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STUDIUM
REVISTA TEOLÓGICA
Studium: revista teológica/ Studium Theologicum de Curitiba - Ano 2
Vol. 2 - n. 3 (jan./jun.) e 4 (jul./dez.), 2008
Semestral
ISSN 1981-3155
CDU: 2
STUDIUM
Revista Teológica
Ano 2 – 2008
Nº 3 e 4
Editor-Chefe
Hélcion Ribeiro – Studium Theologicum
Conselho Editorial
Jaime Sanches Bosch – Studium Theologicum, Curitiba, Pr.
Marcio Luiz Fernandes – Studium Theologicum, Curitiba, Pr.
Tedoro Hanicz – Instituto S. Basílio Magno, Curitiba, Pr.
Valdinei de Jesus Ribeiro – StudiumTheologicum, Curitiba, Pr.
Vitor P. Calisto dos Santos – PUC, Campinas, SP
Conselho Consultivo
Angelo Carlesso - Studium Theologicum – Curitiba, Pr
Jose Carlos Fonsati – Cúria Geral dos Vicentinos - Paris, Fr.
Josu M. Auday – Claretianum, Roma
Sávio Scopinho – CEUCLAR, Batatais
Ricardo Hoepers - Studium Theologicum – Curitiba, Pr.
ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO
Contato e assinatura
Editorial................................................................................................................................ 5
Recensão.........................................................................................................................117
Editorial
Ao pensar teologicamente a Vida Consagrada
Como os pensamentos de Deus não são iguais aos dos homens e mulheres,
a VC não pode ser medida primeiramente em números, obras e nem mesmo pelo
carisma/missão fundacional e/ou reformado. Deus, o que é Santo, santifica a
humanidade pelas suas obras e, especialmente por nos ter dado seu Filho Jesus,
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afim de que crendo nele, todos possam ser salvos. Mas, o Deus que continua a
se manifestar entre nós, por meio da excelência de seu Filho, feito nosso irmão,
também continua servir-se de seus outros filhos e filhas como sinais visíveis do
amor divino por nós na história; Os consagrados, por toda parte e por princípio,
são especial manifestação visível deste amor santificante.
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Artigos
DIMENSÃO CARISMÁTICA DA
IGREJA E IDENTIDADE DA VIDA
RELIGIOSA
Florêncio Garcia Castro, CMF *
RESUMO: O artigo traz as conclusões mais significativas do estudo feito para a tese de Doutorado
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apresentado no Instituto Teológico da Vida Consagrada – Claretianum de Roma – com o título
“Dimensão carismática da Igreja e identidade da Vida Religiosa” salientando o núcleo temático;
e o subtítulo, “Ensinamento do Concílio Vaticano II e a sua recepção na reflexão teológica pós-
conciliar” enquadra historicamente o assunto de nossa análise e investigação. Portanto, a finalidade
desta exposição é a de apresentar o que foi recolhido do ensinamento do Concílio Vaticano II sobre
os carismas na Igreja e a sua relação com a Vida Religiosa, de um lado, e de outro, apresentar
sistematicamente como foi acolhida esta doutrina na reflexão teológica posterior ao Concílio.
PALAVRAS CHAVE: Carimsa. Reflexão teológica. Dimensão institucional. Concilio. Vida religiosa.
Ecleseologia.
ABSTRACT: The article brings the conclusions most significant of the made study for the thesis of
Doctoral presented in the Theological Institute of the Life Consecrated - Claretianum of Rome - with
the heading “ Charismatic dimension of the Church and identity of the Religious Life”; pointing out
the thematic nucleus; e the sub-heading, “Teaching of Vatican Conciliation II and its reception in
the theological reflection after-conciliation” it historically fits the subject of our analysis and inquiry.
Therefore, the purpose of this exposition is to present what it was collected of the teaching of Vatican
Conciliate II on charisma in the Church and its relation with the Religious Life, from all points of view, to
present systematically as Conciliate was received this doctrine in the theological subsequent reflection.
KEY WORDS: Charisma. Theological reflection. Institutional dimension. I conciliate. Religious life.
Ecclesiology.
* Doutor em teologia, Superior do Instituto Teológico da Vida Consagrada “Claretianum”, Roma. Falecido em
2005, aos 46 anos de idade, enquanto se preparava para assumir um novo encargo nas Filipinas.
1. Origem deste trabalho
Por que fazer esta pesquisa? É a primeira pergunta que nos fazemos e aqui
explicamos a origem e causas do presente trabalho.
Este fato nos levou a adquirir mais conhecimentos e maior clareza sobre o
carisma do fundador e sobre o carisma de cada Instituto e a sua missão na Igreja.
Mas outros aspectos foram muito menos freqüentados. Um destes aspectos foi, a
meu ver, a reflexão sobre a eclesialidade da Vida Religiosa desde uma perspectiva
histórica e, sobretudo, teológica. Correu-se o risco de sublinhar excessivamente o
estudo “ad intra” da Vida Religiosa, certamente necessário e positivo, mas que pode
impedir de ver o horizonte geral ao qual se pertence: a Igreja.
2. Metodologia
1 O dia 25 de janeiro de 1959 desde a Basílica de S.Paulo fora dos muros o Beato João XXIII fez o anúncio da
convocação do Concílio Vaticano II com estas palavras: “Pronunciamos diante de vós, certamente tremendo
um pouco de comoção, mas ao mesmo tempo com humilde decisão de propósito, o nome e a proposta
da dúplice celebração: de um Sínodo Diocesano para a Urbe, e de um Concílio Ecumênico para a Igreja
Universal”. ( cf. AD, series 1. vol. l. 5).
Podemos verificar toda a importância deste processo em duas frases. Uma
pertence ao primeiro esquema da Constituição sobre a Igreja e diz: “É falso dizer
que, as assim chamadas, Igreja hierárquica ou do direito e Igreja carismática ou do
amor, se diferenciem realmente.”2 A outra é de João Paulo II em sua mensagem ao
Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais celebrado no ano de 1998: “Outras
vezes tive a oportunidade de sublinhar como na Igreja não exista contraste ou
contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual
os movimentos são uma expressão significativa. Ambas são co-essenciais à
constituição divina da Igreja fundada por Jesus”.3
Entre uma frase e a outra existe um arco de tempo de quase 40 anos que
marcaram um caminho, longo e cansativo, para definir a relação entre a dimensão
institucional e a dimensão carismática da Igreja.
Ambas as expressões nos revelam que o tema dos carismas tinha uma
relação muito estreita com a eclesiologia e que havia uma base problemática a
ser superada: a Igreja hierárquica e a Igreja carismática vistas como realidades
contrapostas.
As causas que levaram a tal ação foram diversas. Uma delas podemos
dizer de caráter ambiental. Na aula conciliar, antes de analisar o esquema sobre
a Igreja foi debatido o esquema sobre “Fontes da Revelação”. Foi rejeitado. Em
tais circunstâncias podia se prever que também o esquema sobre a Igreja iria de
encontro ao mesmo fim.
2 AD, series 11, vol. 11, pars 111, 988. “falso Ecclesia hierarchica seu iuris ab Ecclesia societas charismatica vel
amoris, quas vocant, re diferre dicuntur”.
3 JUAN PABLO II, Messaggio a! Congreso Afondiale dei Movimenti Ecclesiali: PONTIFICIUM CONSILIUM PRO
LAICIS ( ed.). Città del Vaticano 1999, 18.
4 No fim do primeiro período conciliar se falou sobre o esquema da Igreja: 1-7 de dezembro em seis
Congregações Gerais ( XXXI-XXXVI). Falaram 77 Padres e deixaram por escrito as suas notas outros 85.
Mencionaram os carismas 16 deles ( 5 oralmente e 11 nos escritos).
5 AS. 1 (IV), 142-144.
serviço.6 CARLI o qualifica de militarista.7 idéia que repete também o Patriarca
antioqueno Maxirno IV SAIGH8.
Capítulo III: Sobre o povo de Deus e de modo especial sobre os leigos (De
populo Dei et speciatem in de laicis)
1. Contexto eclesiológico
a. Definição terminológica.
O texto conciliar não usa a palavra “carisma” para exprimir num sentido
geral as graças que o Espírito doa à sua Igreja, mas este significado se exprime com
a palavra “dons”. Por sua vez, estes dons podem ser hierárquicos e carismáticos.
d. Os carismas e a Hierarquia.
2. A Vida Religiosa
Nós nos rendemos conta que uma diversa eclesiologia configura uma
nova situação para a Vida Religiosa no contexto eclesial. Na eclesiologia anterior
ao Concílio, que considerava a Igreja como sociedade perfeita, a Vida Religiosa
era vista com uma orientação jurídica e ascética sem nenhuma referência à sua
natureza carismática. De fato, na primeira redação aparece com um capítulo
próprio intitulado “De statibus adquirendae perfectionis”.
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Religiosa.
12 U. BETTI, Cronistoria della Costituzione, in G. BARAUNA ( ed.), La Chiesa dei Vaticano II, Firenze 1965, 137.
Betti em seu estudo diz que para redigir o novo texto a Comissão Doutrinal nomeou uma sub-comissão
“De Ecclesia” que trabalhou com um esquema de origem belga dividido em quatro capítulos: O mistério da
Igreja, A Hierarquia e em particular sobre o episcopado, os leigos e os estados de perfeição. O esquema foi
aprovado pela comissão Doutrinal; somente o capitulo 4 sobre os estados de perfeição não foi aprovado e
foi refeito por tinia nova sub-comissão nomeada para esta finalidade. Na nova redação o capítulo mudou
a orientação porque o seu tema específico não eram mais os estados de perfeição mas a vocação universal
à santidade, e este capítulo não foi estudado pela comissão Doutrinal, passando diretamente ao debate
conciliar.
13 Um exemplo destas reações encontramos no Abade Geral do Cisterciense, P.5. KLEINER. Para ele, a questão
a tratar não é sobre a igualdade ou desigualdade da santidade dos religiosos e a de todos os outros cristãos,
mas se o lugar de falar da Vida Religiosa é próprio neste capítulo sobre a vocação à santidade ou em outro
diferente, porque agora aparece como um tratado de teologia ascética, como um apêndice. Por isto, pensa
que o modo de apresentar o tema dos conselhos evangélicos no capítulo é completamente insuficiente e
restritivo; e, de outro lado, deve se tratar do estado religioso de uma maneira mais concreta e adequada.
Para ele é necessário falar dos religiosos não separados da Igreja, mas mostrando as suas profundas raízes
teológicas e eclesiológicas. Neste contexto e no final de sua exposição fala cios carismas em relação com os
fundadores.
