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ncentivada pelo editor desta sim- pera, na Matemática, na Física, na
pática revista, meu conterrâ- Biologia, nas artes e até nas conspi-
Maria Efigênia Gomes de Alencar
(Dona Fifi) neo e, ele próprio, um fibonacci, rações esotéricas.
Hoje aposentada, foi professora de animei-me a escrever esse texto que Vamos, para começar, examinar
Ciências em escolas de Sobral, Ceará. deveria tratar de uma tese que defen- algumas propriedades do número Φ
Dentre outras aventuras, teve o do há muito tempo, onde argumento e mostrar como obtê-lo por operações
privilégio de presenciar o famoso que o cérebro feminino é mais adap- algébricas simples. Observe que, se
eclipse que comprovou a relatividade tado que o masculino para entender considerarmos que o segmento CB é
geral de Einstein. Suas apostilas as sutilezas da Física Quântica. O edi- igual a 1 e que o segmento AC vale x,
podem ser lidas em: www.seara.ufc.br tor, porém, insistiu que eu escolhesse temos, por construção:
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
outro tema, considerando este muito
polêmico. Acabou me convencendo . Isto é, x2 – x – 1 = 0.
com o argumento de que tal assunto
não seria de interesse imediato para Como toda equação de segundo
meus ex-colegas, professores de grau, esta tem duas soluções que são:
ciências do curso ginasial.
Tudo bem. Falarei, então, de as- .
sunto ameno e inofensivo, mas creio
É claro que a solução positiva, x1,
que capaz de sustentar a atenção de
é justamente o número Φ, a “propor-
meus leitores até o final do artigo. Tra-
ção áurea”. O negativo da outra so-
tarei de um número famoso desde os
lução será chamado de φ. Portanto:
tempos de Euclides de Alexandria,
patriarca da geometria que viveu por
volta do ano 300 antes de Cristo. Este
número, chamado de Φ, foi definido e
por Euclides como resultado de uma
operação geométrica muito simples.
Tome um segmento de reta AB e
Como já disse e vou contar logo
encontre um ponto intermediário, C,
mais, o número Φ aparece em inú-
tal que AC/CB = AB/AC.
meras e inesperadas situações, na
Pois bem, essa razão é o número
Ciência, nas artes e nas coisas natu-
Φ que vale:
rais e sobrenaturais. Mas, antes, vou
falar de algo que foi descoberto sécu-
los após Euclides por um matemático
Definido assim, o número Φ chamado Leonardo que, sendo mora-
costuma ser chamado de “proporção dor de Pisa, a cidade onde existe a
áurea”, um número de ouro que sur- famosa torre inclinada, era conhecido
ge, como veremos, onde menos se es- como Leonardo de Pisa. E, como nas-

Alguns números possuem características que


parecem aproximá-los mais da magia do que
da Ciência. Neste artigo de estréia, Dona Fifi
(ou ΦΦ, se preferirem...) mostra-nos a face mais A definição de Φ é feita a partir do segmento de reta AB onde marca-se um ponto C tal
saborosa. que AC/CB = AB/AC.

