Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
FUNDAMENTOS DA CLÍNICA
MACEIÓ-AL
2024
RESENHAS CRÍTICAS AB1
Maceió-AL
2024
Cartas a um jovem terapeuta
A profissão como psicoterapeuta traz consigo inúmeras dúvidas aflitivas àqueles que
querem exercê-la, por exemplo, é comum haver angústia e insegurança nos estudantes de
psicologia em relação a seu preparo profissional (Albanese, 2016). Dessa maneira, Cartas a
um jovem terapeuta de Calligaris (Calligaris, 2021) pode soar como palavras de alívio por
estudantes aflitos que o leem, pois seus escritos, advindos de um profissional que já exerce a
área, traz consigo luz ao vasto escuro da percepção estudantil da prática clínica.
Desse modo, o autor tratará sobre assuntos tais como a vocação profissional, o início
da carreira, a cura na psicoterapia, os limites individuais de atendimento e afins (Calligaris,
2021). Percebe-se pela variedade de temáticas que a profissão abrange um grande leque de
possibilidades, e traz consigo inúmeras questões, para as quais seriam necessários calhamaços
para esclarecê-las. Portanto, visto a amplitude dos temas que o livro trata, a presente resenha
procura se atentar às questões recorrentes por trás das cartas, recorrendo à análise das
entrelinhas de que muitas das dúvidas das cartas não advém somente da deficiência na
formação acadêmica, mas na pouca vivência fora dela, na pouca exploração da própria vida;
e, sobretudo, na falta de um olhar interior onde se reconheça suas afetações e o papel da
moralidade nelas.
Assim, procura-se enfatizar a importância das experiências fora da academia na
formação do psicoterapeuta, assim como a análise interior das afetações e de nossos medos,
para isso, utilizar-se-á de preceitos da filosofia de Spinoza e Nietzsche para ilustrar o ponto, e
sob a luz destes filósofos serão analisadas algumas cartas, destacando especialmente como a
experiência extracurricular contribui para evolução e aprimoramento do psicoteraupeuta em
formação.
Primeiramente, percebe-se em algumas das cartas, que há recorrentemente a
preocupação entre o limite individual do psicólogo frente às variedades da vida, quando
questionado acerca da importância de alguns traços de caráter, e se o psicólogo deveria dar
conselhos, ele nos traz um exemplo interessante :
Falando nisso, um episódio recente foi particularmente tragicômico:
uma igreja evangélica quis e tentou se constituir como centro de
formação “psicanalítica”. Nota: aparentemente, apesar dos ataques que
ela recebe, a psicanálise ainda deve ser uma denominação interessante.
Fora isso, dá calafrios a ideia de “terapeutas” convencidos de que o
Senhor e Bom Pastor sabe o caminho certo para cada ovelha e o
comunicará a seus ministros, de modo que eles possam encaminhar as
ditas ovelhas pela via do bem. Brrrrrrr. (Calligaris, 2021, p.16-17)
Num primeiro momento, retira-se desse trecho algumas problemáticas acerca do limite
pessoal do psicólogo, um ser humano como todos os outros, com crenças e valores, e seu
paciente. Ora, qual o papel da moralidade na hora de possíveis conselhos que se procurasse
dar ao paciente? Será que o “bem e o mal” fazem sentido na clínica? ou seria aconselhável
utilizar de um olhar mais pragmático?
O autor, não à toa, nos dá anteriormente um dos traços de caráter que gostaria que um
um futuro psicoterapeuta possuísse: uma boa dose de sofrimento psíquico (Calligaris, 2021, p.
11-12). E isso não se dá sem razão, pois a realidade do sofrimento psicológico acarreta
consigo uma boa dose de choque, no qual se vê que a moralidade, um padrão universal de
comportamento e do bem e do mal não pode ser utilizado com eficácia, e não somente isso,
como a própria moralidade pode se tornar a origem do sofrimento psíquico. Uma
demonstração clássica é trazida na genealogia da moral, de Nietzsche, na qual o autor afirma
que a moral cristã manteve consigo a supressão dos instintos criativos e que valorizassem a
própria vida, levando todos que estão fora da moralidade vigente sentirem um sentimento de
culpa por não se encaixarem (Nietzsche, 2009).
