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Raízes da Ambição

The Kilted Stranger


Margaret Pargeter

Antes de morrer, a mãe de Sue lhe fez um pedido: entregar uma carta a um
homem de quem Sue nunca tinha ouvido falar. Ela viajou então para a Escócia, sem
imaginar a surpresa que a esperava: John Frazer, o destinatário, era seu próprio pai, que
ela julgava morto há anos. Ele estava bastante doente e havia se associado a Meric
Findleiy, um homem que, desde o primeiro momento, pôs em dúvida a sinceridade de
Sue, afirmando que ela estava interessada apenas no dinheiro do pai. Ao mesmo tempo,
Meric não escondia sua intenção de seduzi-la. Sue o amava e o detestava. Como se
libertar de um homem tão cruel?

Digitalização e Revisão: Alice Maria


Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter

Copyright: MARGÀRET PARGETER

Título original: " THE KILTED STRANGER "

Publicado originalmente em 1976 pela


Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: STELLA MARIA DE FARIA ARDUINO


Copyright para a língua portuguesa: 1980

ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL — SÃO PAULO


Composto e impresso nas oficinas da
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL
Caixa Postal 2372 — São Paulo

Foto da capa: NAPER MILANO

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter

CAPÍTULO I

Era agosto e o sol de meio-dia estava quente. Os olhos acinzentados de Susan


Granger observavam os raios solares que batiam sobre a mesa. Um freguês queixou-se
da claridade e o jovem proprietário do restaurante fechou então as cortinas de algodão
marrom com desenhos geométricos brancos. Eram bonitas e pareciam novas.
Sue não as notara antes. Prestando atenção a todos esses detalhes, esquecera-se
do homem que almoçava ao seu lado.
— Susan! — A exclamação impaciente de Tim Mason não causou impacto, mesmo
quando pronunciou em voz alta a última sílaba do seu nome. Só quando tornou a falar,
Sue voltou-se para ele.
— Desculpe-me — murmurou inibida e ao mesmo tempo feliz com o aparecimento
da garçonete que desviou sua atenção. Fora um erro ter saído com Tim, mas ele insistira
tanto! Por outro lado, ele não se dera conta da dificuldade dela para se concentrar. O
acidente com a mãe e outros problemas deixaram-na assim. — Desculpe-me — repetiu,
mexendo nervosamente seu café, enquanto a garçonete se retirava.
Tim ergueu suas sobrancelhas ruivas, olhando para ela.
— Não me incomodaria em ficar um pouco mais, se meu horário de almoço não
fosse rígido; o velho Wilson entra em crise quando eu atraso. Você podia, pelo menos,
escutar o que eu lhe digo. Agora que tem mais tempo para pensar, queria saber sobre
aquela carta. Você não a está levando a sério, está?
— E se estiver? — perguntou desafiadoramente.
— Oh, Sue! — Seus olhos examinaram com desespero o rosto da garota. — Pra
começar, você não acha que já era tempo de começar a pensar com mais bom senso?
Com um certo brilho em seus olhos sombrios, ela respondeu:
— Eu prometi. E esta foi a última promessa que eu fiz à minha mãe!
— Você está sendo dramática demais, Sue. Você pode me dizer que isso não é da
minha conta, mas durante toda a sua vida você se dedicou à sua mãe. Ela percebeu isso
e cerceou demais sua liberdade!
Quando Sue começou a protestar, fim levantou a mão, pedindo que parasse.
— Sua mãe pediu para você entregar esta carta quando já estava doente e não
respondia mais por seus atos. Sei que você nunca ouviu falar da pessoa a quem ela foi
endereçada. Pode ser algum velho parente. . . Mas, quem quer que seja, provavelmente
estará precisando de cuidados, e se você o conhecer não vai se recusar a mais esse
trabalho.
Sue apertava nervosamente as mãos debaixo da mesa. Tim não tinha o direito de
lhe falar daquela maneira. Ela não lhe pertencia e nem gostaria que isso acontecesse.
Provavelmente falou assim por percebê-la ansiosa demais.
— Tim — gaguejou —, você pode estar errado. Já lhe disse antes que mamãe
escreveu essa carta há apenas alguns meses. Ela não era muito sensível, mas às vezes
tinha alguns pressentimentos. — Sue não se referiu às outras observações dele, incapaz
de negar a verdade contida nelas.

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Tim não estava impressionado e, na verdade, ela não esperava que estivesse.
— Todos nós podemos imaginar que vai acontecer um acidente, Sue. É uma
espécie de impacto psicológico; eles acontecem todos os dias. O próximo poderá ser
comigo. Sua mãe estava excessivamente nervosa para usar de bom senso.
— Não é assim, Tim. — As palavras dele deixaram seus nervos em frangalhos e
seu ar de descrédito causou-lhe repulsa. Teve ímpetos de levantar-se e sair, mas ficou ali
sentada por mera teimosia. — Você precisa compreender; isso é algo que preciso fazer,
quer você queira, quer não. No momento não pretendo ir para a Escócia, mas prometi que
o faria.
— Olhe, Sue, posso ser franco? Sei que acha muito importante esta carta, mas há
muito tempo você sabe que nunca acreditei em sua mãe quando viva e tenho medo de
continuar desacreditanto agora.
— Por favor. . .
Ele não permitiu que o protesto dela o detivesse.
— Apenas escute-me, Sue. É somente para o seu bem que estou falando.
Algumas vezes, ocorria-me a idéia de sua mãe não gostar de você; isto me parecia
estranho, já que você era tudo na vida dela. Algumas vezes, ela olhava para você com
uma expressão muito particular, parecendo não se incomodar com o que via; outras vezes
era possessiva, não querendo que você se afastasse dela. Você se lembra, quando saiu
da faculdade, quanto ela insistiu para você arrumar um emprego na vizinhança? Queria
você sempre por perto, embora isso não prove o amor que tinha por você. É claro que
não era muito maternal e isso me dá agora o direito de suspeitar de suas idéias, não
acha?
Sue esquivou-se; seus lábios repentinamente ficaram secos e o rosto pálido.
Nunca pensou que ele estivesse ciente de tudo. Tim não imaginava quanto a magoava
com essas dúvidas e temores expostos a uma análise tão cruel.
— Prefiro não discutir este assunto — respondeu friamente. Sua impaciência
aumentou ainda mais quando notou o olhar reprovador dele.
— Algumas vezes penso que não a entendo, Sue. . .
— Na maioria das vezes também não o entendo, Tim. — Pensou então quanto Tim
estava sendo prestativo e gentil. Nesses últimos dias parecia ser realmente seu único
amigo. Também era o único homem de suas relações que sua mãe havia tolerado. . . —
Não faz muito tempo que tudo aconteceu, Tim, você devia ser mais paciente — disse,
olhandoo fixamente.
— Estou tentando, Sue. — Seu suspiro profundo foi ouvido perfeitamente. Ele
estava mais confiante e, trocando de tática, retratou-se. Tomando-lhe as mãos,
prosseguiu: — Querida, por que não nos casamos? Aí poderei tomar conta de tudo. Tenho
certeza de que sua mãe aprovaria. Assim poderei me responsabilizar por todos os seus
negócios e, se insiste, entregaremos juntos essa misteriosa carta, no fim de semana ou
no próximo feriado.
— Oh, Tim. . .
— Lágrimas vieram a seus olhos; naquele momento, desejaria estar mais calma. A
bondade de seu amigo provocou-lhe aquela reação. Espantada, olhou para ele, mas
desviou seu olhar antes que pudesse ser notado. — Ela não havia chegado aos vinte
anos sem ter muitos namorados; era jovem, sadia e aproveitava a vida.
— Desculpe, Tim. — Sua voz tremeu levemente quando tentou esconder sua

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incerteza. No momento, não podia casar com ninguém. Tim olhou para seu rosto pálido,
entendendo o problema; estava muito próximo ainda o grande sofrimento pelo qual ela
tinha passado. Reconheceu que havia sido muito apressado. Suas mãos apertaram as
dela, confiantemente.
— Não se preocupe, querida, não tornarei a lhe perguntar, mas não deixe de
pensar no assunto. Prometa-me que não fará nada com relação ao outro problema sem
falar comigo. Sue preferia que ele deixasse de chamá-la de querida. Isso poderia dar uma
impressão errada às pessoas amigas. Sentiu-se aliviada quando ele não falou mais em
casamento; não queria lhe fazer promessas e nem lhe dar satisfação de seus atos.
Pensou em deixá-lo por algum tempo, mas não lhe disse nada; poderia feri-lo e ele não
entenderia. Olhou-o docemente, dizendo que ainda não estava certa do que fazer.
Soprava um vento quente de verão quando Sue se dirigiu para o ponto de ônibus.
Estando o dia tão bonito, não queria ir de metrô; o vento, no entanto, estava
desagradável, levantando a sujeira do chão em volta de seus pés. Endireitou os ombros e
constatou que, mesmo em agosto, Londres era agradável. Enquanto muitos se
incomodavam com o movimento da cidade grande, ela não se aborrecia. Sua mãe amava
aquela vida, desfrutando o anonimato naquelas ruas cheias de gente. Sue tomou o ônibus
e foi olhando pela janela a fila de lojas e casas que passavam diante dela. Veio-lhe, então,
um sentimento de liberdade e a consciência de ser essa a primeira vez em sua vida que
tinha prazer em ver o lugar onde morava e trabalhava.
Claro, havia o apartamento que estava alugado e que facilmente ficaria a sua
disposição. Trabalhava numa livraria local até conseguir um emprego permanente de
professora.

O procurador não a fez esperar. Era jovem e sua cabeça parecia um computador,
ao lidar com seus clientes.
— Sente-se, srta. Granger.
— Conduziu-a rapidamente para uma cadeira, apresentando suas condolências.
Ela sentou-se e olhou-o seriamente.
— Ia chamá-la logo — disse, olhando-a vagarosamente —, mas estive fora da
cidade. Realmente o patrimônio de sua mãe não constitui problema algum; no entanto, há
algo que não está bem claro. — Sue esperou pacientemente enquanto ele parecia
procurar um papel em sua mesa. Sue nunca ouvira falar de patrimônio; certamente ele se
referia a algum dinheiro que havia no banco. Sua mãe sempre usou o banco, apesar de
nunca ter tido muito dinheiro. Foi aí que Sue se lembrou do seguro. Olhando atentamente
nos olhos vivos do procurador, disse:
— Acho que há um seguro. Meu pai deixou um bom seguro e mamãe recebia
mensalmente uma soma, mas nunca soube quanto era a quantia. Imagino que não seja
muito, por causa da inflação. Meu pai morreu antes do meu nascimento, e esse dinheiro
foi uma ajuda de grande valia. Penso que agora, com o falecimento de mamãe, a firma
seguradora precisa ser avisada. Foi tolice minha não ter pensado nisso antes. —
Aborrecida com essa confusa apresentação dos fatos, apertava as mãos sobre o colo. O
homem encontrou os papéis que procurava e por um momento fitou a face pálida de Sue,
notando a descrença em seus olhos.
— Há uma coisa que quero lhe dizer. Sua mãe falou-me realmente sobre esse
seguro, uns tempos atrás; mas, quando consultei o banco, fiquei surpreso ao saber que
não havia nada sobre isso. Há, na verdade, uma entrada mensal de dinheiro na conta de
sua mãe, mas eles só sabiam isso. Pensei que a senhorita pudesse ajudar-me.

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Sue começou a sentir o seu rosto frio, enquanto olhava apreensiva para o
procurador. Sentia um mal-estar no estômago; de onde viria aquele dinheiro?
— O senhor tem certeza de que não há erro nisso?
— Tenho — explicou.
Desanimada e medrosa, Sue procurava uma solução para aquela incógnita. Sabia
que havia alguma coisa errada, mas não tinha a menor idéia do que fosse.
— Tenho só a carta — falou baixinho. — Sentiu-se culpada falando nisso, mas o
que fazer?
— Carta? — Um raio de luz iluminou os olhos dele. — Talvez eu possa ver —
afirmou, estendendo a mão para pegá-la.
— Desculpe-me. — Sue falou irritada, enquanto tirava a carta de sua bolsa. —
Prometi a minha mãe que a entregaria em mãos, sem abri-la; mas, se houver algum
problema com relação ao endereço, voltarei a lhe procurar para resolver este caso para
mim.
— Sue não lhe disse que levava a carta consigo o tempo todo, com medo de
perdê-la.
— Vejo que está endereçada ao sr. John Frazer, de Glenroden, Perthshire. É a
letra de sua mãe, se não me engano. — Procurou um papel onde havia a letra dela e fez
a comparação. — Exatamente a mesma — disse, olhando para Sue. — Tenho aqui a
assinatura de sua mãe. A senhorita não tem idéia do teor dessa carta?
— Não, não tenho. — Sue olhou apreensiva para a carta, com medo de que ele
não a devolvesse. — Pretendo ir à Escócia o mais depressa possível, aí talvez eu
descubra. O senhor acha que pode haver alguma relação com esse suposto seguro?
— A senhorita já ouviu falar nesse sr. Frazer?
Confusa como ele, Sue sacudiu a cabeça.
— Desde que me lembro, mamãe nunca foi à Escócia; era um lugar frio e sem
interesse, costumava dizer. Nós sempre moramos em Londres.
— E você acreditava nela? — Sua voz era incrédula. — Bem, acho que ela
mudaria de idéia se fosse persuadida a ir lá. Vi filmes e já ouvi outras opiniões. Estou
tentando explicar por que me surpreendi muito com essa carta. Não consigo saber quem
possa ser
este homem. Ele é completamente estranho para a senhorita?
— Nunca ouvi falar dele.
— E a senhorita não quer abrir esta carta? Não acha que pouparia muito. . .
trabalho?
— Oh, não posso! — Por que" será que ele hesitou antes" de dizer a palavra
trabalho? Deveria saber que estava me propondo o impossível. Talvez, pensando como
Tim, tenha me achado muito dramática.
Confusa, desviou os olhos dele. Tinha prometido a sua mãe, e promessa é
promessa, sejam quais forem as circunstâncias.
— Eu sei. — Ele não fez nenhum outro comentário, mas ela percebia seu olhar
interrogativo. — Penso que, antes de prosseguirmos, devemos esperar sua ida a
Perthshire. De qualquer maneira, essa sua viagem será de caráter informativo. E mais
uma ou duas semanas não farão diferença.

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Sue ia pensar ainda nas observações ambíguas do procurador e, depois de uma
semana, partiria.
— Mantenha-me informado — disse o procurador, quando Sue telefonou para
dizer-lhe que estava de partida.
Como Tim, ele ficou alarmado com a idéia de Sue partir sozinha, mas ela não
disse a nenhum dos dois que sua mãe havia lhe pedido que fizesse assim. Tim tentou
convencê-la que aquilo era absurdo e ficou muito ofendido quando ela não quis ouvi-lo.
Estava convencida de que essa seria a melhor maneira, pois, se a carta contivesse más
notícias, não haveria ninguém para testemunhar sua humilhação. Tim sempre insistia,
procurando provar que estava certo. Apesar de sua grande apreensão e de todas as suas
idéias serem contrárias às dela, Sue pegou seu carro e seguiu viagem. Antes de partir,
seu mecânico havia feito uma boa revisão no carro, o que lhe assegurava uma viagem
tranqüila. Sua mãe havia comprado aquele veículo com o dinheiro ganho num jogo.
Insistira com Sue para aprender a guiar, pois assim poderiam passar os fins de semana
fora.
Sue se sentia cansada e, à medida que prosseguia pela estrada de Dalkeith,
escapou-lhe um bocejo e ela rapidamente levou a mão à boca. Talvez tivesse sido tola por
estar já tão longe em tão pouco tempo, mas havia algo dentro dela que a impulsionava ao
encontro do tal Frazer.
Como seria ele? Com quem se parecia? Essa curiosidade misturava-se com um
sentimento de revolta por sua mãe nunca ter mencionado o nome daquele homem.
Obviamente, ele deve ter sido uma pessoa muito importante para ela em alguma época
de sua vida. Talvez Tim estivesse certo. Em algum lugar deveria haver um tio ou um avô
de quem sua mãe não tinha notícias há muito tempo. O pensamento de que poderia
encontrar avós vivos, em algum lugar, causava-lhe sentimentos muito confusos, mas
libertou-se deles, resolvendo esperar e constatar.
Edimburgo era uma cidade bonita e pitoresca. Sue dirigia vagarosamente, por
causa do difícil tráfego de um fim de tarde, mas não se incomodava. Sobre a ponte de
Waverley, na rua Princes, sentiu entretanto um enorme desejo de voltar; aos poucos, no
entanto, essa
vontade foi diminuindo, enquanto procurava um lugar para dormir. Tentou, sem
sucesso, vários hotéis sugeridos em seu guia. Finalmente, consultando o centro de
informações, conseguiu encontrar um quarto. Agradecida, reservou-o, embora fosse bem
mais caro do que esperava. Mais tarde teria de economizar.
— Este quarto não estaria vago se alguém não tivesse cancelado a reserva há
poucos minutos — disse a recepcionista. Sue estava com sorte. — É por causa do festival
— explicou a moça. — Geralmente costumamos hospedar bem, mas nesta época é
impossível.
Sue agradeceu, fazendo esforço para não se esquecer disso, caso tivesse de
voltar.
Em seu quarto, pensava no que usaria para o jantar. Não tinha trazido nada muito
formal, apenas uma saía preta longa. Finalmente, depois de considerar o ambiente
luxuoso, decidiu vestir a saia com uma blusa branca de manga comprida; não parecia
muito original, mas pelo menos estava de acordo com o ambiente.
Como disse a recepcionista, era época de festa e todos pareciam estar de bom
humor. Pediu uma mesa ao maitre prestativo, que a observava, encantado. Ela o seguiu,
completamente esquecida de estar trajando um vestido formal. Estava na metade do
caminho quando apareceu, à sua frente, um homem de saia escocesa. Haviam-lhe

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contado que na Escócia atualmente ninguém mais se vestia daquele jeito.
Bem, "ele" estava vestido assim. Sua roupa era escura e realmente muito bonita.
Era um homem alto e bem-apessoado. Sue respirou fundo, pensando que nunca tinha
visto um homem como aquele era completamente estranho. Era alto, queimado, e
demonstrava segurança em sua postura perfeita. Antes de sentar, Sue notou como a saia
se movimentava elegantemente em seus quadris; com esforço, desviou o olhar, antes que
ele percebesse sua admiração. Tinha uma companheira que parecia mais velha que ele,
aparentando uns trinta anos, mas devia ser mais jovem. A moça também usava uma
roupa xadrez e tinha uma faixa escura sobre os ombros. Talvez fossem irmãos, pois se
notava a mesma arrogância em ambos. Sue concentrou-se em sua refeição, recusando
levar a sério suas impressões, relacionando sua mente distraída à sua recente perda, o
que devia ser responsável pelo seu comportamento de colegial.
De repente, sentiu um par de olhos fixos sobre ela, como se estivesse sendo
atraída magneticamente. Incapaz de se controlar, olhou e viu o homem de saia escura
que a encarava diretamente, a pouca distância, e teve a impressão de estar vendo um
fantasma. Rapidamente, com grande esforço, desviou seu olhar, sentindo estremecer seu
corpo e aborrecida pelo fato de um estranho poder perturbá-la tanto! Odiando-se por se
achar covarde e por não conseguir controlar suas reações, Sue juntou suas coisas e foi
embora. Numa das grandes salas do hotel, sentou-se confortavelmente, esforçando-se
para relaxar. O homem tinha apenas notado sua presença, e ela estava fazendo uma
tempestade num copo d'água...
Menos tensa, tomou café no salão e recostou-se na almofada macia de sua
cadeira. Cansada, fechou os olhos, quase adormecendo.
De repente, ao ouvir uma voz, ficou alarmada, rubra e muito confusa.
— Boa noite. — Queria pedir-lhe desculpas.
O tom era profundo e másculo. Desta vez sentiu um impacto muito maior, pois
"ele" estava bem próximo dela; era como se a tivesse tocado fisicamente e sentiu-se
dominada quando seus olhos interrogativos encontraram os dela.
— Desculpe-me — repetiu.
Firmando-se nos braços da cadeira, Sue não sabia como responder.
Por que ele estaria pedindo desculpas? A menos que. . .
— Acho que a assustei na sala de jantar.
Ficou ali, como se não tivesse dito nada, movendo lentamente a colher dentro de
sua xícara de café. Como que hipnotizada, Sue notava como era grande o brilhante que
tinha no dedo. Seus olhos fixos nos dela, o tempo todo, deixaram-na cada vez mais
insegura.
Bem próximo dela, observava sua face oval, seus cabelos loiros e seus olhos
acinzentados.
— Tenho a impressão de já tê-la visto antes, e estava tentando reconhecê-la; mas
a senhorita saiu tão bruscamente da mesa, que talvez nem tenha terminado sua refeição.
Senti-me, então, muito culpado.
— Culpado? — Confusa, Sue olhou-o, incerta, mas sem suspeitas.
O moço teve a audácia de sorrir-lhe, mas este era um dos recursos mais antigos
do mundo. Ele a notara c quisera conhecê-la; do contrário, por que estaria se
comportando dessa maneira? Parecia mais ficção do que realidade.

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— Penso que está enganado — disse, depois de uma breve pausa.
— Estou certa de que nunca nos vimos antes; é mais provável que conheça
alguém qüe se pareça comigo. E agora, queira desculpar-me. . .
Fingindo não ter ouvido aquelas palavras, ele se aproximou ainda mais,
observando-a bem de perto e fixando os olhos em seu rosto.
Nenhum deles notou a moça que se aproximara a não ser quando ela falou:
— O que está fazendo aqui, querido? Não ia esperar-me no bar? — Olhou
severamente para Sue e acrescentou: — Não sabia que você conhecia alguém aqui.
Ela se aproximara por trás, sem que Sue a visse. Agora mais próxima, Sue
constatou que suas impressões não tinham sido erradas.
Não era realmente muito jovem, mas bem bonita. Deu-se logo conta de que não
eram irmãos pela maneira suave como ela o fitava; isso contrastava com seus modos
severos. Nenhuma garota olharia seu irmão daquele jeito.
Antes que ela continuasse a falar, o rapaz disse:
— Você geralmente leva tempo para se preparar, Carlotte. Estava conversando
com esta jovem, pois tinha a impressão de tê-la conhecido antes, mas estou errado. No
entanto, como parece estar sozinha, poderia nos acompanhar num drinque.
Sue sentiu faltar-lhe o ar, diante da visível desaprovação de Carlotte.
— Como vai convidá-la, se nem sequer a conhecemos?
Sua expressão tornou-se severa e, delicadamente, estendendo a mão para Sue,
ele se apresentou:
— Sou Meric Findlay, e ela, a srta. Carlotte Craig. — Parecia impaciente.
Sue não estava surpresa diante da reação de Carlotte, que, olhando fixamente
para Meric, observou num tom quase histérico:
— Meric, mamãe está nos esperando, e já estamos atrasados.
Ignorando o apelo de Carlotte, Meric olhou para Sue, que estava visivelmente
encabulada. Novamente lhe sorriu, na tentativa de pôr fim a seu constrangimento.
Sue enrubesceu, levantou-se e, ignorando o convite, disse a Carlotte, sorrindo:
— Desculpe-me se eu inadvertidamente atrapalhei seu compromisso, mas não
quero detê-los mais. Estou certa de que o sr. Findlay está apenas querendo ser amável.
— Sue curvou-se para pegar seu agasalho e sentiu que ele a tocava. Julgou-o audacioso
demais e, antes que pudesse protestar, percebeu a mão dele sobre seu ombro.
Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Seu coração batia forte. Olhou-o então
fixamente e disse: — Boa noite. — Antes de ouvir sua resposta, fugiu. Ao chegar a seu
quarto, respirou tranqüila por não lhe ter revelado seu nome.

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CAPÍTULO II

A manhã seguinte estava cinzenta e nublada. Chovia. Sue sentia-se


estranhamente grata por tudo, bendizendo até a falta de visibilidade.
Típico tempo de agosto! A amável recepcionista sorriu-lhe mas Sue não lhe deu
muita atenção, pagando rapidamente a conta e indo pegar seu carro. Não dava para ver
quase nada de Edimburgo; mal se via o palácio. Como em York, prometera a si mesma
demorar-se mais na volta, a fim de conhecer melhor a cidade. Concentrou sua atenção na
estrada escorregadia e na chuva caindo contra o pára-brisa. O fato é que contribuía para
fazê-la esquecer o incidente da noite anterior no hotel. Até agora estremecia, ao pensar
naquilo. Não que imaginasse encontrar Meric Findlay outra vez, e nem estava certa se
realmente desejava. Mas é que, por uma estranha coincidência, seu coração se acelerava
ao pensar nele, quando tentava, exatamente naquele momento, esquecer o ocorrido.
Sue não o viu de manhã e fez tudo correndo, receosa de encontrá-lo. Mas não
precisava ter se preocupado. A mesa que ele tinha ocupado na noite anterior estava vazia
e não havia sinal de Carlotte. Sue queria tão somente confirmar suas conclusões: ele a
usara apenas para provocar ciúmes em sua bela companheira. As pessoas são capazes
de fazer coisas incríveis quando se amam. Era terrível, mas não conseguia afastá-lo de
seus pensamentos. Mas ninguém, nem coisa alguma, a impediria de chegar a Glenroden
e encontrar o misterioso sr. Frazer.
O mau tempo prejudicava a visibilidade. Sue agora estava alegre, pois o sol tinha
aparecido, e surpresa de ver como a paisagem não era muito acidentada. Os lugares
eram de fácil acesso e podia-se ver, ladeando a estrada, campos vastos e fazendas
enormes.
Depois de Perth, a paisagem mudou, tornando-se montanhosa e selvagem, e, ao
passar por Dunkeld, onde deixou a estrada principal, sentiu a solidão da floresta.
Consultou o mapa para não errar o caminho, mas, quando chegou a uma cidadezinha
mais à frente, parou e perguntou qual estrada deveria pegar. Certamente estava perto e
certificou-se disso, quando parou fora da cidade. Teria, porém, economizado mais tempo
se tivesse perguntado antes.
— Glenroden? — Uma mulher já mais velha que estava atrás do balcão gritou,
respondendo à dúvida de Sue. Para sua Surpresa a loja estava muito cheia, considerando
a tranqüilidade do lugar. Sue ruborizou-se quando viu várias pessoas voltarem seus olhos
para ela com curiosidade.
— Está procurando John Frazer?
Sue fez que sim, desajeitadamente.
— Ou talvez...
Outra mulher interrompeu, dizendo:
— O sr. Frazer torceu o tornozelo no aquecedor, assim me disse uma vizinha lá
perto de casa. Com certeza vai encontrá-lo em casa.
— Vá direto uns três quilômetros, vire à direita e duas vezes à esquerda. Você não
se perderá.

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— Há duas casas, uma grande e uma pequena. Ele mora na menor. — A mulher
atrás do balcão olhou Sue, franzindo as sobrancelhas, e continuou servindo seus
fregueses.
— Tenho a impressão de tê-la visto antes — disse ela.
— Penso que não — respondeu Sue, esforçando-se para sorrir e agradecendo às
duas mulheres por suas informações. Nunca estive aqui antes, pensou.
Com um gesto de agradecimento, foi quase correndo para seu carro.
Automaticamente ligou o motor e o repentino barulho fez com que voltasse à realidade.
Provavelmente tudo poderia ser feito em menos de uma hora. Era simples demais! Não
havia motivo para ficar nessa agitação e nem para justificar seu pessimismo.
Uma vez decidida, ajeitou os cabelos ainda com a mão trêmula e tomou o rumo de
Glenroden.
Distraída com seus pensamentos, trocou mal a marcha quando admirava um
conjunto de casas através das árvores e, ao fazer bruscamente uma curva, o carro afogou
e bandeou para o lado da estrada.
— Oh, diabo! — exclamou alto e, com resignação, cruzou os braços. De repente,
vislumbrou a figura de um homem de pé no barranco, não muito longe.
Apesar de não conseguir ver as feições do homem, sentiu a força de seu olhar.
Não havia dúvida: ele ouvira o arranhar da marcha e, lá de cima, tinha feito seu
julgamento. Rapidamente olhou em outra direção. Se ele estava à toa na vida, não era o
seu caso. Sem olhar para o barranco, endireitou o carro e seguiu em frente.
Desde o momento que parou em frente da casa, Sue sentiu que tudo iria ser
diferente.
Não sabia explicar o porquê, mas experimentava uma estranha sensação: a de
estar voltando para casa. Esta idéia persistiu enquanto, nervosa, atravessava o caminho
que separava o chalé da estrada.
Bateu à porta e não pôde deixar de se preocupar quando não ouviu resposta.
Tentou novamente, mas em vão. Sem saber o que fazer, abriu a porta delicadamente e
entrou.
A porta dava num hall quadrado, não muito grande mas bonito, todo revestido de
carvalho escuro. Além de um tapete persa, não havia móveis, só uma escada estreita de
carvalho no fundo. A porta à direita estava fechada e a da esquerda entreaberta; quando
olhou, ainda indecisa, avistou um homem lá dentro.
Repentinamente seus olhos voltaram-se para ele, atraídos por algo além de seu
controle, uma convicção íntima de já o conhecer, embora não se lembrasse de tê-lo visto.
Seus olhos não eram menos cinzentos do que os dela e, antes que pudesse falar,
ele perguntou rapidamente:
— Quem é você?
A pergunta incisiva fez com que Sue voltasse à realidade, mas ainda estava
confusa. Viu à sua frente um homem alto, de cabelos loiros, meio grisalhos, e olhos
cinzentos.
— Quem é você? — o homem tornou a perguntar, parecendo tão surpreso quanto
ela, mas, sem dúvida, decidido a descobrir seu nome.
— Desculpe-me, já devia ter me apresentado. Meu nome é Susan Granger e a
maioria dos meus amigos me chama de Sue.

