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I

PRESBITÉRIO DE LIMEIRA

Danilo Mendes Tescarollo Coelho

A NECESSÁRIA COMUNHÃO DOS SANTOS

Um estudo sobre a igreja, seus meios de graça na


visão de Berkhof e Grudem, e a necessidade da
comunhão proporcionada por ela.

Limeira, SP

2022
II

Danilo Mendes Tescarollo Coelho

A NECESSÁRIA COMUNHÃO DOS SANTOS

Um estudo sobre a igreja, seus meios de graça na


visão de Berkhof e Grudem, e a necessidade da
comunhão proporcionada por ela.

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Presbitério de Limeira, em
cumprimento ao art. 120, letra “b” da CI-
IPB.
Tutor: Reverendo Leandro Jacon Demo

Limeira, SP

2022
III

À minha amada esposa Juliane, que me apoiou em todo momento. Mesmo


nos momentos difíceis que passamos durante o período do curso. Ao nosso
bom Deus que nos guardou e nos abençoou. Obrigado por tudo “Jully”.
Obrigado meu Deus.
IV
AGRADECIMENTOS

Meu primeiro agradecimento não poderia ser para outra pessoa. Deus, em sua

imensa graça, agiu de maneira misericordiosa para comigo nesse tempo de seminário,

ou melhor, durante toda a minha vida. Obrigado meu Senhor por tamanha bondade.

À minha amada esposa, Jully, que sempre foi refúgio em tempos de medo e

incertezas. Além de uma excelente esposa, foi uma excelente mãe. E durante o

seminário tivemos mais 2 filhos. Um grande desafio. Além disso, uma forte depressão

enfrentada de maneira inenarrável por ela. Graças dou a Deus pela vida da melhor

auxiliadora que poderia ter.

À minha querida família: mãe, pai, irmão, sogra e cunhada, que sempre me

incentivaram e me ajudaram quando necessário.

Ao Presbitério de Limeira (IPL), que investiu na minha formação, sempre me

orientando e corrigindo. Obrigado pelos conselhos, pela compreensão em momentos de

lutas e pelo carinho. Sinceros agradecimentos por toda confiança, pois aqui tive o

privilégio de aprender a servir melhor.

Ao meu Pastor, tutor e amigo Rev. Leandro Jacon Demo. Agradeço o apoio e toda

orientação. Sua vida abençoou a minha família. Sua família abençoou minha família.

À Igreja Presbiteriana de Limeira. Tanto os irmãos do Conselho, quanto cada

membro da igreja, que me ajudaram demais nessa caminhada. Obrigado pelo sustento,

pelo carinho e demonstração do que é ser igreja.

A todo corpo docente do Seminário Presbiteriano do Sul, que com muito esmero e

dedicação, ensinaram diligentemente as sagradas escrituras, vencendo a barreira de 2 anos tendo

aulas remotas devido a pandemia mundial. Professores que talvez nunca tenham se aventurado no

mundo digital se esforçaram ao máximo para conseguir passar por cima dessa grande barreira que foi a
V
covid 19, gloria a Deus pela vida de todos vocês.

Ao Rev. Romualdo que com muito amor e piedade, guiou meus passos nesta longa

caminhada.

Aos meus amigos de sala (2019-2022), em especial Matheus Canesin e Anderson

Peterman. Vocês foram instrumentos de Deus em minha vida. Foram bálsamo divino.

Nos difíceis caminhos que percorri, vocês foram essenciais para que eu continuasse.

Muito obrigado.
VI

RESUMO

Vivemos num mundo pós-pandemia. E, os praticamente 2 anos em que a doença

cerceou nossa liberdade, acabaram por causar um grande problema: o

distanciamento social. Esse distanciamento atingiu a igreja com um duro golpe. Ela

passou a não mais se reunir. Apenas se via por uma tela virtual. A Comunhão dos

Santos foi agredida. E um cenário diferente de tudo que já havíamos vivido se

instalou. Dúvidas começaram a surgir. Podemos cultuar via internet? Estamos

louvando coletivamente, mesmo estando cada um em sua casa? Podemos ser igreja

sem nos reunirmos? Posso ser membro de uma igreja mesmo estando a centenas

de quilômetros de distância? Buscamos então respostas nas Sagradas Escrituras

para responder a tais questionamentos. E o Capítulo XXV e XXVI da Confissão de

Fé de Westminster, utilizando-se da Palavra de Deus, trazem clareza a tais dúvidas.

Ao analisarmos alguns termos, como comunhão, igreja visível e igreja invisível

damos início ao nosso entendimento da necessária comunhão dos santos. Assim

como a CFW também menciona, existe uma grande importância na ordem de

congregamento dos irmãos. O “estar junto” vai trazer benefícios para o

aperfeiçoamento dos santos. A importância da comunhão dos santos e da igreja

congregada é notada na eficiente, obediente e marchante atuação da igreja

militante.

Palavras-chave: Igreja. Comunhão. Santos. Perseverança.


VII
ABSTRACT

We live in a post-pandemic world. And the practically 2 years in which the

disease limited our freedom, ended up causing a big problem: social distancing.

This estrangement hit the church hard. She went on to no longer meet. It was

only seen through a virtual screen. The Communion of Saints was attacked.

And a scenario unlike anything we had ever lived was installed. Doubts began

to arise. Can we worship online? Are we collectively praising, even though each

one is at home? Can we be church without meeting? Can I be a member of a

church even though I am hundreds of miles away? We then seek answers in

the Holy Scriptures to answer such questions. And Chapters XXV and XXVI of

the Westminster Confession of Faith, using the Word of God, bring clarity to

such doubts. By analyzing some terms, such as communion, visible church,

and invisible church, we begin our understanding of the necessary communion

of saints. As the CFW also mentions, there is immense importance in the order

of congregation of the brothers. The “being together” will bring benefits to the

perfection of the saints. The importance of the communion of saints and the

congregated church is noticed in the efficient, obedient, and marching

performance of the militant church.

Keywords: Church. Communion. Saints. Perseverance.


VIII

BASE CONFESSIONAL

CAPÍTULO XXV - DA IGREJA

I. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos eleitos que já
foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu
cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas.

Ef. 1: 10, 22-23; Col. 1: 18.

II. A Igreja Visível, que também é católica ou universal sob o Evangelho (não sendo restrita
a uma nação, como antes sob a Lei) consta de todos aqueles que pelo mundo inteiro
professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o Reino do Senhor Jesus, a
casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação.

I Cor. 1:2, e 12:12-13, Sal .2:8; I Cor. 7 :14; At. 2:39; Gen. 17:7; Rom. 9:16; Mat. 13:3 Col.
1:13; Ef. 2:19, e 3:15; Mat. 10:32-33; At. 2:47.

III. A esta Igreja Católica Visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de
Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim do mundo,
e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para esse fim, segundo a
sua promessa.

Ef. 4:11-13; Isa. 59:21; Mat. 28:19-20.

IV. Esta Igreja Católica tem sido ora mais, ora menos visível. As igrejas particulares, que
são membros dela, são mais ou menos puras conforme neles é, com mais ou menos
pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o
culto público.

Rom. 11:3-4; At. 2:41-42; I Cor. 5:6-7.

V. AS igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm
degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo, mas sinagogas de Satanás;
não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a
vontade dele mesmo.

I Cor. 1:2, e 13:12; Mat. 13:24-30, 47; Rom. 11.20-22; Apoc. 2:9; Mat. 16:18.

VI. Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; em sentido algum pode
ser o Papa de Roma o cabeça dela, mas ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado
IX
e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama
Deus.

Col. 1:18; Ef. 1:22; Mat. 23:8-10; I Ped. 5:2-4; II Tess. 2:3-4.

CAPÍTULO XXVI - DA COMUNHÃO DOS SANTOS

I. Todos os santos que pelo seu Espírito e pela fé estão unidos a Jesus Cristo, seu
Cabeça, têm com Ele comunhão nas suas graças, nos seus sofrimentos, na sua morte, na
sua ressurreição e na sua glória, e, estando unidos uns aos outros no amor, participam dos
mesmos dons e graças e estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e
particulares que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no
exterior.

I João 1:3; Ef. 3:16-17; João 1:16; Fil. 3:10; Rom. 6:56, e8:17; Ef. 4:15-16; I Tess.5:11, 14;
Gal. 6:10.

II. Os santos são, pela sua profissão, obrigados a manter uma santa sociedade e
comunhão no culto de Deus e na observância de outros serviços espirituais que tendam à
sua mútua edificação, bem como a socorrer uns aos outros em coisas materiais, segundo
as suas respectivas necessidades e meios; esta comunhão, conforme Deus oferecer
ocasião, deve estender-se a todos aqueles que em qualquer lugar, invocam o nome do
Senhor Jesus.

Heb.10:24-25; At.2:42,46; I João3:17; At. 11:29-30.

III. Esta comunhão que os santos têm com Cristo não os torna de modo algum
participantes da substância da sua Divindade, nem iguais a Cristo em qualquer respeito;
afirmar uma ou outra coisa, é ímpio e blasfemo. A sua comunhão de uns com os outros
não destrói, nem de modo algum enfraquece o título ou domínio que cada homem tem
sobre os seus bens e possessões.

Col. 1:18; I Cor. 8:6; I Tim. 6:15-16; At. 5:4.


X

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................12

1 – APROFUNDANDO OS TERMOS.............................................................................14

1.1 IGREJA NO ANTIGO TESTAMENTO. .....................................................................14

1.2 IGREJA NO NOVO TESTAMENTO..........................................................................18

1.3 A IGREJA INVISÍVEL................................................................................................21

1.4 A IGREJA VISÍVEL....................................................................................................23

1.5 A COMUNHÃO DOS SANTOS.................................................................................25

2 – OS MEIOS DE GRAÇA NA IGREJA ......................................................................31

2.1 – A VISÃO DE GRUDEM.........................................................................................33

2.1.1-OS MEIOS DE GRAÇA “EM COMUM” ENTRE GRUDEM E BERKHOF.............34

2.1.2-OS MEIOS DE GRAÇAS “DIFERENTES” ENTRE GRUDEM E BERKHOF........36

2.2 – A VISÃO DE BERKHOF ......................................................................................40

3 - A NECESSÁRIA COMUNHÃO DOS SANTOS........................................................46

3.1 - EXEMPLOS BÍBLICOS DA COMUNHÃO..............................................................47


XI
3.2 - CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS...............................................................53

3.3 - A COMUNHÃO NA IGREJA E SEUS BENEFICIOS.............................................55

CONCLUSÃO.................................................................................................................61

REFERÊNCIAS..............................................................................................................62
12

INTRODUÇÃO

Olhar para a vida comunitária humana é perceber e saber que Deus criou o

homem para se relacionar. Para se relacionar com o próprio Criador, e com as

outras criaturas que Ele fez. Esse relacionamento acontece no dia a dia de maneira

muito natural, e nos mostra o quão essencial é a interação social e a comunicação.

Entretanto sofremos com a tecnologia. Como assim? Uso as palavras do químico e

filósofo inglês Joseph Boynton Priestley para me justificar e demonstrar o

pensamento: “Quanto mais elaborados os nossos meios de comunicação são,

menos nos comunicamos.” Quanto mais o homem cresce em sua tecnologia, mais

ele se imerge dentro de um mundo virtual. Onde a comunicação é rasa e superficial.

Junta-se ainda o fato de a pandemia ter limitado os encontros e o grande problema

do distanciamento social. Não apenas físico, mas emocional e principalmente

espiritual. Não foram poucas as vezes que ouvi ser algo benéfico a imposição de

ficar em casa. Mais fácil e prático fazer tudo sem sair de casa. Compras podem ser

pedidas em aplicativos e possuem a opção de serem recebidas sem contato. As

aulas em modelo virtual são mais viáveis, pois o aluno não precisa se deslocar até o

local de ensino. E com isso não há interação social. E quando chegamos ao âmbito

religioso, nos deparamos com os crentes que provaram do que é a “comunhão

virtual”, e então não mais acham necessário estarem reunidos em um só local de

forma física. Entretanto, ao olharmos para as escrituras nos deparamos com a

seguinte orientação:

‘Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns,


mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês
veem que se aproxima o Dia.” Hebreus 10.25

Olhando então o contexto em que vivemos e tendo em mente que as

Escrituras são atemporais e supra cultural, vamos caminhar analisando a


13

importância da Igreja e da Comunhão dos Santos. Cristo reuniu e continua reunindo

homens e dotando-os da mesma fé, para que em comunhão caminhem em Sua

direção.

Assim explicado, tomaremos, como fio condutor a Confissão de Fé de

Westminster (CFW). Em seu capítulo XXV, seção que trata da igreja, e também no

capítulo de XXVI, capítulo destinado a falar sobre a comunhão dos santos. Irão guiar

esta monografia. Neste trabalho perceberemos que Deus determinou e padronizou

como deveria caminhar o seu “corpo”, ou seja, a sua Igreja. Esse padrão por Ele

determinado está amplamente revelado nas Sagradas Escrituras, e caminharemos

através dela. Logo de início já conseguimos visualizar como os dois termos estão

intrinsecamente ligados. Não existe igreja sem a comunhão dos santos, e não existe

comunhão dos santos sem a igreja. É claro, perceptível e mui sabido que a igreja

não consiste nas paredes feitas de cimento e armações, mas sim uma comunidade

feita de carne e osso, eleitos por Deus, que possuem o objetivo maior de adorar a

Deus e gozá-lo para sempre. E como falamos em comunidade, logo se visualiza um

ajuntamento de pessoas, que não possuem o intento de serem apenas amigas, e

frequentarem o mesmo espaço. Fazerem parte de uma estrutura como se fosse um

clube, mas sim viverem a verdadeira comunhão. A comunhão dos Santos.

Visando o melhor compreender, analisaremos alguns termos concernentes ao

assunto. Crendo que a palavra do nosso Deus foi inspirada por Ele, reconhecemos

que essas palavras, se analisadas de maneira correta, são capazes de nos trazer luz

e entendimento. Ao olhar para as escrituras visualizaremos alguns termos em

hebraico, outros em grego, e veremos a expressão comumente conhecida,

Comunhão dos Santos, que pode ser visualizada, como princípio, e não de maneira

literal, pelos escritos sagrados.


14

1- APROFUNDANDO OS TERMOS

1.1 – ANTIGO TESTAMENTO

Primeiramente, podemos aprofundar na palavra Igreja. Já que nela repousa a

comunhão dos santos de maneira tão profunda. Começamos então pela Antiga

Aliança, analisando alguns termos importantes em hebraico para nosso crescimento.

