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Nome: Afonso Lopes Mateus Dumbo

Evangelho de São João (3, 1-21)1


Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre os judeus. 2
À noite ele veio encontrar Jesus e lhe disse: "Rabi, sabemos que vens da parte de Deus
Como um mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com
ele". 3 Jesus lhe respondeu: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto
não pode ver o Reino de Deus". 4 Disse-lhe Nicodemos: "Como pode um homem nascer,
sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?" 5
Respondeu-lhe Jesus: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do
Espírito não pode entrar no Reino de Deus. 6 O que nasceu da carne é carne, o que nasceu
do Espírito é espírito. 7 Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. 8 O
vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde
vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito". 9 Perguntou-lhe
Nicodemos: "Como isso pode acontecer?" 10 Respondeu-lhe Jesus: "És o mestre de Israel
e ignoras essas coisas? "Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e
damos testemunho do que vimos, porém não acolheis o nosso testemunho. 12 Se não
credes quando vos falo das coisas da terra, como ireis crer quando vos falar das coisas do
céu?13 Ninguém subiu ao céu? a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem.
14Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o
Filho do Homem, 15 a fim de que todo aquele que crer tenha nele vida eterna. 16 Pois
Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê
não pereça, mas tenha vida eterna. 17 Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para
julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele 18 Quem nele crê não é julgado;
quem não crê, já está julgado, porque não creu no Nome do Filho único de Deus. 19 Este
é o julgamento: a luz veio ao mundo mas os homens preferiramas trevas à luz, porque as
suas obras eram más. 20 Pois quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que
suas obras não sejam demonstradas como culpáveis. 21 Mas quem pratica a verdade vem
para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus". O Encontro de Jesus
com Nicodemos.

Identidade de Nicodemos
Olhemos para o texto e contemplemos como o Evangelista João descreve Nicodemos.
“Diz ele havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, era um dos fariseus;
um notável entre dos judeus; e um mestre de Israel” (Jo 3,1). “Impelido pela

1
Bíblia de Jerusalém, Paulus, 2002
inquietação2” religiosa (interior), deseja, como um bom judeu, dialogar com o enviado
de Deus, ou seja, dialogar com aquele a quem viu o sinal e vai ao seu encontro para tirar
as suas dúvidas ou inquietações precisamente num encontro de noite.

Uma primeira questão que poderíamos nos colocar, é: porque é que Nicodemos foi
precisamente encontrar Jesus de noite? (…) “Por que o costume judaico aconselha o
estudo noturno da torah 3” ou por medo dos judeus (Jo 19, 38-39) ou ainda porque queria
uma conversa ininterrupta com Jesus?

Nicodemos não querendo responsabilizar-se ou comprometer-se com Jesus diante dos


colegas vai vê-lo de noite (Jo 12,42-43). “É verdade que os rabinos estudavam de noite,
mas João acentua propositadamente essa particularidade, pois Jesus revela-se como luz
que brilha nas trevas4”. A Palavra é “vida e luz” (Jo 1,4), e a “luz estava chegando ao
mundo” (Jo1,9). “A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam”. (Jo1,5).
Nicodemos encontra-se nas trevas e vai ter com Jesus que é a luz. Este movimento, de
Nicodemos é muito significativo para a fé porque ele reconhece a missão de Jesus,
reconhece os sinais de Jesus e reconhece-se como um sedento que precisa da fonte de
água para matar a sua sede.

Nicodemos diz o que sente, o que sabe e não “esconde esta verdade5”, ele usa o plural
“sabemos” quer dizer que, mesmo alguns fariseus (não identificados Jo 12,42-43) sabem
quem é Jesus, sabem de onde veio e é precisamente neste contexto que Nicodemos
apresenta a identidade de Jesus (Jo 3,2). Pois, Nicodemos é um pensador, observador ou
mesmo um narrador que tem vindo a observar as palavras e os atos de Jesus e chega a
esta conclusão (Jo 2,3). Quando Nicodemos confessa que Jesus veio de Deus e que Deus
está com ele, Jesus “responde destacando a verdadeira preocupação ou inquietação do

2
Cfr. DUFOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. Pp.
227-228
3
Cfr. Ibidem, P. 228
4
Cfr. KONINGS, Johan. Evangelho segundo São João: amor e fidelidade. Ed. Loyola, Edições São Paulo,
Brasil, 2005. P. 113
5
Cfr. SAKENFEID, D., Katharine; BALENTINE, E.S; PERKINS, Pheme. The new interpreter´s
dictionary of the Bible, Me-R, Vol. 4, Abingdon Press, 2009, P. 270
seu interlocutor6”. Jesus responde a Nicodemos com uma certa familiaridade, ou seja,
com confiança como vemos (te digo).

