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CACV 2021

Doutrina Social da Igreja


Fortaleza, 05 e 06 de junho de 2021

3. Índole secular do leigo e o seguimento de Cristo

Maria Valentim
Mantido o tom coloquial

Shalom, meus queridos irmãos! É uma grande alegria estar aqui com vocês para
aprofundar o tema da Doutrina Social da Igreja Católica, um tema tão belo, tão importante, e tão
necessário nos tempos de hoje para nós, que somos leigos.

Eu me chamo Maria Valentim, sou membro com promessas definitivas na Comunidade de


Aliança. Sou casada. O meu marido também faz parte da Comunidade Shalom. Estamos
atualmente em missão na Alemanha. Somos uma pequena célula de 3 famílias, todos da CAl, e
pertencemos à missão de Paderborn.

Hoje nós vamos dar continuidade ao tema da Doutrina Social, e vamos um pouco refletir,
rezar, estudar sobre a índole secular do leigo e o seguimento, ou seja, o testemunho de Jesus. O
Padre Sílvio nos falou tão bem sobre os Fundamentos da Doutrina Social, que nasce do amor de
Deus por nós. Nós somos a imagem e semelhança de Deus. Nós somos filhos de Deus, e essa é a
base central, o fundamento central da Doutrina Social, porque a Doutrina Social faz parte do
ensinamento da Igreja. A Igreja, preocupada com o homem, porque a pessoa humana, que é
imagem de Deus, o fundamento da Doutrina Social, ela é o objetivo da Doutrina Social da Igreja,
essa pessoa humana que está inserida num contexto, em uma sociedade.

Vemos aí que nós que somos imagem de Deus, somos imagem da Trindade, e a Trindade
também vive, podemos dizer, uma relação social entre essas 3 pessoas, e quais são as relações
que vemos na Trindade? Relação de amor, de fraternidade, de doação, de kenosis. Nós também
somos chamados a essa dimensão no nosso viver em sociedade. A Igreja, preocupada com o
homem na sociedade, desde os seus primórdios, vamos vendo aí na história do povo de Deus, no
Antigo Testamento, por exemplo, quando vemos os Mandamentos, que dizem não matar, não
roubar. Imaginem vocês uma sociedade onde as pessoas se matam e roubam. Não é possível viver
numa sociedade assim.

No Novo Testamento Jesus nos leva ao ápice da revelação do amor. Jesus nos convida a
todos a dar pão a quem tem fome, dar água a quem tem sede, visitar os prisioneiros, socorrer os
órfãos, as viúvas, exatamente é nosso viver em sociedade, como nós nos comportamos, a nossa
conduta. A Doutrina Social da Igreja faz parte da teologia moral, exatamente porque aborda como
o homem vive em sociedade.

Então hoje nós vamos entender que nós, leigos, somos chamados a viver em sociedade de
uma forma específica. Temos uma maneira de estarmos inseridos na sociedade, de nos
relacionarmos nas nossas micro relações, seja nas nossas famílias, nos nossos grupos de amizades,
de comunidade, em associações, e também sejam dimensões maiores, nas macro relações, como
fala a Doutrina Social da Igreja. Ou seja, entre os estados, as nações, o mundo inteiro. Somos
convidados como cristãos, e aí existe uma diferença, e os homens de bem comum, mas todos
somos filhos de Deus, mas especificamente nós, que somos chamados a essa missão de nos
1
comportarmos de uma maneira profética, através do seguimento de Cristo. Hoje vamos refletir
como nós podemos nos comportar melhor, como devemos nos comportar em sociedade, nós, que
somos cristãos.

O Concílio Vaticano II é considerado como um divisor de águas nesse novo tempo da Igreja,
e especificamente existe um documento, que é a Constituição Dogmática Lumen Gentium1, que
fala sobre a Igreja e que fala sobre o povo de Deus, os batizados. Fala dos sacerdotes, dos
consagrados, e fala muito especialmente dos leigos, que somos nós, os fiéis leigos, porque a partir
desse documento a Igreja entende que todos os membros do corpo de Cristo, sejam eles os
sacerdotes, os religiosos, os leigos, todos temos a mesma dignidade porque fazemos parte desse
corpo de Cristo.

Porém, neste documento, e seria interessante depois vocês aprofundarem, no nº 31, esse
documento traz algo de novo, de maravilhoso, que agora vou partilhar com vocês! Diz assim: “Por
vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais
e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e atividade
terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua
existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo
espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento,
e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela
irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e
ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam
sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor”.