Encontramos dois termos: qahal (‫ )קהל‬e edhah ( ‫)עֲ ַ ֤דת‬. O próprio Louis Berkhof, em

sua obra Teologia Sistemática, nos traz a seguinte elucidação:

O Velho Testamento emprega duas palavras para designar a igreja, a saber,


qahal (ou Kahal), derivada de uma raiz qal (ou kal) obsoleta, significando
“chamar”; e ‘edhah, de ya’adh, “indicar” ou “encontrar-se ou reunir-se num
lugar indicado”. Às vezes estas duas palavras são usadas
indiscriminadamente, mas, de início, não eram estritamente sinônimas.
‘Edhah é propriamente uma reunião resultante da combinação, e, quando
aplicada a Israel, denota a sociedade propriamente dita, formada pelos
filhos de Israel ou por seus chefes representativos, reunidos ou não. Por
outro lado, Qahal denota propriamente a reunião de fato do povo. 1

No Antigo Testamento a palavra que vemos com maior predominância, quando

é necessário se referir a um grupo de pessoas que estão juntas com o propósito de

adorar a Deus e aprender a Sua escritura é a palavra qahal. Essa palavra tem o

âmbito e intuito de frisar o ajuntamento de pessoas. E por muitas vezes, vem

acompanhada de um outro termo para determinar e caracterizar esse ajuntamento.

Por exemplo no Texto de Neemias 13.1, lemos:

“Naquele dia, o Livro de Moisés foi lido para o povo, e nele achou-se escrito
que os amonitas e os moabitas não deveriam jamais entrar na congregação
de Deus,”

֖ ִ ֱ‫ “ קְ ַ ֥הל הָ א‬aparecer. Traduzido na Nova Almeida


Aqui vemos o termo “ ‫ֹלהים‬

1
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo; Cultura Cristã, 2002, p. 511.
15

Atualizada como “congregação de Deus”.

Outro texto que pode ser utilizado para que possamos ver a junção da palavra

qahal com outra caracterização, é o versículo 30 de Deuteronômio capítulo 31. Nele

encontramos o seguinte:

‫וַי ְדַ ֵ ּ֣בר מ ֹׁשֶ֗ ה ּבְָא ְזנֵ ֙י ּכָל־קְ ַ ֣הל י ִׂשְ ָראֵ֔ ל אֶ ת־ּדִ ב ֵ ְ֥רי הַ ּׁשִ ָ ֖ירה הַ ּ֑ז ֹאת ַ ֖עד ֻּת ָּמֽם׃‬.

O termo qahal é utilizado junto com o termo Israel ‫־ק ַ ֣הל י ְִׂש ָראֵ֔ ל‬
ְ . Onde a Nova

Almeida Atualizada coloca a tradução desta maneira: “Então Moisés pronunciou,

integralmente, as palavras deste cântico aos ouvidos de toda a congregação de

Israel:”

E um último texto interessante, e na verdade, de sobremodo interessante é o


3
texto encontrado no livro de Números. No capítulo 16, verso 3, lemos o seguinte:

ָ ‫ו ַּיִ ּֽקָ הֲ ֞לּו עַ ל־מ ֶ ֹׁ֣שה ו ְַעֽל־ַאהֲ ֗ר ֹן וַּי ֹאמְ ֣רּו אֲ לֵהֶ ם֮ ַרב־ ָלכ ֶ֒ם ִ ּ֤כי כ‬
‫ָל־הֽעֵ דָ ה֙ ּכ ָ ֻּ֣לם קְ ד ֹׁשִ֔ ים‬
‫ְתֹוכם י ְה ָו֑ה ּומַ ּ֥דּועַ ִּתֽתְ נַּׂשְ ֖אּו עַ ל־קְ ַה֥ל י ְהוָ ֽה׃‬
֖ ָ ‫ּוב‬.

Cito o quão interessante é esse texto, pois ao olharmos a tradução dada pela

septuaginta, vem de encontro a nossa tese. Perceba que no texto grego vemos o

termo sinagoga do Senhor ocorrendo.

"συνέστησαν ἐπὶ Μωυσῆν καὶ Ααρων καὶ εἶπαν ἐχέτω ὑμῖν ὅτι πᾶσα ἡ
συναγωγὴ πάντες ἅγιοι καὶ ἐν αὐτοῖς κύριος καὶ διὰ τί κατανίστασθε ἐπὶ τὴν
συναγωγὴν κυρίου".

Tendo como tradução na Nova Almeida Atualizada da seguinte forma:

e se ajuntaram contra Moisés e contra Arão e lhes disseram: — Basta! Toda


a congregação é santa, cada um deles é santo, e o SENHOR está no meio
deles. Por que, então, vocês se exaltam sobre a congregação do SENHOR?

Ao analisarmos o termo edhah ( ‫)עֲ ַ ֤דת‬, podemos ver que ela tem um sentido de

expressar a comunidade da aliança. Como é o caso encontrado, por exemplo, em

Jeremias 6.18, onde lemos: ‫ר־ּבם׃‬ ֶ ‫הּגֹו ִי֑ם ּו ְד ִ ֥עי עֵ ָ ֖דה ֶאת־ ֲא‬
ֽ ָ ‫ׁש‬ ְ ‫ׁש‬
ַ ‫מ ֣עּו‬ ִ ‫ ָל ֵ ֖כן‬. Traduzida como:

“Portanto, ouvi, ó nações, e informa-te, ó congregação, do que se fará entre eles!”.


16

Podemos então visualizar que a palavra qahal possui um sentido bem peculiar

e que traz um apontamento de maneira mais concisa para o termo Igreja, no

português, que tem grande importância para essa tese. A idéia de igreja já no Antigo

Testamento fica bem salientada quando, principalmente, mas não excludente, o

termo qahal é utilizado com as expressões “do Senhor”, “de Israel” e “de Deus”.

O próprio Berkhof traz uma informação de extrema importância para o

entendimento desses termos, quando cita Hort. Ele escreve que:

Após o cativeiro a palavra qahal parece ter combinado as nuanças de


sentido de qahal e ‘edhah; e que, conseqüentemente, “ekklesia, como o
principal representante grego de qahal, naturalmente significaria para os
judeus que falavam grego, tanto a congregação de Israel, como uma
assembléia da congregação”.2

Outro pensador que também comenta sobre uma significativa importância ao

termo quahal, é o teólogo Mulholland, que coloca que a própria Septuaginta coloca

os ekklesia como tradução para o termo em sua grande maioria, enquanto a


3
sinagoga, é mais utilizado no termo edhah.

É interessante visualizarmos que a Igreja, como reunião dos eleitos, surge

desde os primórdios das escrituras. O que acaba por responder as questões

relacionadas com a origem da igreja. Se ela apenas surge no Novo Testamento, ou

em um período mais próximo do encerramento do cânon bíblico. Um comentário

pertinente sobre esse assunto e muito interessante por sinal, surge de um teólogo

alemão chamado Gerhard Lohfink, que escreve:

Há muito tempo que a teologia crítica pergunta, com insistência, se o Jesus


histórico fundou, de fato, uma Igreja. No entanto, torna-se cada vez mais
claro que se trata de uma questão mal colocada. Formulando
exageradamente: Jesus não pôde fundar uma igreja, porque ela já existia há
muito – a saber, o povo de Deus, Israel. Jesus dirige-se a eles. Ele quer
reuni-los e fazer dele o verdadeiro povo de Deus, em vista do Reino de
Deus que se aproxima. O que nós, hoje, chamamos Igreja, não é nada mais
do que a comunidade daqueles que estão dispostos a viver como povo de
Deus, reunidos por Jesus e santificados por sua morte. 4
2
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo; Cultura Cristã, 2002, p. 511.
3
MULHOLLAND, Dewey M. Teologia da igreja: uma Igreja Segundo os propósitos de Deus. São Paulo:
Shedd Publicações, 2004. P. 24.
4
LOHFINK, Gerhard. A igreja que Jesus queria: dimensões comunitárias da fé cristã. Traduzido por
17

Podemos salientar apenas que quando Jesus exerce seu ministério, ele

demonstra que é o cabeça da igreja, e que ela não apenas incluiria os israelitas como

nação geográfica, mas incluiria povos e nações que poderiam ser chamados de Israel

de Deus, povo escolhido, nação santa, de propriedade exclusiva dele. Unindo raças e

mais raças, e tornando todas elas, um só povo, o Seu povo. Bem salienta o teólogo

W. Grudem, quando diz que a igreja é “a comunidade de todos os cristãos, de todos

os tempos”.5

Conseguimos também analisar que as palavras utilizadas para a definição de

igreja, no antigo testamento, têm-se carregado em sua intenção o propósito de

demonstrar que a igreja, não diz respeito ao local, mas sim ao “conteúdo”. Como

muito bem disse Bavink, se tratando do termo igreja: “Jesus não usa o termo para
6
designar a reunião dos crentes em um lugar específico”.

Por mais que possamos notar que a sinagoga tinha uma grande influência na

vida religiosa do povo, não era ela que deveria ser definida como igreja propriamente

dita. O pastor Hermistein Maia diz que:

A sinagoga dispunha de grande influência na vida religiosa dos judeus já


que ela se constituía no centro de sua vida religiosa e cultural, do mesmo
modo que o Templo de Jerusalém era o centro da vida nacional. Nos dias
de Jesus, a sinagoga permanecia como uma instituição de grande poder
conservador, sendo o centro catalisador da vida religiosa e social dos
judeus.7

Talvez poderíamos mudar a maneira de como utilizamos alguns termos em

nossos dias. Sinagoga talvez não devesse ser traduzida como igreja, e sim templo,

assim como, ao referirmos às nossas estruturas para o encontro da igreja,

deveríamos nomear como templo, e não propriamente como Igreja. É claro que

Johann Piber. Santo André – São Paulo; Academia Cristã; 2011.


5
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. São Paulo; Vida Nova. P. 715.
6
BAVINK, Herman. Teologia Sistemática, 2001. P. 569.
7
COSTA, Hermistein Maia. Princípios Bíblicos de Adoração Cristã, São Paulo; Cultura Cristã, 2009.
P.56
18

existe uma certa apropriação de termos, assim como o cristão que fala “nossa”, ao

presenciar algum fato surpreso, não está invocando ou se declarando um seguidor

das doutrinas que apontam a mãe de Jesus como tendo poder que somente o

messias possui, mas sim com uma apropriação idiomática cultural. Mas, diga-se de

passagem, pode ser trabalhada para evitar escandalizar algum irmão.

1.2 – NO NOVO TESTAMENTO

Ao adentrarmos no Novo Testamento visualizamos duas palavras, muito

conhecidas em nosso âmbito, sendo utilizadas no contexto temático que estamos

estudando: Sinagoga (συναγωγή) e Eclésia (Εκκλησία). Essas duas palavras

aparecem costumeiramente em todo o Novo Testamento 8. E quero ver,

primeiramente a palavra Eclésia.

Ao analisarmos essa palavra, percebemos, assim como muitas palavras no

grego, a junção de duas palavras para criar uma só. Temos então a junção de Εκ,

que tem o significado de “para fora”, juntamente com o verbo grego kaleo, que traz o

sentido de “chamar”. Podendo então ser traduzida como” chamados para fora”. Essa

expressão é entendida por algumas pessoas, de maneira romantizada, que nós

devemos sair das estruturas do templo, e sermos igreja fora das quatro paredes. É

uma interpretação um tanto quanto verdadeira, mas que esconde o verdadeiro

significado dessa expressão. Ao analisarmos essa palavra vemos que somos

chamados para fora de um modo de viver mundano. A igreja é chamada de maneira

missiológica a sair das quatro paredes, e proclamar o evangelho a toda criatura,

entretanto, ela tem em seu âmago, a disposição e o dever de viver fora dos padrões

deste século.

Quando analisamos o termo no antigo testamento, chagamos a conclusão de


8
- Foi citado no capítulo anterior a palavra em grego, para contribuir com o andamento do estudo, e
para isso utilizado o texto traduzido na Septuaginta, que continha então as palavras no idioma grego,
entretanto, elas aparecem com originalidade textual, no Novo Testamento.
19

que a igreja perpassa os tempos históricos das alianças. E Dunn, vai colaborar com

isso, quando diz que as palavras que Paulo usa em alguns textos nos remetem ao

antigo testamento propositalmente, para entendermos a continuidade desse


9
“organismo” durante toda a história.

Berkhof10 também analisa o termo Eclésia em sua teologia sistemática,

colocando que a palavra Eclésia: Designa um círculo de crentes de alguma

localidade definida, uma igreja local, independentemente da questão se esses

crentes estão reunidos para o culto ou não. Colaborando com a idéia do “conteúdo” e

não da localidade como sendo a principal determinante para que um ajuntamento

seja chamado de igreja. Como por exemplo em 1 Coríntios 11.18, onde vemos:

πρῶτον μὲν γὰρ συνερχομένων ὑμῶν ἐν ἐκκλησίᾳ ἀκούω σχίσματα ἐν ὑμῖν


ὑπάρχειν, καὶ μέρος τι πιστεύω.
18 Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando
vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio. 1 Coríntios 11:18

Aqui o termo Eclésia dá a entender um momento em que todos se ajuntam em

algum lugar, formando a igreja. Quase se mistura o entendimento localidade, por

causa da preposição ἐν. Mas essa preposição pode ser usada não só para definição

de local, quanto ao grupo de pessoas denominadas de Igreja.

É comum também, por exemplo, a palavra ser usada para definir uma igreja

que está reunida na casa de qualquer pessoa. Em 1 Coríntios 16.19, vemos o

seguinte:

9 As igrejas da província da Ásia mandam saudações. Também Áquila e


Priscila mandam cordiais saudações no Senhor, juntamente com a igreja
que se reúne na casa deles.
19
Ἀσπάζονται ὑμᾶς αἱ ἐκκλησίαι τῆς Ἀσίας. ἀσπάζεται ὑμᾶς ἐν κυρίῳ πολλὰ
Ἀκύλας καὶ Πρίσκα σὺν τῇ κατ’ οἶκον αὐτῶν ἐκκλησίᾳ.

Percebe-se na tradução da bíblia Nova Almeida Atualizada, a igreja se

9
DUNN, James. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo; Paulus, 2003. p.607
10
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo; Cultura Cristã, 2002, p. 511.
20

reunindo na casa de uma pessoa. E curiosamente o termo é usado no mesmo

versículo de forma plural, caracterizando todas as igrejas da província da Ásia,

mostrando a relação do ajuntamento de pessoas de toda região da Ásia que fazem

parte da igreja, num primeiro momento, e num segundo momento, de maneira mais

especifica, trata de uma um ajuntamento de pessoas, que formam a igreja, se

reunindo na casa de uma pessoa. É incrível ver como a comunhão é necessária, e

visualizada como essência, e não apenas como consequência, do que é realmente a

igreja.