Nascer de novo
O que é que significa nascer de novo ou de cima? Porque é que jesus diz a Nicodemos,
quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus?

Jesus apresenta a primeira condição para ver o Reino de Deus e essa condição é
precisamente o αναθεν (nascer de novo ou do alto). “Ora, Israel estava familiarizado
com a ideia de que Deus era rei, mas a exigência de Jesus, isto é, a necessidade de nascer
de novo ou do alto para ver o reino de Deus, desafia Nicodemos a expandir a sua
conceção do que esse reino poderia ser7”.

Nicodemos percebe as palavras de Jesus, mas num sentido material, num mundo que
controla e compreende. Ora, a palavra “anathen” que jesus emprega pode significar
“nascer de novo como do alto” e ele compreende simplesmente o primeiro significado e
por isso, pergunta: “Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma
segunda vez no seio de sua mãe e nascer?” (Jo,3,4) Nicodemos deveria nascer de novo
não simplesmente de novo, todavia, sobretudo do alto. Não se trata de uma realidade
terrena, visível, palpável como é o caso novo do nascimento que ele se refere, mas de
uma realidade particular e de algo superior.

Jesus usou a palavra “anathen” que tem dois sentidos, a saber: um sentido horizontal-
temporal (uma segunda vez) aqui se limita a experiência de Nicodemos, isto é, “um
segundo nascimento físico do útero da mãe e o sentido vertical da invasão de Deus (do
alto) “João tem o prazer de usar palavras de "duplo significado" para fazer o progresso
do diálogo: um mal-entendido causa uma explicação e um consequente aprofundamento
da proclamação de Jesus8”.

Água e Espírito
Depois de Jesus ter dito a Nicodemos para que nascesse de novo e ele não tendo percebido
as palavras de Jesus, questiona: como pode um homem nascer de novo sendo já velho?
Acaso tem de entrar novamente no seio de sua mãe e nascer? (Cfr. Jo 3,4). Jesus responde

6
Cfr Idem, P. DUFOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989.
P. 228
7
Cfr. MULUNEY, J. Francis. El Evangelio de San Juan. Pamplona, Verbo Divino, 2005 P. 90

8
Cfr. DUFOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. P. 229
a Nicodemos propondo-lhe o nascimento da água e do Espírito. O que significa a água e
o Espírito? “A água e o Espírito significam o batismo e a vida da comunidade dos que
creem em Jesus e a ele aderem9”. Assim, o novo nascimento é obra do Espírito; é Ele que
deve ser derramado sobre nós e dentro do nosso coração levando-nos a viver e agir
segundo a sua vontade (Jo 7,16-18) e aponta para o seu efeito, através de um contraste
que não afeta o comportamento, mas o ser, neste caso, o ser (o agir) de Nicodemos e
daqueles que creem em Cristo.

Pois, “nascer da água e do Espírito significa deixar de ser fariseu, deixar as obras que
não vão de acordo com o Boa-nova, ou seja, deixar a vida que levava aderir à
comunidade de Jesus10”.

E o diálogo continua com Jesus que diz ao seu visitante “o que nasce da carne é carne;
o que nasce do Espírito é espírito” (Jo 3,6). “A carne é fraca, perecível, corruptível, é
terra e também significa realidade humana e mortal, limitação. Quem apenas nasce da
carne continua sendo um, mero ser humano, fechado ao seu egoísmo. Quem nasce do
Espírito transforma-se ou renova-se em pessoa, impulsionada por Deus11”. No Espírito
está presente e “vivo a própria vida de Deus (cf. Jo 4:24). E isto em virtude da sua origem,
como demonstra a preposição (de) que precede a carne e o espírito12”. Ora, sem a
intervenção de Deus, os homens não podem alcançar a vida.

