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Imprima-se
Lisboa, 24 de agosto de 2015
Cónego Francisco José Tito Espinheira
Vigário Geral – Patriarcado de Lisboa
Título
Glorificai a Deus no Vosso Corpo
Conceitos e Perspetivas da Teologia do Corpo
Autor
João Paulo Pimentel
Edição e copyright
Editorial Aster
Revisão Diogo Maria Pessoa
Design da capa Pedro Viana
Paginação Miguel Luiz
ISBN 978-972-9111-42-6
João Paulo Pimentel
EDITORIAL ASTER
Prólogo
Sendo no coração do homem que essa luta se trava, tanto a vitória como
a derrota manifestam-se depois em todo o seu ser, também nos desejos e até
nos olhares. O homem que permite que Deus vença nele saberá «olhar bem»
e «desejar bem»: desde o seu íntimo, experimenta a vitória de Cristo. E
tentará então seguir Cristo com todo o seu ser, e em todas as suas ações.
A vitória definitiva, porém, terá lugar no momento da ressurreição da
carne, com a divinização e a espiritualização de todo o nosso ser – corpo
incluído. Experimentaremos com o corpo os efeitos da total e permanente
«imersão» em Deus, e experimentaremos como, no ser humano, o corpo não
só não limita o espírito como amplia a sua expressão. Claro que isto sucederá
no longínquo mundo da ressurreição mas, mesmo agora, o cristão pode
experimentar uma participação desses efeitos quando se deixa conduzir pela
graça de Deus, adquirindo o domínio sobre si próprio. Imerso em Deus e
sendo senhor de si – para isso é preciso rezar e clamar pelo auxílio divino,
pois «a carne é fraca» (Mt 26, 41; Mc 14, 38) –,
o homem pode viver os efeitos da redenção do corpo no matrimónio ou no
celibato pelo Reino. Em ambas as vocações, as manifestações corporais
jogam um papel fundamental. No casamento, os cônjuges tornam-se aptos
para manifestar com o corpo um amor de doação sem reservas; desse modo,
«elevam» o corpo, que assim pode «falar» o vocabulário do espírito, o do
amor mais puro. No celibato, o «silêncio corporal» manifesta, já agora, o
amor que é próprio dos tempos futuros da ressurreição e, sobretudo, o modo
de amar de Jesus Cristo que, sendo Quem mais amou, escolheu para Si a
virgindade.
Ora, se o corpo (o ser humano, entenda-se) é palco privilegiado da
Criação e da Redenção, se é como um microcosmos que reflete o que de mais
importante existe, então uma deformação no modo de atuar que contrarie as
marcas da Criação e da Redenção é, para quem adote essa deformação, uma
verdadeira catástrofe. É precisamente o que sucede na contraceção e no
divórcio. Não se trata «apenas», no primeiro caso, do recurso a uns artifícios
que facilitem a vida das pessoas em determinadas áreas – nomeadamente na
sua vida conjugal –, mas também de uma interpretação do corpo e da
sexualidade completamente contrária à verdade neles inscrita. Pretender
minimizar a importância da opção contracetiva, apresentando-a como algo de
menor relevo numa vida supostamente bem orientada nos restantes terrenos,
seria como, dadas as premissas enunciadas nos parágrafos precedentes,
engolir uma pequena dose de cianeto num prato de arroz com a frívola
esperança de que, no meio de tanto arroz, talvez não se notem os efeitos do
veneno. Se o corpo é «lugar» teológico, há determinadas opções que põem
em jogo os efeitos da Criação e da Redenção na pessoa. Não é apenas colocar
uma peça errada no puzzle, mas é como provocar um terramoto na mesa onde
se dispôs o puzzle.
De modo semelhante, desvalorizar a indissolubilidade do casamento é
não só desvalorizar a força e o alcance da liberdade humana, mas também
vulgarizar a capacidade expressiva do ato sexual. A Igreja ensina que, após o
pacto conjugal, a relação sexual entre os já cônjuges sela de modo
absolutamente indissolúvel a união entre os dois. De algum modo, o pacto
«fecha a porta», e o ato conjugal «dá a volta à chave». Pretender romper o
pacto, com o divórcio, é desvalorizar o projeto divino sobre o matrimónio, a
força da liberdade humana com a sua capacidade de comprometer para
sempre e, também, o profundo significado do ato conjugal. Assumida essa
desvalorização, torna-se muito difícil acreditar na bondade da proposta da
Igreja e na sua viabilidade.
Ao longo destas páginas, convido o leitor a regressar, uma vez e outra, às
seguintes palavras de S. João Paulo II:
«Só no mistério da Redenção de Cristo se encontram as “concretas” possibilidades do homem.
Seria um erro gravíssimo concluir […] que a norma ensinada pela Igreja é em si própria apenas
um “ideal” que deve posteriormente ser adaptado, proporcionado, graduado – dizem – às
concretas possibilidades do homem: segundo um “cálculo dos vários bens em questão”. Mas,
quais são as “concretas possibilidades do homem”? E de que homem se fala? Do homem
dominado pela concupiscência ou do homem redimido por Cristo? Pois é disso que se trata: da
realidade da Redenção de Cristo. Cristo redimiu-nos! O que significa que Ele nos deu a
possibilidade de realizar toda a verdade do nosso ser; Ele libertou a nossa liberdade do domínio da
concupiscência»[4].
1.
Uma visão integral do homem
2.
A regra de compreensão
Partindo então do princípio que o leitor, depois de lido o capítulo
anterior, tenha pelo menos admitido a possibilidade de que na Bíblia se
encontre o fundamento da norma da Humanae Vitae, isto é, a ilicitude do uso
dos contracetivos relacionado com o ato conjugal, é provável que, logo a
seguir, lhe ocupe a cabeça outra dúvida mais vivencial. Afirmar que é Cristo
quem está na base desta exigência proposta aos casais é algo que parece
chocar não só com a sua bondade e a sua misericórdia, como sobretudo com a
racionalidade de tal norma. A imagem que temos do Senhor é a de alguém
próximo dos doentes, dos marginalizados, que não condena mas antes perdoa,
e que fulmina leis que mais parecem atrapalhar a possibilidade de fazer o
bem como, por exemplo, a proibição de curar ao sábado. Será o mesmo
Cristo, que se zangou com quem o queria impedir de realizar um milagre para
curar, a impedir um casal pobre, com dificuldades de todo o género, de
recorrer a um simples contracetivo? Será sequer compreensível tal exigência?
Neste capítulo, gostaria de responder as estas questões.
S. João Paulo II apresenta a teologia do corpo como um «substrato
bíblico»[12] – uma espécie de visão panorâmica das Escrituras – cujos
princípios foram extraídos de palavras de Cristo e de S. Paulo. Nos textos
bíblicos que orientam a sistematização da teologia do corpo, «encontramos
decerto aquela “regra de compreensão”, que parece tão indispensável perante
os problemas de que trata a Humanae Vitae, e que está presente nesta
encíclica»[13]. Por outras palavras, S. João Paulo II defende que se pode
encontrar a mesma «regra de compreensão» tanto nos textos bíblicos quanto
na encíclica. Isto é, que não há oposição entre a racionalidade das exigências
de Jesus – captada, em concreto, nos textos de que a seguir falaremos – e a
proposta da Humanae Vitae. Ao mesmo tempo que exponho os grandes
ciclos de catequeses que compõem a teologia do corpo, pretendo deduzir
como se descobre a norma da compreensão nos textos evangélicos centrais de
cada ciclo. Depois, compararei essas manifestações da regra de compreensão
usada por Jesus com as próprias palavras de S. João Paulo II sobre como ela
se encontra na encíclica Humane Vitae.
Quais são, então, as palavras do Evangelho em que se apoia a teologia do
corpo e em que encontramos a regra de compreensão? Antes de responder,
relembro que o título principal da primeira das duas partes em que se dividem
as catequeses é, precisamente, «As palavras de Cristo». Com esta premissa, o
leitor entende facilmente que S. João Paulo II quer que nos centremos no
Senhor e entendamos que as exigências morais derivam do encontro com Ele.
Essa primeira parte está, pois, dividida em três ciclos. Cada um deles arranca
de uma breve passagem dos Evangelhos: (i) o diálogo de Cristo com os
fariseus, (ii) umas breves palavras do Sermão da Montanha, (iii) e o diálogo
com os saduceus.
Na primeira passagem, Cristo apela ao princípio, isto é, aos primeiros
momentos da História da humanidade. É aí que conhecemos o projeto inicial
de Deus sobre o ser humano – corpo e alma –, sobre a sexualidade, sobre a
união conjugal.
Com as palavras do Sermão da Montanha, Cristo apela ao coração
humano para que se entendam uma série de atitudes fundamentais sobre o
que a Igreja ensina: o coração do homem deve aprender a não olhar para uma
mulher de modo luxurioso.
E, finalmente, na conversa com os saduceus, Cristo apela à ressurreição:
também à luz do dogma da ressurreição dos corpos no final dos tempos,
torna-se possível compreender a transcendência do corpo humano.
Procuremos descortinar o tipo de «compreensão» presente em cada
passagem.
Comecemos com a passagem central do primeiro ciclo. Na conversa com
os fariseus, Jesus deve responder sobre a indissolubilidade do matrimónio.
Para alguns dos seus contemporâneos, só em caso de adultério se podia
repudiar a esposa. Para outros, era possível invocar razões de outro estilo,
muito menos graves, para optar pelo caminho do divórcio. Mas Jesus recorda
antes de mais que é necessário olhar para o princípio, para o desígnio original
do Criador, e aí encontrar a verdadeira resposta[14]. A partir das palavras do
«princípio», que nos chegaram através do Génesis, compreende-se que, no
projeto inicial de Deus, não estava contemplada a possibilidade de dissolver o
vínculo matrimonial. E é essa exigência que Jesus pretende que eles
compreendam. Tão surpreendente foi a resposta de Jesus que alguns
comentaram imediatamente que, em tais condições, seria preferível nem se
casar. Apesar de Cristo lhes ter dado os argumentos necessários para que eles
compreendessem a indissolubilidade, houve quem não a quisesse aceitar, pelo
menos, naquele momento. Mas a regra de compreensão a que S. João Paulo II
se refere está bem presente nas palavras do Senhor, pois elas oferecem o
fundamento e as razões para a indissolubilidade matrimonial.
No Sermão da Montanha, Jesus pede ao coração humano que em
nenhum caso dirija um olhar concupiscente a uma mulher. Um mero olhar
libidinoso leva a pessoa a cometer adultério no coração. Será porventura
possível pôr de parte que os homens que escutaram estas palavras dos lábios
de Jesus tenham tremido por dentro? Jesus afirma, como estudaremos mais
adiante, que nem sequer com um olhar pode o homem instrumentalizar a
mulher. Jesus quer que eles percebam a raiz da imoralidade do adultério e
que assim, de algum modo, se metam dentro da mente do Legislador para
aderirem aos seus ensinamentos com todo o seu ser. Jesus quer que percebam
a fundo a lei, a imoralidade do adultério e que o rejeitem logo ao primeiro
movimento interior. Também nesta ocasião dá-lhes uma regra para a
compreensão do mandamento.
Por fim, no diálogo com os saduceus – que não acreditavam na vida
depois da morte e menos ainda na ressurreição –, Jesus começa por denunciar
a crassa ignorância deles, afirmando que não conheciam as Escrituras que
julgavam conhecer tão bem, nem o poder do Deus todo-poderoso. Jesus
responde apoiado nos livros da Bíblia que eles aceitavam como sagrados (o
Pentateuco), argumentando, portanto, a partir dos fundamentos que eles
aceitavam. Esclarece que, na vida futura, os ressuscitados não se casarão, mas
hão de viver como os Anjos. Assim, Jesus «deita um balde de água fria»
também sobre os fariseus que assistiam ao diálogo e que admitiam que na
vida futura os casamentos prosseguiriam. Teria havido, a seguir, algum
entusiasmo nos fariseus e nos saduceus com as respostas de Cristo? Duvido;
mas Jesus quer que eles compreendam um pouco melhor como será a vida
pela eternidade fora. Desse modo, o papel do casamento neste mundo pode
ser melhor compreendido, como teremos ocasião de estudar.
Até aqui, a divisão das catequeses é bastante consensual. O seguinte
grupo é considerado na tradução portuguesa (tal como na versão italiana)
como um novo ciclo, mas, na versão de M. Waldstein de 2006, trata-se de
um subtema dentro do terceiro ciclo, isto é, dentro do apelo de Cristo à
ressurreição[15]. Nesse ciclo, S. João Paulo II regressa às palavras finais de
Jesus no diálogo com os fariseus. Jesus revela que há três tipos de
«eunucos»: os de nascença, os que foram feitos assim por outros e, surpresa
das surpresas, um terceiro tipo – os eunucos que a si mesmos se fazem
eunucos movidos pelo Reino dos Céus. Não se casar, como opção livre,
definitiva (a palavra «eunuco», ainda que usada por Jesus em sentido não
físico, não deixa margem para outras interpretações menos exigentes: não se
trata de um celibato para uns meses…) e por um motivo sobrenatural não
entrava, certamente, nos esquemas habituais de até então. Mas Jesus quer
que eles compreendam o seu valor. S. João Paulo II reconhece que esse
convite de Jesus a que haja eunucos pelo Reino dos Céus é feito com
palavras de mudança que «marcam um ponto de viragem»[16]: são uma
espécie de revolução de «toda a tradição do Antigo Testamento»[17]. Ora,
essa mudança tem uma razão: trata-se de uma opção, como também
estudaremos, «pelo Reino dos Céus»; não é um capricho irrefletido. Jesus
sempre procura tornar inteligíveis – compreensíveis – as suas propostas de
vida.
Vejamos agora como explica S. João Paulo II o sentido da expressão
«regra de compreensão», e como a encontra na encíclica de Paulo VI:
«Quem julga que o Concílio e a encíclica não têm suficientemente em conta as dificuldades
presentes na vida concreta, não compreende a preocupação pastoral que deu origem àqueles
documentos. “Preocupação pastoral” significa busca do verdadeiro bem do homem, promoção
dos valores gravados por Deus na própria pessoa; isto é, significa aplicação daquela “regra de
compreensão” que aspira à descoberta cada vez mais clara do desígnio de Deus sobre o amor
humano, na certeza de que o único e verdadeiro bem da pessoa humana consiste na realização
deste desígnio divino»[18].
3.
O substrato bíblico
Teologia Catecismo da
do corpo Igreja Católica Textos-base
(por números)
PARTE II – O sacramento
5.
Novas dificuldades
As palavras de Cristo
6.
O princípio da continuidade
Não se trata «apenas» de uma imagem. Pela graça que nos foi alcançada
pela Redenção, como se explicou acima, experimentamos no nosso «eu»,
corpo incluído, já agora, esse processo de espiritualização e divinização:
participamos da força do Ressuscitado. Com esta experiência, e sobretudo
com o que o Novo Testamento nos diz sobre a Ressurreição de Cristo,
podemos vislumbrar o que sucederá ao nosso «eu» (corpo e alma) no futuro
escatológico.
Estes exemplos levam-nos a querer aprofundar nesta continuidade entre
o homem do princípio e o homem da ressurreição, e a tentar perceber
algumas das suas consequências. Para perceber melhor o princípio da
continuidade, é bom relembrar que o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus, e a imagem do Criador nele é sempre uma realidade,
ainda que o pecado tenha distorcido a semelhança[44]. Eis as palavras de S.
João Paulo II: «Embora existam diferenças profundas entre o estado de
inocência original e o estado de pecaminosidade hereditária do homem,
aquela “imagem de Deus” constitui uma base de continuidade e de
unidade»[45]. Mas, como vimos, se nos unirmos a Cristo, levamos também em
nós o germe da ressurreição. É deslumbrante refletir sobre o facto de Cristo
ser «o novo Adão», de acordo com a expressão paulina. Ela acentua a
continuidade do ser humano: Cristo não inicia a nova humanidade a partir do
nada, como se a sua natureza humana nada tivesse que ver com a humanidade
que precedeu a Encarnação temporalmente. Além disso, a expressão «novo
Adão» faz pensar que d’Ele recebemos uma herança, uma natureza “curada”,
“redimida”: quando a Ele nos unimos, participamos já agora das qualidades
do «novo Adão»[46].
Não se pense que estas afirmações carecem de suficiente relevo para a
vida prática. Por um lado, sabemos que transportamos todos a «carga» do
pecado original, com o peso da concupiscência que é essencial não
ignorar. Por outra parte, podemos, já agora, experimentar a força da
ressurreição de Cristo,
mesmo nos nossos corpos (quando, por exemplo, somos castos e, por isso,
não instrumentalizamos os outros nem sequer com um olhar,
experimentamos essa força).
Ao mesmo tempo, meditar sobre essa continuidade tem outras conse
quências. Quando, em 1993, S. João Paulo II publicou a encíclica O
Esplendor da Verdade, recordou que esta unidade e esta continuidade da
natureza humana oferecem à Igreja o fundamento para afirmar a
imutabilidade da lei natural e, consequentemente, a «existência de normas
objetivas de moralidade válidas para todos os homens do presente e do
futuro, como foram já para os do passado»[47]. O desenvolvimento do
raciocínio seguinte daquele ponto da encíclica é importantíssimo para o
presente estudo. Com efeito, S. João Paulo II acabará por estender esta
imutabilidade ao âmbito da pré-história teológica. Só esta afirmação permite
entender que Cristo tenha remetido os fariseus para o «princípio»,
contrariando desse modo a tese dos que afirmam que novos contextos sociais
e culturais exigem sempre uma nova moral, sem que haja necessidade de
conservar nenhuma das normas morais de um qualquer «passado longínquo».
Ora, no tempo de Jesus, «o contexto social e cultural da época tinha
deformado o sentido original e o papel de algumas normas morais»[48], em
concreto a que é objeto da pergunta dos fariseus – a indissolubilidade do
casamento. Nosso Senhor, porém, não deixa de apelar ao desígnio original do
Criador, transcrito nos primeiros capítulos do Génesis, para reafirmar a
validez do projeto inicial sobre o casamento. Jesus não reformula as
exigências morais adaptando-as à debilidade humana e às vicissitudes
históricas, como se o homem fosse agora “outro ser”. Isso foi o que Moisés
teve de fazer. Deus não atua desse modo. Deus sabe quais as potencialidades
do homem, que Ele criou.
Precisamente porque se trata sempre do mesmo homem, tem sentido o
anúncio da Redenção. Depois da tragédia do pecado original, Deus poderia
ter aniquilado o primeiro casal e começado tudo de novo. Que lhe custaria?
Ninguém ficaria a saber o que tinha sucedido «antes». Aliás, com a
multiplicação dos pecados, o livro do Génesis descreve uma iniciativa de
Deus que, para alguns, parece aproximar-se de uma solução radical: o
dilúvio. Na verdade, Deus não faz desaparecer o ser humano; escolhe um
pequeno grupo de pessoas (Noé e os seus familiares) para dar continuidade à
história iniciada com Adão e Eva.
A vontade de Deus é, pois, redimir o homem, libertá-lo das correntes
com que ele próprio se deixou prender. É verdade que, neste mundo, o
homem já não pode voltar à situação original do passado, quando Deus o
colocou no Paraíso; mas é esse o homem a quem o futuro glorioso foi
«aberto» pela promessa do Redentor. «Paulo, autor da Carta aos Romanos,
exprime esta perspetiva da redenção em que vive o homem “histórico”,
quando escreve: “[…] também nós, que possuímos as primícias do Espírito,
gememos interiormente aguardando […] a redenção do nosso corpo” (Rom
8, 23)»[49]. O próprio Cristo é a demonstração viva de que a condição do
homem deve ser outra, pode melhorar. A Carta aos Hebreus explica: «Por
isso, visto que os filhos participam da carne e do sangue, Ele também
participou igualmente das mesmas coisas, a fim de destruir pela morte aquele
que tinha o império da morte, isto é, o demónio, e para livrar aqueles que,
pelo temor da morte, estavam em escravidão toda a vida. Pois não veio Ele
em auxílio dos Anjos, mas veio em auxílio da descendência de Abraão. Daí
vem que Ele deveu em tudo ser semelhante a Seus irmãos» (Heb 2, 14-16):
Cristo adotou a mesma natureza e mostrou até onde ela – a natureza humana
– pode «ir»; porque o Cristo que viveu sem pecado, mas que se cansou,
sofreu e morreu assumindo as consequências da natureza ferida, que se
transfigurou e por fim ressuscitou é sempre o mesmo Cristo que, desde a
Encarnação, não deixou nunca mais de ser homem, não abandonou nunca a
natureza humana. E mostrou-nos assim o itinerário da redenção para cada
pessoa (que quiser ser fiel ao Senhor).
Continuemos com S. João Paulo II:
«É precisamente esta perspetiva da redenção do corpo que assegura a continuidade e a unidade
entre o estado hereditário do pecado do homem e a sua inocência original, se bem que esta
inocência tenha sido historicamente perdida por ele, de modo irremediável. É também evidente
que Cristo tinha todo o direito de responder à pergunta que Lhe foi feita pelos doutores da Lei e da
Aliança (como lemos em Mt 19 e em Mc 10) na perspetiva da Redenção, sobre a qual a própria
Aliança se baseia»[50].
7.
A solidão originária: o corpo revela a pessoa
Penso que o tema deste capítulo – centrado num dos três aspetos que,
segundo S. João Paulo II, definem a situação originária do homem –
responderá a dois tipos de questões que se levantam com frequência (os
outros dois aspetos serão estudados nos capítulo 8 e 9).
Segundo algumas pessoas, o comportamento animal pode servir de
referência para nós, humanos. Nas últimas décadas de modo particular, o
comportamento animal exerce uma espécie de fascínio sobre a mentalidade
contemporânea. Em parte, essa admiração tem fundamento, pois a criação,
bem contemplada, com o auxílio de magníficas técnicas de observação, não
deixa de ser deslumbrante, e o comportamento animal não deixa de
surpreender. Uma tal admiração – em si mesma compreensível, repito –,
adicionada a outras causas de índole bastante diversificada (o abandono das
raízes filosóficas e religiosas no estudo da antropologia, a divulgação
prática de um tipo de comportamento em determinados setores da
população que quase exclui o domínio sobre si próprio, etc.), levou a que
muitos se questionem: «se o homem tem tantas semelhanças com certos
primatas, não será legítimo inspirar-se em diversos comportamentos animais
para conhecer-se melhor? Em concreto, da sexualidade animal não será de
extrair indicações sobre o que é ou não natural ao homem? É muito bonito
falar da semelhança do homem com Deus», dizem, «mas, como sabemos,
Deus não tem corpo, é espírito. Por isso, talvez a referência à semelhança
com Deus possa ajudar em terrenos puramente espirituais, mas no que ao
corpo se refere parece preferível seguir outro tipo de referências, “mais à
mão” do que se pode observar».
Por sua vez, é frequente em certas correntes de pensamento distinguir
entre «pessoa» e «corpo apenas vivo» Porque – argumenta-se – pessoa é um
ser consciente e com autonomia de vida. Em consequência, segundo essa
interpretação, os embriões ou certos doentes mentais ou terminais não são
«pessoas». O corpo parece ter, pois, uma dignidade infrapessoal[56]. Se assim
é, quando o Génesis afirma que o homem foi criado à imagem e semelhança
de Deus está, certamente, a limitar-se à dimensão puramente espiritual do
homem, à sua alma: «então não poderei fazer com o meu corpo, ou com
corpo dos outros, se assim mo permitirem ou não se opuserem, o que me
apetece? Serão assim tão graves certos comportamentos que, no fundo,
apenas afetam o modo como se lida com o corpo, sem afetar o “eu” mais
profundo?»
As questões, como o leitor terá observado, são de excecional
importância. E, por isso, tem também um enorme relevo o modo como S.
João Paulo II explica a imagem e a semelhança do homem com Deus. Aliás,
na carta apostólica Mulieris Dignitatem, o Papa considera que «a verdade
revelada sobre o homem como “imagem e semelhança de Deus” constitui a
base imutável de toda a antropologia cristã»[57].
7.1. Os primeiros capítulos do Génesis: palavras que «valem ouro»
Comecemos com um breve preâmbulo. S. João Paulo II recorda que os
dois primeiros capítulos do Génesis procedem de duas fontes diferentes,
separadas no tempo por vários séculos. Essa constatação facilita a
compreensão do texto e centra a nossa atenção em pormenores que passariam
despercebidos de outra maneira. Em qualquer caso, convém voltar a insistir
na observação de M. Waldstein; a perspetiva essencial de S. João Paulo II é a
de procurar a verdade das coisas a partir dos textos da Bíblia: «Na realidade,
a verdade das coisas é muito mais interessante do que a verdade histórica
sobre os textos, ainda que a verdade histórica não deva ser negligenciada»[58].
Os dois primeiros capítulos do Génesis relatam a criação do homem.
Contudo, o primeiro capítulo procede de uma fonte mais tardia. Trata-se de
um texto mais objetivo, mais teológico, mais «frio». O segundo capítulo do
Génesis é mais antigo, mais arcaico[59]. Esse texto é correlativo ao primeiro
relato, mas expõe os factos de um modo mais subjetivo ou antropológico[60].
A solidão do homem, de que nos ocupamos agora, é, como veremos, um
exemplo particularmente demonstrativo desta dupla perspetiva. O versículo
sobre o qual nos centraremos pertence ao Génesis 2:
«Não é bom que o homem [‘adam] esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele» (Gen 2,
18).
Resumamos o que foi exposto até aqui. Quando o Génesis nos transmite
a «solidão» do homem, afirma, com essa palavra, o caráter excecional desta
criatura de Deus, feita à sua imagem e semelhança. Quando se concretiza que
o autoconhecimento e a autodeterminação evocam essa semelhança, ninguém
se admira, pois Deus também «conhece» e «quer» (ama), ainda que tais atos
tenham, no Criador, características para nós pouco compreensíveis. No
entanto, além destas duas propriedades espirituais, existe um terceiro
elemento que define o ser humano na sua singularidade: o corpo. Será
possível afirmar que também pelo corpo o homem é semelhante a Deus,
sendo Deus absolutamente espiritual? Por mais estranho que pareça, a
resposta é afirmativa. Mas, para entender bem essa afirmação, é preciso
estudar o significado da unidade/dualidade originária, tema do seguinte
capítulo.
Não quero, no entanto, deixar de assinalar que, na minha opinião, se o
que nos distingue no mundo das criaturas visíveis são as três características
referidas, qualquer comportamento moralmente bom deverá potenciar essas
características. E qualquer comportamento mau sê-lo-á precisamente porque
atenta contra elas de algum modo. No momento próprio, recordaremos como
a sexualidade conjugal retamente vivida reforça o autoconhecimento, a livre
determinação dos esposos e o sentido mais profundo do próprio corpo. Num
casal fiel e aberto à vida, as relações favorecem o conhecimento próprio e do
cônjuge; favorecem, também, a autodeterminação, pois o amor exige uma
adaptação aos ritmos um do outro, adaptação essa que requer ser mais dono
de si para se entregar quando o outro pode receber; e, por fim, o casal
apercebe-se de como o corpo pode estar ao serviço da vocação mais essencial
do ser humano, a da entrega total ao outro. Este último aspeto será melhor
compreendido mais adiante. Para já, basta referir que o casal «sabe» (ou
«podia saber»…) que o seu ato conjugal pouco tem que ver com as relações
animais. Como veremos nos últimos capítulos do livro, esse ato pode e deve
ser um ato humanamente riquíssimo (o corpo está ao serviço do amor-
doação); pode e deve ser um ato profundamente «espiritual», uma cooperação
direta com Deus.
Pelo contrário, as opções de luxúria invertem profundamente essas
características. Talvez não seja difícil reconhecer que uma vida que atenta
contra a castidade mostra que se desconhece o valor da pessoa (pois esta é
usada como um mero «meio para») e se desvaloriza o corpo (que é visto
como algo que se usa para obter ou dar prazer), além de denotar pouco
domínio pessoal (dificuldade na autodeterminação).
8.
A unidade e a dualidade
originárias: a comunhão de pessoas
9.
A nudez sem vergonha:
liberdade do dom ou nudismo puro e simples?
Alguns membros são «mais vis», «menos decentes», não devido a algum
aspeto somático – tudo o que Deus fez é bom –, mas sim devido,
precisamente, ao facto de o homem os captar de modo diferente ao modo
como capta os outros membros. Precisamente por isso acaba por tratá-los
com maior respeito. O que está em jogo é, pois, o modo como se avalia o
corpo, como se experimenta o corpo: não se avalia nem se experimenta cada
parte do corpo de modo unitário.
Assim, no homem histórico, a vergonha aparece ligada à desunião do
corpo, com o pudor corporal a ser especialmente dirigido aos membros que
determinam somaticamente a feminilidade e a masculinidade. O pudor dos
membros «mais débeis», que faz com que sejam revestidos de maior
dignidade, é o nosso modo de reequilibrar a desunião do corpo, permitindo
recuperar, até certo ponto, a visão unitária do corpo. A roupa é a nossa
muleta.
Daqui podemos extrair uma conclusão óbvia: se o pudor leva a tapar
alguns dos membros para manter a unidade da pessoa, para que a pessoa
possa ser «vista» unitariamente, então, na situação originária, estava presente
essa visão unitária mesmo sem a roupa. O homem não se sentia desunido
interiormente, avaliava de modo igual todos os seus membros. Além disso,
nada temia na sua nudez, pois assim como olhava o outro na sua unidade –
como pessoa –, sentia-se igualmente avaliado como pessoa, sem
experimentar qualquer fragmentação no seu ser pelo olhar alheio.
9.2. O que mudou com o pecado?
Detenhamo-nos agora na sequência do relato do Génesis 3, em concreto
nos versículos 10 e 11, onde se narra o que sucede após o pecado. «E ele
[Adão]respondeu: “Ouvi o barulho dos vossos passos no jardim e, cheio de
medo, escondi-me porque estou nu”. O Senhor Deus disse: “Quem te revelou
que estavas nu? Terias tu porventura comido do fruto da árvore que eu te
havia proibido de comer?”». Pela voz do Criador, deduzimos que a causa da
mudança – da vergonha que surge – é a transgressão do preceito. A
desobediência ocasionou algo terrivelmente novo na consciência de Adão.
Por isso, S. João Paulo II explica que a mudança reflete algo muito mais
profundo do que uma mera constatação intelectual da situação corporal, de
um mero conhecer que estão sem roupa. Ela traduz uma mudança radical do
significado da nudez (a doença que levou o homem do exemplo anterior a ter
de usar muletas) do homem perante a mulher e vice-versa. Essa «mudança
refere-se diretamente à experiência do significado do próprio corpo diante do
Criador e das criaturas»[119]. Por isso escondem a sua nudez ao ouvir a voz de
Deus, e por isso Adão e Eva sentem a necessidade de cobrir o que é mais
especificamente identificador do sexo, o que os distingue mais um do outro.
Adão e Eva «sentem-se» nus, desprotegidos e fragilizados nos seus corpos,
porque algo sucedeu no seu coração.
Portanto, antes do pecado, o corpo nu tinha um significado, ou melhor, o
homem e a mulher experimentavam um significado determinado no seu
corpo; e, depois da queda, passam a ter uma outra perceção do corpo. Qual
seria então a perceção original? Descartemos duas respostas. A primeira
sugere que a nudez sem vergonha corresponderia a uma desvergonha ou
despudor; a segunda equivale a um género de ingenuidade infantil.
A primeira possibilidade é facilmente descartável. O despudor do corpo
pode ser definido como o modo de comportar-se de uma pessoa «que põe em
primeiro plano os valores do sexo, de modo que eles ocultem o valor
essencial da pessoa»[120]. Trata-se, pois, de uma banalização do próprio corpo
e da sua sexualidade. Mas, se antes do pecado fossem despudorados e,
depois, passassem a viver instintivamente o pudor, a queda tê-lo-ias situado
num patamar moral superior. Ora, todo o texto caminha em sentido oposto:
na nudez inicial, nada havia dessa atitude provocativa para criar no outro uma
espécie de dependência, mesmo à custa de o próprio provocador (ou a
provocadora) correr o risco de ser instrumentalizado (ou instrumentalizada).
Depois da queda, houve um retrocesso na moralidade. Adão e Eva sabem que
estão nus e sentem-se mal assim porque o seu coração piorou, moralmente
falando.
Um observador pouco atento pode insistir na conclusão oposta,
afirmando que a situação originária – da nudez sem vergonha – seria bem
mais semelhante à desvergonha dos nudistas do que a situação habitual de
proteção do corpo pelas roupas: «nos dois casos», diria, «tratar-se-ia de
pessoas sem tabus culturais impostos». Seria, no entanto, um grande erro
pensar assim, equiparando a inicial nudez sem vergonha com a desvergonha
dos nudistas.
Dietrich Von Hildebrand recorre a S. Agostinho para desmontar
conclusões parecidas noutros âmbitos. Vale a pena transcrever o seu
raciocínio:
«Em muitos âmbitos do ser encontramos a mesma situação, isto é, coisas aparentemente
semelhantes na realidade diferem mais entre si do que daquela de que ambas se distinguem com
clareza. S. Agostinho menciona no De Civitate Dei que tanto um membro paralisado como um
corpo transfigurado são insensíveis à dor, mas por razões opostas, já que esses dois tipos de
insensibilidade diferem claramente entre eles mais do que difere cada um comparado com o corpo
são que pode sentir dor. O corpo paralisado está por debaixo do são; o transfigurado está acima
desse nível. Um animal não pode pecar, assim como não pode pecar um santo no Céu. Mas,
certamente, esta incapacidade de pecar é radicalmente diferente em cada caso. Uma deve-se à
ausência de perfeição, a outra a uma perfeição eminente. […] Poderiam ser referidos muitos
outros casos que confirmam esta verdade»[121].
Não parece ousado inferir destas palavras que, antes do pecado, cada um
dos esposos consentia em entregar-se ao outro por amor, com a convicção de
que não perdia a inalienabilidade, não deixava de ser ele mesmo. Karol
Wojtyla, num parágrafo posterior, explicará «a lei da absorção da vergonha
pelo amor»: quando um casal se ama realmente, os valores sexuais não
ofuscam o valor da pessoa e, por isso, mesmo sem a defesa da roupa não
existe (ou pode não existir) o temor de perder a inalienabilidade e a
inviolabilidade[136]. Esse temor estava ausente em Adão e Eva porque não se
instrumentalizavam e sabiam que o seu «eu» mais íntimo era «para» o outro e
no outro «estava em muito boas mãos».
Acrescento igualmente que, do mesmo modo que o temor à
instrumentalização pelo outro (sobretudo pelo outro sexo) passou a ser uma
lei frequente no chamado «homem histórico», também a ocultação dos
valores sexuais é intrínseca à inviolabilidade da pessoa. Em situações
normais, por um e outro motivo (por medo e por proteger a inalienabilidade
do seu «eu»), será necessário usar a roupa e a pessoa sentir-se-á incómoda
sem ela. Apenas como ilustração de que o temor à instrumentalização por
parte do outro sexo não explica tudo, pensemos que, quando uma pessoa vai
ao médico, mesmo quando tenha toda a confiança num clínico de outro sexo,
não se sente cómoda sem roupa. Está justificada essa nudez; é necessária (na
medida em que o for realmente, e procurando reduzir ao mínimo essa
exposição, tanto na duração como nas partes expostas), mas permanece a
experiência de a pessoa não se sentir à vontade assim.
Prossigamos a reflexão sobre a vergonha. Já se referiu que, em Adão e
Eva, a vergonha é sintoma de algo que sucedeu no mais profundo do seu ser.
No comentário à décima estação da Via Sacra – «Jesus é Despojado das Suas
Roupas» –, o então cardeal Ratzinger evocava a vergonha original: «Esse
momento recorda-nos também a expulsão do Paraíso: o esplendor de Deus
diminuiu no homem que, agora, se encontra ali, despido e exposto, nu, mas
com vergonha. Deste modo, Jesus assume uma vez mais a situação do
homem caído. O Jesus espoliado recorda-nos o facto de que todos nós
perdemos a “primeira veste”, isto é, o esplendor de Deus»[137].
De modo sintético, fica claro que a vergonha inicial indica uma perda e
que, com essa perda, fica esbatida a semelhança com Deus, inicialmente tão
diáfana. Indiretamente, percebemos que, quando o homem perde a visão da
semelhança com Deus, em si e nos outros, corre o risco de os «coisificar»,
atribuindo-lhes um valor idêntico ao que atribui ao resto da criação. Por isso,
serão necessários recursos para proteger o homem de si próprio, da sua visão
deformada, incapaz de ver o outro com os olhos do Criador. Como, de facto,
se perdeu em parte a semelhança com o Criador – e, portanto, também se
tornou bem mais difícil captá-la em si e nos outros –, é necessário educar o
homem a revalorizar o seu corpo, todo o seu ser. Isso fez Cristo com a sua
vida e a sua morte. O corpo padecente até à morte do Senhor expressa o
infinito amor de Deus por nós. O corpo humano fica revestido da veste do
Amor.
Respondamos, então, à pergunta inicial. Por que não promover o
nudismo como expressão de regresso à situação originária, sobretudo quando
parece haver ocasiões onde pequenas comunidades convivem pacificamente
com uma tal situação? A resposta completa só será possível depois do
comentário à vergonha dentro do segundo ciclo, sobre o homem da
concupiscência ou homem histórico. Adiantemos, no entanto, algumas
reflexões. De entrada, a maioria das pessoas não se sentirá cómoda numa tal
proposta. O senso comum quanto a este terreno ainda é, mais ou menos,
consensual. No entanto, é necessário reconhecer que, pelo menos por alguns
exemplos, é possível «ultrapassar» o pudor, ao menos com o comportamento
externo. Mas a questão decisiva é: interessa fazê-lo? Isso aproximar-nos-ia da
situação originária ou produziria um afastamento ainda maior dela? A
resposta, como o leitor terá deduzido à luz dos ensinamentos da teologia do
corpo, parece clara: afasta grosseiramente as pessoas desse plano. Porquê?
Apesar da semelhança externa, a visão de um corpo nu não provoca, em
quem o vê, um apelo à doação de si e ao respeito pela pessoa nua mas, pelo
contrário, impele à apropriação. O nudista não pretende dar glória a Deus
com o seu corpo, nem tem a mínima intenção de que os outros se aproximem
da visão de Deus: muitas vezes pretende chamar a atenção sobre si, talvez
com a intenção de manipular o interesse dos outros. A nua
complementaridade sexual sem mais não provoca o desejo de entrega
sacrificada (do dom de si) mas, quando muito, uma instintiva excitação, que
mais não é do que um modo de instrumentalizar alguém ou de desejar ser
instrumentalizado.
Pelo contrário, e seguindo os ensinamentos de S. Paulo, a roupa ajuda
de forma decidida a manter o olhar puro sobre os outros, e pode até ajudar a
que a pessoa expresse melhor a sua intimidade, o seu «eu» masculino ou
feminino, a importância que dá à situação em que se encontra (veste-se
melhor quanto mais importância tem para ela um encontro), etc. Por isso,
vestir-se de forma modesta é, depois do pecado, o modo mais fácil de nos
aproximarmos do plano originário de Deus sobre o corpo humano: distingue-
nos dos outros seres e contribui para revelar o nosso «eu», mantendo a
dignidade da pessoa, sem facilitar os desejos de instrumentalização. E é
também um modo de reconhecer que nos «falta algo» da semelhança
originária com Deus. Em certo sentido, a roupa cumpre uma função
semelhante à da ciência médica, que se ocupa em lidar com a doença,
também ela consequência do pecado original. Assim, querer estar sem roupa
com o pretexto de viver como Adão e Eva nos seus melhores tempos é tão
absurdo como prescindir de qualquer medicamento, vacina e outra medida
preventiva para querer imitar Adão e Eva no Paraíso, que eram imunes à
doença e à dor. Precisamente, é usando as medidas de prevenção e
terapêuticas que, até certo ponto, conseguimos ultrapassar outra das feridas
do pecado original: a perda da imunidade ao sofrimento.
Há ocasiões em que o uso da roupa manifesta com particular clareza o
modo de exteriorizar o que se é. Pensemos no traje sacerdotal. O sacerdócio
não é um «trabalho», mas sim um ministério, um serviço permanente. Bento
XVI lembrou: «A primeira coisa que devemos aprender é a sua [do
sacerdote] total identificação com o próprio ministério. Em Jesus, tendem a
coincidir Pessoa e Missão: toda a sua ação salvífica era e é expressão do seu
“Eu filial” que, desde toda a eternidade, está diante do Pai em atitude de
amorosa submissão à sua vontade. Com modesta mas verdadeira analogia,
também o sacerdote deve ansiar por esta identificação»[138]. Identificação essa
que se deve efetuar no coração do sacerdote. O permanente uso do traje
eclesiástico certifica e recorda, ao próprio e aos outros, que se deseja essa
plena identificação a todas as horas. Sobretudo porque, ao contrário das
profissões, o traje pretende realçar mais o que se é do que aquilo que se está a
fazer em tal momento. O sacerdote deve sê-lo não apenas quando celebra a
Missa ou prega, mas também em cada instante: deve ter a consciência de ser
mediador em Cristo entre Deus e os homens. O permanente uso do traje
eclesiástico evidencia esse querer.