Assim, considera-se que é importante se desprender da moralidade a ponto de analisar
o paciente não como um meio cujos atos devem se encaminhar de acordo com uma
moralidade, mas como um fim em si, detentor das qualidades para escolher por si, aquilo que
mais lhe apetece. Portanto, idealmente, seria necessário que o psicoterapeuta se aproximasse
mais daquilo que Nietzsche chamada de Espírito livre (Nietzsche, 2019 ), desprendendo-se da
norma, e aproximando do paciente sem julgamentos prévios ou valores estabelecidos como
imutáveis.
Assim, o Adauto da moralidade raramente é escutado na clínica, pois a própria
moralidade possui um campo de atuação limitado e repressivo. Desse modo crê-se que é
fundamental uma análise mais pragmática daquilo que é bom ou ruim para o indivíduo, e, o
modo ético de Espinoza demonstra ser interessante, pois aliado a ele, há um projeto
ontológico que vê o ser humano de modo prático no mundo, que afeta e é afetado, o que
permite uma relação dinâmica de mudanças e afetações com a natureza.
Primordialmente, é necessário compreender que a concepção da ética de Espinoza está
relacionada a um campo de reconhecimento dos afetos, que são compreendidos como: “Por
Afeto entendo as afecções do Corpo pelas quais a potência de agir do próprio Corpo é
aumentada ou diminuída, favorecida ou coibida, e simultaneamente as ideias destas afecções”
(ESPINOSA, 2015, III, def 3). Assim , o autor adiante nos dará uma visão acerca de um dos
conceitos mais fundamentais de sua filosofia: o conatus, que é “O esforço pelo qual cada
coisa se esforça para perseverar em seu ser não é nada além da essência atual da própria
coisa” (Espinoza, 2015, III, prop 7). Assim, como demonstrado, todos os seres possuiriam o
conatus o qual lhes é, mesmo inconscientemente, a força de agir e ser no mundo.
Desse modo, Espinoza demonstrará que os afetos originários, tais como desejo, alegria
e tristeza estão em interconexão com nosso imaginário acerca do presente, passado e futuro.
(Espinoza, 2015, p.147) E, portanto, a compreensão acerca deles é interessante, já que trará
um autoconhecimento aprofundado acerca das vivências que lhe ocorrem.
Assim, entende-se que com uma vivência que compreende os fenômenos que lhe
acontecem não mais no campo metafísico do bem e do mal, mas do bom e do mau;
trazendo-lhe uma conotação mais materialista, vidrada na própria realidade e não na
possibilidade idealista. O terapeuta, assim, teria a concepção de que muitas vezes uma teoria,
moral ou norma frequentemente não se aplica à dialética existente da própria vida, sendo
necessário recorrer a uma análise do sujeito em si.
Portanto, é necessário que o psicólogo não se prenda às normas, e que ele obtenha um
boa análise interior de si, ou seja; “Uma boa dose de sofrimento psíquico”, como demonstrado
pelo autor, pois “é bom que o terapeuta ou analista não tenha uma grande paixão pedagógica.
Se ele for cagasenno de caráter, empurrará na direção que lhe parece certa à vista de seus
conceitos ou preconceitos.” (Calligaris, 2021. p. 15). E assim, uma análise mais pragmática,
que não se baseia em conceitos idealistas de bem e mal, como a de Espinoza, parece mais
condicente com a realidade humana e psíquica.
E, finalmente, ao se desamarrar de conceitos fixos, havendo uma vivência para além
da teoria, isso proporciona um enriquecimento pessoal que vai além das fronteiras teóricas do
conhecimento psicoterapêutico, pois assim há uma análise mais individualizada e respeitando
a singularidade dos sujeitos. E portanto, uma postura profissional que valoriza a experiência, a
flexibilidade das normas, o psicoterapeuta, pode, enfim, olhar o paciente além da
superficialidade.
REFERÊNCIAS
ESPINOSA, B. Ética. Tradução J. de Carvalho. 3 a ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983a.
Coleção Os Pensadores.
Nietzsche, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução: Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
A filosofia, ao menos no ocidente, tem seu início marcado pela aflição, procurando
responder uma das dúvidas mais importantes da humanidade: qual a origem das coisas? A
qual é respondida, primeiramente, pelo pré-socrático Tales de Mileto, e a resposta, para ele, é:
água. Tal resposta aos olhos da modernidade pode parecer demasiada simplória, e até mesmo
fútil. Entretanto, Nietzsche nos mostra o contrário, que essa resposta e pergunta trazem
consigo alguns fatos interessantes. Primeiro, porque ela pergunta sobre a origem das coisas,
segundo, porque responde sem recorrer aos mitos, ou as fabulações, e terceiro porque está
imbuído na pergunta e na resposta a concepção de que “Tudo é um” (Nietzsche, 1995). Ora, já
é perceptível uma cisão entre o saber pretérito, baseado nos mitos, e o saber pré-socrático,
baseado na observação e reflexão. Uma revolução, diga-se de passagem: epistemológica, na
medida em que o saber mitológico deixa seu posto para o filosófico.