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Ela não estava preparada para o efeito óbvio e traumático de sua revelação. Ele
empalideceu, muito surpreso, perdendo até a postura militar, embora seus olhos não se
afastassem dela. Por um momento, Sue pensou que ele fosse cair; deu um passo rápido
para ajudá-lo, mas ele acenou dizendo que estava bem. Resmungou asperamente:
— Machuquei meu tornozelo, não é nada. Você precisa entrar. — Depois de mais
algumas palavras, dirigiu-se à sala de estar. Ela seguiu-o. Diferente do hall, a sala estava
em desordem, com livros e jornais espalhados; pararam perto de uma janela, onde ele
continuou a examiná-la mais de perto.
Sue movia-se sem jeito sob seu olhar.
— Estou procurando o sr. Frazer — acrescentou, nervosa. — Tenho uma carta de
minha mãe para ele. Por acaso, é o senhor?
Ele concordou, com um ar chocado e descrente.
— Por acaso sua mãe é Helen Granger? — perguntou, com voz estranha.
— Sim, era — Sue concordou.
— Era? Você por acaso disse o que estou pensando?
Novamente Sue concordou, mas sem palavras. Então ele disse, baixinho:
— Ela também era minha mulher.
Sue chocou-se. Seus olhos escureceram. Seria esse homem seu pai?
A semelhança entre eles poderia ser acidental. Como poderia perguntar isso a ele?
— é melhor sentar-se, querida — disse calmamente, controlando-se. — Antes de
nos adiantarmos nessa conversa, gostaria que me desse essa carta, mas já sei, antes
mesmo de lê-la, que você é minha filha. Com essas feições, você não poderia deixar de
ser.
Meio entorpecida, Sue sentou-se numa cadeira oposta à dele, completamente
confusa.
Amedrontada, fez como ele disse. Apanhou a carta e entregou-a.
Lembrou-se então dos conselhos de Tim. Como poderia saber que ia acontecer
isso? Que este John Frazer poderia ser seu pai? Como ele disse, sabia sem dúvida que
era seu pai, antes da prova evidente contida na carta. Olhou-o furtivamente enquanto
estava sentado,
lendo. Era alto, magro, meio fraco, mas, apesar de tudo, um homem bonito.
Exatamente do tipo como imaginara seu pai. Por que, pensava desesperadamente, sua
mãe nunca lhe disse?
Quase antecipando seus pensamentos, John Frazer levantou a cabeça. Olhando
para a carta, dobrou-a e a entregou a Sue cuidadosamente.
— Não sei se deveria deixá-la ler, Susan, mas aí há muitas verdades que deveria
saber. Parece que sua mãe e eu não nos saímos bem como pais. O tom de sua voz era
agora artificial, como se o conteúdo da carta o tivesse chocado profundamente.
De repente, Sue desviou o olhar, incapaz de disfarçar sua amargura, uma dor que
não poderia compartilhar com ninguém. Tentando controlar-se, voltou os olhos para a
carta em sua mão e começou a ler:

"Há muito tempo, tenho o pressentimento de que algo vai acontecer. Se minha

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
intuição for certa, Sue ficará por sua conta. Assim, estou lhe enviando sua filha. Se tiver
alguma dúvida, olhe para sua ridícula coleção de retratos de família para ver quem ela é.
Deixei-o, John, porque nunca o amei, embora ocasionalmente tenha tentado, você tem
que reconhecê-lo. Glenroden não era para mim, precisa também compreender isso.
Quando soube que Sue estava para nascer, senti que precisava fugir. Se eu não tivesse
ido, você nunca permitiria minha partida, sobretudo se soubesse que eu teria uma menina
ou possivelmente um menino, num futuro próximo. Era uma grande decisão a ser tomada,
mas nunca me arrependi.
"Não preciso mais de sua mesada, porque, se você chegar a ler esta carta, já
estarei morta. Cuide de Sue por mim e, se necessário, dê-lhe um lar. Tenho medo de
nunca ter lhe dado o amor que deveria ter. Talvez você consiga suprir isso também."

Não havia mais nada que fizesse muito sentido. Sue sentiu-se constrangida. Foi
difícil se recompor. A carta caiu-lhe das mãos nervosas, pois Sue se sentia tomada de
grande emoção. A última coisa que esperava saber quando chegasse a Glenroden, era
que tinha um pai, ainda vivo, o contrário do que até então sua mãe a fizera acreditar.
As novidades eram muitas para poder assimilá-las de uma só vez.
Como se precisasse de seu apoio, Frazer disse:
— Poderia ter sido muito fácil, Sue, se tivéssemos convivido desde o início.
Precisa entender que minha surpresa é tão grande quanto a sua. Apenas sou mais velho
e não. me choco tão facilmente, mas preciso admitir que tudo isso me desorientou.
Sue olhou-o, um pouco desesperada.
— Poderemos falar da carta — ele sugeriu, com um leve sorriso. Sua voz agora
era mais firme e não escondia uma certa autoridade paternal. — Acho que seria boa idéia
se resolvêssemos isso logo. Não podemos deixar os fatos relevantes para outro dia.
Reconhecendo seu espírito prático, Sue sentou-se numa cadeira e esperou,
ansiosa. Sua dificuldade para encontrar as palavras certas era visível. Pela primeira vez
desde sua chegada esqueceu de seus próprios problemas, quando viu a expressão
cansada do pai.
Ele levantou-se com alguma dificuldade por causa de seu tornozelo e, como se
estivesse à procura de inspiração, ficou de costas para o fogo, com as mãos nos bolsos
da calça.
— Sua mãe e eu, Susan nos casamos enquanto eu estava no Exército. Eu era o
segundo filho e minha carreira era essa. Sua mãe gostava da vida social, de mudar-se de
um lugar para outro. Eu tinha que ficar em Londres ou no estrangeiro, dependendo das
circunstâncias. Ela veio apenas uma vez a Glenroden, quando sua avó ainda estava viva.
Não aceitou nem Glenroden, nem minha mãe.
Ela não lhe falou nada sobre isso, tenho certeza.
Silenciosamente, Sue balançou negativamente a cabeça, absorvida, esperando
que ele continuasse.
— Acho que ela deveria ter falado com você sobre isso. Quando meu irmão
morreu, não me restava outra alternativa, senão voltar para casa. Alguém tinha que cuidar
da propriedade.
— Mamãe não veio com você? — Sue ousou perguntar, quando ele fez uma
pausa.

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— Sim, mas deixou-me depois de pouco tempo; foi morar com a mãe dela. Depois
da morte de sua avó, voltou. Decidimos então tentar novamente, mas não deu certo. A
última vez que a segui, esforcei-me ao máximo. Depois disso, desisti. Fixei-lhe uma
pensão mensal e tentei entrar em contato com ela em sua velha casa, mas soube que a
tinha vendido e mudado dali. Nunca me deixou saber seu novo endereço.
— Você nunca quis o divórcio?
— Não. Sugeri apenas, na última vez que estivemos juntos, mas ela não tinha
considerado essa possibilidade. Talvez pensasse assim por sua causa. Como disse na
carta, se eu soubesse de você, as coisas teriam sido diferentes. — Com voz agora
acentuada de amargura, acrescentou: — Infelizmente não tomei nenhuma iniciativa nesse
sentido.
— Agora já se passaram vinte anos! Talvez não devesse lhe dizer, mas acho que
mamãe realmente não me amava. Isso somado a tudo o que o senhor me disse me deixa
ainda mais confusa.
— Sua mãe gostava de ser o centro das atenções, Susan, e era também muito
possessiva. Suponho que todos nós o somos, de alguma forma, e não quero ficar falando
dela, agora que já se foi. Se Helen realmente agiu assim, foi talvez porque você se parece
muito com minha família. Na verdade, você é a réplica exata de minha mãe e todas as
vezes que ela a olhava, com certeza se lembrava disso. Não devemos culpá-la, pois
essas coisas são imponderáveis.
Inadvertidamente, Sue pensou em Tim, lembrando suas observações. Decidida a
não pensar mais no problema, perguntou nervosamente:
— Nunca pensou em vender a propriedade?
Frazer começou a falar e Sue constatou que sua expressão estampava um
repentino cansaço, visível sobretudo em seus olhos:
— Propriedades não são vendidas assim, Susan. Não tínhamos ainda a escritura
definitiva da propriedade quando, há alguns anos, meu irmão iniciou seus negócios. E
agora, com a morte dele, os encargos são muitos.
Sua voz estava mais firme e sua expressão se suavizara. Sue não demonstrou
curiosidade em relação ao imóvel, mas gostaria de continuar falando sobre sua mãe.
Talvez mais tarde, quando os dois se conhecessem melhor, isso se tornasse viável. Havia
muitas explicações a dar de ambas as partes. Com certeza, ele ia querer mais detalhes
sobre a morte dela e sobre a carta. Ao mesmo tempo, Sue pretendia esclarecer o
problema daquele misterioso seguro, na realidade a pensão de sua mãe.
Como se tivesse acompanhado seus pensamentos, um sorriso acolhedor aflorou
nos lábios de seu pai, despertando nela a segurança de que precisava. Antes que
tentasse externar seus sentimentos, Frazer disse suavemente:
— Por que fazer tudo de uma vez, Susan? Estamos enfrentando uma situação
bem diferente, é melhor nos conhecermos aos poucos, apesar de eu ter certeza de que
nos tornaremos bons amigos. É uma sensação maravilhosa saber que tenho uma filha!
Não é qualquer um que tem esse privilégio! Só espero que você não seja como sua mãe,
que detestava os campos da Escócia. O que mais desejo é que faça daqui o seu lar.
Sem querer perder nem um pouco de seu já precário controle emocional, Sue
balançou a cabeça, sem falar nada. As palavras dele a afetaram de modo estranho:
estavam carregadas de uma sensibilidade que inexplicavelmente nunca percebera em
sua mãe. Suspirando, desviou o olhar de seu rosto cansado.
— Poderia até ajudá-lo a dirigir esta propriedade — disse Sue.

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— A propriedade... — Sua voz severa tornou-se um pouco tensa. — Tenho um
sócio, minha querida, um homem muito capaz. Não acredito que ele aprecie sua ajuda.
Hoje em dia, toma conta de tudo aqui. Economiza-me muito tempo, dando-me
oportunidade de desenvolver outras atividades.
— Mas, mesmo assim, o senhor deve trabalhar muito — disse, meio confusa. —
Deve ter que supervisionar tudo.
Descontraidamente, seu pai respondeu:
— Agora estou escrevendo uma tese sobre as manobras do Exército de 1945. Há
muita pesquisa a fazer e com isso me ocupo demais. É claro que às vezes dou uma volta
pela propriedade.
Sue não conseguia ainda ver claramente as coisas. Embora seu bom senso a
advertisse para não prosseguir no assunto, não conseguiu deixar de fazê-lo.
— Imagino que já tenha morado na outra casa, que vi entre as árvores. Ela deve
ter ficado muito grande para o senhor.
— Por que não diz para ela se preocupar com seus próprios problemas, John, em
vez de ficar aí desse jeito, olhando-o indefeso?
Sue deu um pulo na cadeira e uma expressão selvagem invadiu seus olhos,
quando ouviu aquela voz. Aquelas palavras soavam como uma ameaça. Há quanto tempo
aquele homem estaria ali? Sua pulsação parou. Não era necessário se voltar para ver que
ele era o mesmo homem que encontrara no hotel e o mesmo que estava no alto do
barranco. Era Meric Findlay.
— Está certo, Meric — disse o velho, voltando-se para ele e confirmando sua
suspeita, embora fosse incapaz de ouvir claramente, por causa das batidas de seu
coração. Aquela agressão desconcertou Sue. Além do mais, os olhos dele escondiam um
inexplicável desprezo. Evidentemente se lembrava dela como inimiga. Foi muito pior do
que seu comportamento na noite anterior, quando seu antagonismo não tinha sido tão
óbvio.
Frazer olhou rapidamente para os dois, levemente confuso. Sue podia notar isso
no rosto do pai quando ele voltou a sentar-se em sua cadeira. Readquirindo seu domínio,
com um visível esforço, ela disse friamente:
— Espero que este senhor se desculpe e me dê uma explicação aceitável para
seu comportamento.
— Sue, espere um minuto! — O pai interrompeu-a, surpreso. — Acho que sou eu
quem merece uma explicação. Vocês dois aparentemente já se conhecem, apesar de não
estarem se dando bem.
— Desculpe-me — disse Meric Findlay. — Encontrei esta garota somente ontem à
noite, John, mas logo deduzi quem era ela.
— É minha.filha. Você não poderia saber disso.
Os olhos escuros de Meric Findlay estreitaram-se, ignorando a raiva de Sue.
— Ela não disse quem era, John. Ainda não sei seu nome, mas posso ver pela sua
fisionomia que há uma certa semelhança familiar. Tinha certeza de que apareceria aqui
hoje, e não estava errado. Na verdade, eu a vi chegando. Se eu não estivesse no alto do
barranco, teria chegado aqui a tempo de detê-la.
— Você ouviu bem o que eu disse, Meric? — insistiu. — Sue é minha filha!
— Não me importo com o que ela finja ser — respondeu secamente Meric Findlay.

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— Só lhe peço que não acredite nela sem provas. Você sempre foi muito vulnerável.
Nunca se incomodou com o número de parentes que já passaram por sua vida! Depois
não diga que não lhe avisei!
O sangue de Sue ferveu. Nunca ninguém havia falado com ela daquela maneira e
não podia aceitar aquilo. Aquele homem a considerava uma impostora, mas, mesmo que
tivesse razão, não tinha o direito de ser tão rude. Havia um leve tremor na voz de Sue,
mas controlou-se para encará-lo de frente enquanto falava:
— Posso assegurar-lhe, sr. Findlay, que minha vinda aqui foi por mera
formalidade. O fato de John Frazer ser meu pai foi para mim uma grande surpresa, como
obviamente foi para ele e para o senhor. E se vou ficar aqui ou não, não é de sua conta.
Seguiu-se um silêncio constrangedor assim que Sue terminou de falar. Com os
olhos ainda fixos nela, Meric atravessou a sala e apoiou-se na mesa. Seus olhos
brilhavam e deixavam transparecer seu temperamento forte.
— Mas decidiu ficar, não é verdade, srta. . . Frazer?
— Claro que vai ficar, Meric — disse John Frazer com firmeza. — Se você esperar
um minuto até eu explicar...
— Ela ficará até decidir se gosta daqui. Do contrário, voltará rápido para Londres.
— Não ficarei! — Fora de controle, Sue levantou-se furiosamente, ignorando o
pedido de seu pai que fosse razoável, já que fervilhava de indignação. Poderia enfrentar
sozinha seus próprios inimigos e, se fosse para ficar, seria melhor começar desde já.
Certamente não pretendia ser dominada por Meric Findlay e, além do mais, não se
sentiu intimidada com seu olhar e tampouco com seu tamanho, embora se sentisse
pequena ao lado daquele homem enorme. O que faltava a Sue em estatura, sobrava-lhe
em temperamento. Seu pai estava obviamente dominado por esse homem. Quando
voltou a se sentar com certa ansiedade em sua cadeira, Sue sentiu uma leve irritação.
— O senhor sempre se permite ser tratado dessa maneira por seu gerente? —
perguntou. Seus olhos soltavam faíscas e tornaram-se curiosamente mais azuis do que
cinzentos.
— Susan! — Houve um momento de silêncio constrangedor. Sue enrubesceu e
sua fúria de repente fraquejou. Parecia que havia cometido algo imperdoável e por isso
deveria pedir desculpas. Mas, antes que fizesse isso, seu pai acrescentou, com o rosto
estranhamente pálido: — Já tinha lhe contado antes, Susan, que tinha um sócio. É
Meric.
— Está bem. — Os longos cílios de Sue moviam-se nervosamente. — É sempre a
mesma coisa, não é verdade? Desculpe-me se pareci rude, principalmente por que acabo
de chegar, mas o sr. Findlay não foi gentil.
— Sua observação não foi ignorada — respondeu Findlay friamente. — Sue
poderá estar certa, John. Em vez de perdoá-la nesta briga, seria melhor que ela e eu
fizéssemos uma trégua. Não há dúvida de que, mais tarde, teremos muito tempo para
mais explicações. Sei que você foi casado, John, portanto é muito viável que tenha uma
filha. Por enquanto, deixemos isso como está e pensemos em nossas acomodações para
hoje à noite.
Levemente espantada com a mudança de tratamento, Sue olhou-o sem dizer
nada, por um instante. Por que ele devia se preocupar com onde ela dormiria?
— Estou receosa por não ter providenciado nada — admitiu. — Mas estou certa
de que vai ser possível arranjar acomodação na cidade. Não pensei que fosse tão tarde.

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Frazer interrompeu-a bruscamente.
— É claro que você não vai se hospedar na cidade, Susan. De agora em diante,
seu lar é aqui comigo. Não quero perdê-la agora que a encontrei.
Sue sentiu-se repentinamente arrependida. Ele parecia cansado. As novidades
que trouxera na certa o aborreceram, apesar de ele não saber de sua mãe há muitos
anos. Sentiu necessidade de ficar para cuidar dele. Já que morava há tantos anos
sozinho, será que realmente precisava de alguém? Se pelo menos Meric Findlay
desaparecesse em vez de ficar ali, com aquela expressão superior estampada no rosto,
talvez pudessem ter resolvido tudo.
Mas não era para ser assim, embora por um momento parecesse que Meric ia
partir e deixá-los em paz. Em vez disso, voltou para perto deles novamente.
— John, você sabe muito bem que aqui não há nenhum quarto para Susan, mas
há acomodações na parte de cima da casa. Há até um quarto preparado desde a semana
passada e, se formos lá agora, certamente ainda encontraremos a sra. Lennox. Ela
poderá ajudar Sue a se instalar.
— Por favor! — pediu Sue, olhando-o sem jeito, sem abrandar porém sua
fisionomia severa. Instintivamente concluiu que Meric estava acostumado a arrumar-se
sozinho e, quando dava ordens, todos corriam para atendê-lo. Encarou-o por algum
tempo, sem se sentir amedrontada. Se ele quisesse uma briga ela estava mais preparada
do que ele poderia imaginar. Certamente não a acharia tão dócil quanto seu pai.
— Se esta casa for bastante boa para meu pai, também o será para mim. Não
tenho dúvidas de que posso encontrar um lugar para dormir, sem incomodar a sra.
Lennox.
A impaciência dominava sua voz. Meric Findlay disse então severamente para seu
sócio:
— Queira dizer a esta moça, por favor, que tenho muito o que fazer e que não
posso desperdiçar mais tempo! Os quartos lá de cima estão em desordem, cheios de
coisas, e o quarto disponível está nas mesmas condições. Precisaria de um mês para
arrumá-lo e não tenho tempo para ficar aqui, discutindo.
Susan aborreceu-se, pois seu pai fez exatamente o que Meric propôs.
— Acho que será melhor assim, minha querida. Ficar aqui não será. nada prático.
Você vê, uso esta casa mais como um retiro, enquanto estou ocupado, escrevendo.
Desde que minha última empregada foi embora, não tenho me preocupado muito com a
arrumação.
Por isso dependo muito de Meric.
Isso era óbvio! Estava completamente dependente daquele homem, mas
precisava ser tão humilde assim? Certamente, como dono da propriedade, deveria dar as
ordens. Talvez fosse seu dever ficar ali, mesmo que fosse por pouco tempo, para ajudá-lo
a se impor àquele ditador declarado. Talvez na casa grande ficasse numa posição melhor
para pôr o sr. Findlay em seu devido lugar. Olhou-o rapidamente e, num tom mais brando,
disse:
— Papai, se for do seu agrado, farei como sugere. Mas não gostaria de depender
do senhor por muito tempo, sr. Findlay.

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CAPÍTULO III

Ao acordar no dia seguinte, Sue permitiu-se o luxo de ficar mais dez minutos
deitada, pensando. O cansaço da noite anterior tinha passado e seus grandes olhos
observavam o quarto grande e bem mobiliado. Quase se beliscou para acreditar que
estava realmente ali.
Parecia-lhe um quarto antiquíssimo, já que estava acostumada aos apartamentos
modernos com pequenas acomodações.
A mobília devia estar ali há mais de cem anos. Grandes armários, uma
penteadeira com puxadores de bronze, com uma bacia e um jarro de porcelana, enfim
tudo feito para durar mais de um século, pelo menos. Sue nunca vira uma mobília assim e
nunca imaginara se hospedar num lugar como aquele, mesmo por pouco tempo.
Estava curiosa por saber se a casa toda era assim. Antes de deixar a casa
pequena, enquanto John Frazer juntava suas coisas, Meric Findlay avisou a empregada
que iriam para lá e, quando chegaram, a sra. Lennox já os esperava com um lanche. Foi
então preparar o quarto de Sue.Sue sentou-se sozinha na mesa da cozinha, pois seu pai,
queixando-se de dor no tornozelo, pediu-lhe desculpas e foi deitar-se. Meric desapareceu
com ele, só voltando depois de Sue terminar sua refeição. Saiu então à procura da sra.
Lennox, mas parou confusa fora da porta sem saber o caminho, não reparando que Meric
estava por ali,
— O quarto de John é o terceiro à direita. Quer vê-lo antes de subir? — perguntou.
— Sim, claro — respondeu, gaguejando.
Apesar de tudo, sabia que era uma estranha. O fato de ter encontrado um pai,
mesmo sem sentir ainda grande afeição por ele, era indiscutível; mas ir com Findlay dizer-
lhe boa-noite, encheu-a de desânimo.
— Não é nada fácil, srta. Susan. — Seu olhar foi tão desconcertante quanto suas
palavras.
— Como poderia ser fácil? — disse, indignada. — Se você estivesse ciente dos
fatos, talvez pudesse entender melhor.
— Oh, John já me contou o que aconteceu, enquanto eu o ajudava a acomodar-
se. É compreensível. Mas você entende que os fatos não têm nada a ver com as
emoções.
— Você está certo — disse ela, relutante.
— Se eu estivesse em seu lugar, encararia a situação como uma criança que
estivesse olhando seu pai adotivo pela primeira vez. Aí não ficaria tão perturbada.
— Mas com pais adotivos não há laços de sangue.
— Muitas vezes os laços de convivência são mais importantes, e estes você e seu
pai ainda não têm e talvez nem tenham nunca.
Não disse nada, mas odiou-o por essas observações cruéis, mesmo sem poder
negar sua procedência. Meric esclareceu um pouco sua mente confusa, mas, mesmo

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assim, continuava sem gostar dele.
— Diga-lhe boa-noite por mim por favor — pediu baixinho, quando subiu.
Agora, de manhã, nem se lembrava se ele havia respondido ou não.
Pensou na sra. Lennox, como fora eficiente e prática, arrumando tudo que era seu.
Lembrou do que ela dissera, à noite, ao mostrar-lhe o quarto:
— Sentir-se-á melhor amanhã, querida. Fui governanta e tenho obrigação de
saber. O sr. Frazer contou-me as novidades. Estou muito feliz, Além do mais você é muito
bonita! Sempre imaginava como você seria.
Palavras estranhas, pensava Sue naquele momento! Totalmente inexplicáveis! A
sra. Lennox tem muito o que fazer e deve ter-se enganado. Sue olhou seu relógio e
lembrou-se de que ela não viria hoje. De qualquer maneira, não pretendia ficar andando
pela casa, logo de manhã. Mas agora, já eram mais de sete horas e precisava levantar-se
e ir saber como seu pai estava passando.
Ouviu então uma batida na porta e, antes que tivesse tempo de fazer algo, a porta
abriu e Meric Findlay apareceu dentro do quarto. Muito surpresa, mal teve tempo de puxar
seus lençóis, quando ele entrou com uma xícara de chá, colocando-a no seu criado-
mudo.
Sem pensar, Sue agradeceu. Sentia-se presa ao travesseiro, como uma borboleta
espetada num alfinete.
Sem ligar para seu agradecimento, Meric lembrou:
— É melhor tomar logo esse chá. A sra. Lennox não está e seu pai não está se
sentindo bem. Você é em parte responsável e acho que tem que ajudar a cuidar dele.
Chocada, mas ciente de sua autoridade, Sue fez o que ele disse.
Pensou em recusar, mas desistiu.
— Desculpe se estou lhe fazendo perder tempo, mas por que quer me
responsabilizar pela doença de meu pai? Ele machucou o tornozelo antes da minha
chegada.
— Não é isso. . . é o coração — explicou rapidamente, não deixando transparecer
a menor dúvida em suas palavras. — O médico veio ontem à noite, depois de você ter ido
se deitar.
— Você deveria ter me dito! — exclamou, inquieta.
— Por quê? O que adiantaria? Estou acostumado com suas crises cardíacas.
Aquilo tranqüilizou-a por um momento. Logo em seguida sobreveio-lhe a
inquietação novamente e, com as mãos apertando a xícara, olhou-o e disse:
— Ele podia ter morrido!
— Algum dia desses isso pode acontecer. — Suas palavras não lhe deram o
conforto que inconscientemente procurava. — Certas coisas estão além do poder
humano, como o dr. McRoberts vai lhe explicar. Creio que essas explicações devem
interessá-la, pois ele cuidou a vida inteira de seu pai.
— Inteira?
— Se for repetir tudo o que falo, vai ser difícil continuar, especialmente se ficar me
olhando dessa maneira.
— Oh, por favor. . .

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Ficou envergonhada e ao mesmo tempo apreensiva, quando se deu conta de suas
constantes interrupções enquanto ele falava.
Sacudindo os ombros e frio como sempre, ele disse:
— Parece que sua mãe consultou McRobefts anos atrás, antes de deixar
Glenroden, quando estava grávida. John se aborreceu, pois o médico nada lhe falou,
mantendo-se fiel à sua profissão. Talvez agora você o convença de que McRoberts tinha
razão.
— A sra. Lennox disse... — Totalmente aturdida, Sue parou de falar, com os
pensamentos voltados para a noite anterior.
— Bem, o que disse a sra. Lennox?
Sue não concluiu suas palavras e ficou sentada, olhando-o fixamente, como uma
criança confusa. Piscava os olhos, perguntando a si mesma como a sra. Lennox tinha
tomado conhecimento do fato.
Então Meric compreendeu.
— Ela foi recepcionista e enfermeira de McRoberts e talvez antes de se casar e
deixar o emprego tenha encontrado essas informações nos arquivos — esclareceu Meric.
— E agora ela voltou?
— Sim, mas não com McRoberts; há outra pessoa lá, já faz algum tempo. Além do
mais, ela enviuvou e não é tão jovem como antigamente. Tem uma casinha aqui perto e
nos dá uma ajuda. Sua experiência de enfermeira é muito valiosa quando John não está
bem.
Houve um pequeno e tenso silêncio, enquanto Sue tentava entender as coisas,
agora ainda mais confusas com essa informação. Nada parecia muito claro, mas uma
coisa era evidente: não tinha dúvidas de que era Susan Granger Frazer.
Meric sorriu e disse, decidido:
— Se fosse você, tiraria o nome Granger, pois não significa mais nada para você.
— Não sei mais o que fazer. Você sabia quem eu era no hotel?
— Sabia que era uma Frazer e, sabendo os problemas de John com o coração,
fiquei alarmado. Por enquanto, vamos deixar assim, srta. Susan. Sugiro agora que se
levante.
Sua frieza estava de volta, despertando nela um pressentimento de que Meric
Findíay era mais um inimigo do que amigo.
— Logo que saia do quarto, faço isso com prazer — disse ela.
Parecia que tinha passado um longo tempo, antes que respirasse novamente.
Enquanto se preparava, seus pensamentos iam de seu pai a Findlay. Para Sue ele era
uma pessoa em quem não se devia confiar, e, já que tratava dos interesses de seu pai,
deveria ser investigado.
Apesar de poder parecer interesseira e precipitada, os negócios de seu pai a
preocupavam muito. Fazer-se um pouco detetive particular não causaria nenhum dano.
Provavelmente seu pai tinha deixado tudo nas mãos de Meric desde que adoecera, o que
não era muito sensato. Bem, pensou ela, agora ele terá alguém da família para ajudá-lo.
Estimulada por seus pensamentos corajosos, vestiu-se num minuto, descendo
rapidamente.
Não havia ninguém por lá e estava satisfeita por saber onde era a cozinha. Já com

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a mão na porta, hesitou, pois à sua frente estava o grande relógio que pertencera a seu
avô. Já passavam das oito. Talvez devesse ir ver como seu pai estava passando e se
precisava de algo. Sem dúvida, Meric Findlay, com sua eficiência, já lhe teria levado uma
xícara de chá, mas provavelmente há algum tempo.
Ainda nervosa, quase nas pontas dos pés, caminhou pelo hall, contou duas portas
e bateu delicadamente na terceira. Não havendo resposta, abriu-a com cuidado e deu
uma olhada. Ele estava dormindo. A sala obviamente tinha se transformado num quarto.
Era confortável e aquecida por uma lareira que ficava bem no centro. Seus olhos
voltaram-se para o pai. Parecia exausto e provavelmente tinha tido uma péssima noite.
Sentiu uma leve tristeza no coração ao ver sua face cansada e prometeu a si mesma
ajudá-lo no que pudesse. Uma bandeja com os vestígios de um frugal café da manhã
estava no criado-mudo. Sue pegou a bandeja, delicadamente fechou a porta, e levou-a
para a cozinha.
Logo que abriu a porta, sentiu a presença de alguém; seus olhos espantados
deram com Carlotte Craig, sentada na janela, muito à vontade, tomando seu café. Não
esperava vê-la novamente, ou pelo menos não tão cedo; surpresa e sem ação, a garota a
examinava
friamente da cabeça aos pés.
— Eu, se fosse você não ficaria aí — disse Carlotte com dificuldade, com a borda
da xícara na boca. — Entre, e feche a porta. Você me parece capaz de estar em muitos
lugares ao mesmo tempo. — Sua voz era insolente, seus olhos tão pouco amistosos
como em Edimburgo. A escolha de suas palavras era o reflexo de seus pensamentos.
Por estar faminta e não se sentindo particularmente amistosa, Sue deu-lhe uma
resposta atravessada. Como Carlotte soube de sua presença? E por que ela se
encontrava ali? Com certeza devia morar na casa vizinha, pensou Sue, para estar ali tão
cedo. Obviamente, como no encontro anterior, Carlotte não simpatizou com ela. Mas por
quê? Seria ela noiva de Meric e, assim sendo, a considerava uma intrusa?
Colocou a bandeja que carregava na mesa, desejando ardentemente estar mais
familiarizada com a cozinha. Sue não poderia ficar procurando pelas coisas, enquanto
Carlotte permanecia ali sentada, observando-a com tanta frieza.
— Está à procura do sr. Findlay ou veio visitar meu pai? — perguntou de um modo
que a tomasse mais consciente da posição em que se encontrava, moderando porém o
impacto de suas palavras com um leve sorriso.
Mas, se tinha esperança de chocar Carlotte, iria logo se desapontar.
— Encontrei Meric na estrada e ele me disse que você afirma ser filha de John.
Não resisti à tentação de vir ver com meus próprios olhos. Eu, por acaso, sou prima de
John.
— Prima de meu pai?
— Sim, as pessoas têm primos, como você sabe. E minha afirmação é muito mais
autêntica que a sua.
— O que quer dizer com isso?
— Quer dizer que — Carlotte levantou-se e deixou a xícara no parapeito da janela
— qualquer que seja a explicação de John, de McRoberts ou mesmo de Meric, pretendo
esclarecer tudo, nem que leve meses.
Sue sentou-se rapidamente, sentindo-se sem forças, enquanto Carlotte saía,
batendo a porta com violência, sem sequer olhar para trás.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
Levantando um pouco a cabeça, olhou para a estrada. Diante dela estava um lindo
céu azul. O outono já dava seus primeiros sinais e com ele a promessa dos lindos tons
que estavam por vir. Com um suspiro, virou-se contra a janela e encontrou um bilhete
entre o bule de chá e a jarra de leite. Com cuidado, apanhou-o. Estava endereçado a ela.
Susan leu-o nervosamente. A letra era masculina e, antes de abri-lo, já sabia que era de
Meric. Realmente era e dizia:

"Não pude avisá-la para não perturbar John. Ele provavelmente dormirá até a hora
do almoço, quando a sra. Lennox estará de volta. Dê apenas uma olhada nele agora de
manhã e veja se está tudo bem. Não virei para o almoço, portanto não se preocupe
comigo."

