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Cenas de um Romance

Sophie Weston

Sabrina 524

Copyright: Sophie Weston


Título original: YESTERDAY’S MIRROR
Publicado originalmente em 1986
pela Mills & Boon Ltda., Londres, Inglaterra
Tradução: Sérgio Guedes dos Santos
Copyright para a Língua Portuguesa: 1988
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.
Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S/A

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

Digitalização:
Revisão: Cris Veiga
A paixão nasceu forte, dominando o coração solitário de Cássia.
A alegria de viver a magia de um novo amor.

Obcecada pelos traumas de um casamento mal sucedido, Cássia hesitou


muito antes de se entregar de novo à paixão. Havia sempre abafado sua
sensualidade, escondendo a mulher que existia dentro dela. A emoção
aflorou no instante em que conheceu Robert. Sensual, amigo, ele lhe
prometia mostrar a doce magia do amor. Mas, antes que esquecesse os
temores e se entregasse toda nos braços desse homem fascinante, seu ex-
marido voltou para disputar com ele, palmo a palmo, a posse de seu
coração atormentado.

2
CAPÍTULO I

Dois Loiros

Numa tarde ensolarada, Cássia Keys descia do avião no aeroporto de


Londres, sentindo-se completamente exausta. Tudo o que queria era um bom
descanso, mas aguardava algo bem diferente — um jantar com pessoas que
mal conhecia e com as quais não tinha a menor vontade de passar o seu
tempo.
Logo que saiu do prédio avistou Lesley Button, sua secretária
particular, que a esperava de carro, para levá-la ao apartamento que seu pai,
Jerome Keys, mantinha na cidade.
— Cássia! Como foi a viagem? Tudo bem? E então, como é ele? —
perguntou Lesley, curiosa, assim que entraram no carro. Referia-se a um dos
convidados daquela noite, lorde Robert Dearham, conhecido playboy
internacional e causador dessa viagem repentina. Acabara de vê-lo em Nova
York e, por questões de negócios, deveriam encontrar-se logo mais, no outro
continente, para jantar.
Cássia não respondeu de imediato. Se a amiga soubesse que só estava
ali por ordem expressa do pai, não ficaria tão eufórica.
Esperou que o chofer se ajeitasse no banco e pusesse o veículo em
andamento. Depois disso, ergueu o vidro à prova de som que as separava do
motorista, esticou as pernas para relaxar e, só então, falou:
— A viagem de avião me provocou cãimbras e dor nas pernas. Estou
louca por uma cama!
— Não mude de assunto. Como é ele? — insistiu a secretária, fazendo
um gesto de impaciência. — Não vai me contar?
Cássia olhou para ela com ar fatigado. Não parecia nada animada.
Lesley tinha mais ou menos a sua idade, mas, ao contrário dela, havia
preservado todo o entusiasmo de uma colegial. Apesar da diferença de
temperamentos, eram boas companheiras.
— Conto tudo o que quiser saber, mas, por favor, não há motivo para
ficar assim tão eufórica — advertiu Cássia com um sorriso.
— Seu problema é que não dá valor à sorte que tem — disse Lesley
jovialmente. — Poder viajar pelo mundo, hospedar-se nos melhores hotéis,
ser cortejada por ricos financistas, jantar com os solteirões mais atraentes do
planeta e não estar contente!
— E verdade! E é um tipo desses que encontrarei hoje à noite. O que vai
acontecer? Quem sabe quais as emoções que o amanhã me trará? —
perguntou ironizando. Depois, olhou demoradamente para Lesley e indagou:
— Quer trocar de lugar comigo?
— Bem… eu talvez gostasse — respondeu Lesley, pensativa. — Poderia
sair para jantar com Robert Dearham qualquer dia da semana.
— Não, não seria apenas isso. Ou você aceita todas as obrigações, ou
nada feito.
— Então, sendo assim… nada feito. Tenho minha própria vida para
cuidar.
— Realmente — concordou Cássia. — Por falar nisso, como vai seu
namorado?
— Foi promovido — respondeu Lesley com ar de satisfação. — E
finalmente falou em casamento!
— Oh… bem, meus parabéns — cumprimentou, sem entusiasmo,
procurando disfarçar sua surpresa.
Havia dois anos que Lesley saía com um executivo ambicioso, que
ficava mais tempo ausente do que com a namorada. Os compromissos dele
eram sempre imprevisíveis, fazendo com que Lesley tivesse sucessivos
encontros desmarcados e noites vazias. Cássia torcia para que a amiga se
livrasse daquela paixão, como ela própria havia feito com a sua, embora já
bastante tarde, alguns anos atrás.
— O casamento não é ruim, Cássia. Muitas pessoas se dão bem com ele.
Cássia deu de ombros.
— Claro. Apenas eu não sou a pessoa indicada para defendê-lo —
retrucou, agitando levemente a cabeça, tentando esquecer lembranças más. —
Não dê muita atenção ao que digo, Lesley. As viagens freqüentes de avião
acabam com o meu humor.
— Mesmo tendo um jantar marcado com Robert Dearham? Qualquer
mulher em Londres daria tudo para estar em seu lugar.
— Pois seriam muito bem-vindas — respondeu Cássia. — A única coisa
que desejo no momento é tomar um banho e deitar-me para ler um bom livro.
Ah, se eu pudesse!
— Assim também é demais! — exclamou Lesley. — Que desânimo!
Mas, me conte! Ele é mesmo tão bonito quanto nas fotografias? Dizem que é
terrivelmente charmoso. Sentiu-se um pouco atraída?
— Não há muito para contar, Lesley. Bonito ele é. Charmoso talvez. E,
para terminar, não me senti nem um pouco atraída. Esta satisfeita?
— E mesmo assim tomou um avião mais cedo em Nova York para
chegar a tempo de jantar com ele — observou Lesley.
Cássia baixou os olhos.
— Negócios, apenas negócios. — Depois ergueu novamente o olhar
para Lesley, com uma expressão delicada. — Papai combinou tudo ontem,
sem me consultar — acrescentou.
— Não acredito! — exclamou Lesley, indignada. Cássia achou graça.
— Está supresa com isso?
— Claro! — admitiu Lesley. — Seu pai, apesar de todo o poder que tem,
não pode se dar ao luxo de marcar um jantar com lorde Dearham e depois
mandá-la em seu lugar.
Lesley já havia trabalhado por algum tempo com Jerome Jeys, conhecia
seu temperamento exaltado e imprevisível. Mas a atitude dele agora a
incomodava.
— Certo — concordou Cássia. — Só que eles tiveram uma reunião em
Nova York e, quando papai percebeu que lorde Dearham não se curvava à
sua vontade, perdeu o controle e foi bastante grosseiro. Como sempre, coube
a mim a tarefa de reverter o impasse criado. Por isso estou aqui.
— Oh, que pena! — lamentou-se Lesley, realmente aborrecida. —
Quando recebi seu telex, pedindo que organizasse um jantar para hoje, pensei
que o inglês tivesse despertado o seu interesse.
— É mesmo? Mas você sabe que nunca faço reuniões particulares no
apartamento de Londres. Ele pertence à companhia e só é usado para fins
comerciais. Mesmo se, numa improvável eventualidade, me apaixonasse por
algum homem, nunca o levaria para lá.
— Se ocorresse essa hipótese pouco provável — retrucou Leslie — você
o conduziria até o primeiro quarto que encontrasse e fecharia a porta para o
resto do mundo, não é verdade? Sem se importar se era da empresa ou não.
— Talvez. Mas neste caso, a reunião é estritamente de negócios. Lorde
Dearham precisou voltar para Londres. Papai resolveu, então, que eu viria
também e o receberia hoje à noite, para jantar no apartamento em Park
Square. Se para você isso soa como o início de um grande romance, então é
muito mais romântica do que eu supunha.
— Devo admitir que não soa mesmo — resmungou a secretária
decepcionada.
Cássia deu uma risadinha.
— Não fique desapontada. Seria muito pior se fosse mesmo o início de
um grande romance.
— Oh, por quê?
— Você conhece muito bem a reputação dele. Mulheres, champanhe,
diamantes e muitas histórias nos jornais. Quando resolve ir para a Amazônia
ou o pólo norte, deixa para elas apenas as histórias nos jornais e os braceletes
de diamantes. Você não gostaria que isso acontecesse comigo, não é? Ser
abandonada com uma ressaca de champanhe e com o coração partido…
Seu tom de voz era leve e bem-humorado, mas Lesley, que a conhecia
muito bem, notou por detrás dele uma pontinha de tristeza.
— Você não teria o coração partido — retrucou Lesley. — Não é igual a
essas mulheres superficiais com as quais ele costuma se encontrar.
Cássia virou-se para a janela, a fim de evitar o olhar indagador da outra.
— Você acha? Pois eu penso que nenhuma de nós é diferente quando
um homem nos rejeita. Acabamos agindo sempre como tolas. Todas nós.
Acredite-me, homens do tipo de Robert Dearham devem ser mantidos a
distância.
— Como pode falar assim? — protestou Lesley. — Você mal o conhece!
Que eu saiba apenas o encontrou em algumas reuniões de negócios, e isso
não é o suficiente para emitir um julgamento tão severo a respeito dele.
— Talvez já o conheça o bastante para querer me proteger!
— Acha que precisa proteger-se contra Robert Dearham? — perguntou
Lesley, curiosa.
— Toda mulher precisa proteger-se de homens como Robert. Eles
podem causar muitos danos.
Cássia lembrou-se da primeira vez em que o vira, numa reunião de
negócios em Nova York. Era um homem muito alto, com vistosos cabelos
loiros. Tinha a pele bronzeada e parecia muito mais vigoroso e forte do que
todos os outros presentes na sala.
Quando seus olhares se encontraram, Cássia sentira um
estremecimento. Não que Robert tivesse demonstrado algum interesse por
ela, pois, apesar de toda a cortesia, ele mantinha uma expressão de total
indiferença.
Na ocasião, interpretara aquele estremecimento como uma advertência
ou, talvez, uma premonição. Daí em diante tivera dificuldades para
concentrar-se nos debates, pois, toda vez que levantava os olhos, o via,
perturbador.
Ficou desapontada consigo mesma. Há muito tempo vinha
conseguindo manter a respeitável distância de todos os homens que
tentavam se aproximar, não se impressionando nem um pouco com eles. E,
de repente, tinha essa sensação imprevista, uma atração irresistível! O que
estaria acontecendo com ela?!
— Então quer dizer que se sente ameaçada? — insistiu Lesley, depois
de um instante. Queria muito ver a amiga interessada por alguém e não
compreendia que a frieza dela era uma forma de defesa para se proteger das
decepções com o sexo masculino.
— Não, não é bem isso — respondeu Cássia. — Mas de algum modo ele
me deixa inquieta. É um playboy bonito, elegante, seguro de si, parece que
nada o perturba.
— Por que você diz isso?
— Não sei bem… ele é muito… — Cássia hesitou um pouco —
determinado.
— Determinado? Como assim?
— Sabe o que quer e não se curva a nenhuma pressão. É o meu oposto.
Talvez seja por isso que me sinto amedrontada diante dele.
— Amedrontada? — repetiu Lesley sem entender. — Mas por quê? Ele
tomou liberdades com você ou fez alguma proposta?
Cássia sorriu com desdém.
— Estávamos trancados numa sala abafada e enfumaçada, rodeados de
advogados carrancudos e tratando de negócios. Nem mesmo lorde Dearham,
com todo seu charme, teria sucesso em tal atmosfera. Fique tranqüila! É algo
mais profundo do que isso. — Fez uma pausa, franzindo as sobrancelhas, e
depois continuou abruptamente: — Ele não se impressionou de modo
nenhum com papai. Nem pelo dinheiro, nem pelo poder que lhe era
oferecido. Nem mesmo se aborreceu quando papai começou a gritar.
Lesley ficou surpresa, pois conhecia de sobra o efeito que o mau humor
de Jerome Keys provocava.
— Ele não se exaltou, como faz a maioria das pessoas — prosseguiu
Cássia. — Permaneceu como estava, com ar atento e entediado, calado
enquanto papai berrava. Esperou que a explosão terminasse e disse apenas…
“não”. Nada mais. Não demonstrava nenhum sinal de dúvida. E tenho
certeza de que não estava representando. Foi à reunião, analisou todos os
aspectos da proposta que lhe faziam e lá mesmo tomou sua decisão. Suponho
que seja isso o que me amedronta, a frieza de sentimentos.
Lesley ouvia tudo com atenção. Já havia lido nos jornais relatos sobre
incontáveis façanhas de lorde Dearham e tinha a impressão de que ele seria
um companheiro charmoso e alegre, exatamente do tipo capaz de mudar a
rotina de Cássia, de desviá-la da obsessão pelo trabalho. Gostaria muito de
ajudá-la a esquecer o passado e reconstruir sua vida amorosa. Mas como?
Tudo o que a amiga conseguia manter era um pequeno círculo de amizades.
Murmurava-se que o pai estava por trás disso, pois queria vê-la dedicada ao
trabalho, aumentando assim a conta bancária, já bastante generosa.
Lesley não ia nessa conversa. Sabia que Cássia precisava redescobrir o
prazer de viver. Afinal, ainda não tinha trinta anos e portava-se como uma
mulher desencantada da vida. Em sua opinião, um homem experiente como
Robert poderia quebrar aquele gelo.
Lesley suspirou profundamente desiludida, reconhecendo que seu
plano estava difícil de se concretizar. Sabia muito bem que a amiga não
aceitaria facilmente outro homem em sua vida.
— Bem, chegamos — disse Cássia, interrompendo os pensamentos de
Lesley. — Tenho tempo apenas para um banho rápido. Você se importa de
organizar as pastas para mim? Depois sirva-se de um drinque e vá até meu
quarto. Enquanto me visto pode ir me contando sobre os outros convidados e
sobre o cardápio, está certo?
Lesley sorriu. Já estava habituada com a agitação de sua chefe, cuja
agenda vivia sempre lotada de compromissos.
Cássia agradeceu ao motorista, desceu do carro e dirigiu-se ao pórtico
de entrada do edifício. Enquanto isso, a secretária aguardou o chofer
descarregar o porta malas e pediu-lhe que levasse algumas pastas até o
Edifício Keys, onde poderia deixar o automóvel. Ele pareceu surpreso.
— Então não preciso voltar hoje?
— Não — respondeu Lesley. — Está dispensado assim que entregar
estas pastas. Vamos jantar aqui esta noite.
— O quê, você também? — perguntou ele, incrédulo.
Lesley respondeu-lhe com apenas um sorriso. Funcionários novos no
emprego como ele, sempre se surpreendiam com a amizade que havia entre
as duas moças.
Pensativa, Lesley dirigiu-se ao luxuoso edifício. Alguma coisa muito
desagradável acontecera no passado de Cássia que a impedia de manter
relações mais estreitas com quem quer que fosse. Lesley dizia brincando que
Cássia se trancara no alto de uma torre e jogara a chave fora. Ela apenas dava
risada e reafirmava que gostava de viver assim.
Era uma frustração para Lesley constatar seus insucessos, pois sabia
que ninguém mais se interessava pela amiga.
O que teria acontecido para que Cássia carregasse tanta frieza no
coração e aquela expressão infeliz no olhar? Desilusão com seu pai? Na maior
parte do tempo ele era de um egoísmo monstruoso, mas era também, a seu
modo, apaixonado pela filha. Teria sido alguma insensatez juvenil a causa?
Um amor antigo do qual nunca se esquecera?
“Se ao menos ela se abrisse com alguém, seria bem mais fácil”, pensava
Lesley.

Naquele mesmo instante, mergulhada num relaxante banho quente,


tudo o que Cássia procurava era aliviar a tensão que tomara conta dela. Mas
a lembrança de Robert Dearham não a deixava descontrair-se totalmente.
Amaldiçoava-o por vários motivos. Por não ter lhe vendido a empresa, que
ele reconhecidamente não queria; por não ter recusado o jantar daquela noite;
por olhá-la como se ela fizesse parte do mobiliário; e principalmente, por ele
tê-la deixado naquele estado de ansiedade que se encontrava.
Era mesmo verdade o que dissera a Lesley: em certas circunstâncias
sentia medo de Robert Dearham. Agitou a cabeça, furiosa consigo mesma, e
mergulhou mais ainda na banheira.
“Relaxe”, aconselhou a si mesma. Fechou os olhos e respirou lenta e
profundamente para descontrair-se. Ouviu Lesley abrir a porta do quarto e
chamar por ela.
— Ainda estou no banho — gritou.
— Está bem. Vou preparar-lhe um chá. Você tem meia hora para se
arrumar.
Quando Lesley voltou ao quarto, encontrou Cássia ainda de roupão,
jogando os cabides de roupas sobre a cama, com uma expressão insatisfeita.
Acostumada à impaciência da amiga para escolher o que vestir, sorriu, pôs a
bandeja de lado e foi ajudá-la. Lançou um olhar experiente ao guarda-roupa
que conhecia como se fosse o seu próprio. Retirou do armário um vestido
verde de mangas bem curtas e gola alta.
— Este — disse, mostrando-o a Cássia e pegando também um sapato
verde de couro.
— Você vai ficar fantástica com ele.
— Fantástica? Que exagero! — retrucou Cássia, não muito animada. —
Acho que ele me faz mais um personagem de ficção científica. — Tirou o
roupão e vestiu-o. Calçou os sapatos e mirou-se no espelho. — Estou bem.
Você tem razão. Sempre tem. Quem mais virá esta noite?
— Os Forest. Selina cancelou o que tinham para fazer hoje, pois Michael
queria vê-la de qualquer maneira. Também virão os Quinn — informou,
insatisfeita. — Jéssica está inconsolável. Tem quase certeza de que Sefton
arranjou outra mulher. Não sei qual será o clima do jantar…
Cássia deu de ombros e sentou-se à penteadeira para prender os
cabelos.
— Você não poderia fazer nada. Teve de marcar esta reunião em vinte e
quatro horas, portanto tinha mesmo de convidar os primeiros que estivessem
disponíveis. Bem, até que gosto de Jéssica. Mas Sefton adora afogar as
mágoas com as bebidas alheias. Espero que esteja menos beberrão hoje. Há
mais convidados?
— O assistente de lorde Dearham — informou Lesley, consultando a
lista. — Seu nome é Geoffrey Singer.
— Muito bem! Você é mesmo uma ótima secretária — elogiou Cássia,
acabando de pentear-se.
— Faço o melhor que posso — respondeu Lesley, satisfeita. — Gostaria
de ver o cardápio?
— Não, tenho certeza de que está perfeito. Apenas peça a Lucien para
não servir nada em grande quantidade para mim. Meu estômago ainda não
está muito bom.
— Certo. E quanto aos vinhos, alguma preferência ou alguma coisa
mais?
Como Cássia não respondesse, Lesley sugeriu champanhe.
— Sim, talvez para uma comemoração, caso lorde Dearham volte atrás,
o que acho impossível. Parece que prefere doar sua companhia a um gato de
estimação a vendê-la a papai. Portanto, nada de champanhe.
— Se ele está mesmo tão decidido a não fechar o negócio, por que
aceitou o convite para jantar?
— Gostaria de saber — murmurou ela, absorta, saindo do quarto. —
Gostaria muito!
Cerca de dez minutos mais tarde, quando foi receber lorde Dearham,
Cássia não se sentia nem um pouco à vontade. Estava ligeiramente surpresa
por ter sido ele o primeiro a chegar. Ele trajava um terno de corte perfeito,
elegante e discreto.
— Lorde Dearham, madame — anunciou Lucien formalmente.
— É bom vê-lo outra vez — disse, Cássia, percebendo que suas mãos
tremiam.
Seus olhares se encontraram e ela teve a desagradável sensação de que
Robert sabia que ela estava tensa.
— É mesmo? Quer dizer então que não falaremos de negócios? —
perguntou ele, irônico.
Cássia desconcertou-se diante daquele ataque direto.
— Você não é o meu único convidado, lorde Dearham, e normalmente
não falo de negócios à mesa de jantar.
Ele pareceu divertir-se com o embaraço dela.
— Realmente? E seu pai sabe disso? Pensei que estaria pronta para
discutir negócios em qualquer lugar, até mesmo na cama.
Cássia quase perdeu o fôlego ante a insinuação. Foi como se tivesse
recebido uma ducha gelada. Teve de esforçar-se muito para controlar a
vergonha que começava a sentir. “Ele sabe”, pensava, em pânico. “Ele sabe.”
Havia um ponto que omitira na conversa com Lesley, e que Robert parecia ter
descoberto: sua atração por ele. Num gesto instintivo para esconder a
emoção, Cássia virou o rosto. Subitamente percebia-se impotente e
vulnerável. Conseguiu controlar-se e voltou a olhar para ele.
— Posso assegurar que não tenho intenções de discutir negócios esta
noite, em lugar nenhum — afirmou ela com frieza.
Olhava diretamente nos olhos dele, notando que eram dotados de
longos cílios e que tinham uma expressão indecifrável. Além disso não eram
verdes, como havia pensado: possuíam uma coloração diferente, um tom
entre o jade e o azul.
— Sendo assim, aguardo o desenrolar da noite com bastante
entusiasmo — observou ele, com um sorriso encantador.
— Espero que se divirta — retrucou Cássia, indo receber novos
convidados que chegavam.
Eram os Quinn e os Forest juntos. Cumprimentou-os sem grandes
efusões e preparou-lhes às bebidas. Mas, durante todo o tempo, só pensava
numa coisa: como Robert poderia saber? Teria adivinhado? Com certeza não
ouvira o que lhe dissera seu pai, pois àquela altura já devia se encontrar fora
do edifício.
Fechou os olhos por um instante e recordou a conversa humilhante que
tivera com o pai, diante de seus colegas. Jerome estava furioso. Poucas
pessoas tinham coragem de enfrentá-lo, e aquele aristocrata decadente, cujo
modo de vida desprezava, tivera.
— Você não faz nada certo — Jerome esbravejara com a filha. — Não
para o que lhe pago. Não tem iniciativa, não tem charme.
Diante daquela explosão de ira, Cássia não respondia, apenas recolhia
os papéis que esparramara na mesa.
— Se você quisesse, teria facilmente esse homem em suas mãos —
Jerome continuava a gritar, fora de si. — Todos sabem que ele é mulherengo.
Você poderia tê-lo conquistado, em vez de ficar aí sentada.
Os assistentes de Jerome já estavam habituados àquela grosseria, mas o
que ele dizia era tão injusto que todos ficaram indignados.
Jerome não prestava atenção a nada e continuava:
— Que mulher é você? Incapaz de segurar um homem! — Cássia
permanecia em silêncio, com expressão resignada, enquanto os assistentes
retiravam-se o mais depressa possível.
— Você poderia ter ajudado. Mas não! Não mexeu um dedo. Bem, ouça,
minha querida: estou farto de mantê-la com todo o luxo, sem que você o
mereça. Quero aquela empresa e você vai consegui-la para mim. Ou então,
estará despedida!
Não era a primeira vez que seu pai ameaçava demiti-la, e ela sempre
ignorara tais ameaças. Mas daquela vez ele a havia arrasado! Cássia esqueceu
que ele estava envelhecendo, que era solitário e doente. Esqueceu que ela era
tudo o que o pai possuía no mundo. Que no dia seguinte ele viria
pateticamente pedir-lhe desculpas. Ferida no mais íntimo de seu ser, ergueu a
cabeça e perguntou friamente: .
— E como sugere que eu consiga a firma para você?
— Você é uma mulher, não é? Porte-se como tal, pelo menos uma vez.
Faça o melhor que puder e deixe de lado a frieza, seja feminina. Leve-o para a
cama; sei lá!
Foi um choque terrível. Cássia ficou quieta, paralisada, com aquelas
palavras ultrajantes ressoando em seus ouvidos.
CAPÍTULO II

