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Diretrizes de Pio XII para psicólogos e psicoterapeutas


Edvino Friderichs S.J. (Ed.). Mensagem de Pio XII aos médicos. Paulinas, 1958, 125-
134.

Em discurso que ficará célebre, pronunciado ao receber, no dia 13 de abril


de 1953, os membros do V Congresso de psicoterapia e psicologia clínica, Sua
Santidade indicou a atitude fundamental que se impõe ao psicólogo e
psicoterapeuta cristão.
São especialmente importantes essas diretrizes no campo psicológico
numa era que perdeu a noção do pecado e pretende atribuir tudo a dinamismos,
determinismos e mecanismos ocultos nas profundezas da alma. Contra isso
pondera claramente o Papa: «A psicologia técnica e prática não pode perder de
vista nem as verdades estabelecidas pela razão e pela fé, nem os preceitos
obrigatórios da moral».
Pelo fim de sua exposição, emite o Santo Padre um conceito
importantíssimo sobre a colaboração do médico com o sacerdote e vice-versa,
dizendo: «O meio de eliminar a falta não depende só do psicólogo. Como todo
o cristão sabe, consiste na contrição e na absolvição sacramental dada pelo
padre. Aqui é a fonte do mal, a própria falta que é extirpada, embora o remorso
continue talvez a trabalhar. Não é raro nos nossos dias que em alguns casos
patológicos o padre mande o seu penitente ao médico; no caso presente o
médico devia, pelo contrário, dirigir o seu cliente a Deus e àqueles que têm o
poder de perdoar até a falta em nome de Deus.»

Sede bem-vindos, queridos filhos e filhas, que viestes de todo o mundo e


vos reunistes em Roma para ouvir doutas exposições e discutir questões de
Psicoterapia e de Psicologia clínica. O vosso Congresso terminou e, para garantir
os seus resultados e o êxito das vossas investigações e atividades futuras, vindes
receber a Bênção do Vigário de Cristo. De boa vontade, satisfazemos o vosso
desejo e aproveitamos a oportunidade para vos dirigir uma palavra de exortação e
dar-vos algumas diretrizes.
A ciência afirma que novas observações revelaram as camadas profundas
do psiquismo humano e esforça-se por compreender estas descobertas, interpretá-
las e torná-las utilizáveis. Fala-se de dinamismos, de determinismos e de
mecanismos escondidos nas profundezas da alma, dotados de leis imanentes, de
que brotam certos modos de agir. Sem dúvida, estes são postos em ação no
subconsciente ou no inconsciente, mas penetram também no domínio da
consciência e o determinam. Pretende-se dispor de processos provados e
reconhecidos aptos para sondar o mistério dessas profundezas da alma, esclarecê-
las e repô-las no reto caminho, quando exercem influência nefasta.
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Essas questões que se prestam ao exame da Psicologia científica são da


vossa competência. O mesmo se diga do emprego dos novos métodos psíquicos.
Mas, uma e outra, a Psicologia técnica e a prática, saibam que não podem perder
de vista nem as verdades estabelecidas pela razão e pela fé, nem os preceitos
obrigatórios da moral.
O ano passado, no mês de setembro (13 de setembro de 1952), para
satisfazer o desejo dos membros do Primeiro Congresso Internacional de
Histopatologia do Sistema Nervoso, indicamos os limites morais dos métodos
medicinais de investigação e tratamento. Baseados nessa exposição, desejávamos
hoje acrescentar alguns complementos. Em poucas palavras, temos a intenção de
indicar a atitude fundamental que se impõe ao psicólogo e ao psicoterapeuta
cristão.
Esta atitude fundamental resume-se na fórmula seguinte: a psicoterapia e a
Psicologia clínica devem, sempre, considerar o homem: 1) como unidade e todo
psíquico; 2) como unidade estruturada em si mesma; 3) como unidade social; 4)
como unidade transcendental, ou seja, com tendência para Deus.

