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Conteúdo

CAPÍTULO 1 - DECLARAÇÃO DA DOUTRINA

CAPÍTULO 2 - A DOUTRINA BÍBLICA DA SANTIDADE

CAPÍTULO 3 - A IGREJA PRIMITIVA

CAPÍTULO 4 - OS PLATÔNICOS CRISTÃOS

CAPÍTULO 5 - PERFEIÇÃO MONÁSTICA

CAPÍTULO 6 - SANTO AGOSTINHO

CAPÍTULO 7 - O ENSINAMENTO CATÓLICO ROMANO

CAPÍTULO 8 - A PERFEIÇÃO CRISTÃ NA TEOLOGIA DA REFORMA

CAPÍTULO 9 - A PERFEIÇÃO CRISTÃ NO PERÍODO PÓS REFORMA

CAPÍTULO 10 - A DOUTRINA WESLEYANA DA PERFEIÇÃO

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 1 - Declaração da Doutrina

Em seu ensaio sobre Voltaire, John Morley declara que a santidade é “a mais profunda dessas palavras
que não se podem ser descritas”. em tempos mais recentes Rudolph Otto desenvolveu a mesma idéia em sua
obra clássica, The Idea of the Holy1 (A Idéia da Santo), na qual aduz que a criação de “O Santo” (a “consciência
que a criatura ”tem dele, e do qual escreve Paulo em Rm 1:19-20) é a mesma essência da religião. Ser humano é
ser confrontado pelo Deus santo. Por esta razão, o conceito de santidade, em uma forma ou outra, é tão antigo
como a religião.
Do ponto de vista da Bíblia, a santidade tem sua origem no Eterno. "Bendito o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em
Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele" (Ef 1:3-4).
A santidade é a suma dos requisitos da lei. Para responder a pergunta, “qual é o grande mandamento na
lei?”, Jesus respondeu com as palavras de Deuteronômio 6:4-5 e Levítico 19:18, “Amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O
segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem
toda a Lei e os Profetas.” (Mt 22:36-40).
A santidade é também a promessa do Evangelho. E, por incrível que pareça, encontramos tal promessa
no Antigo Testamento: “O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para
amares o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas." (Dt 30:6). Este foi o texto
que John Wesley escolheu para seu primeiro sermão sobre a perfeição cristã que ele pregou na Universidade de
Oxford. Deixemos que Wesley mesmo descreva a ocasião:

O 1o de Janeiro de 1733, preguei ante a Universidade na Igreja de Santa Maria sobre


“Circuncisão do Coração”, em cuja ocasião, para descreve-la disse: “É essa disposição geral da
alma que, nas Escrituras é chamada santidade; e a que implica diretamente o ter sido purificado
do pecado, ‘de toda contaminação da carne e do espírito’; e, que resulta no haver recebido todas
essas virtudes que estavam em Cristo Jesus; o haver ‘sido renovados no entendimento’, era o ser
‘perfeitos como nosso Pai que está nos céus é perfeito’.” No mesmo sermão declarei: “O amor é o
cumprimento da lei, ‘o fim do mandamento’, se não todos os mandamentos em um. ‘Todo o que é
justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama’, tudo isso está incluído
nesta única palavra, amor. Aqui está a perfeição, e a glória, e a felicidade. A lei áurea do céu e da
terra é esta: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o
teu entendimento’” 2.

A doutrina da perfeição cristã é o glorioso ensinamento que postula que pelas provisões do sacrifício de
Cristo e da agencia pessoal do Espírito Santo, e cumprida a condição da fé simples, os que tem confiado para a
sua salvação em Cristo, podem ser purificados do pecado original, ou depravação, e transformados a um estado
de inteira devoção a Deus e de amor sem egoísmo a seus próximos.
Cremos que este é o que significa ser “perfeito” no sentido bíblico. “A palavra (perfeito) tem vários
significados”, explica Wesley; “aqui significa amor perfeito. O amor excluindo o pecado; o amor enchendo o
coração, apoderando-se, por assim dizer, da alma em toda sua capacidade”3.

A. Santificação
Esta palavra, como a outra, santidade tem vários significados que é importante considerar.

1. Santificação em geral
Em termos gerais, santificação se refere ao processo total de chegar a ser cristão e de continuar sendo.
“Em seu sentido mais amplo, o termo santificação inclui todos esses efeitos que a Palavra de Deus produz no
coração e na vida do homem, que principiam com seu novo nascimento, da morte espiritual à vida espiritual, e que
culmina com a perfeição espiritual na vida eterna”4. Eis aqui outra definição: “A santificação é a obra do Espírito
Santo de Deus, que livra os homens da culpa e do poder do pecado, que os consagra para que sirvam e amem a
Deus, e que compartilha, inicial e progressivamente, os frutos da redenção de Cristo e as virtudes da vida santa”5.

2. Santificação por posição


Os teólogos luteranos e calvinistas geralmente tem apoiado a idéia da santificação, ou santidade, por
posição. Um interprete recente de Lutero escreve:

Posto que a fé recebe e aceita o dom de Deus e assim é como os homens se tornam
santos mediante a fé, “santos” se torna equivalente de “o que está crendo”. Os santos são os
crentes e “ser santo” significa “o ter sido feito “crente”. Na explicação de Lutero dá, a ênfase passa
de santificar e a ação da santificar, à fé e à ação de santificar, à fé e à ação de ser conduzido à fé,
exceto que não há uma verdadeira diferença entre os dois6.

3
John F. Woolvoord explica que “a perfeição por posição é revelada como a possessão de todo o cristão...
É, por tanto, a perfeição absoluta que Cristo realizou para nós na cruz. Aqui não há referencia alguma acerca da
qualidade da vida cristã. O assunto de viver sem pecado não tem prioridade. Todos os santos (os santificados)
são participantes da perfeição realizada pela morte de Cristo”. A perfeição por posição é um sinônimo de
santificação por posição, a qual é “realizada por Cristo para cada crente, e que cada crente possui desde o
momento que exerce a fé salvadora”7.
Os Welseyanos aceitam esta posição, posto que é um aspecto do ensinamento bíblico. A santificação é
“atribuída da santidade às pessoas por virtude de seu relacionamento com Deus. É o menor significado do termo,
e é a que se dá quando se diz que todos os cristãos são santos. A Igreja cristã é uma comunidade separada, cuja
natureza é santa”8.
Entretanto, do ponto de vista Wesleyano, a santificação é mais que uma relação objetiva com Deus
através de Cristo. No momento em que esta relação nova é estabelecida por fé em Cristo, o crente justificado
recebe o Espírito Santo e experimenta o princípio da santificação ética. A este princípio nos o chamamos de
santificação inicial.

3. Santificação inicial
Quando perguntam a Wesley quando principia a santificação, respondeu: “No momento em que somos
justificados; a semente da virtude é plantada na alma. Desde esse momento o crente morre gradualmente para o
pecado, e cresce na graça. Entretanto, o pecado permanece nele; efetivamente, a semente de todo o pecado (fica
nele) até que é santificado no espírito, alma e corpo”9. Wesley crê que a santificação, neste sentido inicial, é a
contrapartida ética da justificação. “No momento em que somos justificados”, explica Wesley, “neste mesmo
momento principia a santificação. Neste instante nascemos de novo, nascemos do alto, nascemos do Espírito: se
efetua uma mudança verdadeira tanto como uma mudança relativa. Somos renovados interiormente pelo poder de
Deus”10. Assim que a santificação inicial é praticamente equivalente à regeneração. O ser vivificado para Deus
pelo Espírito eqüivale a iniciar o caminho da perfeição.

4. Santificação Progressiva
Igualmente à maioria dos pensadores protestantes, os Wesleyanos ensinam a santificação progressiva,
que o Catecismo de Westminster define como “a obra da gratuita graça de Deus, pela qual somos renovados em
todo nosso ser à imagem de Deus, e capacitados mais e mais para morrer para o pecado e viver e viver para a
justiça”11. Abaham Kuyper escreve:

A mera regeneração não santifica a inclinação e a disposição (do crente); nem tão pouco é
capaz por si mesmo de germinar a disposição santa. Mais ainda, se requer o ato adicional e muito
peculiar do Espírito Santo, pela qual a disposição do pecador regenerado e convertido vai
diminuindo gradualmente em harmonia com a vontade divina; e este é o dom misericordioso da
santificação12.

O ensino característico de John Wesley é que esta obra de santificação interior pode ser terminada ou
concluída “em um momento”, pela fé, quando o coração é purificado da raiz interna do pecado - o orgulho, a
vontade própria e teimosa, o ateísmo ou a idolatria - e aperfeiçoado no amor de Deus. Como conseqüência desta
purificação mais profunda do coração, o cristão é capacitado a crescer mais metodicamente até uma semelhança
aperfeiçoada de Cristo. O artigo X do Manual da Igreja do Nazareno declara:

Cremos que a graça da inteira santifica inclui o impulso para crescer na graça. Contudo,
este impulso deve ser conscientemente alimentado, e deve ser dada cuidadosa atenção aos
requisitos e processos de desenvolvimento espiritual e avanço no caráter e personalidade de
Cristo. Sem tal esforço intencional, o testemunho do crente pode ser enfraquecido e a própria
graça comprometida e mesmo perdida.

5. Inteira Santificação
Em seu sermão intitulado, “Trabalhando Nossa Própria Salvação”, John Wesley situa a graça da Inteira
Santificação em seu devido contexto:

... Pela justificação somos salvos da culpa do pecado, e restaurados ao favor de Deus;
pela santificação somos salvos do poder e da raiz do pecado, e restaurados à imagem de Deus.
Toda a experiência, como também as Escrituras, mostram que esta salvação é ambas,
instantânea e gradual. Principia no momento em que somos justificados, no amor santo, humilde,
terno e paciente a Deus e ao próximo. Aumenta gradualmente desde este momento ... até que, em
outro instante, o coração é purificado de todo o pecado, e cheio com amor puro de Deus e ao
próximo. Mas ainda esse amor aumenta mais e mais, até que “crescemos em tudo naquele que é
a cabeça”, até “que todos cheguemos... à medida da estatura da plenitude de Cristo”13.
4
Além dos termos anteriores, há um mais que requer explicação. Nos referimos à perfeição, ou perfeição
cristã.

6. Perfeição
Este termo tem causado muitas críticas ao movimento de santidade, mas é um termo bíblico; ademais,
tem sido usado no ensino da santidade durante toda a era cristã. No que diz respeito a Wesley, ele usou o termo
dizendo que era “bíblico, e Wesley estava profundamente comprometido a (usar) a linguagem das Escrituras”14.
Wesley mesmo faz um resumo de seus ensinamentos sobre a santidade em uma obra pequena intitulada Uma
clara explicação da Perfeição Cristã. O Doutor Donald Metz fez a seguinte atinada observação: “A definição de
Wesley da perfeição todavia não tem sido superada, e ainda conserva a essência do que esse termo significa tal
como é usado nos círculos de santidade. Wesley preferia usar o termo perfeição cristã, em vez do termo mais
amplo, perfeição”15. Ao concluir Uma clara explicação, Wesley faz um resumo de seus ensinamentos com estas
palavras: “Ao usar o termo perfeição quero dizer o amor humilde, terno e paciente de Deus, e ao nosso próximo,
governando nosso temperamento, nossas palavras e ações”.16 Wesley teve muito cuidado em proteger-se de uma
interpretação legalista ou farisaica da perfeição, ao insistir continuamente em que “não há tal perfeição nesta vida
que implique uma liberação completa, seja da ignorância ou de erros, em coisas que não sejam essenciais à
salvação, ou de múltiplas tentações, ou de um sem fim de fraquezas, com todas as quais o corpo corruptível
oprime mais ou menos a alma”17.
De modo que Wesley, como as escrituras, interpretava perfeição como perfeito amor. Este é o significado
que tem dado os expoentes mais lúcidos do ensinamento através dos séculos, tal como veremos no curso desta
obra.

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Capítulo 2 - A Doutrina Bíblica da Santidade

A fonte original do ensinamento da santidade cristã, e a única com a autoridade, é a Palavra escrita de
Deus. Há razões pelas quais as Escrituras são chamadas a Santa Bíblia. A Bíblia é um livro de santidade.
O Bispo Foster nos deu a descrição clássica sobre este particular:

A santidade pulsa na profecia, ressoa na lei, murmura nas narrações, sussurra nas
promessas, suplica nas orações, irradia na poesia, vibra nos salmos, fala nos símbolos,
resplandece nas imagens, articula-se na linguagem e arde no espírito de todo o sistema, desde o
alfa até o ômega, desde o princípio até o fim. Santidade! Santidade necessitada! Santidade
requerida! Santidade oferecida! Santidade possível! A santidade, dever presente, privilégio atual,
gozo de cada dia, é o progresso e a consumação deste maravilhoso tema! É a verdade brilhando
por toda a parte, transbordando em toda a revelação. É a verdade gloriosa que irradia, e sussurra,
e canta, e brada em toda a sua história. É a biografia, e poesia, e profecia, e preceitos, e
promessa, e oração. É a grande verdade central de todo o sistema. O surpreendente é que nem
todos vêem, que alguém se levanta para questionar, uma verdade tão gloriosa e tão cheia de
consolo1.

A. Raízes da Doutrina no Antigo Testamento


A ênfase que se tem dado recentemente à teologia bíblica tem resultado na produção de vários excelentes
estudos da teologia do Antigo Testamento. Este por sua vez tem aumentado consideravelmente o caudal de
nossa compreensão do que o Antigo Testamento ensina acerca da santidade, particularmente a respeito da
revelação da santidade de Deus nas Escrituras do velho pacto.

1. A Santidade de Deus
A teologia bíblica tem demonstrado conclusivamente que a santidade de Deus não é meramente um dos
atributos de Deus, e nem sequer o atributo principal. Representativa da melhor erudição bíblica é a posição de
Edmond Jacob, que escreve: “A santidade não é uma qualidade divina entre outras, e nem sequer a principal de
todas elas, posto que expressa o que é característico de Deus e corresponde precisamente a sua deidade”2. A
seguinte observação de Snaith apoia a posição de Jacob:

Quando o profeta Amós declara (4:2) que “Jurou o Senhor Jeová, pela sua santidade”,
quer dizer que Jeová jurou pela sua Deidade, por Si mesmo como Deus, e o significado é,
portanto, exatamente o mesmo do que lemos em Amós 6:8, onde o profeta diz: “Jurou o Senhor
Jeová por si mesmo”3.

Um estudante de literatura rabínica observa que o nome que com maior freqüência usam os rabinos para
Deus é “O Santo”4. Este é uma reflexão do nome profético de Deus, que é “O Santo de Israel”5. Aulén afirma que
“a santidade é o cimento sobre o qual descansa o inteiro conceito de Deus”9.

Ademais, lhe dá um tom específico a cada um dos diversos elementos na idéia de Deus, e
fazem parte de um conceito, ou percepção, mais completa de Deus. Cada declaração acerca de
Deus, seja em referencia a seu amor, seu poder, sua justiça... deixa de ser uma afirmação acerca
de Deus quando não é projetada sobre o fundo de sua santidade6.

A palavra hebraica, que traduzimos por santidade, é qodesh, a qual, com as suas correlatas, aparecem
mais de 830 vezes no Antigo Testamento. Os eruditos encontram três significados fundamentais em qodesh: [1]
Freqüentemente conota a idéia de “irromper com esplendor”. Assim, um erudito escreve: “Não há uma distinção
clara entre santidade e glória”7. [2] A palavra também expressa uma divisão, uma separação, uma elevação. [3] É
provável que qodesh tenha vindo de duas raízes, uma das quais significa “novo”, “fresco”, “puro”. A santidade
significa pureza, cerimonial ou moral. A pureza e a santidade são, praticamente sinônimas.
Como Deus, o Senhor refulge com uma glória peculiar a Si mesmo. Ele se manifestou na sarça ardente,
na coluna de fogo, e no Sinai rodeado de fumo. Referindo-se ao tabernáculo, Deus disse: “O lugar será santificado
por minha glória” (Êx 29:43). E quanto ao culto declarou: “Serei santificado naqueles que se cheguem a mim, e
serei glorificado diante de todo o povo” (Lv 10:3). A narração da majestosa visão de Isaías disse: "Santo, santo,
santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória" (Is 6:3).
Como Deus, o Senhor está separado, à parte, de toda a criação. A santidade é a natureza mesma do
divino, o que caracteriza Deus como Deus, e do que motiva a adoração do homem. Deus é o “Completamente
Outro”, e se levanta inteiramente à parte de todos os demais deuses, os que por certo são imaginários. “Não há
santo como é o Senhor; porque não há outro fora de ti” (I Sm 2:2). A santidade de Deus significa sua diferença,
seu caracter único como Criador, Senhor e Redentor. “Somente Aquele que pode dizer: ‘Eu sou o Senhor, e fora
de mim não há salvador algum’ pode ser ‘O Santo de Israel’” 8. Entretanto, sua transcendência, ou sua separação
não significa que seja remoto. “Deus foi transcendente desde o princípio posto que era diferente do homem, mas

6
não era transcendente no sentido que fosse distante do homem. Eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de
ti, Oseias 11:9... A transcendência não significa que seja distante. Significa diversidade1” 9.
Como Deus, o Senhor é pureza sublime. É impossível que o Santo tolere o pecado. Em Gênesis o vemos
preocupado pela má imaginação, os desígnios dos pensamentos da humanidade (Gn 6:1-6). A santidade de Deus
é transtornada pela perversidade crônica do coração do homem (Jr 3:17, 21; 17:9-10). Os olhos divinos são
demasiados limpos “para ver o mal” (Hc 1:13). Recordemos que quando o profeta Isaías captou um mero sinal da
santidade de Deus, gemeu: "Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de
um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!" (Is 6:5). Mais adiante em sua
profecia Isaías declara: "Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas
eternas?" (Is 33:14). A santidade de Deus é um fogo consumidor: ou nos purificará de nossos pecados, ou nos
destruirá com ele! É tal como Jesus advertiu: "Porque cada um será salgado com fogo" (Mc 9:49). Podemos
escolher entre o fogo refinador que nos faz santos (Ml 2:2-3) e a ira que nos destrui (Ml 4:1).

2. Santificação
"Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo" (Lv 19:2). Este mandato se refere tanto à
moral como ao ritual, tal como torna evidente ao ler o código de santidade (Lv 17-26). Nos primeiros dias da
história de Israel os elementos ritualísticos ou do culto eram sobressalentes, mas os elementos éticos estavam
também presentes. Nos profetas, os motivos morais e éticos da santidade eram os temas dominantes, mas o ritual
não se perdeu de vista inteiramente. “Se bem que é certo que a doutrina da santidade de Israel no princípio
descrevia um estilo de vida na qual os elementos ritualista e ético se mesclavam a tal ponto que não podiam ser
reconhecidos, até o fim, a doutrina denotava um estilo de vida na qual os dois estavam mesclados, mas na qual a
ética era o elemento essencial e sobressalente”10.
A palavra hebraica que traduzimos por “santo” geralmente se interpreta por “separado, apartado”. Mas
este é somente o seu segundo significado, que se deriva do propósito daquele que é santo. Seu significado
principal é ser esplendido, belo, puro e livre de toda a contaminação. Deus é santo - como Aquele que é
absolutamente puro, resplandecente e glorioso. Por tanto, o símbolo dele é a luz. Deus habita em uma luz
inacessível ... E Israel havia de ser um povo santo, como se estivesse morando na luz, graças à sua relação de
pacto com Deus.

O que fez com que Israel fosse um povo santo não foi o fato de que fora selecionado
dentre todas as demais nações, mas a relação com Deus que fez tal seleção tornou possível para
o povo. O chamado de Israel, sua decisão e sua seleção, foram só os meios. A santidade mesmo
havia de ser lograda, ou alcançada por meio do pacto, que provia o perdão e a santificação, e no
qual Israel seria guiado para frente e para cima, mediante a disciplina da lei e a direção do braço
santo de Deus. de modo que, se Deus manifestou a excelência de seu nome na criação, o
caminho de sua santidade estava em Israel11.

Bowman faz uma distinção entre os significados proféticos e sacerdotal da santidade. A idéia sacerdotal é
a de ser apartado, dedicado, separado. O “santo” é aquele que tem sido separado para Deus. Neste sentido, o
templo, o sacerdócio, o dízimo, o dia de descanso, toda nação, eram “santos”. A idéia profética é ética, tal como a
vemos em Isaías 6 e Malaquias 3. Ambos significados combinam, como já temos visto, o “código de santidade” de
Levítico 19, cujo ponto mais sublime é uma ética que diz: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o
Senhor" (veja os vv. 9-18). “O Novo Testamento, finalmente recorre somente ao lado profético do termo e o
perpetua. Todos os cristãos tem de ser ‘santos’ (‘chamados a ser santos’, Rm 1:7), ou seja, eticamente santo,
separado, consagrado ao serviço de Deus (Mc 6:20; Jo 17:17; Ap 3:7), para que possam ter companheirismo com
o Santo (At 9:13; Rm 1:7; Hb 6:10; Ap 5:8)”12.

Walter Eichrodt estabelece o mesmo conceito ao escrever: O elemento decisivo no


conceito da santidade resulta ser o de pertencer a Deus... (Mas) o homem que pertence a Deus
deve possuir uma classe especial de natureza, a qual ao incluir ao mesmo tempo a pureza externa
e interna, ritual e moral, corresponderá à natureza do Santo Deus13.

A visão de Isaías no templo revela com claridade a natureza ética da santidade tal como se relaciona à
experiência humana. A santidade de Deus se comunica a si mesma ao adorador e se torna um fogo santificador
que purifica a natureza interior. O resultado da purificação do coração de Isaías foi a afirmação e a expansão de
sua missão profética. “Mas o Senhor dos Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça"
(Is 5:16).

3. Perfeição
Na pregação dos profetas a santidade de Deus se torna uma demanda de justiça pessoal e de justiça
social. É nesta combinação de santidade e justiça que o chamado de Deus à perfeição pode entender-se.

1 O tradução literal de otherness, característica de ser inteiramente outro, à parte, diferente de todos os demais.
7
De Deus se foi dito, “perfeito é seu caminho” (Sl 18:30), mas o homem que teme a Deus
deveria também, de fato, “caminhar” com Deus neste “caminho perfeito” (Sl 18:32; 101:2, 6). Uma
revelação de Deus inclui um reconhecimento de sua santidade única. Isto por sua vez manifesta a
falta de santidade do homem, sua pecaminosidade, quanto necessita de misericórdia. A
santificação é o ato de graça de Deus que faz que o pecado seja removido, e que atinja a
conformidade de homens obedientes à perfeição de Deus em justiça. A conseqüência desta
seqüência é a perfeição do homem em santidade14.

O termo hebraico que traduzimos por perfeição significa plenitude, justiça, integridade, liberdade de
mancha ou culpa, paz perfeita. Uma maneira de expressar a idéia no Antigo Testamento era a expressão
metafórica de “caminhar com Deus” em fidelidade e companheirismo. Enoque “caminhou com Deus” (Gn 5:22,
24). Em Hebreus 11:5, a idéia se expressa dizendo que Enoque “obteve testemunho de haver agradado a Deus”.
de Noé lemos que “andava com Deus” (Gn 6:9), em contraste com seus vizinhos. O mandamento que Abraão
recebeu foi: “Anda na minha presença e sê perfeito” (Gn 17:1).
Além de ser uma excelente produção poética sobre o tema do sofrimento imerecido, o livro de Jó é um
tratado sobre perfeição. Neste livro Jó é apresentado como um “homem perfeito e reto” (que é uma tradução literal
do original), e “temente a Deus e que se desviava do mal” (Jó 1:1). Satanás admite, muito a seu pesar, tal
descrição, mas os “amigos” de Jó a rechaçaram. Se bem que o problema do mal acaba sem contestação, Jó sai
vindicado. No prólogo do livro, Satanás admite que Jó era um homem justo, mas é cínico quanto ás motivações do
patriarca, e insiste que sua justiça resulta de seu desejo de ser próspero materialmente. Retire este fator, ou
ganância, demanda Satanás, e veremos quão rápido se rebela Jó. Mas Jó passa airoso pela prova e desta
maneira justifica a afirmação de Deus de que a justiça de seu servo é sincera, e portanto genuína. A perfeição de
Jó era um assunto de motivação, de seu amor desinteressado a Deus. o coração de Jó era perfeito diante de
Deus porque sua intenção era pura. Esta é a idéia básica da perfeição no Antigo Testamento.
Exceção feita no Decálogo, é provável que nenhuma outra passagem do Antigo Testamento havia influído
mais no povo de judeu que o Shema, que tem sido chamado o credo de Israel: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso
Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a
tua força." (Dt 6:4-5). Se declara que o amor é a motivação pelo qual o Senhor escolheu a Israel, e que o amor,
demonstrado pela obediência, há de ser a resposta de Israel a esse amor (Dt 7:6-11). Para tornar possível esta
perfeição em amor, deve haver uma extirpação ou extirpação da perversidade. Mas se a necessidade é grande, a
provisão é cabal: "O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares
o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas" (Dt 30:6). Este se converte na grande
doutrina neotestamentária da circuncisão do coração pelo Espírito Santo (Rm 2:29; Cl 2:12). Mediante a
circuncisão do coração e a extirpação do pecado original, o amor de perfeito é tornado possível para o povo de
Deus! Esta é a doutrina de John Wesley da perfeição cristã (vide Capítulo 1).

B. A Doutrina do Novo Testamento

1. A Promessa do Pentecostes
Podiam os homens serem santos antes do tempo de Cristo? A experiência de Isaías no templo é uma
resposta afirmativa refulgente. Era possível alcançar a perfeição sob o Antigo Pacto. Mas o privilégio de uma visão
santificadora do Senhor somente era dada aos membros de uma aristocracia espiritual; os soldados de carreira,
quase a totalidade dos israelitas estavam encerrados sob a lei, e viveram no vale de repetidos fracassos (Hb 10:1-
4, veja também Rm 7:7-25). Antes de que todos pudessem experimentar a liberdade do pecado, e a perfeição em
amor, era necessário que interviesse um derramamento espiritual sobre o povo de Deus. Esta efusão do Espírito
de Deus era o que os profetas antecipavam intensamente.
Através de Jeremias, Deus havia declarado a cerca deste dia: "Na mente, lhes imprimirei as minhas leis,
também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um
ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o
menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me
lembrarei" (Jr 31:33-34).
Ezequiel fez uma profecia quase idêntica: "Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados...
Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo... Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis" (Ez 36:25-27).
Referindo-se ao mesmo dia, Jeová declara através de Joel: “derramarei o meu Espírito sobre toda a
carne” (Jl 3:25-27). É muito significativo que os rabinos judeus interpretavam estas promessas e outras parecidas
como que descrevendo uma atividade santificadora futura do Espírito de Deus que caracterizaria a era
messiânica. Um exemplo típico de literatura rabínica sobre este particular é a forma em que S. Simeão ben Johai
interpreta a frase de Ezequiel; diz: “E Deus disse, ‘Neste tempo, porque o impulso mal existe em vocês, tem
pecado contra mim; mas no tempo vindouro Eu o extirparei de vocês’” 15.
O texto de santidade mais importante do Novo Testamento é a declaração de Simão Pedro no dia de
Pentecostes: “Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel...” (At 2:16 e subsequentes). O
derramamento do Espírito por tanto tempo esperado, havia acontecido. A era do Espírito que Ezequiel havia
antecipado estava já aqui. A profecia de Jeremias havia se tornado parte da história, tal como o escritor de

8
Hebreus declara: "Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. E
disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles,
depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei,
acrescenta: Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre" (Hb
10:14-17).
Seria difícil exagerar a importância desta verdade. Longe de ser algo na periferia, a perfeição está no
coração mesmo do Novo Pacto. Ao apregoar a vinda do Messias, de quem era predecessor, e fazendo eco às
palavras de Malaquias, João Batista declarou: "Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas ... Ele vos
batizará com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 3:11-12).

Este... é a ênfase constante do Novo Testamento: a obra, a presença, a pureza, o poder


do Espírito Santo. Dispensacionalmente tudo havia de culminar n’Ele e com Ele. Sua vinda ao
coração do crente individual, e sua resultante presença purificadora e capacitadora era a
realização final das eras16.

John Wesley viu isto claramente, e o expressou assim em Uma clara explicação da Perfeição Cristã:

Os privilégios dos cristãos não podem de maneira alguma ser medido pelo que o Antigo
Testamento disse a respeito aso que viveram sob a dispensação judaica, posto que a plenitude do
tempo tem chegado, o Espírito Santo tem sido dado, e essa “grande salvação” tem sido já
oferecida aos homens pela revelação de Jesus Cristo17.

2. O Significado da Santificação
A doutrina do Novo Testamento é edificada somente sobre o cimento do ensinamento do Antigo
Testamento. Uma repassada cuidadosa das referencias neotestamentárias sobre o assunto indica que, se bem é
certo que o ensinamento profético-ético é dominante, o significado ritualista e religioso tem sido preservado.
Da Igreja cristã se diz que é uma “nação santa”, cujos habitantes constituem um “sacerdócio real” (I Pe
2:9). Outra descrição é que os cristãos são um “templo santo” (I Co 3:17; Ef 2:21; vide I Pe 2:5). Por esta razão,
todos os cristãos são “santos”, título que se encontra sessenta e seis vezes. Mas ainda com maior ênfase que no
Antigo Testamento, a santidade do culto demanda pureza ética: “Se não, como aquele que os chamou é "segundo
é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento" (I Pe
1:15). A santificação implícita deve tornar-se explícita ao saturar e fazer santas todas as partes da vida.
A idéia central do cristianismo é a purificação do coração de todo o pecado, e sua renovação à imagem de
Deus. ao interpretar hagiazo (o verbo grego que significa santificar), Thyler inclui duas classes de purificação: (1)
“purificar por expiação, livrar da culpa o pecado”; (2) “purificar interiormente pela reforma da alma”. Isto
corresponde às duas épocas que chamamos justificação (com o novo nascimento) e inteira santificação.
Com a justificação e a regeneração há a “purificação por expiação da culpa do pecado” (I Co 6:11l Tg
4:8a). Wiley se refere a isto como a purificação da depravação adquirida18. Mediante “o lavar regenerador” (Tt 3:5)
a contaminação resultante de nossos pecados é retirada, e nós somos feitos “limpos” (Jr 15:3). Esta é a razão
pela qual se diz que a santificação principia na regeneração.
Negativamente, a inteira santificação purifica o coração da raiz ou presença do pecado, logrando ou
efetuando uma devoção completa ( de um só animo) a Deus (Jo 17:17, 19; Ef 5:26; I Ts 5:23; Tg 4:8b). a inteira
santificação não é tanto um estado como uma condição preservada de momento a momento, conforme andamos
na luz (I Jo 1:7).
Positivamente, a santificação é a restauração da imagem moral de Deus “na justiça e santidade da
verdade” (Ef 4:24). Esta santificação positiva inclui uma obra progressiva, que é iniciada na regeneração,
acelerada pela purificação do coração e o ser cheios com o Espírito, e consumada na glorificação. O processo é
belamente descrito por Paulo com as seguintes palavras: "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando,
como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como
pelo Senhor, o Espírito" (2 Co 3:18).
a. A santificação como um processo total. A palavra hagiasmo aparece dez vezes no Novo Testamento e
é traduzida “santificação” em cada caso pela Revisão de Valera2 (60) e muitas outras versões. A palavra “denota
estado, mas não esse estado oriundo do sujeito, porem o que resulta de certa ação e certo progresso”19. O
significado amplo de hagiasmo, que descreve e inclui o processo total da santificação, é indicado em I Co 1:30; II
Ts 2:13 e Hb 12:14.
Vendo-a eticamente, a salvação é santificação: ao fazer santas nossas vidas pelo Espírito santificador. Do
princípio ao fim, nossa santificação pessoal é sua obra de graça em nós. Esta santificação é toda uma peça, uma
“continuidade de graça” levada à diante pelo Espírito Santo. “O Espírito Santo”, escreveu John Wesley, “não só é
santo em Si mesmo, mas também a causa imediata de toda santidade em nós”.
b. Santificação inicial. A santificação principia na regeneração. A nova vida iniciada pelo Espírito Santo é
um princípio de santidade. "O amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi

2 Cipriano Valera (1602) - Versão espanhola da Bíblia, o mesmo ocorre nas versões em português de Ferreira de
Almeida.
9
outorgado" (Rm 5:5). Ao escrever aos cristão de Corinto, Paulo disse: “Ou não sabeis que os injustos não
herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados...
herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes
justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (I Co 6:9-11). Em seu sermão “O
Pecado nos Crente”, Wesley disse o seguinte sobre essa passagem:

“Já haveis sido lavados”, disse o Apóstolo, “já haveis sido santificados”, o que significa,
que haviam sido purificados “da fornicação, da idolatria, da bebedice” e toda outra forma de
pecado externo; e todavia, ao mesmo tempo e em outro sentido da palavra, não eram santificados,
não eram lavados, internamente, da inveja, de pensar mal, da parcialidade 20.

Por tanto nós falamos da santificação inicial dizendo que é parcial em vez de completa, ou inteira. Este
último termo, disse Wesley, “não é indefinido, no sentido que não denote a purificação do pecador. É um termo
definido, e se limita estritamente a essa culpa e depravação adquirida resultante de pecados cometidos, dos quais
o pecador mesmo é responsável” 21.
A exortação de Paulo em II Coríntios 7:1 é outra passagem onde também se implica a santificação inicial
ou parcial. O Apostolo escreve: "Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto
da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus". Este versículo advoga por
ambas, a santificação inicial e a inteira santificação. Os corintos haviam de aperfeiçoar, ou de fazer que fosse
completa uma santidade que (então) só era parcial.
c. Inteira santificação. Se bem que muitas passagens do Novo Testamento implicam a doutrina da inteira
santificação, muitas outras parecem demanda-las; entre estas citamos João 17:17;Romanos 6:12-13; 12:1-2; II
Corintios 7:1; Efésios 1:4; 5:26; I Tessalonicenses 5:23; Tito 2:14, e talvez Hebreus 13:12. Os limites desta obra
não permitem incluir uma exegese de todas estas passagens, mas alguns comentários são essenciais.
Em Romanos 6, Paulo exorta a seus leitores que foram mortos para o pecado e que foram ressuscitados
em novidade de vida (6:1-10) que façam três coisas: (1) a que se considerem a si mesmos como aqueles que de
fato morreram com Cristo no pecado, e através d’Ele foram feitos vivos para Deus (6:11); (2) a que desejem, ou
desistam do por seus membros de seus corpos à disposição do pecado (6:12); e, (3) a que se entreguem, ou se
apresentem a si mesmos diante de Deus “como pessoas que foram trazidas da morte para a vida” (6:13; BLH) 3.
A relação deste ato de fé obediente à verdadeira santificação se indica no versículo 19: “No passado
vocês se entregaram inteiramente como escravos da impureza e da maldade para servir o mal. Agora entreguem-
se como escravos de Deus para viverem uma vida de santidade” (BLH). Romanos 12:1-2 repete a mesma
exortação a uma consagração completa ou total, para uma santidade completa.
Efésios 5:25-27 marcha na mesma direção: "Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para
que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo
igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5:25-27). Cristo se
entregou a si mesmo para santificar a Igreja, que já tinha tido a lavagem da regeneração. O versículo 24 nos
informa que esta santificação logra a condição de estar “sem mancha” postulada no versículo 1:4.
Em Tessalonicenses, Paulo se regozija porque seus convertidos haviam recebido o evangelho “em poder,
no Espírito Santo e em plena convicção” (1:5); mas sua oração por eles é que sua fé seja aperfeiçoada (3:10),
com o fim de que Deus afirmara "o vosso coração confirmado em santidade, isento de culpa, na presença de
nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus" (3:13). Paulo procede a recordar a seus leitores que sua
santificação é a vontade de Deus e o chamado àqueles a quem já os tem dado o Espírito Santo (4:3-8). A
culminação de sua apelação se dará em 5:14-24. O propósito de toda a epístola se expressa nos versículos 23 e
24, que diz: "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados
íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará."
(1Ts 5:23-24). O advérbio traduzido “em tudo” é a palavra grega mais forte que Paulo poderia ter usado. É um
termo composto, que significa “inteiramente” e “perfeitamente”. Morris escreve o seguinte acerca da oração do
Apóstolo:

A oração é que Deus os santifique por completo. Há um aspecto de nossa parte na


santificação posto que se nos pede que rendamos nossa vontade par afazer a vontade de Deus.
Mas o poder manifestado na vida santificada não é humano mas divino, e a oração de Paulo se
expressa desta maneira em harmonia com ele. No sentido mais profundo, nossa santificação é a
obra de Deus dentro de nos. A obra pode ser atribuída ao Filho (Ef 5:26) ou ao Espírito (Rm
15:16), mas em qualquer caso é divina. A palavra traduzida em tudo é excepcional, holoteleis, e só
aqui se encontra no Novo Testamento. É uma combinação das idéias de estar completo e de ser
inteiro, e Lightfoot sugere que ser poderia traduzir assim: “que Ele os santifique para que possais
estar completos” 22.

A segunda parte desta oração mostra que Paulo está pronunciando uma oração a fim de que o homem
completo “ intacto em todas as suas partes” seja preservado santo e irrepreensível até a Parousia. “A fidelidade de
Deus”, escreve Morris, “é a base de nossa certeza de que a oração oferecida será respondida”23.

3 Bíblia na Linguagem de Hoje.


10
3. Perfeição cristã
Perfeição Cristã e inteira santificação são dois termos que descrevem a mesma experiência da graça de
Deus. a perfeição em amor diante de Deus é santidade cristã.
O verbo teleio, que se traduz “aperfeiçoar”, aparece vinte e cinco vezes no Novo Testamento. Significa (1)
realizar um propósito, alcançar certa norma, atingir uma meta dada, e (2) cumprir ou completar. Paulo usa o
adjetivo, teleios, sete vezes. Em vários casos é obvio que o significado é “maduro” no sentido moral (I Co 14:20; Ef
4:13-14). Mas em I Co 2:6 e 15, os “perfeitos” são considerados iguais aos “espirituais” (que sucede também em I
Co 3:1). Um estudo deste última passagem indica que os “perfeitos” são os que tem sido inteiramente
santificados. J. Weiss chega à conclusão de que se bem que a perfeição geralmente é futura nos escritos de
Paulo (como em Fp 3:12), entretanto em alguns casos (I Co 2:6; Fp 3:15) a perfeição já esta presente24. Weiss
sustenta que o uso que Paulo faz de teleios em Colossenses 1:28 e 4:12 designa uma perfeição moral e espiritual.
Por tanto a evidencia aponta a um significado duplo de perfeição. Um cristão pode ser ao mesmo tempo
perfeito e imperfeito, de acordo com o sentido em que se usem as palavras. Uma perfeição relativa é agora
possível mediante a fé no Espírito, mas a perfeição final não se realizará antes da ressurreição (Fp 3:11-12, 20-
21).
a. Perfeição em amor. Uma das seções mais importantes sobre a perfeição é Mateus 5:43-48, que culmina
com o mandato do Mestre: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”. A palavra “portanto”
é a chave deste texto. Jesus está dizendo de fato: “Assim como vosso Pai celeste é perfeito, (e que o demonstra)
enviando suas bênçãos sobre amigos e inimigos, vós deveis ser perfeitos em vosso amor até todos os homens”. É
evidente que este é o amor ágape, espontâneo, boa vontade que não se rende, que emana da vida interior de
uma pessoa na qual mora o Espírito. Como tal, o amor perfeito é tanto o dom de Deus (Rm 5:5; 8:3-4; I Jo 4:13-
17), como o mandamento de Deus (Mc 12:29-31; I Jo 4:21).
Quando este amor se expressa, a sei é cumprida (Mt 22:40; I Tm 1:5). "A ninguém fiqueis devendo coisa
alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei... O amor
não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13:8-10). A perfeição cristã é
perfeição em amor.
b. Aperfeiçoamento à semelhança de Cristo. A meta final da perfeição é ser cabalmente como Cristo, o
qual será o dom que Deus nos dará na vinda de Cristo (I Jo 3:2). Em vista desta meta futura, cada cristão deve
confessar, como Paulo: "Não que eu o tenha alcançado, ou que já tenha sido aperfeiçoado" (Fp 3:12, tradução
livre da tradução de Wesley). “Há uma diferença entre um que é perfeito” explica Wesley, “e um que tenha sido
aperfeiçoado. Um está equipado para a carreira; o outro esta pronto para receber o prêmio” 25.

11
Capítulo 3 - A Igreja Primitiva

Seria exagerado declarar que a Igreja tem crido e ensinado durante todos os séculos de sua existência a
perfeição cristã tal como a apresenta, e tal como a doutrina Wesleyana a tem entendido. Na realidade, este
ensinamento freqüentemente tem sido condenada e denegrida. Todavia, alguma forma de doutrina da perfeição
tem sido postulada em cada era, não só por cristãos ortodoxos, mas também por aqueles que tenham tido
tendências heréticas.
Idéias estranhas à Bíblia se tem adentrado à tradição cristã, procedentes de diversos sistemas religiosos e
filosóficos que operavam no mundo em que a Igreja estava testificando e trabalhando, e cada uma dessas idéias
tem resultado em uma alteração da doutrina da santidade. As idéias que não emanam da Bíblia sobre Deus, o
homem e o pecado, todas elas tem tomado parte na deformação do ensinamento. William Burton Pope observa
que estes diversos princípios, que tem contribuído a modelar a opinião, poderiam ser estudados com muito
proveito, como fontes que lançam luz sobre a doutrina. “De fato suas respectivas interpretações sobre o tema
pode considerar-se como algumas das provas mais severas que poderiam aplicar-se aos diversos sistemas”1.
Apesar de tais frutos da imaginação, noções às vezes exóticas dos homens, os elementos essenciais da
doutrina da perfeição cristã tem sido preservados, se bem que com pequenas diferenças, desde o princípio. “O
espírito da santidade consumada nunca tem carecido de um testemunho”2. Ao longo dos séculos tem havido
diferenças quanto à ênfase e quanto à terminologia, tal como qualquer estudante da história da Igreja sabe bem,
mas a verdade da santidade não se tem eclipsado em nenhum momento.

A. Os Pais Apostólicos
A teologia dos pais apostólicos não se move no mesmo plano elevado em que aciona o Novo Testamento.
“Ainda que Paulo foi o maior pensador da Igreja primitiva, seu pensamento não foi geralmente compreendido, nem
sua interpretação do cristianismo amplamente aceito”3. Um tipo geral de cristianismo, muito diferente ao de Paulo
lentamente chegou a prevalecer, na qual certa compreensão do evangelho de Cristo era a nova lei. O amor, como
a atitude correta do ser humano diante de Deus, foi substituído pelo temor, e a fé freqüentemente se tornou só
outra obra levada a cabo pelo cristianismo. A Epístola da Barnabé expressa bem a corrente: “É coisa boa
aprender as ordenanças do Senhor, tantas quantas foram escritas, e andar nelas, pois aquele que faz estas
coisas será glorificado no reino de Deus; no entanto quem escolher o outro caminho perecerá junto com as suas
obras. Por esta razão há uma ressurreição, por esta razão (há) uma recompensa”4. São Clemente escreve: “Se
fazemos a vontade de Cristo encontraremos descanso, mas se não a fazemos, nada nos livrará do castigo eterno,
se menosprezamos seus mandamentos”5. Nos escritos dos Pais poderíamos encontrar um sem fim de citações
com estas.
Mas ainda que o fracasso da Igreja tenha sido geral a este respeito, é dizer, por quanto não viu o
evangelho cristão como uma mensagem de liberdade através de Cristo, o Espírito estava trabalhando ativamente
no meio da comunidade cristã. Apesar de suas interpretações errôneas, estas comunidades não careciam de
testemunhos do segredo da santidade. A salvação, nos seus alcances mais elevados, não depende da perfeição
da compreensão, mas da obediência ao Espírito Santo. Esta é a razão pela qual não é difícil descobrir frases
claras de testemunho e de ensinamento sobre o tema da perfeição cristã disseminada entre os escritos dos Pais.
Pouco antes de sofrer a morte pelo martírio, Inácio exclamou: “Te dou graças, Senhor, que Te tenhas
dignado a honrar-me com um amor perfeito por Ti”6. Clemente de Roma escreveu: “Os que tem sido aperfeiçoados
em amor, pela graça de Deus, tem chegado ao lugar dos piedosos na companhia daqueles que, em todas as
épocas, tem servido (para) a glória de Deus em perfeição”7. Palavras como estas contem a semente da doutrina
da perfeição cristã: é a perfeição do amor dentro da justiça da fé. As Epístolas de Inácio mencionam uma e outra
vez uma fé perfeita, uma intenção perfeita, e uma obra perfeita de santidade 9.

B. Irineu
Irineu, o bispo de Lyon na segunda metade do segundo século, foi um dos poucos pensadores
verdadeiramente criativos na história da Igreja. O que é mais, Irineu foi “o mais influente de todos os primeiros
Pais, não só desde ponto de vista da instituição mas também teologicamente” 10. Homem de rara piedade pessoal,
conhecia profundamente o pensamento do Novo Testamento, e demonstrou uma verdadeira afinidade à teologia
de Paulo. Sua doutrina da redenção tem seu centro na obra de Cristo, e seus ensinamentos sobre a salvação
recalca o derramamento do Espírito Santo como o meio da perfeição cristã. Podemos corretamente classificar a
Irineu como um teólogo da santidade.
Irineu foi o primeiro escritor patrístico que nos oferece uma doutrina clara e compreensiva da expiação e
da redenção. “Com que propósito desceu Cristo do céu?” se pergunta Irineu. E responde: “Para que pudesse
destruir o pecado, vencer a morte, e dar vida ao homem” 11. Lado a lado com esta declaração carregada de
significado podemos por esta outra:

O homem havia sido criado por Deus para que tivesse vida. se agora, havendo perdido a
vida, e havendo sido destruído pela serpente, não retornava a vida, mas que era completamente
abandonado à morte, Deus haveria saído derrotado, e a malícia da serpente haveria vencido a
vontade de Deus. Mas posto que Deus é tanto invencível como magnânimo, demonstrou a
magnanimidade ao corrigir o homem, e ao provar a todos os homens, como já temos dito; mas
12
mediante o Segundo Homem, Deus encontrou ao (homem) forte, e assaltou o seu baluarte,
destruiu seus bens, e aniquilou a morte, brindando vida ao homem que havia estado sujeito à
morte12.

Em outra declaração forte, que ao mesmo tempo é uma exortação, Irineu diz: “Nosso Senhor... atou ao
forte e livrou ao débil, e deu salvação à sua criação ao abolir o pecado”13.
A idéia de Irineu é bem clara. “A obra de Cristo é em primeiro lugar, e sobre tudo, uma vitória sobre os
poderes que mantém escrava a humanidade: o pecado, a morte e o diabo. Destes pode se dizer que de certo
modo são personificados, mas de qualquer maneira são poderes objetivos, e a vitória de Cristo produz uma nova
situação, ao haver posto fim a seu domínio, e haver livrado aos homens de seu jugo”14.
Irineu considera que a encarnação é absolutamente essencial para a redenção. Declara: “Ele, nosso
Senhor... é a Palavra de Deus, o Pai, feita o Filho do Homem... Se Ele, como homem, não houvesse vencido o
adversário do homem, o inimigo não haveria sido justamente vencido. Algo mais, se não houvesse sido Deus
quem outorgou a salvação, nós não a teríamos como uma possessão segura... A Palavra de Deus feito carne,
passou por cada etapa da vida, restaurando a cada fase o companheirismo com Deus”. Baseando-se no que
Paulo disse em Romanos 8:3-4, Irineu escreve: “A lei, sendo espiritual, meramente exibiu o pecado como ele é;
não o destruiu, posto que o pecado não reina sobre o espiritual mas sobre o homem. E posto que aquele, que
havia de destruir o pecado e redimir o homem da culpa, tinha que entrar na mesmíssima condição do hoemem”15.
Não há nem um indício em Irineu, de divisão alguma entre a encarnação e a expiação, tal como
apareceria depois na teoria de Anselmo e em outras teorias de santificação posteriores. Irineu postula que é Deus
mesmo quem em Cristo leva a cabo a obra da redenção e derrota o pecado, a morte e o diabo. Deus mesmo tem
entrado no mundo do pecado e da morte: “a mesma mão de Deus que nos formou no princípio, e que nos forma
no ventre de nossa mãe, nestes últimos nos buscou quando estávamos perdidos, ganhando a sua perdida, pondo-
a sobre seu ombro e regressando-a com gozo ao rebanho da vida”16.
Em uma extensa passagem mas comovedor Irineu explica como o Filho encarnado tem santificado cada
etapa da vida:

Ele veio para salvar a todos mediante sua própria pessoa; ou seja, a todos os que por Ele
nasceram de novo para Deus; crianças, menino, adolescentes, jovens e adultos. Por tanto Ele
passou por cada etapa da vida. Foi feito criança para as crianças, santificando assim a infância;
um menino entre os meninos, santificando a meninice, e pondo um exemplo de afeto filial, de
justiça e de obediência; um homem jovem entre os homens jovens, convertendo-se em um
exemplo para eles, e santificando-os para o Senhor. Do mesmo modo foi homem adulto entre os
homens adultos, para que pudesse ser um mestre perfeito à revelação da verdade, mas também
com respeito a esta etapa da vida, santificando aos homens de mais idade, e tornando-se também
um exemplo para eles. E assim Ele chegou até a morte, para que pudesse ser “o primogênito
dentre os mortos”, tendo preeminência entre todos, o Autor da Vida, quem vai adiante de todos e
mostra o caminho.17

A vitória divina obtida em Cristo ocupa o mesmíssimo centro do pensamento de Irineu, e forma o elemento
central de sua doutrinada recapitulação, que é a restauração e aperfeiçoamento da criação, a qual é a idéia
teológica mais ampla deste formidável pensador, “A recapitulação de Irineu”, escreve Aulén, “não termina com o
triunfo de Cristo sobre os inimigos que tem mantido cativo o homem; continua na obra do Espírito na Igreja... Mas
a plenitude da recapitulação não se realizará nesta vida: a perspectiva de Irineu é profundamente escatológica, e
o dom do Espírito é para ele o penhor da glória futura”18.
Para Irineu então, se bem que a morte de Cristo ocupa um lugar central na vitória divina, não é uma morte
isolada; é “uma morte em conexão, por um lado com o trabalho de toda a vida de Cristo visto como um todo, e por
outro lado, com a ressurreição e a ascensão; (é) a morte sobre a qual tem brilhado a luz da ressurreição e do
Pentecostes”19. A ressurreição foi a primeira manifestação da vitória decisiva de Cristo, que foi ganha na cruz; foi
também o ponto inicial de uma nova era do Espírito, já que, de seu trono exaltado à destra do Pai, Cristo derrama
o Espírito, o qual reproduz dentro de nós a vitória de Cristo sobre o pecado, e nos traz à “unidade e comunhão
com Deus e o homem”.
É precisamente sobre este fundo da doutrina da expiação que entendemos o ensinamento de Irineu sobre
a perfeição. Os cristão estão vivendo na nova etapa da salvação. “O fator essencial nesta nova etapa... é o
derramamento do Espírito. Somente são ‘perfeitos’ aqueles, disse ele, no sentido de estar completos, que tem
recebido o Espírito de Deus. O pensamento de Irineu sempre está dominado por sua profunda convicção de uma
comunhão presente da alma com Deus. Ele sabe muito bem que este é o significado de haver ‘recebido o
Espírito’”20.
A idéia de Irineu, da recapitulação, que ele tem baseado em Efésios 1:10 e em Colossenses 1:19, “é
inerentemente uma doutrina de perfeição e... está no coração mesmo da teologia de Irineu. Esta é a meta de
nosso ser: estar em Cristo, e havendo recebido o Espírito, viver em comunhão com Deus”21. Desejamos que o
teólogo o expresse com suas próprias palavras:

Deus prometeu por intermédio de seus profetas que “derramaria este Espírito sobre seus
servos e sobre as servas... naqueles dias” para que profetizassem. E o Espírito desceu sobre o
13
Filho de Deus, o fez Filho do Homem, e com ele se acostumou a morar entre a raça humana e a
“descansar em” os homens e a morar entre as criaturas de Deus, fazendo a vontade de Deus
nelas, e renovando-as de seu velho estado à novidade de Cristo22.

Por tanto Irineu pode dizer: “Deus é poderoso para fazer perfeito aquele que o espírito anelante deseja”, e
acrescenta: “o Apóstolo chama perfeitos àqueles que apresentam corpo, alma e espírito irrepreensíveis diante de
Deus; a quem não só tem o Espírito Santo morando neles, mas que também preservam suas almas e corpos sem
mancha alguma, conservando inviolada sua fidelidade a Deus, e cumprindo seus deveres com seus vizinhos”23.
Irineu faz um resumo de sua doutrina dizendo simplesmente que “o Filho de Deus apareceu na terra e se
familiarizou com os homens: para que nós pudéssemos ter a imagem e semelhança de Deus”24.

14
Capítulo 4 - Os Platônicos Cristãos

Em Irineu ouvimos a voz do Apostolo Paulo. Desde cedo que seus escritos exibem também a influencia do
pensamento grego, mas neles palpita o verdadeiro espírito apostólico. Sem que haja a menor dúvida, Irineu foi um
pensador bíblico, e sua doutrina da perfeição cristã é um resultado de sua profunda compreensão da obra
expiatória de Deus em Jesus Cristo.
Nos escritos dos homens que consideraremos a seguir, Clemente de Alexandria e Orígenes, seu
sucessor, discernimos um tom e uma ênfase inteiramente diferentes. Em ambos, e especialmente em Orígenes,
ouvimos a voz de Platão mais que a de Paulo. Se bem que estes dois teólogos estavam saturados do
conhecimento das Escrituras, ciam em Cristo e o amavam supremamente, seus escritos exalam o espírito da
filosofia grega. A perfeição que eles ensinam, se bem que participa da mente de Jesus e Paulo, é uma
transformação cristã do ideal da virtude e da bondade perfeita que encontramos nos diálogos de Platão. Para
Clemente e Orígenes, o homem perfeito é o “gnóstico cristão”, o homem cujo conhecimento de Deus tem-no
capacitado para dominar suas paixões humanas e viver uma vida de virtude cristã. Por esta razão Clemente e
Orígenes tem sido chamados “os platônicos cristãos”.
Estes homens se dedicaram a declarar o evangelho às classes educadas de Alexandria, segunda cidade
do Império Romano, fundada por Alexandre, O Grande, no ano de 332 a. C. Era primordialmente um centro
comercial que, por esta razão, havia atraído a muitos gregos e judeus. Mas sua vida intelectual era igualmente
notável. Suas bibliotecas eram as mais famosas em todo o Império. Em suas ruas se encontravam as mais
famosas do Império. Em suas ruas se encontravam o Oriente e o Poente. Ali, a filosofia grega já se havia
mesclado com o judaísmo no pensamento de Filon de Alexandria, em contemporâneo de Jesus; em Alexandria
também o Antigo Testamento havia sido traduzido para o grego. Não sabemos quando o cristianismo foi
introduzido em Alexandria, mas deve ter sido no princípio da era cristã, pois no segundo século já estava
firmemente arraigado nesta cidade.
É esta profunda aliança da filosofia grega e da fé bíblica, tão característica do pensamento de Alexandria
por mais de dois séculos, o que encontrou expressão no ensinamento perfeccionista de Clemente e de Orígenes.

A. Clemente de Alexandria
Tito Flávio Clemente nasceu no ano 150, provavelmente em Atenas. A seu íntimo conhecimento de
literatura e dos costumes gregos, Clemente unia um conhecimento igualmente profundo da Bíblia. Mondésert
escreve: “A Bíblia... se tornou para ele quase uma linguagem e uma maneira de pensar; e, o que é estranho,
podemos dizer quase o mesmo do impacto que fez sobre ele a filosofia grega, e sobre tudo, o platonismo”1.
Clemente escreveu três tratados sobre a perfeição cristã: O Pedagogo, A Exortação (Protrepticus) e
Strómatas. O primeiro aparece com o nome de “Cristo, O Educador”, em Os Pais da Igreja2. Strómatas não alega
ser um tratado terminado; como seu nome implica, é uma coleção de diversas idéias. Em O Pedagogo Clemente
escreve acerca da perfeição da experiência religiosa da qual todo crente desfruta em Cristo. Em A Exortação,
faz um convite comovedor aos gregos, a que reconheçam toda a verdade e a beleza louvada por seus poetas e
seus filósofos, (que agora está) no Novo Canto que é Cristo. Finalmente, em Strómatas, Clemente intenta
desenvolver a perfeição elevada que os cristãos gnósticos encontram em Cristo.

1. A Vida Perfeita
Clemente afirmava que crer em Cristo é experimentar uma perfeição inicial. Escreveu: “Quando nascemos
de novo, imediatamente recebemos a perfeição que anelamos, posto que (neste momento) fomos iluminados,
vamos ao conhecimento de Deus. Seguramente que quem tem conhecimento do Ser perfeito não é imperfeito”3.
Esta é a perfeição de qualquer experiência cristã genuína, o conhecimento de Deus, o qual é a vida eterna (I João
1:5).
O novo nascimento é também uma experiência ética. Clemente explica: “Pelo divino Espírito nós
desfazemos dos pecados que obscurecem nossos olhos como uma neblina, e permitimos que os olhos do espírito
seja livre, sem estorvos e iluminados. Somente mediante estes olhos vemos a Deus, quando o Espírito Santo
desce do céu sobre nós”4. Clemente insiste em que todos os que tenham nascido de Deus deve “tanto como
possam ser tão livres do pecado quanto lhes seja possível”. Acrescenta: “Não há nada mais importante para nós
que, em primeiro lugar, desfazermos do pecado e das debilidades, e logo desarraigar qualquer inclinação
pecaminosa crônica”5.
Clemente tem uma compreensão clara quanto a que Cristo primeiro tem que curarmos da enfermidade do
pecado, antes de que possa ensinarmos o caminho da perfeição superior.

