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MORATO, H. T. P.

Pedido, queixa e demanda no Plantão Psicológico: querer poder ou


precisar? VI Simpósio Nacional de Práticas Psicológicas em Instituição – Psicologia e
Políticas Públicas. Vitória: UFES, 2006.

Pedido, queixa e demanda no Plantão Psicológico: querer poder ou precisar?

Henriette Tognetti Penha Morato

Recorrer ao Plantão para desconstruir modos estritos de saber como conhecimento legítimo
poderá, ao mesmo tempo, construir uma compreensão para o próprio sentido de Plantão, para além
das fundamentações teóricas implicadas na sua origem. Recorro ao primeiro prefácio do livro
Tutaméia de Guimarães Rosa, para essa reflexão: "Diante de uma casa em demolição, o menino
observa: - ‘Olha, pai! Estão fazendo um terreno!”. Desconstrução apresenta-se, aqui, por uma ótica
outra daquela usualmente tomada: um terreno está sendo construído, no lugar da desconstrução de
uma casa. Diz de um novo espaço criado para outras construções possíveis, uma nova paisagem
reconfigurando o ambiente que, embora vazio, deixar ver possibilidades para outras situações.
Nesse sentido, não trilharei o caminho correntemente usual, pois não desejo adequar o
Plantão Psicológico a uma teoria ou a um conceito. Recorro a outras experiências, reflexões e
autores sobre a condição humana, aproximando-se, assim, daquilo que foi realizado como prática
clínica em Psicologia.
Neste trabalho, o Plantão Psicológico é fenômeno a ser estudado e também metodologia
de estudo, pois a forma com a qual as reflexões são conduzidas assemelha-se muito ao próprio
modo do atendimento em Plantão Psicológico: uma ação que, em sua matriz, é essencialmente
clínico-investigativa, pois busca esclarecer junto àquele que sofre uma demanda a partir dele
mesmo, na tentativa de abrir possibilidades para que ele se responsabilize1 pelo seu próprio
cuidado. É um proceder que, a todo o momento, se coloca em discussão, avaliando o que ocorre a
cada encontro entre plantonista e aquele que sofre, para, através desta avaliação2, possibilitar que
a demanda apresentada se esclareça como necessidade e urgência3.
Tal fazer clínico-investigativo se propõe a, junto ao cliente, resgatar dimensões da sua
condição humana, compreendendo-as como ontológicas e não como obstáculos a serem
transpostos ou adaptados a uma norma. Como atitude clínica, refere-se ao modo como o

1
Responsabilizar como responder a foi aqui utilizado no sentido de conduzir-se por.
2
Avaliação em sua acepção de valorar.
3
Urgência é aquilo que urge, precisa, necessita.

1
plantonista escuta o sofrer. Ou seja, faz parte do ser dos homens como algo que lhes é próprio. É
através desta compreensão que a escuta pode comprometer4 o sujeito em relação ao seu
sofrimento, pode fazer com que este se torne uma questão para o sujeito mesmo. Para tanto, o
fazer do plantonista ancora-se na linguagem, ou seja, por uma ação que se propõe A prática
psicológica como ação humana contempla a necessidade do vivido. Homem-no-mundo-com-
outros, contextualizado, sendo pro-vocado a agir pela situação em que se encontra. A prática
psicológica percorre um caminho de autenticação do fazer profissional do psicólogo.
O Aconselhamento Psicológico, como prática, surge num cenário marcado pela absoluta
necessidade de reconstrução das sociedades do pós-guerra. Havia necessidade por práticas
psicológicas que contemplassem a destruição causada por esses conflitos, atendendo, como agir
emergencial, à demanda de uma sociedade marcada pelo estilhaçamento das relações humanas:
experiência de instabilidade e falta de sentido contemporâneas intensificadas pelo avanço sem
precedentes de um capitalismo cada vez mais tecnológico. É, pois, a partir da própria demanda
social que surge a prática do Aconselhamento Psicológico.
Contudo, o Aconselhamento apresentava-se como uma técnica, um equipamento social
com status de tecnologia. Assim, não surpreende que, ainda hoje, seja compreendido como um
conjunto fragmentário de práticas psicológicas com traços utilitáristas, amparado pelas diversas e
diferentes teorias psicológicas "produtivistas" nesse período. Desse modo, contribuíram para sua
descaracterização até mesmo elaborações teóricas divergentes como a teoria Neo-freudiana de
Franz Alexander e as formulações teóricas derivadas do reforçamento operante de Skinner para
melhorar o funcionamento do ego, desenvolvidas por Bandura e Dollard e Miller.
Assim, a prática do Aconselhamento Psicológico apresentava-se, na sua origem,
constituída dentro do contexto específico: o de uma sociedade comprometida com valores
pragmáticos, preocupada a eficiência e eficácia dos processos de adaptação do homem à
exigência social e vigente, modelo esse próprio da cultura norte americana. Por essa ótica,
justifica-se pensar Aconselhamento Psicológico como um conjunto de práticas psicológicas
marcado pela multiplicidade de perspectivas individuais de teóricos no tocante à compreensão
que se referia o "psicológico" que demandava atuações como aplicações da ciência, e não como
prática5.
Acentuando essa multiplicidade, por outro lado, na Europa, o Aconselhamento tomou
outro rumo. Concretamente ao ter sido exposta à experiência humana de aniquilação, emergiram