Em suma: no homem da concupiscência, a roupa é necessária e
conveniente, e pode até ajudar a mostrar quem somos.
10.
A revelação e a descoberta
do significado esponsal do corpo
É certo que na própria Escritura se afirma que Deus nos utiliza como
seus instrumentos. Deus explica ao temeroso Ananias que deseja contar com
Saulo para grandes coisas: «Vai, porque este é um instrumento escolhido por
Mim para levar o meu nome aos gentios, aos reis e aos filhos de Israel» (Act
9, 15). No entanto, está fora de questão duvidar da liberdade de S. Paulo para
responder a Deus, e também não há qualquer dúvida de que, ao cumprir a
missão que Deus lhe confia, ele alcança o seu próprio fim. É o próprio Paulo
que, anos mais tarde, perante a alternativa de ser chamado por Deus à vida
eterna e assim estar com Cristo para sempre, por um lado, e o prolongamento
da sua missão aqui na terra, por outro, afirma escolher o segundo (como se
dele dependesse a escolha) pois sabe que, ao aproximar outros de Cristo, ele
próprio não se afastará do seu fim: «Sinto-me num dilema: tenho o desejo de
partir para estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor; mas o
permanecer na carne é preferível por amor de vós. E, persuadido disto, sei
que ficarei e que permanecerei com todos vós para vosso proveito e alegria
da vossa fé» (Fil 1, 23-25).
Esta referência a S. Paulo permite esclarecer que a afirmação de que
Deus ama o homem por si mesmo não significa que o homem não tenha outro
fim além do próprio homem. Deus quer que ele O ame, a Ele – Deus é o fim
último de cada ser humano –, mas quer que O ame livremente, tenda para Ele
com a própria vontade (se autodetermine para Deus), pois só assim o homem
alcançará a sua plenitude. Como se traduz, então, o amor ao outro por si
mesmo, e nunca como um mero meio? Tenho de ter presente que estou diante
de um ser livre, possuidor de bens e fins próprios, que eu não devo ignorar.
Querer uma pessoa por si mesma é estar disposto a englobar o seu próprio
fim no fim da minha ação, ou contar com que ela passe a querer livremente o
fim proposto, fazendo-o também seu, pois permite ser englobado no que é o
seu próprio bem.
Exemplifiquemos: a relação com uma prostituta é, sem margem para
dúvidas, um ato em que se usa uma pessoa sem ter em conta o fim dela. A
mulher é apenas um meio para o prazer próprio do «cliente». Não é correto
afirmar que ela «também quer» esse ato desde que seja recompensada
monetariamente.
A sua perfeição pessoal, a sua dignidade, não fica protegida com o
pagamento. De modo paralelo, um operário explorado no seu trabalho torna-
se um mero meio para o empresário que lhe retribui muito aquém do esforço
realizado[150], apesar de o contrato ter sido voluntário. Já Paulo VI, evocando
a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, explicava que, «em condições
demasiado diferentes, o consentimento das partes não basta para garantir a
justiça do contrato»[151]. De facto, nessas condições, o querer da pessoa usada
é escravo da própria indigência. A parte mais avantajada devia preocupar-se
em atuar de acordo com a norma personalista.
Deixo no ar, a modo de reflexão, uma questão pastoral: quando um
homem se acusa na confissão de ter frequentado um bordel talvez lhe pese o
facto de ter cedido às paixões e ter ido contra o sexto mandamento; ao acusar-
se, ter-se-á arrependido de ter «magoado» espiritualmente uma pessoa, de a
ter tratado mal, como se fosse um instrumento? Não será que até no
arrependimento a situação da mulher por ele usada é-lhe indiferente, como se
pertencesse à sua natureza ser um objeto? Não terá o sacerdote de ajudar o
penitente a que se arrependa também por ter colaborado na destruição de uma
pessoa?
É preciso pensar nos bens (fins) objetivos das pessoas com quem nos
relacionamos, nos seus fins intrínsecos: «que lhes sucederá no futuro?
Realizar-se-ão como pessoas com as ações que lhes proponho? A sua
dignidade está protegida? Podem ocupar-se das suas famílias? Têm um
mínimo de liberdade para amar a Deus e se santificarem?» Um empresário
pode legitimamente contratar um operário; mas o que não pode é reduzi-lo a
meio de produção e de lucro.
A contratação deve estar permeada pelo amor ao próximo. Por isso, deve
pensar não só no que o operário pode dar com o seu trabalho, mas também se
daquela forma pode proteger os seus fins pessoais, isto é, os fins a que ele
não deve querer renunciar pelo facto de ser pessoa: não pode nem renunciar a
cuidar da sua família, nem violar a própria consciência ou arruinar a saúde.
Ao mesmo tempo,
seria desejável que o operário contratado «quisesse», também ele, o fim da
empresa: encontrar sistemas para que tenha participação nos lucros da
empresa é um dos modos de contribuir para esse querer livre, pois trata-se de
um sinal de que é tratado como uma pessoa com quem realmente se conta,
em quem se pensa, a quem se pretende valorizar corretamente a sua
liberdade, o seu «eu» mais
íntimo[152]. Além, obviamente, de ser quase sempre uma questão de justiça153.
Diariamente, a todos nos faria um grande bem ter presente a norma
[153]
11.
Cristo na Cruz: uma releitura
à luz do significado esponsal do corpo
12.
O ato conjugal e o significado
procriativo do corpo: conhecimento e procriação
13.
Desejar a redenção
«Ouvistes o que foi dito: “Não cometerás adultério”. Eu, porém, digo-
vos que todo aquele que olhar para uma mulher, para a desejar, já cometeu
adultério com ela no seu coração» (Mt 5, 27-28). Quando Cristo, no Sermão
da Montanha, pronuncia estas palavras, não está certamente a dirigir-se ao
mesmo homem da situação originária, onde o primeiro casal vivia em
sublime comunhão. Trata-se de uma advertência de Jesus que nos situa no
mundo que, infelizemente, nos é familiar: o mundo do homem depois do
pecado original. Esta é a passagem do Evangelho que guia o segundo ciclo de
catequeses de teologia do corpo (o mais numeroso: ao todo são
40 intervenções), e sobre o qual nos vamos deter nos seguintes capítulos (13
a 16).
É provável que muitos dos nossos contemporâneos não conheçam sequer
estas palavras de Jesus. Mas, se as ouvirem, é igualmente provável que
questionem o seu sentido: «qual é o mal de desejar uma mulher?» (às vezes
até: «qual é o mal de ter relações com uma mulher, seja ela quem for, desde
que esta consinta?»); «não se trata, porventura, de algo tão frequente que
quase poderíamos dizer que é conatural à natureza humana ter desejos e
olhares luxuriosos? Por que razão deveríamos reprimir aspetos intrínsecos ao
nosso ser?» Responderemos a estas perguntas neste capítulo e no seguinte.
Para desejar a redenção, além de acreditar que ela é realizável, torna-se
necessário identificar o mal a eliminar. Cristo fá-lo sempre, sem qualquer
ambiguidade. Junto d‘Ele é impossível que o mal «se esconda»: nem os atos
maus passam despercebidos, nem muito menos se pode ocultar o «pai da
mentira»; diante de Jesus, os endemoninhados ficam identificados e são
curados.
Ao mesmo tempo, não duvidamos que, se Cristo propõe um determinado
modo de viver, é porque ele é realmente possível. Nosso Senhor não se limita
a identificar o mal, mas oferece a cura para ele.
As palavras do Senhor transcritas no início do capítulo tiveram, é certo,
interlocutores bem concretos, pertencentes a um determinado âmbito cultural
e religioso; conheciam a lei, sabiam o que significava o adultério, e não lhes
era estranho o juízo sobre o desejo luxurioso[254]. Mas as palavras dirigem-se
também a todos nós:
«Com essas palavras, Cristo dirige-se também, de modo indireto mas real, a todo o homem
“histórico” (entendendo este adjetivo sobretudo em função teológica).
E este homem é precisamente o “homem da concupiscência”, cujo mistério e cujo coração são
conhecidos de Cristo (“Ele próprio conhecia o interior de cada homem” [Jo 2, 25]). As palavras do
Sermão da Montanha permitem-nos estabelecer um contacto com a experiência interior deste
homem, praticamente em todas as latitudes e longitudes geográficas, nas mais variadas épocas e
nos diversos condicionamentos sociais e culturais. O homem do nosso tempo sente-se chamado
pelo nome por este enunciado de Cristo, não menos do que o homem de “então”, a quem o Mestre
se dirigiu diretamente»[255].
Cristo apela ao coração do homem, para que ele deseje viver de acordo
com o significado esponsal do corpo e não de acordo com a tríplice
concupiscência da qual o olhar libidinoso é uma clara manifestação.
«O homem não pode deter-se colocando o “coração” em estado de contínua e irreversível
suspeita por causa das manifestações da concupiscência da carne e da libido […]. A Redenção
é uma verdade, uma realidade, em nome da qual o homem deve sentir-se chamado, e “chamado
com eficácia”. Ele deve dar-se conta desse chamamento também mediante as palavras de Cristo
segundo Mateus 5, 27-28, relidas no pleno contexto da revelação do corpo. O homem deve
sentir-se chamado a redescobrir, mais, a realizar o significado esponsal do corpo, e a exprimir
deste modo a liberdade interior do dom, isto é, daquele estado espiritual e daquela força
espiritual que derivam do domínio da concupiscência da carne»[263].
Identificar o que está mal, por que razão está mal e saber que existe
u m remédio capaz de curar esse mal faz parte dos recursos que Cristo nos
deixou.
O apelo ao coração é, já o lemos antes, de particular eficácia. Também a
Igreja tem de saber tocar o coração do homem de hoje, com a força perene
das palavras do Senhor, que continuam a conter uma particular força
redentora.
Até agora, basta-me que o leitor (mesmo se ainda incrédulo) suspeite que
há olhares que podem degradá-lo (porque degradam a quem olha) e que pode
ser importante descobrir a sua malícia para experimentar o efeito
transformador da graça de Cristo nos corações. Essa transformação permitirá
olhar de outro modo para as pessoas, com um olhar contemplativo, que não
vise apropriar-se delas mas respeitá-las como são. Quem não desejaria olhar
habitualmente assim? E que mulher não ambiciona que a olhem como pessoa,
no seu todo, sem fazer com as partes do seu corpo um comércio virtual?
14.
A corrupção do significado esponsal
do corpo: vergonha e insaciabilidade
S. João Paulo II explica que «o homem tem pudor do corpo por causa da
concupiscência. Mais, tem pudor, não tanto do corpo, quanto precisamente da
concupiscência: tem pudor do corpo por causa da concupiscência»[282]. Nesta
vida, o homem pode dominar mais ou menos a concupiscência, mas não
eliminá-la totalmente. Sempre se corre o risco de querer servir-se do outro,
extrair dele apenas o que nos interessa no momento, retirá-lo da sua dimensão
global, isolando-o no tempo («só enquanto me for útil») ou nos aspetos
materiais ou afetivos («apenas aqui, e naquilo que me causa prazer»). Pode
até haver uma mútua troca de interesses: instrumentalizar e deixar-se
instrumentalizar. Mas esse «pacto» pontual nada tem que ver com a
comunhão de pessoas – única atitude verdadeiramente concorde com a
dignidade humana.
Sendo assim, centremo-nos de modo mais explícito na vergonha
relacional ou sexual. Adão e Eva, com as folhas da figueira, tapam o que os
distingue sexualmente. «A diversidade, ou seja a diferença de sexo,
masculino e feminino, foi bruscamente sentida e compreendida como
elemento de contraposição recíproca de pessoas»[283]. Se antes as diferenças
sexuais constituíam naturalmente e sem dificuldade o substrato para a
comunhão de pessoas, passam agora a ser avaliadas como fonte de
insegurança[284], como algo que as divide em vez de as chamar à união. A
razão desta enfermiça perceção tem que ver com a dificuldade do homem em
identificar-se com o corpo: «A concupiscência traz consigo uma quase
constitutiva dificuldade de identificação com o próprio corpo, e não só no
âmbito da própria subjetividade, mas ainda mais a respeito da subjetividade
do outro ser humano: da mulher para o homem e do homem para a
mulher»[285]. Tornou-se mais difícil para o homem ver a pessoa quando olha
para uma mulher. O olhar concupiscente é, em resumidas contas, um olhar
espiritualmente míope, desfocado, incapaz de captar realmente a pessoa.
Desde o início, Adão e Eva procuraram corrigir esse olhar e equilibrar, de
alguma maneira, o desequilíbrio que experimentavam na mútua relação. E
fazem-no tapando os valores sexuais de cada um. Essa é uma das missões da
roupa. «A necessidade espontânea de esconder os valores sexuais é uma
maneira natural de permitir que se descubram os valores da própria
pessoa»[286]. Habitualmente, a roupa parece exercer uma função unificadora
do corpo, facilitando um olhar mais global. Só no contexto de um olhar
dirigido à pessoa (e não a partes dela) se torna realmente possível uma
comunhão de pessoas, sem possuidores ou possuídos.
Talvez este último passo exija uma explicação mais cuidada. Perguntam-
nos com frequência qual é o mal de olhar para partes da pessoa. Por que
razão esse olhar deforma tão poderosamente a relação entre as pessoas? Ou,
se quisermos ser ainda mais específicos (e pedindo antecipadamente perdão
ao leitor pela vulgaridade da pergunta), ousaria formulá-la da seguinte
maneira: quando um rapaz diz a uma rapariga que tem uns bonitos olhos,
ninguém interpretará maliciosamente tal piropo; o rapaz centra-se numa
qualidade da rapariga sem que, à partida, se possa formular por isso um juízo
negativo sobre as intenções do rapaz; mas, e se, em vez dos olhos, se referir
aos seios? Nenhum rapaz sério se atreverá habitualmente a referi-los e
nenhuma rapariga honrada escutará tal «elogio» sem corar e afastar-se
perante essa grosseria. Qualquer leitor sabe que há uma diferença substancial
entre os dois «elogios», mesmo quando a sua interpretação não seja igual à
minha. No entanto, é possível justificar a diferença?
A questão assim formulada permite-nos intuir que está ainda por
esclarecer a verdadeira malícia da concupiscência. Há, pois, vergonha mútua
do que é especificamente sexual, mas falta explicar melhor qual o motivo
para isso. Jesus fala do desejo, gerado pela concupiscência (pelo olhar
concupiscente), que já em si é adultério. Mas que desejo é esse? Por que
razão é «mau»?
14.3. Vontade de domínio e insaciabilidade da união
Para responder, é necessário voltar a recordar o segundo versículo do
Génesis: «O teu instinto te impelirá para o teu marido, mas ele dominar-te-á»
(Gen 3,
16). S. João Paulo II sintetiza esta deformação na relação com duas noções:
a lei do domínio e a insaciabilidade da união. Ambas afetam o homem e a
mulher, embora no homem se pareça notar mais a primeira e na mulher a
segunda.
Procuremos analisar de que modo o pecado afetou a vontade do ser
humano, com a inerente ferida à capacidade de doação pessoal. Na Primeira
Carta de S. João, lemos uma descrição do estado do homem histórico com a
tríplice concupiscência: a da carne, a dos olhos e a soberba de vida. Tudo
isso não vem do Pai mas do mundo (cfr. 1 Jo 2, 16-17). Simplificando, com
intuitos meramente pedagógicos, a soberba de vida – a excelência do amor
ao próprio «eu» sobre todas as coisas, a autossuficiência – equivale à
desconfiança para com Deus com o intuito de prescindir dos seus dons;
subjaz a ideia de que o homem basta-se a si mesmo. A concupiscência dos
olhos sintetiza a desordem em relação à criação em geral. Esta deixa de ser
captada como um dom de Deus ao homem e, como dela necessita em maior
ou menor medida, o homem padece da sofreguidão de a possuir de modo
egoísta e a qualquer custo. Encontramos uma reação desse género, por
exemplo, nos casais obcecados por ter um filho, consentindo inclusive em
eliminar outras crianças concebidas no mesmo processo de reprodução
artificial, contanto que adquiram uma criança sobre quem, depois, correm
o risco de se sentir donos absolutos. Por fim, a concupiscência da carne
traduz, de algum modo, a dificuldade no domínio de si, e traz como
consequência a maior dificuldade em doar-se a outro: se alguém não se
possui, como poderá doar-se? Sem o domínio de si, a liberdade do dom – o
cume do exercício da liberdade, isto é, a capacidade de doação pessoal –
fica seriamente comprometida: «O corpo humano na sua
masculinidade/feminilidade quase perdeu a capacidade de exprimir esse
amor, em que o homem-pessoa se torna dom, conforme a mais profunda
estrutura e finalidade da sua existência pessoal»[287]. É fácil concluir que a
concupiscência da carne introduz no homem uma limitação. Mas como
explicar melhor essa limitação para que seja percebida como tal em quem
experimenta os efeitos da concupiscência? Só se for captada assim, como
uma forte restrição às mais nobres capacidades humanas, se torna mais fácil
desejar neutralizar os seus efeitos.
A descrição bíblica do que sucederá nas relações entre o homem e a
mulher a partir do pecado é, na sua simplicidade, certeira. Doravante, manter-
se-á, como antes, a perene atração dos sexos, mas essa atração corre o risco
de ser radicalmente diferente do impulso original que ambos sentiam para se
entregarem e receberem mutuamente, sinal de uma perfeita comunhão dos
dois. Passa a existir, sim, uma atração, mas que leva o homem a querer
dominar a mulher. Predomina no seu coração o «és minha» em vez do «sou
teu». O Papa explica de forma encantadora que os pronomes «meu» e
«minha» na linguagem do amor até são legítimos, sempre que os
mantenhamos dentro do sentido analógico, isto é, em parte semelhantes e em
parte diferentes do significado comum. É assim que, por exemplo, são usados
pelos noivos do Cântico dos Cânticos («Minha pomba, escondida nas fendas
dos rochedos» [Ct 2, 14]; ou «O meu amado é para mim e eu sou para ele»
[Ct 2, 16]). Mas, no homem da concupiscência, os pronomes possessivos
correm o risco de serem usados na sua aceção comum, segundo os quais o
sujeito manipula e usufrui de um objeto[288].
O desejo de posse – de domínio – é, pois, muito similar ao que se pode
sentir perante um «objeto», ainda que se guardem algumas aparências ou
formas, consoante a cultura onde se vive. Trocando por miúdos, em muitos
ambientes (excluímos agora a referência à prostituição), nenhum homem
pede à mulher que «a deixe usar» durante algumas horas. Dir-lhe-á que a ama
mais do que todas as outras, que se quer entregar a ela sem reservas.
Certamente, alguns meses mais tarde poderá dizer exatamente o mesmo a
outra, e depois a outra… A personagem feminina de um famoso romance, no
momento em que o homem (casado) com quem conviveu decide regressar à
esposa, acusa-o de falsidade pelas suas antigas palavras de promessas eternas.
Ele justifica-se, assegurando que, no momento das promessas, fora
profundamente sincero. Ao que a protagonista replica, com uma certeira dose
de ironia, que no fundo ele tinha «sinceridades sucessivas»[289].
No fundo, esse género de «sinceridades sucessivas» em contextos bem
semelhantes é uma cobertura para o uso que se faz de alguém.
Além do desejo de posse, a união corre o risco de não satisfazer
plenamente ninguém: «não era isto que eu queria; desejava mais». É como se
um deles
(a mulher, habitualmente) não fosse plenamente recebido na sua integridade,
e como se o outro não comprometesse nessa união todo o seu ser. Essa
perceção é muitas vezes correta e deve-se à falta de capacidade para viver a
liberdade do dom. O ser humano passou a experimentar maior dificuldade
para doar-se sem reservas, incondicionalmente. O corpo não é avaliado como
algo que se é, e corre-se o risco de dele se servir, sem (portanto)
comprometer todo o ser. Aparece igualmente a resistência para aceitar sem
reservas o outro. Torna-se possível, por essa incorreta perceção do valor do
corpo, limitar-se a unir os dois corpos, com a sensação prazenteira que isso
produz, sem a vontade de expressar com o corpo que se deseja receber
alguém na própria vida. Como se disse no início deste subcapítulo, e mesmo
sendo verdade que ambas as deformações (a lei do domínio e a
insaciabilidade da união) são comuns ao homem e à mulher, a primeira
parece ser mais comum no homem, enquanto a segunda parece ser captada de
modo mais agudo na mulher[290].
As palavras do Génesis sobre este aspeto são dirigidas à mulher. S. João
Paulo II faz notar este certo desequilibro nas funções do homem e da mulher,
explicando que, mesmo sendo honesto reconhecer alguma influência da visão
masculina no texto por razões de índole social da época, há uma verdade
perene na descrição bíblica. Detenhamo-nos nesta assimetria[291]. Tanto as
palavras de Cristo no Sermão da Montanha quanto o anúncio feito por Deus
em Gen 3, 16 («ele dominar-te-á») centram-se primariamente na atitude do
homem. Por isso, escreve o Pontífice:
«O homem, “desde o princípio”, teria de ser guardião da reciprocidade do dom e do seu autêntico
equilíbrio. A análise daquele “princípio” (Gen 2, 23-25) mostra exatamente a responsabilidade do
homem em acolher a feminilidade como dom e corresponder num recíproco e bilateral
intercâmbio. Contrasta abertamente com isto retirar da mulher o próprio dom, mediante a
concupiscência. Se bem que a manutenção do equilíbrio do dom pareça ter sido confiada a ambos,
cabe sobretudo ao homem uma especial responsabilidade, como se dele maiormente dependesse
que se mantenha ou se quebre o equilíbrio ou mesmo – se já quebrado – eventualmente o seu
restabelecimento»[292].
E que sucede com a pessoa que se deixa dominar por essa atitude? «O
“eu”, considerado como sujeito, torna-se egoísta, quando cessa de ver o seu
posto objetivo entre os outros seres […]. O egoísmo exclui o amor, mas
admite os cálculos e o compromisso; embora não haja nada de amor, é
sempre possível uma acomodação bilateral entre os egoísmos»[313]. O facto de
dois desejos libidinosos se encontrarem e disfrutarem juntos não transforma
essa união carnal numa comunhão de pessoas. É um grave engano pensar que
uma junção de interesses possa ser um ato de amor.
Estas explicações seriam suficientes para que uma pessoa de bem se
decidisse, de uma vez por todas, a lutar por erradicar os movimentos egoístas
do seu coração. Realmente, haverá algo mais desprezível do que
instrumentalizar alguém? Quando Cristo, no Sermão da Montanha, apela ao
coração do homem, quer que ele se dê conta da necessidade de velar pelo
coração, de modo a que, desde o movimento mais ténue que se gere nele, não
haja nenhum desejo de possuir ou instrumentalizar o outro. Nem sequer no
olhar isso deve suceder.
Os confessores deveriam ter isto bem presente quando lhes aparece um
penitente consumidor de pornografia. Convém fazer o penitente considerar
que, além do pecado pessoal, está a colaborar na (e a perpetuar a)
instrumentalização das pessoas, com todas as feridas e dores que elas
possam padecer. Os penitentes não podem deixar de se arrepender também
pelas consequências sociais do seu vício privado.
A vontade firme de se comportar bem, sem desejar instrumentalizar
pessoas, levará, com frequência, a que um homem não olhe para uma mulher
quando comprova que esse olhar desencadeará nele desejos possuidores. Em
tais circunstâncias, o melhor modo de respeitar os valores femininos é,
precisamente, não fixar o olhar para não avaliar a mulher de modo fracionado
(esta parte do corpo…). Quando se trata de atitudes agressivamente
provocadoras por parte da mulher (o que vulgarmente se chama «sedução»),
que apelam para o olhar dirigido e redutor do homem, é preferível nem
sequer olhar, pois se a própria mulher renunciou – por razões talvez até
dramáticas, que não nos compete julgar – à sua dignidade, o homem, pelo
contrário, deve recusar infringir a sua dignidade de filha de Deus, nem
mesmo com um simples olhar.
Não esqueçamos que um gesto de respeito pela pessoa – um gesto de
cavalheirismo – pode contribuir para devolver à mulher transformada em
objeto uma parcela da sua dignidade, como se lhe disséssemos: «não me
interessam tanto as medidas do teu corpo, mais sim todo o teu ser, por isso
rezo pelo bem da tua pessoa». Se todos procedessem assim, acabariam
ignóbeis profissões que, por razões monetárias, exploram a dignidade das
pessoas, sem temor a que fiquem arrasadas. Conselhos paralelos, com a
especificidade própria, deveriam ser dirigidos à mulher que, insisto, padece
igualmente a concupiscência ainda que esta, com frequência, se manifeste de
outra maneira.
Retomo o conselho anterior dirigido ao homem: é preciso educar para o
cavalheirismo. Desde a infância. Na educação clássica, sempre se dizia aos
rapazes que não se bate numa menina nem sequer com uma flor. É
conveniente continuar a educar no maior respeito pelo outro sexo. Devo
acrescentar que, pessoalmente, quando uns pais propõem à sua filha de dois
ou três anos que me cumprimentem com um beijinho e ela não se aproxima
por seu próprio pé, por vergonha ou temor, nunca me passa pela cabeça
avançar eu com o beijinho. Apesar dos seus dois ou três anos, penso sempre
que deve ser respeitada neste seu querer, mesmo que motivado por uma birra
ou por um amuo. Também uma criança é «dona do seu mistério». E deve ser
consciente desse dom o mais cedo possível.
Procuremos concluir o capítulo. Se, por um lado, a vergonha parece estar
enraizada numa equívoca perceção do corpo, através da explicação de S.
João Paulo II ficamos a saber, por outro lado que a raiz principal dessa
vergonha é, sobretudo, uma certa deformação na capacidade de querer. Eis
algumas palavras adicionais de S. João Paulo II a este respeito:
«Parece que, nas palavras dirigidas por Deus-Jahvé à mulher [cfr. Gen 3, 16], se encontra uma
ressonância mais profunda da vergonha que ambos começaram a experimentar depois da rutura
da original Aliança com Deus. Nelas encontramos, além disso, uma mais plena motivação dessa
vergonha. De modo muito discreto e, apesar disso, bastante decifrável e expressivo, Génesis 3, 16
atesta como aquela original e beatificante união conjugal das pessoas será deformada no coração
do homem pela concupiscência. Estas palavras são dirigidas diretamente à mulher, mas referem-se
ao homem, ou antes, aos dois juntos»[314].
15.
Velar pelo coração: desejar bem
À primeira vista, estas palavras parecem contradizer tudo o que foi dito
anteriormente sobre a bondade da sexualidade. Então o marido não pode
desejar unir-se sexualmente com a sua esposa? Não a pode olhar? Não se
estarão a levantar problemas morais onde não existem? Mesmo ainda sem a
compreensão exata do sentido daquelas palavras, o leitor atento das
catequeses adivinhará que S. João Paulo II se limita a expor a integridade das
exigências do Mestre, com a sua inerente dimensão libertadora. Suspeitará
imediatamente que deve haver algum matiz que clarifica as palavras do
Pontífice. Devo acrescentar, todavia, que estas palavras me parecem cruciais
para toda a teologia do corpo. Espero justificar plenamente esta afirmação.
Antes de responder a estas perplexidades, é útil ler um outro texto, em
que
S. João Paulo II chama a atenção para o risco de se confundir o amor com o
desejo concupiscente:
«O significado esponsal do corpo não se tornou totalmente estranho àquele coração: não ficou
nisso totalmente sufocado por parte da concupiscência, mas só habitualmente ameaçado. O
“coração” tornou-se campo de batalha entre o amor e a concupiscência. Quanto mais a
concupiscência domina o coração, tanto menos este experimenta o significado esponsal do corpo,
e tanto menos se torna sensível ao dom da pessoa que, nas relações recíprocas do homem e da
mulher, exprime precisamente esse significado. Certamente, também aquele “desejo” de que fala
Cristo em Mateus 5, 27-28 aparece no coração humano sob múltiplas formas. Nem sempre é
evidente e óbvio, às vezes é obscuro, de tal forma que se faz passar por “amor”, embora modifique
o seu perfil autêntico e obscureça a limpidez do dom na relação recíproca das pessoas. Quer
forçosamente isto dizer que tenhamos o dever de desconfiar do coração humano? Não! Quer
somente dizer que devemos mantê-lo sob controlo»[323].
O ser humano sabe que esta proposta vai ao encontro das aspirações
mais íntimas do seu ser. As palavras de Cristo têm eco no nosso interior. O
homem sabe que deve libertar-se de um olhar libidinoso que o desonra como
pessoa, e que deve afastar de si qualquer desejo «predador». Um tal olhar ou
desejo não corresponde à sua verdade mais íntima, e afasta-o da experiência
do deslumbrante significado esponsal do corpo, que lhe permite aproximar-
se das pessoas da única maneira digna de cada uma: pelo amor verdadeiro.
Daí que S. João Paulo II insista:
«O significado do corpo é, em certo sentido, a antítese da libido freudiana. O significado da vida é
a antítese da hermenêutica “da suspeita”. Tal hermenêutica é muito diferente, radicalmente
diferente daquela que redescobrimos nas palavras de Cristo no Sermão da Montanha. Estas
palavras revelam, não apenas um outro ethos, mas também uma outra visão das possibilidades do
homem. É importante que ele, precisamente no seu “coração”, não se sinta apenas
irrevogavelmente acusado e entregue como presa à concupiscência da carne, mas que, nesse
mesmo coração, se sinta chamado com energia. Chamado precisamente àquele supremo valor que
é o amor»[343].
16.
Os gigantescos horizontes abertos pela pureza
Num documento papal, redigido muitos anos mais tarde, S. João Paulo II
voltava a insistir: «Num tal contexto, torna-se mais difícil, mas também mais
urgente, uma educação para a sexualidade que seja verdadeira e plenamente
pessoal e que, portanto, dê lugar à estima e ao amor pela castidade, como
virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e que a torna capaz
de respeitar e promover o “significado nupcial” do corpo»[358].
As respostas às questões levantadas no início do capítulo virão pela
pluma de S. Paulo. À luz de textos do Apóstolo, torna-se mais fácil querer
viver a castidade, porque se percebe a sua intrínseca relação com o
seguimento de Cristo. S. Paulo consegue mesmo que se deseje
ardentemente viver assim, como expressão qualificada de que
pertencermos ao Senhor e somos templos do Espírito Santo.
Devo prevenir o leitor de que, neste capítulo, me foi difícil abandonar
as citações explícitas do Apóstolo – em muitos casos extensas – e também
as palavras literais das catequeses. Se o fizesse, penso, omitiria uma boa
parte da beleza deste corpo doutrinal. O leitor reconhecerá, à medida que for
avançando na leitura, que a castidade não só não é um conjunto de lúgubres
negações mas, pelo contrário, é uma virtude que unifica a pessoa e a conduz
a experimentar com alegria o significado esponsal do corpo.
Na sessão em que sintetiza o seu pensamento sobre este tema, S. João
Paulo II desenha o panorama deslumbrante para o homem que se deixa
guiar pela pureza:
«A pureza […] abre também o caminho para uma descoberta cada vez mais perfeita da dignidade
do corpo humano; o que está organicamente ligado à liberdade do dom da pessoa na
autenticidade integral da sua subjetividade pessoal, masculina ou feminina. Deste modo, a
pureza, no sentido de temperança, amadurece no coração do homem que a cultiva e tende a
descobrir e a afirmar o sentido esponsal do corpo na sua verdade integral. Esta verdade deve ser
conhecida interiormente. De certo modo, deve ser “sentida com o coração”, para que as relações
recíprocas do homem e da mulher – e até mesmo o simples olhar – readquiram aquele conteúdo
autenticamente esponsal dos seus significados. E é precisamente este conteúdo que, no
Evangelho, é indicado com a expressão “pureza de coração”»[359].
As duas dimensões são postas em relevo num outro texto paulino que já
nos é familiar: «Fugi da fornicação! Qualquer outro pecado que o homem
cometa é exterior ao seu corpo, mas o que comete fornicação peca contra o
próprio corpo. Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que
habita em vós, porque o recebestes de Deus e que vós já não vos pertenceis?
Porque fostes comprados por um alto preço! Glorificai, pois, a Deus no vosso
corpo» (1 Cor 6, 18-20).
Com estas palavras, torna-se claro que, além da dignidade do corpo
derivada da sua participação na semelhança com Deus, há uma nova fonte da
dignidade da pessoa, que deriva diretamente da Redenção: ser templo do
Espírito Santo. O Espírito Santo recriou-nos de alguma maneira, pelo que o
homem submetido às forças da Redenção recebe um duplo dom: o facto de
ser templo do Espírito Santo faz com que o todo o seu ser – corpo incluído –
tenha sido como que «restaurado» com uma nova dignidade.
«Através da Redenção, cada homem recebeu de Deus, como que de novo, a si próprio e o próprio
corpo. Cristo inscreveu no corpo humano – no corpo de cada homem e de cada mulher – uma
nova dignidade, dado que, n’Ele, o corpo humano foi admitido, juntamente com a alma, à união
com a pessoa do Filho-Verbo. Com esta nova dignidade, através da “redenção do corpo”, nasceu
simultaneamente também uma nova obrigação, relativamente à qual Paulo escreve, de modo
conciso, mas muitíssimo comovente: “Porque fostes comprados por um alto preço!” (1 Cor 6, 20).
O fruto da Redenção é, de facto, o Espírito Santo, que habita no homem e no seu corpo como num
templo. Neste Dom, que santifica cada homem, o cristão recebe-se novamente a si mesmo como
dom de Deus. E este novo, duplo dom obriga»[382].
Reafirmemos ainda que esta vida pura proposta por Cristo é uma
possibilidade real, para qualquer homem ou mulher. É dirigida, precisamente,
ao homem da concupiscência de todos os tempos e lugares. S. João Paulo II
não deixa, ele próprio, de apelar ao coração de todos para que se abram a esta
graça:
«Mas as palavras de Cristo são realistas. Não procuram obrigar o coração humano a regressar ao
estado de inocência original, que o homem já tinha deixado para trás de si no momento em que
cometeu o pecado original. Pelo contrário, indicam-lhe o caminho para uma pureza de coração,
que lhe é possível e acessível igualmente no estado da pecaminosidade hereditária. É a pureza do
“homem da concupiscência”, que apesar de tudo se encontra inspirado pela palavra do Evangelho
e aberto “à vida segundo o Espírito” (em conformidade com as palavras de São Paulo), isto é, a
pureza do “homem da concupiscência” que está inteiramente envolvido pela “redenção do corpo”
realizada por Cristo. Por este motivo encontramos nas palavras do Sermão da Montanha a
referência ao “coração”, isto é, ao homem interior.
O homem interior deve abrir-se à vida segundo o Espírito para que possa participar na pureza de
coração evangélica: a fim de que ele reencontre e realize o valor do corpo, libertado dos vínculos
da concupiscência através da redenção»[402].
17.
Sexo e eternidade
O homem fica, assim, imerso em Deus, sem que tamanho dom anule a
subjetividade da pessoa. Perante a comunhão com o Ser Eterno, alguém
poderia ser levado a pensar num processo de algum modo ilustrado pela gota
de água que cai no oceano, onde aquela se dilui totalmente e perde a sua
identidade. Não será assim com o homem; nada mais afastado do que
realmente sucederá.
A sua subjetividade será reforçada como nunca o foi[442]. Talvez um exemplo
possa esclarecer o reforço da identidade de cada um. Quando alguém vai
trabalhar para uma empresa onde descobre que sabem o seu nome,
reconhecem as suas qualidades, apreciam o valor do que faz e respeitam a
sua iniciativa, essa pessoa sente-se muito mais «ela própria» do que numa
situação onde trabalhava como se fosse apenas uma peça mais de uma
engrenagem. Em Deus, que nos criou pessoalmente e nos conhece pelo
nosso nome[443], fica reforçada, até ao limite, a consciência da própria
subjetividade: tudo em nós «faz sentido», tudo tem razão de ser diante do (e
imersos no) nosso Criador, que pensou em nós tal como seremos na
eternidade – mergulhados no seu Amor.
17.6. O corpo manterá o seu significado esponsal mesmo sem
o casamento?
Agora que já conhecemos as características do corpo ressuscitado,
interessa responder à pergunta do subcapítulo. Em caso de resposta
afirmativa («o corpo ressuscitado mantém o seu significado esponsal»), como
experimentará o homem esse significado?
A divinização do homem ensina-nos que todo o seu ser estará
harmoniosamente centrado em Deus. Escrevo «harmoniosamente» porque as
potências humanas serão respeitadas na sua natureza. Vale a pena retomar
agora a observação de S. Tomás de Aquino referida no subcapítulo anterior: é
certo que, no Céu, o entendimento – elevado (engrandecido) por uma nova
capacidade dada por Deus e que os teólogos denominam lumen gloriae («a
luz da glória») – captará diretamente Deus. A isso se chama «ver a Deus cara
a cara». Mas quando se trata de averiguar se, com os nossos olhos, e não só
com o entendimento, veremos ou não a Deus, S. Tomás responde que em
rigor não se pode «ver» a Deus com os olhos; se o homem ressuscitado visse
a Deus, Espírito puro, com os olhos, então isso significaria que a vista (o
órgão sensorial) teria deixado de ser vista, pois o que ela capta são corpos
sensíveis[444]. E S. Tomás defende que o sentido da vista manterá a sua
natureza específica após a ressurreição, isto é, continuará a captar entidades
sensíveis, não realidades espirituais. São palavras que ilustram os
ensinamentos da teologia do corpo: o corpo não será anulado. A seguir,
acrescenta ainda que, como o sentido da vista será especificamente o mesmo
no corpo glorioso, «não pode acontecer que se veja a essência divina como
sensível próprio. Vê-la-á como visível per accidens na medida em que, por
um lado, a visão corporal contemplará a glória de Deus nos corpos,
principalmente nos gloriosos e de um modo especial no Corpo de Cristo; por
outro lado, o entendimento verá Deus com tanta clareza que O captará nas
coisas vistas corporalmente, tal como na fala se capta que há vida. Ainda que
o nosso entendimento não há-de conhecer Deus através das criaturas [fá-lo
diretamente, como já se explicou], porém vê-l’O-á corporalmente nas
criaturas vistas [isto é, naquelas que os olhos captam]»[445].
Portanto – e esta é a conclusão que agora nos interessa –, também o
corpo ressuscitado participa da experiência de Deus. E acrescentamos desde
já que as características do significado esponsal do corpo também se vão
manter, e manifestar-se-ão em primeiro lugar na união do homem com Deus.
Em tal união, o homem será plenamente acolhido como pessoa pelo Amor
Trinitário, e responderá à doação de Deus à sua pessoa com todas as energias
do seu ser, entregando-se sem reservas ao Amor dos amores. Portanto, as
características do significado esponsal do corpo são todas vividas em união
com o Criador: o homem todo, também com o seu corpo, experimentará que
é recebido em Deus e que o próprio Deus a ele Se entrega; logicamente, o
homem responderá, dando-se a Deus com todo o seu ser: «O recíproco dom
de si mesmo a Deus – dom em que o homem concentrará e exprimirá todas as
energias da própria subjetividade pessoal e ao mesmo tempo psicossomática
– será a resposta ao dom de Si mesmo por parte de Deus ao homem»[446].
De forma complementar, existirá no Céu uma perfeita união com todos
os ressuscitados. S. João Paulo II fala da «redescoberta de uma nova e
perfeita intersubjetividade de todos»[447], relacionando a fé na comunhão dos
santos com a fé na ressurreição dos mortos[448]. Suponho que as seguintes
palavras de S. Tomás (que visam explicar o relacionamento dos santos em
Deus) facilitam o esclarecimento dessa relação, que S. João Paulo II
denomina «perfeita intersubjetividade»: «A vida eterna consiste finalmente
na ditosa comunhão de todos os bem-aventurados, comunhão sumamente
agradável, porque cada um terá todos os bens com todos os outros bem-
aventurados. Cada um amará os outros como a si mesmo e por isso se
alegrará com o bem dos outros como [se fosse o] seu próprio bem. E, assim,
será tanto maior a alegria e felicidade de cada um quanto maior for a
felicidade de todos»[449].
