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A ESPIRITUALIDADE DE SANTO AFONSO E SUA Para iniciar nossa reflexão eu trouxe quatro definições do termo

INFLUÊNCIA NA ORDEM DO SANTÍSSIMO REDENTOR espiritualidade dada por autores conhecidos no meio católico por sua doutrina e
virtude.
“O homem de gênio encanta, porém o santo subjuga; o grande homem 1. Louis Colin, C.Ss.R
causa admiração, mas o nome sozinho do santo, os rastros de seus passos geram “Espiritualidade abrange tanto ao ascetismo quanto ao misticismo; […] é
comoção; a lembrança dele faz palpitar o coração.” Dom Prosper Gueránger, OSB tanto “vida” quanto “doutrina”, ciência especulativa e prática. Especulativa pelo seu
Caras Irmãs, eis-nos diante de um tema importantíssimo para a fundamento revelado, pelos seus princípios essenciais, pelos problemas que coloca e
compreensão daquilo que nos motivou a estudar a história da Ordem do Santíssimo pelas soluções que lhes dá. Prática, pois inteiramente orientada para a glória de
Redentor, isto é, saber de onde viemos e para onde nós, Mosteiro da Santa Face, Deus, a conquista da santidade e a salvação das almas. […] A espiritualidade -
deveremos ir. Evidentemente não me refiro somente aos fatos históricos que doutrina e vida- é todo um universo a ser explorado. Para entendê-lo bem e vivê-lo
marcaram o surgimento e desenvolvimento da Ordem -embora estes manifestem bem é bom olhar de cima e como um todo. Em vista atenta, oferece então certos
concretamente qual é a vontade de Deus sobre ela-, mas, sobretudo, àquele aspectos gerais, que, longe de serem contraditórios, são apenas complementares.
Princípio sem princípio do qual nos fala o evangelista São João. Uma doutrina espiritual pode ser considerada segundo seu objeto: Deus, Jesus Cristo,
Caras Irmãs, a Ordem do Santíssimo Redentor saiu de Deus e para Deus a alma. Daí uma tríplice teoria teológica: teocêntrica, cristocêntrica e
deve voltar. Entender isso equivale à compreender a essência mesma da nossa antropocêntrica. ”
espiritualidade, ou, também poderíamos dizer, da nossa missão.
A Ordem do Santíssimo Redentor surgiu porque desde a eternidade ela já 2. Rogério Maria Fernandez, C.Ss.R
existia no pensamento de Deus, no seu Verbo; não só a Ordem coletivamente, mas “Por espiritualidade de uma Ordem ou Congregação religiosa se entende
cada sóror, de cada mosteiro, da cada país, de cada século. sua maneira genuína, característica e permanente de santificação pessoal e de
A Ordem do Santíssimo Redentor deve voltar para Deus porque deve apostolado.
glorifica-lo e seus membros, transformando-se em Vivas Memórias do Redentor, É uma maneira genuína, ou -o que é o mesmo- legítima, porque o espírito de
devem mostrar ao mundo a eterna caridade com a qual Deus o amou. uma Ordem ou de uma Congregação religiosa provém, por assim dizer, por via de
Ainda que a fragilidade da nossa condição atual nos faça, muitas vezes, geração espiritual do espírito do Fundador; espírito que é, por sua vez, o do próprio
desanimarmos diante das inúmeras dificuldades e desviar o nosso olhar desse Cristo. E assim todos os que a elas pertencem são Irmãos e Irmãs. É uma maneira
sublime fim, nós devemos, no entanto, levantar-nos a cada queda e reconduzir toda característica: em seu desenvolvimento específico, em sua diferença das demais
a nossa vida em direção àquela única coisa necessária que não nos será tirada. Ordens e Congregações e das propriedades da sua vitalidade espiritual, É uma
Essas aulas foram pensadas justamente para ajuda-las a realizar isso. maneira permanente: este espírito não pode mudar, sob pena de que também mude
Estamos, portanto, tentando entender de onde viemos, para onde deveremos ir e a Ordem ou o Instituto, ou fique reduzida sua condição à de um cadáver do que
como conseguiremos chegar lá. outrora foi.
Cada acontecimento que estamos narrando manifestam, de algum modo, É certo que a matéria, quer dizer, que certas Regras e Superiores podem
essas três coisas. Quem tem ouvidos, ouça. mudar, porém o espírito deve permanecer. É uma maneira de santificação pessoal e
O QUE É UMA ESPIRITUALIDADE? apostolado, porque como nos diz nossa Regra: “Todo Instituto se propõe um duplo
Antes de tratarmos sobre a espiritualidade de Santo Afonso devemos fim: o primeiro é a própria santificação; o outro é a salvação das almas e o bem da
entender, ainda que em linhas gerais, em que consiste uma espiritualidade. Igreja. O primeiro é geral; o segundo é especial, e por este se diferenciam e se
Esse tema já rendeu muitos livros e artigos, sobretudo -para não dizer distinguem entre si todas as Ordens religiosas (CR.1).
exclusivamente- entre os membros de Ordens e Congregações religiosas.
O Salvador do mundo não expôs seus ensinamentos ascéticos-místicos de
3. Antônio Royo Marin, O.P forma didática ou sistemática. Ele as dirigiu aos seus ouvintes, assim como o restante
“Já foi dito muitas vezes que a história é a mestra da vida. No caso da vida do Evangelho, a medida que as circunstâncias assim o exigiam.
espiritual, esta afirmação atinge seu expoente máximo, já que a evolução histórica Os evangelistas não tentaram tampouco sintetizá-los. Às vezes, eles até
do pensamento cristão, encarnado nas obras dos grandes mestres da espiritualidade, justapõem os conselhos de vida perfeita dados por Jesus com os preceitos relativos
exerceu enorme influência no "estilo de vida" e na prática da vida cristã através dos aos deveres essenciais do cristão. Mas a tradição cristã distinguiu com toda precisão
séculos. nas palavras do Mestre aquelas que se referem à perfeição cristã e aquelas que
Devemos ter presente que na espiritualidade cristã podese distinguir uma pertencem à simples moral evangélica.
dupla vertente. De um lado existe um núcleo fundamental, que não mudou e nunca Toda a doutrina ascética ou espiritual do Evangelho pode resumir-se nestas
mudará até o fim dos tempos. Ninguém jamais será santificado sem a sua palavras de Jesus: "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome
incorporação em Cristo pela graça santificante, os Sacramentos, a prática das diariamente a sua cruz e segue-me" (Lc 9,23)
virtudes sobrenaturais, etc. Não há dúvida sobre isso. Com efeito, toda a vida cristã e, com razão maior razão, a vida de perfeição,
Mas, na aplicação concreta daqueles elementos essenciais da vida cristã aos consiste em duas disposições fundamentais e correlativas, que não se podem
homens imersos em uma determinada época da história, é essencial levar em conta subsistir sem a outra e que devem inspirar todas as nossas ações: a renúncia a nós
as circunstâncias infinitamente variadas que os cercam. Há um abismo, por exemplo, mesmos e a firme vontade de imitar a Cristo. Nestas duas atitudes fundamentais
entre os procedimentos de santificação usados pelo monaquismo primitivo, os frades estão contidas e resumidas todo o ascetismo e misticismo cristão.