Dos grandes tesouros que o nosso Senhor confiou à sua Igreja, cada um dos fundadores recebeu um dom
especial ou carisma que plasmou institucionalmente na sua família religiosa que, desta maneira, o faz_
perdurar. Os diferentes ofícios que a Igreja tem de adorar, evangelizar, etc. encontram em cada Instituto
a sua expressão peculiar, ainda que não exclusiva, assim a face da Igreja resplandece de maneiras diversas
nos diferentes Institutos religiosos. Os Institutos são a mesma Igreja que age neles segundo aquele dom
particular.
Nesta contribuição de KLEINER, encontramos os elementos fundamentais e constitutivos dos carismas e a
sua relação com a Vida Religiosa. A Vida Religiosa nasce na Igreja como um dom que Deus lhe dá através
de algumas pessoas, os fundadores, os quais recebem um carisma especial, que se faz vida da Igreja nas
diferentes famílias religiosas. ( cf. AS, II (IV), 231-233).
Outros Padres que falaram neste sentido foram: SILVA, DÖFNER, DESCHÂTELETS, SCHWEIGER. etc. Mas o
documento que teve mais força para fazer um capítulo especial para os religiosos foi aquele assinado por
679 Padres, os quais pediam expressamente tal capítulo especial. A decisão final foi tomada pelo próprio
concílio em uma votação para esta finalidade que teve o seguinte resultado: Padres votantes: 2.177; placet:
1.856; non placet: 698; placet iuxta modum: 4; suffragia nulla: 3. (cf. AS. Ill (111), 140.
Apesar disto, e aqui entramos em um outro aspecto muito interessante
do Concílio, a realidade carismática da Igreja, não aparece no Concílio somente
mediante o uso da palavra “carisma” mas também com as palavras “dom” e “graça”.
Denominamos esta realidade como “campos semânticos”. Em várias ocasiões,
traduzem ou fazem referência a textos bíblicos, sobretudo de São Paulo, nos
quais se fala expressamente dos carismas nas primeiras comunidades cristãs.
O cardeal BEA, pelo contrário, lembra que a Vida Religiosa deve ser vista
no contexto da Igreja. O Decreto “Perfectae Caritatis” faz parte de todo o processo
de renovação que está acontecendo na Igreja. A renovação da Vida Religiosa não
deve centralizar-se somente no aspecto jurídico mas deve também atingir os seus
princípios fundamentais. Um dos quais é a sua realidade carismática. Considera
a Vida Religiosa como um dom carismático do Espírito à igreja tomando como
exemplo a vida da Igreja primitiva (1 Cor 12). Como o Espírito Santo distribuía
os seus carismas na Igreja primitiva, continuou a fazê-lo ao longo da história até
nossos dias. Assim, os fundadores são pessoas que receberam carismas especiais,
que transmitiram a outros, dando origem às diferentes e múltiplas Ordens e
Congregações, por meios das quais os carismas permanecem na Igreja.
Esta forma de vida existe na Igreja desde o seu início. Atrás do impulso do
Espírito, muitos fundadores e fundadoras deram origem às famílias religiosas, as
quais continuam a estar presentes na Igreja depois de serem por ela aprovadas.
Todo este trabalho e impulso dado pelo Concílio promoveu nos Institutos
uma renovação em todos os níveis, entre os quais emerge a reflexão teológica,
que retomando as linhas traçadas pelo Concílio realizou um notável esforço.
Se o Concílio não usa a palavra “carisma” para definir a Vida Religiosa tem
presente o seu significado e atualmente esta expressão faz parte da linguagem
comum da teologia.
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c. Elementos essenciais para uma teologia dos carismas da Vida Religiosa
RESUMO: São muitas as análises sócio-culturais da vida religiosa. A partir de números, cujo valor
está no indicativo que na precisão da atualidade, vai-se discorrendo sobre o significado desta imensa
força moral da vida consagrada, mesmo que em aparência os números sejam “pouco” expressivos no
conjunto da vida da Igreja. Pessimismos, questões de crise, mudanças de valores e comportamentos?
Na verdade, é o Senhor o dador de vocações e a Ele interessa a qualidade da VC, nesta mudança de
tempos, onde é necessário ver a Vida Consagrada do mesmo modo... de antigamente. Inclusive é útil
recordar que esta nem é a maior transformação na VC, na história da Igreja. Os novos passos dados
“após a crise”– redescoberta da missa, refundação dos institutos – são na verdade ações criativas do
Espírito, que pedem compromissos mais profunda, que evidencia o significado real da VC.
ABSTRACT: There is a lot of social cultural analysis related to religious life. According to numbers, its
valor states that in the present precision; bring up the meaning of this enormous moral strength of
consecrated life, even though the numbers are “less” expressive in the group of church life. Pessimism,
crisis questions, goodness changes and behaviors? In fact, the Lord is the vocation giver and He
is interested about the consecrated life (CL), in this time of change, where it’s necessary to see the
Consecrated Life in the same way… previously. Inclusive it’s useful to remember that this is not even
the biggest change in CL, in the history of church. The new steps given “after crisis”-mass rediscovery,
re-foundation of the institutes-are Spirit creative actions, which require deep commitment, evidencing
the real meaning of CL.
KEYWORDS: Consecrated Life. Crisis; Numbers. Deinstitutionalization. Spiritually rebirth. New ways
of LC.
Tudo isto deu lugar a uma crise de identidade: o que significava ser
religioso nas novas circunstâncias, valia a pena continuar em frente? O efeito foi
extraordinário: desencadeou-se o estudo do próprio carisma e das fontes, da figura
do Fundador etc... Começou um esforço imenso e enormemente enriquecedor.
Ora, este «estar» dos consagrados no meio das pessoas, tinha uma razão
de ser: a missão. Os carismas são dons do Espírito para a construção do Povo de
Deus, minha vocação é um dom que Deus faz aos outros através de mim. Tudo
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isso levou a focalizar a missão, a reformulá-la. Nós somos para os outros, estamos
em missão: fomos chamados para ser consagrados, para ser enviados. Estamos
entre 1974 e 1980 (os anos da EN 1975, do MR 1978 e do RPH 1980).
Na primeira metade dos anos 90, temos vivido mais ou menos intensamente
algo que poderíamos chamar “o Sínodo e seus arredores”. Um período que foi
dos [mais de 1991, quando o Papa anunciou o tema do Sínodo sobre a VC, até
a primavera de 1996, com a publicação da Exortação Apostólica Pós-sinodal
“Vita Consecrata”, e cujo momento central foi a celebração desta Assembléia, em
b) Chegados neste ponto, o quê podemos dizer sobre o futuro da VC? Quê
características aparecem na VC que está surgindo em volta de nós, e em nós mesmos?
Conclusão
Tudo o que dissemos até agora nos conduz a ler a realidade atual da VC,
não de maneira alarmista, e também não ingênua, mas providencialista. Antes de
mais, temos que agradecer pelo seu crescimento e expansão em tantos lugares
e, no que diz respeito à situação crítica em não poucos Institutos ou partes dos
mesmos, atualmente, não devemos vê-Ia como efeito de uma espécie de castigo
divino (como poderíamos dizer tal coisa, quando tem havido e há ainda tanta
entrega e tanta fidelidade?), mas como a passagem contínua, embora talvez
surpreendente e criativa, de Deus na história da humanidade. No mais, o futuro
da VC não depende do número de consagrados nem do prestígio ou da eficácia
humana das suas obras e instituições, dos cargos ocupados pelos consagrados na
Igreja ou na sociedade, etc.; mas da sua atenção e acolhida, alegre e disponível, da
voz do Espírito. Nunca devemos esquecer que o Espírito é a nossa força:
Aquele que nos fez nascer na Igreja, para a Igreja e para o mundo; mas é
Ele, também, quem nos faz entrar em crise, ou até decreta, se for preciso, a nossa
morte, se nos tornarmos servos que não sabem explorar os dons recebidos no
momento e da maneira devidos (cf. Mt 25,24-30; Lc 19,20-36). Poderíamos citar
aqui uma famosa frase de Georges Bernanos: “O Evangelho é jovem, vocês é que
são velhos!”.
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Artigos
MISTICA E PROFECIA UM ESTILO DE
VIDA E “NOVOS AREÓPAGOS”
Ciro Garcia, ocd *
RESUMO: Mística e profecia constituem uma descoberta gozosa das fontes da salvação para a da
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vida consagrada. Elas são uma experiência baseada na fé, que se alimenta visceralmente de Deus. Os
religiosos são chamados a recriar o carisma místico-profético na Igreja, através da experiência viva,
concreta de Deus e sua Palavra, numa espiritualidade contemporânea, que assinala a urgência desse
testemunho, sobretudo em novos areópagos que aparecem para e na vida consagrada. O inseparável
binômio se torna testemunho porque importa no seguimento afirmativo de Jesus, o apaixonado por
Deus e pela humanidade. A mística aponta para alguns areópagos concretos (vivencia pessoal da
fé, escuta da Palavra, experiência de Deus), enquanto a profecia se faz em outro estilo ( desde de uma
situação de exílio, capaz de criar comunhão, humanizar, descobrir a sabedoria dos pequenos sinais). E
por consequência a VC se torna uma canção de almas enamoradas do Senhor.
ABSTRACT: Mystic and prophecy, a non-separable binomial of the consecrated life (CL) constitute
a joyful discovery of the sources of the salvation. They are an experience based on the faith, which
viscerally itself of God. The religious ones are required to recreate the mystic-predictive charisma in
the Church, through the alive experience, certain of God and his Word, in a contemporary spirituality,
which designates the urgency of this certification, over all in new areopagus that appear for and in
the consecrated life. The Non-separable binomial becomes a testimonial because it matters in the
affirmative pursuit of Jesus, the passionate one for God and humanity. The mystic indicates to some
sure aeropagus (personal existence of the faith, listening of the Word, God’s experience), while the
prophecy is made in another style (ever since a exile situation, capable to create communion, in order
to humanize, to discover the wisdom of small signals). The consequence is that the CL becomes a song
of the Lord’s enamored souls.
KEYWORDS: Mystic. Prophecy. Experience of God. Listening of the Word. Consecration humanization.
Areopagus.
O maior dom, o presente mais precioso que o Senhor pode dar à vida
consagrada e a cada religioso, é fazer-lhes provar (fazer gostar) essa fonte secreta
de água viva -»coisa tão bonita que o céu e a terra bebem dela»-, beber e cantar
seu rico caudal - «caudalosas correntes que regam infernos, céus e gentes» - e
saciar a sede das criaturas - «as criaturas que aqui são chamadas e fartam desta
água, embora no escuro». Foi isto que aconteceu na vida de Frei João da Cruz,
místico, cantor e profeta, que se delicia ao conhecer os mistérios da fé (fonte),
que irrompem na história como um torrente (Cristo) e inundam toda a vida (céu e
terra). Esta irrupção é como a dos rios abertos no deserto anunciados pelo profeta
(cf. Is 43,19), que fazem a reverdejar a terra e dão frutos abundantes (cf. Ez 47, 8-9).
