Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sylvia Day
Digitalização Joyce
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Revisão:Jéssica Oliveira
Formatação: Ana Ribeiro
CAPÍTULO I
Londres, 1714
— Se o anjo da morte for tão adorável quanto você, os homens farão fila para
morrer.
— Sua vez chegará...
O murmúrio inaudível da resposta se confundiu com a modulação afinada da
soprano que lamentava o amor perdido no palco do teatro.
A deslumbrante jovem que fora alvo do macabro elogio manteve a fachada régia,
para benefício dos diversos binóculos que a focalizavam, admirando sua beleza.
Naquela noite, lady Winter usava um elegante vestido vermelho de seda,
ornamentado com o delicado laço da echarpe negra que pendia de seus ombros. As
cores acentuavam os traços de sua herança espanhola. O traje realçava o efeito
devastador provocado pelos esplêndidos cabelos negros, olhos da cor do mais puro
ébano e pele morena. A simples presença daquela mulher era, em si, um sinal de perigo.
Ela fixou o olhar no palco. A repulsa pelo acompanhante sentado ao lado dela no
camarote fazia seu estômago revirar.
Exalando um longo suspiro, simulou interesse pela trama da ópera em andamento.
Anjo da morte... A alcunha não poderia ser mais verdadeira. Todos ao redor dela
morriam, exceto lorde Welton Benbridge, o único homem que desejava eliminar da
face da Terra.
O riso abafado atrás dela fez sua pele arrepiar.
— Será necessário pensar duas vezes antes de me mandar para o inferno, minha
querida filha — a voz grave advertiu, como se lesse seus pensamentos. — Se me matar,
nunca se reunirá novamente com sua irmã.
— Não ouse me ameaçar, lorde Welton. Amélia está próxima da idade de se
casar, e quando isso acontecer, descobrirei o paradeiro dela e não terei mais
necessidade de manter sua vida. Considere minhas palavras antes de pensar que
poderá fazer com ela o mesmo que fez comigo.
— Eu poderia vender sua irmã para os comerciantes de escravos, minha doce
Maria... Ou prefere que a chame de lady Winter? — ele murmurou com prazer sádico.
2
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
3
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
esteja satisfeito.
— Não me importo com o que St. John ou a Coroa sentem. —Maria ajustou o
binóculos, simulando interesse pela ópera.
—Tem razão. Isso não importa. Quero apenas que se aproxime dele e extraia
todas as informações que puder. Assim saberei a quem devo extorquir.
— Está confiando demais no meu poder de sedução — ela observou, sentindo o
gosto amargo da biles na boca.
Era insuportável pensar em tudo que era forçada a fazer para proteger e servir
um homem que odiava.
Porém, não era o padrasto a quem protegia e servia, e sim a si mesma. Precisava
que ele vivesse, pois caso contrário, jamais encontraria Amélia.
— Você tem noção de como essas informações podem ser valiosas, Maria?
Ela assentiu com gesto quase imperceptível, consciente de que Welton estava
atento ao menor de seus movimentos.
Todos sabiam que a morte de seus dois maridos não havia sido por causas
naturais. Porém, não tinham provas para acusá-la. Apesar dos rumores que corriam as
suas costas, Maria sempre fora bem recebida pela sociedade. Embora abominasse a
humilhação e a infâmia, frequentava os lares das famílias mais agraciadas da corte
graças ao padrasto, que conhecia mais segredos do que a aristocracia gostaria de
admitir.
—Como posso travar contato com o sr St. John?—indagou sem encarar Welton.
— Use seus próprios recursos. — Welton se pôs de pé nas sombras do camarote,
mas Maria não se deixou intimidar. Com exceção da preocupação por Amélia, nada mais
a assustava.
Uma onda de repulsa a fez estremecer ao sentir o toque em seus cabelos.
— Os cabelos de sua irmã são parecidos com os seus... — ele sussurrou em tom
lúbrico. — Gosto dos cachos sedosos e brilhantes que as duas herdaram da mãe.
— Vá embora! — ela sibilou por entre os dentes.
A risada sardônica pairou no ar muito tempo depois que Welton saiu.
Quantos anos mais seria forçada a viver sob aquela tortura diária? Os
investigadores e informantes que trabalhavam para ela foram incapazes de descobrir
algo de valor. Não haviam conseguido nada além dos relatos de breves aparições de
Amélia, sem que nunca tivessem encontrado pistas de onde ela poderia estar. Por
muitas vezes, estiveram perto... Mas Welton sempre estava um passo à frente.
E, a cada dia, a alma de Maria se tornava mais negra e descrente.
— Não se deixe enganar pelas aparências. Sim, ela é pequena e delicada, mas é
uma serpente esperando para dar o bote.
4
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Christopher St. John se acomodou na poltrona sem olhar para o agente da Coroa
que dividia o camarote com ele.
Sua atenção estava fixa na mulher sentada no outro extremo do teatro. Passara
a vida toda em meio às damas elegantes da sociedade e sabia reconhecer alguém com
afinidades quando via.
Trajando um elegante vestido que dava a impressão de luxo e riqueza, lady
Winter aparentava frieza e indiferença.
Mas isso não importava. Seu desígnio era aquecê-la, imiscuir-se na vida dela e
conhecê-la bem o bastante para fazê-la ir para a forca em seu lugar.
Não era uma tarefa agradável, nem mesmo para um homem que, como ele, trilhara
a tortuosa estrada do crime.
— Deve haver dúzias de homens trabalhando para ela — o conde Sedgewick
observou. — Alguns atuam nas docas, e outros vagueiam pelo país. O interesse de lady
Winter na agência é óbvio. Ela, tanto quanto você, tem reputação de ser fria e mortal.
Vocês dois são muito parecidos. Tenho certeza de que ela não poderá resistir a
qualquer oferta de assistência da sua parte.
Christopher assentiu. Conhecia mulheres daquele tipo, mais preocupadas com a
aparência do que com a própria reputação.
Ela entregava-se sem pudores para atrair pretendentes ricos.
No entanto, a perspectiva de compartilhar a cama com o belo "Anjo da Morte"
era tentadora.
— Posso ir agora, milorde? — Christopher perguntou, fazendo menção de se
levantar.
Sedgewick balançou a cabeça em silêncio.
— Comece imediatamente, ou perderá esta oportunidade. Christopher se conteve
para não retrucar. A agência aprenderia em breve que ele dançava conforme o próprio
ritmo.
—Envie relatórios indicando todos os passos de lady Winter. Quero saber tudo
sobre a relação pessoal e profissional entre vocês.
Christopher ajeitou os punhos do casaco.
— Lady Winter procura a segurança financeira de um casamento com alguém da
nobreza, o que torna impossível para um homem sem títulos, como eu, ser um
pretendente aceitável. Planejo começar minha associação com ela pelos negócios e
selar com sexo. É assim que funcionará.
— Você é assustadoramente egoísta, St. John — censurou Sedgewick, com
malícia.
—E você será um homem sábio ao se lembrar sempre disso — o pirata retorquiu
5
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
ao sair.
A sensação de estar sendo observada com atenção predatória provocou
desconforto em Maria. Estudou com olhos de lince cada camarote do teatro e não
notou nada de suspeito. Ainda assim, os instintos que a mantinham viva a alertaram do
perigo e preferiu, mais uma vez, dar ouvido a eles. Não era tola a ponto de acreditar
que o interesse de alguém sobre ela fosse mera curiosidade.
O tom baixo das vozes masculinas dos camarotes vizinhos chamou sua atenção.
Talvez não passasse de comentários fúteis sobre o espetáculo em andamento, mas
Maria era uma caçadora com sentidos apurados.
— ...o camarote do "Anjo da Morte" — ouviu o fragmento de conversa chegar até
ela.
— Ah... — um homem murmurou em tom sigiloso. — Eu não me importaria em
correr o risco de morrer se pudesse passar algumas horas na cama dela. Lady Winter
é incomparável, uma deusa entre as mulheres.
Maria suspirou. Sua beleza não passava de uma cruel maldição. O prazer juvenil
que tivera no passado por saber que era a mais bela dentre todas se desvanecera no
dia em que o padrasto passara a usá-la para enriquecer. Desde então, as mortes se
sucederam em sua vida.
A primeira fora do amado pai. Lembrava-se do homem vigoroso, em quem o
sorriso brotava fácil. Afável e romântico, ele adorava a esposa de origem espanhola. A
mãe jamais conseguira superar o trauma quando o marido adoeceu e morreu em poucos
meses. Mais tarde, Maria se tornara familiarizada com a dor da alma. Porém, naquela
ocasião, sentira apenas medo e confusão, e seus temores sobre o futuro aumentaram
quando foi apresentada ao belo cavalheiro de boas maneiras que ocuparia o lugar do
pai.
— Maria, minha amada filha — a mãe dissera com voz suave —, conde Welton e eu
planejamos nos casar.
Ela já ouvira aquele nome antes. O fidalgo era o melhor amigo de seu pai. No
entanto, a razão pela qual a mãe desejava se casar novamente estava além da sua
compreensão. O pai teria significado tão pouco para ela?
— Lorde Welton deseja enviá-la aos melhores colégios — fora a explicação da
mãe. — Terá o futuro que seu pai desejava para você.
Mesmo sendo uma criança, ela compreendeu a mensagem implícita. Estava sendo
sutilmente afastada do lar.
O casamento se realizou e lorde Welton ocupou o lugar de chefe da família,
levando-as para sua propriedade com uma construção que mais se parecia um castelo
medieval. Maria a odiava. Era fria, escura e assustadora, em tudo diferente da casa
iluminada e alegre que moravam antes da morte do pai.
Welton teve uma filha com sua nova esposa e logo a seguir a abandonou. Maria foi
6
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
enviada para uma das mais requintadas e severas escolas internas para moças
enquanto o padrasto se embriagava e divertia-se nas tavernas, desperdiçando em
benefício próprio o dinheiro que o pai deixara.
A mãe se tornou a pálida imagem do que fora. Os exuberantes cabelos negros
embranqueceram do dia para a noite, e sua doença foi escondida de Maria até o último
momento.
Ao retornar à casa do padrasto nas férias de inverno, encontrou apenas um
fantasma da condessa de Welton, em lugar da mulher vibrante e alegre que a mãe
fora. Maria percebeu que ela não duraria mais do que alguns dias apenas quando o fim
estava próximo.
— Minha filha, peço que me perdoe — ela dissera em seu leito de morte. —
Welton era um homem gentil logo depois que seu pai morreu, e não percebi que não
passava de fachada para me seduzir.
— Tudo ficará bem, mamãe — ela mentiu. — Sua saúde vai melhorar e poderemos
nos livrar dele.
— Não... Você deve...
— Por favor, mamãe, não diga mais nada. A senhora tem de descansar.
Acometida por um acesso de tosse, a condessa buscou forças para fazer seu
último pedido:
— Você tem de proteger sua irmã. Welton não se importa que ela seja filha de
seu próprio sangue. Vai usá-la, assim como me usou. Amélia não é forte como você,
minha filha. Ela não tem a força do sangue de seu pai.
Maria observou a vida da mãe se escoar sem que nada pudesse fazer. Durante
uma década em que a mãe vivera sob o mesmo teto que Welton, ela aprendera muito, e
a principal lição fora que por trás da bela aparência do lorde escondia-se a alma de
Mefistófeles.
Maria passara a adolescência no colégio interno, preparando-se para ser a mulher
que o padrasto poderia explorar. Nas visitas ocasionais, observava a forma como ele
traía sua mãe. Ouvia os comentários dos criados e adivinhava o rastro de sangue e
traição que ele deixava atrás de si.
A irmã de sete anos de idade permanecia trancada em seus aposentos quando o
pai estava em casa, assustada e solitária.
— Mamãe, não tenho idade suficiente para cuidar de minha irmã — ela disse por
entre lágrimas.
— Sim, você é capaz — Cecília sussurrou num fio de voz. — Quando eu partir,
deixarei toda a força que tenho com você. Sentirá minha presença, filha, assim como a
de seu pai. Nós vamos ampará-la.
E aquelas palavras seriam seu único apoio nos anos em que se seguiriam.
7
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Ela está morta? — Welton indagou quando Maria emergiu do quarto. Os olhos
verdes não revelavam a menor emoção.
— Sim.
—Faça os arranjos que desejar para o funeral—foi o único comentário do
padrasto.
Ela assentiu e fez menção de se afastar.
— Maria...
Ao ouvir a voz pastosa pela bebida, ela se voltou para fitá-lo, estudando seus
traços com frieza. Apesar de odiá-lo, não podia deixar de admitir que era o homem
mais bonito que já vira. Aquela deveria ser a aparência do demônio quando encarnado
na forma humana.
— Conte a Amélia sobre a morte de Cecília. Estou atrasado para um compromisso
e não tenho tempo para falar com ela.
— Não se preocupe. A morte de minha mãe não há de atrapalhar seus
compromissos.
Welton riu com escárnio da sua bravura.
— Eu sabia que você seria perfeita. Valeu a pena pelo trabalho que sua mãe me
deu.
Ela observou-o girar no salto das botas e sair, completamente esquecido da
esposa.
Amélia... Sua meia-irmã, inocente e frágil, ficaria abalada quando soubesse,
pensou ao atravessar os corredores sombrios no silêncio mortal do palacete. A missão
que a esperava era a mais cruel que já tivera de enfrentar. Além do profundo pesar
que vivia naquele momento, teria de comunicar à irmã que a única pessoa que poderia
protegê-la havia partido.
O que diria para sua meia-irmã? Amélia não possuía as mesmas memórias felizes
para sustentá-la. A pobre criança estava órfã, pois jamais teria a atenção do pai.
— Olá, princesa — ela disse com suavidade ao entrar no quarto de Amélia,
firmando-se nos pés para absorver o impacto do pequeno corpo contra o dela.
— Maria!
Abraçando a irmã, conduziu-a para a cama e a sentou em seu colo, passando a
contar sobre a perda que ambas haviam sofrido.
— O que vamos fazer? — Amélia balbuciou entre soluços ao saber da morte da
mãe.
— Nós sobreviveremos — Maria assegurou. — Vamos nos manter unidas. Eu vou
protegê-la. Nunca duvide disso.
Abraçadas, choraram até que as lágrimas se esgotassem e adormeceram,
8
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
9
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Pena que não possa dizer o mesmo — ela retrucou com azedume.
— Está com medo?
— Medo de sujar minha roupa de sangue? — Maria riu com escárnio. — Oh, sim. É
um dos meus vestidos favoritos.
— Ah... Mas combinaria perfeitamente com o sangue em suas mãos. — O
sequestrador fez uma pausa e traçou com a ponta da língua o lóbulo da orelha de
Maria, fazendo-a arrepiar. — ...e nas minhas.
— Quem é você?
— Sou o que você precisa.
Maria suspirou profundamente, enquanto mil perguntas giravam em sua cabeça
com a rapidez de um tornado.
Ele a soltou abruptamente e os dedos roçaram a pele macia do braço.
— Se achar que posso ser útil, venha me procurar.
O raptor recuou um passo e Maria se virou, num farfalhar de seda do vestido.
Ela mal conseguiu esconder a profunda surpresa.
Os retratos do pirata que apareceram nos jornais não lhe faziam justiça. Cabelos
louro-claros, pele beijada pelo sol e brilhantes olhos azuis iluminavam as feições tão
perfeitas que chegavam a ser quase angelicais. Os lábios, embora finos, eram
esculpidos por mãos de mestre.
O impacto causado pelo profundo magnetismo daquele homem era
desconcertante. Provocava em Maria o desejo de confiar nele, embora o brilho dos
olhos misteriosos dissesse que seria um erro.
Enquanto o fitava, Maria percebeu a inegável atenção que estavam atraindo das
pessoas que circulavam pela calçada.
— St. John!
— Estou lisonjeado que tenha me reconhecido. Ela ignorou o tom sedutor e
avaliou-o com frieza.
— Por que acha que eu precisaria de sua ajuda?
— Talvez porque eu saiba o que os agentes da Coroa estão procurando.
— O que sabe?
— Muito, mas não o bastante. Talvez, juntos, possamos combinar nossos
objetivos.
—E qual é seu objetivo?—arriscou-se a perguntar, mesmo certa de que ele não
responderia.
— Vingança.
10
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
A palavra deslizou dos lábios de St. John com tanta casualidade que Maria
ponderou se aquele homem seria tão destituído de emoções quanto ela. Teria de ser,
para se prestar à vida de crimes que o tornara famoso. Sem remorsos,
arrependimento nem consciência.
— Os agentes da Coroa interferiram na minha vida mais vezes do que eu gostaria
— ele esclareceu com sorriso enigmático.
— Não tenho ideia do que está falando.
— Não? Que pena. — St. John recuou um passo e avaliou-a da cabeça aos pés. —
Estarei disponível, caso mude de ideia.
Por um momento, Maria se recusou a virar-se e observá-lo. Porém, sem resistir ao
impulso, girou a cabeça e o estudou com avidez. Vestido como estava, seria impossível
que se misturasse à multidão que saía do teatro. A elegância do traje se destacava
dentre os demais.
Maria entendeu de pronto o apelo carismático que emanava daquele homem.
— Venha cá — dirigiu a atenção para seu lacaio.
— Milady... — O rapaz avançou um passo e abaixou a cabeça, constrangido. — Por
favor, perdoe-me!
— Pelo quê?
— E... Eu não a protegi.
Maria ergueu as sobrancelhas. Aproximando-se, tocou os ombros do jovem num
gesto que o deixou admirado.
— Não estou zangada com você. Teve medo, e esta é uma emoção com a qual
simpatizo.
— Verdade?
Ela assentiu com um sorriso amargo antes de se afastar.
O sorriso de gratidão que recebeu fez seu coração se apertar. Teria sido
condescendente demais com o rapaz?
Por vezes, sentia-se desconectada do mundo real, ponderou. Já não sabia mais a
diferença entre um simples gesto de tolerância e um ato de descaso.
Mas não importava. Vingança era tudo que ela queria, e experimentava o sabor
ácido do ódio todas as manhãs para lavá-lo da boca a cada noite. A necessidade de se
vingar era a força que fazia o sangue correr em suas veias. E Christopher St. John
poderia ser o meio para consegui-la.
Até momentos atrás, ele não passava de uma incumbência desagradável que
deveria ser finalizada o mais depressa possível. No entanto, naquele momento, as
possibilidades eram mais do que intrigantes. Eram sedutoras. Teria de planejar com
cuidado como poderiam utilizá-las. St. John era um homem perigoso, mas estava certa
11
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
12
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
13
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
14
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
nitidez da sensação de tê-lo dentro de si, mas o romance tivera fim um ano atrás,
quando o toque de Simon passara a representar mais do que conforto físico.
