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INTERESSES SECRETOS

Passion for the Game

Sylvia Day

Londres, Século XIX


Um segredo... Uma surpresa... Uma paixão...
Sob a aparência de frieza e indiferença, Mary Winter oculta um coração
amargurado. Apenas ela conhece o motivo pelo qual está fadada a ignorar seus próprios
sonhos e desejos em nome de um segredo que deve ser mantido a todo custo, mesmo
que isso signifique sacrificar sua felicidade...
O temido e respeitado Christopher St. John volta a frequentar a sociedade
britânica depois de duas semanas de ausência. O fato passaria despercebido para
Mary, não fosse o inesperado encontro à saída do teatro, quando St. John lhe faz uma
proposta tentadora...
Arriscando a segurança de entes queridos, Mary e St. John embarcam numa
aventura que os leva dos suntuosos salões de baile aos recônditos do submundo de
Londres, um jogo perigoso que poderá levá-los à forca... ou aos prazeres da paixão!

Digitalização Joyce
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Revisão:Jéssica Oliveira
Formatação: Ana Ribeiro

CAPÍTULO I

Londres, 1714
— Se o anjo da morte for tão adorável quanto você, os homens farão fila para
morrer.
— Sua vez chegará...
O murmúrio inaudível da resposta se confundiu com a modulação afinada da
soprano que lamentava o amor perdido no palco do teatro.
A deslumbrante jovem que fora alvo do macabro elogio manteve a fachada régia,
para benefício dos diversos binóculos que a focalizavam, admirando sua beleza.
Naquela noite, lady Winter usava um elegante vestido vermelho de seda,
ornamentado com o delicado laço da echarpe negra que pendia de seus ombros. As
cores acentuavam os traços de sua herança espanhola. O traje realçava o efeito
devastador provocado pelos esplêndidos cabelos negros, olhos da cor do mais puro
ébano e pele morena. A simples presença daquela mulher era, em si, um sinal de perigo.
Ela fixou o olhar no palco. A repulsa pelo acompanhante sentado ao lado dela no
camarote fazia seu estômago revirar.
Exalando um longo suspiro, simulou interesse pela trama da ópera em andamento.
Anjo da morte... A alcunha não poderia ser mais verdadeira. Todos ao redor dela
morriam, exceto lorde Welton Benbridge, o único homem que desejava eliminar da
face da Terra.
O riso abafado atrás dela fez sua pele arrepiar.
— Será necessário pensar duas vezes antes de me mandar para o inferno, minha
querida filha — a voz grave advertiu, como se lesse seus pensamentos. — Se me matar,
nunca se reunirá novamente com sua irmã.
— Não ouse me ameaçar, lorde Welton. Amélia está próxima da idade de se
casar, e quando isso acontecer, descobrirei o paradeiro dela e não terei mais
necessidade de manter sua vida. Considere minhas palavras antes de pensar que
poderá fazer com ela o mesmo que fez comigo.
— Eu poderia vender sua irmã para os comerciantes de escravos, minha doce
Maria... Ou prefere que a chame de lady Winter? — ele murmurou com prazer sádico.

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— O senhor presume incorretamente que eu não antecipei sua ameaça. — As


rendas do punho tremularam quando ela apertou as mãos num gesto nervoso. — Eu
conseguirei localizar minha irmã, e então, o senhor morrerá.
Um sorriso amargo curvou os lábios cheios.
Seus dois desafortunados maridos haviam sido agentes da Coroa, e a fortuna que
acumularam foram úteis para o padrasto.
Ela tinha dezesseis anos quando Welton destruiu sua vida.
Uma onda de antecipação percorreu seu corpo quando pensou no dia em que o
faria pagar por tudo que a obrigara a fazer pelo bem da irmã.
— Quem será o alvo dessa vez? — murmurou contrariada, cedendo mais uma vez
às exigências do padrasto.
— St. John. — O nome pairou em suspenso no ar entre eles.
— Christopher St.John? — Maria repetiu, boquiaberta. Nada poderia
surpreendê-la mais. Aos vinte e seis anos, acreditava que já tinha visto e feito tudo.
— Interessante... — Maria murmurou, olhando para o homem em questão.
Christopher St. John era o lendário pirata que saqueava navios de contrabandos
e mantinha desabrigados e famintos sob sua proteção. Era tema principal das reuniões
da corte, e comentavam-se suas façanhas com intempestivo entusiasmo. Ele acabara
de sair da prisão, onde havia passado duas semanas sob acusação de pirataria, e
especulava-se por quanto tempo conseguiria se manter em liberdade.
A beleza incomum era tão mortal quanto a dela, e as façanhas tão
extraordinárias que não parecia ser possível que fossem verdadeiras.
— St. John é um homem rico, mas casar-me com ele vai me arruinar e me tornar
menos efetiva para seus objetivos — ela comentou com aparente descaso.
— Eu não mencionei casamento, Maria. Ainda não esgotei as reservas de lorde
Winter. Trata-se apenas de uma busca de informação. Acredito que os agentes da
Coroa estejam envolvendo St. John em algum tipo de negócio. Quero que descubra o
que é, e, mais importante, quem conseguiu livrá-lo da prisão.
Maria voltou a atenção para o palco.
Por que a sensação de que suas mãos estariam manchadas de sangue nunca
passava?
Virou a cabeça e olhou ao redor. A soprano no palco chamava a atenção, mas não
estava lá para vê-la. E, assim como ela, a aristocracia que enchia todos os camarotes
do luxuoso teatro também pretendia apenas ver e ser vista, e nada mais.
— Devem estar realmente desesperados para poupar a vida de St. John—Welton
comentou com descaso. —A Coroa passou anos procurando pela prova irrefutável de
sua vilania, e agora que a tem, decidiu cruzar os braços. Suponho que nenhum dos lados

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esteja satisfeito.
— Não me importo com o que St. John ou a Coroa sentem. —Maria ajustou o
binóculos, simulando interesse pela ópera.
—Tem razão. Isso não importa. Quero apenas que se aproxime dele e extraia
todas as informações que puder. Assim saberei a quem devo extorquir.
— Está confiando demais no meu poder de sedução — ela observou, sentindo o
gosto amargo da biles na boca.
Era insuportável pensar em tudo que era forçada a fazer para proteger e servir
um homem que odiava.
Porém, não era o padrasto a quem protegia e servia, e sim a si mesma. Precisava
que ele vivesse, pois caso contrário, jamais encontraria Amélia.
— Você tem noção de como essas informações podem ser valiosas, Maria?
Ela assentiu com gesto quase imperceptível, consciente de que Welton estava
atento ao menor de seus movimentos.
Todos sabiam que a morte de seus dois maridos não havia sido por causas
naturais. Porém, não tinham provas para acusá-la. Apesar dos rumores que corriam as
suas costas, Maria sempre fora bem recebida pela sociedade. Embora abominasse a
humilhação e a infâmia, frequentava os lares das famílias mais agraciadas da corte
graças ao padrasto, que conhecia mais segredos do que a aristocracia gostaria de
admitir.
—Como posso travar contato com o sr St. John?—indagou sem encarar Welton.
— Use seus próprios recursos. — Welton se pôs de pé nas sombras do camarote,
mas Maria não se deixou intimidar. Com exceção da preocupação por Amélia, nada mais
a assustava.
Uma onda de repulsa a fez estremecer ao sentir o toque em seus cabelos.
— Os cabelos de sua irmã são parecidos com os seus... — ele sussurrou em tom
lúbrico. — Gosto dos cachos sedosos e brilhantes que as duas herdaram da mãe.
— Vá embora! — ela sibilou por entre os dentes.
A risada sardônica pairou no ar muito tempo depois que Welton saiu.
Quantos anos mais seria forçada a viver sob aquela tortura diária? Os
investigadores e informantes que trabalhavam para ela foram incapazes de descobrir
algo de valor. Não haviam conseguido nada além dos relatos de breves aparições de
Amélia, sem que nunca tivessem encontrado pistas de onde ela poderia estar. Por
muitas vezes, estiveram perto... Mas Welton sempre estava um passo à frente.
E, a cada dia, a alma de Maria se tornava mais negra e descrente.
— Não se deixe enganar pelas aparências. Sim, ela é pequena e delicada, mas é
uma serpente esperando para dar o bote.

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Christopher St. John se acomodou na poltrona sem olhar para o agente da Coroa
que dividia o camarote com ele.
Sua atenção estava fixa na mulher sentada no outro extremo do teatro. Passara
a vida toda em meio às damas elegantes da sociedade e sabia reconhecer alguém com
afinidades quando via.
Trajando um elegante vestido que dava a impressão de luxo e riqueza, lady
Winter aparentava frieza e indiferença.
Mas isso não importava. Seu desígnio era aquecê-la, imiscuir-se na vida dela e
conhecê-la bem o bastante para fazê-la ir para a forca em seu lugar.
Não era uma tarefa agradável, nem mesmo para um homem que, como ele, trilhara
a tortuosa estrada do crime.
— Deve haver dúzias de homens trabalhando para ela — o conde Sedgewick
observou. — Alguns atuam nas docas, e outros vagueiam pelo país. O interesse de lady
Winter na agência é óbvio. Ela, tanto quanto você, tem reputação de ser fria e mortal.
Vocês dois são muito parecidos. Tenho certeza de que ela não poderá resistir a
qualquer oferta de assistência da sua parte.
Christopher assentiu. Conhecia mulheres daquele tipo, mais preocupadas com a
aparência do que com a própria reputação.
Ela entregava-se sem pudores para atrair pretendentes ricos.
No entanto, a perspectiva de compartilhar a cama com o belo "Anjo da Morte"
era tentadora.
— Posso ir agora, milorde? — Christopher perguntou, fazendo menção de se
levantar.
Sedgewick balançou a cabeça em silêncio.
— Comece imediatamente, ou perderá esta oportunidade. Christopher se conteve
para não retrucar. A agência aprenderia em breve que ele dançava conforme o próprio
ritmo.
—Envie relatórios indicando todos os passos de lady Winter. Quero saber tudo
sobre a relação pessoal e profissional entre vocês.
Christopher ajeitou os punhos do casaco.
— Lady Winter procura a segurança financeira de um casamento com alguém da
nobreza, o que torna impossível para um homem sem títulos, como eu, ser um
pretendente aceitável. Planejo começar minha associação com ela pelos negócios e
selar com sexo. É assim que funcionará.
— Você é assustadoramente egoísta, St. John — censurou Sedgewick, com
malícia.
—E você será um homem sábio ao se lembrar sempre disso — o pirata retorquiu

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ao sair.
A sensação de estar sendo observada com atenção predatória provocou
desconforto em Maria. Estudou com olhos de lince cada camarote do teatro e não
notou nada de suspeito. Ainda assim, os instintos que a mantinham viva a alertaram do
perigo e preferiu, mais uma vez, dar ouvido a eles. Não era tola a ponto de acreditar
que o interesse de alguém sobre ela fosse mera curiosidade.
O tom baixo das vozes masculinas dos camarotes vizinhos chamou sua atenção.
Talvez não passasse de comentários fúteis sobre o espetáculo em andamento, mas
Maria era uma caçadora com sentidos apurados.
— ...o camarote do "Anjo da Morte" — ouviu o fragmento de conversa chegar até
ela.
— Ah... — um homem murmurou em tom sigiloso. — Eu não me importaria em
correr o risco de morrer se pudesse passar algumas horas na cama dela. Lady Winter
é incomparável, uma deusa entre as mulheres.
Maria suspirou. Sua beleza não passava de uma cruel maldição. O prazer juvenil
que tivera no passado por saber que era a mais bela dentre todas se desvanecera no
dia em que o padrasto passara a usá-la para enriquecer. Desde então, as mortes se
sucederam em sua vida.
A primeira fora do amado pai. Lembrava-se do homem vigoroso, em quem o
sorriso brotava fácil. Afável e romântico, ele adorava a esposa de origem espanhola. A
mãe jamais conseguira superar o trauma quando o marido adoeceu e morreu em poucos
meses. Mais tarde, Maria se tornara familiarizada com a dor da alma. Porém, naquela
ocasião, sentira apenas medo e confusão, e seus temores sobre o futuro aumentaram
quando foi apresentada ao belo cavalheiro de boas maneiras que ocuparia o lugar do
pai.
— Maria, minha amada filha — a mãe dissera com voz suave —, conde Welton e eu
planejamos nos casar.
Ela já ouvira aquele nome antes. O fidalgo era o melhor amigo de seu pai. No
entanto, a razão pela qual a mãe desejava se casar novamente estava além da sua
compreensão. O pai teria significado tão pouco para ela?
— Lorde Welton deseja enviá-la aos melhores colégios — fora a explicação da
mãe. — Terá o futuro que seu pai desejava para você.
Mesmo sendo uma criança, ela compreendeu a mensagem implícita. Estava sendo
sutilmente afastada do lar.
O casamento se realizou e lorde Welton ocupou o lugar de chefe da família,
levando-as para sua propriedade com uma construção que mais se parecia um castelo
medieval. Maria a odiava. Era fria, escura e assustadora, em tudo diferente da casa
iluminada e alegre que moravam antes da morte do pai.
Welton teve uma filha com sua nova esposa e logo a seguir a abandonou. Maria foi

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enviada para uma das mais requintadas e severas escolas internas para moças
enquanto o padrasto se embriagava e divertia-se nas tavernas, desperdiçando em
benefício próprio o dinheiro que o pai deixara.
A mãe se tornou a pálida imagem do que fora. Os exuberantes cabelos negros
embranqueceram do dia para a noite, e sua doença foi escondida de Maria até o último
momento.
Ao retornar à casa do padrasto nas férias de inverno, encontrou apenas um
fantasma da condessa de Welton, em lugar da mulher vibrante e alegre que a mãe
fora. Maria percebeu que ela não duraria mais do que alguns dias apenas quando o fim
estava próximo.
— Minha filha, peço que me perdoe — ela dissera em seu leito de morte. —
Welton era um homem gentil logo depois que seu pai morreu, e não percebi que não
passava de fachada para me seduzir.
— Tudo ficará bem, mamãe — ela mentiu. — Sua saúde vai melhorar e poderemos
nos livrar dele.
— Não... Você deve...
— Por favor, mamãe, não diga mais nada. A senhora tem de descansar.
Acometida por um acesso de tosse, a condessa buscou forças para fazer seu
último pedido:
— Você tem de proteger sua irmã. Welton não se importa que ela seja filha de
seu próprio sangue. Vai usá-la, assim como me usou. Amélia não é forte como você,
minha filha. Ela não tem a força do sangue de seu pai.
Maria observou a vida da mãe se escoar sem que nada pudesse fazer. Durante
uma década em que a mãe vivera sob o mesmo teto que Welton, ela aprendera muito, e
a principal lição fora que por trás da bela aparência do lorde escondia-se a alma de
Mefistófeles.
Maria passara a adolescência no colégio interno, preparando-se para ser a mulher
que o padrasto poderia explorar. Nas visitas ocasionais, observava a forma como ele
traía sua mãe. Ouvia os comentários dos criados e adivinhava o rastro de sangue e
traição que ele deixava atrás de si.
A irmã de sete anos de idade permanecia trancada em seus aposentos quando o
pai estava em casa, assustada e solitária.
— Mamãe, não tenho idade suficiente para cuidar de minha irmã — ela disse por
entre lágrimas.
— Sim, você é capaz — Cecília sussurrou num fio de voz. — Quando eu partir,
deixarei toda a força que tenho com você. Sentirá minha presença, filha, assim como a
de seu pai. Nós vamos ampará-la.
E aquelas palavras seriam seu único apoio nos anos em que se seguiriam.

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— Ela está morta? — Welton indagou quando Maria emergiu do quarto. Os olhos
verdes não revelavam a menor emoção.
— Sim.
—Faça os arranjos que desejar para o funeral—foi o único comentário do
padrasto.
Ela assentiu e fez menção de se afastar.
— Maria...
Ao ouvir a voz pastosa pela bebida, ela se voltou para fitá-lo, estudando seus
traços com frieza. Apesar de odiá-lo, não podia deixar de admitir que era o homem
mais bonito que já vira. Aquela deveria ser a aparência do demônio quando encarnado
na forma humana.
— Conte a Amélia sobre a morte de Cecília. Estou atrasado para um compromisso
e não tenho tempo para falar com ela.
— Não se preocupe. A morte de minha mãe não há de atrapalhar seus
compromissos.
Welton riu com escárnio da sua bravura.
— Eu sabia que você seria perfeita. Valeu a pena pelo trabalho que sua mãe me
deu.
Ela observou-o girar no salto das botas e sair, completamente esquecido da
esposa.
Amélia... Sua meia-irmã, inocente e frágil, ficaria abalada quando soubesse,
pensou ao atravessar os corredores sombrios no silêncio mortal do palacete. A missão
que a esperava era a mais cruel que já tivera de enfrentar. Além do profundo pesar
que vivia naquele momento, teria de comunicar à irmã que a única pessoa que poderia
protegê-la havia partido.
O que diria para sua meia-irmã? Amélia não possuía as mesmas memórias felizes
para sustentá-la. A pobre criança estava órfã, pois jamais teria a atenção do pai.
— Olá, princesa — ela disse com suavidade ao entrar no quarto de Amélia,
firmando-se nos pés para absorver o impacto do pequeno corpo contra o dela.
— Maria!
Abraçando a irmã, conduziu-a para a cama e a sentou em seu colo, passando a
contar sobre a perda que ambas haviam sofrido.
— O que vamos fazer? — Amélia balbuciou entre soluços ao saber da morte da
mãe.
— Nós sobreviveremos — Maria assegurou. — Vamos nos manter unidas. Eu vou
protegê-la. Nunca duvide disso.
Abraçadas, choraram até que as lágrimas se esgotassem e adormeceram,

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vencidas pela exaustão.


Quando acordou, Maria descobriu que Amélia não estava no quarto.
Estremecendo de pavor, soube por instinto que Welton a levara. E, a partir daquele
dia, suas emoções permaneceram aprisionadas, e jurou que as libertaria somente no
dia em que pudesse se vingar do homem que destruíra a vida de todas as mulheres que
haviam pisado naquele castelo.
Os aplausos da plateia ao final do espetáculo a trouxeram de volta para o
presente.
Obrigando-se a reagir, Maria se pôs de pé. Puxou as cortinas e saiu do camarote,
atravessando o saguão de entrada com passadas rápidas.
Seguiu para a calçada e encarou os dois valetes que se mantinham de guarda.
— Minha carruagem — ordenou a um deles, e o lacaio correu para atendê-la.
Quando se voltou, Maria esbarrou com um corpo sólido.
— Queira desculpar — murmurou a voz rouca, tão perto de seus ouvidos que ela
pôde sentir a vibração do corpo quente.
O som a perturbou. Permaneceu imóvel, com os sentidos em alerta.
Uma após outra, as impressões a bombardearam, desde o peito largo, o braço
firme ao redor de sua cintura e o rico perfume de bergamota e tabaco.
Encarou-o com frieza, mas ele não se deixou intimidar. Em vez de soltá-la,
apertou-a com mais força.
— Solte-me! — exigiu com autoridade.
— É o que farei quando estiver pronto.
A mão se fechou em concha sobre seu pescoço e o toque queimou a pele. Dedos
possessivos tocaram os seus, fazendo o pulso de Maria disparar.
Ele se moveu com extrema confiança, sem hesitar, como se fosse dono do direito
de levá-la para onde quisesse, mesmo em uma avenida pública. Mesmo assim, havia
gentileza nas maneiras dele. Apesar da possessividade, ela poderia escapar se
quisesse. No entanto, um súbito receio a impediu, prevenindo-a de se mover.
O olhar de Maria se moveu para o lacaio à porta, ordenando em silêncio que
fizesse algo para ajudá-la. O criado arregalou os olhos e engoliu seco, desviando o
rosto.
Maria suspirou. Aparentemente, teria de se virar sozinha, mais uma vez.
Sua próxima ação foi movida pelo instinto. Girou a mão, pressionando-a no
pescoço de seu raptor, e apertou com força o pomo-de-adão.
O homem congelou por um instante, e então uma sonora gargalhada cortou o ar.
— Adoro uma boa surpresa! — ele disse por entre o riso.

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— Pena que não possa dizer o mesmo — ela retrucou com azedume.
— Está com medo?
— Medo de sujar minha roupa de sangue? — Maria riu com escárnio. — Oh, sim. É
um dos meus vestidos favoritos.
— Ah... Mas combinaria perfeitamente com o sangue em suas mãos. — O
sequestrador fez uma pausa e traçou com a ponta da língua o lóbulo da orelha de
Maria, fazendo-a arrepiar. — ...e nas minhas.
— Quem é você?
— Sou o que você precisa.
Maria suspirou profundamente, enquanto mil perguntas giravam em sua cabeça
com a rapidez de um tornado.
Ele a soltou abruptamente e os dedos roçaram a pele macia do braço.
— Se achar que posso ser útil, venha me procurar.
O raptor recuou um passo e Maria se virou, num farfalhar de seda do vestido.
Ela mal conseguiu esconder a profunda surpresa.
Os retratos do pirata que apareceram nos jornais não lhe faziam justiça. Cabelos
louro-claros, pele beijada pelo sol e brilhantes olhos azuis iluminavam as feições tão
perfeitas que chegavam a ser quase angelicais. Os lábios, embora finos, eram
esculpidos por mãos de mestre.
O impacto causado pelo profundo magnetismo daquele homem era
desconcertante. Provocava em Maria o desejo de confiar nele, embora o brilho dos
olhos misteriosos dissesse que seria um erro.
Enquanto o fitava, Maria percebeu a inegável atenção que estavam atraindo das
pessoas que circulavam pela calçada.
— St. John!
— Estou lisonjeado que tenha me reconhecido. Ela ignorou o tom sedutor e
avaliou-o com frieza.
— Por que acha que eu precisaria de sua ajuda?
— Talvez porque eu saiba o que os agentes da Coroa estão procurando.
— O que sabe?
— Muito, mas não o bastante. Talvez, juntos, possamos combinar nossos
objetivos.
—E qual é seu objetivo?—arriscou-se a perguntar, mesmo certa de que ele não
responderia.
— Vingança.

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A palavra deslizou dos lábios de St. John com tanta casualidade que Maria
ponderou se aquele homem seria tão destituído de emoções quanto ela. Teria de ser,
para se prestar à vida de crimes que o tornara famoso. Sem remorsos,
arrependimento nem consciência.
— Os agentes da Coroa interferiram na minha vida mais vezes do que eu gostaria
— ele esclareceu com sorriso enigmático.
— Não tenho ideia do que está falando.
— Não? Que pena. — St. John recuou um passo e avaliou-a da cabeça aos pés. —
Estarei disponível, caso mude de ideia.
Por um momento, Maria se recusou a virar-se e observá-lo. Porém, sem resistir ao
impulso, girou a cabeça e o estudou com avidez. Vestido como estava, seria impossível
que se misturasse à multidão que saía do teatro. A elegância do traje se destacava
dentre os demais.
Maria entendeu de pronto o apelo carismático que emanava daquele homem.
— Venha cá — dirigiu a atenção para seu lacaio.
— Milady... — O rapaz avançou um passo e abaixou a cabeça, constrangido. — Por
favor, perdoe-me!
— Pelo quê?
— E... Eu não a protegi.
Maria ergueu as sobrancelhas. Aproximando-se, tocou os ombros do jovem num
gesto que o deixou admirado.
— Não estou zangada com você. Teve medo, e esta é uma emoção com a qual
simpatizo.
— Verdade?
Ela assentiu com um sorriso amargo antes de se afastar.
O sorriso de gratidão que recebeu fez seu coração se apertar. Teria sido
condescendente demais com o rapaz?
Por vezes, sentia-se desconectada do mundo real, ponderou. Já não sabia mais a
diferença entre um simples gesto de tolerância e um ato de descaso.
Mas não importava. Vingança era tudo que ela queria, e experimentava o sabor
ácido do ódio todas as manhãs para lavá-lo da boca a cada noite. A necessidade de se
vingar era a força que fazia o sangue correr em suas veias. E Christopher St. John
poderia ser o meio para consegui-la.
Até momentos atrás, ele não passava de uma incumbência desagradável que
deveria ser finalizada o mais depressa possível. No entanto, naquele momento, as
possibilidades eram mais do que intrigantes. Eram sedutoras. Teria de planejar com
cuidado como poderiam utilizá-las. St. John era um homem perigoso, mas estava certa

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de que poderia controlá-lo.


Christopher sentiu a força do olhar de lady Winter em suas costas à medida que
caminhava. Não havia planejado falar com ela. Esperava apenas vê-la de perto e
observar sua segurança pessoal. Fora uma grata coincidência ter escolhido aquele
momento para sair do camarote. Não apenas se encontraram, mas pudera tocá-la, tê-la
em seus braços e inalar o perfume suave da pele acetinada.
Lady Winter era mais jovem do que imaginara. A pele alva e os traços finos e
delicados eram ressaltados pelos deslumbrantes olhos negros, vívidos e perspicazes. A
expressão quase inocente, porém, era enganadora. Aquela mulher era acusada de ter
matado, no mínimo, dois homens.
Ao menos, era o que pretendia descobrir. A agência a desejava mais do que a ele,
e esse simples fato o intrigava mais do que tudo.
Com passadas lentas, aproximou-se da luxuosa carruagem com o brasão do
falecido lorde Winter e apoiou o pé no degrau, inclinando o corpo para a frente.
— Devo estar na mansão Harwick no próximo fim de semana — anunciou com voz
firme. — Tenha certeza de que lady Winter saiba disso.
Quando o cocheiro assentiu, assustado, Christopher sorriu com satisfação.
Pela primeira vez em muito tempo, tinha algo genuinamente prazeroso com que se
ocupar.
—Existe a possibilidade de que Amélia tenha sido vendida no tráfico de escravos.
Maria deteve-se diante da lareira para encarar o homem que, além de ser a
pessoa em quem mais confiava, também fora seu amante.
Simon Quinn usava robe colorido de seda, deixando entrever o peito largo. Os
olhos, de um azul brilhante, formavam um encantador contraste com a pele morena e
cabelos pretos que revelavam a ascendência irlandesa. Era o oposto de St. John e
alguns anos mais jovem, mas igualmente sedutor.
Afora sua sexualidade inata, Simon era inofensivo para ela. Graças a ele, Maria
podia dormir em segurança na mansão rodeada pelo perigo. Durante a associação dos
dois, Simon quebrara todas as leis que poderiam existir... assim como ela.
— É curioso você dizer isso esta noite — murmurou. — Welton me disse o mesmo
no teatro.
— Isso não é bom sinal — Simon pensou em voz alta, preocupado.
— Não posso fazer nada baseada em conjecturas, Simon. Encontre provas. Dessa
forma, podemos matar Welton e iniciarmos a busca pelo paradeiro da minha irmã.
O fogo da lareira aquecia-lhe as mãos, mas por dentro, Maria estava congelada
pelo terror. Nunca mais conseguiria encontrar Amélia, se ela de fato tivesse sido
vendida como escrava.

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— Restringir as buscas aos limites da Inglaterra diminui a chance de encontrá-la


— o rapaz lembrou-a.
Maria levou a taça de licor aos lábios e sorveu um gole antes de colocá-la sobre a
escrivaninha. Seu olhar passeou pelo aposento, encontrando conforto no ambiente
aconchegante.
Tratava-se de um escritório extremamente masculino, efeito que servia para dois
propósitos. Em primeiro lugar, o clima sóbrio desencorajava conversas fúteis. E, em
segundo, proporcionava-lhe sensação de controle do qual ela necessitava
desesperadamente. Sentia-se como uma marionete nas mãos de Welton, mas ali, era
ela quem estava no comando.
— Tem razão, Simon. — Ela suspirou com amargura. — Envie alguns dos homens
para os países vizinhos.
— Até quando viverá assim, Maria? — o rapaz perguntou. —Até quando abrirá
mão da sua felicidade em nome do bem-estar de sua irmã?
— Não posso pensar em mim antes de encontrar Amélia.
— Sim, você pode. Se você estiver feliz, se tornará mais forte para lutar.
O olhar frio que Maria enviou ao rapaz foi o bastante para desencorajá-lo. Simon,
no entanto, simplesmente riu. Já havia dividido a cama com ela, e a inevitável
consequência fora a intimidade que havia entre eles.
Maria desviou o rosto e encontrou os olhos do primeiro marido fielmente
reproduzido no retrato a óleo pendurado na parede.
— Sinto falta de Dayton — confessou com amargura. — Especialmente do suporte
que ele me proporcionava.
O conde Dayton a salvara da completa ruína. O amável e gentil viúvo pagara alto
preço por tomar uma jovem com idade para ser sua neta como segunda esposa. Sob a
tutela dele, Maria aprendera tudo que necessitava para sobreviver. As características
e o manejo de armas, além do uso consumado delas, foram apenas duas das muitas
lições que ele ensinara.
— E quanto a St. John? — Maria caminhou para a escrivaninha e sentou-se na
luxuosa cadeira. — Ele poderá ter algum uso para mim?
— Claro que sim. Com tudo que aquele homem sabe, ele pode ser de uso de
qualquer um. No entanto, desconfio dos interesses dele em procurá-la. St. John não é
um homem conhecido pelas tendências caridosas.
— Não há de ser sexo — Maria afirmou, pensativa. — Alguém com a aparência de
St. John não encontra o menor problema em ter a mulher que desejar.
— É verdade. St. John é famoso pela vida de excessos que leva.
Simon sentou-se na cadeira diante da escrivaninha e cruzou as pernas. Embora
demonstrasse estar relaxado e tranquilo, ele nunca baixava guarda. Aquela era uma

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das qualidades que Maria mais apreciava no amigo.


— Presumo que a morte de seus dois maridos e o relacionamento deles com a
agência tenha suscitado o interesse de St. John.
Maria assentiu. A única motivação que poderia encontrar para a aproximação de
St. John era o desejo de usá-la da mesma forma que Welton fazia: para tarefas
desagradáveis onde os ardis femininos eram requeridos. Mas, certamente, havia
mulheres próximas a ele que poderiam fazer o trabalho com a mesma eficiência.
— E por que ele teria sido libertado? — ela perguntou, como se pensasse em voz
alta. — As atividades ilegais de St. John são de conhecimento público, mas ele
conseguiu se manter ileso durante esses anos todos. Então, quando finalmente é
detido, permanece duas semanas na prisão e é libertado... Fico intrigada em saber o
que, ou quem estará por trás disso.
— Prometo que vou investigar melhor.
— Faça isso.
— Gostaria de poder ter sido mais útil, Maria. — O pesar no tom da voz não
deixava dúvida.
— Você sempre será útil, Simon — ela respondeu com um sorriso. — Conhece
alguma mulher em quem possamos confiar para se aliar a Welton?
Ele sustentou a taça de conhaque no ar a caminho da boca e um sorriso lento
transformou suas feições.
— Por Deus! Dayton ensinou-a muito bem! Creio que é um dos casos em que o
discípulo supera o mestre.
— É apenas uma tentativa que pode não dar certo. Preciso de alguém que ouça
segredos de alcova. Welton prefere as louras.
— Não será difícil encontrar alguém que sirva aos seus propósitos.
Maria assentiu e recostou a cabeça no espaldar.
— Mhuirnín? — ele sussurrou em sua língua natal.
— Sim?
— Está na hora de ir para a cama.
A mão grande e poderosa cobriu a dela, e o rico aroma da pele morena preencheu
os sentidos de Maria. Sândalo. Aquele era o cheiro de Simon.
— Não vou dormir tão cedo. Há muito a ser considerado — ela protestou, fixando
o olhar nas íris cristalinas.
— Seja o que for, pode esperar até amanhã. — Simon se levantou e puxou-a para
estreitá-la em seus braços, envolvendo-a com seu calor.
Maria lutou contra a urgência de se deixar seduzir. Ainda se lembrava com

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nitidez da sensação de tê-lo dentro de si, mas o romance tivera fim um ano atrás,
quando o toque de Simon passara a representar mais do que conforto físico.
Maria não podia se permitir ter complacência ou felicidade. Ademais, Simon
permanecia sob o mesmo teto que ela. Recusava-se a amá-lo, mas não podia mandá-lo
embora. Adorava o irlandês e apreciava a dedicação de seu único amigo.
— Conheço suas regras — ele sussurrou, enquanto a mão experiente percorria a
curva suave das costas dela.
Maria sabia que Simon não gostava das restrições que ela impunha, mas a
desaprovação não era suficiente para diminuir o interesse carnal.
— Se eu fosse uma mulher melhor do que sou, trataria de expulsá-lo daqui. — Ela
se desvencilhou do abraço com gentileza. — Não é justo mantê-lo sob minhas asas,
quando você poderia estar ganhando o mundo.
—Você não aprendeu nada sobre mim em todos esses anos que estamos juntos?—
Simon retrucou.—Não pode me fazer partir. Eu lhe devo minha vida.
— Você exagera, Simon.
Lembrou-se de seis anos atrás, quando o vira pela primeira vez, lutando sozinho
contra muitos oponentes. Simon reagia com ferocidade ao ataque de três homens que
tentavam roubá-lo.
Ela quase seguira em frente, firme no propósito de vasculhar a noite escura para
seguir uma pista de Amélia que parecia mais promissora do que as outras. Porém, sua
consciência não permitiu que ignorasse a injusta batalha, comum nos becos de Londres.
Além disso, a força e agilidade com que o rapaz se defendia chamou-lhe a atenção.
Mesmo em desvantagem, havia orgulho e valentia no homem que lutava como um leão
enraivecido.
Empunhando a pistola e flanqueada pelos seus homens, Maria teve força
suficiente para intimidar os agressores e resgatar Simon.
Quando o levou para sua propriedade, a intenção original fora simplesmente
limpá-lo e esperar que recobrasse a consciência para mandá-lo embora. Porém, quando
ele emergiu do banho, Maria se surpreendeu com o homem viril, de beleza
estonteante. Desde então, decidiu mantê-lo sob sua proteção.
Simon recuou um passo e sorriu como se lesse os pensamentos dela.
— Eu enfrentaria dezenas de homens, centenas se preciso fosse, contanto que
isso me levasse de volta a sua cama.
— Você é incorrigível! — ela censurou, balançando a cabeça. — Não vai conseguir
me distrair com sua sedução.
—Quem disse que pretendo seduzi-la?—Simon tomou-lhe a mão e a conduziu para
a porta. — Quero apenas que descanse e tenha bons sonhos.
—E você não aprendeu nada sobre mim nesses anos todos? — ela provocou

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enquanto atravessavam o longo corredor do palacete. — Prefiro não sonhar. Faz com
que o ato de despertar seja ainda mais deprimente.
— Um dia, acordar será ainda mais prazeroso do que o sonho — ele prometeu em
voz baixa.
Maria bocejou e subiu a escada, amparada pelos braços fortes. Momentos depois,
estava acomodada na cama e recebeu um suave beijo de boa-noite na testa. Quando
Simon saiu, sentia-se relaxada e confortável.
Fechou as pálpebras, vencida pela exaustão. No entanto, o tom azul dos olhos que
a seguiam durante o sono era diferente dos de seu melhor amigo.
Profundos, intensos e maliciosos, aqueles eram os olhos de um homem que, por
alguma razão misteriosa, passaram a acompanhá-la desde seu encontro inesperado com
St. John à saída do teatro.
— Boa-noite, senhor.
St. John entrou em casa e saudou com gesto discreto o mordomo que fora
recebê-lo.
— Mande Phillip encontrar-se comigo no meu quarto — ordenou, entregando-lhe
as luvas.
— Sim, senhor.
O pirata entrou e passou pela animado grupo reunido na sala. Eles o chamaram, e
fez uma pausa por um momento passeando o olhar pelo agrupamento que ele
considerava sua família. Celebravam sua liberdade recém-adquirida. Porém, o dever o
esperava. Tinha de acertar todos os detalhes se quisesse manter o presente estado
de liberdade.
— Divirtam-se — desejou, saindo da sala sob os protestos que o seguiram até o
segundo andar.
Entrou em seus aposentos e, com ajuda do valete, começou a se despir. Havia
retirado a capa quando Phillip surgiu à porta.
— O que descobriu?—St. John indagou sem preliminares.
— O tanto quanto é possível no curto espaço de um dia. — Phillip entrou, o casaco
desbotado num contraste gritante com o aposento luxuoso.
— Quantas vezes terei que adverti-lo quanto a sua inquietação? — St. John
censurou. — Denuncia uma fraqueza que implora para ser explorada.
—Minhas desculpas.—O jovem ajustou os óculos e tossiu.
—Não é necessário se desculpar. Simplesmente corrija-se. Permaneça firme, não
vacile em olhar nos meus olhos como um igual.
— Mas não somos iguais! — Phillip protestou.
Por um momento, parecia o mesmo menino fraco e desnutrido de cinco anos de

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idade que aparecera na propriedade treze anos atrás.