4 Φ e a Seqüência de Fibonacci Física na Escola, v. 5, n. 2, 2004


cera de família de boa estirpe, ficou astrônomo das três leis planetárias.
também conhecido como Fibonacci, Kepler notou, em 1611, que a divisão
que significa, literalmente, “filho de entre um número de Fibonacci e seu .
boa gente”. precedente leva ao número Φ quando
Pois esse Fibonacci publicou, em se avança para valores cada vez maio-
1202, um livro chamado “Livro dos res na seqüência. Em termos ma- Deixo a vocês a tarefa simples de
Ábacos” onde tratava de vários temas temáticos, isto quer dizer que F(n) / mostrar que esse x também é nosso
matemáticos que considerava como F(n - 1) tende para Φ quando n tende querido Φ. Mas, quero aproveitar essa
importantes. Um deles, provavelmen- para infinito. Pegue uma calculadora fração que não acaba nunca para
te inventado por ele próprio, tratava e verifique isso. comentar que o número Φ talvez seja
do problema de calcular quantos De modo inverso, os números de o mais irracional dos números irra-
coelhos poderiam ser produzidos em Fibonacci podem ser gerados a partir cionais. Pois essa fração converge tão
um ano, a partir de um único casal. de potências de Φ segundo a expressão: vagarosamente para Φ que parece nos
Da forma como enunciado por Fi- mostrar a relutância de Φ em se asso-
bonacci, o problema é muito artifi- . ciar a uma fração, mesmo que a fra-
cial. Supõe que cada casal leva um ção não seja de inteiros.
mês, após nascer, para ficar fértil, gera O interessante nessa expressão é O quadrado de Φ, isto é, ΦΦ, vale
sempre outro casal, a cada mês, e que os números de Fibonacci, que são 2,6180339887...
nenhum coelho morre durante o ano. racionais, podem ser gerados de po- Como vemos, o número ΦΦ é o
Mas o que interessa é o resultado. tências de Φ, que é irracional. Tecnica- próprio número Φ acrescido de 1.
O mês inicial (0) é usado para que mente, diz-se que os números de Fi- Além disso, o inverso de Φ, isto é, 1 /
o primeiro casal atinja a fertilidade. bonacci seguem uma “lei de potên- Φ é igual a 0,6180339887..., que é Φ
No mês seguinte o casal está fértil e cia”. Números com essa propriedade -1 e, como vemos, é o outro φ, defini-
um novo casal é gerado. Portanto, du- não são completamente aleatórios. do anteriormente. Portanto, o núme-
rante o segundo mês, teremos dois O número Φ, por si mesmo, já tem ro Φφ é igual a 1.
casais, o original (o X na figura in- algumas propriedades curiosas. Como Podemos construir uma seqüên-
dica um casal fértil) e o novo (repre- vimos, ele é irracional, como seu cia que chamarei de “seqüência de
sentado por uma cruz), ainda infértil. colega mais famoso, o número π. Isto Fifibonacci”, formada pelos quadra-
No terceiro mês, o casal original gera significa que esses números não dos dos números de Fibonacci. Ela é:
mais um casal e o segundo casal fica podem ser obtidos pela divisão de dois
1, 1, 4, 9, 25, 64, 169, 441,
fértil. Portanto, nesse terceiro mês inteiros. Só que o número Φ é menos
1156, 3025, 7921,...
teremos três casais. Agora, os dois pri- redondinho, mas mais sofisticado e
meiros casais estão férteis e cada um imprevisível. Ele pode surgir de É claro que a fração entre dois nú-
gera um novo casal. Dessa forma, o expressões matemáticas bastante meros consecutivos dessa seqüência
número de casais no quarto mês será curiosas. Por exemplo, considere a converge para o número ΦΦ =
5. E assim por diante. expressão abaixo: 2,6180339887... Deixo para vocês a
tarefa de encontrar uma regra de
. formação para essa seqüência.
A Fig. 1 mostra um tijolo de Fi-
Parece muito complicado, mas, na bonacci que é um paralelepípedo de
verdade, é bem fácil mostrar que esse lados 1, Φ e φ. Ele tem volume unitário
número x é justamente nosso Φ. Tome e a área total de suas faces é 4Φ. Esse
o quadrado de ambos os lados dessa tijolo pode ser inscrito em uma esfera
expressão: de raio 1. Portanto, a razão entre as
O resultado é uma seqüência de
números em que cada um deles é obti-
do pela soma dos dois números ime- Ora, como o número de raízes é
diatamente anteriores: infinito, o segundo termo do lado di-
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, reito da equação acima é justamente
55, 89, 144, 233, 377, ... x. Logo, temos

Esta é a “seqüência de Fibonacci”. x2 = 1 + x.


A expressão que dá o número de Portanto, como vimos anterior-
Fibonacci de ordem n é, simplesmente: mente, resulta que x = Φ.
F (n) = F (n - 1) + F (n - 2). Outra expressão curiosa que leva
a Φ é essa:
Pulando mais alguns séculos Figura 1. Tijolo de Fibonacci com lados 1,
chegamos a Johannes Kepler, o célebre Φ e φ.