Maria não podia se permitir ter complacência ou felicidade. Ademais, Simon
permanecia sob o mesmo teto que ela. Recusava-se a amá-lo, mas não podia mandá-lo
embora. Adorava o irlandês e apreciava a dedicação de seu único amigo.
— Conheço suas regras — ele sussurrou, enquanto a mão experiente percorria a
curva suave das costas dela.
Maria sabia que Simon não gostava das restrições que ela impunha, mas a
desaprovação não era suficiente para diminuir o interesse carnal.
— Se eu fosse uma mulher melhor do que sou, trataria de expulsá-lo daqui. — Ela
se desvencilhou do abraço com gentileza. — Não é justo mantê-lo sob minhas asas,
quando você poderia estar ganhando o mundo.
—Você não aprendeu nada sobre mim em todos esses anos que estamos juntos?—
Simon retrucou.—Não pode me fazer partir. Eu lhe devo minha vida.
— Você exagera, Simon.
Lembrou-se de seis anos atrás, quando o vira pela primeira vez, lutando sozinho
contra muitos oponentes. Simon reagia com ferocidade ao ataque de três homens que
tentavam roubá-lo.
Ela quase seguira em frente, firme no propósito de vasculhar a noite escura para
seguir uma pista de Amélia que parecia mais promissora do que as outras. Porém, sua
consciência não permitiu que ignorasse a injusta batalha, comum nos becos de Londres.
Além disso, a força e agilidade com que o rapaz se defendia chamou-lhe a atenção.
Mesmo em desvantagem, havia orgulho e valentia no homem que lutava como um leão
enraivecido.
Empunhando a pistola e flanqueada pelos seus homens, Maria teve força
suficiente para intimidar os agressores e resgatar Simon.
Quando o levou para sua propriedade, a intenção original fora simplesmente
limpá-lo e esperar que recobrasse a consciência para mandá-lo embora. Porém, quando
ele emergiu do banho, Maria se surpreendeu com o homem viril, de beleza
estonteante. Desde então, decidiu mantê-lo sob sua proteção.
Simon recuou um passo e sorriu como se lesse os pensamentos dela.
— Eu enfrentaria dezenas de homens, centenas se preciso fosse, contanto que
isso me levasse de volta a sua cama.
— Você é incorrigível! — ela censurou, balançando a cabeça. — Não vai conseguir
me distrair com sua sedução.
—Quem disse que pretendo seduzi-la?—Simon tomou-lhe a mão e a conduziu para
a porta. — Quero apenas que descanse e tenha bons sonhos.
—E você não aprendeu nada sobre mim nesses anos todos? — ela provocou
15
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
enquanto atravessavam o longo corredor do palacete. — Prefiro não sonhar. Faz com
que o ato de despertar seja ainda mais deprimente.
— Um dia, acordar será ainda mais prazeroso do que o sonho — ele prometeu em
voz baixa.
Maria bocejou e subiu a escada, amparada pelos braços fortes. Momentos depois,
estava acomodada na cama e recebeu um suave beijo de boa-noite na testa. Quando
Simon saiu, sentia-se relaxada e confortável.
Fechou as pálpebras, vencida pela exaustão. No entanto, o tom azul dos olhos que
a seguiam durante o sono era diferente dos de seu melhor amigo.
Profundos, intensos e maliciosos, aqueles eram os olhos de um homem que, por
alguma razão misteriosa, passaram a acompanhá-la desde seu encontro inesperado com
St. John à saída do teatro.
— Boa-noite, senhor.
St. John entrou em casa e saudou com gesto discreto o mordomo que fora
recebê-lo.
— Mande Phillip encontrar-se comigo no meu quarto — ordenou, entregando-lhe
as luvas.
— Sim, senhor.
O pirata entrou e passou pela animado grupo reunido na sala. Eles o chamaram, e
fez uma pausa por um momento passeando o olhar pelo agrupamento que ele
considerava sua família. Celebravam sua liberdade recém-adquirida. Porém, o dever o
esperava. Tinha de acertar todos os detalhes se quisesse manter o presente estado
de liberdade.
— Divirtam-se — desejou, saindo da sala sob os protestos que o seguiram até o
segundo andar.
Entrou em seus aposentos e, com ajuda do valete, começou a se despir. Havia
retirado a capa quando Phillip surgiu à porta.
— O que descobriu?—St. John indagou sem preliminares.
— O tanto quanto é possível no curto espaço de um dia. — Phillip entrou, o casaco
desbotado num contraste gritante com o aposento luxuoso.
— Quantas vezes terei que adverti-lo quanto a sua inquietação? — St. John
censurou. — Denuncia uma fraqueza que implora para ser explorada.
—Minhas desculpas.—O jovem ajustou os óculos e tossiu.
—Não é necessário se desculpar. Simplesmente corrija-se. Permaneça firme, não
vacile em olhar nos meus olhos como um igual.
— Mas não somos iguais! — Phillip protestou.
Por um momento, parecia o mesmo menino fraco e desnutrido de cinco anos de
16
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
17
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Sim, senhor.
— Agora, conte-me sobre Welton — St. John pediu, acomodando-se na poltrona
ao lado da lareira.
— Ele é um homem devasso e libertino que gasta a maior parte do tempo em
mesas de jogos.
— Que lugares costuma frequentar?
— As tavernas White's e Bernardette's.
— Preferências?
— Jogos de azar e louras.
— Muito bem. -— St. John sorriu. — Estou satisfeito com o que você conseguiu.
— Sua liberdade depende disso, senhor. Se eu estivesse no seu lugar, teria
enviado alguém com mais experiência.
— Você já está pronto, Phillip. Ademais, que utilidade teria se permanecesse
inexperiente?
O rapaz sorriu e o momento foi rompido por batidas discretas à porta.
— Entre! — St. John ordenou, virando-se para observar a escultural loira e a
pequena e voluptuosa morena que se juntaram a eles.
— Ah... Minhas adoráveis princesas! Preciso das duas.
— Sentimos sua falta — disse a loura com um gesto sensual, passando a mão nos
cabelos longos.
— Senhoras, tenho uma missão para vocês duas.
— Peça o que desejar, e faremos — a jovem morena afirmou, fazendo flutuar os
longos cílios negros.
—A modista virá amanhã para tirar as medidas das duas. Vocês terão roupas
novas. Betty, você vai se tornar a mais íntima confidente de lorde Welton. Ele adora
louras, e você tem o tipo ideal para descobrir todos os segredos dele.
— E quanto a mim? — Angélica indagou com expectativa.
— Você, minha beleza morena, terá sua serventia quando for requerida...
— Sabe de uma coisa que adoro em você, mhuirnín? Maria balançou a cabeça e o
sorriso lento se espalhou pelos lábios.
Simon sentou-se ao lado dela no banco coberto por um manto de seda enfeitado
de flores. Ao fundo, a superfície serena do lago e o gramado verde realçavam ainda
mais o brilho nos olhos do amigo.
— Não? Bem, e que tal se eu dissesse apenas uma? — ele murmurou com voz
rouca. — Adoro quando você empina o queixo com ar afetado ao posar de viúva
18
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
pesarosa. E o vestido azul pálido com laço branco foi um toque de gênio.
O sorriso se alargou. Ela estava nervosa e Simon havia notado que girava o cabo
da sombrinha para aliviar a angústia. Atrás deles, a majestosa construção de pedra
que era o lar do conde e condessa de Harwick lhes proporcionaria abrigo para o fim de
semana.
— Era de se esperar, Simon. Eu não poderia desapontar nossos anfitriões.
— É claro que não. No entanto, acho delicioso. O que a cruel viúva está planejando
para este final de semana?
—Um pouco de confusão, quem sabe? Um toque de intriga?
— E quanto a sexo?
— Simon! — ela advertiu.
Ele ergueu as mãos num gesto de defesa, mas os olhos brilhavam com esperança.
—Estou me referindo a outro homem, e não a mim. Espero apenas que tenha o
bom senso de escolher alguém melhor do que St. John.
— Oh? Por quê?
—Porque ele é vulgar, mhuirnín. Corrupto, como você não é. Eu tampouco deveria
tê-la tocado. Você é fina demais para um homem como eu, e mesmo assim, sou melhor
que ele.
Maria olhou para a própria mão enluvada sobre o colo.
— O sangue que você procura está nas mãos de Welton — ele disse em tom
carinhoso, como se adivinhasse porque ela fixava o olhar sombrio nas próprias mãos.
— Gostaria que você estivesse certo. — Ela suspirou e perdeu o olhar na
superfície serena do lago. — Gostaria, também, de saber como um notório criminoso
como St. John pôde ser convidado para vir aqui.
— Ouvi dizer que lorde Harwick deve favores a ele. A gratidão dele se manifesta
em convites abertos para que frequente a casa, dentre outras coisas.
— Entendo. É uma espécie de barganha do demônio. — Simon concordou e ergueu
as sobrancelhas.
— Conte-me quais são seus planos para que eu possa encontrar a melhor forma de
protegê-la.
— Eu não tenho planos. Ainda não sei por que St. John escolheu a mansão Harwick
para o encontro. Por que não na casa dele ou na minha? Se eu não estivesse tão
desesperada, jamais concordaria com seus jogos estúpidos.
— Gosto mais quando você age sozinha.
— Obrigada. — Ela o encarou com gratidão. — No momento, a única coisa que
planejo é conversar em particular com St. John. Espero que ele faça a gentileza de
19
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
esclarecer por que nossa união pode beneficiá-lo. Baseada nisso, poderei dar o
próximo passo.
— Nesse caso, é melhor se apressar. Ele tomou o caminho à suas costas
momentos atrás. Creio que lady Harwick mencionou que há um panteão naquela direção.
Se quiser seguir, posso garantir que ninguém a perturbará.
— Simon, você é uma bênção!
— Que bom que você notou.
Maria se levantou sem perder tempo, abriu a sombrinha e suspendeu-a com gesto
gracioso. Lançou um olhar cuidadoso sobre os ombros e avistou Simon interceptar um
casal que tencionava seguir pelo mesmo caminho. Segura de que ele cuidaria de tudo,
como sempre, focalizou a atenção no que tinha pela frente.
Caminhou com naturalidade, como se estivesse seguindo casualmente por aquela
trilha, anotando mentalmente vários pontos de referência ao longo do caminho.
Momentos depois, deparou-se com uma clareira onde um templo em estilo greco-
romano se erguia ao centro. Circulou a pequena construção e olhou através dos pilares
para o interior.
— Está à minha procura?
Com a visão periférica, encontrou St. John encostado ao tronco de uma árvore
que ela havia passado segundos antes. Recobrou-se rapidamente, removendo todos os
traços de surpresa e colocando em seu lugar um sorriso.
— Na verdade, não.
O efeito foi o que ela esperava. O sorriso arrogante se desmanchou e os olhos
refletiram o brilho da surpresa.
St. John usava um elegante casaco de veludo azul escuro que combinava com a
cor dos olhos e realçava o tom dourado dos cabelos. Os olhos não eram tão cristalinos
quanto os de Simon, porém, mais profundos e misteriosos.
— Não acredito. — O desafio feito em voz rouca provocou uma deliciosa sensação
que se moveu como seda sobre a pele.
— Não me importo.
St. John era como um anjo de beleza quase irreal. Qualquer mulher ficaria
seduzida pelo timbre grave rouco da voz.
— Então, por que está passeando pelo bosque? — ele indagou.
— Por que o senhor está?
— Sou homem. Eu não passeio.
— Nem eu.
— Eu notei. A senhora, minha adorável dama, está ocupada demais espionando.
20
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
21
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
22
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
CAPÍTULO II
Maria se reuniu aos demais convidados. Estava consciente de que St. John não a
seguiria.
Ponderou que, naquele jogo, ele fizera o primeiro movimento: procurá-la no
teatro. A seguir, fora sua vez e comparecera à recepção dos Harwick para encontrá-
lo. O movimento seguinte seria dele.
Notou que Simon conversava com um grupo de damas, aparentemente encantadas
com o rapaz. Fez um gesto discreto para chamá-lo e ele se desculpou com mesura
galante e deixou a companhia alegre das damas para seguir Maria ao lago.
— E então? — indagou quando se afastaram o bastante para conversar com
privacidade.
— Ele quer sexo. É tudo que sei.
— Já sabíamos disso antes de virmos para cá — Simon comentou com desdém. —
Espero que o homem que enviei para se infiltrar entre os associados de St. John tenha
mais sucesso em conseguir informações úteis.
— Excelente, Simon. E você? Conseguiu alguma informação da acompanhante
dele?
— Creio que a missão dela é me seduzir. A moça deixou isso claro quando vocês
estavam ausentes.
— Oh... St. John não perde tempo. — Maria sorriu ao pensar que encontrara um
oponente a sua altura.
— Você gosta dele — Simon acusou-a.
— Gosto da atitude de St. John, Simon querido. Pararam diante do lago e ela
perdeu o olhar na superfície calma. O movimento sutil nas folhas de um arbusto
chamou-lhes a atenção.
Avistaram um homem escondido entre a folhagem e Simon avançou um passo,
olhando ao redor com preocupação.
— Templeton? O que está fazendo aqui?
23
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
24
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
25
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
felicidade e conforto. Era impossível dedicar-se ao prazer sabendo que Amélia estava
escondida em algum lugar, assustada e sozinha.
Como fizera mais cedo naquele dia, Maria penetrou no bosque e se aproximou do
panteão. O perolado da pequena construção permitia que o luar se infiltrasse,
proporcionando luz suficiente.
Ela fez uma pausa com a respiração suspensa. Num gesto involuntário, tocou o
cabo do punhal preso à cintura.
Um homem emergiu das sombras, pondo-a em guarda. Na escuridão, não conseguia
divisar os traços, mas percebeu que era mais baixo do que Simon ou St. John, e tão
magro, que mais parecia um fantasma.
— Onde está Simon? — ele indagou num sussurro rouco.
—Você vai negociar comigo esta noite — Maria avisou em tom firme.
O rapaz deu-lhe as costas e fez menção de ir embora, detendo-se quando ela o
lembrou:
— Quem acha que paga as moedas de ouro que recebe pelo serviço?
Templeton se virou lentamente e encarou-a, franzindo o cenho ao reconhecê-la.
Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas os olhos procuraram algo atrás das costas
dela.
O gesto a alertou, e quando Maria se virou, deparou-se com um segundo homem.
Percebeu no mesmo instante que caíra numa armadilha. Recobrou-se de pronto,
mas, antes que pudesse desembainhar a adaga, ficou paralisada diante da visão do
homem corpulento que a encarava. Ela manejava armas brancas com habilidade, mais
uma das lições que aprendera com Dayton. No entanto, receou que o menor movimento
pudesse ser fatal.
Mesmo sendo pequena e ágil, ponderou que seria arriscado enveredar pelo bosque
e fugir na noite escura. Permaneceu em uma posição na qual pudesse ver Templeton,
que a observava com avidez e, ao mesmo tempo, conseguisse focalizar o parceiro dele.
Sem ver saída, Maria cometeu o erro de gritar em alarme, e o brilho de vitória
nos olhos de seu oponente foi inegável quando ele empunhou a espada.
— Acalme-se, Harry! — Templeton gritou, alarmado.
— Acalmar-me, e perder uma oportunidade como esta? — o rapagão rugiu. —
Imagine o valor do resgate que podemos pedir a lorde Welton pela captura de sua
enteada!
Antes que Maria pudesse reagir, o gigante suspendeu a espada para atacá-la. O
brilho prateado do metal reluziu ao luar enquanto fazia uma curva descendente que a
teria ferido se não tivesse o reflexo de se desviar.
Quando o agressor suspendeu a espada mais uma vez, foi atingido no queixo antes
26
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
que pudesse desferi-la. Maria assistiu, atônita, quando um homem imerso nas sombras
imobilizou seu agressor. Os dois corpos se atracaram, sem que ela conseguisse
identificar seu salvador.
O gigante caiu, nocauteado, e o recém-chegado se ergueu com gesto ágil. O luar
revelou os cabelos dourados quando ele se virou para fitá-la com um sorriso.
Então, Christopher St. John se moveu na direção de Templeton, que permanecia
congelado pelo pavor.
— Você sabe quem sou eu? — perguntou ele.
— Sim. St. John. — O rapaz recuou com cautela. — A dama não sofreu nenhum
arranhão, como pode ver.
— Não graças a você.
Movendo-se com a agilidade de uma pantera, St. John pressionou Templeton no
tronco de uma árvore com a espada pressionada no pescoço dele.
O que se seguiu foi agonizante. St. John falava em voz baixa, ameaçando-o
enquanto aumentava a pressão da lâmina. Os sons guturais que o pobre rapaz emitia
denotavam o mais puro terror.
Contra sua vontade, Maria manteve os olhos fixos na cena de horror. Sentiu-se
nauseada ao ver o fio de sangue escorrer do pescoço do informante, e a culpa apertou
seu peito. Porém, não podia defender Templeton. Afinal, ele armara uma emboscada
para Simon, julgando que ele iria ao encontro, e a traição teria se transformado numa
tragédia se não fosse a intervenção de St. John.
— Leve seu amigo para longe daqui — St. John ordenou, apontando para o homem
caído ao chão. — Quando o sol surgir, quero este lugar exatamente como antes de
vocês chegarem, entendeu?
St. John voltou a atenção para Maria, pousando as mãos nos ombros dela a fim de
levá-la para longe dali.
Maria ficou tensa e, mesmo que tentasse não demonstrar, sabia que ele havia
percebido.
— O que uma dama como você faz a uma hora dessas no bosque? — ele indagou
com ironia.
— Não sou tola — ela protestou. — Tinha a situação sob controle.
— Podemos discutir a veracidade das suas palavras mais tarde, desde que você
não se esqueça da situação em que se encontrava antes da minha intervenção.
Embora não explicitasse, Maria agradeceu secretamente pela intromissão. Aquela
era a primeira vez, desde a morte de Dayton, que alguém se dispusera a salvá-la.
— Por que está aqui? — quis saber enquanto atravessavam o bosque.
— Eu a segui.
27
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
28
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
29
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Sarah assentiu, acostumada às partidas inesperadas. Serviu sua ama até que ela
estivesse na cama e voltou para seu quarto.
Acomodando-se sob os lençóis macios, Maria se pôs a imaginar o que Simon
estaria fazendo naquele momento. Na certa, estava rindo e, em sua gloriosa nudez,
conseguindo toda informação que desejava sem que a bela acompanhante de St. John
suspeitasse da perfídia.