A experiência mística, qualquer que seja sua expressão, parece ter como
principal objetivo a busca de uma união que rompe os limites do Eu e, assim,
mergulha em uma realidade vivida como plenificante, que é a união mística.
Experiência mística é essencialmente pati divini, isto é, experiri a presença de Deus
e “sofrer”, “sentir” acolher sua ação transformadora em nós; é portanto, vínculo,
relação, «olhar amoroso», contato amoroso com uma realidade imensamente
valorizada e concebida como o centro secreto mais íntimo da existência e como
fonte permanente da mesma, que faz o mísitico exclamar: «Oh chama de amor
viva / que com ternura feres / minha alma no centro mais profundo!» (São João
Cruz, Llama de amor viva).
2 Ruah (feminino) faz o ser humano tornar-se participante da realidade de Deus e tende à união com Ele.
Dabar (masculino) estabelece o diálogo entre Deus e os seres humanos, respeitando a distância. Daqui pro-
vém a seguinte articulação entre mística e profecia, segundo Carlos Domínguez: “mística e profecia, espírito
que une e palavra que assume a distância, aparecem como dois modos básicos que têm necessariamente
de articular-se para configurar a identidade religiosa, tanto como uma a identidade de relação, como de
uma ‘religação’ em comunhão (espírito) e diálogo (palavra) entre o humano e o divino. Nesse encontro e
religação, Ruah que não desemboca em Dabar, a mística que não incorpora a dimensão profética, facilmen-
te deriva em pura subjetividade, numa dinâmica de regressão, em puro extravío… “Por sua vez, Dabar, a
palavra profética como palavra ouvida e transmitidos, dificilmente poderia chegar a estabelecer-se de modo
autentico se não está fortificada pela Ruah, o espírito que impulsiona e olha para o encontro e a união”. CAR-
LOS DOMÍNGUEZ MORANO. Místicos y profetas: dos entidades religiosas, 48 Proyección 48 (2001) p. 357.
A experiência mística vai além do conhecimento conceitual; não se
aprende lendo ou pensando, mas vivendo e sentindo. São João dla Cruz fala do
“saber por experiência” frente ao “saber por ciencia” (Cântico espiritual, Pról. 3).
Sua realidade fundante é a experiência amorosa de Deus, a quem João da Cruz
chamada “mãe nutritiva”3. A primeira preocupação de uma mãe para com o filho
são “necessidades”, não seus “deveres”. Perante este Deus do amor, a única resposta
sadia e madura é aprender a amar a deixar-se amar e deixar-se curar as feridas.
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1.2. A experiência profética
Minha experiência tem sido profundamente marcada por estes dois pólos:
o da volta às fontes da revelação e o da abertura às necessidades do mundo
contemporâneo, com suas situações de pobreza, marginalização, violência
6 Permita-se-nos referirnos aos nossos próprios estudos, onde o leitor encontrará documentação abundante:
CIRO GAECIA, Corrientes nuevas de teologia espiritual, Studium, Madrid, 1971; ID.,Teologia espiritual
contemporânea. Corrientes y perspectivas. Editoroal Monte Carmelo, Burgos, 2002; ID., La mística do
Carmelo, Editorial Monte Carmelo Burgos 2002; ID., Mística, mistério y teologia, Leccion inaugural do ano
lectivo 2003-2004 Faculdade de Teologia do Norte de Espanha, Burgos 2003; ID., Mística no diálogo. Congreso
Internacional de Mistica. Seleción y síntesis, Editorial Monte Carmelo Burgos 2004.
e injustiça. O elo ou o laço de união entre estes dois pólos tem sido minha
preocupação com mística e especificamente, a mística carmelitana. Isso me deu a
síntese vital-existencial da minha teologia e minha consagração religiosa e aviva
em mim uma renovada consciência das situações descrença (primeiro mundo) e
pobreza (terceiro mundo).
1ª. Vida cristã e, em particular, a vida consagrada, não podem ser vividas
à margem da situação contemporanea que atinge hoje a fé e espiritualidade
em geral; igualmente é preciso conhecer para responder profeticamente tanto
42 aos desejos e perguntas mais profundos do ser humano quanto às situações
dramáticas da pobreza e a marginalização.
Quero começar esta seção com um texto de Albert Nolan, que fala da
vida consagrada como testemunho profético: “a vida consagrada não é apenas
um modo de vida que dá testemunho da realidade de Deus..., senão também
uma maneira de viver que contradiz os valores do mundo, os valores da maior
parte da nossa sociedade. É um testemunho profético, porque denuncia, como
fazem todos os profetas…, porque se atreve a enfrentar os valores do mundo
que a maioria das pessoas dão como certos. É profético porque quer superar a
cultura do sexo, a cultura do dinheiro e a cultura do individualismo. “Desta forma,
atesta que um outro mundo é possível, que há uma alternativa, que é possível um
mundo de amor e justiça, paz e felicidade” (p. 139).
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Não existe consagração sem missão. A vida consagrada é para a missão. A
consagração mesma, vivida como entrega a Deus, como o amor a Jesus e como
um serviço para o povo de Deus, já é uma missão: a missão por excelência de
anunciar Cristo, de torná-lo presente, reproduzindo as características existenciais
de sua vida por conselhos evangélicos (cf. VC 72-75). Esta é a dimensão profética
da vida consagrada.
9 CONGRESO INTERNACIONAL DE LA VIDA CONSAGRADA, Pasión por Cristo, pasión por la humanidad,
Publicaciones Claretianas, Madrid 2005.O Congresso deu origem a vários comentários: JOSEPH CHALMERS,
Pasión por Cristo, pasión por la humanidad, Vida Religiosa 98 (2005) 274-280; GABINO URIBARRI, El encanto de
una pasión escatológico. Glosa a las “conclusiones” del Congreso, Cf. 44 (2005) 387-399; ID., La vida consagrada
mira al futuro, Rozón y Fe 251 (2005) 59-75. Nós fazemos eco deste último.
ecumênico e inter-religioso (nn. 100-103). Estes areópagos mantêm toda sua
atualidade e podemos dizer que eles são mais urgentes do que nunca. Mas para
sejam realmente uma presença evangelizadora, são chamados a revestir-se de
uma força profética capaz de tornar sua missão realmente significativo.
a) A vivencia pessoal de fé
Parece algo evidente e que nós normalmente damos por óbvio, porém,
convém não nos esquecermos. A vida consagrada se origina e se alimenta da fé.
O centro é Jesus Cristo, vivo e dela se alimenta, que a envia generosamente em
missão para um mundo que têm sede de espiritualidade, que a enche de seu
Espírito, para que seja um hino de louvor a Deus e Pai de todas as criaturas e
expressão de sua compaixão. Uma vez mais há que se dizer: a fecundidade e a
alegria de nossa vida passa mpela familiaridade com Deus, pelo encontro com
Cristo, a experiência mística da fé.
b) A escuta da Palavra
Hoje se fala de uma experiência mística “em meio à vida”12. Sua base
antropológica é “essa experiência fundamental de uma atração para Deus” que
existe em cada homem, em cada mulher, e que K.. Rahner chama “existencial-
sobrenatural”13. Do ponto de vista histórico-existencial, a pessoa humana está
constitutivamente aberta para o trascendencia.
15 . “A experiência subsistente em Deus não é uma experiência à margem da vida cotidiana..., mas é a maneira
de viver como um todo a condição divina em que o homem subsiste” (X. ZUBIRI, El hombre y Dios, Fax, Ma-
drid, 1984, p. 333).
16 SANTIAGO DEL CURA ELENA. A tiempo y al destiempo. Elogio del Dios (in)tempestivo. Faculdad de Teologia
del Norte de España, Burgos, 2001.
Não teremos futuro nem como congregação nem como Igreja se não
houver um cultivo da experiência de Deus. Precisamos de pessoas com experiência
interna de Deus, homens e mulheres de espírito que possan responder à pergunta
que João da Cruz continua a fazer todos nós: «Dizei se por vós existe passado».
João Paulo II, fazendo eco a essas palavras, afirmou em sua Encíclica 49
Redemptoris Missio: “O homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas do
que nos mestres; crê mais na experiência que na doutrina, na vida e nos fatos do
que nas teorias. O testemunho da vida cristã é a primeira e insubstituível forma de
missão: Cristo, de cuja missão todos nós somos continuadores, é a “Testemunha»
por excelência e o modelo do testemunho cristão. O Espírito Santo acompanha
o caminho da Igreja e a associa ao testemunho que ele dá de Cristo. “A primeira
forma de testemunho é a vida do missionário” (RM 42).
Vivemos em uma época em que alguns comparam com o exílio. Tal como
Israel que se encontrava despojado de todas as suas seguranças (o templo, lugar
da presença de Deus), também na vida consagrada, especialmente no Ocidente,
perdemos muitos pontos de segurança, perda que abriu caminho à busca. O exílio
é também uma experiência espiritual: «saí atrás de tí gritando e tu te tinhas ido»
(Joâo da Cruz); uma ocasião para retonar o caminho da consagração e da missão
com renovada esperança.
Nesta linha, uma das grandes chamadas da vida religiosa é saber escutar.
Escutar Deus, escutar sua Palavra. Mas também escutar o mundo, a sociedade,
escutar especialmente os pobres, com suas tristezas e alegrias, com suas condições
de vida e a sua dignidade. Escutar dentro da Igreja: escutar os bispos, escutar
os leigos de quem tanto falamos, escutar os sacerdotes diocesanos. Escutar em
nossas comunidades, escutar os jovens e os de outras gerações, àqueles que
pensam de forma diferente. A escuta supõe receptividade e humildade, paciência
e hospitalidade, generosidade de coração para deixar-se habitar pelo outro. Neste
sentido, mantém toda a sua validade a Encíclica Ecclesiam suam de Paulo VI (1964),
que nos oferece toda uma teologia de escuta e de diálogo como exigencia de
renovação.
17 Cf. PHILIP L.WICKERI, Mision from the margins. The Missio Dei in the crisis of Word Christianity, International
Review of Mission 93 (2004) 182-198.
18 Cf. AMELIA BELTRÁN, Radicalidad y tolerancia en la vida religiosa feminina, Pastoral Misionera 192 (1994) 20-24
19 Cf. AA. VV., ¿Donde está Dios? Un clamor en la noche oscura, Concilium 242 (1992) 571-697.
Num mundo desconjuntado e que anseia por um lar, por comunhão,
fraternidade, a vida consagrada pode oferecer um magnífico sinal evangélico.