1. O HOMEM COMO UNIDADE E TODO PSÍQUICO


A medicina ensina a olhar o corpo humano como um mecanismo de alta
precisão, cujos elementos se entrosam uns nos outros e se ligam uns aos outros; o
lugar e as características desses elementos dependem do todo, e são úteis à sua
existência e funções. Mas esta concepção aplica-se ainda muito melhor à alma,
cujas engrenagens delicadas estão unidas com muito mais cuidado. As diversas
faculdades e funções psíquicas inserem-se no conjunto do ser espiritual e
subordinam-se à sua finalidade.
É escusado desenvolver ainda mais este ponto. Mas vós, os psicólogos e
terapeutas, deveis ter em conta este fato: a existência de cada faculdade ou função
psíquica justifica-se pelo fim do todo. O que constitui o homem é principalmente
a alma, forma substancial da sua natureza. É dela que deriva, em última análise,
toda a vida humana; nela radicam todos os dinamismos psíquicos, com sua
estrutura própria e lei orgânica. É ela que a natureza encarrega de governar todas
as energias, na medida em que não tenham alcançado a sua última determinação.
Deste fato ontológico e psíquico segue-se que seria afastar-se da realidade querer,
em teoria ou na prática, confiar o papel determinante do todo a um fator particular,
por exemplo, a um dos dinamismos psíquicos elementares, confiando assim o leme
a uma potência secundária. Estes dinamismos podem encontrar-se na alma, no
homem; mas não são a alma, nem o homem. São energias de intensidade
considerável talvez, mas a natureza confiou a sua direção ao posto central, à alma
espiritual, dotada de inteligência e de vontade, e capaz normalmente de governar
essas energias. Que estes dinamismos exerçam a sua pressão sobre uma atividade
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não significa necessariamente que forçam a mesma. Contestando à alma o seu


lugar central, negar-se-ia uma realidade ontológica e psíquica.
Não é possível, portanto, quando se estuda a relação do eu com os
dinamismos que o compõem, conceder sem reservas, em teoria, a autonomia do
homem, ou seja, da sua alma, e ao mesmo tempo acrescentar que, na realidade da
vida, este princípio teórico aparece, o mais das vezes, derrotado ou pelo menos
extremamente minimizado. Na realidade da vida, diz-se, fica sempre ao homem a
liberdade de dar o seu consentimento interior àquilo que ele realiza, mas não a de
o realizar. À autonomia da vontade livre substitui-se a heteronomia do dinamismo
instintivo. Não foi assim que o Criador talhou o homem. O pecado original não lhe
tira a possibilidade e a obrigação de se deixar guiar pela alma. Não se há de afirmar
que as perturbações psíquicas e as doenças que estorvam o trabalho normal do
psiquismo são o fato habitual. A luta moral para ficar no reto caminho não
demonstra a impossibilidade de o seguir, nem autoriza a recuar.

2. O HOMEM COMO UNIDADE DE ESTRUTURA


O homem é uma unidade e um todo ordenados; um microcosmo, uma
espécie de estado cuja constituição, determinada pelo fim do todo, subordina a este
fim a atividade das partes segundo a ordem verdadeira do seu valor e da sua função.
Essa constituição, em última análise, é de origem ontológica e metafísica, não
psicológica e pessoal. Julgou-se dever acentuar a oposição entre metafísica e
Psicologia. Muito errado. O próprio psíquico pertence ao domínio do ontológico e
do metafísico.
Quisemos recordar-vos esta verdade para lhe ligar uma observação sobre o
homem concreto, cuja estrutura interna estamos examinando. Pretendeu-se, com
efeito, estabelecer a antinomia da Psicologia e da Ética tradicionais em face da
Psicologia clínica e da psicoterapia modernas. A Psicologia e a Ética tradicionais
têm por objeto, afirma-se, o ser abstrato do homem, o «homo ut sic», que
certamente não existe em parte alguma. Sem dúvida merecem admiração a clareza
e coerência lógica dessas ciências, mas sofrem de um mal de raiz: são inaplicáveis
ao homem real, tal qual existe. A Psicologia clínica, ao contrário, parte do homem
real, do «homo ut hic». E conclui-se: entre as duas concepções, abre-se um abismo
insuperável, enquanto a Psicologia e a Ética tradicionais não mudarem de posição.
Quem estuda a constituição do homem real deve, com efeito, tomar como
objeto o homem «existencial», tal qual é, tal qual o fizeram as suas disposições
naturais, as influências do meio, a educação, a sua evolução pessoal, as suas
experiências íntimas e os acontecimentos de fora. Existe somente esse homem
concreto. E, contudo, a estrutura deste eu pessoal obedece, nos mínimos
pormenores, às leis ontológicas e metafísicas da natureza humana de que falamos
mais acima. Foram elas que a formaram e por isso a devem governar e julgar. A
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razão disto é que o homem «existencial» se identifica na sua estrutura íntima com
o homem «essencial». A estrutura essencial do homem não desaparece quando se
lhe ajuntam as notas individuais; nem se transforma n’outra natureza humana. Mas
a lei fundamental de que se tratava há pouco, precisamente, repousa seus
enunciados principais sobre a estrutura essencial do homem concreto, real.
Por conseguinte, seria errôneo fixar para a vida real normas que se
afastassem da moral natural e cristã, e que se designassem com o vocábulo de
«ética personalista»: esta sem dúvida receberia daquela uma certa orientação, mas
nem por isso, comportaria obrigação estrita. A lei de estrutura do homem concreto
não se deve inverter, mas aplicar.

