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Projeto Revisoras

REFUGIO DE UM CORAÇÃO
Golden Bay
Gloria Bevan

Digitalização Joyce
Revisão Kátia

Liz e Jerry viviam intensamente cada instante de amor

Na língua maori, Hauturu significa refúgio dos namorados. Esse era também o
nome da fazenda de Jerry Conway, um recanto paradisíaco, onde Liz fora
parar, ao se ver perdida numa estrada deserta.
Lá, viu-se envolvida numa teia, de mal-entendidos da qual não
conseguia escapar: apaixonou-se por Jerry mas ele só lhe reservava fugazes
momentos de amor, deixando-a perdida e confusa... Liz não queria ser apenas
a outra!
Projeto Revisoras

CAPÍTULO I

Liz colocou no chão a chave inglesa com que acabara de apertar alguns
parafusos de seu velho carro empoeirado, passou a mão, manchada de graxa,
pela testa suada e tentou novamente ligar o motor. Seus esforços de nada
adiantaram.
Olhou, frustrada, para o veículo imóvel sob o sol escaldante. Quem diria
que o velho companheiro, que se comportara tão bem durante toda a viagem
através do interior de Nova Zelândia, fosse deixá-la na mão justamente na
região mais erma que já vira?
Acho que não posso culpar o coitado, ela reconheceu enquanto
levantava o capô, como sinal de que precisava de ajuda. Não pelo preço que
paguei! Só uma certeza a confortava naquele momento: o pessoal daquela
região do país era geralmente perito em consertar carros velhos. Enquanto
alguém não surgia, porém, o remédio era não perder a paciência.
Deitou-se sobre a relva à beira da estrada, cruzou as mãos sob a nuca e
contemplou o céu de um azul translúcido.
Que bela maneira de passar o dia de seu casamento! Apesar de sua
determinação de esquecer o passado, seus pensamentos a traíram. Fora num
dia quente como aquele que ela conhecera Brooke. De uma coisa estava certa,
Liz garantia a si mesma, nunca mais se deixaria arrebatar pelo charme de um
estranho! Deveria ter perdido completamente o juízo para confundir uma
paixão temporária com o amor profundo e verdadeiro.
Desde o primeiro dia, havia seis semanas, quando Brooke assumira o
cargo de administrador da fazenda de seu pai, ela soubera que não poderia
resistir àquele charme nórdico. E ele confessara também sentir o mesmo por
ela.
O interesse comum em hipismo facilitara o entrosamento. Brooke, aliás,
juntamente com seu cavalo cinzento de nome Sabre, era figura conhecida em
competições realizadas por todo o pais. Chegara a ser o escolhido para
representar a Nova Zelândia num evento a ser realizado em Badminton, no
outro lado do mundo. O oferecimento de seu pai para lhe adiantar o dinheiro
necessário às despesas com passagens e hospedagem na Inglaterra fora o
ponto culminante de sua alegria.
— Obrigado! Não se arrependerá, pode ter certeza — ele prometera ao
patrão. — Eu o pagarei em breve. — ele dirigira um sorriso encantador a Liz.
— Está tudo em família... ou logo estará! — disse o pai olhando com um
sorriso para Liz.
Em breve também chegou o dia da partida de Brooke.Era difícil suportar
a despedida, mas ela sabia o quanto representava a viagem para o noivo, e
abraçou-o desejando lhe toda a sorte do mundo.
— Você é quem me dá sorte, querida ele sussurrara junto a seus lábios.
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— Estarei de volta antes que dê por minha falta,.. Olhe, por que não
marcamos a data do casamento agora? Para a semana em que eu retornar da
Inglaterra. O que me diz? Acha que pode providenciar tudo sozinha?
— Por que não? — Ela mal podia acreditar em sua felicidade.
— Não queria ter de deixá-la. — A voz de Brooke estava rouca de
emoção. — Não lhe dei sequer um anel de noivado.
— Não tem importância. — Liz sorrira, enlevada. — Apenas volte a
tempo para o casamento.
— Como se alguma coisa no mundo pudesse me deter!
Ele a apertara em seus braços e a cobrira de beijos apaixonados.
Quando tiveram de se separar, Liz correra para a colina situada atrás da casa
e ali ficara até o carro desaparecer de vista, e ela se cansar de chorar. "Nunca
pensei que a ausência de Brooke tornasse meu mundo tão vazio e sem
significado", ela pensou. "Bobinha! A viagem não será tão longa. Em poucas
semanas ele estará a seu lado para sempre!", ela tentara se consolar.
Os dias se arrastaram até que finalmente a espera terminou. Mesmo não
conseguindo o primeiro lugar na competição, Brooke se saíra bem e voltaria
para sua terra natal como um herói. Devido a uma inesperada greve com as
companhias de aviação, ele chegara em cima da hora para se preparar para a
cerimônia que aconteceria na capela da cidade mais próxima, a doze
quilometros de distância.
O casamento seria simples e informal pois tanto Liz quanto Brooke
quase não tinham parentes. Brooke, aliás, só possuía um meio irmão, um
pouco mais velho, pelo que lhe contara.
— Como ele é? — Liz quisera saber, interessada em tudo que dissesse
respeito a seu noivo.
— Não me pergunte. Não conheço o cara. Não nos vemos desde
crianças. Ele era corredor. Chegou a uma posição de destaque no circuito
automobilístico, mas um acidente em Mônaco pôs fim a sua carreira. Você já
deve ter ouvido falar, Conway. Jerry Conway.
— Claro! Ele sempre saía nos jornais.; Era muito famoso.
— Acertou. Ele "era" famoso. Desistiu de correr depois do acidente e se
estabeleceu em algum lugar ao longo da costa. Não se preocupe em lhe enviar
um convite pelo correio. Eu procurarei seu número na lista telefônica e lhe
direi que não poderá faltar no dia mais importante da minha vida.
Quanto a Liz, sua tia Rose era a única mãe que conhecera. Cuidara do
irmão viúvo e da sobrinha ainda bebê, quando a cunhada falecera num
acidente automobilístico, e nunca mais deixara a fazenda. Os amigos e
vizinhos, contudo, haviam sido convidados para o evento ao qual se seguiria
uma pequena recepção na casa de Liz.
Tudo correra na mais perfeita ordem até o momento em que Brooke
pisara na sala. Liz imediatamente percebera que algo estava errado,Em vez de
abraçá-la assim que ficaram a sós, ele evitara seu olhai e irrompera a falar.
— Olhe, Liz... há um. problema. Eu não podia contar por carta. Tinha de
ser pessoalmente...
— Um problema... você conheceu outra mulher. É esse o problema, não
é?
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— Bem... — Ele não conseguia enfrentar o olhar acusador. — Eu sinto
muito. Sabe como é... Essas coisas acontecem.
Embora chocada, Liz percebeu que Brooke não se mostrava
constrangido com a situação. Pelo contrário. Até parecia aliviado por ter
cumprido um dever desagradável.
— Amélia e eu... nós ficamos juntos durante todo o torneio. Nunca
imaginei que isso fosse acontecer quando parti. Sei que não é justo para você,
após os preparativos... Mas Amélia e eu...
— Você está apaixonado por ela! — Aquela voz, inexpressiva,
pertenceria a ela? Liz se perguntou,
— Estou. Você já deve ter ouvido falar. Amelia James. É uma das
melhores amazonas da atualidade.
— Li sobre ela. — Pela mente de Liz passou a imagem da conhecida
amazona inglesa, Amélia James, uma figura indefinida de mulher sobre seu
cavalo branco de nome Moonlight.
— Então você morará na Inglaterra?
— Acertou. — O rosto atraente de Brooke se iluminara. — Sabia que
você compreenderia. Acontece todos os dias. Ninguém é culpado. — Ele se
levantou e caminhou até a janela, um sorriso cruel nos lábios. — De agora em
diante minha vida será outra. Não precisarei mais me enterrar vivo num
buraco como este, trabalhar como um escravo, de sol a sol, para ganhar
apenas uns trocados. Só um idiota não aproveitaria... — Ele se interrompeu, o
rosto muito vermelho, na tentativa de corrigir o erro. — Não me interprete
mal.
— Então foi isso? — A apatia deu lugar a uma raiva insana. — Agora
entendo a razão por você estar tão interessado numa garota que conheceu há
apenas algumas semanas. Por que não confessa a verdade de uma vez? Eu
tenho razão, não?
— Não! Por quem me toma? — ele protestou, indignado, o rubor ainda
mais intenso. — Se está se referindo ao dinheiro que seu pai me emprestou,
pode lhe dizer que não precisa se preocupar.
— Sabe perfeitamente que não era sobre o empréstimo que eu estava
pensando.
— Se não era, agora é —ele retrucou, exasperado. — Mas não se
preocupe. Seu pai receberá cada centavo. Só terá de esperar.
— Até seu casamento com Amélia, pelo que entendi. — Liz desejaria
morder a língua que proferira aquelas palavras, mas já era tarde demais.
— Está com ciúme de Amélia? — Brooke sugeriu, maldoso. — Já lhe pedi
desculpas pela situação. Que quer mais que eu faça? — Como ela não
respondesse e continuasse reprovando-o com o olhar, Brooke prosseguiu. — O
que está feito, feito está! Não vale a pena prolongarmos a agonia. — A última
frase foi acompanhada por um movimento brusco que o levou para fora da
sala.
Liz permaneceu imóvel, os olhos brilhando de raiva. Só naquele instante
conseguira encarar a monstruosa realidade. Enganara-se totalmente com o
caráter de Brooke. Ficara tão fascinada com a beleza daquele homem que se
negara a ver o tipo de pessoa que ele realmente era, com lábia suficiente para
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conseguir todas as coisas boas que esperava da vida.
Brooke não chegara a se firmar no cargo de administrador da fazenda de
seu pai. E se a tivesse pedido em casamento apenas para assegurar uma
maior renda financeira? Era filha única e após o ataque cardíaco que seu pai
sofrera recentemente, era provável que não pudesse desempenhar mais
tantas atividades.
Liz estremeceu, horrorizada com o rumo de seus pensamentos. Não era
possível. Brooke não seria capaz. Entretanto a suspeita persistia. Teria sido
um mero instrumento de suas ambições? Seria Brooke um oportunista? Um
homem que procurara conquistar uma mulher só por ser rica, e que agora
estava ansioso por se livrar de seu velho amor, apenas por ter menos dinheiro
do que a outra? No fundo de sua mente, Liz sabia que era verdade. Por que,
então, estava sofrendo? Por orgulho? Porque seria humilhante ter de inventar
uma desculpa plausível para o cancelamento de seu casamento no último
minuto? Porque seria insuportável ouvir as condolências de parentes e
amigos?
Brooke também não tivera consideração alguma com o patrão que tão
bem o tratara, deixando-o ainda convalescente, com problemas com a escassa
oferta de mão-de-obra.
Foi a raiva que lhe deu forças para enfrentar todas as ligações
telefônicas.
— Surpresa! — Ela tentara dar uma entonação jovial à voz. — Brooke e
eu decidimos adiar o casamento! Sabem como ele se saiu bem no torneio
europeu! Por causa disso terá de ficar uns tempos na.Inglaterra.
Após o primeiro momento de muda perplexidade, quase todos os amigos
criticaram a decisão.
— Que deu em Brooke? O sucesso lhe subiu à cabeça?
Ao coração, talvez, Liz mordeu o lábio.
Nos dias que se seguiram, a tia foi sua tábua de salvação. Sentia-se
mais grata do que nunca à velha mulher que tão amorosamente se incumbira
de atender os numerosos telefonemas, livrando-a a da dor e da humilhação de
comentar sobre uma situação que ela queria desesperadamente esquecer. Sua
tia, aliás, não parecia nada aborrecida com o acontecimento. Até parecia
aliviada. Talvez a boa aparência de Brooke não a tivesse enganado nem por
um minuto.
O mesmo, porém, não acontecera com seu pai. Um homem de poucas
palavras, nada comentara a respeito do romance frustrado da filha, a não ser:
— Foi uma sorte você ter escapado, querida!
— Eu sei, papai. — Ela percebia por trás dos olhos zangados, a mágoa
de ter sido traído por alguém de quem gostara e confiara.
O cansaço físico fora uma benção sobre as noites longas e solitárias.
Com a falta de mão-de-obra, Liz trabalhara ardualmente na fazenda,
transportando os carneiros de um campo para outro, verificando as bombas de
água, cavalgando pela propriedade atrás, de ovelhas desgarradas e
inspecionando as cercas de arame farpado. Ao fim de uma semana se
apresentara um candidato experiente para preencher a vaga deixada por
Brooke. Naquele mesmo dia, Liz decidiu tirar umas férias pelo interior, a fim
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de arejar as idéias. Ainda teria seis semanas pela frente até reassumir sua
posição de professora.
O pai e a tia ficaram entusiasmados com seus planos.
— È o melhor que poderia fazer. — Eles a encorajaram.

Um estremecimento a trouxe de volta ao presente. Naquele momento


não estava mais tão segura a respeito da viagem. E se não aparecesse
ninguém e ela tivesse de passar a noite naquda estrada? De repente ouviu.
Era o som inconfundível de um carro se aproximando.
O caminhão coberto de pó e de homens parou assim que a viu. Os
homens era morenos, bastante queimados de sol, e todos carregavam facas
atadas a um cinturão de couro. Bóias-frias, ela percebeu, provavelmente a
caminho de alguma fazenda para se apresentarem para a tosquia.
— Algo errado, senhorita? — Um nativo corpulento desceu do caminhão.
— Precisa de ajuda?
— Só preciso! — Liz respondeu, gentil.
— Oi, Liz!
— Greg! — Ela não escondeu a surpresa em encontrar o rapaz de olhos
cinzentos e cabelos claros.
— A última vez que a vi foi no verão passado, na fazenda de seu pai.
Você trouxe chá e bolinhos para toda a turma, lembra-se? — E antes que ela
pudesse responder, o rapaz continuou:— O que faz tão longe de casa?
Ela sorriu, brincalhona,, o que acentuou as covinhas de seu rosto.
— O que acha? Estava esperando que você viesse me salvar, é claro. Por
que demorou tanto?
Suas palavras despertaram risos e assobios. Satisfeitos com a
oportunidade de quebrarem um pouco a monotonia da viagem, os homens a
cercaram.
— O carro morreu de repente. Não dá para acreditar. Num minuto
estava tudo bem, no outro...
— Vamos dar uma olhada. — Foi até engraçado ver aquela multidão de
rostos espiando sob o capô. Greg ficou na direcão, puxando alavancas e
pressionando botões, mas nada funcionava.
A opinião geral era que o problema estava na bateria.
— Não pode ser! — Liz protestara, incrédula. — O homem que me
vendeu o carro garantiu que a bateria era nova!
A afirmação provocou novas risadas.
— Mas para onde você vai? — Greg perguntou num tom educado que
não combinava com a camiseta e shorts sujos e com os pés descalços. Passou
pela cabeça de Liz que ele era muito simpático, que seu sorriso era radiante, e
que ele deveria ser muito mais forte do que o físico magro demonstrava, caso
contrário não suportaria o trabalho pesado de tosquiar carneiros sob o sol do
verão de Nova Zelândia.
— Para nenhum lugar em especial. Estou fazendo turismo. No momento
só preciso encontrar uma pousada para passar a noite e um mecânico para
dar um jeito no meu velho ônibus.
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— Teve sorte — Greg comentou. — Foi por mero acaso que decidimos
cortar caminho por aqui. Desde que a rodovia foi inaugurada, no ano passado,
quase ninguém mais usa esta estrada. As chances de alguém passar por aqui
hoje, e mesmo amanhã, seriam pouquíssimas. Mas já que nos encontramos,
não há mais com o que se preocupar. Só precisamos nos apresentar amanhã
cedo. Fomos contratados por uma semana. Isso é, se o tempo ajudar.
— É só me deixarem na primeira pousada que surgir... — Liz se
interrompeu, o cenho franzido. — E o meu carro?
— Sem problemas. — Outro rapaz da equipe a tranquilizou. — Há
grandes propriedades nesta região e quase todas contam com mão-de-obra
diversificada. O patrão certamente terá alguém para vir buscar seu ônibus,
como diz, e consertá-lo.
— Que alívio! — Liz suspirou profundamente.
— Está pronta para seguir, senhorita? — O motorista indagou, gentil, ao
mesmo tempo em que abria a porta da cabine.
— Mais do que pronta. — Ela subiu na boleia.
Em minutos percorriam o caminho cheio de curvas, deixando uma
nuvem de poeira para trás. Os tosquiadores cantavam uma melodia popular
local.
Liz observava, o terreno ondulado das pastagens e ao mesmo tempo
ouvia as descrições do motorista sobre as várias fazendas em que ele e a
turma haviam trabalhado naquele verão.
Naquele momento, o caminhão estava com dificuldade em subir a
estrada íngreme, cuja vista se estendia pelos campos. De casas, nem sinal. Só
depois de muito tempo houve alguma mudança na monotonia da viagem. Era
o ruído de ondas se quebrando numa praia invisível, e o cheiro do sal
penetrando em suas narinas. Quase que no mesmo instante Liz notou uma
tabuleta: "Estação Hauturu".
A curva seguinte os levou para um atalho de areia em direção às águas
azuis do oceano Pacífico.
Liz olhava, fascinada, a enorme extensão de areia e a velha e
acolhedora casa, cercada de varandas.
Arbustos em tons alaranjados e outros cobertos de flores azuis se
espalhavam pelas colinas até se encontrarem com a areia. O caminhão
prosseguiu em direção à casa.
Liz admirava tudo com avidez. Passaram por um galpão, onde
provavelmente era feita a tosquia, e por vários currais. Os estábulos deixavam
ver os cavalos, já selados, à espera de seus montadores. Numa imensa
garagem, um homem trabalhava sobre um trator. Ao perceber a aproximação
do caminhão, ele se deteve na tarefa e acenou. Liz endereçou-lhe um sorriso
cordial. No momento aquele era o homem mais importante de sua vida.
Passaram em seguida por dois bangalôs de madeira, cercados por
pequenos e graciosos jardins. Na porta de um deles havia uma jovem loira
com um bebê. Liz imaginou que as duas casinhas brancas fossem ocupadas
pelos funcionários casados de Hauturu. A propriedade parecia não ter fim.
O caminhão seguia em frente até que inesperadamente avistaram a
casa-sede com sua imensa escadaria de pedra, e varandas ensolaradas. Assim
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que estacionou, um jipe encostou ao lado.
— Estão me procurando? — O homem olhou para o motorista e para os
rapazes, e balançou a cabeça. — Sinto muito, mas acho que lhes deram
informações erradas. Já tenho uma equipe de tosquiadores trabalhando no
galpão neste momento.
O homem era alto, moreno e atraente. Possuía um ar tranquilo e uma
maneira afável de falar. Por que, então, ela sentia uma aura de força e poder
ao seu redor? Era o dono da propriedade tinha certeza.
— Não. se preocupe. Não viemos aqui em busca de trabalho. Trata-se
apenas de uma entrega.
— Entrega? — O homem ergueu as sobrancelhas negras e espessas. —
Não entendi. Não fiz nenhuma encomenda.
— Não se trata de uma.encomenda. — A risada foi geral.
— O que é, então? — Liz adivinhou um tom de impaciência na voz do
dono de Hauturu.
— Ficará surpreso! Algo que encontramos na estrada a caminho daqui.
— Mais risadas.
— Não ligue para eles. — Liz abriu a porta da cabine e em um segundo
Greg a ajudava a descer, segurando-a em seus braços talvez um pouco além
do necessário.
— Esta é a Liz — Greg a apresentou ao estranho. — Ela está com
problemas. Seu carro quebrou a poucos quilômetros daqui e nós lhe
oferecemos uma carona. Tudo que ela quer é uma cama para esta noite.
— É isso? — Algo no tom frio e desaprovador do dono, sim porque ele só
podia ser o dono, estava lhe dando nos nervos. — Então não há problemas. A
casa é espaçosa.
Pensamentos inquietantes passaram pela mente de Liz. Será que o
homem estava com alguma idéia errada a seu respeito? Teria acreditado na
explicação de Greg? O fato de ela estar ali num caminhão cheio de homens...
O que ele estaria pensando? Liz tentou se acalmar. Em primeiro lugar não
deveria olhar diretamente para aqueles olhos penetrantes, da cor de avelã. A
tática funcionou. Em segundos sua voz recuperou a firmeza e confiança.
— Ficaria muito grata se pudesse me dar abrigo por esta noite. Esperei
horas e horas por socorro e estou muito cansada.
Olhos impassíveis encontraram os seus, quando tornou a fitá-lo.
— Como disse, há muitos quartos vazios na casa, e a sra. Malloy, minha
governanta, está acostumada a receber estranhos ocasionais.
A frieza do homem a impressionou. Como era possível que alguém tão
jovem e atraente na aparência pudesse ser tão formal ao dar as boas-vindas a
uma pessoa em dificuldades? Os olhos azuis de Liz se estreitaram quando
murmurou junto a Greg.
— Não haveria uma outra propriedade aqui por perto, para onde
pudessem me levar?
— Sinto, mas esta é a última da estrada. Não poderíamos chegar a
nenhum outro lugar, ao menos por esta noite.
Liz tinha a incômoda impressão que a breve troca de palavras fora
ouvida pelo proprietário.
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— Vamos embora, Greg! É tarde! — O motorista chamou.
Liz sentiu uma pressão quente em seu braço.
— Quando a verei outra vez? Eu...
— Vamos logo, Greg! Ainda temos muito chão pela frente! — Os
chamados dos companheiros interromperam o que Greg teria a dizer. Ele se
afastou com relutância.
— Adeus! — Os rapazes se despediram em coro.
— Adeus! —- Ela acenou. — E obrigada pela ajuda. Espero encontrá-los
a próxima vez que meu carro resolver me deixar na mão.
— Seria uma sorte para nós!
— É melhor entrar. — O homem se virou assim que o caminhão se
afastou.
Seu comportamento mostrava que não a apreciava.
— Desculpe incomodá-lo, mas eu não tinha para onde ir.
— Não é incômodo. — Foi a resposta fria. — É um prazer.
Era prazer! Não podia acreditar que fosse. Fitou-o, ressentida, por um
momento. De repente, pensamentos de natureza diferente passaram por sua
mente. Ele tinha uma boca sensível, uma covinha no queixo, a pele queimada
de sol. O rosto era interessante, enigmático, excitante. Um ar de autoridade
exalava dele. Não era homem de aceitar mentiras ou evasivas. A necessidade
de provar-lhe que viera até ali por puro desespero, tornou-se de uma
importância vital.
— Deve estar imaginando o que vim fazer por estes lados...
— Conversaremos mais tarde, está bem?— a resposta foi como um jato
de água fria.
Aborrecida demais para responder, Liz o acompanhou em silêncio pelos
degraus gastos ladeados de. flores.
— Onde deixou seu carro?
Liz pensou duas vezes antes de responder com maus modos. Não podia
se dar a esse luxo. Em seu próprio interesse tinha de ser educada.
— A cerca de duas horas daqui, numa estrada velha que quase ninguém
mais usa, pelo que os rapazes me informaram.
— Conheço o lugar. Mandarei um homem buscar o carro logo pela
manhã. Está bem para você?
Liz mordeu o lábio.
— Se fosse possível, eu gostaria de prosseguir minha viagem antes
disso.
— Não é. — A resposta autoritária não admitia argumentos. — Você
passa a noite aqui e amanhã o mecânico verá o que pode fazer com seu carro.
Isso, se ele tiver as peças necessárias.
Atravessavam, agora, a extensa varanda impregnada da fragrância de
botões de jasmim. Uma porta abria-se para uma sala acarpetada.
— É você, Jay? — Uma senhora baixa, gorda, de meia-idade, de cabelos
loiros e encaracolados, o rosto brilhando de suor, veio-lhes ao encontro.
— Sra. Malloy, esta é Liz.
— Prazer em conhecê-la. — A governanta enxugava o rosto com um
lenço. Seu sorriso era cordial e simpático.
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— O carro dela encrencou na velha estrada.
— Oh, probrezinha, sei o que é isso. Muita gente já passou por aqui nas
mesmas condições. Num instante arrumarei um quarto para você.
O dono deveria tomar lições com a governanta em matéria de
recepcionar um hóspede, mesmo que este não houvesse sido convidado, Liz
pensou.
— Deve estar ansiosa por um banho e uma refeição depois de engolir
tanto pó. Venha comigo — a mulher continuou.
O quarto era fresco e convidativo. A brisa marítima agitava as cortinas
sobre as largas janelas. Tapetes de pele de carneiro cobriam o assoalho, e a
mobília consistia em uma cómoda antiga, um armário e duas camas de
solteiro, cobertas por colchas liláses.
A mulher a examinou, obviamente constatando a ausência de uma
maleta, e reparando em sua roupa suja de graxa e pó.
— Caso esteja interessada, encontrará algumas roupas nas gavetas da
cômoda. Fique à vontade para vestir o que quiser. Há uma grande variedade.
Desde capas de chuva até biquinis. E são de seu tamanho. Pertencem à minha
sobrinha, que mora na cidade, mas que sempre passa as férias aqui. O
banheiro fica na porta ao lado. Não se apresse. O jantar não será servido
antes da sete.
— É muita bondade sua — Liz agradeceu de coração.
— Bobagem. Não é incómodo algum.
Após o calor e a poeira insuportável daquele dia, o banho morno foi uma
bênção para Liz. Era horrível ter de vestir novamente o jeans e a blusa sujos,
mas já devia muito àquelas pessoas. Nada a faria usar as roupas que a mulher
tão gentilmente colocara à.sua disposição. Já podia até imaginar a expressão
sarcástica do dono da casa, ao vê-la com as roupas da sobrinha da
governanta. Isso, se por acaso tornasse a vê-lo!
Quando pisou na sala de jantar imponente, nem percebeu a presença de
outras pessoas. Seu olhar se fixou diretamente no homem junto ao bar.
Acabara de fazer a barba e tomar banho pois seus cabelos ainda
estavam úmidos. Estava mais bonito do que antes. Naquele instante, voltou-
se para ela e seus olhos pareceram transpassá-la.
— O que vai tomar Liz? — A voz impessoal a trouxe de volta à realidade.
— Eu? Oh, um sherry, por favor.
Ele atravessou a sala para lhe entregar a bebida num cálice de cristal.
Em instantes, a sra. Malloy surgiu ao seu lado e apresentou-a aos convidados.
Liz deduziu que o homem de meia-idade e pele envelhecida era Red, o
capataz. O moreno, cuja mão quase esmagou a sua no cumprimento, era o
veterinário local. Dois jovens, que pareciam estar se divertindo muito,
trabalhavam na televisão e ali estavam após concluirem uma pesquisa sobre
as propriedades históricas da Nova Zelândia que criavam ovinos. Um jovem
pálido, de barba, se identificou.como um caçador que estivera perdido por dois
dias. Disse-lhe que só naquela manhã encontrara o caminho de volta à
civilização.
Durante o jantar Liz procurou associar as pessoas aos nomes. O que era
uma tolice, disse a si mesma, pois no dia seguinte estaria partindo. Fora ótimo
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ter a companhia de todos aqueles cavalheiros, o que lhe poupara conversar
com o chefão. Isso se ele se dignasse a conversar com ela, é claro!
Apesar das circunstâncias que alevaram a estar ali, Liz admitia que
estava apreciando muito o jantar preparado pela sra. Malloy. O café foi
servido na sala de estar. Suas janelas davam para o mar que agora assumira
o tom avermelhado do crepúsculo. O assoalho era coberto de tapetes persas.
Porém, o que mais chamou a atenção de Liz foi um retrato sobre a lareira. Era
uma foto de casamento e o noivo, o primeiro dono daquela fazenda, parecia-
se com o atual, de forma impressionante. Antes que todos aqueles
pensamentos a envolvessem demais, Liz escapou em direção à cozinha, que
também era espaçosa como tudo naquela casa, e bem moderna.
— Posso ajudar? — Liz pegou um pano de prato, e se aproximou da pia.
— Eu agradeceria. — A sra. Malloy colocava detergente em uma
esponja. — Jay possuía uma lava-louça antes de eu vir trabalhar para ele, mas
pedi que a levasse embora, pois nunca me acostumaria com ela.
— Então aproveite minha oferta. — Liz sorriu. — Devo ficar aqui apenas
esta noite. — Com um pouco de sorte, ela acrescentou mentalmente.