Eis um dos resumos de S. João Paulo II sobre o significado esponsal no
estado escatológico:
«Naquele Reino que é o “outro mundo” da ressurreição, “nem eles se casarão, nem elas serão
dadas em casamento” (Mc 12, 25), porque Deus será “tudo em todos”
(1 Cor 15, 28). Esse modo de ser homem, varão e mulher, indica portanto a “virgindade”
escatológica do homem ressuscitado, no qual se revelará, diria, o absoluto e eterno significado
esponsal do corpo glorificado em união com o próprio Deus, mediante a visão d’Ele “face a face”;
e glorificado, também, mediante a união de uma perfeita intersubjetividade, que unirá todos os
“participantes do outro mundo”, homens e mulheres, no mistério da comunhão dos santos»[450].
18.
A importância do celibato
Será difícil perceber bem o celibato como escolhido pelo Reino dos Céus
se quem o abraça se encontra habitualmente indisponível para os outros e
com forte inclinação para egoístas satisfações meramente pessoais. Assim, do
ponto de vista subjetivo, é interessante considerar que alguém que opta pelo
celibato e se «contenta» com a mera renúncia à conjugalidade, sem se
esforçar por levar a doação pessoal até ao fim, está a atraiçoar a proposta de
Cristo e encarna então a figura do «solteirão» egoísta, que nada tem que ver
com a entrega pelo Reino dos Céus.
Mas importa assinalar algo ainda mais decisivo. É certo que quem opta
pelo celibato quer identificar-se com Cristo. Mas tal identificação não
consiste numa simples imitação de alguém que se admira muito e cujo estilo
de vida se deseja copiar; é muito mais do que isso. A pessoa deseja unir-se de
forma particular a Cristo, entregar todo o seu ser ao Senhor, amá-l’O com um
amor exclusivo. E deseja fazê-lo porque «sabe», de algum modo, que Cristo a
quer amar de um modo «especial», quere-a para Si de um modo esponsal.
É compreensível a resistência de muitos em definir a sua união a Cristo
em termos de relação esponsal. Para vencer essa resistência, torna-se
necessário entender bem o significado esponsal do corpo e entender que,
também pelo corpo, se pode expressar a doação de amor total no celibato, de
um modo diferente ao do casamento. Isto é, o essencial é a doação total a
alguém e a aceitação total desse alguém na vida[493]. A expressão mais comum
e conhecida desse amor reside no casamento, mas o celibato comunga do
elemento essencial do amor-doação. Logicamente, a expressão corporal é
diferente num caso e no outro. Mas é essencial que quem opta pelo celibato
se sinta «possuído» por Cristo – se sinta, de algum modo, d’Ele – e perceba
que Cristo quer ser amado por ele com todo o seu ser. Por isso, mesmo
sabendo que quem vive o celibato deve aprender a dizer «não» a tudo o que
contradiga essa entrega por amor – olhares, afetos do coração, etc. –,
a pessoa em causa fá-lo-á porque percebe que Deus está interessado em
c a d a olhar seu, em cada afeto seu, na atenção que Lhe devota, e no
entusiasmo por Ele e pelas suas obras. Deus quer que Lhe manifestemos o
nosso amor também com expressões corporais.
O próprio S. João Paulo II defende a perspetiva nupcial desse amor:
«E, portanto, naquele apelo para a continência “por amor do Reino dos Céus”, primeiro os
próprios discípulos e, depois, toda a Tradição viva da Igreja, cedo descobrirão o amor com que
Cristo se refere a Si mesmo como Esposo da Igreja, Esposo das almas, às quais Ele se deu a Si
mesmo totalmente, no mistério da sua Páscoa e da Eucaristia.
Deste modo, a continência “por amor do Reino dos Céus”, a opção pela virgindade ou pelo
celibato para toda a vida, tornou-se, na experiência dos discípulos e dos seguidores de Cristo, o
ato de uma resposta particular ao amor do Esposo Divino e, por conseguinte, adquiriu o
significado de um ato de amor esponsal: isto é, de um dom esponsal de si, a fim de retribuir, de
modo particular, o amor esponsal do Redentor»[494].
Na prática, como se traduz, na vida da pessoa, o amor esponsal por
Cristo? Sem dúvida que o Senhor deve ocupar o lugar decisivo no coração
de quem faz tal opção. Estar com Jesus – na Eucaristia, na oração – torna-se
o momento alto do dia. Ao mesmo tempo, e porque se ama o Senhor, essa
opção permite estar de alma e corpo «nas coisas do Senhor», como diz S.
Paulo: «O que está sem mulher cuida das coisas que são do Senhor, como há
de agradar a Deus» (1 Cor 7, 32). S. João Paulo II faz notar que as palavras
de Cristo, no âmbito do diálogo com os fariseus, não concretizam de que
modo a vida de quem vive o celibato contribui decisivamente para o
crescimento do Reino: «Alguma coisa mais ouviremos a este propósito de
Paulo de Tarso (cfr. 1 Cor 7), e o resto será completado pela vida da Igreja no
seu desenvolvimento histórico, guiado pela corrente da autêntica
Tradição»[495].
Sintetizemos a dimensão subjetiva de quem opta pelo celibato. Dissemos
que se trata de um dom pelo qual a pessoa sabe que, com essa escolha, pode
contribuir mais para o crescimento do Reino. Deseja uma profunda e íntima
união a Cristo e sabe que, pelo celibato, manifesta com todo o seu ser –
também com o corpo – uma doação total ao Senhor; é consciente que o
celibato assim assumido é expressão do significado nupcial do seu corpo.
Não se trata de um mero «silêncio» corporal (embora também o inclua). Essa
abstenção expressa uma total e exclusiva entrega do seu ser a Cristo. A
pessoa sabe-se particularmente unida a Ele e procurará agradar-lhe em tudo.
Tem a firme esperança de que essa união dará à sua vida uma particular
fecundidade espiritual, pois permite «gerar filhos» para Deus. Sabe também,
e assim o deseja, que, vivendo de modo exemplar o celibato, a sua vida
transporta a força da Redenção como que «concentrada» no seu corpo, e esse
testemunho é uma fonte de esperança para toda a Igreja. Afinal, não
encontramos o triunfo da Redenção apenas no Além, no final dos tempos,
mas já aqui e agora, na vida concreta de milhares de pessoas. E esse triunfo
transforma realmente as vidas. A pessoa que opta pelo celibato sabe muito
bem (ou devia saber) que não saiu deste mundo, que é alguém que, como
todos os outros, está submetido ao império da tríplice concupiscência, mas,
ao mesmo tempo, confia que as forças da Redenção permitirão a vitória sobre
esse império. E essa vitória regista-se também no corpo. A pessoa sabe ainda
que manifesta o significado esponsal do seu corpo como homem ou mulher
que é: o celibato não anula a sua identidade sexual. Antes pelo contrário:
confirma-a, e confirma que ela deve ser mantida na medida em que é
intrínseca à natureza humana. O homem que opta pelo celibato manifesta o
seu amor a Deus e aos seus semelhantes como homem que é. Também as
mulheres o fazem, como mulheres, potenciando os dotes de feminilidade que
se expressam em toda a sua vida. O homem e a mulher que optam pelo
celibato sabem que são livres com a liberdade do dom, desejam doar-se sem
reservas ao Senhor e, por Ele, aos irmãos.
18.3. Celibato e matrimónio: a complementaridade
Para oferecer uma explicação cabal da excelência do celibato, é
conveniente começar por realçar a complementaridade dos dois tipos de
vocação, o matrimónio e o celibato pelo Reino, na vida da comunidade cristã.
As duas opções de vida iluminam-se mutuamente[496]. Assim, o
casamento recorda, aos que optam pelo celibato cristão, a exclusividade do
amor e a necessidade da permanência no amor para este ser autêntico. A
grande maioria dos que abraçam o celibato tem, de facto, esse modelo nos
seus corações, pois contemplou-o feito vida nas suas famílias, com a
fidelidade diária de seus pais. Logicamente, é o casamento que permite fazer
entender que o celibato pelo Reino é de natureza esponsal:
«Em definitivo, a natureza de um e outro amor é “esponsal”, ou seja, expressa-se através do dom
total de si. Um e outro amor tendem a expressar aquele significado esponsal do corpo que, “desde
o princípio”, se encontra inscrito na própria estrutura pessoal do homem e da mulher»[497].
A segunda parte parece ser a mais relevante: quem vive o celibato deseja
exclusivamente agradar ao Senhor, até porque S. Paulo aplica ao celibato o
padrão nupcial. O homem ou a mulher celibatários devem ter para com
Deus uma orientação da sua vida semelhante à que os casados têm com o
cônjuge. S. João Paulo II é explícito neste ponto:
«O “agradar ao Senhor” tem como fundamento o amor. Este fundamento emerge de uma ulterior
comparação: quem não está casado preocupa-se em como agradar a Deus, enquanto o homem
casado deve preocupar-se também em como satisfazer a mulher. Aqui aparece, em certo sentido,
o caráter esponsal da “continência pelo Reino dos Céus”. O homem procura sempre agradar à
pessoa que ama. O “agradar a Deus” não é, portanto, privado deste caráter que distingue a relação
interpessoal dos esposos»[510].
É certo, tal como lemos em cima, que o «agradar o Senhor» tem como
expressão principal ocupar-se das suas coisas. Também isso é amor. Mas a
relação direta com Deus é essencial para não desvirtuar o sentido mais
profundo do celibato pelo Reino. Sem uma amorosa atenção do coração ao
próprio Deus, poder-se-ia dar a imagem de uma certa «burocratização» do
celibato, algo que certamente não é o que Cristo deseja para quem se
entrega a Ele. A pessoa celibatária por amor de Deus deve, portanto, velar
constantemente pelo seu coração, perguntando-se com frequência: «amo
Deus? Os meus melhores afetos são para o Senhor? Penso n’Ele e, por Ele,
nas suas coisas? Quantos atos explícitos de amor fiz hoje? Descanso o
coração na sua presença, em concreto diante da Eucaristia? Quando algum
outro amor se insinua furtivamente no meu coração, dou-me rapidamente
conta de que aquele lugar do coração já está definitivamente ocupado pelo
Senhor?» Eis algumas (entre outras muitas) perguntas possíveis, que, no fim
de contas, se podem resumir nesta: «sou e vivo como uma pessoa
enamorada de Deus?»
É, sobretudo, o amor a Deus que unifica tudo o resto e que nunca deve
estar excluído do coração. Dito por outras palavras: mesmo que uma pessoa
que vive o celibato não esteja, num momento determinado, com as mãos
num trabalho apostólico – porque está a descansar, por exemplo –, não
deixa de ser alguém que pertence a Deus e cujo coração deve estar em Deus.
Se tal não sucedesse, poderia introduzir-se uma divisão interior na pessoa.
Explica-o também S. João Paulo II:
«Paulo observa, no entanto, que o homem ligado pelo vínculo matrimonial “se encontra
dividido” (1 Cor 7, 34) por causa das suas obrigações familiares (cfr. 1 Cor 7, 34). Desta
verificação, parece, por conseguinte, resultar que a pessoa solteira deveria ser caracterizada por
uma integração interior, por uma unificação que lhe permitiria dedicar-se completamente ao
serviço do Reino de Deus em todas as suas dimensões. Esta atitude pressupõe a abstenção do
matrimónio, exclusivamente “pelo Reino dos Céus”, e uma vida dirigida unicamente para essa
finalidade. De outro modo, “a divisão” pode furtivamente entrar também na vida de um solteiro
que, estando privado, por um lado, da vida matrimonial e, por outro, de uma clara finalidade
pela qual deveria renunciar a ela, poderia encontrar-se diante de um certo vazio»[512].
S. João Paulo II insiste, uma e outra vez, que S. Paulo não se inclina de
maneira nenhuma para posições maniqueístas quando fala do matrimónio. O
matrimónio não é mau para ele. O Apóstolo é, sim, sumamente realista
quando se refere ao casamento, pois não deixa de dar a entender que nem
tudo é fácil entre os esposos: muitas vezes é «um amor difícil»[515]. Mas,
dentro desse são realismo, S. Paulo entende o casamento, tal como o celibato,
como um dom: «Porque eu quereria que todos fossem como eu; porém, cada
um tem de Deus o seu próprio dom: um de um modo e outro de outro» (1 Cor
7, 7). Ao apresentar-se o panorama vocacional aos cristãos, é essencial
manter esta perspetiva genuinamente evangélica. Não estaria de acordo com
o pensamento de Cristo retirar valor ao matrimónio, até porque essa é a
vocação da maior parte dos cristãos.
S. Josemaria Escrivá escreveu, nos anos 30 do século passado, algo que
pode ajudar-nos a compreender o que aqui se acha em causa: «Ris-te porque
te digo que tens “vocação matrimonial”? Pois é verdade: assim mesmo,
vocação. Pede a São Rafael que te conduza castamente ao termo do
caminho, como a Tobias»[516]. Portanto – nunca é de mais repeti-lo –,
quando se trata de explorar as razões pelas quais o celibato pelo Reino tem
um lugar de excelência nos projetos divinos, de nenhum modo se pode
legitimamente negar ou diminuir o valor da vocação matrimonial. Aliás,
como S. João Paulo II explica na última das audiências dedicadas a este
ciclo, o longo diálogo de Jesus com os fariseus evoca uma autêntica
teologia da esperança. Tanto a indissolubilidade matrimonial bem vivida
como o celibato pelo Reino contribuem para mostrar a eficácia da graça de
Deus, que frutifica de modo tão admirável na natureza humana, tanto num
como no outro caso. E ambas contribuem, à sua maneira, para gerar no
homem a esperança da redenção do corpo[517].
Certamente, o celibato leva a pensar na futura ressurreição do corpo,
mas também traz consigo uma «lufada de ar puro» para todos os que lutam
por dominar as desordens do seu corpo, dos seus olhos, do seu coração. O
contacto com pessoas que optaram por ele e comprovar até que ponto a
Redenção tem eficácia diária na vida de tanta gente é uma fonte de
esperança para as diárias batalhas pela castidade: a Redenção pode, de
facto, derrotar as forças da concupiscência. Diz S. João Paulo II:
«Na sua vida quotidiana, o homem deve retirar do mistério da redenção do corpo a inspiração e
a força para superar o mal que está adormecido em si, sob a forma da tríplice concupiscência. O
homem e a mulher, ligados pelo matrimónio, devem desempenhar diariamente a tarefa da
indissolúvel união daquela aliança que estabeleceram entre si. Mas, também, um homem ou uma
mulher que voluntariamente tenha escolhido a continência pelo Reino dos Céus deve dar
diariamente um testemunho vivo da fidelidade a essa escolha, segundo as diretrizes de Cristo no
Evangelho e as do Apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios. Em cada caso, trata-se da
esperança de cada dia que, na medida dos normais encargos e das dificuldades da vida humana,
ajuda a vencer “o mal com o bem” (Rom 12, 21)»[518].
O Sacramento
19.
O projeto de Deus para o matrimónio
20.
Reler a linguagem do corpo na verdade
É esta mentira que está presente, por exemplo, nas relações pré-
matrimoniais. Aí, a linguagem corporal está a «dizer»: «sou todo teu (ou toda
tua), e recebo-te com tudo o que tu és». Mas nada disso sucede. Não se
entregou o futuro, que permanece em aberto até ao casamento; e, na maioria
dos casos, não se está disposto a entregar ou a receber a potencial paternidade
ou maternidade. Pode até haver um desejo sincero de um dia vir a entregar o
futuro. Mas há uma diferença entre o desejo de entregar toda a vida (desejo,
aliás, cuja autenticidade seria necessário verificar), futuro incluído, e a
entrega efetiva de toda a vida. Nessas condições, os noivos mentem com o
corpo, mesmo que desejem que isso seja verdade. Relembro o exemplo da
palavra grega: não basta querer dizer alguma coisa numa linguagem
determinada; é preciso escolher as palavras que realmente expressam essa
realidade.
O corpo tem a magnífica capacidade de expressar a diferença entre o
noivado e o casamento se – esta é a condição – a linguagem corporal for
relida na verdade. Na celebração do sacramento, os noivos assumem essa
linguagem, expressam-na primeiro em palavras e, posteriormente, no ato
conjugal que, então sim, expressa a perfeita comunhão dos esposos. A
máxima união corporal manifesta a máxima união espiritual entre um homem
e uma mulher que se comprometem em partilhar a sua vida para sempre.
Quando os noivos banalizam o ato sexual tendo relações antes do
casamento, é normal que aumente a dificuldade de se aperceberem da
transcendência do casamento e reforcem a convicção de que é uma mera
formalidade: «perante as convenções tradicionais, passamos a estar em
regra». Para uma tal miopia contribui, sem dúvida, a banalização sexual, pois
«despe» o corpo da gigantesca capacidade de expressar uma entrega total.
Para os que se envolvem em relações antes do casamento, o corpo apenas
«expressa» o desejo mútuo, nada mais.
Assim sendo, os noivos retiram a eles próprios o elemento pessoal que lhes
permitiria entender como que «por dentro» o que é uma entrega
incondicional, total e fecunda.
Permita-se-me uma má comparação. É como se alguém se ufanasse por
conseguir fazer de uma nota de 500 euros um elaborado aviãozinho de papel
que se aguenta no ar uns cinco minutos e depois cai num rio; «Fantástico!»,
responderíamos, «mas sabias que com esse “avião” comprarias um iPad?»
Vale a pena convidar os noivos a guardarem a nota de 500 para o máximo
que ela pode expressar.
E se os noivos, entretanto, talvez após contactarem pessoas que lhes
fazem ver o erro em que estão metidos (talvez depois de lerem estas
páginas…), decidirem passar a viver a castidade no namoro? Será então
possível recuperar plenamente o valor dos seus corpos e do ato sexual?
Certamente a pessoa pode arrepender-se e obter o total perdão de Deus.
Não sei se, mesmo assim, a límpida informação que o corpo daria caso se
tivesse respeitado a linguagem própria pode ser totalmente recuperada. A
pessoa conseguirá, sem dúvida, expressar um amor total, mas ficará sempre a
dúvida sobre o que se experimentaria no corpo caso não tivesse sido usado
para fazer o tal avião: continuariam a existir os pensamentos e avaliações
negativas sobre o sexo que de vez em quando atormentam a doação física?
Não se entenderia porventura mais facilmente essa linguagem, objetivamente
querida por Deus, quase como uma oração? Não seria mais acessível dominar
uma certa destemperança no prazer sexual que, em ocasiões, ameaça
atropelar o cônjuge? Será mesmo tudo recuperável? Rezemos sempre a Deus
para que realize esse milagre em todos aqueles que ficaram com feridas do
passado. Deus pode curar os corações na sua raiz.
Só mesmo Deus o pode fazer.
20.4. Os esposos diante de Deus
Centremo-nos nos noivos e na celebração matrimonial. Com as palavras
do consentimento, os noivos declaram que nos seus corpos está inscrito o
significado esponsal. É como se dissessem: «eu posso receber-te como esposa
(como esposo), porque o meu corpo está preparado para te aceitar com todo o
teu ser, e eu posso entregar-me como esposo (como esposa), porque o meu
corpo pode expressar a entrega da minha vida». O consentimento conjugal
proclama uma verdade que foi inscrita por Deus na natureza humana:
«Na base das palavras proferidas pelos ministros do sacramento do matrimónio está a perene
“linguagem do corpo”, à qual Deus “deu início” criando o homem como varão e mulher, uma
linguagem que foi renovada por Cristo. Esta perene “linguagem do corpo” comporta em si toda a
riqueza e profundidade do mistério: primeiro da Criação, depois da Redenção»[571].
21.
A riqueza e a santidade da linguagem do corpo
A esposa expressa que quer ser inteiramente do esposo, quer ficar como
que «gravada» na mais íntima dimensão do esposo. Desse amor, pois, flui a
indissolubilidade. Para chegar a esse grau, o amor deve crescer.
Esse salto deverá ser o desfecho do amor, tal como explica, mais uma
vez, Bento XVI:
«Embora o eros seja inicialmente sobretudo ambicioso, ascendente – fascinação pela grande
promessa de felicidade – depois, à medida que se aproxima do outro, far-se-á cada vez menos
perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez
mais dele, doar-se-á e desejará “existir para” o outro. Assim se insere nele o momento do ágape;
caso contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza»[613].
22.
Inserindo a santidade no matrimónio[617]
23.
Contraceção – Por que não?[645]
24.
A espiritualidade conjugal
O último grande tema das catequeses pode ser sintetizado com uma
expressão usada frequentemente por S. João Paulo: «espiritualidade
conjugal».
É também uma dimensão essencial da vida de marido e mulher. A verdade é
que nalguns cristãos, que tomam conhecimento da norma da Humanae Vitae,
paira a dúvida sobre se essa indicação não transformará a vida conjugal em
algo «técnico», como se a Igreja desse um «manual de instruções para o bom
comportamento dos esposos» ou um «manual de etiqueta sexual».
Caricaturando: «aprenda os ritmos do ciclo feminino; veja se há razões para
se absterem; se as há, abstenham-se alguns dias por mês»… Tudo isto terá
mesmo que ver com a missão da Igreja? Cristo teria gastado tempo com esta
temática? E será assim tão fundamental para que os esposos sigam Cristo?
Não seria preferível dar umas sugestões genéricas e abster-se de intrusões na
vida conjugal com conselhos tão excessivamente concretos?
As últimas sete catequeses respondem a estas perguntas e a outras pare-
cidas[720]. Além disso, é sintomático como nelas se procura responder à
objeção de quem teme que a norma da Humanae Vitae possa lesar o amor
entre os cônjuges[721], objeção essa que está subentendida nas perguntas
anteriores. Desejo acrescentar ainda que estas últimas catequeses oferecem
pistas para responder a uma preocupação que encontrei em pessoas prestes a
casar (logicamente que também estará presente nos casados, só que não foi
deles que escutei esse dilema). Eis um modo de a formular: «dizem-me que
devo amar a Deus sobre todas as coisas e, portanto, também aquela (aquele) a
quem entreguei a minha vida; dizem-me que devo amar mais a Deus do que à
minha esposa (ao meu esposo); mas eu não vejo as coisas assim. Amo a
minha futura esposa (o meu futuro esposo), e quero casar-me. Claro que Deus
entrará na nossa vida; mas não será o “número um” em tudo». Adianto que,
perante tal tomada de posição, sempre recordei ao interlocutor que é mesmo
importante corrigir a sua visão, porque só se Deus for o amor «número um»
ele (ou ela) poderá amar a sério – com o amor de Cristo – a futura esposa (ou
esposo), e evitará considerar o casamento como o fim de toda a vida,
esquecendo que é um modo para alcançar o amor total e sem defeitos, só
possível de alcançar no Céu. Espero que este capítulo ajude a reforçar bem
esta ideia.
Logo na primeira das catequeses dedicadas a esta temática[722], a
transcrição quase completa do n.º 25 da Humanae Vitae e o comentário de S.
João Paulo II aos diferentes parágrafos seria suficiente para desfazer
equívocos sobre o cuidado da Igreja pelo amor dos esposos. Convido o leitor
a ler na íntegra esse número. Paulo VI dirige-se diretamente aos esposos
cristãos:
«A Igreja, ao mesmo tempo que ensina as exigências imprescritíveis da lei divina, anuncia a
salvação e abre, com os sacramentos, os caminhos da graça, a qual faz do homem uma nova
criatura, capaz de corresponder, no amor e na verdadeira liberdade, aos desígnios do seu Criador e
Salvador e de achar suave o jugo de Cristo».
Paulo VI segue a lógica da Carta aos Efésios: aos esposos que são
cristãos
é-lhes pedido que identifiquem nos ensinamentos da Igreja os desígnios de
Deus e respondam, com amor, a esses requerimentos. Portanto, o autor da
encíclica sabe que se trata de um assunto que tem que ver nada menos do que
com a salvação dos esposos! A seguir, no mesmo número da encíclica,
detém-se na vocação e na missão dos esposos. Fala-lhes da grandeza do
sacramento do matrimónio e das graças que os esposos recebem:
«Por ele os cônjuges são fortalecidos e como que consagrados para o cumprimento fiel dos
próprios deveres e para a atuação da própria vocação para a perfeição e para o testemunho cristão
próprio deles, que têm de dar frente ao mundo. […] Foi a eles que o Senhor confiou a missão de
tornarem visível aos homens a santidade e a suavidade da lei que une o amor mútuo dos esposos
com a sua cooperação com o amor de Deus, autor da vida humana».
Portanto, os cônjuges cristãos não estão a obedecer a uma lei que lhes
seja estranha. Como manifestação do dom da piedade, o amor mútuo leva a
que tenham um respeito reverencial pelo mistério da feminilidade e da
masculinidade, cortando pela raiz qualquer manipulação do outro. Um
primeiro efeito desse amor, repleto de reverência e respeito, no terreno da
sexualidade é não separar os dois significados do ato conjugal. Os esposos
sabem que o amor pelo outro leva a manter unidos, na sua consciência e na
sua vontade, os dois significados. Sabem que, se eliminam um deles, amarão
menos o outro e afastar-se-ão do tal olhar do Criador. Temem, sobretudo,
«violar ou degradar o que traz em si o sinal do mistério divino da Criação e
da Redenção. Deste temor fala o autor da Carta aos Efésios: “Sujeitai-vos
uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5, 21)»[735].
Ainda antes de prosseguir, vale a pena meditar na dimensão
profundamente espiritual que pode e deve existir na vida dos cônjuges,
quando imploram o (e vivem do) dom de piedade. Quando assim procedem, o
ato conjugal é uma oração: uma oração a dois (como a de Sara e Tobias),
através da qual se reverencia o Criador pela masculinidade e feminilidade e
onde se deseja manifestar com o corpo, em breves e densos momentos, um
amor sem reservas cujo modelo-cume, nesta terra, se encontra na doação de
Cristo na Cruz. Através do ato conjugal guiado pelo dom de piedade, os
esposos abrem-se à ação criadora de Deus e manifestam, com a sua total
doação, um amor sem reservas – à semelhança do amor redentor de Cristo.
Por isso, partir para a vida conjugal preocupados com o que é que se
«pode fazer» com o cônjuge para sentir mais prazer, às vezes até obcecados
sobre se determinadas práticas, veiculadas até à exaustão por certos meios de
comunicação, são ou não legítimas, é, à partida, renunciar a descobrir os
valores profundos que o ato conjugal encerra. Em vez do olhar reverencial do
Criador, os cônjuges que se deixam guiar pela concupiscência, considerando
que a manifestação mais genuína do amor é – sempre segundo essa visão
deformada – usufruir e oferecer o máximo grau de prazer a qualquer custo,
desconhecem o que é o amor.
É essencial, do meu ponto de vista, formar os que se vão casar tanto
para um amor que se traduza em admiração e respeito pelo outro e pela sua
sexualidade quanto no desejo de aprender a entregar-se sem reservas. O
prazer associado a essa entrega será bem-vindo na medida em que facilite o
encontro[736]; mas em nenhum caso deveria ser a motivação dominante,
mesmo que seja o «detonador» de um processo. Isto se, repito, os esposos se
quiserem de facto amar, e descobrir nesse amor a marca do Criador e
Redentor. Mas, então, os esposos terão de ler as 129 catequeses de teologia
do corpo para se amarem? Não digo isso. Digo apenas que o ato conjugal
tem um potencial «espiritual» relacionado com a verdade do próprio ato.
Quanto melhor os esposos entenderem isto, mais conteúdo encontrarão no
ato específico da sua condição de esposos, e mais fácil lhes será elevar a
mente a Deus.
Mas, como sabemos, o grande inimigo do amor é a concupiscência. Na
referida audiência de 10 de outubro, S. João Paulo II vai explicando como o
amor dos esposos afasta esse perigo, em concreto permitindo que o corpo
«fale» verdade:
«Se as forças da concupiscência tentam afastar a “linguagem do corpo” da verdade, isto é, tentam
falsificá-la, a força do amor, pelo contrário, corrobora-a sempre de novo naquela verdade, para
que o mistério da redenção do corpo possa frutifi-
car nela»[737].
Para os críticos, se o casal não pode dissociar a seu bel-prazer esses dois
significados, ou pelo menos se os não pode dissociar quando houver razões
sérias para isso, então existe um grande risco – sempre na perspetiva dos tais
críticos – de que, com a omissão frequente do ato conjugal, o amor entre os
cônjuges se veja seriamente lesado. Obviamente, é preciso começar por dar
razão à preocupação de base: mesmo quando não é possível ter filhos, o amor
entre o casal não deve esmorecer. Assim sendo, é justo formular a questão:
existe ou não o risco de que, com a omissão do ato conjugal, o amor entre o
casal possa «esfriar»? Existe essa possibilidade ou é um falso problema?
Poderíamos começar por responder que a Igreja sabe que o problema
existe. O facto de ser necessário omitir o ato conjugal nalguns dias não
significa que, nesses mesmos dias, se suprimam as manifestações de afeto e
ternura que alimentam o amor do casal. A insistência de S. João Paulo II em
distinguir, nas catequeses que estamos a estudar, «excitação» de «emoção» é
necessária para se entender bem que a Humanae Vitae não atenta contra o
amor entre os cônjuges (antes pelo contrário, como se verá): se a pessoa for
casta, pode dirigir as suas emoções (e não só a «fria» vontade de ser fiel ao
outro, sem mais) para o cônjuge, mesmo nos dias de continência. Não só
pode como deve.
Mas procuremos proceder com ordem. S. João Paulo II defende que não
existe nenhuma contradição entre afirmar a inseparabilidade dos dois
significados do ato conjugal (unitivo e procriativo) e admitir a necessidade de
suspender o ato em certas ocasiões, sem que essa continência cause um mal
ao amor entre os cônjuges[742]. Não existe contradição, mas existe uma
dificuldade[743]. E essa dificuldade tem a sua origem na concupiscência, que
acompanha o homem desde o pecado original. Quando o homem não a
domina, parecer-lhe-á impossível que, omitindo tantas vezes o ato conjugal,
quando é o caso de optar pela continência periódica, a união com o cônjuge
não se veja realmente afetada. Convém que o leitor repare como S. João
Paulo II distingue entre «contradição» e «dificuldade»:
«É necessária uma análise bem aprofundada, e não só teológica mas também antropológica
[procurámos fazê-la em toda a reflexão], para demonstrar que não se deve falar aqui de
“contradição”, mas apenas de “dificuldade”. Pois bem, a própria encíclica sublinha tal
“dificuldade” em várias passagens.
E esta deriva do facto de que a força do amor é inserida no homem insidiado pela concupiscência:
nos sujeitos humanos o amor embate com a tríplice concupiscência (cfr. 1 Jo 2, 16), e em
particular com a concupiscência da carne, que deforma a verdade da “linguagem do corpo”. E,
portanto, o amor não está em condições de se realizar na verdade da “linguagem do corpo”,
senão mediante o domínio sobre a concupiscência»[744].
Mas, para que a ternura seja o que deve ser, é absolutamente necessário
que o homem exercite a virtude da continência:
«Não pode haver verdadeira ternura sem verdadeira continência. […] Sem a continência, as
energias naturais da sensualidade, e as da afetividade atraída para a sua órbita, tornar-se-ão
unicamente “matéria” para o egoísmo dos sentidos, ou eventualmente para o dos sentimentos. […]
O crente vê nisto o mistério do pecado original, cujas consequências parecem pesar de modo
muito particular na esfera do sexo, e ameaçam a pessoa, o bem mais importante do universo
criado»[753].
É conveniente ter presentes estas considerações para, por uma parte, não
se concluir erradamente que as emoções referidas pela teologia do corpo (que
giram na órbita dos afetos e da ternura) são necessariamente «boas» e
altruístas. Também elas devem ser orientadas. Por outra parte, estas palavras
ajudam a perceber e a avaliar melhor a importância das múltiplas
manifestações de ternura genuína na vida do casal.
Lendo as palavras anteriores, o leitor reconhece, certamente, que reduzir
o afeto entre marido e mulher ao ato conjugal seria empobrecedor. Podemos
dizer que «há mais vida», mais factos na vida conjugal, além do ato sexual –
por muito importante que este seja.
A castidade não atua isoladamente, mas deve antes deixar-se guiar
p e l o amor. Como já foi referido, se se tratasse «apenas» de resistir à
excitação durante uns dias, um dos cônjuges poderia ausentar-se e afastar-se
do outro. Mas, logicamente, os cônjuges querem continuar a manifestar o
amor mútuo, tal como a Igreja confirma e aconselha vivamente. Como a
pessoa casta tem domínio sobre si e sobre as suas emoções, consegue
descobrir a riqueza das suas capaci-
dades afetivas:
«A continência não se limita a opor resistência à concupiscência da carne, mas, mediante esta
resistência, abre-se igualmente àqueles valores, mais profundos e mais maduros, que estão
intimamente ligados ao significado esponsal do corpo na sua feminilidade e masculinidade,
como também à autêntica liberdade do dom na recíproca relação das pessoas. A própria
concupiscência da carne, enquanto procura antes de tudo a satisfação carnal e sensual, torna o
homem, em certo sentido, cego e insensível aos valores mais profundos que surgem do amor e
que ao mesmo tempo constituem o amor na verdade interior que lhe é própria»[754].
Estas palavras não só ajudam a entender o que já foi referido atrás – que
não é possível deixar Deus «fora do leito conjugal» (seria uma injustiça,
entre outros graves defeitos) –, mas também oferecem pistas para que os
cônjuges amem profundamente a Deus, ao amarem-se verdadeiramente um
ao outro e ao respeitarem as leis que Deus gravou neles com tanto amor.
Em direção inversa, S. João Paulo II sublinha o eco que a vida espiritual
tem no amor humano entre os esposos, contribuindo para a riqueza das
manifestações afetivas:
«A atitude de respeito pela obra de Deus, que o Espírito suscita nos cônjuges, tem um enorme
significado para aquelas “manifestações afetivas”, porque pari passu com ela surge a capacidade
da profunda satisfação, da admiração, da desinteressada atenção à “visível” e ao mesmo tempo
“invisível” beleza da feminilidade e da masculinidade, e por fim um profundo apreço pelo dom
desinteressado
do “outro”»[767].
Ao reler estas palavras, apetece sugerir aos casais que já tiveram esta
experiência que não deixem de a transmitir aos outros. São muitos os bens
que estão em jogo.
Reflexões finais
«Eu, agora, alegro-me nos meus sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta à
Paixão de Cristo pelo Seu corpo, que é a Igreja» (Col 1, 24).
Bibliografia
Índice
Prólogo 5
Introdução 13
1. Uma visão integral do homem 13
2. A regra de compreensão 23
3. O substrato bíblico 29
4. Enraizando na Revelação os ensinamentos proclamados pela
Igreja 39
5. Novas dificuldades 43
Primeira parte – As palavras de Cristo 47
6. O princípio da continuidade 47
7. A solidão originária: o corpo revela a pessoa 59
7.1. Os primeiros capítulos do Génesis: palavras que «valem
ouro» 60
7.2. Uma criatura excecional: autoconhecimento, autodeterminação
e significado do corpo 63
8. A unidade e a dualidade originárias: a comunhão de pessoas 75
8.1. Homem e mulher: duas experiências complementares
da corporeidade 76
8.2. Sobre a ideologia de género 80
8.3. A unidade dual 85
9. A nudez sem vergonha: liberdade do dom ou nudismo puro e
simples? 95
9.1. A vergonha 96
9.2. O que mudou com o pecado? 100
9.3. O pudor e a inalienabilidade da pessoa 108
10. A revelação e a descoberta do significado esponsal do corpo 113
10.1. A norma personalista 116
10.2. A lei do dom 123
10.3. O significado esponsal do corpo 134
11. Cristo na Cruz: uma releitura à luz do significado esponsal do
corpo 149
12. O ato conjugal e o significado procriativo do corpo: conhecimento
e procriação 157
12.1. Sobre a bondade do ato conjugal 158
12.2. O ato conjugal: um mútuo conhecimento 162
12.3. A homogeneidade somática do filho 170
13. Desejar a redenção 175
13.1. Unir o nosso coração ao amor do Legislador Supremo 176
13.2. Vencendo os «mestres da suspeita»: a redenção é necessária
e possível 180
14. A corrupção do significado esponsal do corpo: vergonha e
insaciabilidade 185
14.1. A concupiscência: uma grave carência, uma redução
intencional 185
14.2. Precisamos das folhas da figueira 187
14.3. Vontade de domínio e insaciabilidade da união 197
14.4. As feridas no homem e na mulher 200
14.5. Meros desejos libidinosos 204
15. Velar pelo coração: desejar bem 211
15.1. Identificar um mau desejo, mesmo para com a esposa 213
15.2. As interpretações maniqueístas 219
15.3. Redimindo o desejo 224
15.4. Querer mesmo o bem 226
16. Os gigantescos horizontes abertos pela pureza 233
16.1. Reabilitar a castidade 234
16.2. Livres da concupiscência para poder amar 236
16.3. Frutos do Espírito e obras da carne 240
16.4. Manter o corpo em santidade e respeito 244
16.5. O corpo, templo do Espírito Santo 247
16.6. O dom da piedade e a veneração pela obra de Deus 250
16.7. Pureza, sabedoria e síntese final 253
17. Sexo e eternidade 259
17.1. O Deus da vida 260
17.2. No Céu não haverá casamento… E então o amor? 267
17.3. Haverá homens e mulheres 270
17.4. Um corpo espiritual: harmonia total 272
17.5. Imersos em Deus 275
17.6. O corpo manterá o seu significado esponsal mesmo sem
o casamento? 277
17.7. Aprender do futuro 282
18. A importância do celibato 285
18.1. Ilações sobre o celibato derivadas do contexto em que Jesus
fala 288
18.2. Compreensão do celibato à luz das palavras de Jesus aos
fariseus 293
18.2.1. Eunucos que se fizeram eunucos a si próprios 293
18.2.2. Por amor do Reino dos Céus 296
18.2.3. Nem todos compreendem estas palavras: amados para
amar 299
18.3. Celibato e matrimónio: a complementaridade 305
18.4. A superioridade do celibato pelo Reino dos Céus 308
Segunda parte – O Sacramento 317
19. O projeto de Deus para o matrimónio 317
19.1. Efésios 5: algumas considerações 318
19.2. Que quis Deus ao «inventar» o matrimónio? 321
19.3. O amor redentor 326
19.4. O ethos que deriva do matrimónio restaurado por Cristo 332
20. Reler a linguagem do corpo na verdade 337
20.1. Palavras comprometedoras 339
20.2. A perene linguagem do corpo 341
20.3. O corpo pode falar a verdade ou mentir 343
20.4. Os esposos diante de Deus 346
21. A riqueza e a santidade da linguagem do corpo 349
21.1. O mútuo deslumbramento: glosando o cântico de Adão 352
21.2. A questão fraterna: o amor tudo quer abraçar 354
21.3. O mistério feminino e o amor que espera e respeita 358
21.4. A força do amor humano, ciúmes, indissolubilidade 361
22. Inserindo a santidade no matrimónio 369
22.1. Tobias e Sara: a história 371
22.2. Um amor decidido e realista, disposto a vencer o mal 373
22.3. Casar-se no Senhor (cfr. 1 Cor 7, 39) 377
23.4. Linguagem litúrgica e inserção no desígnio divino 378
23. Contraceção – Por que não? 383
23.1. Objeções teóricas e práticas à Humanae Vitae 387
23.2. Uma norma humanista que conta com a graça de Deus 389
23.3. A inseparabilidade antropológica dos significados unitivo e
procriativo do ato conjugal 391
23.4. A contraceção, mesmo esporádica, é uma desordem
moral 397
23.5. Quando a continência é amor 400
23.6. Dois modos de entender o significado das relações
conjugais 404
23.7. Duas visões do ser humano irredutíveis 408
23.8. Os «motivos sérios» para que a continência periódica seja
moralmente boa 410
23.9. «Atuabilidade» e inteligibilidade da norma moral ensinada
na Humanae Vitae 416
23.10. Amor (sempre) sem barreiras 428
23.11. O domínio de si ausente na contraceção 430
24. A espiritualidade conjugal 435
24.1. O que é a espiritualidade conjugal? 438
24.2. O primeiro elemento da espiritualidade conjugal: o amor entre
os cônjuges 441
24.3. A castidade, chave do êxito da continência periódica 449
24.4. A docilidade ao Espírito Santo na vida do casal 458
Reflexões finais 465
Bibliografia 469
[1]
Também na Imaculada Conceição poderíamos descortinar uma relação com a corporalidade.
Leia-se o interessante artigo de Fr. Paul M. Haffner, S.T.D., «The Anthropological Significance of the
Dogma of the Immaculate Conception», in The Virgin Mary and the Theology of the Body, Donald H.
Calloway MIC (editor), Marian Press, Massachusetts, 2005, pp. 163-188.
[2]
Para as citações bíblicas, procurei manter a versão usada na tradução portuguesa das
catequeses ou em outros documentos pontifícios. Para as citações do Novo Testamento não incluídas
nas catequeses, usei habitualmente a 3.ª ed. da Editorial A. O., Braga, com o texto base do
P. Matos Soares; para as do Antigo Testamento, usei os textos contidos nos lecionários da liturgia. No
entanto, ocasionalmente, optei por ligeiras correções tendo em conta a versão em latim da neovulgata.
