Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
REFUGIO DE UM CORAÇÃO
Golden Bay
Gloria Bevan
Digitalização Joyce
Revisão Kátia
Na língua maori, Hauturu significa refúgio dos namorados. Esse era também o
nome da fazenda de Jerry Conway, um recanto paradisíaco, onde Liz fora
parar, ao se ver perdida numa estrada deserta.
Lá, viu-se envolvida numa teia, de mal-entendidos da qual não
conseguia escapar: apaixonou-se por Jerry mas ele só lhe reservava fugazes
momentos de amor, deixando-a perdida e confusa... Liz não queria ser apenas
a outra!
Projeto Revisoras
CAPÍTULO I
Liz colocou no chão a chave inglesa com que acabara de apertar alguns
parafusos de seu velho carro empoeirado, passou a mão, manchada de graxa,
pela testa suada e tentou novamente ligar o motor. Seus esforços de nada
adiantaram.
Olhou, frustrada, para o veículo imóvel sob o sol escaldante. Quem diria
que o velho companheiro, que se comportara tão bem durante toda a viagem
através do interior de Nova Zelândia, fosse deixá-la na mão justamente na
região mais erma que já vira?
Acho que não posso culpar o coitado, ela reconheceu enquanto
levantava o capô, como sinal de que precisava de ajuda. Não pelo preço que
paguei! Só uma certeza a confortava naquele momento: o pessoal daquela
região do país era geralmente perito em consertar carros velhos. Enquanto
alguém não surgia, porém, o remédio era não perder a paciência.
Deitou-se sobre a relva à beira da estrada, cruzou as mãos sob a nuca e
contemplou o céu de um azul translúcido.
Que bela maneira de passar o dia de seu casamento! Apesar de sua
determinação de esquecer o passado, seus pensamentos a traíram. Fora num
dia quente como aquele que ela conhecera Brooke. De uma coisa estava certa,
Liz garantia a si mesma, nunca mais se deixaria arrebatar pelo charme de um
estranho! Deveria ter perdido completamente o juízo para confundir uma
paixão temporária com o amor profundo e verdadeiro.
Desde o primeiro dia, havia seis semanas, quando Brooke assumira o
cargo de administrador da fazenda de seu pai, ela soubera que não poderia
resistir àquele charme nórdico. E ele confessara também sentir o mesmo por
ela.
O interesse comum em hipismo facilitara o entrosamento. Brooke, aliás,
juntamente com seu cavalo cinzento de nome Sabre, era figura conhecida em
competições realizadas por todo o pais. Chegara a ser o escolhido para
representar a Nova Zelândia num evento a ser realizado em Badminton, no
outro lado do mundo. O oferecimento de seu pai para lhe adiantar o dinheiro
necessário às despesas com passagens e hospedagem na Inglaterra fora o
ponto culminante de sua alegria.
— Obrigado! Não se arrependerá, pode ter certeza — ele prometera ao
patrão. — Eu o pagarei em breve. — ele dirigira um sorriso encantador a Liz.
— Está tudo em família... ou logo estará! — disse o pai olhando com um
sorriso para Liz.
Em breve também chegou o dia da partida de Brooke.Era difícil suportar
a despedida, mas ela sabia o quanto representava a viagem para o noivo, e
abraçou-o desejando lhe toda a sorte do mundo.
— Você é quem me dá sorte, querida ele sussurrara junto a seus lábios.
Projeto Revisoras
— Estarei de volta antes que dê por minha falta,.. Olhe, por que não
marcamos a data do casamento agora? Para a semana em que eu retornar da
Inglaterra. O que me diz? Acha que pode providenciar tudo sozinha?
— Por que não? — Ela mal podia acreditar em sua felicidade.
— Não queria ter de deixá-la. — A voz de Brooke estava rouca de
emoção. — Não lhe dei sequer um anel de noivado.
— Não tem importância. — Liz sorrira, enlevada. — Apenas volte a
tempo para o casamento.
— Como se alguma coisa no mundo pudesse me deter!
Ele a apertara em seus braços e a cobrira de beijos apaixonados.
Quando tiveram de se separar, Liz correra para a colina situada atrás da casa
e ali ficara até o carro desaparecer de vista, e ela se cansar de chorar. "Nunca
pensei que a ausência de Brooke tornasse meu mundo tão vazio e sem
significado", ela pensou. "Bobinha! A viagem não será tão longa. Em poucas
semanas ele estará a seu lado para sempre!", ela tentara se consolar.
Os dias se arrastaram até que finalmente a espera terminou. Mesmo não
conseguindo o primeiro lugar na competição, Brooke se saíra bem e voltaria
para sua terra natal como um herói. Devido a uma inesperada greve com as
companhias de aviação, ele chegara em cima da hora para se preparar para a
cerimônia que aconteceria na capela da cidade mais próxima, a doze
quilometros de distância.
O casamento seria simples e informal pois tanto Liz quanto Brooke
quase não tinham parentes. Brooke, aliás, só possuía um meio irmão, um
pouco mais velho, pelo que lhe contara.
— Como ele é? — Liz quisera saber, interessada em tudo que dissesse
respeito a seu noivo.
— Não me pergunte. Não conheço o cara. Não nos vemos desde
crianças. Ele era corredor. Chegou a uma posição de destaque no circuito
automobilístico, mas um acidente em Mônaco pôs fim a sua carreira. Você já
deve ter ouvido falar, Conway. Jerry Conway.
— Claro! Ele sempre saía nos jornais.; Era muito famoso.
— Acertou. Ele "era" famoso. Desistiu de correr depois do acidente e se
estabeleceu em algum lugar ao longo da costa. Não se preocupe em lhe enviar
um convite pelo correio. Eu procurarei seu número na lista telefônica e lhe
direi que não poderá faltar no dia mais importante da minha vida.
Quanto a Liz, sua tia Rose era a única mãe que conhecera. Cuidara do
irmão viúvo e da sobrinha ainda bebê, quando a cunhada falecera num
acidente automobilístico, e nunca mais deixara a fazenda. Os amigos e
vizinhos, contudo, haviam sido convidados para o evento ao qual se seguiria
uma pequena recepção na casa de Liz.
Tudo correra na mais perfeita ordem até o momento em que Brooke
pisara na sala. Liz imediatamente percebera que algo estava errado,Em vez de
abraçá-la assim que ficaram a sós, ele evitara seu olhai e irrompera a falar.
— Olhe, Liz... há um. problema. Eu não podia contar por carta. Tinha de
ser pessoalmente...
— Um problema... você conheceu outra mulher. É esse o problema, não
é?
Projeto Revisoras
— Bem... — Ele não conseguia enfrentar o olhar acusador. — Eu sinto
muito. Sabe como é... Essas coisas acontecem.
Embora chocada, Liz percebeu que Brooke não se mostrava
constrangido com a situação. Pelo contrário. Até parecia aliviado por ter
cumprido um dever desagradável.
— Amélia e eu... nós ficamos juntos durante todo o torneio. Nunca
imaginei que isso fosse acontecer quando parti. Sei que não é justo para você,
após os preparativos... Mas Amélia e eu...
— Você está apaixonado por ela! — Aquela voz, inexpressiva,
pertenceria a ela? Liz se perguntou,
— Estou. Você já deve ter ouvido falar. Amelia James. É uma das
melhores amazonas da atualidade.
— Li sobre ela. — Pela mente de Liz passou a imagem da conhecida
amazona inglesa, Amélia James, uma figura indefinida de mulher sobre seu
cavalo branco de nome Moonlight.
— Então você morará na Inglaterra?
— Acertou. — O rosto atraente de Brooke se iluminara. — Sabia que
você compreenderia. Acontece todos os dias. Ninguém é culpado. — Ele se
levantou e caminhou até a janela, um sorriso cruel nos lábios. — De agora em
diante minha vida será outra. Não precisarei mais me enterrar vivo num
buraco como este, trabalhar como um escravo, de sol a sol, para ganhar
apenas uns trocados. Só um idiota não aproveitaria... — Ele se interrompeu, o
rosto muito vermelho, na tentativa de corrigir o erro. — Não me interprete
mal.
— Então foi isso? — A apatia deu lugar a uma raiva insana. — Agora
entendo a razão por você estar tão interessado numa garota que conheceu há
apenas algumas semanas. Por que não confessa a verdade de uma vez? Eu
tenho razão, não?
— Não! Por quem me toma? — ele protestou, indignado, o rubor ainda
mais intenso. — Se está se referindo ao dinheiro que seu pai me emprestou,
pode lhe dizer que não precisa se preocupar.
— Sabe perfeitamente que não era sobre o empréstimo que eu estava
pensando.
— Se não era, agora é —ele retrucou, exasperado. — Mas não se
preocupe. Seu pai receberá cada centavo. Só terá de esperar.
— Até seu casamento com Amélia, pelo que entendi. — Liz desejaria
morder a língua que proferira aquelas palavras, mas já era tarde demais.
— Está com ciúme de Amélia? — Brooke sugeriu, maldoso. — Já lhe pedi
desculpas pela situação. Que quer mais que eu faça? — Como ela não
respondesse e continuasse reprovando-o com o olhar, Brooke prosseguiu. — O
que está feito, feito está! Não vale a pena prolongarmos a agonia. — A última
frase foi acompanhada por um movimento brusco que o levou para fora da
sala.
