Você está na página 1de 16

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
FUNDAMENTOS DA CLÍNICA

JEAN CARLOS DE OLIVEIRA DIAS

RESENHAS CRÍTICAS - AB1

MACEIÓ-AL
2024
RESENHAS CRÍTICAS AB1

Portfólio apresentado à disciplina de Fundamentos


da clínica, para requisito parcial de obtenção de nota
do curso de Psicologia da Universidade Federal de
Alagoas Campus A.C. Simões.

Docente: Prof. Dr. Charles Elias Lang

Maceió-AL
2024
Cartas a um jovem terapeuta

A profissão como psicoterapeuta traz consigo inúmeras dúvidas aflitivas àqueles que
querem exercê-la, por exemplo, é comum haver angústia e insegurança nos estudantes de
psicologia em relação a seu preparo profissional (Albanese, 2016). Dessa maneira, Cartas a
um jovem terapeuta de Calligaris (Calligaris, 2021) pode soar como palavras de alívio por
estudantes aflitos que o leem, pois seus escritos, advindos de um profissional que já exerce a
área, traz consigo luz ao vasto escuro da percepção estudantil da prática clínica.
Desse modo, o autor tratará sobre assuntos tais como a vocação profissional, o início
da carreira, a cura na psicoterapia, os limites individuais de atendimento e afins (Calligaris,
2021). Percebe-se pela variedade de temáticas que a profissão abrange um grande leque de
possibilidades, e traz consigo inúmeras questões, para as quais seriam necessários calhamaços
para esclarecê-las. Portanto, visto a amplitude dos temas que o livro trata, a presente resenha
procura se atentar às questões recorrentes por trás das cartas, recorrendo à análise das
entrelinhas de que muitas das dúvidas das cartas não advém somente da deficiência na
formação acadêmica, mas na pouca vivência fora dela, na pouca exploração da própria vida;
e, sobretudo, na falta de um olhar interior onde se reconheça suas afetações e o papel da
moralidade nelas.
Assim, procura-se enfatizar a importância das experiências fora da academia na
formação do psicoterapeuta, assim como a análise interior das afetações e de nossos medos,
para isso, utilizar-se-á de preceitos da filosofia de Spinoza e Nietzsche para ilustrar o ponto, e
sob a luz destes filósofos serão analisadas algumas cartas, destacando especialmente como a
experiência extracurricular contribui para evolução e aprimoramento do psicoteraupeuta em
formação.
Primeiramente, percebe-se em algumas das cartas, que há recorrentemente a
preocupação entre o limite individual do psicólogo frente às variedades da vida, quando
questionado acerca da importância de alguns traços de caráter, e se o psicólogo deveria dar
conselhos, ele nos traz um exemplo interessante :
Falando nisso, um episódio recente foi particularmente tragicômico:
uma igreja evangélica quis e tentou se constituir como centro de
formação “psicanalítica”. Nota: aparentemente, apesar dos ataques que
ela recebe, a psicanálise ainda deve ser uma denominação interessante.
Fora isso, dá calafrios a ideia de “terapeutas” convencidos de que o
Senhor e Bom Pastor sabe o caminho certo para cada ovelha e o
comunicará a seus ministros, de modo que eles possam encaminhar as
ditas ovelhas pela via do bem. Brrrrrrr. (Calligaris, 2021, p.16-17)
Num primeiro momento, retira-se desse trecho algumas problemáticas acerca do limite
pessoal do psicólogo, um ser humano como todos os outros, com crenças e valores, e seu
paciente. Ora, qual o papel da moralidade na hora de possíveis conselhos que se procurasse
dar ao paciente? Será que o “bem e o mal” fazem sentido na clínica? ou seria aconselhável
utilizar de um olhar mais pragmático?
O autor, não à toa, nos dá anteriormente um dos traços de caráter que gostaria que um
um futuro psicoterapeuta possuísse: uma boa dose de sofrimento psíquico (Calligaris, 2021, p.
11-12). E isso não se dá sem razão, pois a realidade do sofrimento psicológico acarreta
consigo uma boa dose de choque, no qual se vê que a moralidade, um padrão universal de
comportamento e do bem e do mal não pode ser utilizado com eficácia, e não somente isso,
como a própria moralidade pode se tornar a origem do sofrimento psíquico. Uma