[3]
AG 8-4-1981, n.º 1. (AG significa «audiência geral»; quando se tratar das audiências de S.
João Paulo II, omitirei o nome do Papa.)
[4]
S. João Paulo II, carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 103.
[5]
O episódio de Onan, filho de Judá, descrito em Gen 38, 9-10, não é conclusivo sobre o tema:
«Os autores discutem se nesse texto o que se condena é o onanismo [coito interrompido], ou o facto de
não se cumprir a lei do levirato» (Augusto Sarmiento, El Matrimonio Cristiano, Eunsa, Pamplona,
1997, p. 384). Onan não queria que a viúva do seu irmão, com quem a lei o obrigava a casar para
procurar dar descendência ao irmão defunto, tivesse filhos, porque não seriam legalmente seus (cf. Gen
38, 9). Em Gen 38, 10, lemos: «Por isso, o Senhor o feriu de morte, porque fazia uma coisa detestável».
O que era realmente detestável: o não cumprimento da lei (dar filho ao irmão) ou o modo como os
evitava? A Humanae Vitae em nenhum momento recorre a esta passagem para fundamentar a
imoralidade dos contracetivos, como também não o fazem as catequeses de teologia do corpo, o
Catecismo da Igreja Católica, etc. Ao contrário, leia-se, por exemplo, a carta encíclica de Pio XI Casti
Connubi (n.º 56), que transcreve a opinião de S. Agostinho sobre o ato de Onan: «Não admira pois que,
segundo atesta a Sagrada Escritura, a Majestade divina odeie sumamente este nefando crime e algumas
vezes o tenha castigado com a morte, como recorda Santo Agostinho: “Ainda com a mulher legítima, o
ato matrimonial é ilícito e desonesto quando se evita a conceção da prole. Assim fazia Onan, filho de
Judá, e por isso Deus o matou” (S. Agostinho, De Conjug., livro II, n.º 12; cfr. Gen 38, 8-10.)».
Modernamente, também é partidário desta interpretação Alexander Pruss, One Body, University of
Notre Dame, Indiana, 2013, pp. 280-281: os seus argumentos são convincentes, mas é preciso insistir
que não há unanimidade nessa interpretação, pelo menos por agora.
[6]
AG 18-7-1984, n.º 3. Cfr., também, AG 25-7-1984, n.º 6.
[7]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 31. (O itálico é meu.)
[8]
K. Wojtyla, «La Visión Antropologica de la Humanae Vitae», in K. Wojtyla, El Don del Amor
– Escritos sobre la Familia, Palabra, Madrid, 2000, pp. 307-308. (Salvo indicações em contrário,
as traduções de livros com título não português são da minha autoria. Nesta citação, o itálico é meu.)
[9]
Cfr. Papa Francisco, exortação apostólica Evangelii Gaudium, n.º 34: «No mundo atual, com
a velocidade das comunicações e a seleção interessada dos conteúdos feita pelos mass media, a
mensagem que anunciamos corre mais do que nunca o risco de aparecer mutilada e reduzida a alguns
dos seus aspetos secundários. Consequentemente, algumas questões que fazem parte da doutrina moral
da Igreja ficam fora do contexto que lhes dá sentido. O problema maior ocorre quando a mensagem
que anunciamos parece então identificada com tais aspetos secundários, que, apesar de serem
relevantes, por si sozinhos não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo. Portanto, convém
ser realistas e não dar por suposto que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo
daquilo que dizemos ou que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do
Evangelho que lhe confere sentido, beleza e fascínio».
[10]
Cfr. Concílio Vaticano II, declaração Dignitatis Humanae, n.º 1.
[11]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 7.
[12]
Cfr. AG 25-7-1984, n.º 6.
[13]
AG 25-7-1984, n.º 6. É bom ter presente a tradução inglesa, que refere «the rule of
understanding» e que torna mais percetível o que S. João Paulo II deseja explicar. Devo acrescentar
que João Paulo II só recorre a este conceito de modo explícito quando fala da Humanae Vitae na
audiência de 25-7-1984 e quando fala da virgindade pelo Reino dos céus em AG 10-3-1982, n.º 4 e
AG 31-3-1982, n.º 5. Nos restantes casos que aqui refiro trata-se de uma aplicação da minha autoria.
[14]
Desde já faço notar que, com a referência ao «princípio», Cristo não está a dizer que se deva
procurar no princípio uma lei externa, entretanto perdida. A referência ao «princípio» é um apelo à
consciência do homem ainda pura e sem a contaminação do pecado, um apelo ao ser do homem quando
criado por Deus: no homem sem pecado encontramos de forma diáfana a verdade do seu ser, do seu
corpo, da sua sexualidade, e a verdade do matrimónio. Como bem explica Caffarra: «O significado
fundamental do apelo de Jesus ao “princípio” é o apelo à verdade na relação homem-mulher, existente
não pela força de uma imposição, mas simplesmente pela força do seu ser pessoa humana-masculina e
pessoa humana-feminina» (Carlo Caffarra, «Ontologia Sacramentale e Indissolubilità del Matrimonio»,
in Permanere nella Verità di Cristo, Cantagalli, Siena, 2014, p. 164).
[15]
O motivo da discrepância, como bem explica Waldstein, é o seguinte: Waldstein defende a
tese de que, «na própria divisão do texto de S. João Paulo II, a virgindade é vista sobretudo através das
lentes da ressurreição na medida em que é um sinal antecipador da ressurreição». Na versão italiana, e
também na que C. West apresenta, «é visto de forma predominante como um estado de vida» (Man and
Woman He Created Them – A Theology of the Body, tradução, introdução e índice de Michael
Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, p. 113). Ambas as posições, como reconhece
Waldstein, têm a sua lógica e a sua utilidade com vista à compreensão do texto. Embora, pessoalmente,
concorde mais com Waldstein quanto ao que pode ter sido o pensamento de S. João Paulo II, adotei o
critério da versão portuguesa tendo em vista os leitores de língua portuguesa que, ao lerem as
catequeses na versão do nosso país, seguirão essa divisão.
[16]
AG 17-3-1982, n.º 5.
[17]
AG 17-3-1982, n.º 2.
[18]
AG 25-7-1984, n.º 6. (Modifiquei ligeiramente a versão portuguesa, por motivos de
clareza.)
[19]
AG 25-7-1984, n.º 6. (Pode ajudar o leitor, para entender melhor a expressão que em
português foi traduzida por «substrato», ter presente as diferentes traduções; em espanhol:
retrovisión bíblica; em italiano: retroterra bíbico; em inglês: biblical background.)
[20]
Para perceber melhor a articulação entre o conhecimento natural e aquele que advém da fé,
pode ajudar ler os n.os 7-8 da instrução Dignitas Personae, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 8
de novembro de 2008. Em concreto: «É convicção da Igreja que tudo o que é humano não só é acolhido
e respeitado pela fé, mas por esta é também purificado, elevado e aperfeiçoado. Deus, depois de ter
criado o homem à sua imagem e semelhança (cfr. Gen 1, 26), qualificou a sua criatura como “muito
boa” (Gen 1, 31), para depois assumi-la no Filho (cfr. Jo 1, 14). O Filho de Deus, no mistério da
Encarnação, confirmou a dignidade do corpo e da alma, constitutivos do ser humano. Cristo não
desdenhou a corporeidade humana, mas revelou plenamente o seu significado e valor: “Na realidade, o
mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”.
Tornando-se um de nós, o Filho faz com que possamos tornar-nos “filhos de Deus” (Jo 1, 12),
“participantes da natureza divina” (2 Pd 1, 4). Esta nova dimensão não está em contraste com a
dignidade da criatura que todos os homens reconhecem como racional, mas eleva-a a um ulterior
horizonte de vida, que é a própria vida de Deus, e permite refletir mais adequadamente sobre a vida
humana e sobre os atos que a constituem.
À luz destes dados da fé, ainda mais se acentua e se reforça o respeito pelo indivíduo humano,
que a razão exige. Por isso, não há contradição entre a afirmação da dignidade e a da sacralidade da
vida humana. “As diversas maneiras como, na história, Deus cuida do mundo e do homem, não só não
se excluem entre si, mas, pelo contrário, apoiam-se e compenetram-se mutuamente. Todas elas derivam
e terminam no sábio e amoroso desígnio eterno com que Deus predestina os homens ‘a serem
conformes à imagem do Seu Filho’” (Rom 8, 29).
A partir do conjunto destas duas dimensões, a humana e a divina, compreende-se melhor o
porquê do valor inviolável do homem: este possui uma vocação eterna e é chamado a partilhar o amor
trinitário do Deus vivo».
[21]
AG 11-7-1984, n.º 5. Na audiência seguinte, 18-7-1984, n.º 3, acrescenta: «O autor da
encíclica [Paulo VI] sublinha que a norma pertence à “lei natural”, quer dizer, que ela é conforme à
razão como tal».
[22]
Man and Woman He Created Them – A Theology of the Body, tradução, introdução e índice
de Michael Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, p. 19.
[23]
S. João Paulo II, carta encíclica Redemptor Hominis, n.os 8 e 10.
[24]
Cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, III.ª, q. 3 a. 8. S. Tomás explica por que razão era
conveniente que fosse a Segunda Pessoa divina a que encarnasse, depois de, no artigo 5, ter explicado
que qualquer das outras Pessoas divinas poderia ter encarnado. Transcrevo parte da primeira razão de
conveniência: «Era muito conveniente que fosse a Pessoa do Filho que encarnasse. Em primeiro lugar,
do ponto de vista da união. É conveniente unir coisas que são semelhantes. Ora, a própria Pessoa do
Filho, que é o Verbo de Deus, tem, em primeiro lugar, uma certa semelhança com a totalidade das
criaturas. De facto, o verbo ou conceito (ideia) do artista é a semelhança exemplar de tudo o que ele
cria. Daí que o Verbo de Deus, que é o seu conceito eterno, constitua a ideia exemplar de todas as
coisas criadas. Por isso, como as criaturas, pela participação nesse arquétipo, foram colocadas nas
respetivas espécies, ainda que de modo variável, assim era conveniente que, não através da
participação, mas antes pela união pessoal com o Verbo, a criatura fosse restaurada e constituída na
sua perfeição eterna e imutável: de facto, mesmo um artista, quando a sua obra sofreu um estrago,
repara-a recorrendo ao modelo mental que lhe serviu para a produzir». Cfr., também, Bento XVI,
homilia de 24-12-2010:
«S. Paulo, nas cartas aos Colossenses e aos Efésios, ampliou e aprofundou a ideia de Jesus como
primogénito: Jesus – dizem-nos as referidas cartas – é o primogénito da criação, o verdadeiro
arquétipo segundo o qual Deus formou a criatura-homem. O homem pode ser imagem de Deus, porque
Jesus é Deus e Homem, a verdadeira imagem de Deus e do homem».
[25]
De modo bem mais sintético, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica explica-o assim:
«Só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem, predestinado
a reproduzir a imagem do Filho de Deus feito homem, que é a perfeita “imagem de Deus invisível”»
(n.º 67).
[26]
Cfr. AG 9-1-1980, n.º 2.
[27]
G. Grisez e Russel Shaw, La Vida Realizada en Cristo, Palabra, Madrid, 2009, p. 230. Talvez
fosse necessário matizar a palavra «perfeito»; no entanto, penso que se entende bem o que os autores
querem afirmar.
[28]
J. Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, Princípia, Cascais, 2005, p. 183. (A versão
portuguesa usa a expressão «em prol de». Optei pela expressão «ser para», que se encontra na versão
espanhola e me parece mais percetível.)
[29]
O tema de fundo é deveras interessante: «Adivinha-se já nesta obra [K. Wojtyla, A
Renovação nas Suas Fontes] os terrenos pelos quais circulará mais tarde a ação magisterial de João
Paulo II, bem como as suas grandes linhas mestras. Uma delas, – de forte sabor conciliar […] –, é a
afirmação da unidade e continuidade entre a ordo creationis e a ordo redemptionis no desígnio divino,
plenamente realizado em Cristo, e como consequência, entre a “identidade humana” e a “identidade
cristã” do fiel batizado. Entre ser homem e ser homem cristão não há nem rutura nem uma separação
artificial, mas sim continuidade e progresso em direção à plenitude do
primeiro no segundo» (Antonio Aranda, «La Unidad entre Cristología y Antropología en Juan Pablo
II – Un Análisis del Tema en sus Catorce Encíclicas», in Scripta Theologica, vol. 39 (2007/1),
p. 60. Vale a pena acrescentar que o texto conciliar mais citado nas encíclicas de S. João Paulo II
é a GS, n.º 22; nesse texto, já transcrito nestas páginas, afirma-se que «Cristo, imagem do Pai, revela o
homem ao próprio homem; Cristo uniu-se com a sua Encarnação a todo o homem». Cfr., também, S.
João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 9: «À luz da Revelação, criação significa ao
mesmo tempo início da história da salvação».
[30]
Cfr. AG 28-11-1984, n.º 3.
[31]
É outro dos títulos com que S. João Paulo II designa estas catequeses. O mais exato, contudo,
parece ser A Redenção do Corpo e a Sacramentalidade do Matrimónio. Cfr. AG 28-11-1984, n.º 1.
[32]
Cfr. K. Wojtyla, La Renovación en Sus Fuentes, BAC, vol. 430, Madrid, 1982 (o original
polaco é de 1972), p. 31. Na belíssima intervenção de M. Waldstein no 1.º Simpósio Internacional de
Teologia do Corpo, intitulado Three Kinds of Personalism: St. John of the Cross, Kant, Scheler and
John Paul II, Gaming, Áustria, maio de 2007, o autor afirma a mesma ideia: «Theology of the body is a
catechesis by the Bishop of Rome for the universal Church. Like all magisterial texts, it must be read in
the context of the Church’s whole teaching through the ages and, conversely, the Church’s traditional
teaching must be reread in the light of theology of the body».
[33]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 9.
[34]
AG 13-2-1980, n.º 1.
[35]
AG 16-12-1981, n.º 5.
[36]
AG 16-12-1981, n.º 6. (Modifiquei ligeiramente os termos da tradução portuguesa.)
[37]
Cfr. AG 26-9-1979, n.º 2.
[38]
Cfr. a conferência do prof. William Newton, What Exactly is the Redemption of the Body?, no
4.º Simpósio Internacional da Teologia do Corpo, Fátima, 2013. O texto explica de que modos se pode
entender que o corpo do ressuscitado é numericamente o mesmo que teve na vida terrestre. A
explicação clássica defende que o que permite afirmar que o meu corpo atual é o mesmo que aquele
com que nasci (e será o mesmo depois da ressurreição) é que em cada caso o meu corpo tem o mesmo
ato de ser (esse) comunicado pela minha alma. Mesmo aceitando esta hipótese, o professor Newton
sugere que possa haver alguma continuidade material no corpo, mesmo que seja apenas por meio de
uns poucos átomos.
[39]
AG 12-12-1979, n.º 1.
[40]
Insisto que voltarei à nudez sem vergonha uns capítulos mais adiante, para explicar o
«porquê» desse fenómeno das origens.
[41]
Cfr. AG 9-12-1981, n.os 1-4.
[42]
Cfr. E. Burkart e J. Lopes, Vida Cotidiana y Santidad en la Enseñanza de San Josemaría, vol.
2, Rialp, 3.ª ed., Madrid, 2012, p. 164: «A plenitude da vida cristã é a “vida eterna” ou a “vida futura”
[…] e a ressurreição do corpo é parte integrante dela. […] O cristão possui já agora uma antecipação
real dessa vida futura e eterna, que se manifesta no corpo e em todas as realidades materiais da vida
humana. Ao passar do pecado à graça, “ressuscitou com Cristo” (Col 3, 1; cfr. 1 Jo 3, 14), e toda a sua
vida está “escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 3; cfr. Ef 2, 5). A “fé diz-nos que uma alma em
estado de graça é verdadeiramente uma alma divinizada; […] Mas essa divinização, pelo influxo da
alma em graça, também se estende ao corpo, como antecipação da ressurreição gloriosa” (S. Josemaria
Escrivá, Carta 24-III-1931, n.º 3)».
[43]
AG 3-2-1982, n.º 4.
[44]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.os 705, 708, 720, 734, 1161, 2566, 2572 e 2784.
[45]
AG 12-3-1980, n.º 7.
[46]
Em AG 13-1-1982, n.º 3, S. João Paulo II reafirma essa identidade: «Se no princípio Deus “os
criou homem e mulher” (Gen 1, 27), se nesta dualidade relativa ao corpo prevê também uma unidade
tal que “os dois serão uma só carne” (Gen 2, 24), se ligou esta unidade à bênção da fecundidade, ou
seja, da procriação (cfr. Gen 1, 29), e se agora, falando da futura ressurreição diante dos saduceus,
Cristo explica que “no outro mundo […] não tomarão marido nem mulher” – então é claro que se trata
aqui de um desenvolvimento da verdade sobre o próprio homem. Cristo indica a sua identidade,
embora esta identidade se realize na experiência escatológica de modo diverso da experiência do
“princípio” e da experiência da história. E todavia o homem será sempre o mesmo, tal como saiu das
mãos do seu Criador e Pai».
[47]
S. João Paulo II, carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 53. As palavras transcritas são usadas
na encíclica no contexto inverso, isto é, para explicar que quem não aceita a imutabilidade da natureza
humana também não aceita as normas objetivas da moralidade. Ao usá-las em sentido formalmente
simétrico, afirmo exatamente o mesmo que o autor da encíclica.
[48]
S. João Paulo II, carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 53.
[49]
AG 26-9-1979, n.º 3.
[50]
AG 26-9-1979, n.º 3.
[51]
AG 3-12-1980, n.º 3.
[52]
Cfr. C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John Paul II’s Theology of
the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, p. 126.
[53]
Como a palavra «concupiscência» reaparece continuamente no texto, pode ajudar a clarificar
bem em que consiste a leitura do Catecismo da Igreja Católica, n.º 2515: «Em sentido etimológico,
“concupiscência” pode designar todas as formas veementes de desejo humano. A teologia cristã deu-lhe
o sentido particular de impulso do apetite sensível, contrários aos ditames da razão humana. […]
Procede da desobediência do primeiro pecado. Desregra as faculdades morais do homem e, sem ser
nenhuma falta em si mesma, inclina o homem para cometer pecado».
[54]
AG 2-4-1980, n.º 2.
[55]
AG 8-9-1982, n.º 1. Trata-se de Gen 2, 24: «Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe
para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne».
[56]
Cfr. a magnífica explicação da posição secularista neste terreno na obra de Robert P. George,
Choque de Ortodoxias, Tenacitas, Coimbra, 2008, p. 58.
[57]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 6. Tem interesse acrescentar que
essa afirmação remete para obras de vários Padres da Igreja: em concreto, S. Ireneu, S. Gregório de
Nissa e S. Agostinho.
[58]
Man and Woman He Created Them – A Theology of the Body, tradução, introdução e índice
de Michael Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, pp. 19 e 21.
[59]
Cfr. S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 6: «Na segunda descrição da
criação do homem (cfr. Gen 2, 18-25), a linguagem em que se expressa a verdade sobre a criação do
homem e, especialmente, da mulher é diversa; em certo sentido é menos precisa; é – poder-se-ia dizer –
mais descritiva e metafórica, mais próxima da linguagem dos mitos então conhecidos. Todavia, não se
encontra qualquer contradição essencial entre os dois textos».
[60]
Cfr. AG 24-10-1979, n.º 2: «O homem está “só”: isto quer dizer que ele, através da própria
humanidade, através daquilo que ele é, é ao mesmo tempo constituído numa única, exclusiva e
irrepetível relação com o próprio Deus. A definição antropológica contida no texto javista aproxima-se,
por seu lado, daquilo que exprime a definição teológica do homem, que encontramos no primeiro relato
da criação (“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” [Gen 1, 26])».
[61]
AG 5-3-1980, n.º 3.
[62]
AG 5-3-1980, n.º 3.
[63]
Carl Anderson e José Granados, Called to Love, Doubleday, Nova Iorque, 2009, p. 84.
[64]
AG 30-1-1980, n.º 1.
[65]
O Catecismo da Igreja Católica insiste que a «semelhança» do homem com Deus tem que
ver sobretudo com o estado de graça. A imagem estaria mais relacionada com a sua condição natural,
isto é, com o facto de ter entendimento e vontade. Neste sentido, leia-se, por exemplo, n.º 705:
«Desfigurado pelo pecado e pela morte, o homem permanece “à imagem de Deus”, à imagem do Filho,
mas está “privado da glória de Deus” […], privado da “semelhança”. A promessa feita a Abraão
inaugura a “economia da salvação”, no termo da qual o próprio Filho assumirá “a imagem” […] e
restaurá-la-á na “semelhança” com o Pai, voltando a dar-lhe a glória, o Espírito “que dá a vida”». Cfr.,
também, n.º 2566: «Mesmo depois de, pelo pecado, ter perdido a semelhança com Deus, o homem
continua a ser à imagem do seu Criador».
[66]
É muito interessante o que explica Fulton Sheen, sintetizado por William Newton em
Maryvale Course Book – Marriage as a Sacrament, 2011, p. 108. Este progressivo conhecimento de si
e da esposa também se dá, de alguma maneira, em cada casal: «Then, seeing his wife is now a mother,
the husband finds new depths in his wife and vice-versa. This then matures into the mystery of
parenting».
Uma vez mais, estamos diante de um conceito apenas parcialmente intuitivo. Vale a pena ter
[67]
em conta um claro resumo do conceito, realizado por dois moralistas, com base na análise de Karol
Wojtyla em Pessoa e Ação: «A ideia da autodeterminação expressa fielmente, a meu ver, a essência do
ato livre. Diz, com efeito, que em cada ação livre sou eu (e não outra pessoa ou uma necessidade
interna) quem decide ou determina, e que, além disso, decido ou me determino acerca
de mim mesmo. O primeiro aspeto (sou eu quem decide, e não outro em meu lugar) é o específico do
próprio conceito de liberdade. Mas o segundo não é menos importante: em cada ação livre, mesmo
quando se trate de uma ação que incide sobre outra pessoa ou sobre uma matéria externa, decido sobre
mim próprio, modifico e forjo o meu modo de ser pessoa» (Colom e A. Rodríguez Luño, Elegidos en
Cristo Para Ser Santos – Curso de Teología Moral Fundamental, Palabra, 1.ª ed., Madrid, 2001, p.
273.
[68]
AG 24-10-1979, n.º 2. A tradução portuguesa usa a expressão «companheiro do Absoluto».
Optei por seguir tanto a tradução espanhola como a inglesa que, em minha opinião, deveria manter-se
na portuguesa, porque é uma expressão específica do Papa. É também minha opinião que, querendo
traduzi-la, talvez fosse melhor optar por «aliado» ou «colaborador» de Deus.
No relato do Génesis, o homem recebe o mandato de trabalhar e guardar o jardim onde fora
colocado. Os verbos usados no original – explica um dos manuais que apresenta um estudo introdutório
sobre o Génesis – «trazem à cabeça, primeiro, a ideia de uma atividade real e livre, mas na dependência
de Deus (o verbo é utilizado para indicar um serviço que se presta a outro); e depois, a ideia de um
cuidado assíduo, atento e responsável, sobre uma posse alheia ou não adquirida definitivamente» (M.
A. Tábet, Introducción al Antiguo Testamento, vol. 1: «Pentateuco y Libros Históricos», Palabra,
Madrid, 2004, p. 104). Comparando este relato com outras narrações extrabíblicas da antiga cultura do
Médio Oriente, além do caráter mitológico e politeísta destas, encontramos, nalgum caso, uma
referência ao trabalho do homem, mas com uma enorme carga pessimista: no poema mesopotâmico
Enuma Elish, um dos deuses decide criar o homem para que este trabalhe em vez das divindades, que
assim poderiam descansar (cfr. ibid, p. 95). Não existe, por conseguinte, a ideia bíblica de que o
homem é colaborador de Deus.
De qualquer maneira, como em tantas outras comparações que se possam fazer, a palavra
partner tem os seus limites. O homem nunca está em pé de igualdade com Deus. A isto se referia o
cardeal Ratzinger ao escrever, num artigo de 1988: «Quando a relação do homem com Deus, quando a
abertura da alma para Deus se diz com a palavra “fé”, então exprimimos que na relação do eu humano
com o Tu divino não desaparece a enorme distância entre o Criador e a criatura. Significa isso que o
modelo de “parceria”, que hoje nos diz muito, não vale na relação com Deus, porque não acentua
suficientemente a grandeza de Deus e a Sua misteriosa ação em nós» (J. Ratzinger, Credo Para Hoje,
Editorial Franciscana, Braga, 2007, pp. 64-65.)
[69]
Sobre o facto de a liberdade admitir graus de expressão, ajuda ler a carta encíclica Veritatis
Splendor, de S. João Paulo II. Leia-se, em concreto, os n.os 85 e 87: «Cristo crucificado revela o sentido
autêntico da liberdade, vive-o em plenitude no total dom de Si e chama os discípulos a tomar parte na
Sua própria liberdade. […] Deste modo, a contemplação de Jesus crucificado é a “via-mestra” pela qual
a Igreja deve caminhar cada dia se quiser compreender todo o sentido da liberdade: o dom de si no
serviço a Deus e aos irmãos. Mais: a comunhão com o Senhor crucificado e ressuscitado é a fonte
inesgotável, onde a Igreja se sacia incessantemente para viver na liberdade, doar-se e servir.» Na sua
obra Amor e Responsabilidade, Karol Wojtyla, depois de recordar que o ser humano deve encaminhar-
se para a plenitude do ser e que esta se obtém mediante o amor, afirma: «Ora o amor mais completo
exprime-se precisamente no dom de si, no facto de dar em total propriedade este “eu” inalienável e
incomunicável» (Amor e Responsabilidade, Lisboa, 1999, Rei dos Livros, p. 87). (Os sublinhados são
meus.) Ser livres com a liberdade do dom é, portanto, ser maximamente livres, ser autenticamente
livres.
[70]
AG 24-10-1979, n.º 3.
[71]
AG 24-10-1979, n.º 3.
[72]
AG 14-5-1980, n.º 3. (O sublinhado é meu.)
[73]
Cfr., por exemplo, S. Tomás de Aquino, Suma Teológica I.ª, q. 91, a. 3, ad. 3, onde se
justifica que o corpo do homem, pelo facto de estar em posição vertical, manifesta que o homem tem
uma natureza superior à dos animais. Não interessa agora o tipo de argumentação, mas sim recordar
que a excelência do corpo humano faz parte do ensinamento dos teólogos desde há vários séculos. S.
João Paulo II ressalta a excelência do corpo pelo que o homem «faz» com ele. Esta diferente
abordagem é melhor entendida com a leitura da obra de K. Wojtyla Pessoa e Ação.
[74]
AG 31-10-1979, n.º 1.
[75]
S. João Paulo II insiste nesta ideia na carta encíclica Laborem Exercens. Logo na
introdução, escreve: «O trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto das
criaturas, cuja atividade, relacionada com a manutenção da própria vida, não se pode chamar
trabalho. […] Só o homem tem capacidade para o trabalho e só o homem o realiza completando com
ele a sua existência sobre a terra». Todo o capítulo 2 da encíclica é um comentário a esta passagem
do Génesis. Por exemplo, no n.º 6, diz-se: «O homem deve submeter a terra, deve dominá-la, porque,
como “imagem de Deus”, é uma pessoa; isto é, um ser dotado de subjetividade, capaz de agir de
maneira programada e racional, capaz de decidir por si próprio e de realizar-se a si mesmo. É como
pessoa, pois, que o homem é sujeito do trabalho». (O sublinhado é meu.)
[76]
AG 31-10-1979, n.º 2.
[77]
A doutrina da unidade do corpo e da alma no ser humano foi definida no IV Concílio de
Latrão, em 1215, contra os albigenses e os cátaros (cfr. Denzinger-Hünermann, n.º 800) e no
Concílio Vaticano I, em 1870, na constituição dogmática Dei Filius (cfr. Denzinger-Hünermann, n.º
3002). É certo que o Magistério não se alongou em concretizar essa unidade, talvez mais preocupado,
sobretudo no Concílio Vaticano I, em explicitar a parte espiritual do homem. Vale a pena ler também a
constituição pastoral Gaudium et Spes, n.º 14, do Concílio Vaticano II, sobre a constituição do homem.
Aí, a dimensão corporal adquire um maior relevo. O que chama a atenção, pois, é que a doutrina não é
nova; é um dos muitos exemplos de como é necessário aprofundar no conteúdo doutrinal de muitas
verdades contidas na Revelação, para extrair delas a riqueza que contêm.
[78]
A primeira formulação filosófica e sistemática consistente sobre esta possibilidade de haver
uma certa visibilidade (uma imagem) do invisível é da autoria de S. Agostinho. Cfr. Oitenta e Três
Questões Diversas, q. 74.
[79]
Cfr. P. Colosi, «A Response to Waldstein – A Person that Expresses a Body: Max Scheler’s
Impact on John Paul II’s Theology of the Body», in 1.º Simpósio Internacional de Teologia do Corpo,
Gaming, Áustria, maio de 2007.
[80]
G. Grisez, em The Way of The Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, E, 6, e, faz notar também as
consequências que tem para a fé do cristão o facto de se considerar como boa prática tratar o corpo
como um instrumento: «When a Christian habitually degrades his or her own body and the bodies of
others to the status of mere sex objects and instruments of satisfaction, he or she tends to carry this
attitude over into other relationships, eventually depersonalizing everyone’s body and the human body
as such. Once depersonalized, the body seems to lack personal significance, to be only an instrument,
perhaps dispensable and, if so, better dispensed with. Gradually this implicit acceptance of body-soul
dualism makes it difficult to see why one should hope for one’s own bodily resurrection, centre one’s
faith on Jesus’ resurrection, regard his bodily presence in the Eucharist as real, consider his virgin birth
significant, or even regard as meaningful the teaching that original sin is transmitted by propagation.
Indeed, once the body is depersonalized, it no longer seems credible – unless one supposes that God
himself is a mere object and instrument – that a bodily human individual could be divine, that “the
Word became flesh and lived among us” (Jn 1.14), and that one should live in the hope of seeing and
touching “what we have seen with our eyes, what we have looked at and touched with our hands” (1 Jn
1.1). Thus, when sexual immorality becomes an accepted part of a Christian’s life, it subverts the
incarnationalism and sacramentalism at the heart of Catholic faith. More than that, it subverts faith in
God the creator. For insofar as sense satisfaction is so highly valued that one is willing to violate
intelligible goods for its sake, one tends to regard only two realities as important: the conscious
experience in which that satisfaction is obtained and the instruments – the alienated body and
desacralized world – used to bring about the satisfaction. Everything transcending immediate
experience, including truth and virtue and God himself, begins to seem less real, perhaps completely
irrelevant and even unreal». (O sublinhado é meu.)
[81]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 5. (O itálico é meu.) Cfr., também, sobre a
importância deste tema em S. João Paulo II, a carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 48.
[82]
Bento XVI, Discurso ao Parlamento Federal, Berlim, 22-9-2011. (O itálico é meu.)
[83]
Bento XVI, Discurso aos Participantes num Encontro, Pontifício Instituto João Paulo II
para os Estudos sobre Matrimónio e Família, 13-5-2011. (O itálico é meu.) Na já mencionada obra de
Carl Anderson e José Granados, Called to Love, Doubleday, Nova Iorque, 2009, os autores exploram o
«significado filial do corpo», expressão que, como tal, não aparece nas catequeses de S. João Paulo II.
Nas pp. 168-169, lemos: «O corpo tem um triplo padrão. Em primeiro lugar, o corpo é filial, porque
representa a solidão do homem diante de Deus e a abertura do homem a Ele; o corpo é o lugar de
encontro do homem com Deus Pai». A seguir, falam dos significados esponsal e procriativo do corpo,
sobre os quais nos haveremos de deter, e concluem: «O corpo, portanto, traz um chamamento a ser uma
criança, um esposo, e um progenitor, e um caminho para percorrer este chamamento». Na minha
opinião, trata-se de uma bonita explicação, embora me pareça que é um dos aspetos a ser aprofundados.
Não está tão delineado no seu conteúdo como o significado esponsal do corpo.
[84]
Robert P. George, Choque de Ortodoxias, Tenacitas, Coimbra, 2008, p. 102.
[85]
Papa Francisco, AG 15-4-2015. Nessa mesma audiência, acrescenta ainda o Papa: «Ainda
não entendemos em profundidade aquilo que nos pode proporcionar o génio feminino, o que a mulher
pode oferecer à sociedade e também a nós: a mulher sabe ver tudo com outros olhos, que completam o
pensamento dos homens».
[86]
Cfr. Papa Francisco, AG 22-4-2015: «A mulher não é uma “réplica” do homem; ela deriva
diretamente do gesto criador de Deus. A imagem da “costela” não exprime de modo algum uma
inferioridade ou subordinação mas, pelo contrário, que o homem e a mulher são da mesma substância,
são complementares, e que também possuem esta reciprocidade».
[87]
AG 7-11-1979, n.º 4.
[88]
Cfr. AG 12-3-1980, n.º 6.
[89]
TOB 110, n.º 3. É de notar que a edição portuguesa não incorporou quatro catequeses que
estavam preparadas mas que, por razões variadas, não foram usadas por S. João Paulo II. Assim sendo,
não fazem parte do seu magistério. No entanto, como de facto ajudam a entender o seu pensamento,
sempre que me pareceu oportuno recorri a essas catequeses, que foram publicadas, por exemplo, tanto
na edição espanhola da Palabra como na edição de língua inglesa de Waldstein, 2006. Escolhi a
numeração da edição de Waldstein, por ser mais conhecida. Por conseguinte, a partir de agora, sempre
que aparecer «TOB» seguido de um número, o leitor saberá que se trata de uma catequese não
pronunciada.
[90]
AG 21-11-1979, n.º 1. Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa,
1999, p. 38: «O homem não tem as propriedades que a mulher possui nem vice-versa. Por conseguinte,
cada um deles pode não só completar as próprias com as da pessoa do sexo oposto, mas pode às vezes
sentir vivamente a necessidade dum semelhante complemento. Se o homem se examinasse bastante em
profundidade através desta necessidade, compreenderia mais facilmente os próprios limites e a própria
insuficiência, e até, indiretamente, o que a filosofia chama a contingência do ser (contingentia)».
Esta profunda reflexão pode contribuir para que cada um dos sexos seja mais sensível à riqueza
presente no outro, sem avaliar as diferenças quase como excentricidades. Uma boa caricatura de uma
visão deformada da mulher do ponto de vista masculino encontramo-la na boca do professor Higgens,
no esplêndido e conhecido filme de G. Cukor My Fair Lady, nomeadamente na canção Why Can’t a
Woman Be More Like a Man?
Obviamente, estas reflexões terão de ser completadas no capítulo dedicado ao celibato
apostólico; mas podemos adiantar desde já que, no caso de alguém que se comprometeu
vocacionalmente com o celibato pelo Reino dos Céus, para «experimentar» essa contingência deverá
distinguir cuidadosamente entre o que tem uma base de verdade (nenhum de nós se completa a si
mesmo sozinho) e o que poderia ser, no seu caso, uma traição ao projeto de vida que foi assumido. Essa
insuficiência pessoal é, em tais casos, complementada por um particular amor de Deus. Cristo mostrou
e disse que, com Ele, a tal insuficiência passou a poder ser satisfeita por uma particular entrega a Deus.
[91]
AG 21-11-1979, n.º 1.
[92]
O exemplo não se destina a insultar quem quer que seja. Serve apenas para ilustrar que não é
sensato fazer caso omisso dos dados do corpo.
[93]
Bento XVI, Discurso na Basílica de S. João de Latrão, na abertura do congresso eclesial da
diocese de Roma «Família e Comunidade Cristã – Formação da Pessoa e Transmissão da Fé», 7-06-
2005.
[94]
Cfr. S. João Paulo II, Carta às Mulheres, n.os 10 e 11.
[95]
São interessantes as observações de Von Hildebrand, sintetizadas por William Newton em
Maryvale Course Book – Marriage as a Sacrament, 2011, p. 104: «One important consequence of
emphasizing the “I”-“thou” character of conjugal love is that it gives credibility to the impossibility of
having same-sex marriage […]. Hildebrand calls male and female “two types” of mankind […]. As two
different types, they can be an “I” and a “thou” and in this way profoundly encounter each other,
because they truly encounter another (another type of humanity). Two people of the same sex do not
encounter another type in encountering each other and so cannot form an “I” and “thou” partnership. So
such persons cannot possibly say they love each other with conjugal love, so nor can they marry».
[96]
Cfr., para uma leitura rápida, http://www.aleteia.org/pt/saude/noticias/ menino-de2-anos-
obrigado-a-se-transformar-em-menina-uma-tortura-documentada58681380170 62912. Também se
pode ler o livro de John Colapinto As Nature Made Him – The Boy Who Was Raised as a Girl.
[97]
Papa Francisco, AG 15-4-2015. Cfr. carta encíclica Laudato Si’, n.º 155.
[98]
S. Agostinho, De Genesi ad Litteram, capítulo V.
[99]
S. Agostinho, De Genesi ad Litteram, capítulo III.
[100]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 6.
[101]
Jutta Burggraf, entrada «Género», Léxico da Família, Conselho Pontifício da Família,
Princípia, Cascais, 2010.
[102]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 8.
[103]
Cfr. Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 2: «Em toda esta gama de significados,
porém, o amor entre o homem e a mulher, no qual concorrem indivisivelmente corpo e alma e se abre
ao ser humano uma promessa de felicidade que parece irresistível, sobressai como arquétipo de amor
por excelência, de tal modo que, comparados com ele, à primeira vista todos os demais tipos de amor se
ofuscam».
[104]
Bento XVI, Jesus de Nazaré, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2007, p. 187.
[105]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 8.
[106]
AG 2-12-1981, n.º 4. Cfr., também, o n.º 1 da mesma AG, bem como AG 13-1-1982, n.º 3.
S. Tomás de Aquino defende que, na ressurreição, cada um ressuscitará com o seu sexo (cfr. Suma
Teológica, suplemento, q. 81, a. 3).
[107]
Cfr. AG 7-4-1982, n.º 1.
[108]
Vale a pena ler S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.os 15-16, em que se
mostra como reagem as mulheres do Evangelho à pregação de Jesus. No n.º 16, o autor escreve:
«Desde o início da missão de Cristo, a mulher demonstra para com Ele e o seu mistério uma
sensibilidade especial que corresponde a uma característica da sua feminilidade».
[109]
AG 8-9-1982, n.º 1.
[110]
A propósito do sentido em que a expressão «uma só carne» inclui a relação conjugal, leia-se,
por exemplo, A. Sarmiento, El Matrimonio Cristiano, Eunsa, Pamplona, 1997, pp. 80-81. M. A. Tábet,
na sua obra Introducción al Antiguo Testamento, vol. 1: «Pentateuco y Libros Históricos», Palabra, 2.ª
ed., Madrid, 2008, p. 106, insiste apenas em que a expressão indica a força do vínculo, mais firme do
que os vínculos de sangue com os pais. No entanto, André Wénin, em D’Adam à Abraham ou les
Errances de l’Humain, Cerf, Paris, 2007, p. 83, sugere que «uma só carne» faria referência a um novo
ser, à criança; e, em nota de pé de página, cita outro autor que mantém que, no Antigo Testamento, o
termo hebraico basar («carne», em português) não designa nunca a união carnal dos esposos. Não me é
possível resolver aqui a questão. Mas, mesmo que a hipótese de Wénin seja correta, o facto de «uma só
carne» se referir à criança gerada indicaria implicitamente, também, o meio pelo qual ela é gerada – o
ato conjugal.
[111]
AG 22-10-1980, n.º 2.
[112]
De um modo muito sintético, dizia Paulo VI no Discurso às Equipas de Nossa Senhora, 4-5-
1970: «A dualidade de sexos foi querida por Deus, para que o homem e a mulher conjuntamente sejam
imagem de Deus e, como Ele, uma fonte de vida». Bem mais explícito é S. João Paulo II, na sua carta
apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 7: «O facto de o homem, criado como homem e mulher, ser imagem
de Deus não significa apenas que cada um deles, individualmente, é semelhante a Deus, enquanto ser
racional e livre; significa também que o homem e a mulher, criados como “unidade dos dois” na
comum humanidade, são chamados a viver uma comunhão de amor e, desse modo, a refletir no mundo
a comunhão de amor que é própria de Deus, pela qual as três Pessoas se amam no íntimo mistério da
única vida divina».
[113]
Catecismo da Igreja Católica, n.º 255.
[114]
AG 6-2-1980, n.º 6.
[115]
AG 12-12-1979, n.º 3.
[116]
Cfr. AG 12-12-1979, n.º 4.
[117]
Cfr. AG 30-1-1980, n.º 5; AG 6-2-1980, n.os 2 e 6; AG 13-2-1980, n.º 3.