CAPÍTULO II

Liz se recolheu cedo ao quarto, e escolheu um romance leve da


prateleira sobre a cama, antes de se deitar e puxar o lençol. Estava muito
calor. Talvez fosse por essa razão que não conseguia se concentrar na leitura.
Não, o motivo era mais importante. Era por causa do dono daquela
propriedade, da cama sobre a qual se deitara. Seria devido à má impressão
que ela lhe causara, que o rosto másculo substituía as letras?
Uma leve batida à porta a distraiu, por um instante.
— Pode entrar, sra. Malloy.
Mas foi a cabeça escura de um homem que surgiu no vão da porta, e
que em menos de um segundo se introduziu no quarto, fechando a porta atrás
de si.
O coração de Liz pulsava loucamente. Ela não podia nem pensar em se
mover. Oh, se ao menos houvesse aceitado a sugestão da sra. Malloy e
vestido uma camisola! Agora era tarde demais. Tudo que podia fazer era
puxar o lençol até o pescoço e sustentar aquele olhar intimidador.
— Pode ficar tranquila.
— Não estou nervosa — Liz retrucou.
Realmente o olhar que ele lhe endereçara, humilhara, mais do que
enaltecera seu ego.
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— Estou aqui apenas para esclarecer um ponto. Não me interprete mal.
Não me importo que fique aqui mais um ou dois dias até seu carro ser
consertado, O mais importante é que esteja em segurança quando sair de
minha casa..
Liz mordeu o lábio.
— Muito obrigada!
Parecia contudo, que o sarcasmo não o atingia. Ele continuava
encarando-a, forte e dominador, deixando-a em franca desvantagem. Era
como se dissesse que ela estava em suas mãos.
— Por que ainda está aqui? Esta visita significa que espera algum tipo de
pagamento? Se for isso, fique sabendo que não tenho dinheiro, nem
disposição para prestar favores de outra espécie!
Sem se importar com suas palavras, ele sentou-se calmamente sobre a
cama e. fitou o rosto ruborizado. — Liz... Elizabeth, eu acredito. Qual seu
sobrenome?
— Stuart. Por quê? Isso importa? — ela indagou, intrigada.
— Stuart— ele murmurou, pensativo. — É um nome comum, embora...
Espere! Você por acaso, é da cidade de Manuki?
— Sou, mas não vejo em que isso...
— Uma incrível coincidência — ele comentou, seco. — Tive quase certeza
de quem era quando surgiu naquele caminhão. Será que meu nome não lhe
diz nada?
— Não vejo porquê! Jamais o vi em minha vida!
— Mas certamente deve ter ouvido meu nome. — Os olhos frios e
perscrutadores não se desviavam dela.
— Não. Deveria? — Embora negasse, uma horrível suspeita começava a
se infiltrar em sua mente.
— Jerry Conway.
Conway! Oh, Deus! Não podia ser ele! Não o irmão de Brooke!
— Então você é.a garota que abandonou o pobre Brooke no último
instante! Largá-lo por um capricho, por uma viagem! Porque queria continuar
livre como um pássaro! Não precisa se dar ao trabalho de se justificar comigo.
— Ele a impediu de falar quando ela tentou. — Comigo não vai funcionar!
Brooke me escreveu contando tudo. Disse que eu não deveria ir para o norte,
porque não haveria mais casamento.
— Como soube quem eu era? — Liz indagou, amarga com as
lembranças.
— Não podia errar depois da descrição de Brooke. Uma garota chamada
Liz, com ar muito inocente, e lindos olhos azuis. Uma garota em quem não se
pode confiar!
— Como pôde acreditar? — Ela gritou, o sangue lhe subindo ao rosto. —
Ele mentiu. Posso explicar...
— Não quero explicações suas! — A voz era cortante como uma faca.
A expressão implacável daquele rosto lhe dizia que não nutrisse
esperanças. Mas embora ele fosse um estranho e provavelmente nunca mais o
visse depois daquela noite, Liz precisava fazê-lo enxergar a verdade.
— Se ao menos me,ouvisse...
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— Alguma razão em particular para isso?
— Sim, há. Você não conhece Brooke como eu...
— Também não a conheço. — O sorriso sarcástico tornava tudo mais
difícil.
Liz subitamente considerou todas as suspeitas que passavam pela
cabeça dele. Ela era a garota que chegara em sua propriedade num caminhão
cheio de homens. A garota que o informara que acabara de ser recolhida em
uma estrada deserta, mas que já parecia íntima de um dos rapazes.
A injustiça da situação a ofendeu.
— Você não quer me dar a chance de explicar, não é? — Ela fez menção
de se sentar, mas lembrando-se a tempo de sua nudez, apertou o lençol com
força contra o corpo. — Prefere acreditar em qualquer coisa que Brooke disse,
em vez de se permitir a ouvir a verdade!
— Sua versão da verdade! — ele protestou. — Por acaso não está se
esquecendo de um detalhe? Brooke é meu irmão...
— Meio-irmão. — Liz estava determinada a lutar mesmo que a batalha
estivesse perdida. — Ele me disse, enquanto endereçávamos os convites, que
só o havia encontrado uma vez, e fazia muitos anos. — É lógico que Brooke
era muito esperto, Liz percebeu de repente. Queria que seu único parente o
tivesse em elevada consideração. Se o casamento com Amélia não desse
certo, ele ainda poderia contar com o dinheiro do irmão.
— Ainda assim o conheço mais do que a você. Por que deveria acreditar
em sua palavra, e não na dele?
— Não é justo! — Liz explodiu. A frustração e a angústia lhe comprimiam
o peito. —Não é o que está pensando! Deixe-me contar...
— Contar o quê? Uma porção de mentiras? Brooke escreveu que estava
arrasado...
— Arrasado? — Liz mal podia acreditar em seus ouvidos.— Arrasado com
o quê?
— Com o rompimento, é claro.
— Brooke, arrasado por minha causa? — Os olhos azuis faiscavam de
indignação. — Você deve estar brincando! Não sabe nem a metade dessa
história. Vamos! Diga-me exatamente o que Brooke lhe escreveu!
— Que você o deixou no último instante.
— Que mais?
— Que lhe deu a notícia justamente quando ele se sentia no topo do
mundo por ter vencido o campeonato de Badminton. Que apesar de tudo, ele
tivera sorte em descobrir o tipo de mulher que você era, antes do casamento.
— E você acreditou!
— Naturalmente que acreditei! Esse tipo de comportamento é típico das
mulheres!
— Vejo que se considera um perito no assunto.
— Tenho minhas razões. — Um sorriso amargo curvou seus lábios. —
Sei muito bem o que Brooke está passando. — Liz teve de aguçar os ouvidos
para entender as palavras. — Já percorri esse mesmo caminho.
Liz abriu a boca para falar, mas tornou a fechá-la. O que ele estava
querendo dizer? Lembrava-se de Brooke comentar que o meio-irmão fora um
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corredor famoso até que um acidente de carro pusera fim em sua carreira.
Estranho que ela também se lembrasse de uma manchete de jornal que lera
há três anos.
O internacionalmente famoso corredor neo-zelandês estava no auge da
carreira quando, no Grand Prix de Mônaco, derrapara em uma curva, ficando
gravemente ferido. A reportagem mencionara também, que a noiva de Jerry
desfizera todos os planos de casamento imediatamente após o acidente na
pista.
A bola estava em seu campo e Liz estava determinada a aproveitar essa
vantagem.
— Agora estou entendendo o que está por trás de toda essa injustiça
contra mim! — Liz sabia que estava se exaltando, mas seu autocontrole já
ultrapassara os limites do suportável. — Está me culpando pelo que outra
mulher lhe fez! Era Ann o nome dela, não era? Recusa-se a ouvir minha
versão do caso, porque preferiu destilar suas frustrações sobre mim... — Liz
se deteve, quase que assustada.
Uma veia latejava na fronte de Jerry. Suas palavras o atingiram
conforme fora sua intenção. Estranhamente, porém, não se sentia vitoriosa,
mas arrependida.
— Agora que já esclarecemos certos pontos, vou me retirar. — A palidez
do homem e as palavras cuidadosamente pronunciadas revelavam uma fúria
mal controlada, — Mulheres ferinas nunca me atraíram.
À porta, contudo, ele a encarou novamente.
— Apesar de tudo, meu oferecimento ainda continua de pé.
Providenciarei para que tenha seu carro em ordem. Se precisar de alguma
coisa, fale com a sra. Malloy.
Liz não respondeu.
Apesar do calor, não conseguia parar de tremer. Também não conseguiu
dormir por longas e intermináveis horas, anunciadas pelo velho relógio de
carrilhão que vira na sala. Era incrível que, de todos os lugares do mundo,
viera pedir abrigo justamente na fazenda de Jerry Conway! Que Deus a
ajudasse a não ter de ficar ali mais do que um dia!

Quando despertou na manhã seguinte, após um sono agitado, não se


lembrou imediatamente do lugar onde se encontrava. Era estranho que raios
de sol banhassem seu rosto. Um pestanejar de olhos, e as cenas do dia
anterior a chicotearam.
Como poderia ficar naquela casa, depender da hospitalidade de Jerry
Conway, sabendo o que ele pensava sobre ela? Seguido a esse pensamento
veio outro. O que mais poderia fazer? Estava praticamente presa. Não tinha
como escapar da armadilha em que caíra.
Para fugir da tortura de seus pensamentos, pulou da cama e espiou por
entre as cortinas. O céu estava róseo, o mar maravilhosamente azul. Ali
estava o remédio para ajudá-la a esquecer todos os seus problemas,
especialmente os mais recentes que se ligavam a Jerry Conway: um
mergulho.Ainda era muito cedo. Certamente não haveria ninguém na praia.
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Até podia sentir a carícia da água salgada em sua pele. Se ao menos houvesse
trazido um traje de banho... Mas, espere, a sra. Malloy não mencionara um
biquini? Uma rápida investigação e Liz encontrou um biquíni amarelo que
parecia lhe servir.
Só vou usá-lo uma vez, ela tentou se justificar. O importante é que Jerry
Conway não a visse e reconhecesse o biquini da sobrinha da governanta. Não
suportaria aquele horrível olhar sarcástico novamente. Mas esse risco ela não
corria. Ele e seus homens já deveriam estar trabalhando do outro lado da
colina, a essa hora.
Em poucos instantes, Liz escapava pela porta dos fundos, passando por
um alpendre apinhado de jaquetas masculinas, chapéus, botas, chicotes e
galochas. Em seguida, os pés descalços pisavam sobre a relva úmida de
orvalho, até chegarem às areias douradas e ainda frias.
Os cabelos negros pareciam vivos sobre os ombros conforme ela corria e
mergulhava. Junto à arrebentação, Liz se deliciou entre as espumas, mas as
ondas fortes a faziam perder o fôlego. Nadou vigorosamente em direção ao
fundo, onde o mar ficava mais calmo.
Tornara-se parte da natureza. Nada mais havia em sua mente a não ser
sol e mar.
Atravessou a pequena baía e, quando pensava em voltar, uma gruta lhe
chamou a atenção. Em lentas braçadas a alcançou e sentou-se um pouco
sobre as pedras para descansar. Era possível avistar a casa da fazenda
daquele ponto. O único sinal de vida eram as lâmpadas acesas no estábulo.
Tudo estava estranhamente vazio.
A pouca distância, entretanto, percebeu um galope. Que não fosse Jerry
Conway! Liz cruzou os dedos, embora reconhecesse seu corpo atlético e o
cabelo escuro. Talvez não a tivesse visto. Talvez estivesse simplesmente
exercitando seu cavalo antes que o sol ficasse demasiado quente. Não deveria
sequer estar se lembrando dela. Seu cavalo, aliás, corria tanto que passaria
pela gruta sem que seu dono pudesse ter a oportunidade de olhar para ela.
— Liz! — Jerry puxou as rédeas com violência. — Volte! — O grito levado
pela brisa alcançou Liz com inegável urgência. — Está procurando encrenca!
Ela nem se dignou a se mover. Seus olhos estavam ressentidos. Os
lábios fortemente apertados. Por que todo aquele escândalo, afinal? Que
perigo poderia oferecer a gruta? Se a visse nadando quase em alto-mar,
poderia entender as preocupações com sua segurança, pois não a conhecia e
não sabia que era ótima nadadora. Mas ali sobre as pedras... era ridículo!
— Nao! — ela gritou, as mãos em concha ao redor da boca.
E para reforçar a desobediência, Liz se deitou sobre as pedras. Valia a
pena suportar o desconforto simplesmente pelo fato de irritá-lo. Jerry Conway
podia ser o chefão.local, mas não era chefe dela. Não constava de sua folha de
pagamento. Após aquele dia, ela nunca mais poria os olhos sobre ele.
Contudo era impossível ignorar os gritos contínuos que ecoavam através da
água.
— Volte, Liz! Estou te dizendo! Volte!
Apesar da pressão dolorosa das pedras pontiagudas em suas costas, Liz
manteve a posição.
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O que ele estava pensando? Que só era preciso ordenar para, que ela
prontamente obedecesse? O machão! Como se não bastasse, agora assobiava
para ela, como se fosse mais uma de suas ovelhas. No auge da irritação, Liz
se levantou e acenou um desafio.
— Vá embora. Deixe-me em paz! — A consciência a acusava, pois lhe
devia algo pela hospitalidade e pela ajuda com o carro, mas seus modos
autoritários a deixavam fora de si. Pelo canto dos olhos notou que ele
desmontava e conduzia o cavalo até a faixa onde a vegetação começava a
nascer. Em minutos voltava para o mar e vinha a seu encontro. Bem, se ele
preferia se comportar como uma criança, o problema era dele. Liz virou-se em
direção ao fundo do mar, e deixou que o sol secasse suas costas.
Jerry vestia apenas um maiô e o peito e as pernas musculosos e
queimados de sol faziam com que Liz, de vez em quando, procurasse olhar
disfarçadamente em sua direção. Era um homem muito... muito atraente.
Logo oue a alcançou, contudo, usou o costumeiro tom acusador.
— Que diabos resolveu aprontar agora? Não escutou eu te chamar?
Vamos sair daqui, e rápido!
Liz voltou-se preguiçosamente e enfrentou o olhar zangado com desafio.
— Por quê?
— Por que estou dizendo! Vamos logo! Levante-se, garota!
— Não entendo qual a razão de todo esse pânico!
— Vem comigo por bem ou terei de obrigá-la? — A voz de Jerry estava
perigosamente baixa.
— Não se atreveria...
— Experimente! — Havia algo de assustador, naqueles olhos de aço.
Parecia um animal selvagem pronto a atacar a presa.
— Pois eu continuarei aqui, quer você queira quer não.
— Você escolheu! — Liz soube instantaneamente que procurara briga.
Levantou-se de um salto e recuou sem dar atenção à dor lancinante no
calcanhar, pois pisara sobre uma concha. O sangue escorria do corte, mas
nenhum dos dois percebeu. Antes que Liz tivesse tempo para prosseguir com
a discussão, Jerry ergueu-a em seus braços.
— Solte-me! —Ela esperneou em vão.
Quanto mais agitava as pernas e os braços, mais forte ele a apertava.
Tanto que até chegou sentir as pulsações de seu coração.
— Está perdendo seu tempo. Não vou permitir que se machuque.— O
que ele quisera dizer com isso? Intrigada, Liz parou de se debater. Aliás, de
que adiantava? Jerry nem sequer respirava mais forte! Carregá-la era o
mesmo que carregar um de seus carneiros e ainda com uma vantagem: ela
era bem mais leve! Liz sentiu uma vontade histérica de rir. Em vez disso,
olhou para as conchas cortantes encravadas nas pedras, sobre as quais pisara
com tanto cuidado ao se dirigir para a gruta, e comentou:
— Nesse passo vai acabar cortando os pés.
— Então seremos dois, certo? Não é esse o perigo que me preocupa! —
Mais uma vez Liz ficou intrigada com as palavras de Jerry.
Olhou fixamente para ele, e foi então que aconteceu! Uma excitação
selvagem percorreu seu corpo. Seria por causa do contato quente da pele
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úmida contra a dela? Seria o brilho intenso dos olhos cor de avelã dentro dos
seus? Uma força poderosa e invisível os unia. Mesmo depois de desviar o olhar
em direção à gruta, Liz sentia a magia que os enfeitiçara. Atração física, falou
consigo mesma. Culpa do magnetismo de Jerry e do contato estreito de seus
corpos. Eram dois estranhos sobre os quais atuava urna força também
estranha. Para quebrar o encanto, Liz se obrigou a falar.
— Para que tanta pressa? Não sei de que estamos fugindo.
Jerry Conway não respondeu. Soltou-a apenas quando chegaram à
beira. Liz olhou para ele e aconteceu outra vez. Os sininhos da excitação
tilintavam em suas veias. Mas Jerry não a fitava. Algo em sua expressão, a fez
seguir na mesma direção. Não conseguiu reprimir um grito de horror.
— Meu Deus! Não pode ser! Parecia tão seguro!
Ondas gigantescas se erguiam e avançavam para as pedras e para a
gruta. Seria impossível alguém se salvar, uma vez colhido pela violenta
turbulência do mar.
— Eu não podia imaginar... — Liz sentiu-se mal ao ver a gruta
desaparecer sob uma cortina espessa de água. Não fosse por Jerry, estaria
morta naquele instante. —Perdoe-me... eu não sabia. — Liz estava tão
assustada, tão confusa que nem sequer sabia o que falava. Mas o mesmo
parecia estar acontecendo com ele.
— O povo daqui foge dessas pedras como o diabo da cruz. Muita gente
já morreu, principalmente pescadores. Quem não conhece o perigo, acha o
lugar ideal para jogar o anzol. Estas pedras chegaram a ganhar a reputação
de serem as mais perigosas de todo o país.
— Então por que você não coloca um aviso?
— A idéia é boa mas não funciona. A maré sobe muito e arrasta tudo
com ela. Além disso — Jerry a fitou — uma placa de perigo a teria impedido de
fazer o que fez?
— Acho que não — Liz admitiu, relutante.
No mesmo instante, ele percebeu a mancha de sangue na areia sob seu
pé.
— Lave-o e procure não deixar areia no corte, se não quiser problemas.
Não há um único médico ou posto de saúde por aqui, onde portanto, não há
como tomar uma injeção antitetânica.
Liz lavou cuidadosamente o pé e em seguida torceu o nariz.
— Não vou conseguir atravessar a praia inteira num pé só. Não vejo
outra maneira de não sujar o corte.
— Eu vejo.— Para surpresa de Liz, Jerry novamente ergueu-a nos braços
e a carregou até seu cavalo, como se fosse uma criança.
Liz permaneceu passiva dessa vez. Depois de Jerry ter salvado sua
vida, que mais lhe restava fazer? O melhor seria manter silêncio e se
desprezar pelo prazer que lhe roubava o bom senso. Há poucos dias estivera
para se casar com Brooke. Estremeceu. Que tipo de mulher ela era? Que
sensações eram aquelas que Jerry lhe despertava? Seriam uma reação normal
de alguém que acabara de escapar da morte? Uma experiência desse quilate
não provocaria um certo calor com relação a seu salvador, mesmo que ele
fosse o homem a quem mais desejaria evitar? Liz percebia que sonhava sob o
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sol: Sentia-se feliz. Bem, não exatamente feliz. Talvez fosse apenas um alívo
após momentos de perigo.
O sangue continuava a escorrer deixando uma trilha sobre a areia.
Assim que chegaram junto ao cavalo, Jerry a colocou em seu dorso, entregou-
lhe as rédeas e em seguida montou atrás dela.
— Já cavalgou alguma vez?
— Milhares de vezes. — Quem Jerry pensava que fosse? Uma moça da
cidade? — Mas sempre sozinha.— Não abraçada por um homem.
Principalmente por um homem que está fazendo seu coração bater mais
depressa, uma voz lhe dizia. É claro que ela não deu importância à essa voz.
Essas sensações não significavam nada. Era Brooke o homem a quem amara.
Não o amasse, não teria aceitado se casar com ele. A essa reflexão logo se
seguiu outra. Como pude ser tão louca?
O cavalo os levava através da baía e começavam a avistar a casa,
quando um grupo alegre de cavaleiros acenou do alto de uma colina.
— Que sorte a sua, colega!
— O pequeno esforço bem que merecia o prémio do ano na categoria de
salva-vidas!
— Agora sabemos o porquê dele ter vindo à praia esta manhã!
Jerry respondeu à provocação com um aceno de mão e um ligeiro
sorriso. Ao se aproximarem da casa, diminuiu a velocidade, até parar
completamente diante da escadaria da varanda.
— Espere aqui e não coloque o pé no chão.
— Certo, chefe! — Um sorriso acompanhou o gesto de continência de
Liz. — Como quiser, chefe! — Dessa vez ela falava em tom de brincadeira,
pois Jerry tinha toda a razão do mundo para empregar aquele tom de voz.
Ele subiu os degraus de dois em dois e voltou nurn piscar de olhos. Com
um movimento firme, aplicou uma bandagem sobre o ferimento.
— Lave o pé com bastante água quente. Há antisséptico no armário do
banheiro.
— Obrigada por tudo que fez. — Por que seria que nunca conseguia
sustentar o olhar de Jerry? — Não fosse por você, eu...
— Faz parte do serviço. — O sorriso brilhou sob o sol.
Liz não pôde deixar de notar o quanto ele ficava diferente quando
sorria. Mais jovem, relaxado e perturbadoramente atraente.
Ele começava a se afastar quando Liz o chamou:
— E o meu carro? Quando será que vão conseguir trazê-lo?
Os olhos de Jerry voltaram a ser frios.
— Mal pode esperar para cair fora daqui, não?
E de quem era a culpa? Antes que Liz pudesse responder, ele continuou:
— Por volta do meio-dia. Assim que chegar, falarei com Bill para saber
maiores detalhes.
— Obrigada.
Cavalo e cavaleiro desapareceram de vista, Liz não se moveu até esse
momento. Ao entrar em seu quarto, não conseguia acreditar que tão pouco
tempo houvesse se passado desde que o deixara e que tanta coisa havia
acontecido. Olhou-se no espelho e ficou surpresa com o que viu. Considerando
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sua recente aventura que quase culminara com sua morte, deveria estar
pálida, os olhos assustados. Entretanto até poderia dizer que estava bonita:
pele corada, olhos brilhantes. Deveria ser o efeito do sol e do mar, ela decidiu.
Após um delicioso desjejum composto de pêssegos, do pomar local,
mais café, torradas e geléia, Liz se acomodou na varanda e admirou a
paisagem. Não parecia haver limites para a propriedade de Jerry Conway. O
caminho arenoso pof trás da colina em breve estaria trazendo Hércules, seu
velho carrinho.
— Gostaria de fazer algo, Liz? — A sra. Malloy surgiu à porta com um
cesto de vime. — Que acha de levar o lanche até o galpão de tosquia por
mim?
— Adoraria poder ajudá-la. — Liz imediatamente apanhou o cesto com
sanduíches, chá, leite, açúcar e canecas,
O galpão era quente e poeirento e o cheiro dos carneiros bastante
intenso. As máquinas faziam um barulho ensurdecedor. Liz colocou o cesto no
chão e permaneceu em silêncio, apenas observando a atividade ao seu redor.
Homens seguravam firmemente os animais enquanto as tosquiadeiras eram
passadas pelos corpos. Outros recolhiam a lã do chão oleoso e escorregadio.
— Smokol — Um grito alegre fez as máquinas pararem.
No silêncio que se seguiu, os tosquiadores enxugaram as mãos e os
rostos banhados em suor, e logo se dirigiram a Liz.
— Todos aceitam leite no chá?
— Todos — os homens responderam em coro enquanto Liz os servia
repetidas vezes.
— Parece conhecer o serviço — comentou um dos homens.
— Conheço. Também sou do campo.
— Não há vida melhor do que a nossa. O trabalho é pesado, mas
compensa. Os companheiros são bons, a mudança de cenário é frequente e
uma vez ou outra ainda surgem bõnus extras... como você!
O intervalo para o lanche, smoko, como eles o chamavam, logo
terminou e todos voltaram para suas tarefas. Os carneiros começaram a ser
trazidos para o galpão e as tosquiadeiras foram novamente ligadas.
Liz arrumou o cesto e se pôs a caminho. Desviou-se um pouco da trilha
a fim de chegar às garagens. Um homem estava curvado sobre o motor de
seu carro.
— Você é Bill, não? Sou Liz, a dona desse menino que ontem me deixou
na mão.
O homem de meia-idade fechou o capô e limpou as mãos sujas de graxa
num pedaço de estopa.
— Olá, Liz. Imaginei que fosse você. Quer o veredito agora ou mais
tarde?
— Está me assustando!
— Oh, não. O carrinho não está tão mal. Tudo que precisa é...
— Bateria! — Liz o interrompeu. — É isso, não?
— Exatamente. Coloque uma nova e pode voltar sossegada para a
estrada. Pena que eu não tenha uma em estoque.
— Isso significa que terei de ir até a cidade mais próxima para comprá-
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la? — O desânimo se abateu sobre Liz.
— Mais ou menos.
— Será que alguém irá à cidade um dia destes? Hoje, quem sabe?
— Não, que eu saiba. — O homem balançou a cabeça, pesaroso.
— E por um favor especial a mim? — Liz sorriu, ansiosa. — Diga-me,
Bill, há alguma chance?
O homem esfregou o queixo com ar de dúvida.
— Depende do patrão. Fale com Jerry. Ele é quem dá as cartas em
Hauturu.
— E eu não sei?
— Ele fará tudo para ajudá-la.
Jerry? Liz não tinha tanta certeza assim.
— Por que não? — Liz sorriu e deu meia-volta. — Obrigada por trazer o
carro, Bill.
— Boa sorte!
— Vou precisar. — Liz cruzou os dedos.
O estranho é que não sabia o tipo de reação que gostaria que Jerry
tivesse. De repente era de suma importância lhe apresentar a situação,
embora o mais provável fosse Jerry mandar alguém especialmente à cidade,
para poder se livrar dela o mais rápido possível.