demonstração clássica é trazida na genealogia da moral, de Nietzsche, na qual o autor afirma
que a moral cristã manteve consigo a supressão dos instintos criativos e que valorizassem a
própria vida, levando todos que estão fora da moralidade vigente sentirem um sentimento de
culpa por não se encaixarem (Nietzsche, 2009).
Assim, considera-se que é importante se desprender da moralidade a ponto de analisar
o paciente não como um meio cujos atos devem se encaminhar de acordo com uma
moralidade, mas como um fim em si, detentor das qualidades para escolher por si, aquilo que
mais lhe apetece. Portanto, idealmente, seria necessário que o psicoterapeuta se aproximasse
mais daquilo que Nietzsche chamada de Espírito livre (Nietzsche, 2019 ), desprendendo-se da
norma, e aproximando do paciente sem julgamentos prévios ou valores estabelecidos como
imutáveis.
Assim, o Adauto da moralidade raramente é escutado na clínica, pois a própria
moralidade possui um campo de atuação limitado e repressivo. Desse modo crê-se que é
fundamental uma análise mais pragmática daquilo que é bom ou ruim para o indivíduo, e, o
modo ético de Espinoza demonstra ser interessante, pois aliado a ele, há um projeto
ontológico que vê o ser humano de modo prático no mundo, que afeta e é afetado, o que
permite uma relação dinâmica de mudanças e afetações com a natureza.
Primordialmente, é necessário compreender que a concepção da ética de Espinoza está
relacionada a um campo de reconhecimento dos afetos, que são compreendidos como: “Por
Afeto entendo as afecções do Corpo pelas quais a potência de agir do próprio Corpo é
aumentada ou diminuída, favorecida ou coibida, e simultaneamente as ideias destas afecções”
(ESPINOSA, 2015, III, def 3). Assim , o autor adiante nos dará uma visão acerca de um dos
conceitos mais fundamentais de sua filosofia: o conatus, que é “O esforço pelo qual cada
coisa se esforça para perseverar em seu ser não é nada além da essência atual da própria
coisa” (Espinoza, 2015, III, prop 7). Assim, como demonstrado, todos os seres possuiriam o
conatus o qual lhes é, mesmo inconscientemente, a força de agir e ser no mundo.
Desse modo, Espinoza demonstrará que os afetos originários, tais como desejo, alegria
e tristeza estão em interconexão com nosso imaginário acerca do presente, passado e futuro.
(Espinoza, 2015, p.147) E, portanto, a compreensão acerca deles é interessante, já que trará
um autoconhecimento aprofundado acerca das vivências que lhe ocorrem.
Assim, entende-se que com uma vivência que compreende os fenômenos que lhe
acontecem não mais no campo metafísico do bem e do mal, mas do bom e do mau;
trazendo-lhe uma conotação mais materialista, vidrada na própria realidade e não na
possibilidade idealista. O terapeuta, assim, teria a concepção de que muitas vezes uma teoria,
moral ou norma frequentemente não se aplica à dialética existente da própria vida, sendo
necessário recorrer a uma análise do sujeito em si.
Portanto, é necessário que o psicólogo não se prenda às normas, e que ele obtenha um
boa análise interior de si, ou seja; “Uma boa dose de sofrimento psíquico”, como demonstrado
pelo autor, pois “é bom que o terapeuta ou analista não tenha uma grande paixão pedagógica.
Se ele for cagasenno de caráter, empurrará na direção que lhe parece certa à vista de seus
conceitos ou preconceitos.” (Calligaris, 2021. p. 15). E assim, uma análise mais pragmática,
que não se baseia em conceitos idealistas de bem e mal, como a de Espinoza, parece mais
condicente com a realidade humana e psíquica.
E, finalmente, ao se desamarrar de conceitos fixos, havendo uma vivência para além
da teoria, isso proporciona um enriquecimento pessoal que vai além das fronteiras teóricas do
conhecimento psicoterapêutico, pois assim há uma análise mais individualizada e respeitando
a singularidade dos sujeitos. E portanto, uma postura profissional que valoriza a experiência, a
flexibilidade das normas, o psicoterapeuta, pode, enfim, olhar o paciente além da
superficialidade.
REFERÊNCIAS