Liz permaneceu imóvel, os olhos brilhando de raiva. Só naquele instante
conseguira encarar a monstruosa realidade. Enganara-se totalmente com o
caráter de Brooke. Ficara tão fascinada com a beleza daquele homem que se
negara a ver o tipo de pessoa que ele realmente era, com lábia suficiente para
Projeto Revisoras
conseguir todas as coisas boas que esperava da vida.
Brooke não chegara a se firmar no cargo de administrador da fazenda de
seu pai. E se a tivesse pedido em casamento apenas para assegurar uma
maior renda financeira? Era filha única e após o ataque cardíaco que seu pai
sofrera recentemente, era provável que não pudesse desempenhar mais
tantas atividades.
Liz estremeceu, horrorizada com o rumo de seus pensamentos. Não era
possível. Brooke não seria capaz. Entretanto a suspeita persistia. Teria sido
um mero instrumento de suas ambições? Seria Brooke um oportunista? Um
homem que procurara conquistar uma mulher só por ser rica, e que agora
estava ansioso por se livrar de seu velho amor, apenas por ter menos dinheiro
do que a outra? No fundo de sua mente, Liz sabia que era verdade. Por que,
então, estava sofrendo? Por orgulho? Porque seria humilhante ter de inventar
uma desculpa plausível para o cancelamento de seu casamento no último
minuto? Porque seria insuportável ouvir as condolências de parentes e
amigos?
Brooke também não tivera consideração alguma com o patrão que tão
bem o tratara, deixando-o ainda convalescente, com problemas com a escassa
oferta de mão-de-obra.
Foi a raiva que lhe deu forças para enfrentar todas as ligações
telefônicas.
— Surpresa! — Ela tentara dar uma entonação jovial à voz. — Brooke e
eu decidimos adiar o casamento! Sabem como ele se saiu bem no torneio
europeu! Por causa disso terá de ficar uns tempos na.Inglaterra.
Após o primeiro momento de muda perplexidade, quase todos os amigos
criticaram a decisão.
— Que deu em Brooke? O sucesso lhe subiu à cabeça?
Ao coração, talvez, Liz mordeu o lábio.
Nos dias que se seguiram, a tia foi sua tábua de salvação. Sentia-se
mais grata do que nunca à velha mulher que tão amorosamente se incumbira
de atender os numerosos telefonemas, livrando-a a da dor e da humilhação de
comentar sobre uma situação que ela queria desesperadamente esquecer. Sua
tia, aliás, não parecia nada aborrecida com o acontecimento. Até parecia
aliviada. Talvez a boa aparência de Brooke não a tivesse enganado nem por
um minuto.
O mesmo, porém, não acontecera com seu pai. Um homem de poucas
palavras, nada comentara a respeito do romance frustrado da filha, a não ser:
— Foi uma sorte você ter escapado, querida!
— Eu sei, papai. — Ela percebia por trás dos olhos zangados, a mágoa
de ter sido traído por alguém de quem gostara e confiara.
O cansaço físico fora uma benção sobre as noites longas e solitárias.
Com a falta de mão-de-obra, Liz trabalhara ardualmente na fazenda,
transportando os carneiros de um campo para outro, verificando as bombas de
água, cavalgando pela propriedade atrás, de ovelhas desgarradas e
inspecionando as cercas de arame farpado. Ao fim de uma semana se
apresentara um candidato experiente para preencher a vaga deixada por
Brooke. Naquele mesmo dia, Liz decidiu tirar umas férias pelo interior, a fim
Projeto Revisoras
de arejar as idéias. Ainda teria seis semanas pela frente até reassumir sua
posição de professora.
O pai e a tia ficaram entusiasmados com seus planos.
— È o melhor que poderia fazer. — Eles a encorajaram.
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
Não foi Jerry, contudo, quem se aproximou de Liz envolto numa nuvem
de poeira, mas um jovem empregado.
— Jerry acabou de sair daqui. Foi até as ravinas para verificar o
funcionamento das bombas de água. Se precisa de ajuda é só dizer — o rapaz
acrescentou com um sorriso tímido.
— Acho que não. — Liz suspirou. Em seguida ocorreu-lhe uma ideia. —
Talvez possa me ajudar, sim. Estou precisando de um cavalo. — Ela tentou
disfarçar a ansiedade de sua voz. — Acabo de sentir uma vontade enorme de
cavalgar. Deve ser por causa desse dia lindo. E, quem sabe, possa até
encontrar seu patrão por aí, e lhe perguntar a respeito do meu carro.
O homem ajeitou o chapéu, satisfeito.
— Pode levar Katie, minha égua. Ela está no curral. — O homem a
conduziu até o belo animal cinzento. — Não é a maior corredora do mundo,
mas obedece muito bem. Espere um pouco que já lhe trago uma sela.
— Não é preciso. — Liz montou rapidamente.
— Pegue a trilha por trás da casa. As ravinas ficam logo abaixo das
colinas.
Projeto Revisoras
— Muito obrigada. Qual é o seu nome?
— Gary. — Um largo sorriso iluminou o rosto bronzeado.
— Obrigada outra vez, Gary.
— Estou às ordens.
Em segundos, Liz já estava acostumada a Katie. Cavalgava com perícia,
os cabelos negros se agitando ao vento. O animal, era evidente, estava
acostumado à trilha, parava e esperava docilmente enquanto sua amazona
abria e fechava os portões.
Ao descer a colina, Liz avistou um cavalo sob uma árvore frondosa.
Apertou os joelhos contra os flancos da égua e a fez saltar sobre um ironco
caído, prosseguindo no galope.
Liz já podia ouvir o ruído das águas e o cheiro característico de terra
molhada. Deixou a égua sobre a relva verdejante e seguiu a pé. Em pouco
tempo encontrou Jerry. Ele estava distraído na tarefa de desobstruir a entrada
de água na bomba. Liz se moveu silenciosamente num ímpeto infantil de
surpreendê-lo.
— Olá!
Jerry jogou a cabeça para trás. Sua expressão, porém, era mais de
desagrado do que de susto ou perplexidade.
— Vamos, diga! — As palavras escaparam dos lábios de Liz antes que
pudessse detê-las. — Oh, não. Ela outra vez!
O olhar de Jerry era inescrutável ao se afastar do canal de irrigação e
sentar-se.
— Faça-me companhia. — Ele indicou o chão.
As palavras seguintes eram as últimas que Liz esperaria ouvir. Não era
um pedido de desculpa pelo ataque verbal que lhe fizera na noite anterior,
nem sequer um curioso "O que a traz aqui?" Oh, não, nada no gênero. Apenas
um olhar desaprovador em direção a seu pé e recriminações.
— Está cuidando desse ferimento, não? Não há sinais de infecção ao
redor do corte? A região está inchada?
— Sim, senhor! Não, senhor! Peço permissão para submeter meu pé à
inspeção, senhor! — Liz tirou a sandália e esticou o pé.
— Deixe-me ver! — Jerry se inclinou, a mão forte ao redor de seu
tornozelo.
Aconteceu outra vez. Liz estava totalmente des-preparada para a
excitação que o toque daquelas mãos lhe provocou. O sangue pulsava em
suas veias e arrepios lhe percorriam as costas. Numa luta imensa contra o
tumulto de seus sentimentos, Liz se forçou a falar.
— Eu vim procurá-lo para...
— Para? — Os olhos zombeteiros a fitavam com intensidade. Diziam
mais do que ela estava preparada para entender. — Não pôde resistir à
oportunidade, admita!
— Não! — A negativa veemente brotou de sua garganta. E se Jerry não
estivesse brincando? E se acreditasse que ela o seguira, de propósito, até
aquele local solitário? Ciente da opinião que ele formava sobre ela... Não pôde
evitar o rubor de humilhação que lhe tingiu as faces. O que Jerry estaria
pensando? Ela virou o rosto para outro lado. O pior, é claro!
Projeto Revisoras
— Não teve nada a ver com isso — ela protestou, confusa, só
percebendo depois que sua justificativa piorava as coisas. — Vim procurá-lo
por uma razão muito importante. É sobre Hércules...
— Oh, sobre seu carro? Por que não disse logo?
Liz abaixou a cabeça e arrancou um tufinho de grama.
— Você sabia que o motivo era esse — ela falou baixinho. Infelizmente
as palavras seguintes a traíram. — O que mais poderia ser?
— Pergunte a si mesma! — A resposta de Jerry fez sua cabeça rodopiar.
— O ponto é... — ela prosseguiu, determinada a não se deixar envolver
pela magia daquele olhar e daquela voz — que falei com Bill e ele confirmou o
que os rapazes do caminhão me disseram ontem. Tudo o que Hércules
precisava para voltar à estrada é de uma bateria nova. — Ela lhe dirigiu um
olhar que pretendia ser de despreocupação e confiança. — Agora tudo
depende de você.
— De mim? — Jerry se deitou, os braços cruzados sob a nuca, o olhar de
fingida inocência. — O que eu tenho a ver com isso?
Liz suspirou, exasperada. Jerry estava se fazendo de desentendido. Sua
vontade era responder com maus modos, mas não podia se esquecer de que
não fosse por ele, estaria morta a essas horas.
— Você sabe muito bem.
Jerry não respondeu. Continuava encarando-a e ela acabou se
esquecendo de sua obrigação de se mostrar grata, não só por sua vida como
também pelas circunstâncias de dependência.
— Será que terei de soletrar? — ela protestou, zangada. — Não posso
partir até que meu carro receba uma nova bateria, e Bill me informou que
ninguém tem planos de ir à cidade esta semana. Ele me aconselhou a falar
com você... aqui estou! — Liz fez uma pausa. — Fosse por minha própria
vontade, não teria vindo.
