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Vivência da espiritualidade agostiniano-recoleta

pelo leigo do terceiro milênio

Fr. Miguel Miró, OAR

―Alegremos-nos e sejamos agradecidos; se nos foi dado chegar a ser


não somente cristãos, senão Cristo mesmo. Vos dais conta, irmãos,
compreendeis o Deus fez? É para que fiqueis plenos de admiração e
de alegria. Se nos fez chegar a ser Cristo mesmo.‖ (Santo Agostinho,
Tratado sobre João 21,8)

Introdução

Com o desejo de animar aos irmãos e irmãs das fraternidades seculares a


viver com esperança a vida espiritual agostiniana recoleta, atrevo-me a tratar este tema.
Tranqüiliza-me que logo cada fraternidade irá expor sua vivência, sem dúvida mais rica
que minhas palavras. Minha reflexão não trará novidades. Desejaria que fosse como o
esboço de uma pintura, à qual vós dareis vida e cor. Peço ao Pai do céu que nos conceda
a sabedoria do coração para experimentar seu amor e reconhecer com humildade seus
dons.
Começarei esta exposição, considerando a Igreja como mistério de
comunhão. Em seguida, veremos o sentido que tem a vida espiritual e como os leigos são
chamados a crescer na fé e no amor. Indicarei a vitalidade das associações leigas no
nosso tempo e o desejo de partilhar a espiritualidade e a missão dos institutos de vida
consagrada. Ressaltarei alguns traços da espiritualidade agostiniano-recoleta retirados da
Regra de Vida e, por último, apresentarei quatro desafios eclesiais à nossa
espiritualidade.

1. A Igreja casa e escola de comunhão

Os fiéis leigos, juntamente com os sacerdotes, religiosos e religiosas,


constituem um único povo de Deus e corpo de Cristo 1. Na Igreja, todos os seus membros
têm a mesma dignidade, por seu novo nascimento em Cristo, a mesma graça de filhos,
uma mesma fé e um amor sem divisões. Ainda que na Igreja existam diversidades de
ministérios e carismas, todos os seus membros são chamados à santidade e à unidade
em Cristo2. É preciso ver a Igreja como povo de Deus e com uma missão no mundo. Sob
esta perspectiva, tudo é visto e vivido de modo diferente. Santo Agostinho expressa-o
muito bem: ―Assusta-me ser de vocês, consola-me estar com vocês. Sou de vocês como
bispo, estou com vocês como cristão. Bispo é nome de função; cristão, o nome da graça.
Um representa perigo, o outro, salvação‖3.
Para estabelecermos a vida espiritual dos leigos em nosso tempo e sua
relação com os sacerdotes e religiosos, precisamos repensar o modelo de igreja que
herdamos e suas categorias interpretativas. Pode-se ter uma idéia de corpo compacto e
orgânico, que deposita a centralidade no sagrado e na função do sacerdote, que dirige e
organiza, ou pode-se pensar em uma igreja que forma uma comunidade de irmãos, que
se servem em um caminho de reconciliação e reciprocidade4. Existem modelos de Igreja
que tornam difícil a comunhão. Neles, privilegia-se a submissão à comunhão entre irmãos
1
JOAO PAULO II, Christifidelis laici 28. As exortações apostólicas pós-sinodais Christifidelis laici (1992),
Pastores dabo vobis (1992), Vita consecrata (1996) e Pastores gregis (2003) são uma referência para
considerar a Igreja como mistério de comunhão.
2
LG 32
3
Santo Agostinho, Serm. 340,1. Cf. LG 32.
4
Cf. B. SECONDIN, Abitare gli Orizzonti, Milano 2002, 219-221.
1
e irmãs. Às vezes, surgem bloqueios que dificultam a relação e adotam-se posturas
autoritárias ou de uma submissão contraproducentes ... é necessária a humildade e
colocar-se sempre no caminho de conversão5.
O caminho para afirmar a própria identidade na Igreja não é o confronto nem
a oposição, senão a correlação com as demais formas de vida cristã e ministérios.
Ninguém pode afirmar sua identidade dentro da Igreja, criando separações, nem
superioridades, senão respondendo a um chamado, que é convocação e co-
responsabilidade na missão evangelizadora. A Igreja é, simultaneamente, uma realidade
carismática e institucional, visível e invisível, divina e humana, teológica e jurídica, mística
e social. Tanto os dons hierárquicos, como os carismáticos, procedem do Espírito Santo e
são levados à plenitude pelo mesmo Espírito. É necessário superar as dicotomias de dons
hierárquicos e dons carismáticos. Deve-se ressaltar com força que uns e outros procedem
do mesmo Espírito de Cristo6.
―Esta perspectiva de comunhão está intimamente ligada à capacidade que
tem a comunidade cristã de dar espaço a todos os dons do Espírito. A unidade da Igreja
não é uniformidade, mas integração orgânica das legítimas diversidades; é a realidade de
muitos membros unidos num só corpo, o único Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,12). Por isso,
é necessário que a Igreja do terceiro milênio estimule todos os batizados e crismados a
tomarem consciência da sua própria e ativa responsabilidade na vida eclesial. Ao lado do
ministério ordenado, podem florescer outros ministérios — instituídos ou simplesmente
reconhecidos — em proveito de toda a comunidade, ajudando-a nas suas diversas
necessidades: da catequese à animação litúrgica, da formação dos jovens às várias
expressões da caridade‖7.
―Todos os fiéis, qualquer que seja sua posição na Igreja ou na sociedade,
são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade ... Que todos, pois,
esforcem-se, na medida do dom de Cristo, para seguir seus passos, tornando-se
conformes à sua imagem, obedecendo em tudo à vontade do Pai, consagrando-se de
coração à glória de Deus e ao serviço do próximo. Nas diversas profissões e formas de
vida, a santidade é sempre a mesma. Todos são movidos pelo Espírito de Deus.
Obedecendo à voz do Pai, de acordo com os seus próprios dons e capacidades, cada um
deve marchar firmemente pelo caminho da fé viva, que desperta a esperança e atua por
amor‖8.
Nesta época de mudanças profundas e aceleradas (GS 4,2), em que muitos
já falam de uma mudança de época, é necessário estar aberto à ação do Espírito Santo e
ter os sentimentos de Cristo (Fil 2,7-8). ―É preciso que ‗vivendo no amor autêntico,
cresçamos sob todos os aspectos em direção a Cristo, que é a cabeça. Ele organiza e dá
coesão ao corpo inteiro, através de uma rede de articulações, que são os membros, cada
um com sua atividade própria, para que o corpo cresça e se construa a si próprio no amor‘
(Ef 4,15-16)‖9. ―Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio –
recordava João Paulo II – que nos espera no milênio que começa, se quisermos ser fiéis
ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo‖10.