[118]
A este propósito, leia-se o seguinte trecho de K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei
dos Livros, Lisboa, 1999, p. 173: «Sabemos que, subjetivamente, a vergonha é um sentimento
negativo que se assemelha um pouco ao temor. Porque a vergonha é o temor ligado aos valores
sexuais».
[119]
AG 12-12-1979, n.º 5.
[120]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 176.
[121]
Dietrich Von Hildebrand, El Corazón, Palabra, Madrid, 1996, pp. 75-76. Um novo
exemplo de atos físicos iguais mas com significados diferentes encontramo-lo em K. Wojtyla, Amor e
Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 194-195: «Sem a continência, as energias naturais
da sensualidade, e as da afetividade atraída para a sua órbita, tornar-se-ão unicamente “matéria” para o
egoísmo dos sentidos, ou eventualmente dos sentimentos […] Em certo sentido, este perigo diz respeito
ao amor; com efeito, os mesmos materiais podem servir para construir o verdadeiro amor, união de
pessoas, e o amor aparente, que não é senão um véu que dissimula a atitude interior de prazer e
egoísmo contrário ao verdadeiro amor». (O itálico é meu.)
[122]
Cfr. Ronald Knox, O Credo, Aster, Lisboa, 1966, p. 114.
[123]
Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer., III, 22, 4. Cfr. Pedro Langa, «Antropología Patrística en los
Relatos de la Creación», in Masculinidad y Feminidad en la Patrística, Servicio de Publicaciones de la
Universidad de Navarra, S. A., Pamplona, 1989, pp. 218-219 Neste artigo, o autor refere que a mesma
tese, de Adão e Eva terem sido criados numa idade infantil, foi defendida por
S. Teófilo de Antioquia e Procópio de Gaza. Desconheço, no entanto, se algum desses autores refere
explicitamente a inocência infantil como causa da não-vergonha.
[124]
AG 19-12-1979, n.º 2. (O sublinhado é meu.) Na versão oficial, em vez de «carência», é
utilizada a palavra «insuficiência», que me parece ficar aquém do que S. João Paulo II quis dizer. A
versão espanhola usa carencia e a inglesa lack of. Por seu turno, suponho que a palavra «impudência» é
desconhecida para a maior parte dos leitores. Por isso, permiti-me acrescentar entre parêntesis o
sinónimo mais familiar: «desvergonha».
[125]
AG 2-1-1980, n.º 1.
[126]
Cfr. Carl Anderson e José Granados, Called to Love, Doubleday, Nova Iorque, 2009, p.
93: «Viver na nudez original significa simplesmente aprender a captar a imago Dei com os olhos do
Criador, que sempre vê a união do corpo com a totalidade da pessoa que este expressa».
[127]
AG 12-9-1979, n.º 5.
[128]
S. João Paulo II, carta encíclica Evangelium Vitae, n.º 35.
[129]
A palavra «comunhão» expressa para o então jovem K. Wojtyla uma união muito peculiar:
trata-se de uma união que implica o dom de si. Ao falar da Igreja, explica: «Assim entendida, a
“communio” constitui a comum e recíproca pertença ao Corpo Místico de Cristo, em que todos são
“membros entre si” (K. Wojtyla, La Renovación en Sus Fuentes, BAC, vol. 430, Madrid, 1982, p.
96). E, mais adiante, na mesma obra, insiste: «Da mesma maneira que as pessoas se encontram a si
mesmas mediante o dom de si, através das relações interpessoais que chamamos communio, assim
também cada uma das “partes” encontra-se e confirma-se a si mesma na comunidade da Igreja, na
medida em que todas “levam os seus próprios dons às outras partes” e a toda a Igreja. […] Através do
dom que cada um faz de si, o bem de uma das partes converte-se de alguma maneira no bem de todos
(ib., pp. 108-109)». É neste sentido que S. João Paulo II fala da communio entre Adão e Eva: o bem
dela pertence-lhe a ele pela própria doação dela, e o bem dele pertence-lhe a ela porque ele se lhe
entregou sem reservas.
[130]
AG 2-1-1980, n.º 1.
[131]
Cfr., uma vez mais, Catecismo da Igreja Católica, n.os 705, 708, 720, 734, 1161, 2566, 2572
e 2784, em que se insiste que o pecado quebra a semelhança com Deus, e o perdão e a graça recuperam
essa semelhança.
[132]
Na minha opinião, não se trata apenas do risco de apropriação. Pensemos no corpo de um
doente, de alguém disforme ou de uma pessoa velha. A nudez não produz qualquer atração, mas, pelo
contrário, talvez até repulsa. Nestas situações, a roupa protege a pessoa da repulsa alheia, permite que
dela se aproximem mais facilmente. A reação de repulsa não deixa de ser igualmente o fruto de uma
«coisificação» do corpo, mesmo que em sentido inverso ao da atração instrumental: não se vê alguém,
mas apenas algo que me incomoda e do qual desejo afastar-me.
[133]
Cfr. C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John Paul II’s Theology
of the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, pp. 219-220.
[134]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 164. Mais adiante, o
autor acrescenta: «Esta inalienabilidade objetiva da pessoa e a sua inviolabilidade encontram expressão
precisamente no fenómeno do pudor sexual, que não é senão um reflexo natural da essência da pessoa»
(p. 167).
[135]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 167. (O itálico é
meu.)
[136]
Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 172.
[137]
J. Ratzinger, Via Sacra, Sexta-feira Santa de 2005, décima estação.
[138]
Bento XVI, Carta para a Proclamação de um Ano Sacerdotal por Ocasião do 150.º
Aniversário do Dies Natalis do Santo Cura de Ars, 16-VI-2009.
[139]
Vale a pena ler ou ouvir a magnífica conferência de William Newton sobre conceitos-chave
da teologia do corpo «Rereading Theology of the Body Through the Spousal Meaning of the Body», in
3.º Simpósio Internacional de Teologia do Corpo, Londres, 2011. Na conferência, o Prof. Newton
mostra como o conjunto das catequeses pode ser entendido com base neste conceito: «The solution I
would like to offer here is to read the Theology of the Body in the light of a single concept – the key
concept of the Theology of the Body – namely the spousal meaning of the body. This is the key that
unlocks the text and makes sense of the other numerous concepts in the catechesis». Cfr.
http://tobinternationalsymposia.com/wp-content/uploads/2011/11/Dr.-William-Newton.mp3.
Também o índice da tradução de Waldstein refere que o conceito é repetido 117 vezes ao longo
das catequeses (entrada «Body», p. 682). E, na introdução da sua obra, Waldstein afirma que o
significado esponsal do corpo «é o conceito central da teologia do corpo tomada no seu todo» (Man
and Woman He Created Them – A Theology of the Body, tradução, introdução e índice de Michael
Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, p. 116).
[140]
AG 16-1-1980, n.º 1.
[141]
AG 9-1-1980, n.º 5. Na versão portuguesa, usa-se a expressão «dar criador» em vez de
«doação criadora», a qual me parece literariamente mais elegante e por isso a adotei.
[142]
Concílio Vaticano II, constituição pastoral Gaudium et Spes, n.º 24.
[143]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 87.
[144]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 7.
[145]
AG 16-1-1980, n.º 3.
[146]
Rocco Buttilione, El Pensamiento de K. Wojtyla, Encuentro, Madrid, 1992, p. 68.
[147]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 31.
[148]
Bento XVI, carta encíclica Caritas in Veritate, n.º 1.
[149]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 18. (O sublinhado é
meu.) Na página anterior, o autor explica como os fins da pessoa que é objeto da ação devem ser
objetivamente bons: quem atua deve pensar nos bens objetivos da pessoa, mesmo que os não possa
impor, pelo que acabámos de transcrever. Por exemplo, se a pessoa tem por fim suicidar-se, eu não
posso facilitar-lhe o objetivo. Não seria de facto uma «ajuda».
[150]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 2424.
[151]
B. Paulo VI, carta encíclica Populorum Progressio, n.º 59.
[152]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 2434. Cfr., também, Pontifício Conselho Justiça e
Paz, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n.º 281: «A relação entre trabalho e capital expressa-se
também através da participação dos trabalhadores na propriedade, na gestão e nos seus frutos. É esta
uma exigência descurada demasiado frequentemente, que, pelo contrário, deve ser valorizada ao
máximo: poder-se-á falar de socialização somente quando fica assegurada a subjetividade da sociedade,
quer dizer, quando “cada um dos que a compõem tiver garantido com base no próprio trabalho o pleno
direito a considerar-se coproprietário do grande ‘banco’ de trabalho em que se empenha juntamente
com todos os demais”».
São particularmente clarividentes as palavras de S. João Paulo II presentes na carta encíclica
Laborem Exercens, n.º 15: «Em geral o homem que trabalha deseja não só receber a remuneração
devida pelo seu trabalho, mas deseja também que seja tomada em consideração, no mesmo processo de
produção, a possibilidade de que ele, ao trabalhar, ainda que seja numa propriedade comum, esteja
cônscio de trabalhar “por sua conta”. Esta consciência fica nele abafada, ao encontrar-se num sistema
de centralização burocrática excessiva, na qual o trabalhador se vê sobretudo como peça duma
engrenagem num grande mecanismo movido de cima; e ainda – por várias razões – mais como um
simples instrumento de produção do que como um verdadeiro sujeito do trabalho, dotado de iniciativa
própria.
O ensino da Igreja exprimiu sempre a firme e profunda convicção de que o trabalho humano não
diz respeito simplesmente à economia, mas implica também, e sobretudo, valores pessoais. O próprio
sistema económico e o processo de produção auferem vantagens precisamente do facto de tais valores
pessoais serem respeitados. No pensamento de S. Tomás de Aquino, é sobretudo esta razão que depõe a
favor da propriedade privada dos meios de produção. […] o argumento personalista, contudo, não
perde a sua força, nem ao nível dos princípios, nem no campo prático. Toda e qualquer socialização
dos meios de produção, para ser racional e frutuosa, deve ter este argumento em consideração. Deve
fazer-se todo o possível para que o homem, mesmo num tal sistema, possa conservar a consciência de
trabalhar “por sua própria conta”».
[153]153
Cfr. Josef Pieper, Virtudes Fundamentales, Rialp, Madrid, 1976, p. 111§1.
[154]
Em Amor e Responsabilidade, distingue-se «norma personalista» de «caridade». «A norma
personalista é um princípio (norma fundamental) que constitui a base do mandamento do amor» (p. 31).
Para amar alguém, devo seguir a norma personalista, e nunca a instrumentalização. Assim, a norma é
como que o habitat onde o amor ou caridade se exercita: se eu me perguntar que devo fazer agora, com
esta pessoa, para viver de acordo com a norma personalista, obterei como resposta orientações
concretas para lhe manifestar amor. Ou, também, se a quiser amar mais, posso questionar-me sobre
como respeitar a norma personalista aqui e agora, e descobrirei meios concretos para um amor mais
cuidado.
[155]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.os 2416-2418, sobre a atitude correta para com os
animais. Não é certamente a mesma que se tem para com objetos inertes, ainda que, para o raciocínio
que segui, a diferença não seja excessivamente relevante: mesmo podendo ser instrumentalizados, há
meios que devem ser tratados com maior cuidado. «No caso dos objetos [leia-se: dos seres que estão no
mundo sensível e que não são seres humanos], é suficiente que o homem os utilize de acordo com as
suas características imanentes, respeitando a beleza e o bem neles contidos, sem devastações ou
crueldades inúteis» (R. Buttiglione, El Pensamiento de K. Wojtyla, Encuentro, Madrid, 1992, p. 111).
Cfr. um importante matiz assinalado pelo Papa Francisco, carta encíclica Laudato Si’, n.º 69. As
palavras do Papa significam que a instrumentalização das outras criaturas não pode ser arbitrária, mas
isso não impede a sua racional instrumentalização.
[156]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 32. Cfr. também, Papa Francisco,
exortação apostólica Evangelii Gaudium, n.º 14: «Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os
cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova
obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um
banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas “por atração”». Cfr., igualmente, n.os
171-172.
[157]
Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 22-12-2011.
[158]
Designam-se assim os encontros internacionais em Roma, durante a Semana Santa, de
muitos jovens, sobretudo universitários, dos cinco continentes. Na sua origem, em 1968, foi
impulsionado diretamente por S. Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei. Durante vários anos,
enquanto o permitiu a saúde de S. João Paulo II, na tarde do Domingo de Páscoa costumava haver um
encontro informal no Cortile di San Damaso, em pleno Vaticano, onde os milhares de jovens reunidos
cantavam ao Papa, davam testemunhos da evangelização em todas as partes do mundo, etc. No fim, S.
João Paulo II costumava dirigir umas breves palavras reflexivas e de despedida.
[159]
S. João Paulo II, Encontro com o UNIV no Cortile di San Damaso, 19-4-1987. Numa das
questões da Suma Teológica, S. Tomás pergunta se a caridade pode aumentar infinitamente, sem
limite. E a resposta é afirmativa: tanto pela caridade em si (que é participação da caridade infinita
que é o Espírito Santo), como pela causa do aumento (a potência infinita de Deus), como ainda – e é
o que nos interessa para entender melhor a resposta de S. João Paulo II – por parte do sujeito, da
pessoa que ama. Porquê? «Porque, na medida em que a caridade aumenta, aumenta sempre mais a
capacidade para um crescimento ulterior. Por isso, concluímos que não é possível estabelecer
nenhum limite ao aumento da caridade nesta vida» (Suma Teológica,
II-II.ae, q. 24, a. 7). Portanto, quanto mais amamos (e nos damos), mais aptos ficamos para amar e
dar mais. Ao amar, não só não perdemos nada como enriquecemos a capacidade de continuar a amar.
[160]
Cfr. Concílio Vaticano II, constituição pastoral Gaudium et Spes, n.º 24.
[161]
Cfr. AG 2-1-1980, n.º 2.
[162]
Cfr. S. João Paulo II, carta encíclica Redemptoris Mater, n.º 37. O Papa afirma que o
Magnificat de Nossa Senhora «proclama a não ofuscada verdade acerca de Deus: O Deus santo e
omnipotente, que desde o princípio é a fonte de todas as dádivas, Aquele que “fez grandes coisas” nela,
Maria, assim como em todo o universo. Ao criar, Deus dá a existência a todas as realidades; e, ao criar
o homem, dá-lhe a dignidade da imagem e semelhança consigo, de modo singular em relação a todas as
demais criaturas terrestres. Não se detendo na sua vontade de doação, apesar do pecado do homem,
Deus dá-se no Filho: “Amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito” (Jo 3, 16). Maria é a
primeira testemunha desta verdade maravilhosa, que se realizará plenamente mediante “as obras e os
ensinamentos” (Act 1, 1) do seu Filho e, definitivamente, por meio da sua Cruz e Ressurreição». (O
sublinhado é meu.)
[163]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 86.
[164]
E. Burkhart e J. Lopes, Vida Cotidiana y Santidad en la Enseñanza de San Josemaría, vol.
2, Rialp, Madrid, 2011, pp. 229-230.
[165]
E. Burkhart e J. Lopes, Vida Cotidiana y Santidad en la Enseñanza de San Josemaría, vol.
2, Rialp, Madrid 2011, p. 230.
[166]
Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, Carta dos Profissionais da Saúde, n.º 86. Cfr.,
também, n.º 88: «Do ponto de vista ético, nem todos os órgãos podem ser objeto de doação.
Encontram-se excluídos o encéfalo e as gónadas, que garantem, respetivamente, a identidade e a função
reprodutora do indivíduo. Trata-se de órgãos que consubstanciam o caráter único e inalienável do
indivíduo que a medicina tem, aliás, por missão proteger».
[167]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 87.
[168]
AG 16-1-1980, n.º 5.
[169]
Maxence Van Der Meersh, Corpos e Almas, Minerva, 5.ª ed., Lisboa, 1970, p. 480.
[170]
Peter Colosi, «A Response to Waldstein – A Person That Expresses a Body: Max Scheler’s
Impact on John Paul II’s Theology of the Body», in 1.º Simpósio Internacional de Teologia do Corpo,
Gaming, Áustria, maio de 2007.
[171]
Catecismo da Igreja Católica, n.º 516.
[172]
No comentário a um ponto da constituição dogmática Dei Verbum, do Concílio Vaticano II,
Karol Wojtyla explicava que «a revelação de si mesmo e a vontade de salvar o homem formam, como
se vê, um ato único da parte de Deus» (K. Wojtyla, La Renovación en Sus Fuentes, BAC, vol. 430,
Madrid, 1982, p. 44.) Na Dei Verbum, n.º 2, lemos: «Em virtude desta revelação, Deus invisível (cfr.
Col 1, 15; 1 Tim 1, 17), na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cfr. Ex 33, 11; Jo 15,
14-15) e convive com eles (cfr. Bar 3, 38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele». (O itálico
é meu.)
[173]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 7.
[174]
Bento XVI, Mensagem para a Quaresma, 2007, n.º 4.
[175]
É muito interessante a «acusação» feita por Waldstein a M. Scheler de apresentar um
personalismo antitrinitário. Precisamente porque Scheler defenderia que a pessoa humana só tem de
doar-se, nada deve esperar de fora de si própria, nem sequer a recompensa eterna. Cfr. M.
Waldstein, «Three Kinds of Personalism – St. John of the Cross, Kant, Scheler and John Paul II», in 1.º
Simpósio Internacional de Teologia do Corpo, Gaming, Áustria, maio de 2007. Cfr., também, a
explicação dada na introdução de Man and Woman He Created Them – A Theology of the Body,
tradução, introdução e índice de Michael Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, p. 73.
[176]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.os 2296 e 2301. Leia-se, também, Conselho Pontifício
para a Pastoral da Saúde, Carta dos Profissionais da Saúde, n.º 90: «A realização da transplantação
pressupõe a prévia tomada de decisão, livre e consciente, do dador ou do seu legítimo representante
[…]. “Trata-se de uma decisão de, sem qualquer recompensa, fazer dádiva de uma parte do próprio
corpo, para melhorar a saúde e o bem-estar de outro indivíduo. Neste sentido, o ato clínico de
transplantação torna possível o ato de oblação do dador, enquanto dádiva sincera de si próprio que
exprime o apelo essencial ao amor e à comunhão” (João Paulo II, Aos Participantes do 1.º Congresso
Internacional sobre Transplante de Órgãos, 20 de junho de 1991)». Em nota de pé de página,
acrescenta-se uma intervenção de Pio XII em que o Papa não exclui que, sem deixar de prevenir
abusos, se possa admitir uma certa retribuição. No entanto, para o assunto que nos interessa, há uma
clara insistência na gratuidade: é ela que permite captar a bondade da doação.
[177]
K. Wojtyla, Signo de Contradicción, BAC, Madrid, 1978 p. 76. Sobre a expressão social da
lei do dom, penso que poderia ser interessante estudar a confluência com o princípio da gratuidade,
referido por Bento XVI na carta encíclica Caritas in Veritate (por exemplo, no n.º 38, quando o autor
afirma que a gratuidade não pode intervir no final da cadeia de produção depois de cumpridas as
exigências da justiça. A gratuidade deve estar presente em todo o processo).
[178]
Cfr., por exemplo, Bento XVI, carta encíclica Caritas in Veritate, n.º 38. No n.º 36 podemos
ler: «O grande desafio que temos diante de nós […] é mostrar, a nível tanto de pensamento como de
comportamentos, que não só não podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da
ética social, como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas relações
comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e
devem encontrar lugar dentro da atividade económica normal».
[179]
AG 16-1-1980, n.º 1.
[180]
AG 16-1-1980, n.º 1.
[181]
S. João Paulo II, Tríptico Romano, Paulinas, Lisboa, 2004, p. 27.
[182]
S. João Paulo II, Tríptico Romano, Paulinas, Lisboa, 2004 p. 27.
[183]
Cfr. AG 16-1-1980, n.º 3.
[184]
Em certo sentido, e para sintetizar melhor, é legítimo definir o significado esponsal do corpo
como a capacidade de o homem poder expressar com o corpo o amor-doação, dado que acolher o outro
por si mesmo é também, de algum modo, uma doação: a doação do próprio acolhimento.
[185]
AG 30-1-1980, n.º 2. (A afirmação é, no meu entender, de difícil compreensão. Acrescento
as traduções em italiano, francês, espanhol e inglês: «La felicità è il radicarsi nell’Amore»; «Le
bonheur, c’est l’enracinement dans l’amour»; «La felicidad es el arraigarse en el amor»; «Happiness is
being rooted in Love»).
[186]
AG 25-6-1980, n.º 6.
[187]
AG 25-6-1980, n.º 5. Cfr., também, AG 23-4-1980, n.º 2. Na sua obra La Renovación en Sus
Fuentes, BAC, vol. 430, Madrid, 1982, p. 165, Karol Wojtyla define com precisão o que entende e não
entende por «atitude»: «Em síntese, podemos dizer que a atitude é uma relação ativa, mas não é
propriamente a ação como tal. […] Trata-se de um “tomar posição” e, ao mesmo tempo, ter uma
disponibilidade para atuar de acordo com a posição tomada. Em certa medida, a atitude contém o que a
psicologia tomista inclui na categoria do habitus e até de habitus operativus, embora não se
identifiquem entre si».
[188]
Cfr. AG 8-4-1981, n.os 2-3.
[189]
Mary Healy, Os Homens e as Mulheres são do Éden, Encontro da Escrita, Lisboa, 2013, pp.
42-43.
[190]
AG 31-10-1984, n.º 6. (O sublinhado é meu.)
[191]
AG 10-9-1980, n.º 5. Já no primeiro ciclo, S. João Paulo II deixava entrever que o
significado esponsal do corpo tinha dimensões muito profundas: «O corpo humano, orientado
interiormente pelo “dom sincero” da pessoa, revela não só a sua masculinidade e feminilidade no plano
físico, mas revela também um valor e uma beleza tais que ultrapassam a dimensão simplesmente física
da “sexualidade”» (AG 16-1-1980, n.º 4).
[192]
Cfr., por exemplo, S. João Paulo II, exortação apostólica Pastores Dabo Vobis, n.º 29: «Na
virgindade e no celibato, a castidade mantém o seu significado originário, o de uma sexualidade
humana vivida como autêntica manifestação e precioso serviço ao amor de comunhão e de entrega
interpessoal. Este mesmo significado subsiste plenamente na virgindade, que realiza, mesmo na
renúncia ao matrimónio, o “significado esponsal” do corpo mediante uma comunhão e uma entrega
pessoal a Jesus Cristo e à Igreja, que prefiguram e antecipam a comunhão e entrega perfeita e definitiva
do Além».
[193]
K. Wojtyla, A Pedreira e Outros Poemas, «Cântico do Esplendor da Água», Paulinas,
Lisboa, 2014, p. 29.
[194]
S. João Paulo II, Tríptico Romano, Paulinas, Lisboa, 2004, p. 26.
[195]
Cfr. AG 20-2-1980, n.º 4. Cfr. G. Grisez, The Way of the Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, C, 1,
b: «God creates out of gratuitous love, to manifest his goodness and share his happiness with created
persons […]. So, created reality as such is, in a wide sense, a sacrament, inasmuch as it is a visible sign
of God’s love. Within this sacrament, human persons, as male and female, manifest God’s goodness in
a special way, for he creates them in his own image and likeness
(Gn 1, 26-27)». E mais adiante acrescenta-se: «The words of Genesis 2, 24, “a man […] cleaves to his
wife and they become one flesh”, spoken in the context of this original reality in a theological sense,
constitute marriage as an integral part and, in a certain sense, a central part of the “sacrament of
creation”. They constitute – or perhaps rather, they simply confirm, the character of its origin.
According to these words, marriage is a sacrament inasmuch as it is an integral part and,
I would say, the central point of “the sacrament of creation”. In this sense it is the primordial
sacrament». (O sublinhado é meu.) Assim sendo, a explicação para a expressão «sacramento
primordial», segundo Grisez, é uma comparação com o caráter sacramental do resto da Criação, da qual
o matrimónio é o expoente rei.
Merece a pena ler ainda uma explicação sobre a condição primordial da sacramentalidade do
matrimónio em relação ao resto da Criação: «Thus, from the beginning of creation, marriage expresses
God’s plan that humankind should “be holy and blameless before him in love”
(Eph 1, 4) and should not only manifest divine goodness, as all creation does, but personally share in
God’s love and freely respond to it».
[196]
AG 20-2-1980, n.º 4. (Inverti a ordem de algumas palavras para tornar mais claro o seu
conteúdo.)
[197]
AG 20-2-1980, n.º 3.
[198]
Cfr. AG 30-1-1980, n.º 3: «Tal inocência pertence à dimensão da graça contida no mistério
da criação, isto é, àquele misterioso dom oferecido ao íntimo do homem – ao “coração” humano – que
permite a ambos, varão e mulher, existirem desde o “princípio” na recíproca relação do dom
desinteressado de si mesmos».
[199]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 5.
[200]
AG 20-2-1980, n.º 2.
[201]
AG 16-1-1980, n.º 5.
[202]
Leia-se, por exemplo, as palavras das Confissões, citadas no Catecismo da Igreja Católica,
n.º 2340: «A continência, na verdade, recolhe-nos e reconduz-nos àquela unidade que tínhamos
perdido, dispersando-nos na multiplicidade».
[203]
Man and Woman He Created Them – A Theology of the Body, tradução, introdução e índice
de Michael Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, p. 121.
[204]
Cfr. S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, cap. 2. Cfr., também, AG
16-1-1980, n.º 5.
[205]
É muito interessante ler o comentário de Joseph Ratzinger ao crucificado disforme pintado
por M. Grünewald, sobretudo no significado que ele teve para os doentes de lepra. Aquele corpo
falava-lhes de amor: «A representação da dolorosa morte de Cristo na Cruz é, sem dúvida, uma
novidade, contudo, ela não deixa de representar Aquele que sustentou as nossas dores, Aquele cujos
vergões foram a nossa Salvação. Mesmo na extrema dor, ela representa o amor redentor de Deus.
Ainda que a crucifixão na pintura da imagem de altar do Grünewald radicalize até ao extremo o
realismo do sofrimento, facto é que, para os doentes da peste, cuidados pelos Antoninos, ela foi a
imagem da consolação que lhes permitiu reconhecer a identificação de Deus com o seu destino; ver que
Ele desceu para dentro do seu sofrimento e sentir o seu sofrimento inserido no sofrimento d’Ele». (J.
Ratzinger, Introdução ao Espírito da Liturgia, pp. 93-94; o itálico é meu.)
[206]
AG 29-9-1982, n.º 4.
[207]
AG 15-12-1982, n.º 4. Cfr., também, AG 18-8-1982, n.º 6: «Nesta expressão [Ef 5, 25], o
amor redentor transforma-se, diria, em amor esponsal: Cristo, dando-se a si mesmo pela Igreja, com o
mesmo ato redentor uniu-se de uma vez para sempre com ela, como o esposo com a esposa, como o
marido com a mulher, dando-se através de tudo o que de uma vez para sempre está incluído naquele
seu “dar-se a si mesmo” pela Igreja. Deste modo, o mistério da redenção do corpo esconde em si, de
algum modo, o mistério das núpcias do Cordeiro» (cfr. Ap 19, 7). Para melhor entender a
compenetração do significado redentor com o significado esponsal, cfr. ainda, AG 27-10-1982, n.º 7:
«A Redenção significa de facto uma “nova criação” – significa a assunção de tudo aquilo que é
criado».
Podem oferecer um ulterior esclarecimento sobre o significado redentor do Corpo de Cristo, que
assume e se expressa também como significado esponsal, as seguintes palavras de Bento XVI: «O
motivo pelo qual as antigas traduções da Bíblia não falam de Aliança, mas de Testamento, deve-se ao
facto de não serem dois contraentes de nível igual que se encontram, mas entra em ação a distância
infinita entre Deus e o homem. Aquilo que designamos por nova ou antiga Aliança não é um ato
acordado entre duas partes iguais, mas dom meramente de Deus que nos deixa em herança o seu amor,
nos deixa a Si mesmo. E com certeza Ele, superando toda a distância através deste dom do seu amor,
torna-nos depois verdadeiramente seus “parceiros” e realiza-se o mistério nupcial do amor» (Bento
XVI, Homilia da Missa In Coena Domini, 2009). Portanto, para uma aliança nupcial com Deus, devo
ser antes redimido e elevado. Retenhamos este dado, que nos será útil ao falar do significado redentor
do corpo.
[208]
AG 15-12-1982, n.º 6.
[209]
AG 15-12-1982, n.º 8.
[210]
Cfr., também: Rom 5, 12-13; 15-16; e 17-19. Nestas passagens, S. Paulo refere-se
repetidamente ao caráter excecional de Jesus e da sua missão. Note-se as inúmeras vezes que repete
«um só»: «Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte,
assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. […] Mas o dom não é como o delito,
porque, se pelo delito de um só homem morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom que vem
pela graça de um só homem, Jesus Cristo, são concedidos abundantemente a todos. […] Com efeito, se
pelo pecado de um só a morte reinou por um só, muito mais reinarão na Vida por um só, que é Jesus
Cristo, os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça. Por isso, assim como pelo pecado de
um só incorreram todos os homens na condenação, assim pela justiça de um só recebem todos os
homens a justificação que dá a Vida. Porque, assim como pela desobediência de um só homem todos se
tornaram pecadores, assim pela obediência de um só
todos virão a ser justos». (O itálico é meu.)
[211]
Cfr. Bento XVI, AG 3-11-2010: «Ela [Margarida de Oingt] afirma que a cruz de Cristo é
semelhante ao leito do parto. A dor de Jesus na Cruz é comparada com a de uma mãe. Ela escreve: “A
mãe que me trouxe no ventre sofreu enormemente ao dar-me à luz, por um dia ou por uma noite, mas
Tu, bom e dócil Senhor, por mim foste atormentado não apenas por uma noite ou por um dia, mas por
mais de trinta anos […] como padeceste amargamente por causa de mim, durante toda a tua vida! E
quando chegou o momento do parto, o teu sofrimento foi tão doloroso que o teu santo suor se
transformou como que em gotas de sangue que desciam por todo o teu Corpo até ao chão”».
[212]
Cfr. Mt 9, 15; Mc 2, 19; Lc 5, 34; Mt 25, 1 e ss; e Jo 3, 30.
[213]
Bento XVI, Discurso Durante o Encontro com os Sacerdotes da Diocese de Albano, Castel
Gandolfo, 31-8-2006. Cfr., também, S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 13:
«Os esposos são, portanto, para a Igreja recordação permanente do que aconteceu sobre a Cruz». Cfr.,
ainda, por exemplo, Bento XVI, AG 8-9-2010: «Com os traços característicos da sensibilidade
feminina, Hildegarda, exatamente na secção central da sua obra, desenvolve o tema do matrimónio
místico entre Deus e a humanidade, realizado na Encarnação. No madeiro da Cruz, realizam-se as
núpcias do Filho de Deus com a Igreja, sua esposa, cheia de graça e tornada capaz de doar a Deus
novos filhos, no amor do Espírito Santo».
[214]
Relembre-se o que explicámos no capítulo 4: na Igreja, nunca será possível desligar um
ensinamento concreto, mais ou menos extenso, da doutrina geral. Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º
114, sobre a analogia da fé.
[215]
AG 28-11-1984, n.º 1.
[216]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.os 1503 e 1505.
[217]
S. João Paulo II, Discurso na Capela Sistina, 8-4-1994.
[218]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 2519.
[219]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, suplemento, q. 41, a. 4, respondeo. (Tradução do
autor.) («Débito conjugal» significa a obrigação que os cônjuges têm de se entregarem conjugalmente
um ao outro, sempre que razoavelmente solicitados, dado que, em certo sentido, «pertencem» um ao
outro. Essa obrigação moral é uma realidade, embora a expressão «débito», usada durante muito tempo,
tenha sido abandonada há anos: é demasiado fria e pouco personalista.) Convém acrescentar ainda que,
na minha opinião, os dois exemplos de S. Tomás não esgotam as razões que tornam o ato conjugal
meritório; pelo mesmo raciocínio, se o que leva ao ato conjugal for a virtude do amor ao outro, o desejo
de se entregar fisicamente também será meritório.
[220]
AG 5-1-1983, n.º 5. De modo bem sintético, na AG 22-8-1984, n.º 4, o Papa afirma: «Como
ministros de um sacramento que se constitui mediante o consenso e se aperfeiçoa mediante a união
conjugal».
[221]
Em qualquer leitor atento surgirá a interrogação sobre o matrimónio de Nossa Senhora e S.
José. Certamente não existiu nunca a união física, mas tratou-se de um verdadeiro matrimónio. S. João
Paulo II reafirma isso mesmo, por exemplo, na exortação apostólica Redemptoris Custos, n.º 7, com
várias citações de S. Agostinho e S. Tomás cujas referências omito para facilitar a leitura. Escreve S.
João Paulo II: «O filho de Maria é também filho de José, em virtude do vínculo matrimonial que os
une: “Por motivo daquele matrimónio fiel, ambos mereceram ser chamados pais de Cristo, não apenas a
Mãe, mas também aquele que era seu pai, do mesmo modo que era cônjuge da Mãe, uma e outra coisa
por meio da mente e não da carne”. Neste matrimónio não faltou nenhum dos requisitos que o
constituem: “Naqueles pais de Cristo realizaram-se todos os bens das núpcias: a prole, a fidelidade e o
sacramento. Conhecemos a prole, que é o próprio Senhor Jesus; a fidelidade, porque não houve
nenhum adultério; e o sacramento, porque não se deu nenhum divórcio”.
Analisando a natureza do matrimónio, quer Santo Agostinho, quer Santo Tomás de Aquino
situam-na constantemente na “união indivisível dos ânimos”, na “união dos corações” e no “consenso”;
elementos estes, que, naquele matrimónio, se verificaram de maneira exemplar».
Cfr. também, AG 24-3-1982. No entanto, como se compagina a realidade do matrimónio com a
deliberada ausência do ato conjugal? A teologia do corpo consegue oferecer uma resposta mais
profunda a esta questão, como o demonstra o excelente artigo de Gloria Falcão Dodd, STD., «The
Nuptial Meaning of the Body in the Marriage of Mary and Joseph», in The Virgin Mary and the
Theology of the Body, Donald H. Calloway MIC (editor), Marian Press, Massachusetts, 2005,
pp. 107-124. Nesse artigo, pergunta a autora: «Como expressavam Maria e José o seu amor conjugal
num casamento virginal? Havia duas formas principais: afeto e trabalho. […] Os sinais de afeto
incluiriam provavelmente saudações, pequenas ofertas, ou fazer a tarefa do outro. Em segundo lugar
[citando Redemptoris Custos, n.º 22], “o trabalho era a expressão diária do amor na vida da Família de
Nazaré”. […] Ao mesmo tempo, o seu casamento foi precisamente o que permitiu a Maria
viver a dimensão procriativa do significado esponsal do corpo dando à luz Jesus como seu Filho».
[222]
Cfr. AG 21-11-1984, n.º 3.
[223]
Cfr. AG 5-3-1980, n.º 1.
[224]
K. Wojtyla adverte para este possível risco de instrumentalização em Amor e
Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 223-4: «Voltando ainda à opinião citada antes,
de que as relações conjugais não são admissíveis nem justas senão na medida em que podem levar à
procriação, salientamos que semelhante atitude pode ocultar uma certa dose de utilitarismo
(a pessoa, meio que serve para conseguir um fim) e estar em desacordo com a norma personalista. As
relações conjugais têm a sua origem, e é preciso que a tenham, no amor conjugal recíproco, no dom de
si que um faz ao outro. São necessárias ao amor e não só à procriação».
[225]
Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 220: «A
disposição para a procriação, nas relações conjugais, protege o amor, é a condição indispensável duma
verdadeira união das pessoas. Esta pode realizar-se no amor, fora das relações sexuais. Mas quando se
realiza por meio delas, o seu valor personalista não pode ser garantido senão pela disposição para a
procriação». Teremos ocasião de justificar melhor esta afirmação.
[226]
S. João Paulo II, carta encíclica Evangelium Vitae, n.º 97.
[227]
Cfr. AG 5-3-1980, n.º 2.
[228]
Cfr. AG 5-3-1980, n.º 2, nota 3.
[229]
Cfr. AG 5-3-1980, n.º 2, nota 3. Para ser honesto, é preciso acrescentar, tal como faz o
Pontífice na referida nota, que a Sagrada Escritura utiliza o mesmo verbo para as relações ilícitas.
[230]
AG 5-3-1980, n.º 2.
[231]
AG 5-3-1980, n.º 4.
[232]
AG 5-3-1980, n.º 3.
[233]
AG 5-3-1980, n.º 3.
[234]
Fulton Sheen, Three to Get Married, Scepter, Nova Iorque, 1996 (reimpressão em 2013), p.
17. Aliás, todo o livro deveria ser «revisitado», dada a sua clareza e concisão.
[235]
Já anteriormente, no capítulo 8, acrescentámos uma nota sobre como entender a expressão
«uma só carne».
[236]
AG 5-3-1980, n.º 4.
[237]
Cfr. AG 30-5-1984, n.º 4.
[238]
AG 5-3-1980, n.º 5.
[239]
Essa união é expressa pelo versículo que refere que os dois se tornam uma só carne.
Contudo, S. João da Cruz, o místico carmelita bem conhecido de S. João Paulo II, tem passagens da
sua obra onde fala da união de amor que se dá também entre a alma e Deus. Por exemplo: «Mas, sobre
este esboço da fé, há um outro esboço de amor na alma do amante, e é segundo a vontade, na qual de
tal maneira se esboça a figura do Amado e tão conjunta e vivamente se retrata, quando há união de
amor, que é verdade dizer que o Amado vive no amante [aquele a quem ama] e o amante [aquele que
ama] no Amado; e tal semelhança causa o amor na transformação dos Amados, de tal modo que se
pode dizer que cada um é o outro e que ambos são um só. A razão é porque na união e transformação
de amor um dá posse de si ao outro, e cada um se deixa e troca pelo outro; e assim cada um vive no
outro e um é o outro e ambos são um por transformação de amor» (S. João da Cruz, Cântico
Espiritual, canção XII, 7). Note-se que o carmelita espanhol se refere ao amor em geral para explicar
que a união da alma com Deus é uma particular forma de união de amor.
[240]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 17.
[241]
Cfr. também K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Lisboa, 1999, Rei dos Livros, p. 137:
«Os contactos, e mais ainda a vida em comum, de duas pessoas de sexo diferente implicam toda uma
série de atos em que um é o sujeito e o outro o objeto. O amor suprime esta relação entre sujeito e
objeto substituindo-o por uma união de pessoas em que o homem e a mulher têm o sentimento de serem
um só sujeito de ação. Este sentimento é a expressão do seu estado de consciência subjetivo, que, aliás,
é um reflexo da sua união objetiva: as suas vontades unem-se porque desejam o mesmo bem tomado
como fim, os seus sentimentos confundem-se porque experimentam em comum os mesmos valores.
Quanto mais madura e profunda é esta união, tanto mais o homem e a mulher têm o sentimento de
constituir um só sujeito de ação». O autor não se está a referir exclusivamente ao ato conjugal, ainda
que, evidentemente, o inclua. Se os esposos aprofundarem nestas densas palavras, poderão encontrar
nelas mais um motivo para a abertura à vida na relação: essa abertura facilita o fim comum e, por isso,
torna mais fácil a união de vontades.
[242]
AG 12-3-1980, n.º 3.
[243]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Lisboa, 1999, Rei dos Livros, p. 215.
[244]
K. Wojtyla, Amor e Rresponsabilidade, Lisboa, 1999, Rei dos Livros, p. 216.
[245]
Cfr. AG 12-3-1980, n.º 6.
[246]
Cfr. Anastasia Northrop, The Freedom of the Gift, Resurrection Publications, Minooka,
Illinois, 2005, p. 54.
[247]
Cfr. AG 12-3-1980, n.º 3.
[248]
William Newton, Maryvale Course Book – Marriage as a Sacrament, 2011, p. 108.
Transcrevo o parágrafo completo: «The desire to become one flesh – an authentic part of married love –
is realized to some extent in marital sexual intercourse, but as the spouses are two bodies this one flesh
union is fleeting and the full satisfaction of this desire is always somewhat elusive. The child makes
this desire for union real and permanent: their love was made flesh and dwelt amongst them».
[249]
Congregação para a Doutrina da Fé, instrução Donum Vitae, 22-2-1987, II, B, 4.
[250]
Cfr. AG 26-3-1980, n.º 5.
[251]
Cfr. AG 26-3-1980, n.º 6.
[252]
AG 26-3-1980, n.º 6.
[253]
Bento XVI, Discurso aos Participantes num Encontro Promovido pelo Pontifício Instituto
João Paulo II para os Estudos sobre Matrimónio e Família, 13-5-2011.