— A humildade não parece ser uma característica sua. — O brilho
sardônico daqueles olhos novamente a perturbou.
— Deveria?
— Não obrigatoriamente, mas sempre ajuda.
Dessa vez ela não conseguiu interpretar a expressão de Jerry.
— Isso significa que posso contar com sua ajuda? Mandará alguém à
cidade para comprar uma bateria nova para Hércules?
— Lógico! — ele murmurou, os olhos semicerrados. — Mas não esta
semana. Talvez nem na próxima.
A ira a envolveu como uma nuvem negra. O bruto! O bruto cruel e
sádico! Ele a induzira a pensar que estava do seu lado e agora...
— Eu deveria ter imaginado que não moveria uma palha para me
ajudar... — As palavras se perderam no vazio, pois não havia um único sinal
de luz naquele rosto. Tanto o olhar como a voz de Jerry eram duros como aço.
— Realmente esperava que fosse afastar um homem.de seus deveres,
numa das épocas mais atribuladas do ano, apenas para satisfazer seus
desejos? Que tem de tão importante para fazer? Tirar fotos das paisagens? Ou
talvez aumentar o número de admiradores do sexo masculino durante a
viagem?
Projeto Revisoras
— Se é a Greg que está se referindo... — O rubor novamente manchou-
lhe o rosto.
— Que importa quem ele seja! — Jerry encolheu os ombros, fazendo-a
se calar. — Não é da minha conta!
— Não, não é!
— Ao menos você concorda comigo em alguma coisa. — Ele sorriu,
sarcástico.
— Oh! — Liz fez um gesto de impotência com a mão. — De que adianta
tentar lhe explicar alguma coisa? Você se nega a acreditar em mim!
A cabeça de Liz estava um verdadeiro tumulto. Era difícil racionalizar a
frustração que a consumia. Por que era tão importante que Jerry acreditasse
nela? Mais cedo ou mais larde acabaria partindo e nunca mais tornaria a vê-lo.
— Como já disse, é bem vinda em minha casa...
— Vive dizendo isso! — ela o interrompeu rudemente, mas em vão, pois
ele continuou como se não a tivesse ouvido.
— ...Pelo tempo que quiser.
— Pelo tempo que você quiser! Por que não completa?
Jerry simplesmente ignorou o comentário.
— Dê-me uma ou duas semanas até as coisas se arranjarem por aqui.
Depois verei o que posso fazer.
Liz estava nervosa demais para medir suas palavras.
— Se espera que me ponha de joelhos e agradeça...
— Diga-me! — ele a interrompeu, os olhos muito estreitos. — Por que
toda essa pressa em sair daqui? Não possui reserva paga em nenhum hotel e
tem tempo de sobra para percorrer o país e se divertir!
— Seu... seu... Acha que tenho vontade de ficar aqui depois de tudo que
me disse ontem a noite? Depois de me dizer que acredita em todas as
mentiras que Brooke contou a meu respeito?
— É sua palavra contra a dele.
— Você está tão seguro de si mesmo. — Liz protestou. — Prefere
acreditar em mentiras só por causa de seu parentesco com Brooke. Se me
conhecesse melhor...
— Se é isso que a preocupa... — Antes que Liz pudesse perceber as
intenções de Jerry, sentiu-se presa entre seus braços. O abraço foi tão forte, o
olhar dele tão intenso, que ela se esqueceu de tudo que a rodeava e se
entregou à pulsação selvagem de seu corpo. Algo lhe dizia que lutasse para se
libertar daquele abraço. Uma outra voz, entretanto, a induzia a se submeter à
força daqueles braços. A voz da sedução foi a vitoriosa e Liz relaxou no peito
dele. No momento em que ele se inclinou e se apossou de sua boca o beijo foi
agressivo e punitivo. Tonta e trêmula, levantou-se e encarou-o por um
momento. O rosto de Jerry estava diferente. Era como se também estivesse
surpreso e abalado com o que acabara de acontecer. Claro que era apenas sua
imaginação. Lá estava ele novamente com aquele ar indolente e zombeteiro.
Fora uma louca em se deixar arrastar pelo desejo traiçoeiro. Tivesse
dado ouvidos à voz da razão, não estaria agora naquela situação. Havia perigo
na proximidade de Jerry.
Sem dizer uma palavra, ela lhe deu as costas e se dirigiu para a égua.
Projeto Revisoras
Montou sem esforço e segurou firmemente as rédeas. Não o fitava mas todo o
tempo estava consciente de sua presença. Ele continuava deitado sobre a
relva a espreita... apenas a espreita.
Finalmente cia olhou em sua direção c fez menção de se afastar.
— Vai fugir, Liz?
Bandeiras de perigo tremularam a sua frente e ela conseguiu relembrar,
o propósito de sua visita. Deliberadamente torceu a resposta.
— De que jeito? Como poderia ir embora sem sua ajuda?
Sobre o animal, longe da louca excitação de seu toque, era mais fácil
assumir uma atitude de defesa. Continuou parada ali por mais,algum tempo
esperando que ele dissesse que faria o possível para lhe comprar a bateria,
que fora apenas uma brincadeira quando afirmara que ela teria de aguardar
uma ou duas semanas até ser liberada da hospitalidade relutante. Afinal, o
beijo que tanto a abalara também deveria ter um significado para ele, mesmo
que pequeno. Não, não tinha, ela decidiu no minuto seguinte, ao vê-lo mudo e
irónico. Acuada, Liz disse as primeiras palavras que lhe vieram à cabeça.
— Não me importaria tanto de esperar todo esse tempo, se tivesse
alguma ocupação.
O olhar irônico rapidamente se tornou brilhante e alerta.
— Pretende ganhar pelo seu sustento, é isso? Se é o que deseja, por que
não?
Diante do súbito interesse de Jerry, Liz sentiu um momento de pânico.
Que espécie de trabalho ele estaria pensando em lhe oferecer? Na certa,
alguma tarefa física que ninguém mais na fazenda quisera aceitar.
— O que você tem em mente?— ela indagou, cuidadosa.
— Poderia treinar os cavalos se não se importar em levantar ao romper
do dia. Eles estão precisando de uma boa corrida diária pela praia.
— Não me importo. — Ela faria qualquer coisa para provar que não
pretendia contrair débitos com relação à hospitalidade forçada.
— Venha conversar comigo no escritório após o jantar, que lhe darei as
coordenadas.
— O que o faz pensar que cavalgo bem o suficiente para treinar seus
cavalos? — Liz procurou dar um tom impassível à voz embora o sabor daquele
beijo ainda lhe causasse reações traiçoeiras. — Não pode se basear em Katie.
Ela é muito dócil e ágil.
— Talvez. Mas fazê-la saltar demonstrou uma certa técnica.
— Você viu eu me aproximar!
— Algum problema com isso? — Ele sorriu, provocante.
— Claro que não. — Mas por trás das palavras convencionais, os
pensamentos de Liz estavam um caos.
Então ele a vira se aproximar. Sua chegada não lhe causara surpresa
alguma. Sem dúvida, imaginara que ela viria implorar ajuda. Fora uma louca
em supor que Jerry faria algo de construtivo com relação às suas dificuldades.
— Você treinou saltos com obstáculos, não?
Não havia como mentir e Liz fez um gesto afirmativo.
— Participei de competições por todo o país.
— Junto com Brooke?
Projeto Revisoras
As mãos de Liz apertaram inconscientemente as rédeas.
— Algumas vezes. Preciso voltar. Até logo.
Jerry ergueu a mão num gesto de despedida. Não tentou detê-la. Liz
cavalgou metade do caminho sem olhar para trás. Em um ponto elevado,
contudo, puxou as rédeas e olhou mais uma vez em direção às ravinas. Jerry
voltara a dedicar sua atenção ao conserto da bomba.
Apenas uma interrupção momentânea em suas tarefas, Liz falou consigo
mesma. Isso era tudo que o interlúdio lhe significara. Só em pensar no que
acontecera, tinha vontade de gritar de raiva.
Liz sentiu uma satisfação perversa em constatar que Jerry não pôde
voltar para casa a tempo de jantar com os demais. Era bem feito,para ele, que
tivesse encontrado dificuldades com o conserto. Provavelmente nem se
lembrava mais de que marcara uma espécie de entrevista com ela.
A noite chegou e com ela a sensação de inquietude de Liz se
intensificou. Andava de um lado para o outro do quarto, ciente de que estava
adiando o inevitável. Mas o que podia fazer? Todas as reações que aquele
homem a forçava a ter lhe eram totalmente novas.
Nunca se sentira assim antes: trêmula, insegura, vulnerável. Mas
também nunca antes fora forçada a depender da hospitalidade relutante de
um estranho.
A atitude de Jerry não facilitava em nada a posição desconcertante em
que se encontrava. "Se eu imaginasse que ele se divertiria tanto em me
humilhar, jamais lhe teria dado a oportunidade", ela falou consigo própria.
"Quanto ao beijo, então, nem em sonhos o teria aceito!"
Lá no fundo, porém, ela sabia que forças incontroláveis a levaram a
corresponder. Fora a primeira e última vez! Agora que conhecia os efeitos de
seu toque, estaria preparada. A raiva que sentia, também seria uma aliada
poderosa.
Aliás, aquele momento em que o detestava tanto, seria perfeito para a
confrontação.
