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O ESTRANHO DA NOITE

You Can Love A Stranger

Charlotte Lamb

Maddie conversava com seus ouvintes. Um telefone anônimo viria mudar a rotina
daquela noite. Um voz profunda, inesquecível. "Outro fã", ela pensou, ao desligar. "Outra
pessoa insone à procura de um pouco de afeto e atenção..."
No outro dia, a surpresa. Por que um desconhecido a seguiria até aquela casa
abandonada? O carisma e a virilidade do homem a deixavam em sobressalto. O que
pretendia olhando-a daquela maneira enigmática? Mas foi quando o estranho a
cumprimentou que o pânico a invadiu. A mesma voz. Era o fã que lhe telefonara na noite
anterior!

Digitalização: Desconhecido
Revisão: Alê Ramos
Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Charlotte Lamb
Copyright: Charlotte Lamb
Titulo original: You can love a stranger

Publicado originalmente em 1988 pela Mills & Boon


Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: Liliana Bohn G. de Camargo Silva


Copyright para a língua portuguesa: 1989

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.


Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3 andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil
Caixa Postal 2372

Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.


Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
Foto da capa: Keystone

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

CAPÍTULO I

— Já esteve apaixonada antes, Maddie? — perguntou John de repente, terminando


o drinque num só gole.
"Será que o amigo iria beber ainda mais?", pensou Maddie, deixando a pergunta
sem resposta, os olhos verdes denotando uma certa ansiedade. Ele estava bebendo
desde o momento em que haviam chegado ali. Maddie fingia admirar no espelho o novo
corte de seus cabelos castanhos, mas na verdade observava John e se preocupava
muito.
Ele não havia comido nada. Ao retirar o prato, o garçom perguntara com um suspiro
ofendido:
— Algo errado com o filé, senhor?
— Não. O problema sou eu mesmo — respondera John, furioso.
Naquele momento, Maddie fixara intensamente as feições do amigo. Ele estava
muito tenso. E seu rosto mais estranho. Seus cabelos castanhos contrastavam com suas
sobrancelhas escuras, quase negras. Era um homem surpreendente em muitos aspectos,
e Maddie o admirava. Mas agora desejava que parasse de beber e deixasse de tecer
seus comentários filosóficos sobre o amor.
— Amar! — dizia ele rindo ironicamente. — Para o inferno o amor, ouça o que eu
digo. É um jogo idiota. Não concorda, Maddie?
— Claro, John! Amar é uma brincadeira boba — Maddie tentou tranquiliza-lo.
— Precisamos de mais bebida — disse ele, procurando pelo garçom.
— Eu terei de ir embora daqui a pouco, não peça nada para mim — apressou-se
Maddie em dizer, ao ver o garçom se aproximar.
— Mais brandy — pediu John.
Maddie jamais ouvira dizer que John se entregasse à bebida, embora tivesse ficado
sabendo muito sobre ele, desde que começara a trabalhar na estação de rádio local,
havia seis meses.
Aliás, nesse pouco tempo todos pareciam saber muito sobre a vida particular de
John Osborne. Ele realmente não conseguia ter privacidade alguma. Era uma figura
pública naquela cidade. As pessoas, fascinadas por tudo que cercava o habitante mais
famoso e rico do local, não o deixavam em paz.
John Osborne, uma personalidade marcante, apesar de não possuir um físico
privilegiado.
Na verdade, Maddie se perguntava se não teria sido esta falta de presença física
que o tomara tão agressivo. Uma forma de compensar e adquirir o respeito das pessoas.
Lembrava-se de outros homens de baixa estatura, que agiam da mesma forma.
Maddie só soubera que John era tão moço quando o encontrou para entrevistá-lo.
O encontro não fora nada fácil. John lhe parecera um chefe muito enérgico. Mas
trabalhar com John Osborne lhe ensinara, entre outras coisas, a respeitá-lo. Por isso se
preocupava em vê-lo beber tanto e compulsivamente, como se essa fosse a única saída
que encontrara na vida.
— Tem certeza de que não quer mais nada? — perguntou ele, enquanto o garçom
lhe enchia o copo de brandy.
— Obrigada, John. Ainda tenho de trabalhar esta noite, lembra-se?
O garçom se retirou. Ele levantou o copo e brindou:
— Ao divórcio!

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Apesar de não possuir beleza, algo em John fazia com que as mulheres se
interessassem por ele e não apenas pelo seu dinheiro. John era extremamente sensual.
Não era a primeira vez que Maddie se perguntava por que a esposa o abandonara.
Ouvira falar que o casamento não chegara a durar um ano. Apesar de não conhecer Jill
Osborne pessoalmente, ficara sabendo que tratava-se de uma mulher muito bonita. E
Maddie não duvidava: John tinha o gosto apurado, apreciava o melhor e com certeza
escolhera para esposa uma mulher belíssima.
Beleza... Maddie inspirou profundamente. Não, ela não era bonita. Sempre soubera
disso. Sua irmã Penny, sim, era maravilhosa. Quando criança, as pessoas olhavam de
uma para outra sem acreditar que fossem irmãs.
Apesar disso, Maddie crescera sem ressentimentos. Adquirira uma forte
personalidade, uma inteligência aguçada e aprendera a se vestir com tanta elegância que
era raro um homem não olhar para ela quando passava. Enfim, aprendera a confiar em si
mesma. Tal atitude positiva atraía as pessoas.
Tivera muitos namorados. Alguns deles haviam se apaixonado por ela, mas Maddie
nunca se interessara por alguém em especial. Por isso fora fácil deixar Londres para vir
trabalhar em Seaborough, numa estação de rádio. Os amigos, antes da partida, haviam
lhe dito que seria um erro sair da capital, que logo enjoaria do mar e da vida interiorana.
Insistiam que lá não teria nada para fazer. Maddie não dera ouvido aos conselhos e
não se arrependia. Só sentia falta da família, que visitava de vez em quando. Afora isso,
nada mais a molestava. Amava Seaborough.
Os habitantes da cidade eram amigáveis, prestativos e muito sociáveis. Sempre
havia jantares e festas. Maddie participava da maioria, e isso fazia dela uma figura
bastante popular. Porém, o que mais gostava era de ficar na praia vendo o sol se pôr.
Naqueles momentos de contemplação, sentia-se em paz com o mundo.
Ela se surpreendera quando John a convidara para jantar. Mas resolvera aceitar.
Intuíra que ele não poderia ficar sozinho, que precisava muito de companhia. Como
sempre, John fora extremamente direto ao convidá-la:
— Vou enlouquecer se ficar sem companhia esta noite. Venha jantar comigo e
estará me ajudando. Tenho medo de perder a minha sanidade mental — explicara, e não
mentira. Seus olhos se mostravam magoados. Em breve seu divórcio estaria
concretizado, e John ainda sofria.
No dia seguinte a cidade inteirinha estaria sabendo que haviam jantado juntos e que
John se embriagara. Maddie esperava que não lhe fizessem perguntas indiscretas, pois
não responderia a nenhuma. Respeitava a dor de John.
"Engraçado... quem o vê o dia inteiro andando de um lado para outro e trabalhando
com tanta eficiência nunca iria imaginar como sofre...", ela pensava, olhando John beber.
"A vida às vezes nos prega cada peça... garanto que existem muitas mulheres que dariam
tudo para ficar com ele, e John continua apaixonado por Jill..."
— Já desejou alguma vez que o dia não amanhecesse, Maddie? — perguntou,
terminando o drinque e olhando ao redor, procurando pelo garçom que logo se
aproximou.
— Eu tenho de ir — falou apressada. — Estarei no ar em menos de uma hora,
lembra-se?
Maddie já estivera no estúdio, separara os discos, rabiscara um script rápido e
alguns lembretes sobre o que deveria dizer no ar. Mas precisava verificar o que havia
elaborado, e para isso necessitaria de no mínimo dez minutos.
— Está bem — concordou John, ainda relutante, e pediu a conta.
O restaurante era próximo da rádio. Apenas uma curta caminhada montanha acima,
não muito exaustiva, mas também não muito agradável, pois as ruas eram estreitas e
cheias de curvas.

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Maddie gostava de andar por ali durante o dia. As casas antigas, a maior parte delas
restauradas, pintadas em tons pastel, formavam um cenário esplendoroso. Um cenário
que, à luz do luar, adquiria um ar de mistério e magia.
— Obrigado por ter me tolerado esta noite — John agradeceu, meditativo, olhando
para a lua.
— Você não devia beber tanto John.
Ele fez que não ouviu o comentário. Abaixou-se meio cambaleante, pegou uma
pedrinha e atirou-a longe. Depois, deu um meio sorriso e falou:
— Eu não suportaria ficar sozinho hoje. Estou muito tenso...
— Eu percebi. Mas beber não vai adiantar nada.
— Às vezes é muito difícil se controlar, Maddie. Dá para entender?
Sim, dava para entender. John não fora simplesmente abandonado por sua mulher.
Acontecera algo mais grave: Jill fugira com o irmão dele. Portanto, John perdera muito
mais do que uma esposa!
— Você precisa é de uma boa noite de sono — tentou confortá-lo.
Ele riu.
— Não vou dormir. — John voltara a olhar para a lua. — Não com essa lua enorme
brilhando a noite inteira no céu. — Olhou para o rosto consternado de Maddie e
murmurou, tenso:
— Eu não quero ver Jill novamente, não sei se poderia suportar!
— Você não a vê desde que se separaram? — a pergunta escapou dos lábios de
Maddie. Não, não deveria ter sido tão indiscreta.
— Eu a vi no tribunal, durante uma das audiências do divórcio. Não trocamos uma
palavra sequer. Meu irmão estava com ela.
O próprio irmão, pensava Maddie, enquanto o observava e desejava poder dizer
algo que realmente lhe confortasse.
— Se meu irmão for com ela lá amanhã, juro que dou uma surra nele. Amanhã,
Maddie, será uma grande prova, um teste de resistência para mim.
— Você tem de tentar manter a tranquilidade, John.
— Manter a tranquilidade? E você acha que é fácil?
— Sei que não é, mas desse jeito você vai acabar ficando doente.
Maddie e John andavam lado a lado pela rua silenciosa. A maioria das casas tinha
suas luzes apagadas e era banhada pelo luar. A maior parte dos habitantes da cidade
dormia cedo.
O programa que Maddie fazia era ouvido pelas pessoas que trabalhavam à noite,
tanto de Seaborough como de toda a região. Ela se surpreendia com o número de
ouvintes que tinha. Cada dia recebia mais correspondências de seus fãs.
— O mais difícil de tudo vai ser voltar para minha casa — John disse.
— Voltar para sua casa?
— Os advogados determinaram que o encontro fosse feito lá. Vamos dividir os bens
que ficaram na casa... É a famosa divisão das coisas pessoais entre dois seres humanos
que um dia foram felizes — ironizou.
Pelo que Maddie ouvira, Jill Osborne não era nem gananciosa nem vingativa. Na
certa não exigira nenhuma pensão vultosa de John. Mesmo porque não iria precisar. O
irmão dele era muito mais rico.
— Você não pode instruir outra pessoa para ir no seu lugar?
— Não, não posso... Vou ter de enfrentar mais essa batalha, mais esse desafio. Mas
não quero nada que ficou lá... não me interessam as pinturas, os livros, nada... Jill pode
ficar com tudo. Com tudo, Maddie. Ou vender se quiser.
— Se você conseguir dormir um pouco, amanhã conseguirá enfrentar melhor a
situação.
— Será?

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Os dois haviam parado diante da estação de rádio que ficava bem no alto da
montanha. Lá embaixo, coroado pelo luar, o mar se mostrava explodindo. Às vezes
Maddie ia mais cedo para o trabalho só para ficar ali observando aquela oferenda da
natureza. Olhou para John, que, de cabeça baixa, fitava o chão. Como fazer para ajudá-
lo? Como lhe dizer, e fazê-lo acreditar, que só o tempo era capaz de curar as mágoas de
amor?
— John...
— Diga...
— Não gosto muito de interferir, mas por que não pede para o seu advogado ir no
seu lugar? — sugeriu.
— O que Jill iria pensar? Talvez até se sentisse ultrajada, ou, pior, poderá pensar
que eu estou com medo dela.
— Não pode inventar uma desculpa, alegar que estava ocupado com o serviço?
John riu.
— Esta foi a desculpa que lhe dei em toda a minha vida, e talvez seja o motivo da
ruína do nosso casamento. Sempre trabalhei muito e nunca estava por perto quando ela
precisava de mim.
Pela resposta de John, Maddie percebeu que no fundo ele estava querendo muito ir
àquele encontro.
— Coragem, John — ela disse, fazendo menção de entrar na rádio.
— Espere mais um pouco. — Ele a segurou pelo braço.
— O que foi?
— Bem... eu...
— Diga, John.
— Não sei se tenho coragem para lhe pedir...
— Se não for um pedido impossível...
— Você não quer ir lá para mim?
— Onde?
— Na minha casa — respondeu John, rápido. — Encontrar-se com minha esposa,
explicar-lhe que não pude ir, que algo urgente apareceu e que de qualquer maneira eu
não faço questão de nada, que ela pode fazer o que bem entender com o que estiver
dentro da casa. Que se ela quiser pode ficar com tudo ou vender. Que deixo a decisão
nas mãos dela.
Maddie, embaraçada, não podia crer que John estivesse falando seriamente. Não
podia querer que ela fosse ao encontro de Jill!
— John, para dizer a verdade, não creio que seja uma boa ideia.
— Por favor, Maddie, não confio em mais ninguém — disse, segurando as mãos
dela. — Nossos amigos estão divididos, os que me apoiam não querem ver Jill de
maneira alguma. Não quero que meu advogado vá, daria um ar demasiadamente oficial à
situação. Jill iria se ofender com isto.
— Por que não pede para sua secretária ir no seu lugar? — Maddie sugeriu.
— Enid? Não. Seria embaraçoso, e Jill a odeia.
Maddie percebeu que aquela sugestão não fora adequada. A secretária era
apaixonadíssima por John! Maddie olhou para o relógio e murmurou:
— Devo me apressar John, já estou em cima da hora!
— Você iria até lá por mim? — ele insistiu, o olhar suplicante.
Maddie se comoveu com a intensidade do pedido. Não, não poderia se negar ao
pedido de John mesmo odiando toda aquela ideia.
Percebendo o que se passava com Maddie, John suspirou e disse:
— Obrigado. Sabia que poderia contar com você...

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Só então Maddie pensou na possibilidade de que talvez o convite para aquele jantar
tivesse de antemão uma finalidade específica. Fora ela quem sugerira a John a ideia de
alguém que o substituísse, mas será que ele não a induzira a isto?
— Eu lhe darei o endereço. — E retirou rapidamente um caderninho do bolso.
Depois de anotar o endereço, entregou o papel a ela. — Aqui está. Será fácil achar. Os
portões são azuis e há uma inscrição no alto com o nome da família que se vê de longe.
Pode estar lá por volta das onze horas?
— Da manhã?! — perguntou, espantada. Maddie raramente acordava antes do
meio-dia, pois seu programa se estendia até duas horas da madrugada.
Assim que deixava a rádio, ela ia embora para casa, mas não era fácil adormecer
após tanta agitação. Depois de um lanche leve, ouvia um bom disco enquanto lia. Maddie
só conseguia dormir em torno das quatro e meia da madrugada.
— Por favor, Maddie — ele insistiu.
— Mas para mim é muito cedo. Detesto dormir pouco.
— Eu sinto muito. Mas você irá, não?
— Vou passar o resto do dia muito mal, totalmente sonada.
— Maddie...
— Está bem, eu vou.
John lhe deu um amplo sorriso. Maddie se viu sorrindo também, mas se recriminava
por ter sido induzida a fazer exatamente o que ele desejava. Esta era a técnica de John:
usava seu charme para forçar as pessoas a tomarem atitudes que talvez contrariassem
até mesmo seus próprios interesses.
Despediu-se de John e caminhou para o saguão, parando para se identificar perante
o porteiro da noite, o Sr. Hobbs.
— Obrigado, senhorita! — disse o homem, examinando-lhe os documentos. — Que
linda noite, o dia vai esquentar tão logo amanheça. Não há uma nuvem no céu.
— O senhor tem razão... Com um céu desse, vai fazer muito sol — concordou ela,
dirigindo-se ao elevador.
Maddie sentia-se totalmente em casa quando estava no estúdio. Não precisava de
um engenheiro de som para ajudá-la, embora houvesse sempre um no painel de controle
mesmo durante a noite. Mas ela mesma cuidava da mesa, abaixando ou diminuindo o
som dos discos, operando o canal de eco conforme julgasse necessário ou apenas para
se divertir, falando no microfone no meio da música, para alegrar e despertar seus
ouvintes.
As músicas preferidas de Maddie eram as nostálgicas e tranquilas. Felizmente, seu
gosto parecia se ajustar perfeitamente ao de sua audiência.
Enquanto as músicas acalentavam românticos incuráveis, ela atendia a vários
telefonemas. Normalmente pediam músicas que também apreciava.
Maddie recebeu vários telefonemas dos seus fãs habituais, pessoas que
conversavam com ela como se fossem velhos conhecidos. O último que ligara fora Fred
Lowis, que além de lhe desejar boa-noite havia pedido que tocasse uma canção de Louis
Armstrong.
Maddie atendeu à solicitação de Fred. O telefone tocou novamente.
— Alô! — Maddie atendeu.
— De onde estão falando?
— Rádio Continental.
— É Maddie que está falando?
— Sim...
Uma voz nova! Grave e interessante.
— Poderia tocar para mim Smoke gets in your eyes.
— Claro, será um prazer, se eu puder encontrar o disco. Qual é o seu nome?

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— Pode me chamar de estranho da noite! — A maneira como o homem pronunciou


as palavras a deixou arrepiada. Foram ditas de uma maneira extremamente sensual.
— Você não mora por aqui?
— Não. Estou apenas de passagem.
— De férias?
— Visitando.
Normalmente as pessoas gostavam muito de falar sobre elas mesmas. Se ligavam
para a rádio era porque precisavam conversar. Mal eram colocadas no ar e já desfilavam
os acontecimentos de suas vidas, era difícil interrompê-las, embora Maddie tivesse
desenvolvido uma técnica toda especial. Afinal, precisava fazer de tudo para não perder o
controle do programa.
Por que aquele homem ligara? Parecia não ter nada a dizer, talvez quem sabe
quisesse apenas ouvir aquela música... E já estava para colocá-la no ar!
— Bem, estranho... — ela começou, mas foi interrompida.
— Como você é Maddie? Estou tentando imaginá-la.
Ela se aprumou na cadeira e o sorriso desapareceu. De vez em quando ligavam
ouvintes que gostavam de fazer insinuações sexuais ou tomar parte do show com
extrema excentricidade. Ela estava desapontada, a voz lhe parecera tão simpática de
início.
— Receio que não tenha agora em mãos a música que pediu, estranho. Ligue nesta
estação amanhã à noite e ouvirá seu pedido. — E desligou no momento exato que
precisava entrar no ar.
Um minuto mais tarde, ao desligar o microfone, uma luz acendeu em sua mesa.
Pegou o interfone. Era o engenheiro de som.
— Tudo bem aí?
— Tudo, exceto por um telefonema maluco que acabo de receber.
— É o preço da fama, colega!
— Parecia tão simpático!
— Talvez seja o tipo de música que você coloca, jazz, baladas românticas que
atraiam os desesperados!
— Acredita mesmo nisto?
— E você, não? A propósito, que tal almoçarmos juntos amanhã?
— Adoraria, Jack, mas tenho um encontro e não sei a que horas estarei livre. Mas
se o convite estiver de pé para um outro dia...
— Que tal na quinta-feira?
Maddie gostava muito de Jack, por isso concordou em saírem juntos na quinta. O
resto do programa transcorreu sem nenhum outro incidente. Ao sair da rádio, Maddie
pensava no encontro que teria com Jill no dia seguinte. A lua continuava mágica,
coroando o céu.
No dia seguinte, Maddie recebeu do porteiro do prédio um envelope com a letra de
John. Levantara-se mais cedo do que de costume e não se sentia bem. Tomou um café
forte e comeu uma torrada com geleia. Só então abriu o envelope. No bilhete, entre outras
coisas, ele lhe agradecia por o estar ajudando. Dentro do envelope também estavam as
chaves da casa. Maddie tomou um banho e depois de se vestir, seguiu para a casa onde
John vivera com Jill.
Era uma manhã clara de início de primavera. As árvores estavam floridas, o que
dificultava a Maddie manter a atenção na estrada.
No bilhete, John lhe explicara como encontrar a casa. Não fora difícil. Em vinte
minutos se encontrava em frente aos portões azuis.
Maddie estacionou e ficou ao volante. A casa estava vazia, mas não tinha ar de
abandonada. Pelo contrário: era bastante acolhedora. Devia ter sido difícil para John sair

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dali e ir instalar-se num apartamento, em Seaborough. Mas talvez tivesse sido melhor
para ele. Morar sozinho num lugar em que se fora feliz devia ser um grande martírio.
Não havia sinal de outros carros, portanto Jill Osborne não havia chegado, nem o
corretor. Maddie não sabia se ficava no carro ou se entrava. Afinal, John lhe entregara as
chaves.
Olhando para o relógio, decidiu esperar por mais alguns minutos. Jill deveria chegar
a qualquer momento.
Dez minutos se passaram e nenhum sinal de Jill Osborne.
Maddie resolveu entrar. Saiu do carro e abriu o portão. Instantes depois já se
encontrava no escritório que com certeza fora o refúgio de John. Só que o ambiente lá
dentro era deprimente. As prateleiras empoeiradas, a escrivaninha repleta de papéis
amassados sobre o tampo.
Maddie olhou no relógio: onze e meia! Talvez Jill tivesse mudado de ideia. Pelo jeito
não compareceria ao encontro!
Foi então que ela ouviu um barulho vindo da parte de cima da casa. Será que ouvira
direito ou fora apenas sua imaginação? Não! Havia, sim, alguém andando lá em cima.
Podia muito bem ouvir o ranger do assoalho.
Maddie saiu do escritório e se aproximou da escada.
— Sra. Osborne? — chamou.
Maddie ouviu o som de uma porta se abrindo e esperou que Jill aparecesse no alto
da escada. Mas não foi uma mulher que Maddie viu aparecer, e sim um homem.
— Quem é você? — perguntou, aflita.
O estranho não respondeu, o que só fez aumentar a aflição de Maddie.
"Calma", alertou-se. "Só pode ser um advogado..."
— Você é o advogado?
— Tenho cara de advogado?
Ao ouvir a pergunta, o coração de Maddie disparou. Não, não podia ser verdade!
Precisava ouvi-lo falar de novo!
— Não foi isso que eu quis dizer. Quem é você? — tornou a perguntar.
— Acho que você sabe exatamente quem sou, Maddie!