Nós, a partir desse documento, podemos explicar leigos, somos chamados a estar no
mundo com um termo muito específico, que se chama índole secular. A índole secular, que é
exatamente o que vamos falar agora, é um dinamismo que parte do nosso chamado de leigos a
estar no mundo. Porém, o nosso estar no mundo é uma maneira de ser diferente, se estende no
fato de que nós somos chamados a entrar dentro das realidades temporais, mas não entrar de
qualquer maneira, entrar como fermento evangélico, esse fermento que crescem que faz crescer,
que faz o pão crescer, essa graça, para conduzir de dentro as realidades para Deus. Ou seja,
estamos dentro das realidades para de dentro das realidades conduzir as realidades para Deus,
segundo a ordem desejada por ele, através do seu Filho redentor e de todos os homens. Ou seja,
presença e inserção no mundo, através das atividades temporais, santificação através dessas
vivências terrestres, são os elementos fundamentais da nossa índole secular.

Então, irmãos, o leigo não é somente aquele que está na Igreja e no mundo. Nós não
estamos na Igreja e no mundo. Nós, leigos, e principalmente nós, comprometidos com uma
vocação, chamados, vocacionados, nós somos Shalom, discípulos e ministros da paz no mundo,
nós estamos com a Igreja no mundo. Dá para entender essa diferença? Não é estar com a Igreja no
mundo, mas é estar com a Igreja, nós somos corpo de Cristo, nós somos Shalom no corpo de
Cristo, no mundo. Tratamos as coisas temporais para que as coisas temporais possam atingir o
projeto de Deus.

E como nós vamos fazer isso? Como vamos viver essa índole secular? De onde ela nasce? E
aí vou falar de algo que todos nós, cristãos, temos, porque é a graça que nos capacita. No
Sacramento do Batismo nós recebemos esta graça. Quando somos batizados recebemos o Espírito

1
https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-
gentium_po.html

2
Santo. Com o Espírito Santo nós recebemos a índole secular, recebemos o múnus sacerdotal, o
múnus profético, e o múnus real de Cristo. Vou explicar isso melhor!

O Papa Francisco vai dizer que ao olhar para o povo de Deus significa que é lembrar que
todos nós entramos na Igreja como leigos, porque o primeiro sacramento, aquele que sela para
sempre a nossa identidade, é o Batismo, e o Batismo é uma força de envio. Eu posso comparar o
Batismo como se fosse um big bang, uma explosão, porque nós recebemos o Espírito, e através do
Espírito nós explodimos na graça de Deus, na vida em Cristo. Esse big bang não é algo que vai ficar
nele, mas é algo que explode, vem de dentro para fora, e ele explode, se expande para a história, a
nossa pequena história, a nossa vida cotidiana, a nossa pequena vida, nas nossas pequenas
relações, nas micro relações, mas se expande também em todas as nossas dimensões essa
explosão, na nossa vida familiar e nas nossas relações.

E aí a Igreja na Doutrina Social, desde a Rerum Novarum2, vai falar que a família, os
pequenos grupos, associações, elas são anteriores às grandes relações, às relações de estado,
entre os povos, e porque elas são anteriores devem ser respeitadas porque a partir dali, do
pequeno, da minha maneira de agir ali no meu pequeno, na minha família, com meus amigos,
essas relações vão resplandecer, vão explodir nas grandes relações.

Em uma Carta Papa Francisco3 nos lembra que é a hora do leigo, que esse é o momento
para o leigo da história que vivemos. Porém, parece que esse relógio parou, parece que os leigos
deram uma parada. Então, é importante retomarmos esse conceito, termos presente essa graça
que é o Batismo, e que no Batismo recebemos esses 3 múnus: profético, real, e sacerdotal, e é
através desses múnus que podemos viver a nossa índole secular.

Esse mesmo documento, Lumen Gentium, no nº 34, cita a carta de 1 Pedro 2, 5: “Do
mesmo modo vocês, como pedras vivas, vão entrando na construção do templo espiritual e
formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais que aceitos por meio
de Jesus Cristo”4, ou seja, em comunhão com Cristo nós somso chamados a ser pedras vivas,
podemos dizer, casa, templo, e é isso que nos aproxima da dignidade sacerdotal de Cristo, que nos
chama através do seu múnus sacerdotal a fazer da nossa própria vida uma casa, uma oferta a
Deus, e é exatamente isso. Nós somos chamados da nossa vida ofertarmos a Deus o nosso
cotidiano, a Desu e as pessoas, e aqui já começo a dar o testemunho dos santos, que nos fazem
ver traduzido essa realidade na vida deles, esses santos que transformaram a história da
humanidade.