— Não, você não é — St. John concordou. — Mas deve me encarar como se fosse.
O respeito é valorizado tanto aqui quanto em qualquer lugar do mundo. Ninguém vai lhe
dar nada simplesmente por você ser gentil e atencioso. Na verdade, a maioria dos
idiotas obtém sucesso simplesmente agindo como se fossem superiores.
— Sim, senhor.
St. John riu. O rapaz ainda não se tornara um homem. Porém, era admirável que
tivesse conseguido se manter de pé e sobrevivido à miséria que o infligira na infância.
— Lady Winter tem vinte e seis anos, ficou viúva por duas vezes e seus dois
maridos não sobreviveram mais do que dois anos na cama dela.
— Diga algo que eu não saiba — St. John resmungou, notando a expressão
frustrada do informante. —Não se aborreça, Phillip. Lembre-se de que o tempo é
valioso. Concentre-se nas informações que realmente importam.
— Ela tem um amante permanente — o rapaz prosseguiu.
— Bem... — St. John fechou os olhos por um momento, tentando afastar a visão
da suave lady Winter nos braços do amante. — O que mais descobriu?
— O rapaz tem ascendência irlandesa, e reside na propriedade desde que lorde
Winter morreu, dois anos atrás.
Dois anos...
— Descobri também algo curioso sobre o relacionamento dela com o padrasto,
lorde Welton.
— Curioso?
— Sim. A criada com quem falei mencionou as frequentes visitas dele na mansão
Winter. Parece que mantêm estreito relacionamento.
St. John estendeu os braços para o robe que seu valete estendia para ele.
—Thompson, traga Betty e Angélica para meus aposentos.
O serviçal assentiu em silêncio antes de sair para cumprir a ordem do mestre.
— O que sabem a respeito das finanças dela? — perguntou ao rapaz que, além de
informante, fazia as vezes de seu secretário particular.
— Não muito por enquanto, mas terei mais informações pela manhã.
Aparentemente, lady Winter é uma mulher rica. Não sei por que necessita conseguir
dinheiro por meio de assassinatos.
— E você chegou a alguma conclusão sobre a culpa dela com evidências
suficientes?
— Ah... Não, senhor.
—Não trabalho com conjecturas, Phillip. Encontre provas.

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— Sim, senhor.
— Agora, conte-me sobre Welton — St. John pediu, acomodando-se na poltrona
ao lado da lareira.
— Ele é um homem devasso e libertino que gasta a maior parte do tempo em
mesas de jogos.
— Que lugares costuma frequentar?
— As tavernas White's e Bernardette's.
— Preferências?
— Jogos de azar e louras.
— Muito bem. -— St. John sorriu. — Estou satisfeito com o que você conseguiu.
— Sua liberdade depende disso, senhor. Se eu estivesse no seu lugar, teria
enviado alguém com mais experiência.
— Você já está pronto, Phillip. Ademais, que utilidade teria se permanecesse
inexperiente?
O rapaz sorriu e o momento foi rompido por batidas discretas à porta.
— Entre! — St. John ordenou, virando-se para observar a escultural loira e a
pequena e voluptuosa morena que se juntaram a eles.
— Ah... Minhas adoráveis princesas! Preciso das duas.
— Sentimos sua falta — disse a loura com um gesto sensual, passando a mão nos
cabelos longos.
— Senhoras, tenho uma missão para vocês duas.
— Peça o que desejar, e faremos — a jovem morena afirmou, fazendo flutuar os
longos cílios negros.
—A modista virá amanhã para tirar as medidas das duas. Vocês terão roupas
novas. Betty, você vai se tornar a mais íntima confidente de lorde Welton. Ele adora
louras, e você tem o tipo ideal para descobrir todos os segredos dele.
— E quanto a mim? — Angélica indagou com expectativa.
— Você, minha beleza morena, terá sua serventia quando for requerida...
— Sabe de uma coisa que adoro em você, mhuirnín? Maria balançou a cabeça e o
sorriso lento se espalhou pelos lábios.
Simon sentou-se ao lado dela no banco coberto por um manto de seda enfeitado
de flores. Ao fundo, a superfície serena do lago e o gramado verde realçavam ainda
mais o brilho nos olhos do amigo.
— Não? Bem, e que tal se eu dissesse apenas uma? — ele murmurou com voz
rouca. — Adoro quando você empina o queixo com ar afetado ao posar de viúva

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pesarosa. E o vestido azul pálido com laço branco foi um toque de gênio.
O sorriso se alargou. Ela estava nervosa e Simon havia notado que girava o cabo
da sombrinha para aliviar a angústia. Atrás deles, a majestosa construção de pedra
que era o lar do conde e condessa de Harwick lhes proporcionaria abrigo para o fim de
semana.
— Era de se esperar, Simon. Eu não poderia desapontar nossos anfitriões.
— É claro que não. No entanto, acho delicioso. O que a cruel viúva está planejando
para este final de semana?
—Um pouco de confusão, quem sabe? Um toque de intriga?
— E quanto a sexo?
— Simon! — ela advertiu.
Ele ergueu as mãos num gesto de defesa, mas os olhos brilhavam com esperança.
—Estou me referindo a outro homem, e não a mim. Espero apenas que tenha o
bom senso de escolher alguém melhor do que St. John.
— Oh? Por quê?
—Porque ele é vulgar, mhuirnín. Corrupto, como você não é. Eu tampouco deveria
tê-la tocado. Você é fina demais para um homem como eu, e mesmo assim, sou melhor
que ele.
Maria olhou para a própria mão enluvada sobre o colo.
— O sangue que você procura está nas mãos de Welton — ele disse em tom
carinhoso, como se adivinhasse porque ela fixava o olhar sombrio nas próprias mãos.
— Gostaria que você estivesse certo. — Ela suspirou e perdeu o olhar na
superfície serena do lago. — Gostaria, também, de saber como um notório criminoso
como St. John pôde ser convidado para vir aqui.
— Ouvi dizer que lorde Harwick deve favores a ele. A gratidão dele se manifesta
em convites abertos para que frequente a casa, dentre outras coisas.
— Entendo. É uma espécie de barganha do demônio. — Simon concordou e ergueu
as sobrancelhas.
— Conte-me quais são seus planos para que eu possa encontrar a melhor forma de
protegê-la.
— Eu não tenho planos. Ainda não sei por que St. John escolheu a mansão Harwick
para o encontro. Por que não na casa dele ou na minha? Se eu não estivesse tão
desesperada, jamais concordaria com seus jogos estúpidos.
— Gosto mais quando você age sozinha.
— Obrigada. — Ela o encarou com gratidão. — No momento, a única coisa que
planejo é conversar em particular com St. John. Espero que ele faça a gentileza de

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esclarecer por que nossa união pode beneficiá-lo. Baseada nisso, poderei dar o
próximo passo.
— Nesse caso, é melhor se apressar. Ele tomou o caminho à suas costas
momentos atrás. Creio que lady Harwick mencionou que há um panteão naquela direção.
Se quiser seguir, posso garantir que ninguém a perturbará.
— Simon, você é uma bênção!
— Que bom que você notou.
Maria se levantou sem perder tempo, abriu a sombrinha e suspendeu-a com gesto
gracioso. Lançou um olhar cuidadoso sobre os ombros e avistou Simon interceptar um
casal que tencionava seguir pelo mesmo caminho. Segura de que ele cuidaria de tudo,
como sempre, focalizou a atenção no que tinha pela frente.
Caminhou com naturalidade, como se estivesse seguindo casualmente por aquela
trilha, anotando mentalmente vários pontos de referência ao longo do caminho.
Momentos depois, deparou-se com uma clareira onde um templo em estilo greco-
romano se erguia ao centro. Circulou a pequena construção e olhou através dos pilares
para o interior.
— Está à minha procura?
Com a visão periférica, encontrou St. John encostado ao tronco de uma árvore
que ela havia passado segundos antes. Recobrou-se rapidamente, removendo todos os
traços de surpresa e colocando em seu lugar um sorriso.
— Na verdade, não.
O efeito foi o que ela esperava. O sorriso arrogante se desmanchou e os olhos
refletiram o brilho da surpresa.
St. John usava um elegante casaco de veludo azul escuro que combinava com a
cor dos olhos e realçava o tom dourado dos cabelos. Os olhos não eram tão cristalinos
quanto os de Simon, porém, mais profundos e misteriosos.
— Não acredito. — O desafio feito em voz rouca provocou uma deliciosa sensação
que se moveu como seda sobre a pele.
— Não me importo.
St. John era como um anjo de beleza quase irreal. Qualquer mulher ficaria
seduzida pelo timbre grave rouco da voz.
— Então, por que está passeando pelo bosque? — ele indagou.
— Por que o senhor está?
— Sou homem. Eu não passeio.
— Nem eu.
— Eu notei. A senhora, minha adorável dama, está ocupada demais espionando.

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— E como chama o que o senhor faz?


— Tenho um encontro com uma dama. — Ele se afastou da árvore com movimento
perigosamente gracioso e Maria resistiu ao impulso de recuar um passo.
— Uma dama? — Maria repetiu com descrença. — E porque ela não está aqui?
Presumo que o fato de deixá-lo esperando revele o caráter frio e insensível dessa
mulher.
Maria observou o andar lento e majestoso enquanto ele se aproximava. Seu
estômago flutuou, mas ela disfarçou a resposta pronta do corpo.
—Tem razão. Ela é fria e insensível o bastante para tentar homens que gostam de
desafio. No entanto, creio que a frieza seja apenas fachada.
A brisa quente e gentil soprou entre eles, carregando o perfume de bergamota e
tabaco que ela se lembrava na primeira vez que encontrara St. John à saída do teatro.
A proximidade permitiu que visse as finas linhas que contornavam a boca e olhos,
sinais de uma vida dura que as vestes imaculadas não podiam esconder.
— O senhor tinha certeza de que eu viria, não é?—Maria perguntou. — Estou
certa de que notou que não estou sozinha.
— É claro que sim. Mas sei também que a senhora já não divide a cama com seu
antigo amante.
Por um momento, Maria não soube o que dizer.
— Está me investigando? — perguntou quando encontrou a voz.
Como resposta, St. John se aproximou ainda mais.
O dia estava quente, mas não era o sol que aquecia a pele de Maria. Já
acontecera antes, na noite em que sentira o contato dos braços poderosos ao redor de
sua cintura.
A massa compacta do dorso largo quase tocando-a tirou Maria de equilíbrio.
Porém, não recuou, nem mesmo quando ele agarrou-a pelos cabelos e a beijou. Sentiu o
gosto do desejo na saliva quente e doce, e fechou os olhos, forçando-se a ignorar a
deliciosa sensação dos lábios contra os seus.
No entanto, o contato marcante e perigoso foi impossível de ser ignorado. Num
gesto indulgente, abriu-se para ele, e foi recompensada com um suave murmúrio de
aprovação.
St. John se apossou da boca macia como se tivesse todo o tempo do mundo. Por
longos momentos, Maria permitiu que a intoxicasse. O polegar circulava com vagar a
sua nuca, num ritmo lento e insinuante.
Quando St. John a puxou de encontro ao peito, sentiu a ponta da adaga ferir-lhe
a coxa.
— Lembre-me de desarmá-la na próxima vez que tentar seduzi-la — avisou,

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afastando-se com um sorriso malicioso.


— Você não terá outra oportunidade como essa, St. John. — Ela recuou e cruzou
os braços.:— Posso chamá-lo assim depois de tê-lo beijado, não é? Na verdade, foi o
melhor beijo que já experimentei. Mas infelizmente para você, tenho o hábito de
manter os negócios separados do prazer.
Sentiu-se orgulhosa por parecer tão forte quando seus joelhos tremiam.
— Diga o que quer de mim.
O sorriso lento e insinuante fez o coração de Maria pulsar mais rapidamente.
— Não é óbvio?
— A mulher que chegou com você pode lhe oferecer o que está procurando — ela
lembrou.
— Você é insubstituível, Maria... Posso chamá-la assim, não é? Afinal, trocamos
um beijo. Inigualável, diga-se de passagem. — A risada revelava prazer pelo simples
fato de ser ouvida. — Adoro Angélica mas, infelizmente, ela não é você.
A imagem da morena dos braços de St. John fez Maria apertar os dentes.
— Você tem um minuto para me dizer como me encaixo nos seus planos de
vingança? — Ela reprimiu o ciúme tolo, estúpido e sentimental.
— Vou lhe contar quando estivermos na cama.
— Por acaso pensa que poderá extorquir meus favores sexuais? É você quem
necessita de ajuda!
— E você também pode precisar de mim — St. John respondeu com desdém. —
Ou não teria vindo me encontrar.
— Talvez eu estivesse apenas curiosa.
— Seus informantes podem suprir sua curiosidade. Maria respirou fundo e girou o
cabo da sombrinha nas mãos.
—Bem, estamos em um impasse—comentou com descaso.
— Não. Você está num impasse. Eu estou pronto para dividir a cama no momento
em que for solicitado.
Maria o encarou com firmeza e o rosto bonito se transformou em uma máscara
de frieza.
— Seu tempo acabou — ela declarou, dando-lhe as costas para seguir
tranquilamente pela via que levava à mansão.

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CAPÍTULO II

Maria se reuniu aos demais convidados. Estava consciente de que St. John não a
seguiria.
Ponderou que, naquele jogo, ele fizera o primeiro movimento: procurá-la no
teatro. A seguir, fora sua vez e comparecera à recepção dos Harwick para encontrá-
lo. O movimento seguinte seria dele.
Notou que Simon conversava com um grupo de damas, aparentemente encantadas
com o rapaz. Fez um gesto discreto para chamá-lo e ele se desculpou com mesura
galante e deixou a companhia alegre das damas para seguir Maria ao lago.
— E então? — indagou quando se afastaram o bastante para conversar com
privacidade.
— Ele quer sexo. É tudo que sei.
— Já sabíamos disso antes de virmos para cá — Simon comentou com desdém. —
Espero que o homem que enviei para se infiltrar entre os associados de St. John tenha
mais sucesso em conseguir informações úteis.
— Excelente, Simon. E você? Conseguiu alguma informação da acompanhante
dele?
— Creio que a missão dela é me seduzir. A moça deixou isso claro quando vocês
estavam ausentes.
— Oh... St. John não perde tempo. — Maria sorriu ao pensar que encontrara um
oponente a sua altura.
— Você gosta dele — Simon acusou-a.
— Gosto da atitude de St. John, Simon querido. Pararam diante do lago e ela
perdeu o olhar na superfície calma. O movimento sutil nas folhas de um arbusto
chamou-lhes a atenção.
Avistaram um homem escondido entre a folhagem e Simon avançou um passo,
olhando ao redor com preocupação.
— Templeton? O que está fazendo aqui?

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—Trago informações — ele anunciou num sussurro quase inaudível. — Encontre-


me no panteão às duas horas da madrugada.
E ele desapareceu num piscar de olhos, da mesma forma que havia surgido.
— Você contratou Templeton? — Maria indagou, preocupada.
— Sim. Sei que ele não tem caráter, mas faz entregas de frutas e legumes na
casa de St. John, então achei que poderia ser útil — Simon justificou. — Mas não
poderei encontrá-lo. Estarei ocupado esta noite.
— Eu vou ao encontro dele. Estou curiosa para saber o que Templeton tem a
dizer. É óbvio que St. John não se arriscaria a vir aqui sem ter um bom motivo.
Maria desviou o rosto para o grupo animado que conversava no jardim da mansão.
St. John cortejava lady Harwick, mas ela soube sem dúvida qual era o real foco do
interesse dele. Podia sentir o olhar intenso acompanhando cada movimento que fazia.
— Vou deixá-la encontrar-se com Templeton, se prometer que tomará todas as
precauções.
— Prometo, meu querido amigo. Você também deve ter cuidado.
Com a visão periférica, ela percebeu que St. John se despedia de lady Harwick.
Aquele poderia ser o momento oportuno para falar com ele, e dispensou Simon com
antecipação palpável.
Por que aquele homem tinha o poder de despertar emoções que ela levara anos
para suprimir?
Logo que ficou sozinha, St. John se aproximou. Tomou-lhe a mão para pousar um
beijo suave, num cumprimento cortês.
— Farei com que o esqueça — ele murmurou com um sorriso de desafio, indicando
Simon.
— Hum... — Maria retirou a mão e desviou o olhar sem responder.
Estava atônita por perceber que sentia-se atraída por aquele homem arrogante.
— Minha bela dama, não finja que eu não a afeto. Posso sentir seu coração
disparado no peito. E tudo isso com um simples toque... Imagine como se sentirá
quando estiver nua em meus braços.
Maria prendeu a respiração, recusando-se a admitir o desejo que pulsava dentro
dela.
— Imaginar é tudo que você conseguirá de mim, St. John. —A firmeza do tom de
voz surpreendeu a ela própria.
— Olhe nos meus olhos e diga que você não terminará na minha cama. — St. John
tomou novamente a mão delicada. — Diga, Maria!
— Eu não vou para a sua cama. — Ela o encarou com um sorriso de desafio. —
Prefiro fazer sexo na minha.

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Notou que o surpreendera a princípio, e então, ele riu divertido.


— Aceito seus termos — St. John concordou com os olhos iluminados pelo brilho
do desejo.
—Mas não esta noite.—Maria se aproximou e prosseguiu em tom de confidência:—
Lady Smythe-Gleadson flertou com você a tarde toda. Não a desaponte. Até logo, St.
John.
A ideia de que ele estivesse na cama com outra mulher a afetava mais do que
gostaria. A corrente de eletricidade que atravessava seu corpo quando o pirata a
tocava era inconfundível.
— Como parte da nossa inevitável associação de negócios, quero privacidade
sobre você — ouvi-o dizer às suas costas.— Em retorno, oferecerei a mesma cortesia.
Maria estacou e se virou lentamente.
— O que disse?
St. John se aproximou e pôs os braços sobre os ombros dela com intimidade.
— Você me ouviu.
— E por que eu deveria concordar com esse acordo? Ou, melhor ainda, por que
você deveria?
Como resposta, ele simplesmente arqueou as sobrancelhas e sorriu.
— Você me diverte, St. John — ela comentou com uma risada, tentando disfarçar
o encantamento.
— Confesse, não é por isso que gosta de estar comigo — St. John provocou,
aproximando um passo. — Eu a excito e a intrigo, além de assustá-la. Meu repertório
de proezas sexuais é infindável, como você descobrirá em breve. Porém, não sou
divertido. Isso requer um nível de frivolidade que nunca consegui. Vá ao meu quarto
quando mudar de ideia — ele avisou antes de sair.
Sair da mansão sem ser vista foi mais simples do que Maria esperava. Depois que
todos haviam adormecido, dispensou a criada e foi para a sacada do quarto que
ocupava. Agarrou-se à treliça de primavera da parede, agradecendo à sorte por estar
vestida com roupas masculinas, recurso que acostumara-se a usar quando pretendia
passar despercebida.
Pisou no chão com cautela, evitando fazer o menor ruído. Olhou ao redor,
perscrutando as sombras, e esperou até que a respiração voltasse ao normal. Quando
teve certeza de que ninguém espiava pelas janelas, atravessou o pátio e seguiu a trilha
para o panteão.
A noite estava calma e silenciosa, e a brisa refrescou o rosto afogueado.
Aquele era o cenário perfeito para o encontro ao luar de dois amantes. Estar
vestida como homem a caminho de se encontrar com um rude habitante das ruas era
simplesmente um fato da vida. Não havia tempo para desfrutar momentos de

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felicidade e conforto. Era impossível dedicar-se ao prazer sabendo que Amélia estava
escondida em algum lugar, assustada e sozinha.
Como fizera mais cedo naquele dia, Maria penetrou no bosque e se aproximou do
panteão. O perolado da pequena construção permitia que o luar se infiltrasse,
proporcionando luz suficiente.
Ela fez uma pausa com a respiração suspensa. Num gesto involuntário, tocou o
cabo do punhal preso à cintura.
Um homem emergiu das sombras, pondo-a em guarda. Na escuridão, não conseguia
divisar os traços, mas percebeu que era mais baixo do que Simon ou St. John, e tão
magro, que mais parecia um fantasma.
— Onde está Simon? — ele indagou num sussurro rouco.
—Você vai negociar comigo esta noite — Maria avisou em tom firme.
O rapaz deu-lhe as costas e fez menção de ir embora, detendo-se quando ela o
lembrou:
— Quem acha que paga as moedas de ouro que recebe pelo serviço?
Templeton se virou lentamente e encarou-a, franzindo o cenho ao reconhecê-la.
Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas os olhos procuraram algo atrás das costas
dela.
O gesto a alertou, e quando Maria se virou, deparou-se com um segundo homem.
Percebeu no mesmo instante que caíra numa armadilha. Recobrou-se de pronto,
mas, antes que pudesse desembainhar a adaga, ficou paralisada diante da visão do
homem corpulento que a encarava. Ela manejava armas brancas com habilidade, mais
uma das lições que aprendera com Dayton. No entanto, receou que o menor movimento
pudesse ser fatal.
Mesmo sendo pequena e ágil, ponderou que seria arriscado enveredar pelo bosque
e fugir na noite escura. Permaneceu em uma posição na qual pudesse ver Templeton,
que a observava com avidez e, ao mesmo tempo, conseguisse focalizar o parceiro dele.
Sem ver saída, Maria cometeu o erro de gritar em alarme, e o brilho de vitória
nos olhos de seu oponente foi inegável quando ele empunhou a espada.
— Acalme-se, Harry! — Templeton gritou, alarmado.
— Acalmar-me, e perder uma oportunidade como esta? — o rapagão rugiu. —
Imagine o valor do resgate que podemos pedir a lorde Welton pela captura de sua
enteada!
Antes que Maria pudesse reagir, o gigante suspendeu a espada para atacá-la. O
brilho prateado do metal reluziu ao luar enquanto fazia uma curva descendente que a
teria ferido se não tivesse o reflexo de se desviar.
Quando o agressor suspendeu a espada mais uma vez, foi atingido no queixo antes

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

que pudesse desferi-la. Maria assistiu, atônita, quando um homem imerso nas sombras
imobilizou seu agressor. Os dois corpos se atracaram, sem que ela conseguisse
identificar seu salvador.
O gigante caiu, nocauteado, e o recém-chegado se ergueu com gesto ágil. O luar
revelou os cabelos dourados quando ele se virou para fitá-la com um sorriso.
Então, Christopher St. John se moveu na direção de Templeton, que permanecia
congelado pelo pavor.
— Você sabe quem sou eu? — perguntou ele.
— Sim. St. John. — O rapaz recuou com cautela. — A dama não sofreu nenhum
arranhão, como pode ver.
— Não graças a você.
Movendo-se com a agilidade de uma pantera, St. John pressionou Templeton no
tronco de uma árvore com a espada pressionada no pescoço dele.
O que se seguiu foi agonizante. St. John falava em voz baixa, ameaçando-o
enquanto aumentava a pressão da lâmina. Os sons guturais que o pobre rapaz emitia
denotavam o mais puro terror.
Contra sua vontade, Maria manteve os olhos fixos na cena de horror. Sentiu-se
nauseada ao ver o fio de sangue escorrer do pescoço do informante, e a culpa apertou
seu peito. Porém, não podia defender Templeton. Afinal, ele armara uma emboscada
para Simon, julgando que ele iria ao encontro, e a traição teria se transformado numa
tragédia se não fosse a intervenção de St. John.
— Leve seu amigo para longe daqui — St. John ordenou, apontando para o homem
caído ao chão. — Quando o sol surgir, quero este lugar exatamente como antes de
vocês chegarem, entendeu?
St. John voltou a atenção para Maria, pousando as mãos nos ombros dela a fim de
levá-la para longe dali.
Maria ficou tensa e, mesmo que tentasse não demonstrar, sabia que ele havia
percebido.
— O que uma dama como você faz a uma hora dessas no bosque? — ele indagou
com ironia.
— Não sou tola — ela protestou. — Tinha a situação sob controle.
— Podemos discutir a veracidade das suas palavras mais tarde, desde que você
não se esqueça da situação em que se encontrava antes da minha intervenção.
Embora não explicitasse, Maria agradeceu secretamente pela intromissão. Aquela
era a primeira vez, desde a morte de Dayton, que alguém se dispusera a salvá-la.
— Por que está aqui? — quis saber enquanto atravessavam o bosque.
— Eu a segui.

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— Como sabia que...?


— Vi sua criada sair do quarto. Quando entrei, você não estava lá. Foi fácil
deduzir que tinha saído pela janela, uma vez que eu estava vigiando a porta. Bastou ir à
sacada para vê-la caminhar na direção do bosque.
— Você entrou no meu quarto?! — Maria se voltou para ele, horrorizada.
St. John a encarou e bastou um olhar para que ela sentisse a pulsação acelerada.
— É curioso, mas fico mais excitado quando imagino você nua na sua cama —
explicou com malícia.
Quando os olhares se encontraram, Maria viu uma sombra que nem mesmo a
questionável luz da lua poderia ver. Seus instintos a alertaram para se libertar do
predador prestes a atacar.
— Eu não estou à sua disposição — avisou, deslizando a mão para o cabo do
punhal. — Sou conhecida por não tolerar aqueles que interferem nos meus negócios.
— Está se referindo aos seus desafortunados esposos? Maria sentiu o peito se
apertar e apressou o passo ao avistar a mansão.
—Você não deveria sair sozinha, minha dama. Foi imprudente ter marcado
encontro aqui, especialmente com um homem que é conhecido por não ter o menor
caráter.
— E você foi imprudente por ter me seguido.
St. John segurou-a pelo braço e a puxou de encontro ao peito. Com a mão livre,
impediu-a de puxar a adaga, segurando o braço direito de Maria com firmeza.
— Não quero machucá-la — sussurrou. — Em vez disso, prefiro beijá-la. Prendê-la
em meus braços é necessário, uma vez que você está armada e não hesitará em me
ferir.
— Se você julga que as únicas armas que tenho são as que carrego comigo, está
muito enganado.
— Mostre-me quais são as armas de que você dispõe... — St. John insinuou,
sedutor.
— Você não vai me levar para sua cama esta noite. — Mesmo cativa, Maria não
perdeu a altivez. — Não estou com disposição para ser indulgente.
— Posso fazê-lo mudar de ideia.
St. John pressionou o corpo de encontro ao dela, fazendo com que sentisse a
intensidade de seu desejo.
— Você não fará isso — ela desafiou, sabendo que ele não a forçaria.
A necessidade daquele homem era que se submetesse à vontade dele. Sua
intuição nunca havia falhado e, naquele momento, dizia-lhe que St. John nunca
possuiria uma mulher à força.

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A provocação teve o efeito esperado. St. John apertou o maxilar e mergulhou a


mão nos cabelos negros, apertando-os com força.
Maria gemeu, num misto de dor e prazer, e ele tomou vantagem, capturando sua
boca com volúpia.
O beijo se aprofundou, suave e insinuante a princípio, para se transformar numa
sequiosa tentação. As pernas de Maria fraquejaram, e ela segurou-o pelos ombros,
usando a força do corpo viril para sustentá-la.
Seu gesto foi entendido como um convite, e St. John deslizou a mão para a curva
do quadril e apertou-a de encontro a si, deixando que ela sentisse sua masculinidade
pujante.
Um sorriso lento curvou os lábios de St. John quando afastou-a ligeiramente e
esgueirou a mão sob o cós da calça, tateando a penugem aveludada até encontrar a
umidade quente e íntima, pronta para ele.
Maria não esperava pela reação impetuosa e gemeu baixinho quando, com gesto
preciso, ele a suspendeu do chão e fez com que enlaçasse os tornozelos às costas dele.
O contato das anatomias, ainda que desfavorecida pela barreira das roupas,
provocou a explosão do desejo dentro de Maria.
St. John pressionou-a contra o tronco de uma árvore, beijando-a com
sofreguidão enquanto a estimulava com movimentos rítmicos.
O corpo de Maria pulsava com energia sensual. A solidão que vivera nos últimos
meses aumentava a urgência de colocar o orgulho de lado e implorar para que aquele
homem a possuísse. Havia inúmeras razões para desejá-lo, mas ela também sabia que,
muitas vezes, negar o que um homem queria era mais eficiente do que ceder.
De súbito, empurrou-o e se libertou dos braços que a envolviam.
St. John fitou-a por um breve segundo, perplexo e frustrado, antes de lhe dar as
costas e se afastar.
Maria esperou até que a respiração voltasse ao normal e se recompôs. Atravessou
o jardim e subiu a treliça para a sacada dos seus aposentos o mais silenciosamente
possível. Começou a se despir enquanto pensava se fizera ao melhor escolha ao
rejeitar St. John.
Batidas à porta a deixaram tensa, até perceber que não se originavam do
corredor, e sim do quarto adjacente.
Sua criada entrou com a costumeira eficiência, recolhendo as roupas espalhadas
pelo chão.
— Partiremos para Dover pela manhã — Maria avisou, pensando na jornada que
teria pela frente.
Embora St. John tivesse dito pouco, ela entendera a mensagem.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Sarah assentiu, acostumada às partidas inesperadas. Serviu sua ama até que ela
estivesse na cama e voltou para seu quarto.
Acomodando-se sob os lençóis macios, Maria se pôs a imaginar o que Simon
estaria fazendo naquele momento. Na certa, estava rindo e, em sua gloriosa nudez,
conseguindo toda informação que desejava sem que a bela acompanhante de St. John
suspeitasse da perfídia.
Ela suspirou, invejando a proximidade que a mulher nos braços dele estava
usufruindo. Embora fosse apenas físico, era mais do que ela já tivera em um ano. A
busca por Amélia competia com a necessidade de estar disponível para Welton,
deixando-a sem tempo para suas próprias necessidades.
Welton... Amaldiçoou-o em pensamento, inquietando-se na cama. Ele ordenara que
ela se aproximasse de St. John e ganhasse a confiança dele para descobrir seus
segredos, mesmo sem saber se poderiam ser úteis.
Olhando para o teto, avaliou que fora prudente ceder ao beijo sem ir para a cama
dele. Isso o manteria interessado na medida certa.
Porém, não tinha noção de quanto tempo ficaria em Dover, atrás de uma pista que
poderia levar ao paradeiro da irmã. Para um homem como St. John, uma semana de
distância poderia ser muito tempo.
Maria se virou, fitando o movimento suave das cortinas farfalhando com a brisa.
Talvez fosse melhor abordá-los o mais depressa possível, refletiu.
Sabia pela própria experiência que, se ele perdesse o interesse, dificilmente
conseguiria reconquistá-lo. Sua missão era se aproximar de St. John, não importava o
quanto teria de colocar o orgulho de lado, e tinha apenas algumas horas para isso.
Consciente de que somente o amor pela irmã a movia, ela se levantou e abriu a
porta. Olhou para os dois lados do corredor, dirigindo-se em silêncio para o aposento
de St. John com a sensação de que caminhava para a jaula de um leão.
Deteve-se com a mão na maçaneta, mas antes que pudesse fazer qualquer
movimento, a porta se abriu de súbito.
Quando Maria se deparou com St. John, o tempo pareceu parar. Ele usava apenas
a roupa de baixo, revelando a nudez do peito bem-feito. Os cabelos dourados
reduziam à luz das velas, formando um halo angelical que o contornava.
St. John preenchia o espaço com o corpo vigoroso e a força que era seu
predicado mais marcante, preenchendo os sentidos de Maria e aguçando seu desejo.
— Posso fazer amor com você no corredor, se quiser, mas ficaremos mais
confortáveis na cama.
A voz grave a despertou do encantamento. Maria pestanejou, sem conseguir
desviar os olhos do torso nu. Procurou alguma coisa para dizer, mas o magnetismo de
St. John a deixou amortecida. Desejava-o, e teve certeza de que ele sabia disso.

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Antes que pudesse reaver o autocontrole, ele tomou-lhe a mão e conduziu-a para
o interior do aposento.
— Você está maluca? — St. John fechou a porta do quarto e a encarou. — Não
pode andar por aí vestida desse jeito!
Num gesto de defesa, Maria cruzou os braços sobre o peito.
A camisola transparente que usava deixava entrever todas as curvas do corpo
bem-feito. St. John subiu o olhar das pernas longas para o quadril arredondado,
detendo-se na sombra escura triangular na virilha.
— E você não deveria abrir a porta quando está seminu — ela retrucou,
percorrendo o caminho de pêlos dourados que se perdiam sob o cós.
— Estou em meu quarto.
— Eu também estou no seu quarto — ela retrucou.
— Mas não estava um minuto atrás!
St. John segurou-a pelos ombros num gesto possessivo. O traje que ela usava
oferecia menos proteção para a mão de um homem do que para os olhos.
— Seria melhor que estivesse nua. Sua camisola é uma tentação, e o que está
dentro dela pertence a mim.
Maria o encarou com a boca aberta.
—Arrogante! Quem pensa que é a me tratar dessa forma?
Ela avançou e o esbofeteou no rosto.
A ação estarreceu St. John. Ninguém jamais ousara injuriá-lo. Até mesmo
aqueles que desejavam a morte escolhiam maneiras mais pacíficas de provocá-lo.
Hesitou, incerto sobre como se sentia. Porém, a poderosa atração física que
Maria exercia sobre ele dissipou qualquer dúvida. Agarrou-a com tanta força que
ambos foram para o chão, e o impacto repercutiu em cada osso do corpo de Maria.
— Meu Deus! — gritou, caindo sobre ele. — Você está maluco?
St. John apenas riu. Ela era mais leve e suave do que imaginara. A pele cheirava a
frutas cítricas e flores, numa provocante promessa de inocência. Ele tinha consciência
de que, como cavalheiro, deveria se desculpar, mas o desejo que pulsava em suas veias
o movia a agir sob a força dos instintos mais selvagens e primitivos.
— Bruto! Deixe-me sair!
— Confesse, Maria... Você está gostando!
Sem deixar que ela respondesse, St. John posicionou-se sobre ela e cobriu-lhe a
boca com possessão selvagem. Mãos ávidas suspenderam o tecido fino da camisola e
percorreram as pernas esculturais, subindo lentamente até a virilha.
— Não! Você não terá a mim dessa forma!