CAPÍTULO II

Maddie inspirou profundamente. Agora tinha certeza. Era ele. O estranho. O


estranho da noite.
Maddie nunca o tinha visto antes em sua vida, mas havia reconhecido a voz.
— Eu não conheço o senhor — disse, movendo-se para trás, preparando para sair
correndo dali caso fosse necessário.
— Não mesmo, Maddie? — zombou ele, descendo a escada.
— Como sabe quem eu sou?
— Creio que todo o mundo por aqui conhece você, não é mesmo?
— O que está fazendo nesta casa? — Será que o estranho a seguira até ali? E
como entrara na casa?
— Estava dando uma olhada lá em cima enquanto aguardava. — Ele descera a
escada e se encontrava diante dela.
— Você não respondeu à minha pergunta!

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— Qual delas?
— Não queira me confundir! — esbravejou, observando-o com suspeita. — Quem é
você e como entrou aqui?
— Com uma chave. — Balançou-a em suas mãos.
— Quem lhe deu a chave? A casa pelo que sei ainda não está a venda. Nem nada
que está aqui dentro. O corretor não tinha o direito de lhe dar a chave e deixá-lo vir até
aqui sozinho!
— Jill Osborne me deu.
— A esposa de John? — Maddie ficou vermelha. Será que era o irmão de John? O
homem pelo qual Jill abandonara o marido?
— A Sra. Osborne está aqui? — gaguejou olhando para o andar superior.
— Não, não está. Não veio.
— Ela não veio? — Maddie não acreditava. E John, passando por todo aquele
desespero!
— Acho que não havia motivo para ela vir. Jill...
— Não havia? — Maddie o interrompeu, furiosa. — Não havia motivo? O senhor é
um cínico! Eles foram casados, não é este um bom motivo? Jill Osborne deveria ter um
pingo de decência e vir fazer um acordo civilizado sobre o destino de objetos que um dia
pertenceram a ambos.
O estranho parecia desgostar do que estava ouvindo.
— Parece muito irritada com algo que se não me engano não tem nada a ver com
você, Maddie. Ou tem?
— O quê! Sobre o que você está falando?
— John Osborne. Tem alguma coisa com ele?
— Não tenho nada com John Osborne — falou, indignada. Ele é meu chefe, é tudo.
E realmente acredito que não seria pedir muito que Jill Osborne estivesse aqui hoje!
— E por que então John não veio? — retrucou.
A pergunta a pegara de surpresa. Responder o quê? Não sabia. Mesmo assim
tentou:
— Ele vinha... mas... mas...
— Um compromisso inadiável surgiu. Era isso que queria dizer? Ou quem sabe uma
forte gripe? Eu sei, conheço bem, é sempre a mesma velha desculpa. Esse foi o motivo
principal da destruição deste casamento. John sempre encontrou uma boa desculpa para
negligenciar a esposa. Quando o advogado ligou para Jill e contou que John não viria
hoje, ela não viu motivo para vir até aqui. Por isto pediu para que eu viesse em seu lugar.
— Por que você? Você não se parece com um... Com um... oportunista. — Maddie
percebeu que não estava sendo coerente.
— Ainda bem, porque não sou um oportunista, mesmo.
— Então quem é você? Como vou saber que realmente está aqui pela vontade da
Sra. Osborne?
— Sua voz me enganou... — reclamou o estranho se aproximando. Maddie tentou
se afastar mas viu que atrás dela encontrava-se uma sólida porta de carvalho. Ergueu o
queixo e olhou-o friamente.
— Quer responder à minha pergunta?
— Você pessoalmente é muito mais sexy... E muito mais linda do que a fotografia
que vi no jornal...
— O senhor está passando dos limites.
— Estou mesmo?
— Por favor, afaste-se de mim!
O estranho a fitava como se estivesse hipnotizado. Maddie sabia que o fato de
conversar com os ouvintes todos os dias despertava neles uma amizade inexistente.

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Afinal, não a conheciam. Dela conheciam apenas a voz, o que não lhes dava o direito da
menor intimidade.
Mas o homem que tinha diante de si, fitando-a tão intensamente, lhe despertava
emoções contraditórias. Quem era ele na verdade?
— Você nunca sorri? — ele perguntou baixinho, e para espanto de Maddie roçou-lhe
os dedos nos lábios. Um toque tão leve, mas que a fez estremecer por inteira.
— Não ouse me tocar de novo! — gritou.
— Bem, bem, quem diria... — O estranho tinha nos lábios um sorriso zombeteiro.
— Quem diria o quê?
— Eu a imaginei como sendo do tipo inacessível... — murmurou, olhando-a e
enfurecendo-a ainda mais.
— Imaginou, é? — Maddie falou com desprezo.
— Talvez pelo seu tipo de trabalho, o tipo de música que aprecia... Talvez pela voz,
o que diz à noite durante o programa... Tudo me conduziu a uma certa imagem.
— Já ouvi esta história antes — retrucou ela, com enfado. — É a cantada mais
vulgar, e se lhe interessa não estou disponível. Se tentar qualquer outra aproximação juro
que agrido o senhor.
O estranho sorria agora de maneira tranquila. Seus olhos azuis insinuantes
convidavam-na a relaxar. Faziam Maddie ver que a ideia de agredi-lo era simplesmente
ridícula.
— Como a Sra. Osborne não vem, não vejo motivo para continuarmos aqui — ela
disse. — Eu vou embora!
— Não vai, não. — De repente Maddie viu-se presa naqueles braços fortes. Maddie
resolveu agredi-lo, mas de uma outra maneira. Olhando-o com ironia falou:
— Daria para me soltar?
— Por que eu deveria?
— Pelo que me parece não é um homem inseguro que precise desse tipo de jogo,
Sr... Qual é mesmo o seu nome?
— Nash.
— Não estou com a mínima vontade de participar dessa brincadeira. — Maddie
percebeu que de maneira alguma ele poderia ser o irmão de John e embora não
soubesse o porquê, sentiu-se aliviada com o fato. Ele era apenas um estranho! O
estranho da noite!
— Então pode escolher uma outra — Nash disse, soltando-a e afastando-se um
pouco.
— Outra o quê?
— Outra brincadeira! Pode escolher outra brincadeira, Maddie.
— Eu vou embora!
— Você é fantástica!
— Obrigada, Sr. Nash, mas não vim aqui à procura de elogios.
— Sei disso.
Maddie tentava aparentar indiferença, mas seu rosto ficava cada vez mais vermelho.
— Por que Jill Osborne mandou você? — ela perguntou.
— Talvez por achar uma humilhação aparecer aqui sabendo que John não viria. De
qualquer maneira, ela não deseja nada disto. John pode ficar com o que bem entender e
vender o resto.
Maddie espantou-se. Imaginara que pelo menos a esposa de John iria querer ficar
com o mobiliário antigo, valioso. John dissera que Jill adorava antiguidades e que fora
com prazer que escolhera peça por peça para aquela casa frequentando leilões e
antiquários até encontrar exatamente o que queria. Por que agora não desejava nada?
Maddie não era nenhuma expert no assunto, mas poderia apontar várias peças
valiosíssimas.

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— Mas...
— Continue — ele pediu.
Maddie hesitou mas falou num tom áspero:
— John também não deseja ficar com nada daqui. Se nenhum deles não quer ficar
com nada, por que então esse encontro?
— Não saberia lhe responder essa pergunta. Mas tenho certeza de que os
advogados tratarão de tudo.
Maddie olhou para o relógio de parede. Meio-dia. Nesse instante ouviu um carro
sendo estacionado e sentiu-se aliviada. Não sabia o quanto mais poderia suportar a
presença do Sr. Nash ali, sozinhos.
— Sente-se mais segura agora, não é? — ele zombou.
— Pode ler muito bem meus pensamentos Sr. Nash...
— Não leio seus pensamentos e sim seus lindos olhos verdes.
— E o que eles estão expressando agora? — perguntou com hostilidade. Não
gostava de se sentir tão insegura.
A campainha tocou. Nash nem se importou em responder à pergunta que lhe fora
feita. Afastou-se enquanto Maddie abria a porta.
— Oh, olá Maddie, você veio com John? — Era Richard Lucas, o corretor.
— Não, eu vim no lugar de John, Richard.
Richard Lucas, ainda do lado de fora da casa, ficou pensativo e ajeitou uma mecha
de cabelos. Tinha um pouco mais de trinta anos, mas os cabelos já haviam adquirido um
tom prateado, o que tornava seu rosto alongado ainda mais atraente e
surpreendentemente jovem. Richard Lucas era bonito e o seria ainda mais se não fosse
tão convencido. Mais parecia um ator, sempre consciente de seus gestos. Movia-se com
graça, calmo e elegantemente vestido com ternos feitos pelo melhor alfaiate da cidade.
Maddie gostava dele, mas Richard Lucas lhe provocava risos. De maneira quase
insuportável, era perfeito demais.
— E Jill...? — indagou, entrando. E ela apontou para Nash.
Richard não fez questão de esconder a surpresa.
— Sem comentários, Richard — preveniu-o gentilmente Nash. Richard pareceu ter
ficado ofendido.
Maddie não teria ficado perplexa se tivesse a mínima ideia do que estava
acontecendo diante de seus olhos. Obviamente Richard e Nash se conheciam, mas com
toda certeza o corretor não esperava encontrá-lo ali.
Isto trazia novamente à tona a antiga pergunta. Quem exatamente era Nash? Por
que estava ali representando Jill Osborne? Maddie nunca o vira antes, o que significava
quase com certeza que ele não morava em Seaborough. Sendo a cidade muito pequena,
conhecia pelo menos de vista quase todos os habitantes. E já teria ouvido falar de um
homem tão lindo, de cabelos escuros e olhos azuis.
Será que era parente de Jill Osborne? Um irmão, talvez?
Richard se aproximou de Nash.
— Olá, Zachary — cumprimentou o corretor, trocando um aperto de mão. Richard
mantinha a formalidade que lhe era peculiar, embora não se pudesse dizer que era um
prazer para ele aquele encontro.
"Zachary"?, pensava Maddie. O nome lhe era familiar, mas não se recordava de
onde o ouvira.
— Como está? — perguntou Richard sempre mantendo a polidez.
— Bem, obrigado. E você?
Maddie observou que também Nash tratava o corretor de maneira formal. Se
soubessem como eram ridículos com tanta empáfia, pensava, paravam com essa
representação toda.
Richard pigarreou e em seguida disse:

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Bem, já que os interessados mandaram representantes, o que faremos com tudo


que se encontra nessa casa?
— Tudo será colocado à venda — respondeu Zachary Nash, de maneira sucinta.
Maddie estremeceu. Era brutal a maneira como ele falava. Pobre John, isto iria ser
duro para ele. Maddie sabia que seu patrão ainda amava a esposa, lera a verdade nos
olhos dele na noite anterior. John não conseguira esconder seus sentimentos. Ele odiaria
a ideia de estranhos invadindo aquilo que um dia fora seu lar, bisbilhotando quartos e
salas, ambientes que haviam feito parte de sua vida, tocando em seus pertences e
fazendo pechincha sobre peças que possuíam valores inestimáveis.
Richard a olhava com uma interrogação no olhar.
— Maddie, o que John pensa sobre isso?
Ela ouvira John dizer que se Jill quisesse tudo poderia ser vendido. Então fazer o
quê?
— Pode vender tudo — respondeu.
— Tudo? — repetiu Richard, surpreso. — John não quer ficar com nada? Tem
certeza?
— Por ele, tudo pode ser vendido — reafirmou Maddie, embora tivesse com medo
da reação de John. Ele dissera que tudo poderia ficar com Jill ou ser vendido, após ter
bebido muito. E se já tivesse arrependido? Bem, caso se arrependesse ainda poderia
voltar atrás. Ou não?
Já acostumado com as excentricidades dos clientes, Richard continuou:
— Então, muito bem. Vamos começar pelo andar superior e prosseguiremos depois
aqui para baixo.
— Quando você acha que tudo será colocado à venda? — perguntou Maddie.
— O mais tardar no mês que vem.
Pelo menos John teria tempo de fazer alguma coisa, caso mudasse de ideia,
pensava Maddie, enquanto seguiu Richard até o andar superior.
O tempo foi passando e ela começou a se sentir muito deprimida. Richard registrava
atentamente tudo o que tinha na casa: desde tapetes persas até vassouras velhas que
estavam na cozinha. Em cada item era fixada uma etiqueta branca com um número.
Aquilo tudo era muito triste para Maddie. Queria sair dali. Continuamente olhava o
relógio de pulso.
— Cansada, Maddie? — Nash perguntou.
— E com fome — disse, entediada.
— Bem, poderemos terminar depois do almoço — sugeriu Richard, com relutância.
— Não contem comigo — retrucou Maddie. — Tenho algo melhor para fazer!
— Podemos almoçar no restaurante que fica a uns trezentos metros daqui — Nash
sugeriu.
— Eu vou voltar para a cidade e almoçar lá. — Maddie abriu a porta de entrada e
saiu.
— Mas o restaurante é muito bom! Acredite.
Maddie não disse mais nada até chegar no seu carro.
Abriu a porta, acomodou-se e só então voltou-se para dizer a Nash que iria mesmo
para a cidade. Só que ele não se encontrava onde Maddie imaginava. De repente ouviu a
porta do seu lado abrir. Era Nash, que se acomodou ao lado dela sem a menor cerimônia.
— O que está fazendo? — ela perguntou.
— Tratando da minha segurança — Nash respondeu, enquanto travava o cinto.
— Agora escute bem...
— Vamos, Maddie. Calma! É só um almoço. E garanto que será um dos melhores
da sua vida. O cozinheiro de primeiríssima classe.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Já lhe disse que vou almoçar na cidade! Portanto quer sair do meu carro? Onde
está o seu? — Olhou ao redor lembrando-se de que não tinha visto nenhum outro carro
estacionado por ali quando chegara.
— Não estou de carro. Vim a pé.
— Andando? De onde?
— Do hotel lá embaixo na montanha.
— Por um acaso é lá o restaurante que tem um cozinheiro maravilhoso?
— É lá mesmo — admitiu, rindo.
— Eu devia ter imaginado. E quer uma carona até lá? — Deu a partida. — Por que
não disse logo? Não havia necessidade de me subornar com um almoço, bastava apenas
ter pedido uma carona. — Ela engatou a primeira marcha e saiu.
— Suborná-la? Gostaria apenas de levá-la para almoçar — disse, ajeitando-se no
banco, resvalando suas pernas na de Maddie. Ela se descontrolou com aquele contato. O
carro derrapou um pouco, saindo para o acostamento. Maddie retomou o curso,
segurando violentamente o volante com as duas mãos.
— Ei! O que aconteceu?
— Desculpe, imperícia do motorista!
"Eu não posso me descontrolar desse jeito", alertou-se. "Está certo de que ele é
bonito, charmoso, mas eu não sou nenhuma adolescente!"
— Tudo bem com você? — ele perguntou.
— Tudo.
"E essa voz para completar o charme. Esse homem é muito perigoso!"
— Vire à esquerda — Nash pediu e Maddie levou um susto.
Maddie virou à esquerda automaticamente. Instantes depois estavam diante do
hotel. Com certeza tinha sido uma antiga casa de campo que fora cuidadosamente
restaurada.
— Acho que agora sou o único hóspede daqui — disse Nash, desatando o cinto. —
Jill já deve ter ido embora.
— A Sra. Osborne? Ela estava hospedada aqui?
— Estava. Disse que estava de partida, mas não sei se falava seriamente.
— Estava sozinha?
— Estava, sim.
Maddie se perguntou onde estaria o irmão de John, Daniel Osborne. Ela não sabia
muito sobre Daniel, exceto que herdara uma enorme fortuna de um tio que morava em
Londres. Ele e John nunca haviam se dado muito bem. A competitividade entre os dois
era muito grande, mesmo antes do casamento de John com Jill.
— Faz tempo que você conhece Jill? — perguntou a Nash, que saía do carro.
Nash deu a volta no carro e se aproximando de Maddie, respondeu:
— Desde que seus cabelos não passavam de uma penugem. — E sorriu.
Em seguida, Nash inclinou-se e retirou a chave do contato.
— Você... você... — Indignada, ela não conseguiu terminar a frase.
— Vamos, venha almoçar — convidou amigável.
— Quer me dar as minhas chaves?!
— Por que não vem apanhá-las? — zombou ele.
— Volte aqui! — gritou Maddie, ao vê-lo se afastar. Mas ele não olhou para trás e
nem parou. Desapareceu hotel adentro, e ela não teve opção a não ser segui-lo.
Encontrou-o no saguão. Maddie parou ao ver a garota chique de tailleur creme com
a qual Nash conversava. Um olhar apenas e Maddie foi capaz de deduzir quem era. Tinha
de ser Jill Osborne!
Esbelta, linda, postura ereta, cabelos escuros... Não havia dúvida. Alguém uma vez
lhe dissera que Jill parecia uma modelo fotográfico.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Mas sobre a família dela, nunca ouvira comentários. Não sabia se tinha irmãos. Será
que... claro que Nash poderia ser irmão dela. Mas se eram irmãos, por que Nash não lhe
contara? Será que não gostava de perguntas pessoais?
Maddie se aproximou dos dois. Precisava da chave do carro para ir embora.
Zachary colocou as mãos no ombro de Jill.
— Jill, esta é Madeleine Ferrall. Maddie esta aqui é Jill.
Os dedos de Jill Osborne eram finos e frios. As duas trocaram um aperto de mãos.
Aquela mulher fazia Maddie lembrar-se de sua irmã, Penny.
Jill sorriu e disse:
— Já ouvi o seu programa na rádio e gosto muito dele. Você é muito espirituosa.
Nunca consegui ser engraçada na minha vida. Falar com tanta espontaneidade para mim
é um dom. Posso até dizer que a invejo por isso.
— Obrigada pelo elogio, Jill. — Maddie sorriu. — Nos tempos de escola este dom
era um verdadeiro inferno para as diretoras.
— Aposto que sim — concordou Nash, apesar de Maddie o estar ignorando.
— Eu não estou conversando com você — retrucou Maddie sem olhá-lo. — E por
favor poderia devolver a chave do meu carro, agora?
— Pensei que não estivesse falando comigo!
— Apenas me devolva o que pegou e eu irei embora. — Maddie pediu esticando a
mão.
— Você rói unhas?! — ele perguntou.
Maddie instintivamente recolheu a mão. Tentava se livrar deste hábito havia anos,
mas retomava-o principalmente em períodos de grande tensão. Não havia notado que
suas unhas estavam roídas: fora um ato inconsciente.
— Por favor! Devolva as minhas chaves!
Jill Osborne olhava-os surpresa e Maddie forçou um sorriso perguntando:
— Ele é sempre assim?
— É — respondeu a moça, sorrindo.
— Assim como? — perguntou Nash, seriamente interessado e curioso.
— Não tenho tempo para lhe explicar Sr. Nash, levaria o dia inteiro — Maddie o
informou, esticando as mãos novamente. — Agora dê a minha chave.
— Almoce conosco. Com certeza está com fome, sua taxa de açúcar deve estar
baixa, talvez seja isto que a esteja deixando tão nervosa.
— Não é a taxa de açúcar que está me tirando do sério, é o senhor!
Jill interferiu:
— Vamos, Zach, o que está fazendo com ela?
Nash parou e olhou para Jill. Maddie os viu trocarem apenas um olhar, o que bastou
para uma compreensão silenciosa. Zachary Nash colocou as mãos no bolso à procura
das chaves. Ao encontrá-las, entregou-as a Maddie.
Ela as pegou e agradeceu. Virando-se para Jill, disse:
— Foi um prazer conhecê-la... — Não pôde pensar em mais nada para dizer, porque
apesar de achar a moça muito simpática, lembrou-se de que ela magoara John
profundamente. Seria uma enorme decepção para ele se soubesse que tinha feito
amizade com sua ex-esposa. Iria sentir-se traído.
Suspirou, sorriu e virou-se para ir embora. Fora um grande erro aceitar o pedido de
John.
Quando Maddie ia entrar no carro, ouviu passos atrás de si.
"Agora ele vai me ouvir!", pensou, virando-se. Mas para sua surpresa não era Nash,
e sim Jill Osborne quem a sua seguira.
— Oh! É você! — exclamou.
— Eu queria apenas... — A voz de Jill falhava, mas depois de um esforço conseguiu
perguntar: — Como está John?