CAPÍTULO III

Não foi Jerry, contudo, quem se aproximou de Liz envolto numa nuvem
de poeira, mas um jovem empregado.
— Jerry acabou de sair daqui. Foi até as ravinas para verificar o
funcionamento das bombas de água. Se precisa de ajuda é só dizer — o rapaz
acrescentou com um sorriso tímido.
— Acho que não. — Liz suspirou. Em seguida ocorreu-lhe uma ideia. —
Talvez possa me ajudar, sim. Estou precisando de um cavalo. — Ela tentou
disfarçar a ansiedade de sua voz. — Acabo de sentir uma vontade enorme de
cavalgar. Deve ser por causa desse dia lindo. E, quem sabe, possa até
encontrar seu patrão por aí, e lhe perguntar a respeito do meu carro.
O homem ajeitou o chapéu, satisfeito.
— Pode levar Katie, minha égua. Ela está no curral. — O homem a
conduziu até o belo animal cinzento. — Não é a maior corredora do mundo,
mas obedece muito bem. Espere um pouco que já lhe trago uma sela.
— Não é preciso. — Liz montou rapidamente.
— Pegue a trilha por trás da casa. As ravinas ficam logo abaixo das
colinas.
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— Muito obrigada. Qual é o seu nome?
— Gary. — Um largo sorriso iluminou o rosto bronzeado.
— Obrigada outra vez, Gary.
— Estou às ordens.
Em segundos, Liz já estava acostumada a Katie. Cavalgava com perícia,
os cabelos negros se agitando ao vento. O animal, era evidente, estava
acostumado à trilha, parava e esperava docilmente enquanto sua amazona
abria e fechava os portões.
Ao descer a colina, Liz avistou um cavalo sob uma árvore frondosa.
Apertou os joelhos contra os flancos da égua e a fez saltar sobre um ironco
caído, prosseguindo no galope.
Liz já podia ouvir o ruído das águas e o cheiro característico de terra
molhada. Deixou a égua sobre a relva verdejante e seguiu a pé. Em pouco
tempo encontrou Jerry. Ele estava distraído na tarefa de desobstruir a entrada
de água na bomba. Liz se moveu silenciosamente num ímpeto infantil de
surpreendê-lo.
— Olá!
Jerry jogou a cabeça para trás. Sua expressão, porém, era mais de
desagrado do que de susto ou perplexidade.
— Vamos, diga! — As palavras escaparam dos lábios de Liz antes que
pudessse detê-las. — Oh, não. Ela outra vez!
O olhar de Jerry era inescrutável ao se afastar do canal de irrigação e
sentar-se.
— Faça-me companhia. — Ele indicou o chão.
As palavras seguintes eram as últimas que Liz esperaria ouvir. Não era
um pedido de desculpa pelo ataque verbal que lhe fizera na noite anterior,
nem sequer um curioso "O que a traz aqui?" Oh, não, nada no gênero. Apenas
um olhar desaprovador em direção a seu pé e recriminações.
— Está cuidando desse ferimento, não? Não há sinais de infecção ao
redor do corte? A região está inchada?
— Sim, senhor! Não, senhor! Peço permissão para submeter meu pé à
inspeção, senhor! — Liz tirou a sandália e esticou o pé.
— Deixe-me ver! — Jerry se inclinou, a mão forte ao redor de seu
tornozelo.
Aconteceu outra vez. Liz estava totalmente des-preparada para a
excitação que o toque daquelas mãos lhe provocou. O sangue pulsava em
suas veias e arrepios lhe percorriam as costas. Numa luta imensa contra o
tumulto de seus sentimentos, Liz se forçou a falar.
— Eu vim procurá-lo para...
— Para? — Os olhos zombeteiros a fitavam com intensidade. Diziam
mais do que ela estava preparada para entender. — Não pôde resistir à
oportunidade, admita!
— Não! — A negativa veemente brotou de sua garganta. E se Jerry não
estivesse brincando? E se acreditasse que ela o seguira, de propósito, até
aquele local solitário? Ciente da opinião que ele formava sobre ela... Não pôde
evitar o rubor de humilhação que lhe tingiu as faces. O que Jerry estaria
pensando? Ela virou o rosto para outro lado. O pior, é claro!
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— Não teve nada a ver com isso — ela protestou, confusa, só
percebendo depois que sua justificativa piorava as coisas. — Vim procurá-lo
por uma razão muito importante. É sobre Hércules...
— Oh, sobre seu carro? Por que não disse logo?
Liz abaixou a cabeça e arrancou um tufinho de grama.
— Você sabia que o motivo era esse — ela falou baixinho. Infelizmente
as palavras seguintes a traíram. — O que mais poderia ser?
— Pergunte a si mesma! — A resposta de Jerry fez sua cabeça rodopiar.
— O ponto é... — ela prosseguiu, determinada a não se deixar envolver
pela magia daquele olhar e daquela voz — que falei com Bill e ele confirmou o
que os rapazes do caminhão me disseram ontem. Tudo o que Hércules
precisava para voltar à estrada é de uma bateria nova. — Ela lhe dirigiu um
olhar que pretendia ser de despreocupação e confiança. — Agora tudo
depende de você.
— De mim? — Jerry se deitou, os braços cruzados sob a nuca, o olhar de
fingida inocência. — O que eu tenho a ver com isso?
Liz suspirou, exasperada. Jerry estava se fazendo de desentendido. Sua
vontade era responder com maus modos, mas não podia se esquecer de que
não fosse por ele, estaria morta a essas horas.
— Você sabe muito bem.
Jerry não respondeu. Continuava encarando-a e ela acabou se
esquecendo de sua obrigação de se mostrar grata, não só por sua vida como
também pelas circunstâncias de dependência.
— Será que terei de soletrar? — ela protestou, zangada. — Não posso
partir até que meu carro receba uma nova bateria, e Bill me informou que
ninguém tem planos de ir à cidade esta semana. Ele me aconselhou a falar
com você... aqui estou! — Liz fez uma pausa. — Fosse por minha própria
vontade, não teria vindo.
— A humildade não parece ser uma característica sua. — O brilho
sardônico daqueles olhos novamente a perturbou.
— Deveria?
— Não obrigatoriamente, mas sempre ajuda.
Dessa vez ela não conseguiu interpretar a expressão de Jerry.
— Isso significa que posso contar com sua ajuda? Mandará alguém à
cidade para comprar uma bateria nova para Hércules?
— Lógico! — ele murmurou, os olhos semicerrados. — Mas não esta
semana. Talvez nem na próxima.
A ira a envolveu como uma nuvem negra. O bruto! O bruto cruel e
sádico! Ele a induzira a pensar que estava do seu lado e agora...
— Eu deveria ter imaginado que não moveria uma palha para me
ajudar... — As palavras se perderam no vazio, pois não havia um único sinal
de luz naquele rosto. Tanto o olhar como a voz de Jerry eram duros como aço.
— Realmente esperava que fosse afastar um homem.de seus deveres,
numa das épocas mais atribuladas do ano, apenas para satisfazer seus
desejos? Que tem de tão importante para fazer? Tirar fotos das paisagens? Ou
talvez aumentar o número de admiradores do sexo masculino durante a
viagem?
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— Se é a Greg que está se referindo... — O rubor novamente manchou-
lhe o rosto.
— Que importa quem ele seja! — Jerry encolheu os ombros, fazendo-a
se calar. — Não é da minha conta!
— Não, não é!
— Ao menos você concorda comigo em alguma coisa. — Ele sorriu,
sarcástico.
— Oh! — Liz fez um gesto de impotência com a mão. — De que adianta
tentar lhe explicar alguma coisa? Você se nega a acreditar em mim!
A cabeça de Liz estava um verdadeiro tumulto. Era difícil racionalizar a
frustração que a consumia. Por que era tão importante que Jerry acreditasse
nela? Mais cedo ou mais larde acabaria partindo e nunca mais tornaria a vê-lo.
— Como já disse, é bem vinda em minha casa...
— Vive dizendo isso! — ela o interrompeu rudemente, mas em vão, pois
ele continuou como se não a tivesse ouvido.
— ...Pelo tempo que quiser.
— Pelo tempo que você quiser! Por que não completa?
Jerry simplesmente ignorou o comentário.
— Dê-me uma ou duas semanas até as coisas se arranjarem por aqui.
Depois verei o que posso fazer.
Liz estava nervosa demais para medir suas palavras.
— Se espera que me ponha de joelhos e agradeça...
— Diga-me! — ele a interrompeu, os olhos muito estreitos. — Por que
toda essa pressa em sair daqui? Não possui reserva paga em nenhum hotel e
tem tempo de sobra para percorrer o país e se divertir!
— Seu... seu... Acha que tenho vontade de ficar aqui depois de tudo que
me disse ontem a noite? Depois de me dizer que acredita em todas as
mentiras que Brooke contou a meu respeito?
— É sua palavra contra a dele.
— Você está tão seguro de si mesmo. — Liz protestou. — Prefere
acreditar em mentiras só por causa de seu parentesco com Brooke. Se me
conhecesse melhor...
— Se é isso que a preocupa... — Antes que Liz pudesse perceber as
intenções de Jerry, sentiu-se presa entre seus braços. O abraço foi tão forte, o
olhar dele tão intenso, que ela se esqueceu de tudo que a rodeava e se
entregou à pulsação selvagem de seu corpo. Algo lhe dizia que lutasse para se
libertar daquele abraço. Uma outra voz, entretanto, a induzia a se submeter à
força daqueles braços. A voz da sedução foi a vitoriosa e Liz relaxou no peito
dele. No momento em que ele se inclinou e se apossou de sua boca o beijo foi
agressivo e punitivo. Tonta e trêmula, levantou-se e encarou-o por um
momento. O rosto de Jerry estava diferente. Era como se também estivesse
surpreso e abalado com o que acabara de acontecer. Claro que era apenas sua
imaginação. Lá estava ele novamente com aquele ar indolente e zombeteiro.
Fora uma louca em se deixar arrastar pelo desejo traiçoeiro. Tivesse
dado ouvidos à voz da razão, não estaria agora naquela situação. Havia perigo
na proximidade de Jerry.
Sem dizer uma palavra, ela lhe deu as costas e se dirigiu para a égua.
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Montou sem esforço e segurou firmemente as rédeas. Não o fitava mas todo o
tempo estava consciente de sua presença. Ele continuava deitado sobre a
relva a espreita... apenas a espreita.
Finalmente cia olhou em sua direção c fez menção de se afastar.
— Vai fugir, Liz?
Bandeiras de perigo tremularam a sua frente e ela conseguiu relembrar,
o propósito de sua visita. Deliberadamente torceu a resposta.
— De que jeito? Como poderia ir embora sem sua ajuda?
Sobre o animal, longe da louca excitação de seu toque, era mais fácil
assumir uma atitude de defesa. Continuou parada ali por mais,algum tempo
esperando que ele dissesse que faria o possível para lhe comprar a bateria,
que fora apenas uma brincadeira quando afirmara que ela teria de aguardar
uma ou duas semanas até ser liberada da hospitalidade relutante. Afinal, o
beijo que tanto a abalara também deveria ter um significado para ele, mesmo
que pequeno. Não, não tinha, ela decidiu no minuto seguinte, ao vê-lo mudo e
irónico. Acuada, Liz disse as primeiras palavras que lhe vieram à cabeça.
— Não me importaria tanto de esperar todo esse tempo, se tivesse
alguma ocupação.
O olhar irônico rapidamente se tornou brilhante e alerta.
— Pretende ganhar pelo seu sustento, é isso? Se é o que deseja, por que
não?
Diante do súbito interesse de Jerry, Liz sentiu um momento de pânico.
Que espécie de trabalho ele estaria pensando em lhe oferecer? Na certa,
alguma tarefa física que ninguém mais na fazenda quisera aceitar.
— O que você tem em mente?— ela indagou, cuidadosa.
— Poderia treinar os cavalos se não se importar em levantar ao romper
do dia. Eles estão precisando de uma boa corrida diária pela praia.
— Não me importo. — Ela faria qualquer coisa para provar que não
pretendia contrair débitos com relação à hospitalidade forçada.
— Venha conversar comigo no escritório após o jantar, que lhe darei as
coordenadas.
— O que o faz pensar que cavalgo bem o suficiente para treinar seus
cavalos? — Liz procurou dar um tom impassível à voz embora o sabor daquele
beijo ainda lhe causasse reações traiçoeiras. — Não pode se basear em Katie.
Ela é muito dócil e ágil.
— Talvez. Mas fazê-la saltar demonstrou uma certa técnica.
— Você viu eu me aproximar!
— Algum problema com isso? — Ele sorriu, provocante.
— Claro que não. — Mas por trás das palavras convencionais, os
pensamentos de Liz estavam um caos.
Então ele a vira se aproximar. Sua chegada não lhe causara surpresa
alguma. Sem dúvida, imaginara que ela viria implorar ajuda. Fora uma louca
em supor que Jerry faria algo de construtivo com relação às suas dificuldades.
— Você treinou saltos com obstáculos, não?
Não havia como mentir e Liz fez um gesto afirmativo.
— Participei de competições por todo o país.
— Junto com Brooke?
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As mãos de Liz apertaram inconscientemente as rédeas.
— Algumas vezes. Preciso voltar. Até logo.
Jerry ergueu a mão num gesto de despedida. Não tentou detê-la. Liz
cavalgou metade do caminho sem olhar para trás. Em um ponto elevado,
contudo, puxou as rédeas e olhou mais uma vez em direção às ravinas. Jerry
voltara a dedicar sua atenção ao conserto da bomba.
Apenas uma interrupção momentânea em suas tarefas, Liz falou consigo
mesma. Isso era tudo que o interlúdio lhe significara. Só em pensar no que
acontecera, tinha vontade de gritar de raiva.
Liz sentiu uma satisfação perversa em constatar que Jerry não pôde
voltar para casa a tempo de jantar com os demais. Era bem feito,para ele, que
tivesse encontrado dificuldades com o conserto. Provavelmente nem se
lembrava mais de que marcara uma espécie de entrevista com ela.
A noite chegou e com ela a sensação de inquietude de Liz se
intensificou. Andava de um lado para o outro do quarto, ciente de que estava
adiando o inevitável. Mas o que podia fazer? Todas as reações que aquele
homem a forçava a ter lhe eram totalmente novas.
Nunca se sentira assim antes: trêmula, insegura, vulnerável. Mas
também nunca antes fora forçada a depender da hospitalidade relutante de
um estranho.
A atitude de Jerry não facilitava em nada a posição desconcertante em
que se encontrava. "Se eu imaginasse que ele se divertiria tanto em me
humilhar, jamais lhe teria dado a oportunidade", ela falou consigo própria.
"Quanto ao beijo, então, nem em sonhos o teria aceito!"
Lá no fundo, porém, ela sabia que forças incontroláveis a levaram a
corresponder. Fora a primeira e última vez! Agora que conhecia os efeitos de
seu toque, estaria preparada. A raiva que sentia, também seria uma aliada
poderosa.
Aliás, aquele momento em que o detestava tanto, seria perfeito para a
confrontação.
Endireitando os ombros e erguendo o queixo, Liz marchou pelo longo
corredor acarpetado. Havia luz por baixo da porta do escritório. Liz abriu a
porta e entrou, mas o cômodo estava vazio. Ela resolveu esperar.
Aproximou-se da escrivaninha sobre a qual se acumulavam pastas,
livros de contabilidade, papéis e correspondências. Em seguida, seus olhos se
dirigiram para o mapa da propriedade, logo acima da escrivaninha. Olhou o
restante da sala. Uma foto, na parede oposta, chamou-lhe imediatamente a
atenção. Era a foto de uma mulher jovem, ruiva, de olhos sonolentos e sorriso
provocante. Era de beleza incomum. Havia algo de diferente, de devastador
em sua figura. Era o tipo de pessoa que atraía instantaneamente todas as
atenções. Era o tipo de mulher por quem todos os homens se apaixonavam.
Liz se aproximou e observou a dedicatória. "A Jerry, com amor. Bridget".
Estaria Jerry apaixonado por ela?
Mas isso não lhe dizia respeito, dizia? Liz desviou a atenção para um mural
com várias fotos e recortes de jornal, todos referentes a concursos e exibições
de bovinos.
Em outro mural Liz percebeu que as fotos e recortes tinham tema
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diferente: circuitos internacionais de Fórmula 1. Uma foto do circuito de
Mônaco a interessou sobremaneira. "Jerry Conway, vencedor do Grand Prix".
Jerry carregava um trofeu e uma garrafa de champanhe.
— Interessa-se por corridas?
Liz se virou para encontrar os olhos de Jerry fixos nos seus.
— Sim... bem... não conheço muito bem o assunto, mas essa foto com
você se banhando em champanhe é bastante divertida.
— Faz parte do jogo!
— Quando se é o vencedor! — Era um alívio para Liz que Jerry
aparentemente houvesse se esquecido do incidente nas ravinas.
Ele agora estava tão próximo que Liz até podia sentir a fragrância cítrica
de sua loção após barba. Os cabelos ainda úmidos, a camisa branca de
algodão, a calça perfeitamente talhada, ele lhe parecia mais atraente e
indomável do que antes.
— Você parecia gostar muito do que fazia. — Ela se deteve, arrependida,
por tocar numa ferida talvez ainda aberta.
Jerry não pareceu notar seu momento de hesitação.
— Eu adorava a excitação do jogo, a velocidade. — O olhar de Jerry foi
até a última foto do painel. Um carro destroçado, um motorista inconsciente.
— Enquanto durou. — Perdido nos pensamentos do passado, ele parecia ter se
esquecido de sua presença. — Engraçado como você pensa que já se
esqueceu de tudo, que já tirou todas as lembranças da cabeça, e de repente
algo acontece e tudo volta à mente outra vez! Comigo acontece sempre que
volto a Pukekohe. Já esteve lá, Liz?
— Não, mas ouvi falar. Não é em Pukekohe que se realiza o Grand Prix
da Nova Zelândia, em todos os meses,de janeiro?
— Lá mesmo. É uma pequena cidade adormecida que ganha vida um dia
por ano. No dia da corrida.
— E você vai para lá todos os anos?
— Estive lá no ano passado e revivi minha época. Foi incrível poder ouvir
o ruído dos motores, sentir o cheiro do óleo!
— Não é pior para você?
— Assim que chego em casa, esqueço tudo. Minha vida agora é Hauturu.
— Ele olhou para o mapa. —É a este lugar que pertenço.
— Sua família sempre viveu aqui? — Liz perguntou apenas para falar
alguma coisa.
— Tudo começou com meu avô. Ele veio da Escócia e comprou estas
terras dos maoris, os nativos da região. Foi um desbravador. Naquela época
não era como agora. Ele só tinha o mar como acesso ao mundo exterior. Não
havia tecnologia, maquinarias, helicópteros. — Jerry se deteve de repente. —
Estou te aborrecendo?
— Não, claro que não. — E aquela era a pura verdade.
— Esta região de arbustos densos, por exemplo. — Ele indicou um
traçado verde no mapa, estava tão inclinado sobre ela que Liz podia lhe sentir
a respiração sobre a testa. Era tão tola que seus nervos estavam novamente
em frangalhos. Cada vez ficava mais difícil se concentrar em suas explicações.
— Eu mandei que a queimassem e plantassem pinheiros. Em poucos anos
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estarão completamente adultos. Eu a levarei até lá um dia destes, se quiser.
— Oh, sim! — Jerry se afastou nesse instante. Mais um segundo e ela
não saberia mais o que fazer para resistir à doçura sedutora que lhe inebriava
os sentidos. Jerry estava completamente diferente naquela noite do que
estivera na noite anterior. Talvez houvesse se forçado a esquecer quem ela
realmente era. Naquele instante talvez só a encarasse como alguém em quem
pudesse confiar seus planos e esperanças para o futuro da propriedade. De
certa forma era um alívio que para ele o romantismo da tarde, não houvesse
passado de um impulso passageiro. Isso seria o melhor para ambos, não
seria? Então por que a estranha sensação de abandono?
— Nos dias de hoje estou mais interessado em cavalos de corrida do que
em carros de corrida. — Ele sentou-se na cadeira giratória e indicou a outra a
sua frente.
Um relacionamento empregado-empregador seria bem mais fácil de
conduzir, Liz refletiu. Ao menos nesse terreno ela saberia onde pisar.
— Já participou de algum curso sobre treinamento de cavalos de
corrida?
A pergunta a tomou de surpresa e sob o impacto daqueles olhos ela não
teria chances de faltar com a verdade.
— Sim, mas já faz algum tempo. No verão passado... — A memória a
levou para um ano antes. Seu pai ainda gozava de excelente saúde e estava
plenamente feliz em treinar o garanhão que ele criara na própria fazenda.
Ainda podia ouvi-lo falar: "Mate promete muito, Liz. Olhe só seu belo
desempenho!" Lembrava-se também de sua própria excitação ao pedir ao pai
que permitisse que ela o ajudasse a treiná-lo.
Fora um golpe terrível perder o animal em quem haviam depositado
tantas esperanças, mas um acidente com um trator forçara seu pai a desistir
de treiná-lo.
Uma exclamação de Jerry a trouxe de volta ao presente.
— Ótimo! Você é a pessoa exata que eu estava procurando!
O sorriso franco, a forma de fitá-la como se acabasse de encontrar não
só o fim do arco-íris como também o pote de ouro, a deixava desnorteada. O
que fora mesmo que ele dissera? Que estava pensando em realizar corridas,
ali na praia, uma vez por ano? O que havia com ela naquela noite para
imaginar coisas tão impossíveis como o carinho especial de Jerry para com
ela?
Cuidado, garota! Já cometeu um erro ao se apaixonar por Brooke à
primeira vista. Não pode se arriscar a cometer outro, pois os resultados
seriam ainda piores. Principalmente se esse outro erro envolver Jerry Conway,
entre todos os homens!
— Está empregada! — Ele a encarou enigmaticamente. Com os diabos!
Aquele homem parecia ter o poder de ler sua mente. Tinha certeza que ele
percebera o prazer refletido em seus olhos quando a elogiara. Mas era um
alívio que sua atitude continuasse a ser puramente profissional. Seria a única
forma de manter seu autodomínio!
— No caminho para cá, notei anúncios de uma corrida na praia. — Era
surpreendente que sua voz continuasse normal depois de toda a batalha
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emocional que travara consigo própria.
— Há muitos anos, quando meu pai dirigia a fazenda, as corridas na
praia constituíam um evento anual nesta costa do país. Mais tarde ele desistiu,
mas eu resolvi recomeçar. Como sabe, tenho o sangue das corridas nas veias.
— Ele se recostou na cadeira e a fitou com satisfação. — É aí que você entra.
— Como jóqúei, você quer dizer?
— Essa é a idéia. Mas você... — Ele se deteve ao notar a expressão
tempestuosa de Liz. — O que houve? Pensei que estivesse disposta a
trabalhar.
— Estou. É que... você bem que poderia ter perguntado se eu
concordava em ajudá-lo! — Liz explodiu, indignada. — Do jeito que faz, sinto-
me como se estivesse obrigada a cumprir uma ordem!
— Então é isso! Tudo bem! — havia um brilho divertido nos olhos cor de
avelã. — Que acha, Liz? Estou lhe oferecendo um emprego de treinadora de
cavalos. Pagarei o mesmo salário do outro treinador. Só que você deverá se
dedicar ao meu puro-sangue em particular.
— Parece ansioso por entregar seu cavalo a outro!
— É verdade. — Ele simplesmente concordou. — Tão ansioso quanto
você por conseguir o emprego. E agora que está tudo acertado...
— Lá vai você outra vez! — Liz estava determinada a se vingar pelas
acusações que ele lhe fizera na noite passada.
— Tenha paciência! — O tom zangado provou que ela obtivera a reação
esperada. — Quer ou não o emprego?
— Quero.
— Excelente. — O tom de alívio confirmava suas suspeitas de que Jerry
realmente precisava dela para o trabalho. Naquele instante ele parecia
relaxado e feliz. — A sorte está do meu lado, já que marquei a corrida para
daqui a três semanas. Estará por aqui, não? — Liz detectou um tom de
preocupação em sua voz. — Poderá ficar todo esse tempo?
— Não tenho muita escolha. Você sabe disso.
— Sorte a minha! — Ele não deu importância ao comentário mal-
humorado. — O que quero que faça é o seguinte: Comprei o cavalo há um
ano. É um puro-sangue de ótimo desempenho. Tenho confiança nele e
acredito que tenha um futuro promissor nas pistas de corrida. Não seria o
primeiro cavalo treinado numa fazenda a conquistar a taça de Melbourne.
Minha idéia é testá-lo inicialmente numa corrida de praia. Se o resultado for
satisfatório, eu o inscreverei para as corridas de todo o país.
O rosto moreno era puro entusiasmo.
— Sua tarefa consistirá em percorrer a pista algumas vezes por dia até
que ele adquira prática no trecho, e também levá-lo para galopar na areia. O
homem que o treinava pediu demissão de uma hora para outra para trabalhar
num haras no norte do país. Liz o fitava, os olhos arregalados.
— Como é que pode entregar seu cavalo em minhas mãos, se a corrida
é tão importante para você? Quero dizer... você e eu, nós...
— Mal nos conhecemos. É isso?
Liz podia sentir o sangue subindo por seu rosto. Recusou-se a encará-lo.
Tinha certeza que ele aproveitaria essa oportunidade para lembrá-la da
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loucura que a invadira nas ravinas. Para seu alívio, contudo, o tom de voz dele
continuava profissional.
— Conheço um jóquei de talento assim que o vejo e pelos meus
registros você tem esse algo especial que eu estava procurando. Foi uma sorte
encontrá-la, justamente quando estava desistindo de meus planos...
— Eu, especial? — Ela estava encantada. Possuiria realmente essa
qualidade especial que ele tanto frisava? — Não consigo entender a que você
se refere!
— Não? — Os olhos de Jerry a medira da cabeça aos pés. — O fato é que
não consegui encontrar ninguém tão leve quanto você. Se houvesse feito uma
encomenda não teria sido melhor servido.
Liz vasculhou em seu cérebro em busca de uma resposta que pusesse
um fim a essa alegria. Do jeito que Jerry falava ela não era um ser humano,
mas um objeto!
— Não vim aqui especialmente para ajudá-lo numa corrida de cavalos.
Se ainda não parti é porque você não tem consideração por meus
sentimentos.
— Está querendo dizer que usei de chantagem? — Liz teve vontade de
lher apertar o pescoço, quando ele sorriu. — Que importa, se consegui meu
jóquei!
A indignação roubava o fôlego de Liz. Queria brigar, esbravejar, mas sua
mente se recusava, a funcionar.
— Está bem. Quando é que devo começar com o treinamento?
— Isso é que é falar! — Jerry prosseguiu sem levar em conta o tom
desencorajador de Liz. — Comece assim que quiser. Amanhã cedo, que acha?
Eu a esperaria no estábulo às cinco horas. — Ele se deteve por um instante, o
olhar ansioso. —Não irá me
desapontar, não é, Liz?
— Por que faria isso? — Jerry ainda sentiria dúvidas com relação a ela
por causa das intrigas de seu meio-irmão? Não, certamente não era esse o
motivo. Tudo que lhe interessava no momento era seu puro-sangue. O
treinamento e a corrida eram muito mais importantes do que ele deixava
transparecer.
— Tudo isto é terrivelmente importante para você, não? — Antes que ele
pudesse responder, Liz se aproveitou de sua momentânea vantagem. — Nem
sequer o todo-poderoso proprietário de Hauturu pode estalar os dedos e fazer
aparecer no ar um jóquei. A humilhação que Jerry a fizera sofrer começava a
transbordar.
Agora era a vez dele de ser obrigado a depender de alguém. A ironia da
situação arrancou um breve sorriso de sua boca.
— Por que está rindo?
— Por nada. — Ela se levantou e encarou-o. — Apenas uma idéia que
me passou pela cabeça. Eu, que estava morrendo de vergonha por ter de
depender de você quanto a casa, comida e transporte e agora... o mundo
girou e você e quem depende de mim... que tem de confiar em mim.
Jerry também se levantou, uma expressão inescrutável nos olhos. Liz se
sentiu ainda menor e mais frágil ao seu lado.
Projeto Revisoras
— Apenas com, relação à corrida, é claro — ela acrescentou, ligeira. —
Estarei no estábulo ao amanhecer. Boa noite!
Liz saiu rapidamente do escritório e foi direto para o quarto. Precisava
dormir. Chovesse ou fizesse sol, não poderia se atrasar um minuto sequer em
seu primeiro dia de trabalho!

