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Identidade de Nicodemos
Olhemos para o texto e contemplemos como o Evangelista João descreve Nicodemos.
“Diz ele havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, era um dos fariseus;
um notável entre dos judeus; e um mestre de Israel” (Jo 3,1). “Impelido pela
1
Bíblia de Jerusalém, Paulus, 2002
inquietação2” religiosa (interior), deseja, como um bom judeu, dialogar com o enviado
de Deus, ou seja, dialogar com aquele a quem viu o sinal e vai ao seu encontro para tirar
as suas dúvidas ou inquietações precisamente num encontro de noite.
Uma primeira questão que poderíamos nos colocar, é: porque é que Nicodemos foi
precisamente encontrar Jesus de noite? (…) “Por que o costume judaico aconselha o
estudo noturno da torah 3” ou por medo dos judeus (Jo 19, 38-39) ou ainda porque queria
uma conversa ininterrupta com Jesus?
Nicodemos diz o que sente, o que sabe e não “esconde esta verdade5”, ele usa o plural
“sabemos” quer dizer que, mesmo alguns fariseus (não identificados Jo 12,42-43) sabem
quem é Jesus, sabem de onde veio e é precisamente neste contexto que Nicodemos
apresenta a identidade de Jesus (Jo 3,2). Pois, Nicodemos é um pensador, observador ou
mesmo um narrador que tem vindo a observar as palavras e os atos de Jesus e chega a
esta conclusão (Jo 2,3). Quando Nicodemos confessa que Jesus veio de Deus e que Deus
está com ele, Jesus “responde destacando a verdadeira preocupação ou inquietação do
2
Cfr. DUFOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. Pp.
227-228
3
Cfr. Ibidem, P. 228
4
Cfr. KONINGS, Johan. Evangelho segundo São João: amor e fidelidade. Ed. Loyola, Edições São Paulo,
Brasil, 2005. P. 113
5
Cfr. SAKENFEID, D., Katharine; BALENTINE, E.S; PERKINS, Pheme. The new interpreter´s
dictionary of the Bible, Me-R, Vol. 4, Abingdon Press, 2009, P. 270
seu interlocutor6”. Jesus responde a Nicodemos com uma certa familiaridade, ou seja,
com confiança como vemos (te digo).
Nascer de novo
O que é que significa nascer de novo ou de cima? Porque é que jesus diz a Nicodemos,
quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus?
Jesus apresenta a primeira condição para ver o Reino de Deus e essa condição é
precisamente o αναθεν (nascer de novo ou do alto). “Ora, Israel estava familiarizado
com a ideia de que Deus era rei, mas a exigência de Jesus, isto é, a necessidade de nascer
de novo ou do alto para ver o reino de Deus, desafia Nicodemos a expandir a sua
conceção do que esse reino poderia ser7”.
Nicodemos percebe as palavras de Jesus, mas num sentido material, num mundo que
controla e compreende. Ora, a palavra “anathen” que jesus emprega pode significar
“nascer de novo como do alto” e ele compreende simplesmente o primeiro significado e
por isso, pergunta: “Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma
segunda vez no seio de sua mãe e nascer?” (Jo,3,4) Nicodemos deveria nascer de novo
não simplesmente de novo, todavia, sobretudo do alto. Não se trata de uma realidade
terrena, visível, palpável como é o caso novo do nascimento que ele se refere, mas de
uma realidade particular e de algo superior.
Jesus usou a palavra “anathen” que tem dois sentidos, a saber: um sentido horizontal-
temporal (uma segunda vez) aqui se limita a experiência de Nicodemos, isto é, “um
segundo nascimento físico do útero da mãe e o sentido vertical da invasão de Deus (do
alto) “João tem o prazer de usar palavras de "duplo significado" para fazer o progresso
do diálogo: um mal-entendido causa uma explicação e um consequente aprofundamento
da proclamação de Jesus8”.
Água e Espírito
Depois de Jesus ter dito a Nicodemos para que nascesse de novo e ele não tendo percebido
as palavras de Jesus, questiona: como pode um homem nascer de novo sendo já velho?
Acaso tem de entrar novamente no seio de sua mãe e nascer? (Cfr. Jo 3,4). Jesus responde
6
Cfr Idem, P. DUFOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989.
P. 228
7
Cfr. MULUNEY, J. Francis. El Evangelio de San Juan. Pamplona, Verbo Divino, 2005 P. 90
8
Cfr. DUFOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. P. 229
a Nicodemos propondo-lhe o nascimento da água e do Espírito. O que significa a água e
o Espírito? “A água e o Espírito significam o batismo e a vida da comunidade dos que
creem em Jesus e a ele aderem9”. Assim, o novo nascimento é obra do Espírito; é Ele que
deve ser derramado sobre nós e dentro do nosso coração levando-nos a viver e agir
segundo a sua vontade (Jo 7,16-18) e aponta para o seu efeito, através de um contraste
que não afeta o comportamento, mas o ser, neste caso, o ser (o agir) de Nicodemos e
daqueles que creem em Cristo.
Pois, “nascer da água e do Espírito significa deixar de ser fariseu, deixar as obras que
não vão de acordo com o Boa-nova, ou seja, deixar a vida que levava aderir à
comunidade de Jesus10”.
E o diálogo continua com Jesus que diz ao seu visitante “o que nasce da carne é carne;
o que nasce do Espírito é espírito” (Jo 3,6). “A carne é fraca, perecível, corruptível, é
terra e também significa realidade humana e mortal, limitação. Quem apenas nasce da
carne continua sendo um, mero ser humano, fechado ao seu egoísmo. Quem nasce do
Espírito transforma-se ou renova-se em pessoa, impulsionada por Deus11”. No Espírito
está presente e “vivo a própria vida de Deus (cf. Jo 4:24). E isto em virtude da sua origem,
como demonstra a preposição (de) que precede a carne e o espírito12”. Ora, sem a
intervenção de Deus, os homens não podem alcançar a vida.