Ela suspirou, invejando a proximidade que a mulher nos braços dele estava
usufruindo. Embora fosse apenas físico, era mais do que ela já tivera em um ano. A
busca por Amélia competia com a necessidade de estar disponível para Welton,
deixando-a sem tempo para suas próprias necessidades.
Welton... Amaldiçoou-o em pensamento, inquietando-se na cama. Ele ordenara que
ela se aproximasse de St. John e ganhasse a confiança dele para descobrir seus
segredos, mesmo sem saber se poderiam ser úteis.
Olhando para o teto, avaliou que fora prudente ceder ao beijo sem ir para a cama
dele. Isso o manteria interessado na medida certa.
Porém, não tinha noção de quanto tempo ficaria em Dover, atrás de uma pista que
poderia levar ao paradeiro da irmã. Para um homem como St. John, uma semana de
distância poderia ser muito tempo.
Maria se virou, fitando o movimento suave das cortinas farfalhando com a brisa.
Talvez fosse melhor abordá-los o mais depressa possível, refletiu.
Sabia pela própria experiência que, se ele perdesse o interesse, dificilmente
conseguiria reconquistá-lo. Sua missão era se aproximar de St. John, não importava o
quanto teria de colocar o orgulho de lado, e tinha apenas algumas horas para isso.
Consciente de que somente o amor pela irmã a movia, ela se levantou e abriu a
porta. Olhou para os dois lados do corredor, dirigindo-se em silêncio para o aposento
de St. John com a sensação de que caminhava para a jaula de um leão.
Deteve-se com a mão na maçaneta, mas antes que pudesse fazer qualquer
movimento, a porta se abriu de súbito.
Quando Maria se deparou com St. John, o tempo pareceu parar. Ele usava apenas
a roupa de baixo, revelando a nudez do peito bem-feito. Os cabelos dourados
reduziam à luz das velas, formando um halo angelical que o contornava.
St. John preenchia o espaço com o corpo vigoroso e a força que era seu
predicado mais marcante, preenchendo os sentidos de Maria e aguçando seu desejo.
— Posso fazer amor com você no corredor, se quiser, mas ficaremos mais
confortáveis na cama.
A voz grave a despertou do encantamento. Maria pestanejou, sem conseguir
desviar os olhos do torso nu. Procurou alguma coisa para dizer, mas o magnetismo de
St. John a deixou amortecida. Desejava-o, e teve certeza de que ele sabia disso.
30
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Antes que pudesse reaver o autocontrole, ele tomou-lhe a mão e conduziu-a para
o interior do aposento.
— Você está maluca? — St. John fechou a porta do quarto e a encarou. — Não
pode andar por aí vestida desse jeito!
Num gesto de defesa, Maria cruzou os braços sobre o peito.
A camisola transparente que usava deixava entrever todas as curvas do corpo
bem-feito. St. John subiu o olhar das pernas longas para o quadril arredondado,
detendo-se na sombra escura triangular na virilha.
— E você não deveria abrir a porta quando está seminu — ela retrucou,
percorrendo o caminho de pêlos dourados que se perdiam sob o cós.
— Estou em meu quarto.
— Eu também estou no seu quarto — ela retrucou.
— Mas não estava um minuto atrás!
St. John segurou-a pelos ombros num gesto possessivo. O traje que ela usava
oferecia menos proteção para a mão de um homem do que para os olhos.
— Seria melhor que estivesse nua. Sua camisola é uma tentação, e o que está
dentro dela pertence a mim.
Maria o encarou com a boca aberta.
—Arrogante! Quem pensa que é a me tratar dessa forma?
Ela avançou e o esbofeteou no rosto.
A ação estarreceu St. John. Ninguém jamais ousara injuriá-lo. Até mesmo
aqueles que desejavam a morte escolhiam maneiras mais pacíficas de provocá-lo.
Hesitou, incerto sobre como se sentia. Porém, a poderosa atração física que
Maria exercia sobre ele dissipou qualquer dúvida. Agarrou-a com tanta força que
ambos foram para o chão, e o impacto repercutiu em cada osso do corpo de Maria.
— Meu Deus! — gritou, caindo sobre ele. — Você está maluco?
St. John apenas riu. Ela era mais leve e suave do que imaginara. A pele cheirava a
frutas cítricas e flores, numa provocante promessa de inocência. Ele tinha consciência
de que, como cavalheiro, deveria se desculpar, mas o desejo que pulsava em suas veias
o movia a agir sob a força dos instintos mais selvagens e primitivos.
— Bruto! Deixe-me sair!
— Confesse, Maria... Você está gostando!
Sem deixar que ela respondesse, St. John posicionou-se sobre ela e cobriu-lhe a
boca com possessão selvagem. Mãos ávidas suspenderam o tecido fino da camisola e
percorreram as pernas esculturais, subindo lentamente até a virilha.
— Não! Você não terá a mim dessa forma!
31
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
32
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Maria fechou os olhos e inalou o cheiro denso que impregnava o ar, confundindo a
fragrância de bergamota e tabaco com os perfumes que a brisa da noite carregava
para o interior do aposento.
O dia estava quase amanhecendo. Em breve, ela teria de partir. Dover e a
perspectiva de encontrar Amélia eram apelos fortes o bastante para lhe dar forças
para agir.
St. John acariciou-a com movimentos suaves, numa ternura que a surpreendeu.
No instante seguinte, a evidente ereção revelou que o toque fizera o desejo se
renovar.
Ela encarou o rosto do amante, pensando mais uma vez em como se parecia com
um anjo caído dos céus... Porém, as aparências eram enganosas. No fundo, aquele
homem era um predador implacável.
Tocou os cabelos dourados, sorrindo ao vê-lo fechar os olhos em deleite.
— Eu não me sinto atraída por homens louros — ela comentou como se pensasse
em voz alta.
Em resposta, St. John riu.
— Sou grato por você não ter a mesma opinião a respeito de outros aspectos da
minha anatomia.
Maria girou o corpo e sentou-se na cama.
— E eu não gosto de mulheres irascíveis — ele prosseguiu, olhando para o teto. —
Mas gosto de você, só Deus sabe por quê...
O elogio improvisado a agradou. Porém, o sorriso se desmanchou em seus lábios
quando, ao longe, ela ouviu o gongo do relógio soar as horas.
— É pena não estarmos em casa. — Os olhos cor de safira reluziram. — Não gosto
de ter de me apressar.
Maria encolheu os ombros, recusando-se a admitir que sentia o mesmo. Em seu
íntimo, sabia que sentiria falta dele.
— Como pude pensar que você fosse fria?—ele murmurou em meio a um bocejo,
enlaçando-a pela cintura um segundo antes de mergulhar em sono profundo.
E, mesmo no sono, St. John a manteve presa em seus braços, sem deixá-la partir.
Maria entrou nos seus aposentos com um suspiro de alívio. Ninguém a vira
atravessar o vasto corredor, milagre que se tornou possível graças a sua habilidade em
se esgueirar nas sombras e evitar ser descoberta por empregados curiosos.
Quando se sentou na cama, o vulto de um homem surgido das sombras a assustou.
— Mhuirnín.
Simon se apoiou no suporte do dossel, fitando-a com expressão inescrutável.
33
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
34
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Talvez porque Simon Quinn estava com ela no mesmo coche em que haviam
acabado de partir da mansão Harwick, ponderou, e seus dentes se apertaram.
— Angélica — chamou, e a jovem colocou a xícara de chá sobre a mesa e se
apressou em atendê-lo. — Você passou a noite com o sr. Quinn. O que descobriu?
—Eu tentei obter alguma informação, mas ele estava mais inclinado a... se
distrair.
St. John arqueou uma sobrancelha.
— O que contou a ele?
O rubor que cobriu as maçãs do rosto da moça o fez praguejar em voz baixa.
— Não muito — ela afirmou, hesitante. — Ele estava curioso sobre seu interesse
em lady Winter.
— E o que você respondeu?
— Eu disse que você mantém seus negócios em sigilo, mas se a desejasse, você a
teria.
Angélica soltou o ar e abaixou o rosto, sem que ele deixasse de notar as olheiras
profundas em consequência da noite ardente nos braços de Simon.
A memória de Maria, macia e pronta ao desejo, aqueceu-lhe o sangue. As marcas
das unhas afiadas em suas costas, consequência dos momentos de desvario, ainda
queimavam.
— Qual foi a resposta de Quinn? — ele perguntou. Angélica estremeceu.
— Ele disse que é lady Winter quem escolhe o homem que terá o privilégio de
compartilhar a cama dela.
St. John não mostrou nenhum sinal externo do efeito que a declaração teve
sobre ele.
Quinn estava certo. Era o irlandês quem compartilhava a casa de Maria, assim
como a vida e a confiança dela, enquanto ele próprio não tivera nada mais que algumas
horas de prazer.
—Vá fazer as malas — ordenou, dispensando-a.—Agora, que Maria partiu, não há
mais nada que me prenda aqui.
St. John fechou os olhos ao sentir a espuma macia ser espalhada no rosto.
Seu pensamento se voltou para Maria. Ele a desejava, como seria natural para
qualquer homem. Porém, teria de sacrificar a paixão em nome da liberdade. Desejar
aquela mulher era um inconveniente em oposição direta com os objetivos da agência.
Os agentes que trabalhavam a serviço da Coroa da Inglaterra eram um
aborrecimento. Seguiam-no a toda parte, espionavam-no e o lembravam de que o preço
de sua liberdade seria alto. O fato de Maria ter se casado com dois deles poderia ter
sido simplesmente por serem homens ricos. Porém, sua missão era descobrir se os dois
35
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
casamentos envolviam de alguma forma algum interesse escuso que envolvesse a Coroa.
No entanto, havia outras considerações além da luxúria e da agência. Simon
Quinn não estava cuidando apropriadamente de Maria. Ao enviá-la para se encontrar
sozinha com Templeton, ele a deixara vulnerável e exposta.
Enquanto considerava todos os riscos que ela corria, seus dedos se apertaram ao
redor dos braços da cadeira. Maria vivia rodeada pelo perigo, fato que o aborreceu
mais do que gostaria de admitir.
Fechou os olhos ao sentir o criado deslizar a lâmina da navalha em seu queixo. Na
verdade, o maior perigo para Maria, naquele momento, era ele próprio.
Maria se acomodou na cadeira e olhou ao redor da saleta de jantar que ocupava.
Em frente a ela, Simon assistia à camareira coquete com olhar lascivo. A hospedaria
que escolheram para passar alguns dias em Dover era confortável e adequada por
várias razões, além do fogo crepitando na lareira. Naquela cidade, uma jovem com a
mesma idade e características de sua irmã fora vista dias atrás.
Depois de quatro dias de procura e de interrogar todos os comerciantes locais,
Simon descobrira que uma jovem senhora chamada srta. Pool visitara recentemente
uma das modistas. Naquela tarde, conseguira descobrir o endereço, uma propriedade
localizada nos arredores da cidade. Ninguém sabia de nada acerca da moça que ficara
esperando no coche enquanto a governanta ia às compras, mas esperava
desesperadamente que fosse Amélia.
— Você trabalhou incansavelmente nesses últimos dias, Simon. Merece um
repouso. Já me deu muito do seu tempo, da sua energia e do seu suporte. Não precisa
se negar ao prazer e à felicidade por minha causa.
— Minha felicidade é ligada invariavelmente a sua.
— Então, você deve ser miserável — ela comentou com um sorriso triste. —
Desfrute a vida, meu querido amigo.
Simon riu e alcançou a mesa para pousar a mão sobre a dela.
— Você sabe como fico feliz com sua afeição? Em toda a minha vida, você é a
única pessoa que deseja minha felicidade. Tudo o que faço e de tudo que me privo é
por gratidão e pelo desejo recíproco de vê-la feliz.
— Obrigada, meu amado.
Maria sabia como ele se sentia. Simon cumpria papel semelhante na sua vida. Era
a única pessoa que a amava incondicionalmente .
Ele deu uma palmada suave na mão dela e se instalou na cadeira.
— Há dois homens de nossa confiança vigiando a propriedade para onde o coche
da srta. Pool se encaminhou. A jovem que está instalada na casa fica reclusa na maior
parte do tempo. Amanhã, à luz do dia, nós mesmos iremos até lá.
— Está bem. Posso esperar mais algumas horas, já que esperei anos. — Ela sorriu.
36
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Isso quer dizer que a noite é sua para fazer o que desejar.
Naquele momento, a camareira voltou ao aposento com uma bandeja de café.
Maria piscou em cumplicidade para Simon, que inclinou a cabeça para trás numa sonora
gargalhada.
— Perdoe-me, mas vou me recolher — ela disse, afetando um bocejo exagerado.
— Estou muito cansada.
Simon se pôs de pé e contornou a mesa, puxando a cadeira para que ela se
levantasse. Tomou-lhe a mão e pousou um beijo gentil, com o brilho da malícia nos
olhos.
Maria foi para o quarto anexo, onde Sarah a esperava para ajudá-la a se despir.
Embora estivesse feliz por Simon ter companhia naquela noite, estava frustrada
pela ausência dele. A presença do fiel amigo a distraía das recordações da voz rouca e
das carícias ternas de St. John.
Sentia-se tola como uma adolescente por pensar nele com frequência.
Justificava-se, dizendo a si mesma que havia se apegado a ele simplesmente pela longa
abstinência anterior.
— Obrigada, Sarah — murmurou quando a criada retirou seu espartilho.
Depois de uma mesura rápida, a moça se preparou para partir, mas uma batida
súbita na porta a retardou.
—Espere!—Maria levou a mão ao punhal no criado-mudo.
Colocou-se ao lado da porta e acenou com a cabeça em permissão para Sarah.
— Sim? — a criada indagou, abrindo apenas uma fresta da porta.
Ao ouvir a voz de um de seus homens, Maria relaxou e abaixou o punhal.
— Vá ver o que John quer — ordenou, recuando um passo. — Ele estava vigiando a
casa onde Amélia foi vista. Na certa, tem alguma informação nova.
Sarah saiu para o corredor e voltou momentos depois.
— Milady, John está preocupado com alguma suposta atividade suspeita na
propriedade em que se encontra Amélia. Ele pediu para avisá-la de que a senhora e sr.
Quinn devem seguir com ele até lá, pois se deixarem para amanhã, poderá ser tarde
demais.
— Querido Deus! — As batidas do coração de Maria se aceleraram. — Veja se
consegue encontrar o sr. Quinn. Eu duvido, mas temos de tentar.
Sarah partiu, e Maria tirou a camisola para mudar de traje. Os pensamentos
corriam à frente dela, e considerou vários enredos, assim como a possibilidade de
administrá-los.
Tinha apenas quatro homens com ela e teria de usá-los para vigiar o perímetro.
Poderia contar com, no máximo, dois deles para cuidar da sua segurança pessoal.
37
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
38
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
39
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
40
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Sem perder tempo, Maria se projetou entre os dois homens, e seus passos foram
impedidos pela muralha humana, enquanto ouvia a carruagem se afastar, levando
Amélia.
Se não conseguisse se livrar daqueles homens, perderia a irmã novamente.
De repente, novos combatentes se uniram a ela e John, não para lutar contra,
mas ao lado deles. Maria não sabia quem eram, mas agradeceu-os secretamente.
Saltando para trás, ela girou o corpo e correu o mais rápido que pôde na direção da
estrada.
—Amélia!—gritou, avistando a diligência a poucos passos dali. — Amélia, espere!
Ela alcançou a carruagem em movimento e se agarrou à rédea de um dos cavalos,
respirando com sofreguidão.
Quase sem fôlego, viu quando a porta se abriu para revelar, a princípio, um pé
pequeno e delicado. O rosto que emergiu da cabine era emoldurado por longos cabelos
escuros e olhos verdes luminosos.
Não era a criança que Maria se lembrava, mas não havia dúvida de que se tratava
de Amélia.
— Maria?
Lutando contra a mão possessiva da mulher que tentava segurá-la, Amélia
estendeu o pé e tentou saltar do coche em movimento. No entanto, foi puxada com
violência, e o cocheiro açoitou os cavalos para que avançassem em disparada.
Maria tentou acompanhar a velocidade, buscando dentro de si todas as forças de
que dispunha. Porém, uma força poderosa a golpeou por trás e jogou-a ao chão.
Esmagada sob o peso de um homem, Maria mal podia respirar. Desesperada,
debateu-se e golpeou o ar com as pernas, até que uma dor profunda como jamais
sentira antes a fez gritar. Os músculos do ombro se dilaceraram ao serem rasgados
por uma lâmina pontiaguda, não uma, mas duas vezes.
Então, misericordiosamente, o peso foi aliviado.
Ela balbuciou o nome da irmã mais uma vez, em agonia, antes de sentir-se
despencar num abismo negro sem fim.
CAPÍTULO III
41
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
42
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— A ação foi mais rápida do que pudemos prever — ele justificou sem encarar o
mestre.
— Onde Maria está?
— Na mansão de inverno, aqui em Londres — Sam respondeu de pronto.
St. John relanceou o olhar para Phillip, e ele entendeu a ordem silenciosa.
— Vou preparar seu cavalo — o criado anunciou ao sair apressadamente.
O olhar de St. John se fixou na face corada de Sam.
— Quinn não estava com ela quando o ataque aconteceu? Quando o rapaz negou
com um gesto quase imperceptível,St. John se levantou e passou por ele como um
furacão, forçando-o a saltar para não ser atropelado.
Ao passar pela sala, chamou dois de seus homens e apanhou o casaco e as luvas.
Momentos depois, estava a caminho da mansão de Maria.
Uma vez que tivesse se assegurado de que ela estava bem, poderia ouvir dos
quatro homens designados para protegê-la o relato detalhado do incidente.
Ao chegar, ele desmontou e deixou os dois homens guardando a entrada. Mal
esperou que o mordomo abrisse a porta para entrar e subir de dois em dois degraus a
escada para o andar dos quartos.
Bateu à porta do quarto de Maria, e ela se abriu no mesmo instante.
— Por Deus! — Quinn rugiu ao vê-lo. — Vá embora, ou vou matá-lo com minhas
mãos nuas!
St. John empurrou-o e entrou, ignorando a ameaça.
— Tomem conta dele — ordenou ao homem que o seguia de perto, e foi obedecido
prontamente.
O brutamontes imobilizou Simon e o arrastou para fora do quarto.
— St. John!
Ele sorriu ao som da voz melodiosa. Avistou Maria deitada na cama, com o rosto
pálido lívido de dor.