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Aquela pergunta surpreendeu Maddie.


— Razoavelmente bem.
— Melhor assim...
Jill deu um abraço em Maddie e voltou para o hotel.

CAPÍTULO III

O telefone tocou. Maddie, que tomava um banho, enrolou-se numa toalha e foi
atendê-lo.
— Maddie?
De imediato ela reconheceu a voz de John.
— Sou eu, sim, John. Aconteceu algum problema?
— Estou ligando para saber o que aconteceu lá na minha casa.
— John, não daria para conversamos depois? Estava no banho e...
— Maddie, por favor. Estou muito ansioso.
— Imagino, mas...
— Você não telefonou para mim. Isso não se faz, Maddie.
— John, eu telefonei para você, sim. E várias vezes. Só que não te encontrei. Achei
que não seria conveniente lhe deixar recado. Sua mulher não apareceu lá John, ela
enviou...
— Ela não foi? — interrompeu num tom áspero.
— Não, ela...
— Nem aparecer lá ela quis?! — John estava furioso. — Jill me despreza!
— John, calma!
— Não dá para ficar calmo numa situação dessas!
— Ela não quer nada da casa também.
— O quê? — Maddie teve de afastar o fone do ouvido. John agora gritava.
— Ouça...
— Jill não quer nada? O que ela quer, afinal? Jogar tudo na minha cara?
— Bem, eu não diria isto! — protestou Maddie.
— Fui extremamente generoso e ela... E ela...
— John, acredito que...
— Ela me odeia! — John gritou. Faria qualquer coisa para me magoar! Lamento ter
lhe pedido para ir até lá, Maddie, não devia tê-la envolvido nisto tudo.
— John! Calma! John!
Do outro lado da linha um barulho. Ele desligara. Mordendo os lábios, Maddie
desligou também.
John tirara as conclusões mais erradas possíveis, sem dar-lhe a menor chance de
explicar o que ocorrera. Ele estava sendo dominado por emoções violentas e não
raciocinava direito. E pelo que pudera observar, Jill agia de maneira semelhante. Era
difícil acreditar que duas pessoas aparentemente lúcidas, inteligentes, fossem capazes de
cometer erros tão infantis num relacionamento a dois. Por que se comportavam dessa
maneira?

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Ficara evidente que Jill ainda se importava com John. E John, por sua vez, não se
conformava ainda com aquela separação, mas será que Jill sabia disto? Maddie não
soubera o que dizer a Jill quando, logo após chegar em casa, ela a procurara.
— Desculpe procurá-la assim, Maddie, mas preciso saber se John está feliz.
— Entre Jill — Maddie convidara.
— Não, obrigada. — Por favor me fale sobre John.
— Ele não está feliz — disse com cuidado. Os olhos de Jill se encheram de
lágrimas.
— Não está? Então por que não quis ir até a nossa casa? Ele não quer me ver!
— Não, você está enganada, não é bem assim... — Maddie apressou-se em
explicar-lhe. — Ele não suportaria...
— Maddie não poderia entrar em maiores detalhes, sem trair a confiança que John
lhe depositara.
— Oh,entendo... — disse Jill. — Isto é típico dele, fugir quando não pode enfrentar a
situação de frente.
Maddie ficou pensativa e nada respondeu. Jill continuou.
— Se John realmente se importasse ele teria comparecido. Mas ele nunca vai
mudar. É sempre a mesma conversa: trabalho! Ora, quantas vezes já ouvi isto? Ele
sempre estava ocupado para me levar a um jantar marcado semanas com antecedência,
para sairmos de férias conforme o combinado previamente. John cancelava fins de
semana, almoços! Até mesmo nas festas dos nossos primeiros aniversários de
casamento ele não chegou na hora. Havíamos reservado uma mesa num restaurante
muito especial e John chegou com mais de uma hora de atraso. E sabe qual foi a
desculpa dele? Teve de resolver um assunto muito importante.
Maddie, perplexa, ficou ouvindo aquele torrente de palavras. Jill continuou:
— Como vê, os negócios sempre foram mais importantes, e não eu. Nunca fui
importante para John. Casada há um ano e ele me deixou lá plantada mais de uma hora
apenas porque algo mais importante surgira. — Jill começou a chorar copiosamente. —
Foi aí então que compreendi que o que tínhamos não era um casamento de verdade. Eu
não passava de mais um bem adquirido, um brinquedinho que se poderia pegar ou largar,
não tinha muito valor.
— Você está enganada, Jill. Significa muito para ele!
Jill não concordou:
— Não, você está equivocada, e também agora já é tarde demais. — Virou-se e foi
embora.
Maddie agora retornava para o banheiro pensando no que Jill lhe dissera.
John e Jill certamente se preocupavam um com o outro e para ela era loucura uma
separação entre duas pessoas que se queriam tanto. E o irmão de John? Como entrava
naquela história toda? Por que Jill partira com ele? Fora uma atitude insana. Deveria
saber que John julgaria tal procedimento imperdoável. Jill não só tinha destruído seu
casamento, mas também separado os dois irmãos para sempre.
E o irmão de John, amaria Jill? Maddie se enxugou e se vestiu, preocupada. Toda a
situação era confusa. Mas, afinal, o que realmente acontecera com os dois?
As pessoas de Seaborough adoravam uma fofoca especialmente sobre John
Osborne. Embora Maddie não gostasse desse tipo de conversa, e nem a incentivasse,
era inevitável ouvi-las. Mas agora que conhecia melhor John e ouvira as palavras
angustiadas de Jill, percebia que não estava realmente inteirada dos fatos.
Qual seria então o verdadeiro envolvimento entre Jill Osborne e o irmão de John?
Estaria ela planejando se casar logo que o divórcio fosse promulgado? Será que ele sabia
que Jill ainda amava John? Que tipo de homem era ele?
Maddie se fazia muitas perguntas, mas não tinha respostas para elas.

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Ao terminar a maquiagem, pegou a bolsa e foi para a rádio. Lá, leu as


correspondências, e selecionou as músicas que apresentaria.
À noite, a cantina do estúdio servia apenas lanches. Na maioria das vezes Maddie
comia lá. Mas naquela noite sentia mais fome e decidiu caminhar um pouco para saborear
uma pizza num restaurante.
A rua estava silenciosa e escura. Preocupada, Maddie
já se arrependera de não ter comido na cantina. Não era muito tarde e normalmente
encontrava grupos de pessoas que saíam dos cinemas, mas naquela noite não via
ninguém, talvez por causa da chuva fina que caía.
Ao virar uma esquina ouviu um barulho atrás de si e virou-se. Um homem a seguia.
Por causa da parca iluminação não dava para distinguir-lhe as feições. Maddie andou
mais depressa. O homem também. A distância encurtava. Maddie, em pânico, não sabia
se gritava ou se continuava a correr. Um pouco à frente havia uma rua mais iluminada
com lojas e alguns carros parados. Se conseguisse chegar até lá, seu perseguidor
desistiria. Correu o mais que pôde. Mas o homem a alcançou, puxando-a com força.
O impacto a deixou zonza, caiu. Bateu com a cabeça na calçada e permaneceu ali
meio inconsciente, sentindo os pingos da chuva.
A próxima coisa que se deu contra foi que era arrastada para um beco escuro.
Maddie tentou se levantar.
— Fique quieta Maddie! — o homem falou, ameaçador.
Maddie teria gritado se o homem não lhe tivesse tapado a boca, a mão enluvada.
Estava petrificada. Fora seguida desde a estação de rádio. Sabia quem era, tinha
planejado aquilo, ficara esperando por ela.
— Se tentar gritar terei de usar isto! — E mostrou-lhe uma faca. — Não quer ter seu
lindo pescoço cortado não é, Maddie? Apenas faça o que eu mandar, certo? Seja
boazinha e eu também serei com você!
Maddie sentiu um enjoo profundo. Fechou os olhos tremendo violentamente.
O homem a ergueu. Agora andavam no beco. Maddie, só de meia, pisava no chão
molhado. Seus sapatos haviam se perdido quando caíra na calçada.
Tentava pensar, não conseguia. Tinha de escapar! Mas como! O homem a segurava
pelo braço.
De repente o agressor tropeçou e Maddie se viu livre. Pôs-se a correr e a gritar.
O homem a seguiu. Foi aí que um carro parou na saída do beco. Nesse instante o
agressor a segurou por trás. Maddie aplicou-lhe uma cotovelada no estômago. Ele urrou
de dor e fugiu.
Maddie, apavorada, sentou-se no chão chorando muito. Mas viu que seria loucura
permanecer ali sozinha.
No exato instante em que se levantou, deu de cara com outro homem.
— Você está bem? — ele perguntou.
A voz era familiar. Olhou para cima tentando enxergar com os olhos cheios de
lágrimas, as pernas trêmulas.
— Tinha que ser você? Por que não apareceu cinco minutos antes?
Nash ajudou-a a sentar-se de novo e ajoelhou ao seu lado.
— Maddie? — A voz de Nash estava tão assustada quanto ela.
— Meu Deus... O que ele fez com você?
Maddie tremia muito e soluçava. Depois de alguns instantes, conseguiu responder:
— Nada, nada perto do que pretendia fazer...
Nash a abraçou. O ombro dele era aconchegante, seguro. Ali ela estava segura.
Porém, por mais que pudesse parecer incoerente, sentia muito mais medo. O perigo pelo
qual passara fora imenso. O agressor poderia voltar um dia!
— Ainda bem que cheguei a tempo.
Nash afastou-a um pouco de si e ela abriu os olhos com relutância.

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— Maddie! Quanta imprudência! Por que estava andando sozinha na rua numa hora
dessas?
— Não grite comigo!
— Isso não se faz! É loucura! Existem muitos loucos soltos por aí, sabia? —
Levantou-se erguendo-a também. Segurando-a pelos ombros perguntou: — Entendeu o
que eu disse? Entendeu, Maddie?
— Pare com isso! — ela retrucou, enxugando as lágrimas, extremamente irritada.
— Venha! — Segurando-a pela mão, puxou-a em direção ao seu carro.
— Não me trate como criança! Já fui diversas vezes até esse restaurante sem o
menor problema.
— Posso lhe afirmar que teve muita sorte, então!
Ao chegarem no carro, Nash abriu a porta para que ela entrasse.
— Os meus sapatos?
— Foi exatamente os sapatos que me chamaram a atenção! Vi um par no meio da
rua e julguei que aquilo era muito estranho. Depois de pegá-los voltei para o carro e dirigi
em baixa velocidade. Foi aí que ouvi um grito. Quando penso no que poderia ter
acontecido a você caso eu não estivesse indo até a rádio...
Nash estava pálido. Esperou que Maddie se sentasse, bateu a porta com força e,
em seguida, acomodou-se ao volante.
— Seus sapatos estão aí no chão.
Maddie colocou os sapatos.
— Não farei isto novamente. Eu nunca pensei que...
— Que pudesse acontecer com você? Todos os acidentes são assim, as pessoas
não pensam que elas um dia serão as vítimas, e talvez tenham sorte durante centenas de
vezes, mas o risco e o perigo sempre existe, e é preciso evitá-los!
— Porque sou uma mulher.
— Exatamente.
— Mas não é justo!
— Eu sei.
— Apenas porque sou uma mulher é um risco sair e jantar sozinha depois que
anoitece?
— Talvez não seja justo, mas é assim que as coisas são e você não deve ser tão
imprudente novamente! — Nash agora falava com calma.
— Entrevistei uma pessoa que dava aulas de defesa pessoal, acho que vou procurá-
la e pedir-lhe algumas aulas.
— Acho uma ótima ideia — concordou Nash, tirando um lenço do bolso. Enxugou o
rosto de Maddie e a examinou com cuidado. Você está pálida e há uma escoriação
profunda em sua testa, tem alguma parte do seu corpo doendo?
— Não. Eu bati com a cabeça na calçada quando caí.
— É melhor irmos a um médico. E à polícia também.
— Polícia? Não há razão para isto, e eu não preciso de um médico.
— Deve contar tudo para a polícia.
— Não posso fazer isto agora — explicou Maddie mordendo os lábios. — Apenas
me leve de volta para a rádio.
Nash a olhava incerto. Deu partida no carro, mas, em vez de levá-la de volta para a
estação de rádio, parou em frente ao restaurante.
— Perdi o apetite — disse Maddie, irritada.
— Mas ele vai voltar assim que a pizza chegar. Ela é boa aqui?
— Eu gosto — Maddie respondeu, saindo do carro. — Você não precisa ficar aqui
comigo. Apanharei um táxi na volta, obrigada.
— Nada disso.
Os dois entraram no restaurante.

19
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— Há uma boa mesa ali perto da janela.


Após se sentarem, Nash perguntou:
— Como está se sentindo?
— Minha cabeça ainda dói — admitiu, forçando um sorriso.
Nash se levantou e afastou-se. Maddie ficou intrigada. Onde estava indo? Viu-o
aproximar do garçom e conversar com ele.
Voltou com um copo de água e um comprimido que entregou a Maddie.
— Tome isto, vai ajudar.
Maddie obedeceu sem discutir.
— É muito gentil da sua parte — falou depois.
— Eu sou um homem gentil — ele disse, sorrindo.
— E também usa roupas impecáveis. O que faz para viver?
— Trabalho em Londres — ele disse, sem o menor entusiasmo.
— Imaginava...
— Diga, como começou a trabalhar na rádio? Como alguém começa a trabalhar
neste ramo? Não existem muitas mulheres disc-jóqueis, existem?
Ela riu. Aquela era um pergunta frequente do público.
— Tive sorte. A escola em que estudei tinha uma estação de rádio e eu fiz um curso
no sexto ano. Quando terminei, fui capaz de conseguir um estágio numa estação no sul
da Inglaterra. Claro que no começo nem perto do microfone cheguei. Mas tive uma
chance quando repentinamente um dos disc-jóqueis ficou doente. As pessoas gostaram
de mim, e quando ele retornou à função, me deram outra oportunidade.
Fiquei lá durante alguns anos, saí e arranjei um emprego em Londres numa estação
comercial. Mas meu programa foi tirado do ar porque era na mesma hora de um outro
muito popular em outra estação. Não podíamos competir. Aí resolvi vir para Seaborough,
atrás de outra chance.
— Desde então tem tido muito sucesso?
— Acredito que John está satisfeito com o nível de audiência. Ficaria surpreso ao
saber quantas pessoas escutam o meu programa, mesmo sendo tarde da noite.
— Não duvido, sua voz é muito sexy.
Ela ficou vermelha. O elogio a envergonhara: normalmente sentia-se muito segura
com os homens. Por que, então, Nash a perturbava tanto?
— Tenho certeza de que deve ter uma série de admiradores, Maddie. — Ela
empalideceu. A agressão de que acabara de ser vítima voltou a sua mente.
— Ele sabia quem eu era!
Nash a olhou intrigado e quando ia falar viu o garçom se aproximando com as
pizzas.
— O que quer dizer que ele sabia quem você era? — perguntou Nash, quando de
novo ficaram a sós.
— Porque ele falou meu nome!
— Deve contar isso à polícia — disse Nash, preocupado.
— Não há razão para tanto! Mesmo porque não seria capaz de descrevê-lo!
— Se ele a estava seguindo e sabia seu nome, nada impede que tente algo
novamente. Portanto, devemos contar tudo à polícia tão logo terminemos com nossas
pizzas.
— Terei de voltar ao trabalho logo após comermos — disse
Maddie, com a expressão obstinada. Não queria conversar com a polícia sobre o
incidente, queria apenas esquecer tudo e explicou isto a Nash.
Maddie e Nash comeram em silêncio. Quando na volta ele estacionou em frente da
rádio, insistiu uma vez mais para que ela procurasse uma delegacia e revelasse tudo.
— Você pode procurá-los amanhã, mas não deixe de fazê-lo. Numa próxima vez
pode ser que não tenha tanta sorte. Como irá voltar para casa?

20
Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— No meu carro, ele está logo ali adiante:


— Vou esperar você e me certificar de que tudo estará bem.
Maddie percebeu que nada o demoveria daquela ideia. Desceu do carro e disse:
— Você é quem sabe. — E entrou.
O programa daquela noite não foi nada bom. O que lhe acontecera a perturbava
muito. Ao terminá-lo, Maddie abaixou a cabeça para esticar a musculatura do pescoço. Ao
erguê-la viu Nash entrar na sala contígua ao estúdio. E não gostou das feições dele.
Estava tenso. O que teria acontecido?
Saiu do estúdio e perguntou aflita:
— O que foi?
— Telefonei para a polícia enquanto você estava no ar.
— E o que disseram?
— Outra garota foi atacada esta noite.
— Nãoo — balbuciou, horrorizada.
— Foi atingida na cabeça e está inconsciente no hospital. Mas a polícia está com um
suspeito sob custódia. Querem que você vá identificá-lo.
— Quando?
— Amanhã, às dez horas. Vão querer lhe fazer umas perguntas também. Devíamos
ter comunicado a polícia imediatamente, logo que aconteceu tudo. Talvez tivéssemos
evitado que outra pessoa fosse agredida. Pelo menos a polícia estaria na rua procurando
por este imbecil, antes que cometesse outra agressão.
Maddie estremeceu.
— Ela foi violentada! — Maddie sentia-se culpada. Poderia ter feito algo para evitar
tal acidente!
— Não. Ela também, como você, teve sorte. Alguém a ouviu gritar e ligou para a
polícia. Felizmente havia uma viatura nas proximidades, mas o ocorrido foi idêntico ao
seu, Maddie, e tudo poderia terminar de modo bem diferente.
Ela colocou as mãos no rosto ao sentir as lágrimas brotarem em seus olhos. Não
conseguia evitá-las, mas não pretendia chorar novamente na frente de Nash.
Nash percebendo o que acontecia com ela, se aproximou, abraçando-a.
— Não chore mais. Não chore, Maddie...