4
Comprometer foi aqui utilizado no sentido de deixar situar.
5 Prática vem do grego práxis (prassein = passar através) referindo-se a ação enquanto experiência
(Webster's Third New International Dictionary, Unabridged. Merriam-Webster, 2002.
http://unabridged.merriam-webster.com, 29, abril, 2006).

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ações que se preocupararam a atender ao esfacelamento individual. Nesse sentido, o
Aconselhamento Psicológico configurou-se, também, como um conjunto de práticas psicológicas
profissionais para acolher o sofrimento do indivíduo e resgatar o significado de sua história como
existência, orientadas por diferentes visões de homem.
Mas, apesar dessas características utilitaristas, acrítico e múltiplo enquanto prática, o
Aconselhamento garantiu espaços em instituições, como hospitais e escolas, onde o psicólogo
cuidava das questões relativas ao sofrimento humano. Era o início da constituição da identidade
profissional do psicólogo por uma prática em ação.
Esse processo foi intensificado com as idéias de Carl Rogers, o criador da Abordagem
Centrada na Pessoa, uma nova maneira de produzir conhecimento, debruçando-se sobre a prática,
buscando nela os subsídios para o desenvolvimento de teorias para a psicoterapia. Entretanto, sua
inovação quanto à investigação da prática psicológica clínica, embora contribuindo para o
reconhecimento da especificidade do campo psicológico (SCHMIDT, 1999), percorria ainda a
metodologia ciêntífica positivista.
No Brasil, o caminho do Aconselhamento Psicológico revela um nome individual, cuja
consciência de si mesmo surgiu do sentimento coletivo de pertencer a uma comunidade. O
Serviço de Aconselhamento Psicológico, do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do
Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(SAP-PSA-IP-USP) foi legitimado como lugar de fronteiras, desde sua origem, e sua história
revela momentos marcados por transição e transformações fundamentais. Pelos entrelaçamentos
do SAP com o desenvolvimento da psicologia no Brasil, revelam-se também meandros
convergentes com o cenário mundial: a marca de batalhas pela identidade da prática específica do
psicólogo, Aconselhamento Psicológico e Psicodiagnóstico, pela instalação da área de
Aconselhamento Psicológico como uma nova concepção em atendimentos institucionais e cursos
universitários, por desafios interdisciplinares, por práticas psicológicas mais democráticas e
voltadas ao social.
O SAP originou-se da necessidade de um espaço e lugar para oferecer oportunidade de
estágio para os alunos de graduação do curso de Psicologia do IPUSP nas disciplinas de
Aconselhamento Psicológico. Restrito e modesto, a principio, foi passando por reestruturações seja
tanto na composição de sua equipe quanto por alternativas de atendimento e oferecimento de novas
disciplinas de graduação e cursos de extensão, acompanhando as mudanças acadêmicas e a demanda
da comunidade. Com isso, o SAP consagrou-se como um espaço acadêmico e institucional pioneiro
seja na transmissão quanto na prática do Aconselhamento Psicológico na Abordagem Centrada na
Pessoa. E ainda permanece como um dos poucos serviços de atendimento e formação profissional a