Se uma pessoa está enferma, não pode aprender bem nada do que se a tem ensinado
sem que primeiro haja sarado completamente. A pessoa que esteja enferma lhe damos instruções
para uma razão inteiramente diferente da razão pela qual lhe instruímos a alguém que está
aprendendo; a esta última a instruímos para que adquira conhecimento, à primeira para que
recupere sua saúde. Assim como nosso corpo necessita um médico quando estamos enfermos,
assim também quando somos débeis, nossa alma necessita um Educador que cure seus males.
Somente então necessita do Mestre para que a guie, e para que desenvolva sua capacidade de
saber, quando haja sido purificado e capacitado de reter a revelação da palavra6.
15
Esta é a santificação da vida quotidiana. “Há muitos poucos dos escritores cristãos desta época, e o que é
mais, de qualquer época, que tenham visto com tanta claridade como Clemente que o dom da comunhão com
Deus traz consigo não só um reforço de virtudes celestiais, mas também uma transformação das tarefas do
quotidiano. Clemente está descrevendo como um ideal, a vida que pode ser vivida em Alexandria, em meio a uma
população alienada, negociante, amante dos prazeres e excitavel”7.
Clemente sabe que há um caminho cristão de vida, uma conduta benévola, semelhante à de Cristo, que
vem como um fruto natural da nova relação com Deus. Clemente descreve este novo estilo de vida, com riqueza
de detalhes, em O Pedagogo. Mas muito poucas vezes tem sido descrita a transformação da graça tão belamente,
como na seguinte famosa passagem:

Em sua natureza, como homem, estar em estreito companheirismo com Deus. assim
como não forçamos ao cavalo a arar, nem ao touro a perseguir, mas que guiamos a cada animal a
sua tarefa natural, pela mesma razão apelamos ao homem, que foi feito para que contemple o
céu, e quem é, na verdade, uma planta celestial, a que venha ao conhecimento de deus... Tens
encontrado a Deus? Tendes vida.8

2. O Gnóstico Cristão
Clemente postulava que a salvação é a inteira obra de Deus que inicia com a persuasão divina da graça
preveniente, se torna realidade no novo nascimento do Espírito, o qual por sua vez abre a porta para um
conhecimento mais elevado do amor perfeito, mesmo que Clemente designe com o nome gnoses; de aqui em
diante nos referiremos a ele como Gnose ou conhecimento.
É essencial que distingamos a Gnose de Clemente, da idéia equivalente, do gnosticismo pagão. Para este
último, Gnose é um conhecimento esotérico que é possível somente para uns quantos escolhidos que são por
natureza “os espirituais” (pneumatikoi). Para o gnóstico pagão “os perfeitos” são uns quantos predestinados; para
Clemente a verdadeira Gnose é uma possibilidade para todos os cristãos.
A verdade é que o Logos - o Verbo divino que se encarnou em Jesus - tem estado instruindo a todos os
homens no caminho do verdadeiro conhecimento e da vida. “nosso instrutor é o santo Deus, Jesus, o Verbo que é
o guia de toda a humanidade”.

Deus é a fonte de todo bem; seja diretamente, como no Antigo e no Novo Testamento, ou
indiretamente, como no caso da filosofia. Mas poderia ser que a filosofia tenha sido dada aos
gregos diretamente, pois foi “um aio”, para trazer o helenismo a Cristo, tal como a Lei o foi para os
hebreus. Assim que a filosofia foi uma preparação, que preparou o cominho para o homem que é
trazido à perfeição por Cristo.9

Por tanto, esta tarefa que o Verbo tem desempenhado, de instruir à humanidade, tem sido uma educação
progressiva. Assim também é na Igreja. “O Verbo, que é todo amor, e que anela aperfeiçoar em nós um caminho
que guie progressivamente à salvação, faz um uso efetivo de uma ordem bem adaptada a nosso
desenvolvimento; à princípio Ele persuade, logo educa, e depois de tudo isto, Ele ensina”10.
A “fé”, ou seja, essa confiança singela em Cristo, é suficiente para ser salvo; mas o homem que
acrescenta “conhecimento” à sua fé, tem uma posição mais elevada. Ele é o cristão verdadeiro o cristão gnóstico.

“Ao que tem lhe será dado”; à fé (se acrescentará) o conhecimento; o conhecimento,
amor; ao amor, a herança... Este conhecimento guia ao fim, o último fim que não tem fim, uma
vida de conformidade com Deus... Havendo sido liberados, os que tem sido aperfeiçoados
recebem sua recompensa. Tem terminado com sua purificação, tem terminado com o resto de seu
serviço, ainda que seja um serviço santo, como o santo; agora se tem tornado puros de coração, e
graças a sua estrita intimidade com o Senhor os espera uma restauração a uma contemplação
eterns.11

“A perfeição à que os crentes são chamados em Strómatas, se designa uma unificação cabal dos poderes
da alma. Inclui conhecimento, mas também os conceitos de amor, harmonia completa de propósito e de desejo. A
primeira classe de perfeição12 leva naturalmente à segunda, porque a segunda já tem sido dada, e está implícita
na primeira”13.
A Gnoses da qual Clemente fala não é um conhecimento meramente intelectual. “É uma classe de
perfeição do homem como homem, harmoniosa e uniforme consigo mesma e com o Verbo divino, e está completa
em dois aspectos, a disposição, e a maneira de viver e falar, pela ciência das coisas divinas, pois é pela intuição
que a fé é feita perfeita”14. Agora Clemente está pensando em Deus, não em termos platônicos, mas em termos
cristãos. A perfeição cristã em seus alcances mais elevados é comunhão com Deus e “conformidade ou
semelhança com Deus”. É pureza de coração, intimidade com Deus que é Amor.
Deus mesmo é amor, e devido a seu amor nos perseguiu... Em seu amor nos perseguiu o
Pai, e a grande prova disto é o Filho a quem Ele gerou de Si mesmo e o amor que foi o fruto
produzido de seu amor... E quando Ele se deu a Si mesmo em resgate, nos deixou um novo

16
Testamento. “Dou-lhes o meu amor” (leia-se João 13:34). Qual é a natureza e alcance deste
amor? Por cada um de nós Ele pôs sua vida, a vida que valia todo o universo, e Ele requer que em
troca nós façamos o mesmo uns pelos outros.15

A conseqüência disto é que a Gnoses que o cristão busca envolve não somente o conhecimento e o amor
de Deus mas a perfeição ética. A declaração final acerca da Gnoses no sétimo livro de Strómatas mostra
conclusivamente que Clemente está inteiramente de acordo com Paulo quanto a considerar o amor como a meta
da vida cristã. Clemente reforça o desinteresse do amor perfeito, o qual é servir a Deus motivado por pura
devoção à bondade divina e a fazer bem, não para ser visto pelos homens, mas para refletir a imagem e a
semelhança do Senhor. O que manifesta misericórdia não deve saber que está manifestando misericórdia! “Tal
misericórdia será um costume (éxis), uma disposição (diáthesis), e esta liberdade bela da autoconsciência é o
ideal da alma”16.
Esta perfeição não é algo que o homem logre; é a obra do Verbo em sua função de Mestre, um dom de
Deus ao cristão que tem aprendido a orar sem cessar. A perfeição é a obra de Cristo, o Verbo que mora no
coração.

Se a oração é assim uma ocasião para tem comunhão com Deus, nenhuma ocasião para
que nos acheguemos a Deus deve ser menosprezada. Certamente, a santidade do gnóstico,
estando ligada com a Providência divina mediante a beneficência de Deus na perfeição, posto que
a santidade do gnóstico é, por assim dizer, a verificação da Providência sobre si, e um sentimento
recíproco de lealdade como o é entre os amigos.17

Esta frase expressa claramente a verdade final de que todas as coisas são de Deus na vida do crente que está
sendo aperfeiçoado. O cristão “perfeito” reconhece que uma Providência benfeitora está modelando seu destino e
transformando-o à semelhança de Cristo (veja Rm 8:28-29).
Ao captar algo da visão que Clemente teve da perfeição podemos entender por que Alexander Knox pode
escrever o seguinte acerca de John Wesley: “O realizar em si mesmo o cristão perfeito de Clemente de Alexandria
foi o propósito de seu coração”.

B. Orígines
O discípulo mais célebre de Clemente, e seu sucessor à cabeça na escola para catecúmenos em
Alexandria, foi o renomado Orígenes (185-285). Como Clemente, havia sido um estudante ávido, tanto das
Escrituras cristãs como da filosofia grega, desde a infância. Jerônimo, disse que Orígenes escreveu seis mil livros!
Ainda se cortarmos o número drasticamente, foi um dos escritores mais produtivos do mundo antigo. Foi um crítico
e exegeta bíblico, e escreveu a primeira obra sistemática de teologia cristã.
Igualmente a Clemente, Orígenes traçou uma distinção bem marcante entre “fé” e “conhecimento”, mas as
os interpretou diferentemente de como o fez seu mestre. Orígenes cria que a fé é a aceitação das doutrinas e o
conhecimento cristãos essenciais, a demonstração de ambos. A fé salva, mas o conhecimento aperfeiçoa.
Orígenes baseou sua doutrina da Gnoses em que Paulo escreveu no capítulo 12 de I Coríntios:

Ademais deveria saber-se que os santos Apóstolos, ao pregar a fé de Cristo, falaram com
suma claridade sobre certos assuntos que eles consideravam necessários para todos os crentes,
e até para aqueles que parecem ser lentos em sua investigação da ciência divina; mas (os
Apóstolos) deixaram que a razão de suas declarações fosse inquirida por aqueles que tem
recebido os dons excelentes do Espírito, particularmente os dons de língua, a sabedoria e o
conhecimento.18

Aceitar as crenças cristãs é ser salvo; seguir adiante a um conhecimento da verdade adicional deduzida
destas crenças e da Escritura é ter Gnoses e alcançar a perfeição.
Para subir ao cume da perfeição cristã deve dar-se as costas para o mundo visível como às emoções da
humanidade. Quando alguém entra na câmara secreta da sabedoria e do conhecimento, ferra a porta a tudo
aquilo que é recebido pelos sentidos. O cristão “perfeito” é aquele que, como Moisés, tem subido acima de todas
as coisas criadas.19
Para os que queriam seguir a perfeição, o primeiro conselho de Orígenes era: “Conhece-te a ti mesmo”.
Isto significa reconhecer que o corpo mesmo, com seus desejos e emoções, deve ser vencidos. O cristão está
travado em um combate sem trégua com o corpo que o estorva, conforme ele vai atrás do conhecimento de Deus
e Gnoses espiritual perfeita. Portanto deve empregar as armas do ascetismo se desejar ganhar a vitória sobre o
seu ser inferior. “A frase de Paulo, ‘golpeio o meu corpo’, é interpretar neste sentido. As palavras de Jesus, ‘se não
vos torneis ... como crianças’, se interpretam como que significando a mortificação das concupiscências da
humanidade, posto que a criança todavia não tem experimentado o prazer sexual”20.
Comentando acerca da narração que Mateus faz da Transfiguração, Orígenes interpreta a frase “seis dias
depois” (Mt 17:1) como que significando o passar mais além das coisas criadas, posto que o mundo foi criado em
seis dias. Se alguém se considera digno de contemplar a Transfiguração, deve passar mais além dos seis dias, e

17
já não contemplar as coisas do mundo. Então essa pessoa observará um novo sábado e se regozijará na alta
montanha de Deus.21
A escada da perfeição se sobe gradualmente. O cristão não sabe de nenhuma separação súbita do
pecado. A conversão é só um retorno da vontade à vontade de Deus. a salvação do pecado principia com o
batismo, ocasião em a pessoa cessa de ser pecador. O cristão batizado já não é um servo do pecado; peca, mas
não é um pecador22. Com a ajuda de Deus gradualmente conquista seus pecados e faz progressos específicos até
a conquista do mal moral.23
A todos os que negam a possibilidade de alcançar a perfeição moral, Orígenes contesta dizendo:

A natureza humana, pelo exercício da vontade, tem adquirido a capacidade de caminhar


sobre um trapézio suspenso muito alto em um circo... e tem conseguido esta capacidade por meio
da prática e da aplicação: Temos de supor que é impossível para a natureza humana o viver
virtuosamente, se isto é o que quer, mesmo que anteriormente tenha se arruinado muito? Um
homem que tal coisa diga seguramente está trazendo uma acusação contra o caráter do Criador
do ser racional, mais do que contra a criatura. Pois está sugerindo que o Criador tem feito a
natureza humana competente para obter coisas difíceis mas inúteis, e ao mesmo tempo
incompetente para obter sua própria beatitude.24

Ainda que o alcançar esta perfeição não é possível sem a ajuda concomitante da graça de Deus, o
esquema anterior é essencialmente humanista. O homem toma a iniciativa, e Deus o ajuda. “A vontade do homem
não é suficiente para atingir o fim (da salvação), nem tão pouco é a carreira dos atletas metafóricos suficiente para
alcançar ‘o prêmio da suprema vocação de Deus em Jesus Cristo’. este é somente alcançado pela ajuda de
Deus... Nossa perfeição não vem meramente como resultado de nós permanecermos intactos, mas não é
alcançada por nossa atividade; Deus tem a maior parte em que se torna realidade”25.
É inteiramente claro que Orígenes intenta atribuir a perfeição à graça de Deus: “No que diz a respeito à
nossa salvação, ‘a vontade e a atividade vem de Deus’”26. Mas ao explicar como tal coisa é certa, Orígenes deixa
manifesto que nunca compreendeu a doutrina neotestamentaria da graça, ou seja, que em nossa salvação a
iniciativa é inteiramente de Deus. a doutrina de Orígenes é uma doutrina de “livre arbítrio”, mais do que “graça
gratuita”. Ainda que o homem caído é obstruído pelo pecado, “a natureza humana mediante o exercício de sua
vontade... é competente para obter ou alcançar a verdadeira beatitude”. Tudo que é necessário é a ajuda de Deus.
a iniciativa não é de Deus mas do homem. É uma compreensão antropocêntrica da salvação, mais que
teocêntrica.
Por tanto, no ensinamento de Orígenes, a doutrina da perfeição cristã dá um “passo fatal”27, ao aceitar as
pressuposições da filosofia grega em vez das premissas bíblicas.
(1) Orígenes não considera que a fé é uma confiança pessoal, mas um assentimento mental à verdade.
Inevitavelmente a salvação se torna um resultado do esforço humano. A Gnoses que o cristão perfeito recebe é
intelectual mais que espiritual.
(2) A evolução negativa do corpo humano é platônica e não bíblica; por tanto, a perfeição vem mediante a
vitória sobre o corpo. Inevitavelmente, o pecado chega a ser entendido em função do desejo sexual. Pela caída de
Adão, nosso corpo é “o corpo do pecado”. É mediante o ato sexual mesmo que o pecado é propagado, mediante a
semente do homem. Cristo, por tanto, não teve “corpo de pecado” por quanto Ele “não foi concebido mediante a
semente de um homem”28. “Por tanto, cada homem é contaminado pelo pai e mãe, e somente Jesus meu Senhor
veio a nascer sem mancha”. Esta doutrina chegou a seu apogeu no pensamento de Agostinho, como veremos,
pois este teólogo identificou quase completamente o pecado original com a concupiscência, se bem que não está
limitada ao desejo sexual, é mais vividamente compreendida assim.
(3) A perfeição se torna a ascensão mística da alma pela “escada sagrada”. Não é o dom do agape de
Deus para o homem, recebido por fé, mediante a graça; é a expressão de eros, o cumprimento do amor do
homem para Deus, e por tanto, o atinge, ou o que tem atingido o homem, com a ajuda da graça divina. Ainda que
Orígenes se refira ao Espírito Santo como nosso Santificador, na passagem de sua obra De Principiis, onde faz tal
alusão, não relaciona a santificação do Espírito à obra redentora de Cristo. “A verdade é que houve uma confusão
na mente de Orígenes em quanto a todo o assunto da salvação no que tocava à obra do Espírito Santo”30. Essa
confusão o guia a sacrificar o ensinamento neotestamentário de que nossa salvação é, do princípio ao fim, inteira
e somente, pela graça de Deus.
(4) Finalmente, Orígenes abriu a porta monástica com sua idéia da perfeição mediante o ascetismo, e a
idéia conseqüente de uma dupla norma para a vida cristã. Havendo interpretado as palavras de Jesus em Mateus
19:12 como um conselho para a perfeição. Orígenes se fez castrar a fim de tornar-se um dos que se haviam feito
“eunuco por causa do Reino dos Céus”! Pareciam ser os tempos ideais para que os que queriam ser “perfeitos”
fugissem do mundo e “mortificassem” seus corpos. Posto que a pessoa comum, que tinha que ficar no mundo da
vida quotidiana, não podia fazer caso do conselho da perfeição, foram deixados a lutar durante uma vida de
imperfeição e pecado. “Provavelmente o aspecto mais indesejáveis deste ideal duplo havia sido que tendeu a
desalentar os esforços do cristão comum”.31

18
Capítulo 5 - Perfeição Monástica

Em tempos apostólicos, indubitavelmente a Igreja se concebia como que formada exclusivamente por
cristãos nascidos de novo. Havia na Igreja alguns que necessitavam de disciplina, tal como sai à luz ao ler as
cartas do Novo Testamento, mas o ideal da Igreja era “que não tivesse mancha, nem ruga nem coisa semelhante”.
Mas o crescimento do cristianismo através do Império diluiu este conceito de uma Igreja santa. Quando o
terceiro século chegou às suas últimas décadas já havia muitas pessoas na Igreja cujos pais, ou seus ancestrais
mais remotos, haviam experimentado da graça salvadora, mas que agora meramente assistiam aos cultos
públicos, e eram nada mais que cristãos nominais.
Durante os séculos três e quatro a Igreja cresceu rapidamente e com a mesma rapidez se tornou
mundana. Conforme a prática cristã se foi tornando cada vez menos severa, na mente dos crentes sérios o
ascetismo foi ganhando lugar. O Didakhé, um dos mais antigos textos de literatura cristã, redigido ao redor da
primeira metade do secundo século exortava a seus leitores com estas palavras: “Se tu fores capaz de levar todo
o jugo do Senhor, serás perfeito; mas se não fores capaz, faça o que puder fazer”.
A tendência de fazer uma separação entre a vida cristã superior, e a inferior recebeu considerável ímpeto
por uma distinção traçada claramente por Tertuliano e Orígenes, entre o “conselho” e os “requisitos” do
Evangelho. Se bem que os requisitos eram obrigações, todos os cristãos estavam obrigados a cumprir os
requisitos, o conselho era somente para aqueles que verdadeiramente queriam ser santos.
Cristo disse ao jovem rico: “"Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um
tesouro no céu"1. O Senhor também declarou que havia “eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa
do reino dos céus”2, e que “na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento”3. Paulo escreveu: "E aos
solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo”4. Estas
declarações da Bíblia foram aceitas literalmente por todos aqueles que anelavam a verdadeira santidade; embora,
é obvio que a pobreza voluntária e o celibato se consideravam conselhos que a maioria dos cristãos não podiam
acatar. Como veremos, estas passagens se tornaram os alicerces, as pedras sobre as quais se levantaram o
monaticismo e o ascetismo cristão.
A conversão de Constantino e o reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Império abriram
as portas da Igreja a grande número de membros pagãos, e estes, por sua vez produziu uma excessiva
valorização da vida ascética, por parte dos cristão sérios. Quando terminou a época dos martírios, a vida ascética
caiu como a conquista mais elevada que podia aspirar um cristão. O mundo estava cheio com espetáculos e
costumes que ofendiam a consciência cristã, o qual parecia ser que o correto era fugir de tudo. Ademais, a
maneira de pensar da antigüidade favorecia a prática da contemplação por sobre a vida ativa. Mas o que foi ainda
de maior importância foi que o formalismo do culto público, que se desenvolveu desde os últimos anos do terceiro
século, produziu um desejo de uma maneira mais livre e individual pela qual o cristão poderia se aproximar de
Deus.
Estas parecem ter sido as poderosas forças que deram nascimento ao movimento monástico. No coração
do monasticismo estaca o anelo de recobrar a pureza e o poder perdidos da fé cristã, e de dar-lhe atenção séria e
suma ao chamado de Cristo à perfeição. O doutor R. Newman Flew declara que “o monasticismo é o esforço
organizado mais audaz para alcançar a perfeição cristã ao longo de toda a história da Igreja”5.

A. Princípios do Monsticismo
Antônio (Abad), o pai do monasticismo, nasceu em Coma, aldeia do Alto Egito. Conta Anastácio que
Antônio ia a caminho da Igreja, e se sentiu afligido por sua própria indignidade, em comparação aos Apóstolos,
que haviam deixado tudo para seguir a Cristo. Resultou que a porção do Evangelho que foi lida nesse dia incluía a
exortação do Senhor Jesus ao jovem rico: “Se queres ser perfeito...!” A hora de Antônio havia chegado. Vendeu
tudo o que tinha e comprou sua liberdade “das cadeias do mundo”. Isso sucedeu ao redor do ano 270. A princípio
Antônio adotou a vida ascética em sua própria aldeia, mas quinze anos depois se retirou para viver em solidão,
como monge. “Confirmou seu propósito de não retornar à casa de seus pais, nem a ser lembrado por seus
familiares; mas a conservar e usar todas suas energias e todo seu desejo para aperfeiçoar sua disciplina”6.
Indubitavelmente o solo do monasticismo foi preparado por muitos movimentos ideológicos, tais como o
arrazoado de que a vida física é intrinsicamente má, o ideal da vida de contemplação como algo superior à vida de
ação, e o anelo neoplatônico da visão beatífica, mas a semente mesmo do monasticismo é facilmente dicernível.
E “foi semeado pelos que estavam sumamente atarefados no horto da Igreja”.
A meta de Antônio era alcançar a perfeição. Ele se propôs adquirir as virtudes que havia observado em
outros, e, mediante uma vida constante de oração alcançar a verdadeira comunhão com Deus. ao ler os outros
documentos produzidos nessa primeira etapa do monasticismo encontra-se exatamente a mesma busaca da
perfeição. Os grandes líderes do movimento monástico - Pacomio, Basilio, Benedito e Francisco de Assis, que
veio muito tempo depois - ouviram o mesmo chamado à perfeição.

B. Os Ideais Monásticos
O monge cristão vivia de acordo com duas únicas realidades: Deus e sua própria alma, sua própria alma e
Deus. O monasticismo era a religião da alma solitária com seu Deus.
Um dos textos básicos de Antônio era: “O Reino de Deus está entre vós”. Outros escritores ampliaram a
idéia, dizendo que a meta da vida espiritual é o Reino de Deus, o que significa pureza de coração. Para chegar a
19
ser perfeito deve-se renunciar ao mundo, combater contra a carne, e travar combate contra o pecado até a morte;
mas o extremo da perfeição é a oração, a oração sem cessar.
Mas se bem que a vida de contemplação e da comunhão se tornou o ideal do monasticismo, muitos de
seus seguidores viram que a vida solitária fazia possível que o monge desenvolvesse ao mesmo tempo uma vida
de serviço ao seu próximo. Basílio foi um passo mais à frente, ao opor-se à idéia da vida solitária como se fosse
um fim desejável em si mesma:

A forma do amor de Cristo não permite que cada um de nós busque somente o seu
próprio bem, posto que lemos que “o amor não procura os seus interesses”. Agora a vida tem um
só propósito: satisfazer as necessidades de quem vive tal tipo de vida. Mas tal coisa está em obvio
conflito com a lei do amor, que o Apostolo cumpriu quando buscou, não seu próprio bem estar,
mas o de muitos, para que possam ser salvos.7

Em oposição a Basílio (350-435), Cassiano advogou pela superioridade da vida solitária. Com o trabalho
de Tomas de Aquino (1225-1274), o conceito de vida solitária finalmente triunfou como o valor superior e se tornou
dominante na Igreja Católica Romana. Mas Crisóstomo e o célebre Jerônimo (340-420), na Igreja oriental,
seguiram o exemplo de Basílio.
Outra marca do ideal monástico é a cruz. O monge tomava sua cruz para seguir a Jesus. A atitude de
Basílio até a renuncia envolvendo a tomada da cruz é típica. Depois de citar Mateus 17:24 e Lucas 14:33 e 26,
Basílio escreve:

De acordo com isto, a renuncia perfeita consiste em que um homem alcance a


impassibilidade no que toca à vida quotidiana, e em ter “a sentença de morte”, ao ponto de que
não ponha sua confiança em si mesmo. Se bem que o princípio disto consiste na separação das
coisas externas, tais como as possessões, a vangloria, os costumes comuns da vida, ou apego às
coisas inúteis... de modo que todo aquele que esteja dominado pelo desejo veemente de seguir a
Cristo já não pode estar interessado em ter muito a ver com esta vida.

Mas Basílio oferece uma correção e ensina claramente que a meta final da renuncia é conhecer e ganhar
a Cristo. cita, dando evidencia de que as compreende, as palavras de Paulo: “Por amor do qual perdi todas as
coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo”. Basílio comenta: “O mais grandioso de tudo é que a
renuncia é o principio para que nosso ser chegue a ser como Cristo”. A meta é “esse amor até Deus que alcança
ambas as coisas, estimular-nos para cumprir os mandamentos de Deus, e por sua vez é preservado por eles
permanente e seguramente”8.
A demonstração mais convincente do desejo de entrar em comunhão com o Cristo crucificado é o
sentimento que de desprende das seções finais da Moralía:

Qual é o sinal do um cristão? O ser purificado do toda a contaminação de carne e de


espírito, no sangue de Cristo...
Qual é o sinal dos que comem o pão e bebem a cálice do Senhor? Conservar em perpétua
memória a quem morreu por nós e ascendeu outra vez.
Qual é o sinal dos que conservam tal recordação? Que já não vivem para si mesmos, mas
para Aquele que morreu por eles e ascendeu outra vez.
Qual é o sinal de um cristão? Que sua justiça deve abundar em tudo, mais que a dos
escribas e fariseus, de acordo com a medida do ensinamento do Senhor nos Evangelhos.
Qual é o sinal de um cristão? Amar uns aos outros, assim como Cristo nos amou.
Qual é o sinal de um cristão? Ver ao Senhor sempre diante dele.
Qual é o sinal de um cristão? Velar coda noite e cada dia na perfeição de agradar a Deus
para estar prontos, sabendo que o Senhor vem na hora em que ninguém espera.9

Não pode haver duvida alguma de que Basílio cria que nesta vida o coração pode ser purificado do
pecado, e os mandamentos do amor observados10. W. K. Lowther Clarke escreve o seguinte referindo-se a Basílio:
“Crê intensamente na santificação. No Espírito e pelo Espírito, o cristão que vive nas condições favoráveis de um
monastério pode evitar o pecado”.
Nas regras de Basílio e de Benedito o ideal da perfeição foi socializado. É injusto julgar o monasticismo
por umas quantas expressões individuais extremistas, ou pensar nele somente em função das formas
degeneradas às que os reformadores protestantes se opuseram tão intensamente.
Não devemos esquecer que os beneditinos se converteram nos missionários da Europa. Nas formas mais
maduras do monastério, a missão ideal dos monges foi idêntica ao do remanescente do Antigo Testamento:
ajudar a Igreja em sua tarefa de purificar-se a si mesma e de evangelizar o mundo. Paul Tillich tem observado
muito atentamente: “O monasticismo representa uma negação a prova de claudicação do mundo, mas esta
negação não foi de natureza quita. Foi uma negação associada com atividade dirigida até a transformação do
mundo, no trabalho, a ciência, outras formas de cultura, arquitetura eclesiástica, poesia e música. Foi um
fenômeno muito interessante, e tem muito pouco a ver com o monasticismo deteriorado contra a qual combateram
os reformadores e os humanistas. Por um lado foi um movimento radical de renuncia ou separação do mundo;
20
mas, por outro lado, não caiu meramente em uma forma mística de ascetismo; se dedicou à transformação da
realidade”.11

C. Macário, O Egípcio
Nas Homilias de Macario, o egípcio12 “a doutrina da meta da vida cristã pode ser aceita como
representativa do monasticismo”13. É surpreendente que Macario seja tão pouco conhecido, mas suas homilias
tem tido influência na história da perfeição cristã. Willian Law admirou essa obra de grande maneira, e John
Wesley publicou extratos delas no primeiro volume de sua “Biblioteca Cristã”, que foi uma série de livros
desenhados para que os primeiros metodistas se nutrissem com os melhores produtos dos santos. Wesley faz a
seguinte anotação em seu Diário durante um tempestade cruzando o mar: “Li Macario e cantei”.
Macario ensinou que na sua perfeição original, o homem estava vestido com a glória de Deus como se
fosse uma túnica. O pecado o havia feito perder esta glória, mas agora era restaurada aos santos. No último dia
esta glória os cobrirá, por assim dizer os vestirá, e os transportará aos céus.
É a Encarnação o que dá a Macario a base se sua confiança. Posto que Deus tem vindo a nós em Cristo,
não há região do progresso da alma que não encontre em Cristo.

A alma tem sido chamada o templo e a habitação de Deus, pois as Escrituras declara:
Habitarei neles e caminharei neles. Assim agradou a Deus, posto que Ele desceu dos santos céus
e abraçou tua natureza racional, a carne, a que é da terra, e a mesclou com Seu Espírito divino, a
fim de que tu, o terreno, pudesse receber a alma celestial. E quando tua alma tem comunhão com
o Espírito e a alma celestial entra em tua alma, então tu serás um homem perfeito em Deus, e um
herdeiro, e um filho.14

Macario foi um místico, mas, usando a frase de Buber, a comunhão de que ele fala é sempre uma
comunhão de “Eu e Tu”. Ele nunca foi além da linguagem de Paulo aos Gálatas 2:20, para descrever a união da
alma com Deus. No puro coração de seu misticismo estava a Jesus crucificado. “O meramente abster-se do mal
não é a perfeição”, enfatiza Macario, e acrescenta: “a pureza de coração não pode ser ganha de nenhuma outra
forma que não através d’Aquele que foi crucificado”.
Usando palavras muito parecidas com às de Paulo em II Coríntios 3:18, Macario escreve que a vida cristã
é uma contemplação ampla de Cristo, quem imprime sua própria imagem no coração de quem assim o contempla.

Assim como um pintor põe seus olhos no rosto do rei e logo pinta, e quando o rei torna
seu rosto até ele, o pintor pode pintar facilmente e bem... de igual maneira Cristo, o bom artista,
para aqueles que crêem n’Ele e que o contemplam fixamente, imediatamente pinta à semelhança
de sua própria imagem um homem celestial... Por tanto nós devemos contempla-lo, crendo e
amando-o, pondo de lado todas as coisas, e dando a Ele nossa atenção, a fim de que Ele possa
pintar sua própria imagem celestial e envia-la a nossas almas, e assim, ao estar vestidos de
Cristo, possamos receber a vida eterna, e ainda aqui possamos ter completa certeza e gozar de
descanso.15

D. Gregório de Nisa
No tempo de Wesley geralmente se aceitava que as homilias de Macario eram efetivamente o trabalho de
“Macario, o egípcio”. As recentes investigações eruditas tem estabelecido um elo significativo entre os escritos de
Macario e Gregório de Nissa. Werner Laeger tem demonstrado que o autor do que se tem chamado as Homilias
de Macario não foi um “padre egípcio do deserto”, do século IV, mas um monge sirio do século V, que havia
derivado sua interpretação da vida cristã quase que exclusivamente de Gregório de Nissa! De modo que nos
escritos que John Wesley leu, crendo que representava o pensamento de “Macario, o egípcio”, ele realmente
estava em contato com Gregório de Nissa, “o maior de todos os mestres do ramo oriental da Igreja, no que toca à
busca da perfeição”16.
Gregório de fato escreveu dois tratados sobre ele, intitulados, “O que Significa que Alguém se Chame
Cristão”, e “Sobre a Perfeição”. Para Gregório, Cristo é o Protótipo da vida cristã, e o subtítulo de seu segundo
tratado é “Sobre o que É Necessário para que alguém Seja Cristão”. Virgínia Callahan pensa que um título melhor
para o tratado deveria ser: “Cristo, o Modelo da Perfeição”, posto que a parte central do mesmo consiste de uma
análise detalhada de trinta referencias, mais ou menos, de Paulo a Cristo; Gregório “cria que Paulo sabia mais que
qualquer outra pessoa quem é Cristo verdadeiramente, conhecimento que o levou a transformar sua própria alma
em imitação de Cristo”17.
Entre as passagens paulinas que Gregório considerava significativas para o cristão na busca da perfeição
estão os que declaram que Cristo é o “poder de Deus, e sabedoria de Deus” (I Co 1:24), “paz” (Ef 2:14), “luz
inacessível” na qual Deus mora (I Tm 6:16), “santificação e redenção” (I Co 1:30), “o resplendor da glória e a
expressão exata do seu Ser” (Hb 1:3), “alimento espiritual” (I Co 10:3), e “a mesma bebida espiritual... a rocha
espiritual” (I Co 10:4), “a cabeça do corpo que é a Igreja” (Cl 1:18), “o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15), “o
primogênito de muitos irmãos” (Rm 8:29), “o primogênito dentre os mortos” (Cl 1:18), “mediador entre Deus e os
homens” (I Tm 2:5), “unigênito Filho de Deus” (Jo 3:18), e “Senhor da glória” (I Co 2:8).

21
A tese de Gregório é: “É necessário... que os que se aplicam a si mesmo o nome de Cristo, em primeiro
lugar tornam-se no que o nome implica, e logo, que se adaptem a este título”19. As características que não
podemos imitar as adoramos e lhes prestamos reverência. “Por tanto, é necessário que a vida cristã ilustre todos
os termos interpretativos que significam a Cristo, alguns por meio da imitação, outros pela adoração, se é que ‘o
homem de Deus há de ser perfeito’, como disse o Apostolo”20.
No desenvolvimento de seu tema Gregório faz a advertência, não seja que o cristão siga sendo uma
pessoa “de ânimo dobre, um centauro que combina razão e paixão”, e esgrime a pergunta de Paulo, “que
comunicação tem a luz com as trevas?” como um argumento de que a pessoa que tenha ambos elementos
opostos em si mesma se tornará sua própria inimiga, “e estará dividida em dois, entre a virtude e o mal”, e por
tanto “terá uma linha de antagonismo de um extremo ao outro de sua pessoa”21. Gregório se refere várias vezes a
esta “guerra civil” que somente pode ser resolvida mediante “a morte de meu inimigo”, ou seja, o pecado que
permanece.22
Referindo-se a Cristo como “o poder de Deus e a sabedoria de Deus”, Gregório observa que uma pessoa
que ora, guarda a si mesma e fixa seu olhar em Cristo (“que é poder”), e “é ‘fortalecida com poder no homem
interior’, como escreve o Apostolo, e a pessoa que invoca a sabedoria que o Senhor é... se torna sábia”23.
Cristo se torna “nossa paz” não só quando nos reconcilia “com aqueles que lutam contra nós
exteriormente, mas também quando reconcilia os elementos que chocam entre si mesma dentro de mós, a fim de
que ‘a carne já não luta contra o Espírito... nem o Espírito contra a carne’”24. “Posto que a definição de paz é a
harmonia entre partes discordantes, uma vez que a guerra civil de nossa natureza foi expulsa, então nos tornemos
paz, e revelamos o fato de que tomamos o nome de Cristo como algo veraz e autêntico”25.
“Conhecendo a Cristo como ‘a luz verdadeira’, é necessário que nossas vidas também sejam iluminadas
pelos raios do... ‘Sol da justiça’, que refulge para iluminarmos”. “E se reconhecemos a Cristo como nossa
‘santificação’, demonstremos com nossa vida que nós mesmos estamos firmes... com o poder de sua
santificação”.26
Expressões como estas são típicas do ensinamento de Gregório sobre a perfeição. Para ele, a vida santa
é uma vida na qual a carne “que é hostil a Deus e que não se sujeita à lei de Deus”, foi mortificada na
consagração de “um sacrifício vivo, santo, agradável a Deus”, e que a mente foi transformada, “para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”27. Assim que a vida perfeita é “viver na
carne, mas não ‘de acordo com a carne’”.
Ainda que o tema de Gregório é o da imitação de Cristo, ele vê também muito claramente a verdade mais
profunda da participação em Cristo. Tal compreensão é obvia em sua exposição de Cristo como a Cabeça do
corpo (no que “as diversas partes” vivem “mediante sua comunhão com a cabeça”), assim como no
desenvolvimento que Gregório faz de Cristo como o Primogênito de toda a criatura ( que “tem formado nossa
vida”). Em conexão com esta última imagem, Gregório nos lembra que os que tem sido “renascidos ‘por água e o
Espírito’” e por tanto “nos tem tornados irmãos do Senhor”, temos de refletir a nosso Irmão maior em nossa vida
diária. Escreve: “Mas, que temos aprendido das Escrituras quanto ao que é o caráter de sua vida? o que temos
dito muitas vezes, e é, que ‘nunca fiz maldade, não houve engano em sua boca’. Por tanto, se vamos a portarmos
como irmãos d’Aquele que nos deu vida, a vitória sobre todo o pecado em nossa vida4 será uma evidência de
nossa relação com Ele”29.
Finalmente, Gregório comenta sobre a figura de Cristo como a Rocha espiritual:

Bebendo d’Ele, como de um manancial puro e sem contaminação, uma pessoa


manifestará em seu pensamento tal semelhança a seu Protótipo como o que existe entre a água
que corre no riacho e a água que é tirada do riacho e que agora enche o cântaro. Pois a pureza
em Cristo e a pureza que se observa na pessoa que tem parte n’Ele são a mesma; uma está na
fonte, e a outra tem saído dele”.30

“Esta é, por tanto, a perfeição na vida cristã... a participação da alma, a maneira de falar e de ser de um,
em todos os nomes com que se faz referencia a Cristo, de modo que a santidade perfeita, de acordo com o
discurso de Paulo, é algo que um toma sobre si mesmo ‘em todo (o) ser, espírito, alma e corpo’, protegendo-se
continuamente de misturar-se com o mal”.31
A vida cristã que está sendo aperfeiçoada é essa vida na qual o cristão está (continuamente) mudando
“glória por glória, fazendo-se maior mediante um crescimento diário, continuamente aperfeiçoando-se a si mesma,
e sem jamais chegar com demasiada rapidez ao limite da perfeição. Pois esta é verdadeiramente a perfeição, o
jamais deixar de crescer até o que é melhor, e jamais por limite algum à perfeição”32
Seja que isto derivou de “Macario, o egípcio”, ou de Gregório de Nissa, esta á a visão da perfeição que
incendiou a imaginação de John Wesley, e que encontrou uma expressão nova e vigorosa no pensamento e
ensinamento do reformador inglês.

4 Sinlessness of our life, literalmente, vidas nas quais não há pecado (N.T.).
22
Capítulo 6 - Santo Agostinho

Algumas pessoas tem colocado em dúvida que Agostinho seja incluído entre os campeões da perfeição
cristã. O certo é que seu nome aparece entre os amigos e inimigos desta verdade.
H. Orton Wiley inclui a Agostinho entre as testemunhas da doutrina. Como evidencia ele cita a declaração
de Agostinho de que “ninguém deve atrever a dizer que Deus não pode destruir o pecado original nos membros, e
estar Ele mesmo presente na alma de maneira que, estando a velha natureza abolida inteiramente, a vida possa
ser vivida aqui em baixo como uma contemplação eterna de Quem esta em cima”1. E no terceiro centenário de
Francisco de Sales, o papa Pio XI declarou em uma encíclica sobre santidade: “Santo Agostinho define o assunto
claramente quando postula: ‘Deus não nos manda o impossível, mas por outro lado, ao dar o mandamento Ele
nos admoesta a alcançar o que alcançar de acordo com a nossa força, e a pedir ajuda para alcançar qualquer
coisa que esteja além de nossa força’”2.
Por outro lado, Agostinho também escreve o seguinte, em sua obra intitulada Retratações: “Ninguém
nesta vida deve ser tão privilegiado... como para que não haja em seus membros uma lei que luta contra a lei de
sua mente”3. Ele inclui até os Apóstolos neste juízo. Somente Jesus e sua mãe, afirma Agostinho, erma sem
pecado4.
A que se deve esta ambivalência? Em primeiro lugar, a tensão do conflito de Agostinho com Pelágio, que
rechaçava a idéia do pecado original, levou ao primeiro a negar a possibilidade de ser impecável, ou sem pecado,
nesta vida. sob a pressão deste debate Agostinho desenvolveu uma posição extrema ou de extremo, que
contradizia seus postulados declarados em todo o resto de sua produção.
Todavia há uma razão mais profunda de sua confusão. A doutrina cabalmente desenvolvida sobre o
pecado original, de Agostinho, se bem que tenha obviamente suas raízes nas Escrituras, também exibe evidência
inequívoca da influência grega que falsearam o ensinamento bíblico. O resultado é uma doutrina na qual duas
idéias inteiramente diferentes de pecado se mesclam e se confundem.
Agostinho pensava que a queda introduziu a luxuria ou concupiscência, a que ele descreveu mais
vividamente como o desejo sexual. Se o que Tiago chama “concupiscência” (Tg 1:14-15) é o pecado original, ou a
depravação, então, obviamente, a inteira santificação é uma ilusão.
Mas o que nós declaramos é que tal compreensão de pecado original traz à tona uma tendência helenista
de pensar no corpo físico como algo pecaminoso por si, o que é uma idéia que as Escrituras desconhecem.
Destas premissas tem-se que aceitar que a tentação já implica pecado. Qualquer doutrina da salvação que ligue o
pecado tão intimamente aso desejos do corpo terá que dar a mão a Agostinho, e duvidar da possibilidade de
alcançar a santidade antes da morte.
Por tanto nós vemos a importância de Agostinho em um estudo da perfeição cristã. Os temas suscitados
por sua teologia todavia obscurecem a doutrina da salvação. A doutrina da salvação. A doutrina agostiniana do
pecado original deixou como herança à Igreja da chamada “teoria das duas naturezas”, que é o ensinamento de
que pela graça recebemos uma nova natureza que é santa e justa, e que é uma adição à velha natureza, que
permanece. Por tanto o crente que nasceu de novo tem duas naturezas, uma natureza nova e livre do pecado, e
uma natureza velha e corrupta. Estas duas naturezas existem lado a lado, até a morte do crente. Por tanto a
santificação é somente um processo gradual, que espera a morte para dar-se por terminado ou completo.
Até que este problema seja ou é resolvido, é impossível ter uma doutrina bíblica da perfeição. Ninguém
que queira pensar seriamente sobre o tema pode fazer, por um lado, as perguntas que Agostinho nos faz
mediante seu conceito de pecado original

A. O Lugar de Agostinho na Igreja


Não obstante, seria um tratamento completamente injusto de Agostinho o limitar nessa avaliação de sua
teologia a estes aspectos negativos de seus ensinamento acerca do pecado original. Pelo menos em dois
aspectos, como santo e como teólogo, Agostinho marcha na linha de Paulo, Lutero, Calvino e Wesley. Uma
grande parte de sua influência se deve precisamente à sua piedade mística.
O amor de Agostinho por Deus palpita em todos seus escritos, mas é um sua excepcional obra, as
Confissões, onde esse amor atinge sua expressão mais cabal. Nenhuma outra autobiografia espiritual desse
calibre foi escrita na Igreja cristã da antigüidade, e todavia segue sendo provavelmente a obra clássica superior da
experiência cristã. Na primeira página encontramos a chave da doutrina positiva deste gigante teólogo, da
perfeição cristã. É essa conhecida frase: “Tu nos fizeste para Ti, e nossas almas não descansam até que
descansem em Ti”. Aqui está sua doutrina do bem supremo: o verdadeiro fim do homem, seu gozo mais elevado e
seu autocumprimento ou conquista superior, jazem em Deus. “É bom, então para mim, apegar-me a Deus, posto
que se não permaneço n’Ele, tão pouco permanecerei em mim mesmo; mas Ele, permanecendo em Si mesmo,
renova todas as coisas. E Té és Senhor meu Deus, pois não necessitas de minha bondade” (7:11). “Busquei uma
maneira de adquirir suficiente força para desfrutar-te, mas não a encontrei até que me socorri nesse ‘mediador
entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem’, de quem lemos que ‘é Deus sobre todas as coisas, bendito pelos
séculos’, e cujo chamado ouvi” (7:18). “Minha única esperança jaz somente em tua superabundante misericórdia.
Da o que Tu ordenes, e ordena o que Tu querias” (10:29). “Te amarei, oh Senhor, e te darei graças, e confessarei
teu nome, porque Tu tens afastado de mim todas essas ações mais perversas e execráveis. Atribuo a tua graça, e
a tua misericórdia que Tu tens derretido meu coração como se fora neve” (2:7). Ao refletir sobre isto, Williston
Walker escreve: “Há aqui uma nota de devoção pessoal tão profunda como não se havia ouvido na Igreja desde
23
os dias de Paulo, e o conceito de religião como uma relação vital com o Deus vivo, que haveria de ser de
influência permanente, ainda que freqüentemente só fosse compreendido parcialmente”5.

B. A Doutrina Agostiniana da Perfeição


Um exame da teologia de Agostinho revela que essencialmente é perfeccionista. Sua idéia principal é o
Supremo Bem, e qual pode de alguma maneira ser alcançado e desfrutado nesta vida.
E, que é este Bem Supremo, a beatitude máxima que o homem pode alcançar? É Deus. Nossa alma não
repousam até que encontrem seu repouso n’Ele. Em Deus, e n’Ele somente, se encontra a verdadeira realização
do homem.
A mente humana encontra sua meta em Deus, e n’Ele está completa. Ao recordar como ele havia sido
guiado a Cristo pelo estudo da filosofia e o amor de verdade, Agostinho escreve: “A admoestação interna que
trabalha a tal ponto sobre nós que nos lembremos de Deu, de que o busquemos, de que tenhamos sede d’Ele
(com toda a inimizade terminada), procede da mesmíssima fonte de verdade”. No centro do pensamento de
Agostinho está a convicção de que o conhecer a Deus em uma comunhão de quem está consciente é a coroa e a
meta da vida. Em uma de suas cartas Agostinho escreve dessas pessoas que tem um amor meramente intelectual
a Deus, sem ter a Deus morando neles, e dessas outras pessoas em quem Deus mora, sem que elas o saibam.
“Mas mais bem-aventurado e ditosa são as pessoas em quem Deus mora, e elas o sabem. Este é o conhecimento
mais cabal, mais verdadeiro, mais feliz”6.
Mas Agostinho conhecia o problema ético que se recai sempre sobre os ombros do homem pecador.
Ainda que fora criado para conhecer a Deus, o homem caiu e foi afastado de Deus, e agora é escravo indefeso do
pecado. Antes de que possa amar a Deus e servi-lo, é necessário que sua vontade escravizada seja emancipada.
Isto é possível somente pela graça de Deus em Cristo. Então, e somente então, pode o homem desfrutar do
conhecimento de Deus que é a salvação. De modo que para Agostinho a liberdade cristã significa ser livre do
pecado, para conhecer a Deus e servi-lo.
O Bem Supremo, por tanto, é desfrutar de Deus que escreve sua lei nas tábuas de nosso coração, e por
cuja presença é derramado em nosso coração o amor de Deus, o qual é o cumprimento da lei. Esta é a liberdade
que o Evangelho de Cristo nos promete.

Nada pode ser melhor que esta benção, nada mais feliz que esta felicidade: viver para
Deus, viver em Deus, em quem esta fonte de vida e em cuja luz veremos a luz. O mesmo Senhor
se referiu a esta vida ao dizer: E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste... Seremos semelhantes a Ele... Esta semelhança
inicia ainda agora a ser trabalhada em nós, enquanto o homem interior é renovado a cada dia, de
acordo com a imagem de quem o criou.7

Po outro lado, escreve Agostinho, “a desgraça máxima do homem é não estar com Aquele, sem quem não
pode estar, posto que, sem dúvida alguma, o homem não é sem Aquele em quem é; e não obstante, se não
lembra, e compreende, e ama a Deus, não está com Ele”8.
Esta desgraça é o resultado do pecado, e esta barreira “à participação na Palavra” é eliminada pelo amor
de Deus que é derramado no coração pelo Espírito de Deus. O amor é, por tanto, um elemento essencial do Bem
Supremo. Essencialmente, conhecer a Deus, e amar a Deus estão ligados no pensamento agostiniano do
Supremo Bem. “Este amor inspirado pelo Espírito Santo, guia até o Filho, ou seja, à sabedoria de Deus, por meio
de quem o Pai mesmo é conhecido... É um amor que pede, um amor que busca, um amor que chama, um amor
que revela, e também, um amor que oferece continuidade naquele que foi revelado”9.
Além do mais, este amor que é o Bem Supremo, é inteiramente social. Agostinho escreve:

Tu te amas de uma maneira que guia à salvação quando amas a Deus mais do que a ti
mesmo. o que então desejas ou buscas para ti o desejas ou busca para teu próximo, ou seja que
o ame a Deus com um perfeito afeto. Pois tu não o amas como te amas a ti mesmo a menos que
trates de atrai-lo a esse bem que tu mesmo estás buscando... Deste mandamento emanam os
deveres da sociedade humana.10

Nas páginas finais de sua obra mestra, A cidade de Deus, Agostinho reforça esse amor social de Deus.
escreve: “Como poderia a cidade de Deus principiar ou ser desenvolvida, ou alcançar seu devido destino, se a
vida dos santos não fosse uma vida social?”11
Ainda na vida futura tem graus e diversidades, mas não tem invejas nem agitação, porque “Deus será o
fim de nossos desejos, e Quem será visto por toda a eternidade, amado sem saciedade, louvado sem cansaço. A
comunicação deste afeto, deste destino, será definitivamente, como a mesma vida eterna, algo que todos terão
em comum”12.
É possível esta perfeição para o homem mortal? Em seu primeiro tratado sobre o Sermão do Monte,
Agostinho definiu aos pacificadores que são chamados filhos de Deus, como aqueles que desfrutam dessa paz no
seu interior, e em cujas almas tudo é harmonia. As paixões estão sujeitas à razão. Aquilo que é o mais elevado no
homem - sua mente e sua razão - domina sem resistência sobre o corpo com seus desejos. A razão mesma está

24
sujeita à Verdade, o unigênito Filho de Deus. esta é a paz da qual desfrutam na terra os homens de boa vontade.
“Estas promessas podem cumprir-se nesta vida, tal como cremos que se cumpriram no caso dos Apostolos”13.
Mas tal como já vimos antes, depois de seu debate com Pelágio, Agostinho se retratou desta posição.
Nesta linha escreve:

Nós não cremos que os Apóstolos, enquanto viveram aqui na terra, estiveram isentos da
luta da carne contra o Espírito. Mas se cremos que essas promessas possam ser cumpridas aqui
tanto quanto foram cumpridas, de acordo ao que cremos, nos Apóstolos, o que eqüivale a dizer na
medida da perfeição humana, em que esta pode ser alcançar nesta vida... A medida é a da
perfeição da que esta vida é capaz, e não na que essas promessas hão de ser cumpridas nesse
dia de paz perfeita, quando se dirá: Ubi est mors contentio tua?14

De modo que então há uma perfeição relativa nesta vida. através de Cristo e a infusão do amor de Deus
pelo Espírito Santo podemos desfrutar do conhecimento de Deus, e experimentar uma comunhão transformadora
com Ele, a que irá trabalhando uma mudança gradual em nós, graças ao qual iremos sendo mais semelhante a
Àquele que é a imagem de Deus. Mas posto que a concupiscência pecaminosa permanece, não podemos gozar
de ser livres completamente do pecado. Agostinho escreve: “Nada nesta vida pode ser ao privilegiado que não
haja em seus membros uma lei lutando contra a lei de sua mente”.

C. Uma Avaliação
A debilidade fatal no ensinamento agostiniano da perfeição é sua tendência a identificar o pecado original
com a luxúria sexual. Ele disse: “Há varias e diversas classes de luxúria, algumas das quais tem seu próprio
nome, no entanto outras não... Todavia quando não se especifica um objeto, a palavra geralmente sugere à mente
a excitação luxuriosa dos órgão de reprodução”15.
Segundo a teoria agostiniana, Adão e Eva receberão o mandato divino de povoar a terra; em seu estado
original, antes da queda, eles não conheciam a excitação do desejo sexual. Se houvessem mantido neste estado
de inocência, ou sem pecado, “o homem haveria semeado a semente, e mulher haveria recebido, tal como
houvesse sido necessário, mas os órgãos de reprodução haveriam sidos ativados pela vontade e não excitado
pela luxuria”16.
Porém o orgulho (“o apetite de uma exaltação exagerada”) foi “o princípio do pecado”, a luxúria foi uma
conseqüência penal. De modo que esta luxúria é a marca infalível de nossa condição decaída e continua sendo a
maldição da humanidade até a ressurreição. Agostinho interpreta a guerra entre os membros, tão vividamente
descrita em Romanos 7, como “a luta entre a vontade e a luxúria”17 e persiste na vida do santo mais piedoso até
sua morte, quando finalmente se despojará “do corpo do pecado e da morte”. Por tanto, a natureza pecaminosa
ou carnal não é algo que possa ser destruído por um ato da graça divina, mas que é algo constituinte de nossa
humanidade mesmo, como membros de uma raça decaída.
Esta tendência de definir o pecado original como luxúria sexual emana do conceito pagão de que a
criação material é mal per se. Reflete a filosofia dualista que havia tomado parte dos antecedentes pré-cristãos de
Agostinho. O conceito de que o mundo material é essencialmente mal prevalecia na antigüidade, e a identificação
do pecado como sexo era parte desta maneira de pensar. Esta idéia não só contribuiu ao ideal da virgindade e do
celibato como as verdadeiras expressões da santidade, mas que também obscureceu desnecessariamente a
doutrina do pecado original. Tem sido quase impossível à Igreja desfazer da idéia de que a carnalidade e a luxúria
sexual são praticamente sinônimas.
Mas tal identificação do corpo humano com a natureza pecaminosa não se encontra em parte alguma do
Novo Testamento. Sem dúvida que nosso corpo não redimido é escravo e ferramenta do pecado. Mas
precisamente o propósito da morte de Cristo na cruz foi livrar nossos corpos do domínio do pecado (Rm 6:6), a fim
de que nos apresentemos ou consagremos o nós mesmos a Deus, e “nossos membros, a Deus, como
instrumentos de justiça” (Rm 6:12-13). Posto que somos os que temos saboreado as misericórdias do Deus, agora
temos que apresentar nossos “corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1). Em outro lugar
Paulo escreve: “Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a
imoralidade peca contra o próprio corpo” (I Co 6:18). Na continuação o Apostolo recorda aos corintos: "Acaso, não
sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo?... Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo" (I Co
6:19-20). Inteiramente santificados, “o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis
na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts 5:23).
Desde que o corpo, com seus apetites e impulsos, é uma fonte de tentação. Por isso Paulo escreve: “Mas
esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser
desqualificado” (I Co 9:27). O natural deve ser sacrificado ao espiritual se é que haveremos de ganhar a coroa da
vida. Por essa razão escreve aos romanos: “Se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo
Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Rm 8:13).
Por tanto, a conclusão a que chegamos é que os desejos do corpo, incluindo o impulso sexual, não são
pecaminosos em si mesmos. O desejo é a essência da tentação, mas tentação não é pecado (Tg 1:15-16). Tão
pouco aceitamos que a guerra entre nossos membros, tão vividamente descrita por Paulo em Romanos 7, seja um
quadro de tentação, ou uma luta entre a razão e a paixão. Em vez de referir-se meramente à sensualidade, “a luta
aqui denota todo o homem tal como é por natureza”18. A vida na carne, tal como a descreve Paulo neste capítulo,

25
é a experiência frustrada de qualquer ser humano que trate de cumprir as demandas da lei sem que conhecer e
ter os recursos da graça divina que nos brindam mediante Cristo. assim que a carne é então todo o ser do homem
sujeito ao pecado.
Ao interpretar o capítulo sete de Romanos como a etapa mais alta da vida possível para o cristão é perder
completamente o argumento do Apostolo em Romanos de 6 a 8. O propósito de Cristo ao vir a este mundo foi
precisamente trazer a seu fim a escravidão do homem ao pecado na carne, ao introduzir o reino do Espírito, de
vida e de santidade. Paulo escreve: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de
Deus habita em vós” (Rm 8:9). A etapa final da existência cristã é a vida na qual o crente é livre do pecado; Paulo
testifica freqüentemente desta vida no capítulo 8 de Romanos. Por exemplo:

Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte.
Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando
o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito (v. 2-4).

Ao negar a possibilidade de que o crente encontre tal liberdade em Cristo, Agostinho não capta ambas as
coisas, o Evangelho cabal de Paulo, e as implicações de sua própria doutrina da liberdade cristã mediante a
graça.

26
Capítulo 7 - O Ensinamento Católico Romano

A idéia agostiniana da perfeição, com pequenas diferenças, dominou o pensamento da Igreja durante a
Idade Média. Por tanto é desnecessário fazer um repasse dos escritores místico, que foram muitos, deste grande
período. Há dois nomes, entretanto, que é mister mencionar: Dioniso Areopagita e Bernardo de Claraval.
Dioniso, como Agostinho, cria que a perfeição do homem consiste em estar unido a Deus. Ademais, para
este cristão neoplatônico, Deus é o Abismo, e para ser aperfeiçoado, tem que se arrojar à “obscuridade de não
saber” mais além de qualquer compreensão. A vitória da filosofia sobre a revelação dificilmente poderia ser mais
completa. “Porém, graças ao discipulado de João Escoto Erígena, e através dos comentários de Hugo de S.
Victor, de Tomás de Aquino e de Alberto magno, seus escritos alcançaram uma influência extraordinária, e sua
autoridade é citada pelos escritores medievais como algo decisivo”1.
Bernardo de Claraval introduz na vida devocional católica uma nota tímida e pessoal de piedade
evangélica. Em seus escritos, especialmente em seu comentário sobre Cantares de Salmão, Jesus Cristo ocupa
outra vez o centro da adoração cristã.

Quando menciono o nome de Jesus, fixo diante de minha mente um homem manso e
humilde de coração, amável e tranqüilo, casto e aflito, notável quanto ao que a bondade e a
santidade tocam, e a esse mesmo Homem veio como o Deus onipotente, quem me curará por seu
exemplo e quem me fortalecerá com sua ajuda.2

Imitar a Cristo se torna para Bernardo a essência da devoção. Enquanto que sua sabedoria nos ensina e
seu amor nos comove, sabemos que Ele está perto. Mas sobre tudo temos de imitar sua humanidade.
Todavia nos desilude descobrir que quando Bernardo descreve os níveis mais altos que pode chegar um
cristão nesta vida, deserta ao Senhor encarnado. Escreve:

O amor do coração é, em certo sentido, carnal, por quanto principalmente move o coração
do homem até a carne de Cristo e até o que Cristo disse e fez quando estava em carne. A sagrada
imagem do Deus-Homem, seja durante seu nascimento ou sendo amamentado ou ensinado ou
morrendo ou ressuscitando, está presente a quem ora, e sem dúvida alguma estimula a alma ao
amor e à virtude... Mais ainda que tal devoção à carne de Cristo é um dom, um grande dom do
Espírito Santo, todavia eu o chamo carnal em comparação a esse amor que não considera o
Verbo que é Carne, como o Verbo que é Sabedoria, Justiça, Verdade, Santidade.3

Em outro de seus livros Bernardo declara que nesta vida não se pode alcançar a classe mais elevada de
amor. Logo faz uma classificação de quatro graus de amor. O primeiro é o amor natural que alguém tem por si
mesmo. o segundo é o amor a Deus pelos benefícios que tem derramado sobre nós. O terceiro é o amor de Deus
por sua própria bondade, sem excluir a idéia de sua bondade para conosco.

Neste terceiro grau pode-se permanecer por grande tempo. Eu não sei se há homem
algum que haja subido perfeitamente à quarta etapa, na qual alguém somente se ama a si mesmo
por causa de Deus. se há alguns que a tenham experimentado, que falem; quanto a mim confesso
que me parece impossível.4

Seguramente que algo anda mal como um ideal tão defeituoso que postula que o amor perfeito jamais
possa ser alcançado, nem se quem por um só momento, pela graça de Deus. Todavia, a intensa nota de devoção
a Jesus que palpita no comentário de Bernardo de Cantares de Salomão tem dado a este místico um lugar
permanente ma literatura devocional do cristianismo.