Endireitando os ombros e erguendo o queixo, Liz marchou pelo longo
corredor acarpetado. Havia luz por baixo da porta do escritório. Liz abriu a
porta e entrou, mas o cômodo estava vazio. Ela resolveu esperar.
Aproximou-se da escrivaninha sobre a qual se acumulavam pastas,
livros de contabilidade, papéis e correspondências. Em seguida, seus olhos se
dirigiram para o mapa da propriedade, logo acima da escrivaninha. Olhou o
restante da sala. Uma foto, na parede oposta, chamou-lhe imediatamente a
atenção. Era a foto de uma mulher jovem, ruiva, de olhos sonolentos e sorriso
provocante. Era de beleza incomum. Havia algo de diferente, de devastador
em sua figura. Era o tipo de pessoa que atraía instantaneamente todas as
atenções. Era o tipo de mulher por quem todos os homens se apaixonavam.
Liz se aproximou e observou a dedicatória. "A Jerry, com amor. Bridget".
Estaria Jerry apaixonado por ela?
Mas isso não lhe dizia respeito, dizia? Liz desviou a atenção para um mural
com várias fotos e recortes de jornal, todos referentes a concursos e exibições
de bovinos.
Em outro mural Liz percebeu que as fotos e recortes tinham tema
Projeto Revisoras
diferente: circuitos internacionais de Fórmula 1. Uma foto do circuito de
Mônaco a interessou sobremaneira. "Jerry Conway, vencedor do Grand Prix".
Jerry carregava um trofeu e uma garrafa de champanhe.
— Interessa-se por corridas?
Liz se virou para encontrar os olhos de Jerry fixos nos seus.
— Sim... bem... não conheço muito bem o assunto, mas essa foto com
você se banhando em champanhe é bastante divertida.
— Faz parte do jogo!
— Quando se é o vencedor! — Era um alívio para Liz que Jerry
aparentemente houvesse se esquecido do incidente nas ravinas.
Ele agora estava tão próximo que Liz até podia sentir a fragrância cítrica
de sua loção após barba. Os cabelos ainda úmidos, a camisa branca de
algodão, a calça perfeitamente talhada, ele lhe parecia mais atraente e
indomável do que antes.
— Você parecia gostar muito do que fazia. — Ela se deteve, arrependida,
por tocar numa ferida talvez ainda aberta.
Jerry não pareceu notar seu momento de hesitação.
— Eu adorava a excitação do jogo, a velocidade. — O olhar de Jerry foi
até a última foto do painel. Um carro destroçado, um motorista inconsciente.
— Enquanto durou. — Perdido nos pensamentos do passado, ele parecia ter se
esquecido de sua presença. — Engraçado como você pensa que já se
esqueceu de tudo, que já tirou todas as lembranças da cabeça, e de repente
algo acontece e tudo volta à mente outra vez! Comigo acontece sempre que
volto a Pukekohe. Já esteve lá, Liz?
— Não, mas ouvi falar. Não é em Pukekohe que se realiza o Grand Prix
da Nova Zelândia, em todos os meses,de janeiro?
— Lá mesmo. É uma pequena cidade adormecida que ganha vida um dia
por ano. No dia da corrida.
— E você vai para lá todos os anos?
— Estive lá no ano passado e revivi minha época. Foi incrível poder ouvir
o ruído dos motores, sentir o cheiro do óleo!
— Não é pior para você?
— Assim que chego em casa, esqueço tudo. Minha vida agora é Hauturu.
— Ele olhou para o mapa. —É a este lugar que pertenço.
— Sua família sempre viveu aqui? — Liz perguntou apenas para falar
alguma coisa.
— Tudo começou com meu avô. Ele veio da Escócia e comprou estas
terras dos maoris, os nativos da região. Foi um desbravador. Naquela época
não era como agora. Ele só tinha o mar como acesso ao mundo exterior. Não
havia tecnologia, maquinarias, helicópteros. — Jerry se deteve de repente. —
Estou te aborrecendo?
— Não, claro que não. — E aquela era a pura verdade.
— Esta região de arbustos densos, por exemplo. — Ele indicou um
traçado verde no mapa, estava tão inclinado sobre ela que Liz podia lhe sentir
a respiração sobre a testa. Era tão tola que seus nervos estavam novamente
em frangalhos. Cada vez ficava mais difícil se concentrar em suas explicações.
— Eu mandei que a queimassem e plantassem pinheiros. Em poucos anos
Projeto Revisoras
estarão completamente adultos. Eu a levarei até lá um dia destes, se quiser.
— Oh, sim! — Jerry se afastou nesse instante. Mais um segundo e ela
não saberia mais o que fazer para resistir à doçura sedutora que lhe inebriava
os sentidos. Jerry estava completamente diferente naquela noite do que
estivera na noite anterior. Talvez houvesse se forçado a esquecer quem ela
realmente era. Naquele instante talvez só a encarasse como alguém em quem
pudesse confiar seus planos e esperanças para o futuro da propriedade. De
certa forma era um alívio que para ele o romantismo da tarde, não houvesse
passado de um impulso passageiro. Isso seria o melhor para ambos, não
seria? Então por que a estranha sensação de abandono?
— Nos dias de hoje estou mais interessado em cavalos de corrida do que
em carros de corrida. — Ele sentou-se na cadeira giratória e indicou a outra a
sua frente.
Um relacionamento empregado-empregador seria bem mais fácil de
conduzir, Liz refletiu. Ao menos nesse terreno ela saberia onde pisar.
— Já participou de algum curso sobre treinamento de cavalos de
corrida?
A pergunta a tomou de surpresa e sob o impacto daqueles olhos ela não
teria chances de faltar com a verdade.
— Sim, mas já faz algum tempo. No verão passado... — A memória a
levou para um ano antes. Seu pai ainda gozava de excelente saúde e estava
plenamente feliz em treinar o garanhão que ele criara na própria fazenda.
Ainda podia ouvi-lo falar: "Mate promete muito, Liz. Olhe só seu belo
desempenho!" Lembrava-se também de sua própria excitação ao pedir ao pai
que permitisse que ela o ajudasse a treiná-lo.
Fora um golpe terrível perder o animal em quem haviam depositado
tantas esperanças, mas um acidente com um trator forçara seu pai a desistir
de treiná-lo.
Uma exclamação de Jerry a trouxe de volta ao presente.
— Ótimo! Você é a pessoa exata que eu estava procurando!
O sorriso franco, a forma de fitá-la como se acabasse de encontrar não
só o fim do arco-íris como também o pote de ouro, a deixava desnorteada. O
que fora mesmo que ele dissera? Que estava pensando em realizar corridas,
ali na praia, uma vez por ano? O que havia com ela naquela noite para
imaginar coisas tão impossíveis como o carinho especial de Jerry para com
ela?
Cuidado, garota! Já cometeu um erro ao se apaixonar por Brooke à
primeira vista. Não pode se arriscar a cometer outro, pois os resultados
seriam ainda piores. Principalmente se esse outro erro envolver Jerry Conway,
entre todos os homens!
— Está empregada! — Ele a encarou enigmaticamente. Com os diabos!
Aquele homem parecia ter o poder de ler sua mente. Tinha certeza que ele
percebera o prazer refletido em seus olhos quando a elogiara. Mas era um
alívio que sua atitude continuasse a ser puramente profissional. Seria a única
forma de manter seu autodomínio!
— No caminho para cá, notei anúncios de uma corrida na praia. — Era
surpreendente que sua voz continuasse normal depois de toda a batalha
Projeto Revisoras
emocional que travara consigo própria.
— Há muitos anos, quando meu pai dirigia a fazenda, as corridas na
praia constituíam um evento anual nesta costa do país. Mais tarde ele desistiu,
mas eu resolvi recomeçar. Como sabe, tenho o sangue das corridas nas veias.
— Ele se recostou na cadeira e a fitou com satisfação. — É aí que você entra.
— Como jóqúei, você quer dizer?
— Essa é a idéia. Mas você... — Ele se deteve ao notar a expressão
tempestuosa de Liz. — O que houve? Pensei que estivesse disposta a
trabalhar.
— Estou. É que... você bem que poderia ter perguntado se eu
concordava em ajudá-lo! — Liz explodiu, indignada. — Do jeito que faz, sinto-
me como se estivesse obrigada a cumprir uma ordem!
— Então é isso! Tudo bem! — havia um brilho divertido nos olhos cor de
avelã. — Que acha, Liz? Estou lhe oferecendo um emprego de treinadora de
cavalos. Pagarei o mesmo salário do outro treinador. Só que você deverá se
dedicar ao meu puro-sangue em particular.
— Parece ansioso por entregar seu cavalo a outro!
— É verdade. — Ele simplesmente concordou. — Tão ansioso quanto
você por conseguir o emprego. E agora que está tudo acertado...
— Lá vai você outra vez! — Liz estava determinada a se vingar pelas
acusações que ele lhe fizera na noite passada.
— Tenha paciência! — O tom zangado provou que ela obtivera a reação
esperada. — Quer ou não o emprego?
— Quero.
— Excelente. — O tom de alívio confirmava suas suspeitas de que Jerry
realmente precisava dela para o trabalho. Naquele instante ele parecia
relaxado e feliz. — A sorte está do meu lado, já que marquei a corrida para
daqui a três semanas. Estará por aqui, não? — Liz detectou um tom de
preocupação em sua voz. — Poderá ficar todo esse tempo?
— Não tenho muita escolha. Você sabe disso.
