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APROXIMAÇÃO PSICOLÓGICA: SEXO, GÊNERO E SEUS DERIVADOS

DRA. MERCEDES PALET FRITSCHI

Tradução Robert Barbosa Batista


A partir de uma psicologia fundamentada na realidade das coisas, é necessário descobrir (e
afirmar) que a razão e a vontade são o centro diretor da personalidade. A vida sensível e
emocional, a vida afetiva e, portanto, também a vida sexual, a sexualidade, são feitas para
serem orientadas de cima1, da razão2. Toda psicologia, também aquela que quer referir-se
apenas a realidades "mensuráveis" de ordem natural, deve considerar e aceitar aquele
princípio que ouso chamar de "verticalidade descendente". Princípio segundo o qual também
as faculdades sensíveis e mesmo vegetativas, e portanto a sexualidade e a vida sexual, estão
especialmente a serviço das faculdades racionais superiores.

A vida afetiva e, portanto, a própria vida da sexualidade humana, não é a vida de um espírito
encerrado em uma besta em constante luta para se libertar dela. A vida da afetividade é a vida
do ser humano, é a vida de uma unidade hilemórfica, que também é, do ponto de vista
operacional, uma unidade hierárquica e ordenada. E embora seja verdade que a vida sensível
tem uma certa autonomia, ela não é absoluta, pois a vida sensível, a vida das emoções, a vida
da sexualidade humana foi feita para ser guiada pela razão e pela vontade, que são o mais
humano em nós. É por isso que a vida psíquica humana, que inclui e depende da vida sensível,
imaginativa e afetiva (e também, claro, da vida vegetativa), porém, se faz de cima, da
inteligência e da vontade, que são os que marcam o propósito e, portanto, deve dirigir a
organização dinâmica da personalidade. 3

O meu professor Francisco Canals recordou que “os homens têm que ser renovados pelas
coisas sagradas, e que não são as coisas sagradas que os homens têm que mudar.”4 Faço essa
precisão porque acho muito importante indicar que também da Psicologia é necessário

1 ECHAVARRÍA, M., Rudolf Allers, psicólogo católico. “Na escola Adleriana, de onde vem Allers, a
psicoterapia é fundamentalmente pedagógica. Trata-se de educar ou reeducar o caráter, para que se
conforma com os fins reais da natureza humana. Dessa forma, a psicoterapia se afasta das ciências
médicas e naturais, inscrevendo-se entre as morais. Para essa escola, a psicoterapia teria duas partes:
uma analítica, em que se revela o propósito fictício perseguido pelo indivíduo e os meios com que o
sustenta; outro sintético ou pedagógico, que visa reformar o caráter. Allers assume essas ideias, mas "de
cima", partindo de uma visão mais profunda do ser humano, dada pela antropologia cristã. Este
processo de transformação do carácter neurótico, a cura, é considerado pelo nosso autor
essencialmente como uma conversão, ou melhor “metanóia”, uma mudança de mentalidade: “Para
permanecer firme perante os conflitos, as dificuldades, as tentações, é preciso ser simples. Para curar
uma neurose, não é necessária uma análise que desça às profundezas do inconsciente para trazer à tona
não sei que reminiscências, nem uma interpretação que veja as modificações ou máscaras do instinto
em nossos pensamentos, em nossos sonhos e ações. Para curar uma neurose, é necessária uma
verdadeira metanóia, uma revolução interior que substitua o orgulho pela humildade, o egocentrismo
pelo abandono. Se nos simplificamos, poderíamos superar o instinto pelo amor, que constitui - se é
verdadeiramente dado a desenvolver - uma força maravilhosa e invencível.” (Cf. ALLERS, R., Naturaleza y
educación del carácter, 258. Cf. Z. Seligmann, “Psicoterapia: un camino de conformidad”, en La
psicología ante la Gracia, 29-39.)
2 “Seria melhor, no domínio da vida instintiva, dar mais atenção aos métodos indiretos e à ação da

psique consciente sobre a atividade imaginativa e afetiva. Essa técnica evita os desvios indicados. Tende
a esclarecer, curar e direcionar; Influencia também a dinâmica da sexualidade, na qual tanto se insiste e
que se encontraria ou até se encontra de fato no inconsciente ou no subconsciente.” PÍO XII, Alocución
a los participantes al I Congreso Internacional de Histopatología del Sistema Nervioso,
AAS, XXXXIV (1952) , 783-784.
3 Cf. ECHAVARRÍA, M. Corrientes de Psicología contemporánea. Editorial Scire, Barcelona 2010, p. 279-

280.
4 CANALS VIDAL, Francisco, Aspectos pedagógicos de una renovada devoción al Corazón de Cristo,

CRISTIANDAD, Nro. 910, Barcelona 2007, p. 8.


considerar as "coisas sagradas" para não mudá-las e reexplicá-las,5 reinterpretando-as ou
reduzindo-as a rituais ou conteúdos psicoterapêuticos de "utilidade" ou "eficácia", mas sim
que essas "coisas sagradas" iluminam o psicólogo cristão tanto em sua consideração
antropológica da realidade do homem em geral quanto na mesma prática concreta da
psicologia, no que diz respeito à sua aplicação na terapia das muitas e variadas doenças
psíquicas que, infelizmente, proliferam tanto em nossos dias.

Pio XII alerta os psicólogos muito seriamente quando afirma que:

“Quando o homem é considerado obra de Deus, duas características importantes para o


desenvolvimento e valor da personalidade cristã são descobertas nele: sua semelhança com
Deus, que vem do ato criador, e sua filiação divina em Cristo, manifestada pela Revelação. Na
verdade, a personalidade cristã é incompreensível se esses dados forem esquecidos, e a
psicologia, especialmente a psicologia aplicada, também estará exposta a mal-entendidos e
erros se os ignorar.

Porque é claramente real e não eventos imaginários ou supostos. Pelo fato de serem
conhecidos pela revelação em nada diminui sua autenticidade, porque a revelação coloca o
homem no caso de ultrapassar os limites de uma inteligência limitada para se deixar envolver
pela inteligência infinita de Deus ”.

Quando se contempla o panorama das diferentes correntes da psicologia contemporânea,


desde a perspectiva de uma psicologia da realidade das coisas (fundamentalmente
principalmente na psicologia de Santo Tomás de Aquino)6 uma das primeiras evidências é a da

5 Como S. Freud queria fazer há mais de 100 anos e com ele grande parte das correntes
contemporâneas da psicologia.
6 “Para compreender a situação do homem em nosso tempo é necessário ter uma orientação muito

segura no pensamento. A Igreja, na qual recebemos não só a graça, mas também a luz para nos guiar na
situação do mundo contemporâneo, mas também na vida humana, nos propõe sua Doutrina, baseada,
claro, na Sagrada Escritura, mas explicada e retrabalhada filosoficamente e teologicamente em grandes
autores, especialmente em Santo Tomás de Aquino, que a Igreja considera um homem providencial. Um
homem que Deus enviou especialmente tendo em vista os desafios do mundo moderno, para esclarecer
o sentido da fé. Santo Tomás de Aquino é o "Doutor Humaninatis" dos nossos dias. Santo Tomás, com a
sua grande força racional e espiritual, de certa forma antecipou o desenvolvimento desta tentação que
se manifesta cada vez mais nos tempos modernos. Por isso é um guia que a Igreja sempre se propôs,
desde a época de Santo Tomás, a se orientar no mundo do que se poderia chamar de cultura moderna.
Ele é um homem especialmente indicado para explicar e neutralizar da razão essas tentações que estão
especialmente presentes na vida contemporânea e muito particularmente no campo da chamada
Psicologia.” Cfr. ANDEREGGEN, I. Apuntes inéditos de Clases para la formación de Psicólogos.
Santo Tomás de Aquino «Doctor Humanitatis», JOÃO PAULO II, em sua Carta Apostólica Inter Munera
Academiarum, sobre as academias teológicas pontificas, de 28 de Enero de 1999 así lo tituló, «Doctor
Humanitatis»: “Doutor humanitatis é o nome que dei a Santo Tomás de Aquino porque ele estava
sempre pronto a abraçar os valores de todas as culturas.(a) Nas condições culturais de nosso tempo,
parece muito oportuno desenvolver cada vez mais esta parte da doutrina tomista que trata da
humanidade, desde suas afirmações sobre a dignidade da pessoa humana e sobre o uso da razão,
perfeitamente de acordo com a fé. , faça de São Tomás um professor para o nosso tempo. Na verdade,
separação. ou divisão aparentemente intransponível entre a dimensão natural e a dimensão
sobrenatural do homem.7 Mesmo aquela da divisão entre a ordem natural sensível e a ordem
natural racional.