A. Tomás de Aquino
Tomas de Aquino (1225? - 1274) tem sido chamado “o doutor angelical” da Igreja. “Na Igreja romana sua
influência nunca cessou. Pelo edito do Papa Leão XII, em 1879, sua obra é a base da instrução teológica
presente”5.
Entre todos os teólogos Aquino é o que está mais dominado pelo conceito da perfeição final do homem.
Um de suas convicções básicas é o postulado de que a mesma natureza e constituição do homem contém uma
promessa implícita de seu fim verdadeiro, que é ver a Deus e desfrutá-Lo. Tal como foi criado originalmente, o
homem, tinha, além de seus poderes naturais, um dom superadicional que o permitia buscar esse Bem Supremo,
e praticar as virtudes da fé, da esperança, e do amor. Ao pecar, Adão perdeu o dom da graça divina, e sofreu a
corrupção de seus poderes naturais.
O homem conserva o poder para praticar as virtudes naturais: prudência, justiça, valor e controle próprio;
mas estas, porém produzem certo grau de felicidade, não são suficientes para capacitar ao homem a alcançar seu
fim verdadeiro, a visão de Deus. Somente a graça gratuita e imerecida pode restaurar o homem ao favor de Deus
e capacita-lo a praticar as virtudes cristãs. nenhuma ação do homem tem o poder pela graça divina para cumprir
não somente os preceitos de Deus, mas também as admoestações do evangelho à perfeição. Por esta graça ele
pode desfrutar do amor perfeito nesta vida e experimentar a visão beatífica de Deus na vida vindoura.
27
Tal é, em forma muito ampla e breve, o esboço da doutrina de Aquino. A discussão seguinte dela se
baseia na magnífica análise do ensinamento tomista sobre a perfeição, feito por R. Newton Flew6. O doutor Flew
faz um resumo da posição de Aquino sob quatro tópicos principais: (1) A vida de meditação é superior à vida ativa;
(2) A perfeição cristã consiste no amor, e pode ser alcançada nesta vida; (3) Deus será amado por Si mesmo; (4)
A perfeição final pode ser alcançado somente na vida futura.

1. Uma vida de meditação é superior à vida ativa


Para captar o pensamento tomista a este respeito nos ajudará meditar na declaração de Jesus: “Maria,
pois, escolheu a boa parte” (Lc 10:42). Sem esta declaração é impossível que haja apreciação de nenhum dos
dois, o catolicismo romano e Aquino. Os santos de todos os ramos do cristianismo se nutrem na oração, em sua
comunhão interior com Deus, a qual é a fonte de sua força. Além do mais, uma vez que este mundo esta
passando, a vida de comunhão é imune à morte. Estas premissas cristãs comuns são o fundamento da posição
de Aquino.
Mas seria injusto dizer que esta teólogo menosprezava a vida ativa. Os méritos da vida ativa são grandes,
disse São Tomas, citando Gregório. Todas as virtudes morais são pertinentes à vida ativa. Por meio de tais ações
fazemos bem ao nosso próximo e exibirmos algo do amor divino. Em certa medida, a vida ativa é essencial para
alcançar o amor perfeito.
Em outro sentido a vida ativa de amor e da vida de meditação de oração se complementam. Aquino
observa que especialmente no ensinamento e na pregação, as obras fluem da plenitude da contemplação, como
um rio flui do lago que é sua fonte. Há, por tanto, um duplo movimento na vida perfeita tal como há de ser vivida
na terra. “A mente ascende à contemplação e logo regressa a uma vida ativa para comunicar o fruto do
conhecimento de Deus”7.
Entretanto, a vida de contemplação é mais elevada que a ativa. É o conhecer e o amar a Deus quando
alguém se eleva para Deus e até Deus, e ao faze-lo experimenta sua verdadeira realização.
Em um de seus artigos mais comovedores na Suma Teológica, Aquino pergunta se há deleite na
contemplação, e se responde dizendo que há tal deleite em duas maneiras. Primeiro, há deleite no ato mesmo de
contemplação pois, como criaturas racionais fomos feitos para deleitarmos no conhecimento da verdade. Em
segundo lugar há deleite na vida contemplativa, não somente por causa da contemplação mesma, mas também
por razão da visão do amor divino que a contemplação torna possível. Quando vemos Aquele a quem amamos
supremamente, nossos corações se incendeiam para amá-Lo mais. “Esta é a última perfeição da vida
contemplativa, que a verdade divina não somente seja vista mas também amada”.

2. A perfeição cristã consiste no amor


Na pergunta numero 184 da Suma, Aquino procede a dizer que a perfeição da vida cristã consiste
principalmente no amor. Mediante o amor ativo ao próximo nós expressamos a perfeição que é possível nesta
vida; mas em seu movimento “até Deus”, é o amor que nos une a Deus, que é o nosso fim principal. Em sua
doutrina do estado da perfeição, Aquino assinala que há três etapas da vida espiritual, que culminam no estado da
perfeição para o qual se dirigem as etapas inferiores. A perfeição final do homem é a contemplação eterna de
Deus, o qual é o fruto final do amor.
O amor é o vínculo da perfeição (Cl 3:14), posto que enlaça as outras virtudes numa unidade perfeita. Este
amor não é natural; é dom de Deus, Caritas (a palavra de Aquino) significa amor a Deus e ao próximo, em Deus. é
primordial e especificamente o mesmo amor de Deus, que Ele comunica ao homem pela infusão do Espírito
Santo. O Espírito que mora na comunidade cristã é o Espírito com o qual o Pai ama ao Filho e o Filho ao Pai.
É esta amor perfeito possível nesta vida? para responder a pergunta Aquino apela ao preceito do Senhor
Jesus: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48). A lei divina, afirma Aquino, não
ordena o impossível.
Mas, que quer dizer a palavra perfeição? A resposta de Aquino toma em consideração o duplo significado
da palavra grega (teleiõs) que se usa no Novo Testamento: (1) estar completo, ou uma totalidade da qual não falta
nada, e (2) “adaptação ao propósito”, ou “a conformidade de algo para seu fim”.
A respeito do primeiro significado, somente Deus é absolutamente perfeito. Mas Aquino discorda de uma
perfeição humana na qual a alma ama a Deus como lhe é possível faze-lo. Nada pode faltar ao amor que sempre
está ali. Posto que as possibilidades da alma não podem ser cabalmente desenvolvidas nesta vida, esta classe de
perfeição não é para nós contanto que estejamos no caminho. Teremos isto somente no céu.

A terceira perfeição se refere à eliminação de obstáculos (que impedem) o movimento do


amor até Deus... Tal perfeição pode ser obtida nesta vida, e isso de duas maneiras. Na primeira,
mediante a eliminação dos afetos dos homens de tudo aquilo que seja contrário ao amor, tal como
o pecado mortal; e não pode haver amor aparte da perfeição, e por tanto é necessária para a
salvação. Em segundo lugar, pelo ato de retirar os afetos do homem, não somente de tudo que
seja contrário ao amor, mas também de tudo aquilo que estorve que os afetos da mente se
inclinem completamente até Deus. O amor é possível aparte desta perfeição, por exemplo
naqueles que são principiantes e nos que são experientes.

28
A terceira perfeição é um assunto de “estar aptos para o propósito”, ou seja a conformidade do homem a
Deus como sua verdadeira meta ou fim. O artigo acima citado é da Suma Teológica de Aquino (pergunta número
184, resposta número 2).
Todavia, em sua obra De Perfectione Aquino faz uma exposição mais popular de sua idéia da perfeição.
Nesta obra faz a mesma distinção entre a perfeição que é necessária para ser salvo (o amor que exclui o pecado
mortal) e o amor perfeito (que dirige todos nossos afetos, compreensões, palavras ou obras para Deus), o qual é
possível para todos e que nos incumbe como cristãos.

3. Deus será amado por si mesmo


Temos de fazer uma distinção entre o amor perfeito e o amor imperfeito. O amor perfeito pelo outro é amor
pelo bem ou pela causa deste outro, somente. Por outro lado, alguém pode amar ao outro ser, parcialmente pelo
benefício que tal coisa pode trazer a ele mesmo. este é amor imperfeito. O verdadeiro amor de Deus (caritas) é
amor perfeito, que se apega a Deus por Ele mesmo. A outra classe de amor tem mais do elemento de esperança
em si. Tal amor, que emana da esperança, deixa de ver um elemento de interesse na própria pessoa, e é, por
tanto, imperfeito.
Mas, como pode o homem amar a Deus com um amor desinteressado? Cayetano responde de uma
maneira que Aquino aprovaria8. É possível fazer uma distinção no significado do bem que podemos desejar que
Deus tenha; pode significar “o bem que está n’Ele”, ou, “o bem que simplesmente se refere a Deus”. “O bem que
está em Deus é sua vida, sua sabedoria, sua justiça, sua misericórdia”. No sentido mais restrito este é Deus
mesmo, e nós podemos, amá-Lo, desejar que Ele tenha esse bem quando nós nos deleitamos no fato de que
Deus é o que é. Amamos a Deus com um coração puro quando o amamos como o Deus que se tem revelado ser
o que Ele é, quando o amamos como é em Si mesmo.
O bem que referimos a Deus é seu reinado, ou seja, a obediência que lhe devemos. Este bem que
desejamos quando nos submetemos completamente a sua vontade e propósito, quando (usando a expressão de
Lutero) desejamos que Deus seja Deus. Este é o amor do primeiro mandamento (Mt 22:37-38).
Este é amor perfeito, de acordo com Tomas de Aquino. É “a mais excelente das virtudes” porque, mais do
que a fé ou a esperança, ascende até Deus. a fé põe o seus olhos em Deus, e a esperança anela por Deus. Mas
“o amor chega até Deus mesmo para poder morar n’Ele, e não para que possamos receber algo d’Ele”. Posto que
o amor implica o fato de morar em Deus, é mais imediato que a fé ou a esperança na obtenção de seu fim.
Em seu comentário do versículo “aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, n’Ele” (1
Jo 4:16), Aquino explica com claridade que neste mundo e nesta vida é possível ter um amor puro ou
desinteressado. Deus há de ser desfrutado. Por tanto haveremos de amá-Lo por Si mesmo. a Ele temos de amar
imediatamente, e a outras coisas ama-las através d’Ele. Ainda que nenhuma criatura pode amar infinitamente a
Deus, porto que todas as criaturas são finitas, Deus pode ser amado completamente de acordo com nossos
poderes finitos, graças ao dom do Espírito Santo.

4. A perfeição completa esta na vida futura


Já temos visto que o desenvolvimento cabal dos poderes da alma somente é possível no céu. A
autoridade final que Aquino concede às Escrituras se deixa ver em seu tratamento da visão beatífica: “O veremos
como Ele é”, e “agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face”. Estas são as
promessas das quais sua teologia depende.
A Deus não o veremos com nossos olhos físicos. A distinção entre a criatura e o Criador é preservada no
céu. Mas Aquino introduz aqui a realidade do corpo celestial. a felicidade dos santos será maior depois da
ressurreição “porque sua felicidade enraizará não somente na alma, mas também no corpo”.
Aquino escreve:

Suposto isto, quanto mais perfeito é algo em seu ser, mais perfeitamente pode operar: por
tanto, a operação da alma unida a um corpo será mais perfeita que a operação da alma separada.
Mas o corpo glorificado será um corpo como tem sido descrito, estando inteiramente sujeito ao
espírito. Por tanto, posto que a felicidade da alma depois de sua reunião com o corpo será mais
perfeita que antes.9

Crítica: Nossa crítica da doutrina tomista da perfeição inclui os três seguintes pontos:
Primeiro: Como Agostinho, Aquino deixa de ver uma evolução platônica, e por tanto, do corpo e seus
desejos. Todo seu esquema da perfeição conclui, ou se baseia, em um menosprezo deste mundo com seus
desejos e lutas, ao que trata como se fora um sonho mal, ou uma sombra passageira. Também como Agostinho,
Aquino considera que os desejos da carne, cupiditas, são algo mal; e afirma especificamente, “perfection nulla
cupiditas”, ou seja, a perfeição significa a eliminação dos desejos do corpo. “Mas não é no desejos do corpo no
que consiste o mal da natureza humana; nem tampouco a perfeição jaz na negação deles”10.
Segundo: Tomas de Aquino ensina uma perfeição que leva consigo a idéia do mérito humano. Em sua
obra De Perfectione, intenta demonstrar que “mais merece de Deus esse homem que atua sob um juramento, que
aquele que não está sob tal obrigação”11. Esta introdução do conceito de mérito de Deus, em virtude de um voto
dista muito da descrição tomista do amor perfeito como um dom do Espírito. Ainda que Aquino creia que todos os

29
seres humanos possam alcançar a perfeição cristã, aparte de votos e ordens, também se agarra à que “o estado
religioso” constitui um caminho rápido à perfeição. Todo aquele que seja sábio tomará os votos religiosos.
Em terceiro e ultimo lugar, a visão tomista do céu parece ser quase exclusivamente individualista. Leiamos
o que diz na Suma:

Se falamos da felicidade desta vida, um homem feliz necessita amigos... para que possa
fazer-lhes bem; para que possa deleitar-se em vê-los fazer o bem; e ademais, para que eles o
ajudem a que ele faça o bem...
Mas se falamos da felicidade perfeita da que gozaremos em nossa pátria celestial, o
companheirismo de amigos não é essencial à felicidade, posto que o homem tem a inteira
plenitude de sua perfeição em Deus. Mas o companheirismo de amigos conduz ao bem estar da
felicidade...
A perfeição da caridade é essencial à felicidade, no que toca ao amor de Deus, mas não
no que toca ao amor ao nosso próximo. Por tanto, se tão somente houvera uma alma desfrutado
de Deus, seria feliz, ainda que não tivera nenhum próximo a quem amar.12

O doutor Flew comenta sobre ele: “Se há, eu não conheço passagem alguma na Suma Teológica que
neutralize a afirmação anti-social deste artigo”13. Todavia, esta mesmo erudito reconhece que há outras passagens
que implicam noutra doutrina mais cristã que permite ou faz provisão para a perpetuação da amizade cristã, e de
uma verdadeira comunhão dos santos. “Mas não parece que Santo Tomas se deu conta das conseqüências desta
idéia que é mais cristã. Temos um resultado muito curioso (por ele). O ideal que ele esboça como algo que se
pode realizar nesta vida, é, quanto a este respeito, superior à beatitude mais cabal da vida futura”14.

B. Francisco de Sales
Ainda que Aquino postulou uma perfeição que era possível para todos os cristãos, seu ideal se prestava à
vida de meditação do monastério. Os que deveras consideravam seriamente o ideal tomista se retiraram do
mundo para viver uma vida de contemplação serena.
Antes da Reforma, Francisco de Assis havia estabelecido uma “terceira” ordem, ou maneira de viver, e
havia trazido o ideal da santidade ao alcance das pessoas casadas e envolvidas nas atividades da vida
quotidiana. O objetivo implícito dos Irmãos Menores era a crença de que a perfeição cristã é possível para todos
os cristãos, “para despertar nas almas cristãs por onde for um anelo de santidade e perfeição, para conservar o
exemplo de seguir diretamente a Cristo ante os olhos do mundo, como um contínuo espetáculo vivente e para
chegar a ser todas as coisas a todos os que estão abandonados espiritualmente e destituídos fisicamente, e faze-
los mediante a devoção pronta ao sacrifício”15.
Mas era necessário que viesse a Reforma para despertar na consciência cristã a aceitação de que a vida
quotidiana é sagrada. Lutero cria e ensinou que o cristão que trabalha no arado era um homem tão religioso como
o sacerdote ao celebrar o sacramento no altar. Na atmosfera desta nova compreensão o ideal da perfeição saiu à
superfície numa forma inteiramente nova.
Francisco de Sales representa este novo conceito da perfeição. Ele insistiu que sua tarefa era “instruir aos
que vivem nas aldeias, em suas casas, e na corte, cuja circunstância os obriga a viver exteriormente uma vida
ordinária”. Também declarou: “É um erro, e mais ainda, uma heresia, querer eliminar a vida devota de modo que
já não esteja presente no exército, nas oficinas, na corte dos príncipes e nas casas de pessoas casadas”16. Com
sua expressão “a vida devota”, se referia à perfeição.
Seu Tratado sobre o amor de Deus postula sua doutrina e principia com uma discussão psicológica na
qual Francisco de Sales distingue entre as “duas partes” da alma. Escreve:

É chamada inferior aquela que raciocina e faz conclusões de acordo com que aprende e
experimenta pelos sentidos; e é chamada superior aquela que raciocina e faz conclusões de
acordo com um conhecimento intelectual que não se baseia nas experiências dos sentidos, mas
no discernimento e nos juízos do espírito. Esta parte superior é chamada de espírito, ou parte
mental da alma, assim como a inferior é comumente designada, o sentido, os sentimentos e a
razão humas.17

Assim como havia três cortes no templos de Salomão, assim também há três diferentes graus de razão do
templo da alma. No primeiro “corte” raciocinamos de acordo com as experiências sensoriais, na segunda de
acordo com as experiências humanas, na terceira de acordo com a fé. Mas há um quarto lugar, o santuário, no
interior da alma, que corresponde ao lugar santíssimo. Aqui a alma não é guiada pela luz da razão crítica mas
desfruta de uma vista simples de compreensão e das emoções simples da vontade, e concorda e se submete à
verdade e a vontade de Deus. “No santuário não havia janelas por onde entrar a luz: neste nível ou grau da alma
não há razão que a ilumine”18.
No santuário tanto a razão com a fé são transcendidas e a alma desfruta da contemplação. “As pequenas
abelhas são chamadas ninfas até que produzam mel, e então são chamadas abelhas: assim também a oração é
denominada de meditação até que tenha produzido o mel da devoção, e então se converte em contemplação”19.

30
Nestes mistérios divinos, que contem a todos os demais, há alimento provido para
queridos amigos para que comam e bebam bem, e para os amigos mais queridos para que se
embriaguem... Comer é meditar... beber é contemplar... mas embriagar-se é tão freqüentemente e
fervorosamente ao ponto de estar fora de si mesmo para estar completamente em Deus. Oh
embriagues santa que... não nos separa do sentido espiritual mas dos sentidos corporais! Não nos
embrutece ou ensoberbece, mas que nos faz angélicos, e de certa maneira nos deifica.20

Como estes conceitos, Francisco de Sales esta abrindo as portas às delícias da contemplação à maioria
dos crentes cristãos. O que antes era o privilégio exclusivo dos grandes místicos agora é possível para os que
estão atarefados nas “ocupações legítimas” da vida quotidiana. De Sales está interessado em despertar em todos
os homens um conhecimento da voz divina em suas almas.

Enquanto o homem pensa ou dá um pouco de atenção à divindade, sente certa emoção


de deleite em seu coração, da qual da testemunho de que Deus é Deus do coração humano... de
modo que, quando é surpreendido pela calamidade, imediatamente se volta até o Divino,
confessando que quando tudo mais é mal, somente Ele é bom para ele... Este prazer, esta
confiança que o coração humano tem naturalmente em Deus não pode proceder se não desta
correspondência que existe entre a bondade divina e nossas almas; uma correspondência
absoluta mas secreta, da que todos estão ao alcance, mas que poucos compreendem.21

Este é um ideal de espiritualidade que é ao mesmo tempo místico e humanista. Francisco de Sales exibe
ambos, um misticismo neoplatônico e um humanismo renascentista. Se bem que ele cita a Santa Tereza, a nota
que falta é “essa firme devoção à pessoa de Cristo, e a Ele somente, que da aos espanhóis, a pesar de seus
próprios desejos, algo assim como um parentesco com o cristianismo evangélico”22. Todavia, seus escritos
refulgem com verdades cristãs. “Sem duvida alguma somo d’Ele; vós tendes tudo o que necessitam”23. “Deixo-vos
o espírito de liberdade... a liberdade de filhos amados. É a liberação do coração cristão, que o liberta de todas as
coisas, para seguir a vontade de Deus em quanto a conheça”24.
No terceiro centenário da morte de Francisco de Sales, o papa Pio XI proclamou uma encíclica na qual
rendeu homenagens ao alargamento dos horizontes da perfeição cristã produzido por Sales.

Cristo fez a Igreja santa e a fonte da santidade, e todos aqueles que a tomem como seu
guia e mestra devem, de acordo com a vontade de Deus, aspirar a santidade de vida: pois “a
vontade de Deus”, afirma São Paulo “é a vossa santificação”. A que tipo de santificação se faz
referencia? Nosso Senhor a explica dizendo: “Sede, pois, vós perfeitos, como vosso Pai que está
nos céus é perfeito”. Que ninguém creia que o convite seja dirigido a um grupo pequeno e muito
seleto, e que a todos os demais se lhes permite permanecer a um nível inferior de virtude. É
evidente que esta lei obriga absolutamente a todos sem exceção. É ainda mais, todos os que
chegam ao cume da perfeição cristã, e seu nome é legião, de todas as idades e classes, de
acordo com o testemunho da história, tem experimentado a mesma debilidade de natureza e tem
conhecido os mesmos perigos. Santo Agostinho expressa o assunto com claridade quando
escreve: “Deus não nos ordena o impossível, mas que ao dar o mandamento Ele nos admoesta a
alcançar o que possamos alcançar mediante nossas forças, e a pedir ajuda para alcançar tudo
aquilo que esteja além de nossa força”.25

Como disse Pio XI, o número dos que tem encontrado o dom da perfeição cristã é muito grande: são uma
legião. Os católicos piedosos que tem escrito sobre o tema são tão numerosos que seria fácil escrever todo um
livro sobre suas obras. Imediatamente pensamos nos místicos franceses e espanhóis Juan de Castaniza, Tomas
de Kempis, Miguel de Molinos, madame Guyón e François Fénelon. Este tratamento do conceito romanista da
perfeição conclui com um esboço breve dos ensinamentos de Fénelon sobre o tema.

C. François Fénelon
A influência da Reforma protestante sobre a idéia católica da perfeição se mostra com muita força no
pensamento de Fénelon. Como capelão da corte de Luiz XIV, Fénelon dirigiu um grupo pequeno de pessoas que
desejavam com toda a veemência viver a vida da espiritualidade profunda e verdadeira, em meio às
circunstâncias corruptas e degenerada da corte francesa. Sua obra intitulada Instrucion at Avis sur Divers Point
de la Morale at de la Perfection Chrétienne é uma obra devocional clássica, cuja uma das traduções se intitula
Perfección Cristiana.
Os escritos de Fénelon estão saturados de um calor evangélico. Ainda que tenha dito muito acerca da
mortificação, não aconselha nenhuma introspeção mórbida. Do princípio ao fim, a perfeição é a obra da graça de
Deus. E o estilo remoto que caracteriza a este santo não indica um isolamento ou separação do mundo, mas a
separação interior de uma vontade egoísta. E mais, longe de ser uma vida solitária de contemplação intelectual, a
vida perfeita não tem cuidado algum, e é como a de Cristo em um companheirismo amante com os demais.

31
Poucos escritores tem captado tão cabalmente o espírito de Jesus como este piedoso francês. Podemos notar nas
seguintes linhas:

Quão simples e serena pode ser a piedade! Que discreta, desfrutável e segura em todos
seus procedimentos! Vive-se quase como as demais pessoas, sem fingimento algum, sem
nenhuma exibição de austeridade, é uma forma fácil e sociável, mas continuamente está ligado
por seus deveres, continuamente se mantendo em uma irremissível postura de renunciar a todo
aquele que, de momento a momento não entre nos planos de Deus; em poucas palavras, se
mantém com uma visão pura de Deus, a qual sacrifica-se os impulsos irregulares da natureza
humana.26

Passagens com esta abunda no trabalho de Fénelon. Ele disse que o cristianismo perfeito é “livre, feliz,
simples, uma criança”. Não se deixa afetar pela “mortificações exageradas”27. Aceita as providencias da vida com
uma resignação prazeirosa, e vê suas próprias fragilidades humanas como oportunidades para sua melhoria
espiritual. A vida santa é uma vida saudável e robusta de amor.
De modo que para Fénelon, a perfeição cristã significa amor perfeito. Deus não pode estar satisfeito com
um coração dividido, ou com uma vida que rende meramente um serviço “de palavras”. Ele se interessa “no que é
real em nossos afetos”. O místico francês escreve:

Nosso Deus é um Deus zeloso. Tudo não é demasiado para Ele. Ele nos manda que o
amemos, e o explica desta maneira: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força”. Depois de ler isto não
podemos crer que Ele ficará satisfeito com uma religião de mera cerimonia. Se não lhe damos
tudo, não quer nada.28

Esta demanda divina, de que nossa vida tenha um só propósito, afeta até os detalhes mais pequenos da
nossa vida. “isto não é nada”, afirmamos. De acordo, não é nada, mas é um nada que é tudo para ti; um nada que
te importa tanto que por ele o negas a Deus; um nada que tu menospreza verbalmente a fim de que tenhas uma
desculpa de não entrega-lo, mas no fundo, é um nada que tu o negas a Deus, e que será a tua ruina”29. O amor de
Deus deve trazer-nos ao ponto na qual sejamos inteiramente seus. “ë esta separação de sua própria vontade no
que toda a perfeição cristã consiste”30. O que Deus quer (de nós) é “uma intenção pura, uma separação sincera de
nos mesmos”31.
Em seu aspecto positivo, a vida perfeita é a imitação de Jesus. “Viver como Ele viveu, pensar como Ele
pensou, conformamos a nós mesmos a sua imagem, isto é o sela de nossa santificação”32. Mas Fénelon
acrescenta também uma palavra de cautela neste particular. “Não pretendamos que somos capazes de alcançar
este estado por nossas próprias forças. Mas... digamos confiantemente: ‘Tudo posso em Cristo que me
fortalece’”33. E logo conclui este capítulo com uma oração: “Quero seguir, Oh Senhor Jesus o caminho que Tu
tomou. Quero imitar-te, e tão somente posso faze-lo por tua graça... Oh, bom Jesus, quem sofreu tantas
vergonhas e humilhações por haver amado, esculpe o amor e o respeito a ti profundamente em meu coração, e
faça que eu queira pratica-lo!”34.
O que bloqueia o nosso caminho à perfeição cristã é o nosso egoísmo pecaminoso. “A falta em nós, que é
a fonte de todas as demais, é o amor a nós mesmos, ao qual relacionamos tudo, em vez de relaciona-lo a Deus”35.
“Este ‘Eu’ do velho homem” é um “veneno sutil” que envenena toda a vida. não somente conduz aos pecadores a
buscar satisfação nas coisas da criação, mas que também engana aos santos a faze-los buscar a si mesmos, em
vez de buscar a Deus em suas ambições religiosas. Por tanto, “logo caem outra vez na profundidade de seu
próprio ser, aonde uma vez mais se tornam seu tudo e seu próprio Deus. Tudo para o eu ou para o que está
relacionado ao eu, e o resto do mundo não é nada”.

Não desejamos ser ambiciosos, nem avaros, nem injustos, nem traiçoeiros, mas não é
amor o que afirma e continua todas as virtudes em oposição a esses vícios. É, pelo contrário, um
temor raro que vem esporadicamente, e que põe ao alto a todos estes vícios que caem sobre uma
pessoa dedicada a si mesma.
Isto é o que... me faz desejar uma piedade de pura fé e de completa morte, que se leve a
alma longe de si mesmo, sem que tenha a esperança de jamais retornar... É o amor mesclado ao
amor a nós mesmos o que nos infeta.

De modo que o método que Deus usa para santificarmos é um ataque que sonda nosso egocentrismo.
Fénelon descreve o processo na seguinte passagem profunda:

No princípio Deus nos atacou de fora. Ele nos arrebatou, pouco a pouco, as criaturas que
mais amávamos, contra sua lei, mas esta obra de fora, se bem que é essencial para por o
fundamento de todo o edifício, é somente uma parte pequena dele. Oh, mas o trabalho interior,
ainda que é invisível, é incomparavelmente maior, mais difícil e mais glorioso! Chega o momento
em que Deus, depois de havermos desposado completamente, de havermos mortificado
cabalmente de fora através das criaturas que foram nossos ídolos, agora nos ataca de dentro, ao
32
retirarmos ou aleijarmos de nós mesmos. Já não são coisas exteriores que nos retiram. Desta vez
nos retira o ego que era o centro de nosso amor. Amávamos o resto somente por este ego, e é
este ego o que Deus persegue sem misericórdia nem trégua... Cortemos os remos de um arbusto
e, em vez de conseguir que se seque, aumentamos a sua vitalidade. Brotam novos ramos por
onde quer. Mas ataquemos o tronco, ou destruamos as raízes e pronto suas folhas se murcham e
caem, e o arbusto se seca e morre. Assim é como Deus se agrada em fazermos morrer.37

No momento da auto-revelação o eu vê sua natureza auto-idólatra. “Fica horrorizado com o que vê.
Continua sendo fiel, mas já não vê sua fidelidade. Cada falta que tinha até então se levanta contra o eu, e
freqüentemente novas faltas aparecem que ele nunca havia suspeitado. Descobre que já não tinha esses recursos
de fervor e de valor que o sustentava antes. cai exausto. Está, como Jesus Cristo, triste até a morte. Tudo o que
quer é o desejo de apegar-se a nada, e deixar que Deus trabalhe sem reserva alguma”38.
De modo que, no momento da santificação interior, “deixamos que Deus trabalhe ser reserva alguma”.
Fénelon insiste em que os que negam a possibilidade do amor perfeito nesta vida “não contam o suficiente com o
doutor interior, que é o Espírito Santo, e quem efetua tudo no nosso interior... Nós nos portamos como se
estivéssemos sós neste santuário interior. Mas pelo contrário, Deus está ali mais intimamente que do que nós
estamos”39.

Se alguém imagina que este amor perfeito é impossível e visionário, e crê que é uma
sutileza tola que pode tornar-se uma fonte de ilusão, eu não tenho mais que duas palavras para
contesta-lo: Nada é impossível para Deus. Ele se chama a Si mesmo um Deus zeloso. Tão
somente nos mantém na peregrinação desta vida para guiar-nos até a perfeição. Tratar seu amor
como uma sutileza perigosa e visionária é acusar de iludidos aos maiores santos de todos os
tempos, que tem testificado deste amor, e que tem alcançado, por have-lo tido, o nível mais alto
da vida espiritual.40

De modo que no coração da vida cristã há um ato de purificação divina que eleva a alma a um amor
supremo a Deus. esta cise não somente é precedida pelo processo divino de mortificação, mas que também é
seguida por uma comunhão cuidadosa, ou seja que caminhamos diante de Deus. “O recurso principal de nossa
perfeição está contido nas palavras que Deus dissera a muito ao patriarca Abraão: ‘Anda na minha presença e se
perfeito’”41. A vida da verdadeira santidade é uma vida de constante vigilância “mas sem estar demasiados
preocupados... Nunca velamos tão bem por nós mesmos como quando caminhamos tendo Deus diante de nossos
olhos”. O ideal é “uma vigilância simples, afetuosa, serena e descançada”42.
Fénelon aceita completamente que a vida perfeita não é incompatível com distrações e períodos de
secura espiritual. Mas assim como o santo iluminado não é levado ao desespero pelas imperfeições que cai sobre
ele, tão pouco o é pelas depressões emotivas que vem de vez em quando. Fénelon explica: “O amor puro é
somente unicidade da vontade... É um amor que ama sem sentimentos, uma fé pura que crê sem haver visto. De
modo que o amor é casto porque é Deus em Si mesmo e para Si mesmo a quem se nos ordena a amar, e a quem
nos capacita para amar”43.

Freqüentemente até sucede que transcorra um grande período de tempo sem que nós
pensemos que o amamos, (mas) nós o amamos igualmente neste período que nesse outro em
que fazemos as declarações mais ternas. O verdadeiro amor repousa na profundidade do
coração.44

Enquanto as distrações involuntárias, não transtornam o amor de forma alguma, posto que
este existe na vontade, e a vontade nunca tem distrações quando não quer tê-las. Quando nos
damos conta delas, deixamos que morram, e nos voltamos para Deus. por tanto, enquanto os
sentido exteriores da noiva estão dormitando, seu coração vela, seu amor não deixa de ser. Um
pai terno não pensa sempre especificamente em seu filho. Mil assuntos distraem seu imaginação
e sua mente. Mas estas distrações nunca interrompem o amor paterno. Quando sua mente torna a
pensar em seu filho, o ama, e no profundo de seu coração sente que não tem deixado de ama-lo
por um só momento, ainda que haja deixado de pensar nele. Assim deveria ser o amor a nosso
Pai celestial, um amor simples, sem suspeitas e sem ansiedades.45

Em todas suas ministrações Deus tem somente um propósito: retirar-nos, ou por assim dizer, desatar-nos
de nós mesmos e atar-nos a seu amor. “A Deus lhe corresponde, quando assim o agrade, aumentar esta
capacidade de conservar a experiência de sua presença”46.

Verdadeiramente devemos recordar a nós mesmos outra vez de Jesus Cristo, a quem seu
Pai abandonou na cruz. Deus retirou todo sentimento e toda reflexão para esconder-se a Si
mesmo de Jesus Cristo. Esse foi o golpe final da mão de Deus que açoitou ao Homem de dores.
Esse foi a consumação de seu sacrifício. Nós não necessitamos abandonar-nos tanto nas mãos
de Deus como quando parece que Ele nos tem abandonado.

33
Assim tomemos a luz e o consolo quando nos dá, mas sem apegarmos demasiadamente
a eles. Quando Ele nos lança na noite da fé pura, marchemos até essa noite, e soframos
amorosamente esta agonia... Aceitamo-lo todo, até as provas com as quais somos provados.
Desta maneira, estamos secretamente em paz por esta vontade, que mantém uma reserva de
força nas profundidades da alma, para suportar a guerra. Louvado seja Deus, quem tem feito tais
coisas apesar de nossa indignidade!47

34
Capítulo 8 - A Perfeição Cristã na Teologia da Reforma

A contribuição mais decisiva da Reforma ao conceito da perfeição Cristã foi a recuperação do


ensinamento neotestamentário de que a vida cristã cabal pode ser a possessão de qualquer pessoa, em qualquer
das vocações da vida. a Confissão de Augsburgo expressa tal verdade em seu artigo sobre esse assunto, da
seguinte maneira:

A perfeição cristã é isto, temer a Deus sinceramente, e também conceber um grande fé, e
confiar que por causa de Cristo, Deus se tem pacificado até nós; pedir, e com certeza esperar a
ajuda de Deus em todos nossos assuntos, de acordo com nosso chamamento. Nestas coisas
consiste a perfeição verdadeira e o verdadeiro culto a Deus; não consiste no celibato, ou na
mendicidade ou em uma aparência vil.1

Aludindo ao trabalho da servente que cozinha, e limpa a casas, e faz outras tarefas domésticas, Lutero
escreve: “Posto que o mandato de Deus está ali, até uma tarefa pequena ou humilde deve ser louvada como um
serviço a Deus, que supera consideravelmente a santidade e o ascetismo de todos os monges e das monjas”2.
Declarações como esta se encontram freqüentemente nos sermões de Lutero. Melanchton expressa algo muito
similar: “Todos os homens, seja qual for sua vocação, devem buscar a perfeição, ou seja, crescer no temor de
Deus, na fé, no amor fraternal, e nas virtudes espirituais similares”3.

A. Martinho Lutero
A convicção da santidade na vida quotidiana do crente cristão foi uma conseqüência direta para Lutero, de
seu redescobrimento do evangelho. Para este reformador Jesus era tudo. Duas verdades neotestamentária
controlam seu pensamento: a humanidade de nosso Senhor e o centro de sua tarefa salvadora.
Em primeiro lugar, Lutero colocou a humanidade de Jesus no centro da devoção cristã. Muito
atinadamente observa Flew: “Aparte dos Evangelhos e das Epístolas aos Hebreus, não há hoje nada na literatura
cristã antes de Lutero que se compare a sua vividez, e seu sentimento profundamente religioso até a vida humana
de Jesus Cristo. É ali nesta vida humana, onde Lutero encontra a Deus”4. Se, como já vimos, Bernardo desertou
ao Senhor encarnado nas etapas mais elevadas da contemplação,5 Lutero declara o seguinte acerca do Jesus do
Novo Testamento:

Quando assim me imagino a Cristo, consigo vê-Lo verdadeiramente e atinadamente... e


então abandono todos os pensamentos e as especulações acerca da Majestade e da glória divina,
e me apego e me agarro á humanidade de Cristo... e assim aprendo a conhecer ao Pai através
d’Ele. Desta maneira brota tal Luz e conhecimento dentro de mim que me é possível conhecer
com certeza o que Deus é, e o que Ele quer.6

Seria difícil exagerar a importância desta mudança radical de foco para a piedade cristã que Lutero
efetuou. Deve-se recordar que a devoção medieval considerava que a mais alta expressão da vida espiritual era o
conhecimento e o amor de Deus que se descobriam ou conseguiam na contemplação. Mas para Lutero o
conhecimento de Deus não era um descobrimento humano obtido mediante a contemplação, mas a revelação
feita por Deus de Si mesmo, e o dom através de Jesus Cristo.

Nada experimentará a Deidade a menos que Ele queira ser experimentado; e assim quer
Ele que seja, ou seja, que o poderemos ver na humanidade de Cristo. se tu não encontras assim a
Deidade, jamais descansarás. Por tanto, deixa que os demais sigam com suas especulações e
falando da contemplação, e de como tudo é um encantamento de Deus, ou de como nós
constantemente estamos tendo uma antecipação da vida eterna, e de como as almas espirituais
principiam sua vida de contemplação. Mas eu te admoesto a que tu não aprendas assim a
conhecer a Deus.7

Há que assinalar outra diferença entre a piedade romana e a luterana. Apesar de seu ideal da
contemplação intelectual de Deus, a piedade católica era intensamente ética: a perfeição cristã significava amor
perfeito, ou seja amar a Deus por Si mesmo, e ao próximo em Deus. Para Lutero a experiência religiosa do perdão
dos pecados era o centro luminoso da piedade.

Pois assim como o sol brilha e ilumina com igual fulgor quando eu fecho os meus olhos,
assim mesmo este trono de graça, ou este perdão dos pecado, sempre está ali, ainda que eu caia.
E tal como eu vejo o sol outra vez quando abro os olhos, assim também eu tenho o perdão de
pecar uma vez mais quando olho a Cristo e regresso a Ele. Pelo qual não devemos medir o
perdão tão estreitamente como os néscios sonham.8

Como então nos faz santos a fé? Em primeiro lugar, todos os crentes desfrutam de uma perfeição “por
posição” ou imputada. Um intérprete contemporâneo de Lutero o explica da seguinte maneira:
35
Posto que a fé recebe e aceita o dom de Deus e assim é como os homens se tornam
santos através da fé, “santo” se torna o equivalente de “crente”. Os santos são os crente, e “fazer
santo” significa “ser feito um crente”. Na explicação que Lutero dá, a ênfase passa da santidade e
do processo de fazer santo à fé e ao ser trazido à fé, exceto que realmente não há diferença entre
os dois.9

Nesta interpretação, a fé é a perfeição. Entretanto isto não é o mesmo que dizer que Lutero não atribui
poder santificador à fé. Em seu prefácio à Epístola aos Romanos, ele explica como “somente a fé (nos) faz justos
e cumpre a lei”. Escreve:

Pois do mérito de Cristo (a fé) nos traz o Espírito, e o Espírito faz o coração alegre e livre
como a lei requer que seja. Todavia, a fé é uma obra divina dentro de nós. Nos muda e nos faz
que nasçamos de novo em Deus (João 1; mata o velho Adão e nos faz homens inteiramente
novos e diferentes, no coração, espírito, mente e capacidades, e traz consigo o Espírito Santo. Oh,
esta fé é algo vivente, ativo, dinâmico e poderoso, e por tanto é impossível não fazer boas obras
incessantemente! Não pergunta se há obras boas que se possam fazer, mas que, antes que
alguém faça a pergunta, já as fez, e as está fazendo sempre... É tão impossível separar as obras,
da fé, como é impossível separar o calor e a luz, do fogo.10

Em seu ensaio intitulado Sobre a Liberdade Cristã, Lutero se aproxima ao assunto da fé santificadora de
outra maneira. Em primeiro lugar, as virtudes cristãs se tornam a possessão da alma do crente “tal como o ferro
entre as brasas brilha como o fogo, devido a sua união com este”. Em segundo lugar, a fé tributa honra a Deus ao
atribuir a glória de ser fiel a suas promessas. Ao fazer tal coisa a alma se entrega a si mesma para que Deus faça
com elas como lhe apraz. “A terceira graça incomparável da fé é que une a alma com Cristo, como a esposa é
unida ao esposo, mistério pelo qual, como o Apostolo ensina, Cristo e a alma são feitos uma só carne. Tudo o que
pertence a Cristo a alma pode pedir. Cristo é todo graça, vida e salvação. Que a fé dê um passo adiante, e assim
fará a ditosa possibilidade de redenção e de vitória”.

Assim é como a alma crente, ao depositar sua fé em Cristo, se torna livre de todo o
pecado, sem temor da morte, salva do inferno e dotada com a justiça, a vida e a salvação eternas
de Cristo, seu esposo.11

Aqui Lutero chega ao mesmo umbral da doutrina neotestamentária da perfeição. Mas por pegar-se à
doutrina agostiniana do pecado original, como uma luxúria que permanece, ou concupiscência12, o reformador se
inibe de declarar, como Paulo, a possibilidade de uma libertação presente do pecado. E por tanto escreve: “Os
remanescentes do pecado se aferram todavia profundamente a nossa carne; por tanto, no que toca a carne,
somos pecadores, e isto ainda depois de termos recebido o Espírito Santo”13. Em outro lugar escreve: “O pecado
todavia está presente em todos os homens batizados e santos da terra, e eles devem lutar contra ele”14.
O pecado original, depois da regeneração, é como uma ferida que começa a cicatrizar-se;
ainda que é uma ferida com vias a sanar, todavia flui humor dela, e todavia está dolorida. Assim
mesmo o pecado original permanece nos cristãos até que morram, e embora esse pecado é
mortificado, e morre, continuamente. Sua cabeça esta feita em pedaços, de modo que não pode
nos condenar.15

Lutero se cuida do antinomianismo. Ainda que o pecado segue sendo “sentido” em “uma vida
verdadeiramente cristã”, não deve ser “favorecido”. “Por tanto temos de jejuar, orar e trabalhar, para dominar e
suprimir a luxúria... Enquanto a carne e o sangue perdurarem, assim também o pecado perdurará; pelo qual
sempre é algo contra o que há de lutar”16. Por tanto, a “novidade de vida” que temos através de Cristo, “somente
principia nesta vida, e jamais pode ser aperfeiçoada nesta carne”17. Todavia, o Espírito Santo continua levando
adiante sua obra santificadora em nós, se nós lutamos fielmente contra o pecado. “Assim é como nós temos de
crer constatemente na santificação, e ser mais e mais, ‘uma nova criatura’ em Cristo”18.
É claro que o que aleija o ensinamento de Lutero sobre a santificação e impede a possibilidade de uma
doutrina luterana de que haja uma perfeição evangélica presente, é a identificação que Lutero faz da doutrina
paulina da carne com a natureza humana.

B. João Calvino
A natureza evangélica da teologia de Calvino não admite nem a menor duvida. Para Ele, “uma verdadeira
conversão de nossa vida a Deus” consiste “na mortificação de nossa carne e do homem velho, e na vivificação do
Espírito”19. Isto é efetuado por nossa participação em Cristo:

Pois se participamos verdadeiramente de sua morte, nosso velho homem é crucificado por
seu poder, e o corpo de pecado expira, de modo que a corrupção de nossa antiga natureza perde

36
todo seu vigor (Rm 6:5-6). Se somos participantes de sua ressurreição, somos ressuscitados em
uma novidade de vida, que corresponde à justiça de Deus.20

“Por tanto, é assim que os filhos de Deus são livrados, pela regeneração, da servidão do pecado”21. A vida
do cristão há de ser uma vida de santidade. “Com que melhor alicerce pode iniciar”, se pergunta Calvino, “que o
da admoestação das Escrituras de que devemos ser santos porque nosso Deus é santo?”(Lv 19:2).

Quando se nos faz menção de nossa união com Deus, devemos recordar que a santidade
deve ser o ligamento dela, não porque tenhamos alcançado a comunhão com Ele pelo mérito da
santidade... mas porque é uma propriedade mui peculiar de sua glória não ter relação alguma com
a iniquidade e a impureza.22

Todavia, Calvino faz todo o possível para rechaçar a idéia de que está advogando por uma doutrina de
perfeição cristã:

Todavia eu não insistiria nele como se fosse uma necessidade absoluta de que a
condução de um cristã exale somente o evangelho perfeito; o qual, entretanto, deveria ser tanto
nosso desejo como aquilo ao que aspiramos. Mas eu não requero a perfeição evangélica tão
rigorosamente como para não reconhecer como cristão a essa pessoa que, todavia, não a tem
alcançado, posto que em tal caso todos ficariam excluídos da Igreja, já que não se pode encontrar
homem algum que não esteja a grande distancia desta meta.23

Não é difícil descobrir a razão pela qual Calvino limita a santidade cristã exeqüível. Exatamente como
Agostinho e Lutero, Calvino vê o crente irremissivelmente embaraçado pela carne. “Nós afirmamos”, reitera
Calvino, “que o pecado sempre existe nos santos até que são despojados do corpo mortal, posto que sua carne é
a residência desta depravação de concupiscência que é repugnante a toda retidão”24.
Usando copiosamente os argumentos de Agostinho, Calvino baseia sua pessimista posição em sua
compreensão de Romanos 7, e declarando com muita segurança: “Paulo está falando que de um homem
regenerado”25. Efetivamente, este é “o conflito entre a carne e o espírito que ele experimentou em sua própria
pessoa”26. Em uma passagem em que cita Platão pelo nome, Calvino explica a doutrina paulina da carne em
termos platônicos: “Enquanto habitarmos na prisão de nosso corpo teremos que manter um conflito incessante
com os vícios de nossa natureza corrupta”27.
Aceitando tal conceito platônico do corpo, Calvino tem que menosprezar as orações nas quais Paulo pediu
pela perfeição dos crentes; citando I Ts 3:13 escreve:

Efetivamente os celestinos antigamente perverteram estas passagens para demonstrar


uma perfeição da justiça na vida presente. Cremos que será suficiente contestar muito
brevemente, como Agostinho, “que todos os homens piedosos devem, desde já, aspirar a este
objetivo, ou seja, o aparecer um dia sem culpa e sem mancha diante da presença de Deus; mas
posto que a excelência suprema nesta vida não é nada mais que um progresso supremo nesta
vida não é nada mais que um progresso até a perfeição, nunca alcançaremos até que,
despojados num instante da mortalidade e do pecado, nos apegamos ao Senhor”.
Todavia, eu não discutirei pertinazmente com qualquer pessoa que escolha atribuir aos
santos o caráter da perfeição, sempre e quando também o defina com as palavras do mesmo
Agostinho, que disse: “Quando qualificamos a virtude dos santos como perfeita, a essa mesma
perfeição também pertence o reconhecimento da imperfeição, tanto de verdade com em
humildade”.28

Historicamente, o calvinismo tem sido o inimigo declarado de qualquer doutrina de perfeição cristã.
Todavia, muitos calvinistas tem aceitado uma doutrina de santidade prática mediante a experiência de se cheios
com o Espírito Santo. De modo que, ainda que estes mestres neguem a possibilidade da destruição do pecado,
entretanto advogam pela possibilidade de uma vida de vitória sobre a velha natureza que tem permanecido no
crente para aqueles que se põem sob a direção e o controle do Espírito que mora. Mas, reiteram com insistência,
enquanto os cristão habitarem neste corpo mortal, terá que contender com a velha natureza de pecado. Do nosso
ponto de vista, o erro desta posição se deve a que aceita uma identificação tácita do corpo mesmo com o pecado.
Tal posição é platônica, e não paulina.

37
Capítulo 9 - A Perfeição Cristã no Período Pós Reforma

Teologicamente, a conquista mais significativa da Reforma foi a restauração da doutrina da justificação


pela fé a seu devido lugar de primazia. O homem não pode fazer nada para alcançar sua salvação. Não há mérito
algum resultante da obra ou justiça humana; a salvação é pela graça somente, pela fé somente, e para a glória
somente de Deus. a justificação pela fé é, tal como dissera Lutero, “o artigo que decide que a Igreja se levante ou
caia”.
Por tanto, seria impossível exagerar a contribuição dos reformadores com sua restauração da doutrina
bíblica fundamental da justificação pela fé. Mas, aqui nos lembramos do que o Dr. Paul Sherer disse acerca de
certos neo-protestantes deste século: “Se a justificação era a menina dos seu olhos, a santificação foi seu ponto
cego”. Ou usando a freqüentemente citada frase de Adolph Harnack, “menosprezaram excessivamente o
problema moral, o Sede santos porque Eu sou santo”1. Em sua reação contra a religião das obras do catolicismo
medieval, os reformadores se foram ao outro extremo, e não fizeram justiça ao ensinamento neotestamentária do
Espírito e sua obra santificadora. O resultado tendeu a dar-lhe uma forte ênfase à ortodoxia e a menosprezar uma
doutrina saudável da santidade e da espiritualidade cristã.
É por acaso esta a razão pela qual a Reforma não veio acompanhada de um extenso avivamento
espiritual? Sem dúvida alguma e havia uma base para ele, mas caiu em mãos de grupos como os pietistas
alemães, os quakers e os morávio desenvolver a superestrutura de uma Igreja cheia do Espírito. Foi uma grande
perda para a Igreja o que Lutero e Calvino não puderam vencer seu pessimismo agostiniano enquanto as
possibilidades da graça. Por não haver desenvolvido um ensinamento completo sobre a santificação, os
reformadores deixaram um vazio no protestantismo.

A. O Pietismo
Felipe Jacobo Spener (1633-1705) é considerado o pai do pietismo, que foi um movimento de renovação
espiritual entre os luteranos da Alemanha. Por sua vez Spener se inspirou na obra do místico asceta alemão
Johann Arndt, O verdadeiro cristianismo, a qual reforçava a necessidade do novo nascimento e o imperativo de
combinar o misticismo e a ética prática. A influência que se encontra atras de toda a teologia pietista é o
misticismo de Jesus, de Bernardo de Claraval2. Em sua obra Pia Desideria, Spener enuncia os princípios do
pietismo:
1) Exposição das Escrituras, pelos pregadores, em classes;
2) Os leigos são um sacerdócio espiritual (vide a seção sobre Lutero);
3) O Conhecimento de Deus é coisa do coração, não da cabeça;
4) A oração para curar os cismas, e para o aumento do amor;
5) Os teólogos tem de crescer na piedade tanto como aprender a doutrina;
6) Os sermões não são para defender doutrinas, mas para edificar aos crente.

A tolerância de Spener era uma exceção notável ao dogmatismo que reinava em seu tempo. Seu lema se
tornou clássico: “Nos pontos essenciais, unidade; nos pontos não essenciais, liberdade; em todas as coisas,
amor”.
A marca característica do pietismo foi sua busca da santidade pessoal. Spener organizou aso que
buscavam a santidade em classes que ele chamou collegia pietatis. Spener dava mais ênfase ao novo nascimento
que a justificação. Insistia em que a prova de que alguém havia sido justificado ente Deus é sua obediência
amante e uma paixão de viver em santidade. Este místico alemão enfatizava mais a Cristo em nós que a Cristo
por nós, e a comunhão com Deus mais que a reconciliação com Deus. Uma pessoa que tenha nascido de Deus
pode, armado de uma intenção pura, observar cabalmente a lei de Deus, posto que o que Deus requer não é o
conhecimento perfeito mas a simplicidade de mover. Desta maneira, ou por esta razão, o amor é o cumprimento
da lei. A perfeição cristã é então, relativa, em processo gradual que será completado na vida futura.
O sucessor de Spener foi Augusto Hermann Francke (1663-1727), cujo ensinamento da perfeição foi mais
tipicamente luterana. Certo que reafirmou a santificação, mas “a fundiu e a confundiu” com a justificação4. Em sua
obra sobre a perfeição cristã, Francke descreve três etapas no progresso do crente até a meta final. Em seu
avanço ate a perfeição, o cristão passa da infância para a juventude e para a maturidade espiritual. O sinal
decisivo de maturidade espiritual é a capacidade para distinguir entre o bem e o mal (vide Hb 5:14)5.

B. Os Quakers
Tal vez haja algo de verdade na frase de Tomas Carlyle de Jorge Fox (1624-90) foi “o protestante entre os
protestantes”. Flew opina que os ensinamentos de Fox podem ser considerados como “o resultado lógico do
conceito luterano da fé” como uma confiança completa do homem em Cristo. sua doutrina da “luz interior” não a
faz idêntica à justificação pela fé, mas se eleva ao nível mais alto possível o sentido de responsabilidade pessoal
no coração desta doutrina6. Flew crê que no que toca a compreensão espiritual e ética, Fox vai muito mais a fundo
que os reformadores, “o que consigo precisamente graças ao seu ensinamento sobre a perfeição”. Em seguida
Flew faz uma declaração muito contundente: “A doutrina quaker tem esta distinção entre todos os tipos de
ensinamentos desde o século terceiro até o dezoito, que regressou de todo o coração à atitude do Novo
Testamento”7.

38
Desde o princípio Fox ensinou que a luz interior significa emancipação do pecado. Pouco tempo depois de
seu despertamento religioso Fox teve ema segunda experiência, em 1648, quando tinha 24 anos de idade. A
descreve assim:

Agora eu havia entrado em espírito mais além da espada incandescente, até o paraíso de
Deus. todas as coisas eram novas, e toda a criação exalava um odor diferente ao de antes, mais
alem do que as palavras podem descrever, eu não sabia nada exceto pureza e inocência e justiça,
havendo sido renovado à imagem de Cristo Jesus, de modo que digo que eu havia chegado ao
estado de Adão, e ao que ele era antes de cair.8

Fox continua seu relato dizendo que foi “arrebatado em espírito para que viesse outro estado mais firme
que o de Adão em sua inocência, ou seja um estado em Cristo Jesus para que nunca caísse”. Esta posição radical
que os mesmos escritores quakers modificaram depois, mas para Fox esta experiência lhe deu entrada a um
estado que aparentemente se tornou permanente, de vitória constante sobre o pecado.
Dois anos depois, durante seu encarceramento em Derby, Fox lhes disse o seguinte a “diversos
professantes” que vieram a “advogar pelo pecado e imperfeição”:

Se vossa fé é verdadeira, os dará vitória sobre o pecado e o diabo, purificará vossos


corações e consciências e os trará a um estado em que agradareis a Deus, e os dará acesso
outra vez ante Ele. Mas eles não puderam tolerar estas idéias de pureza, e de vitória sobre o
pecado e o diabo, posto que disseram que não podiam crer que pessoa alguma pudesse ser livre
do pecado desta lado da tumba.9

A doutrina aceita destes tempos não deixava lugar para uma doutrina como a de Fox. A teologia de todas
as escolas estava dominada pela convicção agostiniana da pecaminosidade inextirpável do homem. Lado a lado
desse pessimismo teológico havia um estado pateticamente baixo de moralidade e de espiritualidade em todo o
país. é fácil entender porque Fox escreveu o seguinte, depois de uma revelação especial do Senhor:

Ele me mostrou que os sacerdotes não eram da verdadeira fé, da qual Cristo é o autor;
essa fé que purifica e que da a vitória, e que outorga à gente o acesso a Deus, e pela qual
agradam a Deus.10

Depois de outra iluminação, o sentido de missão de Fox foi clarificado:

Minha missão era tira-los de todos os companheirismo do mundo, e todas as orações, e


todos os cânticos que eram meras formas sem poder; a fim de que seu companheirismo
pudessem ser com o Espírito eterno de Deus, a fim de que pudessem orar no Espírito Santo, e
cantar no Espírito, e com a graça que vem de Jesus.11

C. E. Hinshaw escreve que, do ponto de vista de Fox, “a salvação não é meramente o ser isento do
castigo que o pecado merece, mas consiste em ser livrado do poder e do domínio do mal... O justiça de Cristo não
é uma túnica para cobrir a deformidade do pecado, mas uma fonte de águas vivas para purificar a alma”12.
O ensinamento de Fox, de que um cristão pode ser restaurado à inocência que Adão tinha antes da
queda, “ou seja um estado em Cristo Jesus para que nunca caísse”, foi, desde logo, um extremo e sem base
bíblica. A queda de James Nayler se tornou um grande opróbrio para os quakers, e dali em diante seus escritores
procuraram proteger os ensinamentos de Fox do fanatismo. Willian Penn explica e limita a doutrina muito
cuidadosamente da seguinte maneira:

Por quanto temos declarado a imperiosa necessidade de uma liberdade perfeita do


pecado, e uma santificação cabal no corpo, alma e espírito, que há de desfrutar-se deste lado da
tumba, pela operação do santo e perfeito Espírito de nosso Senhor Jesus Cristo, de acordo com o
testemunho da Santa Escritura, se nos apresenta (ou seja, se nos reapresenta) tão presumidos
como para declarar que a plenitude da perfeição e da felicidade se pode alcançar nesta vida:
quando na realidade nós não somente estamos longe destas debilidades que nos acompanham,
quanto que estamos vestidos de carne e sangue, mas que também sabemos que somente
podemos “conhecer em parte e ver em parte”, e que a perfeição de sabedoria, de glória e de
felicidade está reservada para outro mundo melhor.13

Robert Barclay chegou a ser o teólogo oficial do quakerismo. Em dois de suas preposições teológicas
Barclay de fato apresenta um doutrina equilibrada de perfeição cristã:

Naquele em quem este nascimento puro e santo é cabalmente realizado, o corpo da morte
e do pecado chega a ser crucificado e eliminado, e seu coração unido e sujeitado à verdade; para
não obedecer a sugestão ou a tentação alguma do mal, mas para ser livre de pecados
manifestados e de transgressões da lei de Deus, e a esse respeito esse cristão é perfeito: porém
39
esta perfeição todavia admite um crescimento, e sempre permanece em alguma forma uma
possibilidade de pecar, nesses casos em que a mente não obedece ao Senhor diligente e
cuidadosamente.14
Ainda que este dom e graça interior de Deus é suficiente para realizar a salvação, todavia,
naqueles que a resistem, podem tornar-se e se tornam sua condenação. E mais, aqueles em cujos
corações tem trabalhado em parte para purificar e santifica-los a fim de obter sua perfeição maior
ou subsequente, podem, por sua desobediência, cair dela, tornar-se à dissipação, naufragar na fé,
e depois de haver desfrutado do dom celestial e de haver sido feitos participantes do Espírito
Santo, cair outra vez; todavia, pode nesta vida alcançar tal crescimento e estabilidade na verdade,
da qual não pode haver apostasia total.15

A glória culminante da doutrina dos quakers é que encontrou seu centro na cruz de Cristo. “Ali encontrou
Jorge Fox o poder para essa vida que nunca se dá por vencida que é a vida perfeita... A frase favorita de Fox era:
‘A cruz é o poder de Deus’. A expiação era interna”16.