ALBANESE, Luciana. Formação do Psicólogo Brasileiro: impasses e desafios. Revista


INFAD de Psicología. International Journal of Developmental and Educational Psychology.,
v. 2, n. 1, p. 271-282, 2016.

CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas,


aspirantes e curiosos. Planeta Estratégia, 2021.

ESPINOSA, B. Ética. Tradução J. de Carvalho. 3 a ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983a.
Coleção Os Pensadores.

Nietzsche, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução: Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. LeBooks Editora, 2019.


Aprender a viver: uma filosofia para os novos tempos.

Olhai! A Morte edificou o seu trono numa estranha


cidade solitária por entre as sombras do longínquo
oeste. Lá, os bons, os maus, os piores e os
melhores, foram todos buscar repouso eterno.

Edgar Allan Poe

A filosofia, ao menos no ocidente, tem seu início marcado pela aflição, procurando
responder uma das dúvidas mais importantes da humanidade: qual a origem das coisas? A
qual é respondida, primeiramente, pelo pré-socrático Tales de Mileto, e a resposta, para ele, é:
água. Tal resposta aos olhos da modernidade pode parecer demasiada simplória, e até mesmo
fútil. Entretanto, Nietzsche nos mostra o contrário, que essa resposta e pergunta trazem
consigo alguns fatos interessantes. Primeiro, porque ela pergunta sobre a origem das coisas,
segundo, porque responde sem recorrer aos mitos, ou as fabulações, e terceiro porque está
imbuído na pergunta e na resposta a concepção de que “Tudo é um” (Nietzsche, 1995). Ora, já
é perceptível uma cisão entre o saber pretérito, baseado nos mitos, e o saber pré-socrático,
baseado na observação e reflexão. Uma revolução, diga-se de passagem: epistemológica, na
medida em que o saber mitológico deixa seu posto para o filosófico.

Desse modo, como demonstrado, não é de todo estranho afirmar que muitos assuntos
da filosofia, e até mesmo da religião, nascem da ânsia por respostas advindas da angústia que
a própria vida traz. Assim, o autor Luc Ferry, no livro “Aprender a viver: uma filosofia para
os novos tempos” (2006) nos leva a conhecer os percursos que a filosofia traçou, e não
somente isso, mas como ela se relacionaria com a própria vida. Para isso, boa parte do livro
trata acerca de filosofias existencialistas, desde a antiguidade à era contemporânea.

Dessa maneira, como via de partida, faz-se importante começar pelo assunto sombrio
que é a morte. É indubitável que a morte está situada no livro do autor, como um assunto
sempre recorrente, e não é sem razão. Ela quem nos leva a pôr a vida e muitas de nossas ações
em limites que nos assegure de sua distância, como demonstrado pelas próprias religiões,
pois: “Mas de que catástrofe, de que perigo medonho as religiões pretendem nos fazer
escapar?Você já sabe a resposta: é da morte, sem dúvida, que se trata.” (Ferry, 2006 p. 13)
No entanto, será que a proposta religiosa de um mundo ideal e da salvação que nos
confortem da morte tem seu lugar no campo epistemológico e ontológico da atualidade? Ou
será que em meio aos benefícios que ela aparenta trazer, há por trás, muito mais malefícios
ilusórios, advindos de uma tradição dualista e idealista?
O que a presente resenha tenta fazer é analisar os aspectos ontológicos da sociedade
atual, e comparar os saberes religiosos e determinação de seu lugar no âmbito da moralidade e
da ética que são onde o idealismo religioso encontra a força de sua influência.