— Fique à vontade — ela sussurrou, indicando a cadeira ao lado da cama.
— Obrigado.
Colocou o casaco sobre o encosto e se sentou, sem deixar de fitá-la.
— Não olhe para mim — Maria pediu, desviando o rosto. — Estou horrível!
— Tolice. Você ainda é a mais linda das mulheres. — Ele sorriu e alcançou a mão
pequenina, prendendo-a entre as dele.— Não se preocupe com mais nada agora. Pense
apenas em mim.
— É tudo o que tenho feito nos últimos dias.
43
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
44
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
45
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
46
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
47
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
48
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
49
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Era ela quem estava lá! Eu vi o olhar no rosto de minha irmã, e não era o de um
monstro sem consciência que me transformaria numa cortesã ou tolice semelhante,
como meu pai acusa.
A srta. Pool fez uma careta, e os olhos de um azul pálido se enterneceram.
— Eu não a teria impedido de falar com ela se tivesse certeza de que era sua
irmã. Tudo que vi foi só um rapaz jovem correndo atrás da carruagem. Na certa, era
um mancebo perdido de amor. — Ela suspirou, arrependida. — Talvez, se tivesse
deixado que trocassem algumas palavras, você teria se convencido de que não era
Maria, e pararia de alimentar essas ilusões sobre a força de caráter dela.
— Em todo caso, obrigada por não revelar minhas suspeitas para meu pai. —
Amélia apertou a mão da preceptora.
O cocheiro e os criados também tinham mantido silêncio. Tendo estado desde o
princípio com ela, desenvolveram um verdadeiro afeto por Amélia e faziam tudo que
podiam para que estivesse tão feliz quanto possível, com exceção do cocheiro, Colin,
objeto do afeto da jovem, que passava todo o tempo evitando-a.
— Você me implorou — a srta. Pool disse com um suspiro. — Não fui forte o
bastante para negar seu pedido.
— Não se trata de uma mentira, já que você não acredita que era ela. Estamos em
Lincolnshire, e minha irmã não tem a menor ideia do meu paradeiro.
Amélia suspeitava que, se o pai soubesse das ações de Maria, sua vida se tornaria
ainda mais reclusa.
— Vi artigos no jornal, Amélia. O estilo de vida de Maria não é condizente com o
de uma jovem de família. A influência dela não seria adequada para você.
—Não insulte Maria, srta. Pool!—Amélia disse vivamente. —Não a conhecemos
bem o bastante para julgar aspersões no caráter dela.
A voz de Amélia fraquejou ao recordar a cena do rufião que a esmagara no chão e
a perfurara com uma faca. Lágrimas doloridas rolaram pelo rosto angelical.
— Meu Deus, espero que ela esteja bem!
Durante todo o tempo, ela acreditara que o pai a protegia de Maria quando a
forçava a se mudar de cidade em cidade, viajando durante a noite sem nunca saber
para onde estava indo.
Agora, aos dezessete anos, começava a dimensionar a lacuna que a falta da irmã
representava.
Nada na vida dela era permanente. Nunca havia morado em uma casa que pudesse
chamar de lar. Nunca tivera um quarto decorado com papel de parede que ela própria
escolhera. Nunca poderia sair à rua e frequentar escolas como as jovens da sua idade
faziam.
Então, descobrira que não estava sozinha. Irmãos eram permanentes. Pela
50
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
primeira vez em anos, percebeu que havia alguém no mundo que se importava com ela.
Maria arriscara a vida numa tentativa desesperada de libertá-la, e saber disso deu um
novo sentido a sua vida.
Tentando suplantar a dor, Maria deslizou para a beirada da cama, ansiosa por
libertar Simon.
Estava a ponto de pisar no chão quando a porta do quarto se abriu e St. John
entrou.
Sem dizer nada, ele chamou um de seus homens e ordenou que libertasse Simon,
que foi levado ao quarto de Maria por um brutamontes duas vezes maior que ele.
Quando se viu livre da mordaça, o irlandês explodiu numa profusão de
imprecações em sua língua natal e esfregou os pulsos machucados pela corda rústica.
Os dois homens se encararam num desafio silencioso, e St. John sorriu com
superioridade.
— Desculpe pelo mau jeito, mas não tive escolha. E agora, por favor, queira nos
deixar a sós.
Simon hesitou por alguns instantes, e se resignou a obedecer quando Maria fez
um gesto discreto indicando que saísse.
Grunhidos e resmungos enraivecidos o acompanharam quando ele bateu a porta do
quarto com violência.
— Como está se sentindo? — St. John se voltou para Maria com um sorriso.
— Muito mal. Não gosto da forma como trata Simon.
— Como eu disse, não tive alternativa a não ser amarrá-lo.— Ele se aproximou e
sentou-se na cadeira ao lado da cama.— Ele merecia uma lição por tê-la deixado sair
sozinha na noite em que foi atacada. Não tenho nenhum desejo de ser cortês com ele.
Simon falhou na tarefa de protegê-la.
— Ele não sabia que eu estava partindo—Maria defendeu o amigo.
St. John e encarou-a com censura.
— Não quero que repita essa tolice, Maria. Não é prudente correr riscos
desnecessários. — A expressão se tornou ainda mais grave antes que ele prosseguisse:
— Mesmo assim, Quinn a conhece bem o bastante para a antecipar suas ações.
— Eu não teria me precipitado se não soubessem que aquela poderia ser a única
chance de encontrar.... — ela se calou e recostou-se nos travesseiros.
O efeito do sedativo havia passado, e seu ombro latejava.
St. John abriu a boca para perguntar quem ela pretendia encontrar, mas mudou
de ideia, decidido que não era o momento para interrogatórios. Poderia descobrir mais
tarde, quando conversasse com Tim, um dos homens que haviam socorrido Maria
naquela noite.
51
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
52
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
53
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— É pena... Terei de esperar que você saia de casa para prendê-lo. — Sedgewick
concluiu ao se levantar, esfregando as mãos com satisfação antecipada.
— Vou matá-lo com minhas próprias mãos! — Simon rugiu, sentado ao pé da cama
de Maria.
—Acalme-se, querido amigo. No momento, eu preciso dele.
— Espero que sua associação com o pirata não dure muito tempo — ele resmungou
com desagrado. — Hoje à noite, vou me reunir com o jovem que está infiltrado na casa
de St. John. Com sorte, terá conseguido alguma informação útil.
— Por que eu duvido disso? — Maria suspirou, desanimada, e Simon amaldiçoou em
galês.
— Porque você é sábia. Todos os criados de St. John passam no mínimo dois anos
no serviço antes de terem permissão para entrar na casa. É uma forma de controlar a
lealdade da criadagem. Qualquer um que tenha propósito secundário acha a espera
muito longa. No entanto, dizem que os subalternos do corsário dão a vida por ele.
— É fácil ver por que ele é próspero, não é?
— Não me peça que o admire — Simon sibilou. Mudando para achar posição mais
confortável, Maria gemeu e levou a mão ao ombro esquerdo.
— Mhuirnín...
No momento seguinte, mãos fortes e gentis a suspenderam, ajeitando-a sobre o
travesseiro.
—Obrigada.
— Dói em mim vê-la assim — ele murmurou, ajeitando um cacho negro que caíra
sobre o rosto pálido.
— Eu ficarei bem num instante — ela o assegurou. — Espero estar completamente
recuperada antes que Welton venha me ver novamente. Nós só podemos rezar para
que a visita de St. John ontem tenha sido convincente o bastante para mantê-lo
distante até que eu esteja curada.
Um dos lacaios bateu à porta e Simon foi abri-la. Recebeu a correspondência que
o rapaz levava e se aproximou da cama para entregá-la a Maria.
— É uma missiva de Welton — ela comentou com um bocejo, quase adormecida.
— O que diz?
— Exige minha presença no baile de máscaras amanhã, na mansão Campion.
Querido Deus! — ela rogou, aflita.
— Você não pode andar nessas condições! O ferimento em seu ombro ainda não
cicatrizou.
— Não posso recusar, Simon. A vida de minha irmã está em jogo.
54
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Mal posso esperar pelo dia em que Welton conhecerá a força da minha ira! —
Simon esbravejou, furioso. — Matá-lo será um prazer para mim.
—Um dia de cada vez. E agora, peça a Sarah para escolher um vestido que
esconda meus ombros e pescoço.
Maria desceu da carruagem e, com um ajuste rápido na máscara que escondia os
olhos, entrou no salão de baile na mansão Campion.
O vestido discreto, cor-de-rosa pálido com gola alta, ficara ainda mais sóbrio
com a echarpe de veludo negra que pendia dos ombros.
Seu olhar passeou pelo recinto com aparente casualidade, mas a postura
majestosa enviava mensagem silenciosa para que todos mantivessem distância.
Onde estaria St. John?
Atravessou a sala e se postou ao lado da porta que se abria para a sacada. Ao
avistar Welton do outro lado do salão, os músculos de seus ombros se tensionaram.
Reprimiu a ira e cumprimentou-o com uma ligeira inclinação da cabeça.
A orquestra executava uma valsa alegre e os pares rodopiavam como um
caleidoscópio colorido em movimento. O burburinho animado das conversas regadas a
champanhe indicavam que ninguém estava prestando atenção a ela.
Maria estava começando a acreditar que sobreviveria àquela noite quando alguém
esbarrou em seu braço esquerdo. Reprimindo o gemido de dor, ela ofegou e girou o
corpo, num gesto de defesa.
— Queira desculpar — uma voz baixa ecoou atrás dela.
Ao se virar, Maria se deparou com um homem que a fitava , como se a
conhecesse. A intensidade com que a avaliava provocou-lhe mal-estar.
— Lorde Sedgewick! — um senhor de cabelos grisalhos abordou-o no momento em
que o desconhecido ia lhe dirigir a palavra. — Que prazer encontrá-lo!
Para seu alívio, o senhor se pôs a falar sobre o jantar que desejava oferecer,
dando-lhe a chance de escapar.
Logo que voltou ao salão, a figura poderosa de um homem usando máscara negra
chamou sua atenção. Apesar do arte-fato que escondia a fisionomia, soube que era St.
John.
Ele conversava com uma jovem de estatura baixa e longos cabelos negros.
Chamou-lhe a atenção o fato de ela usar um vestido da mesma cor e modelo quase
idênticos ao seu, com exceção da echarpe.
A pose descontraída traía o afeto que havia entre eles. A promessa de uso
exclusivo era uma mentira, pensou, enciumada.
— Ah! Aí está você!
A voz de Welton atrás dela a fez emudecer.
55
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
56
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Claro que não, criança ingrata. — Welton riu e puxou-a na direção do conde. —
Mas eu não me importo.
—É um prazer conhecê-la. — O lorde levou a mão de Maria aos lábios e pousou um
beijo lascivo.
— Lorde Eddington.
Ela sorriu e inclinou a cabeça polidamente, observando com o canto dos olhos o
padrasto se afastar com uma risada.
— Como nunca fomos apresentados antes?
— O senhor é disputado entre as mulheres, milorde, o que o deixa com pouco
tempo para desperdiçar com alguém como eu.
— Sempre tenho tempo para mulheres adoráveis como a senhora. — Ele a estudou
cuidadosamente. — Se permitir, gostaria de conversarmos em particular.
Maria inclinou a cabeça para o lado e mordeu os lábios.
— Não consigo pensar em nada que não possa ser dito aqui.
— Tem receio de que eu possa seduzi-la? — ele perguntou com um sorriso. —
Prometo que saberei me comportar.
— Ainda assim, serei forçada a recusar.
O conde se aproximou e abaixou a voz num sussurro.
— A agência da Coroa está muito interessada na senhora, lady Winter.
Maria estreitou os olhos, disfarçando o interesse.
— Consentirá em falarmos reservadamente agora? Incapaz de negar, ela permitiu
que a conduzisse para fora do salão dirigindo-se a um longo corredor que se abria para
uma saleta privativa.
— O que quer? — ela perguntou sem rodeios. Acomodou-se num canapé e notou,
apreensiva, que ele passou o trinco na porta.
— Depois das mortes dos agentes Dayton e Winter — começou Eddington,
sentando-se à frente dela —, a senhora se tornou suspeita de traição à Coroa.
Ela respirou fundo e agradeceu à tênue iluminação das velas para livrá-la de
qualquer sinal de culpa.
— Eu sei. E o que isso lhe diz respeito?
— Eu estava falando com lady Smythe-Gleadson na noite passada, e ela
mencionou que a viu com Christopher St. John numa recepção na mansão Harwick.
— Oh? E mesmo? — Maria levou o indicador sobre os lábios, num gesto adorável.
—Eu converso com muitas pessoas, e me esqueço da maioria.
— Ela disse que o calor entre vocês era palpável.
57
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Confesso que não me lembro desse nome — Maria declarou depois de simular
grande esforço mental.
— Lady Winter, não vamos perder tempo com mentiras. — Eddington inclinou o
corpo para a frente e abaixou o tom de voz.—O desaparecimento da principal
testemunha contra St. John precipitou a liberação dele. A agência sabe que ele é
culpado de pirataria, mas não tem provas. Eu acredito que há algum agente aliado ao
pirata, na certa para usá-lo com outros fins. St. John é um homem inteligente, mas até
mesmo ele tem limites.
— Se a agência suspeita de St. John, posso assumir que o senhor suspeita de
outro agente.
—Deveria se preocupar menos com meus interesses e mais com os seus, milady.
— O que quer dizer?
— Que a senhora poderia usar um amigo dentro da agência, e eu poderia usar uma
amiga de St. John.
— Está sugerindo me usar para obter informações sobre St. John? — ela
perguntou, incrédula. — Deve estar zombando!
— No momento, a senhora e St. John encabeçam a lista de criminosos mais
procurados pela agência. A senhora por ser suspeita de matar dois homens da Coroa, e
o pirata, por uma variedade de delitos.
Maria não pôde decidir se ela desejava rir ou chorar.
Como a vida a conduzira àquilo? O que seus pais pensariam se visse a que ponto
havia chegado?
Eddington apoiou os cotovelos sobre os joelhos, aproximando-se ainda mais.
— Welton organizou seus dois matrimônios, e aumentou sua fortuna depois da
morte de seus maridos. Notei como estava empenhado em apresentá-la a mim. Seu
padrasto tem interesse mercenário em você. Winter me disse o mesmo certa vez.
— Eu não vejo por que isso possa interessá-lo.
— Sabe no que acredito? — ele perguntou. — Que Welton tem algo que o liga à
senhora. Assim, consegue sua cooperação. Eu posso livrá-la desse compromisso
indesejado, mas não espero ajudá-la sem receber algum benefício em troca.
— O que espera que eu faça? — Maria indagou com ceticismo.
—Averigúe o que aconteceu à testemunha de acusação de St. John, e eu
afiançarei sua liberdade tanto da agência quanto de Welton.
— Talvez minha alma seja negra como o pecado, e mesmo assim, o senhor a quer...
— É um risco que estou disposto a correr.
Maria refletiu por alguns instantes, consciente do olhar penetrante sobre ela.
58
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
—Vou pensar sobre sua proposta — disse por fim, erguendo o queixo com
determinação. — Mas, se eu aceitá-la, vai lhe custar mais do que remover Welton e a
agência da minha vida.
O conde estreitou os olhos, numa inquisição silenciosa.
— E quanto pretende cobrar pela sua cooperação?
— Recuso-me a discutir questões monetárias com alguém que não seja meu
contador. Considero vulgar e, por vezes, humilhante. Vou lhe dar as orientações e o
senhor poderá acertar o valor combinado com ele.
— Talvez eu não considere que St. John valha tanto.
— O senhor tem uma testemunha, se é que ainda está viva — Maria lembrou-o. —
Afora isso, não tem nenhuma prova contra St. John, exceto meu testemunho.
— E você testemunhará contra ele? Maria assentiu num gesto breve.
— E quanto às mortes de Dayton e Winter? A senhora é a principal suspeita.
— Talvez eu os tenha matado, milorde. Talvez não... — Os lábios se curvaram num
sorriso enigmático.—Vou deixar que o senhor consiga as provas, de um jeito ou de
outro.
— Como posso ter certeza de que corresponderá às minhas expectativas, lady
Winter?
—Não há como ter tal certeza, assim como não posso saber se sua proposta não é
mais um elaborado ardil para me acusar da morte de meus dois maridos.
Eddington avaliou-a por longos minutos antes de sorrir.
— Não sei dizer se a senhora é um demônio sedutor ou uma vítima das
circunstâncias, milady.
— Pergunto-me o mesmo todos os dias, milorde. Suspeito de que eu seja um pouco
dos dois.
— Milorde — St. John cumprimentou com reverencia. — Gostaria de apresentá-lo
à incomparável lady Winter.
Angélica inclinou o tronco numa mesura adorável quando lorde Sedgewick tomou-
lhe a mão.
— É um prazer conhecê-la — o agente murmurou, encantado. — Desculpe pelo
meu descuido, momentos atrás, quando esbarrei na senhora.
Sedgewick fitou a jovem com curiosidade quando Angélica não disse nada.
Mantendo a compostura, St. John pousou discretamente um dedo sobre os lábios,
indicando que sua amiga ficasse em silêncio.
— Lady Winter está incógnita esta noite, meu senhor.
— Ah! Claro. — O sorriso de Sedgewick se alargou. — Um rosto tão adorável
59
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
60
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
61
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
62
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
63
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Vá embora — ordenou.
— Mas...
— Por favor, não me peça para explicar — suplicou. — Apenas vá.
Ele encarou-a por alguns instantes e, sem dizer nada, deu-lhe as costas e saiu
pela janela de onde havia entrado.
Maria afundou o rosto no travesseiro, mergulhada num pranto convulsivo.
Teria de entregá-lo se quisesse ter sua irmã de volta. Tudo que teria de oferecer
em troca de Amélia era o homem que amava, servido em uma bandeja de prata...
CAPÍTULO IV
64
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
era o mundo do outro lado da cerca? Que aventuras a esperavam para além de sua
restrita existência que consistia em criadas, uma preceptora e viagens noturnas em
estradas desertas?
— Ah, a bela dama nos brindou com sua presença!—Assustada, ela se virou na
direção da voz masculina.
— Por Deus! Você me assustou! — exclamou, pousando a mão sobre o coração
disparado no peito.
Reconheceu o jovem com o rosto sardento contratado recentemente como lacaio.
— Sinto muito, milady. — O rapaz sorriu em desculpa. — Não quis assustá-la.
Amélia notou a vara de pescar e o cesto de vime numa das mãos do rapaz.