2. Vida em Cristo, vida segundo o Espírito

A todos os membros da Igreja, é pedido que se aprofundem e assumam a


autêntica espiritualidade cristã. Com efeito, espiritualidade é um estilo ou forma de viver

5
Cf. J. M. ARNÁIZ, ―Novas relações mútuas entre os componentes do Povo de Deus‖ em USG, Comunión y
Servicio. Nuevas mutuas relaciones en el Pueblo de Dios, Roma 2004, 3-9.
6
Cf. A. BOCOS, ―Mutuae relationes no Povo de Deus‖ em USG, Comunión y Servicio. Nuevas mutuas
relaciones en el Pueblo de Dios, Roma 2004, 19-75.
7
JOAO PAULO II, Novo Millennio ineunte (2001), 46.
8
Cf. LG 40-41.
9
LG 30.
10
JOAO PAULO II, Novo Millennio ineunte (2001), 43.
2
segundo as exigências cristãs, a qual é a ―vida em Cristo‖ e ―no Espírito‖, que é aceita
pela fé, expressa-se pelo amor e, na esperança, é conduzida à vida dentro da
comunidade11. A espiritualidade, portanto, não se limita à oração ou à vida interior, nem
está em contraposição com a atividade social e serviço de caridade, mas sim que busca
uma integração de todos os aspectos da vida e experiência humana. Se bem que é
necessário ter muito presente que, para esta integração, é necessária uma autêntica vida
de oração e de relação pessoal com o Senhor.
A vida espiritual é vida de graça, vida no Espírito Santo. Trata-se de deixar-
se configurar por Cristo (Fil 1,21). A vida espiritual faz referência à mesma identidade do
cristão.
Neste sentido, entende-se por espiritualidade não uma parte da vida, e sim a
vida toda, guiada pelo Espírito Santo, ―se vivemos segundo o Espírito, pelo Espírito
pautemos também nossa conduta‖ (Gal 5,25). Dos documentos do Magistério, depreende-
se ―uma visão integradora e globalizada de espiritualidade, isto é, uma visão que abarca,
interpela e ilumina todos os aspectos da vida do cristão‖12.
Podemos dizer que a vida espiritual, considerada como vida em Cristo, vida
segundo o Espírito, apresenta-se como itinerário de crescente fidelidade, onde a pessoa
consagrada é guiada pelo Espírito e por Ele configurada com Cristo, em plena comunhão
de amor e de serviço na Igreja13. Todos estes elementos, impregnando profundamente as
várias formas de vida consagrada e de vida cristã, geram uma espiritualidade ou caminho
peculiar, isto é, um projeto necessário de relação com Deus e com o ambiente
circundante, caracterizado por peculiares dinamismos espirituais e por opções operativas
que ressaltam e representam um ou outro aspecto do único mistério de Cristo.

3. Os leigos chamados a crescer na fé e no amor

―Por leigos – assim os descreve a Constituição Lumen gentium – entendem-


se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso
reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo,
constituídos em povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, do múnus
sacerdotal, profético e real de Cristo, exercem pela parte que lhes toca, na Igreja e
mundo, a missão de todo o povo cristão‖14.
A dignidade do fiel leigo revela-se em plenitude quando se considera a
primeira e fundamental vocação que o Pai, em Jesus Cristo por meio do Espírito Santo,
dirige a cada um deles: a vocação à santidade, isto é, à perfeição da caridade. A vocação
dos fiéis leigos à santidade comporta que a vida segundo o Espírito se exprima de forma
peculiar na sua inserção nas realidades temporais e na sua participação nas atividades
terrenas. Nem os cuidados familiares nem outras ocupações profanas devem ser alheios
à vida espiritual. A unidade de vida dos fiéis leigos é de enorme importância, pois eles têm
que se santificar na normal vida profissional e social. Assim, para que possam responder
à sua vocação, os fiéis leigos devem olhar para as atividades da vida quotidiana como
uma ocasião de união com Deus e de cumprimento da sua vontade, e também como
serviço aos demais homens, levando-os à comunhão com Deus em Cristo15.
Os fiéis leigos adquiriram maior consciência de seu posto e de sua missão
no povo de Deus. Sabemos que não são ―meros ouvintes silenciosos‖ e são mais
reconhecidos por si mesmos. Por sua condição de batizados, reafirma-se sua condição de
discípulos e testemunhas de Jesus ressuscitado, percorrem caminhos na espiritualidade e
partilham tarefas na pastoral vocacional, na formação e na evangelização, na educação e
com aqueles que sofrem enfermidade. A participação da mulher, que deve ser cada vez
11
JOAO PAULO II, A Igreja na América (1999), 29.
12
GAITÁN, J.D.: ―Espiritualidade e vida consagrada‖ em CONFER, vol. 42, 720.
13
Cf. JOAO PAULO II, Vita consecrata, 93.
14
Cf. LG 31; Christifidelis laici 9.
15
Cf. Christifidelis laici 16-17.
3
mais ativa, traz à comunidade cristã a experiência de sua fé com sua peculiar intuição,
sensibilidade, ternura e generosidade. A insistência na eclesiologia de comunhão suscitou
o entusiasmo em favor da vocação e missão dos leigos: discípulos, testemunhas e
apóstolos de Jesus em tantos campos de ação, nas diversas profissões e atividades
familiares, sociais, culturais, políticas e humanitárias16.
Em nosso tempo, é urgente recordar que ―todos os fiéis, qualquer que seja
sua posição na Igreja ou na sociedade, são chamados à plenitude da vida cristã e à
perfeição da caridade‖17. Este ideal de perfeição não deve ser mal entendido, como se
implicasse em um tipo de vida extraordinária, praticada somente por alguns ―gênios‖ da
santidade. Os caminhos da santidade são múltiplos e adequados à vocação de cada um.
―Significa exprimir a convicção de que, se o Batismo é um verdadeiro ingresso na
santidade de Deus por meio da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria
um contra-senso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista
e uma religiosidade superficial.‖18 Não podemos permanecer em palavras ou ideais de
perfeição, deve-se partir de nossa situação concreta, a partir de nossa realidade pessoal,
familiar e social, para que, dóceis ao Espírito Santo, possamos crescer na fé e no amor.

4. Não extingais o Espírito...

Vamos nos fixar, agora, nos carismas da vida consagrada e como estes
carismas podem ser partilhados pelos fiéis leigos. ―Como árvore brotada da semente
lançada por Deus, crescida de maneira admirável na variedade de seus ramos, as várias
formas de vida solitária ou comum e as diversas famílias religiosas desenvolveram-se,
tanto para o proveito de seus membros, como de todo o corpo de Cristo‖19. ―Lembremos
que, quando a Igreja reconhece uma forma de Vida Consagrada ou um Instituto, garante
que, no seu carisma espiritual e apostólico, encontram-se todos os requisitos objetivos
para alcançar a perfeição evangélica pessoal e comunitária‖20. ―A comunhão na Igreja não
é, de fato, uniformidade, mas dom do Espírito que passa também através da variedade
dos carismas e dos estados de vida. Estes serão tanto mais úteis à Igreja e à sua missão,
quanto maior for o respeito pela sua identidade. Com efeito, todo dom do Espírito é
concedido a fim de frutificar para o Senhor, no crescimento da fraternidade e da
missão‖21.
Carisma é hoje a palavra mais utilizada para indicar a realidade profunda
que animou a cada fundador e fundadora e que continua animando cada instituto
religioso. Não se deve reduzir o carisma a uma fórmula. O importante não é saber
descrevê-lo com todo detalhe, mas sim vivê-lo eficazmente, sendo fiéis à experiência e
missão originais do formador22. ―Cada instituto surge de um impulso carismático do
Espírito oferecido aos fundadores e transmitido por eles a seus discípulos. O carisma
implica em um modo específico de ser, em uma específica missão e espiritualidade, estilo
de vida fraterna e estrutura de instituto, a serviço da missão eclesial. Este carisma, dom
do Espírito, é impulso dinâmico e desenvolve-se continuamente em sintonia com o Corpo
de Cristo, em constante crescimento; é confiado ao instituto para ser vivificado e
interpretado, para torná-lo fecundo e testemunhá-lo em comunhão com a Igreja nos