CAPÍTULO IV

Maddie acordou na manhã seguinte sentindo-se muito cansada. Era quinta feira, dia
da reunião semanal de John Osborne com os funcionários da rádio. Ninguém gostava
daquelas reuniões onde só se falava sobre o dinheiro.
Olhou para o relógio: oito horas. Dormira pouco. Só conseguira pegar no sono às
quatro da manhã. Passou a mão na cabeça, que latejava muito.
— E ainda tenho de ir à delegacia — reclamou. — Só me faltava essa.
Maddie não estava com a menor vontade de ir até a delegacia. A possibilidade de
rever o seu agressor a apavorava. Sabia que tivera muita sorte, mesmo assim, jamais
esqueceria os instantes de horror pelos quais passara.
Quando chegara em casa, tomara um banho quente e um chá de erva-cidreira. Em
seguida havia se deitado. Mas não conseguira dormir. Rolara na cama por horas,
assustando-se com o menor barulho.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Ela, que sempre se orgulhava da sua coragem, se via de repente totalmente


desprotegida. Até pensara em voltar para Londres. Mas tinha certeza de que não era essa
a solução para o tipo de agressão que sofrerá. Sim, era necessário ir à delegacia e
identificar o seu possível agressor. Sabia que se todas as mulheres tomassem essa
atitude, a violência contra elas diminuiria.
Afinal, adormecera. E agora mal conseguia parar em pé. Gostaria de voltar a dormir,
mas não podia. Às nove e quarenta e cinco, Nash viria buscá-la.
Enquanto escovava os dentes, a imagem de Nash assomou-lhe a mente. Ele a havia
levado para casa na noite anterior, insistindo para que deixasse o carro no
estacionamento do estúdio.
Maddie protestara, mas a sugestão dele fora um alívio. Ele a acompanhara e só fora
embora depois de verificar pessoalmente que o apartamento estava absolutamente vazio.
Tanta atenção a comovia. Mas também a deixava muito insegura, não podia se ver
tentada a se envolver com um homem como ele. Provavelmente iria sofrer. E muito.
Após escovar os dentes, Maddie aproximou-se da janela. O dia estava cinzento. O
mar tinha um tom sombrio, mesmo assim, mantinha todo o seu mistério. Quando fora
morar ali, o que mais lhe chamara a atenção fora a beleza que se descortinava através da
janela. O edifício fora construído para dar a cada um dos apartamentos uma visão
panorâmica. A maior parte deles era alugada para temporada.
Mas o proprietário do dela resolvera alugá-lo com contrato de um ano. Achava que
dava muito trabalho alugar para temporada. Para Maddie fora excelente. O aluguel não
era muito caro, ficava próximo à rádio e tinha a decoração muito bem elaborada. Maddie
só comprara alguns vasos de plantas, que espalhara pelos cômodos.
Maddie foi para o quarto e se vestiu. Depois do café telefonou para Enid, a
secretária de John, para explicar que chegaria mais tarde à reunião semanal. Quando
mencionou que iria à delegacia, Enid quis saber ansiosa o porquê.
— Fui atacada na rua ontem à noite. Não, eu não fui ferida — disse em resposta à
voz horrorizada de Enid. — Felizmente alguém apareceu e o homem fugiu. Agora a
polícia prendeu um possível suspeito e querem que eu vá identificá-lo.
— Tem certeza de que está bem, Maddie?
— Graças a Deus, sim.
— Você faz muito bem em ir à delegacia, Maddie. Nós mulheres precisamos fazer
alguma coisa contra esse tipo de agressão a que estamos sujeitas.
— Pois é, Enid. Também acho. Agora me desculpe, tenho de me apressar. Avise
John que estarei aí assim que puder. Um beijo.
— Outro para você, Maddie.
Às nove e quarenta e cinco em ponto a campainha tocou. Maddie, que estava
absorta na leitura do jornal, assustou-se.
— Como eu estou com medo — disse baixinho. — Tudo o que passei ontem à noite
me deixou profundamente abalada. Maddie procurou a chave e não encontrou. A
campainha tocou de novo. Ela aproximou-se da porta e disse:
— Espere um pouco, por favor.
— Ao encontrar a chave, abriu a porta imediatamente.
— Bom dia — Nash a cumprimentou.
— Bom dia, Nash.
— Você me parece cansada.
— Não dormi bem! — ela falou com rispidez.
— Toda vez que a encontro você está zangada. Sabia que é muito agressiva?
— Não sou não senhor!
— Não!
Maddie por um segundo pensou em discutir, mas desistiu. Se era agressiva toda vez
que se encontravam era porque ele a provocava, mas estava decidida a manter a calma

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

naquela manhã. Um dia difícil se aproximava e não deixaria que Nash o tornasse pior com
seus olhos azuis ameaçadores e seu sorriso provocante.
— Vamos, Nash?
— Vamos.
Os dois saíram do apartamento e foram para o carro. Já se dirigiam para a delegacia
quando ele comentou:
— Está com uma aparência bastante discreta. Escolheu bem a roupa, Maddie.
Ela não respondeu. Ao se vestir não pensara em usar uma roupa discreta só por que
iria à delegacia. Mas agora percebia que inconscientemente agira dessa forma. A
observação dele fora correta: agia de modo a apagar qualquer vestígio da agressão que
sofrerá. Só que Maddie não gostara da observação dele. Nash fora muito perspicaz.
E ele? Se vestira formalmente, por pura estratégia? Terno escuro, gravata discreta e
camisa clara era apenas para impressionar, demonstrar às autoridades que tinham diante
de si um homem honesto?
Maddie o examinava de esguelha.
— O que foi? — ele perguntou.
— O que foi, o quê?
— Não se faça de desentendida.
— Não estou me fazendo de desentendida.
— Em que está pensando?
— E por que deveria estar pensando em algo especial?
— Você estava me olhando de um jeito que não gostei.
— Desculpe... — Maddie sorriu com ironia.
— Esse pedido de desculpa não me convenceu.
— Acontece que não sei mentir.
— Então é melhor não fazer isto de novo — avisou Zachary.
— Fazer o quê? Mentir?
— Não. Me olhar daquele jeito.
— Não sabia que o estava olhando de uma maneira tão perturbadora!
— Ah, sim, você sabia — afirmou. — Sabia que estava me olhando de um modo
diferente. Cuidado, posso querer participar desse joguinho. — Nash aproximou-se de uma
esquina e virou, quase colidindo com um carro que vinha na direção oposta. A conversa
com Nash estava indo para uma direção perigosa. Mal conhecia aquele homem. Se fosse
uma adolescente, entenderia tanta insegurança, mas com vinte e cinco anos... não,
precisava fazer alguma coisa para manter o bom senso. Não era o tipo de mulher que
ficava deslumbrada por um homem; principalmente por um quase estranho. O que estava
acontecendo com ela?
Nash parou o carro em frente à delegacia e pôs o braço por detrás das costas de
Maddie.
— Como se sente?
Maddie engoliu em seco abaixando o olhar: sentia-se impotente diante daqueles
olhos azuis. Mas isto ela nunca admitiria. Será que Nash não percebia como ficava diante
dele? Maddie duvidava disso.
— Pronta para conversar com o delegado?
— Sim. — Não era o que ela mais desejava, mas sabia que precisava ser feito. Só
de pensar que estava para falar tudo que lhe acontecera na noite anterior, sentia-se
angustiada, insegura. E depois viria a parte pior, a mais temível: tentativa de identificação
do agressor.
— Nervosa? — perguntou Nash gentilmente, colocando o dedo sob o queixo dela
para erguê-lo um pouco. Que ria poder fitá-la nos olhos. Tudo vai terminar antes que
perceba — consolou com um sorriso. — Encare isto como uma visita ao dentista, horrível,
mas necessária.

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— Eu não sou uma criança, e você sabe disto!


— Claro que eu sei — disse, observando-a com atenção. Maddie ficou sem graça,
sob a intensidade daquele olhar.
Nash, então, se aproximou lentamente e beijou-lhe os lábios de leve. Maddie se
assustou, mas Nash logo se afastou, saindo do carro para abrir-lhe a porta.
Maddie seguia para a delegacia com o coração batendo forte dentro do peito.
Aquele beijo a perturbara.. E muito. Agora tinha dois problemas para se preocupar.
No momento em que fazia o depoimento, mal conseguia se concentrar. Seu
pensamento insistia em se manter em Zachary Nash.
Após o depoimento, a levaram para tentar identificar o agressor. E não foi nada fácil.
Num compartimento contíguo àquele em que se encontrava, foram colocados lado a lado,
cinco homens. Maddie podia vê-los através de um vidro, mas não era vista por eles.
A angústia de Maddie crescia. Não conseguia se lembrar do rosto de seu agressor.
Depois de muito relutar, disse ao policial que talvez, por causa do porte físico, o homem
poderia ser o segundo da direita para esquerda. E completou:
— Estava escuro... e eu estava apavorada... Acho que não sou capaz de identificá-
lo...
O policial a olhou resignado. Agradeceu a Maddie e em seguida ela e Nash foram
para o carro. 
— Me deixe na rádio, por favor.
— Claro — respondeu Nash. E partiram.
Chegando diante da rádio, ele disse:
— Está na hora do almoço. Por que não vamos comer algo?
— Hoje não posso. É quinta-feira.
— E o que há de especial na quinta-feira?
— Às quintas-feiras tenho um compromisso — falou, não querendo fornecer mais
explicações.
— Um compromisso? Sei...
Pela maneira que Nash havia dito aquelas palavras, Maddie percebeu que não
acreditara nela.
— De qualquer forma agradeço o convite.
Maddie sentia-se aliviada: dentro de segundos estaria longe da presença
perturbadora de Nash. Conhecia-o há tão pouco tempo... Mesmo assim, a sensação de
Maddie era que o conhecia há séculos.
— Bem, obrigada por tudo — despediu-se, com um sorriso tímido.
— Que tal jantarmos à noite? — convidou.
“Por que não”?', se perguntou Maddie. Talvez fosse a chance de conhecê-lo melhor.
— Se você quer mesmo...
— Apanho você em seu apartamento lá pelas sete horas.
Maddie saiu do carro, não sem antes agradecer:
— Obrigada por tudo, você me ajudou bastante.
Ele sorriu e disse:
— Não por isso, senhorita... Até a noite. — E partiu.
Maddie ficou olhando o carro se afastar, imersa em pensamentos contraditórios.
Talvez tivesse sido mais sensato afastar-se de vez de Nash. Não, agira de maneira
correta: o jantar iria ser maravilhoso...
De repente Maddie foi trazida de volta à realidade pela voz angustiada de John.
— Pelo amor de Deus, Maddie, que história é essa de ter sido atacada ontem à
noite?
— O quê?
— Quero saber de tudo! Você poderia estar morta a esta hora!
Maddie contou-lhe o que lhe acontecera.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Mas por que resolveu andar sozinha a noite, Maddie? Resolveu procurar
encrencas?
— Você está louco, John? Acha que fiz de propósito? — perguntou, indignada.
— Desculpe, eu...
— Aqui não é Londres, e sim uma pequena cidade litorânea. Como poderia imaginar
que algum desequilibrado poderia me atacar? Não era tão tarde!
— Bem, numa próxima vez... — John começou, olhando-a com firmeza.
— Não me venha com sermões, John. Eu fui a vítima! Não fiz nada para ser
agredida! Nada! A não ser que você ache que uma mulher não tem o direito de se
alimentar à noite! E, por favor, não discuta mais comigo, está bem?
— Sinto muito, Maddie. Fiquei muito preocupado desde que Enid me contou o que
aconteceu. Ainda bem que você está inteira e briguenta como sempre. Cheguei até a
pensar que você tivesse sido...
— Não, eu não fui estuprada, John! E agora me diga: a reunião acabou?
— Acabou, sim.
— Alguma coisa de importante que eu deva saber? — perguntou.
— Enid lhe dará a minuta.
— Ótimo.
John riu.
— Estou muito feliz, Maddie. Mas muito feliz mesmo que esteja bem. Que tal
almoçarmos juntos? Era exatamente isso que estava indo fazer.
Ela olhou para o relógio e respondeu:
— Sinto muito, John, mas tenho um encontro com Jack numa hora e me atrasarei se
não me apressar. Vejo você mais tarde.
Jack já sabia o que acontecera a Maddie. Ele também estava muito preocupado.
— Pensei que você não fosse aparecer. Tentei ligar para você durante toda a
manhã, mas não consegui.
Depois de lhe contar tudo sobre a agressão sofrida, Maddie sentiu-se muito mal.
Não aguentava mais falar sobre o assunto.
O almoço foi péssimo para ela. Tentou falar sobre moda, política, cinema, custo de
vida, mas desejava mesmo estar em outro local. Gostava de Jack, mas não se sentia à
vontade com ele e tinha a impressão de que o rapaz também não se sentia à vontade na
presença dela.
— Precisamos almoçar juntos mais vezes — disse Jack, sem convicção, ao irem
embora do restaurante, mas não fez questão de marcar nem um outro dia nem outra hora.
Jack ficara aborrecido com a agressão e parecia não querer se ver envolvido na história.
Maddie não se importou com o comportamento do colega, Jack era o tipo de homem
que odiava se ver em situações difíceis ou embaraçosas.
Maddie gastou um bom tempo decidindo o que vestir naquela noite. Colocou um
vestido, depois resolveu trocá-lo. Olhava incerta para os outros pendurados e trocou de
roupa mais três vezes. Nenhuma roupa lhe parecia adequada.
— Por que tanta ansiedade? — ela perguntou à sua imagem refletida no espelho. —
Afinal vou apenas jantar com um homem bonito... É... mas para almoçar com Jack, você
nem se preocupou com a roupa que estava usando.
Tirou outro vestido do armário, um azul-royal. Era vistoso e lhe assentava muito
bem. Vestiu-se e de novo foi para a frente do espelho. Enfrentou o brilho de seus olhos
diante do espelho com ironia.
— O que pretende fazer? Deixá-lo atordoado? Isto é coisa de adolescente, Maddie!
Você já é adulta, portanto se porte como tal!
O problema era que naquela noite Maddie se sentia como uma adolescente. As
mãos dela gelaram, quando viu da janela de seu quarto o carro de Nash se aproximando.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— O que ele tem de especial? Por que me faz sentir assim? Tudo bem, ele é
atraente. Mas e daí? Já conheci muitos outros homens atraentes antes.
A campainha tocou e seu corpo tremeu violentamente. Abriu a porta e Nash lhe
sorriu. Maddie sentiu um intenso calor lhe invadir.
— Está magnífica! — disse ele, contente.
Ele também estava muito elegante, num terno escuro e com uma camisa clara. A
mente de Maddie rodopiava. Estava assustada, sem saber se poderia controlar seus
próprios sentimentos.
— Obrigada — agradeceu, sem responder que também o achava magnífico.
Os dois foram para o carro. Ao sair com o veículo, foi a vez de Nash fitá-la de
esguelha.
— Você está tão calada. É cansaço?
— Não — respondeu num tom vago. Na realidade, tinha de admitir que sentia-se
muito contente.
— Ele a levou no mesmo restaurante em que jantara com John. O maitre a
reconheceu, mas não disse nada, embora sorrisse de uma maneira que Maddie
interpretou como curiosidade: dois homens diferentes numa mesma semana?
Nash notou o olhar do maitre e foi direto ao assunto no momento em que
examinavam o cardápio:
— Pelo jeito você é conhecida por aqui...
— É verdade... — admitiu.
— Você deve sair muito. Conhece muitos homens?
Maddie olhava para o cardápio.
— Esta sopa parece bem apetitosa, vou começar por ela.
Nash não insistiu com a pergunta; pelo menos naquele momento. Fizeram seus
pedidos e, enquanto aguardavam, Maddie quis saber mais sobre Jill Osborne.
— O que ela faz? Tem uma profissão?
— Sim — respondeu Nash, olhando-a intensamente. — O seu compromisso na hora
do almoço foi aqui?
Maddie livrou-se de responder à pergunta, pois ó prato de entrada que haviam
pedido começou a ser servido. Mas se enganou ao pensar que ele iria se esquecer da
pergunta.
— Alguém em especial? — Nash insistiu, minutos depois. Maddie tremeu ao levar
uma colher de sopa à boca.
— Por que acha que saí para almoçar com um homem?
— E não saiu?
Maddie percebeu que seria tolice negar e concordou:
— Sim, era um homem.
— Não foi difícil adivinhar. E ele é especial?
— Não, não é especial.
— Então é alguém interessante?
— Por que você está tão interessado?
— Você não me respondeu se é alguém interessante.
— E você não me respondeu o porquê da pergunta. E, por falar nisso, por que
nunca fala sobre você, Nash?
— Eu não falo sobre mim?
— Não, não fala.
— Bem, espero encontrar uma pessoa especial, alguém que procuro a vida toda.
— Especial como?
— Não tenho uma lista de especificações e qualidades.
— Por favor, não seja tão ríspido ao falar.

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— Desculpe... Sempre achei que eu reconheceria a mulher ideal para mim assim
que a visse, isto é tudo, só que até agora nunca aconteceu.
Até agora? O olhar dos dois se encontraram. E Maddie sentiu-se totalmente
indefesa. Por que tanta fragilidade diante daquele olhar? O que Nash estaria querendo
insinuar? Que era o que ele estivera procurando?
Nash tomou-lhe as mãos. E Maddie, tremendo, observou-o beijar-lhe os dedos.
Nash beijou-lhe a palma da mão quando alguém que passava parou abruptamente
ao lado da mesa.
Maddie vagamente ouviu uma exclamação abafada, e um suspiro pesado. Nash
olhou em volta e soltou-lhe a mão.
— John — ela exclamou.
John não a olhava. Era como se ela não estivesse ali. Olhava fixo para Nash como
se quisesse matá-lo.
— Você! Agora resolveu brincar com ela?
Nash não respondeu. E Maddie não entendia o que estava acontecendo diante de
si. Olhava de um para o outro, perplexa.
John virou-se para ela e perguntou, incrédulo:
— O que está fazendo aqui com esse homem? Não sabia... não sabia que o
conhecia! Como pode estar jantando com o homem que roubou a minha mulher?!

CAPÍTULO V

Maddie não dirigira uma palavra a Zachary Nash após John ter dito quem realmente
ele era. Apenas o olhava e soubera que tudo era verdade. Saíra, então, do restaurante
deixando-o sozinho na mesa. Nunca se sentira tão ferida, uma dor que parecia arrancar-
lhe um pedaço da alma, pensava, recostando-se no muro do lado de fora, em plena
escuridão. Fazia de tudo para readquirir o controle. Jamais experimentara desilusão tão
forte. Como enfrentá-la?
John se aproximara e a fitou bem no fundo dos olhos.
— Está se sentindo bem?
— Por favor, John, pode me dar uma carona até a rádio? — pediu e surpreendeu-se
ao verificar o tom normal de sua voz. Esperava que seu rosto não mostrasse a
perplexidade em que se encontrava. Tinha a sensação de que todo o seu sangue havia
fugido do rosto.
John concordou com o pedido, não parecendo perceber o estado em que ela se
encontrava:
— Meu carro está do outro lado da rua.
Maddie tinha medo de não conseguir andar. Seus joelhos estavam trêmulos. John
apoiou-a, segurando-a pela cintura e Maddie viu que o amigo sabia exatamente o que
acontecia com ela.
Foi só quando estacionaram em frente à rádio que John lhe perguntou:
— Por que estava jantando com ele?
— Eu o vi apenas algumas vezes depois de conhecê-lo na sua antiga casa —
explicou. — Não sabia que era seu irmão! Por que ele fez isso comigo? E sua mulher?
Por que não me disse nada?

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— Jill? — John a olhou espantado. — Você encontrou com ela? Pensei que não
tivesse ido ao encontro! Pelo menos foi isto que você me disse!
— E não foi. Mas dei uma carona a Nash até o hotel onde eles estavam. — Maddie
fechou os olhos respirando com dificuldade.
— Ela estava lá! Como pude ser tão burra?!
— Então os dois estavam juntos no hotel...
Maddie não falou mais nada. Era certo que num dado momento chegara a pensar
que Nash era o irmão de John. Mas depois... E Jill? Como não dissera nada quando viu
Nash tratando-a daquela maneira no hotel? Nash deixava claro que flertava com ela.
John parecia não ter vontade de sair do carro. Maddie também não. Em sua mente
repassava o encontro com Jill no hotel. Jill não demonstrava nenhuma hostilidade para
com ela. Pelo contrário, até a tratara muito bem. Depois... depois o interesse de Jill por
John, a ida até o apartamento... Não, por mais que se esforçasse não dava para
entender. Impossível! De repente uma ideia lhe ocorreu. Virou-se para John e perguntou:
— Tem certeza, John?
— Sobre o quê?
— Que Jill e Nash estão juntos.
— Claro que tenho. O meu meio-irmãozinho é muito esperto. Os dois sempre foram
muito unidos. Ele a conhecia há mais tempo do que eu. Pelo que eu saiba sempre foi
apaixonado por ela, só que nunca teve a coragem de tornar isto público! Talvez fossem
amantes há tempo. Como vou saber? Achei que Jill me amava, mas me enganei.
Tudo o que sei é que ele veio até aqui e a levou consigo. Agora estão juntos!
Observando a fúria de John, ocorreu a Maddie, pela primeira vez, que havia uma
ligeira semelhança entre John e Nash, não tanto no tom da pele ou no físico, mas sim na
expressão, no brilho do olhar...
— Você disse que ele é seu meio-irmão?
— É filho do primeiro casamento da minha mãe.
— Ela ficou viúva?
— Não. O primeiro marido dela era um egoísta que mantinha casos com outras
mulheres desde o princípio do casamento. Minha mãe o tolerou anos a fio por causa do
filho que tiveram, Zachary. Quando não pôde mais suportar, ela partiu, levando o filho,
mas é claro que não foi capaz de lutar contra o dinheiro dos Nash. O marido dela era um
homem milionário e fez uso impiedoso do dinheiro. No tribunal a acusaram de tudo quanto
foi possível: de alcoólatra, toxicômana... Conseguiram crucificá-la com mentiras por
intermédio de advogados habilidosos para que perdesse a custódia do filho.
Maddie escutava com compaixão. O rosto de John estava pálido e os olhos
brilhando de raiva.
— Gostaria de que tivesse conhecido minha mãe. Era uma mulher fabulosa. Gentil,
vulnerável. Eles a puseram contra a parede, e a perda do filho foi sua ruína. Mesmo tendo
conhecido meu pai alguns anos depois e ter se casado novamente, nunca foi realmente
feliz. Sua infelicidade transparecia nos olhos mesmo quando sorria. Os Nash a destruíram
com todo o poder e dinheiro que possuíam. Meu pai era um homem pobre, tinha um
negócio modesto, mas que dava para vivermos com conforto, mas não no mesmo nível
que os Nash. — John fez uma pausa. — E agora meu irmão resolveu levar minha mulher.
Os Nash pensam que podem fazer tudo! Destruir a vida de qualquer um! Mais um dia
serei mais rico e poderoso que eles!
Aquilo explicava a conduta e a ambição de John. Queria competir com seu irmão e
com o primeiro marido de sua mãe. Olhava-o indecisa, mas perguntou:
— E o Sr. Nash ainda está vivo, o pai de Zachary?
— Não, ele morreu logo após o falecimento da minha mãe. Mas desejava que ele
ainda estivesse vivo para ver o que ainda vou me tomar! Ele desprezou meu pai na única
vez que se encontraram! E isso eu nunca vou esquecer! Nunca!

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Você e seu irmão se viam quando eram pequenos?