medievais e os institutos seculares modernos de perfeição -passando pelas mil Desprender-se cada vez mais de tudo aquilo que em nós ou ao nosso redor
circunstâncias históricas intermediárias- apesar do fato de que o núcleo fundamental se opõe à virtude, e seguir Jesus tão intensamente quanto possível: essa é a lei da
permanece sempre o mesmo e idêntico para todos. perfeição cristã. Nós seguimos a Jesus na medida em que renunciamos a nós
Portanto, o estudo sereno e objetivo da história é necessário. se quisermos mesmos, e quanto maior esta renúncia, mais nos aproximamos e nos unimos a Ele.
compreender, sem surpresa nem escândalo, a evolução da espiritualidade cristã 4. Antônio Donato
através dos séculos e a aplicação concreta de seus elementos essenciais aos O nome de correntes ou escolas de espiritualidade não são os termos ideais
diferentes tempos, lugares, culturas e ambientes que cercaram os homens. para expressar a realidade que se quer designar com eles. Infelizmente, porém,
A espiritualidade cristã é plena e essencialmente sustentada pela doutrina parece não haver outros. Não se tratam de correntes divergentes, nem de escolas
de Jesus, complementada com a dos seus apóstolos imediatos. Não há e não pode que defendem princípios fundamentais opostos. Na verdade, os princípios
haver outra espiritualidade legítima e autenticamente cristã. São Paulo adverte fundamentais que todas elas supõem não apenas não são opostos como nem sequer
expressamente que "ninguém pode lançar outro fundamento além daquele já está são diversos. Todas elas partem, de fato, não apenas dos mesmos princípios
posto, que é Jesus Cristo» (I Cor 3,11), e São Pedro corajosamente afirmou perante o fundamentais, como todas também concordam na mesma doutrina cristã e cada
Sinédrio Judaico que “nenhum outro nome nos foi dado debaixo do céu, pelo qual uma almeja alcançar os mesmos e idênticos objetivos que todas as demais. As
podemos ser salvos"(Atos 4:12). Não vamos insistir em nada tão claro e óbvio. diversas linhas de espiritualidade podem ser consideradas como modos diversos de
É imperativo, então, antes de mais nada, lembrar-se -ao menos em uma conduzir a vida humana, com o auxílio da graça, àquela realidade a que se chama de
síntese muito breve- as características fundamentais da doutrina espiritual contemplação. Pode-se dizer que o objetivo de todas as escolas de espiritualidade,
evangélica e apostólica. Sem isso não pode-se dar um único passo na exposição da assim como o de todos os homens santos, foi o de alcançar a contemplação.
espiritualidade cristã através das grandes figuras da história. E pode-se dizer também que a contemplação, em sua forma mais plena, não
difere em sua natureza de uma escola para outra. A contemplação é não apenas um
objetivo final comum para todas, como também é uma mesma, única e precisa
realidade para qualquer uma destas escolas de espiritualidade. Cada um destes Todas essas conclusões são importantíssimas para melhor entendermos a
modos diversos de se dispor a vida espiritual difere dos demais apenas pelo modo espiritualidade de Nosso Pai Santo Afonso; nenhuma delas, porém, se comparam
como se realiza em cada um a aproximação gradual desta realidade a que com a que apresento a seguir:
chamamos de contemplação; uma vez, porém, alcançada esta realidade em toda a Se o fim último de todas as espiritualidades é alcançar a contemplação de
sua plenitude, cessam quaisquer aparentes diferenças entre os diversos modos como Deus (que significa a mesma coisa que plena união com Deus, ser santo, perfeição
pôde ter-se iniciado a vida espiritual. cristã, etc), e se para alcança-la deve-se passar antes por todos os graus de oração ou
As diversas escolas de espiritualidade podem ser comparadas aos diversos Moradas anteriores, podemos concluir que cada espiritualidade, se for autêntica,
modos como é possível escalar uma montanha. Alguns sobem pelo flanco norte, deve oferecer necessariamente a teoria e a prática, a doutrina e a vida de cada grau
outros pelo leste, outros pelo oeste, outros pelo sul, e outros ainda pelos meios ou Morada. Em outras palavras, cada escola de espiritualidade deve ensinar e
destes. As características de cada flanco. Podem ser tão diversas que se tornará fomentar a oração vocal, meditação, oração afetiva, oração de simplicidade, etc,
necessário utilizar recursos também diversos para a escalada. Alguém que teria uma bem como a prática das virtudes. Ainda que esses graus ou Moradas ganhem nomes
aptidão especial, uma história, uma facilidade ou um motivo especial para subir por e nuances diferentes em cada espiritualidade, a essência permanece a mesma, pois
um lado, poderia não tê-lo para fazê-lo ou para fazê-lo com a mesma facilidade por como explicou o Pe. Royo Marin: “A espiritualidade cristã é plena e essencialmente
outro lado e vice versa. Existe ainda o problema de que os que sobem por flancos sustentada pela doutrina de Jesus”.
aparentemente opostos podem não se enxergarem quando estão ainda nos inícios Tendo tudo isso por pressuposto vejamos agora como Nosso Pai Santo
da escalada; figurativamente, significa isto que um parece não ser capaz de entender Afonso entendeu e explicou a plenitude da vida cristã.
o proceder do outro. Todos estão, porém, escalando a mesma montanha e, quando
chegarem ao seu topo, acabarão por se encontrarem precisamente no mesmo local. A ESPIRITUALIDADE DE SANTO AFONSO
PRIMEIRAS CONCLUSÕES Antes falarmos qualquer coisa sobre Nosso Pai Santo Afonso devemos ter
Se meditarmos com atenção nessas quatro definições veremos que elas bem claro diante de nossos olhos e corações, para sermos justas com ele e com a
possuem algumas características em comum que manifestam com mais clareza a Verdade, essas duas irrefutáveis verdades:
essência, por assim dizer, das diversas espiritualidades. 1 - Santo Afonso amava muito a Deus.