O problema subjacente à psicologia contemporânea e também à "ideologia de gênero" é sua


dependência de uma filosofia, ou melhor, de filosofias, que dividiram a pessoa em duas,
separando sua realidade natural de sua realidade definitiva, sobrenatural, e isso sabemos à luz
da fé. Proponho esta afirmação por pressuposto a mesma origem filosófica tanto para a
Psicologia contemporânea como para a "Ideologia de Gênero", porque entendo que sem a
inculturação dos postulados da psicologia contemporânea - especialmente aqueles que
nascem da teoria freudiana e dela passam a inspirar a maior parte do pensamento psicológico
contemporâneo, que penetrou tão profundamente na mentalidade de homens e mulheres de
hoje em dia, o esforço da "Ideologia de Gênero" não encontraria substrato em que se enraizar.

Na cultura contemporânea e muito particularmente na psicologia de hoje, há uma tendência a


ignorar a realidade e o próprio conceito de natureza humana. Especificamente, para a
"Ideologia de Gênero" não há nada na natureza humana que possa ser visto como permanente

os homens, especialmente no mundo de hoje, estão preocupados com esta questão: o que é o homem?
Usando a denominação de "doctor humanitatis", sigo as diretrizes do Concílio Ecumênico Vaticano II
sobre o uso da doutrina de Aquino tanto na formação filosófica como teológica dos sacerdotes(b),como
no aprofundamento na harmonia e concórdia entre fé e razão nas universidades.(c)
a) JUAN PABLO II, Discurso a los participantes en el VIII congreso tomista internacional, 13 de
septiembre de 1980: L'Osservatore Romano, edición en lengua española, 25 de enero de 1981,
p. 7.
b) CONCILIO VATICANO II, Decreto Optatam Totius, sobre la formación sacerdotal, n. 16: “A
teologia dogmática é ordenada de tal forma que, antes de tudo, são propostos os temas
bíblicos; Em seguida, explique aos alunos a contribuição que os Padres da Igreja Oriental e
Ocidental deram na transmissão e compreensão fiel de cada uma das verdades do Apocalipse,
e a subsequente história do dogma, mesmo considerada em relação à história geral da Igreja;
em seguida, os alunos aprendem a ilustrar os mistérios da salvação, tanto quanto podem, e a
compreendê-los mais profundamente e observar suas relações mútuas através da especulação,
seguindo os ensinamentos de Santo Tomás; aprender também a reconhecê-los presentes e
ativos nas ações litúrgicas e em toda a vida da Igreja; buscar a solução dos problemas humanos
à luz da Revelação; aplicar as verdades eternas à condição variável das coisas humanas e
comunicá-las de maneira adequada aos homens do seu tempo.”
c) CONCILIO VATICANO II, Decreto Gravissimum Educationis, N. 10: “A Igreja também cuida muito
das escolas superiores, especialmente das universidades e faculdades. E mesmo naquelas que
dela dependem, pretende sistematicamente que cada disciplina seja cultivada segundo os seus
princípios, os seus métodos e a liberdade da investigação científica, para que a cada dia a
compreensão das mesmas disciplinas seja mais aprofundada, e considerada com toda a
atenção Os problemas e descobertas dos últimos tempos mostram com mais precisão como a
fé e a razão se dirigem harmoniosamente à verdade, que é a mesma, seguindo os
ensinamentos dos Doutores da Igreja, especialmente de Santo Tomás de Aquino. Deste modo,
a presença do pensamento cristão no esforço de promoção da cultura superior deve ser
tornada pública, estável e universal e que os alunos destes institutos constituam homens de
prestígio pela sua doutrina, preparados para o desempenho das funções mais importantes. na
sociedade e testemunhas de fé no mundo ”.
7 Bento XVI, Homilia en la Sagrada Familia de Barcelona el día 7 de Noviembre de 2010: Bento XVI Ele

alertou que uma das tarefas mais importantes dos nossos dias é aquela que Antonio Gaudí soube
realizar: superar a cisão entre a consciência humana e a consciência cristã, entre a existência neste
mundo temporal e a abertura à vida eterna, entre a beleza das coisas e Deus como Beleza.
e imutável; “A vida tem uma natureza autocriadora, com a capacidade de controlar a direção
do seu desenvolvimento. Os humanos são, por natureza, antinaturais.”8

Para a psicologia contemporânea em geral, o homem é algo que se autorrealizado, que é


autogerado, que muda conforme mudam as circunstâncias históricas, ambientais, familiares,
profissionais e afetivas de sua vida. O centro da concepção moderna do homem é a
"liberdade". Da mentalidade contemporânea, o homem é reduzido à sua liberdade, entendida
sobretudo como espontânea, mas antes negativa, na medida em que a liberdade espontânea é
entendida como uma reação às circunstâncias externas. A partir desta concepção de
"liberdade", a vida do homem, que é, afinal, e também muito especialmente na psicologia, a
única coisa que conta, só pode ser entendida como um processo. É assim que, por exemplo,
Carl Rogers afirma: 9

A vida, na sua melhor expressão, é um processo dinâmico e mutante, no qual nada


está congelado. [...] Quando me deixo levar pelo ímpeto de minha experiência em uma
direção que parece ser progressiva em direção a objetivos dos quais nem mesmo
tenho consciência clara, alcanço minhas melhores realizações. Ao abandonar-me ao
fluxo da minha experiência e tentar compreender sua complexidade em constante
mudança, entendo que não há nada imóvel ou congelado na vida. Quando me vejo
como parte de um processo, percebo que não pode haver um sistema de crenças
fechado e nenhum conjunto de princípios aos quais me apoiar. A vida é guiada por

8 TRILLO-FIGUEROA, J, La ideología de género, Libros Libres, Madrid, 2009, p. 184, citando a Raquel
Osborne, «Debates en torno al feminismo cultural» en Teoría feminista: de la Ilustración a la
globalización, Celia Amorós y Ana de Miguel, eds, Minerva Ediciones, Madrid, p. 242.
Se essas afirmações fossem verdadeiras, a psicologia perderia sua razão de ser. Se não há uma natureza
humana identificável, imutável e estável, a Psicologia não pode mais estudar o homem, nem suas ações,
nem suas necessidades íntimas, nem seu crescimento pessoal e nem mesmo seus distúrbios psíquicos e
doenças, porque se não é possível reconhecer uma ordem natural humana, é ainda mais difícil
reconhecer uma desordem nessa realidade. Se não há natureza humana, não há homem; e se não
houver homem, as ciências humanas perderam seu objeto e seu significado. Desta perspectiva da
"Ideologia de Gênero", pareceria que uma abordagem psicológica da vida humana seria, de fato, sem
sentido, dada a mutabilidade constante e necessária das intenções humanas, toda abordagem
psicológica nunca poderia se tornar uma afirmação sobre o homem e deve ser reduzida à mera
descrição de algumas ações, de alguns "comportamentos" particulares de indivíduos específicos em
situações e circunstâncias específicas, que, na melhor das hipóteses, devido ao interesse sociopolítico,
econômico e político-cultural que poderiam conter, poderiam estar sujeitos alguma classificação e
controle estatístico. Se for verdade que "os humanos são, por natureza, antinaturais", então a psicologia
- como ciência humana - deixaria de existir para dar lugar a dados e controle estatístico e controle de
dados e empírico a serviço das estruturas de poder político e social.
9 “Carl R. Rogers é no campo da psicoterapia o principal representante da corrente humanista. (...) O