16
Cf. A. BOCOS, ―Mutuae relationes‖ no Povo de Deus‖ em USG, Comunión y Servicio. Nuevas mutuas
relaciones en el Pueblo de Dios, Roma 2004, 40-42. Cf. ChL 32-34; VC 54.
17
LG 40.
18
Cf. Novo millennio ineunte, 30-31.
19
Cf. LG 43.
20
Cf. LG 43. Vita consecrata, 93.
21
Vita consecrata, 4
22
Cf. M. MIDALI, Il carisma permanente di Dom Bosco. Contributo per una prospettiva teologica attuale
(LDC) Torino 1970, 10-11.
4
distintos contextos culturais‖23. O carisma é uma graça que não diz respeito apenas a um
instituto, mas reverte em favor de toda a Igreja24.
O carisma é uma forma concreta de leitura vivencial e realização do projeto
evangélico. Com freqüência, torna-se difícil definir o que especifica um instituto religioso,
sobretudo, se quisermos fazê-lo com critérios isolados, porque a individualidade só é
perfeita na relação. Não podemos descrever a personalidade de um indivíduo se não
descrevemos os componentes, faculdades e atos que colocam em jogo as possibilidades
comuns de sua natureza humana. ―Não é estranho, portanto, que para definir um instituto
religioso haja que recorrer ao patrimônio comum do evangelho, à vocação comum, à
missão comum e aos meios comuns dos quais nasce para todos a vida sobrenatural. E,
sem dúvida, do fundo desse patrimônio comum, como um estilo ou forma particular de o
possuir, é de onde se alcança a força vital que constitui uma identidade‖25.
A comunhão eclesial, presente e operante em cada igreja particular e nas
comunidades religiosas, encontra uma manifestação específica nas associações dos fiéis
leigos. Nos últimos anos, o fenômeno da agregação dos leigos tem se caracterizado por
uma particular variedade e vivacidade 26. Se bem que se tratam de ―associações bastante
diferentes, possuem uma profunda convergência: a de participar responsavelmente na
missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e
de renovação para a sociedade‖27.
―Se na história da Igreja tal fenômeno representou sempre uma linha
constante, como o provam até os nossos dias as várias confrarias, as ordens terceiras e
os diversos sodalícios, ele recebeu, todavia, um notável impulso nos tempos modernos
que têm visto o nascer e o irradiar de múltiplas formas agregativas: associações, grupos,
comunidades, movimentos. Pode falar-se de uma nova era agregativa dos fiéis leigos.
Com efeito, ao lado do associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias raízes,
brotaram movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão
grande é a riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial,
e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicato‖28.
―Descobre-se hoje, cada vez mais, o fato de que os carismas dos
fundadores e das fundadoras, tendo surgido para o bem de todos, devem ser novamente
postos no centro da mesma Igreja, abertos à comunhão e à participação de todos os

23
USG, ―Documento final do Congresso. A vida consagrada hoje. Carismas na Igreja para o mundo‖ em
UNIÃO DE SUPERIORES GERAIS, Carismas en la Iglesia para el mundo. La vida consagrada hoy, Madrid
1994, 286.
24
Vita consecrata 49
25
J. DÍEZ, Dimensión misionera del carisma agustino recoleto en ―Recollectio‖ 15 (1992) 6.
26
B. SECONDIN, Abitare gli Orizzonti. Simboli, modeli e sfide della vita consacrata, Milano 2002, 222: ―A
importância, a difusão, a vivacidade dos movimentos, das associações, dos grupos, das novas
comunidades são coisas já conhecidas de todos. Calcula-se que são várias dezenas de milhões, os cristãos
no mundo, os quais vivem sua pertença à Igreja no contexto de experiência deste gênero, com empenho de
formação e apostolado, segundo a inspiração que provém da pertença‖. Deve-se levar em consideração a
importância deste fato, em alusão ao número de católicos que existem no mundo (1.086.000.000), ao
número de sacerdotes (405.450, dos quais 262.485 são diocesanos e 158.486 religiosos), religiosos
professos não sacerdotes (54.620) e religiosas professas (776.269) (Dados do ano de 2003).
27
Christifidelis laici 29.
28
Christifidelis laici 29. Na história da espiritualidade, foram realizadas etapas com uma forte presença dos
leigos, porém muitas vezes dependendo de formas e espiritualidades religiosas ou clericais. É o caso das
diversas confrarias e ordens terceiras. Os movimentos eclesiais atuais nasceram, com freqüência, a partir
da base, de simples leigos, e difundiram-se entre o laicado, até constituir um fenômeno eclesial. Partem de
uma experiência carismática vivida inicialmente pelos fundadores e fundadoras e transmitida a seus
seguidores para ser vivida, uma experiência dotada também de uma empreendedora criatividade espiritual
e apostólica. Possuem uma característica notadamente comunitária e desenvolvem-se sob o signo da
universalidade eclesial. Propõem uma espiritualidade com base evangélica, batismal, laical, com ampla
alusão à palavra de Deus e à presença no mundo, com o testemunho e a ação para a transformação das
estruturas sociais (Cf. J.CASTELLANO, Carismas para un tercer milenio. Los movimentos eclesiales y las
nuevas tendencias, Burgos 2003, 69-101).
5
membros do Povo de Deus‖29. Portanto, a partir desta perspectiva de comunhão ―é
preciso descobrir cada vez mais a vocação própria dos leigos, que são chamados,
enquanto tais, a ‗procurar o Reino de Deus, tratando das realidades temporais e
ordenando-as segundo Deus‘ e têm também ‗um papel próprio a desempenhar na missão
do inteiro povo de Deus, na Igreja e no mundo [...], com a sua ação para evangelizar e
santificar os homens‘‖30.
―Nesta mesma linha, reveste-se de grande importância para a comunhão o
dever de promover as várias realidades agregativas, que, tanto nas suas formas mais
tradicionais, como nas mais recentes dos movimentos eclesiais, continuam a dar à Igreja
uma grande vitalidade, que é dom de Deus e constitui uma autêntica ‗primavera do
Espírito‘. É, sem dúvida, necessário que associações e movimentos, tanto da Igreja
universal como das Igrejas particulares, atuem em plena sintonia eclesial e obediência às
diretrizes autorizadas dos Pastores. Mas, a todos é dirigida, de forma exigente e
peremptória, a advertência do Apóstolo: ‗Não extingais o Espírito, não desprezeis as
profecias. Examinai tudo e retende o que for bom‘‖ (1Ts 5,19-21)31.