CAPÍTULO IV

Liz acordou várias vezes durante a noite com receio de perder a hora.
Da última, finalmente alguns tímidos raios de sol penetravam pela janela.
Nem bem acabara de se espreguiçar, soou uma batida forte na porta.
— Acorde e brilhe, Liz! — Foi a ordem.
— Já vou! — Ela saltou da cama e rapidamente se vestiu e calçou as
botas. Escovou os cabelos e preendeu-os com um elástico. A fita, ela só
terminou de colocar quando já estava no corredor.
Jerry a esperava na varanda.
— Bom dia! — Ele parecia alerta e descansado, os olhos cheios de
vitalidade. — Eu a acordei?
— Que acha? Será que alguém poderia continuar dormindo com aquele
barulho?
Jerry sorriu enquanto desciam os degraus.
— Vejo que encontrou uma roupa apropriada à equitação.
— Oh, sim. Estava numa gaveta em meu quarto. — Dessa vez Liz não
teve escrúpulos em aceitar o oferecimento da governanta, uma vez que o
empréstimo seria necessário para a realização de seu trabalho. — Foi uma
sorte ter servido em mim.
— Serviu com perfeição. — Liz mal podia acreditar em seus ouvidos. —
Você está linda!
Surpresa e irracionalmente feliz pelo inesperado elogio, ela não pôde
evitar um sorriso. Tudo ao seu redor lhe parecia maravilhoso: as árvores
contra o azul do céu, o ar fresco e perfumado da manhã. Em seu atual estado
de espírito, só em pisar sobre a relva macia e úmida já se sentia bem.
— Sempre começa a trabalhar assim cedo?
Jerry fez um gesto afirmativo com a cabeça.
— Ontem tive de levar um dos cavalos até a praia para fazê-lo andar na
água. Ele havia cortado a pata e a água do mar apressa a cicatrização — Jerry
falava com orgulho de seus animais, ela já havia percebido. Ao chegarem
próximos ao estábulo, ele a fez parar. — Espere aqui. Vou lhe trazer seu
cavalo.
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Alguns minutos depois, Jerry retornou com um magnífico animal
Castanho. Liz prendeu a respiração. Mate! O puro-sangue que um dia
pertencera a seu pai! O cavalo que ele tinha certeza um dia seria famoso! Seu
companheiro de infância! Liz olhou para a perna dele e constatou a imensa
cicatriz deixada pelo ferimento que ela tão pacientemente tratara por muitas
semanas. "Seu cavalo"! Se ele soubesse!
— Algo errado? — Jerry olhava o cavalo e o rosto perplexo de Liz. — Não
me diga que vocês já se conhecem! Espere um pouco! O nome dele é Liz's
Mate...
— Claro que é! Eu o conheceria em qualquer lugar. — Emocionada, Liz
se ergueu nas pontas dos pés para acariciar o pescoço de seu antigo mascote.
Seus olhos ficaram marejados de lágrimas. — Sou Liz, lembra-se? Meu
coração ficou partido ao saber que você havia sido vendido. Pensei que nunca
mais fosse vê-lo e agora... estamos juntos outra vez! Será como nos velhos
tempos. — Ela pressionou o rosto contra o pescoço que ele erguia, garboso. —
Meu pai o adorava e tinha certeza que um dia seria um campeão, se tivesse
oportunidade. — Ela se deteve. — Só que um acidente de trator o impediu de
continuar treinando-o. Eu estava ausente aquele ano para um trabalho
voluntário no sudoeste da Ásia. Quando soube que papai o vendera fiquei
muito triste, mas era tarde demais para poder fazer alguma coisa. De repente,
o tom de voz de Liz ficou novamente alegre.
— Ele me reconheceu! Sabia que não me esqueceria! E pensar que
poderei cavalgá-lo outra vez! Nem acredito!
— Foi uma ótima notícia. —Jerry parecia quase tão,satisfeito quanto ela.
— Bem de encontro aos meus planos. As coisas estão saindo ale melhor do
que eu esperava.
Os olhos azuis de Liz escureceram.
— Toda essa alegria é apenas por eu ter um interesse pessoal em Mate?
Por você se sentir gratificado pelo bom emprego de seu dinheiro?
— Algo assim.
Foi como se lhe jogassem um balde de água fria. Ela deveria ter
imaginado que Jerry só era motivado por seu egocentrismo.
— O senhor manda, chefe. — Ela lhe endereçou um olhar de
ressentimento. — Devo servir a Mate a primeira refeição do dia? — Ela indicou
um balde de plástico.
— Agora mesmo.
Assim que ela completou a tarefa, Jerry colocou uma pele de carneiro
sobre Mate e depois a sela. Por último ajustou as rédeas e tirou um papel do
bolso da camisa.
— Este é o esquema que deverá seguir. O treinamento diário consistirá
em trotes e meio-galopes na areia molhada. Em seguida uma caminhada, pela
água para refrescar as pernas. Certo?
Liz leu rapidamente o papel, verificando os horários e detalhes do
programa de exercícios, descanso e alimentação.
— Acha que pode dar conta? — Liz mais uma vez percebeu a sua
importância para ele nesse aspecto.
— Não vejo nada de extraordinário nesse programa.
Projeto Revisoras
— Não é exatamente o mesmo que os usuais. As coisas são um pouco
diferentes aqui na costa...
— Eu também vim de uma região litorânea — ela protestou. — Não se
esqueça de que Mate é... foi meu. Sei muito bem como tratar dele.
— Para mim está perfeito. — Era imaginação sua, ou a tensão de Jerry
realmente desaparecera após sua resposta? — Seu emprego, Liz, será em
horário integral. Após as cinco horas estará liberada para fazer o que quiser.
— Vou começar imediatamente. — Ela se preparava para montar,
quando Jerry a interrompeu.
— Espere. Deixe-me ajudá-la. — Antes que pudesse lhe adivinhar as
intenções, sentiu-se levantada por braços fortes. Por um segundo, um minuto,
poderia ser até uma hora na imaginação de Liz, eles tiveram seus corpos
novamente juntos.
Esforçando-se para resistir à atração que fazia seu coração bater
descompassado, Liz jogou a cabeça para trás e riu.
— O que vai acontecer se meu trabalho não for aprovado?
— Isso seria impossível. — Ele a fitava com tanta confiança que Liz
pestanejou.
Era preciso se recompor. Não se deixe enganar, garota! O interesse dele
é apenas com relação a sua experiência com cavalos. Não confunda as coisas.
Ele não a vê como mulher.
Depois daquela primeira manhã, Jerry não mais a acompanhou nos
passeios diários ao longo da praia, nem sequer a visitou no estábulo, onde
lavava e alimentava o puro-sangue. Estava evidente para Liz que ele deixaria
Mate totalmente em suas mãos.
"Não acha que Jerry deveria vir ao menos uma vez ao estábulo, para se
certificar de que sua funcionária está trabalhando a contento?", Liz indagou a
si mesma. "E essa seria a única razão pela qual gostaria de vê-lo?" Uma voz
interior lhe chamou a atenção. Claro que sim. Por que outro motivo seria?"
Durante o jantar sempre vários homens estavam à mesa: o administrador, o
chefe dos tosquiadores, o veterinário. Após a refeição, eles invariavelmente
desapareciam pela sala de bilhar. Não que Liz desejasse ficar a sós com Jerry,
apenas queria saber se ele estava satisfeito corn os resultados.
No final de uma daquelas tardes, Liz estava carregando um pesado
manto para aquecer Mate, quando Jerry se anunciou.
— Deixe que eu faço isso! — Ele tirou o manto de suas mãos, colocou-o
no chão e depois ficou imóvel, a atenção concentrada no pêlo sedoso e
brilhante de Mate, e em seus cascos bem-tratados. — Está parecendo uma
pintura, não?
Liz assentiu, tentando disfarçar a onda de prazer que a fazia corar. Ele
notara os resultados dos banhos e escovações cuidadosas.
— Soube desde o primeiro instante que você era a garota ideal!
Por um instante a mente de Liz captou as palavras sem registrar seu
real sentido. O brilho de seus olhos, contudo, logo desapareceu. Já deveria ter
se acostumado com elogios que nada mais eram do que a coroação da
esperteza de Jerry, por ter encontrado uma treinadora adequada para seu
puro-sangue.
Projeto Revisoras
— Seria bom que verificasse o desempenho de Mate nas corridas pela
praia, antes de se parabenizar. Pelo que pensa a meu respeito, poderá se
decepcionar seriamente.
— Você? Me decepcionar? Não neste caso. — A certeza de Jerry
contribuiu para levantar um pouco o ânimo de Liz. — Ele até poderá perder,
mas não será por falha sua. Você e ele, Liz, formam um belo par.
Preferiria ter você como par! Oh, não! De onde viera aquela idéia tão
absurda?
— Como pode saber? Ainda não assistiu a um único exercício!
— É o que você pensa! — Jerry deu uma gargalhada. — Não há um
único homem nesta fazenda que ainda não tenha visto e elogiado seus
galopes pela praia, pelos campos e principalmente os saltos sobre portões.
— Então estava de olho em mim todo esse tempo! — Ela brincou. — E
eu que pensava que não estava preocupado!
— Acontece que você é muito importante para mim.
— Claro que sou. Uma jóquei sob medida. Como poderia me esquecer?
Os lábios de Jerry se distenderam sarcasticamente.
— Uma boa aquisição! É só isso que sou para você. — As palavras
inflamadas fugiram ao controle de Liz. — Está tão satisfeito comigo quanto
estaria com um novo e potente trator. Não confia em mim. Ainda prefere
acreditar nas mentiras de Brooke...
— Pensei que já houvéssemos encerrado este assunto. — Ele franziu o
cenho.
— Já? Mas você ainda não...
— Pensei que quisesse trabalhar para mim.
— Eu quero. — A voz de Liz estava tensa. — Mas...
— Neste momento, seu trabalho é o que importa.
— Estou perfeitamente ciente! — ela protestou entre os dentes.
Seus pensamentos estavam um verdadeiro tumulto. Ele tinha a
capacidade de destruir o ego de qualquer mulher. Sentia um ímpeto quase
histérico de começar a gritar. "Caso ainda não tenha notado, sou mulher! Você
só me enxerga como um jóquei de botas e boné!" Se pudesse fazer alguma
coisa, dizer alguma coisa para que ele mudasse de opinião a seu respeito!
Subitamente, uma idéia que vinha agasalhando a algum tempo, cristalizou-se
em sua mente. Provaria a Jerry que era uma garota que faria sucesso numa
carreira de sua escolha, no mundo dos homens.
— Fico contente que esteja satisfeito com o treinamento que venho
proporcionando a Mate. — Ela respirou fundo. — Estou pensando em desistir
de lecionar, para assumir uma carreira da qual realmente goste. Ligada a
cavalos, é claro.
— Está se demitindo? — A voz de Jerry ficou repentinamente áspera.
— Ainda não. — Ela deveria ter imaginado qual seria a reação dele à
notícia. Jerry tinha medo de perder seus serviços como treinadora. — É
apenas uma idéia que venho desenvolvendo. Administrar meu próprio haras.
Tratar e treinar cavalos de corridas. — Liz se deteve para saborear seu
momento de triunfo. — É por isso que gostei de saber que aprova meus
métodos. — Ela ergueu os ombros e o fitou, desafiadora. — Sei que terei
Projeto Revisoras
problemas devido a minha idade, que muitos homens colocarão minha
capacidade em dúvida, mas eu saberei me impor. Sempre quis possuir um
haras. O primeiro passo será convencer meu pai, principalmente porque
precisarei que ele ceda parte de suas terras. — Liz falava com entusiasmo e
confiança em seu projeto. — Planejo cuidar de um a seis cavalos de cada vez.
Tenho tanta sorte! A fazenda do meu pai dá para uma praia e eu poderei levar
os cavalos para nadar, principalmente os de corrida. Precisarei juntar dinheiro
para adquirir terras junto ao mar. Isso é imprescindível para o negócio.
— Você as terá!
Liz lhe endereçou um olhar de desconfiança. Jerry estava zombando de
seus planos? Não dava para saber.
— Poderei treinar os outros cavalos apenas nas colinas. Alguns poderiam
ficar um mês comigo, outros uma semana ou dez dias. Seria uma espécie de
férias para eles.
— Como a sua em Hauturu? — Dessa vez ela não teve dúvida de que
Jerry fazia pouco caso. Sua vontade era lhe atirar a escova de Mate.
Confessara-lhe seu sonho e ele zombava!
— Só estou lhe contando porque pode precisar de mim no futuro para
cuidar de seus cavalos.
— Obrigado pela dica, mas acontece que tenho uma idéia melhor. Trata-
se de um plano a longo prazo no que se refere ao cuidado com meus cavalos.
Não. — Ele protestou e sorriu quando Liz tentou questioná-lo. — Não posso
lhe revelar o plano por enquanto. É confidencial!
É claro que ele estava zombando. Jamais a levaria a sério.
— Se não acredita em meus planos de dirigir um haras só por que sou
mulher... — Ela não conseguiu sustentar-lhe o olhar. Não fazia ideia de que
seu rosto corado a tornava mais atraente, mais vulnerável aos olhos de Jerry.
— Vou lhe dizer uma coisa! O fato de ser mulher não mudará minha decisão.
Sempre achei que as mulheres têm mais afinidade com os cavalos do que os
homens!
— Então acertei em tê-la aqui.
Liz olhou para ele em busca de uma explicação, mas a expressão de
Jerry era indecifrável.
— Ainda não colocou o manto sobre Mate — ela observou, fria.
— Colocarei imediatamente. — Jerry preparou o animal para a noite,
fechou a porta do estábulo e acompanhou Liz até a casa, em silêncio.
Liz ainda sentia o rosto queimar de raiva. Não sabia de onde tirara a
idéia de que seria bom se Jerry viesse até os estábulos e conversasse com ela.
Chutou distraidamente uma pedra que cruzara seu caminho. Conseguira os
tão esperados elogios por seu trabalho. O duro é que eles vieram
acompanhados por injustiças e zombarias que a atormentavam.

— Irá ao baile no galpão esta noite? — A sra. Malloy parou por um


minuto de sovar a massa de pão.
— Não. — Liz sacudiu a cabeça.
— Deveria ir. — A mulher se mostrou espantada com a resposta
Projeto Revisoras
inesperada. — Está precisando de um pouco de diversão.
Liz procurou encontrar uma desculpa convincente para sua falta de
interese no que deveria ser um dos eventos sociais mais importantes do ano.
— Não estou com disposição para dançar.
— Todos os homens da fazenda ficarão imensamente decepcionados —
Jerry comentou enquanto se servia de uma lata de cerveja. — Não é todo o
dia que aparece um rosto novo por aqui. Especialmente quando a garota é
jovem, bonita e solteira!
Liz o fulminou com os olhos. Era o tom de zombaria que ele dera à
palavra "solteira" que a tirava do sério. Que diabos andava acontecendo com
ela? Nunca tivera o hábito de se entregar à fúria e, principalmente de
enrubescer até chegar em Hauturu. entretanto, também nunca conhecera um
homem que a irritasse tanto com seu sarcasmo e arrogância. Jerry jamais
perdia uma oportunidade de provocá-la e tudo por causa de seu julgamento
errôneo quanto aos motivos que causaram o rompimento do compromisso
com seu precioso meio-irmão.
Incapaz de se conter, Liz bateu a porta do armário de onde acabara de
retirar uma xícara.
— Azar deles!
— Você me surpreende, Liz — Jerry a fitava com frieza. — Pensei que
fosse se alegrar com a perspectiva de conhecer caras novas. Não foi esse o
grande estímulo para que resolvesse empreender uma viagem pelo país,
completamente sozinha?
— Como se atreve a falar comigo assim? — Ela enrijeceu.
— Não ligue para o Jay. — A sra. Malloy procurou acalmar os ânimos. —
Ele é muito brincalhão.
— Brincalhão? É assim que o descreve?
A governanta sorriu.
— O que ele realmente quis dizer é que espera que mude de idéia e
compareça à festa. Estou certa, não é, Jay?
— Quanto mais gente, melhor — ele observou, cínico, e se afastou.
— Tenho certeza que ele gosta de você. — A mulher fitou o rosto
exaltado de Liz.
— Encontrou um jeito esquisito de demonstrar.
Por que o dono de tudo aquilo se importaria que ela fosse ou não ao
baile, afinal de contas? Liz reviu sua decisão.
— Sabe de uma coisa, Molly? É bem capaz de eu aparecer na festa só
para fazer uma surpresa ao patrão!
— Muito bem! — Molly aplaudiu. — Não ligue para o que ele fala. Jay
nunca deixa ninguém saber o que realmente pensa. Quando pisar no galpão,
estou certa de que virá diretamente ao seu encontro e a tirará para dançar.
Mas terá de ser rápido, ou os outros lhe tornarão a frente.— A governanta
suspirou. — Oh, o que eu daria para ser jovem outra vez!
— Ser jovem não é assim tão importante — Liz murmurou,
acrescentando mentalmente: “se” Jerry estiver por perto".
À tardinha, quando Liz acabara de tomar seu banho e se vestir para o
jantar, e escovava os longos cabelos em frente ao espelho,a sra. Malloy abriu
Projeto Revisoras
ligeiramente a porta de seu quarto.
— Posso entrar, Liz?
— Nem precisava perguntar. — Liz se voltou para cumprimentar a
visitante. — Nossa, como está bonita! — A governanta trajava um vestido
novo que comprara pelo catálogo e que há poucos dias fora entregue pelo
correio. Os cabelos dourados haviam sido trançados ao redor da cabeça como
uma coroa, e um colar de ametistas completava a indumentária. A mulher
parecia muito satisfeita em poder se arrumar um pouco para variar.
— Obrigada, querida. Você também está muito bonita. Esse vestido de
musselina creme lhe cai como uma luva. Faz mais por você do que qualquer
roupa que poderia encontrar nas gavetas da cômoda.
— Felizmente não precisarei emprestar mais nada de sua sobrinha,
agora que me trouxeram o carro e minha bagagem. — Liz deu uma última
escovada nos cabelos e os prendeu no alto da cabeça. — Mesmo que este seja
meu único vestido de festa.
— Eu te conheço, Liz! Não admite emprestar nada de ninguém, mesmo
que não tenha o que vestir. Culpa dessa ânsia por independência que você
tem. — Molly fixou os experientes olhos azuis sobre Liz. — Algo me diz que
isso tem qualquer coisa a ver com o patrão. Estou certa? Embora não entenda
por que se importe tanto...
— Eu? Me importar com ele? O que a faz pensar tamanha bobagem? —
Liz enfeitou os cabelos com uma jóia que herdara da bisavó e ao redor do
pescoço prendeu uma fina corrente de ouro. — Bem, no início realmente me
senti em dívida pela hospitalidade, mas agora tenho um emprego. Jerry
detestaria ter de admitir, mas agora quem depende de mirn, é ele. Sabe o
quanto gosta de Mate! Sou a única treinadora que ele conseguiu encontrar. —
Os olhos de Liz brilhavam de triunfo enquanto colocava as sandálias. —
Acredite-me, Molly, é ótimo a gente se sentir assim!
— Se você se tornou tão importante assim para ele, não vejo como
possa deixar de tirá-la para dançar esta noite.
Liz ergueu o queixo num hábito adquirido após sua primeira discussão
com o senhor de Hauturu.
— Depende...

Liz chegou à festa e logo foi rodeada por rapazes, todos querendo tirá-la
para dançar. Ao ver Gary,vindo em sua direção com um sorriso tímido, sorriu
e saiu com o rapaz para a pista de dança.
O rapaz olhou em direção aos desapontados rivais, que não tiveram
outra alternativa a não ser procurar outras garotas;
— Você estava me seguindo, não é? — Ela não pôde ocultar o riso.
— Eu não podia me arriscar á perder.
— Era uma aposta, não?
— Mais ou menos — o rapaz confessou, envergonhado.
Quando a música terminou, Liz, corada e sem fôlego, sentou-se para
descansar. Que esperança! A banda parecia não se cansar jamais! Nem os
rapazes!
Projeto Revisoras
Em um dos intervalos, já tarde da noite, Susan surgiu a seu lado.
— Não tive uma única chance de mudar de parceiro — ela se queixou a
Liz, embora seus olhos brilhassem de felicidade. — Duncan não se separa de
mim um minuto e os rapazes não têm coragem de se aproximar.
— Pode me culpar por isso? — O jovem esposo abraçou Susan
possessivamente pela cintura.
Liz não estava ouvindo. Ela acabara de ver Jerry conversando com um
grupo de homens e seu tolo coração quase parara de bater. Ele parecia
tranquilo e relaxado e nem um pouco interessado em procurar uma parceira
para o baile.
Uma impressão a fez enrijecer. Teria ouvido alguém mencionar seu
nome? Não estavam falando sobre a corrida na praia? Liz aguçou os ouvidos,
e entre os ecos de vozes, risos e música, ela reconheceu o tom grave da voz
de Jerry.
— Acredite no que estou falando, a garota estava viajando
completamente sozinha. Quanto a cavalgar, ela é tão boa quanto estão
pensando e mais ainda.
Seguiu-se um murmúrio ininteligível e logo depois uma outra voz se
destacou.
— Admira-me você ter conseguido convencer um tesouro desse a ficar.
Novamente a voz de Jerry, fria, impessoal e arrogante.
— Foi ela quem me procurou. Apareceu um belo dia em minha porta em
busca de hospedagem.
— Que sorte a sua!
Liz jamais imaginou que pudesse ficar tão furiosa. Sentia um desejo
infantil de gritar e espernear. Como ele se atrevia? Como se atrevia a dar aos
outros a impressão que ela se ajoelhara a seus pés em troco de uma cama e
um prato de comida? Mordeu o lábio para se controlar. Não via nem ouvia
mais nada. Nem sequer percebia que a música recomeçara e que os pares já
rodopiavam pela pista improvisada. Naquele instante seu mundo se resumia
em Jerry e seu convencimento de que ela nascera para sua própria
conveniência. Se não tivesse dado sua palavra de que treinaria Mate, se
tivesse meios de escapar dali, partiria de Hauturu ao amanhecer. Se...
Repentinamente um movimento lhe chamou a atenção. Jerry se afastava
do grupo de homens e vinha em sua direção. Decidido, ereto, tranquilo, sem
dúvida disposto a cumprir seu dever de anfitrião, convidando-a para dançar.
Seu coração se negava a se comportar e Jerry avançava perigosamente,
quando um homem gordo e vermelho surgiu a seu lado.
— Quer dançar? — A voz estava lenta e denunciava excesso de álcool,
mas o que isso poderia lhe importar? Ele era sua única saída!
Liz lhe deu o braço um segundo antes que Jerry a alcançasse. Pelo canto
dos olhos, notou uma breve contração no rosto moreno. Surpresa?
Desapontamento? A expressão era indecifrável, mesmo quando convidou uma
moça pálida para dançar, que estivera sentada a seu lado. E Jerry poderia ter
ser aborrecido por outro homem chegar a sua frente? Claro que não. Tudo que
lhe importava era ter contratado a jóquei peso-pena, que ele tanto procurara!
Também não ligava a mínima que, no dia seguinte, os mexericos estariam
Projeto Revisoras
correndo toda a fazenda, de que Liz esnobara ostensivamente o patrão!
Foi um alívio quando a música terminou e seu parceiro enxugou o suor de sua
testa.
— Estou precisando de um pouco de ar fresco. — Como Liz só quisesse
escapar de Jerry, tanto lhe fazia para onde pudesse ir. Seguiu, portanto, o
parceiro um tanto vacilante nos passos, e saiu para a noite estrelada. Muitos
casais já se encontravam por entre as sombras.
A pouca distância do galpão, o homem se deteve e colocou a mão no
bolso.
— Quer beber?
— Não, obrigada.
— Está aqui há muito tempo? — Ele indagou após um grande gole.
— Não muito. — Algo nos olhos dele lhe dizia que seria uma atitude
sábia mantê-lo falando. — Meu carro quebrou a alguns quilômetros daqui e
terei de ficar em Hauturu até que seja consertado.
Conversaram por um longo tempo, ou ao menos ela sentiu que fosse,
até que a música novamente quebrou o silêncio da noite.
— Vamos entrar? — ela indagou, aliviada.
— Por que a pressa? — O homem a deteve, o braço ao redor de seus
ombros. — Está muito melhor aqui fora... com você!
Era absurdo se preocupar. O homem estava bêbado e se comportando
de maneira estúpida, mas fora isso, era completamen-te inofensivo. Os outros
casais, entretanto, estavam todos voltando ao galpão, deixando-os a sós.
— Vou entrar. — Ela se livrou do peso sobre os ombros e deu um passo,
mas o homem a barrou.
— Não, não vai! — O tom de voz se tornou autoritário, e logo em
seguida, adulador. — Você é bonita. Alguém já lhe disse isso?
Ignorando os sussurros amorosos, Liz tentou avançar, mas apesar do
estado lastimável em que se encontrava, o homem antecipou seu movimento.
— Não dificulte as coisas. Você vai ficar aqui... comigo. — Liz se viu
bruscamente presa contra o peito dele.
O abraço era tão forte que todos os esforços para se soltar se
mostraram inúteis. Por mais que os outros sentidos estivesem embotados pelo
álcool, a força física do homem parecia haver aumentado.
— Cabelos lindos. Gosto que minhas mulheres usem cabelos longos. —
Antes que Liz pudesse adivinhar suas intenções, ele já havia retirado os
grampos de seus cabelos, fazendo o coque desmoronar como uma cascata
negra sobre os ombros.
— Solte-me, seu idiota! — Liz esmurrava o peito vigoroso ob tendo um
resultado ainda mais desastroso.
— Para que pensou que a trouxe aqui fora, hein? — A voz se tornou
rouca e ameaçadora. — Para começar quero um beijo,
A boca estava tão próxima que Liz sentiu náuseas com o hálito
impregnado de uísque.
— Não! Deixe-me em paz! — Desesperada, Liz percebeu uma silhueta
subindo os degraus do galpão de dois em dois. O instin to a fez gritar. —
Jerry!
Projeto Revisoras
— Cale-se! — A mão do homem fechou sua boca, mas já era tarde
demais. A silhueta escura avançava em direção a eles e um minuto depois ela
foi libertada. O homem, que lhe parecera tão forte, foi projetado como um
boneco de pano ao chão.
Levantou-se com dificuldade, a mão pressionando o queixo ferido. Virou-
se agressivamente para Jerry, mas o brilho ameaçador que viu em seus olhos
o fez recuar. Liz, contudo, ele não poupou:
— Sei quem você é. Assim que a vi com os cabelos soltos a reconheci.
Tinha certeza que a conhecia de algum lugar. Da fazenda de seu pai. Precisou
se afastar por uns tempos, hein? Bancou a boba quando se livrou de Brooke,
quase à porta da igreja. Também fez ele de bobo. Um cara legal. Ele não
merecia uma garota como. você! — Jerry avançou mais uma vez. O homem o
enfrentou. — Não me subestime!
Liz permanecia como que paralisada no lugar.
— Vá andando, se não quer que lhe mostre o caminho! — o homem,
praguejando, cambaleou em direção ao caminhão qm estacionara junto às
árvores. Finalmente parecia disposto a obedecer à ordem de Jerry.
Após alguns passos, entretanto, ele se deteve e virou-se para trás.
— Um conselho, colega. Tome cuidado com essa aí. Ela é traiçoeira!
Liz sentia vontade de ver o chão se abrindo aos seus pés paia poder se
esconder.
— Suponho que prefira acreditar no que aquele bêbado idiota falou
sobre mim. — Ela suspirou, amarga, enquanto afastava o cabelo do rosto que
a brisa noturna teimava em despentear. — Afinal, ele confirmou seu próprio
julgamento, não é?
— O idiota, como você o chama, foi bom o suficiente para atraí-la aqui
fora e mantê-la mesmo depois que os outros voltaram para o baile.
Então era isso. O impulso de rejeitá-lo em favor de um estranho, e ainda
por cima bêbado, reforçara suas idéias de que ela não era uma mulher
honesta.
O ódio perante tanta injustiça a cegou momentaneamente.
— O fato de eu tê-lo rejeitado por causa dele... — Ela se interrompeu.
Para que se dar ao trabalho? Era tarde demais para explicações. — Vamos,
por que não fala de uma vez? — Liz o provocou. — Pode arrumar suas coisas e
ir embora amanhã mesmo. Mandarei um homem à cidade para comprar a
maldita bateria e resolvemos o problema. Vá em frente!
— Não está se esquecendo de um detalhe? — A voz de Jerry era
cortante. — Temos um contrato.
Desesperada, Liz percebeu que ele novamente a tratava da forma
impessoal de um patrão para com sua empregada.
— Eu fico. — Ela gritou, revoltada. — Mas por Mate apenas. Ele significa
muito para mim e farei tudo para que vença.
— É só isso que espero. — O tom controlado a fez empalidecer. — Disse-
lhe que de treinadores e jóqueis, eu entendia.
— E eu lhe disse que não era tão bom em relação a namoradas! — No
momento que percebeu o que dissera, Liz soube que daria tudo para voltar
atrás. Nunca imaginara ser tão horrível, amarga e vingativa.
Projeto Revisoras
— Vamos nos ater aos cavalos, está bem? — A fúria mal contida provou-
lhe que tocara num nervo exposto. Estranhamente não se sentia vitoriosa com
a descoberta, mas arrependida. Será que Jerry e ela nunca se tratariam com
gentileza?
Ele a fitava em silêncio. Liz atribuía ao lugar as sombras naquele rosto
moreno, tornando-o ainda mais sério. Um movimento repentino e ele recolheu
da grama, o pente incrustado de pedras preciosas, que pertencera a sua
bisavó.
— Obrigada. — Ela começou a se afastar. — Vou voltar para casa.
— Não vai dizer boa-noite? — Ele a alcançou.
— Não, não vou. — Ela o fitou, desafiadora, e ele segurou fortemente
seu braço. — Tire as mãos de mim! Está me machucando!
A pressão se tornou mais suave. Liz, entretanto, tinha certeza de que
não poderia escapar enquanto Jerry não quisesse. Se ao menos não fosse tão
vulnerável ao toque dele!
— Você não manda em mim! — ela protestou, irada. — Exceto no que
diz respeito a Mate. — A dificuldade em falar, em pensar objetivamente já se
manifestava. Era uma loucura! A atração que os unia, algo que ela sentia
também acontecer com Jerry, os dominava, enfraquecendo suas defesas.
Liz não conseguia mais encontrar palavras para discutir. Não que isso
fosse fazer qualquer diferença, pois numa fração de segundo ele a puxou
contra o peito e esmagou seus lábios com uma brutalidade proposital. Quando
a soltou, os olhos de Liz estavam brilhantes, de lágrimas.
— Por que fez isso? — Ela levou a mão aos lábios doloridos.
— Para desejar boa noite.
— Não foi o que transmitiu. — Das névoas profundas de sua mente
confusa, Liz encontrou forças para manter a calma.
— Então por que está tremendo? — Ele indagou baixo e ameaçador. —
Ou é normal que trema quando qualquer homem a beija?
— Oh, deixe-me .em paz! — Ela começou a correr. — Boa noite!
Dessa vez ele não tentou detê-la. Que os céus a ajudassem a não
tropeçar e cair naquele terreno acidentado. Não suportaria ser novamente
carregada por Jerry.
Acordada por quase toda a madrugada, Liz não conseguia parar de
pensar nos eventos da noite. O infeliz interlúdio com o estranho embriagado
fora mais uma prova para Jerry de seu mau-caráter. Ela poderia ser uma
ótima jóquei, mas como mulher não era digna de confiança. Finalmente as
lágrimas romperam o autodomínio e ela se entregou a sua dor. Mas ainda lhe
restava coragem. Liz prometeu a si mesma que faria Jerry enxergá-la como
realmente era antes de partir.