2
https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html
3
“A hora dos leigos? Sim, foi o que se pensou com o Concílio Vaticano II e, em 2016, o Papa Francisco resgatou esta
ideia dos teólogos conciliares e disse praticamente a mesma coisa, em uma carta enviada ao Cardeal Marc Ouellet. Para
o Papa, uma hora que está tardando a chegar”
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2016/documents/papa-francesco_20160319_pont-comm-america-
latina.html
4
“34. O supremo e eterno sacerdote Cristo Jesus, querendo também por meio dos leigos continuar o Seu testemunho e
serviço, vivifica-o pelo Seu Espírito e sem cessar os incita a toda a obra boa e perfeita. E assim, àqueles que
Intimamente associou à própria vida e missão, concedeu também participação no seu múnus sacerdotal, a fim de que
exerçam um culto espiritual, para glória de Deus e salvação dos homens. Por esta razão, os leigos, enquanto
consagrados a Cristo e ungidos no Espírito Santo, têm uma vocação admirável e são instruídos para que os frutos do
Espírito se multipliquem neles cada vez mais abundantemente. Pois todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos
apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no
Espírito, e as próprias incomodidades da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos sacrifícios
espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cfr. 1 Ped. 2,5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao
Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em
toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo”.
3
Por exemplo, falo para vocês o testemunho de Santa Catarina de Sena, uma santa italiana,
leiga, fazia parte da Ordem Terceira dos Dominicanos, depois da sua experiência. Santa Catarina
de Sena muito jovem teve a sua experiência mística e após essa experiência passou a sua vida
ainda na casa dos seus pais. Se lermos o Diálogo5, as Cartas6 de Santa Catarina de Sena, vemos que
ela aí vai escrevendo, e ela era analfabeta e depois passa a escrever, mas era uma pessoa que não
era que tinha muita sabedoria, mas a sabedoria dela vinha do alto, desse múnus profético,
sacerdotal, real do Batismo do Espírito. Santa Catarina de Sena fala que depois da sua conversão
ela passou muito tempo rezando, 3 anos, na sua cela pessoal.

Debaixo da escada da sua casa ela ia ali e rezava, e foi ali que ela, encontrando a caridade,
encontrando esse amor que impulsionou Catarina a ser considerada, como o Papa João Paulo II a
chama, de a política da paz, a diplomata da Igreja, porque Catarina escreveu para reis, para
homens de poderes, rainhas, representantes da sociedade, para os papas. Ao Papa Gregório XI,
que foi em exílio de Roma para a França, ela não só escreveu, mas foi até lá, caminhando, dizer
para o Papa: “Volte para Roma!”7.

Catarina exerceu uma autoridade, um testemunho para as pessoas da verdade, do amor, e


através dela muitas modificações sociais aconteceram naquele tempo. Ela dizia que a vida dela era
uma casa, uma casa onde Deus habitava e as pessoas habitavam.

Então, é através da vivência desses múnus que nós podemos testemunhar Cristo para o
mundo, como um big bang que transforma de dentro as realidades da sociedade.

No que diz respeito ao múnus real, se traduz na vitória de Cristo sobre o pecado,
instaurando o reino de Deus através do amor, da paz e da justiça, especificamente para os leigos,
unidos à vida de Cristo e com a Sua vitória sobre o pecado, vencer as estruturas de pecado que
nós encontramos presentes no mundo.

João Paulo II, nas suas Encíclicas sociais, que depois podemos pegar, ele vai falar dessas
estruturas de pecado. Ele diz que nós só podemos vencer essas estruturas de pecado através do
amor, da caridade, do testemunho8. É desse múnus real de Jesus que através do Seu senhorio Ele
venceu as estruturas de pecado do mundo, e aí vamos vendo também como os santos vão
vencendo as estruturas de pecado. A vitória aqui não quer dizer a vitória que faz e vai estar tudo
bem, mas a vitória de Deus, que vence a morte e que ressuscita.

Temos muitos testemunhos de santos que nos iluminam essa vitória. Por exemplo, Thomas
More, um político, um ministro da época inglesa. Ele não quis renegar a sua fé, a sua experiencia,
negando por causa de um capricho do rei, mas São Thomas More disse: “Eu não vou colocar a
minha consciência, colocar a minha fé em jogo. Eu vou ser firme”, e ele, na sua firmeza, vive
muitos anos em prisão e é morto, martirizado, porque não negou a sua fé para estar de acordo
com o rei que queria se casar novamente.

Aí nós vamos vendo também a necessidade de nós vencermos as estruturas de pecado do


mundo com a caridade, com o amor, não com bandeiras, guerras, discussões, mas vencer no
amor, porque foi assim que Cristo venceu e foi assim que seus grandes seguidores venceram.

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https://www.paulus.com.br/portal/releases/paulus-apresenta-classico-da-espiritualidade-crista/#.YL0AKPlKhPY
6
https://ecclesiae.com.br/santa-catarina-de-sena-cartas-completas
https://www.vatican.va/spirit/documents/spirit_20010814_caterina-siena_po.html
7
https://pt.zenit.org/articles/santa-catarina-de-sena-doutora-da-igreja/
8
https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1999/documents/hf_jp-ii_aud_25081999.html

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Temos também aí o múnus profético, que consiste no chamado que nós temos, através da
nossa fé, de acolher a palavra de Deus, vivenciá-la e proclamá-la, porque a palavra de Deus
alimenta a nossa fé e nos proporciona a ser testemunhos na nossa vida cotidiana, nos nossos
relacionamentos, relacionamentos familiares, sociais, micro e macro relacionamentos.