5. Espiritualidade e missão partilhadas

Atualmente, a vida religiosa está sendo testemunho de um fenômeno


particular: os leigos aproximam-se aos institutos religiosos, confessando, abertamente
que sentem seu carisma como próprio, que desejam partilhar, a partir de sua condição de
leigos, sua espiritualidade. Não querem deixar de ser o que são, porém o querem ser com
os membros de tais institutos. O fenômeno de associação do leigo ao apostolado dos
religiosos não é novo, porém a solicitação de associação carismática e de espiritualidade,
a partir das distintas formas de vida cristã, é um fenômeno que surge com força em nosso
tempo32.
―Hoje, alguns Institutos, freqüentemente por imposição das novas situações,
chegaram à convicção de que o seu carisma pode ser partilhado com os leigos. E assim
estes são convidados a participar mais intensamente na espiritualidade e missão do
próprio Instituto. Pode-se dizer, no rasto de experiências históricas como a das diversas
Ordens Seculares ou Ordens Terciárias, iniciou-se um novo capítulo, rico de esperança,
na história das relações entre as pessoas consagradas e o laicado‖33.
Diante desta situação, nasceram iniciativas e novas formas institucionais de
associação aos Institutos. ―Estamos assistindo a um autêntico florescer de antigas
instituições, como são as Ordens Seculares ou Ordens Terceiras, e ao nascimento de
novas associações leigas e movimentos em torno das Famílias religiosas e aos Institutos
seculares. Se, às vezes, também no passado recente, a colaboração provinha em termos
de suplência pela carência de pessoas consagradas necessárias para o desenvolvimento
das atividades, agora nasce pela exigência de compartilhar as responsabilidades não
somente na gestão das obras do Instituto, mas sim, sobretudo, na aspiração de viver
aspectos e momentos específicos da espiritualidade e da missão do Instituto. Pede-se,
portanto, uma formação adequada dos consagrados, assim como dos leigos, para uma
recíproca e enriquecedora colaboração‖34.
―Um contato apropriado entre os valores característicos da vocação leiga,
como a percepção mais concreta da vida do mundo, da cultura, da política, da economia
etc., e dos valores da vida religiosa, como a radicalidade do seguimento de Cristo, da
dimensão contemplativa e escatológica da existência cristã etc., pode converter-se em um

29
CIVCSVA, Caminar desde Cristo (2002), 31.
30
Novo millennio ineunte, 46.
31
Novo millennio ineunte, 46.
32
J.C.R. GARCÍA PAREDES, ―Compartir nuestra espiritualidad con otras formas de vida‖ en B.
FERNÁNDEZ y F. TORRES (eds.) Recrear nuestra espiritualidad, Madrid 2001, 255-257.
33
VC 54
34
CIVCSVA, Caminar desde Cristo (2002), 31.
6
fecundo intercâmbio de dons entre os fiéis leigos e as comunidades religiosas. A
colaboração e o intercâmbio de dons, faz-se mais intensa quando grupos seculares
participam por vocação, e do modo que lhes é próprio, dentro da mesma família espiritual,
no carisma e na missão do instituto. Então, serão instauradas frutuosas relações,
baseadas em relações de madura co-responsabilidade e sustentadas por itinerários
adequados de formação na espiritualidade do instituto‖35.
A relação de comunhão e colaboração não resulta sempre fácil. Se por um
lado pode ocorrer a intromissão dos leigos em questões próprias da comunidade religiosa,
e pode-se perceber uma escassa preparação teológica, também é evidente que pode se
dar uma ―clericalização‖. Dá-se um predomínio clerical, quando se inclina a monopolizar
as atividades e organizam-se habitualmente os projetos sem contar com os leigos,
quando não se promove uma espiritualidade de acordo com a vocação leiga e, inclusive,
quando os mesmos leigos não se preocupam com sua formação e assumem sua
responsabilidade.
O mesmo vocabulário tradicional de ordem terceira que em outra época teria
seu sentido, hoje pode ser entendido como ―uma posição subalterna, uma participação à
distância‖. Trata-se de superar as distinções, as categorias de inferioridade e
superioridade. É necessário dar novo valor às vocações leigas no seguimento radical de
Cristo e seu caminho evangélico, em comunhão com o povo de Deus36. ―Se em outros
tempos foram, sobretudo, os religiosos e as religiosas que criaram, alimentaram
espiritualmente e orientaram uniões de leigos, hoje, graças a uma formação sempre maior
dos leigos, pode ser uma ajuda recíproca, que favoreça a compreensão da especificidade
e da beleza de cada um dos estados de vida‖37.
Para compreender a identidade das associações leigas ligadas aos
religiosos e seu lugar na Igreja, é importante considerar a referência que se faz no Código
de Direito Canônico: ―Denominam-se ordens terceiras, ou com outro nome adequado,
aquelas associações cujos membros, vivendo no mundo e participando do espírito de um
instituto religioso, dedicam-se ao apostolado e buscam a perfeição cristã sob a alta
orientação do instituto‖38.
Na mesma legislação eclesiástica, assinala-se que todas estas associações
devem apresentar seus estatutos próprios, nos quais são reguladas a finalidade,
admissão, organização, atuação e colaboração apostólica com a diocese 39. É significativo
que, na referência ao apostolado dos institutos religiosos, confiem-se aos superiores e
demais membros que mantenham fielmente a missão e obras próprias de seu instituto,
porém também se indica que sigam prudentemente, adequando-as, atendendo às
necessidades do tempo e lugar, empregando também novos e adequados meios. Indica-
se no mesmo Código que, se os institutos têm unido a si associações, ajudem-nas com
especial diligência para que permaneçam informadas pelo legítimo espírito da família 40.
A participação dos leigos na espiritualidade e missão de um Instituto de vida
consagrada facilita a difusão do carisma e oferece novas energias e possibilidades para
desenvolver a missão. Na Exortação Apostólica pós-sinodal, Vita Consecrata, João Paulo
II chega a dizer que ―não raras vezes, a participação dos leigos traz inesperados e
fecundos aprofundamentos de alguns aspectos do carisma, reavivando uma interpretação
mais espiritual do mesmo e levando a tirar daí indicações para novos dinamismos
apostólicos‖41.