Assim sendo, “para entrar no Reino Deus ou no reino de Deus13”, Jesus põe como
exigência o nascimento da “água e do Espírito” (Jo 3,5). João Batista testemunhou de
quem estava entre eles, a quem não conhecia, que batizaria com o Espírito Santo (Jo 1,33).
O renascimento do alto assinala-se assim pela continuidade do ritual de um “batismo de
água”, este, que mais tarde é aperfeiçoado pelo batismo do Espírito trazido por Jesus.
Nicodemos, que não leu ou ouviu o testemunho de João Batista acerca de Jesus, tem de
lutar num instante com o significado das palavras de Jesus, vemos que ele se encontra
9
Cfr. KONINGS, Johan. Evangelho segundo São João: amor e fidelidade. Ed. Loyola, Edições São Paulo,
Brasil, 2005. P. 114
10
Cfr. Idem, P. 114
11
Idem, P. 114
12
Cfr. DU FOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. Pp.
232
13
Cfr. MULUNEY, J. Francis. El Evangelio de San Juan. Pamplona, Verbo Divino, 2005, P. 115
perplexo ou claudicante (Jo 3,7), mas as promessas do preâmbulo e das profecias de João
Batista estão a ser cumpridas nestas palavras ou neste “encontro noturno14”.
14
Cfr. Idem, 115. O reino de Deus refere-se a uma comunidade de crentes, a um grupo de cristãos que
professam e tentam viver a compreensão joanica de Jesus. Os leitores originais deste evangelho estavam
cientes de que havia havido um passo de uma situação anterior de estilo de vida e fé, em torno do templo
ou sinagoga, para uma comunidade ligada pela fé e pela prática cristã. O resultado de um dom do alto, do
Espírito, renascido da água, permitiu-nos ver e entrar no reino de Deus. Desde o início, o dom do Espírito
do alto, que tornou possível este passo, foi acompanhado por um ritual de renascimento solenizado por um
batismo de água (v. 3.5).
Mas vós não acolheis o nosso testemunho (Jo 3,11), contudo, vós não me acolhestes, não
aceitastes o meu testemunho. Temos de perceber que Jesus não só fala de Nicodemos que
não percebe as suas palavras, mas também de todas as pessoas que ele representa
(fariseus); Jesus também fala das pessoas que não acreditam, que não O aceitam. “Se
não credes quando vos falo das coisas da terra”, (coisas conhecidas, de próprio Jesus)
como crereis quando vos falo das coisas do céu (de Deus)?
Jesus faz um breve discurso sobre o livro de Números que diz: “como Moisés levantou a
serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o filho do homem”. Moisés
levantou a serpente por que o povo lhe pediu que intercedesse a Deus, porque o povo
tinha cometido pecado (Cfr. Nm 21,4-9). Jesus faz o paralelismo sobre a serpente
levantada no deserto por Moisés “para recuperar a saúde16” e seu o próprio
levantamento (a sua glorificação ou a sua exaltação) P.240. Porquê? Porque “o
evangelista nos mostra a raiz profunda que está a ser evocado”17 que é: "o maior sinal
do amor de Deus18”.
15
Cfr. DU FOUR, Léon Xavier. Lectura al Evangelio de Juan. I Vol. Ed. Siguéme, Salamanca 1989. P.
238
16
Cfr. Cfr. MULUNEY, J. Francis. El Evangelio de San Juan. Pamplona, Verbo Divino, 2005, P. 115
17
Cfr. KONINGS, Johan. Evangelho segundo São João: amor e fidelidade. Ed. Loyola, Edições São Paulo,
Brasil, 2005.117
18
CARVALHO, C. José, Aula de Escritos Joaninos. Março, 12, 2021.
2. Deixar-se guiar pela luz, “porque é era a luz verdadeira que ilumina todo
homem” (Cfr. Jo 1,9) porque Ele é a luz que ilumina todas as coisas; porque “Deus
é Luz e nele não há trevas alguma” (1Jo 1,5); por isso, é preciso caminhar e
permanecer na Sua verdade e para que nós permaneçamos nos seus caminhos, na
sua Luz é necessário que abandonemos as nossas trevas interiores e exteriores, é
preciso e necessário deixar que Cristo habite no nosso ser, coração e no nosso
agir.
Depois deste diálogo, o evangelista não nos fala da reação de Nicodemos, mas
encontramo-lo em (Jo 7,45-52) “onde invoca a lei para ouvir Jesus19” e em (Jo 19,38-42)
onde se apresenta como o discípulo silencioso por medo dos judeus (Jo 12,42-43).
Portanto, o nascer de novo que Jesus diz a Nicodemos também o diz a todo aquele que
sabe dos seus sinais, mas não deixa Deus habitar no seu ser (agir). O nascer de novo que
jesus se refere é o nascimento do alto ou de (Deus). Não é um nascimento físico, mas é o
nascimento interior e exterior do próprio agir que se deve fazer todos os dias. Cada dia
deve ser uma oportunidade para nascermos do alto e é o que nos diz o evangelista do
quarto Evangelho “viver na luz”
19
Cfr. SAKENFEID, D., Katharine; BALENTINE, E.S; PERKINS, Pheme. The new interpreter´s
dictionary of the Bible, Me-R, Vol. 4, Abingdon Press, 2009, P. 270