— Aonde vai?
— Pescar. — Ele fez um gesto para o outro lado da cerca. — Há um riacho logo à
frente. Gostaria de ir comigo?
—Não sei—ela admitiu com um sorriso.—Nunca pesquei. O rapaz franziu o cenho,
e Amélia suspeitou que ele fosse tão novo quanto ela, senão ainda mais jovem.
— Não quer experimentar? — ele propôs timidamente. — Por vezes, os peixes
beliscam a mão ao tirá-los do anzol, mas não me importo.
Amélia mordeu os lábios, indecisa.
— Vamos logo, antes que a srta. Pool a mande entrar — o rapaz apressou-a. —
Não é longe. Se não gostar, podemos voltar para casa.
Mesmo sabendo que não deveria ir, Amélia se viu tentada a experimentar a breve
aventura e uma onda de excitação a percorreu diante da possibilidade de romper a
monótona rotina em que vivia mergulhada.
— Como se chama? — perguntou, aceitando a mão para ajudá-la a passar sob uma
fenda na cerca.
— Benedict, mas pode me chamar de Benny.
Ele sorriu e apanhou a vara de pescar que colocara de lado para ajudar Amélia.
Caminharam sem falar por alguns momentos, movendo-se através das árvores, até que
o som da água corrente pudesse ser ouvido.
— Como conseguiu trabalhar para lorde Welton? — Amélia o estudou com olhar
oblíquo.
— Ouvi dizer que um dos lacaios dele foi dispensado recentemente e que me
apresentei para ocupar o lugar vago.
— E o que fará quando seus serviços não forem mais necessários?
Ele sorriu e os olhos brilharam sob a aba do chapéu de brim.
— Seguirei para Londres. Até lá, terei mais experiência. Planejo trabalhar para
65
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
St. John.
— Quem é ele? O que ele faz?
Benny parou e a encarou com surpresa.
— Não conhece Christopher St. John?! A senhorita é mais ingênua do que eu
imaginava!
Amélia pestanejou, confusa.
— O que quer dizer?
— Esqueça.
Benny conduziu-a pela trilha entre os arbustos e Amélia soltou uma exclamação
de prazer quando emergiram nos arbustos e se aproximaram de um pequeno riacho de
águas cristalinas. O leito pedregoso e as margens de areia branca proporcionavam um
cenário perfeito.
Amélia sentou-se em uma pedra à margem e retirou as botas e as meias,
mergulhando os pés.
Prendeu a respiração quando a água fria e provocou-lhe um arrepio.
— A senhorita está espantando os peixes! — Benny exclamou com um sorriso
divertido.
— Oh! Isso é maravilhoso! — ela gritou, revivendo memórias da época em que
brincava no riacho da propriedade do pai em companhia de Colin. — Obrigada, Benny!
— Por que me agradece?
— Por me trazer aqui.
Rindo, ela suspendeu a barra do vestido e entrou na água, gritando em surpresa
quando escorregou em uma pedra recoberta de limo.
Benny se apressou em ajudá-la e segurou-a antes que Amélia afundasse.
Incapaz de se conter, ela riu alto, inundada por uma felicidade que havia muito
tempo não sentia.
— Meu pai sempre dizia que a aristocracia é tola — Benny resmungou para si,
puxando-a para a margem.
— Que diabo você está fazendo aqui?
A risada de Amélia silenciou no mesmo instante. Arregalou os olhos diante da
visão de Colin a encarando. Os olhos escuros refletiam chispas furiosas.
Os cabelos pretos, a pele morena e os mínimos detalhes dos traços viris
revelavam o sangue cigano que corria nas veias do rapaz.
Quando ele se tornara homem feito?, Amélia perguntou-se, admirada. Não havia
nele a menor semelhança com a criança com quem costumava brincar.
66
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
67
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
direção da casa.
Enquanto calçava as botas, ela lamentou sua existência. Mas em breve, voltaria à
Londres e passaria a frequentar a corte. E então, se casaria e se esqueceria de Colin
Mitchell para sempre!
Na manhã seguinte, Maria sentou-se na cama e olhou ao redor com expressão
ausente. Teria de esperar com paciência até que St. John admitisse algo que pudesse
incriminá-lo. O fato de ter-lhe dito que amou Dayton poderia contribuir para aumentar
a confiança que ele depositava nela.
Suspirou, exasperada. Estava envolvida numa delicada e complexa trama na qual
não sabia mais em quem confiar. Restava-lhe uma única certeza definitiva e imutável
que a acompanhava nos últimos anos: Simon era seu único amigo, ou único para quem
entregaria a própria vida sem receios.
— Como está se sentindo nesta manhã?
Ao som da voz familiar, um sorriso espontâneo brotou em seus lábios.
— Simon! Não o ouvi bater à porta.
Ele se aproximou e beijou-lhe a testa, sentando-se ao lado dela na cama.
— Você estava distraída. Dormiu bem?
— Sim... — Maria respondeu de forma vaga.
— Fui à taverna Bernardette's ontem e conversei com Daphne, camareira de
lorde Welton. Acho que estamos com sorte. Ela me contou que o lorde tem uma
favorita, uma jovem chamada Beth. Porém, aparentemente, ela não gostou de algumas
práticas sexuais impostas pelo amante, e lorde Welton passou a dedicar mais tempo a
Daphne, que não faz tantas restrições na cama.
— Isso é ótimo. — Maria sorriu. — Estou precisando de boa sorte.
Simon a avaliou com atenção.
— Você parece diferente esta manhã..
— Melhor, espero.
— Sim. Muito melhor!—O sorriso largo enterneceu Maria. — Vou ordenar que
sirvam seu desjejum no quarto.
— Obrigada, Simon.
Maria ocupou o restante da manhã banhando-se, vestindo-se e arrumando os
cabelos com o auxílio de Sarah.
Depois do desjejum, seguiu para o escritório e pediu a Simon que a
acompanhasse.
— No baile de máscaras de ontem à noite, Eddington me procurou para propor
uma troca de favores—explicou assim que se acomodou na cadeira por trás da
68
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
69
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
quando algum oponente invade meu território, eu mesmo tenho de cuidar do assunto.
Uma batida veio da porta e St. John gritou para que entrasse. Quando viu seu
valete, a expressão tensa se suavizou.
— Vamos partir depois de terminarmos o serviço no navio ancorado — avisou. —
Pretendo ficar fora por, no mínimo, duas semanas.
— Sim, senhor — respondeu o criado com reverência.
—Posso acompanhá-lo?—Phillip indagou com esperança.
— Não, Phillip. Pilhagem de navios ancorados pode desencadear guerras
sangrentas que não foram feitas para espectadores. Seu valor reside em seu cérebro,
e não na habilidade de manejar a espada. Não vou arriscar sua vida para satisfazer sua
curiosidade. Ademais...
Ele se calou quando o mordomo entrou no escritório com uma carta nas mãos.
Ao ver a caligrafia bem-feita, St. John dispensou os dois subalternos e abriu o
envelope com dedos trêmulos. Tratava-se de uma missiva de Maria anunciando sua
visita.
Chamou Phillip e ordenou que a conduzisse ao escritório, passeando pelo aposento
com impaciência enquanto a aguardava.
Quando a porta finalmente se abriu e Maria entrou, ele se deteve, impactado
com a reação explosiva dos hormônios ao vê-la.
Aproximou-se e a beijou com intimidade, refreando o ímpeto de correr as mãos
pelas curvas macias do corpo feminino.
Os beijos daquela mulher eram atos sexuais em si, e ele se afastou, movido
apenas pela necessidade de ar.
— Hum... — Maria sussurrou com os lábios úmidos. — Delicioso!
A voz rouca e sedutora incendiou St. John.
— Eu não esperava pela sua visita—comentou, indicando que ela se sentasse. — A
que devo a honra?
— Estou de partida — Maria anunciou, acomodando-se na cadeira. — Devo me
retirar de Londres por alguns dias para descansar enquanto me restabeleço do
ferimento.
— Ótimo. Eu também estou de partida — St. John anunciou. — Há um assunto de
extrema urgência que requer minha atenção, mas posso designar alguns homens para
protegê-la. Para onde pretende ir?
— Ainda não decidi. — Ela retirou as luvas e pousou-as no colo com gesto
gracioso.—Mas não se preocupe com minha segurança. Tomarei todos os cuidados
necessários.
Ela o encarou e notou o brilho de preocupação nos olhos adoráveis.
70
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
71
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
72
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Seus homens estavam espalhados por toda parte, alguns ao longo da praia, outros
nas tavernas nas proximidades das docas. Bastava uma ordem sua para que
provocassem o tumulto necessário a fim de atrair a atenção de todos que se
encontravam nas imediações, desviando o foco para outro local que não fosse o da
pilhagem.
Ele olhou para a praia logo abaixo e avistou os vultos escondidos nas sombras.
Parecia simples, mas aqueles homens arriscavam as próprias vidas para servi-lo.
Através dos anos, ele construíra sólida relação de respeito e cuidado com seus
subordinados. A lealdade de seus homens era inspirada na confiança mútua e não na
cobiça, facilmente destruída.
St. John avançou um passo na direção do navio. O dia amanheceria em poucas
horas. As ondas já haviam diminuído a fúria com que assolavam a praia.
Com passadas cautelosas, caminhou sobre a plataforma que unia o píer ao navio.
Teria de enfrentar piratas como ele próprio, mas o confronto sangrento não o
assustava.
Com um assobio agudo, sinalizou que havia chegado a hora. Desembainhando a
espada, saltou no convés e iniciou a batalha. Os gritos de agonia cortaram a noite,
enviando um arrepio de terror a quem quer que os Visse a distância.
A noite seria longa, e mais uma vez, poderia ser a última de sua vida.
Alheio aos horrores que se desenrolavam à sua frente, St. John manejou a
espada até que o último dos contrabandistas estivesse cativo.
— Qual é a nossa posição, Sam? — St. John guardou a espada suja de sangue e
olhou para os corpos espalhados no convés.
— Temos doze baixas, senhor — o rapaz respondeu, tentando estancar o sangue
do ferimento no braço.
— Quero uma lista com os nomes completos.
Ele respirou fundo e voltou a cabeça para assistir ao nascer do sol. Sua posição
estava assegurada, e esperou com paciência até que seus homens desembarcassem a
mercadoria.
Não poderia partir de imediato. Levaria alguns dias para visitar os familiares de
seus homens abatidos em combate e se assegurar de que teriam meios para
sobreviver. A missão miserável, com muitas lágrimas e pesar, sempre fora a mais
difícil de enfrentar, ainda mais do que a própria batalha.
Então, de repente, seu pensamento se voltou para Maria, e a súbita urgência de
abandonar aquele tipo de vida tornou-se premente pela primeira vez.
A inesperada noção de que poderia ter um futuro sereno e feliz ao lado de Maria
o apaziguou.
Entretanto, não passava de um sonho, pensou, voltando a atenção para o
73
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
presente. A punição divina pelos seus pecados exigia que se mantivesse atrelado à
marginalidade, extinguindo toda a possibilidade de prazer e felicidade que poderia
usufruir se fosse um homem comum.
Maria estendeu as pernas no divã e observou Tim. O rapaz estava sentado à
escrivaninha do pequeno estúdio e manejava com habilidade o carvão sobre a folha em
branco.
O chalé que Welton afiançara para sua breve estada era pequeno, mas
confortável. Situado próximo à costa, constituía num agradável refúgio de onde se
podia ouvir o baque macio das ondas se quebrando na praia.
Tim cantarolava uma melodia suave enquanto desenhava, e ela se admirou com a
destreza com que o homenzarrão segurava o lápis.
Ao raptar Tim, não esperava que ele pudesse fornecer tão grande ajuda. Ele era
amável e profundamente leal a St. John, lealdade que estendeu a ela por acreditar que
era importante para o amo.
Sim, não podia negar que St. John demonstrava grande interesse por ela, Maria
pensou, mas conhecia bem os homens a ponto de saber que interesse não significava
afeto.
Possuía algo que ele queria, e aquela era a base do relacionamento de ambos.
Todavia, Tim parecia pensar que era mais do que isso, e algo dentro dela desejava
que fosse verdade.
Sentia falta de St. John, admitiu para si.
À noite, quando se deitava, ansiava por sentir o contato do braço musculoso ao
redor da cintura e o calor da pele macia a aquecendo.
Então, Maria fechava os olhos e reavivava na memória o cheiro inebriante de
bergamota e tabaco que se desprendia da pele dele.
— Aqui está. — Tim ergueu a folha no ar e sorriu com orgulho.
Ela avaliou o retrato do rosto juvenil, com cabelos negros, lisos, e olhos
expressivos. A matização criara efeitos de luz e sombra, e os traços firmes e bem
definidos, faziam do desenho uma obra de arte.
— Você tem um raro dom — ela disse com sinceridade. — Está maravilhoso!
— Oh, isso não é nada — Tim disfarçou a vaidade, concentrando-se no próximo
desenho.
—E sua memória não é nada senão milagrosa. Eu também vi esse jovem naquela
noite, mas seria incapaz de descrevê-lo tão bem quanto você. As características estão
fidedignas. Você as capturou perfeitamente.
Ele grunhiu algo incompreensível, abaixando o rosto ruborizado.
Maria sorriu e olhou para a pilha de desenhos sobre a escrivaninha.
74
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
75
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— St. John confiou em mim, ou ele não teria me enviado naquela missão. Não fui
merecedor da confiança dele.
Maria permaneceu de boca aberta. Não havia como retrucar diante daquela
lógica.
Olhou sobre o ombro para ver Simon entrar no escritório com a habitual graça
indolente. Ele ainda trajava roupas de viagem, tendo retornado momentos antes da
longa permanência fora. Sob rígidas instruções de Maria, ele fizera busca minuciosa
pela costa, acompanhado de uma dúzia de homens, realizando as investigações
necessárias para encontrar pistas do paradeiro de Amélia.
— Você tem visita — Simon anunciou sem preâmbulos. Imediatamente alerta,
Maria dobrou as pernas e tocou o chão.
— Quem está aí? — indagou com voz baixa.
Simon tomou-lhe a mão e a conduziu para fora, lançando um olhar cuidadoso
sobre o ombro.
— Eddington — murmurou para que somente ela ouvisse. Os passos de Maria
hesitaram e ela contemplou o amigo com preocupação. Em resposta à pergunta
silenciosa, ele encolheu os ombros e continuou a escoltá-la à sala de estar.
— Temos muito a discutir, milady — Eddington declarou antes de se levantar para
recebê-la.
Acostumada a homens autoritários, Maria ofereceu um sorriso de ironia.
— Também estou encantada em vê-lo, milorde.
— Acredite, não dirá o mesmo quando eu lhe contar o que me trouxe até
aqui.
Maria caminhou até ele com uma pistola e o levou com se fosse um cãozinho
carente.
St. John sorriu diante da cena que as palavras de Phillip evocaram. Era cômico
imaginar um gigante como Tim sendo capturado por uma mulher com a metade do
tamanho dele.
Admirava Maria mais e mais a cada dia. Nem mesmo a ausência dela suprimiu o
afeto e desejo, que aumentavam numa proporção nova e assustadora.
Certificar-se do bem-estar dela fora a primeira pergunta que fizera naquela
tarde quando Phillip chegou à hospedaria em que ele se refugiara após o último saque
da mercadoria contrabandeada no navio ancorado no porto de Londres.
— Gostaria de ter visto — comentou com uma risada divertida.
O olhar de St. John vagueou, movendo-se para a paisagem rural através da
76
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
janela.
— E desde então, Tim permaneceu com ela.
— Sim, o que, provavelmente, é melhor. O irlandês está ausente desde o segundo
dia de retiro.
— Hum...
St. John não pôde negar que a notícia lhe deu prazer.
O ciúme fecundo que sentia ao pensar na proximidade de Quinn era óbvio. Seu
único conforto era pensar que a cama dela estava vazia.
— Estamos perto? — ele perguntou, ansioso por chegar ao chalé onde Maria se
encontrava.
Phillip assentiu sem dizer nada e esfregou as palmas contra o veludo acinzentado
no interior do coche.
— O que o preocupa? — St John quis saber. Conhecia o secretário bem o
bastante para perceber que algo o aborrecia.
Phillip removeu os óculos e retirou um lenço do bolso. Pôs-se a limpar uma mancha
inexistente nas lentes, gesto que sempre o acompanhava nos momentos de tensão.
— Estou preocupado com lorde Sedgewick. Ele o libertou há mais de um mês, e
está se tornando impaciente com as escassas notícias que temos lhe enviado.
St. John considerou o secretário por um momento, notando quanto ele
amadurecera, fato que permanecia escondido por trás dos óculos.
— Até que eu possa resgatar aquela testemunha, tenho de me submeter aos
caprichos dele.
— Concordo. Mas como o senhor procederá a partir daqui é que me preocupa.
— Por quê? — St. John o encarou, curioso.
Phillip recolocou os óculos, hesitante antes de responder:
— Porque o senhor tem grande afeição por lady Winter.
— Tenho grande afeição por muitas mulheres — ele retorquiu com uma risada.
— Perdoe-me se eu estiver errado, milorde — o protegido prosseguiu, limpando a
garganta com timidez. — Mas o senhor parece querer mais lady Winter do que
quaisquer das outras mulheres com que se relaciona.
— O que lhe dá essa impressão?
—Tudo o que o senhor tem feito nos últimos tempos, como esta viagem para
Brighton. Lady Winter deverá retornar a Londres dentro de dois dias, e estamos nos
arriscando porque o senhor não pode aguentar mais nem um minuto sem vê-la. Como
poderá negociar com lorde Sedgewick nessas circunstâncias?
77
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
St. John suspirou. Ele próprio havia se perguntado o mesmo sem que conseguisse
encontrar a resposta.
Maria nunca lhe fizera mal algum, nem a ninguém que ele conhecesse. Ser a
encarnação de todas as fantasias masculinas era o único crime do qual poderia acusá-
la.
Pelo que pudera conhecê-la nos contatos íntimos que tiveram, Maria era uma
mulher que se entregava de forma passional, e ela própria revelara o amor pelo
primeiro marido.
Era óbvio que tinha segredos, mas, apesar da fachada fria e insensível, ela era a
pessoa mais doce e generosa que já conhecera. Comparado a Maria, St. John sentia-se
o pior homem do mundo. Quando estava ao lado dela, era comum ser invadido pelo
desejo irracional de se tornar uma pessoa melhor e levar uma vida tranquila. Chegara a
pensar em ter filhos, e quase podia ver o bebê de cabelos negros e bochechas rosadas
nos braços de Maria.