35
CIVCSVA, Vida fraterna en comunidad, 70.
36
Cf. B. SECONDIN, Abitare gli Orizzonti. Simboli, modeli e sfide della vita consacrata, Milano 2002, 205-
210.
37
Caminar desde Cristo, 31.
38
Código de Direito Canônico, 303.
39
Cf. CDC, 304-311.
40
Cf. CDC, 677.
41
Vita Consecrata, 55.
7
6. Vivência da espiritualidade agostiniano-recoleta

Até agora consideramos a vocação do leigo na comunhão da Igreja e


delineamos a oportunidade de viver esta vocação participando do carisma de um instituto
de vida consagrada. Vamos encontrar-nos agora na ―Fraternidade Secular Agostiniana
Recoleta‖.
Nós, os Agostinianos Recoletos, somos uma ordem religiosa formada por
cerca de mil e duzentos religiosos que, vivendo a vida fraterna em comunidade, queremos
seguir a Cristo, casto pobre e obediente; buscar a verdade e estar ao serviço da Igreja,
esforçando-nos no crescimento da caridade segundo o carisma de Santo Agostinho e a
intensidade própria da Recoleção, movimento de interioridade e radicalidade evangélica 42.
A ordem está formada por religiosos sacerdotes e irmãos religiosos. Todos nós estamos
chamados à vida fraterna na comunidade e, juntos, temos uma missão específica a
realizar. Em nosso carisma, distinguem-se três aspectos que devem estar
harmonicamente unidos: a dimensão contemplativa, a vida comunitária e a missão
apostólica.
O carisma agostiniano recoleto é partilhado pelos conventos de monjas
agostinianas recoletas, ou segunda ordem, nascidas ao mesmo tempo e com as mesmas
aspirações espirituais que os primeiros recoletos. As irmãs com sua vida contemplativa
ressaltam esta dimensão fundamental de nosso carisma. As congregações religiosas de
vida ativa: Irmãs Agostinianas Recoletas, Agostinianas Recoletas do Coração de Jesus, e
Agostinianas Recoletas Missionárias, conservando sua própria identidade e missão,
formam parte da família agostiniana-recoleta. Também os leigos podem partilhar o
carisma, participando na espiritualidade e na missão da Ordem.
―A Fraternidade Secular Agostiniana Recoleta acolhe aos cristãos que,
impulsionados pelo Espírito Santo à perfeição da caridade, comprometem-se a viver o
Evangelho, à luz da experiência e da espiritualidade da Ordem dos Agostinianos
Recoletos. Seus membros pertencem plenamente à família agostiniana e participam de
seu ideal, de suas graças e de sua fecundidade‖43.
Nas Constituições da Ordem, síntese e referência do carisma, lemos: ―Os
religiosos promovam a Fraternidade secular agostiniana-recoleta (Ordem Terceira
Secular), cujos membros, permanecendo no mundo, tendem à perfeição evangélica
segundo o carisma da Ordem, conservando sua índole secular. Para a participação no
carisma, nasce e desenvolve-se a comunhão com seus irmãos de Ordem e com a
hierarquia; assim, cumprem uma missão comum na Igreja e atuam como fermento no
mundo‖44.
Considero que é importante para as fraternidades, que seus membros
tomem consciência do que são, reafirmem sua identidade e seu sentido de pertença e
que, a partir de sua situação concreta, cresçam unidos na fé e no amor. Pertencer à
fraternidade é um dom do Senhor e é um caminho de vida espiritual. Portanto, supõe um
compromisso pessoal de vida, fundamentado no amor, que requer oração, comunhão
com os irmãos e serviço de caridade. Os irmãos e irmãs da fraternidade desejam
caminhar juntos para viver com fidelidade seu seguimento a Jesus. Devemos ter clareza
de que a fraternidade não é confraria nem um movimento eclesial. Ainda que existam
alguns elementos afins, na fraternidade secular, pretende-se viver a própria vocação
cristã a partir da espiritualidade agostiniana-recoleta. Não se deve reduzir as fraternidade
a um grupo apostólico entre outros, nem ao grupo exclusivo de um religioso. A
fraternidade é como a projeção do ser espiritual da comunidade àqueles leigos que
desejam partilhar seu carisma agostiniano recoleto45.

42
Cf. Constituições, 6.
43
Regra de vida, 4.
44
Constituições 114. As Constituições foram aprovadas em 1982 e revisadas em 1987.
45
Guía para erigir la fraternidad seglar agustino-recoleta, Roma 1995, 37-67.
8
Se nos fixamos na história da Ordem, veremos que houve terciárias e
terciários em volta de alguns conventos da Espanha, em meados do século XVII. Porém,
foi nas missões do Extremo Oriente, onde alcançaram seu maior florescimento. Ali,
terciárias e terciários filipinos viviam uma estreita comunicação com os missionários
recoletos, aos quais serviam de intérpretes, professores e catequistas. No Japão, em
volta de nossos missionários, giram centenas de terciários, dos quais várias dezenas
selaram sua vida com o sangue do martírio. Madalena de Nagasaki (1611-1634),
canonizada em 1987, é sua representante mais excelsa.
Nos últimos anos, cresceu entre nós, similar a outros institutos religiosos, a
atenção aos leigos que estão à nossa volta. Em 1984, a Santa Sé aprovou a Regra de
Vida; em 1991, surgiram o Manual e o Ritual; e em 1995, chegou a vez do Guia para
fundar a Fraternidade. Nesses textos, permaneceu plasmada uma idéia da Fraternidade
mais próxima da teologia e da mentalidade atual e, desta maneira, mais fiel à alma
agostiniana da Ordem. Não nasciam em vão, em um momento de crescente reflexão
carismática. Nos últimos anos, deve-se destacar a celebração de retiros e encontros
nacionais ou provinciais, assim como algumas publicações próprias. A história revela a
existência de uma relação profunda entre Ordem Terceira e carisma. Quando se crê no
carisma, tende-se a difundi-lo e inclusive a comunicá-lo sem pretendê-lo46.
Lembremos que ―a denominação de Fraternidade Secular já se encontrava
no capítulo de 1974, ainda que não tenha chegado a impor-se. Esta mudança, assinala o
Pe. Javier Ruiz – então prior geral – não implicava somente uma mudança de nome. Por
isso, apesar da denominação de ‗Ordem Terceira‘ gozar de uma longa tradição – tanto na
nossa Ordem como nas demais –, e de que refletia em si uma forma, diríamos ‗forte‘, de
inserção e pertença dos fiéis seculares da Ordem, contudo, prevaleceu a opinião de que a
mudança de nome favoreceria à mudança de mentalidade, no que se refere à
espiritualidade e consciência de pertença dos membros da Ordem terceira, para se verem
não simplesmente como partícipes da espiritualidade da Ordem, mas principalmente
como membros ativos dela e da Igreja, assumindo sua própria missão apostólica como
seculares na Igreja para a construção do Reino no mundo‖47.
Quando falamos da espiritualidade da Ordem e da fraternidade, referimo-
nos a dois aspectos: à visão objetiva e à vivência concreta e existencial. No primeiro caso,
sentimos-nos agraciados por uma visão espiritual que nos entusiasma e atrai.
No segundo, interpretamos-na em nossa vida e segundo nossas culturas e
condições. A espiritualidade como visão, descrevemos-na a partir de elementos teóricos.
Faz-se uma leitura a partir do seguimento de Cristo, tem sua sensibilidade religiosa e
antropológica. Propõe-se um caminho espiritual e algumas práticas normativas. Sabemos
que não basta com a visão ou em se ter belos documentos, porém se deve dizer
claramente que são necessários: são como a partitura de nossa espiritualidade. A
questão é como interpretá-la. A espiritualidade é também vivência orquestral, sinfonia da
qual participam todos. Esta é a responsabilidade. Nossas comunidades são o que são,
percebemos a alegria e o fogo interior que nos enche de paz e nos compromete na
evangelização?48.
O caminho espiritual requer práticas adequadas, práticas que tenham
sentido em nosso tempo, isto é, se são as práticas que necessitamos. Necessitamos de
referências, métodos e guias. Não podemos fugir de nossa realidade com lamentações de
tempos passados ou sonhar com um futuro irreal, sem criar meios para avançar. Não
podemos nos perder em discussões sobre o que nos distingue de outros, quando o
verdadeiramente importante é estar abertos à ação do Espírito Santo para viver o que
somos e cumprir com fidelidade a missão. Com demasiada freqüência, na vida espiritual,