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áreas da esfera e do tijolo inscrito é π/ seqüência de Fibonacci (Fig. 3).
Φ, curioso encontro entre dois pres- Partindo de uma folha baixa, conta-
tigiosos números irracionais. mos o número de voltas em torno do
Podemos, também, construir o galho até chegar a outra folha exata-
tijolo de Fifibonacci, com lados 1, ΦΦ mente acima da inicial. Na figura,
e φφ. Esse tijolo também tem volume partindo da folha (1), precisamos de
unitário mas sua área total é igual a 3 rotações no sentido horário para
8, um saudável retorno à raciona- chegarmos à folha (6) que está direta-
lidade. mente sobre a primeira. Nessas 3 vol-
A letra Φ é a 21a letra do alfabeto tas, passamos por 5 folhas. No senti-
grego. 21, é claro, é um dos números do anti-horário, bastam 2 voltas. No-
de Fibonacci. Os esotéricos adoram te que 2, 3 e 5 são números de Fi-
essas coincidências e ficam imaginan- bonacci.
do códigos secretos relacionados com Correndo o risco de ser prematu-
esses números. Meu nome, por sinal, ramente classificada como caduca,
tem 5 e 8 letras, dois números conse- comprovei essa tendência dos vegetais
cutivos na seqüência de Fibonacci, o em vários exemplares de plantas,
que, presumivelmente, me confere como esse singelo arbusto fotogra-
poderes mágicos, mesmo sem ter de fado por meu neto Antônio no quin-
gritar Shazam! tal de nosso sítio na Meruoca. Nesse
A origem de Φ, como vimos, foi caso, precisei de 5 voltas no sentido
geométrica. A proporção áurea foi horário para encontrar um galho exa-
muito utilizada por artistas da pós- tamente sobre o mais baixo, passando
renascença na composição de seus
quadros. Uma construção geométrica
que leva a um resultado interessante
começa com um retângulo onde a
razão entre a largura L e a altura H Figura 2. Representação geométrica das
seja justamente Φ. Esse é um retân- proporções áureas.
gulo áureo. Rebatendo um lado de mece a mostrar a vocês como o nú-
altura H, obtemos um quadrado e mero Φ e a seqüência de Fibonacci sur-
outro retângulo áureo, este de lados gem em coisas da natureza.
L1 e H1. Pois L1/H1 = Φ, novamente. Dizem que as aves predadoras, co-
Se o processo for repetido no se- mo águias, falcões e gaviões, descem
gundo retângulo áureo, obtemos ou- sobre suas presas seguindo uma
tro quadrado e outro retângulo, tam- espiral como essa, com a presa no
bém áureo, sendo L2/H2 = Φ. E aí você pólo. Como os olhos das aves são la-
toma gosto e vai repetindo a brinca- terais, fazendo isso, a ave mantém a
deira até enjoar, obtendo retângulos presa sempre na mesma linha de vi-
áureos cada vez menores que conver- são sem que precise girar a cabeça, o
gem para um ponto que chamamos que prejudicaria a aerodinâmica do
de pólo da construção. É fácil ver que vôo.
esse pólo é o encontro de todas as dia- No mundo vegetal o número Φ e
gonais maiores de todos os retângulos a seqüência de Fibonacci surgem em
áureos da construção (Fig. 2) muitas situações. O arranjo dos ga-
Os matemáticos adoram dar no- lhos nos troncos das árvores e das fo-
mes grandiosos a seus objetos. O pró- lhas nos galhos costuma seguir uma
prio nome da proporção áurea já é
desse tipo. Pois esse pólo é chamado,
por eles, de “olho de Deus”. Descon-
tando a pretensão, vale a pena men-
cionar que a curva que leva ao pólo
aproxima-se de uma espiral logarít-
mica que René Descartes chamava de Figura 4. A seqüência de Fibonacci nos
“espiral equiangular”, pois traçando galhos de uma planta. Botânicos acredi-
qualquer reta a partir do pólo ela corta tam que essa disposição permita melhor
a curva sempre com o mesmo ângulo. Figura 3. A seqüência de Fibonacci nas aproveitamento da luz solar e maior expo-
Esse pode ser o mote para que eu co- folhas de uma planta. sição às gotas da chuva.