Daqui surge, com força, uma identidade que se constitui fortemente como
”ser-com”: ser com Jesus Cristo, ser com a Igreja, ser com os companheirosde
comunidade e de congregação, ser com os pobres. Ser sinal de comunhão é um
dos desafio evangelizadores que coloca o Novo Millennio Ineunte (n. 43).
c) Humanizar
51
sob a capa do bem: o «Eu» como centro de definição dos fins últimos sob o ideal
de auto-realização.
Ele nos convida a um passo menor, mas real; um sinal humilde, mas
expressivo. Os milagres são sinais do Reino. Jesus não organizou uma espécie
de «Seguridade Social» para toda a Palestina, mas manifestou através de alguns
sinais eloquentes que o Reio de Deus estava chegando através de sua pessoa.
A salvação de Deus ir rompia através da vitória de Jesus sobre Satanás, sobre a
doença e morte, como manifestações concomitantes do afastamento de Deus e
a ausência da salvação.
53
• Experiência festiva: alegria interior e abertura para o outro
Mística e Profecia
54 Perguntas
1. Crês que a mística e a profecia são uma realidade essencial da vida
consagrada? Como se concretiza na situação cultural e religiosa em
que vives?
2. Em que medida a mística e a profecia são uma urgência eclesial que
interpela à vida consagrada? Como valorizas esta necessidade urgente
dentro da Igreja particular a que tenhas sido enviado?
3. Quais são, em tua opinião, os novos areópagos da mística e da profecia
tendo em conta, por um lado, a situação da vida religiosa em tua região
e, por outro lado ,o carisma de teu Instituto? Assinale uma ordem ou
congregação de tua preferência.
4. Quais são os sinais que definem hoje o místico-profeta e com que
figuras os identificas?
Bibliografía geral
Aa. Vv., Profetismo, en Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. VII, Edizioni
Paoloine, Roma 1983, 972-993; Enzo Bianchi, La vida religiosa, ¿signo profético creíble?
Confer 40 (2001) 43-56; Jesús Castellano Cervera, Esigenze odierne di spiritualità:
memoria e profezia, en Aa. Vv., Impegni e testimonianza di spiritualità alla luce della
lettera apostolica “Novo millennio ineunte”, Teresianum, Roma 2001, p. 75-197;
Carlos Domínguez Morano, Místicos y profetas: dos entidades religiosas, Proyección
20 “Andar dentro e fora do partido é trazer a alegria do grande Deus, como um canto novo, envolvido em
alegria e amor” (Llamade amor viva 2.26).
48 (2001) 339-366; José María Arnáiz, Místicos y profetas. Necesarios e inseparables
hoy, PPC, Madrid 2004; José María González Ruiz, Profetismo, en Nuevo Diccionario
de Pastoral, San Pablo, Madrid 2002, p. 1208-1214; José Luis Barriocanal, Diccionario
del profetismo bíblico, Monte Carmelo, Burgos, 2004, p. 558-590 (“Profetismo/
profetas, hoy”); Mons. Jesús Sanz Montes, Mística y profecía. El hilo de Ariadna de
nuestra fidelidad (Editorial), Tabor 3 (2007) 8-11; José Cristo Rey García Paredes,
Profecía cultural de la vida religiosa hoy. Nuevos caminos, fuentes y oportunidades,
Vida Religiosa 102 (2007) 222-234; A. Arvalli, Vita religiosa come profezia? Le
lacrime di una difficile transizione imcompiuta, Credere Oggi 27 (2007) 131-144;
Aa. Vv., Palabra y profecía, Vida Religiosa 104 (2008) 85-160 (“Profecía y mística en
una sociedad secularizada”, p. 149-160); Jesús Álvarez Gómez, El profetismo de los
fundadores y el ministerio profético de sus discípulos, Vida Religiosa 106 (2009) 469-
479; Mª Carmen Mariñas, La Consagración contemplativa desde una mística de “ojos
abiertos”, Vida Religiosa 107 (2009) 375-379; Albert Nolan, Esperanza en una época
de desesperanza, Sal Terrae, Santander 2008 (original inglés: Hope in an Age of
Despair, Orbis Books, 2007); destacamos algunos capítulos (“Teología de carácter
profético”, p. 99-111; “El espíritu de los profetas”, p. 113-124; “La vida consagrada
como un testimonio profético”, p. 139-147).
55
Bibliografía específica
56
Artigos
O PAI QUE NOSSA SOCIEDADE
PRECISA UMA LEITURA PSICO-
SOCIOLÓGICA DA FIGURA PATERNA
57
RESUMO: A metáfora, de que se utiliza este texto, propõe – partindo de análises sociológico e
psicológica da figura do “pai”, quer chegar a uma profunda compreensão da paternidade de Deus na
vida consagrada. Desde o iluminismo a figura do “pai” vem sendo – programaticamente -eclipsada.
E isto traz um grave problema, não só psicossocial, mas muito mais que isto, para a constituição e
equilíbrio sadio nas relações humano afetivas. Daí deriva um posicionamento “doentio” também
em relação à figura de Deus, com implicações para vida dos consagrados. È fundamental para a
maturidade humana e espiritual dos homens e mulheres a figura paternal, especialmente a de Deus.
PALAVRAS CHAVE: Paternidade. Figura do “pai”. “Auctoritas”. Pai nutritício. Matar o pai.
ABSTRACT: The metaphor, which is used in this text, proposes-from a sociologic and psychological
analysis of the “father”, wishes to achieve a deep comprehension of God’s paternity into Consecrated
Life. Ever since illuminism, the figure of the “father” has been-programmatically-eclipsed. This brings
up a very serious problem, not only psychosocial, much more than that, for the constitution and
healthy balance related to affective human relation. It also derives a “sick” positioning regarding
to God’s figure, with implications to the Consecrated Life. It’s essential to human maturity as well as
spiritual of men and women the paternal figure, especially God’s.
KEYWORDS: Paternity. “Father’s” figure. “Auctorial”. Nutritious father. Kill the father.
1.4 - Evidentemente não se nasce pai, chega-se a sê-lo com o viver e por
meio do viver. Chega-se a sê-lo quando se é capaz de compreender o Outro
superando as estreitezas nas quais o Eu inevitavelmente se encerra. Os filhos são
fisiologicamente os portadores do Eu; os verdadeiros pais superam a construção
defensiva e vivem para os filhos construindo as condições de seu futuro.
2.1 - Por que em tantas pessoas se produz uma rejeição um tanto visceral
da figura paterna? Por que o pai-mãe de nossas origens é ao mesmo tempo para
muitos o adversário a combater, a contraparte da qual emancipar-se e fugir? Por
que o filho mais jovem da parábola evangélica quer ir para longe da casa paterna
e do pai?
As razões do filho pródigo para sair de casa são as mesmas pelas quais se
cunhou a expressão “matar o pai”. Esta expressão denota o impulso que existe em
nós de pedir contas e razões a quem pensamos que em certo modo está acima de
nós a respeito do que nos concerne, para sermos finalmente senhores padrões de
nós mesmos e de nosso destino e assim fazer de nós “o que nos dá na telha”. Mas
para isto é preciso de algum modo apagar a figura do pai, fazer como se nunca
tivesse existido e em certa maneira, suprimi-Io.
E como este tipo de Eu não pode subsistir por si mesmo e não chegará
muito longe sozinho, os pais e outras figuras parentais começam muito cedo a
“domesticá-lo” e “programá-lo”: o Eu é “educado e “socializado” por um “tu” com
tantos nomes: cultura, tradição, religião, norma, lei etc. Para Freud seria o Superego
2.5 - A conclusão á qual podemos chegar é que este tipo de pai todos
o levamos dentro de nós. Será “positivo” quando seja fonte de carícias e ensine
bem. O pai positivo faz com suas carícias e reconhecimentos que se grave um
Pai também positivo. Transmite tradições e valores aceitáveis, sem preconceitos.
Educa, nutre e ensina a educar e nutrir. Brinca com a criança e não a traumatiza.
Não é para a criança um “bicho-papão” ou uma “bruxa”. Não programa em excesso
a criança reprimindo-a.
O pai “negativo” ou “ prejudicial” é fonte de carícias negativas ou de
preconceitos e idéias que não são objetivas e portanto são prejudiciais. Por exemplo,
o pai-lei em excesso. Opressor em sua normatividade, cheio de preconceitos,
talvez. Excessivamente sério, rígido, ordenado, pouco flexível, não muda em
nada. A cultura, a lei, a norma se torna um absoluto, um meio para dominar. O pai
nutritício que excede os limites e faz da criança uma objeto de atenção tão prolixa
que molesta e um cuidado tão excessivo que impede de crescer. Trata-se de um
pai “paternalista”, não “paternal”. O pai dominante, exagerado, duro, frio, até cruel é
muito prejudicial. E o pai real que não pode com seus problemas e !”domestica o
filho” para a sua destruição. Assim como há pais (e fundadores/as) que criam filhos
para que continuem com o melhor deles mesmos (uma magnífica paternidade!)
existem’ outros que “marcam” seus filhos com sua desgraça e falta de esperança
fazendo deles neuróticos ou “perdedores”. O pai incompleto, finalmente, pode ser
muito prejudicial. Quando pela ausência real de pais ou quem lhes faça às vezes,
a criança não grava em si um pai suficiente, sua personalidade fica incompleta.
Falta-lhe todo acúmulo de aspectos bons do “pai”. Esta ausência do “pai” deixa o
sujeito entregue aos caprichos de sua “criança” e não favorece o “adulto” com sãos
costumes e hábitos.
64 As gravações de um pai que nos nutriu, protegeu, ajudou e educou
convenientemente ao longo de toda nossa infância e que constituem nosso pai
nutritício são de inestimável valor para aqueles que assumem uma vocação de
serviço como a nossa. O exemplo de Cristo e dos fundadores está bem claro. Desde
o Pai Nosso, princípio de amor, cuidado e paternidade até Cristo, Bom Pastor, a
paternidade é uma característica essencial. Ainda que a mãe pudesse esquecer
do filho de suas entranhas, Deus não (ls 59,15). Maria soma-se à Paternidade
de Deus a partir de sua Maternidade. São Paulo nos dá exemplo sublime desta
paternidade nutritícia: « ... meus filhinhos que, na dor, eu dou à luz novamente, até
que Cristo seja formado em vós» ( GI 4,19); “Quanto a mim, de bom grado gastarei
e me desgastarei a mim mesmo todo inteiro por vós” (2Cr 12,15).