— Raramente. Legalmente minha mãe tinha o direito de vê-lo, mas é óbvio que o pai
fazia o máximo para dificultar estes encontros. Zach estudava num internato do outro lado
do país. Só podia vê-lo de vez em quando, pois tinha que viajar durante o fim de semana,
permanecer lá durante uma noite e retornar no dia seguinte. Com certeza o Sr. Nash não
queria que estes encontros fossem frequentes e muito menos que eu o encontrasse. Na
primeira vez que nos vimos, Zach já fazia a universidade. E foi ódio à primeira vista.
— Quantos anos vocês tinham, então?
— Não me lembro direito. Idade suficiente para entender por que minha mãe
chorava tanto quando o encontrava!
O ciúme que John tinha de Nash era muito grande. A vida toda sentira-se ameaçado
por aquele que fora o primeiro filho de sua mãe, e por quem ela sentia muitas saudades e
carinho.
— Qual é a diferença de idade entre vocês dois?
— Sete anos, quase oito.
Portanto Nash deveria ter trinta e sete ou trinta e oito anos. Ela continuou:
— Então ele conheceu Jill antes de você?
— É... ele conhecia toda a família dela. Na verdade, foi Zach quem nos apresentou.
Estávamos numa festa a negócios em Londres e meu irmão estava lá com ela. Ele tem
uma firma de equipamentos eletrônicos. Jill trabalhava com ele como relações-públicas.
No dia seguinte à festa liguei para ela e a convidei para sair... e nos casamos alguns
meses depois.
— Tudo foi rápido, então? — perguntou Maddie, sorrindo.
— Foi, sim, muito rápido.
Maddie sentiu pena de John.
— O que foi?
— Nada — respondeu não querendo falar sobre o que sentia. A infância de John e o
passado de sua família o haviam tornado um homem muito infeliz, o que era
compreensível. Mas o que tudo aquilo teria causado em Nash? Fora ele a vítima de um
casamento destruído, uma arma usada no meio de uma batalha!
O que isto representava para ele? O que sentiria por John, o filho do segundo
casamento de sua mãe? Será que também sentia ciúme? Será que não fora John quem
roubara Jill?
Maddie olhou para o relógio.
— Eu tenho de ir e organizar o meu programa de hoje à noite.
— Já é tão tarde assim?
— É, é bem tarde.
— Vou mandar meu motorista ficar te esperando para levá-la até em casa quando o
programa acabar.
— Obrigada.
— E, se sentir fome, não saia. Coma na cantina. Falei com o chefe da cozinha, e, de
hoje em diante, o cardápio será mais variado. Pratos rápidos é claro, mas variados.
— Ótimo, obrigada. — Maddie sorriu.
— Estarei ouvindo seu programa. Sou um dos seus maiores fãs.
— Bem... muito obrigada. — John nunca a elogiava, e aquelas palavras a
emocionaram.
Maddie saiu do carro e John partiu. No silêncio da noite, ela ficou vendo o carro
desaparecer. A cidade parecia mais quieta do que nunca. Só o barulho do mar era
audível. O barulho do mar e de sua alma angustiada...
Maddie foi para o estúdio. O programa iria ao ar sem atraso e ela percebeu que
aquela noite não conseguiria levar alegria aos seus ouvintes. Trabalhava
automaticamente. Na mente, a intrincada situação entre John, Jill e Nash.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Como Nash se sentia na verdade? Estaria mesmo apaixonado por Jill antes de
apresentá-la a John?
Tudo era muito confuso... Separou a última carta de um ouvinte, escolheu alguns
que iria ler no ar e colocou os discos em ordem. Deu uma olhada rápida pelos artigos do
jornal que valiam a pena ser mencionados e redigiu suas notas usuais.
Como previra, não conseguiu manter no ar a espontaneidade de sempre. Até
recebeu um telefonema de um fã que queria saber se estava doente. Ao término do
programa, saiu do estúdio profundamente deprimida.
E sabia o porque de tamanha depressão. Sim, não podia negar a si mesma que a
causa tinha um nome: Zachary Nash.
Gostaria de acreditar que fosse cansaço, excesso de trabalho e tudo pelo que
passara ao ser agredida. Mas não era.
Nash fora desleal com ela! Desleal e inconsequente. Inconsequente, sim, pois via
agora que se apaixonara por ele.
Tudo acontecera rápido demais...
Maddie saiu da rádio. O motorista de John a esperava.
Entrou no carro, disse-lhe o endereço e de novo se perdeu em pensamentos. De
novo Nash, a lembrança de tudo o que lhe acontecera. Pela primeira vez na vida sentia
uma emoção tão forte por alguém. Fora inevitável se apaixonar. Cruel, mas inevitável. E
ela que era tão feliz antes de conhecê-lo... Feliz? Não, não podia dizer que era feliz; mas
sentia-se em paz com o mundo. Tinha tranquilidade, e a perdera.
"Mas ele vai ver quando nos encontrarmos de novo! Vou dizer a ele exatamente o
que penso a respeito dele: que é um egoísta, amoral!"
O motorista parou em frente ao prédio.
Maddie desceu e, após dizer-lhe boa-noite, foi para o apartamento.
O banho quente não a ajudou a diminuir o nervosismo, nem o chá.
Sabendo que não conseguiria ler, foi para a cama. Adormeceu quando o dia
amanhecia, e, ao acordar, sentia-se péssima. Sua cabeça parecia que ia estourar.
— Ah... O dia que eu encontrar aquele crápula! — disse, entre os dentes.
A campainha tocou.
Maddie saiu da cama, vestiu o penhoar e foi abrir a porta.
Quando ia abri-la de repente lhe ocorreu que poderia ser Nash. Olhou depressa pelo
visor. Não era Nash e sim Jill Osborne.
Abriu a porta depressa.
— Oi...
— Olá, posso entrar? Preciso ter uma conversa com você.
— Maddie deu um passo para trás.
— Por favor... entre. Sinto, mas acabei de me levantar. Quer um pouco de café?
Estou precisando de um.
— Seria bom — respondeu Jill tão pálida e tão cansada quanto Maddie. — Desculpe
se acordei você.
— Você não me acordou. Sente-se! Logo o café estará pronto...
Jill se acomodou e Maddie foi para a cozinha. Preparou o café, colocou-o na garrafa
térmica e voltou para o quarto.
Cinco minutos mais tarde entrava na sala, com uma bandeja nas mãos, usando
calça jeans e uma blusa branca.
Jill examinava um de seus livros.
— Desculpe, mas não consegui resistir. Gosto muito de ler, Maddie.
— Eu também.
Jill sentou enquanto apanhava uma xícara.
— Creio que meu gosto seja mais tradicional.
Jill sentou e pegou a xícara que Maddie lhe oferecia.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Vê se não quer mais açúcar.


Jill provou a bebida e disse:
— Para mim está ótimo.
Um longo silêncio se instalou entre as duas. Meio sem jeito, Maddie perguntou:
— O que posso fazer por você?
— Zach me pediu que viesse até aqui para conversar com você.
Maddie riu ironicamente.
— Ah, ele pediu é?
— Ele me contou o que aconteceu na noite passada e acha que você não iria querer
ouvi-lo.
— Ele está absolutamente certo!
— Zach acredita que você teve uma impressão errada...
— Acho que tive a impressão exata!
Jill ficou angustiada e Maddie sabia que estava sendo hostil. Mas não podia evitar.
Estava com ciúme de Jill. Nash na certa amava aquela mulher. Jill era uma mulher linda!
E vestia-se com roupas caríssimas. Seria impossível tê-la como rival. Ela era imbatível!
— Maddie, você precisa saber que...
— Já sei de tudo que preciso, Jill. De tudo!
— Não... John entendeu tudo errado...
— Será que você acha que somos imbecis, Jill?
— Você não pode apenas me ouvir? — Jill estava com muita raiva. — Eu preciso lhe
explicar!
— Nem se preocupe com explicações, Jill!
— Mas Zach me pediu para que...
— E você sempre faz o que ele pede?
O escárnio ofendeu Jill:
— Você está errada sobre mim e Zach! Gosto muito dele, mas não da maneira como
está pensando. Eu o conheço já faz um bom tempo, ele é para mim como um irmão mais
velho.
Maddie riu. Aquilo só poderia ser provocação!
— Foi por isto que abandonou John? Sentiu saudade do seu irmão mais velho?
— Eu não deixei John por causa de Zach.
— Ah... E você quer que eu acredite nessa mentira deslavada?
— Zach só me levou para Londres no dia em que deixei John. E não moro com ele,
não sou amante dele e nunca pretendi ser. Será que estou sendo clara? Ou você quer
mais objetividade nas minhas palavras?
— Mas então por quê?... — Maddie parou, balançando a cabeça. — Não, me
desculpe eu não tenho o direito de perguntar.
— Não faz mal, eu iria lhe contar de qualquer maneira. Por que eu deixei John? Era
isto que ia perguntar, não era? Eu não queria, acredite. Eu amo John, mas achei que a
única maneira de fazê-lo entender, fazê-lo notar que eu existia e que precisava dele era
abandoná-lo. Com essa atitude esperava que ele parasse para pensar um pouco.
— E você acha que valeu a pena?
— Não sei... Ele deve ter pensado um pouco sobre nós dois, mas não da maneira
correta como eu queria. Se tivesse entendido, não ficaria alardeando que o deixei por
causa do irmão. Se algum dia na minha vida tivesse desejado Zach, poderia tê-lo tido na
hora que eu quisesse.
Maddie estremeceu. As últimas palavras de Jill a assustaram. Então Jill poderia ter
Zach a qualquer momento? Então ele a amava, e Jill apenas não lhe dera qualquer
chance! Por isso então provocara aquela cena no hotel. Quisera despertar o ciúme de Jill.
— John nem tentou falar comigo, Maddie.
— Você deixou alguma carta explicando por que estava partindo?

31
Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Não.
— Mas o que esperava que ele fizesse?
— Fosse atrás de mim para conversarmos e voltarmos para casa. — Fez uma breve
pausa e prosseguiu: — Agora sei, foi uma atitude estúpida.
— Também acho.
— Mas hoje tenho certeza de que ele não se importou com a minha partida.
— Claro que ele se importou.
— Então por que não foi me procurar?
— Porque é inseguro e muito orgulhoso. Mas ele ficou muito ferido!
— Ferido? Acredita mesmo?
— Claro que ficou ferido! — Maddie olhava para Jill, consternada.
— O que vou fazer agora? — perguntou Jill.
— Está claro que deve procurar John. Conte toda a verdade a ele.
— Não posso! Se John não quiser me ouvir não sei o que vou fazer da minha vida.
— Se você ama seu marido, lute por ele.
Jill ficou por mais dez minutos conversando com Maddie e saiu dizendo que iria
procurar por John.
Maddie imediatamente começou a fazer uma faxina na casa.
Nash logo iria embora, para Londres, e ela nunca mais o veria. Melhor assim!
Quando passava o aspirador de pó no corredor parou em frente ao espelho e gritou
para sua imagem:
— Eu odeio aquele homem! E sou muito feliz sozinha!
Mas a mulher que via diante de si desmentia aquelas palavras. Aquela mulher sofria.
Sofria muito.
Uma hora mais tarde, o apartamento estava na mais perfeita ordem. Maddie, porém,
continuava muito confusa. Decidiu, então, sair um pouco para fazer compras.
Quando voltou, com dois pacotes, e estava para abrir a porta do apartamento,
alguém vindo de trás tirou-lhe os pacotes das mãos.
— Eles são muito pesados para você.
Uma laranja rolou pelo corredor e Maddie correu para apanhá-la.
— Pelo menos não era um ovo! — Nash disse, ao vê-la se aproximar, furiosa,
segurando a fruta.
— O que está fazendo aqui? — Maddie abriu a porta e tentou bloquear a passagem
de Nash.
Ele segurou os pacotes com um dos braços enquanto com o outro pegou-a pela
cintura.
— Que diabo pensa que está fazendo?
Enquanto tentava se livrar dele, Nash, mais ágil, entrou no apartamento e no minuto
seguinte estava dentro da cozinha colocando os pacotes em cima da mesa.
— Como se atreve a entrar aqui sem minha permissão? Saia da minha casa! Quem
pensa que é? Estou muito ocupada e não tenho tempo a perder com conversa barata!
— Conversa barata? — ele brincou. — O que é isso?
— Não quero conversar com você! Vá embora!
Nash sentou-se e esticou suas longas pernas, alheio a tudo.
— Estou falando sério. Saia daqui!
— Eu não vou sair!
— Vai, sim, senhor!
— Por que está tão furiosa? Jill não conversou com você?
— Sim, ela conversou comigo, sim! E daí? Isso muda alguma coisa?
— Claro que muda: Jill não se separou de John por minha causa.
— E daí?

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— Não sei por que continua tão zangada, Maddie! Não, não podia confessar a ele a
verdade. Nash seria capaz de tirar vantagem da situação. E não teria escrúpulos em usá-
la! Nunca lhe diria que o amava!
— Se estou zangada ou não, o problema é meu.
— E meu também!
— Problema seu? Não me faça rir.
— Sei por que está assim!
— Sabe mesmo? Além de mentiroso você agora é adivinho?
— É por causa de John. — Nash se levantou e se aproximou dela. — Está
apaixonada pelo meu irmão!
— Você está totalmente louco!
— Maddie, esqueça o meu irmão. Ele ama Jill, e se ele lhe deu outra impressão
estava apenas fingindo.
— É... você entende tudo sobre fingimento, não?
— O que quer dizer com isso?
— Absolutamente nada. Por favor, vá embora, Nash.
— Ele realmente está fazendo você sofrer, não?
— Não, John não está me fazendo sofrer.
— Não minta para mim! O que aconteceu entre vocês dois? Tiveram um caso? Ele
esteve se consolando com você enquanto Jill estava em Londres?
Era muita humilhação. Virou e se apoiou na pia. Não conseguia parar de tremer.
— Por favor, será que não pode ir embora?
Nash inspirou profundamente e depois falou:
— Você vai superar isto, Maddie, e só não entendo uma coisa: você sabia que ele
era casado. Como foi se envolver com meu irmão?
— Eu não me envolvi com seu irmão!
— Por que negar? Tenho certeza de que vocês são amantes!
— Não! — ela gritou. Nash não deveria pensar que havia algo entre ela e John,
poderia contar a Jill, e aí aquele casamento estaria definitivamente destruído. — Você
está imaginando coisas! Sou amiga de John! Nunca fomos amantes!
— Não?! — Nash estava pasmo, possivelmente preferindo a sua versão da história.
Será que tinha esperanças de vê-la afastar John de Jill para sempre?
— Não! Nunca houve nada entre nós! — insistiu.
— Mas está apaixonada por ele. E gostaria de que ele sentisse o mesmo por você.
— Não ponha palavras na minha boca.
— Eu não precisaria estar adivinhando tudo se você me contasse a verdade.
— Você não tem o direito de ficar indagando sobre a minha vida!
— Então admite que há algo para se saber?
— Não admito nada. A minha vida particular me pertence, e quero que vá embora.
Não gosto que invadam a minha privacidade. Já tenho a minha vida pública. E isto já é
mais que suficiente.
Maddie tentava se acalmar. Olhou para Nash e o viu tenso, amargurado.
Ele não disse mais nada. Apenas a olhou e virou-se, saindo num silêncio, desolado.
Maddie estremeceu quando a porta foi violentamente fechada. Nash fora embora.
Provavelmente não o veria nunca mais.
Nash amava outra pessoa, amava a cunhada. Jill havia dito isto. Poderia ter Nash a
hora que quisesse, confessara com indiferença. E a tranquilidade com que afirmara tal
coisa fizera da afirmação uma verdade incontestável.
Maddie foi preparar o almoço: apenas uma salada e um bife, não estava com apetite
e quase não comeu.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Tomou depois um pouco de café puro enquanto lia um livro, tentando manter seus
pensamentos longe de Nash. O dia transcorreu numa morosidade irritante. Só na hora de
dormir Maddie conseguiu relaxar um pouco.
No sábado pela manhã o telefone tocou. Era Penny, irmã de Maddie.
Depois de falar sobre generalidades, Penny perguntou:
— Você tem algum compromisso muito importante, hoje?
— Não, não tenho nenhum compromisso. Estava pensando em terminar um
romance que estou lendo.
— Sabe o que acontece... Temos um jantar para irmos e a babá que contratamos
para ficar com as crianças acabou de ligar dizendo que não poderia vir porque está com
gripe. Mamãe e papai não poderão substituí-la porque estou indo para Broadstaris passar
o fim de semana com a tia Alice e...
— Que horas quer que eu chegue aí? — Maddie perguntou.
— Você é um anjo maninha.
— Eu sei. Sempre lubrifico as minhas asas — brincou.
— Estou louca par ir a este jantar — confessou Penny. Comprei um vestido novo.
Você vai adorá-lo. E super-sexy, não vejo a hora de vesti-lo. É de seda preta com um
grande decote nas costas. Geoff disse que é devastador.
— Deve ser lindo. Que horas eu devo chegar — perguntou de novo.
— Lá pelas seis. Está bem?
— Está ótimo. Até as seis, então.
Após desligar o telefone, Maddie sentiu-se aliviada.
Tinha agora uma desculpa para passar o fim de semana fora de Seaborough. Não
queria mais mal-entendidos com John e a esposa: os dois que tratassem agora de seus
problemas, que confiassem um no outro! E não pensaria mais em Nash.
Quando pegou a estrada que a levaria a Londres, Maddie sentia-se mais aliviada. E
seu humor mudou por completo quando, já nos subúrbios da capital, parou em Kingston
para fazer compras. Ali os preços eram muito mais acessíveis. Como estava com sede,
entrou num bar para tomar um vinho branco gelado e se divertiu ao encontrar lá dentro
um grupo de turistas que se esforçava para falar inglês.
Quando retornou ao carro e foi para a casa da irmã, sentia-se mais leve, contente
até.
Penny recebeu com um grande abraço e ficou curiosa para saber o que Maddie
comprara!
— O que tem de bonito dentro desses pacotes, maninha?
— Você vai ver!
Abriram os pacotes. Penny adorou as compras.
— Você me deixa experimentar essas roupas amanhã? Acho que nunca vamos
deixar de ter o mesmo manequim.
— Claro que eu deixo!
As duas foram para a sala onde Geoff se encontrava com as crianças, vendo
televisão.
O cunhado a abraçou e disse agradecido:
— Você é uma boa alma, Maddie. Sua irmã iria passar o resto da vida lamentando
caso não fosse a esse jantai Já viu o vestido dela?
— Ainda não vi, mas deve ser maravilhoso!
— Um escândalo — brincou ele. — E vocês, crianças não vão abraçar a tia Maddie?
Maddie abraçou os sobrinhos que logo voltaram a prestar atenção na televisão.
Penny olhou para o relógio e disse:
— Tenho dez minutos antes de subir para me vestir, então, maninha? Ainda gosta
de Seaborough?
— Continua sendo uma cidade pequena e encantadora.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— E... o seu emprego?