Berkhof11 continua tratando sobre o termo Eclésia, e agora demonstra duas

particularidades da palavra no Novo Testamento. Ela pode ser usada “num sentido

mais geral, para indicar a totalidade do corpo de Cristo em todo mundo. Todos

aqueles que professam exteriormente a Cristo, e se organizam para fins de culto.”

Assim como vemos no texto de Paulo aos Coríntios.

32
ἀπρόσκοποι καὶ Ἰουδαίοις γίνεσθε καὶ Ἕλλησιν καὶ τῇ ἐκκλησίᾳ τοῦ θεοῦ,
1 Coríntios 10:32
32
Não se tornem motivo de tropeço nem para judeus, nem para gentios,
nem para a igreja de Deus, 1 Coríntios 10:32

O texto revela o pedido de Paulo para que os Coríntios não se tornassem

tropeço para a totalidade do corpo de Cristo, a totalidade da igreja de Cristo, naquele

momento.

E uma última aplicação e explicação de Berkhof, sobre o termo utilizado, é a

de que tal palavra tinha o intuito de se referir a todos os fiéis que já existiram e que

ainda vão existir.

21
αὐτῷ ἡ δόξα ἐν τῇ ἐκκλησίᾳ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ εἰς πάσας τὰς γενεὰς
τοῦ αἰῶνος τῶν αἰώνων· ἀμήν. Efésios 3:21
21 a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações,
para todo o sempre. Amém! Efésios 3:21

11
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo; Cultura Cristã, 2002, p. 511.
21

Conseguimos então, avaliar de maneira mais etimológica e também de

sentido, sobre as principais em relação a igreja. E, neste último ponto, adentramos,

mesmo que de maneira sutil, num tópico que será de grande valia também

mencionar. Quando falamos de igreja de todos os tempos, juntos com Berkhof,

precisamos também gastar um tempo para falarmos um pouco sobre a igreja invisível

e a visível. E é isso que faremos agora.

1.3 – A IGREJA INVISÍVEL

Como dito e mostrado no início deste trabalho, a base confessional para a

realização dele é a Confissão de Fé de Westminster. E ela nos traz a seguinte

declaração sobre o tema12:

I. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos


eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em
um só corpo sob Cristo, seu cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude
daquele que cumpre tudo em todas as coisas.
Ef. 1: 10, 22-23; Col. 1: 18.

Vemos então o termo invisível aparecer pela primeira vez de maneira explicita
13
em nosso trabalho. E ele é bem antigo, Sproul escreve que ele foi mais

desenvolvido por Santo Agostinho:

A ideia da invisibilidade da igreja foi primeiramente desenvolvida em


profundidade por Santo Agostinho. Ele fez uma distinção entre a igreja
invisível e a igreja visível. Essa distinção de Agostinho tem sido
frequentemente mal compreendida. O que ele quis dizer por igreja visível foi
a igreja enquanto uma instituição que enxergamos visivelmente no mundo.
Ela tem uma lista de membros em seu rol, e podemos identificá-los.

Como diz Sproul, esse termo, se não olhado pela ótica certa, acaba por ser

mal interpretado. Ele não é uma antítese de visível nesse caso. Ele se torna uma

característica única, e positiva. Acontece que muitas vezes ao ouvir sobre a igreja
12
Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2005. Capítulo XXV
13
SPROUL. R. C. O Que é a Igreja? Traduzido do original em inglês What is the Church? Publicado por
Reformation Trust Publishing a Division of Ligonier Ministries; 400 Technology Park, Lake Mary,
FL32746; 1a Edição em português 2013. Editora FIEL.p.10
22

invisível, as pessoas podem ter a idéia errônea de que igreja invisível são as pessoas

que estão fora da visível, ou as que estão evitando estar na igreja visível. Isso não é

verdade. Na verdade, a igreja invisível é, ao contrário do que foi supracitado, parte da

igreja visível. E podemos até mesmo argumentar com pessoas que enxergam, de

maneira errônea, a igreja invisível, que ela é a melhor parte da igreja visível.

Calvino e Lutero também trabalharam sobre a questão, pois a igreja católica

tinha como certeza a questão de que a igreja verdadeira era a igreja visível, como

instituição. A igreja católica cria a igreja visível era a “divisora” de águas. Pois ela

tinha uma sucessão interrupta desde os apóstolos. E ali estava então, a verdadeira

igreja.

O que se conclui sobre a igreja invisível é que ela abrange os que são

verdadeiramente crentes. Aos eleitos. Os que são verdadeiros filhos de Deus, fazem

parte da Igreja Invisível. É possível que alguém que faça parte da igreja invisível, não

faça parte da igreja visível? Sim. Principalmente em casos extremos como o que

vivenciei no Oriente Médio. Lá não existiam igrejas. Apenas mulçumanos convertidos,

que recebiam alimento espiritual e comunhão com um único missionário. Ele faz parte

da Igreja Invisível, mas não da visível. Entretanto, esse caso, entre outros,

geralmente são mais extremos. Em nossa sociedade, fazer parte da igreja invisível,

traz por “obrigação” fazer parte da igreja visível. Sproul 14, citando Agostinho diz:

Por que Agostinho fala de uma igreja invisível? Ele o faz para ser fiel ao
ensino de Jesus no Novo Testamento. Agostinho ensinou que a igreja é um
corpus permixtum. O que isso significa? Nós sabemos o que corpus
significa. É um corpo. Corpus Christi significa o quê? O corpo de Cristo.
Corporação é uma organização de pessoas. Corpus permixtum significa que
a igreja é um corpo misto.

A igreja invisível anseia, por fazer parte do corpo. É por isso que não é

14
SPROUL. R. C. O Que é a Igreja? Traduzido do original em inglês What is the Church? Publicado por
Reformation Trust Publishing a Division of Ligonier Ministries; 400 Technology Park, Lake Mary,
FL32746; 1a Edição em português 2013. Editora FIEL.p.10
23

possível, em condições normais em nossa sociedade, alguém fazer parte da igreja

invisível e não querer fazer parte da igreja visível. A igreja é invisível porque nós não

podemos reconhecer os corações de cada indivíduo. não conseguimos sentir cada

pensamento e motivação, não conseguimos ver a condição espiritual de cada um,

para sabermos quem é salvo e quem não é. Assim como Grudem descreve 15, “a

igreja invisível é a verdadeira igreja somente Deus consegue enxergar”.

1.4 – A IGREJA VISÍVEL

Não podemos achar que a igreja apenas tem essa característica invisível. Pelo

contrário, ela também é visível. E se a igreja invisível foi rotulada como a igreja que

Deus vê, a invisível pode receber o rótulo de igreja que Deus vê, mas não só Ele,

como nós também.

Ela também é o corpo de Cristo na terra. E um corpo só pode realizar ações

que a cabeça manda. Pelo menos assim deveria ser. É através da igreja visível que o

mundo enxerga a luz em meio as trevas. Pedro escreve que 16:

Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que
os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. 1 Pedro 2:9

O propósito de cada integrante da igreja visível é proclamar as virtudes

daquele que os chamou das trevas, da imundícia, de um lamaçal de pecados, para a

Luz.

Paulo escreve para diversas igrejas visíveis. Em Corinto, ele menciona o

seguinte:
15
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1147
16
Nesse trecho de Pedro nós não vemos de maneira explicita a utilização do Eclésia, ou qualquer outro
que signifique um ajuntamento de pessoas, pois ele fala de maneira direta a cada indivíduo de um povo
que foi salvo e escolhido por Deus, Tanto que no versículo 10- “Antes, vocês nem eram povo, mas
agora são povo de Deus; antes, não tinham alcançado misericórdia, mas agora alcançaram
misericórdia.” 1 Pedro 2:10, ele argumenta sobre a questão de cada pessoa fazer parte de um povo
eleito por Deus.
24
2
à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus,
chamados para ser santos, com todos os que em todos os lugares invocam
o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso. 1 Coríntios
1:2

Por mais que dentro da igreja visível existissem pessoas que não fizessem

parte da igreja invisível, ele chama aqueles irmãos todos de Igreja, pois realmente

eram. Faziam parte da igreja visível de Deus. E Paulo escreve para toda aquela

igreja, considerando que ali continha joio e trigo.

Na carta de Paulo a Filemon, ele segue com o mesmo intuito, de saudar a

uma igreja visível.

Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, ao amado Filemom,


que é também nosso colaborador, 2 à igreja que se reúne em sua casa, à
irmã Áfia e a Arquipo, nosso companheiro de lutas. Filemom 1:1-2

Ele não sabia se todos ali faziam parta da Igreja Invisível, mas sabia que todos

faziam parte da igreja visível. Traduzindo para nossa realidade, poderíamos definir

Igreja Visível como sendo as pessoas que se reúnem costumeiramente, toda

semana, com o intuito de prestar culto a Deus. É claro que dentro desta igreja

também haverá aqueles que o propósito principal não é o mesmo que os demais.

Existirá o adolescente que só vai a igreja por obrigação, haverá o jovem que só vai

até a igreja por causa de uma bela jovem, que ele julga ser uma boa pretendente,

então precisa investir tempo ao seu lado. Haverá o homem casado com uma mulher

cristã, que para não a deixar ir sozinha, seja por qual motivo for, está presente

assiduamente, às vezes até mais do que outros irmãos. Mas todos esses fazem parte

da igreja visível. Acredito que fique claro, ao olharmos para as duas definições que

todos que fazem parte da igreja invisível podem (e devem, se possível) fazer parte da

igreja visível17. Entretanto nem toda pessoa que faz parte da igreja visível faz parte da

invisível, pois muitos ali estão por propósitos errôneos e ainda não desfrutam da

17
Coloco “podem”, considerando os pressupostos de extremos citados, como cristão que vivem em
contexto de perseguição, por exemplo.
25

salvação em Cristo Jesus. Sendo então apenas um “parasita” no corpo de Cristo.

Agostinho diz que: “muitas ovelhas estão fora, e muitos lobos estão dentro” 18.

Grudem nos alerta para algo em relação a igreja visível. Pois ao vermos como

ela realmente é constituída, corremos o risco de “nos tornarmos exageradamente

desconfiados”19. E com essa desconfiança reinando em nossos corações, fica fácil

duvidarmos de qualquer um dentro da igreja. Desconfiarmos que a pessoa que está

ao nosso lado não é salva, e aí uma grande confusão pode ser gerada dentro da

igreja.

Calvino20 traz uma solução para tal preocupação, quando escreve, que

precisamos fazer um “julgamento amoroso”, e através desse julgamento iremos

reconhecer os irmãos pela “profissão de fé, pelo exemplo, de vida e pela participação

dos sacramentos”, e então reconheceríamos se os irmãos “professam o mesmo Deus

e o mesmo Cristo que a igreja verdadeira”.

1.5 – A COMUNHÃO DOS SANTOS

Chegamos em um termo, ou melhor, uma expressão, que da maneira em que

vemos, em sua literalidade, não pode ser encontrado nas escrituras. Entretanto, o

termo tece toda uma doutrina de caráter bíblico que é importantíssimo para nosso

estudo. E não somente para o nosso estudo, mas para a fé cristã como um todo.

Duas palavras são visualizadas aqui, que nos importam sublimemente,

comunhão e santos.

Santos, já é uma palavra bem conhecido no meio evangélico. E bem

comentada também. Costumeiramente vemos livros sobre santidade, sobre como o

nosso Deus é santo. Já ouvimos inúmeras vezes o sentido do termo em nossas

18
Citado por Calvino, Institutas, 4.1.8. p. 1022.
19
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1149
20
Calvino, Institutas, 4.1.8, p.1022-3
26

Escolas Bíblicas Dominicais. Trazendo a resposta para a pergunta com a definição

“separados”, ou “consagrados” para Deus. Pessoa que se esmera por viver longe do

pecado, pois está separada dos padrões desse mundo, e é santa ao senhor. 21É

preciso ter a consciência de seu significado, como visto no grego, “Αγίος”, separado,

para que logo mais possamos construir essa expressão, ao juntarmos com a

definição de comunhão. Guardemos que todo cristão necessita ser,

indiscutivelmente, santo. Assim como lemos em Êxodo:

6
e vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa.” São
estas as palavras que você falará aos filhos de Israel. Êxodo 19:6

Em Levíticos:

2
— Fale a toda a congregação dos filhos de Israel e diga-lhes: Sejam
santos, porque eu, o SENHOR, o Deus de vocês, sou santo. Levítico 19:2

E, também, através do Apóstolo Pedro:

15
Pelo contrário, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos
vocês também em tudo o que fizerem, 16 porque está escrito: “Sejam santos,
porque eu sou santo.” 1 Pedro 1:15-16

Os cristãos devem buscar de maneira primeva, e continua, por toda vida a

santificação, sem a qual não será possível contemplar a Deus, como lemos em

Hebreus 12.14.

Dito isto, vamos a análise de um termo que comumente esquecemos e

deixamos de lado em nossas explanações com os irmãos. Grudem acerca da

comunhão, diz que:

Não devemos negligenciar a comunhão cristã comum como um valioso


meio de graça no âmbito da igreja. Na comunhão dos crentes, crescem a
amizade e o afeto naturais uns pelos outros, e assim é cumprido o

21
É claro que não em sua totalidade, pois enquanto estivermos nesse momento histórico onde o pecado
ainda reina, teremos a possibilidade de falhar, e essas possibilidades aumentam proporcionalmente, se
não levamos uma vida em santidade. Assim como lemos em Romanos: “E, uma vez libertados do
pecado, foram feitos servos da justiça”. Romanos 6:18, o cristão demonstra uma vida de repulsa ao
pecado.
27
mandamento de Jesus, de amar uns aos outros. (Jo 15.12) Além disso, à
medida que os crentes cuidam uns dos outros, eles levarão os fardos uns
dos outros e, assim, cumprirão a lei de Cristo.22

Realmente a comunhão é um meio de graça precioso, e vamos ver um pouco

mais sobre isso no próximo capítulo, pois através dessa comunhão vemos e

enxergamos ainda mais o amor de Deus, e faz-nos vislumbrar como o nosso Deus se

manifesta e se relaciona com toda a criação, e através da comunhão nos é expressa

essa característica. Hodge faz uma excelente colocação sobrea a comunhão, quando

diz que:

A comunhão é um intercambio mútuo de ofícios entre as partes, a qual


emana de um princípio comum em que se acham unidas. A natureza e o
grau de comunhão dependerão da natureza e intimidade da união da qual
ela procede. 23

Se olharmos alguns dicionários, veremos algumas definições interessantes

para essa palavra. Teremos algo como24: (latim communio, -onis, comunidade,

participação mútua, associação, caráter comum, conformidade); Participação em

comum; Uniformidade (em ideias, opiniões etc.); acordo, harmonia.

