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INSTITUTO SÃO TOMÁS DE AQUINO

Faculdade dos Religiosos de Filosofia e Teologia


Pós-graduação em Teologia

Maurício Sangaletti

TÓPICOS DO MAGISTÉRIO DA IGREJA

Belo Horizonte
2020
1

VASSULA RYDEN: REVELAÇÃO PÚBLICA E REVELAÇÃO


PRIVADA

Primeiro devemos fazer uma distinção entre a revelação pública e a revelação


privada. A fé afirma que Jesus é o ápice da revelação do Pai e que com Ele e com o que
foi codificado nas escrituras há o fechamento da Revelação. Como entender então a
questão das revelações particulares? Nomeia-se “Revelação” à ação de Deus explicitar o
seu rosto, seu plano salvífico; é a autocomunicação de Deus, isto é, Deus se
autocomunicando a si mesmo no mais profundo do ser humano e o interpelando. A
oferta de si mesmo ao homem é denominada graça. Ao ser interpelado por Deus, cabe
ao homem corresponder (fé), em liberdade. A salvação do homem uno e inteiro é o
acolhimento da autocomunicação de Deus que o transforma ontologicamente em face
daquele fim último de sua existência e de toda a criação. A Revelação é gradativa e
dialógica: Deus vai se dando a conhecer ao homem à medida que o homem vai se
conhecendo verdadeiramente e profundamente a si mesmo. O ápice dessa Revelação é
Jesus Cristo. Nele é pronunciada a derradeira Palavra de Deus à humanidade (Hb 1,1s;
Jo 1,4.8). A comunidade de fé, desde o princípio, em linguagem humana, escreveu a sua
experiência, sempre viva e atual. Em decorrência disso, com Jesus, o fim da geração
apostólica e a constituição do cânon, encerra-se a revelação divina, do ponto de vista
constitutivo. Não obstante, a história continua avançando. Nesses dois mil anos
ulteriores, várias foram as realidades onde a comunidade de fé viveu. Diversas
indagações “novas” apareceram e questionaram a comunidade de fé. Logo, do ponto de
vista interpretativo, a revelação continua aberta. Isso diz respeito ao aprofundamento e
atualização da autocomunicação de Deus; a uma melhor explicitação do que já estava
presente. Para isso há a Tradição da Igreja: conduzir, interpretar, guardar, ampliar os
elementos da revelação e da fé cristã. Não se trata de uma repetição do passado, embora
muitos queiram nesse lugar residir, mas de evolução, pois a Igreja continua
caminhando. A Revelação de Deus, sobretudo seu cume em Jesus, é para toda a
humanidade, e a Igreja possui como missão o seu anúncio. Ela pode ser intitulada de
Revelação pública. Por sua vez, há as revelações particulares ou privadas, destinadas a
uma parcela do povo de Deus. Ocupa o âmbito devocional. É proposto livremente aos
fiéis. Uma revelação particular não pode em nada contradizer a Revelação pública. A
primeira deve colaborar na interpretação e explicitação da segunda. A missão da Igreja
não é difundir revelações particulares, senão que cabe as lideranças refletir sobre as
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mesmas e, caso sejam positivas, oferecer aos fiéis como algo bom e opcional, que não
possui assentimento universal e que não é objeto de fé. Uma aparição sempre será
revelação particular1.
Vassula Ryden é greco-ortodoxa. Ela difundiu nos ambientes católicos do
mundo inteiro, por palavra e escritos, mensagens atribuídas a prováveis revelações
divinas. Um exame da Congregação para a Doutrina da Fé, presente na Notificação
sobre os escritos e as obras da Senhora Vassula Ryden, explicita: 1) alguns conjuntos
fundamentais negativos à luz da doutrina católica, bem como erros doutrinais aí
presentes: a) fala-se da Pessoa da Santíssima Trindade em uma linguagem ambígua,
além de se confundir os específicos nomes e suas funções; b) presume-se um período de
domínio do Anticristo no seio da Igreja; c) em chave milenarista, profetiza-se que antes
da vinda do Cristo, Deus instauraria na terra uma era de paz e bem-estar universal; d)
anuncia-se a proximidade de uma espécie de Igreja pancristã. Além disso, como nas
mensagens subsequentes esses erros aludidos já não reaparecem, mostra que “as
presumíveis ‘mensagens celestes’ são apenas fruto de meditações privadas”, segundo o
mesmo documento. A conclusão é que embora as mensagens possuam aspectos
positivos, o efeito das atividades de Vassula Ryden é negativo. Pede-se a intervenção
dos Bispos para orientar os fiéis adequadamente, além de não oferecer espaços nas
dioceses para a difusão dessas ideias. Também se solicita dos fiéis a não considerarem
sobrenaturais tais escritos e intervenções e a conservarem a fé junto à Igreja2.
Sinceramente, tenho muita dificuldade em opinar nessa temática. Por um lado,
sei que a Igreja deve se posicionar a respeito das ditas visões, dado que os próprios fiéis
cobram isso muitas vezes, e também para evitar o uso do “patrimônio” da Igreja para
fins pessoais, de forma desonesta, por exemplo para enriquecer. Porém, por outro lado,
me pergunto sobre a pretensão de sempre dizer o que é de Deus e o que não é; o que é
revelação e o que é apenas especulações humanas. Mesmo que se use as Sagradas
Escrituras e a Tradição para julgar, me parece que Deus está para muito além disso. Isto
é: talvez podemos nos enganar ao julgar algo como humano quando é divino, porque o
divino não se encaixa em nossos esquemas, nem em nossos julgamentos, e mesmo que
consideramos que Jesus é o ápice da revelação, os evangelhos são tão polissêmicos que

1
Murad, A. Maria, toda de Deus e tão humana: compêndio de mariologia. São Paulo: Paulinas, 2012.
p. 229-231.
2
Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/ congregations/cfaith/documents/ rc_con_ cfaith_
doc_19951006_ryden_po.html>. Acesso em: 29 ago. 2020.
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possibilitam as mais diversas interpretações, e muitos abusos foram justificados e ainda


o são neles. Então essa questão é muito espinhosa. Penso que um bom critério para
julgar as ditas visões são os efeitos delas na vida dos videntes e também das pessoas que
frequentam os locais. Pois, se isso não as torna melhores, não provoca mudanças na
vida, mesmo que uma pessoa diga possuir as chagas de Jesus em suas mãos, ou fale
sobre a habitação dos céus, do inferno e do purgatório, de nada serve. Esse elemento
pascal de levar à mais vida é o que julgo mais definitivo e valioso no julgamento dessas
questões. Dado que esse aspecto não permite nem relativismo e nem meio termo.

REFERÊNCIAS
Murad, A. Maria, toda de Deus e tão humana: compêndio de mariologia. São Paulo:
Paulinas, 2012.

Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/ congregations/cfaith/documents/


rc_con_cfaith_doc_19951006_ryden_po.html>. Acesso em: 29 ago. 2020.

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