46
A. MARTÍNEZ CUESTA, Fraternidad seglar. El laicado agustino recoleto, (sem publicar).
47
J. RUIZ, Entrevista en Toma y lee, n. 19 (2004), 15-16.
48
Cf. J.C.R. GARCÍA PAREDES, ―Compartir nuestra espiritualidad con otras formas de vida‖ en B.
FERNÁNDEZ y F. TORRES (eds.) Recrear nuestra espiritualidad, Madrid 2001, 260.
9
somos obcecados com o que nós fazemos e não percebemos o que o Senhor faz e quer
fazer conosco. Trata-se de reafirmar nossa identidade, vivendo em comum e trazendo à
Igreja a riqueza e a criatividade própria de nosso carisma.
Na espiritualidade de Santo Agostinho, no seu desejo vital, o irmão da
fraternidade encontra repostas às suas perguntas mais inquietantes, às suas aspirações
mais profundas. Esta espiritualidade não se esgota com as referências monásticas, não
nos esqueçamos que Santo Agostinho pregava a todo o povo. Diante do convite
evangélico: ―Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo‖ (Mt 16,24), diz Santo
Agostinho: ―Isto não é coisa que devam ouvir somente as virgens e não casadas; somente
as viúvas e as esposas; somente os monges e não casados; somente os clérigos e os
leigos; toda a Igreja, todo o corpo, todos os membros com suas funções próprias e
distintas, é a que há de seguir a Cristo‖49. A partir do seguimento, deve-se entender a
espiritualidade agostiniana e leiga. A espiritualidade agostiniana é um indicador e
expressão de caminho cristão. Vivendo sua vocação, o membro da fraternidade está
chamado a viver a espiritualidade agostiniana com a intensidade e a experiência própria
da recoleção, buscando aquilo que mais lhe inflama no amor50.
Na espiritualidade agostiniana, o ser humano mistério e abismo (Confissões
4, 14, 22), sente-se instável, vulnerável e necessitado, ao descobrir que leva à flor da pele
a marca de seu pecado (Confissões 1, 1). A confissão desta indigência radical traduz-se
em busca: ―Fizeste-nos Senhor para Ti e nosso coração está inquieto até que descanse
em Ti‖ (Confissões 1, 1,1). Este caminho de busca de Deus, concebe-o, Agostinho, na
interioridade e comunhão. No momento de escolher um modelo comunitário, considera
que a comunidade de Jerusalém é o ideal da vida cristã (Sermão 77, 4): ―Tinham uma só
alma e um só coração‖51.
Os traços específicos da espiritualidade agostiniana devem ser procurados
no próprio Santo Agostinho, em seu processo de conversão e crescimento espiritual. Sua
espiritualidade não aparece sistematizada em qualquer de suas obras. ―É possível seguir
o itinerário cristão da espiritualidade agostiniana, porque Santo Agostinho deixou-nos o
relato de seu caminho religioso e de seu encontro consigo mesmo, com os demais, com a
natureza e com Deus. Sua vida passa por duas grandes experiências: a experiência
humana e a experiência de Deus. Não se pode levar Deus a sério, se não se valoriza o
homem e vice-versa‖52. Este itinerário não é individualista. Santo Agostinho vivia com
seus amigos, com os irmãos, deve-se entendê-lo a partir da perspectiva de comunhão na
comunidade e na Igreja.
É certo que o carisma não se reduz à Regra de Vida. E, certamente, com a
Regra de Vida ofereceu-se aos membros da fraternidade um projeto de vida cristã, a partir
de sua própria condição de seculares e com uma profunda base agostiniana53. Podemos
dizer que nela se assinalam as pautas para viver o evangelho na clave do carisma
agostiniano recoleto. Nestes anos, ofereceram-se às fraternidades alguns comentários
explicativos do carisma agostiniano recoleto54.
Nesta exposição, limitamo-nos a considerar alguns traços significativos da
referida espiritualidade e indicamos sua referência na Regra de Vida:
1. Viver em união com Cristo pela ação do Espírito Santo
―Para avançar no caminho da santidade com alegria e decisão, cumprindo
fielmente nossa missão, é necessário viver sempre em união com Cristo. Ele é nosso

