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Leandro Lima
© Leandro Lima
Projeto gráfico
Meios Comunicação
Deiverson Ribeiro
Revisão
Adély Costa
Inclui bibliografia.
isbn 978-85-99704-10-3
“As Grandes Doutrinas da Graça” são estudos bíblicos teológicos para a formação de cris-
tãos firmes bíblica e doutrinariamente. Nos dias atuais, temos visto o crescimento das igre-
jas, porém, nem sempre acompanhado do crescimento espiritual e doutrinário de seus
seguidores. A Bíblia manda os cristãos crescerem “na graça e no conhecimento do Senhor
e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18). Entendemos que uma das razões para não haver esse
crescimento é a falta do verdadeiro estudo bíblico. Os cristãos da Igreja primitiva deseja-
ram entender a “doutrina dos Apóstolos”, perseverando em aprendê-la (At 2.42). Isto é o
que falta hoje para a Igreja. Este é o motivo de tanta confusão doutrinária e ensinamentos
terrivelmente distorcidos sendo propagados como verdade.
Só uma volta ao estudo consistente da Bíblia pode remediar o problema e prevenir futuras
distorções. Por este motivo, estamos oferecendo um curso completo de teologia sistemática,
dividido em quatro volumes, abordando, de forma simples, aspectos essenciais da fé cristã,
segundo a tradição reformada, herdeira da reforma protestante. Mas, o objetivo não é apenas
intelectual. Nem poderia ser, pois, segundo a Bíblia, conhecimento e graça são coisas que
sempre andaram juntas. É preciso crescer na graça e no conhecimento. Este é o objetivo do
curso. Parte do material utilizado foi adaptado do livro “Razão da Esperança — Teologia para
Hoje”, da Editora Cultura Cristã, de autoria do Reverendo Leandro Antonio de Lima.
Havíamos estudado, neste quadrimestre, uma revista de autoria do Rev. Leandro. Em sua
estada no Recife, estudamos a possibilidade dele escrever algo que fosse mais que uma
lição de ebd, mas que tivesse característica de curso.
Assim nasceu “As Grandes Doutrinas da Graça”, curso composto de 80 lições, divididas em
4 volumes, que almejamos aplicá-las nos 4 semestres de 2008 e 2009.
Iremos dispor o material para outras Igrejas que desejarem ministrar o curso em suas ebds.
Louvo a Deus pela vida do Rev. Leandro, seu trabalho, e tenho certeza que será uma bênção
para tantos quantos acessarem esse material.
2 a relevância da reforma 17
3 revelação progressiva 22
4 o registro da revelação 27
5 a escritura completa 32
6 a existência de deus 41
7 o conhecimento de deus 51
10 a imutabilidade de deus 74
11 a bondade de deus 82
Bibliografia 167
Outros volumes:
Volume 2
O ser humano criado e decaído
1 criação ou evolução?
3 o propósito da criação
6 o poder da corrupção
7 o significado da morte
9 a cura do humanismo
10 quebrando a maldição
11 o precursor do messias
12 o prometido de israel
14 as naturezas do redentor
2 a união mística
3 o chamado
4 a regeneração
5 a conversão
6 justificação pela fé
9 meios de santificação
10 a bênção da perseverança
14 o espírito e as nações
15 plenitude espiritual
16 mantendo a plenitude
1 a igreja verdadeira
2 unidade e diversidade
3 o poder da igreja
4 os sacramentos — o batismo
7 adoração — distorções
8 o culto — requisitos
9 o culto — elementos
10 a igreja ideal
11 a esperança de israel
12 a esperança da igreja
17 o milênio
18 a ressurreição final
19 o dia do juízo
introdução
Costuma-se dizer: “Repetir sem entender é por aí sem considerar atentamente o que está
coisa de papagaio”. Os donos de papagaios ouvindo. O caos da irracionalidade moderna
domesticam os pássaros para que repitam não deveria atingir a fé. Mas infelizmente,
palavras decoradas. As vezes se pensa que hoje em dia, as grandes doutrinas da Palavra
os papagaios estão sendo inteligentes por de Deus estão quase esquecidas.
repetirem aquilo que foram condicionados.