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por 8 galhos no processo (Fig. 4). Formando o menor ângulo com o eixo
Os botânicos acham que essa for- do abacaxi, 8 espirais paralelas circu-
ma de dispor folhas e galhos tem uma lam a fruta. Com um ângulo maior,
razão prática, aproveitada pela sele- são 13 espirais paralelas e com ângulo
ção natural. Ela torna mais eficiente maior ainda, são 21 espirais. Não pre- Figura 7. Pilhas com camadas de dois ma-
teriais transparentes com índices de refra-
a utilização da luz ciso nem lembrar
Existem áreas da Física onde ção diferentes segundo um esquema tipo
solar e a exposição que 8, 13 e 21são Fibonacci.
às gotas da chuva. os números de Fibonacci números sucessivos
Faz sentido, mas a surgem por construção na seqüência de Fi-
seqüência de Fibo- proposital e dão resultados bonacci. de “geração”, pela letra n, o número
nacci e sua espiral interessantes, como por Coisa parecida, de caminhos será F(n), um número
exemplo em óptica de Fibonacci. Por exemplo, a geração
característica tam- e até mais evidente,
bém aparecem em situações vegetais acontece com os girassóis, onde o n = 4 leva a F(4) = 8 caminhos.
onde a explicação não é tão evidente. número de espirais formadas pelas se- O físico nordestino Eudenilson
Um bom exemplo é o abacaxi, es- mentes da flor é bem grande. Infeliz- Lins de Albuquerque é um especialista
sa deliciosa fruta que, dizem as más mente, não encontrei girassóis em no estudo das propriedades físicas de
linguas, é o símbolo do nosso cinema. nosso jardim para fotografar. Reco- camadas de materiais empilhadas se-
Nessa fotografia de um belo abacaxi mendo que procurem em outros jar- gundo seqüências de Fibonacci. Dos
(Antônio, novamente), podemos ver dins. trabalhos que ele já publicou pincei
as espirais formadas pelos gomos da Mas essa é uma revista para um exemplo relativamente simples.
casca (Fig. 5). Cada gomo tem a forma estudantes e professores de Física e até Formam-se pilhas com camadas
aproximada de um hexágono e par- agora ainda não falei de situações fí- de dois materiais transparentes com
ticipa de três espirais que se cruzam. sicas onde o número Φ e os números índices de refração diferentes. A Fig. 7
de Fibonacci aparecem. Pois, vou falar. mostra como montar essas pilhas
Existem áreas da Física onde os segundo um esquema tipo Fibonacci.
números de Fibonacci surgem por Cada pilha é formada colocando-se as
construção proposital e dão resulta- duas pilhas anteriores uma sob a
dos interessantes. Veja, inicialmente, outra.
um exemplo muito simples: duas pla- Um problema físico interessante
cas de vidro, com índices de refração consiste em saber quanta luz conse-
diferentes, justapostas uma sobre a gue atravessar uma dessas pilhas. Isto
outra (Fig. 6). Um raio de luz que inci- é, procura-se saber qual é a “trans-
da sobre esse conjunto pode sofrer re- mitância” T da luz através da pilha,
flexões e desvios. Vamos contar o sendo T definido como T = I/I0, onde
número de caminhos possíveis de um I0 é a intensidade da luz incidente e I é
raio de luz aumentando, gradualmen- a intensidade da luz que sai do outro
te, o número de reflexões nesses cami- lado da pilha (Fig. 8).
nhos. As espessuras das camadas são
Olhando a figura, podemos ver feitas de modo a serem “oticamente
que o número de caminhos segue a equivalentes”. Isto significa que a luz
seqüência de Fibonacci. Representan- leva um tempo igual para atravessar
do o número de reflexões, chamado qualquer um dos dois tipos de camada
ou, o que é o mesmo, que o número
de ondas da luz é igual em camadas
de tipos diferentes. Com esse arranjo,
surgem interessantes casos de

Figura 6. Número de caminhos possíveis,


aumentando o número de reflexões, de
Figura 5. O abacaxi de Fibonacci, ou me- um raio de luz que passa entre duas placas Figura 8. Medida da transmitância da luz
lhor, a seqüência de Fibonacci no aba- de vidro com índices de refração diferentes: através de uma pilha de Fibonacci
caxi… a seqüência de Fibonacci em Óptica. montada conforme a Fig. 7.

