Você está na página 1de 80

Juras ao Luar

(Sigh no more)
Elizabeth Asthon

Sabrina no 89

Quando Raymond — seu namorado desde a adolescência — a abandonou, Imogen


aprendeu que os homens eram todos uns hipócritas. Resolveu então que jamais teria
outra desilusão como aquela, que nunca amaria outro homem. Mas sua resolução foi
abalada quando conheceu Christian, campeão de esqui, um sueco alto, lindo... um
verdadeiro deus! Só que, como todos os homens, Christian também era um hipócrita. Ele
podia jurar amor eterno sob o luar, naquela paisagem deslumbrante e gelada da Suécia,
mas logo arranjaria uma desculpa para fugir dos compromissos assumidos. Valeria a
pena acreditarem suas palavras mentirosas?

Digitalização e revisão: pat_santos


Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

CAPÍTULO I

— Está nevando de novo — disse Vivien depois de abrir a cortina e ver os flocos
brancos que caíam do céu acinzentado.
Ela era uma garota alta, de uma beleza morena. Usava um roupão vermelho que
era o único toque caloroso naquela manhã fria e deprimente.
Vivien afastou-se da janela e lançou um olhar compadecido para a outra garota.
— Como está se sentindo hoje?
— Estou muito melhor — respondeu ela, colocando de lado a bandeja do café da
manhã. — Você está me mimando demais, Viv, eu já sarei. Agora só preciso ficar de
quarentena.
Imogen Sinclair estava em convalescença após ter tido sarampo fora de época,
pois não tivera quando criança, um acontecimento desagradável com o qual não contava
e que a deixou muito infeliz porque fez com que perdesse um cobiçado contrato na
televisão. Ela era bailarina profissional, não de bale clássico, e desde que terminara o
curso sempre conseguira bons trabalhos em vários musicais.
Vivien fez um trejeito com os ombros e acendeu um cigarro. Ela também exercia a
mesma profissão e no momento trabalhava em um espetáculo em cartaz na zona oeste.
— Já que eu quase sempre fico em casa de manhã, não custa nada cuidar de você
— disse ela alegremente. — Além disso, você ainda não está completamente boa.
Ela olhou a amiga mais jovem com sincera afeição. A aparência de Imogen não era
tão espetacular quanto a dela. Era um pouco mais baixa e tinha um rosto vivo e brejeiro.
O cabelo era de um castanho escuro, bastante brilhante, a pele clara e olhos
esverdeados, as sobrancelhas escuras e bem-feitas ligeiramente inclinadas para cima.
Seus grandes atrativos eram a vitalidade e o ânimo de espírito, que a doença agora
abatera. Ela estava pálida e desanimada, mas Vivien sabia que essa apatia não era tanto
por causa do sarampo. O problema era mais emocional.
As duas dividiam o apartamento com outra garota, Louise Lambert, que era
secretária e bem menos atraente do que elas. As três haviam alugado um apartamento no
último andar de uma velha casa estilo vitoriano que ficava entre Kifburn e Hampstead e
estavam contentes por terem conseguido morar num lugar tão perto do centro a um preço
bem dentro de suas posses. O espaço era bem limitado. Havia apenas dois cômodos,
uma cozinha pequena e um banheiro. O quarto era minúsculo e só cabiam duas camas.
Lá dormiam Vivien e Louise. O outro aposento era um quarto-sala, arrumado com um
sofá-cama, onde dormia Imogen.
— Tem alguma carta pra mim? — perguntou ela, ansiosa.
— Tem três, só pra você. — Vivien retirou os envelopes do bolso do roupão e
estendeu-os a ela.
Ela os guardara para entregar só depois que Imogen tivesse tomado o café, pois,
tendo reconhecido um dos remetentes e sabendo o que ela sabia, tinha quase certeza de
que o assunto da carta iria acabar de vez com o apetite da amiga, que já não andava
bom.
Imogen reconheceu a caligrafia e exclamou:
— Ray escreveu, finalmente!
— Também, já era tempo! — comentou Vivien. Depois pegou a bandeja, levou-a
para a cozinha e fechou a porta atrás de si.
Com dedos trêmulos Imogen abriu o envelope verde com beiradas listradas.
Raymond Benito, cujo sobrenome era artístico, gostava de usar papéis caros e exóticos
para sua correspondência, fato esse que Imogen constatou mais uma vez com um sorriso
terno.

Livros Florzinha 2
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Ela o conhecia tão bem! Eles haviam crescido juntos e eram amigos desde o tempo
de criança. Nunca se separavam. Mesmo quando a brincadeira era só de meninos ele a
levava junto. No começo os outros meninos achavam ruim, mas Raymond acabou
convencendo-os de que ela era útil para pegar as bolas que saíam do campo e tomar
conta dos casacos enquanto jogavam futebol. Afinal acabaram aceitando a presença dela,
enquanto Imogen fazia tudo para ele, vivia mimando e adorando o belo Raymond.
O grande elo que os unia era o amor pela dança. Desde cedo manifestaram esse
gosto e aptidão e resolveram seguir a carreira de bailarinos. Os respectivos pais não
opuseram nenhum obstáculo e os dois foram estudar juntos, e,quando se formaram
procuraram emprego sempre para trabalhar juntos. Fizeram shows musicais, revistas,
shows de dança em pista de gelo, sempre lado a lado, fiéis à promessa mútua de nunca
um aceitar um contrato sem o outro. Os dois haviam ficado contentíssimos com o contrato
para o show de televisão. Eles faziam parte da coreografia que acompanhava um cantor.
Infelizmente, o programa era transmitido ao vivo e a doença de Imogen obrigou a direção
a arranjar uma substituta.
Ray, como ela bem sabia, detestava doenças e tinha pavor de contágio. Por isso
ela não esperava que ele fosse visitá-la, apesar de ele já ler tido sarampo.
Ele mandou flores assim que soube que ela estava doente, mas depois disso não
deu mais notícias, não telefonou nem escreveu, simplesmente desapareceu. Vivien, a
pedido de Imogen, tentou falar com de por telefone, mas não conseguiu; ele nunca estava
em casa. Vivien comentou com um ar estranho:
— Puxa, o que ele vai pensar de você, correndo atrás dele desse jeito?! Por que
não espera ele procurá-la? E afinal, que amigo é esse que só aparece nos bons
momentos?!
— Você sempre pensa o pior de todos os homens — retrucou . — Ele deve estar
muito ocupado, é isso.
Mas no fundo ela estava bem magoada por ter sido assim negligenciada, pois Ray
era para ela muito mais do que um simples amigo. Intimamente ela esperava que a
relação deles acabasse em casamento, e não se limitasse a uma sociedade profissional
apenas. Ela o amava e ele também dissera amá-la. Jamais olhara para outro rapaz,
embora muitos olhassem para ela constantemente.
Desdobrou as folhas e começou a lê-las avidamente. O tom era até jocoso, sem
levar a sério a doença dela, e no entanto ela ficara em estado tão grave que o médico
quis que fosse internada num hospital. Mas como Vivien sabia que Imogen tinha horror a
hospitais, encarregou-se de cuidar dela em casa mesmo, com a ajuda de uma enfermeira.
E ela e Louise se alternavam, providenciando as coisas de que a amiga precisava,
cuidando dela com leal dedicação até que Imogen superasse a pior fase.
A carta de Ray continuava, contando que ele havia conseguido contrato para um
show musical produzido por uma mulher chamada Janice Webster. Assim que acabasse
seu contrato na televisão ele iria viajar com ela para a Austrália, exibindo o espetáculo
durante dois ou três meses. Sentia muito não poder esperar que ela se recuperasse
totalmente, mas na profissão deles era preciso aceitar o que aparecesse, não se podia
jogar fora oportunidades. Já começara até a ensaiar e era por isso que andava tão
ocupado e não tinha tempo para mais nada. E como ela ainda estava acamada, ele não
poderia se despedir pessoalmente. Seria impossível vê-la antes de partir.
Imogen deixou cair as folhas de papel de seda verde, sentindo um aperto no
coração. Já estava quase no fim de sua quarentena e já não havia mais risco de contágio.
Sabia perfeitamente que Ray estava usando isso como desculpa para não vê-la. Ele iria
ficar dois meses longe, e ela sentiu que era o fim.
Fitou a janela com o olhar vazio. A neve continuava a cair, mas ela nem percebia;
seu coração estava mais gelado e sombrio do que o triste dia de inverno.

Livros Florzinha 3
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Vivien voltou para a sala e bastou olhar o rosto de Imogen para saber que afinal
acontecera o que ela já esperava. Nos camarins e nos bastidores do teatro, havia
escutado rumores e fofocas. Janice Webster era conhecida pelos romances escandalosos
com os jovens bailarinos que contratava, e Ray era sua última conquista.
Vivien nunca simpatizara com ele, pois sentia que por trás daquela aparência
encantadora e charmosa havia um indivíduo volúvel, caprichoso e irresponsável. Na sua
opinião, Imogen estava perdendo tempo com ele, estava se desgastando à toa, mas não
dizia nada para a amiga, pois sabia que o amor é cego.
Ficou em silêncio, esperando que Imogen falasse primeiro.
— Ele vai viajar. . . — disse ela, perplexa. — É a primeira vez que nos separamos
desde que nos conhecemos e... ah, Viv, eu acho que ele não vai voltar!
Vivien sentou-se no sofá ao lado da amiga, decidida a não alimentar esperanças
vãs.
— Sinto muito, Imo — disse ela com delicadeza -, eu já previa isso. Ele não serve
para você. Aquela Janice já se apoderou dele. Ela não deixa escapar nenhum rapaz!
Adora jovens.
— Mas, Viv, como é que ele pôde fazer isso? Ela é muito mais velha do que ele.
— Os rapazes em geral se sentem atraídos por mulheres maduras. .. — disse
Vivien, e depois acrescentou vingativamente: — Espero que ela faça da vida dele um
inferno!
Sentindo-se ainda um pouco fraca, Imogen começou a chorar, desesperada.
— Eu quero morrer! — soluçava ela.
— Ora, o que é isso? Que bobagem! — disse Vivien. — Morrer por aquele boboca?
Você tem a vida toda pela frente.. . está só com dezenove anos. Vai superar isso tudo e
vai esquecer Ray. Ele nunca foi bom para você e você é muito atraente, Imo, os homens
ficam caidinhos por você. Ainda vai conquistar um outro muito melhor do que Ray...
embora eu ache que são todos feitos do mesmo barro. Mas com esse aí, você não podia
ter feito pior escolha.
— Para mim ele era ótimo. — Imogen enxugou as lágrimas com um lenço. —
Nunca desejei outro.
— Besteira sua, -— Vivien encostou-se na parede e procurou o maço de cigarros
no bolso. — Eu pensei que o mundo fosse se acabar quando ele e eu nos separamos,
mas afinal eu não morri, não me suicidei nem virei freira. Já contei que nós também
tínhamos sido namorados na adolescência, como você e Ray. Eu quis casar aos
dezesseis anos. Nossos pais deram conselhos, fizeram sermões, mas não adiantou nada.
Eu estava nas nuvens, cega e surda, e imaginava que o amor seria eterno. — Ela
acendeu o cigarro, deu uma tragada e soltou a fumaça. — É claro que nós dois éramos
jovens demais e logo acabamos descobrindo nosso erro. Mas se naquela época eu era
boba e não sabia das coisas, agora sei muito bem. Os homens só servem pra gente se
divertir. Quando me divorciei, jurei que nunca mais me envolveria emocionalmente com
nenhum outro homem e mantive a promessa. Azar deles se se apaixonarem. Quando
percebo que estão se ligando demais, mando logo passear. Pra mim, homem só serve pra
levar a gente pra jantar e pra dançar e ainda pagar as despesas! E sempre sou eu quem
dá o fora.
Depois de ter exposto sua filosofia, Vivien ergueu-se e foi buscar um cinzeiro,
enquanto Imogen a observava com ar curioso. Vivien era uma criatura adorável e fora tão
gentil com ela, mas em relação aos homens era sempre ríspida e impiedosa. Imogen
sempre se sentira meio chocada com a atitude interesseira de Vivien em relação aos
vários admiradores que a rodeavam, mas sabia que era devido ao casamento fracassado.
Sabia que, no fundo, apesar de toda a aparência de segurança, Vivien não era feliz, o que
significava que essa atitude cínica e insensível não era de todo satisfatória.