Agora que conheceis o poder de Deus e tenhais vindo a ele, que é a cruz de Cristo, que
os crucifica (até traze-los) ao estado em que Adão e Eva estavam, na queda, e por tanto ao
mundo, por este poder de Deus vós chegais a ver o estado em que viviam antes de haver caído, o
qual poder de Deus é a cruz, na qual repousa a glória eterna, a qual resulta na justiça, a santidade
e a imagem de Deus, e crucifica a injustiça, a falta de santidade e a imagem de Satanás.17

Depois de que regressou à cruz de Cristo na qual encontrou a sanidade para sua caída da graça, James
Nayler disse em seu leito moribundo as seguintes palavras que postulam o ensinamento quaker em belo
equilíbrio:

Há um espirito que, em minha opinião, de deleita em não fazer mal, nem em vingar-se de
dano algum, mas que se deleita em sofrer todas as coisas... Sua esperança é sobreviver a
qualquer ira e contenção e deixar para traz toda exaltação e crueldade, ou tudo aquilo que seja de
natureza contrária a si. Anela o fim de todas as tentações. Posto que não leva mal algum em seu
seio, tão pouco pensa o mal para nada mais. Se é traído, o suporta, posto que seu manancial é a
misericórdia e o perdão de Deus. Sua coroa é a mansidão, sua vida é eterno amor não fingido; e
ocupa seu trono com rogos e não com disputas, e o conserva com mansidão de mente.18

C. Os Morávios
Os morávios, ou unitas fratrum, como preferiam ser chamados, eram descendentes dos taboritas, um
ramo estreito dos discípulos de John Huss. Em 1722 se estabeleceram nos terrenos de Nicolas Luis, conde de
Zinzendorf, e eles formaram uma aldeia a qual deram o nome de Herrnhut, na Alemanha. Aquel se uniram a outro
grupo de refugiados, os schwenckfelders, e depois de resolver certos assuntos doutrinais adotaram com eles a
disciplina (Ratio Disciplinae) de Johann Comenio, teólogo e pedagogo morávio.
No Verão de 1727, a comunidade de Herrnhut esperimentou uma visitação extraordinária do Espírito
Santo. Os morávios a consideraram outro Pentecostes, e o nascimento da Igreja reavivada. Se agruparam em
pequenos grupos para a edificação espiritual e iniciaram imediatamente a enviar missionários, cinqüenta anos
antes de Carey e o movimento missionário moderno.
Foi precisamente um grupo destes missionários que deram a John Wesley, em sua viagem a América, o
primeiro testemunho que ele jamais havia ouvido da salvação pela fé. Seu evidente espírito neotestamentário
atraiu o pregador inglês aos morávios, e o fez manter com eles estreitas relações durante seus anos dois anos no
Novo Mundo. Ao regressar a Londres, em 1783, Wesley conheceu outro morávio, Pedro Böhler, quem resultou ser
o instrumento de Deus para mostrar a Wesley a verdadeira natureza da fé justificadora. O morávio estimulou a
Wesley dizendo-lhe: “Pregue a fé até que a tenha; e então, porque a tens a pregarás”18.
Por este conselho Wesley iniciou a pregar a fé. Dois meses depois, na noite de 24 de Maio, Wesley teve
sua notável experiência “do ardor estranho” em seu coração, na reunião à que havia ido de má vontade, de uma
sociedade (que provavelmente era morávio), na rua Aldersgate, na cidade de Londres. “Senti que confiava em
Cristo, em Cristo somente, para a salvação” escreveu Wesley em seu Diário, “e me foi dada a segurança de que
Ele havia tirado meus pecados, ainda os meus, e me havia salvado da lei do pecado e da morte”19.
Também com os morávios Wesley encontrou pela primeira vez as “pessoas que também haviam sido
salvas tanto dos pecados interiores como dos exteriores”. Em uma visita que Wesley fez a Herrnhut em Agosto de
1738, aonde havia ido a conversar “com estes testemunhos vivos do poder cabal da fé”, Wesley conheceu a Arvid
Gradin, quem lhe deu a primeira definição de “a completa certeza da fé” que ele jamais havia ouvido de “ser algo
vivo”. Esta foi a direção que Wesley vinha buscando, e a escreveu palavra por palavra, em latim, que também
traduzo:

Repousa no sangue de Cristo. uma confiança firme em Deus, e persuasão de seu favor;
uma paz serena e uma tranqüilidade firme da mente, com uma liberação de todo o desejo carnal,

40
e de todo o pecado externo e interno. Em uma frase, meu coração, que antes estava agitado como
um mar embravecido, agora estava quieto e tranqüilo, e em uma doce calma.20

De Michael Linner, “o mais antigo na Igreja”, e de Christian David, Wesley aprendeu pela primeira vez a
diferença entre um crente justificado e um inteiramente santificado. Ao referir-se à pregação de Linner, Wesley
escreve:

Três vezes ele descreveu o estado dos que são “débeis na fé”, os que são justificados,
mas que não tem todoavia um coração novo e limpo; os que tem recebido perdão através do
sangue de Cristo, mas que não tem recebido a morada constante do Espírito Santo...
Uma segunda vez ele... (me) mostrou a natureza desse estado intermediário, que a
maioría experimenta entre a escravidão descrita no capítulo sete de Romanos, e a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus, descrita no capítulo oito, e em muitas outras partes das Escrituras...
Ele explicou isto... usando as passagens da Bíblia que descrevem o estado em que os apóstolos
estavam... antes da descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes.21

Todavia os morávios não enfatizaram a doutrina, e não é fácil dizer com exatidão qual era seu credo. Em
discussões doutrinarias que Wesley teve posteriormente com os morávios, ele encontrou um entendimento
sumamente divergente da perfeição entre eles, que refletia as ênfases tradicionais luteranas e reformada.
Três anos depois de sua experiência em Aldersgate, em Maio de 1741, Wesley teve “uma conversa de
várias horas” com Böhler e com Spangenberg. O tema foi a nova criatura. Esta é a maneira em que Spangenberg
descreveu a reunião:

O momento em que somos justificados, uma nova criatura é posta em nós. Isto é chamado
de novo homem.
Mas, não obstante, a velha criatura, ou o velho homem permanece em nós até o dia da
nossa morte.
E neste velho homem permanece um velho coração, corrupto e abominável, pois a
corrupção interior permanece na alma tanto quanto a alma permanece no corpo.
Mas o coração que está no novo homem é limpo. E o novo homem é mais forte que o
velho; de modo que ainda que o corrupção luta continuamente, até ponhamos nossos olhos em
Cristo não pode prevalecer.
Eu lhe perguntei: “Há todavia um velho homem em você?” Me respondeu: “Sim, e o
haverá enquanto eu viver”. Logo disse: “Há então corrupção em seu coração?” Respondeu: “No
coração do velho homem há. Mas não no coração de meu novo homem”. Tornei a perguntar:
“Concorda a experiência de seus irmãos com as suas?” Ele replicou: “Eu sei que o que te digo é a
experiência de todos os irmãos e irmãs por toda a Igreja”.
Alguns dos irmãos e irmãs metodistas que estavam sentados ao lado falaram então do
que haviam experimentado. Ele lhes disse (com muita emoção, que se notava no tremor de suas
mãos): “Todos vocês estão se enganando. Não há estado mais elevado que o que lhes descrevi.
Estão em um erro perigoso. Não conhecem o que há em seus próprios corações. Se enganam
imaginando que suas corrupções tenham sido retiradas, quando na realidade somente tem sido
cobertas. A corrupção interior nunca pode ser eliminada, até que nosso corpo esteja na terra”.22

Em Setembro de 1741 Zinzerdorf esteve em Londres e se reuniu com Wesley. Os dois conversaram sobre
o tema da perfeição, que Wesley depois escreveu em latim. Na continuação está uma tradução de suas
passagens básicas:

Z. Não reconheço que há perfeição inerente alguma nesta vida. Isto é o erro dos erros. O
persigo através do mundo com fogo e espada... Cristo é nossa única perfeição. Todo aquele que
advoga pela perfeição inerente nega a Cristo.
W. Mas eu creio que o Espírito de Cristo realiza esta perfeição nos verdadeiros cristãos.
Z. De maneira nenhuma. Toda nossa perfeição é em Cristo. Toda perfeição é fé no
sangue de Cristo. Toda perfeição cristã é imputada, não inerente. Somos perfeitos em Cristo; em
nós mesmos nunca seremos perfeitos.
W. Creio que estamos discutindo por palavras.

Entretanto, as seguintes palavras deixam de ver que havia uma diferença significativa entre Wesley e
Zinzendorf:

Z. Quando digo perfeição não quero dizer nada mais que amar a Deus de todo o coração.
W. Mas isto não é sua santidade. Não é mais santo se ama mais, nem menos santo se
ama menos.
Z. Que disse! Acaso não cresce em santidade cada crente conforme cresce seu amor?

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W. De maneira nenhuma. No momento em que é justificado, é inteiramente santificado.
Desde este momento em diante, não é nem mais nem menos santo, e isto até a morte...
Z. Mas não morremos mais e mais para o mundo e vivemos mais e mais para Deus no
grau em que nos negamos a nós mesmos?
W. Nós rechaçamos toda auto-negação. A pisoteamos... Nenhuma perfeição precede ao
amor perfeito.23

Foi depois desta conversa que Wesley separou seu metodismo da sociedade de Fetters Lane, onde
haviam estado associados com os morávios; todavia, até seu fim, Wesley reconheceu a dívida que tinha com eles,
incluindo o ato do testemunho de Arvid Gradin, que inclui em sua obra famosa, A Perfeição Cristã, e ao qual já nos
referimos antes: “(Foi) a primeira vez que escutei de homem vivente algo que eu mesmo havia aprendido dos
oráculos de Deus, algo que eu havia estado pedindo em oração, e, (com o pequeno grupo de meus amigos), havia
estado esperando, por vários anos”.

42
Capítulo 10 - A Doutrina Wesleyana da Perfeição

“A reconstrução wesleyana da ética cristã da vida”, assevera George Croft Cell, “é uma síntese original e
peculiar da ética protestante da graça, com a ética católica da santidade”. No pensamento de Wesley se
combinam a ênfase caracteristicamente religiosa da tradicional doutrina protestante de justificação pela fé e o
interesse especial do pensamento e da piedade evangélica. Esta combinação sucede primeiro, desde cedo, nas
páginas do Novo Testamento1.
Cell apresenta argumentos muito convincentes para demonstrar que essa “nostalgia pela santidade”, o
anelo de ser como Cristo que capturou a imaginação de Francisco de Assis, constitui “a medula do cristianismo”.
Foi precisamente esta “ênfase perdida do cristianismo” o que foi despertando cada vez menos interesse na
primeira etapa do protestantismo. Cell cita a observação de Harnack, e está de acordo com ela, de que o
luteranismo, em sua compreensão puramente religiosa do evangelho, menosprezou demasiadamente o problema
moral, o Sede santo porque Eu sou santo. “É neste preciso ponto”, continua Cell, “onde Wesley se alça da altura
de um pináculo. Ele restaurou a menosprezada doutrina da santidade a seu lugar merecido na compreensão
protestante do cristianismo”2.
Por tanto, da perspectiva da cristandade histórica, a doutrina wesleyana da perfeição cristã não é um
provincialismo teológico, ao fundir a justificação e a santificação, o pecado original e a perfeição cristã, restaurou a
mensagem do Novo Testamento a sua plenitude original. Wesley “havia vislumbrado a unidade básica da verdade
cristã de que compartilhavam tanto a tradição católica como a protestante”3.
Assim compreendeu Wesley sua mensagem. Em seu sermão intitulado “A Vide de Deus”, ele disse:

Freqüentemente se tem feito a observação de que muito poucos tem desenvolvido uma
idéia clara quanto a justificação e santificação. Quem escreveu mais habilmente sobre a
justificação pela fé somente, que Martinho Lutero? E quem era mais ignorante da doutrina da
santificação, ou mais confundido em seus conceitos sobre ela?... Por outro lado, quantos
escritores católicos (como Francisco Sales e Juan Castiniza, em particular) tem escrito
categoricamente e com fundamento bíblico sobre a justificação, e entretanto desconheciam
completamente a natureza da justificação! Tanto assim que todo o corpo de seus teólogos no
Concílio de Trento... completamente confundiu a santificação e a justificação. Mas atribuo a Deus
o dar aos metodistas um conhecimento cabal e claro de ambos, e a ampla diferença entre as
duas.
Sabemos, desde cedo, que ao mesmo tempo que um homem é justificado a santificação
propriamente principia, porto que quando é justificado é “nascido de novo”, ou “nascido do
Espírito”, o qual, ainda que não é (como alguns supõe) todo o processo de santificação, é sem
duvida alguma, a porta dela. Deste também Deus tem desejado dar aos metodistas uma
compreensão cabal...
Estes declaram, com igual zelo e diligência, a doutrina de uma justificação gratuita, cabal e
presente, e a igualmente importante doutrina da inteira santificação tanto de coração como de
vida; são tão tenazes quanto à santidade interior como qualquer místico, mas tão interessados no
extremo com qualquer fariseu.4

O genial do ensinamento wesleyano, afirma o doutro Cell, é que nem confunde nem divorcia a justificação
da santificação, mas que “lhes dá igual importância a uma e a outra”.

A. O Enunciado Wesleyano
A doutrina completamente desenvolvida de Wesley é postulada em seu livro Uma clara explicação da
perfeição, que foi publicada em 1766. Sua quarta edição, publicada em 1777, representa a declaração definitiva
de sua posição. A Perfeição Cristã (título abreviado com que se conhece esta obra), inclui as declarações
completas de quase todo o que Wesley escreveu sobre o tema antes da publicação do livro. Aqui está a doutrina
da perfeição tal como ele a proclamou e a defendeu. Ao ler A Perfeição Cristã deve-se recordar que aqui Wesley
está delineando o progresso de seu próprio pensamento, e que as declarações das primeiras seções nem sempre
representam sua posição final. É na parte final do livro onde descobrimos a compreensão madura de Wesley em
quanto à perfeição cristã.
O resumo de onze pontos, que Wesley dá e que aparece quase ao final do livro, é uma apresentação
condensada da doutrina:
1. Existe a perfeição cristã, porque é mencionada várias vezes nas Escrituras.
2. Não se recebe tão cedo como a justificação, porque os justificados devem seguir adiante à perfeição
(Hb 6:1).
3. Se recebe antes da morte, porque São Paulo falou de homens que eram perfeitos nesta vida (Fp 3:15).
4. Não é absoluta. A perfeição absoluta pertence, não aos homens, nem aos anjos, mas somente a Deus,
5. Não faz o homem infalível; ninguém é infalível enquanto permanecer neste mundo.
6. É sem pecado? Não vale a pena discutir sobre um termo ou palavra. É “salvação do pecado”.

43
7. É amor perfeito (I Jo 4:18). Esta é sua essência; seus frutos ou propriedades inseparáveis são: estar
sempre alegres, orar sem cessar, e dar graças em tudo (I Ts 5:16).
8. Ajuda o crescimento. O que goza da perfeição cristã não se encontra em um estado que não possa
desenvolver-se. Pelo contrário, pode crescer na graça mais rapidamente que antes.
9. Pode perder. O que goza da perfeição cristã pode, todavia, errar, e também perde-la, do qual temos
alguns casos. Mas não estávamos completamente convencidos destes até cinco ou seis anos atras.
10. É sempre precedida, e seguida por uma obra gradual.
11. Alguns perguntam: “É em si instantânea ou não?... A miúdo é difícil perceber o momento em que o
homem morre, todavia há um instante em que cessa a vida. Da mesma maneira, se cessa o pecado,
deve haver um último momento de sua existência, e um primeiro momento de nossa liberação do
pecado.5

Estes são os pontos que sobressaem do ensinamento wesleyano. Mas a doutrina tem uma história
demasiada antiga e contínua, como temos visto, para ser clarificada meramente como um doutrina wesleyana.
John Wesley seria o primeiro em repudiar tal coisa. Como Cell anota, Wesley encontrou a verdade da perfeição
“na trama da tela” das Escrituras. Sua busca imediata foi estimulada pela leitura de quatro livros: A Imitação de
Cristo de Tomas de Kempis; Rules and Exercise of Holy Living and Dying pelo Bispo James Taylor; Christian
Perfection, e A Serius Call to a Devout and Holy Life, de Willian Law. Mas muito tempo antes de Wesley, e antes
de que estes escritores místicos despertarem seu desejo de ter a santidade, os pais gregos e latinos haviam
apresentado a doutrina em largas expressões, como temos procurado demonstrar nesta obra. Ao formular sua
doutrina da perfeição, John Wesley se nutriu nestas correntes mais ricas e profundas da tradição cristã. A
conclusão que o doutor Flew faz é inteiramente justa:

A doutrina da perfeição cristã - entendida não como uma declaração de que a meta final
da vida cristã possa alcançar-se nessa vida, mas como uma declaração de que um destino
sobrenatural, uma conquista relativa da meta que não exclui o crescimento, é a vontade de Deus
para nós nesta vida e que é exeqüível - jaz não meramente sobre os caminhos da teologia cristã,
mas sobre o caminho que conduz até em cima.7

Mas também é certo que John Wesley deu a doutrina um formato inteiramente novo. A originalidade de
Wesley se vê principalmente na forma na qual ele situou a verdade da perfeição no centro da compreensão
protestante da fé cristã. Também, livrou a doutrina de qualquer noção de mérito, e a apresentou completamente
como o dom da graça de Deus. O amor perfeito é exeqüível agora mesmo, pela fé.
O fato de que Wesley viu isto com tanta claridade leva a Colin W. Williams a por em dúvida a declaração,
antes citada, de Cell de que a teologia de Wesley “é uma síntese... da ética protestante da graça, com a ética
católica da santidade”8. A ética católica atribui mérito à santidade, mas Wesley inteiramente separou a doutrina, do
nível ou ordem do mérito, e a colocou na ordem da graça. Seu conceito de santificação é pela fé somente. Isto,
afirma Gordom Rupp, é o que deu ao evangelho wesleyano sus forma e sua coerência9.
Para Wesley o mero centro da perfeição é o agape - o amor de Deus para o homem. Seu “foco ardente” é
a expiação. “O amor perdoador está na raiz de todo ele”10. Um dos versículos que Wesley cita com mais
freqüência é essa frase de I João: Nós amamos a Ele, porque Ele nos amou primeiro”. O amor de Deus não é o
amor natural de eros, mas o amor do homem que responde ao amor prévio de Deus. A santificação, para Wesley,
como a justificação, é do princípio ao fim a obra de Deus. A justificação é o que Deus faz por nós mediante o
Cristo; a santificação é o que Deus faz em nós mediante o Espírito Santo. “Tudo provém de Deus, que nos
reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo” (2 Co 5:18). Este teocentrismo definitivo e saturador livra sua
doutrina da perfeição, de todas as tendências místicas e humanísticas que se encontram na maioria dos
enunciados católicos dela.
Além do mais, Wesley venceu os aspectos objetáveis da doutrina agostiniana do pecado original. Em seu
Perfeição Cristã, Wesley afirma: “Adão caiu, e seu corpo incorruptível se tornou corruptível; e desde então é um
peso para a alma, e estorva suas operações”11. Mas nesta frase está inteiramente ausente da idéia platônica de
um corpo mau, assim como a ênfase agostiniana na concupiscência, com sua identificação concomitante da
natureza humana e da natureza pecaminosa. De acordo com Wesley, o significado da carne em Romanos 7 é
“todo o homem tal como ele é por natureza”12, (ou seja, aparte de Cristo), e incluindo ambas as coisas: “um poder
motivador interior de inclinações más, e apetites do corpo”13. A essência do pecado original não é a luxuria mas “o
orgulho, pelo qual o roubamos de Deus seu direito inalienável, e usurpamos idolatramente sua glória”14. “Os
pecados da carne são os filhos, não os pais do orgulho; e o amor a si mesmo é a raiz, não o ramo, de todo o
mal”15.
Esta interpretação hebraica do pecado é a perspectiva controladora de Wesley em sua tarefa de
desenvolver seu ensinamento da santificação. Se a quinta-essência do pecado é uma relação pervertida com
Deus, a quinta-essência da santidade é uma relação correta e restaurada pela graça. De modo que para Wesley,
toda santidade ou perfeição está em Cristo, e somente em Cristo, posto que somente através d’Ele somos
restaurados ao companheirismo com Deus. o pecado que se tem estendido como uma lepra por toda a alma do
homem caído, é sanado pela graça mediada por Cristo.

44
Temos esta graça, não somente de Cristo mas n’Ele, pois nossa perfeição não é como a
de uma arbusto, que floresce pela seiva que deriva de sua própria raiz, mas... como a de um ramo
a qual, ao estar unida à videira, tem fruto, mas a que, se é separada dela, seca e murcha.16

A declaração mais eloqüente da posição de Wesley a encontramos na parte final da Perfeição Cristã, e diz
assim:

O mais santo dos homens necessita ainda de Cristo como seu profeta, como “a luz do
mundo”. Porque Ele não lhes dá luz se não de momento a momento; desde o instante em que Ele
se retira de nós, tudo é trevas. Necessitam ainda a Cristo como seu Rei, pois Deus não lhes dá
um depósito de santidade. De não receber uma provisão de santidade a cada instante, não teria
outra coisa que impureza. Necessitam ainda a Cristo com seu Sacerdote, para que por meio d’Ele
apresentar santo e consagrado a Deus. Ainda a santidade perfeita é somente aceitável a Deus por
meio de Jesus Cristo.17

Assim William interpreta corretamente a Wesley ao escrever: “A ‘santidade sem a qual ninguém verá ao
Senhor’, da qual Wesley fala, não é uma santidade julgada por normas morais objetivas, mas uma santidade em
termos de uma relação ininterrupta com Cristo, o Santo. O cristão perfeito é santo, não porque se tem elevado a
certa norma moral requerida, mas porque vive neste estado de companheirismo ininterrupto com Cristo”18.
Esta é uma doutrina protestante da perfeição. A fé é a perfeição. Ma a perfeição não é meramente
imputada, mas que também é compartilhada. Agraciado com a fé santificadora o crente experimenta o ser cheio
com o amor de Deus pelo dom do Espírito Santo (vide Rm 5:5), e por esse mesmo ato seu coração é purificado
(At 15:8-9). Wesley reafirmou: “A inteira santificação não é nem mais nem menos que o amor puro, o amor que
expulsa o pecado, e que governa ambos, o coração e a vida”. E é o mesmo que ele pregou: “É o amor excluindo o
pecado; é o amor enchendo o coração, atingindo toda a capacidade da alma... desde que o amor encha todo o
coração, que lugar há ali para o pecado?”19 Sua insistência sobre esta verdade levou a Wesley a separar-se de
Zinzendorf. A fé aperfeiçoada em amor mediante a plenitude do Espírito é a essência da doutrina wesleyana da
perfeição cristã.
Welsey disse que esta doutrina “era o grande depósito que Deus havia armazenado no povo chamado
metodista”. Philip Schaff a chama “a doutrina final e culminante do metodismo”. E Frederic Platt a identifica como
“a doutrina preeminentemente distintiva do metodismo”.
Em seu livro intitulado Understanding the Methodist Church, Nolan B. Harmon escreve:

A doutrina da perfeição cristã tem sido a contribuição doutrinária específica que o


metodismo fez à Igreja universal. John Wesley a chamou: “A doutrina peculiar que se nos tem
encomendado”. Em tudo mais temos sido, como devemos ser, seguidores alegres e dinâmicos na
corrente principal da crença cristã. Mas nesta doutrina nos erguemos sós e declaramos um
ensinamento que ergue sem temor, e que chega até o cetro de Deus.

Contudo outro autor metodista, John L. Peters, reconhece o seguinte: “Todavia, se queremos ser
cândidos, dificilmente podemos manter que no ensinamento e na pregação da Igreja (metodista) esta doutrina tem
hoje sequer um lugar parecido com o lugar tão significativo que Wesley lhe deu”21. Se bem que há multidões de
metodistas que entesouram a doutrina wesleyana da perfeição cristã, a proclamação desta mensagem tem
passado quase que inteiramente às denominações do movimento contemporâneo da santidade. Este movimento
inclui a Igreja Wesleyana, a Igreja Metodista Livre, o Exército da Salvação, a Igreja de Deus (Anderson, Indiana), e
a Igreja do Nazareno, além de vários grupos menores que incluem algumas organizações da Sociedade de
Amigos (os quakers). Desde a década de 1860, a Associação Cristã de Santidade tem sido a expressão
interdenominacional da doutrina wesleyana. “Seu propósito principal sempre tem sido a propagação da mensagem
da perfeição cristã e suas aplicações práticas nos campos missionários, na educação e nas necessidades
sociais”22.

B. Na Direção de uma Teologia da Perfeição Cristã


Nas páginas desta obra desejo sugerir um esboço para uma doutrina contemporânea da perfeição cristã.
Tendo presente o caminho que temos tomado através da história do pensamento cristão, há várias normas finais
que nos parecem justificadas:
1. Em primeiro lugar, uma teologia de perfeição cristã deve principiar com uma definição lúcida do pecado.
O pecado não pode ter significado algum aparte do abuso da liberdade humana. J. S. Whale tem escrito:

A essência do pecado é a egocêntrica repudio do homem de sua natureza distintiva. Sua


base final é o orgulho que se rebela contra Deus e rechaça seu propósito. Sua manifestação ativa
é o amor do homem a si mesmo, que “muda a glória de Deus incorruptível em semelhança da
imagem do homem corruptível”. A liberdade do espírito final, a liberdade do homem para Deus e
em Deus, é pervertida ao grau que termina sendo liberdade de Deus. Imago Dei se interpreta
como que dizer: “Sereis com Deus”.23

45
Se a teologia wesleyana há de ser bíblica, deve repudiar a interpretação agostiniana do pecado inato,
como uma concupiscência que permanece. A depravação moral pode somente entender-se como uma
conseqüência do pecado mais básico, e prévio, do orgulho (vide Rm 1:18-25). O orgulho guia o homem a buscar
satisfação na criatura em vez de buscá-la no Criador glorioso. “É na obsessão indevida do homem no finito onde
os apetites sensuais da mais baixa classe principiam a elevar-se e a demandar domina-lo”24.
A graça santificadora deve sanar o homem no centro de seu ser; deve crucificar seu orgulho ambicioso e
presunçoso. Quando isto é alcançado, a sanadora graça de Deus se estende a todos seus afetos e desejos,
fazendo dele uma pessoa completa e sã.
2. Em segundo lugar, a doutrina da perfeição cristã deve evitar o erro de fazer da experiência um assunto
mágico e sem implicações morais. Claro que uma formulação clara do pecado do homem ajudará muito na
solução deste erro. A partir do momento em que a purificação que o Espirito santificador realiza vai mais
profundamente que nossa consciência. Todavia, nós devemos sempre insistir em que a perfeição cristã tem seu
princípio, em uma crise moral, à que Wesley chamou morte ao pecado, e que continua em uma relação mantida
de confiança obediente.
Wesley viu isto claramente quando seu pensamento alcançou maturidade, e então nos advertiu:

Não tende a desviar aos homens o falar de um estado justificado ou santificado, ao guiá-
los quase naturalmente a confiar no que foi feito em um momento? Em vez do qual estamos
agradando ou desagradando a Deus, de momento a momento, de acordo com a nossa atitude
presente e conduta exterior presentes.25

Aqui Wesley protege sua posição contra a acusação que alguns tem feito, e é, de que ele tende a falar do
pecado como se fora algo, uma quantidade, um objeto ou coisa, como um dente cariado que é necessários ser
retirado. O pecado não é uma quantidade; é uma qualidade. Não é uma substância; é uma condição. O pecado é
como a obscuridade; somente pode ser expulsa pela luz. Wesley também falou do pecado em termos de
enfermidade, e de Cristo como o Médico divino. Assim que a santidade é a saúde espiritual restaurada, mas se
temos de permanecer sãos temos que obedecer as leis de Deus, que regem o bem-estar moral e espiritual. Estes
são os termos dinâmicos com os quais devemos pensar no pecado e da santidade. A inteira santificação não é um
ato mágico que muda a substância de nossas almas; é uma crise moral que nos restaura a uma existência
cristocêntrica.
A entrada a esta vida plena e livre do pecado pressupõe o que Wesley chama ”o arrependimento dos
crentes”, que representa sua convicção de que o pecado tem permanecido neles depois da justificação. O crente
justificado, graças à convicção fiel do Espírito Santo, chega a estar dolorosamente tanto quanto de seu pecado
inato, seu egocentrismo e sua dupla mente que o infestam. E. Stanley Jones explica da seguinte maneira:

46
A crise da conversão traz uma liberação dos pecados crônicos, e assinala a introdução de uma vida nova. A

47
conversão é uma liberdade gloriosa, mas não é uma liberdade completa.

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Conteúdo

CAPÍTULO 1 - DECLARAÇÃO DA DOUTRINA

CAPÍTULO 2 - A DOUTRINA BÍBLICA DA SANTIDADE

CAPÍTULO 3 - A IGREJA PRIMITIVA

CAPÍTULO 4 - OS PLATÔNICOS CRISTÃOS

CAPÍTULO 5 - PERFEIÇÃO MONÁSTICA

CAPÍTULO 6 - SANTO AGOSTINHO

CAPÍTULO 7 - O ENSINAMENTO CATÓLICO ROMANO

CAPÍTULO 8 - A PERFEIÇÃO CRISTÃ NA TEOLOGIA DA REFORMA

CAPÍTULO 9 - A PERFEIÇÃO CRISTÃ NO PERÍODO PÓS REFORMA

CAPÍTULO 10 - A DOUTRINA WESLEYANA DA PERFEIÇÃO

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 1 - Declaração da Doutrina

Em seu ensaio sobre Voltaire, John Morley declara que a santidade é “a mais profunda dessas palavras
que não se podem ser descritas”. em tempos mais recentes Rudolph Otto desenvolveu a mesma idéia em sua
obra clássica, The Idea of the Holy1 (A Idéia da Santo), na qual aduz que a criação de “O Santo” (a “consciência
que a criatura ”tem dele, e do qual escreve Paulo em Rm 1:19-20) é a mesma essência da religião. Ser humano é
ser confrontado pelo Deus santo. Por esta razão, o conceito de santidade, em uma forma ou outra, é tão antigo
como a religião.
Do ponto de vista da Bíblia, a santidade tem sua origem no Eterno. "Bendito o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em
Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele" (Ef 1:3-4).
A santidade é a suma dos requisitos da lei. Para responder a pergunta, “qual é o grande mandamento na
lei?”, Jesus respondeu com as palavras de Deuteronômio 6:4-5 e Levítico 19:18, “Amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O
segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem
toda a Lei e os Profetas.” (Mt 22:36-40).
A santidade é também a promessa do Evangelho. E, por incrível que pareça, encontramos tal promessa
no Antigo Testamento: “O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para
amares o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas." (Dt 30:6). Este foi o texto
que John Wesley escolheu para seu primeiro sermão sobre a perfeição cristã que ele pregou na Universidade de
Oxford. Deixemos que Wesley mesmo descreva a ocasião:

O 1o de Janeiro de 1733, preguei ante a Universidade na Igreja de Santa Maria sobre


“Circuncisão do Coração”, em cuja ocasião, para descreve-la disse: “É essa disposição geral da
alma que, nas Escrituras é chamada santidade; e a que implica diretamente o ter sido purificado
do pecado, ‘de toda contaminação da carne e do espírito’; e, que resulta no haver recebido todas
essas virtudes que estavam em Cristo Jesus; o haver ‘sido renovados no entendimento’, era o ser
‘perfeitos como nosso Pai que está nos céus é perfeito’.” No mesmo sermão declarei: “O amor é o
cumprimento da lei, ‘o fim do mandamento’, se não todos os mandamentos em um. ‘Todo o que é
justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama’, tudo isso está incluído
nesta única palavra, amor. Aqui está a perfeição, e a glória, e a felicidade. A lei áurea do céu e da
terra é esta: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o
teu entendimento’” 2.

A doutrina da perfeição cristã é o glorioso ensinamento que postula que pelas provisões do sacrifício de
Cristo e da agencia pessoal do Espírito Santo, e cumprida a condição da fé simples, os que tem confiado para a
sua salvação em Cristo, podem ser purificados do pecado original, ou depravação, e transformados a um estado
de inteira devoção a Deus e de amor sem egoísmo a seus próximos.
Cremos que este é o que significa ser “perfeito” no sentido bíblico. “A palavra (perfeito) tem vários
significados”, explica Wesley; “aqui significa amor perfeito. O amor excluindo o pecado; o amor enchendo o
coração, apoderando-se, por assim dizer, da alma em toda sua capacidade”3.

A. Santificação
Esta palavra, como a outra, santidade tem vários significados que é importante considerar.

1. Santificação em geral
Em termos gerais, santificação se refere ao processo total de chegar a ser cristão e de continuar sendo.
“Em seu sentido mais amplo, o termo santificação inclui todos esses efeitos que a Palavra de Deus produz no
coração e na vida do homem, que principiam com seu novo nascimento, da morte espiritual à vida espiritual, e que
culmina com a perfeição espiritual na vida eterna”4. Eis aqui outra definição: “A santificação é a obra do Espírito
Santo de Deus, que livra os homens da culpa e do poder do pecado, que os consagra para que sirvam e amem a
Deus, e que compartilha, inicial e progressivamente, os frutos da redenção de Cristo e as virtudes da vida santa”5.

2. Santificação por posição


Os teólogos luteranos e calvinistas geralmente tem apoiado a idéia da santificação, ou santidade, por
posição. Um interprete recente de Lutero escreve:

Posto que a fé recebe e aceita o dom de Deus e assim é como os homens se tornam
santos mediante a fé, “santos” se torna equivalente de “o que está crendo”. Os santos são os
51
crentes e “ser santo” significa “o ter sido feito “crente”. Na explicação de Lutero dá, a ênfase passa
de santificar e a ação da santificar, à fé e à ação de santificar, à fé e à ação de ser conduzido à fé,
exceto que não há uma verdadeira diferença entre os dois6.

John F. Woolvoord explica que “a perfeição por posição é revelada como a possessão de todo o cristão...
É, por tanto, a perfeição absoluta que Cristo realizou para nós na cruz. Aqui não há referencia alguma acerca da
qualidade da vida cristã. O assunto de viver sem pecado não tem prioridade. Todos os santos (os santificados)
são participantes da perfeição realizada pela morte de Cristo”. A perfeição por posição é um sinônimo de
santificação por posição, a qual é “realizada por Cristo para cada crente, e que cada crente possui desde o
momento que exerce a fé salvadora”7.
Os Welseyanos aceitam esta posição, posto que é um aspecto do ensinamento bíblico. A santificação é
“atribuída da santidade às pessoas por virtude de seu relacionamento com Deus. É o menor significado do termo,
e é a que se dá quando se diz que todos os cristãos são santos. A Igreja cristã é uma comunidade separada, cuja
natureza é santa”8.
Entretanto, do ponto de vista Wesleyano, a santificação é mais que uma relação objetiva com Deus
através de Cristo. No momento em que esta relação nova é estabelecida por fé em Cristo, o crente justificado
recebe o Espírito Santo e experimenta o princípio da santificação ética. A este princípio nos o chamamos de
santificação inicial.

3. Santificação inicial
Quando perguntam a Wesley quando principia a santificação, respondeu: “No momento em que somos
justificados; a semente da virtude é plantada na alma. Desde esse momento o crente morre gradualmente para o
pecado, e cresce na graça. Entretanto, o pecado permanece nele; efetivamente, a semente de todo o pecado (fica
nele) até que é santificado no espírito, alma e corpo”9. Wesley crê que a santificação, neste sentido inicial, é a
contrapartida ética da justificação. “No momento em que somos justificados”, explica Wesley, “neste mesmo
momento principia a santificação. Neste instante nascemos de novo, nascemos do alto, nascemos do Espírito: se
efetua uma mudança verdadeira tanto como uma mudança relativa. Somos renovados interiormente pelo poder de
Deus”10. Assim que a santificação inicial é praticamente equivalente à regeneração. O ser vivificado para Deus
pelo Espírito eqüivale a iniciar o caminho da perfeição.

4. Santificação Progressiva
Igualmente à maioria dos pensadores protestantes, os Wesleyanos ensinam a santificação progressiva,
que o Catecismo de Westminster define como “a obra da gratuita graça de Deus, pela qual somos renovados em
todo nosso ser à imagem de Deus, e capacitados mais e mais para morrer para o pecado e viver e viver para a
justiça”11. Abaham Kuyper escreve:

A mera regeneração não santifica a inclinação e a disposição (do crente); nem tão pouco é
capaz por si mesmo de germinar a disposição santa. Mais ainda, se requer o ato adicional e muito
peculiar do Espírito Santo, pela qual a disposição do pecador regenerado e convertido vai
diminuindo gradualmente em harmonia com a vontade divina; e este é o dom misericordioso da
santificação12.

O ensino característico de John Wesley é que esta obra de santificação interior pode ser terminada ou
concluída “em um momento”, pela fé, quando o coração é purificado da raiz interna do pecado - o orgulho, a
vontade própria e teimosa, o ateísmo ou a idolatria - e aperfeiçoado no amor de Deus. Como conseqüência desta
purificação mais profunda do coração, o cristão é capacitado a crescer mais metodicamente até uma semelhança
aperfeiçoada de Cristo. O artigo X do Manual da Igreja do Nazareno declara:

Cremos que a graça da inteira santifica inclui o impulso para crescer na graça. Contudo,
este impulso deve ser conscientemente alimentado, e deve ser dada cuidadosa atenção aos
requisitos e processos de desenvolvimento espiritual e avanço no caráter e personalidade de
Cristo. Sem tal esforço intencional, o testemunho do crente pode ser enfraquecido e a própria
graça comprometida e mesmo perdida.

5. Inteira Santificação
Em seu sermão intitulado, “Trabalhando Nossa Própria Salvação”, John Wesley situa a graça da Inteira
Santificação em seu devido contexto:

... Pela justificação somos salvos da culpa do pecado, e restaurados ao favor de Deus;
pela santificação somos salvos do poder e da raiz do pecado, e restaurados à imagem de Deus.
52
Toda a experiência, como também as Escrituras, mostram que esta salvação é ambas,
instantânea e gradual. Principia no momento em que somos justificados, no amor santo, humilde,
terno e paciente a Deus e ao próximo. Aumenta gradualmente desde este momento ... até que, em
outro instante, o coração é purificado de todo o pecado, e cheio com amor puro de Deus e ao
próximo. Mas ainda esse amor aumenta mais e mais, até que “crescemos em tudo naquele que é
a cabeça”, até “que todos cheguemos... à medida da estatura da plenitude de Cristo”13.

Além dos termos anteriores, há um mais que requer explicação. Nos referimos à perfeição, ou perfeição
cristã.

6. Perfeição
Este termo tem causado muitas críticas ao movimento de santidade, mas é um termo bíblico; ademais,
tem sido usado no ensino da santidade durante toda a era cristã. No que diz respeito a Wesley, ele usou o termo
dizendo que era “bíblico, e Wesley estava profundamente comprometido a (usar) a linguagem das Escrituras”14.
Wesley mesmo faz um resumo de seus ensinamentos sobre a santidade em uma obra pequena intitulada Uma
clara explicação da Perfeição Cristã. O Doutor Donald Metz fez a seguinte atinada observação: “A definição de
Wesley da perfeição todavia não tem sido superada, e ainda conserva a essência do que esse termo significa tal
como é usado nos círculos de santidade. Wesley preferia usar o termo perfeição cristã, em vez do termo mais
amplo, perfeição”15. Ao concluir Uma clara explicação, Wesley faz um resumo de seus ensinamentos com estas
palavras: “Ao usar o termo perfeição quero dizer o amor humilde, terno e paciente de Deus, e ao nosso próximo,
governando nosso temperamento, nossas palavras e ações”.16 Wesley teve muito cuidado em proteger-se de uma
interpretação legalista ou farisaica da perfeição, ao insistir continuamente em que “não há tal perfeição nesta vida
que implique uma liberação completa, seja da ignorância ou de erros, em coisas que não sejam essenciais à
salvação, ou de múltiplas tentações, ou de um sem fim de fraquezas, com todas as quais o corpo corruptível
oprime mais ou menos a alma”17.
De modo que Wesley, como as escrituras, interpretava perfeição como perfeito amor. Este é o significado
que tem dado os expoentes mais lúcidos do ensinamento através dos séculos, tal como veremos no curso desta
obra.

53
Capítulo 2 - A Doutrina Bíblica da Santidade

A fonte original do ensinamento da santidade cristã, e a única com a autoridade, é a Palavra escrita de
Deus. Há razões pelas quais as Escrituras são chamadas a Santa Bíblia. A Bíblia é um livro de santidade.
O Bispo Foster nos deu a descrição clássica sobre este particular:

A santidade pulsa na profecia, ressoa na lei, murmura nas narrações, sussurra nas
promessas, suplica nas orações, irradia na poesia, vibra nos salmos, fala nos símbolos,
resplandece nas imagens, articula-se na linguagem e arde no espírito de todo o sistema, desde o
alfa até o ômega, desde o princípio até o fim. Santidade! Santidade necessitada! Santidade
requerida! Santidade oferecida! Santidade possível! A santidade, dever presente, privilégio atual,
gozo de cada dia, é o progresso e a consumação deste maravilhoso tema! É a verdade brilhando
por toda a parte, transbordando em toda a revelação. É a verdade gloriosa que irradia, e sussurra,
e canta, e brada em toda a sua história. É a biografia, e poesia, e profecia, e preceitos, e
promessa, e oração. É a grande verdade central de todo o sistema. O surpreendente é que nem
todos vêem, que alguém se levanta para questionar, uma verdade tão gloriosa e tão cheia de
consolo1.

A. Raízes da Doutrina no Antigo Testamento


A ênfase que se tem dado recentemente à teologia bíblica tem resultado na produção de vários excelentes
estudos da teologia do Antigo Testamento. Este por sua vez tem aumentado consideravelmente o caudal de
nossa compreensão do que o Antigo Testamento ensina acerca da santidade, particularmente a respeito da
revelação da santidade de Deus nas Escrituras do velho pacto.

1. A Santidade de Deus
A teologia bíblica tem demonstrado conclusivamente que a santidade de Deus não é meramente um dos
atributos de Deus, e nem sequer o atributo principal. Representativa da melhor erudição bíblica é a posição de
Edmond Jacob, que escreve: “A santidade não é uma qualidade divina entre outras, e nem sequer a principal de
todas elas, posto que expressa o que é característico de Deus e corresponde precisamente a sua deidade”2. A
seguinte observação de Snaith apoia a posição de Jacob:

Quando o profeta Amós declara (4:2) que “Jurou o Senhor Jeová, pela sua santidade”,
quer dizer que Jeová jurou pela sua Deidade, por Si mesmo como Deus, e o significado é,
portanto, exatamente o mesmo do que lemos em Amós 6:8, onde o profeta diz: “Jurou o Senhor
Jeová por si mesmo”3.

Um estudante de literatura rabínica observa que o nome que com maior freqüência usam os rabinos para
Deus é “O Santo”4. Este é uma reflexão do nome profético de Deus, que é “O Santo de Israel”5. Aulén afirma que
“a santidade é o cimento sobre o qual descansa o inteiro conceito de Deus”9.

Ademais, lhe dá um tom específico a cada um dos diversos elementos na idéia de Deus, e
fazem parte de um conceito, ou percepção, mais completa de Deus. Cada declaração acerca de
Deus, seja em referencia a seu amor, seu poder, sua justiça... deixa de ser uma afirmação acerca
de Deus quando não é projetada sobre o fundo de sua santidade6.

A palavra hebraica, que traduzimos por santidade, é qodesh, a qual, com as suas correlatas, aparecem
mais de 830 vezes no Antigo Testamento. Os eruditos encontram três significados fundamentais em qodesh: [1]
Freqüentemente conota a idéia de “irromper com esplendor”. Assim, um erudito escreve: “Não há uma distinção
clara entre santidade e glória”7. [2] A palavra também expressa uma divisão, uma separação, uma elevação. [3] É
provável que qodesh tenha vindo de duas raízes, uma das quais significa “novo”, “fresco”, “puro”. A santidade
significa pureza, cerimonial ou moral. A pureza e a santidade são, praticamente sinônimas.
Como Deus, o Senhor refulge com uma glória peculiar a Si mesmo. Ele se manifestou na sarça ardente,
na coluna de fogo, e no Sinai rodeado de fumo. Referindo-se ao tabernáculo, Deus disse: “O lugar será santificado
por minha glória” (Êx 29:43). E quanto ao culto declarou: “Serei santificado naqueles que se cheguem a mim, e
serei glorificado diante de todo o povo” (Lv 10:3). A narração da majestosa visão de Isaías disse: "Santo, santo,
santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória" (Is 6:3).
Como Deus, o Senhor está separado, à parte, de toda a criação. A santidade é a natureza mesma do
divino, o que caracteriza Deus como Deus, e do que motiva a adoração do homem. Deus é o “Completamente
Outro”, e se levanta inteiramente à parte de todos os demais deuses, os que por certo são imaginários. “Não há
santo como é o Senhor; porque não há outro fora de ti” (I Sm 2:2). A santidade de Deus significa sua diferença,
seu caracter único como Criador, Senhor e Redentor. “Somente Aquele que pode dizer: ‘Eu sou o Senhor, e fora
54
de mim não há salvador algum’ pode ser ‘O Santo de Israel’” 8. Entretanto, sua transcendência, ou sua separação
não significa que seja remoto. “Deus foi transcendente desde o princípio posto que era diferente do homem, mas
não era transcendente no sentido que fosse distante do homem. Eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de
ti, Oseias 11:9... A transcendência não significa que seja distante. Significa diversidade5” 9.
Como Deus, o Senhor é pureza sublime. É impossível que o Santo tolere o pecado. Em Gênesis o vemos
preocupado pela má imaginação, os desígnios dos pensamentos da humanidade (Gn 6:1-6). A santidade de Deus
é transtornada pela perversidade crônica do coração do homem (Jr 3:17, 21; 17:9-10). Os olhos divinos são
demasiados limpos “para ver o mal” (Hc 1:13). Recordemos que quando o profeta Isaías captou um mero sinal da
santidade de Deus, gemeu: "Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de
um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!" (Is 6:5). Mais adiante em sua
profecia Isaías declara: "Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas
eternas?" (Is 33:14). A santidade de Deus é um fogo consumidor: ou nos purificará de nossos pecados, ou nos
destruirá com ele! É tal como Jesus advertiu: "Porque cada um será salgado com fogo" (Mc 9:49). Podemos
escolher entre o fogo refinador que nos faz santos (Ml 2:2-3) e a ira que nos destrui (Ml 4:1).

2. Santificação
"Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo" (Lv 19:2). Este mandato se refere tanto à
moral como ao ritual, tal como torna evidente ao ler o código de santidade (Lv 17-26). Nos primeiros dias da
história de Israel os elementos ritualísticos ou do culto eram sobressalentes, mas os elementos éticos estavam
também presentes. Nos profetas, os motivos morais e éticos da santidade eram os temas dominantes, mas o ritual
não se perdeu de vista inteiramente. “Se bem que é certo que a doutrina da santidade de Israel no princípio
descrevia um estilo de vida na qual os elementos ritualista e ético se mesclavam a tal ponto que não podiam ser
reconhecidos, até o fim, a doutrina denotava um estilo de vida na qual os dois estavam mesclados, mas na qual a
ética era o elemento essencial e sobressalente”10.
A palavra hebraica que traduzimos por “santo” geralmente se interpreta por “separado, apartado”. Mas
este é somente o seu segundo significado, que se deriva do propósito daquele que é santo. Seu significado
principal é ser esplendido, belo, puro e livre de toda a contaminação. Deus é santo - como Aquele que é
absolutamente puro, resplandecente e glorioso. Por tanto, o símbolo dele é a luz. Deus habita em uma luz
inacessível ... E Israel havia de ser um povo santo, como se estivesse morando na luz, graças à sua relação de
pacto com Deus.

O que fez com que Israel fosse um povo santo não foi o fato de que fora selecionado
dentre todas as demais nações, mas a relação com Deus que fez tal seleção tornou possível para
o povo. O chamado de Israel, sua decisão e sua seleção, foram só os meios. A santidade mesmo
havia de ser lograda, ou alcançada por meio do pacto, que provia o perdão e a santificação, e no
qual Israel seria guiado para frente e para cima, mediante a disciplina da lei e a direção do braço
santo de Deus. de modo que, se Deus manifestou a excelência de seu nome na criação, o
caminho de sua santidade estava em Israel11.

Bowman faz uma distinção entre os significados proféticos e sacerdotal da santidade. A idéia sacerdotal é
a de ser apartado, dedicado, separado. O “santo” é aquele que tem sido separado para Deus. Neste sentido, o
templo, o sacerdócio, o dízimo, o dia de descanso, toda nação, eram “santos”. A idéia profética é ética, tal como a
vemos em Isaías 6 e Malaquias 3. Ambos significados combinam, como já temos visto, o “código de santidade” de
Levítico 19, cujo ponto mais sublime é uma ética que diz: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o
Senhor" (veja os vv. 9-18). “O Novo Testamento, finalmente recorre somente ao lado profético do termo e o
perpetua. Todos os cristãos tem de ser ‘santos’ (‘chamados a ser santos’, Rm 1:7), ou seja, eticamente santo,
separado, consagrado ao serviço de Deus (Mc 6:20; Jo 17:17; Ap 3:7), para que possam ter companheirismo com
o Santo (At 9:13; Rm 1:7; Hb 6:10; Ap 5:8)”12.

Walter Eichrodt estabelece o mesmo conceito ao escrever: O elemento decisivo no


conceito da santidade resulta ser o de pertencer a Deus... (Mas) o homem que pertence a Deus
deve possuir uma classe especial de natureza, a qual ao incluir ao mesmo tempo a pureza externa
e interna, ritual e moral, corresponderá à natureza do Santo Deus13.

A visão de Isaías no templo revela com claridade a natureza ética da santidade tal como se relaciona à
experiência humana. A santidade de Deus se comunica a si mesma ao adorador e se torna um fogo santificador
que purifica a natureza interior. O resultado da purificação do coração de Isaías foi a afirmação e a expansão de
sua missão profética. “Mas o Senhor dos Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça"
(Is 5:16).

5 O tradução literal de otherness, característica de ser inteiramente outro, à parte, diferente de todos os demais.
55
3. Perfeição
Na pregação dos profetas a santidade de Deus se torna uma demanda de justiça pessoal e de justiça
social. É nesta combinação de santidade e justiça que o chamado de Deus à perfeição pode entender-se.

De Deus se foi dito, “perfeito é seu caminho” (Sl 18:30), mas o homem que teme a Deus
deveria também, de fato, “caminhar” com Deus neste “caminho perfeito” (Sl 18:32; 101:2, 6). Uma
revelação de Deus inclui um reconhecimento de sua santidade única. Isto por sua vez manifesta a
falta de santidade do homem, sua pecaminosidade, quanto necessita de misericórdia. A
santificação é o ato de graça de Deus que faz que o pecado seja removido, e que atinja a
conformidade de homens obedientes à perfeição de Deus em justiça. A conseqüência desta
seqüência é a perfeição do homem em santidade14.

O termo hebraico que traduzimos por perfeição significa plenitude, justiça, integridade, liberdade de
mancha ou culpa, paz perfeita. Uma maneira de expressar a idéia no Antigo Testamento era a expressão
metafórica de “caminhar com Deus” em fidelidade e companheirismo. Enoque “caminhou com Deus” (Gn 5:22,
24). Em Hebreus 11:5, a idéia se expressa dizendo que Enoque “obteve testemunho de haver agradado a Deus”.
de Noé lemos que “andava com Deus” (Gn 6:9), em contraste com seus vizinhos. O mandamento que Abraão
recebeu foi: “Anda na minha presença e sê perfeito” (Gn 17:1).
Além de ser uma excelente produção poética sobre o tema do sofrimento imerecido, o livro de Jó é um
tratado sobre perfeição. Neste livro Jó é apresentado como um “homem perfeito e reto” (que é uma tradução literal
do original), e “temente a Deus e que se desviava do mal” (Jó 1:1). Satanás admite, muito a seu pesar, tal
descrição, mas os “amigos” de Jó a rechaçaram. Se bem que o problema do mal acaba sem contestação, Jó sai
vindicado. No prólogo do livro, Satanás admite que Jó era um homem justo, mas é cínico quanto ás motivações do
patriarca, e insiste que sua justiça resulta de seu desejo de ser próspero materialmente. Retire este fator, ou
ganância, demanda Satanás, e veremos quão rápido se rebela Jó. Mas Jó passa airoso pela prova e desta
maneira justifica a afirmação de Deus de que a justiça de seu servo é sincera, e portanto genuína. A perfeição de
Jó era um assunto de motivação, de seu amor desinteressado a Deus. o coração de Jó era perfeito diante de
Deus porque sua intenção era pura. Esta é a idéia básica da perfeição no Antigo Testamento.
Exceção feita no Decálogo, é provável que nenhuma outra passagem do Antigo Testamento havia influído
mais no povo de judeu que o Shema, que tem sido chamado o credo de Israel: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso
Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a
tua força." (Dt 6:4-5). Se declara que o amor é a motivação pelo qual o Senhor escolheu a Israel, e que o amor,
demonstrado pela obediência, há de ser a resposta de Israel a esse amor (Dt 7:6-11). Para tornar possível esta
perfeição em amor, deve haver uma extirpação ou extirpação da perversidade. Mas se a necessidade é grande, a
provisão é cabal: "O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares
o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas" (Dt 30:6). Este se converte na grande
doutrina neotestamentária da circuncisão do coração pelo Espírito Santo (Rm 2:29; Cl 2:12). Mediante a
circuncisão do coração e a extirpação do pecado original, o amor de perfeito é tornado possível para o povo de
Deus! Esta é a doutrina de John Wesley da perfeição cristã (vide Capítulo 1).

B. A Doutrina do Novo Testamento

1. A Promessa do Pentecostes
Podiam os homens serem santos antes do tempo de Cristo? A experiência de Isaías no templo é uma
resposta afirmativa refulgente. Era possível alcançar a perfeição sob o Antigo Pacto. Mas o privilégio de uma visão
santificadora do Senhor somente era dada aos membros de uma aristocracia espiritual; os soldados de carreira,
quase a totalidade dos israelitas estavam encerrados sob a lei, e viveram no vale de repetidos fracassos (Hb 10:1-
4, veja também Rm 7:7-25). Antes de que todos pudessem experimentar a liberdade do pecado, e a perfeição em
amor, era necessário que interviesse um derramamento espiritual sobre o povo de Deus. Esta efusão do Espírito
de Deus era o que os profetas antecipavam intensamente.
Através de Jeremias, Deus havia declarado a cerca deste dia: "Na mente, lhes imprimirei as minhas leis,
também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um
ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o
menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me
lembrarei" (Jr 31:33-34).
Ezequiel fez uma profecia quase idêntica: "Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados...
Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo... Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis" (Ez 36:25-27).
Referindo-se ao mesmo dia, Jeová declara através de Joel: “derramarei o meu Espírito sobre toda a
carne” (Jl 3:25-27). É muito significativo que os rabinos judeus interpretavam estas promessas e outras parecidas
como que descrevendo uma atividade santificadora futura do Espírito de Deus que caracterizaria a era
56
messiânica. Um exemplo típico de literatura rabínica sobre este particular é a forma em que S. Simeão ben Johai
interpreta a frase de Ezequiel; diz: “E Deus disse, ‘Neste tempo, porque o impulso mal existe em vocês, tem
pecado contra mim; mas no tempo vindouro Eu o extirparei de vocês’” 15.
O texto de santidade mais importante do Novo Testamento é a declaração de Simão Pedro no dia de
Pentecostes: “Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel...” (At 2:16 e subsequentes). O
derramamento do Espírito por tanto tempo esperado, havia acontecido. A era do Espírito que Ezequiel havia
antecipado estava já aqui. A profecia de Jeremias havia se tornado parte da história, tal como o escritor de
Hebreus declara: "Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. E
disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles,
depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei,
acrescenta: Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre" (Hb
10:14-17).
Seria difícil exagerar a importância desta verdade. Longe de ser algo na periferia, a perfeição está no
coração mesmo do Novo Pacto. Ao apregoar a vinda do Messias, de quem era predecessor, e fazendo eco às
palavras de Malaquias, João Batista declarou: "Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas ... Ele vos
batizará com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 3:11-12).

Este... é a ênfase constante do Novo Testamento: a obra, a presença, a pureza, o poder


do Espírito Santo. Dispensacionalmente tudo havia de culminar n’Ele e com Ele. Sua vinda ao
coração do crente individual, e sua resultante presença purificadora e capacitadora era a
realização final das eras16.

John Wesley viu isto claramente, e o expressou assim em Uma clara explicação da Perfeição Cristã:

Os privilégios dos cristãos não podem de maneira alguma ser medido pelo que o Antigo
Testamento disse a respeito aso que viveram sob a dispensação judaica, posto que a plenitude do
tempo tem chegado, o Espírito Santo tem sido dado, e essa “grande salvação” tem sido já
oferecida aos homens pela revelação de Jesus Cristo17.

2. O Significado da Santificação
A doutrina do Novo Testamento é edificada somente sobre o cimento do ensinamento do Antigo
Testamento. Uma repassada cuidadosa das referencias neotestamentárias sobre o assunto indica que, se bem é
certo que o ensinamento profético-ético é dominante, o significado ritualista e religioso tem sido preservado.
Da Igreja cristã se diz que é uma “nação santa”, cujos habitantes constituem um “sacerdócio real” (I Pe
2:9). Outra descrição é que os cristãos são um “templo santo” (I Co 3:17; Ef 2:21; vide I Pe 2:5). Por esta razão,
todos os cristãos são “santos”, título que se encontra sessenta e seis vezes. Mas ainda com maior ênfase que no
Antigo Testamento, a santidade do culto demanda pureza ética: “Se não, como aquele que os chamou é "segundo
é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento" (I Pe
1:15). A santificação implícita deve tornar-se explícita ao saturar e fazer santas todas as partes da vida.
A idéia central do cristianismo é a purificação do coração de todo o pecado, e sua renovação à imagem de
Deus. ao interpretar hagiazo (o verbo grego que significa santificar), Thyler inclui duas classes de purificação: (1)
“purificar por expiação, livrar da culpa o pecado”; (2) “purificar interiormente pela reforma da alma”. Isto
corresponde às duas épocas que chamamos justificação (com o novo nascimento) e inteira santificação.
Com a justificação e a regeneração há a “purificação por expiação da culpa do pecado” (I Co 6:11l Tg
4:8a). Wiley se refere a isto como a purificação da depravação adquirida18. Mediante “o lavar regenerador” (Tt 3:5)
a contaminação resultante de nossos pecados é retirada, e nós somos feitos “limpos” (Jr 15:3). Esta é a razão
pela qual se diz que a santificação principia na regeneração.
Negativamente, a inteira santificação purifica o coração da raiz ou presença do pecado, logrando ou
efetuando uma devoção completa ( de um só animo) a Deus (Jo 17:17, 19; Ef 5:26; I Ts 5:23; Tg 4:8b). a inteira
santificação não é tanto um estado como uma condição preservada de momento a momento, conforme andamos
na luz (I Jo 1:7).
Positivamente, a santificação é a restauração da imagem moral de Deus “na justiça e santidade da
verdade” (Ef 4:24). Esta santificação positiva inclui uma obra progressiva, que é iniciada na regeneração,
acelerada pela purificação do coração e o ser cheios com o Espírito, e consumada na glorificação. O processo é
belamente descrito por Paulo com as seguintes palavras: "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando,
como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como
pelo Senhor, o Espírito" (2 Co 3:18).
a. A santificação como um processo total. A palavra hagiasmo aparece dez vezes no Novo Testamento e
é traduzida “santificação” em cada caso pela Revisão de Valera6 (60) e muitas outras versões. A palavra “denota

57
estado, mas não esse estado oriundo do sujeito, porem o que resulta de certa ação e certo progresso”19. O
significado amplo de hagiasmo, que descreve e inclui o processo total da santificação, é indicado em I Co 1:30; II
Ts 2:13 e Hb 12:14.
Vendo-a eticamente, a salvação é santificação: ao fazer santas nossas vidas pelo Espírito santificador. Do
princípio ao fim, nossa santificação pessoal é sua obra de graça em nós. Esta santificação é toda uma peça, uma
“continuidade de graça” levada à diante pelo Espírito Santo. “O Espírito Santo”, escreveu John Wesley, “não só é
santo em Si mesmo, mas também a causa imediata de toda santidade em nós”.
b. Santificação inicial. A santificação principia na regeneração. A nova vida iniciada pelo Espírito Santo é
um princípio de santidade. "O amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi
outorgado" (Rm 5:5). Ao escrever aos cristão de Corinto, Paulo disse: “Ou não sabeis que os injustos não
herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados...
herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes
justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (I Co 6:9-11). Em seu sermão “O
Pecado nos Crente”, Wesley disse o seguinte sobre essa passagem:

“Já haveis sido lavados”, disse o Apóstolo, “já haveis sido santificados”, o que significa,
que haviam sido purificados “da fornicação, da idolatria, da bebedice” e toda outra forma de
pecado externo; e todavia, ao mesmo tempo e em outro sentido da palavra, não eram santificados,
não eram lavados, internamente, da inveja, de pensar mal, da parcialidade 20.