RESUMO: Em meio a tantos comentários históricos sobre as atitudes da Igreja dos tempos da Colônia
67
e Império do Brasil, há um certo consenso tácito de que nem ela, nem as congregações religiosas ou os
religiosos pessoalmente, nada fizeram. O texto recorda que a Igreja estava subordinada ao governo
português e que dele dependia. Todavia, diversas vozes, localizadas e/ou individualizadas se ergueram
quer pela compreensão do “pecado vivo” contra os negros, quer como atitudes libertárias em favor
deles – com decorrentes conseqüências. A pesquisa consegue identificar nomes e situações em que
religiosos, mesmo que a modo de profetas menores, tenham compreendido a enorme desumanidade
a que foram submetidas tantas pessoas.
ABSTRACT: Among many historical comments about the attitudes of the Church of the Brazil Colonial
and Imperial Age, there are certain tacit consensuses that haven’t done anything and neither the
religious congregations nor religious personally. The text reminds that the Church was subordinated
to the Portuguese government as well depended on it. However, various voices placed and or
individualized rose for the understanding of the “alive sin” against black people, with libertarian
attitudes on their favor-with deriving consequences. The research can identify names and situations
in which religious, even so in a minor prophet way, have understood the enormous inhumanity that
many people were submitted.
O jornalista José Júlio Chiavenato afirma: “A Igreja, no Brasil, era aliada fiel
dos senhores. E entre os padres encontravam-se alguns dos mais cruéis proprietários
de escravos. A crônica das crueldades é rica em sacerdotes sádicos”.4
Não obstante, houve algumas vozes que tiveram coragem de reagir contra
o regime escravocrata vigente no Brasil. 6
Pe. Gonçalo teve a mesma posição do Pe. Miguel Garcia. Foi taxado como
“inquieto” por causa de suas posições. Já em Lisboa, em 20 de junho de 1586
escrevia ao seu Padre Geral:
71
“Em 1745, Frei André da Piedade luta pela libertação dos escravos nas casas
e fazendas dos colonizadores brancos”.15
Frei José Barbarola (ou Frei José de Bolonha) foi um missionário capuchinho
italiano que viveu na Bahia de 1779 a 1794.
O Arcebispo desta diocese, levado daquela vigilância que sempre mostra em atalhar
qualquer doutrina em matéria espiritual que possa perturbar a tranquilidade e
sossego desta Capitania, ou opor-se às leis e ordens de Sua Majestade, me fez saber
que o padre frei José de Bolonha missionário capuchinho italiano tivera o desacordo
e indiscrição de seguir a má opinião a respeito da escravidão, a qual se propagasse e
abraçasse inquietaria contaminando as consciências dos habitantes dessa cidade e
traria para o futuro consequências funestas para a conservação e subsistência desta
colônia.
Depois deste religioso viver neste país perto de 14 anos, com procedimento
exemplar, cumprindo com as obrigações de seu ministério, apesar de algumas
imprudências em que rompia, e de que se abstinha sendo delas advertido pelos seus
superiores, merecendo o conceito de homem misterioso e zeloso pelo seu serviço de
Examinada a origem desta opinião que este padre por tanto tempo não seguira, se
veio no conhecimento de que algumas práticas que tivera com os padres italianos
da Missão de Goa transportados na Nau Belém (para) este porto, e hospedados no
Hospício da Palma deram lugar a que este religioso se capacitasse desta doutrina,
não tanto por malícia e dolo como por falta de maiores talentos e conhecimentos
teológicos, e em razão de uma consciência escrupulosa.
Para que uma doutrina tão perniciosa não se espalhasse, o arcebispo imediatamente
o mandou suspender de confessor, rogando-me o remetesse neste navio que segue
viagem, e que o Mestre não o deixasse saltar para a terra sem ordem positiva de V.
Excia.; e conferindo com o mesmo Arcebispo sobre esta matéria, para se darem mais
providências que parecem acertadas, julguei conveniente chamar à minha presença
73
o reitor dos referidos missionários de Goa, estranhando-lhe vivamente a sua
indiscrição, e mostrando-lhe vivamente que esta matéria era sumamente delicada
e melindrosa, e que ao Príncipe unicamente tocava providência sobre ela, se algum
dia assim o julgasse conveniente, e que finalmente era grande inconsideração e
temeridade, à vista de um prelado tão sábio e doutor, e de todo o clero desta cidade,
suscitar semelhante questão.17
4. SÉCULO XIX
Frei Gregório de José Maria foi acusado de instigar uma revolta de 300
escravos em Vitória do Espírito Santo em 1849. Ele foi expulso para o Amazonas. 20
4.2.1. CARMELITAS
Insistiu [o bispo D. Antônio de Alvarenga] muito também com Fr. Caetano, o conhecido
Carmelita, para fazer o mesmo [dar carta de alforria como o fizera Fr. Manoel Rufino,
o último mercedário no Maranhão], fazendo-lhe ver que, mais cedo ou mais tarde, o
Governo lhe faria perder seus escravos. Era melhor dar-lhes a liberdade, ganhando-lhes
assim o reconhecimento, o que não aconteceria, se fossem libertados por lei. O Frade,
porém, agarrado demais aos bens temporais, respondia-lhe que o governo indenizaria
os senhores. E viu libertos por lei todos os seus cativos. A tal indenização [não] lhe veio,
como [não] lhe veio o reconhecimento dos escravos, os quais logo abandonaram as
fazendas da Ordem, deixando na miséria o Frade, que tinha outrora, na sua pobreza
religiosa possuído fortuna colossal. - Coisas deste mundo!... 25
4.2.2. BENEDITINOS
4.2.3. FRANCISCANOS
5. CONCLUSÃO
APÊNDICE 1
76
Bispos, padres e leigos a favor da abolição
BISPOS 30
CRISTÃOS LEIGOS 33
João Severiano Maciel da Costa
Felisberto Caldeira Brant Pontes
Joaquim Nabuco (inclusive visitou o Papa pedindo apoio para a causa da
abolição)
Perdigão Malheiro34
78 BIBLIOGRAFIA
BOAGA, Emanuele, Caminhada da Evangelização na História, São João del Rei 1999.
33 Informações sobre o que cada um fez e como contestou a escravidão, ver CARVALHO, A Igreja e a escravidão,
150-177.
34 É autor da obra A Escravidão no Brasil - Ensaio Histórico, Jurídico, Social, em 3 volumes publicada em 1867.
HOORNAERT, Eduardo e outros, História da Igreja no Brasil, (=História Geral da
Igreja na América Latina II/1), Vozes, Petrópolis 1992.
MALHEIRO, Perdigão, A Escravidão no Brasil - Ensaio Histórico, Jurídico, Social, vol. III,
(=Dimensões do Brasil 3, 1ª ed. 1867), 3ª ed., Vozes-MEC, Petrópolis-Brasília 1976.
79
NASCIMENTO, Abdias DO, O quilombismo, Vozes, Petrópolis 1980.
PRAT, André, Notas históricas sobre as missões carmelitas no extremo Norte do Brasil
(Século XVII-XVIII), Recife 1941.
PRIMERIO, Pe. Fr. Fidélis M. DE, Capuchinhos em Terras de Santa Cruz, nos séculos
XVII, XVIII e XIX, Livraria Martins, São Paulo 1942.
RESUMO: O estudo se propõe a levantar desafios e perspectivas éticas para uma sociedade em mudança.
Por isto, se estabelecem princípios norteadores da pesquisa desde uma visão personalista, comunitária
e solidária, onde se deve acolher a hodierna consciência do indivíduo que sabe de ser o ineludível ponto
81
de partida para toda ulterior determinação. Isto supõe partir de uma base moral fundamentada nas
Escrituras Sagradas, na sua variedade de graças – superando os fundamentalismos – para o alegre
encontro com a mensagem de Jesus, sem esquecer o significativo dos sacramentos cristãos. A partir
daí são propostas duas situações de moral especial. Em primeiro lugar a bioética , suas conquistas e
significados éticos. Em seguida, questões referentes à qualidade de vida e o cuidado pelo meio ambiente,
envolvendo diversas e complexas situações, sobretudo, decorrentes da globalização e disfunção da
economia. Conclui-se com um ato de esperança de que o amor é capaz de, mesmo na grande paciência,
descobrir em Deus a fonte de uma energia vivificadora.
PALAVRAS CHAVE: Teologia moral. Biogenética. Ciência. Homem. Avaliação moral. Eutanásia. Meio
ambiente. Impacto ecológico. Mercado. Capital. Amor.
ABSTRACT: The study proposes to bring up challenges and ethic perspectives for a society in change.
Because of this, guiding principles of research are established from a personalist point of view, community
and solidarity, where it should receive the hodiernal consequence of the individual who knows how to be
the unavoidable starting point for all the ulterior determination.
It supposes to get started from a moral fundamental basis in Holly Scriptures, in its variety of graces-
overcoming the fundamentalism-for the happy meeting with Jesus message, not forgetting the
significant of Christian sacraments. From this point it`s proposed two situations of special moral. First
off the bioethics, its conquers and ethical meanings. Following it, questions related to life quality and
environmental care, involving many and complex situations, mainly, derived from globalization and
economy dysfunction. It`s concluded that with a hope act the love is capable of discover in God the
fountain of a vivifier energy, even in huge patience.
KEY WORDS: Moral Theology. Biogenetics. Science. Men. Moral evaluation. Euthanasia. Environment.
Ecological impact. Market. Capital. Love.
Já há algum tempo ultrapassamos o ano 2000! Não há dúvida que, além de
toda precisão cronológica, o número redondo -2000- traduz como nenhum outro
a nossa consciência de ter ultrapassado um limiar milenário em nosso percurso
histórico. A percepção de viver um tempo novo catalisa todas as experiências que
marcavam com sinal de mudança e transformação esta nossa sociedade. Não se
trata de um fenômeno que tenha nos assaltado de improviso, mas a reflexão ética
o estava assumindo nos últimos decênios. Resulta, porém, significativo poder
fazer esta parada neste ano crucial aberto a um futuro diverso. E é um verdadeiro
privilégio externar esta reflexão exatamente no Brasil que diante do mundo se
apresenta como um país emblemático daquele futuro. Não pretendo lisonjear
o orgulho coletivo do leitor, mas espelhar verdadeiramente uma situação de
fato. Talvez não exista outra nação na qual se colham assim claramente as
possibilidades oferecidas para o futuro juntamente com os riscos que poderiam
frustrar a conquista de uma convivência mais harmônica e favorável a todas as
pessoas deste povo.