Nesse múnus profético vamos ver quantos profetas! Vamos ver, por exemplo, Santa Teresa
de Calcutá, que foi uma profeta, que viveu esse big bang da palavra de Deus no seu contexto. Esta
mulher, na Índia, criou uma nova vocação, um chamado a uma nova vocação, e na sua morte,
quem acompanhou o seu funeral viu que ela foi acompanhada e amada por pessoas de outras
religiões, por pessoas hinduístas, ela que amava e tratava todos os filhos de Deus, que
transformou a sua vida nessa casa aberta, vencendo tantas estruturas de pecado. Madre Teresa
foi profeta, fez nosso Deus ser conhecido para aquelas pessoas que não conheciam a Deus.

Então, esse testemunho através do nosso Batismo. Nós, que somos batizados no
Sacramento e que temos essa efusão do Espírito, acabamos de viver o Pentecostes, nós que temos
essa renovação do nosso Batismo na efusão do Espírito, nós somos chamados a dar esse
testemunho de vida através da nossa conduta de vida para o mundo, para as pessoas, desde o
pequeno, desde a minha família, como trato meu marido e filhos, como me relaciono com meus
irmãos dentro da Comunidade, como me relaciono no meu trabalho, seja eu empregado ou
empresário, mas como é a minha vida.

A Rerum Novarum, que foi o primeiro documento oficial que deu início a todo o Magistério
Social da Igreja, escrito pelo Papa Leão XIII, no contexto da revolução industrial, que criou essa
questão social dessa grande desigualdade porque ali crianças trabalhavam, mulheres trabalhavam
grandes horas, não tinham direito a um salário justo, não tinham direito às férias, e não é muito
diferente de algumas realidades que vivemos hoje. Leão XIII falava da importância do justo salário,
do respeito. Ele falava para a sociedade que eram filhos de Deus e tinham direito a ter o seu
momento também de poder ir à Igreja, de poder rezar, e convidava os empresários a criar uma
amizade, e o Papa Francisco, na Fratelli tutti9, sobre a amizade e a amizade social, aprofunda esse
tema, porque os homens são filhos de Deus, são imagem e semelhança, e convidava a esse
diálogo, esse diálogo e testemunho. Só assim se poderia resolver a questão social. Não era nem
com o comunismo, com o socialismo, com o liberalismo naquela época, mas era exatamente com
a certeza que em Cristo podemos fazer novas todas as coisas.

Mas como vamos viver essa índole secular? Qual é o local onde vamos viver a nossa índole
secular? Jesus, nos seus 3 múnus, dialogou com a sociedade com a sua própria vida, o seu próprio
testemunho de vida. Deus, a Santíssima Trindade, essa sociedade perfeita, se encarna no mundo
marcado pelo pecado, e no mundo marcado pelo pecado na sua vida, na sua carne, na realidade
temporal que Ele viveu, no contexto histórico, Ele testemunha este novo, o que realmente o
homem era chamado a viver.

Da mesma forma os santos viveram isso. Vemos, por exemplo, São João Bosco, que
também naquele contexto de desigualdade onde os jovens trabalhavam, São João Bosco foi o
primeiro idealizador de um contrato de trabalho. Partiu do fato de que ele via aqueles jovens
trabalhando e dizia: “Vamos fazer um contrato de trabalho, um acordo entre os jovens estagiários
e os seus dadores de trabalho”.

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https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-
tutti.html

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Também vemos aí um Francisco de Assis, que com a sua vida, o seu amor ao criado, e
vamos falar mais a frente sobre o criado, com o seu amor ao criado, com a sua vocação para os
pobres, o franciscanismo inaugurou o que chamamos de poupança, o fato de economizar para
poder dividir com os pobres, não para ficar e crescer e crescer.

Então, é através do testemunho dessa força do Batismo que nós somos chamados a viver
no mundo, e é através do testemunho que nós traduzimos no mundo a nossa índole secular. O
testemunho quando é autêntico abre espaço para o interlocutor, com as suas perguntas, e abre
espaço às respostas das questões para o mundo.

O Papa Francisco, na JMJ, no dia 28 de julho de 201310, diz: “Não há fronteiras nem limites
quando temos um testemunho forte”, porque na verdade não existe perguntas das pessoas para
nós, cristãos, que não sejam as nossas mesmas, as periferias existenciais. Ele fala que com a nossa
própria vida nós podemos responder.

Bento XVI vai aprofundar essa dinâmica do testemunho, afirmando que é o meio pelo qual
a verdade do amor de Deus chega ao homem na história, convidando-o a aceitar livremente esta
novidade radical. Ele diz que é através do testemunho que Deus chega ao homem na história. Com
efeito, a categoria de testemunho se refere por um lado à fisionomia permanente constitutiva do
cristão, como seguidor de Cristo, mas por outro lado o testemunho qualifica a dimensão secular
de toda a Igreja, portanto, também a natureza secular específica dos fiéis leigos como uma
realidade que não é abstrata, mas é concreta, porque se encarna na minha vida.