Humanismo é uma ideologia libertária que combina muitas influências diversas: 1) O Humanismo ateísta
de autores como L. Feuerbach, K. Marx e J.P. Sartre e o ateísmo em geral, mesmo de autores que não
podem ser chamados de humanistas como Freud e Nietzsche. 2) A fenomenologia e o existencialismo de
esquerda (Sartre, Merleau-Ponty, Camus). 3) Filosofias dialéticas (Hegel, Marx e neo-marxismo). 4) As
espiritualidades orientais não cristãs ou heterodoxas. 5) As influências das psicologias da Gestalt de Kurt
Lewin e Kurt Goldstein, da psicologia da personalidade de Gordon W. Allport, bem como das
psicoterapias de Freud, Jung, Rank, Reich e Adler. 6) Em alguns casos, experimentação de drogas. (...)
Carl Ransom Rogers (1902-1987) é um dos psicoterapeutas mais influentes, talvez o mais influente
depois de Freud. E igual a Freud, Rogers tenta dar uma explicação definitiva do ser humano a partir da
psicologia ”. ECHAVARRÍA, M. Corrientes de Psicología contemporánea. Editorial Scire, Barcelona 2010,
p. 216-218.
uma compreensão e interpretação em constante mudança de minha experiência. Está
sempre em processo de transformação. 10

Minha experiência é minha autoridade máxima. Minha própria


experiência é a pedra de toque da validade. Ninguém tem tanta
autoridade quanto ela, nem mesmo as ideias dos outros, nem minhas
próprias ideias. Ela é a fonte à qual volto sempre para descobrir a
verdade conforme ela surge de mim. Nem a Bíblia, nem os profetas,
nem Freud, nem a pesquisa, nem as revelações de Deus ou do homem,
nada tem precedência sobre minha própria experiência direta.11

Destes "princípios filosóficos" as pessoas concretas de nossos dias, o homem comum de carne
e osso, estão tirando uma série de consequências práticas ao viver sua vida concreta. De
acordo com esses princípios, não se pode ter uma ideia da natureza humana superior à
mudança que ocorre nas circunstâncias que nos rodeiam. Por esse motivo, a psicologia
contemporânea não está estruturada tanto na forma de uma filosofia que deve responder ao
que é a natureza das coisas, mas antes é estruturada como uma resposta ao que era
anteriormente a presença da teologia na sociedade.

A presença da Teologia significava não apenas um guia teórico, mas também prático para as
ações humanas. Por meio da Teologia, o homem foi indicado qual é o fim de sua vida e, ao
mesmo tempo, as ações correspondentes para alcançá-lo. Em suma, a Teologia guiou e
orientou os homens no uso de sua liberdade. Mas tendo desaparecido o fim, sobretudo o fim
que preconiza e defende a teologia, os homens são deixados a si próprios e desaparecem
todos os critérios norteadores na escolha das ações, de modo que o critério ou norma de vida
se reduz a “espontaneidade” individual de cada pessoa. Quando a pessoa perde o propósito e
se move segundo suas próprias tendências, que, como a experiência mostra, podem ser muito
mutáveis e até contraditórias, essa pessoa se insere em um processo que é fundamentalmente
contrário à sua própria natureza e pelo mesmo motivo autodestrói.12

O homem contemporâneo está imerso num mundo de imagens e afetos que correspondem
aos princípios filosóficos que conduziram a esta cisão entre a dimensão natural e a dimensão
sobrenatural, “desmistificando” e reduzindo esta última, também graças à colaboração de
certas correntes da psicologia do inconsciente às questões de conteúdo espiritual imanente
duvidoso (daí a proliferação quase escandalosa de uma espécie de consumismo esotérico). E
reduzindo a dimensão natural a conteúdos de ordem principalmente sensível e afetiva. Esse
tipo de cultura produz um profundo desequilíbrio nas pessoas, um desequilíbrio que pode ser
verificado empiricamente. Basta ouvir os testemunhos que as pessoas dão sobre a sua própria
vida - quando estão em condições - para perceber que no fundo este tipo de vida produz uma
profunda infelicidade que, de uma forma ou de outra, significa sofrimento. , tristeza, dor,
estresse, agressividade, descontentamento e toda uma série de efeitos negativos.

Se a nossa vontade, ou melhor, essa “espontaneidade livre”, “tudo pode”, até determinar a
orientação da nossa própria identidade sexual, então está em dúvida a nossa inclinação
natural e, portanto, todo o caminho de crescimento da personalidade e, com ela, a mesma

10 ROGERS, C. R., El proceso de convertirse en persona, Paidós, barcelona, 2000, p. 35. La cursiva es
original del autor.
11 ROGERS, C. R., El proceso de convertirse en persona, Paidós, barcelona, 2000, p. 32. La cursiva es

original del autor.


12 Cfr. ANDEREGGEN, I., Apuntes inéditos de Clases para la formación de Psicólogos.
construção e tarefa educativa; especialmente no que diz respeito à educação cristã, tanto na
vida familiar como na escola e na vida social.

Do ponto de vista estritamente educativo, com o primado da vontade - entendida a partir da


“Ideologia de Gênero” - fica uma questão de grande importância, pois se a vontade individual
passa a ser o elemento principal da educação (e também daquela reeducação em que consiste
toda a psicoterapia), então o Bem, aquilo para o qual minha vontade tende por natureza, não
é mais o Bem objetivo, o bem que corresponde à natureza do homem, mas se torna "O que eu
quero neste momento." Concluímos, portanto, que a “Ideologia de Gênero”, e somente do
ponto de vista da dinâmica da ação humana, o que busca é um inverso subjetivista no
movimento dessa mesma ação. Se o Bem, se o que é bom para mim, depende do que “eu
quero neste momento”, esse “Bem objetivo” é suprimido, o que corresponde às exigências da
natureza humana e às condições de crescimento da vida pessoais concretas, que, em suma,
correspondem ao fim, à perfeição e, em última instância, à mesma felicidade do homem, de
cada um dos homens e mulheres concretos.

Santo Tomás de Aquino ensina que “já que o bem é o que todos querem e este tem uma razão
para o fim, é evidente que o bem tem uma razão para o fim”, 13 portanto, se o Bem objetivo é
cancelado, o próprio fim natural da vida humana é cancelado, a mesma inclinação natural do
homem para um bem inato transcendente proporcional à natureza humana é cancelada.