Livros Florzinha 4
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Imogen tinha certeza de que jamais conseguiria usar os namorados do jeito que a
amiga fazia, mas até que tal comportamento tinha uma certa lógica: se Ray, em quem ela
tanto acreditava e confiava, a decepcionara e a abandonara, como poderia acreditar em
outro homem?
— Você não acredita no amor, não é, Viv? — perguntou ela, titubeante.
— Não. Amor é fantasia. . . sentimentalismo barato! Bill e eu acreditávamos que
nos amávamos; nos casamos e acabamos feito cão e gato, É uma ilusão pensar que o
amor pode durar. É só fogo de palha. Depois que passa o primeiro entusiasmo, não sobra
mais nada. Um dia você acorda e descobre que aquele homem que você achava tão
maravilhoso é apenas uma pessoa comum, cheia de hábitos irritantes e defeitos e que ele
está pensando o mesmo de você. Às vezes, quando se tem sorte, os dois conseguem se
adaptar depois de vários altos e baixos, mas eu não tive sorte. Você escapou de boa,
minha cara, pois Ray seria um péssimo marido. Eu nunca lhe disse nada antes porque
você estava tão enlevada. ..
— Ele... ele tem seus méritos — disse Imogen com voz fraca, tentando ainda
defender o namorado infiel.
— Nunca descobri nenhum. E ainda por cima é pobre. Se algum dia eu cometer a
loucura de me casar de novo, vou escolher um homem rico. O luxo pode compensar
muita coisa... Mas não tenha pressa, ainda é muito cedo pra você se amarrar. Aproveite a
vida, divirta-se. — Ela deu uma risada amarga. — O que os homens chamam de amor
tem um nome bem menos bonito!
Vivien atraía muitos homens. Estava sempre acompanhada mas nunca ficava
muito tempo com o mesmo. Imogen admirava a segurança e sofisticação da amiga e se
perguntava intimamente se conseguiria ser igual. Só tinha certeza de uma coisa: jamais
qualquer outro homem conseguiria despertar suas emoções. Seu coração estava morto
para sempre. No momento, tudo o que desejava era se esconder até que suas feridas se
cicatrizassem.
— Você não leu as outras duas cartas — lembrou Vivien.
Imogen abriu-as sem muito interesse. Uma delas era de sua mãe, que escrevia
semanalmente. Os pais dela já eram idosos, pois haviam se casado tarde e Imogen era
filha única. O pai era pastor protestante e tanto ele quanto a esposa viviam imersos nos
afazeres paroquiais. Ele estava doente devido ao rigoroso inverno e a mãe se lamentava
que com isso não pudesse ir até a cidade visitar a filha. Dizia que quando Imogen
estivesse em condições de viajar poderia ir até lá para se recuperar. Mas não era um
convite muito caloroso. Imogen imaginou que a mãe deveria estar cansada de cuidar de
um doente. É claro que ela gostava dos pais, mas não se sentia animada com a idéia de ir
visitá-los naquele momento. Não estava em condições de ajudar a mãe e a velha cidade
deveria estar triste e sombria naquela época do ano. Além do mais, estava cheia de
recordações de Raymond, pois a casa dele era vizinha da de seus pais.
Terminou a carta e viu que havia uma observação, onde a mãe dizia que Lettice
Wainwright havia telefonado, e quando soube que Imogen estivera doente sugerira que
ela fosse visitá-la em Derbyshire. A mudança de ares iria fazer-lhe bem. E a mãe
terminava dizendo que se Lettice escrevesse a ela confirmando, ela deveria ir, que seria
muito bom para a filha variar um pouco.
A terceira carta era realmente o convite de Lettice. Os Wainwright eram velhos
amigos dos Sinclair. Haviam morado na mesma cidade antes de se mudarem para o
norte. Lettice era uma mulher jovem e cheia de vida, de quem Imogen gostava muito
quando era adolescente e ficara triste quando ela se mudou com o casal de filhos
pequenos.
"Sei que não é a época ideal para vir a Derbyshire — escreveu Lettice -, mas como
sua mãe está atarefada com a doença de seu pai, acho que pode ser uma boa solução
para você. Gostaríamos muito que viesse e pelo menos aqui é um pouco mais quente e

Livros Florzinha 5
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

alegre do que a velha casa paroquial onde moram seus pais. Sei que você gosta de
crianças e acho que vai adorar as minhas, elas estão numa idade ótima. Talvez você
possa se distrair aqui."
— Puxa, isso é exatamente o que você estava precisando! — exclamou Vivien
quando Imogen lhe contou o que diziam as cartas. — Muito melhor do que ir para sua
casa. Me desculpe a franqueza, mas acho que lá você vai se cansar e se aborrecer. Você
precisa de um ambiente alegre que não lhe traga lembranças. Você gosta dos
Wainwright?
— Gosto muito. Joe é bem mais velho do que Lettice, mas ele é legal. Ela é a
segunda esposa dele e era muito brincalhona e engraçada.
— Então, minha cara, você deve ir mesmo! Vai fazer-lhe bem ficar longe de tudo.
isso aqui. Se até sua mãe recomendou que você fosse, por que não?
Realmente, não havia nenhum empecilho, a não ser o fato de Imogen se sentir
apática, sem ânimo de fazer o menor esforço. Além de acalentar uma vaga esperança de
que Raymond resolvesse aparecer de repente, Ela ainda não conseguia acreditar que ele
havia realmente desistido dela. Vivien sabia muito bem por que a amiga teimava em ficar
em Londres e lamentava aquela tolice.
Um dia Vivien encontrou-se por acaso com Raymond, e depois do que houve
conseguiu afinal convencer Imogen da inutilidade de esperar por ele. Ela estava
convencida de que, quanto antes Imogen cortasse suas ligações com o passado, melhor
seria.
Vivien vira Raymond na plataforma de uma estação de metrô. Ele tentou fingir que
não a vira, mas ela foi ao seu encontro assim mesmo e disse tudo o que pensava dele e
de seu comportamento. Ele riu e respondeu:
— Não precisa ficar nervosa. Não adianta... Você não vai conseguir reavivar uma
chama apagada. Eu gostava muito de Imo quando éramos garotos, mas agora nós
amadurecemos, quer dizer eu amadureci... ela continua infantil. O que ela sente por mim
não passa de uma romântica paixão de adolescente e vai acabar passando. A verdade é
que preciso de alguém com mais maturidade.
— Também, não precisava partir pro extremo oposto — disse Vivien com aspereza.
— Essa Janice já está bem passadinha.
— E quem lhe disse que estou com ela? — perguntou ele, mas a expressão de seu
rosto não negava.
O metrô chegou e antes de correr para apanhá-lo ele ainda acrescentou às
pressas:
— Adeus, Viv, você não vai me ver por um bom tempo... e diga a Imo que está tudo
acabado.

Mais tarde Vivien contou a conversa a Imogen, numa versão suavizada.


— Aceite o convite, vá para Derbyshire e esqueça esse cara — insistiu ela.
Mas não era nada fácil esquecer um relacionamento que durara tantos anos.
Inconscientemente, Louise provocou a gota d'água que faltava para que Imogen
resolvesse afinal viajar. Louise estava já há algum tempo namorando firme um funcionário
do escritório onde trabalhava e agora haviam oficializado o noivado. Godfrey, o noivo, ia
constantemente ao apartamento. Louise era uma pessoa quase rude, sem sutilezas e
sem o menor tato. Era pequena e rechonchuda e o noivo combinava perfeitamente com
ela. Era baixo, ruivo e inexpressivo.
Louise estava muito satisfeita com sua conquista. Os olhos brilhavam e ela vivia
exibindo a aliança pra todo mundo. Imogen já estava saturada e não agüentava mais
ouvir a conversa dela, principalmente quando, com sua habitual falta de tato, começava a
comparar sua felicidade com a solidão de Imogen, cujo namorado fora viajar, Imogen não

Livros Florzinha 6
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

contara nada a ela, apenas dissera que Raymond estava fazendo espetáculos na
Austrália.
— Isso é que é horrível na vida artística! — dissera Louíse presunçosamente. —
Os casais sempre têm que se separar. Não é à toa que o índice de divórcio é tão elevado
nessa profissão. Graças a Deus, Godfrey tem um emprego em que não precisa viajar e
nunca vai precisar ir a lugar nenhum sem me levar!
Intimamente ela sentia um pouco de inveja da profissão mais sofisticada das duas
amigas, apesar de ter bom coração e não ser maldosa. Se soubesse a verdadeira
situação entre Raymond e imogen teria ficado penalizada e solidária com a amiga. Mas a
última coisa que Imogen desejava era a compaixão da amiga, pois sabia que seria
manifestada de modo exagerado e inadequado.
E assim o noivado foi o fator decisivo para que Imogen aceitasse o convite de
Lettice, sem mais hesitações.
O tempo continuava do mesmo jeito quando Imogen deixou Londres. Ainda estava
nevando. Era um inverno excepcionalmente rigoroso. Desde o Natal que estava nevando
constantemente e agora, em fevereiro, já estava quase no fim. As correntes frias do Ártico
haviam atingido em cheio a Grã-Bretanha. A água congelava nos encanamentos, as
estradas ficavam intransitáveis e até o fornecimento de energia elétrica estava restringido.
O trem expresso que fazia o percurso maior felizmente estava bem aquecido mas
depois da baldeação, quando pegou a ferrovia secundária, sentiu a diferença. Estava
muito frio no trem e ela precisou vestir o manto de novo. Sentou-se perto da janela e ficou
olhando a paisagem branca. A neve acumulada cobria tudo e ,o dia acinzentado prometia
mais nevascas. E ela não pôde deixar de se triunfar, afinal, o que estava fazendo ali,
naqueles confins congelados, deixando para trás as brilhantes luzes de Londres.
Com um apito, o trem entrou em um túnel e, ao afastar o olhar da janela
escurecida, ela encontrou o olhar do jovem que estava à sua frente. Ela já havia notado o
interesse dele desde que deixaram a estação, mas evitara olhar para ele. Não estava com
ânimo para incentivar uma aproximação e esse percurso final era pequeno.
Percebeu que ele era bem jovem, com um rosto fino, olhos e cabelos escuros.
Alguma coisa nele fazia com que se parecesse com Raymond. Ela não sabia dizer se era
o formato do rosto, o corpo esguio, o jeito do cabelo cair na testa. . . alguma coisa que ela
não definia e Raymond era a última pessoa de quem queria se lembrar naquele momento.
Seguindo os conselhos de Vivien, decidira enfrentar qualquer futura aproximação
de um homem com fria indiferença. Mas como ainda estava abatida e não totalmente
recuperada, não imaginava que pudesse despertar algum interesse. Entretanto, estava
enganada, pois ali estava um jovem, parecido com Raymond, flertando com ela. Ela não
sabia que sua aparência delicada lhe dava um certo ar de fragilidade, que despertava o
instinto de proteção do rapaz. A única coisa que sabia era que aquela semelhança estava
mexendo com seus nervos. E ela que decidira se manter impermeável às emoções! Era
desconcertante descobrir que ainda era tão vulnerável. Desviou a atenção para a janela,
de novo, e desejou que chegasse logo o fim da viagem.
Mas, para sua surpresa, o rapaz inclinou-se para a frente e perguntou:
— Por acaso não é a srta. Sinclair, de Londres, que vai ficar hospedada com os
Wainwright?
Imaginando quem poderia ser ele, respondeu afirmativamente. Eu sou vizinho
deles — continuou ele. Nesse momento o parava numa estaçãozinha. — Não, ainda não
é aqui, a nossa próxima estação — disse ele ao ver que ela procurava ler o do lugar.
Reparou que estavam no meio de um vale, cercado de colinas de neve e achou a
paisagem deprimente. Lettice me pediu que procurasse você e lhe desse uma carona
casa dela — continuou ele. — Meu nome é Peter Lethwaite.
Ele estendeu a mão morena e elegante e ela titubeou um pouco antes de apertá-la.
— Está muito frio aqui! — comentou, só para dizer alguma coisa.

Livros Florzinha 7
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— É. Esse ano nevou pra valer. Está ótimo para esportes de inverno — disse ele
animado. — Dá para esquiar nessas colinas. Você sabe esquiar?
— Não. Só sei patinar no gelo,
Lembrou-se de um Natal em que fizera um show de patinação com Raymond. Por
que tudo havia de fazê-la lembrar-se dele?
— Temos pista de gelo por aqui, também.
O trem continuou seu percurso, passando entre colinas elevadas. A noite
começava a cair.
— Parece que vamos ter mais neve — exclamou Peter contente, olhando para o
céu.
Imogen estremeceu pensando que a neve podia significar coisas diversas para
diferentes pessoas. Ela só gostava de vê-la nos cartões de Natal.
Aproximaram-se da estação e Imogen ergueu-se para pegar a mala do bagageiro,
mas Peter imediatamente adiantou-se,
— Isso é tudo ou tem mais alguma coisa no vagão de carga?
— Não. São só essas duas malas e essa frasqueira. Não pretendo ficar muito
tempo.
— Que pena. Pelo que Lettice disse pensei que fosse ficar bastante tempo,
Ele abriu a porta para ela e acompanhou-a até a plataforma, carregando as malas.
— Meu carro está lá fora — disse ele. — É um pouco longe daqui até Castleton
para se ir a pé e é ladeira. Sabe, eu trabalho em Chinley e hoje saí mais cedo para vir
encontrar você.
O carro era um modelo pequeno e econômico e estava estacionado em frente, com
a capota coberta.
— Espero que o motor pegue — disse ele enquanto colocava a bagagem no banco
de trás.
Enquanto isso Imogen olhava ao redor. Ali o vale era mais aberto e a noite
escondia as colinas.
O motor do carro funcionou logo e eles partiram, cruzaram uma ponte sobre o rio e
começaram a subir uma ladeira.
— Você já esteve aqui antes? — perguntou Peter.
— Não. Eu sou de Hertfordshire e desde que os Wainwright mudaram de lá eu não
os vi mais.
— Foi o que Lettice disse. Você vai gostar do lugar, tenho certeza. Imogen não
respondeu nada, tinha lá suas dúvidas.
Castleton ficava ao pé das colinas, com suas casas cinzentas e o castelo em
ruínas, mas naquela noite ela viu apenas formas vagas e a neve suja amontoada na beira
dos caminhos iluminados pelos postes de luz fraca.
Peter parou diante de uma casa térrea, de pedra, com janelas iluminadas.
— Chegamos. Tudo aceso em homenagem a você.
Imogen desceu do carro, sentindo frio e cansaço. Estivera viajando o dia inteiro.
Andou cautelosamente até a entrada da casa, pois a neve congelada tornava o caminho
escorregadio. Peter foi atrás, carregando as malas.
Os moradores da casa, tendo ouvido o carro, abriram a porta antes que eles
chegassem lá e Lettice apareceu ladeada por seus dois filhos.
Lettice era baixa magra e tinha um gênio impulsivo. Abraçou entusiasticamente a
recém-chegada e conduziu-a para dentro.
— Menina, você deve estar congelada! — exclamou ela. — Que tempo horrível,
não? E dizem que o frio ainda vai continuar — lamentou-se ela. — Venha se esquentar
um pouco aqui, antes de subir... Peter — chamou ela por sobre os ombros -, leve as
malas de Imogen lá pra cima, por favor, e ponha-as no quarto azul.