O Papa João Paulo II, na Carta Christifideles laici11, ele diz, no nº 15: “Como dizia Paulo VI, a
Igreja « tem uma autêntica dimensão secular, inerente à sua íntima natureza e missão, cuja raiz
mergulha no mistério do Verbo encarnado e que se concretiza de formas diversas para os seus
membros »12, embora por sua própria natureza tenha a salvação dos homens como objetivo. Jesus
tem o objetivo de salvar os homens, e o testemunho da nossa vida é exatamente esse testemunho
de salvação de Deus.

Os leigos são chamados a testemunhar a beleza da sua fé no mundo. É no mundo que nós
vamos testemunhar a nossa fé, e esse testemunho é integral, é historicamente situado. Ele vai
valorizar os carismas e os mistérios e também a virtude do nosso caráter e lei na sociedade,
através da construção de uma boa vida pessoal e social e um governo. Como eu governo a minha
casa? Como eu, mãe, governo a minha casa? Como eu, mãe, pai, governo a minha casa? Então, é
uma educação, o cristão desde as pequenas coisas, como eu faço, como eu acordo e trato o meu
dia, como trato as pessoas durante o meu dia, e principalmente nós, Shalom, como nós vivemos
em sociedade. Charles Péguy vai dizer que os cristãos são os mais cívicos, são herdeiros da
cidadania milenar, universal, eternamente cívica.

Esse testemunho deve ser um testemunho como uma luz que ilumina uma boa conduta de
vida. Eu falei para vocês que a Doutrina Social faz parte da teologia moral, porque vai ver o
homem na sua moral, como ele age na sociedade com as pessoas.

E aí novamente a Carta de São Pedro nos ilumina 1 Pedro 2, 12, diz: “Vivam entre os
pagãos de maneira exemplar para que, mesmo que eles os acusem de praticar o mal, observem as

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https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130728_celebrazione-
xxviii-gmg.html
11
https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_30121988_christifideles-
laici.html
12
Paulo VI, Discurso aos membros dos Institutos Seculares (2 de Fevereiro de 1972): AAS 64 (1972), 208.

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boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da intervenção dele”. É dever nosso,
do cristão, não simplesmente romper com o mundanismo e os desejos da nossa carne, mas
mostrar uma boa vida cristã, porque a nossa vida cristã é bela, gera uma vida diferente. Esse
espírito em nós gera uma vida diferente, e gera um modelo proposto para o mundo, que vai se
expressando no nosso cotidiano, nos nossos gestos normais da nossa vida.

Por isso a palavra de Deus, a vivência dos Sacramentos, a vida comunitária, a nossa vida de
oração pessoal, a nossa contemplação, a nossa unidade, a nossa evangelização, são testemunhos
para o mundo atual, na medida em que eles se transformam numa vida concreta de vida, uma
conduta de uma vida bela, uma vida cristã, traduzindo para o mundo que nós somos imagem e
semelhança de Deus.

O Papa João Paulo II, na Novo millennio ineunte13, no nº31, diz: “É hora de propor de novo
a todos, com convicção, esta « medida alta » da vida cristã ordinária”, o caminho de santidade. E
aí, nos nossos Estatutos, diz: “Nosso alvo é a santidade, não por presunção, mas por vocação”.
Somos vocacionados a essa vida, essa condução bela, e os santos iluminam a sociedade com essa
conduta bela.

Ultimamente o Papa tem canonizado, beatificado, proclamado venerável tantos homens,


tantas mulheres que de dentro, com esse fermento de dentro, iluminaram a sociedade, com
Gianna Beretta Molla, uma médica, uma mulher que no seu tempo, e li seus livros, e ela era uma
mulher tão presente na sua família, com as pessoas, escrevia cartas maravilhosas para o seu
marido, diálogos maravilhosos com Deus! E Gianna Beretta Molla testemunha para as mulheres a
importância da vida, essa vida que é sagrada do inicio ao fim, e ela dá o seu testemunho com o
martírio da sua vida para salvar a vida do seu filho.

Podemos falar de Chiara Corbella, essa jovem italiana que é considerada a segunda Gianna
Beretta Molla, que teve gravidezes de risco, filhos que nasceram com deficiência e que morreram.
Depois, na terceira gravidez, ela dá a sua vida para que o filho pudesse nascer. Ela, uma pessoa
simples, e o meu marido teve a oportunidade de trabalhar com ela. Ela foi estagiária com meu
marido durante 6 meses, e ele fala dela como uma pessoa normal, mas ao mesmo tempo
extraordinária, porque na sua normalidade era uma pessoa bela, autêntica, que testemunhava a
vida!