CAPÍTULO V
Projeto Revisoras

Pela manhã, Liz deu graças pela oportunidade de trabalhar e talvez se


esquecer por algumas horas da noite horrível que passara, e do beijo ofensivo
que Jerry lhe dera. As manhãs solitárias na praia agiam como um calmante
sobre seus pensamentos e, sem perceber, Liz se tornava parte da natureza.
Só voltou para a casa horas mais tarde. Molly, como sempre, estava na
cozinha.
— Bom dia, Liz. Demorou a chegar para o café da manhã.
— Obrigada, mas não estou com fome. Acho que só vou tomar uma
xícara de café.
— Está se sentindo bem? — Molly indagou, preocupada.
— Claro que estou. Nunca me senti melhor!
— Ainda bem. Desapareceu tão cedo da festa, que todos comentaram.
Susan disse... — A mulher se deteve, mas não eram preciso palavras para que
Liz entendesse. — O que aconteceu?
— Nada de sério. Apenas uma dor de cabeça. — Liz evitou os olhos
perspicazes de Molly. — Eu costumo tê-las uma vez ou outra, mas estou bem
agora.
— Uma pena que não tenha ficado mais tempo na festa—. Molly colocou
duas xícaras sobre a mesa e sentou-se frente a Liz.
— Não vai adivinhar quem chegou ontem à noite. Bridget! Assim que
desembarcou no aeroporto de Wellington, alugou um carro com motorista e
veio direto para cá. Disse que não queria perder um minuto de seu precioso
tempo para chegar a Hauturu. Jay ainda estava no baile, mas ela não me
deixou chamá-lo. Disse que estava muito cansada e que o veria pela manhã.
Os olhos de Liz estavam arregalados de surpresa.
— A senhora está se referindo à garota da foto no escritório de Jerry?
Aquela Bridget?
— Minha querida, para Jay só existe aquela Bridget no mundo!
Por uma razão que não soube explicar, Liz sentiu frio.
— Quer me dizer que ela não era esperada?
A governanta riu.
— Não se pode esperar que uma modelo famosa como Bridget planeje
antecipadamente suas viagens, não com a vida que leva. Ela está sempre
ocupada com sessões fotográficas, desfiles de modas. Só vem aqui quando
surge uma folga inesperada, o que não é frequente. Nos últimos anos ela tem
se dividido entre Nova York, Roma, Paris, Berlim, e até o Caribe, já pensou? É
sempre uma adorável surpresa para nós quando ela pode nos visitar. O fato
de ser famosa não a modificou. Ela e Jay cresceram juntos. Seus pais
possuíam uma fazenda aqui perto e Jay frequentava a escola, que ficava na
propriedade deles. Bridget é filha única. Seus pais não cabiam em si de
orgulho quando ela venceu o concurso de "Miss Nova Zelândia". Com as
portas abertas para a carreira, Bridget decidiu se mudar para a Inglaterra
onde teria maiores chances. Pouco tempo depois, seus pais venderam a
fazenda e foram se reunir a ela. Ela sabe que Jay adora vê-la, por isso vem
Projeto Revisoras
sempre que pode. Bridget nunca se esqueceu dos velhos amigos.
Amigos, ou amantes? O relacionamento entre eles deveria ser muito
forte para fazê-la atravessar o mundo e se isolar numa fazenda. Liz tentou
não pensar. Aquela sensação estranha... não era ciúme, era? Não podia ser,
mas...
— Bridget diz que Hauturu é como seu lar. Ela...
— Alguém está falando de mim? Estou sentindo as orelhas queimarem!
— Uma garota alta se espreguiçava na soleira da porta e bocejava. Era magra
e suas feições irregulares.
Os cabelos ruivos caíam até os ombros. Não era bonita, Liz considerou,
mas marcava-a uma qualidade indefinível que a fazia se destacar onde quer
que fosse.
— Bom dia outra vez, Molly! Ainda não acordei direito. Já havia me
esquecido o quanto me faz bem este ar puro. — Ela sorriu, preguiçosa. —
Sobrou um pouco de suco de fruta?
— Sirva-se à vontade. — Molly indicou uma jarra de vidro sobre o
aparador. — Bridget, esta é Liz...
A moça olhou para Liz com indiferença.
— Suco de laranja com manga! Molly, você se lembrou! — Ela dirigiu um
sorriso encantador à governanta.
Bridget se sentou, os olhos verdes examinando Liz com seus cabelos
desalinhados e salpicados de água do niar, a camiseta desbotada, as botas
sujas de areia.
— Deve trabalhar aqui, não?
— Sim, eu trabalho. — Liz a fitou com irritação.
Algo em sua voz fez a outra encará-la com mais atenção.
— Jay é um bom patrão, não?
— Acho que sim. — Desta vez Liz já dominava suas emoções. — Não faz
muito tempo que estou aqui. Treino um puro-sangue de Jerry. Ele quer que
Mate participe da corrida na praia, que acontecerá daqui a algumas semanas.
— É mesmo? — O tom de voz de Bridget revelava um desinteresse
polido. Obviamente considerava a ocupação de Liz de natureza muito inferior
para merecer maiores comentários.
— Jay normalmente contrata rapazes para treinar seus puros-sangues.
Não deve ter encontrado ninguém adequado desta vez.
Liz estava ciente da opinião da outra. Embora não completasse a frase,
ela bem imaginava como seria: "Não que isso fizesse qualquer diferença".
Percebendo uma certa tensão no ambiente, Molly interveio.
— Café, Bridget? Puro como sempre? Também tenho iogurte de manga,
que é o seu favorito. — Antes que a moça respondesse, ela continuou. —
Chegou na melhor época do ano. Em pleno verão poderá relaxar ao sol.
— Não desta vez. — Bridget balançou a cabeça com pesar. — O sol
agora está proibido para mim.
— O que poder haver de errado com alguns banhos de sol? — Molly quis
saber, espantada.
— Tudo no que me diz respeito — Bridget respondeu, com voz rouca e
sensual.
Projeto Revisoras
Por que ela tinha de falar daquele jeito provocante, por que tinha de
irradiar sensualidade por todos os poros, Liz cogitou. Não era justo!
— Fui convidada a estrelar um filme para a televisão. Será produzido em
Londres em um mês. A única exigência que me fizeram nesse contrato foi
evitar exposições ao sol, principalmente os magníficos raios ultra-violeta da
Nova Zelândia. Tenho de cuidar de minha pele e mantê-la alva e fresca. — Ela
se dirigiu a Molly. — Entende o que quero dizer?
Liz se lembrou instantaneamente das sardas que lhe salpicavam o nariz,
e da cor bronzeada de seu corpo. As palavras de Bridget provavam a
existência de um outro mundo, de um estilo de vida tão remoto de seu
cotidiano, que ela mal podia acreditar.
— Tem algum plano em mente para sua permanência aqui? — Molly quis
saber.
— Não exatamente. — Bridget mergulhou a colher no pote de iogurte. —
A maioria de meus conhecidos mudou-se para outros distritos. Menos Jay,
felizmente. — Um sorriso secreto distendeu seus lábios. — Ele pode ser Jerry
para os outros — ela parecia falar apenas consigo mesma —, mas para mim
será sempre Jay. É algo entre nós dois...
— E Molly! — Liz não pôde evitar o comentário. Afinal qualquer pessoa
convencida como Bridget merecia ser colocada em seu devido lugar, uma vez
ou outra.
Liz percebeu um lampejo nos olhos verdes, que logo se apagou.
— Mas é claro que você não conta nesse aspecto, não é, Molly? As
palavras soavam gentis, mas o olhar que ela dirigiu a Liz estava carregado de
malícia. — É diferente com Molly. Ela trabalha aqui.
A governanta não parecia chocada nem aborrecida com a opinião de
Bridget, o que Liz estranhou.
— Todos na redondeza ficarão ansiosos por revê-la, disto eu tenho
certeza — Molly continuou, calorosa.
— Eles terão de contar com a sorte. — Bridget riu. — Em primeiro lugar
eu teria de chegar até eles. Seria bom se eu dirigisse, mas só me lembro
dessa necessidade quando estou aqui neste país, em que as distâncias são
imensas.
— Oh, o que é isso! — Molly protestou, sorrindo. — Nunca precisará se
preocupar com distâncias enquanto estiver conosco. Jay ficará encantado em
levá-la para onde desejar. Sabe o quanto ele gosta de você. Não há nada
neste mundo que ele não faria por você!
O sorriso de Bridget tinha a confiança de uma modelo profissional, Liz
pensou.
— Talvez ele tenha mudado de idéia a meu respeito —Bridget continuou.
— Jamais mudarei! — Jerry entrou pela cozinha, os olhos fixos na garota
que se levantava para cumprimentá-lo.
Liz mal podia reconhecê-lo. Aquele não era o homem carrancudo que a
escoltara para casa na noite anterior. Havia uma alegria naquele rosto, um
brilho naqueles olhos que ela nunca vira antes. Ele parecia estar no topo do
mundo. E havia alguma razão para não estar? À garota da foto não estava ali,
a sua frente, em carne e osso? Não atravessara o mundo apenas para estar ali
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com ele? Jerry nunca a olhara daquele jeito e ela sabia que jamais olharia.
Mas qual a razão daquele pensamento ridículo? Por acaso desejava que ele a
olhasse daquele jeito? Que a tomasse em seus braços e a beijasse ternamente
como estava beijando Bridget?
— Seja bem-vinda, Bridget! — Mesmo depois de tê-la soltado, seus
olhos ainda brilhavam, amorosos. Liz não entendia por que se sentia tão
decepcionada. O que a vida pessoal de Jerry poderia lhe dizer respeito?
— Você está linda! Ainda mais linda do que na última foto que me
enviou.
— Oh, aquela foto... — Bridget deu de ombros. — Você me escreveu
pedindo uma foto recente, e eu...
— É claro que eu queria uma foto sua. Coloquei-a em meu escritório
para poder vê-la sempre. — O calor que ele dava às palavras lhes emprestava
um significado especial. — Sou totalmente a favor daquele jornalista que a
entrevistou. Ele sabia o que estava fazendo.
— Eu já dei tantas entrevistas...
— Mas desta você não pode ter esquecido. Foi impressa no jornal e o
título dizia: "Como se sente quem está no alto". Logo abaixo colocaram uma
foto sua. "Bridget Ambericy, modelo famosa. A garota que você não pode
deixar de conhecer".
— E que você bem conhece! — Liz falou consigo mesma. Jerry puxou
uma cadeira e se sentou, sem desviar os olhos de Bridget.
— Molly está cuidando bem de você?
— Todos cuidam bem de mim em Hauturu, e eu adoro isso — Bridget
riu, provocante. — Por que acha que venho para cá sempre que tenho alguma
oportunidade?
— Bem... se quer realmente saber...
— Não, não — Bridget o interrompeu rapidamente. — É um segredo.
— Se prefere assim.
Os olhos de Jerry continuavam brilhando felizes e orgulhosos. Bridget
era uma garota de sorte, Liz pensou. Tinha o mundo a seus pés e Jerry,
também. Oh, lá estava ela outra vez! Devia ter enlouquecido! Não suportava
aquele homem! Devia ser apenas uma inveja normal de uma garota comum
em relação a uma modelo linda e formosa.
A voz vibrante de Jerry interrompeu seus pensamentos.
— Quanto tempo pretende ficar? —- É claro que ele estava falando com
Bridget. Para ele não existia mais ninguém na cozinha.
— Depende. — Bridget examinava as unhas cuidadosamente
manicuradas. — Talvez um mês, desde que não seja chamada às pressas para
algum desfile em Frankfurt ou Tóquio. Sabe como são essas coisas.
— Que seja Um mês, no mínimo. Prometo que não se arrependerá. —
Jerry se inclinou para Bridget, suplicante.
— Como se alguma vez eu houvesse me arrependido! Estive aqui antes,
lembra-se?
— Tenho muitos planos, e muitas idéias. — Jerry vibrava de entusiasmo.
— Onde quiser ir, eu...
— Oh, eu não preciso ir muito longe em busca de diversão. — Bridget
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lhe endereçou um sorriso brilhante. — Só quero ficar aqui, com você...
— O que quer que deseje. — De repente, Jerry pareceu triste. — É uma
vergonha, justamente no seu primeiro dia aqui, mas eu terei de sair. Prometi
dar uma mão a Rob Mclntyre. Lembra-se de Rob?
— Rob? — Evidentemente tomada de surpresa, Bridget não soube o que
falar.
Em segundos, porém, sua voz estava controlada como sempre. Liz não
soube se fora imaginação a expressão perplexa no rosto da outra. — Lógico
que me lembro.
— Ele se mudou daqui há muitos anos, quando o irmão assumiu a
propriedade da família. Rob é um homem do campo. Sua permanência na
cidade só se prendeu ao trabalho. Ele economizou cada centavo para poder
comprar suas próprias terras. Este ano decidiu desistir da contabilidade e
voltar para cá. Sua fazenda é distante e isolada, mas foi tudo que ele
conseguiu comprar. Terá muito trabalho pela frente.
— E o que mais ele tem feito? — A voz rouca assumiu um tom agudo. —
Não me diga que finalmente se casou?
— Rob? Você deve estar brincando!
Uma máscara pareceu cobrir o rosto de Bridget.
— Uma pergunta tola de minha parte. Ele sempre foi tão tímido.
— Não mudou, a menos que eu saiba. Se arrumou alguma namorada,
fez questão de escondê-la. Ele nunca foi de comentar sua vida particular.
Mesmo sobre aquela garota que encontrou na Inglaterra...
— Na Inglaterra? — Bridget pestanejou.
— Isso mesmo. — Jerry assentiu. — Ele ficou ainda mais calado depois
que voltou daquela viagem, onde participou de um curso sobre agricultura. Eu
imagino que a causa tenha sido uma garota. Rob ficou muito abalado. Fechou-
se num casulo e negou-se a comentar o fato. Deve sentir-se como um
desprotegido da sorte, principalmente depois do acidente...
— Acidente? Rob? — Dessa vez Liz tinha certeza de que não era
imaginação sua a súbita palidez de Bridget. Até sua voz ficara diferente, um
tanto rouca. — Não foi grave, foi?
— Felizmente, não, mas ele está aflito por não poder trabalhar quando
mais precisa. Rob teve problemas com o trator que estava dirigindo. A coisa
se negou a subir uma colina e tombou. Rob nasceu de novo. Apenas uma
perna foi atingida. Saiu ontem do hospital e está andando com auxílio de
muletas. Ninguém consegue obrigá-lo a descansar.
— Posso imaginar.
— Ele contratou alguns nativos para limpar a mata e eu pretendo me
encarregar do trator. O diabo do rapaz é muito orgulhoso. Jura que pode se
virar sozinho e que não quer me atrapalhar, mas uma vez que eu esteja lá,
ele nada poderá fazer a não ser aceitar minha colaboração.
— Está querendo me dizer que Rob está completamente isolado, que
não tem ninguém para ajudá-lo a não ser alguns nativos?
— Mais ou menos. — Jerry encolheu os ombros. — É assim que ele quer.
Sempre foi teimoso.
— E eu não sei!? — Bridget falou consigo mesma.
Projeto Revisoras
— Ele tinha uma governanta, mas ela se demitiu para poder morar com
a filha, em Sídnei. Rob colocou um anúncio na gazeta local e ofereceu um
ótimo salário. Apenas uma mulher respondeu, mas desistiu assim que ficou
sabendo que teria de trabalhar, num lugar só acessível por jipes através da
mata fechada. Não posso dizer que a culpo por isso — Jerry acrescentou. — A
vida numa velha cabana sem conforto não tem muitos atrativos. — Ele se
deteve. — Também não precisa me olhar assim. Rob não passará fome. O
pessoal que trabalha com ele está acostumado a esse tipo de vida. A
eletricidade também não chegou até lá ainda, mas Rob nunca teve problemas
com improvisos.
— Se ele tivesse arrumado uma esposa há alguns anos, agora não
estaria com esses problemas — Molly interveio.
— Talvez esteja certa — Jerry comentou, pensativo. — Pelo muito que
conheço Rob, ele esperaria muito mais da garota que escolhesse para sua
companheira.
— O importante é que ficará bom de saúde. — Bridget parecia ter
perdido o interesse na vida amorosa de Rob. — Talvez não esteja precisando
de uma esposa no momento, mas de uma boa cozinheira que não se
incomode em se afastar da civilização.
— Está pensando em se candidatar? — Havia um brilho de provocação
nos olhos de Jerry.
— A qual das posições? — Bridget retrucou.
— Qual você prefere?
Bridget riu, um riso descontraído que qualquer homem acharia atraente.
— Eu ficaria com o cargo de governanta. — Molly e Jerry arregalaram os
olhos.
— Você? — Molly não pôde se controlar. —A famosa Bridget Amberley
trabalhando como cozinheira numa fazenda sem energia elétrica, no meio do
mato? Não me faça rir!
— Nao sei não.— Bridget parecia ter aceitado o desafio. — Tenho certeza
de que daria conta. — Ela se voltou para Jerry — Lembra-se daquela vez em
que minha mãe sofreu uma queda e teve de ficar de cama por duas semanas?
Eu só tinha treze anos na época e cuidei de todos os serviços da casa. Não
recebi uma única reclamação.
Jerry riu, indulgente.
— Sua família certamente não se atreveria.
— Não cuidei só da família. Aconteceu bem na época da tosquia e eu
tive de cozinhar para um bando de homens. E você bem sabe o quanto essa
turma come! — Bridget acrescentou com imensa satisfação. — Eu poderia
fazer isso de novo... se realmente me propusesse.
— Claro que conseguiria! — Liz murmurou, interessada.
— Você é quem sabe. — Jerry a fitava, fascinado. — Agora, se terminou
de comer esse bocadinho que chama de desjejum...
— É uma exigência de meu trabalho. De vez em quando fico pensando
se vale a pena tanto sacrifício, só para ver minha figura impressa numa página
de revista.
Jerry a examinou da cabeça aos pés.
Projeto Revisoras
— Se é o que quer, tem feito um ótimo trabalho.
— Obrigada, mas não era a isso que eu me referia. — Ela sorriu,
sonhadora. — Às vezes fico tentada a relaxar, a conviver com alguém de
quem realmente goste, longe dos ruídos das grandes cidades. Poderia comer o
que tivesse vontade, fazer o que tivesse vontade, num lugar como este...
— Isso é que é falar! — O tom de voz de Jerry parecia mais ardente do
que nunca, Liz pensou. — Quero ser o primeiro a saber, se isso algum dia
acontecer.
— Pode deixar! — O sorriso de Bridget tinha algo que qualquer homem
teria dificuldades em resistir, Liz admitiu.
— Escute! — Jerry pareceu subitamente ansioso. — Por que não vem
comigo até o esconderijo de Rob? Você poderia me ajudar animando nosso
pobre inválido. Seria uma boa ação e tanto! Ele não vai acreditar que está
diante daquela menina franzina que estudou conosco no primeiro grau.
— Oh, eu não sei. — A voz de Bridget ficou estranha. — Na verdade ele
sabe quem sou. — De repente Bridget começou a falar mais rápido e seus
dedos torciam uma mecha dos cabelos ruivos.— Existe um ditado que diz que
qualquer pessoa que vá a Londres, mais cedo ou mais tarde acaba
encontrando um conhecido, se visitar o Picadilly Circus e não tiver pressa de ir
embora. O ditado é verdadeiro. Aconteceu comigo!
— Estranho que Rob não tenha mencionado. — As sobrancelhas de Jerry
se ergueram conforme ele a fitava inquiritivamente.
— Por que deveria? — Bridget deu de ombros. — Nós não nos vimos
muito.
— Não vai me dizer que a culpa tenha sido dele...
— O que você acha? — O olhar provocante de Bridget desafiava o olhar
zombeteiro de Jerry.
Pelo jeito Rob fora mais um entre os muitos homens que se
escravizavam à aura de glamour e sofisticação da modelo, Liz refletiu. Sentia-
se aborrecida consigo mesma pelos pensamentos maldosos que teimavam em
atravessar sua mente, mas não conseguia evitá-los, e não entendia por quê.
— Vamos? — Jerry se levantou por fim.
— Por que não? — De um momento para o outro o rosto de Bridget
parecia excitado e emocionado. Levantou-se também e graciosamente aceitou
o braço que Jerry lhe oferecia. — Tchau, Molly!
Na metade do caminho para a porta, Jerry se deteve e olhou para Liz,
frio e distante.
— Gomo foi o trabalho esta manhã? Voltou da praia mais cedo do que o
costume. Mate está bem?
O tom autoritário a congelou. Jerry certamente não havia perdoado o
episódio da noite anterior. Não que ela se importasse!
— Está tudo bem.
— Era só isso que eu queria saber.
O som do jipe se afastando levou Liz até a janela. Molly a seguiu.
— Nunca vi Bridget tão alegre! Deve haver algum mistério nisso. Talvez
desta vez ela decida não voltar mais para Londres. Jay a adora e ela parece
sentir o mesmo por ele. E quem não sentiria? Jay é um homem especial, além
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de bonito. É de uma bondade maravilhosa. Faria qualquer coisa por qualquer
um.
— Acha mesmo? — Por uma razão desconhecida, Liz se sentiu envolver
por um sopro gelado. — Eu não teria tanta certeza.

Na manhã seguinte, ao retornar da cavalgada matinal pela praia, Liz


surpreendeu-se ao encontrar Bridget na cozinha, tão cedo. A garota vestia um
conjunto simples cor de areia, e os cabelos estavam presos num rabo-de-
cavalo no alto da cabeça.
— Bom dia. — Bridget parou de conversar com Molly e olhou para Liz. —
Você é a garota que cuida dos estábulos.
Como se ela não soubesse! Liz respirou fundo para se controlar.
— Estou treinando o puro-sangue de Jerry...
Mas Bridget não a ouvira.
— Gostou da minha roupa? Eu mesma a desenhei. Desenho todos os
meus modelos, e nunca estudei para isso. É uma espécie de dom.
Antes que Liz pudesse comentar qualquer coisa, a outra continuou:
— Por isso, se algum dia resolver ganhar a vida longe do público...
— Você? Longe do público? — Molly repetiu, incrédula.
— Nunca se sabe — Bridget afirmou, pensativa. — Qualquer dia destes
posso ser obrigada a tomar minha grande decisão. No momento, contudo,
preciso cuidar de minha imagem. — Os olhos verdes se moveram para Liz. —
Meu estilo de vida é algo que você nem pode imaginar. É muito diferente da
vida de uma treinadora de cavalos.
— De uma excelente treinadora! — Jerry acrescentou ao entrar na
cozinha. — Liz é uma especialista no assunto. Você precisa vê-la com Mate
uma manhã destas!
Liz percebeu que os olhos de Jerry estavam alertas e cheios de vida. O
magnetismo masculino que sempre a envolvera, agora parecia palpável de tão
intenso. Mas não era por sua causa. Seus olhos estavam fixos em Bridget,
como se o simples fato de contemplá-la lhe desse prazer.
— Como foi que caiu da cama tão cedo?
— Eu? — Ela o fitou, desafiadora. Uma mensagem silenciosa parecia fluir
entre os dois. — Tínhamos um encontro, se não estou enganada.
— Certo, mas eu realmente não esperava encontrá-la de pé a esta hora.
Jerry irradiava vitalidade e bem-estar. E por que não deveria se sentir
assim, Liz pensou, quando no lugar de uma foto tinha a garota amada áo seu
lado, em Hauturu?
— Você ficaria surpreso com minha capacidade de realizar o impossível,
quando me proponho. Especialmente — ela murmurou —, quando se trata de
algo que valha a pena.
De repente, a voz de Bridget vibrava de excitação.
— Jay vai me levar para dar uma volta pelas redondezas, Molly. É bem
provável que não voltemos para o jantar. Sabe como é, quando se encontra
pessoas que há muito não vemos.
— É mesmo. Não nos espere — Jerry confirmou, orgulhoso. — Quando
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se escolta uma modelo famosa de volta a sua cidade natal, é difícil fugir dos
fãs. Até mais!
Ele nem sequer perguntou sobre a atuação de Mate esta manhã, Liz
pensou, cabisbaixa. Oh, mas o que isso lhe importava? E, em seguida, outro
pensamento a assaltou. Por que razão Bridget se arrumara com tanto capricho
àquela hora do dia? Para visitar velhos amigos? Ou para impressionar Jerry? A
verdade era evidente!

Os programas turísticos e sociais de Jerry e Bridget continuaram os


mesmos nos dias que se seguiram. Saíam de manhã bem cedo e só
retornavam à noite. Liz estava inclinada a concordar com as perspectivas
românticas de Molly. O que mais poderia pensar? E por que essa constatação
a magoava tanto? O que a vida amorosa de Jerry poderia lhe afetar, afinal de
contas?
Muitas vezes, ao retornar do exercício diário com Mate, Liz percebia que.
Bridget a cumprimentava com um certo ar de desprezo.
Que direito ela tinha de tratá-la com desprezo?
Como treinadora de Mate, eu sou importante para Jerry, Liz mordeu o
lábio, mesmo que ele não aprove minha conduta!
Naquele instante, ela pôde ouvir que Jerry descia os degraus da
varanda, de dois em dois.
— Tudo pronto?
— Tudo. — Bridget sorriu, o rosto cuidadosamente maquiado. Jerry
passou por ela com uma rápida inclinação de cabeça.
— Oi, Liz.
Obviamente ela não merecia um único pensamento por parte dele,
depois do incidente do baile. Ao contrário de sua acompanhante. Não era de
se admirar que Bridget nunca sentira necessidade de aprender a dirigir. Para
que, se podia ficar com Jerry o dia inteiro e metade da noite? Mal-humorada,
Liz chutou uma pedra.
Parecia inacreditável a Liz que Jerry, que imaginara sempre absorvido
pela administração da fazenda, pudesse abandonar todos os seus deveres
simplesmente para escoltar Bridget em sua andanças pelo território. Até
mesmo o treinamento de seu puro-sangue, para a corrida que se aproximava,
assumira o segundo lugar em favor da glamourosa hóspede. Para Liz a única
distração contra a estranha sensação de abandono que a invadira era cuidar
de Mate como se ainda fosse seu.
Molly, entretanto, não parecia ver nada de incomum na mudança de
comportamento do patrão.
— É sempre assim quando Bridget vem para cá. Jerry se esquece do
trabalho, mesmo quando é época de tosquia, a mais movimentada do ano,
para ficar com ela, para lhe proporcionar o máximo prazer em sua estada.
Quando Bridget está aqui, ele faz questão de levá-la a todos os espetáculos,
em Wanganui. Há muito o que fazer e ver. E ele sente tanto orgulho de
Bridget! Todos nós sentimos!
— A garota prodígio que conheceram quando criança!
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— É isso! — Molly não pareceu notar a ironia do comentário de Liz.
As noites que Jerry e Bridget passavam em casa seguiam o mesmo
padrão. Companhia masculina na sala de bilhar não mais o atraía. Ele preferia
ficar com Bridget na sala suavemente iluminada, ouvindo discos, dançando ou
conversando.
Uma noite, Liz passara pela sala e encontrara os dois entretidos tão
profundamente numa conversa, que ela não se atreveu a revelar sua
presença. As cortinas estavam abertas e o céu e o mar brilhavam como prata.
Era noite de lua cheia.
— Lembra-se daquela noite em Mônaco após a corrida? Você conseguira
o troféu pela vitória em primeiro lugar e eu estava lá para um desfile de
modas! Foi tão bonito!...
Oculta entre as sombras, Liz não podia deixar de ouvir.
— Como eu poderia me esquecer?!
— E aquela outra noite em que nos encontramos em Paris...
Naquele instante, Jerry se levantara para fechar as cortinas, e Liz
conseguiu escapar sem ser vista. Amigos? Ou antigos amantes? Não restava
mais dúvida. O que não conseguia entender era a razão de sentir tanta dor
com a constatação.