Livros Florzinha 8
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Conduziu Imogen para a sala de visitas e as duas crianças foram atrás. Era uma
sala com teto rebaixado, com uma aparência agradável. A mobília estava um tanto gasta,
mas era confortável. Na lareira o fogo estava aceso. Lettice fez com que Imogen se
sentasse numa enorme poltrona bem em frente à lareira. Da outra poltrona, no mesmo
local, ergueu-se o dono da casa, Joseph Wainwright, e cumprimentou-a.
Imogen já o conhecia e já ouvira falar muito dele desde criança, pois morara em
sua cidadezinha antes do segundo casamento. As mulheres o achavam um belo homem e
viviam intrigadas com ele. Sabia que sua primeira esposa tinha sido uma jovem sueca
que o abandonara e voltara para seu país levando os dois filhos do casal. Uma vez por
ano vinham visitá-lo.
Ele morava sozinho e tinha uma empregada que cuidava dele. , a grande questão
para as pretendentes era saber se ele era divorciado ou não, e se podia ser considerado
um partido. Um dia, depois de ter viajado por algum tempo, ele voltou com uma jovem
esposa, para grande desgosto das solteiras do local que se sentiram desprezadas. Diziam
que Lettice era interesseira e muito jovem para
Contudo o casal não dava ouvidos aos mexericos e parecia muito feliz, para
tristeza das fofoqueiras. Lettice teve dois filhos e depois acabaram se mudando para o
norte.
Joe, como ele era chamado, ainda conservava os traços bonitos e a aparência
elegante, embora houvesse rugas em seu rosto e o cabelo estivesse grisalho. Era um
homenzarrão calmo e calado e cumprimentou Imogen cordialmente, estendendo-lhe a
mão com firmeza.

As crianças olhavam a visitante com ar solene. Teddy estava com seis anos, um
menino forte e bonito, e Pamela estava com quatro anos, tinha cabelos loiros, olhos azuis,
e parecia um anjinho, mas era um diabrete.
— O que você trouxe pra gente? — perguntou Teddy.
Os pais o repreenderam. Onde se viu perguntar isso a uma visita? Lettice pediu
desculpas. As crianças de hoje em dia eram impossíveis. Tinham tudo e nunca estavam
satisfeitas, sempre querendo mais. Imogen, que de fato havia trazido um presentinho para
cada um, achou que aquele não era o momento certo para entregá-los.
Seguiu-se um silêncio um tanto constrangedor, que Pamela quebrou dizendo em
voz alta:
— Está bom, mas ela trouxe mesmo? Lettice ergueu as mãos para o céu.
— Ah, eu desisto!
Imogen disse diplomaticamente.
— Esperem um pouco que vocês já vão ver.
— Quanto tempo a gente tem que esperar? Depois que a gente tomar lanche você
mostra?
— É isso mesmo. Esperem até depois do lanche — disse a mãe. — Oi, Peter —
disse para o jovem que acabara de entrar na sala -, não quer ficar e tomar lanche
conosco?
O olhar de Peter foi direto para Imogen. Ela havia tirado o manto e usava um
vestido de lã verde, que revelava suas formas bem-feitas, As chamas da lareira
provocavam reflexos em seus cabelos. Ele ficou indeciso por instantes.
— Eu gostaria muito, mas preciso ir para casa. Mamãe deve estar me esperando...
— Ah, tome só uma xícara de chá depressinha — insistiu Lettice, percebendo a
direção do olhar dele. — Já está pronto.
Peter puxou uma cadeira e sentou-se perto de Imogen, resolvendo aceitar o
convite.
Uma substancial refeição foi trazida num carrinho de chá.

Livros Florzinha 9
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Nós costumamos tomar só um lanche, à noite — explicou Lettice. — Coma à


vontade, você deve estar com fome. Passou o dia todo viajando!
Imogen, realmente, só havia tomado um café com sanduíche no trem. Agora,
depois de ter se aquecido ao pé da lareira, estava se sentindo bem melhor. Fez menção
de ir pendurar o manto no saguão de entrada, mas Peter adiantou-se e levou para ela.
Era evidente que ele se sentia muito à vontade ali, como se fosse a casa dele, e parecia
estar atraído por ela. Imogen desejou que fosse só impressão, pois ele era jovem demais
e ela não queria ser cruel com ele. Além disso os jovens não sabem amar, pensou ela
com amargura, lembrando-se de Raymond e de como o amor dele não passara de
entusiasmo.
Sentiu-se bem naquele ambiente aquecido, entre agradáveis companhias. As
crianças estavam um pouco afastadas, em uma mesinha própria para elas. Peter lhe
trouxe uma xícara de chá e um banquinho para colocá-la em cima. Ela comeu
sanduíches, petiscos, e bolo feito por Lettice, que era quem cozinhava. Enquanto isso
conversavam sobre a família dela, sua doença e a vida em Londres,
— Eu não acho muito bom garotas morarem sozinhas. . . — comentou Lettice
depois que Imogen descreveu o apartamento e as amigas — nunca se alimentam muito
bem! — disse ela com um olhar crítico para a figura esguia e delicada de Imogen.
— Eu não posso engordar, esqueceu que sou bailarina? — comentou ela, rindo.
— Nós vimos você naquele programa de televisão! — disse Lettice. — Que pena
que você teve que interromper.
Imogen sentiu uma punhalada. Ela estava tão feliz naquela época! Nem imaginava
o que iria lhe acontecer. . . mas ninguém ali sabia nada sobre Raymond e ela não tinha a
menor intenção de contar a história.
Quando terminaram o lanche, as crianças pediram para ligar a televisão.
— Podem ligar, mas deixem baixinho — disse a mãe. — Nós queremos conversar.
— Televisão é anti-social — acrescentou Joe.
Nesse momento o telefone tocou e Lettice correu para atender, enquanto Joe
comentava que deveria ser para ele.
Imogen olhou para ele com ar observador. Aparentemente ele era um marido
dedicado, mas que segredos aquele belo rosto ocultaria? Era tão fácil para os homens
levarem uma vida dupla! Depois de sua amarga experiência não confiava mais em
nenhum homem, suspeitava de todos. E afinal, a primeira esposa de Joe o abandonara.
Quais teriam sido os motivos?
— Em que está pensando? — perguntou Peter. — Está tão séria!
— Ah, não estava pensando. ... — sorriu ela — a verdade é que estou meio
sonolenta. É o calorzinho da lareira e o chá gostoso.
Lettice perguntou em voz alta, segurando o fone à distância.
— Você sabe se Érica Brayshaw está em casa?
— Não está. Ela foi passar o fim de semana em Buxton — respondeu Peter.
— Que pena,— Christian vai ficar triste — disse ela e voltou a falar no telefone.
— Christian?! — disse Peter, erguendo-se num salto. Deve ser ele ao telefone. Não
sabia que ele estava de volta.
— A competição terminou na semana passada — disse Joseph, depois virou-se
para Imogen. — Estamos orgulhosos de meu filho Christian. Ele ganhou medalha de ouro
na competição de esqui. Você o conhece?
— Não. Nunca tive oportunidade de vê-lo.
Christian e a irmã gêmea Greta moraram com a mãe enquanto ela era viva e
Imogen nunca os vira quando vinham visitar o pai em sua cidade. Nunca coincidiu de
estar lá na mesma ocasião. Lembrava-se apenas que eles eram bem mais velhos do que
ela.

Livros Florzinha 10
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Lettice voltou para a sala com o rosto transfigurado, os olhos brilhando de alegria e
um sorriso radiante.
— Christian vem visitar-nos. Vai chegar hoje à noite, mais tarde. Não é
maravilhoso? — Era evidente que ela adorava o enteado.
Teddy se afastou da televisão e exclamou entusiasmado:
— Christian vem aqui? Oba! Ele sempre traz uma coisa legal! — E lançou um olhar
impertinente para Imogen.
— Seu interesseiro! — reprovou o pai. — Mas como é que Christian vera nos visitar
em plena temporada de esqui, Lettice? Ele nunca pode vir nessa época por causa das
competições!
Christian herdara um dinheiro da mãe, o que garantia sua subsistência,
possibilitando que ele se dedicasse totalmente àquele esporte. Tendo passado a infância
na Suécia, onde as crianças aprendem a esquiar assim que começam a andar, ele criara
paixão por esse esporte. Esquiar tornou-se seu principal interesse.
-— Parece que é algo relacionado com Greta... — disse Lettice vagamente. — Ele
falou que explica quando estiver aqui.
Joseph ficou preocupado. Greta havia se casado e ficara viúva pouco tempo
depois, e desde a morte do marido dela ele não via a filha.
— Espero que não tenha acontecido nada de grave — disse ele. Peter, que tal
como Imogen não conhecia Greta, disse em tom convencional que não havia de ser nada
ruim. Depois acrescentou, entusiasmado, que com toda a neve que caíra estava ótimo
para se esquiar em Rushup Edge e Christian poderia praticar seu esporte favorito.
— Talvez seja por isso que ele vem! — sugeriu ele.
— Duvido muito! — Joseph riu. — Depois das pistas da Suíça e da Áustria essas
colinazinhas daqui são brincadeira para ele! Mas estou certo de que se você quiser ele vai
com você de bom grado.
— Virou-se para Imogen e acrescentou: — Meu filho mais velho se dedicou à
prática do esqui. Já ganhou várias competições famosas. — O orgulho soava em sua voz
e brilhava em seus olhos.
— É. Eu já passei um inverno numa das estações de esqui em que ele estava
competindo — comentou Peter com a reverência; devida a um herói. — Ele é
maravilhoso!
Imogen imaginou que deveria parecer impressionada com a perfeição atlética do
rapaz. Na verdade, estava pouco ligando para as qualidades descritas. Não gostava de
rapazes esportistas; em geral estavam tão absorvidos por sua ocupação que não sabiam
fazer mais nada. Eram péssimas companhias.
— Infelizmente, não entendo nada de esqui — disse ela.
— Você vai logo suprir essa falha de educação — disse Joseph, sorrindo.
Ela suspirou. A perspectiva não a agradava nada. Depois achou que eles gostariam
de conversar sobre Christian e Greta sem a presença dela, que era estranha à família, por
isso ergueu-se e pediu licença para ir para o quarto desfazer as malas.
— Vejo você amanhã! — disse Peter, enquanto Lettice a conduzia até a escada.
O quarto dela era mobiliado numa combinação de antigo e moderno. A janela havia
sido ampliada e a cortina era igual à colcha da cama. Um aquecedor elétrico tornava o
ambiente aconchegante. Comparado ao seu minúsculo apartamento, o quarto parecia
enorme.
— Espero que ache confortável — disse Lettice. — O banheiro. Brrr. . . não vejo a
hora que pare de nevar!
— Seu enteado é que não ia gostar disso, não é? — perguntou Imogen.
— Acho que ele não vai ficar muito tempo — disse Lettice meio triste. — Aqui é o
lar dele, já cansamos de falar, mas ele não pára muito em casa. Espero que não tenha
acontecido nada a Greta. Ela nunca vem à Inglaterra. Eu só a vi em Estocolmo. Ela tem

Livros Florzinha 11
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

dois filhos pequenos... a morte do marido foi uma tragédia. Sabe, ela nunca foi muito com
a minha cara, não gosta muito de mim.
— É... não deve ser fácil esse relacionamento entre madrasta e enteados, eu
imagino — disse Imogen.
— Mas com Christian eu me dou muito bem! É verdade que por ser homem acho
que as coisas são diferentes! Não imagina como ele é atraente, Imogen! As garotas ficam
loucas por ele, mas Christian nunca pensou em se casar, até agora. Greta já é bem
diferente. Ela parece muito mais, sueca do que ele, e os suecos são frios e formais.
Agora, se me dá licença, preciso correr para pôr as crianças na cama e preparar o quarto
dele. Quando terminar, desça de novo. Joe vai ficar lá.
Imogen começou a desfazer as malas lentamente. Trouxera quase só calças
compridas e malhas. Depois foi até a janela, puxou a cortina azul e olhou para fora. Não
dava para ver nada, apenas a neve caindo. Sabia que estava rodeada por colinas, mas
não podia vê-las. Sentiu-se um pouco inquieta de estar num lugar tão diferente. Não
estava acostumada com paisagem montanhosa e não sabia se iria gostar. Achava um
pouco agressiva.
Ficou imaginando a que horas chegaria Christian. Tomara que fosse bem tarde,
assim ela poderia deitar-se antes de ele chegar, sob pretexto de estar cansada. Tinha um
inexplicável pressentimento de que a presença dele perturbaria sua paz. Talvez ele fosse
ficar só durante o fim de semana e afinal parece que ele estava interessado naquela tal
de Érica. Talvez nem se encontrassem!
E foi o que acabou acontecendo. Já era tarde e ele ainda não chegara; Imogen
estava realmente cansada com a viagem e Lettice aconselhou que ela fosse dormir e
levou-lhe um copo de leite quente no quarto.
Mas ela ainda ouviu a chegada dele. As exclamações de alegria de Lettice, vozes
de homem, abafadas, o riso dele alegre e destemido. . . Começou a imaginar o tipo:
moreno, olhos azuis, alto e convencido ... ele sem dúvida seria convencido, com tanta
adulação ... o tipo de homem que se considerava uma dádiva dos céus para as mulheres,
acostumado a ser admirado e a desprezar.
Ele havia perguntado por uma garota assim que anunciara sua chegada. Érica...
um nome diferente! O que seria ela? Admiradora, fã, namorada ou, quem sabe, amante?
Pobre garota, ficaria louca da vida quando soubesse que perdera a oportunidade de
encontrá-lo! Que azar o dela!
Mas se Érica não estava lá, ele que não viesse com histórias para seu lado. Ela
não tinha a menor atração por nórdicos e ainda mais esquiadores. Fazia questão de
deixar isso bem claro. Peter não seria problema, mas, se Christian tentasse alguma coisa,
poderia ser arriscado. Sentiu um arrepio só de pensar.
Acabou adormecendo logo, sem perceber que com essa preocupação de imaginar
como seria o recém-chegado ela não havia pensado uma única vez em Raymond.