Mergulhada em pensamentos, Cássia não percebeu que Robert se


aproximava até ouvir-lhe a voz.
— Tudo bem com você? — perguntou ele.
— Sim, sim, tudo bem — ela respondeu, procurando disfarçar a
emoção.
— Não parece. Você estava há um tempão parada aqui, com o olhar tão
preocupado que resolvi despertá-la. Esqueceu os seus convidados? Deixe-me
servir-lhe uma bebida.
Cássia pegou o copo que deixara sobre um móvel e mostrou-o a ela.
— Já estou servida, lorde Dearham. Obrigada! Daqui a instantes o jantar
estará na mesa.
— Água mineral não é bebida! A não ser que esteja tentando manter as
idéias claras, srta. Keys — observou ele ironicamente.
— Estou tentando manter o estômago em ordem — replicou ela. —
Passei grande parte do dia viajando, e isso mexeu um pouco comigo.
— Quer dizer que voltou apenas hoje? Pensei que houvesse tomado o
avião ontem, como eu.
— Não. Eu, na verdade, deveria ter ficado em Nova York até a próxima
semana.
— Entendo… mas, como seu pai fez o convite para o jantar, você teve
de vir correndo preparar o cenário, não é?
— Exatamente — concordou Cássia.
— Bem, espero que valha a pena o sacrifício — falou Robert, com um ar
malicioso.
Cássia fingiu que não entendeu e tomou um gole da água. Observava-o
disfarçadamente, sem poder mais negar que o achava sedutor. Ombros
largos, rosto de traços másculos e sobrancelhas bem delineadas. Tinha uma
aparência serena, reservada e distante. Não parecia ser o playboy que Jerome
costumava critiCar nem um bon vivant, como era rotulado pela imprensa. Até
agora, o que conhecia dele não combinava com o que sugeria sua reputação.
— Não gosta mesmo de mim, não é, srta. Keys? — perguntou, ele
também observando-a e parecendo divertir-se.
— Não tenho de gostar, nem de desgostar, lorde Dearham. E meu nome
é Harley, sra. Harley — respondeu Cássia, usando seu nome de casada.
— Interessante, não vejo nenhuma aliança em seu dedo — observou
Robert, olhando para a mão dela.
— Isso significa apenas que não dou importância para aliança ou anéis
— replicou ela, mostrando as mãos nuas.
— Não deveria passar por mulher livre quando não o é, sabia?
— Estou certa de que não está interessado em minha vida particular,
lorde Dearham — retrucou ela, com rispidez. — Por que não se preocupa
com as muitas mulheres que desejam seduzi-lo?
— Quer dizer que você não deseja o mesmo? — perguntou ele,
incrédulo, olhando diretamente nos olhos de Cássia.
Ela sentiu o sangue subir-lhe às faces mas manteve a cabeça erguida.
Ficou furiosa consigo mesma por ter corado diante dele. Para seu alívio,
naquele instante foram interrompidos por Lucien, avisando que o jantar
estava servido.
A mesa fora posta com muito gosto. A toalha antiga e bonita havia sido
bordada pela avó de Cássia, polonesa como Jerome. As pratas e os cristais
brilhavam. Num dos cantos havia um arranjo de crisântemos brancos e
amarelos e, ao centro, castiçais.
Os estofados eram modernos, branco com detalhes prateados.
Cássia não gostava muito daquele apartamento. Possuía um quarto lá,
onde guardava a maioria de seus vestidos de noite, mas raramente dormia ali
e o usava para os compromissos de negócios.
— Obrigada, Lucien. Está tudo maravilhoso — falou em voz baixa ao
mordomo. — Espero que não tenha sido muito trabalhoso para você e
Marthe.
— Foi um prazer. Gostamos de desafios — disse ele, sorrindo. — E
também quase não a vemos, srta. Cássia. Se quiser, podemos ficar até mais
tarde para arrumar tudo.
— Não é preciso. Já abusei bastante de seu trabalho. Liguem o lava-
louças após o segundo prato e podem ir depois de servida a sobremesa.
— Muito bem, madame — disse ele, curvando-se ligeiramente.
A refeição estava soberba, embora Cássia quase não tivesse tocado na
comida. Primeiro por não estar com fome, e segundo pela presença de Robert
do seu lado direito. À sua esquerda, Sefton Quinn bebia sem parar. Foi ele
quem puxou o assunto de divórcio.
— É uma coisa maravilhosa, o divórcio — disse, com o copo na mão. —
A melhor invenção do século vinte.
Sentada ao lado de Geoff Singer, Jéssica mordia os lábios, aborrecida, e
Cássia resolveu interferir.
— Acho que não é uma invenção deste século, Sefton. Foi instituído por
um imperador romano.
— Bem, de qualquer maneira é o melhor avanço no campo da
comunicação, ao lado do telefone — respondeu ele, enchendo novamente seu
copo.
— Comunicação? — observou Robert. — Com certeza é o inverso.
— Se pensa assim, você deve ser solteiro, não é?
Robert Dearham mediu-o com um longo olhar antes de responder;
— Sou, mas, quanto a divórcios, julgo-me um expert, com uma
experiência de três gerações.
— Como assim? — perguntou Sefton, intrigado.
— Meu pai, meu avô e meu bisavô — respondeu calmamente,
provocando um riso geral. — E nos tempos de meu bisavô os preconceitos
eram muito grandes. O divórcio era considerado ofensivo à moral, à honra!
Jéssica foi a que mais riu com o comentário brincalhão de lorde
Dearham. Será que Sefton tentava persuadi-la a se divorciar para poder viver
com seu novo amor? Cássia entendeu como era dolorosa aquela situação para
a amiga e tentou manter o assunto distante dos problemas particulares dos
Quinn, mas não conseguiu.
— Bem, você deve ser do tipo que não aposta muito no casamento —
comentou Sefton, dirigindo-se a Robert. — Acho difícil que alguma mulher
consiga levar-me até o altar.
— Você está certo. O melhor mesmo é não casar-se, não concorda
Cássia?
Ela não sabia como responder. Tomou um gole de vinho para ganhar
tempo, amaldiçoando Sefton por se meter em seus assuntos pessoais.
— Não sou a pessoa mais indicada para dar uma opinião — disse,
querendo encerrar a conversa.
— Se você não é, quem seria então? — interrompeu Sefton, de modo
desastrado. — Eu ainda continuo casado; lord Dearham é solteiro; você foi
casada e é divorciada. Isso a qualifica para falar mais do que a qualquer um
de nós.
Cássia sentiu o ódio crescer em seu interior; no entanto, percebendo a
expressão humilhada de Jéssica, reprimiu a resposta atravessada que estava
prestes a dar.
— Quando me casei, estava imensamente feliz e acreditava que o
casamento era a melhor instituição do mundo. Quando me divorciei, apesar
de querer a separação, não me senti nem um pouco feliz. Por mais necessário
que seja, o divórcio provoca um desgaste emocional muito grande. Isso
responde a sua pergunta?
Como não era o que ele queria ouvir, Sefton ficou olhando para Cássia e
Jéssica respirou aliviada. Para melhorar o clima, Lesley anunciou:
— O café está pronto. Lucien já deixou a bandeja arrumada na sala de
estar.
Todos se levantaram da mesa e Jéssica informou que ela e o marido
estavam de saída. Cássia acompanhou-a ao quarto para buscar seu casaco,
sem fazer objeção.
— Sinto muito pelo que aconteceu esta noite, Cássia — disse a moça. —
As coisas não andam nada bem, no momento, lá em casa.
— Esqueça isso. Todos temos problemas de vez em quando.
— É verdade. — Depois de uma pausa, Jéssica perguntou: — Você
ainda o vê?
— Refere-se ao meu ex-marido? Sim, de vez em quando. Ele continua
trabalhando para papai nos Estados Unidos.
— Isso a magoa muito? Quero dizer, é capaz de perdoá-lo? — Cássia
sentia-se pouco à vontade para responder aquela pergunta, que não fazia
nem a si mesma. Mas, não querendo ser rude, respondeu:
— Não o vejo freqüentemente, e já nos separamos há muito tempo.
— Há quanto tempo?
— Seis anos.
— Então não deu para sofrer muito — comentou Jéssica.
“O suficiente para querer distância dos homens”, foi o que teve
vontade de responder. Entretanto respondeu apenas:
— Não, não muito.
— Sefton e eu estamos casados há dezessete anos. Isso faz uma grande
diferença.
Cássia não concordava, pois pensava que uma separação sempre
poderia ser dolorosa, independente do tempo de casamento. Mas não estava
disposta a discutir o assunto naquele momento.
— Claro que faz — concordou, querendo afastar as más recordações e
encerrar a conversa. Mas a outra não entendeu sua intenção.
— Você é uma boa moça, Cássia. Espero que as coisas tenham saído
bem para você.
— Sobrevivi — disse ela com um sorriso.
— A carreira que escolheu deve ter ajudado, pois toma bastante de seu
tempo e energia. Sefton diz que você tem sido muito bem-sucedida. — Jéssica
ficou melancólica.
— Depende do que você chama de bem-sucedida. Vou desempenhando
bem o meu trabalho e gosto dele, mas às vezes me perguntou se não escolhi a
opção mais fácil.
— Opção mais fácil? — repetiu Jéssica, vestindo o casaco. — Eu não
seria capaz de fazê-lo.
— Seria, sim, se tivesse sido preparada para ele. Meu futuro foi traçado
desde quando eu estava no ginásio — disse Cássia, num tom meio amargo.
— Não era o que você queria? Preferia ter feito outra coisa? — Cássia
achou que já era hora de parar com as confidencias.
— Quem sabe? Acho que todos nos sentimos insatisfeitos de vez em
quando. Quando pensamos nas coisas que deveríamos ter feito e que não
fizemos, ficamos descontentes.
— Ah, mas você deve ter feito quase tudo o que gostaria de fazer. E eu
não: sempre coloquei meu marido e meus filhos em primeiro lugar e nunca
arrumei tempo para mim — lamentou-se Jéssica, pondo as luvas e dirigindo-
se para a porta. Ao sair do quarto, parou por um minuto, hesitante, depois
pediu: — Sei que deve estar terrivelmente ocupada, mas não poderíamos
tomar um chá qualquer hora? Às vezes sinto que todas as pessoas com quem
converso estão do lado de Sefton.
Cássia simpatizava com a situação angustiante de Jéssica, mas não
queria se envolver nos problemas do casal, e muito menos desejava que sua
vida particular fosse abordada. Por outro lado não era o momento de recusar
um pedido tão angustiado.
— Claro que aceito. Que tal na próxima semana? Não terei tempo para
um chá durante o dia, mas podemos tomar algo numa noite qualquer.
— Oh! Obrigada, vai ser muito bom.
— Primeiro preciso checar meus compromissos, e depois telefono para
você.
Sorriram uma para a outra e voltaram para a sala. O casal Quinn não
saiu sozinho. Os Forest também se despediram. Michael disse a Cássia que
precisava vê-la na manhã seguinte.
— Vou anotar em sua agenda — disse Lesley, brincando. — Assim não
terá como evitá-lo.
Geoff Singer trocou um rápido olhar com lorde Dearham e também se
levantou.
— Vejo que é você quem cuida da agenda da sra. Harley, Lesley. É um
trabalho de bastante responsabilidade! Talvez também esteja cansada e
queira dormir cedo. Posso lhe oferecer uma carona para algum lugar?
Apanhada de surpresa, Lesley não sabia o que responder. Olhou
confusa para Cássia. Estava mesmo cansada, mas de modo nenhum deixaria
a amiga sozinha com Robert sem que ela quisesse. Cássia sempre evitava
terminar a noite com um homem solteiro que tivesse algum interesse nela.
Mas naquele momento Lesley teve uma ligeira suspeita de que sua chefe não
se encontrava totalmente imune ao charme de lorde Dearham.
— Precisa de alguma ajuda, Cássia? — perguntou, após hesitar um
instante. — Teria muito prazer em ajudá-la a arrumar as coisas.
Robert amavelmente interveio:
— Não poderia permitir isso, srta. Button. Não após você já nos ter
presenteado com esta noite tão encantadora. Deixe que Geoff a leve para casa,
e eu ajudo a sra. Harley.
— Ambos são muito gentis, mas não é preciso, obrigada. Não pretendo
arrumar nada agora. Lucien e Martha farão tudo amanhã.
Lesley percebeu então que Cássia não desejava ficar mais tempo com
Robert. Olhou para a amiga, sem saber direito o que fazer.
— Onde está meu casaco? — perguntou Geoff, de modo decisivo e ao
mesmo tempo cavalheiresco.
— No armário de Cássia.
— Vou buscá-lo — ofereceu Cássia. — Lorde Dearham tem razão,
Lesley. Você já fez muito por hoje.
Lesley seguiu-a até o quarto.
— Tem certeza do que está fazendo? — perguntou em voz baixa. Cássia
lançou um olhar irônico por cima do ombro enquanto pegava o casaco.
— Acha que não consigo me livrar dele? Também notei a manobra dos
dois. Já devia ter tudo combinado de antemão.
— Cássia, se quiser posso ficar sem problema nenhum. — Cássia sorriu,
mostrando suas graciosas covinhas.
— Agradeço, mas não é necessário. Ele deve querer falar de negócios.
Vou encurtar o assunto e me despedir depressa.
— E se não forem apenas negócios?
— Embora não pareça, não acho provável que Robert tente alguma
coisa comigo. Ele já deve ter notado que estou exausta já que passei o dia
viajando.
— Não negue que ele é também bastante atraente e charmoso.
— Sim, mas estou bastante cansada — retrucou Cássia com firmeza. —
Ele vai apenas sondar um pouco a meu respeito.
A contragosto Lesley, acabou por deixar-se convencer. Notou o olhar de
satisfação entre Geoff e Robert, enquanto se dirigia ao elevador e por pouco
não mudou de idéia e resolveu ficar. Foi com considerável apreensão que viu
Robert segurar Cássia pelo braço e conduzi-la para dentro. Antes que a porta
do elevador se fechasse, reparou que as luzes da sala foram diminuídas.
Cássia surpreendeu-se com a atitude arrogante de Robert.
— Economizando eletricidade? — perguntou, aparentando uma calma
que estava longe de possuir.
— Bem, podemos dizer que sim.
Esperava que a qualquer momento ele tentasse aproximar-se. Mas não,
Robert não se movia.
Desconcertada, Cássia engoliu em seco. Não tinha por que temer
Robert, mas havia algo no ar que a perturbava e a penumbra da sala
começava a deixá-la alarmada.
— Posso oferecer-lhe um último drinque? — perguntou ela e, fazendo
uma breve pausa, concluiu: — Antes de você partir?
Robert sorriu
— É o início do seu jogo? Sim, aceito o drinque, sra. Harley. — Cássia
não revidou àquela provocação. Encontravam-se de pé, próximos da mesa
onde Dearham havia deixado seu drinque. Ambos se curvaram ao mesmo
tempo para apanhá-lo, de modo que suas mãos se tocaram sobre o corpo.
Cássia largou-o imediatamente.
— Você está com medo do quê? — perguntou Robert.
— Sempre fico assim no dia em que viajo de avião — mentiu Cássia.
— Não, não é por causa do avião — disse ele. Serviu-se de mais um
pouco de conhaque e agitou distraidamente o copo. — E também não me
diga que é por causa do álcool já que não bebeu quase nada a noite inteira.
Cássia sentiu que não seria tão fácil livrar-se dele. Robert tinha um
sorriso tão aberto e convidativo que ela gostaria de retribuir. Queria afundar-
se confortavelmente a seu lado no sofá, onde ficariam conversando até que…
Não! Não poderia deixar-se levar daquela forma. Sabia o quanto aquele
homem era perigoso, e a prova disso era sua presença ali.
Sentou-se no braço de uma poltrona, bem longe dele, esperando que
sua atitude o levasse a se despedir logo. Robert, entretanto, continuou a
observá-la sorridente. Não tinha a menor intenção de ir embora. Por alguma
razão qualquer, Cássia fechou o decote de seu vestido, que já era bem
discreto. Ele se divertiu mais ainda com aquele gesto, deixando-a confusa,
sem saber o que fazer. Por fim, irritada, disse:
— Creio que já é hora de retirar-se, lorde Dearham.
— Por quê? Está assustada com a minha presença?
— Nem um pouco — mentiu novamente. Robert tomou um gole do
conhaque.
— Então prove.
Reconhecendo o perigo, ela permaneceu quieta, enquanto aqueles olhos
verde-azulados se fixavam em seus lábios. Cássia teve um estremecimento,
como se ele tivesse tocado nela.
— Deixe de bobagens, por favor! Estou cansada e quero me recolher —
avisou, com a intenção de parecer desdenhosa, mas não conseguiu disfarçar a
perturbação quando o ouviu dizer em voz baixa:
— Dê-me um beijo de boa noite e vou embora.
Um calafrio percorreu-lhe espinha. Aquele homem seria um louco? Ou
um atrevido?
— Por favor, preferia que você deixasse as brincadeiras para uma
ocasião mais adequada — retrucou friamente.
— Mas que falta de gentileza! — lamentou Robert, com os olhos
brilhantes. — Tão bonita e tão cruel!
— Nem uma coisa nem outra, lorde Dearham. Eu apenas estou bastante
cansada, portanto, se me perdoa…
— Oh, não concordo — ele a interrompeu, assumindo um tom sério de
voz. — Você é muito bonita. Nunca lhe disseram isso?
Cássia enfureceu-se. Que direito ele tinha de tratá-la daquela maneira?
Pôs-se de pé e falou energicamente:
— Basta de joguinhos, lorde Dearham. O que você quer?
— Eu já disse — respondeu ele, olhando diretamente em seus olhos.
— Isso é totalmente absurdo!
— É mesmo?
— Lorde Dearham, nós nos encontramos duas vezes, e em nenhuma
ocasião você me impressionou. Não tem o direito de ficar em minha casa,
fazendo-se odioso e antipático. O que está pretendendo?
Robert franziu as sobrancelhas, assumindo um ar desafiador.
— Bem, você tem razão. Quero muito mais do que um simples beijo de
boa noite — confessou, aproximando-se dela.
Despreparada para o que estava acontecendo Cássia começou a tremer,
Robert não agiu com violência. Segurou-a firme, mas sem machucá-la, e
beijou-a com delicadeza. Em seguida afastou-se para observá-la, com uma
expressão de prazer.
Cássia fechou os olhos e virou o rosto, pressentindo o que aconteceria a
seguir. Pensava ter-se livrado para sempre de emoções ligadas a sensualidade
e naquela noite agia de modo tolo, permitindo-se ficar à mercê de um homem
tão sem escrúpulos quanto o fora John Harley.
— Qual é o problema, sra. Harley? — perguntou com ironia. —
Escrúpulos?
Cássia queria falar alguma coisa, defender-se, mas estava tão nervosa
que a voz não saía. Apenas agitou negativamente a cabeça.
— Não está agindo de modo muito… entusiástico — continuou ele.
— O que você quer dizer com isso?
— Não está cumprindo as ordens de seu pai — respondeu ele em tom
sarcástico. — Não está obedecendo a suas instruções para me seduzir.
— Então você ouviu — murmurou Cássia, sentindo o sangue subir-lhe
às faces diante daquela humilhação.
— Imagino que todo o pessoal tenha ouvido também.
— Entretanto, ninguém me ouviu concordar — retrucou, erguendo a
cabeça, tentando se impor.
— Não, mas tomou o avião a tempo de estar aqui para o jantar, não foi?
Cássia havia sido apanhada numa armadilha que ela mesma ajudara a
construir quando o informara de que devia ter ficado mais tempo em Nova
York.
— Devo confessar que seu pai é mesmo muito original. Tenho
encontrado pessoas que conduzem assuntos de negócios como ele, mas não
esperava que Jerome Keys oferecesse tal… tal forma de persuasão.
Mesmo já estando acostumada a ouvir ofensas desde os tempos em que
ainda vivia com John Harley, Cássia nunca se sentira tão diminuída quanto
naquele instante.
— É uma experiência nova para mim — prosseguia Robert, — e não
posso resistir a isso.
Segurava-a com mais força, e Cássia inutilmente tentou afastá-lo com
um empurrão. Seu coração batia forte.
— Por favor… — implorou com voz fraca. Lorde Dearham riu.
— Perdendo seu autocontrole, Cássia Harley? — ironizou ele. — O que
vai contar a seu papai? Se não gosta de mim, meu bem, feche os olhos e finja
que sou o sr. Harley, ou alguém que o tenha substituído.
— Deixe-me, por favor — pediu ela em desespero. — Seja cavalheiro.
Robert soltou uma risada maldosa.
— Deixá-la sem ter concluído a “operação Dearham”, comandada por
Jerome?
— Ouça — disse Cássia, tentando controlar o pânico, — seja lá o que
pense, esta “operação Dearham” nunca existiu.
Ele passou a mão pelos cabelos de Cássia de modo curiosamente terno,
mas sua expressão continuou impassível.
— A trama desta noite funcionou com precisão. Você esteve
maravilhosa, encantadora e irresistível…
Incrédula, Cássia olhava-o fixamente. Aquilo não podia estar
acontecendo, não depois de tantos anos evitando que qualquer homem
sonhasse em ter direitos sobre ela. De repente palavras descuidadas de seu
pai e dela própria acabaram jogando-a, ferida e humilhada, nos braços de um
estranho.
Robert curvou-se e beijou-a no pescoço, onde uma veia pulsava
freneticamente.
Cássia emitiu um gemido. Os lábios de Robert eram quentes e muito,
muito sensuais. Ela nunca havia experimentado uma emoção tão forte.
As mãos dele acariciavam-lhe o corpo, deixando-a sem resistência num
misto de medo e prazer.
Robert devia estar pensando que seria uma conquista fácil. No entanto
ela não correspondia nem tentava libertar-se. A experiência havia lhe
ensinado que a resistência algumas vezes aumentava o desejo.
Subitamente, Robert pegou-a pelos braços e sorriu, observando seu
olhar aturdido.
— Acho que já é hora de irmos para a cama — falou e conduziu-a até o
quarto, onde gentilmente a colocou sobre a cama de casal e recomeçou a
beijá-la.
Cássia não parava de tremer, mesmo sabendo que ele devia encarar
aquela reação como sinal de um desejo ardente.
— Por favor, me deixe — pediu com veemência.
— Nem mesmo em atenção a seu pai — indagou ele com ironia. —
Dizem que você é uma filha muito dedicada.
Robert deslizou a mão para dentro do vestido e passou a acariciar-lhe
um seio, enquanto ela fechava os olhos em desespero, reconhecendo que ele
era mesmo um expert em matéria de sedução. Não gostava dele e mesmo
assim era incapaz de afastá-lo.
Robert livrou-a das roupas sem pressa nenhuma. Se Cássia não
estivesse tão traumatizada pelas violências que já sofrera, se entregaria de
corpo e alma, ardentemente, como havia esperado um dia poder fazer com
John.
Um forte estremecimento percorreu-a toda quando Robert ofegante,
beijou-a nos lábios, evocando nela lembranças tristes. Fechou os olhos,
pensando num meio de evitar tudo aquilo.
De repente, notou que a respiração de Robert voltara novamente ao
normal. Antes que abrisse os olhos, ouviu a voz dele.
— Sabe de uma coisa? Não gosto de seus jogos, Cássia Harley.
Ela o olhou, perplexa. O que teria acontecido? Esperava, ansiosa, sem se
atrever a falar.
— Acho que dei uma idéia errada a você. Quando falei que gostava de
novas experiências, estava me referindo a coisas saudáveis. — Fez uma breve
pausa antes de prosseguir. — Novas experiências, sim. Violação, não —
explicou, tranqüilo, falando de um modo suave, mas com os olhos carregados
de raiva.
Com um movimento brusco, virou-se sobre ela, aprisionando-a entre
seus braços.
— Beije-me — ordenou, em tom desafiante.
Tomada de pânico, Cássia fechou novamente os olhos e cerrou os
lábios.
— Toque em mim.
Seguiu-se um silêncio absoluto no quarto. Cássia permanecia deitada e
encolhida, como um animalzinho assustado, num canto da cama. Mais do
que nunca, parecia-lhe estar vivendo um pesadelo.
“Se ficar completamente imóvel, talvez ele me deixe em paz”, pensava
ela.
Foi o que Robert realmente fez: levantando-se, começou a se vestir.
Cássia viu-lhe a expressão irada no rosto. Ele abotou a camisa e, quando
falou, sua voz era ainda suave.
— Em alguma parte desta encenação, perdi minha gravata. Devolva-me
qualquer dia. — Deu a volta na cama e postou-se ao lado dela, observando-a
por um instante. — Terá problemas para explicar isso a seu pai — disse
finalmente, com um sorriso. Tocou-lhe de leve o rosto, num gesto tão
carinhoso que ela quase o retribuiu.
— Terá de lhe dizer que você joga muito pesado para mim. Tenho
certeza de que ele não vai se surpreender — concluiu com frieza.
Cássia continuou imóvel até ouvir o ruído da porta se fechando,
quando ele saiu.
CAPÍTULO III

Após a partida de Robert, Cássia rompeu num pranto convulso. Apesar


de ter sido atingida em sua dignidade, havia experimentado emoções
contraditórias de raiva, vergonha, prazer, desejo, medo… sobretudo medo.
Passou uma noite terrível, cheia de sonhos apavorantes, e só conseguiu
dormir de madrugada, vencida pela exaustão.

A manhã não foi melhor. Levantou-se com dor de cabeça e com os


olhos inchados de tanto chorar. Quando saiu do quarto, encontrou Marthe no
corredor.
— Gostaria de tomar o café na cama, srta. Cássia? — perguntou ela em
tom maternal. — Não vai trabalhar esta manhã, vai?
— Bem, eu devia ir… — murmurou Cássia. — Mas acho que você tem
razão. Não vai dar para chegar antes do meio-dia.
— Vou servir-lhe o café numa bandeja — ofereceu Marthe.
— Não, não, obrigada. Não quero nada. Vou tomar apenas um suco e
sair em seguida.
Lucien encontrava-se na cozinha e sorriu ao vê-la.
— Passou bem a noite, srta. Cássia?
Ela confirmou com um gesto. Abriu a geladeira e serviu-se de suco de
laranja.
— Algum recado para mim? — perguntou, esperando que não
houvesse nada.
— Há um na secretária eletrônica — informou Lucien. — O sr. Jerome
deve ter tentado falar com a senhora esta noite.
— Oh, esqueci de desligar o aparelho — resmungou Cássia, fazendo
uma careta.
— Parece que o sr. Jerome chamou diversas vezes.
— Oh, Deus! Isto significa que está furioso comigo. Outra vez!
— Ainda é cedo em Nova York para chamá-lo — lembrou Lucien.
— É verdade. Ligarei mais tarde, do escritório.
Cássia levantou-se pensando que seria um dia em que nada daria certo.
Havia perdido o encontro com Michael Forest, não falara com o pai, que
achava todos os seus recados importantes. O que mais iria acontecer?
Desanimada, voltou para o quarto. Tomou um banho rápido e vestiu-se
para ir trabalhar. Preparava-se para sair, quando bateram à porta. Ao abri-la
deparou com uma moça, muito jovem e bonita: a nova arrumadeira.
— Bom dia — cumprimentou Cássia. — Veio arrumar meu quarto?
Pode entrar. Parece que dormi demais.
A garota sorriu timidamente e caminhou até a cama, começando a tirar
as cobertas.
— Se a senhora quiser posso arrumar outro cômodo antes — sugeriu a
moça.
— Não, já estou de saída — respondeu ela, fechando a porta do armário
e pegando uma pilha de papéis.
A moça prosseguiu com o trabalho. Quando Cássia voltou-se para se
despedir encontrou-a com ar confuso, segurando uma gravata entre os dedos.
Perturbada Cássia lembrou-se de que Robert havia dito que perdera a
gravata em algum lugar; ela ficara ali, entre as cobertas da cama.
Desde o momento em que acordara, Cássia tentava esquecer o incidente
da noite anterior. Sentiu-se mal ao relembrá-lo assim, de modo tão
desagradável. Pegou a gravata e enfiou-a no bolso.
— Obrigada — disse apenas, sem demonstrar o que sentia. Embaraçada
a arrumadeira evitava olhá-la diretamente nos olhos. Sem se perturbar Cássia
dirigiu-se à sala de estar para ouvir o que seu pai tinha a lhe dizer. Marthe,
que limpava a sala, falou-lhe:
— Bom dia, Cássia. Telefonei para a srta. Button, avisando que você
chegaria atrasada hoje. Ela mandou um carro vir buscá-la.
— Oh, Marthe, não havia necessidade. Eu poderia perfeitamente pegar
o metrô.
— Ele está sempre lotado à hora do almoço — observou Marthe. Cássia
ligou a secretária eletrônica, e, para seu espanto, Jerome lhe pareceu mais
ansioso do que enraivecido. Após as palavras duras que lhe havia dirigido,
ele devia sentir remorso. Jerome era como uma criança; achava que bastava
pedir desculpas para varrer os insultos que dizia durante suas crises de
cólera. Algum dia descobriria que não era tão simples assim. Daquela vez, ele
exagerara na dose.
— O sr. Jerome está bem? — perguntou Marthe, que sabia da mágoa de
Cássia.
— Sim. A julgar pela mensagem, um pouco envergonhado de si
próprio.
Marthe já estava há muito familiarizada com eles e compreendia a
situação.
— Você é muito compreensiva com seu pai, Cássia. Ele não sabe a sorte
que tem.
— Duvido que papai concorde com você. Deve ter ficado irritadíssimo
ao saber que não fui trabalhar esta manhã, por exemplo.
Marthe exibiu um imenso sorriso.
— De vez em quando a gente precisa mentir — falou com aparente
inconseqüência. — Passou uma noite agradável com lorde Dearham?
— Lorde Dearham não foi meu único convidado, Marthe. — A
governanta não se perturbou.
— Não, mas foi para ele o jantar, não foi querida? Gosta muito dele?
— O que está sugerindo, Marthe? — perguntou ela, alarmada.
— Não precisa mentir para mim, meu bem. Não contarei nada a seu pai
e nem aos jornais. Quando fui olhar em seu quarto, esta manhã, você dormia
como um bebê, e toda sua roupa estava jogada no chão. Eu a recolhi para
você, não percebeu?
— Oh, Deus — murmurou Cássia, compreendendo o que passava pela
cabeça da governanta.
— Não é preciso preocupar-se, Cássia. Não fez nada para sentir-se
envergonhada. Além do mais, isso é um problema inteiramente seu.
O interfone tocou, e a governanta foi atendê-lo.
— É o automóvel que veio buscá-la — informou. — Vai descer agora?
— Eu… não… isto é, sim, acho que sim — Cássia respondeu confusa. —
Ouça, Marthe, não houve nada do que está pensando entre mim e lorde
Dearham, sinceramente.
Sem se deixar convencer por aquelas palavras, Marthe sorriu e deu um
tapinha em seu braço.
— Não se preocupe comigo. Divirta-se, meu bem.
— Converso com você mais tarde. Agora tenho de ir.
Cássia pensava no que mais poderia sair errado. Primeiro, a nova
arrumadeira encontrara uma gravata em sua cama, e provavelmente iria
contar o incidente a Marthe e a Lucien. Depois, Marthe vira sua roupa jogada
ao chão, o que não era seu costume. Tudo indicava ter ocorrido algum
relacionamento. Ajeitou-se confortavelmente no banco do carro luxuoso para
refletir sobre o assunto. Que importância tinha aquilo afinal? Por que estava
tão preocupada com o que pudessem pensar? Como Marthe havia dito, era
problema apenas seu o que fazia com sua vida. Mesmo que o assunto fosse
parar nos jornais, não se importaria. Crescera acostumada a evitar os
repórteres. E se Jerome descobrisse? Deu de ombros, pois afinal a sugestão
partira dele próprio.
Mesmo pensando assim, Cássia não foi capaz de evitar a sensação de
desconforto ao imaginar-se amante de lorde Dearham.
O automóvel estacionou em frente ao Edifício Keys, e logo um
funcionário sorridente veio abrir-lhe a porta e ajudá-la a pegar as pastas.
Cássia retribuiu o sorriso, como de costume, entrou no prédio e tomou o
elevador.
Ao entrar numa sala viu Lesley sentada atrás de sua enorme mesa de
mogno, ao lado de uma janela que oferecia ampla visão de Londres.
A secretária saudou-a, observando sua aparência.
— Perdeu a hora?
— E como! — respondeu Cássia.
— Michael Forest esteve aqui. Deixou uma pasta com alguns papéis e
disse que você devia lê-los antes de assinar qualquer documento com lorde
Dearham.
Cássia tentou aparentar naturalidade, embora sem muito êxito, ao ouvir
aquele nome.
— Oh! Ele acha que lorde Dearham quer nos trapacear?
— Ele não disse isso, mas é definitivamente contra a aquisição. —
Lesley fez uma pausa e acrescentou: — Imagino que… ele quer que você
transmita o parecer ao sr. jerome.
— Humm, este é o projeto de estimação de papai — murmurou Cássia,
pensativa. — Michael deve estar aflito, prevendo uma guerra com o “chefão”.
— Bem, parece que Michael foi incumbido de fazer um relatório a
respeito da empresa, antes que alguém soubesse das intenções do sr. Keys de
comprá-la.
— E chegou à conclusão de que não devemos fazer o negócio. Muito
bem, lerei o relatório e, se realmente fizer sentido, darei a papai as más
notícias. Já sei que serei despedida pela segunda vez nesta semana. Oh, e, por
favor, faça uma ligação para Nova York o mais cedo possível. Papai está
querendo falar comigo desde ontem.
Lesley entregou-lhe a pasta com os papéis.
Cássia foi para sua sala particular e ocupou-se primeiro com as coisas
que exigiam menor atenção. Assinou cartas que havia ditado antes de partir
para os Estados Unidos, aprovou uma promoção, redigiu duas cartas de
recomendação e outras pequenas coisas. Encontrava-se no meio desses
trabalhos quando Lesley a chamou pelo intercomunicador.
— Sua chamada para o sr. Keys.
— Obrigada — agradeceu e pegou o telefone. — Como vai, papai? Você
quer falar comigo?
Ao contrário das recriminações que esperava ouvir, seu pai respondeu
com voz moderada:
— Chamei ontem várias vezes mas você não atendeu.
— O que houve? — perguntou Cássia.
— É assunto referente a você.
Jerome parecia hesitante, o que não era habitual nele. Seguiu-se um
breve silêncio antes que prosseguisse:
— Cássia, John veio me ver.
— Sim? E daí? — A informação a deixara agitada, mas ela não deu
mostras disso. John Harley trabalhava para Jerome na costa Oeste dos
Estados Unidos; era um de seus funcionários de maior confiança e respeito e
se encontrava freqüentemente com ele.
— Ele está bastante infeliz — informou Jerome.
Cássia não gostou do que ouviu. Havia sido mais ou menos empurrada
para os braços de John Harley, e seu pai nunca a perdoara por ter aceitado a
separação que ele, John, havia maquinado.
— Então aumente o salário dele — sugeriu ela com ironia.
— Não fale assim, Cássia. Você é tão fria! Nem tudo é como você pensa.
— Não? Acho que já defini minha situação e meus sentimentos em
relação a ele alguns anos atrás. Devo lembrar a você que foi uma posição
tomada pelos dois.
— Ora, vamos, Cássia! — Jerome falou, impaciente.
— John nunca se importou comigo e nem se importa agora. E isso é
recíproco — disse ela friamente.
— É aí que você se engana. Ele se preocupa muito com você, e está
muito infeliz. Disse-me que você se recusa a vê-lo.
Cássia ficou espantada.
— Papai, você está falando a sério?
— Ele não está mais com aquela mulher — continuou ele em tom
persuasivo. — Sente sua falta e confessa que a separação foi um erro. Claro,
vocês eram muito jovens, e acho que ele não foi o único culpado.
Jerome passou a falar num tom mais prepotente.
— Você era tola e imatura. Não tinha idéia de como eram os homens.
Está mais velha agora… vocês dois estão, e devem ter aprendido algo.
— Sim, papai — interrompeu Cássia. — Aprendi que devo manter
distância de homens como John Harley. Não sei que baboseiras sentimentais
vocês disseram um ao outro, mas não acredito nem de leve que ele esteja
ansioso para voltar comigo. E, mesmo que seja verdade, sinto muito, pois
para mim é bastante tarde. Você vai bancar o tolo se lhe der esperanças.
— Ele está indo para a Inglaterra a negócios — prosseguiu Jerome. —
Você deve se encontrar com ele, e isto é uma ordem!
— Eu o verei no escritório, é claro.
— Ouça, Cássia — insistiu Jerome, já bastante contrariado— Você tem
de recebê-lo. Ele quer passar algum tempo com você.
— Papai, você não é dono da minha vida, apenas trabalho em sua firma,
e isso pode ser mudado.
Deu um soco de leve na mesa e desligou o aparelho. Em seguida
chamou Lesley pelo interfone.
— Cancele tudo para hoje — disse, nervosa. — Tenho a impressão de
que não devia ter saído da cama. Vou pegar o relatório de Michael para lê-lo
em minha casa de campo. Não diga a ninguém onde estarei, especialmente a
meu pai.
— Está certo. Sua agenda está mesmo vazia, pois você desmarcou
compromissos, já que devia estar ainda em Nova York. Portanto pode esticar
até a próxima semana, se quiser.
— Provavelmente farei isso mesmo.
Hesitou por um instante, pensando na visita ameaçadora de seu ex-
marido. Cogitou em pedir a Lesley para que a avisasse, caso John viesse ao
escritório, mas mudou de idéia.
Para os funcionários da Keys, seu casamento com John Harley havia
sido um engano, terminado amigavelmente, com uma razoável boa vontade
de ambas as partes. Foi a forma encontrada para que John se mantivesse na
companhia, embora fora da Inglaterra, e Cássia conservasse sua dignidade.
Não seria naquele momento que desmentiria aquela versão, nem mesmo para
alguém em quem confiasse, como Lesley.
Antes de sair, Cássia ainda conversou brevemente com Marthe, por
telefone, explicando que iria à casa de campo, onde não desejava ser
perturbada em nenhuma circunstância. Pediu-lhe que arrumasse sua mala,
pois passaria em casa só para apanhá-la.
Assim que desligou, Lesley perguntou:
— O que digo a seu pai quando ligar?
— Que tirei alguns dias de descanso e que você não sabe onde estou.
— Certo. Quer que a mantenha a par dos compromissos?
— Sim, seria melhor, embora eu preferisse não saber de nada por um
tempo. Você está livre para fazer o que achar melhor.
— Está bem. Sei o que quer dizer. Não vou perturbá-la, a não ser que
seja algo urgente. Tenha um bom descanso.
Cássia despediu-se e rumou para a garagem onde pegou seu carro.
Ajeitou-se no banco, abaixou o vidro e saiu. Adorava dirigir pelas ruas de
Londres nas horas de pouco movimento. Desceu a capota do automóvel e se
deliciou com a brisa daquele dia agradável. Pela primeira vez em semanas
conseguia relaxar um pouco.