é sempre e antes de tudo um ser humano e conserva, em todo caso, a sua dignidade
83
de pessoa; e deve ser considerado e tratado como se convém a tanta dignidade.
Além disto, em cada ser humano, não se apaga nunca a exigência, congênita à sua
natureza, de quebrar os esquemas do erro para abrir-se à consciência da verdade.
(PT 83)
Além disto quem pode negar que naqueles movimentos, na medida em que estejam
de acordo aos ditames da reta razão e se fazem intérpretes das justas aspirações da
pessoa humana, existam elementos positivos e merecedores de aprovação?». (PT 85)
1 F. JAMESON. Il postmoderno, o la teologia culturale del tardo capitalismo. Milano, 1989, 67-73
Em todos os lugares o homem descobre a presença de um chamado ao absoluto
e ao transcendente e ali abre-se para ele uma espiral em direção à dimensão
metafisica do real: na verdade, na beleza, nos valores morais, na pessoa dos outros,
no mesmo ser, em Deus. Um grande desafio que nos espera no fim deste milênio é
aquele de saber realizar a passagem, tão necessário quanto urgente, do fenômeno
ao fundamento (FR 83).
Pode ser que alguém considere idealista uma tal fundamentação, mas não
existe um princípio de crítica social mais exigente que a caridade. E muitas vezes
os realistas que evitam confrontar-se com ele estão admitindo implicitamente a
sua disponibilidade em sacrificar as pessoas quando as circunstâncias requerem.
E isto com uma curiosa coincidência: são sempre os outros que as circunstâncias
pedem de sacrificar, nunca estes personagens, que se sentem ‘justos” porque
sentados no lugar justo.
2 S. S. BASTIANEL – L. DE PINTO. Per uma fondazione bíblica dell’etica: T. GOFFI – G. PIANA (edd.), Corso di
morale. I. Vita nuova in Cristo (morale fondamentale e generale). Brescia 1983, 144
Os sacramentos não são prêmios para “os melhores”, mas graça que Deus
dá com especial eficácia próprio porque ligados a acontecimentos da nossa vida.
Se a ética cristã busca uma formulação, ao invés de normativa, consequencial,
nela encontrarão espaço privilegiado estes sinais. O seu conteúdo pedagógico
não terá somente um valor de preparação, mas constituirá uma síntese referencial
ao longo de todo o arco da existência cristã. Além disto, o seu aspecto celebrativo,
é particularmente indicado para acompanhar a gradualidade do caminho moral
aliviando no cansaço e confirmando no entusiasmo e na generosidade. Nesta
perspectiva, João Paulo II nos recorda que “eles fazem os homens partícipes da
vida divina, assegurando-lhes a energia espiritual necessária para realizar na sua
plena verdade o significado do viver, do sofrer e do morrer. Graças a uma genuína
redescoberta do sentido dos ritos e de sua adequada valorização, as celebrações
litúrgicas, sobretudo aquelas sacramentais, estarão sempre em grau de exprimir
a verdade plena sobre o nascimento, a vida, o sofrimento e a morte ajudando
a viver estas realidades como participação no mistério pascal de Cristo morto e
ressuscitado” (EV 84). Em um povo rico de gestualidade, como é o povo brasileiro,
é preciso cuidar especialmente o seu aspecto festivo. Muitas das dificuldades,
enfim, cessarão, quando diminuir em alguns ministros a atitude de juíz, a mesma
86 que por tanto tempo prejudicou a prática da confissão.
Em favor da vida
7 E.SGRECClA - A.G.SPAGNOLO, Dall’etica professionale alla bioetica: E.SGRECClA - A.G. SPAGNOLO - M.L. DI
PIETRO, Bioetica, Roma 1999, 58
Sobre o aborto não se registra nenhuma mudança na oposição moral a
ele. À luz, porém, dos atuais conhecimentos referentes aos primeiros estágios de
nossa vida não parece evidente que o momento da fecundação coincida com
a origem da pessoa humana. O Magistério evitou, mesmo recentemente, de
pronunciar-se a este respeito.
De resto, tal é o que está em jogo que, sob o perfil da obrigação moral bastaria
somente a probabilidade de encontrar-se diante de uma pessoa para justificar a
mais clara proibição de toda intervenção voltada a suprimir o embrião humano.
Por isto mesmo, além dos debates científicos e das mesmas afirmações filosóficas
nas quais o Magistério não se empenhou expressamente, a Igreja sempre ensinou
e ainda hoje ensina, que ao fruto da geração humana, desde o primeiro momento
de sua existência deve ser garantido o respeito incondicionado que é moralmente
devido ao ser humano na sua totalidade e unidade corporal e espiritual. (EV 60).
Um estudo da Banca Nazionale deI Lavoro nos permite ver com mais
detalhes os certos dados - janeiro de 2000 - sobre a riqueza no mundo. Foi
calculado o Produto interno bruto de 150 países que representam 99,7% do total
da riqueza do mundo. Entre os habitantes mais ricos do mundo - os suíços - e os
mais pobres - os congolenses - a diferença é algo em tomo a 186 vezes. Traduzido
em números: o PIB per capita 2000 na Suíça é de 37.250 dólares contra os 200
dólares de renda a disposição de quem vive no País africano. Mais escandalosa
ainda (com uma relação de um a 21 mil) é a diferença entre os Estados Unidos, o
país mais próspero graças a um PIB complexivo superior a 9 bilhões e 782 milhões
de dólares e a Gâmbia, o Estado mais indigente com apenas 460 milhões de
dólares de PIR Uma distância que se a1argou próprio nos últimos cem anos: em
1900, de fato, a relação era de um a dez.
Esta colocação tem uma exata pertinência para moderar as suas pretensões
no atual processo de globalização. Este consiste na expansão simultânea do
mercado e da técnica até alcançar uma projeção mundial. Grandes empresas,
médias e pequenas situam o seu planejamento em referência a tal horizonte.
Se antes o Estado controlava território e moeda e a empresa não conhecia
outros limites senão aqueles de seu próprio interesse, agora se encontram em
colaboração. Assim pois, se reforçam mutuamente porque a verdadeira riqueza
hoje, mais que na produção, consiste em dominar o intercâmbio.
Aqui se radica o poder do setor informático. Ele fez com que a moeda
perdesse a sua relação direta com a atividade produtiva. O mercado financeiro se
tomou fonte autônoma de valores. Os capitais acorrem “em tempo real” quando a
ocasião é favorável, prontos para a retirada nos momentos de crise. Antes apelam 93
para uma liberdade sem condições para multiplicar os ganhos e, depois, gritam
com força para recuperar os investimentos falidos. O dinamismo que se gerou é
de grande vitalidade. No ano 2000 se prevê um crescimento mundial de 4-4,5%.
Será uma luta árdua e não pode nascer senão de urna paixão profunda e
original. O dever se vê insuficiente a lançá-Ia em direção a metas que remetem
sempre mais além. É preciso uma motivação radical, positiva e unificadora: Pela
vida. Do seu gosto e de sua celebração pode surgir o impulso para promovê-la
incansavelmente.
96
RESUMO: Este artigo trata de um tema específico que é a relação entre judeus e cristãos, numa época
específica que é a Antiguidade Tardia e num lugar específico que é Antioquia. Normalmente a história
do cristianismo e, mais especificamente, da Igreja está vinculado a confronto, intolerância, agressão,
excomunhão, etc. Prevalece a idéia de que a (história da) Igreja é só isso. Na pluralidade do mundo
97
moderno se faz necessário resgatar também os exemplos positivos de coexistência pacífica. Assim é o
exemplo da relação de judeus e cristãos até o início do séc. IV em Antioquia. Infelizmente a coexistência
tornou-se mais tarde confronto abrindo feridas que perduraram ao longo do tempo. Este artigo faz a
contextualização histórica da cidade e dos dois grupos e o desenvolvimento da coexistência pacífica
até o confronto tendo por base sobretudo os discursos de João Crisóstomo contra os judeus entitulados
Adversus Judaeos caracterizados por seu forte caráter retórico.
PALAVRAS CHAVE: Coexistência e confronto religioso. Relação judeu-cristão. João Crisóstomo, História
da Igreja Antiga. Retórica, Antioquia, Patrologia.
ABSTRACT: This article is about a specific subject that is the relation between Jews and Christians, at a
specific time that is the Late Antiquity and in a specific place that is Antioquia. Normally the history of
the Christianity and, more specifically, of the Church is tied the confrontation, intolerance, aggression,
excommunication, etc. It takes advantage the idea that history of the Church is alone in this. In the plurality
of the modern world if it makes necessary to also rescue the positive examples of pacific coexistence. Thus
it is the example of the relation of Jews and Christians until the beginning of IV Century in Antioquia.
Unfortunately the wounded coexistence became later confrontation opened that had lasted throughout
the time. This article over all states the historical contextualization of a city and the two groups as well
as the development of the pacific coexistence until the confrontation based on the speeches of John
Chrysostom against the entitled Jews Adversus Judaeos characterized by its strong rhetorical character.
KEY WORDS: Coexistence and religious confrontation. Relation Jew-Christian, John Chrysostom,
History of the Old. Rhetorical Church. Antioquia. Patrologia
2.1 – Antioquia
2.2 – Os judeus
100 participavam de sua formação e cultura. Duas importantes fontes podem confirmar
muito bem isto: 1) O intercâmbio de cartas entre o sofista Libânio, retórico pagão,
e o patriarca judeu de Tiberíades entre 388-393 d.C. Uma carta trata do filho do
Patriarca que queria melhorar sua capacidade retórica como aluno junto aos
sofistas. Nestas cartas existem vários indícios de que o próprio patriarca pertencia
àquela elite grega urbana, pois ele conhecia muito bem o conteúdo do cânon
de formação clássica e tinha interiorizado as noções de valores nelas expressas
como critérios da própria atuação social e queria igualmente formar também o
seu filho; 2) A segunda, são inscrições dedicatórias dos Mosaicos da Sinagoga na
cidade vizinha Apamea – construída no ano 391 d.C., sob patrocínio de Ilaios e
de seu pai Eisakios, que eram Archisynagogos (chefe da sinagoga) de Antioquia –
que estão escritos em grego. O teor dos textos segue integralmente as habituais
formulações de tais inscrições no espaço urbano do oriente grego daquele tempo.
culmina na expulsão dos judeus da cidade. Mais tarde fora exigido por Tito supressão dos privilégios da
comunidade judaica através da Assembléia popular e Senado (cf. J. HAHN. Gewalt und religiöser Konflikt.
Studien zu den Auseinandersetzungen zwischen Christen, Heiden und Juden im Osten des Römischen
Reiches (von Konstantin bis Theodosius II.) (Klio. Beiträge zur Alten Geschichte. Beihefte. Neue Folge, 8).