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interferência entre os feixes de luz que adequada.
se refletem nas interfaces entre ca- Sempre que surge uma reprodu-
madas vizinhas. Por exemplo, se a ção de formas desse tipo diz-se que a
espessura ótica das camadas for curva estudada tem “propriedade de
exatamente igual a meio comprimen- escala”. Os físicos adoram encontrar
to de onda da luz, isto é, d = λ / 2, os essas “leis de escala” em seus modelos
feixes refletidos nas faces sucessivas e experimentos. Esse comportamento
interferem destrutivamente e se ani- que acabamos de relatar talvez seja
quilam mutuamente. Nesse caso, por- mais uma manifestação da não-alea-
tanto, a transmissão de luz pelas ca- toriedade dos números de Fibonacci,
madas é completa, mencionada ante-
T = 1. Se a espes- Mosaicos de Penrose: riormente.
sura das camadas formados a partir de um Vamos agora
for igual a um triângulo isósceles de lados falar do problema de
iguais a F, apresentam Figura 10. Triângulo isósceles de lados
quarto de um preencher um plano
iguais a Φ.
comprimento de características contraditórias: com mosaicos de
onda da luz, isto é, têm simetria de ordem-5, formas arbitrárias. belas gravuras, era um mestre nessa
d = λ / 4, os feixes preenchem o plano e não É um problema geo- arte de preencher planos com figuras
refletidos se refor- são periódicos métrico com impli- de todo tipo. Sem a sofisticação dos
çam mutuamente e cações na Física dos quadros de Escher, podemos ver que
a transmissão é incompleta, T < 1. Sólidos, como veremos. Se os mo- um piso pode facilmente ser coberto,
Para outros comprimentos de onda da saicos tiverem a forma de polígonos sem deixar vazios, por mosaicos he-
luz, T varia entre esses dois valores regulares, com lados e ângulos iguais, xagonais e pentagonais, em um pa-
extremos. Quando o número de topamos logo com uma limitação. drão semelhante ao que vemos nas
camadas cresce segundo as gerações Triângulos, quadrados e hexágonos bolas de futebol.
de Fibonacci, a transmissão de luz regulares podem ser usados para O físico inglês Roger Penrose, que
varia entre 0 e 1 de uma forma que cobrir um plano, mas, pentágonos foi orientador do famoso Stephen
depende da ordem na seqüência não servem para isso. Quando ten- Hawking, inventou um tipo de mo-
(Fig. 9). tamos cobrir um piso com mosaicos saico de duas formas com caracterís-
Essa figura, que foi adaptada de pentagonais logo constatamos que ticas aparentemente contraditórias:
um dos trabalhos de Eudenilson, sobram espaços vazios. Essa obser- tem simetria de ordem-5, preenche o
mostra como a transmissão de luz (T) vação levou os cristalógrafos à plano e não é periódico. Os mosaicos
varia com o comprimento de onda da conclusão de que não poderiam existir de Penrose são formados a partir de um
luz incidente para uma pilha corres- cristais onde os átomos e moléculas triângulo isósceles de lados iguais a Φ
pondente à geração S7, com 13 ca- se ajustassem formando uma sime- (Fig. 10). Esse triângulo converte-se em
madas. Um resultado interessante é tria pentagonal, também chamada de dois, mostrados com cores diferentes
que a forma dessas curvas de trans- “simetria de ordem-5”. na figura, dividindo-se um dos lados
missão se reproduz a cada 6 gerações Mas o plano pode ser preenchido em uma parte que mede 1 e outra que
de Fibonacci. Isto é, essa figura tam- com mosaicos não-regulares. Ou, mede Φ - 1. Combinando esses novos
bém está mostrando T para uma pilha com mais de um tipo de mosaico, com triângulos, Penrose montou dois tipos
correspondente à geração S13, com formas diferentes. O incrível pintor de mosaico, uma seta e uma arraia (que
233 camadas. Basta ajustar a escala holandês Mauritius Escher, que uma os sulistas chamam de pipa). Usando
dos comprimentos de onda de forma vez me presenteou com uma de suas esses dois “mosaicos de Penrose” o
plano pode ser preenchido. Mais uma
vez, não preciso nem dizer como esse
mosaico está repleto de proporções
áureas (Fig. 11).
É surpreendente que, se dividimos
o número de arraias pelo número de
setas em uma dada área do mosaico
de Penrose, essa fração tende para Φ
quando a área examinada é cada vez
maior.
Os mosaicos de Penrose cobrem
Figura 9. Variação da transmitância com o comprimento de onda da luz indicindo em
uma pilha de Fibonacci com 13 camadas. uma superfície plana bi-dimensional,