Após pegar a mala em sua casa, partiu para o campo. Dirigia


despreocupada, apreciando a beleza da paisagem, e só percebeu que havia
chegado quando avistou a trilha que conduzia até a casa. Uma grande alegria
tomou conta dela ao rever o telhado de sapé, o pomar cortado por um riacho
e o jardim florido que rodeava a moradia.
Estacionou o Mercedes esporte e desligou o motor. Ficou parada por
um instante ali olhando ao redor. O ar estava impregnado pelo perfume das
madressilvas! Aquele era seu lugar secreto, seu lar, onde se sentia livre para
ser a verdadeira Cássia.
Dentro da casa encontrou uma atmosfera agradável e tranqüila, com
um leve perfume de rosas e madeira. Havia deixado tudo arrumado da
última vez em que lá estivera, e apenas uma camada de pó recobria os
móveis rústicos. Os metais haviam perdido o brilho, e os vasos estavam
vazios.
Abriu todas as janelas e cortinas, dando vida novamente à casa. Em
seguida, pôs-se mais à vontade, vestindo um short, e saiu a passear pelos
arredores.
Sentou-se numa pedra ao lado do riacho, distraída, até que avistou seu
vizinho, Vic, que se aproximava acenando para ela.
— Minha esposa disse que você estava de volta. Ela ouviu o barulho do
carro. Já viu os gatos?
Quando Cássia comprara a casa, havia nela muitos camundongos. Dois
gatos solucionaram bem a situação, e, na sua ausência, Vic e Ron, sua esposa,
os alimentavam.
— Não, ainda não os vi. Têm se comportado?
— Caçaram dois pombos, alguns ratos e um peixe — informou Vic. — E
puseram tudo na escada, como sempre.
— Ah, Vic, me desculpe pelo trabalho. — Vic sorriu.
— É a natureza deles, não podemos culpá-los. Ficam felizes da vida
quando pegam alguma coisa.
— Oh, espero que não me tragam nenhum presente hoje à noite.
— Seria uma recepção de boas-vindas.
Vic despediu-se de Cássia e foi embora, acompanhado de seu cão. Ela
então se recostou na pedra para observar melhor o pôr do sol… Sentia-se
muito bem ali. Os vizinhos eram gentis e, felizmente, pouco curiosos.
O corretor de imóveis que lhe vendera a casa havia entendido mal seu
nome e tratava-a por “srta. Bastion”, e foi assim que ficou sendo conhecida na
pequena vila. Todos sabiam que ela devia ter posses, por causa do
automóvel, mas não tinham a menor idéia do que fazia ou de quem
realmente era. Não estavam interessados.
Cássia passava o tempo cuidando dos jardins e lendo. Raramente ia até
a vila. Poucas pessoas das suas relações sabiam da existência daquela casa.
Um casal amigo, estivera lá algumas vezes. Lesley também fora para jantar,
certa ocasião. Jerome não tinha o endereço nem o telefone. E John Harley nem
suspeitava de sua existência.
Cássia deitou-se na grama e acabou pegando no sono. Acordou com um
toque suave no ombro. Pensou que fosse o gato, e, sem abrir os olhos, esticou
o braço para afastá-lo. Então sentiu que lhe seguravam a mão. Sentou-se,
assustada, e deparou com o sorriso de lorde Dearham.
— Você?!
— Sim. Como pode ver, eu mesmo.
Robert sentou-se a seu lado, tranqüilo e com os olhos verde-azulados
brilhando intensamente. Cássia não podia crer que ele estivesse mesmo lá.
— O que está fazendo aqui?
— Eu é que pergunto: o que você faz aqui?
— Esta casa é minha — respondeu Cássia, querendo saber como ele
fora parar lá.
— É mesmo?
— Sim, é — retrucou ela, irritada. — E quero saber o que faz aqui.
— Ah, sim — disse Robert, olhando para as pernas dela, bem torneadas
e bronzeadas. — Bem, acho que devo pedir desculpas Pela noite passada.
Cássia olhava-o fixamente, sem entender. Sua expressão fez com que ele
desse uma gargalhada.
— Não fique tão admirada. Sei reconhecer quando ajo de modo errado.
— Veio até aqui só para se desculpar? — perguntou ela, falando
pausadamente.
— Os outros homens não costumavam se desculpar quando a
magoavam, Cássia?
Aturdida, Cássia agitava a cabeça, os cabelos dourados acompanhando
os movimentos. Robert olhava para ela, fascinado.
— Não entendo — murmurou ela.
— É simples. Ontem à noite fui embora com um gosto amargo na boca.
Você estava pálida, assustada. Telefonei esta manhã, mas a srta. Button
informou que você não havia chegado, que estava atrasada. Achei que
provavelmente tivesse passado uma noite péssima, e por minha culpa.
Confusa, Cássia permanecia quieta, enquanto ele prosseguia:
— Então fui ao escritório esta tarde, mas você já havia saído e deixado o
recado de que não queria ser incomodada.
— Quer dizer que mesmo assim Lesley deu-lhe este endereço?
— Não. Ela foi bastante discreta e indiferente. Quem me contou onde
poderia encontrá-la foi uma senhora muito simpática, que fala com sotaque
francês.
“Droga de sentimentalismo!”, amaldiçoou Cássia. Marthe pensara que
Robert fosse seu amante. Por isso lhe fornecera o endereço, apesar das ordens
contrárias.
— Marthe é uma romântica — disse Cássia, revoltada.
— É? — Robert parecia divertir-se. — Pois saiba que ela me tratou
friamente.
Cássia sabia que Robert zombava dela, que Marthe devia tê-lo tratado
com gentileza e simpatia, pensando haver algo entre eles. Só esperava que a
mulher não tivesse, também, contado histórias da sua infância, o que ela
adorava fazer.
— Então veio para se desculpar? — falou Cássia com indiferença. —
Pois já se desculpou. Obrigada e adeus!
Robert não se moveu do lugar.
— Não vim apenas por isso — acrescentou ele com voz macia.
— Para que então? — perguntou Cássia, olhando-o desconfiada. Robert
refletiu, parecendo escolher as palavras.
— Vim para descobrir por que me enganei tanto. Para readquirir sua
confiança. Para saber do que está fugindo — respondeu ele, fazendo uma
pausa e sorrindo antes de concluir: — E para fazer uma pequena pesquisa
química.
Cássia não entendeu.
— Que pesquisa química? — perguntou-lhe, confusa. Robert segurou-
lhe o rosto e respondeu:
— A química dos corpos. — E deu-lhe um longo beijo.
CAPÍTULO IV

Antes que Cássia se recobrasse da surpresa, Robert beijou-a novamente,


fazendo-a sentir um prazer intenso. Carinhosamente, deitou-a na grama,
aprisionando-a com os braços.
Cássia fechou os olhos e emitiu um gemido fraco, rendendo-se às
sensações inesperadas. Sabia que estava sendo impelida a trilhar caminhos
que tanto temia, mas, ao mesmo tempo, percebia que não tinha medo. Queria
apenas desfrutar dos beijos quentes e úmidos de Robert, pois sentia que ele
também estava possuído de grande emoção.
Finalmente Robert abandonou-lhe os lábios, ergueu a cabeça e disse,
como se acabasse de expor um ponto de vista.
— Aí está.
— Aí está o quê? O que quer dizer com isso?
— Eu precisava de uma prova.
— Por que fez isso? O que esse beijo prova? — indagou Cássia, sem
entender.
Robert sorriu e segurou-lhe a mão.
— Prova que eu posso querer uma mulher como você; que talvez
possamos nos dar bem juntos.
Irritada Cássia puxou a mão.
— Você não precisava me bajular, lorde Dearham — retrucou,
decepcionada.
— Bajular?
— Isso mesmo. Sendo filha de Jerome Keys, tenho ouvido muitos
elogios desse tipo, mas eles não me impressionam de modo nenhum.
— Você não parece dar muito valor a si mesma — observou ele. —
Muito pelo contrário. Por que tem uma opinião tão negativa a seu respeito?
— O que quer de mim? — perguntou Cássia, a voz alterada pela
emoção.
— Se eu dissesse, seria acusado de adulador. Você não acredita muito
nas pessoas.
Antes que pudesse responder, ela foi outra vez envolvida por um
abraço forte, apertado, mas sentiu-se vulnerável nos braços dele. Mesmo que
quisesse, não conseguiria desvencilhar-se.
— Está acontecendo a mesma coisa agora — disse Robert, afundando o
rosto nos cabelos dela. — Você treme como um coelhinho amedrontado. Não
gosto disso.
— Então me solte — pediu ela, exasperada. Ele apenas riu e a beijou
novamente.
Desta vez, Cássia ofereceu resistência, achando que Robert queria
divertir-se às suas custas. Ele usava de força para aprisioná-la entre os braços
e não dava ouvidos a seus protestos. Ela o empurrou com as duas mãos,
tentando se libertar. Num movimento brusco, escapou e rolou para o lado. Só
então reparou que se encontravam às margens do riacho e acabou caindo
dentro da água.
Apanhado de surpresa, ele ainda quis segurá-la pelo braço. Não
conseguiu. A correnteza era forte ali, a água muito fria, mas o riacho era raso
e tinha cascalhos no fundo. Rindo muito ele estendeu a mão para ajudá-la.
— Venha cá, querida; seria uma tolice pegar um resfriado num verão
agradável como este.
Cássia ignorou a ajuda oferecida. Furiosa, tentou sair do riacho
equilibrando-se sobre os cascalhos, com a água batendo na altura dos joelhos.
Robert suspendeu as calças e num segundo estava a seu lado, apoiando-a
com os braços. Ela atingiu a margem e se deitou na grama, arquejante, ao
mesmo tempo em que Robert se acomodava também, observando-a com um
olhar malicioso e sensual.
Cássia também o olhava fixamente, desafiando-o a fazer algum gracejo.
Ele apenas tocou-lhe o rosto frio com a ponta do dedo e disse, reprimindo
uma risada:
— Você não devia fazer proezas como essa, Cássia. Pode ficar doente.
Sem responder, ela se ergueu.
— O que vai fazer agora? Pendurar-se numa árvore para secar? —
perguntou Robert em tom de zombaria.
— Você se acha muito engraçadinho, não?
— Mas isso foi muito engraçado, não posso negar. Embora não seja
particularmente bom para minha imagem. Nunca antes mulher nenhuma
atirou-se nas águas geladas de um riacho para escapar de mim.
Cássia não resistiu àquele comentário e riu também.
Por algum tempo ficaram se olhando, Cássia, mais à vontade e Robert
simulando uma falsa seriedade que ela já conhecia. Uma brisa começou a
soprar, e ela, com as roupas molhadas, se pôs a tremer de frio.
— Vamos para dentro — disse ele, estendendo-lhe a mão. — Se me
permitir eu lhe farei um chá enquanto você troca de roupa.
Ela concordou. Caminharam de volta para casa de mãos dadas.
Disfarçadamente Robert admirava o belo corpo de Cássia, que ele entrevia
pelas roupas molhadas e semitransparentes. Intimidada, ela indagou:
— Você não vai se trocar? Também está molhado.
— Não se preocupe comigo. Só molhei um pouco os pés.
Cássia foi direto para seu quarto, no andar de cima. A cama de casal a
fez pensar apreensiva, que Robert poderia recomeçar o lento trabalho de
sedução que havia iniciado com ela.
“Mas que droga!”, pensou. “Por que esse homem me faz sentir assim
tão perturbada? Por que estou sempre exibindo minha fragilidade emocional
a ele? Será que não terei sossego?”
Cássia vestiu uma saia estampada e uma blusa com capuz, já um tanto
gasta mas bastante confortável. Penteou os cabelos, que já começavam a secar
e a formar cachos, prendendo-os com um lenço da mesma estampa da saia,
numa tentativa frustrada de arrumá-los. A imagem que viu era a de uma
mulher jovial, de olhos brilhantes e cabelos revoltos.
Ainda tensa, Cássia sentia nos lábios o sabor dos beijos que recebera.
Tinha certeza de que Robert havia percebido sua excitação. Entretanto não
pudera escondê-la. Quem sabe ele iria embora depois do chá?
Tentando controlar as batidas do coração, desceu a escada e foi ao
encontro dele, disposta a saber por que motivo se dera ao trabalho de segui-
la. Encontrou a cozinha vazia. Olhou pela janela e viu-o sentado no jardim,
muito à vontade, a julgar pelo pouco tempo em que lá se encontrava,
fazendo-a sentir-se invadida em sua privacidade. Caminhou decidida até ele.
— Lorde Dearham, quer me dizer agora o motivo de sua presença em
minha casa?
Ele não respondeu de imediato. Encheu uma xícara com chá ainda
fumegante e ofereceu-lhe.
— Vim tomar chá com uma mulher encantadora — disse a seguir.
— Chega de brincadeiras, Lord Dearham. Tenho o direito de saber o
que o levou a vir atrás de mim!
— Tive a sensação de que a magoei profundamente ontem à noite —
respondeu ele, sério. — Quero saber se estou enganado. Preciso descobrir
isso, para minha tranqüilidade.
— E já não descobriu? — perguntou ela, a voz alterada pela emoção.
— Em parte, sim. Penso que já.
— E…
Seguiu-se um breve silêncio. Depois ele indagou:
— Sempre trabalhou para seu pai, Cássia?
— Sempre — afirmou, sem entender aonde ele queria chegar.
— E está feliz?
— Tão feliz quanto fazendo qualquer outra coisa.
— Ele costuma sempre dar a você ordens como a que ouvi em Nova
York?
Envergonhada Cássia não respondeu.
— Não fique assim, — disse ele com certa rudeza — não é culpa sua.
Como você mesma observou, não a ouvi concordando. Estou apenas
tentando compreender.
— Compreender o quê, Robert?
— Você, lógico. Foi por isso que vim aqui. Tenho de saber se sua fuga
repentina foi motivada pelo medo de mim. Tem medo de que eu entre no
jogo de seu pai e passe a importuná-la?
Cássia observou que as mãos de Robert estavam fortemente
entrelaçadas. Ele aguardava com ansiedade uma resposta, como se, por sua
vez, também tivesse medo do que sentia.
— Não fugi só por esse motivo — respondeu ela com delicadeza.
— Mas em parte foi esse o motivo… — Cássia não pôde negar.
— Certo, você adivinhou.
— Tenho um temperamento forte e independente, Cássia. Os Dearham
são conhecidos por seu gênio forte há bastante tempo.
— Quer dizer que havia perdido o controle ontem à noite? Nunca
poderia supor!
— Eu estava muito nervoso.
— Mas… mas por quê?
— Por que voltei a Londres antes da hora só para encenar aquele jantar.
— Você e seu pai estavam muito confiantes, não é mesmo?
— Não estou entendendo — disse Cássia, balançando a cabeça.
— Não? — retrucou ele com amargura. — Nega que me tomava por um
conquistador, um playboy, antes mesmo da reunião em Nova York?
— Eu sabia pouco a seu respeito. Não o rotulava de nada. Mas não
posso falar por meu pai. — Cássia mostrou um breve sorriso e prosseguiu: —
Ele tem tendências a desprezar os mais jovem, portanto, se não o respeita
muito, não se preocupe, pois você não é o único.
— Ele pensa que todos podem ser subornados por meio da sedução?
Mais segura de si, Cássia escolheu as palavras bem para responder:
— Bem, o problema é que papai também tem um gênio péssimo, e
naquela ocasião não estava irritado com você, mas comigo. Se ele realmente
pensasse que você se deixaria influenciar pelo poder de sedução de uma
mulher, a ponto de alterar suas decisões, teria contratado outra pessoa para
envolvê-lo. Papai não acredita muito nos meus “atrativos femininos”. Estou
surpresa de que não tenha ouvido isso também. Ele foi bem claro.
— O que quer dizer com isso?
Cássia hesitou por um instante. Era doloroso para ela tocar naquele
assunto. Só o fez porque, de repente, a única coisa que importava era dar a
Robert a certeza de que confiava nele.
— Papai me culpa pela minha separação. Era muito ligado a meu ex-
marido, entende? John era uma espécie de herdeiro escolhido
cuidadosamente, e, quando nos divorciamos, suponho que tenha estragado
os planos de papai. Ele achou que a culpa foi minha e nunca me perdoou.
Pairou um silêncio entre os dois. Ouvia-se mesmo o zumbido das
abelhas e o ruído das águas do riacho. Robert estava imóvel, a cabeça
inclinada de modo que o sol fazia seus cabelos brilharem como ouro. Parecia
distante e inacessível.
— Por favor, você tem de acreditar em mim! Era a mim que papai
queria atingir, não a você.
Lentamente, Robert ergueu a cabeça.
— Parece que lhe devo mais desculpas do que imaginava. — Cássia deu
de ombros.
— Não é culpa sua que ele me destrate.
— Se eu não tivesse a reputação que tenho, Jerome não me usaria para
insultá-la dessa maneira.
Os olhos de Robert expressavam amargura, e Cássia ficou confusa. Ele
não era nada daquilo que diziam a seu respeito. Cada vez mais aquele
homem a impressionava, embora contra sua vontade.
— Papai teria me insultado de qualquer maneira. Ele estava num
daqueles péssimos estados de humor. Além disso…
Ela preferiu não continuar. Não contaria seus segredos a Robert. Apesar
de ter mudado de opinião a seu respeito, ainda era quase um desconhecido!
Não compreendia por que estava prestes a se abrir, com toda a
espontaneidade, chegando a ponto de querer falar de sua vida com John!
Robert também não insistiu e mudou de assunto:
— O que sua mãe diz de tudo isso?
— Mamãe morreu muitos anos atrás. Nem me lembro direito dela. Fui
criada por Marthe.
— Oh, sinto muito… Bem, e Marthe o que pensa disso?
— Marthe diz que sou muito boa para ele.
— Ela me pareceu inteligente, perspicaz — observou Robert. — Mas…
você tem de se submeter a essas grosserias de seu pai? Está presa a algum
contrato?
— Ora, ele é meu pai! — Robert sorriu.
— Também tenho um pai, mas não o vejo muito e, se ele falasse comigo
do jeito como Jerome falou com você, não me veria nunca mais.
— Sou toda a família que papai possui. Sou muito importante para ele.
— Oh! Eu vi muito bem isso — ironizou Robert.
— Você não entende. Eu o decepciono como filha. Devia ter nascido
homem. — disse Cássia com um sorriso triste. — Meu pai era órfão e
refugiado de guerra. Queria uma família grande, mas mamãe tinha a saúde
muito frágil e morreu logo. Ele não quis se casar novamente. Portanto… teve
de se contentar comigo.
— E foi dentro dessa história que a criaram?
— Não é história, é a verdade.
— Verdade ou não, ele não tinha o direito de fazer isso com uma
criança. Ele é um monstro! Como se atreveu a agir assim? — falou Robert
furioso.
Cássia olhou-o com expressão de espanto e afronta ao mesmo tempo.
— Quer que lhe conte sobre a minha família? — prosseguiu Robert. —
Também sou filho único; herdarei o título de família e os bens, e então muitas
pessoas dependerão de mim. Isso quando meu pai morrer, e até lá ele já terá
gastado tudo nos cavalos e nos jogos. Serei obrigado a vender os bens para
pagar as dívidas e remunerar os empregados que trabalham para nós há
várias gerações.
Cássia estava impressionada com a mágoa que Robert trazia na voz.
— Todos sabem que serei o herdeiro, mas não sabem do quê —
continuou ele. — No final, após vender tudo, talvez tenha de deixar o país,
encontrar meu lugar no mundo e ter meu próprio trabalho. — Soltou uma
risada irônica e concluiu: — Neste meio tempo, esperam que eu seja um
playboy! Já é uma antiga tradição dos Dearham.
— Mas você não é assim — observou Cássia.
— Talvez não. Quem sabe?
— Por acaso playboys costumam acompanhar expedições da Sociedade
Geográfica? — perguntou ela inesperadamente. — Playboys fazem
conferências de botânica e escrevem livros sobre o assunto?
Robert riu novamente.
— Não. Esse é meu modo de fugir à realidade.
— E sobre a empresa que papai quer comprar de você?
— Oh, sim. Comecei esse negócio junto com uns amigos, quando ainda
estava em Cambridge. Era uma agência de viagens que levava turistas até a
Foz do Iguaçu pelo caminho mais difícil, numa espécie de expedição. As
pessoas gostam de aventuras, você sabe. A companhia cresceu e, em dado
momento, incorporou uma editora. Queremos publicar livros de viagens,
mapas e guias, mas não temos muito interesse nas publicações em línguas
estrangeiras.
— Por que, então, não vende essa parte a papai? — perguntou Cássia
intrigada. — Ele ofereceu um bom preço, e você quer vendê-la.
— Não vim aqui para discutir negócios — respondeu Robert, tornando-
se sério de repente.
— Eu não falava de negócios. Apenas fiz uma pergunta que qualquer
um faria.
— Será?
Robert assumiu um ar prudente. A ternura com que a tratara antes
parecia ter desaparecido. Talvez ele a tivesse iludido; talvez usasse uma de
suas artimanhas para envolvê-la e torná-la mais confiante.
— Meu comentário foi óbvio — observou ela.
— Óbvio para uma executiva.
Cássia levantou-se com a intenção de se retirar.
— Mas eu sou uma executiva de fato, e você sabia disso muito bem
quando decidiu vir aqui.
— É, suponho que sim — replicou ele, parecendo desapontado. Cássia
recolheu a bandeja e as xícaras e observou:
— Está ficando tarde.
Gentilmente, Robert tomou-lhe a bandeja das mãos e respondeu:
— Acho que não. Ainda é dia.
E com expressão irônica observou o sol que brilhava no horizonte.
— Estou certa de que tem algum compromisso para hoje à noite —
disse ela, com um sorriso forçado. — Você vai levar pelo menos uma hora e
meia para voltar à cidade.
— Sei disso, mas não tenho pressa nenhuma.
Robert levou a bandeja para a cozinha, e Cássia acompanhou-o,
tentando esconder a tensão que começava a atingi-la.
— Está querendo dizer que não voltará hoje para Londres?
— Sim, estou — confirmou ele, com uma expressão divertida no olhar.
— Vai a algum outro lugar? — perguntou, já sabendo qual seria a
resposta.
— Não.
Àquela altura, Cássia encontrava-se totalmente agitada. Sem pensar
muito, advertiu-o:
— Mas você não pode ficar aqui!
Robert apoiou a bandeja sobre a mesa e a encarou. Seu bom humor
parecia totalmente restabelecido, e, quando falou, sua voz era suave:
— E como pretende impedir isso, Cássia?
CAPÍTULO V