Berlin, 2004, 139). Depois até o quarto século nada mais ocorreu. Mas certo é que, como em outros centros
do oriente grego, a comunidade judaica já era outra vez notável – sobretudo após a Constitutio Antoniniana
de 212 d.C. (Ibid, 140).
9 Isto é, a organização interna da comunidade deveria se constituir de três partes: Archisynagogos (Chefe da
Sinagoga), Gerousia (Conselho dos Anciãos) e Gerousiarca (Presidente da Gerousia).
10 A principal sinagoga da cidade situava-se no Kerateion, um bairro judaico onde se encontrava também a
tumba dos irmãos Macabeus. Uma segunda sinagoga situava-se em Dafne, um conhecido centro judaico e
Suburbium da Metrópole (Adv. Iud. Or. 6,12 48/904). O nome popular desta Sinagoga era Matrona (cf. Adv. Iud.
Or. 1,6 48/852). Provavelmente existia ainda outras sinagogas no final do séc. IV.
11 A falta de fontes deixa muitas coisas sem clareza, mas com certeza muitos judeus eram lojistas e artesões.
Eles desempenhavam uma importante (e até mesmo decisiva) função no aspecto econômico, cultural e
social da cidade.
12 Cf. J. HAHN. Gewalt und religiöser Konflikt, 139.
Além disso, dos seis nominados membros da família, cinco apresentam nomes
gregos enquanto apenas um apresenta nome hebraico. Portanto, trata-se de uma
judaica helenizada família antioquena de classe alta.13
No quarto século, a Igreja passava por uma forte crise interna. Estava
muito dividida: por volta de 330 até 414 d.C. a Igreja antioquena chegou a ter
até três (ou mesmo quatro) bispos ao mesmo tempo. Havia uma divisão, por
exemplo, entre os arianos e os nicenos, que disputaram o episcopado e os fiéis25
como dois partidos políticos. Enquanto a maioria ariana tinha Doroteu por seu
bispo, a minoria ortodoxa segue o bispo Paulinos, de tal modo que havia dois
bispos ortodoxos em Antioquia.26 Paralelo a isto, existia também numerosos
agrupamentos heréticos como os Marcionitas e os Maniqueus, que procuravam
18 Talvez a mais significativa. Os Atos dos Apóstolos a coloca em segundo plano para que Jerusalém possa ter
a primazia.
19 Embora partimos do princípio que uma separação oficial entre cristianismo e judaísmo tem lugar só a partir
de 325 d.C. através do Concílio de Nicéia. Este Concílio prescreve uma data cristã para a Páscoa que sempre
difere daquela judaica (cf. V. DÉROCHE. s. v. Iudaizantes, RAC 19 [2001] 138).
20 Judaizante, em breves palavras, são Cristãos com simpatia pela vida e fé dos judeus, ou de modo ainda mais
simples, cristãos com tendências judaicas. Queriam viver a vida cristã ao modo judaico, mantendo seus usos
e costumes, suas práticas.
21 Eles vinham como missionários (como Pedro, cognominado Kefas, por exemplo, cf. Gl 2,11) ou viajantes da
Palestina, provavelmente de Jerusalém.
22 Este conflito é descrito detalhadamente em At 15 e Gl 2.
23 Conforme é regulamentado em Lv 3,17; 5,2; 17,10-16; Ex 20,14.
24 Segue uma mais ampla lista de nomes no mesmo capítulo.
25 Cf. J. HAHN. “Die jüdische Gemeinde…”, 78.
26 R. Brändle fala de três bispos: “Na época anterior à atuação de João havia durante vários anos três bispos
cristãos em Antioquia. Quando Meletius em 378 d.C. retornara a Antioquia, ele encontrava três bispos: o
ariano Doroteu, o eustaquiano Paulinos e o apolinarista Vitalis. Doroteu em 381 d.C. teve que retirar-se por
pressão pública” (cf. R. BRÄNDLE. Johannes Chrysostomus. Acht Reden gegen Juden, 51). Tradução nossa.
adeptos. Na verdade os cristãos em Antioquia formavam a maioria da população,
mas era uma maioria instável. Além disso, muitos cristãos eram neoconvertidos
que no coração permaneciam pagãos ou cristão que simplesmente não vinham
ou vinham muito raramente à Igreja.27 Eles apenas se deixaram batizar. São os
“meios-cristãos” diz Crisóstomo28 e entende com isso a maioria da Igreja em
Antioquia.
É claro que faltava à Igreja coesão interna (ou esta era muito fraca) e
103
justamente neste vácuo pode-se entender melhor como atuaram os judaizantes.
33 João Crisóstomo (350-407 d.C.) – nascido em Antioquia – era um sacerdote cristão da Igreja antioquena
(desde 386), mais tarde arcebispo de Constantinopla (397-404) e Padre da Igreja. Ele proferiu no ano
386/7 – durante o cíclo das festas judaicas (Rosh Hashana, Yom Kippur, Sukkoth) – oito homilias intituladas
Adverus Iudaeos dirigida aos Judaizantes. A estas homílias devemos as informações que agora temos
sobre a coexistência e o confronto de dois grupos de fé (para isso veja: J. HAHN. “Die jüdische Gemeinde
im spätantiken Antiochia”, 72ss e uma tradução alemã destas homilias encontra-se, por exemplo, em R.
BRÄNDLE. Johannes Chrysostomus. Acht Reden gegen Juden, 83-226.
34 J. HAHN. Gewalt und religiöser Konflikt, 143; cf. Flavius Josephus, bell. Iud. VII, 3,3. Tradução nossa.
35 Yom Kippur: Adv. Jud. Or. 1,5 (48/851); Danças 1,2.4 (48/846).
36 Adv. Jud. Or. 3,6 (48/872); 3,5 (48/869); 1,7 (48/854); Jejum/Festa 1,2 (48/846).
37 Adv. Jud. Or. 2,1 (48/858); 1,8 (48/855); 8,5 (48/934); 8,6 (48/936); 8,7 (48/938).
38 In ep. Ad Tit. h. 3,2 (62/679).
39 A gruta da Matrona é venerada (Adv. Jud. Or. 1,6 (48/852). Atrás desta Matrona está obviamente uma
divindade-mãe (Matrona – segundo Horácio, carm, III,4,59 – era entre outros um apelido de Juno). Ali iam
também cristãos e passavam a noite diante da Arca da Torá na sinagoga no sono de Incubação.
40 Sobre isto pode ser visto minuciosamente em L. V. RUTGERS. “The Importance of Scripture in the Conflict
between Jews and Christians. The Example of Antioch”, in: L. V. RUTGERS et al. (eds.). The Use of Books in the
Ancient World (Contributions to Biblical Exegesis and Theology, 22). Lovaina, 1998, 287-303.
41 Se deixava confirmar uma declaração de um companheiro com um juramento (Adv. Jud. Or. 1,3 (48/847s).
42 Médicos e curandeiros judeus, que João chama de feiticeiros e charlatões, eram chamados nas casas: Adv.
Jud. Or. 8,6 (48/936); 8,5 (48/935); 1,7 (48/854); feitiços e amuletos: Adv. Jud. Or. 8,7 (48/937). Todas estas
práticas – em parte com um fundo de magia – João combatia veementemente.
43 É inequívoca a fascinação, a força de irradiação e de persuasão da comunidade judaica sobre os cristãos. Ela
não era um grupo social isolado, mas gozava de uma alta aceitação social e podia “mostrar a força dinâmica
da vida religiosa pública” (cf. J. HAHN. “Die jüdische Gemeinde…”, p. 77), tradução nossa.
sábios”.44 Eles respeitavam os judeus e consideravam honrosa sua forma de
vida.45
49 Cf. A. FÜRST. “Jüdisch-christliche Gemeinsamkeiten im Kontext der Antike. Zur Hermeneutik der patristischen
Theologie”, QD 200 (2003) 73.
50 Sobre a utilização da constituição do imperador entre 312 e 438 d.C., J. HAHN apresenta importantes
questionamentos, p. ex.: esta constituição – impregnada por uma determinada política religiosa cristã do
Estado romano (ou com interesses cristãos misturados) – seria um apropriado instrumento para reconstruir
a histórica realidade da vida judaica naquele tempo? Que função desempenhou a escolha dos compiladores
deste Código no decurso da história? Os normativos textos juridicos podem abranger a situação real de vida
dos judeus em seus respectivos diferenciados ambientes? etc. (cf. “Die jüdische Gemeinde im spätantiken
Antiochia”, 58-9).
51 “... decidimos suprimir todas as restrições contra os cristãos, encaminhadas a Vossa Excelência nos escritos
anteriores, e abolir as determinações que nos parecem totalmente infelizes e estranhas à nossa brandura,
assim como permitir, a partir de agora, a todos os que pretenderem seguir a religião dos cristãos, que o
façam de modo livre e completo, sem serem aborrecidos ou molestados” (Edito de Milão).
52 Constantino I (306-37) assumia do seu pai a adoração do Sol invictus, na qual o deus-sol era identificado com
o Deus dos cristãos (cf. A. FÜRST. “Monotheismus und Gewalt”, 523).
tornava-se religião de Estado (Cod. Theod. XVI, 1,2).53 O Estado pluralista
transformava-se num Estado cristão.54
No ano 384 d.C. editava Teodócio uma lei (Cod. Theod. III,1,5), na qual ficava
proibido aos judeus comprar escravos cristãos, mantê-los e circuncidá-los. Esta
medida visava dificultar aos judeus a obtenção de prosélitos.55 Todavia, existiam
também determinações legais que defendiam o direito dos judeus contra os
abusos dos cristãos. Ora, sem fatos concretos de abusos tais determinações
seriam vãs. Determinações legais tentam normalmente corrigir situações ilegais
concretas ou irregularidades. São se cria leis em cima do nada, mas em vista de
necessidades reais.
53 Cf.: R. BRÄNDLE. “Christen und Juden in Antiochien…”, 143; W. KINZIG. “’Non-separation’…”, 38.
54 Isto era, segundo a opinião de A. H. ARMSTRONG, “the final establishment of Christian intolerance“ (cf. “The
Way and the Ways...”, 1.