Mas a verdade é que as pobres aves literal- Em geral, as pessoas sabem muito pouco so-
mente “não sabem o que estão falando”. bre os atributos de Deus, as naturezas de Cris-
to, ou sobre o verdadeiro significado do batis-
Pensamos que muitas vezes uma cena se- mo com o Espírito Santo. E quando sabem,
melhante ocorre na igreja. Os líderes eclesi- parecem não ter muito interesse a respeito. Se
ásticos fazem as pessoas engolirem um tipo as questões escatológicas causam discussão,
de cristianismo sem lhes dar explicações por outro lado são apenas superficiais, em
convincentes sobre o que estão ensinando, assuntos selecionados e muito mais voltadas
e sem demonstrar que seus ensinos têm para especulações sobre o milênio ou o arre-
base na Palavra de Deus. E estes “pobres batamento do que para conteúdo substancial.
cristãos” saem por aí repetindo ensinos que
foram condicionados a repetir. Talvez nunca Uma das razões dessa falta de conteúdo tem
pensaram sobre eles. a ver com as obras teológicas publicadas.
Boas obras de teologia, muitas vezes, estão
o papel do discernimento em linguagem inacessível para os não inicia-
dos. Enquanto isso as prateleiras das livrarias
Um cristão deveria ser alguém com discerni- cristãs estão cheias de livros de auto-ajuda,
mento. Não poderia engolir tudo que ouvisse que prometem soluções milagrosas em ape-
A RELEVÂNCIA DA REFORMA
A título de introdução ao estudo da
teologia sistemática, entender as
perspectivas básicas da reforma, sua
necessidade e sua relevância para
o estudo da teologia e para a vida
cristã.
introdução
Mais do que nunca a religião está transbor- que é coisa do passado, que não acontece mais
dante de legalismo, superficialismo, sensa- hoje em dia. Mas, basta olhar para o método
cionalismo, comércio, etc. O mesmo clamor de trabalho de muitas denominações, princi-
que originou a Reforma Protestante do sé- palmente em seus programas televisionados
culo xvi se faz presente em nossos dias. para ver que isso acontece hoje com mais fre-
qüência do que gostaríamos de admitir.
Em 1517 um monge que também era professor
de Bíblia colou uma série de proposições na Os homens continuam vendendo a salvação
porta de uma igreja com o fim de iniciar um de- tanto quanto no passado. E o motivo é sim-
bate acadêmico. Não imaginava ele que aquilo ples: é difícil crer na mensagem radical de que
daria início a grande Reforma Protestante. Seu Deus fez todas as coisas para nossa salvação e
nome, evidentemente, era Martinho Lutero. nada deixou para o homem. Os homens estão
sempre querendo dar sua contribuição, seja
A luta de Lutero era contra a venda de indul- com dinheiro, vida santa ou regulamentos
gências por parte da Igreja Católica que pre- eclesiásticos. Estamos sempre querendo pa-
tendia com isso construir a grande catedral gar a salvação que nos é dada gratuitamente.
de São Pedro em Roma. O Papa oferecia Por isso, precisamos mais do que nunca voltar
perdão dos pecados para quem contribuísse à Reforma. A Reforma continua.
financeiramente com o empreendimento.
Alguns vendedores de indulgências diziam sola scriptura
que no exato instante em que se ouvia o ti-
lintar da moeda caindo no cofre, uma alma A Reforma Protestante procurou desenvol-
era livre do purgatório. ver alguns slogans que pudessem ajudar
as pessoas a identificar com facilidade seus
Certamente isso parece algo grosseiro e até principais pontos de vista. O primeiro dos
mesmo humorístico hoje e logo pensamos slogans que identificaram a Reforma foi o
a relevância da reforma 17
1 Para uma abordagem sola scriptura (somente a Escritura)1. É cla- A diferença básica entre a Reforma e Roma
semelhante de alguns
“solas” da Reforma
ro que esta concepção foi tirada da própria com relação à Escritura estava na discussão
veja Michael Horton, Escritura. se a Bíblia produziu a Igreja, ou se a Igreja
Putting Amazing Back produziu a Bíblia. A Reforma cria que Deus
Into Grace. p. 11-20. O Apóstolo Paulo foi um homem tremen- revelou-se a si mesmo para um povo e cha-
damente preocupado com a Escritura. Ele mou este povo para si e lhe deu sua Palavra.
argumenta com os Efésios “jamais deixei Entretanto, a Igreja é sempre falível e sem-
de vos anunciar todo o desígnio de Deus” pre passível de correção quanto à interpreta-
(At 20.27). Paulo estava partindo para Jeru- ção da infalível revelação de Deus.
salém, onde sabia, enfrentaria muitas per-
seguições. Mas, o que Paulo mais temia era Em resumo, a Reforma apregoou que a
o fato de que sabia que após sua partida se Palavra de Deus é infalível e absolutamen-
infiltrariam no meio do rebanho dos Efésios te suficiente para nos ensinar tudo o que
“lobos vorazes que não pouparão o rebanho” precisamos saber sobre a Salvação e sobre
(At 20.30), por isso numa atitude de fé ele o próprio Deus. Além disso ela é a única
diz “agora, pois, encomendo-vos ao Senhor fonte suprema desse conhecimento. Ela
e a palavra da sua graça, que tem poder para é o único lugar aonde devemos ir para ter
vos edificar e dar herança entre todos os que conhecimento pleno a respeito dos fatos
são santificados” (At 20.32). Paulo “ensinou da salvação. Nenhuma outra fonte deve ser
que o poder do evangelho está localizado na aceita ou tentada.