O telefone soou, quebrando o pesado silêncio criado entre Cássia e


Robert. Ele a observava com um olhar malicioso.
— Não costuma atender o telefone? — indagou. Com relutância, ela foi
atendê-lo na cozinha.
— Alô?
— É você Cássia? Está bem? — perguntou Lesley, parecendo
preocupada.
— Sim, sim, claro.
— Tem certeza? Você… você está sozinha?
— Não — respondeu ela, evitando olhar para Robert.
— Oh, meu Deus, ele já chegou aí! Esteve aqui assim que você saiu. Eu
lhe disse que você havia tirado uma licença por alguns dias, mas ele não me
deu ouvidos e falou que iria segui-la onde quer que estivesse. Não imaginei
que fizesse isso tão depressa. Tem certeza de que está tudo bem? Então você
sabia que ele se encontrava na Inglaterra?
— Claro, Lesley! Nós não jantamos juntos ontem à noite? Esqueceu que
você mesma providenciou o jantar? — Cássia fez uma breve pausa, e uma
terrível suspeita começou a lhe ocorrer. — De quem está falando, Lesley?
— Do sr. Harley, claro — respondeu ela com impaciência. — Não é ele
que está aí com você?
Com o canto do olho, ela viu Robert olhar em sua direção, embora
parecesse distraído, acariciando o gato.
— Não, não é John.
— Oh, ainda bem — disse Lesly, francamente aliviada. — Seja lá quem
for, mantenha-o aí. O sr. Harley está de péssimo humor.
Robert continuou agradando o gato e já não olhava para ela. Ao vê-la
desligar, perguntou casualmente.
— Quem é John?
Pálida, Cássia sentou-se na cadeira de balanço da cozinha e não
respondeu.
— Que John é esse? John Harley, talvez? Seu ex-marido está vindo para
cá?
Cássia queria dizer-lhe que aquilo não era da conta dele, que fosse
embora de uma vez por todas e parasse de se intrometer em sua vida
particular. Mas as palavras não saíam e de repente pôs-se a chorar.
Robert aproximou-se e se ajoelhou à sua frente. Não a tocou, apenas pôs
um lenço perfumado em suas mãos.
Cássia não conseguia interromper o choro, que era o resultado de toda
a tensão dos últimos dias, das discussões com o pai, do excesso de trabalho e
de conflitos interiores. Após algum tempo acalmou-se um pouco. Enxugou as
lágrimas e devolveu o lenço a Robert.
— Desculpe. Não costumo chorar deste jeito.
— Não imagino mesmo que o faça — concordou Robert, dobrando o
lenço e guardando-o. — Portanto, seria melhor você contar o que está errado.
— Oh, estou bem agora — afirmou ela, mas ainda soluçando.
— Não duvido disso. Claro que o motivo desse choro foi circunstancial,
mas, se não desabafar com alguém, não agüentará as pressões.
Afinal, Robert conseguiu convencê-la a ir até o bar da vila para se
distrair. Cássia sentiu-se grata por isso. Lavou o rosto, ajeitou os cabelos e
pegou um xale. Em seguida desceu com ele o caminho arborizado que levava
ao povoado.
O bar onde entraram era tipicamente inglês, com mesas e balcão de
madeira e jogos de dardos na parede. Sentaram-se numa das mesinhas da
calçada e ficaram apreciando a agradável paisagem da vila ao pôr do sol.
— É um lugar bonito — comentou Robert,
— É, sim — concordou ela. — Tive sorte.
— Claro que sim. Mas, agora, o que me diz de falar a respeito de John
Harley?
Cássia se enrijeceu e apertou o copo com força entre as mãos. Nada a
intimidava mais do que a idéia de ter John de volta, com a aprovação de seu
pai.
Robert observava as crianças que brincavam na rua, mas logo notou a
reação de Cássia e perguntou, meio irônico:
— Ele batia em você?
— Oh, não! Eu o teria abandonado — respondeu ela, indignada.
— Mas não foi isso o que você fez?
— Não. Não foi bem assim… — negou Cássia. Talvez Robert estivesse
certo e a separação não a teria magoado tanto se tivesse conversado com
alguém a respeito. — Foi ele quem me deixou — prosseguiu ela. —
Abandonou-me por uma loira, programadora de computação em Santa
Mônica. Pensei que os dois fossem se casar, mas só Deus sabe por que não o
fizeram. Agora papai me contou que eles se separaram.
— E John a quer de volta — acrescentou Robert.
— É o que papai gostaria que acontecesse, certamente.
— E você? — perguntou ele, acendendo um cigarro. — O que pensa
disso? Afinal, também não se casou de novo. Talvez ainda se sinta esposa
dele.
— Não — retrucou ela categoricamente.
— Mas seis anos de convívio é um longo tempo.
— Não tem nada a ver com o tempo. O casamento já havia terminado
muito antes dele me deixar.
— Conte-me como foi — pediu Robert.
Cássia viu-se conversando e se abrindo com ele como nunca havia feito
com John, nem com ninguém mais. Contou-lhe de sua infância conturbada e
do modo como fora criada: das expectativas sobre ela; dos seus temores e
preocupações; das crescentes obrigações e de sua solidão. Finalmente falou
sobre o casamento.
— John foi de certo modo escolhido para mim quando eu era ainda
uma adolescente, Não percebi isso, lógico. Ele costumava passar férias
conosco e, mais tarde, passou a me acompanhar nas festas. Quando entrei
para a universidade, ia me ver nos fins de semana, e vivia me telefonando.
Cássia suspirou e fez uma pequena pausa, depois prosseguiu:
— Você vai me achar uma tola, mas nunca me ocorreu que John tivesse
os olhos na firma de papai quando era gentil comigo ou me convidava para
passear. Eu não percebi que estava sendo usada.
— Mas não foi um namoro normal? — Cássia corou ante a pergunta.
— Bem, de certo modo não.
— De que modo?
Ela mordeu o lábio e não respondeu.
— Deixe-me adivinhar — disse Robert, com alguma ironia. — Quanto
a sexo?
— Sim — afirmou Cássia.
— Você não é uma mulher liberal, mesmo hoje. Ele amedrontava você?
Cássia agitou negativamente a cabeça.
— Não, você não está entendendo. Não é isso.
— Então me explique — pediu ele carinhosamente.
— John nunca esteve interessado em mim!
— Como assim?
— Ele me beijava e acariciava sem entusiasmo. Nunca tentou me levar
para a cama movido pelo amor, nem mesmo depois de casados. — Cássia
tinha lágrimas nos olhos ao continuar: — Vai me achar meio idiota, mas eu
pensava que essa falta de entusiasmo se devia ao fato dele ser bem mais
velho e não se importar mais com sexo. Sabia que ele era diferente dos
namorados de minhas amigas, mas pensei que fosse porque era ambicioso,
que não encontrava tempo para relacionamentos amorosos.
— E você se enganou?
— Bem, acertei quando à ambição. John nunca se sentiu atraído por
mim, mas sim pelo sonho de um dia substituir papai. Ambos se entendiam
perfeitamente e se adoravam.
— Quando foi que ele demonstrou seus verdadeiros sentimentos a
você? Após o casamento?
Cássia deu de ombros.
— A verdade veio à tona aos poucos. Fui muito protegida quando
adolescente, mas amadureci rapidamente depois de casada.
— Do jeito que um pai gosta que sua filha única amadureça —
comentou ele com um sorriso malicioso. — Jerome forçou o casamento de
vocês? Pressionou-os para que não se separassem?
— Não no que diz respeito à mim. Talvez tenha dito alguma coisa a
John. Devia saber que era um mulherengo, como todos na empresa sabiam.
— Incluindo você?
— Oh, sim. Muitas vezes ele me falou sobre suas amantes.
— Que canalha!
— Ele passou a me odiar. Eu não era… não cedia aos caprichos dele,
entende? — explicou Cássia, com dificuldade. — Quando ele chegava
embriagado e queria me levar para a cama, não conseguia. A maneira que
encontrava para se vingar era contar-me sobre as mulheres com quem
gostava de fazer amor. Mas isso foi nos últimos anos. No começo ele me
ignorou totalmente.
— Mas que absurdo!
— Como vê, não me sinto ligada a ele. De certo modo, é como se nunca
tivéssemos nos casado, como se tudo não passasse de um terrível pesadelo.
— E esse homem está vindo para cá? Foi isso o que lhe disseram ao
telefone?
— Foi. Mas provavelmente ele não vai me encontrar — observou ela
sem muita convicção.
— Eu a encontrei.
— É verdade. Continuo tentando me esquecer disso.
— Oh, que ofensa! — exclamou Robert em tom teatral. Cássia olhou
para ele, mostrando suas graciosas covinhas num sorriso encantador.
— Sinto muito, não quis ofendê-lo. Estou feliz por você estar aqui; tem
me ajudado muito.
— É mesmo? Pois poderia ajudá-la muito mais, se você quisesse. —
Robert falava de modo enigmático, e Cássia não entendeu.
— Como? — perguntou ela.
— Veja as coisas do ponto de vista de seu ex-marido e de seu pai.
Ambos julgam que podem importuná-la porque vive sozinha. Então una-se a
alguém — aconselhou Robert calmamente. — A mim.
Cássia arregalou os olhos diante da sugestão, provocando nele uma
gostosa risada.
— Não precisa ficar assim. Não estou sugerindo nada irreversível,
apenas um breve caso amoroso, às claras, para afastar seus inimigos. Sou bem
qualificado para ser seu amante.
— Você? Oh, mas eu não posso… isso está fora de questão!
— Por quê?
— Porque não tenho e não gosto de aventuras amorosas.
— Ora, Cássia, você é uma mulher adulta, independente e livre. Não
vai se ferir se tiver uma aventura comigo. Sentimos uma forte atração um
pelo outro. Não vejo nenhuma objeção.
— Eu faço objeção. Não gosto do sexo casual, sem amor.
— Casual? Eu… — Cássia interrompeu-o.
— Muito bem, não gosto de sexo, jamais gostei. Essa era uma das
principais queixas de John a meu respeito, e não suponho que vá mudar
agora.
Ela cruzou os braços e esperou que Robert falasse. Talvez ele a julgasse
infantil, ou quem sabe não acreditasse e tentasse persegui-la a aceitar sua
proposta.
— Entendo — murmurou ele apenas, laconicamente.
— Por favor, não diga que não sei do que estou falando, ou que posso
superar isso — pediu-lhe Cássia.
— Não, não direi.
— Vê por que sua idéia é impossível? Mesmo assim agradeço a
sugestão. — Cássia suspirou melancólica e acrescentou: — Teria sido a
solução perfeita.
Robert endireitou-se na cadeira, subitamente animado.
— E ainda é. Podemos apenas espalhar a notícia, mesmo que não nos
relacionemos fisicamente — explicou com um largo sorriso. — Não é tão
divertido, claro, mas pode surtir o mesmo efeito diante dos outros.
— Você quer dizer contar uma mentira?
— Não precisamos entrar em detalhes, Cássia. Apenas daremos a
notícia e nos recusaremos a falar mais a respeito. Podemos desaparecer juntos
por uma semana. Na verdade, já nos encontramos num local ideal para um
episódio deste tipo.
Cássia estremeceu.
— Não gosto da idéia. O que as pessoas pensariam?
— Ou melhor, o que seu ex-marido pensaria? — consertou Robert.
— Eu… hum… não posso decidir já. — Ela começava a gostar da
proposta. — Preciso de um tempo.
Robert sorriu.
— Quanto tempo seu ex-marido lhe dará?
— Bem, não acredito que me encontre ainda hoje. Pensarei a respeito
esta noite.
Robert inclinou-se para a frente como se fosse tocá-la, mas não o fez.
— Qualquer que seja sua decisão, estarei à disposição quando quiser. E
algum dia continuaremos a conversa sobre seu casamento.
— Mas já lhe contei tudo a respeito.
— Não, ainda não. Há pelo menos uma coisa ainda que você não
contou, a mais importante. — Ao notar a apreensão de Cássia, ele prosseguiu:
— Não vou perguntar-lhe agora, mas o farei mais tarde, e terá de me
responder.
Depois disso, Cássia descobriu que se achava curiosamente à vontade
com ele, como se sempre o tivesse conhecido. Não era preciso mais disfarçar
suas fraquezas. A companhia dele era extremamente relaxante. Durante a
caminhada de volta à casa, sob o céu repleto de estrelas, contou a ele como se
sentia.
— Obrigado — agradeceu Robert. — Espero que não a tenha entediado
muito.
— É você quem parece ter se aborrecido. — Cássia deu-lhe o braço e
acrescentou: — Você tem o dom de saber ouvir, sabe disso?
Robert pôs a mão sobre a dela e apertou-a calorosamente.
— Apenas com as pessoas certas.
— Você quer dizer, apenas com aquelas que falam demais.
— Lá vem você de novo se menosprezando. Que loucura, Cássia! Por
que faz pouco de si mesma?
— Não sei. Nunca percebi que fazia isso!
— Não? Pois eu percebi desde a primeira vez que a vi, em Nova York.
Você minava seus próprios argumentos, e eles eram bons. Era uma pessoa
brilhante e não se valorizava.
— Era e agora não sou mais?
— Oh, não me entenda mal. Ainda a acho excelente no trabalho. Sua
insegurança aparece nos encontros pessoais, não é? — Sem esperar resposta,
ele continuou: — Certa vez tive um cachorro, um perdigueiro, que se deitava
com as quatro patas para cima quando via outro cão.
— Acho que ele era um covarde — comentou Cássia, num tom de voz
cuidadosamente neutro.
— O mais covarde que já encontrei. Foi meu melhor amigo por muitos
anos. — Robert sorriu maliciosamente para ela e concluiu: — Adoro
covardes. Eles me fazem sentir protetor.
— Diz isso porque me julga covarde?
— Não em todas as circunstâncias, claro. Mas algumas vezes… Bem, o
que você pensa?
— Eu me conheço o suficiente para saber quais são os meus pontos
fracos. Se os reconheço antes dos outros, é porque assim é menos doloroso.
— Eu não havia pensado nisso. É claro, você tem um juiz permanente
na família, ansioso para apontar suas fraquezas, não é?
Cássia não respondeu. Já se encontravam próximos à casa parados, sob
um carvalho que se inclinava sobre a cerca-viva do jardim. Por entre os
galhos da árvore podiam-se ver estrelas brilhando no céu completamente
límpido. Robert segurou-a pelos ombros e falou num tom estranho:
— Vou dizer uma coisa, Cássia. Acredito em tudo que você me conta, e
isso é uma coisa rara para mim no que diz respeito a mulheres.
Cássia fez menção de prosseguir andando, mas ele a deteve.
— Espere. Não pense que estou querendo apenas agradá-la. Quero
muito ser seu amigo. Acho que você poderia ter um de verdade, e gostaria
que fosse eu.
Ela não sabia o que dizer ou o que pensar. O encontro com Robert dera
novo rumo a seus planos. Ele falava com seriedade e sentimento, e buscava
nela um nível de relacionamento muito mais profundo do que já tivera com
qualquer outra pessoa. Ao mesmo tempo em que a situação a estimulava,
também a deixava ligeiramente apreensiva. Tinha consciência de que sentia
uma inesperada necessidade de confiar em Robert, apesar da reputação dele e
de sua própria experiência. E mesmo assim…
— Mas você tem vários amigos — comentou ela finalmente. — Sei o
quanto é popular entre eles.
— Você sabe que não é a esse tipo de amizade superficial que me refiro.
— A que então, Robert?
— Oh, não digo também quanto a mantermos um relacionamento
amoroso, já que você é contra a idéia. Mas você e eu… temos sentimentos
para dar um ao outro… e talvez ambos precisemos disso.
— Já há muito tempo sei que as pessoas esperam algo de mim. —
Robert riu.
— Não estou pedindo obediência, como seu pai. — Tomou a mão de
Cássia entre as suas com uma expressão misteriosa no rosto. — E então,
Cássia, vamos fazer um acordo de amizade?
Ela vislumbrou uma luz de esperança. Sorriu timidamente para ele,
fitando os lindos olhos claros.
— Negócio feito — concordou.
Apertam-se as mãos e caminharam em silêncio até o portão. Robert o
abriu e deu passagem a ela.
— Não vou entrar. Nós nos veremos amanhã cedo.
— Vai ficar na vila?
— Não sei. Bem, amanhã conversaremos sobre sua maneira fria de
mandar hóspedes embora. — Como Cássia pareceu não entender direito,
Robert explicou melhor.
— Falo de Harley.
— Pelo que deduzi, você prefere que eu aja à sua maneira.
— Sim — respondeu ele tranqüilamente.
— Não estou muito segura, Robert de que desejo viver numa mentira.
Não apenas para enganar os jornalistas. Teríamos de enganar muitas pessoas.
Mesmo que eu quisesse, não sei se conseguiria ser boa atriz.
— Prefere lidar sozinha com Harley? — ele questionou friamente.
— Eu… oh, você não entende.
Cássia mordeu o lábio e fez um gesto de desespero. Robert sorriu, o
olhar repleto de ternura. Não tocou nela, mas foi como se a envolvesse com
braços calorosos e reconfortantes.
— Eu lhe ofereço uma experiência inteiramente nova. Você vai gostar,
Cássia. Pense a respeito. Estarei aqui amanhã cedo.
Fez menção de beijá-la, mas mudou de idéia e partiu.
CAPÍTULO VI

Os dias que Cássia passou no campo foram os mais curiosos e, ao


mesmo tempo, os mais importantes de sua vida. Era quase como se tivesse
duas personalidades distintas! A primeira era a de mulher decidida e fina,
que tomava decisões no trabalho, como se acostumara a fazer, de tal forma
que Lesley não notara nela nenhuma mudança quando se falaram por
telefone.
No resto do tempo sentia-se outra mulher. Cuidava com grande prazer
da casa e dos jardins; passava longas horas elaborando planos grandiosos e
irrealizáveis sobre como mudar sua vida, tão insatisfatória. Evidentemente,
não tomou nenhuma decisão quanto a Robert, a quem esperava com grande
ansiedade e alegria. Encontravam-se diariamente para o café da manhã, como
haviam combinado.
No primeiro dia, Cássia lhe disse que não concordaria com um falso
romance entre os dois. Robert respondeu que lhe daria mais tempo para
refletir, e enquanto isso poderiam solidificar a amizade nascente.
Cássia sentia-se como que arrastada por uma forte atração. Robert era
uma companhia encantadora e agradável que a deixava tranqüila e feliz. Não
a intimidava e nem tirava proveito de seus sentimentos ou de sua gratidão. E
escondia por trás daquele sorriso preguiçoso uma perseverança que a
deixava com a impressão de que nunca teria a última palavra.
Cássia, que se habituara a fazer suas próprias escolhas, estava confusa.
Não sabia bem o que sentia por Robert. Em certas ocasiões, ele se trancava em
pensamentos, numa atitude que a intrigava. Fora sincero ao oferecer-lhe
amizade, mas podia estar usando aquele pretexto para aproximar-se de
Jerome…
Não, Robert não tinha interesse nenhum naquela história. Pelo
contrário, seu pai era quem queria algo dele. Chegou à conclusão de que
Robert era quem poderia ter alguma desconfiança com relação àquela
amizade. Ele, porém, nada deixava transparecer. Era sempre muito gentil e
agradável, acompanhando-a nos passeios e nos cuidados com os jardins, o
pomar e a horta.
— Sabe, Cássia, uma executiva como você não deveria ocupar-se com
pomar e coisas do tipo — disse ele um dia, apoiado preguiçosamente num
ancinho.
— E um trabalho muito saudável — respondeu ela, enquanto
continuava a colher maçãs.
— Há três dias estamos aqui — insistiu Robert. — Estou exausto!
Nunca trabalhei tanto em minha vida!
Cássia, que já tivera oportunidade de observar-lhe o vigor físico, sabia
que ele exagerava. E ordenou, rindo da encenação:
— Ora, não reclame e me ajude a terminar a horta.
Ela olhou ao redor e observou que realmente haviam feito muita coisa
naqueles três dias.
— Ah, não! Você ainda pretende cuidar da horta? Não agüento mais!
Estou sendo explorado! — queixou-se ele, brincalhão.
— Não dramatize, Robert!
— Eu dramatizo? — repetiu ele, como se tivesse ouvido o maior insulto.
— Vou ensinar-lhe a não falar assim comigo. — Aproximou-se com olhos
faiscantes e pôs-lhe as mãos sobre os ombros, enquanto ela ria com vontade.
Quando Cássia parou de rir, olhou fixamente para ele. Robert acariciou-
lhe as costas e enlaçou-a pela cintura, trazendo-a delicadamente para junto de
si. Suavemente ergueu-lhe o rosto.
— Você é maravilhosa — sussurrou.
Como se tivessem vontade própria, as mãos de Cássia afagaram os
cabelos loiros e macios. Eles se beijaram com ardente paixão, sentindo a
delicia de trocar carícias.
Quando Robert ergueu a cabeça, ela se aconchegou no peito masculino,
um sorriso terno no rosto, enquanto ele lhe acariciava os cabelos, brincando
com os cachos.
— Robert, oh, Robert…
— Para alguém que não quer se envolver amorosamente, você tem um
estranho modo de mostrar isso — comentou ele, com uma ponta de malícia
na voz.
Cássia fitou o rosto querido; lentamente, voltou à realidade e soltou-se
dos braços dele.
— Sinto muito.
— Sim, imagino que sinta mesmo — concordou ele, com ironia.
— Eu não queria…
— Sei que não.
Corada, Cássia não sabia mais o que dizer.
— Ouça-me, por favor — começou, mas foi interrompida por alguém
que a chamava, na outra margem do riacho. Reconheceu Vic e seu cão
aproximando-se.
— Droga! — exclamou baixinho. Robert, ao contrário, pareceu aliviado.
— Inoportuno, concordo, mas não lhe queira mal — disse e caminhou
na direção do homem.
Cássia seguiu-o, um pouco mais atrás, trazendo o cesto de frutas que
colhera, no braço. Quando os alcançou, notou pela expressão de ambos que
havia algo errado.
— Parece que teremos aborrecimentos, querida — informou Robert,
segurando sua mão.
— O que aconteceu? — perguntou ela, olhando de um para o outro.
— Bem, não sei ainda ao certo — disse Vic. — Ron e eu vimos alguns
homens rondando por aqui, perguntando sobre as pessoas da vila. Nunca os
vimos antes.
— Perguntaram sobre a minha pessoa, é isso? — indagou Cássia.
— Creio que sim. E a respeito dele também.
— E o que queriam saber a meu respeito? — interessou-se
Robert.
— Queriam saber se você estava hospedado aqui com Cássia. Eu disse a
eles que se tinham essa convicção, então sabiam mais do que eu. Ron os
dispensou em seguida.
Robert passou a mão pelos cabelos, parecendo agitado e preocupado.
— E eles já partiram, Vie?
— Sim há mais ou menos uma hora. E ainda não voltaram.
— Isso significa que devem estar rondando a vila — deduziu Robert.
— Mas, foram enviados por John, por que não lhe informam logo sobre
o lugar onde moro?
— É estranho realmente. Talvez devêssemos ir ao encontro deles e
perguntar.
— Queriam saber também do telefone público mais próximo, e indiquei
o da delegacia de polícia — acrescentou Vic, com ar de satisfação.
— Aposto que não gostaram da idéia — disse Robert.
— Parece que não. Falei que era o único, além da cabine telefônica na
esquina perto do bar.
— Há mesmo uma cabine lá? — perguntou Robert.
— Há, sim, mas o aparelho está permanentemente quebrado. Nunca
funciona.
Cássia beijou o rosto de Vic e agradeceu.
— Obrigada, amigo. Você é ótimo.
Vic deu de ombros, disfarçando sua satisfação.
— Não gostei do jeito deles, foi só isso. Bem, se pretendem ganhar
tempo, seria melhor irem logo embora. — O homem desejou-lhes boa sorte e
partiu, acompanhado do cão.
Robert e Cássia permaneceram no mesmo lugar.
— Vamos fugir deles? — perguntou Cássia e Robert mostrou um
sorriso fraco.
— A decisão é sua. Você sabe qual é o meu ponto de vista.
— Ficar e enfrentar John; armada com uma história convincente.
Cássia corou e desviou o olhar.
— Uma história em que você e eu…
— Exatamente — afirmou ele.
— Eu não deveria fazer isso. Não é justo. Mas estou com um pouco de
medo de John. Ele costumava me arrasar com tanta facilidade! Você contaria
sobre nós a ele?
Robert suspirou e respondeu:
— É para isso que servem os amigos.