— Sorte a minha! — Ele não deu importância ao comentário mal-
humorado. — O que quero que faça é o seguinte: Comprei o cavalo há um
ano. É um puro-sangue de ótimo desempenho. Tenho confiança nele e
acredito que tenha um futuro promissor nas pistas de corrida. Não seria o
primeiro cavalo treinado numa fazenda a conquistar a taça de Melbourne.
Minha idéia é testá-lo inicialmente numa corrida de praia. Se o resultado for
satisfatório, eu o inscreverei para as corridas de todo o país.
O rosto moreno era puro entusiasmo.
— Sua tarefa consistirá em percorrer a pista algumas vezes por dia até
que ele adquira prática no trecho, e também levá-lo para galopar na areia. O
homem que o treinava pediu demissão de uma hora para outra para trabalhar
num haras no norte do país. Liz o fitava, os olhos arregalados.
— Como é que pode entregar seu cavalo em minhas mãos, se a corrida
é tão importante para você? Quero dizer... você e eu, nós...
— Mal nos conhecemos. É isso?
Liz podia sentir o sangue subindo por seu rosto. Recusou-se a encará-lo.
Tinha certeza que ele aproveitaria essa oportunidade para lembrá-la da
Projeto Revisoras
loucura que a invadira nas ravinas. Para seu alívio, contudo, o tom de voz dele
continuava profissional.
— Conheço um jóquei de talento assim que o vejo e pelos meus
registros você tem esse algo especial que eu estava procurando. Foi uma sorte
encontrá-la, justamente quando estava desistindo de meus planos...
— Eu, especial? — Ela estava encantada. Possuiria realmente essa
qualidade especial que ele tanto frisava? — Não consigo entender a que você
se refere!
— Não? — Os olhos de Jerry a medira da cabeça aos pés. — O fato é que
não consegui encontrar ninguém tão leve quanto você. Se houvesse feito uma
encomenda não teria sido melhor servido.
Liz vasculhou em seu cérebro em busca de uma resposta que pusesse
um fim a essa alegria. Do jeito que Jerry falava ela não era um ser humano,
mas um objeto!
— Não vim aqui especialmente para ajudá-lo numa corrida de cavalos.
Se ainda não parti é porque você não tem consideração por meus
sentimentos.
— Está querendo dizer que usei de chantagem? — Liz teve vontade de
lher apertar o pescoço, quando ele sorriu. — Que importa, se consegui meu
jóquei!
A indignação roubava o fôlego de Liz. Queria brigar, esbravejar, mas sua
mente se recusava, a funcionar.
— Está bem. Quando é que devo começar com o treinamento?
— Isso é que é falar! — Jerry prosseguiu sem levar em conta o tom
desencorajador de Liz. — Comece assim que quiser. Amanhã cedo, que acha?
Eu a esperaria no estábulo às cinco horas. — Ele se deteve por um instante, o
olhar ansioso. —Não irá me
desapontar, não é, Liz?
— Por que faria isso? — Jerry ainda sentiria dúvidas com relação a ela
por causa das intrigas de seu meio-irmão? Não, certamente não era esse o
motivo. Tudo que lhe interessava no momento era seu puro-sangue. O
treinamento e a corrida eram muito mais importantes do que ele deixava
transparecer.
— Tudo isto é terrivelmente importante para você, não? — Antes que ele
pudesse responder, Liz se aproveitou de sua momentânea vantagem. — Nem
sequer o todo-poderoso proprietário de Hauturu pode estalar os dedos e fazer
aparecer no ar um jóquei. A humilhação que Jerry a fizera sofrer começava a
transbordar.
Agora era a vez dele de ser obrigado a depender de alguém. A ironia da
situação arrancou um breve sorriso de sua boca.
— Por que está rindo?
— Por nada. — Ela se levantou e encarou-o. — Apenas uma idéia que
me passou pela cabeça. Eu, que estava morrendo de vergonha por ter de
depender de você quanto a casa, comida e transporte e agora... o mundo
girou e você e quem depende de mim... que tem de confiar em mim.
Jerry também se levantou, uma expressão inescrutável nos olhos. Liz se
sentiu ainda menor e mais frágil ao seu lado.
Projeto Revisoras
— Apenas com, relação à corrida, é claro — ela acrescentou, ligeira. —
Estarei no estábulo ao amanhecer. Boa noite!
Liz saiu rapidamente do escritório e foi direto para o quarto. Precisava
dormir. Chovesse ou fizesse sol, não poderia se atrasar um minuto sequer em
seu primeiro dia de trabalho!
CAPÍTULO IV
Liz acordou várias vezes durante a noite com receio de perder a hora.
Da última, finalmente alguns tímidos raios de sol penetravam pela janela.
Nem bem acabara de se espreguiçar, soou uma batida forte na porta.
— Acorde e brilhe, Liz! — Foi a ordem.
— Já vou! — Ela saltou da cama e rapidamente se vestiu e calçou as
botas. Escovou os cabelos e preendeu-os com um elástico. A fita, ela só
terminou de colocar quando já estava no corredor.
Jerry a esperava na varanda.
— Bom dia! — Ele parecia alerta e descansado, os olhos cheios de
vitalidade. — Eu a acordei?
— Que acha? Será que alguém poderia continuar dormindo com aquele
barulho?
Jerry sorriu enquanto desciam os degraus.
— Vejo que encontrou uma roupa apropriada à equitação.
— Oh, sim. Estava numa gaveta em meu quarto. — Dessa vez Liz não
teve escrúpulos em aceitar o oferecimento da governanta, uma vez que o
empréstimo seria necessário para a realização de seu trabalho. — Foi uma
sorte ter servido em mim.
— Serviu com perfeição. — Liz mal podia acreditar em seus ouvidos. —
Você está linda!
Surpresa e irracionalmente feliz pelo inesperado elogio, ela não pôde
evitar um sorriso. Tudo ao seu redor lhe parecia maravilhoso: as árvores
contra o azul do céu, o ar fresco e perfumado da manhã. Em seu atual estado
de espírito, só em pisar sobre a relva macia e úmida já se sentia bem.
— Sempre começa a trabalhar assim cedo?
Jerry fez um gesto afirmativo com a cabeça.
— Ontem tive de levar um dos cavalos até a praia para fazê-lo andar na
água. Ele havia cortado a pata e a água do mar apressa a cicatrização — Jerry
falava com orgulho de seus animais, ela já havia percebido. Ao chegarem
próximos ao estábulo, ele a fez parar. — Espere aqui. Vou lhe trazer seu
cavalo.
Projeto Revisoras
Alguns minutos depois, Jerry retornou com um magnífico animal
Castanho. Liz prendeu a respiração. Mate! O puro-sangue que um dia
pertencera a seu pai! O cavalo que ele tinha certeza um dia seria famoso! Seu
companheiro de infância! Liz olhou para a perna dele e constatou a imensa
cicatriz deixada pelo ferimento que ela tão pacientemente tratara por muitas
semanas. "Seu cavalo"! Se ele soubesse!
— Algo errado? — Jerry olhava o cavalo e o rosto perplexo de Liz. — Não
me diga que vocês já se conhecem! Espere um pouco! O nome dele é Liz's
Mate...
— Claro que é! Eu o conheceria em qualquer lugar. — Emocionada, Liz
se ergueu nas pontas dos pés para acariciar o pescoço de seu antigo mascote.
Seus olhos ficaram marejados de lágrimas. — Sou Liz, lembra-se? Meu
coração ficou partido ao saber que você havia sido vendido. Pensei que nunca
mais fosse vê-lo e agora... estamos juntos outra vez! Será como nos velhos
tempos. — Ela pressionou o rosto contra o pescoço que ele erguia, garboso. —
Meu pai o adorava e tinha certeza que um dia seria um campeão, se tivesse
oportunidade. — Ela se deteve. — Só que um acidente de trator o impediu de
continuar treinando-o. Eu estava ausente aquele ano para um trabalho
voluntário no sudoeste da Ásia. Quando soube que papai o vendera fiquei
muito triste, mas era tarde demais para poder fazer alguma coisa. De repente,
o tom de voz de Liz ficou novamente alegre.
— Ele me reconheceu! Sabia que não me esqueceria! E pensar que
poderei cavalgá-lo outra vez! Nem acredito!
— Foi uma ótima notícia. —Jerry parecia quase tão,satisfeito quanto ela.
— Bem de encontro aos meus planos. As coisas estão saindo ale melhor do
que eu esperava.
Os olhos azuis de Liz escureceram.
— Toda essa alegria é apenas por eu ter um interesse pessoal em Mate?
Por você se sentir gratificado pelo bom emprego de seu dinheiro?
— Algo assim.
Foi como se lhe jogassem um balde de água fria. Ela deveria ter
imaginado que Jerry só era motivado por seu egocentrismo.
— O senhor manda, chefe. — Ela lhe endereçou um olhar de
ressentimento. — Devo servir a Mate a primeira refeição do dia? — Ela indicou
um balde de plástico.
— Agora mesmo.
Assim que ela completou a tarefa, Jerry colocou uma pele de carneiro
sobre Mate e depois a sela. Por último ajustou as rédeas e tirou um papel do
bolso da camisa.
— Este é o esquema que deverá seguir. O treinamento diário consistirá
em trotes e meio-galopes na areia molhada. Em seguida uma caminhada, pela
água para refrescar as pernas. Certo?
Liz leu rapidamente o papel, verificando os horários e detalhes do
programa de exercícios, descanso e alimentação.