Por tanto nós falamos da santificação inicial dizendo que é parcial em vez de completa, ou inteira. Este
último termo, disse Wesley, “não é indefinido, no sentido que não denote a purificação do pecador. É um termo
definido, e se limita estritamente a essa culpa e depravação adquirida resultante de pecados cometidos, dos quais
o pecador mesmo é responsável” 21.
A exortação de Paulo em II Coríntios 7:1 é outra passagem onde também se implica a santificação inicial
ou parcial. O Apostolo escreve: "Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto
da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus". Este versículo advoga por
ambas, a santificação inicial e a inteira santificação. Os corintos haviam de aperfeiçoar, ou de fazer que fosse
completa uma santidade que (então) só era parcial.
c. Inteira santificação. Se bem que muitas passagens do Novo Testamento implicam a doutrina da inteira
santificação, muitas outras parecem demanda-las; entre estas citamos João 17:17;Romanos 6:12-13; 12:1-2; II
Corintios 7:1; Efésios 1:4; 5:26; I Tessalonicenses 5:23; Tito 2:14, e talvez Hebreus 13:12. Os limites desta obra
não permitem incluir uma exegese de todas estas passagens, mas alguns comentários são essenciais.
Em Romanos 6, Paulo exorta a seus leitores que foram mortos para o pecado e que foram ressuscitados
em novidade de vida (6:1-10) que façam três coisas: (1) a que se considerem a si mesmos como aqueles que de
fato morreram com Cristo no pecado, e através d’Ele foram feitos vivos para Deus (6:11); (2) a que desejem, ou
desistam do por seus membros de seus corpos à disposição do pecado (6:12); e, (3) a que se entreguem, ou se
apresentem a si mesmos diante de Deus “como pessoas que foram trazidas da morte para a vida” (6:13; BLH) 7.
A relação deste ato de fé obediente à verdadeira santificação se indica no versículo 19: “No passado
vocês se entregaram inteiramente como escravos da impureza e da maldade para servir o mal. Agora entreguem-
se como escravos de Deus para viverem uma vida de santidade” (BLH). Romanos 12:1-2 repete a mesma
exortação a uma consagração completa ou total, para uma santidade completa.
Efésios 5:25-27 marcha na mesma direção: "Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para
que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo
igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5:25-27). Cristo se
entregou a si mesmo para santificar a Igreja, que já tinha tido a lavagem da regeneração. O versículo 24 nos
informa que esta santificação logra a condição de estar “sem mancha” postulada no versículo 1:4.
Em Tessalonicenses, Paulo se regozija porque seus convertidos haviam recebido o evangelho “em poder,
no Espírito Santo e em plena convicção” (1:5); mas sua oração por eles é que sua fé seja aperfeiçoada (3:10),
com o fim de que Deus afirmara "o vosso coração confirmado em santidade, isento de culpa, na presença de
nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus" (3:13). Paulo procede a recordar a seus leitores que sua
santificação é a vontade de Deus e o chamado àqueles a quem já os tem dado o Espírito Santo (4:3-8). A
culminação de sua apelação se dará em 5:14-24. O propósito de toda a epístola se expressa nos versículos 23 e
24, que diz: "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados
íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará."
(1Ts 5:23-24). O advérbio traduzido “em tudo” é a palavra grega mais forte que Paulo poderia ter usado. É um
termo composto, que significa “inteiramente” e “perfeitamente”. Morris escreve o seguinte acerca da oração do
Apóstolo:

6 Cipriano Valera (1602) - Versão espanhola da Bíblia, o mesmo ocorre nas versões em português de Ferreira de
Almeida.
7 Bíblia na Linguagem de Hoje.
58
A oração é que Deus os santifique por completo. Há um aspecto de nossa parte na
santificação posto que se nos pede que rendamos nossa vontade par afazer a vontade de Deus.
Mas o poder manifestado na vida santificada não é humano mas divino, e a oração de Paulo se
expressa desta maneira em harmonia com ele. No sentido mais profundo, nossa santificação é a
obra de Deus dentro de nos. A obra pode ser atribuída ao Filho (Ef 5:26) ou ao Espírito (Rm
15:16), mas em qualquer caso é divina. A palavra traduzida em tudo é excepcional, holoteleis, e só
aqui se encontra no Novo Testamento. É uma combinação das idéias de estar completo e de ser
inteiro, e Lightfoot sugere que ser poderia traduzir assim: “que Ele os santifique para que possais
estar completos” 22.

A segunda parte desta oração mostra que Paulo está pronunciando uma oração a fim de que o homem
completo “ intacto em todas as suas partes” seja preservado santo e irrepreensível até a Parousia. “A fidelidade de
Deus”, escreve Morris, “é a base de nossa certeza de que a oração oferecida será respondida”23.

3. Perfeição cristã
Perfeição Cristã e inteira santificação são dois termos que descrevem a mesma experiência da graça de
Deus. a perfeição em amor diante de Deus é santidade cristã.
O verbo teleio, que se traduz “aperfeiçoar”, aparece vinte e cinco vezes no Novo Testamento. Significa (1)
realizar um propósito, alcançar certa norma, atingir uma meta dada, e (2) cumprir ou completar. Paulo usa o
adjetivo, teleios, sete vezes. Em vários casos é obvio que o significado é “maduro” no sentido moral (I Co 14:20; Ef
4:13-14). Mas em I Co 2:6 e 15, os “perfeitos” são considerados iguais aos “espirituais” (que sucede também em I
Co 3:1). Um estudo deste última passagem indica que os “perfeitos” são os que tem sido inteiramente
santificados. J. Weiss chega à conclusão de que se bem que a perfeição geralmente é futura nos escritos de
Paulo (como em Fp 3:12), entretanto em alguns casos (I Co 2:6; Fp 3:15) a perfeição já esta presente24. Weiss
sustenta que o uso que Paulo faz de teleios em Colossenses 1:28 e 4:12 designa uma perfeição moral e espiritual.
Por tanto a evidencia aponta a um significado duplo de perfeição. Um cristão pode ser ao mesmo tempo
perfeito e imperfeito, de acordo com o sentido em que se usem as palavras. Uma perfeição relativa é agora
possível mediante a fé no Espírito, mas a perfeição final não se realizará antes da ressurreição (Fp 3:11-12, 20-
21).
a. Perfeição em amor. Uma das seções mais importantes sobre a perfeição é Mateus 5:43-48, que culmina
com o mandato do Mestre: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”. A palavra “portanto”
é a chave deste texto. Jesus está dizendo de fato: “Assim como vosso Pai celeste é perfeito, (e que o demonstra)
enviando suas bênçãos sobre amigos e inimigos, vós deveis ser perfeitos em vosso amor até todos os homens”. É
evidente que este é o amor ágape, espontâneo, boa vontade que não se rende, que emana da vida interior de
uma pessoa na qual mora o Espírito. Como tal, o amor perfeito é tanto o dom de Deus (Rm 5:5; 8:3-4; I Jo 4:13-
17), como o mandamento de Deus (Mc 12:29-31; I Jo 4:21).
Quando este amor se expressa, a sei é cumprida (Mt 22:40; I Tm 1:5). "A ninguém fiqueis devendo coisa
alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei... O amor
não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13:8-10). A perfeição cristã é
perfeição em amor.
b. Aperfeiçoamento à semelhança de Cristo. A meta final da perfeição é ser cabalmente como Cristo, o
qual será o dom que Deus nos dará na vinda de Cristo (I Jo 3:2). Em vista desta meta futura, cada cristão deve
confessar, como Paulo: "Não que eu o tenha alcançado, ou que já tenha sido aperfeiçoado" (Fp 3:12, tradução
livre da tradução de Wesley). “Há uma diferença entre um que é perfeito” explica Wesley, “e um que tenha sido
aperfeiçoado. Um está equipado para a carreira; o outro esta pronto para receber o prêmio” 25.

59
Capítulo 3 - A Igreja Primitiva

Seria exagerado declarar que a Igreja tem crido e ensinado durante todos os séculos de sua existência a
perfeição cristã tal como a apresenta, e tal como a doutrina Wesleyana a tem entendido. Na realidade, este
ensinamento freqüentemente tem sido condenada e denegrida. Todavia, alguma forma de doutrina da perfeição
tem sido postulada em cada era, não só por cristãos ortodoxos, mas também por aqueles que tenham tido
tendências heréticas.
Idéias estranhas à Bíblia se tem adentrado à tradição cristã, procedentes de diversos sistemas religiosos e
filosóficos que operavam no mundo em que a Igreja estava testificando e trabalhando, e cada uma dessas idéias
tem resultado em uma alteração da doutrina da santidade. As idéias que não emanam da Bíblia sobre Deus, o
homem e o pecado, todas elas tem tomado parte na deformação do ensinamento. William Burton Pope observa
que estes diversos princípios, que tem contribuído a modelar a opinião, poderiam ser estudados com muito
proveito, como fontes que lançam luz sobre a doutrina. “De fato suas respectivas interpretações sobre o tema
pode considerar-se como algumas das provas mais severas que poderiam aplicar-se aos diversos sistemas”1.
Apesar de tais frutos da imaginação, noções às vezes exóticas dos homens, os elementos essenciais da
doutrina da perfeição cristã tem sido preservados, se bem que com pequenas diferenças, desde o princípio. “O
espírito da santidade consumada nunca tem carecido de um testemunho”2. Ao longo dos séculos tem havido
diferenças quanto à ênfase e quanto à terminologia, tal como qualquer estudante da história da Igreja sabe bem,
mas a verdade da santidade não se tem eclipsado em nenhum momento.

A. Os Pais Apostólicos
A teologia dos pais apostólicos não se move no mesmo plano elevado em que aciona o Novo Testamento.
“Ainda que Paulo foi o maior pensador da Igreja primitiva, seu pensamento não foi geralmente compreendido, nem
sua interpretação do cristianismo amplamente aceito”3. Um tipo geral de cristianismo, muito diferente ao de Paulo
lentamente chegou a prevalecer, na qual certa compreensão do evangelho de Cristo era a nova lei. O amor, como
a atitude correta do ser humano diante de Deus, foi substituído pelo temor, e a fé freqüentemente se tornou só
outra obra levada a cabo pelo cristianismo. A Epístola da Barnabé expressa bem a corrente: “É coisa boa
aprender as ordenanças do Senhor, tantas quantas foram escritas, e andar nelas, pois aquele que faz estas
coisas será glorificado no reino de Deus; no entanto quem escolher o outro caminho perecerá junto com as suas
obras. Por esta razão há uma ressurreição, por esta razão (há) uma recompensa”4. São Clemente escreve: “Se
fazemos a vontade de Cristo encontraremos descanso, mas se não a fazemos, nada nos livrará do castigo eterno,
se menosprezamos seus mandamentos”5. Nos escritos dos Pais poderíamos encontrar um sem fim de citações
com estas.
Mas ainda que o fracasso da Igreja tenha sido geral a este respeito, é dizer, por quanto não viu o
evangelho cristão como uma mensagem de liberdade através de Cristo, o Espírito estava trabalhando ativamente
no meio da comunidade cristã. Apesar de suas interpretações errôneas, estas comunidades não careciam de
testemunhos do segredo da santidade. A salvação, nos seus alcances mais elevados, não depende da perfeição
da compreensão, mas da obediência ao Espírito Santo. Esta é a razão pela qual não é difícil descobrir frases
claras de testemunho e de ensinamento sobre o tema da perfeição cristã disseminada entre os escritos dos Pais.
Pouco antes de sofrer a morte pelo martírio, Inácio exclamou: “Te dou graças, Senhor, que Te tenhas
dignado a honrar-me com um amor perfeito por Ti”6. Clemente de Roma escreveu: “Os que tem sido aperfeiçoados
em amor, pela graça de Deus, tem chegado ao lugar dos piedosos na companhia daqueles que, em todas as
épocas, tem servido (para) a glória de Deus em perfeição”7. Palavras como estas contem a semente da doutrina
da perfeição cristã: é a perfeição do amor dentro da justiça da fé. As Epístolas de Inácio mencionam uma e outra
vez uma fé perfeita, uma intenção perfeita, e uma obra perfeita de santidade 9.

B. Irineu
Irineu, o bispo de Lyon na segunda metade do segundo século, foi um dos poucos pensadores
verdadeiramente criativos na história da Igreja. O que é mais, Irineu foi “o mais influente de todos os primeiros
Pais, não só desde ponto de vista da instituição mas também teologicamente” 10. Homem de rara piedade pessoal,
conhecia profundamente o pensamento do Novo Testamento, e demonstrou uma verdadeira afinidade à teologia
de Paulo. Sua doutrina da redenção tem seu centro na obra de Cristo, e seus ensinamentos sobre a salvação
recalca o derramamento do Espírito Santo como o meio da perfeição cristã. Podemos corretamente classificar a
Irineu como um teólogo da santidade.
Irineu foi o primeiro escritor patrístico que nos oferece uma doutrina clara e compreensiva da expiação e
da redenção. “Com que propósito desceu Cristo do céu?” se pergunta Irineu. E responde: “Para que pudesse
destruir o pecado, vencer a morte, e dar vida ao homem” 11. Lado a lado com esta declaração carregada de
significado podemos por esta outra:

O homem havia sido criado por Deus para que tivesse vida. se agora, havendo perdido a
vida, e havendo sido destruído pela serpente, não retornava a vida, mas que era completamente
60
abandonado à morte, Deus haveria saído derrotado, e a malícia da serpente haveria vencido a
vontade de Deus. Mas posto que Deus é tanto invencível como magnânimo, demonstrou a
magnanimidade ao corrigir o homem, e ao provar a todos os homens, como já temos dito; mas
mediante o Segundo Homem, Deus encontrou ao (homem) forte, e assaltou o seu baluarte,
destruiu seus bens, e aniquilou a morte, brindando vida ao homem que havia estado sujeito à
morte12.

Em outra declaração forte, que ao mesmo tempo é uma exortação, Irineu diz: “Nosso Senhor... atou ao
forte e livrou ao débil, e deu salvação à sua criação ao abolir o pecado”13.
A idéia de Irineu é bem clara. “A obra de Cristo é em primeiro lugar, e sobre tudo, uma vitória sobre os
poderes que mantém escrava a humanidade: o pecado, a morte e o diabo. Destes pode se dizer que de certo
modo são personificados, mas de qualquer maneira são poderes objetivos, e a vitória de Cristo produz uma nova
situação, ao haver posto fim a seu domínio, e haver livrado aos homens de seu jugo”14.
Irineu considera que a encarnação é absolutamente essencial para a redenção. Declara: “Ele, nosso
Senhor... é a Palavra de Deus, o Pai, feita o Filho do Homem... Se Ele, como homem, não houvesse vencido o
adversário do homem, o inimigo não haveria sido justamente vencido. Algo mais, se não houvesse sido Deus
quem outorgou a salvação, nós não a teríamos como uma possessão segura... A Palavra de Deus feito carne,
passou por cada etapa da vida, restaurando a cada fase o companheirismo com Deus”. Baseando-se no que
Paulo disse em Romanos 8:3-4, Irineu escreve: “A lei, sendo espiritual, meramente exibiu o pecado como ele é;
não o destruiu, posto que o pecado não reina sobre o espiritual mas sobre o homem. E posto que aquele, que
havia de destruir o pecado e redimir o homem da culpa, tinha que entrar na mesmíssima condição do hoemem”15.
Não há nem um indício em Irineu, de divisão alguma entre a encarnação e a expiação, tal como
apareceria depois na teoria de Anselmo e em outras teorias de santificação posteriores. Irineu postula que é Deus
mesmo quem em Cristo leva a cabo a obra da redenção e derrota o pecado, a morte e o diabo. Deus mesmo tem
entrado no mundo do pecado e da morte: “a mesma mão de Deus que nos formou no princípio, e que nos forma
no ventre de nossa mãe, nestes últimos nos buscou quando estávamos perdidos, ganhando a sua perdida, pondo-
a sobre seu ombro e regressando-a com gozo ao rebanho da vida”16.
Em uma extensa passagem mas comovedor Irineu explica como o Filho encarnado tem santificado cada
etapa da vida:

Ele veio para salvar a todos mediante sua própria pessoa; ou seja, a todos os que por Ele
nasceram de novo para Deus; crianças, menino, adolescentes, jovens e adultos. Por tanto Ele
passou por cada etapa da vida. Foi feito criança para as crianças, santificando assim a infância;
um menino entre os meninos, santificando a meninice, e pondo um exemplo de afeto filial, de
justiça e de obediência; um homem jovem entre os homens jovens, convertendo-se em um
exemplo para eles, e santificando-os para o Senhor. Do mesmo modo foi homem adulto entre os
homens adultos, para que pudesse ser um mestre perfeito à revelação da verdade, mas também
com respeito a esta etapa da vida, santificando aos homens de mais idade, e tornando-se também
um exemplo para eles. E assim Ele chegou até a morte, para que pudesse ser “o primogênito
dentre os mortos”, tendo preeminência entre todos, o Autor da Vida, quem vai adiante de todos e
mostra o caminho.17

A vitória divina obtida em Cristo ocupa o mesmíssimo centro do pensamento de Irineu, e forma o elemento
central de sua doutrinada recapitulação, que é a restauração e aperfeiçoamento da criação, a qual é a idéia
teológica mais ampla deste formidável pensador, “A recapitulação de Irineu”, escreve Aulén, “não termina com o
triunfo de Cristo sobre os inimigos que tem mantido cativo o homem; continua na obra do Espírito na Igreja... Mas
a plenitude da recapitulação não se realizará nesta vida: a perspectiva de Irineu é profundamente escatológica, e
o dom do Espírito é para ele o penhor da glória futura”18.
Para Irineu então, se bem que a morte de Cristo ocupa um lugar central na vitória divina, não é uma morte
isolada; é “uma morte em conexão, por um lado com o trabalho de toda a vida de Cristo visto como um todo, e por
outro lado, com a ressurreição e a ascensão; (é) a morte sobre a qual tem brilhado a luz da ressurreição e do
Pentecostes”19. A ressurreição foi a primeira manifestação da vitória decisiva de Cristo, que foi ganha na cruz; foi
também o ponto inicial de uma nova era do Espírito, já que, de seu trono exaltado à destra do Pai, Cristo derrama
o Espírito, o qual reproduz dentro de nós a vitória de Cristo sobre o pecado, e nos traz à “unidade e comunhão
com Deus e o homem”.
É precisamente sobre este fundo da doutrina da expiação que entendemos o ensinamento de Irineu sobre
a perfeição. Os cristão estão vivendo na nova etapa da salvação. “O fator essencial nesta nova etapa... é o
derramamento do Espírito. Somente são ‘perfeitos’ aqueles, disse ele, no sentido de estar completos, que tem
recebido o Espírito de Deus. O pensamento de Irineu sempre está dominado por sua profunda convicção de uma
comunhão presente da alma com Deus. Ele sabe muito bem que este é o significado de haver ‘recebido o
Espírito’”20.

61
A idéia de Irineu, da recapitulação, que ele tem baseado em Efésios 1:10 e em Colossenses 1:19, “é
inerentemente uma doutrina de perfeição e... está no coração mesmo da teologia de Irineu. Esta é a meta de
nosso ser: estar em Cristo, e havendo recebido o Espírito, viver em comunhão com Deus”21. Desejamos que o
teólogo o expresse com suas próprias palavras:

Deus prometeu por intermédio de seus profetas que “derramaria este Espírito sobre seus
servos e sobre as servas... naqueles dias” para que profetizassem. E o Espírito desceu sobre o
Filho de Deus, o fez Filho do Homem, e com ele se acostumou a morar entre a raça humana e a
“descansar em” os homens e a morar entre as criaturas de Deus, fazendo a vontade de Deus
nelas, e renovando-as de seu velho estado à novidade de Cristo22.

Por tanto Irineu pode dizer: “Deus é poderoso para fazer perfeito aquele que o espírito anelante deseja”, e
acrescenta: “o Apóstolo chama perfeitos àqueles que apresentam corpo, alma e espírito irrepreensíveis diante de
Deus; a quem não só tem o Espírito Santo morando neles, mas que também preservam suas almas e corpos sem
mancha alguma, conservando inviolada sua fidelidade a Deus, e cumprindo seus deveres com seus vizinhos”23.
Irineu faz um resumo de sua doutrina dizendo simplesmente que “o Filho de Deus apareceu na terra e se
familiarizou com os homens: para que nós pudéssemos ter a imagem e semelhança de Deus”24.

62
Capítulo 4 - Os Platônicos Cristãos

Em Irineu ouvimos a voz do Apostolo Paulo. Desde cedo que seus escritos exibem também a influencia do
pensamento grego, mas neles palpita o verdadeiro espírito apostólico. Sem que haja a menor dúvida, Irineu foi um
pensador bíblico, e sua doutrina da perfeição cristã é um resultado de sua profunda compreensão da obra
expiatória de Deus em Jesus Cristo.
Nos escritos dos homens que consideraremos a seguir, Clemente de Alexandria e Orígenes, seu
sucessor, discernimos um tom e uma ênfase inteiramente diferentes. Em ambos, e especialmente em Orígenes,
ouvimos a voz de Platão mais que a de Paulo. Se bem que estes dois teólogos estavam saturados do
conhecimento das Escrituras, ciam em Cristo e o amavam supremamente, seus escritos exalam o espírito da
filosofia grega. A perfeição que eles ensinam, se bem que participa da mente de Jesus e Paulo, é uma
transformação cristã do ideal da virtude e da bondade perfeita que encontramos nos diálogos de Platão. Para
Clemente e Orígenes, o homem perfeito é o “gnóstico cristão”, o homem cujo conhecimento de Deus tem-no
capacitado para dominar suas paixões humanas e viver uma vida de virtude cristã. Por esta razão Clemente e
Orígenes tem sido chamados “os platônicos cristãos”.
Estes homens se dedicaram a declarar o evangelho às classes educadas de Alexandria, segunda cidade
do Império Romano, fundada por Alexandre, O Grande, no ano de 332 a. C. Era primordialmente um centro
comercial que, por esta razão, havia atraído a muitos gregos e judeus. Mas sua vida intelectual era igualmente
notável. Suas bibliotecas eram as mais famosas em todo o Império. Em suas ruas se encontravam as mais
famosas do Império. Em suas ruas se encontravam o Oriente e o Poente. Ali, a filosofia grega já se havia
mesclado com o judaísmo no pensamento de Filon de Alexandria, em contemporâneo de Jesus; em Alexandria
também o Antigo Testamento havia sido traduzido para o grego. Não sabemos quando o cristianismo foi
introduzido em Alexandria, mas deve ter sido no princípio da era cristã, pois no segundo século já estava
firmemente arraigado nesta cidade.
É esta profunda aliança da filosofia grega e da fé bíblica, tão característica do pensamento de Alexandria
por mais de dois séculos, o que encontrou expressão no ensinamento perfeccionista de Clemente e de Orígenes.

A. Clemente de Alexandria
Tito Flávio Clemente nasceu no ano 150, provavelmente em Atenas. A seu íntimo conhecimento de
literatura e dos costumes gregos, Clemente unia um conhecimento igualmente profundo da Bíblia. Mondésert
escreve: “A Bíblia... se tornou para ele quase uma linguagem e uma maneira de pensar; e, o que é estranho,
podemos dizer quase o mesmo do impacto que fez sobre ele a filosofia grega, e sobre tudo, o platonismo”1.
Clemente escreveu três tratados sobre a perfeição cristã: O Pedagogo, A Exortação (Protrepticus) e
Strómatas. O primeiro aparece com o nome de “Cristo, O Educador”, em Os Pais da Igreja2. Strómatas não alega
ser um tratado terminado; como seu nome implica, é uma coleção de diversas idéias. Em O Pedagogo Clemente
escreve acerca da perfeição da experiência religiosa da qual todo crente desfruta em Cristo. Em A Exortação,
faz um convite comovedor aos gregos, a que reconheçam toda a verdade e a beleza louvada por seus poetas e
seus filósofos, (que agora está) no Novo Canto que é Cristo. Finalmente, em Strómatas, Clemente intenta
desenvolver a perfeição elevada que os cristãos gnósticos encontram em Cristo.

1. A Vida Perfeita
Clemente afirmava que crer em Cristo é experimentar uma perfeição inicial. Escreveu: “Quando nascemos
de novo, imediatamente recebemos a perfeição que anelamos, posto que (neste momento) fomos iluminados,
vamos ao conhecimento de Deus. Seguramente que quem tem conhecimento do Ser perfeito não é imperfeito”3.
Esta é a perfeição de qualquer experiência cristã genuína, o conhecimento de Deus, o qual é a vida eterna (I João
1:5).
O novo nascimento é também uma experiência ética. Clemente explica: “Pelo divino Espírito nós
desfazemos dos pecados que obscurecem nossos olhos como uma neblina, e permitimos que os olhos do espírito
seja livre, sem estorvos e iluminados. Somente mediante estes olhos vemos a Deus, quando o Espírito Santo
desce do céu sobre nós”4. Clemente insiste em que todos os que tenham nascido de Deus deve “tanto como
possam ser tão livres do pecado quanto lhes seja possível”. Acrescenta: “Não há nada mais importante para nós
que, em primeiro lugar, desfazermos do pecado e das debilidades, e logo desarraigar qualquer inclinação
pecaminosa crônica”5.
Clemente tem uma compreensão clara quanto a que Cristo primeiro tem que curarmos da enfermidade do
pecado, antes de que possa ensinarmos o caminho da perfeição superior.

Se uma pessoa está enferma, não pode aprender bem nada do que se a tem ensinado
sem que primeiro haja sarado completamente. A pessoa que esteja enferma lhe damos instruções
para uma razão inteiramente diferente da razão pela qual lhe instruímos a alguém que está
aprendendo; a esta última a instruímos para que adquira conhecimento, à primeira para que
recupere sua saúde. Assim como nosso corpo necessita um médico quando estamos enfermos,
63
assim também quando somos débeis, nossa alma necessita um Educador que cure seus males.
Somente então necessita do Mestre para que a guie, e para que desenvolva sua capacidade de
saber, quando haja sido purificado e capacitado de reter a revelação da palavra6.

Esta é a santificação da vida quotidiana. “Há muitos poucos dos escritores cristãos desta época, e o que é
mais, de qualquer época, que tenham visto com tanta claridade como Clemente que o dom da comunhão com
Deus traz consigo não só um reforço de virtudes celestiais, mas também uma transformação das tarefas do
quotidiano. Clemente está descrevendo como um ideal, a vida que pode ser vivida em Alexandria, em meio a uma
população alienada, negociante, amante dos prazeres e excitavel”7.
Clemente sabe que há um caminho cristão de vida, uma conduta benévola, semelhante à de Cristo, que
vem como um fruto natural da nova relação com Deus. Clemente descreve este novo estilo de vida, com riqueza
de detalhes, em O Pedagogo. Mas muito poucas vezes tem sido descrita a transformação da graça tão belamente,
como na seguinte famosa passagem:

Em sua natureza, como homem, estar em estreito companheirismo com Deus. assim
como não forçamos ao cavalo a arar, nem ao touro a perseguir, mas que guiamos a cada animal a
sua tarefa natural, pela mesma razão apelamos ao homem, que foi feito para que contemple o
céu, e quem é, na verdade, uma planta celestial, a que venha ao conhecimento de deus... Tens
encontrado a Deus? Tendes vida.8

2. O Gnóstico Cristão
Clemente postulava que a salvação é a inteira obra de Deus que inicia com a persuasão divina da graça
preveniente, se torna realidade no novo nascimento do Espírito, o qual por sua vez abre a porta para um
conhecimento mais elevado do amor perfeito, mesmo que Clemente designe com o nome gnoses; de aqui em
diante nos referiremos a ele como Gnose ou conhecimento.
É essencial que distingamos a Gnose de Clemente, da idéia equivalente, do gnosticismo pagão. Para este
último, Gnose é um conhecimento esotérico que é possível somente para uns quantos escolhidos que são por
natureza “os espirituais” (pneumatikoi). Para o gnóstico pagão “os perfeitos” são uns quantos predestinados; para
Clemente a verdadeira Gnose é uma possibilidade para todos os cristãos.
A verdade é que o Logos - o Verbo divino que se encarnou em Jesus - tem estado instruindo a todos os
homens no caminho do verdadeiro conhecimento e da vida. “nosso instrutor é o santo Deus, Jesus, o Verbo que é
o guia de toda a humanidade”.

Deus é a fonte de todo bem; seja diretamente, como no Antigo e no Novo Testamento, ou
indiretamente, como no caso da filosofia. Mas poderia ser que a filosofia tenha sido dada aos
gregos diretamente, pois foi “um aio”, para trazer o helenismo a Cristo, tal como a Lei o foi para os
hebreus. Assim que a filosofia foi uma preparação, que preparou o cominho para o homem que é
trazido à perfeição por Cristo.9

Por tanto, esta tarefa que o Verbo tem desempenhado, de instruir à humanidade, tem sido uma educação
progressiva. Assim também é na Igreja. “O Verbo, que é todo amor, e que anela aperfeiçoar em nós um caminho
que guie progressivamente à salvação, faz um uso efetivo de uma ordem bem adaptada a nosso
desenvolvimento; à princípio Ele persuade, logo educa, e depois de tudo isto, Ele ensina”10.
A “fé”, ou seja, essa confiança singela em Cristo, é suficiente para ser salvo; mas o homem que
acrescenta “conhecimento” à sua fé, tem uma posição mais elevada. Ele é o cristão verdadeiro o cristão gnóstico.

“Ao que tem lhe será dado”; à fé (se acrescentará) o conhecimento; o conhecimento,
amor; ao amor, a herança... Este conhecimento guia ao fim, o último fim que não tem fim, uma
vida de conformidade com Deus... Havendo sido liberados, os que tem sido aperfeiçoados
recebem sua recompensa. Tem terminado com sua purificação, tem terminado com o resto de seu
serviço, ainda que seja um serviço santo, como o santo; agora se tem tornado puros de coração, e
graças a sua estrita intimidade com o Senhor os espera uma restauração a uma contemplação
eterns.11

“A perfeição à que os crentes são chamados em Strómatas, se designa uma unificação cabal dos poderes
da alma. Inclui conhecimento, mas também os conceitos de amor, harmonia completa de propósito e de desejo. A
primeira classe de perfeição12 leva naturalmente à segunda, porque a segunda já tem sido dada, e está implícita
na primeira”13.
A Gnoses da qual Clemente fala não é um conhecimento meramente intelectual. “É uma classe de
perfeição do homem como homem, harmoniosa e uniforme consigo mesma e com o Verbo divino, e está completa
em dois aspectos, a disposição, e a maneira de viver e falar, pela ciência das coisas divinas, pois é pela intuição

64
que a fé é feita perfeita”14. Agora Clemente está pensando em Deus, não em termos platônicos, mas em termos
cristãos. A perfeição cristã em seus alcances mais elevados é comunhão com Deus e “conformidade ou
semelhança com Deus”. É pureza de coração, intimidade com Deus que é Amor.
Deus mesmo é amor, e devido a seu amor nos perseguiu... Em seu amor nos perseguiu o
Pai, e a grande prova disto é o Filho a quem Ele gerou de Si mesmo e o amor que foi o fruto
produzido de seu amor... E quando Ele se deu a Si mesmo em resgate, nos deixou um novo
Testamento. “Dou-lhes o meu amor” (leia-se João 13:34). Qual é a natureza e alcance deste
amor? Por cada um de nós Ele pôs sua vida, a vida que valia todo o universo, e Ele requer que em
troca nós façamos o mesmo uns pelos outros.15

A conseqüência disto é que a Gnoses que o cristão busca envolve não somente o conhecimento e o amor
de Deus mas a perfeição ética. A declaração final acerca da Gnoses no sétimo livro de Strómatas mostra
conclusivamente que Clemente está inteiramente de acordo com Paulo quanto a considerar o amor como a meta
da vida cristã. Clemente reforça o desinteresse do amor perfeito, o qual é servir a Deus motivado por pura
devoção à bondade divina e a fazer bem, não para ser visto pelos homens, mas para refletir a imagem e a
semelhança do Senhor. O que manifesta misericórdia não deve saber que está manifestando misericórdia! “Tal
misericórdia será um costume (éxis), uma disposição (diáthesis), e esta liberdade bela da autoconsciência é o
ideal da alma”16.
Esta perfeição não é algo que o homem logre; é a obra do Verbo em sua função de Mestre, um dom de
Deus ao cristão que tem aprendido a orar sem cessar. A perfeição é a obra de Cristo, o Verbo que mora no
coração.

Se a oração é assim uma ocasião para tem comunhão com Deus, nenhuma ocasião para
que nos acheguemos a Deus deve ser menosprezada. Certamente, a santidade do gnóstico,
estando ligada com a Providência divina mediante a beneficência de Deus na perfeição, posto que
a santidade do gnóstico é, por assim dizer, a verificação da Providência sobre si, e um sentimento
recíproco de lealdade como o é entre os amigos.17

Esta frase expressa claramente a verdade final de que todas as coisas são de Deus na vida do crente que está
sendo aperfeiçoado. O cristão “perfeito” reconhece que uma Providência benfeitora está modelando seu destino e
transformando-o à semelhança de Cristo (veja Rm 8:28-29).
Ao captar algo da visão que Clemente teve da perfeição podemos entender por que Alexander Knox pode
escrever o seguinte acerca de John Wesley: “O realizar em si mesmo o cristão perfeito de Clemente de Alexandria
foi o propósito de seu coração”.

B. Orígines
O discípulo mais célebre de Clemente, e seu sucessor à cabeça na escola para catecúmenos em
Alexandria, foi o renomado Orígenes (185-285). Como Clemente, havia sido um estudante ávido, tanto das
Escrituras cristãs como da filosofia grega, desde a infância. Jerônimo, disse que Orígenes escreveu seis mil livros!
Ainda se cortarmos o número drasticamente, foi um dos escritores mais produtivos do mundo antigo. Foi um crítico
e exegeta bíblico, e escreveu a primeira obra sistemática de teologia cristã.
Igualmente a Clemente, Orígenes traçou uma distinção bem marcante entre “fé” e “conhecimento”, mas as
os interpretou diferentemente de como o fez seu mestre. Orígenes cria que a fé é a aceitação das doutrinas e o
conhecimento cristãos essenciais, a demonstração de ambos. A fé salva, mas o conhecimento aperfeiçoa.
Orígenes baseou sua doutrina da Gnoses em que Paulo escreveu no capítulo 12 de I Coríntios:

Ademais deveria saber-se que os santos Apóstolos, ao pregar a fé de Cristo, falaram com
suma claridade sobre certos assuntos que eles consideravam necessários para todos os crentes,
e até para aqueles que parecem ser lentos em sua investigação da ciência divina; mas (os
Apóstolos) deixaram que a razão de suas declarações fosse inquirida por aqueles que tem
recebido os dons excelentes do Espírito, particularmente os dons de língua, a sabedoria e o
conhecimento.18

Aceitar as crenças cristãs é ser salvo; seguir adiante a um conhecimento da verdade adicional deduzida
destas crenças e da Escritura é ter Gnoses e alcançar a perfeição.
Para subir ao cume da perfeição cristã deve dar-se as costas para o mundo visível como às emoções da
humanidade. Quando alguém entra na câmara secreta da sabedoria e do conhecimento, ferra a porta a tudo
aquilo que é recebido pelos sentidos. O cristão “perfeito” é aquele que, como Moisés, tem subido acima de todas
as coisas criadas.19
Para os que queriam seguir a perfeição, o primeiro conselho de Orígenes era: “Conhece-te a ti mesmo”.
Isto significa reconhecer que o corpo mesmo, com seus desejos e emoções, deve ser vencidos. O cristão está

65
travado em um combate sem trégua com o corpo que o estorva, conforme ele vai atrás do conhecimento de Deus
e Gnoses espiritual perfeita. Portanto deve empregar as armas do ascetismo se desejar ganhar a vitória sobre o
seu ser inferior. “A frase de Paulo, ‘golpeio o meu corpo’, é interpretar neste sentido. As palavras de Jesus, ‘se não
vos torneis ... como crianças’, se interpretam como que significando a mortificação das concupiscências da
humanidade, posto que a criança todavia não tem experimentado o prazer sexual”20.
Comentando acerca da narração que Mateus faz da Transfiguração, Orígenes interpreta a frase “seis dias
depois” (Mt 17:1) como que significando o passar mais além das coisas criadas, posto que o mundo foi criado em
seis dias. Se alguém se considera digno de contemplar a Transfiguração, deve passar mais além dos seis dias, e
já não contemplar as coisas do mundo. Então essa pessoa observará um novo sábado e se regozijará na alta
montanha de Deus.21
A escada da perfeição se sobe gradualmente. O cristão não sabe de nenhuma separação súbita do
pecado. A conversão é só um retorno da vontade à vontade de Deus. a salvação do pecado principia com o
batismo, ocasião em a pessoa cessa de ser pecador. O cristão batizado já não é um servo do pecado; peca, mas
não é um pecador22. Com a ajuda de Deus gradualmente conquista seus pecados e faz progressos específicos até
a conquista do mal moral.23
A todos os que negam a possibilidade de alcançar a perfeição moral, Orígenes contesta dizendo:

A natureza humana, pelo exercício da vontade, tem adquirido a capacidade de caminhar


sobre um trapézio suspenso muito alto em um circo... e tem conseguido esta capacidade por meio
da prática e da aplicação: Temos de supor que é impossível para a natureza humana o viver
virtuosamente, se isto é o que quer, mesmo que anteriormente tenha se arruinado muito? Um
homem que tal coisa diga seguramente está trazendo uma acusação contra o caráter do Criador
do ser racional, mais do que contra a criatura. Pois está sugerindo que o Criador tem feito a
natureza humana competente para obter coisas difíceis mas inúteis, e ao mesmo tempo
incompetente para obter sua própria beatitude.24

Ainda que o alcançar esta perfeição não é possível sem a ajuda concomitante da graça de Deus, o
esquema anterior é essencialmente humanista. O homem toma a iniciativa, e Deus o ajuda. “A vontade do homem
não é suficiente para atingir o fim (da salvação), nem tão pouco é a carreira dos atletas metafóricos suficiente para
alcançar ‘o prêmio da suprema vocação de Deus em Jesus Cristo’. este é somente alcançado pela ajuda de
Deus... Nossa perfeição não vem meramente como resultado de nós permanecermos intactos, mas não é
alcançada por nossa atividade; Deus tem a maior parte em que se torna realidade”25.
É inteiramente claro que Orígenes intenta atribuir a perfeição à graça de Deus: “No que diz a respeito à
nossa salvação, ‘a vontade e a atividade vem de Deus’”26. Mas ao explicar como tal coisa é certa, Orígenes deixa
manifesto que nunca compreendeu a doutrina neotestamentaria da graça, ou seja, que em nossa salvação a
iniciativa é inteiramente de Deus. a doutrina de Orígenes é uma doutrina de “livre arbítrio”, mais do que “graça
gratuita”. Ainda que o homem caído é obstruído pelo pecado, “a natureza humana mediante o exercício de sua
vontade... é competente para obter ou alcançar a verdadeira beatitude”. Tudo que é necessário é a ajuda de Deus.
a iniciativa não é de Deus mas do homem. É uma compreensão antropocêntrica da salvação, mais que
teocêntrica.
Por tanto, no ensinamento de Orígenes, a doutrina da perfeição cristã dá um “passo fatal”27, ao aceitar as
pressuposições da filosofia grega em vez das premissas bíblicas.
(1) Orígenes não considera que a fé é uma confiança pessoal, mas um assentimento mental à verdade.
Inevitavelmente a salvação se torna um resultado do esforço humano. A Gnoses que o cristão perfeito recebe é
intelectual mais que espiritual.
(2) A evolução negativa do corpo humano é platônica e não bíblica; por tanto, a perfeição vem mediante a
vitória sobre o corpo. Inevitavelmente, o pecado chega a ser entendido em função do desejo sexual. Pela caída de
Adão, nosso corpo é “o corpo do pecado”. É mediante o ato sexual mesmo que o pecado é propagado, mediante a
semente do homem. Cristo, por tanto, não teve “corpo de pecado” por quanto Ele “não foi concebido mediante a
semente de um homem”28. “Por tanto, cada homem é contaminado pelo pai e mãe, e somente Jesus meu Senhor
veio a nascer sem mancha”. Esta doutrina chegou a seu apogeu no pensamento de Agostinho, como veremos,
pois este teólogo identificou quase completamente o pecado original com a concupiscência, se bem que não está
limitada ao desejo sexual, é mais vividamente compreendida assim.
(3) A perfeição se torna a ascensão mística da alma pela “escada sagrada”. Não é o dom do agape de
Deus para o homem, recebido por fé, mediante a graça; é a expressão de eros, o cumprimento do amor do
homem para Deus, e por tanto, o atinge, ou o que tem atingido o homem, com a ajuda da graça divina. Ainda que
Orígenes se refira ao Espírito Santo como nosso Santificador, na passagem de sua obra De Principiis, onde faz tal
alusão, não relaciona a santificação do Espírito à obra redentora de Cristo. “A verdade é que houve uma confusão
na mente de Orígenes em quanto a todo o assunto da salvação no que tocava à obra do Espírito Santo”30. Essa
confusão o guia a sacrificar o ensinamento neotestamentário de que nossa salvação é, do princípio ao fim, inteira
e somente, pela graça de Deus.

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(4) Finalmente, Orígenes abriu a porta monástica com sua idéia da perfeição mediante o ascetismo, e a
idéia conseqüente de uma dupla norma para a vida cristã. Havendo interpretado as palavras de Jesus em Mateus
19:12 como um conselho para a perfeição. Orígenes se fez castrar a fim de tornar-se um dos que se haviam feito
“eunuco por causa do Reino dos Céus”! Pareciam ser os tempos ideais para que os que queriam ser “perfeitos”
fugissem do mundo e “mortificassem” seus corpos. Posto que a pessoa comum, que tinha que ficar no mundo da
vida quotidiana, não podia fazer caso do conselho da perfeição, foram deixados a lutar durante uma vida de
imperfeição e pecado. “Provavelmente o aspecto mais indesejáveis deste ideal duplo havia sido que tendeu a
desalentar os esforços do cristão comum”.31

67
Capítulo 5 - Perfeição Monástica

Em tempos apostólicos, indubitavelmente a Igreja se concebia como que formada exclusivamente por
cristãos nascidos de novo. Havia na Igreja alguns que necessitavam de disciplina, tal como sai à luz ao ler as
cartas do Novo Testamento, mas o ideal da Igreja era “que não tivesse mancha, nem ruga nem coisa semelhante”.
Mas o crescimento do cristianismo através do Império diluiu este conceito de uma Igreja santa. Quando o
terceiro século chegou às suas últimas décadas já havia muitas pessoas na Igreja cujos pais, ou seus ancestrais
mais remotos, haviam experimentado da graça salvadora, mas que agora meramente assistiam aos cultos
públicos, e eram nada mais que cristãos nominais.
Durante os séculos três e quatro a Igreja cresceu rapidamente e com a mesma rapidez se tornou
mundana. Conforme a prática cristã se foi tornando cada vez menos severa, na mente dos crentes sérios o
ascetismo foi ganhando lugar. O Didakhé, um dos mais antigos textos de literatura cristã, redigido ao redor da
primeira metade do secundo século exortava a seus leitores com estas palavras: “Se tu fores capaz de levar todo
o jugo do Senhor, serás perfeito; mas se não fores capaz, faça o que puder fazer”.
A tendência de fazer uma separação entre a vida cristã superior, e a inferior recebeu considerável ímpeto
por uma distinção traçada claramente por Tertuliano e Orígenes, entre o “conselho” e os “requisitos” do
Evangelho. Se bem que os requisitos eram obrigações, todos os cristãos estavam obrigados a cumprir os
requisitos, o conselho era somente para aqueles que verdadeiramente queriam ser santos.
Cristo disse ao jovem rico: “"Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um
tesouro no céu"1. O Senhor também declarou que havia “eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa
do reino dos céus”2, e que “na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento”3. Paulo escreveu: "E aos
solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo”4. Estas
declarações da Bíblia foram aceitas literalmente por todos aqueles que anelavam a verdadeira santidade; embora,
é obvio que a pobreza voluntária e o celibato se consideravam conselhos que a maioria dos cristãos não podiam
acatar. Como veremos, estas passagens se tornaram os alicerces, as pedras sobre as quais se levantaram o
monaticismo e o ascetismo cristão.
A conversão de Constantino e o reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Império abriram
as portas da Igreja a grande número de membros pagãos, e estes, por sua vez produziu uma excessiva
valorização da vida ascética, por parte dos cristão sérios. Quando terminou a época dos martírios, a vida ascética
caiu como a conquista mais elevada que podia aspirar um cristão. O mundo estava cheio com espetáculos e
costumes que ofendiam a consciência cristã, o qual parecia ser que o correto era fugir de tudo. Ademais, a
maneira de pensar da antigüidade favorecia a prática da contemplação por sobre a vida ativa. Mas o que foi ainda
de maior importância foi que o formalismo do culto público, que se desenvolveu desde os últimos anos do terceiro
século, produziu um desejo de uma maneira mais livre e individual pela qual o cristão poderia se aproximar de
Deus.
Estas parecem ter sido as poderosas forças que deram nascimento ao movimento monástico. No coração
do monasticismo estaca o anelo de recobrar a pureza e o poder perdidos da fé cristã, e de dar-lhe atenção séria e
suma ao chamado de Cristo à perfeição. O doutor R. Newman Flew declara que “o monasticismo é o esforço
organizado mais audaz para alcançar a perfeição cristã ao longo de toda a história da Igreja”5.

A. Princípios do Monsticismo
Antônio (Abad), o pai do monasticismo, nasceu em Coma, aldeia do Alto Egito. Conta Anastácio que
Antônio ia a caminho da Igreja, e se sentiu afligido por sua própria indignidade, em comparação aos Apóstolos,
que haviam deixado tudo para seguir a Cristo. Resultou que a porção do Evangelho que foi lida nesse dia incluía a
exortação do Senhor Jesus ao jovem rico: “Se queres ser perfeito...!” A hora de Antônio havia chegado. Vendeu
tudo o que tinha e comprou sua liberdade “das cadeias do mundo”. Isso sucedeu ao redor do ano 270. A princípio
Antônio adotou a vida ascética em sua própria aldeia, mas quinze anos depois se retirou para viver em solidão,
como monge. “Confirmou seu propósito de não retornar à casa de seus pais, nem a ser lembrado por seus
familiares; mas a conservar e usar todas suas energias e todo seu desejo para aperfeiçoar sua disciplina”6.
Indubitavelmente o solo do monasticismo foi preparado por muitos movimentos ideológicos, tais como o
arrazoado de que a vida física é intrinsicamente má, o ideal da vida de contemplação como algo superior à vida de
ação, e o anelo neoplatônico da visão beatífica, mas a semente mesmo do monasticismo é facilmente dicernível.
E “foi semeado pelos que estavam sumamente atarefados no horto da Igreja”.
A meta de Antônio era alcançar a perfeição. Ele se propôs adquirir as virtudes que havia observado em
outros, e, mediante uma vida constante de oração alcançar a verdadeira comunhão com Deus. ao ler os outros
documentos produzidos nessa primeira etapa do monasticismo encontra-se exatamente a mesma busaca da
perfeição. Os grandes líderes do movimento monástico - Pacomio, Basilio, Benedito e Francisco de Assis, que
veio muito tempo depois - ouviram o mesmo chamado à perfeição.

B. Os Ideais Monásticos

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O monge cristão vivia de acordo com duas únicas realidades: Deus e sua própria alma, sua própria alma e
Deus. O monasticismo era a religião da alma solitária com seu Deus.
Um dos textos básicos de Antônio era: “O Reino de Deus está entre vós”. Outros escritores ampliaram a
idéia, dizendo que a meta da vida espiritual é o Reino de Deus, o que significa pureza de coração. Para chegar a
ser perfeito deve-se renunciar ao mundo, combater contra a carne, e travar combate contra o pecado até a morte;
mas o extremo da perfeição é a oração, a oração sem cessar.
Mas se bem que a vida de contemplação e da comunhão se tornou o ideal do monasticismo, muitos de
seus seguidores viram que a vida solitária fazia possível que o monge desenvolvesse ao mesmo tempo uma vida
de serviço ao seu próximo. Basílio foi um passo mais à frente, ao opor-se à idéia da vida solitária como se fosse
um fim desejável em si mesma:

A forma do amor de Cristo não permite que cada um de nós busque somente o seu
próprio bem, posto que lemos que “o amor não procura os seus interesses”. Agora a vida tem um
só propósito: satisfazer as necessidades de quem vive tal tipo de vida. Mas tal coisa está em obvio
conflito com a lei do amor, que o Apostolo cumpriu quando buscou, não seu próprio bem estar,
mas o de muitos, para que possam ser salvos.7

Em oposição a Basílio (350-435), Cassiano advogou pela superioridade da vida solitária. Com o trabalho
de Tomas de Aquino (1225-1274), o conceito de vida solitária finalmente triunfou como o valor superior e se tornou
dominante na Igreja Católica Romana. Mas Crisóstomo e o célebre Jerônimo (340-420), na Igreja oriental,
seguiram o exemplo de Basílio.
Outra marca do ideal monástico é a cruz. O monge tomava sua cruz para seguir a Jesus. A atitude de
Basílio até a renuncia envolvendo a tomada da cruz é típica. Depois de citar Mateus 17:24 e Lucas 14:33 e 26,
Basílio escreve:

De acordo com isto, a renuncia perfeita consiste em que um homem alcance a


impassibilidade no que toca à vida quotidiana, e em ter “a sentença de morte”, ao ponto de que
não ponha sua confiança em si mesmo. Se bem que o princípio disto consiste na separação das
coisas externas, tais como as possessões, a vangloria, os costumes comuns da vida, ou apego às
coisas inúteis... de modo que todo aquele que esteja dominado pelo desejo veemente de seguir a
Cristo já não pode estar interessado em ter muito a ver com esta vida.

Mas Basílio oferece uma correção e ensina claramente que a meta final da renuncia é conhecer e ganhar
a Cristo. cita, dando evidencia de que as compreende, as palavras de Paulo: “Por amor do qual perdi todas as
coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo”. Basílio comenta: “O mais grandioso de tudo é que a
renuncia é o principio para que nosso ser chegue a ser como Cristo”. A meta é “esse amor até Deus que alcança
ambas as coisas, estimular-nos para cumprir os mandamentos de Deus, e por sua vez é preservado por eles
permanente e seguramente”8.
A demonstração mais convincente do desejo de entrar em comunhão com o Cristo crucificado é o
sentimento que de desprende das seções finais da Moralía:

Qual é o sinal do um cristão? O ser purificado do toda a contaminação de carne e de


espírito, no sangue de Cristo...
Qual é o sinal dos que comem o pão e bebem a cálice do Senhor? Conservar em perpétua
memória a quem morreu por nós e ascendeu outra vez.
Qual é o sinal dos que conservam tal recordação? Que já não vivem para si mesmos, mas
para Aquele que morreu por eles e ascendeu outra vez.
Qual é o sinal de um cristão? Que sua justiça deve abundar em tudo, mais que a dos
escribas e fariseus, de acordo com a medida do ensinamento do Senhor nos Evangelhos.
Qual é o sinal de um cristão? Amar uns aos outros, assim como Cristo nos amou.
Qual é o sinal de um cristão? Ver ao Senhor sempre diante dele.
Qual é o sinal de um cristão? Velar coda noite e cada dia na perfeição de agradar a Deus
para estar prontos, sabendo que o Senhor vem na hora em que ninguém espera.9

Não pode haver duvida alguma de que Basílio cria que nesta vida o coração pode ser purificado do
pecado, e os mandamentos do amor observados10. W. K. Lowther Clarke escreve o seguinte referindo-se a Basílio:
“Crê intensamente na santificação. No Espírito e pelo Espírito, o cristão que vive nas condições favoráveis de um
monastério pode evitar o pecado”.
Nas regras de Basílio e de Benedito o ideal da perfeição foi socializado. É injusto julgar o monasticismo
por umas quantas expressões individuais extremistas, ou pensar nele somente em função das formas
degeneradas às que os reformadores protestantes se opuseram tão intensamente.

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Não devemos esquecer que os beneditinos se converteram nos missionários da Europa. Nas formas mais
maduras do monastério, a missão ideal dos monges foi idêntica ao do remanescente do Antigo Testamento:
ajudar a Igreja em sua tarefa de purificar-se a si mesma e de evangelizar o mundo. Paul Tillich tem observado
muito atentamente: “O monasticismo representa uma negação a prova de claudicação do mundo, mas esta
negação não foi de natureza quita. Foi uma negação associada com atividade dirigida até a transformação do
mundo, no trabalho, a ciência, outras formas de cultura, arquitetura eclesiástica, poesia e música. Foi um
fenômeno muito interessante, e tem muito pouco a ver com o monasticismo deteriorado contra a qual combateram
os reformadores e os humanistas. Por um lado foi um movimento radical de renuncia ou separação do mundo;
mas, por outro lado, não caiu meramente em uma forma mística de ascetismo; se dedicou à transformação da
realidade”.11

C. Macário, O Egípcio
Nas Homilias de Macario, o egípcio12 “a doutrina da meta da vida cristã pode ser aceita como
representativa do monasticismo”13. É surpreendente que Macario seja tão pouco conhecido, mas suas homilias
tem tido influência na história da perfeição cristã. Willian Law admirou essa obra de grande maneira, e John
Wesley publicou extratos delas no primeiro volume de sua “Biblioteca Cristã”, que foi uma série de livros
desenhados para que os primeiros metodistas se nutrissem com os melhores produtos dos santos. Wesley faz a
seguinte anotação em seu Diário durante um tempestade cruzando o mar: “Li Macario e cantei”.
Macario ensinou que na sua perfeição original, o homem estava vestido com a glória de Deus como se
fosse uma túnica. O pecado o havia feito perder esta glória, mas agora era restaurada aos santos. No último dia
esta glória os cobrirá, por assim dizer os vestirá, e os transportará aos céus.
É a Encarnação o que dá a Macario a base se sua confiança. Posto que Deus tem vindo a nós em Cristo,
não há região do progresso da alma que não encontre em Cristo.

A alma tem sido chamada o templo e a habitação de Deus, pois as Escrituras declara:
Habitarei neles e caminharei neles. Assim agradou a Deus, posto que Ele desceu dos santos céus
e abraçou tua natureza racional, a carne, a que é da terra, e a mesclou com Seu Espírito divino, a
fim de que tu, o terreno, pudesse receber a alma celestial. E quando tua alma tem comunhão com
o Espírito e a alma celestial entra em tua alma, então tu serás um homem perfeito em Deus, e um
herdeiro, e um filho.14

Macario foi um místico, mas, usando a frase de Buber, a comunhão de que ele fala é sempre uma
comunhão de “Eu e Tu”. Ele nunca foi além da linguagem de Paulo aos Gálatas 2:20, para descrever a união da
alma com Deus. No puro coração de seu misticismo estava a Jesus crucificado. “O meramente abster-se do mal
não é a perfeição”, enfatiza Macario, e acrescenta: “a pureza de coração não pode ser ganha de nenhuma outra
forma que não através d’Aquele que foi crucificado”.
Usando palavras muito parecidas com às de Paulo em II Coríntios 3:18, Macario escreve que a vida cristã
é uma contemplação ampla de Cristo, quem imprime sua própria imagem no coração de quem assim o contempla.