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possibilitar o contato com essa área de conhecimento em sua especificidade, considerando-se as
instituições públicas e privadas universitárias brasileiras. Nesse sentido, o SAP se efetivou como um
lugar tradicionalmente compromissado com mudanças, inovações e investigações re-criativas.
Indubitavelmente, o SAP tem uma origem e tradição persistentes sem contudo restringir-se a elas
nem torná-las modelo exclusivo para questionamentos e práticas. Nessa direção, mantém o plantão
psicológico como serviço aberto à comunidade, hoje restrito apenas à região do Butantã e
comunidade USP, por razões organizativas.
Em 1998 foi criado o Laboratório de Estudos e Prática em Psicologia Fenomenológica-
Existencial (LEFE), levando adiante a proposta inicial do SAP de lugar de fronteira, com o
objetivo de abrir-se a novas experiências da prática do Aconselhamento Psicológico e de suas
modalidades de Plantão, Supervisão de Apoio e Oficinas de Criatividade. Viabilizou estudos e
recursos para gerar contribuições e subsídios a atendimentos à comunidade e assessoria e/ou
supervisão a instituições de ensino e saúde, através de projetos de pesquisa e intervenção, na
perspectiva fenomenológica social clínica. Pesquisando novos métodos de intervenção
educacional para aprimorar o desenvolvimento dos futuros profissionais, revelaram-se elementos
de questionamento às formas de atendimento que estão sendo oferecidas para o treinamento dos
alunos e para a ajuda psicológica à comunidade e às demandas sociais. Estariam essas formas
clássicas e usuais de fato atendendo às demandas de ambas as populações?
Surge, nessa dialética de investigação, a exploração de novos métodos de intervenção
clínica que respondam à demanda da comunidade por alternativas mais realistas e com qualidade
no trabalho clínico institucional do psicólogo no campo do Aconselhamento Psicológico. Nessa
perspectiva, a interdisciplinariedade se apresenta, permitindo um início de compreensão
transdisciplinar para a atuação do profissional de Psicologia no contexto da demanda atual por
uma consideração histórico-sócio-psicológica nas áreas de Saúde e Educação. Questiona as
relações entre teoria e prática no exercício de atividades humanas como clínica, pedagogia,
política e ética, partindo de experiência em projetos de pesquisa interventiva. Na articulação
dessas esferas, busca encontrar um caminho possível para a contribuição de instituições
acadêmicas na formação e capacitação de profissionais de saúde e educação, assim como para o
eventual estabelecimento de redes de apoio em saúde mental.
Na consecução de tais objetivos, pesquisadores e estudantes de psicologia da USP levam
apoio psicológico aos policiais militares e civis, aos funcionários da FEBEM e a outros
profissionais de instituições, que enfrentam de situações de risco, ao passarem por momento de
crises, gerados pelo próprio ambiente de trabalho. Realiza tais ações por pesquisas interventivas
participante: o projeto Atenção Psicológica em Instituições como Metodologia Interventiva. Visa

