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Introdução

O alvoroço se instalou no recinto tomado pela penumbra. O som parecia mais alto e
mais preocupante conforme o tempo passava, até que a porta atrás de si foi escancarada. Por
ela passou uma mulher rechonchuda de meia-idade de nome Mitri.
— Senhor Derek, temos um problema. - Ela anunciou com certa urgência.
— Mitri, o que eu sempre falo sobre me interromper durante minhas orações?

Derek era um dos principais e mais novos sacerdotes do templo. Chegou lá ainda
criança, sem ao menos saber falar e por lá acabou criando raízes entre a religião que tanto o
fascinava quando era garoto.

— Eu sei, eu sei. - Ela disse de forma mais rápida, quase atropelando as palavras - Mas
realmente é urgente.
— Pois bem. - Derek saiu de sua posição, ajoelhado diante de uma enorme estátua de
serpente. — O que é tão urgente?
— Zenik fugiu. Não encontramos ele nem dentro e nem fora do templo.
Zenik era um dos garotos mais promissores daquele templo. Era esperto, ágil,
inteligente, mas como todos aqueles que eram recebidos ali por algum motivo, eles tinham o
direito de ir embora. Uma grande maioria aceitou a jornada do sacerdócio, recitando e louvando
a Urus, o deus-serpente, outros decidiram lutar suas próprias batalhas no mundo. Mas o
destino de Zenik era incerto. Sempre era difícil saber o que aquele garoto queria e talvez esse
era o motivo de sua fuga.

Derek respirou fundo antes de responder com tranquilidade:

— Urus cuidará dele.


Encontro Selado
A chuva caía de forma torrencial que mal dava para ver o que estava diante de seus
olhos. A sorte é que o jovem rapaz conseguiu se abrigar em um tronco oco de uma árvore, mas
isso não impediu de ficar encharcado. Já havia se passado três dias que saíra de Noar e a
chuva parecia persegui-lo.

No dia seguinte, quando o sol decidiu aparecer, usou o tempo para secar-se e continuar
sua solitária caminhada. Mais alguns dias estaria em Mensur e lá pretendia estabelecer-se por
um tempo, mesmo estando em uma época delicada; estavam vivendo um período de guerra
incessante entre duas nações: Bartha e Merin. Noar ficava bem no meio do furacão, porém
ninguém ousava atacar um local onde havia supostamente um deus antigo adormecido. Pelo
menos era o que parecia.

Mais à frente uma carroça o fez hesitar e parar, mas se aproximou quando viu que
umas das rodas estava atolada na lama feita pelo dia anterior. Um senhor tentava empurra-la,
sem sucesso, enquanto uma garota controlava os cavalos.
— Nada ainda, Aldo?

O jovem a ouviu, apesar de não a ver. Ele se aproximou do senhor que se assustou ao
perceber a aproximação.
— Calma. - O rapaz disse levantando as mãos. — Só quero ajudar.

O senhor de nome Aldo o olhou de cima abaixo, analisando o jovem que vestia roupas
simples e uma capa. Aldo suspirou, pois, naquele momento, era tudo o que tinha. Sabia que
não conseguiria desatolar a carroça sozinho.
— Senhorita, acho que agora dará certo. — Ele gritou dando espaço ao rapaz.

Os dois empurraram a carroça com força, enquanto a garota insistia com os cavalos
cansados. Em pouco tempo a carroça estava desatolada.
— Ufa! Ainda bem, Aldo! — A garota pulou da carroça com facilidade. Tinha os cabelos
ruivos presos em um rabo-de-cavalo alto. Carregava um arco pendurado no corpo e uma aljava
cheia de flechas pendurada na cintura. Pensou em ser uma nobre, pelo porte. — Quem é
esse?
— Um jovem rapaz bondoso que me ajudou, senhorita. — O senhor falou de pronto e
com gratidão.
— E esse rapaz tem nome? — Ela olhou diretamente nos olhos dele. Era imponente
que o fez abaixar os olhos.
— Ze… Nowak. — Zenik sabia que naquele mundo palavras tinham poder, e
certamente a pessoa que tivesse seu nome real teria poder sobre ele.
— Nowak. Sei… - Ela estreitou os olhos desconfiada, mas não fez nenhuma objeção. -
Nina, prazer! — Ela estendeu a mão de forma impulsiva.

Zenik imaginou que aquele nome não era o nome real dela também, mas preferiu
guardar isso para si e a cumprimentou de forma tímida.

— Para onde está indo, senhor Nowak? — Aldo perguntou com gentileza.
— Mensur. - Limitou-se a dizer.
— Que ótimo! Nós também! Suba, será meu agradecimento — Ela quase fez uma
reverência enquanto ele subia — Assim, quem sabe, você não descansa seus pés cansados.
A Verdade da Serpente
Mensur não era exatamente o que Zenik imaginava. Havia moradores de rua pedindo
esmolas e comida. As casas eram cinzentas e tristonhas, a vila parecia não ter vida. Não havia
nada ali que o fizesse querer ficar. Apesar de tudo, Aldo e Nina pareciam ignorar tudo ao redor,
como se estivessem acostumados com tal coisa.

Pararam em uma estalagem quando a noite começou a pintar o céu de escuro e as


estrelas começavam a aparecer. Estava caótico dentro da estalagem. Havia tantas pessoas
comendo, bebendo e falando alto que mal dava para andar por ali. Aldo e Nina ignoraram o fato
e foram em direção a única mesa disponível no fundo do local.

— Aldo, traga bebidas e comida – Nina pediu com indiferença ao que Aldo atendeu
prontamente.

Ao se verem sozinhos, Nina parecia entediada, colocando sua cabeça entre suas mãos.

— É verdade que o seu deus-serpente está adormecido em Noar?

Havia uma certa curiosidade na voz da garota, e também foi o momento que Zenik
percebeu que seu medalhão, representado por uma serpente mordendo a própria cauda,
estava a mostra. Logo ele colocou para dentro da blusa que usava.
— Não. – Disse baixinho, como se contasse um segredo.
— Como não? – Nina foi astuta – Noar só está inteira por conta dessa história!

Ele tinha que concordar. Bartha e Merin não fizeram de Noar poeira por conta da Lenda
que dizia que Urus repousava no templo mais antigo do continente. Porém aquilo não era bem
verdade. O templo mais antigo ficava em Terna, mais ao sudeste do continente. Outros diziam
que havia um templo oculto nas montanhas de Celesta, mais ao norte. A verdade era que Urus
estava adormecido em algum desses lugares, mas definitivamente não estava em Noar.

Aldo logo veio com as bebidas, dando um fim a qualquer curiosidade que Nina pudesse
ter.
A jovem pegou a caneca e, sem cerimônias, a virou quase bebendo todo seu conteúdo.
— Onde está a comida, Aldo? - Nina perguntou impaciente.

Em questão de segundos, o senhor desapareceu da vista deles novamente. E dessa


vez, era Zenik que parecia curioso.
— Você não parece muito com uma nobre – Finalmente disse.
— Porque não sou – Ela deu um sorriso misterioso, decidindo acabar a conversa por ali.
Nina

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