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Como resposta, St. John suspendeu a barra da camisola, admirando a sedosa


penugem negra que escondia seu segredo mais íntimo.
Contrariando a ordem expressa de deixá-la em paz, St. John segurou-a pelos
pulsos. Com a mão livre, despiu a roupa de baixo. Moveu-se com impetuosidade,
penetrando-a com um golpe profundo que arrancou um gemido de prazer dos lábios de
Maria. As repetidas investidas transmutaram a raiva no rosto dela para o mais
completo prazer.
— Diga que está gostando... — ele ordenou, mordiscando o lóbulo da orelha de
Maria.
— Sim... Por favor, não pare!
St. John aumentou o ritmo dos movimentos, ainda mais excitado ao vê-la fechar
os olhos em êxtase.
A palavra "bela" era incapaz de descrevê-la. Maria estava muito além disso. A
beleza estonteante se tornou quase irreal quando a expressão do rosto se tensionou
um segundo antes do clímax.
Incapaz de conter por mais tempo o próprio desejo, ele procurou a boca macia no
momento em que explodiu dentro dela.
Todos os músculos do corpo se contraíram para relaxar no instante seguinte, e
St. John soube que, se morresse naquele momento, seria um homem feliz.
Maria fitou o dossel pálido sobre a cama e suspirou com satisfação. St. John se
deitou de lado e apoiou a cabeça sobre o cotovelo, estudando-a sob a tênue luz da vela.
O silêncio entre eles se tornou perturbador. Se ela estivesse na cama com Simon,
ele teria taças de vinho nas mãos e alguma pilhéria picante para fazê-la rir. Com St.
John, no entanto, havia só tensão. Seu corpo formigava, ainda sob o efeito devastador
do clímax inigualável que ele a fizera experimentar.
Ela suspirou, re-examinando os eventos da noite. A simples presença daquele
homem a deixava fora de guarda.
Na verdade, o encontro com St. John fora intenso desde o princípio. Já esperava
que o sexo não fosse diferente.
A noção de perigo por estar ao lado dele a excitara e a incomparável sensação de
fazer com que o homem controlado e poderoso fosse além dos limites a extasiava. Ele
fazia amor com paixão, usando a força do próprio corpo como um instrumento
finamente afiado de prazer.
O desejo se reacendeu em suas veias e virou a cabeça para fitá-lo.
St. John ergueu uma sobrancelha e puxou-a para mais perto.
Era agradável ser capturada pelos braços arrebatadores, mesmo sabendo que não
passava de um momento fugaz.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Maria fechou os olhos e inalou o cheiro denso que impregnava o ar, confundindo a
fragrância de bergamota e tabaco com os perfumes que a brisa da noite carregava
para o interior do aposento.
O dia estava quase amanhecendo. Em breve, ela teria de partir. Dover e a
perspectiva de encontrar Amélia eram apelos fortes o bastante para lhe dar forças
para agir.
St. John acariciou-a com movimentos suaves, numa ternura que a surpreendeu.
No instante seguinte, a evidente ereção revelou que o toque fizera o desejo se
renovar.
Ela encarou o rosto do amante, pensando mais uma vez em como se parecia com
um anjo caído dos céus... Porém, as aparências eram enganosas. No fundo, aquele
homem era um predador implacável.
Tocou os cabelos dourados, sorrindo ao vê-lo fechar os olhos em deleite.
— Eu não me sinto atraída por homens louros — ela comentou como se pensasse
em voz alta.
Em resposta, St. John riu.
— Sou grato por você não ter a mesma opinião a respeito de outros aspectos da
minha anatomia.
Maria girou o corpo e sentou-se na cama.
— E eu não gosto de mulheres irascíveis — ele prosseguiu, olhando para o teto. —
Mas gosto de você, só Deus sabe por quê...
O elogio improvisado a agradou. Porém, o sorriso se desmanchou em seus lábios
quando, ao longe, ela ouviu o gongo do relógio soar as horas.
— É pena não estarmos em casa. — Os olhos cor de safira reluziram. — Não gosto
de ter de me apressar.
Maria encolheu os ombros, recusando-se a admitir que sentia o mesmo. Em seu
íntimo, sabia que sentiria falta dele.
— Como pude pensar que você fosse fria?—ele murmurou em meio a um bocejo,
enlaçando-a pela cintura um segundo antes de mergulhar em sono profundo.
E, mesmo no sono, St. John a manteve presa em seus braços, sem deixá-la partir.
Maria entrou nos seus aposentos com um suspiro de alívio. Ninguém a vira
atravessar o vasto corredor, milagre que se tornou possível graças a sua habilidade em
se esgueirar nas sombras e evitar ser descoberta por empregados curiosos.
Quando se sentou na cama, o vulto de um homem surgido das sombras a assustou.
— Mhuirnín.
Simon se apoiou no suporte do dossel, fitando-a com expressão inescrutável.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Você me assustou — ela queixou-se, apoiando a mão sobre o coração.


Apertou o roupão que pegara de St. John, consciente de que as atividades
lascivas da noite não poderiam ser disfarçadas.
—Você dormiu com ele. — Simon se aproximou com passos vagarosos, sedutores,
e pousou as mãos em concha na face de Maria. — Não confio em St. John. Portanto,
não confio em você com ele.
— Não pense nisso.
— Mais fácil dizer que fazer. Mulheres confundem frequentemente sentimentos
com sexo. Isso me preocupa.
— Com exceção de você, eu nunca tive esse tipo de problema — ela assegurou
com um sorriso.
— Sinto-me lisonjeado — Simon retrucou com ironia.
— Você é arrogante, Simon.
— Também, dentre outras qualidades. — O meio sorriso se alargou numa risada.
— Estou exausta! — Maria cobriu a boca, bocejando. — Depois que me banhar,
partiremos. Posso cochilar na carruagem.
— Dover. Sarah me informou. — Ele deu um beijo rápido na testa de Maria. — Ela
está terminando de arrumar a bagagem. Minhas malas já estão na carruagem.
— Não levará muito tempo para que eu esteja pronta.
O cheiro de St. John, estava impregnado em sua pele. As múltiplas facetas
daquele homem a surpreendiam, estremecendo todas as crenças que construíra acerca
do corsário.
— Tenho de me apressar, mhuirnín. — A voz de Simon a distraiu.
Seguiu-o com o olhar até a porta e o chamou quando girou a maçaneta.
— Simon?
Ele se voltou com sobrancelhas elevadas e uma pergunta silenciosa no olhar.
— Eu já lhe disse o quanto o aprecio?
—Você me ama—ele respondeu com um sorriso malicioso.— Não há necessidade
de dizer. Eu sei. Mas pode repetir quantas vezes desejar. Meu ego pode aguentar isso.
Rindo, ele saiu e fechou a porta.
St. John acomodou-se na cadeira, enquanto seu criado se movia em silêncio,
preparando os artigos necessários para barbeá-lo.
Suspirou fundo. Preocupação. Por que o sentimento passara a perturbá-lo desde
que conhecera Maria? Por que se torturava, quando sabia que ela era capaz de tomar
conta de si?

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Talvez porque Simon Quinn estava com ela no mesmo coche em que haviam
acabado de partir da mansão Harwick, ponderou, e seus dentes se apertaram.
— Angélica — chamou, e a jovem colocou a xícara de chá sobre a mesa e se
apressou em atendê-lo. — Você passou a noite com o sr. Quinn. O que descobriu?
—Eu tentei obter alguma informação, mas ele estava mais inclinado a... se
distrair.
St. John arqueou uma sobrancelha.
— O que contou a ele?
O rubor que cobriu as maçãs do rosto da moça o fez praguejar em voz baixa.
— Não muito — ela afirmou, hesitante. — Ele estava curioso sobre seu interesse
em lady Winter.
— E o que você respondeu?
— Eu disse que você mantém seus negócios em sigilo, mas se a desejasse, você a
teria.
Angélica soltou o ar e abaixou o rosto, sem que ele deixasse de notar as olheiras
profundas em consequência da noite ardente nos braços de Simon.
A memória de Maria, macia e pronta ao desejo, aqueceu-lhe o sangue. As marcas
das unhas afiadas em suas costas, consequência dos momentos de desvario, ainda
queimavam.
— Qual foi a resposta de Quinn? — ele perguntou. Angélica estremeceu.
— Ele disse que é lady Winter quem escolhe o homem que terá o privilégio de
compartilhar a cama dela.
St. John não mostrou nenhum sinal externo do efeito que a declaração teve
sobre ele.
Quinn estava certo. Era o irlandês quem compartilhava a casa de Maria, assim
como a vida e a confiança dela, enquanto ele próprio não tivera nada mais que algumas
horas de prazer.
—Vá fazer as malas — ordenou, dispensando-a.—Agora, que Maria partiu, não há
mais nada que me prenda aqui.
St. John fechou os olhos ao sentir a espuma macia ser espalhada no rosto.
Seu pensamento se voltou para Maria. Ele a desejava, como seria natural para
qualquer homem. Porém, teria de sacrificar a paixão em nome da liberdade. Desejar
aquela mulher era um inconveniente em oposição direta com os objetivos da agência.
Os agentes que trabalhavam a serviço da Coroa da Inglaterra eram um
aborrecimento. Seguiam-no a toda parte, espionavam-no e o lembravam de que o preço
de sua liberdade seria alto. O fato de Maria ter se casado com dois deles poderia ter
sido simplesmente por serem homens ricos. Porém, sua missão era descobrir se os dois

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casamentos envolviam de alguma forma algum interesse escuso que envolvesse a Coroa.
No entanto, havia outras considerações além da luxúria e da agência. Simon
Quinn não estava cuidando apropriadamente de Maria. Ao enviá-la para se encontrar
sozinha com Templeton, ele a deixara vulnerável e exposta.
Enquanto considerava todos os riscos que ela corria, seus dedos se apertaram ao
redor dos braços da cadeira. Maria vivia rodeada pelo perigo, fato que o aborreceu
mais do que gostaria de admitir.
Fechou os olhos ao sentir o criado deslizar a lâmina da navalha em seu queixo. Na
verdade, o maior perigo para Maria, naquele momento, era ele próprio.
Maria se acomodou na cadeira e olhou ao redor da saleta de jantar que ocupava.
Em frente a ela, Simon assistia à camareira coquete com olhar lascivo. A hospedaria
que escolheram para passar alguns dias em Dover era confortável e adequada por
várias razões, além do fogo crepitando na lareira. Naquela cidade, uma jovem com a
mesma idade e características de sua irmã fora vista dias atrás.
Depois de quatro dias de procura e de interrogar todos os comerciantes locais,
Simon descobrira que uma jovem senhora chamada srta. Pool visitara recentemente
uma das modistas. Naquela tarde, conseguira descobrir o endereço, uma propriedade
localizada nos arredores da cidade. Ninguém sabia de nada acerca da moça que ficara
esperando no coche enquanto a governanta ia às compras, mas esperava
desesperadamente que fosse Amélia.
— Você trabalhou incansavelmente nesses últimos dias, Simon. Merece um
repouso. Já me deu muito do seu tempo, da sua energia e do seu suporte. Não precisa
se negar ao prazer e à felicidade por minha causa.
— Minha felicidade é ligada invariavelmente a sua.
— Então, você deve ser miserável — ela comentou com um sorriso triste. —
Desfrute a vida, meu querido amigo.
Simon riu e alcançou a mesa para pousar a mão sobre a dela.
— Você sabe como fico feliz com sua afeição? Em toda a minha vida, você é a
única pessoa que deseja minha felicidade. Tudo o que faço e de tudo que me privo é
por gratidão e pelo desejo recíproco de vê-la feliz.
— Obrigada, meu amado.
Maria sabia como ele se sentia. Simon cumpria papel semelhante na sua vida. Era
a única pessoa que a amava incondicionalmente .
Ele deu uma palmada suave na mão dela e se instalou na cadeira.
— Há dois homens de nossa confiança vigiando a propriedade para onde o coche
da srta. Pool se encaminhou. A jovem que está instalada na casa fica reclusa na maior
parte do tempo. Amanhã, à luz do dia, nós mesmos iremos até lá.
— Está bem. Posso esperar mais algumas horas, já que esperei anos. — Ela sorriu.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Isso quer dizer que a noite é sua para fazer o que desejar.
Naquele momento, a camareira voltou ao aposento com uma bandeja de café.
Maria piscou em cumplicidade para Simon, que inclinou a cabeça para trás numa sonora
gargalhada.
— Perdoe-me, mas vou me recolher — ela disse, afetando um bocejo exagerado.
— Estou muito cansada.
Simon se pôs de pé e contornou a mesa, puxando a cadeira para que ela se
levantasse. Tomou-lhe a mão e pousou um beijo gentil, com o brilho da malícia nos
olhos.
Maria foi para o quarto anexo, onde Sarah a esperava para ajudá-la a se despir.
Embora estivesse feliz por Simon ter companhia naquela noite, estava frustrada
pela ausência dele. A presença do fiel amigo a distraía das recordações da voz rouca e
das carícias ternas de St. John.
Sentia-se tola como uma adolescente por pensar nele com frequência.
Justificava-se, dizendo a si mesma que havia se apegado a ele simplesmente pela longa
abstinência anterior.
— Obrigada, Sarah — murmurou quando a criada retirou seu espartilho.
Depois de uma mesura rápida, a moça se preparou para partir, mas uma batida
súbita na porta a retardou.
—Espere!—Maria levou a mão ao punhal no criado-mudo.
Colocou-se ao lado da porta e acenou com a cabeça em permissão para Sarah.
— Sim? — a criada indagou, abrindo apenas uma fresta da porta.
Ao ouvir a voz de um de seus homens, Maria relaxou e abaixou o punhal.
— Vá ver o que John quer — ordenou, recuando um passo. — Ele estava vigiando a
casa onde Amélia foi vista. Na certa, tem alguma informação nova.
Sarah saiu para o corredor e voltou momentos depois.
— Milady, John está preocupado com alguma suposta atividade suspeita na
propriedade em que se encontra Amélia. Ele pediu para avisá-la de que a senhora e sr.
Quinn devem seguir com ele até lá, pois se deixarem para amanhã, poderá ser tarde
demais.
— Querido Deus! — As batidas do coração de Maria se aceleraram. — Veja se
consegue encontrar o sr. Quinn. Eu duvido, mas temos de tentar.
Sarah partiu, e Maria tirou a camisola para mudar de traje. Os pensamentos
corriam à frente dela, e considerou vários enredos, assim como a possibilidade de
administrá-los.
Tinha apenas quatro homens com ela e teria de usá-los para vigiar o perímetro.
Poderia contar com, no máximo, dois deles para cuidar da sua segurança pessoal.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Uma batida abafada foi seguida pela entrada de Sarah.


— O sr. Quinn não está na recepção da hospedaria. Devo procurá-lo na cidade?
— Não. — Maria alisou a barra do casaco. — Mas informe ao criado dele sobre
nossa partida.
Uma vez mais vestindo culatras, botas e chapéu que escondia a vasta cabeleira,
ela passaria por um jovem rapaz, disfarce que permitia viajar sem levantar suspeitas.
John e Tom a esperavam à entrada da hospedaria. Saudaram-na com um sorriso
tranquilizador e a conduziram na direção dos cavalos escondidos no jardim.
Sem dizer nada, Maria cavalgou ao lado de seus homens pela noite escura,
rezando para que estivesse na rota certa para finalmente encontrar a irmã
desaparecida.
A porta do palacete de Maria em Londres se abriu, e St. John entrou em silêncio.
Um de seus homens estava lá, estabelecido na residência de inverno há alguns
dias sob o disfarce de cavalariço. St. John se aproveitara da ausência de Maria para
subornar o antigo criado e colocar um de seus informantes no lugar dele.
Com um aceno leve, cumprimentou o rapaz e entregou-lhe as rédeas da montaria.
St. John foi para o interior da residência, reconhecendo a opulência da mansão.
Dois maridos nobres haviam deixado heranças suficientes para que Maria mantivesse
uma existência abundante.
Investigara os matrimônios de Maria com homens que haviam sido fonte de
grande interesse para ele, e descobrira que lorde Dayton tinha se recolhido com a
jovem esposa para a casa de campo, onde permaneceram durante a breve união.
Lorde Winter, mais jovem e extravagante, a mantivera em Londres e a ostentava
descaradamente como troféu a ser cobiçado pelos homens.
O falecimento do primeiro marido levantara especulações na corte, mas fora a
inconcebível morte de lorde Winter, homem saudável e vigoroso, que eliciara rumores
de assassinato e emprestara a Maria a alcunha de "Anjo da Morte".
Os dentes de St. John se apertaram à ideia de que ela já pertencera a outro
homem, e repeliu furiosamente o pensamento.
Quase uma semana transcorrera desde a noite em que a tivera em seus braços, e
não havia um só momento do dia em que ela não ocupasse seus pensamentos.
Recebera relatório de um de seus informantes avisando sobre o interesse de
Maria a respeito de uma jovem em Dover. Por que desejaria encontrar-se com ela?
Quem seria, para que um marginal traiçoeiro como Templeton tivesse sido contratado
para encontrá-la?
Enquanto percorria os corredores amplos colado às paredes para não ser visto,
St. John memorizou o interior da casa e o posicionamento dos quartos. Uma pontada

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de ciúme o feriu ao descobrir que Quinn ocupava o apartamento adjacente ao de


Maria. O fato de conceder ao rapaz local privilegiado na residência revelava a
profundidade da ligação entre eles.
Sabia que ela e o irlandês já não estavam compartilhando a mesma cama. Ela
própria admitira que o último encontro sexual fora um ano atrás, e a voracidade com
que fizera amor confirmava a abstinência. Ainda assim, St. John considerava Quinn
seu principal oponente.
Entrou no aposento luxuoso e vasculhou as gavetas do quarto de vestir e da sala
de banho. Encontrou uma profusão de armas e uma gaveta secreta com artigos de
vestuário usados em disfarce, o que indicava que Simon Quinn, muito mais do que
amante, também dedicava seus fiéis serviços à sua dama.
Atravessou a porta de comunicação entre os aposentos e entrou no apartamento
de Maria.
De imediato, foi golpeado pelo perfume que permeava no ar revelando a presença
dela.
Estacou à porta, amaldiçoando seus hormônios. Não era afligido por uma ereção
indesejada desde a adolescência. No entanto, o apelo sensual inerente a cada detalhe
que dizia respeito àquela mulher estava além do seu controle.
Nenhuma dama que conhecera o levara ao nível de satisfação que tivera com
Maria, e desejava repeti-lo naquele momento.
St. John girou num círculo lento, admirando o discreto aposento. Comparou-o ao
restante das câmaras, e notou que a decoração era muito mais suave e feminina. Nada
adornava as paredes forradas com papel de parede listrado de azul e branco, com
exceção de um quadro a óleo pendurado entre duas janelas.
Aproximou-se e estudou o homem retratado. A semelhança com Maria era tal que
deduziu ser o pai verdadeiro dela. Por que colocara o primoroso retrato num local onde
mais ninguém pudesse vê-lo?
Guardando a pergunta na memória, ponderou sobre a diferença entre aquele
homem e Welton.
Conhecia-o, e sabia que faltava nele o calor e afeto que se irradiavam dos olhos
do progenitor de Maria.
— Quais são seus segredos? — perguntou ao silêncio antes de vasculhar a cômoda
adjacente à cama.
Seu homem poderia facilmente investigar a residência de inverno, mas a ideia de
que tocasse nos pertences íntimos de Maria o incomodava. Afinal, era o mínimo de
respeito que poderia demonstrar pela adorável dama que não saía do seu pensamento...
Depois de amarrar os cavalos numa fenda da cerca, Maria e seus dois guardas,
John e Tom, moveram-se como sombras na escuridão. Os trajes pretos faziam com

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que ficassem invisíveis na noite escura.


Tom seguiu à frente e gesticulou indicando que o caminho estava livre antes de
sumir em meio ao arvoredo. Maria seguiu com John na retaguarda e atravessou a
distância até as imediações da casa em que supostamente sua irmã se instalara.
A propriedade modesta revelava certo charme em sua simplicidade acolhedora. A
pintura fresca, a limpeza primorosa e o apuro do jardim imaculado denotavam
cuidados, apesar da aparente falta de criados.
Um livro sobre o banco de mármore no jardim indicava o tempo gasto ao ar livre
sem pressa. A cena fez a garganta de Maria se apertar. Como ansiava por viver uma
vida despreocupada como a de antes da promessa feita à mãe! Naquela época, seu
futuro era repleto de sonhos felizes.
A mão firme de John pousou em seu ombro e a empurrou para o chão, distraindo-
a dos pensamentos.
Assustada, Maria se obrigou a manter o silêncio. Lançou um olhar interrogativo
para John, e ele indicou a lateral da casa com o queixo. Ela assistiu enquanto os
cavalos eram retirados do estábulo por um vulto misterioso e conduzidos a um coche a
poucos passos dali.
O pânico a assaltou. Por que haviam decidido viajar àquela hora da noite? Havia
algo errado.
Naquele momento, surgiram dois vultos encapuzados em meio ao arvoredo que
circundava a propriedade. A julgar pelo tamanho e delicadeza dos passos, Maria
deduziu que fossem mulheres.
—Amélia—a figura mais alta chamou, e a voz atravessou a distância, carregada
pela brisa. — Olhe por onde pisa!
Por um momento, Maria se esqueceu de respirar. Sentiu a pulsação nos tímpanos,
e suas pernas permaneceram imobilizadas, por mais que as obrigasse a se moverem.
— John...
— Sim, eu ouvi — ele sussurrou, e a espada sibilou no ar quando tirou-a da
cintura. — Nós podemos levá-la.
— Olhe o que temos aqui...
A voz ríspida fez com que se voltassem ao mesmo tempo, e viram-se frente a
frente com dois homens armados. Maria não teve tempo de desembainhar o punhal
antes que os rodeassem ameaçadoramente.
No silêncio da noite, o tilintar das espadas ecoou numa cacofonia metálica. John a
defendia com valentia heróica, e os oponentes praguejavam e riam, certos da vitória.
Eles lutavam por dinheiro e diversão. Maria estava lutando por algo mais precioso.
— Vá atrás dela! — John gritou, defendendo-se dos golpes dos oponentes. — Eu
cuido desses amadores!

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Sem perder tempo, Maria se projetou entre os dois homens, e seus passos foram
impedidos pela muralha humana, enquanto ouvia a carruagem se afastar, levando
Amélia.
Se não conseguisse se livrar daqueles homens, perderia a irmã novamente.
De repente, novos combatentes se uniram a ela e John, não para lutar contra,
mas ao lado deles. Maria não sabia quem eram, mas agradeceu-os secretamente.
Saltando para trás, ela girou o corpo e correu o mais rápido que pôde na direção da
estrada.
—Amélia!—gritou, avistando a diligência a poucos passos dali. — Amélia, espere!
Ela alcançou a carruagem em movimento e se agarrou à rédea de um dos cavalos,
respirando com sofreguidão.
Quase sem fôlego, viu quando a porta se abriu para revelar, a princípio, um pé
pequeno e delicado. O rosto que emergiu da cabine era emoldurado por longos cabelos
escuros e olhos verdes luminosos.
Não era a criança que Maria se lembrava, mas não havia dúvida de que se tratava
de Amélia.
— Maria?
Lutando contra a mão possessiva da mulher que tentava segurá-la, Amélia
estendeu o pé e tentou saltar do coche em movimento. No entanto, foi puxada com
violência, e o cocheiro açoitou os cavalos para que avançassem em disparada.
Maria tentou acompanhar a velocidade, buscando dentro de si todas as forças de
que dispunha. Porém, uma força poderosa a golpeou por trás e jogou-a ao chão.
Esmagada sob o peso de um homem, Maria mal podia respirar. Desesperada,
debateu-se e golpeou o ar com as pernas, até que uma dor profunda como jamais
sentira antes a fez gritar. Os músculos do ombro se dilaceraram ao serem rasgados
por uma lâmina pontiaguda, não uma, mas duas vezes.
Então, misericordiosamente, o peso foi aliviado.
Ela balbuciou o nome da irmã mais uma vez, em agonia, antes de sentir-se
despencar num abismo negro sem fim.

CAPÍTULO III

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— O navio chega às docas amanhã à noite.


St. John fitou a noite através da janela do escritório da mansão, friccionando os
músculos doloridos do pescoço. Observou uma carruagem de aluguel sacudir com
pressa pela rua deserta. Ninguém desejava passar mais tempo do que o absolutamente
necessário na rua em que ele morava.
— Está tudo acertado? — indagou com pensamento distante.
Seus homens se preparavam para pilhar o carregamento do navio cargueiro no dia
seguinte. Então, por que não estava excitado, como sempre ficava às vésperas de uma
aventura?
— Sim—Phillip assegurou. — Os homens já organizaram os coches e cavalos, e o
transporte da pilhagem será rápido.
St. John acenou com a cabeça, tentando encontrar ânimo.
A falta de sono dos últimos dias contribuía para seu estado, próximo do
esgotamento físico. Sabia que a preocupação com a segurança de Maria era a grande
responsável pelas noites de insônia.
— Ouvi dizer que este carregamento é valioso. O chá vindo das índias é de
primeira qualidade—Phillip tentou estimulá-lo.
— Ótimo.
Conter a tripulação e descarregar os pacotes do chá de contrabando ocuparia
algum tempo, mas os homens trabalhariam com a eficiência de sempre, e em pouco
tempo, o produto seria infiltrado no mercado de varejo.
Batidas à porta o distraíram, e Phillip se levantou para atender. Ao ver um dos
homens que ele designara para seguir Maria, o interesse de St. John se reavivou.
Sam entrou no escritório e retirou o chapéu, apertando-o de encontro ao tórax
em um gesto nervoso.
— O que houve? — indagou, preocupado.
Sam estremeceu e correu mão pela aba do chapéu.
— Ela está ferida?
Todos os músculos de St. John se enrijeceram quando o rapaz assentiu sem
erguer os olhos.
— Sim. Foi atacada duas noites atrás, em Dover. Foi ferida com duas punhaladas
no ombro esquerdo.
— Sua única missão era mantê-la em segurança! — esbravejou St. John. —
Quatro homens, e todos falharam!

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— A ação foi mais rápida do que pudemos prever — ele justificou sem encarar o
mestre.
— Onde Maria está?
— Na mansão de inverno, aqui em Londres — Sam respondeu de pronto.
St. John relanceou o olhar para Phillip, e ele entendeu a ordem silenciosa.
— Vou preparar seu cavalo — o criado anunciou ao sair apressadamente.
O olhar de St. John se fixou na face corada de Sam.
— Quinn não estava com ela quando o ataque aconteceu? Quando o rapaz negou
com um gesto quase imperceptível,St. John se levantou e passou por ele como um
furacão, forçando-o a saltar para não ser atropelado.
Ao passar pela sala, chamou dois de seus homens e apanhou o casaco e as luvas.
Momentos depois, estava a caminho da mansão de Maria.
Uma vez que tivesse se assegurado de que ela estava bem, poderia ouvir dos
quatro homens designados para protegê-la o relato detalhado do incidente.
Ao chegar, ele desmontou e deixou os dois homens guardando a entrada. Mal
esperou que o mordomo abrisse a porta para entrar e subir de dois em dois degraus a
escada para o andar dos quartos.
Bateu à porta do quarto de Maria, e ela se abriu no mesmo instante.
— Por Deus! — Quinn rugiu ao vê-lo. — Vá embora, ou vou matá-lo com minhas
mãos nuas!
St. John empurrou-o e entrou, ignorando a ameaça.
— Tomem conta dele — ordenou ao homem que o seguia de perto, e foi obedecido
prontamente.
O brutamontes imobilizou Simon e o arrastou para fora do quarto.
— St. John!
Ele sorriu ao som da voz melodiosa. Avistou Maria deitada na cama, com o rosto
pálido lívido de dor.
— Fique à vontade — ela sussurrou, indicando a cadeira ao lado da cama.
— Obrigado.
Colocou o casaco sobre o encosto e se sentou, sem deixar de fitá-la.
— Não olhe para mim — Maria pediu, desviando o rosto. — Estou horrível!
— Tolice. Você ainda é a mais linda das mulheres. — Ele sorriu e alcançou a mão
pequenina, prendendo-a entre as dele.— Não se preocupe com mais nada agora. Pense
apenas em mim.
— É tudo o que tenho feito nos últimos dias.

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St. John arqueou a sobrancelha, incerto se havia ouvido bem.


— Você tem pensado em mim?
Maria retirou a mão e prendeu uma mecha dos cabelos por trás da orelha.
— Eu disse isso em voz alta? — Abaixou as pálpebras, constrangida. — Como sou
tola! Desculpe, não estou raciocinando com clareza. É o efeito do láudano.
Ele inclinou a cabeça e pausou com os lábios a um sopro de distância dos dela. O
cheiro adocicado da pele, suave e delicado, fez seus sentidos despertarem.
— Beije-me — ela sussurrou, fechando os olhos.
St. John sorriu com satisfação, desejando que pudesse aliviar a dor que a
amortalhava.
Sem esperar por um segundo convite, ele capturou a boca febril, absorvendo o
sabor de ópio, conhaque e o mel inigualável da boca de Maria.
Ela ofegou, entreabrindo os lábios, entregando-se com languidez.
— Maria, perdoe-me — ele murmurou, afastando-se. — Não tenho o direito de
seduzi-la, quando você acaba de escapar da morte.
Frustrado com a própria falta de controle, St. John se levantou e pôs-se a
passear pelo quarto.
— Quer um pouco de água? — indagou, tentando se distrair.
— Não. Quero que vá embora. Ele a encarou,confuso.
— Por quê?
— Você omitiu o fato de que estava me vigiando. Foram seus homens que me
salvaram, não é? — St. John assentiu com um movimento da cabeça. — Não estou
segura sobre como me sinto por tê-los me seguindo.
— Que tal demonstrar um pouco de gratidão? Maria respondeu com um aceno de
desprezo.
O gesto o irritou, e St. John perguntou-se por que perdia o controle sobre as
emoções com tanta facilidade quando estava com aquela mulher.
— Não pretendo ir embora, Maria — afirmou com convicção. — Penso em você
desde que a vi sair daquele teatro.
O desdém frio atravessou seu peito como um punhal. St. John sentiu-se mal,
como se tivesse revelado mais do que gostaria.
— Quem é a pessoa que você busca com tanta avidez? — indagou, decidido a
mudar de assunto.
— Seus homens não lhe contaram?
— Não tive tempo de ouvi-los. Vim para cá logo que soube que você estava ferida.

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— Oh... Estou lisonjeada! — ela ironizou, mantendo uma expressão séria.


— Estou questionando-a, em vez de pedir o relatório dos meus homens.
— A pessoa a quem procuro está restrita ao meu círculo de relações, St. John.
Quem é, ou por que quero encontrá-la não lhe diz respeito.
Ele fitou-a por um instante e se sentou à beira da cama.
— Por que não me permite ajudá-la, Maria?
— E por que quer me ajudar, St. John? O que ganha com isso?
— Eu tenho de me beneficiar de algum modo?
— Bem, você não é conhecido pelos atos de caridade que faz...
— Maria! — Simon gritou, e ela ouviu o grunhido abafado seguido por um baque do
outro lado da porta.
St. John teve de admitir, estava impressionado com a habilidade do irlandês em
perseverar.
— Simon, você está bem? — Ela ergueu a cabeça com dificuldade, ainda
atordoada pelo efeito do láudano. — O que fez com ele, St. John?
A preocupação que Maria dedicava ao outro homem irritou St. John.
— Não se preocupe, ninguém vai machucá-lo. Meus homens estão apenas evitando
uma interrupção indesejada — ele retorquiu. — Se você se lembra do nosso encontro
na mansão Harwick, já deveria saber que quero exclusividade sobre você. Quero tê-la
quando eu desejar, e quando estivermos juntos, não pretendo dividi-la com outro
homem.
— E eu quero deixar claro que não sou amante de homem algum — ela retrucou
com aspereza.
— Por que está brava? Estou sendo justo. Eu lhe ofereço o mesmo. Estarei à sua
disposição quando você me pedir. Isso põe nosso arranjo numa perspectiva mais
agradável?
Maria fechou os olhos, e ele não soube discriminar se estava refletindo sobre
algo, ou se lutava contra a dor.
— Quando nos encontramos pela primeira vez no teatro, você mencionou uma
agência — ela lembrou, erguendo as pálpebras.
— A agência... — ele corrigiu.
St. John lutou contra o desejo de revelar a razão por tê-la abordado naquela
noite. No entanto, manteve o silêncio.
— Qual é o verdadeiro propósito por trás da oferta de nos aliarmos? — ela
insistiu com expressão de falsa inocência. — Você necessita me usar de alguma forma
além de dividir a cama comigo?

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— Em parte — St. John afirmou. — A verdade é que a desejo, Maria. Eu quero


ajudá-la.
Ela fechou os olhos mais uma vez, o suspiro fatigado revelou que estava no limite
das forças.
— Estou cansada, St. John. Fiz uma viagem difícil de Dover a Londres. Mais
tarde, prometo considerar sua oferta.
— Por que se arriscou a voltar? Você poderia ter permanecido em Dover até se
recuperar.
Uma nuvem obscura a envolveu, e Maria sentiu-se extenuada.
A névoa de melancolia e dor que obscureceu o brilho dos olhos negros sensibilizou
St. John.
— Não, não poderia. Welton não sabe das minhas viagens e interesses — ela
confessou, amargurada. — Se de fato deseja me ajudar, St. John, tenho uma
incumbência para você.
— O que devo fazer?
—Onde você estava duas noites atrás, quando fui atacada? Ele estava nos braços
de Emaline, tentando esquecer Maria. No entanto, jamais confessaria a ela.
— Seu paradeiro naquela noite é conhecido?—reformulou a pergunta, percebendo
a hesitação dele.
— Não — ele afirmou com sinceridade.
— Você diria que eu estava com você se lhe perguntarem?
— Hum... Talvez, se você tentar me persuadir — St. John provocou com malícia.
— Se estava com outra mulher, não ficarei inclinada a persuadi-lo de coisa
alguma!
— Está com ciúme?
Maria desviou os olhos para não ver o sorriso de satisfação no rosto dele.
— Deveria estar?
Com o canto do olho, ela percebeu que o sorriso se alargou.
— Fique tranquila — ele assegurou, dando um beijo na testa febril. — Se me
perguntarem, afirmarei até o último suspiro que você estava comigo naquela noite. E
agora, tente descansar. Você precisa de...
Ele foi interrompido quando ouviu o ruído de batidas à porta. Ao abri-la,
encontrou um dos guardas de Maria.
— Desculpe por interromper, senhor — Tom anunciou em voz baixa para que
somente ele ouvisse: — Lorde Welton está na sala de estar, milorde.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Está bem. Não vamos perturbar a senhora com preocupações desnecessárias.