As palavras colocadas pelo dicionário são profundas e conseguem traduzir

com clareza o que muitas vezes não traduzimos em atos em nossa comunidade. Ao

olharmos alguns textos bíblicos teremos a mesma perspectiva, e vamos olhar alguns

textos que nos serão de grande valia.

Talvez o texto mais conhecido com o termo comunhão em evidência seja o de

Atos 2.42. Vamos a ele então:

E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão


e nas orações. Atos 2:42

22
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1291
23
HODGE, Alexander A. Confissão de Fé Westminster comentada. São Paulo. Os Puritanos, 1999, p.
436
24
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021,
https://dicionario.priberam.org/comunh%C3%A3o [consultado em 10-09-2022].
28

É importante colocarmos o texto no original, para percebermos a palavra

utilizada por Lucas.

ἦσαν δὲ προσκαρτεροῦντες τῇ διδαχῇ τῶν ἀποστόλων καὶ τῇ κοινωνίᾳ, τῇ


κλάσει τοῦ ἄρτου καὶ ταῖς προσευχαῖς. Atos 2:42

Podemos perceber que a palavra que Lucas utiliza, grifada acima, é Koinonia.

Querendo demonstrar o sentido de unidade na qual os cristãos estavam

perseverando. No sentido de mutualidade, e participação conjunta da fé prática.

É importante lembrar o propósito contido na comunhão. O propósito de

caminharem para o “mesmo lado”. Perceba que interessante é o texto de Paulo aos

gálatas, quando trata sobre o apostolado entre os judeus e o apostolado entre os

gentios.

9
e, quando reconheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João,
que eram reputadas colunas, estenderam a mim e a Barnabé a mão direita
da comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios e eles fossem
para a circuncisão. Gálatas 2:9

Perceba que no grego a mesma palavra é utilizada que no primeiro caso

analisado. Koinonia.

καὶ γνόντες τὴν χάριν τὴν δοθεῖσάν μοι, Ἰάκωβος καὶ Κηφᾶς καὶ Ἰωάννης, οἱ
δοκοῦντες στῦλοι εἶναι, δεξιὰς ἔδωκαν ἐμοὶ καὶ Βαρναβᾷ κοινωνίας, ἵνα
ἡμεῖς εἰς τὰ ἔθνη, αὐτοὶ δὲ εἰς τὴν περιτομήν· Gálatas 2:9

Mesmo que cada um caminhasse para um lado em relação a missão e

proposito de vida de cada apostolo, estavam em comunhão. Em Koinonia.

Vemos um texto importante que nos mostra um sentido importante da palavra

comunhão. O sentido da comunhão com o próprio Deus, e de como essa comunhão

traz um modo prático de caminhar.

Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas,


mentimos e não praticamos a verdade. 1 João 1:6
ἐὰν εἴπωμεν ὅτι κοινωνίαν ἔχομεν μετ’ αὐτοῦ καὶ ἐν τῷ σκότει περιπατῶμεν,
ψευδόμεθα καὶ οὐ ποιοῦμεν τὴν ἀλήθειαν· 1 João 1:6
29

É muito interessante percebermos como o termo comunhão tem uma

abrangente atuação na vida do cristão. Ele afeta o seu relacionamento com o

próximo. Afeta o seu relacionamento com o próprio Deus. E também mostra o

relacionamento do próprio Deus conosco, como veremos no último casa analisado

nas escrituras.

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do


Espírito Santo estejam com todos vocês. 2 Coríntios 13:13
ἡ χάρις τοῦ κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦ καὶ ἡ ἀγάπη τοῦ θεοῦ καὶ ἡ κοινωνία τοῦ
ἁγίου πνεύματος μετὰ πάντων ὑμῶν. 2 Coríntios 13:13

Percebemos sempre o mesmo termo sendo utilizado, Koinonia. Nas benções

impetradas ao final de todos os nossos cultos mencionamos o termo comunhão,

para dizer que o Espírito Santo, que habita nos cristãos, e capacita-os a fazer todas

as boas obras, está em comunhão com o Seu povo. O Deus todo poderoso está em

comunhão com seu povo. O seu povo deve andar em comunhão com o Seu Deus, e

também com seus irmãos.

Após analisar os dois termos, a confissão de fé vem como uma cereja no

bolo, para amarrar tudo o que foi mencionado, quando diz que:

I. Todos os santos que pelo seu Espírito e pela fé estão unidos a Jesus
Cristo, seu Cabeça, têm com Ele comunhão nas suas graças, nos seus
sofrimentos, na sua morte, na sua ressurreição e na sua glória, e, estando
unidos uns aos outros no amor, participam dos mesmos dons e graças e
estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que
contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no
exterior.25

Percebemos a caracterização de bençãos concedidas pela comunhão, em

“comunhão nas suas graças”. A caracterização de sofrimentos que a comunhão irá

trazer, “nos seus sofrimentos, na sua morte”. A caracterização de glória concedida a

partir da comunhão com Cristo, “na sua ressurreição e glória”. A caracterização de


25
Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2005. Capítulo XXV
30

como proceder o caminhar, “unidos uns aos outros em amor”. A caracterização de

tarefas práticas, pois “estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e

particulares”. E a caracterização de propósito, pois o caminhar deve “contribuir para o

seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no exterior”.

Calvino pode ser citado para encerrar o término das análises dos termos,

como base para o proposito proposto até aqui. Ao ver cada termo o sentimento e o

pensamento proposto desejado é de que seja percebido que: “A ajuda mútua que as

diferentes partes do corpo oferecem umas às outras, não é considerada pela lei da

natureza como um favor, mas sim, como algo lógico e normal, cuja negativa seria

cruel. “26

Seria terrível se não houvesse dentro da Eclésia, a Koinonia. Cada parte do

corpo deve cuidar do corpo como um todo. Deve se preocupar com membros que

talvez possam ser considerados como menos importantes, da mesma maneira que se

preocupa com membros que parecem ser mais importantes. Sabendo que o corpo

necessita de cada membro para que funcione plenamente.

21
Os olhos não podem dizer à mão: “Não precisamos de você.” E a cabeça
não pode dizer aos pés: “Não preciso de vocês.” 22 Pelo contrário, os
membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários, 23 e os
que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior
honra. Também os que em nós não são decorosos revestimos de especial
honra, 24 ao passo que os nossos membros nobres não têm necessidade
disso. Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra
àquilo que menos tinha, 25 para que não haja divisão no corpo, mas para que
os membros cooperem, com igual cuidado, em favor uns dos outros. 26 De
maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é
honrado, todos os outros se alegram com ele. 1 Coríntios 12:21-26

26
CALVINO, João. A Verdadeira Fé Cristã. São Paulo; Novo Século, 2000, p.39
31

2 – OS MEIOS DE GRAÇA NA IGREJA

Definido os termos, veremos agora como a igreja, a Eclésia (Εκκλησία), o

ajuntamento de todos os santos (Αγίος), que vivem lutando para ficarem distantes do

pecado, e caminham juntos em comunhão (κοινωνίᾳ), partilhando das mesmas lutas

e propósitos, são amparados por Deus, e recebem meios de graça decorrente dessa

comunhão vivenciada como igreja.

E é nessa comunhão dos santos que vemos meios de graça atuando. Saliento

que quero trazer duas visões dessas graças visualizadas na igreja, e logo mais

explicarei tais visões.

Em uma igreja onde cada membro tem sua própria particularidade, seu

próprio jeito de ser, seu próprio temperamento e suas próprias qualidades, Deus age

de maneira profunda. E usa cada um, através da comunhão do Espírito Santo, de

maneira única. Clowney27 diz o seguinte em relação a comunhão vivenciada na igreja:

As graças do Espírito Santo, por um lado, nos tornam semelhantes a Cristo,


e uns aos outros à medida que crescemos em fé, esperança e amor. Os
dons do Espírito, por outro lado, nos diferenciam uns dos outros,
qualificando-nos para ministérios distintos no serviço de Cristo.

O Espírito Santo concede então dons, como meios de edificação do povo de

Deus. Esses dons trabalham exaustivamente para fazer com que cada membro se

pareça mais com Cristo Jesus. E a maneira como o Espírito Santo age dentro da

igreja revela ainda mais seu poder e a soberania de Deus. Porque Ele capacita

quem Ele quiser, da maneira que Ele quiser, com o propósito que Ele quiser.

Assim como lemos na carta de Paulo aos Romanos:

4 Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem

27
CLOWNEY, Edmund P. A Igreja. São Paulo; Cultura Cristã, 2007, p. 60.
32
todos os membros têm a mesma função, 5 assim também nós, embora
sejamos muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros. 6
Temos, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se é
profecia, seja segundo a proporção da fé; 7 se é ministério, dediquemo-nos
ao ministério; o que ensina dedique-se ao ensino; 8 o que exorta faça-o com
dedicação; o que contribui, com generosidade; o que preside, com zelo;
quem exerce misericórdia, com alegria. Romanos 12:4-8

Precisamos citar aqui a visão tradicional em relação aos meios de graça, e

compará-la com a visão contemporânea. Berkhof e Grudem seguem por lados

diferentes. Enquanto o tradicional teólogo, Berkhof 28, faz a citação de 3 meios de graça

contidos na igreja, a saber, a pregação da palavra e a Ceia do Senhor. O teólogo

contemporâneo trabalha com uma lista grande 29. E ele afirma ainda que essa lista

talvez não seja exaustiva. São eles: ensino da palavra, batismo, ceia do senhor,

oração uns pelos outros, adoração, disciplinas eclesiástica, ofertas e contribuições,

dons espirituais, comunhão, evangelismo e ministério pessoal ao próximo.

Grudem diz que Berkhof limita os meios de graça aos meios ministrados por

clero ordenado. Berkhof defende a caracterização desses três meios ministrados pelos

ordenados ao sagrado ministério, para se manter se manter a boa ordem da igreja.

Grudem rebate que essa visão carrega em si a tradição católica. Realmente, seria

muito interessante se pudéssemos assistir um debate entre os dois teólogos.

E ao olharmos as escrituras, damos conta que a expressão “meios de graça”

não se encontra lá. Berkhof então coloca que:

É até possível incluir nos meios de graça tudo quanto se requer dos homens
para o recebimento e o gozo permanente das bênçãos da aliança, tais como
a fé, a conversão, a luta espiritual e a oração. Todavia, não é costumeiro
nem desejável incluir tudo isso na expressão “meios de graça”. A igreja não
é um meio de graça lado a lado com a Palavra e os sacramentos, porque o
seu poder de promover a obra da graça de Deus consiste unicamente na
administração deles. Ela não é instrumento de comunicação da graça,
exceto por meio da Palavra e dos sacramentos. Além disso, a fé, a
conversão e a oração são, antes de tudo, frutos da graça de Deus, embora
possam tornar-se instrumentos para o fortalecimento da vida espiritual. Não
são ordenanças objetivas, mas condições subjetivas para a posse e o gozo
das bênçãos da aliança. Conseqüentemente, é melhor não seguir Hodge
quando ele inclui a oração, nem McPherson quando acrescenta à Palavra e
28
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012. P. 604
29
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1283
33
aos sacramentos a igreja e a oração. Estritamente falando, somente a
Palavra e os sacramentos podem ser considerados como meio de graça,
isto é, como os canais objetivos que Cristo instituiu na igreja, e aos quais
Ele se prende normalmente para a comunicação da Sua graça.
Naturalmente, estes nunca podem dissociar-se de Cristo, nem da poderosa
operação do Espírito Santo, nem da igreja, que é o órgão designado para a
distribuição das bênçãos da graça divina. Em si mesmos, eles são
completamente ineficientes, e só produzem resultados espirituais positivos
mediante a eficaz operação do Espírito Santo.30

Enquanto Berkhof coloca toda essa explicação à “mesa”, Grudem rebate

questionando: “Devemos, porém, limitar nossa análise dos meios de graça apenas a

essas 431 atividades? Parece mais proveitoso relacionar todas as muitas e variadas

atividades no âmbito da igreja que Deus nos concedeu como meios de receber sua

“graça” dia a dia, semana a semana”32.

Talvez possamos “tomar partido” ao analisarmos como cada teólogo entende a

expressão meios de graça. Fará toda a diferença saber como cada um deles enxerga

as graças ministradas por Deus. E veremos que realmente elas se divergem bastante.

Não são, entretanto, razão para rompimentos e dissensões, mas ao vermos como

cada um entende os meios de graça proporcionados pelo Senhor, seremos mais

impulsionados a praticar a comunhão dos santos na igreja.

2.1 A VISÃO DE GRUDEM

Começaremos por Grudem, que traz bem brevemente sua definição e

entendimento sobre os meios de graça. Ele explica que “Meios de graça são quaisquer

atividades na comunhão da igreja que Deus usa para distribuir mais graça aos

cristãos.” E esses meios de graças tem caráter em meios de graça públicos e meios

de graça particulares. Ele reconhece que o Espírito Santo usa todos os 11 meios

citados por ele para conceder bençãos à igreja. Vamos então a análise de sua lista.

30
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012
31
Grudem escreve 4 atividades aqui, pois cita os 3 meios de graça que Berkhof descreve, mas adiciona
um meio a mais, pois ao comentar Berkhof, ele também cita Hodge, que tem como caracterização dos
meios de graça um quarto elemento, que é a oração.
32
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1283
34

2.1.1 OS MEIOS DE GRAÇA EM COMUM

Ele começa falando sobre a palavra. Dizendo que a palavra de Deus é usada

como meio de graça até mesmo antes da pessoa for convertida. Pois, através da

palavra Deus concede salvação e vida espiritual. É através da palavra que Deus

ilumina a escuridão. Citando Paulo aos Romanos:

16
Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a
salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. 17
Porque a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está
escrito: “O justo viverá por fé.” Romanos 1:16-17

E também o texto escrito por Pedro, e a citação que o apostolo faz do profeta

Isaias:

23 Porque vocês foram regenerados não de semente corruptível, mas de


semente incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é
permanente. 24 Porque
“toda a humanidade
é como a erva do campo,
e toda a sua glória
é como a flor da erva.
A erva seca, e a flor cai;
25 mas a palavra do Senhor
permanece para sempre.” 1 Pedro 1:23-25

Ele demonstra que a palavra de Deus é o meio que Ele mesmo escolheu para

sustentar espiritualmente a igreja. E sustentar é uma palavra realmente proposital,

pois não viveremos somente do que comemos ou bebemos, mas também de toda a

palavra de Deus. Percebemos como a palavra de Deus é como fogo, poderosa, e

evidentemente está na lista dos dois teólogos, não por coincidência ou convenção

humana, mas por ser credenciada para tal. Tanto que os pregadores mais

reconhecidos são aqueles que conseguem fazer com que a igreja volte seus olhos

para a própria palavra, e não para o pregador. Grudem cita também que o ensino da
35

palavra como graça é o ensino ministrado não somente pelo clero ordenado, mas em

todos os estudos que sejam fiéis a palavra que ocorrem em escolas bíblicas

dominicais, grupos de estudo bíblicos, na leitura de livros cristãos e também no estudo

pessoal da bíblia.