3. O HOMEM COMO UNIDADE SOCIAL


O que até aqui temos dito refere-se ao homem na sua vida pessoal. O
psíquico compreende também as suas relações com o mundo exterior, e é um
trabalho digno de louvor, um campo aberto às vossas investigações, estudar o
psiquismo social em si mesmo e nas suas raízes, e torná-lo utilizável para efeitos
da Psicologia clínica e da psicoterapia. Procure-se, nessa questão, distinguir
cuidadosamente os fatos em si mesmos da sua interpretação.
O psiquismo social pertence também à moralidade, e as conclusões da moral
coincidem em grande parte com as da Psicologia e psicoterapia sérias. Mas alguns
pontos há em que a aplicação do psiquismo social peca por excesso ou por defeito:
é nisso que queríamos demorar-Nos brevemente.

ERRO POR DEFEITO


Existe um mal-estar psicológico e moral, a inibição do eu, cujas causas a
vossa ciência se ocupa em descobrir. Quando essa inibição invade o campo moral,
por exemplo, quando se trata de dinamismos, como o instinto de dominação, de
superioridade e o instinto sexual, a psicoterapia não poderia, sem mais, tratar essa
inibição do eu como uma espécie de fatalidade, como uma tirania do impulso
afetivo que brota do subconsciente e escapa simplesmente à vigilância da
consciência e da alma. Não se abaixe, tão facilmente, o homem concreto, com o
seu caráter pessoal, à categoria do animal. Apesar das boas intenções do terapeuta,
alguns espíritos delicados ressentem-se amargamente dessa degradação ao plano
da vida instintiva e sensitiva. Nem se desprezem as nossas observações
precedentes sobre a ordem de valor das funções e o papel da sua direção central.
Uma palavra, também, sobre o método às vezes usado pelo psicólogo para
libertar o eu da sua inibição no caso de aberração no domínio sexual. Referimo-
Nos à iniciação sexual completa, que nada quer ocultar, nem deixar na escuridão.
Não há nisso uma excessiva e perniciosa estima do saber? Existe também uma
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educação sexual eficaz, que, com toda a segurança, ensina, na calma e


objetividade, o que o jovem deve saber para se guiar a si mesmo e tratar com o seu
meio. Para o resto, há de insistir-se, na educação sexual como aliás em toda
educação, sobre o domínio de si mesmo e a formação religiosa. A Santa Sé
publicou normas a este respeito pouco depois da Encíclica de Pio XI sobre o
matrimônio cristão. (S.C.S. Off. 21 de março de 1931); Acta Ap. Sedis, a XXII
1931, p. 118). Essas normas não foram retiradas, nem expressamente, nem «via
facti».
O que acabamos de dizer da iniciação inconsiderada para fins terapêuticos
vale também para certas formas de psicanálise. Não se devia considerá-las como o
único meio de atenuar ou curar perturbações sexuais psíquicas. O princípio
repisado, de que as perturbações sexuais do inconsciente, como todas as outras
inibições de origem idêntica, não podem ser suprimidas senão pela sua evocação
à consciência, não tem valor se é generalizado indiscriminadamente. O tratamento
indireto tem também a sua eficácia e, muitas vezes, é perfeitamente suficiente. No
que diz respeito ao emprego do método psicanalítico no domínio sexual, a Nossa
alocução de 13 de setembro, citada mais acima, já indicou os seus limites morais.
Com efeito, não se pode considerar, sem mais, como lícita, a evocação à
consciência de todas as representações, emoções e experiências sexuais que
dormiam na memória e no inconsciente e que se atualizam assim no psiquismo. Se
se ouvem os protestos da dignidade humana e cristã, quem ousaria afirmar que esse
processo não traz consigo nenhum perigo moral, quer imediato, quer futuro, ao
passo que, embora se defenda a necessidade terapêutica de uma exploração sem
limites, esta necessidade, de resto, não está provada?