Assim sendo, “para entrar no Reino Deus ou no reino de Deus13”, Jesus põe como
exigência o nascimento da “água e do Espírito” (Jo 3,5). João Batista testemunhou de
quem estava entre eles, a quem não conhecia, que batizaria com o Espírito Santo (Jo 1,33).
O renascimento do alto assinala-se assim pela continuidade do ritual de um “batismo de
água”, este, que mais tarde é aperfeiçoado pelo batismo do Espírito trazido por Jesus.
Nicodemos, que não leu ou ouviu o testemunho de João Batista acerca de Jesus, tem de
lutar num instante com o significado das palavras de Jesus, vemos que ele se encontra

9
Cfr. KONINGS, Johan. Evangelho segundo São João: amor e fidelidade. Ed. Loyola, Edições São Paulo,
Brasil, 2005. P. 114
10
Cfr. Idem, P. 114
11
Idem, P. 114
12
Cfr. DU FOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. Pp.
232
13
Cfr. MULUNEY, J. Francis. El Evangelio de San Juan. Pamplona, Verbo Divino, 2005, P. 115
perplexo ou claudicante (Jo 3,7), mas as promessas do preâmbulo e das profecias de João
Batista estão a ser cumpridas nestas palavras ou neste “encontro noturno14”.

Se calhar o diálogo ou encontro de Jesus com Nicodemos já teria terminado no versículo


(6), mas Jesus vê e percebe que Nicodemos se encontra mais inquieto, perplexo do que
veio. É assim que Ele aproveita este momento para contar uma breve parábola usando a
imagem que tem uma base bíblica “Assim como não conheces o caminho do vento (…)
também não conheces a obra de Deus, que faz todas as coisas” (Ecl. 11,5); “O homem
não vê a tempestade, maior parte de suas obras está oculta” (Eclo. 16,21) e que deve
possibilitar que a imaginação do visitante saia da sua estreiteza para se abrir à largura de
ser (3, 6). Jesus usa a palavra "espírito" (pneuma) que também significa “vento” que
acaba de dizer em (Jo 3, 6), mas mantendo o seu primeiro significado que precisamente
o Espírito de Deus.

"Perguntou-lhe Nicodemos: Como isso pode acontecer? Respondeu-lhe Jesus: És o


mestre de Israel e ignoras essas coisas?” (Jo 3,9-10) O que nos dá a entender é que
Nicodemos deveria saber que é possível uma metanoia, uma renovação espiritual ou
mesmo uma transformação moral.

Nicodemos não percebe a importância ou a necessidade de nascer de novo, ou seja, quer


permanecer nas coisas terrenas e por sua vez também limitadas; ele não percebe que este
novo nascimento é espiritual e é possível para Deus que é “Espírito e verdade” (Jo 4,24).
"Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que
vimos, porém não acolheis o nosso testemunho” (Jo 3,11). Jesus fala do Pai aos seus
discípulos, “àqueles que fazem a vontade de Deus” e a “todos aqueles que O aceitam
como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem”; a todos que a Ele se aproximam (mulher
samaritana (Jo 4,1-42), a cura do filho do funcionário real (Lc 7,1-10), a mulher adúltera
(Jo 8,1-11) etc. Ele não fala de si mesmo, mas do Pai, não da sua glória, mas da glória
do Pai. Jesus veio dar testemunho do Pai.

14
Cfr. Idem, 115. O reino de Deus refere-se a uma comunidade de crentes, a um grupo de cristãos que
professam e tentam viver a compreensão joanica de Jesus. Os leitores originais deste evangelho estavam
cientes de que havia havido um passo de uma situação anterior de estilo de vida e fé, em torno do templo
ou sinagoga, para uma comunidade ligada pela fé e pela prática cristã. O resultado de um dom do alto, do
Espírito, renascido da água, permitiu-nos ver e entrar no reino de Deus. Desde o início, o dom do Espírito
do alto, que tornou possível este passo, foi acompanhado por um ritual de renascimento solenizado por um
batismo de água (v. 3.5).
Mas vós não acolheis o nosso testemunho (Jo 3,11), contudo, vós não me acolhestes, não
aceitastes o meu testemunho. Temos de perceber que Jesus não só fala de Nicodemos que
não percebe as suas palavras, mas também de todas as pessoas que ele representa
(fariseus); Jesus também fala das pessoas que não acreditam, que não O aceitam. “Se
não credes quando vos falo das coisas da terra”, (coisas conhecidas, de próprio Jesus)
como crereis quando vos falo das coisas do céu (de Deus)?