Em relação ao Batismo, Grudem expressa que como Jesus ordenou aos seus

discípulos que batizassem, a obediência para tal ordem traria bençãos à igreja, se

continuassem a cumprir essa ordem. E como ele mesmo diz:

“...parece apropriado que o Espírito Santo aja por intermédio desse sinal
para aumentar a nossa fé, aumentar a nossa percepção pratica da morte
para o poder do pecado do amor por ele e para ampliar a nossa experiencia
do poder da vida ressurreta em Cristo que temos como crentes.” 33

Com isso, o Espírito Santo age com graça, tanto para quem está sendo

batizado, como para quem faz parte da igreja.

E então, ao finalizar sobre o batismo, mais uma vez ele se preocupa com o se

aproximar da Igreja Católica Romana, dizendo que é preciso tomar cuidado para não

pensarmos que a graça do batismo é concedida mesmo sem a fé da pessoa que está

sendo batizada.

O Batismo se torna um meio de graça para a pessoa que está sendo batizada,

e também para a igreja, que ao presenciar o batismo, tem sua fé estimulada e avivada,

recebendo graça através desse ato.

Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os


19

em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, 20 ensinando-os a guardar


todas as coisas que tenho ordenado a vocês. E eis que estou com vocês
todos os dias até o fim dos tempos. Mateus 28:19-20

Grudem então comenta sobre mais um meio de graça em relação a doutrina da

igreja, que Berkhof também defende, a Ceia do Senhor.

A ceia é vista por Grudem como sendo não apenas uma refeição compartilhada

comumente por cada membro da igreja, mas sim uma refeição compartilhada com

Cristo, na Sua presença, e em sua mesa. Ao reconhecer tal visão sobre a Ceia, é
33
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1286
36

percebido claramente como ela atual como um meio de graça concedido à igreja.

O texto de Paulo aos coríntios nos exemplifica isso.

14
Portanto, meus amados, fujam da idolatria. 15 Falo como a pessoas
sábias; julguem vocês mesmos o que digo. 16 Não é fato que o cálice da
bênção que abençoamos é a comunhão do sangue de Cristo? E não é fato
que o pão que partimos é a comunhão do corpo de Cristo? 17 Porque nós,
embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos
participamos do único pão. 1 Coríntios 10:14-17
16 τὸ ποτήριον τῆς εὐλογίας ὃ εὐλογοῦμεν, οὐχὶ κοινωνία ἐστὶν τοῦ αἵματος
τοῦ Χριστοῦ; τὸν ἄρτον ὃν κλῶμεν, οὐχὶ κοινωνία τοῦ σώματος τοῦ Χριστοῦ
ἐστιν; 1 Coríntios 10:16

Interessante notarmos a palavra Koinonia sendo usada mais uma vez dentro

desse contexto de meios de graça. A Koinonia com o sangue de Cristo, e a Koinonia

com o corpo de Cristo, derrama abundantes graças ao povo que participa da Ceia de

modo racional.

2.1.2 OS MEIOS DE GRAÇA INCOMUNS

Termina-se então os 3 meios de graça em comum entre Berkhof e Grudem, e a

partir de agora passaremos por atividades, como o mesmo Grudem classifica, que o

teólogo considera como não sendo atividades tão comuns assim, mas como meios de

graça concedido por Deus à Sua igreja.

Grudem segue Hodge, ao considerar a oração como um meio de graça. Ele usa

o episódio narrado em Atos 4 para elucidar sua visão.

23
Uma vez soltos, Pedro e João procuraram os irmãos e lhes contaram tudo
o que os principais sacerdotes e os anciãos lhes tinham falado. 24 Ouvindo
isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram:
— Tu, Soberano Senhor, fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há!
Atos 4:23-24. 31 Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com ousadia, anunciavam a
palavra de Deus. Atos 4:31

Considera-se aqui então que a oração se encaixa como um meio de graça, pois

a cada vez que a igreja se reúne, e ora no Espírito Santo, mais bençãos espirituais

são concedidas ao corpo de Cristo, e com isso, a oração 34, entra nessa lista do teólogo
34
Não podemos esquecer da definição de meios de graça dada por Grudem. Ela tem que estar em
37

americano.

A adoração é então mencionada como mais um meio de graça pelo teólogo. Ele

diz que:

Adoração genuína é adoração “em espírito”, que provavelmente


significa adoração que ocorre na esfera espiritual (não simplesmente o ato
físico de participar do culto ou cantar hino). Quando penetramos essa esfera
espiritual de ação e ministramos ao Senhor em oração, Deus também
ministra a nós. Assim, por exemplo, na igreja de Antioquia, “enquanto
adoravam o Senhor e jejuavam, o Espírito disse: Separai-me Barnabé e
Saulo para a obra para a qual os tenho chamado. (At 13.2)” 35

Para Grudem se a adoração significar de maneira efetiva estar mais próximo de

Deus, estar diante Dele, em Sua presença, para oferecer louvor, honra e glória, ela

com certeza deve ser considerada um meio de graça, pelas bençãos ministradas por

Deus nesse momento, seja coletivamente, como foi em Atos, como individualmente

dentro do corpo.

A lista de Grudem vem agora com a “Disciplina Eclesiástica”. E basicamente ele

menciona que a disciplina deve ser considerada um meio de graça porque ela tem

como objetivo principal atuar para que a pureza da igreja seja estimulada, para que a

santidade seja cada vez mais praticada, e com isso, torna-se um meio de graça

concedida por Cristo à igreja. Ele menciona que a disciplina em si, não traz benefícios

para o disciplinado, se feita de maneira automática e mecânica, sem verdadeiro

quebrantamento e demonstração de amor por parte da igreja. Mas, caso seja feita

dessa maneira, com certeza será um meio de graça, diz o teólogo.

Grudem traz um pensamento muito interessante, que deveríamos dar certa

atenção. Não só a liderança, mas como todos os membros da igreja. Pois, muitas

vezes a disciplina é vista como um “fardo pesado”, algo penoso e extremamente

negativa, entretanto o corrigir certamente demonstra amor. “porque o Senhor corrige a

quem ama e castiga todo filho a quem aceita.” Hebreus 12:6

nossa mente em cada análise, para que possamos entender qual a lógica do teólogo. “Meios de graça
são quaisquer atividades na comunhão da igreja que Deus usa para distribuir mais graça aos cristãos.”
35
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1289
38

O próximo item na lista de Grudem, que é visualizado por ele como meio de

graça, são as ofertas e contribuições. Ele segue o mesmo raciocínio aplicado até o

momento para definir essa lista ampliada dos meios de graça, a lógica de que se

abençoa o corpo de Cristo, é um meio de graça. Como ele mesmo diz: “Mas se a

oferta é feita com fé, em decorrência do compromisso para com Cristo e por amor ao
36
seu povo, então certamente haverá grandes bençãos nela.” Percebe-se o quão

correlacionado está, para o teólogo, a questão de bençãos espirituais x meios de

graça.

É claro que as contribuições, ofertas e dízimos trazem benefícios espirituais aos

que dizimam, e também à igreja, entretanto, como ele mesmo salienta e alerta, o fazer

tal ação, por si só, de maneira mecânica e automática, faz com que aquele que doa

não participe completamente das bençãos e alegria de estar contribuindo para a obra

do Senhor. Assim como lemos na carta aos Coríntios:

3 Porque posso testemunhar que, na medida de suas posses e mesmo


acima delas, eles contribuíram de forma voluntária, 4 pedindo-nos, com
insistência, a graça de participarem dessa assistência aos santos. 5 E não
somente fizeram como nós esperávamos, mas, pela vontade de Deus,
deram a si mesmos, primeiro ao Senhor, depois a nós. 2 Coríntios 8:3-5

Note no quinto versículo a ordem da prática da oferta. Não deveria ser apenas

dada por obrigação ou como sendo uma fonte de sorte, mas por amor. E não

somente isso, antes mesmo de ofertar o dinheiro, oferta-se o coração. Fazendo

dessa maneira, certamente bençãos serão derramadas sobre a vida do ofertante e

também do reino de Deus.

Grudem então elenca agora os dons espirituais como sendo mais um meio de

graça em sua extensa lista. Grudem coloca que aqui o texto de 1 Pedro 4.10, para

basear sua argumentação: “Sirvam uns aos outros, cada um conforme o dom que

recebeu, como encarregados de administrar bem a multiforme graça de Deus.” Ele

enxerga que se os dons espirituais forem usados para abençoar a vida de cada um
36
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1289
39

da igreja, ela certamente trará bençãos (perceba novamente ligação que ele faz entre

os dois termos, como sendo predominante para ser considerado um meio de graça) à

sua igreja, e por isso deve ser considerado um meio de graça. Interessante ver a

preocupação sempre presente nos escritos de sua teologia com relação aos meios de

graça serem aplicados a igreja pela vida de qualquer membro. Ele cita que: “Além

disso convém lembrar que esses dons são distribuídos não só ao clero ou a um

número limitado de cristãos, mas a todos os crentes que têm o Espírito Santo dentro

de si.” 37

Em nono lugar, vemos a comunhão sendo citada como um meio de graça.

Aqui Grudem expõe que a comunhão dos crentes gera um crescimento de amizade e

afeto, portanto, cumpre o mandamento de amarmos uns aos outros, dito por Jesus,

que consequentemente faz com que abençoemos e sejamos abençoados. Logo, se

foi gerado uma benção para a igreja e para o corpo, essa ação deve ser considerada

um meio de graça.

Por mim, como um combatente dos meios de graça serem atribuídos ao clero

ordenado, ele escreve que:

Enfatizar a comunhão dos santos como meio de graça também ajuda a


superar a excessiva atribuição de valor ao clero ordenado como principal
administrador da graça no âmbito da igreja, especialmente quando a igreja
se reúne como um todo. Também seria saudável que os cristãos
reconhecessem que certa medida da graça de Deus é experimentada
quando os cristãos conversam e comem juntos, quando trabalham e se
divertem juntos, desfrutando da comunhão uns com os outros. Assim como
vemos em Atos 2.46-47 - 46 Diariamente perseveravam unânimes no
templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com
alegria e singeleza de coração, 47 louvando a Deus e contando com a
simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a
dia, os que iam sendo salvos. Atos 2:46-4738

O Penúltimo meio de graça especificado por Grudem é o Evangelismo. Esse

é o meio de graça, segundo ele, que menos é descrito em sua teologia. Apenas é

citado que o evangelismo é um meio de graça porque abençoa aqueles que não são
37
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1291
38
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1292
40

salvos, e que virão a fazer parte do corpo de cristo, e também traz bençãos

espirituais àqueles que estão evangelizando, pois presenciam de maneira bem tátil a

presença do Espírito Santo agindo.

Por fim, o último item de sua lista é Ministério pessoal ao próximo. E se o

evangelismo era o meio de graça com menos escritos pelo autor, esse é o inverso.

O meio de graça que ele mais gasta tempo para argumentar o porquê ele o

considera como sendo efetivamente um meio de graça.

Ele diz que mistério tem diversas faces de atuação, como por exemplo a

exortação ou conselhos; a oração a pessoas doentes; e também a imposição de

mãos. Ele escreve que:

Juntamente com os outros dez meios de graças da igreja apresentados


anteriormente, cabe relacionar mais um pelo meio específico que o Espírito
Santo usa com muita frequência para conceder bençãos a cristãos
individualmente. Esse meio de graça entra em ação quando um ou mais
cristãos ministram, de modos diversos, as necessidades bem especificas de
outra pessoa da igreja. 39

E então a lista se encerra. Com, diferentemente do que veremos através de

Berkhof, 11 meios de graças defendidos. É importante lembrarmos mais uma vez o

conceito de meios de graça estipulado por esse teólogo. “Meios de graça são

quaisquer atividades na comunhão da igreja que Deus usa para distribuir mais graça

aos cristãos.” Pois essa á a grande diferença que vai atuar como determinante na

escolha entre 3 meios de graças do teólogo Louis Berkhof, para os 11 meios de graça

estipulado por Grudem.

2.2 A VISÃO DE BERKHOF

. Berkhof deixa claro o que pensa sobre os meios de graça contidos na igreja.

Ele diz que: “Deus os designou para serem os meios ordinários por meio dos quais

Ele aciona a Sua graça nos corações dos pecadores, e negligenciá-los

39
GRUDEM, W. Teologia Sistemática. 2 Edição, São Paulo; Vida Nova. p. 1292
41

voluntariamente só pode redundar em prejuízo espiritual.” 40

Com os escritos de Berkhof fica fácil percebermos que o ser humano caído

obtém todas as bênçãos da salvação da fonte eterna da graça de Deus, pelo poder

de Cristo e pela conduta do Espírito Santo, entretanto, para transmitir a graça divina,

Deus parece escolher alguns meios específicos. Por isso, falar dos meios de graça

de maneira abrangente e geral pode trazer respostas erradas aos questionamentos.

Berkhof então mostra que a análise de maneira mais técnica e restrita da palavra, se

faz necessária. Vamos então a algumas colocações pertinentes realizadas por

Berkhof, sempre lembrando que a análise desses termos contribuirá para o capítulo 3

dessa tese. Ele nos fala acerca dos sacramentos e meios de graça que:

Eles são instrumentos, não da graça comum, mas da graça especial,


da graça que remove o pecado e renova o pecador, em conformidade
com a imagem de Deus. É verdade que a Palavra de Deus pode
enriquecer, e nalguns aspectos realmente enriquece os que vivem sob
o Evangelho com algumas das mais seletas bênçãos da graça comum,
no sentido estrito da expressão; mas ela, e também os sacramentos,
entram em consideração aqui somente como meios de graça no
sentido técnico da expressão. E, neste sentido, os meios de graça
sempre estão relacionados com a operação inicial e com a operação
progressiva da graça especial de Deus, que é a graça redentora, nos
corações dos pecadores. 41

Perceba a ênfase na questão da graça especial, que na visão de Grudem não

nos é palpável. Aplica-se então, como dito anteriormente, a qualidade técnica da

palavra. Utiliza-se a ênfase estrita da expressão para aplicação e caracterização

como sendo meios de graça a palavra, o batismo e a ceia apenas.