“Não há como entender a vida prática do homem sem referência a uma finalidade.”14
“O que o homem aceita como fim último domina todo o seu afeto, porque daí ele tira
as normas que regulam toda a sua vida.”15 É por isso que toda a regulação emocional,
mais ou menos racional, mais ou menos conscientemente intencional, de toda a vida
afetiva do homem, todo o seu crescimento pessoal dependerá em grande medida do
fim principal, do fim último, que orienta a sua vida concreta. Este último fim é o que se
deseja como ato mais adequado e perfeição última, isto é, como aquilo que completa
nossa "personalidade", que atualiza nossas potencialidades mais profundas, a
plenitude da vida. Por isso, o que se deseja como objetivo último é tomado como regra
de vida, e configura nosso caráter e nossos comportamentos, de tal forma que uma
personalidade pode ser entendida sobretudo a partir do que constituiu seu fim último,
que dá direção para sua vida.16

O último fim, de alguma forma, "marca toda a vida do homem de tal maneira que permanece
em quase todas as condutas, embora não seja explicitamente refletido".17 E embora cada um

13 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 5, a. 4, in c.


14 ECHAVARRÍA, M., La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de
Aquino, Documenta Universitaria, Girona, 2005, p. 116. É próprio da natureza racional tender a um fim
movendo-se ou dirigindo-se para esse fim. (SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I-II, q. 1, a. 2,
in c.) que tem razão de bem (SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I-II, q. 1, a. 4, sed contra: “El
bien es lo que tiene razón de fin”).
15 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I-II, q. 1, a. 5, sed contra.
16 ECHAVARRÍA, M., La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de

Aquino, Documenta Universitaria, Girona, 2005, p. 117.


17 ECHAVARRÍA, M., La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de

Aquino, Documenta Universitaria, Girona, 2005, p. 118.


considere como um fim aquilo que de acordo com a sua receptividade particular mais lhe
convém18; Embora para cada um pareça ser um ou outro conforme sua disposição, no entanto,
isso não leva à relativização de todos os fins; “O fim real e verdadeiro fim da vida humana é
aquele que parece aos mais dispostos, aos que melhor desenvolveram a sua personalidade,
aos que têm um afeto bem disposto, isto é, ordenado ao bem da virtude, o virtuoso.19 Embora
frequentemente e especialmente como consequência das sequelas do pecado original, os
homens são deixados desorientados de seu fim último e presos na atração de bens que não
são o fim último, Todos os homens aspiram ao mesmo fim: a felicidade, como diria Aristóteles,
Beatitude, como diria Santo Tomás, descanso do coração em Deus, como diria Santo
Agostinho.20 Martín Echavarría explica muito bem:

É verdade que a inclinação natural é a "bem-aventurança" ou a felicidade, para que


não se saiba exatamente em que se está, o que se concretiza objetivamente. Isso
requer um procedimento de esclarecimento intelectual, o que é impossível sem a
retidão do apetite. Esse esclarecimento pode não ocorrer por negligência ou outras
causas, e assim ser proposto e buscar como fim último algo que não é. Mas isso não
significa que se "escolha" outros fins, mas sim que se opte por não colocar os meios
para algo que sabe como necessário para o desenvolvimento de sua natureza, que é
saber claramente o fim, e assim propõe como fim o que se dirige. isso inclina seu
temperamento ou seus vícios. Uma vez conhecido, não se pode deixar de conhecê-lo
como tal, a menos que seu julgamento seja corrompido por erro, mas não pode
considerar o que habitualmente sabe.21

O fim último, o fim que corresponde à natureza racional e espiritual do homem, não é um fim
que é o objeto de escolha. O fim último que me corresponde, que me corresponde na medida
em que ser humano é um fim que se dá com a própria natureza humana. "Não se escolhe o fim

18 ADLER, A, El caracter neurótico, Planeta-Agostini, Barcelona 1994, p. 55: “A mitologia, o folclore, a


poesia, a filosofia e as religiões retiram os materiais de seu tempo para traçar essas diretrizes, que
depois oferecem aos seus contemporâneos. Assim, o indivíduo descobre que em seu meio, à sua
disposição, uma inumerável variedade de valores se oferece como meta final: força corporal ou
espiritual, imortalidade, virtude, piedade, riqueza, sabedoria, "moral dos mestres ", sentimento social
ou autocracia ... -objetivos entre os quais cada indivíduo, em seu desejo peculiar de perfeição, escolhe
aqueles que, de acordo com sua receptividade peculiar, melhor se adaptam a ele."
19 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I-II, q. 1, a. 7, in c.: “O fim último pode ser considerado

de duas maneiras: uma, referindo-se ao essencial do fim último; e outro, para aquele em que este fim é
encontrado. Pois bem, no primeiro caso, todos concordam em querer o fim último, porque todos
querem atingir a sua própria perfeição, e essa é a essência do fim último, como já foi dito. Mas quanto
ao fim último, nem todos concordam, já que alguns desejam riquezas como um bem perfeito, outros
prazeres e outros qualquer outra coisa. Da mesma forma que o doce agrada a todos os paladares, mas
uns preferem a doçura do vinho, outros a do mel, outros a de qualquer outra coisa. No entanto, a
doçura mais agradável deve ser considerada apropriadamente aquela que satisfaz o sabor mais
refinado. Da mesma forma, o desejado deve ser considerado como o bem mais perfeito como fim
último para quem tem o afeto bem disposto "
20 "Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração até que repouse em Ti."
21 ECHAVARRÍA, M., La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de

Aquino, Documenta Universitaria, Girona, 2005, p. 120-121.


último “objetivo”, mas sim o descobre e aceita, ou não.”22 O próprio Frankl afirmou que "o
significado não é inventado, é descoberto". O fim último é algo dado. Aristóteles ensina que
para deliberar, deliberamos sobre o que está em nosso poder e o que é alcançável. Os homens
deliberam sobre o que eles próprios podem fazer, mas, no que diz respeito aos fins naturais,
“não deliberamos sobre os fins, mas sobre os meios que conduzem aos fins” 23 Os fins próprios
da natureza humana não são questões que o homem decide ou escolhe. Em princípio,
deliberamos sobre o que está em nosso poder, sobre o que nós mesmos podemos fazer, isto é,
sobre o que pode acontecer como causa ou como efeito de nossa intervenção24 enquanto
sujeito racionais; isto é, buscar o bem, a promoção e a verdade daquilo ou daqueles sobre os
quais ou para os quais intervimos e agimos.

“O valor de uma suposição, de uma Pessoa, é mostrado e demonstrado em suas ações,


em sua operação. Toda a sua substância, todos os seus vícios e virtudes estavam
reunidos à espera desta prova decisiva dos fatos: de que serviria ser, sem obrar?
“Todos os seres da Natureza existiriam em vão se fossem afastados de seu próprio
funcionamento; a operação, com efeito, é o fim da substância criada”, diz Santo Tomás
(I, q. 105, a. 5 em c.) . "A operação - repete [o Santo] - é o fim daquele que
obra(trabalha), pois todo ser é feito para a sua operação" (QD:, De Vir., A. 1 in c. Cf. III
CG, capítulo 69, 113 , etc).25

Os seres, disse Bofill, não são feitos para a solidão. 26

A mesma necessidade metafísica que os empurra à perfeição os obriga a sair de si


mesmos; agora para buscar ajuda de outros e, quando ele atingiu sua perfeição, para
espalhar ao seu redor; porque somente em dar é justificado possuir. Por causa dessa
exigência, o homem não pode permanecer fechado em si mesmo, mas está
constitutivamente aberto aos outros seres.”27

“Uma coisa natural - ensina Santo Tomás de Aquino - não só tem uma inclinação natural para o
seu próprio bem, para alcançá-lo se não o tem e para nele descansar se o tiver, mas para
difundir o seu próprio bem nos outros na medida do possível. ”28 Esta afirmação de Aquinate é
de capital importância para compreender a verdadeira dinâmica do crescimento pessoal do ser
humano segundo as inclinações da natureza. O que é próprio do homem e, portanto, o que