49
SANTO AGOSTINHO, Sermão 96, 7, 9.
50
Forma de vivir, 1.
51
CÚRIA GERAL AGOSTINIANA, En camino con San Agustin, Roma 2001, 27-28.
52
CÚRIA GERAL AGOSTINIANA, En camino con San Agustin, Roma 2001, 29.
53
Prot. N. 1-4/84 na Regra de vida, pág. 7.
54
Cf. F. MORIONES, Espiritualidade agostiniana-recoleta, (3 vol.) Madri 1988-1993; T. BÁZTAN, Busca e
encontro, Madri 2000; ID. Lámparas de barro, Madri 2004; C. CARDONA, 20 Lecciones de agustinismo,
Bogotá.
10
último fim e nosso caminho... pelo que amar a Cristo com perfeição é o empenho principal
de nossa vida‖ [RV 15].
―O homem desintegrado, cindido e dilacerado pela ferida do pecado entra
em si mesmo, onde Deus o espera. Iluminado por Cristo, mestre interior sem o qual o
‗Espírito Santo não instrui nem ilumina a ninguém‘, consegue renovar e restaurar a
imagem de Cristo que leva impressa na alma‖ [RV 8].
2. Fundamentada na Sagrada Escritura
―Como Santo Agostinho, procuramos iluminar nossa mente e fortalecer
nossa vontade com a leitura freqüente e o estudo assíduo da Sagrada Escritura. Ela é a
fonte da oração frutífera que nos leva a compartilhar como irmãos as vivências da
contemplação pessoal‖ [RV 13].
3. Prioridade e dinamismo da caridade
―Antes de tudo, queridos irmãos, amemos a Deus: depois também ao
próximo, porque estes são os mandamentos principais que nos foram dados‖ (Regra,
introdução) [RV 5]. ―Os irmãos desejam amar a Deus sem condição‖ (En in ps 55,17) [RV
6]. ―Ama e fazes o que queres, se calas, cala por amor; se clamas, clama por amor; se
corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Está dentro de ti a raiz do amor.
Desta raiz não pode sair senão o bem‖ (In 1 Ioan. 7, 8) [RV 7].
4. Oração – comunhão fraterna – missão
Observemos que devemos considerar unidas e em harmonia estas três
dimensões do carisma que expressam a vida no Espírito. O amor contemplativo, além de
unir as almas e os corações dos irmãos, é em si mesmo apostólico.
4.1 Oração
Santo Agostinho ―nos convida a perseverar na oração, que é adoração,
presença, diálogo e amizade com o Senhor. Ela anima nossa vida e a impregna de
conteúdo sobrenatural, mantendo sempre nosso coração orientado para Deus. Para isto,
o agostiniano recoleto secular cultiva com esforço constante o espírito e a prática da
oração; procura a meditação diária da Palavra de Deus, sobretudo na sagrada liturgia e
através da prática da leitura espiritual...‖ [RV 37].
A liturgia, participação perene no mistério pascal, deve ser o cume de nossa
vida e, ao mesmo tempo, a fonte de nossas forças, sendo a Eucaristia o sacramento de
piedade, o sinal de unidade e o vínculo de caridade, que nos pede Santo Agostinho.
Nossa vida litúrgica se manifesta, sobretudo, na participação da Eucaristia e na
celebração da Liturgia das Horas... [RV 38; 24; 39]. Nossa vida espiritual tem Maria como
mãe e mestra [RV 40].
União de almas e corações na oração: não somente reunir-se para rezar, e
sim rezar uns pelos outros porque se amam. Sentido da oração pela fraternidade e pela
família agostiniana [cf. RV 29].
4.2 Comunhão fraterna
―Devemos viver como a primitiva comunidade de Jerusalém, sempre abertos
à ação do Espírito Santo, pois foi Ele quem fez das almas dos apóstolos e dos fiéis uma
só alma, e de tantos corações, um só coração‖55 [RV 10; 28].
―Nossa fraternidade é fundamentalmente um grupo de pessoas que
compartilham a fé, a esperança e a caridade. Nossa oração, pessoal e comunitária, não é
só um ato de piedade, porém um estilo de vida‖ [RV 29]. ―É necessário participar das
reuniões comuns e avivar o cumprimento de nossos ideais... Nossa vida de fraternidade

55
Cf. SANTO AGOSTINHO, Collatio cum Max. 12; Sermão 356, 1.
11
exige que cultivemos cuidadosamente os valores da amizade... em comunhão de amor‖
[RV 30-31].
―O amor e o bem da fraternidade e da família agostiniana recoleta nos
devem levar a ajudar os irmãos em todas as suas necessidades, não esquecendo a
correção fraterna, cheia de caridade e compreensão‖ [RV 10; 28].
4.3 Missão
―Nossa missão de amor é universal, sem fronteiras: ‗Se queres amar a
Cristo, nos diz Santo Agostinho, estende teu amor por todo o mundo, pois por todo o
mundo estão dispersos os membros de Cristo‘56. Exortando, suportando, orando
dialogando, dando razões, com mansidão, com amabilidade, levai a todos o amor de
Deus‖57 [RV 11].
A missão partilhada realiza-se com o testemunho da própria vida, a
responsabilidade na família, na evangelização, nas missões; o compromisso de animação
litúrgica, o serviço de caridade, promoção da justiça e da paz, o estabelecimento de uma
ordem temporal com espírito cristão... Cooperação na obras da Ordem, inserção na
paróquia e na igreja local [RV 21-27].
Nosso apostolado mais específico consiste em trabalhar para que a unidade
e a paz, ambas frutos do amor, sejam uma realidade na família, na igreja e no mundo. Tal
empenho nos deve levar sempre a defender a justiça e denunciar evangelicamente a
injustiça [RV 25].
Considerar nosso trabalho, não como um peso ou um simples meio de
subsistência, mas como uma cooperação com o Criador, na construção do mundo e como
um serviço à comunidade humana... dominar a própria profissão, atuar com caridade e
honradez, praticar as virtudes humanas... De acordo com a nossa fé [RV 14].
5. Processo de conversão, busca, crescimento espiritual, formação
permanente...
―Nosso carisma agostiniano recoleto exige um caminho e uma atitude de
conversão e interiorização, um abrir cada dia mais ao Senhor as portas do nosso coração,
como fez Santo Agostinho, depois de sua conversão‖ [RV 17].
Aproximar-se de Deus pelo conhecimento e pelo amor... voltar a nós
mesmos... ―Não saias fora; retorna a ti mesmo; no interior do homem mora a verdade; e
se vês que tua natureza é mutável, transcende-te a ti mesmo‖58 [RV 19].
―A formação do agostiniano recoleto secular é um processo que abrange
toda a vida... O carisma de Santo Agostinho nos faz agentes de nossa formação,
animando-nos a guardar o propósito, a formar a vontade na liberdade da caridade e a
perseverar até o fim‖ [RV 33-36].
6. Sentido eclesial
―Devemos amar a Igreja como mãe que nos gera e nos alimenta para a vida
eterna. Guiados por seu magistério e robustecidos por seus sacramentos, procuremos
alcançar a perfeição‖ [RV 12].
7. Relação com a ordem e assistência espiritual
―Será solicitada a nomeação de assistentes espirituais idôneos e
devidamente preparados. Relação com a comunidade e as obras da Ordem. A visita dos
superiores‖ [RV 50].
Além disso, deve-se destacar na Regra de Vida algumas referências à
Forma de Viver, que reafirmam a espiritualidade agostiniana:

56
Cf. SANTO AGOSTINHO, In 1 Ioan. 10, 8.
57
Cf. SANTO AGOSTINHO, En in ps 33, 2 6-7.
58
SANTO AGOSTINHO, De vera relig. 39, 72.
12
- Amar a Cristo com perfeição é o empenho principal de nossa vida (Forma de
Viver, 1) [RV 15].
- O objetivo do cristão é a caridade (Forma de Viver, introdução) [RV 5].
- Só alcança a perfeição quem se nega e mortifica a si mesmo (Forma de
Viver, introdução) [RV 8].