— Aqui estamos — Phillip anunciou, tirando-o dos devaneios.
St. John focalizou o gracioso chalé banhado pela luz da manhã alguns metros à
frente, distante o bastante para que os ocupantes não ouvissem a aproximação da
carruagem.
O senso já familiar de posse ardente fez o sangue correr mais rápido em suas
veias. Ele bateu no teto da carruagem com as juntas dos dedos e ordenou que o
cocheiro parasse. Desceu e percorreu o restante do trajeto a pé, com urgência
incomum nos passos. Estava habituado a se esgueirar nas sombras, atento ao menor
movimento. O gorjeio de um pássaro o alertou, e ele avistou o coche luxuoso parado na
cocheira. Reconheceu o brasão de Eddington entalhado na porta.
Uma profusão de pensamentos transpassou sua mente, e respirou fundo para
reaver o autocontrole. Circulou o chalé, procurando um modo de testemunhar a
atividade no interior da residência.
A sorte estava com ele, e encontrou um arbusto de onde podia ver um pequeno
estúdio através da janela aberta.
Eddington e Maria discutiam, e ele parecia aborrecido.
St. John atravessou o jardim e, colando-se à parede, avançou lentamente até
poder ouvir o que diziam.
— Devo lembrá-la de que estou pagando pelos seus serviços — Eddington
vociferava, e os tom furioso flutuava na brisa do oceano.
— Eu estive doente — Maria justificou com frieza.
— Se não pode executar sua parte do acordo, há outros modos de forçá-la a
cumprir sua obrigação.
St. John apertou os punhos, experimentando uma fúria como nunca havia sentido.
78
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Uma poderosa onda de ira queimou seus pulmões, expandindo-se por todas as
terminações nervosas do corpo. A flecha negra do ciúme cravou-se em seu coração ao
pensar que Maria estava vendendo seus favores sexuais para aquele homem.
— Não seja cruel! — ela recriminou, e havia uma nota de súplica nas palavras.
— Farei o que for necessário para que você me entregue o que prometeu! — rugiu
o lorde.
— Se for penoso separar-se das suas valiosas moedas de ouro, livre-me da
incumbência e contrate alguém menos dispendioso para cuidar das suas necessidades.
Apesar dos sons da arrebentação na praia, St. John receou que o ouvissem
rangendo os dentes, e teve de se controlar para não entrar pela janela e matar
Eddington com suas próprias mãos. O único pensamento que o continha era saber que a
confiança de Maria não podia ser tomada à força.
Ele se afastou, a mente trabalhando rapidamente para entender a associação do
conde com Maria. Ela fora enredada numa trama ardilosa, aparentemente contra sua
vontade, e não pedira ajuda.
Endurecendo o coração dolorido, St. John se recusou a culpá-la. Maria era uma
mulher inteligente. Na certa, associara-se a Eddington como forma de
autopreservação.
Tinha de fazer com que ela confiasse nele. Precisava encontrar o caminho para o
coração dela e enchê-lo de ternura e carinho para que aprendesse a acreditar que não
estava sozinha.
Quando voltou à carruagem, St. John era um homem diferente do ser sombrio e
introspectivo que ali chegara.
Estava consciente de que poderia não ser a pessoa mais indicada para enternecer
o coração de Maria, mas ele também estava disposto a aprender algumas lições sobre
ternura.
Maria passeou pelo quarto com impaciência, detendo-se na janela para perscrutar
o jardim.
— Onde está você? — murmurou, esperando pela chegada de Sarah para ajudá-la
a se vestir.
Chegara a Londres havia dois dias e ficara sabendo por um intermédio do espião
instalado na propriedade de St. John que ele estava em casa.
Enviara a ele uma missiva que ficara sem resposta, tampouco ele fora visitá-la.
Assim que a criada entrou no aposento, Maria se apressou no banho e se arrumou
para visitar o pirata.
Uma dor profunda floresceu em seu peito ao pensar que St. John poderia ter
perdido o interesse durante a semana em que ela estivera ausente.
79
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Ao considerar tal possibilidade, tornou-se claro como o dia que aquele homem
assumira importância maior em sua vida do que ela gostaria.
Depois de arrumar os cabelos, prendendo-os no alto da cabeça com graciosos
cachos pendendo do penteado, escondeu o punhal sob o vestido e entrou na carruagem.
Os transeuntes atravessavam a frente do coche quando deixaram a segurança de
Mayfair para entrar na esqualidez de St. Giles, área que abrigava mendigos, ladrões,
prostitutas... e seu amante.
Acomodada no conforto da carruagem, ela ignorou o perigo. Sabia que não estaria
em segurança até que chegasse à casa de St. John, mas não se importou. Tinha de
falar com ele e saber por que passara a ser desprezada.
Logo que chegou, Maria foi escoltada da carruagem por um dos homens de St.
John e recebida pelo mordomo.
— Onde ele está? — perguntou, consciente dos olhares dos homens e mulheres
que emergiam dos aposentos para observá-la.
— Informarei ao meu amo sobre sua chegada, milady — anunciou o mordomo em
tom neutro.
— Eu mesma posso me anunciar — Maria declarou, arqueando as sobrancelhas
com superioridade.
— Nesse caso, queira me seguir, milady.
Maria subiu a escadaria como uma rainha. Ela poderia ser uma amante
desprezada, mas recusava-se a ceder ao orgulho ferido.
Quando o mordomo abriu a porta do escritório, seu coração parou na garganta.
St. John estava absorto na leitura de documentos e não percebeu sua chegada.
— Christopher... — Maria chamou num sussurro.
Um sorriso lento curvou os lábios dele, mas os olhos permaneceram frios.
— Maria — ele murmurou. — Você veio me ver.
— Ao contrário de você — ela retrucou com secura. — Eu lhe pedi que fosse à
minha casa, e esperei em vão.
St. John finalmente a encarou, e seu olhar se estreitou.
— É tão terrivelmente errado que eu deseje por à prova os seus esforços para
chegar até mim?
— Não tenho tempo para seus jogos, St. John. Vim para anunciar o que considero
ser o mais correto: um rompimento claro.
Ela se virou para partir, e St. John se moveu rapidamente, segurando-a pelo
pulso.
— Este não é nenhum jogo, Maria.
80
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Maria se esforçou para ignorar o efeito que o toque dos dedos firmes em sua
pele provocou. Podia sentir a respiração quente e o contato íntimo do peito
pressionando-a com força.
— Por que então não me procurou? — exigiu, obrigando-se a manter o tom neutro.
As pernas poderosas a empurraram de encontro à porta, e a proximidade física
tirou-lhe o fôlego.
Porém, St. John cometeu um erro ao livrar as mãos dela. Um segundo depois,
soube disso quando Maria empunhou a adaga e posicionou a lâmina afiada em sua coxa.
Ele a empurrou para longe com uma imprecação, e Maria alcançou a maçaneta da
porta, desviando o olhar para não ver a mancha minúscula de sangue se expandir no
tecido da calça.
— Você também saca armas para Eddington? — ele perguntou, a ironia se tornou
óbvia no brilho do olhar. — Ou ele abranda sua fúria com moedas de ouro?
Maria se virou, mantendo o punhal com firmeza na mão.
— Eddington? O que isso significa?
— Isso é o que eu gostaria de saber.
Sem deixar de fitá-la, St. John despiu a camisa, revelando a expansão dourada
dos pêlos que recobriam o abdômen. O tórax mostrava cicatrizes e marcas das
batalhas que ele já enfrentara. A garganta de Maria se apertou à vista dos muitos
danos que aquele homem sofrera, mas que não haviam sido grandes o bastante para
perverter sua beleza viril.
Ele rasgou o linho alvo numa tira longa para amarrar na perna e estancar o sangue
do ferimento.
— Julguei que estivéssemos familiarizados o suficiente para compartilhar
segredos, Maria.
— Eddington é a causa da sua recusa? — ela perguntou, disfarçando a tensão ao
ter consciência de que St. John sabia de sua associação com o conde.
Ele cruzou os braços e balançou a cabeça.
— Não. Sempre lhe disse a verdade, Maria, porque isso é o que eu espero em
retorno. Quero apoiá-la e ajudá-la, se me permitir tal direito.
O tom de voz se mantinha suave, mas por trás das aparências, Maria sabia que se
escondia uma fera pronta para dar o bote.
Ela própria se assustou com os sentimentos que havia gerado.
Seus dedos trêmulos soltaram o punhal, que caiu no chão com ruído metálico.
— E que direitos você me concederá? — perguntou, com respiração arfante.
— Que direitos prefere ter? — St. John abaixou a cabeça e traçou o contorno da
81
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
boca sensual com a ponta da língua. —Você poderia ter procurado Quinn ou Eddington
esta noite. Em vez disso, veio até mim, apesar da sua raiva. Eu tenho o que você quer,
Maria. Diga-me o que deseja para que eu possa lhe dar.
A última frase foi dita com a sombra do pesar, rapidamente encoberto quando a
boca possessiva se apoderou da dela.
As mãos experientes deslizaram por suas costas, e Maria colou o corpo ao de St.
John, procurando contato mais íntimo.
Mesmo consciente de que tinha o poder de machucá-lo, ela também sabia que o
pirata poderia fazer o mesmo.
Porém, ele revidara à agressão com ternura quase inocente, e a atitude
inesperada a desarmou.
— Talvez tudo o que eu queira de você se limite a sexo — ela confessou de
encontro aos lábios dele. — Seu corpo é um instrumento afinado e pronto para o amor.
A pressão do corpo másculo aumentou, e ela sentiu a ereção massiva de encontro
ao ventre.
Sentia-se mal por tê-lo ferido deliberadamente para se proteger, mas não
pudera pensar em nenhum outro ato que a libertasse das mãos poderosas de St. John.
No entanto, faltava-lhe habilidade para sobreviver ao charme do amante. O
poder de sedução daquele homem a deixava sem defesas, e submetia-se à força do
desejo selvagem que ele fazia brotar com a simples presença.
Se pudesse tomar as rédeas de seu próprio destino, Maria se entregaria de
corpo e alma ao corsário e viveria um romance eterno com o homem que a fizera
descobrir o verdadeiro sentido do amor.
Porém, não podia se dar ao luxo de ser feliz, quando a segurança de Amélia
estava em jogo.
— Você quer ser minha — ele murmurou com voz rouca. — Basta pedir para que eu
a atenda. Estou preparado e mais do que disposto a provê-la com o que deseja, na
cama ou fora dela.
Maria fechou os olhos, protegendo-se dos pensamentos.
Rezava secretamente para ter a força necessária que pusesse de lado o desejo e
a permitisse focalizar somente a tarefa que impusera para sua vida.
No entanto, a reação explosiva de seus instintos básicos era violenta demais para
que pudesse controlá-las.
As informações que Welton e Eddington queriam poderiam esperar. Naquele
momento, tudo o que importava era estar nos braços de St. John.
— Dispa-me — ela disse, firme em sua intenção.
— Como desejar, milady... —A língua macia deslizou para o lóbulo da orelha, numa
82
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
83
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
CAPÍTULO V
84
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
85
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
86
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
87
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
lorde Eddington a lady Winter em Brighton não foi intimá-la para comparecer à corte.
Não foi desta vez que a Coroa a apanhou.
— Por que me conta isso? — St. John resmungou com enfado.
— Achei que desejaria saber. — Phillip franziu a testa. — Se não vê importância
na informação, não há nada mais para discutirmos.
— Muito bem — St. John disse secamente. — O que você faria com a informação,
se estivesse em meu lugar?
— Eu não estou em seu lugar. — Phillip ajeitou os óculos sobre o nariz. — A
associação de Eddington com lady Winter é a causa da sua melancolia, mas...
— Não estou melancólico!
— Desculpe. Talvez eu tenha me expressado mal. "Rejeitado" seria mais
apropriado? — Phillip arriscou um olhar para St. John. — Em todo caso, se lady Winter
e Eddington não estiveram juntos por muito tempo, isso indica não haver nenhum tipo
de envolvimento... bem... mais íntimo entre eles.
— É uma conclusão razoável.
— Sim... — Phillip clareou a garganta. — Já que os eventos não fazem sentido,
talvez seja melhor procurar lady Winter e pedir-lhe que esclareça.
— Ela nunca me revelou nenhum segredo, Phillip. Por que diria agora?
— Bem, ela envia cartas, procura-o e vem visitá-lo. Considero um sinal positivo de
afeição.
— Ela estava me iludindo esse tempo todo — St. John rugiu. — Maria foi embora
sem me dizer adeus.
— O que não significa que deva desistir, milorde.
— Tem razão, mas seria melhor se eu o fizesse. — Ele avaliou o protegido,
consciente de que era muito jovem para entender as tramas do coração. — Obrigado,
Phillip. Aprecio sua consideração.
Phillip saiu, e St. John alongou os músculos doloridos dos braços. A noite de amor
o deixara exaurido. Maria lhe proporcionara os melhores momentos da sua vida, e, ao
mesmo tempo, os mais amargos. A dor e o vazio que sentira ao se deparar com a cama
vazia eram tão intensos quanto o prazer que ela lhe dera.
Não havia perspectiva de futuro para eles. Seria melhor pôr fim aos momentos
de prazer, antes que ele ficasse irremediavelmente apaixonado por aquela mulher.
Ouviu o som de passos abafados e se virou para se deparar com Sedgewick.
— Bati à porta, mas você não parece ter ouvido. Desculpe por invadir seus
domínios.
— Não se preocupe com isso, milorde. Estou quase me acostumando a ter meus
domínios invadidos. — St. John endireitou a coluna, assumindo expressão séria. —
88
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Queira sentar-se.
O conde obedeceu e perguntou sem preâmbulos: —Tem alguma informação para
mim? Sei que lady Winter passou a noite aqui.
— Por que a pressa? — ele se defendeu, apanhando uma pitada de rapé da caixa
sobre a escrivaninha. — Faz anos que ocorreram as mortes das quais ela é acusada. O
que são algumas semanas a mais?
— Minha agenda não lhe diz respeito.
Estudando o perfil do agente com olhar treinado, St. John indagou:
— Talvez a pressa se deva à perspectiva de o senhor conseguir algo, como uma
posição mais elevada na agência, e tenha prazo estreito para consegui-la...
— Minha paciência está se esgotando, St. John! — esbravejou o agente,
confirmando as suspeitas do pirata. — Se não consegue dar cabo da tarefa da qual o
incumbi, posso encontrar outro homem que seja mais capaz.
St. John sabia que poderia findar a angustiante tortura naquele momento. Seria
fácil forjar uma testemunha que implicasse Maria nas mortes dos dois maridos.
Tinha de se decidir entre sua liberdade e o sacrifício de um amor que não era
correspondido.
No entanto, as palavras não vieram a sua boca.
— Eu o informarei assim que tiver provas suficientes da culpa de lady Winter —
anunciou, levantando-se. — Tenha uma boa tarde, milorde.
Amélia deslizou pela floresta com o peito arfando pela antecipação. Afora a
excitação pela possibilidade de trocar seu primeiro beijo, ela carregava no bolso do
vestido uma carta para Maria.
Ficara acordada até tarde na noite anterior tentando encontrar as palavras
certas. No final, decidira por ser direta, pedindo à irmã que entrasse em contato com
lorde Ware para organizar um encontro.
Quando parou para tomar fôlego, ela não viu o homem escondido por trás de uma
árvore. O braço de aço a agarrou, e a mão poderosa cobriu sua boca, sufocando-a.
— Silêncio — Colin sussurrou, puxando-a para trás do tronco.
O coração de Amélia disparou, e esmurrou-o com punhos fechados, odiando-o por
assustá-la daquela forma.
— Pare!—ele ordenou, virando-a para vê-la. — Sinto muito se a assustei, mas você
não me deixou escolha. Tem me evitado desde nosso último encontro.
Ela deixou de lutar quando os olhos adoráveis pousaram sobre ela.
— Vou retirar a mão. Segure a língua, ou atrairá os guardas para cá.
Colin a libertou, afastando-se depressa como se receasse tocá-la. A luz do sol
89
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
90
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
91
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
92
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Ele riu e piscou para Amélia, num gesto amigável de compreensão silenciosa.
Seguiram para o rio conversando e rindo. Uma vez mais, a toalha de piquenique
estava estendida sobre a relva, e deliciosas iguarias esperavam Amélia para serem
saboreadas.
O fluxo suave das águas, o canto dos pássaros e o ar impregnado pelo cheiro da
grama e das flores silvestres forneceram melodia e cenário ideais.
— Então, não está bravo comigo? — Amélia se arriscou a perguntar, fitando o
rapaz com timidez.
—Eu diria que estou ligeiramente desapontado—ele afirmou, acomodando-se à
frente dela. — Mas não bravo. É impossível ficar zangado com você.
— Há quem pareça não achar nenhuma dificuldade nisso —Amélia murmurou com
tristeza, voltando a sorrir.—Lorde Ware, se eu lhe implorasse um favor, tentaria
conceder-me?
— Certamente.
Ware olhou-a com atenção, e Amélia abaixou os olhos. Às vezes, ela tinha a
impressão de que ele a examinava como se tivesse encontrado uma fonte de grande
interesse.
Animada com a resposta, retirou do bolso a carta que escrevera para Maria.
— Eu gostaria que postasse esta missiva para mim, e... — Ela suspirou, reunindo
coragem para pedir o favor seguinte. — Seria muito inoportuno pedir que a resposta
fosse enviada para seu endereço?
Ware apanhou o envelope e contemplou o nome escrito com letra bem-feita.
— Lady Winter... — Fitou-a com a sobrancelha curvada. — É uma senhora famosa
na corte. Peço que me dê resposta para algumas perguntas, srta. Benbridge.
— Claro. Qualquer um ficaria curioso. — Amélia sorriu com inocência quase
infantil.
— Em primeiro lugar, por que pede para que eu poste a carta em vez de fazê-lo
por si?
— Estou proibida de me corresponder com qualquer pessoa. Até mesmo as visitas
de lorde Welton são acompanhadas por minha governanta.
— Por Deus! Isso é alarmante.
O tom sério e preocupado do rapaz a admirou. Amélia sempre julgara que Ware
fosse um jovem inconsequente, que mal notasse as dores e tristezas do mundo que
rodeava a luxuosa redoma de cristal que o envolvia.
— Eu também não gosto dos homens mal-encarados que vigiam a propriedade.
Você é uma prisioneira, Amélia?
Respirando fundo, decidiu contar ao amigo toda a verdade.
93
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
94
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Diga que você não o beijou — ele grunhiu, enlaçando-a pela cintura.