Primeiramente cabe salientar o lugar ontológico e epistemológico do qual se parte a


teologia cristã, é um lugar, sobretudo, de dualidade; ou seja, há tanto um mundo físico, como
um imaterial. No entanto, durante algum tempo possuíamos um olhar diferente para o ser e o
conhecimento, por exemplo, na grécia antiga as divindades não existiam no mundo situado no
além, mas no mundo material, físico, um lugar que, de forma poética, não distinguia
imaginação da realidade. Um exemplo para isso é o próprio mito de Orfeu que, após a morte
de sua esposa, toca sua lira, os animais e pedras ficam animados frente à sua habilidade
musical e, misteriosamente, uma porta ao Hades se abre. (Ovídio, P.355)

Dessa forma, em primeiro momento pode-se discorrer acerca da realidade desse


mundo “além”, ela não passa, antes de tudo, de uma possibilidade. E portanto, constitui suas
bases não naquilo que é certo, mas no incerto. Assim, na medida em que a ideia de salvação
cristã conforta os corações daqueles que temem a morte, isso consiste, antes de tudo, de uma
possibilidade à qual não se tem como provar, e, além disso, junto a ela estão alinhados
preceitos morais, culpa, redenção e inúmeros fatores que podem levar à deterioração psíquica
de indivíduos que não seguem à norma moral, já que, com o cristianismo, ela de fato, toma
um caráter universal (Ferry, 2006, p. 89).

Aderindo um olhar aprofundado, torna-se capaz compreender que a ideia cristã


idealista também possui de base a filosofia grega, e além do mais, bebe bastante da fonte do
platonismo. Na medida em que nega o terreno, afirmando-o como inferior, e eleva o imaterial
como superior. E, embora de fato, o cristianismo em muitos momentos relegue o mundo
material a um plano de inferioridade, ele não o faz sempre, por vezes, utiliza de relatos
bíblicos como no da ressurreição de Jesus, o qual ganha materialidade, para comprovação da
dicotomia corpo-alma. (Ferry, 2006, p. 103).

No entanto, embora o cristianismo tenha como base uma filosofia dualista de


corpo-alma e transcendental, a época vigente está em desacordo com tal olhar. Possuindo,
muito mais, um ponto de vista materialista e imanente, sobretudo no campo do saber
científico. Assim, já é possível observar o declínio do cristianismo na explicação científica e
social, sendo substituído por teorias de cunho materialista para explicação do mundo.
Entretanto, é inegável seu poder e seu legado às bases éticas da sociedade atual, pois é graças
a ele que possuímos um mundo em que a meritocracia e o individualismo são valorizados,
diferente do ideal aristocrático da idade antiga, assim como boa base do respeito aos valores
do homem é influenciado pelo cristianismo. Essas bases, no que pesem às críticas, advém em
grande parte da religião cristã, e, atualmente, estão longe de cair em declínio; mas, a base
cristã por trás dela está, os fundamentos que regem boa parte das bases éticas de nosso mundo
está desmoronando, o que pode levar, não à queda dos valores éticos atuais, mas uma reforma
das bases que o fundamentam.
REFERÊNCIAS

FERRY, Luc. Aprender a viver: filosofia para os novos tempos. Objetiva, 2010.

NIETZSCHE, Friedrich W. A filosofia na idade trágica dos gregos. Tradução: Maria


Inês Madeira de Andrade. Lisboa: Edições 70, 1995. (Versão em PDF).

OVÍDIO. Metamorfoses. Trad. de Paulo Farmhouse. Lisboa: Cotovia, 2007.


Comparações entre a psicologia clínica de Witmer e Freud

A Clínica em Witmer.