2 R. K. Mc Gregor pregação da Palavra de Deus”2. Nada pode
Wright, A Soberania substituir a Palavra de Deus. solus christus
Banida, p.14.
Talvez, este tenha sido o maior triunfo da Re- Como conseqüência lógica do primeiro
forma Protestante: o triunfo pela Bíblia. Numa “sola” da Reforma vem o segundo, pois “só
época em que praticamente ninguém do povo quando se defende a Escritura somente é que
comum tinha acesso a Palavra de Deus, a Re- estaremos certos de que a igreja se apegará a
3 Michael Horton, Os forma conseguiu colocar a Bíblia na língua co- Cristo somente”3 Cristo é o centro da Escri-
Solas da Reforma, in mum das pessoas e possibilitou que o acesso tura. Ele próprio disse para alguns religiosos
Reforma Hoje, p. 111.
a ela fosse bem mais simples. de sua época: “examinais as Escrituras por-
que julgais ter nelas a vida eterna, e são elas
Entretanto, a Reforma não somente pos- mesmas que testificam de mim” (Jo 5.39). As
sibilitou que as pessoas tivessem acesso Escrituras testificam de Cristo.
à Palavra, mas também que ela, a Palavra
de Deus tivesse o lugar de honra que lhe é No tempo da Reforma, à semelhança dos dias
devido e que todos pudessem interpretá-la atuais, a teologia estava completamente cen-
corretamente. Pode a igreja legislar doutri- trada no homem. Tudo dependia do homem.
nas ou leis morais que não são encontrados Em última instância é o homem que decide se
na Escritura? A Reforma respondeu: “não, vai a Deus, bem como a maneira que lhe con-
somente a Escritura”. Pode a Igreja manter vém. Na idade média, a Igreja era a opção, nos
uma interpretação infalível da Bíblia? Não, a dias atuais, as opções são praticamente inu-
Reforma respondeu, absolutamente não! A meráveis. O pensamento comum é que todos
Reforma tirou o privilégio do clero de inter- vão a Deus de várias formas. É como se Deus
pretar a Bíblia, mas não jogou este privilégio fosse uma grande Home Page da Internet. To-
totalmente nas mãos dos leigos, de forma dos podem acessá-lo de diferentes provedores.
que cada pessoa pudesse dar a interpretação Mas, a Reforma disse não a todas as tentativas
que quisesse. A Igreja como um todo, como humanas de chegar até Deus. Solus Christus,
o Corpo de Cristo deve interpretar a Bíblia. ou seja, somente Cristo pode nos conduzir a
Esse foi o grande lema da Reforma. Deus e nos dar a salvação.
Lutero e a Reforma entenderam que o ho- Lutero não somente entendia que a salvação
mem não precisa se tornar justo para poder era apenas pela graça, mas que a forma ou
alcançar a vida eterna, pois isto, ele jamais método de recebe-la era através da fé unica-
conseguiria, uma vez que ninguém jamais mente. Por isso surgiu mais um slogan na
cumpriu a lei de Deus (Rm 3.10, 20, Gl 3.11), Reforma, o sola fide, ou Somente a Fé.
mas que baseado na justiça de Cristo, Deus
pode e efetivamente declara o homem como A igreja, naquele tempo, não negava que a fé
justo quando ele crê. Este ato de declarar era necessária para a salvação. Mas, era uma
é algo completamente gratuito, pois o ho- fé no poder da Igreja, dizendo respeito muito
mem nada fez para merecer isso, uma vez mais a uma questão de conhecimento e con-
que tudo provém da obra e dos méritos do sentimento. A Reforma, entretanto, apregoou
Senhor Jesus Cristo, dessa forma a justiça que a fé era uma questão de confiança e não
de Cristo é colocada sobre nós como se fos- confiança na eficácia ou no ensino da Igreja,
se nossa. Era isso que Paulo chamava de o mas no poder de Deus que pode salvar plena-
“Evangelho da Graça de Deus” sobre o qual mente os que se aproximam dele, confiando
ele queria testemunhar, mesmo que lhe nos méritos de Cristo.