Eu mesmo cuidarei disso. Diga a ele que lady Winter está indisposta e prefere ficar na
cama.
St. John fechou a porta e voltou para perto de Maria.
— Quem era?
— Um de seus criados, anunciando que meu secretário pede minha presença — St.
John mentiu com naturalidade.
— E onde está Simon? O que fez com ele?
— Por que se preocupa tanto com esse irlandês? — resmungou St. John.
— Está com ciúme?
O tom de provocação deixou-o ainda mais irritado.
— Sim, estou — admitiu. — Tenho ciúme de você, minha amante selvagem.
Uma risada que confundia humor e desprezo preencheu o ar, e St. John ajeitou
os punhos do casaco.
— Dê-me alguns minutos para resolver um assunto urgente, minha adorável
selvagem. Voltarei mais tarde para conversarmos sobre nossa associação.
Ela acenou em concordância e observou St. John atravessar o aposento.
No instante em que a porta se escancarou, Maria avistou Simon sendo arrastado
pelo corredor. Estava amordaçado, e as mãos haviam sido atadas por uma corda
rústica.
— Sejam gentis com ele, rapazes — ouviu a voz de St. John ao fundo. — A dama
insiste que seja bem tratado.
St. John saiu pela porta da cozinha e foi ao encontro de Phillip, escondido no
jardim da mansão.
— Lorde Welton está na sala de estar — o secretário explicou em voz baixa. — A
governanta avisou-o de que lady Winter está indisposta. Aparentemente, ele não
recebeu bem a notícia. Orientei-a a dizer-lhe que o senhor viria visitá-la. Ela o
aguarda no vestíbulo.
— Excelente, Phillip. — St. John pôs a mão no ombro do rapaz. — Vá para casa e
chame Beth. Quero falar com ela o mais depressa possível. Talvez possa abordar lorde
Welton na saída da mansão, simulando ser uma amiga de lady Winter que veio visitá-la.
— Eu cuidarei disso.
St. John se dirigiu à entrada e tocou o sinete, sendo atendido no mesmo instante
por uma senhora magra, de cabelos grisalhos e postura rígida.
— Sra. Fitzhugh, presumo. — Ele sorriu, cativando-a com seu charme. — Sou
Christopher St. John.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Eu estava a sua espera, senhor.


Ele seguiu a governanta para a sala de estar, e Welton se levantou, surpreso ao
vê-lo.
— Sr. St. John — saudou, com uma mesura exagerada. — Que prazer encontrá-lo
aqui!
— Sim, especialmente numa tarde adorável como esta, meu senhor — St. John
disse suavemente enquanto examinava o vestuário de qualidade superior do outro
homem.
Apesar da vida devassa que levava, o conde transpirava saúde e vitalidade.
— Sim, eu concordo. — O sorriso de Welton se transformou numa careta
afetada. — Embora tenha acabado de saber que minha enteada está doente.
— É mesmo? Pois ela estava vibrante e saudável quando a encontrei, duas noites
atrás. — Suspirou com falsa decepção. —Talvez, face à indisposição, Maria mude
nossos planos para a tarde.
—Duas noites atrás, o senhor disse?—Welton perguntou, fitando-o em suspeita.
— Exatamente. — St. John sentou-se na poltrona de veludo, perfeitamente à
vontade, e o visitante o imitou. — Depois de nossa introdução fortuita no fim de
semana na mansão Harwick, ela graciosamente aceitou meu convite para a ceia.
St. John enunciou a sentença com evidente satisfação masculina. A implicação
sutil foi percebida de pronto por Welton, e ele sorriu com malícia.
—Nesse caso, queira transmitir-lhe minhas condolências. — Welton se levantou,
disposto a ir embora. — Não desejo atrapalhar seus planos.
— Tenha uma boa tarde, milorde.
St. John esperou até que ele saísse e procurou Phillip na cozinha.
— Designe um dos homens para segui-lo — instruiu, antes de subir a escada para
voltar ao quarto de Maria.
Welton desceu a rua e interrompeu os passos para avaliar a mansão Winter.
Algo estava errado.
Apesar do juramento da governanta de Amélia de que os homens que as atacaram
dois dias atrás eram desconhecidos, e da garantia de St. John de que estava com
Maria naquela noite, seu instinto lhe dizia para ter cautela.
Quem mais desejava descobrir o paradeiro de Amélia além de Maria? Quem mais
tentaria raptá-la?
No entanto, incumbira a srta. Pool de cuidar de Amélia desde que a filha perdera
a mãe, e depositava nela total confiança. A governanta não tinha nenhuma razão para
mentir.

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Welton parou à porta da carruagem e, antes de se dirigir ao cocheiro, notou a


chegada de uma bela jovem. Trajava-se com elegância, e o olhar interessado que lhe
enviou fez o sangue correr mais rápido em suas veias. Os cabelos louros estavam
presos no alto da cabeça com uma delicada fivela de ouro, e o busto farto revela-se
sob o decote do vestido.
Saudou-a com uma reverente inclinação da cabeça e sorriu, antes de entrar no
coche.
— Siga para o White's — ordenou ao cocheiro, acompanhando com o olhar a
figura atraente da jovem enquanto passava por ela.
Acomodando-se no confortável interior, pôs-se a considerar as alternativas.
Maria poderia ter enviado homens para raptar Amélia enquanto se encontrava
com St. John, mas como teria dinheiro para financiar tal aventura?
Apesar dos imóveis valiosos que herdara nos dois casamentos, ela não tinha
moedas disponíveis em seus cofres.
Ele esfregou o queixo, preocupado, e se inquietou no assento. Maria deveria
agradecer-lhe, em vez de oferecer obstáculo aos seus propósitos. Afinal, graças aos
casamentos que arranjara para a enteada, ela podia viver numa casa pródiga e ser
invejada pelo luxo que a rodeava.
Suspirou, decidido a mantê-la como principal suspeita da tentativa de rapto de
Amélia.
Tinha, também de considerar a possibilidade de que mais alguém desejasse se
vingar por meio da filha, alguém que soubesse da fortuna deixada pela mãe que Amélia
receberia ao completar vinte e um anos.
Frustrado, Welton franziu o cenho ao perceber que precisaria de mais dinheiro
para investigar o incidente de dois dias atrás... O que significava que teria de
encontrar mais um admirador generoso para a enteada.
— Amélia, não chore mais... Eu imploro!
Amélia ajeitou o gorro de dormir e afundou a cabeça no travesseiro.
— Vá embora, srta. Pool. Por favor!
A preceptora sentou-se na beira da cama, próxima a ela, e fitou-a com ternura.
— Parte meu coração vê-la sofrer assim!
— Como eu deveria me sentir? — A menina enxugou as lágrimas.—A senhorita viu
como ela lutou para vir até mim? Eu não acredito mais no que meu pai diz!
— Lorde Welton deve ter uma boa razão para mentir — a preceptora acalmou-a.
— E sua irmã não tem boa reputação. Você viu os homens a serviço dela. Seu pai está
certo em não permitir que conviva com Maria. Ademais, não tem certeza de que foi ela
quem tentou raptá-la.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Era ela quem estava lá! Eu vi o olhar no rosto de minha irmã, e não era o de um
monstro sem consciência que me transformaria numa cortesã ou tolice semelhante,
como meu pai acusa.
A srta. Pool fez uma careta, e os olhos de um azul pálido se enterneceram.
— Eu não a teria impedido de falar com ela se tivesse certeza de que era sua
irmã. Tudo que vi foi só um rapaz jovem correndo atrás da carruagem. Na certa, era
um mancebo perdido de amor. — Ela suspirou, arrependida. — Talvez, se tivesse
deixado que trocassem algumas palavras, você teria se convencido de que não era
Maria, e pararia de alimentar essas ilusões sobre a força de caráter dela.
— Em todo caso, obrigada por não revelar minhas suspeitas para meu pai. —
Amélia apertou a mão da preceptora.
O cocheiro e os criados também tinham mantido silêncio. Tendo estado desde o
princípio com ela, desenvolveram um verdadeiro afeto por Amélia e faziam tudo que
podiam para que estivesse tão feliz quanto possível, com exceção do cocheiro, Colin,
objeto do afeto da jovem, que passava todo o tempo evitando-a.
— Você me implorou — a srta. Pool disse com um suspiro. — Não fui forte o
bastante para negar seu pedido.
— Não se trata de uma mentira, já que você não acredita que era ela. Estamos em
Lincolnshire, e minha irmã não tem a menor ideia do meu paradeiro.
Amélia suspeitava que, se o pai soubesse das ações de Maria, sua vida se tornaria
ainda mais reclusa.
— Vi artigos no jornal, Amélia. O estilo de vida de Maria não é condizente com o
de uma jovem de família. A influência dela não seria adequada para você.
—Não insulte Maria, srta. Pool!—Amélia disse vivamente. —Não a conhecemos
bem o bastante para julgar aspersões no caráter dela.
A voz de Amélia fraquejou ao recordar a cena do rufião que a esmagara no chão e
a perfurara com uma faca. Lágrimas doloridas rolaram pelo rosto angelical.
— Meu Deus, espero que ela esteja bem!
Durante todo o tempo, ela acreditara que o pai a protegia de Maria quando a
forçava a se mudar de cidade em cidade, viajando durante a noite sem nunca saber
para onde estava indo.
Agora, aos dezessete anos, começava a dimensionar a lacuna que a falta da irmã
representava.
Nada na vida dela era permanente. Nunca havia morado em uma casa que pudesse
chamar de lar. Nunca tivera um quarto decorado com papel de parede que ela própria
escolhera. Nunca poderia sair à rua e frequentar escolas como as jovens da sua idade
faziam.
Então, descobrira que não estava sozinha. Irmãos eram permanentes. Pela

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

primeira vez em anos, percebeu que havia alguém no mundo que se importava com ela.
Maria arriscara a vida numa tentativa desesperada de libertá-la, e saber disso deu um
novo sentido a sua vida.
Tentando suplantar a dor, Maria deslizou para a beirada da cama, ansiosa por
libertar Simon.
Estava a ponto de pisar no chão quando a porta do quarto se abriu e St. John
entrou.
Sem dizer nada, ele chamou um de seus homens e ordenou que libertasse Simon,
que foi levado ao quarto de Maria por um brutamontes duas vezes maior que ele.
Quando se viu livre da mordaça, o irlandês explodiu numa profusão de
imprecações em sua língua natal e esfregou os pulsos machucados pela corda rústica.
Os dois homens se encararam num desafio silencioso, e St. John sorriu com
superioridade.
— Desculpe pelo mau jeito, mas não tive escolha. E agora, por favor, queira nos
deixar a sós.
Simon hesitou por alguns instantes, e se resignou a obedecer quando Maria fez
um gesto discreto indicando que saísse.
Grunhidos e resmungos enraivecidos o acompanharam quando ele bateu a porta do
quarto com violência.
— Como está se sentindo? — St. John se voltou para Maria com um sorriso.
— Muito mal. Não gosto da forma como trata Simon.
— Como eu disse, não tive alternativa a não ser amarrá-lo.— Ele se aproximou e
sentou-se na cadeira ao lado da cama.— Ele merecia uma lição por tê-la deixado sair
sozinha na noite em que foi atacada. Não tenho nenhum desejo de ser cortês com ele.
Simon falhou na tarefa de protegê-la.
— Ele não sabia que eu estava partindo—Maria defendeu o amigo.
St. John e encarou-a com censura.
— Não quero que repita essa tolice, Maria. Não é prudente correr riscos
desnecessários. — A expressão se tornou ainda mais grave antes que ele prosseguisse:
— Mesmo assim, Quinn a conhece bem o bastante para a antecipar suas ações.
— Eu não teria me precipitado se não soubessem que aquela poderia ser a única
chance de encontrar.... — ela se calou e recostou-se nos travesseiros.
O efeito do sedativo havia passado, e seu ombro latejava.
St. John abriu a boca para perguntar quem ela pretendia encontrar, mas mudou
de ideia, decidido que não era o momento para interrogatórios. Poderia descobrir mais
tarde, quando conversasse com Tim, um dos homens que haviam socorrido Maria
naquela noite.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Lorde Welton esteve aqui — disse de súbito. Maria arregalou os olhos,


assustada.
— Oh... Você falou com ele?
— Sim. Ele soube que você estava acamada.
Ela estremeceu e tentou manter expressão neutra.
— Mas eu lhe assegurei de que, há duas noites, nós compartilhamos a ceia e você
estava em excelentes condições de saúde.
Um sorriso iluminou o rosto de Maria.
— Duas noites atrás, hum? — repetiu, aliviada.
St. John inclinou o corpo para a frente e tocou a mão alva repousada sobre os
lençóis.
— Eu disse que a ajudaria.
Maria fechou os olhos, absorvendo a força e o calor do contato. Percebeu que
poderia relaxar. St. John cumprira sua promessa e o padrasto lhe faria uma trégua, ao
menos por enquanto.
— Estou exaurida—desabafou comum suspiro.—Preciso descansar.
— Entendi. Você quer que eu vá embora. — St. John aproximou o rosto até que
ela sentisse o hálito quente acariciar sua pele. — Mas só partirei se me der um beijo
de despedida.
Maria abriu um olho e fitou-o com malícia.
— Você impõe muitas exigências em seus beijos. O sorriso no rosto dele roubou-
lhe a respiração.
— E você impõe muitas exigências em seus segredos.
— Oh, vá embora! — Dispensou-o com um sorriso largo. Mas, em vez de obedecer,
St. John a beijou com paixão insensata.
— Lorde Sedgewick deseja vê-lo, senhor.
St. John desviou a atenção dos documentos que analisava e fez um gesto para
Phillip, indicando que o receberia.
Sedgewick entrou no escritório e St. John avaliou o homem alto, vestido numa
profusão de jóias e cetim. O lorde era o epítome da riqueza aristocrática.
A ideia de que aquela criatura afetada pudesse ditar as regras era tão absurda
que fazia St. John rir.
No entanto, sua liberdade dependia daquele homem. Concordara em ser aliciado
para servir à Coroa em troca da indulgência real para com seus crimes.
— Milorde — saudou-o, levantando-se.

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— Como tem aproveitado a vida sem as correntes? — perguntou Sedgewick, com


um sorriso irônico.
— Não é recomendável que zombe da minha condição de refém, meu senhor. —
Gesticulou para o canapé verde e esperou que o lorde se sentasse. — Sua posição é tão
precária quanto a minha.
— Eu tenho toda a confiança que meus métodos, embora pouco ortodoxos,
conduzam a resultados louváveis. — O agente suspendeu a barra do casaco antes de se
sentar.
— Você sequestrou um de meus homens e o torturou com crueldade desumana.
Tem usado de chantagem para extorquir minha cooperação — St. John lembrou-o. —
No entanto, se a verdade que sua testemunha esconde vier à luz, causará grande
alvoroço na corte. Nós dois sabemos que grande parte do produto das pilhagens que
meus homens realizaram ao longo dos anos foi destinada à Coroa. Sedgewick sorriu.
— Estou ciente disso, St. John. E devo acrescentar que seu homem se recusou a
falar até o último instante. É admirável a dedicação que demonstra ao mestre. Em
todo caso, você tem muito a ganhar. Poderá reivindicar sua liberdade quando me
entregar lady Winter. O perdão condicional que usufrui agora poderá ser definitivo.
Mas, se falhar, voltará para a prisão, e esta parece ser a alternativa mais plausível.
— E como chegou a tal conclusão?
— Já se passou uma quinzena desde que o libertamos, e você está fazendo poucos
progressos.
— As aparências podem enganar — St. John retrucou, irritado.
— Eu esperava que você dissesse isso. Então, descobri um modo para que prove
não estar desperdiçando nosso tempo. — Sedgewick sorriu. — Lorde e lady Campion
oferecerão um baile de máscaras depois de amanhã. Você comparecerá em companhia
de lady Winter. Já providenciei para que ela seja convidada, e você será levado sob
custódia se falhar.
— Ela está ferida. Levará algum tempo para se recuperar.
— A decisão é sua. Não se esqueça de que posso conseguir outra testemunha por
meio do mesmo método que usei com um de seus homens — o conde ameaçou
veladamente.
Embora permanecesse exteriormente impassível, em seu íntimo, St. John se
contorcia em fúria.
— Quero vê-los juntos no baile de máscara e ter certeza de que estão próximos.
Caso contrário, você será detido.
— Por acaso pensa que pode me deter na minha própria casa? — St. John
desafiou. — Há vários de meus homens guardando o perímetro. Somente tem acesso a
minha residência quem eu permitir que entre.

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— É pena... Terei de esperar que você saia de casa para prendê-lo. — Sedgewick
concluiu ao se levantar, esfregando as mãos com satisfação antecipada.
— Vou matá-lo com minhas próprias mãos! — Simon rugiu, sentado ao pé da cama
de Maria.
—Acalme-se, querido amigo. No momento, eu preciso dele.
— Espero que sua associação com o pirata não dure muito tempo — ele resmungou
com desagrado. — Hoje à noite, vou me reunir com o jovem que está infiltrado na casa
de St. John. Com sorte, terá conseguido alguma informação útil.
— Por que eu duvido disso? — Maria suspirou, desanimada, e Simon amaldiçoou em
galês.
— Porque você é sábia. Todos os criados de St. John passam no mínimo dois anos
no serviço antes de terem permissão para entrar na casa. É uma forma de controlar a
lealdade da criadagem. Qualquer um que tenha propósito secundário acha a espera
muito longa. No entanto, dizem que os subalternos do corsário dão a vida por ele.
— É fácil ver por que ele é próspero, não é?
— Não me peça que o admire — Simon sibilou. Mudando para achar posição mais
confortável, Maria gemeu e levou a mão ao ombro esquerdo.
— Mhuirnín...
No momento seguinte, mãos fortes e gentis a suspenderam, ajeitando-a sobre o
travesseiro.
—Obrigada.
— Dói em mim vê-la assim — ele murmurou, ajeitando um cacho negro que caíra
sobre o rosto pálido.
— Eu ficarei bem num instante — ela o assegurou. — Espero estar completamente
recuperada antes que Welton venha me ver novamente. Nós só podemos rezar para
que a visita de St. John ontem tenha sido convincente o bastante para mantê-lo
distante até que eu esteja curada.
Um dos lacaios bateu à porta e Simon foi abri-la. Recebeu a correspondência que
o rapaz levava e se aproximou da cama para entregá-la a Maria.
— É uma missiva de Welton — ela comentou com um bocejo, quase adormecida.
— O que diz?
— Exige minha presença no baile de máscaras amanhã, na mansão Campion.
Querido Deus! — ela rogou, aflita.
— Você não pode andar nessas condições! O ferimento em seu ombro ainda não
cicatrizou.
— Não posso recusar, Simon. A vida de minha irmã está em jogo.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Mal posso esperar pelo dia em que Welton conhecerá a força da minha ira! —
Simon esbravejou, furioso. — Matá-lo será um prazer para mim.
—Um dia de cada vez. E agora, peça a Sarah para escolher um vestido que
esconda meus ombros e pescoço.
Maria desceu da carruagem e, com um ajuste rápido na máscara que escondia os
olhos, entrou no salão de baile na mansão Campion.
O vestido discreto, cor-de-rosa pálido com gola alta, ficara ainda mais sóbrio
com a echarpe de veludo negra que pendia dos ombros.
Seu olhar passeou pelo recinto com aparente casualidade, mas a postura
majestosa enviava mensagem silenciosa para que todos mantivessem distância.
Onde estaria St. John?
Atravessou a sala e se postou ao lado da porta que se abria para a sacada. Ao
avistar Welton do outro lado do salão, os músculos de seus ombros se tensionaram.
Reprimiu a ira e cumprimentou-o com uma ligeira inclinação da cabeça.
A orquestra executava uma valsa alegre e os pares rodopiavam como um
caleidoscópio colorido em movimento. O burburinho animado das conversas regadas a
champanhe indicavam que ninguém estava prestando atenção a ela.
Maria estava começando a acreditar que sobreviveria àquela noite quando alguém
esbarrou em seu braço esquerdo. Reprimindo o gemido de dor, ela ofegou e girou o
corpo, num gesto de defesa.
— Queira desculpar — uma voz baixa ecoou atrás dela.
Ao se virar, Maria se deparou com um homem que a fitava , como se a
conhecesse. A intensidade com que a avaliava provocou-lhe mal-estar.
— Lorde Sedgewick! — um senhor de cabelos grisalhos abordou-o no momento em
que o desconhecido ia lhe dirigir a palavra. — Que prazer encontrá-lo!
Para seu alívio, o senhor se pôs a falar sobre o jantar que desejava oferecer,
dando-lhe a chance de escapar.
Logo que voltou ao salão, a figura poderosa de um homem usando máscara negra
chamou sua atenção. Apesar do arte-fato que escondia a fisionomia, soube que era St.
John.
Ele conversava com uma jovem de estatura baixa e longos cabelos negros.
Chamou-lhe a atenção o fato de ela usar um vestido da mesma cor e modelo quase
idênticos ao seu, com exceção da echarpe.
A pose descontraída traía o afeto que havia entre eles. A promessa de uso
exclusivo era uma mentira, pensou, enciumada.
— Ah! Aí está você!
A voz de Welton atrás dela a fez emudecer.

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— Tenho de enviar a modista novamente a sua casa? — ele perguntou com


expressão de censura. — Não tinha outro traje para usar? Há uma jovem usando o
mesmo modelo que você.
— Este é meu vestido mais novo e paguei uma pequena fortuna por ele — mentiu,
evitando encará-lo.
— E por que está tão pálida?
— É o novo pó facial que encomendei de Paris. Não acha atraente? — Maria
pestanejou, e os cílios flutuaram como duas pequenas borboletas.
— Não, eu não gosto. Jogue fora. Você parece doente — Welton criticou. — Seu
valor é baseado em sua aparência. Não será útil se não estiver bonita.
O insulto não a afetou.
— O que quer?
— Apresentá-la a alguém. — Welton estendeu a mão direita, convidando-a a
acompanhá-lo. — Venha.
Depois de alguns momentos de silêncio enquanto atravessavam a sala, Maria
encontrou coragem para perguntar:
— Como está Amélia?
— Está ótima — o padrasto respondeu sobre o ombro, sem estender o assunto. —
Ah! Lá está ele!
Indicou o homem de pé, isolado dos demais convidados, e Maria sentiu o sangue
congelar.
— Conde Eddington... — Reconheceu-o, apesar da máscara. O agente da Coroa era
famoso na corte. Bonito, rico, titulado, e com reputação de libertino.
— O que pretende fazer? — ela exigiu, cravando os pés no chão. — Não posso me
aproximar de um agente!
— Ele próprio pediu que a apresentasse, e posso assegurar que as intenções dele
não são levá-la para a forca.
— Sabe muito bem o que ele quer! O sorriso de Welton se expandiu.
— E exatamente por isso que vou introduzi-los. Ele pagaria uma fortuna por uma
noite com você.
Maria fez menção de sair, mas o padrasto a deteve, segurando-a pelo pulso.
— Minhas despesas estão aumentando, Maria. Sua mansão de inverno será a
primeira a sofrer drasticamente se eu tiver de reduzir o número de criados. Pensei
que você apreciaria minha ajuda, pois a maior beneficiada será você.
Aproximando-se, ela abaixou a voz e se esforçou para esconder a repulsa.
— Eu não aprecio nada que venha de você!

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— Claro que não, criança ingrata. — Welton riu e puxou-a na direção do conde. —
Mas eu não me importo.
—É um prazer conhecê-la. — O lorde levou a mão de Maria aos lábios e pousou um
beijo lascivo.
— Lorde Eddington.
Ela sorriu e inclinou a cabeça polidamente, observando com o canto dos olhos o
padrasto se afastar com uma risada.
— Como nunca fomos apresentados antes?
— O senhor é disputado entre as mulheres, milorde, o que o deixa com pouco
tempo para desperdiçar com alguém como eu.
— Sempre tenho tempo para mulheres adoráveis como a senhora. — Ele a estudou
cuidadosamente. — Se permitir, gostaria de conversarmos em particular.
Maria inclinou a cabeça para o lado e mordeu os lábios.
— Não consigo pensar em nada que não possa ser dito aqui.
— Tem receio de que eu possa seduzi-la? — ele perguntou com um sorriso. —
Prometo que saberei me comportar.
— Ainda assim, serei forçada a recusar.
O conde se aproximou e abaixou a voz num sussurro.
— A agência da Coroa está muito interessada na senhora, lady Winter.
Maria estreitou os olhos, disfarçando o interesse.
— Consentirá em falarmos reservadamente agora? Incapaz de negar, ela permitiu
que a conduzisse para fora do salão dirigindo-se a um longo corredor que se abria para
uma saleta privativa.
— O que quer? — ela perguntou sem rodeios. Acomodou-se num canapé e notou,
apreensiva, que ele passou o trinco na porta.
— Depois das mortes dos agentes Dayton e Winter — começou Eddington,
sentando-se à frente dela —, a senhora se tornou suspeita de traição à Coroa.
Ela respirou fundo e agradeceu à tênue iluminação das velas para livrá-la de
qualquer sinal de culpa.
— Eu sei. E o que isso lhe diz respeito?
— Eu estava falando com lady Smythe-Gleadson na noite passada, e ela
mencionou que a viu com Christopher St. John numa recepção na mansão Harwick.
— Oh? E mesmo? — Maria levou o indicador sobre os lábios, num gesto adorável.
—Eu converso com muitas pessoas, e me esqueço da maioria.
— Ela disse que o calor entre vocês era palpável.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Confesso que não me lembro desse nome — Maria declarou depois de simular
grande esforço mental.
— Lady Winter, não vamos perder tempo com mentiras. — Eddington inclinou o
corpo para a frente e abaixou o tom de voz.—O desaparecimento da principal
testemunha contra St. John precipitou a liberação dele. A agência sabe que ele é
culpado de pirataria, mas não tem provas. Eu acredito que há algum agente aliado ao
pirata, na certa para usá-lo com outros fins. St. John é um homem inteligente, mas até
mesmo ele tem limites.
— Se a agência suspeita de St. John, posso assumir que o senhor suspeita de
outro agente.
—Deveria se preocupar menos com meus interesses e mais com os seus, milady.
— O que quer dizer?
— Que a senhora poderia usar um amigo dentro da agência, e eu poderia usar uma
amiga de St. John.
— Está sugerindo me usar para obter informações sobre St. John? — ela
perguntou, incrédula. — Deve estar zombando!
— No momento, a senhora e St. John encabeçam a lista de criminosos mais
procurados pela agência. A senhora por ser suspeita de matar dois homens da Coroa, e
o pirata, por uma variedade de delitos.
Maria não pôde decidir se ela desejava rir ou chorar.
Como a vida a conduzira àquilo? O que seus pais pensariam se visse a que ponto
havia chegado?
Eddington apoiou os cotovelos sobre os joelhos, aproximando-se ainda mais.
— Welton organizou seus dois matrimônios, e aumentou sua fortuna depois da
morte de seus maridos. Notei como estava empenhado em apresentá-la a mim. Seu
padrasto tem interesse mercenário em você. Winter me disse o mesmo certa vez.
— Eu não vejo por que isso possa interessá-lo.
— Sabe no que acredito? — ele perguntou. — Que Welton tem algo que o liga à
senhora. Assim, consegue sua cooperação. Eu posso livrá-la desse compromisso
indesejado, mas não espero ajudá-la sem receber algum benefício em troca.
— O que espera que eu faça? — Maria indagou com ceticismo.
—Averigúe o que aconteceu à testemunha de acusação de St. John, e eu
afiançarei sua liberdade tanto da agência quanto de Welton.
— Talvez minha alma seja negra como o pecado, e mesmo assim, o senhor a quer...
— É um risco que estou disposto a correr.
Maria refletiu por alguns instantes, consciente do olhar penetrante sobre ela.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

—Vou pensar sobre sua proposta — disse por fim, erguendo o queixo com
determinação. — Mas, se eu aceitá-la, vai lhe custar mais do que remover Welton e a
agência da minha vida.
O conde estreitou os olhos, numa inquisição silenciosa.
— E quanto pretende cobrar pela sua cooperação?
— Recuso-me a discutir questões monetárias com alguém que não seja meu
contador. Considero vulgar e, por vezes, humilhante. Vou lhe dar as orientações e o
senhor poderá acertar o valor combinado com ele.
— Talvez eu não considere que St. John valha tanto.
— O senhor tem uma testemunha, se é que ainda está viva — Maria lembrou-o. —
Afora isso, não tem nenhuma prova contra St. John, exceto meu testemunho.
— E você testemunhará contra ele? Maria assentiu num gesto breve.
— E quanto às mortes de Dayton e Winter? A senhora é a principal suspeita.
— Talvez eu os tenha matado, milorde. Talvez não... — Os lábios se curvaram num
sorriso enigmático.—Vou deixar que o senhor consiga as provas, de um jeito ou de
outro.
— Como posso ter certeza de que corresponderá às minhas expectativas, lady
Winter?
—Não há como ter tal certeza, assim como não posso saber se sua proposta não é
mais um elaborado ardil para me acusar da morte de meus dois maridos.
Eddington avaliou-a por longos minutos antes de sorrir.
— Não sei dizer se a senhora é um demônio sedutor ou uma vítima das
circunstâncias, milady.
— Pergunto-me o mesmo todos os dias, milorde. Suspeito de que eu seja um pouco
dos dois.
— Milorde — St. John cumprimentou com reverencia. — Gostaria de apresentá-lo
à incomparável lady Winter.
Angélica inclinou o tronco numa mesura adorável quando lorde Sedgewick tomou-
lhe a mão.
— É um prazer conhecê-la — o agente murmurou, encantado. — Desculpe pelo
meu descuido, momentos atrás, quando esbarrei na senhora.
Sedgewick fitou a jovem com curiosidade quando Angélica não disse nada.
Mantendo a compostura, St. John pousou discretamente um dedo sobre os lábios,
indicando que sua amiga ficasse em silêncio.
— Lady Winter está incógnita esta noite, meu senhor.
— Ah! Claro. — O sorriso de Sedgewick se alargou. — Um rosto tão adorável

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

quanto o seu não deveria ser escondido.


— Se nos desculpar, milorde, prometi esta dança a ela — St. John levou a mão de
Angélica aos lábios e deu um beijo terno, afastando-se sob o olhar intenso de
Sedgewick.
Livrando-se da incômoda incumbência daquela noite, St. John levou seu par para
fora do salão de baile.
Do jardim, Angélica poderia contornar a casa e se encontrar com o cocheiro que a
esperava.
— Obrigado, Angélica — sussurrou, beijando-a na testa. Ele assobiou baixo,
chamando os homens que cercaram a casa para acompanhá-la em segurança à
carruagem.
Usar Angélica para enganar o agente fora mais fácil do que pensara. A
semelhança física entre as duas era espantosa, e somente um olhar mais atento
notaria que faltava a sua amiga a mesma graça e exuberância de lady Winter. Graças à
máscara, as feições não poderiam ser reconhecidas, e bastaram algumas moedas de
ouro para que a modista copiasse o modelo do vestido de Maria, informação que fora
cortesia do homem infiltrado na mansão Winter.
Maria não podia suspeitar de sua ligação com lorde Sedgewick. Ela ainda não
confiava nele o bastante para revelar seus segredos, e não podia por tudo a perder se
descobrisse sua ligação com o agente da Coroa.
Retornou ao salão e seguiu pelo longo corredor, percorrendo o mesmo caminho
que vira Maria seguir na companhia de Eddington, momentos atrás.
Uma das portas se abriu, e ele viu Maria emergir de um dos quartos com
Eddington logo atrás.
Soube, no mesmo instante, que havia uma ligação óbvia entre eles. Mais segredos.
Haveria mais mentiras?
St. John ignorou a presença do cavalheiro e a chamou.
Ela ergueu o queixo e retirou a máscara, revelando as feições inigualáveis.
— Desfrutando sua noite? — Maria perguntou com frieza. Aparentemente, vira-o
com Angélica e não havia gostado, ele refletiu.
St. John removeu a própria máscara, permitindo que ela observasse sua
expressão de desprazer.
Porém, em vez de se sensibilizar, Maria deu-lhe as costas e se afastou.
Ela ainda pôde ouvir St. John trocar algumas palavras com Eddington enquanto
seguia pelo corredor, e apressou o passo.
Pretendia entrar na carruagem e ir para casa o mais depressa possível, mas
quando chegou à varanda da mansão, viu o vulto de um homem emergir das sombras.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Partindo cedo, lady Winter?


Assustada, ela virou a cabeça para ver o mesmo homem que fora chamado pelo
nome de Sedgewick.
— Onde está seu companheiro? Ela pestanejou, hesitante.
— Ah! Ali está ele — Sedgewick murmurou. Olhando sobre o ombro dele, Maria
viu St. John se aproximar com passos largos.
Quem era aquele estranho que a abordara, e por que agia como se a conhecesse?
Intrigada, hesitou entre esperar St. John para descobrir qual era a ligação entre
eles ou ir embora. Porém, faltava-lhe tempo e disposição para decifrar o mistério, e
ela despediu-se com uma inclinação discreta da cabeça.
— Desculpe, mas tenho de partir. Vou deixá-lo em companhia de lorde St. John.
Sem esperar que o homem respondesse, afastou-se o mais depressa que pôde e
entrou na carruagem que estava a sua espera do lado de fora da mansão.
Sentindo-se fraca e vulnerável, Maria se acomodou no assento da carruagem e
cochilou durante parte do caminho.
O trajeto até Mayfair, a área nobre onde morava, era longo, e depois dos
esforços da noite, o ferimento em seu ombro latejava numa tortura crescente.
Sonhos confusos a atormentaram, até que despertou assustada. Abatida pelos
pensamentos confusos, lembrou-se uma vez mais de que ela era um penhor que
somente teria utilidade enquanto fosse do interesse dos homens inescrupulosos que a
rodeavam.
Mas, um dia, conseguiria se libertar das pessoas que a exploravam. Ela e Amélia
partiriam e começariam uma vida nova onde pudessem encontrar a felicidade.
Ao chegar à mansão, um de seus homens de confiança a escoltou até seu quarto.
Maria dispensou Sarah, preferindo despir-se sozinha, e cuidou do ferimento no
ombro antes de se deitar. O sono demorou a chegar. Estava intrigada com o
comportamento do estranho que a abordara e agia como se a conhecesse.
Perturbada por sonhos desagradáveis, Maria teve um sono inquieto e despertou
de madrugada com o coração disparado no peito.
Antes que pudesse abrir os olhos, percebeu a presença silenciosa no quarto.
— Shhh... Não faça barulho!
— St. John! — exclamou, sentando-se na cama.
O luar afluía pelas janelas abertas, revelando o perfil marcante do corsário. Não
pôde ver o relógio, mas sabia que ainda faltavam algumas horas para o amanhecer.
— Como conseguiu passar pelos meus homens?
— A duras penas, mas, obviamente, eu consegui.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Obviamente — ela disse com secura.