Assim como um pintor põe seus olhos no rosto do rei e logo pinta, e quando o rei torna
seu rosto até ele, o pintor pode pintar facilmente e bem... de igual maneira Cristo, o bom artista,
para aqueles que crêem n’Ele e que o contemplam fixamente, imediatamente pinta à semelhança
de sua própria imagem um homem celestial... Por tanto nós devemos contempla-lo, crendo e
amando-o, pondo de lado todas as coisas, e dando a Ele nossa atenção, a fim de que Ele possa
pintar sua própria imagem celestial e envia-la a nossas almas, e assim, ao estar vestidos de
Cristo, possamos receber a vida eterna, e ainda aqui possamos ter completa certeza e gozar de
descanso.15

D. Gregório de Nisa
No tempo de Wesley geralmente se aceitava que as homilias de Macario eram efetivamente o trabalho de
“Macario, o egípcio”. As recentes investigações eruditas tem estabelecido um elo significativo entre os escritos de
Macario e Gregório de Nissa. Werner Laeger tem demonstrado que o autor do que se tem chamado as Homilias
de Macario não foi um “padre egípcio do deserto”, do século IV, mas um monge sirio do século V, que havia
derivado sua interpretação da vida cristã quase que exclusivamente de Gregório de Nissa! De modo que nos
escritos que John Wesley leu, crendo que representava o pensamento de “Macario, o egípcio”, ele realmente
estava em contato com Gregório de Nissa, “o maior de todos os mestres do ramo oriental da Igreja, no que toca à
busca da perfeição”16.
Gregório de fato escreveu dois tratados sobre ele, intitulados, “O que Significa que Alguém se Chame
Cristão”, e “Sobre a Perfeição”. Para Gregório, Cristo é o Protótipo da vida cristã, e o subtítulo de seu segundo
tratado é “Sobre o que É Necessário para que alguém Seja Cristão”. Virgínia Callahan pensa que um título melhor
70
para o tratado deveria ser: “Cristo, o Modelo da Perfeição”, posto que a parte central do mesmo consiste de uma
análise detalhada de trinta referencias, mais ou menos, de Paulo a Cristo; Gregório “cria que Paulo sabia mais que
qualquer outra pessoa quem é Cristo verdadeiramente, conhecimento que o levou a transformar sua própria alma
em imitação de Cristo”17.
Entre as passagens paulinas que Gregório considerava significativas para o cristão na busca da perfeição
estão os que declaram que Cristo é o “poder de Deus, e sabedoria de Deus” (I Co 1:24), “paz” (Ef 2:14), “luz
inacessível” na qual Deus mora (I Tm 6:16), “santificação e redenção” (I Co 1:30), “o resplendor da glória e a
expressão exata do seu Ser” (Hb 1:3), “alimento espiritual” (I Co 10:3), e “a mesma bebida espiritual... a rocha
espiritual” (I Co 10:4), “a cabeça do corpo que é a Igreja” (Cl 1:18), “o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15), “o
primogênito de muitos irmãos” (Rm 8:29), “o primogênito dentre os mortos” (Cl 1:18), “mediador entre Deus e os
homens” (I Tm 2:5), “unigênito Filho de Deus” (Jo 3:18), e “Senhor da glória” (I Co 2:8).
A tese de Gregório é: “É necessário... que os que se aplicam a si mesmo o nome de Cristo, em primeiro
lugar tornam-se no que o nome implica, e logo, que se adaptem a este título”19. As características que não
podemos imitar as adoramos e lhes prestamos reverência. “Por tanto, é necessário que a vida cristã ilustre todos
os termos interpretativos que significam a Cristo, alguns por meio da imitação, outros pela adoração, se é que ‘o
homem de Deus há de ser perfeito’, como disse o Apostolo”20.
No desenvolvimento de seu tema Gregório faz a advertência, não seja que o cristão siga sendo uma
pessoa “de ânimo dobre, um centauro que combina razão e paixão”, e esgrime a pergunta de Paulo, “que
comunicação tem a luz com as trevas?” como um argumento de que a pessoa que tenha ambos elementos
opostos em si mesma se tornará sua própria inimiga, “e estará dividida em dois, entre a virtude e o mal”, e por
tanto “terá uma linha de antagonismo de um extremo ao outro de sua pessoa”21. Gregório se refere várias vezes a
esta “guerra civil” que somente pode ser resolvida mediante “a morte de meu inimigo”, ou seja, o pecado que
permanece.22
Referindo-se a Cristo como “o poder de Deus e a sabedoria de Deus”, Gregório observa que uma pessoa
que ora, guarda a si mesma e fixa seu olhar em Cristo (“que é poder”), e “é ‘fortalecida com poder no homem
interior’, como escreve o Apostolo, e a pessoa que invoca a sabedoria que o Senhor é... se torna sábia”23.
Cristo se torna “nossa paz” não só quando nos reconcilia “com aqueles que lutam contra nós
exteriormente, mas também quando reconcilia os elementos que chocam entre si mesma dentro de mós, a fim de
que ‘a carne já não luta contra o Espírito... nem o Espírito contra a carne’”24. “Posto que a definição de paz é a
harmonia entre partes discordantes, uma vez que a guerra civil de nossa natureza foi expulsa, então nos tornemos
paz, e revelamos o fato de que tomamos o nome de Cristo como algo veraz e autêntico”25.
“Conhecendo a Cristo como ‘a luz verdadeira’, é necessário que nossas vidas também sejam iluminadas
pelos raios do... ‘Sol da justiça’, que refulge para iluminarmos”. “E se reconhecemos a Cristo como nossa
‘santificação’, demonstremos com nossa vida que nós mesmos estamos firmes... com o poder de sua
santificação”.26
Expressões como estas são típicas do ensinamento de Gregório sobre a perfeição. Para ele, a vida santa
é uma vida na qual a carne “que é hostil a Deus e que não se sujeita à lei de Deus”, foi mortificada na
consagração de “um sacrifício vivo, santo, agradável a Deus”, e que a mente foi transformada, “para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”27. Assim que a vida perfeita é “viver na
carne, mas não ‘de acordo com a carne’”.
Ainda que o tema de Gregório é o da imitação de Cristo, ele vê também muito claramente a verdade mais
profunda da participação em Cristo. Tal compreensão é obvia em sua exposição de Cristo como a Cabeça do
corpo (no que “as diversas partes” vivem “mediante sua comunhão com a cabeça”), assim como no
desenvolvimento que Gregório faz de Cristo como o Primogênito de toda a criatura ( que “tem formado nossa
vida”). Em conexão com esta última imagem, Gregório nos lembra que os que tem sido “renascidos ‘por água e o
Espírito’” e por tanto “nos tem tornados irmãos do Senhor”, temos de refletir a nosso Irmão maior em nossa vida
diária. Escreve: “Mas, que temos aprendido das Escrituras quanto ao que é o caráter de sua vida? o que temos
dito muitas vezes, e é, que ‘nunca fiz maldade, não houve engano em sua boca’. Por tanto, se vamos a portarmos
como irmãos d’Aquele que nos deu vida, a vitória sobre todo o pecado em nossa vida8 será uma evidência de
nossa relação com Ele”29.
Finalmente, Gregório comenta sobre a figura de Cristo como a Rocha espiritual:

Bebendo d’Ele, como de um manancial puro e sem contaminação, uma pessoa


manifestará em seu pensamento tal semelhança a seu Protótipo como o que existe entre a água
que corre no riacho e a água que é tirada do riacho e que agora enche o cântaro. Pois a pureza
em Cristo e a pureza que se observa na pessoa que tem parte n’Ele são a mesma; uma está na
fonte, e a outra tem saído dele”.30

“Esta é, por tanto, a perfeição na vida cristã... a participação da alma, a maneira de falar e de ser de um,
em todos os nomes com que se faz referencia a Cristo, de modo que a santidade perfeita, de acordo com o

8 Sinlessness of our life, literalmente, vidas nas quais não há pecado (N.T.).
71
discurso de Paulo, é algo que um toma sobre si mesmo ‘em todo (o) ser, espírito, alma e corpo’, protegendo-se
continuamente de misturar-se com o mal”.31
A vida cristã que está sendo aperfeiçoada é essa vida na qual o cristão está (continuamente) mudando
“glória por glória, fazendo-se maior mediante um crescimento diário, continuamente aperfeiçoando-se a si mesma,
e sem jamais chegar com demasiada rapidez ao limite da perfeição. Pois esta é verdadeiramente a perfeição, o
jamais deixar de crescer até o que é melhor, e jamais por limite algum à perfeição”32
Seja que isto derivou de “Macario, o egípcio”, ou de Gregório de Nissa, esta á a visão da perfeição que
incendiou a imaginação de John Wesley, e que encontrou uma expressão nova e vigorosa no pensamento e
ensinamento do reformador inglês.

72
Capítulo 6 - Santo Agostinho

Algumas pessoas tem colocado em dúvida que Agostinho seja incluído entre os campeões da perfeição
cristã. O certo é que seu nome aparece entre os amigos e inimigos desta verdade.
H. Orton Wiley inclui a Agostinho entre as testemunhas da doutrina. Como evidencia ele cita a declaração
de Agostinho de que “ninguém deve atrever a dizer que Deus não pode destruir o pecado original nos membros, e
estar Ele mesmo presente na alma de maneira que, estando a velha natureza abolida inteiramente, a vida possa
ser vivida aqui em baixo como uma contemplação eterna de Quem esta em cima”1. E no terceiro centenário de
Francisco de Sales, o papa Pio XI declarou em uma encíclica sobre santidade: “Santo Agostinho define o assunto
claramente quando postula: ‘Deus não nos manda o impossível, mas por outro lado, ao dar o mandamento Ele
nos admoesta a alcançar o que alcançar de acordo com a nossa força, e a pedir ajuda para alcançar qualquer
coisa que esteja além de nossa força’”2.
Por outro lado, Agostinho também escreve o seguinte, em sua obra intitulada Retratações: “Ninguém
nesta vida deve ser tão privilegiado... como para que não haja em seus membros uma lei que luta contra a lei de
sua mente”3. Ele inclui até os Apóstolos neste juízo. Somente Jesus e sua mãe, afirma Agostinho, erma sem
pecado4.
A que se deve esta ambivalência? Em primeiro lugar, a tensão do conflito de Agostinho com Pelágio, que
rechaçava a idéia do pecado original, levou ao primeiro a negar a possibilidade de ser impecável, ou sem pecado,
nesta vida. sob a pressão deste debate Agostinho desenvolveu uma posição extrema ou de extremo, que
contradizia seus postulados declarados em todo o resto de sua produção.
Todavia há uma razão mais profunda de sua confusão. A doutrina cabalmente desenvolvida sobre o
pecado original, de Agostinho, se bem que tenha obviamente suas raízes nas Escrituras, também exibe evidência
inequívoca da influência grega que falsearam o ensinamento bíblico. O resultado é uma doutrina na qual duas
idéias inteiramente diferentes de pecado se mesclam e se confundem.
Agostinho pensava que a queda introduziu a luxuria ou concupiscência, a que ele descreveu mais
vividamente como o desejo sexual. Se o que Tiago chama “concupiscência” (Tg 1:14-15) é o pecado original, ou a
depravação, então, obviamente, a inteira santificação é uma ilusão.
Mas o que nós declaramos é que tal compreensão de pecado original traz à tona uma tendência helenista
de pensar no corpo físico como algo pecaminoso por si, o que é uma idéia que as Escrituras desconhecem.
Destas premissas tem-se que aceitar que a tentação já implica pecado. Qualquer doutrina da salvação que ligue o
pecado tão intimamente aso desejos do corpo terá que dar a mão a Agostinho, e duvidar da possibilidade de
alcançar a santidade antes da morte.
Por tanto nós vemos a importância de Agostinho em um estudo da perfeição cristã. Os temas suscitados
por sua teologia todavia obscurecem a doutrina da salvação. A doutrina da salvação. A doutrina agostiniana do
pecado original deixou como herança à Igreja da chamada “teoria das duas naturezas”, que é o ensinamento de
que pela graça recebemos uma nova natureza que é santa e justa, e que é uma adição à velha natureza, que
permanece. Por tanto o crente que nasceu de novo tem duas naturezas, uma natureza nova e livre do pecado, e
uma natureza velha e corrupta. Estas duas naturezas existem lado a lado, até a morte do crente. Por tanto a
santificação é somente um processo gradual, que espera a morte para dar-se por terminado ou completo.
Até que este problema seja ou é resolvido, é impossível ter uma doutrina bíblica da perfeição. Ninguém
que queira pensar seriamente sobre o tema pode fazer, por um lado, as perguntas que Agostinho nos faz
mediante seu conceito de pecado original

A. O Lugar de Agostinho na Igreja


Não obstante, seria um tratamento completamente injusto de Agostinho o limitar nessa avaliação de sua
teologia a estes aspectos negativos de seus ensinamento acerca do pecado original. Pelo menos em dois
aspectos, como santo e como teólogo, Agostinho marcha na linha de Paulo, Lutero, Calvino e Wesley. Uma
grande parte de sua influência se deve precisamente à sua piedade mística.
O amor de Agostinho por Deus palpita em todos seus escritos, mas é um sua excepcional obra, as
Confissões, onde esse amor atinge sua expressão mais cabal. Nenhuma outra autobiografia espiritual desse
calibre foi escrita na Igreja cristã da antigüidade, e todavia segue sendo provavelmente a obra clássica superior da
experiência cristã. Na primeira página encontramos a chave da doutrina positiva deste gigante teólogo, da
perfeição cristã. É essa conhecida frase: “Tu nos fizeste para Ti, e nossas almas não descansam até que
descansem em Ti”. Aqui está sua doutrina do bem supremo: o verdadeiro fim do homem, seu gozo mais elevado e
seu autocumprimento ou conquista superior, jazem em Deus. “É bom, então para mim, apegar-me a Deus, posto
que se não permaneço n’Ele, tão pouco permanecerei em mim mesmo; mas Ele, permanecendo em Si mesmo,
renova todas as coisas. E Té és Senhor meu Deus, pois não necessitas de minha bondade” (7:11). “Busquei uma
maneira de adquirir suficiente força para desfrutar-te, mas não a encontrei até que me socorri nesse ‘mediador
entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem’, de quem lemos que ‘é Deus sobre todas as coisas, bendito pelos
séculos’, e cujo chamado ouvi” (7:18). “Minha única esperança jaz somente em tua superabundante misericórdia.
Da o que Tu ordenes, e ordena o que Tu querias” (10:29). “Te amarei, oh Senhor, e te darei graças, e confessarei
73
teu nome, porque Tu tens afastado de mim todas essas ações mais perversas e execráveis. Atribuo a tua graça, e
a tua misericórdia que Tu tens derretido meu coração como se fora neve” (2:7). Ao refletir sobre isto, Williston
Walker escreve: “Há aqui uma nota de devoção pessoal tão profunda como não se havia ouvido na Igreja desde
os dias de Paulo, e o conceito de religião como uma relação vital com o Deus vivo, que haveria de ser de
influência permanente, ainda que freqüentemente só fosse compreendido parcialmente”5.

B. A Doutrina Agostiniana da Perfeição


Um exame da teologia de Agostinho revela que essencialmente é perfeccionista. Sua idéia principal é o
Supremo Bem, e qual pode de alguma maneira ser alcançado e desfrutado nesta vida.
E, que é este Bem Supremo, a beatitude máxima que o homem pode alcançar? É Deus. Nossa alma não
repousam até que encontrem seu repouso n’Ele. Em Deus, e n’Ele somente, se encontra a verdadeira realização
do homem.
A mente humana encontra sua meta em Deus, e n’Ele está completa. Ao recordar como ele havia sido
guiado a Cristo pelo estudo da filosofia e o amor de verdade, Agostinho escreve: “A admoestação interna que
trabalha a tal ponto sobre nós que nos lembremos de Deu, de que o busquemos, de que tenhamos sede d’Ele
(com toda a inimizade terminada), procede da mesmíssima fonte de verdade”. No centro do pensamento de
Agostinho está a convicção de que o conhecer a Deus em uma comunhão de quem está consciente é a coroa e a
meta da vida. Em uma de suas cartas Agostinho escreve dessas pessoas que tem um amor meramente intelectual
a Deus, sem ter a Deus morando neles, e dessas outras pessoas em quem Deus mora, sem que elas o saibam.
“Mas mais bem-aventurado e ditosa são as pessoas em quem Deus mora, e elas o sabem. Este é o conhecimento
mais cabal, mais verdadeiro, mais feliz”6.
Mas Agostinho conhecia o problema ético que se recai sempre sobre os ombros do homem pecador.
Ainda que fora criado para conhecer a Deus, o homem caiu e foi afastado de Deus, e agora é escravo indefeso do
pecado. Antes de que possa amar a Deus e servi-lo, é necessário que sua vontade escravizada seja emancipada.
Isto é possível somente pela graça de Deus em Cristo. Então, e somente então, pode o homem desfrutar do
conhecimento de Deus que é a salvação. De modo que para Agostinho a liberdade cristã significa ser livre do
pecado, para conhecer a Deus e servi-lo.
O Bem Supremo, por tanto, é desfrutar de Deus que escreve sua lei nas tábuas de nosso coração, e por
cuja presença é derramado em nosso coração o amor de Deus, o qual é o cumprimento da lei. Esta é a liberdade
que o Evangelho de Cristo nos promete.

Nada pode ser melhor que esta benção, nada mais feliz que esta felicidade: viver para
Deus, viver em Deus, em quem esta fonte de vida e em cuja luz veremos a luz. O mesmo Senhor
se referiu a esta vida ao dizer: E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste... Seremos semelhantes a Ele... Esta semelhança
inicia ainda agora a ser trabalhada em nós, enquanto o homem interior é renovado a cada dia, de
acordo com a imagem de quem o criou.7

Po outro lado, escreve Agostinho, “a desgraça máxima do homem é não estar com Aquele, sem quem não
pode estar, posto que, sem dúvida alguma, o homem não é sem Aquele em quem é; e não obstante, se não
lembra, e compreende, e ama a Deus, não está com Ele”8.
Esta desgraça é o resultado do pecado, e esta barreira “à participação na Palavra” é eliminada pelo amor
de Deus que é derramado no coração pelo Espírito de Deus. O amor é, por tanto, um elemento essencial do Bem
Supremo. Essencialmente, conhecer a Deus, e amar a Deus estão ligados no pensamento agostiniano do
Supremo Bem. “Este amor inspirado pelo Espírito Santo, guia até o Filho, ou seja, à sabedoria de Deus, por meio
de quem o Pai mesmo é conhecido... É um amor que pede, um amor que busca, um amor que chama, um amor
que revela, e também, um amor que oferece continuidade naquele que foi revelado”9.
Além do mais, este amor que é o Bem Supremo, é inteiramente social. Agostinho escreve:

Tu te amas de uma maneira que guia à salvação quando amas a Deus mais do que a ti
mesmo. o que então desejas ou buscas para ti o desejas ou busca para teu próximo, ou seja que
o ame a Deus com um perfeito afeto. Pois tu não o amas como te amas a ti mesmo a menos que
trates de atrai-lo a esse bem que tu mesmo estás buscando... Deste mandamento emanam os
deveres da sociedade humana.10

Nas páginas finais de sua obra mestra, A cidade de Deus, Agostinho reforça esse amor social de Deus.
escreve: “Como poderia a cidade de Deus principiar ou ser desenvolvida, ou alcançar seu devido destino, se a
vida dos santos não fosse uma vida social?”11
Ainda na vida futura tem graus e diversidades, mas não tem invejas nem agitação, porque “Deus será o
fim de nossos desejos, e Quem será visto por toda a eternidade, amado sem saciedade, louvado sem cansaço. A

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comunicação deste afeto, deste destino, será definitivamente, como a mesma vida eterna, algo que todos terão
em comum”12.
É possível esta perfeição para o homem mortal? Em seu primeiro tratado sobre o Sermão do Monte,
Agostinho definiu aos pacificadores que são chamados filhos de Deus, como aqueles que desfrutam dessa paz no
seu interior, e em cujas almas tudo é harmonia. As paixões estão sujeitas à razão. Aquilo que é o mais elevado no
homem - sua mente e sua razão - domina sem resistência sobre o corpo com seus desejos. A razão mesma está
sujeita à Verdade, o unigênito Filho de Deus. esta é a paz da qual desfrutam na terra os homens de boa vontade.
“Estas promessas podem cumprir-se nesta vida, tal como cremos que se cumpriram no caso dos Apostolos”13.
Mas tal como já vimos antes, depois de seu debate com Pelágio, Agostinho se retratou desta posição.
Nesta linha escreve:

Nós não cremos que os Apóstolos, enquanto viveram aqui na terra, estiveram isentos da
luta da carne contra o Espírito. Mas se cremos que essas promessas possam ser cumpridas aqui
tanto quanto foram cumpridas, de acordo ao que cremos, nos Apóstolos, o que eqüivale a dizer na
medida da perfeição humana, em que esta pode ser alcançar nesta vida... A medida é a da
perfeição da que esta vida é capaz, e não na que essas promessas hão de ser cumpridas nesse
dia de paz perfeita, quando se dirá: Ubi est mors contentio tua?14

De modo que então há uma perfeição relativa nesta vida. através de Cristo e a infusão do amor de Deus
pelo Espírito Santo podemos desfrutar do conhecimento de Deus, e experimentar uma comunhão transformadora
com Ele, a que irá trabalhando uma mudança gradual em nós, graças ao qual iremos sendo mais semelhante a
Àquele que é a imagem de Deus. Mas posto que a concupiscência pecaminosa permanece, não podemos gozar
de ser livres completamente do pecado. Agostinho escreve: “Nada nesta vida pode ser ao privilegiado que não
haja em seus membros uma lei lutando contra a lei de sua mente”.

C. Uma Avaliação
A debilidade fatal no ensinamento agostiniano da perfeição é sua tendência a identificar o pecado original
com a luxúria sexual. Ele disse: “Há varias e diversas classes de luxúria, algumas das quais tem seu próprio
nome, no entanto outras não... Todavia quando não se especifica um objeto, a palavra geralmente sugere à mente
a excitação luxuriosa dos órgão de reprodução”15.
Segundo a teoria agostiniana, Adão e Eva receberão o mandato divino de povoar a terra; em seu estado
original, antes da queda, eles não conheciam a excitação do desejo sexual. Se houvessem mantido neste estado
de inocência, ou sem pecado, “o homem haveria semeado a semente, e mulher haveria recebido, tal como
houvesse sido necessário, mas os órgãos de reprodução haveriam sidos ativados pela vontade e não excitado
pela luxuria”16.
Porém o orgulho (“o apetite de uma exaltação exagerada”) foi “o princípio do pecado”, a luxúria foi uma
conseqüência penal. De modo que esta luxúria é a marca infalível de nossa condição decaída e continua sendo a
maldição da humanidade até a ressurreição. Agostinho interpreta a guerra entre os membros, tão vividamente
descrita em Romanos 7, como “a luta entre a vontade e a luxúria”17 e persiste na vida do santo mais piedoso até
sua morte, quando finalmente se despojará “do corpo do pecado e da morte”. Por tanto, a natureza pecaminosa
ou carnal não é algo que possa ser destruído por um ato da graça divina, mas que é algo constituinte de nossa
humanidade mesmo, como membros de uma raça decaída.
Esta tendência de definir o pecado original como luxúria sexual emana do conceito pagão de que a
criação material é mal per se. Reflete a filosofia dualista que havia tomado parte dos antecedentes pré-cristãos de
Agostinho. O conceito de que o mundo material é essencialmente mal prevalecia na antigüidade, e a identificação
do pecado como sexo era parte desta maneira de pensar. Esta idéia não só contribuiu ao ideal da virgindade e do
celibato como as verdadeiras expressões da santidade, mas que também obscureceu desnecessariamente a
doutrina do pecado original. Tem sido quase impossível à Igreja desfazer da idéia de que a carnalidade e a luxúria
sexual são praticamente sinônimas.
Mas tal identificação do corpo humano com a natureza pecaminosa não se encontra em parte alguma do
Novo Testamento. Sem dúvida que nosso corpo não redimido é escravo e ferramenta do pecado. Mas
precisamente o propósito da morte de Cristo na cruz foi livrar nossos corpos do domínio do pecado (Rm 6:6), a fim
de que nos apresentemos ou consagremos o nós mesmos a Deus, e “nossos membros, a Deus, como
instrumentos de justiça” (Rm 6:12-13). Posto que somos os que temos saboreado as misericórdias do Deus, agora
temos que apresentar nossos “corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1). Em outro lugar
Paulo escreve: “Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a
imoralidade peca contra o próprio corpo” (I Co 6:18). Na continuação o Apostolo recorda aos corintos: "Acaso, não
sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo?... Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo" (I Co
6:19-20). Inteiramente santificados, “o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis
na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts 5:23).

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Desde que o corpo, com seus apetites e impulsos, é uma fonte de tentação. Por isso Paulo escreve: “Mas
esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser
desqualificado” (I Co 9:27). O natural deve ser sacrificado ao espiritual se é que haveremos de ganhar a coroa da
vida. Por essa razão escreve aos romanos: “Se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo
Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Rm 8:13).
Por tanto, a conclusão a que chegamos é que os desejos do corpo, incluindo o impulso sexual, não são
pecaminosos em si mesmos. O desejo é a essência da tentação, mas tentação não é pecado (Tg 1:15-16). Tão
pouco aceitamos que a guerra entre nossos membros, tão vividamente descrita por Paulo em Romanos 7, seja um
quadro de tentação, ou uma luta entre a razão e a paixão. Em vez de referir-se meramente à sensualidade, “a luta
aqui denota todo o homem tal como é por natureza”18. A vida na carne, tal como a descreve Paulo neste capítulo,
é a experiência frustrada de qualquer ser humano que trate de cumprir as demandas da lei sem que conhecer e
ter os recursos da graça divina que nos brindam mediante Cristo. assim que a carne é então todo o ser do homem
sujeito ao pecado.
Ao interpretar o capítulo sete de Romanos como a etapa mais alta da vida possível para o cristão é perder
completamente o argumento do Apostolo em Romanos de 6 a 8. O propósito de Cristo ao vir a este mundo foi
precisamente trazer a seu fim a escravidão do homem ao pecado na carne, ao introduzir o reino do Espírito, de
vida e de santidade. Paulo escreve: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de
Deus habita em vós” (Rm 8:9). A etapa final da existência cristã é a vida na qual o crente é livre do pecado; Paulo
testifica freqüentemente desta vida no capítulo 8 de Romanos. Por exemplo:

Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte.
Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando
o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito (v. 2-4).

Ao negar a possibilidade de que o crente encontre tal liberdade em Cristo, Agostinho não capta ambas as
coisas, o Evangelho cabal de Paulo, e as implicações de sua própria doutrina da liberdade cristã mediante a
graça.

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Capítulo 7 - O Ensinamento Católico Romano

A idéia agostiniana da perfeição, com pequenas diferenças, dominou o pensamento da Igreja durante a
Idade Média. Por tanto é desnecessário fazer um repasse dos escritores místico, que foram muitos, deste grande
período. Há dois nomes, entretanto, que é mister mencionar: Dioniso Areopagita e Bernardo de Claraval.
Dioniso, como Agostinho, cria que a perfeição do homem consiste em estar unido a Deus. Ademais, para
este cristão neoplatônico, Deus é o Abismo, e para ser aperfeiçoado, tem que se arrojar à “obscuridade de não
saber” mais além de qualquer compreensão. A vitória da filosofia sobre a revelação dificilmente poderia ser mais
completa. “Porém, graças ao discipulado de João Escoto Erígena, e através dos comentários de Hugo de S.
Victor, de Tomás de Aquino e de Alberto magno, seus escritos alcançaram uma influência extraordinária, e sua
autoridade é citada pelos escritores medievais como algo decisivo”1.
Bernardo de Claraval introduz na vida devocional católica uma nota tímida e pessoal de piedade
evangélica. Em seus escritos, especialmente em seu comentário sobre Cantares de Salmão, Jesus Cristo ocupa
outra vez o centro da adoração cristã.

Quando menciono o nome de Jesus, fixo diante de minha mente um homem manso e
humilde de coração, amável e tranqüilo, casto e aflito, notável quanto ao que a bondade e a
santidade tocam, e a esse mesmo Homem veio como o Deus onipotente, quem me curará por seu
exemplo e quem me fortalecerá com sua ajuda.2

Imitar a Cristo se torna para Bernardo a essência da devoção. Enquanto que sua sabedoria nos ensina e
seu amor nos comove, sabemos que Ele está perto. Mas sobre tudo temos de imitar sua humanidade.
Todavia nos desilude descobrir que quando Bernardo descreve os níveis mais altos que pode chegar um
cristão nesta vida, deserta ao Senhor encarnado. Escreve:

O amor do coração é, em certo sentido, carnal, por quanto principalmente move o coração
do homem até a carne de Cristo e até o que Cristo disse e fez quando estava em carne. A sagrada
imagem do Deus-Homem, seja durante seu nascimento ou sendo amamentado ou ensinado ou
morrendo ou ressuscitando, está presente a quem ora, e sem dúvida alguma estimula a alma ao
amor e à virtude... Mais ainda que tal devoção à carne de Cristo é um dom, um grande dom do
Espírito Santo, todavia eu o chamo carnal em comparação a esse amor que não considera o
Verbo que é Carne, como o Verbo que é Sabedoria, Justiça, Verdade, Santidade.3

Em outro de seus livros Bernardo declara que nesta vida não se pode alcançar a classe mais elevada de
amor. Logo faz uma classificação de quatro graus de amor. O primeiro é o amor natural que alguém tem por si
mesmo. o segundo é o amor a Deus pelos benefícios que tem derramado sobre nós. O terceiro é o amor de Deus
por sua própria bondade, sem excluir a idéia de sua bondade para conosco.

Neste terceiro grau pode-se permanecer por grande tempo. Eu não sei se há homem
algum que haja subido perfeitamente à quarta etapa, na qual alguém somente se ama a si mesmo
por causa de Deus. se há alguns que a tenham experimentado, que falem; quanto a mim confesso
que me parece impossível.4

Seguramente que algo anda mal como um ideal tão defeituoso que postula que o amor perfeito jamais
possa ser alcançado, nem se quem por um só momento, pela graça de Deus. Todavia, a intensa nota de devoção
a Jesus que palpita no comentário de Bernardo de Cantares de Salomão tem dado a este místico um lugar
permanente ma literatura devocional do cristianismo.

A. Tomás de Aquino
Tomas de Aquino (1225? - 1274) tem sido chamado “o doutor angelical” da Igreja. “Na Igreja romana sua
influência nunca cessou. Pelo edito do Papa Leão XII, em 1879, sua obra é a base da instrução teológica
presente”5.
Entre todos os teólogos Aquino é o que está mais dominado pelo conceito da perfeição final do homem.
Um de suas convicções básicas é o postulado de que a mesma natureza e constituição do homem contém uma
promessa implícita de seu fim verdadeiro, que é ver a Deus e desfrutá-Lo. Tal como foi criado originalmente, o
homem, tinha, além de seus poderes naturais, um dom superadicional que o permitia buscar esse Bem Supremo,
e praticar as virtudes da fé, da esperança, e do amor. Ao pecar, Adão perdeu o dom da graça divina, e sofreu a
corrupção de seus poderes naturais.
O homem conserva o poder para praticar as virtudes naturais: prudência, justiça, valor e controle próprio;
mas estas, porém produzem certo grau de felicidade, não são suficientes para capacitar ao homem a alcançar seu
fim verdadeiro, a visão de Deus. Somente a graça gratuita e imerecida pode restaurar o homem ao favor de Deus
77
e capacita-lo a praticar as virtudes cristãs. nenhuma ação do homem tem o poder pela graça divina para cumprir
não somente os preceitos de Deus, mas também as admoestações do evangelho à perfeição. Por esta graça ele
pode desfrutar do amor perfeito nesta vida e experimentar a visão beatífica de Deus na vida vindoura.
Tal é, em forma muito ampla e breve, o esboço da doutrina de Aquino. A discussão seguinte dela se
baseia na magnífica análise do ensinamento tomista sobre a perfeição, feito por R. Newton Flew6. O doutor Flew
faz um resumo da posição de Aquino sob quatro tópicos principais: (1) A vida de meditação é superior à vida ativa;
(2) A perfeição cristã consiste no amor, e pode ser alcançada nesta vida; (3) Deus será amado por Si mesmo; (4)
A perfeição final pode ser alcançado somente na vida futura.

1. Uma vida de meditação é superior à vida ativa


Para captar o pensamento tomista a este respeito nos ajudará meditar na declaração de Jesus: “Maria,
pois, escolheu a boa parte” (Lc 10:42). Sem esta declaração é impossível que haja apreciação de nenhum dos
dois, o catolicismo romano e Aquino. Os santos de todos os ramos do cristianismo se nutrem na oração, em sua
comunhão interior com Deus, a qual é a fonte de sua força. Além do mais, uma vez que este mundo esta
passando, a vida de comunhão é imune à morte. Estas premissas cristãs comuns são o fundamento da posição
de Aquino.
Mas seria injusto dizer que esta teólogo menosprezava a vida ativa. Os méritos da vida ativa são grandes,
disse São Tomas, citando Gregório. Todas as virtudes morais são pertinentes à vida ativa. Por meio de tais ações
fazemos bem ao nosso próximo e exibirmos algo do amor divino. Em certa medida, a vida ativa é essencial para
alcançar o amor perfeito.
Em outro sentido a vida ativa de amor e da vida de meditação de oração se complementam. Aquino
observa que especialmente no ensinamento e na pregação, as obras fluem da plenitude da contemplação, como
um rio flui do lago que é sua fonte. Há, por tanto, um duplo movimento na vida perfeita tal como há de ser vivida
na terra. “A mente ascende à contemplação e logo regressa a uma vida ativa para comunicar o fruto do
conhecimento de Deus”7.
Entretanto, a vida de contemplação é mais elevada que a ativa. É o conhecer e o amar a Deus quando
alguém se eleva para Deus e até Deus, e ao faze-lo experimenta sua verdadeira realização.
Em um de seus artigos mais comovedores na Suma Teológica, Aquino pergunta se há deleite na
contemplação, e se responde dizendo que há tal deleite em duas maneiras. Primeiro, há deleite no ato mesmo de
contemplação pois, como criaturas racionais fomos feitos para deleitarmos no conhecimento da verdade. Em
segundo lugar há deleite na vida contemplativa, não somente por causa da contemplação mesma, mas também
por razão da visão do amor divino que a contemplação torna possível. Quando vemos Aquele a quem amamos
supremamente, nossos corações se incendeiam para amá-Lo mais. “Esta é a última perfeição da vida
contemplativa, que a verdade divina não somente seja vista mas também amada”.

2. A perfeição cristã consiste no amor


Na pergunta numero 184 da Suma, Aquino procede a dizer que a perfeição da vida cristã consiste
principalmente no amor. Mediante o amor ativo ao próximo nós expressamos a perfeição que é possível nesta
vida; mas em seu movimento “até Deus”, é o amor que nos une a Deus, que é o nosso fim principal. Em sua
doutrina do estado da perfeição, Aquino assinala que há três etapas da vida espiritual, que culminam no estado da
perfeição para o qual se dirigem as etapas inferiores. A perfeição final do homem é a contemplação eterna de
Deus, o qual é o fruto final do amor.
O amor é o vínculo da perfeição (Cl 3:14), posto que enlaça as outras virtudes numa unidade perfeita. Este
amor não é natural; é dom de Deus, Caritas (a palavra de Aquino) significa amor a Deus e ao próximo, em Deus. é
primordial e especificamente o mesmo amor de Deus, que Ele comunica ao homem pela infusão do Espírito
Santo. O Espírito que mora na comunidade cristã é o Espírito com o qual o Pai ama ao Filho e o Filho ao Pai.
É esta amor perfeito possível nesta vida? para responder a pergunta Aquino apela ao preceito do Senhor
Jesus: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48). A lei divina, afirma Aquino, não
ordena o impossível.
Mas, que quer dizer a palavra perfeição? A resposta de Aquino toma em consideração o duplo significado
da palavra grega (teleiõs) que se usa no Novo Testamento: (1) estar completo, ou uma totalidade da qual não falta
nada, e (2) “adaptação ao propósito”, ou “a conformidade de algo para seu fim”.
A respeito do primeiro significado, somente Deus é absolutamente perfeito. Mas Aquino discorda de uma
perfeição humana na qual a alma ama a Deus como lhe é possível faze-lo. Nada pode faltar ao amor que sempre
está ali. Posto que as possibilidades da alma não podem ser cabalmente desenvolvidas nesta vida, esta classe de
perfeição não é para nós contanto que estejamos no caminho. Teremos isto somente no céu.

A terceira perfeição se refere à eliminação de obstáculos (que impedem) o movimento do


amor até Deus... Tal perfeição pode ser obtida nesta vida, e isso de duas maneiras. Na primeira,
mediante a eliminação dos afetos dos homens de tudo aquilo que seja contrário ao amor, tal como
o pecado mortal; e não pode haver amor aparte da perfeição, e por tanto é necessária para a
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salvação. Em segundo lugar, pelo ato de retirar os afetos do homem, não somente de tudo que
seja contrário ao amor, mas também de tudo aquilo que estorve que os afetos da mente se
inclinem completamente até Deus. O amor é possível aparte desta perfeição, por exemplo
naqueles que são principiantes e nos que são experientes.

A terceira perfeição é um assunto de “estar aptos para o propósito”, ou seja a conformidade do homem a
Deus como sua verdadeira meta ou fim. O artigo acima citado é da Suma Teológica de Aquino (pergunta número
184, resposta número 2).
Todavia, em sua obra De Perfectione Aquino faz uma exposição mais popular de sua idéia da perfeição.
Nesta obra faz a mesma distinção entre a perfeição que é necessária para ser salvo (o amor que exclui o pecado
mortal) e o amor perfeito (que dirige todos nossos afetos, compreensões, palavras ou obras para Deus), o qual é
possível para todos e que nos incumbe como cristãos.

3. Deus será amado por si mesmo


Temos de fazer uma distinção entre o amor perfeito e o amor imperfeito. O amor perfeito pelo outro é amor
pelo bem ou pela causa deste outro, somente. Por outro lado, alguém pode amar ao outro ser, parcialmente pelo
benefício que tal coisa pode trazer a ele mesmo. este é amor imperfeito. O verdadeiro amor de Deus (caritas) é
amor perfeito, que se apega a Deus por Ele mesmo. A outra classe de amor tem mais do elemento de esperança
em si. Tal amor, que emana da esperança, deixa de ver um elemento de interesse na própria pessoa, e é, por
tanto, imperfeito.
Mas, como pode o homem amar a Deus com um amor desinteressado? Cayetano responde de uma
maneira que Aquino aprovaria8. É possível fazer uma distinção no significado do bem que podemos desejar que
Deus tenha; pode significar “o bem que está n’Ele”, ou, “o bem que simplesmente se refere a Deus”. “O bem que
está em Deus é sua vida, sua sabedoria, sua justiça, sua misericórdia”. No sentido mais restrito este é Deus
mesmo, e nós podemos, amá-Lo, desejar que Ele tenha esse bem quando nós nos deleitamos no fato de que
Deus é o que é. Amamos a Deus com um coração puro quando o amamos como o Deus que se tem revelado ser
o que Ele é, quando o amamos como é em Si mesmo.
O bem que referimos a Deus é seu reinado, ou seja, a obediência que lhe devemos. Este bem que
desejamos quando nos submetemos completamente a sua vontade e propósito, quando (usando a expressão de
Lutero) desejamos que Deus seja Deus. Este é o amor do primeiro mandamento (Mt 22:37-38).
Este é amor perfeito, de acordo com Tomas de Aquino. É “a mais excelente das virtudes” porque, mais do
que a fé ou a esperança, ascende até Deus. a fé põe o seus olhos em Deus, e a esperança anela por Deus. Mas
“o amor chega até Deus mesmo para poder morar n’Ele, e não para que possamos receber algo d’Ele”. Posto que
o amor implica o fato de morar em Deus, é mais imediato que a fé ou a esperança na obtenção de seu fim.
Em seu comentário do versículo “aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, n’Ele” (1
Jo 4:16), Aquino explica com claridade que neste mundo e nesta vida é possível ter um amor puro ou
desinteressado. Deus há de ser desfrutado. Por tanto haveremos de amá-Lo por Si mesmo. a Ele temos de amar
imediatamente, e a outras coisas ama-las através d’Ele. Ainda que nenhuma criatura pode amar infinitamente a
Deus, porto que todas as criaturas são finitas, Deus pode ser amado completamente de acordo com nossos
poderes finitos, graças ao dom do Espírito Santo.

4. A perfeição completa esta na vida futura


Já temos visto que o desenvolvimento cabal dos poderes da alma somente é possível no céu. A
autoridade final que Aquino concede às Escrituras se deixa ver em seu tratamento da visão beatífica: “O veremos
como Ele é”, e “agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face”. Estas são as
promessas das quais sua teologia depende.
A Deus não o veremos com nossos olhos físicos. A distinção entre a criatura e o Criador é preservada no
céu. Mas Aquino introduz aqui a realidade do corpo celestial. a felicidade dos santos será maior depois da
ressurreição “porque sua felicidade enraizará não somente na alma, mas também no corpo”.
Aquino escreve:

Suposto isto, quanto mais perfeito é algo em seu ser, mais perfeitamente pode operar: por
tanto, a operação da alma unida a um corpo será mais perfeita que a operação da alma separada.
Mas o corpo glorificado será um corpo como tem sido descrito, estando inteiramente sujeito ao
espírito. Por tanto, posto que a felicidade da alma depois de sua reunião com o corpo será mais
perfeita que antes.9

Crítica: Nossa crítica da doutrina tomista da perfeição inclui os três seguintes pontos:
Primeiro: Como Agostinho, Aquino deixa de ver uma evolução platônica, e por tanto, do corpo e seus
desejos. Todo seu esquema da perfeição conclui, ou se baseia, em um menosprezo deste mundo com seus
desejos e lutas, ao que trata como se fora um sonho mal, ou uma sombra passageira. Também como Agostinho,
79
Aquino considera que os desejos da carne, cupiditas, são algo mal; e afirma especificamente, “perfection nulla
cupiditas”, ou seja, a perfeição significa a eliminação dos desejos do corpo. “Mas não é no desejos do corpo no
que consiste o mal da natureza humana; nem tampouco a perfeição jaz na negação deles”10.
Segundo: Tomas de Aquino ensina uma perfeição que leva consigo a idéia do mérito humano. Em sua
obra De Perfectione, intenta demonstrar que “mais merece de Deus esse homem que atua sob um juramento, que
aquele que não está sob tal obrigação”11. Esta introdução do conceito de mérito de Deus, em virtude de um voto
dista muito da descrição tomista do amor perfeito como um dom do Espírito. Ainda que Aquino creia que todos os
seres humanos possam alcançar a perfeição cristã, aparte de votos e ordens, também se agarra à que “o estado
religioso” constitui um caminho rápido à perfeição. Todo aquele que seja sábio tomará os votos religiosos.
Em terceiro e ultimo lugar, a visão tomista do céu parece ser quase exclusivamente individualista. Leiamos
o que diz na Suma:

Se falamos da felicidade desta vida, um homem feliz necessita amigos... para que possa
fazer-lhes bem; para que possa deleitar-se em vê-los fazer o bem; e ademais, para que eles o
ajudem a que ele faça o bem...
Mas se falamos da felicidade perfeita da que gozaremos em nossa pátria celestial, o
companheirismo de amigos não é essencial à felicidade, posto que o homem tem a inteira
plenitude de sua perfeição em Deus. Mas o companheirismo de amigos conduz ao bem estar da
felicidade...
A perfeição da caridade é essencial à felicidade, no que toca ao amor de Deus, mas não
no que toca ao amor ao nosso próximo. Por tanto, se tão somente houvera uma alma desfrutado
de Deus, seria feliz, ainda que não tivera nenhum próximo a quem amar.12

O doutor Flew comenta sobre ele: “Se há, eu não conheço passagem alguma na Suma Teológica que
neutralize a afirmação anti-social deste artigo”13. Todavia, esta mesmo erudito reconhece que há outras passagens
que implicam noutra doutrina mais cristã que permite ou faz provisão para a perpetuação da amizade cristã, e de
uma verdadeira comunhão dos santos. “Mas não parece que Santo Tomas se deu conta das conseqüências desta
idéia que é mais cristã. Temos um resultado muito curioso (por ele). O ideal que ele esboça como algo que se
pode realizar nesta vida, é, quanto a este respeito, superior à beatitude mais cabal da vida futura”14.

B. Francisco de Sales
Ainda que Aquino postulou uma perfeição que era possível para todos os cristãos, seu ideal se prestava à
vida de meditação do monastério. Os que deveras consideravam seriamente o ideal tomista se retiraram do
mundo para viver uma vida de contemplação serena.
Antes da Reforma, Francisco de Assis havia estabelecido uma “terceira” ordem, ou maneira de viver, e
havia trazido o ideal da santidade ao alcance das pessoas casadas e envolvidas nas atividades da vida
quotidiana. O objetivo implícito dos Irmãos Menores era a crença de que a perfeição cristã é possível para todos
os cristãos, “para despertar nas almas cristãs por onde for um anelo de santidade e perfeição, para conservar o
exemplo de seguir diretamente a Cristo ante os olhos do mundo, como um contínuo espetáculo vivente e para
chegar a ser todas as coisas a todos os que estão abandonados espiritualmente e destituídos fisicamente, e faze-
los mediante a devoção pronta ao sacrifício”15.
Mas era necessário que viesse a Reforma para despertar na consciência cristã a aceitação de que a vida
quotidiana é sagrada. Lutero cria e ensinou que o cristão que trabalha no arado era um homem tão religioso como
o sacerdote ao celebrar o sacramento no altar. Na atmosfera desta nova compreensão o ideal da perfeição saiu à
superfície numa forma inteiramente nova.
Francisco de Sales representa este novo conceito da perfeição. Ele insistiu que sua tarefa era “instruir aos
que vivem nas aldeias, em suas casas, e na corte, cuja circunstância os obriga a viver exteriormente uma vida
ordinária”. Também declarou: “É um erro, e mais ainda, uma heresia, querer eliminar a vida devota de modo que
já não esteja presente no exército, nas oficinas, na corte dos príncipes e nas casas de pessoas casadas”16. Com
sua expressão “a vida devota”, se referia à perfeição.
Seu Tratado sobre o amor de Deus postula sua doutrina e principia com uma discussão psicológica na
qual Francisco de Sales distingue entre as “duas partes” da alma. Escreve:

É chamada inferior aquela que raciocina e faz conclusões de acordo com que aprende e
experimenta pelos sentidos; e é chamada superior aquela que raciocina e faz conclusões de
acordo com um conhecimento intelectual que não se baseia nas experiências dos sentidos, mas
no discernimento e nos juízos do espírito. Esta parte superior é chamada de espírito, ou parte
mental da alma, assim como a inferior é comumente designada, o sentido, os sentimentos e a
razão humas.17

80
Assim como havia três cortes no templos de Salomão, assim também há três diferentes graus de razão do
templo da alma. No primeiro “corte” raciocinamos de acordo com as experiências sensoriais, na segunda de
acordo com as experiências humanas, na terceira de acordo com a fé. Mas há um quarto lugar, o santuário, no
interior da alma, que corresponde ao lugar santíssimo. Aqui a alma não é guiada pela luz da razão crítica mas
desfruta de uma vista simples de compreensão e das emoções simples da vontade, e concorda e se submete à
verdade e a vontade de Deus. “No santuário não havia janelas por onde entrar a luz: neste nível ou grau da alma
não há razão que a ilumine”18.
No santuário tanto a razão com a fé são transcendidas e a alma desfruta da contemplação. “As pequenas
abelhas são chamadas ninfas até que produzam mel, e então são chamadas abelhas: assim também a oração é
denominada de meditação até que tenha produzido o mel da devoção, e então se converte em contemplação”19.

Nestes mistérios divinos, que contem a todos os demais, há alimento provido para
queridos amigos para que comam e bebam bem, e para os amigos mais queridos para que se
embriaguem... Comer é meditar... beber é contemplar... mas embriagar-se é tão freqüentemente e
fervorosamente ao ponto de estar fora de si mesmo para estar completamente em Deus. Oh
embriagues santa que... não nos separa do sentido espiritual mas dos sentidos corporais! Não nos
embrutece ou ensoberbece, mas que nos faz angélicos, e de certa maneira nos deifica.20

Como estes conceitos, Francisco de Sales esta abrindo as portas às delícias da contemplação à maioria
dos crentes cristãos. O que antes era o privilégio exclusivo dos grandes místicos agora é possível para os que
estão atarefados nas “ocupações legítimas” da vida quotidiana. De Sales está interessado em despertar em todos
os homens um conhecimento da voz divina em suas almas.

Enquanto o homem pensa ou dá um pouco de atenção à divindade, sente certa emoção


de deleite em seu coração, da qual da testemunho de que Deus é Deus do coração humano... de
modo que, quando é surpreendido pela calamidade, imediatamente se volta até o Divino,
confessando que quando tudo mais é mal, somente Ele é bom para ele... Este prazer, esta
confiança que o coração humano tem naturalmente em Deus não pode proceder se não desta
correspondência que existe entre a bondade divina e nossas almas; uma correspondência
absoluta mas secreta, da que todos estão ao alcance, mas que poucos compreendem.21

Este é um ideal de espiritualidade que é ao mesmo tempo místico e humanista. Francisco de Sales exibe
ambos, um misticismo neoplatônico e um humanismo renascentista. Se bem que ele cita a Santa Tereza, a nota
que falta é “essa firme devoção à pessoa de Cristo, e a Ele somente, que da aos espanhóis, a pesar de seus
próprios desejos, algo assim como um parentesco com o cristianismo evangélico”22. Todavia, seus escritos
refulgem com verdades cristãs. “Sem duvida alguma somo d’Ele; vós tendes tudo o que necessitam”23. “Deixo-vos
o espírito de liberdade... a liberdade de filhos amados. É a liberação do coração cristão, que o liberta de todas as
coisas, para seguir a vontade de Deus em quanto a conheça”24.
No terceiro centenário da morte de Francisco de Sales, o papa Pio XI proclamou uma encíclica na qual
rendeu homenagens ao alargamento dos horizontes da perfeição cristã produzido por Sales.

Cristo fez a Igreja santa e a fonte da santidade, e todos aqueles que a tomem como seu
guia e mestra devem, de acordo com a vontade de Deus, aspirar a santidade de vida: pois “a
vontade de Deus”, afirma São Paulo “é a vossa santificação”. A que tipo de santificação se faz
referencia? Nosso Senhor a explica dizendo: “Sede, pois, vós perfeitos, como vosso Pai que está
nos céus é perfeito”. Que ninguém creia que o convite seja dirigido a um grupo pequeno e muito
seleto, e que a todos os demais se lhes permite permanecer a um nível inferior de virtude. É
evidente que esta lei obriga absolutamente a todos sem exceção. É ainda mais, todos os que
chegam ao cume da perfeição cristã, e seu nome é legião, de todas as idades e classes, de
acordo com o testemunho da história, tem experimentado a mesma debilidade de natureza e tem
conhecido os mesmos perigos. Santo Agostinho expressa o assunto com claridade quando
escreve: “Deus não nos ordena o impossível, mas que ao dar o mandamento Ele nos admoesta a
alcançar o que possamos alcançar mediante nossas forças, e a pedir ajuda para alcançar tudo
aquilo que esteja além de nossa força”.25

Como disse Pio XI, o número dos que tem encontrado o dom da perfeição cristã é muito grande: são uma
legião. Os católicos piedosos que tem escrito sobre o tema são tão numerosos que seria fácil escrever todo um
livro sobre suas obras. Imediatamente pensamos nos místicos franceses e espanhóis Juan de Castaniza, Tomas
de Kempis, Miguel de Molinos, madame Guyón e François Fénelon. Este tratamento do conceito romanista da
perfeição conclui com um esboço breve dos ensinamentos de Fénelon sobre o tema.

81
C. François Fénelon
A influência da Reforma protestante sobre a idéia católica da perfeição se mostra com muita força no
pensamento de Fénelon. Como capelão da corte de Luiz XIV, Fénelon dirigiu um grupo pequeno de pessoas que
desejavam com toda a veemência viver a vida da espiritualidade profunda e verdadeira, em meio às
circunstâncias corruptas e degenerada da corte francesa. Sua obra intitulada Instrucion at Avis sur Divers Point
de la Morale at de la Perfection Chrétienne é uma obra devocional clássica, cuja uma das traduções se intitula
Perfección Cristiana.
Os escritos de Fénelon estão saturados de um calor evangélico. Ainda que tenha dito muito acerca da
mortificação, não aconselha nenhuma introspeção mórbida. Do princípio ao fim, a perfeição é a obra da graça de
Deus. E o estilo remoto que caracteriza a este santo não indica um isolamento ou separação do mundo, mas a
separação interior de uma vontade egoísta. E mais, longe de ser uma vida solitária de contemplação intelectual, a
vida perfeita não tem cuidado algum, e é como a de Cristo em um companheirismo amante com os demais.
Poucos escritores tem captado tão cabalmente o espírito de Jesus como este piedoso francês. Podemos notar nas
seguintes linhas:

Quão simples e serena pode ser a piedade! Que discreta, desfrutável e segura em todos
seus procedimentos! Vive-se quase como as demais pessoas, sem fingimento algum, sem
nenhuma exibição de austeridade, é uma forma fácil e sociável, mas continuamente está ligado
por seus deveres, continuamente se mantendo em uma irremissível postura de renunciar a todo
aquele que, de momento a momento não entre nos planos de Deus; em poucas palavras, se
mantém com uma visão pura de Deus, a qual sacrifica-se os impulsos irregulares da natureza
humana.26

Passagens com esta abunda no trabalho de Fénelon. Ele disse que o cristianismo perfeito é “livre, feliz,
simples, uma criança”. Não se deixa afetar pela “mortificações exageradas”27. Aceita as providencias da vida com
uma resignação prazeirosa, e vê suas próprias fragilidades humanas como oportunidades para sua melhoria
espiritual. A vida santa é uma vida saudável e robusta de amor.
De modo que para Fénelon, a perfeição cristã significa amor perfeito. Deus não pode estar satisfeito com
um coração dividido, ou com uma vida que rende meramente um serviço “de palavras”. Ele se interessa “no que é
real em nossos afetos”. O místico francês escreve:

Nosso Deus é um Deus zeloso. Tudo não é demasiado para Ele. Ele nos manda que o
amemos, e o explica desta maneira: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força”. Depois de ler isto não
podemos crer que Ele ficará satisfeito com uma religião de mera cerimonia. Se não lhe damos
tudo, não quer nada.28

Esta demanda divina, de que nossa vida tenha um só propósito, afeta até os detalhes mais pequenos da
nossa vida. “isto não é nada”, afirmamos. De acordo, não é nada, mas é um nada que é tudo para ti; um nada que
te importa tanto que por ele o negas a Deus; um nada que tu menospreza verbalmente a fim de que tenhas uma
desculpa de não entrega-lo, mas no fundo, é um nada que tu o negas a Deus, e que será a tua ruina”29. O amor de
Deus deve trazer-nos ao ponto na qual sejamos inteiramente seus. “ë esta separação de sua própria vontade no
que toda a perfeição cristã consiste”30. O que Deus quer (de nós) é “uma intenção pura, uma separação sincera de
nos mesmos”31.
Em seu aspecto positivo, a vida perfeita é a imitação de Jesus. “Viver como Ele viveu, pensar como Ele
pensou, conformamos a nós mesmos a sua imagem, isto é o sela de nossa santificação”32. Mas Fénelon
acrescenta também uma palavra de cautela neste particular. “Não pretendamos que somos capazes de alcançar
este estado por nossas próprias forças. Mas... digamos confiantemente: ‘Tudo posso em Cristo que me
fortalece’”33. E logo conclui este capítulo com uma oração: “Quero seguir, Oh Senhor Jesus o caminho que Tu
tomou. Quero imitar-te, e tão somente posso faze-lo por tua graça... Oh, bom Jesus, quem sofreu tantas
vergonhas e humilhações por haver amado, esculpe o amor e o respeito a ti profundamente em meu coração, e
faça que eu queira pratica-lo!”34.
O que bloqueia o nosso caminho à perfeição cristã é o nosso egoísmo pecaminoso. “A falta em nós, que é
a fonte de todas as demais, é o amor a nós mesmos, ao qual relacionamos tudo, em vez de relaciona-lo a Deus”35.
“Este ‘Eu’ do velho homem” é um “veneno sutil” que envenena toda a vida. não somente conduz aos pecadores a
buscar satisfação nas coisas da criação, mas que também engana aos santos a faze-los buscar a si mesmos, em
vez de buscar a Deus em suas ambições religiosas. Por tanto, “logo caem outra vez na profundidade de seu
próprio ser, aonde uma vez mais se tornam seu tudo e seu próprio Deus. Tudo para o eu ou para o que está
relacionado ao eu, e o resto do mundo não é nada”.

82
Não desejamos ser ambiciosos, nem avaros, nem injustos, nem traiçoeiros, mas não é
amor o que afirma e continua todas as virtudes em oposição a esses vícios. É, pelo contrário, um
temor raro que vem esporadicamente, e que põe ao alto a todos estes vícios que caem sobre uma
pessoa dedicada a si mesma.
Isto é o que... me faz desejar uma piedade de pura fé e de completa morte, que se leve a
alma longe de si mesmo, sem que tenha a esperança de jamais retornar... É o amor mesclado ao
amor a nós mesmos o que nos infeta.

De modo que o método que Deus usa para santificarmos é um ataque que sonda nosso egocentrismo.
Fénelon descreve o processo na seguinte passagem profunda:

No princípio Deus nos atacou de fora. Ele nos arrebatou, pouco a pouco, as criaturas que
mais amávamos, contra sua lei, mas esta obra de fora, se bem que é essencial para por o
fundamento de todo o edifício, é somente uma parte pequena dele. Oh, mas o trabalho interior,
ainda que é invisível, é incomparavelmente maior, mais difícil e mais glorioso! Chega o momento
em que Deus, depois de havermos desposado completamente, de havermos mortificado
cabalmente de fora através das criaturas que foram nossos ídolos, agora nos ataca de dentro, ao
retirarmos ou aleijarmos de nós mesmos. Já não são coisas exteriores que nos retiram. Desta vez
nos retira o ego que era o centro de nosso amor. Amávamos o resto somente por este ego, e é
este ego o que Deus persegue sem misericórdia nem trégua... Cortemos os remos de um arbusto
e, em vez de conseguir que se seque, aumentamos a sua vitalidade. Brotam novos ramos por
onde quer. Mas ataquemos o tronco, ou destruamos as raízes e pronto suas folhas se murcham e
caem, e o arbusto se seca e morre. Assim é como Deus se agrada em fazermos morrer.37

No momento da auto-revelação o eu vê sua natureza auto-idólatra. “Fica horrorizado com o que vê.
Continua sendo fiel, mas já não vê sua fidelidade. Cada falta que tinha até então se levanta contra o eu, e
freqüentemente novas faltas aparecem que ele nunca havia suspeitado. Descobre que já não tinha esses recursos
de fervor e de valor que o sustentava antes. cai exausto. Está, como Jesus Cristo, triste até a morte. Tudo o que
quer é o desejo de apegar-se a nada, e deixar que Deus trabalhe sem reserva alguma”38.
De modo que, no momento da santificação interior, “deixamos que Deus trabalhe ser reserva alguma”.
Fénelon insiste em que os que negam a possibilidade do amor perfeito nesta vida “não contam o suficiente com o
doutor interior, que é o Espírito Santo, e quem efetua tudo no nosso interior... Nós nos portamos como se
estivéssemos sós neste santuário interior. Mas pelo contrário, Deus está ali mais intimamente que do que nós
estamos”39.

Se alguém imagina que este amor perfeito é impossível e visionário, e crê que é uma
sutileza tola que pode tornar-se uma fonte de ilusão, eu não tenho mais que duas palavras para
contesta-lo: Nada é impossível para Deus. Ele se chama a Si mesmo um Deus zeloso. Tão
somente nos mantém na peregrinação desta vida para guiar-nos até a perfeição. Tratar seu amor
como uma sutileza perigosa e visionária é acusar de iludidos aos maiores santos de todos os
tempos, que tem testificado deste amor, e que tem alcançado, por have-lo tido, o nível mais alto
da vida espiritual.40

De modo que no coração da vida cristã há um ato de purificação divina que eleva a alma a um amor
supremo a Deus. esta cise não somente é precedida pelo processo divino de mortificação, mas que também é
seguida por uma comunhão cuidadosa, ou seja que caminhamos diante de Deus. “O recurso principal de nossa
perfeição está contido nas palavras que Deus dissera a muito ao patriarca Abraão: ‘Anda na minha presença e se
perfeito’”41. A vida da verdadeira santidade é uma vida de constante vigilância “mas sem estar demasiados
preocupados... Nunca velamos tão bem por nós mesmos como quando caminhamos tendo Deus diante de nossos
olhos”. O ideal é “uma vigilância simples, afetuosa, serena e descançada”42.
Fénelon aceita completamente que a vida perfeita não é incompatível com distrações e períodos de
secura espiritual. Mas assim como o santo iluminado não é levado ao desespero pelas imperfeições que cai sobre
ele, tão pouco o é pelas depressões emotivas que vem de vez em quando. Fénelon explica: “O amor puro é
somente unicidade da vontade... É um amor que ama sem sentimentos, uma fé pura que crê sem haver visto. De
modo que o amor é casto porque é Deus em Si mesmo e para Si mesmo a quem se nos ordena a amar, e a quem
nos capacita para amar”43.