Sentiu um certo alívio por não vê-lo pelo menos por algumas horas, o que lhe dava
tempo para pensar em suas defesas e preparar algo para comer. Meric falava em almoço,
mas até agora ela nem sequer tinha tomado seu café da manhã.
Se realmente Carlotte era prima de John e esperava se casar com Meric Findlay,
contava naturalmente herdar Glenroden de mão beijada.
O fato dela ter vindo para Glenroden representava uma ameaça aos planos de
Carlotte que, se realmente fosse mercenária, deveria estar mais do que amargurada.
Sue suspirou, preocupada, e perdeu a fome. Levantou-se e foi arrumar a cozinha.
Era melhor fazer qualquer coisa do que ficar sentada, pensando nas coisas que
aconteceram depois de sua chegada. Havia muito o que fazer.
Para sua alegria, a sra. Lennox chegou antes do meio-dia, mais cedo do que Sue
esperava.
— Dei um jeito de adiar meu segundo compromisso, querida. — Sorriu. — Pensei
que seria melhor, já que tudo aqui é tão estranho para você e o sr. Findlay estará muito
ocupado para lhe mostrar tudo.
Agradecida, Sue voltou a sorrir-lhe. John ainda não tinha se levantado e Sue
ficava apreensiva cada vez que dava uma olhadinha em seu quarto.
— Algumas vezes ele dorme muito tempo, quando está assim doente — afirmou a
sra. Lennox. — Agora que estou de volta, tomarei conta dele. Sei exatamente o que fazer,
pode ficar descansada. Mas isto não quer dizer que ele não quererá vê-la, quando
acordar. Na verdade, é melhor ficar por perto, pois tenho certeza de que ele vai logo
perguntar por você.
Sue concordou e ajudou a sra. Lennox a preparar um leve almoço antes de dar
uma volta pela casa com ela.
— Não sei se é meu dever lazer isso — confessou, enquanto iam de quarto em
quarto. — O problema é que nunca sei onde o major mora. Se é aqui ou na casinha lá
embaixo.
— O major? — Confusa, Sue olhou o rosto saudável da enfermeira.
— Seu pai, é claro. Não sabia que esteve no Exército?
— Oh, sim — concordou. — Não sabia qual era sua patente.
— Não se preocupe. — Calmamente a sra. Lennox fechou a porta e levou Sue de
volta para a cozinha. — Realmente não tem importância.Com o tempo vai tomar
conhecimento de tudo. Gostou da casa?

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— É bonita — como soou sem graça, Sue sorriu calorosamente, deixando ver
seus dentes brancos e brilhantes. — Não queria dizer nada, mas é o tipo da casa com
que sempre sonhei. Grande, mas não de mais; confortável, sem ser monótona. Cheia de
antigüidades, o que a faz ainda mais bela. O ambiente todo é muito bonito.
A sra. Lennox concordou, enquanto acendia o fogo.
— Também acho. É uma casa realmente gostosa. O sr. Findlay também pensa
assim. Ele mesmo vem comprando essas antigüidades, durante todos esses anos. Talvez
ele lhe mostre, quando estiver mais desocupado.
— O sr. Findlay parece um homem muito ocupado — observou, sem notar a
aspereza de sua voz e evitando o olhar interrogativo da sra. Lennox. — Suponho que,
quando meu pai está doente, ele tenha que fazer todo o trabalho sozinho — acrescentou.
Falou o que realmente não pensava e a sra. Lennox sabia disso.

O ataque que John Frazer teve foi muito forte e com isso, para tristeza de Sue,
passaram-se muitos dias sem que pudessem conversar muito. Durante esse tempo todo
evitou ficar longe de casa, mas não pôde esclarecer nenhuma de suas suspeitas. Sabia
que Meric passava a maior parte do tempo com Carlotte e que, apesar de sua aparência
enigmática, não era nenhum eremita.
Ela o via pouco. Durante o dia, era raro aparecer para as refeições, e à noite
sempre saía para jantar fora. Mas havia algo nele, cada vez que o via, que provocava o
mesmo impacto que sentira tão vivamente em Edimburgo.
Naquela noite, um grande cansaço fez com que Sue não ficasse com o pai até
mais tarde. Depois de se assegurar que a campainha de John seria ouvida de mais longe,
fechou a porta e foi para a sala de estar. Estava olhando um quadro de sua avó, quando
Meric Findlay entrou,
Ele não a surpreendeu, pois ela ouviu que alguém vinha chegando.
Só ficou chateada por não ter desconfiado que era ele. Não que isso importasse,
disse para si mesma, mas gostaria que ele não a encontrasse vendo um retrato de
família.
— Chegou cedo! — Sue disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça, e uma
súbita confusão secou-lhe os lábios. Umedeceu-os com a ponta da língua e ficou
envergonhada, ao perceber que Meric tinha os olhos fixos em sua boca. Falou
rapidamente de novo, já que ele não respondeu da primeira vez.
— Você jantou?
— Já jantei, obrigado.
Sue notou que ele se divertia com a maneira ingênua dela falar.
Ou seria pela sua aparência? Olhou-a bastante tempo, deixando-a sem graça.
Sentia-se tensa e seu corpo queimava em brasa.
Meric desviou então o olhar para o quadro e Sue compreendeu tudo. As próximas
palavras dele confirmaram sua conclusão.
— Ninguém pode negar que é uma Frazer, mas imagino o quanto de sua mãe
você esconde. — Seus olhos tornaram-se severos novamente.
Por que ele condenava sua mãe? Não a havia conhecido. Com que direito estava
ali sentado fazendo um julgamento com todo esse ar senhorial? Sue caiu direto em sua

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
armadilha.
— Você não está querendo me insultar, não é? — perguntou ela com um ar
profundamente aborrecido.
— Conhecendo as circunstâncias. . . — falou tão seguro de si, que Sue foi tomada
de inveja. — Quando uma mulher nega a um homem seu próprio filho, não pode esperar
que o mundo a perdoe.
— Mas você só encara o problema de um lado. Talvez, se meu pai tivesse se
preocupado em retê-la por algum motivo, se... — Sua voz tornou-se fraca; suas dúvidas e
apreensões refletiram-se claramente em seu rosto.
— Se fosse você, não perderia o sono por causa disso. Pode consolar-se, pois
você era muito jovem para saber de tudo isso. Poucas pessoas no mundo não carregam
faltas alheias.
Era um gozador e não se preocupava se suas palavras a feriam.
Sua cabeça girava. Sentia-se mergulhada no mais profundo caos.
O entorpecimento das últimas semanas havia agido nela como um verdadeiro
anestésico. Agora, já um pouco recuperada, ainda sentia um curioso vazio, como se
inconscientemente ansiasse por uma nova experiência além de seu alcance.
Encarou-o bastante amedrontada, sem saber se tinha condições de enfrentar suas
reações.
Sabia que, de certa maneira, estava sentimental e irrevogavelmente ligada aos
desajustes conjugais de seus pais, por isso reagia como uma criança perturbada.
— Você fala como se divórcio e separação fossem irrelevantes nos dias de hoje. O
que faria se sua mulher o deixasse dessa maneira?
— Antes de tudo devo dizer-lhe que, se fosse minha mulher, nunca pensaria em
me abandonar. Além do mais, não estamos discutindo sobre a minha pessoa. Você não
entendeu nossa conversa desde o começo, querida. Só queria dizer-lhe para não deixar
Glenroden, se isso por acaso passa por sua cabeça. Suspeito às vezes que você pode
fazer o mesmo que sua mãe, indo embora no momento errado.
Ele não podia estar ameaçando-a. Num gesto premeditado Sue levou a mão até a
base do pescoço, tentando disfarçar sua pulsação nervosa.
— Você diz isso por causa de meu pai?
— Ele não poderia levar outro choque.
— Igual àquele que teve com a minha vinda?
Afastou-se dele, alarmada por sua crueldade. Com os olhos voltados para o
retrato de sua avó, não queria admitir a lógica de suas palavras, esperando com certa
ansiedade que ele a tranqüilizasse.
Mas nada! Limitou-se a apertar seus braços com força, machucando-a. Segurou-a
sem maiores cuidados, do mesmo modo que se sacode uma criança que não quer ouvir,
e disse baixinho:
— Se você gosta assim dele, não se torture. A hora não é própria para palavras
gentis, se é isso que está querendo.
Por um momento Sue ficou sem palavras, afastando-se um pouco dele. Depois,
com um esforço imenso, libertou-se, voltando-se para encará-lo.
— Não esperava nenhuma gentileza sua, sr. Findlay. Por que deveria esperar? O

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senhor pode ser o administrador de meu pai, mas não é nada meu. Onde eu for ou
estiver, o que eu sentir ou deixar de sentir, não é da sua conta e, por favor, não se
esqueça disso.
Muito nervosa, ouvindo sua própria voz e sufocada de emoção, deixou a sala.

Parecia desconcertante que ela se sentisse cansada e inquieta nos últimos dias.
Era tão evidente, que a sra. Lennox notou e a aconselhou a sair para mudar um pouco de
ar.
— Preparei alguns sanduíches, querida. Você pode pegar seu carro e sair por aí e
fazer depois sua refeição. Se você se mantiver na estrada, não se perderá. Você poderia
ir ao lago. Lá o ar lhe fará bem, trazendo uma boa cor a seu rosto.
Prometeu tomar conta de John, mas foi com relutância que Sue aceitou sair.
Embora ele estivesse se levantando todo os dias, o dr. McRoberts a tinha advertido para
que não o deixasse fazer nada, a não ser exercícios leves em volta da casa. Naquele dia
parecia cansado e disse que ficaria na cama.
Uma vez na estrada, Sue sentiu uma leveza de espírito e ficou feliz por ter aceito o
conselho de sra. Lennox. Não tinha imaginado que seria tão agradável aquela saída. Um
silêncio de outono dominava as reservas de caça, quebrado às vezes pelo som de tiros
que vinham de longe. John contara-lhe naquela manhã que Meric tomava parte em
caçadas duas ou três vezes por semana naquela época do ano.
Sue ficou surpresa até que ele lhe explicasse detalhadamente:
— Costumava ser meu negócio — dissera-lhe, sorrindo tristemente. — Parei de
tomar parte nessas festas há alguns anos, mas temos um acordo com o hotel da cidade.
Nós organizamos as caçadas e eles os caçadores. Isso envolve muito trabalho,
considerando-se tudo o que deve ser feito. Não sei por quanto tempo Meric manterá isso,
mas financeiramente é vantajoso.
— Há quanto tempo ele está com o senhor?
Não tinha pensado em perguntar, mas, desde aquela noite na sala de estar, Meric
Findlay não saíra de seus pensamentos, mesmo quando ela tentava se convencer de que
pensava nele apenas por causa de suas atitudes duvidosas.
John olhou-a rapidamente, achando sua pergunta curiosa, mas tudo que disse foi
que fazia mais ou menos dez anos.
— Ele veio para cá com vinte e poucos anos e tinha muito o que aprender. De uma
certa forma, ajudando-nos um ao outro, se você me entende. O pai dele morreu na África
do Sul e ele ficou sem ninguém.
Sue não entendeu exatamente o que ele queria dizer. No entanto, percebeu
rapidamente que, sempre que lhe pedia para ser mais explícito, ele se fechava numa
espécie de concha, e era difícil tirar qualquer explicação. Dessa vez, porém, ela deixou
suas conclusões de lado e percebeu que sentia agora um repentino interesse pela África
do Sul. . . Mas antes que houvesse tempo para dizer alguma coisa, a sra. Lennox entrou
na sala e Sue decidiu não falar mais. Ficaria para um outro dia.

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CAPÍTULO IV

Decidida a não se preocupar, Sue concentrou-se em procurar o lago. A sra.


Lennox era uma enfermeira experiente e seu pai estava em boas mãos. Apesar de se
propor a ficar relaxada, Sue franziu as sobrancelhas. Era natural em sua idade que
achasse tudo entediante. Secretamente estava envergonhada em admiti-lo. Os ataques
de enxaqueca de sua mãe, sempre que alguma coisa a aborrecia, tinham sido obstáculos
difíceis de ultrapassar, envolvendo longos períodos em que os mais leves ruídos eram
evitados. Até o som baixinho de seu rádio era proibido. Não a ajudava em nada pensar
que aquela tristeza de agora a levasse a pensar na mãe com mais simpatia.
Com pouca dificuldade, Sue encontrou o caminho de volta, através de uma
passagem do rio, desviando à direita; o caminho da esquerda a levaria à cidade. Corria
tudo bem em seu passeio. Preocupou-se com a gasolina. Havia enchido o tanque em
Edimburgo e ainda estava pela metade.
O tempo estava bom e a paisagem era atraente. Subitamente uma ovelha parou
diante do carro. Sue buzinou, fazendo-a afastar-se. Blocos imensos de rocha salpicavam
a paisagem, cercados por uma grama selvagem. Era realmente uma festa para os olhos!
Não estava surpresa por ter ultrapassado vários carros. Afinal de contas, era a
estação de turismo. Lembrou-se do primeiro dia e de todas as pessoas no centro
comercial. Assim mesmo, estas estradas eram desertas, comparadas com as outras, do
sul.
Repentinamente imaginou se um dia voltaria. Gostaria realmente de voltar? Não
seria fácil ficar em Glenroden. Teria que fazer novas amizades e eventualmente encontrar
um emprego. Não poderia vagar em Glenroden o resto de sua vida. Seu coração se
acelerou. Se Meric se casasse corri Carlotte Craig, ela não suportaria ficar lá de maneira
alguma. Na curva seguinte, aproximou-se do lugar reservado à caravana de caça. A vista
do lago era linda, protegida e quase escondida por uma barreira de bétulas e pinheiros,
em meio a planícies verdejantes.
Levada por uma força estranha, Sue estacionou seu carro entre os outros. Viu
uma placa que dizia claramente: "Reservado para a caravana de caça de Glenroden. Não
há vagas". Mas não, deu a menor atenção.
Foi só quando viu Carlotte se aproximar que começou a suspeitar.
Carlotte parou, tão surpresa quanto Sue.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, com olhar cauteloso.
— Dando uma olhada — respondeu Sue, não menos apreensiva.
Não era o que tinha em mente, mas Carlotte não faria perguntas bobas. Além
disso, por que Carlotte agiria como se fosse a dona do lugar? Certamente ela não vivia
ali! Ficou sem saber o que pensar. Repentinamente se convenceu de que não tinha idéia
de onde Carlotte morava; talvez fosse na cidade.
— Posso dar uma volta com você, se quiser — disse Carlotte e apontou com a
mão o parque, sem notar a expressão de Sue.
— Mostrar-me tudo por aí? Sue perguntou, meio surpreendida. — Por que faria

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
isso?
— Se pensa que moro aqui, ou que esta propriedade me pertence, a resposta é
negativa. Isso pertence a Glenroden.
— Você se refere à propriedade? — enquanto perguntava, Sue corou.
— Por que ninguém lhe falou sobre isso? — Carlotte balançou a cabeça com olhar
superior. — Parece que há muitas coisas que não sabe. Gostaria de saber por quê? —
Suas palavras pareciam inocentes, mas o tom era de zombaria. — A mulher que
geralmente toma conta do escritório estará ausente alguns dias, por isso Meric me pediu
para ajudá-lo.
A ligeira mudança em seu tom de voz deixava subentender muito mais do que isso
e, vagarosamente, Sue gelou. Sem entender, seu coração quase parou. Os dois juntos
nisso? Por que uma caravana de caça em Glenroden? Certamente uma propriedade
daquele tamanho não precisa se valer de tal tipo de negócio.
— Meu pai não falou nada sobre isso — respondeu secamente. — Desde que ele
adoeceu, não tenho visto muito o sr. Findlay.
Sue arrependeu-se do que disse e Carlotte sorriu com um ar de convencida.
— Meric não gostaria de discutir essas coisas com você, sobretudo porque é uma
estranha. Depois que John melhorar, ele acha que você irá logo embora, por isso seria
perda de tempo.
Sue conteve-se com dificuldade para não lhe dar uma resposta agressiva. Carlotte
poderia estar falando a verdade. Não iria falar sobre o passado de Meric Findlay, mas
obviamente estava tentando atormentá-la. Precisava descobrir o que estava acontecendo.
Mordeu o lábio e depois, sorrindo, propôs:
— Vamos dar uma volta, se você não se incomodar.
Passearam juntas pelo parque durante uma hora. Era um belo parque, sem
dúvida. Como Carlotte explicara, em vários pontos havia quiosques onde vendiam leite,
toicinho defumado e ovos, além de outras coisas.
— As caravanas são formadas pelos mais diversos tipos de pessoas e sua
reputação cresceu muito nestes dois últimos anos. Como as férias agora vão até o
outono, esta época, na verdade, é a mais lucrativa do ano.
Depois do passeio ela convidou Sue para um café em seu escritório. Sue aceitou.
Não seria justo recusar, pois Carlotte havia dedicado muito de seu tempo a ela. Carlotte,
pensou, seria uma boa cicerone para uma agência de viagens, pois não lhe faltavam
qualidades para isso. Se queria mostrar a Meric como era útil, saíra-se muito bem.
O escritório era pequeno e bem equipado. Carlotte acomodou-se em uma poltrona
confortável atrás da mesa, indicando a Sue a cadeira do lado oposto.
— A outra moça chegará dentro de uma ou duas horas, aí então estarei livre. O
período mais trabalhoso aqui é pela manhã e depois do chá, quando chegam os últimos
clientes.
O que significava tudo isso, pensou Sue, com uma expressão cínica no rosto,
quando foi embora. Ou Carlotte não era tão competente quanto parecia ser, ou Meric
Findlay se preocupava demais com sua bem-amada.
Sue dirigiu-se para perto do lago, onde decidiu tomar seu lanche. No meio da
tarde e sem motivo aparente, perdeu a vontade de explorar o lugar.
— Foi um dia ótimo, apesar de tudo — comentou com a sra. Lennox, que a olhou

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obviamente confusa, por ter voltado tão cedo.
— Tomarei um chá e aí a senhora pode ir, pois também precisa descansar um
pouco.
Pegando a bandeja já preparada, foi para o quarto de seu pai, resistindo ao
impulso de não perguntar à sra. Lennox a respeito da caravana do parque, receosa de
uma explicação diferente daquela dada por Carlotte. Seria melhor perguntar direto a Meric
Findlay quando o visse da próxima vez.
Quando abriu a porta do quarto do pai, ficou surpresa ao ver Meric. Enquanto
entrava, ele levantou-se e pegou a bandeja que carregava, colocando-a delicadamente na
mesa perto do fogo. Voltando seus olhos para ela, deixou-a meio sem graça.
— Acho que você esteve fora — comentou Meric.
— E quer saber onde estive, se interpretei corretamente seu tom de voz? Bem,
sua curiosidade não vai ser satisfeita por alguns minutos. — Sue estava sem jeito.
Meric sorriu para John antes de responder, com uma pergunta.
— Você voltou cedo? De que torneio de tiros você participou? Espero que tenha
estado nas mãos capazes de meu imediato. — Seu tom de voz era leve e gozador.
— Quando saí de lá já estava quase no fim e sinceramente não posso lhe informar
nada, pois não falei com ninguém. A propósito, o senhor pode facilmente dispensar suas
obrigações, não é, sr. Findlay?
Com indisfarçável irritação, ele deu-lhe uma olhada significativa e respondeu,
severo e decidido;
— Acho que onde quer que tenha estado, os ares não lhe fizeram muito bem, srta.
Prazer. Mas tenho certeza de que seu pai apreciará mais seu chá do que seu humor!
Humilhada momentaneamente, que apertou as mãos e olhou para a cama do pai,
aliviada por vê-lo ouvindo no rádio um programa de jardinagem.
Ergueu a cabeça orgulhosamente. Alguém precisava pôr aquele homem em seu
devido lugar. Seu pai não podia, pensou. Aproximou-se então da lareira e começou a
servir o chá.
Meric ficou calado por muito tempo, enquanto ela se ocupava do pai. Mas seu
silêncio era constrangedor e ameaçava mais do que suas próprias palavras.
Sue deu-lhe um rápido olhar e logo o desviou. Meric usava seu habitual traje
escocês. Vestia uma camisa escura com uma gravata lisa e da cintura pendia uma tira
sustentando uma bolsa de couro marrom. Usava meias de lã escuras, sapatos pesados, e
na parte de
cima de sua meia Sue viu que havia um punhal com cabo de osso.
Parecia severo, bonito e inflexível.
Observava sua expressão sarcástica, enquanto comia seu sanduíche de pepino, e
de repente comentou, séria:
— Enquanto estive fora descobri por acaso uma caravana perto do lago. Carlotte
gentilmente me mostrou o lugar.
Quando mencionou o nome de Carlotte sentiu um ciúme fora do comum.
Imediatamente percebeu o rápido olhar de Meric e o de seu pai, levemente perturbado.
Foi seu pai quem falou, um pouco agitado:
— Estive doente, Susan. Não estou mais a par dessas coisas.

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Meric interveio, muito irritado:
— Por que faz disso um caso, Sue? Independente de estar doente, seu pai não se
preocupa muito com as caravanas. Antes de tudo devo confessar que a idéia foi minha.
Portanto, é natural que ele se esquecesse de mencioná-la.
— Há outras pessoas na casa além de meu pai!
Tarde demais Sue percebeu seu tom ferino, além de revelar um indisfarçável
ressentimento em seus olhos.
Meric fitou-a provocantemente.
— Outras pessoas costumam estar ocupadas, minha cara.
Sue enrubesceu.
— Você quer dizer que eu não estou?
O rosto de Meric tornou-se sombrio e por um instante Sue achou que ele cruzaria
a sala para agredi-la.
— Pelo contrário — falou friamente —, nossas ocupações raramente são as
mesmas.
Ela ignorou suas palavras.
— Você não precisa trabalhar todas as noites. Poderia reservar algum momento
para me pôr a par da situação. — Sue estava lívida.
Perturbado, sua boca contraiu-se um pouco e seus olhos concentraram-se nela.
— Se tivesse certeza de que minha companhia fosse interessante, srta. Frazer,
me esforçaria mais para agradá-la.
O que Meric lhe dissera parecia óbvio. Seus olhos encontraram os dela cheios de
ameaça e que pareciam dizer: "quando nos encontrarmos, mantenha distância". Sentindo-
se derrotada com sua tola interpretação, Sue exclamou:
— Não há razão para a srta. Craig monopolizar todas as suas, horas de folga!
— John, você devia contar à sua filha como passo a maioria de minhas noites:
jantando no hotel por interesses puramente comerciais — disse Meric, ignorando sua
alusão a Carlotte.
Resmungando, John voltou sua atenção para o chá e o rádio, pouco interessado
naquela discussão.
— Como lhe disse, Susan, devia ser minha obrigação, mas é muita coisa para se
discutir numa noite.
Enfurecida, Sue mordeu o lábio, o que parecia se tornar um hábito.
Seu pai e Meric juntos pareciam uma muralha de pedras, ambos inabaláveis. Ela
jamais poderia enfrentar aquelas duas forças. Muito frustrada, disse desdenhosamente:
— É surpreendente o que vai por trás dos interesses comerciais.
Houve um silêncio. John, recusando-se a dar atenção a qualquer coisa que o
preocupasse, inclinou-se para seu rádio, aumentou o volume, deixando o assunto para
Meric, sem responder a Susan. Muita coisa passou pela cabeça de Sue, antes que ela
novamente voltasse seus olhos para Meric Findlay. Ele estava acabando de tomar chá.
Seu olhar parecia, ao mesmo tempo, irritado e divertido.
— Não costumo justificar meus atos, srta. Susan, e não pretendo fazê-lo agora. Se

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tenciona fazer uma investigação particular, seria melhor que a fizesse sozinha.
— Eu não estava.. . não estava lançando nenhuma calúnia — completou Sue. —
Você deve entender que tenho direito a mais explicações. Meu pai está doente e não
posso culpá-lo por suas omissões. — Desesperada por aliviar sua tensão, olhou
suplicante para seu pai.
Ele tinha terminado o chá e estava acendendo seu charuto. Surpreendeu-a ao
dizer:
— Meric veio cedo hoje para casa para levá-la a um passeio. Você já está aqui há
algum tempo e ele acha que você gostaria de conhecer melhor a região.
— Não foi exatamente o que eu quis dizer — emendou Meric.
Ela assustou-se com o que o pai dissera e, quase sem forças, olhou para Meric.
— Não sou uma simples turista para ser tratada dessa maneira.
Tomar conhecimento das coisas casualmente pode até me colocar numa situação
embaraçosa. Por exemplo, Carlotte trabalhando nas caravanas. Foi humilhante confessar
que não sabia nada a respeito.
Meric olhou-a de cima a baixo com olhos irônicos e zombeteiros.
— Um vale escocês, principalmente em Perthshire, está cheio de coisas atraentes,
tais como florestas, montanhas, reservas para caça, rios, enfim, tudo que há de melhor na
vida agreste. Tendo tudo isso a seu alcance, você foi exatamente parar num
acampamento.
— Você está convencido de que minha intuição me levou a isso? Uma espécie de
força oculta?
— Ou uma curiosidade inata, o que me parece mais certo. Quanto a Carlotte, está
apenas me auxiliando. Tem todas as informações de que uma pessoa em férias pode
precisar, além de ser encantadora.
Sue olhou fixamente suas mãos. Ele achava Carlotte encantadora!
Sentiu-se magoada. Respirou profundamente e disse:
— Se eu ficar, também aprenderei a ser útil.
— Não no que diz respeito às caravanas de caça, suponho.
— Não exatamente.
Sue calou-se. Seus pensamentos estavam confusos. Quase lhe disse que não
queria permanecer ali como uma estranha, mas ficou calada.
Agitada, sacudiu os ombros e vagarosamente voltou os olhos para o joelho de
Meric, a única parte visível de sua perna.
Um pedaço de carvão que pulou da lareira despertou-a de suas divagações.
Pegou rapidamente a bandeja, levantou-se e disse:
— Talvez lhe deva uma desculpa, sr. Findlay. Se o senhor pretendia levar-me para
um passeio, fico-lhe agradecida, mas receio que seja tarde demais. Talvez o senhor não
saiba, mas normalmente sou eu quem prepara o jantar. Irei com muito prazer um outro
dia.

Esta oportunidade porém não chegou tão cedo. Meric Findlay realmente pareceu
esquecer-se disso. Embora ela tivesse muita vontade de conhecer a propriedade em toda

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a sua extensão, relutava em lembrá-lo do prometido.
Ajudando a sra. Lennox na arrumação da casa, manteve-se ocupada, mas não o
suficiente. Seu pai em seus piores dias precisava de ambas. A sra. Lennox era boa
enfermeira e Sue estava decidida a procurar um trabalho como professora tão logo ele
melhorasse. Alguma escola ou família local talvez precisasse de uma professora e não
seria má idéia procurar se informar disso.
Perguntou à sra. Lennox, que lhe disse:
Na escola da cidade, há duas professoras, e nenhuma delas tem idade suficiente
para se aposentar.
— A senhora acha que devo procurar nos arredores?
— Sim, realmente. — A sra. Lennox hesitou percebendo a expressão séria de Sue.
— Mas deve esperar até que seu pai se recupere. Ele parece preocupado quando você
está longe dele e nada o deixaria mais apreensivo, se soubesse o que você está
pretendendo.
— Claro — respondeu Sue, com indiferença.
Como poderia explicar à sra. Lennox que ela não se importaria de ficar para
sempre, caso realmente pudesse se sentir integrada em Glenroden? Seu pai havia se
apegado a ela e deixava isso bem claro. A idéia de apresentar a filha recém-descoberta a
seus amigos, quando estivesse mais forte, agradava-o. Sue, porém, queria ser mais do
que uma simples curiosidade. Queria integrar-se. Será que alguém sentiria sua falta, caso
partisse?
Depois de algum tempo, Sue comentou:
— O sr. Findlay ficaria contente se eu me ausentasse mais vezes. Deve sentir-se
cansado de me ver sempre por perto.
Era uma maneira errada de se afirmar, mas repentinamente lhe pareceu
importante. A sra. Lennox ficou de fato surpresa quando olhou para Sue.
— Tenho certeza de que você está errada, querida. Não acho que ele se preocupe
com sua presença.
Os olhos de Sue brilharam. Não era exatamente a resposta que esperava, mas a
que de verdade merecia.
— Carlotte deve estar ainda na caravana. Ela não tem vindo aqui há algum tempo.
Perguntei a meu pai onde ela morava e ele respondeu-me que era perto de Perth. Ela
deve percorrer uma boa distância todos os dias.
A sra. Lennox concordou distraidamente, enquanto começava a preparar o
almoço.
— O pai de Carlotte era primo-irmão de seu pai. Depois que o velho morreu ela foi
morar com um parente do lado materno. Acho que ela era a única parente de seu pai,
antes de você chegar.
— O sr. Findlay parece gostar dela. . .
— Acho que sim, querida. Ela sempre vem a Glenroden e eles sempre se deram
bem.
Uma noite, depois do jantar, ela decidiu descer até o chalé. Como sempre, Meric
não estava, mas a sra. Lennox sim, pois não tinha ido até sua casa naquela tarde. Sue viu
nisso uma oportunidade para ajudar o pai. Para passar o tempo, propôs-se a colaborar

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com ele nas pesquisas. Seu pai confessara que sua ajuda era valiosa. Quando estivesse
bom, acharia em suas anotações tudo que ele precisava para completar sua tese. As
primeiras anotações que ele fizera estavam no chalé. John pediu que Sue fosse buscá-
las. Havia também outros dois livros com informações complementares que ele gostaria
de ter por perto. Sem se preocupar em pôr um agasalho, pois aquela noite de fim de
setembro ainda estava quente, pegou uma cesta para carregar todas as coisas e saiu
silenciosamente.
Podia-se chegar ao chalé por uma trilha no meio de algumas árvores.
Anoitecera, para desânimo de Sue, por isso ela apressou seus passos.
Rapidamente chegou ao chalé e destravou a porta. A luz estava acesa, mas desligou-a,
pois ainda não estava tão escuro e ela queria dar uma olhada, sem que ninguém
percebesse sua presença.
Dissimuladamente explorou a casa, encontrando tudo conforme Meric Findlay
descrevera na primeira noite. Um tanto desapontada, voltou para a sala de estar e
colocou seu cesto na mesa, ainda desarrumada. Perguntou algumas vezes ao pai sobre a
possibilidade de morar novamente lá, mas ele apenas se limitou a balançar a cabeça.
— Pensei que se sentisse confortável aqui, minha querida. — Era sua resposta
costumeira. — Tenho usado aquele lugar apenas para escrever. Meric se preocupa
quando fico lá sozinho.
— Mas agora, estou aqui com você.
No fundo, Sue já estava gostando da casa grande, como todos a chamavam, mas
a presença de Meric Findlay a perturbava, e um instinto mais forte a advertia para mudar
antes que fosse tarde demais.
No entanto, seu pai era inflexível.
— Você não sabe o que isto significa, Susan. Pense em todas as reformas
necessárias. Você não teria condições de enfrentá-las sozinha. Estamos melhor aqui.
Agora ela pôde entender seu ponto de vista. Os quartos de cima, ainda que bem
construídos, precisavam de reparos substanciais, pois o estuque estava em péssimas
condições e o papel de parede descascando. Abarrotados de velharias como estavam,
levaria pelo menos uma semana para esvaziá-los e colocá-los em ordem. O quarto de
baixo tinha sido usado, como dormitório, mas também estava em desordem e
cheirava a mofo. Era difícil entender como seu pai tinha morado ali inicialmente.
Cuidadosamente procurou por suas anotações guardadas na escrivaninha. Depois
de encontrar o que precisava, começou a escrever uma carta.
"Caro Tim, você vai ficar surpreso ao saber que meu pai tem uma grande
propriedade ..." — começou.
Não! Não estava satisfeita. Aquilo parecia ostensivo. Arrancou a folha do bloco e
começou novamente, quando um barulho a assustou. Alguém estava por lá. Podia ser a
sra. Lennox à sua procura. Havia algo errado? De repente se levantou e, dirigindo-se até
a porta, ficou surpresa ao encontrar Meric.
— Oh! — suspirou, meio aliviada. — Ouvi um ruído e pensei que podia ser um
fantasma.
— Um fantasma teria no mínimo deixado você com o rosto mais branco — disse
ele secamente, fechando a porta. Em seguida, pegou-a pelo braço e conduziu-a até a
cadeira mais próxima. Depois, curvou-se e acendeu a lareira.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— Um quarto sem uso é frio e um pouco de calor nos fará bem.
— Não há nada errado, eu apenas não esperava vê-lo.
— Você nunca espera, não é, Sue? Ficaria lisonjeado se você pensasse por um
momento que fosse eu.
Sue encolheu-se em sua cadeira, pois se sentia incapaz de enfrentar aquela rude
masculinidade. Tentou concentrar-se no que dissera.
— Pensei que fosse a sra. Lennox trazendo más notícias. Acho que foi tolice
minha.
— De fato eu não a achei por acaso.' John disse-me onde você estava. Aí decidi
vir e depois voltar com você. Logo escurecerá e você poderá se perder. Além disso, tenho
uma pergunta para lhe fazer.
Esforçando-se por ignorá-lo, Sue concentrou sua atenção no fogo, enquanto
emoções confusas a tomavam de assalto. Estava pouco atenta, quando ele se sentou na
cadeira oposta, onde seu pai se sentara na primeira noite. O que ele pretendia saber?
Certamente, nada de importante. Com certo pânico, Sue disse:
— Estou ajudando meu pai em sua- pesquisa. Esta é a razão de eu estar aqui, se
ainda não sabe. Estou procurando dois livros para ele.
— Isso não a aborrece?
— Por que me aborreceria? Confesso que quando comecei não estava certa
disso, mas estou cada vez mais- interessada.
— Você está interessada na história da Escócia ou na maneira como John luta em
cada campanha, como se tivesse participado pessoalmente? — Os olhos de Meric
brilharam de novo. Ele podia estar caçoando.
Sue respondeu suavemente:
— A estratégia dele parece boa. Além do mais, a Escócia é minha terra, mesmo
que só a tenha conhecido agora.
— Também não estou aqui há muito tempo. Fui embora, mas depois voltei.
— Você voltou? — Sue olhou-o interessada. — Quer dizer que já esteve aqui em
férias?
— Não exatamente — respondeu Meric, com certo cinismo. — Não sei se John lhe
contou que eu parti com meus pais quando tinha seis anos. Meu pai era jogador, não um
soldado como o seu.
— Um jogador? — A curiosidade aflorou nos olhos acinzentados de Sue.
— Há muitas formas de jogo, Sue. Ele jogava tudo que tinha. Acho que valeu a
pena, mas em compensação perdeu sua vida.
Ela fitou-o espantada e, sufocada, perguntou:
— O que ele fazia realmente?
— Exploração de ouro.
— Oh, entendo. — Sue não gostou de sua expressão severa.
— Não, você não entende, mas esqueça. É suficiente dizer que voltei.
— Mas você deve ter vivido muito tempo na África do Sul — insistiu. — Não se
importou em partir?