Quando John os encontrou, os dois faziam um piquenique à beira do


riacho.
— Se deixar de ser uma executiva, terá uma brilhante carreira como
cozinheira — comentou Robert, saboreando o último pedaço de sanduíche. —
Sabe, você é perfeita: é uma mulher bonita, inteligente e faz doces deliciosos.
Cássia sorriu, mas com ar preocupado. Ouvia o motor de um carro nas
proximidades.
— Qual é o problema? — perguntou Robert, e então ouviu o ruído. —
Oh, entendo. Que venha John, o Furioso!
— Jonh não costuma se exaltar — disse ela, engolindo em seco.
— Nem mesmo quando vê sua mulher com outro homem?
— Não sou mulher dele!
— Tem certeza? Não aceita a opinião dele ou a de seu pai?
— O que importa é a minha opinião — respondeu ela, em tom de raiva.
O portão da casa abriu-se e fechou-se. Robert apanhou o chapéu e o
colocou, deixando os olhos meio escondidos. Ela sentia o coração bater
descompassado.
John caminhava com passos rápidos, típicos de um homem de negócios
atarefado. Avistou-os e aproximou-se, parando a alguns metros de distância.
— Cássia — disse ele num tom alto e constrangedor, sem olhar para
Robert. — Cássia, venha até aqui!
— Ele não parece uma criança mimada? — comentou Robert
maldosamente.
John ignorou o que ele disse, embora ficasse ligeiramente corado.
— Cássia, não vim aqui para discutir com você.
— Ele é um homem de paz — Robert gracejou novamente. John lançou
um olhar de desprezo e deu um passo para a frente.
— Temos de conversar, Cássia. Poderia pedir a seu amigo para nos
deixar a sós? — disse irritado.
Ela havia amadurecido muito desde a última vez em que vira John.
Acostumara-se a tomar decisões, embora isso não funcionasse muito quando
o assunto se referisse a Robert. Sem sair do lugar e apenas erguendo um
pouco o rosto, falou:
— Não vou fazer isso.
John não se abalou, como se fosse exatamente aquilo o que esperava
dela.
— Não seja temperamental, querida — retrucou em tom indulgente. —
Não disponho de muito tempo.
Cássia sorriu com ironia.
— Se tem pouco tempo, John, não deveria desperdiçar nem um minuto
comigo.
— Mas eu tinha de vê-la, minha querida! Esse não é o tipo de assunto
que se possa conversar na frente de advogados ou… — Fez uma ligeira pausa
para olhar para Robert — ou na presença de terceiros.
— Não temos nada que conversar — replicou ela no mesmo tom.
John mantinha um ar arrogante e seguro de si. Não dava atenção ao que
Cássia falava, como sempre fizera. Ela então se levantou irada.
— Ouça, John. Não sei por que veio até aqui, embora possa imaginar.
Não vai funcionar. Livrei-me de você há seis anos e desde então todas as
manhãs agradeço a Deus por isso.
Ele sorriu de modo esquisito.
— Pobre criança! Eu nunca percebi o quanto a magoava. Dedicava toda
a minha vida ao trabalho.
John avançou mais um passo, esticando a mão num gesto de súplica
infantil. Cássia viu aquilo com desagrado e permaneceu imóvel.
— De fato, você só vivia para o trabalho. Até mesmo casou-se com ele.
Agora já entendeu isso, suponho.
Mesmo com toda a sua presunção, John não pôde ignorar o tom
carregado de desprezo de Cássia.
— Você nunca deveria ter me deixado. Você mudou.
— É verdade. Não sou mais a idiota que fazia tudo o que você queria,
não é? Ainda tem o descaramento de vir até aqui e perturbar a minha vida?
John sentiu-se ferido, por isso revidou:
— Você mudou para pior. Jerome já me havia prevenido. Foi bastante
abatido que ele me contou no que você havia se transformado.
Cássia empalideceu. O sorriso complacente de John transformara-se em
ira. Seu olhar era de indisfarçável hostilidade.
— Só vim aqui porque Jerome implorou que o fizesse.
— Pois desperdiçou seu tempo — disse ela com tranqüilidade. — E, por
favor, vá embora.
John não parecia ouvi-la.
— O que Jerome não me disse foi que você havia se reduzido ao papel
de sustentar homens — prosseguiu ele com um sorriso vingativo. — Onde
encontrou esse gigolô? Não é um capricho muito dispendioso?
John já não fitava os olhos castanhos de Cássia. Olhava para o homem
que julgava ser seu amante. Robert também mantinha seus hipnóticos olhos
verde-azulados fixos no rival.
— Você terá de se desculpar por isso, John Harley.
— Desculpar-me a você?
— Não a mim, a Cássia.
— Ela é minha mulher.
— Ex-mulher — corrigiu Robert. E sem pensar mais, avançou para
John, imobilizando-o.
John tentou libertar-se, mas não conseguiu.
— Agora seja um bom rapaz e peça desculpas. Assim posso voltar logo
para o meu banho de sol.
Percebendo que Robert não o soltaria enquanto não fizesse o que ele
mandava, John se desculpou:
— Está bem, está bem. Desculpe-me, Cássia — concordou, aliviado por
não haver testemunhas para contar seu vexame a Jerome.
— Você não foi muito convincente, mas vou aceitar. Devemos dar uma
chance a ele, certo, meu bem? — debochou Robert,
Pálida, Cássia foi incapaz de dizer uma palavra. Apenas fez que sim
com a cabeça.
— Bom, vou levá-lo de volta a seu caminho e depois podemos voltar ao
nosso… hum… piquenique — falou de modo malicioso e sensual, insinuando
que havia um caso entre os dois.
John não fez mais objeção nenhuma e deixou-se conduzir para fora dali,
ainda com os braços às costas. Após darem a volta ao redor da casa, pondo-se
fora das vistas de Cássia, Robert empurrou-o à sua frente.
— Não volte mais aqui — advertiu com tranqüilidade.
— Está me ameaçando?
— Não. Ameaças fazem mais o seu estilo do que o meu, sr. Harley. Se
quero fazer alguma coisa, eu faço logo. Assim me dá… maior satisfação —
concluiu com ar inocente. Não parecia nervoso, pelo contrário, falava de
modo tranqüilo e ainda assim aterrorizava John, que já recuava. — Sugiro
que não volte mais aqui. Cássia não gostaria de vê-lo novamente, e eu… eu
gosto apenas do que ela gosta.
— Seu gigolô! — gritou John.
— Sabe, sr. Harley, está sendo muito desagradável comigo. Odeio ser
hostil, mas…
Com um leve e inesperado empurrão, jogou John nas águas geladas do
riacho. Ouviu-se um palavrão e o impacto surdo do corpo mergulhando na
correnteza. Praguejando e aos tropeços, John conseguiu voltar à terra
torcendo as calças e tirando o paletó do terno de fino corte. Toda a sua
dignidade estava em farrapos. Nunca fora tão humilhado na sua vida. Sentia-
se envergonhado e furioso. Furioso com Robert, com Jerome e,
principalmente, com Cássia.
— Vai se arrepender disso, seu canalha — ameaçou ele por entre os
dentes cerrados.
— Não, não vou — disse Robert. — Muito pelo contrário, será sempre
divertido recordar este episódio.
Cada vez mais irado, John quase gritou:
— Deixe-a em paz. Está entendendo? Deixe-a sozinha! Ela é minha e
sempre será. Fui o primeiro e a conheço muito bem. Nunca haverá outro
homem para ela.
Robert assumiu uma expressão que não era nem de indiferença, nem de
gracejo. Seu ar de superioridade fez John sentir-se totalmente intimidado.
— Espero que esteja enganado, sr. Harley. Para o seu bem e para o meu
— avisou Robert. E então voltou a sorrir de modo irônico. John era uma
pessoa desprezível, com quem não valia a pena perder mais tempo. Virou-lhe
as costas e caminhou de volta para perto de Cássia.
CAPÍTULO VII

Robert encontrou Cássia no jardim, tensa e imóvel, com o olhar fixo no


vazio.
— Você ouviu o barulho, quando joguei John na água? — perguntou
ele.
— Eu… sim ouvi.
— Não fique tão preocupada. Não afoguei seu ex-marido. Apenas dei-
lhe um motivo para ir embora e trocar de roupa. Pelo menos nas próximas
horas não voltará para importuná-la.
Cássia suspirou e sentou-se no gramado.
— Obrigada, Robert.
— Ora, não foi nada. Até que me diverti um pouco.
— Nunca me ocorreu que as pessoas pudessem pensar…
— Também estou perplexo — cortou Robert.
— Sinto muito por John tê-lo chamado de gigolô.
— Não se preocupe com isso.
— Não se importa de ser insultado? — perguntou ela pausadamente,
com voz repleta de mágoa.
Robert sentou-se a seu lado.
— Isso diminui sua estima por mim?
— Não! Apenas que…
— Continue!
— Esperava que você ficasse muito nervoso — confessou-lhe. — Em seu
lugar, John, provavelmente, o teria processado por difamação. E papai… nem
quero pensar!
Robert sorriu,
— É, ouvi dizer que seu pai tem algumas idéias medievais sobre justiça.
É um homem vingativo, não é?
— Ele nunca deixa de cobrar uma dívida. E orgulha-se disso —
respondeu ela.
Robert acariciou-lhe de leve as mãos, num gesto reconfortante e ao
mesmo tempo íntimo, deixando-a embaraçada.
— Entendo por que você esperava que eu desse uma surra em John.
Mas esse não é o meu estilo. Sinto se a desapontei.
— Não estou desapontada. Seria um modo desagradável de livrar-se
dele.
— Foi o que pensei — concordou Robert.
— Obrigada mais uma vez — disse ela simplesmente.
— Esqueça. Foi por nossa amizade.

No decorrer do dia, embora não tocassem no assunto, não conseguiram


esquecer o incidente. O companheirismo que havia entre eles se dissipara
com a intromissão de John, e o diálogo se tornara formal. Mais retraída e
muito contrariada, Cássia percebeu que sua timidez e insegurança tomavam
vulto novamente. A presença de John trouxera lembranças do longo período
de rejeição que vivera com ele.
Robert notou sua mudança de humor.
— Tenho a impressão de que você deseja ficar sozinha, Cássia.
Ela negou, mas sem muita convicção.
— Não é preciso mentir para ser gentil comigo — acrescentou ele. —
Você tem todo o direito de querer se isolar um pouco. Provavelmente eu faria
o mesmo em seu lugar.
— Creio que já é hora de retomar o trabalho no escritório. Lesley está
sentindo a minha falta.
— Quer dizer que voltará para a cidade?
Ela fez que sim.
— Mas apenas durante o dia — explicou.
— Como? Não entendi — disse Robert, ligeiramente irritado.
— Ficarei em Londres durante o dia, mas não dormirei no apartamento
— informou Cássia, surpresa com a expressão dele. — Não gosto de lá,
entende? Não é minha casa. Só fico lá quando é preciso. Normalmente volto
para cá.
— Compreendo — disse ele, mais calmo.
— O que você pensou?
— Pensei que não quisesse mais me ver.
— Oh, não! Claro que não! Somos amigos agora, e os amigos podem se
encontrar à noite.
— Quando?
— Quando você quiser.
— Então, amanhã. Aqui, às oito. Vou levá-la para jantar.
— Tenho muitas coisas para fazer amanhã. Não sei…
Desconcertado, Robert segurou-a pelos ombros.
— Se não deseja mais me ver, terá de dizer isso. Não minta para mim
usando desculpas de trabalho.
Com o coração batendo forte no peito, Cássia sentiu-se alegre diante da
esperteza dele, embora não soubesse explicar por quê. No entanto, aparentou
alguma indiferença ao dizer:
— Bem, Robert, como tenho muito trabalho amanhã e um compromisso
com você às oito, preciso levantar-me mais cedo. Só isso.
Robert sorriu e retirou as mãos dos ombros de Cássia.
— Oh, Deus, eu havia me esquecido de que você é uma executiva.
— E existe algo de errado nisso?
— Oh, não. É muito louvável você trabalhar. Mas neste momento sua
aparência é bem outra. — E Robert passou a mão por seus cabelos soltos ao
redor do rosto.
Cássia estremeceu. Sempre que ele a tocava, principalmente com gestos
espontâneos, sentia-se excitada. Era uma sensação perturbadora, e o que mais
a afligia era não saber se ele notava ou não sua mudança.
Tentou disfarçar o embaraço.
— Você também não se parece com um empresário de sucesso neste
momento — brincou, olhando para o chapéu de Robert.
Ele riu.
— Bem, eu tive sucesso por puro acaso. Sou mais um explorador
curioso.
— Eu não diria que foi obra do acaso. Você me parece bastante eficiente,
daqueles tipos que conseguem tudo o que querem.
— Verdade? E você, não gosta de pessoas determinadas?
— Bem, claro que sim. Mas algumas pessoas querem vencer a qualquer
preço. Você não?
— Eu? Não. Sou um homem despreocupado. Quero apenas o que possa
conseguir por um preço razoável — retrucou ele, com ar de quem se recorda
de um fato distante e não muito feliz.
De algum modo, Cássia soube que ele dizia coisas importantes. Notou o
tom de amargura na voz grave, e com aquilo retraiu-se um pouco.
— E o que é um preço razoável para você, Robert? — perguntou,
cautelosa.
— A vida. Há prazeres que só são alcançados se a gente mudar
inteiramente o rumo, para ajustar-se a eles. Com algumas mulheres acontece
o mesmo.
— Fala de uma mulher em seu passado? — indagou Cássia, intranqüila.
A princípio pensou que ele não responderia, pois tinha um traço de amargura
no olhar. Enganou-se.
— Uma mulher que ainda quero.
Aquelas palavras a abalaram. Como podia sorrir ao saber que Robert
desejava outra mulher? E o que ela esperava? Robert não a desejava, a não ser
para um caso passageiro. Por que, então, sentia-se tão ferida?
Ao notar a expressão de mágoa de Cássia, ele se livrou dos
pensamentos sombrios e disse:
— É uma experiência nova para mim gostar de alguém que não posso
ter. Uma situação bastante peculiar.
Quem poderia ser aquela mulher, e como era capaz de resistir a ele? Há
muito tempo ela não pensava daquela maneira em um homem. Evitava
encará-lo, sentindo que aquele homem encantador era o primeiro por quem
se apaixonava de verdade.
Robert tirou do bolso as chaves do carro.
— Vejo você amanhã à noite. Não se atrase, ou ficarei aqui fora
chorando a sua falta.
Cássia riu, embora ainda tensa. Foi bom ele não ter feito menção de
beijá-la na despedida. Ao mesmo tempo ficou desapontada. Entrou em casa e
se mirou por um instante no espelho do hall.
“Você está ficando maluca. Quer que ele a beije, ou não quer? Não pode
querer as duas coisas ao mesmo tempo.” Levantando-se, foi arrumar a
cozinha.

No dia seguinte, ao entrar no escritório, Cássia viu-se no espelho de


entrada e comparou sua imagem com a que exibira no dia anterior. Eram
completamente distintas, mas possuíam algo em comum: vida. O que teria
acontecido com ela? Por que poucos dias na companhia de Robert a haviam
tornado tão diferente? Sentia-se excitada, jovem outra vez. E também cheia de
esperança. Há muito não vivia tais sensações.
“Não há nenhuma razão para isso”, disse a si mesma, sentando-se à
mesa.
A porta abriu-se, e Lesley entrou na sala.
— Olá — cumprimentou a secretária. — Você parece muito feliz.
Comprou alguma mina de ouro?
Se contasse a Lesley que estava sorrindo à toa, apenas porque pensava
em Robert, a amiga certamente diria que tinha enlouquecido.
— Não comprei uma mina, mas talvez tenha apostado numa.
— Bom, de qualquer modo você parece estar bem.
— É verdade — murmurou Cássia, e as dúvidas voltaram à sua mente.
Tratou de esquecer o assunto. Tinha muito trabalho a fazer e não queria
pensar em Robert até as oito da noite.
— Datilografou o contrato da Félix? — perguntou a Lesley.
— Aqui está — disse a moça, entregando-lhe uma pasta.
— Enviou as cópias aos advogados?
— Aos dele e aos nossos. E aqui estão os outros serviços que recebi pelo
terminal do computador — informou Lesley, mostrando-lhe outros papéis
datilografados.
— Foi uma ótima idéia comprar este computador para minha casa de
campo, não foi? Obrigada, Lesley, você é sempre muito eficiente.
— É porque gosto do trabalho — retrucou. Hesitando um instante,
acrescentou: — Não recebi nada sobre o projeto “Queen Anne’s Place”.
Michael tem aparecido todos os dias, querendo saber se você já leu seu
relatório.
Cássia estava distraída. Como afastar Robert de seus pensamentos para
poder trabalhar?
— A empresa que o sr. Keys quer comprar de lorde Dearham —
explicou Lesley.
— Hã? Ah, sim, eu sei — murmurou Cássia, novamente atenta. — Já li o
relatório. Não enviei nada porque achei que não seria muito diplomático
responder por carta. Vou conversar com Michael e… e com meu pai.
— Entendo…
— Então Michael tinha razão. O sr. Keys não vai ficar nada satisfeito.
— Isso mesmo, o sr. Keys não ficará nada satisfeito comigo hoje…

Quando Jerome Keys telefonou, ao meio-dia e meia, Cássia encontrava-


se apreensiva.
— Olá, papai — cumprimentou, aparentando indiferença. — Acordou
cedo hoje?
Jerome estava nervoso.
— Você acha que eu consigo dormir? Que diabos pensa estar fazendo?
— Estou preparando o contrato da Félix para esta tarde,
providenciando a propaganda para a conferência em Paris, escrevendo o
relatório do…
— Não quero saber o que está em sua agenda — interrompeu ele. —
Quero saber o que disse a John.
Cássia empalideceu, mas não perdeu o autodomínio. Era mais fácil
conversar com o pai por telefone do que pessoalmente. De toda forma odiava
o modo como ele a tratava.
— John já lhe contou tudo, não foi? — falou, num tom irônico. Jerome
fez que não entendeu.
— Você já tomou consciência de que ele está aí na Inglaterra
especialmente para conversar com você? Tem alguma idéia de quanto custa
isso?
— Para ele ou para você? — perguntou ela em tom suave.
— Para a empresa, claro. Não posso pagar executivos que se afastam do
trabalho para ver minha filha.
— Então, sugiro que o alerte quanto a isso. — Jerome resolveu mudar o
tom de voz.
— Ouça, Cássia, por que não dá uma chance a ele? John sabe que
cometeu um erro.
Cássia pensou na maneira arrogante como John a tratara ao visitar sua
casa de campo.
— Sim, de fato ele errou — concordou ela. — Escute, pai, já tivemos
esta conversa antes. Não quero mais nada com ele e ponto final. Quantas
vezes será preciso repetir que não quero mais saber de John e nem ouvir o
nome dele novamente?
— John me disse que você tem um namorado — falou Jerome,
demonstrando incredulidade.
— É mesmo? — retrucou ela, com indiferença. — Cássia, você não está
cometendo alguma tolice, está?
Jerome, agora, parecia preocupado. Mudara o tom agressivo para o de
um pai amoroso, protetor e cheio de ansiedade. Cássia não se deixava
impressionar, pois sabia que ele voltaria a explodir assim que ela
correspondesse a sua afeição.
— Tenho me divertido — respondeu, lacônica e indiferente. Provocara-
o, causando uma reação mais enérgica.
— John diz que você está fazendo papel de tola com aquele sujeito
imprestável, Robert Dearham.
Aquele comentário irritou Cássia, que mal conseguia falar. Sentia uma
necessidade quase irresistível de defender Robert e de atacar John. Procurou
não perder o autocontrole. A opinião que seu pai tinha de Robert não
importava. Assim, foi capaz de acalmar-se.
— Você me disse para conhecê-lo melhor — lembrou-lhe Cássia,
tranqüila. — Na verdade, se ainda se lembra, você falou que eu deveria ir
para a cama com ele, para o bem da companhia, é claro! — Ouviu um suspiro
do outro lado da linha e prosseguiu: — Quer mudar suas instruções? —
perguntou ela, divertindo-se.
— Você está dormindo com Robert Dearham ? — disse ele num
sussurro.
— Se estou ou não, não é de sua conta, já que não estou agindo sob
ordens suas. Outra coisa: li o relatório de Michael. Ficou bastante claro que
você quer comprar a companhia apenas pelo edifício. Em seguida fechará a
empresa e demitirá todos os que trabalham lá. Há certas ocasiões, papai, em
que fica bem difícil defendê-lo.
— Isso é mentira — explodiu Jerome, como sempre fazia quando
pressionado. — O meu negócio é honesto. Que foi que Dearham andou
dizendo a você?
— Absolutamente nada. Está tudo no relatório. As conclusões são
óbvias.
— Relatório? Que relatório? Não autorizei nada disso. Recolha todas as
cópias e destrua-as imediatamente. Como deixou que ele fizesse isso, Cássia?
Não vê que não nos convém? Oh, eu nunca deveria ter confiado naquele
sujeito, nem em você. Só há uma pessoa na empresa que é leal a mim. É o
homem que você quer chutar por causa de um playboy barato!
Mesmo bastante irritada, Cássia, não pôde conter uma gargalhada
gostosa, que deixou Jerome ainda mais furioso.
— Você é capaz de negar isso? — gritou ele.
— Ora, vamos, papai. Foi John quem se livrou de mim, muito antes do
divórcio. O que faço de minha vida agora não tem nada a ver com ele, ou
com você.
— Vai se arrepender — advertiu Jerome, arrogante. — Ele está
quebrado e atrás de seu dinheiro.
Novamente o ódio a invadiu. Como ele se atrevia a falar assim?
— Quem está atrás do meu dinheiro, papai? John? — fingiu-se de
inocente.
— Uma vez que está determinada a comportar-se de maneira tão
infantil, não vou mais perder meu tempo com você. Se for tola o suficiente
para se envolver com Robert Dearham, depois não me venha chorando
porque ele tomou todo o seu dinheiro. Terá o castigo que merece. — E bateu
o telefone, sem esperar uma resposta.
Aquela conversa deixara Cássia trêmula.
— Café? — ofereceu Lesley, pondo a cabeça no vão da porta
entreaberta.
Cássia fez que sim, agradecendo. Logo em seguida Lesley voltou com a
xícara.
— Problemas? — perguntou.
— Quando é que não os temos? — Cássia deu de ombros e deu um gole
no café.
— O sr. John Harley telefonou duas vezes esta manhã — informou
Lesley. — Disse a ele que você estava ocupada. Ele vai chamar novamente.
— E já ligou de novo?
— Ainda não, mas quer convidá-la para jantar esta noite. Informei-lhe
que não tinha conhecimento de sua agenda particular, portanto não sabia se
estaria disponível.
Cássia corou ligeiramente, e a secretária ficou curiosa e surpresa.
— Já tenho compromisso para jantar esta noite, Lesley. Esqueci de
contar a você.
Lesley tomou nota numa caderneta.
— Devo informar isso ao sr. Harley, quando telefonar? — Cássia achou
que seria covardia sua não atendê-lo e que não era algo para pedir à
secretária, mesmo sendo sua amiga.
— Não, obrigada. Falarei com ele quando voltar a chamar.
Mas John não ligou. Foi informada disso quando fechava o cofre e se
preparava para ir embora.
— Ótimo! — murmurou Cássia, enquanto vestia o casaco e se ajeitava
diante do espelho.
Lesley a observava, sorrindo.
— Vai sair direto do trabalho? — Cássia fez que não.
— Oh, vai para seu apartamento, então?
Outra vez fez um gesto negativo, acompanhado por uma expressão
travessa.
— Tenho um agradável compromisso bucólico.
— Se seu pai soubesse… — brincou Lesley, sorrindo.
— Não diga isso nem por brincadeira.
— Está bem, mas me conte onde vai ser o encontro.
— Não sei ainda. Deixei os detalhes por conta de… hã… do meu
companheiro.
— Companheiro? — repetiu a outra, erguendo as sobrancelhas. —
Humm, isto parece mais sério do que pensei. Você está vivendo
perigosamente.
— Sim, estou — concordou, arrumando os cabelos. Mirou-se no espelho
com ar misterioso. Tinha o rosto corado e um brilho diferente nos olhos.
Parecia ansiosa, apreensiva e muitos anos mais jovem.
De repente, virou-se, puxou Lesley e começou a dançar com ela ao
redor da sala.
— E é incrivelmente divertido.
Rodou alegremente com Lesley. As presilhas dos cabelos se soltaram,
deixando-os livres.
— Oh, estou me divertindo tanto!
Sem saber o que dizer, Lesley apanhou as presilhas no carpete e as
entregou a Cássia.
— Não faça esse ar tão desaprovador — brincou Cássia. — Apesar de
tudo, será apenas um encontro.
— Mesmo? — retrucou a secretária.
Cássia não a ouviu, pois já havia deixado a sala apressadamente, a
caminho do hall.
CAPÍTULO VIII