Lightner Witmer, psicólogo estadunidense, é conhecido por ser pioneiro na psicologia


clínica no contexto americano, sobretudo por utilizar a expressão de psicologia clínica em
1896 (Teixeira, 1997). Orientado por Wundt, também trouxe aos Estados Unidos a psicologia
com ênfase na experimentação, portanto, utilizava de métodos psicométricos e físicos em sua
atuação, sobretudo com crianças deficientes (Teixeira, 1997).
Desse modo, prosseguiu também com estudos acadêmicos na área psicológica e
fundou a revista Clinical Psychology em 1907, na qual aborda diversos casos do seu
laboratório de psicologia clínica da Universidade da Pensilvânia, principalmente relacionados
com crianças que possuíam dificuldade escolar (Cambaúva, 1998). Assim, percebe-se que
parte de sua atuação parte de um pressuposto mais funcionalista, ou seja, mais direto ao
comportamento, não procurando dar ênfase à psiquê e suas formas subjetivas.
Como pioneiro na psicologia clínica, é importante destacar que ele não possuía
exemplos pretéritos para usar como fundamentos em suas abordagens, destacando, dessa
maneira que ele teve de criar, muitas vezes, métodos de diagnósticos próprios, inclusive seu
tratamento, baseando-se apenas na utilização de outras áreas de atuação, assim como o seu
conhecimento próprio. (Schultz, 2023)
No entanto, é importante destacar que embora o autor use o termo “Clínico”, ele nos
alerta acerca das diferenças no uso da palavra no contexto psicológico e no contexto médico,
pois:
The phraseology of "clinical psychology" and "psychological clinic"
will doubtless strike many as an odd juxtaposition of terms relating to
quite disparate subjects. While the term "clinical" has been borrowed
from medicine, clinical psychology is not a medical psychology. I
have borrowed the word "clinical" from medicine, because it is the
best term I can find to indicate the character of the method which I
deem necessary for this work.1 (Witmer, 1907)

1
Tradução: A fraseologia de "psicologia clínica" e "clínica psicológica" certamente parecerá estranha para
muitos, como uma justaposição de termos relacionados a assuntos bastante diversos. Embora o termo "clínica"
tenha sido emprestado da medicina, a psicologia clínica não é uma psicologia médica. Eu adotei a palavra
"clínica" da medicina porque é o melhor termo que consigo encontrar para indicar o caráter do método que
considero necessário para este trabalho. (Tradução nossa).
E, anteriormente, o próprio autor nos diz que embora a psicologia esteja relacionada
com a medicina, ela também está relacionada com a sociologia e a pedagogia (Witmer, 1907).
Assim, cabe destacar que o autor aborda em seus estudos e prática clínica uma
abordagem plural, valendo-se de médicos, fisiólogos, oftalmologistas e outras áreas de
atuação. É reconhecido, inclusive, o fato de que o autor considerava que problemas médicos
poderiam interferir no funcionamento psicológico. (Witmer, 1907). Inclusive, acreditava que
seria benéfico uma intervenção direta na vida do paciente e de seus meios, o que, de acordo
com o autor, melhoraria o comportamento do indivíduo. (Routh, 1996)
É de imprescindível importância salientar que Witmer exerceu influência demasiada
na área da educação, uma vez que muitos de seus casos eram relacionados às deficiências
escolares. Como no caso de, uma criança com dificuldade na leitura que foi levada ao
laboratório de Witmer na ânsia de alguma resolução positiva. Embora comum hoje, faz-se
mister entender que essa abordagem voltada à resolução das problemáticas no comportamento
foi importante para demonstrar ao público a importância da aplicação prática da psicologia na
sociedade.
Além disso, o próprio autor é contrário a que a aplicação da psicologia clínica esteja
reclusa somente à crianças que desviam da norma, pois:

These children are not, properly speaking, abnormal, nor is the


condition of many of them to be designated as in any way
pathological. They deviate from the average of children only in being
at a lower stage of individual development. Clinical psychology,
therefore, does not exclude from consideration other types of children
that deviate from the average-for example, the precocious child and
the genius. Indeed, the clinical method is applicable even to the
so-called normal child. (Witmer, 1907)2

Em suma, percebe-se que o autor, como pioneiro da prática clínica nos Estados Unidos
e influenciado por Wundt, utiliza de uma prática mais experimental, valendo-se de
diagnósticos psicométricos. No entanto, ele não ficou recluso a isso, ao afirmar que a
psicologia deve tratar não apenas crianças com dificuldades escolares, mas também normais,

2
Tradução: Essas crianças, propriamente ditas, não são anormais, nem a condição de muitas delas deve ser
designada de alguma forma como patológica. Elas se desviam da média das crianças apenas por estarem em um
estágio mais baixo de desenvolvimento individual. A psicologia clínica, portanto, não exclui da consideração
outros tipos de crianças que se desviam da média, por exemplo, a criança precoce e o gênio. De fato, o método
clínico é aplicável até mesmo à criança chamada normal. (Tradução nossa.)
há expansão no campo de atuação da psicologia, tornando-a mais ampla e relevante à
sociedade em geral.

A clínica em Freud
Na virada do século XIX para o XX, a psicologia tem se firmado como ciência na
Europa, no entanto, ela ainda se dava dentro do âmbito experimental e laboratorial. É com
Sigmund Freud que o método introspectivo e o uso da palavra ganharão mais enfoque e
importância durante o século XIX e XX.
Primeiramente, é importante falarmos da origem de Freud como neurologista, assim
como sua formação como médico e frisar que ele considerará a psicanálise como uma
naturwissenchaft, ou seja, uma ciência da natureza. Tal compreensão é importante, pois ela
nos dá as noções pelas quais devemos caminhar ao nos debruçarmos pelas obras da
psicanálise de Freud.
Assim, para compreender a clínica psicanalítica é necessário entender o que lhe
fundamente. Dessa maneira, o conceito de inconsciente é de extrema importância para a
análise da clínica freudiana. A concepção do inconsciente se dá em meio aos estudos de Freud
com pacientes histéricas que percebeu que alguns sintomas são anatomicamente inexplicáveis,
concedendo-lhes a resposta de que se baseiam em acontecimentos de grande impacto
emocional na vida do paciente. E além disso, podem vir à tona por atos falhos, sonhos,
processos de transferência e afins. (Cordeiro, 2010)
A criação do inconsciente e sua divulgação acarreta consigo algumas problemáticas e
turbulências na sociedade europeia do século XX que, dominada pela razão, possui receio na
aceitação do inconsciente, haja vista que o conceito traria bases às quais o sujeito não
possuiria poder nem controle (Cordeiro, 2010, p.4) . Isso reflete a tensão existente na época e
as implicações que as teorias psicológicas de Freud traziam. A resistência à aceitação do
inconsciente na Europa do século XX representa não apenas um dilema intelectual, mas um
desafio cultural que questiona as fronteiras entre a razão e a complexidade subjetiva.
Há, da mesma maneira, a criação do Id, Ego e superego, os quais possuem importância
na fundamentação da clínica freudiana. Em síntese, ambos estariam em uma relação
dinâmica, na qual o Id representaria as instâncias mais pulsionais, e primitivas e que seria
regido pela busca do prazer e sensações. O ego seria a instância do eu, e, portanto, faria a
intermediação entre seus desejos e o ambiente, enquanto o superego seria a instância
moralizante do processo, punindo o ego de acordo com normas e valores. (Melo, 2023)
Dessa forma, o processo de associação livre ganha importância fundamental, uma vez
que ela nos daria, por vezes, acesso ao inconsciente, e com uma análise detalhada será capaz
de identificar falhas no discurso, assim como conteúdo latente inserido e um efeito catártico
dado ao paciente. Assim, a importância da associação livre vai além da análise de simples
palavras, mas vale para uma análise sutil dos meandros emocionais que atravessam o sujeito,
e suas expressões.
Em suma, a contribuição de Freud para a psicologia e a clínica psicanalítica
estabeleceu um legado duradouro, desafiando a cultura predominante de seu tempo e
aprofundando a compreensão da mente humana. Seu trabalho continua a influenciar a prática
clínica e a teoria psicológica, moldando o cenário psicanalítico do século XXI e inspirando
gerações subsequentes.