55 Cf. R. BRÄNDLE. Johannes Chrysostomus. Acht Reden gegen Juden, 52.
56 Cf. A. MONACI CASTAGNO. “Ridefinire il confine...”, 135-6.
57 J. HAHN. “Die jüdische Gemeinde im spätantiken Antiochia”, 74, a tradução é nossa.
58 O Concílio de Nicéia (no ano 325 d.C.), por exemplo, prescrevia uma data cristã para a Páscoa que sempre se
diferenciava do calendário judaico. Os sínodos locais, como o de Elvira na Espanha (306 d.C.) ou de Antioquia
(341 d.C.) e em Laodicéia na Ásia Menor (na metade do séc. IV [360 d.C.?]) decretam sanções contra aqueles
que se comprometem com judeus ou práticas judaicas (cf. R. BRÄNDLE. “Christen und Juden in Antiochien
…”, ibid, 145 e n. 19; V. DÉROCHE. s. v. Iudaizantes, 138). O Sínodo de Elvira, por exemplo, proibe entre outros
coisas que cristãos tenham seus campos e frutos abençoados por judeus. Laodicéia proibe os cristãos, entre
outras coisas, a participar do Sábado e aceitar presentes de judeus e Antioquia tinha proibido expressamente
celebrar a Páscoa ao tempo da Pessah judaica (can. 1) e ameaçava com a excomunhão aqueles que não
acolhessem a respectiva determinação de Nicéia.
2.5.4 – A Retórica
65 “A metáfora do judaísmo como enfermidade domina toda esta obra” (cf. M. WAEGMAN. “Les traités ‘Adversus
Judaeos’”, 304, tradução nossa.
66 Adv. Jud. Or. 4,4 (48/876); 3,1 (48/862-3); 1,1 (48/850); 2,1 (48/857); 7,6 (48/926); etc.
67 Adv. Jud. Or. 1,1 (48/845). Nós citamos Adversos Judaeos (aqui e adiante) segundo a tradução de R. BRÄNDLE
(cf. Johannes Chrysostomus. Acht Reden gegen Juden, 83-226).
68 Adv. Jud. Or. 6,3 (48/908); 6,7 (48/915); 6,4 (48/909).
69 Adv. Jud. Or. 5,3 (48/847).
70 Adv. Jud. Or. 5,1 (48/884).
71 Adv. Jud. Or. 4,1 (48/871).
72 Adv. Jud. Or. 1,4 (48/848); 6,7 (48/915).
73 Adv. Jud. Or. 1,6 (48/852); 3,3 (48/866). Ele baseia-se em Jr 32 e Lv 20.
74 Adv. Jud. Or. 1,2 (48/847).
75 dv. Jud. Or. 3,2 (48/864).
76 Adv. Jud. Or. 1,2-3 (48/847).
77 Adv. Jud. Or. 1,6 (48/852).
78 Adv. Jud. Or. 1,2-3 (48/847); 1,4 (48/848-9); 6,7(48/915).
79 Adv. Jud. Or. 6,7 (48/915), a tradução é nossa.
80 Adv. Jud. Or. 5,11 (48/901).
81 Adv. Jud. Or. 2,1 (48/857).
82 Adv. Jud. Or. 7,1 (48/915); 1,6 (48/852).
83 Adv. Jud. Or. 8,5 (48/935).
84 Adv. Jud. Or. 8,7 (48/939).
Após a discussão com os valores judaicos, João Crisóstomo se dirige direto
aos cristãos e os ameaça com a exclusão: se eles praticarem os ritos judaicos não
entram no céu.85 Um cristão age correto se “atrair para si seu irmão, mesmo se
proceder com pressão, mesmo se ele usar violência, mesmo se ele o ferir, mesmo
se ele tiver que brigar. Faça tudo para tirá-lo da armadilha do diabo e libertá-lo da
comunhão com os assassinos de Cristo”.86 João faz-lhes uma decisiva pergunta:
“Como não vos arrepiais, ir embora e tomar parte com aqueles que derramaram
o sangue de Cristo e então ir e tomar parte numa santa refeição e degustar junto
do precioso sangue? Então não tendes respeito por esta refeição?”87 E assim, desta
forma, ele segue em frente com seu discurso.
São muito escassos os indícios que chegaram até nós sobre a reação
dos judeus contra os ataques cristãos ou reações contra cristãos em geral. Nós
podemos mencionar – a título de exemplo – os seguintes: eles eram orientados a
não consultar médicos cristãos.98 Os cristãos eram também criticados por eles com
duras palavras. Eram considerados como hereges ou como pagãos inimigos de
judeus. Uma alegoria rabínica compara Roma com um javali.99 Mas nenhuma reação
podia provocar um tal efeito junto aos cristãos como o fato que os judeus desde o
princípio não aceitaram o cristianismo ou Cristo e conservaram muito fielmente a
identidade judaica. Certamente tudo isto valia também para Antioquia.
96 Cf. J. HAHN. “Die jüdische Gemeinde…”, 88. É provável neste interessante contexto, que no ano 423 d.C. já
vigorava uma (perdida) Lei, que proibia novas construções de sinagogas (conforme o Cod. Theod. 16,8,25ss).
97 Cf. J. HAHN. Gewalt und religiöser Konflikt, 188.
98 Em M. Avoda Zara 2,1-2; Tos. Avoda Zara 3,2-5 mencionado por R. BRÄNDLE (cf. Johannes Chrysostomus. Acht
Reden gegen Juden, 53).
99 Cf. R. BRÄNDLE. Johannes Chrysostomus. Acht Reden gegen Juden, 55.
3 – O que se pode aprender disso?
1. Não pode ser por acaso que a confrontação entre ambos os grupos
religiosos tenha começado – após mais de três séculos de convivência
pacífica – quando o cristianismo se tornara religião de estado e a
Igreja tinha o poder do estado atrás de si.100 Aqui se trata de uma
recíproca instrumentalização entre religião e estado ou ideologias.
Este perigo está sempre presente, tanto ontem como hoje.
100 Isto não significa que a Igreja era pacífica e só agora se tornara violenta, mas sim que ela agora tinha a
chance de mostrar este potencial (cf. A. FÜRST. “Monotheismus und Gewalt”, 523-5).
101 Cf. R. BRÄNDLE. “Christen und Juden in Antiochien…”, 153.
102 A este propósito Armstrong observa: “A velha religião era a religião do culto, não da crença dogmática. Não
havia desvio da ortodoxia doutrinal a partir da qual pudesse abaixar o desprazer divino. Para os cristãos a
ortodoxia dogmática importava muito, especialmente para os bispos que se sentiram responsáveis pela
transmissão da verdadeira fé e pela preservação na unidade da fé de seus rebanhos” (cf. A. H. ARMSTRONG.
“The Way and the ways...”, 4 ou 11), tradução nossa.
103 Para isto é recomendável: J. HAHN. “Der Bischof als Schlüsselfigur”, in: Gewalt und religiöser Konflikt, 276-91 e
P. BROWN. Macht und Rhetorik in der Spätantike. Der Weg zu einem “christlichen Imperium”. München, 1995.
judeus de infanticidas e utilizava Jr 32 e Lv 20.104 Um fundamentalismo
que instrumentaliza um Livro Sagrado – mesmo que se trate das
melhores boas intenções – pode dificultar a convivência de diferentes
grupos de fé.
É oportuno lembrar que Religião [do Latim re-ligo, re-ligare = re-ligar, unir,
juntar, etc.] tem a função de (re-)ligar os homens com Deus e (na nossa opinião
também) com os outros, isto é, ela deve melhorar e aprofundar a coexistência
e convivência das pessoas. Se isto não acontece, a religião fracassa e perde seu
sentido.
4 - Bibliografia
ARMSTRONG, A. H. “The Way and the Ways. Religious Tolerance and Intolerance in
the Fourth Century A.D”, VChr 38 (1984) 1-17.
BRÄNDLE, R. “Christen und Juden in Antiochien in den Jahren 386/87. Ein Beitrag
zur Geschichte altkirchlicher Judenfeindschaft”, Judaica 43 (1987) 142-160.
____. Johannes Chrysostomus. Acht Reden gegen Juden (Bibliothek der
griechischen Literatur, 41). Hiersemann, Stuttgart, 1995.
BROWN, P. Macht und Rhetorik in der Spätantike. Der Weg zu einem “christlichen
Imperium”. Dtv, München, 1995.
104 Adv. Jud. Or. 1,6 (48/852); 3,3 (48/866). H. SCHRECKENBERG observa, “que os autores da literatura Adversus
Judaeos não raro escolhem os loci probantes de forma parcial e arbitrária” (cf. Die christlichen Adversus-
Judaeos-Texte und ihr literarisches und historisches Umfeld (1.-11. Jh.) (Europäische Hochschulschriften
XXIII/172). Frankfurt, 41999, 16, tradução nossa.
BROX, N. “Konflikt und Konsens. Bewältigung von Meinungsverschiedenheiten
in der Alten Kirche”, in: W. BEINERT (ed.). Kirchen zwischen Konflikt und Konsens.
Pustet, Regensburg, 1989, 63-83.
____. “‘Wer das glaubt, weiß gar nichts’. Eine spätantike Debatte über den 115
Universalanspruch des christlichen Monotheismus”, Orientierung 68 (2004) 138-
141.
KUSTERMANN (ed.). Jüdische Gemeinden und Organisationsform von der Antike bis
zur Gegenwart (Aschkenas: Beiheft 3). Böhlau, Viena, 1996, 53-85.
JOHANNES CHRYSOSTOMUS. Adversus Judaeos Orationes 1-8, in: MIGNE, J.-P. (ed.).
Patrologia Graeca. Bd. 48, 843-942.
RIBEIRO, H. Quem Somos? De onde Viemos? Para Onde Vamos? 1ed. Petrópolis, Vozes,
2007, 195 p.
Para a resposta Quem Somos? O autor nos remete para uma questão a ser
resolvida ainda. Esta questão passa pelo dialogo respeitoso entre a ciência e a fé,
cada uma em seu âmbito e a partir das suas bases e métodos para enfrentamento
do problema. Por meio de uma visão cristã o ser humano é uma realidade que
transcende a sua animabilidade, cujo principio o constitui como pessoa. Diante
do desafio desta pergunta há um confrontamento ou melhor uma justaposição
das duas óticas, a saber da ciência e da teologia. Há espaço para cosmologia
atual, assim como para o diálogo com autores como Nietzche, que compreende
dentre outras maneiras, o ser humano como um animal indeterminado. Neste
capitulo há a partir das ciências da consciência, assim como as implicações dos
desdobramentos da bioética, a reflexão sobre o processo de hominização do
homem, bem como a sua evolução para um ser de relações. Novamente nesta
pergunta a partir da fé cristã encontramos a verdadeira identidade do ser humano
e a resposta definitiva da sua origem em Jesus de Nazaré. “O Deus nascido numa
noite da historia dos homens tornou-se a luz humana para todos. É então, e só
a partir daí que começou a ficar claro quem é o ser humano” (p.115). A reflexão
sobre o ser humano deixa de ser apenas antropológica para se tornar cristologica.