Berkhof continua com a sua argumentação sobre a questão da caracterização

dos meios de graça. E dessa vez ele salienta que:

Não em virtude da sua relação com as coisas neles incluídas, mas em


si mesmos, eles são meios de graça. Experiências notáveis podem ser,
e sem dúvida às vezes são, úteis para o fortalecimento da obra nos
corações dos crentes, mas isto não faz delas meios de graça no
sentido técnico, visto que só podem realizar isso na medida em que
estas experiências são interpretadas à luz da Palavra de Deus, pela

40
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 605
41
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 602
42
qual o Espírito Santo opera. A Palavra e os sacramentos são, em si
mesmos, meios de graça; sua eficácia depende unicamente da
operação do Espírito Santo.42

A distinção se torna notável para Berkhof, pois ele pondera que as

experiencias que possam ser vividas dentro da igreja, podem, sem sombra de

dúvidas, fortalecer e animar os cristãos, entretanto, o simples fato delas serem úteis e

produzir um bom fruto, não significa que elas devem ser consideradas como meios de

graça, pois além disso, essas experiencias apenas se tornam proveitosas se

visualizadas através das Escrituras. Assim como Calvino menciona, os meios de

graça são “o sinal externo mediante o qual o Senhor nos sela à consciência as

promessas de sua benevolência para conosco, a fim de suster-nos a fraqueza de

nossa fé”43, ou seja, eles atuam de uma maneira única, com os propósitos de

sustentar seu povo quando a fé se esmaece, Berkhof concorda com essa afirmação,

solidificando sua argumentação dizendo que esses meios de graça são sacramentos

que dependem de si mesmos para sua eficácia.

Quando olhamos o Catecismo de Heidelberg, na Pergunta 65, vemos o

seguinte questionamento: “Então, desde que somente pela fé nos tornamos

participantes de Cristo e de todos os Seus benefícios, donde vem esta fé? 44” Onde a

resposta é: “Do Espírito Santo, que age em nossos corações pela pregação do santo

Evangelho, e a confirma pelo uso dos santos sacramentos”. O que corrobora com o

argumento de que os meios de graça são dependentes de si mesmo para sua

eficácia.

Por fim, Berkhof vai trabalhar os meios de graça contidos na comunhão dos

Santos dizendo e defendendo sua posição sobre serem apenas 3 os meios de graça

dado por Deus, escrevendo o seguinte:

42
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 602
43
[2] Calvino, J. As Institutas da Religião Cristã. IV Vol. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. 925.
44
Catecismo de Heidelberg 1536
43
Eles são os meios oficiais da igreja de Jesus Cristo. A pregação da Palavra
(ou, a Palavra pregada) e a administração dos sacramentos (ou, os
sacramentos administrados) são os meios oficialmente instituídos na igreja
de Cristo, pelos quais o Espírito Santo produz e confirma a fé nos corações
dos homens. 45

Berkhof entende e salienta que a expressão “meios de graça” não é oriunda

das escrituras, conquanto é um excelente termo utilizado para alguns, como ele

mesmo diz, indicativos contidos nas escrituras.

Interessante é, após vermos a visão distintiva e qualitativa de Berkhof, que ao

analisar os meios de graça e a igreja, Berkhof não só defende o porquê de considerar

apenas 3 itens nessa lista, a saber e relembrando, a palavra, a ceia e o batismo, mas

também mostra o motivo de estarmos gastando tempo para falarmos sobre isso

nesse trabalho que tem como título a necessária comunhão dos santos. Ele diz que:

A igreja pode ser descrita como o grande meio de graça que Cristo,
agindo mediante o Espírito Santo, usa para reunir os eleitos, edificar os
santos e formar o Seu corpo espiritual. Ele a qualifica para esta grande
tarefa dotando-a de toda sorte de dons espirituais e instituindo os ofícios
para a administração da Palavra e dos sacramentos, que são meios pelos
quais leva os eleitos ao seu destino eterno. Toda a direção providencial dos
santos, na prosperidade e na adversidade, muitas vezes é um meio pelo
qual o Espírito Santo leva os eleitos a Cristo ou a uma comunhão cada vez
maior com Ele. É até possível incluir nos meios de graça tudo quanto se
requer dos homens para o recebimento e o gozo permanente das bênçãos
da aliança, tais como a fé, a conversão, a luta espiritual e a oração. Todavia,
não é costumeiro nem desejável incluir tudo isso na expressão “meios de
graça”. A igreja não é um meio de graça lado a lado com a Palavra e os
sacramentos, porque o seu poder de promover a obra da graça de Deus
consiste unicamente na administração deles. Ela não é instrumento de
comunicação da graça, exceto por meio da Palavra e dos sacramentos.
Além disso, a fé, a conversão e a oração são, antes de tudo, frutos da graça
de Deus, embora possam tornar-se instrumentos para o fortalecimento da
vida espiritual. Não são ordenanças objetivas, mas condições subjetivas
para a posse e o gozo das bênçãos da aliança. 46

Para Berkhof, a própria igreja já poderia ser considerada um grande meio na

qual o próprio Deus dispensa sua graça. É ali que o Espírito Santo reúne os santos

eleitos para formar o corpo de Cristo, e então edificá-los. E ainda mais, dentro da

própria igreja o Espírito capacita seu povo com toda sorte de dons espirituais. E,

45
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 603
46
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 601
44

ainda acrescenta que até seria possível colocar como meios de graça tudo quanto se

requer dos homens para o recebimento e o gozo permanente das bençãos da

aliança, tais como a fé, a conversão, e luta espiritual e a oração. Contudo ele

menciona o motivo de não os incluir na lista dos meios de graça, o que ajuda a

entender o porquê Grudem os listou como tal, e nos ajuda também a tomarmos então

partido conciso de qual lista parece ser a mais lógica.

Não seria prudente chamar toda a lista de Grudem como sendo meios de

graça contidos na igreja, pelo fato de que esses itens não podem ser comparados

com o poder de promoção da obra da graça de Deus, que é contida na ministração

da palavra, na ministração da ceia e na ministração do batismo. Berkhof coloca que

essas práticas, que talvez possam ser cogitadas a serem inseridas nessa

classificação, são, na verdade, frutos da graça de Deus. E podem então serem

usadas como instrumentos para o fortalecimento da vida espiritual.

“Não são ordenanças objetivas, mas condições subjetivas para a posse e o


gozo das bençãos da aliança. Estritamente falando, somente a Palavra e os
sacramentos podem ser considerados como meio de graça, isto é, como os
canais objetivos que Cristo instituiu na igreja, e aos quais Ele se prende
normalmente para a comunicação da Sua graça. Naturalmente, estes nunca
podem dissociar-se de Cristo, nem da poderosa operação do Espírito Santo,
nem da igreja, que é o órgão designado para a distribuição das bênçãos da
graça divina. Em si mesmos, eles são completamente ineficientes, e só
produzem resultados espirituais positivos mediante a eficaz operação do
Espírito Santo.”47

Percebemos com uma clareza de detalhes que a definição de meios de graça,

se não feita de maneira correta, pode dar brecha para listas grandes e ilimitadas.

Entretanto, como Berkhof escreve, os meios de graça instituídos e que ele usa para

a comunicação da Sua graça, são apenas a pregação da palavra, o batismo e a

ceia.

Agora, numa coisa os dois teólogos poderiam dar as mãos e caminharem

juntos, pois eles concordam que os meios de graça, seja a extensa lista de Grudem,

47
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 601
45

ou a concisa lista de Berkhof, não são em si mesmos eficientes. Não são por si

próprios carregados de um poder sobrenatural, assim como a igreja católica romana

acaba reconhecendo como ex opere operato,48 mas necessitam da ação eficaz do

Espírito Santo.

Podemos então finalizar nosso capítulo demonstrando o embasamento para

que seja considerado como meios de graça apenas a palavra, a ceia e o batismo. E

então teremos amarrado nossas ideias para discutirmos o próximo capítulo, que

tratará da necessária comunhão dos santos e abordará discussões importantes e

relevantes para nossas igrejas na atualidade.

Resumindo, em primeiro lugar, os meios de graça são instrumentos da graça

especial, e não da graça comum. Portanto, os meios de graça, como a palavra, a

ceia e o batismo, tem relacionamento com a operação inicial e também com a

operação progressiva da graça especial de Deus. A graça que atua como

transformadora e redime o coração.

Em segundo lugar, os meios de graça, teoricamente falando, não podem ser

assim considerados apenas pelas experiências que proporcionam ao povo de Deus.

Certamente uma oração irá contribuir para o fortalecimento da igreja, mas isso não

quer dizer que sejam considerados meios de graça apenas por realizarem tal ação,

pois ela somente produzirá fruto com a interpretação pela palavra de Deus, aonde o

Espírito Santo então realiza sua obra. Já os meios de graça dependem unicamente

da operação do Espírito Santo.

3 – A NECESSÁRIA COMUNHÃO DOS SANTOS

48
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 603
46

Adentramos então no último capítulo dessa tese, que tem como objetivo o

“amarrar” tudo o que desenvolvemos desde o capítulo primeiro.

Desde a pandemia a igreja mudou muito. O distanciamento e a impossibilidade

de nos reunir, gerou crentes isolados. Cada casa uma igreja. E as vezes, cada

pessoa uma igreja. E durante aproximados 2 anos foi assim que a igreja brasileira

caminhou. Um pequeno grupo transmitindo os cultos, e dezenas de milhares de

membros assistindo. Quando a pandemia diminui seus riscos, e foi-se novamente

permitido a reunião dos santos, uma surpresa: muitos membros preferiram ficar no

modo “online”. Alguns por medo da doença ainda, ok, mas uma grande parcela

decidiu por não voltar a se reunir presencialmente. Muitos relatos de pessoas que

eram de outros estados, que vivaram membros de igrejas que possuíam uma boa

técnica e um bom conteúdo. E a pergunta que talvez nos tenha consumido foi: Será

que precisamos nos reunir mesmo?

Já me deparei com um desses que debandaram para fora da igreja citando

Calvino:

Somente Deus conhece os que lhe pertencem, mantendo-os ocultos sob


seu selo, como Paulo o afirma (2 Timóteo 2, 19), até o dia em que os fizer
sair portando as insígnias que os distinguem dos réprobos. Mas, por serem
número exíguo e desprezível, que permanece oculto na multidão, à
semelhança de um punhado de trigo sob a palha, somente a Deus compete
conhecer Sua Igreja, cujo fundamento último é sua misteriosa eleição. 49

E junto com o texto de Paulo a Timóteo, que diz: “Entretanto, o firme

fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe

pertencem”. 2Tm 2:19, argumentam que Deus conhece os Seus, não importam onde

eles estejam. Essa colocação é muito bonita, mas acredito ter uma verdade mais

profunda contida nessa afirmação. Perceba o quão importante foi termos analisados a

igreja visível e a igreja invisível no começo de nosso trabalho. Pois a desculpa para

estar em plena comunhão acaba se apoiando no achar que faz parte de uma igreja

49
CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 467.
47

invisível, e que, ao fazer parte desta igreja, não necessariamente é preciso estar

presente na igreja visível. Achando que o aspecto exterior não precise ser priorizado,

esquecendo o membro de uma igreja deve fazer parte da igreja visível. Aquele que

participa dela. Demonstrando junto aos irmãos o seu amor por Cristo Jesus, e

também, desfrutando da pregação da palavra, da ceia e do batismo.

3.1- EXEMPLOS BÍBLICOS DA COMUNHÃO

Interessante olharmos para as escrituras para visualizarmos a importância dada

por Deus à reunião do Seu povo. Logo no início da história lemos: “e lhe dirás: O

SENHOR, o Deus dos hebreus, me enviou a ti para te dizer: Deixa ir o meu povo, para

que me sirva no deserto; e, até agora, não tens ouvido”. Êxodo 7:16. O povo era

orientado a caminhar junto, até o deserto, para que adorassem a Deus naquele lugar

de forma mútua. O conectivo de finalidade “para”, inserido no texto dá ênfase no

propósito do povo sair do Egito. Eles deveriam sair daquele lugar para prestar culto a

Deus. Fora isso, perceba a repetição por parte de Deus ao Seu povo. No episódio que

Moisés vai até Faraó para solicitar que o povo de Deus fosse liberado para cultuar a

Deus, o próprio Deus repete inumas vezes o Seu desejo:

- servireis a Deus neste monte. Êxodo 3:12

- Deixa ir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto. Êxodo 5:1

- Deixa ir o meu povo, para que me sirva no deserto. Êxodo 7:16

- Deixa ir o meu povo, para que me sirva. Êxodo 8:1

- Deixa ir o meu povo, para que me sirva. Êxodo 8:20

- Deixa ir o meu povo, para que me sirva. Êxodo 9:1

E por assim vai em todas as requisições feitas por Moisés a Faraó. Até que, ao

se cumprir a décima praga, Faraó condiz com a requisição momentaneamente,

dizendo: Então, naquela mesma noite, Faraó chamou a Moisés e a Arão e lhes disse:
48

Levantai-vos, saí do meio do meu povo, tanto vós como os filhos de Israel ; ide, servi

ao SENHOR, como tendes dito. Êxodo 12:31

Podemos ver como a doutrina da comunhão dos santos permeia o Antigo

Testamento, e a adoração comunitária era algo requerido pelo próprio Deus.