[254]
S. João Paulo II justifica este conhecimento com citações do Antigo Testamento que mais
adiante apresentarei ao leitor, e que eram bem familiares aos interlocutores de Jesus.
[255]
AG 6-8-1980, n.º 3.
[256]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 14.
[257]
AG 13-8-1980, n.º 5. Cfr. S. João Paulo carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 14: «No
fim Jesus diz-lhe: “não tornes a pecar”; mas, primeiro ele desperta a consciência do pecado nos
homens que a acusam para apedrejá-la, manifestando assim a sua profunda capacidade de ver as
consciências e as obras humanas segundo a verdade. Jesus parece dizer aos acusadores: esta mulher,
com todo o seu pecado, não é talvez também, e antes de tudo, uma confirmação das vossas
transgressões, da vossa injustiça “masculina”, dos vossos abusos?» S. João Paulo II faz notar a seguir
que situações similares, em que a mulher fica «só» com o pecado de dois, repetem-se ao longo da
história.
[258]
Para entender melhor a importância da insistência de S. João Paulo II no «apelo ao coração»,
pode ajudar ler as diferenças entre duas perspetivas da moral católica: a moral casuística pós-tridentina
e a moral essencialmente tomista. Sobre este tema, aconselho a leitura de uma boa síntese do problema,
também com bibliografia esclarecedora: E. Colom e A. Rodríguez Luño, Elegidos en Cristo para Ser
Santos – Curso de Teología Moral Fundamental, Palabra, 1.ª ed., Madrid, 2001, pp. 409-413.
[259]
AG 13-8-1980, n.º 1.
[260]
Cfr. AG 29-10-1980, n.º 1.
[261]
Para ser verdadeiro e justo, seria necessário analisar em profundidade cada um dos mestres
da suspeita em profundidade sob este ângulo. Provavelmente seria necessário matizar um pouco o que
escrevi. Sirva isto, no entanto, para se perceber a ideia de fundo sobre a possibilidade da redenção da
natureza humana.
[262]
AG 29-10-1980, n.º 6. Também na carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 103, S. João Paulo
II se insurge contra a visão redutora das possibilidades morais do ser humano: «Só no mistério da
Redenção de Cristo se encontram as “concretas” possibilidades do homem. “Seria um erro gravíssimo
concluir […] que a norma ensinada pela Igreja é em si própria apenas um ‘ideal’ que deve
posteriormente ser adaptado, proporcionado, graduado – dizem – às concretas possibilidades do
homem: segundo um ‘cálculo dos vários bens em questão’. Mas, quais são as ‘concretas possibilidades
do homem’? E de que homem se fala? Do homem dominado pela concupiscência ou do homem
redimido por Cristo? Pois é disso que se trata: da realidade da redenção de Cristo. Cristo redimiu-nos!
O que significa que Ele nos deu a possibilidade de realizar toda a verdade do nosso ser; Ele libertou a
nossa liberdade do domínio da concupiscência”»
[263]
AG 29-10-1980, n.º 4.
[264]
AG 29-10-1980, n.º 5.
[265]
AG 14-5-1980, n.º 2.
[266]
AG 23-7-1980, n.º 6. Cfr. também K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros,
Lisboa, 1999, p. 139: «[A concupiscência] procura a sua satisfação no corpo e no sexo através do
prazer. Logo que o consegue, toda a atividade do sujeito a respeito do objeto acaba, e o interesse
desaparece até que o desejo desperte novamente».
[267]
AG 25-6-1980, n.º 6.
[268]
AG 17-9-1980, n.º 3.
[269]
Josef Pieper, Virtudes Fundamentales, Rialp, Madrid, 1976, p. 241.
[270]
AG 14-5-1980, n.º 2. Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.os 396-409.
[271]
AG 14-5-1980, n.º 3.
[272]
Cfr. AG 28-5-1980, n.º 2: «Embora à luz daquela singular frase determinante de Géne-
sis 3, 7 a resposta à pergunta pareça manter sobretudo o caráter referencial da vergonha original,
contudo, a reflexão sobre todo o contexto mais imediato permite descobrir-lhe o seu fundo mais
imanente».
[273]
AG 18-6-1980, n.º 1.
[274]
AG 30-4-1980, n.º 4.
[275]
AG 14-5-1980, n.º 1.
[276]
AG 14-5-1980, n.º 3.
[277]
Cfr. AG 20-2-1980, n.º 5: «O sacramento do mundo, e o sacramento do homem no mundo,
provém da fonte divina da santidade, e é simultaneamente instituído para a santidade. A inocência
original, ligada à experiência do significado esponsal do corpo, é a mesma santidade que permite ao
homem exprimir-se profundamente com o próprio corpo, e isto, precisamente, mediante o “dom
sincero” de si mesmo. A consciência do dom condiciona, neste caso, “o sacramento do corpo”: o
homem, no seu corpo de varão e de mulher, sente-se sujeito de santidade».
[278]
AG 28-5-1980, n.º 2. (A versão portuguesa diz: «Cessou de alcançar a força do espírito»; a
versão inglesa diz: «Drawing on the power of the spirit».)
[279]
AG 4-2-1981, n.º 6.
[280]
AG 6-5-1981, n.º 5.
[281]
AG 22-4-1981, n.º 1.
[282]
AG 28-5-1980, n.º 5. De modo mais simplificado, já S. Tomás justificava do seguinte modo
a necessidade que sentiram Adão e Eva após o pecado: «O vestido é necessário na vida presente por
dois motivos […]; segundo, para ocultar a torpeza dos membros em que principalmente se manifesta a
rebelião da carne contra o espírito. Estas duas necessidades não existiam no estado original. O corpo
humano não podia ser ferido por agentes externos, e também não existia qualquer torpeza que os
enchesse de rubor» (Suma Teológica, II-II.ae, q. 164, a. 2, ad. 8). Anteriormente definiu a vergonha
como o «temor de atos em matéria torpe» (cfr., por ex., Suma Teológica II-II.ae, q. 144, a. 2).
[283]
AG 4-6-1980, n.º 2.
[284]
Cfr. AG 4-6-1980, n.º 5: «Daí a necessidade de se esconderem diante do “outro” com o
próprio corpo, com aquilo que determina a própria feminilidade/masculinidade. Esta necessidade
demonstra a carência fundamental de confiança, o que por si só indica o colapso da relação original «de
comunhão».
[285]
AG 4-6-1980, n.º 4.
[286]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Lisboa, 1999, Rei dos Livros, p. 168.
[287]
AG 23-7-1980, n.º 3.
[288]
Cfr. AG 30-7-1980, n.os 3-4.
[289]
M. Van Der Meersch, Corpos e Almas, Minerva, Lisboa, 1970, p. 441.
[290]
Cfr. AG 25-6-1980, n.os 3-4: «Ao mesmo tempo, o homem é aquele pelo qual a vergonha,
unida à concupiscência, se tornará impulso para “dominar” a mulher (“Ele dominar-te-á”). Em
seguida, a experiência deste domínio é manifestada mais diretamente na mulher, como o desejo
insaciável de uma união diferente. Desde o momento em que o homem a “domina”, à comunhão de
pessoas – feita de uma plena unidade espiritual dos dois sujeitos que se dão reciprocamente – sucede
uma relação recíproca diversa, isto é, uma relação de posse do outro como objeto do próprio desejo.
Se este impulso prevalece por parte do homem, os instintos que a mulher dirige para ele, segundo a
expressão de Génesis 3, 16, podem assumir – e assumem – um caráter semelhante. Talvez, por vezes,
estes até se antecipem ao “desejo” do homem, ou tendam a despertá-lo e impulsioná-lo.
O texto de Génesis 3, 16 parece indicar sobretudo o homem como aquele que “deseja”,
analogamente ao texto de Mateus 5, 27-28, que constituiu o ponto de partida das presentes
meditações; no entanto, tanto o homem como a mulher se tornaram um “ser humano” sujeito à
concupiscência. E, por isso, ambos têm como sorte a vergonha, que com a sua profunda ressonância
toca o íntimo das personalidades masculina e feminina, ainda que de
modo diverso».
[291]
Cfr. S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 10.
[292]
AG 30-7-1980, n.º 2.
[293]
Cfr. AG 30-7-1980, n.º 1: «Ambos os seres humanos tornam-se quase incapazes de atingir a
medida interior do coração, voltada para a liberdade do dom e para o significado esponsal do corpo,
que lhe é intrínseco. As palavras de Génesis 3, 16 parecem sugerir que isto acontece sobretudo à custa
da mulher, e que, em todo o caso, ela o sente mais do que o homem».
[294]
Eis umas sugestivas palavras de E. Stein: «Eu penso que a relação entre a alma e o corpo não
é completamente a mesma, que a união natural ao corpo é, regra geral, mais íntima na mulher. Parece-
me que a alma da mulher vive e está presente com maior força em todas as partes do corpo e que fica
afetada interiormente por tudo o que acontece no corpo». «Christliches Frauenleben», in Die Frau –
Gragestellungen und Reflexionen, Edith Stein Gesamtausgabe 13, Herder, Friburgo, 2000, 86; cit. em
Juan de Dios Larrú, «El Significado Personalista de la Experiencia del Pudor», in La Filosofía
Personalista de K. Wojtyla, Juan Manuel Burgos (ed.), Palabra, Madrid, 2007, p. 100. (Tradução feita a
partir da edição espanhola.)
[295]
K. Wojtyla et al., The Foundations of the Doctrine of the Church Concerning the
Principles of Conjugal Life (edição original: Cracóvia, 1969; traduzida por Father Roger Landry).
[296]
B. Paulo VI, carta encíclica Populorum Progressio, n.º 59.
[297]
Cfr. G. Grisez, The Way of The Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, D, 3, e: «While both spouses
can engage in manipulation, rewarding and punishing each other, they do so in different ways, each
perverting his or her distinctive marital role. For example, the wife may withhold marital intercourse
or refuse to cook dinner; the husband may resort to physical abuse or spend his evenings away from
home. For sheer survival, however, wives generally depend more on their husbands’ performance and
forbearance than vice versa, and this difference is accentuated when the wife is pregnant or nurturing
small children. Therefore, as sin drives out love, a wife all too often learns by experience what is
meant by the scriptural passage which John Paul II cites in explaining male domination: “Your desire
shall be for your husband, and he shall rule over you” (Gn 3, 16)». (O itálico é meu.)
[298]
Cfr. TOB 111, n.º 4.
[299]
Cfr. AG 30-5-1984, n.º 4.
[300]
TOB 110, n.º 7.
[301]
Cfr. AG 6-6-1984, n.º 1.
[302]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 10.
[303]
Cfr. S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 10. É muito interessante a
nota n.º 33, na qual o Santo Padre recorda intervenções de vários Padres da Igreja contra a injusta
discriminação da mulher vigente na sociedade em que viviam (no século IV).
[304]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 10.
[305]
Cfr. AG 17-9-1980, n.º 2.
[306]
A palavra «intencional» tem, neste contexto, um matiz filosófico que não coincide com o
uso vulgar da mesma. S. João Paulo II não está a referir-se a uma «redução na intenção», mas sim a
uma redução no que é o objeto da potência, a uma diminuição no campo do que se vê ou se entende ou
se quer.
[307]
AG 17-9-1980, n.º 3.
[308]
São sintomáticas as improvisadas palavras do Papa Francisco aos jovens das Filipinas, ao
constatar que havia poucas raparigas nos representantes que lhe dirigiram as perguntas: «Um aparte…
sobre a reduzida representação das mulheres. Demasiado pouco! As mulheres têm muito a dizer-nos na
sociedade atual. Às vezes somos demasiado machistas, e não deixamos espaço à mulher. Mas a mulher
sabe ver as coisas com olhos diferentes dos homens. A mulher sabe fazer perguntas que nós, homens,
não conseguimos compreender. Senão vede… Ela [indica Glyzelle] fez hoje a única pergunta que não
tem resposta. E não lhe vinham as palavras, teve de a dizer com as lágrimas. Assim, quando vier o
próximo Papa a Manila, que haja mais mulheres!» (Papa Francisco, Discurso na Universidade de São
Tomás, Manila, 18-1-2015.)
[309]
AG 25-6-1980, n.º 3.
[310]
Cfr., por exemplo, S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II.ae, q. 155, a. 2.
[311]
A experiência mostra que é necessário tomar consciência e lutar contra essa inclinação torpe;
mas esse mero saber e querer, na maior parte dos casos, não é suficiente. Falaremos a seguir da
necessidade da graça.
[312]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 140.
[313]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 146.
[314]
AG 18-6-1980, n.º 4.
[315]
AG 25-6-1980, n.º 6.
[316]
AG 25-6-1980, n.º 5.
[317]
AG 23-7-1980, n.º 2.
[318]
AG 23-7-1980, n.º 4.
[319]
AG 23-7-1980, n.º 6.
[320]
Cfr. AG 1-10-1980, n.º 7: «Cristo não considerou apenas o estatuto jurídico concreto do
homem e da mulher em questão. Cristo fez depender a valorização moral do “desejo”», acima de tudo,
da própria dignidade pessoal do homem e da mulher. E isto tem a sua importância, tanto quando se trata
de pessoas não casadas, como – e talvez mais ainda – quando são esposos, mulher e marido».
[321]
Cfr. AG 8-10-1980, n.º 6: «A nova dimensão do ethos está sempre ligada à revelação dessa
profundidade, que é chamada “coração”, e à libertação da “concupiscência”. De tal modo que, naquele
coração, possa resplandecer mais plenamente o homem, varão e mulher, em toda a verdade interior do
seu recíproco “para”».
[322]
AG 8-10-1980, n.º 2.
[323]
AG 23-7-1980, n.º 3.
[324]
S. Josemaria Escrivá, Cristo que Passa, n.º 41.
[325]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 17.
[326]
Numa das páginas web da American Chesterton Society, transcrevem-se citações que
poderiam ter sido de Chesterton. Uma delas é a que foi repetida com frequência: «O homem que bate à
porta de um bordel está à procura de Deus». A citação correta é a que transcrevi no texto, e pertence à
obra The World, The Flesh, and Father Smith, de Bruce Marshall (1945), p. 108.
[327]
Cfr., também, S. Agostinho, Confissões, livro 10.
[328]
AG 10-09-1980, n.º 2.
[329]
Nesta mesma linha, podemos ler as seguintes palavras de S. Agostinho: «O uso natural do
matrimónio, quando ultrapassa os limites da necessidade da procriação, é escusável com a própria
esposa, mas pecaminoso com uma meretriz; o uso antinatural da esposa é mais execrável do que o uso
antinatural de uma meretriz» (S. Agostinho, Dos Bens do Matrimónio, 11, 212; coleção patrística,
Paulus, S. Paulo, 2000, p. 44). Interessa-nos sobretudo a segunda parte da frase: quando não há
qualquer dúvida de que se trata de uma instrumentalização (como é o caso do uso antinatural), é mais
grave proceder dessa maneira com a esposa, pois ela merece um amor maior, um maior cuidado. S.
João Paulo II, em consonância com as palavras de Jesus no Sermão da Montanha, radicaliza as
possibilidades de concretização da instrumentalização da esposa: até com um olhar ela é possível.
[330]
Cfr. D. Prümmer, Manuale Theologiae Moralis, 15.ª ed., Herder, Barcinone, Friburgui
Brisg., Roma, 1961, vol. 3, n.os 694-697. Ou, bem mais recente, a obra de A. Rodriguez Luño, Scelti in
Cristo per Essere Santi, vol. 3: «Morale Speciale», Edusc, Roma, 2008, p. 392.
Cfr., ainda, Pio XI, carta encíclica Casti Connubii, n.º 19: «O segundo bem do matrimônio,
mencionado por Santo Agostinho, como dissemos, é o bem da Fé, que é a mútua fidelidade dos
cônjuges no cumprimento do contrato matrimonial, de sorte que tudo o que compete, por este contrato,
sancionado pela lei divina, só ao cônjuge, não lhe seja negado nem permitido a terceira pessoa».
[331]
Cfr., por exemplo, S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II.ae, q. 106, a. 1.
[332]
É totalmente inovadora esta lição que S. João Paulo II nos dá? Só até certo ponto. No
capítulo 12 recordei como S. Tomás de Aquino explicava que o ato sexual pode ser meritório
(cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, suplemento, q. 41, a. 4, respondeo). No mesmo artigo da
Suma Teológica em que afirma isso, acrescenta que, se dentro do casal o ato for procurado apenas por
prazer, é um pecado venial (cfr., também, ad. 3). É interessante a distinção entre o ato conjugal
realizado por força de uma virtude e o mesmo ato escolhido por mero egoísmo, pois pode ajudar a
reforçar o que S. João Paulo II afirma sobre a possibilidade de o homem instrumentalizar a sua mulher
(ou vice-versa), quando a (o) procura apenas como meio para algo egoísta (a satisfação do prazer), sem
contar verdadeiramente com a pessoa. Por isso, é bom combater qualquer atitude que instrumentalize
quem quer que seja. De qualquer modo, em muitos casos não parece prudente inquietar as consciências
dos esposos, até porque frequentemente o motivo não é apenas obter prazer, ainda que este tenha um
grande peso: no fundo, os esposos querem estar juntos maritalmente e isso em si mesmo é bom.
Logicamente, sempre se pode e deve purificar um pouco mais a intenção, acentuando o desejo de
entregar-se ao outro.
[333]
«O maniqueísmo dividia o mundo em um reino de maldade, o da matéria, e um reino de
bondade, o do espírito. Para os maniqueus, a ideia de que as coisas materiais pudessem comunicar bens
espirituais era um completo absurdo» (Thomas E. Woods Jr., Como a Igreja Católica Construiu a
Civilização Ocidental, Quadrante, S. Paulo, 2008, p. 111, nota 1).
[334]
AG 22-10-1980, n.º 4.
[335]
AG 22-10-1980, n.º 5.
[336]
AG 22-10-1980, n.º 5.
[337]
AG 22-10-1980, n.º 2.
[338]
AG 4-7-1984, n.os 1-2.
[339]
S. João Paulo II, Memória e Identidade, Bertrand, Lisboa, 2005, p. 37.
[340]
S. João Paulo II, Memória e Identidade, Bertrand, Lisboa, 2005, p. 36.
[341]
Bento XVI, AG 3-12-2008.
[342]
AG 29-10-1980, n.º 4.
[343]
AG 29-10-1980, n.º 6.
[344]
Cfr. Jason & Crystalina Evert e Brian Butler, Theology of the Body for Teens, Ascension
Press, Pennsylvania, 2006, pp. 71-72.
[345]
AG 5-11-1980, n.º 2. É provável que haja filósofos que não concordem com a interpretação
de S. João Paulo II sobre o eros em Platão, apesar das explícitas referências bibliográficas incluídas na
audiência geral. Para o que nos interessa, basta admitir uma distinção entre o eros entendido como pura
concupiscência e o eros «purificado» ou sublimado; a citação de Bento XVI que se segue inclui essa
noção de eros «purificado» sem remeter para Platão, cuja evocação, neste assunto, é totalmente
secundária.
[346]
AG 12-11-1980, n.º 4.
[347]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 5.
[348]
Cfr. Carl Anderson e José Granados, Called to Love, Doubleday, Nova Iorque, 2009,
p. 159: «Há uma diferença crucial entre a espontaneidade caótica em que tudo vale e a verdadeira
espontaneidade, que deriva da integração dos sentimentos e desejos corporais na esfera do amor».
[349]
AG 12-11-1980, n.º 5.
[350]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 187.
[351]
AG 1-12-1982, n.º 3.
[352]
AG 4-7-1984, n.º 2.
[353]
AG 4-7-1984, n.º 5.
[354]
AG 4-7-1984, n.º 6.
[355]
Bento XVI, carta encíclica Caritas in Veritate, n.º 61.
[356]
S. João Paulo II, carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 23.
[357]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 133-134.
[358]
S. João Paulo II, exortação apostólica Pastores Dabo Vobis, n.º 44.
[359]
AG 1-4-1981, n.º 6.
[360]
Catecismo da Igreja Católica, n.º 2340.
[361]
AG 3-12-1980, n.º 7.
[362]
AG 3-12-1980, n.º 4.
[363]
Cfr. AG 3-12-1980, n.º 6. Sobre a impressão de «perda» que experimenta quem começa a
querer viver a castidade, leia-se K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999,
pp. 185-187: «É notório que a prática da temperança e da virtude da castidade vem acompanhada –
sobretudo nas suas primeiras fases – dum sentimento de frustração, de renúncia a um valor. É um
fenómeno natural, que mostra até que ponto o reflexo da concupiscência está solidamente ancorado na
consciência e na vontade do homem. À medida que se desenvolve o verdadeiro amor da pessoa, este
reflexo torna-se mais fraco, porque os valores recuperam o posto que lhes é devido. Assim, pois, a
virtude da castidade e o amor condicionam-se mutuamente».
[364]
Catecismo da Igreja Católica, n.º 2346.
[365]
S. Josemaria Escrivá, Cristo que Passa, n.º 5. (O itálico é meu.)
[366]
AG 24-10-1984, n.º 2. Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa,
1999, pp. 158-162. Nessa obra, sublinha-se com clareza que a castidade é para o amor: «É necessário
sublinhar muito mais o laço estreito existente entre a castidade e o amor. Não se pode compreender a
castidade senão em relação com a virtude do amor (da pessoa). Tem como missão libertar o amor da
atitude de prazer. […] O desenvolvimento insuficiente da virtude da castidade traduz-se no facto de
tardar a afirmar o valor da pessoa, e de deixar a supremacia dos valores do sexo que, apoderando-se da
vontade, deformam a atitude de respeito da pessoa de sexo oposto.
A essência da castidade consiste em não se deixar “distanciar” do valor da pessoa e em elevar ao seu
nível toda a reação aos valores do corpo e do sexo. Isto exige um esforço considerável, interior e
espiritual, porque a afirmação do valor da pessoa só pode ser fruto do espírito».
[367]
E. Burkhart e J. Lopes, Vida Cotidiana y Santidad en la Enseñanza de San Josemaría, vol.
2,
Rialp, Madrid, 2011, pp. 454-455.
[368]
Cfr. AG 10-12-1980, n.º 5 e AG 17-12-1980, n.º 1.
[369]
Cfr. Man and Woman He Created Them – A Theology of the Body, tradução, introdução e
índice de Michael Waldstein, Pauline Books & Media, Boston, 2006, p. 326.
[370]
Trata-se de um modo de descrever o amplo leque de atuações na correspondência à graça:
«Do homem depende, em definitivo, a contínua correspondência ao dom divino, que se manifesta na
decisão sempre atual de viver, por cima de qualquer outro interesse, como santo em Cristo Jesus.
Este desejo de viver em Cristo implica dois aspetos: afastar tudo quanto nos afasta do Senhor e
praticar tudo quanto nos aproxima d’Ele. […] Na Carta aos Gálatas, o primeiro momento é
considerado como luta contra os desejos da carne; o segundo, como vida segundo o Espírito» (E.
Colom e A. Rodríguez Luño, Elegidos en Cristo Para Ser Santos – Curso de Teología Moral
Fundamental, Palabra, 1.ª ed., Madrid, 2001, p. 112.
[371]
AG 17-12-1980, n.º 2.
[372]
Cfr. AG 17-12-1980, n.º 5, com a nota respetiva.
[373]
AG 7-1-1981, n.º 1. Cfr. 17-12-1980, n.os 3-4, com o comentário certeiro ao já clarividente
texto de Rom 8, 5-10.
[374]
Cfr. AG 14-1-1981, n.º 5: «No entanto, quando [S. Paulo] contrapõe “o fruto do Espírito” a
estas obras, não fala diretamente de “pureza”, mas nomeia apenas o “domínio de si”, a enkráteia [Gal
5, 22]. Este “domínio” pode ser reconhecido como virtude no que diz respeito à continência no âmbito
de todos os desejos dos sentidos, sobretudo na esfera sexual. Está, portanto, em contraposição à
“fornicação, impureza e libertinagem” e também à “embriaguez” e às “orgias”. Poderia, portanto,
admitir-se que o “domínio de si” paulino contém o que se expressa no termo “continência” ou
“temperança”, correspondente ao termo latino temperantia». Nestas palavras, S. João Paulo II faz
equivaler «temperança» e «continência»; a tradição católica não as identifica totalmente, ainda que
sejam virtudes que vão a par. Ajudará o leitor a leitura da Suma Teológica, sobretudo II-II.ae, q. 155, a.
1 e a. 3, bem como ad. 1 e ad. 3. Leia-se o seguinte trecho: «A continência é parte potencial da
temperança [versa sobre a mesma matéria] mas radica na vontade, não no apetite concupiscível como a
temperança: a sua missão é resistir aos movimentos da concupiscência, enquanto a temperança modera
o desejo dos prazeres sensíveis».
[375]
AG 17-12-1980, n.º 6.
[376]
AG 28-1-1981, n.os 3-4. Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa,
1999, p. 158. Nessa obra, o futuro Papa distingue «capacidade» e «aptidão»: «Aptidão é mais do que
capacidade. A virtude é uma aptidão “permanente”; se fosse passageira não seria virtude. […] Porque a
virtude é a aptidão para ter sempre em equilíbrio o apetite da concupiscência graças a uma atitude
habitual a respeito do verdadeiro bem definido pela razão».
[377]
AG 11-2-1981, n.º 1.
[378]
AG 4-2-1981, n.º 3.
[379]
Cfr. AG 4-2-1981, n.º 4.
[380]
AG 4-2-1981, n.º 7.
[381]
AG 11-2-1981, n.º 1.
[382]
AG 11-2-1981, n.º 4.
[383]
Sobre as consequências práticas desta elevação, remeto para o primeiro capítulo do meu
livro Maternidade e Vida à Luz do Evangelho, Diel, Lisboa, 1997.
[384]
AG 11-2-1981, n.º 4.
[385]
Cfr. AG 11-2-1981, n.º 3.
[386]
S. Josemaria Escrivá, Caminho, n.º 118.
[387]
Catecismo da Igreja Católica, n.º 1830.
[388]
AG 18-3-1981, n.º 2. Apenas na audiência de 24-10-1984, n.º 1, S. João Paulo II evoca outro
dos dons do Espírito Santo em ligação com a virtude da continência: «Esta “submissão recíproca” [dos
esposos] significa a comum solicitude pela verdade da “linguagem do corpo”; a submissão “no temor
de Cristo”, pelo contrário, indica o dom do temor de Deus (dom do Espírito Santo) que acompanha a
virtude da continência».
[389]
Cfr. AG 14-11-1984, n.º 2.
[390]
AG 18-3-1981, n.º 3.
[391]
Cfr. AG 14-11-1984, n.os 4-5. Explicaremos estes significados num capítulo posterior,
embora o leitor já possa deduzir qual é o sentido de ambos: cada ato conjugal é um convite a expressar
a doação total e o acolhimento mútuo do casal – doação e acolhimento esses que trazem em si a
potencial capacidade de se ser pai ou mãe.
[392]
AG 21-11-1984, n.º 2. Dedicaremos um dos capítulos ao específico problema moral dos
contracetivos. No presente contexto, basta referir como o dom de piedade permite manter para com o
ato conjugal uma atitude de enorme respeito, por se saber que tem uma profunda ligação com um
desígnio divino.
[393]
São sugestivas as palavras de Janet Smith, The Universality of Natural Law and the
Irreducibility of Personalism: «Throughout Love and Responsibility, John Paul II speaks of the need
for those who would engage in the sexual act to be “conscious” of the reality that the sexual act not
only may make babies but also may make parents out of those engaging in it. Those who would engage
in sex with each other should be prepared to be parents with each other; they should have the virtues,
or be growing in the virtues, needed to be good parents. To have sex with a person and not be open to
having a child with that person would be to deny the reality that sexual intercourse leads to lifetime
relationships; it would be to use rather than to love the other». (O itálico é meu.)
[394]
AG 21-11-1984, n.º 3.
[395]
AG 21-11-1984, n.º 3.
[396]
AG 21-11-1984, n.º 5.
[397]
AG 18-3-1981, n.º 4.
[398]
S. Josemaria Escrivá descreve de modo incisivo a ligação entre a castidade (neste caso, pela
negativa) e uma vida de fé estável, sinal de sabedoria: «Seguiu o caminho da impureza com todo o seu
corpo […] e com toda a sua alma. A sua fé foi-se esbatendo […], embora bem saiba que não é
problema de fé» (Sulco, n.º 837).
[399]
AG, 17-12-1980, n.º 2.
[400]
J. Ratzinger, Do Sentido de Ser Cristão, Princípia, Cascais, 2009, p. 25.
[401]
AG 18-3-1981, n.º 3.
[402]
AG 1-4-1981, n.º 5.
[403]
S. Josemaria Escrivá, Cristo que Passa, n.º 40.
[404]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 7.
[405]
Se o leitor não estiver familiarizado com os ensinamentos da Igreja neste terreno, aconselho
a leitura dos números 988 a 1004 do Catecismo da Igreja Católica.
[406]
AG 11-11-1981, n.º 1.
[407]
S. Agostinho, De Civitate Dei, XXII, 17 (citado em Pedro Langa, «Antropología Patrística
en los Relatos de la Creación», in Masculinidad y Feminidad en la Patrística, p. 208).
[408]
S. Agostinho, De Civitate Dei, XXII, 17 (citado em Pedro Langa, «Antropología Patrística
en los Relatos de la Creación», in Masculinidad y Feminidad en la Patrística, p. 228). (Cfr., também,
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, suplemento, q. 81, a. 3.)
[409]
AG 3-2-1982, n.º 4.
[410]
AG 3-2-1982, n.º 4.
[411]
AG 2-12-1981, n.º 6.
[412]
AG 2-12-1981, n.º 6.
[413]
O celibato pelo Reino dos Céus será estudado no capítulo seguinte.
[414]
Cfr. AG 11-11-1981, n.º 1.
[415]
AG 18-11-1981, n.º 3, nota 1.
[416]
Cfr. AG 18-11-1981, n.º 3.
[417]
AG 18-11-1981, n.º 4, nota 1. Cfr., também, a explicação dada por Mary Healy,
Catholic Commentary on Sacred Scripture – The Gospel of Mark, Baker Academic, Washington, 2008:
«Deus não poderia apresentar-se como o Deus de Abraão, Isaac e Jacob se não fosse o seu protetor e
defensor – o que inclui salvá-los da morte no sentido mais profundo da eterna separação d’Ele próprio.
Mais ainda, dado que os seres humanos são corpóreos, a salvação da morte é impossível à margem do
corpo. No pensamento bíblico, o corpo não é apenas um componente da pessoa, é a pessoa na medida
em que está presente no mundo visível. Finalmente, estar vivo é estar vivo como uma pessoa completa,
corpo e alma».
[418]
AG 18-11-1981, n.º 7.
[419]
C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John Paul II’s Theology of
the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, p. 245.
[420]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 150: «Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do
homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade
revelada por Deus». Cfr., também, n.º 143.
[421]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 8.
[422]
K. Wojtyla, «The Teaching of the Encyclical Humanae Vitae on Love, Person &
Community – Selected Essays», in C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John
Paul II’s Theology of the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, p. 414.
[423]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, III.ª, q. 80, a. 2, ad. 1.
[424]
K. Wotyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 243.
[425]
AG 16-12-1981, n.os 2-3. (Escrevi «como consequência da visão de Deus», de acordo com a
versão inglesa, em vez de «depois da visão de Deus», presente na versão portuguesa.)
[426]
AG 2-12-1981, n.º 2.
[427]
São muito interessantes as reflexões de Fulton Sheen a este propósito: se os cônjuges
idolatram o amor conjugal, se pretendem que o outro seja Deus, acabarão por sentir-se defraudados,
pois o outro não pode ser Deus e alguns irão à procura d’Ele noutro companheiro ou companheira. Pelo
contrário, a constatação de que o amor matrimonial não é o cume do Amor, mas pode encaminhar os
cônjuges para o Amor, fará com que tirem a seguinte conclusão: «Ambos queremos um Amor que
nunca morra e não tenha momentos de ódio ou fastio. Esse amor vai além de nós; apoiemo-nos, pois,
no nosso amor conjugal de um pelo outro, para este nos conduzir para o amor perfeito e felicíssimo,
que é Deus» (cfr. Fulton Sheen, Three to Get Married, Scepter, Nova Iorque, 1996 [reimpressão em
2013], p. 38.)
[428]
Cfr. a breve explicação desta passagem em Mary Healy, Catholic Commentary on Sacred
Scripture – The Gospel of Mark, Baker Academic, Washington, 2008, p. 244: «“Quando ressuscitarem
de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento”. Jesus usa a voz ativa e
passiva do verbo “casar”, usada respetivamente para os homens e as mulheres, o que significa que os
ressuscitados continuarão a ser homens e mulheres».
[429]
AG 2-12-1981, n.º 4. Leia-se, ainda, AG 2-12-1981, n.º 3, e AG 13-1-1982, n.º 3: «Cristo
diz: “Não tomarão mulher nem marido”, mas não afirma que este homem do “mundo futuro” não será
varão e mulher como o foi desde “o princípio”».
[430]
AG 13-1-1982, n.º 4.
[431]
AG 2-12-1981, n.º 5.
[432]
AG 9-12-1981, n.º 1.
[433]
AG 9-12-1981, n.º 2.
[434]
Cfr. AG 9-12-1981, n.º 2.
[435]
AG 9-12-1981, n.º 2.
[436]
S. Leão Magno, Sermão Sobre as Bem-Aventuranças, sermão n.º 95, «Ofício de Leituras do
Sábado da 22.ª Semana do Tempo Comum».
[437]
Catecismo da Igreja Católica, n.º 1770.
[438]
Cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, suplemento, q. 92, a 2.
[439]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II.ae, q. 4, a. 6: «Por isso diz S. Agostinho na Carta
ad Dioscorum: “Deus fez a alma de uma natureza tão potente que da sua plena bem-aventurança
redundará o vigor da imortalidade [que é um dos sinais da espiritualização] para a natureza inferior”».
Cfr., também, AG 9-12-1981, n.º 3: «Os “filhos da ressurreição” – como lemos em Lucas 20, 36 – não
apenas “são semelhantes aos Anjos”, mas também “são filhos de Deus”. Pode-se tirar daí a conclusão
de que o grau de espiritualização, próprio do homem “escatológico” terá a sua fonte no grau da sua
“divinização”, incomparavelmente superior àquela que se pode conseguir na vida terrena. É necessário
acrescentar que se trata não só de um grau diferente, mas em certo sentido de outro género de
“divinização”».
[440]
Cfr., por exemplo, o que, com simplicidade, afirma S. Josemaria Escrivá a este propósito
numa das suas homilias: «A fé diz-nos que o homem, em estado de graça, está endeusado. Somos
homens e mulheres; não anjos. Seres de carne e osso, com coração e paixões, com tristezas e alegrias;
mas a divinização envolve o homem todo, como antecipação da ressurreição gloriosa» («Cristo Vive no
Cristão», in Cristo que Passa, n.º 103).
[441]
AG 9-12-1981, n.º 3.
[442]
Clarividentes a este respeito são as palavras de Bento XVI (na carta encíclica Deus Caritas
est, n.º 10), que não se referem explicitamente ao estado escatológico, mas sim à desejada relação do
homem com Deus: «Na verdade, existe uma unificação do homem com Deus – o sonho originário do
homem –, mas esta unificação não é um confundir-se, um afundar-se no oceano anónimo do Divino; é
unidade que cria amor, na qual ambos – Deus e o homem – permanecem eles mesmos, embora
tornando-se plenamente uma só coisa: “Aquele, porém, que se une ao Senhor constitui, com Ele, um só
espírito” – diz São Paulo (1 Cor 6, 17)».
[443]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 2158: «Deus chama a cada um pelo seu nome».
[444]
Cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, suplemento, q. 92, a. 2.
[445]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, suplemento, q. 92, a. 2. Nas respostas às objeções,
escreve ainda, em ad. 2, que não é que vejamos «Deus com os olhos da carne, mas sim que veremos
Deus vivendo na carne».
[446]
AG 16-12-1981, n.º 3. Cfr. Mary Healy, Os Homens e as Mulheres são do Éden, Encontro
da Escrita, Lisboa, 2013, p. 87: «Os nossos corpos tornar-se-ão expressão de uma união esponsal com o
próprio Deus que transcenderá infinitamente a união terrena numa só carne entre marido e mulher».
[447]
AG 16-12-1981, n.º 4.
[448]
Cfr. AG 16-12-1981, n.º 4.
[449]
S. Tomás de Aquino, Collationes Super Credo in Deum – Opuscula Theologica, vol. 2.
(Tradução da Liturgia das Horas, «Ofício de Leitura do Sábado da 33.ª Semana do Tempo Comum».)
[450]
AG 24-3-1982, n.º 1
[451]
AG 13-1-1982, n.º 4. Ajudam a entender o pensamento de S. João Paulo II umas palavras
suas de Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 22: «Não é a sexualidade que
desperta na mulher e no homem a necessidade de dar-se ao outro; pelo contrário, esta necessidade, que
existe em cada pessoa, encontra a sua solução na união física e à base da tendência sexual. Mas a
necessidade mesma do amor nupcial, a de dar-se a outra pessoa e unir-se a ela, é mais profunda e está
ligada ao ser espiritual do homem. A união com um ser humano não o satisfaz totalmente. O
matrimónio, visto sob o aspeto da vida eterna da pessoa, é só uma tentativa de solução ao problema da
união das pessoas, por meio do amor. É necessário reconhecer que é a solução escolhida pela maior
parte das pessoas». (O sublinhado é meu.)
[452]
AG 13-1-1982, n.º 6.
[453]
AG 13-1-1982, n.º 6.
[454]
Cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, III.ª, q. 54, a. 4. Na realidade, várias das razões
dadas por S. Tomás não se relacionam estritamente com a situação no mundo glorioso: as chagas que
Cristo conservou no seu Corpo beneficiam sobretudo a Igreja militante. No entanto, a primeira das
razões é a exceção, pois é válida no mundo escatológico: «Para levar sempre as honras do triunfo da
sua vitória».
[455]
Lemos um belo exemplo de tudo isto na audiência de Bento XVI de 1-2-2012: «Jesus
prostrou-se com a face por terra: é uma posição da oração que exprime a obediência à vontade do Pai, o
abandonar-se com plena confiança nele. É um gesto que se repete no início da Celebração da Paixão, na
Sexta-Feira Santa, assim como na profissão monástica e nas Ordenações diaconal, presbiteral e
episcopal, para expressar na oração, inclusive corporalmente, o confiar-se completo a Deus, o confiar
nele». Cfr., também, AG 27-6-2012: «A genuflexão diante do Santíssimo Sacramento, ou o pôr-se de
joelhos na oração exprimem precisamente a atitude de adoração perante Deus, também com o corpo.
Daqui a importância de realizar este gesto não por hábito e à pressa, mas com consciência profunda.
Quando nos ajoelhamos diante do Senhor, professamos a nossa fé nele, reconhecemos que Ele é o
único Senhor da nossa vida».
[456]
S. Agostinho, Tratado Sobre o Evangelho de S. João, 123, 5 (versão da Liturgia das Horas,
«Ofício de Leitura do Dia 6 de Dezembro: Dia de S. Nicolau»).
[457]
S. Josemaria Escrivá, «Amar o Mundo Apaixonadamente», in Temas Atuais do
Cristianismo, 2.ª ed., Aster, Lisboa, 1973, n.º 115.
[458]
Santo Agostinho, A Santa Virgindade, 10. Em abono da verdade, diga-se que nem tudo o
que S. Agostinho afirma sobre a virgindade cristã coincide na perfeição com o que o Magistério da
Igreja ensina. Por exemplo, ib. 9, 9: «Então, quem tiver capacidade para compreender a santa
virgindade que a compreenda (cfr. Mt 19, 12), e somente se case quem não puder guardar a continência
(cfr. 1 Cor 7, 9)». Nesta perspetiva, o matrimónio é sempre uma segunda opção: só serve para quem
não consegue viver a continência. De facto, não é assim que a Igreja explica a opção pela virgindade,
nem a vocação matrimonial. Neste meu livro, no entanto, interessa-me encontrar os pontos de
coincidência com a teologia do corpo de S. João Paulo II.
[459]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II.ae, q. 152, a. 1. (O itálico é meu.) Nas respostas
às objeções deste artigo também fica claro que o essencial da virgindade é a decisão de se abster, pelo
que em caso de violação, por exemplo, a virgindade mantém-se.