— Está aborrecida comigo? — ele provocou, sentando-se na cama.
— Você não cumpriu a promessa que fez para mim.
Ele sorriu, entendendo de pronto que ela se referia à presença de Angélica no
baile de máscara.
—Asseguro-lhe que mantive meu voto. E você? Pode dizer o mesmo?
Maria riu e apontou para o ombro ferido.
— Que feito sexual posso executar nesta condição?
—Um toque, um beijo—ele ilustrou, fitando-a com desejo.
— Um olhar sugestivo já seria considerado quebra de promessa.
Maria considerou-o por um momento, avaliando cuidadosamente as reações dele.
—A mulher que você viu comigo era Angélica. — St. John acariciou-a no rosto e
sorriu. — E uma das pessoas que trabalha para mim.
— Ah... — Maria acenou com descrédito. — E por que um cavalheiro chamado
Sedgewick me abordou presumindo que você era meu acompanhante?
— Não se preocupe com ele. Peço apenas que confie em mim.
Eles se encararam em silêncio, e, de alguma maneira, Maria soube que acreditaria
em qualquer coisa que ele dissesse.
— Não é um pedido que eu possa cumprir com facilidade— disse por fim,
apoiando-se nos travesseiros para encará-lo.— Por que não me conta algo a seu
respeito para provar que há confiança entre nós?
St. John avaliou-a por longos momentos, pensativo.
— Meu irmão era agente da Coroa — revelou de súbito. Maria prendeu o fôlego,
desejando saber por que ele confessaria tal coisa.— Nigel tinha muitas informações, e
as compartilhava comigo. Anos atrás, quando eu ainda era um jovem tolo e inocente,
ele teve problemas e precisava desesperadamente de dinheiro. Para ajudá-lo, eu o
adquiri da única forma que pude...
— Ilegalmente — Maria completou.
— Sim. Com as informações de que dispunha, foi fácil reunir um grupo de homens
e saquear navios que traziam mercadorias contrabandeadas da Ásia. Em pouco tempo,
tornei-me um homem rico.
De repente, a empatia que sentira desde o princípio por St. John se explicou.
Ambos se tornaram foras-da-lei pelo bem-estar de um irmão.
— Quando Nigel descobriu sobre a origem da minha fortuna, ficou furioso. Não
queria se beneficiar com meu dinheiro quando eu punha em risco meu pescoço.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— É claro que não — Maria concordou, pensando na própria irmã.


— Ele veio diversas vezes a Londres e me livrou da prisão na maioria delas.
Mesmo eu estando sempre atento às armadilhas, às vezes, era apanhado antes que
pudesse evitar.
— O que é uma pena... — Maria sussurrou, correndo a mão pelo torso largo.
— As intervenções do meu irmão foram descobertas e interpretadas como
cooperação. Ele foi acusado de traição à Coroa e enforcado. Nigel pagou com a própria
vida para me salvar da forca.
— Eu sinto muito... — Maria encostou-se ao peito dele, sentindo a pulsação ecoar
em seus tímpanos. — E por que está me contando isso?
— Para provar que confio em você.
A declaração simples a tocou profundamente. Comovida, ela deu-lhe um beijo no
rosto abatido pela tristeza.
— E presume que conquistará minha condolência ao revelar detalhes sobre sua
vida?
— Não. — St. John deslizou a mão pelo braço alvo. — Já que não podemos discutir
o presente, isso nos deixa só com nosso passado.
— Nós podemos falar do presente — ela murmurou. — Eu estou na cama como
inválida, e o sexo está fora de questão. Preciso de outra atividade para me distrair.
— Está propondo que eu revele meus segredos em troca dos seus?
Maria estremeceu, não com medo, mas assustada ao pensar nos segredos que
escondia.
— É uma troca justa — ponderou, refletindo sobre o que confissão poderia
oferecer a ele. — Eu amei Dayton. Era um homem bom, e eu, jovem e inexperiente. Ele
me ensinou a viver, e eu o reembolsei com a morte.
Embora ela tentasse disfarçar, havia uma nota de pesar nas palavras.
St. John puxou-a mais para perto, e sua mão deslizou pelos cabelos sedosos.
O que ela compartilhara não era muito, mas Maria sentia como se tivesse
desvendado sua alma.
Deixou que a boca possessiva cobrisse a sua, roubando-lhe a respiração, e se
aconchegou no conforto do abraço quente. O toque da língua ia muito além do desejo
físico.
De súbito, lembrou-se do encontro com Eddington, horas atrás. Ver-se livre da
agência e de Welton era tudo o que mais desejava. No entanto, para isso, teria de
trair o homem que a beijava com sofreguidão.
Ela inspirou o silêncio e se afastou, repelindo St. John.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Vá embora — ordenou.
— Mas...
— Por favor, não me peça para explicar — suplicou. — Apenas vá.
Ele encarou-a por alguns instantes e, sem dizer nada, deu-lhe as costas e saiu
pela janela de onde havia entrado.
Maria afundou o rosto no travesseiro, mergulhada num pranto convulsivo.
Teria de entregá-lo se quisesse ter sua irmã de volta. Tudo que teria de oferecer
em troca de Amélia era o homem que amava, servido em uma bandeja de prata...

CAPÍTULO IV

Amélia caminhou pela varanda de seu lar temporário em Lincolnshire e inalou o ar


fresco do entardecer. Cada casa que ocupava apresentava o mesmo aspecto frio e
impessoal, e aquela não era diferente.
Como o seu pai conseguia aquelas propriedades era um mistério para ela. Na
verdade, sua vida toda era um enigma.
Virou o rosto na direção dos estábulos e seu olhar procurou a figura alta e
majestosa do homem que amava.
O garboso cavalariço era sobrinho do cocheiro, e trabalhava para seu pai desde
que eram crianças. Eram amigos desde então, brincando juntos nos momentos em que
Colin estava livre do trabalho, correndo pelos campos e fingindo serem pessoas
vivendo em circunstâncias diferentes.
Tudo parecia estar muito distante agora. Colin havia crescido e se distanciado
dela. Usava o tempo livre divertindo-se com damas da própria idade ou mais velhas que
ele. Evitava-a deliberadamente e se limitava a respostas lacônicas quando era forçado
a falar com ela.
Apesar disso, Amélia mantinha pelo rapaz a mesma paixão da infância. Porém,
tinha seu orgulho, e ser rejeitada pelo objeto de seu afeto era humilhante. Amélia
sentia-se miserável e rezava pelo dia em que pudesse esquecê-lo.
Obrigou-se a desviar os olhos e seguiu pela trilha na qual costumava se exercitar
todos os dias ao entardecer. Quando chegou à cerca que a separava da liberdade,
Amélia fez uma pausa e ponderou, não pela primeira vez, como seria a liberdade. Como

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

era o mundo do outro lado da cerca? Que aventuras a esperavam para além de sua
restrita existência que consistia em criadas, uma preceptora e viagens noturnas em
estradas desertas?
— Ah, a bela dama nos brindou com sua presença!—Assustada, ela se virou na
direção da voz masculina.
— Por Deus! Você me assustou! — exclamou, pousando a mão sobre o coração
disparado no peito.
Reconheceu o jovem com o rosto sardento contratado recentemente como lacaio.
— Sinto muito, milady. — O rapaz sorriu em desculpa. — Não quis assustá-la.
Amélia notou a vara de pescar e o cesto de vime numa das mãos do rapaz.
— Aonde vai?
— Pescar. — Ele fez um gesto para o outro lado da cerca. — Há um riacho logo à
frente. Gostaria de ir comigo?
—Não sei—ela admitiu com um sorriso.—Nunca pesquei. O rapaz franziu o cenho,
e Amélia suspeitou que ele fosse tão novo quanto ela, senão ainda mais jovem.
— Não quer experimentar? — ele propôs timidamente. — Por vezes, os peixes
beliscam a mão ao tirá-los do anzol, mas não me importo.
Amélia mordeu os lábios, indecisa.
— Vamos logo, antes que a srta. Pool a mande entrar — o rapaz apressou-a. —
Não é longe. Se não gostar, podemos voltar para casa.
Mesmo sabendo que não deveria ir, Amélia se viu tentada a experimentar a breve
aventura e uma onda de excitação a percorreu diante da possibilidade de romper a
monótona rotina em que vivia mergulhada.
— Como se chama? — perguntou, aceitando a mão para ajudá-la a passar sob uma
fenda na cerca.
— Benedict, mas pode me chamar de Benny.
Ele sorriu e apanhou a vara de pescar que colocara de lado para ajudar Amélia.
Caminharam sem falar por alguns momentos, movendo-se através das árvores, até que
o som da água corrente pudesse ser ouvido.
— Como conseguiu trabalhar para lorde Welton? — Amélia o estudou com olhar
oblíquo.
— Ouvi dizer que um dos lacaios dele foi dispensado recentemente e que me
apresentei para ocupar o lugar vago.
— E o que fará quando seus serviços não forem mais necessários?
Ele sorriu e os olhos brilharam sob a aba do chapéu de brim.
— Seguirei para Londres. Até lá, terei mais experiência. Planejo trabalhar para

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St. John.
— Quem é ele? O que ele faz?
Benny parou e a encarou com surpresa.
— Não conhece Christopher St. John?! A senhorita é mais ingênua do que eu
imaginava!
Amélia pestanejou, confusa.
— O que quer dizer?
— Esqueça.
Benny conduziu-a pela trilha entre os arbustos e Amélia soltou uma exclamação
de prazer quando emergiram nos arbustos e se aproximaram de um pequeno riacho de
águas cristalinas. O leito pedregoso e as margens de areia branca proporcionavam um
cenário perfeito.
Amélia sentou-se em uma pedra à margem e retirou as botas e as meias,
mergulhando os pés.
Prendeu a respiração quando a água fria e provocou-lhe um arrepio.
— A senhorita está espantando os peixes! — Benny exclamou com um sorriso
divertido.
— Oh! Isso é maravilhoso! — ela gritou, revivendo memórias da época em que
brincava no riacho da propriedade do pai em companhia de Colin. — Obrigada, Benny!
— Por que me agradece?
— Por me trazer aqui.
Rindo, ela suspendeu a barra do vestido e entrou na água, gritando em surpresa
quando escorregou em uma pedra recoberta de limo.
Benny se apressou em ajudá-la e segurou-a antes que Amélia afundasse.
Incapaz de se conter, ela riu alto, inundada por uma felicidade que havia muito
tempo não sentia.
— Meu pai sempre dizia que a aristocracia é tola — Benny resmungou para si,
puxando-a para a margem.
— Que diabo você está fazendo aqui?
A risada de Amélia silenciou no mesmo instante. Arregalou os olhos diante da
visão de Colin a encarando. Os olhos escuros refletiam chispas furiosas.
Os cabelos pretos, a pele morena e os mínimos detalhes dos traços viris
revelavam o sangue cigano que corria nas veias do rapaz.
Quando ele se tornara homem feito?, Amélia perguntou-se, admirada. Não havia
nele a menor semelhança com a criança com quem costumava brincar.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Eu estava apenas me divertindo — ela se desculpou timidamente.


— Fique longe dela! — Colin exigiu, com o dedo em riste na direção de Benny.
Avançando um passo, puxou-a para perto e apanhou as botas e meias deixadas
sobre a pedra à margem do riacho.
— Pare com isso! — Amélia pediu, penalizada ao ver o olhar assustado no rosto de
seu novo amigo.
Sem lhe dar ouvidos, Colin tomou-a nos braços e levou-a para longe da margem.
— Coloque-me no chão! — ela gritou, mortificada, com os cabelos caindo no rosto
como uma cascata.
Colin carregou-a pela trilha até chegarem a uma pequena clareira.
— Não sou mais criança! Posso tomar minhas próprias decisões!
Os olhos do rapaz se estreitaram. Ele cruzou os braços, mostrando músculos
poderosos construídos com a força do trabalho.
— Sugiro que suas decisões incluam vestir-se apropriadamente — Colin censurou,
descendo o olhar para os pés descalços.
— Posso fazer o que bem entender!
— Não quando o que lhe dá prazer é se divertir com um tipo como Benedict.
Amélia pestanejou, confusa, ao mesmo tempo em que seu peito se inundava de
esperança. Colin estaria com ciúme?
— Quem pensa que é para me dar ordens? Você não passa de um criado!
—Não tem de me lembrar disso—o rapaz disse com amargura. — Calce suas
botas.
— Não! — Ela cruzou os braços e o fitou em desafio.
—Não me desafie, Amélia. Coloque os sapatos agora mesmo!
— Oh, vá embora! — ela gritou, erguendo as mãos. — Eu estava me divertindo
pela primeira vez em muitos anos, e você estragou tudo.
—Você não pode se afastar da casa. Não pode correr riscos desnecessários.
— Como sabe que eu havia me afastado? A única vez que nota é quando prepara o
cavalo para meu passeio matinal! — Amélia acusou-o com lágrimas nos olhos. — Eu não
tenho mais ninguém com quem me divertir desde que você cresceu e passou a me odiar.
Colin comprimiu os lábios e então, num movimento hesitante, pousou a mão nos
cabelos sedosos e perfumados de Amélia.
—Afaste-se dos homens—ordenou num tom que não dava margem a argumentos.
— E não se esqueça de que isso também me inclui.
Amélia estava preparada para retrucar quando ele lhe deu as costas e seguiu na

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direção da casa.
Enquanto calçava as botas, ela lamentou sua existência. Mas em breve, voltaria à
Londres e passaria a frequentar a corte. E então, se casaria e se esqueceria de Colin
Mitchell para sempre!
Na manhã seguinte, Maria sentou-se na cama e olhou ao redor com expressão
ausente. Teria de esperar com paciência até que St. John admitisse algo que pudesse
incriminá-lo. O fato de ter-lhe dito que amou Dayton poderia contribuir para aumentar
a confiança que ele depositava nela.
Suspirou, exasperada. Estava envolvida numa delicada e complexa trama na qual
não sabia mais em quem confiar. Restava-lhe uma única certeza definitiva e imutável
que a acompanhava nos últimos anos: Simon era seu único amigo, ou único para quem
entregaria a própria vida sem receios.
— Como está se sentindo nesta manhã?
Ao som da voz familiar, um sorriso espontâneo brotou em seus lábios.
— Simon! Não o ouvi bater à porta.
Ele se aproximou e beijou-lhe a testa, sentando-se ao lado dela na cama.
— Você estava distraída. Dormiu bem?
— Sim... — Maria respondeu de forma vaga.
— Fui à taverna Bernardette's ontem e conversei com Daphne, camareira de
lorde Welton. Acho que estamos com sorte. Ela me contou que o lorde tem uma
favorita, uma jovem chamada Beth. Porém, aparentemente, ela não gostou de algumas
práticas sexuais impostas pelo amante, e lorde Welton passou a dedicar mais tempo a
Daphne, que não faz tantas restrições na cama.
— Isso é ótimo. — Maria sorriu. — Estou precisando de boa sorte.
Simon a avaliou com atenção.
— Você parece diferente esta manhã..
— Melhor, espero.
— Sim. Muito melhor!—O sorriso largo enterneceu Maria. — Vou ordenar que
sirvam seu desjejum no quarto.
— Obrigada, Simon.
Maria ocupou o restante da manhã banhando-se, vestindo-se e arrumando os
cabelos com o auxílio de Sarah.
Depois do desjejum, seguiu para o escritório e pediu a Simon que a
acompanhasse.
— No baile de máscaras de ontem à noite, Eddington me procurou para propor
uma troca de favores—explicou assim que se acomodou na cadeira por trás da

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escrivaninha. — Ele. propôs livrar-me de Welton e das acusações de assassinato feitas


pela agência da Coroa em troca de informações que possam levar St. John à forca. —
Simon ergueu a sobrancelha, surpreso.— Além disso, posso conseguir que financie as
buscas por Amélia.
— Você lhe contou sobre Amélia? — ele perguntou, preocupado.
— É claro que não! — ela afirmou, convicta. — Temos de instruir meu contador a
negociar com ele um valor alto o bastante para que eu não precise mais depender do
meu padrasto. Eddington não ficará sabendo da finalidade destinada ao montante.
— Eddington quer a mesma informação que Welton. Com quem você pretende
compartilhá-las?
— Ainda não decidi — Maria respondeu. — Se escolher Eddington, terei muitas
vantagens, mas St. John será enforcado. Se contar a Welton, ele tentará extorquir
St. John até que ele não tenha mais um centavo. Porém, permanecerá vivo e poderá
eliminar Welton, livrando-se do aborrecimento. Se eu me mantiver associada ao pirata,
posso dizer com plena certeza de que também terei um aliado contra meu padrasto.
— Ou então, poderá contar a St. John sobre os planos de Welton e Eddington, e
em retorno, contar com a ajuda dele para encontrar Amélia — Simon ofereceu uma
terceira alternativa.
Maria sabia quanto custava ao amigo lembrá-la daquilo e admitir que St. John
poderia ajudá-la na missão em que ele próprio havia falhado. Era o testemunho de sua
afeição que colocava o orgulho masculino de lado para fazê-la feliz.
— Eu também incluí essa possibilidade. — Maria se levantou e parou diante dele,
pondo as mãos sobre o rosto moreno para beijar a face em gratidão. — Mas não posso
confiar em St. John enquanto não souber a razão pela qual foi libertado e que jogo
pretende jogar comigo.
Simon puxou-a gentilmente para sentar em seu colo.
— O que faremos agora?
—Vou enviar uma carta para Welton. Pretendo me retirar por alguns dias. Tenho
de descansar, e está na hora de averiguar os arredores de Londres. Eddington
fornecerá os meios para expandir nossa busca. Talvez tenhamos sorte de encontrar
Amélia antes que eu tenha de tomar uma decisão. Quando ela estiver comigo, tudo
poderá mudar.
— Verifique se os homens estão preparados para a pilhagem de hoje à noite —
St. John ordenou a Phillip, limpando pela segunda vez o cano da pistola.
— Os detalhes já foram acertados, senhor. — Phillip ajeitou os óculos. — Fiz
questão de cuidar de tudo pessoalmente. Tem certeza de que é seguro acompanhá-los?
St. John se ajeitou na cadeira do escritório e cruzou os braços sobre o peito.
— Haverá membros de gangues rivais tentando se aproveitar do saque do navio, e

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

quando algum oponente invade meu território, eu mesmo tenho de cuidar do assunto.
Uma batida veio da porta e St. John gritou para que entrasse. Quando viu seu
valete, a expressão tensa se suavizou.
— Vamos partir depois de terminarmos o serviço no navio ancorado — avisou. —
Pretendo ficar fora por, no mínimo, duas semanas.
— Sim, senhor — respondeu o criado com reverência.
—Posso acompanhá-lo?—Phillip indagou com esperança.
— Não, Phillip. Pilhagem de navios ancorados pode desencadear guerras
sangrentas que não foram feitas para espectadores. Seu valor reside em seu cérebro,
e não na habilidade de manejar a espada. Não vou arriscar sua vida para satisfazer sua
curiosidade. Ademais...
Ele se calou quando o mordomo entrou no escritório com uma carta nas mãos.
Ao ver a caligrafia bem-feita, St. John dispensou os dois subalternos e abriu o
envelope com dedos trêmulos. Tratava-se de uma missiva de Maria anunciando sua
visita.
Chamou Phillip e ordenou que a conduzisse ao escritório, passeando pelo aposento
com impaciência enquanto a aguardava.
Quando a porta finalmente se abriu e Maria entrou, ele se deteve, impactado
com a reação explosiva dos hormônios ao vê-la.
Aproximou-se e a beijou com intimidade, refreando o ímpeto de correr as mãos
pelas curvas macias do corpo feminino.
Os beijos daquela mulher eram atos sexuais em si, e ele se afastou, movido
apenas pela necessidade de ar.
— Hum... — Maria sussurrou com os lábios úmidos. — Delicioso!
A voz rouca e sedutora incendiou St. John.
— Eu não esperava pela sua visita—comentou, indicando que ela se sentasse. — A
que devo a honra?
— Estou de partida — Maria anunciou, acomodando-se na cadeira. — Devo me
retirar de Londres por alguns dias para descansar enquanto me restabeleço do
ferimento.
— Ótimo. Eu também estou de partida — St. John anunciou. — Há um assunto de
extrema urgência que requer minha atenção, mas posso designar alguns homens para
protegê-la. Para onde pretende ir?
— Ainda não decidi. — Ela retirou as luvas e pousou-as no colo com gesto
gracioso.—Mas não se preocupe com minha segurança. Tomarei todos os cuidados
necessários.
Ela o encarou e notou o brilho de preocupação nos olhos adoráveis.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Você parece diferente hoje.


— É você que não está a mesma — ele retrucou.
De fato, notou que Maria estava mais leve e relaxada do que o usual, e perguntou-
se por quê. Quem teria provocado tal mudança nela?
— Então, nossos caminhos se separam aqui — ela declarou, levantando-se. —
Tenho de ir.
—Vai partir sem me dar um beijo de despedida? — St. John provocou-a,
aproximando-se.
— Hum... Não sei se devo. — Maria levou o dedo aos lábios, simulando dúvida. — É
uma decisão difícil, depois de ontem.
As palavras tocaram St. John, e ele abraçou-a com inequívoca paixão.
— Não, Christopher... Tenho de partir... — reclamou, desviando o rosto quando
ele tentou beijá-la.
— Por favor, diga mais uma vez... — St. John pediu com voz rouca.
— Dizer o quê?
— Meu nome de batismo — suplicou, com excitação crescente.
— Christopher...
— Oh, Maria...—A voz rouca traía o mais profundo desejo. — Diga de novo...
— Christopher... Por que você exerce tanto fascínio sobre mim?
St. John sorriu e aproximou o rosto até que o hálito quente acariciasse a pele de
Maria.
—Por isso...—murmurou, antes de capturar a boca úmida num beijo selvagem.
— Você vai permitir agora que eu cuide desse assunto? — Simon murmurou horas
mais tarde, com a cabeça sobre a de Maria enquanto os dois olhavam pela janela do
coche em movimento.
— Não — ela insistiu com firmeza. — Chamará menos atenção se eu mesma me
incumbir do plano.
— É muito perigoso.
— Bobagem! Estive na mansão esta tarde, e sei que St. John não estará em casa.
Havia apenas três homens na propriedade quando saí.
A visita que fizera naquela tarde não fora mera formalidade. Maria planejava
raptar um dos homens de St. John que estava presente na noite em que fora atacada
ao tentar resgatar Amélia. John e Tom, ocupados demais se defendendo do ataque,
haviam sido de pouca utilidade para dar informações úteis sobre o incidente daquela
noite.

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Ao se aproximarem da propriedade, Maria e Simon desceram da carruagem e se


esgueiraram pelo arvoredo sem serem vistos pelo homem que guardava a frente da
mansão.
—Estamos com sorte! — ela sussurrou, excitada. —Aquele foi o homem que me
suspendeu nos braços depois que fui ferida pelos emissários de meu padrasto.
Maria respirou fundo e pensou na irmã. Amélia precisava dela.
Desceu da carruagem e caminhou até a frente da propriedade. O rapaz se pôs em
alerta ao vê-la, e a fisionomia relaxou quando a reconheceu.
— Boa noite — ela saudou com um sorriso. — Gostaria que me acompanhasse para
um passeio.
— O quê? — o homenzarrão balbuciou, espantado. — Desculpe-me milady, mas não
estou autorizado a deixar meu posto.
— Por favor, venha comigo. Não pretendo atirar em você, contudo não hesitarei
se for necessário. — Ela sacou a pistola e o encarou com firmeza. —Você salvou minha
vida algumas noites atrás, e serei eternamente grata por isso. Ficaria profundamente
sentida se tivesse de fazer um buraco no seu peito.
Os olhos do homem se arregalaram, e ele olhou ao redor, receando que um dos
cavalariços visse a cena humilhante.
— Os rapazes vão zombar de mim pelo resto dos meus dias quando souberem que
fui rendido por uma mulher!—gemeu, contrariado.
— Sinto muito.
—Não, você não sente.—Passou por Maria sem encará-la. ,— Aonde vamos?
— Meu coche está parado no final da rua. Sua cooperação será bem-vinda,
senhor...?
— Tim — foi a resposta seca.
— Sr. Tim, espero que goste de Brighton.
—Apenas Tim, por favor. E, sim. Gosto muito de Brighton — o rapagão assegurou
enquanto Maria o escoltava.
O luar refletia-se sobre as águas negras do oceano. St. John inspirou a brisa
salgada do mar que lhe agitava os cabelos. A antecipação pela aventura aqueceu suas
veias.
Ancorado no porto, o navio repleto de tabaco, chá e exóticas especiarias
balançava ao sabor das ondas, esperando por ele.
Quando seus homens acendessem as tochas que usariam como sinal para o ataque,
a ação teria de ser rápida. Como já fizera tantas outras vezes, bastava tomar a
tripulação como refém e se apropriar do transporte de contrabando.
— Estamos prontos, senhor. — Sam colocou-se ao lado dele, tomando posição.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Seus homens estavam espalhados por toda parte, alguns ao longo da praia, outros
nas tavernas nas proximidades das docas. Bastava uma ordem sua para que
provocassem o tumulto necessário a fim de atrair a atenção de todos que se
encontravam nas imediações, desviando o foco para outro local que não fosse o da
pilhagem.
Ele olhou para a praia logo abaixo e avistou os vultos escondidos nas sombras.
Parecia simples, mas aqueles homens arriscavam as próprias vidas para servi-lo.
Através dos anos, ele construíra sólida relação de respeito e cuidado com seus
subordinados. A lealdade de seus homens era inspirada na confiança mútua e não na
cobiça, facilmente destruída.
St. John avançou um passo na direção do navio. O dia amanheceria em poucas
horas. As ondas já haviam diminuído a fúria com que assolavam a praia.
Com passadas cautelosas, caminhou sobre a plataforma que unia o píer ao navio.
Teria de enfrentar piratas como ele próprio, mas o confronto sangrento não o
assustava.
Com um assobio agudo, sinalizou que havia chegado a hora. Desembainhando a
espada, saltou no convés e iniciou a batalha. Os gritos de agonia cortaram a noite,
enviando um arrepio de terror a quem quer que os Visse a distância.
A noite seria longa, e mais uma vez, poderia ser a última de sua vida.
Alheio aos horrores que se desenrolavam à sua frente, St. John manejou a
espada até que o último dos contrabandistas estivesse cativo.
— Qual é a nossa posição, Sam? — St. John guardou a espada suja de sangue e
olhou para os corpos espalhados no convés.
— Temos doze baixas, senhor — o rapaz respondeu, tentando estancar o sangue
do ferimento no braço.
— Quero uma lista com os nomes completos.
Ele respirou fundo e voltou a cabeça para assistir ao nascer do sol. Sua posição
estava assegurada, e esperou com paciência até que seus homens desembarcassem a
mercadoria.
Não poderia partir de imediato. Levaria alguns dias para visitar os familiares de
seus homens abatidos em combate e se assegurar de que teriam meios para
sobreviver. A missão miserável, com muitas lágrimas e pesar, sempre fora a mais
difícil de enfrentar, ainda mais do que a própria batalha.
Então, de repente, seu pensamento se voltou para Maria, e a súbita urgência de
abandonar aquele tipo de vida tornou-se premente pela primeira vez.
A inesperada noção de que poderia ter um futuro sereno e feliz ao lado de Maria
o apaziguou.
Entretanto, não passava de um sonho, pensou, voltando a atenção para o

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

presente. A punição divina pelos seus pecados exigia que se mantivesse atrelado à
marginalidade, extinguindo toda a possibilidade de prazer e felicidade que poderia
usufruir se fosse um homem comum.
Maria estendeu as pernas no divã e observou Tim. O rapaz estava sentado à
escrivaninha do pequeno estúdio e manejava com habilidade o carvão sobre a folha em
branco.
O chalé que Welton afiançara para sua breve estada era pequeno, mas
confortável. Situado próximo à costa, constituía num agradável refúgio de onde se
podia ouvir o baque macio das ondas se quebrando na praia.
Tim cantarolava uma melodia suave enquanto desenhava, e ela se admirou com a
destreza com que o homenzarrão segurava o lápis.
Ao raptar Tim, não esperava que ele pudesse fornecer tão grande ajuda. Ele era
amável e profundamente leal a St. John, lealdade que estendeu a ela por acreditar que
era importante para o amo.
Sim, não podia negar que St. John demonstrava grande interesse por ela, Maria
pensou, mas conhecia bem os homens a ponto de saber que interesse não significava
afeto.
Possuía algo que ele queria, e aquela era a base do relacionamento de ambos.
Todavia, Tim parecia pensar que era mais do que isso, e algo dentro dela desejava
que fosse verdade.
Sentia falta de St. John, admitiu para si.
À noite, quando se deitava, ansiava por sentir o contato do braço musculoso ao
redor da cintura e o calor da pele macia a aquecendo.
Então, Maria fechava os olhos e reavivava na memória o cheiro inebriante de
bergamota e tabaco que se desprendia da pele dele.
— Aqui está. — Tim ergueu a folha no ar e sorriu com orgulho.
Ela avaliou o retrato do rosto juvenil, com cabelos negros, lisos, e olhos
expressivos. A matização criara efeitos de luz e sombra, e os traços firmes e bem
definidos, faziam do desenho uma obra de arte.
— Você tem um raro dom — ela disse com sinceridade. — Está maravilhoso!
— Oh, isso não é nada — Tim disfarçou a vaidade, concentrando-se no próximo
desenho.
—E sua memória não é nada senão milagrosa. Eu também vi esse jovem naquela
noite, mas seria incapaz de descrevê-lo tão bem quanto você. As características estão
fidedignas. Você as capturou perfeitamente.
Ele grunhiu algo incompreensível, abaixando o rosto ruborizado.
Maria sorriu e olhou para a pilha de desenhos sobre a escrivaninha.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Juntos, eles criaram um mosaico dos eventos da noite do ataque: a carruagem, a


governanta, o cocheiro e o cavalariço.
No topo da pilha, encontrava-se o retrato da irmã, e Maria hesitou em apanhá-lo,
receando pela própria reação.
Ela a vira só por um momento, e ao longo da semana decorrida depois do
incidente, a imagem mental começava a se desvanecer.
Felizmente, seu ombro estava quase curado, e a inatividade requerida para sua
recuperação chegava ao fim. O anátema da indolência dos últimos dias a entediava.
Comandar seus homens a distância não era seu estilo. Maria preferia estar presente
para dirigir a ação. Mais dois dias, e poderia voltar para Londres e devolver Tim a St.
John. Conseguira todo o material necessário para prosseguir suas buscas.
—A senhora conseguirá resgatá-la. — A voz grave de Tim estrondou, distraindo-
a.
Pestanejando, Maria devolveu a atenção para o convidado.
— Desculpe... O que disse?
— Sua irmã — ele repetiu com naturalidade. — Estou certo de que conseguirá
encontrá-la.
Maria sentiu o ventre se contrair. Como ele sabia a respeito de Amélia?
— St. John sabe a respeito de minha irmã? — perguntou com cautela.
Amélia era seu único ponto vulnerável. Somente Simon e Welton sabiam de sua
existência.
— Não. Eu já havia percebido a semelhança física entre as duas, mas somente
tive certeza agora, depois de observar sua reação ao ver o retrato da moça na
carruagem.
Maria suspirou com alívio, embora o coração ainda batesse acelerado no peito.
—Não posso levá-lo de volta, agora que sabe meu segredo, Tim — ela afirmou com
certo pesar.
Ambos tinham consciência de que Tim poderia partir no momento em que
quisesse, mas ele permanecera fielmente ao lado dela.
— Eu já sabia disso quando lhe falei — o rapaz replicou com simplicidade.
— Então, por que deixou que eu soubesse? — Maria encarou-o, intrigada.
Tim coçou a barba por fazer e se inquietou na cadeira, pequena demais para
acomodá-lo.
— Eu estava lá naquela noite para protegê-la, e falhei. Se vigiá-la agora, talvez eu
possa corrigir meu erro.
— Você não pode estar falando sério! — ela duvidou, incrédula.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— St. John confiou em mim, ou ele não teria me enviado naquela missão. Não fui
merecedor da confiança dele.
Maria permaneceu de boca aberta. Não havia como retrucar diante daquela
lógica.
Olhou sobre o ombro para ver Simon entrar no escritório com a habitual graça
indolente. Ele ainda trajava roupas de viagem, tendo retornado momentos antes da
longa permanência fora. Sob rígidas instruções de Maria, ele fizera busca minuciosa
pela costa, acompanhado de uma dúzia de homens, realizando as investigações
necessárias para encontrar pistas do paradeiro de Amélia.
— Você tem visita — Simon anunciou sem preâmbulos. Imediatamente alerta,
Maria dobrou as pernas e tocou o chão.
— Quem está aí? — indagou com voz baixa.
Simon tomou-lhe a mão e a conduziu para fora, lançando um olhar cuidadoso
sobre o ombro.
— Eddington — murmurou para que somente ela ouvisse. Os passos de Maria
hesitaram e ela contemplou o amigo com preocupação. Em resposta à pergunta
silenciosa, ele encolheu os ombros e continuou a escoltá-la à sala de estar.
— Temos muito a discutir, milady — Eddington declarou antes de se levantar para
recebê-la.
Acostumada a homens autoritários, Maria ofereceu um sorriso de ironia.
— Também estou encantada em vê-lo, milorde.
— Acredite, não dirá o mesmo quando eu lhe contar o que me trouxe até
aqui.

Maria caminhou até ele com uma pistola e o levou com se fosse um cãozinho
carente.
St. John sorriu diante da cena que as palavras de Phillip evocaram. Era cômico
imaginar um gigante como Tim sendo capturado por uma mulher com a metade do
tamanho dele.
Admirava Maria mais e mais a cada dia. Nem mesmo a ausência dela suprimiu o
afeto e desejo, que aumentavam numa proporção nova e assustadora.
Certificar-se do bem-estar dela fora a primeira pergunta que fizera naquela
tarde quando Phillip chegou à hospedaria em que ele se refugiara após o último saque
da mercadoria contrabandeada no navio ancorado no porto de Londres.
— Gostaria de ter visto — comentou com uma risada divertida.
O olhar de St. John vagueou, movendo-se para a paisagem rural através da

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janela.
— E desde então, Tim permaneceu com ela.
— Sim, o que, provavelmente, é melhor. O irlandês está ausente desde o segundo
dia de retiro.
— Hum...
St. John não pôde negar que a notícia lhe deu prazer.
O ciúme fecundo que sentia ao pensar na proximidade de Quinn era óbvio. Seu
único conforto era pensar que a cama dela estava vazia.
— Estamos perto? — ele perguntou, ansioso por chegar ao chalé onde Maria se
encontrava.
Phillip assentiu sem dizer nada e esfregou as palmas contra o veludo acinzentado
no interior do coche.
— O que o preocupa? — St John quis saber. Conhecia o secretário bem o
bastante para perceber que algo o aborrecia.
Phillip removeu os óculos e retirou um lenço do bolso. Pôs-se a limpar uma mancha
inexistente nas lentes, gesto que sempre o acompanhava nos momentos de tensão.
— Estou preocupado com lorde Sedgewick. Ele o libertou há mais de um mês, e
está se tornando impaciente com as escassas notícias que temos lhe enviado.
St. John considerou o secretário por um momento, notando quanto ele
amadurecera, fato que permanecia escondido por trás dos óculos.
— Até que eu possa resgatar aquela testemunha, tenho de me submeter aos
caprichos dele.
— Concordo. Mas como o senhor procederá a partir daqui é que me preocupa.
— Por quê? — St. John o encarou, curioso.
Phillip recolocou os óculos, hesitante antes de responder:
— Porque o senhor tem grande afeição por lady Winter.
— Tenho grande afeição por muitas mulheres — ele retorquiu com uma risada.
— Perdoe-me se eu estiver errado, milorde — o protegido prosseguiu, limpando a
garganta com timidez. — Mas o senhor parece querer mais lady Winter do que
quaisquer das outras mulheres com que se relaciona.
— O que lhe dá essa impressão?
—Tudo o que o senhor tem feito nos últimos tempos, como esta viagem para
Brighton. Lady Winter deverá retornar a Londres dentro de dois dias, e estamos nos
arriscando porque o senhor não pode aguentar mais nem um minuto sem vê-la. Como
poderá negociar com lorde Sedgewick nessas circunstâncias?