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— Se me importasse, não teria partido. Só tenho que dar satisfações a mim
mesmo. Talvez tenha sentido o chamado de minha terra natal. E você? —
Preguiçosamente esticou suas longas pernas para perto da lareira; conseguira despertar
o interesse de Sue para sua vida. — Você morou em Londres todo esse tempo, não é?
Mas no fundo acho que não sente muita falta de lá, certo?
— Não realmente... — Sue interrompeu-se. Era essa a oportunidade para pedir
seu conselho sobre o apartamento, pois sem dúvida precisava consultar alguém. Era uma
decisão que ela não se sentia capaz de tomar sozinha. Meric Findlay, apesar de seus
comentários depreciativos, era a pessoa indicada para perguntar. Ele vivera com seu pai
muitos anos e, nessas circunstâncias, conhecia-o melhor, do que ela. Decidindo-se, disse
rapidamente, antes que mudasse de idéia outra vez:
— O único problema é o apartamento. Não estou certa sobre o que fazer. Se eu o
entregar, não será fácil encontrar outro por um preço tão razoável.
Meric lançou-lhe um olhar estranho.
— Então voltamos novamente ao mesmo assunto. Você quer voltar para casa.
Era uma afirmação e não uma pergunta. Ele havia tirado suas conclusões.
— Era a esse ponto que eu queria chegar. — Ligeiramente corada, Sue desviou o
olhar para a lareira. Seus cabelos caíram no rosto e ela ajeitou-os impacientemente para
o lado. Será que ele esperava que ela revelasse todos os seus temores? Ela apenas
mencionara o problema do apartamento. Não esperava um interrogatório. Confundindo-a
ainda mais, ele estendeu a mão e segurou seu pulso.
— Tenha calma, srta. Frazer, há solução para tudo. Só lhe sugiro uma coisa: não
se precipite. Enquanto pensa no assunto, aproveitarei para fazer um bom café.
Deveremos chegar a algum acordo, até a meia-noite. Depende de você. Eu não tenho
pressa.

CAPÍTULO V

Sue levantou-se e seguiu-o até a cozinha. Seu pulso ainda formigava onde ele
apertara. Todos os seus instintos manifestavam-se contra o fato de tomar café com ele ali
no chalé, onde seria muito fácil criar uma atmosfera de intimidade que ela desejava evitar.
Também estava ciente de que Meric Findlay não se dava conta do quanto podia
ser perigoso, mas finalmente concluiu que era tolice sua imaginar que ele tivesse
qualquer interesse por ela.
Quando viu o chalé pela primeira vez não notara a cozinha, agora porém percebeu
que era pequena, do mesmo tamanho que a do seu apartamento. Em seu pequeno
espaço duas pessoas mal se podiam mover sem se tocar. Embora um pouco
embaraçada, Sue caminhou até Meric e disse:
— Falei com papai sobre a possibilidade de morar aqui, mas ele não me pareceu
muito entusiasmado. Eu realmente não o entendo.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
Meric desviou o olhar para o fogão onde acabara de colocar a chaleira.
— Isso significa que você não se importa em morar comigo?
Sue espantou-se por ele ter interpretado os fatos dessa maneira.
Incerta se concordava ou não com ele, mas ao mesmo tempo sem querer deixar
margens para dúvidas, disse:
— Você está completamente errado. Não sei o que o levou a pensar assim.
Realmente gostaria de morar aqui, mas papai não quer falar sobre isso.
Meric levantou a cabeça, olhou-a direto nos olhos e, num tom paciente, observou:
— Já lhe disse antes para esperar.
— Você quer dizer esperar que ele se recupere?
— Não exatamente. No momento, é muito esforço para ele, lembrar-se do
passado. Morando comigo na casa grande ele não se sentirá ligado a coisa alguma.
Sue franziu a testa, como se não entendesse. Pesando melhor suas palavras,
começou a se recordar do comportamento de seu pai.
Meric passou-lhe um vidro de café instantâneo. Abrindo o armário tirou duas
canecas, colocou-as sobre a pia, enquanto Sue tentava abrir o vidro. Silenciosamente
deu-lhe uma colher.
— Você está tentando dizer que, com relação a você, ele não se dá conta da
realidade? — perguntou ela.
— Se você pensa assim.
Cuidadosamente Sue mediu duas colheres cheias de café.
— Sei que ele ainda não me ama, mas tenho certeza de que gosta de mim e que
nutre um certo sentimento familiar para comigo, isso é tudo.
— Você espera mais do que isso?
— Talvez esperasse, mas honestamente não sei; ainda me sinto muito confusa.
— Ouça, Sue. Seria melhor se você encarasse as coisas sob este ângulo.
Lembra-se do que lhe falei logo que chegou? Pense em você como uma órfã, como uma
filha de criação e deixe que seu relacionamento com John se desenvolva gradativamente.
Se vocês se gostarem, então tudo bem.
— O problema é que não sou uma criança. Além disso, as crianças aceitam
normalmente as situações sem curiosidade, e temo não conseguir isso.
Ele olhou-a novamente e constatou sua ansiedade.
— Sei que há coisas que você quer saber, então faça as perguntas e não se
desaponte se eu não souber responder.
— Obrigada — agradeceu Sue, com ironia.
— Não fiz uma relação, talvez só quisesse conhecer seu pai realmente melhor.
Seria muito mais fácil.
— Por quê?
Ela hesitou, mais do que nunca consciente da arrogância estampada no rosto
dele. Meric encarou-a firmemente, impedindo-a de desviar o olhar. As coisas tornavam-se
muito mais difíceis. Gaguejando, tentou traduzir em palavras o pensamento que sempre
escondera.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— Minha mãe... nunca demonstrou seus sentimentos. Não me lembro dela ter me
abraçado ou revelado qualquer carinho por mim ou por qualquer outra pessoa. Mas, por
outro lado, também não sinto ainda minha afeição progredir muito em relação a meu pai.
Meric parecia compreendê-la melhor, embora continuasse ainda um tanto
sarcástico.
— Você não conseguiu superar isso. Teve que sondar, desenterrar e dissecar
tudo, e agora deve estar imaginando se não herdou deles características diferentes, não
é? Você precisa se convencer de que experiências como as que seus pais tiveram
invariavelmente deixam uma cicatriz, sem necessariamente afetar seus descendentes. O
que faz você pensar que sua natureza é fria e incapaz de reações normais?
Sue ficou surpresa com o brilho dos olhos de Meric e sentiu seu coração acelerar.
Ele continuou:
— Você não coopera muito, não é? Estava apenas mostrando uma possibilidade,
tentando lhe dizer que você parece se ajustar bem a mim. Se quiser levar o assunto mais
adiante, você fatalmente vai se questionar. Por exemplo, como reage quando tem
relações mais íntimas com um homem? Para essa pergunta não teria resposta, com
certeza!
A brincadeira tomou conta de sua voz e Sue enrubesceu com a naturalidade de
suas palavras.
— Não sei o que está querendo dizer. . . — ela gaguejou, embora soubesse muito
bem o que dizia, mas não se sentiu capaz de confessar que não tinha sentido nenhuma
sensação quando foi beijada por um homem. Será que isso seria frieza?
— Poderia demonstrar, se quisesse, mas você não vai aprovar meus métodos.
— Oh! — Sue sentiu-se envergonhada quando ele deixou pairar uma certa dúvida
sobre suas intenções. Virou então a cabeça, confusa e nervosa.
— Não acho que você se pareça nem um pouco com sua mãe — Comentou
Meric, bloqueando a entrada da cozinha como se adivinhasse que ela queria escapar.
— É claro que, apesar de suas falhas, deve ter sido uma pessoa decidida, o que
você não é. Quer sempre ter alguém que pense por você. Bem, para início de conversa,
deve livrar-se imediatamente de seu apartamento em Londres. Caso precise depois de
outro, arranjarei para você. Segundo, esqueça do emprego de professora ou de qualquer
outra coisa no momento, bem como da idéia de querer mudar-se da casa grande para cá.
Para tais decisões, não é preciso muita inteligência, mas minha generosidade é limitada,
não se deixe enganar. Eventualmente, haverá coisas que terá que decidir por si.
— Como por exemplo... — Suspirou sem sentir gratidão, mas sim um pouco de
ressentimento por suas palavras.
As mãos dele seguraram as dela quando se levantou para ir embora.
— Assim será quando encontrar o homem certo, querida Sue. Se não o
reconhecer por si, não venha recorrer a mim.
Seus olhos cinzentos foram tomados de fúria enquanto tentava escapar de suas
mãos. Conseguiu apenas fazer um comentário:
— Não é preciso se preocupar com esse problema. Sou capaz deescolher meus
amigos.
— O que não é a mesma coisa.
A resposta dele foi tão audaciosa quanto a maneira de segurar seus pulsos. Sue

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
parou de lutar. Contra aquela força, não havia como reagir. Além de tudo, suspeitava que
ele se divertia, ridicularizando-a provavelmente com a intenção de puni-la um pouco por
importuná-lo com seus problemas. Falou em seu ouvido com aquela voz meio gozadora,
ainda a mantendo presa a suas mãos:
— Não acho erradas essas suas reações emocionais, desde que você lhes dê
uma chance de se extravasarem. Você não pode é guardá-la eternamente num
congelador.
Perturbada com suas palavras, defendeu-se:
— O que faço no momento não é de seu interesse, sou dona de meu nariz.
Consciente de sua aproximação física, sentiu suas pernas tremerem!
Ele estava pressionando-a contra a parede. Levou a mão ao fogão para desligá-lo,
mas ao mesmo tempo não permitiu que Sue saísse dali. Seus olhos estavam fixos nos
dela.
— Você se saiu bem, despertando minha curiosidade e meu humor é uma
combinação meio perigosa, não acha?
Sue imaginava sentir o impacto de um beijo dele, segundos antes de seus lábios
tocarem os dela. Desesperadamente tentou reagir, mas se viu impotente. Seus braços
apertavam-na com força e Sue não opunha resistência, pois instintivamente sabia que
não devia lutar.
Assim mesmo tentou erguer as mãos em uma tentativa de empurrá-lo, mas elas
não foram além do peito de Meric. O simples contato com aqueles músculos rijos foi
quase prazer. Sentiu uma explosão dentro dela, como milhares de vidros se estilhaçando.
Levantou então os braços, envolvendo o pescoço dele. Os lábios de Meric roçavam-lhe
a boca, machucando sua pele macia. Sue experimentava uma sensação
desconhecida e de tal intensidade que a amedrontava.
Finalmente ele levantou a cabeça, ajeitando seus cabelos para trás para ver
melhor o rosto dela. Não era a mão de um homem inexperiente. Sue percebeu isso
rapidamente, mas sem se incomodar.
Estava ali a diferença nítida entre os rapazes que conhecia e um homem de
verdade. Seu coração e seu pulso batiam irregularmente, enquanto levantava as
pálpebras pesadas para olhá-lo. Os braços e os lábios de Meric despertaram-lhe algo tão
maravilhoso que a fez se sentir nas nuvens, sem vontade de voltar.
— Por favor. . . — pediu baixinho contra sua boca. Ele afastou seu rosto que
estava a pouca distância do dela.
— Isso quer dizer, srta. Frazer, que gostaria de repetir ou quer que a deixe ir
embora?
Sua voz denotava um cinismo óbvio demais. Impossível não percebê-lo! A
pergunta irônica surpreendeu-a, trazendo-a de volta à realidade. Com um empurrão, ficou
mais distante dele.
— Quero que me deixe ir embora! Se teve prazer em beijar-me, considere isso
como pagamento pelo tempo que perdeu, ouvindo as bobagens que eu disse.
O sorriso dele subitamente se tornou simpático. — São poucas as garotas que
conheço que, depois de estarem em meus braços, são capazes de fazer um discurso tão
longo. Deve ter havido algum deslize de minha parte.
—Seu monstro! — foi tudo o que Sue conseguiu dizer.

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Meric continuava ainda a segurá-la, examinando com prazer sua expressão
indignada e seus lábios trêmulos.
— Apesar de suas observações críticas, deve ter razão para sentir-se grata a mim.
— Eu odeio você!
Vermelha de raiva, percebeu que sua ingenuidade o divertia, e que sua resposta
ao beijo não o havia impressionado, embora o tivesse deixado envaidecido.
Desesperadamente lutava para se libertar. Ele continuava segurando-a,
esquecendo-se da hora e do lugar onde estavam. Repentinamente, Sue quase caiu, ao
conseguir livrar-se dos braços dele. Meric então virou-se para o fogão e viu que a água da
chaleira já fervia. Depois de escaldar duas canecas, colocou-as na bandeja.
— Agora seja uma boa garota e abra a porta para mim. Já que o café está pronto,
podemos tomá-lo agora. — Seus olhos vivos estavam voltados para ela e Sue sentiu
lágrimas nos próprios olhos. Rapidamente fez o que ele pedia. Foi até a outra sala,
fazendo tudo para que não notasse o que se passava com ela. Não queria que Meric
soubesse que a perturbara.
Voltou para a cadeira perto do fogo, sem notar que Meric colocara a bandeja sobre
a mesa, quando uma pergunta fez com que ela se voltasse. Seus olhos procuraram pela
carta que começara a escrever para Tim, antes de Meric chegar. Lembrou com certa
ansiedade de suas palavras. Agora era tarde demais! Ela notou o ar de descrença e a
expressão de desprezo na boca de Meric, enquanto ele lia a carta.
— Quem é Tim? — perguntou, percebendo-a perturbada e inquieta. Meric mudou
visivelmente. Sue nunca teve tanta vontade de sair correndo dali ou que o chão se abrisse
para ela sumir de vez.
Ele estava de pé, ali na sua frente, como se fosse um juiz.
— Apenas um amigo.
— Apenas um amigo — repetiu, seco, examinando-a bem de perto.
— Por que escrever como se, já tivessem alcançado o objetivo de vocês dois?
— Não sei como chegou a esta conclusão. — Sua voz estava trêmula. Como
poderia lhe explicar, sabendo exatamente o que ele queria dizer? Sue quis rasgar o papel.
— Espero que não me faça de bobo, uma única vez — disse Meric abruptamente.
— Uma garota que reagiu como você em meus braços, não passaria sem namorados!
À meia-luz, Sue sentia-se repentinamente fria.
— Não é o que pensa. — Suspirou, com os lábios tensos.
— Não sou idiota, garota. O que vai acontecer agora? Você deixou Tim esperando
a terra prometida? Sua ótima herança?
— Como você ousa! — exclamou. — Você está completamente enganado a meu
respeito. Tim foi muito bom para mim depois do acidente, só isso.
Meric deu-lhe um sorriso sarcástico.
— Em seus braços, Sue, um homem pode ser amável facilmente.
— Você é intolerável e, além do mais, esquece seu lugar. — As palavras saíam
impensadamente dos lábios de Sue. — Se você pensa que gostei de seus beijos, está
enganado. Não podendo lutar contra você, tive que me sujeitar a eles.
Meric deu uma gargalhada. Sue viu então que suas palavras não tinham surtido o

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
menor efeito.
— Gostaria de chamá-la de mentirosa, Sue. Na próxima vez que estivermos
juntos, procurarei satisfazê-la mais.
— Eu o odeio!
— É um desperdício completo de emoção. — Seu olhar pousou sombriamente em
seu rosto. Quando voltou a falar, sua voz era fria e distante: — Deveria ter-lhe avisado
para não escrever a carta antes que visse o tamanho da propriedade. Pretendia convidá-
la para conhecê-la amanhã.
— Só vou se não tiver outra escolha.
— Então precisa encontrar uma explicação razoável, pois Frazer está muito
interessado que você veja a propriedade. Não gosto de impor minha companhia a
ninguém, mas como o percurso é perigoso, não seria aconselhável você ir sozinha. Além
do mais, você não sabe até onde vão seus limites.
— Vai demorar muito tempo para se fazer isso. — Sentia-se magoada com suas
acusações e, não se contendo, disse: — Pelo menos, Tim Mason sabia tratar-me com
respeito.
— Bom para você. — Olhou significativamente o papel e perguntou, novamente
em tom sarcástico: — Bem, no caso dele, será que um dia não vai se cansar de tratá-la
com diplomacia? Novamente Sue corou de raiva, ao cruzar seus olhos com os dele —
Suponho que na África do Sul você usasse uma técnica de aproximação diferente, pois
esta certamente não agradaria a todas as mulheres.
Ela esperou que ele citasse Carlotte, para que então falasse de todas suas
suspeitas secretas, mas desistiu. De repente se sentiu invadida por uma onda de calma e
estranhamente cansada.
— Acho que seria melhor se voltássemos para casa — propôs com toda dignidade
possível.
Meric nada disse, limitando-se a fazer um gesto com os ombros.
Delicadamente, dobrou a carta, entregando-a, antes de se curvar para apagar o
fogo. Saíram em seguida.
— Na próxima vez que quiser escrever para Londres, em lugar de escrever para
Tim escreva a seu procurador, para cuidar do aluguel de seu apartamento.
Inevitavelmente o passeio para conhecer Glenroden teve que ser adiado, por
causa do tempo. Choveu sem parar durante a noite e as montanhas continuavam
encobertas. O outono estava chegando ao fim e o inverno parecia já muito próximo. Seu
pai afirmara, porém que ainda teriam bons dias.
— Isso acontece somente nesta parte da Escócia — afirmou quando se sentaram
na biblioteca, numa tarde após o chá, enquanto olhavam a chuva que caía. O vento
agitava impiedosamente os galhos dos pinheiros velhos, espalhando as primeiras folhas
que caíam desordenadamente sobre o gramado, salpicando-o de tons vermelhos.
— É o inverno!
Da janela, Sue olhou com preguiça a lareira acesa. Apesar do mau tempo, seu pai
havia passado bem os últimos dias, por isso aproveitaram para retomar o trabalho.
Uma noite, após pesquisar os livros com o pai, ela disse que ia da uma volta.
— Só vou tomar um pouco de ar — disse ao pai, que levantou as sobrancelhas,

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preocupado, e olhou através da fresta da janela. Nunca durmo se não tomo um pouco de
ar. Levarei Bruce comigo — acrescentou, agradando as orelhas do cachorro deitado a
seus pés.
— Ele está ficando perigoso como eu. Um bom passeio vai lhe fazer bem.
— Talvez... — Ela hesitou diante de seu olhar calmo. — Posso levar o cachorro de
Meric também?
— Hoje ele não se agitou muito. Quero dizer. . . o cachorro.
— Nesse caso. . .
Frazer aprovou, não muito convencido.
— Às vezes é irresistível passear depois de um chá. Rex deve estar no escritório
com Meric. Lembra-se que ele ia pagar algumas contas, depois de examiná-las?
Sue concordou, levantando-se imediatamente, não deixando que ele falasse uma
segunda vez.
Tentou não parecer muito ansiosa, mas era incapaz de controlar sua agitação. Não
tinha se avistado muito com Meric desde aquela noite do chalé, mas, apesar do que se
passara entre os dois, Sue pensava nele constantemente. Era incrível! Ambos morando
na mesma casa e vendo-se tão pouco! Geralmente ele jantava fora; comia sanduíches no
almoço e normalmente tomava seu café antes que ela se levantasse.
— Vou agora, papai — disse sorrindo e chamando em seguida Bruce. — Você
está se sentindo bem? A sra. Lomax saiu, mas voltarei a tempo para preparar o jantar.
Caso precise de alguma coisa, Meric estará por aqui.
Cantarolando, pegou sua capa de chuva no armário da cozinha, lembrando-se de
acender o fogão antes de sair.
— O forno estará quente e bom quando eu voltar. — Colocando um chapéu,
combinando com seus cabelos loiros e macios, deixou a sala, correndo pelo hall e
batendo rapidamente na porta do escritório, que se abriu quase que imediatamente.
Assustada e um pouco confusa, voltou-se para trás, sentindo que o ar lhe faltava.
Carlotte estava lá nos braços de Meric. Sue parou, sem ação. Na verdade, Meric apenas
segurava a garota suavemente, mas ela sorria com um olhar meigo, prova de que tinha
acabado de ser beijada. Indignada, Sue registrou sua expressão. Carlotte não se moveu
ao vê-la parada na porta. Sue sentiu ódio e fez um grande esforço para continuar ali
observando-os e, ao mesmo tempo, manter um sorriso para que nenhum dos dois
adivinhasse o estado caótico de seus sentimentos.
— Estou levando Bruce para passear... — gaguejou, esquecendo-se de
cumprimentar Carlotte e tentando explicar sua intromissão. Ninguém disse nada. —
Pensei que Rex gostaria de ir conosco.
Sue não conseguia ver nada a não ser as sobrancelhas arqueadas de Meric e um
forte brilho em seus olhos escuros.
Foi Carlotte quem falou antes, demonstrando satisfação ao perceber o
constrangimento de Sue.
— Sem querer interrompê-la — murmurou —, acabei de chegar para ver Meric. Se
está procurando o cachorro, ele está lá.
A disfarçada insolência em sua voz deve ter sido detectada somente por Sue.
Meric limitou-se a piscar o olho. Com um suspiro de pesar, soltou a garota, torcendo
desdenhosamente a boca.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— Talvez a srta. Frazer estivesse supondo que eu não estava me dando bem com
o trabalho, meu amor. Deve ter estado entretida com sua máquina de escrever durante
todo o dia!
Sue, enrubescida, ignorou suas observações enquanto chamava Rex.
— Eu os verei mais tarde — disse Sue friamente, devolvendo-lhe, um sorriso seco
e um olhar vazio. — Desculpem-me mais uma vez — acrescentou. Parecia indelicado
partir tão rapidamente, mas ela não se importou. Não desejava conversar com Carlotte.
Meric lhe ofereceria um drinque e depois outras coisas!
Sue saiu rapidamente da casa, como se estivesse sendo perseguida por
demônios. Quando diminuiu o ritmo de seus passos, notou que estava sendo ridícula.
Parecia claro que Meric Findlay mantinha um relacionamento com Carlotte. Mas era óbvio
que isso era um problema apenas dele.
Infeliz, Sue tentou recompor-se, enquanto observava os dois cachorros
ladradores. Naquela floresta virgem parecia desnecessário negar que se sentia atraída
por Meric Findlay, quase apaixonada por ele. . . Julgou-se miserável, recusando-se a
admitir esse pensamento. Sentiu um fluxo de emoções desencadeando-se dentro dela e
teve vontade de voltar e agredir Meric. Isso parecia ainda mais ridículo!
Finalmente, admitiu que na verdade sentia ciúmes.
Impaciente consigo mesma, Sue parou e recostou-se num pinheiro alto, tentando
se recompor e agradecida por não haver ninguém para testemunhar sua tristeza. Meric
Findlay a tinha beijado para puni-la, nada mais. Ele não gostara de suas alusões sobre a
hipótese de vir a dirigir a fazenda. Sue não entendia como podia ser tão sensível em
relação a uma coisa tão pequena.
Não era a primeira vez que ela pensava como teria sido bom ter conhecido seu pai
desde a infância. Seria tudo mais fácil!
Para sua surpresa, Cartotte ainda estava lá quando ela voltou.
Tinha ficado fora mais tempo do que pretendia, numa tentativa inútil de livrar-se de
sua ansiedade. Como John havia previsto, a chuva diminuiu e o passeio na floresta foi um
bálsamo. Havia até um raio de sol que atravessava as nuvens densas, atingindo o topo
das montanhas, banhando-as com um tom amarelo e róseo, bem visível entre os
pinheiros. Atraía-lhe particularmente o silêncio da floresta. Seu pai falava-lhe muitas vezes
disso. Até agora Sue tinha visto poucos sinais de pássaros e animais que John parecia
conhecer tão bem. Concluiu que a falha era sua, pois certamente não chegara ainda às
regiões certas. Talvez um dia reunisse a coragem necessária e pedisse a Meric para
mostrar-lhe.
Sue não gostou de ver Carlotte sentada no carro e logo procurou uma desculpa
para não permanecer ali.
— É mais tarde do que eu supunha — disse educadamente? — Preciso correr, do
contrário não haverá jantar! — acrescentou. Antes de entrar, perguntou sem pensar:
— Não quer ficar para jantar conosco? Será um jantar simples, mas nos dará
muito prazer.
Como sempre, Carlotte sorriu sem olhar para Sue.
— Meric vai levar-me para jantar em Perth. Assim não lhe darei trabalho. Vai
apanhar-me dentro de uma hora; como você vê, não é a única que está apressada.
A expressão de Sue mudou de repente. Então, era para lhe dizer isso que Carlotte
a esperara!

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— De qualquer maneira, Meric raramente janta em casa — observou. Sue.
Novamente, os olhos de Carlotte brilharam de satisfação. Olhou para Sue e disse
suavemente:
— Meric e eu somos velhos amigos e sempre jantamos fora. Fazemos isso há
anos. Não sei exatamente a posição dele com o primo John aqui em Glenroden, mas é
provável que um dia eu fique com um lote e, creia, não vou me opor a isso.
Sem ação, Sue olhou para ela, já sabendo de antemão o que Carlotte queria dizer.
Era uma espécie de desafio! Carlotte obviamente sentiu que era hora de ter vindo para
mostrar a Sue a posição que ocupava, advertindo-a sutilmente para se afastar de seu
caminho.
Sue tinha certeza que Carlotte tinha vindo também para se certificar se ela já
tomara conhecimento da verdadeira situação da propriedade.
— Tanto quanto eu saiba, Carlotte, Meric Findlay é apenas gerente, e nisso não há
nenhum mistério. Se estiver à procura de um marido muito rico, aconselho você a
procurá-lo em outro lugar.
Houve um brusco silêncio, enquanto Sue, em pé, esperava educadamente a moça
ir embora. Carlotte ligou o motor, fechou a porta e abriu a janela, pisando forte no
acelerador. Se não fosse o leve rubor em seu rosto, poderia se dizer que não se alterara.
— Ouça bem, srta. Frazer — advertiu. — Nunca gostei de pessoas que se
intrometeram em minha vida, e um dia ainda se lembrará disso.
A carta de Londres que Sue esperava chegou na manhã seguinte mais cedo do
que ela previa. Leu-a rapidamente e estava quase acabando de tomar seu café quando
Meric a surpreendeu, colocando abruptamente a cabeça na porta.
— Não são notícias ruins, espero — observou, dando uma olhada na carta e
notando sua expressão pensativa.
Sue levantou a cabeça e ficou surpresa por vê-lo àquela hora. Seus olhos logo
notaram um lânguido cansaço nos olhos dele. Indiscutivelmente ele deveria ter tido uma
noite sensacional, imaginou.
— Se quer saber — respondeu —, a carta é do meu procurador mas não são
realmente notícias ruins.
Levantando as sobrancelhas, Meric esperava que ela continuasse.
Sue hesitava em contar o que lera, mas finalmente se decidiu:
— Ele não está encontrando nenhuma dificuldade em se livrar do apartamento. Há
muita procura atualmente, mas acha que terei de voltar para tratar da mobília e dos meus
objetos pessoais. Não tanto a mobília... — acrescentou, mais ansiosa do que parecia
— Tudo junto não vale muita coisa. São móveis e objetos de segunda mão. Não
temos nenhuma antigüidade, mas o que conta são minhas roupas, meus livros e várias
outras coisas que ninguém poderá guardar para mim.
— Claro que não — concordou ele. — Na verdade, recebi igualmente minha
correspondência de Londres esta manhã e também tenho que ir para lá. Seria uma boa
idéia se viajássemos juntos, não acha?