— Acha que pode dar conta? — Liz mais uma vez percebeu a sua
importância para ele nesse aspecto.
— Não vejo nada de extraordinário nesse programa.
Projeto Revisoras
— Não é exatamente o mesmo que os usuais. As coisas são um pouco
diferentes aqui na costa...
— Eu também vim de uma região litorânea — ela protestou. — Não se
esqueça de que Mate é... foi meu. Sei muito bem como tratar dele.
— Para mim está perfeito. — Era imaginação sua, ou a tensão de Jerry
realmente desaparecera após sua resposta? — Seu emprego, Liz, será em
horário integral. Após as cinco horas estará liberada para fazer o que quiser.
— Vou começar imediatamente. — Ela se preparava para montar,
quando Jerry a interrompeu.
— Espere. Deixe-me ajudá-la. — Antes que pudesse lhe adivinhar as
intenções, sentiu-se levantada por braços fortes. Por um segundo, um minuto,
poderia ser até uma hora na imaginação de Liz, eles tiveram seus corpos
novamente juntos.
Esforçando-se para resistir à atração que fazia seu coração bater
descompassado, Liz jogou a cabeça para trás e riu.
— O que vai acontecer se meu trabalho não for aprovado?
— Isso seria impossível. — Ele a fitava com tanta confiança que Liz
pestanejou.
Era preciso se recompor. Não se deixe enganar, garota! O interesse dele
é apenas com relação a sua experiência com cavalos. Não confunda as coisas.
Ele não a vê como mulher.
Depois daquela primeira manhã, Jerry não mais a acompanhou nos
passeios diários ao longo da praia, nem sequer a visitou no estábulo, onde
lavava e alimentava o puro-sangue. Estava evidente para Liz que ele deixaria
Mate totalmente em suas mãos.
"Não acha que Jerry deveria vir ao menos uma vez ao estábulo, para se
certificar de que sua funcionária está trabalhando a contento?", Liz indagou a
si mesma. "E essa seria a única razão pela qual gostaria de vê-lo?" Uma voz
interior lhe chamou a atenção. Claro que sim. Por que outro motivo seria?"
Durante o jantar sempre vários homens estavam à mesa: o administrador, o
chefe dos tosquiadores, o veterinário. Após a refeição, eles invariavelmente
desapareciam pela sala de bilhar. Não que Liz desejasse ficar a sós com Jerry,
apenas queria saber se ele estava satisfeito corn os resultados.
No final de uma daquelas tardes, Liz estava carregando um pesado
manto para aquecer Mate, quando Jerry se anunciou.
— Deixe que eu faço isso! — Ele tirou o manto de suas mãos, colocou-o
no chão e depois ficou imóvel, a atenção concentrada no pêlo sedoso e
brilhante de Mate, e em seus cascos bem-tratados. — Está parecendo uma
pintura, não?
Liz assentiu, tentando disfarçar a onda de prazer que a fazia corar. Ele
notara os resultados dos banhos e escovações cuidadosas.
— Soube desde o primeiro instante que você era a garota ideal!
Por um instante a mente de Liz captou as palavras sem registrar seu
real sentido. O brilho de seus olhos, contudo, logo desapareceu. Já deveria ter
se acostumado com elogios que nada mais eram do que a coroação da
esperteza de Jerry, por ter encontrado uma treinadora adequada para seu
puro-sangue.
Projeto Revisoras
— Seria bom que verificasse o desempenho de Mate nas corridas pela
praia, antes de se parabenizar. Pelo que pensa a meu respeito, poderá se
decepcionar seriamente.
— Você? Me decepcionar? Não neste caso. — A certeza de Jerry
contribuiu para levantar um pouco o ânimo de Liz. — Ele até poderá perder,
mas não será por falha sua. Você e ele, Liz, formam um belo par.
Preferiria ter você como par! Oh, não! De onde viera aquela idéia tão
absurda?
— Como pode saber? Ainda não assistiu a um único exercício!
— É o que você pensa! — Jerry deu uma gargalhada. — Não há um
único homem nesta fazenda que ainda não tenha visto e elogiado seus
galopes pela praia, pelos campos e principalmente os saltos sobre portões.
— Então estava de olho em mim todo esse tempo! — Ela brincou. — E
eu que pensava que não estava preocupado!
— Acontece que você é muito importante para mim.
— Claro que sou. Uma jóquei sob medida. Como poderia me esquecer?
Os lábios de Jerry se distenderam sarcasticamente.
— Uma boa aquisição! É só isso que sou para você. — As palavras
inflamadas fugiram ao controle de Liz. — Está tão satisfeito comigo quanto
estaria com um novo e potente trator. Não confia em mim. Ainda prefere
acreditar nas mentiras de Brooke...
— Pensei que já houvéssemos encerrado este assunto. — Ele franziu o
cenho.
— Já? Mas você ainda não...
— Pensei que quisesse trabalhar para mim.
— Eu quero. — A voz de Liz estava tensa. — Mas...
— Neste momento, seu trabalho é o que importa.
— Estou perfeitamente ciente! — ela protestou entre os dentes.
Seus pensamentos estavam um verdadeiro tumulto. Ele tinha a
capacidade de destruir o ego de qualquer mulher. Sentia um ímpeto quase
histérico de começar a gritar. "Caso ainda não tenha notado, sou mulher! Você
só me enxerga como um jóquei de botas e boné!" Se pudesse fazer alguma
coisa, dizer alguma coisa para que ele mudasse de opinião a seu respeito!
Subitamente, uma idéia que vinha agasalhando a algum tempo, cristalizou-se
em sua mente. Provaria a Jerry que era uma garota que faria sucesso numa
carreira de sua escolha, no mundo dos homens.
— Fico contente que esteja satisfeito com o treinamento que venho
proporcionando a Mate. — Ela respirou fundo. — Estou pensando em desistir
de lecionar, para assumir uma carreira da qual realmente goste. Ligada a
cavalos, é claro.
— Está se demitindo? — A voz de Jerry ficou repentinamente áspera.
— Ainda não. — Ela deveria ter imaginado qual seria a reação dele à
notícia. Jerry tinha medo de perder seus serviços como treinadora. — É
apenas uma idéia que venho desenvolvendo. Administrar meu próprio haras.
Tratar e treinar cavalos de corridas. — Liz se deteve para saborear seu
momento de triunfo. — É por isso que gostei de saber que aprova meus
métodos. — Ela ergueu os ombros e o fitou, desafiadora. — Sei que terei
Projeto Revisoras
problemas devido a minha idade, que muitos homens colocarão minha
capacidade em dúvida, mas eu saberei me impor. Sempre quis possuir um
haras. O primeiro passo será convencer meu pai, principalmente porque
precisarei que ele ceda parte de suas terras. — Liz falava com entusiasmo e
confiança em seu projeto. — Planejo cuidar de um a seis cavalos de cada vez.
Tenho tanta sorte! A fazenda do meu pai dá para uma praia e eu poderei levar
os cavalos para nadar, principalmente os de corrida. Precisarei juntar dinheiro
para adquirir terras junto ao mar. Isso é imprescindível para o negócio.
— Você as terá!
Liz lhe endereçou um olhar de desconfiança. Jerry estava zombando de
seus planos? Não dava para saber.
— Poderei treinar os outros cavalos apenas nas colinas. Alguns poderiam
ficar um mês comigo, outros uma semana ou dez dias. Seria uma espécie de
férias para eles.
— Como a sua em Hauturu? — Dessa vez ela não teve dúvida de que
Jerry fazia pouco caso. Sua vontade era lhe atirar a escova de Mate.
Confessara-lhe seu sonho e ele zombava!
— Só estou lhe contando porque pode precisar de mim no futuro para
cuidar de seus cavalos.
— Obrigado pela dica, mas acontece que tenho uma idéia melhor. Trata-
se de um plano a longo prazo no que se refere ao cuidado com meus cavalos.
Não. — Ele protestou e sorriu quando Liz tentou questioná-lo. — Não posso
lhe revelar o plano por enquanto. É confidencial!
É claro que ele estava zombando. Jamais a levaria a sério.
— Se não acredita em meus planos de dirigir um haras só por que sou
mulher... — Ela não conseguiu sustentar-lhe o olhar. Não fazia ideia de que
seu rosto corado a tornava mais atraente, mais vulnerável aos olhos de Jerry.
— Vou lhe dizer uma coisa! O fato de ser mulher não mudará minha decisão.
Sempre achei que as mulheres têm mais afinidade com os cavalos do que os
homens!
— Então acertei em tê-la aqui.
Liz olhou para ele em busca de uma explicação, mas a expressão de
Jerry era indecifrável.
— Ainda não colocou o manto sobre Mate — ela observou, fria.
— Colocarei imediatamente. — Jerry preparou o animal para a noite,
fechou a porta do estábulo e acompanhou Liz até a casa, em silêncio.
Liz ainda sentia o rosto queimar de raiva. Não sabia de onde tirara a
idéia de que seria bom se Jerry viesse até os estábulos e conversasse com ela.
Chutou distraidamente uma pedra que cruzara seu caminho. Conseguira os
tão esperados elogios por seu trabalho. O duro é que eles vieram
acompanhados por injustiças e zombarias que a atormentavam.
Liz chegou à festa e logo foi rodeada por rapazes, todos querendo tirá-la
para dançar. Ao ver Gary,vindo em sua direção com um sorriso tímido, sorriu
e saiu com o rapaz para a pista de dança.