22 ECHAVARRÍA, M., La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de
Aquino, Documenta Universitaria, Girona, 2005, p. 121.
23 ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, III, 1112b10.
24 Cf. ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, III, 1112a30 - 1112b10.
25 BOFILL, J., La escala de los seres o el dinamismo de la perfección, CRISTIANDAD, Barcelona, 1949,

p.39-40.
26 Cfr. BOFILL, J., La escala de los seres o el dinamismo de la perfección, CRISTIANDAD, Barcelona, 1949,

p. 125.
27 BOFILL, J., La escala de los seres o el dinamismo de la perfección, CRISTIANDAD, Barcelona, 1949,

p.125.
28 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 19, a. 2, in c.
realmente o satisfaz, o que o torna verdadeiramente feliz é possuir o bem para comunicá-lo,
para compartilhá-lo com os seus semelhantes. Nesse sentido, o que realmente corresponde ao
ser humano é a posse do Bem e a fecundidade do Bem. A natureza nada faz em vão e tende, se
inclina, busca continuamente o que é essencial nela. “A geração corresponde ao homem em
sua parte corporal, que, como tal, é corruptível. Da parte da alma, que é incorruptível,
corresponde à sua natureza - ou melhor, ao Autor da natureza, único criador das almas - a
tentativa de multiplicar os indivíduos. Deus, em sua Criação, estabeleceu geração, mesmo no
estado de inocência (isto é, antes da queda da Natureza humana pelo pecado original); e o
estabeleceu “para multiplicar a raça humana.”29 E a razão para isto é - segundo o próprio Santo
Tomás – que “Maior perfeição é se uma coisa, além de ser boa em si mesma, pode ser causa
de bondade para os outros do que se só for boa em si mesma. E, por isso, de tal forma, Deus
governa as coisas que faz com que uns sejam causa de outros no governo; como um professor
que não só educa os discípulos, mas também os torna capazes de instruir os outros.”30 A
geração humana é, em si mesma, um bem, um dos maiores bens que já foram concedidos ao
ser humano. A geração humana corresponde diretamente à inclinação da natureza humana.
Por isso, quando a "ideologia do Gênero" nega a inclinação natural, a geração humana é,
portanto, negada como uma realidade essencial à dinâmica do ser pessoal.

Em seguida, permita-me uma abordagem psicológica de todas essas realidades naturais que
acabei de expor.

***

O que aconteceria a um homem, uma mulher de carne e osso que foi forçada a viver
em um ambiente social, cultural, profissional e político e que desde a mais tenra
infância foi assegurada de que eles não são nem um homem? nem mulher? O que
aconteceria a esse homem e essa mulher de carne e osso se tivessem a certeza de que
sua sexualidade e inclinação sexual são o resultado de sua escolha e que podem mudá-
la e adaptá-la de acordo com suas necessidades e conveniências ou de acordo com as
demandas externas?

O que aconteceria com aquele homem específico e aquela mulher específica, de hoje,
dos nossos dias, se durante anos, insistentemente, estivessem assegurados que a
família fundada no casamento indissolúvel entre um homem e uma mulher é a origem
de todos os conflitos, de todo desconforto e toda injustiça social?

O que aconteceria a esse mesmo homem e a essa mesma mulher se vivessem em uma
sociedade convencidos de que "o privado, neste caso, “o sexual" é o político"?

O que aconteceria a homens e mulheres, meninos e meninas quando tivessem que


viver em uma comunidade em que a maternidade e paternidade, a filiação e a doação
fiel e dedicada, a vida cotidiana fosse oficial e publicamente ridicularizada e exposto a
ser ridicularizado?

29 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 98, a. 1 in c.


30 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 103, a. 6 in c.
As perguntas não são retóricas, pois pretendem nos fazer refletir sobre algumas das realidades
mais importantes na formação e crescimento da personalidade humana.

Da personalidade do homem como masculino e como feminino. Estas questões não são
retóricas, mas são colocadas a partir da convicção de que por trás da "Ideologia de Gênero"
existe uma filosofia particular do primado da vontade, com um consequente desprezo pela
realidade - que é um desprezo especial pela natureza humana e especialmente um desprezo
pelo homem concreto - e isso, no fundo, é um desprezo por Deus.

Uma exposição de todas as realidades de uma ordem psicológica que são questionadas a partir
dos postulados da "Ideologia de Gênero" ultrapassaria em muito o quadro desta conferência e
até mesmo minhas próprias possibilidades. No entanto, tentarei pelo menos uma aproximação
a algumas das questões que considero mais importantes de uma perspectiva estritamente
psicológica.

As consequências de negar ou tentar suprimir a inclinação natural são, psicologicamente,


devastadoras. E são por vários motivos:

1. Em primeiro lugar, porque supõem uma pretensa “superação da natureza”.

Se se afirma que o ser humano, pela força de sua vontade subjetiva, independentemente de
seu sexo natural, está em condições de determinar e "construir" sua própria identidade sexual,
então se afirma que o homem por essa mesma força volitiva "constrói ” uma “realidade
pessoal ”que vai além da própria natureza. Essa superação da natureza em si implica uma
negação, um "descuido" da realidade corporal, a não aceitação da própria corporeidade e,
portanto, a não aceitação da própria realidade psíquica e afetiva.

São bem conhecidas as consequências de ordem psicopatológica que essa "não aceitação"
acarreta, principalmente por psicólogos e psiquiatras infantis e adolescentes. Refiro-me
apenas às várias consequências que na ordem psicopatológica acarreta o não querer “crescer”.

2. Em segundo lugar, porque supõem uma negação da corporeidade sexual (que a


corporeidade sexual é de extrema importância porque é a prova de que cada um dos homens
e mulheres, cada um de nós, se individualiza pela matéria concreta do seu corpo sexuado).
Devem ser cuidadosamente consideradas as consequências psicológicas que tal negação da
corporeidade sexual, especialmente no que diz respeito à formação e crescimento da
personalidade, acarretaria apenas na escola e no ambiente educacional. Aqui, por exemplo, o
que está em questão não é apenas o sentimento de "pertencimento ao grupo" tão
absolutamente importante na formação da personalidade da criança e do adolescente. Aqui,
aliás, o que se questiona é "meu próprio ser e estar no mundo". Ser e estar isso só pode se
tornar aparente através do meu corpo sexuado. O que está em jogo aqui, então, é o próprio
processo de identidade pessoal. O que está em jogo é "minha própria pertença a mim
mesmo". Junto com uma sensação de estranheza - "Eu tenho corpo de menino, mas posso ser
ou virar menina" - surge outra sensação –especialmente no já frágil período emocional do
início da adolescência–: Dúvida total na durabilidade das próprias decisões, com a
correspondente e lógica consequência de considerar que tomar decisões é supérfluo.

Essas questões são de suma importância no crescimento pessoal e moral das crianças e jovens
(e, claro, na confirmação pessoal de cada homem e de cada mulher). Só quem se possui pode
se entregar-se e dar-se com amor e liberdade.

Só da certeza, só da segurança e da verdade é possível o crescimento pessoal.

3. Terceiro, essa superação da natureza, no que diz respeito à corporeidade sexual, também
supõe uma banalização da sexualidade.