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St. John suspirou. Ele próprio havia se perguntado o mesmo sem que conseguisse
encontrar a resposta.
Maria nunca lhe fizera mal algum, nem a ninguém que ele conhecesse. Ser a
encarnação de todas as fantasias masculinas era o único crime do qual poderia acusá-
la.
Pelo que pudera conhecê-la nos contatos íntimos que tiveram, Maria era uma
mulher que se entregava de forma passional, e ela própria revelara o amor pelo
primeiro marido.
Era óbvio que tinha segredos, mas, apesar da fachada fria e insensível, ela era a
pessoa mais doce e generosa que já conhecera. Comparado a Maria, St. John sentia-se
o pior homem do mundo. Quando estava ao lado dela, era comum ser invadido pelo
desejo irracional de se tornar uma pessoa melhor e levar uma vida tranquila. Chegara a
pensar em ter filhos, e quase podia ver o bebê de cabelos negros e bochechas rosadas
nos braços de Maria.
— Aqui estamos — Phillip anunciou, tirando-o dos devaneios.
St. John focalizou o gracioso chalé banhado pela luz da manhã alguns metros à
frente, distante o bastante para que os ocupantes não ouvissem a aproximação da
carruagem.
O senso já familiar de posse ardente fez o sangue correr mais rápido em suas
veias. Ele bateu no teto da carruagem com as juntas dos dedos e ordenou que o
cocheiro parasse. Desceu e percorreu o restante do trajeto a pé, com urgência
incomum nos passos. Estava habituado a se esgueirar nas sombras, atento ao menor
movimento. O gorjeio de um pássaro o alertou, e ele avistou o coche luxuoso parado na
cocheira. Reconheceu o brasão de Eddington entalhado na porta.
Uma profusão de pensamentos transpassou sua mente, e respirou fundo para
reaver o autocontrole. Circulou o chalé, procurando um modo de testemunhar a
atividade no interior da residência.
A sorte estava com ele, e encontrou um arbusto de onde podia ver um pequeno
estúdio através da janela aberta.
Eddington e Maria discutiam, e ele parecia aborrecido.
St. John atravessou o jardim e, colando-se à parede, avançou lentamente até
poder ouvir o que diziam.
— Devo lembrá-la de que estou pagando pelos seus serviços — Eddington
vociferava, e os tom furioso flutuava na brisa do oceano.
— Eu estive doente — Maria justificou com frieza.
— Se não pode executar sua parte do acordo, há outros modos de forçá-la a
cumprir sua obrigação.
St. John apertou os punhos, experimentando uma fúria como nunca havia sentido.

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Uma poderosa onda de ira queimou seus pulmões, expandindo-se por todas as
terminações nervosas do corpo. A flecha negra do ciúme cravou-se em seu coração ao
pensar que Maria estava vendendo seus favores sexuais para aquele homem.
— Não seja cruel! — ela recriminou, e havia uma nota de súplica nas palavras.
— Farei o que for necessário para que você me entregue o que prometeu! — rugiu
o lorde.
— Se for penoso separar-se das suas valiosas moedas de ouro, livre-me da
incumbência e contrate alguém menos dispendioso para cuidar das suas necessidades.
Apesar dos sons da arrebentação na praia, St. John receou que o ouvissem
rangendo os dentes, e teve de se controlar para não entrar pela janela e matar
Eddington com suas próprias mãos. O único pensamento que o continha era saber que a
confiança de Maria não podia ser tomada à força.
Ele se afastou, a mente trabalhando rapidamente para entender a associação do
conde com Maria. Ela fora enredada numa trama ardilosa, aparentemente contra sua
vontade, e não pedira ajuda.
Endurecendo o coração dolorido, St. John se recusou a culpá-la. Maria era uma
mulher inteligente. Na certa, associara-se a Eddington como forma de
autopreservação.
Tinha de fazer com que ela confiasse nele. Precisava encontrar o caminho para o
coração dela e enchê-lo de ternura e carinho para que aprendesse a acreditar que não
estava sozinha.
Quando voltou à carruagem, St. John era um homem diferente do ser sombrio e
introspectivo que ali chegara.
Estava consciente de que poderia não ser a pessoa mais indicada para enternecer
o coração de Maria, mas ele também estava disposto a aprender algumas lições sobre
ternura.
Maria passeou pelo quarto com impaciência, detendo-se na janela para perscrutar
o jardim.
— Onde está você? — murmurou, esperando pela chegada de Sarah para ajudá-la
a se vestir.
Chegara a Londres havia dois dias e ficara sabendo por um intermédio do espião
instalado na propriedade de St. John que ele estava em casa.
Enviara a ele uma missiva que ficara sem resposta, tampouco ele fora visitá-la.
Assim que a criada entrou no aposento, Maria se apressou no banho e se arrumou
para visitar o pirata.
Uma dor profunda floresceu em seu peito ao pensar que St. John poderia ter
perdido o interesse durante a semana em que ela estivera ausente.

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Ao considerar tal possibilidade, tornou-se claro como o dia que aquele homem
assumira importância maior em sua vida do que ela gostaria.
Depois de arrumar os cabelos, prendendo-os no alto da cabeça com graciosos
cachos pendendo do penteado, escondeu o punhal sob o vestido e entrou na carruagem.
Os transeuntes atravessavam a frente do coche quando deixaram a segurança de
Mayfair para entrar na esqualidez de St. Giles, área que abrigava mendigos, ladrões,
prostitutas... e seu amante.
Acomodada no conforto da carruagem, ela ignorou o perigo. Sabia que não estaria
em segurança até que chegasse à casa de St. John, mas não se importou. Tinha de
falar com ele e saber por que passara a ser desprezada.
Logo que chegou, Maria foi escoltada da carruagem por um dos homens de St.
John e recebida pelo mordomo.
— Onde ele está? — perguntou, consciente dos olhares dos homens e mulheres
que emergiam dos aposentos para observá-la.
— Informarei ao meu amo sobre sua chegada, milady — anunciou o mordomo em
tom neutro.
— Eu mesma posso me anunciar — Maria declarou, arqueando as sobrancelhas
com superioridade.
— Nesse caso, queira me seguir, milady.
Maria subiu a escadaria como uma rainha. Ela poderia ser uma amante
desprezada, mas recusava-se a ceder ao orgulho ferido.
Quando o mordomo abriu a porta do escritório, seu coração parou na garganta.
St. John estava absorto na leitura de documentos e não percebeu sua chegada.
— Christopher... — Maria chamou num sussurro.
Um sorriso lento curvou os lábios dele, mas os olhos permaneceram frios.
— Maria — ele murmurou. — Você veio me ver.
— Ao contrário de você — ela retrucou com secura. — Eu lhe pedi que fosse à
minha casa, e esperei em vão.
St. John finalmente a encarou, e seu olhar se estreitou.
— É tão terrivelmente errado que eu deseje por à prova os seus esforços para
chegar até mim?
— Não tenho tempo para seus jogos, St. John. Vim para anunciar o que considero
ser o mais correto: um rompimento claro.
Ela se virou para partir, e St. John se moveu rapidamente, segurando-a pelo
pulso.
— Este não é nenhum jogo, Maria.

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Maria se esforçou para ignorar o efeito que o toque dos dedos firmes em sua
pele provocou. Podia sentir a respiração quente e o contato íntimo do peito
pressionando-a com força.
— Por que então não me procurou? — exigiu, obrigando-se a manter o tom neutro.
As pernas poderosas a empurraram de encontro à porta, e a proximidade física
tirou-lhe o fôlego.
Porém, St. John cometeu um erro ao livrar as mãos dela. Um segundo depois,
soube disso quando Maria empunhou a adaga e posicionou a lâmina afiada em sua coxa.
Ele a empurrou para longe com uma imprecação, e Maria alcançou a maçaneta da
porta, desviando o olhar para não ver a mancha minúscula de sangue se expandir no
tecido da calça.
— Você também saca armas para Eddington? — ele perguntou, a ironia se tornou
óbvia no brilho do olhar. — Ou ele abranda sua fúria com moedas de ouro?
Maria se virou, mantendo o punhal com firmeza na mão.
— Eddington? O que isso significa?
— Isso é o que eu gostaria de saber.
Sem deixar de fitá-la, St. John despiu a camisa, revelando a expansão dourada
dos pêlos que recobriam o abdômen. O tórax mostrava cicatrizes e marcas das
batalhas que ele já enfrentara. A garganta de Maria se apertou à vista dos muitos
danos que aquele homem sofrera, mas que não haviam sido grandes o bastante para
perverter sua beleza viril.
Ele rasgou o linho alvo numa tira longa para amarrar na perna e estancar o sangue
do ferimento.
— Julguei que estivéssemos familiarizados o suficiente para compartilhar
segredos, Maria.
— Eddington é a causa da sua recusa? — ela perguntou, disfarçando a tensão ao
ter consciência de que St. John sabia de sua associação com o conde.
Ele cruzou os braços e balançou a cabeça.
— Não. Sempre lhe disse a verdade, Maria, porque isso é o que eu espero em
retorno. Quero apoiá-la e ajudá-la, se me permitir tal direito.
O tom de voz se mantinha suave, mas por trás das aparências, Maria sabia que se
escondia uma fera pronta para dar o bote.
Ela própria se assustou com os sentimentos que havia gerado.
Seus dedos trêmulos soltaram o punhal, que caiu no chão com ruído metálico.
— E que direitos você me concederá? — perguntou, com respiração arfante.
— Que direitos prefere ter? — St. John abaixou a cabeça e traçou o contorno da

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

boca sensual com a ponta da língua. —Você poderia ter procurado Quinn ou Eddington
esta noite. Em vez disso, veio até mim, apesar da sua raiva. Eu tenho o que você quer,
Maria. Diga-me o que deseja para que eu possa lhe dar.
A última frase foi dita com a sombra do pesar, rapidamente encoberto quando a
boca possessiva se apoderou da dela.
As mãos experientes deslizaram por suas costas, e Maria colou o corpo ao de St.
John, procurando contato mais íntimo.
Mesmo consciente de que tinha o poder de machucá-lo, ela também sabia que o
pirata poderia fazer o mesmo.
Porém, ele revidara à agressão com ternura quase inocente, e a atitude
inesperada a desarmou.
— Talvez tudo o que eu queira de você se limite a sexo — ela confessou de
encontro aos lábios dele. — Seu corpo é um instrumento afinado e pronto para o amor.
A pressão do corpo másculo aumentou, e ela sentiu a ereção massiva de encontro
ao ventre.
Sentia-se mal por tê-lo ferido deliberadamente para se proteger, mas não
pudera pensar em nenhum outro ato que a libertasse das mãos poderosas de St. John.
No entanto, faltava-lhe habilidade para sobreviver ao charme do amante. O
poder de sedução daquele homem a deixava sem defesas, e submetia-se à força do
desejo selvagem que ele fazia brotar com a simples presença.
Se pudesse tomar as rédeas de seu próprio destino, Maria se entregaria de
corpo e alma ao corsário e viveria um romance eterno com o homem que a fizera
descobrir o verdadeiro sentido do amor.
Porém, não podia se dar ao luxo de ser feliz, quando a segurança de Amélia
estava em jogo.
— Você quer ser minha — ele murmurou com voz rouca. — Basta pedir para que eu
a atenda. Estou preparado e mais do que disposto a provê-la com o que deseja, na
cama ou fora dela.
Maria fechou os olhos, protegendo-se dos pensamentos.
Rezava secretamente para ter a força necessária que pusesse de lado o desejo e
a permitisse focalizar somente a tarefa que impusera para sua vida.
No entanto, a reação explosiva de seus instintos básicos era violenta demais para
que pudesse controlá-las.
As informações que Welton e Eddington queriam poderiam esperar. Naquele
momento, tudo o que importava era estar nos braços de St. John.
— Dispa-me — ela disse, firme em sua intenção.
— Como desejar, milady... —A língua macia deslizou para o lóbulo da orelha, numa

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torturante provocação. — Vire-se para que eu possa desabotoar seu vestido.


Com um suspiro profundo, Maria fechou os olhos e obedeceu.
A luz fraca e envolvente, misturada ao perfume de sândalo tão másculo, eram os
complementos que Maria precisava para afogar-se naquele mar de sedução fugaz.
— Te quero nua, esfuziantemente despida — St. John sussurrou-lhe no ouvido,
enquanto a torturava despindo-a bem devagar.
Maria já não se lembrava do que mais importava em sua vida que não fosse sentir
aquelas mãos deslizando sobre sua pele, fazendo com que o corpo másculo que lhe
pressionava as coxas se enrijecesse por meio de seu calor mais íntimo.
St. John entendeu que não havia mais receios, capturou-lhe os seios, movendo
sensualmente as pontas dos dedos ao redor dos mamilos até ouvi-la gemer de prazer.
Em seguida deslizou a língua ávida pela pele úmida e sedenta do pescoço,
deixando uma trilha ardente até o colo.
De repente pressionou-se contra ela, com uma louca vontade de beijar com furor
aquela boca que entreaberta se oferecia sem preconceitos, sugando-lhe todos os mais
profundos desejos da alma.
Horas mais tarde, Maria se desvencilhou do abraço que a mantinha presa ao
corpo vigoroso de St. John e saiu da cama sem fazer o menor ruído. Parou no centro
do quarto para admirar o homem nu mergulhado em sono profundo depois de uma noite
de amor selvagem. Queria se lembrar dele para sempre, e guardaria na memória a
deliciosa sensação de segurança e felicidade que somente encontrara ao lado dele.
Aquela era a última vez que o veria. A última vez que o tocaria daquela maneira e
poderia admirar sua esplendorosa nudez. Mesmo que seu coração doesse antecipando a
perda, ela tivera a despedida que merecia.
Chegara a acreditar que poderia ser feliz ao lado de St. John. Mas, quanto de
tudo que vivera ao lado dele representava a realidade? Que parcela dos maravilhosos
momentos de amor devia-se simplesmente ao empenho do pirata em atingir sua meta?
St. John era seu porto seguro ou o caminho para sua destruição?
Havia muitas perguntas e nenhuma resposta definitiva.
Com a vida de Amélia em risco, Maria não podia esperar até que a verdade se
revelasse.
Vestiu-se,com movimentos cuidadosos, guardando na pele e na lembrança o cheiro
de bergamota e tabaco que eram próprios de St. John.
— Adeus — ela murmurou, demorando-se em admirá-lo antes que a porta se
fechasse atrás dela com um rangido macio.
Pisando nos degraus com passadas cautelosas, ela seguiu para a porta de entrada
e ganhou o jardim, atravessando-o em companhia dos primeiros raios de sol.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Não se preocupou em pensar se estava sendo vigiada, nem se os homens de St.


John a interceptariam.
Até que estivesse escondida em segurança na carruagem, Maria manteve o
orgulho e não derramou uma só lágrima.
O silêncio da noite foi rompido pelo ruído das patas de cavalos e o som rítmico
das rodas sobre os paralelepípedos. A névoa úmida do amanhecer pairava no ar,
resfriando os pés e pernas, e o homem suspendeu a gola do casaco puído para se
proteger.
Quando o comboio parou, ele se aproximou e espiou pela janela. O interior, mais
escuro do que o lado de fora, escondia os ocupantes.
— Duas filhas... — ele sussurrou para o vulto imerso nas sombras. — St. John
acredita que só haja uma. A mais jovem está em Lincolnshire.
— Necessito saber de mais detalhes — uma voz quase inaudível ecoou em
resposta.
— Não sem que eu antes receba pelo trabalho.
O cano prateado de uma pistola se evidenciou pela janela do coche, e o rapaz
recuou um passo diante da ameaça.
— Está bem. — Ele retirou do bolso uma folha encardida e estendeu-a para o
ocupante misterioso. — Aqui estão as instruções sobre como chegar até a casa da
filha caçula de lorde Welton.
Uma bolsa de moedas foi empurrada para fora, e o rapaz agarrou-a com
presteza.
— Deus o abençoe, milorde — resmungou com um toque na aba do chapéu,
desaparecendo em meio à neblina.
O cocheiro incitou os cavalos e a carruagem seguiu em disparada.
Na escuridão do interior, Eddington estudou a caligrafia primitiva com um
sorriso.
— Traga a jovem até mim antes que St. John a encontre — ordenou a seu
acompanhante.
— Sim, milorde. Eu cuidarei disso.

CAPÍTULO V

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Amélia se recostou na sacada do quarto e suspirou com enfado. Vozes masculinas


vaguearam no vento, acompanhada de risadas vindas dos estábulos.
Sabia que Colin estava trabalhando com o tio, o que significava que ela poderia
deixar a casa e fugir para o bosque.
Depois de saber que sua irmã se importava com ela e chegara a arriscar a vida
para resgatá-la, Amélia se tornava cada dia mais hábil em subterfúgios.
Evitava Colin desde o dia em que ele a repreendera por ter ido pescar com Benny.
Porém, sabia que estava sendo tola por imaginar que poderia esquecê-lo. Não havia uma
só hora do dia sem que pensasse no cigano.
Amélia não tivera chance de conhecer outros rapazes que pudessem ajudá-la a
esquecer Colin, com exceção de lorde Ware, o jovem nobre que se mudara para a
propriedade vizinha, com quem ela costumava trocar algumas palavras através da
cerca do jardim.
Sua preceptora os encontrara algumas vezes conversando e rindo ao portão da
propriedade, e a alertara de que o rapaz estava flertando abertamente com ela.
No entanto, Amélia não tinha experiência suficiente para discernir ou identificar
as verdadeiras intenções de um homem.
Correndo pela trilha no bosque, ela chegou à margem do riacho com a respiração
acelerada. Sentou-se em uma pedra e começava a desatar o laço da bota quando um
ruído chamou-lhe a atenção.
— Boa tarde, srta. Benbridge.
Amélia se sobressaltou ao ouvir a voz macia.
— Oh! Assustou-me, milorde! — Ela levou a mão ao peito num gesto de defesa.
Ware não possuía o mesmo magnetismo de Colin, tampouco fazia seu coração
bater disparado. No entanto, era um rapaz cortês e atraente, combinação suficiente
de qualidades para agradá-la.
— Eu a vi vindo para cá — ele esclareceu para justificar sua presença. — Trouxe
um mimo para a senhorita.
— É mesmo?
Os olhos se arregalaram em antecipação. Amélia adorava surpresas,
especialmente porque raramente as recebia.
— Venha comigo. — Ware ofereceu-lhe a mão.
Amélia passou os dedos sobre o antebraço do rapaz, desfrutando a oportunidade
de praticar as habilidades sociais com alguém.
Percorreram a margem do riacho até alcançarem uma adorável praia circundada
por árvores frondosas.
Amélia se admirou ao ver a toalha estirada no chão, com uma cesta de piquenique

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

repleta de frutas, tortas e vários tipos de queijos.


— Como você fez isso?! — ela exclamou, encantada.
— Querida dama, um dos prazeres das surpresas reside em não saber como
foram elaboradas. — O rapaz auxiliou-a a se sentar e ofereceu-lhe um cacho de uvas.
—Tome assento e me conte sobre seu dia.
— Não vale a pena. Minha vida é terrivelmente enfadonha — Amélia levou um
bago à boca e suspirou.
— Então, conte-me uma história. Seguramente, você tem sonhos.
Ela não podia confessar que sonhava com os beijos apaixonados de um amante
cigano.
— Não tenho imaginação fértil — murmurou, abaixando as pálpebras.
— Muito bem... — Ware a encarou tão à vontade que pareciam ser velhos
conhecidos. — Então, vou lhe contar uma história.
Amélia se acomodou melhor, fitando-o com expectativa.
— Era uma vez...
Observou os lábios de Ware se moverem sem ouvir o que diziam, imersa em seus
pensamentos.
A maioria das jovens de sua idade já estava comprometida ou casada, enquanto
ela fadava-se a permanecer sozinha. Aos dezessete anos, nunca havia sequer trocado
um beijo apaixonado!
Um familiar senso de tristeza se abateu sobre ela ao pensar em Colin. Por que
Colin continuava a ignorá-la, se ele se importava com ela a ponto de ficar furioso
quando a vira com Benny?
Não sabia a resposta, e talvez nunca soubesse, ponderou. E, se não o esquecesse,
jamais libertaria seu coração para aceitar outro amor.
Fixou a atenção nos traços aristocráticos do rapaz a sua frente. Sim, ele era
agradável e inteligente, e demonstrava interesse nela. Quem sabe o destino não lhe
apresentara a oportunidade perfeita para esquecer o cigano ao colocar o jovem conde
em seu caminho? E se deixasse que a amizade que nascera entre eles se
transformasse em algo mais profundo?
Além disso, ele poderia ser útil para realizar uma tarefa que ela não ousava pedir
a mais ninguém...
— Poderia fazer a gentileza de me beijar? — Amélia disse num ímpeto,
surpreendendo-se com as próprias palavras.
O rapaz interrompeu a narrativa e fitou-a com os olhos arregalados em surpresa.
— Desculpe... creio que não ouvi corretamente.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

—Já beijou alguma jovem antes? — ela perguntou, curiosa.


Ware era dois anos mais velho que ela e só um ano mais jovem que Colin. Era
possível que tivesse alguma experiência amorosa.
— Um cavalheiro não fala de tais coisas, senhorita.
— Oh, isso é maravilhoso! — Ela aplaudiu. — De alguma maneira, eu sabia que
seria discreto. Por favor, beije-me.
— Por que quer ser beijada?
— Bem, porque... — calou-se, incapaz de prosseguir.
Como revelar que desejava usá-lo para se esquecer do cigano e para realizar um
pequeno plano que ela mantinha em segredo?
— Srta. Benbridge, não vou beijá-la hoje—Ware declarou depois de avaliá-la por
alguns segundos. — Se mantiver seu pedido na próxima vez em que nos encontrarmos,
prometo que a satisfarei.
— Se não se sente atraído por mim, basta dizer não. — Amélia abaixou o rosto
com um muxoxo.
— Por Deus, não! A senhorita chega a conclusões tão depressa quanto se mete em
problemas. Vou beijá-la, mas quero ter certeza de que não se arrependerá, está bem?
Amélia assentiu, voltando a atenção para os finos queijos na cesta de piquenique.
Voltaria a pedir um beijo na próxima vez em que se encontrasse com o conde,
decidiu com determinação. Não havia por que hesitar. Além de ajudá-la a esquecer
Colin, se Ware aceitasse beijá-la, poderia pedir em troca um pequeno favor: levar uma
carta para Maria!
Os dedos de St. John tamborilavam o tampo da escrivaninha, e ele olhou pela
janela sem registrar o que via.
Estava apreensivo desde o momento em que despertou e não encontrou Maria no
quarto.
Estivera disposto a ir imediatamente atrás dela, mas contivera-se, consciente de
que precisava de um plano antes de agir. Não podia correr o risco de danificar a
relação frágil que havia entre eles com precipitações.
Batidas à porta o distraíram, e agradeceu a intromissão de alguém em seus
pensamentos para lhe dar um breve repouso.
Girou a cadeira e assistiu à porta se abrir para a entrada de Phillip.
— Boa tarde — o secretário cumprimentou.
— Espero que o seja — ele resmungou mal-humorado.
— Penso que será, depois que ouvir o que tenho para relatar. — Phillip se sentou
em frente a ele. — Ainda não sabemos de mais detalhes, mas a razão para a visita de

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lorde Eddington a lady Winter em Brighton não foi intimá-la para comparecer à corte.
Não foi desta vez que a Coroa a apanhou.
— Por que me conta isso? — St. John resmungou com enfado.
— Achei que desejaria saber. — Phillip franziu a testa. — Se não vê importância
na informação, não há nada mais para discutirmos.
— Muito bem — St. John disse secamente. — O que você faria com a informação,
se estivesse em meu lugar?
— Eu não estou em seu lugar. — Phillip ajeitou os óculos sobre o nariz. — A
associação de Eddington com lady Winter é a causa da sua melancolia, mas...
— Não estou melancólico!
— Desculpe. Talvez eu tenha me expressado mal. "Rejeitado" seria mais
apropriado? — Phillip arriscou um olhar para St. John. — Em todo caso, se lady Winter
e Eddington não estiveram juntos por muito tempo, isso indica não haver nenhum tipo
de envolvimento... bem... mais íntimo entre eles.
— É uma conclusão razoável.
— Sim... — Phillip clareou a garganta. — Já que os eventos não fazem sentido,
talvez seja melhor procurar lady Winter e pedir-lhe que esclareça.
— Ela nunca me revelou nenhum segredo, Phillip. Por que diria agora?
— Bem, ela envia cartas, procura-o e vem visitá-lo. Considero um sinal positivo de
afeição.
— Ela estava me iludindo esse tempo todo — St. John rugiu. — Maria foi embora
sem me dizer adeus.
— O que não significa que deva desistir, milorde.
— Tem razão, mas seria melhor se eu o fizesse. — Ele avaliou o protegido,
consciente de que era muito jovem para entender as tramas do coração. — Obrigado,
Phillip. Aprecio sua consideração.
Phillip saiu, e St. John alongou os músculos doloridos dos braços. A noite de amor
o deixara exaurido. Maria lhe proporcionara os melhores momentos da sua vida, e, ao
mesmo tempo, os mais amargos. A dor e o vazio que sentira ao se deparar com a cama
vazia eram tão intensos quanto o prazer que ela lhe dera.
Não havia perspectiva de futuro para eles. Seria melhor pôr fim aos momentos
de prazer, antes que ele ficasse irremediavelmente apaixonado por aquela mulher.
Ouviu o som de passos abafados e se virou para se deparar com Sedgewick.
— Bati à porta, mas você não parece ter ouvido. Desculpe por invadir seus
domínios.
— Não se preocupe com isso, milorde. Estou quase me acostumando a ter meus
domínios invadidos. — St. John endireitou a coluna, assumindo expressão séria. —

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Queira sentar-se.
O conde obedeceu e perguntou sem preâmbulos: —Tem alguma informação para
mim? Sei que lady Winter passou a noite aqui.
— Por que a pressa? — ele se defendeu, apanhando uma pitada de rapé da caixa
sobre a escrivaninha. — Faz anos que ocorreram as mortes das quais ela é acusada. O
que são algumas semanas a mais?
— Minha agenda não lhe diz respeito.
Estudando o perfil do agente com olhar treinado, St. John indagou:
— Talvez a pressa se deva à perspectiva de o senhor conseguir algo, como uma
posição mais elevada na agência, e tenha prazo estreito para consegui-la...
— Minha paciência está se esgotando, St. John! — esbravejou o agente,
confirmando as suspeitas do pirata. — Se não consegue dar cabo da tarefa da qual o
incumbi, posso encontrar outro homem que seja mais capaz.
St. John sabia que poderia findar a angustiante tortura naquele momento. Seria
fácil forjar uma testemunha que implicasse Maria nas mortes dos dois maridos.
Tinha de se decidir entre sua liberdade e o sacrifício de um amor que não era
correspondido.
No entanto, as palavras não vieram a sua boca.
— Eu o informarei assim que tiver provas suficientes da culpa de lady Winter —
anunciou, levantando-se. — Tenha uma boa tarde, milorde.
Amélia deslizou pela floresta com o peito arfando pela antecipação. Afora a
excitação pela possibilidade de trocar seu primeiro beijo, ela carregava no bolso do
vestido uma carta para Maria.
Ficara acordada até tarde na noite anterior tentando encontrar as palavras
certas. No final, decidira por ser direta, pedindo à irmã que entrasse em contato com
lorde Ware para organizar um encontro.
Quando parou para tomar fôlego, ela não viu o homem escondido por trás de uma
árvore. O braço de aço a agarrou, e a mão poderosa cobriu sua boca, sufocando-a.
— Silêncio — Colin sussurrou, puxando-a para trás do tronco.
O coração de Amélia disparou, e esmurrou-o com punhos fechados, odiando-o por
assustá-la daquela forma.
— Pare!—ele ordenou, virando-a para vê-la. — Sinto muito se a assustei, mas você
não me deixou escolha. Tem me evitado desde nosso último encontro.
Ela deixou de lutar quando os olhos adoráveis pousaram sobre ela.
— Vou retirar a mão. Segure a língua, ou atrairá os guardas para cá.
Colin a libertou, afastando-se depressa como se receasse tocá-la. A luz do sol

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beijou os cabelos negros e iluminou os traços ciganos, e o coração de Amélia se


apertou no peito.
— Quero lhe pedir desculpas por meu comportamento rude naquele dia. — Colin
correu as mãos pelos cabelos, num gesto tenso. — Não pretendia magoá-la.
— Que adorável! —Amélia retrucou, incapaz de esconder a amargura. — Fico
aliviada em saber que você percebeu como foi grosseiro.
— Amélia, entenda... Você é muito jovem e ingênua.
— Não sou tão ingênua assim! Saiba que estou a caminho de um encontro — ela
declarou, desejando feri-lo com a seta pontiaguda do ciúme.
— Com quem?
— Com alguém que seria incapaz de me magoar.
— O quê? — Colin apertou o maxilar, visivelmente transtornado. — Quem é ele?
Benny?
— Oh, não seja ridículo! — Amélia riu. — Não entendo por que está tão
interessado. Você mal percebe minha existência.
— Se não é Benny, com quem veio se encontrar? — insistiu ele, ignorando o
comentário. — Você o beijou? Ele a tocou?
— Ele é só um ano mais jovem que você, e é um cavalheiro — acentuou a palavra.
— Não seria capaz de impor força contra uma dama, como você fez!
—Eu estava apenas tentando defendê-la! —Colin vociferou. Amélia pestanejou e
avaliou seu bem-amado com atenção.
— Por que estamos discutindo? — Ela virou o rosto para se livrar do encanto que
ele exercia. — Não tenho de dar satisfações a você! Eu já o esqueci, Colin.
O cigano segurou-a pelo queixo e fez com que o encarasse. Ela não pôde respirar
quando sentiu o toque possessivo. Viu a dor e tristeza profundas se irradiarem dos
olhos negros, e se arrependeu por tê-lo magoado com mentiras infantis.
De súbito, ele enlaçou-a pela cintura com uma das mãos e mergulhou a outra nos
cabelos fartos, num contato mais íntimo.
O tórax largo pressionou-a de encontro ao tronco e um gemido de prazer escapou
dos lábios de Amélia.
— Eu não queria ter sido rude, Amélia. Não quis magoá-la. Por Deus, feri-la é a
última coisa que desejo!
Lágrimas encheram os olhos inocentes e ela pestanejou, tentando impedi-las de
rolar pelo rosto.
— Amélia... Não chore! Eu não posso aguentar isso.
— Então, vá embora daqui.

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O braço poderoso pressionou com mais força a cintura fina.


— Está me mandando embora?
— Sim — ela sussurrou entre soluços. — Faço qualquer coisa para evitar vê-lo
sem poder falar com você.
— E, assim, posso deixar o caminho livre para que você se encontre com o... — Ele
sorriu com amargura. — Deve ser lorde Ware. Bastardo!
— Ele é agradável. Conversa comigo e sorri quando me vê. Hoje, ele vai me dar
meu primeiro beijo.
— Não! — Colin se afastou bruscamente com fúria. — Ele pode ter tudo que nunca
terei, incluindo você. Mas por Deus, não permitirei que tire isso de mim...
— Isso o quê?
Num impulso, Colin levou sua boca à dela, deixando-a aturdida. Ele inclinou a
cabeça, e os lábios se moldaram com perfeição enquanto as mãos ásperas
pressionavam com surpreendente delicadeza a curva da cintura. Forçou-a a entreabrir
os lábios, e Amélia tremeu violentamente, flutuando numa nuvem cálida.
A língua macia como veludo deslizou para o interior úmido da boca, deixando-a
sem fôlego.
— Amélia... Confie em mim.
Ela se pôs nas pontas dos pés e as mãos deslizaram ganhando vida própria.
O contato se aprofundou, e a resposta de Amélia se tornou mais ardente. Ondas
de arrepio percorriam-lhe o corpo e um senso de urgência cresceu em seu ventre.
— Amélia... — Os lábios úmidos percorreram a linha do pescoço para pousarem no
lóbulo da orelha. — Nós não deveríamos..
No entanto, contrariando as palavras, ele beijou-a mais uma vez, com paixão
redobrada.
— Eu amo você, Colin — ela ofegou. — Sempre o amarei! Diga que também me
ama...
— Não posso tê-la, Amélia. — Ele se afastou e fitou-a como se despertasse de
um sonho. — Você não deveria me querer. Sou um simples criado. Sempre serei.
Quando ele se afastou, um súbito frio fez o corpo de Amélia tremer. Ela apertou
os braços, com os lábios ainda ardentes pelo beijo.
— Mas você me ama, não é? — perguntou, esforçando-se para ser forte.
— Não me pergunte — foi a resposta seca.
— Você não pode me conceder ao menos isso? Se eu não posso tê-lo, se você
nunca será meu, não pode ao menos me dizer que seu coração pertence a mim?
Colin passou a mão pelos cabelos, atormentado pelas emoções avassaladoras que

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explodiam em seu peito.


— Seria melhor que você me odiasse.
— Não posso odiá-lo, Colin! Depois de conhecer o sabor do seu beijo e a paixão
que demonstrou momentos atrás, vou amá-lo ainda mais! — Ela se aproximou e deslizou
as palmas pelo peito musculoso.
— Não toque em mim! — ele exigiu, recuando.
— Seus músculos são como sinto em meus sonhos?
— Não! — ele rosnou. — E meus beijos não são doces e românticos, Amélia. Eles
apenas expressam o desejo viril diante de uma mulher.
— Por que tenta me enganar, Colin? Sei que está mentindo quando diz que não
significo nada além de sexo!
Num rompante, ele a beijou com nova paixão voraz, e Amélia teve a resposta de
que precisava.
— Diga-me que nunca beijará outra mulher desta forma — ela suplicou com seus
lábios pressionados de encontro aos dele.
— Nunca... — Ele se afastou para admirá-la. — Nunca beijei outra mulher antes,
Amélia. Você foi a primeira, e será a última...
Amélia se apressou em atravessar a cerca e correu pelo arvoredo em direção ao
rio.
Ware a esperava, andando com impaciência de um lado para outro.
—Você não foi ao encontro de ontem—o rapaz recriminou, fitando-a com censura.
— Sinto muito — Amélia se desculpou sem fôlego. — Não pude sair da casa.
Ela virou o rosto para que Ware não a visse corar pela mentira. As recordações
dos beijos de Colin ainda estavam vívidas em sua memória, e o coração bateu mais
rápido no peito com a lembrança. No dia anterior, se não fosse pela interrupção de
Benny, avisando-a de que a srta. Pool estava à sua procura, talvez não tivesse resistido
aos apelos de seus próprios instintos, que clamavam para que se entregasse de corpo e
alma a Colin.
— Não me parece que você se sente mal por isso — lorde Ware interrompeu as
reminiscências. — Está radiante de felicidade, como eu nunca a vi antes.
Insegura do que dizer, ela encolheu os ombros e tentou reprimir o sorriso
espontâneo que brotava de seus lábios desde o dia anterior, quando se encontrara com
Colin na floresta.
— Não vai me dizer por que está brilhando como a luz do sol? — Ware insistiu,
oferecendo-lhe o braço.
— Provavelmente não.