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter

CAPÍTULO VI

O avião de Turnhouse para Londres estava cheio de turistas ricos e homens de


negócios. Sue acomodou-se logo em seu lugar, não por estar cansada, pois esteve
sentada durante todo o trajeto de Glenroden até o aeroporto, mas pelo fato dela e Meric
não estarem sozinhos. Carlotte estava com eles. Pegaram-na em Perth. Estava sentada à
sua frente com Meric, com a cabeça encostada nos ombros dele.
O único consolo de Sue é que Meric não era responsável pela vinda de Carlotte.
Na noite anterior, Carlotte telefonara e John mencionou inocentemente a viagem de Sue,
acrescentando que Meric iria lambem. Carlotte, muito hábil como sempre, aparentou estar
deliciada, afirmando que seria uma boa oportunidade para visitar sua mãe em Kent. Assim
poderiam viajar todos juntos.
Sue parecia surpresa ao saber que Carlotte tinha mãe, até que lembrou do seu
primeiro encontro em Edimburgo. Carlotte tinha viajado para ver a mãe, mas parecia
estranho que não morassem juntas. Perguntou a John sobre isso, quando Carlotte saiu à
procura de Meric para combinar os detalhes da viagem.
— Sua mãe casou-se de novo há anos — informou-lhe o pai. — Mas por qualquer
razão ela não se dá com o padrasto, por isso não moram juntos. Ela visita a mãe em
Edimburgo. De vez em quando também recebe sua visita.
Sue não perguntou mais nada, contentando-se em deixar a conversa nesse ponto.
Carlotte obviamente tinha uma boa desculpa para essa viagem, pensou Sue, tão logo
apertou o cinto de segurança. Mas não era justo chamar isso de desculpa, já que Carlotte
visitava com freqüência a mãe e, com razão, não gostava de viajar sozinha.
Tais reflexões não impediram que Sue continuasse olhando para Meric enquanto o
avião decolava. Era sua primeira viagem aérea não contara isso a ninguém. Imaginou que
se sentiria muito mais segura se ele estivesse sentado a seu lado. Quem a visse, porém,
a tomaria por uma turista cansada, para quem viajar não passava de uma simples rotina.
Não conseguiu evitar um certo medo, quando e avião levantou vôo. Fechou, então, os
olhos, tentando concentrar seus pensamentos em outras coisas.
Há quatro dias Meric sugerira essa viagem e Sue não se deixar convencer
facilmente. Até agora pensava se ele estava ou não com a razão. Abriu os olhos e viu a
nuca e os ombros largos de Meric. Por incrível que pareça isto não só a tranqüilizou como
também pôs fim a suas indagações sobre a procedência ou não dessa viagem.
— Parece-me sensato ir com você até Londres. Pode precisar de alguma ajuda e
seu amigo Tim pode não estar disponível — dissera lhe antes de partir.
No fundo, Sue quis protestar, mas não o fez.
— Acho que devia ter avisado Tim, fazendo-o saber...
— Saber o quê?
— Que estou desistindo do apartamento, é claro.
— Isso significa que ele tem as chaves? — perguntou Meric.
— Você continua imaginando coisas! Somos apenas amigos.
— Está certo, Sue, mas saiba que não vou acreditar.

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Era demais!, pensou ela. Não havia limites para sua arrogância pretensão.
— Pense o que você quiser — respondeu-lhe, irritada. — Pareci que você tem
prazer em achar errado todas as coisas que eu faça.
Fitou-a por um longo tempo com um indisfarçável ar de zombaria e disse:
— Considere isso ciúme, se isso a faz se sentir melhor, Sue. Garanto que outra
mulher teria o maior prazer em ouvir essas palavras.
— Não devíamos viajar juntos. Se meu pai está tão doente, você não acha que ele
não devia ficar sozinho? — indagou depois de algum tempo, tentando mudar de assunto.
— Tão doente?
— E não é verdade?
— Mas ele pode continuar assim por muitos anos. Seu estado de saúde não é
crítico. Passa muito bem entre um ataque e outro. Acho que poderemos deixá-lo por
alguns dias com a sra. Lennox. Não é a primeira vez que ela vai tomar conta dele e há
muitas pessoas nas redondezas que podem socorrê-la, caso ela precise de auxílio.
Muitas dúvidas vieram-lhe à cabeça, apesar das observações de Meric. A idéia de
viajar em sua companhia era irresistível.
A verdadeira razão da ida de Meric não foi ventilada. Tinha uma leve suspeita de
que era para se assegurar de sua volta. John, que estava satisfeito dela se livrar
finalmente do apartamento, certamente pedira a Meric que a acompanhasse, sem que ele
pudesse recusar.
O avião era confortável e bem aquecido. Sue estava feliz. O casaco que trajava
era fino, muito fino para ser usado no outono nas regiões montanhosas da Escócia.
Quando saiu, pegou suas roupas mais quentes. Mesmo não estando muito na moda, teria
que usar essas roupas até que tivesse condições de ganhar algum dinheiro para comprar
outras. Depois da decolagem começou a sentir prazer na viagem, e a sensação de uma
nova experiência dissolveu suas apreensões. A vista aérea das ilhas britânicas deixou-a
extasiada.Do alto tudo parecia completamente diferente. Encantada com suas
descobertas, deixou-se absorver por elas, chegando a se esquecer dos dois à sua frente.
Logo chegaram ao aeroporto de Gatwick. Fazia pouco mais de três horas que
tinham deixado Glenroden. O vôo de Edimburgo a Londres levava um pouco mais de uma
hora. Sem se sentir cansada e com o dia ainda pela frente, foi com Meric até o
apartamento em Kensington. Ele pediu para o táxi esperar enquanto a acompanhava até
a porta e, embora recusasse seu convite para entrar, esperou que ela achasse as chaves
que procurava em sua bolsa.
— Você está bem? — perguntou, com os olhos fixos nela.
— Claro.
Desviou o olhar do rosto dele para Carlotte que esperava impaciente no carro.
Agora que estava ali, não fazia sentido continuar preocupada. Enquanto esteve fora
pareceu-lhe possível evitar pensar na morte trágica de sua mãe. Mas tal sentimento
voltou a atingi-la subitamente, provocando-lhe uma certa relutância em entrar no
apartamento. Mas como poderia explicar tudo a Meric nessas condições? Até encontrar
as palavras exatas seria difícil! Além disso, sentiu-o repentinamente estranho. Desde que
o conheceu, pela primeira vez trocara sua roupa escocesa por um terno azul-marinho,
que o deixou
muito atraente, embora completamente mudado. O novo traje sofisticou sua
aparência. Era um homem normal e experiente e não era preciso estar bem vestido,

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penteado e barbeado para confirmar isso. Sue notou uma ligeira preocupação nos olhos
dele, enquanto se despediam.
— Não se esqueça de ir para o hotel à noite — lembrou-lhe. — Provavelmente
jantarei fora, mas telefono para lá para saber se você chegou.
Insensível, Sue olhou-o partir, com um sorriso nos lábios. Não tinha dúvida de que
passaria a noite com Garlotte, apesar dele não ter falado nada. Uma incontrolável
ansiedade tomou conta dela assim que fechou a porta.
Nas horas que se sucederam, tentou desesperadamente fazer um balanço de
seus sentimentos. Não sentia mais o apartamento como seu lar e se achava incapaz de
associar-se àquele lugar onde passara a maior parte de sua vida. Andando de um quarto
para o outro, tudo lhe parecia meio irreal. Aos poucos, conseguiu superar sua ansiedade
até fazê-la desaparecer por completo. Lembrou-se que em Glenroden não fora difícil
vencer a dor provocada pela morte da mãe, a ponto de apagar de sua memória os anos
que viveram juntas. Sue empenhou-se em explicar para si mesma essa sua frieza, mas
não encontrou resposta.
Estava prestes a telefonar para Tim contando que tinha chegado, quando se
lembrou que tanto a luz como o telefone tinham sido desligados em sua ausência. Era
mais razoável esperar até a hora do almoço, quando então poderia usar uma cabine
pública.
Tim ficou muito alegre e surpreso quando a ouviu, e insistiu imediatamente em
levá-la para almoçar.
— Você deveria ter me dito — disse ele assim que a viu. — Fiquei dias esperando,
notícias suas e só agora você aparece! Sabe que pensei em ir vê-la?
Sue olhou-o com desânimo. Tim a trouxera ao mesmo restaurante onde tinham
almoçado juntos a última vez, naquela tarde de agosto, antes de ter ido ver o procurador
de sua mãe. Pedira sua mão e ela recusara. Ao se lembrar do passado, sentiu tristeza.
Mas não o amava de verdade! Estranho como ela quase se esquecera desse tempo de
convívio. Ficou, porém, um tanto surpreendida por ele ter pensado em ir vê-la em
Glenroden.
— Acho que não teria sido uma boa idéia.
Tim achara de fazer o pedido ao garçom e, antes de responder, olhou para Sue
sem conseguir disfarçar sua mágoa. Não precisava de muito esforço para ler os
pensamentos do rapaz.
— Mas para mim me pareceu uma boa idéia, ir até lá e ver como você estava. Um
pai rico, com o coração fraco, precisava certamente de sua ajuda. Você tinha mesmo que
ficar lá para zelar por seus interesses!
— Nunca disse que meu pai era rico, Tim!
— Bem, acho que ele deve estar muito bem de vida, embora eu desconheça
qualquer detalhe neste sentido.
— Mas que eu saiba ele realmente não é rico.
— Tão facilmente enganada, minha querida, Sue! Este gerente de quem você me
falou precisa ser controlado, considerando-se o estado de saúde de seu pai.
— Mas não falei nada, Tim. Você está inventando. Apenas lhe relatei os fatos. Meu
pai está doente. Não me intrometi em nada.
— Para seu bem, devia ter se informado melhor, minha querida. Estou apenas

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colaborando com minha experiência. Estou acostumado a isso faz parte do meu trabalho.
— Por favor, Tim. . .
O rapaz ignorou seu protesto e, com olhos tristonhos, disse:
— Você está me dizendo que vai desistir do apartamento de Londres para
sempre? O que é que eu vou fazer sem você?
Sue olhou-o, também com tristeza.
— Tim, quando fui a primeira vez para a Escócia, você disse que talvez eu
encontrasse um parente velho, necessitando de carinho e atenção. Bem, meu pai
necessitava de tudo isso antes de minha chegada e mais do que nunca precisa de minha
companhia. Por isso pretendo ficar o tempo que necessitar de mim. Parece irrelevante
que eu goste de Glenroden, mas gosto. Estou desistindo do apartamento porque não é
prático mantê-lo. Isso não significa que não voltarei.
— Acho pouco provável. Esse gerente. . .
— Prefiro que não fale mais sobre ele — pediu Sue abruptamente. — Seu trabalho
está acima de qualquer crítica! Não acredito que tenha algum plano para se apossar da
propriedade de meu pai. A propósito, ele veio comigo.
— Meu Deus! — Tim empurrou sua sopa, como se tivesse perdido o apetite. — Vê
o que digo? Obviamente hão quer perdê-la de vista. Talvez esteja planejando ficar com
você e com a propriedade, quando o velho se for.
— Tim! — Agora a voz de Sue era fria, enquanto o encarava como que impedindo
que ele a agredisse novamente. — Você não tem o direito de me dizer essas coisas. Se
realmente pensa assim, guarde seus pensamentos para você mesmo. Expliquei-lhe toda
a situação. Se não quiser entender. . .
— Oh, diabos, sei disso! E como um idiota perdi deliberadamente minhas chances.
— Sue notou um ar de desânimo em Tim, quando acrescentou: — Se for herdeira de uma
propriedade na zona montanhosa da Escócia, ou em qualquer outro lugar, precisará de
alguém para cuidar de seus interesses. Esse gerente. . .
— O sr. Findlay não está interessado pessoalmente em mim, se e o que está
querendo insinuar.
A verdade da afirmação empalideceu seu rosto. Enquanto olhava para Tim, seus
olhos cinzentos escureceram-se com o desânimo que tomou conta dela.
— E espera que eu acredite nisso? — perguntou Tim enquanto examinava o belo
contorno do rosto de Sue, emoldurado pelos cabelos que pareciam ter adquirido um novo
brilho nestas semanas fora de Londres. Seus lábios nunca lhe pareceram tão sensuais.
Sue pensou numa resposta adequada que evitasse continuar aquela discussão.
Parecia sem sentido perderem o pouco tempo que tinham para ficarem juntos com esse
tipo de problema.
— Não viemos sozinhos — disse Sue. As palavras saíam de seus lábios, sem a
menor expressão. — Há outra garota conosco, que Meric gosta muito — acrescentou.
— Oh, compreendo! — Sobreveio-lhe um sorriso nos lábios. Tim começou a
relaxar, agora consciente da indiferença de Sue.
— Tudo bem, mas sabe como são as coisas. . . — Interrompeu-se bruscamente,
olhando para o relógio. — Ah, maldita hora, Sue! Realmente tenho que ir. Telefono hoje à
noite para jantarmos em algum lugar. Foi um erro você não ter me avisado de sua
chegada. Deixou-me em apuros. . .

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— Não se preocupe, Tim. Mas lembre-se que me prometeu ajuda para resolver o
problema da mobília, certo?
— Na verdade, eu gostaria realmente de ficar com seu apartamento. É muito mais
confortável que o meu, mas seu contrato proíbe sublocar, não é? De qualquer maneira,
com um novo inquilino provavelmente subiriam o preço e seria tão aro que eu não teria
condições de pagar.
A mente de Tim girava. Sue sorriu, enquanto o via partir. Apesar de tudo era um
amigo. Pela primeira vez, sentiu-se só em Londres. Seria agradável passar a tarde com
ele, mas havia ainda mais coisaa fazer.
A maioria das coisas que pretendia levar lá estava empacotada.
Meric providenciaria que fossem despachadas por trem. Havia miudezas, livros
velhos, enfim coisas sem a menor utilidade. Precisaria pedir a alguém que a ajudasse a
se desvencilhar delas. Talvez o velho da loja de artigos usados lhe fosse útil! Foi procurá-
lo e ele concordou em lhe prestar esse favor, assegurando que dentro de uma hora
alguém iria procurá-la. Agradecida, Sue voltou para seu apartamento. Era necessário que
se desfizesse de tudo até o dia seguinte, para assim poder entregar as chaves ao
procurador. Em todo caso, se Tim não quisesse ficar com a mobília, poderia vendê-la e
assim pagar as despesas do procurador.
A vitrine de uma pequena butique na esquina chamou sua atenção.
Estava exposto um conjunto de camisola e penhoar cor-de-rosa. Era simplesmente
maravilhoso! Imaginou logo como combinava bem com seus cabelos loiros e seus olhos
acinzentados. Além de uma camisola de náilon que tinha usado no verão, todas suas
roupas de dormir eram pijamas comprados por sua mãe em liquidações. Sue gostava
deles, mas o conjunto da vitrine era algo muito especial, pois era lindo demais!
A mulher tirou-o rápido da vitrine para mostrar a Sue o delicado detalhe prateado
na cintura.
— Foi feito para uma garota como você — disse ela.
Seus olhos admiravam a figura delicada de Sue, que finalmente decidiu comprar o
conjunto. Num rápido cálculo mental, viu que poderia fazê-lo e ainda teria dinheiro
suficiente para comprar dois conjuntos para o inverno. Precisava porém se controlar, pois
não tinha tanto dinheiro na conta de sua mãe quanto esperava e desde sua ida para
Gíenroden não ganhara mais nada. Com a venda de seu carrinho, poderia obter algum
dinheiro, mas aí perderia sua independência. Não havia linha de ônibus para Glenroden e
se arranjasse um emprego, o que precisava muito, era inevitável que precisasse de
transporte. Mas até arranjar emprego, não poderia se permitir a certas extravagâncias.
Pegou rapidamente o embrulho e saiu da loja, antes que ficasse tentada a comprar mais
coisas. Não se deu conta que para o inverno escocês a roupa fina que comprara não era
nada prática, mas no momento isso não lhe passara pela cabeça.
Sue estava cansada quando Tim ligou naquela noite e a acompanhou até o hotel.
Ficou tomando um drinque no bar enquanto ela subiu para se arrumar. Quando ele
sugeriu que fossem jantar no restaurante do hotel por ser muito bom, ficou satisfeita.
Depois Tim teve a idéia de irem a outro lugar, mas Sue não se entusiasmou muito. Mas,
ao ver sua expressão de desaponto, cedeu. Afinal não iria voltar a Londres tão cedo!
Já passava um pouco da meia-noite quando voltaram, bem mais tarde do que Sue
esperava. Divertiram-se muito na boate.
— Não deixe de me telefonar e escrever. Se não o fizer, ficarei muito chateado.
Sue sentiu-se satisfeita quando, após pegar a chave na portaria, se dirigiu para

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seu quarto. Esperava que Tim fosse insistir naquela falação sobre o casamento e
encontros futuros, mas, com exceção da primeira vez que se encontraram, não voltou a
falar mais no assunto. Talvez tivesse concluído que fosse melhor ser paciente e aguardar
sua próxima volta a Londres. Ficaria surpreso, porém, se soubesse que Sue, ao fechar a
porta de seu quarto, já o tinha esquecido.
Cansada, pensou um pouco na vida e preparou-se logo para deitar.
Tomou um banho e a água quente animou-a um pouco. Decidiu vestir sua camisola
nova e se sentiu gratificada.
Assim que se deitou, ouviu uma batida na porta. Assustou-se. Seria Tim? Ele não
sabia o número de seu quarto e, se tivesse esquecido algo, deixaria na portaria.
Aborrecida por ouvir de novo aquela batida, levantou-se e foi até a porta. Abriu-a de leve e
viu Meric no corredor. Surpresa, arregalou os olhos. Não havia dúvida de que o tinha
esquecido durante o dia; mesmo na hora que Tim falara dele tão desrespeitosamente, ela
se limitara a defendê-lo. Meric perguntou se ela esquecera que ele iria se certificar de sua
chegada. Infelizmente se esquecera de tudo.
— Se esperar — disse Sue —, colocarei meu penhoar e acenderei a luz.
— Como quiser — respondeu.
Sue acendeu o abajur e vestiu o penhoar. A luz iluminava pouco o quarto, mas era
o suficiente. Consciente do bom gosto de seu traje, cruzou os braços e dirigiu-se à porta.
— Só quero certificar-me de que não vai pentear seu cabelo e fazer outras coisas
que as mulheres costumam fazer frente a um homem em uma situação como esta —
disse Meric secamente.
— Como você, não fiz mais do que o necessário.
— O que vejo me agrada. Compensou minha espera!
— Já esteve aqui antes? — perguntou.
— Não me diga que esqueceu.
— Você disse que iria telefonar para saber se eu já tinha chegado!
— Estive aqui há pouco tempo atrás. Pensei que fosse encontrá-la. — Olhou-a
interrogativamente.
Sue continuava a olhá-lo na defensiva. Não precisava ter me preocupado em me
apresentar decentemente, pensou ela. Com esse humor, talvez nem mesmo se eu
estivesse nua ele me notaria!
— Fiquei até agora com Tim Mason — explicou-lhe.
— Achei realmente isso. — Sua voz era fria e arrastada. — Calculei também que
tivesse outros amigos, mas na certa não lhe ocorreria avisar a todos que estava na
cidade.
— Não seria prático — respondeu baixinho, limpando a garganta. — Afinal, não
estou dando uma festa.
Ele sacudiu os ombros e afastou-se dela.
Sue pensou, tarde demais, que devia ter acendido a luz mais forte, pois a
iluminação tornava o ambiente íntimo demais. Ergueu então a cabeça e ele lhe sorriu,
dizendo:
— Então só se preocupou com esse homem? O rapaz dos impostos, não é? O
que pensa ele de sua mudança? Gostaria de saber se ele aprova.

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Sue encarou-o friamente, ignorando o ar de zombaria em seus olhos. — Eu podia
ter tido um problema com meus impostos e Tim iria me ajudar. Realmente ele não está
gostando muito da minha mudança, mas quase nada falou sobre isso. Está satisfeito?
— Não inteiramente. Mas não o conhecendo, não sei o que pensar — Meric
afirmara que não conhecia Tim pessoalmente, então, como sabia que trabalhava com
impostos? Pensava nisso, mas ficou com preguiça de fazer maiores indagações, pois
sabia que ia ter apenas respostas evasivas. Um homem como Meric Findlay se
empenharia de corpo e alma para descobrir qualquer coisa que lhe dissesse respeito,
mesmo que indiretamente. A presença de Sue em Glenroden, mesmo que temporária,
não havia dúvida, dera motivos para ele fazer investigações detalhadas.
— Se esqueci de lhe dar alguma informação, certamente você vai saber suprir
minha deficiência.
Descuidadamente, Meric pousou as mãos nos ombros dela, apenas para enfatizar
seu ponto de vista, e disse:
— É melhor pensar de uma vez por todas que Tim Mason não existe mais. Deve
deixá-lo para trás e amanhã começar uma vida nova. A única maneira é cortá-lo de vez.
Glenroden era muito importante para Meric. Faria qualquer coisa para defendê-la.
Tratava a propriedade como se fosse uma criança. Nenhum vento contrário poderia
soprar lá.
— Você não pode dirigir tudo, segundo seu ponto de vista — disse ela, com o
rosto em brasa. — Você tem que ceder quando se trata de uma pessoa.
— A você? — perguntou asperamente.
Queriasair rápido de perto dele, mas Meric a segurou. Olhou-a tão
significativamente, com tanta intensidade, que se sentiu vulnerável, a ponto de cair em
seus braços.
— Tim e eu nos amamos — disse Sue. — Não desejo ser rude com você, Meric.
— Não se faça de menina sonhadora. Talvez fosse mais feliz se pusesse os dois
pés no chão!
— As minhas emoções não lhe dizem respeito, Meric Findlay!
— Você realmente pensa assim? — perguntou ele. Seus olhos repentinamente se
estreitaram ao constatar sua palidez, emoldurada pelo penhoar rosa e pelo cabelo caindo
sobre o rosto.
— Lembro-me de uma ocasião que sentiu prazer em meus braços. Você sempre
diz "por favor" depois dos beijos de Tim?
Contra seus princípios, mas sem conseguir resistir, olhou para a boca de Meric.
Tinha ainda viva em sua memória a lembrança de seus lábios naquela noite e desejava
ardentemente repetir a experiência.
— Acho que gostaria de ir para a cama — disse confusamente.
— Isso é um convite? — perguntou, malicioso. Seus dedos queimavam os ombros
de Sue, que sentia o sangue ferver com o choque provocado por suas palavras.
— Por que se diverte interpretando errado tudo o que falo? Não sei por que veio
até aqui, mas estou certa de que não foi por se sentir atraído por mim.
— Você é muito charmosa, srta. Frazer. Se fosse você, não subestimaria seu
charme e nem sua capacidade de aproveitar a delícia dos prazeres físicos. Não vá me

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dizer que Tim não lhe deu um beijo de boa-noite?
Tim tentara, mas não se sentira disposta. Ao menos foi o que disse, quando o
evitou. Não pretendia contar nada disso a Meric. Ressentida com a pergunta, ficou em
silêncio, até que as mãos dele começaram a acariciar seus braços, fazendo-a esquecer-
se de tudo.
Muito vivo, Meric leu os pensamentos de Sue, que tentava inutilmente dissimulá-
los.
— Então se sente insatisfeita? Talvez gostasse que eu suprisse essa deficiência.
— Seus olhos escuros notaram a pulsação na garganta de Sue. Curvou a cabeça devagar
e deliberadamente. Roçou os lábios nos ombros dela e, pressionando sua nuca, começou
a acariciar-lhe os seios. Sue gritou. Como num protesto, Meric levantou a cabeça e
beijou-a sofregamente antes de soltá-la.
— Foi só para comprovar meu ponto de vista — disse ele. — Para provar que
você não é a geladeira que finge ser.
Afastou-se, enquanto ela se encostava na beira da cama, mal sabendo o que
estava fazendo. Nada do que Meric disse era verdade, e, mesmo que fosse, ele não tinha
o direito de impor seu ponto de vista daquela maneira!
Sue empalideceu quando o encarou. Desesperadamente tentou juntar todo o bom
senso que perdera naquele curto e alucinante momento em seus braços.
— Se tivesse voltado na hora certa, nada disso teria acontecido — lembrou-lhe.
— Então a culpa é minha?
— Escute, Sue, não pretendo discutir para saber com quem está a culpa. Talvez
— disse, sorrindo — possamos colocar a culpa em quem lhe vendeu esta roupa tão
atraente, se é que isso resolve o problema.
— Você certamente não está pensando que a comprei com esse propósito. —
Levada por um constrangimento normal, acrescentou: — Já a lavei várias vezes.
— Mentirosa! — Sua voz era macia e a expressão divertida quando, aproximando-
se dela, disse: — A menos que agora haja etiquetas laváveis! — Delicadamente seus
dedos tiraram um pedaço de papel colado no babado que contornava a camisola no
decote.
Sue não conseguiu dizer nada, pois sentiu um forte aperto na garganta.
— Era necessário vê-la esta noite, Sue, porque amanhã ainda tenho que me
encontrar com outra pessoa. Farei o possível para pegarmos o avião da tarde. Já resolvi
tudo aqui no hotel e já contratei um táxi para levá-la ao aeroporto. Antes, porém,
precisava saber como você estava se saindo. Poderia estar em dificuldades, e eu queria
ter certeza de que estava bem.
Foi até a porta, observando-a cuidadosamente, enquanto sua mão girava o trinco.
O olhar de Sue, apesar da tentativa de desviá-lo, voltou-se obstinadamente para
ele. Em silêncio, desejou com fervor que Meric saísse dali, ignorando seus sentimentos
que imploravam para que ele ficasse.
Fez um tremendo esforço para se recompor, para concentrar-se nó que iria dizer:
— Tenho um encontro com o procurador de minha mãe pela manhã. Creio que há
alguns papéis para assinar, mas, além disso, achar que não há mais nada. Já tenho em
meu poder as chaves do apartamento para entregá-las. Ele tomará conta do resto. Ah!,
muitas coisas também já estão empacotadas.

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— Está bem! Então amanhã eu a vejo. Vá ao aeroporto e espere-me lá. Desculpe-
me essa pressa toda. Talvez uma outra vez tenhamos mais tempo.
Sue encolheu-se, enquanto olhava para a porta fechada. Se estivesse sonhando,
seu despertar não teria sido tão abrupto. Levantou-se rapidamente e, pegando sua valise,
derrubou parte das coisas no chão. Em um segundo, tirou a camisola e colocou seu velho
pijama. Era um pouco curto e meio infantil, sem o menor charme, mas dentro dele Sue
sentiu reincorporar sua antiga sensatez.
Satisfeita, mas ao mesmo tempo triste, foi para a cama. Pensou no dinheiro gasto
inutilmente, pois na manhã seguinte seu penhoar iria para a lata do lixo! Ou, pensando
melhor, poderia até dá-lo à arrumadeira do hotel, dona daquele sorriso tão simpático.
Onde quer que fosse, não o usaria mais! Disso pelo menos tinha certeza.

CAPÍTULO VII

Uma vez de volta a Edimburgo, Sue tentou reavaliar todo o incidente daquela
noite. Meric Findlay não era dado a esses interlúdios, mas qualquer homem pode
eventualmente ser levado a isso. Provavelmente estava tão cansado quanto ela e o que
houve foi casual.
Uma coisa leva à outra. Tal raciocínio reconfortou-a no momento e ela apegou-se a
ele, como um homem que ao se afogar se agarra a uma tábua.
Chegaram a Turnhouse quase à noitinha e Meric insistiu que tomassem um chá
antes de irem para Glenroden.
— É uma estrada razoável — disse — e, urna vez estando nela prefiro não parar.
Sue olhou-o, enquanto se dirigiam para a cidade, mas não fez nenhum
comentário. Dessa vez aproveitou mais a viagem de avião Carlotte não estava junto e
Meric sentou-se a seu lado. Como um viajante experiente, respondeu-lhe a todas as
perguntas, contando-lhe tudo o que queria saber.
Nunca ocorreu a Sue discutir com Meric e nem lhe perguntar se ele concordava
com sua total independência. Embora consciente disso, sentiu-se inquieta, com um
secreto pressentimento de que se não tomasse cuidado o pior estava por vir.
Apesar de apreensiva, comentou impulsivamente:
— É bom estar em casa. A Escócia é tudo que sonhei. Senti saudades nestes dois
dias:
— Sonhos podem ser perigosos — afirmou.
— Não está satisfeito por eu ter voltado com você? — perguntou.
— Por que não? Você tem todo o direito e seu pai precisa de você.
Teve vontade de dizer: "Mas você não". Isso porém soaria estranho. Pensava
tristemente nas ocasiões que esteve com ele mais intimamente e na ligação dele com
Carlotte. Será que estaria levando as duas na conversa, até saber quem seria a herdeira

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de Glenroden?
Seria realmente capaz disso? John poderia viver ou não muitos anos. Amedrontada
com esses pensamentos, tentou não pensar mais no futuro. Embora nunca tenha amado
sua mãe profundamente, sentia agora sua falta, pois, depois de ter encontrado o pai, tinha
um pressentimento que o perderia repentinamente também.
Enquanto descia a rua Princes, olhou-o e a lembrança das tolices que pensara a
deixou tensa. Sua imaginação era muito fértil!
Olhava as lojas e as pessoas nas calçadas. Por que permitira ser beijada se seu
coração se atormentava tanto? Meric devia estar sempre procurando se divertir e, mais do
que nunca, ela precisava se precaver.
— A cidade tem uma aparência estranha, não acha? — perguntou Meric quando
deixaram o carro, sem se perturbar com seu repentino silêncio.
Sue concordou enquanto admirava a silhueta de um castelo milenar, encravado na
pedra.
— Proximamente você pode voltar aqui e fazer um bom passeio — observou Meric
enquanto caminhavam em direção ao hotel, segurando firme o braço de Sue. — É uma
pena não podermos ficar mais esta tarde, mas acho melhor seguirmos.
A volta para casa deu-se em tempo recorde, assim pareceu a Sue, quando se
lembrou de sua primeira viagem. Na maior parte do tempo Meric parecia preocupado e
ela se viu cochilandoalgumasvezes. Estavam quase chegando quando acordou
perguntando quando Carlotte voltaria. Tentou perguntar no avião, mas só agora, com
grande esforço, se sentiu capaz de fazê-lo.
— Acho que meu pai gosta muito das visitas dela — observou com cuidado.
— Ela não me disse nada e me esqueci de perguntar. Não há dúvida de que John
sobreviverá sem ela por alguns dias.
— Não precisa ser sarcástico. Só imaginei que você acharia estranho se eu não
perguntasse!
Meric sacudiu os ombros com indiferença. Embora mais do que nunca conscientes
um da presença do outro, permaneceram em silêncio.
Sue mais uma vez se sentiu incapaz de saber o porquê da tensão entre eles.
Olhou então pela janela em direção às terras reservadas para caça, muito molhadas em
virtude das chuvas recentes. Era inútil negar que Meric Findlay não estava interessado
nem nela nem em Carlotte Craig. De qualquer forma Glenroden estava rapidamente se
transformando em seu novo lar e ali pretendia ficar.