Objetivamente falando pode-se dizer que uma espiritualidade é melhor do 2 - Santo Afonso queria que todos amassem muito a Deus.
que a outra na medida em que ela melhor e mais profundamente explica o fim do Desse modo, quando qualquer dúvida surgir, nós recorreremos a essas duas
Cristianismo e os meios de alcança-lo. Concretamente, porém, esse tipo de infalíveis verdades e manteremos o nosso coração tranquilo e reverente para com
julgamento pode não ser justo -e até prejudicial se levado ao extremo-, pois como esse tão bom e zeloso pai.
vimos, “Deus quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade” Primeiramente, consideremos as circunstâncias históricas nas quais viveu
(ITm 2,4). Com efeito, essa diversidade existe justamente porque Deus quer salvar e Santo Afonso.
santificar tanto o rico quanto o pobre, tanto o francês quanto o brasileiro, tanto o Nascido em Nápoles em 1696, Santo Afonso passou toda sua vida
inteligente quanto o ignorante, tanto o medieval quanto o moderno, etc. presenciando os tristes acontecimentos promovidos pelos inimigos de Deus e de sua
Há dois modos, portanto, de encarar a diversidade de espiritualidades. O Igreja. Lembrem-se que o século XVIII ficou conhecido por ser o séculos das “luzes”
primeiro é da perspectiva humana, o segundo da perspectiva divina. Na perspectiva (só se for as luzes que vinham das chamas do Inferno). Um século onde autores
humana são diversos modos pelos quais os homens sobem até Deus. Na perspectiva como Voltaire e Rousseau eram considerados “grandes intelectuais”; onde a seita
divina são diversos modos pelos quais Deus desce até aos homens. Quando olhamos maçônica crescia assustadoramente em adeptos, os quais, por sua vez, espalhavam
na perspectiva humana, vemos diversidade. Quando olhamos na perspectiva divina, suas ideias liberais e anticlericais. Em suma, um século onde abundava hipócritas que
vemos unidade. se passavam por sábios.
Dentro da Igreja o cenário também não era o dos mais tranquilos. Como Sua missão, portanto, não era apenas arrancar essas almas do pecado
vimos nas primeiras aulas, o século XVIII foi o século no qual as heresias jansenistas e mortal, mas conduzi-las à perfeição, conforme escreveu Madre Celeste em uma
quietistas mais ganharam espaço, inclusive em Nápoles. Somado a tudo isso temos carta endereçada a ele:
uma relativa crise no clero, provocada em grande parte por essas mesmas ideias “O Senhor me disse: ‘Dize-lhe, portanto de minha parte que me agrada que
revolucionárias. se afadigue para converter os pecadores à penitência, mas eu tenho grande gosto
O principal fator, porém, que moldou a fisionomia espiritual de Santo que se afadigue para conduzir também aquelas almas, que caminham pela vereda
Afonso não foram esses, mas o seu encontro com os camponeses de Santa Maria dos do divino amor, à união de meu espírito, porque nestas eu sou assas glorificado e por
Montes. elas dispenso ao mundo grandes misericórdias. ”
O extremo abandono espiritual que se encontrava aquela gente marcou
profundamente o coração do nosso pai. Naquele dia Santo Afonso descobriu a sua AULA 2
missão, e o encontro com a Madre Celeste viria para esclarecer e amadurecer esse Caras Irmãs, na aula de hoje nós veremos, em linhas gerais, como nosso pai
desejo que queimava silenciosamente em seu coração. Santo Afonso entendia e explicava o Cristianismo, isto é, o seu fim e os meios para
Assim como aconteceu com a Madre Maria Celeste, todos os episódios, alcança-lo.
encontros e desencontros, alegrias e tristezas, luzes e graças experimentados no Evidentemente não tratarei aqui de todos os detalhes da sua doutrina
passado, o preparam para agora se tornar “pai de uma família religiosa”. Com efeito, espiritual, uma vez que não temos o tempo necessário para isso e nem é também o
Santo Afonso encontrou nessa ocasião o seu lugar na Igreja. nosso objetivo, por enquanto. Não obstante, procurarei lhes apresentar os pontos
À luz deste fato histórico começamos a compreender o motivo pelo qual principais e suas inter-relações que, por sua vez, nos darão uma visão mais clara do
nosso pai optou por ter uma característica mais prática do que teórica em seus conjunto. Ademais, isso nos ajudará -assim eu espero- a melhor compreender como
escritos. Aliás, não só nos livros, mas em seus sermões e direção espiritual. as Monjas Redentoristas foram, ao longo da história, entendendo a espiritualidade
A onda de falsos intelectuais e falsas filosofias, o abandono espiritual das Redentorista e como a Madre Maria Celeste pode -e deve! - Complementar esses
pessoas do campo e o seu próprio temperamento constituíram os três principais ensinamentos para que assim possamos alcançar a perfeição cristã e nos tornar
fatores humanos, por assim dizer, que moldaram sua doutrina espiritual. Verdadeiras Esposas de Jesus Cristo.
O fator divino se acrescenta a tudo isto para fecundar a Obra: Santo Afonso, Na semana passada nós vimos como alguns fatores que denominamos
e por consequência os missionários redentoristas, nasceram para serem “humanos” moldaram a fisionomia espiritual de Santo Afonso, fazendo-o ter uma
instrumentos do Eterno Pai na salvação e santificação dos mais pobres e característica muito mais prática do que teórica. Esses fatores foram principalmente
abandonados. o seu encontro com os camponeses de Santa Maria dos Montes, o crescimento das
Eu, assim como Vossas Caridades, ao ouvir “pobres e abandonados” falsas filosofias e dos falsos sábios e o seu próprio temperamento que tendia mais à
também me recordei da heresia da Teologia da Libertação e também senti uma praticidade do que à especulação. Quando digo “fatores humanos” eu não estou
irrefletida repugnância. Não obstante, parai e considerai isso sem o viés ideológico. excluindo, evidentemente, a ação da Providência divina movendo e dispondo todos
Nós estamos falando que os redentoristas receberam a missão de revelar o imenso esses elementos. Ao utilizar essa expressão eu quero apenas destacar que nesses
amor de Deus a esses pobrezinhos. três casos circunstâncias ocasionais ajudaram Santo Afonso a descobrir a sua missão
Dessa verdade podemos concluir outra: Santo Afonso ensinou o fim do na Igreja, a sua vocação particular, enfim, àquilo que poderíamos chamar de “fator
Cristianismo e todas as etapas para alcança-lo em uma linguagem adaptada àqueles divino”. Como vimos, sua missão particular era manifestar às almas pequeninas e
que eram o seu alvo principal: as pessoas menos providas de formação intelectual. simples o imenso amor de Deus por nós, pobres pecadores. Para isso nosso pai
deveria se adaptar à capacidade intelectual dessa gente, mas sem deixar de ensinar,
obviamente, as verdades essenciais da nossa santa Fé.