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propiciar, a trabalhadores de instituições, um acolhimento amplo para diferentes pedidos de
colaboração, com desdobramentos incluindo: o engajamento numa psicoterapia, o processo de
encaminhamento, retornos para outras entrevistas e atendimentos breves, para atender a
especificidades de demanda de cada instituição solicitante.
Resgatando a historicidade da prática em questão, outro eixo de interrogação é uma
prática como metodologia interventiva participativa. O Plantão Psicológico compreendido como
fenômeno a ser pesquisado mostra-se ao pesquisador tanto por aquilo que é, como por aquilo que
não é. Assim, traz-se à luz num jogo perceptivo formado pelo seu próprio aparecer e pelo olhar
do pesquisador que se apresenta como clareira na qual a luz se projeta. Desta maneira, toda a
fundamentação ontológica dos homens discutida pela perspectiva fenomenológica existencial se
mantém implícita na relação entre o pesquisador e o fenômeno a ser investigado. Tal pesquisa
encaminha-se partindo do aparecer dos entes como desdobramento da temporalidade e
existencialidade dos humanos enquanto Ser-ai.
Como o Plantão é feito? Essa pergunta resume esse curiosear, apresentando-se como
ponto inicial de uma narrativa compartilhada, sugerindo-se ao plantonista dizer para fazer saber
acerca da sua démarche clínica de como faz saber ao sofrente acerca de sua pro-cura. Implica-se
por esta pergunta que o Plantão é ação clínica na dimensão do conhecimento tácito. Refere-se à
technè6, revelando-se apenas enquanto um acontecimento. Fazer saber é uma possibilidade de
compreensão à medida que o fenômeno "Como o Plantão é feito?" vai se revelando a todos os
implicados neste trabalho, abrindo questões que solicitam reflexões para compreender o
significado sentido do que está sendo investigado, por entre as quais pode transparecer7 uma
cartografia8 do Plantão Psicológico realizado pelo LEFE.
Nos primeiros contatos com essa prática, o Plantão não era compreendido como uma
modalidade da prática clínica em Psicologia. “Fazer Plantão” constituía-se pelo disponibilizar-se
em um espaço físico durante um determinado espaço de tempo a quem aparecesse, sem nenhuma
referência ao modo de debruçar sobre à pro-cura do sofrente. O Plantão Psicológico era utilizado
como via de acesso facilitada ao exercício clínico, uma situação construída tanto a partir do uso
que a população fazia do serviço, quanto da maneira como os alunos o compreendiam. Pois, se

6
Palavra de origem grega que significa arte, habilidade, arte. Aproximando-se, segundo o dicionário, do
sentido de compreensão, isto porque o artesão capta o sentido e a significação de uma obra antes mesmo de
sua existência.
7
Transparência diz respeito a uma “captação compreensiva de toda a abertura do ser-no-mundo através dos momentos
essenciais de sua constituição” (HEIDEGGER, 2001, p.202)
8
Cartografia refere-se ao cartografar enquanto método com dupla função: detectar a paisagem, seus acidentes, suas
mutações e, ao mesmo tempo, criar vias de passagem através deles. O desenho do cartógrafo desvela simultaneamente
o território e a si mesmo, pois ao caminhar pelo relevo e ao olhar para o horizonte descobre formas e contornos pelos
quais torna presente uma região: sua missão é criar língua para os movimentos, dando-lhes condições de passagem e
efetuação. Criação da co-existência.

5
por um lado, a população sabia que no Plantão poderia encontrar atendimento psicológico
gratuito e de qualidade, por outro, os alunos sabiam que poderiam encontrar pacientes por meio
dos quais exercitariam toda a teoria. Com isso, criava-se uma situação, na qual alunos e pacientes
iniciavam o atendimento em Plantão já sabendo qual seria o seu desfecho: acompanhamento
psicoterapêutico. A escassez de serviços públicos em Psicologia, somada aos também escassos
estágios práticos durante o curso, contribui para transformar o Plantão numa triagem. Tal situação
aponta para um possível automatismo de ação, engendrando uma prática com procedimentos
previamente determinados: plantonista disponível por um espaço de tempo em um determinado
lugar, compreendendo disponibilidade como presença física, o estar concretamente acessível a
quem solicitasse atendimento.
Contudo, importa dizer que, além das inferências deste funcionamento institucional, a
própria proposta clínica do Plantão gerava dificuldades de compreensão. Isto porque o Plantão
Psicológico é uma modalidade de prática psicológica que se inaugura num terreno fronteiriço, não
podendo se apresentar ao lado de outras práticas usualmente tidas como “porta de entrada” ao
atendimento psicológico, como triagem, nem tampouco pertencente àquelas dedicadas a
processos de psicoterapia. A complexidade envolvida na prática de Plantão, ainda não muito
delineada nem pelos profissionais que o desenvolviam e o apresentavam como estágio obrigatório
quando do frescor dos primeiros anos de prática clínica, contribuiu para que o Plantão fosse
“assimilado” como uma técnica9. Existia um parâmetro do que seria um atendimento clínico em
Psicologia, supondo a existência de uma técnica que fornecesse definições, explicações e
conceitos que amparassem todas suas ações durante os atendimentos. Para o encontro ser
caracterizado como "atendimento", o plantonista deveria ter insights: caberia a ele a atribuição de
significação a falta de sentido expressa pela pessoa que buscava atendimento. Além disso, ao
final do atendimento era necessário que a pessoa apresentasse alguma mudança. Tal situação
reflete uma cristalização do modelo clínico tradicional e, nesse sentido, o Plantão era difícil como
primeiras experiências para estagiários. Não havia como desconstruir o que ainda não se
conhecia, mas que já se havia ouvido falar.
Nas entrelinhas dos outros projetos de Plantão em instituições fora USP, encontra-se a
única característica destes serviços que possui alguma familiaridade com o Plantão do SAP: a
questão da emergência. Desta forma, esses outros Plantões mantinham o compromisso com o
momento de crise: situação na qual o sofrente, tocado pelo seu sofrimento, ainda se encontrava
mobilizado para cuidar daquilo que emergiu e é urgente. Essa característica foi levada adiante,