Como os dias estivessem ficando mais curtos, a sra. Lennox decidiu morar com
eles, pelo menos até a primavera. O dr. McRoberts estava preocupado com John, que a
cada dia parecia mais fraco. Sue sentia-se cada vez mais agradecida à sra. Lennox, tão
empenhada
em ajudá-la a cuidar dele. Durante o inverno a estrada entre Glenroden e a cidade
era muitas vezes intransitável por causa da enchente do rio, por isso ela se decidira ficar
com eles, pois temia ficar isolada na cidade durante vários dias.
Sue continuou a cooperar nos serviços da casa e também nas pesquisas do pai.
— Algumas vezes, querida, fico em dúvida sobre quem está escrevendo o livro,
você ou ele — comentou a sra. Lennox, sorrindo.

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— Ajudá-lo ocupa meus pensamentos e esqueço um pouco as outras coisas. —
Sue sorriu enigmaticamente. Apesar do olhar interrogativo da sra. Lennox, ela não
explicou o que seriam essas outras coisas.
Em sua opinião, Meric Findlay era um aventureiro cruel, voltado apenas para os
próprios interesses, embora continuasse atormentando seu coração. Sempre que o via,
sentia-se arrependida de não ter perguntado a seu procurador em Londres se poderia
fazer investigações sobre ele sem levantar suspeitas. No escritório, porém, pareceu-lhe
repentinamente inoportuno tocar nesse assunto, mas agora, de volta a Glenroden,
lamentava-se por não tê-lo feito. Esta oportunidade talvez não apareça mais, pensou Sue.
Seria bom se, pelo menos, tivesse alguma pista para poder avaliar melhor seu
comportamento. Meriç poderia ser inocente „de tudo que suspeitava, exceto de sua
volúpia por dinheiro e, se o ofendesse sem uma razão justa, ele poderia partir e deixá-los
na mão.

O tempo passou. Meric ainda tomava parte nas caçadas, mas, como já era fim de
outono, as caravanas se encerrariam para reiniciarem apenas na próxima temporada.
Assim lhe informou Carlotte numa tarde.
— No próximo ano — disse Carlotte —, pretendemos ativar mais alguns acres do
lado do lago. Isso ainda depende de permissão, é claro. Se conseguirmos, preciso estar
preparada para passar a maior parte do verão aqui em Glenroden. Minha colaboração é
indispensável para Meric. Você provavelmente não estará aqui, mas achei que gostaria de
saber.
Sue poderia ter respondido que preferia não saber e que a informação a
desagradaria profundamente, mas não disse nada. Houvesse o que houvesse, ela não
estaria ali. Permaneceu em silêncio, ouvindo educadamente Carlotte, tentando dar a
impressão de que era completamente indiferente aos acontecimentos futuros.
Carlotte contou-lhe que Meric a levara novamente para jantar e isso contribuiu
para aumentar a amargura de Sue, pois ele nunca a convidara. Na verdade, parecia estar
pretendendo manter-se fora de seu caminho. Quando Carlotte partiu, disse-lhe que
estavam precisando de uma professora numa escola pequena, perto de sua casa, e Sue
ficou muito interessada.
— Informe-me assim que souber de algo mais concreto — pediu-lhe, enquanto se
despedia de Carlotte.
Quase no final do mês, Meric levou-a para dar uma volta na propriedade.
Surpreendeu-a uma noite com o convite e Sue, esquecendo-se de sua primeira intenção
de recusar, aceitou.
Estava pronta logo depois do café, numa manhã bonita de outubro. Meric disse-lhe
para ir com uma roupa bem quente, sem pensar em moda, pois o passeio deles seria bem
acidentado, com um tempo imprevisível.
— Não venha vestida com uma saia e uma blusa fina; caso apareça assim,
mandarei você de volta.
Seu tom de voz foi suficiente para Sue procurar no seu armário um conjunto
pesado de calça e paletó, com uma malha grossa. Esperava que achasse seu traje
apropriado.
A sra. Lennox contribuiu com sua parte, preparando uma sacola de sanduíches e
algo para beber, que deu a Sue quando desceu.
— Divirtam-se! — disse ela amavelmente.

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Sue sorriu e correu para onde Meric a esperava. Assim que subiu no carro,
partiram. Mesmo agora, Sue custava a acreditar.
Meric olhou-a quando desciam o caminho até o carro e disse:
— Você parece muito bem, esta manhã.
Sue enrubesceu quando Meric começou a rir depois de comentar seu traje.
— Não pode se queixar de que não segui suas instruções à risca. Estou preparada
para qualquer coisa — conseguiu dizer, depois de um tempo.
— Bem — ainda a olhava com interesse —, talvez não fosse isso que eu tivesse
em mente. À medida que vamos nos aproximando da presa, não é necessário muita
roupa.
— Presa? — perguntou, espantada. —- Você disse presa? — insistiu.
Meric voltou a rir mais uma vez.
Sue olhou para as montanhas distantes, respirou profundamente e observou:
— Quando você está de bom humor, é muito simpático.
— Bem, pelo menos é um consolo saber que em certas ocasiões provoco reações
positivas. Concorda comigo, doce Sue?
Sue ficou ainda mais vermelha e sentiu seu coração bater mais rápido.
Tomaram então o rumo da estrada principal.
— Espero mostrar-lhe os cervos e talvez suas fêmeas.
Intrigada, Sue deixou de lado sua atitude defensiva e perguntou-lhe ansiosa:
— Nós os veremos em Glenroden? Até agora sei muito pouco do que se passa
aqui. É uma propriedade muito grande?
Segurou nervosamente na beirada de seu banco, irritada com sua ignorância. Se
pelo menos conhecesse melhor o lugar que estava começando a amar. . .
Meric, entretanto, não parecia surpreso com suas perguntas.
— Glenroden é grande em extensão, mas não confunda tamanho com riqueza.
Temos uma floresta de cervos, uma parte de terra reservada para caça e um lago, como
você viu. Descendo mais, temos pinheiros, montanhas baixas e ovelhas e alguns campos
pobres onde cultivamos cereais. As colheitas não têm sido produtivas apesar da
qualidade do solo.
Sue não se sentiu muito convencida.
— Você disse que os lucros têm sido baixos. Mas por quê? Considerando-se o
tamanho, não deveria ser o contrário?
— Você não faz muito dinheiro com uma propriedade como esta. Se tem uma
floresta de cervos, precisa cuidar bem. Mas custa muito caro e não vale a pena. A nossa
agora está melhorando porque temos um acordo com o hotel. Alguns proprietários
arrendam suas terras por um período, mas nunca se sabe por quanto tempo. Não é uma
atividade altamente rentável. Eu e mais uma pessoa supervisionamos tudo.
— Você diz que deixa as pessoas matarem os animais com tiros? Isso me parece
cruel — assim que falou, deu-se conta de que Carlotte não teria feito esse comentário.
Meric, sorrindo, respondeu.
— Um certo número precisa ser morto a cada ano, para evitar que o rebanho

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aumente.
— Por que o rebanho não pode aumentar? — perguntou, ajeitando-se no banco.
— Porque há um suprimento limitado de comida. Nossa floresta é densa e
selvagem. Isto significa que o rebanho precisa se limitar a um certo número, pois de outra
forma os animais morreriam de fome antes da grama crescer na primavera.
— Entendo. Considerando a aridez das montanhas, parece lógico. Mais lógico do
que o fato de eu estar aqui há tantas semanas e saber tão pouco.
Ao alcançarem o rio, começou a chover. Depois de atravessarem uma passagem
difícil, Meric virou para a direita e seguiu por um caminho de pedras estreito, na direção
contrária do rio.
— Segure-se! — exclamou, quando o carro bandeou, jogando Sue contra seu
ombro. Sorriu e colocou um braço em volta dela, segurando-a firme até se ajeitar de novo.
Sue afastou-se dele, evitando a sensação de prazer que fatalmente sentiria se
tocasse de novo em seus músculos fortes. Assim, voltou a falar dos cervos o mais
rapidamente possível.
— Não pode alimentá-los artificialmente, como os fazendeiros alimentam o gado?
Meric não respondeu imediatamente. Depois que se relaxou e seus olhos
recuperaram a frieza habitual, disse:
— Uma floresta como esta parece enorme no mapa, mas há comida em apenas
alguns lugares; por isso você só pode manter um certo número deles. Sabemos
exatamente seu número e quantos machos e fêmeas podem viver aqui sem problemas.
— Não gostaria de matar um animal, mesmo se soubesse atirar.
— Compreendo. Mas você pode divertir-se muito sem ser caçando, sem atirar ou
mesmo sem saber nada sobre isso.
Sue suspirou e ficou calada, observando o sol sobre as montanhas com seus raios
brilhantes se espalhando pelos vales. Voltou-se para ele algum tempo depois e
perguntou:
— Você disse que qualquer principiante pode aproveitar este lugar?
— Você está torcendo minhas palavras, Sue. — Você nunca sairá por aqui
sozinha, se é isso que pretende. Precisa vir com alguém experiente, que saiba o que faz.
— Isso é um aviso?
— Pode ser. . . Suspeito que, apesar de sua aparência, você é imprudente e
voluntariosa. Mas fique sabendo que se eu a pegar sozinha por aqui, vou lhe dar uma
surra, que ficará sem poder sentar uma semana.
— Não sei por que precisou falar comigo desse jeito e nem sei em que fatos se
baseou para me julgar assim!
— Apenas lembre-se disso. Você pode não concordar, mas não se esqueça do
que eu lhe disse.
— Acho que você exagerou — disse Sue, em tom arrogante.
Meric mudou de humor e Sue percebeu que não devia ter falado daquela maneira.
Não era a primeira vez que estava empenhada em provocá-lo, deixando claro que era ela
a verdadeira herdeira da propriedade que ele tanto cobiçava. Mas hoje ele tinha sido
gentil, propondo-lhe o passeio. Sue concluiu que devia se controlar, ser menos agressiva.
Sabia que John aprovaria essa sua atitude.

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Antes que ela pudesse falar, Meric segurou com a mão esquerda uma boa porção
de seus cabelos na nuca, puxando seu pescoço.
— Outro aviso — disse suavemente, enquanto ela gritava de dor. — Olhe para
estes lugares ermos e tome cuidado para não me aborrecer, embrenhando-se por eles.
Depois que a soltou, Sue encolheu-se em seu lado, tremendo e com os olhos fixos
na estrada. Gostaria muito de sumir dali ou de ser dotada repentinamente de uma grande
força. Assim não se sentiria tão impotente diante daquele homem.
Meric não a olhou e ela virou-se rápido para o lado, para que ele não a visse
tentando se recompor. Seu tratamento subitamente rude fez com que ela não
compreendesse mais nada e ficasse calada.
Os campos de ambos os lados tornaram-se cada vez mais selvagens. Obviamente
Meric sabia para onde estava indo. Pareceu a Sue que estavam há muitos quilômetros de
Glenroden. Talvez tivesse essa impressão por irem devagar. Disfarçando seu nervosismo,
perguntou finalmente:
— Até onde iremos?
Ciente da sua incerteza e ainda querendo puni-la mais um pouco respondeu-lhe
com suavidade:
— Não vamos muito longe, mas espero que já tenha se recuperado o suficiente
para andar. Não me sinto preparado para carregá-la, mesmo que me ordene.
— Não lhe perguntei isso!
— Não pretendo perdoá-la facilmente, Sue, mas temos o resto do dia para
ficarmos juntos e não sou muito bom de mímica.
Seu bom humor fez com que a tensão se quebrasse. Sue sorriu-lhe, meio incerta.
— Todas essas dúvidas, Sue, têm um efeito proposital e você sabe muito bem
qual é.
Quando ela ia responder, Meric deu uma freada abrupta em cima de uma pedra —
era um estacionamento natural para o carro.
— Oh, que lugar! — exclamou Sue.
— É o fim da estrada. Aqui costumamos deixar os carros, explicou Meric. — De
agora em diante, usaremos nossas pernas e o caminho não vai ser fácil.
A ida foi dura. Embora se sentisse exausta, Sue não se queixou. Apesar de tudo,
achava que estava aproveitando. Meric caminhava na frente com a sacola de lanche em
suas costas e toda hora parava para que ela o alcançasse. Havia um pouco de neblina,
mas isso não os retardava, pois ele conhecia bem o caminho. A vista era linda:
montanhas, pedras e vales verdejantes. Agora Sue seguia-o de perto e podia ouvir o som
da água correndo, como se fosse música. A neblina começou a desaparecer com a brisa
e as montanhas surgiram com seus picos se projetando contra o belo céu azul.
Depois de uma hora a vegetação tornou-se escassa. Aproximavam-se das partes
áridas das montanhas. Estava quente e não havia sombra. Sue reconfortou-se quando
chegaram do outro lado da montanha e sentiu o vento em seu rosto. Ficou profundamente
grata, quando Meric parou dando-lhe tempo suficiente para tomar um gole da bebida que
levavam. Era água e ainda estava gelada!
— Com sede? — perguntou Meric, notando uma mancha escura em seu rosto.
Sue, sem se dar conta, puxara o cabelo para trás com a mão suja de terra. Fez um trejeito
com a sobrancelha, enquanto limpava o rosto dela.

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— Assim vai precisar de um banho e também de uma bebida!
— Não me incomodo. — Sentia-se melhor e dirigiu-lhe um sorriso, esquecendo-se
do difícil relacionamento entre eles. A escalada lhe fizera bem. Cheia de vida, com a
mente e o corpo em comunhão com a natureza, Sue deu-se conta de que estava mais
feliz do que nunca. — O ar é maravilhoso. Poderia continuar escalando por horas sem
cansar-me — disse ela.
— Ótimo!
Continuaram até atingir o alto da montanha, caminhando entre as pedras. O vento
que soprava agora vinha por trás deles, por meio das estreitas fendas entre os rochedos,
fazendo um estranho barulho.
Sue sentiu medo e comentou:
— É um pouco misterioso, não acha?
Meric voltou-se para ela e concordou.
— É um lugar meio sinistro. Mas, não importa, o ar é realmente maravilhoso —
prosseguiu Sue, cujos olhos observavam sem parar as fendas, onde o sol nunca batia. —
Onde está a floresta? A floresta com os cervos?
Como não via uma única árvore à volta ou abaixo deles, Sue concluiu que iria
irritá-lo outra vez.
Meric, porém, riu, enquanto ajeitava seu rifle, no ombro.
— Ninguém lhe disse, Sue, que não há árvores em uma floresta de cervos?
— Não se preocupe — retrucou.
Meric então olhou gentilmente para ela e, segurando seu braço, disse:
— Muitas pessoas cometem o mesmo erro e não me pergunte por que chamam
isso de floresta. Em muito poucas há árvores.
Sentiu-se agradecida com suas palavras e continuou subindo. O caminho era
inclinado e cheio de pedras.
Meric parou e ela o viu pegar seu binóculo e focalizar a montanha.
— Olhe, Sue — disse ele, puxando-a com o braço para mais perto. — Veja, olhe lá
um cervo. Olhe bem. Se tivermos sorte, chegaremos mais perto, mas primeiro pegue o
binóculo e veja um pouco mais.
Sentindo-se segura em seu braço, pegou o binóculo com as mãos levemente
trêmulas e focalizou a paisagem a sua frente, como ele sugerira.
A princípio não viu nada, a não ser a montanha árida, mas logo avistou algo
marrom que se movia.
— É um cervo? — perguntou ansiosa, tentando ver melhor, — Sim. — Seus
braços apertavam-na inconscientemente, enquanto estreitava os olhos para ver melhor.
— É um bem grande. Estamos muito longe para ver bem, mas é dos grandes —
acrescentou Meric.
— Poderemos chegar mais perto?
— É difícil — respondeu.
Meric mostrou o declive da montanha cheio de pedras soltas e o caminho
pantanoso que se interpunha entre eles e o animal.

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— O vento está a nosso favor — disse, em voz baixa. — Está soprando em nosso
rosto de novo; por isso ele não sentirá nosso cheiro. Cervos, não sei se sabe, têm um
olfato tão aguçado que sentem a presença de um homem a uma longa distância. Mas
vamos tentar.
Sorriu e puxou-a para bem perto dele, a ponto de sentir o calor de seu corpo.
Mas logo Sue percebeu que seu gesto tinha sido puramente casual.
Estava tão entretido com o animal que mal se deu conta de sua presença. Sentiu
um repentino desejo de ficar ali envolvida em seus braços, mas desprendeu-se dele e
começou a descer cuidadosamente a montanha. Como dissera Meric, o acesso era difícil.
Se rolasse uma pedra, poderia ocorrer uma pequena avalanche que fatalmente assustaria
o animal. Sue, entretanto, achava difícil caminhar num lugar tão acidentado sem fazer
barulho.
Por um momento perderam o cervo de vista, mas Meric assegurou-lhe que
marcara o lugar onde ele estava. Tudo estava muito quieto. Nada se movia, nem mesmo
uma folha. Sue, acostumada como estava à cidade, nunca conhecera tal silêncio. Não
andavam, gatinhavam, pois usavam mais as mãos do que os pés até chegarem à
extremidade do morro, em frente a um vale estreito. Uma chuvinha começou a cair e do
cervo não se via o menor sinal.
— Ele foi para a parte mais alta — comentou Meric. — Estou certo disso. Lá a
grama é tenra e ele deve estar pastando.
— Tem certeza? — Sue levantou-se, olhando ansiosamente para ele. Era forte e
estava em ótima forma física, pois depois dessa dura escalada sua respiração em quase
nada se alterara.
— Sim. Há uma passagem entre o riacho e a montanha, antes do vale. Uma vez
passado o riacho, o caminho é bloqueado por pedras, mas podemos subir até aquela
ponte da montanha e avistá-lo lá de cima. Não é um bom ângulo para atirar, mas hoje não
estou caçando.
Foram até o riacho. Levaram algum tempo e, à medida que se aproximavam, Sue
pôde ver a passagem entre o riacho e o rochedo. Prendeu a respiração, excitada. Nunca
se lembrava de ter se sentido assim, presa de tal expectativa. Sabia porém que essas
emoções nada tinham a ver com o homem a seu lado.
— Agora, vamos escalar o rochedo — propôs Meric suavemente, acenando para
Sue segui-lo de perto.
Algumas partes estavam escorregadias e ela não pôde recusar a ajuda de Meric.
Quando chegaram ao topo, Sue sentiu-se acalorada e ofegante. Seu cabelo caía em
desordem pelo rosto e, ao olhar para trás, viu seu gorro de lã pendurado num galho de
árvore. Na volta o pegaria, pensou.
Meric puxou-a para mais perto. Dali podiam ver a parte superior do vale. Era
pequeno e pontilhado de pedras arredondadas. Repentinamente Sue viu o animal
pastando, sem notar que o observavam. Era um lindo cervo marrom.

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CAPÍTULO VIII

Excitada, Sue segurou o braço de Meric e exclamou:


— Que belo animal! — Estava com os olhos arregalados. Era á primeira vez que
via um cervo em carne e osso. O animal estava pastando a uns cem metros deles e,
mesmo daquela distância, pôde contar dez galhos de seus chifres.
— É verdade — concordou Meric. — Mas não é um cervo real. Se fosse teria doze
galhos. Mas é um animal muito bonito. Deve ter mais ou menos nove anos.
Meric colocou o rifle no chão. Sue estava a seu lado, com os olhos fixos no animal.
O cervo continuou pastando. Era um lugar tão quieto que se podia ouvir o barulho dos
passos do animal quando andava por entre as pedras. Estava vindo para mais perto,
muito devagar, procurando grama nova, ainda sem desconfiar da presença deles.
— Deve haver outros — disse Meric, tentando se acomodar melhor naquele
pequeno espaço. Estava tão perto que Sue se viu refletida em seus olhos.
Por um minuto ela teve medo de mover-se ou de falar. Suas pernas musculosas
estavam pressionando as dela, e quando ele falava Sue sentia a respiração quente de
Meric no rosto. Ela se mexeu, voltando a atenção ao animal que estava à sua frente.
— Acho que os cervos são mais ou menos parecidos com os carneiros —
comentou ela.
Ele sorriu.
— Não faça uma observação dessas perto de um pastor ou de nosso guarda!
Conhecem a maioria dos animais só de olhar. Tentamos colecionar os chifres deles e
marcar o seu desenvolvimento. Todos os anos caem seus chifres e crescem outros novos.
Uma vez Donald e eu pegamos os chifres do mesmo animal, três anos seguidos. Tinha
mais ou menos oito anos. Os chifres mostravam um desenvolvimento evidente, mas o
número de galhos era sempre o mesmo.
Isto alegrou o coração de Sue, pois viu que Meric não estava interessado só em
matá-los, mas assim mesmo continuou perguntando:
— Como escolhe os animais para matar?
— Geralmente os que têm os chifres deformados são mortos por não serem bons
reprodutores. Ainda há outros, os chamados machos, que são desprovidos de chifres. No
lugar em que deveriam estar os chifres, há apenas uma protuberância arredondada;
geralmente são grandes e pesados e mais feios do que os outros.
— Pensei que os caçadores só se interessassem pelos cervos reais!
— Nem sempre; não matamos muitos deles, mas um homem outro dia matou um
de doze galhos, que valia muito. Os hóspedes do hotel não gostam muito de matá-los.
São como você, só querem ver e aprender algo sobre eles.
Os olhos de Sue voltaram-se novamente para observar o animal.
— Até a hora que cheguei aqui, não pensei que fosse ter esta oportunidade, sr.
Findlay.
— Bem, tudo isso faz parte do meu serviço — disse, brincando.

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O tom de sua voz parecia revelar um certo ressentimento. De repente, sem querer,
Meric fez rolar uma pedra pequena. O som dela caindo era perfeitamente audível. O cervo
então levantou de repente a cabeça e ao ouvir o som virou um pouco seu corpo, farejando
o ar. Antes de se mover, voltou-se em direção ao riacho e deu um pulo, desaparecendo no
vale. Foi de uma rapidez inacreditável! Sue ficou deslumbrada.
— Agora você entende por que muitas pessoas não conseguem chegar perto
deles?
Sue levantou-se e concordou com a cabeça.
— Tive muita sorte.
— Você pode proclamar isso e também se sentir privilegiada por ter estado aqui
com tão bom caçador.
Ela olhou-o maliciosamente.
— Não pensei que fosse sensível a agradecimentos, sr. Findlay.
— Se me chamar de sr. Findlay outra vez, não sabe o que a espera.
— Hoje você está ameaçador demais, não acha? Mas não estou nem um pouco
amedrontada.
Sue duvidava que ele se concentrasse no que dizia. Era um homem ocupado e às
vezes a encarava com um certo tédio; na verdade, era alguém com quem se podia
conversar apenas casualmente. No entender dele, Sue era como se fosse sua irmã
caçula.
Ele não respondeu a seu último comentário. Fez um gesto indiferente com os
ombros e caminhou em direção ao vale, no que ela o seguiu. Depois de uma última
olhada em direção ao lugar onde estivera.o cervo, Sue escorregou e foi parar em seus
pés.
— Bem, não deixa de ser uma maneira de descer — disse Meric, em tom gozador,
sem esboçar o menor movimento para ajudá-la a levantar-se.
Ela olhou-o com desprezo, enquanto se recompunha. Suas mãos estavam
arranhadas por ter tentado sem sucesso firmar-se na pedra e uma perna estava ferida
levemente. Mas afinal não era um problema dele! Algumas palavras vieram-lhe à cabeça
e Sue fez um grande esforço para não verbalizá-las, embora tivesse vontade de revidar à
altura toda aquela arrogância. Enquanto tentava se limpar um pouco, Meric olhou o
relógio e disse:
— Bem, está na hora de comermos algo. Depois, vamos embora. Já são quase
duas horas e temos um longo caminho pela frente.
Depois de darem alguns passos, sentaram-se à beira do caminho de pedras.
— Ali é um bom lugar — disse Meric, apontando mais à frente. — Já me sentei ali
uma vez. Ê mais confortável do que ficarmos nos equilibrando aqui nessa pedra.
Intrigada, Sue seguiu-o até o riacho, com movimentos mais livres, já que não
precisavam mais se preocupar em manter silêncio.
A medida que desciam o vale, Sue começou achar excitante aquele isolamento.
Deixou-se então levar por sua imaginação, viajando por inúmeros lugares fantásticos que
gostaria de conhecer, mas que certamente nunca veria.
Logo chegaram ao lugar que Meric mencionara, um abrigo na rocha no meio das
montanhas. Dentro havia pedras chatas, cobertas de grama, e ao lado um pequeno

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riacho. Era o suficiente para amenizar um pouco aquela paisagem tão árida.
Meric voltou-se para ela e, ao lhe passar a sacola com o lanche, perguntou:
— Será que está bom?
Encostou depois seu rifle na pedra e Sue notou o cuidado que ele dispensava à
arma. Em seguida tirou seu abrigo de chuva, acomodou-se e disse:
— Agora sirva a comida, mulher.
Indignada, Sue olhou-o da cabeça aos pés, mas depois, estranhamente,
obedeceu-o. Para Meric parecia a coisa mais natural do mundo que ela servisse o lanche
que a sra. Lennox preparara, enquanto ele descansava. Num pedaço liso da pedra,
colocou os sanduíches de presunto, as maçãs verdes, as grossas fatias de bolo de frutas
e o queijo.
Depois colocou o café numa pedra ao lado. Foi até o riacho e trouxe duas xícaras
de água fresca. Sentia-se felicíssima!
Meric abriu os olhos enquanto ela se acomodava a seu lado e, apoiando-se no
cotovelo, pegou um sanduíche. Sue estava com o rosto ainda molhado, pois o lavara no
riacho.
Meric admirou-a longamente antes de começar a comer.
— Preparou tudo muito bem — disse amavelmente. — Em uma situação diferente,
eu teria que lhe pagar.
— Acho que sim — respondeu afetadamente. — Eu deveria me sentir lisonjeada.
Você regatearia o preço como o faria em um supermercado?
— Claro que sim, Sue.
— Mesmo que não fosse muito alto?
Olhou-a com preguiça e Sue enrubesceu ao pressentir que algo estava prestes a
acontecer. Meric teve vontade de possuí-la, mas se conteve. Apanhou uma maçã e deu
uma dentada.
— Você não gosta muito de mulheres, gosta, Meric?
Encarou-a e seus olhos zombavam de sua inocência.
— Claro que gosto. Você tem cada uma, Sue! Mas que pergunta mais boba! Bem,
você quer que eu dê minha opinião sobre elas? Esse já é outro papo. Suponho que esteja
se referindo às mulheres em geral?
— Não estou entendendo! — Com muito esforço, desviou o olhar do rosto de
Meric, que agora parecia enigmático. — Não vou lhe pedir para se aprofundar sobre isso.
— Sabia instintivamente que era até melhor mudar de assunto. Fez um leve movimento
com seus ombros magros, disfarçando um bocejo, e dando-lhe a impressão de que a
conversa estava cacete. Serviu-lhe então o café. Perdera repentinamente o apetite, mas
tinha algo mais importante a fazer: distraí-lo.
Ele observou-a enquanto colocava açúcar na xícara dela. Sabia que Sue gostava
de duas colheres.
— Ter visto o cervo foi maravilhoso. . . Foi aqui neste lugar — comentou Sue e
olhou à sua volta.
— Seu entusiasmo me parece excessivo — disse Meric, com indiferença. —
Parece que já ouvi você dizer isso antes.