— Estou sonhando?—Amélia murmurou com o mais puro prazer por estar
novamente próxima de seu bem-amado.
— Seria melhor que estivesse — ele disse, libertando-a do abraço.
Amélia se ressentiu ao notar a expressão carrancuda de Colin.
— Por que você é tão determinado a se desfazer de algo maravilhoso que há
entre nós?
— Doce Amélia... — O cigano segurou o rosto delicado. — Porque, às vezes, é
melhor não saber o que você está perdendo. Assim, poderia dizer a si mesma que o
mundo ao qual não tem acesso é maravilhoso. Mas, uma vez conhecendo a realidade,
não poderá mais se refugiar na imaginação.
—Você fará a realidade ser maravilhosa para mim? — ela perguntou com
ansiedade.
— Você não pode exigir tanto, minha amada.
— Sim, sei que sou egoísta — ela admitiu, tocando o rosto moreno com dedos
trêmulos.
Os olhos se fecharam quando um beijo suave tocou seus lábios.
— Jure que você não beijou lorde Ware.
— Colin, você não tem nenhuma fé em mim? — Erguendo-se na ponta dos pés, ela
esfregou o nariz contra o dele. — Eu simplesmente pedi um favor ao conde.
— Que favor? — Colin exigiu, enciumado.
— Eu lhe pedi que postasse uma carta para minha irmã.
— O quê?! — Ele recuou, furioso, e fez um gesto abrangendo os arredores. —
Amélia, tudo isso é para mantê-la longe de lady Winter!
— Eu preciso conhecê-la. — Amélia o empurrou e cruzou os braços com
obstinação.
— Não, você não vai conhecê-la. Jesus! — Colin rosnou. — Você sempre encontra
um jeito de se meter em problemas! E não me olhe assim!
A beleza exótica e o carisma inato do cigano pareciam quase divinos para Amélia.
Ela suspirou, incapaz de discutir com ele.
— Eu te amo, Colin — explicou com simplicidade. — Essa é a única forma que sei
olhá-lo.
Balançando a cabeça em contrariedade, Colin sentou-se na raiz de uma árvore
frondosa.
Durante muitos anos, Amélia conhecera inúmeras florestas e praias, e percorrera
milhas incontáveis de estradas desertas. E, aonde quer que ela fosse, sentia-se segura
95
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
96
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
97
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
98
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
99
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
100
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
101
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Seus cabelos estão perfeitos como sempre, milady. Mas, para estar tão
preocupada com o penteado, presumo que tenha planos para a noite...
— Tenho um encontro com um certo criminoso de renome. Eddington sorriu com
prazer.
— Isso quer dizer que...
— Quer dizer que terá de esperar — ela o interrompeu. — Que valor eu teria se
lhe antecipasse meus segredos?
— Tem razão, milady. — O e o conde sorriu com satisfação. — A agência poderia
usar uma mulher com seus talentos. A senhora deveria considerar isso.
— E o senhor deveria ir embora para que eu possa completar a tarefa para a qual
me designou.
Eddington se levantou e apanhou o chapéu depositado sobre uma cadeira.
— Não desmereça minha oferta, lady Winter. Estou sendo sincero. Se quiser
trabalhar para a agência, basta me dizer.
— Nunca desprezo ofertas, meu senhor, especialmente quando são feitas por
homens que pretendem se beneficiar à minha custa.
— A senhora não confia em ninguém?
— Infelizmente, aprendi a não confiar.
Amélia acordou com a mão cobrindo sua boca. Assustada, debateu-se
freneticamente e cravou as unhas nos pulsos do assaltante.
— Pare!
Ela paralisou ao comando, com coração disparado no peito ao perceber o perfil de
Colin na escuridão.
— Ouça, há uma dezena de homens lá fora — ele sussurrou. — Não sei quem são,
mas posso assegurar que não estão a serviço do seu pai.
Ela assentiu com um gesto da cabeça, assustada demais para falar.
— Acordei com o tropel de cavalos quando os homens entraram no estábulo, e não
sei como consegui chegar até aqui para apanhá-la.
Embaraçada por ser vista com roupa de dormir, Amélia puxou os lençóis para se
cobrir.
— Vamos logo! — ele ordenou com urgência.
— Do que você está falando? — ela indagou num sussurro sonolento.
— Você confia em mim? — Os olhos negros reluziram na escuridão.
— Claro que sim!
— Então, faça como digo e deixe as perguntas para depois. Amélia não tinha
102
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
noção do que estava acontecendo, mas sabia que Colin não estava brincando. Deslizou
para fora da cama, ainda tonta de sono, e tentou ajeitar os cabelos com os dedos.
— Vista-se. Rápido!
Amélia olhou ao redor e se escondeu atrás do biombo.
— Preciso da minha criada — queixou-se.—Não consigo fechar o espartilho
sozinha.
Colin praguejou em voz baixa e arrastou-a para a porta.
— Solte-me! Eu estou descalça!
— Não há tempo.
Colin abriu a porta e espreitou o corredor. Estava escuro, e Amélia mal conseguia
ver alguma coisa, mas ouviu vozes masculinas no andar inferior.
— O que está...?
Colin cobriu-lhe a boca novamente e balançou a cabeça com violência. Atônita, ela
levou um momento para entender. Então, assentiu em silêncio e tentou se acalmar.
Atravessaram o corredor com passadas silenciosas. Apesar de estar descalça, o
assoalho de madeira rangia sob o peso das botas de Colin.
Os dois congelaram quando, abaixo deles, as vozes se silenciaram. Era como se a
própria casa estivesse suspendendo a respiração, à espera.
Colin colocou o indicador sobre os lábios e tomou-a nos braços para sustentá-la
sobre o ombro.
O que aconteceu a seguir foi obscurecido por uma confusão nebulosa.
Um grito de alarme despertou o silêncio quando foram descobertos. Colin
praguejou e correu, sacudindo-a sobre os ombros. Amélia apoiou a cabeça nas costas
largas, mal conseguindo respirar. Conseguiram chegar à porta da frente, deixando
atrás deles o caos entrecortado pelo estampido de tiros, ecos metálicos das espadas
se encontrando no ar e os gritos da srta. Pool suplantando todos os ruídos.
— Srta. Benbridge! — alguém gritou quando chegaram ao jardim. — Aqui!
A voz de Benny foi como música para os ouvidos de Amélia.
Colin avistou o rapaz escondido atrás de um arbusto, gesticulando
freneticamente para que o seguissem.
Quando estavam em relativa segurança no bosque, ele indicou dois cavalos presos
ao tronco de uma árvore.
Com receio de abrir os olhos, Amélia foi suspensa no ar por mãos poderosas e se
viu sobre a garupa da montaria de Benny, enquanto Colin seguia no outro cavalo ao lado
deles.
— Quem são eles? — Colin indagou, abaixando-se para se desviar dos ramos das
103
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
árvores.
— Homens de lorde Sedgewick — Benny sussurrou.
— Por Deus! Eles estão em maioria! Não vamos conseguir escapar!
— Colin... — Amélia lamentou com um soluço. — O que vamos fazer?
— Acalme-se, meu amor. — Ele estendeu uma das mãos para tocá-la. — Prometo
que não a deixarei sozinha.
Amélia rezou pela vida ao ouvir a aproximação dos cavaleiros atrás deles.
Seu estômago sacolejava violentamente com o impacto da cavalgada, e fechou os
olhos como se, com isso, pudesse ficar invisível.
Quando chegaram à estrada, o estampido de uma pistola explodiu a poucos passos
atrás deles.
Colin puxou as rédeas da montaria e gritou um segundo antes de cair, enquanto
Benny fustigava seu cavalo para disparar com Amélia na escuridão da noite.
Porém, os esforços do rapaz em salvá-la foram em vão.
Com um grito lancinante, ela foi puxada da garupa pelo cavaleiro que emparelhou
a montaria junto do cavalo de Benny, e o capuz que encobriu sua cabeça a impediu de
assistir ao pesadelo que se encenava ao seu redor.
St. John acordou envolto por calor e suavidade. Os cheiros que permeavam o ar
confundiam sexo e o aroma suave de Maria.
Para seu desgosto, o surgimento da luz do dia se intrometeu na intimidade entre
eles.
Depois do esplendoroso jantar que ele oferecera à amante na noite anterior,
tomaram licor à luz de velas e foram para o quarto, esquecidos do mundo.
A noite fora perfeita. As palavras que haviam trocado enquanto faziam amor não
passaram de sussurros apaixonados, sem nenhum pesar, arrependimento ou mentira.
Virando a cabeça, beijou o cabelo de Maria. Ela murmurou, sonolenta, e se
aconchegou em seu peito.
A mão de St. John correu livre pelos cabelos sedosos. Havia apenas uma forma
de se assegurar da lealdade de Maria. Tinha de testá-la, provar de forma inequívoca
que podia confiar nela. Para tanto, forneceria um caminho óbvio para a traição e veria
como ela lidaria com a oportunidade.
Sentiu o beijo suave no peito e os olhares se encontraram.
— No que estava pensando? — ela perguntou.
— Em você.
— Christopher...
104
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Ele esperou que Maria falasse, mas teve a impressão de que mudara de ideia.
Na verdade, a hesitação em questioná-lo sobre a associação com Sedgewick se
devia a nada menos do que temor. Maria receava descobrir a verdade. Se St. John
confirmasse que todas as palavras de amor que havia murmurado em seus ouvidos não
passava de uma farsa, ela seria capaz de morrer.
— O que foi? — ele insistiu.
— Gostaria que não houvesse mais segredos entre nós. — A mão suave acariciou-o
no peito. — Você disse que me contaria tudo que eu quisesse saber.
— E o farei. — Ele olhou para o reflexo dos dois no espelho da cômoda, e soube
que gostaria de acordar daquela forma todos os dias. — Quero sua companhia hoje à
tarde. Como homem primitivo que sou, arruinei um de seus vestidos nos meus desvarios
de paixão, e não posso conviver comigo mesmo sem reparar o erro.
Maria ergueu a cabeça e avistou o traje em questão sobre uma poltrona. Os
delicados botões haviam sido arrancados por St. John na pressa de despi-la na noite
anterior.
— Posso mandar consertá-lo.
— Uma dama como você não pode usar vestidos remendados. —Ele sorriu e correu
a mão pelos ombros nus, detendo-se nos braços delgados da amante. — Há um galpão
no centro da cidade onde guardo a mercadoria que apreendo nas pilhagens, com finas
sedas francesas e peças de linho que gostaria de lhe mostrar. Quero que escolha seus
tecidos favoritos como forma de restituição pelo vestido danificado.
O rosto adorável permaneceu impassível e ela perguntou:
— E quando vai me revelar os outros segredos que esconde?
— Você deveria estar deleitada depois da noite de amor que tivemos. Mas, em
vez disso, quer me torturar com perguntas inoportunas!
— Talvez seja porque acho seu cérebro mais intrigante do que vestidos — ela
murmurou. — E você sabe que isso foi um elogio.
— Muito bem. Se não houver nenhum contratempo esta tarde, ficarei ao seu
dispor para revelar todos os meus segredos — prometeu com uma sinceridade que
somente ele poderia dimensionar.
E era o que St. John pretendia. Se Maria não o traísse com uma emboscada
naquela tarde, levando Eddington ao galpão para flagrá-lo com o produto das pilhagens,
ele poderia abrir o coração.
E, talvez, se tivesse sorte, a cena dos dois corpos nus refletida no espelho
poderia de fato agraciá-lo todas as manhãs pelo resto de sua vida.
105
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
CAPÍTULO VI
Maria sabia que não era mera coincidência que Eddington chegasse à mansão
momentos depois do seu retorno. Ele a vigiava e a seguia, o que estava deixando-a a
ponto de enlouquecer.
Eddington entrou em seu escritório privativo com um sorriso que Maria
classificou como alarmante.
— Boa tarde, milorde.
— Minha cara dama — ele murmurou, levando a mão dela aos lábios.
Maria o estudou com cuidado, mas não encontrou nada diferente na costumeira
arrogância exterior.
— Conte-me algo que valha a pena — ele pediu.
— Gostaria de ter algo para dizer. Infelizmente, St. John tem se mostrado
menos acessível do que imaginei.
— Hum... A senhora também tem se mostrado inacessível. — Ele suspendeu a
barra do casaco e se sentou na cadeira diante dela. — Nunca me contou que tem uma
irmã.
Maria congelou, com o coração batendo disparado no peito.
— Como disse?
— Ouviu muito bem. Mas não precisei que me dissesse. Sei até o nome dela. Sei
onde está, e meus homens a mantêm sob proteção.
Maria cravou as unhas nas palmas da mão, a ponto de se machucar.
— O senhor está trilhando um caminho perigoso, milorde.
O conde inclinou o corpo para a frente e diminuiu a distância entre eles.
— Dê-me alguma coisa que eu possa usar contra St. John, e sua irmã será
libertada.
— Palavras não são suficientes para aliviar minha preocupação. Quero vê-la com
meus próprios olhos.
— Ela ficará ilesa se cumprir sua parte em realizar a barganha que combinamos.
— Quero minha irmã aqui! — ela exigiu com os olhos flamejando chispas de fúria.
— Traga-a para mim. Então, eu lhe darei tudo que seu coração desejar, eu juro.
—Já fez promessas que não cumpriu, milady.—Eddington fez uma pausa e seu
106
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
107
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
ilegais. Não há ninguém que possa ter visto visitando St. John, alguém com quem ele
tenha falado? Pense com cuidado. O destino de sua irmã depende disso.
Maria tentou disfarçar o turbilhão de emoções que a atormentava. Sabia que
teria de chegar a uma conclusão.
— Ele pediu que eu o acompanhasse esta tarde — sussurrou. — Disse que guarda
mercadorias em um galpão na cidade.
— Ele vai levá-la até lá? — O brilho da esperança reluziu nos olhos de Eddington.
—Não sei, mas eu o avisarei a tempo. Enquanto isso, cuide para que minha irmã
esteja protegida.
— Deixe essa preocupação para mim — disse o lorde com excitação óbvia. — E
trate de cumprir a sua parte do acordo.
St. John praguejou com violência.
— Você tem certeza de que foi Eddington quem raptou Amélia?
— Sim — Tim assentiu. — Estavam falando em voz baixa, mas ouvi muito bem. Ele
disse a lady Winter que mantém Amélia cativa.
— Temos de esperar que Walter, Sam e os outros homens consigam resgatá-la —
Phillip acrescentou com expressão preocupada.
St. John passou os dedos pelos cabelos num gesto pensativo.
— Vou me entregar em troca da liberdade de Amélia.
— Por Deus, não! — Tim rugiu. — Lady Winter pretende traí-lo.
— Que escolha ela tem?
— Não podemos nos precipitar. Eddington é agente da Coroa. Ele não faria mal a
uma jovem inocente.
— Tenho minhas dúvidas, Phillip. Mas, se ele agir dentro da lei, deverá entregar
Amélia ao pai se Maria não fornecer as informações que ele exige. — St. John se
dirigiu a Tim: — Volte à mansão de lady Winter e a acompanhe esta tarde, quando ela
for se encontrar comigo.
— O senhor vai se sacrificar em benefício dela, sendo que lady Winter não está
disposta a fazer o mesmo?
Em resposta, St. John sorriu com tristeza. Como poderia explicar? Como poderia
colocar em palavras que a felicidade de Maria significava para ele mais que a sua
própria?
Sim, poderia acusá-la pela associação com Eddington, mas aonde isso levaria? Ele
não conseguiria conviver com a culpa por tê-la atirado aos lobos, deixando-a à mercê
de Welton, Eddington e homens como Sedgewick.
— Phillip e meu contador estão informados sobre as providências que deverão
108
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
tomar em nome do bem-estar de todos que vivem sob meus cuidados, se algo
acontecer.
— E com o seu bem-estar que estou preocupado! — Tim argumentou.
— Obrigado, meu amigo. — St. John sorriu. — Sou grato pela sua fidelidade.
— Não! — Tim balançou a cabeça com veemência. — O senhor perdeu a cabeça
por aquela mulher. Achei que esse dia nunca fosse chegar!
— Você disse que lady Winter se recusou a fornecer informações mesmo sob
ameaças que envolviam a irmã. Não posso acusar Maria de traição. Ainda que ela me
traia, não há outra escolha, se pretende resgatar Amélia.
— Ela poderia ter escolhido o senhor — Tim murmurou. Escondendo o pesar, St.
John fez um gesto para dispensar os dois homens.
Ao se ver sozinho, afundou-se na poltrona e respirou fundo.
Quem poderia dizer que seu relacionamento com Maria terminaria daquela
forma?
Mesmo assim, não se arrependia de ter se envolvido com ela. Fora feliz, ao menos
uma vez, e estava disposto a pagar o preço pela felicidade que usufruíra.
Durante a viagem até a residência de St. John, Maria teve consciência de que
Eddington e outros agentes a seguiam, e tal noção deixou-a transtornada.
O medo e a apreensão eram tão palpáveis que provocavam dor física. Ela queria
ter Amélia de volta mais do que qualquer outra coisa no mundo, mas seu coração lhe
dizia que o preço que teria de pagar seria alto demais. Não havia mais como negar a
afeição profunda que a ligava a St. John. Apesar de tudo que havia descoberto sobre o
pirata, conseguia se lembrar apenas da ternura.
Quando saiu da carruagem, diante da mansão cercada por guardas, os mínimos
detalhes da parceria com ele preencheram sua mente, desde os momentos mais
apaixonados aos mais odiosos, momentos de silêncio confortável e momentos de
discussões acaloradas. Eles compartilhavam a mesma afinidade e o mesmo passado.
Endireitando os ombros, ela subiu os degraus para a varanda sem perda de tempo
e esperou com impaciência até que o mordomo abrisse a porta. Muitos dos que viviam
sob proteção de St. John estavam no interior da casa, observando-a. O olhar de Maria
procurou cada um deles, desafiando-os a interferir.
Subiu ao piso superior e bateu à porta do quarto.
St. John estava parado diante do espelho, e se vestia com a ajuda do valete. A
aparência elegante a lembrou do primeiro encontro no teatro.
—Tenho algo para lhe dizer — anunciou sem preâmbulos.
Os olhos de St. John se encontraram com os dela no reflexo do espelho, e ele viu
de relance o brilho da arma sob o cós da saia. Com um gesto, despediu o criado e a
109
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
encarou.
— Bem... Se eu soubesse que chegaria tão cedo, teria começado a me vestir
antes.
Maria fingiu ignorar. Sentou-se em uma cadeira e pousou as mãos sobre o colo.