7. Desafios eclesiais para a espiritualidade agostiniana-recoleta

Guiados pela espiritualidade de Santo Agostinho, os religiosos e os irmãos e


irmãs das fraternidades não podem deixar de se sentirem interpelados pelos desafios da
Igreja. Se é meta de todos os cristãos, como não nos sentirmos especialmente chamados
a vivê-lo? Convido-os a estabelecer quatro desafios com textos do Magistério:

1. Experiência de espiritualidade agostiniana, crescer na fé e no amor

Bento XVI nos propõe:59 ―A história do amor entre Deus e o homem consiste
precisamente no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de
pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem
cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me
impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na
experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu
próprio. Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-Se a nossa alegria (cf. Sal
73/72,23-28).
Para além do aspecto exterior do outro, dou-me conta da sua expectativa
interior de um gesto de amor, de atenção, que eu não lhe faço chegar somente através
das organizações que disso se ocupam, aceitando-o talvez por necessidade política. Ao
vê-lo com os olhos de Cristo, posso dar ao outro muito mais do que as coisas
externamente necessárias: posso dar-lhe o olhar de amor de que ele precisa.
Se na minha vida falta totalmente o contato com Deus, posso ver no outro
sempre e apenas o outro e não conseguir reconhecer nele a imagem divina. Mas, se na
minha vida negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas com
ser ―piedoso‖ e cumprir os meus ―deveres religiosos‖, então definha também a relação
com Deus. Neste caso, trata-se de uma relação ―correta‖, mas sem amor. Só a minha
disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna
sensível também diante de Deus. Só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para
aquilo que Deus faz por mim e para o modo como Ele me ama...
Amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis, constituem um único
mandamento. Mas ambos vivem do amor que vem de Deus, que nos amou primeiro.
Desse modo, já não se trata de um ―mandamento‖ que do exterior nos impõe o
impossível, mas de uma experiência do amor proporcionada do interior, um amor que, por
sua natureza, deve ser ulteriormente comunicado aos outros. O amor cresce através do
amor. O amor é ―divino‖, porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste
processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz
ser um só, até que, no fim, Deus seja ―tudo em todos‖ (1Cor 15,28)‖60.

2. Espiritualidade de comunhão

João Paulo II, ao começar o novo milênio, convidava a fazer da Igreja a casa
e a escola da comunhão61. O que significa tudo isto em concreto?... Antes de programar
iniciativas concretas, é necessário promover uma espiritualidade de comunhão, elevando-

59
Bento XVI, Deus é amor, 17.
60
Bento XVI, Deus é amor, 18.
61
JOAO PAULO II, Novo Millennio ineunte, 43.
13
a ao nível de princípio educativo em todos os lugares onde se plasma o homem e o
cristão, onde se educam os ministros do altar, os consagrados, os agentes pastorais,
onde se constroem as famílias e as comunidades.
- Espiritualidade de comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do
coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser
percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor.
- Espiritualidade de comunhão significa também a capacidade de sentir o
irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como ―um que faz parte de
mim‖, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus
anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e
profunda amizade.
- Espiritualidade de comunhão é ainda a capacidade de ver, antes de mais
nada, o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um
―dom para mim‖, como o é para o irmão que diretamente o recebeu.
- Por fim, espiritualidade da comunhão é saber ―criar espaço‖ para o irmão,
levando ―os fardos uns dos outros‖ (cf. Gal 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que
sempre nos insidiam gerando competição, rivalidades, suspeitas, ciúmes.

3. Dimensão missionária

Neste Ano Missionário recordemos as palavras de João Paulo II62: ―A


comunhão com Jesus, donde provém a comunhão dos cristãos entre si, é condição
absolutamente indispensável para dar fruto: ―Sem Mim não podeis fazer nada‖ (Jo 15,5)...
A comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e
integram-se mutuamente, ao ponto de a comunhão representar a fonte e,
simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a
comunhão. É sempre o único e mesmo Espírito que convoca e une a Igreja e que a
manda pregar o Evangelho ―até aos confins da terra‖ (At 1,8). Ora, no contexto da missão
da Igreja, o Senhor confia aos fiéis leigos, em comunhão com todos os outros membros
do Povo de Deus, uma grande parte de responsabilidade‖.
Os fiéis leigos, precisamente por serem membros da Igreja, têm por vocação
e por missão anunciar o Evangelho: para essa obra foram habilitados e nela empenhados
pelos sacramentos da iniciação cristã e pelos dons do Espírito Santo... A síntese vital que
os fiéis leigos souberem fazer entre o Evangelho e os deveres quotidianos da vida será o
testemunho mais maravilhoso e convincente de que não é o medo, mas a procura e a
adesão a Cristo, que são o fator determinante para que o homem viva e cresça, e para
que se alcancem novas formas de viver mais conformes com a dignidade humana.
O homem é amado por Deus! Este é o mais simples e o mais comovente
anúncio de que a Igreja é devedora ao homem. A palavra e a vida de cada cristão podem
e devem fazer ecoar este anúncio: Deus te ama, Cristo veio por ti, para ti Cristo é
―Caminho, Verdade, Vida!‖ (Jo 14,6).

4. Uma graça e uma responsabilidade: a formação permanente

No Capítulo Geral e nos Capítulos Provinciais, destacou-se a necessidade


da formação permanente. Também os irmãos da fraternidade secular devem considerá-la
como uma prioridade63: A formação dos fiéis leigos tem como objetivo fundamental a
descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade cada vez maior
para vivê-la no cumprimento da própria missão... E, para descobrir a vontade concreta do
Senhor sobre a nossa vida, são sempre indispensáveis a escuta pronta e dócil da palavra
de Deus e da Igreja, a oração filial e constante, a referência a uma sábia e amorosa

62
JOAO PAULO II, Christifidelis laici, 32-34.
63
JOAO PAULO II, Christifidelis laici, 58-60.
14
direção espiritual, a leitura, feita na fé, dos dons e dos talentos recebidos, bem como das
diversas situações sociais e históricas em que nos encontramos.
Ao descobrir e viver a própria vocação e missão, os fiéis leigos devem ser
formados para aquela unidade, que assinala a sua própria condição de membros da Igreja
e de cidadãos da sociedade humana. Não pode haver na sua existência duas vidas
paralelas: por um lado, a vida chamada ―espiritual‖, com os seus valores e exigências; e,
por outro, a chamada vida ―secular‖, ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações
sociais, do empenhamento político e da cultura... Toda a atividade, toda a situação, todo o
empenho concreto — como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o
amor e a dedicação na família e na educação dos filhos, o serviço social e político, a
proposta da verdade na esfera da cultura — são ocasiões providenciais para um
―contínuo exercício da fé, da esperança e da caridade‖.
Nesta síntese de vida, situam-se os múltiplos e coordenados aspectos da
formação integral dos fiéis leigos. Não há dúvida de que a formação espiritual deve
ocupar um lugar privilegiado na vida de cada um, chamado a crescer incessantemente na
intimidade com Jesus Cristo, na conformidade com a vontade do Pai, na dedicação aos
irmãos, na caridade e na justiça.
A formação doutrinal dos fiéis leigos mostra-se hoje cada vez mais urgente,
não só pelo natural dinamismo de aprofundar a sua fé, mas também pela exigência de
―racionalizar a esperança‖ que está dentro deles, perante o mundo e os seus problemas
graves e complexos.
Os fiéis leigos, ao amadurecer a síntese orgânica da sua vida, que,
simultaneamente, é expressão da unidade do seu ser e condição para o cumprimento
eficaz da sua missão, serão interiormente conduzidos e animados pelo Espírito Santo,
que é Espírito de unidade e de plenitude de vida.
―Que o Senhor conceda-lhes cumprir tudo isto movidos pelo amor, como
apaixonados da beleza espiritual, e exalando o bom perfume de Cristo com vossa
exemplar convivência; não como escravos submetidos à lei, e sim com a liberdade dos
constituídos em graça‖64.

64
SANTO AGOSTINHO, Regra 8, 1.
15

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