% dos casos progridem para
formas malignas da Doença Trofoblástica gestacional.

DIFERENÇAS ENTRE MOLAS HIDATIFORMES COMPLETAS E PARCIAIS:

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

Com o avanço das técnicas diagnósticas e o acesso relativamente fácil ao exame ultrassonográfico,
é cada vez mais raro diagnosticarmos numa gestante o quadro de mola hidatiforme por meio de seus
sinais e sintomas.

O sinal mais encontrado é o sangramento vaginal, associado ou não ao atraso menstrual. Apresenta-
se com coloração escura e inclui a eliminação espontânea de vesículas, um indício patognomônico
dessa enfermidade.
Os altos níveis de gonadotrofina coriônica humana (hCG), presentes em razão do excesso de
torfoblastos, o produtor desta glicoproteína, induzem outros sintomas como vômitos frequentes (até
mesmo hiperemese gravídica), presença de cistos ovarianos (tecaluteínicos) e sinais de
hipertireoidismo como taquicardia, extremidades quentes, pele úmida e exoftalmia (ocorre
estimulação cruzada entre receptores do TSH e da cadeia alfa do hCG.

A dor abdominal estará presente em razão da proliferação do conteúdo molar. Além disso, há casos
descritos de DHEG (Doença Hipertensiva Específica da Gestação) associada.

Como já mencionado, o exame mais utilizado no diagnóstico da Mola Hidatiforme é a


Ultrassonografia. Encontra-se um padrão muito característico de múltiplas áreas anecoicas
entremeadas por ecos amorfos, a imagem em “flocos de neve” (principalmente em caso de Mola
Hidatiforme Completa). A Mola Hidatiforme Parcial apresenta uma placenta espessada, hiperecoica
com imagens císticas, além das malformações estruturais vistas macroscopicamente.

TRATAMENTO

Após a estabilização clínica da paciente (necessária, conforme vimos os diversos sintomas que
podem se apresentar), empreende-se o esvaziamento da cavidade uterina por meio da Aspiração à
Vácuo. Interessante salientar que o tamanho do útero pode determinar outras maneiras de se realizar
a aspiração: úteros menores requerem uma aspiração manual enquanto em úteros maiores se realiza
a aspiração elétrica.

Para se realizar a aspiração é necessário provocar uma dilatação cuidadosa do colo uterino. Após,
administra-se 10UI de ocitocina diluídas em 500ml de soro fisiológico, para provocar contrações
uterinas e diminuir possíveis sangramentos (diminuindo, também, risco de perfurações). Em alguns
casos, a aspiração poderá ser finalizada por curetagem.

Após esse procedimento, alguns pacientes podem apresentar sinais e sintomas da Síndrome do
Desconforto Respiratório. Nesses casos, suporte ventilatório e cardiovascular serão implementados.

Para mulheres com prole constituída, devemos considerar a Histerectomia. Esse procedimento
reduz consideravelmente o risco de malignização. Não há indicação de se mexer nos anexos.

Com o intuito de se evitar a aloimunização ao fator RhD, administra-se imunoglobulina anti-D a


todas as pacientes RhD-negativo com mola hidatiforme que não sejam sensibilizadas, uma vez que
foi demonstrada a presença do antígeno D no trofoblasto da mola hidatiforme.
A quimioterapia profilática continua sendo uma controvérsia. Apenas alguns serviços a indicam em
situações específicas, como em pacientes com alto risco de desenvolver neoplasia trofobástica
gestacional pós-molar e sem a possibilidade de acompanhamento com as dosagens seriadas de hCG
e observação clínica. A diminuição da ocorrência de neoplasia se dá nas insatisfatórias faixas de 46
a 70% dos casos.

ACOMPANHAMENTO APÓS ESVAZIAMENTO MOLAR

Pacientes com mola hidatiforme completa ou parcial devem ser submetidas a dosagem seriada de
beta-hCG e avaliação clínica. A dosagem laboratorial deverá ser feita de 15 em 15 dias até que os
níveis se tornem indetectáveis (< 5mUI/mL) – de maneira geral, o prazo para a negativação é entre
8 e 10 semanas do esvaziamento molar. Após a negativação, espera-se retornos mensais ao médico
durante um semestre.

Outro fator importante é que durante o acompanhamento pós-molar a paciente deverá realizar
anticoncepção, dando-se preferência aos anticoncepcionais hormonais orais. O uso de DIU não deve
ser recomendado, pois há um aumento do risco de perfuração uterina, hemorragia e infecção.

COEXISTÊNCIA ENTRE MOLA E FETO

É observada uma relação entre a gestação gemelar e a presença de gestação molar, completa ou
parcial. Em 60% dos casos a gestação evolui para abortamento ou óbito fetal enquanto 40% terão
desfecho perinatal favorável.

NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL

A neoplasia trofoblástica gestacional: mola invasora, coriocarcinoma gestacional, tumor


trofoblástico do sítio placentário e tumor trofoblástico epitelioide.