— Oi, Liz! — Jerry apareceu inesperadamente no estábulo uma manhã,


enquanto ela alimentava Mate. O sorriso que ele lhe deu fez seu coração
disparar. E ela que pensava que tinha superado o problema! Nem sequer
conseguia se concentrar no que ele dizia.
— Continua sastisfeita com os progressos de Mate?
— Oh, sim! — ela exclamou, enfeitiçada.
— Não surgiu nenhum problema que queira discutir? Nada que não
possa resolver sozinha?
— Sim... não, isto é... — Talvez agora ele ouvisse o que tinha a lhe
dizer. — Há tantas coisas que eu queria que soubesse, nada de importante,
mas... Hoje a maré estava tão alta que não deu para cavalgar, por isso levei
Mate até o circuito. Seu tempo foi fantástico! Ele... — Liz se deteve ao notar o
olhar de Jerry se dirigir para a casa, onde Bridget acenava na varanda.
"Estarei com você em um minuto". A mensagem era clara. Quando ele
se voltou novamente para Liz, ela soube que seu interesse não estava mais
com Mate e muito menos com sua treinadora.
— O que era mesmo que queria me dizer? Algo importante?
A breve sensação de euforia transformou-se em profundo
desapontamento.
— Tudo bem, então. Fica para uma outra vez. — Não!—Liz não sabia
que era capaz de sentir tanta raiva. — Não está tudo bem! Você queria saber
se eu estou satisfeita cornos progressos de Mate. Digo-lhe aqui e agora que
estou! Estou mais do que satisfeita!
Novamente ela sentia dificuldade em sustentar-lhe o olhar.
— O que eu queria saber é se você está! Há quanto tempo não dedica
cinco minutos de seu precioso tempo a ele? Por acaso sabia que seu
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desempenho facilmente lhe trará o prémio? — Liz interrompeu o que dizia. —
Oh, de que adianta eu falar? Você não liga a mínima para Mate... e para mim.
— Ela acrescentou, baixinho.
— Por que deveria — ele deu de ombros —, se conto com a melhor das
treinadoras? Se conto com alguém em que confio? Tê-la em minha fazenda,
no momento certo, foi a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos.
Era demais! Toda aquela admiração, todos aqueles elogios se dirigiam
apenas à treinadora de seu puro-sangue. Ela queria muito mais. Queria que
ele a amasse, a idolatrasse como idolatrava Bridget!
— Muito obrigada! — Ela se refugiou em seu tom sarcástico.
Jerry finalmente pareceu perceber a fisionomia tempestuosa, os lábios
apertados.
— Qual o problema? Pensei que fosse gostar de ter Mate inteiramente
em suas mãos. Que mais você quer?
— Poderia vir vê-lo de vez em quando. Mostrar algum interesse. Afinal o
cavalo é seu!
— Então é isso que a está perturbando! — Os olhos de Jerry se
estreitaram.— Está bem. Você poderá ficar com metade do prémio. Que acha?
— Agradeço, mas... — ela ergueu os ombros, o rosto vermelho de raiva.
— Não basta! — A voz dele era dura como aço. — Como se sentiria se
eu aumentasse seu ordenado? Se a fizesse minha sócia com relação a Mate?
— Não era a isso que eu me referia! Como você se sentiria se se
dedicasse de corpo e alma a um cavalo, e seu dono...
— Meio-dono.
Liz ignorou o comentário e continuou.
— Não se desse ao trabalho de sequer examiná-lo?
— Está bem, está bem. Virei vê-lo um dia destes e checarei seu tempo.
Isso a satisfaz?
— Ninguém o obriga a fazer nada que não queira — Liz continuou,
tensa. — Principalmente quando está tão ocupado com... outras coisas. Não
sou criança. — Assim que falou, Liz teve vontade de se afundar na terra. E se
Jerry tivesse a impressão errada de que ela sentia ciúme do tempo que ele
passava com Bridget? Bobagem se preocupar, ela falou consigo mesma. Jerry
não se importava com nada que lhe dissesse.
— Não a considero criança, Liz. — Sua voz adquiriu um tom baixo e
estranho e ele a fitou pensativo, quase pesaroso, como se desejasse que as
coisas fossem diferentes. Talvez ele quisesse que ela fosse como sua querida
Bridget que flertava com ele, se vestia para ele e nunca discutia. Bridget, que
naquele instante, se encaminhava para, os estábulos.
— Fica combinado, então? — A voz de Jerry voltou a soar firme. — A
partir de hoje ambos somos donos de Mate. Cinquenta por cento cada um.
Certo, sócia?
— Acho que sim — Liz concordou, os olhos baixos, quando, lhe deu as
costas e se afastou para que não a visse tremer. — Não era preciso fazer isso.
Projeto Revisoras

CAPÍTULO VI

— Vocês irão ao concerto maori amanhã à noite? — Molly indagou


durante o jantar.'
Bridget, que por acaso estava em casa naquela noite, ergueu os ombros
desinteressada.
— Eu não, obrigada. — Ela parecia muito ocupada em descascar um
pêssego que fora colhido naquele mesmo dia. — Fui criada aqui, lembra-se?
Quem assistiu um, assistiu todos!
— Oh, mas este será especial — Molly insistiu. — O povo maori que vive
ao longo destas costas parece ter descoberto seu talento e formado seu
próprio grupo. Ouvi dizer que são ótimos. Cantam e dançam segundo
costumes tradicionais. Será algo completamente diferente do mundo de
entretenimento a que está acostumada. Se não for, pode estar certa de que
perderá algo que realmente valeu a pena.
— Arriscarei faltar — ela confirmou sua opinião. — Não conte comigo
nem com Jerry para o evento. Acontece que temos outros planos para amanhã
a noite... certo, patrão? — Ela lhe endereçou Um olhar significativo.
— As férias são suas. — Ele sorriu por sobre a mesa. — O que você
quiser, está bom para mim.
Liz mal podia acreditar em seus ouvidos. Jerry parecia um joguete nas
mãos daquela mulher!
Algo na calma certeza de Bridget de que Jerry faria o que ela mandasse,
impulsionou Liz a falar.
— Pois eu irei. Há anos não assisto a um concerto maori.
— Não! — Jerry gritou de repente. — Pode tirar imediatamente essa
idéia da cabeça!
— Claro que não! — Liz insistiu, embora não o encarasse.— Quando
decido uma coisa, nada me faz voltar atrás. — Ela se deteve e logo
prosseguiu, a voz suave e sarcástica. — Afinal de contas, alguém tem de
representar o pessoal de Hauturu!
Mesmo sem olhar para ele, ela sentia que Jerry a fitava com fúria.
— Pena que seja impossível. — Ele zombou. — Não sabia que a ponte
sobre o rio desmoronou na última enchente?
— Oh, sim, ouvi dizer. — Liz se surpreendeu com a facilidade com que o
desafiou. — Mas isso não faz nenhuma diferença. Estou pensando em ir pela
praia, a cavalo. Aliás Gary, Wayne e eu já decidimos ir a cavalo. Pelo que me
informaram, o concerto será realizado na quarta baía rumo ao norte. Só
teremos de calcular bem o tempo para não sermos surpreendidos pela maré
alta. — Liz deu um risinho nervoso como se isso houvesse realmente
acontecido. Nervoso e proposital. — Eu detestaria ter de escalar aqueles
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rochedos e passar a noite ao relento. — Ela fez uma pausa e encarou o rosto
zangado de Jerry antes de prosseguir. — Com Mate estarei perfeitamente
segura.
Ao vê-lo com as feições contraídas, Liz soube que conquistara uma
vitória. Quem ele pensava que era para querer decidir o que ela deveria ou
não fazer em seu tempo livre?
O silêncio de Jerry dizia muito mais que palavras, embora a reação não
deixasse de intrigá-la. Será que a deixaria levar a melhor? Aceitaria que uma
recém-contratada em sua folha de pagamento desobedecesse suas ordens? Liz
nunca imaginara que ele não fosse insistir em seus direitos.
Mas ele insistiu. Assim que as outras mulheres deixaram a sala de
jantar, ele se colocou a seu lado.
— Quero ter uma conversinha com você, Liz. É melhor que pense melhor
a respeito desse seu pequeno passeio.
—Hã? — Liz tentou se afastar, mas Jerry segurou-a pelo braço e
conduziu-a para uma outra sala. — Por que motivo eu não deveria ir? — Liz
protestou. — E tire suas mãos de cima de mim! Está me machucando! — Ela
esfregou o braço dolorido assim que ele a soltou, e respirou fundo. — Por que
simplesmente não quer que eu vá? Porque é o patrão e eu apenas sua
empregada?
Os olhos de Jerry lhe diziam que dessa vez ela realmente conseguira
atingi-lo. Não perdeu a oportunidade de se fazer valer da vantagem.
— Não vejo por que...
— Será que terei de explicar? São mais de quinze quilômetros e estará
escuro como o inferno!
— Não estará, você sabe disso. — Ela falou com a indulgência de uma
mãe para com o filho obstinado. — Se é isso que o preocupa, saiba que
partirei antes do pôr-do-sol e só voltarei depois do término do concerto,
quando a luz estiver brilhando.
— E o que fará se o concerto terminar antes do que o esperado?
— Esperarei o luar. Sem problemas. — Liz estava saboreando cada
minuto dessa sensação de triunfo. — Não adianta insistir. Nada que disser fará
diferença. Irei ao concerto e ponto final!
— Veremos! — Jerry cerrou os dentes.
Era óbvio que não era homem que se deixasse vencer facilmente.
— Não entendo porque tanta tempestade num copo d'água...
— Não entende? É uma tola, Liz! Será que não percebe o que estará
arriscando?
— O que poderia estar arriscando? — Ela deu de ombros.
— Não conhece as praias.
— Claro que conheço. Treino Mate todos os dias lá.
— O concerto será numa praia distante.
— E daí?
— Daí que não conhece o terreno! E ainda por cima estará escuro!
— Já lhe falei... não estará escuro.
— Escuro o suficiente. Que acha de tropeçar em destroços semi-
enterrados na areia? Ou em árvores caídas dos penhascos? Ou em pedras, ou
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em um peixe grande trazido pela maré que não conseguiu retornar ao mar? —
Os olhos de Jerry a fulminavam. — Será que não consigo colocar um pouco de
juízo nessa cabeça? Não posso permitir que vá! É muito perigoso!
Por um breve e louco momento Liz imaginou que ele estivesse realmente
preocupado com sua segurança. Que idéia! Jerry preocupado com ela!
— Entendi. — Ela engoliu em seco. — Você está preocupado com Mate.
Teme que ele tropece em algo escondido na areia e se fira. Bobagem sua, pois
Mate sabe onde pisa e nunca me decepcionou. Quanto a mim, tanto lhe faz o
que possa me acontecer.
— O que acha?
Ela não precisava pensar nem achar nada. Sabia muito bem a resposta.
— Eu dependo de você — Jerry murmurou. — Não tenho quem a
substitua e a corrida será em breve... Mate e eu não poderemos fazer nada
sem você.
Por um momento Liz se sentiu feliz com a consideração que ele lhe
dispensava, mas de repente a alegria se transformou em ressentimento.
— Eu sabia! Você não confia em mim! Apreciaria muito que me desse
um voto, mas não ouso esperar tanto!
— Por que está dizendo isso, que não confio em você? — Ele indagou
num tom de voz perigosamente baixo.
— Porque é verdade. Porque nunca sequer tentou me dar um voto de
confiança. E parece que também não confia nos rapazes.
— Acertou. Conheço muito bem os dois. O problema não é com os
cavalos. Mãos firmes poderiam levá-los para onde quer que fosse. Só que você
não teria forças o suficiente.
— Experimente! Mas de qualquer forma, não preciso de força física para
controlar Mate. Ele sempre sabe o que eu espero que faça. É uma questão de
instinto.
— Liz, nenhum argumento me convencerá — Jerry afirmou, seco. — Não
quero você se aventurando por aí.
— Não, é claro que não. Não com a corrida tão próxima.
— Exato.
O tom impassível aumentou a ira de Liz.
— Está perdendo seu tempo, pois eu irei ao concerto mesmo contra a
sua vontade. Não entendo o motivo de todo esse pânico. Eu não estarei
sozinha.
— Infelizmente. Deve ter convencido os rapazes a fazerem o que deseja.
Você é boa nisso.
Liz corou ao comentário.
— O que está querendo dizer? Se pôs alguma idéia estúpida na sua
cabeça de que eu...
— Só estou julgando por experiências passadas.
Oh, Jerry era odioso! Odioso! Sua desconfiança a feria corno um golpe
de faca.
— Foram eles que quiseram ir!
— Sem dúvida — Jerry continuou, irônico. Esquecida de qualquer
discrição, Liz começou a gritar.
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— Será que nunca acreditará em mim? Sim, um dia acreditará! Eu vou
provar o quanto está errado a meu respeito!
— Ótimo! Mal posso esperar — ele zombou. — Enquanto isso, faça-me
um favor, está bem? Abandone essa idéia maluca antes que seja tarde
demais. Você pode se machucar ou coisa pior, e eu não quero que isso
aconteça.
— Como? — Ela o fitou, surpresa. — Oh sim, é claro, a corrida...
— Claro. E agora que o assunto está resolvido.
— Resolvido? — Ela o mediu de cima a baixo e antes que Jerry
respondesse, ela tornou a afirmar. — Eu irei.
— Estou avisando: não!
— Sinto muito, chefe, mas minha decisão está tomada.
— Você está maluca! — O jeito que ele a olhava parecia anunciar
violência física.
Involuntariamente Liz recuou.
— Não sei por que tanto escândalo.
— Você não conhece a região, por isso!
— Mas Mate conhece — ela respondeu, rápida. — Você mesmo me
informou que o exercitava ao longo da costa, antes de eu trabalhar em
Hauturu.
— Acontece que eu conheço cada palmo de areia.
— E acontece que eu conheço Mate. Sinto-me segura com ele. Sempre me
senti e sempre me sentirei. Não estou preocupada.
— Mas eu estou.
— Você não conseguirá me deter.
— Não? E se eu ordenar que não vá?
— Não faria isso! — Ela ergueu o queixo em desafio. — Não seria bom
para você.
— Não me provoque.
Liz não conseguiu sustentar o olhar zangado. Estava corada e tremula. O
melhor que tinha a fazer era ir para seu quarto antes que perdesse a
vantagem que conquistara.
— Até amanhã — ela se despediu.

Na manhã seguinte, nada mais foi dito. Liz julgou que Jerry tivesse
esquecido o assunto ou perdido interesse em seus movimentos. À tarde após
se preparar para a longa cavalgada, ela se despediu de Molly. Os rapazes a
estariam esperando nos estábulos.
— Tome cuidado! — Molly acenou da varanda.
—Tomarei! — Liz começou a descer a colina, tropeçando numa chiva e
quase caindo nos braços de um homem que saiu das sombras.
—Você me assustou! — Ela prendeu a respiração. Entretanto não era o
susto que a abalava tanto, e sim o toque, a proximidade de Jerry, a excitação
de sentir seu calor. Foi preciso muita força de vontade para ela conseguir se
libertar.
Para quebrar o silêncio, Liz falou as primeiras palavras que lhe vieram à
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mente:
— Se está tentando me impedir de ir ao concerto.. —.Ela começou a
andar, mas Jerry a alcançou.
— Por que eu faria isso?
Liz o fitou atentamente mas seu perfil não lhe dizia nada. Ela não
confiava em Jerry quando ele se comportava dessa forma.
— Não ficou muito entusiasmado com a idéia, quando conversamos
ontem a noite.
— Exato. — Ele parecia hipnotizá-la. — É por isso que irei com você.
— Comigo?— Liz não podia acreditar em seus ouvidos. Jerry comparecer
ao concerto maori depois de tudo que dissera! — Suponho que não me deixará
dar um passo sozinha, para garantir que Mate volte para casa em plena
forma. Você não confia em mim nem como jóquei.
— Não numa praia escura, onde nunca pisou em sua vida. — O tom
suave de sua voz a fez estremecer outra vez. — Eu não quero que se
machuque.
Entretanto tudo aquilo não significava nada, nada! Liz balançou a
cabeça.
— Lógico que não! Por razões que já deixou bem claras! —A raiva e a
decepção a fez dizer a primeira coisa que lhe veio à mente. — Suponho que a
última coisa que desejaria fazer esta noite, seria ir a um concerto maori...
comigo!
— O que lhe deu essa idéia?
Oh, ele estava se fazendo propositadamente de desentendido. Nunca se
sabia onde pisar ao lado dele. Mas sabia que não significava nada para Jerry.
Como jóquei talvez, mas como mulher... Seu súbito silêncio pareceu perturbá-
lo.
— O que houve agora? Tenho certeza que o concerto será muito bom.
— Não se trata do concerto — Liz respondeu.
— O percurso também não será problema. Eu cuidarei de você.
—Estou emocionada.— ela retrucou, sarcástica, embora soubesse que
sarcasmo não funcionava com Jerry.
Ao ver os dois rapazes nos estábulos, Liz apressou o passo, deixando
Jerry para trás.
— Bem na hora, Liz! — Gary trouxe Mate até ela. — É todo seu.
— Muito obrigada, Gary. — Ela aceitou a ajuda do rapaz e montou.
O jovem fez um movimento com a cabeça em direção a Jerry, que
parecia estar com dificuldades em selar seu garanhão negro.
— Engraçado, nunca me pareceu que o patrão se interessasse por nossa
cultura. Talvez tenha refletido e decidido não perder o evento.
— Acho que sim.
Wayne deu um risinho malicioso.
— Ele não quis perder a única oportunidade na semana de se livrar
daquela namorada pegajosa. Menino, ela não o deixa dar um passo sozinho.
Saem logo cedo e só voltam com a noite fechada. Sempre pensei que modelos
famosas como Bridget dormissem até altas horas.
— Não ela! — Gary sorriu. — Está fazendo tudo para agarrar o homem.
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Não suporta vê-lo longe nem por um minuto!
— Ele não parece se aborrecer com isso.
— Também bonita como é!
— Você acha? Não faz meu gênero...
Os rapazes se calaram à aproximação de Liz. Não muito distante, Jerry
acariciava o pescoço do animal.
— Vamos, Mate! — Ela impulsionou o cavalo e olhou para trás. — O
último a chegar na praia é um espantalho! — Ela gritou para Gary e Wayne.
Para sua surpresa eles lhe acenaram.
— Vocês não irão ao concerto? Mas eu pensei...
— Desculpe, Liz — foi Gary quem respondeu. — Estamos muito
cansados. Divirta-se! —Ele piscou-lhe.
— Divirta-se! — Wayne repetiu...
— Tentarei. — Ela acenou com uma calma que estava longe de sentir.
Seria obrigada a suportar a companhia do patrão por horas e horas. Divertir-
se, que esperança!
Naquele momento Jerry conseguiu controlar o garanhão e fazc-lo
emparelhar com Mate. Liz comentou, intrigada.
— Os rapazes estavam tão animados com o concerto...
— Desistiram. Mudaram de idéia — Jerry explicou. — Eu os informei de
que não havia necessidade alguma de virem, apenas para cuidarem de você,
pois eu me encarregaria disso.
— Aposto que sim. Mas mesmo que não precisassem cuidar de mim,
poderiam ter vindo. Disseram-me que mal podiam esperar pela noite de hoje.
— Isso se fossem sozinhos com você!
— Oh! — Liz digeriu a informação em silêncio. Por fim, entendeu o que
acontecera. — Você mandou que ficassem!
— Por que faria uma coisa dessas? — A voz impassível de Jerry lhe dava
nos nervos. — Nas horas livres eles podem fazer o que bem entenderem!
— Mas não deixou que eles fizessem! O que lhe importa com quem
eu.possa sair?
— Importa muito.
— Eu estaria bem com Wayne e Gary.
— Eu não teria tanta certeza! — Havia tensão no rosto de Jerry. — Muito
provavelmente eles fariam os cavalos correrem além do necessário.
— Que mal há nisso? Teria sido divertido! Mas é claro que não seria
conveniente para você! Quem sabe Mate1 poderia quebrar uma perna...
— Quem sabe...
Liz não tinha dúvida de que seria realmente escoltada a cada centímetro
do percurso. De repente sentia-se tomada por uma excitação incontrolável.
Em vingança a tudo que ele fizera, o faria correr antes que a noite terminasse.
Chefe ou não, Jerry merecia uma lição!
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CAPÍTULO VII

Ao cair da noite, o vento forte fazia as ondas rebentarem na praia e


sobre as pedras, formando uma nuvem de gotículas que emprestava uma rara
beleza à paisagem.
Galopando ao lado de Jerry, Liz se sentia fascinada com o perfil
masculino delineado contra a luz pálida e alaranjada, com a vitalidade que
irradiava, com a displicência com que montava... Oh, ela galoparia pela praia
ao lado dele pelo resto da vida, se pudesse. Mas de onde surgira aquele
pensamento absurdo?
Para afastar as fantasias, Liz o desafiou.
— Chego primeiro naquelas pedras! Imediatamente os dois avançaram
sobre a areia molhada.
— Empatamos! — Jerry gritou, exultante.
— Concordo plenamente. — Os dois riram.
Tudo parecia estar diferente entre os dois aquela noite. Tudo parecia
estar quase bem.
Contornaram o rochedo que formava uma espécie de barreira entre as
praias. Do outro lado, em mar aberto, o vento os açoitou, arrancando os
grampos do cabelo de Liz.
— Parece que o lugar merece o nome que tem — Liz ergueu a voz para
se fazer ouvir sobre a rebentação. — Hauturu, o refúgio dos ventos!
— Corno foi que descobriu o significado? É uma expressão nativa. Não
imaginava que soubesse...
Uma excitação doce e selvagem a invadiu.
— Há muito sobre mim que você desconhece.
— O que, por exemplo?
— Bem... — Ela se calou. A tentação de implorar por sua própria causa
era forte, mas sabia que nada o faria acreditar em sua versão. — Algum dia te
conto. Sou professora, entre outras coisas. Aprendi maori. É um idioma
bonito, musical. E suas lendas e ditados muitas vezes se adaptam a nossa
cultura. Uma ou duas, por exemplo se encaixam perfeitamente a você.
Jerry a olhou, desconfiado.
Liz riu.
— A lenda de Rangatira. O grande chefe. E aquele ditado, então?
Kotemanaia Kawara tou mana. Você é tão poderoso quanto Kawara em toda
sua influência!
— Não confio em você, Liz. — Havia uma nota estranha em sua voz.
— Não se culpe. Não fui eu que inventei os velhos ditados maori. Quanto
a confiar em mim, isso não mudou desde o dia em que nos conhecemos, não
é?
— Liz... — o jeito dele pronunciar seu nome fez seu coração disparar.
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Mas o vento carregou a palavra e com ele a esperança de Liz de um
entendimento.
As estrelas começavam a salpicar o firmamento translúcido.
Liz estava se divertindo tanto com o passeio que quase chegou a
lastimar as luzes que anunciavam a reunião para o concerto.
— Viu como não havia motivo para se preocupar comigo ou com Mate?
Eu estaria perfeitamente bem com os rapazes. Não concorda?
— Só responderei sua pergunta quando estivermos em casa, sãos e
salvos.
Liz apertou os lábios. Era inútil. Nunca o faria admitir.
Conduziram os cavalos até uma cerca e desmontaram. Jerry olhava para
ela. Só olhava. Ela não sabia que o lugar realçava seu rosto jovem e
vulnerável. Sabia apenas que Jerry parecia novamente sério e retraído. Estaria
arrependido da escolha que fizera para aquela noite? Desejaria que fosse
Bridget, a mulher a sua frente, naquele instante? A mulher irresistível e
sofisticada e não a simples treinadora de cavalos, que ele escoltara na magia
daquela noite de verão?
Afastando o pensamento, Liz seguiu-o pela trilha onde estavam
estacionados muitos caminhões, utilitários e jipes.
Ao atravessarem o batente da porta, Liz se sentiu transporta da à antiga
cultura maori.
Os painéis que decoravam a entrada registravam mitos e lendas de um
povo que não conhecera a linguagem escrita. Serpentes-marinhas e lagartos,
figuras humanas com mãos de quatro dedos e conchas no lugar de olhos
falavam de deuses das montanhas, do mar e da floresta.
Evidentemente eles haviam chegado em cima da hora, pois mal Liz se
sentou, as luzes diminuíram e um homem saudou a audiência, com a dicção
própria de sua raça. Um grupo se apresentou com suas vestimentas em
vermelho, branco e preto que iam até os joelhos e começaram a tocar e
cantar. Seus movimentos simulavam viagens em canoas, como era costume
de seus ancestrais na busca de uma terra nova pelo vasto Pacífico.
O grupo de vozes melodiosas e tranquilas foi substituído por guerreiros.
Também eram homens maori, mas de físicos esplêndidos, rostos pintados e
pés descalços. Gritos horríveis provavam a coragem do povo naquela dança de
guerra.
Mesmo fascinada com os movimentos selvagens da dança, Liz não
conseguia esquecer a presença de Jerry.
— Está gostando? —- Ele quis saber.
— Muito. Muitíssimo. Estou tão contente por termos vindo! —
Imediatamente Liz percebeu que não fora feliz na escolha das palavras. Olhou
para Jerry e viu o brilho irônico em seus olhos. E então aconteceu. Uma
centelha, invisível mas poderosa, os iluminou. No palco, apresentavam-se,
agora, moças nativas, cujos quadris ondeavam suavemente como praias
serenas. Um calor delicioso a invadia. E Jerry nem a estava tocando. Só o fato
de estar a seu lado era o suficiente para deixá-la naquele estado. Nada podia
fazer a respeito. Também não a ajudou a apresentação de um cantor em
sequência ao espetáculo. Sua voz melodiosa lhe tocava o coração:
Projeto Revisoras
"Olhe para mim
Poderia morrer
Por amor a você.
O que é isto em meu peito
Que me causa tanta dor?
É amor?
O que é?
Por que foge
Quando olho para você?
Se sinto que em seu coração ,
Também existe amor!"
A letra daquela música emocionou-a além da razão.
O término do concerto não conseguiu despertá-la de seu enlevo. No céu
as estrelas brilhavam com todo o esplendor. A lua marcava seu caminho num
reflexo prateado sobre o mar. As ondas com sua espuma alva iluminavam a
areia escura.
Os cavalos, atados à cerca, como os haviam deixado, pareciam ansiosos
por voltar aos seus estábulos. Em poucos instantes venciam a distância, baía
após baía.
Era incrível como as horas haviam transcorrido céleres. Para onde o
vento as teria levado?
Uma luz subitamente surgiu ao longe. A fazenda! O coração de Liz quase
parou de bater. Estavam chegando. Bridget estava lá. Bridget, a quem Jerry
tanto amava!
Liz sacudiu a cabeça. Por que permitira que sonhos impossíveis a
arrebatassem? Por que se deixara envolver pela felicidade de estar com Jerry?
Jerry que nunca tinha tempo para ela. A lembrança a fez voltar à realidade.
Como pudera esquecer de que prometera a si mesma que ensinaria uma lição
a Jerry, naquela noite? Que lhe provaria que não podia controlar seus
movimentos? Para esquecer a fraqueza temporária que a atingira, Liz o
desafiou:
— Vejamos quem chega primeiro aos estábulos! Mate parecia ter
adquirido asas.
— Volte, Liz! — O tom autoritário surtiu o efeito contrário.
Ela afrouxou as rédeas e deixou Mate conduzi-la. Ele não precisava ser
controlado. Conhecia perfeitamente o caminho e adorava correr.
— Liz! Volte!
Os gritos de Jerry pareciam mais altos. Estaria próximo?Ela se curvou
sobre a montaria e apertou os joelhos contra os flancos molhados de suor e
água do mar. Se Mate quisesse correr até os estábulos, como tudo indicava,
ela não faria nada para impedi-lo. Mesmo que aquele território lhe fosse
desconhecido, confiava nele tanto de dia quanto a noite. Mate não tropeçaria
em pedras escondidas ou troncos caídos. Não ele!
Olhou rapidamente para trás e viu que Jerry se aproximava. Mas nada a
deteria. Mal podia esperar para vencer o patrão em seu próprio jogo!
O lugar lançava sombras grotescas sobre a areia conforme avançavam.
Inesperadamente, uma sombra mais escura do que as outras surgiu diante de
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Liz. Era um tronco caído. Não havia tempo para se desviar. Teria de confiar
em Mate. Como esperava, ele saltou sobre o obstáculo, aterrissando com toda
a segurança do outro lado. A corrida prosseguiu. A distância entre ela e Jerry
ficava cada vez menor.
— Vamos, vamos! Você vai conseguir! — ela cochichava.
De repente, Jerry já estava a seu lado. A casa bem próxima. Agora
passavam por ela. Mais um minuto e chegariam aos estábulos. Uma excitação
selvagem a dominava. Vencera! Mate estancou abruptamente e em seguida o
garanhão de Jerry.
— Que diabo de brincadeira foi essa? — A voz de Jerry tremia de raiva.
— Não me ouviu gritar que voltasse?
— Ouvi, sim. — Ela o enfrentou de cabeça erguida.
— Então por que não parou? Poderia ter estragado tudo!
— Mas não estraguei, não é? — Ele que gritasse e esperneasse, Liz não
se importava. Conseguira seu objetivo e isso lhe bastava, embora só sentisse
um vazio no peito em vez do tão esperado júbilo da vitória.
— Você sabe o que penso sobre sua mania de se aventurar pelo perigo?
— Mas que perigo? Eu estava com Mate. Ele sabe muito bem cuidar de si
mesmo.
— Pena que não aconteça o mesmo com você.
— Eu também sei. Você mesmo sabe. Agora ficou provado que não
precisava ter me acompanhado esta noite. — Ela não conseguiu evitar a
provocação.
— Foi uma questão de sorte.
— Não só. Foi uma questão de conhecer meu cavalo. Afinal, eu venci
você, mesmo que tenha sido por pouco.
— Foi uma boa corrida, Liz. — Os lábios de Jerry se curvavam num
sorriso irônico.
Imediatamente uma suspeita monstruosa passou pela cabeça de Liz.
— Se pretende dizer que me deixou ganhar...
— Relaxe! Não foi nada disso. Admito que ninguém consegue manejar
Mate como você!
Naquele momento Liz se sentiu ilógica e loucamente feliz.
— Nós nos entendemos, Mate e eu.
— Eu sei. — Havia algo de estranho no timbre de sua voz, que fez o
sangue de Liz acelerar nas veias.
— Preciso dar um trato em Mate. — Ela precisava quebrar o encanto.
Levaram os cavalos a uma área mais iluminada, removeram as celas e
as peles de carneiro, e estavam escovando-os, quando seus olhares se
encontraram.
— Você corresponderá. — Ele sorriu com imensa satisfação.
Liz sentiu o coração dar um salto em seu peito, mas logo voltou à fria
realidade.
— Quanto aos resultados da corrida, você quer dizer?
A expressão daquele olhos poderia significar tudo ou nada.
— Que mais poderia ser?
Droga! Ela deveria ter mordido a língua antes de falar. Jerry podia ser
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delicado quando queria, mas havia momentos em que ela lhe torceria o
pescoço de bom grado!
Terminando de escovar o cavalo, pendurou a escova com raiva. Nunca
um homem a fizera se sentir tão irritada. Também nenhum a deixara tão
vulnerável. Será que estava apaixonada? Mas é claro que isso era um
absurdo. Ela não o suportava.
Tentou se concentrar na trilha que seguiam.
— Tenho novidades! — Jerry anunciou.
— Sobre a corrida?
— Como adivinhou?
— Foi fácil. — Como pudera esquecer, nem que fosse por um segundo,
que a corrida na praia era a única coisa que interessava a Jerry, exceto
Bridget? Sabia que a realidade era essa mas desejava que ele a elogiasse
como mulher ao menos uma vez!
— Você marcou a data?
— Está tudo acertado. Falei com algumas pessoas antes de sairmos para
o concerto e todas concordaram em marcar para daqui a uma semana. Não se
esqueça, pequena Liz, que dependo de você para ganhar. De você e Mate
juntos! Sei que vencerão.
—Eu gostaria de saber o que lhe dá tanta certeza... — ela tentou
imprimir calma à voz.
— Pergunte a si mesma! A melhor jóquei, o melhor cavalo... Eu conheço
você e sua capacidade...
A angústia de Liz tornou-se mais profunda. Daria tudo para que Jerry
realmente a conhecesse!
— Não acredito que seja motivo suficiente. Devem haver outros bons
jóqueis por aqui.
— Há, mas não tão bons quanto você.
— Essa corrida parece significar muito para você.
— Significa.
— Está me deixando nervosa! E se por acaso eu chegar em segundo,
terceiro ou em último lugar? Jamais ousaria voltar a pisar em Hauturu!
— Impossível! — Jerry parecia totalmente confiante.
— Fico contente com a fé que deposita em mim! — Liz pretendia rir mas
seus lábios tremiam.
Para disfarçar a emoção, falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
— E se eu ganhar?
— Sobre o que está falando?
— Sobre a recompensa, — O que mais ela poderia dizer sem se
comprometer?
— Se é dinheiro que procura... — A voz de Jerry endureceu
imediatamente.
— Não. Não foi isso que eu quis dizer. — Confusa, Liz não sabia mais o
que falava, e muito menos no que pensar.
— Entendi. — Jerry se deteve e Liz seguiu-lhe o exemplo.
A atmosfera estava carregada de emoção. Instintivamente ela sabia que
Jerry a tomaria em seus braços. Era também o que desejava. Queria sentir de
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novo o sabor dos beijos selvagens que ele lhe dera.
— É isso que você quer? — ele indagou, suave.
Como um autômato, Liz deu um passo. Jerry a abraçou. Um suspiro
escapou de seus lábios antes que ele os beijasse e incendiasse seu corpo.
Sentia-se indefesa contra o intenso prazer do contato daquele peito forte em
seus seios. Incapaz de se controlar, Liz deixou os dedos acariciarem os
cabelos e a nuca de Jerry.
Quando ele finalmente a soltou, Liz pensou que suas pernas não fossem
suportar-lhe o peso.
— Um adiantamento apenas — ele falou muito baixo, mas com firmeza.
Fora sua imaginação que a fizera sentir emoção naquele homem frio?
Só poderia ser.
Chocada, ela procurou raciocinar.
— Subornos não levam a lugar algum.
— Não custa tentar.
Liz prosseguiu em silêncio, incrédula. Apaixonara-se por um homem que
nada sentia por ela, exceto desprezo. Por um homem que amava outra.
Precisava ter forças e encarar a verdade, por mais dolorosa que fosse. Esperar
que Jerry um dia pudesse se apaixonar por ela era um sonho impossível.
O ar da varanda estava impregnado do perfume dos jasmins. A noite
estava quente, maravilhosa, mas tudo que a preocupava era a luz acesa no
teto. Precisava entrar imediatamente. Não queria que Jerry notasse seu rosto
ruborizado, que certamente traía seus sentimentos em tumulto.
— Boa noite, Jerry! — Ela se despediu na porta de seu quarto, tentando
dar um tom brincalhão à voz. — Da próxima vez correrei mais rápido do que
você!
— Claro que sim... se eu deixar! — Ele a olhou intensamente.
Foi difícil, mas Liz conseguiu sufocar as lágrimas.
— Boa noite. — Jerry continuou pelo corredor acarpetado, assobiando.
A canção de amor maori a tocou profundamente.
Abriu a porta do quarto e olhou para a escuridão. A angústia a
apunhalava. O que era um beijo para Jerry? Nada. Um adiantamento, como
ele dissera. A recompensa seria maior caso ela vencesse.
A voz de Bridget, no corredor, foi a gota que fez transbordar as lágrimas
que a custo continha. Aos borbotões, elas chegaram a seus olhos.
— Oh, Jay, pensei que nunca fosse voltar! Algo aconteceu... algo muito
importante! Preciso falar com você...
Liz não pôde evitar olhar novamente para o corredor. Bridget, com um
penhoar transparente e os cabelos flutuando sobre os ombros, entrou no
quarto de Jerry. Atirou-se sobre a cama e chorou com desespero. Ela amava
Jerry. Realmente o amava, mesmo que ele estivesse ligado a Bridget, mesmo
que não tivesse nenhum interesse nela. Não podia evitar. Molly tinha toda a
razão. Jerry era um homem especial. Só que não era para ela!
Recriminou-se durante longo tempo. Tenha um pouco de orgulho,
garota! Não é obrigada a ficar. Você é dona de seu nariz. Deixe Háuturu
amanhã mesmo. Sim, era isso que faria. Decidida, enxugou as lágrimas. Jerry
que encontrasse outra pessoa para vencer a preciosa corrida! No fundo,
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porém, Liz sabia que não leria coragem para partir. E não era devido à
corrida! mas por causa dele. Não suportaria ficar longe de Jerry, do som de
sua voz, de seus olhos cor de avelã.
Só faltavam alguns dias e o que significavam alguns dias em
comparação a toda uma vida? O importante era não deixar que descobrissem
seu segredo. Pela sua mente passou a imagem de Bridget. Teria de
representar muito bem para que a outra não percebesse o que lhe ia pelo
coração.
Embora determinada, Liz não conseguia impedir que as lágrimas
escorressem copiosas por seu rosto. Ao amanhecerão reflexo no espelho a
assustou. Não costumava usar maquiagem a não ser à noite, mas precisaria
quebrar sua regra e agradecer aos poderes do creme corretivo para disfarçar
as profundas olheiras. Um toque de blush e a palidez desapareceu. Só as
pálpebras inchadas não puderam ser disfarçadas. Mas, com um pouco de sorte
não encontraria Bridget aquela manhã. Ou Jerry.
Demorou-se propositadamente mais tempo que o usual para cuidar de
Mate. Assim, quando chegasse em casa, Bridget e Jerry já teriam saído.
Naquela manhã, entretanto, eles ainda não haviam saído.
Encontraram-se no hall e, ao primeiro olhar, Bridget exclamou:
— Jay, olhe só para Liz! A pobre garota está um caco! O que deu em
você para fazê-la cavalgar uma distância tão grande até o concerto?
Bridget, ao contrário, parecia ter resolvido todos os seus problemas na
noite anterior, Liz pensou, ciumenta.
— Estou bem — Liz murmurou e baixou os olhos.
— O que houve, Liz? — foi a vez de Jerry perguntar.
Ela sabia que não poderia evitar fitá-lo pelo resto da vida. Subitamente
ergueu o rosto.
— Nada! Por que deveria haver alguma coisa? Não sei o que deu em
vocês.
— Não? Estranho... pensei que estivesse se divertindo ontem.
— Eu estava! O concerto foi fantástico e a viagem foi ótima! Sabia,
Bridget, que o venci numa corrida? Por milímetros, talvez, mas venci.
—É, não foi nada mau para uma cavalgada noturna.
— Engraçado... — Os olhos de Bridget se fixavam ora em Liz, agora
corada, ora em Jerry. — Pensei que você tivesse decidido acompanhá-la
apenas para evitar loucas corridas em praias escuras e desconhecidas. O que
houve?
— Nada de mais. Uma brincadeira. Não houve prémios para o vencedor.
— Ele deu de ombros.
Obviamente Bridget não se deixou convencer.
—Não é de se admirar que Liz esteja com esse aspecto horrível!
—Escute aqui! — Liz inesperadamente perdeu o pouco controle que lhe
restava. — Precisa falar de mim como se eu estives se a quilômetros de
distância? E tudo porque estou cansada. Aliás, não existe culpado, eu sou
responsável por tudo que faço! — Ela deu as costas dos dois e desapareceu de
vista.
Risadinhas insuportáveis a acompanharam.
Projeto Revisoras
— Ela realmente está com os nervos em frangalhos. Talvez a corrida
tenha sido demais para ela! Ou você fez alguma coisa qur a perturbou?
Liz ficou furiosa e amarga.