Eu tive a oportunidade de conhecer o seu marido e ele dizia: “Eu sabia que ela era
diferente, especial”, porque ela era uma pessoa concreta, real. Nós somos chamados a essa
concretude, e essa realidade nas coisas simples. No funeral da Chiara Corbella vimos muitas
mulheres, muitas famílias, muitos jovens, e em Roma ela foi um impacto, um explosão. No tempo
em que Corbella viveu, em Roma, estava tendo uma campanha muito grande a favor do aborto,
do direito das mulheres, e Chiara Corbella na sua simplicidade, na sua juventude, no seu sorriso,
no seu amor, testemunha o que a mulher é chamada a viver no mundo, a ser novas Marias, a ser
mães, a defenderem a vida, estarem de pé aos pés da cruz. É isso que torna o testemunho do
cristão belo, atrativo. É a maneira que ele trata as coisas da terra.

São Paulo vai falar como nós devemos tratar as coisas da terra. Ele nos dá 2 critérios. 1
Coríntios 7, 29-31: “Mas eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. O que importa é que os que
têm mulher vivam como se a não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se
alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam

13
https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/2001/documents/hf_jp-ii_apl_20010106_novo-millennio-
ineunte.html

7
deste mundo, como se dele não usassem. Porque a figura deste mundo passa”. O que quer dizer
isso, a primeira regra? Nós somos chamados a santificar tudo. O nosso matrimônio, os nossos
filhos, o nosso trabalho, tudo é de Deus. Se vivemos tudo isso na dimensão de Deus e sabendo que
soa propriedades, são coisas de Deus, que nos deu para administrar, para vivermos, então isso vai
nos dar essa consciência do valor das coisas.

Não é que vamos agora dizer que as coisas do mundo são más, ou seremos engolidos pelo
mundo. Não! É exatamente o contrário! Nós vamos nos apropriar e vamos ter essa dimensão
integral que nos fala a Doutrina Social. Nós vamos ver as coisas, o meu casamento, o meu
trabalho, as minhas relações, como pego uma coisa e jogo no lixo, se realmente sou justo. Eu vou
ver as coisas realmente com o olhar de Deus e não vou me apegar as coisas, porque somos desse
mundo, mas somos chamados à eternidade.

Um segundo critério que Paulo nos fala é tudo para o Senhor. Em Romanos 14, 7-9, ele diz:
“Nenhum de nós vive para si, e ninguém morre para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se
morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor.
Para isso é que morreu Cristo e retomou a vida, para ser o Senhor tanto dos mortos como dos
vivos”. Isso é afirmação do Senhorio de Jesus para todas as realidades do mundo. Cristo é o ponto
de referência para o mundo. Para Ele devem convergir todas as opções da vida ordinária. Ele é o
ponto de referência, o que dá sentido a tudo. Enraizados em Cristo, o cristão vive para Ele. Todas
as outras coisas, tudo, as outras realidades, se estão dentro dessa relação da primazia de Cristo,
tudo vai ser atraído e reconduzido para Cristo.

Na vida dos santos isso aconteceu. Tudo, as coisas muito simples, elas foram reconduzidas
para Deus. E aí vamos vendo os testemunhos belos de santos. Por exemplo, Carlo Acutis, esse
jovem, um jovem normal, que tinha o seu sapato nike, o seu jeans, estava nas redes sociais, mas
que estava ao mesmo tempo numa profunda dinâmica de intimidade com Deus na sua oração, na
sua fidelidade à palavra, na vida de Adoração. Ele foi essa explosão nas redes. A vibe do Carlo
Acutis era a primazia de Cristo!

O Moysés nos fala muito disso, a primazia de Cristo, e essa primazia de Cristo nos dá a
capacidade de testemunharmos até o martírio, o testemunho que se transforma em martírio,
porque quando falamos de testemunho temos que entender que o testemunho é dar tudo, é
estarmos enraizados em Cristo e se necessário for chegarmos até a cruz, pagar pessoalmente o
preço da nossa fé, e existe essa forma do martírio, o derramamento do sangue, mas também
existe outra forma, que também envolve uma doação total de si mesmo, que é o martírio branco.
Nos dois casos a dimensão do testemunho do martírio é presente.

Vemos o Papa Francisco, que na Festa de Pentecostes14 falou tanto dos cristãos
perseguidos, martirizados atualmente na China. Somos todos chamados a essa dimensão do
testemunho, e como o testemunho do martírio de sangue e do martírio branco eles traduzem, são
essas luzes para o mundo de hoje.

João Paulo II, na Veritatis splendor15, diz no nº 93: “Se o martírio representa o ápice do
testemunho a favor da verdade moral, ao qual relativamente poucos podem ser chamados, há,
contudo, um testemunho coerente que todos os cristãos devem estar prontos a dar cada dia,
mesmo à custa de sofrimentos e de graves sacrifícios. De fato, diante das múltiplas dificuldades

14
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2021/documents/papa-francesco_20210523_omelia-
pentecoste.html
15
https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html

8
que, mesmo nas circunstâncias mais comuns, pode exigir a fidelidade à ordem moral, o cristão é
chamado, com a graça de Deus implorada na oração, a um compromisso por vezes heroico”.