O ERRO POR EXCESSO


Consiste em salientar a exigência de um abandono total do eu e da sua
afirmação pessoal. A este propósito, queremos frisar dois pontos: um princípio
geral e um ponto de prática psicoterapêutica.
De certas explicações psicológicas, nasce a tese de que a extroversão
incondicionada do eu constitui a lei fundamental do altruísmo congênito e dos seus
dinamismos. É um erro lógico, psicológico e ético. Existe uma defesa, uma estima,
um amor e serviço de si mesmo não só justificados, mas até exigidos pela
Psicologia e pela Moral. É uma evidência natural e uma lição da fé cristã (cf. S.
Thomas, S. Th. II-II, q. 26, a. 4 in c.)! O senhor ensinou: «Amarás ao teu próximo
como a ti mesmo» (Mc. 12, 31). Cristo propõe, portanto, como regra do amor do
próximo, a caridade para consigo mesmo, não o contrário. A Psicologia aplicada
desprezaria esta realidade se qualificasse toda a consideração do eu de inibição
psíquica, de erro e de regresso a uma fase de desenvolvimento anterior, sob
pretexto de que ela se opõe ao altruísmo natural do psiquismo.
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O ponto de prática psicoterapêutica, que anunciamos, diz respeito a um


interesse essencial da sociedade: a salvaguarda dos segredos que o uso da
psicanálise põe em perigo. Não se exclui absolutamente que um fato ou um
conhecimento secretos e reprimidos no subconsciente provoquem conflitos
psíquicos sérios. Se a psicanálise descobrir a causa desta perturbação, há-de querer,
segundo o seu princípio, evocar completamente este inconsciente e remover o
obstáculo. Mas segredos há que é preciso absolutamente ocultar, mesmo ao
médico, e até mesmo a despeito de inconvenientes pessoais graves. O segredo da
confissão não pode ser revelado; o segredo profissional também não pode ser
comunicado a outrem, nem sequer ao médico. Recorre-se ao princípio: «Ex causa
proportionate gravi licet uni viro prudenti et secreti tenaci secretum manifestare».
Por uma razão proporcionadamente grave, é lícito manifestar um segredo a um
homem prudente e de absoluta confiança, que garanta o sigilo). O princípio é exato
nos justos limites, para algumas espécies de segredos. Não convém usá-lo
indiscriminadamente na prática psicanalítica.
Do ponto de vista da moralidade, do bem comum em primeiro lugar, o
princípio da discrição no uso da psicanálise não pode ser suficientemente
enfatizado. Trata-se, evidentemente, em primeiro lugar, não da discrição do
psicanalista, mas da do paciente, que, muitas vezes, não possui de forma alguma o
direito de dispor dos seus segredos.

IV. O homem como unidade transcendental, com tendência para Deus


Este último aspecto do homem introduz três questões que não queríamos
deixar de ter em conta.
Em primeiro lugar, a investigação científica chama a atenção para um
dinamismo que, enraizado nas profundezas do psiquismo, impeliria o homem para
o infinito que o ultrapassa, não fazendo-o conhecer, mas através de uma gravitação
ascendente, proveniente diretamente do substrato ontológico. Vê-se, nesse
dinamismo, uma força independente, a mais fundamental e a mais elementar da
alma; um impulso afetivo que leva imediatamente para o Divino, como a flor, sem
o saber, se abre à luz e ao sol, ou como a criança respira inconscientemente, desde
que nasceu.
Esta afirmação reclama, desde já, uma observação. Se se declara que este
dinamismo está na origem de todas as religiões e que manifesta o elemento comum
a todas, Nós sabemos, por outro lado, que as religiões, o conhecimento de Deus,
natural e sobrenatural, e o seu culto, não derivam do inconsciente ou do
subconsciente, nem de um impulso afetivo, mas do conhecimento claro e certo de
Deus, por meio de sua revelação natural e positiva. É a doutrina e a fé da Igreja,
desde a palavra de Deus no livro da Sabedoria e na Epístola aos Romanos até a
Encíclica «Pascendi Dominici gregis» do Nosso Predecessor São Pio X.
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Posto isto, há ainda a questão deste misterioso dinamismo. Podia-se dizer,