Quando Robert chegou, Cássia ainda não estava pronta, vestia um robe
e tinha os cabelos presos do jeito como saíra do banho. Não havia chegado
tarde em casa, pelo contrário. Deixara o escritório mais cedo do que nos
outros dias. Acontece que quis se enfeitar, fazer-se bonita, e ficou indecisa
para escolher uma roupa que a satisfizesse. Justo ela, que não dava muita
importância para o vestuário, gastar um tempo enorme experimentando
quase todos os vestidos e amontoando-os em cima da cama.
Ouviu o som da campanhia e desceu para abrir a porta, envergonhada
pelo atraso. Os olhos de Robert brilharam ao vê-la.
— Não diga nada, me deixe adivinhar — disse ele. — Descobriu que
não tem o que vestir?
Cássia corou e deu passagem para ele.
— Bem, não sei aonde vamos, ou… ou o que você espera — defendeu-
se ela. Levou-o para a sala de estar, que estava impregnada pelo perfume das
rosas do jardim.
— Por acaso, o que eu espero de você faz alguma diferença? —
perguntou Robert, curioso.
— Claro que sim — respondeu ela.
— Mas quanta formalidade!
— Muito bem, aonde vamos esta noite? — perguntou Cássia, passando
distraidamente a mão pelos cabelos.
— Acredito que você já esteja farta dos restaurantes finos que freqüenta
por causa de seus compromissos de trabalho. Portanto, pensei que preferisse
um local mais… hã… mais tranqüilo.
— Está vendo? Foi ótimo eu não ter me vestido antes de você chegar.
Agora já sei que roupa devo pôr.
Convidou-o a servir-se de um drinque enquanto ia terminar de se
arrumar. Quando se dirigia à escada ele a segurou pelo braço.
— Estou contente por você não ter se vestido ainda — murmurou.
Abraçou-a e passou a acariciá-la por debaixo do robe largo que ela usava.
Cássia não protestou ao sentir as mãos carinhosas em contato com sua
pele macia e fresca. Cheia de desejo, pronunciou o nome dele várias vezes.
Aconchegou-se naqueles braços fortes correspondendo apaixonadamente.
Robert inclinou o rosto e a beijou nos lábios suavemente. Seu coração
batia forte, descompassado.
Prevendo o que podia acontecer, Cássia afastou-se dele.
— Robert, eu não quero… — disse em voz baixa.
— Sei exatamente o que você não quer. Mas não deveria ficar andando
por aí nesses trajes.
Cássia corou. Tentava adivinhar as emoções que o dominavam, mas
Robert mostrava apenas um sorriso indefinido no rosto.
— Sinto muito. Não tive a intenção de provocá-lo.
— Esqueça. Não tem importância — tranqüilizou-a ele com gentileza.
— O que gostaria de beber? — perguntou ela, disfarçando a emoção.
Robert não respondeu de imediato. Enquanto isso, Cássia virou-se para
verificar o que havia no bar. Mesmo de costas sentia o olhar febril que a
observava, era como se o calor que emanava daqueles olhos claros tivesse o
poder de atravessar o tecido do robe e fazer-se sentir sobre a pele.
— Você tem uísque com soda? — pediu ele calmamente. Cássia
preparou-lhe a bebida, esforçando-se para não deixar que suas mãos
tremessem. Serviu-o com um sorriso frio, evitando encará-lo.
— Gelo? — perguntou.
— Eu mesmo pego. Vá terminar de se vestir.
— Muito bem, e o que devo usar?
Robert deu de ombros, mas Cássia notou o brilho de malícia nos olhos
dele.
— Qualquer coisa que costuma usar para jantar em casa.
— Em casa, aqui? Mas não tenho nada preparado.
— Em minha casa — esclareceu ele delicadamente.
— Sua… Oh, mas pensei que você morasse em Londres. Quer dizer,
presumi que… — Robert achou graça.
— Seu problema, Cássia, é que você presume demais as coisas. Sempre
esperei que me perguntasse para onde eu ia depois que a deixava; mas você
nunca fez isso.
— Não queria me intrometer. Afinal de contas era problema seu. Eu
não tinha nada a ver com isso.
— Esse é o ponto — observou ele, levemente irritado. Tomou um gole
de uísque e prosseguiu: — Meus problemas não têm nada a ver com você, e é
assim que quer as coisas, não é?
— É assim que as coisas são realmente — argumentou ela.
— Mas poderia ser diferente — comentou Robert, pondo o copo de lado
e tomando-a pelos ombros. Sacudiu-a suavemente.
— O que é que eu faço com você? — indagou ele, pesaroso, com uma
ponta de mágoa na voz. — Por que se tranca tanto em si mesma? Por que não
vê… Oh, Deus, o que devo fazer?
Robert envolveu-a nos braços. Desta feita, Cássia não estava prevenida
e logo sentiu nos lábios o calor do desejo dele.
Ela foi assaltada por um turbilhão de emoções. Nunca havia sido
beijada daquele modo nem experimentara tanta ansiedade nos lábios de um
homem. Crescia em seu íntimo uma necessidade de responder àquele beijo
com a mesma intensidade e paixão. Era como se o chão houvesse
desaparecido sob seus pés e ela estivesse caindo num abismo. A sensação que
tomava conta dela se tornava cada vez mais profunda e poderosa. Ao mesmo
tempo em que a intimidava, a atraía irresistivelmente.
Robert não mais a segurava; não havia necessidade. Suas mãos a
acariciavam sensualmente nas costas e na nuca, descobrindo e se deliciando
com todas as curvas do corpo feminino. Com delicadeza, foi retirando o robe,
que caiu ao chão sem que ela percebesse como. Ergueu a cabeça para
observá-la.
Ela não tinha muita consciência de que estava nua e linda, com os
cabelos soltos sobre os ombros e a respiração ofegante. Não sabia o que fazer.
Conflitos agitavam-lhe a mente. Reconhecia que estava assustada como uma
garota de escola num momento íntimo de paixão. Tinha, também, consciência
de outra sensação, de uma poderosa necessidade sexual, que nunca percebera
anteriormente. Robert era seu amigo, e ela não podia aprisioná-lo numa
armadilha sensual. John a atormentara inúmeras vezes por sua ineficiência
como amante. Aquele pavor era um fantasma que não a abandonava. E se ela
se entregasse a Robert? Jamais conseguiria satisfazê-lo sexualmente. Não
havia a menor chance de dar certo. Ele a abandonaria, mais cedo ou mais
tarde.
Cássia mostrou no rosto o medo que vivia. Foi então que ele suspirou
profundamente e falou:
— Não tive a intenção de fazer isto. Não é justo. Sinto muito. — Virou-
se de costas e pegou o copo com as mãos trêmulas.
Por incrível que pudesse parecer, Cássia sentiu-se rejeitada. Em silêncio,
apanhou o robe do chão e vestiu-o. Sua confusão era total.
— Vou terminar de me vestir; isto é, se você ainda quiser sair comigo.
— disse, com um fio de voz.
Robert bebeu o uísque sem olhar para ela.
— Sim, vamos sair — respondeu ele.
Ela o deixou esperando na sala e foi para o quarto. Pegou a primeira
roupa que encontrou pela frente. Todo o entusiasmo de horas antes caíra por
terra. Terminando de se vestir, prendeu os cabelos para trás com um lenço de
seda e desceu.
Ao retornar, hesitou um instante antes de entrar na sala. Encontrou-o
sentado próximo à janela, brincando com o gato. Robert olhou para ela e
sorriu.
— Você está muito bonita. Leve também um xale, pois aquela sala
antiga de minha casa costuma ser um pouco fria à noite, mesmo no verão.
Cássia, sentiu-se aliviada por ele ter retomado seu habitual tom
amistoso.
— Por acaso você mora num castelo mal-assombrado? — brincou ela,
sorrindo.
— Bem, eu não diria que é exatamente um castelo mal-assombrado,
mas confesso que é bastante exótico.
Pegaram o automóvel de Robert e saíram por estradas pequenas e
sinuosas através dos campos. Quando finalmente entraram numa alameda de
pedregulhos totalmente escondida por árvores de galhos baixos, Cássia
brincou:
— Você garantiu que o local não era mal-assombrado.
Ele apenas sorriu. Ao deixarem a alameda, Cássia avistou uma
belíssima mansão, como jamais vira outra igual e que sob o luar adquiria uma
aparência majestosa. Chegou a suspirar fundo diante de tão linda visão.
— Pensei que casas como esta só existissem nas páginas de romances —
comentou.
— Ela é mesmo bonita, não é? — retrucou Robert.
— Bonita? É simplesmente maravilhosa!
Cássia virou-se bruscamente para ele, aflita com o súbito pensamento
que lhe ocorreu.
— Seu pai mora aqui? — perguntou.
— Papai? Oh, não. Meu pai mora no norte, numa das mansões da
família…Este aqui é um local usado para abrigar esposas indesejáveis ou
velhas tias loucas — brincou Robert.
— Entendo. E para qual dessas finalidade você a usa? — Robert
estacionou o carro na garagem e desligou o motor.
— Para nenhuma — respondeu, rindo. — Mas sempre gostei muito
daqui e, quando meu pai a vendeu, consegui arranjar algum dinheiro e
comprá-la de volta.
— Seu pai a vendeu?
— Perdeu-a numa noitada de azar nas mesas do cassino. Venha dar
uma olhada — convidou ele, mudando de assunto e descendo do carro.
Cássia seguiu-o devagar, pensativa. Havia uma ligeira amargura nele
desde que falara do pai, apesar do tom casual que ele usara, Perturbada
alcançou-o, e em silêncio segurou-lhe a mão. E entraram assim na mansão.
Cássia reparou nos candelabros de parede do hall de entrada. Robert,
que acompanhou seu olhar, brincou:
— Sei que você é romântica, mas as velas deixam as paredes e o teto
escuros.
— Sabe de uma coisa? — observou ela. — Não gosto que você leia meus
pensamentos. Fico muito vulnerável.
— É que você possui pensamentos transparentes — respondeu ele,
acariciando-lhe a mão.
— Só espero que meus adversários de trabalho não percebam isso.
— Pensei que eu fosse um deles — disse Robert, provocante.
— Você deve ter negócios com meu pai, mas não comigo. Nem eu com
você.
— Bem, posso imaginar uma outra… hã… transação com você, que
deve ser compensadora.
Cássia soltou as mãos das dele, um pouco indignada com a brincadeira.
— Espero que o jantar seja uma delas. Estou faminta.
— Claro. Venha até a cozinha que vou lhe mostrar — ele falou,
sorrindo.
— É você quem vai cozinhar?
— Não se preocupe que não vou envenená-la. Na verdade, até que me
julgo um bom cozinheiro, levando-se em conta que sou um autodidata.
— Tenho certeza de que sim.
O curioso era que Cássia estava realmente certa disso. Ocorreu-lhe que,
onde quer que Robert pusesse as mãos, fazia tudo bem-feito.
— Você é um perfeccionista, não é? — prosseguiu ela. Robert abriu a
porta da cozinha para lhe dar passagem e disse:
— Agora é você quem está captando as coisas. É verdade, sou
perfeccionista, mas poucos reparam nisso.
— Sabe, me sinto como se o conhecesse muito bem. Como se tivéssemos
sido amigos durante toda a minha vida — falou Cássia, como que
descobrindo uma nova sensação.
— Sente-se mesmo assim? — Enigmático, Robert nada comentou. Sua
expressão nada revelava. — Bem, vamos provar minha comida e esperar que
não seja uma surpresa desagradável.
A cozinha não era moderna, mas era muito aconchegante. Havia dois
enormes armários rústicos de madeira, opostos um ao outro. O chão era de
pedra, e havia prateleiras de madeira nas paredes, acomodando potes, copos
e utensílios dos mais variados. Uma janela ampla dava para um quintal de
arbustos floridos, onde havia também um banco de madeira. A lua iluminava
o jardim.
— Gostaria de beber alguma coisa lá fora, enquanto termino de
preparar a sopa? — perguntou ele, também olhando para a janela.
— Gostaria de ajudá-lo em alguma coisa.
— Não, obrigado. Não há necessidade. Tudo o que tem a fazer é parecer
bonita, saborear a comida e agradecer amavelmente.
— Acha que serei capaz de corresponder a tanta hospitalidade?
— Lá vem você. Subestimando-se outra vez. Não quero mais isso,
ouviu? — Curvou-se e beijou-a de leve, antes de ir buscar alguma coisa na
geladeira.
Cássia estremeceu diante daquele gesto de carinho inesperado e casual.
Lembrou-se de que, mesmo nos primeiros dias em que vivera com John, ele
nunca a tocara como Robert fazia, tão afetuosa e espontaneamente. Quando
se achavam em lugares públicos, John se portava como se ela fosse sua
propriedade. Em particular, a tratava com total indiferença, até culminarem
num final de relacionamento terrível e hostil. Já então não faziam mais amor,
claro. Nunca conversaram sobre sexo. Ela sempre temera ser rejeitada e não
satisfazer seu marido. O ato de amor era uma tortura!
Já com Robert, podia conversar sem constrangimentos, entregar-se sem
medo, se ele a quisesse… Corou ao pensar nisso. Robert não percebeu, estava
de costas para ela, ocupado em tirar a sopa do fogo. Cássia levou as mãos às
faces e as sentiu em brasa.
“O que está se passando comigo?”, pensou.
— Pronto. Podemos comer à hora que você quiser — informou Robert.
— E então, o que vai beber?
Ela olhou para o jardim, envolvido pela luz da lua, antes de decidir.
— Vinho. Vinho branco gelado.
— Perfeito. A garrafa já está na geladeira. Vamos tomá-lo lá fora.
Sentaram-se no banco de madeira, com os copos de vinho à mão. Ela
suspirou, satisfeita.
— Por que o suspiro? — perguntou Robert. Cássia tinha no rosto uma
expressão de plena alegria.
— Por puro prazer — assegurou-lhe. — Pensava que é raro eu me sentir
tão feliz quanto estou neste momento.
Robert ergueu-se e colocou a garrafa no balde de gelo. Sentou-se no
gramado, com as pernas cruzadas.
— Parece que não é preciso muito para fazê-la feliz, não é?
— Quem não ficaria feliz sendo tratada tão amavelmente, tendo seus
caprichos satisfeitos, num local que parece cenário de romance?
— Conheço muitas mulheres que ficariam entediadas, e até mesmo
decepcionadas e com ódio de mim, por não levá-las para jantar e dançar num
local luxuoso.
Cássia esticou os braços preguiçosamente, como uma gatinha manhosa.
— Você adivinhou que estou farta desses ambientes, além de não gostar
deles.
— Sim — concordou Robert, olhando para o copo. — Do que você
gosta, Cássia?
— De sol, de vinho e de sentir o perfume das flores — respondeu ela
com alegria.
— Fala a sério, Cássia?
— Claro. Gosto de estar aqui.
— E gosta de estar comigo?
— Bem… é óbvio que sim.
Robert suspirou, pôs o copo de lado e deitou-se apoiado num braço,
para melhor olhar para ela. Parecia muito satisfeito. Tanto que ela esperou ser
abraçada e beijada novamente. Mas tudo o que ele disse foi:
— Isso é bom!
Depois disso, passaram a conversar como amigos. Terminado o vinho,
entraram na sala ao lado da cozinha, de onde podiam ver as estrelas no céu.
O jantar foi delicioso e perfeito em todos os seus detalhes. Robert não tocou
em Cássia, o que a deixou estranhamente tensa.
— Costuma comer sempre aqui? — perguntou, tentando disfarçar a
inquietação.
— Está querendo saber se numa casa como esta não há uma sala de
jantar? Há uma, claro, mas é muito grande. Além do que, esta casa é também
uma espécie de museu histórico da região e a deixamos aberta para visitas
públicas. Portanto, a sala de jantar está permanentemente arrumada, e a
mesa, posta com as melhores porcelanas e os talheres mais finos que tenho.
— Oh, eu não sabia disso. E não se importa de ter estranhos andando
por sua casa?
— Me importar, eu? Adoro isso. É a maneira como consigo dinheiro
para manter a propriedade. Lugares como este custam uma fortuna para
serem preservados, você sabe, e eu não teria condições para mantê-lo apenas
com o dinheiro da empresa.
Cássia ficou intrigada.
— E consegue mantê-la assim?
— Mais ou menos. Não estamos no principal circuito turístico, mas
muitas pessoas costumam passar alguns dias em Oxford, que não fica longe
daqui. Há também os enormes jardins e bosques da propriedade, o que
aumenta bastante a procura, embora eles precisem de mais cuidados. Como
não tenho capital suficiente, eles permanecem como estão.
— E seu pai, não pode ajudar? — perguntou Cássia, servindo-se de um
pedaço de queijo.
— Papai? É mais provável que ele venha me pedir dinheiro.
— Bem, e quanto às outras pessoas de sua família?
— Você não conhece a minha família. Meu pai é um jogador, um
playboy, exatamente o que seu pai pensa a meu respeito, suponho. É
charmoso, fútil, extravagante e um pouco desonesto. Não tem muito
dinheiro. Minha mãe é sua cópia numa versão feminina. Eles não se
sustentam um ao outro. Não tenho tios. E minha avó… Acho que você
gostaria muito de minha avó — prosseguiu ele, com um discreto sorriso.
— Ela emprestaria dinheiro a você?
— Oh, não, não. Ela não quer saber de nada disso. De qualquer
maneira, nunca emprestaria dinheiro a um homem. Já a uma mulher… talvez
— ponderou Robert.
— E você acha que eu gostaria dela? Parece ser uma pessoa bastante
preconceituosa.
— E é — concordou ele. — Minha avó era uma atriz de comédias
musicais. Casou-se com meu avô, apesar de ele ser trinta anos mais velho.
Considera os homens como provedores das coisas boas da vida.
— Não acho que tenhamos muito em comum — retrucou Cássia, altiva.
— Não espero que um homem possa me prover com nada. Sou bastante
capaz de ganhar minha própria vida.
Robert a observava com ironia.
— Com nada mesmo? — provocou ele. — Mas que pena! — Cássia
ficou desconcertada.
— Você sabe o que quero dizer.
— Sim, eu sei e estou desolado. — Permaneceu em silêncio por um bom
tempo, brincando com o garfo. Depois concluiu: — Seria tão bom se você
também me compreendesse!
Cássia franziu as sobrancelhas, tentando entender o sentido daquelas
palavras. Robert estaria insinuando que havia algum motivo oculto? Apesar
das aparências, ele talvez quisesse algo de Jerome e pensasse que, por
intermédio dela, conseguiria mais depressa seu objetivo. Recordou a conversa
que tiveram sobre os jardins e os bosques da propriedade… Claro! Robert
precisava de capital.
Insegura, tentou disfarçar seu estado emocional. Dirigiu-se a ele no tom
formal de negócios.
— Não sou capaz de ler pensamentos. Se tem alguma proposta a fazer,
diga-me os detalhes para que eu possa estudá-la.
Em resposta, ela ouviu uma gargalhada. Sem nenhuma pressa, Robert
empurrou a cadeira para trás e levantou-se.
— Certo. Se é assim que você quer… — falou, parecendo divertir-se.
Aproximou-se de onde Cássia estava sentada, com um brilho misterioso nos
olhos.
Apreensiva e nervosa, ela o viu afastando sua cadeira com uma das
mãos e oferecendo a outra para ajudá-la a se levantar. Ela aceitou a ajuda e
também ficou de pé.
— Muito bem — Robert começou, gentil e sorridente, enquanto punha
as mãos nos ombros de Cássia. — Minha proposta é irmos para a cama.
Agora. O que acha disso?
CAPÍTULO IX

O escritório estava imerso em silêncio. Todos os que compareceram à


reunião, convocada por Cássia a fim de examinar documentos de Michael
Forest, já haviam partido. Deixaram cinzeiros cheios, copos espalhados e
cadeiras fora do lugar. A sala tinha uma aparência de desordem.
— A reunião foi agitada — comentou Lesley, fechando o caderno de
anotações. — Compreendo por que o sr. Jerome estava tão preocupado.
— Sim — respondeu Cássia, fatigada, — é óbvio. Recostou-se na
cadeira com os olhos fechados e pressionou as têmporas. A dor de cabeça,
que a afligia há três semanas piorara. Pegou um copo de água e notou que a
amiga a observava com interesse.
— Você não está muito bem, não é? — perguntou Lesley.
— Sinto-me cansada, frustrada e com ódio de meu pai — confessou
Cássia, dando de ombros. — E também bastante abalada por descobrir que
não comando os negócios dele aqui na Inglaterra. Oh, tudo está muito bem,
desde que eu apenas cumpra suas ordens. Mas, quando me oponho a ele,
mesmo que eu tenha bons motivos, não me ouve. Simplesmente toma a rédea
dos negócios.
Cássia suspirou fundo e levantou-se, espreguiçando-se.
— Bem, suponho que deva procurar outro emprego.
— Seria capaz de fazer uma coisa dessas? — Surpreendeu-se Lesley.
— Duvido que eu tenha muita escolha. A questão é saber se consigo
sair antes que meu pai me ponha para fora.
— Oh, não faria tal coisa.
— Se eu não ceder, estou certa de que agirá assim.
— Neste caso seria melhor fazer o que ele quer. Afinal, a empresa
pertence a ele.
Cássia manteve a mesma expressão obstinada que mostrou durante
toda a conturbada reunião.
— Ele quer pôr abaixo aquela empresa, tirar o trabalho de cinqüenta
pessoas e ficar com o imóvel para negociar. Tudo isso apenas por vaidade,
para tornar-se mais rico do que já é. Não concordo com ele e não quero ter
nada a ver com isso.
— Mas demitir-se… O sr. Keys ficaria bastante magoado.
— A culpa é toda dele — retrucou Cássia.
Lesley mordeu o lábio apreensiva. Estava certa de que havia um motivo
por detrás daquela determinação de Cássia em desafiar o pai.
— Tudo por causa de Lord Dearham? — indagou, sem se conter. — Ele
vale realmente tudo isso?
— O que você quer dizer com essa pergunta?
— Desculpe, Cássia. Não quis transtorná-la. Você sabe a que me refiro.
— Não, não sei. Mas gostaria que você se explicasse — retrucou com
frieza.
— Então, muito bem, vou falar. Desde que você conheceu Robert
Dearham, tem se comportado como uma adolescente. Tudo bem, o problema
é seu e de mais ninguém. Mas está sendo muito tola em jogar fora sua
carreira e cortar relações com seu pai por causa de um homem como ele.
Cássia não demonstrou nenhuma emoção para não desencorajar a
amiga. Caso contrário, Lesley teria parado por ali, mas prosseguiu falando.
— Por uma razão bem simples o sr. Dearham não vai mais querer você
se cortar relações com seu pai. Ele está desesperado por dinheiro. Ouvi certas
coisas e sei que ele está atrás de uma herdeira, qualquer uma. Não irá
interessar-se mais se você for deserdada.
— Acha mesmo isso?
— Oh, Cássia, não se faça de tola. Não comigo. Você mudou desde que
o conheceu, e ele simplesmente não vale tudo isso — disse Lesley com
tristeza.
— Você o conhece direito?
— E nem é preciso — argumentou Lesley. — Posso enxergar. Quem
você acha que deixou escapar aos jornais que vocês passaram a noite juntos?
E por duas vezes. Uma em Londres, em seu apartamento, e a outra em
Oxfordshire, na casa dele. Não foi obra de algum empregado, foi? Tinha de
ser algum dos envolvidos e, por sua expressão ao ler a notícia suponho que
não foi você quem falou.
— Você acha que Lord Dearham contou essa história a algum colunista
fofoqueiro? Mas por quê?
Muito aborrecida Lesley, evitou o olhar direto e vivo de Cássia.
— Por quê? — insistiu Cássia. Lesley baixou a cabeça.
— Para forçar sua união com ele — murmurou. — Sei como você se
sente em relação ao assunto, mas ele não sente o mesmo. Virou-lhe as costas,
pensou que, tornando o fato público, o casamento seria inevitável. Seu pai a
pressionaria.
Cássia estremeceu ao ouvir tais palavras. Estava tensa, mas tudo o que
disse foi:
— Seus argumentos são um pouco confusos, mas entendi o que quis
dizer, e acho que está completamente enganada. Robert Dearham nunca me
pediu em casamento, e nem espero que o faça algum dia.
Cássia caminhou até a janela, ao passo que Lesley deixou a sala sem
dizer mais nada. Lá embaixo, no pátio, podia ver as pessoas apressadas para
almoçar. Sem saber por quê, sentia-se desamparada e impotente como
alguém que naufragara num mar bravio. Sentia-se prensada entre John, que
seguia seus passos, e seu pai, que lhe telefonava quase que de hora em hora.
E o pior era que Robert não a vira nem tentara falar com ela desde aquela
noite.
Cássia inclinou-se para a frente, apoiando a testa no vidro da janela.
Como havia dito a Lesley, Robert não a pedira em casamento, e
provavelmente não iria querer vê-la novamente. Não depois daquela noite.
As recordações vieram e a fizeram estremecer. Havia se deixado
envolver pelo charme e pela sedução daquele homem? Não era nenhuma
criança ingênua, e nem fora a primeira vez que aquilo lhe acontecera. Logo a
ela, que sempre tirara lições de experiências anteriores. Ao pensar nisso fez
uma careta de desagrado. Bem, pelo menos daquela vez havia aprendido,
embora já fosse tarde para salvar a dignidade ou o auto-respeito. A expressão
de Robert quando ela resolvera partir, ainda estava viva em sua memória. Era
uma expressão de pena. Sim, de pena! Sentia pena dela. Oh, por que havia
deixado as coisas irem tão longe? Por que não partira logo que ele a
provocara com aquela proposta de irem para a cama? Teria sido muito fácil.
Na verdade, ele até esperava por aquilo. Por que permanecera parada,
olhando para ele, emocionada feito uma adolescente?
— Qual é a sua resposta? — Havia provocado Robert, acariciando de
leve seu rosto e observando com prazer sua perturbação. — Você está ansiosa
para falar, não é? O que tem para me dizer a eficiente sra. Harley?
Robert divertia-se com ela! Cássia buscou uma resposta bem-
humorada, alguma coisa capaz de trazê-la de volta ao equilíbrio. Foi em vão.
— Não diz? Então parece que a decisão me pertence. Acho que já é hora
de mostrar-lhe meus aposentos.
Aquele era o momento em que deveria ter partido: quando ele a
abraçara pela cintura e a conduzira com gentileza, mas também com firmeza,
para fora da cozinha. Subiram as escadas e pararam em frente a uma porta de
arco. Em vez de reagir, ela permanecera ao lado dele, que tirava um molho de
chaves do bolso.
Robert abriu a porta e fechou-a suavemente atrás deles. Cássia lançou
um breve olhar ao redor do quarto, que lhe pareceu um tipo de sala de estar,
com prateleiras cheias de livros, cadeiras confortáveis e uma escrivaninha à
janela, havia também um sofá próximo da lareira.
Sem que ela percebesse bem como, ele a tomou nos braços e a beijou.
Cássia correspondeu como nas outras vezes. A intensidade de sua
resposta a assustava. Durante alguns minutos, esqueceu-se de tudo, sentindo
apenas o forte pulsar do coração. Estremecia a cada toque das mãos. Cada
beijo era mais intenso que o anterior. Repartiam seus anseios e as sensações
esmagadoras de seus desejos irrefreáveis.
Quando Robert finalmente a libertou, Cássia estava sem fôlego e
atordoada.
— Excelente! — disse ele. Parecia caloroso e satisfeito, mas nem um
pouco abalado. Parecia contente com ela, até mesmo levemente surpreso, mas
totalmente tranqüilo. — De fato, houve algum progresso — declarou,
beijando-lhe a pontinha do nariz e conduzindo-a até o sofá, onde sentaram-
se.
Claro que ele não poderia estar abalado! Era um homem sofisticado e já
tivera dezenas de encontros iguais àquele. Parecia ridículo esperar de Robert
o mesmo ímpeto de paixão que tomava conta dela.
— De que progresso você está falando? — sussurrou Cássia, com o
rosto próximo ao dele.
— Para uma mulher que, segundo suas próprias palavras, não dá
importância a sexo, você progrediu — comentou sorrindo ligeiramente.
Cássia enrijeceu. Havia esquecido que lhe dissera aquilo. Talvez Robert
visse a negativa dela com um desafio, uma oportunidade irresistível de
seduzir uma mulher que não era tão ardente quando suas parceiras habituais.
Pelo menos não a princípio. Mas Cássia desejava-o naquele momento, em
total consciência.
Sentiu um calafrio e livrou-se dos braços dele. Ajeitou-se e arrumou os
cabelos com mãos trêmulas, enquanto Robert, recostado no sofá, a observava
com um sorriso nos lábios.
— Não costumo me comportar assim — Cássia tentou justificar-se.
— Sinto-me lisonjeado — retrucou ele com sinceridade. Mas ela notou
que retorcia o canto dos lábios. Ficou vermelha e desviou o olhar.
Robert não se alterou nem um pouco diante do súbito recuo de Cássia.
Tinha certeza de que ela acabaria indo para a cama e fazendo amor com ele e
fazia gestos que demonstravam confiança, desde o modo como pôs
casualmente o braço sobre o sofá até o jeito como a vigiava atentamente com
o olhar. Por um momento, Cássia chegou a odiá-lo por ser tão seguro de si.
— Robert, não quero…
— Humm? — Distraído, gentilmente ajeitou os cabelos dela atrás da
orelha, fazendo um arrepio percorrer-lhe as costas. — O que estava dizendo?
Cássia engoliu em seco e não respondeu. Estava certa de que ele tinha
conhecimento de suas emoções. Lidava com ela como se fosse um brinquedo,
o que a deixava ressentida.
De repente Robert aproximou-se dela com delicadeza e a puxou de
encontro a si. Escorregou a mão por debaixo de sua blusa e pôs-se a acariciá-
la, antes de desabotoar a peça e a livrar do resto das roupas. Cássia tentou
ainda contê-lo, mas era tarde. Robert já a beijava ternamente. Cássia tremeu
de prazer ao sentir os dedos longos e fortes alisando suas pernas.
Ele era um expert no amor, enquanto ela era bastante inexperiente. Não
tinha esperanças de livrar-se dele, e o mais assustador era que nem queria
aquilo. Embora tremesse feito uma colegial sob aquelas mãos experientes,
não sentia medo. Queria a paixão que Robert oferecia, e sentia uma vontade
enorme de responder com a mesma intensidade. Acariciou-o suavemente,
num gesto tímido.
Ele suspirou fundo. Então beijaram-se freneticamente. As mãos de
Robert já não eram tão habilidosas, mas um tanto desajeitadas em meio à
impetuosidade da paixão.
— Querida — murmurou ele com voz rouca. — Oh, Cássia querida me
abrace, me deseje. Esqueça John. Farei você esquecê-lo. Sei que posso dar
muito mais a você.
Os beijos tornaram-se mais profundos, e Cássia mal podia ouvir o que
ele murmurava. Todos os seus sentimentos estavam voltados para ele.
Desejava-o desesperadamente. Eram dois corpos procurando-se e
oferecendo-se; nada mais importava.
Bem devagar, Robert retirou sua última peça de roupa. Cássia deitou-
se, os lábios entreabertos num convite. De repente, uma onda de apreensão
assaltou-a. Ele percebeu e franziu os olhos.
— Esqueça-o — repetiu, num sussurro.
Cássia balançou a cabeça, como que não entendendo o que ele queria
dizer.
— Você não dá mesmo uma chance para nós, não é? — disse ele, num
tom de frustração.
Ela se lembrou de John, que também reclamava pelo mesmo motivo.
Dizia que ela era uma mulher fria e egoísta, incapaz de amar.
Uma dor profunda dominou-a, fazendo-a recuar. Robert ficou imóvel e
ela não conseguiu mais olhar diretamente para ele.
As lembranças ruins do passado começaram a voltar: insensibilidade;
frigidez; indiferença. “Você é a mulher menos sensual que já conheci, Cássia.
Por que não tenta corresponder?”. Pensava ter esquecido, mas agora a
memória começava a trazer tudo de volta. John chegava tarde e algumas
vezes um pouco bêbado. A conversa que travavam era breve e cheia de
ofensas. Com uma garrafa de uísque, ele cambaleava pelo corredor até o
quarto.
O coração de Cássia transformava-se numa pedra de gelo. John tinha
alguma razão, mas a magoava tanto que a fazia odiá-lo.
E agora acontecia com Robert. O sorriso amoroso desaparecera. Os
olhos, antes brilhantes, tornaram-se tristes e sombrios. Toda a
espontaneidade se extinguira.
Cássia cobriu o rosto com as mãos, e Robert delicadamente descobriu-o.
— Não esconda de mim suas emoções — pediu ele.
Ela sentia vergonha de coisas que há pouco pareciam tão naturais: sua
nudez, o desejo e o prazer de tocar o corpo de Robert. Estava aflita e
dominada pela timidez.
Seguiu-se longo silêncio entre eles.
Quando finalmente Robert falou, sua voz parecia controlada, como se
tentasse conter alguma emoção forte, talvez o ódio. Ela estremeceu. Centenas
de vezes notara ódio também em John.
— Cássia, vamos deixar uma coisa bem clara: quero fazer amor com
você — disse Robert. — Não há dúvida quanto a isso. E, uma vez que você
também me deseja, “farei” amor com você.
Cássia permaneceu em silêncio. As emoções a deixavam confusa
demais para saber o que queria, ou mesmo o que sentia. Envergonhava-se de
ter provocado Robert até que ele a levasse para a cama.
— Não posso — murmurou.ela, com voz baixa.
Ele permaneceu quieto por um instante. Depois tocou-lhe o rosto
delicadamente.
— Então você não me quer?
Era impossível afirmar que não o desejava. Ele não acreditaria. Pensou
nas mulheres que Robert tivera e achou que se sairia mal no ato de amor. Não
seria capaz de satisfazê-lo, ainda que o amasse. Haveria traições inevitáveis e
comparações humilhantes. Sacudiu a cabeça, tentando afugentar tais
pensamentos.
— Não posso — repetiu, sentindo-se miserável.
Robert suspirou fundo, desolado, enquanto ela virava o rosto para não
olhar para ele. Merecia o ódio que ele devia estar sentindo. Robert não seria
tão cruel como John, mas sua indiferença não era menos dolorosa.
Para seu assombro, ele se pôs a acariciar-lhe o rosto.
— Não pode? — sussurrou.
— Robert, sinto muito…. eu gostaria… — gaguejou, incoerente e
desnorteada, com um imenso e perigoso desejo de abraçar aquele corpo e dar
a ele tudo o que desejava. “Oh, se ao menos eu não fosse tão covarde e
pudesse esquecer tudo…”, pensava.
— Sim, é claro — disse Robert, gentil mas distante e aborrecido. Passou
a recolher as roupas espalhadas de Cássia, enquanto ela tremia sobre as
almofadas.
O que ela mais queria no mundo era abraçá-lo e amá-lo o mais que
pudesse. Mas era tarde demais ele não se aproximaria novamente.
Cássia abraçou as pernas e escondeu o rosto nelas, ocultando as
lágrimas que não podia conter.
Sem tocá-la Robert colocou gentilmente as roupas a seu lado no sofá.-
— Vista-se. Você está tremendo — comentou, ainda num tom distante.
— Sinto muito, não queria constrangê-la. Pensei… Ouça, acho que seria
melhor ficar aqui esta noite. Há vários aposentos disponíveis nesta casa, e eu
não gostaria de deixá-la sozinha no estado em que se encontra. Nunca antes
causei tal reação numa mulher.
Depois daquilo, Robert portou-se com impecável consideração. Deixou
o quarto, enquanto Cássia se vestia. Daí a instantes retornou com uma xícara
de chá, que ela bebeu distraída, sem saborear.
Ele parecia inteiramente à vontade. Não fez recriminações. Após meia
hora de conversa, durante a qual ela se esforçou para parecer natural,
acompanhou-a até o quarto e desejou-lhe boa noite, sem tocá-la nem beijá-la.
Cássia passou o resto da noite sozinha e insone, atormentada pelo
arrependimento mais amargo de toda a sua vida.