No final do n.º 16 da exortação apostólica Familiaris Consortio, onde se explica o valor da
virgindade pelo Reino, S. João Paulo II afirma: «Estas reflexões sobre a virgindade podem iluminar e
ajudar os que, por motivos independentes da sua vontade, não se puderam casar e depois aceitaram a
sua situação em espírito de serviço». É necessário acrescentar que houve quem defendesse que as
palavras de Jesus sobre o terceiro tipo de eunucos se refeririam justamente a quem teria de viver o
celibato pelo facto de o casamento ter corrido mal. A este propósito, leia-se por exemplo, A. Miralles,
El Matrimonio, Palabra, Madrid, 1996, p. 201: «Que se possam incluir, nesta terceira classe de eunucos
pelo Reino dos Céus, os maridos que se separaram de forma justa das suas esposas adúlteras e que se
encontram moralmente obrigados a viver o celibato, pode ser defendido com razão; mas manter que as
palavras do Senhor se referem apenas a eles é uma restrição forçada, contrária à exegese tradicional
deste texto». Pode encontrar-se outro exemplo desta tese em Stromata, II, c. 6, onde Clemente de
Alexandria aplica as palavras de Cristo àqueles que se tinham separado de uma mulher porque esta
tinha tido um comportamento adúltero, mas não podiam voltar a casar-se. Seria interessante estudar a
fundo por que razão não foi esta a interpretação habitual da Tradição. Suponho que, além dessa
situação se assemelhar mais aos casos anteriores dos eunucos por situações forçadas, o exemplo da
opção de Cristo pelo celibato pode ter sido decisivo para se entender aquilo a que Ele realmente queria
referir-se.
De qualquer maneira, será consolador para muitos ler as seguintes palavras de um reputado
moralista que, a meu ver, acentua de modo conveniente o valor da castidade bem vivida por quem é
solteiro por amor a Nosso Senhor: «Since those who are neither married nor committed to complete
continence for the kingdom’s sake usually can and should look forward to making one commitment or
the other, their vocation now is to prepare to fulfill whichever they may eventually make. This requires
not only maintaining their bodies’ capacity for self-giving by not abusing them sexually but employing
that capacity, somewhat as faithful priests and religious do, in unselfish interpersonal relationships. In
doing this, they should not suppose their effort to be chaste will bear fruit only in the future, in relation
to those with whom they will enter into more specific communion later; for it has present benefits for
those with whom they live now in the general communion of Christian life. Moreover, their unselfish
relationships and sexual self-control already manifest the value of the kingdom for which they hope and
the power of the Spirit by whom they walk. Of course, that is true of every aspect of a faithful
Christian’s life, but it is especially true of this one. Not every Catholic adolescent, for instance, has
occasion to bear witness as St. Maria Goretti did, yet the example of unembarrassed chastity given by a
cheerful and outgoing Catholic boy or girl is a powerful proclamation of the gospel in the contemporary
world and a great encouragement to other Christians, not least those already committed to marriage or
complete continence for the kingdom’s sake» (G. Grisez, The Way of The Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9,
E, 8, f). O facto de haver pessoas que optaram livremente pelo celibato pode e deve ser um consolo e
uma fonte de inspiração para os que, pelas razões que forem, devem viver uma vida celibatária. Se só
existisse como opção de vida válida o matrimónio, quem não se casasse poderia sentir-se frustrado ou
fracassado. Mas a vida dos que optaram pelo celibato ajuda a compreender que esse tipo de vida pode
ter um alto valor se a viverem com alegria e por amor ao Senhor. Seria necessário, por isso, explorar
este novo motivo para o celibato pelo Reino: a solidariedade espiritual com todos os que, por uma razão
ou outra, devem viver assim.
[460]
«Eunuco», do grego eunochos, significa «guardião da cama». De facto, eune significa
«cama». A origem grega do nome tem que ver com a função que os homens castrados exerciam em
certas culturas (por exemplo, na Mesopotâmia). Leia-se, a este propósito, John L. McKenzie, sj,
Dictionary of the Bible, The Bruce Publishing Company Milwaukee, Chicago, 1965, p. 252: «A razão
da escolha de eunucos para criados e administradores do palácio, em particular do harém, é evidente».
[461]
AG 10-3-1982, n.º 3.
[462]
Lucas Mateo-Seco, «Masculinidad y Feminidad en los Padres Griegos», in Masculinidad y
Feminidad en la Patrística, p. 114.
[463]
Santo Agostinho, A Santa Virgindade, 19, 19.
[464]
Cfr. AG 21-4-1982, n.º 5, e também Santo Agostinho, A Santa Virgindade, 19, 19.
S. Agostinho desfaz a interpretação de que a virgindade seria útil neste mundo por poupar esforços a
quem por ela opta, ao contrário dos trabalhos que o casamento traz consigo.
[465]
AG 21-4-1982, n.º 5.
[466]
AG 5-5-1982, n.º 5.
[467]
AG 5-5-1982, n.º 6.
[468]
Cfr. AG 31-3-1982, n.º 2: «Cristo, na sua resposta, indicou indiretamente que o matrimónio,
fiel à instituição original do Criador (recordemos que o Mestre, exatamente neste ponto, se referia ao
“princípio”), possui uma plena congruência e valor pelo Reino dos Céus, valor que é fundamental,
universal e ordinário. Por seu lado, a continência possui, para este Reino, um valor particular e
“excecional”. Trata-se obviamente da continência escolhida conscientemente por motivos
sobrenaturais».
[469]
Coloco as aspas em «voluntária» porque, embora a pessoa queira de facto viver o celibato,
fá-lo convicta de que se trata de uma resposta à iniciativa de Deus, que lhe quis dar esse dom.
[470]
Cfr. AG 7-4-1982, n.º 1: «Aquele que, em conformidade com as palavras de Cristo,
“compreende” de modo adequado o convite à continência pelo Reino dos Céus, segue-o e conserva
assim a verdade integral da própria humanidade, sem perder, com o passar do tempo, nenhum dos
elementos essenciais da vocação da pessoa criada “à imagem e semelhança de Deus”».
[471]
Congregação para a Educação Católica, Instrução sobre os Critérios de Discernimento
Vocacional acerca das Pessoas com Tendências Homossexuais e da Admissão ao Seminário e às
Ordens Sacras, 4-11-2005.
[472]
AG 17-3-1982, n.º 4.
[473]
AG 17-3-1982, n.º 3.
[474]
AG 24-7-1996, n.º 3.
[475]
AG 24-7-1996, n.º 3.
[476]
AG 24-7-1996, n.º 3.
[477]
Cfr. AG 17-3-1982, n.º 4
[478]
Cfr. AG 24-3-1982, n.º 4.
[479]
Santo Agostinho, Dos Bens do Matrimónio, 22, 27.
[480]
AG 7-4-1982, n.º 3.
[481]
Cfr. 17-3-1982, n.º 5 e AG 5-5-1982, n.º 2. Nesta última audiência, podemos ler: «As
palavras de Cristo aludem indubitavelmente a uma renúncia consciente e voluntária ao matrimónio.
Essa renúncia só é possível quando existe uma autêntica consciência daquele valor que é constituído
pela disposição esponsal da masculinidade e feminilidade para o matrimónio. Para que o homem possa
estar plenamente consciente daquilo que escolhe (a continência por amor do Reino), deve também estar
plenamente consciente daquilo a que renuncia (trata-se aqui precisamente da consciência do valor em
sentido “ideal”; porém esta consciência é totalmente “realista”). Cristo exige certamente, deste modo,
uma escolha madura».
[482]
A ligação entre o celibato e o mundo futuro não a encontramos no diálogo de Jesus com os
fariseus, mas deduzimo-la daquele que manteve com os saduceus, tal como explica S. João Paulo II.
Cfr. AG 10-3-1982, n.º 5: «Com base no contexto imediato das palavras sobre a continência pelo Reino
dos Céus na vida terrena do homem, é necessário ver, na vocação para essa continência, um tipo de
exceção ao que é preferencialmente uma regra geral desta vida. Cristo põe sobretudo em relevo esta
excecionalidade. Que essa exceção encerre, pois, em si a antecipação da vida escatológica privada de
matrimónio e própria do “outro mundo” (isto é, do estádio final do “Reino dos Céus”), Cristo não o diz
aqui diretamente. Trata-se, na verdade, não de continência no Reino dos Céus, mas de continência
“pelo Reino dos Céus”. A ideia da virgindade ou do celibato como antecipação e sinal escatológico
deriva da associação das palavras aqui pronunciadas com as que Jesus proferirá noutra ocasião, no
diálogo com os saduceus, quando proclamar a futura ressurreição dos corpos».
[483]
AG 24-3-1982, n.º 1.
[484]
P. Grelot, La Coppia Umana Nella Sacra Scrittura, Vita e Pensiero, 3.ª ed., Milão, 1987, p.
87.
[485]
AG 24-3-1982, n.º 3.
[486]
Não é só o celibato pelo Reino que é sinal do Reino definitivo. Outras realidades da Nova
Aliança anunciam aspetos diversos desse Reino. Pense-se, por exemplo, na Eucaristia, que é penhor da
eterna glória. Ou, de modo mais abrangente, S. Tomás (na Suma Teológica, I.ª, q. 1, a. 10) afirma o
seguinte, a propósito dos diferentes sentidos da Sagrada Escritura: «Tal como diz o Apóstolo na Carta
aos Hebreus 7, 19, a Antiga Lei é figura da Nova; e a Nova Lei é figura da futura glória».
[487]
AG 31-3-1982, n.º 3.
[488]
Cfr. AG 31-3-1982, n.º 4.
[489]
Cfr. AG 31-3-1982, n.º 4.
[490]
AG 31-3-1982, n.º 3.
[491]
Cfr. AG 21-4-1982, n.º 5.
[492]
J. Ratzinger, O Caminho Pascal, Lucerna, Lisboa, 2006, p. 160. Cfr., também, Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana, 22-12-2006: «As razões apenas pragmáticas, a referência à maior
disponibilidade, não são suficientes: esta maior disponibilidade de tempo poderia facilmente tornar-
se também uma forma de egoísmo, que se poupa aos sacrifícios e às fadigas exigidas pelo aceitar-se,
pelo suportar-se reciprocamente no matrimónio; poderia assim levar a um empobrecimento espiritual
ou a uma dureza de coração. O verdadeiro fundamento do celibato pode estar contido apenas na frase
“Dominus pars” (“Tu és a minha terra?”). Pode ser apenas teocêntrico.
Não pode significar permanecer privados de amor, mas deve significar deixar-se arrebatar pela
paixão por Deus, e aprender depois, graças a um estar com Ele mais íntimo, a servir também os
homens».
[493]
Cfr. AG 28-4-1982, n.º 6: «Como recordamos das análises anteriores, realizadas com base
no livro do Génesis (cfr. Gen 2, 23-25), essa relação recíproca da masculinidade e feminilidade,
aquele recíproco “para” do homem e da mulher, só pode ser compreendido de modo apropriado e
adequado no processo dinâmico do sujeito pessoal. As palavras de Cristo em Mateus (19, 11-12)
mostram consequentemente que este “para”, presente “desde o princípio” na base do matrimónio,
pode também estar na base da continência “pelo” Reino dos Céus! Com base na mesma disposição
do sujeito pessoal, graças à qual o homem se redescobre plenamente através do dom sincero de si
(cfr. Gaudium et Spes, n.º 24), o homem (varão ou mulher) é capaz de escolher a doação pessoal de si
próprio, feita a outra pessoa no pacto conjugal em que se tornam “uma só carne”, e é também capaz
de renunciar livremente a essa doação de si a outra pessoa, para que, optando pela continência “pelo
Reino dos Céus”, possa doar-se a si mesmo totalmente a Cristo. Com base na mesma disposição do
sujeito pessoal, e com base no mesmo significado esponsal do ser enquanto corpo, varão ou mulher,
pode plasmar-se o amor que compromete o homem no matrimónio para toda a sua vida (cfr. Mt 19, 3-
10), tal como pode também plasmar-se o amor que empenha o homem por toda a vida na continência
“pelo Reino dos Céus” (cfr. Mt 19, 11-12)».
[494]
AG 21-4-1982, n.º 9. Cfr., também, S. João Paulo II, carta apostólica Novo Millenio
Ineunte, n.º 33.
Em E. Burkhart e J. Lopes, Vida Cotidiana y Santidad en la Enseñanza de San Josemaría, vol. 2,
Rialp, Madrid, 2011, pp. 495-506, encontramos um interessante apêndice sobre «O Amor Filial e o
Amor Esponsal». Resumindo, os autores explicam como, ao longo da espiritualidade cristã, se usou a
comparação ou metáfora do amor esponsal sob três perspetivas: 1) a de qualquer batizado, casado ou
não, na medida em que se trata de uma aliança com Deus que «reclama a indissolubilidade e se ordena
à fecundidade, à transmissão da vida sobrenatural»; 2) a da opção de vida dos consagrados; e 3) uma
última ligada ao sacerdócio, embora neste caso se apoie no sacramento da Ordem que, de certa maneira,
faz do sacerdote esposo da Igreja – pois faz as vezes do Esposo. Interessa-nos agora a segunda
perspetiva, que é a mais vinculada ao celibato. Os autores defendem que a imagem esponsal foi
aplicada desde o início aos consagrados e está vinculada a um certo afastamento do mundo. Assim
sendo, a imagem esponsal poderia não ser a mais apropriada para um leigo que tivesse optado pelo
celibato. O tema é muito interessante e merece, a meu ver, mais investigação teológica. Desejo apenas
sublinhar que S. João Paulo II, nas catequeses de teologia do corpo, aplica a imagem da união esponsal
a quem optou pelo celibato pelo Reino, sem fazer qualquer distinção entre consagrados ou não.
Embora seja verdade, como referem os autores
(p. 503, cit. 771), que S. João Paulo II afirma, na Mulieris Dignitatem, n.º 25, o caráter do amor
esponsal de Deus por cada batizado (primeira perspetiva), não é menos certo que, no mesmo
documento, reafirmara antes a segunda perspetiva da metáfora esponsal, aplicando-a a quem escolhe o
celibato pelo Reino. Por exemplo, no n.º 20, podemos ler: «Portanto, o celibato por amor do Reino dos
Céus é fruto não só de uma escolha livre da parte do homem, mas também de uma graça especial da
parte de Deus, que chama determinada pessoa para viver o celibato. Se este é um sinal especial do
Reino de Deus que deve vir, ao mesmo tempo serve também para dedicar de modo exclusivo todas as
energias da alma e do corpo, durante a vida temporal, ao Reino escatológico». Mais adiante, aplicando
a tese à mulher célibe, acrescenta: «Na virgindade livremente escolhida, a mulher confirma-se como
pessoa, isto é, como criatura que o Criador desde o início quis por si mesma, e, ao mesmo tempo,
realiza o valor pessoal da própria feminilidade, tornando-se “um dom sincero” para Deus que se
revelou em Cristo, um dom para Cristo Redentor do homem e Esposo das almas, um dom “esponsal”.
Não se pode compreender corretamente a virgindade, a consagração da mulher na virgindade, sem
recorrer ao amor esponsal: é, de facto, num amor como esse que a pessoa se torna um dom para o
outro. De resto, de modo análogo deve ser entendida a consagração do homem no celibato sacerdotal
ou no estado religioso». Insisto que, embora neste último parágrafo se possa afirmar que S. João Paulo
II apenas se refere à consagração religiosa (portanto, à segunda perspetiva da metáfora esponsal), penso
que traduz o seu entender do que é o celibato pelo Reino em geral – o que o leva a concluir o número
do documento com a distinção de quem fica solteiro: «Isso não pode ser comparado ao simples
permanecer solteiros ou celibatários, porque a virgindade não se restringe ao simples “não”, mas
contém um profundo “sim” na ordem esponsal: o doar-se por amor de modo total e indiviso». Em
qualquer caso, nas catequeses, S. João Paulo II fala do celibato pelo Reino sem o vincular
necessariamente à consagração religiosa.
Gostaria de acrescentar algo mais sobre o tema em si. No que se refere à primeira perspetiva da
metáfora esponsal, os autores insistem que o mais próprio da condição do batizado é ser filho, até
porque aqui não se trata de uma mera metáfora mas de uma analogia, porque somos incorporados a
Cristo, que é o Filho natural de Deus. Os autores sugerem que a metáfora esponsal neste campo
ajudaria a acentuar o caráter de filiação adotiva, em contraste com a filiação natural do Verbo
encarnado. Pessoalmente, concordo que a nossa filiação a Deus é o que melhor caracteriza a nossa
condição de batizados: é essa, por exemplo, a mensagem de Cristo ressuscitado a Maria Madalena
(«Mas vai a meus irmãos e diz-lhes que subo para meu Pai e vosso Pai» [Jo 20, 17]) e essa é também a
imagem que Cristo dá de Deus na parábola do Filho Pródigo: mesmo as palavras finais que o Pai dirige
ao filho mais velho – «Tudo o que é meu é teu» – que, fora de contexto, poderiam ter uma conotação
esponsal, são ditas na perspetiva da paternidade. Isto é, se entendêssemos bem o significado da filiação
a Deus, talvez pudessem sobrar outras comparações. No entanto, na minha opinião, o recurso à
metáfora esponsal acentua em nós um elemento que, não deixando de poder estar presente na filiação,
dada a nossa situação neste mundo, é mais visível no amor esponsal, a saber: a doação. Não somos
filhos que «apenas» recebem do Pai, mas somos filhos que devem «dar» e dar-se ao Pai. A imagem da
esponsalidade contribui para que entendamos melhor a necessidade de corresponder com um amor que
se apoia em todos os nossos recursos. Além disso, a meu ver, o caráter esponsal sublinha a relação
pessoal que Deus quer manter com cada um. Esse mesmo entendimento da metáfora esponsal pode ser
aplicado ao caso do celibato pelo Reino, no qual a pessoa recebe uma graça que lhe permite dar-se a
Deus com uma tónica de exclusividade, que inclui também a doação do corpo, e um caráter livremente
definitivo – que, na analogia filial, pelo menos subjetivamente falando, podem não estar tão marcados.
Ao mesmo tempo, como se pode ler na Mulieris Dignitatem, n.º 21, também é sugestivo o caráter da
maternidade espiritual que fica vincada no celibato pelo Reino.
Outro assunto interessante seria verificar em que medida a imagem esponsal é aplicada
indiferentemente a homens e mulheres célibes, pois aparece muito mais ligada a mulheres. S. João
Paulo II também não se refere a este assunto nas catequeses.
[495]
AG 21-4-1982, n.º 3.
[496]
Cfr. AG 14-4-1982, n.º 2: «O matrimónio e a continência nem se contrapõem um ao outro,
nem dividem de per si a comunidade humana (e cristã) em dois campos (digamos, dos “perfeitos”, em
virtude da continência, e dos “imperfeitos”, ou menos perfeitos, devido à realidade da vida conjugal).
Mas estas duas situações fundamentais, ou, como se costuma dizer, estes dois “estados”, explicam-se
ou completam-se reciprocamente, em certo sentido, quanto à existência e à vida [cristã] dessa
comunidade».
[497]
AG 14-4-1982, n.º 4.
[498]
Cfr. AG 28-4-1982, n.os 3-4.
[499]
Cfr. AG 14-4-1982, n.º 5.
[500]
Cfr. AG 14-4-1982, n.º 5.
[501]
Cfr. AG 28-4-1982, n.os 3-4.
[502]
Cfr. AG 28-4-1982, n.os 3-5.
[503]
Cfr. AG 7-4-1982, n.º 6. «A “superioridade” da continência sobre o matrimónio não
significa nunca, na autêntica Tradição da Igreja, uma depreciação do matrimónio ou uma diminuição
do seu valor essencial. Nem significa tão-pouco um desvio, nem sequer implícito, para as posições
maniqueístas, ou um apoio a formas de avaliar e agir que se fundam na compreensão maniqueísta do
corpo e do sexo, do matrimónio e da geração. A evangélica e autenticamente cristã superioridade da
virgindade, da continência é, portanto, ditada por motivo do Reino dos Céus. Nas palavras de Cristo
referidas por Mateus (19, 11-12), encontramos uma base sólida para admitir apenas esta superioridade».
Cfr., também, K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 244-5: «Muito
menos se deve crer, embora muita gente assim pense, que o mero predomínio dos valores espirituais
sobre os valores físicos é que determina o verdadeiro valor da virgindade. Segundo esta conceção, a
vida conjugal equivaleria à prevalência, se não à escolha exclusiva, dos valores físicos no matrimónio,
enquanto a virgindade seria a preferência da superioridade do espírito sobre o corpo e sobre a matéria.
É fácil confundir assim um elemento de verdade com a oposição maniqueísta entre o espírito e a
matéria. O matrimónio não é de modo nenhum só uma “questão de corpo”. Para alcançar o seu pleno
valor é necessário basear-se, como a virgindade ou o celibato, numa eficaz mobilização das energias
espirituais do homem. […] o critério da superioridade do espírito sobre o corpo não permite apreciar o
valor da virgindade. O valor, antes a superioridade da virgindade sobre o matrimónio, salientada na
Epístola aos Coríntios (1 Cor 7) e sempre defendida na doutrina da Igreja, provém da função
particularmente importante por ela desempenhada na realização do Reino dos Céus na terra. Os homens
vão-se tornando pouco a pouco dignos da união eterna com Deus, graças à qual o desenvolvimento
objetivo do homem atinge o seu ponto culminante. A virgindade enquanto dom de si, que a pessoa
humana faz por amor de Deus, adianta-se a esta união e indica o caminho a seguir. Cfr., ainda, S. João
Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 22.
[504]
Cfr. AG 14-4-1982, n.º 1: «Ele propõe aos seus discípulos o ideal da continência e o apelo a
esta, não por motivo de inferioridade ou em prejuízo da “união” conjugal “no corpo”, mas só “pelo
Reino dos Céus”».
[505]
Cfr. AG 7-4-1982, n.º 5.
[506]
Cfr. AG 21-4-1982, n.º 3: «Assim, portanto, na continência pelo Reino de Deus coloca-se
em evidência, como já mencionámos, a renúncia a si mesmo, o tomar a própria cruz, dia após dia, e
seguir Cristo (cfr. Lc. 9, 23), que pode chegar até ao ponto de renunciar ao matrimónio e a uma família
própria. Tudo isto deriva da convicção de que, deste modo, é possível contribuir em maior medida para
a realização do Reino de Deus, na sua dimensão terrena, com a perspetiva da realização escatológica».
(O sublinhado é meu.)
[507]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos livros, Lisboa, 1999, pp. 244. (O sublinhado
é meu.)
[508]
Cfr. AG 30-6-1982, n.os 8 e 9.
[509]
AG 30-6-1982, n.º 10.
[510]
AG 7-7-1982, n.º 1. Na versão inglesa, a palavra traduzida por «fundamento» é background;
em espanhol, é trasfondo. Talvez fosse mais exato usar a expressão «pano de fundo».
[511]
Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 22-12-2006.
[512]
AG 7-7-1982, n.º 2.
[513]
Cfr. AG 7-7-1982, n.º 5.
[514]
AG 14-7-1982, n.º 2.
[515]
AG 30-6-1982, n.º 3.
[516]
S. Josemaria Escrivá, Caminho, n.º 27.
[517]
S. João Paulo II refere a «esperança de cada dia» como a «esperança na vitória sobre o
pecado» (cfr. AG 21-7-1982, n.º 6 e a citação correspondente à nota seguinte).
[518]
AG 21-7-1982, n.º 7
[519]
Cfr. AG 5-5-1982, n.º 5.
[520]
AG 28-7-1982, n.º 6.
[521]
Cfr. AG 11-8-1982, n.º 3.
[522]
Cfr. AG 11-8-1982, n.º 4.
[523]
AG 1-9-1982, n.º 6.
[524]
AG 18-8-1982, n.º 2.
[525]
Cfr. AG 18-8-1982, n.º 1 e AG 13-10-1982, n.º 5. Há diversas intervenções que esclarecem
bem o pensamento de S. João Paulo II sobre o termo «realização». Vejam-se, por exemplo: AG 29-9-
1982, n.º 1; AG 13-10-1982, n.os 1-3; e AG 15-12-1982, n.º 8.
[526]
Convém recordar que já Pio XI, na encíclica Casti Connubii, n.º 83, sublinhou o aspeto
sagrado do matrimónio natural: «Principalmente, quem queira investigar os antigos monumentos da
história, interrogar a imutável consciência dos povos e consultar as instituições e os costumes de todas
as gentes pode deduzir claramente, ainda que só à luz da razão, ser inerente ao próprio matrimónio
natural qualquer coisa de sagrado e religioso, “não sobrevinda mas congénita, não recebida dos homens
mas fazendo parte da natureza”, visto o matrimónio ter “Deus por autor e ter sido desde o princípio tal
ou qual imagem da Encarnação do Verbo de Deus” (Leão XIII, carta encíclica Arcanum, 10-2-1880)».
[527]
AG 6-10-1982, n.º 7.
[528]
AG 6-10-1982, n.º 6.
[529]
AG 20-10-1982, n.º 2.
[530]
Cfr. Mary Healy, Os Homens e as Mulheres são do Éden, Encontro da Escrita, Lisboa,
2013, p. 100.
[531]
Cfr. C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John Paul II’s Theology
of the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, p. 362.
[532]
AG 13-10-1982, n.º 1.
[533]
AG 13-10-1982, n.º 5. S. João Paulo II faz notar que vai usar o termo «sacramento» num
sentido mais amplo do que aquele habitualmente usado em teologia. Explica-o numa longa nota de pé
de página, publicada na AG 8-9-1982 e que conclui assim: «O sacramento é aqui entendido – em
conformidade com o seu significado originário – como realização do eterno plano divino relativo à
salvação da humanidade». No texto das catequeses, na AG de 20-10-1982, n.º 8, encontram-se também
palavras bem esclarecedoras: «Em relação a este significado tão circunscrito [o habitual e que se aplica
aos sete sacramentos], servimo-nos nas nossas considerações de um significado mais amplo e mais
fundamental do termo “sacramento”. A Carta aos Efésios, e particularmente Ef 5, 22-33, parece
autorizar-nos de modo particular a isto. Sacramento significa aqui o próprio mistério de Deus, que está
escondido desde a eternidade, todavia não na sua ocultação eterna, mas, primeiramente, na sua própria
revelação e realização (também: na revelação mediante realização). Neste sentido se falou também do
sacramento da criação e do sacramento da Redenção». (A versão portuguesa, em vez de «realização»,
usa «atuação», palavra que, a meu ver, é menos compreensível.)
[534]
Cfr. AG 18-8-1982, n.º 3: «Na essência do matrimónio encerra-se uma parcela do mistério.
De outro modo toda esta analogia ficaria suspensa no vácuo». Como veremos, os esposos cristãos
participam, através do sacramento do matrimónio, do amor de Cristo pela Igreja. Este amor não é
apenas um modelo externo a imitar. Cada cônjuge cristão, se permanecer em graça, ama o outro
também com o amor de Cristo.
[535]
AG 8-9-1982, n.os 1 e 3.
[536]
Cfr. AG 13-10-1982, n.º 3.
[537]
Cfr. AG 25-8-1982, n.º 4.
[538]
AG 1-9-1982, n.º 5. É claro que os esposos não se transformam ontologicamente num único
ser quando têm relações. Mas a verdade é que o vínculo matrimonial, que une perpetuamente os
esposos, tem caráter ontológico e não meramente moral. Eles quiseram unir-se (consentimento), mas o
resultado desse querer é o vínculo que, no matrimónio cristão, os une entre eles e, de um modo
singular, os une ao amor de Cristo pela Igreja. A realidade dessa união já não depende das suas
vontades, ainda que possa ser bem ou mal vivida. Suponho que, com as palavras sobre a unidade de
tipo moral e não ontológico, S. João Paulo II quer realçar sobretudo que os esposos não perdem a sua
identidade e que a sua união física não anula essa identidade. No entanto, insisto, a união entre os
esposos vai além do mero querer deles. Cfr. Carlo Caffarra, «Ontologia Sacramentale e Indissolubilità
del Matrimonio», in Permanere nella Verità di Cristo, Cantagalli, Siena, 2014, pp. 155-167.
[539]
AG 18-8-1982, n.os 2-3.
[540]
AG 15-12-1982, n.º 4.
[541]
Cfr., por exemplo, a sua primeira carta encíclica (Redemptor Hominis), sobretudo o capítulo
2.
[542]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 13. (Os sublinhados são
meus.)
[543]
Cfr. AG 15-12-1982, n.º 6.
[544]
AG 15-12-1982, n.º 8. Releia-se o que dissemos sobre este tema no final do capítulo 3,
nomeadamente na última citação do mesmo.
[545]
AG 15-12-1982, n.º 8.
[546]
Cfr. S. João Paulo II, carta apostólica Salvifici Doloris, n.º 19: «Todo o homem tem uma sua
participação na Redenção. E cada um dos homens é também chamado a participar naquele sofrimento,
por meio do qual se realizou a Redenção; é chamado a participar naquele sofrimento, por meio do qual
foi redimido também todo o sofrimento humano. Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo
elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de Redenção. Por isso, todos os homens, com o
seu sofrimento, se podem tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo».
É preciso acrescentar que, na última das catequeses (AG 28-11-1984, n.º 2), S. João Paulo II
reconhece que o conceito de teologia do corpo não abrange apenas os temas tocados nelas – a redenção
do corpo e a sacramentalidade do matrimónio –, mas também outros aspetos, tais como o problema do
sofrimento e da morte, que são tão decisivos na mensagem bíblica. Em relação à possibilidade de
iluminar a morte, leia-se o Catecismo da Igreja Católica, n.º 1011:
«É por isso que o cristão pode experimentar, em relação à morte, um desejo semelhante ao de
S. Paulo: “Desejaria partir e estar com Cristo” (Fl 1, 23). E pode transformar a sua própria morte num
ato de obediência e amor para com o Pai, a exemplo de Cristo (cfr. Lc 23, 46)».
[547]
AG 24-11-1982, n.º 2.
[548]
Cfr. AG 24-11-1982, n.º 4: «Se o matrimónio como sacramento é sinal eficaz da ação sal-
vífica de Deus “desde o princípio”, ao mesmo tempo […] este sacramento constitui também uma
exortação dirigida ao homem, varão e mulher, a participar conscienciosamente na redenção do
corpo».
[549]
Cfr. AG 24-11-1982, n.º 3.
[550]
AG 24-11-1982, n.º 6.
[551]
AG 1-12-1982, n.º 1.
[552]
AG 1-12-1982, n.º 7. (O sublinhado é meu.)
[553]
AG 1-12-1982, n.º 10.
[554]
Papa Francisco, AG 29-4-2015.
[555]
AG 27-6-1984, n.º 5.
[556]
Ritual Romano, «Celebração do Matrimónio».
[557]
AG 5-1-1983, n.º 3.
[558]
Como é sabido, a Igreja Católica aceita que em determinados casos, e apenas pela
intervenção do Romano Pontífice, um matrimónio celebrado validamente («rato», como se diz em
terminologia derivada do latim) mas não posteriormente consumado (isto é, sem ter havido nenhuma
relação sexual) possa ser dissolvido. No entanto, se o matrimónio é rato e consumado, a Igreja afirma
que nenhuma intervenção humana pode dissolver a união (Cfr. Código de Direito Canónico, cânones
1141-1142). É de notar que apenas no matrimónio sacramental existem efeitos jurídicos derivados da
relação conjugal (para o matrimónio civil, a relação conjugal nada muda do ponto de vista jurídico).
Além do percurso histórico que levou a Igreja a esta conclusão, seria interessante, partindo deste dado,
refletir sobre o relevo que a Igreja atribui ao ato sexual no casamento.
[559]
AG 5-1-1983, n.º 4.
[560]
Cfr. Código de Direito Canónico, cânones 1096, 1099 e 1101-1103.
[561]
Cfr. AG 5-1-83, n.º 6: «A administração do sacramento consiste no seguinte: no momento
em que contraem matrimónio, o homem e a mulher, com as palavras adequadas e na releitura da perene
“linguagem do corpo”, formam um sinal, um sinal irrepetível, que também tem um significado de
perspetiva [a versão inglesa diz: «also has a future-oriented meaning»]: “todos os dias da minha vida”,
ou seja, até à morte». Cfr., também, por exemplo: AG 19-1-1983, n.º 2; TOB 108, n.º 1; TOB 109, n.º
5; TOB 110, n.º 6; TOB 111, n.º 2; e TOB113, n.º 6.
[562]
Cfr. TOB 115, n.º 4. Talvez mais significativas sejam as palavras da AG 4-7-1984, n.º 2: «A
liturgia, a língua litúrgica, eleva o pacto conjugal do homem e da mulher, baseado na “linguagem do
corpo”, relida na verdade, às dimensões do “mistério” e, ao mesmo tempo, consente que aquele pacto
se realize nas citadas dimensões através da “linguagem do corpo”». Como teremos ocasião de estudar, a
expressão «língua litúrgica» entra em cena no comentário ao Livro de Tobias.
[563]
Cfr., por exemplo, AG 5-1-1983, n.º 6.
[564]
Cfr. AG 12-1-1983, n.º 1.
[565]
Cfr. AG 12-1-1983, n.º 8.
[566]
AG 26-1-1983, n.º 1.
[567]
AG 12-1-1983, n.º 7 e AG 19-1-1983, n.º 2.
[568]
AG 12-1-1983, n.º 8. (Modifiquei ligeiramente a versão portuguesa cotejando-a com a
versão inglesa, para tornar o texto mais claro.) Bento XVI, na sua primeira carta encíclica (Deus
Caritas est), recordou a analogia. Lemos no n.º 9: «Sobretudo os profetas Oseias e Ezequiel
descreveram esta paixão de Deus pelo seu povo, com arrojadas imagens eróticas. A relação de Deus
com Israel é ilustrada através das metáforas do noivado e do matrimónio; consequentemente, a idolatria
é adultério e prostituição». E, de modo ainda mais sugestivo, no n.º 11: «À imagem do Deus monoteísta
corresponde o matrimónio monogâmico. O matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-
se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a
medida do amor humano. Esta estreita ligação entre eros e matrimónio na Bíblia quase não encontra
paralelos literários fora da mesma».
[569]
AG 12-1-1983, n.º 3.
[570]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 11. (O sublinhado é o meu.)
A expressão «parte integral» é significativa: por um lado, significa que sem essa parte o amor fica sem
algo que lhe é próprio; por outro lado, significa que deve estar integrado num todo, não é um acessório
que se possa usar isoladamente. Cfr., também, Alexander Puss, One Body, University of Notre Dame,
Indiana, 2013, p. 319, onde é usado um argumento interessante: «The physical is not infinitely elastic;
it does not adapt to our wishes; it can be recalcitrant. […] And this recalcitrance includes the fact that
certain physical things have innate meanings. And they had better – otherwise communication could
not get off the ground, since some gesture or sound had to have innate meanings in order to avoid the
regress in which every gesture or sound is defined in terms of another».
[571]
AG 19-1-1983, n.º 4.
[572]
Cfr. AG 19-1-1983, n.º 4.
[573]
AG 19-1-1983, n.º 6. (Modifiquei ligeiramente a versão portuguesa.)
[574]
Tanto a versão portuguesa das catequeses como as versões espanhola e italiana presentes no
site do Vaticano referem-se aos protagonistas do Cântico como «esposos». A edição inglesa de
Waldstein usa bride e bridegroom, o que se aproxima mais de «noiva» e «noivo». Mantive a tradução
portuguesa nas citações originais das catequeses, mas nos comentários pessoais senti-me na liberdade
de optar pelas palavras «noivo» ou «noiva». Até porque parecem aplicar-se melhor ao contexto do
Cântico dos Cânticos.
[575]
Cfr. TOB 109, n.º 2: «A presença destes elementos neste livro que faz parte do cânon da
Sagrada Escritura demonstra que eles e a “linguagem do corpo” afim contêm um primordial e essencial
sinal de santidade».
[576]
Cfr. TOB 109, n.º 1.
[577]
AG 19-1-1983, n.º 6. (Ainda que o Cântico dos Cânticos não fale explicitamente de
«matrimónio», as palavras dos noivos dificilmente poderiam ser entendidas fora de um horizonte
esponsal.)
[578]
AG 23-5-1984, n.º 2.
[579]
AG 23-5-1984, n.º 2.
[580]
TOB 109, n.º 1.
[581]
TOB 109, n.º 1.
[582]
AG 23-5-1984, n.º 3.
[583]
AG 23-5-1984, n.º 4.
[584]
S. Josemaria Escrivá, Temas Atuais do Cristianismo, Prumo/Aster, 2.ª ed., Lisboa, 1984, n.º
107.
[585]
AG 30-5-1984, n.º 4. (A versão portuguesa usa a expressão «contexto fraterno»; a versão
inglesa usa fraternal theme; a versão espanhola cuestión fraterna, e a versão italiana trama fraterna.
Escolhi usar indistintamente as expressões «trama fraterna» e «questão fraterna», por me parecerem
mais exatas do que «contexto fraterno». O próprio Papa, ao enunciar o tema seguinte, refere que vai
propor não tanto um outro contexto, mas sim um «outro substrato de conteúdo». Portanto, são dois
assuntos – um deles o fraterno – e não tanto dois contextos.)
[586]
TOB 110, n.º 3.
[587]
TOB 109, n.º 6.
[588]
Cfr., por exemplo, C. West, Heaven’s Song, Ascension Press, West Chester, Pennsylvania,
2008, p. 60.
[589]
AG 30-5-1984, n.º 3.
[590]
S. João Paulo II retoma esta ideia numa audiência posterior (TOB 114, n.º 2), ao comentar a
passagem do Livro de Tobias em que o pai de Sara, ao entregá-la como esposa a Tobias, afirma que
será sua irmã. E conclui: «Isto significa que entre os jovens deve formar-se, através do matrimónio, um
amor recíproco similar ao que une a irmã com o irmão».
[591]
AG 30-5-1984, n.º 2.
[592]
TOB 110, n.º 7.
[593]
Cfr. TOB 110, n.º 6.
[594]
TOB 110, n.º 6.
[595]
AG 30-5-1984, n.º 4. (Modifiquei ligeiramente a tradução, por motivos de clareza.)
[596]
AG 30-5-1984, n.º 5.
[597]
AG 30-5-1984, n.º 5.
[598]
AG 6-6-1984, n.º 1.
[599]
AG 6-6-1984, n.º 3.
[600]
AG 6-6-1984, n.º 3. (Modifiquei ligeiramente a tradução portuguesa da primeira frase.)
[601]
AG 6-6-1984, n.º 2.
[602]
Cfr. TOB 112, n.º 3.
[603]
Concílio Vaticano II, constituição dogmática Lumen Gentium, n.º 11. Cfr., também,
Catecismo da Igreja Católica, n.º 1641. No último capítulo do livro, tocaremos o tema da
espiritualidade conjugal.
[604]
TOB 112, n.º 5.
[605]
AG 6-6-1984, n.º 3.
[606]
Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 6.
[607]
TOB 113, n.º 1. A expressão da neovulgata diz assim: «Dura sicut inferno aemulatio». As
traduções variam muito.
[608]
TOB 113, n.º 1.
[609]
Tanto no amor humano como na união de Cristo com a alma cristã, o ciúme que manifesta a
vontade de que esse amor não seja atraiçoado é algo bom (cfr. M. A. Tábet, Introducción al Antiguo
Testamento, vol. 3: «Libros Poéticos y Sapienciales», Palabra, Madrid, 2007, p. 154.)
[610]
AG 6-6-1984, n.º 4.
[611]
TOB 112 n.º 6. (O sujeito é o corpo, como o leitor terá entendido.)
[612]
TOB 111 n.º 6.
[613]
Bento XVI, encíclica Deus Caritas est, n.º 7.
[614]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 20.
[615]
G. Barbieri, Cantico dei Cantici – I libri biblici 24, Paoline, Milão, 2004, p. 445 (citado em
M. A. Tábet, Introducción al Antiguo Testamento, vol. 3: «Libros Poéticos y Sapienciales», Palabra,
Madrid, 2007, p. 154).
[616]
M. A. Tábet, Introducción al Antiguo Testamento, vol. 3: «Libros Poéticos y Sapienciales»,
Palabra, Madrid, 2007, p. 153.
[617]
Cfr. AG 4-7-1984, n.º 2: «Os sacramentos inserem a santidade no terreno da humanidade do
homem: penetram a alma e o corpo, a feminilidade e a masculinidade do sujeito pessoal, com a força da
santidade».
[618]
Bento XVI, AG 3-8-2011.
[619]
Tal como nas audiências sobre o Cântico dos Cânticos, há uma divergência entre o que foi
lido e o que estava preparado. S. João Paulo II dedicou apenas uma audiência a comentar o Livro de
Tobias (a de 27 de junho de 1984). A edição inglesa a que me tenho referido, em paralelo com o texto
lido, apresenta as três audiências preparadas (numeradas nessa edição como «TOB 114», «TOB 115» e
«TOB 116»), que S. João Paulo II sintetizou em apenas uma. Tal como procurei fazer no capítulo
precedente, sempre que for possível citar a audiência lida fá-lo-ei. No entanto, quando há ideias e
palavras que estão contidas apenas nas audiências não lidas, não deixo de me apoiar nelas, pois
permitem aprofundar no pensamento de S. João Paulo II.
[620]
Cfr. TOB 116, n.º 2.