Diferenças entre a clínica de Freud e Witmer


Após a análise minuciosa da bibliografia e dos feitos de cada um dos autores,
percebe-se que há diferenças notáveis entre ambos. Primeiramente, cabe destacar como ambos
possuem diferenças na produção do conhecimento, e de como isso pode ser um indicativo do
ambiente de seus locais. Witmer, possui uma clínica psicológica muito mais direcionada à
efetividade do comportamento, procurando, uma resolução rápida para a problemática, uma
abordagem mais experimental direcionada às condições físicas perceptíveis na sociedade,
como é o caso das crianças com dificuldades no desenvolvimento da aprendizagem.
Já Freud, por sua vez, foca seu trabalho inicialmente naquilo que tange às profundezas,
portanto, seu trabalho com mulheres histéricas lhe permitiu observar aquilo que as move, no
entanto que não possui causa corpórea, trazendo-lhe a noção de inconsciente, o qual molda e
muda a modernidade. Essa abordagem permitiu a Freud discernir a presença do inconsciente,
um reino psíquico subjacente que molda e influencia a modernidade.
Os autores diferem também naquilo acerca da praticidade da clínica de cada um, por
exemplo: Witmer possui uma abordagem mais concreta da realidade voltada à aplicação
prática, sua abordagem era orientada para intervenções mais diretas, sem buscar se aprofundar
em demasia nas complexidades teóricas e na causalidade das disfunções. Já Freud possui uma
análise que busca compreender a profundeza do comportamento, buscar suas causas e
procurar intervenções até mesmo naquilo que acredita ser a origem do problema. Assim, ele
utiliza da análise de fenômenos como os sonhos, atos falhos e a análise do inconsciente para
demonstração e aprofundar sua teoria.
E por fim, a análise de Freud tem um contexto de aprofundamento na teoria que rege o
funcionamento psíquico, enquanto Witmer se preocupa mais com a funcionalidade dele dentro
de seu ambiente. Como no caso do desenvolvimento infantil, onde Freud estabelece um
arcabouço teórico voltado ao complexo do édipo e suas fases e o tratamento se daria,
majoritariamente, pela linguagem, já Witmer, por outro lado, se interessa mais naquilo que é
voltado para melhorar o desenvolvimento e bem estar da criança frente ao seu ambiente,
utilizando para isso métodos psicométricos e psicofísicos elaborados por ele mesmo em
conjuntos a outros profissionais de outras áreas para alcançar aquilo que considera como
proveitoso.
REFERÊNCIAS

CAMBAÚVA, Lenita Gama; SILVA, Lucia Cecilia da; FERREIRA, Walterlice. Reflexões
sobre o estudo da História da Psicologia. Estudos de Psicologia (Natal), v. 3, p. 207-227,
1998.

CORDEIRO, Everton Fernandes. O inconsciente em Sigmund Freud. Psicologia. pt, 2010.

MELO, Yure. Id, ego, superego e a estruturação da psique. Editora Dialética, 2023.

ROUTH, Donald K. Lightner Witmer and the first 100 years of clinical psychology.
American Psychologist, v. 51, n. 3, p. 244, 1996.

SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da psicologia moderna. Cengage
Learning, 2023.

TEIXEIRA, Rita Petrarca. Repensando a psicologia clínica. Paidéia (Ribeirão Preto), p.


51-62, 1997.

WITMER, Lightner. Clinical psychology. The Psychological Clinic, v. 1, n. 1, p. 1, 1907.

Você também pode gostar