Não cabe aqui explicar em que consistiria esta banalização ou as consequências que ela traz
consigo, sobretudo no mundo infanto-juvenil, mas, pelo que posso referir da minha
experiência profissional, esta banalização da sexualidade e as consequentes A prática de
atividades sexuais em idade precoce - e isso considerada apenas do ponto de vista psicológico
- leva as crianças e os jovens a uma tentativa de "perceber-se" muito particularmente através
do contato sexual; o que é especialmente arriscado para a natureza mais afetuosa das meninas
e mulheres jovens. Só quando percebem seu próprio corpo sexualmente é que se sentem
"vivos". Nem é preciso dizer que esse mundo de atividade e percepção sexual confusas é um
foco latente de transtornos e desconfortos mentais e, em minha opinião, a origem de muitas
patologias de transtornos e disfunções sexuais. Desde a concepção da "Ideologia de Gênero"
quem sofreu de um transtorno sexual - e hoje existem muitos, muitos transtornos sexuais -
poderia argumentar dizendo que escolheu o gênero errado e que seria conveniente revisá-lo,
talvez modificá-lo.

4. Essa pretensa superação da natureza supõe também um desprezo pelo corpo, pelo próprio
corpo.

Duplo desprezo: por um lado é um desprezo na ordem antropológica mais genérica no sentido
de afirmar que a liberdade de meu "eu subjetivo" está acima das condições de minha
corporeidade sexual, pois na corporeidade do ser humano é sempre sexuado; ou seja, na
perspectiva da "Ideologia de Gênero" minha corporeidade sexual não é um dado relevante
para a formação de minha personalidade. Mas este desprezo pelo próprio corpo supõe
também, num sentido mais concreto e individual, um desprezo pela própria pessoa. E uma vez
que é um desprezo pela minha própria realidade concreta como homem ou como mulher,
então minha realidade corporal concreta não tem valor. O que está acontecendo aqui no
fundo é algo insuspeito: por desprezo pela minha própria corporeidade sexual, por desprezo
pela minha própria pessoa, o que estou fazendo é me autodepreciar. “A ação e o
comportamento do homem não são determinados exclusivamente pelo ser da pessoa em si,
mas também pela atitude desta pessoa para com o seu ser.”31 Para a formação e confirmação
do homem em seu próprio ser, o homem não só precisa do crescimento pessoal fomentado
por um debate moral interno baseado em certezas e garantias internas e externas, mas
também precisa culminar esse debate interno na emissão de um julgamento pessoal sobre si
mesmo. E esse julgamento pode ser feito desde muito cedo e, no máximo, no momento em
que a criança é capaz de pensar sobre si mesma e de quem ordenar todas as coisas como um
fim.32 Quando a emissão desse julgamento sobre si mesmo é impedida, a criança e o jovem são
submetidos à vai e vêem suas emoções e afeições. E o homem está destituído do que é e pela
mesma razão fica à deriva das correntes de pensamento, sob a pressão e asfixia das modas,
que se infiltram em tudo, desarraigando os bons costumes.

Este autodesprezo também é causado pela triste realidade contemporânea de que o homem
de hoje - na ordem natural - não é olhado por quem, amando-o, lhe diz quem ele é. No
entanto, ser homem significa ser varão ou mulher33, e o que significa ser homem e mulher se
reflete, entre outras coisas, na mesma constituição corporal. Na mesma corporeidade. O corpo
masculino revela mais exterioridade, enquanto o feminino revela mais interioridade. Por isso,
parece que na ordem psíquica o homem tem uma tendência mais para "fora", que é uma
manifestação de muitas das qualidades ou características mais típicas do masculino: superar,
dominar, conquistar, submeter. Por outro lado, o corpo da mulher se constitui para o
"interior", por isso são contados como características mais próprias do feminino: acolher,
conservar, proteger, guardar. “Nesse sentido, o feminino tem que fazer, em primeiro lugar,
com disponibilidade e o masculino com dominação.”34 A exterioridade do homem o torna mais
sensual desde o início, enquanto a interioridade física da mulher a torna mais afetiva no plano
psíquico. Considerados em si mesmos, tanto a sensualidade masculina quanto a afeição mais
feminina são boas. O fato de o homem ser mais sensual significa apenas que, devido à sua
constituição corporal, ele está mais aberto à apreensão dos sentidos e a se mover de acordo
com as características objetivas das coisas; não é o caso da mulher que, em primeiro lugar, se
move de forma mais afetiva, o que a torna, em comparação, mais subjetiva.

Mas as diferenças entre homem e mulher não se limitam apenas à ordem do corporal e do
afetivo e do psíquico. Essas diferenças também são evidentes na ordem moral e espiritual.
Assim, mostra-se, por exemplo, que o modo de raciocínio moral é diferente entre homem e
mulher. Diante de um dilema moral, as mulheres tendem a focar mais sua atenção nas
consequências interpessoais que esse dilema acarreta, enquanto os homens tendem a se
concentrar mais nos princípios abstratos aos quais o dilema se refere. Essa ênfase nas relações
interpessoais se mostra em uma idade muito jovem. Em comparação com meninos, meninas,
mesmo meninas muito jovens, prestam mais atenção aos rostos mais cedo e mais
intensamente, reagem mais às palavras e canções, geralmente começam a falar mais cedo,
prestam mais atenção às pessoas e às relações interpessoais do que às coisas materiais e, em

31 ALLERS, R. La naturaleza y educación de carácter, Editorial Labior, barcelona, 1957, p. 309 (há uma
edição deste livro em português, intitulado de “Psicologia do caráter”)
32 Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I-II, q. 89, a. 6 ad. 3: "Bem, a primeira coisa que

acontece ao homem que chega ao uso da razão é pensar sobre si mesmo e que (deve) ordenar todas as
coisas como um fim."
33 As considerações de psicologia diferencial entre o psicologicamente masculino e o feminino propostas

a seguir são inspiradas por algumas explicações e demonstrações a esse respeito que podem ser
encontradas na Tese de Doutorado de KLAUS DROSTE AUSBORNE, ainda não publicada, A palavra
paterna na ordem da vida pessoal , apresentado em 4 de dezembro de 2009 na Universidade Abat Oliba
CEU de Barcelona e recebeu a qualificação de excelente cum laude, p. 68-80.
34 DROSTE, K., La palabra paterna en el orden de la vida personal, tesis doctoral inédita, p.67.
princípio, são mais abertos à comunicação emocional. 35 No plano espiritual, as mesmas
diferenças entre homens e mulheres são encontradas por analogia. Para os homens, Deus é
em primeiro lugar o princípio da justiça e da ordem e, por outro lado, para as mulheres, o
ponto central da fé é a relação com Deus. Essas afirmações que acabo de propor a você são
derivadas de um estudo histórico-psicológico no qual é mostrado que quando os homens se
tornam ateus, especialmente aqueles que são dotados de mais iluminação intelectual, em uma
atitude de extrema arrogância intelectual, eles enfrentam Deus diretamente como Princípio da
Justiça, Deus como criador e Pai ordenador do universo, se enfrentam contra o Pai, aceitando,
porém, o irmão Jesus. Em vez disso, o ateísmo feminino se concentra em uma revisão e
remodelação das relações entre irmãos e Deus. 36

5. Permitam-me considerar ainda outra consequência séria da negação da inclinação humana


natural: negar a inclinação natural supõe a negação da normalidade na personalidade humana.
De alguma forma, a "Ideologia de Gênero" pressupõe e aplica a abolição da "norma" na
natureza humana e, conseqüentemente, na estrutura psíquica, a abolição de uma "norma" de
normalidade no ser e no agir de homens e mulheres; e o que supõe e afirma é a aceitação
tácita da impossibilidade de uma avaliação científica [dos atos humanos] que pode penetrar na
realidade das coisas.37 Nesse sentido, parece que a “Ideologia de Gênero” se baseia naquele
princípio construtivista –que penetra com tanta intensidade no pensamento das correntes da
Psicologia contemporânea– de autopoiese, de autoconstrução, segundo a qual, “seres vivos, e
entre eles, o homem, são autoconstrutivos; não apenas porque cada um constrói uma
representação da realidade, mas porque as mesmas faculdades mentais seriam construídas no
mesmo processo de conhecimento.38 “A realidade é, em grande medida, o que a fazemos
ser”39 - diz Watzlawick-. O sentido da vida é uma construção à qual damos o sentido que
desejamos. A vida não tem significado objetivo e nem a realidade. Não há natureza, realidade,
normalidade.