9
Técnica em seu uso na modernidade como controle pormenorizado dos procedimentos para produção de
um determinado resultado.

6
marcando o modo de acolher pedidos vindos de outras instituições que solicitassem intervenções:
o plantonista passa a circular em lugares cada vez mais diversos, tornando-se diretamente
acessível aos sofrentes em sua situação cotidiana. Afinal, na FEBEM ou na PM, o que começava
a transformar-se era a compreensão a respeito da prática: mudanças de lugar reposicionavam
posturas em atitudes. Nessa perspectiva, a migração constante do Plantão para contextos além da
clínica-escola alterava a prática do Plantão Psicológico na sua estrutura de funcionamento: o
sentido para a prática distanciava-se cada vez mais de aspectos estruturais como tempo e o
espaço. Apesar de nomear sua disponibilidade por meio de um adjetivo que remete ao sentido de
estrutura, a concretude a que se referiam os plantonistas surgia da mistura, do contato aproximado
entre plantonista e sofrente. A disponibilidade bem mais concreta, ou seja, essa proximidade
imposta pela ausência de um setting clássico, fazia do Plantão uma experiência clínica radical.
Com Plantões acontecendo nos mais variados espaços e dependendo cada vez menos de
uma estrutura, os plantonistas inevitavelmente começaram a deixar para atrás suas pré-
concepções do que seria um atendimento clínico. A escuta dentro da instituição era clínica em
todos os momentos: quando alguém procurava um plantonista e começava a falar, mesmo durante
um jogo de xadrez ou numa visita até o quarto, já se configurava o estar em Plantão. Pode-se
dizer que o fazer do plantonista passou a residir no encontro que se estabelecia entre ele e aqueles
que o procuravam. O Plantão passou a habitar a temporalidade da relação entre plantonistas e
sofrentes e, por esse motivo, tornou-se situacional: configura-se como um modo clínico de estar
junto ao sofrente.
Para o Plantão acontecer não era mais necessário um pedido explícito, uma "queixa", ou
uma "demanda"; era preciso apenas pro-curar uma escuta. Desta maneira, torna-se muito mais
adequado usar a expressão atitude clínica para referir-se ao fazer do plantonista, pois mesmo em
outros contextos era possível manter-se em Plantão. Os plantonistas começavam a trazer o
Plantão junto de si de maneira radical e os Plantões levavam essa afirmação ao limite da
radicalidade.
Geralmente, o psicólogo tem a sua disposição um setting. Deste modo, apesar de propor
uma modalidade de atendimento clínico diferente do tradicional, os Plantões do SAP ainda
conservavam uma compreensão minimamente ambígua por manter uma organização clássica de
atendimento em clínica-escola, com restrições e limites respectivos. Nas instituições, os
plantonistas, gradativamente, foram firmando-se como a própria sede do Plantão, na medida em
que aconteciam em áreas das instituições de grande circulação; aconteciam publicamente: não
havia isolamento acústico, muito menos visual, por ocorrerem em meio aberto, sem quaisquer
estrutura que definisse o setting. Nesses Plantões, os atendimentos sustentavam-se entre

7
fala/escuta tensional do plantonista e do sofrente: uma modalidade da clínica psicológica não
estruturada tradicionalmente para atender agilmente demandas com caráter emergencial,
marcado pela temporalidade estrita, mas sim marcada pela pro-cura urgencial do sofrente.
Afinal, seria o Plantão uma outra prática psicológica clínica?

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