O rapaz olhou em direção aos desapontados rivais, que não tiveram
outra alternativa a não ser procurar outras garotas;
— Você estava me seguindo, não é? — Ela não pôde ocultar o riso.
— Eu não podia me arriscar á perder.
— Era uma aposta, não?
— Mais ou menos — o rapaz confessou, envergonhado.
Quando a música terminou, Liz, corada e sem fôlego, sentou-se para
descansar. Que esperança! A banda parecia não se cansar jamais! Nem os
rapazes!
Projeto Revisoras
Em um dos intervalos, já tarde da noite, Susan surgiu a seu lado.
— Não tive uma única chance de mudar de parceiro — ela se queixou a
Liz, embora seus olhos brilhassem de felicidade. — Duncan não se separa de
mim um minuto e os rapazes não têm coragem de se aproximar.
— Pode me culpar por isso? — O jovem esposo abraçou Susan
possessivamente pela cintura.
Liz não estava ouvindo. Ela acabara de ver Jerry conversando com um
grupo de homens e seu tolo coração quase parara de bater. Ele parecia
tranquilo e relaxado e nem um pouco interessado em procurar uma parceira
para o baile.
Uma impressão a fez enrijecer. Teria ouvido alguém mencionar seu
nome? Não estavam falando sobre a corrida na praia? Liz aguçou os ouvidos,
e entre os ecos de vozes, risos e música, ela reconheceu o tom grave da voz
de Jerry.
— Acredite no que estou falando, a garota estava viajando
completamente sozinha. Quanto a cavalgar, ela é tão boa quanto estão
pensando e mais ainda.
Seguiu-se um murmúrio ininteligível e logo depois uma outra voz se
destacou.
— Admira-me você ter conseguido convencer um tesouro desse a ficar.
Novamente a voz de Jerry, fria, impessoal e arrogante.
— Foi ela quem me procurou. Apareceu um belo dia em minha porta em
busca de hospedagem.
— Que sorte a sua!
Liz jamais imaginou que pudesse ficar tão furiosa. Sentia um desejo
infantil de gritar e espernear. Como ele se atrevia? Como se atrevia a dar aos
outros a impressão que ela se ajoelhara a seus pés em troco de uma cama e
um prato de comida? Mordeu o lábio para se controlar. Não via nem ouvia
mais nada. Nem sequer percebia que a música recomeçara e que os pares já
rodopiavam pela pista improvisada. Naquele instante seu mundo se resumia
em Jerry e seu convencimento de que ela nascera para sua própria
conveniência. Se não tivesse dado sua palavra de que treinaria Mate, se
tivesse meios de escapar dali, partiria de Hauturu ao amanhecer. Se...
Repentinamente um movimento lhe chamou a atenção. Jerry se afastava
do grupo de homens e vinha em sua direção. Decidido, ereto, tranquilo, sem
dúvida disposto a cumprir seu dever de anfitrião, convidando-a para dançar.
Seu coração se negava a se comportar e Jerry avançava perigosamente,
quando um homem gordo e vermelho surgiu a seu lado.
— Quer dançar? — A voz estava lenta e denunciava excesso de álcool,
mas o que isso poderia lhe importar? Ele era sua única saída!
Liz lhe deu o braço um segundo antes que Jerry a alcançasse. Pelo canto
dos olhos, notou uma breve contração no rosto moreno. Surpresa?
Desapontamento? A expressão era indecifrável, mesmo quando convidou uma
moça pálida para dançar, que estivera sentada a seu lado. E Jerry poderia ter
ser aborrecido por outro homem chegar a sua frente? Claro que não. Tudo que
lhe importava era ter contratado a jóquei peso-pena, que ele tanto procurara!
Também não ligava a mínima que, no dia seguinte, os mexericos estariam
Projeto Revisoras
correndo toda a fazenda, de que Liz esnobara ostensivamente o patrão!
Foi um alívio quando a música terminou e seu parceiro enxugou o suor de sua
testa.
— Estou precisando de um pouco de ar fresco. — Como Liz só quisesse
escapar de Jerry, tanto lhe fazia para onde pudesse ir. Seguiu, portanto, o
parceiro um tanto vacilante nos passos, e saiu para a noite estrelada. Muitos
casais já se encontravam por entre as sombras.
A pouca distância do galpão, o homem se deteve e colocou a mão no
bolso.
— Quer beber?
— Não, obrigada.
— Está aqui há muito tempo? — Ele indagou após um grande gole.
— Não muito. — Algo nos olhos dele lhe dizia que seria uma atitude
sábia mantê-lo falando. — Meu carro quebrou a alguns quilômetros daqui e
terei de ficar em Hauturu até que seja consertado.
Conversaram por um longo tempo, ou ao menos ela sentiu que fosse,
até que a música novamente quebrou o silêncio da noite.
— Vamos entrar? — ela indagou, aliviada.
— Por que a pressa? — O homem a deteve, o braço ao redor de seus
ombros. — Está muito melhor aqui fora... com você!
Era absurdo se preocupar. O homem estava bêbado e se comportando
de maneira estúpida, mas fora isso, era completamen-te inofensivo. Os outros
casais, entretanto, estavam todos voltando ao galpão, deixando-os a sós.
— Vou entrar. — Ela se livrou do peso sobre os ombros e deu um passo,
mas o homem a barrou.
— Não, não vai! — O tom de voz se tornou autoritário, e logo em
seguida, adulador. — Você é bonita. Alguém já lhe disse isso?
Ignorando os sussurros amorosos, Liz tentou avançar, mas apesar do
estado lastimável em que se encontrava, o homem antecipou seu movimento.
— Não dificulte as coisas. Você vai ficar aqui... comigo. — Liz se viu
bruscamente presa contra o peito dele.
O abraço era tão forte que todos os esforços para se soltar se
mostraram inúteis. Por mais que os outros sentidos estivesem embotados pelo
álcool, a força física do homem parecia haver aumentado.
— Cabelos lindos. Gosto que minhas mulheres usem cabelos longos. —
Antes que Liz pudesse adivinhar suas intenções, ele já havia retirado os
grampos de seus cabelos, fazendo o coque desmoronar como uma cascata
negra sobre os ombros.
— Solte-me, seu idiota! — Liz esmurrava o peito vigoroso ob tendo um
resultado ainda mais desastroso.
— Para que pensou que a trouxe aqui fora, hein? — A voz se tornou
rouca e ameaçadora. — Para começar quero um beijo,
A boca estava tão próxima que Liz sentiu náuseas com o hálito
impregnado de uísque.
— Não! Deixe-me em paz! — Desesperada, Liz percebeu uma silhueta
subindo os degraus do galpão de dois em dois. O instin to a fez gritar. —
Jerry!
Projeto Revisoras
— Cale-se! — A mão do homem fechou sua boca, mas já era tarde
demais. A silhueta escura avançava em direção a eles e um minuto depois ela
foi libertada. O homem, que lhe parecera tão forte, foi projetado como um
boneco de pano ao chão.
Levantou-se com dificuldade, a mão pressionando o queixo ferido. Virou-
se agressivamente para Jerry, mas o brilho ameaçador que viu em seus olhos
o fez recuar. Liz, contudo, ele não poupou:
— Sei quem você é. Assim que a vi com os cabelos soltos a reconheci.
Tinha certeza que a conhecia de algum lugar. Da fazenda de seu pai. Precisou
se afastar por uns tempos, hein? Bancou a boba quando se livrou de Brooke,
quase à porta da igreja. Também fez ele de bobo. Um cara legal. Ele não
merecia uma garota como. você! — Jerry avançou mais uma vez. O homem o
enfrentou. — Não me subestime!
Liz permanecia como que paralisada no lugar.
— Vá andando, se não quer que lhe mostre o caminho! — o homem,
praguejando, cambaleou em direção ao caminhão qm estacionara junto às
árvores. Finalmente parecia disposto a obedecer à ordem de Jerry.
Após alguns passos, entretanto, ele se deteve e virou-se para trás.
— Um conselho, colega. Tome cuidado com essa aí. Ela é traiçoeira!
Liz sentia vontade de ver o chão se abrindo aos seus pés paia poder se
esconder.
— Suponho que prefira acreditar no que aquele bêbado idiota falou
sobre mim. — Ela suspirou, amarga, enquanto afastava o cabelo do rosto que
a brisa noturna teimava em despentear. — Afinal, ele confirmou seu próprio
julgamento, não é?
— O idiota, como você o chama, foi bom o suficiente para atraí-la aqui
fora e mantê-la mesmo depois que os outros voltaram para o baile.
Então era isso. O impulso de rejeitá-lo em favor de um estranho, e ainda
por cima bêbado, reforçara suas idéias de que ela não era uma mulher
honesta.
O ódio perante tanta injustiça a cegou momentaneamente.
— O fato de eu tê-lo rejeitado por causa dele... — Ela se interrompeu.
Para que se dar ao trabalho? Era tarde demais para explicações. — Vamos,
por que não fala de uma vez? — Liz o provocou. — Pode arrumar suas coisas e
ir embora amanhã mesmo. Mandarei um homem à cidade para comprar a
maldita bateria e resolvemos o problema. Vá em frente!
— Não está se esquecendo de um detalhe? — A voz de Jerry era
cortante. — Temos um contrato.
Desesperada, Liz percebeu que ele novamente a tratava da forma
impessoal de um patrão para com sua empregada.