A manhã seguinte, curiosamente, não foi tão má como era de supor.


Encontrou-o animado e jovial. Cumprimentou-a calorosamente, serviu-lhe
café e repreendeu-a por não querer comer nada. Depois conduziu-a de volta à
sua casa, atravessando o bosque ainda orvalhado.
Cássia teve tempo suficiente para aprontar-se para o trabalho. Tomou
um banho, vestiu-se e arrumou sua pasta como um autômato.
Apanhou um casaco e, antes de sair, verificou a secretária eletrônica.
Aparentemente alguém havia chamado várias vezes, mas sem deixar recado.
Bem, se fosse algo importante, voltariam a chamar. Para sua surpresa, não
ficou ansiosa, pois naquele momento nada lhe parecia importante.
Era uma manhã esplendorosa. O sol dourava a paisagem e as gotas de
orvalho cintilavam feito diamantes nas plantas. Estava um pouco frio, mas o
dia anunciava-se abrasador.
Robert não telefonou nem a procurou naquele dia.
Cássia dormiu mal à noite e levantou-se cedo, tomando o primeiro
metrô. Não comprou jornal a caminho do escritório, como costumava fazer,
por isso não viu as notícias. Foi Lesley quem lhe mostrou a coluna social,
onde era relatado que ela passara a noite com Robert, na casa dele. Aliás, a
segunda noite juntos.
Cássia parecia estar no centro de um furacão. O telefone na mesa de
Lesley não parou de tocar, e o secretário encontrava-se numa enorme
agitação. Jerome, informado por John da repentina notoriedade da filha,
telefonava a miúdo para repreendê-la e orientá-la.
O ex-marido passou a segui-la. Estava no escritório quando Cássia
voltou do almoço. Ela o ouviu, disse-lhe que não havia mudado de idéia e
pediu-lhe que fosse embora. Ele foi, mas voltou no final da tarde. Cássia teve
de deixar o escritório pela porta dos fundos, como uma criminosa. Não
adiantou, por volta das nove horas lá estava ele à porta de sua casa de campo.
Pensando tratar-se de Robert, Cássia correu para atender à campainha.
Somente ao aproximar-se do portão foi que o reconheceu. Como John estava
de costas, ela pôde fugir. Ele tocou a campainha várias vezes e acabou por ir
embora.
Assim se passaram os três dias subseqüentes: repórteres escondidos
atrás das árvores; John hospedado no hotel mais próximo; seu pai ao telefone.
Lesley teve muito trabalho para conter toda a pressão, enquanto Cássia
tentava manter o equilíbrio e se comportar como se tudo não passasse de um
aborrecimento passageiro.
Ao final, ficou satisfeita consigo mesma, pois soube conduzir tudo
muito bem. Mantivera-se calma e não se atrapalhara no trabalho. Tratou seu
pai de modo firme e distante, e John de forma mais cruel ainda. Ninguém
diria que quando se encontrava só, era acometida de crises de choro. Ou que
se sentia desesperadamente solitária, exatamente por causa do único homem
de Londres que não queria vê-la nem falar com ela. Por causa do silêncio de
Robert.
CAPÍTULO X

A vida no escritório tornara-se um inferno, e a paciência de Lesley


estava no fim. No mesmo instante em que Jerome telefonava pela segunda
vez, a secretária teve de chamar a segurança para enxotar um repórter
atrevido de uma revista francesa, que conseguira penetrar em sua sala.
— Isto é uma loucura — disse ela, solidária, voltando à sala de Cássia.
— O que interessa às pessoas se você e lorde Dearham estão tendo uma
aventura ou não?
— As pessoas são muito intrometidas — respondeu Cássia, ajeitando os
cabelos distraidamente.
— É extraordinário, mas parece que alguém está instigando tudo isso,
não acha?
— Já sei o que você vai dizer: tudo está sendo planejado pelo malvado
lorde Dearham para conseguir casar-se comigo! — zombou Cássia. — Ora,
Lesley, convenhamos que sua imaginação é positivamente fértil.
Lesley fez uma careta, mas não retrucou. No mesmo instante abriu-se a
porta da sala e John Harley entrou, muito à vontade.
— Bom dia, srta. Button — ele cumprimentou rapidamente e voltou-se
para Cássia: — Fico contente por encontrá-la, Cássia. Nós precisamos
conversar.
Cássia recostou-se na poltrona tentando imaginar que outros
aborrecimentos o dia ainda lhe ia reservar,
— Olá, John — cumprimentou-o educadamente, mas sem nenhum
entusiasmo. — Me desculpe, não disponho de muito tempo. — Virou-se para
Lesley e acrescentou: — Por favor, avise-me quando for convocada para a
reunião.
— Sim, é claro — Lesley respondeu e retirou-se em seguida, ciente de
não haver reunião nenhuma. Sabia que era para dar no máximo uns dez
minutos ao intruso.
— O que posso fazer por você? — perguntou Cássia, recostando-se na
poltrona e procurando não ser desagradável.
John não se sentou. Gostava de permanecer de pé quando conversava
com as pessoas, o que o fazia sentir-se mais dominador. Cássia recordou com
carinho do dia em que Robert sentou-se a seus pés, no jardim de sua… Bem,
não era justo fazer comparações.
— Você sabe perfeitamente o que quero — respondeu com certa
aspereza. — Nunca imaginei que você fosse assim tão complicada, Cássia.
Ela sorriu de modo irônico.
— Não? Acontece que não sou mais aquele cachorrinho que fazia tudo
o que você queria, mesmo depois que nos divorciamos.
— Nunca deveria ter se divorciado de mim — disse ele, irritado. — Foi
uma grande tolice.
— Eu me divorciei de você? De que diabos está falando? Foi uma
separação de comum acordo, e foi você quem propôs.
John desprezou a observação, considerando-a irrelevante, e procurou
uma desculpa.
— Eu estava passando dificuldades no trabalho, como você sabe. —
Cássia começou a irritar-se.
— Pensei que estivesse tendo um caso com aquela loira, a que
trabalhava em programação de computadores — comentou, num fingido tom
de inocência.
— Ela trabalhava em meu departamento!
— E isso a qualificava como uma “dificuldade no trabalho”? — Cássia
não pôde controlar-se. — Você é mesmo um cínico, John!
— Se você fosse um tipo de esposa que… — Ele hesitou, o rosto corado.
— Mas eu era — interrompeu-o calmamente. — Eu fazia parte do
contrato. Fui junto com a aliança de casamento; com os dez por cento das
ações da companhia, com o cargo de vice-presidente.
— Isso é puro cinismo! — protestou ele.
— E é também a verdade.
— Você mudou muito, Cássia.
— Mudei? — Fez um gesto de indiferença. — Isso o surpreende?
— É tudo obra daquele seu gigolô. Ele está envenenando sua mente
contra mim.
Todo o resto de paciência esgotou-se. Ela ficou pálida e falou
suavemente, contendo o ódio:
— Ninguém poderia fazer isso, John. — Ele não entendeu seus
sentimentos.
— Fico contente por ouvir isso. Assim podemos conversar sobre coisas
mais sensatas — disse John, retomando seu habitual ar de complacência.
— O que são essas “coisas mais sensatas”? — perguntou ela, já
adivinhando o que ele iria dizer.
— Falar sobre nós sobre o que faremos de agora em diante.
— Ah, isso? Bem, num futuro bastante próximo pretendo pedir-lhe que
saia. — Sorriu-lhe de maneira desconcertante. — E para sempre!
— Você não quer entender… — começou ele, mas foi interrompido sem
compaixão.
— Muito pelo contrário, entendo tudo perfeitamente. Você se casou
comigo por instruções de meu pai. Fui muito estúpida por não perceber isso
naquela época, portanto talvez a culpa não seja apenas sua. E, uma vez
casado, você pensou que já havia feito a sua parte.
— Cássia, meu trabalho exigia muito de mim. — Ele começava a perder
o controle. — Não podia fazer o que você queria.
Se aquela cena tivesse acontecido seis anos atrás, Cássia iria se
desculpar, achando que o erro era dela. Agora não pensava assim.
— Eu não queria nada demais, e você sabe disso. Queria carinho, afeto,
compreensão.
— Você fala como uma personagem dessas revistas românticas para
mulheres — retrucou ele. — A vida não é um romance.
Cássia pensou em Robert, no quanto ele era afetuoso, em como se sentia
à vontade com ele. Olhou para John com certa piedade.
— Não acha a vida romântica? Bem, talvez não seja para você.
— Não é para ninguém. Não importa o que seu playboy lhe tenha dito.
Ele se recostou na poltrona, fechando os olhos com um sorriso de
desdém.
— Engano seu — retrucou. Inclinando-se para a frente par encará-lo,
disse: — Agora ouça, John. Quando me casei com você, foi para valer. Fiz de
tudo para que desse certo. Mas você foi desonesto desde o princípio e jamais
esteve interessado em melhorar nosso relacionamento. — Cássia deu de
ombros. — Bem, você teve sua chance, portanto não me venha
choramingando para dizer o quanto gostaria que tudo fosse esquecido. Nosso
casamento foi o período mais doloroso de minha vida. Não voltaria para você
sob circunstância nenhuma, nem mesmo se meu pai lhe oferecesse todo seu
império — acrescentou ela, irada.
John ficou rubro. Ela observou aquela alteração com prazer. Não se
havia enganado quanto à repentina mudança de sentimentos dele. O que seu
pai teria lhe oferecido?
— Seu pai quer um genro, e não terá um se você continuar vivendo só.
Certamente ele não lhe agradecerá se tiver na família um bastardo como
Dearham. Você precisa de mim, Cássia.
Impassível, ela apertou o botão do intercomunicador, chamando Lesley.
— O sr. Harley está de saída. — comunicou à secretária com voz
trêmula. Não se dirigiu mais John . Ficou olhando firme para a frente, como
se ele não estivesse ali.
Lesley surgiu à porta, preocupada. Nunca antes ouvira Cássia usar
aquele tom de voz. John ainda cuspiu sua última carga de ódio:
— Dearham não vai mais querer saber de você quando seu pai deserdá-
la, pode ter certeza disso. Ele sumirá do mapa.
Diante da impassividade de Cássia, e sentindo-se fracassado, retirou-se,
batendo a porta com violência feito uma criança mimada.
— Puxa! — exclamou Lesley. — Ele foi muito grosseiro?
— Foi extremamente impertinente. Se ele voltar, chame a segurança
para pô-lo para fora. Diga que são ordens minhas. Não quero tornar a vê-lo.
Lesley engoliu em seco, imaginando a cena que veria quando o vice-
presidente da empresa fosse jogado porta afora. Nunca vira Cássia tão
nervosa. Era de esperar que John não mais a procurasse, pelo menos no
escritório.

Durante o resto do dia e da semana, Cássia trabalhou muito. Escreveu


cartas e relatórios, sem dar à secretária tempo sequer para uma refeição.
Alheia aos comentários que corriam, de que ela iria se demitir, de que se
uniria a Robert Dearham, Cássia se entregava ao trabalho.
Curiosamente Jerome permanecia em silêncio depois de sua explosão
inicial. Cássia sentia-se inquieta e apreensiva. Não era do feitio de seu pai
aceitar uma derrota, muito menos em silêncio.
Não foi uma surpresa quando, numa rápida passagem pelo
apartamento em Londres, soube que Jerome havia chegado e se encontrava
tomando uma ducha.
Ela tentou portar-se com naturalidade diante de Lucien.
— Papai sabia que eu daria uma rápida passada por aqui? — perguntou
ela.
— Sim, eu mesmo lhe informei — respondeu Lucien, sentindo-se
culpado.
Cássia sorriu, compreensiva.
— Não fique tão preocupado, Lucien. Sei que ele vai querer arrasar
comigo, mas também sou um osso duro de roer.
— Espero que sim — retrucou Lucien, não muito crédulo. Cássia riu.
— Você acha que preciso de um pouco de coragem holandesa, não é? —
brincou ela. — Pois bem, traga-me uma dose de rum à sala de estar, enquanto
espero papai.
Não foi preciso esperar muito. Jerome entrou na sala atrás de Lucien,
abotoando a camisa distraidamente. Seus cabelos grisalhos ainda estavam
molhados.
— Como vai, Cássia? — disse ele, examinando-a com a sobrancelhas
franzidas. — Quero ter uma palavrinha com você.
Cássia pegou o copo que Lucien trazia e sorriu agradecendo. Levantou-
se e foi beijar o pai. Jerome retribuiu de modo frio. Assim que o mordomo
retirou-se e fechou a porta, começou a esbravejar.
— Quem você pensa que é, Cássia? Está tentando arruinar-me, e a si
própria? Por que tem sido implacável com John?
— E por que não o seria? — retrucou ela friamente.
— Não percebe que é uma estupidez? Todos estão comentando por aí.
— Jerome sentou-se, exausto pela fúria. — De repente todos me perguntam
quem irá me substituir.
Cássia olhou-o com compaixão.
— Estou certa de que isso não o preocupa — disse ela, tentando ser
gentil, mas o olhar de Jerome mostrava desdém.
— Você não tem a mínima idéia do que está dizendo, senão não iria
deixar que comentassem por aí a seu respeito e daquele boa-vida. Você tem
idéia de quantas vezes algum tolo veio me perguntar se você vai acrescentar
algum título a seu nome? Ou se há lugar na empresa para ambos: o playboy e
John? O que está tentando fazer, menina, nos arruinar?
— Não vejo qual a ligação que possa haver entre minha “ridícula” vida
particular e seus negócios — defendeu-se ela.
— Você é minha filha, droga!
— Mas não sua escrava — retrucou Cássia, e Jerome tentou outra
estratégia.
— Você não tem nenhum senso de lealdade?
— Tenho, sim, papai. E você, tem? — Jerome franziu a testa.
— O que quer dizer com isso?
Cássia deu um gole no rum e foi sentar-se no sofá.
— Quero dizer que você não pára de tentar jogar John para cima de
mim. Sabe que ele me fez infeliz, eu lhe contei que após o divórcio não queria
tornar a vê-lo, nunca mais. Por que o encorajou?
Jerome pareceu desconcertado.
— Bem, ele é um bom rapaz…
— Ele pode ser um bom vice-presidente. Como marido, acredite-me,
não serve. Pelo menos para mim.
Jerome resolveu fazer chantagem emocional.
— Já sou um homem velho… E você é uma boa menina, mas às vezes
ainda um pouco imatura. Cássia, você precisa de um homem.
Ela não se deixou envolver pelas artimanhas do pai.
— Há muito que já sou responsável pela minha vida, papai.
— Você precisa de um homem. Toda mulher precisa. Não é natural
viver sozinha.
— Você vive — observou ela.
— Isso é diferente.
— Claro — murmurou Cássia, com ironia.
— É diferente na minha idade. As necessidades são outras — disse ele,
arrogante. — Mas você é ainda jovem o suficiente para ter sua própria
família.
— Então esse é o ponto, hein, papai? No fundo, não se refere às minhas
necessidades, mas às suas, como futuro avô.
— Não é preciso que seja um menino — ele deixou escapar.
— Oh, mas quanta bondade sua! E tem de ser filho de John Harley?
— Ele é o melhor executivo que já tive.
Seguiu-se um longo silêncio. Por fim, Cássia pôs o copo de lado e se
levantou.
— Sinto muito, papai — falou com tranqüilidade.
— Como assim?
— Quero dizer que não dá para chegar a um acordo. Você mantém John
na firma, já que o quer, e eu saio.
Jerome ficou branco.
— Que é isso? Para onde vai. — Cássia deu de ombros.
— E isso importa? Prometo não procurar um concorrente. E não se
preocupe. Posso me sustentar enquanto procuro outro emprego.
— Seria capaz de ir embora? — disse ele, incrédulo. Cássia ergueu a
cabeça e olhou-o diretamente nos olhos.
— Faço qualquer coisa para não ficar com um homem que não amo.
Não se esqueça de que já fiz isso uma vez.
Por um instante, Jerome pareceu quase desesperado.
— Cássia, você é tudo o que tenho.
— Eu sei — murmurou, sentindo-se infeliz.
— Você se casou com ele por livre vontade — lembrou ele.
— Também sei disso.
— E não foi tão ruim assim, foi? — Jerome tentava persuadi-la.
Desesperada e trêmula, Cássia virou-se, apanhou a bolsa e as luvas.
— Não diga mais nada, papai, nem mais uma palavra. Apenas ouça e
acredite em mim: nunca voltarei para John. Nunca terei esse filho. Ou aceita
isso, ou pode esquecer-me para sempre e adotar John em meu lugar.
Magoado e desapontado, Jerome passou a culpá-la por tudo.
— E quanto àquele seu gigolô, vou acabar com ele — ameaçou. — Vou
fazê-lo desejar nunca ter encontrado você.
Cássia ouviu os insultos. Não respondia, nem se defendia. Ele
prosseguiu:
— Eu mesmo vou telefonar-lhe esta noite e contar que você esta fora da
empresa e de minha vida. Que está desempregada. E mais ainda: que não
receberá nada de mim, nem agora, nem nunca.
— Você deve fazer o que acha certo — disse ela, caminhando para a
porta enquanto Jerome continuava berrando:
— Se acha que Robert Dearham vai querer você depois que for
deserdada, é mais tola ainda do que imaginei.
Cássia parou no hall. Lucien estava lá, ansioso. Ajudou-a a vestir o
casaco, murmurando palavras de apoio. Jerome apareceu à porta.
— Será que acha que ele ainda vai querer você sabendo que não tem
mais nada? Apenas por amor?
Cássia pôs as luvas, notando que tremia violentamente. Ergueu a
cabeça e olhou para o pai.
— Você jamais vai entender, papai. Eu confiaria em Robert em qualquer
circunstância. Ele não é interesseiro, nem calculista, e não se preocupa com o
seu dinheiro. Se quisesse, ele teria a mim, como você mesmo disse, por amor.
Infelizmente ele não me quer.
Começou a relembrar o desastroso encontro e toda a frustração
decorrente dele.
— Oh, Deus, acho que vou chorar. Não suporto mais. Sinto muito,
papai.
E partiu, deixando Jerome perplexo.
CAPÍTULO XI

A tarde estava linda e tranqüila. Ainda trêmula, Cássia caminhou sem


pressa pelas ruas.
O próximo trem só chegaria em vinte minutos, por isso quando chegou
à estação, sentou-se num antigo banco de ferro.
Era a primeira vez que se opunha frontalmente ao pai. Sempre o
obedecera e, até aquele dia, nunca lhe dissera tão francamente que preferia
cortar relações a concordar com seus planos. Jamais se casaria de novo com
John!
O que acontecia com ela? Achava que havia amadurecido após a
separação, que seus valores estavam definidos, e seu caráter, solidificado.
Tinha uma carreira e colocara o casamento fora de questão para sempre.
Mas agora… as coisas haviam mudado. Não dissera a seu pai que
nunca se casaria. Apenas que não o faria com John. Atormentada, não
conhecia mais a si própria, nem sabia ao certo o que queria. Sua rígida
armadura havia se partido, e sentia medo sem ela.
Finalmente o trem chegou. Tomou-o e prosseguiu em suas divagações.
Não podia negar que toda aquela transformação se dera por causa de Robert.
Fora ele quem a sacudira, tirando-a do isolamento, primeiro como um amigo,
e depois, lenta e inegavelmente, como um amante. Sim, correspondera a
Robert como amante, não tinha como negar. À simples lembrança do rosto
dele, seu coração saltava dentro do peito. Tinha vontade de ir a seu encontro,
cheia de amor, e ser bem acolhida. O problema era que não o desejava apenas
como um caso passageiro. Ela o queria por amor, de verdade e para sempre.
E, pelo modo como ele agia, não parecia compartilhar seus sentimentos.
Lembrou-se do jantar em seu apartamento de Londres, quando ele lhe
dissera que divórcio era algo que costumava acontecer na sua família. Cássia
havia achado terrível divorciar-se de John. Se tivesse de divorciar-se de
Robert, o homem que realmente amava, sofreria em dobro.
Chegando em casa, recebeu vários recados gravados na secretária
eletrônica, inclusive um de Jéssica Quinn, mas nenhum de Robert. Passou
uma noite péssima, ansiando pela presença dele, por ouvir sua voz.

Ao chegar ao escritório, na manhã seguinte, Cássia trazia no rosto


marcas de cansaço, fato logo percebido pelos repórteres que a esperavam.
Abriu espaço entre eles, sem responder às perguntas maliciosas que lhe
faziam.
Encontrou Lesley pálida e atônita.
— Você já soube? — perguntou ela prontamente.
— Do quê? — retrucou Cássia, já apreensiva.
— É uma ordem de seu pai. Você está destituída de qualquer
responsabilidade executiva da empresa — disse Lesley, com lágrimas nos
olhos.
— Oh! E há mais alguma coisa? — perguntou Cássia, pensativa e
sentando-se na ponta da mesa.
— O que mais esperava? Ser indenizada?
— Não exatamente. Esperava que ele fosse nomear… hã… seu vice-
presidente como chefe.
— Nomear John Harley, você quer dizer. Não, não se referiu a nada
disso.
— Imagino por que não — ponderou ela. — Talvez ele ainda tenha
alguma esperança de eu mudar de idéia. Não, não. Fui bastante clara com ele.
— Cássia deu de ombros e levantou-se. — Muito bem. Não há motivo para
ficar aqui trancada num dia lindo como este, já que nem estou sendo paga
para isso. — Sorriu para Lesley e de repente pareceu alegre. — Vamos ver os
termos do meu desligamento e arrumar as gavetas, após o que estarei livre
para ir tomar banho de sol em minha casa.
Ficou claro para Lesley que Cássia não estava nem magoada, nem
surpresa com a atitude de Jerome. Muito calma, falava com voz tranqüila,
enquanto terminava de ajeitar suas coisas no escritório durante o resto da
manhã.
Logo após a hora do almoço, quando ela já estava pronta para partir,
John chegou.
— Suponho que você pensa ser muito esperta, não? — Dirigiu-se a ela,
ignorando a presença de Lesley. Colocou sobre a mesa um jornal que trazia o
retrato dela na primeira página.
— Esperta? — perguntou ela, sem entender.
— Sim, encurralando Jerome contra a parede desta maneira. Sabia que
ele estava para me promover a presidente da firma nos Estados Unidos?
— Não — respondeu ela com indiferença. — Mas isso não me
surpreende. E não sei o que uma coisa tem a ver com a outra — disse
apontando para o jornal.
— Como ele pôde fazer isso agora? Você imagina o prato cheio que a
imprensa vai ter? “Genro desbanca ex-esposa” — com amargura John
anunciou a provável manchete. — Isso seria muito prejudicial para Jerome, e
você sabe como as imagens interferem em nosso trabalho.
Cássia pouco se importou, e ele, cada vez mais furioso, dava e socos no
jornal.
— Olhe para mim quando estiver falando com você. Tem consciência
de quanto tudo isso já está nos prejudicando?
Cássia continuou arrumando gavetas, como se estivesse sozinha na
sala.
— Ou não se preocupa com nada disso? — disse ele, abaixando a voz.
— Você parece fazer de tudo para me humilhar e nem se importa em arruinar
seu pai.
— Ora, não seja estúpido, John. — Mas ele se achava tão irado que nem
dava ouvidos a ela.
— Acredita mesmo que seu querido lorde ainda vai querer saber de
você? Sabe qual o débito da firma dele? De quanto dinheiro precisa? Pensa
que, se o chamar agora, será atendida? — Cássia já estava saturada e reagiu
com violência.
— John, não me aborreça! Por que não vai reclamar noutro lugar?
John retirou o fone do gancho e desafiou:
— Vamos, tente chamá-lo agora, se tiver coragem!
— Não seja ridículo!
— Tem medo de se arriscar?
Cássia acabou por perder seu resto de calma.
— Lesley, faça uma ligação para o escritório de lorde Dearham.
Rápido, por favor — pediu com ódio evidente.
Ambos permaneciam imóveis, olhando um para o outro, enquanto
Lesley completava a ligação.
— Aqui é a secretária do lorde Dearham — respondeu a voz do outro
lado da linha. — Em que posso ajudar?
— Gostaria de falar com ele, por favor — disse Cássia.
— Quem gostaria, por favor?
— Cássia Keys.
Houve um breve silêncio, e depois ouviram a voz da secretária
respondendo num tom mais inseguro e embaraçado:
— Sinto muito, srta. Keys. Lorde Dearham não se encontra aqui no
momento. Quer deixar algum recado? Posso ajudá-la em algo?
Cássia ficou muda. Sabia que não se portara bem com Robert, mas
esperava que ele entendesse que agira daquele modo devido a seu estado de
confusão emocional.
John sorriu com satisfação.
— Está vendo? Ele também lê jornais e percebeu que você não é o
cheque assinado em branco que ele pensou que fosse.
— Alô, srta. Keys? Alô… alô? — chamou a secretária, cada vez mais
embaraçada.
Lentamente Cássia repôs o fone no gancho.
— Arrependida, Cássia? — ironizou John.
Ela o fitou com frieza. Sentia-se ferida, mas não mostraria sua dor e
nem deixaria o ex-marido humilhá-la.
— Meu único arrependimento é ter algum dia vivido com você. Adeus,
John! Desejo-lhe toda a sorte do mundo. Agora, suma da minha vida!
Furioso, ele ainda fez menção de responder, mas acabou saindo sem
dizer mais nada.
Fatigada, Cássia sentou-se e olhou para Lesley, que parecia solidária
com ela.
— Sinto muito, Cássia.
— Eu também — murmurou ela com tristeza, esforçando-se para sorrir.
— Pensei que ele fosse diferente dos outros, mas enfim… Acho que você
tinha razão o tempo todo.
— Talvez ele não esteja mesmo no escritório — disse Lesley tentando
animá-la.
Cássia sorriu com tristeza.
— Foi isso que lhe pareceu?
— Não. Mas pode haver outra explicação.
— Sim, e você pode me dar uma? Não, não há explicação. Ele deve ter
lido os jornais e decidido me esquecer. E é o que vou fazer também —
concluiu, erguendo a cabeça de modo orgulhoso.
Lesley ainda pensou em animá-la e dizer que talvez estivesse enganada,
mas desistiu e mudou de assunto.
— Jéssica Quinn telefonou. Está em West End e quer tomar chá com
você. Disse que viria mais tarde.
Cássia hesitou por um instante e depois deu de ombros.
— Bem, que diferença faz? A que horas?
— Entre três e quatro.
— Então deve estar para chegar — concluiu Cássia, olhando o relógio.
Não estava muito animada para o encontro, mas, como havia
prometido a Jéssica que um dia qualquer tomariam chá juntas, resolveu
esperar. Sentia-se bastante magoada com o comportamento de Robert, e o
atrevimento de John contribuíra para que piorasse o seu estado emocional.