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— Claro que já! — Irritada, Sue deitou-se na grama, bem perto dele, sem porém
encará-lo. — É perfeitamente possível apaixonar-se por um lugar em pouco tempo.
Meric colocou sua caneca na pedra e, com voz macia e irônica, disse:
— Você não foi feita para lugares como este, Sue, Você é doce, simpática, mas
não tente se enganar. Plantas frágeis devem ficar em seu próprio ambiente, e não
tentarem vingar em lugares onde somente as mais resistentes sobrevivem.
— Vim até aqui hoje, percorri com você sem fazer feio todo esse caminho difícil, e
você ousa me dizer isso?
Sem notar seu suspiro indignado, Meric levantou-se, levou as duas xícaras até o
riacho e lavou-as.
— Parece mais que estamos em julho do que em outubro — comentou. —
Raramente faz calor nessa época.
— Você não gosta de mim, gosta? — ela perguntou abruptamente.
Logo em seguida, porém, lembrou-se que já lhe fizera aquela pergunta.
— Acho que não. — Sem fazer barulho, Meric virou-se lentamente, chegando mais
perto dela. — Mas não é necessário existir sempre simpatia nas relações entre um
homem e uma mulher, concorda?
Seus olhos revelavam claramente esse pensamento e percorriam devagar as
curvas do corpo dela. Sem fazer força e sem pressa, puxou-a para junto de si, deitando
com ela na relva macia e envolvendo-a com seus braços.
Sue não sabia explicar por que não tentara fugir. Culpara o calor, que de certa
forma entorpecia seus sentidos, e a atmosfera, que era quase hipnótica. A idéia de estar
só no mundo com Meric Findlay a fascinava, e o que estava acontecendo era apenas uma
continuação natural do prazer que experimentara de manhã.
Depois de um longo momento, mudou de posição, ciente do perigo que corria,
caso continuasse onde estava. Mas com um mínimo de esforço ele neutralizou sua
primeira tentativa de se afastar, apertando seu ombro e pressionando firmemente sua
cabeça com a dele.
— Fique quieta — ordenou em voz baixa, enquanto esticava as pernas. — Disse
antes que estava agradecida!
— Mas isso não significa... — Suas palavras morreram na garganta.
Uma estranha inércia que já sentira antes em seus braços parecia surgir
novamente, rejeitando qualquer esboço de protesto. Ele a segurava gentilmente,
querendo tranqüilizá-la, sentindo-a como se fosse um animalzinho da floresta preso em
seus braços.
— Não há nada mais gratificante! — Sue suspirou, mas depois ficou em silêncio,
sem dizer palavra. Estava ciente de que ele poderia ser muito rude, mas pouco se
importava. Embora aparentemente submissa, não deixou de pensar que poderia estar
criando problemas para si mesma. Mas a idéia de ficar nos braços dele era irresistível!
Afinal de contas, seria só por alguns minutos; não era necessário ir muito longe. Aos vinte
e um anos, já era tempo de começar a viver mais perigosamente e de perder um pouco
suas inibições. Nenhum homem iria querer uma estudante inexperiente como ela.
Meric levantou-se, apoiando-se no cotovelo, e perguntou:
— Por que suspirou, Sue? Está imaginando como vai enfrentar tudo isso? — Seu
tom de voz era zombeteiro.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
— Não estou imaginando nada — mentiu Sue.
Meric fitou-a dentro dos olhos, que brilhavam como nunca. Algo porém em sua
expressão fez com que Sue deixasse de sorrir. Sentiu-se invadida por uma onda de
prazer, enquanto ele encostava leve e gentilmente os lábios nos seus.
Esse toque pareceu incendiar todo seu corpo e, antes que pudesse libertar-se,
sentiu a mão dele por entre seus cabelos, segurando sua nuca. A pressão dos lábios
aumentava e ele redobrava suas carícias.
Sentiu-se flutuar com o calor de seu hálito. Quando a puxou para mais perto, não
opôs mais resistências e deixou que seus corpos rolassem febrilmente pela relva. Algo
então pareceu romper-se dentro dela. Abraçou-o apaixonadamente, enquanto com os
dedos afagava seus cabelos espessos. Meric deslizou as mãos carinhosamente até sua
cintura, antes de tocar com suavidade seus seios delicados.
De repente, porém, afastou-se dela, dando-lhe apenas tempo de respirar, e disse:
— Pobre Sue! — Começou então a roçar com os lábios seu pescoço e apertá-la
ainda mais contra si. — Então pensou que poderia resistir?
As palavras dele atormentavam-na ainda mais, pois tinha mais do que nunca
consciência de sua fraqueza. . .
— Eu posso, se me soltar — retrucou. — Se não fosse sua força...
Os olhos dele brilharam quando lhe deu outro beijo.
— Precisa sempre procurar desculpas, Sue? Mais tarde vai me dizer que sentiu
aversão por isso tudo?
— Não exatamente. Minhas reações dependem de quem está comigo.
— Tim Mason, por exemplo?
Com uma das mãos, Sue fez-lhe um carinho no rosto.
— Você é sempre assim tão mentirosa?
— Você não acredita em mim?
— Claro que sim! — exclamou, puxando-a selvagemente contra seu corpo e
beijando-a com ardor.
Ignorando o que Meric pudesse pensar, Sue devolveu os beijos sem esconder o
sentimento que estava nascendo entre eles. Seu corpo sem forças juntou-se ao dele
enquanto Meric lhe acariciava as costas. Causava-lhe uma dor excitante, quando ele lhe
apertava os seios e roçava seus lábios contra os dela. Agarrou-o então febrilmente,
perdendo a consciência de tudo. Só sabia das necessidades de seu corpo faminto.
Meric percebeu seu estado e, levantando-lhe suavemente a cabeça, perguntou:
— Até onde ia sua liberdade no colégio, querida Sue?
— Não importa... — As fortes batidas de seu coração eram reveladoras. Sue
flagrou-se mentindo novamente, pois nada era mais forte do que o desejo de ficar em
seus braços. Se confessasse sua virgindade ele a pouparia, e, naquele momento de
loucura, sabia que o desejava como nunca desejou nada na vida!
— Sue...
Por um longo momento ela imaginou que ia conseguir o que tanto desejava, com a
aproximação ainda maior de seus corpos. Estava terrivelmente excitada e tentava
disfarçar o tormento mais do que visível em seus olhos. Tinha esperado por aquilo toda a

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
vida! Enquanto pronunciava o nome dele, sentia a carícia ansiosa daqueles lábios e suas
dúvidas pareceram dissipar-se diante da indiscutível onda de prazer contra a qual
não pretendia lutar.
— Querida — sussurrou em seus ouvidos. Ergueu então a cabeça e, com um
rápido movimento, levantou-se.
Ajudou Sue a ficar de pé e segurou-a até que recuperasse o equilíbrio.
— O que espera agora, Sue?
Paralisada e com os olhos brilhando, encarou-o fixamente. Medindo bem as
palavras, disse:
— Odeio você! — Tentava furiosamente desafiá-lo, pois não suportava sua
arrogância, apesar de desejar voltar para seus braços. . .
—. Não, não me odeia. — Meric segurou seu braço, tentando tranqüilizá-la. —
Mas poderia odiar-me, se ficássemos mais aqui. Cresça um pouco, Sue, pelo amor de
Deus!
— Não sei se esta conversa está nos fazendo algum bem — disse Sue, sentindo-
se ao mesmo tempo confusa e tensa.
Meric sorriu, sem alegria.
— Você nunca me perdoará. Sue. Poderá até dizer que tentei deliberadamente
comprometê-la, a fim de ficar com a propriedade; pode também dizer que tentei manter
acorrentada a meu lado a herdeira de tudo isso.
— Você não pode estar falando sério — protestou Sue.
— Acho que não passamos de dois tolos e nenhum de nós está muito satisfeito
com o outro. É certo que não tinha intenção de magoá-la, mas vamos deixar isso para lá.
De qualquer maneira, temos que ir embora se quisermos chegar em Glenroden antes de
escurecer. Acho que não vai gostar de passar a noite aqui comigo!
Sentindo-se definitivamente desalentada, seguiu-o em direção ao riacho,
descendo a montanha pelo caminho cheio de pedras. Triste, olhou as costas dele,
praticamente sem saber onde estava. Não se lembrava de ter sentido antes uma
sensação de vazio tão grande. Na montanha, protegida pelos braços de Meric, não se
preocupava em voltar a Glenroden, mas agora tudo o que queria era um lugar para se
esconder. Sentia-se em parte agradecida por ele não saber o quanto sua rejeição a
magoara.
— Uma moeda por seus pensamentos, Sue.
— Não estão a venda.
— Pela expressão de seu rosto, pensei que fossem pelo menos interessantes.
— Tive a sensação de estar sonhando acordada — admitiu.
— De qualquer forma, não é assim tão importante.
Para sua surpresa, Meric sorriu de repente. Seus olhos estavam iluminados e,
pela primeira vez, ele lhe pareceu gentil.
— Talvez amanhã lhe peça para ser mais explícita, Sue, mas temos que ir embora
já ou John vai se preocupar. Ele confiou você a meus cuidados.
Meric foi tão amável, que o coração de Sue pulsou mais depressa.
Estava bem-humorado por algum motivo e não se preocupava em parecer assim.

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
Talvez estivesse mudando seu modo de pensar. No fundo, apesar de tudo, era provável
que ele gostasse um pouco dela.
Sua risada pareceu-lhe promissora, mas logo afastou essa hipótese. Em vez
disso, concordou cautelosamente com ele sem fazer qualquer comentário.
Quando chegaram à casa, já estava escurecendo e o lago refletia as cores
maravilhosas do entardecer. Tudo estava banhado pela luz do crepúsculo. Sue não
escondeu sua admiração diante do maravilhoso espetáculo. O outono era a mais
nostálgica das estações. Havia tristeza nas manhãs nubladas e nas nuvens sombrias à
volta das montanhas. Imprevisivelmente lhe vieram lágrimas aos olhos.
Com alívio, viu que estavam de volta a Glenroden.
— Vou direto ver meu pai — disse ela quando saíram do carro.
A sra. Lennox veio recebê-los na porta.
— Oh, estou alegre em vê-los de volta — falou, nervosa.
— Você tem uma visita, Sue. É o sr. Tim Mason.
Sue sentiu o peso da mão de Meric em sua cintura, enquanto caminhavam em
direção à casa. Isso não significava nada, apenas um gesto de amizade, mas no fundo
ela quase não conseguia disfarçar sua alegria. Meric porém não disfarçou sua irritação.
— Chegou cedo, logo depois do almoço, e ficou desapontado por não encontrá-la
aqui, Susan. Entretanto, seu pai e ele estiveram juntos conversando a tarde toda.
Preparei-lhe um quarto e acabei de mostrar-lhe a parte de cima da casa. Na certa, ficará
aqui, pelo menos foi o que pensou o sr. Frazer.
A seu lado, Meric concordava com tudo.
— O namorado de Sue é muito bem-vindo, espero que não se esqueça disso, sra.
Lennox.
Enquanto Meric falava, Sue foi tomada de um grande desânimo.
— Ele disse qual o motivo de sua vinda, sra. Lennox? O que queria?
Suas palavras soaram ridículas e teria sido melhor se não tivesse falado nada.
Notou algo estranho na expressão de Meric. Após encará-la severamente e antes que a
sra. Lennox respondesse, observou, com ironia:
— Você não devia perder tempo fazendo perguntas tolas, Sue. Vá logo ao
encontro de seu amigo. Se ele quiser ficar aqui por alguns dias será muito bem recebido.
Na verdade — seus olhos estreitaram-se consideravelmente — não será má idéia ver
como ele vai se comportar.
— Tim provavelmente teve uma folga em seu trabalho e quis me fazer uma
surpresa. Não ia imaginar que sua presença seria inconveniente.
A sra. Lennox interrompeu-a, dizendo:
— Não há inconveniente nenhum, Sue, não se preocupe. Se o sr. Findlay não se
incomodar, tenho certeza de que daremos conta desse trabalho extra.
— Isso não diz respeito ao sr. Findlay, sra. Lennox. — Mais uma vez Sue agia
impulsivamente, pois não era exatamente isso o que pretendia dizer.
— Sue! — exclamou Meric.
Confusa, voltou-se para ele e notou que seu rosto estava mais pálido do que
nunca. A presença da sra. Lennox perturbara-o a ponto de fazê-lo perder completamente

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
o humor.
— Na próxima vez que você quiser desfrutar da companhia desse moço, pelo
menos nos previna antes. Digo isso pensando apenas na saúde de seu pai.
De qualquer forma, a visita de Tim a Glenroden não teve efeitos desastrosos, pelo
menos em relação a John Frazer. Na verdade, seu velho pai pareceu gostar da
companhia,do rapaz, pois estavam quase sempre juntos e conversavam animadamente
por longo tempo. Sue concluiu que a amizade entre ele e seu pai desenvolvera-se
plenamente, para sua surpresa. Havia uma boa camaradagem entre eles e não houve
tentativa de forçar algo mais duradouro e tampouco qualquer coisa que comprometesse a
cordialidade daquele convívio diário.
Ouvindo John falando e rindo tão facilmente com Tim, Sue sentiu aumentarem
suas dúvidas mais íntimas. A lacuna causada por tantos anos perdidos era muito grande.
Se tudo continuasse como estava, nunca se sentiria ligada de verdade ao pai e nem
desejaria aceitar parte de Glenroden se alguma coisa acontecesse com ele.
Tim, entretanto, não se deixava atormentar por essas dúvidas. Como seu pai,
parecia ainda continuar assombrado pela semelhança de Sue com os Frazer e nunca
perdia oportunidade de comentar isso em voz alta.
Seu pai fizera o mesmo quando ela chegara, sem se cansar de colocá-la em frente
a retratos de antepassados ou de mostrar-lhe o álbum de família, para provar sua incrível
semelhança.
— Não há dúvida sobre isso, Susan — disse Tim em sua terceira manhã em
Glenroden. Não tinham podido sair, pois chovia demais. — Não há dúvida de que é uma
Frazer! Foi providencial ter concordado com sua vinda até aqui. De qualquer forma, John
falou-me que seu procurador certificou-se de tudo e que não há erro. é só olhar para sua
avó, para afastar qualquer suspeita — concluiu Tim.
Sue olhou para o retrato da avó e deu um sorriso enigmático. Por que sentiu um
leve ressentimento ao ouvir Tim chamar seu pai tão facilmente peio primeiro nome? Sabia
que seu pai preferia assim, mas Tim pareceu-lhe precipitado demais. Incomodou-a
também o fato dele ter ganho tão facilmente a confiança de seu pai. Depois de dois dias,
Tim sabia mais coisas sobre Glenroden do que ela, que estava ali há tanto tempo. John
tinha a impressão que ela e Tim estavam para se casar e, quando Sue protestava, tomava
isso por timidez.
— Sei que está certo, Tim — respondeu Sue, com certa impaciência. — Mas, por
favor, pare com isso! Você repete a mesma coisa sempre e isso cansa um pouco, você
não acha? Parece que está empenhado em convencer alguém de alguma coisa!
— Esse administrador, por exemplo? — Tim parecia decidido. — Penso que o
colocaria em seu devido lugar se eu ficasse aqui o tempo suficiente.
— Por favor, Tim! — pediu-lhe, enquanto tentava colocar em ordem seus
pensamentos. Sua atitude a deixava apreensiva e, além do mais, desde sua vinda se
sentia intranqüila. Desejou mais uma vez que Tim nunca tivesse aparecido.
Como previra, ele teve intenção de lhe fazer uma surpresa, chegando sem avisar
e obviamente sem se dar conta da frieza com que foi recebido, pois ocupava a maior
parte de seu tempo tentando ser agradável a John e à sra. Lennox. Tratava Meric
friamente, com a polidez de um visitante que trata um empregado de nível inferior em uma
organização. Algumas vezes Sue se afligia com seu tom de voz.
— O que quero dizer, Tim, é que não deve interferir. Meric Findlay é indispensável;
há muitos anos está com papai. Você não teve muito tempo para perceber isso, mas tente

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lembrar-se daqui para a frente. Meu pai não ficará satisfeito se fizer qualquer coisa que
aborreça o sr. Findlay.
— Estou começando a ficar curioso para saber quem está mais perturbado! Mas
não fique chateada, Sue. Só estou tentando cuidar de seus interesses.
— Não tenho interesses que precisem de cuidados, Tim — protestou, indignada.
— O quê? Não aborreça o grande Meric Findlay, é isso o que está querendo
dizer? Está com medo dele, Sue? Por que toda essa ansiedade para defendê-lo?
— Apenas porque não poderíamos dirigir Glenroden sem ele — argumentou. — É
claro que não tenho medo dele! Você tem cada idéia tão ridícula, Tim! Raramente o vejo.
O que não estava longe da verdade, pensou. Meric raramente estava ao lado dela,
às vezes só durante as refeições. Na maior parte do tempo, parecia ignorá-la, apesar da
civilidade aparente ter se manifestado mais vezes após a chegada de Tim.
Preocupada, olhava Tim caminhando em volta da sala; examinava de perto as
pinturas e os valiosos objetos de arte que enfeitavam as estantes antigas e decoravam a
bonita lareira.
— Ha outros homens — disse abruptamente — que seriam capazes de dirigir uma
propriedade como Glenroden. Depois que nos casarmos, Susan, provavelmente acharei
alguém mais capaz.
— Estou certa que achará! — concordou sarcástica, e afastou-se para longe dele.
Ouviu então um barulho na porta. Era Carlotte Craig. Estava ali, olhando-os.

CAPÍTULO IX

Há quanto tempo estaria Carlotte em pé ali? Sue ficou pálida, colocando a mão
rapidamente no rosto para disfarçar o embaraço. Carlotte ria satisfeita, sem dar a
impressão de ter ouvido alguma, coisa. Mas com Carlotte, não se podia ter certeza de
nada. Sue só esperava que ela não estivesse ali há muito tempo.
— Não vai me apresentar a seu amigo? — perguntou Carlotte, com ar de
expectativa. Enquanto esperava pela formalidade, olhava de Sue para Tim.
Sue apresentou-os com dignidade, embora friamente. Tim estendeu-lhe a mão e
Carlotte cumprimentou-o com cordialidade. Sue voltou a pensar no que Tim lhe dissera
quando Carlotte chegou. Como ousava colocá-la naquela situação, propondo-lhe
casamento em voz alta? Por que não o fez desistir logo em Londres, em vez de achar que
não era nada sério? Queria logo resolver aquele problema, mas era impossível fazê-lo
agora.
— Você é o namorado de Susan, não é? Quase não ouvi o que ela disse quando
nos apresentou.
— Bem", vamos admitir que sim. Realmente estou pretendendo ser algo mais,
mas ainda não há nada oficial, você entende?

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— Claro — Carlotte concordou. Pelo seu jeito de rir, tinha gostado da novidade. —
Acabei de chegar de Londres e confesso que me sentia chateada; essa novidade, porém,
me deixou mais animada. Você e Susan se conhecem há muito tempo?
— Ôh, sim! — Tim não parecia nada relutante, — Há bastante tempo. Olhava por
Susan e sua mãe. Morávamos perto e sua mãe sempre me recebeu com a maior atenção.
Sue tinha certeza que quando Carlotte se visse a sós com Tim iria crivá-lo de
perguntas. Por que se preocupar com isso, se realmente não tinha nada para esconder?
O único problema era Tim ser impulsivo, criando às vezes situações embaraçosas.
— Precisamos ir todos até o hotel, uma noite dessas. Meric saberá qual vai ser a
melhor noite. Talvez tenhamos algo oficial para celebrar lá, nunca se sabe.
O que ela queria dizer com isso? Sue arregalou os olhos e sentiu-se tomada de
desânimo. Será que estava insinuando alguma coisa entre ela e Meric?
— Pensarei nisso — respondeu, tentando se fazer gentil. — Vai depender do
estado de papai.
— Foi bom você falar nisso, pois vim até aqui para visitá-lo. Como está ele?
— Muito bem — disse Sue. — Estava conversando com Meric até há pouco
tempo.
— Oh, que bom!
Satisfeita com as notícias, Carlotte sorriu.
— Vou com Meric a Perth agora de manhã. Ele vai a uma venda de gado.
Voltaremos à noite e jantaremos aqui; assim nos veremos melhor.
Com um leve aceno de mão, saiu, deixando os dois silenciosos, olhando em sua
direção.
Sue afastou-se sem que ele notasse a incerteza estampada em seus olhos. Sem
esperanças, ela tentou não pensar mais nisso.
— Como você viu, Tim, meu pai não anda bem, e não quero fazer nada que
aborreça a ele ou a Meric Findlay.
— Aborreça? Eu entendo sua preocupação com seu pai a quem aprecio muito,
mas, quanto a Meric Findlay, depende de você se afirmar diante dele, ou se verá em
maus lençóis. — Ignorando sua expressão de protesto, Tim continuou: — Carlotte não
falou que irá para Perth com ele hoje? Que tal se déssemos uma volta enquanto estão
fora? Só tente conseguir uma mapa. . . John deve ter algum, e eu me encarrego do resto.
— Mas, Tim, não gostaria de fazer isso à revelia de meu pai!
— Mas não vamos cometer nenhum crime! — exclamou Tim. — Além do mais, se
os outros se divertem, por que você também não fez o mesmo?
Tim a estava irritando deliberadamente, pensou Sue. Quando concordou com sua
sugestão, não foi pelo motivo que ele dera, mas pelo fato de Carlotte e Meric terem ido
passar o dia juntos. Sabia que não agüentaria ficar ali até que voltassem e, como Tim
disse, não haveria mal algum em explorar a propriedade.
Não foi fácil aproximar-se de seu pai, especialmente sem poder ser muito franca.
— Queria mostrar Glenroden a Tim — explicou ao pai. — Gostaria de saber se há
um mapa da área.
Uma expressão curiosa estampou-se na fisionomia cansada de John, enquanto se
acomodava em seu leito. Não estava em seus bons dias. Carlotte o cansara com seus

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papos e ele não parecia disposto a conversar. Sensível como era, Sue notou que a
melhor coisa a fazer era afastar Tim por algum tempo, enquanto John descansava.
Era óbvio que não pareceu muito satisfeito com o pedido do mapa e Sue
perguntou-lhe se ele não preferia que ela lhe fizesse companhia. John recusou a idéia,
apesar de não parecer muito satisfeito com sua primeira sugestão,
— Teria sido melhor se' tivessem ido com Carlotte para Perth, seria mais
interessante para vocês. Acho que Meric tem todos os mapas no escritório, mas, se der
uma olhada na gaveta daquele móvel, talvez possa encontrar um pequeno.
Sue olhou desalentada para o mapa quando o encontrou. Estava em más
condições e não iria ajudar muito.
— Posso apanhar um outro lá no escritório, papai?
— Não faça isso! — Seu pai surpreendeu-a ao adverti-la tão abruptamente. —
Nunca vá lá, Susan, sem falar primeiro com Meric — acrescentou com certa hesitação. —
Gostaria que você não o atrapalhasse causando-lhe problemas.
— Não, claro que não. — Ansiosa, Sue achou melhor não discutir mais. — Não,
não vou nem me aproximar do escritório, mas gostaria que o senhor marcasse os limites
nesse pequeno mapa.
John virou-se para o outro lado, dando a entender que não queria ser incomodado.
— Vá simplesmente passear, Susan. Há muitos lugares que podem visitar, sem se
perderem. Meric levou-a até as montanhas, mas hoje não a aconselho a ir lá. Caso se
percam, você vai ver que Tim Mason não é Meric Findlay. — John não disse mais nada.
Sentindo-se levemente ferida, Sue saiu. Por que seu pai era sempre tão relutante
em falar sobre Glenroden? Não que estivesse muito curiosa, mas gostaria de saber o
motivo. Sabia que muitas propriedades não iam bem de finanças, mas isso não era
motivo para ele se envergonhar. Algo lhe dizia que seu segredo tinha alguma relação com
Meric.
— Vamos com meu carro — disse a Tim. — Ainda o tenho, pois pretendo arrumar
um emprego e vou precisar dele.
Tim felizmente estava muito ocupado com o mapa para prestar atenção no que ela
dizia. Sue duvidara que ele até mesmo tivesse ouvido. Para sua surpresa, ele começou a
rir. Aparentemente, o estado do mapa não os impediria de ir.
— Preocupe-se apenas com esse pedaço de terra — disse ele, apontando os
eventuais limites da propriedade. — Deixe de lado essa preocupação de arrumar um
emprego. Tudo me faz crer que seu pai tem uma vasta extensão de terra. Não pretenda
descobrir o motivo do sr. Findlay não querer que você saiba disso.
— Tim, por favor.
Em sua agitação, Sue fez mal a mudança do carro, provocando um solavanco.
— Desculpe-me, mas, por favor, não insista nesse assunto. Se voltar a falar de
Meric, deixo você aqui sozinho!
— Está bem, calma. Você sabe que sua mãe confiava em mim por zelar pelos
seus interesses. Só estou lhe mostrando certas evidências, como já fiz antes. Não é
impossível e nem seria a primeira vez que um homem em condições precárias de saúde
fosse enganado.
Sue permaneceu em silêncio. Estavam passando pelo caminho do rio para
chegarem ao lago, e Tim insistia em chegar até o estacionamento das caravanas.

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— É só para dar uma olhada — insistiu, ignorando a expressão mal-humorada de
Sue. — Num feriado poderia vir aqui por minha conta — acrescentou.
Olhou com ar interessado a fila de caminhonetes. Sue acompanhou com os olhos
sua caminhada até o lago. Soprava uma leve brisa que ondulava as águas. Agora que a
chuva passara, a claridade do céu era a primeira prova da chegada do inverno. Como
seria nessa zona montanhosa da Escócia? Sue imaginou noites longas e escuras, lareiras
aconchegantes e o isolamento em que certamente ficariam em Glenroden. Inverno
significava Meric, John e a sra. Lennox. Recusara-se a pensar em Carlotte e Tim deveria
ir embora.
Quando Tim voltou de seu passeio, parecia estar com um excelente humor e
assim permaneceu pelo resto do dia. Sue não tinha nunca a idéia da distância em que
estavam. Tim. para sua surpresa, provara ser um excelente leitor de mapa, revelando-se
capaz de levá-la até mesmo aos campos mais selvagens. Se não fossem os
pensamentos que a atormentavam, Sue poderia ter aproveitado melhor o passeio!
— É melhor olhar a estrada — observou Tim secamente. — Devemos estar quase
chegando e não quero me perder.
O topo do morro parecia ser o lugar mais perigoso do passeio.
Além do lago, podia-se ver o contorno das montanhas no horizonte. Depois de
uma cuidadosa inspeção, Sue notou que podia ver o morro que ela e Meric
escalaram.para ver o cervo. Falou com Tim sobre isso.
— Foi realmente uma experiência maravilhosa — comentou e ficou surpresa com
a estranha expressão de Tim.
Voltaram para o carro estacionado à beira da estrada.
— Vamos andar só mais um pouquinho — propôs Tim, colocando o braço em seus
ombros. — A gente vai até a estrada principal e depois volta para Glenroden. Está
satisfeita com o dia que passou?
Sem prestar muita atenção, Sue concordou.
— Aproveitei o passeio — respondeu — se é o que está querendo saber. Nunca o
faria sozinha.
— Sei que não vimos tudo como devíamos, mas pelo menos tive a chance de
guiá-la pela propriedade. Não quero vê-la magoada.
— Magoada? — repetiu. — Oh, não se preocupe!
Irritado com sua resposta, Tim bateu a porta do carro.
— Penso algumas vezes, Sue, que você está deliberadamente obtusa. Não está
certo confiar demais na pessoa errada.
— Bem, isso depende de bom senso, e tenho certeza de que ele não me falta.
Sue ia tentar mudar o rumo da conversa quando ele perguntou abruptamente:
— Faz tempo que John está doente?
Desesperada com sua pergunta, Sue respondeu, confusa:
— Sim. Há alguns anos. Foi o que o dr. McRoberts me disse. No dia em que
cheguei, papai estava com o tornozelo machucado e a noite sofreu um ataque cardíaco.
Desde então, não se recuperou totalmente. O médico disse que o ferimento no tornozelo
e meu inesperado aparecimento devem ter sido as causas da crise.
— Esse dr. McRoberts falou sem rodeios?

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— Não, Tim, perguntei-lhe e ele me deu uma resposta honesta. Não adiantava
mentir. Eu tinha consciência de que parte da culpa era minha, por isso que não quero
aborrecê-lo mais. É importante que papai não sofra mais por minha causa.
— Já disse o suficiente. . . Você sempre gostou de se sentir culpada por tudo.
Deveria ter pensado, dadas as circunstâncias, em providenciar o quanto antes uma
regularização da situação.
— De que maneira? — perguntou Sue, impaciente.
— Bem, se fosse você, tentaria fazê-lo agora sem magoar John. Deveria fazer um
acordo com o sr. Findlay. Se conseguir isso, saberá exatamente como são as coisas. Esta
propriedade é grande e, com seu pai tão doente, você deveria pelo menos assumir
algumas responsabilidades.
Meric tinha telefonado enquanto estavam fora. Informou à sra. Lennox que
Carlotte e ele ficariam em Perth para jantar com uns amigos.
— Felizmente, não tinha começado a preparar nada, pois considero muito o sr.
Findlay — observou a empregada.
— Nem todos pensam assim — respondeu Sue a caminho de seu quarto. Depois
de tomar uma sopa leve, decidira ir dormir. Deixou Tim ouvindo rádio, pois não havia
televisão em Glenroden.
Como fora tola em imaginar que poderia passar o inverno em Glenroden. Não
sobreviveria nunca! Precisava perguntar a Carlotte se tinha notícias sobre o emprego de
professora de que tinha lhe falado. Era necessário sair dali mais cedo do que havia
pensado.
Alguns dias mais tarde, Meric surpreendeu-a, dizendo durante o café que tinha
reservado uma mesa para quatro pessoas no restaurante do hotel.
— Há um hotel perto de Pitlochry — explicou ele. — Acho que vai se divertir.
Geralmente nas noites de sábado há alguma atração.
Tim empertigou-se e respondeu polidamente:
— Gostaríamos muito de ir, não é, Sue?
Apesar de Meric ter se dirigido a ela, Tim obviamente achou normal incluir-se no
convite.
Ficou irritada com a maneira com que ele a incluíra em sua resposta, mas não
pôde deixar de sorrir, quando notou a voracidade com que ele comia seus ovos com
bacon.

Na noite do programa, Carlotte atrasou-se e já passava das seis quando partiram


para Pitlochry.
— Você precisa levar Tim para dar um passeio na cidade antes dele voltar a
Londres — lembrou-lhe Meric. — Certamente achará aqui mais interessante do que
Glenroden.
Então ele sabia do passeio! Mas nem Tim nem ele tinham mencionado onde
estiveram, e não havia ninguém que pudesse ter contado a Meric. Quando ela devolveu o
mapa, seu pai nem perguntou se tinham aproveitado o passeio. Tentou então imaginar
como Meric descobrira. Será que acontecia alguma coisa em Glenroden que ele não
soubesse?