Mas não fica apenas no Antigo Testamento, o apóstolo Paulo, inspirado por

Deus, escreve-nos em sua carta a igreja de Coríntio um dos textos mais conhecidos

em se tratando do corpo de Cristo. Ei-lo:

12 Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os


membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com
respeito a Cristo. 13 Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em
um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos
nós foi dado beber de um só Espírito. 14 Porque também o corpo não é um
só membro, mas muitos. 15 Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou
do corpo; nem por isso deixa de ser do corpo. 16 Se o ouvido disser: Porque
não sou olho, não sou do corpo; nem por isso deixa de o ser. 17 Se todo o
corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde, o
olfato? 18 Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no
corpo, como lhe aprouve. 19 Se todos, porém, fossem um só membro, onde
estaria o corpo? 1 Coríntios 12:12-19

Interessante perceber a doutrina da comunhão se fazendo presente

claramente no texto escrito por Paulo. Em primeiro lugar, somos membros. Em

segundo lugar, pertencemos a um corpo. Em terceiro lugar, não podemos viver

longe desse corpo. Esse seria o esboço desse trecho das escrituras. Calvino

corrobora com tal afirmação, dizendo que:

“não há outro meio de entrar na vida eterna se a Igreja não nos tiver
concebido em seu seio, dado à luz, amamentado, e, depois, nos tiver
mantido sob sua guarda e autoridade até que, despojados de nossa carne
mortal, formos semelhantes aos anjos (Mt 22.30). Se por toda a vida
devemos ser discípulos, nossa fraqueza não permitirá que deixemos essa
escola.”50

Para as escrituras e também para o teólogo, a igreja, tem a ordenança de se

reunir. Calvino ainda foi além, quando comenta o texto de gálatas:

Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual é nossa mãe; 27 porque está

CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 468-
50

469
49
escrito: Alegra-te, ó estéril, que não dás à luz, exulta e clama, tu que não
estás de parto; porque são mais numerosos os filhos da abandonada que os
da que tem marido. 28 Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como
Isaque. 29 Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia
ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora. 30 Contudo, que
diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o
filho da escrava será herdeiro com o filho da livre. 31 E, assim, irmãos,
somos filhos não da escrava, e sim da livre. Gálatas 4:26-31

Ele enxerga que se alguém recusa-se a pertencer fisicamente de uma igreja, a

participar ativamente do corpo de Cristo, ele não está negando uma instituição, e sim

o próprio Deus, pois não deseja ser Seu filho e nem participar das bençãos advindas

da comunhão dos santos, que vivem juntos em adoração ao mesmo Pai, nutrindo-se

mutualmente em amor, carinho e exortação, sendo alimentado pelas escrituras e

participando dos meios de graças, os quais estudamos no capitulo anterior, pelos

quais somos edificados por Deus.

Assim como ele menciona:

“o Senhor tem em tal conta a comunhão de sua Igreja, que considera


desertor da religião todo aquele que, de modo contumaz, afasta-se de uma
congregação cristã na qual estão presentes o verdadeiro ministério da
Palavra e dos sacramentos. (…) separar-se da Igreja é o mesmo que
renegar a Deus e a Cristo.”51

Quando olhamos para o livro de Atos dos Apóstolos, o que não poderíamos

deixar de fazer nesse momento de nossa tese, pois estamos analisando e

visualizando algumas menções sobre a questão dos santos estarem em Koinonia

como Eclésia, conseguimos perceber o porquê de Calvino se pronunciar, até mesmo

de uma maneira que pareça pesada e rigorosa, sobre a questão da participação de

todo aquele que crê em Cristo e se manifesta como discípulo e participante da família

de Deus, reconhecendo-se como Seu filho. Pois ao vermos como viviam os recém-

convertidos, e como Deus trabalhava através deles, não nos resta dúvida alguma

sobre a participação efetiva em uma igreja. Vejamos o que diz o texto de Atos 2.42-

47:

51
CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 473
50
42
E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do
pão e nas orações. 43 Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais
eram feitos por intermédio dos apóstolos. 44 Todos os que creram estavam
juntos e tinham tudo em comum. 45 Vendiam as suas propriedades e bens,
distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.
46
Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em
casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, 47
louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso,
acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.

Logo no versículo 42, temos uma lista resumida e extrema importância do que

acontecia na comunhão dos santos naquele período histórico.

ἦσαν δὲ προσκαρτεροῦντες τῇ διδαχῇ τῶν ἀποστόλων καὶ τῇ


κοινωνίᾳ, τῇ κλάσει τοῦ ἄρτου καὶ ταῖς προσευχαῖς.

A primeira menção é προσκαρτεροῦντες τῇ διδαχῇ, que nos fala sobre

perseverarem na doutrina ou nos ensinos dos apóstolos. A igreja recém-formada

estava vivendo para aprender cada vez mais. E se lembrarmos dos meios de graça

estudados anteriormente percebemos o motivo de tê-los vistos nessa tese. Os recém-

convertidos estavam reunidos primeiramente para aprender da palavra de Deus, pois

a pregação é instrumento pelo qual Deus age com Sua graça e o seu Espírito na

igreja52, como nos diz Berkhof. A pregação da palavra é uma marca da igreja, e

aquela igreja tem em sua lista de ações, demonstradas pelo versículo 42, em primeiro

lugar, o perseverar nessa palavra.

A segunda menção visualizada no texto, em relação como viviam aquela igreja

que havia se formado é “καὶ τῇ κοινωνίᾳ”, “na comunhão”. Berkhof vai falar sobre os

cristãos que possuem a união mística com Cristo, e que vem de apoio ao que estava

acontecendo naquela igreja, o seguinte:

“A união dos crentes com Cristo fornece a base para a unidade espiritual de
todos os crentes, e, conseqüentemente, para a comunhão dos santos. Eles
são animados pelo mesmo espírito, ficam cheios do mesmo amor,
permanecem na mesma fé, empenham-se na mesma luta, e estão ligados
pelo mesmo objetivo. Juntos estão interessados nas coisas de Cristo e Sua
igreja, nas coisas de Deus e do Seu reino.”53
52
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 604
53
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
51

Perceba o motivo de termos analisados o termo comunhão no primeiro

capítulo dessa tese, pois Berkhof vai no mesmo caminho, ao dizer que a comunhão

dos santos para que haja o crescimento de unidade espiritual. E tal comunhão com

Cristo e respectivamente com os santos se traduzirá por uma igreja animada pelo

Espírito Santo, que se empenha na mesma tarefa, com um mesmo objetivo. Isso

resultará nas duas outras expressões contidas no versículo 42, “τῇ κλάσει τοῦ ἄρτου

καὶ ταῖς προσευχαῖς”, “no partir do pão e nas orações”. Aquela igreja estava ligada a

Cristo Jesus, o que fazia com que estivessem ligados uns aos outros. Isso iria se

convergir em uma igreja unida, que estava junta partindo o pão, tanto quanto

costumeiramente em suas refeições, quanto no hábito de cearem juntos, e, também,

se preocupando com a necessidade do próximo. Por fim, essa união entre eles

apontava para a necessidade de se relacionar com o próprio Deus através das

orações. Perceba como os três pontos da confissão de fé de Westminster podem ser

vislumbrados aqui, e por mais que tivemos algumas passagens pelos capítulos que

circunvizinham o nosso capítulo principal, a saber XXVII, que discorre sobre os

sacramentos e XXV, que trata da igreja, o capítulo XXVI, da comunhão dos santos se

torna o elo tanto no texto que lemos em atos, como o elo na confissão de fé de

Westminster.

I. Todos os santos que pelo seu Espírito e pela fé estão unidos


a Jesus Cristo, seu Cabeça, têm com Ele comunhão nas suas
graças, nos seus sofrimentos, na sua morte, na sua
ressurreição e na sua glória, e, estando unidos uns aos outros
no amor, participam dos mesmos dons e graças e estão
obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares
que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem
interior como no exterior.
II. Os santos são, pela sua profissão, obrigados a manter uma
santa sociedade e comunhão no culto de Deus e na
observância de outros serviços espirituais que tendam à sua
mútua edificação, bem como a socorrer uns aos outros em
coisas materiais, segundo as suas respectivas necessidades e
meios; esta comunhão, conforme Deus oferecer ocasião, deve
estender-se a todos aqueles que em qualquer lugar, invocam
o nome do Senhor Jesus.
2012 – p. 446
52
III. Esta comunhão que os santos têm com Cristo não os torna de
modo algum participantes da substância da sua Divindade,
nem iguais a Cristo em qualquer respeito; afirmar uma ou
outra coisa, é ímpio e blasfemo. A sua comunhão de uns com
os outros não destrói, nem de modo algum enfraquece o título
ou domínio que cada homem tem sobre os seus bens e
possessões.54

No primeiro capítulo da confissão, a igreja retratada em Atos, é

visualizada como sendo unida a Cristo, mas não somente a Ele, como também

aos irmãos. Essa união traz por dever a responsabilidade sobre aqueles que

participam dessa comunidade, e a comunhão entre os santos irá atuar de

maneira benéfica nesse sentido.

No capítulo segundo da confissão, os que foram santificados pelo

cordeiro devem andar em uma santa sociedade e comunhão no culto de Deus

e em todos os serviços espirituais capazes de trazer edificação para o corpo

de Cristo, o que também vemos retratados no texto de atos.

E por fim, no capítulo terceiro da confissão, é esclarecido que a

comunhão entre os santos não poderia de maneira alguma ser utilizada para

argumentar que possuímos então a mesma substância divina de Cristo, e nem

mesmo somos iguais a Cristo no que diz esse respeito. A igreja em Atos

também demonstra tal afirmação dada pelo catecismo, quando reconhece o

senhorio e a soberania de Cristo. Como Calvino menciona;

“Toda a vida ou saúde que se difunde através dos membros emana da


Cabeça; de sorte que os membros são apenas assistentes. E mediante
essa distribuição, a limitada contribuição de cada um demanda
comunicação entre si”. “...e sem o amor mútuo, o corpo não pode desfrutar
de saúde. E assim ele diz que, através dos membros, como que através de
condutores, da Cabeça flui tudo quanto é necessário para a nutrição do
corpo. Também diz que, enquanto essa conexão estiver em vigor, o corpo é
vivo e saudável. Além do mais, ele atribui a cada membro seu próprio modo
de ser – segundo a justa operação de cada parte.” 55

Esses exemplos bíblicos comparados com a Confissão de Fé de

54
Confissão de Fé de Westminster, cap. XXVI
55
CALVINO, João. Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses. São José dos Campos: Editora Fiel,
2010, p. 306
53

Westminster deixam cada vez mais claro a necessidade da comunhão dos

santos. E que essa comunhão trará benefícios individuais, entretanto, cada

benefício individual irá surgir não pela busca visando tal benefício próprio, e

sim através da busca visando o benefício do corpo todo. Assim como Calvino

coloca:

“...nenhum crescimento é de utilidade quando não corresponde a todo o


corpo. A pessoa que deseja crescer isoladamente segue um rumo
equivocado. Pois que proveito traria [ao corpo] se uma perna ou um braço
se desenvolvesse sem simetria, ou uma boca fosse grande demais? Seria
ele simplesmente afligido como se tivesse presente um tumor maligno.
Portanto, caso queiramos ser considerados em Cristo, que nenhum de nós
seja tudo para si mesmo, senão que, tudo quanto venhamos a ser, sejamos
em relação uns aos outros. Isso só pode ser realizado pelo amor; e onde o
amor não reina, também não existe edificação na Igreja, senão mera
dispersão.”56

3.2 – CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS

Quando olhamos para o nosso Credo Apostólico vemos a expressão tão

amplamente utilizada neste trabalho. O Credo era e ainda é muito utilizado na

caminhada cristã para ajudar os cristãos a, de certo modo, terem sua fé sintetizada

em um trecho pequeno, para sua memorização se torne mais fácil, e seja então um

instrumento para os cristãos lembrarem as bases de sua fé. Por esse fator, foi muito

comum em certos momentos da história que os novos convertidos o recitassem em

sua profissão de fé, pois ali, como dito, encontra-se um resumo básico da fé cristã.

Calvino, comentando sobre o Credo e sua origem e composição diz:

“Nele toda a dispensação da nossa salvação é exposta de tal maneira em


todas as suas partes que não se omite nem um só ponto. Dou-lhe o nome
dos apóstolos, não me preocupando muito com quem terá sido o autor. É
grande o número dos que aceitam como certa a atribuição feita pelos
antigos da autoria do Símbolo aos apóstolos, quer entendendo que foi
escrito por eles em comum, quer pensando que foi uma compilação da sua
doutrina, assimilada e filtrada pela reflexão de alguns outros, querendo,
contudo, dar-lhe autoridade por meio desse título. Seja como for, não tenho
dúvida nenhuma de que, seja qual for a sua origem, desde o início da igreja,
e até mesmo desde o tempo dos apóstolos, foi recebido como uma

56
CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 389
54
confissão pública e válida da fé cristã. E não é provável que tenha sido
composto por algum particular, visto que o tempo todo ele tem tido
autoridade inviolável, sempre respeitada, entre os crentes. O que é principal
neste caso nos é indubitável, a saber, que toda a história da nossa fé está
nele contida em resumo e em excelente ordem, e que não há nada nele que
não seja comprovado por diversos testemunhos da Escritura. Tendo
conhecimento disso, já não é preciso que nos atormentemos sobre quem é
o seu autor, nem que discutamos com outros, a não ser que não achemos
suficiente saber que, por este ou por aquele, temos a verdade do Espírito
Santo, e queiramos saber, além disso, por qual boca foi declarada ou por
qual mão foi escrita”.57

Ao comentar o Credo, o reverendo Hermistein Maia comenta sobre o ponto da

comunhão o seguinte:

A Igreja é descrita no Credo Apostólico, como a “Comunhão dos


Santos”. E de fato ela o é, porque congrega os pecadores santificados em
Cristo e, que estão, como evidência da tensão do seu pecado e, também da
sua natureza santa, em processo de santificação, de crescimento espiritual,
pelo Espírito que é Santo.58

É interessante a colocação do reverendo, pois demonstra o caráter da

comunhão dos santos aplicada em nosso trabalho. A comunhão faz com que o

cristão se sinta parte do corpo, e fazendo parte desse corpo, ele é edificado e edifica.

A comunhão dos Santos é a comunhão da igreja e na igreja. Os crentes que

possuem comunhão com Cristo também possuem comunhão com os irmãos, e essa

comunhão impele no estarem juntos para se edificarem e adorarem juntos, como

membros de um só corpo, o único e verdadeiro Deus. Nós, como Seu povo estamos

unidos a Cristo, ainda que não fisicamente, e isso é temporário, através do Espírito

Santo, e esse mesmo espírito nos une como irmãos. É por isso que a comunhão dos

santos se torna tanto exterior como interior, pois estamos ligados espiritualmente.

Texto de Paulo aos filipenses nos ajuda a compreender essa comunhão com

irmãos.