a este respeito, o seguinte: não faz falta, em verdade, acusar a Psicologia profunda
se ela se apropria do conteúdo do psiquismo religioso, e se procura analisá-lo e
reduzi-lo a sistema científico, mesmo que essa investigação seja nova e a sua
terminologia não se encontre no passado. Lembramos este último ponto porque,
facilmente, se criam equívocos quando a Psicologia atribui um sentido novo a
expressões já em uso. De ambas as partes, é preciso prudência e reserva, para evitar
falsas interpretações e tornar possível uma compreensão recíproca.
Pertence aos métodos da vossa ciência esclarecer as questões da existência,
da estrutura e da maneira de agir deste dinamismo. Se o resultado fosse positivo,
não se devia declará-lo inconciliável com a razão ou com a fé. Demonstraria
apenas que o «esse ab alio» é também, até nas suas raízes mais profundas, um
«esse ad alium», e que a palavra de Santo Agostinho: «Fizeste-nos para Ti e nosso
coração está inquieto enquanto não descansar em Ti». «Fecisti nos ad te; et
inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te» (Conf. 1. I, c. n. 1), encontra
uma nova confirmação até no mais íntimo do ser psíquico. Tratar-se-ia, mesmo, de
um dinamismo que interessa a todos os homens, a todos os povos, a todas as épocas
e a todas as culturas. Que auxílio valioso para a investigação de Deus e para a sua
afirmação!
Às revelações transcendentais do psiquismo pertence também o sentimento
de culpabilidade, a consciência de ter violado uma lei superior de que todavia se
reconhecia a obrigação: consciência que pode tornar-se sofrimento e até
perturbação psíquica.
A psicoterapia aborda aqui um fenômeno que não é da sua competência
exclusiva, pois é também, se não principalmente, de caráter religioso. Ninguém
contestará que pode existir, e não é raro, um sentimento de culpabilidade
irracional, doentio até. Mas pode-se ter igualmente consciência de uma falta real
que não foi expiada. Nem a Psicologia nem a Ética, possuem critério infalível para
os casos especiais, pois o processo de consciência que gera a culpabilidade tem
uma estrutura muito pessoal e sutil. Mas, em todo caso, é certo que nenhum
tratamento puramente psicológico curará a culpabilidade real. Mesmo que o
psicoterapeuta a conteste, de muita boa fé talvez, ela subsiste. Embora o
sentimento de culpabilidade seja removido por intervenção médica, por
autossugestão ou persuasão alheia, a falta fica; e a psicoterapia enganar-se-ia e
enganaria os outros se, para apagar o sentimento de culpabilidade, afirmasse que a
falta já não existe.
O meio de eliminar a falta não é puramente psicológico. Como todo cristão
sabe, consiste na contrição e na absolvição sacramental dada pelo padre. É a fonte
do mal, a própria falta que é extirpada, embora porventura o remorso continue a
trabalhar. Não é raro, nos nossos dias, que em alguns casos patológicos o padre
mande o seu penitente ao médico. No caso presente, o médico devia, pelo
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contrário, dirigir o seu cliente a Deus e àqueles que têm o poder de perdoar a falta
mesma, em nome de Deus.
Uma última observação a propósito da orientação transcendental do
psiquismo para Deus: o respeito de Deus e da sua santidade deve sempre refletir-
se nos atos conscientes do homem. Quando estes atos se afastam do modelo divino,
embora sem falta subjetiva do interessado, contradizem todavia o seu fim último.
Eis o motivo por que o que se chama «pecado material» é uma coisa que não deve
ser, e constitui, por conseguinte, na ordem moral, uma realidade que não é
indiferente.

PERANTE O PECADO, NENHUMA NEUTRALIDADE


Uma conclusão resulta para psicoterapia: ela não pode permanecer neutra
perante o pecado material. Pode tolerar o que, no momento, é inevitável. Mas deve
saber que Deus não pode justificar esta ação. Muito menos ainda pode a
psicoterapia dar ao doente o conselho de cometer tranquilamente um pecado
material, porque o fará sem falta subjetiva, e este conselho seria também errado se
tal ação devesse parecer necessária para a serenidade psíquica do doente e, por
conseguinte, para efeitos de cura. Nunca se pode aconselhar uma ação consciente
que seria uma deformação, não uma imagem da perfeição divina.
Eis o que julgamos dever expor-vos. De resto, ficai certos de que a Igreja
acompanha, com a sua ardente simpatia e com os melhores votos, as vossas
investigações e a vossa prática médica. Trabalhais num terreno muito difícil. Mas
a vossa atividade pode marcar preciosos resultados para a medicina, para o
conhecimento da alma em geral e para as disposições religiosas do homem e seu
desenvolvimento. Que a Providência e a graça divina alumiem a vossa estrada!
Com penhor, damos-vos, com paternal benevolência, a Nossa bênção apostólica.

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