— Tudo bem por lá. A audiência do programa continua aumentando.
— E você, como está?
— Muito feliz — mentiu.
— Muito feliz e sem nenhum compromisso para um sábado à noite? Ora maninha...
Quer que eu acredite que está feliz? Nunca ouço você falar sobre nenhum homem desde
que foi para aquela cidade, com exceção do seu chefe John Osborne.
— Ele é casado — Maddie apressou-se em dizer.
— Mas você me disse que ele estava se divorciando.
— Acho que não vai mais se divorciar, não sei. Conheci a mulher dele. E antes que
tire conclusões precipitadas, John é apenas o meu chefe. Nada mais do que isto.
— Há alguém em especial? Não me diga que, no tempo em que está lá, não
conheceu ninguém interessante.
— Tive alguns encontros, Penny, mas não estou à procura de um marido. No
momento estou muito ocupada!
— Eu me preocupo com você.
— Eu sei, mas não é preciso. Estou bem assim. — Maddie tentou sorrir.
— Não parece que esteja bem e nem feliz como disse há pouco.
Penny não media as palavras e sempre dizia o que pensava.
E, perspicaz como era, acertara em cheio. Maddie sabia que não estava bem e nem
feliz. Mas não diria a verdade à irmã. Nash não era um assunto que gostaria de abordar
com Penny ou qualquer outra pessoa. Queria esquecê-lo, e falar sobre ele iria apenas
fazê-la sofrer mais ainda.
Observando o silêncio de Maddie, Penny percebeu que seria melhor se levantar e ir
se vestir.
— Sei que não vou conseguir fazer você falar, mas não pense que irá me enganar
por muito tempo. Sei que algo está errado e mais cedo ou mais tarde eu irei descobrir o
que é. Eu sou sua irmã.
Maddie achava isto por vezes inacreditável, especialmente quando viu Penny, uma
hora depois, já vestida em sua roupa reta apertada, enfatizando todas as curvas de seu
corpo. Maddie a invejava pelo impacto que causava nas outras pessoas.
— Sejam bonzinhos — pediu Penny aos filhos quando os beijava. — E ouçam bem:
não discutam com a tia Maddie quando, às oito horas, tiverem de ir para a cama!
— Sim, mamãe — as crianças concordaram em coro, rindo.
Maddie sabia a batalha que teria pela frente e suspirou. Conhecia aqueles três muito
bem para deixar se enganar. Haviam herdado a beleza da mãe e a obstinada força de
vontade do pai. As meninas, gêmeas idênticas, eram as mais levadas. Marcus, o mais
velho, era mais tranquilo. É só perdia essa tranquilidade quando sentia-se injustiçado.
— Comportem-se, crianças! — Geoff disse aos filhos.
— Eu tomo conta das três, papai.
— Ótimo, Marcus. Conto com você!
— Vejo você mais tarde, Maddie. — Geoff entregou a Maddie um papel com o
número do telefone de onde estariam. — Pode nos encontrar lá se for preciso.
— Está bem. Divirtam-se e não se preocupe conosco Iremos nos divertir bastante.
Maddie os acompanhou até a porta e se despediu. Pressentia que teria uma noite
fatigante.
E viu que estava certa ao colocar os três na cama. Tinha sido duas horas de grande
folia. Estava exausta e que do voltou para frente da televisão dormiu sem ver o fim do
filme. Melhor assim, pensou, ao acordar, pelo menos não pensara em Nash.
Maddie retornou para Seaborough no domingo à noite sob uma chuva fina.
Ao chegar em casa o tempo já estava ótimo, o céu todo estrelado.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Após tomar um banho, foi para junto da janela onde ficou apreciando a tranquilidade
do mar.
Sentia-se feliz por ter retornado. Apesar de Londres se uma cidade fantástica, com
inúmeras oportunidades, preferia a paz de uma cidade do interior.
"Mas tudo seria melhor se Nash estivesse com você", uma vozinha interior a alertou.
E Maddie não gostou.
Saiu de junto da janela e foi verificar se havia algum recado na secretária eletrônica.
A voz de John apareceu na terceira mensagem!
— Maddie, estou indo viajar por alguns dias. Vejo-a na quinta-feira. — E desligou.
Maddie rapidamente retornou a fita para ouvir a mensagem de novo. Realmente não
perdera nada do recado. John fora breve. Será que estaria indo viajar a negócios ou a
passeio? Com ou sem Jill? O que acontecera entre eles?
Maddie gostaria de acreditar que John e Jill estivessem juntos novamente, que
tivessem finalmente decidido enfrentar os problemas, como adultos.
Após um lanche, leu um pouco e deitou-se. E dormiu a noite toda.
Quando acordou, na manhã seguinte, depois de um rápido café, Maddie andou pela
praia apreciando a leveza e a liberdade das gaivotas. "Nada me prende aqui", pensou,
"nada"! Essa frase ficou em sua mente. E ela começou a considerar a hipótese de se
mudar de Seaborough. Talvez uma outra cidade, talvez os Estados Unidos...
Abaixou-se e apanhou várias pedrinhas que começou a atirar no mar. Aos poucos
seu rosto foi retratando a amargura que começava a inundar-lhe a alma.
"Estou pensando em sair daqui por causa de Nash. Esta é a verdade... Sei que não
vou aguentar a possibilidade de vê-lo outras vezes... E mesmo que ele não apareça mais
por aqui, John me fará lembrá-lo. É fatal: a dura realidade..."
Furiosa, jogou ao mar a última pedra que tinha nas mãos. Uma gaivota que se
aproximava da água voou alto, assustada.
— Algum problema com você?
Com medo, Maddie pensou estar vivendo um pesadelo. A voz era de Nash, que se
encontrava atrás dela. Não sabia como não o ouvira se aproximar.
— Ela o conheceu primeiro, Maddie.
Maddie estava confusa. A que Nash se referia?
— Os dois desistiram do divórcio.
Ah... Nash estava se referindo a John e Jill.
Olhando-o indignada, pediu:
— Não comece com esta história de novo. Já disse que não tenho nada com John.
Por que tudo isso novamente?
— Os dois voltaram a viver juntos.
— Ótimo!
— E foram viajar juntos.
— Acho excelente para eles! Espero que finalmente consigam ser felizes!
— Essa viagem é uma segunda lua de mel — disse Nash, num tom provocador.
— Espero que nunca acabe...
Ciúme. Nash estava com ciúme, Maddie concluiu. Afinal, ele amava Jill. E agora
estava desesperado.
Nash fez um movimento rápido. No início Maddie não entendeu o que estava
acontecendo. Só percebeu realmente o que se passava quando sentiu os lábios de Nash
nos dela.
O beijo foi sôfrego, desesperado.
Nash se afastou. Maddie ficou atônita, olhando para ele. Como ousava beijá-la
daquela maneira? Nash a usava para desabafar toda a dor e raiva que sentia por Jill.
Indignada, Maddie começou a chorar.

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CAPÍTULO VII

Maddie, inconformada após aquele beijo, olhava para o mar. Nash se aproximou por
detrás.
— Eu sinto muito. Não deveria ter agido daquela maneira. Perdi a cabeça.
— Não vou desculpá-lo nunca pelo que fez!
— Não estava me desculpando, Maddie... Estava apenas explicando o que
aconteceu.
— E você acha que isso basta?
— Sei que não basta, mas...
— Não ouse me tocar de novo daquela maneira! Fui clara? — Maddie o enfrentou.
Não iria arredar pé.
— Calma, Maddie!
— Não ouse me tocar daquela maneira novamente — ela repetiu. — Seja lá os
motivos que tenha.
— Ora, não finja para mim, Maddie!
— E ainda você se acha no direito de falar comigo neste tom? Eu não acredito!
— Você nunca cede, não é mesmo?
— Quando tenho razão, não. — Deu um longo suspiro e continuou: — Tenha mais
cuidado numa próxima vez, caso contrário, vai se arrepender.
— Estou horrorizado! — Nash estava quase sorrindo.
— Espero que esteja mesmo. Não me responsabilizo pelos meus atos.
— Não acredito que você teria coragem de me agredir. — Abraçou-a pela cintura. —
Não pensei que você fosse tão perigosa. — E olhando para o céu, comentou: — Lindo
dia, não?
— Quer fazer o favor de me soltar?
— Tudo bem... — Ele se afastou. — Mas você não me disse se está achando o dia
bonito.
— O dia está maravilhoso. Mas me diga: o que está fazendo aqui na praia?
— Estava passando pela avenida de carro e te vi. E você? O que está fazendo aqui?
— Quando o dia está bonito, sempre dou uma caminhada pela praia quando acordo.
Às vezes até mesmo quando o tempo não está bom. Acho o mar fascinante. Ele sempre
se renova. E sempre fico encantada com o que ele deixa na praia.
— Você gosta de andar?
— Bastante. Especialmente quando tenho muito em que pensar — admitiu.
— Como o que, por exemplo?
— Ah... várias coisas: decisões, problemas...
— Que tipo de problemas?
Nash estava indo longe demais com as perguntas. Maddie sabia que precisava ter
cuidado para não se trair.
— Qualquer um — respondeu, evasiva.
— Como por exemplo decidir se continua aqui ou volta para Londres?
A pergunta a surpreendeu.
— É... Às vezes me passa pela cabeça que devo sair daqui — disse, procurando ser
casual. — No meu tipo de trabalho, tudo é possível.

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— De ser difícil para uma pessoa da capital viver no interior, não? — Nash
encorajava-a a prosseguir. Pretendia saber qual era o segredo dela. Pretendia descobrir
quais eram os verdadeiros sentimentos de Maddie por John.
Vendo que ela permanecia em silêncio, Nash insistiu:
— Não sente saudades de Londres?
— Um pouco. Mas gosto da vida do interior. É verdade que, no meu ramo, existem
mais chances em Londres, mas não pretendo voltar para lá. Se sair daqui vou para mais
longe.
— Tenho alguns contatos... Caso você venha precisar...
— Com pessoas dessa área?
— Exatamente. Se precisar, posso lhe providenciar algumas entrevistas.
— É muita gentileza da sua parte, mas...
— Seria uma atitude sábia se mudar daqui! — ele a interrompeu. Seus olhos azuis
brilhavam hostis.
— Por que está falando assim comigo? — disse, se entristecendo com aquele tom
de voz.
— Desculpe, foi só um conselho! E um bom conselho, por sinal.
— Sou totalmente capaz de tomar as minhas próprias decisões sem precisar de
conselhos. Principalmente vindos de uma pessoa que eu mal conheço.
— Por que está sempre tentando brigar comigo, Maddie?
Maddie suspirou. Era uma boa pergunta.
— Posso lhe dar uma lista enorme de motivos. Você pensa que sabe tudo. É muito
arrogante para o meu gosto.
— Arrogante? — perguntou, espantado.
— E agressivo, muito seguro de si. Deve ser seu dinheiro. Ou será que herdou a
arrogância do seu pai? John disse que ele era um homem impiedoso e arrogante.
— John não conheceu o meu pai.
— Mas teve de viver com as consequências do que ele fazia.
Os olhos de Nash permaneceram fixos no mar por um longo tempo. Depois, fitando-
a, disse:
— Não lhe ocorreu que meu pai teve de viver com tudo que minha mãe fez a ele. Ela
o abandonou e se casou novamente. Ele não. Viveu sozinho pelo resto de seus dias. Um
homem angustiado, lamentando o passado noite e dia. Não posso entender por que John
falou mal do meu pai. | Ele não sabe o outro lado da história. Meu irmão foi criado de
maneira a odiar meu pai. Mas você não pode aceitar, o que John diz como a verdade
única. O que ele pensou é apenas uma versão dos fatos: a mais conveniente para minha
mãe e para seu segundo marido.
Maddie o ouvia, atenta. Queria que Nash continuasse falando, queria saber sobre
sua infância. Era importantes para ela. Tudo o que estivesse relacionado com Zach era
importante. Observava seu corpo tenso, os olhos de um azul mais intenso do que o do
mar...
— Meu pai não era arrogante, e sim decidido. Trabalhou duro, importava-se muito
com seu trabalho, suas empresas. Talvez tenha negligenciado minha mãe, não sei... Ela
deve ter tido bons motivos para deixá-lo, mas ele nunca foi o monstro desumano que
John imaginou. Meu pai obrigou minha mãe a abrir mão da minha custódia, e sei que isto
a entristeceu muito. Não foi nada bom para mim também. Nenhuma criança gosta de se
ver dividida entre os pais, jogada de um lado para o outro. Minha vida teria sido muito
mais fácil se minha mãe não tivesse abandonado meu pai.
— Você está culpando sua mãe, Nash... — Maddie comentou com delicadeza.
— Não, Maddie. Não culpo ninguém. Meu pai também não era uma pessoa fácil
para se conviver, estava sempre longe de casa, voando para o exterior. No fundo, a que
esperava que ela conseguisse superar essas ausências.

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— E ele esperava que ela superasse as outras mulheres que ele possuía também?
— John não esqueceu de nenhum detalhe, não é mesmo?
Nash estava furioso e Maddie imediatamente arrependeu-se do comentário que
fizera. Mas não dava para voltar atrás.
— Me desculpe... Mas não é verdade que seu pai mantinha casos com outras
mulheres antes de sua mãe abandoná-lo?
— Eu disse que minha mãe deve ter tido bons motivos para fazer o que fez. Meu pai
não era nenhum anjo, mas também não era o diabo que ela pintou para John. Ele não
tinha uma segunda mulher, nem mesmo uma amante. Mas quando viajava durante
semanas saía com garotas. O que nunca significou nada para ele.
— Talvez não para ele, mas para sua mãe...
— Um dia ela descobriu e não foi capaz de perdoá-lo. Acho que ele realmente a
amava, a seu modo, mas amava. Foi um choque para ele quando o casamento terminou.
Bebeu durante anos. Era um homem forte e ficou acabado...
Maddie ficou com pena de Nash.
— Sua infância não deve ter sido nada feliz...
— Não posso dizer que foi divertida, mas meu pai me amava e nunca duvidei disto.
Maddie lembrava-se agora do que John comentara sobre o divórcio da mãe e das
mentiras proferidas contra ela. Será que Nash sabia disto.
— John também não foi muito feliz...
— John — Nash sorriu. — Que problema ele poderia ter? Sempre teve os pais
juntos, um lar estável. Então ele se queixou com você... Pobre menino, envolvido numa
briga de adultos...
Havia muita amargura na voz de Nash. Maddie agora o entendia um pouco mais.
— John sempre achou que a mãe amava mais você do que ele.
— Isto não é verdade. Não pode ter pensado isto. Desde o minuto em que ela se
casou novamente eu quase não a vi. Tudo com que ela se importava eram o novo marido
e seu filho. Ela simplesmente se esqueceu de mim.
— Não, ela... — Maddie foi interrompida bruscamente por Nash:
— Não tente me dizer como foi! Eu vivi a situação! Você, não. Você apenas
acreditou em tudo o que John lhe disse, mas já era de se esperar que faria isto. Está
apaixonada por ele.
Maddie não teve tempo para negar. Nash se afastou correndo. Ela o ofendera, sabia
disso. Ele também tinha muito ciúme de John. Era óbvio que, depois de tudo que
acontecera aos dois irmãos, eles acabassem por se odiar.
Maddie vagarosamente se dirigia para o apartamento. Nash voltaria para Londres.
Nada mais o prendia ali em Seaborough.
Em casa, após o almoço, a tristeza de Maddie era muito grande. A conversa que
tivera na praia com Nash a deprimira.
Passou a tarde toda olhando para uma página do livro que lia sem ver nada, além do
rosto de Nash. Resolveu ir para a rádio mais cedo. Pelo menos lá encontraria algo com
que se distrair. Lá chegando, resolveu fazer uma pesquisa que há muito vinha adiando. A
pesquisa a fez esquecer um pouco a dor que sentia no peito. Amava Nash. Um amor
maior que o mundo. Mas não podia tê-lo. Ele amava outra mulher. O jeito era aprender a
conviver com o sofrimento.
No momento em que entrou no ar, sentia-se mais aliviada.
Chorara bastante trancada dentro do banheiro.
O telefone tocou no momento em que ela acabara de colocar uma música do Elvis
Presley.
— Alô! Rádio Continental.
— Alô, Maddie. Sou eu!
— O... Oi! Tudo bem com você, Nash?

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— Tudo. Adoro essa música: Ama-me com ternura. É esse o nome dela, não?
— É... acho que é — ela falou, confusa.
— Gostaria de ouvir uma outra.
— Qual?
— I love me do.
Maddie engoliu em seco. Por que ele lhe pedia aquela música?
— Tudo bem, vou colocá-la para você.
— Gosto muito dos Beatles.
— Eu também. Obrigada por ter ligado. Adeus.
Cortou a ligação antes que ele pudesse dizer algo mais e separou o disco. Todos os
álbuns dos Beatles estavam ali bem perto de sua mão. As pessoas solicitavam as
músicas com regularidade.
Então Nash não havia deixado a cidade. Por que estaria ainda em Seaborough?
Talvez estivesse esperando John e Jill retornarem. Maddie ficou preocupada com o
telefonema até o final do programa, e sentia-se nervosa ao sair do prédio.
A cidade dormia tranquila. Olhou para o céu estrelado e andou depressa em direção
ao carro, como se receasse que Nash aparecesse.
Nash, porém, não apareceu. No entanto Maddie sentia a presença dele. E tinha
muita vontade de vê-lo. Não, não podia vê-lo e correr o risco de se trair.
Chegando no apartamento ficou muito tempo junto à janela admirando a imensidão
do mar.
O ciúme que John e Nash sentiam um pelo outro acabaria por magoá-los ainda
mais, pensava. E sabia que não podia fazer nada para ajudá-los.
Naquela madrugada, Maddie sonhou com Nash e acordou chorando.
Levantou-se, tomou um banho rápido e, depois de ficar andando pela praia, foi fazer
compras. Na saída deu de cara com Nash.
— Até que enfim te encontrei! — disse, impaciente e com pressa. — Liguei para
você mais de dez vezes!
— Como dá para ver, não estava em casa. Nada mais óbvio, não?
— Sem ironias, Maddie. Conversei com alguns amigos em Londres. Se quiser um
emprego deve ligar para este número e marcar uma entrevista — disse-lhe, entregando
uma folha de papel.
Maddie olhou para o número e o nome que estavam escritos abaixo. Já tinha ouvido
falar de Peter Maddocks. Dirigia uma nova estação comercial especializada em notícias e
música. A rádio ficava no ar vinte e quatro horas por dia.
— Obrigada, é muito gentil da sua parte. Foi uma grande atenção ter se preocupado
comigo.
— Não precisa agradecer. Apenas telefone para Maddocks, está bem?
— Não grite comigo! — disse nervosa.
— Não estava gritando, estava apenas sugerindo.
— Fa... falando... assim comigo... no meio da... da rua — gaguejou, vendo as
pessoas olharem e rirem maliciosamente. Ela era conhecida na cidade. — Até nunca
mais! — Maddie afastou-se.
Nash a seguiu e, decidido, segurou-a pelo braço.
— Escute, desculpe se eu gritei com você...
Maddie voltou-se e não conteve o riso ao ver a expressão dele. Parecia um
garotinho arrependido.
— Tenho de admitir que realmente está se desculpando.
— Por que você é tão sensível assim?
— E você tem alguma coisa contra as pessoas sensíveis?
— Não, muito pelo contrário. Gosto delas.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Gostei do que fez por mim, Nash. Maddocks é uma pessoa muito importante...
Obrigada.
— Foi um prazer. Se você conseguir trabalhar com ele, será muito importante para a
sua carreira.
— É verdade.
— Vai para algum lugar em especial nas suas férias, este ano? — ele perguntou,
mudando de repente de assunto.
— Ainda não planejei nada. Gostaria de visitar a China. Quem sabe? Talvez dê para
eu ir.
— Gosta de comida chinesa, Maddie?
Depois de pensar um pouco respondeu:
— Aprecio uma boa comida chinesa, sim.
Nash olhou para a rua que descia em direção à praia.
— O que me diz daquele restaurante novo lá embaixo, perto da praia. Já esteve lá?
Sabe se é bom?
— Aquele que tem um dragão verde e vermelho pintado na porta?
— Exatamente.
— Não, ainda não estive lá, mas já ouvi dizer que a comida é muito boa.
— Já almoçou? — perguntou casualmente e foi só aí que Maddie notou o rumo que
a conversa tomara. Poderia ter se esquivado, mentido, dado uma desculpa delicada, mas
não... Temia se arrepender mais tarde. Talvez fosse a última vez que teria a oportunidade
de estar com Nash. Respondeu:
— Não ainda não almocei.
— Ótimo, almoça lá comigo?
— Claro que sim...
Enquanto desciam a ladeira, Maddie temeu estar cometendo um erro.
Foram os primeiros clientes daquele dia. O restaurante havia acabado de abrir suas
portas. O garçom sorriu ao lhes mostrar uma mesa de canto. Mas Nash preferiu uma
mesa mais perto da janela. O garçom, surpreso, entregou- lhes o cardápio assim que se
sentaram.
Enquanto esperavam os pratos que haviam pedido, Maddie e Nash conversaram
sobre banalidades.
A comida foi servida e estava deliciosa.
A conversa continuou animada entre os dois.
Maddie descobriu que tipo de livros ele gostava, as músicas preferidas... Os dois
tinham muitas coisas em comum, e ela gostava muito disso.
— Por que escolheu os Beatles? — perguntou.
— Porque são eternos. Os Beatles fizeram parte da minha adolescência.
— Eu era um pouco jovem para lhes dar o devido valor, até que se separaram.
Nunca os vi juntos... — lamentou Maddie.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e cinco.
— Eu tenho trinta e oito, é uma diferença grande.
— Nem tanto. Meu pai é dez anos mais velho do que minha mãe.
— É mesmo? Você se dá bem com seus pais?
— Somos uma família muito feliz, muito unida.
Nash se entristeceu. Maddie se deu conta de que novamente tocara no assunto
proibido.
— Você tem sorte...
Mudando de assunto rapidamente, ela disse com um sorriso:
— Se eu soubesse que essa comida era tão boa, teria vindo aqui antes.
— Eu também... — O sorriso dele era triste.

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— Também gosto muito da comida italiana.


— É... uma boa massa é sempre bem-vinda.
Maddie olhou para o relógio e disse:
— Preciso ir embora. Tenho uma reunião departamental às três e meia.
Nash pediu a conta. Depois de pagar, os dois saíram do restaurante. Maddie
chamou um táxi e, após despedir- se, entrou no veículo. Nash ficou olhando o carro se
afastar.
Maddie estava confusa. Por que Nash insistia em procurá-la? De repente deu-se
conta de que não lhe perguntara se voltaria para Londres. E quando.
À noite, durante o programa, Nash não lhe telefonou. Melancólica, Maddie abusou
das baladas dos Beatles. Leu até um poema de um poeta inglês do século XIX que falava
de amor. Apesar de triste, nunca se sentira tão à vontade diante de um microfone. Era
como se falasse diretamente a Nash. A reunião que tivera à tarde lhe dera a certeza de
que era por de mais querida pelos ouvintes. Sua audiência dobrara no último mês.
Ao chegar em casa o sono a abençoou. Dormiu profundamente naquela noite.
Mal havia se levantado da cama na manhã seguinte e Nash lhe telefonou
convidando-a para jantar. Maddie, feliz, aceitou o convite. E resolveu que queria ficar bem
bonita.
Escolheu, entre as roupas que comprara em Londres, a mais elegante. Passou a
tarde toda no cabeleireiro e quando Nash chegou e a viu, perguntou extasiado:
— De onde você saiu? Dos meus sonhos?
Depois de uma rápida conversa, decidiram ir jantar numa cidade maior, perto de
Seaborough, onde tinha um restaurante francês luxuosíssimo.
Conversaram e trocaram olhares insinuantes. Num dado momento, uma enorme
esperança a invadiu. Será que um dia Nash seria capaz de se esquecer de Jill? O futuro
era imprevisível, e ela até podia alimentar alguns sonhos...
Saíram do restaurante com medo de que Maddie não chegasse a tempo para o
programa. E, se não fosse pela perícia de Nash ao volante, era exatamente o que teria
acontecido. Despediram-se na porta da rádio e Maddie correu para o estúdio, onde, para
os seus ouvintes, deu todo o carinho e atenção que eles esperavam.
Na manhã seguinte, de novo Maddie recebeu um telefonema de Nash.
— Seu programa esteve ótimo, ontem.
— Você gostou?
— Muito.
— Que bom...
— Gostei muito de você ter tocado de novo I love me do.
— Eu sabia que iria gostar.
— Maddie?
— Sim...
— Eu liguei para lhe fazer um convite.
— Um convite?
— É. Quero almoçar com você!
— Almoçar?
— E jantar também.
Maddie mal podia conter a alegria.
— Hoje, Nash?
— Sim, hoje!
— Almoçar e jantar? Tem certeza?
— Claro que tenho...
— Tudo bem, almoço com você!
— Pego você ao meio-dia. E quanto ao jantar?
— Discutiremos isto no almoço... — respondeu, antes de desligar.