A utilização dessa linguagem simples e prática não deve, porém, de maneira próprio; e aquela de Deus que, mediante seus dons, simplifica, pacifica e torna a fé
alguma, nos fazer concluir que seu conteúdo é pobre e elementar. Com efeito, contemplativa. Um duplo fruto é produzido por esta dupla atividade. A fé amante,
quem, ao ler Glórias de Maria, A Prática de Amor a Jesus Cristo, Visitas ao Santíssimo que penetra em Deus -amor que se doa a todos aqueles que o procuram-, haure dele
Sacramento, etc. não sentiu o coração se abrasar de amor como os discípulos de riquezas divinas de graça. Deus, de sua parte, por meio dos dons do Espírito Santo,
Emaús ao ouvir Jesus explicar as Sagradas Escrituras? Isso só é possível porque quem concede certa experiência de si mesmo e da sua graça. Deus é luz e amor. Na riqueza
movia a pena não era um simples homem, mas um homem movido pelo Espírito infinita da simplicidade divina, estes dois atributos correspondem às faculdades
Santo. Os inumeráveis efeitos produzidos pelos seus escritos manifestam essa humanas do saber e do querer. Deus é luz para a inteligência humana e para a fé que
verdade. Quantas edições dos seus livros! Quantas conversões! Quantas lágrimas se enxerta nela. É amor para a vontade e para a caridade sobrenatural. Por sua vez,
não escorreram sobre o rosto ao ouvir: Tu desces das estrelas, Dulcíssima Esperança, Deus se entrega como luz por meio do dom da inteligência e se deixa experimentar
Meu Louvor! Não julguemos, portanto, como homens carnais que não conhecem as como amor pelo dom da sabedoria.
coisas que são do Espírito. Lembrem-se sempre: Deus quer que todos se salvem e Sendo a contemplação essencialmente um ato da virtude da fé aperfeiçoada
cheguem ao conhecimento da Verdade. pelos dons, ela tende para Deus-luz. Mas como a caridade se revela operante na
Lançando um rápido olhar para os seus livros, parece-nos que todos eles contemplação - pois é ela que, mediante os dons, torna a fé contemplativa - a
foram escritos de forma aleatória e que não há uma tentativa de sintetização e contemplação, de fato, não pode repousar em Deus-luz senão no amor e por meio do
ordenação. Não nos enganemos nisso também. amor.
O fato de Santo Afonso não ter explicitado a correlação que há entre todas As manifestações de Deus-luz não poderiam ser experimentadas como tais
as suas obras não nos impede de enxerga-las. Assim como toda ordem -entendida por nossa inteligência. Tal é a lei geral que São João da Cruz enuncia e explica: ‘...
como disposição organizada de vários elementos-, o conjunto literário de Santo não tem o entendimento as disposições requeridas nem a capacidade conveniente,
Afonso possui um começo, um meio e um fim. Vejamos quais são. estando preso no cárcere do corpo, para a percepção de uma notícia clara de Deus.
Comecemos pelo fim. Desse modo entenderemos mais claramente o meio Esta luminosa notícia não é própria para esta terra; faz-se preciso morrer ou
adequado para alcança-lo e por onde devemos começar. renunciar à sua posse. Quando Moisés pediu a Deus essa notícia clara, recebeu como
De temperamento expressivo, de vontade forte e de caráter prático, Santo resposta: "Não me verá nenhum homem que possa continuar a viver" (Ex 33,20).
Afonso, na sua vida de intimidade com Deus, frequentemente percebia os efeitos da "Ninguém jamais viu a Deus, afirma São João" (Jo 1,18).
Graça mais na sua vontade do que em seu intelecto. Em outras palavras: ele Se as comunicações de Deus-luz são privativas e decepcionantes para as
enxergava mais a união da vontade do que a iluminação da inteligência. Esse fato é faculdades humanas, aquelas de Deus-amor são, pelo contrário, positivas e cheias de
muito importante para compreendermos a doutrina espiritual do nosso pai. delicias.
A experiência de Deus-luz e Deus-amor pode variar em cada santo, mesmo A desproporção entre o Infinito divino e o humano, que não permite à
tratando-se da mesma etapa da vida espiritual. Para melhor entendermos esse tema inteligência perceber a luz divina, não impede a vontade de experimentar Deus-
eu recolhi alguns trechos do livro "Quero Ver a Deus", do Beato Frei Maria-Eugênio, amor. A inteligência só pode conhecer, englobando e, portanto, algo menor que ela
no qual ele explica essa aparente ambiguidade que havia nas descrições de Santa mesma. À vontade, para amar, penetrar no amado e experimentar-lhe o amor, basta
Teresa e de São João da Cruz sobre o mesmo período da vida espiritual. Todas essas um contato. Que importa se os dois seres que o amor une se apresentem um ao
explicações aplicam-se muito oportunamente nas experiências da Madre Maria outro com uma certa igualdade, como dois rios que misturam suas águas, ou que
Celeste e de Santo Afonso. O Frei Carmelita escreve o seguinte: haja aí desproporção, como entre a gota de água e o oceano onde a deitam? O amor
“A contemplação sobrenatural, este olhar simples da fé aperfeiçoada em realiza a sua obra de compenetração, de união e gera a igualdade.
seu exercício pelos dons do Espírito Santo, procede de uma dupla atividade Assim, apesar de suas deficiências, a vontade e os sentidos podem receber
sobrenatural: a da alma, cuja fé amante penetra na verdade divina, seu objeto Deus-amor, unir-se a ele e experimentá-lo segundo seu modo de sentir e de
conhecer. Santa Teresa, com efeito, fala de um amor saboroso na vontade; São João pela vontade de Deus, não só lhe são desagradáveis, mas também odiosas e
da Cruz fala de conhecimento recebido no entendimento, o qual fica ofuscado. merecedoras unicamente de castigo. ”
Existem, portanto, duas formas bem distintas de contemplação: uma, Mas, afinal, o que Santo Afonso entendia por vontade de Deus?
luminosa, que seria descrita por São João da Cruz, e outra, amorosa, aquela de Santa Compreender isso é importantíssimo, uma vez que é realizando-a que, segundo
Teresa? Distinguir duas formas de contemplação que se excluem uma da outra seria Santo Afonso, nós alcançamos a perfeição cristã.
contrário à própria natureza da contemplação, que procede simultaneamente da fé e Primeiramente vejamos como o nosso santo pai explicou isso e,
da caridade e que produz conhecimento e amor. Isso seria também contradizer os posteriormente, acrescentemos os ensinamentos de Santo Tomás e de Santa Teresa
enunciados de São João da Cruz e de Santa Teresa que pretenderíamos invocar para afim de alargar os nossos horizontes sobre o tema.