CAPÍTULO II

Imogen acordou bem cedinho, o quarto estava claro. Lettice havia avisado que,
como era sábado, o café da manhã seria um pouco mais tarde. Mas mesmo assim ela se
levantou e foi até a janela, afastou a cortina e viu que o céu estava claro. Havia nevado
bastante durante a noite, mas agora o céu estava com as cores do amanhecer. De sua
janela viu o jardim e as casas em frente todas de pedra com telhados brancos de neve. Lá
ao longe estavam as colinas, virginalmente brancas, recortadas contra o céu claro.

Livros Florzinha 12
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Foi para o banheiro, pensando em usá-lo antes que a família precisasse dele.
Lavou-se e voltou para o quarto para se vestir. Colocou calça comprida e um pulôver
verde-esmeralda que ressaltava a cor de seus olhos. Resolveu que naquele lugar simples
e sem sofisticação não seria apropriado maquilar-se, e, aliás, isso não lhe fazia falta, pois
a pele era ótima e os cílios e as sobrancelhas eram escuros. Uma bola de neve espatifou-
se contra sua janela e ela foi olhar. Lá embaixo, no jardim, estavam dois rapazes. Um era
Peter e o outro ela adivinhou que era Christian. Olhou para ele com interesse. Na verdade
ele não correspondia à imagem que fizera dele, a não ser por ser alto e moreno. Tinha os
ombros largos e os quadris estreitos. Estava olhando para cima e ela viu que os olhos
eram azuis e o olhar penetrante, o nariz aquilino, os lábios finos e bem desenhados. A
pele era bronzeada, indicando que ele passava bastante tempo ao ar livre. O sol fazia
brilhar seus cabelos escuros. Ele irradiava vitalidade e energia. Se tivesse barba
comprida, pareceria um viking. Bastou esse rápido olhar para que Imogen percebesse
que ele era perigosamente atraente.
Mas com ela não ia funcionar, pensou com desdém. Ele deveria pensar que era o
tal. Ele que guardasse o charme para Érica!
Percebeu que Peter falava algo para ela e abriu a vidraça para escutá-lo. Uma
rajada de vento gelado invadiu o quarto.
— Venha aqui fora — chamou Peter. — Vista um casaco e desça. Está um gelo,
mas o dia está lindo, O café só vai ser servido daqui venha a pouco... venha respirar esse
ar fresco.
Ela fechou a janela, pegou um casaco e desceu para o jardim, curiosa para ver à
luz do dia como era o lugar onde estava.
Christian olhou-a de alto a baixo, examinando-a detalhadamente.
— Fiquei decepcionado por você não ter esperado minha chegada ontem — disse
ele, com um brilho desconcertante no olhar.
— Sinto muito, mas acho que você teve uma calorosa recepção, e minha presença
não fez falta nenhuma. Eu estava morta de cansaço.
— Estava mesmo — disse Peter. — Ora, Christian, deixe de ser vaidoso! Por que
ela haveria de esperar só para ver você?
— Pensei que ela estivesse curiosa para saber em que me transformei depois que
cresci!
— Mas eu nunca vi você antes! — disse ela, surpresa.
— Viu sim. Você era uma adorável menininha de cabelos pretos... devia ter uns
dois anos... só sei que peguei você no colo e você vomitou no meu pulôver novo. Essa é
uma lembrança inesquecível da minha infância. Sua mãe veio correndo e, enquanto me
limpava, explicava que você tinha acabado de comer, não podia ser balançada.
— Então quer dizer que você não ficou só com ela no colo? — disse Peter.
— Bem, eu rodei com ela e suspendi pro alto, e ela adorou... riu às gargalhadas,
até que acabou vomitando.
— É claro que não me lembro de nada disso — disse Imogen com altivez. — Se é
que aconteceu mesmo. Eu duvido.
Imogen estava desconfiada que ele estava fazendo de propósito, falando essas
coisas só para se vingar por ela não o ter esperado na noite de sua chegada.
— É claro que aconteceu. Por que eu iria inventar? Você não mudou. Continua a
parecer adorável, mas é respondona.
— Ora, francamente! — Ela estava aborrecida com esse primeiro contato tão
espalhafatoso. — Não precisa fazer isso.
— Isso o quê?
— Vamos pôr uma pedra nisso. Prefiro sinceridade à adulação.
— Eu não estava adulando — retrucou ele. — Não estava fazendo elogios... ou
será que você gosta de ser chamada de respondona? Você não cresceu muito, Imogen,

Livros Florzinha 13
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

eu ainda poderia erguê-la com facilidade, e desta vez acho que não correria o risco de
provocar enjôo.
— Você está sendo ridículo! — disse ela com arrogância. Depois, atraída pela cena
que viu, exclamou: — Que lindo!
Eles haviam atravessado a rua e estavam atrás das outras casas, e dali ela podia
ver a serra toda que circundava a cidade, ao longe, além da charneca. À direita dava para
ver a colina mais alta, o pico de Mam Tor, além do vale Hope.
— É lindo mesmo, não é? — disse Peter, ansioso, pois já estava ficando
impaciente com aquela conversa dela com Christian. — Olha ali, dá pra ver o castelo ...
acima daquelas árvores lá. Está em ruínas agora, mas deve ter sido inatingível
antigamente, pois está numa posição difícil de ser atacado de surpresa. Preciso levar
você até lá para ver de perto.
— Depois que eu for embora — disse Christian com firmeza — ou que a neve
derreta. Hoje vamos fazer outra coisa. Assim que tomarmos o café da manhã vamos pra
Rushup Edge esquiar.
Ótimo, pelo menos ficariam longe dela, pensou Imogen com satisfação. Ela
acabara de descobrir que havia algo perturbador na proximidade de Christian e, embora
fosse uma sensação agradável, preferia manter-se à distância.
Mas não foi o que aconteceu.
Eles voltaram para casa e Peter entrou na dele, prometendo voltar depois do café.
As crianças estavam animadas com o lindo dia.
— Você leva o trenó da gente até o topo da montanha? Leva, Chris? — perguntou
Teddy persuasivamente.
— Ah, leva, vai ... leva! — exclamou Pamela.
Ele sorriu afetuosamente para as crianças de quem era meio-irmão.
— Ora, é claro, eu levo no carro. Lettice, onde estão seus esquis?
— Estão por aí, em algum lugar — disse ela vagamente. — Mas eu não vou
esquiar hoje. Talvez Imogen possa usá-los. Acho que ela calça o mesmo número que eu,
pode usar minhas botas.
Imogen rejeitou a idéia quase com rispidez, enquanto Christian a observava com ar
de dúvida.
— Você deve esquiar bem ... — insistia Lettice — com todo seu treino de balé,
você deve ter bom equilíbrio ... e além disso você sabe patinar.
— É mesmo?! — disse Christian e Imogen percebeu que ele duvidava de suas
habilidades.
Imediatamente decidiu que iria mostrar a ele que ela não era aquela boboca que
ele estava imaginando.
— É, acho que eu gostaria de experimentar — declarou ela.
— Ótimo! — Joseph aprovou a coragem dela. — E, já que Christian quer se tornar
um instrutor, vai poder praticar ensinando você.
Imogen olhou para Christian com provocação.
— Se não for muito incômodo para você, é claro — disse ela docemente.
Ele sorriu.
— Vou deixar você em forma, prepare-se! — avisou ele.
— Não estou com medo. Já passei por outros treinamentos antes!
— Vamos ter uma manhã cheia, hoje, você vai ver — retrucou ele.
Bela coisa em que fora se meter, pensou ela um pouco arrependida, mas se ele
estava pensando que iria intimidá-la, estava muito enganado!
O traje de esquiar de Lettice serviu perfeitamente nela. Lettice aprendeu a esquiar,
mas não tinha muita afinidade com esse esporte.
Imogen juntou-se às crianças que esperavam, animadas, por Christian, que fora
buscar o carro. O automóvel era um modelo grande, conversível, com bastante espaço

Livros Florzinha 14
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

para as pessoas e os equipamentos. Peter chegou correndo e fez cara de surpresa


quando viu Imogen toda preparada.
— Ah, então você sabe esquiar?!
— Ainda não. Christian vai me ensinar.
— Ah, sei! — Ele ficou sem jeito.
Christian deu partida no carro e começaram a subida rumo à montanha. Passaram
por uma colina rica em xisto, que agora estava coberta de neve. O acesso estava difícil,
vários trechos da estrada estavam impedidos com desmoronamento de neve nos
barrancos. Chegaram o mais próximo do pico que conseguiram e depois deixaram o carro
e seguiram a pé.
Da encosta que dava para o vale eles avistavam a cidadezinha lá embaixo. As
casas pareciam de brinquedo. No lado oposto erguia-se o flanco da grande Kinder Scout.
Christian não permitia que parassem, apesar de Imogen desejar apreciar a beleza
daquele panorama. Ele ia na frente, conduzindo-os por uma trilha batida, indicando que
vários outros haviam passado por ali. Havia crianças com trenós e vários esquiadores,
todos entusiasmados e se regozijando com o extraordinário acúmulo de neve.
Christian trazia nos ombros os esquis dele e os de Lettice, e Peter carregava os
dele. Teddy quisera carregar os bastões de apoio e sei divertia, agora, cutucando a neve
com eles. Pamela se sentara no trenó que Lettice e Joseph puxavam.
Afinal acabou a subida e eles pararam. A encosta a partir dali formava um longo e
suave declive. Peter e Christian calçaram os esquis, enquanto Lettice mostrava a Imogen.
como fazer para colocá-los. Joseph se afastou com as crianças, procurando um local
apropriado onde a pista fosse mais íngreme. Lettice foi atrás deles depois e Peter afastou-
se, esquiando devagar, distanciando-se de Imogen que, nervosa, tentava se equilibrar
sobre os esquis. Seus pés pareciam não obedecer ao controle e iam cada um para um
lado.
Christian se aproximou para mostrar a ela como "caminhar" num lugar plano. Ela
não achou muito difícil, afinal, pois tinha excelente preparo físico para se equilibrar e
relaxar. Atrapalhou-se um pouco com os bastões de apoio, mas conseguiu descobrir
como manejá-los. Viu Peter lá longe, deslizando em ziquezague, e teve vontade de imitá-
lo.
— Posso descer a rampa? — perguntou ela.
Parecia tão convidativa aquela pista! Um tapete branco e macio, lisinho, que não
apresentava perigo algum.
— Não. Você ainda não sabe como parar e pode acabar dando algum encontrão.
-— Mas eu já estou cansada de ficar no mesmo lugar, só mudando de um pé para
outro! Eu já sei fazer curva. . .
— Você pensa que sabe — corrigiu ele.
Ela não fez caso e dirigiu-se para a rampa. À medida em que descia, a velocidade
ia aumentando e ela se entusiasmava cada vez mais. Seu corpo ágil e flexível se
inclinava para a frente com facilidade. Com a atenção concentrada em manter o equilíbrio,
ela não percebeu que entrara na pista dos trenós e não reparou em um que vinha
velozmente. Por ser mais pesado, descia com maior rapidez. As pessoas do trenó
gritaram para que ela saísse da frente, pois esquis eram mais fáceis de serem
manobrados. Entretanto ela nem os ouviu, e se tivesse ouvido não saberia se desviar com
a rapidez suficiente para evitar uma colisão.
O que sucedeu em seguida ocorreu numa fração de segundo. Christian voou sobre
ela como se fosse um enorme pássaro, enlaçou-a pela cintura, ordenou que ela ficasse
de pés juntos, e deslizou com ela para fora da pista, onde a neve era fofa, no momento
exato em que o trenó passou chispando.
Assim que entraram na neve fofa eles pararam, pois os esquis afundaram, e ele a
segurou para que não caísse devido à parada brusca. Imogen sentiu o braço forte que a