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De novo Maddie se esmerou para o encontro. Às onze e quarenta e cinco o telefone


tocou. Era Nash:
— Desculpe, Maddie, fui chamado com urgência em Londres. Não poderemos
almoçar juntos.
A decepção de Maddie foi muito grande. Mas não podia demonstrá-la a Nash.
— Não se preocupe... Não faltará ocasião.
— Eu volto.
Nash desligou.
Maddie vagarosamente colocou o fone no gancho. Não, não iria chorar! Nash
desistira de esperar por Jill...
Pelo menos ainda tinha seu trabalho, seus ouvintes de todas as noites. Trocou de
roupa e arrumou o apartamento. Depois decidiu ir nadar. Mas a dor que sentia não a
abandonou, por mais que tentasse livrar-se dela.
Não teve mais notícias de Nash.
Na quinta de manhã acordou sem esperanças. Nash nunca mais voltaria a
Seaborough. Levantou-se decidida a encarar definitivamente aquela situação: Nash
partira, mas a vida dela continuava. Tinha de continuar!
John apareceu em sua sala naquela quinta à noite, enquanto Maddie preparava o
programa. Ela não ouviu a porta se abrir e se assustou quando seu chefe lhe dirigiu a
palavra:
— Ocupada?
Virou-se para John, trêmula, o coração batendo descompassado.
— Você me assustou!
— Desculpe, Maddie!
— Que bom que você voltou, fico contente.
— Fica mesmo?
Ela sorriu. Por um tolo e doloroso segundo confundira a voz de John com a de Nash.
E John parecia ter notado o que ocorrera.
— Eu disse que estaria de volta, hoje.
— É verdade. Divertiu-se bastante?
John fitou-a diretamente nos olhos, sorrindo. Aquilo era uma resposta: Sim, ele
divertira-se bastante e estava feliz.
Parecia um outro homem.
— Como está Jill? — perguntou.
— Ela está bem. Resolveu redecorar a nossa casa inteirinha. Isto a deixará ocupada
durante meses.
— Fico contente com sua felicidade. Mas, John, não negligencie Jill outra vez.
— Nunca mais vou fazer isso.
— Nunca mais mesmo?
— Bem, tem muita coisa que preciso aprender, não é verdade? Mas vou fazer de
tudo para ser um marido exemplar.
— Jill merece. Ela é muito especial, você sabe disso, não?
— Sei, sim, Maddie... E como está indo o programa?
— Maravilhosamente bem. Já preparei tudo para essa noite.
— Ótimo. E as cartas, alguma interessante?
Maddie apontou para algumas cartas que havia selecionado, das várias que
recebera. John leu duas delas e riu muito. Os ouvintes a adoravam. Até sugeriam que ela
ficasse o dia todo no ar.
— Bem... — Ele devolveu as cartas a Maddie. — Devo confessar que deixei Jill
dormindo. Ela estava exausta com a viagem, e eu totalmente sem sono. Aí resolvi vir até
aqui dar uma olhadinha na rádio. Eu acho ótimo.
— O que, John?

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— Trabalhar a essa hora é o ideal. Ninguém por perto, tudo tranquilo... Ninguém nos
interrompe... Na verdade não existe hora melhor para se trabalhar.
— Acho que sentiu falta do trabalho enquanto esteve fora!
— Que fique só entre nós: senti mesmo — admitiu. — Vou ficar trabalhando até
mais tarde, portanto toque algumas das minhas músicas favoritas, pode ser? Ele mostrou
o disco que queria e Maddie prometeu que lhe atenderia o pedido. E realmente o fez
durante aquela noite, perguntando-se se John estaria ouvindo o programa ou se estaria
tão absorvido pelo trabalho que se esquecera totalmente do que pedira.
Maddie estava saindo do estúdio quando encontrou com John.
— Maravilhosa sua performance desta noite. Ouvi todo o programa, você esteve
ótima.
— Obrigada, gosto de ouvir elogios sobre o meu trabalho. E vindos de uma pessoa
crítica como você, então...
John tinha uma garrafa numa das mãos e, na outra, duas taças entre os dedos
presas pelas bases.
— Que tal uma taça de champanhe! Por tudo que Jill me contou, precisamos
comemorar. — John deu-lhe um beijo no rosto. — Obrigado por tudo, Maddie. Devo
minha felicidade a você.
— Você não me deve nada.
— Minha esposa não concorda. Ela diz que foi você quem a fez voltar para mim.
John a levou até o seu escritório e colocou os copos sobre a escrivaninha. Em
seguida, começou a tirar a rolha da garrafa.
— Conversamos muito. Agora sei que Jill nunca amou meu irmão.
— Soube que Jill te amava desde a primeira vez em que a vi.
O champanhe estourou e John apressou-se em encher as taças.
— Brindemos — disse Maddie, sorrindo, pegando u das taças.
— Tim-Tim!
Após brindarem, tomaram um gole de champanhe. John aproximou-se de Maddie,
abraçou-a e a beijou de leve nos lábios enquanto fraternalmente lhe acariciava os
cabelos.
— Quero toda a felicidade do mundo para você, John.
— E eu para você, Maddie.
— Então brindemos à felicidade!
— À felicidade! — disseram os dois ao mesmo tempo.
Maddie, sorrindo, levou a taça aos lábios. De repente teve a sensação de que
estavam sendo espionados. Olhou para o corredor e pareceu ver um vulto. Nash? Seria
Nash? disfarçando aproximou-se da porta e verificou o corredor escuro. Ninguém. Só
podia ser sua imaginação, pensou. Começava a ver Nash em todo lugar.
— Algum problema, Maddie?
— Nada. Tive a sensação que vi alguém passar.
— Deve ter sido o vigia fazendo a ronda.
— Claro! Como não pensei nisso antes? O Sr. Smith faz a ronda de hora em hora...
Cerca de vinte minutos mais tarde Maddie e John se despediram em frente a rádio.
Maddie entrou no carro e seguiu devagar para o seu apartamento. Por mais que se
esforçasse estava difícil deixar de pensar em Nash. Deixou o carro na garagem e, seguir
para o elevador, ouviu passos atrás de si. Em pânico, voltou-se, temendo encontrar com o
seu agressor.
— Nash! É você! Graças a Deus, eu...
Maddie interrompeu a frase diante do olhar de desprezo de Nash.
— Você é uma desavergonhada! Não vou permitir que continue aqui destruindo a
felicidade de Jill! Será que não percebeu que ela e meu irmão se amam? Por que insiste
em manter um caso com ele? Você vai sair de Seaborough e ficar longe de John!

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Maddie sentia-se ultrajada. Como Nash tinha coragem de tratá-la daquela maneira?
Quem ele pensava que era?
— Você está louco, sabia? Nada do que disse é verdadeiro, e mesmo se fosse você
não tem nada com a minha vida!
— Não vai fazer Jill infeliz novamente!
"Jill! Sempre Jill! Ele não se esquece dessa mulher?", pensou.
— Jill não é problema seu, Nash! Está na hora de entender isto de uma vez por
todas!
Maddie resolveu sair da garagem e foi para a rua. Precisava respirar um pouco de ar
puro. Nash a seguiu.
— Não adianta fugir, Maddie. Vai continuar falando comigo!
Maddie parou e o enfrentou:
— Quer parar de gritar? Quer acordar toda a vizinhança?
— Você vai para Londres fazer aquela entrevista com Maddocks!
— Ora, vá embora!
Nash a segurou firme pela cintura quando tentava se afastar. Maddie fez de tudo,
mas não conseguiu se soltar.
— Eu te odeio! — disse furiosa.
— Não tanto quanto eu te desprezo — retrucou ele.
Maddie não esperava ouvir tais palavras saídas da boca do homem que amava.
— Deus sabe como vim apressado, para chegar antes que seu programa
terminasse! Fiquei viajando dez horas! Dez horas!
— Onde você esteve?
— Em Los Angeles. Tinha um negócio importante a tratar. Voltei assim que pude!
— Não acredito em você!
Maddie de novo tentou se soltar daqueles braços. Não obteve êxito. Nash voltara
por causa de Jill e não por ela! Nash não a usaria de novo!
— Droga, acalme-se!
De repente uma sirene ecoou dentro da noite. Era a polícia. A luz do farol sobre eles
quase os cegava. A viatura parou. Dois policiais desceram e se aproximaram deles.
— O que está havendo por aqui? — perguntou um dos policiais. — A senhora está
bem?
Maddie fez um sinal afirmativo com a cabeça.
— Acabaram de nos chamar avisando que havia um distúrbio aqui na rua —
explicou o policial mais alto, esfregando o queixo e ponderando sobre a situação. —
Disseram que havia muito barulho, uma briga de rua que estava acordando a vizinhança.
No meio da noite as pessoas acordam assustadas. E ultimamente tivemos vários
chamados de incidentes deste tipo com vítimas.
O outro policial ainda perguntou:
— Este homem a estava ameaçando, senhora?
Maddie olhou de lado para Nash profundamente tentada a responder que sim, mas
achou melhor negar.
— Estávamos discutindo, foi tudo. Sinto ter perturbado outras pessoas.
Os policiais não pareciam convencidos. Ainda os olhavam com suspeita.
— Tem certeza, moça?
— Claro que tenho! Por que iria mentir caso estivesse sendo atacada?
— Ora, as pessoas fazem coisas estranhas, quando estão assustadas. Se estiver
sendo ameaçada...
— Não, não estou sendo ameaçada!
— Olha lá... Se estiver, pode contar conosco! Terá toda a proteção de que
necessitar.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Não estou sendo ameaçada, fiquem tranquilos. Estávamos discutindo. Eu


conheço esse homem.
Os policiais se dirigiram para Nash, entreolhando-se irritados.
— Vocês podem se meter numa grande confusão, sabiam? — disse o mais alto. —
Causando perturbações no meio da rua, fazendo a polícia perder tempo, acordando todos
os vizinhos... Por que não vão para casa?
— Sinto muito — disse Nash, conduzindo Maddie pelo braço, mas naquele exato
momento o policial disse com firmeza: — Esperem! — E olhando para Maddie, perguntou:
— Eu já não te conheço? Claro que conheço! Você foi a garota vítima de um
agressor numa noite destas!
— Sim — admitiu. — Fui agredida numa noite dessas.
— Depois do que aconteceu, estou surpreso em vê-la na rua a esta hora da noite.
Imagino que tivesse medo!
— Eu trabalho à noite, tenho de sair a esta hora — explicou.
— Ora, e fazendo o quê?
— Ela é Maddie Ferrall. Já devem tê-la ouvido no rádio.
— E conheço o senhor também. Não era o homem que?...
— Não! — contestou Maddie, estremecendo, embora não soubesse dizer o porquê.
— Levei a Srta. Ferrall para a delegacia para fazer a identificação do acusado —
defendeu-se Zachary, com a voz fria. — Deve ter sido lá que me viu. Quer que lhe mostre
a minha carteira de identidade?
Algo no rosto de Nash, ou talvez seu tom autoritário, mudou a atitude dos policiais.
— Não, está tudo bem — disseram. — Mas não façam mais barulho, por favor. Vão
para casa e briguem entre quatro paredes. De preferência em silêncio!
Os policiais foram embora e Maddie pôde respirar mais tranquila. Abalada pelo
incidente, que a fez lembrar-se da noite que fora agredida, tentava não chorar.
— Pensei que nunca mais fossem embora — disse Nash, suspirando.
— Você também já pode ir — completou Maddie.
Começou a andar em direção ao seu prédio. Sem perceber, afastara-se de lá mais
de um quarteirão. De novo Nash a seguiu. Quando abria a porta do prédio, virou e repetiu:
— Já disse que você também já pode ir!
— Eu ainda não terminei o que tenho para lhe falar.
— É o que pensa! Boa noite!
Nash bloqueou a porta com o pé e Maddie não pôde fechá-la.
— Quer que a polícia volte? — ele perguntou?
Maddie o fitou perturbada. Nash seria bem capaz de fazer outra cena ali e os
vizinhos iriam tornar a chamar a polícia.
— Não temos nada a dizer um para o outro. — Mas resolveu deixá-lo entrar ao
perceber que ele iria falar em voz alta. — Entre, então! Estou muito cansada.
Zachary olhou para o relógio: dez para as três. Fechou a porta atrás de si.
— Até que às vezes você raciocina direito.
— Você teve sorte de eu não acusá-lo por agressão! — murmurou Maddie, entre os
dentes, já dentro do apartamento. Foi para a cozinha.
— Agressão? Você, sim, que é extremamente agressiva!
— Porque você me provoca!
— Provoco, é? — perguntou num tom íntimo, e Maddie sentiu o corpo estremecer.
Por que era tão fraca diante daquele homem? Nunca fora tão insegura antes.
— O que precisava dizer de tão importante? — perguntou, sentando-se numa
cadeira.
Nash apanhou a chaleira, encheu-a de água na pia e só então respondeu:
— Quero levá-la para Londres. Você precisa falar com Maddocks.
— Vou falar com ele quando bem entender. E o que vai fazer com esta chaleira?

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— Chá. Preciso tomar uma xícara!


— Eu quero ir para a cama.
— Pode ir. Depois levo uma xícara para você — disse, rindo.
— Não achei engraçado e não gosto desse tipo de insinuação! Quer ir embora, por
favor?
— Por que insiste em acabar com o casamento de John? — perguntou
abruptamente, agressivo.
— Já lhe disse mil vezes. Mas vou lhe dizer mais uma: eu não estou interessada em
John!
— Sei...
— E fiquei feliz por ele ter voltado para Jill. Deu para entender ou quer que eu repita
tudo de novo?
— Então por que não prova isto? Vamos para Londres falar com Maddocks.
Maddie estava muito cansada. Não queria mais discutir.
— Está bem — concordou. — Faço qualquer coisa para me ver livre de você.
Preciso dormir um pouco.
— Gostei dessa decisão.
— Então, agora, por favor, me deixe sozinha.
— Nada disso. — Ele a fez levantar-se e a abraçou.
— Gosto de me sentir bem pertinho de você...
— Não vai mais fazer chá?
— Desisti da ideia. O calor do teu corpo me acalma muito mais.
— Não, Nash...
Ele a acariciava e Maddie tinha de tomar cuidado para não retribuir os afagos.
— Você é uma mulher estranha, Maddie.
— Por que está me dizendo isso?
— Você me confunde.
— Ah... Eu te confundo... E o que você acha que faz comigo?
— Eu também confundo você? — Nash beijou-lhe as pálpebras.
— Nash, pare com isso. Estou realmente com sono. Quero dormir.
— Sozinha?
— Eu disse que queria dormir, e não fazer amor. Nash a beijou na boca. Maddie no
início resistiu, mas foi cedendo aos poucos.
— Ainda tem certeza de que quer dormir sozinha?
— Nash, vá embora. Por favor — insistiu.
— Se eu for embora não vou mais poder beijar você.
— Nash a levou para a sala, sentou-se no sofá e a puxou pela mão para junto de si.
— Seus lábios são tão sensuais, Maddie... — O beijo foi então avassalador, e ela o
retribuiu, sôfrega.
Porém, a excitação de Maddie foi dando lugar ao pânico. O homem que a beijava
pensava em outra mulher. Não, não podia permitir que fosse usada daquela maneira.
Afastou-se abruptamente.
— O que foi?
— Eu te peço, Nash: vá embora!
— Por que está assustada?
— Não estou assustada!
— Mas eu quero você, Maddie.
— Eu sei.
— E então? O que há de errado?
— Para mim, tudo!
— Não acredito que você seja tão puritana.
Maddie levantou-se e o encarou:

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— Nunca mais tente me tocar. Nunca mais! Ouviu, Zachary Nash?


Nash levantou-se, ajeitou uma mecha de cabelo que caía na testa dela e disse:
— Não vou apressar você... Temos muito tempo... Boa noite.
Quando Maddie o ouviu fechando a porta, caiu no sofá em prantos. E ficou ali muito
tempo, desamparada, certa de que nunca mais recuperaria a paz que perdera.
E dormiu. Um sono agitado, povoado de pesadelos. Neles Nash sempre a deixava
por Jill. Neles, sempre o mesmo desamparo que sentia antes de adormecer.
Quando acordou, uma terrível dor de cabeça a atormentava.
Foi direto tomar um banho. A água límpida acariciava- lhe o corpo, ajudando-a a
despertar.
Havia acabado de se vestir quando o telefone tocou.
— Acordei você? — Nash logo perguntou.
— Não, você não me acordou!
— Dormiu bem?
— Dormi — mentiu. Ainda tinha na mente os pesadelos nos quais ele era o
personagem principal.
— Como está o seu humor?
— Melhor que o seu, garanto.
— Ótimo, pois vamos nos encontrar com Maddocks hoje.
— Hoje?
— Exatamente. Ele a receberá esta tarde, às três e meia, o que nos dá tempo de
sobra para chegarmos em Londres e almoçarmos antes de ir encontrá-lo.
— Prefiro ir sozinha!
— Apanho você em meia hora.
— Agora escute!
A explosão emocional de nada adiantou. Nash havia desligado.
— Atrevido! Impertinente! Quem ele acha que é? Não tem o direito de me tratar
dessa maneira, de tentar dirigir a minha vida!
Foi para o quarto e olhou-se no espelho. Aquela roupa não era adequada para uma
entrevista com Maddocks, decidiu. Despiu-se.
Abriu o armário e pegou uma blusa de seda vermelha e uma saia preta de cintura
marcada, que vestiu em seguida. Penteou os cabelos após uma leve maquiagem, passou
um batom vermelho nos lábios. Só faltava os sapatos. Escolheu os pretos, de salto médio,
que nunca tivera oportunidade de usar. Ao olhar-se novamente no espelho, gostou do que
viu. Pegou a bolsa, também preta, e foi para a cozinha, onde preparou um café.
Já com uma xícara da bebida nas mãos, sentou-se no sofá. Só agora se dava conta
do que estava para fazer. Se Maddocks gostasse dela, e a contratasse, teria de se mudar
para Londres.
Era isso mesmo que queria da vida? Voltar para Londres? E o projeto de se mudar
para os Estados Unidos? Não... se conseguisse um lugar na equipe de Maddocks não
poderia perder a oportunidade. Seu nome ficaria definitivamente conhecido. Talvez depois
até conseguisse ir para a televisão.
Era o melhor que tinha a fazer, apesar de preferir a tranquilidade do interior.
Foi aí que se lembrou de John. Assim que voltasse de Londres conversaria com ele.
Pressentia que mesmo que não fosse contratada por Maddocks logo iria embora de
Seaborough.
De novo Maddie se perguntou de realmente era aquilo que queria da vida. Sentia-se
meio assustada. Tudo estava indo rápido demais!
De repente uma ideia a deixou mais assustada ainda: E se as pessoas em
Seaborough pensassem que ela ia embora dali por causa de John? Afinal, tinha muita
gente acreditando que existia alguma coisa entre os dois. "Bem, quanto a isso não posso
fazer nada...", concluiu. "Que pensem o que bem entenderem!"