[621]
G. Weigel, Testemunho de Esperança, Bertrand, Lisboa, 2000, p. 89.
[622]
AG 27-6-1984, n.º 3.
[623]
TOB 115, n.º 1.
[624]
AG 27-6-1984, n.º 3.
[625]
AG 27-6-1984, n.º 3.
[626]
Cfr. TOB 115, n.º 3.
[627]
TOB 115, n.º 3.
[628]
Cfr. C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John Paul II’s Theology
of the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, pp. 406-407.
[629]
C. West, Theology of the Body Explained – A Commentary on John Paul II’s Theology of
the Body, Pauline Books & Media, Boston, 2003, p. 407.
[630]
TOB 116, n.º 2.
[631]
TOB 116, n.º 2.
[632]
TOB 116, n.º 2.
[633]
AG 4-7-1984, n.º 5.
[634]
TOB 115, n.º 6.
[635]
TOB 116, n.º 3.
[636]
Cfr. TOB 116, n.º 2.
[637]
TOB 115, n.º 6.
[638]
AG 27-6-1984, n.º 5.
[639]
Cfr. AG 27-6-1984, n.º 5.
[640]
Como o leitor certamente sabe, na Igreja Católica latina os ministros do sacramento do
matrimónio são os próprios contraentes. O sacerdote é, nesse rito, uma testemunha qualificada que
recebe, em nome da Igreja, o compromisso mútuo dos esposos. O sacerdote também ajuda a que os
contraentes tenham a consciência de «executar» o compromisso conjugal diante de Deus. Cfr.
Catecismo da Igreja Católica, n.º 1623: «Segundo a tradição latina, são os esposos quem, como
ministros da graça de Cristo, mutuamente se conferem o sacramento do Matrimónio, ao exprimirem,
perante a Igreja, o seu consentimento». A referência ao rito latino é importante porque, nas tradições
orientais, a bênção do sacerdote é também necessária para que o casamento se realize.
[641]
AG 27-6-1984, n.º 4.
[642]
AG 4-7-1984, n.º 2.
[643]
AG 4-7-1984, n.os 2-3.
[644]
AG 4-7-1984, n.º 3. (Modifiquei ligeiramente a versão portuguesa, cotejando-a com a
inglesa).
[645]
O título deste capítulo corresponde ao de uma extraordinária conferência da professora Janet
Smith, da qual foi distribuído mais de um milhão de cópias. O leitor pode encontrar com facilidade o
texto na Internet (cfr., por exemplo: http://janetsmith.excerptsofinri.com/).
[646]
AG 28-11-1984, n.º 2.
[647]
Bento XVI, AG 10-5-2008. A 12 de fevereiro de 1997, foi publicado, pela Congregação para
a Doutrina da Fé, o Vademecum para os Confessores, onde se afirma que o núcleo moral da referida
encíclica contém «uma doutrina definitiva e irreformável» (cfr. n.º 2.4).
[648]
Joseph Ratzinger (entrevistado por Peter Seewald), O Sal da Terra, Multinova, Lisboa,
1997, pp. 157-158. (No entanto, segui sobretudo a tradução da versão espanhola, por motivos de
clareza.)
[649]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 28.
[650]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 232. Cfr., também, a
sugestiva intervenção do Papa Francisco, AG 18-2-2015: «Em família, entre irmãos, aprendemos a
convivência humana, como devemos conviver na sociedade. Talvez nem sempre estejamos conscientes
disto, mas é precisamente a família que introduz a fraternidade no mundo! A partir desta primeira
experiência de fraternidade, alimentada pelos afetos e pela educação familiar, o estilo da fraternidade
irradia como uma promessa sobre a sociedade inteira e sobre as relações entre os povos».
[651]
Concílio Vaticano II, constituição pastoral Gaudium et Spes, n.º 48.
[652]
Sobre este assunto, permito-me remeter o leitor também para o meu livro Maternidade e
Vida à Luz do Evangelho, Diel, Lisboa, 1997.
[653]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 41.
[654]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 43.
[655]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 16.
[656]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 20. (O itálico é meu.)
[657]
Cfr. AG 25-7-1984, n.º 4.
[658]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I.ª, q. 5, a. 4, ad. 3.
[659]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 25.
[660]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 12.
[661]
Cfr. M. Rhonheimer, Ética de la Procreación, Rialp, Madrid, 2004, p. 74. (O autor
transcreve essas surpreendentes palavras de B. Häring, que não aceitou a doutrina da Humanae Vitae.)
[662]
Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 227: «As
relações sexuais entre o homem e a mulher no matrimónio só têm o valor de amor, isto é, de uma união
de pessoas, quando nem um nem outro renunciam total ou deliberadamente, recorrendo a meios
artificiais, à possibilidade de procriar; quando as suas relações vão acompanhadas, na consciência e na
vontade, pelo menos da disposição geral para a procriação que concretiza a suposição livremente aceite:
“poderei ser pai”, “poderei ser mãe”. Se faltasse esta disposição deveriam renunciar às relações
conjugais».
[663]
S. João Paulo II, encíclica Veritatis Splendor, n.º 78. Cfr., também, n.os, 76-78.
[664]
Cfr. M. Rhonheimer, Ética de la Procreación, Rialp, Madrid, 2004, p. 70. Cfr., também,
Alexander Puss, One Body, University of Notre Dame, Indiana, 2013, p. 275: «[Na relação conjugal]
the person’s body is striving for reproduction. But on a voluntary level, the person is actively set
against it. Thus the biological striving is not reflective of the person as a whole. On the contrary, the
person as a whole is crucially disunited from the body. But if in sexual act the two persons are
supposed to be united through their bodies, then in being disunited from their bodies, the persons are
thereby disunited from each other. Hence the deliberately contracepted sexual act fails to unite the
persons as persons, since it disunites the persons from the act by which they are supposed to be united».
(Transcrevo a argumentação no original, para evitar que se percam matizes.) Cfr., também, pp. 275-
276. De certa forma, podemos dizer que a abertura à conceção assegura a vontade da real doação de um
ao outro, e isso manifesta que se quer realmente a união das pessoas; acontece que, quando apenas se
procura o prazer (mesmo que seja dar prazer ao outro), como o prazer do homem não é o da mulher,
nem vice-versa, a coincidência de prazeres não é expressiva de uma comunhão de pessoas. Aliás,
infelizmente é frequente este intercâmbio de prazeres em relacionamentos não conjugais, pois
realmente não traduzem um amor de total doação. Cfr., também,
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 217-218: «O amor conjugal
recíproco exige a união das pessoas. Mas esta não se identifica com a união no ato sexual. Este não
alcança o nível pessoal senão no momento em que, na consciência e na vontade dos sujeitos, vai
acompanhado desse estado geral criado no momento de contrair o matrimónio e destinado a durar por
todo o tempo em que as relações conjugais são possíveis: “posso ser pai”, “posso ser mãe”. Esta atitude
é tão importante e decisiva que sem ela não pode ser realizada a ordem das pessoas nas relações
conjugais: em vez da verdadeira união das pessoas só se dá uma união completamente despojada do
pleno valor personalista quando falta aquela atitude. […] Seria preciso dizer que aquela união seria
fundada unicamente nos valores do sexo e não na afirmação da pessoa, porque não é possível dissociá-
la do estado de consciência e da vontade: “posso ser pai”, “posso ser mãe”. […] Se se exclui das
relações conjugais radical e totalmente o elemento potencial de paternidade e maternidade, transforma-
se com isso a relação recíproca das pessoas. A união no amor passa a ser um prazer comum ou, para
melhor dizer, um prazer dos dois coparticipantes».
[665]
Graciliano Ramos, S. Bernardo, Record, 67.ª ed., S. Paulo, 1997, p. 87.
[666]
Cfr. S. João Paulo II, Carta às Famílias, n.º 9: «Os cônjuges desejam os filhos para si, vendo
neles o coroamento do seu amor recíproco. Desejam-nos para a família, qual dom preciosíssimo [cfr.
Concílio Vaticano II, constituição pastoral Gaudium et Spes, n.º 50]. É um desejo, em certa medida,
compreensível. Todavia, no amor conjugal e no amor paterno e materno, deve inscrever-se a verdade
do homem, expressa de maneira sintética e precisa pelo Concílio com a afirmação de que Deus “quer o
homem por si mesmo”. É necessário, por isso, que a vontade dos pais se harmonize com o querer de
Deus: neste sentido, eles devem querer a nova criatura humana como a quer o Criador, “por si
mesma”».
[667]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 14.
[668]
M. Rhonheimer, Ética de la Procreación, Rialp, Madrid, 2004, p.140. Em rigor, seria
conveniente introduzir uma pequena alteração na definição: trata-se de uma ação que quer impedir
que os atos sexuais, livremente consentidos, causem a conceção de uma nova vida; porque,
realmente, essa ação pode falhar, e mesmo assim é preciso dizer que estava presente no casal uma
atitude contracetiva. Cfr. Alexander Puss, One Body, University of Notre Dame, Indiana, 2013, pp.
264-265. O autor insiste que, para que haja um ato de contraceção, é indiferente o meio usado, a sua
eficácia e a sua plausibilidade. E exemplifica: se um homem pensa que as cenouras diminuem a
motilidade dos espermatozoides evitando assim a conceção, e come cenouras antes de realizar o ato
sexual com essa intenção, realmente está a cometer um ato contracetivo. Penso que Puss tem toda a
razão. Talvez a sua tese se torne mais percetível com o seguinte exemplo: se alguém usa um
contracetivo, o mecanismo deste falha e a mulher fica grávida, realmente marido e mulher
cometeram, apesar do «erro técnico», um ato de contraceção quando tiveram tais relações.
Parafraseando o Senhor, diríamos que cometeram um ato de contraceção nos seus corações.
[669]
Cfr. B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 14: «Não se podem invocar, como
razões válidas para a justificação dos atos conjugais tornados intencionalmente infecundos, o mal
menor, ou o facto de que tais atos constituiriam um todo com os atos fecundos, que foram realizados
ou que depois se sucederam, e que, portanto, compartilhariam da única e idêntica bondade moral dos
mesmos. Na verdade, se é lícito, algumas vezes, tolerar o mal menor para evitar um mal maior, ou
para promover um bem superior, nunca é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal, para
que daí provenha o bem; isto é, ter como objeto de um ato positivo da vontade aquilo que é
intrinsecamente desordenado e, portanto, indigno da pessoa humana, mesmo se for praticado com
intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares, ou sociais. É um erro, por
conseguinte, pensar que um ato conjugal, tornado voluntariamente infecundo, e por isso
intrinsecamente desonesto, possa ser coonestado pelo conjunto de uma vida conjugal fecunda».
(Talvez seja mais percetível para o leitor usar outra palavra, como «justificado» ou
«desculpabilizado», em vez de «coonestado».)
[670]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 1756. Dá-se aí como exemplos «a blasfémia, o jurar
falso, o homicídio e o adultério. Não é permitido fazer o mal para que dele resulte um bem». Muito
esclarecedora e convincente é a deslumbrante terceira parte da carta encíclica Veritatis Splendor, de S.
João Paulo II. O documento recorda, por exemplo, que muitos mártires preferiram não ceder num
comportamento intrinsecamente desonesto, sendo conscientes de que iriam morrer por Cristo ao
procederem assim. Cfr., por exemplo, n.º 91: «[São] inumeráveis os mártires que preferiram as
perseguições e a morte a cumprir o gesto idólatra de queimar incenso perante a estátua do imperador
(cfr. Ap 13, 7-10). Rejeitaram inclusive simular um tal culto, dando assim o exemplo do dever de
abster-se até de um mero comportamento exterior contrário ao amor de Deus e ao testemunho da fé. Na
obediência, eles confiaram e entregaram, como Cristo, a sua vida ao Pai, Àquele que os podia livrar da
morte (cfr. Heb 5, 7).
A Igreja propõe o exemplo de numerosos santos e santas que testemunharam e defenderam a
verdade moral até ao martírio ou preferiram a morte a um só pecado mortal. Elevando-os à honra dos
altares, a Igreja canonizou o seu testemunho e declarou verdadeiro o seu juízo, segundo o qual o
amor de Deus implica obrigatoriamente o respeito dos seus mandamentos, inclusive nas
circunstâncias mais graves, e a recusa de atraiçoá-los, mesmo com a intenção de salvar a própria
vida».
[671]
Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.º 2370, que introduz assim as palavras referidas à
contraceção do n.º 14 da Humanae Vitae: «Em contrapartida, é intrinsecamente má “qualquer ação
que, quer em previsão do ato conjugal […]”». Cfr. Conselho Pontifício para a Família, Vademecum
para os Confessores, 12-2-1997, n.º 2.4: «A Igreja ensinou sempre a malícia intrínseca da
contraceção, isto é, de todo o ato conjugal tornado, intencionalmente, infecundo. Deve reter-se este
ensinamento como uma doutrina definitiva e irreformável. A contraceção opõe-se gravemente à
castidade matrimonial, é contrária ao bem da transmissão da vida (aspeto procriativo do
matrimónio), e à doação recíproca dos cônjuges (aspeto unitivo do matrimónio), lesa o verdadeiro
amor e nega a função soberana de Deus na transmissão da vida humana». (O itálico é meu.) Sobre a
gravidade dos atos contracetivos, cfr., também, o n.º 3.11 do mesmo Vademecum para os
Confessores. S. João Paulo II, na carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 80, reafirma que a
contraceção é um ato intrinsecamente mau, ou seja, que é por si próprio não ordenável a Deus, «pelo
próprio objeto, independentemente das posteriores intenções de quem age e das circunstâncias».
[672]
Para a definição de pecado mortal, cfr. Catecismo da Igreja Católica, n.os 1857 e ss.
[673]
Cfr. Código de Direito Canónico, cânone 1152.
[674]
Cfr. B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 15: «A Igreja, por outro lado, não
considera ilícito o recurso aos meios terapêuticos, verdadeiramente necessários para curar doenças do
organismo, ainda que daí venha a resultar um impedimento, mesmo previsto, à procriação, desde que
tal impedimento não seja, por motivo nenhum, querido diretamente». Perante esta afirmação, a
pergunta que todos fazem a seguir é: «mas se a mulher estiver em idade fértil e for casada, pode ou não
ter relações nesses casos?» As respostas dos moralistas (que aceitam a doutrina da encíclica) variam:
para uns – talvez a maioria –, não existe qualquer problema, pelo menos se o medicamento não for
abortivo; para outros, deveriam cessar as relações enquanto durar o tratamento; outros pensam que será
mais fácil manter a retidão da vontade se os esposos seguirem um esquema de continência periódica,
como se a mulher fosse fértil em certos dias. A minha opinião inclina-se para esta terceira forma de
atuar, que me parece assegurar melhor que os esposos não querem mesmo o efeito contracetivo, mesmo
que este se dê. No entanto, devo reconhecer que a posição da encíclica parece seguir claramente a
primeira posição. Seria interessante aprofundar nesta questão e noutras relacionadas, mas exigiria
aumentar muito a extensão do livro.
[675]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 16.
[676]
Cfr. AG 5-9-1984, n.º 4 e AG 8-8-1984, n.º 3: «Poder-se-ia observar, neste ponto, que os
cônjuges que recorrem à regulação natural da fertilidade poderiam não ter os motivos válidos, de que
antes se falou; isto, porém, constitui um problema ético à parte».
[677]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 32. Cfr., também, AG
29-8-1984, n.º 5.
[678]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 32. Vale a pena ler a
conclusão do parágrafo citado: «A escolha dos ritmos naturais, de facto, comporta a aceitação do ritmo
biológico da mulher, e com isto também a aceitação do diálogo, do respeito recíproco, da
responsabilidade comum, do domínio de si. Acolher, depois, o tempo e o diálogo significa reconhecer o
caráter conjuntamente espiritual e corpóreo da comunhão conjugal, como também viver o amor pessoal
na sua exigência de fidelidade. Neste contexto, o casal faz a experiência da comunhão conjugal
enriquecida daqueles valores de ternura e afetividade, que constituem o segredo profundo da
sexualidade humana, mesmo na sua dimensão física. Desta maneira a sexualidade é respeitada e
promovida na sua dimensão verdadeira e plenamente humana, não sendo nunca “usada” como um
“objeto” que, dissolvendo a unidade pessoal da alma e do corpo, fere a própria criação de Deus na
relação mais íntima entre a natureza e a pessoa».
[679]
Cfr. AG 22-8-1984, n.º 3.
[680]
AG 22-8-1984, n.º 3.
[681]
Cfr. Bento XVI, carta encíclica Deus Caritas est, n.º 6.
[682]
AG 22-8-1984, n.º 6.
[683]
Carl Anderson e José Granados, Called to Love, Doubleday, Nova Iorque, 2009, p. 182.
[684]
Carl Anderson e José Granados, Called to Love, Doubleday, Nova Iorque, 2009, p. 192.
[685]
AG 5-9-1984, n.º 2.
[686]
AG 22-8-1984, n.º 6.
[687]
AG 22-8-1984, n.º 5.
[688]
S. João Paulo II, carta encíclica Evangelium Vitae, n.º 13.
[689]
Cfr. B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 10 e n.º 16. É interessante ler Alexander
Puss, One Body, University of Notre Dame, Indiana, 2013, p. 303: «Que seja necessária uma razão
grave é claro, dado que ao evitarem a procriação estão a evitar cooperar em alcançar um grande bem,
uma nova pessoa à imagem e semelhança de Deus. Evitar esse bem, especialmente no contexto de uma
relação em parte dirigida a alcançar esse bem […], requer certamente poderosas considerações em
sentido contrário».
[690]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 14.
[691]
Cfr. B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 16.
[692]
Cfr., por exemplo, Augusto Sarmiento, El Matrimonio Cristiano, Eunsa, Pamplona,
1997: «Nas razões sérias e graves [os esposos] descobrem que a fidelidade ao desígnio de Deus
pede-lhes a decisão de não transmitir a vida. Não são eles, portanto, os que em última instância
decidem». Cfr., também, G. Grisez, The Way of The Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, f, b: «In times
past, some faithful Catholics thought (and a few still do), that a couple can be sure of acting in
accord with God’s will by entirely rejecting family planning and trusting in providence. Certainly
married couples should trust in providence. But providence has given the Christian couple reason
enlightened by faith and the power to act in accord
with it. Neglecting these gifts would not be pious submission to God’s will, but presumptuous
irreverence».
[693]
Conselho Pontifício para a Família, Famiglia e Procreazione Umana, 13-5-2006, n.º 17.
[694]
Cfr. Concílio Vaticano II, constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.os 48 e 50.
[695]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 10. (O itálico é meu.)
[696]
Cfr. AG 29-8-1984, n.º 1.
[697]
Cfr. AG 8-8-1983, n.os 2-3.
[698]
AG 5-9-1984, n.º 4.
[699]
AG 29-8-1984, n.º 6.
[700]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 3.
[701]
Cfr., por exemplo, R. de Mattei, O Concílio Vaticano II – Uma História Nunca Escrita,
Caminhos Romanos, Porto, 2012, pp. 465-468. (Embora me pareça que o livro possa ser questionável
quanto ao modo de relatar o Concílio, não há dúvida que oferece dados valiosos, em concreto sobre o
tema que nos interessa.)
[702]
AG 25-7-1984, n.os 4-6.
[703]
Cfr. AG 18-7-1984, n.º 3: «O autor da encíclica sublinha que tal norma pertence à “lei
natural”, quer dizer, que ela é conforme à razão como tal. A Igreja ensina esta norma, embora ela não
seja expressa formalmente (isto é, literalmente) na Sagrada Escritura; e isto na convicção de que a
interpretação dos preceitos da lei natural é da competência do Magistério.
Podemos contudo dizer mais. Embora a norma moral, formulada deste modo na encíclica
Humanae Vitae, não se encontre literalmente na Sagrada Escritura, não obstante o facto de que está
contida na Tradição e – como escreve o Papa Paulo VI – foi “muitas vezes exposta pelo magistério”
(HV, 12) aos fiéis, resulta que esta norma corresponde ao conjunto da doutrina revelada contida nas
fontes bíblicas (cfr. HV, 4)». O n.º 4 da Humanae Vitae transcreve, em nota de rodapé, tanto as
intervenções do Magistério em que se defende a competência do mesmo para interpretar a lei natural
quanto as suas anteriores declarações acerca da natureza do matrimónio e do reto uso dos direitos e
deveres conjugais.
[704]
AG 18-7-1984, n.º 5.
[705]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II.ae, q. 90, a. 4, ad. 1. Citado em S. João Paulo II,
carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 43. (O sublinhado é meu.)
[706]
Em dezembro de 2008, a Comissão Teológica Internacional publicou um extenso
documento: À Procura de uma Ética Universal – Um Novo Olhar Sobre a Lei Natural. Para a teologia
do corpo, parecem-me particularmente interessantes os n.os 42-82.
[707]
Comissão Teológica Internacional, À Procura de uma Ética Universal – Um Novo Olhar
Sobre a Lei Natural, n.º 69. (Tradução do autor a partir da versão italiana.)
[708]
Comissão Teológica Internacional, À Procura de uma Ética Universal – Um Novo Olhar
Sobre a Lei Natural, n.º 63.
[709]
Cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II.ae, q. 94, a. 2. Cfr., também, Comissão
Teológica Internacional, À Procura de uma Ética Universal – Um Novo Olhar Sobre a Lei Natural, n.º
46.
[710]
S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II.ae, q. 94, a. 2, ad. 2 e ad. 3. (O itálico é meu.)
Ajudará o leitor um breve esclarecimento de um autorizado manual contemporâneo de moral sobre o
princípio «que fundamenta todo o pensar prático: o bem deve fazer-se, deve ser perseguido; o mal deve
ser evitado. Isto não nos diz o que devemos fazer, mas indica-nos o que é básico para qualquer ação.
Quando se pensa em fazer algo, temos de pensar com a ideia de fazer e alcançar o que é bom e evitar o
que é mau. Em caso contrário não teríamos nenhuma razão para atuar. Os bens humanos básicos
oferecem o conteúdo a este princípio». (G. Grisez e R. Shaw, La Vida Realizada en Cristo, Palabra,
Madrid, 2009, p. 91). Cfr., também, A. R. Luño, Ética General, Eunsa, 6.ª ed., Pamplona, 2010, p. 244.
[711]
S. João Paulo II, carta encíclica Veritatis Splendor, n.os 48-49.
[712]
AG 11-7-1984, n.os 5-6.
[713]
Cfr. S. João Paulo II, carta encíclica Veritatis Splendor, n.º 50: «Pode-se agora compreender
o verdadeiro significado da lei natural: ela refere-se à natureza própria e original do homem, à
“natureza da pessoa humana”, que é a pessoa mesma na unidade de alma e corpo, na unidade das suas
inclinações tanto de ordem espiritual como biológica, e de todas as outras características específicas,
necessárias para a obtenção do seu fim. “A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os
direitos e os deveres que se fundamentam sobre a natureza corporal e espiritual da pessoa humana.
Portanto, não pode ser concebida como uma tendência normativa meramente biológica, mas deve ser
definida como a ordem racional segundo a qual o homem é chamado pelo Criador a dirigir e regular a
sua vida e os seus atos e, particularmente, a usar e dispor do próprio corpo”. Por exemplo, a origem e
o fundamento do dever de respeitar absolutamente a vida humana devem-se encontrar na dignidade
própria da pessoa, e não simplesmente na inclinação natural para conservar a própria vida física.
Assim, a vida humana, mesmo sendo um bem fundamental do homem, ganha um significado moral
pela referência ao bem da pessoa, que deve ser sempre afirmada por si própria: enquanto é sempre
moralmente ilícito matar um ser humano inocente, pode ser lícito, louvável ou até mesmo obrigatório
dar a própria vida (cfr. Jo 15,
13) por amor do próximo ou em testemunho da verdade. Na realidade, só fazendo referência à pessoa
humana na sua “totalidade unificada”, ou seja, ”alma que se exprime no corpo e corpo informado por
um espírito imortal”, pode ser lido o significado especificamente humano do corpo. Com efeito, as
inclinações naturais adquirem dimensão moral apenas enquanto se referem à pessoa humana e à sua
autêntica realização, a qual, por seu lado, pode acontecer sempre e somente na natureza humana.
Rejeitando as manipulações da corporeidade que alteram o seu significado humano, a Igreja serve o
homem indicando-lhe o caminho do verdadeiro amor, o único onde ele pode encontrar o verdadeiro
Deus.
A lei natural, assim entendida, não deixa espaço à divisão entre liberdade e natureza. De facto,
estas estão harmonicamente ligadas entre si, e intimamente aliadas uma à outra». (O itálico é meu.)
[714]
G. K. Chesterton, «Social Reform versus Birth Control» (1926), in El Amor o la Fuerza del
Signo, Rialp, 4.ª ed., Madrid, 2000, p. 252.
[715]
AG 22-8-1984, n.º 1.
[716]
Cfr. AG 22-8-1984, n.º 1: «Ele [o domínio de si] de facto corresponde à constituição
fundamental da pessoa: é precisamente um método “natural”. Pelo contrário, a transposição dos “meios
artificiais” quebra a dimensão constitutiva da pessoa, priva o homem da subjetividade que lhe é própria
e faz dele um objeto de manipulação».
[717]
Cfr. AG 22-8-1984, n.º 5.
[718]
AG 22-8-1984, n.º 4.
[719]
AG 22-8-1984, n.º 7. (Como o leitor pode compreender, a expressão «artificial» não tem a
ver apenas com meios químicos ou físicos; S. João Paulo II está a referir-se a meios que não
correspondem ao que deveria ser natural no homem, e que incluem o domínio de si.)
[720]
Para ser mais preciso, as catequeses que respondem a estas perguntas são as «penúltimas
sete», dado que a última é uma espécie de conclusão de toda a obra.
[721]
Na exortação apostólica Familiaris Consortio (n.º 33) encontramos a mesma preocupação:
«Por isso a Igreja nunca se cansa de convidar e de encorajar para que as eventuais dificuldades
conjugais sejam resolvidas sem nunca falsificar e comprometer a verdade: ela está de facto convencida
de que não pode existir verdadeira contradição entre a lei divina de transmitir a vida e a de favorecer o
autêntico amor conjugal».
[722]
Cfr. AG 3-10-1984.
[723]
Cfr. AG 3-10-1984, n.º 4.
[724]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 25.
[725]
Cfr., também, a exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 33: «Não há dúvida de que
entre estas condições devem elencar-se a constância e a paciência, a humildade e a fortaleza de espírito,
a filial confiança em Deus e na sua graça, o recurso frequente à oração e aos sacramentos da Eucaristia
e da Reconciliação. Assim fortalecidos, os cônjuges cristãos poderão manter viva a consciência do
influxo singular que a graça do sacramento do matrimónio exerce sobre todas as realidades da vida
conjugal, e, portanto, também sobre a sua sexualidade: o dom do Espírito, acolhido e correspondido
pelos cônjuges, ajuda-os a viver a sexualidade humana segundo o plano de Deus e como sinal do amor
unitivo e fecundo de Cristo pela Igreja».
[726]
Cfr. AG 4-7-1984, n.º 2.
[727]
AG 4-7-1984, n.º 3.
[728]
AG 3-10-1984, n.º 2. É extraordinário, a meu ver, o comentário-síntese de William Newton,
em Maryvale Course Book – Marriage as a Sacrament, 2011, pp. 111 e ss., ao artigo de David S.
Crawford, «Humanae Vitae and the Perfection of Love», in Communio, 25 (1998), n.º 3, pp. 414-438:
«Crawford makes three propositions:
(1) Marriage is not just a context in which one lives and gets holy, it is a way of life
specially designed to make one holy.
(2) Since marriage is a specific form of life ordered to sanctification, what is specific about
marriage must be part of this way to sanctification.
(3) Authentically loving one’s spouse in conjugal intercourse is a particularly important
way to love God in loving our spouse.»
Sobre a segunda afirmação, William Newton escreve: «Crawford’s second proposition follows
the first. Having shown that marriage is a special path to sanctification, Crawford claims that this
sanctification must take place (at least in part) in what is specific to marriage, namely sexual
intercourse. Hence, marital spirituality and marital sexual morality must be closely related.
If marriage really is a special way to holiness – a state of life – then what is special about
marriage surely has to enter into this. And what is special about marriage – compared to other ways of
life – is the orientation towards procreation. Ultimately, he argues that marital spirituality must be
closely related to the vision of marital morality set forth in Humanae Vitae. He is making a connection
between spirituality and morality. To be holy you need to be good. This might seem rather obvious but,
in fact, it is denied quite commonly. In Veritatis Splendor, John Paul II notes: “No damage must be
done to the harmony between faith and life: the unity of the Church is damaged not only by Christians
who reject or distort the truths of faith but also by those who disregard the moral obligations to which
they are called by the Gospel (cfr. 1 Cor 5, 9-13). The Apostles decisively rejected any separation
between the commitment of the heart and the actions which express or prove it (cfr. 1 Jn 2, 3-6)”.
In bringing together marital spirituality and morality, Crawford is supported by Vatican II and
specifically Gaudium et Spes». (O sublinhado é meu.)
[729]
S. João Paulo II, carta apostólica Mulieris Dignitatem, n.º 19.
[730]
Cfr. AG 10-10-1984, n.º 5.
[731]
S. João Paulo II, exortação apostólica Familiaris Consortio, n.º 18.
[732]
AG 10-10-1984, n.º 1.
[733]
AG 10-10-1984, n.º 1.
[734]
AG 14-11-1984, n.º 4.
[735]
AG 14-11-1984, n.º 5.
[736]
Cfr. G. Grisez, The Way of the Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, E, 1, c: «The pleasurable
sensations of sexual activity culminating in orgasm are in themselves a private and incommunicable
experience. Hence, to focus attention on this experience and strive to intensify it as much as possible
tends to make the other person into a means, a “sex object”. So, the Church teaches that spouses should
pursue sexual gratification only in subordination to marital love. Marital chastity, by making the marital
good itself central, makes it possible for the experience of loving cooperation in one-flesh communion
to predominate and enjoyable sensations to take their proper, subordinate place in marital intercourse.
Thus subordinated, erotic pleasure no matter how intense, is morally good (cfr. S.T., II-II.ae, q. 153, a.
2, ad. 2)».
[737]
AG 10-10-1984, n.º 1.
[738]
AG 10-10-1984, n.º 2.
[739]
Cfr. S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 7, a. 3, ad. 2.
[740]
Aconselho a leitura pausada de todo o n.º 13 da exortação apostólica Familiaris Consortio,
onde S. João Paulo II fala do amor ou caridade conjugal. Num dos parágrafos explicita:
«E o conteúdo da participação na vida de Cristo é também específico: o amor conjugal comporta uma
totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa – chamada do corpo e do instinto, força do
sentimento e da afetividade, aspiração do espírito e da vontade –; o amor conjugal dirige-se a uma
unidade profundamente pessoal, aquela que, além da união numa só carne, não conduz senão a um só
coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e
abre-se à fecundidade (cfr. carta encíclica Humanae Vitae, n.º 9). Numa palavra, trata-se de
características normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e
as consolida, mas eleva-as também, a ponto de as tornar a expressão dos valores propriamente
cristãos». (O sublinhado é meu.)
[741]
AG 10-10-1984, n.º 4. Cfr., também, AG 24-10-1984, n.º 4.
[742]
Cfr. AG 24-10-1984, n.º 6: «Trata-se, de facto, de não causar dano à comunhão dos
cônjuges no caso em que, por justas razões, eles devam abster-se do ato conjugal».
[743]
S. João Paulo II faz notar que o autor da carta encíclica Humanae Vitae é plenamente
consciente dessa dificuldade. Por exemplo, logo no n.º 3 pode ler-se: «Dadas as condições da vida
hodierna e dado o significado que têm as relações conjugais para a harmonia entre os esposos e para a
sua fidelidade mútua, não estaria indicada uma revisão das normas éticas vigentes até agora, sobretudo
se se tem consideração que elas não podem ser observadas sem sacrifícios, por vezes heróicos?» Cfr. G.
Grisez, The Way of The Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, F, 1, h: «Thus, the Council Fathers make it clear
that they have paid attention to the evidence that in many cases, when sexual abstinence is prolonged, a
husband and a wife become irritable with each other and express their feelings by treating the children
badly; they may be tempted to commit adultery, at least in thought; their love cools, and they are
unlikely to welcome another child.
Still, these evils are not inevitable, for they do not stem precisely from not engaging in marital
intercourse but from one or both spouses’ frustrated desire to engage in it. Many couples whose sexual
urges are subordinated to their marital love do not suffer bad consequences when they abstain. […]
Consequently, Vatican II, having noted that abstinence can have bad consequences, does not conclude
that couples should not abstain when necessary. Instead, the Council teaches that conjugal love and the
responsible transmission of life can be harmonized; but it points out: “Such a goal cannot be achieved
unless the virtue of conjugal chastity is sincerely practiced”
(GS, 51)». (O sublinhado é meu.)
[744]
AG 10-10-1984, n.º 4. Cfr., também, AG 24-10-1984, n.º 4 e AG 14-11-1984, n.º 5.
[745]
Quando explica tanto os efeitos da virtude da castidade como os do dom da piedade do
Espírito Santo, S. João Paulo II reforça, além da não-contradição existente na norma, a possibilidade de
ultrapassar a dificuldade que o exercício da norma moral poderia trazer para o amor entre os esposos.
Assim, cfr. AG 24-10-1984, n.º 4: «Analisando deste modo a continência, na dinâmica própria desta
virtude (antropológica, ética e teológica), damo-nos conta que desaparece aquela aparente
“contradição” que é muitas vezes apresentada como objeção à carta encíclica “Humanae Vitae” e à
doutrina da Igreja sobre a moral conjugal». Cfr., também, AG 14-11-1984, n.º 5: «O dom do respeito
daquilo que é criado por Deus faz com que a aparente “contradição” nesta esfera desapareça e a
dificuldade proveniente da concupiscência seja gradualmente superada, graças à maturidade da virtude
e à força do dom do Espírito Santo».
[746]
Convém advertir o leitor de que há uma clássica distinção entre «continência» e
«castidade». S. João Paulo II é consciente dessa distinção, como se lê em Amor e Responsabilidade,
Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 183-184: «É difícil falar das diversas formas do domínio de si
mesmo no campo sexual. É preciso reconhecer em todo o caso que sem ele não se pode ser casto.
Podemos, contudo, procurar definir os principais métodos para consegui-lo e levá-lo à prática.
Pronuncia-se muitas vezes a este propósito a palavra “continência”. Este termo sugere que o método
principal tem alguma coisa de comum com a ação de conter. […] Na primeira parte deste capítulo,
afirmámos todavia que refrear os movimentos da concupiscência do corpo ou das reações sensuais,
repelindo para o subconsciente o seu conteúdo, não constitui ainda virtude. […] E a virtude deve ser
uma força espiritual. Esta força não pode existir sem a razão, que distingue a verdade essencial
acerca dos valores e coloca o da pessoa e do amor acima dos valores do sexo e do prazer que dele
depende. Mas, precisamente por esta razão, a castidade não pode consistir numa continência cega. A
continência, aptidão para controlar a concupiscência do corpo mediante a vontade, para moderar as
reações sensuais e a afetividade, é uma condição indispensável do domínio de si mesmo. Mas não
basta para que se realize a virtude, pois a continência não pode ser um fim em si mesma».
Ainda que de modo muito esquemático, interessa expor como S. Tomás julgava a diferença entre
as duas virtudes que versam sobre a mesma «matéria» (os prazeres do tato). (Cfr., sobretudo: Suma
Teológica II-II.ae, q. 155 e q. 151, a. 1- a. 3; I-II.ae, q. 56, a. 4; q. 58, a. 3 e ad. 2; e q. 70, respondeo).
Para S. Tomás, a continência permite dominar as paixões de modo a que estas obedeçam à razão. A
continência pertence à vontade (o seu sujeito é a vontade), enquanto a castidade reside no apetite
concupiscível, ou seja, «informa» a potência que é responsável pelas tendências sensíveis. Assim, pode
haver uma pessoa que seja continente mas não casta, na medida em que domina as paixões, submete-as
à razão, mas não existe uma espécie de estabilidade no apetite concupiscível. Para alguns
comentadores, essa é a razão pela qual pode haver uma certa tensão áspera na pessoa que é
«continente» mas ainda não tem a virtude da castidade. Na pessoa casta (não só continente) o domínio
nessa matéria está como que incorporado no apetite concupiscível, que se «habitua» a obedecer à razão
desde o mais leve movimento. Na pessoa casta o domínio da castidade é rápido e alegre, coisa que não
sucede com aquele que apenas possui a continência. S. João Paulo II não se preocupa em ser
terminologicamente exato nas catequeses de teologia do corpo e por vezes usa o termo «continência»
onde a terminologia clássica usaria «castidade». No entanto, está presente a ideia principal de que não
basta um mero freio à concupiscência (o que corresponde mais à continência) para falarmos de virtude
em sentido pleno. Cfr. AG 24-10-1984, n.º 1: «O sujeito pessoal para chegar a dominar tal estímulo e
tal excitação deve empenhar-se numa progressiva educação do autocontrolo da vontade, dos
sentimentos, das emoções, que deve desenvolver-se a partir dos gestos mais simples, nos quais é
relativamente fácil traduzir em ação a decisão interior. Isto supõe, como é óbvio, a clara perceção dos
valores expressos na norma e a consequente maturação de sólidas convicções que, se acompanhadas
pela respetiva disposição da vontade, dão origem à correspondente virtude. Tal é precisamente a
virtude da continência (domínio de si)». Mas logo a seguir, no n.º 3, o Papa fala de «castidade
conjugal». Seria necessária uma investigação mais aprofundada para certificar se S. João Paulo II
assumiu sem glosas os conceitos tomistas ou existe alguma nuance adicional sua na diferença que
estabelece entre «castidade» e «continência». Em qualquer caso, convém ter presente que S. João Paulo
II não usa «castidade» e «continência» sem qualquer distinção. Mesmo que não consigamos captar com
clareza como distingue cada uma, há, sem dúvida, diferenças – ainda que, a meu ver, não lhe pareça
relevante fazer notar tais diferenças durante as catequeses. O que é relevante para S. João Paulo II é que
«continência» não se resume a um mero «freio». Encontramos um exemplo de como o Papa distingue
os conceitos na AG 14-11-1984, n.º 1: «Os esposos recebem este dom [o amor] no Sacramento, com
uma particular “consagração”. O amor está unido à castidade conjugal, que, manifestando-se como
continência, realiza a ordem interior da convivência conjugal». (O sublinhado é meu.)
[747]
AG 31-10-1984, n.º 4. Nesta temática, é muito útil e esclarecedora a leitura do capítulo
«Ternura e Sensualidade», de Amor e Responsabilidade. A ele faço referência na exposição.
[748]
AG 31-10-1984, n.º 6.
[749]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 190.
[750]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 190.
[751]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 191.
[752]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 194.
[753]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 194-195.
[754]
AG 24-10-1984, n.º 2.
[755]
AG 24-10-1984, n.º 6.
[756]
AG 24-10-1984, n.º 6.
[757]
Cfr. K. Hahn, O Amor que dá Vida, Quadrante, S. Paulo, 2012, pp. 150-152.
[758]
Cfr. AG 24-10-1984, n.º 6.
[759]
AG 24-10-1984, n.º 3. (O sublinhado é meu.) Cfr. K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade,
Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 231: «O amor do homem e da mulher não perde nada com a renúncia
temporária própria da continência periódica. Pelo contrário, ganha. Porque a união das pessoas torna-se
mais profunda por se fundar sobretudo na afirmação do valor da pessoa e não só num apego sensual».
[760]
Cfr. AG 14-11-1984, n.º 4. (Já transcrito em 22.2.)
[761]
AG 21-11-1984, n.º 3.
[762]
Cfr. G. Grisez, The Way of The Lord Jesus, vol. 2, capítulo 9, E, 1, d: «By enabling the
couple both to come together when appropriate and to abstain when appropriate, marital chastity
empowers them to engage in sexual acts which truly embody love, rather than merely manifest an urge
for self-satisfaction».
[763]
AG 21-11-1984, n.º 3.
[764]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, p. 213.
[765]
AG 29-8-1984, n.º 6.
[766]
K. Wojtyla, Amor e Responsabilidade, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 237-238.
[767]
AG 21-11-1984, n.º 4. (Introduzi ligeiras variantes à edição portuguesa.)
[768]
AG 3-10-1984, n.º 3.
[769]
B. Paulo VI, carta encíclica Humanae Vitae, n.º 21.
[770]
Bento XVI, Jesus de Nazaré – Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição, Princípia,
Cascais, 2011, p. 199.
[771]
Tertuliano, De Resurrectione Carnis, capítulo 8.
[772]
S. Ireneu, Adversus Haereses, 5, 2. (A tradução baseia-se na versão online presente em
www.liturgiadashoras.org, mas conta com ligeiras alterações pessoais.)