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Ele riu e piscou para Amélia, num gesto amigável de compreensão silenciosa.
Seguiram para o rio conversando e rindo. Uma vez mais, a toalha de piquenique
estava estendida sobre a relva, e deliciosas iguarias esperavam Amélia para serem
saboreadas.
O fluxo suave das águas, o canto dos pássaros e o ar impregnado pelo cheiro da
grama e das flores silvestres forneceram melodia e cenário ideais.
— Então, não está bravo comigo? — Amélia se arriscou a perguntar, fitando o
rapaz com timidez.
—Eu diria que estou ligeiramente desapontado—ele afirmou, acomodando-se à
frente dela. — Mas não bravo. É impossível ficar zangado com você.
— Há quem pareça não achar nenhuma dificuldade nisso —Amélia murmurou com
tristeza, voltando a sorrir.—Lorde Ware, se eu lhe implorasse um favor, tentaria
conceder-me?
— Certamente.
Ware olhou-a com atenção, e Amélia abaixou os olhos. Às vezes, ela tinha a
impressão de que ele a examinava como se tivesse encontrado uma fonte de grande
interesse.
Animada com a resposta, retirou do bolso a carta que escrevera para Maria.
— Eu gostaria que postasse esta missiva para mim, e... — Ela suspirou, reunindo
coragem para pedir o favor seguinte. — Seria muito inoportuno pedir que a resposta
fosse enviada para seu endereço?
Ware apanhou o envelope e contemplou o nome escrito com letra bem-feita.
— Lady Winter... — Fitou-a com a sobrancelha curvada. — É uma senhora famosa
na corte. Peço que me dê resposta para algumas perguntas, srta. Benbridge.
— Claro. Qualquer um ficaria curioso. — Amélia sorriu com inocência quase
infantil.
— Em primeiro lugar, por que pede para que eu poste a carta em vez de fazê-lo
por si?
— Estou proibida de me corresponder com qualquer pessoa. Até mesmo as visitas
de lorde Welton são acompanhadas por minha governanta.
— Por Deus! Isso é alarmante.
O tom sério e preocupado do rapaz a admirou. Amélia sempre julgara que Ware
fosse um jovem inconsequente, que mal notasse as dores e tristezas do mundo que
rodeava a luxuosa redoma de cristal que o envolvia.
— Eu também não gosto dos homens mal-encarados que vigiam a propriedade.
Você é uma prisioneira, Amélia?
Respirando fundo, decidiu contar ao amigo toda a verdade.

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Ele escutou atentamente, como se cada palavra tivesse extrema importância.


Até que terminasse o relato, Ware ouviu com atenção, os olhos azuis intensos
analisando cada nuance na expressão do rosto angelical.
— Você nunca considerou fugir? — quis saber quando Amélia terminou.
Ela piscou e olhou para as mãos, repousadas no colo.
— Algumas vezes — admitiu em voz baixa. — No entanto, não posso me queixar
de como sou tratada. Os criados são amáveis e minha governanta é como uma mãe para
mim. Tenho vestidos adoráveis e professores regulares que me ensinam tudo o que
uma jovem precisa saber. O que faria se partisse? Para onde iria? Eu seria tola se
deixasse tudo o que tenho e tentasse sobreviver sozinha, sem nenhum apoio.
— Entendo...
Amélia encolheu os ombros e olhou novamente para ele.
— Se meu pai estiver certo sobre minha irmã, devo assumir que ele só está
tentando me proteger.
— Você não acredita nisso, ou não me pediria para enviar a carta — Ware
concluiu.
— Você não ficaria curioso sobre a verdade?
— Sim. Entretanto, eu sou um rapaz curioso por natureza.
— Bem, e eu sou uma dama curiosa por natureza — ela retrucou com um sorriso.
Os olhos azuis sorriram.
— Muito bem, minha doce amiga. Vou colocar a carta para você.
— Oh, obrigada!
Num impulso, Amélia se lançou nos braços do rapaz e beijou-o na bochecha.
Então, embaraçada, ela recuou e ruborizou violentamente.
Porém, em vez de represália, encontrou um sorriso amigo no rosto aristocrático.
— Não era exatamente este o beijo que eu estava esperando — ele murmurou. —
Mas considero-me um afortunado por desfrutar de sua companhia.
Amélia estava tão excitada com a carta para Maria que correu de volta para casa
desviando-se com habilidade das árvores. Pela primeira vez, sentia como se estivesse
trabalhando ativamente pelos seus próprios interesses. Tinha uma meta, e dera os
primeiros passos para alcançá-la.
Perdida na excitação precipitada, foi surpreendida pela presença viril à frente
dela, e o grito assustado foi sufocado por uma boca morna, apaixonada. O protesto se
transformou em um gemido langoroso.
— Colin... — Ela tomou fôlego com os olhos fechados, e os lábios se curvaram em
um sorriso.

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— Diga que você não o beijou — ele grunhiu, enlaçando-a pela cintura.
— Estou sonhando?—Amélia murmurou com o mais puro prazer por estar
novamente próxima de seu bem-amado.
— Seria melhor que estivesse — ele disse, libertando-a do abraço.
Amélia se ressentiu ao notar a expressão carrancuda de Colin.
— Por que você é tão determinado a se desfazer de algo maravilhoso que há
entre nós?
— Doce Amélia... — O cigano segurou o rosto delicado. — Porque, às vezes, é
melhor não saber o que você está perdendo. Assim, poderia dizer a si mesma que o
mundo ao qual não tem acesso é maravilhoso. Mas, uma vez conhecendo a realidade,
não poderá mais se refugiar na imaginação.
—Você fará a realidade ser maravilhosa para mim? — ela perguntou com
ansiedade.
— Você não pode exigir tanto, minha amada.
— Sim, sei que sou egoísta — ela admitiu, tocando o rosto moreno com dedos
trêmulos.
Os olhos se fecharam quando um beijo suave tocou seus lábios.
— Jure que você não beijou lorde Ware.
— Colin, você não tem nenhuma fé em mim? — Erguendo-se na ponta dos pés, ela
esfregou o nariz contra o dele. — Eu simplesmente pedi um favor ao conde.
— Que favor? — Colin exigiu, enciumado.
— Eu lhe pedi que postasse uma carta para minha irmã.
— O quê?! — Ele recuou, furioso, e fez um gesto abrangendo os arredores. —
Amélia, tudo isso é para mantê-la longe de lady Winter!
— Eu preciso conhecê-la. — Amélia o empurrou e cruzou os braços com
obstinação.
— Não, você não vai conhecê-la. Jesus! — Colin rosnou. — Você sempre encontra
um jeito de se meter em problemas! E não me olhe assim!
A beleza exótica e o carisma inato do cigano pareciam quase divinos para Amélia.
Ela suspirou, incapaz de discutir com ele.
— Eu te amo, Colin — explicou com simplicidade. — Essa é a única forma que sei
olhá-lo.
Balançando a cabeça em contrariedade, Colin sentou-se na raiz de uma árvore
frondosa.
Durante muitos anos, Amélia conhecera inúmeras florestas e praias, e percorrera
milhas incontáveis de estradas desertas. E, aonde quer que ela fosse, sentia-se segura

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por saber que Colin estava com ela.


— Por que você não me pediu para postar a carta, em vez de solicitar os favores
de lorde Ware?
— Eu espero uma resposta que não pode ser enviada para minha residência.
Precisei da ajuda dele para emprestar-me seu endereço. — Ela comprimiu os lábios
quando notou a expressão de desespero no rosto de Colin. — O que foi?
Amélia caiu de joelhos diante dele e tomou-lhe as mãos, aflita com o silêncio.
— Não posso lhe dar certas coisas que homens como Ware podem.
— Que coisas?—ela perguntou, curiosa. — Vestidos caros e jóias valiosas?
— Sim, e cavalos, uma mansão e criados como eu — ele completou com amargura.
—Nada disso me faz feliz. — Amélia se levantou e puxou-o de encontro a si,
procurando os lábios macios para um beijo apaixonado. — Com exceção de você, nada
mais me faz feliz.
— Diz isso porque você vive protegida, Amélia. Se conhecesse o mundo, veria
como as coisas realmente são. Eu não posso tê-la — Colin sussurrou, tomando as mãos
delicadas. — Não me peça isso.
De súbito, Amélia se sentiu séculos mais velha, e o desejo incontido de confortar
e proteger seu amado a assaltou.
—Você quebra meu coração em pedaços... Acredite, tenho amor em meu peito
suficiente para nós dois.
Simon se recostou na cabeceira acolchoada e alcançou a taça de vinho que
descansava no criado-mudo ao lado da cama.
Gotículas de suor banhavam-lhe a fronte, ocasionadas pelos esforços exigidos
pela bela jovem que repousava do seu lado.
— Bela Amy, quer um pouco de vinho? — ofereceu, estendendo-lhe a taça.
— Hum... Estou com sede! — Ela sentou-se, expondo os seios pequeninos, e
aceitou o copo oferecido.
— Conte-me mais sobre o painel secreto que há na casa de Sedgewick — Simon
pediu casualmente.
Amy tragou a bebida com prazer antes de obedecer.
— Ele o usa para esconder uísque contrabandeado.
—Entendo. E pode ser alcançado pela entrada do depósito de carvão?
Ela acenou em afirmativa, sorvendo mais um gole de vinho.
— Sim. Faz com que as entregas sejam mais simples. Você não pretende roubá-lo,
não é?

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— Claro que não — Simon acalmou-a. — Eu acho a ideia inteligente e posso


implementar algo semelhante para mim. —Pôs o dedo no copo e contornou a boca
sensual da jovem com o líquido rubro. — E quando ele recebe os visitantes?
— Todas as terças e quintas-feiras de madrugada.
Ele sorriu. Terça-feira... Então, naquela mesma noite, haveria uma entrega.
Uma vez que encerrasse a deliciosa missão de arrancar informações da camareira
de lorde Sedgewick, visitaria o espaço e averiguaria se era possível ouvir claramente
pelas paredes. Então, escalaria um homem para se instalar no esconderijo e coletar
informações sobre o conde.
Havia uma razão para que Sedgewick tivesse abordado Maria no baile de
máscaras, e pretendia descobri-la.
Maria relanceou o olhar para a nota que repousava no toucador e relaxou na
banheira, mantendo o ritmo suave da respiração.
A missiva, traçada em poucas linhas, expressava o desejo de St. John em
encontrá-la naquela noite. Ela enviara uma resposta afirmativa pelo mesmo mensageiro
que chegara com a carta, momentos antes.
Desde que saíra da casa dele sem se despedir, não havia um só minuto em que não
pensasse em St. John. Seu corpo doía à lembrança do toque possessivo e do corpo
pesado sobre o seu enquanto faziam amor.
Nunca almejara lutar pela própria felicidade. Porém, St. John significava mais do
que felicidade. Ele se tornara vital. Estar longe dele era o mesmo que viver sem alma.
Depois de longa reflexão, decidira procurá-lo naquela noite e revelar toda a
verdade. Contaria sobre Amélia, Welton e sobre a chantagem de Eddington.
Ela correu os dedos pela espuma suave e fechou os olhos.
Em vez de se afastar e tê-lo como inimigo, decidira confiar-lhe seus segredos
para que, juntos, pudessem pensar numa solução para os problemas.
Maria abriu os olhos quando ouviu vozes masculinas vindas do corredor momentos
antes de a porta do quarto se abrir, seguida por passos.
—Você esteve fora o dia todo — murmurou quando Simon entrou no quarto de
banho.
Ele puxou uma cadeira para perto da banheira e se sentou com naturalidade.
Respirou fundo, como que se fortalecendo para alguma tarefa onerosa.
A atitude do amigo alertou Maria, que estranhou a seriedade diferente da alegria
normalmente exibida.
— O que houve?
Simon apoiou os cotovelos sobre os joelhos, descansando os antebraços.

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— Lembra-se de que lhe falei sobre o depósito de bebidas de contrabando na


casa de Sedgewick? — ele começou, hesitante. — Um dos nossos homens acaba de
chegar de lá com informações.
—Oh, Simon! Você é um gênio!—O elogio não provocou o sorriso que ela
esperava.
—Maria...— Ele inclinou o corpo para a frente e pôs as mãos na extremidade
da banheira.
— Simon, você está me deixando nervosa. Conte-me logo o que o preocupa!
— Sedgewick é um agente da Coroa — ele desabafou de supetão.
—Céus, você me amedrontou com todo esse drama!—Maria riu. — Eles nunca
deixarão de tentar resolver os assassinatos de Winter e Dayton. Sei que sou a
suspeita número um.
— Sim, a agência a quer. Tanto que libertaram um criminoso para tentar apanhá-
la.
— Libertaram um criminoso? — Maria balançou a cabeça, tentando apreender o
sentido das palavras. — Mas o quê...?
— Sedgewick está chantageando St. John, e mantém uma testemunha disposta a
revelar todos os segredos do pirata em uma hospedaria em St. George. O conde
ofereceu uma troca a St. John: a liberdade dele por informações que a levem para a
forca.
— O quê? — Ela apertou as mãos na borda da banheira, sentindo o sangue
congelar nas veias.
— Foi por isso que Sedgewick agiu como se a conhecesse no baile de máscaras.
Ele esperava que você estivesse em companhia do pirata. Porém, St. John usou uma de
suas parceiras para se passar por você, e a farsa convenceu o agente de que realmente
estavam juntos.
Maria lembrou-se da jovem morena com vestido idêntico ao seu, e a recordação
confirmou a veracidade das palavras de Simon. Encarou o amigo, procurando algum
sinal que a apaziguasse.
— Não, Simon. Não!
Não era possível que St. John estivesse mentindo ao sussurrar palavras de amor
enquanto estavam nos braços um do outro!
Se tudo entre eles tivesse sido uma farsa elaborada para ganhar sua confiança,
ele quase tivera sucesso. O deslumbramento que exercia sobre ela alimentara a crença
de que podia confiar no pirata, e estivera a ponto de revelar seu segredo mais
precioso.
Simon puxou-a da banheira num movimento fluido e estreitou-a no peito, sem se
importar que o corpo molhado encharcasse suas vestes luxuosas. Num abraço

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carinhoso, acolheu as lágrimas de dor e frustração com respeito reverente.


— St. John se importa comigo. Tenho certeza disso! — ela balbuciou, as palavras
entrecortadas pelos soluços.
— Ele seria um tolo se não se importasse, mhuirnín.
— É quase impossível acreditar no contrário. Eu pretendia contar-lhe toda a
verdade hoje à noite. Você sabe como St. John está me protegendo, como interveio
para que eu não caísse na cilada preparada pelo ardiloso Templeton na mansão
Harwick... — Ela suspirou, afundando o rosto no peito do amigo. — Ele mandou seus
homens me resgatarem no ataque à carruagem de Amélia... Se ele fez tudo isso com
intenção de me apanhar... Querido Deus, como fui tola!
Maria sentiu a dor de um punhal atravessar seu peito. Ele seria capaz de usar
Amélia contra ela, também?
— Eu já despachei alguns homens para recuperar a testemunha vital para que St.
John seja acusado — Simon acalmou-a. — Quando o raptarmos, você terá seu próprio
trunfo nas mãos.
— Oh, Simon! — Maria abraçou-o. — O que eu faria sem você?
—Você se sairia bem. Porém, não terá de se preocupar em confirmar minha
impressão. Nunca a abandonarei. Nunca! — ele murmurou com os lábios colados à
cabeleira perfumada. — O que você fará?
— Não sei ao certo. Suponho que seja melhor testá-lo. Posso perguntar a St.
John como ele conseguiu ser libertado. Se ele se recusar a dizer ou se evadir da
pergunta, saberei que é leal aos próprios interesses, e não a mim.
— E então?
Maria enxugou as lágrimas e ergueu os olhos para o amigo.
— Então, eu o entregarei a Eddington sem piedade.
St. John entrou na mansão e lançou o chapéu para o mordomo. Retirou as luvas
com expressão ausente, enquanto planejava o melhor modo para receber Maria quando
ela chegasse naquela noite.
Para começar, pediria ao cozinheiro que preparasse uma variedade de pratos
conhecidos pelas qualidades afrodisíacas. E flores. Sim, muitas flores com perfumes
luxuriantes, e vinhos exóticos para acompanhar as iguarias do jantar.
Seus lábios se curvaram. Tudo isso serviria para antecipar o clima romântico da
noite.
— St. John.
Ele se deteve nos degraus da escada e virou a cabeça para ver Phillip.
— O que é?
— Os homens que o senhor enviou para pesquisar Amélia retornaram há pouco.

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— Mande-os para meu escritório.


St. John desceu a escada e caminhou para a saleta privativa, acomodando-se
atrás da escrivaninha.
Momentos depois, quatro homens sujos e empoeirados postaram-se diante dele.
— Estou ouvindo — estimulou, reclinando-se na cadeira. Os homens se
entreolharam, e Walter deu um passo à frente.
St. John depositava a mais completa confiança no homenzarrão de expressão
sisuda e retraída.
— Desculpe pelo estado de nossos trajes, senhor, mas acabamos de chegar de
Lincolnshire.
— Isso não importa, Walter. Diga o que descobriram.
— Bem, senhor, nós interceptamos uma carta que chegou à mansão de lady
Winter, endereçada a ela. A remetente era a srta. Amélia Benbridge, e a
correspondência foi postada em Lincolnshire.
— Quem é essa dama? — St. John indagou, curioso.
— Filha do conde Welton.
— Filha de Welton? Bom Deus! — St. John se retesou na cadeira e tomou fôlego.
— Então, ela é meia-irmã de lady Winter.
— Exatamente, senhor. O mais estranho é que, quando fomos à cidade, ninguém a
conhecia.
— Como a descobriram? — St. John apoiou os cotovelos no tampo da
escrivaninha, genuinamente interessado.
— Um dos homens raptou o mensageiro que levava uma carta à mansão de lady
Winter — respondeu o gigante. — Ele lutou bravamente, mas não pôde resistir.
— Faço ideia. — St John passeou o olhar pelos quatro homens de estatura
avantajada. — Vocês o machucaram?
— Não, senhor. Nada além de um susto. Ele deve estar correndo até agora.
Os homens reprimiram o riso e St. John clareou a garganta, fazendo-os
emudecer no mesmo instante.
— Bom trabalho, rapazes — elogiou. — E onde está a tal carta?
— O rapaz tentou arrancá-la das mãos de James antes que ele terminasse a
leitura, e o papel rasgou. Mas conseguimos descobrir o endereço, uma propriedade nas
imediações de Lincolnshire, e que o assunto era o apelo desesperado da srta.
Benbridge para que a irmã a libertasse da prisão em que lorde Welton a mantém.
St. John lembrou-se de que Maria fora apunhalada numa tentativa de assalto a
uma carruagem, e tudo se tornou claro. Era óbvio que se tratava da irmã, e que elas

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estavam sendo forçadas a se manterem separadas.


— Temos de trazê-la para cá imediatamente. — St. John passeou o olhar pelos
homens. —Vocês serão recompensados pelo trabalho. Agora, tratem de se lavar e
comer alguma coisa. Amanhã cedo, quero que voltem a Lincolnshire e cuidem do
transporte da srta. Benbridge para cá.
Os homens agradeceram e saíram, e St. John mergulhou em suas reflexões.
Então, Amélia era o grande segredo que Maria escondia...
Welton mantinha a própria filha refém de sua tirania. Era daquela forma que
forçava Maria a prestar favores que lhe proporcionavam a vida suntuosa que levava.
De súbito, tornou-se claro que Eddington não estava pagando por favores
sexuais. Um quadro começava a se formar em sua mente, mas as imagens ainda eram
sombrias e nebulosas demais para que fossem compreensíveis.
No entanto, naquela noite ele teria a oportunidade perfeita para descobrir,
pensou com um sorriso satisfeito.
—Lorde Eddington deseja saber se a senhora pode recebê-lo. Maria olhou para o
mordomo pelo reflexo do espelho.
— Vou recebê-lo em meu escritório.
O criado acenou em concordância e se retirou.
Sarah continuou trabalhando em seus cabelos, entrelaçando o arranjo de flores
nos fios sedosos. Logo que terminou, a criada recolheu a escova do toucador e saiu.
Maria desceu a escada para o piso inferior e o lorde se levantou com uma
inclinação quando ela entrou em sua sala privativa.
— Lady Winter... Como sempre, a senhora é uma visão incomparável.
Ela sorriu com falsa gratidão e estendeu a mão para que ele a beijasse.
— A que devo a visita? — Maria indagou em tom casual, sentando-se em sua
cadeira.
— Vim em busca de notícias.
— Talvez eu tenha algo para lhe oferecer.
Ainda não estava certa se deveria entregar St. John, não antes de ter certeza
de que ele a traíra.
O fidalgo avaliou-a com atenção, perscrutando os traços perfeitos do rosto
adorável.
— A senhora parece aflita — ele notou, atento à reação dela.
— Minha criada não consegue moldar meus cabelos no estilo que desejo—Maria
lamentou-se com um gesto afetado.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Seus cabelos estão perfeitos como sempre, milady. Mas, para estar tão
preocupada com o penteado, presumo que tenha planos para a noite...
— Tenho um encontro com um certo criminoso de renome. Eddington sorriu com
prazer.
— Isso quer dizer que...
— Quer dizer que terá de esperar — ela o interrompeu. — Que valor eu teria se
lhe antecipasse meus segredos?
— Tem razão, milady. — O e o conde sorriu com satisfação. — A agência poderia
usar uma mulher com seus talentos. A senhora deveria considerar isso.
— E o senhor deveria ir embora para que eu possa completar a tarefa para a qual
me designou.
Eddington se levantou e apanhou o chapéu depositado sobre uma cadeira.
— Não desmereça minha oferta, lady Winter. Estou sendo sincero. Se quiser
trabalhar para a agência, basta me dizer.
— Nunca desprezo ofertas, meu senhor, especialmente quando são feitas por
homens que pretendem se beneficiar à minha custa.
— A senhora não confia em ninguém?
— Infelizmente, aprendi a não confiar.
Amélia acordou com a mão cobrindo sua boca. Assustada, debateu-se
freneticamente e cravou as unhas nos pulsos do assaltante.
— Pare!
Ela paralisou ao comando, com coração disparado no peito ao perceber o perfil de
Colin na escuridão.
— Ouça, há uma dezena de homens lá fora — ele sussurrou. — Não sei quem são,
mas posso assegurar que não estão a serviço do seu pai.
Ela assentiu com um gesto da cabeça, assustada demais para falar.
— Acordei com o tropel de cavalos quando os homens entraram no estábulo, e não
sei como consegui chegar até aqui para apanhá-la.
Embaraçada por ser vista com roupa de dormir, Amélia puxou os lençóis para se
cobrir.
— Vamos logo! — ele ordenou com urgência.
— Do que você está falando? — ela indagou num sussurro sonolento.
— Você confia em mim? — Os olhos negros reluziram na escuridão.
— Claro que sim!
— Então, faça como digo e deixe as perguntas para depois. Amélia não tinha

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

noção do que estava acontecendo, mas sabia que Colin não estava brincando. Deslizou
para fora da cama, ainda tonta de sono, e tentou ajeitar os cabelos com os dedos.
— Vista-se. Rápido!
Amélia olhou ao redor e se escondeu atrás do biombo.
— Preciso da minha criada — queixou-se.—Não consigo fechar o espartilho
sozinha.
Colin praguejou em voz baixa e arrastou-a para a porta.
— Solte-me! Eu estou descalça!
— Não há tempo.
Colin abriu a porta e espreitou o corredor. Estava escuro, e Amélia mal conseguia
ver alguma coisa, mas ouviu vozes masculinas no andar inferior.
— O que está...?
Colin cobriu-lhe a boca novamente e balançou a cabeça com violência. Atônita, ela
levou um momento para entender. Então, assentiu em silêncio e tentou se acalmar.
Atravessaram o corredor com passadas silenciosas. Apesar de estar descalça, o
assoalho de madeira rangia sob o peso das botas de Colin.
Os dois congelaram quando, abaixo deles, as vozes se silenciaram. Era como se a
própria casa estivesse suspendendo a respiração, à espera.
Colin colocou o indicador sobre os lábios e tomou-a nos braços para sustentá-la
sobre o ombro.
O que aconteceu a seguir foi obscurecido por uma confusão nebulosa.
Um grito de alarme despertou o silêncio quando foram descobertos. Colin
praguejou e correu, sacudindo-a sobre os ombros. Amélia apoiou a cabeça nas costas
largas, mal conseguindo respirar. Conseguiram chegar à porta da frente, deixando
atrás deles o caos entrecortado pelo estampido de tiros, ecos metálicos das espadas
se encontrando no ar e os gritos da srta. Pool suplantando todos os ruídos.
— Srta. Benbridge! — alguém gritou quando chegaram ao jardim. — Aqui!
A voz de Benny foi como música para os ouvidos de Amélia.
Colin avistou o rapaz escondido atrás de um arbusto, gesticulando
freneticamente para que o seguissem.
Quando estavam em relativa segurança no bosque, ele indicou dois cavalos presos
ao tronco de uma árvore.
Com receio de abrir os olhos, Amélia foi suspensa no ar por mãos poderosas e se
viu sobre a garupa da montaria de Benny, enquanto Colin seguia no outro cavalo ao lado
deles.
— Quem são eles? — Colin indagou, abaixando-se para se desviar dos ramos das

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

árvores.
— Homens de lorde Sedgewick — Benny sussurrou.
— Por Deus! Eles estão em maioria! Não vamos conseguir escapar!
— Colin... — Amélia lamentou com um soluço. — O que vamos fazer?
— Acalme-se, meu amor. — Ele estendeu uma das mãos para tocá-la. — Prometo
que não a deixarei sozinha.
Amélia rezou pela vida ao ouvir a aproximação dos cavaleiros atrás deles.
Seu estômago sacolejava violentamente com o impacto da cavalgada, e fechou os
olhos como se, com isso, pudesse ficar invisível.
Quando chegaram à estrada, o estampido de uma pistola explodiu a poucos passos
atrás deles.
Colin puxou as rédeas da montaria e gritou um segundo antes de cair, enquanto
Benny fustigava seu cavalo para disparar com Amélia na escuridão da noite.
Porém, os esforços do rapaz em salvá-la foram em vão.
Com um grito lancinante, ela foi puxada da garupa pelo cavaleiro que emparelhou
a montaria junto do cavalo de Benny, e o capuz que encobriu sua cabeça a impediu de
assistir ao pesadelo que se encenava ao seu redor.
St. John acordou envolto por calor e suavidade. Os cheiros que permeavam o ar
confundiam sexo e o aroma suave de Maria.
Para seu desgosto, o surgimento da luz do dia se intrometeu na intimidade entre
eles.
Depois do esplendoroso jantar que ele oferecera à amante na noite anterior,
tomaram licor à luz de velas e foram para o quarto, esquecidos do mundo.
A noite fora perfeita. As palavras que haviam trocado enquanto faziam amor não
passaram de sussurros apaixonados, sem nenhum pesar, arrependimento ou mentira.
Virando a cabeça, beijou o cabelo de Maria. Ela murmurou, sonolenta, e se
aconchegou em seu peito.
A mão de St. John correu livre pelos cabelos sedosos. Havia apenas uma forma
de se assegurar da lealdade de Maria. Tinha de testá-la, provar de forma inequívoca
que podia confiar nela. Para tanto, forneceria um caminho óbvio para a traição e veria
como ela lidaria com a oportunidade.
Sentiu o beijo suave no peito e os olhares se encontraram.
— No que estava pensando? — ela perguntou.
— Em você.
— Christopher...

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

Ele esperou que Maria falasse, mas teve a impressão de que mudara de ideia.
Na verdade, a hesitação em questioná-lo sobre a associação com Sedgewick se
devia a nada menos do que temor. Maria receava descobrir a verdade. Se St. John
confirmasse que todas as palavras de amor que havia murmurado em seus ouvidos não
passava de uma farsa, ela seria capaz de morrer.
— O que foi? — ele insistiu.
— Gostaria que não houvesse mais segredos entre nós. — A mão suave acariciou-o
no peito. — Você disse que me contaria tudo que eu quisesse saber.
— E o farei. — Ele olhou para o reflexo dos dois no espelho da cômoda, e soube
que gostaria de acordar daquela forma todos os dias. — Quero sua companhia hoje à
tarde. Como homem primitivo que sou, arruinei um de seus vestidos nos meus desvarios
de paixão, e não posso conviver comigo mesmo sem reparar o erro.
Maria ergueu a cabeça e avistou o traje em questão sobre uma poltrona. Os
delicados botões haviam sido arrancados por St. John na pressa de despi-la na noite
anterior.
— Posso mandar consertá-lo.
— Uma dama como você não pode usar vestidos remendados. —Ele sorriu e correu
a mão pelos ombros nus, detendo-se nos braços delgados da amante. — Há um galpão
no centro da cidade onde guardo a mercadoria que apreendo nas pilhagens, com finas
sedas francesas e peças de linho que gostaria de lhe mostrar. Quero que escolha seus
tecidos favoritos como forma de restituição pelo vestido danificado.
O rosto adorável permaneceu impassível e ela perguntou:
— E quando vai me revelar os outros segredos que esconde?
— Você deveria estar deleitada depois da noite de amor que tivemos. Mas, em
vez disso, quer me torturar com perguntas inoportunas!
— Talvez seja porque acho seu cérebro mais intrigante do que vestidos — ela
murmurou. — E você sabe que isso foi um elogio.
— Muito bem. Se não houver nenhum contratempo esta tarde, ficarei ao seu
dispor para revelar todos os meus segredos — prometeu com uma sinceridade que
somente ele poderia dimensionar.
E era o que St. John pretendia. Se Maria não o traísse com uma emboscada
naquela tarde, levando Eddington ao galpão para flagrá-lo com o produto das pilhagens,
ele poderia abrir o coração.
E, talvez, se tivesse sorte, a cena dos dois corpos nus refletida no espelho
poderia de fato agraciá-lo todas as manhãs pelo resto de sua vida.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

CAPÍTULO VI

Maria sabia que não era mera coincidência que Eddington chegasse à mansão
momentos depois do seu retorno. Ele a vigiava e a seguia, o que estava deixando-a a
ponto de enlouquecer.
Eddington entrou em seu escritório privativo com um sorriso que Maria
classificou como alarmante.
— Boa tarde, milorde.
— Minha cara dama — ele murmurou, levando a mão dela aos lábios.
Maria o estudou com cuidado, mas não encontrou nada diferente na costumeira
arrogância exterior.
— Conte-me algo que valha a pena — ele pediu.
— Gostaria de ter algo para dizer. Infelizmente, St. John tem se mostrado
menos acessível do que imaginei.
— Hum... A senhora também tem se mostrado inacessível. — Ele suspendeu a
barra do casaco e se sentou na cadeira diante dela. — Nunca me contou que tem uma
irmã.
Maria congelou, com o coração batendo disparado no peito.
— Como disse?
— Ouviu muito bem. Mas não precisei que me dissesse. Sei até o nome dela. Sei
onde está, e meus homens a mantêm sob proteção.
Maria cravou as unhas nas palmas da mão, a ponto de se machucar.
— O senhor está trilhando um caminho perigoso, milorde.
O conde inclinou o corpo para a frente e diminuiu a distância entre eles.
— Dê-me alguma coisa que eu possa usar contra St. John, e sua irmã será
libertada.
— Palavras não são suficientes para aliviar minha preocupação. Quero vê-la com
meus próprios olhos.
— Ela ficará ilesa se cumprir sua parte em realizar a barganha que combinamos.
— Quero minha irmã aqui! — ela exigiu com os olhos flamejando chispas de fúria.
— Traga-a para mim. Então, eu lhe darei tudo que seu coração desejar, eu juro.
—Já fez promessas que não cumpriu, milady.—Eddington fez uma pausa e seu

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

olhar se estreitou. — Há muito mais em sua exigência do que desconfiança.