Quando a Igreja vai estudar a santidade de uma pessoa, ela não vai só olhar se a pessoa fez
milagres ou coisas excepcionais, mas ela vai estudar as virtudes heroicas, essa capacidade de no
nosso dia a dia estarmos com tudo para o Senhor das nossas renúncias, de sermos beatos na
perseguição, de sermos beatos na pobreza, de sermos beatos em todas as circunstâncias, das
beatitudes, de estarmos testemunhando esses múnus de uma forma pacífica.

Nós somos ministros e discípulos da paz. A nossa bandeira, que temos de levantar, a nossa
vida deve estar enraizada nesse Cristo e é a bandeira de Cristo que nós devemos levantar. É muito
importante isso, porque para nós, cristãos, e principalmente para nós que somos da Comunidade,
que carregamos o Tau, tudo o que nós fazemos as pessoas querem ver a fisionomia de Cristo.
Então, quando vou na internet, faço um comentário, e eu digo muito na internet porque com a
pandemia a nossa presença na internet é muito mais forte. Tudo aquilo que coloco, que digo, as
minhas ideias não são mais as minhas ideias. As minhas ideias são as ideias de Deus, de Cristo, do
corpo de Cristo, da Igreja, porque sou fermento de dentro, de dentro para fora.

É importante, irmãos, nós pensarmos muito sobre isso, refletirmos, rezarmos, pedirmos a
Deus essa graça, através do Espírito, para que assim nós possamos realmente transformar a
sociedade de dentro, de dentro do coração do homem!

E aí esse testemunho é vivenciado nas nossas duas cidadanias, posso falar assim. Nós
somos cidadãos de duas cidades: a do céu, que nos tornam testemunhas de valores diversos
professados no mundo; e ao mesmo tempo somos cidadãos da cidade dos homens, com os quais
nós compartilhamos a cultura, as condições concretas, as nossas responsabilidades, as nossas
expectativas, e as nossas esperanças.

Em um tempo de pandemia como esse que vivemos, um tempo não somente de pandemia,
mas onde a sociedade é considerada líquida, onde tudo é relativo, e Bento XVI fala disso, onde as
pessoas estão polarizadas, e hoje vemos o retorno de guerras, de estruturas de guerras, onde
vamos guerreando com os nossos próprios irmãos por causa de ideias, de seguimentos, mas nós
somos chamados, nesse tempo, a testemunhar as nossas esperanças e as nossas expectativas, que
são as expectativas de Deus, de Jesus, que veio ao mundo para amar, perdoar, para fazer a paz.

Em primeiro lugar, os cristãos leigos vivem a sua esperança, é a sua pertença originada a
Deus no mundo. Viver no mundo não significa separar, como já falei, mas sermos fiéis no mundo
àquilo que somos chamados a ser: filhos de Deus, e entender que o mundo é belo também. Nós
recebemos de Deus a herança do mundo. Foi Deus que criou o mundo, e o pecado veio obscurecer
a beleza e a harmonia do desenho de Deus, mas ele não foi capaz de cancelar a marca divina, e
Deus foi além, como vemos nas palestras do nosso querigma, Deus enviou o Seu próprio Filho e
redimiu, nos salvou, mas redimiu o mundo inteiro.

O Papa Francisco, na Laudato si16, no seu ensinamento social, ele vai falar da nossa casa
comum. Nós vivemos numa casa comum. Este mundo, a natureza, os animais, tudo o que está no
mundo foi criado por Deus, e tudo no mundo nos fala de Deus. São Francisco, esse santo que
também louvava as criaturas, o louvor das criaturas, falava que o criado nos fala de Deus. Então,
nós também, leigos, discípulos e ministros da paz, somos chamados a ordenar o mundo para Deus.
Parece uma missão impossível, mas não! Vamos vendo aí que os santos vão ordenando as

16
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-
si.html

9
histórias. Esse é o nosso óculos. A nossa índole secular é o que nos faz ver melhor ao que nós
somos chamados, de invés de destruir o mundo com guerra, discussões às vezes muito
desnecessárias, somos chamados a ter uma vida concreta, real, de oração e de testemunho, que
nos leve até o martírio. Portanto, o leigo cristão ama o mundo, compartilhando a história de cada
homem e seguindo os passos de Jesus, que se encarnou e veio ao mundo na vida ordinária e
simples das pessoas e do seu tempo.

O amor ao mundo pelas pessoas, pelas situações, realidades, é o que torna Cristo visível
para os outros, é o que testemunha que Deus também ama o mundo, a história humana, e a vida
de cada um.

