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A ACULTURAÇÃO FEITA PELO PROTESTANTISMO NORTE-AMERICANO NO BRASIL

Os missionários protestantes norte-americanos, quando chegaram ao Brasil, vieram com uma enorme
bagagem de influência: PIETISMO (que enfatiza o momento devocional, a leitura solitária da Bíblia,
etc.); PURITANISMO (que enfatiza a conversão, o emocionalismo, a certeza da salvação, a santificação,
etc.); EVANGELHO SOCIAL (que enfatiza a transformação da sociedade, a justiça, a liberdade, instalação
do Reino na Terra, etc.); LIBERALISMO (que enfatiza a democracia, progresso, liberdade, etc.).
O que prevaleceu, porém, foi um cristianismo voltado mais para o interior do indivíduo e para a vida
eterna. Com o surgimento do Fundamentalismo, por volta de 1915, e com o advento da Primeira Guerra
Mundial, o projeto de evangelização integral que visa instalar o Reino de Deus sobre a Terra vai por água
abaixo. Com isto, é reforçado e enfatizado um evangelho, uma evangelização voltada para a
transformação interior do indivíduo e para o céu. É verdade que alguns líderes evangélicos enfatizavam a
salvação individual e a salvação social, mas a grande tendência do meio protestante foi sempre para a
salvação individual, no estilo conversionista.
Antes, a mensagem que a igreja pregava era a salvação do homem do mundo. Era uma época de
revitalização da piedade cristã. Havia todo um movimento de obsessão pela santidade, pelo escrúpulo e
pela espiritualidade. Insistia-se que o homem saísse do mundo a qualquer preço. Passados alguns anos,
a igreja começou um processo de reflexão. Com isso, a igreja passa a ter nova visão da soteriologia. Ela
começa a pregar a salvação do homem no mundo. Antes, o homem tinha que ser salvo do mundo; depois,
ele precisa se salvar no mundo. A diferença, como se vê, é espacial. Na primeira, é exigido que o homem
deixe o mundo. Na segunda fase, o homem deve estar no mundo, mas sem deixar de ser homem de
Deus. A seguir, a igreja passa por um movimento social enorme e parte para uma terceira fase. Nesta, a
igreja começa a pregar que o homem não precisa apenas ser salvo do mundo nem no mundo, ele precisa,
sim, salvar o mundo. Esta posição tira o foco do homem pecador e o coloca sobre o “novo homem”,
através de Cristo, que necessita avassaladoramente reconstruir o mundo em que vive, levando cativo os
pensamentos humanos ao senhorio de Deus. Aqui a soteriologia ganha perspectiva holística, global. O
homem cristão passa a pensar o mundo não como algo que vai de mau a pior, mas como alvo de
conquista do Reino de Deus.
Hoje, infelizmente, houve uma involução e a preocupação da maioria das igrejas evangélicas,
pentecostais e pós-pentecostais é somente com a “espiritualidade”, com a “alma” do ser humano. Ela não
se preocupa tanto em agir, transformar a sociedade. Sua missão é mais de proclamar. Por isso, os
métodos que a Igreja tem usado são: série de conferências, visitação e culto em casas, células, culto ao
ar-livre, evangelização pessoal, distribuição de folhetos, discipulado, etc. É uma preocupação mais com o
indivíduo e com a sua “alma”. Isso não está de todo errado.
Nós, pentecostais, além disso temos enfatizado mais a ação do Espírito Santo no ato de
evangelizar. O Espírito Santo nos capacita para esta tarefa, distribuindo a cada um de nós os seus dons.
Todavia, continuamos a não ter uma preocupação social com o ser humano quando evangelizamos. Na
verdade, a preocupação social que temos – quando acontece –, principalmente em relação ao
necessitado, é de dar uma roupa, um prato de comida, arranjar-lhe um emprego, etc - quando muito. Não
colocamos a evangelização como função também de transformar a sociedade, eliminando aquilo que tem
trazido sofrimento ao ser humano, ao povo, ao pobre.
A evangelização, ao longo dos séculos, tem sido entendida de diferentes maneiras. Os jesuitas, por
exemplo, quando chegaram ao Brasil já estavam assentados num plano de colonização, dominação
traçado pela Corte Portuguesa e o Vaticano e não de evangelização. Os índios, e depois os escravos
negros, foram “cristianizados” dessa maneira. Por outro lado, os missionários protestantes – piores do que
alguns padres jesuítas – quando chegaram ao Brasil, entenderam que a evangelização implicava também
em transportar toda a sua cultura para o convertido, ou seja, seu modo de pensar, modo de vestir, modo
de proceder. Evangelizar era fazer a pessoa mudar da cultura brasileira para a norte-americana.
Falando nisso, o Brasil teve a presença de dois tipos de protestantismos, bem diferentes em termos
de propostas e práxis no meio do povo brasileiro: o europeu e o norte-americano. Enquanto o
protestantismo norte-americano, sob a influência da junção protestantismo/puritanismo, é extremamente
individualista, emocional e comportamentalista, o europeu não o é. Segue uma linha mais racional,
reflexiva.
Evidentemente, com o passar dos anos, tanto norte-americanos como brasileiros, questionaram este
tipo de evangelização. Contudo, esta mentalidade ficou entre muitos evangélicos brasileiros. Ainda hoje, a
preocupação máxima tem sido com os diferentes métodos de evangelização.
No entanto, a evangelização à luz da Bíblia a partir da orientação dos sinóticos, registra a proposta
de evangelização de Jesus. O evangelho de Marcos, inclusive, começa assim: “Princípio do Evangelho de
Jesus Cristo....” (Mc 1.1). Precisamos aprofundar, com urgência, este tema e voltarmos às raízes,
“retirando o mato e a terra que encobrem a raiz”.
Um outra perspectiva a colocar é que o apóstolo Paulo, ao contrário dos evangelhos, deu um outro
enfoque na evangelização. Ele enfatizou mais o “Cristo crucificado” como sendo o conteúdo da
evangelização. Como somos muito “paulinos”, geralmente, só seguimos a proposta feita por ele.
Jesus, porém, enfatizou mais a evangelização como sendo anunciar e tornar realidade o Reino de
Deus na vida das pessoas e no mundo. Uma evangelização que salva, liberta o ser humano das forças da
morte; uma evangelização encarnada na realidade do povo.
De um modo geral, a salvação hoje não é entendida desse modo e sim como aceitação de Cristo, e
a vida eterna no porvir. Por esta razão, a evangelização tem sido entendida como tendo somente esta
função. Quando há uma preocupação com a evangelização, é somente em relação aos seus métodos
para melhor atingir este objetivo.
Por este motivo, há necessidade de mostrar o outro lado da moeda: a evangelização entendida e
ensinada por Jesus.
Para entendermos em profundidade o porquê e qual a boa nova que Jesus trouxe ao mundo, é necessário
voltar ao Antigo Testamento e ao nascimento de Jesus, onde a história e as profecias expressam as
angústias e esperanças do povo que vivia oprimido.