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Carlotte quebrou o silêncio com uma risada e, tornando as coisas ainda piores,
perguntou:
— Vai voltar para o Natal, sr. Mason? Tenho certeza que sim pois Susan vai se
sentir muito só.
Carlotte ficou sem resposta, pois Meric parou abruptamente em frente de um
enorme portão de ferro que dava acesso ao grande e vistoso hotel.
— Fica aberto o tempo todo — comentou ele, antecipando a pergunta de Sue,
Abriu a porta do carro e saiu. — Vamos entrar — propôs.
Carlotte e Sue foram deixar os abrigos no vestiário, antes de irem ter com os dois
no bar. Novamente Sue constatou como Meric ficava bem com sua roupa escocesa. Seus
ombros largos e sua estatura faziam qualquer homem ali na sala se sentir insignificante.
Ao lado dele, nem notara Tim.
Como estavam atrasados, levaram seus drinques para o restaurante. Era uma
sala bonita, com amplas janelas que, durante o dia e as noites de verão, certamente
deviam oferecer uma vista maravilhosa do campo escocês.
Sentou-se ao lado de Tim, mas Meric sentou-se à sua direita. Estava ciente da
presença dele como se fizesse parte do seu próprio corpo. Freqüentemente olhava para o
belo rosto queimado, como se estivesse presa a ele contra sua vontade.
Sue usava saia preta, com uma blusa de jérsei de mangas compridas e decote
baixo, mostrando as linhas graciosas de seus ombros. Tinha escovado os cabelos e não
os prendera.
Meric achou-a atraente. Sue pôde constatar isso nos olhos dele, há algum tempo
fixados em sua figura. Meric limitou-se porém a um breve comentário. Tim, que não tinha
inibições, manifestou abertamente seu entusiasmo, mas nem por isso trouxe alegria ao
coração ferido de Sue.
Depois do jantar, foram para o salão de festas e tomaram café numa mesa
pequena, perto da pista de dança. Uma pessoa do conjunto apresentou-se vestido a
caráter e, depois de um concerto improvisado, seguiram-se músicas para dançar. Mais
tarde, Sue viu-se rodopiando no salão nos braços de Meric.
— Foi gentileza sua conceder-me esta dança, srta. Frazer. Não teve receio de
confiar seus pés a um camarada desajeitado como eu?
— Não se desculpe, sr. Findlay — respondeu, sorrindo. — Se me pisar, sem
dúvida acharei algum modo de me vingar, esteja certo.
— Você não age sempre assim? Tim Mason é, por acaso, sua última forma de
represália?
— Tim? — Tropeçou e quase caiu. — Como poderia ser ele?
— Bem, certamente ele não se esforça para ser simpático, pelo menos para mim.
— Apertou forte sua cintura enquanto dançavam e, com frieza, acrescentou: — Posso
agüentá-lo ainda este fim de semana, mas não me responsabilizo pelos dias seguintes.
Sue enrubesceu, sem saber se por pudor ou aborrecimento. Talvez fosse por
ambos.
— Ele deve ir embora segunda ou terça-feira — respondeu secamente.
— Vai lhe pedir para voltar?
— Você certamente não se preocupou em recebê-lo bem — disse Sue sem

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
rodeios. — O que me diz da famosa hospitalidade escocesas.
— Nem todos são recebidos de braços abertos.
— Mas não se pode matar as pessoas, só por não gostar delas.
— É verdade. Palavras são as únicas armas que nos restam, mas mesmo assim
às vezes dispomos de outras.
Sue sentiu um leve tremor quando olhou para Meric. Será que estava se referindo
ao passeio deles nas montanhas?
— Não acho que Tim queira voltar, mesmo que você o convide!
— Não se preocupe, não o convidarei. Ele não é bom para você Sue. Não faz seu
tipo com toda aquela hipocrisia. Será melhor esquecê-lo o mais depressa possível.
— Se eu tiver que convidá-lo, ou qualquer um dos meus amigos, não poderá
impedir-me.
— Tente e verá! — O olhar de Meric era inflexível.
Após a dança Sue sentiu-se completamente indefesa.
— Gostaria de ter uma briga com você, Sue, e sei que sairia vitorioso.
Quando começou a música seguinte, ela deixou-o, voltando a seulugar, ciente de
que ele a seguia. Tim conversava com Carlotte animadamente. Sue calculou que ela
estava crivando Tim de perguntas. Carlotte soube pouco, exceto que os pais de Sue
tinham se separado.
Quando ela se aproximou, Carlotte levantou-se e, em tom de zombaria, comentou:
— Parece que você está fugindo, Sue.
— Engano seu. — Depois respirou profundamente e acrescentou: — Você sempre
tem impressões erradas! Aliás, foi você quem me deu essa impressão. Eu estava o tempo
todo dançando.
Sem se perturbar, Carlotte disse:
— Tive uma conversa gostosa com Tim. Esteve me contando um pouco de sua
vida.
Confusa, Sue encarou-a, enquanto Meric se aproximava delas. Tinha sido uma
tola de pedir a Carlotte um emprego, sendo ela sua inimiga declarada.
A noite correu bem até chegar a hora de irem para casa. Tim não dançou, mas
Meric, para surpresa de Sue, não parou quase nenhuma vez, apesar de não convidá-la
mais. Juntaram-se a um grupo de jovens vizinhos e parceiros não faltaram para dançar
com Sue. Felizmente aprendera as danças da Escócia com rapidez e não teve problemas
para acompanhar seus pares.
As duas moças chegaram cansadas a Glenroden e foram dormir direto. Carlotte
passaria a noite lá, pois era muito tarde para voltar a Perth. Infeliz, Sue não conseguiu
descobrir se fora Meric quem tinha decidido isso. De qualquer forma, não pretendia fazer
companhia a Carlotte na sala, onde a sra. Lennox deixara sanduíches e café numa
garrafa, caso chegassem com fome. Depois de algum tempo, Meric subiu. Sue ouviu-o
passar pela porta de seu quarto, mas depois só o barulho do vento zunindo lá fora.
O vento geralmente a fazia dormir. Naquela noite porém não lhe causara o mesmo
efeito. Seus pensamentos perturbavam-na, tiravam-lhe o sono. Não conseguia esquecer
Meric. Sabia que o amava, embora não alimentasse esperanças. Meric não merecia sua
afeição. A cabeça de Sue tremia, apoiada no travesseiro. Exausta, tentou lembrar-se de

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tudo o que ele havia dito enquanto dançaram aquela única vez, embora isso não a
confortasse em nada. Quando disse que não deveria mais convidar Tim para Glenroden,
ele falou como se fosse o dono do lugar. Enquanto pensava, Sue se sentou na cama.
Lembrou-se que quando passearam pela propriedade, Tim sugerira que
procurassem o escritório para se inteirarem da situação exata de Meric. Sem dúvida
recusara a idéia e ele não falara mais nada. Nesse momento, porém, ocorreu-lhe uma
outra idéia bastante tentadora. Para ela não fazia a menor diferença se ele fosse ou não o
gerente. Havia porém a possibilidade dele ser sócio de seu pai, ou, pior do que isso,
poderia possuir a metade ou a maior parte de Glenroden. Nunca lhe ocorrera tal
pensamento, mas de repente lhe pareceu saber toda a verdade.
Sem mais delongas, afastou suas cobertas e levantou-se. Vestiu seu penhoar,
colocou os chinelos e abriu a porta, sem ousar acender a luz.
Não precisava preocupar-se. A casa grande estava silenciosa. Após se certificar
de que não havia ninguém por perto, desceu as escadas e foi até o vestíbulo.
A biblioteca que Meric usava como escritório era ao lado da escada.
A única luz vinha da lua, e o único barulho, das batidas fortes de seu coração.
Na biblioteca parou, um pouco incerta, até que se decidiu. Abriu a porta e entrou.
Uma vez lá dentro, lembrou-se que deveria ter trazido uma lanterna. Havia uma na
cozinha, mas não ousou ir buscá-la. Enquanto seus dedos procuravam nervosamente o
interruptor de luz, sentiu-se apreensiva. Mas ninguém iria ver a luz acesa àquela hora da
noite e, quanto mais cedo achasse o que procurava, melhor.
Só havia estado ali duas vezes: uma quando veio buscar o cachorro de Meric para
um passeio, e encontrou Carlotte, e a outra para trazer um recado. Lembrava-se da mesa
e de algumas outras coisas. Agora observava as estantes, as cadeiras confortáveis perto
da lareira e a grande mesa de carvalho coberta de couro.
Repentinamente seu coração bateu acelerado e seus olhos se arregalaram. Sentiu
medo e deu-se contade que não podia,ir adiante. Foi uma idéia impulsiva, um momento
de loucura, mas Sue sabia que, quaisquer que fossem os segredos que estivessem
contidos ali, não deviam ser violados. Era contra sua natureza mexer em coisas alheias.
Por que não pensara nisso antes? Quando Tim partisse, falaria francamente com Meric e
ele lhe diria tudo o que ela quisesse saber.

CAPÍTULO X

Sue repentinamente sentiu-se trêmula e sem ação. Instintivamente se deu conta


de que havia alguém do lado de fora. Quando a porta se abriu foi como se ocorresse uma
explosão em seus ouvidos.
Atordoada e incrédula, seus olhos confusos pousaram em Meric. Imaginou que ele
talvez a quisesse estrangular, quando o ouviu exclamar:
— Ah! — Foi como se a presença dela, ao lado de sua mesa, deflagrasse uma

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raiva incontrolável.
Pela primeira vez, desde que o conhecera, sua fúria a deixara muda.
Extremamente constrangida, balbuciou:
— Desculpe-me. Não pretendia perturbar ninguém, e não sei como soube que eu
estava aqui.
Os olhos escuros de Meric estreitaram-se, enquanto ele a observava.
— Desci para ver se John estava bem. — Seu tom de voz era sinistro. — Depois
vim até aqui. Ouvi barulho. Estava escuro e, como você não acendeu a luz, eu não podia
saber quem era até abrir a porta. Pensei que pudesse ser seu amigo Tim Mason
espionando por aqui.
— Meu pai está doente? — Preocupada, Sue mal escutara o que Meric falara de
Tim.
— Você está mudando de assunto, Sue. Ele não tem estado bem ultimamente e
você sabe disso.
— Deveria ter ido vê-lo, quando chegamos em casa, mas pensei que estivesse
dormindo. E além do mais não estou mudando de assunto!
— Você não me disse o que esteve fazendo em minha mesa observou Meric.
— Não estava em sua mesa.
— Mas então o que estava fazendo aqui perto dela? É melhor dar logo uma boa
explicação.
Sue lembrou-se que uma vez ele a chamara de mentirosa. Foi apenas de
brincadeira, mas não queria agora que ele pudesse acusá-la seriamente. O que lhe diria?
Desesperada, deu um passo para trás desviando-se de seu olhar enervante. Como iria se
sair daquela, se ela mesma não tinha coragem de admitir a verdade?
Meric esperou mais alguns segundos. Aí então sua paciência estourou. Com um
passo largo, aproximou-se dela e, apertando seus ombros, perguntou:
— Mason induziu-a a fazer isso, não foi? Você está tentando encobrir a Verdade.
Suas perguntas, como suas mãos, feriam. Feriam pois, de certa maneira, ele tinha
razão. Como poderia explicar que sua atitude não tinha nada a ver com a sugestão de
Tim? Caso contasse a verdade, ele nunca iria acreditar, disso tinha a mais absoluta
certeza. Era tudo complicado demais! Balançando a cabeça, tentou esquivar-se de suas
mãos.
— Tim não sabe que estou aqui.
— Isso não responde à minha pergunta!
Meric não deu crédito à sua frágil desculpa e Sue percebeu que ele estava ficando
cada vez mais nervoso,
— Sei que foi tolice minha vir até aqui, mas não causei nenhum dano. Não toquei
em sua mesa e nem roubei nada, apesar de suas suspeitas.
— Tenho que admitir — continuou — que esse seu pijama é melhor do que o que
usava em Londres, mas, mesmo esse, não dá muita chance para imaginação.
— Eu odeio você!
— Quando um homem encontra uma garota nesses trajes e à essa hora, ele
geralmente não se preocupa muito com o que ela esteja sentindo.

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— Você não teria me encontrado, se não estivesse por aí me vigiando. Deu-me,
um susto horroroso e agora me acusa. . .
— Sue! — exclamou, sacudindo-a com força. — Vai me dizer ou terei que forçá-la
a fazê-lo?
Sue permaneceu calada.
— Então — insistiu com voz severa — se diverte sendo insolente! Já lhe falei e
volto a repetir: livre-se de Tim Mason ou serei obrigado a fazê-lo. . . o que será muito mais
humilhante para ele!
Sue suspirou apreensiva.
— Não ouse dizer nada a Tim, está me ouvindo? Do contrário, ele não será o
único a partir, asseguro-lhe.
— Seria isto uma ameaça, srta. Frazer?
Os dedos dele apertavam seus ombros. Sentiu medo. Como iria explicar que
queria se certificar de sua exata posição diante da propriedade?
Lembrou-se então de seu pai e da consideração que lhe devia. Foi então que se
decidiu. Era John quem devia dizer o que queria saber, e não Meric que a ferira por
recusar-se a dar-lhe a informação que pedia. Devia estar cega, por não ter se dado conta
disso antes.
Sua mente confusa voltou a pensar em Tim. De qualquer maneira, teria que salvá-
lo da fúria de Meric.
— Não gosto que as pessoas fiquem magoadas, especialmente Tim — disse ela.
Ele tratou-a, obviamente, como achou que ela merecia.
— Você parece decidida a proteger o sr. Mason, não é? Então por que ele não
está aqui para protegê-la do salafrário que dirige Glenroden? Onde ele está? Sentado na
cama esperando que lhe tragam o que pretende?
— Você é terrível! — Sue sentiu-se sufocada com sua indignação incontrolável.
Suas mãos a soltaram tão repentinamente que ela quase caiu.
Meric, então, prosseguiu:
— Então, em sua opinião, sou um homem pouco virtuoso?
— Não tenho a menor dúvida! — exclamou com destemor, já que seu único desejo
era feri-lo. Estava agitada e seus olhos não escondiam sua tristeza. Percebeu que ia
começar a tremer e sabia que se lembraria desse momento pelo resto de sua vida. Havia
uma visível tensão entre eles. Meric então se aproximou, tentando alcançá-la com os
braços.
Veio direto, sem hesitação, segurando-a forte, puxando-a contra seu corpo e
ignorando sua resistência com uma gargalhada.
— Você deve permitir que o diabo viva como ele é — argumentou e apertou-a com
violência em seus braços.
Ela tentou desesperadamente lutar e escapar, mas Meric dominou-a com
facilidade. Segurou a cabeça de Sue com uma das mãos e, aproximando o rosto,
mergulhou seus lábios nos dela. Sue sentiu o sangue correr-lhe mais rápido nas veias.
Seu corpo ardia como fogo. Não foi exatamente como no chalé e na montanha. Agora
Meric não estava brincando! Embora não a amasse, beijava-a com uma fúria que ela
ignorava de que ele fosse capaz. Sue sabia que a loucura invadia seu corpo. Não

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
conseguia detê-la, mesmo lançando mão de todas as reservas de sua sensatez. Cedeu
finalmente às carícias de Meric e caiu prostrada no seu peito. Levantou então os braços,
envolvendo o pescoço dele enquanto seus dedos o acariciavam com ternura.
Meric levantou a cabeça uma única vez e, com as mãos, percorreu as curvas de
seu corpo, sentindo o calor de sua pele nua e macia. Alisou depois seu cabelo, cobrindo-
lhe de beijos. Ele a imobilizava sem que ela protestasse, como se estivesse lhe aplicando
um castigo.
Os lábios dele voltaram a acariciá-la e sua excitação foi tal que nunca imaginou
que uma sensação como aquela pudesse dominá-la tão completamente. Meric parecia
querer demonstrar como sua resistência tinha sido inútil e que ele seria capaz de fazer o
que quisesse com ela. Assim que parou de beijá-la, Sue começou a mordiscar o corpo de
Meric com suavidade, sem se importar com a idéia de que ele pudesse julgá-la devassa.
Não tinha noção do tempo que ficou em seus braços e nem de quando saiu do
escritório e foi para o quarto.
Quando ele abriu a porta e a fez entrar, Sue sentiu os lábios macios tocarem sua
nuca. Quando a fez sentar na cama, sentiu-se a mais rejeitada das mulheres.
Sua voz soou fria, quando se despediu:
— Às vezes, Sue, chega uma hora em que a verdade deve prevalecer. Uma
menina como você que não quer exercer o outro lado. . .
Abriu a porta, saiu e a deixou ali, triste e confusa, tentando considerar detidamente
o que Meric acabara de lhe dizer.

O dia seguinte era sábado e Meric levou Carlotte de volta a Perth, só voltando de
madrugada.
Dois dias depois, Tim partiu para Londres e, na tarde seguinte, morreu John
Frazer.
Morreu quieto depois do almoço, enquanto dormia. Sue sentiu-se meio perdida
com a morte repentina do pai. Foi a sra. Lennox quem lhe deu a notícia, pois ela tinha
levado os cachorros para passear. Não viu Meric o dia todo, e nem tinha vontade de vê-lo,
até que chegasse a uma solução para seus problemas. Precisava descobri-la! Se
falhasse, sabia que não poderia mais ficar em Glenroden. Se antes não estava consciente
disso, agora tinha certeza. Ficar significaria uma humilhação total. Depois do que
acontecera no escritório, não podia entender o que Meric pretendia. Como podia fazê-la
sentir-se tão desprotegida e vulnerável e ao mesmo tempo detestá-la? Era estranho
demais!
De qualquer forma sentia-se muito pior agora do que quando sua mãe falecera.
Meric e a sra. Lennox fizeram tudo por ela. Carlotte mandou um rápido bilhete de
condolências, mas não apareceu.
— Ela não se incomoda com coisas desse tipo — explicou-lhe a sra. Lennox
secamente. — Não há dúvidas porém que aparecerá para o enterro.
Meric estava amável, mas completamente neutro, fazendo tudo com muita
eficiência, quer recebendo as visitas quer atendendo aos telefonemas. Seu abatimento
pela perda do amigo transparecia apenas em leves rugas perto da boca e em olheiras
profundas.

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Sue estava meio atordoada, nos dias que procederam ao enterro.
Em termos de futuro, só pensava no emprego de professora. Deixou Glenroden de
lado. Parecia natural que Glenroden pertencesse a Meric, apesar de não ter idéia de
como tudo seria resolvido. Para sua surpresa, percebeu que perdera completamente o
interesse pela propriedade.
Mas no dia seguinte ao enterro, decidiu ir a Perth para ver o procurador de John e
pedir-lhe seu conselho. Ficou decidido que ele viria a Glenroden, na segunda-feira
seguinte, embora Sue soubesse que nesse dia não estaria em casa. Meric não sabia
disso. Na verdade, ela ia dizer-lhe, mas acabou desistindo. No fim de semana precisaria
de coragem para abordá-lo, mas antes disso precisava ver o procurador em Perth.
Saiu na sexta-feira depois do almoço, pois marcara o encontro para as duas
horas. Para seu alívio, Meric não estava em casa. O dia parecia-se com aquele dia no
verão, quando foi ver o procurador de sua mãe para se informar sobre a carta que a
trouxera até o norte da Escócia. Lembrou-se que tinha almoçado antes com Tim. Seus
pensamentos começaram a vagar enquanto se dirigia rápido para a cidade. Talvez
devesse avisar Tim sobre seu pai. Curioso! Esquecera-o desde sua volta a Londres.
Desaparecera de sua mente assim que foi para a estação. Parecia não existir mais!
Somente Meric Findlay
ocupava seu coração e seus pensamentos. Estava triste com a morte do pai e só
Meric poderia amainar aquele sofrimento.
Depois de estacionar o carro, atravessou a Marshall Place onde ficava o escritório
do procurador num velho prédio. Assim que a viu, sem se importar com o ar surpreso e
perdido de Sue, foi logo dizendo:
— Você sabe, é claro — começou — que seu pai não era o dono de Glenroden?
Vendeu-a, há dez anos. Na verdade, teve muita sorte em encontrar um comprador como
Meric Findlay; mas isso são águas passadas.
Sue olhou-o agradecida, pois estava concentrado em seus papéis e não percebeu
seu olhar surpreso. Então Meric era o dono de Glenroden, e não seu pai!
O homem continuou falando. Parecia que ele conhecia seu pai há anos; sua mãe
também.
— Você lembra muito sua avó, minha querida. Era uma mulher muito bonita —
comentou já à saída de Sue.
Quando a porta se fechou vagarosamente atrás dela, Sue concluiu que, além da
surpreendente revelação, não sabia muito mais do que quando entrou. Havia algo que
não conseguia se lembrar sobre uma pequena herança, mas era tudo.
Já tinha escurecido quando tomou o caminho para Glenroden, e foi só quando
atravessou aquela passagem perto do rio, que decidiu não falar nada para Meric do que
sabia, até segunda-feira de manhã. Teria apenas que ser rápida. Uma desculpa curta,
uma palavra de despedida e um agradecimento antes de sua partida. Terminaria tudo em
alguns minutos, sem muitos embaraços.
Nesta noite, Meric estaria fora quando voltasse. Lembrou-se que ele tinha um
compromisso inadiável. Deliberadamente, ficou em Perth até a hora de sua saída, mas
não se deu conta que estava ficando resfriada. A temperatura caíra enquanto andava sem
destino pelas ruas da cidade. Por outro lado, o aquecimento de seu carro não estava
funcionando, pois esquecera de mandar arrumar. Estava realmente com frio e
ansiosa por um chá quente. O farol alto de seu carro era potente e, graças a ele, pôde
ver, assim que chegou, a fachada da casa que deixaria no dia seguinte. Saiu correndo do

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carro, cambaleando pelo caminho cheio de pedras. Bateu a porta com toda cautela e, ao
se virar, viu Meric descendo a escada em direção a ela. Usava sua roupa escocesa e sua
expressão era severa. Já estava quase à sua frente, quando o viu, por isso não pôde
evitá-lo.
— Sue!
Sua breve exclamação fez com que ela parasse. Meric a olhou fixamente para ela.
Sue estava pálida, seus olhos sombrios e os nervos arrebentados. Sacudiu
impacientemente os ombros e, com esse gesto, caíram por terra suas últimas decisões.
As lágrimas começaram a brotar copiosamente de seus olhos.
— Sue!
Pela segunda vez Meric falava seu nome, mas agora o tom parecia meio
desesperado.
— Por favor, diga-me o que está errado, o que houve com você? — Sem obter
resposta, abraçou Sue, dizendo repentinamente:
— Eu amo você.
— Por que não me disse antes?
De repente, Meric ficou tenso e parou de acariciá-la. Continuava a ampará-la nos
braços, com os olhos fixos em seu rosto.
— Meu Deus, onde você esteve toda a tarde? — perguntou, aflito.
Sue não conseguia acreditar que Meric estivesse ali, desesperado.
— Você não adivinha? — perguntou baixo, sentindo a respiração dele.
— Como eu posso adivinhar? — Olhava para ela com uma expressão paciente e
ansiosa. — A sra. Lennox pensou que você tinha ido a Perth, mas, quando não voltou,
comecei a me preocupar. Estava aqui, quase louco, esperando você.
— Você ia sair para jantar. — Mal podia falar, pois soluçava, sem poder controlar-
se.
— O jantar não era importante — disse ele — mas você é! Levei a sra. Lennox até
a cidade, esperando encontrá-la em casa, quando voltasse. Mas você ainda não
respondeu minha pergunta.
Não havia jeito de escapar. Finalmente se obrigou a encará-lo.
— Fui ver o procurador de meu pai em Perth.
— Ferguson?
Sue concordou com a cabeça, sentindo-se sem forças. Começou novamente a
chorar e ele abraçou-a antes que pudesse falar. Levou-a para a biblioteca e fechou a
porta. Atordoada, ficou em seus braços. Estava feliz, mas ao mesmo tempo triste, pois
tudo que esperava evitar falar precisava ser dito. Embora se sentindo muito fraca,
conseguiu finalmente dizer:
— Eu estava tentando descobrir alguma coisa sobre a propriedade. Tinha um
pressentimento horrível de que as coisas não eram como deveriam ser. Algumas vezes
pensava que você era apenas um administrador que queria mandar em tudo e às vezes
me parecia que eu e meu pai pudéssemos estar vivendo de caridade.
— Pobre Sue, tão confusa! Pense — sugeriu firmemente — que vamos começar
da estaca zero, você e eu. Aliás, é algo que devíamos ter feito, há muito tempo.

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Sue olhou-o e percebeu que ele estava falando sério.
— O procurador disse-me que o dono de Glenroden é você, e não meu pai, mas
não lhe perguntei mais nada. Parecia que achava normal que eu já soubesse disso. Não
tive coragem de falar-lhe que não sabia de nada a esse respeito. Além disso, não me
parecia mais importante.
Encarou-a com os olhos cheios de arrependimento, ao vê-la tão pálida.
— Se pelo menos eu soubesse onde tinha ido, Sue, teria lhe poupado essa dor.
Pretendia explicar-lhe tudo no fim de semana. Estava apenas lhe dando uma chance para
respirar, pois sabia que precisava. Ia lhe contar tudo antes da vinda de Ferguson na
segunda-feira.
— Quando comprei Glenroden, há dez anos, era jovem, com vinte e cinco anos, e
não sabia nada sobre as terras da Escócia. Glenroden estava à venda e eu comprei.
— Exatamente assim!
— Exatamente assim, Sue. Ainda não percebeu que, quando vejo algo que me
interesse, quero para mim? A propriedade não estava vinculada e o irmão de John, seu
tio, tinha vendido a maior parte das terras. Pelo que descobri, ele gastava mais do que
podia. Só sobrou Glenroden, que estava hipotecada.
— Então você deixou que ele ficasse?
— Não por sentimento de benevolência, mas porque precisava dele. John sabia
tudo que eu tinha que aprender para administrar estas terras. Eu não sabia nada.
Chegamos então a um acordo.
— Você quer dizer que ele era o administrador?
Meric balançou a cabeça negativamente.
— Não, Sue, não era isso. Eu gostava de administrar meus próprios negócios; ele
me ensinava tudo o que eu precisava saber e morava comigo aqui em Glenroden. Na
verdade, muito pouca gente sabia da verdadeira situação.
— Mas certamente quando comprou. . .
— Era bom para mim, Sue, tinha minhas razões. Lembra-se que uma vez lhe
contei que meu pai morrera na África do Sul? Bem, minha mãe casou-se de novo e eu
não me dava bem com meu padrasto. Com vinte e um anos você é jovem e louco o
suficiente para fazer qualquer coisa. Peguei a parte que recebi de herança e vim para cá.
Eu não queria que minha família soubesse de meus negócios. Mas descobriram que eu
tinha comprado Glenroden. Minha mãe é escocesa também.
— E o que houve com a família agora?
— Está bem. Estive com meus parentes em Londres, quando fui com você até lá.
Ainda tenho algumas ações da mina e precisava saber da situação em que se encontram.
— Então, você foi tratar disso?
— E o que mais poderia ser?
Sue olhou para o botão de sua malha.
— Pensei que talvez estivesse com Carlotte. . .
— E eu pensei que estivesse se divertindo com Tim Mason! Parece que nós dois
pensamos errado, minha querida.
Sue sentiu frio repentinamente.

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— Por que John não acreditou em mim? — perguntou tristemente. — Eu era sua
filha, não o deixaria nunca.
Empalideceu quando se lembrou de seu emprego. Como iria lhe explicar isso?
Não haveria problemas, concluiu, pois agora parecia tudo mais fácil com Meric.
— Eu somente pretendia ficar fora durante a semana — disse — ou mesmo ir e
voltar todos os dias; faria o que ele quisesse. Só pensava que deveria tratar de minha
sobrevivência.
— Seu pai teria lhe contado, Sue. Talvez a própria vida tenha lhe provado, para
sua desilusão, que não devia confiar com tanta facilidade nas pessoas. Ele demonstrou
de várias maneiras que estava feliz com sua vinda, mas não teve tempo de provar-lhe.
— Como você diz — falou com tristeza — talvez nenhum de nós tenha tido tempo
suficiente, mas eu não imaginava, até à sua morte, que estava começando a amá-lo.
Sinto-me bem por tê-lo ajudado um pouco. Mas ele deve ter confiado em você, sem
restrições.
— Acho que sim — concordou Meric. — Dez anos, Sue, é muito tempo. A gente se
dava muito bem. Ele devia me ver como se eu fosse seu próprio filho. Certamente fui
gostando cada vez mais dele. Foi muito triste, nestes últimos anos, ver sua saúde
piorando com tanta rapidez.
Tirou a carteira do bolso, apanhou um retrato e ficou olhando para ele como se
fosse um adolescente. Colocou-o em frente a Sue numa mesa pequena. Era o retrato de
uma menina, com um vestido estampado com flores e os cabelos loiros anelados, caindo-
lhe pelas costas.
Confusa, Sue olhou. A menina era sua réplica. Não podia ser! O decote alto do
pescoço e o penteado pareciam ser de outra época. Mas a semelhança era
impressionante.
— Quem é ela? Onde conseguiu isso?
— Encontrei por acaso, no fundo de uma dessas gavetas. Pedi a John se poderia
ficar com ele e ele me deu. Eu sabia que esta era a única menina com quem eu poderia
me casar, mas achava que nunca iria encontrá-la. Até que numa noite em Edimburgo. . .
Ele não tinha sido muito claro. O coração de Sue deixou de bater por um
momento, enquanto seu olhar se desviou da fotografia, indo ao encontro dos olhos dele.
— Pensou que fosse eu?
Ele, segurava as mãos dela com força.
— Sabia que era você. Ou, se preferir, sua avó reencarnada. Naquela noite achou,
na certa, meu comportamento diferente. — Deu uma risada. — Devia ser! De qualquer
forma, eu tinha certeza de que você apareceria em Glenroden.
— E esperou no rochedo — sussurrou Sue.
— Esperei no rochedo — repetiu, abraçando-a.
— Você estava chateado com alguma coisa?
— Imaginei que você tivesse aborrecido John. Foi por isso que eu estava nervoso.
Ê bem verdade que tive vontade de sacudi-la, especialmente quando o sr. Mason
apareceu. Mas apesar de todos os mal-entendidos, não conseguia resistir ao desejo de
tê-la em meus braços.
Sue aconchegou-se a ele.

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— Querido, não precisa se preocupar com Tim. Nunca o amei e nem deixei-o
pensar que eu o amava. Só amei você esse tempo.
— Não tanto tempo quanto eu, Sue. — Meric beijou-a profunda e ternamente. —
Admito que, quando ouvi falar pela primeira vez de Tim Mason, achei que você não iria se
decidir por ele.
— Pensei o mesmo sobre Carlotte, mas não tão mansamente — disse Sue
enquanto ajeitava os cabelos.
— O que sentimos, Sue, é algo muito forte. Aceite seu emprego de professora, se
quiser, mas oase comigo antes do Natal. Não posso esperar mais!
— Passar o Natal em Glenroden? — Tudo parecia estar acontecendo tão
depressa, que mal podia acreditar.
— Sim — concordou, sorrindo. — Passaremos o Natal aqui em Glenroden e aí a
levarei até a África do Sul para uma verdadeira lua-de-mel. Assim você conhecerá minha
família.
Sue concordou. Desde que Meric estivesse com ela, não se incomodaria para
onde fossem. Poderiam sempre voltar para o aconchego daquela casa entre as
montanhas.

FIM

SABRINA 99
A ÚLTIMA LÁGRIMA
Anne Mather

Domine tinha dezessete anos quando foi surpreendida pela morte de seu tio-avô. E
mais surpresa ficou ao saber que ele havia passado sua tutela para James Mannering,
um desconhecido. Foram dias difíceis, de insegurança e ansiedade quanto à sua nova
situação, mas Domine teve de aceitá-lo. No entanto, o convívio com James e sua família
teve um duplo efeito sobre ela: por um lado, esclareceu as razões da atitude de seu avô;
por outro, despertou seu coração, tão jovem e inexperiente, para o amor. Era impossível

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
resistir ao charme de James! Mas, para tormento de Domine, ele a via apenas como uma
criança...

SABRINA 100
INFERNO DE AMOR
Violet Winspear

Com Raf Ventura, Dina podia dizer qualquer coisa que lhe passasse pela cabeça,
podia ser ela mesma. Mas este amor, maravilhoso e inesperado, era um vinho proibido,
uma droga da qual ela precisava fugir! Porque esta era a vontade de sua madrinha, a
mulher que a acolheu e protegeu quando Dina ficou órfã, que a educou para conviver com
a melhor sociedade do país. Dina não podia traí-la, agora que seu sonho estava prestes a
se realizar: Ver a afilhada casada com Bay, o melhor partido da Califórnia. Mas Dina
estava enlouquecida de amor por Raf. Como dizer "não" ao coração, para cumprir um
dever de família?

SABRINA 101
O JOGO DA SEDUÇÃO
Flora Kidd

Pobre Cherry! Três anos de espera até que Edwin se formasse... e ele agora ia se
casar com outra. Sim, o melhor era aceitar aquele emprego na Bolívia. Ia conhecer os
Andes, viver uma bela aventura e esquecer tudo. Só que seu novo patrão era Ric
Somerwell, um homem irônico, desconfiado e diabolicamente atraente. Com sua força
perturbadora, ele a envolveu num jogo irresistível, de pura sedução. Na presença dele,
Cherry se sentia enfeitiçada — e se transformava numa mulher impulsiva, guiada só pelas
emoções. Não, Cherry não podia ouvir os apelos do seu coração, nem entrar naquele

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Sabrina 098 – Raízes da Ambição – Margaret Pargeter
jogo: ela tinha medo de amar!

SABRINA 102
TENTAÇÃO MORENA
Helen Bianchin

O instinto a avisava para se manter afastada de um homem como Nick Stanich.


Mas ele era o novo dono do vinhedo e do bangalô onde Shannon morava com sua
sobrinha, órfã, e seus encontros se tornaram inevitáveis. E, como Nick não era homem de
esperar ser convidado para entrar, assim que chegou foi logo mandando, dando palpites,
interferindo na vida de Shannon e da sobrinha, como se fosse dono delas também. Ele
era mesmo muito autoritário e, quando Shannon se deu conta, estava obedecendo.
Medo? Ou seria paixão aquilo que fazia suas pernas tremerem cada vez que ele entrava
para um simples cafezinho?

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