Livros Florzinha 15
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

mantinha em pé e a proximidade dele a perturbou. Ele estava carrancudo. Ela tentou


libertar-se dele, mas escorregou e caiu de costas.
Christian olhou para ela no chão e seus olhos azuis fuzilavam.
— Sua maluca! Já imaginou o que teria acontecido se tivesse colidido com eles?
Eu tinha proibido você de esquiar na rampa!
— Eu estava indo muito bem — disse ela em desafio. — Como podia perceber o
que vinha atrás de mim? Por que eles não desviaram se estavam me vendo?
— Eles imaginaram que você é que fosse desviar. Eles estavam na preferencial. Ali
é a pista de trenós.
— Não sabia disso.
— Mesmo que isso não tivesse acontecido, você ia se dar mal no fim da pista, lá
embaixo. Você ainda não tem o controle adequado, e nem poderia, pois mal começou a
aprender!
— Será que pode deixar o sermão para depois que eu conseguir me levantar? —
perguntou ela, irritada, sentindo que estava em desvantagem.
Ele estava apoiado nos bastões e olhava para baixo, enquanto ela lutava com os
esquis para conseguir se erguer de novo.
— Acho que você devia pelo menos me ajudar a levantar — continuou ela. — Não
consigo manejar esses apetrechos todos!
— Isso é óbvio.
Ele continuou sem fazer um gesto para ajudá-la e ela afinal conseguiu se pôr em
pé, mas os esquis escorregaram para frente de novo e ela tornou a cair de costas. Para
aumentar sua indignação, Christian começou a rir.
— Ah, você é detestável! — disse ela entre os dentes.
— Eu vou ensinar você a se levantar. Preste atenção: fique de lado para os esquis
ficarem atravessados na ladeira. Isso. Agora finque os dois bastões de apoio na parte
superior da ladeira, ao lado deles. Certo. Agora, com a mão que está do lado mais alto da
montanha segure-os pelo meio, e com a outra mão, que está do lado mais baixo, segure
no topo dos bastões. Pronto, agora encolha as pernas devagar em direção ao corpo,
apóie seu peso nos bastões e vá se levantando. Não, menina, assim não... os esquis têm
que ficar de lado, não de frente!
Tarde demais. Os esquis pareciam ter vida própria, escorregaram para a frente e
ela caiu mais uma vez.
— Muito mal. Tente de novo.
— Não. Não vou tentar coisa nenhuma! — Coberta de neve e humilhação, ela
ergueu o olhar chamejante para ele. — Isso pode ser muito engraçado para você, mas
pra mim, chega!
Ela se inclinou para a frente, abriu o fecho e soltou os esquis das botas, jogando-os
com raiva; depois ergueu-se e virou-se de frente para à subida.
— Eu vou andando mesmo!
— E vai deixar aqui os esquis de Lettice?
Ela pensou que ele iria carregá-los, mas era evidente que ele não tinha a menor
intenção de fazer isso. Furiosa, ela se abaixou, pegou-os do chão e colocou-os
atravessados sobre os ombros, tal como vira os outros fazerem.
— Está me obrigando a fazer isso para me castigar por desobedecê-lo? —
perguntou, desdenhosa. — Acho você mesquinho e grosseiro!
— Não a estou obrigando a nada. Você é que decidiu voltar caminhando —
retrucou ele com frieza. — Você está apenas enfrentando conseqüências de sua própria
imprudência. E não precisa me olhar com raiva, sua feiticeirinha de olhos verdes. Não
posso fazer nada. Não tem carregador de esqui aqui.
Ela corou, sentindo-se melindrada. Como é que ele se atrevia a chamá-la de
feiticeira?! Ela olhou para cima e viu, desanimada, que havia percorrido um bom pedaço

Livros Florzinha 16
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

na descida; o cume da montanha estava lá longe e não havia o menor sinal de Peter. Se
ele estivesse por ali, tinha certeza de que se ofereceria para levar os esquis. Christian não
iria ajudá-la. Estava se vingando pelo susto que ela o fizera passar, tornando a subida
mais difícil para ela. Mas ela é que não ia se queixar em voz alta para dar o gosto a ele.
Afinal, tinha amor-próprio! Em silêncio, começou a se locomover pesadamente e com
dificuldade.
Christian subia com elegância. Cheia de inveja ela o observava deslizar com
facilidade, em ziguezague, fazendo as curvas com perfeição, inclinando o corpo com
movimentos precisos em cada curva. Sem dúvida era um espetáculo magnífico esse
domínio absoluto de técnica, essa harmonia de movimentos bem treinados, era uma arte!
Mas ela não estava com a menor disposição para apreciá-la.
Era uma longa e cansativa caminhada, embora a encosta não fosse muito íngreme,
e não era consolo nenhum reconhecer que a culpa era dela própria pela tolice que fizera.
Christian ia e vinha, ziguezagueando, passando por ela várias vezes e seus
cabelos escuros tremulavam ao vento. Ele não usava gorro. E a expressão de seu rosto
era a de quem adorava o que estava fazendo, Imogen pensou com raiva que não havia
alguém que ela odiasse mais do que esse Christian.
Quando afinal ela chegou ao topo da montanha ele deslizou devagar e parou ao
lado dela com um movimento harmonioso. Ela se surpreendeu quando ele disse:
— Muito bem! Você tem firmeza de caráter e é corajosa!
— Muito obrigada — retrucou -, mas acho que eu não tinha outra escolha, não é?
— Você podia ter ficado no chão e chorado. Já vi isso antes, várias vezes.
— É mesmo? Mas eu não sou do tipo que chora. O que você faria se eu tivesse
feito isso?
Ele se apoiou nos bastões e examinou-a por instantes.
— Não sei... poderia ter lhe dado um tapa se você se mostrasse histérica, ou
poderia ter sentido que deveria carregá-la.
— Pelo menos dessa imposição você foi poupado.
— Até que eu teria achado. . . bastante agradável.
Os olhos dele brilharam com malícia e Imogen baixou as pálpebras. evitando
aquele olhar.
— Já que você se diz um Sansão, poderia pelo menos ter carregado meus esquis
— recriminou ela, deixando-os cair aos pés dele, enquanto esfregava os ombros
doloridos.
— Poderia sim — concordou ele com suavidade --, estava só esperando que você
pedisse.
— Jamais faria isso — declarou ela com orgulho.
— Pois é, você se saiu muito bem. O exercício deve ter servido para fortalecer
você. Foi um bom preparo.
— Obrigada mais uma vez, mas eu não vim aqui para me fortalecer — começou
ela com veemência, mas naquele momento chegou Peíer e perguntou como ela havia se
saído.
— Ainda não está pronta para uma competição — brincou Christian sorrindo -, mas
ela já desceu a rampa.
Peter olhou para ele, nervoso.
— Você deixou que ela se arriscasse?
— Não pude impedi-la. Ela é muito impetuosa! — respondeu Christian. — Mas já
que você chegou, fique fazendo companhia a ela que eu vou experimentar a pista Edale.
Ele se dirigiu ao outro lado da montanha, onde a descida era mais íngreme. Nó
caminho passou pelo pai e os outros familiares que haviam desistido de andar no trenó e
estavam brincando de fazer um boneco de neve. Assim que o viram passar, pararam o
que estavam fazendo e foram atrás dele.

Livros Florzinha 17
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Vamos lá — disse Peter a Imogen, com pressa. — Isso vale a pena a gente ver.
Com certa relutância ela os seguiu e chegaram bem no momento em que Christian
começava a descida. Ele saiu como um relâmpago pela pista escarpada. A inclinação era
quase vertical e ele ia a uma velocidade extraordinária. As outras pessoas que estavam
por ali se juntaram a eles para apreciar o ousado espetáculo, formando uma pequena
multidão no topo da montanha.
E ele deslizava com classe por aquela extensão gelada, um pequeno ponto escuro
percorrendo a brancura.
— Como é que ele vai voltar? — perguntou Teddy. — É tão alto pra ele subir!
— Você vai ver — disse o pai.
Christian foi até a pista mais curta e começou a subir. Ele caminhava de lado, como
um caranguejo, erguendo bem o esqui antes de apoiá-lo de novo no chão, mais acima, e
com uma rapidez surpreendente chegou ao cume. Imogen notou que ele não estava
esbaforido, nem parecia cansado. E a platéia o aplaudiu, entusiasmada.
— Que perfeição! — murmurou Peter ao lado dela, com uma ponta de inveja. —
Ah, se eu fosse um atleta e não um funcionário!
Christian parou observando o percurso que fizera e, naquela atitude, parecia um
viking voltando vitorioso de uma batalha.
— Essa pista não está bem aplainada... — comentou ele, tirando esquis.
As duas crianças correram para ele, chamando-o para ir ver o boneco de neve que
haviam feito e a família toda se afastou. Imogen olhou-os, desconsolada. Já estava
saturada de ficar zanzando de cá para lá na neve e Peter percebeu a expressão em seu
rosto.
-— Vamos esperar aqui! — disse ele.
Procurou uma pedra onde Imogen pudesse se sentar, retirou a neve e colocou seu
agasalho sobre a pedra.
— Você não vai sentir frio? — perguntou ela,
— Não. Eu já estava até com calor, com esse sol.
Realmente, por baixo daquela jaqueta impermeável ele ainda estava bem
agasalhado, com um pulôver grosso. Imogen sentou-se, agradecida, na cadeira
improvisada, deixando espaço para ele.
O céu estava azul, sem nuvens, e o sol os aquecia. Imogen olhou para o vale,
coberto de um branco imaculado, e teve de admitir que realmente a paisagem era linda.
— A namorada também esquia? — perguntou ela com ar distraído.
— Não tenho namorada.
— Não. . . estou falando da namorada de Christian, aquela por quem ele perguntou
quando telefonou.
— Ah, sei. Érica. Não. Parece que ele prometeu ensiná-la.
— Prometeu, é? Parece que ele quer ensinar todo mundo.
— É um modo de ele praticar.
— Sem dúvida! — Ela deu um risinho sem jeito. — Então foi por isso que, já que
ela não está aqui, ele quis praticar comigo?
Peter admirou-se com o tom de irritação na voz dela. — Você não gostou? Ele é
considerado um ótimo instrutor.
— Não gostei dos métodos dele.
— Que pena. Acho que ele não levou em consideração o fato de ser uma garota.
— Peter parecia realmente preocupado. — Ele precisar aprender a lidar com mulheres se
quiser ter sucesso com escola de esqui que pretende abrir. É essa a intenção dele?
É. Assim que ele abandonar as competições, e não vai demorar Ele já está
beirando os trinta. É melhor parar enquanto está forma e famoso.
— Puxa, ele já tem tudo isso? — comentou Imogen, sabendo que Peter tinha vinte
e dois anos. — Mas, essa tal de Érica vai ficar muito chateada de saber que perdeu a

Livros Florzinha 18
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

oportunidade de encontrá-lo! Eles não devem se comunicar com muita freqüência, senão
ela saberia que ele viria para cá, não é?
— Christian sempre faz as coisas de momento — explicou Peter -, e depois ele
sabe que ela dificilmente sai daqui. Era quase certo encontrá-la.
— Sério? Ele é assim, é? Peter encolheu os ombros.
— Christian é um ótimo companheiro, mas devo reconhecer que ele não trata as
mulheres com muita consideração. Sabe como é... ele se deixa levar pelo entusiasmo do
momento. . . um rosto bonito, um luar romântico... depois no dia seguinte fica sem saber o
que fazer pra se livrar da menina, pra dizer que o que aconteceu não significava
compromisso nenhum.
— Se fosse eu, jamais acreditaria nas coisas que ele dissesse — declarou Imogen,
enfática. — Já aprendi a não me fiar nas palavras bonitas que os homens dizem.
Peter percebeu uma certa amargura na voz dela e fitou-a com ar de reprovação.
— Nem todos são como Christian — afirmou ele. — Pode estar certa de que eu
sou sincero, e quando digo uma coisa é porque realmente estou sentindo.
— Então você deve ser a exceção da regra — disse ela negligentemente.
— Pelo jeito que fala parece que já conheceu muitos em Londres! Existe alguém
especial?
Ela riu para esconder a dor.
— Não. Sou completamente livre e desimpedida.
Ele não escondeu a satisfação e Imogen percebeu que cometera um erro. Deveria
ter dito que estava comprometida, mas agora era tarde para retificar o erro. Paciência! Se
Peter estivesse decidido a conquistá-la, iria se dar mal e ela não se responsabilizaria.
Azar dele!
Peter olhava para ela com admiração. Ela estava corada do exercício que fizera,
com uma aparência saudável. Algumas mechas de cabelo escapavam do gorro,
enfeitando-lhe o rosto, e os olhos verdes estavam brilhantes e límpidos. Estava mesmo
muito atraente.
— Não posso entender isso! — disse ele. — Com essa aparência diria que existem
milhares de pretendentes brigando para conseguir um encontro com você.
— Talvez eu tenha mesmo — disse ela, insinuante. — Mas isso não quer dizer que
eu esteja interessada em alguns deles. Sabe, Peter, eu só gosto de companhia para me
divertir. Não quero saber de compromisso. Só tenho amizades. Para amar, eu não tenho
coração. — Esperava que ele entendesse a mensagem.
— Não acredito nisso — disse ele sinceramente. — Sei que você não é desse tipo.
Você é meiga, Imogen. Simplesmente ainda não encontrou o homem certo.
O olhar de Imogen vagava pelas colinas brancas, iluminadas de sol. Não queria
que ele lesse em seus olhos a verdade. Ela achara o homem certo, sim. . . mas o perdera.
— Desculpe interromper — disse Lettice atrás deles -, mas está na hora de
voltarmos para comer. As crianças estão com fome. Você vem conosco, Peter?
— Eu gostaria, mas... — olhou para Christian que se aproximara e observava-os
com um sorriso irônico — o que você vai fazer?
— Vou ficar por aqui enquanto a pista estiver funcionando — anunciou Christian. —
Você não se importa, não é, Lettice? Depois eu como qualquer coisa quando voltar. É
melhor aproveitar enquanto há condições de esquiar. Se esquentar, a neve vai começar a
derreter.
— É... parece que está esquentando — disse Lettice, resignada. Conhecendo bem
o jeito do enteado, sabia que ele não ligava para mais nada quando estava absorvido em
seu esporte. — Mas a previsão do tempo disse que o frio vai continuar.
— Nem sempre eles acertam. Eu já estou farejando degelo — retrucou ele e virou-
se para Imogen. — Creio que você não vai ficar, vai?
— Já fiz demais, por hoje — disse ela com rispidez.