nos justificar. As manifestações de Deus-luz e manifestações de Deus-amor não se Nesse mesmo Tratado Santo Afonso escreve que devemos nos conformar à
opõem. São João da Cruz e Santa Teresa confrontaram suas experiências em vontade de Deus em tudo aquilo que Deus dispõe ou permite como o clima muito
múltiplos colóquios. Estas mútuas confidências não criaram nem perturbação, nem a quente ou frio, a fome e a sede, as limitações da nossa natureza, as enfermidades, as
divisão entre suas almas. Muito pelo contrário, elevaram-nos num êxtase comum. securas espirituais e a própria morte e suas circunstâncias. Mas, acima de tudo,
Não há duas contemplações cristãs. Há apenas uma que se dirige para Deus acrescenta Santo Afonso:
Uno em três Pessoas, mas que pode produzir, nas almas, efeitos diversos. ” “[…] devemos estimar aquelas coisas que pertencem à glória de Deus, mas
Como estávamos dizendo, Santo Afonso, assim como Santa Teresa, captava devemos estimar ainda mais a sua divina vontade; devemos desejar amá-lo mais que
a ação da Graça mais na sua vontade do que em seu intelecto. Não obstante, como os Serafins, mas não devemos desejar maior grau de amor que não seja aquele que o
muito bem demonstrou o Frei Carmelita, trata-se da mesma etapa da vida espiritual, Senhor tem determinado conceder-nos. O padre Ávila diz (Audi. filia. C. 22): “Eu creio
a qual pode receber o nome de contemplação infusa ou união passiva da vontade. que os santos desejariam ser ainda melhores do que foram; porém esses desejos não
Santo Afonso vai chama-la de conformidade com a vontade de Deus, pois foi perturbavam a paz de suas almas, porque eles, se assim o desejavam, não era por
principalmente sob esta ótica que ele percebeu a ação de Deus em sua alma. Deve- motivos de interesse próprio, mas para a glória de Deus, a cujas deliberações se
se notar, porém, que essa realidade, tenha ela o nome que for, pode crescer em submetiam, ainda que Ele lhes desse menos; estimando como perfeito amor o
intensidade, isto é, a contemplação infusa que se inicia na 5ª Morada pode crescer estarem satisfeitos com o que Deus lhes tinha dado, e não apetecendo mais”. Assim
até culminar na 7ª, e assim também com a conformidade com a vontade de Deus. Rodriguez o interpreta (Trat. 8. C. 30): ainda que devamos ser diligentes em aspirar a
Essencialmente é a mesma realidade, o que muda é a sua intensidade ou perfeição até onde possamos chegar, para não servir de escusa à nossa preguiça e
perfeição. No seu famoso Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus, Santo tibieza, como alguns fazem, e dizermos: “Deus nos dará isto”; “eu posso fazer só
Afonso assim escreve: isto”; contudo, quando falhamos neste caminho, não devemos perder a nossa paz de
“Toda a nossa perfeição consiste em amar ao nosso amabilíssimo Deus. ‘A espírito, nem a conformidade com a vontade divina, a qual permitiu nossa falta,
caridade é o vínculo da perfeição’ (Col 3, 14). E toda a perfeição do amor de Deus humilhar-nos e arrepender-nos; e procurando maior auxílio em Deus, prosseguir
consiste em unir a nossa vontade com a sua santíssima vontade. ‘O principal efeito nosso caminho. Por este modo, ainda que aspiremos a ser exaltados no Céu ao coro
do amor’, diz S. Dionísio (De divinis nominibus, c. 4), ‘é unir a vontade daqueles que dos serafins, não por certo para termos maior glória, mas sim para a dar a Deus, e
se amam de maneira que se torne uma e a mesma vontade’. Por conseguinte, amá-lo ainda mais, todavia devemos resignar-nos à sua santa vontade, contentando-
quanto mais uma pessoa está unida com a vontade divina maior será o seu amor. nos com aquele grau que a sua misericórdia se digne conceder-nos.”
Penitências, meditações, comunhões e obras de caridade, praticadas para com o A glória de Deus é a vontade suprema do próprio Deus e isso não poderia
nosso próximo, são decerto agradáveis a Deus, mas quando? Quando estas obras ser diferente, pois Deus não tem vontade, mas ele é a sua própria vontade, logo Ele
são feitas em conformidade com a Sua vontade; mas, quando elas não se praticam não poderia agir segundo um fim alheio a si mesmo. Caso contrário Ele não seria
Deus.
Conformar-se perfeitamente à vontade de Deus, portanto, equivale à unir- vontade acompanhada da suspensão da imaginação e memória… é a doçura que se
se perfeitamente a Ele. Realizando isso rendemos o louvor perfeito à Sua glória. É experimenta com isso, o consolo.
exatamente nisso que consiste a perfeição cristã ou santidade. São Paulo também O modo como Santo Afonso ensinou às almas a se disporem a essa ação do
confirma essa doutrina quando escreve aos Efésios: “Ele nos manifestou o misterioso Espírito Santo será, se Deus nos permitir, o tema da nossa próxima aula. Nela
desígnio de sua vontade, que em sua benevolência formara desde sempre, para falaremos dos meios que nos conduzem a esse fim apresentado na aula de hoje.
realizá-lo na plenitude dos tempos - desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as AULA 3
que estão nos céus e as que estão na terra. Nele é que fomos escolhidos, Caras Irmãs, antes de introduzir o tema da aula de hoje eu gostaria de
predestinados segundo o desígnio daquele que tudo realiza por um ato deliberado de responder a uma objeção que talvez pode ter sido levantada mentalmente por
sua vontade, para servirmos à celebração de sua glória, nós que desde o começo alguma de Vossas Caridades e esclarecer um pouco mais a questão do fim segundo
voltamos nossas esperanças para Cristo. Nele também vós, depois de terdes ouvido a Santo Afonso. A objeção é a seguinte: “Com base em quê Vossa Caridade afirmou
palavra da verdade, o Evangelho de vossa salvação no qual tendes crido, fostes que Santo Afonso, ao escrever que a contemplação não é necessária à santidade,
selados com o Espírito Santo que fora prometido, que é o penhor da nossa herança, quis dizer que ele se referia à contemplação acompanhada da suspensão da
enquanto esperamos a completa redenção daqueles que Deus adquiriu para o louvor memória e imaginação e não à contemplação pura e simplesmente? Afinal, Santo
da sua glória. ” (Efésios 1:9-14). Afonso disse claramente que a contemplação não é necessária.