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Maddie tomou um gole de café. E de novo a mesma pergunta. Por que queria ir
embora de Seaborough? E a resposta lhe veio rápida como um raio: Nash!
Queria afastar-se definitivamente dele. "Mas se você for I para Londres estará mais
perto de Nash do que agora!" Era verdade. E Maddie então percebeu que suas emoções
já estavam traindo e a deixando numa grande confusão, numa total incoerência.
A campainha tocou e ela se assustou.
"É ele! O meu grande tormento, o homem que nunca devia ter conhecido", pensou, a
caminho da porta.
Abriu a porta.
— Bom dia!
— Bom dia, Nash. Entre.
— Acho melhor não entrar. Quero ir para Londres, logo.
— Não quer nem tomar um café?
— Acabei de tomar um no bar da esquina. Nervosa?
— Não — mentiu.
— Melhor assim. Você irá gostar de Maddocks, é um homem muito gentil. Vamos?
— Só vou pegar minha bolsa.
No caminho de Londres, Maddie perguntou a Nash:
— Onde conheceu Maddocks?
— Minha empresa fornece a maior parte dos equipamentos eletrônicos para ele.
— Sei...
— A primeira vez que estive com Maddocks foi quando ele me entrevistou. Fazia
uma série de programas sobre indústria, e eu fui um dos seus entrevistados. Ele é um
ótimo entrevistador, embora me sentisse o tempo todo na berlinda.
— Falando desse jeito sobre Maddocks você me deixa nervosa.
— Não precisa ficar nervosa, Maddie. É um outro tipo de entrevista que você vai
fazer.
— Mesmo assim estou ansiosa.
— É normal um pouco de ansiedade quando temos de enfrentar algo importante
para nós, não?
— É... é normal. Mas não gosto de me sentir ansiosa.
— Entendo. Também não gosto dessa sensação.
Entendo...
A conversa entre os dois continuou. Ao chegarem em Londres, foram almoçar num
restaurante vietnamita e seguiram para o encontro com Maddocks.
Maddocks a recebeu com cordialidade. Indicou-lhe uma cadeira em frente à
escrivaninha e, assim que Maddie se acomodou, pediu:
— Conte-me tudo sobre você, Maddie.
Ela começou a falar meio titubeante. Maddocks a intimidava.
Após várias perguntas do empresário, Maddie sentia- se exausta e profundamente
irritada. Aquele homem queria saber demais!
— E por que está pretendendo mudar de emprego agora? — Antes que Maddie
respondesse à nova pergunta, ele continuou:
— Pelo que acabou de dizer, seu salário tem sido aumentado constantemente,
mesmo estando na Rádio Continental há apenas seis meses.
— Bem, eu...
— Não acha estranho querer mudar de emprego tão cedo?
— Tenho os meus motivos.
— E presumo que esses motivos se chamem Zachary Nash. Estou certo?
Era muito desaforo. Com que direito Maddocks lhe falava com tanta intimidade? No
momento em que ia passar-lhe uma descompostura, Maddie intuiu que talvez o

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

empresário estivesse agindo dessa maneira por causa de Nash, que insistira para que a
entrevista fosse feita. Não, não podia culpá-lo pelas conclusões precipitadas que tirava.
— Sr. Maddocks, se quer mesmo saber, os meus motivos são de ordens familiares.
— Escute — explodiu —, não quero nenhum favor especial por causa de Zachary
Nash.
— Sua vida pessoal não é realmente relevante. Perdoe-me por ter sido tão
indiscreto.
Humilhada, Maddie mordia o lábio.
— Gostaria que apenas as minhas qualidades profissionais fossem consideradas!
— E serão — assegurou ele. — Zachary Nash é alguém que eu respeito muito. Ele
tem faro para descobrir novos talentos.
O que Maddocks estaria querendo dizer com "novos talentos"?
O empresário se inclinou, ligando o gravador que estava sobre a escrivaninha. Para
surpresa de Maddie, a voz dela ecoou pela sala.
Fui muito atencioso da parte de Nash ter providenciado esta fita.
A ideia não ocorrera a Maddie. Deveria ter pensado em algo assim. Nash pensava
em tudo!
— Ouvi diversas vezes — comentou Maddocks. — Gosto do seu estilo: natural,
solto... Gosto também da seleção musical: é um bom programa.
— Obrigada — respondeu, tentando adivinhar o que ele realmente pensava.
— Eu entrarei em contato com você — disse, levantando-se, dando a entrevista por
terminada.
Maddie despediu-se do empresário e saiu. Nash tinha se oferecido para esperar e
levá-la de volta para Seaborough, mas ela decidira ficar com a família. Telefonaria a John
pedindo que colocasse alguém para substituí-la naquela noite. Voltaria no trem de
domingo à noite.
Pegando o táxi, forneceu ao motorista o endereço da irmã. Penny lhe emprestaria
algumas roupas, pois não trouxera nenhuma.
Enquanto seguia pelas ruas de Londres, começou a se lembrar da entrevista que
acabara de fazer. E concluiu, após algum tempo: não, Maddocks não vai me contratar!

CAPÍTULO IX

Maddie necessitava urgentemente contar para alguém tudo o que estava lhe
acontecendo. Mas falar com quem. Possuía alguns amigos, no entanto não confiava
muito neles. Naquele momento aguentaria tudo, menos ser alvo de fofocas. Resolveu,
então, se confidenciar com Penny. Confiava na irmã. E a conversa aconteceu no
domingo, enquanto preparavam o almoço. O marido de Penny brincava com as três
crianças no jardim.
Após ouvir a história, Penny estava com os olhos brilhando.
— Gostaria muito de conhecer esse tal de Nash, maninha... Deve ser muito bonito.
— Ele é bonito Penny, mas o que me preocupa é se devo ou não sair de
Seaborough.
— Se você receber uma oferta melhor é exatamente o que tem de fazer. — Penny
continuava uma mulher prática como sempre. — Sabia que alguma coisa estava
acontecendo por lá — disse Penny, enxugando as mãos.

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

— Pois é... mas o que está procurando?


— Onde será que Geoff colocou os brócolos?
— Estavam numa cesta.
— Isto eu sei, mas onde está a cesta?
— Estava aqui mesmo um minuto atrás. — Olharam em volta enquanto Penny deu
um suspiro, aliviada.
— Aí está, debaixo da mesa, do lado da sua perna.
— Se fosse uma cobra, eu já estaria morta!
— Sabe o que eu acho, maninha? No fundo você está querendo voltar para Londres!
Com ou sem emprego! E, isso, para ficar perto de Nash!
— Não, não é bem assim...
— Claro que é!
— Cheguei a pensar em ir para os Estados Unidos.
— E veio fazer a entrevista em Londres! Seja sincera consigo mesma, Maddie! Você
quer voltar para Londres por causa de Zachary Nash!
— Não! — Eu... eu... não tenho me sentido segura em Seaborough desde que sofri
aquele atentado.
A expressão no rosto de Penny mudou. Ficou preocupada.
— Eu sei. Posso muito bem entender isto. Eu teria pesadelos todas as noites. —
Bateu no ombro da irmã. — Gostaria de ter você em Londres de novo, embora ninguém
aqui se sinta completamente seguro também.
— Só morando aqui poderia ver papai e mamãe.
— Os dois agora não param um fim de semana em Londres. Resolveram rever
todos os parentes. Bem, o almoço está pronto! Só nos resta torcer para que esteja bom.
A tarde de domingo passou muito rapidamente. Maddie brincou com seus sobrinhos
e conversou muito com o cunhado.
Mas a hora de ir embora chegou e a ansiedade a invadiu novamente.
Penny, percebendo o que acontecia com a irmã, disse ao se despedir:
— Coragem, maninha. E saiba que pode contar conosco para o que der e vier.
— Obrigada, Penny, obrigada... de todo coração.
O táxi já a esperava. Maddie entrou no veículo e acenou. De novo sozinha!
De volta ao seu velho apartamento, na cama, Maddie não compreendia por que
durante todo o fim de semana tivera uma esperança enorme de ver Nash. Estar
apaixonada era algo muito inquietante e doloroso...
O telefone tocou. Maddie olhou para o relógio. Uma hora da tarde! Como dormira
tanto?! Pensou que tivesse acabado de adormecer!
Pulou da cama e correu para atender à chamada.
— Maddie! Quero falar com você imediatamente! — Era John. — Venha para cá! —
E desligou.
Perplexa, Maddie não sabia o que fazer. Ao se recuperar do susto que o telefonema
lhe causara, se trocou e foi para a rádio. Assim que entrou no escritório de John, ele
perguntou:
— Que história é esta de ir procurar emprego sem meu conhecimento? E como ousa
me avisar em cima da hora que não podia fazer o programa da sexta?
— Como você está sabendo que fui procurar emprego?
— Peter Maddocks me ligou... Esqueceu de lhe pedir sigilo?
— Sinto muito, John, eu ia lhe contar. E quanto ao programa de sexta...
— Quando? Quando ia me contar? Depois que estivesse trabalhando lá? Pensei
que estivesse feliz aqui conosco! Estava indo tão bem. Está aqui há apenas seis meses,
por que quer uma mudança? Suponho que foi o meu irmãozinho que te induziu a isto! É
típico dele, se intrometer onde não é chamado!
— Mas, John, eu...

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— Deve estar cega se não estiver vendo o que ele realmente quer!
— Não estou entendendo você!
— Claro que está me entendendo!
— Não estou entendendo mesmo. Sei que errei quando...
— Meu irmãozinho está furioso porque Jill voltou para mim — ele a interrompeu. —
E está usando você para se vingar! Não seja tão ingênua, Maddie! Aquele idiota quer me
atingir por seu intermédio! Perceba isso de uma vez por todas!
— Isso não é verdade — Maddie disse, sem nenhuma condição.
— Ah... não é verdade? Vou lhe explicar direitinho tudo o que está acontecendo.
Todo dono de rádio quer gente de talento trabalhando para si. E o que não falta para você
é talento. Se você for embora vai ser difícil para mim encontrar uma profissional do seu
nível! Dobro o teu salário!
— Meu problema não é dinheiro!
— Então também quer me atingir? É isso?! É isso que pretende trabalhando para
Nash?
— Não vou trabalhar para Nash!
— Não vai trabalhar para Nash? Então por que fez a entrevista com Maddocks?
— Quer dizer então...
— Vem me dizer que não sabia que o todo-poderoso Zachary Nash é o maior
acionista daquela rádio?
— Não, eu não sabia...
— Ele é mesmo terrível! Nash é impiedoso. Nada o detém quando quer alguma
coisa!
Maddie estava trêmula. Não aguentava mais a audácia de Nash. Inspirou
profundamente e disse baixinho:
— Estou confusa... Mas estou certa de uma coisa: não quero mais trabalhar em
Seaborough. Depois daquele atentado que sofri...
— Mas Londres é centena de vezes mais perigosa do que aqui — protestou John.
— Eu sei... Preciso pensar direito se quero voltar para lá...
— Fique, Maddie. Sua popularidade aumenta a cada dia que passa... Seu futuro
aqui será brilhante... Se for uma questão de salário, já disse: posso dobrar o seu!
— É, minha popularidade deve estar muito grande... para você me oferecer o dobro
do que ganho...
— Você fica...
— John, você acreditaria se eu lhe dissesse que não sei o que fazer da minha vida?
Tenho medo de ficar em Seaborough, mas ao mesmo tempo quero continuar trabalhando
com você... Preciso pensar muito. Quando souber o que quero fazer eu converso com
você, está bem?
— Está bem, Maddie... Espero sinceramente que decida o melhor para você.
No dia seguinte Maddocks telefonou para Maddie oferecendo-lhe uma excelente
proposta: um bom salário, um programa à noite no mesmo horário e no mesmo estilo
daquele que conduzia em Seaborough. Se não soubesse que Nash estava por trás de
tudo, teria aceitado a proposta, mas, educadamente, recusou.
Maddocks ficou pasmo e disse:
— Não? Não quer pensar melhor antes de me dar uma resposta em definitivo?
Enquanto isto posso lhe mandar a proposta por escrito... E, Maddie estou oferecendo a
você o triplo do que ganha aí...
Decidida, ela disse:
— Eu mudei de ideia! Não pretendo deixar o meu emprego atual. Talvez seja tolice
não aceitar a proposta que está me fazendo, mas a decisão já foi tomada!

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Sabrina 584 - O Estranho da Noite - Charlote Lamb

Após desligar o telefone, Maddie sentiu-se mais tranquila. Quando atendera a


chamada de Maddocks não sabia o que lhe dizer. E de repente sentira-se forte para não
aceitar tamanha oportunidade.
Pronto... Permaneceria em Seaborough por mais algum tempo e contou esta
novidade para John assim que o encontrou. Queria esquecer Zachary Nash, e Londres
não era o local melhor indicado para isso!
A conversa que tivera com John fora esclarecedora e de grande ajuda. Ele estava
vendo a situação de maneira correta: Nash queria prejudicá-lo e quase conseguira.
Amargamente percebia que Nash tentara um golpe de mestre.
Após o telefonema de Maddocks, esperou que Nash entrasse logo em contato com
ela. Queria lhe dizer umas boas verdades. Era claro que Maddocks iria lhe contar tudo o
mais rápido possível. E Nash não iria se conformar com a recusa dela. Mas Nash não lhe
procurou nem lhe telefonou. E Maddie, cada vez mais ansiosa, já tinha na ponta da língua
tudo o que queria lhe dizer.
Após o programa daquela noite, Maddie não conseguia ficar dentro do apartamento.
Queria sair, andar pela praia. Mas não ousava, tinha medo de ser agredida outra vez.
No dia seguinte, após uma noite quase insone, a ansiedade continuava a atormentá-
la. Nash parecia que não ia mesmo mais procurá-la.
Quando o fim de semana chegou, Maddie sentia-se muito mal. Tinha vontade de
pegar um avião e sair da Inglaterra para sempre. Resolveu ir até a Londres e desistiu na
última hora. No domingo, acordou às cinco horas da manhã e ficou com muita raiva de si
mesma: não podia continuar daquele jeito. Não aguentava mais os pesadelos. Levantou-
se e foi preparar um chá. E se ligasse para Nash e lhe dissesse tudo o que pensava dele?
Será que melhoraria?
Após a segunda xícara de chá resolveu voltar para a cama. E dormiu, novamente o
sono povoado por pesadelos.
O toque do telefone a despertou.
Maddie abriu os olhos e disse:
— Será que nunca vou conseguir acordar sem o toque irritante desse telefone? É
sempre a mesma coisa!
O telefone insistia. Maddie levantou-se e foi atendê-lo.
— Alô! — ela disse.
Ninguém respondeu. A ligação fora interrompida.
Maddie colocou o fone no gancho com uma vontade imensa de chorar.
— O que há de errado comigo? — perguntou, furiosa.
— Assim, vou acabar ficando maluca! — É melhor fazer um café bem forte!
Na cozinha, após colocar a água para ferver, sentou-se à mesa e ficou olhando para
a parede, alheia a tudo.
Quando a água ferveu, Maddie preparou o café e tomou uma xícara.
— Também preciso comer alguma coisa. Não comi direito nesses últimos dias. Não
posso ficar doente.
Maddie preparou ovos com bacon e, quando foi comer, sentiu uma forte náusea.
— Por que estou deixando Nash fazer isso comigo? Não durmo direito, não como...
Preciso pelo menos tomar um copo de leite gelado.
Abriu a porta da geladeira. Só então lembrou que o leite acabara na noite anterior.
— Mas o leiteiro já deve ter deixado outro litro do lado de fora da porta.
Realmente o litro de leite lá estava. Desconsolada, Maddie abaixou-se para pegá-lo.
Quando levantou-se, ouviu passos pelo corredor.
Era Nash!
— Preciso falar com você, Maddie.
— É mesmo? — ela perguntou.
— Não seja cínica!

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— Se você quer falar comigo, deveria ter ligado antes.


— Por quê?
— Faz parte da boa educação. Sabia?
— Ótimo. Da próxima vez eu telefono.
Maddie olhou para os olhos de Nash e disse:
— Eu também tenho algumas coisinhas para lhe dizer! Por que mentiu para mim?
Por que não disse que era o maior acionista da rádio lá em Londres? Sabe o que penso
que é? Um grande, um grande sem-vergo...
Maddie se calou. Não por medo dele, mas sim porque uma de suas vizinhas olhava-
os espantada.
Só então Maddie lembrou-se de que estava de camisola. Sem jeito, sorriu.
— Olá, Sra. Perkins. Bom dia.
— Bom dia, Maddie... — respondeu a vizinha.
— Com licença, precisamos entrar.
— Claro, querida...
— Entre Nash — disse entre os dentes.
— Até mais tarde, Sra. Perkins.
— Até mais tarde, querida.
Maddie entrou atrás de Nash. Ele foi até a cozinha e se serviu de café. Ela colocou o
litro de leite sobre a mesa e disse:
— Agora saia!
Ele se recostou na pia, com a xícara de café na mão. Não disse nada, mas deixou
Maddie assustada.
— Eu disse para você sair!
— Acho que você enlouqueceu. Primeiro me manda entrar, agora me manda sair...
Não dá para entender!
— Você... você... — ela queria lhe dizer tudo o que pensava, mas o olhar de Nash a
impedia.
— Teria sido mais conveniente colocar outra roupa antes de abrir a porta... Ou pelo
menos vestir um robe por cima, não?
— É o que vou fazer agora.
— Agora, não! — protestou ele, segurando-a.
— Quer me largar!
— Não!
— Então me diga: por que escondeu que era a maior acionista daquela empresa?
— Temia que você recusasse a entrevista. Não vê o jeito que está agora? Nunca
teria ido a Londres falar com Maddocks! A única coisa que me importa é que ele gostou
de você! Isso por causa do teu talento. Sabia?
— Você deve ter dado ordens para que ele me recebesse e sem dúvida também
para que me desse o emprego.
— Não fiz nada disso. Torno a repetir: você tem muito talento! E quero gente de
talento trabalhando comigo. Maddocks é quem contrata o pessoal da rádio. Se tivesse
dito não, aceitaria a opinião dele. — Nash apertava-lhe o pulso com força. — Por que não
aceitou a proposta? Para ficar perto de John?
— Você está me machucando!
— Então diga a verdade! Percebeu que não suportaria viver longe de John? É isto?
— Por que esta obsessão pelo seu irmão? Eu não estou apaixonada por ele! Ouça,
coloque isto de uma vez por todas dentro da sua cabeça: Não amo John. Nunca o amei.
Nem por um minuto me passou pela mente a hipótese de ter um caso com ele. Não há
nada entre nós, nunca houve e nunca haverá!
Nash a olhava intensamente, com uma expressão sombria e agressiva. Não disse
nada, mas afrouxou a pressão no pulso de Maddie.

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Maddie continuou, impaciente: — Será que não compreende? Você e John têm o
mesmo problema. Não conseguem se esquecer do passado!
— Isto não tem nada que ver com o que estávamos conversando — esbravejou. —
Não vejo outro motivo para ter abdicado daquela proposta, a não ser sua paixão por John!
— Pois então eu lhe contarei. Não gosto de ser usada como uma arma contra
ninguém. Não serei manipulada e ponto final.
— Manipulada? Sobre o que você está falando?
— Sabe muito bem sobre o que estou falando. Por que quer tanto que eu saia de
Seaborough? Para proteger Jill, não é?
— Também por isto.
— Você está apaixonado por aquela mulher!
— Você está totalmente enganada! Eu a conheço desde que nasceu. Éramos
vizinhos! Acho que você já sabia disso. Só me faltava essa... Eu, apaixonado por Jill!
Nash a soltou. Maddie de repente sentia-se aliviada, feliz até. Sentou-se.
— Bem... chego até a acreditar que tudo o que acabou de falar é verdade...
— Maddie, você realmente pensou que eu estava apaixonado por Jill?
— Pensei, sim. Você sempre tenta protegê-la e...
— Jill é como uma irmã para mim...
— Mas você não pode negar que está me usando para enfurecer John.
— Eu não usei você em momento algum. Isto é loucura, quem lhe sugeriu isto?
John? Olhe, eu não odeio John. Como posso odiar um homem que mal conheço? John
nunca me deixou se aproximar dele, realmente. Sempre me trata com muita hostilidade.
Então, eu reajo, como qualquer ser humano normal. Será que não podemos esquecer
John um pouco e nos concentrarmos em algo importante para nós dois? — Nash se
aproximou e acariciou-lhe o rosto.
Maddie se levantou, o coração batendo rápido, e disse:
— Melhor eu ir me vestir...
— Ainda não... — Nash envolveu-a pela cintura antes que se afastasse. — Parece
que perdemos muito tempo com mal entendidos, Maddie. Quero você em Londres para
que eu possa encontrá-la sempre.
Maddie não acreditava no que acabara de ouvir, E perguntou:
— Por quê?
— Eu vou lhe mostrar o porquê. — Inclinou-se e tentou beijá-la.
— Espere! — gritou, assustada, virando o rosto. — Não quero... Antes preciso
pensar.
— Pense depois...
A mesma voz... A mesma voz que a atraíra desde a primeira vez que a ouvira
naquela noite, quando lhe telefonara para o programa dizendo ser o estranho da noite.
— Eu preciso de tempo, Nash...
— Ora, Maddie! — Ele riu, um sorriso franco.
— Você... você quer brincar comigo.
— Brincar. Eu? Nem por um momento pensei nisso. Eu te amo, Maddie.
Profundamente. E quero que se case comigo.
Maddie o olhava fascinada. Será que aquilo tudo não seria um sonho?
— Eu sou louco por você, desde a primeira foto sua que vi no jornal — confessou,
apertando-a contra o peito.
Maddie acariciou-lhe os cabelos.
— Se você realmente não está apaixonada pelo meu irmão, me dê uma chance. Se
não quiser se casar agora, tudo bem... eu espero. Mas vá trabalhar em Londres, por
favor...
Com os dedos trêmulos, ela tocou-lhe os lábios de leve e depois os beijou com
paixão.

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— Eu fui uma tola — sussurrou. — Uma grande tola. Achei que você amasse Jill.
— Ainda bem que você percebeu que isso não é verdade.
— Ainda bem... Agora posso dizer exatamente o que se passa comigo, Nash... Eu
também te amo. Profundamente. Para o resto da minha vida...
Nash a beijou com paixão, sentindo toda a felicidade do mundo. Depois, Maddie se
afastou e disse:
— Aceito ir para Londres, aceito me casar com você... mas com uma condição.
— Uma só? Ótimo! Qual é?
— Fico aqui na rádio até seu irmão arrumar alguém que me substitua.
Nash a beijou na ponta do nariz e comentou:
— Se fosse um minuto atrás que tivesse dito isso, morreria de ciúme, mas agora...
— Agora?
— Confio em você, querida. Tenho fé que logo você estará comigo em Londres.
O beijo que se seguiu foi eterno. Maddie e Nash celebraram ali um pacto. Um pacto
de felicidade.

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