CAPÍTULO VIII

Os dias passaram muito lentamente. Mantenha-se ocupada, Liz


ordenava a si mesma. Não dê tempo aos pensamentos agoniantes que teimam
em torturá-la. Mas Liz sabia que lutava em vão, pois nada destruía, ou sequer
diminuía a dor da solidão, o desejo de estar com Jerry, o amor sem
esperanças.
Passava o máximo de tempo possível nos estábulos ou na praia com
Mate, agora seu único companheiro.
Para assistir, e até participar da corrida, Jerry convidou amigos de
outros distritos e cidades, e todos ficaram hospedados em sua casa. Molly,
assoberbada de serviço, não percebeu o mutismo em que Liz se encerrara ou
as manchas escuras ao redor de seus olhos. Quanto aos convidados, Liz não
tinha interesse em travar amizades ou sequer se distrair.
As noites eram ainda mais terríveis do que os dias. Era o momento em
que a nuvem negra do desespero toldava-lhe completamente a mente, se
traduzindo em lágrimas.
Depois da insônia, o sono que a dominava era inquieto e povoado de
sonhos. Imagens de um futuro que nunca se tornaria realidade. O carinho de
Jerry, o calor de seu corpo junto ao dela na concretização do amor.
O despertar trazia frio e angústia, a ânsia pelo inatingível. Sua vida
estaria fadada a continuar assim? E pensar que há pouco tempo imaginara
estar apaixonada por Brooke! Que engano! Não fora por amor que sofrera,
mas por orgulho ferido.
—Está acordada, Liz? — Uma batida forte à porta a fez estremecer. —
Hoje é o grande dia. Não vá perder a hora. — A voz de Jerry ecoou pelo
quarto.
— Claro que não vou perder a hora! — ela protestou, indignada com a
atitude de Jerry, que parecia não julgá-la digna de confiança nem para se
levantar da cama num dia tão importante Seu último dia em Hauturu. Assim
que a corrida terminasse, ela comunicaria a Jerry sua decisão. Provavelmente
ele nem ficaria surpreso, pois o acordo inicial fora exatamente esse. Ela só
gostaria que a separação não lhe doesse tanto!
Pense em outras coisas, nos eventos do dia, em qualquer coisa! Era
inútil. Liz só enxergava Jerry a sua frente.
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Relutante, apanhou uma toalha e se encaminhou para o chuveiro.
Demorou-se um pouco sob a ducha morna, mas não se sentiu aliviada ou
relaxada. Nada a ajudava a enfrentar a decisão que tomara.
Foi com muita dificuldade que se vestiu e saiu para a varanda. Nem o
dia perfeito, o sol brilhante, o céu de anil conseguiu melhorar seu estado de
espírito.
Ao se dirigir para os estábulos, encontrou Wayne puxando Mate pelas
rédeas.
— Diga-me — ela forçou um sorriso —, você apostará em Mate?
— Pode estar certa disso! — Um sorriso tímido iluminou o rosto juvenil.
— Acho que todos apostarão em você e em Mate. O patrão, nem se fala! Eu
não gostaria de estar em sua pele, se não conseguir fazer Mate chegar em
primeiro lugar.
— Não seja pessimista! É claro que Mate vencerá! São as ordens do
patrão!
— Tomara! — Wayne cruzou os dedos. — Boa sorte!
Não havia muito o que fazer para a preparação do cavalo. No dia
anterior Liz passara horas exercitando-o, besuntando as patas com óleo e
escovando o pêlo sedoso. Agora só faltava lhe dar a primeira refeição do dia e
uma escovadela final.
Quando acabava de completar sua tarefa, uma sombra se projetou pela
porta. Seus olhos se encontraram com os de Jerry isso foi o suficiente para
seu coração pulsar mais depresssa. O que havia com aquele homem? Que
poder ele tinha para perturbá-la tão insensatamente?
— Ele parece ótimo, não? — Jerry indagou, satisfeito.
— Como sempre. — Ela tentou imprimir calma à voz. — Este é meu
Mate! Quero dizer, seu Mate!
— Não seja modesta. — Jerry acariciou ternamente o animal. — O fato é
que Mate melhorou a olhos vistos depois de sua chegada. Em desempenho,
em aparência, em tudo! Você sabe!
— Acha? — Ela virou o rosto para que Jerry não visse as lágrimas
brotarem de seus olhos.
Oh, ele era um perito em elogiar sua capacidade de trabalho! Mas
entendê-la, vê-la como realmente era...
— Você vencerá a corrida. — Ela sentiu os olhos de Jerry fixos nela.
— Será? — Irritada, ela lhe endereçou um olhar de desafio. — O que lhe
dá tanta certeza?
— Pergunte a você mesma. Eu contratei a melhor das jóqueis e Mate é o
melhor dos cavalos. E os dois se entendem com perfeição.
— Tantos elogios! — Ela riu, embora sentisse uma pontada no coração.
Daria tudo para que os elogios fossem para Liz, a
mulher!
— E quanto aos outros? — Ela tentou dar um tom casual à voz. — Deve
haver muitos jóqueis competentes aqui para a corrida de hoje.
— Exato, mas acontece que tenho informações secretas sobre esta
corrida em especial.
— Que tipo de informações? — Liz quis saber, intrigada
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Ele ficou calado por um longo tempo apenas olhando para ela.
Era um olhar quente, misterioso que provocava arrepios em Liz.
— Quer realmente saber?
— Eu... — As palavras se negaram a sair de sua garganta. Jerry parecia
calmo, o corpo displicentemente apoiado à parede, mas havia algo de
estranho, de íntimo no fundo de seus olhos.
— Eu quero muito. — Ela umedeceu os lábios ressequidos. Talvez agora
acontecesse o milagre e Jerry confessasse seu erro. E lhe dissesse, que ela era
tudo que desejava numa mulher!
— Eu te conheço.
O coração de Liz pulsava loucamente. Chegara o momento! Agora ele se
desculparia por não ter acreditado em suas explicações. Agora que ele
aprendera a conhecê-la, tudo seria diferente... maravilhoso! Mas os segundos,
os minutos se passaram e ele nada mais disse. Mais uma vez Liz sonhara um
sonho impossível.
— Simples, não? — Ela tentou não demonstrar o desapontamento. —
Mas faz toda a diferença do mundo!
A frustração diante daquelas palavras a fez retrucar com hostilidade.
— Suponho que esteja contando com a vitória acima de tudo, já que
convenceu todos seus empregados a apostarem as economias, tão
arduamente ganhas, em Mate.
Por um instante, uma expressão estranha alterou as feições bronzeadas.
Surpresa? Mágoa? Isso era um absurdo! Nada que dissesse poderia atingi-lo.
Simplesmente ela não existia para ele.
E não se enganara, é claro, pois em um piscar de olhos, Jerry parecia
novamente calmo e relaxado.
— Acertou. Mas não que eles precisassem ser persuadidos. Bastou lhes
dizer que prestassem muita atenção na corrida de hoje. — Jerry ergueu o
braço e retirou um chicotinho de um gancho da parede. — Melhor levar isto
com você. Pode ser necessário se algum cavalo estiver muito próximo de
vocês junto à linha de chegada.
— Não, obrigada. — Liz estava tão rígida que até parecia mais alta.
— Pegue! — Ele insistiu.
— Não! — Os olhos azuis faiscavam. Não suportava aquele jeito
autoritário com que ele gostava de falar. — Não vou usar isso. — As palavras
de indignação fluíram como uma torrente. — Nunca chicoteei um cavalo e
nunca irei chicotear. Fico fora de mim quando vejo outros jóqueis maltratarem
seus cavalos. Eu não sou assim! Sei que me considera passiva demais...
— Não disse isso.
— Mas pensou! Todos os jóqueis pensam! Homens, é claro!
— Eu penso que você é uma garota e uma amazona formidável.
— No fundo não é isso que pensa — Liz protestou, incapaz de se calar.
— Especialmente quando se referiu à garota. — Ela se deteve
instantaneamente, ciente de que a raiva e a indignação
a traíram. Nunca poderia ter lhe dado a impressão de que se importava com
sua opinião.
Sem conseguir se conter, ela continuou falando tudo o que se passava
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por sua mente.
— Não acho que seja necessário surrar um cavalo de corrida, e se não
acredita em mim... — Uma mancha vermelha tingiu seu rosto. — Eu lhe
provarei!
Para sua surpresa, Jerry atirou o chicote num canto.
— Está bem.
— Nada importa a você, não é? — ela falou muito baixo. — Nada, desde
que consiga o que quer.
— Isso não deveria mais ser novidade para você.
— É verdade. Você sempre insiste no mesmo ponto.
Jerry ignorou o comentário.
— Molly preparou um ótimo desjejum. Você precisa se alimentar bem no
dia de hoje. Vamos?
Os dois fizeram o percurso em completo silêncio.
Liz foi diretamente para o quarto trocar o velho jeans por culotes e a
camiseta por um colete de seda rosa-choque com pedrinhas bordadas,
imitando diamantes. Calçou as botas e prendeu os cabelos com uma fita.
Quando entrou na sala de jantar surpreendeu-se em ver Bridget sentada
junto à janela, impecavalmente maquiada àquela hora do dia, os cabelos
brilhando como fogo ao sol.
— Bom dia.
Não houve resposta. Liz apertou os lábios. Estava prestes a fazer um
comentário malcriado quando percebeu que a outra simplesmente não a
ouvira entrar. Bridget olhava para fora da janela mas nada via. Seus dedos
tamborilavam, nervosos, os braços da
cadeira.
Por fim, seus olhos se fixaram em Liz como se emergisse de uma
profunda divagação interior.
— Oh, é você! — Liz nunca vira Bridget tão apagada, os olhos tão
vazios. — Pelo amor de Deus! — Bridget exclamou, de repente, muito
zangada. — O que deu em você para vestir um colete dessa cor? Seu rosto já
é corado o que baste!
Liz a encarou, indignada.
— O que importa a. cor de um jóquei decida vestir? Apenas o seu
desempenho numa corrida deve ser observado. Rosa, roxo, azul, tanto faz
para mim.
— Mas deveria fazer alguma diferença, sim. Isso se você fosse ao menos
um pouco esperta. — Liz tinha a sensação de que o mau humor da outra teria
alguma outra razão que ela não conseguia controlar. — Deve ser porque você
e Jay são da mesma espécie. Tudo o que lhes importa é uma corrida idiota,
que nunca ninguém ouviu falar, a não ser o povo local. Uma corrida que não
significa nada para ninguém.
— Significa para mim!
Jerry chegara imperceptivelmente, e pela primeria vez demonstrava
desagrado com relação a Bridget. Mas bastou um minuto para se derreter
diante dela outra vez. Nada que Bridget fizesse ou dissesse poderia ser
errado, Liz falou consigo mesma.
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Quando afastou seus pensamentos, Liz percebeu que Jerry e Bridget
continuavam falando.
— Por que não muda de idéia e vem conosco à corrida? Poderia nos dar
uma mãozinha na torcida!
Bridget não respondeu de imediato.
— Por que não? Qualquer coisa é melhor do que ficar aqui sentada, sem
fazer nada. Ao menos eu arriscaria...
Jerry sorriu, encorajador.
— Nunca se sabe. A sorte...
— Sorte? O que é isso? — Bridget falou, amarga. — Eu já desisti de ter
esperança.
Sorte! Liz sentiu uma pontada de angústia no peito. Que mais Bridget
poderia querer se já tinha o amor de Jerry?
Subitamente Bridget jogou a cabeça para trás, um brilho determinado
nos olhos verdes.
— Irei com vocês, Jay, mas não por interesse em cavalos. Só me
importa quem estará.comigo! Em matéria de vencer, ainda me resta um. ou
dois trunfos! —Ela lançou um olhar significativo a Jerry. — Pode me entender?
— Sim, posso imaginar.
Esquecida pelos dois, Liz expulsou a angústia de seu peito. Precisava
estar em sua melhor forma naquele dia, até que a corrida terminasse. Por
Jerry! Depois teria de esquecê-lo de uma forma ou de outra. Mas aquele era
seu último dia em Hauturu! Não.poderia permitir que as palavras de Bridget o
arruinassem!
Serviu-se de uma xícara de café e passou manteiga numa torrada. Não
poderia engolir mais nada. E antes que Jerry insistisse nos méritos de um bom
desjejum, ela se levantou.
— Estou a caminho.— Liz hesitou à porta na esperança de que Jerry
fosse acompanhá-la aos estábulos, mas obviamente sua atenção estava
concentrada apenas em Bridget.
— Pedirei a um dos rapazes que a leve para a praia de jipe. Molly
poderia ir com você... não é, Molly? — Ele.se dirigiu à governanta que tirava,
apressada, pratos e xícaras da mesa.
— Não perderia a corrida por nada!
Liz se afastou. De que adiantava esperar por Jerry? Ele tinha outras
coisas na cabeça.
No caminho para os estábulos, grupos de homens riam e conversavam,
em plena atividade. Liz não pôde deixar de ouvir os comentários orgulhosos,
cada um a respeito de seu cavalo e respectivo jóquei.
— Sabe que não tem chance alguma conosco, não é? Isso é tarefa para
homens!
— A inveja não os levará a lugar algum! — Liz fez uma careta, divertida.
— É isso aí! — Susan e Meg a encorajaram da boleia do caminhão.
Liz ajustava a sela sobre Mate quando percebeu que Jerry caminhava
em sua direção. Seu coração disparou. Em vão, pois ele só tinha olhos para
seu puro-sangue.
— Você cuidou muito bem dele!
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— É a minha função.
— Bobagem. É muito mais do que isso. — Jerry, de culote e camisa
aberta no peito, parecia a Liz mais atraente do que nunca.
— Trouxe-lhe isto. — Ele lhe estendeu uns óculos especiais. — Para que
não entre areia em seus olhos.
— Obrigada. — Ela o guardou no bolso.
— Não esqueça de colocá-los. — Liz estava encontrando dificuldade em
ouvir os conselhos.
Ele estava muito perto, tão perto que podia sentir a fragrância da loção
após barba. O que era mesmo que ele estava dizendo?
— Corridas em praia são diferentes de corridas em pistas. Sente-se uma
tentação incrível de se cortar caminhos, mas isso pode levar tudo a perder.
Cuidado para não ser apanhada por uma onda!
— Eu sei! — ela concordou, embora não ouvisse metade das palavras.
—Tudo bem! — Ele a ajudou a montar.
Um gesto gentil e comum, que não deveria tê-la abalado.
Tomando as rédeas, Liz lhe sorriu, tremula.
— Não o decepcionarei. — Não se puder evitar. — Ela acrescentou para
si mesma.
Era demasiado importante que ela e Mate se saíssem bem na corrida.
Jerry, em seu garanhão, acompanhou-a pela trilha estreita sobre as
colinas, onde outros cavaleiros já se apresentavam.

CAPÍTULO IX

Sobre as colinas descampadas, a brisa marítima soprando em seu rosto,


Liz sentia uma grande excitação. O fato de estar cavalgando ao lado de Jerry,
em seu último dia juntos, era o suficiente para inebriar seu espírito de uma
felicidade doce-amarga. Fitou-o pelo canto dos olhos. Ele parecia alegre e
relaxado como se ela já houvesse vencido a corrida. Ou aquela expressão era
uma lembrança de seu caso amoroso com Bridget? Bridget, que não dava
importância alguma à corridas em praias! E por que deveria, se já arrebatara
o maior dos prémios?
Liz tentou concentrar sua atenção na trilha. Os únicos sinais de
civilização por ali eram pequenas casas de fazenda ao longe e ocasionais
placas indicando "Corrida na Praia".
A temperatura subia a cada passo, até que por fim eles chegaram ao
topo de uma colina.
— Mal posso acreditar! — Liz exclamou, quase sem fôlego.
Após tanto isolamento por baías desertas, isso é vida! Gente, cores,
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alegria! A atmosfera de um dia de piquenique!
O cenário era magnífico e um barco com velas vermelhas deslizando
lentamente rumo ao horizonte azul completava o colorido. O movimento era
intenso. Pedestres e cavaleiros se misturavam pelas areias brancas. Carros,
jipes e caminhões estavam agrupados num estacionamento improvisado.
— Está vendo aquela tenda? — Jerry a chamou. — É o equalizador. E a
cabana foi montada como uma espécie de lanchonete, onde serão vendidos
peixes fritos.
Em poucos minutos, os dois chegaram à praia. Liz não se cansava de
admirar o mar azul piscando aos raios de sol.
Ali a atmosfera era tranquila e informal, embora rica em atividade.
Habitantes e trabalhadores se uniam, risos ecoavam pelo ar em amigável
rivalidade, enquanto se digiriam à linha de partida.
Banhistas saíam das águas mornas para assistirem à primeira corrida do
dia, prestes a começar. As crianças relutavam em deixar seus castelos de
areia. Um homem anunciava pelo alto-falante o início da festividade.
As colinas formavam um anfiteatro natural. O sol banhava o cenário. As
famílias se agrupavam sobre os caminhões ou sobre toalhas estendidas na
relva. Sombrinhas multicoloridas davam ainda maior brilho à atmosfera.
Liz se voltou para Jerry.
— Onde é a linha de partida?
— Ali! Aquela bandeirinha atada a uma linha de pescador.
— Uma linha de pescador? — Liz não conseguia se concentrar na
explicação.
O calor, a atmosfera festiva, a beleza da paisagem e a companhia de
Jerry, ao menos uma vez dependendo dela!
— Quando soltarem a bandeirinha, não se pode perder um segundo! —
ele continuou, vibrante.
Mais uma vez Liz precisou se esforçar para ouvir o que Jerry dizia.
— Está vendo aqueles dois homens? Eles colocam os vencedores entre
duas estacas, sendo que uma fica no mar. A pista de corrida, então, fica
coberta por água, dificultando o desempenho dos últimos participantes. A
julgar pela maré, é bem provável que tenham de controlar seus cavalos sobre
algumas ondas. Ei! — Jerry subitamente se preparou para a competição.—
Estão chamando meu turno!
Liz observou quando Jerry trocou seu garanhão por um dos. cavalos de
Hauturu. Era Hullabaloo, um baio vigoroso, que já vira pela propriedade. Mas
isso fora antes de Bridget chegar, quando ele não tinha nada de mais
interessante para fazer.
Amarrou sua montaria numa cerca e seguiu junto ao pessoal de Hauturu
para se colocar numa longa fila de apostadores.
As regras eram poucas e a alegria contagiante. Era evidente que a
multidão aproveitara a corrida para trazer cestos de piquenique. Haveriam
competições especiais para póneis, ex-corredores e até para pangarés.
Nenhum jóquei era profissional, mas sim trabalhadores da região.
Liz acabara de receber seu bilhete, quando anunciaram o início da
corrida. Muitos cavaleiros estavam a postos, mas ela só tinha olhos para o
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moreno alto com o baio.
Todos partiram praticamente juntos, mas Jerry logo conquistou a
primeira posição. As sombras de cavalos e cavaleiros se refletiam na areia
molhada e Liz aplaudia e gritava.
— Em frente, Hullabaloo! Corra! — Sua voz excitada se misturava ao
júbilo geral.
Quando as patas do baio ultrapassaram a estaca montada entre as
ondas, Liz soube que o escolhido fora alvo de muitas apostas. Os aplausos
eram intensos.
Jerry acenava para os espectadores. Sorria para todos enquanto se
dirigia a ela, cujos olhos azuis estavam radiantes com o resultado obtido.
— Parabéns. Foi um ótimo desempenho!
— Esforço conjunto. — Ele sorriu com ternura, fazendo seu coração
disparar. — Se não fosse por você, Liz... — Jerry se deteve enquanto um jipe
se aproximava.
Assim que o veículo parou, Bridget desceu,graciosamente e se dirigiu a
eles.
— Desculpe o atraso. — Ignorando a presença de Liz, ela deu o braço a
Jerry. Estava linda. Não podia culpar o homem de não conseguir enxergar
mais nada nem ninguém, quando Bridget estava por perto. Um espasmo
doloroso apertou-lhe a garganta.
Como pudera ser tão tola em acreditar que Jerry quisesse comemorar
sua vitória com ela, sendo que Bridget estaria à espera? Bridget com sua
beleza, com sua. voz sensual?
— De qualquer modo, quero lhe desejar sorte para a próxima corrida! —
Bridget falou com a mesma inflexão estranha que Liz notara pela manhã.
— Obrigado. O mesmo para você! — Ele se inclinou sobre a sela, os
olhos fixos no rosto corado de Bridget, e Liz mais uma vez notou que havia
uma espécie de mensagem entre as palavras convencionais. Talvez um
pequeno obstáculo que estivesse atrapalhando o futuro do jovem casal? Uma
mão gelada parecia lhe apertar o coração.
— Cruzarei os dedos... por nós! — Uma expressão indecifrável passou
pelo rosto de Bridget, antes que se afastasse em uma direção, e Jerry para
outra.
Desapontada como estava Liz não notou a aproximação de um
helicóptero sobre as colinas. Só captou a presença estranha quando ele
aterrissou reunindo uma pequena multidão ao seu redor. Observou, distraída,
o piloto desembarcar e em seguida auxiliar um homem alto e forte, com duas
muletas, a fazer o mesmo.
Numa fração de segundo Bridget corria para ele.
— Rob! Você veio! Acabou decidindo, afinal! — O sorriso da modelo era
estonteante, Liz podia ver, mesmo a distância. O homem subiu no jipe que o
aguardava, e o veículo se afastou em direção aos agrupamentos de pessoas.
Sem dúvida, aquele era Rob Mclntyre, o fazendeiro neo-zelandês, que
Bridget conhecera em criança e que reencontrara recentemente em Londres. A
memória a levou para o primeiro dia após a chegada de Bridget em Hauturu.
Ela parecera mais do que interessada em saber notícias de Rob. Ficara
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impressionada com o acidente que o forçara a andar de muletas. Praticamente
admitira que Rob ficara atraído por ela. Talvez os sentimentos dele para com a
modelo fossem mais fortes do que ela contara. Com seu poder de sedução,
era lhe uma tarefa fácil despertar sentimentos de amor e paixão em qualquer
homem. Jerry, por exemplo! Ele não a adorava? Imediatamente Liz afastou o
pensamento. Não pense nele! Controle-se!
Relutantemente Liz voltou à realidade. Banhistas e crianças haviam
aproveitado o intervalo para correr de volta ao mar e para seus castelos de
areias e imensos buracos. Um alarme sinistro passou por sua cabeça. E se
Mate caísse num daqueles buracos durante a corrida? Não, ele nunca faria
isso. Ele sabia onde pisava, e além disso, uma comissão se encarregava de
inspecionar o trecho antes do início de cada corrida.
Naquele momento foi anunciada a Taça Hauturu. Ás apostas fecharam e
em poucos instantes Jerry competia outra vez, só que com seu garanhão
negro. Ele estava quase deitado sobre o animal, impulsionando-o a correr
mais. Sultão estava emparelhado.
A multidão gritava, assobiava, aplaudia. Liz observava, tensa, cavalos e
cavaleiros ficando para trás, enquanto Sultão prós seguia ao lado de um outro
animal.
— Sultão! Sultão — ela gritava inconscientemente a fim de encorajar
cavalo e jóquei. Desejava muito que Jcrry vencesse. Agora os dois cavalos,
ambos negros como noites sem luar, aproximavam-se da linha de chegada.
Era impossível dizer qual dos dois estava na frente. A decisão, entretanto, foi
comunicada em poucos minutos pelos juizes. Jerry foi anunciado como o
vitorioso. Mais uma vez a alegria da multidão não deixou dúvida de quem
merecera suas apostas.
Pelo canto dos olhos, Liz percebeu que Jerry novamente vinha em sua
direção. Só que dessa vez ela não tinha intenção de se deixar levar pelas
emoções. Manejou as rédeas e guiou sua montaria para um grupo de
cavaleiros de Hauturu, que se reunia do outro lado da pista. No rápido
instante em que se voltou, saboreou o amargo triunfo de ver a expressão
alegre de Jerry ser substituída por surpresa e em seguida por
desapontamento. Mas ele não precisava de congratulações suas. Não quando
tinha todos os amigos e.empregados torcendo por ele. E Bridget. Por que,
então, aquela sensação ridícula de culpa por tê-lo abandonado? Entretanto,
não pôde evitá-lo por muito tempo. Pouco mais tarde, Jerry se aproximou do
grupo com um convite irrecusável.
— Molly está se preparando para abrir os cestos de piquenique. Algum
interessado?
— Vocês ouviram o que o patrão falou! — Os pastores e tosquiadores
imediatamente se encaminharam para o caminhão estacionado nas encostas.
— Você não vem, Liz? Precisa conservar suas energias! Não quero vê-la
cansada no meio da corrida. Está escalada para.logo após o almoço.
— Não quero almoçar — assim que falou, Liz percebeu o quanto estava
sendo infantil. — É que... não sinto fome.
— Venha comigo assim mesmo. — Ele a fitou intensamente, as mãos
tirando-lhe as rédeas.
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— É uma ordem? — O tremor a sacudia, mas ela conseguiu imprimir um
tom frio e desafiador à voz. — Veja só! Acabou de ganhar e o sucesso já lhe
subiu à cabeça! Que diferença faz eu participar do piquenique ou não?
— Faz diferença — Jerry afirmou. — E então, você vem ou terei de dar
uma demonstração ao público de como tratar sua garota quando ela insiste
em teimar?
— Não sou sua garota!
— Você vem? — ele repetiu, os músculos do rosto tensos, avisando-a de
que seria mais sábio obedecer.
— E posso recusar com você fazendo todo esse barulho? Deve ser muito
importante que eu participe do piquenique, afinal. Assim você poderá ter
certeza de que eu estarei em boa forma para a próxima corrida.
Jerry não respondeu, mas seu olhar atravessado provou a Liz que
tomara a decisão certa ao aceitar acompanhá-lo.
— De qualquer forma — ela continuou, determinada em levar ao menos
alguma vantagem na discussão —, será uma boa oportunidade para eu
conhecer Rob Mclntyre. Era Rob.no helicóptero, não era? O homem com quem
Bridget se encontrou quando ambos viajaram para Londres?
E agora o que foi que dissera para desagradá-lo? Seus olhos
escureceram ostensivamente e as mandíbulas enrijeceram.
— O que sabe a esse respeito?
— Bridget comentou sobre Rob no dia em que chegou a Hauturu. Aliás
estávamos todos presentes na ocasião: Molly, você, eu... Por quê? Deveria ser
um segredo?
Jerry não fez comentário algum, e os dois seguiram juntos como se
fossem inimigos, um sem olhar para o outro.