Livros Florzinha 19
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Mesmo sabendo que hoje pode ser a última oportunidade? — perguntou ele,
estendendo a mão bronzeada para ajudá-la a levantar-se.
Ela ignorou o gesto e ergueu-se, sacudindo a neve da roupa.
— Não há motivo para continuar aprendendo — declarou ela. — Não creio que eu
vá esquiar algum dia.
Imogen percebeu que Christian a analisava com atenção e se perguntou o que
havia nela para interessá-lo. Sabia que para ele ela era apenas um tapa-buraco, uma
distração para compensar a ausência de Érica. Além disso, não devia estar nada atraente
com aquela roupa emprestada e sem maquilagem. O nariz devia estar brilhando. Talvez
ele a estivesse comparando, desfavoravelmente, com Érica.
Um tanto desconcertada com esse minucioso exame, ela se virou e começou a
andar em direção ao carro.
Peter decidiu ficar com Christian e os dois disseram que voltariam a pé, portanto
Joseph poderia levar o carro.
— Acho que Imogen andou demais, hoje — disse ele com um olhar matreiro.
Ela desviou o rosto imediatamente, com vontade de dar um tapa nele.
— Christian ficou bastante tempo com você, não é? — comentou Lettice, quando já
estavam todos instalados no carro.
— Não fui eu que pedi — retrucou Imogen imediatamente. — Foi idéia dele.
Naturalmente ela não queria contar que passara a maior parte do tempo
caminhando até o cume do Rushup Edge. Ficou imaginando se Érica já havia chorado em
uma ocasião como aquela e se ele a carregara nos braços. Tal pensamento lhe provocou
uma estranha sensação desagradável, O riso de Lettice arrancou-a de seus
pensamentos.
— Peter não gostou nada da história — disse ela. — Você já fez uma conquista,
minha cara.
— Ah, que maluquice! — exclamou Imogen, exasperada. — Acabei de conhecê-lo.
— Nunca ouviu falar em amor à primeira vista? — perguntou Joseph, sem desviar
o olhar da estrada.
— Já sim, mas só em livros ou em peças. Nunca na vida real — retrucou Imogen.
— Peter se impressiona à toa porque ainda é um garoto. Não é amadurecido.
— Ele é mais velho do que você... — lembrou Lettice — e se ele está
impressionado, não vá magoá-lo,
Teddy intrometeu-se, sem entender de que falavam.
— Por que Peter está impressionado, mamãe? O que aconteceu? Lettice inventou
uma explicação convincente para o filho, sem abordar o assunto real. Ele era muito
pequeno para compreender.
Enquanto isso Imogen pensava que Lettice estava tirando conclusões apressadas
demais. Era possível que Peter tivesse gostado dela, mas era apenas uma simpatia. Não
poderia ser outra coisa, em tão pouco tempo de conhecimento. E ela não pretendia ficar
em Derbyshire mais do que umas duas semanas. O tempo certo para um flerte ou um
namoro inconseqüente, se ele estivesse mesmo interessado nela. Seria até bom para se
distrair e tornar agradável sua estada, mas não via a menor possibilidade de que o
relacionamento durasse mais do que um descompromissado namoro de férias. Peter era
sentimental, não impetuoso, e a esqueceria logo, assim que ela fosse embora.
Os dois só voltaram quando já estava escurecendo mas, como estava exausto,
Peter foi direto para a casa dele. Christian parecia tão descansado quanto pela manhã.
Foi até a cozinha e preparou um lanche reforçado, que comeu com apetite.
Nuvens de chuva começaram a se formar no lado oeste e a temperatura se elevara
sensivelmente. A previsão do tempo informou que as condições haviam mudado e que
havia possibilidade de derretimento das neves.

Livros Florzinha 20
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Graças a Deus! — exclamou Lettice. — Acho que você ficou chateado não é,
Christian?
— Por mim não, só por causa de Peter — replicou ele. — Essa pista daqui está
longe de me satisfazer.
— É mas você vai se aborrecer ficando sem esquiar.
— De jeito nenhum! Há muitas outras formas de diversão — disse ele, olhando
para Imogen.
Seus olhares se cruzaram e ela sentiu o coração pulsar mais rápido, deveria ter-lhe
servido de aviso, contudo estava convencida de depois daquela desilusão com Ray
nenhum outro homem a interessaria. Não gostara do jeito de Christian, mas não sabia por
que a estimulava tanto. Era muito mais forte e cheio de vitalidade do que o coitado do
Peter e, se ele estava pretendendo se divertir com ela também iria fazer o mesmo: fingiria
acreditar e depois, antes ir embora, diria tudo o que realmente pensava dele, só pra ver a
sem graça que faria, pois naturalmente Christian estaria pensando a conquistara como a
todas as outras mulheres. Só de pensar na brincadeira seus olhos brilharam e um sorriso
provocador apareceu seus lábios. Com ele, Imogen sabia que não havia perigo de causar
mágoas, pois Christian, tal como ela, não tinha a menor intenção de um envolvimento
sério. Poderia fazer o que quisesse sem precisar se preocupar em ferir suscetibilidades,
coisa que não acontecia em relação a Peter.
O conselho de Vivien começava a surtir efeito. Bem que ela estava a razão!
Homem era um ótimo passatempo. E esse era um bom momento para Imogen testar sua
habilidade de brincar com fogo sem se queimar.

CAPÍTULO III

Na noite, depois que as crianças foram para a cama, sentaram-se diante da lareira
e ficaram conversando agradavelmente. Imogen ouviu mais coisas a respeito de Greta.
Ela não está nada boa — disse Christian, que estivera com ela recentemente. —
Jamtland é frio demais para ela, no inverno.
Ela está querendo vender a fazenda e mudar-se para Estocolmo. Só precisa
arranjar alguém para ficar com as crianças enquanto vai trabalhar. Eu vou até lá para
ajudá-la a resolver as coisas.
Imogen mal prestava atenção. Greta, na longínqua Suécia, era apenas um nome
vazio para ela. Não tinha a menor idéia de que algum dia pudesse ser muito mais do que
isso. Ficava apenas imaginando se a garota seria como o irmão. Se fosse, deveria ser
uma mulher muito bonita. E era bem provável que se parecessem, afinal eram gêmeos.
— Não vejo meus netos desde que eram ainda bebês — — disse Joseph depois de
expressar satisfação por saber que Christian ia ajudar Greta, pois achava a filha muito
sozinha, — Deixe-me ver... Sven, o garoto, deve estar com uns cinco anos agora, ou
ainda vai fazer, não é? — Olhou interrogativamente para Lettice. — — Quem sabe no
verão...
— Por que não? — concordou Lettice. — Mas o verão ainda está longe. E na
Suécia só chega mesmo no mês de junho.
— Pobre Greta! — exclamou Joseph.
Imogen não pôde deixar de concordar com ele mentalmente. Aquele lugar devia ter
um clima horrível!

Livros Florzinha 21
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Tal como Christian previra, começou o degelo, anunciado por uma forte chuva
durante a madrugada. O domingo amanheceu nublado e frio e havia preocupações com
enchentes nos vales, à medida que a neve derretida escorria das encostas das
montanhas.
Imogen foi com Lettice e as crianças à igreja. Antes ela entregara os presentes que
trouxera e que, perto dos que Christian dera, ficaram insignificantes. Durante à tarde
Peter apareceu por lá trazendo uns folhetos e mapas. Estava planejando levar Imogen no
próximo fim de semana para conhecer os arredores, se as condições das estradas
melhorassem. Explicou que não poderia levar a família toda, pois seu carro era pequeno
demais. Lamentou-se por isso, mas sem sinceridade. Os Wainwright não tinham carro.
— Mas na minha caminhonete cabem todos. Eu posso levá-los — disse Christian
maliciosamente, observando a expressão desconsolada de Peter.
— Você ainda vai estar por aqui até lá?
— Espero que sim.
— Ora, mas isso é ótimo, então! — exclamou Peter, fingindo entusiasmo.
— Se não houver mais neve — continuou Christian — podemos ir até Dales e
depois até Matlak. A reserva Riber fica aberta o ano todo e as crianças vão adorar ver os
animais.
— Acho que é um pouco longe... — disse Lettice em dúvida.
— Com minha caminhonete fazemos a viagem num instante.
As crianças se entusiasmaram com a perspectiva.
— Lá tem leões, Chris? — perguntou Teddy.
— Não, mas tem gato selvagem e ursos.
Imogen sentiu uma satisfação íntima inesperada. Christian impedira a tentativa que
Peter fizera de monopolizar sua atenção. Até parecia que ele estava lutando contra um
rival. Mas como, se ele tinha Érica? De qualquer forma isso era um bálsamo para sua
vaidade ferida. Era o melhor remédio para curar as mágoas que Raymond causara. Ela
não estava se envolvendo, mas se divertia com a disputa velada entre eles. Era um bom
estímulo se sentir requisitada. Peter disse, mal-humorado:
— Pensei em afastar Imogen das crianças um pouco. Ela já deve cansada delas.
— Por que elas não haveriam de aproveitar o passeio também? — disse Christian
calmamente. — Eu quase não as vejo. E se você acha que Imogen está saturada, trate de
entretê-la enquanto eu cuido das crianças.
Imogen e Peter olharam para ele, admirados. Por que ele sugeria, agora, que os
dois ficassem juntos, se havia atrapalhado um passeio deles a sós? Talvez Christian
estivesse tão certo do seu charme que não acreditava que, ele estando presente, ela
fosse preferir a companhia de Peter.
Imogen deu um sorriso de provocação e falou:
— Acho que devemos ficar todos juntos! Eu quero ver a reação das crianças
quando virem os animais.

Durante a semana o tempo esteve bom. Fez sol todos os dias e não nevou mais,
só à noite geava. Portanto o passeio até Riber continuava no programa. De manhã
Imogen ajudava Lettice nos serviços domésticos. Só Pamela ficava em casa com elas,
Teddy ia para a escola, Joseph e Peter iam para o trabalho; Peter em Chinley e Joseph
em Hope. Christian entrava e saía a toda hora e Imogen se perguntava se Érica havia
voltado. Nem ele nem Lettice mencionaream o nome dela, ou tocavam no assunto.
Na tarde do segundo dia, Christian convidou Imogen para um passeio até Winnats.
Lettice não podia ir, pois precisava estar em casa quando Teddy voltasse da escola.
Seguiram por uma estrada estreita que antigamente fora a estrada principal.
Grandes rochas cinzas margeavam o caminho até o alto do penhasco. Christian explicou
que, no verão, ali era o lugar preferido para se fazer piquenique. Em certos trechos a

Livros Florzinha 22
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

subida era bastante íngreme. Imogen olhou para cima e estremeceu com a visão
daquelas rochas ameaçadoras.
Chegaram até o topo e de lá Imogen podia ver como as rochas formavam um
desfiladeiro natural na encosta da montanha. Depois ele perguntou a ela se gostaria de
conhecer as cavernas. Havia a Treak ou Blue John. Mas quando chegaram às casinholas
que marcavam a entrada do caminho das cavernas, descobriram que o local estava
fechado para visitas até a Páscoa. Sem se perturbar, Christian desceu e conversou algum
tempo com um dos vigias que já o conhecia bem; houve um pequeno presentinho em
dinheiro e afinal receberam permissão para entrar.
Atravessaram longos túneis formados nas rochas, desceram escadas lamacentas,
tudo iluminado com lâmpadas elétricas. A caverna era cheia de estalactites e
estalagmites. As luzes eram colocadas estrategicamente por trás delas, formando um
bonito desenho rendilhado. As cavernas eram naturais.
Imogen não gostou muito daquela excursão pelo interior da montanha. Não
conseguia parar de pensar que havia toneladas de rochas sobre sua cabeça, e foi com
alívio que saiu de novo para o ar livre e a luz do dia.
— Essas montanhas são todas cheias de cavernas — disse Christian -, e algumas
com rios. subterrâneos. Você precisava ver a caverna de Speedwell. É uma mina, mas só
dá para entrar de barco. Quando os mineiros cavavam lá, acabaram desembocando
numa grande queda d'água, que impossibilitou o avanço. Era um rio que só Deus sabe de
onde vinha e pra onde ia.
— Credo! Parece história da mitologia.. . — exclamou ela, apreensiva. — Acho que
não gosto muito de cavernas, elas me dão claustrofobia.
Estavam descendo a escada que conduzia de volta à estrada e os degraus
estavam escorregadios com a umidade.
— Cuidado! — avisou Christian e passou o braço pelos ombros dela para ampará-
la.
— Estou tomando bastante cuidado. — Ela ergueu o rosto para ele, com um sorriso
provocante. — Sou sempre muito cautelosa e espero que você também seja.
Ela própria se surpreendeu com a facilidade com que disse aquelas palavras
coquetes de duplo sentido. Não fez nenhum gesto para afastar o braço de Christian, e na
verdade estava até gostando da proximidade dele. Um arrepio gostoso percorreu sua
espinha. Fisicamente ele era muito atraente, despertava sensualidade, e ela sabia por
experiência própria que esse tipo de atração era coisa transitória. Só quando era
acompanhada de amor podia se transformar num elo duradouro. E Christian, tal como ela
e Vivien, era cético em relação ao amor.
Ele a olhava nos olhos com uma expressão divertida.
— O que você quer dizer com isso, exatamente?
— Que eu nunca avanço demais.
— Obrigado pelo aviso. Só espero que não faça exceção a Peter.
— Ora, logo Peter!
Haviam chegado ao fim dos degraus e ela afastou o braço dele com certa
impaciência. Não queria pensar em Peter naquele momento.
— Ele é muito vulnerável — disse Christian.
Ela teve vontade de gritar, dizer que ela também já fora vulnerável muito magoada
e ferida. Em vez disso disse, com insensibilidade:
— Problema dele!
— Ele não está acostumado com as artimanhas das mulheres de cidade grande, é
um rapaz simples.
— Por que você não o previne, então?
— Ele não me ouviria. Ia pensar que eu estava com ciúmes.
— E você não está? — perguntou ela, olhando-o de soslaio.

Livros Florzinha 23
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Não acho que tenha motivos para estar.