Freqüentemente até sucede que transcorra um grande período de tempo sem que nós
pensemos que o amamos, (mas) nós o amamos igualmente neste período que nesse outro em
que fazemos as declarações mais ternas. O verdadeiro amor repousa na profundidade do
coração.44

83
Enquanto as distrações involuntárias, não transtornam o amor de forma alguma, posto que
este existe na vontade, e a vontade nunca tem distrações quando não quer tê-las. Quando nos
damos conta delas, deixamos que morram, e nos voltamos para Deus. por tanto, enquanto os
sentido exteriores da noiva estão dormitando, seu coração vela, seu amor não deixa de ser. Um
pai terno não pensa sempre especificamente em seu filho. Mil assuntos distraem seu imaginação
e sua mente. Mas estas distrações nunca interrompem o amor paterno. Quando sua mente torna a
pensar em seu filho, o ama, e no profundo de seu coração sente que não tem deixado de ama-lo
por um só momento, ainda que haja deixado de pensar nele. Assim deveria ser o amor a nosso
Pai celestial, um amor simples, sem suspeitas e sem ansiedades.45

Em todas suas ministrações Deus tem somente um propósito: retirar-nos, ou por assim dizer, desatar-nos
de nós mesmos e atar-nos a seu amor. “A Deus lhe corresponde, quando assim o agrade, aumentar esta
capacidade de conservar a experiência de sua presença”46.

Verdadeiramente devemos recordar a nós mesmos outra vez de Jesus Cristo, a quem seu
Pai abandonou na cruz. Deus retirou todo sentimento e toda reflexão para esconder-se a Si
mesmo de Jesus Cristo. Esse foi o golpe final da mão de Deus que açoitou ao Homem de dores.
Esse foi a consumação de seu sacrifício. Nós não necessitamos abandonar-nos tanto nas mãos
de Deus como quando parece que Ele nos tem abandonado.
Assim tomemos a luz e o consolo quando nos dá, mas sem apegarmos demasiadamente
a eles. Quando Ele nos lança na noite da fé pura, marchemos até essa noite, e soframos
amorosamente esta agonia... Aceitamo-lo todo, até as provas com as quais somos provados.
Desta maneira, estamos secretamente em paz por esta vontade, que mantém uma reserva de
força nas profundidades da alma, para suportar a guerra. Louvado seja Deus, quem tem feito tais
coisas apesar de nossa indignidade!47

84
Capítulo 8 - A Perfeição Cristã na Teologia da Reforma

A contribuição mais decisiva da Reforma ao conceito da perfeição Cristã foi a recuperação do


ensinamento neotestamentário de que a vida cristã cabal pode ser a possessão de qualquer pessoa, em qualquer
das vocações da vida. a Confissão de Augsburgo expressa tal verdade em seu artigo sobre esse assunto, da
seguinte maneira:

A perfeição cristã é isto, temer a Deus sinceramente, e também conceber um grande fé, e
confiar que por causa de Cristo, Deus se tem pacificado até nós; pedir, e com certeza esperar a
ajuda de Deus em todos nossos assuntos, de acordo com nosso chamamento. Nestas coisas
consiste a perfeição verdadeira e o verdadeiro culto a Deus; não consiste no celibato, ou na
mendicidade ou em uma aparência vil.1

Aludindo ao trabalho da servente que cozinha, e limpa a casas, e faz outras tarefas domésticas, Lutero
escreve: “Posto que o mandato de Deus está ali, até uma tarefa pequena ou humilde deve ser louvada como um
serviço a Deus, que supera consideravelmente a santidade e o ascetismo de todos os monges e das monjas”2.
Declarações como esta se encontram freqüentemente nos sermões de Lutero. Melanchton expressa algo muito
similar: “Todos os homens, seja qual for sua vocação, devem buscar a perfeição, ou seja, crescer no temor de
Deus, na fé, no amor fraternal, e nas virtudes espirituais similares”3.

A. Martinho Lutero
A convicção da santidade na vida quotidiana do crente cristão foi uma conseqüência direta para Lutero, de
seu redescobrimento do evangelho. Para este reformador Jesus era tudo. Duas verdades neotestamentária
controlam seu pensamento: a humanidade de nosso Senhor e o centro de sua tarefa salvadora.
Em primeiro lugar, Lutero colocou a humanidade de Jesus no centro da devoção cristã. Muito
atinadamente observa Flew: “Aparte dos Evangelhos e das Epístolas aos Hebreus, não há hoje nada na literatura
cristã antes de Lutero que se compare a sua vividez, e seu sentimento profundamente religioso até a vida humana
de Jesus Cristo. É ali nesta vida humana, onde Lutero encontra a Deus”4. Se, como já vimos, Bernardo desertou
ao Senhor encarnado nas etapas mais elevadas da contemplação,5 Lutero declara o seguinte acerca do Jesus do
Novo Testamento:

Quando assim me imagino a Cristo, consigo vê-Lo verdadeiramente e atinadamente... e


então abandono todos os pensamentos e as especulações acerca da Majestade e da glória divina,
e me apego e me agarro á humanidade de Cristo... e assim aprendo a conhecer ao Pai através
d’Ele. Desta maneira brota tal Luz e conhecimento dentro de mim que me é possível conhecer
com certeza o que Deus é, e o que Ele quer.6

Seria difícil exagerar a importância desta mudança radical de foco para a piedade cristã que Lutero
efetuou. Deve-se recordar que a devoção medieval considerava que a mais alta expressão da vida espiritual era o
conhecimento e o amor de Deus que se descobriam ou conseguiam na contemplação. Mas para Lutero o
conhecimento de Deus não era um descobrimento humano obtido mediante a contemplação, mas a revelação
feita por Deus de Si mesmo, e o dom através de Jesus Cristo.

Nada experimentará a Deidade a menos que Ele queira ser experimentado; e assim quer
Ele que seja, ou seja, que o poderemos ver na humanidade de Cristo. se tu não encontras assim a
Deidade, jamais descansarás. Por tanto, deixa que os demais sigam com suas especulações e
falando da contemplação, e de como tudo é um encantamento de Deus, ou de como nós
constantemente estamos tendo uma antecipação da vida eterna, e de como as almas espirituais
principiam sua vida de contemplação. Mas eu te admoesto a que tu não aprendas assim a
conhecer a Deus.7

Há que assinalar outra diferença entre a piedade romana e a luterana. Apesar de seu ideal da
contemplação intelectual de Deus, a piedade católica era intensamente ética: a perfeição cristã significava amor
perfeito, ou seja amar a Deus por Si mesmo, e ao próximo em Deus. Para Lutero a experiência religiosa do perdão
dos pecados era o centro luminoso da piedade.

Pois assim como o sol brilha e ilumina com igual fulgor quando eu fecho os meus olhos,
assim mesmo este trono de graça, ou este perdão dos pecado, sempre está ali, ainda que eu caia.
E tal como eu vejo o sol outra vez quando abro os olhos, assim também eu tenho o perdão de
pecar uma vez mais quando olho a Cristo e regresso a Ele. Pelo qual não devemos medir o
perdão tão estreitamente como os néscios sonham.8
85
Como então nos faz santos a fé? Em primeiro lugar, todos os crentes desfrutam de uma perfeição “por
posição” ou imputada. Um intérprete contemporâneo de Lutero o explica da seguinte maneira:

Posto que a fé recebe e aceita o dom de Deus e assim é como os homens se tornam
santos através da fé, “santo” se torna o equivalente de “crente”. Os santos são os crente, e “fazer
santo” significa “ser feito um crente”. Na explicação que Lutero dá, a ênfase passa da santidade e
do processo de fazer santo à fé e ao ser trazido à fé, exceto que realmente não há diferença entre
os dois.9

Nesta interpretação, a fé é a perfeição. Entretanto isto não é o mesmo que dizer que Lutero não atribui
poder santificador à fé. Em seu prefácio à Epístola aos Romanos, ele explica como “somente a fé (nos) faz justos
e cumpre a lei”. Escreve:

Pois do mérito de Cristo (a fé) nos traz o Espírito, e o Espírito faz o coração alegre e livre
como a lei requer que seja. Todavia, a fé é uma obra divina dentro de nós. Nos muda e nos faz
que nasçamos de novo em Deus (João 1; mata o velho Adão e nos faz homens inteiramente
novos e diferentes, no coração, espírito, mente e capacidades, e traz consigo o Espírito Santo. Oh,
esta fé é algo vivente, ativo, dinâmico e poderoso, e por tanto é impossível não fazer boas obras
incessantemente! Não pergunta se há obras boas que se possam fazer, mas que, antes que
alguém faça a pergunta, já as fez, e as está fazendo sempre... É tão impossível separar as obras,
da fé, como é impossível separar o calor e a luz, do fogo.10

Em seu ensaio intitulado Sobre a Liberdade Cristã, Lutero se aproxima ao assunto da fé santificadora de
outra maneira. Em primeiro lugar, as virtudes cristãs se tornam a possessão da alma do crente “tal como o ferro
entre as brasas brilha como o fogo, devido a sua união com este”. Em segundo lugar, a fé tributa honra a Deus ao
atribuir a glória de ser fiel a suas promessas. Ao fazer tal coisa a alma se entrega a si mesma para que Deus faça
com elas como lhe apraz. “A terceira graça incomparável da fé é que une a alma com Cristo, como a esposa é
unida ao esposo, mistério pelo qual, como o Apostolo ensina, Cristo e a alma são feitos uma só carne. Tudo o que
pertence a Cristo a alma pode pedir. Cristo é todo graça, vida e salvação. Que a fé dê um passo adiante, e assim
fará a ditosa possibilidade de redenção e de vitória”.

Assim é como a alma crente, ao depositar sua fé em Cristo, se torna livre de todo o
pecado, sem temor da morte, salva do inferno e dotada com a justiça, a vida e a salvação eternas
de Cristo, seu esposo.11

Aqui Lutero chega ao mesmo umbral da doutrina neotestamentária da perfeição. Mas por pegar-se à
doutrina agostiniana do pecado original, como uma luxúria que permanece, ou concupiscência12, o reformador se
inibe de declarar, como Paulo, a possibilidade de uma libertação presente do pecado. E por tanto escreve: “Os
remanescentes do pecado se aferram todavia profundamente a nossa carne; por tanto, no que toca a carne,
somos pecadores, e isto ainda depois de termos recebido o Espírito Santo”13. Em outro lugar escreve: “O pecado
todavia está presente em todos os homens batizados e santos da terra, e eles devem lutar contra ele”14.
O pecado original, depois da regeneração, é como uma ferida que começa a cicatrizar-se;
ainda que é uma ferida com vias a sanar, todavia flui humor dela, e todavia está dolorida. Assim
mesmo o pecado original permanece nos cristãos até que morram, e embora esse pecado é
mortificado, e morre, continuamente. Sua cabeça esta feita em pedaços, de modo que não pode
nos condenar.15

Lutero se cuida do antinomianismo. Ainda que o pecado segue sendo “sentido” em “uma vida
verdadeiramente cristã”, não deve ser “favorecido”. “Por tanto temos de jejuar, orar e trabalhar, para dominar e
suprimir a luxúria... Enquanto a carne e o sangue perdurarem, assim também o pecado perdurará; pelo qual
sempre é algo contra o que há de lutar”16. Por tanto, a “novidade de vida” que temos através de Cristo, “somente
principia nesta vida, e jamais pode ser aperfeiçoada nesta carne”17. Todavia, o Espírito Santo continua levando
adiante sua obra santificadora em nós, se nós lutamos fielmente contra o pecado. “Assim é como nós temos de
crer constatemente na santificação, e ser mais e mais, ‘uma nova criatura’ em Cristo”18.
É claro que o que aleija o ensinamento de Lutero sobre a santificação e impede a possibilidade de uma
doutrina luterana de que haja uma perfeição evangélica presente, é a identificação que Lutero faz da doutrina
paulina da carne com a natureza humana.

B. João Calvino

86
A natureza evangélica da teologia de Calvino não admite nem a menor duvida. Para Ele, “uma verdadeira
conversão de nossa vida a Deus” consiste “na mortificação de nossa carne e do homem velho, e na vivificação do
Espírito”19. Isto é efetuado por nossa participação em Cristo:

Pois se participamos verdadeiramente de sua morte, nosso velho homem é crucificado por
seu poder, e o corpo de pecado expira, de modo que a corrupção de nossa antiga natureza perde
todo seu vigor (Rm 6:5-6). Se somos participantes de sua ressurreição, somos ressuscitados em
uma novidade de vida, que corresponde à justiça de Deus.20

“Por tanto, é assim que os filhos de Deus são livrados, pela regeneração, da servidão do pecado”21. A vida
do cristão há de ser uma vida de santidade. “Com que melhor alicerce pode iniciar”, se pergunta Calvino, “que o
da admoestação das Escrituras de que devemos ser santos porque nosso Deus é santo?”(Lv 19:2).

Quando se nos faz menção de nossa união com Deus, devemos recordar que a santidade
deve ser o ligamento dela, não porque tenhamos alcançado a comunhão com Ele pelo mérito da
santidade... mas porque é uma propriedade mui peculiar de sua glória não ter relação alguma com
a iniquidade e a impureza.22

Todavia, Calvino faz todo o possível para rechaçar a idéia de que está advogando por uma doutrina de
perfeição cristã:

Todavia eu não insistiria nele como se fosse uma necessidade absoluta de que a
condução de um cristã exale somente o evangelho perfeito; o qual, entretanto, deveria ser tanto
nosso desejo como aquilo ao que aspiramos. Mas eu não requero a perfeição evangélica tão
rigorosamente como para não reconhecer como cristão a essa pessoa que, todavia, não a tem
alcançado, posto que em tal caso todos ficariam excluídos da Igreja, já que não se pode encontrar
homem algum que não esteja a grande distancia desta meta.23

Não é difícil descobrir a razão pela qual Calvino limita a santidade cristã exeqüível. Exatamente como
Agostinho e Lutero, Calvino vê o crente irremissivelmente embaraçado pela carne. “Nós afirmamos”, reitera
Calvino, “que o pecado sempre existe nos santos até que são despojados do corpo mortal, posto que sua carne é
a residência desta depravação de concupiscência que é repugnante a toda retidão”24.
Usando copiosamente os argumentos de Agostinho, Calvino baseia sua pessimista posição em sua
compreensão de Romanos 7, e declarando com muita segurança: “Paulo está falando que de um homem
regenerado”25. Efetivamente, este é “o conflito entre a carne e o espírito que ele experimentou em sua própria
pessoa”26. Em uma passagem em que cita Platão pelo nome, Calvino explica a doutrina paulina da carne em
termos platônicos: “Enquanto habitarmos na prisão de nosso corpo teremos que manter um conflito incessante
com os vícios de nossa natureza corrupta”27.
Aceitando tal conceito platônico do corpo, Calvino tem que menosprezar as orações nas quais Paulo pediu
pela perfeição dos crentes; citando I Ts 3:13 escreve:

Efetivamente os celestinos antigamente perverteram estas passagens para demonstrar


uma perfeição da justiça na vida presente. Cremos que será suficiente contestar muito
brevemente, como Agostinho, “que todos os homens piedosos devem, desde já, aspirar a este
objetivo, ou seja, o aparecer um dia sem culpa e sem mancha diante da presença de Deus; mas
posto que a excelência suprema nesta vida não é nada mais que um progresso supremo nesta
vida não é nada mais que um progresso até a perfeição, nunca alcançaremos até que,
despojados num instante da mortalidade e do pecado, nos apegamos ao Senhor”.
Todavia, eu não discutirei pertinazmente com qualquer pessoa que escolha atribuir aos
santos o caráter da perfeição, sempre e quando também o defina com as palavras do mesmo
Agostinho, que disse: “Quando qualificamos a virtude dos santos como perfeita, a essa mesma
perfeição também pertence o reconhecimento da imperfeição, tanto de verdade com em
humildade”.28

Historicamente, o calvinismo tem sido o inimigo declarado de qualquer doutrina de perfeição cristã.
Todavia, muitos calvinistas tem aceitado uma doutrina de santidade prática mediante a experiência de se cheios
com o Espírito Santo. De modo que, ainda que estes mestres neguem a possibilidade da destruição do pecado,
entretanto advogam pela possibilidade de uma vida de vitória sobre a velha natureza que tem permanecido no
crente para aqueles que se põem sob a direção e o controle do Espírito que mora. Mas, reiteram com insistência,
enquanto os cristão habitarem neste corpo mortal, terá que contender com a velha natureza de pecado. Do nosso
ponto de vista, o erro desta posição se deve a que aceita uma identificação tácita do corpo mesmo com o pecado.
Tal posição é platônica, e não paulina.
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88
Capítulo 9 - A Perfeição Cristã no Período Pós Reforma

Teologicamente, a conquista mais significativa da Reforma foi a restauração da doutrina da justificação


pela fé a seu devido lugar de primazia. O homem não pode fazer nada para alcançar sua salvação. Não há mérito
algum resultante da obra ou justiça humana; a salvação é pela graça somente, pela fé somente, e para a glória
somente de Deus. a justificação pela fé é, tal como dissera Lutero, “o artigo que decide que a Igreja se levante ou
caia”.
Por tanto, seria impossível exagerar a contribuição dos reformadores com sua restauração da doutrina
bíblica fundamental da justificação pela fé. Mas, aqui nos lembramos do que o Dr. Paul Sherer disse acerca de
certos neo-protestantes deste século: “Se a justificação era a menina dos seu olhos, a santificação foi seu ponto
cego”. Ou usando a freqüentemente citada frase de Adolph Harnack, “menosprezaram excessivamente o
problema moral, o Sede santos porque Eu sou santo”1. Em sua reação contra a religião das obras do catolicismo
medieval, os reformadores se foram ao outro extremo, e não fizeram justiça ao ensinamento neotestamentária do
Espírito e sua obra santificadora. O resultado tendeu a dar-lhe uma forte ênfase à ortodoxia e a menosprezar uma
doutrina saudável da santidade e da espiritualidade cristã.
É por acaso esta a razão pela qual a Reforma não veio acompanhada de um extenso avivamento
espiritual? Sem dúvida alguma e havia uma base para ele, mas caiu em mãos de grupos como os pietistas
alemães, os quakers e os morávio desenvolver a superestrutura de uma Igreja cheia do Espírito. Foi uma grande
perda para a Igreja o que Lutero e Calvino não puderam vencer seu pessimismo agostiniano enquanto as
possibilidades da graça. Por não haver desenvolvido um ensinamento completo sobre a santificação, os
reformadores deixaram um vazio no protestantismo.

A. O Pietismo
Felipe Jacobo Spener (1633-1705) é considerado o pai do pietismo, que foi um movimento de renovação
espiritual entre os luteranos da Alemanha. Por sua vez Spener se inspirou na obra do místico asceta alemão
Johann Arndt, O verdadeiro cristianismo, a qual reforçava a necessidade do novo nascimento e o imperativo de
combinar o misticismo e a ética prática. A influência que se encontra atras de toda a teologia pietista é o
misticismo de Jesus, de Bernardo de Claraval2. Em sua obra Pia Desideria, Spener enuncia os princípios do
pietismo:
1) Exposição das Escrituras, pelos pregadores, em classes;
2) Os leigos são um sacerdócio espiritual (vide a seção sobre Lutero);
3) O Conhecimento de Deus é coisa do coração, não da cabeça;
4) A oração para curar os cismas, e para o aumento do amor;
5) Os teólogos tem de crescer na piedade tanto como aprender a doutrina;
6) Os sermões não são para defender doutrinas, mas para edificar aos crente.

A tolerância de Spener era uma exceção notável ao dogmatismo que reinava em seu tempo. Seu lema se
tornou clássico: “Nos pontos essenciais, unidade; nos pontos não essenciais, liberdade; em todas as coisas,
amor”.
A marca característica do pietismo foi sua busca da santidade pessoal. Spener organizou aso que
buscavam a santidade em classes que ele chamou collegia pietatis. Spener dava mais ênfase ao novo nascimento
que a justificação. Insistia em que a prova de que alguém havia sido justificado ente Deus é sua obediência
amante e uma paixão de viver em santidade. Este místico alemão enfatizava mais a Cristo em nós que a Cristo
por nós, e a comunhão com Deus mais que a reconciliação com Deus. Uma pessoa que tenha nascido de Deus
pode, armado de uma intenção pura, observar cabalmente a lei de Deus, posto que o que Deus requer não é o
conhecimento perfeito mas a simplicidade de mover. Desta maneira, ou por esta razão, o amor é o cumprimento
da lei. A perfeição cristã é então, relativa, em processo gradual que será completado na vida futura.
O sucessor de Spener foi Augusto Hermann Francke (1663-1727), cujo ensinamento da perfeição foi mais
tipicamente luterana. Certo que reafirmou a santificação, mas “a fundiu e a confundiu” com a justificação4. Em sua
obra sobre a perfeição cristã, Francke descreve três etapas no progresso do crente até a meta final. Em seu
avanço ate a perfeição, o cristão passa da infância para a juventude e para a maturidade espiritual. O sinal
decisivo de maturidade espiritual é a capacidade para distinguir entre o bem e o mal (vide Hb 5:14)5.

B. Os Quakers
Tal vez haja algo de verdade na frase de Tomas Carlyle de Jorge Fox (1624-90) foi “o protestante entre os
protestantes”. Flew opina que os ensinamentos de Fox podem ser considerados como “o resultado lógico do
conceito luterano da fé” como uma confiança completa do homem em Cristo. sua doutrina da “luz interior” não a
faz idêntica à justificação pela fé, mas se eleva ao nível mais alto possível o sentido de responsabilidade pessoal
no coração desta doutrina6. Flew crê que no que toca a compreensão espiritual e ética, Fox vai muito mais a fundo
que os reformadores, “o que consigo precisamente graças ao seu ensinamento sobre a perfeição”. Em seguida

89
Flew faz uma declaração muito contundente: “A doutrina quaker tem esta distinção entre todos os tipos de
ensinamentos desde o século terceiro até o dezoito, que regressou de todo o coração à atitude do Novo
Testamento”7.
Desde o princípio Fox ensinou que a luz interior significa emancipação do pecado. Pouco tempo depois de
seu despertamento religioso Fox teve ema segunda experiência, em 1648, quando tinha 24 anos de idade. A
descreve assim:

Agora eu havia entrado em espírito mais além da espada incandescente, até o paraíso de
Deus. todas as coisas eram novas, e toda a criação exalava um odor diferente ao de antes, mais
alem do que as palavras podem descrever, eu não sabia nada exceto pureza e inocência e justiça,
havendo sido renovado à imagem de Cristo Jesus, de modo que digo que eu havia chegado ao
estado de Adão, e ao que ele era antes de cair.8

Fox continua seu relato dizendo que foi “arrebatado em espírito para que viesse outro estado mais firme
que o de Adão em sua inocência, ou seja um estado em Cristo Jesus para que nunca caísse”. Esta posição radical
que os mesmos escritores quakers modificaram depois, mas para Fox esta experiência lhe deu entrada a um
estado que aparentemente se tornou permanente, de vitória constante sobre o pecado.
Dois anos depois, durante seu encarceramento em Derby, Fox lhes disse o seguinte a “diversos
professantes” que vieram a “advogar pelo pecado e imperfeição”:

Se vossa fé é verdadeira, os dará vitória sobre o pecado e o diabo, purificará vossos


corações e consciências e os trará a um estado em que agradareis a Deus, e os dará acesso
outra vez ante Ele. Mas eles não puderam tolerar estas idéias de pureza, e de vitória sobre o
pecado e o diabo, posto que disseram que não podiam crer que pessoa alguma pudesse ser livre
do pecado desta lado da tumba.9

A doutrina aceita destes tempos não deixava lugar para uma doutrina como a de Fox. A teologia de todas
as escolas estava dominada pela convicção agostiniana da pecaminosidade inextirpável do homem. Lado a lado
desse pessimismo teológico havia um estado pateticamente baixo de moralidade e de espiritualidade em todo o
país. é fácil entender porque Fox escreveu o seguinte, depois de uma revelação especial do Senhor:

Ele me mostrou que os sacerdotes não eram da verdadeira fé, da qual Cristo é o autor;
essa fé que purifica e que da a vitória, e que outorga à gente o acesso a Deus, e pela qual
agradam a Deus.10

Depois de outra iluminação, o sentido de missão de Fox foi clarificado:

Minha missão era tira-los de todos os companheirismo do mundo, e todas as orações, e


todos os cânticos que eram meras formas sem poder; a fim de que seu companheirismo
pudessem ser com o Espírito eterno de Deus, a fim de que pudessem orar no Espírito Santo, e
cantar no Espírito, e com a graça que vem de Jesus.11

C. E. Hinshaw escreve que, do ponto de vista de Fox, “a salvação não é meramente o ser isento do
castigo que o pecado merece, mas consiste em ser livrado do poder e do domínio do mal... O justiça de Cristo não
é uma túnica para cobrir a deformidade do pecado, mas uma fonte de águas vivas para purificar a alma”12.
O ensinamento de Fox, de que um cristão pode ser restaurado à inocência que Adão tinha antes da
queda, “ou seja um estado em Cristo Jesus para que nunca caísse”, foi, desde logo, um extremo e sem base
bíblica. A queda de James Nayler se tornou um grande opróbrio para os quakers, e dali em diante seus escritores
procuraram proteger os ensinamentos de Fox do fanatismo. Willian Penn explica e limita a doutrina muito
cuidadosamente da seguinte maneira:

Por quanto temos declarado a imperiosa necessidade de uma liberdade perfeita do


pecado, e uma santificação cabal no corpo, alma e espírito, que há de desfrutar-se deste lado da
tumba, pela operação do santo e perfeito Espírito de nosso Senhor Jesus Cristo, de acordo com o
testemunho da Santa Escritura, se nos apresenta (ou seja, se nos reapresenta) tão presumidos
como para declarar que a plenitude da perfeição e da felicidade se pode alcançar nesta vida:
quando na realidade nós não somente estamos longe destas debilidades que nos acompanham,
quanto que estamos vestidos de carne e sangue, mas que também sabemos que somente
podemos “conhecer em parte e ver em parte”, e que a perfeição de sabedoria, de glória e de
felicidade está reservada para outro mundo melhor.13

90
Robert Barclay chegou a ser o teólogo oficial do quakerismo. Em dois de suas preposições teológicas
Barclay de fato apresenta um doutrina equilibrada de perfeição cristã:

Naquele em quem este nascimento puro e santo é cabalmente realizado, o corpo da morte
e do pecado chega a ser crucificado e eliminado, e seu coração unido e sujeitado à verdade; para
não obedecer a sugestão ou a tentação alguma do mal, mas para ser livre de pecados
manifestados e de transgressões da lei de Deus, e a esse respeito esse cristão é perfeito: porém
esta perfeição todavia admite um crescimento, e sempre permanece em alguma forma uma
possibilidade de pecar, nesses casos em que a mente não obedece ao Senhor diligente e
cuidadosamente.14
Ainda que este dom e graça interior de Deus é suficiente para realizar a salvação, todavia,
naqueles que a resistem, podem tornar-se e se tornam sua condenação. E mais, aqueles em cujos
corações tem trabalhado em parte para purificar e santifica-los a fim de obter sua perfeição maior
ou subsequente, podem, por sua desobediência, cair dela, tornar-se à dissipação, naufragar na fé,
e depois de haver desfrutado do dom celestial e de haver sido feitos participantes do Espírito
Santo, cair outra vez; todavia, pode nesta vida alcançar tal crescimento e estabilidade na verdade,
da qual não pode haver apostasia total.15

A glória culminante da doutrina dos quakers é que encontrou seu centro na cruz de Cristo. “Ali encontrou
Jorge Fox o poder para essa vida que nunca se dá por vencida que é a vida perfeita... A frase favorita de Fox era:
‘A cruz é o poder de Deus’. A expiação era interna”16.

Agora que conheceis o poder de Deus e tenhais vindo a ele, que é a cruz de Cristo, que
os crucifica (até traze-los) ao estado em que Adão e Eva estavam, na queda, e por tanto ao
mundo, por este poder de Deus vós chegais a ver o estado em que viviam antes de haver caído, o
qual poder de Deus é a cruz, na qual repousa a glória eterna, a qual resulta na justiça, a santidade
e a imagem de Deus, e crucifica a injustiça, a falta de santidade e a imagem de Satanás.17

Depois de que regressou à cruz de Cristo na qual encontrou a sanidade para sua caída da graça, James
Nayler disse em seu leito moribundo as seguintes palavras que postulam o ensinamento quaker em belo
equilíbrio:

Há um espirito que, em minha opinião, de deleita em não fazer mal, nem em vingar-se de
dano algum, mas que se deleita em sofrer todas as coisas... Sua esperança é sobreviver a
qualquer ira e contenção e deixar para traz toda exaltação e crueldade, ou tudo aquilo que seja de
natureza contrária a si. Anela o fim de todas as tentações. Posto que não leva mal algum em seu
seio, tão pouco pensa o mal para nada mais. Se é traído, o suporta, posto que seu manancial é a
misericórdia e o perdão de Deus. Sua coroa é a mansidão, sua vida é eterno amor não fingido; e
ocupa seu trono com rogos e não com disputas, e o conserva com mansidão de mente.18

C. Os Morávios
Os morávios, ou unitas fratrum, como preferiam ser chamados, eram descendentes dos taboritas, um
ramo estreito dos discípulos de John Huss. Em 1722 se estabeleceram nos terrenos de Nicolas Luis, conde de
Zinzendorf, e eles formaram uma aldeia a qual deram o nome de Herrnhut, na Alemanha. Aquel se uniram a outro
grupo de refugiados, os schwenckfelders, e depois de resolver certos assuntos doutrinais adotaram com eles a
disciplina (Ratio Disciplinae) de Johann Comenio, teólogo e pedagogo morávio.
No Verão de 1727, a comunidade de Herrnhut esperimentou uma visitação extraordinária do Espírito
Santo. Os morávios a consideraram outro Pentecostes, e o nascimento da Igreja reavivada. Se agruparam em
pequenos grupos para a edificação espiritual e iniciaram imediatamente a enviar missionários, cinqüenta anos
antes de Carey e o movimento missionário moderno.
Foi precisamente um grupo destes missionários que deram a John Wesley, em sua viagem a América, o
primeiro testemunho que ele jamais havia ouvido da salvação pela fé. Seu evidente espírito neotestamentário
atraiu o pregador inglês aos morávios, e o fez manter com eles estreitas relações durante seus anos dois anos no
Novo Mundo. Ao regressar a Londres, em 1783, Wesley conheceu outro morávio, Pedro Böhler, quem resultou ser
o instrumento de Deus para mostrar a Wesley a verdadeira natureza da fé justificadora. O morávio estimulou a
Wesley dizendo-lhe: “Pregue a fé até que a tenha; e então, porque a tens a pregarás”18.
Por este conselho Wesley iniciou a pregar a fé. Dois meses depois, na noite de 24 de Maio, Wesley teve
sua notável experiência “do ardor estranho” em seu coração, na reunião à que havia ido de má vontade, de uma
sociedade (que provavelmente era morávio), na rua Aldersgate, na cidade de Londres. “Senti que confiava em
Cristo, em Cristo somente, para a salvação” escreveu Wesley em seu Diário, “e me foi dada a segurança de que
Ele havia tirado meus pecados, ainda os meus, e me havia salvado da lei do pecado e da morte”19.

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Também com os morávios Wesley encontrou pela primeira vez as “pessoas que também haviam sido
salvas tanto dos pecados interiores como dos exteriores”. Em uma visita que Wesley fez a Herrnhut em Agosto de
1738, aonde havia ido a conversar “com estes testemunhos vivos do poder cabal da fé”, Wesley conheceu a Arvid
Gradin, quem lhe deu a primeira definição de “a completa certeza da fé” que ele jamais havia ouvido de “ser algo
vivo”. Esta foi a direção que Wesley vinha buscando, e a escreveu palavra por palavra, em latim, que também
traduzo:

Repousa no sangue de Cristo. uma confiança firme em Deus, e persuasão de seu favor;
uma paz serena e uma tranqüilidade firme da mente, com uma liberação de todo o desejo carnal,
e de todo o pecado externo e interno. Em uma frase, meu coração, que antes estava agitado como
um mar embravecido, agora estava quieto e tranqüilo, e em uma doce calma.20

De Michael Linner, “o mais antigo na Igreja”, e de Christian David, Wesley aprendeu pela primeira vez a
diferença entre um crente justificado e um inteiramente santificado. Ao referir-se à pregação de Linner, Wesley
escreve:

Três vezes ele descreveu o estado dos que são “débeis na fé”, os que são justificados,
mas que não tem todoavia um coração novo e limpo; os que tem recebido perdão através do
sangue de Cristo, mas que não tem recebido a morada constante do Espírito Santo...
Uma segunda vez ele... (me) mostrou a natureza desse estado intermediário, que a
maioría experimenta entre a escravidão descrita no capítulo sete de Romanos, e a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus, descrita no capítulo oito, e em muitas outras partes das Escrituras...
Ele explicou isto... usando as passagens da Bíblia que descrevem o estado em que os apóstolos
estavam... antes da descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes.21

Todavia os morávios não enfatizaram a doutrina, e não é fácil dizer com exatidão qual era seu credo. Em
discussões doutrinarias que Wesley teve posteriormente com os morávios, ele encontrou um entendimento
sumamente divergente da perfeição entre eles, que refletia as ênfases tradicionais luteranas e reformada.
Três anos depois de sua experiência em Aldersgate, em Maio de 1741, Wesley teve “uma conversa de
várias horas” com Böhler e com Spangenberg. O tema foi a nova criatura. Esta é a maneira em que Spangenberg
descreveu a reunião:

O momento em que somos justificados, uma nova criatura é posta em nós. Isto é chamado
de novo homem.
Mas, não obstante, a velha criatura, ou o velho homem permanece em nós até o dia da
nossa morte.
E neste velho homem permanece um velho coração, corrupto e abominável, pois a
corrupção interior permanece na alma tanto quanto a alma permanece no corpo.
Mas o coração que está no novo homem é limpo. E o novo homem é mais forte que o
velho; de modo que ainda que o corrupção luta continuamente, até ponhamos nossos olhos em
Cristo não pode prevalecer.
Eu lhe perguntei: “Há todavia um velho homem em você?” Me respondeu: “Sim, e o
haverá enquanto eu viver”. Logo disse: “Há então corrupção em seu coração?” Respondeu: “No
coração do velho homem há. Mas não no coração de meu novo homem”. Tornei a perguntar:
“Concorda a experiência de seus irmãos com as suas?” Ele replicou: “Eu sei que o que te digo é a
experiência de todos os irmãos e irmãs por toda a Igreja”.
Alguns dos irmãos e irmãs metodistas que estavam sentados ao lado falaram então do
que haviam experimentado. Ele lhes disse (com muita emoção, que se notava no tremor de suas
mãos): “Todos vocês estão se enganando. Não há estado mais elevado que o que lhes descrevi.
Estão em um erro perigoso. Não conhecem o que há em seus próprios corações. Se enganam
imaginando que suas corrupções tenham sido retiradas, quando na realidade somente tem sido
cobertas. A corrupção interior nunca pode ser eliminada, até que nosso corpo esteja na terra”.22

Em Setembro de 1741 Zinzerdorf esteve em Londres e se reuniu com Wesley. Os dois conversaram sobre
o tema da perfeição, que Wesley depois escreveu em latim. Na continuação está uma tradução de suas
passagens básicas:

Z. Não reconheço que há perfeição inerente alguma nesta vida. Isto é o erro dos erros. O
persigo através do mundo com fogo e espada... Cristo é nossa única perfeição. Todo aquele que
advoga pela perfeição inerente nega a Cristo.
W. Mas eu creio que o Espírito de Cristo realiza esta perfeição nos verdadeiros cristãos.

92
Z. De maneira nenhuma. Toda nossa perfeição é em Cristo. Toda perfeição é fé no
sangue de Cristo. Toda perfeição cristã é imputada, não inerente. Somos perfeitos em Cristo; em
nós mesmos nunca seremos perfeitos.
W. Creio que estamos discutindo por palavras.

Entretanto, as seguintes palavras deixam de ver que havia uma diferença significativa entre Wesley e
Zinzendorf:

Z. Quando digo perfeição não quero dizer nada mais que amar a Deus de todo o coração.
W. Mas isto não é sua santidade. Não é mais santo se ama mais, nem menos santo se
ama menos.
Z. Que disse! Acaso não cresce em santidade cada crente conforme cresce seu amor?
W. De maneira nenhuma. No momento em que é justificado, é inteiramente santificado.
Desde este momento em diante, não é nem mais nem menos santo, e isto até a morte...
Z. Mas não morremos mais e mais para o mundo e vivemos mais e mais para Deus no
grau em que nos negamos a nós mesmos?
W. Nós rechaçamos toda auto-negação. A pisoteamos... Nenhuma perfeição precede ao
amor perfeito.23

Foi depois desta conversa que Wesley separou seu metodismo da sociedade de Fetters Lane, onde
haviam estado associados com os morávios; todavia, até seu fim, Wesley reconheceu a dívida que tinha com eles,
incluindo o ato do testemunho de Arvid Gradin, que inclui em sua obra famosa, A Perfeição Cristã, e ao qual já nos
referimos antes: “(Foi) a primeira vez que escutei de homem vivente algo que eu mesmo havia aprendido dos
oráculos de Deus, algo que eu havia estado pedindo em oração, e, (com o pequeno grupo de meus amigos), havia
estado esperando, por vários anos”.

93
Capítulo 10 - A Doutrina Wesleyana da Perfeição

“A reconstrução wesleyana da ética cristã da vida”, assevera George Croft Cell, “é uma síntese original e
peculiar da ética protestante da graça, com a ética católica da santidade”. No pensamento de Wesley se
combinam a ênfase caracteristicamente religiosa da tradicional doutrina protestante de justificação pela fé e o
interesse especial do pensamento e da piedade evangélica. Esta combinação sucede primeiro, desde cedo, nas
páginas do Novo Testamento1.
Cell apresenta argumentos muito convincentes para demonstrar que essa “nostalgia pela santidade”, o
anelo de ser como Cristo que capturou a imaginação de Francisco de Assis, constitui “a medula do cristianismo”.
Foi precisamente esta “ênfase perdida do cristianismo” o que foi despertando cada vez menos interesse na
primeira etapa do protestantismo. Cell cita a observação de Harnack, e está de acordo com ela, de que o
luteranismo, em sua compreensão puramente religiosa do evangelho, menosprezou demasiadamente o problema
moral, o Sede santo porque Eu sou santo. “É neste preciso ponto”, continua Cell, “onde Wesley se alça da altura
de um pináculo. Ele restaurou a menosprezada doutrina da santidade a seu lugar merecido na compreensão
protestante do cristianismo”2.
Por tanto, da perspectiva da cristandade histórica, a doutrina wesleyana da perfeição cristã não é um
provincialismo teológico, ao fundir a justificação e a santificação, o pecado original e a perfeição cristã, restaurou a
mensagem do Novo Testamento a sua plenitude original. Wesley “havia vislumbrado a unidade básica da verdade
cristã de que compartilhavam tanto a tradição católica como a protestante”3.
Assim compreendeu Wesley sua mensagem. Em seu sermão intitulado “A Vide de Deus”, ele disse:

Freqüentemente se tem feito a observação de que muito poucos tem desenvolvido uma
idéia clara quanto a justificação e santificação. Quem escreveu mais habilmente sobre a
justificação pela fé somente, que Martinho Lutero? E quem era mais ignorante da doutrina da
santificação, ou mais confundido em seus conceitos sobre ela?... Por outro lado, quantos
escritores católicos (como Francisco Sales e Juan Castiniza, em particular) tem escrito
categoricamente e com fundamento bíblico sobre a justificação, e entretanto desconheciam
completamente a natureza da justificação! Tanto assim que todo o corpo de seus teólogos no
Concílio de Trento... completamente confundiu a santificação e a justificação. Mas atribuo a Deus
o dar aos metodistas um conhecimento cabal e claro de ambos, e a ampla diferença entre as
duas.
Sabemos, desde cedo, que ao mesmo tempo que um homem é justificado a santificação
propriamente principia, porto que quando é justificado é “nascido de novo”, ou “nascido do
Espírito”, o qual, ainda que não é (como alguns supõe) todo o processo de santificação, é sem
duvida alguma, a porta dela. Deste também Deus tem desejado dar aos metodistas uma
compreensão cabal...
Estes declaram, com igual zelo e diligência, a doutrina de uma justificação gratuita, cabal e
presente, e a igualmente importante doutrina da inteira santificação tanto de coração como de
vida; são tão tenazes quanto à santidade interior como qualquer místico, mas tão interessados no
extremo com qualquer fariseu.4

O genial do ensinamento wesleyano, afirma o doutro Cell, é que nem confunde nem divorcia a justificação
da santificação, mas que “lhes dá igual importância a uma e a outra”.

A. O Enunciado Wesleyano
A doutrina completamente desenvolvida de Wesley é postulada em seu livro Uma clara explicação da
perfeição, que foi publicada em 1766. Sua quarta edição, publicada em 1777, representa a declaração definitiva
de sua posição. A Perfeição Cristã (título abreviado com que se conhece esta obra), inclui as declarações
completas de quase todo o que Wesley escreveu sobre o tema antes da publicação do livro. Aqui está a doutrina
da perfeição tal como ele a proclamou e a defendeu. Ao ler A Perfeição Cristã deve-se recordar que aqui Wesley
está delineando o progresso de seu próprio pensamento, e que as declarações das primeiras seções nem sempre
representam sua posição final. É na parte final do livro onde descobrimos a compreensão madura de Wesley em
quanto à perfeição cristã.
O resumo de onze pontos, que Wesley dá e que aparece quase ao final do livro, é uma apresentação
condensada da doutrina:
1. Existe a perfeição cristã, porque é mencionada várias vezes nas Escrituras.
2. Não se recebe tão cedo como a justificação, porque os justificados devem seguir adiante à perfeição
(Hb 6:1).
3. Se recebe antes da morte, porque São Paulo falou de homens que eram perfeitos nesta vida (Fp 3:15).
4. Não é absoluta. A perfeição absoluta pertence, não aos homens, nem aos anjos, mas somente a Deus,
5. Não faz o homem infalível; ninguém é infalível enquanto permanecer neste mundo.
94
6. É sem pecado? Não vale a pena discutir sobre um termo ou palavra. É “salvação do pecado”.
7. É amor perfeito (I Jo 4:18). Esta é sua essência; seus frutos ou propriedades inseparáveis são: estar
sempre alegres, orar sem cessar, e dar graças em tudo (I Ts 5:16).
8. Ajuda o crescimento. O que goza da perfeição cristã não se encontra em um estado que não possa
desenvolver-se. Pelo contrário, pode crescer na graça mais rapidamente que antes.
9. Pode perder. O que goza da perfeição cristã pode, todavia, errar, e também perde-la, do qual temos
alguns casos. Mas não estávamos completamente convencidos destes até cinco ou seis anos atras.
10. É sempre precedida, e seguida por uma obra gradual.
11. Alguns perguntam: “É em si instantânea ou não?... A miúdo é difícil perceber o momento em que o
homem morre, todavia há um instante em que cessa a vida. Da mesma maneira, se cessa o pecado,
deve haver um último momento de sua existência, e um primeiro momento de nossa liberação do
pecado.5

Estes são os pontos que sobressaem do ensinamento wesleyano. Mas a doutrina tem uma história
demasiada antiga e contínua, como temos visto, para ser clarificada meramente como um doutrina wesleyana.
John Wesley seria o primeiro em repudiar tal coisa. Como Cell anota, Wesley encontrou a verdade da perfeição
“na trama da tela” das Escrituras. Sua busca imediata foi estimulada pela leitura de quatro livros: A Imitação de
Cristo de Tomas de Kempis; Rules and Exercise of Holy Living and Dying pelo Bispo James Taylor; Christian
Perfection, e A Serius Call to a Devout and Holy Life, de Willian Law. Mas muito tempo antes de Wesley, e antes
de que estes escritores místicos despertarem seu desejo de ter a santidade, os pais gregos e latinos haviam
apresentado a doutrina em largas expressões, como temos procurado demonstrar nesta obra. Ao formular sua
doutrina da perfeição, John Wesley se nutriu nestas correntes mais ricas e profundas da tradição cristã. A
conclusão que o doutor Flew faz é inteiramente justa:

A doutrina da perfeição cristã - entendida não como uma declaração de que a meta final
da vida cristã possa alcançar-se nessa vida, mas como uma declaração de que um destino
sobrenatural, uma conquista relativa da meta que não exclui o crescimento, é a vontade de Deus
para nós nesta vida e que é exeqüível - jaz não meramente sobre os caminhos da teologia cristã,
mas sobre o caminho que conduz até em cima.7

Mas também é certo que John Wesley deu a doutrina um formato inteiramente novo. A originalidade de
Wesley se vê principalmente na forma na qual ele situou a verdade da perfeição no centro da compreensão
protestante da fé cristã. Também, livrou a doutrina de qualquer noção de mérito, e a apresentou completamente
como o dom da graça de Deus. O amor perfeito é exeqüível agora mesmo, pela fé.
O fato de que Wesley viu isto com tanta claridade leva a Colin W. Williams a por em dúvida a declaração,
antes citada, de Cell de que a teologia de Wesley “é uma síntese... da ética protestante da graça, com a ética
católica da santidade”8. A ética católica atribui mérito à santidade, mas Wesley inteiramente separou a doutrina, do
nível ou ordem do mérito, e a colocou na ordem da graça. Seu conceito de santificação é pela fé somente. Isto,
afirma Gordom Rupp, é o que deu ao evangelho wesleyano sus forma e sua coerência9.
Para Wesley o mero centro da perfeição é o agape - o amor de Deus para o homem. Seu “foco ardente” é
a expiação. “O amor perdoador está na raiz de todo ele”10. Um dos versículos que Wesley cita com mais
freqüência é essa frase de I João: Nós amamos a Ele, porque Ele nos amou primeiro”. O amor de Deus não é o
amor natural de eros, mas o amor do homem que responde ao amor prévio de Deus. A santificação, para Wesley,
como a justificação, é do princípio ao fim a obra de Deus. A justificação é o que Deus faz por nós mediante o
Cristo; a santificação é o que Deus faz em nós mediante o Espírito Santo. “Tudo provém de Deus, que nos
reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo” (2 Co 5:18). Este teocentrismo definitivo e saturador livra sua
doutrina da perfeição, de todas as tendências místicas e humanísticas que se encontram na maioria dos
enunciados católicos dela.
Além do mais, Wesley venceu os aspectos objetáveis da doutrina agostiniana do pecado original. Em seu
Perfeição Cristã, Wesley afirma: “Adão caiu, e seu corpo incorruptível se tornou corruptível; e desde então é um
peso para a alma, e estorva suas operações”11. Mas nesta frase está inteiramente ausente da idéia platônica de
um corpo mau, assim como a ênfase agostiniana na concupiscência, com sua identificação concomitante da
natureza humana e da natureza pecaminosa. De acordo com Wesley, o significado da carne em Romanos 7 é
“todo o homem tal como ele é por natureza”12, (ou seja, aparte de Cristo), e incluindo ambas as coisas: “um poder
motivador interior de inclinações más, e apetites do corpo”13. A essência do pecado original não é a luxuria mas “o
orgulho, pelo qual o roubamos de Deus seu direito inalienável, e usurpamos idolatramente sua glória”14. “Os
pecados da carne são os filhos, não os pais do orgulho; e o amor a si mesmo é a raiz, não o ramo, de todo o
mal”15.
Esta interpretação hebraica do pecado é a perspectiva controladora de Wesley em sua tarefa de
desenvolver seu ensinamento da santificação. Se a quinta-essência do pecado é uma relação pervertida com
Deus, a quinta-essência da santidade é uma relação correta e restaurada pela graça. De modo que para Wesley,

95
toda santidade ou perfeição está em Cristo, e somente em Cristo, posto que somente através d’Ele somos
restaurados ao companheirismo com Deus. o pecado que se tem estendido como uma lepra por toda a alma do
homem caído, é sanado pela graça mediada por Cristo.

Temos esta graça, não somente de Cristo mas n’Ele, pois nossa perfeição não é como a
de uma arbusto, que floresce pela seiva que deriva de sua própria raiz, mas... como a de um ramo
a qual, ao estar unida à videira, tem fruto, mas a que, se é separada dela, seca e murcha.16

A declaração mais eloqüente da posição de Wesley a encontramos na parte final da Perfeição Cristã, e diz
assim:

O mais santo dos homens necessita ainda de Cristo como seu profeta, como “a luz do
mundo”. Porque Ele não lhes dá luz se não de momento a momento; desde o instante em que Ele
se retira de nós, tudo é trevas. Necessitam ainda a Cristo como seu Rei, pois Deus não lhes dá
um depósito de santidade. De não receber uma provisão de santidade a cada instante, não teria
outra coisa que impureza. Necessitam ainda a Cristo com seu Sacerdote, para que por meio d’Ele
apresentar santo e consagrado a Deus. Ainda a santidade perfeita é somente aceitável a Deus por
meio de Jesus Cristo.17

Assim William interpreta corretamente a Wesley ao escrever: “A ‘santidade sem a qual ninguém verá ao
Senhor’, da qual Wesley fala, não é uma santidade julgada por normas morais objetivas, mas uma santidade em
termos de uma relação ininterrupta com Cristo, o Santo. O cristão perfeito é santo, não porque se tem elevado a
certa norma moral requerida, mas porque vive neste estado de companheirismo ininterrupto com Cristo”18.
Esta é uma doutrina protestante da perfeição. A fé é a perfeição. Ma a perfeição não é meramente
imputada, mas que também é compartilhada. Agraciado com a fé santificadora o crente experimenta o ser cheio
com o amor de Deus pelo dom do Espírito Santo (vide Rm 5:5), e por esse mesmo ato seu coração é purificado
(At 15:8-9). Wesley reafirmou: “A inteira santificação não é nem mais nem menos que o amor puro, o amor que
expulsa o pecado, e que governa ambos, o coração e a vida”. E é o mesmo que ele pregou: “É o amor excluindo o
pecado; é o amor enchendo o coração, atingindo toda a capacidade da alma... desde que o amor encha todo o
coração, que lugar há ali para o pecado?”19 Sua insistência sobre esta verdade levou a Wesley a separar-se de
Zinzendorf. A fé aperfeiçoada em amor mediante a plenitude do Espírito é a essência da doutrina wesleyana da
perfeição cristã.
Welsey disse que esta doutrina “era o grande depósito que Deus havia armazenado no povo chamado
metodista”. Philip Schaff a chama “a doutrina final e culminante do metodismo”. E Frederic Platt a identifica como
“a doutrina preeminentemente distintiva do metodismo”.
Em seu livro intitulado Understanding the Methodist Church, Nolan B. Harmon escreve:

A doutrina da perfeição cristã tem sido a contribuição doutrinária específica que o


metodismo fez à Igreja universal. John Wesley a chamou: “A doutrina peculiar que se nos tem
encomendado”. Em tudo mais temos sido, como devemos ser, seguidores alegres e dinâmicos na
corrente principal da crença cristã. Mas nesta doutrina nos erguemos sós e declaramos um
ensinamento que ergue sem temor, e que chega até o cetro de Deus.

Contudo outro autor metodista, John L. Peters, reconhece o seguinte: “Todavia, se queremos ser
cândidos, dificilmente podemos manter que no ensinamento e na pregação da Igreja (metodista) esta doutrina tem
hoje sequer um lugar parecido com o lugar tão significativo que Wesley lhe deu”21. Se bem que há multidões de
metodistas que entesouram a doutrina wesleyana da perfeição cristã, a proclamação desta mensagem tem
passado quase que inteiramente às denominações do movimento contemporâneo da santidade. Este movimento
inclui a Igreja Wesleyana, a Igreja Metodista Livre, o Exército da Salvação, a Igreja de Deus (Anderson, Indiana), e
a Igreja do Nazareno, além de vários grupos menores que incluem algumas organizações da Sociedade de
Amigos (os quakers). Desde a década de 1860, a Associação Cristã de Santidade tem sido a expressão
interdenominacional da doutrina wesleyana. “Seu propósito principal sempre tem sido a propagação da mensagem
da perfeição cristã e suas aplicações práticas nos campos missionários, na educação e nas necessidades
sociais”22.

B. Na Direção de uma Teologia da Perfeição Cristã


Nas páginas desta obra desejo sugerir um esboço para uma doutrina contemporânea da perfeição cristã.
Tendo presente o caminho que temos tomado através da história do pensamento cristão, há várias normas finais
que nos parecem justificadas:
1. Em primeiro lugar, uma teologia de perfeição cristã deve principiar com uma definição lúcida do pecado.
O pecado não pode ter significado algum aparte do abuso da liberdade humana. J. S. Whale tem escrito:

96
A essência do pecado é a egocêntrica repudio do homem de sua natureza distintiva. Sua
base final é o orgulho que se rebela contra Deus e rechaça seu propósito. Sua manifestação ativa
é o amor do homem a si mesmo, que “muda a glória de Deus incorruptível em semelhança da
imagem do homem corruptível”. A liberdade do espírito final, a liberdade do homem para Deus e
em Deus, é pervertida ao grau que termina sendo liberdade de Deus. Imago Dei se interpreta
como que dizer: “Sereis com Deus”.23

Se a teologia wesleyana há de ser bíblica, deve repudiar a interpretação agostiniana do pecado inato,
como uma concupiscência que permanece. A depravação moral pode somente entender-se como uma
conseqüência do pecado mais básico, e prévio, do orgulho (vide Rm 1:18-25). O orgulho guia o homem a buscar
satisfação na criatura em vez de buscá-la no Criador glorioso. “É na obsessão indevida do homem no finito onde
os apetites sensuais da mais baixa classe principiam a elevar-se e a demandar domina-lo”24.
A graça santificadora deve sanar o homem no centro de seu ser; deve crucificar seu orgulho ambicioso e
presunçoso. Quando isto é alcançado, a sanadora graça de Deus se estende a todos seus afetos e desejos,
fazendo dele uma pessoa completa e sã.
2. Em segundo lugar, a doutrina da perfeição cristã deve evitar o erro de fazer da experiência um assunto
mágico e sem implicações morais. Claro que uma formulação clara do pecado do homem ajudará muito na
solução deste erro. A partir do momento em que a purificação que o Espirito santificador realiza vai mais
profundamente que nossa consciência. Todavia, nós devemos sempre insistir em que a perfeição cristã tem seu
princípio, em uma crise moral, à que Wesley chamou morte ao pecado, e que continua em uma relação mantida
de confiança obediente.
Wesley viu isto claramente quando seu pensamento alcançou maturidade, e então nos advertiu:

Não tende a desviar aos homens o falar de um estado justificado ou santificado, ao guiá-
los quase naturalmente a confiar no que foi feito em um momento? Em vez do qual estamos
agradando ou desagradando a Deus, de momento a momento, de acordo com a nossa atitude
presente e conduta exterior presentes.25

Aqui Wesley protege sua posição contra a acusação que alguns tem feito, e é, de que ele tende a falar do
pecado como se fora algo, uma quantidade, um objeto ou coisa, como um dente cariado que é necessários ser
retirado. O pecado não é uma quantidade; é uma qualidade. Não é uma substância; é uma condição. O pecado é
como a obscuridade; somente pode ser expulsa pela luz. Wesley também falou do pecado em termos de
enfermidade, e de Cristo como o Médico divino. Assim que a santidade é a saúde espiritual restaurada, mas se
temos de permanecer sãos temos que obedecer as leis de Deus, que regem o bem-estar moral e espiritual. Estes
são os termos dinâmicos com os quais devemos pensar no pecado e da santidade. A inteira santificação não é um
ato mágico que muda a substância de nossas almas; é uma crise moral que nos restaura a uma existência
cristocêntrica.
A entrada a esta vida plena e livre do pecado pressupõe o que Wesley chama ”o arrependimento dos
crentes”, que representa sua convicção de que o pecado tem permanecido neles depois da justificação. O crente
justificado, graças à convicção fiel do Espírito Santo, chega a estar dolorosamente tanto quanto de seu pecado
inato, seu egocentrismo e sua dupla mente que o infestam. E. Stanley Jones explica da seguinte maneira:

A crise da conversão traz uma liberação dos pecados crônicos, e assinala a introdução de
uma vida nova. A conversão é uma liberdade gloriosa, mas não é uma liberdade completa. Os
pecados crônicos desapareceram, mas as raízes da enfermidade todavia estão ali. A nova vida
fora introduzida, mas não reina completamente. A vida velha tem sido derrotada, mas não se
rendeu.26

O cristianismo que anela a santidade pessoal não pode estar satisfeito com esta condição de uma mente
dupla. Tem fome e sede de justiça. Necessita trazer todo o assunto a uma crise, mediante uma rendição completa
de si mesmo a Deus (vide Rm 6:19). Esta “morte para o pecado” o leva a um nível mais profundo que ele alcançou
graças a sua rendição inicial a Cristo em busca do perdão e da vida nova. Sua motivação, para esta segunda
rendição, é uma convicção profunda da natureza saturadora da autoidolatria. É uma admissão franca e contrita da
pequenez, da mesquinhez, da luxuria, da ambição, do orgulho e do egoísmo pessoal, assim como uma morte
consciente, voluntária ao eu, em amor a Deus. Ao faze-lo cumprimos o que Paulo pede ao escrever: “Oferecei-vos
a Deus, como ressurrectos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça” (Rm
6:13).
Esta morte para o pecado é ambas, gradual e instantânea, tal como Wesley explicou na seguinte forma:

Um homem pode estar agonizando por muito tempo; todavia, não está morto propriamente
dito, até o instante em que a alma se separa do corpo; e neste instante passa para a eternidade.
97
Da mesma forma uma pessoa pode estar agonizando por algum tempo quanto ao pecado; todavia
não está morto para o pecado até que este seja retirado de sua alma, e neste instante passa a
viver a plena vida do amor. E assim como é diferente a mudança que se opera quando o pecado é
retirado da alma. Esta mudança transcendental e sublime não pode ser compreendido até have-lo
experimentado. Não obstante esta transformação incomparável, ele continua crescendo em graça,
em amor, e no conhecimento de Cristo, refletindo a imagem de Deus, e continuará crescendo
agora e pela eternidade.27

3. Embora o arrependimento do crente, e sua morte para o pecado devem preceder a sua inteira
santificação, a condição indispensável é a fé. “mas, qual é a fé pela qual somos santificados, salvos do pecado e
aperfeiçoados em amor?” Meditemos cuidadosamente na resposta de Wesley.