O pessoal havia estendido toalhas sobre a relva, e aberto guarda-sóis


gigantescos no local do piquenique. Todos pareciam satisfeitos e
descontraídos. A comida que Molly preparara parecia deliciosa. Havia pão
caseiro e crocante, diversos tipos de saladas, carne fria, tortas e salgadinhos
de aspargos colhidos na horta da fazenda. Uma imensa e colorida fruteira
apresentava uvas, abricôs e pêssegos, também do pomar, de Hauturu. Para
beber haviam trazido latas de cerveja em tinas com gelo, suco de frutas,
refrigerantes e garrafas de cerveja de gengibre, que também haviam sido
preparadas por Molly. Apesar de tanta fartura, Liz não sentia apetite.
O grupo, entretanto, comia e bebia com prazer, ainda mais depois de ter
ganho duas apostas seguidas, graças ao patrão.
Susan e Meg, que moravam na propriedade, riam e tagarelavam
enquanto seus filhos percorriam o grupo, com as mãos ocupadas por
hambúrgueres.
— Rob, quero te apresentar a Liz! — Molly olhou, sorridente, para o
jovem de expressão franca e olhos cinzentos, de quem Liz gostou à primeira
vista. Era o tipo de homem em que se podia confiar. Não como Jerry, cujos
lábios bem delineados diziam uma coisa, enquanto os olhos revelavam algo
inteiramente diferente.
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— Ei, não esqueçam de mim! — reclamou o jovem piloto, um rapaz
magro de sorriso alegre, que olhava para o rosto corado de sol de Liz com
evidente interesse. — Meu nome é Adrian. Mal posso acreditar que esteja
morando aqui, sem que eu soubesse! Por que ninguém me contou sobre Liz?!
— Ele repreendeu os outros. — Como é que uma garota como ela passou
despercebida por mim?
Liz sorriu e aceitou o copo de refrigerante gelado que Adrian lhe
oferecia.
— Não será por muito tempo! Estive treinando o puro-sangue de Jerry
para a corrida de hoje. — Ela estremeceu ligeiramente. — Detesto pensar no
que poderá acontecer se eu não levar Mate ao primeiro lugar! — Sua voz
parecia calma mas o olhar que endereçou a Jerry era de desafio.
Ele sustentou o olhar com malícia.
— Não se preocupe. Você conseguirá. Você e Mate juntos formam uma
dupla imbatível!
Não havia razão para discutir com ele nesse aspecto em particular, Liz
pensou irritada. Ele simplesmente se recusava a levantar a menor hipótese de
falha ou derrota.
Quando resolveu se sentar, notou que Adrian se precipitou atrás dela em
busca de um lugar vago. Não houve tempo pois num piscar de olhos, Derek
estava à sua direita, e Wayne à esquerda. Molly sorria para Adrian.
— É preciso ser muito rápido para conseguir um lugar junto a Liz num
piquenique.
— Acredito na senhora! — O jovem piloto concordou com um sorriso, os
olhos fixos em Liz, que estava inclinada para trás, as mãos apoiadas no chão,
refrescando-se com a brisa que vinha do mar. —Então pretende ganhar a
corrida de hoje...
Antes que pudesse responder, a voz forte de Jerry os alcançou.
— Ela tem ordens para isso! — Os olhos de Jerry lhe mandavam uma
mensagem de silêncio. Homem insuportável! Ela sentia ganas de lhe torcer o
pescoço!
Bridget, com o ar de uma estrela que se encontra momentanearnente
esquecida entre a conversa geral por causa de uma garota sem atrativos,
segundo sua opinião, comentou com indiferença.
— Oh, sim, Liz conhece seu trabalho.
Foi o tom de voz mais do que as palavras que a inflamou.
— Uma cavalariça, você quer dizer? — Liz retrucou.
— O que mais poderia ser?— Bridget arregalou os olhos. — Você
trabalha em estrebarias, não é?
Chegara a hora, Liz pensou furiosa, de Jerry vir em sua defesa, de dizer
a todos que ouviram a altercação que Liz era muito mais importante do que
uma simples empregada. Afinal ele não lhe dissera isso?
Entretanto, Jerry concordou com um gesto de cabeça.
— Você poderia entender assim. Quanto a mim, sei que não teria
conseguido chegar até aqui sem ela.
Ferida e humilhada, ela tentou esconder a dor que lhe comprimia o
peito. Apanhou seu boné de jóquei, enterrou-o na cabeça e piscou para o
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grupo.
—Quando o próprio patrão diz isso... o que mais uma garota poderia
querer?
Entre a explosão de risos, Liz teve o cuidado de evitar os olhos de Jerry.
Ela bem podia adivinhar sua expressão! Foi obrigada a engolir a generosa
porção de carne de carneiro e salada, que Molly empilhara num prato
descartável. Sua esperança era que ninguém percebesse sua incomum falta
de apetite, num dia agitado como aquele, mas não teve essa sorte, pois Jerry
nunca deixava escapar nenhum detalhe. Ainda mais que esse detalhe se
relacionava ao bom desempenho de sua treinadora no tão esperado dia da
corrida!
— O que houve, Liz? — Não havia como escapar ao olhar interrogativo.
— Não me diga que está nervosa! Jamais imaginaria que uma corrida de praia
pudesse preocupá-la tanto. Tive a impressão de que você estava acostumada
a esse tipo de aventura!
— Oh, eu estou, eu estou! — Ela se forçou a engolir uma garfada. — Só
não sinto fome.
— Não deixe que ela te engane! — O brilho malicioso nos olhos de
Bridget desmentia a seriedade de suas palavras. — Não vê que Liz está
tentando emagrecer? Talvez não esteja preparada para a competição!
Liz foi pega de surpresa. Tentava encontrar uma resposta adequada à
provocação, quando a ajuda surgiu de alguém inesperado.
— Isso não é justo — Rob comentou. — Você sabe que o que disse não é
verdade! — Ele fitou o rosto jovem e redondo de Liz. — Reconheça que Liz
tem as medidas certas...
— Para um jóquei? — Bridget fez um muxoxo de desprezo.
— Não é verdade que os jóqueis quase precisam morrer de fome para
manter seus corpos leves e ágeis?
—Não sou um jóquei profissional — Liz retrucou, furiosa.
— Não? — Os olhos de Bridget percorreram Liz da cabeça aos pés,
demorando-se propositadamente no colete de. seda. — Poderia ter me
enganado se quisesse. Tudo o que sei — ela agora se deteve no rosto
bronzeado —, é que perderia meu emprego de modelo e meu contrato com a
televisão seria cancelado, se eu permitisse que minha . pele adquirisse esse
tom de terra. Felizmente — ela olhou significativamente para Jerry —, Jay
gosta de mim como estou. Diz que é bom ver uma mulher diferente, numa
parte do mundo em que todas apresentam a pele queimada e ressecada pelo
sol.
Liz olhou rapidamente para Jerry. Teria ele realmente dito isso? Não
parecia, a julgar por sua expressão, surpresa, embora nada comentasse.
Certamente fora um engano seu, pois para Jerry, Bridget era perfeita.
— Você já pensou em desistir de tudo? — A voz calma de Rob quebrou o
silêncio. — Da carreira de modelo, da vida nas grandes cidades?
A pergunta foi tão absurda que provocou um coro de exclamações
seguido de risadas incrédulas. Liz notou que Rob era o único a não rir. Ao
contrário. Parecia muito sério enquanto esperava por uma resposta.
— Se já pensei? — Bridget repetiu, divertida. — É melhor você perguntar
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aos meus agentes de publicidade para saber a resposta.
— Estou perguntando a você! — Havia uma estranha inflexão na voz de
Rob.
— Faça uma pergunta tola e receberá uma resposta tola! — Ela
sustentou-lhe o olhar. — Se quer tanto saber, tudo dependeria de um motivo.
Um motivo superimportante.
— Como um magnata grego ou um milionário americano? — Molly
interveio, divertida, o olhar fixo em Bridget que mudara de lugar e agora
apoiava a cabeça no ombro de Jerry. — A propósito — Molly continuou —, o
que haveria de errado com um produtor de kiwi? Você sempre comentou
comigo que nunca encontrou lá fora os tipos másculos de homens que deixou
aqui.
Bridget deu sua costumeira risadinha rouca.
— Talvez você esteja certa. — Ela jogou a cabeça para trás. — Eu a
manterei informada!
Liz notou a tensão ao redor da boca de Rob. Atribuiu-a ao recente
acidente que ele sofrera, pois não acreditava que tanta dor pudesse ser devida
a Bridget. Ou podia?
— De qualquer forma — Bridget sorriu novamente de forma provocante
—, o importante é que você veio assistir às corridas. — Ela piscou. — Ou está
aqui para me rever? Não. vai admitir?
Adrian a interrompeu com seu jeito de garoto.
— Culpe a mim por tê-lo trazido. Rob era contra a idéia, mas eu apareci
com o helicóptero e coloquei um pouco de juízo em sua cabeça.
Bridget não parecia ter escutado.
— Você viria de qualquer jeito, não é, Rob? — Havia intensidade em seu
olhar. — Por causa de uma atração especial? — Ela o encarava como se a
resposta, fosse extremamente importante.
— Pode dizer que sim. Sinto-me horrível com estas muletas, mas não
podia perder a chance de ver Jerry chegando em primeiro lugar com o Sultão.
— Entendo. — Bridget baixou os olhos.
Subitamente Liz percebeu que Wayne a olhava com cumplicidade. Falou
muito baixo para que só ela pudese ouvir.
— Nossa amiga parece ter levado uma invertida e tanto! Bem... — ele
sorriu — não se pode ganhar tudo na vida!
Ao menos uma vez, Liz ponderou, o charme de Bridget não estava
funcionando com um homem. Engraçado que... Algo voltou à sua lembrança.
No dia em que chegara a Hauturu, Bridget indagara a respeito dos velhos
amigos e embora tentasse ocultar sua reação, o nome de Rob despertara um
interesse muito maior do que seria esperado com relação a um vizinho
qualquer. Fora uma impressão que a intrigara na época. Entretanto, se
houvera realmente um romance entre eles, tudo havia terminado, ao menos
por parte de Rob. Sua expressão fechada não podia ser entendida de outro
modo. Também não acreditava que Bridget estivesse sofrendo com a atitude
dele. Como poderia, se estava com Jerry, seu preferido entre todos os homens
e que... também a amava? Mais uma vez um nó se formou em sua garganta.
Era só olhar para os dois para saber o que sentiam um pelo outro.
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Bridget, principalmente, agarrada em seu braço, olhava-o como se Jerry fosse
propriedade sua. Olhava-o com um desejo que a enojava. Uma parte dela não
queria admitir que sentia ciúme de Bridget. Ao mesmo tempo não conseguia
evitar que seus olhos se fixassem nela com raiva. A modelo, sempre tão
segura de si, agora parecia excitada e vulgar. Aninhava-se entre os braços de
Jerry, ria como uma leviana e alimentava-o na boca. O coração partido, Liz
virou-se para o outro lado e naquele instante percebeu a expressão desolada
de Rob. Apenas para dizer alguma coisa, murmurou.
— Parecem felizes juntos, não?
— Jerry conseguiu. — Liz reparou na angústia profunda daqueles olhos,
mas preferiu não comentar nada.
Era evidente que Rob amava aquela mulher e que ela sabia. Também
era evidente que ela estava lhe mostrando que não havia chances de uma
ligação entre eles. Não quando ela e Jerry estavam tão apaixonados. Sem
dúvida, uma modelo famosa como Bridget colecionava homens como outras
colecionam roupas e jóias. Apenas para alimentar suas vaidades. Se alguém
se machucasse no processo, certamente não seria Bridget!
Foi com imenso alívio que Liz ouviu a chamada para a próxima corrida.
Tosquiadores, pastores e visitantes imediatamente se levantaram para se
dirigir à longa fila de apostadores.
Assim que Liz pediu licença ao grupo, Jerry a seguiu.
— Boa sorte, Liz. Não esqueça. Estou contando com você!
Naquele instante, contudo, ela não sentiu prazer em lhe receber a
atenção. Qualquer sentimento que Jerry pudese nutrir por ela, relacionava-se
puramente a uma questão comercial. Não que isso fosse novidade, mas... Ela
afastou os pensamentos torturan-tes, e olhou para seu rosto atraente. Não
havia esperança para ela. Não conseguia evitar o amor, o desejo que sentia
por aquele homem. Infeliz, ela nem sequer ouvia os votos de boa-sorte, que
ecoavam ao seu redor.
— Não fique assim! — Jerry murmurou, — Acredite em mim, você não
tem nada com o que se preocupar!
Nada com o que me preocupar! Se ele soubesse!
— Estou bem. — Ela forçou um sorriso.
— Tem certeza? Está tão pálida! — Jerry parecia realmente preocupado.
Mas é claro que estava. Dependia dela o sucesso que seu puro-sangue poderia
conseguir. — Liz... — Ele tocou-lhe o braço, fazendo-a estremecer. O rosto
bonito, o corpo forte, e acima de tudo, a voz grave, calaram fundo em seu
coração. E não significava nada. Nada.
Com um gesto brusco, ela se livrou do toque de sua mão.
—Ouviu perfeitamente o que Bridget acabou de dizer. — A raiva.e a
frustração a cegavam. — Como é possível que eu esteja pálida se tenho a cor
da terra?
— Eu sei o que prefiro — ele sussurrou.
— Não poderia haver nenhuma dúvida a esse respeito, não é? — O
desespero fez Liz retrucar com uma ironia amarga.
Era tarde demais. Fosse ciúme ou não, ela desabafara! Afinal de contas,
que importância tinha isso? Que importância tinha qualquer coisa? Logo ela
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estaria deixando Hauturu para sempre. Logo ela estaria deixando Jerry para
sempre. Se ao menos a perspectiva de não tornar e vê-lo não doesse tanto...
— Não para mim. — Perdida em seus pensamentos, Liz não prestou
muita atenção à última afirmação.
Uma nuvem de lágrimas a impedia de enxergar os cavalos com clareza.
Só depois que Jerry a deixou para buscar a sela de Mate no jipe, ela conseguiu
enxugar os olhos e se acalmar. Ele ajustou a sela sobre a pele de carneiro e
acompanhou Liz pela praia até a linha de partida, onde já se colocavam outros
participantes.
Ao chegarem, Liz reconheceu muitos rostos familiares entre a multidão.
Não havia dúvida de que o grupo de Hauturu torceria por ela. Até mesmo Rob,
apoiado em suas muletas, estava presente entre o grupo alegre e entusiástico.
E quanto a Bridget?
Oh, é claro que seria a primeira da fila. Assim que Jerry se aproximou,
ela correu ao seu encontro e olhou para ele com um ar de posse, que Liz não
podia suportar.
— Precisa chegar em primeiro lugar, Liz — Molly gritou, o rosto redondo
muito vermelho de sol. — Coloquei meu dinheiro em Mate!
— Eu também!
— E eu! — Um coro de vozes masculinas se juntaram ao clamor.
Embora sorrisse para todos, Liz os ouvia de uma grande distância, como
se tudo aquilo estivesse acontecendo com outra pessoa. Apenas a voz baixa
de Jerry alcançava sua consciência.
— Boa sorte, Liz!
Ela não conseguiu corresponder ao sorriso.
— Farei o melhor que puder... para não decepcioná-lo...
— Isso já basta para mim!
Em poucos instantes, um tiro para o alto anunciou a largada. Os cavalos
avançavam. Liz, forçava para a margem do grupo como acontecera com Jerry
pela. manhã, viu-se na beira da água, quase sem poder enxergar à sua frente,
devido às gotículas que se patas levantavam naquela velocidade.
Um rápido olhar por sobre o ombro indicou-lhe que um dos cavalos
estava fora, e que outro jóquei estava enfrentando problemas com sua
montaria. Até ali tudo bem.
Minuto a minuto ela se afastava do grupo maior até que apenas poucos
centímetros a separavam dos dois primeiros concorrentes.
— Vamos, Mate! — A torcida gritava e acenava.
— Dê tudo que puder, Liz!
Corada, a excitação pulsando em suas veias, Liz se deitou sobre a sela e
correu ainda mais.
Já alcançara a primeira posição quando tudo aconteceu. Sentiu que Mate
tropeçava e que ela era projetada no ar. Céu e mar se intercalavam como um
caleidoscópio. Depois foi a escuridão, o nada...
Os cavalos pareciam trovões galopando ao seu lado, evitando seu
pequeno corpo inerte junto às ondas. O ruído era forte, mas ela não sentia
nada.
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Ao voltar a si Liz não reconheceu o ambiente. Era familiar e ao mesmo


tempo... Mas por que estava deitada numa cama e vestindo um colete de seda
rosa? E qual a razão daquela dor enjoada nas têmporas? Será que levara um
golpe na cabeça?
— Liz, minha querida, você acordou! — A emoção e o profundo alívio de
uma voz masculina ecoou em seus ouvidos.
Não era a voz de Jerry, contudo. Não podia ser. Ele não estaria
preocupado com ela, o que quer que houvesse acontecido. Sempre soubera
que ele não sentia interesse, especialmente numa relação homem-mulher, que
era o que ela queria. Só em sonho Jerry lhe falaria assim. Havia carinho, o
jeito de ele lhe falar era o de um homem apaixonado.
Abriu lentamente os olhos. O homem inclinado sobre ela a fitava com
angústia.
Jerry. Se aquilo era um sonho, ela não queria acordar. Não havia mais
ninguém no quarto. Nem Bridget. Apenas Jerry e ela. Não era possível que
fosse real. Não era possível que fosse Jerry, aquele homem com a barba por
fazer, olhos marcados por olheiras profundas e cabelos desgrenhados como se
houvesse passado os dedos por eles milhares de vezes. Era inacreditável que
estivesse fitando-a daquele jeito.
— Minha querida... — Agora ela tinha certeza de que estava sonhando.
Na vida real as coisas não aconteciam assim. Nem Jerry estaria segurando
suas mãos. — Você ficará boa. — Ele passou a lhe beijar a mão. — O médico
preveniu-me de que o problema da queda seria grave se você não recuperasse
a consciência em quarenta e oito horas. Mas você voltou a si. Você conseguiu!
— O brilho úmido nos olhos de Jerry fizeram o sangue pulsar mais rápido em
suas veias. — Oh, Liz, se você soubesse!
— Soubesse? — Ela mal conseguiu falar pois Jerry segurava-lhe o rosto
com ambas as mãos, fitando-a como se fosse imensamente importante para
ele.
— Você não se lembra? — ele indagou, preocupado. — A corrida na
praia...
A corrida! A lembrança voltou vividamente à sua memória.
— Mate? — ela sussurrou, os olhos ansiosos. — Estávamos nos saindo
tão bem e de repente... — o pânico a dominou. — Ele está bem, não é?
— Relaxe, doçura. — Jerry procurou acalmá-la. — Não foi culpa dele se
caiu num buraco oculto pela água. Ele estava novamente em pé depois de um
minuto, mas você... — Subitamente a voz de Jerry estava embargada. —
Graças a Deus que não caiu sob as patas dos cavalos. Todas essas horas...
sem saber... Meu amor, nunca mais me faça sofrer assim.
Pouco a pouco Liz foi recuperando seu autodomínio.
— As chances serão bem poucas depois do que aconteceu. Não consegui
vencer como você tanto esperava. — A imagem de Bridget subitamente a
impulsionou a lhe participar sua decisão. — Vou partir.
— Não! — Havia algo na voz de Jerry que a fez estremecer. Ele se
inclinou para tomá-la nos braços e uma deliciosa tontura a invadiu. — Fique
comigo. Eu te amo tanto.
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— Eu também te amo. E sempre te amei — ela sussurrou e deixou
escapar um profundo suspiro antes de ser beijada como sempre sonhara.
Os lábios de Jerry acariciavam-lhe a boca com uma suavidade que
produzia arrepios por todo o seu corpo. Quando a pressão do beijo aumentou,
o mundo deixou de existir para ela.
Sua voz era como música em seus ouvidos.
— Foi preciso o acidente para eu enxergar o quanto você significa para
mim. Você é a minha vida, Liz. Não posso continuar sem você. Te amei desde
o primeiro instante, mas não queria admitir a verdade. Todas essas horas
esperando que acordasse e ao mesmo tempo temendo que não sentisse o
mesmo por mim. Houve ocasiões em que eu poderia jurar... — Ele tocou
gentilmente o rosto pálido. — E outras que eu me chamava de tolo por ter es-
peranças...
Liz se moveu entre os braços de Jerry, e olhou para ele.
— Pensei que não me suportasse.
— Eu lutava contra meus sentimentos. Culpava-a pelo rompimento com
Brooke. Não queria acreditar em suas palavras.
— O que te fez mudar de idéia?
— Você, meu amor! — Ele a abraçou com mais firmeza e lhe deu um
beijinho no nariz. — Depois que a conheci melhor, reconheci que estava
errado.
— Uma mulher de princípios. É isso que sou?
— Você é minha mulher! A mulher que amo. A garota que significa mais
para mim do que qualquer outra coisa no mundo. Fique comigo, Liz. Diga que
ficará comigo para sempre!
Quando Jerry finalmente a soltou, Liz estava corada e sorridente. Sentia-
se subitamente muito bem. Era como se estivesse renascendo.
— Tudo isso é real? — ela se expressou em voz alta. — Eu tinha tanta
certeza que você e Bridget... especialmente durante as corridas. Por que ela
estava se derretendo por cima de você? — Liz o fitou, intrigada.
— Ficou aborrecida, não é? — Ele riu e beijou-lhe a mão. — A exibição
foi idéia de Bridget para provocar ciúme em Rob, na esperança de que ele
cedesse.
— Cedesse a quê?
— À proposta dela. Prometi que guardaria segredo, mas agora quero lhe
contar tudo. Rob e Bridget se apaixonaram quando estiveram em Londres. Era
um sentimento forte e verdadeiro mas existiam obstáculos. Bridget é uma
modelo de sucesso. Embora o amasse, disse que não desistiria de sua carreira
para se enterrar numa fazenda isolada nos confins da Nova Zelândia.
Desesperado, Rob deixou a Inglaterra às pressas. Mas, no momento que ele
se foi, Bridget começou a refletir sobre sua grande decisão. Escreveu a Rob
que mudara de idéia sobre o futuro, mas ele não respondeu sua carta. As
férias em Hauturu foi uma desculpa para revê-lo e tentar fazê-lo acreditar que
ela realmente pensara melhor e que estava disposta a desistir da carreira para
iniciar uma nova vida junto a ele. No momento em que soube sobre o
acidente, acreditou que fosse o destino. Aquela era sua chance de dar a Rob
uma demonstração prática de que era capaz de se tornar uma boa esposa,
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mesmo em condições primitivas.
— Mas ele...
— Ele não concordou, como você deve ter percebido. Ele não podia ou
não queria acreditar que alguém mudasse de idéia tão facilmente. Sob seu
ponto de vista, o casamento não duraria. E quando se separassem, Bridget
teria dado adeus ao sucesso. Todo o trabalho que teve, lavando, limpando,
cozinhando, não o impressionou. Mesmo quando Bridget lhe disse que em
poucos dias estaria partindo, Rob não voltou atrás. Amava-a tanto ou mais do
que antes, isso não podia negar, mas não pretendia arruinar-lhe a carreira, e
permitir que ela abraçasse um tipo de vida que viria a detestar. E nada do que
ela dissesse o convenceria do contrário. A essa altura Bridget estava
francamente desesperada. As corridas na praia seriam sua última chance.
Liz estava encontrando dificuldade em se concentrar nas explicações, de
alguma forma Bridget deixara de ter importância para ela. Com os braços de
Jerry ao redor de seu corpo, que mais ela poderia desejar?
— Há alguns dias — ele continuou —, Bridget recebeu uma ligação da
Inglaterra que a colocou entre a cruz e a espada. Teria de retornar neste final
de semana, caso não quisesse perder a chance de se tornar uma estrela da
televisão. Com a antecipação das filmagens, ela não tinha mais tempo para
refletir. Despediu-se de Rob no dia anterior às corridas. Foi uma grande
surpresa para ela que o helicóptero o trouxesse. Porém, ele logo deixou bem
claro que não mudaria sua decisão. O fato de ela se atirar sobre mim, foi a
ultima tentativa. Talvez se lhe provocasse ciúme...
— Sinto-me tão fraca! Mas quanto ao ciúme, acho que o truque
funcionou. Comigo e com Rob...
Jerry a beijou mais uma vez. Foi um beijo longo e terno.
— Só consegui abrir os olhos depois que a vi caída junto a Mate. Quando
nos sentimos ameaçados em nossa vida, os preconceitos deixam de ter
importância. Aconteceu com Rob e Bridget, também, embora ela tivesse de
rasgar o contrato sob os olhos dele, antes de se acertarem. Parece que ela vai
se dedicar ao lançamento de moda em lã para a América do Sul, Austrália e
Nova Zelândia, assessorada pelo futuro marido, que é um perito em
contabilidade.
— Fico contente que tudo tenha dado certo...
— Mas acho que já falei demais sobre os amigos. — Os olhos de Jerry
brilharam de emoção. — Temos coisas muito mais importantes a fazer, como
marcar a data de nosso casamento, por exemplo. Case-se comigo, Liz... Diga
que me quer como seu marido!
O beijo ardente e apaixonado a impediu de responder. Mas não havia
dúvida alguma de qual seria a resposta.

FIM

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