Desse modo, como demonstrado, não é de todo estranho afirmar que muitos assuntos
da filosofia, e até mesmo da religião, nascem da ânsia por respostas advindas da angústia que
a própria vida traz. Assim, o autor Luc Ferry, no livro “Aprender a viver: uma filosofia para
os novos tempos” (2006) nos leva a conhecer os percursos que a filosofia traçou, e não
somente isso, mas como ela se relacionaria com a própria vida. Para isso, boa parte do livro
trata acerca de filosofias existencialistas, desde a antiguidade à era contemporânea.
Dessa maneira, como via de partida, faz-se importante começar pelo assunto sombrio
que é a morte. É indubitável que a morte está situada no livro do autor, como um assunto
sempre recorrente, e não é sem razão. Ela quem nos leva a pôr a vida e muitas de nossas ações
em limites que nos assegure de sua distância, como demonstrado pelas próprias religiões,
pois: “Mas de que catástrofe, de que perigo medonho as religiões pretendem nos fazer
escapar?Você já sabe a resposta: é da morte, sem dúvida, que se trata.” (Ferry, 2006 p. 13)
No entanto, será que a proposta religiosa de um mundo ideal e da salvação que nos
confortem da morte tem seu lugar no campo epistemológico e ontológico da atualidade? Ou
será que em meio aos benefícios que ela aparenta trazer, há por trás, muito mais malefícios
ilusórios, advindos de uma tradição dualista e idealista?
O que a presente resenha tenta fazer é analisar os aspectos ontológicos da sociedade
atual, e comparar os saberes religiosos e determinação de seu lugar no âmbito da moralidade e
da ética que são onde o idealismo religioso encontra a força de sua influência.
FERRY, Luc. Aprender a viver: filosofia para os novos tempos. Objetiva, 2010.
A Clínica em Witmer.
1
Tradução: A fraseologia de "psicologia clínica" e "clínica psicológica" certamente parecerá estranha para
muitos, como uma justaposição de termos relacionados a assuntos bastante diversos. Embora o termo "clínica"
tenha sido emprestado da medicina, a psicologia clínica não é uma psicologia médica. Eu adotei a palavra
"clínica" da medicina porque é o melhor termo que consigo encontrar para indicar o caráter do método que
considero necessário para este trabalho. (Tradução nossa).
E, anteriormente, o próprio autor nos diz que embora a psicologia esteja relacionada
com a medicina, ela também está relacionada com a sociologia e a pedagogia (Witmer, 1907).
Assim, cabe destacar que o autor aborda em seus estudos e prática clínica uma
abordagem plural, valendo-se de médicos, fisiólogos, oftalmologistas e outras áreas de
atuação. É reconhecido, inclusive, o fato de que o autor considerava que problemas médicos
poderiam interferir no funcionamento psicológico. (Witmer, 1907). Inclusive, acreditava que
seria benéfico uma intervenção direta na vida do paciente e de seus meios, o que, de acordo
com o autor, melhoraria o comportamento do indivíduo. (Routh, 1996)
É de imprescindível importância salientar que Witmer exerceu influência demasiada
na área da educação, uma vez que muitos de seus casos eram relacionados às deficiências
escolares. Como no caso de, uma criança com dificuldade na leitura que foi levada ao
laboratório de Witmer na ânsia de alguma resolução positiva. Embora comum hoje, faz-se
mister entender que essa abordagem voltada à resolução das problemáticas no comportamento
foi importante para demonstrar ao público a importância da aplicação prática da psicologia na
sociedade.