Monólogo e o silêncio de Nicodemos


13 “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem”.
“Para São João, Jesus de Nazaré é o lugar onde a revelação\ de Deus é feita entre os
homens. Vindo do céu, possui a sua autoridade; expressando-se humanamente (pode ser
visto, ouvido e tocado15”. Jesus desce a nossa condição humana para nos elevar ao Pai.
Somente Cristo pode nos dar a conhecer o mistério de Deus.

Jesus faz um breve discurso sobre o livro de Números que diz: “como Moisés levantou a
serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o filho do homem”. Moisés
levantou a serpente por que o povo lhe pediu que intercedesse a Deus, porque o povo
tinha cometido pecado (Cfr. Nm 21,4-9). Jesus faz o paralelismo sobre a serpente
levantada no deserto por Moisés “para recuperar a saúde16” e seu o próprio
levantamento (a sua glorificação ou a sua exaltação) P.240. Porquê? Porque “o
evangelista nos mostra a raiz profunda que está a ser evocado”17 que é: "o maior sinal
do amor de Deus18”.

A apresentação do amor de Deus (Jo 3, 15-17)


O amor de Deus para com o mundo; o amor de Deus para com a comunidade; e o amor
de Deus para cada um de nós, é infinito porque doou, entregou o seu filho “Unigénito”
para nos salvar. E para que alcancemos a Sua salvação o evangelista apresenta-nos duas
condições:
1. Acreditar no Filho de Deus; reconhecê-Lo como verdadeiro Deus e verdadeiro
homem;

15
Cfr. DU FOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. P.
238
16
Cfr. Cfr. MULUNEY, J. Francis. El Evangelio de San Juan. Pamplona, Verbo Divino, 2005, P. 115
17
Cfr. KONINGS, Johan. Evangelho segundo São João: amor e fidelidade. Ed. Loyola, Edições São Paulo,
Brasil, 2005.117
18
CARVALHO, C. José, Aula de Escritos Joaninos. Março, 12, 2021.
2. Deixar-se guiar pela luz, “porque é era a luz verdadeira que ilumina todo
homem” (Cfr. Jo 1,9) porque Ele é a luz que ilumina todas as coisas; porque “Deus
é Luz e nele não há trevas alguma” (1Jo 1,5); por isso, é preciso caminhar e
permanecer na Sua verdade e para que nós permaneçamos nos seus caminhos, na
sua Luz é necessário que abandonemos as nossas trevas interiores e exteriores, é
preciso e necessário deixar que Cristo habite no nosso ser, coração e no nosso
agir.

Depois deste diálogo, o evangelista não nos fala da reação de Nicodemos, mas
encontramo-lo em (Jo 7,45-52) “onde invoca a lei para ouvir Jesus19” e em (Jo 19,38-42)
onde se apresenta como o discípulo silencioso por medo dos judeus (Jo 12,42-43).

Portanto, o nascer de novo que Jesus diz a Nicodemos também o diz a todo aquele que
sabe dos seus sinais, mas não deixa Deus habitar no seu ser (agir). O nascer de novo que
jesus se refere é o nascimento do alto ou de (Deus). Não é um nascimento físico, mas é o
nascimento interior e exterior do próprio agir que se deve fazer todos os dias. Cada dia
deve ser uma oportunidade para nascermos do alto e é o que nos diz o evangelista do
quarto Evangelho “viver na luz”

19
Cfr. SAKENFEID, D., Katharine; BALENTINE, E.S; PERKINS, Pheme. The new interpreter´s
dictionary of the Bible, Me-R, Vol. 4, Abingdon Press, 2009, P. 270

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