1 Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor,


alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, 2
completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o
mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. 3 Nada
façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada
57
João Calvino, As Institutas, (1541), II.4.
58
Maia, Hermistein. Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos: Fiel, 2014, pág.
514
55
um os outros superiores a si mesmo. 4 Não tenha cada um em vista o que é
propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Filipenses
2:1-4

Paulo escreve mencionando a comunhão do Espírito, e ao mencioná-la, logo

em seguida ele adverte que, se haver realmente a comunhão pelo Espírito Santo, a

comunidade deve “completar a sua alegria”, vivendo então da maneira que todos

pensassem a mesma coisa, que todos tivessem o mesmo amor, que fossem unidos

de alma e tivessem o mesmo sentimento. Paulo abandona o sentimento de amor-

próprio e demonstra um amor a igreja de Cristo. E revela que para ele importa que a

igreja caminhe em comunhão. Não era cabível, e ainda não é, que uma igreja

caminhasse sem que o cuidado mútuo reinasse. Calvino menciona que “... a ajuda

mútua que as diferentes partes do corpo oferecem umas às outras, não é

considerada pela lei da natureza como um favor, mas sim como algo lógico e normal,

cuja negativa seria cruel.”59

3.3 – A COMUNHÃO NA IGREJA E SEUS BENEFICIOS

Adentrando no final de nossa tese, não poderíamos de então colocar os

benefícios contidos e oriundos da comunhão dos santos. Quando existe a Koinonia

na Eclésia frutos podem ser esperados e visualizados, e para responder aos

questionamentos da introdução esse último capítulo deste estudo irá analisar e

demonstrar os benefícios dados por Deus ao Seu povo através da comunhão.

A igreja possui alguns atributos, os quais acabam por serem reconhecidos em

sua comunhão. Em primeiro lugar podemos citar sua unidade. Como Berkhof

menciona:

A unidade da igreja não é primariamente de caráter externo, mas, sim, de


caráter interno e espiritual. É a unidade do corpo místico de Jesus Cristo, do
qual todos os crentes são membros. Este corpo é dirigido por uma Cabeça,
Jesus Cristo, que é também o Rei da igreja, e é vivificado por um só
59
CALVINO, João. A verdadeira Vida Cristã. São Paulo: Novo Século, 2000. P. 39.
56
Espírito, p Espírito de Cristo. Esta unidade implica que todos os que
pertencem à igreja participam da mesma fé, são solidamente interligados
pelo comum laço do amor, e têm a mesma perspectiva gloriosa do futuro.
Relativamente falando, esta unidade interior busca e também adquire
expressão na profissão e conduta cristã dos crentes, em sua pública
adoração do mesmo Deus em Cristo, e em sua participação nos mesmos
sacramentos. Não pode haver dúvida quanto ao fato de que a Bíblia afirma
a unidade, não só da igreja invisível, mas também da visível. A figura do
corpo, como se acha em 1 Co 12.12-31, implica esta unidade. Além disso,
em Ef 4.4-16, onde Paulo ressalta a unidade da igreja, evidentemente ele
também tem em mente a igreja visível, pois fala de oficiais da igreja e dos
seus esforços pela unidade ideal da igreja. Em vista da unidade da igreja,
uma igreja local foi admoestada a suprir as necessidades doutra, e o
concílio de Jerusalém se encarregou da solução de um problema que
surgira em Antioquia. A igreja de Roma dava forte ênfase à unidade da
igreja visível e a expressava em sua organização hierárquica. E quando os
Reformadores romperam em Roma, não negaram a unidade da igreja
visível, mas, antes, a sustentaram.60

Para ele a igreja comtempla uma unidade que só pode ser totalmente

contemplada se todos estiverem unidos através de um único cabeça, que é Cristo

Jesus. Por isso, essa união não é meramente externa, por mais que a externalidade

da união seja visualizada, não é esse seu motor inicial, a força primeva que move tal

benefício é a união interna, gerada através do sangue do cordeiro. Discípulos se

tornam unidos em decorrência de seu mestre. Aqueles que seguem uma pessoa

acabam por se encontrarem com uma certa recorrência, e a união externa acaba

acontecendo em decorrência dessa pessoa que é o elo de ligação, e no caso dos

Cristãos esse elo atual internamente, através do Espírito Santo.

Fica claro vermos que a obra salvífica de Cristo Jesus faz com que os cristãos

tenham comunhão com Deus, e através do Consolador enviado aos membros, une-

os de tal forma que se tornam um corpo. Uma igreja “una”. Ou seja, a unidade

expressa na comunhão deve advir da unidade interna liderada pelo cabeça do corpo.

O que passar disso não será uma unidade verdadeira. Estamos talvez acostumados

de citar que o chá pós culto é um momento de comunhão, mas devemos ter cuidado

ao achar que só porque existe um ajuntamento de pessoas em um determinado

espaço chamado igreja, se torna uma comunhão, se torna uma união. Agora, se
60
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 568
57

realmente houver ligação verdadeira oriunda do elo de ligação que é Cristo Jesus, ali

repousa a comunhão verdadeira, e não somente no momento do chá pós culto, mas

em todo o culto e em todo o restante da semana. Assim como lemos na primeira

epistola de Joao:

1 O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com
os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos
apalparam, com respeito ao Verbo da vida 2 (e a vida se manifestou, e nós
a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna,
a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), 3 o que temos visto e
ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente,
mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com
seu Filho, Jesus Cristo. 1 João 1:1-3

João estava mostrando que a comunhão devia se basear em Cristo, mesmo

que as pessoas não O tivessem visto, ouvido ou tocado, ele havia e estava

testemunhando para os cristãos, a fim de os integraram a família de Deus e então

desfrutarem da comunhão e da unidade proporcionadas por Cristo Jesus.

É interessante citarmos o período recente que passamos em nossas igrejas,

onde por causa de uma pandemia o encontro publico foi cerceado. E aí nos foram

levantados questionamentos como: podemos cultuar de nossas casas apenas

assistindo online? Podemos tomar a ceia online? Podemos obter comunhão nesse

período de afastamento? A edificação mútua que acontece no culto publico foi

certamente abalada, mas não reduzida a zero. Os meios que utilizamos na pandemia

foram, com toda certeza, uma dádiva de Deus, para que o impedimento de

comunicação total não ocorresse, e então nossa carência física fosse, pelo menos

um pouco, amenizada. O reverendo Heber Campos Junior escreve acerca disso o

seguinte:

Não podemos experimentar todas as coisas do culto quando estamos


sozinhos: não expressamos nossa alegria em louvores a uma só voz, não
batizamos virtualmente e não partilhamos do pão da ceia. Sobre esse último
assunto, Scott Swain disse muito acertadamente que não podemos partilhar
da ceia virtualmente porque o sinal do sacramento não reside somente nos
“elementos” (pão e vinho) mas inclusive na refeição compartilhada (1 Co
10.17; 11.33), exatamente o que não acontece quando estamos separados;
por isso, ele argumenta que estamos em tempo de lamento, no qual não
58
participamos da ceia, embora ansiemos o dia de tê-la de volta. Pelas
mesmas razões semelhantes às da ceia, também não podemos ser
reunidos em culto público. Isto é, podemos prestar vários cultos
separadamente (individual ou doméstico), mas não cultuamos virtualmente,
exatamente porque culto público é sinônimo de ajuntamento. Isto é,
testemunhamos como corpo reunido que somos adoradores do Cristo
ressurreto. Pregamos essa realidade contra os Desigrejados, defensores da
irrelevância de participar de uma igreja local. Além de culto, também somos
impedidos de prestar certos serviços materiais aos irmãos. Portanto, é
inegável que estejamos experimentando uma privação na experiência dessa
comunhão.61

Perceba como a reposta para as questões levantadas são sanadas, e não só

isso, através dessa explicação visualizamos como a união foi prejudicada por causa

de um afastamento sanitário, o que nos leva a perceber como a união se torna um

fator de extremo benefício para a igreja, gerada pela comunhão dos santos.

Em segundo lugar podemos citar a Santidade gerada através da comunhão

dos santos. Assim como a Igreja é santa, no sentido de que a justificação realizada

através de Cristo a torna santa diante de Deus, a comunhão vivenciada e partilhada

pelos santos serve de estímulo a viver uma vida santa. Assim como Berkhof comenta:

Em virtude da justificação mediatária de Cristo, a igreja é tida por santa


perante Deus. Também, num sentido relativo, os protestantes consideram a
igreja como subjetivamente santa, isto é, como realmente santa no princípio
interior da sua vida, e destinada a santidade perfeita. Daí, ela de fato pode
ser denominada comunidade de santos. Esta santidade é, acima de tudo,
uma santidade do homem interior, mas uma santidade que também acha
expressão na vida externa.

A comunidade cristã goza através da comunhão um crescimento na

santificação, e assim como a santificação tem sua origem oriunda do próprio Deus

em direção aos homens, santificando-os e dando ferramentas para que essa

santidade prática de vida seja praticada até o momento em que ela chegará à

perfeição na glória eterna, a comunhão tem seu motor principal oriundo da comunhão

com Deus e através do Espírito Santo. Assim como Berkhof comenta definido a

santidade:

“Pode-se definir a santificação como a graciosa e contínua operação do


61
https://cpaj.mackenzie.br/em-tempos-de-pandemia-como-fica-a-comunhao/ - Acessado em 08/10/22
59
Espírito Santo pela qual Ele liberta o pecador justificado da corrupção do
pecado, renova toda a sua natureza à imagem de Deus, e o capacita a
praticar boas obras.”62

A doutrina da comunhão dos santos se torna cada vez mais importante ao

nosso dia a dia, pois revela-nos pontos importante sobre o caminhar da igreja.

Podemos mensurar, talvez não de maneira quantitativa, mas pelo menos de maneira

qualitativa, como nossa igreja está através da comunhão dos santos.

Em terceiro lugar, na igreja devemos encontrar elementos que estarão fora de

qualquer outra instituição, como por exemplos a pregação fiel das escrituras, o

batismo, a ceia, a adoração comunitária, a disciplina e a exortação mútua, e que

trazem benefícios físicos e espirituais. Somente o povo de Deus goza de tais dádivas

divinas encontradas na Koinonia encontrada na Eclésia.

Em quarto lugar, como benefício de se estar em comunhão com os irmãos

vemos a esperança do porvir ser incentivada mutualmente. A igreja possui uma

marca conhecida como catolicidade. Não diz respeito a igreja católica romana, mas

sim a igreja universal. E quando olhamos ao texto de Hebreus vemos o seguinte:

21
Na verdade, de tal modo era horrível o espetáculo, que Moisés disse:
Sinto-me aterrado e trêmulo! 22 Mas tendes chegado ao monte Sião e à
cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos,
e à universal assembleia 23 e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e
a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, 24 e a
Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala
coisas superiores ao que fala o próprio Abel. Hebreus 12:21-24

Sproul63 cita que certa vez ao falar em uma igreja com pouco mais de 150

membros disse que estava nervoso de pregar em frente de milhões de pessoas. A

igreja sorriu, e procurou por câmeras, mas não havia. Ele então abriu a bíblia nesse

texto onde vemos o autor de hebreus escrevendo sobre o contraste de Sinai e Sião.

E salta-nos o termo “universal assembleia”. Essa é a igreja universal, a igreja invisível

62
BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4 ed. Tradução de Odair Olivetti; São Paulo: Cultura Cristã,
2012 – p. 529
63
SPROUL, R. C., O que é a igreja? São José dos Campos, Fiel, 2014. P.18
60

(e analisamos esse termo anteriormente em nossa tese para que chegássemos

nesse ponto ao fecharmos o estudo) de todos os tempos. Isso traz e fecha a lista de

benefícios oriundos da comunhão dos santos.

CONCLUSÃO

Ao analisarmos cada termo no início de nosso trabalho ficamos maravilhados


61

sobre a importância da igreja no antigo e no novo testamento, e também da

comunhão dos santos. Ver como esses pontos são tratados nas Sagradas Escrituras

nos fazem darmos mais importância a eles.

Ao passarmos pelas visões sobre os meios de graça dados pelo próprio Deus

à Sua igreja com certeza empolga o nosso coração e faz nos querer cada vez mais

estarmos juntos com os irmãos para desfrutarmos da benção que é a pregação, a

ceia e o batismo. Quando fomos postos em frente as duas visões sobre esses meios

de graça, fomos instruídos e percebemos a razão do considerarmos a lista de

Berkhof. Mas ao mesmo tempo, ao vermos a extensa lista de Grudem, ficamos

perplexos de ver o quanto a comunhão com os irmãos, o quanto a Koinonia na

Eclésia, se torna tão fundamental para que a igreja cresça não somente em

números, mas em estatura.

E, por fim, quando fomos colocados de frente com algumas experiencias

bíblicas da comunhão dos santos, e como a confissão de fé se torna mais nítida ao

estudarmos as cenas no antigo e novo testamento, ficamos mais impressionados

sobre como devemos nos atentar a prática da comunhão. Quando respondemos

questões tão essenciais para o nosso tempo e percebemos que temos comunhão

com nosso próximo, não apenas pela proximidade exterior, mas também pela

proximidade que o Espírito Santo gera no corpo de Cristo, fomos relembrados por

Deus que a comunhão entre o corpo deve “abraçar” todas as áreas de nossa vida

comunitária.

Espero sinceramente, que ao ler esse você seja inflamado pelo Espírito Santo

de Deus a batalhar por essa área, que muitas vezes, como líderes e pregadores,

deixamos de lado em nossa comunidade. Que a comunhão com Santo Espírito seja

sempre a força que nos move a sermos somente um, guiados pelo cabeça, que é

Cristo Jesus.
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REFERÊNCIAS

- BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo; Cultura Cristã, 2002.

- MULHOLLAND, Dewey M. Teologia da igreja: uma Igreja Segundo os propósitos de

Deus. São Paulo: Shedd Publicações, 2004.

- LOHFINK, Gerhard. A igreja que Jesus queria: dimensões comunitárias da fé cristã.

Traduzido por Johann Piber. Santo André – São Paulo; Academia Cristã.

- GRUDEM, W. Teologia Sistemática. São Paulo; Vida Nova. 2022

- BAVINK, Herman. Teologia Sistemática, 2001

- COSTA, Hermistein Maia. Princípios Bíblicos de Adoração Cristã, São Paulo;

Cultura Cristã, 2009

- DUNN, James. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo; Paulus, 2003

- Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2005

SPROUL. R. C. O Que é a Igreja? Traduzido do original em inglês What is the

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400 Technology Park, Lake Mary; 1a Edição em português. Editora FIEL, 2013

- CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Editora UNESP, 2009,

p. 473

- HODGE, Alexander A. Confissão de Fé Westminster comentada. São Paulo. Os


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Puritanos, 1999

- in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021

https://dicionario.priberam.org/comunh%C3%A3o [consultado em 10-09-2022].

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- CLOWNEY, Edmund P. A Igreja. São Paulo; Cultura Cristã, 2007, p. 60.

- CALVINO, João. Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses. São José dos Campos:

Editora Fiel, 2010

- MAIA, Hermistein. Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos

Campos: Fiel, 2014

- CALVINO, João. A verdadeira Vida Cristã. São Paulo: Novo Século, 2000. P. 39.

- https://cpaj.mackenzie.br/em-tempos-de-pandemia-como-fica-a-comunhao

Acessado em 08/10/22

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