O estômago de Maria se contraiu, mas ela arqueou a sobrancelha simulando o
mais profundo desdém.
— Quantos segredos você ainda tem, Maria? — o lorde questionou, segurando-a
pelo queixo para virar seu rosto de um lado para outro, examinando-a. — Por Deus! Eu
não tenho noção do que acontece na sua vida, mas vamos dispensar as mentiras por um
momento.
Maria repeliu-o com gesto brusco, desviando o rosto.
— É dessa forma que Welton consegue controlá-la como a uma marionete, não é,
Maria?
Ela não disse nada, mas a verdade estava explícita em seus olhos.
— Eu posso ajudá-la. Basta me dar alguma informação sobre St. John que possa
me ajudar a apanhá-lo. Será um benefício mútuo para nós dois.
— O senhor quer usar minha irmã contra mim, assim como Welton faz. — As mãos
de Maria caíram sem vida sobre o colo. — Se alguma coisa acontecer a ela, pagará caro
por isso, lorde Eddington! É uma promessa.
— Maria, sua posição é frágil. Posso conseguir o que quero sem a sua ajuda.
Aceite meus termos. São mais do que justos.
— Nada a respeito disso é justo, milorde. Nada!
— Não sou o único que sabe da existência de sua irmã. St. John também conhece
a verdade.
— Não acredito numa só palavra do que diz! — Maria riu com sarcasmo.— Aplique
sua vilania em alguém mais ingênuo do que eu.
— Como acha que eu a descobri? — ele desafiou. — Meus agentes seguiram os
rastros dos homens de St. John. Eles estavam à frente, realizando interrogatórios e
investigações. Foram eles que descobriram sua irmã.
Ela manteve expressão impassível, embora o pavor provocasse uma onda gélida
que cresceu em seu ventre.
— Acreditei que seria capaz de ludibriar St. John, mas a verdade é que foi ele
quem a usou.
— Não sou tão facilmente enganada para que o senhor possa fazer tal acusação.
Minha desconfiança não significa que St. John tenha minha simpatia ou lealdade, e sim
que vejo muita similaridade entre o senhor e ele. Para mim, são dois demônios.
— Seja razoável. Eu trabalho pelo bem da Inglaterra. St. John trabalha para sua
própria conveniência. É isso que me dá certa vantagem.
Ela sorriu com desdém e desviou os olhos.
— Tenho certeza de que já ouviu rumores que implicam St. John em atividades

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

ilegais. Não há ninguém que possa ter visto visitando St. John, alguém com quem ele
tenha falado? Pense com cuidado. O destino de sua irmã depende disso.
Maria tentou disfarçar o turbilhão de emoções que a atormentava. Sabia que
teria de chegar a uma conclusão.
— Ele pediu que eu o acompanhasse esta tarde — sussurrou. — Disse que guarda
mercadorias em um galpão na cidade.
— Ele vai levá-la até lá? — O brilho da esperança reluziu nos olhos de Eddington.
—Não sei, mas eu o avisarei a tempo. Enquanto isso, cuide para que minha irmã
esteja protegida.
— Deixe essa preocupação para mim — disse o lorde com excitação óbvia. — E
trate de cumprir a sua parte do acordo.
St. John praguejou com violência.
— Você tem certeza de que foi Eddington quem raptou Amélia?
— Sim — Tim assentiu. — Estavam falando em voz baixa, mas ouvi muito bem. Ele
disse a lady Winter que mantém Amélia cativa.
— Temos de esperar que Walter, Sam e os outros homens consigam resgatá-la —
Phillip acrescentou com expressão preocupada.
St. John passou os dedos pelos cabelos num gesto pensativo.
— Vou me entregar em troca da liberdade de Amélia.
— Por Deus, não! — Tim rugiu. — Lady Winter pretende traí-lo.
— Que escolha ela tem?
— Não podemos nos precipitar. Eddington é agente da Coroa. Ele não faria mal a
uma jovem inocente.
— Tenho minhas dúvidas, Phillip. Mas, se ele agir dentro da lei, deverá entregar
Amélia ao pai se Maria não fornecer as informações que ele exige. — St. John se
dirigiu a Tim: — Volte à mansão de lady Winter e a acompanhe esta tarde, quando ela
for se encontrar comigo.
— O senhor vai se sacrificar em benefício dela, sendo que lady Winter não está
disposta a fazer o mesmo?
Em resposta, St. John sorriu com tristeza. Como poderia explicar? Como poderia
colocar em palavras que a felicidade de Maria significava para ele mais que a sua
própria?
Sim, poderia acusá-la pela associação com Eddington, mas aonde isso levaria? Ele
não conseguiria conviver com a culpa por tê-la atirado aos lobos, deixando-a à mercê
de Welton, Eddington e homens como Sedgewick.
— Phillip e meu contador estão informados sobre as providências que deverão

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

tomar em nome do bem-estar de todos que vivem sob meus cuidados, se algo
acontecer.
— E com o seu bem-estar que estou preocupado! — Tim argumentou.
— Obrigado, meu amigo. — St. John sorriu. — Sou grato pela sua fidelidade.
— Não! — Tim balançou a cabeça com veemência. — O senhor perdeu a cabeça
por aquela mulher. Achei que esse dia nunca fosse chegar!
— Você disse que lady Winter se recusou a fornecer informações mesmo sob
ameaças que envolviam a irmã. Não posso acusar Maria de traição. Ainda que ela me
traia, não há outra escolha, se pretende resgatar Amélia.
— Ela poderia ter escolhido o senhor — Tim murmurou. Escondendo o pesar, St.
John fez um gesto para dispensar os dois homens.
Ao se ver sozinho, afundou-se na poltrona e respirou fundo.
Quem poderia dizer que seu relacionamento com Maria terminaria daquela
forma?
Mesmo assim, não se arrependia de ter se envolvido com ela. Fora feliz, ao menos
uma vez, e estava disposto a pagar o preço pela felicidade que usufruíra.
Durante a viagem até a residência de St. John, Maria teve consciência de que
Eddington e outros agentes a seguiam, e tal noção deixou-a transtornada.
O medo e a apreensão eram tão palpáveis que provocavam dor física. Ela queria
ter Amélia de volta mais do que qualquer outra coisa no mundo, mas seu coração lhe
dizia que o preço que teria de pagar seria alto demais. Não havia mais como negar a
afeição profunda que a ligava a St. John. Apesar de tudo que havia descoberto sobre o
pirata, conseguia se lembrar apenas da ternura.
Quando saiu da carruagem, diante da mansão cercada por guardas, os mínimos
detalhes da parceria com ele preencheram sua mente, desde os momentos mais
apaixonados aos mais odiosos, momentos de silêncio confortável e momentos de
discussões acaloradas. Eles compartilhavam a mesma afinidade e o mesmo passado.
Endireitando os ombros, ela subiu os degraus para a varanda sem perda de tempo
e esperou com impaciência até que o mordomo abrisse a porta. Muitos dos que viviam
sob proteção de St. John estavam no interior da casa, observando-a. O olhar de Maria
procurou cada um deles, desafiando-os a interferir.
Subiu ao piso superior e bateu à porta do quarto.
St. John estava parado diante do espelho, e se vestia com a ajuda do valete. A
aparência elegante a lembrou do primeiro encontro no teatro.
—Tenho algo para lhe dizer — anunciou sem preâmbulos.
Os olhos de St. John se encontraram com os dela no reflexo do espelho, e ele viu
de relance o brilho da arma sob o cós da saia. Com um gesto, despediu o criado e a

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

encarou.
— Bem... Se eu soubesse que chegaria tão cedo, teria começado a me vestir
antes.
Maria fingiu ignorar. Sentou-se em uma cadeira e pousou as mãos sobre o colo.
— St. John, diga-me... Você me ama?
Ele enviou um olhar de censura para a adaga presa à cintura fina.
— Não é justo você pedir uma declaração de amor sob ameaça.
Maria bateu o pé no chão com impaciência, e St. John sorriu, aproximando-se um
passo.
— E eu a adoro, meu amor. Seria capaz de beijar seus pés e suplicar por seus
favores. Ofereço-lhe tudo que tenho: minha vasta riqueza, meus navios, meu corpo e
minha alma.
— Basta! — ela o repeliu, irritada com a ironia no tom de voz. — Isso é odioso!
— Oh? Gostaria de ver você fazer melhor.
— Muito bem. Eu te amo.
— E tudo? — St. John cruzou os braços. — É tudo que tem a dizer?
— Não. Há mais uma coisa: fique em casa esta noite. St. John contraiu os
músculos.
— Maria?
Ela suspirou profundamente e expirou com vagar.
— Você desconfiou muitas vezes do caráter da minha associação com Eddington
— começou em tom calmo. — Ele é um agente da Coroa, St. John. Está lá fora nesse
exato momento, esperando para nos seguir e flagrá-lo quando você chegar ao galpão
com a mercadoria contrabandeada.
St. John ouviu atentamente, atônito com a confissão.
— Sei a respeito de Sedgewick. — Quando ele abriu a boca, Maria ergueu a mão
para impedi-lo. — Não é preciso dar explicações. Mencionei isso apenas porque não
quero mais segredos entre nós. Simon encontrou a testemunha que Sedgewick
mantinha aprisionado, exigindo a cooperação do homem como fiança pela segurança da
família dele, uma esposa, dois filhos e uma filha. Tim e outros dos meus homens o
libertaram. O agente não tem mais nada contra você.
St. John permaneceu de boca aberta, perplexo.
— Você me deixa sem palavras, Maria.
— E melhor assim. Prefiro não ser interrompida. Ouvi dizer que você sabe a
respeito de Amélia. — A comoção na voz ao pronunciar o nome da irmã foi evidente. —
Presumo que já saiba que tenho uma irmã.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Sim, eu sei. — Ele parou diante dela com expressão séria. — Meus homens
estão tentando resgatá-la das mãos de Eddington.
— Onde ela está?
— Se a jovem que Eddington capturou realmente for sua irmã, ela está em uma
hospedaria nas imediações de St. George.
— Oh! Obrigada... — Maria suspirou, aliviada. — Tome cuidado. Tenho profunda
afeição por você, Christopher. Boa sorte.
— Maria, espere! — St. John chamou quando ela lhe deu as costas para sair. — Eu
também tenho algo a lhe dizer.
Ela se voltou lentamente e q encarou em expectativa.
— Você desistiu do sonho de se reunir com a sua irmã em favor da minha
liberdade. Disse que me ama. Não vai pedir minha ajuda? ..
— Nossas vidas separam-se aqui — ela sussurrou com a garganta apertada. —
Você está livre e seguro, e meu caminho continua. Terei Amélia, não duvide disso. Mas
não posso resgatá-la às suas custas. Encontrarei outra coisa de igual valor para
barganhar com Eddington.
— Ele ofereceu Amélia em troca do seu testemunho contra mim. Sei o quanto sua
irmã significa para você. O que eu não sabia era que você confessaria toda a verdade e
salvaria minha vida, mesmo sabendo da minha associação com Sedgewick. Meu Deus! —
A voz embargada traía a emoção. — O quão profundamente você deve me amar para
tomar tal decisão! Eu não mereço seu amor.
— Não merece?
Maria se aproximou e estreitou os olhos.
— Tim me procurou hoje. Relatou a visita de Eddington em sua mansão e a
conversa que tiveram. Ele também presenciou um encontro furtivo entre o conde e um
homem que foi procurá-lo em seu coche tarde da noite. — St. John fez uma pausa,
sentindo o peso das palavras. — Tal homem forneceu o endereço de sua irmã em
Lincolnshire, e foi através dele que Eddington chegou até Amélia.
— Agradeço mesmo assim por ter tentado — ela declarou, consciente de que o
próprio St. John poderia usar Amélia contra ela.
— Apesar da sua tentativa de me livrar da prisão, ainda tenho de sair esta noite.
Eu menti para você. Não tenho mercadorias aqui na cidade. Foi um blefe para ver se
você iria me trair. Agora, sinto-me envergonhado por ter usado de tal estratagema.
Perdoe-me, Maria. Fui tolo e egoísta por desconfiar de você.
Ele tentou se apossar das mãos delicadas, mas Maria recuou um passo.
— Está tentando dizer que vai ao galpão mesmo sabendo que Eddington o vigia?
— Claro.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Por quê?
— Pela mesma razão que você rompeu sua promessa com Sedgewick e sacrificou a
esperança de rever sua irmã em troca da minha liberdade. Eu te amo, Maria. Mais do
que minha vida. — Sem lhe dar tempo de recuar, ele tomou as mãos de Maria e sorriu
com ternura. — Até hoje, acreditava que a amava mais do que seria capaz. Agora, no
entanto, eu a amo muito mais do que isso.
Maria se apoiou à porta para suportar os joelhos trêmulos, mas não foi o
bastante. Suspendeu-se na ponta dos pés e enlaçou St. John pelo pescoço com
lágrimas nos olhos.
— É tudo? — sussurrou, provocante. — É tudo que tem a dizer?
— Sim, meu amor... — St. John murmurou, mergulhando o rosto nos cabelos
perfumados. — Não é engraçado pensar que o destino conspirava contra nós, tentando
nos colocar um contra o outro?
— Vamos inverter o jogo. Tratemos de elaborar rapidamente um plano que os
faça voltarem-se uns contra os outros.
St. John riu antes de beijá-la apaixonadamente.
— Tenho pena do mundo agora, que unimos nossas forças.
Para os olhares desavisados, os ocupantes do coche modesto e os diversos
cavaleiros que o acompanhavam eram viajantes comuns.
Maria desceu quando o carro parou nas docas e seguiu com passos firmes, com um
de seus homens segurando um lampião para chamar toda a atenção para ela, enquanto
St. John permaneceu escondido no interior do coche. Executava sua parte do plano
que ambos haviam elaborado, e só lhe restava esperar o momento certo para agir.
— Que diabos, Maria!
A voz áspera de Welton a fez estremecer, mas quando se virou para ficar face a
face com o padrasto, ostentava um sorriso de desdém.
— Por que escolheu um local tão decadente? — ele esbravejou. — E o que
pretende ao marcar um encontro de última hora? Eu estava ocupado.
— Ocupado com jogo e mulheres — Maria observou com descaso. — Perdoe por eu
não me sentir mal pelo inconveniente.
Welton resmungou e entrou no círculo de luz proporcionado pelo lampião.
— Não era seguro encontrá-lo em outro lugar — Maria abrandou o tom. —
Eddington não me aceitou como amante. Ele suspeita que eu seja responsável pelas
mortes de Winter e Dayton e quer me ver enforcada pelos crimes.
— Ele não tem provas.
— Eu não teria tanta certeza. Eddington afirma ter encontrado a pessoa que
manipulou o veneno usado por você.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Impossível! Quando aquela velha bruxa se tornou inconveniente, eu a matei


com minhas próprias mãos com um punhal no coração que a silenciou para sempre.
— Apesar disso, ele encontrou alguém que testemunhará contra mim.
Os olhos de Welton se arregalaram perigosamente.
— Se é verdade o que me diz, por que você está aqui, e não se encontra sob
custódia?
— Porque ele notou minha relação com St. John e me forçou a cooperar para
conseguir provas contra o pirata.
— Nesse caso, terei de providenciar para que tenha o mesmo fim de Dayton e
Winter.
Maria sorriu secretamente diante da facilidade com que o padrasto falava sobre
os assassinatos que cometera.
—Você vai envenenar mais um agente da Coroa? — O tom de voz se elevou
enquanto ela simulava falso horror.
— Estou admirado por você ainda se surpreender comigo. Não me conhece o
suficiente, depois de todos esses anos?
—Ainda fico chocada com sua determinação em conseguir o que quer. Você matou
Dayton e Winter pelo dinheiro deles, e embora, eu o odeie por isso, posso entender
sua ambição. Porém, eliminar Eddington simplesmente porque ele o aborrece... Bem, eu
diria que está passando dos limites.
— Nunca serei capaz de compreendê-la, Maria. Eu lhe proporcionei títulos de
nobreza e riqueza, e você nunca demonstrou gratidão. Em vez disso, culpa-me pelas
mãos sujas de sangue, sem lembrar-se de que também se beneficiou dos assassinatos
que cometi.
— Por Deus! — estrondou uma voz grave atrás deles. — Essa confissão era tudo o
que eu precisava!
O eco dos saltos das botas sobre a madeira da ponte atraiu o olhar deles para a
aproximação de dois vultos, e Sedgewick e St. John entraram no círculo de luz.
— Qual é o sentido disso? — Welton se voltou para Maria.
— O fim da estrada para o senhor, milorde.
Sedgewick esfregou as mãos, satisfeito.
— Você não tem noção do que a captura do homem que matou Winter e Dayton
significa para minha carreira! Brilhante, St. John. Absolutamente brilhante!
— Você não tem nada! — Welton rugiu, com os olhos injetados pela fúria. — Maria
vai testemunhar que sou inocente!
— Não creio — ela disse com um sorriso de triunfo. — Estou ansiosa para
corroborar o relatório de lorde Eddington sobre tudo o que ouviu nesta noite.

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

— Eddington? — Sedgewick franziu o cenho, confuso. — Quem é Eddington?


— Sou o homem que o levará para a forca por traição à Coroa — o agente
esclareceu, saindo das sombras para se juntar ao grupo. — E, é claro, será enforcado
ao lado de lorde Welton, cuja confissão dos crimes que cometeu foi ouvida por muitas
testemunhas para ser desconsiderado.
Naquele momento, diversos lampiões foram acesos ao redor dele, revelando um
número assombroso de soldados e outros agentes da Coroa.
Num gesto de desespero, Welton agarrou o braço de Maria, com as feições
transtornadas pelo pânico.
— Você não vai permitir que isso aconteça, Maria, ou nunca mais verá sua irmã.
Nunca!
— Eu sei onde ela está — Maria respondeu com tranquilidade. —E, sem a sua
tirania, poderei encontrá-la e permitir que desfrute a liberdade.
— Tenho muitos aliados! — ele rugiu, espumando pela boca. — Vocês nunca ficarão
a salvo!
— Está enganado, lorde Welton. Depois que for enforcado, Maria e Amélia
ficarão mais seguras do que nunca estiveram — St. John afirmou com determinação.
Maria apertou a mão do amado pousada em seu braço e sorriu.
— Que Deus tenha piedade da sua alma, milorde.
Eddington assistiu aos soldados algemarem Welton, enquanto Sedgewick era
levado por dois agentes.
Quando a paz voltou a reinar no cais, Eddington suspirou com satisfação. Depois
daquela noite, ele poderia assumir o posto recentemente vago de comandante que
Sedgewick aspirava com determinação imensurável.
Perdido em planos para o uso de seus novos poderes, não percebeu as passadas
atrás dele até que a lâmina de uma espada tocou perigosamente sua garganta.
— O quê?!
— O senhor será meu convidado, milorde — Maria anunciou num sussurro quase
inaudível. — Até que minha irmã esteja comigo.
— Você deve estar zombando!
— Aconselho-o a não subestimar lady Winter — St. John atalhou, colocando-se
atrás dela.
— Meus homens ainda estão por perto. Posso gritar para pedir ajuda.
— Não seria elegante da sua parte, milorde. — Maria aumentou a pressão da
lâmina.
Um grito de dor foi ouvido, seguido de muitos outros, e Eddington virou a cabeça

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

para ver seus guardas engajados numa luta ferrenha com um único homem de
descendência irlandesa e olhar feroz. Ele mais parecia um demônio em forma ,humana,
bramindo a espada com força hercúlea e esgueirando-se dos golpes com a agilidade de
uma pantera.
— Bom Deus! — Eddington gritou, apavorado, assistindo ao espetáculo de horror.
St. John se aproveitou do momento para prender as mãos do conde às costas,
atadas com uma corda.
— Por favor, venha conosco. — Maria sustentou o punhal com firmeza na veia do
pescoço.
— Quem é aquele homem? — quis saber o lorde, atônito com a destreza do
irlandês.
Mais tarde, ele teve o prazer de conhecer Simon quando o rapaz entrou em seu
quarto com uma garrafa de conhaque e dois cálices. Lady Winter fez questão de
oferecer ao prisioneiro todo o luxo que sua opulenta mansão oferecia.
— O dia está quase amanhecendo, milorde, mas espero que saboreie uma taça de
conhaque comigo. — Simon sorriu com ironia. — Lady Winter e St. John já se
recolheram.
Eddington estudou o outro homem enquanto aceitava a taça que lhe oferecia.
— Você é o amante secreto do qual ouvi falar.
— Simon Quinn, ao seu dispor.
Simon sentou-se na poltrona ao lado da lareira e segurou o cálice com duas mãos,
sem demonstrar nenhum dano físico depois da batalha de momentos antes.
— Talvez o senhor pense que esta seja uma mera visita social, mas vim informá-lo
de que a irmã de lady Winter foi resgatada por nossos homens, sã e salva. Portanto,
estou livre para transformar suas vestes em farrapos ensanguentados.
— Por Cristo!
Eddington recuou um passo, apertando o cálice com tanta força que Simon julgou
que fosse quebrá-lo.
— Ouça, sr. Quinn... — Ele se recompôs, tentando sorrir. — Tornou-se óbvio que
lady Winter e o sr. St. John aprofundaram a relação que se iniciou como troca de
interesses escusos. Parece que sua presente ocupação nesta casa será descartada.
— Assim como a sua — Simon comentou com descaso.
— Tenho uma proposta a lhe fazer. O irlandês ergueu as sobrancelhas.— Ouça,
agora que consegui entregar os responsáveis pelos crimes que preocupavam a Coroa,
devo assumir posição de maior poder na agência.
— Se lady Winter tiver a benevolência de soltá-lo sem denunciar os métodos que
usou para isso — Simon o lembrou.

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— Ela e o pirata terão muitos benefícios por terem um amigo leal na agência, e
será o que conseguirão se me libertarem sem alardes. — O agente sorriu com malícia.
— Ademais, seria benéfico também para o senhor. Eu poderia usar um homem com
seus talentos com a lei a seu favor.
Simon tomou um gole do conhaque.
— Quais seriam minhas vantagens?
— Estabeleça seu preço.
— Hum... — Simon encarou o conde. — Estou ouvindo.
— Excelente. Agora, minha proposta...
— Você me surpreendeu mais uma vez! — St. John murmurou com os lábios
colados a testa de Maria.
— Eu sou uma mulher surpreendente. — Ela puxou o lençol para proteger o corpo
nu da brisa fresca que entrava pela janela.
—O plano para denunciar Sedgewick e Welton foi perfeito! — Ele riu e apertou-a
num abraço. — Depois que nos casarmos, vamos fazer uma longa viagem para qualquer
lugar que você queira. Deixaremos essas memórias para trás e construiremos outras,
novas e felizes.
— Você disse... depois do casamento? — Maria ergueu a cabeça para encará-lo. —
Não está sendo muito presunçoso?
— Por quê? Amo você. Você me ama. Vamos nos casar. É o que se espera de um
casal apaixonado.
— E desde quando você começou a agir conforme as normas?
— Desde que, inesperadamente, apaixonei-me por você.
— Hum...
— O que quer dizer com isso? — St. John fitou-a com curiosidade. — Não é uma
afirmação.
— E o que eu deveria afirmar?
— Que quer se casar comigo. Afinal, fiz uma proposta de casamento.
— Não foi uma proposta! — Ela riu e jogou um travesseiro sobre ele. — Foi uma
declaração.
— Está bem, se quer assim... — Ele se desvencilhou do travesseiro e ajoelhou-se
na cama. — Maria, quer se casar comigo?
Ela tocou o rosto do amado com a ponta dos dedos.
— Eu o adoro, como você bem sabe, mas já me casei duas vezes. Creio que seja o
bastante para uma mulher.

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— Como pode comparar a união comigo com suas experiências anteriores? Um


homem que cuidava de você como quem cuida de uma filha, e outro que se casou para
sua própria gratificação?
— Você seria feliz com a vida de casado, Christopher?
— Ainda duvida disso?
— Talvez seja egoísta fazer tal proposta nessas circunstâncias, mas não tenho
escolha. Não posso viver sem você. A ideia de que você me dê muitos filhos faz meu
peito transbordar de felicidade.
— Christopher... Como conseguiremos administrar toda a bagunça que há ao nosso
redor?
— Como fizemos na noite passada, Maria. Juntos.
— Você deveria ter abandonado há muito tempo a vida que assumiu para salvar
seu irmão.
— Prometo que me esforçarei para mudar, mas não sou santo, Maria.
— Não. Você é um anjo caído.
— Não há nada de angelical em mim.
— Meu amor... Se não nos casarmos, você saberá que fico com você porque o
desejo, e não por ser forçada por um acordo legal.
— E não poderá manter o mesmo desejo estando casada comigo?
Ela riu e o abraçou.
— Sou filho bastardo de um homem nobre — St. John declarou em tom grave,
deixando evidente o desconforto. — Minha mãe foi seduzida pelo patrão e então
descartada e enviada para sua aldeia, humilhada e destituída.
— Seu irmão...?
— Ele era filho legítimo. Porém, eu vivi em melhores circunstâncias. Era feliz no
vilarejo. Nigel era miserável na mansão. Minha mãe me amava e a única afeição que
meu irmão teve foi a minha e a da esposa.
— Sinto muito.
— Como vê, meu amor, quero ter filhos e amá-los de todo o meu coração. Quero
ter um lar e uma vida com você. Pretendo esquecer o pirata que fui até hoje e me
tornar um homem digno ao seu lado. — St. John beijou-a na ponta do nariz com os
olhos transbordantes de amor.—Vamos superar nosso passado, eu prometo. Meus
homens e Phillip cuidarão dos meus negócios enquanto estivermos ausentes.
— E o que você fará, rodeado por uma esposa e sua irmã solteira?
— Ainda não sei, mas acho que posso sobreviver.
Ele rolou o corpo e puxou-a sobre si num movimento inesperado.

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—Por acaso mencionei que esse seu comportamento agressivo me deixa ainda
mais excitada? — Maria perguntou, provocante.
St. John, em resposta, moveu-se com a precisão de um homem que não apenas
sabia como dar prazer a uma mulher, mas que pretendia se aprimorar no tema.
— Simon, meu amado amigo...
Maria se levantou do canapé em que descansava e estendeu as mãos para ele.
O rapaz se aproximou com a característica indolência e o sorriso brilhante no
rosto.
— Como tem passado, mhuirnín?
— Não muito bem — ela admitiu, fazendo com que ele se sentasse a seu lado.
St. John havia retornado à sua casa para mudar de roupa e fazer preparativos
enquanto esperava por notícias de Amélia. Maria aguardava na mansão, incapaz de sair
com receio de que a irmã não a encontrasse ao chegar.
— Não posso fazer nada além de me preocupar — ela lastimou com um suspiro.
— Sim, eu sei — Simon concordou, tomando-lhe as mãos. — Gostaria de poder
oferecer mais ajuda.
— Sua presença é um grande conforto para mim.
— Sim, embora eu saiba que tenha sido delicadamente dispensado.
— Nunca! — Maria protestou. — Você sempre terá lugar especial em minha vida.
St. John me pediu em casamento — ela declarou com cuidado, receando a reação
enciumada do amigo.
—Ele é um homem sábio.—Simon sorriu.—Eu lhe desejo toda a felicidade do
mundo. Sei que ninguém merece mais do que você.
— Você também merece ser feliz, Simon querido.
— Eu sou feliz, mhuirnín. Diria que minha vida é perfeita.— Simon se acomodou no
sofá. — Então, quanto tempo tenho antes de ter de deixá-la?
—Você não vai a lugar algum! Quero que fique nesta casa. Você tem memórias
felizes aqui, não é?
— As mais felizes da minha vida.
— Quando eu tiver resgatado Amélia, planejaremos fazer uma longa viagem.
Quero ver todos os lugares dos quais fui privada enquanto estava a serviço de Welton.
Espero que a aventura possa me aproximar da minha irmã.
— Creio que seja uma excelente ideia.
— Espero que você cuide dos meus negócios na minha ausência. Sentirei sua falta
terrivelmente.

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— Eu sempre estarei aqui para você, para o que quer que necessite. Esse não é o
fim. Para nós dois, nunca haverá um fim.
— Obrigada. E então? Você ficará nesta casa?
— Sim, até o seu retorno. Na certa, você e St. John preferirão viver aqui à casa
decadente que ele mantém nas docas.
— Ainda não sabemos — ela fingiu ignorar o comentário ácido. — Nossos planos
incluem uma nova casa, onde possamos construir nosso futuro. Pretendo deixar a
residência de inverno para você, meu amigo.
Ele abriu a boca para protestar, mas Maria o impediu com gesto imperativo.
— Não quero ouvir nem uma palavra sobre o assunto, Simon. Está decidido. Você
merece muito mais, por tudo que tem me dado.
— Nesse caso, só me resta agradecer, minha amada dama.— Ele balançou a
cabeça, e o brilho da alegria iluminou as feições másculas. — Essa mansão será o lugar
perfeito para meu novo contrato com lorde Eddington.
Maria abriu a boca, espantada.
— Ele quer que você trabalhe para a agência?
—Não exatamente. Ele revelou alguns assuntos delicados que serão melhor
administrados por alguém de fora. Eu diria que manteremos uma sociedade secreta, ao
menos para a maioria. Claro, contarei com o apoio da Coroa.
— Bom Deus! Tenha cuidado, por favor. Você é o membro mais estimado da minha
família. Não conseguirei suportar se algo lhe acontecer.
— Peço que tenha o mesmo cuidado. Não assuma riscos desnecessários.
— Então, temos um acordo. — Ela sorriu em concordância e estendeu a mão para
firmar o pacto. — E agora, conte-me o que lorde Eddington tem em mente.
Maria caminhava de um lado para outro no escritório, com expectativa crescente.
Incapaz de resistir, fitou o rapaz que acabara de chegar com o canto dos olhos,
ansiosa por ouvir o que ele e St. John conversavam.
— Excelente trabalho — St. John dizia com sorriso de triunfo.
A próxima coisa que Maria teve consciência foi das mãos de seu amado em seus
ombros.
— Maria? Está pronta?
Ela respondeu com um gesto quase imperceptível de cabeça.
— Sam veio à frente para nos trazer notícias. A escolta de Amélia deverá chegar
a qualquer momento.
Maria sentiu o coração disparar no peito, sem que conseguisse enunciar uma só
palavra.

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— Você está pálida...


— Estou com medo, Christopher.
— De quê? — Ele se aproximou, abraçando-a para confortá-la.
— De acreditar que Amélia está a caminho... De acreditar que tudo isso chegou ao
fim — balbuciou com lágrimas nos olhos.
— Entendo.
Simon aproximou-se discretamente e estendeu-lhe um lenço imaculadamente
branco.
Eles se calaram quando a porta se abriu com um rangido.
Maria ficou ainda mais tensa e St. John ofereceu-lhe a mão, enquanto Simon
movia-se para a porta.
Depois do que pareceu ser uma eternidade, outro homem com trajes de viagem
entrou. Maria suspendeu a respiração.
Sem sapatos e vestindo uma camisola que parecia imensa no corpo frágil, Amélia
entrou com hesitação no aposento. Os olhos verdes, parecidos com os do pai, pousaram
em Maria, curiosos e assustados.
Maria ficou imóvel, receando que, ao se mexer, pudesse despertar daquele sonho.
Em silêncio, avaliou as mudanças que o tempo promovera na irmã durante os
longos anos de separação.
Como ela havia crescido! O rosto delicado era emoldurado pelos cabelos longos e
negros como os da mãe. Entretanto, Amélia não possuía mais a ingenuidade infantil do
passado.
Um soluço rompeu o silêncio. Maria percebeu que escapara de seus próprios
lábios, e cobriu a boca com o lenço, sem que pudesse conter o pranto.
— Maria...
Amélia estendeu as mãos na direção da irmã e atravessou a pequena distância
entre elas para se atirar em seus braços com tanta intensidade que St. John as
amparou para evitar a queda.
— Oh, minha querida... — Maria sussurrou com o rosto molhado pelas lágrimas.
— Maria! Graças a Deus, estamos juntas novamente!
E Amélia se pôs a falar em voz baixa, sem que se pudesse entender tudo o que
dizia. As palavras escapavam em fragmentos.
— ...Benny esperava com dois cavalos... Colin... Oh, Deus! Ele está morto!... Lorde
Ware... Uma carta...
— Shhh... — Maria apertou-a de encontro ao peito.—Tudo vai ficar bem, querida.
Não tenha medo.

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— Tenho tanto para lhe dizer!


— Sei disso, irmãzinha.
Maria ergueu os olhos para St. John e viu as lágrimas rolarem livremente pelo
rosto dele. Procurou Simon, e reconheceu na expressão do amigo a mesma emoção e
felicidade que ela própria sentia.
Descansou o queixo nos ombros de Amélia e estreitou-a num abraço de amor.
—Nós teremos o resto das nossas vidas para isso, querida. O resto das nossas
vidas...

Uma semana depois...

A porta se abriu e Simon desviou a atenção dos mapas espalhados sobre a


escrivaninha do escritório de Maria.
— Sim?—indagou ao mordomo, que o servia com a mesma eficiência que sempre
dedicara à antiga ama.
— Há um jovem à porta perguntando por lady Winter, senhor. Eu lhe disse que ela
não está em casa, mas o rapaz se recusa a partir.
— Quem é ele?
— Parece ser cigano.
Simon estreitou os olhos, intrigado.
— Faça-o entrar.
Levou alguns instantes para guardar os documentos na gaveta e sentou-se para
esperar o jovem de cabelos negros que entrou em seu estúdio momentos depois.
— Onde está lady Winter? — o rapaz exigiu, encarando-o com orgulho e
determinação.
— Ela está viajando pelo continente.
—A srta. Benbridge está com ela? Como posso encontrá-las? Simon hesitou entre
sentir-se ofendido pela petulância do cigano e admirá-lo pela audácia.
—Qual é seu nome, rapaz?
—Colin Mitchell.
— Bem, sr. Mitchell, aceitaria um drinque?
Simon se levantou e moveu-se para a bandeja com bebidas sobre um móvel a um
canto.

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— Não.
Escondendo um sorriso, Simon despejou uma dose de conhaque numa taça e se
virou.
O rapaz permanecera no mesmo lugar, com os olhos vasculhando a sala, pausando
ocasionalmente em objetos que avaliava com curiosidade. Parecia procurar pistas que
respondesse suas perguntas.
Era um rapaz de constituição forte e beleza exótica que fez Simon imaginar
serem atraentes para as mulheres.
— E o que você fará se encontrar Amélia? — indagou com interesse. — Vai pedir-
lhe que seja contratado como cavalariço? Cuidará dos cavalos dela?
Colin encarou-o, surpreso.
— Sim, eu sei quem você é, apesar dos rumores de que estava morto. — Simon
tomou um gole do conhaque com vagar calculado. — Então, pretende trabalhar para
Amélia, ou espera que ela sucumba ao seus encantos e passe a carregar no ventre um
filho seu?
Simon mal teve tempo de colocar o cálice sobre a escrivaninha quando foi
surpreendido pelo golpe que o atirou ao chão. Ele e o rapaz rolaram em combate,
derrubando a pequena mesa de centro e estilhaçando as minúsculas peças de porcelana
que a adornavam.
— Pare com isso! — Simon ordenou, sobrepujando-o em força e habilidade para
prendê-lo com o joelho de encontro ao chão.
Ergueu-se e esperou que o rapaz fizesse o mesmo.
— Nunca mais se refira à Amélia dessa forma! — o cigano vociferou, apertando os
punhos.
— Estou apenas mostrando o óbvio. Você não tem nada para oferecer a uma dama
da aristocracia, rapaz.
— Sei disso.
— Ótimo. Agora... — Simon alisou a barra do casaco e voltou a se sentar. — E se
eu lhe oferecesse ajuda para que adquira tudo de que precisa para conquistá-la, como
dinheiro e, talvez, um lote de terra?
A expressão de fúria no rosto de Colin deu lugar ao interesse.
— Como poderia conquistar tudo isso?
— Bem, eu estou engajado em certas atividades que poderiam ser facilitadas por
um jovem com seu potencial. Ouvi dizer que você teve papel fundamental no resgate da
srta. Benbridge. Se for bem treinado, você poderá ser muito útil. — Simon sorriu. —
Eu não faria essa oferta para ninguém mais. Considere-se afortunado.
— Por que eu? — Colin perguntou com suspeita. — O senhor não me conhece. Não

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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day

sabe do que sou capaz.


Havia uma nota de cinismo na indagação, o que Simon achou excelente. Um rapaz
ingênuo e crédulo não seria útil para ele.
— Compreendo perfeitamente a força de um homem que persegue o amor de uma
mulher, sr. Mitchell, e é exatamente o que vejo em você. Preciso desse tipo de
dedicação. Em retorno, posso lhe assegurar que você se tornará um homem de posses.
— Mas isso pode levar anos. — O cigano passou a mão pelos cabelos. — Tenho
receio de que Amélia não possa me esperar.
— Tenha paciência e dê esse mesmo tempo para que sua amada possa
amadurecer. Permita que ela própria veja o que perdeu durante todos esses anos.
Então, se de fato o amar, tomará a decisão com o coração de uma mulher, e não de
uma criança.
Por um longo momento, o jovem permaneceu imóvel. O peso da indecisão era quase
palpável.
— O que está esperando para aceitar minha proposta? — Simon insistiu. — O que
tem a perder?
Finalmente, Colin ergueu o queixo com orgulho e sentou-se na cadeira oposta à
escrivaninha.
— Estou ouvindo.
― Excelente! — O irlandês relaxou e apoiou os cotovelos sobre o tampo. — O que
tenho em mente é...

FIM

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