Jéssica chegou logo. As duas tomaram um táxi e se dirigiram ao


Brown’s Hotel para o chá. Cássia notou que a amiga estava diferente da
mulher ansiosa e triste que vira pela última vez. Usava um vestido novo e
elegante, mudara o corte de cabelo e parecia cheia de vida e energia.
— Você é a pessoa mais alegre que encontrei hoje — confessou Cássia
depois de admirar o vestido.
— Isso é bom, pois antes eu costumava ser notada por minha
habilidade de estragar festas — disse, enquanto tirava o casaco e o entregava
ao garçom. — E isso era muito aborrecido. — Sorriu para Cássia e
prosseguiu: — Acho que devo ter enfastiado você ao máximo naquele jantar
oferecido ao lorde.
Cássia tentou evitar o assunto, aproveitando a presença do garçom que
ajeitava a toalha.
— Quando se está apaixonada não há nada mais entediante que ser
bombardeada por problemas de outros que não estão mais apaixonados —
concluiu Jéssica.
Cássia ficou um pouco desconcertada
— Eu… eu não estava apaixonada.
Jéssica fez uma expressão de quem não acreditava.
— É verdade. Tratava-se de um jantar de negócios. Meu pai arranjou
tudo — Cássia tentou justificar-se, sem convencer a amiga.
— A julgar pelo que vi hoje nos jornais, não é o que parece — brincou
Jéssica, mas logo mudou de assunto, passando a falar dela própria. — Foi a
partir daquele jantar que tudo mudou. Minha paciência já estava se
esgotando, e, quando você contou o quanto o divórcio a fez infeliz, pensei:
“Bem, ela deve saber o que diz. Talvez valha a pena uma última tentativa”.
Aquilo também mexeu com Sefton, embora ele jamais admitisse. Além do
mais, ele não gostou do comentário de lorde Dearham a respeito de divórcios.
Ele é muito ligado às crianças e sempre foi um bom pai. Você e John não
tiveram filhos, não foi?
Cássia fez que não. Nunca quisera tê-los, e agora percebia claramente
por quê. Em outras circunstâncias… Tomou um gole de chá tentando
esquecer sua mágoa e a vontade de chorar.
— Bem, Sefton não queria magoar as crianças. Era o único ponto em
que sempre concordávamos. Depois do jantar, pensei: “Temos de resolver
esta situação de uma vez por todas. Já que ele insiste em dizer que quer o
divórcio, então vamos ver se é verdade”. Então o fiz ver que as pessoas
divorciadas eram insatisfeitas e infelizes. Disse-lhe que, se achasse, com
sinceridade, que o divórcio era a solução, então eu também concordaria.
Depois perguntei se ele não gostaria de tentar reconstruir nossa vida em
comum.
— E o que ele disse?
— Concordou. Sefton ficou impressionado com suas palavras naquele
jantar. Até então, só pensava em conseguir a liberdade. — Jéssica sorriu,
satisfeita. — Portanto, estamos tentando novamente, e com muita vontade.
Aquela foi uma noite importante para nós, e devemos tudo a você.
— Fico feliz — Cássia falou com sinceridade. — Pelo menos uma
conseqüência boa resultou daquela noite.
Jéssica teve uma reação de surpresa.
— Você e Robert não estavam bem? — Cássia corou.
— Éramos apenas conhecidos, Jéssica, e muito superficiais. Nada mais
do que isso.
— Mesmo?
— Sim, mesmo.
— Mas naquela noite ele não tirava os olhos de você. Senti tanta inveja
sua — admitiu Jéssica. — Nem me lembrava da última vez em que Sefton
olhou para mim daquele modo.
Cássia emudeceu. Naquela noite Robert estava furioso com o plano de
Jerome e também com ela, que parecia agir de acordo com o pai. Portanto não
poderia estar tão atraído assim.
— Acho que você se enganou, Jéssica.
— Oh, não, não. A gente logo percebe a ternura nos olhos dos outros,
principalmente quando se está infeliz. Estou certa do que observei. — Fez
uma pausa para refletir e acrescentou: — Embora não estivesse segura de
você ter notado.
Cássia sentiu-se embaraçada, sem saber o que dizer.
— É… talvez. Não me lembro bem.
— É uma pena. Vocês pareciam combinar tão bem.
— Parecíamos? — disse Cássia, num involuntário tom melancólico.
Jéssica olhou pensativa para ela e perguntou:
— Ouça, Cássia. Sei que não é de minha conta, mas há algo errado entre
vocês? Se é por causa dos negócios, não tem sentido discutirem. Seus
sentimentos são mais importantes, não são?
— Bem…
— Robert é importante para você, seja sincera.
— Mais do que eu queria — concordou Cássia, de cabeça baixa.
— Então, não pode permitir que Jerome interfira. — Cássia sacudiu a
cabeça negativamente.
— Não é papai. Sou eu. Ou pelo menos foi por minha culpa. Agora…
agora não sei mais nada.
— O que houve?
— Bem, no início eu tinha medo — disse Cássia, hesitante. — O
divórcio mexeu muito comigo, e não queria envolver-me novamente. Todos
sabiam disso, e ninguém tentou aproximar-se de mim durante estes anos.
— Até que Robert ignorou o fato e a procurou?
— Sim.
— E então, o que aconteceu?
— Eu o rejeitei — falou em voz baixa e com amargura. — Deixei-me
envolver e depois o rejeitei.
— E ele se irritou?
— Não, não. Ele foi muito… muito compreensivo. Mais do que eu
merecia.
— Sente-se culpada — disse Jéssica, como que fazendo um diagnóstico.
— Isso é muito prejudicial. Tem de se livrar da culpa. Vá falar com ele.
— Eu tentei, mas ele não quer falar comigo. — Cássia contou sobre
como John desafiara e a fizera ligar para o rival. Jéssica ouviu tudo com
paciência.
— E você acreditou em John?
— Não pude negar a evidência — disse ela, infeliz.
— Sabe, acho que você está influenciada pelas circunstâncias. Na minha
opinião, Robert é de confiança.
— Você não o conhece bem.
— Eu o observei e acho que você deve procurá-lo. Vá correndo e
tenham uma boa conversa.
— Mas…
— O máximo que pode acontecer é ele mandá-la embora. Só então
estará certa de que não quer vê-la. Se é tão importante para você, Cássia, vale
a pena arriscar-se. Tudo o que tem a fazer é descobrir os sentimentos dele e a
importância disso para você.
— Oh, ele é o meu amor e toda a minha vida — murmurou Cássia, mais
pensando alto do que respondendo à amiga.
CAPÍTULO XII

Percorrer sozinha os bosques, em direção à casa de Robert, provocou


em Cássia uma sensação intimidante. Quanto mais o carro se aproximava da
mansão, mais nervosa ficava.
Para tomar essa atitude tivera de reunir toda a sua coragem. Não se
comunicara mais com ele e nem sabia se ele estaria lá. Costumava passar
muito tempo em Londres e talvez ainda estivesse trabalhando. Também
poderia estar viajando.
Durante todo o percurso, Cássia tentou decidir o que seria pior: a
ausência ou a presença de Robert. A cada momento desejava uma coisa! Não
fazia a menor idéia do que lhe diria, mas ao mesmo tempo sentia uma
enorme vontade de revê-lo. Enfim, tinha de enfrentar aquela situação. A
dúvida a estava deixando com os nervos à flor da pele.
Assim que avistou a casa, notou que não havia luzes acesas. Ao chegar
mais perto e desligar o motor do carro, ouviu vozes. Ele estava lá, portanto,
mas não sozinho. Cássia desceu relutante, pois não pensara naquela
possibilidade. Permaneceu indecisa ao lado do carro, tomando consciência de
quanto o desejava. Por outro lado, temia a sua reação, ou pior, temia seu
desprezo.
De repente, Robert apareceu no jardim e parou petrificado ao vê-la,
como que não acreditando em seus olhos.
Cássia sorriu timidamente.
— Boa tarde.
— Uma linda tarde — disse ele, recobrando-se da surpresa, e caminhou
para ela com uma expressão de grande felicidade. — O que está fazendo
aqui, passeando pelos campos?
— Queria vê-lo — respondeu com dificuldade, sentindo a garganta
seca.
Houve um silêncio enervante entre eles. Os olhos de Robert nada
revelavam, mas ele parecia bastante descontraído. Em contraste, era visível a
tensão de Cássia, que não sabia mais o que dizer, embora tentasse
desesperadamente falar alguma coisa. Então Robert quebrou o silêncio.
— Você queria me ver?
— Sim — ela respondeu com voz tímida.
— Pois fico imaginando por quê. — Cássia morria de vergonha, mas
olhava diretamente para ele.
— Como você me disse certa ocasião, creio que lhe devo desculpas —
disse ela.
— Oh, mas, como você deve ter percebido, usei aquilo como pretexto
para revê-la — respondeu ele num tom suave e ao mesmo tempo irônico.
— Não, não percebi nada — falou Cássia, confusa e meio ressentida. —
E quero pedir desculpas.
Robert sorriu.
— Oh, certamente. Mas você não teria se desculpado se notasse que
cada vez mais eu me tornava obcecado por você.
Cássia ficou tão surpresa que riu.
— Você é mesmo um cínico, Robert.
— É o que dizem. Mas penso que sou também sincero. — Nesse
momento, ouviram barulho dentro da casa. Cássia sentiu-se uma invasora.
— Bem, você não está sozinho. Vim em hora errada. Acho melhor ir
embora. — Virou-se para partir mas Robert segurou sua mão, que tocava a
maçaneta do carro.
— Você não vai a lugar nenhum — disse ele. — Não até que eu tenha
ouvido seus motivos. Entre, tome um drinque. Venha conhecer minha avó.
Depois que ela se recolher, podemos conversar… com mais intimidade —
concluiu, com os olhos fixos em seus lábios.
Aquele olhar a deixou sem fôlego. Entrelaçou as mãos nas dele e entrou
na casa como uma garotinha obediente.
Robert conduziu-a ao jardim onde haviam estado no outro dia. Uma
senhora elegante, vestindo uma saia longa e preta e uma blusa de gola alta
estava sentada no banco.
— Minha avó — Robert apresentou-a a Cássia. — Polly, esta é Cássia.
A avó de Robert tinha o rosto bastante marcado pela idade e os olhos
azuis mais lindos que Cássia já vira.
Polly observou-a rapidamente e depois estendeu-lhe as mãos.
— É muito bom conhecê-la! Tenho ouvido muito sobre você. Venha me
contar a sua versão da história.
Cássia olhou espantada para Robert.
— Eu… eu… não… — gaguejou Cássia, enquanto ele ria.
— Polly, não seja tola. Espero que não vá contar todos os meus segredos
logo no primeiro dia.
— Mas claro que sim — respondeu ela com serenidade. — Para que
mais se confiaria numa velha senão para dar conselhos? — Pegou a garrafa
de vinho vazia e mostrou para Robert. — Precisamos de mais uma destas.
— Claro! — concordou ele, curvando-se num cumprimento e retirando-
se para a cozinha. Polly acompanhou-o com o olhar.
— Há uma coisa de que gosto em meu neto: logo percebe uma indireta.
É diferente do pai e do avô, que é o homem mais inoportuno que já conheci.
— Virou-se para Cássia e sorriu. — Bem, finalmente você está aqui. Achei que
viesse, mas Robert não tinha esperanças. Contou-me que ele próprio arruinou
tudo. Mas, me diga o que houve entre vocês?
Embaraçada, Cássia sentou-se no gramado ao lado da mulher idosa,
que continuou:
— Então, me diga o que veio fazer aqui esta noite. Queria que ele
soubesse que você está magoada?
— Mas eu não estou magoada! Eu é que o magoei!
— Robert disse que a magoou de tal modo que você nunca mais iria
querer falar com ele. Vejo que ele se enganou — comentou Polly. — Eles são
sempre assim.
— Eles?
— Os homens — explicou a mulher e sorriu-lhe. — Ainda mais aqueles
que pensam entender as mulheres. Isso os tornam negligentes. — Olhou com
atenção para Cássia. — Você acha Robert negligente?
— Eu… não. Nunca pensei sobre isso.
— Bem, posso afirmar-lhe que não. Nunca foi, desde criança. Sempre
soube o que quer e como fazer para consegui-lo. E sempre evitou o
casamento.
Cássia mal podia esconder seu mal-estar, mas disse:
— Isso não me surpreende.
Polly deu uma gostosa gargalhada. Depois ficou séria.
— Você é muito realista. Ele me contou que é divorciada.
— Sim. Fui casada uma vez.
— Eu me casei cinco vezes — Polly falou com naturalidade. — Essa
atitude combinava comigo, sabe, mas não combinaria com Robert.
— Nem comigo — comentou Cássia.
Permaneceram um breve tempo em silêncio, observando uma à outra.
— Espero que tenha vindo para pedir a ele que se case com você —
falou, tirando Cássia de sua força da serenidade.
— O quê?
Nesse instante Robert retornou com outra garrafa e mais um copo.
Polly logo comentou:
— Espero que esteja gelado o suficiente. Não suporto Sauvignon
quente.
— Está no ponto — informou ele enquanto tirava a rolha e servia a avó
e depois Cássia. — Tratei logo de pôr seis garrafas na geladeira assim que
você telefonou avisando que viria.
— Não esperava que eu ficasse por muito tempo? — brincou Polly, e ele
sorriu.
— Apenas até que a minha adega esvaziasse.
— Gosto de seus vinhos, querido. Você herdou o paladar de seu avô.
Esta é a única semelhança que tem com ele; felizmente para você, Cássia.
Cássia ficou meio sem jeito, e Robert se divertiu com sua reação.
— Acho que vou terminar meu vinho lá dentro para depois descansar
— anunciou Polly, levantando-se. — Vejo-o pela manhã, querido. E a você
também, Cássia, espero.
Polly cumprimentou-a e acariciou de leve o rosto do neto. Deu uns
passos e acrescentou:
— Eu disse a ela para pedi-lo em casamento. Parece ser uma garota
sensível. Boa noite. — E foi recolher-se, deixando no ar um aroma de perfume
francês.
Cássia olhava para o copo, agoniada e confusa.
— É verdade? — perguntou Robert com voz hesitante.
— O quê?
— Essa história de me pedir em casamento.
— Hã… sim, é. Foi o que ela me sugeriu, um pouco antes de você voltar
com o vinho.
— Oh, Deus!
Cássia ergueu o olhar e viu Robert de cabeça baixa, enfiada entre as
mãos, rindo com vontade.
— Sinto muito, Cássia — disse ele quando pôde falar novamente. —
Polly não perde o hábito de interferir.
— Ela gosta muito de você.
— É verdade. E eu a adoro. Mas reconheço que ela não tem muito tato.
Retirou-se estrategicamente. Foi uma deixa, aliás, eu diria até que foi uma
ordem superior… — Robert tinha um leve sorriso nos lábios. — Talvez ela
tenha razão, e quisesse dar-lhe a oportunidade de fazer a proposta. Fará isso?
— falou, observando com prazer a aflição de Cássia.
Ela fez que não, e ele suspirou.
— Não pensei mesmo que o fizesse. Para que veio até aqui, então? Se foi
para me acusar de contar histórias aos jornais, sou inocente, e posso até
provar.
Cássia não sabia se ele estava ressentido ou se apenas não tinha gostado
que ela viesse à sua casa sem ser convidada.
— Não estou entendendo.
— Não mesmo? Sua eficiente secretária não lhe contou o que me disse?
— Robert tomou um gole de vinho e deu de ombros. — Vejo que não. Bem,
vou contar: por conta própria, ela resolveu investigar nos jornais sobre quem
havia mandado a notícia de que você passou uma noite aqui. Descobriu que
foi um homem. Um homem que você conhece muito bem. Dedução: eu.
— Não acredito nisso. Você não seria capaz de um procedimento
desses.
— Ainda bem que você pensa assim.
— Ela nunca me disse nada. Na verdade sempre procurou me fazer
acreditar que havia sido você. Mas não lhe dei ouvidos e pensei que o caso
estivesse encerrado. Ela não me disse que havia conseguido uma prova, e
mesmo que tivesse dito…
— O que você faria?
— Nem assim eu teria acreditado, Robert. Não sou a mulher mais
experiente do mundo em relação aos homens, mas creio conhecê-lo um
pouco.
Robert pegou-lhe mão e a acariciou-a.
— Sinto-me envergonhado.
— Por quê?
— Você confiou em mim, e eu devia ter feito o mesmo, em vez de ficar
com este orgulho bobo. Não me aproximei novamente porque queria provar
minha inocência.
— Foi por isso que não quis falar comigo hoje?
Cássia começava a entender. Porém, Robert parecia perturbado, aflito e
ela indagou:
— Por que foi?
— Eu poderia ter provado minha inocência há vários dias — disse ele,
apoiando o copo no gramado.
— E por que não o fez, já que não sabia a minha opinião? — insistiu
Cássia. — Ou não se importava com o que eu pudesse pensar?
— Você sabe que isso não é verdade.
— Por que, então? Se me procurasse antes…
Robert levantou-se num movimento brusco e nervoso. Cássia então
começou a compreender.
— Tudo foi mesmo contado por alguém, não é? — concluiu ela com
serenidade.
Ele tinha os músculos do corpo tensos. Enfiou as mãos nos bolsos e não
respondeu.
— Foi John? — perguntou ela com tranqüilidade. Robert suspirou
fundo e fez que sim com a cabeça.
— Por que você não me contou?
Ele virou-se de repente e ajoelhou-se, ficando com o rosto a centímetros
do de Cássia.
— E como eu poderia? — Deu um soco no chão. — Como lhe dizer uma
coisa dessas a respeito do homem por quem estava apaixonada? Você já foi
bastante machucada, e eu contribuí para isso. Tentei levá-la para a cama,
seduzi você, a persegui e decepcionei. Não podia mais magoá-la.
Cássia olhava-o sem acreditar no que ouvia.
— Você pensou que eu estivesse apaixonada por John?
— Não é preciso ser gentil comigo, Cássia. Sei que estava, ou melhor,
que está.
— De onde você tirou essa idéia?
Num gesto carinhoso, Robert tocou de leve em seus lábios com a ponta
do dedo.
— Era óbvio desde o princípio. De toda maneira, você acabou por
confirmar.
Cássia balançou a cabeça, jogando os cabelos macios sobre o rosto.
— Não posso acreditar. Eu confirmei sua opinião? Como foi isso?
Quando?
Os olhos de Robert exprimiam tristeza.
— Da última vez em que estive aqui, achava-me desesperadamente
apaixonada por você; minha paixão era tanta que fiz tudo parecer sem
sentido. Não poderia ter dito que estava apaixonada por John. — disse
Cássia.
Ele beijou-a no rosto com ternura.
— Está querendo ser gentil outra vez. Não é preciso, sou um homem
maduro e posso suportar a verdade.
Era evidente a intensidade do desejo dele. De repente, nada parecia tão
importante a ela quanto falar de seus sentimentos. Seus temores e receios não
haviam desaparecido, mas nada significavam quando comparados com o
amor que sentia por Robert.
Cássia pôs a mão sobre a dele e disse:
— Quer mesmo saber a verdade? Pois então saiba que estou
completamente apaixonada por você.
Robert ergueu a cabeça, atônito. Cássia não desviou o olhar.
— Pela primeira vez em toda a minha vida — acrescentou.
— O que disse? — Ele apertava-lhe a mão.
— Nunca estive apaixonada antes de conhecê-lo. Nem por John, nem
por ninguém. Agora vejo que não devia ter me casado com ele. Eu era muito
imatura e não percebia o quanto o amor era importante. Nem mesmo sabia o
que era amar.
Os olhos verde-azulados brilhavam como nunca.
— Mas você disse que… Não me lembro exatamente das palavras, mas
você disse que não poderia fazer amor comigo por causa de suas lembranças.
Parecia julgar que ninguém substituiria John, que se lembraria dele para
sempre.
— Oh, não! Não é verdade.
— Agora vejo que foi tudo um mal-entendido, mas foi desde então que
desisti de procurá-la.
— Robert, querido, sempre que me lembro de meu casamento, tudo o
que sinto são mágoas — contou-lhe com sinceridade. Precisava mostrar que
não tinha mais nada a ver com John.
Pela primeira vez, Robert estava confuso.
— John e eu nunca tivemos bons momentos. Sempre fomos estranhos
um para o outro.
— Mas você se casou com ele…
— Sim, e me envergonho disso. Você não entenderia. Nunca tive outro
homem, nem fui beijada por mais ninguém. Fui muito protegida quando era
mocinha. Meu pai temia que alguém se aproximasse por interesse, por isso
construiu uma muralha ao meu redor. Quando atingi a idade de casar, ele
escolheu alguém para ser seu sucessor nos negócios. Tudo foi com o melhor
dos motivos, mas eu não deveria ter permitido que acontecesse.
— Nunca esteve apaixonada por John? Nem mesmo quando se
casaram?
Cássia suspirou.
— Não tinha a menor idéia do que era o amor. Via meu futuro como se
ele pertencesse aos Keys. John era parte dos Keys. — Deu de ombros. — Bem,
fazia sentido sob o ponto de vista de meu pai.
— Mas você fez amor com ele. Disse que não gostava de sexo e que não
passaria a noite comigo.
Cássia baixou a cabeça.
— Como acha que descobri que não gostava de sexo? Sim, claro,
fizemos amor. Não com freqüência, nem tampouco satisfatoriamente. Eu
deveria ter entendido, mas não. Achei que… não gostava. E ele se frustrava,
atribuindo a culpa a mim.
Robert abraçou-a e acariciou-lhe os cabelos. E ela, agora que desabafara,
sentia mais leve, como se tivesse tirado um peso de cima dos ombros. Não
precisaria fingir nunca mais.
— Tive medo de fazer amor com você. Temia não satisfazê-lo —
confessou Cássia.
— Mas por quê?
— Nunca fui capaz de proporcionar satisfação a John, e você… você já
teve tantas mulheres e eu não podia me comparar a elas. Além disso, achei
que quisesse apenas um caso passageiro, como os outros, e não era isso o que
eu desejava.
— Assim você me faz sentir como um demônio — disse ele, sorrindo. —
Nunca fui esse casanova que você imagina, meu amor.
— Não é o que dizem as colunas sociais.
— Não se pode dar crédito ao que dizem, você sabe. Tive outras
relações, é claro. Afinal tenho trinta e sete anos. Mas não tive tantos
envolvimentos assim, e nenhum mais profundo. — Olhou sério para ela. — É
preciso que você acredite nisso, Cássia. Cometi erros, assim como você.
— Compreendo — retrucou ela.
— Bem, e o que pretende fazer? Tudo depende de você. Eu te amo
muito, mas se a família e os negócios são todo o seu mundo…
— Larguei tudo isso. Você não sabia?
Robert balançou a negativamente a cabeça.
— Pensei que… Bem, você parecia tão dedicada que pensei que não
tivesse tempo para homens… para mim. A certa altura, fui eu que cheguei e
pensar que você queria apenas um romance passageiro. Isso me deixou
bastante magoado.
— Sabe que você me amedrontava? — disse Cássia, relembrando os
primeiros encontros.
— Fico contente por ouvir isso. Você também me apavorava —
confessou ele, rindo.
— Está brincando?
— Não, não estou. Todos diziam que você era a única pessoa capaz de
manter Jerome sob controle. Mas, quando a vi, fiquei caído. — Robert beijou-
lhe os cabelos. — Por que acha que aceitei aquele convite escandaloso de seu
pai? Estava determinado a conquistá-la, e não pensava que você fosse capaz
de olhar duas vezes para um aventureiro, dono da metade de uma modesta
agência de turismo. Afinal, você era uma executiva de tão alto nível.
— Isso tudo é bobagem, e você sabe muito bem. Sabe também que
qualquer mulher sensata olharia, não duas, mas dez mil vezes para você.
— Que exagero! Você é que é magnífica e desejável, e eu a quero
loucamente.
Cássia levantou-se, feliz, mas Robert a segurou pelo braço, de leve,
trazendo-a de volta para o gramado. Com um movimento delicado, a fez
deitar-se.
— Você é sensata o suficiente para saber quando foi derrotada? —
perguntou carinhosamente.
— Eu não diria que fui derrotada — observou ela. — Isto é, se pretende
me beijar, saiba que é o que mais desejo desde quando cheguei.
Feliz, Robert beijou-a de modo carinhoso e sensual. E ela foi se
aproximando acariciando os ombros e as costas musculosas, fazendo-o
perder o fôlego.
— Cássia, querida, faça amor comigo. Vou mostrar o quanto a amo e
como cuidarei de você. Prometo — sussurrou Robert ao seu ouvido. —
Vamos para o quarto.
Os beijos dela disseram mais do que as palavras.
O amor de Robert a libertou de mil bloqueios. Juntos atingiram um
êxtase delicioso, deitados sobre o lençol macio da cama dele.

Na manhã seguinte Cássia acordou com carícias e suspirou de pura


satisfação. Esticou os braços como uma gata preguiçosa e abriu os olhos para
o homem que amava e que retribuía plenamente seu amor.
— Feliz, querida?
— Completamente — concordou ela, ainda sonolenta.
— Não acha que deve dar uma nova chance ao sexo? — perguntou ele
com malícia.
— Não é muito gentil caçoar de mim.
— Mas não estou caçoando de você. Estou apenas grato. Temia que não
conseguisse libertá-la de suas lembranças.
Cássia estendeu a mão para ele, que a segurou e beijou com muito
carinho.
— Não sabia que amar podia ser tão bom assim — confessou Cássia
com timidez.
— Fico feliz.
— Sinto muito se alguma vez fui tola.
— Ah, minha amada, você jamais foi tola. Foi sempre generosa e
honesta, mesmo em seus momentos de maior agressividade. Nunca amei
alguém assim como você. E nunca amarei… Essa, declaração é
desinteressada, pois já não estou tentando seduzi-la. Tem mais: eu nunca
disse isso a qualquer outra pessoa.
— Oh, Robert, querido. — Cássia tocou os pêlos macios do peito dele.
— Nunca me senti assim antes. Parece que estou sonhando!
Robert apertou a mão da mulher amada e indagou:
— E o que pretende fazer agora?
Ela notou, meio divertida, que ele estava hesitante, que não se sentia
mais tão seguro.
Aconchegou-se preguiçosamente nos braços fortes, trazendo-o para
bem juntinho do corpo.
— Sua avó teve uma grande idéia — murmurou Cássia. — Você se casa
comigo, Robert? — sussurrou antes que os beijos dele a impedissem de dizer
mais alguma coisa.

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Um romance que você não pode perder!

Edição 525

DOCE SABOR DE PECADO


Madelyn Dohrn

Com movimentos suaves e sensuais, Ross acariciava as costas de Nikki,


sentindo-lhe a maciez, deleitando-se com a suavidade das curvas femininas.
Inebriada, ela se abandonou ao prazer… Até que a súbita intervenção de sua
mascote veio trazê-la de volta à realidade. Ainda bem!
Estaria ficando louca? Como podia ceder aos encantos de um maníaco? Ross
Hensley dava aulas de sexo e sempre havia uma mulher em sua casa. E Nikki não
estava nem um pouco disposta a ingressar naquele harém.

Um romance que você não pode perder!

Edição 526

PRISIONEIROS DO PASSADO
Sally Wentworth

“Heath Masterson.” O nome cravou-se como uma lâmina no peito deZara…


Sete anos haviam se passado e ela não esquecera. Aquele homem lhe roubara todos os
sonhos de amor, e sua lembrança doía como ferida aberta. Uma coincidência sombria,
porém, os colocou frente a frente…
Era a chance de que a garota ingênua, agora uma mulher amarga, precisava
para se libertar do amor que a sufocava. Zara o faria provar do próprio veneno… Iria
destruir Heath Masterson como ele a destruíra!

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