— St. John, diga-me... Você me ama?
Ele enviou um olhar de censura para a adaga presa à cintura fina.
— Não é justo você pedir uma declaração de amor sob ameaça.
Maria bateu o pé no chão com impaciência, e St. John sorriu, aproximando-se um
passo.
— E eu a adoro, meu amor. Seria capaz de beijar seus pés e suplicar por seus
favores. Ofereço-lhe tudo que tenho: minha vasta riqueza, meus navios, meu corpo e
minha alma.
— Basta! — ela o repeliu, irritada com a ironia no tom de voz. — Isso é odioso!
— Oh? Gostaria de ver você fazer melhor.
— Muito bem. Eu te amo.
— E tudo? — St. John cruzou os braços. — É tudo que tem a dizer?
— Não. Há mais uma coisa: fique em casa esta noite. St. John contraiu os
músculos.
— Maria?
Ela suspirou profundamente e expirou com vagar.
— Você desconfiou muitas vezes do caráter da minha associação com Eddington
— começou em tom calmo. — Ele é um agente da Coroa, St. John. Está lá fora nesse
exato momento, esperando para nos seguir e flagrá-lo quando você chegar ao galpão
com a mercadoria contrabandeada.
St. John ouviu atentamente, atônito com a confissão.
— Sei a respeito de Sedgewick. — Quando ele abriu a boca, Maria ergueu a mão
para impedi-lo. — Não é preciso dar explicações. Mencionei isso apenas porque não
quero mais segredos entre nós. Simon encontrou a testemunha que Sedgewick
mantinha aprisionado, exigindo a cooperação do homem como fiança pela segurança da
família dele, uma esposa, dois filhos e uma filha. Tim e outros dos meus homens o
libertaram. O agente não tem mais nada contra você.
St. John permaneceu de boca aberta, perplexo.
— Você me deixa sem palavras, Maria.
— E melhor assim. Prefiro não ser interrompida. Ouvi dizer que você sabe a
respeito de Amélia. — A comoção na voz ao pronunciar o nome da irmã foi evidente. —
Presumo que já saiba que tenho uma irmã.
110
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Sim, eu sei. — Ele parou diante dela com expressão séria. — Meus homens
estão tentando resgatá-la das mãos de Eddington.
— Onde ela está?
— Se a jovem que Eddington capturou realmente for sua irmã, ela está em uma
hospedaria nas imediações de St. George.
— Oh! Obrigada... — Maria suspirou, aliviada. — Tome cuidado. Tenho profunda
afeição por você, Christopher. Boa sorte.
— Maria, espere! — St. John chamou quando ela lhe deu as costas para sair. — Eu
também tenho algo a lhe dizer.
Ela se voltou lentamente e q encarou em expectativa.
— Você desistiu do sonho de se reunir com a sua irmã em favor da minha
liberdade. Disse que me ama. Não vai pedir minha ajuda? ..
— Nossas vidas separam-se aqui — ela sussurrou com a garganta apertada. —
Você está livre e seguro, e meu caminho continua. Terei Amélia, não duvide disso. Mas
não posso resgatá-la às suas custas. Encontrarei outra coisa de igual valor para
barganhar com Eddington.
— Ele ofereceu Amélia em troca do seu testemunho contra mim. Sei o quanto sua
irmã significa para você. O que eu não sabia era que você confessaria toda a verdade e
salvaria minha vida, mesmo sabendo da minha associação com Sedgewick. Meu Deus! —
A voz embargada traía a emoção. — O quão profundamente você deve me amar para
tomar tal decisão! Eu não mereço seu amor.
— Não merece?
Maria se aproximou e estreitou os olhos.
— Tim me procurou hoje. Relatou a visita de Eddington em sua mansão e a
conversa que tiveram. Ele também presenciou um encontro furtivo entre o conde e um
homem que foi procurá-lo em seu coche tarde da noite. — St. John fez uma pausa,
sentindo o peso das palavras. — Tal homem forneceu o endereço de sua irmã em
Lincolnshire, e foi através dele que Eddington chegou até Amélia.
— Agradeço mesmo assim por ter tentado — ela declarou, consciente de que o
próprio St. John poderia usar Amélia contra ela.
— Apesar da sua tentativa de me livrar da prisão, ainda tenho de sair esta noite.
Eu menti para você. Não tenho mercadorias aqui na cidade. Foi um blefe para ver se
você iria me trair. Agora, sinto-me envergonhado por ter usado de tal estratagema.
Perdoe-me, Maria. Fui tolo e egoísta por desconfiar de você.
Ele tentou se apossar das mãos delicadas, mas Maria recuou um passo.
— Está tentando dizer que vai ao galpão mesmo sabendo que Eddington o vigia?
— Claro.
111
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Por quê?
— Pela mesma razão que você rompeu sua promessa com Sedgewick e sacrificou a
esperança de rever sua irmã em troca da minha liberdade. Eu te amo, Maria. Mais do
que minha vida. — Sem lhe dar tempo de recuar, ele tomou as mãos de Maria e sorriu
com ternura. — Até hoje, acreditava que a amava mais do que seria capaz. Agora, no
entanto, eu a amo muito mais do que isso.
Maria se apoiou à porta para suportar os joelhos trêmulos, mas não foi o
bastante. Suspendeu-se na ponta dos pés e enlaçou St. John pelo pescoço com
lágrimas nos olhos.
— É tudo? — sussurrou, provocante. — É tudo que tem a dizer?
— Sim, meu amor... — St. John murmurou, mergulhando o rosto nos cabelos
perfumados. — Não é engraçado pensar que o destino conspirava contra nós, tentando
nos colocar um contra o outro?
— Vamos inverter o jogo. Tratemos de elaborar rapidamente um plano que os
faça voltarem-se uns contra os outros.
St. John riu antes de beijá-la apaixonadamente.
— Tenho pena do mundo agora, que unimos nossas forças.
Para os olhares desavisados, os ocupantes do coche modesto e os diversos
cavaleiros que o acompanhavam eram viajantes comuns.
Maria desceu quando o carro parou nas docas e seguiu com passos firmes, com um
de seus homens segurando um lampião para chamar toda a atenção para ela, enquanto
St. John permaneceu escondido no interior do coche. Executava sua parte do plano
que ambos haviam elaborado, e só lhe restava esperar o momento certo para agir.
— Que diabos, Maria!
A voz áspera de Welton a fez estremecer, mas quando se virou para ficar face a
face com o padrasto, ostentava um sorriso de desdém.
— Por que escolheu um local tão decadente? — ele esbravejou. — E o que
pretende ao marcar um encontro de última hora? Eu estava ocupado.
— Ocupado com jogo e mulheres — Maria observou com descaso. — Perdoe por eu
não me sentir mal pelo inconveniente.
Welton resmungou e entrou no círculo de luz proporcionado pelo lampião.
— Não era seguro encontrá-lo em outro lugar — Maria abrandou o tom. —
Eddington não me aceitou como amante. Ele suspeita que eu seja responsável pelas
mortes de Winter e Dayton e quer me ver enforcada pelos crimes.
— Ele não tem provas.
— Eu não teria tanta certeza. Eddington afirma ter encontrado a pessoa que
manipulou o veneno usado por você.
112
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
113
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
114
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
para ver seus guardas engajados numa luta ferrenha com um único homem de
descendência irlandesa e olhar feroz. Ele mais parecia um demônio em forma ,humana,
bramindo a espada com força hercúlea e esgueirando-se dos golpes com a agilidade de
uma pantera.
— Bom Deus! — Eddington gritou, apavorado, assistindo ao espetáculo de horror.
St. John se aproveitou do momento para prender as mãos do conde às costas,
atadas com uma corda.
— Por favor, venha conosco. — Maria sustentou o punhal com firmeza na veia do
pescoço.
— Quem é aquele homem? — quis saber o lorde, atônito com a destreza do
irlandês.
Mais tarde, ele teve o prazer de conhecer Simon quando o rapaz entrou em seu
quarto com uma garrafa de conhaque e dois cálices. Lady Winter fez questão de
oferecer ao prisioneiro todo o luxo que sua opulenta mansão oferecia.
— O dia está quase amanhecendo, milorde, mas espero que saboreie uma taça de
conhaque comigo. — Simon sorriu com ironia. — Lady Winter e St. John já se
recolheram.
Eddington estudou o outro homem enquanto aceitava a taça que lhe oferecia.
— Você é o amante secreto do qual ouvi falar.
— Simon Quinn, ao seu dispor.
Simon sentou-se na poltrona ao lado da lareira e segurou o cálice com duas mãos,
sem demonstrar nenhum dano físico depois da batalha de momentos antes.
— Talvez o senhor pense que esta seja uma mera visita social, mas vim informá-lo
de que a irmã de lady Winter foi resgatada por nossos homens, sã e salva. Portanto,
estou livre para transformar suas vestes em farrapos ensanguentados.
— Por Cristo!
Eddington recuou um passo, apertando o cálice com tanta força que Simon julgou
que fosse quebrá-lo.
— Ouça, sr. Quinn... — Ele se recompôs, tentando sorrir. — Tornou-se óbvio que
lady Winter e o sr. St. John aprofundaram a relação que se iniciou como troca de
interesses escusos. Parece que sua presente ocupação nesta casa será descartada.
— Assim como a sua — Simon comentou com descaso.
— Tenho uma proposta a lhe fazer. O irlandês ergueu as sobrancelhas.— Ouça,
agora que consegui entregar os responsáveis pelos crimes que preocupavam a Coroa,
devo assumir posição de maior poder na agência.
— Se lady Winter tiver a benevolência de soltá-lo sem denunciar os métodos que
usou para isso — Simon o lembrou.
115
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Ela e o pirata terão muitos benefícios por terem um amigo leal na agência, e
será o que conseguirão se me libertarem sem alardes. — O agente sorriu com malícia.
— Ademais, seria benéfico também para o senhor. Eu poderia usar um homem com
seus talentos com a lei a seu favor.
Simon tomou um gole do conhaque.
— Quais seriam minhas vantagens?
— Estabeleça seu preço.
— Hum... — Simon encarou o conde. — Estou ouvindo.
— Excelente. Agora, minha proposta...
— Você me surpreendeu mais uma vez! — St. John murmurou com os lábios
colados a testa de Maria.
— Eu sou uma mulher surpreendente. — Ela puxou o lençol para proteger o corpo
nu da brisa fresca que entrava pela janela.
—O plano para denunciar Sedgewick e Welton foi perfeito! — Ele riu e apertou-a
num abraço. — Depois que nos casarmos, vamos fazer uma longa viagem para qualquer
lugar que você queira. Deixaremos essas memórias para trás e construiremos outras,
novas e felizes.
— Você disse... depois do casamento? — Maria ergueu a cabeça para encará-lo. —
Não está sendo muito presunçoso?
— Por quê? Amo você. Você me ama. Vamos nos casar. É o que se espera de um
casal apaixonado.
— E desde quando você começou a agir conforme as normas?
— Desde que, inesperadamente, apaixonei-me por você.
— Hum...
— O que quer dizer com isso? — St. John fitou-a com curiosidade. — Não é uma
afirmação.
— E o que eu deveria afirmar?
— Que quer se casar comigo. Afinal, fiz uma proposta de casamento.
— Não foi uma proposta! — Ela riu e jogou um travesseiro sobre ele. — Foi uma
declaração.
— Está bem, se quer assim... — Ele se desvencilhou do travesseiro e ajoelhou-se
na cama. — Maria, quer se casar comigo?
Ela tocou o rosto do amado com a ponta dos dedos.
— Eu o adoro, como você bem sabe, mas já me casei duas vezes. Creio que seja o
bastante para uma mulher.
116
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
117
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
—Por acaso mencionei que esse seu comportamento agressivo me deixa ainda
mais excitada? — Maria perguntou, provocante.
St. John, em resposta, moveu-se com a precisão de um homem que não apenas
sabia como dar prazer a uma mulher, mas que pretendia se aprimorar no tema.
— Simon, meu amado amigo...
Maria se levantou do canapé em que descansava e estendeu as mãos para ele.
O rapaz se aproximou com a característica indolência e o sorriso brilhante no
rosto.
— Como tem passado, mhuirnín?
— Não muito bem — ela admitiu, fazendo com que ele se sentasse a seu lado.
St. John havia retornado à sua casa para mudar de roupa e fazer preparativos
enquanto esperava por notícias de Amélia. Maria aguardava na mansão, incapaz de sair
com receio de que a irmã não a encontrasse ao chegar.
— Não posso fazer nada além de me preocupar — ela lastimou com um suspiro.
— Sim, eu sei — Simon concordou, tomando-lhe as mãos. — Gostaria de poder
oferecer mais ajuda.
— Sua presença é um grande conforto para mim.
— Sim, embora eu saiba que tenha sido delicadamente dispensado.
— Nunca! — Maria protestou. — Você sempre terá lugar especial em minha vida.
St. John me pediu em casamento — ela declarou com cuidado, receando a reação
enciumada do amigo.
—Ele é um homem sábio.—Simon sorriu.—Eu lhe desejo toda a felicidade do
mundo. Sei que ninguém merece mais do que você.
— Você também merece ser feliz, Simon querido.
— Eu sou feliz, mhuirnín. Diria que minha vida é perfeita.— Simon se acomodou no
sofá. — Então, quanto tempo tenho antes de ter de deixá-la?
—Você não vai a lugar algum! Quero que fique nesta casa. Você tem memórias
felizes aqui, não é?
— As mais felizes da minha vida.
— Quando eu tiver resgatado Amélia, planejaremos fazer uma longa viagem.
Quero ver todos os lugares dos quais fui privada enquanto estava a serviço de Welton.
Espero que a aventura possa me aproximar da minha irmã.
— Creio que seja uma excelente ideia.
— Espero que você cuide dos meus negócios na minha ausência. Sentirei sua falta
terrivelmente.
118
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Eu sempre estarei aqui para você, para o que quer que necessite. Esse não é o
fim. Para nós dois, nunca haverá um fim.
— Obrigada. E então? Você ficará nesta casa?
— Sim, até o seu retorno. Na certa, você e St. John preferirão viver aqui à casa
decadente que ele mantém nas docas.
— Ainda não sabemos — ela fingiu ignorar o comentário ácido. — Nossos planos
incluem uma nova casa, onde possamos construir nosso futuro. Pretendo deixar a
residência de inverno para você, meu amigo.
Ele abriu a boca para protestar, mas Maria o impediu com gesto imperativo.
— Não quero ouvir nem uma palavra sobre o assunto, Simon. Está decidido. Você
merece muito mais, por tudo que tem me dado.
— Nesse caso, só me resta agradecer, minha amada dama.— Ele balançou a
cabeça, e o brilho da alegria iluminou as feições másculas. — Essa mansão será o lugar
perfeito para meu novo contrato com lorde Eddington.
Maria abriu a boca, espantada.
— Ele quer que você trabalhe para a agência?
—Não exatamente. Ele revelou alguns assuntos delicados que serão melhor
administrados por alguém de fora. Eu diria que manteremos uma sociedade secreta, ao
menos para a maioria. Claro, contarei com o apoio da Coroa.
— Bom Deus! Tenha cuidado, por favor. Você é o membro mais estimado da minha
família. Não conseguirei suportar se algo lhe acontecer.
— Peço que tenha o mesmo cuidado. Não assuma riscos desnecessários.
— Então, temos um acordo. — Ela sorriu em concordância e estendeu a mão para
firmar o pacto. — E agora, conte-me o que lorde Eddington tem em mente.
Maria caminhava de um lado para outro no escritório, com expectativa crescente.
Incapaz de resistir, fitou o rapaz que acabara de chegar com o canto dos olhos,
ansiosa por ouvir o que ele e St. John conversavam.
— Excelente trabalho — St. John dizia com sorriso de triunfo.
A próxima coisa que Maria teve consciência foi das mãos de seu amado em seus
ombros.
— Maria? Está pronta?
Ela respondeu com um gesto quase imperceptível de cabeça.
— Sam veio à frente para nos trazer notícias. A escolta de Amélia deverá chegar
a qualquer momento.
Maria sentiu o coração disparar no peito, sem que conseguisse enunciar uma só
palavra.
119
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
120
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
121
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Não.
Escondendo um sorriso, Simon despejou uma dose de conhaque numa taça e se
virou.
O rapaz permanecera no mesmo lugar, com os olhos vasculhando a sala, pausando
ocasionalmente em objetos que avaliava com curiosidade. Parecia procurar pistas que
respondesse suas perguntas.
Era um rapaz de constituição forte e beleza exótica que fez Simon imaginar
serem atraentes para as mulheres.
— E o que você fará se encontrar Amélia? — indagou com interesse. — Vai pedir-
lhe que seja contratado como cavalariço? Cuidará dos cavalos dela?
Colin encarou-o, surpreso.
— Sim, eu sei quem você é, apesar dos rumores de que estava morto. — Simon
tomou um gole do conhaque com vagar calculado. — Então, pretende trabalhar para
Amélia, ou espera que ela sucumba ao seus encantos e passe a carregar no ventre um
filho seu?
Simon mal teve tempo de colocar o cálice sobre a escrivaninha quando foi
surpreendido pelo golpe que o atirou ao chão. Ele e o rapaz rolaram em combate,
derrubando a pequena mesa de centro e estilhaçando as minúsculas peças de porcelana
que a adornavam.
— Pare com isso! — Simon ordenou, sobrepujando-o em força e habilidade para
prendê-lo com o joelho de encontro ao chão.
Ergueu-se e esperou que o rapaz fizesse o mesmo.
— Nunca mais se refira à Amélia dessa forma! — o cigano vociferou, apertando os
punhos.
— Estou apenas mostrando o óbvio. Você não tem nada para oferecer a uma dama
da aristocracia, rapaz.
— Sei disso.
— Ótimo. Agora... — Simon alisou a barra do casaco e voltou a se sentar. — E se
eu lhe oferecesse ajuda para que adquira tudo de que precisa para conquistá-la, como
dinheiro e, talvez, um lote de terra?
A expressão de fúria no rosto de Colin deu lugar ao interesse.
— Como poderia conquistar tudo isso?
— Bem, eu estou engajado em certas atividades que poderiam ser facilitadas por
um jovem com seu potencial. Ouvi dizer que você teve papel fundamental no resgate da
srta. Benbridge. Se for bem treinado, você poderá ser muito útil. — Simon sorriu. —
Eu não faria essa oferta para ninguém mais. Considere-se afortunado.
— Por que eu? — Colin perguntou com suspeita. — O senhor não me conhece. Não
122
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
FIM
123