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Figura 11. “Mosaicos de Penrose”, que preenchem exatamente uma área plana.

mas os matemáticos já acharam pares ciência, em um processo auto-recor-


de formas volumétricas que preen- rente um tanto vertiginoso. Penrose
chem por completo o espaço tri-di- acha que a consciência pode ser o re-
mensional. São objetos que lembram sultado de processos quânticos que
cubos com faces têm lugar no inte-
Penrose dedicou-se à tarefa
repuxadas, todas rior dos microtubos,
de procurar explicações
idênticas aos mo- para a consciência. Ele acha um emaranhado de
saicos planos de que a consciência pode ser filamentos que for-
Penrose. São cha- o resultado de processos mam o citoesqueleto, Figura 12. Microtubos apresentam uma
mados, por causa quânticos que têm lugar no estrutura presente seqüência de Fibonacci. Para Penrose, a
disso, de “romboe- interior dos microtubos, e, em todas as células consciência pode ser o resultado de pro-
dros áureos”. oh, nanotubos também dos seres vivos. Se- cessos quânticos que têm lugar no inte-
rior dessas estruturas.
O que não se envolvem números de gundo Penrose, os
esperava, porém, é Fibonacci microtubos seriam
que a simetria de o local mais propício bém poderia promover o fluxo de in-
ordem-5, presente nos mosaicos de para abrigar os processos quânticos formações nos microtubos. Haja espe-
Penrose e nesses romboedros que que resultariam na consciência. Não culação, mas, pelo menos, é uma
enchem o espaço, pudesse surgir em creio que valha a pena entrar nos de- especulação excitante.
objetos físicos reais, como sólidos. talhes desse palpite de Roger Penrose Muito mais há para contar sobre
Mas, surgiu. Na década de 80 do mas cabe contar como ele envolve esses maravilhosos números mas
século passado foram descobertos também os números de Fibonacci. acho melhor parar por aqui. Com essa
certos materiais que tinham simetria A parede de um microtubo é for- introdução vocês já estão prontos para
de ordem-5 e um arranjo não - mada por colunas de unidades cha- adquirir a mania de encontrar a pro-
periódico. Foram chamados de “qua- madas de tubulins. Ao todo, um porção áurea e os números de Fibo-
se-cristais”, pois têm simetria de rota- microtubo tem 13 colunas de tubu- nacci nas coisas do mundo em que
ção, como os cristais normais, mas lins. A disposição dos tubulins forma vivem. Quem sabe, até descobrir no-
não têm simetria de translação, isto espirais que lembram as espirais vas associações ainda desconhecidas.
é, não possuem uma “célula” que se desenhadas pelos gomos do abacaxi. Outra vez, se o editor da revista me
repete periodicamente em alguma Como vemos no desenho, seguindo permitir e se, antes disso, o acendedor
direção espacial. as espirais em torno do microtubo, do big-bang não me convocar para
Penrose, que é um especialista em encontramos padrões que se repetem um tête-à-tête, voltaremos a conver-
buracos-negros, inventou seus mo- a cada 3, 5, 8 e 13 unidades. Todos sar, talvez até sobre os assuntos polê-
saicos meio de brincadeira e não ima- esses números, é claro, fazem parte micos que mencionei.
ginava que eles chegassem a ser úteis da seqüência de Fibonacci (Fig. 12).
na descoberta e explicação dos quase- Tem gente que já sugeriu que o
cristais. Mais recentemente, Penrose aparecimento dos números de Fi- Referências
passou a se dedicar à tarefa de pro- bonacci nos microtubos não se dá por M. Livio, The Golden Ratio (Broadway Books,
curar explicações para a consciência, acaso. Do mesmo modo que o arranjo New York, 2002).
R. Penrose, A Mente Nova do Rei (Editora
essa propriedade espantosa que temos de Fibonacci facilita o aproveitamento Campus, 1991).
de pensar, fazer associações e buscar da luz do sol e da água da chuva nas E.L. Albuquerque e M.G. Cottam, Physics
explicações até para a própria cons- folhas e nos galhos das árvores, tam- Reports 376, 255 (2003).

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