Para realizar essa vontade suprema de Deus, porém, deve-se passar, Objeção demasiada importante para ser ignorada, mesmo que nenhuma de
necessariamente, pelas três formas pelas quais ela se manifesta: pela lei natural, que V. C. a tenha realmente levantada.
foi inscrita no nosso coração; pelos mandamentos de Deus, da Igreja e pelas nossas A Providência Divina me poupou o trabalho de meditar longamente para
Regras e, finalmente, pela intervenção dos Dons do Espírito Santo que ilumina a descobrir a resposta. O motivo é simples: o Padre Garregou-Lagrange já havia se
nossa inteligência e move a nossa vontade para realizar atos sobrenaturais mais perguntado acerca disso e encontrado a resposta. Passemos, pois, a palavra a um
perfeitos. dos teólogos mais profundos dos últimos tempos:
Para que isso fique mais claro vejamos o que nos ensina o Frei Maria- Pode-se objetar que na Praxis confessarii Santo Afonso, depois de ter
Eugênio à luz da doutrina de Santa Teresa e Santo (leitura). descrito as purificações passivas dos sentidos e do espírito, as orações infusas de
Podemos concluir, portanto, que quando Santo Afonso diz que a perfeição recolhimento e quietude, a contemplação negativa e obscura infusa, quando vem
consiste em conformar a nossa vontade à vontade de Deus, ele não estava dizendo falar da união passiva (5 morada de Santa Teresa) declara que não é necessário à
que isso era possível somente com a graça ordinária, mas pela intervenção dos Dons. perfeição, e que, como diz o cardeal Petrucci, basta a união ativa. Ele cita em apoio,
A grande confusão estava na utilização de termos pouco precisos ao se referir a essa seguindo Bernardo del Castelvetere, a um texto de Santa Teresa, segundo o qual a
etapa da vida espiritual. Como disse o Padre Juan Arintero: isso foi fruto da grande perfeição não consiste no êxtase, mas na união da nossa vontade com a vontade
humildade de Santo Afonso que fê-lo seguir a opinião corrente dos teólogos da divina. Ele mesmo diz de passagem, n° 127, que no estado passivo de contemplação
época. a alma não merece (adquire méritos).
Quando Santo Afonso escreve no Tratado da Conformidade com a Vontade Haveria muito a dizer aqui: Na nova edição da Praxis confessarii, feita em
de Deus que “seria grande culpa desejar dons de sobrenatural oração” e que “a Roma, 1912, por P. G.-M. Blanc, C. Ss. R., é indicado em nota a este nº 136. p. 229
virtude é bastante para elevar a alma à santidade” *, ele não se referia que Santo Afonso cita aqui Santa Teresa através de Bernardo Del Castelvetere e que
simplesmente à contemplação infusa ou união de vontade produzida pela o texto não é explicitamente como o da santa.
intervenção do Espírito Santo através dos Dons de Inteligência e Sabedoria, mas ao A editora observa que ela não disse que poucas almas são conduzidas pelos
que Santa Teresa chama de atalho, isto é, a contemplação infusa ou união de caminhos sobrenaturais; mas que ela preferia dizer o contrário quando falava de
pessoas que ela mesma conhecia; Veja sua Vida, cap. 15; Caminho da Perfeição, c. 17 da Noite Escura, que não há verdadeira perfeição cristã sem a grande docilidade às
e 19; Castelo interior, 5 Morada, c. 1. luzes e inspirações do Espírito Santo, que caracterizam os caminhos iluminativos e
Quando ela diz que a perfeição não consiste no êxtase, não há dificuldade unitivos e que, se prolongados, colocam a alma em um estado passivo por pelo
do nosso ponto de vista, uma vez que o êxtase é apenas um fenômeno concomitante menos alguns momentos, seja em forma árida e purificadora, seja em forma de
até mesmo da união passiva, e esta última pode existir sem êxtase. Além disso, neste consolação. Basta, para perceber isso, ler a novena de Santo Afonso ao Espírito
lugar da Praxis Santo Afonso expressamente diz que o que ele entende por união Santo:
passiva é um estado superior à purificação passiva dos sentidos, ao recolhimento O amor é a água que satisfaz: Si quis sitit, veniat ad me. Quem quiser ser
passivo e à oração de quietude. Portanto, mesmo que a união passiva, assim feliz venha a mim e eu lhe darei o Espírito Santo que o fará feliz nesta e na próxima
entendida, não fosse necessária à perfeição, não se seguiria que os estados passivos vida. Qui credit in me, sicut dicit Scriptura, flumina de ventre ejus fluent aquae
inferiores a ele não fossem necessários; tanto mais que o santo observou um pouco vitae. Assim, quem acredita e ama Jesus Cristo será enriquecido com tanta graça,
antes, n ° 134, que a oração passiva de quietude é muitas vezes sem nenhuma que mais fontes de santas virtudes brotarão de seu coração, o que não só ajudará
doçura sensível. Como provar que ela não existe nas prolongadas aridezes pelas a preservar sua vida, mas também a dar vida aos outros... É precisamente a isso
quais passam as almas perfeitas sem abandonar a oração? que a santa Igreja nos faz rezar: Ó Espírito divino... Rogo-te que me dês o dom da
Notemos também que Santo Afonso, n° 138, ao descrever a União oração. Entra no meu coração e ensina-me a fazê-la como se deve. Dá-me forças
Transformante segundo a Sétima Morada de Santa Teresa realmente dá uma para não abandoná-la por tédio em tempos de aridez... Loquere, Domine, quia
descrição da plena perfeição da vida cristã, de modo que não parece totalmente audit servus tuus...
realizada antes deste cume. Recordo que neste estado superior não há mais Vejam, portanto, que há muito mais nuances do que imaginávamos. Santo
suspensão de potências, que estas agora purificadas são capazes da união divina. [...] Afonso não negava a necessidade da contemplação em absoluto, mas, ao contrário
O que Santo Afonso está descrevendo aqui parece ser o prelúdio normal aqui disso, parece que ele queria -por causa daquilo que ele experimentava em si-
embaixo para a visão beatífica, ou seja, a disposição futura muito perfeita para defender claramente essa posição, mas ao mesmo tempo tinha receio de ser mal
recebê-la imediatamente após a morte. [...] se lermos atentamente o texto de Santo interpretado (lembrem-se da imaginações férteis e loucas dos quietistas!) e, como
Afonso, veremos que a União Transformante descrita por ele, segundo Santa Teresa, disse Pe. Arintero, por humildade não queria contrariar a posição de quase todos os
não é uma graça extraordinária de si mesmo como uma revelação profética ou um teólogos da sua época. Penso que sua atitude diante do problema envolvendo a
milagre, mas o ápice, a verdade mais elevada e raramente alcançada do Madre Maria Celeste e o Mons. Falcoia se deu algo semelhante. Enfim... Lembrem-se
desenvolvimento normal (na lei, se não de fato) da vida da graça. É, em outras sempre, caras Irmãs: Santo Afonso amava muito a Deus. Santo Afonso queria que
palavras, o prelúdio normal, nos santos, da vida do céu, assim como a alta perfeição todos amassem muito a Deus.
em que consiste a santidade. Do mais, eu lhes digo que, na minha opinião, quando vamos estudar a
Mas se assim é, como é que Santo Afonso disse um pouco antes na Praxis, espiritualidade redentorista como um todo, não se pode ignorar, sem prejuízo da
nº 136, que a união passiva não é necessária à perfeição, mas que a união ativa é compreensão da mesma, a doutrina espiritual da Madre Maria Celeste. Ambos se
suficiente? Ele reproduz aqui, como expressamente diz, o pensamento do cardeal enriquecem e complementam-se mutuamente.