A Evangelização Para Jesus Era as Boas Novas


A palavra “evangelho” vem do termo grego euaggélion. O seu significado no passado era
recompensa dada ao mensageiro ou ações de graças aos deuses por uma boa nova dada por eles. Por
extensão, veio a designar, em Aristófono, por exemplo, a mensagem propriamente dita, e depois o
conteúdo da mensagem, a boa nova anunciada. Assim, o aniversário do imperador Augusto, chamado
deus e salvador, foi festejado como o começo, para o mundo, das boas novas, que ele trazia.
A palavra “evangelho” assim veio de “fora da Igreja”. Ela veio, por fim, após uma evolução, a
significar o começo das boas novas para o mundo.
Se a palavra “evangelho” significa boa nova, qual foi a boa nova que Jesus trouxe ao mundo? A boa
nova foi o Reino de Deus!
Jesus deixa claro que a sua boa nova era o Reino de Deus:
“O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo.
Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1.15).
A boa bova, portanto, é anunciar e concretizar o Reino de Deus na vida das pessoas e no mundo.
Jesus trouxe, com o Reino de Deus, o começo de um novo tempo. O significado de evangelho no NT pode
ser explicado do seguinte modo: é a boa nova de salvação divina que apareceu em Jesus Cristo; a boa
nova que inaugurou o novo tempo, definitivo.
É preciso perceber que o reino da morte imperava na Palestina. Ele se manifestava através das
possessões demoníacas, através das opressões dos religiosos, através das diferenças sociais, através do
império romano. Suas consequências eram: fome, doenças, marginalização, pobreza, morte, almas
dilaceradas pela culpa, etc. O Reino de Deus veio se opôr a tudo isto. Na maior parte dos casos, nós,
pastores, não ensinamos um evangelho libertador e ético. Infelizmente, algumas igrejas têm uma visão
estreita do que é ser evangélico. E essa prática mantém o povo não informado.
Bem mais claro fica que o evangelho, a boa nova, é o Reino de Deus, quando a Bíblia diz:
“Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suas
sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando
toda e qualquer doença ou enfermidade” (Mt 4.23).
Percebe-se aqui a oposição do Reino de Deus ao reino da morte. Assim, onde aparece no Novo
Testamento, especialmente, nos sinóticos, significa que a boa nova do Reino de justiça, fraternidade e
paz, é anunciada e tornada realidade na vida daqueles que precisavam mais: os necessitados, os
marginalizados, os pobres.
A evangelização que a maioria das igrejas está fazendo hoje, nem de longe, tem a ver com as
propostas deixadas por Jesus sobre a implantação do Reino de Deus entre os homens.
Estamos muito longe da realidade do Evangelho!

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