MOLA INVASORA

É a forma mais comum de neoplasia trofoblástica gestacional. A mola invasora representa uma
sequela da mola hidatiforme e caracteriza-se por apresentar vilosidades molares invadindo o
miométrio, podendo provocar perfuração uterina, hemorragia e infecção. Raramente poderá emitir
metástase (pulmões e estruturas pélvicas). O tratamento de escolha é a quimioterapia. Se perfuração
uterina, opta-se pelo tratamento cirúrgico, preferencialmente a histerectomia ou ressecção tumoral
com preservação uterina (se paciente não tiver prole constituída ou tumor pequeno).

CORIOCARCINOMA GESTACIONAL

Forma agressiva de neoplasia trofoblástica gestacional


caracterizada pela invasão profunda do miométrio e dos vasos
sanguíneos, causando hemorragia e necrose. Dissemina-se
rapidamente por via hematogênica, podendo atingir os pulmões,
vagina, fígado e sistema nervoso central. Tem alta sensibilidade
a quimioterapia, com taxa de cura elevada (100% nos casos de
doenças não-metastáticas).

Ao contrário da mola hidatiforme e da mola invasora, não se


evidencia vilosidade coriônica.
Mulheres jovens apresentando neoplasia metastática de sítio primário desconhecido – devemos
pensar em coriocarcinoma gestacional.

TUMOR TROFOBLÁSTICO DO SÍTIO PLACENTÁRIO E TUMOR TROFOBLÁSTICO


EPITELOIDE

Formas raras de neoplasia trofoblástica gestacional com várias semelhanças entre si. Ambos ficam
mais restritos ao útero, sendo poucos sensíveis à quimioterapia e com boa resposta ao tratamento
cirúrgico (preferencialmente, histerectomia). Ambos também contam com baixa produção de hCG.
As principais diferenças deles estão em suas características histológicas.

DIAGNÓSTICO

Deve-se aventar a possibilidade de neoplasia trofoblástica gestacional sempre que ocorrer


sangramento vaginal anormal após gestação de termo ou abortamento, procedendo-se
necessariamente à dosagem sérica quantitativa da hCG, a fim de excluir tal hipótese diagnóstica.

A estabilização ou o aumento da concentração de hCG, após esvaziamento molar, desde que


afastada a hipótese de gravidez, impõe o diagnóstico de neoplasia trofoblástica gestacional. A
presença de um dos seguintes critérios determina o diagnóstico:
• Pelo menos 4 valores em platô (variação de + ou – 10% nos títulos), por no mínimo 3
semanas, nos dias 1,7,14 e 21.
• Elevação dos títulos de hCG em pelo menos 10%, por no mínimo três valores ao menos
por 2 semanas, nos dias 1,7,14 e 21.
• Diagnóstico histológico de coriocarcinoma gestacional.
• Evidência de doença metastática em mulher em idade reprodutiva.

Há 3 casos em que a paciente acaba sendo submetida ao tratamento cirúrgico ou quimioterapia


desnecessariamente, pois os títulos séricos de hCG permanecem elevados:
• hCG Fantasma – resultado falso positivo
• Hormônio luteinizante e hCG hipofisário – reação cruzada com o hormônio luteinizante e a
secreção aumentada de hCG produzido pela hipófise.
• Doença trofoblástica gestacional quiescente – diagnóstico de exclusão.

TRATAMENTO – QUIMIOTERAPIA

Na maioria dos casos, apresentam um índice de cura elevado. Após a negativação da hCG, deve-se
realizar pelo menos dois ciclos de quimioterapia de consolidação (três ciclos, se neoplasia
trofoblástica gestacional de alto risco).

TRATAMENTO – CIRÚRGICO

De maneira geral, a histerectomia está indicada na presença de hemorragia uterina grave, perfuração
uterina, tumor trofoblástico epiteloide, tumor trofoblástico de sítio placentário, doença localizada
resistente à quimioterapia e redução da carga tumoral em paciente com prole constituída,
diminuindo o número de ciclos da quimioterapia.

ACOMPANHAMENTO APÓS NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL

Após negativação da hCG, as pacientes devem fazer o acompanhamento da dosagem sérica deste
hormônio a cada 2 semanas, por 3 meses. Após, dosar mensalmente até que se complete 1 ano de
acompanhamento. O risco de recidiva após 1 ano é de menos de 1%.
GESTAÇÃO APÓS DOENÇA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL

Após doença trofoblástica gestacional, recomenda-se a anticoncepção por 1 a 2 anos nas pacientes
de baixo risco e 5 anos em pacientes mais graves.

O risco de repetição de uma gestação molar em uma futura gravidez é de 1 a 2%, por isso é
importante que seja realizada uma ultrassonografia precoce para confirmar que a gestação
subsequente é normal.

Após o término de qualquer gestação após doença trofoblástica gestacional deve ser confirmada a
normalização do hCG após 4 a 6 semanas.

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