Petrucci, e de fato a união ativa basta para uma certa perfeição. Mas basta para Com relação a questão do fim eu gostaria de deixar ainda mais algumas
chegar ao perfeito desapego das criaturas e de si mesmo? [...]. poucas palavras. Em vão tentaríamos explicar com profundidade e exatidão a
Quando expõe espontaneamente seu pensamento, sem citar tal ou tal doutrina espiritual de nosso pai Santo Afonso somente analisando os seus escritos.
teólogo de seu tempo, o cardeal Petrucci ou Bernardo del Castelvetere, Santo Afonso Com efeito, é sobretudo na sua vida que podemos ler o real significado da sua
os ultrapassa notavelmente e se une ao pensamento de São João da Cruz, cuja conformidade com a vontade de Deus.
autoridade é, claramente, muito superior ao deles. Ele diz claramente, como o autor
Quem considera as suas virtudes heroicas, o seu completo abandono à visitarmos à Santíssima Trindade, não é mister que subamos ao céu ou entremos
vontade de Deus diante das inúmeras tribulações, o seu zelo ardentíssimo pela numa igreja; basta que lancemos um olhar de fé sobre nossa própria alma, na qual
salvação das almas, sua filial e terna devoção à Santíssima Virgem Maria, enfim... o está impressa a bela e amada imagem de Deus que ali habita como em seu templo.
seu amor profundo por Jesus que lhe fazia desejar e se alegrar nas mais dolorosas Recolhe-te, portanto, dentro de ti mesmo, e ali, todo silencioso, adora, louva, ama e
cruzes começa a entender que o fim de sua doutrina, bem como o de sua vida, não bendiga à Santíssima Trindade. Em particular diga frequente e devotamente o
foi outro se não o completo desprezo de si mesmo para unir-se perfeitamente a Gloria-Patri, onde, na palavra de São Francisco de Assis, se acha resumida toda a
Jesus Redentor e ser transformado n’Ele afim de continuar a Obra da Redenção, ciência e virtude das Sagradas Escrituras. ” (Med. Para Todos os Dias do Ano).
ainda que as palavras não sejam as mais exatas e explicitas. Nisso se realiza a Muitos conhecidos nossos creem em Cristo, no entanto parece-nos que eles
conformidade perfeita com a vontade de Deus, exatamente como expressou a monja não querem de fato se conformar plenamente com a vontade de Deus. O motivo é
redentorista que escreveu o livreto sobre a missa: "Eu não posso ser Redentorista simples de compreender. Hugo de S. Vitor ensina que existem três graus na fé. O 1º
sem Ele. Dai-me este Pão divino que me transformará n’Ele e que o fará viver no meu consiste em aceitar todas as verdades da Fé e não contraria-las. O 2º consiste em
lugar. Então vosso Nome será santificado, glorificado em mim por meio d’Ele; vós procurar entender esses Dogmas da nossa Fé.
reinareis perfeitamente em minha alma por meio d’Ele; vossa vontade divina será Por fim, o 3º grau consiste em começar a experimentar em si esses
cumprida até à perfeição, sempre por meio d’Ele”. Enfim… Deixemos as diferenças de Mistérios, isto é, experimentar a “substância das coisas que se esperam”, como diz S.
lado e nos apeguemos ao essencial, àquilo que todos os santos ensinaram: amar a Paulo.
Jesus até a loucura da cruz. Essa fé que nos permite realizar plenamente a vontade de Deus, portanto,
Muito bem, passemos a tratar agora sobre o meio para alcançar a plena não é somente aquela que nos faz acreditar nos Dogmas da Igreja, mas aquela que
conformidade com a vontade de Deus. nos faz encontrar o Verbo Encarnado que habita em nós e sobre o qual as fórmulas
Na penúltima aula nós falamos que se uma escola de espiritualidade tem dogmáticas apontavam e explicavam… é encontrar o Pai que está nos céus. Aliás, não
por objetivo levar os seus membros à contemplação da Santíssima Trindade ou à só o Pai, mas toda a Ss. Trindade.
União Transformante com o Verbo Encarnado ela deve, necessariamente, ensinar e Ora, isso começa a se manifestar mais claramente, ainda que de maneira
fomentar aquelas coisas que precedem e conduzem a esse fim, isto é, os graus de bem fraquinha, naquilo que o Pe. Royo Marin chamou de plena “Oração de
oração anteriores e a prática e desenvolvimento das virtudes infusas. Ora, a doutrina Simplicidade” e Santa Teresa de “Oração de Recolhimento Adquirido” ou final da “3ª
ensinada por Nosso Senhor e seus Apóstolos imediatos é muito clara com relação a Morada”. Santo Afonso no-lo apresenta simplesmente como “O Grande Meio da
esse meio: Oração”. Façamos antes algumas breves considerações sobre este grau de oração
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por para que, ao ver como Santo Afonso o explicava, percebamos que se trata
Mim. ” exatamente da mesma realidade, mesmo utilizando termos diferentes e mais
Não basta, porém, para a nossa salvação e santificação, que Jesus tenha adaptado às almas simples.
realizado a obra da Redenção, é preciso se aproximar d’Ele para tomar posse dessa Assim descreve a Oração de Simplicidade o Pe. Royo Marin
herança espiritual. Essa aproximação, esse contato com o Verbo Encarnado se dá "A oração de simplicidade foi definida por Bossuet como uma simples visão,
pelos Sacramentos da Fé e pela própria fé, ensina Santo Tomás de Aquino. olhar ou atenção amorosa dirigida a algum objeto divino, seja Deus em si mesmo ou
Esse “crer em Cristo”, no entanto, não deve ser entendido de maneira alguma de suas perfeições, seja Nosso Senhor Jesus Cristo ou algum de seus
simplória, caso contrário corremos o risco de ouvir do próprio Senhor: “Nem todo mistérios, sejam outras verdades cristãs.