6. Uma consequência final de grande repercussão psicológica que se considera neste trabalho
é a negação e o esquecimento de que o corpo humano é feito para a maternidade e a
paternidade.40

35 Essas afirmações podem ser corroboradas graças aos resultados de pesquisas como a publicada em
Text of cognitive neurciences, de VICTOR MANUEL ALCÁZAR ROMERO e EMILIO GUMÁDÍAZ, Manual
Editorial Moderno, México, 2001, no capítulo 2, «Diferenças sexuais no cérebro: relação entre anatomia
comportamento e função »por JULIETA RAMOS LOYO do Instituto de Neurociências da Universidade de
Guadalajara (México).
36 Cfr. VITZ, P., Faith of the fatherless, Dallas, 2000, p.110-112
37 Cfr. ECHAVARRÍA, M., El relativismo en la psicología y en la psicopatología contemporáneas,

contribución en XXXIII Semana Tomista–Relativismo, Buenos Aires, Septiembre de 2008 .


38 ECHAVARRÍA, M., Corrientes de psicología contemporánea, Scire, Barcelona, 2010, p. 262.
39 WATZLAWICK, P, BEAVIN, J., JACKSON, D., Teoría de la comunicación humana, Herder, Barcelona,

2002, p. 235-236
40 Muitas das considerações que se seguem sobre a paternidade são inspiradas por algumas explicações

e demonstrações que podem ser encontradas na Tese de Doutorado ainda não publicada de KLAUS
DROSTE AUSBORNE, A palavra paterna na ordem da vida pessoal, apresentada em em 4 de dezembro de
2009 na Universidade Abat Oliba CEU de Barcelona, que obteve a qualificação de excelente cum laude,
p. 68-80
A mesma análise do corpo é aquela que confirma algo manifesto e evidente na mulher: que ela
está configurada para a maternidade. Somente aqueles que são racionalmente cegos
poderiam negar isso tão claramente para a inteligência quando ela se reflete no corpo
feminino. Agora, por natureza, a mulher não pode ser mãe sem a ajuda do homem. Portanto,
ela não é apenas mãe, mas também esposa. O homem comunica uma perfeição, um princípio
vital que a mulher recebe. Assim, percebe-se que o homem se configura desde sua própria
corporeidade para a paternidade. Na natureza íntima do feminino está a exigência inalienável
da maternidade, tanto física quanto espiritual. Sem essa perfeição, o feminino fica frustrado.
No homem está enraizada a inclinação para a paternidade, perfeição sem a qual o masculino
também é frustrado de alguma forma.

A negação da paternidade e da maternidade encontra sua expressão máxima quando uma


concepção é afirmada e viabilizada sem a ajuda do homem. O período mais crítico na negação
da paternidade ocorre quando se afirma que os filhos podem ser concebidos sem o ato
conjugal, ou seja, de alguma forma, sem o pai.

Porque a negação da paternidade - embora muitas vezes esquecida - no fundo supõe e


acarreta a negação da maternidade, a negação do feminino.

Todas essas propostas refletem, no fundo, um eco - talvez um tanto brutalizado - de muitos
dos postulados já encontrados na mais pura teoria freudiana, quando afirma que a meta da
vida é a morte.41 No feminino há um signo muito característico da Humanidade, pois a
característica do humano é receber e então comunicar. Assim, na medida em que o ser
humano não quer receber, não reconhece a dignidade da feminilidade. E por não reconhecer
sua dignidade, as mulheres são obrigadas a ser como os homens, suprimindo sua abertura ao
presente. Neste momento, uma vez que se defende e se promove é o valor da “conquista”,
sobre o valor da “doação”, o que é mais propriamente feminino é desvalorizado, perde a
importância e se torna ridículo. Sem o dom e a recepção iniciais, mesmo na ordem natural, não
há nova vida humana. O propriamente humano começa quando é recebido. Quando um
homem não pode receber, ele não pode mais viver como um homem, uma mulher que não é
mais capaz de receber, não pode mais viver como uma mulher. Porque o que é próprio do
homem é a filiação. Além disso, a filiação é a coisa mais radical do ser humano. A filiação é, por
assim dizer, a primeira evidência na vida de cada homem. Na verdade, não se pode pensar em
si mesmo sem os pais, não se pode pensar em si mesmo a não ser como vindo de alguém. Por
isso, com a negação mesmo mecânica da paternidade, a filiação divina deixa de ter substrato
psicológico na vida da alma do ser humano. Quando o mundo e a sociedade se fecham para a
recepção, para a dádiva, o que surge - e vemos isso todos os dias - é um esforço desmedido
para conquistar e dominar, e o que predomina é o técnico (a força), através que o homem
tenta governar as coisas e torcer ou manipular à sua "vontade" a mesma ordem fornecida pela
natureza. Mas acontece que a técnica não aperfeiçoa, não torna o homem moralmente bom,
nem mesmo acidentalmente. No máximo, a técnica permite apenas que o homem se torne um
especialista, seja um especialista em alguma coisa. É por isso que vivemos em um mundo que
parece pertencer apenas aos especialistas. Mas o uso e o domínio da técnica não tornam um
homem moralmente bom. Assim, a partir da pura utilização da (força) da técnica, abre-se o
caminho ao amor egoísta e a um jogo infantil no plano das relações amorosas entre homem e

41FREUD, S., Mas allá del principio del placer, en Psicología de las Masas, Alianza Editorial, 1977, p.
114.“Das Ziel alles Leben ist der Tod”.
mulher que não permite o encontro real fecundo necessário à constituição de uma vida
verdadeiramente humana.

A rejeição ou ausência do pai, especialmente a rejeição do pai homem, leva a longo prazo à
rejeição da diferença sexual entre homem e mulher, à rejeição do pai pela mãe, e assim surge
a mãe onipresente e onipotente que confia na (falsa) imagem da mulher auto-suficiente.

7. Permitam-me, para concluir esta abordagem, apresentar outra consequência, de ordem


psicológica, da negação da natureza sexual do ser humano, consequência que, desta vez e de
forma particular, atinge um distúrbio não só de âmbito psicológico, mas também também de
ordem moral que também tem repercussões na ordem espiritual.

Com efeito, a "não aceitação" da própria corporeidade sexual supõe, como indicamos
anteriormente, a "não aceitação" da própria pessoa, o desprezo por si mesmo. Este, para além
das consequências que já foram mencionadas acima, pode tornar-se a origem de uma atitude,
um modo de ser e de viver no mundo e com os outros, o que pode constituir um sério
impedimento à aquisição e o exercício de algumas das virtudes mais fundamentais na
formação do edifício vigoroso da personalidade virtuosa. Refiro-me às virtudes da humildade e
da gratidão. A humildade - indica Josef Pieper42 - não é principalmente um comportamento
externo, mas uma maneira de ser de dentro que nasce da decisão livre e consciente da
vontade ordenada.43 A humildade não é principalmente uma forma de se relacionar com
outros, mas uma certa maneira de estar na presença de Deus. É um julgamento de submissão
do homem a Deus. É a sujeição do homem a Deus, em cuja honra (o homem) também se
humilha ao se submeter aos outros. 44 A humildade consiste em que o homem se considere o
que realmente é, porque a humildade “leva em conta a regra da razão justa, segundo a qual
alguém se estima de forma verdadeira.”45 Por isso se diz que a humildade é a verdade: a
humildade é a verdade das coisas e a verdade de quem eu sou. Sem a aceitação grata da
própria corporeidade, não é possível ser humilde, porque não se é grato.