a relevância da reforma 19
Uma grande distinção que a Reforma fez e A Reforma pôde proclamar Soli Deo Gloria
,que é muito importante para nós hoje, é que porque mais do que ninguém, entendeu o ser
quem salva é Cristo e não a fé. A fé não pode humano. Quando temos uma visão melhor de
ser considerada uma pequena obra que em nós mesmos e de Deus, diminuímos a nossa
última instância tem poder de nos salvar. A fé importância e aumentamos a dele. É interes-
é apenas o instrumento pelo qual nos apro- sante que a Reforma tenha produzido uma era
priamos da salvação, conquistada plenamente de grandes pensadores e artistas, mas nunca
por Cristo. Porém, ainda assim, poderia ficar exaltou o ser humano, antes prostrou o orgu-
a impressão de que a fé é uma pequena obra lho humano diante da majestade de Deus.
necessária para a salvação, não fosse o ensino Mas, hoje as coisas estão muito mudadas. O
inequívoco da Escritura de que, mesmo a fé, é homem é exaltado e Deus diminuído. Nossos
um dom de Deus (Cf Ef 2.8-9; Rm 12.3; Jd 3). cultos e serviços são freqüentemente celebra-
ções de nós mesmos mais do que de Deus, há
Pregar sobre salvação pela fé dentro dos mais entretenimento neles do que adoração.
moldes bíblicos pode ser muito impopular Nunca antes, nem mesmo na era medieval,
nos dias atuais. Dizer que o homem não tem os cristãos tinham sido tão obsessivos consigo
poder algum para se salvar pode ser consi- mesmos. Nunca antes, Deus foi tão esquecido.
derada uma frase praticamente extinta. E Auto-estima, auto-imagem, auto-confiança,
o motivo não é difícil de se identificar. As auto-isso, auto-aquilo, isto tem sido a ênfase
pessoas argumentam: mas ser salvo do quê do cristianismo moderno. Gastamos a maior
e por quê? O fato é que elas não se sentem parte do tempo, como Narciso, contemplando
perdidas. Foi o tempo quando a pregação nossa própria imagem distorcida no espelho,
da Lei desesperava as pessoas de modo que e não a autêntica imagem de Deus.
elas se refugiavam em Cristo. O problema
não é que a Lei não tem mais esse poder, e Mas, tudo isso pode mudar. Já aconteceu
sim, o fato de que a Lei não está mais sendo uma vez, na Reforma e pode acontecer de
ouvida. As pessoas não querem ouvir sobre novo. A Reforma Protestante do século xvi
seus pecados, querem apenas mensagens trouxe liberdade à consciência cristã porque
de auto-ajuda, de “soluções”, não se preocu- restaurou o foco do Evangelho, tirando-o de
pam com a Ira de Deus, não vêem a maldade ser centrado no homem para ser centrado
e a ofensa de seus pecados, por isso, ainda em Deus. Precisamos disso hoje.
confiam em si mesmas. Elas precisam ouvir
a respeito do fogo do Inferno e da deprava- Tanto quanto no tempo de Lutero, precisa-
ção humana, pois somente assim, deixarão mos de Reforma. Precisamos deixar de lado
de confiar em si mesmas e se entregarão a todas as supostas revelações extras, todas
Cristo pela fé, somente. as outras formas de salvação, todo senso
de pagamento, de obras e de orgulho que
soli deo gloria possa haver em nossas igrejas, em nossos
sermões, em nossos livros, e clamar com
Se a Escritura é a única regra de fé e prática grande brado sola scriptura, solus Christus,
e ela nos foi dada por Deus, se Cristo é único sola gratia, sola fide, soli Deo gloria. Chega de
meio de Salvação, se a graça é responsável aceitarmos de boca fechada todos os ataques
por tudo o que temos e somos, e, se a fé que que o Evangelho tem sofrido por supostos
é um dom de Deus é o único instrumento pregadores e evangelistas. Chega de engo-
para nos apropriarmos de tudo isso, então, lirmos tudo o que nos é passado com um ar
Soli Deo Gloria, ou seja “A Deus somente a piedoso, mesmo que seja abertamente con-
glória”. Na estrutura da Reforma não sobra trário ao ensino das Escrituras e aos princí-
espaço para glorificar o homem, toda a gló- pios da Reforma. Que a Reforma continue
ria deve ser rendida a Deus. hoje, este deve ser o nosso maior objetivo.