Ah, isso era intolerável! Ele estava pensando que podia tomá-la Peter com um
simples gesto, se quisesse. Mas será que ele queria? Ela o fitou com os olhos
semicerrados e sorriu de modo sedutor.
— Eu sei levar na brincadeira também — disse ele -, mas Peter não percebe a
diferença, ele leva a sério.
— Não acha que ele deve aprender, então? — perguntou ela com doçura.
— Queria lhe pedir para deixá-lo em paz.
Isso não era justo. Ela não estava provocando Peter, ao contrário, evitava ao
máximo ficar sozinha com ele e até tentara desencorajá-lo de iniciar qualquer
aproximação, mas parece que Christian não havia notado sua atitude. De qualquer forma
isso não era da conta dele.
— Você se nomeou guardião dele, é? — perguntou ela com desdém. — Aposto
como ele não vai lhe agradecer. Afinal, ele é maior de idade e sabe se cuidar sozinho.
Mas apesar disso é um rapaz do interior, simples e ingênuo.
— E você, sem dúvida, está longe de ser simples e ingênuo, não é?
— Eu sou mais velho e tenho mais experiência. Estou lhe avisando, Imogen: se
fizer Peter sofrer vai ter que ajustar contas comigo.
— Mas que dramático! — zombou ela. — E o que você imagina pode fazer
comigo?
— Você verá — respondeu ele com frieza,
— Eu não me assusto com ameaças vazias — disse desafiadoramente -, e, além
disso, não acredito que Peter seja esse anjo de candura que você descreveu.
— Você já amou alguém? — ele perguntou inesperadamente.
— O amor é um mito — disse com amargura. — É uma fantasia romântica.
Ela percebeu que o rosto de Christian estava sério e ele a olhava compadecido.
— Acho que você deve ter sido profundamente magoada por alguém.
Imogen se retraiu. Ele era a última pessoa do mundo em quem ela poderia confiar.
Julgava-o frívolo e empedernido. Se contasse a Christian sobre Ray, ele a julgaria uma
tola romântica e sentimental que ele poderia iludir e fazer de boba à vontade. Parou de
caminhar e fitou-o com os olhos semicerrados.
— Você pode pensar o que quiser — disse com frieza -, mas eu lhe digo que está
redondamente enganado a meu respeito. Nunca alguém me magoou e ninguém jamais
conseguirá isso. Eu sempre fui e sempre serei uma garota que gosta de se divertir.
Aproveito o máximo das situações... mas não me envolvo, não me dou.
Continuou a caminhar de cabeça erguida e ele disse com suavidade.
— Mas que imagem desagradável você atribui a si própria!
— É isso o que eu sou. Não estou inventando, estou sendo sincera com você.
— Isso é um elogio pata mim, ou um aviso? — Christian sorriu.
— Entenda como quiser.
Percorreram a estrada de volta e já avistavam a cidade quando ela disse com
desdém:
— Você parece bastante preocupado em proteger seu amigo de rainha maldade e
malícia, mas será que você é melhor do que eu? O que me diz das garotas que você
ilude? Será que elas também não são vulneráveis? Não se magoam?
— Quem andou lhe falando sobre minhas garotas? — perguntou ele, achando
graça. — Como sabe se eu tenho alguma namorada?
— Seria estranho se não tivesse, e além disso ouvi sua família falar... — Imogen
fez uma pausa, lembrando-se de que fora Peter quem lhe disse que Christian era um
conquistador irresponsável. Mas de repente lembrou-se de outra coisa. — Ahn. . . numa
tal de Érica.
Ele caiu na risada.

Livros Florzinha 24
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Ah, ela é que nem você! Só gosta de se divertir, portanto, não está sendo iludida
ou magoada.
— Você perguntou por ela quando telefonou pra avisar que ia chegar — lembrou
ela.
— É, perguntei. Eu estava pensando nela pra fazer uma coisa ...
— Christian interrompeu e perguntou de repente: — Por falar nisso, você já tem
algum emprego em vista, ou garantido, para quando voltar a Londres?
A súbita mudança na conversa pegou-a de surpresa e ela respondeu sem refletir:
— Não. Não tenho absolutamente nada. — Imediatamente se arrependeu do que
disse e acrescentou, meio ríspida: — Creio que meu empresário vai arranjar alguma
coisa.
— Sua profissão é muito incerta... — comentou ele.
— Eu posso ir para a casa de meus pais se estiver sem trabalho — retrucou ela,
— E você não se incomoda de viver às custas deles? Não acha humilhante?
É claro que ela se incomodava. Achava isso horrível e esperava de todo o coração
não precisar fazer isso nunca, mas ele a ofendera falando daquele modo e tocando num
assunto tão particular.
— Isso é problema meu — disse ela, tensa.
— Desculpe, não tive intenção de ser rude ou indiscreto, só estava pensando que,
se você não conseguisse nada no ramo artístico, poderia se contentar com qualquer outro
tipo de trabalho, desde que o salário fosse satisfatório.
— Não me interessa outro tipo de emprego. Minha profissão é a de bailarina —
insistiu ela.
— Então, espero que se torne uma segunda Pavlova, mas, no caso de mudar de
idéia, sei de um emprego que serviria pra você.
— É o que você ia oferecer a Érica.
— Acho que você seria mais indicada.
— Se isso é um elogio, foi muito irônico. . . Além do mais, não creio que você tenha
algo interessante a me oferecer. Algo que possa me atrair.
Ele sorriu serenamente diante da rispidez dela.
— Você nem sabe de que se trata, e eu posso ser muito persuasivo.
— Não duvido nada. — A curiosidade foi mais forte. — De que trata?
— Já que você não está interessada, não vou gastar meu latim explicando.
— Você disse que podia ser persuasivo... — Imogen lembrou maliciosamente.
— Então você considera a hipótese de aceitar. . . seja o que for? Ela olhou para ele
com expressão de dúvida.
— Como posso responder antes de saber o que vai me propor?
— Sinto muito desapontá-la — ele riu -, mas não é nada relacionado a romance.
Vou lhe explicar a situação detalhadamente e você escolhe. Se recusar, oferecerei a
outra.
— Quer dizer que existem outras indicadas?
— É claro! Você não está pensando que é a única, está?
— Lógico que não! — Mas ela se sentiu melindrada. — Em todo caso, não deve
ser nada que me interesse mesmo. . .
Ela o olhou de soslaio, esperando que ele esclarecesse o assunto de uma vez,
mas ele não falou mais e ela não teve coragem de perguntar de novo.

Na manhã seguinte, Christian foi para Londres fazer uns contatos com as
agremiações esportivas a que pertencia. Ia ficar alguns dias por lá. Imogen ficou
desarvorada ao perceber que sentia, falta dele. Tentava se justificar, dizendo para si
mesma que era natural sentir a falta de uma pessoa com personalidade tão marcante. Era
apenas isso. Mas a verdade era que se aborrecia e se entediava, coisa que era

Livros Florzinha 25
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

impossível com Christian por perto. Ficou imaginando o que ele iria lhe dizer naquele dia.
Teve de admitir que fora esperto. Despertara sua curiosidade e depois se recusara a
satisfazê-la. Começou a achar que estava se arriscando demais com ele. Podia acabar se
queimando nesse fogo.
Peter foi lá à noite, mas ela evitou ficar a sós com ele e desencorajou qualquer
conversa mais íntima, dizendo que queria assistir o programa de televisão que ia
começar. Era a apresentação de uma peça de Shakespeare chamada "Muito Barulho por
Nada", e a música de fundo, quando começou o programa, parecia ser uma mensagem
para ela:
"Não chore mais mulher,
não se lamente.
Todo homem mente,
tem vida errante
e não pára jamais.
Não sabe ser constante.
Por isso não chore tanto,
deixe-o ir.
E você, aprenda a sorrir."

Era isso mesmo! Os homens são mentirosos e gostam de iludir, mas ela nunca
mais choraria por nenhum deles Nem Raymond, nem Christian. Ela os deixaria partir sem
se importar. Shakespeare tinha razão.
Christian só voltou na sexta-feira à noite, muito tarde, e, tal como da primeira vez,
Imogen já estava deitada, mas só conseguiu dormir depois que ouviu a voz dele na sala.
As crianças estavam preocupadas com a demora dele, achando que não ia mais haver o
passeio a Riber programado para o dia seguinte. Imogen tentou se convencer que era só
pelas crianças que estava esperando ansiosa a volta dele.

Tiveram sorte em relação ao tempo, O sol estava brilhando e já não havia mais
neve, a não ser nos picos mais altos. A caminhonete era bem espaçosa e havia lugar para
todos. As crianças foram na parte traseira, que havia sido forrada com almofadas, Lettice
sentou-se ao lado de Christian e Imogen entre Joseph e Peter, no banco de trás.
Atravessaram várzeas, desfiladeiros, vales, planaltos castigados pelo vento e
passaram por cidadezinhas com antigas casas de pedras cinzentas. De vez em quando
Christian parava para que apreciassem a paisagem.
O castelo de Riber estava situado num lugar magnífico. No topo de uma colina de
onde se avistava todo o vale Derwent, com a estrada, o rio, a ferrovia. As outras colinas,
perto dessa, ficavam insignificantes.
Imogen estava encantada com a maravilhosa vista, e foi com dificuldade que
conseguiu se afastar dali para conhecer a reserva animal. Havia uma enorme variedade
de pássaros, lontras, castores, ursos, raposas e patos selvagens.
Lettice levou uma cesta de piquenique com um lanche, que comeram no carro, pois
estava frio demais para se sentarem no gramado. Depois que terminaram, continuaram a
explorar o local. Peter fez várias tentativas de se afastar com Imogen do grupo, mas ela
permanecia irredutível, sem largar das crianças. Teddy estava gostando da companhia
dela, pois podia exibir seu conhecimento explicando a ela várias coisas sobre os animais
que viam. Pamela estava com Christian, pois toda hora pedia colo e, como Lettice
recusava, ele acabou carregando a menina.
— Com essas perninhas pequenas a pobrezinha deve estar cansada mesmo —
disse ele para a madrasta.

Livros Florzinha 26
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Imogen o surpreendeu mais de uma vez olhando para ela e percebia riso irônico
que ele dava toda vez que olhava furtivamente para o rosto emburrado de Peter. Mas ele
não fez nenhuma tentativa de se aproximar.
Teddy quis ir ver o pátio interno do castelo. Foram todos para lá, mas havia vários
cartazes avisando que era perigoso entrar no recinto.
— A gente não pode entrar? — perguntou Teddy.
— Não. É muito perigoso.
O menino ficou desapontado, mas concordou em se afastar. Peter, que não os
acompanhara, chegou nesse momento.
— Vai lá depressa — disse ele a Teddy. — Não quer ver darem comida às lontras?
Imogen ia acompanhar Teddy, que saiu correndo, mas Peter a deteve.
— Não vá. Nós não tivemos um minuto para conversar. Você não larga essas
crianças chatas!
— Eu gosto das crianças — disse ela na defensiva.
— Quer dizer que prefere a companhia delas à minha?
— Não é nada disso. Não precisa se ofender. Afinal de contas, o passeio é para
elas.
Ela não queria magoá-lo, mas também não queria incentivá-lo. O que Christian lhe
disse a impressionara mais do que ela imaginava. Peter merecia sinceridade.
Eles estavam no jardim do castelo, escondido por uma parede em ruínas.
— Você não pode negar que está me evitando, pode? — perguntou ele
acusadoramente.
— É para seu próprio bem — disse ela. — Sabe, eu não sou o tipo de garota para
você. Você não me conhece bem.
— Conheço melhor do que você pensa — insistiu ele.
— Você está me idealizando — disse ela delicadamente. — Eu sou frívola, volúvel
e namoradeira. Só namoro para me divertir, nunca levo nada a sério.
— Você está mentindo pra se livrar de mim. Garotas frívolas e namoradeiras não
vêm a cidadezinhas como esta e não gostam de crianças. Eu vi bem seu jeito com Teddy
e Pamela.
Ela balançou a cabeça pesarosamente.
— Isso não é sempre. Estou só variando um pouco. Vim para cá porque não estava
muito bem... — Ela engoliu em seco, lembrando-se de que a dor-de-cotovelo fora bem
pior do que o sarampo, mas não podia contar isso a Peter. Estava tentando parecer frívola
e insensível para ele e, se contasse, destruiria a imagem. Ele poderia querer consolá-la.
— Vou embora logo para Londres — continuou ela. — Agitação... muita gente, festas... é
disso que eu gosto. Você detestaria o tipo de vida que levo.
Ele olhou para ela com expressão de dúvida.
— Não acredito que você seja realmente assim — disse ele devagar.
— O que está querendo é me dar o fora por causa de Christian.
— Christian? — Imogen riu com pouco caso. — Ora, francamente Peter! Eu quase
nem o vejo e não estou nem um pouco impressionada por suas façanhas atléticas. Ele
seria a última pessoa por quem eu poderia me interessar... e além disso ele tem Érica,
não é?
Ele continuava tenso, os lábios contraídos. Não se convencera com o que ela
disse, pois sabia que o amigo era irresistível para as mulheres.
— Que azar ele ter voltado logo agora que você está aqui! — queixou-se Peter.
— A vinda dele não faz diferença alguma — garantiu ela. — Por favor, Peter,
entenda. Eu gosto de você como amigo e não posso lhe dar nada além de amizade.
— Você me despreza — disse ele com raiva — porque eu não passo de um mero
funcionário de escritório, mas eu vou lhe mostrar.
— É melhor a gente ir para junto dos outros — disse ela delicadamente.