— Eu fico. — Ela gritou, revoltada. — Mas por Mate apenas. Ele significa
muito para mim e farei tudo para que vença.
— É só isso que espero. — O tom controlado a fez empalidecer. — Disse-
lhe que de treinadores e jóqueis, eu entendia.
— E eu lhe disse que não era tão bom em relação a namoradas! — No
momento que percebeu o que dissera, Liz soube que daria tudo para voltar
atrás. Nunca imaginara ser tão horrível, amarga e vingativa.
Projeto Revisoras
— Vamos nos ater aos cavalos, está bem? — A fúria mal contida provou-
lhe que tocara num nervo exposto. Estranhamente não se sentia vitoriosa com
a descoberta, mas arrependida. Será que Jerry e ela nunca se tratariam com
gentileza?
Ele a fitava em silêncio. Liz atribuía ao lugar as sombras naquele rosto
moreno, tornando-o ainda mais sério. Um movimento repentino e ele recolheu
da grama, o pente incrustado de pedras preciosas, que pertencera a sua
bisavó.
— Obrigada. — Ela começou a se afastar. — Vou voltar para casa.
— Não vai dizer boa-noite? — Ele a alcançou.
— Não, não vou. — Ela o fitou, desafiadora, e ele segurou fortemente
seu braço. — Tire as mãos de mim! Está me machucando!
A pressão se tornou mais suave. Liz, entretanto, tinha certeza de que
não poderia escapar enquanto Jerry não quisesse. Se ao menos não fosse tão
vulnerável ao toque dele!
— Você não manda em mim! — ela protestou, irada. — Exceto no que
diz respeito a Mate. — A dificuldade em falar, em pensar objetivamente já se
manifestava. Era uma loucura! A atração que os unia, algo que ela sentia
também acontecer com Jerry, os dominava, enfraquecendo suas defesas.
Liz não conseguia mais encontrar palavras para discutir. Não que isso
fosse fazer qualquer diferença, pois numa fração de segundo ele a puxou
contra o peito e esmagou seus lábios com uma brutalidade proposital. Quando
a soltou, os olhos de Liz estavam brilhantes, de lágrimas.
— Por que fez isso? — Ela levou a mão aos lábios doloridos.
— Para desejar boa noite.
— Não foi o que transmitiu. — Das névoas profundas de sua mente
confusa, Liz encontrou forças para manter a calma.
— Então por que está tremendo? — Ele indagou baixo e ameaçador. —
Ou é normal que trema quando qualquer homem a beija?
— Oh, deixe-me .em paz! — Ela começou a correr. — Boa noite!
Dessa vez ele não tentou detê-la. Que os céus a ajudassem a não
tropeçar e cair naquele terreno acidentado. Não suportaria ser novamente
carregada por Jerry.
Acordada por quase toda a madrugada, Liz não conseguia parar de
pensar nos eventos da noite. O infeliz interlúdio com o estranho embriagado
fora mais uma prova para Jerry de seu mau-caráter. Ela poderia ser uma
ótima jóquei, mas como mulher não era digna de confiança. Finalmente as
lágrimas romperam o autodomínio e ela se entregou a sua dor. Mas ainda lhe
restava coragem. Liz prometeu a si mesma que faria Jerry enxergá-la como
realmente era antes de partir.
CAPÍTULO V
Projeto Revisoras
CAPÍTULO VI
Na manhã seguinte, nada mais foi dito. Liz julgou que Jerry tivesse
esquecido o assunto ou perdido interesse em seus movimentos. À tarde após
se preparar para a longa cavalgada, ela se despediu de Molly. Os rapazes a
estariam esperando nos estábulos.
— Tome cuidado! — Molly acenou da varanda.
—Tomarei! — Liz começou a descer a colina, tropeçando numa chiva e
quase caindo nos braços de um homem que saiu das sombras.
—Você me assustou! — Ela prendeu a respiração. Entretanto não era o
susto que a abalava tanto, e sim o toque, a proximidade de Jerry, a excitação
de sentir seu calor. Foi preciso muita força de vontade para ela conseguir se
libertar.
Para quebrar o silêncio, Liz falou as primeiras palavras que lhe vieram à
Projeto Revisoras
mente:
— Se está tentando me impedir de ir ao concerto.. —.Ela começou a
andar, mas Jerry a alcançou.
— Por que eu faria isso?
Liz o fitou atentamente mas seu perfil não lhe dizia nada. Ela não
confiava em Jerry quando ele se comportava dessa forma.
— Não ficou muito entusiasmado com a idéia, quando conversamos
ontem a noite.
— Exato. — Ele parecia hipnotizá-la. — É por isso que irei com você.
— Comigo?— Liz não podia acreditar em seus ouvidos. Jerry comparecer
ao concerto maori depois de tudo que dissera! — Suponho que não me deixará
dar um passo sozinha, para garantir que Mate volte para casa em plena
forma. Você não confia em mim nem como jóquei.
— Não numa praia escura, onde nunca pisou em sua vida. — O tom
suave de sua voz a fez estremecer outra vez. — Eu não quero que se
machuque.
Entretanto tudo aquilo não significava nada, nada! Liz balançou a
cabeça.
— Lógico que não! Por razões que já deixou bem claras! —A raiva e a
decepção a fez dizer a primeira coisa que lhe veio à mente. — Suponho que a
última coisa que desejaria fazer esta noite, seria ir a um concerto maori...
comigo!
— O que lhe deu essa idéia?
Oh, ele estava se fazendo propositadamente de desentendido. Nunca se
sabia onde pisar ao lado dele. Mas sabia que não significava nada para Jerry.
Como jóquei talvez, mas como mulher... Seu súbito silêncio pareceu perturbá-
lo.
— O que houve agora? Tenho certeza que o concerto será muito bom.
— Não se trata do concerto — Liz respondeu.
— O percurso também não será problema. Eu cuidarei de você.
—Estou emocionada.— ela retrucou, sarcástica, embora soubesse que
sarcasmo não funcionava com Jerry.
Ao ver os dois rapazes nos estábulos, Liz apressou o passo, deixando
Jerry para trás.
— Bem na hora, Liz! — Gary trouxe Mate até ela. — É todo seu.
— Muito obrigada, Gary. — Ela aceitou a ajuda do rapaz e montou.
O jovem fez um movimento com a cabeça em direção a Jerry, que
parecia estar com dificuldades em selar seu garanhão negro.
— Engraçado, nunca me pareceu que o patrão se interessasse por nossa
cultura. Talvez tenha refletido e decidido não perder o evento.
— Acho que sim.
Wayne deu um risinho malicioso.
— Ele não quis perder a única oportunidade na semana de se livrar
daquela namorada pegajosa. Menino, ela não o deixa dar um passo sozinho.
Saem logo cedo e só voltam com a noite fechada. Sempre pensei que modelos
famosas como Bridget dormissem até altas horas.
— Não ela! — Gary sorriu. — Está fazendo tudo para agarrar o homem.
Projeto Revisoras
Não suporta vê-lo longe nem por um minuto!
— Ele não parece se aborrecer com isso.
— Também bonita como é!
— Você acha? Não faz meu gênero...
Os rapazes se calaram à aproximação de Liz. Não muito distante, Jerry
acariciava o pescoço do animal.
— Vamos, Mate! — Ela impulsionou o cavalo e olhou para trás. — O
último a chegar na praia é um espantalho! — Ela gritou para Gary e Wayne.
Para sua surpresa eles lhe acenaram.
— Vocês não irão ao concerto? Mas eu pensei...
— Desculpe, Liz — foi Gary quem respondeu. — Estamos muito
cansados. Divirta-se! —Ele piscou-lhe.
— Divirta-se! — Wayne repetiu...
— Tentarei. — Ela acenou com uma calma que estava longe de sentir.
Seria obrigada a suportar a companhia do patrão por horas e horas. Divertir-
se, que esperança!
Naquele momento Jerry conseguiu controlar o garanhão e fazc-lo
emparelhar com Mate. Liz comentou, intrigada.
— Os rapazes estavam tão animados com o concerto...
— Desistiram. Mudaram de idéia — Jerry explicou. — Eu os informei de
que não havia necessidade alguma de virem, apenas para cuidarem de você,
pois eu me encarregaria disso.
— Aposto que sim. Mas mesmo que não precisassem cuidar de mim,
poderiam ter vindo. Disseram-me que mal podiam esperar pela noite de hoje.
— Isso se fossem sozinhos com você!
— Oh! — Liz digeriu a informação em silêncio. Por fim, entendeu o que
acontecera. — Você mandou que ficassem!
— Por que faria uma coisa dessas? — A voz impassível de Jerry lhe dava
nos nervos. — Nas horas livres eles podem fazer o que bem entenderem!
— Mas não deixou que eles fizessem! O que lhe importa com quem
eu.possa sair?
— Importa muito.
— Eu estaria bem com Wayne e Gary.
— Eu não teria tanta certeza! — Havia tensão no rosto de Jerry. — Muito
provavelmente eles fariam os cavalos correrem além do necessário.
— Que mal há nisso? Teria sido divertido! Mas é claro que não seria
conveniente para você! Quem sabe Mate1 poderia quebrar uma perna...
— Quem sabe...
Liz não tinha dúvida de que seria realmente escoltada a cada centímetro
do percurso. De repente sentia-se tomada por uma excitação incontrolável.
Em vingança a tudo que ele fizera, o faria correr antes que a noite terminasse.
Chefe ou não, Jerry merecia uma lição!
Projeto Revisoras
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
FIM