aquele que diz: Senhor! Senhor! Entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que faz a Como se vê, trata-se de uma oração ascética extremamente simplificada. O
vontade de meu Pai que está nos céus”. Não qualquer vontade, portanto, mas a discurso se transformou em simples olhar intelectual; os afetos variados, em uma
vontade do Pai que está nos céus. Santo Afonso assim escreve: "Para acharmos e simples atenção amorosa a Deus. A oração continua sendo ascética - a alma pode
colocar-se nela quando quiser depois de ter adquirido dela o hábito, porém já me manifestarei a ele. ” E mais adiante: "Se alguém me ama, guardará a minha
começa a sentir as primeiras influências da oração infusa, para a qual a oração de palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada."
simplicidade é excelente disposição. É o que diz de modo expresso Bossuet Isto é, aquele que, após ter percorrido todos os degraus anteriores, pratica a
imediatamente depois das palavras da definição que acabamos de sublinhar. Eis aqui Oração de Simplicidade intensamente alcançará, pela graça e misericórdia de Deus, a
suas próprias palavras: contemplação infusa... a união da vontade... a vida espiritual movida
«A alma deixa então o discurso, e se vale de uma doce contemplação, que a predominantemente pelos Dons do Espírito Santo que produz atos heroicos.
man- tém em doce sossego e atenção e a faz suscetível das operações e impressões Muito bem, mas como é que nosso pai Santo Afonso explicou tudo isso?
divinas que o Espírito Santo lhe queira comunicar; trabalha pouco e recebe muito; Logo na dedicatória do seu livro “O Grande meio da Oração” Santo Afonso
seu trabalho é agradável, mas nem por isso deixa de ser futuoso; e como cada vez se escreve o seguinte:
chega mais próximo da fonte de onde emanam a luz, a graça e as virtudes, recebe Vós, Verbo encarnado, destes o sangue e a vida a fim de obter para as
mais e mais dela>> nossas orações, como prometestes, um valor tão grande que elas nos alcançam tudo
Por onde parece claro que a oração de simplicidade indica exatamente o que pedimos. E nós, ó Deus, somos tão descuidados da nossa salvação, que nem
trânsito da ascética à mística, da adquirida à oração infusa. O próprio Bossuet nos pedir queremos as graças necessárias para nos salvar! Por este meio, pela oração,
fala - no texto citado - de uma doce contemplação que a alma começa a receber e a nos destes a chave de todos os vossos divinos tesouros. E nós, porque não pedimos,
torna suscetível das impressões do Espírito Santo. Ele alude clarissimamente à queremos permanecer em nossas misérias. Ah, Senhor! Iluminai-nos e fazei-nos
contemplação infusa, que começa a alvorecer na oração de simplicidade. Há nela conhecer quanto valem, perante o Pai eterno, as orações feitas em vosso nome e por
elementos adquiridos e infusos que se mesclam e entrelaçam em diversas vossos merecimentos.
proporções. Se a alma for fiel, os elementos infusos irão incrementando-se E no prólogo do livro:
progressivamente até chegar a prevalecer completamente. Publiquei várias obras espirituais. Penso, entretanto, não ter escrito obra
Prestai atenção, caras Irmãs, e vede se essa descrição não se enquadra com mais útil do que esta, na qual trato da oração, porque a oração é o meio necessário e
aquele episódio do Evangelho, no qual os Apóstolos, juntamente com a Virgem certo de alcançarmos todas as graças necessárias para a salvação. Se me fosse
Maria, ficaram rezando incessantemente no Cenáculo aguardando a força do Alto. possível, faria imprimir tantos exemplares deste livro quantos são os fiéis de todo o
Ou então, aquela atitude de Maria, irmã de Marta, que só tinha uma única mundo. Daria um exemplar a cada um, afim de que todos pudessem compreender a
preocupação: ficar aos pés do Senhor e ouvi-lo. Mais ainda: vede essa frase da necessidade que temos de orar para nos salvar.
Madre Maria Celeste e considerai se ela também não está se referindo a mesma Prestai atenção, caras Irmãs, e vede como essas exclamações brotam de um
realidade: coração que experimentou profundamente essas realidades e desejava
"[...] não se iluda qualquer alma que deseja chegar à perfeição, jamais ardentemente, por amor ao próximo, fazer com que todos compreendessem que
poderá consegui-la por outra via que não seja por esta assídua aplicação a estar não existe outro caminho que nos leva ao Pai a não ser o da oração.
atenta em olhar seu Deus presente com amor. E quanto maior for a diligência, mais Santo Afonso, assim como Santa Teresa, não utiliza o termo fé, mas fala de
depressa alcançará. Se mais lentamente, mais tardará em conseguir sua perfeição." oração. Mas, afinal, o que é a oração se não um elevar da alma a Deus? E como se
(Diálogos da Alma) realiza isso se não pela fé, esperança e caridade?
Parece-nos que sim. E estão, de fato, pois a Oração de Simplicidade não é Mas não é só isso. Essa vida de fé e amor, como vimos, não pode ser de vez
outra coisa senão o exercício constante e profundo das três virtudes teologais. Com em quando, mas permanentemente. Nosso pai assim explica essa característica da
efeito, Nosso Senhor disse que "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda oração.
esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e Sobre as palavras do Salmista: “Dentro de mim orarei ao Deus de minha
vida”, diz a glosa: “Dirá alguém: não posso jejuar, não posso dar esmolas; mas não
poderá dizer: eu não posso rezar, pois é a coisa mais fácil que há”. Contudo, não
devemos cessar de rezar. "Bem-aventurado o homem que ouve e que vela
diariamente à entrada da minha casa” (Pr 8, 34). Bem-aventurado, diz Nosso Senhor,
é aquele homem que ouve e continuamente vela às portas da minha misericórdia
com as suas orações. [...] Por isso, no Evangelho, Nosso Senhor nos exorta a pedir,
mas de que maneira? “Pedi e recebereis; buscai e achareis: batei e abrir-se-vos-á” (Lc
11, 9). Bastava dizer: “Pedi”. Para que acrescentar: “buscai”, “batei”? Mas, não. Não
foi supérfluo acrescentar estas palavras. Com isto, queria Jesus ensinar-nos que
devemos fazer como fazem os pobres, quando vão pedir esmolas. Esses, quando não
recebem a esmola pedida, pedem uma e mais vezes, batem repetidas vezes à porta,
quando não vem logo alguém atendê-los e, por fim, se tornam molestos e
importunos. Deus quer que façamos assim também. Quer que supliquemos e
tomemos a suplicar e não cessemos de suplicar que nos assista, nos socorra, nos
ilumine, nos fortaleça e não permita que venhamos ainda a perder a sua graça.
Há mais algumas outras características que eu gostaria de lhes apresentar,
porém, devido ao tempo avançado, trataremos na semana que vem, que será a
última aula sobre Santo Afonso dentro dessa sequência de aulas sobre a história da
O.Ss.R.

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