Além disso, o próprio autor é contrário a que a aplicação da psicologia clínica esteja
reclusa somente à crianças que desviam da norma, pois:
Em suma, percebe-se que o autor, como pioneiro da prática clínica nos Estados Unidos
e influenciado por Wundt, utiliza de uma prática mais experimental, valendo-se de
diagnósticos psicométricos. No entanto, ele não ficou recluso a isso, ao afirmar que a
psicologia deve tratar não apenas crianças com dificuldades escolares, mas também normais,
2
Tradução: Essas crianças, propriamente ditas, não são anormais, nem a condição de muitas delas deve ser
designada de alguma forma como patológica. Elas se desviam da média das crianças apenas por estarem em um
estágio mais baixo de desenvolvimento individual. A psicologia clínica, portanto, não exclui da consideração
outros tipos de crianças que se desviam da média, por exemplo, a criança precoce e o gênio. De fato, o método
clínico é aplicável até mesmo à criança chamada normal. (Tradução nossa.)
há expansão no campo de atuação da psicologia, tornando-a mais ampla e relevante à
sociedade em geral.
A clínica em Freud
Na virada do século XIX para o XX, a psicologia tem se firmado como ciência na
Europa, no entanto, ela ainda se dava dentro do âmbito experimental e laboratorial. É com
Sigmund Freud que o método introspectivo e o uso da palavra ganharão mais enfoque e
importância durante o século XIX e XX.
Primeiramente, é importante falarmos da origem de Freud como neurologista, assim
como sua formação como médico e frisar que ele considerará a psicanálise como uma
naturwissenchaft, ou seja, uma ciência da natureza. Tal compreensão é importante, pois ela
nos dá as noções pelas quais devemos caminhar ao nos debruçarmos pelas obras da
psicanálise de Freud.
Assim, para compreender a clínica psicanalítica é necessário entender o que lhe
fundamente. Dessa maneira, o conceito de inconsciente é de extrema importância para a
análise da clínica freudiana. A concepção do inconsciente se dá em meio aos estudos de Freud
com pacientes histéricas que percebeu que alguns sintomas são anatomicamente inexplicáveis,
concedendo-lhes a resposta de que se baseiam em acontecimentos de grande impacto
emocional na vida do paciente. E além disso, podem vir à tona por atos falhos, sonhos,
processos de transferência e afins. (Cordeiro, 2010)
A criação do inconsciente e sua divulgação acarreta consigo algumas problemáticas e
turbulências na sociedade europeia do século XX que, dominada pela razão, possui receio na
aceitação do inconsciente, haja vista que o conceito traria bases às quais o sujeito não
possuiria poder nem controle (Cordeiro, 2010, p.4) . Isso reflete a tensão existente na época e
as implicações que as teorias psicológicas de Freud traziam. A resistência à aceitação do
inconsciente na Europa do século XX representa não apenas um dilema intelectual, mas um
desafio cultural que questiona as fronteiras entre a razão e a complexidade subjetiva.
Há, da mesma maneira, a criação do Id, Ego e superego, os quais possuem importância
na fundamentação da clínica freudiana. Em síntese, ambos estariam em uma relação
dinâmica, na qual o Id representaria as instâncias mais pulsionais, e primitivas e que seria
regido pela busca do prazer e sensações. O ego seria a instância do eu, e, portanto, faria a
intermediação entre seus desejos e o ambiente, enquanto o superego seria a instância
moralizante do processo, punindo o ego de acordo com normas e valores. (Melo, 2023)
Dessa forma, o processo de associação livre ganha importância fundamental, uma vez
que ela nos daria, por vezes, acesso ao inconsciente, e com uma análise detalhada será capaz
de identificar falhas no discurso, assim como conteúdo latente inserido e um efeito catártico
dado ao paciente. Assim, a importância da associação livre vai além da análise de simples
palavras, mas vale para uma análise sutil dos meandros emocionais que atravessam o sujeito,
e suas expressões.
Em suma, a contribuição de Freud para a psicologia e a clínica psicanalítica
estabeleceu um legado duradouro, desafiando a cultura predominante de seu tempo e
aprofundando a compreensão da mente humana. Seu trabalho continua a influenciar a prática
clínica e a teoria psicológica, moldando o cenário psicanalítico do século XXI e inspirando
gerações subsequentes.
CAMBAÚVA, Lenita Gama; SILVA, Lucia Cecilia da; FERREIRA, Walterlice. Reflexões
sobre o estudo da História da Psicologia. Estudos de Psicologia (Natal), v. 3, p. 207-227,
1998.
MELO, Yure. Id, ego, superego e a estruturação da psique. Editora Dialética, 2023.
ROUTH, Donald K. Lightner Witmer and the first 100 years of clinical psychology.
American Psychologist, v. 51, n. 3, p. 244, 1996.
SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da psicologia moderna. Cengage
Learning, 2023.