Gratidão implica conhecimento do presente que foi recebido. A gratidão requer de antemão
saber e reconhecer que foi dada, que foi beneficiada. Quando a própria corporeidade sexual
deixa de ser um dom a serviço da fecundidade pessoal, a gratidão pela própria existência
perde seu substrato existencial. A própria vida torna-se o produto de uma vontade técnica ao
serviço do público.

«O que tens que não recebeste» (1Cor. 4, 7) exclama o Apóstolo.

42 PIEPER, J., Las virtudes fundamentales, Rialp, Madrid 1990, p. 279


43 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología, II-II, q. 161, a. 3, ad. 3: “A humildade, como as demais
virtudes, manifesta-se preferencialmente no interior da alma. É por isso que o homem pode submeter-
se a outro por um ato interno da alma (...) ”. SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología, II-II, q. 161,
a. 1, ad. 2: “A humildade como virtude traz consigo um certo rebaixamento louvável de si mesmo. Isso
se faz, às vezes, apenas com sinais externos e é fingido, constituindo a falsa humildade, de que Santo
Agostinho diz numa carta que é um grande orgulho porque parece que busca a excelência da glória. Mas
às vezes é feito por um movimento interno da alma, caso em que a humildade é considerada uma
virtude própria, porque a virtude não consiste em manifestações externas, mas principalmente na
decisão interna da mente, como o Filósofo afirma na Ética. ”.
44 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologica, II-II, q. 161, a. 1, ad. 5.
45 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologica, II-II, q. 162, a. 3, ad 2.
Conclusão

O que é propriamente humano é a comunhão entre as pessoas. E a comunhão pessoal é


fecunda em si mesma. Assim, desde a “Ideologia de Gênero”, ao negar a inclinação natural de
homens e mulheres, o que se faz é negar “a grandeza do bem que constitui para os homens a
geração entre eles.”46 Santo Tomás de Aquino ensina que os anjos são mais parecidos com
Deus do que os homens, porque nos anjos, espíritos puros, a natureza intelectual é mais
perfeitamente dada. Porém, ensina o próprio santo, há uma coisa pela qual os homens são
mais parecidos com Deus do que os anjos: o homem nasce do homem, assim como Deus nasce
de Deus.47 Enquanto o anjo não nasce do anjo. Por serem pais de filhos, homens e mulheres se
assemelham ao Pai Eterno, que é o Pai do Filho, nascido do Pai antes de todos os séculos.

O desígnio divino, já desde as origens da Criação, fez com que o homem participasse
da fecundidade. Fecundidade que também deu às plantas e animais; mas, uma vez que
os frutos de uma árvore não são seres pessoais, não há paternidade. Existe
fecundidade, mas não existe paternidade. Mas nos homens, a fecundidade “biológica”
é o suporte material para fazer o homem existir. O homem colabora com um ato
criador de Deus de um ser pessoal. E esta é a paternidade humana. A maternidade é
uma com a paternidade humana. O homem e a mulher são pais em uma fecundidade
unitária, que no corpóreo tem essa polaridade. A paternidade humana é a participação
mais singular da Paternidade divina. Não há nada em todo o universo que seja assim -
disse Canals.48

Por isso, é importante insistir num ponto que Santo Tomás também insistiu, que é um erro
acreditar que a geração humana é fruto do pecado original; isto é, o homem nasce do homem
apenas do pecado original. Se assim fosse, então "o pecado do homem teria sido muito
necessário para alcançar um grande bem." 49 como diz Santo Tomás, "não é razoavelmente dito"
porque as coisas que são naturais ao homem não são suturadas nem dadas ao homem pelo
pecado ... ". “... É manifesto que, de acordo com sua vida animal, que também tinha antes do
pecado, a geração por meio da relação sexual é natural ao homem, como a outros animais

46 CANALS VIDAL, F.,«Naturaleza humana y generación», en Tomás de Aquino, un pensamiento siempre


actual, Scire, Barcelona, 2004, p. 279.
47 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 93, a. 3, in c.: “Podemos falar da imagem de Deus

em duplo sentido. Em primeiro lugar, como aquilo em que a razão de imagem é considerada antes de
tudo: natureza intelectual. Considerada dessa forma, a imagem de Deus ocorre mais no anjo do que no
homem, pois na primeira a natureza intelectual é mais perfeita. Em segundo lugar, a imagem de Deus
no homem pode ser considerada em seu elemento secundário, isto é, na medida em que no homem há
uma certa imitação de Deus, visto que o homem excede o homem, como Deus de Deus, e na medida em
que a alma humana está em todo o corpo e em cada uma de suas partes, como Deus com respeito ao
mundo. Sobre este e outros aspectos semelhantes, a imagem de Deus encontra-se mais plenamente no
homem do que no anjo ”.
48 CANALS VIDAL, F., La familia, Iglesia doméstica, educadora de cristianos, Conferencia inédita

pronunciada en San Sebastián el día 21 de Noviembre de 1990.


49 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 98, a. 1, in c.
perfeitos; e mostra nisso os membros naturais destinados a esse uso. Por isso - conclui Santo
Tomás - não se deve dizer que o uso de tais membros naturais não ocorreria antes do pecado
como o dos outros membros.”50 E mesmo - acrescenta Santo Tomás - no estado de inocência,
isto é, antes da queda do pecado original, uma vez que as potências sensíveis foram ordenados
sob o mandato da razão, o deleite sensível era ainda mais intenso, “porque a faculdade
concupiscível não se espalhava desordenadamente sobre tal deleite regulado pela razão; ao que
não pertence que o deleite dos sentidos seja menor, mas antes que a faculdade concupiscível
não se entregue indulgentemente ao deleite.”51

Possibilitar um encontro autêntico entre o feminino e o masculino é um dos elementos


mais importantes da cultura, pois só através do encontro sincero de um homem e uma
mulher o humano se manifesta em sua plenitude originária. Quando o masculino e o
feminino não se encontram espiritualmente, o humano desaparece, porque o
propriamente humano é a comunhão entre as pessoas. E a comunhão em si é fecunda.
A fertilidade, produto do encontro entre o masculino e o feminino, materializa-se na
aceitação da vida. A aspiração mais profunda da humanidade é a fecundidade que, como
tal, encontra o seu apogeu na fecunda comunhão pessoal. O homem se dá, a mulher
recebe e juntos concebem.52

A graça divina, que vem de Deus por meio de Cristo e sem a qual não poderíamos ser salvos,
nunca age fora da natureza; seu lugar apropriado de ação é a natureza. Não é que a Natureza
produza a eficácia da graça, mas age sobre ela. A graça atua nas almas dos homens, em sua
natureza, em sua imaginação, em sua vida diária do casamento e da família, e da educação que
receberam de seus pais e na qual deram seus filhos; em costumes tradicionais e populares; na
impregnação cristã dos costumes da vida cotidiana. Hoje, os substitutos da vida e do futuro
são procurados em todos os lugares, mas não há nenhum que possa realmente satisfazer as
aspirações mais profundas do coração humano. O futuro, não apenas a eternidade, pertence a
Cristo, que é aquele que é, aquele que era e aquele que há de vir. Cristo, o mesmo hoje,
ontem, o mesmo para sempre. (Heb 13.8).

50 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 98, a. 2, in c.


51 SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teología I, q. 98, a. 2, ad. 3.
52 DROSTE, K., La palabra paterna en el orden de la vida personal, tesis doctoral inédita, p.73.

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