Somos chamados exatamente a essa cidadania, que é a cidadania do céu. Somos chamados
para nesta terra testemunhar uma vida diferente. E aí vamos ver mais uma vez como os santos
vão traduzindo essa realidade. O testemunho de, por exemplo, não era uma leiga, mas uma
jovem, freira, que amamos tanto, Santa Teresinha do Menino Jesus, que no seu mundo, ali, no
Carmelo, no seu dia a dia, na pequena via. A boa conduta de Santa Teresinha foi a pequena via, de
fazer as pequenas coisas com grande amor.

Teresinha, nos seus escritos, dizia: “Eu quero ser mártir, quero ser como Joana D’Árc,
guerreira, quero ser padre, profeta”. Ela realmente entendeu o múnus, todas as dinâmicas, e ela
foi. É a padroeira das missões, ou seja, aquela que vai. E qual foi o big bang de Santa Teresinha?
Foi a pequena via. Ela descobriu que nas pequenas coisas, em cada pequena coisa, ela podia gerar
paz, gerar concórdia, gerar Cristo, fazer nascer Cristo nas pequenas coisas. Teresinha encontrou
essa dupla cidadania, essa cidadania das relações que ela tinha ali, no seu contexto histórico,
social, entre as irmãs, e a cidadania do céu, que hoje tem tantos seguidores. E hoje está na moda
seguir, ser seguidor.

Irmãos, somos chamados a ser seguidores de Cristo, de Cristo! O mundo precisa ver
seguidores de Cristo, pessoas que carregam a cruz não só no peito, mas na sua vida, nas suas
escolhas e ações. O mundo está cheio de disputas de potências. A política vai sendo vista só sob
essa dimensão do poder, mas nós somos chamados a viver o poder e Cristo, que venceu as
realidades daquele tempo histórico, de tantas injustiças, de perseguições, com o poder da cruz,
com o poder da cruz!

O Papa Francisco, pouco tempo atrás, beatificou um juiz italiano que com a sua vida, o seu
testemunho de vida, nas suas sentenças destruiu as estruturas de pecado da máfia, que na Itália é
muito forte. Ele foi assassinado, mas a sua vida se transformou nesse testemunho, nesse
seguimento17. A índole secular do leigo faz ser seguidor de Cristo no mundo, nas realidades do
mundo.

Teríamos muito a conversar, mas acho que já dei instrumentos para que nós possamos
rezar e viver isso. Não é fácil, mas esse é o chamado que nós somos convidados, nós somos
vocacionados, capacitados.

Termino citando um escrito muito conhecido na tradição cristã, que é a Carta a Diogneto,
que descreve a condição dos cristãos já naquele tempo, com uma imagem que nos coloca muito
no que vivemos. “Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela
língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam
alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. Nem uma doutrina desta

17
Rosario Livatino, o “juiz jovem” assassinado pela máfia.
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2021/documents/papa-francesco_regina-caeli_20210509.html

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natureza deve a sua descoberta à invenção ou conjectura de homens de espírito irrequieto, nem
defendem, como alguns, uma doutrina humana. Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme
coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime
alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição
no seu regime de vida político-social. Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam
de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles
uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos e geram filhos, mas não
abandonam à violência os recém-nascidos. Servem-se da mesma mesa, mas não do mesmo leito.
Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu.
Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. Amam todos e por todos
são perseguidos. Não são reconhecidos, mas são condenados à morte; são condenados à morte e
ganham a vida. São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo
abundam. São desonrados, e nas desonras são glorificados; injuriados, são também justificados.
Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como
maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. São hostilizados pelos Judeus como
estrangeiros; são perseguidos pelos Gregos, e os que os odeiam não sabem dizer a causa do ódio”.

Vou ler Atos dos Apóstolos 2, 42, que diz assim: “Perseveravam eles na doutrina dos
apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão e nas orações. De todos eles se apoderou o
temor, pois pelos apóstolos foram feitos também muitos prodígios e milagres em Jerusalém, e o
temor estava em todos os corações. Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum.
Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de
cada um. Unidos de coração, frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e
tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de
todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros, que estavam a caminho da salvação”.

Então, exatamente é isso. Peço a Deus hoje, através da intercessão dessa leiga que nos
testemunha esse múnus real, sacerdotal e profético, a Virgem Maria, a Mulher! Que Nossa
Senhora nos dê a graça no tempo histórico que nós estivermos, pandemia, crises, em qualquer
lugar, nação ou estado, isto é indiferente. O que faz a diferença é termos a certeza que o Espírito
Santo habita em mim, como habitou em Maria, e que nós também podemos dizer sim desde as
pequenas coisas às grandes coisas, e que o Espírito Santo, habitando em nós, explode em nós essa
graça que nos torna, porque somos chamados por vocação, a sermos discípulos e ministros da paz
até o martírio, seja ele o de sangue, seja ele o branco. Que Deus abençoe todos nós, e que o
Espírito Santo que habita em nós exploda e transforme o nosso mundo em um mundo melhor!
Deus abençoe a todos! Shalom!

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