É uma evidência e uma convicção divinas. Em primeiro lugar, de que Deus o tem
prometido nas Santas Escrituras. Até que não estejamos inteiramente persuadidos disto, não há
necessidade de passar ao escalão seguinte. E poderia se pensar que não se necessita mais que
uma frase para satisfazer a um homem razoável quanto a isto, do que a antiga promessa: “O
Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o
Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas”. Quão claramente isto
expressa o ser aperfeiçoado no amor! Quão fortemente implica o ser salvo de todo o pecado!
Posto que, enquanto o amor ocupe todo o coração, que lugar há ali para o pecado?
É a evidência divina e a convicção divina, em segundo lugar, de que o que Ele tem
prometido, tem poder de cumprir... Se Deus fala, será feito. Deus disse: “Haja luz!” e houve luz.
Em terceiro lugar, é uma evidência divina e uma convicção divina de Ele é capaz e está
disposto a faze-lo agora. E, por que não? Não é acaso um momento para Ele como mil anos? Ele
não pode carecer de tempo para realizar qualquer coisa que seja sua vontade. Ele não pode
carecer, ou esperar mais dignidade ou capacidade nas pessoas a quem Ele se digna a honrar. Por
tanto nós podemos dizer ousadamente, em qualquer momento ou ponto do tempo: “Hoje é o dia
da salvação!”.
A esta confiança, de que Deus é tanto capaz como que está disposto a santificarmos
agora mesmo, necessita incluir algo mais: uma evidência divina e uma convicção divina de que
Ele o faz. Nessa hora é feito: Deus o disse a alma em seu lugar mais íntimo: “Seja feito conforme
a tua fé!”. Então a alma é purificada de qualquer mancha de pecado; é limpa de “toda a injustiça”.
O crente então experimenta o profundo significado destas palavras: “Se, porém, andarmos na luz,
como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho,
nos purifica de todo pecado”.28

O amor perfeito sempre é um dom, para ser recebido a qualquer momento, pela fé simples. Deus fará no
crente justificado sua obra final de purificação. De modo que então, estritamente falando, esta não é algo que o
homem consiga, mas um presente de Deus. Creia, e aposse!
4. Por tanto, uma doutrina bíblica da perfeição cristã declara que a inteira santificação é a ação de Deus,
quem, pelo Espírito Santo, livra a alma do pecado e inaugura um novo modelo de devoção interior.
É o ministério de Deus Espírito Santo “entrar nos recônditos do espírito humano e trabalhar dentro da
subjetividade do homem”. Dentro de nosso ser, o Espírito vitaliza, santifica e fortalece. A obra do Espírito pela qual
somos curados e completados sucede

... porque a graça de Deus não somente é algo fora de nós, manifestado na morte e
paixão de Jesus Cristo, mas que (também) é um poder trabalhando dentro de nós, dirigindo seu
impacto na mesmíssima cidadela de nossa vontade. Esta graça interior de Deus está trabalhando
pessoalmente em nosso interior. É Deus Espírito Santo.29

É muito acertado a observação do doutor Cell sobre este particular: “A santidade é o terceiro termo da
revelação triuna de Deus. Esta é a posição mais alta imaginável para a doutrina da santidade na fé cristã e sua
interpretação”. A continuação cita o seguinte comentário de Wesley:

O título Santo tal como se aplica ao Espírito de Deus não somente denota que Ele é santo
em sua própria natureza, mas também que nos faz santos; que Ele é a grande fonte de santidade
para sua Igreja. O Espírito Santo é o princípio da conversão e a inteira santificação de nossos
corações e vidas.30

A razão, as Escrituras e a experiência nos dão a audácia para declarar, por tanto, que quando o crente
confessa seu pecado inato, entrega seu coração em amoroso rendição, e confia nas promessas de Deus, o
Espírito Santo se apossa do templo interior da alma, o limpa, e enche todo seu ser com o amor de Deus.
98
P. Mas, como é que alguém chega a saber que está santificado, salvo da corrupção inata?
R. Não se pode saber por outro modo que não por si mesmo pelo qual sabemos que
somos justificados. “E nisto conhecemos que ele permanece em nós, pelo Espírito que nos deu” (1
Jo 3:24). Sabemos pelo testemunho e pelos frutos do Espírito. Primeiro, por seu testemunho.
Como, quando fomos justificados, o Espírito deu testemunho a nosso espírito de que nossos
pecados eram perdoados, assim quando fomos santificados Ele deu testemunho de que eram
retirados.31

Esta é a plena certeza da fé. Lycurgus Starkey comenta: “O saber interiormente que o templo foi limpo por
Deus, quem permanece na plenitude de seu Espírito como sua consagração, isso é o significado e o conteúdo da
plena certeza”32.
5. Um aspecto final de uma teologia da perfeição é um reconhecimento franco de sua natureza relativa. Se
trata de perfeição evangélica. Em lugar da lei mosaica Deus estabeleceu outra lei através de Cristo, que é a lei da
fé. Tal como Wesley nos recorda: “Não é todo aquele que faz, mas todo aquele que crê, ele que recebe a justiça...
ou seja, o que é justificado, santificado e glorificado”.

P. É o amor o cumprimento da lei?


R. Indubitavelmente que sim. Toda lei, sob a qual estamos, se cumpre no amor: Romanos
13:9-10. A fé que agora trabalha animada pelo amor é tudo quanto Deus exige do homem, pois
Ele tem substituído a perfeição angelical pelo amor.
P. Porque é o amor o fim da lei?
R. Porque é o fim de cada mandamento de Deus. pois é o centro do que se dirige todo e
cada parte da instituição cristã. Seu fundamento é a fé, purificando o coração; o fim é o amor,
preservando uma boa consciência.
P. Que amor é este?
R. O amar ao Senhor nosso Deus com todo nosso coração, nossa mente, alma e força; e
amar ao nosso próximo como a nós mesmos, como nossas próprias almas.23

W. E. Sangster crê que “amor perfeito” é o verdadeiro nome para a doutrina de Wesley34. Este nome
reforça a natureza positiva e social da santidade. Wesley mesmo não quis usar este termo “perfeição sem
pecado”9,35, posto que o mais santo dos cristãos “caem fácil da lei do amor” tal como é exposto em 1 Coríntios36.
Devido a sua ignorância, os que tem sido aperfeiçoados no amor são culpáveis do que Wesley chama
“transgressões involuntárias”37 da lei de Deus. “Por tanto mesmo os mais perfeitos, por esta mesma razão,
necessitam o sangue expiatório, também por suas transgressões externas, e podem dizer tanto para seus irmãos
como para si mesmo: ‘Perdoa-nos as nossas dívidas’”38. Acrescenta: “Ninguém sente sua necessidade de Cristo
tanto quanto eles; ninguém depende tão inteiramente n’Ele, pois Cristo não dá vida a alma aparte d’Ele, mas n’Ele
e com Ele mesmo”. logo cita as palavras de Jesus: “Mas (ou aparte de) mim nada podeis fazer”39.
De modo que desta maneira Wesley apresenta dois conceitos limitadores. Primeiro, a perfeição cristã não
é absoluta mas relativa para nossa compreensão da vontade de Deus. Por tanto, o homem inteiramente
santificado sente profundamente suas imperfeições e seus lapsos da lei perfeita do amor, e conserva um espírito
penitente e suscetível, que lhe salva do farisaísmo. Nunca esquece que é justificado, não pelas obras, mas pela
graça, e por tanto descansa completamente no Senhor. Segundo, sabe que o amor perfeito que é o dom de Deus
para ele através do Espírito Santo, é um compartilhar “momento a momento” de Cristo a sua alma. Tal pessoa se
apropria da confissão de Paulo e declara: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne (em mim mesmo
aparte da presença de Cristo que habita), não habita bem nenhum” (Rm 7:18-28). Não há lugar algum para a
jactância, exceto na graça de Cristo, quem derrama o agape de Deus em meu ser.
A base escritural desta posição de “perfeição imperfeita” se encontra em Filipenses 3:11-15 e em
Romanos 8:17-28. Ainda que pela graça de Deus nós tenhamos sido levados a uma idade adulta espiritual (o
amor feito perfeito), todavia somos, usando a frase de E. Stanley Jones, “cristãos em processo”. Todavia não
temos alcançados a meta dessa semelhança final de Cristo para a qual Deus nos alcançou por meio do
evangelho; mas se temos essa exclusividade de propósito que permite ao Espírito levar-nos até essa meta com
firmeza (vide Hb 6:1).
Ao estudar Romanos recordamos que nossa existência cristã no Espírito é uma existência no “tempo entre
os tempos”, ou seja, “neste tempo presente” entre o Pentecostes e a Parousia. Pela graça de Deus podemos
viver, já não “na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em” nós (Rm 8:9). Mas todavia
estamos em um corpo que não foi redimido, e temos que sofrer as “fraquezas da carne”, que são os efeitos raciais
do pecado em nossos corpos e mentes, as cicatrizes de nossas práticas pecaminosas do passado, nossos
prejuízos que estorvam os propósitos de Deus, nossas neuroses que produzem depressões emotivas e que nos
faz atuar de vez em quando na forma que não vai de acordo ao nosso caráter, nossas idiossincrasias emotivas,

9 Sinless perfection
99
nossas limitações humanas, nossas tendência a preocupar-nos, e mil faltas mais das que nosso barro humano é
herdeiro. “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de
nós” (II Co 4:7).
Uma doutrina totalmente desenvolvida da perfeição cristã necessita situar a verdade da santidade dentro
do quadro “deste tempo presente”, que é caracterizada precisamente per “estas fraquezas da carne”. É por isso
que Paulo declara que temos sido “na esperança... salvos” (Rm 8:25), a qual é a esperança desse golpe final da
graça soberana que trará a sua consumação essa grande tarefa de santificação que principiou quando nos
convertemos. Esta é a esperança da ressurreição. Wesley estaria de acordo com Karl Barth em sua declaração
sobre esse versículo de Romanos: “Se o cristianismo não é completamente uma escatologia inquieta, não
permanece nele relação alguma com Cristo”40. Nossa teologia é verdadeiramente uma “teologia da esperança”.
Há pessoas que se burlam de tal doutrina de “perfeição imperfeita”. Mas o negar a possibilidade de ser
santificados pelo Espírito, e de conhecer o amor perfeito de Deus, somente porque somos criaturas finitas sujeitas
à limitações de uma existência terrena, é perder algo que é parte vital do cristianismo do Novo Testamento. Por
tanto nós decidimos levantar o paradoxo wesleyano da perfeição cristã. A verdade cabal são se ganha ao eliminar
a tensão entre os dois pólos (“perfeito” e “todavia não aperfeiçoado”), mas ao apegarmos a ambas verdades com
igual ênfase. Somente então pode a vida cristã desabrochar sua flor, que é o ser como Cristo.
Devotadamente cremos que Deus tem encomendados a nós os que nos consideramos wesleyanos, “o
grande depósito” deste ensinamento neotestamentário da santidade do coração. Se cessamos de “gemer” e de
“buscar” esta perfeição em Cristo, se desejamos fazer que este seja a ênfase da verdade da salvação que
ensinamos e pregamos, se não nos apropriarmos, com espírito contrito e suscetível da benção cabal do
Pentecostes em nossa vida individual, e na vida da Igreja, perderemos nossa primogenitura como os seguidores
de John Wesley. O mais trágico de tudo será que falharemos com Deus, quem nos tem comissionados para
“apregoar e estender a santidade bíblica” a todos os confins da terra.

100
Notas Bibliográficas

Capitulo 1
1
Rudolph Otto, The Idea of Holy, traduzido para o espanhol por John W. Harvey (Londres: Oxford University
Press, 1924).
2
“Plain Account of Christian Perfection”, The Works of John Wesley (Kansas City: Casa Nazarena de Publicações,
s.d.), XI, pp. 367-368.
3
“The Scripture Way of Salvation”, Works, VI, p. 46.
4
E. L. Lucker, ed., Lutheran Cyclopedia (St. Louis: Concordia Publishing House, 1954), p. 942.
5
Encyclopidia of Religion and Ethic. Ed. James Hsting (New York: Charles Scribner’s Sons, 1928), XI, p. 181.
6
Herbert Girgensohn, Teaching Luther’s Catechism, traduzido para o espanhol por John W. Doberstein
(Philadelphia: Muhlenberg Press, 1959), p. 180.
7
John F. Wolvoord, Doctrine of the Holy Spirit (3a ed.: Findlay, Ohio: Dunham Publishing Co., 1958), pp. 208, 210.
8
George Allen Turner, The More Excellent Way (Winona Lake, Ind.: Light and Life Press, 1952), p. 87.
9
Works, VIII, p. 285.
10
Works, VI, p. 45.
11
The Assembly’s Shorter Catechism (Perth, Scotland: 1765), p. 222.
12
Abaham Kuyper, The Work of Holy Spirit, traduzido para o espanhol por Henri DeVries (New York: Funk and
Wagnalls, 1900), p. 449.
13
Works, VI, p. 509. (itálicos acrescentados).
14
W. E. Snagster, The Path to Perfection (New York: Abingdon-Cokebury Press, 1943), p. 78.
15
Donald Metz, Studies in Biblical Holiness (Kansas City: Beacon Hill Press of Kansas City, 1971), p. 20.
16
Works, XI, p. 446.
17
Ibid., p. 383.

Capitulo 2
1
Citado por H. Orton e Paul Culbertson, Introdução à Teologia Cristã (São Paulo: Casa Nazarena de Publicações,
1990), p. 339.
2
Edmond Jacob, Theology of the Old Testament, traduzido para o espanhol por Arthur W. Heathcoat e Philip J.
Allock (New York: Harper and Brothers, 1968). P. 86
3
Norman H. Snaith, The Distinctive Ideas of the Old Testament (Londres: The Epworth Press, 1960), p. 43.
4
Solomon Schechter, Some Aspects of Rabbinic Theology (New York: The MacMillan Co., 1910), 199.
5
Isaías usa este termo pelo menos 30 vezes.
6
Gustaf Aulén, The Faith os the Christian Church, traduzido para o espanhol por Eric H. Wahlstrom (Philadelphia:
Fortress Press, 1960), p. 159.
7
Jacob, op. cit., p. 47.
8
Emil Brunner, traduzido para o espanhol por Olive Wyon, The Christian Doctrine of God (Londres: Lutterworth
Press, 1960).
9
Snaith, op. cit., p. 47.
10
Ryder Smith, The Bilble Doctrine of Man (Londres: The Epwoth Press, 1960), p.46.
11
Alfred Edersheim, Bible History: Old Testament (Grand Rapids, Minch.: William B. Eerdmans Publishing Co.,
1949 reimpressão), 2:110.
12
John Wick Bowman, Prophetic Realim and the Gospel (Philadelphia: Westminster Press, 1955), p. 161-63.
13
Walther Eichrodt, traduzido para o espanhol por J. A. Backer, Theology of Old Testament (Philadelphia:
Westminster Press, 1961), p. 41.

101
14
George Allen Turner, The Vision which Transforms (Kansas City, Mo.: Beacon Hill Press, 1964), p. 41.
15
George Allen Turner, op. cit., p.57.
16
Howard V. Miller, When He Is Come (Kansas City, Mo.: 1941), p. 10.
17
Works, XI, p. 375.
18
H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: 1945), II, p. 480.
19
Turner, op. cit., p. 83.
20
Works, V, p. 150.
21
Wiley, op. cit., II, p.480.
22
Leon Morris, The Epistles of Paul to the Thessalonians (Grand Rapids, Mich.: 1957).
23
Ibid., p. 180.
24
Citado por Turner, op. cit., p. 95.
25
John Wesley, Exploratory Notes upon the New Testament (Londres: The Epworth Press, edição de 1950), p.
735.

Capitulo 3
1
William Burton Pope, A Compendium of Christian Theology (Londres: Publicado pela Oficina da Conferência
Wesleyana, 1880), III, p. 61.
2
Ibid.
3
A. C. McGiffert, A History of Christian Thought (New York: Charles Scribner’s Sons, 1949), I, p. 30.
4
Barnabé 21:1-2.
5
II Clemente 6:7.
6
Citado por Wiley, Christian Theology, III, p. 449.
7
Ibid.
8
Citado por Pope, op. cit., III, p. 62.
9
Ibid.
10
A. C. McGiffert, op. cit., p. 132.
11
Against Heresies, III, 18.7.
12
Ibid., 23.1.
13
Ibid., sviii, 6-7 (itálicos acrescentados).
14
Gustaf Aulén, traduzido para o espanhol por A. G. Herbert, Christus Victor (New York: The McMillan Company,
1945), p. 20.
15
Against Heresies, op. cit.
16
Ibid., V. 15. A.
17
Ibid., II, xxii. 4.
18
Aulén, Christus Victor, p. 22.
19
Ibid., p. 31.
20
R. Newton Flew, The Idea of Perfection (Londres: Oxford University Press, 1934), p. 125.
21
Ibid., p. 127.
22
Against Heresies, III, xviii.1.
23
Citado por Pope, op. cit., III, p. 62.
24
Demonstration, c. 97 (149-150).

Capitulo 4

102
1
C. Mondesert, Clemente d’Alexandrie (Paris: 1944), p.265.
2
Ed. Roy Joseph Deferrari (New York, 1954).
3
Simon P. Wood, Christ the Educator (Fathers of the Church, Inc.: 1954), p. 25.
4
Paedagogus, I vi (28).
5
Wood, op. cit., p. 5.
6
Ibid.
7
Flew, op. cit., p. 139.
8
Protrepticus, X.
9
Stomateis, I, v (28, 1).
10
Ibid., I, 111.
11
Ibid., VIII, x (itálicos acrescentados).
12
A Perfeição do Paedagogus, de conhecer a Deus por meio da fé em Cristo.
13
Flew, op. cit., pp. 141-142.
14
Stomateis, V. i.
15
Quis Dives Salvetur, p. 37.
16
Flew, op. cit., p. 145 (citado em Stomateis, iv. 22. Pp. 135-138).
17
Stomateis, VI. Xliii.
18
De Principiis, pref. 3.
19
Contra Celsus, i. 19.
20
Flew, op. cit., p. 153.
21
Comm. Matt., xii. 36.
22
Comm. Rom., v. 5.
23
Comm. Rom., v. 8.
24
Contra Celsus, iii, 69.
25
De Principiis, III, i. 18.
26
Ibid. III. I. 19.
27
Flew, op. cit., p. 151.
28
Comm. Rom., v. 9.
29
Hom. In Leviticum, xii. 4.
30
McGiffert, op. cit., I, 221.
31
Williston Walker, A History of the Christian Church (New York: Chas. Scribner’s Sons, 1944), p. 104.

Capitulo 5
1
Mateus 19:21.
2
Mateus 19:12.
3
Mateus 22:30.
4
I Coríntios 7:8.
5
Flew, op. cit., p. 158.
6
Vit. Ant., i. 3.
7
Flew, op. cit., p. 164.
8
Reg. fus. tract., 8. 350D; 5. 342C.

103
9
Moralia, lxx. 22; 318B, C.
10
Reg. Brev. Tract., pp. 280, 296.
11
Paul Tillich, ed. Por Carl Braaten, A History of Christian Thought (New York e Evanston: Harper ande Row,
Publishers, 1968), p. 145.
12
Veja a próxima seção sobre Gregório de Nissa para os assuntos críticos relacionados à identidade e obra de
“Macarius”.
13
Flew, op. cit., p. 179 (n. de p. 3).
14
Hom. 12.8; 5.11;45.5.
15
Hom. 30.4.
16
Albert C. Outler, John Wesley (New York: Oxford University Oress, 1964), p. 9 (n. de p. 26).
17
Vinginia Callahan, St. Gregory of Nyssa, Ascetical Works, “The Fathers of the Church” (Washington D.C.: The
Catholic University of America, 1967), p. 93. As seguintes citações de Gregório vem de “On Perfection”,
traduzidas por Callahan neste volume.
18
“On Perfection”, pp. 96-97.
19
Ibid., p. 98.
20
Ibid., p. 99.
21
Ibid., p. 100.
22
Ibid., p. 102.
23
Ibid.
24
Ibid., pp. 102-103.
25
Ibid., p. 103.
26
Ibid.
27
Ibid., pp. 104-105.
28
Ibid., p. 110.
29
Ibid., p. 115.
30
Ibid., p. 121.
31
Ibid.
32
Ibid., p. 122.

Capitulo 6
1
H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City: Beacon Hill Press, 1963), II, pp. 449-450.
2
John L. Peters, Christian Perfection and American Methodism (New York e Nashville: Abingdon Press, 1946), pp.
1980199.
3
Retractions, 1:19.
4
De natura et gratia, pp. 41-42.
5
Willston Walker, A History of the Church (Nwe York: Chas. Scribner’s sons, 1944), p. 179.
6
Epistolae, 187:21.
7
De spir. et lit. 22.
8
De Trinita, xiv:12.
9
De mor. Eccl. Cath., p. 31.
10
Ibib.
11
De civ. Dei, xix:5.
12
Ibib., xxii,:30.

104
13
De ser. Dom. in monte, ii:4.
14
Retractions, i:19 (Latim: “Onde está, oh morte, teu aguilhão?”).
15
De civ. Dei, xiv:15, 16.
16
Ibid., xiv:24.
17
Ibid., xiv:23.
18
John Wesley, Exploratory Notes upon the New Testament (Londres: The Epworth Press, s.d.), p. 545.

Capitulo 7
1
Flew, Idea of Perfection, p. 219.
2
In Cant. S., 15.6.
3
Ibid., 20.6, 8.
4
Ibid., 9.7-8.
5
Walker, History of the Christian Church, p. 270.
6
Flew, op. cit., pp. 230-243.
7
Ibid., p. 232.
8
Ibid., p. 239.
9
Summa Theologica, III, q. 3, a. 1.
10
Flew, op. cit., pp. 237.
11
De Perfectione, c. xii.
12
Summa Theologica, I, 111, 2. Iv, a. 8.
13
Flew, op. cit., pp. 243.
14
Ibid.
15
Werner, Duns Scotus, 2 (citado por Flew, p. 258).
16
Introduction to the Devoution Life, i. c. 3.
17
Treatise, i, c. 11.
18
Ibid., i, c. 12.
19
Ibid., vi, c. 3.
20
Ibid.
21
Ibid., i, c. 15.
22
Inge, Christian Mysticism, p. 231 (citado por Flew, p. 260).
23
Oeuvres, xii. 385.
24
Ibid., xii, 359, 363.
25
Peters, Christian Perfection and American Methodism, pp. 198-199.
26
Christian Perfection, Charles F. Whiston, ed., traduzido para o espanhol por Mildred Whitney Stillman (New York
e Londres: Harper & Brothers Publishers, 1947), p. 9.
27
Ibid., p. 21.
28
Ibid., p. 31.
29
Ibid., p. 36.
30
Ibid., p. 33.
31
Ibid., pp. 34-35.
32
Ibid., p. 43.
33
Ibid., p. 44.
105
34
Ibid.
35
Ibid., p. 51.
36
Ibid., pp. 58-59.
37
Ibid., p. 160 (itálicos acrescentados).
38
Ibid., p. 161.
39
Ibid., p. 155.
40
Ibid., p. 41.
41
Ibid., p. 27.
42
Ibid., p. 23.
43
Ibid., p. 53.
44
Ibid., p. 18.
45
Ibid., p. 55.
46
Ibid.
27
Ibid., p. 56.

Capitulo 8
1
Artigo 27.
2
Citado por Flew, op. cit., p. 251.
3
Ibid. p. 252.
4
Ibid. p. 248.
5
Página 63.
6
Herman, Communion with God, E. tr. 143.
7
Werke (Erlangen ed.). xxv. 334.
8
Herman, op. cit., 249.
9
Herbert Girgensohn, Teaching Luter’s Catechism, p. 180 (citado por Donald Metz, Sudies in Biblical Holiness, p.
16).
10
Works of Martin Luter (Philadelphia: Westminster Press, 1932), VI, 449, 450, 451.
11
Flew, op. cit., p. 250.
12
Em seu Commentary on Genesis Lutero disse: “Mas agora, desde o pecada da queda, todos sabem (sabemos)
quão grande é a paixão da carne, a qual não somente é furiosa na etapa da concupiscência, mas também
em sua repugnância depois que satisfez seu desejo” - Hugh Thompson Kerr, A Compend os Luther’s
Theology (Philadelphia: Westminster Press, 1943), p. 81.
13
Epistle Sermon, Pentecost Sunday (Kerr, Compend, p. 69).
14
Na Argument in Defense os All the Articles of Dr. Martin Luter Wrongly Condemned in the Roman Bull (Kerr,
Compend, p. 86).
15
Table-Talk, #CCLVI.
16
Commentary on Peter and Jude(Kerr, Compend, p. 114).
!7
Commentary on Genesis (Kerr, Compend, p. 83: itálicos de Lutero).
18
On the Councils and the Churches (Kerr, Compend, p. 133).
19
Institutes of the Christian Religion by John Calvin, traduzido para o espanhol por John Allen (Philadelphia: Board
od Christian Education, s.d.), I, 654.
20
Ibid., p. 657.
21
Ibid., p. 658.

106
22
Ibid., p. 746-747.
23
Ibid., p. 749.
24
Ibid., p. 659.
25
Ibid., p. 660.
26
Ibid., p. 664.
27
Ibid., p. 672 (itálicos acrescentados).
29
Ibid., II. 60.

Capitulo 9
1
History of Dogma, vii (citado por Flew, op. cit., p. 257).
2
George Allen Turner, op. cit., p. 182.
3
Ibid., p. 183.
4
Ibid., p. 184.
5
Flew, 5 Ibid., p. pp. 276-277.
6
Ibid., p. 281.
7
Ibid., p. 282.
8
George Fox, Jounal.
9
Ibid.
10
Ibid.
11
Ibid.
12
Citado por Turner, op. cit., p. 10.
13
A tesimony to the Truth of God (citado por Flew, op. cit., p. 287).
14
Citado por Flew, op. cit., p. 288.
15
Ibid., p. 289.
16
Journal, (citado por Flew, op. cit., p. 291).
17
Ibid., p. 292.
18
John Wesley, Works (Kansas City: Nazarene Publishing House, s.d.), I, p. 86.
19
Ibid., p. 103.
20
Ibid., p. 140.
21
Ibid., p. 117.
22
Ibid., p. 308.
23
Ibid., pp. 323-325 (traduzido para o espanhol por Flew, op. cit., pp. 278-279).
24
John Wesley, Works, XI, p. 270.

Capitulo 10
1
George Croft Cell, The Rediscovery of John Wesley (New York: Henry Holt and Co., 1935), p. 347.
2
Ibid., p. 359.
3
Albert Outler, John Wesley, (New York: Oxford University Press, 1964), viii.
4
Wesley, Works, VII, pp. 204-205.
5
Ibid., XI, pp.441-442.
6
Ibid., pp. 366-367.
7
Flew, The Idea of Perfection, p. 397.

107
8
Colin Williams, ibid., p.176.
10
Cell, op. cit., pp. 297-310.
11
Ibid., XI, p. 415.
12
Exploratory Note Upon the New Testament, loc. cit.
13
Ibid., (itálicos acrescentados).
14
Wesley, Works, VI, p. 60.
15
William R. Cannon, The Theology of John Wesley (Nashville: Abingdon-Cokebury Press, 1946), p. 193.
16
Wesley, Works, XI, p. 395.
17
Ibid., p. 417.
18
Williams, op. cit., p. 175.
19
Wesley, Works, VI, p. 46.
20
Citado por Peters, Christian Perfection and American Methodism, p. 196.
21
Ibid., pp. 195-196.
22
William S. Deal, The March of Holiness Trhough the Centuries, (Kansas City: Beacon Hill Press, 1978), p. 209.
23
J. S. Whale, Christian Doctrine, (New York: McMillan Co., 1945), p. 45.
24
Cannon, op. cit., p. 353.
25
Minutos de 1770.
26
E. Stanley Jones, Abundant Living (New York: Abingdon-Cokebury Press), p. 209.
27
Wesley, Works, XI, p. 402.
28
Ibid., VI, pp. 52-53.
29
C. W. Lowry, The Trinity and Christian Devotion (New York: Harper and Bross., 1946).
30
Citado por Cell, op. cit., p. 353.
31
Wesley, Works, XI, p. 420.
32
Lycurgus Starkey, The Work of Holy Spirit (New York: Abingdon Press, 1962), p. 67.
33
Wesley, Works, XI, pp. 414-415.
34
W. E. Sangster, The Path to the Perfection (New York: Abingdon Press, 1944), pp. 142-149.
35
Wesley, Works, XI, p. 418.
36
Ibid., p. 417.
37
Ibid., p. 396.
38
Ibid., pp. 394-395.
39
Ibid., p. 395.
40
Karl Barth, The Epistle to the Romans, traduzida para o espanhol por Edwyn Hoskins (Londres: Oxford University
Press, 1933), p. 314.
pecados crônicos desapareceram, mas as raízes da enfermidade todavia estão ali. A nova
vida fora introduzida, mas não reina completamente. A vida velha tem sido derrotada, mas não se
rendeu.26

O cristianismo que anela a santidade pessoal não pode estar satisfeito com esta condição de uma mente
dupla. Tem fome e sede de justiça. Necessita trazer todo o assunto a uma crise, mediante uma rendição completa
de si mesmo a Deus (vide Rm 6:19). Esta “morte para o pecado” o leva a um nível mais profundo que ele alcançou
graças a sua rendição inicial a Cristo em busca do perdão e da vida nova. Sua motivação, para esta segunda
rendição, é uma convicção profunda da natureza saturadora da autoidolatria. É uma admissão franca e contrita da
pequenez, da mesquinhez, da luxuria, da ambição, do orgulho e do egoísmo pessoal, assim como uma morte
consciente, voluntária ao eu, em amor a Deus. Ao faze-lo cumprimos o que Paulo pede ao escrever: “Oferecei-vos

108
a Deus, como ressurrectos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça” (Rm
6:13).
Esta morte para o pecado é ambas, gradual e instantânea, tal como Wesley explicou na seguinte forma:

Um homem pode estar agonizando por muito tempo; todavia, não está morto propriamente
dito, até o instante em que a alma se separa do corpo; e neste instante passa para a eternidade.
Da mesma forma uma pessoa pode estar agonizando por algum tempo quanto ao pecado; todavia
não está morto para o pecado até que este seja retirado de sua alma, e neste instante passa a
viver a plena vida do amor. E assim como é diferente a mudança que se opera quando o pecado é
retirado da alma. Esta mudança transcendental e sublime não pode ser compreendido até have-lo
experimentado. Não obstante esta transformação incomparável, ele continua crescendo em graça,
em amor, e no conhecimento de Cristo, refletindo a imagem de Deus, e continuará crescendo
agora e pela eternidade.27

3. Embora o arrependimento do crente, e sua morte para o pecado devem preceder a sua inteira
santificação, a condição indispensável é a fé. “mas, qual é a fé pela qual somos santificados, salvos do pecado e
aperfeiçoados em amor?” Meditemos cuidadosamente na resposta de Wesley.

É uma evidência e uma convicção divinas. Em primeiro lugar, de que Deus o tem
prometido nas Santas Escrituras. Até que não estejamos inteiramente persuadidos disto, não há
necessidade de passar ao escalão seguinte. E poderia se pensar que não se necessita mais que
uma frase para satisfazer a um homem razoável quanto a isto, do que a antiga promessa: “O
Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o
Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas”. Quão claramente isto
expressa o ser aperfeiçoado no amor! Quão fortemente implica o ser salvo de todo o pecado!
Posto que, enquanto o amor ocupe todo o coração, que lugar há ali para o pecado?
É a evidência divina e a convicção divina, em segundo lugar, de que o que Ele tem
prometido, tem poder de cumprir... Se Deus fala, será feito. Deus disse: “Haja luz!” e houve luz.
Em terceiro lugar, é uma evidência divina e uma convicção divina de Ele é capaz e está
disposto a faze-lo agora. E, por que não? Não é acaso um momento para Ele como mil anos? Ele
não pode carecer de tempo para realizar qualquer coisa que seja sua vontade. Ele não pode
carecer, ou esperar mais dignidade ou capacidade nas pessoas a quem Ele se digna a honrar. Por
tanto nós podemos dizer ousadamente, em qualquer momento ou ponto do tempo: “Hoje é o dia
da salvação!”.
A esta confiança, de que Deus é tanto capaz como que está disposto a santificarmos
agora mesmo, necessita incluir algo mais: uma evidência divina e uma convicção divina de que
Ele o faz. Nessa hora é feito: Deus o disse a alma em seu lugar mais íntimo: “Seja feito conforme
a tua fé!”. Então a alma é purificada de qualquer mancha de pecado; é limpa de “toda a injustiça”.
O crente então experimenta o profundo significado destas palavras: “Se, porém, andarmos na luz,
como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho,
nos purifica de todo pecado”.28

O amor perfeito sempre é um dom, para ser recebido a qualquer momento, pela fé simples. Deus fará no
crente justificado sua obra final de purificação. De modo que então, estritamente falando, esta não é algo que o
homem consiga, mas um presente de Deus. Creia, e aposse!
4. Por tanto, uma doutrina bíblica da perfeição cristã declara que a inteira santificação é a ação de Deus,
quem, pelo Espírito Santo, livra a alma do pecado e inaugura um novo modelo de devoção interior.
É o ministério de Deus Espírito Santo “entrar nos recônditos do espírito humano e trabalhar dentro da
subjetividade do homem”. Dentro de nosso ser, o Espírito vitaliza, santifica e fortalece. A obra do Espírito pela qual
somos curados e completados sucede

... porque a graça de Deus não somente é algo fora de nós, manifestado na morte e
paixão de Jesus Cristo, mas que (também) é um poder trabalhando dentro de nós, dirigindo seu
impacto na mesmíssima cidadela de nossa vontade. Esta graça interior de Deus está trabalhando
pessoalmente em nosso interior. É Deus Espírito Santo.29

É muito acertado a observação do doutor Cell sobre este particular: “A santidade é o terceiro termo da
revelação triuna de Deus. Esta é a posição mais alta imaginável para a doutrina da santidade na fé cristã e sua
interpretação”. A continuação cita o seguinte comentário de Wesley:

O título Santo tal como se aplica ao Espírito de Deus não somente denota que Ele é santo
em sua própria natureza, mas também que nos faz santos; que Ele é a grande fonte de santidade
109
para sua Igreja. O Espírito Santo é o princípio da conversão e a inteira santificação de nossos
corações e vidas.30

A razão, as Escrituras e a experiência nos dão a audácia para declarar, por tanto, que quando o crente
confessa seu pecado inato, entrega seu coração em amoroso rendição, e confia nas promessas de Deus, o
Espírito Santo se apossa do templo interior da alma, o limpa, e enche todo seu ser com o amor de Deus.

P. Mas, como é que alguém chega a saber que está santificado, salvo da corrupção inata?
R. Não se pode saber por outro modo que não por si mesmo pelo qual sabemos que
somos justificados. “E nisto conhecemos que ele permanece em nós, pelo Espírito que nos deu” (1
Jo 3:24). Sabemos pelo testemunho e pelos frutos do Espírito. Primeiro, por seu testemunho.
Como, quando fomos justificados, o Espírito deu testemunho a nosso espírito de que nossos
pecados eram perdoados, assim quando fomos santificados Ele deu testemunho de que eram
retirados.31

Esta é a plena certeza da fé. Lycurgus Starkey comenta: “O saber interiormente que o templo foi limpo por
Deus, quem permanece na plenitude de seu Espírito como sua consagração, isso é o significado e o conteúdo da
plena certeza”32.
5. Um aspecto final de uma teologia da perfeição é um reconhecimento franco de sua natureza relativa. Se
trata de perfeição evangélica. Em lugar da lei mosaica Deus estabeleceu outra lei através de Cristo, que é a lei da
fé. Tal como Wesley nos recorda: “Não é todo aquele que faz, mas todo aquele que crê, ele que recebe a justiça...
ou seja, o que é justificado, santificado e glorificado”.

P. É o amor o cumprimento da lei?


R. Indubitavelmente que sim. Toda lei, sob a qual estamos, se cumpre no amor: Romanos
13:9-10. A fé que agora trabalha animada pelo amor é tudo quanto Deus exige do homem, pois
Ele tem substituído a perfeição angelical pelo amor.
P. Porque é o amor o fim da lei?
R. Porque é o fim de cada mandamento de Deus. pois é o centro do que se dirige todo e
cada parte da instituição cristã. Seu fundamento é a fé, purificando o coração; o fim é o amor,
preservando uma boa consciência.
P. Que amor é este?
R. O amar ao Senhor nosso Deus com todo nosso coração, nossa mente, alma e força; e
amar ao nosso próximo como a nós mesmos, como nossas próprias almas.23

W. E. Sangster crê que “amor perfeito” é o verdadeiro nome para a doutrina de Wesley34. Este nome
reforça a natureza positiva e social da santidade. Wesley mesmo não quis usar este termo “perfeição sem
pecado”10,35, posto que o mais santo dos cristãos “caem fácil da lei do amor” tal como é exposto em 1 Coríntios36.
Devido a sua ignorância, os que tem sido aperfeiçoados no amor são culpáveis do que Wesley chama
“transgressões involuntárias”37 da lei de Deus. “Por tanto mesmo os mais perfeitos, por esta mesma razão,
necessitam o sangue expiatório, também por suas transgressões externas, e podem dizer tanto para seus irmãos
como para si mesmo: ‘Perdoa-nos as nossas dívidas’”38. Acrescenta: “Ninguém sente sua necessidade de Cristo
tanto quanto eles; ninguém depende tão inteiramente n’Ele, pois Cristo não dá vida a alma aparte d’Ele, mas n’Ele
e com Ele mesmo”. logo cita as palavras de Jesus: “Mas (ou aparte de) mim nada podeis fazer”39.
De modo que desta maneira Wesley apresenta dois conceitos limitadores. Primeiro, a perfeição cristã não
é absoluta mas relativa para nossa compreensão da vontade de Deus. Por tanto, o homem inteiramente
santificado sente profundamente suas imperfeições e seus lapsos da lei perfeita do amor, e conserva um espírito
penitente e suscetível, que lhe salva do farisaísmo. Nunca esquece que é justificado, não pelas obras, mas pela
graça, e por tanto descansa completamente no Senhor. Segundo, sabe que o amor perfeito que é o dom de Deus
para ele através do Espírito Santo, é um compartilhar “momento a momento” de Cristo a sua alma. Tal pessoa se
apropria da confissão de Paulo e declara: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne (em mim mesmo
aparte da presença de Cristo que habita), não habita bem nenhum” (Rm 7:18-28). Não há lugar algum para a
jactância, exceto na graça de Cristo, quem derrama o agape de Deus em meu ser.
A base escritural desta posição de “perfeição imperfeita” se encontra em Filipenses 3:11-15 e em
Romanos 8:17-28. Ainda que pela graça de Deus nós tenhamos sido levados a uma idade adulta espiritual (o
amor feito perfeito), todavia somos, usando a frase de E. Stanley Jones, “cristãos em processo”. Todavia não
temos alcançados a meta dessa semelhança final de Cristo para a qual Deus nos alcançou por meio do
evangelho; mas se temos essa exclusividade de propósito que permite ao Espírito levar-nos até essa meta com
firmeza (vide Hb 6:1).

10 Sinless perfection
110
Ao estudar Romanos recordamos que nossa existência cristã no Espírito é uma existência no “tempo entre
os tempos”, ou seja, “neste tempo presente” entre o Pentecostes e a Parousia. Pela graça de Deus podemos
viver, já não “na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em” nós (Rm 8:9). Mas todavia
estamos em um corpo que não foi redimido, e temos que sofrer as “fraquezas da carne”, que são os efeitos raciais
do pecado em nossos corpos e mentes, as cicatrizes de nossas práticas pecaminosas do passado, nossos
prejuízos que estorvam os propósitos de Deus, nossas neuroses que produzem depressões emotivas e que nos
faz atuar de vez em quando na forma que não vai de acordo ao nosso caráter, nossas idiossincrasias emotivas,
nossas limitações humanas, nossas tendência a preocupar-nos, e mil faltas mais das que nosso barro humano é
herdeiro. “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de
nós” (II Co 4:7).
Uma doutrina totalmente desenvolvida da perfeição cristã necessita situar a verdade da santidade dentro
do quadro “deste tempo presente”, que é caracterizada precisamente per “estas fraquezas da carne”. É por isso
que Paulo declara que temos sido “na esperança... salvos” (Rm 8:25), a qual é a esperança desse golpe final da
graça soberana que trará a sua consumação essa grande tarefa de santificação que principiou quando nos
convertemos. Esta é a esperança da ressurreição. Wesley estaria de acordo com Karl Barth em sua declaração
sobre esse versículo de Romanos: “Se o cristianismo não é completamente uma escatologia inquieta, não
permanece nele relação alguma com Cristo”40. Nossa teologia é verdadeiramente uma “teologia da esperança”.
Há pessoas que se burlam de tal doutrina de “perfeição imperfeita”. Mas o negar a possibilidade de ser
santificados pelo Espírito, e de conhecer o amor perfeito de Deus, somente porque somos criaturas finitas sujeitas
à limitações de uma existência terrena, é perder algo que é parte vital do cristianismo do Novo Testamento. Por
tanto nós decidimos levantar o paradoxo wesleyano da perfeição cristã. A verdade cabal são se ganha ao eliminar
a tensão entre os dois pólos (“perfeito” e “todavia não aperfeiçoado”), mas ao apegarmos a ambas verdades com
igual ênfase. Somente então pode a vida cristã desabrochar sua flor, que é o ser como Cristo.
Devotadamente cremos que Deus tem encomendados a nós os que nos consideramos wesleyanos, “o
grande depósito” deste ensinamento neotestamentário da santidade do coração. Se cessamos de “gemer” e de
“buscar” esta perfeição em Cristo, se desejamos fazer que este seja a ênfase da verdade da salvação que
ensinamos e pregamos, se não nos apropriarmos, com espírito contrito e suscetível da benção cabal do
Pentecostes em nossa vida individual, e na vida da Igreja, perderemos nossa primogenitura como os seguidores
de John Wesley. O mais trágico de tudo será que falharemos com Deus, quem nos tem comissionados para
“apregoar e estender a santidade bíblica” a todos os confins da terra.

111
Notas Bibliográficas

Capitulo 1
1
Rudolph Otto, The Idea of Holy, traduzido para o espanhol por John W. Harvey (Londres: Oxford University
Press, 1924).
2
“Plain Account of Christian Perfection”, The Works of John Wesley (Kansas City: Casa Nazarena de Publicações,
s.d.), XI, pp. 367-368.
3
“The Scripture Way of Salvation”, Works, VI, p. 46.
4
E. L. Lucker, ed., Lutheran Cyclopedia (St. Louis: Concordia Publishing House, 1954), p. 942.
5
Encyclopidia of Religion and Ethic. Ed. James Hsting (New York: Charles Scribner’s Sons, 1928), XI, p. 181.
6
Herbert Girgensohn, Teaching Luther’s Catechism, traduzido para o espanhol por John W. Doberstein
(Philadelphia: Muhlenberg Press, 1959), p. 180.
7
John F. Wolvoord, Doctrine of the Holy Spirit (3a ed.: Findlay, Ohio: Dunham Publishing Co., 1958), pp. 208, 210.
8
George Allen Turner, The More Excellent Way (Winona Lake, Ind.: Light and Life Press, 1952), p. 87.
9
Works, VIII, p. 285.
10
Works, VI, p. 45.
11
The Assembly’s Shorter Catechism (Perth, Scotland: 1765), p. 222.
12
Abaham Kuyper, The Work of Holy Spirit, traduzido para o espanhol por Henri DeVries (New York: Funk and
Wagnalls, 1900), p. 449.
13
Works, VI, p. 509. (itálicos acrescentados).
14
W. E. Snagster, The Path to Perfection (New York: Abingdon-Cokebury Press, 1943), p. 78.
15
Donald Metz, Studies in Biblical Holiness (Kansas City: Beacon Hill Press of Kansas City, 1971), p. 20.
16
Works, XI, p. 446.
17
Ibid., p. 383.

Capitulo 2
1
Citado por H. Orton e Paul Culbertson, Introdução à Teologia Cristã (São Paulo: Casa Nazarena de Publicações,
1990), p. 339.
2
Edmond Jacob, Theology of the Old Testament, traduzido para o espanhol por Arthur W. Heathcoat e Philip J.
Allock (New York: Harper and Brothers, 1968). P. 86
3
Norman H. Snaith, The Distinctive Ideas of the Old Testament (Londres: The Epworth Press, 1960), p. 43.
4
Solomon Schechter, Some Aspects of Rabbinic Theology (New York: The MacMillan Co., 1910), 199.
5
Isaías usa este termo pelo menos 30 vezes.
6
Gustaf Aulén, The Faith os the Christian Church, traduzido para o espanhol por Eric H. Wahlstrom (Philadelphia:
Fortress Press, 1960), p. 159.
7
Jacob, op. cit., p. 47.
8
Emil Brunner, traduzido para o espanhol por Olive Wyon, The Christian Doctrine of God (Londres: Lutterworth
Press, 1960).
9
Snaith, op. cit., p. 47.
10
Ryder Smith, The Bilble Doctrine of Man (Londres: The Epwoth Press, 1960), p.46.
11
Alfred Edersheim, Bible History: Old Testament (Grand Rapids, Minch.: William B. Eerdmans Publishing Co.,
1949 reimpressão), 2:110.
12
John Wick Bowman, Prophetic Realim and the Gospel (Philadelphia: Westminster Press, 1955), p. 161-63.
13
Walther Eichrodt, traduzido para o espanhol por J. A. Backer, Theology of Old Testament (Philadelphia:
Westminster Press, 1961), p. 41.

112
14
George Allen Turner, The Vision which Transforms (Kansas City, Mo.: Beacon Hill Press, 1964), p. 41.
15
George Allen Turner, op. cit., p.57.
16
Howard V. Miller, When He Is Come (Kansas City, Mo.: 1941), p. 10.
17
Works, XI, p. 375.
18
H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: 1945), II, p. 480.
19
Turner, op. cit., p. 83.
20
Works, V, p. 150.
21
Wiley, op. cit., II, p.480.
22
Leon Morris, The Epistles of Paul to the Thessalonians (Grand Rapids, Mich.: 1957).
23
Ibid., p. 180.
24
Citado por Turner, op. cit., p. 95.
25
John Wesley, Exploratory Notes upon the New Testament (Londres: The Epworth Press, edição de 1950), p.
735.

Capitulo 3
1
William Burton Pope, A Compendium of Christian Theology (Londres: Publicado pela Oficina da Conferência
Wesleyana, 1880), III, p. 61.
2
Ibid.
3
A. C. McGiffert, A History of Christian Thought (New York: Charles Scribner’s Sons, 1949), I, p. 30.
4
Barnabé 21:1-2.
5
II Clemente 6:7.
6
Citado por Wiley, Christian Theology, III, p. 449.
7
Ibid.
8
Citado por Pope, op. cit., III, p. 62.
9
Ibid.
10
A. C. McGiffert, op. cit., p. 132.
11
Against Heresies, III, 18.7.
12
Ibid., 23.1.
13
Ibid., sviii, 6-7 (itálicos acrescentados).
14
Gustaf Aulén, traduzido para o espanhol por A. G. Herbert, Christus Victor (New York: The McMillan Company,
1945), p. 20.
15
Against Heresies, op. cit.
16
Ibid., V. 15. A.
17
Ibid., II, xxii. 4.
18
Aulén, Christus Victor, p. 22.
19
Ibid., p. 31.
20
R. Newton Flew, The Idea of Perfection (Londres: Oxford University Press, 1934), p. 125.
21
Ibid., p. 127.
22
Against Heresies, III, xviii.1.
23
Citado por Pope, op. cit., III, p. 62.
24
Demonstration, c. 97 (149-150).

Capitulo 4

113
1
C. Mondesert, Clemente d’Alexandrie (Paris: 1944), p.265.
2
Ed. Roy Joseph Deferrari (New York, 1954).
3
Simon P. Wood, Christ the Educator (Fathers of the Church, Inc.: 1954), p. 25.
4
Paedagogus, I vi (28).
5
Wood, op. cit., p. 5.
6
Ibid.
7
Flew, op. cit., p. 139.
8
Protrepticus, X.
9
Stomateis, I, v (28, 1).
10
Ibid., I, 111.
11
Ibid., VIII, x (itálicos acrescentados).
12
A Perfeição do Paedagogus, de conhecer a Deus por meio da fé em Cristo.
13
Flew, op. cit., pp. 141-142.
14
Stomateis, V. i.
15
Quis Dives Salvetur, p. 37.
16
Flew, op. cit., p. 145 (citado em Stomateis, iv. 22. Pp. 135-138).
17
Stomateis, VI. Xliii.
18
De Principiis, pref. 3.
19
Contra Celsus, i. 19.
20
Flew, op. cit., p. 153.
21
Comm. Matt., xii. 36.
22
Comm. Rom., v. 5.
23
Comm. Rom., v. 8.
24
Contra Celsus, iii, 69.
25
De Principiis, III, i. 18.
26
Ibid. III. I. 19.
27
Flew, op. cit., p. 151.
28
Comm. Rom., v. 9.
29
Hom. In Leviticum, xii. 4.
30
McGiffert, op. cit., I, 221.
31
Williston Walker, A History of the Christian Church (New York: Chas. Scribner’s Sons, 1944), p. 104.

Capitulo 5
1
Mateus 19:21.
2
Mateus 19:12.
3
Mateus 22:30.
4
I Coríntios 7:8.
5
Flew, op. cit., p. 158.
6
Vit. Ant., i. 3.
7
Flew, op. cit., p. 164.
8
Reg. fus. tract., 8. 350D; 5. 342C.

114
9
Moralia, lxx. 22; 318B, C.
10
Reg. Brev. Tract., pp. 280, 296.
11
Paul Tillich, ed. Por Carl Braaten, A History of Christian Thought (New York e Evanston: Harper ande Row,
Publishers, 1968), p. 145.
12
Veja a próxima seção sobre Gregório de Nissa para os assuntos críticos relacionados à identidade e obra de
“Macarius”.
13
Flew, op. cit., p. 179 (n. de p. 3).
14
Hom. 12.8; 5.11;45.5.
15
Hom. 30.4.
16
Albert C. Outler, John Wesley (New York: Oxford University Oress, 1964), p. 9 (n. de p. 26).
17
Vinginia Callahan, St. Gregory of Nyssa, Ascetical Works, “The Fathers of the Church” (Washington D.C.: The
Catholic University of America, 1967), p. 93. As seguintes citações de Gregório vem de “On Perfection”,
traduzidas por Callahan neste volume.
18
“On Perfection”, pp. 96-97.
19
Ibid., p. 98.
20
Ibid., p. 99.
21
Ibid., p. 100.
22
Ibid., p. 102.
23
Ibid.
24
Ibid., pp. 102-103.
25
Ibid., p. 103.
26
Ibid.
27
Ibid., pp. 104-105.
28
Ibid., p. 110.
29
Ibid., p. 115.
30
Ibid., p. 121.
31
Ibid.
32
Ibid., p. 122.

Capitulo 6
1
H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City: Beacon Hill Press, 1963), II, pp. 449-450.
2
John L. Peters, Christian Perfection and American Methodism (New York e Nashville: Abingdon Press, 1946), pp.
1980199.
3
Retractions, 1:19.
4
De natura et gratia, pp. 41-42.
5
Willston Walker, A History of the Church (Nwe York: Chas. Scribner’s sons, 1944), p. 179.
6
Epistolae, 187:21.
7
De spir. et lit. 22.
8
De Trinita, xiv:12.
9
De mor. Eccl. Cath., p. 31.
10
Ibib.
11
De civ. Dei, xix:5.
12
Ibib., xxii,:30.

115
13
De ser. Dom. in monte, ii:4.
14
Retractions, i:19 (Latim: “Onde está, oh morte, teu aguilhão?”).
15
De civ. Dei, xiv:15, 16.
16
Ibid., xiv:24.
17
Ibid., xiv:23.
18
John Wesley, Exploratory Notes upon the New Testament (Londres: The Epworth Press, s.d.), p. 545.

Capitulo 7
1
Flew, Idea of Perfection, p. 219.
2
In Cant. S., 15.6.
3
Ibid., 20.6, 8.
4
Ibid., 9.7-8.
5
Walker, History of the Christian Church, p. 270.
6
Flew, op. cit., pp. 230-243.
7
Ibid., p. 232.
8
Ibid., p. 239.
9
Summa Theologica, III, q. 3, a. 1.
10
Flew, op. cit., pp. 237.
11
De Perfectione, c. xii.
12
Summa Theologica, I, 111, 2. Iv, a. 8.
13
Flew, op. cit., pp. 243.
14
Ibid.
15
Werner, Duns Scotus, 2 (citado por Flew, p. 258).
16
Introduction to the Devoution Life, i. c. 3.
17
Treatise, i, c. 11.
18
Ibid., i, c. 12.
19
Ibid., vi, c. 3.
20
Ibid.
21
Ibid., i, c. 15.
22
Inge, Christian Mysticism, p. 231 (citado por Flew, p. 260).
23
Oeuvres, xii. 385.
24
Ibid., xii, 359, 363.
25
Peters, Christian Perfection and American Methodism, pp. 198-199.
26
Christian Perfection, Charles F. Whiston, ed., traduzido para o espanhol por Mildred Whitney Stillman (New York
e Londres: Harper & Brothers Publishers, 1947), p. 9.
27
Ibid., p. 21.
28
Ibid., p. 31.
29
Ibid., p. 36.
30
Ibid., p. 33.
31
Ibid., pp. 34-35.
32
Ibid., p. 43.
33
Ibid., p. 44.
116
34
Ibid.
35
Ibid., p. 51.
36
Ibid., pp. 58-59.
37
Ibid., p. 160 (itálicos acrescentados).
38
Ibid., p. 161.
39
Ibid., p. 155.
40
Ibid., p. 41.
41
Ibid., p. 27.
42
Ibid., p. 23.
43
Ibid., p. 53.
44
Ibid., p. 18.
45
Ibid., p. 55.
46
Ibid.
27
Ibid., p. 56.

Capitulo 8
1
Artigo 27.
2
Citado por Flew, op. cit., p. 251.
3
Ibid. p. 252.
4
Ibid. p. 248.
5
Página 63.
6
Herman, Communion with God, E. tr. 143.
7
Werke (Erlangen ed.). xxv. 334.
8
Herman, op. cit., 249.
9
Herbert Girgensohn, Teaching Luter’s Catechism, p. 180 (citado por Donald Metz, Sudies in Biblical Holiness, p.
16).
10
Works of Martin Luter (Philadelphia: Westminster Press, 1932), VI, 449, 450, 451.
11
Flew, op. cit., p. 250.
12
Em seu Commentary on Genesis Lutero disse: “Mas agora, desde o pecada da queda, todos sabem (sabemos)
quão grande é a paixão da carne, a qual não somente é furiosa na etapa da concupiscência, mas também
em sua repugnância depois que satisfez seu desejo” - Hugh Thompson Kerr, A Compend os Luther’s
Theology (Philadelphia: Westminster Press, 1943), p. 81.
13
Epistle Sermon, Pentecost Sunday (Kerr, Compend, p. 69).
14
Na Argument in Defense os All the Articles of Dr. Martin Luter Wrongly Condemned in the Roman Bull (Kerr,
Compend, p. 86).
15
Table-Talk, #CCLVI.
16
Commentary on Peter and Jude(Kerr, Compend, p. 114).
!7
Commentary on Genesis (Kerr, Compend, p. 83: itálicos de Lutero).
18
On the Councils and the Churches (Kerr, Compend, p. 133).
19
Institutes of the Christian Religion by John Calvin, traduzido para o espanhol por John Allen (Philadelphia: Board
od Christian Education, s.d.), I, 654.
20
Ibid., p. 657.
21
Ibid., p. 658.

117
22
Ibid., p. 746-747.
23
Ibid., p. 749.
24
Ibid., p. 659.
25
Ibid., p. 660.
26
Ibid., p. 664.
27
Ibid., p. 672 (itálicos acrescentados).
29
Ibid., II. 60.

Capitulo 9
1
History of Dogma, vii (citado por Flew, op. cit., p. 257).
2
George Allen Turner, op. cit., p. 182.
3
Ibid., p. 183.
4
Ibid., p. 184.
5
Flew, 5 Ibid., p. pp. 276-277.
6
Ibid., p. 281.
7
Ibid., p. 282.
8
George Fox, Jounal.
9
Ibid.
10
Ibid.
11
Ibid.
12
Citado por Turner, op. cit., p. 10.
13
A tesimony to the Truth of God (citado por Flew, op. cit., p. 287).
14
Citado por Flew, op. cit., p. 288.
15
Ibid., p. 289.
16
Journal, (citado por Flew, op. cit., p. 291).
17
Ibid., p. 292.
18
John Wesley, Works (Kansas City: Nazarene Publishing House, s.d.), I, p. 86.
19
Ibid., p. 103.
20
Ibid., p. 140.
21
Ibid., p. 117.
22
Ibid., p. 308.
23
Ibid., pp. 323-325 (traduzido para o espanhol por Flew, op. cit., pp. 278-279).
24
John Wesley, Works, XI, p. 270.

Capitulo 10
1
George Croft Cell, The Rediscovery of John Wesley (New York: Henry Holt and Co., 1935), p. 347.
2
Ibid., p. 359.
3
Albert Outler, John Wesley, (New York: Oxford University Press, 1964), viii.
4
Wesley, Works, VII, pp. 204-205.
5
Ibid., XI, pp.441-442.
6
Ibid., pp. 366-367.
7
Flew, The Idea of Perfection, p. 397.

118
8
Colin Williams, ibid., p.176.
10
Cell, op. cit., pp. 297-310.
11
Ibid., XI, p. 415.
12
Exploratory Note Upon the New Testament, loc. cit.
13
Ibid., (itálicos acrescentados).
14
Wesley, Works, VI, p. 60.
15
William R. Cannon, The Theology of John Wesley (Nashville: Abingdon-Cokebury Press, 1946), p. 193.
16
Wesley, Works, XI, p. 395.
17
Ibid., p. 417.
18
Williams, op. cit., p. 175.
19
Wesley, Works, VI, p. 46.
20
Citado por Peters, Christian Perfection and American Methodism, p. 196.
21
Ibid., pp. 195-196.
22
William S. Deal, The March of Holiness Trhough the Centuries, (Kansas City: Beacon Hill Press, 1978), p. 209.
23
J. S. Whale, Christian Doctrine, (New York: McMillan Co., 1945), p. 45.
24
Cannon, op. cit., p. 353.
25
Minutos de 1770.
26
E. Stanley Jones, Abundant Living (New York: Abingdon-Cokebury Press), p. 209.
27
Wesley, Works, XI, p. 402.
28
Ibid., VI, pp. 52-53.
29
C. W. Lowry, The Trinity and Christian Devotion (New York: Harper and Bross., 1946).
30
Citado por Cell, op. cit., p. 353.
31
Wesley, Works, XI, p. 420.
32
Lycurgus Starkey, The Work of Holy Spirit (New York: Abingdon Press, 1962), p. 67.
33
Wesley, Works, XI, pp. 414-415.
34
W. E. Sangster, The Path to the Perfection (New York: Abingdon Press, 1944), pp. 142-149.
35
Wesley, Works, XI, p. 418.
36
Ibid., p. 417.
37
Ibid., p. 396.
38
Ibid., pp. 394-395.
39
Ibid., p. 395.
40
Karl Barth, The Epistle to the Romans, traduzida para o espanhol por Edwyn Hoskins (Londres: Oxford University
Press, 1933), p. 314.

119

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