Livros Florzinha 27
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Ainda não.
Ele a puxou para si e tentou beijá-la, mas Imogen virou o rosto de lado e viu
Christian que os observava da entrada. Ela empurrou Peter num sobressalto e sentiu que
enrubesceu.
— Lettice pediu que eu procurasse vocês — disse Christian. — Ela acha que está
na hora de voltarmos.
Peter deu uma risada atrevida e aproximou-se do amigo com um jeito fanfarrão.
— Pois é, meu chapa, se o tempo estiver bom amanhã, que tal um pouco de
alpinismo? Eu sempre quis escalar aquela montanha rochosa em Cambes Moss, estava
só esperando você para ir comigo.
Christian olhou para o rapaz, preocupado. Percebeu que ele estava sentindo
necessidade de se mostrar, de praticar um ato corajoso.
— É... seria bom. Se você quer mesmo ir podemos combinar hoje à noite.
E foi o que fizeram, presumiu Imogen, pois Christian foi para a casa de Peter e ela
não os viu mais aquela noite.
— Não sabia que aqui em Derbyshire há lugares para alpinismo — disse Imogen a
Joseph, à noite.
— Não sabia? Bom, é claro que por aqui é tudo bem mais modesto, mas dá para
escalar. Na região de Lake District e no País de Gales é que existem montanhas altas,
próprias para alpinismo, com ganchos nas pedras e tudo. Há duas montanhas rochosas,
difíceis de escalar: o White Peak e o Black Peak, mas isso não é para pessoas
inexperientes. Você está querendo ir?
— Não. Só queria saber.
— Aposto como Christian andou lhe falando sobre isso. Ele já escalou quase todas
essas montanhas.
Ela se perguntou mentalmente se haveria alguma proeza que Christian não
houvesse realizado. E depois ficou pensando se Peter não estaria querendo fazer algo
espetacular só para impressioná-la. Ficou apreensiva, mas logo se acalmou diante da
idéia de que na companhia de Christian ele estaria protegido. Não sabia bem quando,
mas seu desejo inicial de flertar com Peter havia desaparecido completamente.
Realmente ele era muito vulnerável, tal como Christian dissera, e não queria feri-lo. Talvez
Vivien gostasse de provocar os homens até que se apaixonassem para depois abandoná-
los, talvez isso lhe desse prazer, mas estava começando a perceber que era incapaz de
imitar Vivien. Ela não poderia se vingar em Peter o que Raymond lhe fizera.
Estava se aproximando o dia de ir embora. Afinal, não podia abusar da
hospitalidade dos Wainwright e já estava completamente recuperada e pronta para
trabalhar de novo. E depois que fosse embora nunca mais veria Peter.
Engraçado, mas não estava com vontade de sair dali. Talvez estivesse com medo
de voltar a Londres e reavivar a dor do abandono. Ali, a imagem de Raymond começava a
se diluir. Seria porque a imagem de outro homem estava se tornando mais nítida, estava
se sobrepondo? Não era possível! Também não era possível que a relutância em partir
fosse por não querer dizer adeus a Christian. Que idéia absurda! É claro que ela teria
saudade dele, mas quanto a qualquer outro sentimento... Decidiu que seria melhor ir
embora o quanto antes.
O domingo amanheceu ensolarado depois de uma noite fria e nublada e Imogen foi
de novo à igreja com a família. Os dois rapazes haviam saído juntos no carro de Christian,
embora Lettice houvesse desaconselhado o passeio, pois, devido à neve crescente e à
umidade, as rochas não deviam estar em boas condições para a prática de alpinismo.
No fim da tarde, Christian telefonou e pediu para chamarem a mãe de Peter, pois
eles não tinham telefone em casa. Enquanto Lettice correu para a vizinha, ele deu a
notícia a Joseph. Tinha havido um acidente e Peter estava no hospital de Buxtoa.
— Foi muito grave? — perguntou Imogen, nervosa, quando Joseph lhe contou.

Livros Florzinha 28
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Ele quebrou uma perna e estão examinando para ver se há outros ferimentos.
Joseph parecia preocupado e Imogen foi invadida por um sentimento de culpa.
Parece que ela estava pressentindo que algo assim iria acontecer, mas sabia que ele não
teria desistido da idéia por nada, e acabou se sentindo irritada com a atitude infantil de
Peter, que resultara em conseqüências trágicas e por um motivo tão fútil.
Chrisíian voltou tarde. Segundo ele, Peter estava bem, mas não entrou em
detalhes sobre o acidente, apesar das perguntas insistentes e ansiosas de Lettice. Pelas
explicações vagas, eles concluíram que Peter fora imprudente ao se recusar a usar a
corda de proteção.
— Isso não é do feitio dele! — exclamou Lettice. — Ele sempre é tão cauteloso.
— Pois é! — disse Christian, meio ríspido. — Mas parece que agora ele acha que
ter cautela é covardia. — Olhou para Imogen. — Gostaria de conversar com você... em
particular.
Ela se surpreendeu e seguiu-o até a outra sala. Ele foi para a cozinha com ela e
fechou a porta.
— Peter quer ver você — disse ele de repente -, e eu prometi que a levaria para
visitá-lo amanhã.
Imogen olhou-o, consternada.
— Se ele quer mesmo me ver, eu vou... — ela titubeou — mas..
— Mas, o quê?
A pergunta atingiu Imogen como um tiro.
— Eu... eu não queria me envolver com ele. . . — confessou ela. — Se eu for vê-lo
no hospital, as pessoas já vão começar a imaginar coisas. ..
— E que raio de importância tem o que os outros vão pensar? — explodiu
Christian. — Se Peter caiu foi porque estava tentando se exibir para você!
— Mas eu nem estava lá...
— Ele esperava fazer uma proeza para que eu lhe contasse. Queria provar a você,
e a ele próprio, que é corajoso e ousado. Achou que precisava me suplantar em alguma
coisa.
— Mas não é justo me culpar por isso! — exclamou Imogen. — Eu não tenho nada
a ver com isso.
— Desculpe-me, mas você tem muito a ver, sim.
— Não concordo. Eu até já havia dito a ele que não me impressiono com façanhas
atléticas! Eu acho que é um desgaste à toa de energia que poderia ser empregada de
modo muito mais útil!
Só quando ela viu a estranha expressão no rosto de Christian é que percebeu que
o que dissera podia atingi-lo também. Mas não iria se desculpar. Afinal, seria bom ele
saber que havia pelo menos uma pessoa que não se impressionava com suas medalhas
de ouro.
— Seja como for — disse ele, lacônico -, não pode negar que andou provocando
Peter, tentando seduzi-lo.
— Como é que você pode saber se não esteve aqui o tempo todo? Além disso, não
pode haver nada sério da parte dele. Só me conhece há uma semana!
— Rapazes da idade dele se apaixonam com a maior facilidade, de um dia para o
outro — comentou Christian. — E você exerce um fascínio sobre ele... por ser artista e
por ser de uma cidade grande, Ah, se ele soubesse que tipo de gente é essa! Você sabe
muito bem que estava provocando Peter lá no jardim do castelo, embora não tivesse
intenção de satisfazê-lo. Você gosta de brincar com os sentimentos dele, não é?
— Não, Christian, você está enganado. — Ele a estava acusando de ser o tipo de
garota que ela própria dissera ser, mas agora que ouvia as palavras ditas assim
cruamente sentiu uma sensação desagradável, e quis apagar aquela imagem que fizera
de si, quis fazê-lo entender que ela não era sórdida e indigna. — Não gosto de brincar

Livros Florzinha 29
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

com os sentimentos de ninguém, muito menos com os de Peter. Eu tentei afastá-lo de


mim. Tentei desencantá-lo e para isso até fiz com que ele pensasse que eu era uma
mulher fútil e vulgar.
— É mesmo? Era isso que estava tentando fazer lá no jardim do castelo?
— É sim. Estava dando o fora nele.
Lembrou-se de que Christian havia surgido justamente quando Peter a abraçara e
tentara beijá-la, o que poderia ter lhe causado uma impressão errada. A expressão dele
era a de quem não estava acreditando na explicação.
— Não foi o que me pareceu — disse ele secamente. — Bom, mas não me
interessa saber o que você pretendia, o negócio agora é que vou levá-la ao hospital
amanhã nem que tenha de arrastá-la pelos cabelos.
E a julgar peio olhar implacável ele não hesitaria em fazer isso mesmo se
precisasse.
— É claro que eu vou, se você acha que devo — disse ela com sinceridade. — Eu
não disse que não iria.
— Você ficou indecisa... começou a dar desculpas.
— É porque não quero alimentar esperanças vãs.
— Um pouco tarde para pensar nisso, não acha? — comentou ele, com um olhar
enigmático. — E por que vãs esperanças? Por que você não pode aceitá-lo? O que há de
errado com Peter?
— Nada. Ele é um ótimo rapaz, muito simpático, mas acontece que não sinto amor
por ele.
— Duvido que você seja capaz de amar profundamente – disse com voz de
zombaria, mas os olhos estavam sérios.
— Eu não quero amar – retrucou com veemência. – O amor faz sofrer.
— Nunca experimentei para saber. Peter, infelizmente, está sofrendo tanto física
quanto emocionalmente.
— É por isso que estou preocupada e estou pensando qual será o melhor jeito de
agir para não feri-lo mais – disse ela com sinceridade.
— Acho que é óbvio, não é? Vá vê-lo no hospital e seja amável ... se é que pode.
Ele deveria estar pensando que as coisas entre ela e Peter tinham ido bem mais
longe e Imogen percebeu que era inútil convencê-lo do contrário.
— Bem, vamos acabar logo com isso — falou calmamente. — Eu vou ao hospital
amanhã e pronto. Mas será que não posso ir de trem ou de ônibus?
— Poder pode, mas o ônibus dá uma volta enorme e seria uma perda de tempo
desnecessária. Será que a minha companhia é tão detestável assim para você?
— Quando você fala como agora a pouco é!
Ele riu.
— Você não gosta de ouvir as verdades, não é? – Ele se aproximou dela. — Os
homens são só um passatempo para você, não é? Você é dessas garotas moderninhas
que só gostam de usar as pessoas e se divertir. Deve achar Peter muito monótono, um
caipirão ... não é isso?
Ela ficou furiosa. Isso também já era demais! Ele estava se tornanando
insuportável!
— Ora, os homens sabem se cuyidar muito bem – disse ela amarga. — Eles têm o
que merecem.
— Até mesmo quebrar uma perna? – perguntou ele de repente.
Imediatamente a raiva dela abrandou. Não estava pensando em Peter quando
falou.
Ele colocou as mãos sobre os ombros de Imogen, fitando-a com um brilho nos
olhos que a deixou desconcertada.

Livros Florzinha 30
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

-— Você é uma feiticeirinha danada! — disse ele. — Não foi à toa que Peter se
apaixonou; só que o pobre garoto não é par pra você. Você precisa de um homem
maduro que saiba conduzi-la e domá-la.
Ela se desvencilhou das mãos dele e, num gesto impulsivo, deu um tapa com força
no rosto zombeteiro que a encarava.
A reação dele foi rápida e impiedosa. Não houve jeito de escapar daqueles braços
fortes que a envolveram e nem daquele beijo avassalador que queimou seus lábios.
Quando Christian a soltou, ela se apoiou na mesa da cozinha, os olhos fuzilando,
sentindo-se ultrajada.
— Como você se atreve?! — esbravejou ela.
— Ora se me atrevo! Não tenho medo de tigresas e não permito que elas me
arranhem.
Imogen cerrou os punhos.
— Eu odeio você! Detesto e desprezo!
— Pode saber que é correspondida — disse ele com malícia. — Ou, para ser mais
exato, não sinto nada por você.
— Então por que você... — ela começou e interrompeu.
Ia dizer "me beijou", mas de repente ocorreu-lhe que a atitude dele fora para
castigá-la, para fazê-la ficar com raiva, e imediatamente mudou de tática. Ela não lhe
daria o gosto de demonstrar sua indignação.
— Seus métodos são um tanto rudes — disse ela com frieza. — Pode ser que as
suecas gostem, mas eu prefiro técnicas mais sutis.
— O elemento básico é sempre o mesmo!
— Sexo? — perguntou ela, fazendo uma voz sofisticada e coqüete.
— Ora, é claro — disse ele com voz arrastada. -— Essa é a única coisa que
poderia acontecer entre nós, embora você tenha me parecido um pouco fria. Mas acho
que você não é sempre essa geladeira, não é?
Lentamente ela se afastou da mesa e foi até a pia, fingindo uma calma que estava
longe de sentir, pois o coração batia descompassado e sentia-se perturbada pela
presença viril de Christian. Depois abriu a torneira de água quente e, ostensivamente,
começou a lavar os lábios.
— Já entendi a indireta — disse ele. — Sem dúvida, sendo um rude atleta, não
tenho a sutileza e a perícia dos seus amiguinhos de Londres. Sou capaz de apostar que
você prefere os exóticos latinos, com todos aqueles floreios e baboseiras dos povos
românticos.
De repente lembrou-se de Raymond. Ele era moreno como um latino e gostava de
agradar as mulheres com pequenas cortesias e atenções que, afinal, não significavam
nada, pois não eram sinceras. Ela suspirou fundo, recordando-se que prometera não
chorar mais por homem nenhum... fosse por Raymond ou Christian.
— Acho que essa conversa não leva a nada. Não tem sentido — disse ela com
frieza. — — Não é melhor voltarmos para a sala?
— Sem dúvida. — Ele abriu a porta, fazendo mesura. — Agora já sei onde estou
pisando.
Lettice olhou-os com ar de curiosidade quando eles entraram na sala.
— Conversa longa, hein?! — comentou ela.
Christian sorriu com malícia.
— Imogen estava com uma idéia boba de ir de trem até Buxton para visitar Peter.
Eu a estava convencendo de que de carro seria muito mais fácil. Disse-lhe que podia
confiar em mim... como motorista.
Imogen sentou-se o mais distante possível de Christian e ficou atenta ao programa
de televisão, precaução desnecessária, aliás, pois Christian nem sequer olhou para ela o
resto da noite e na hora de dormir disse apenas um rápido e formal "boa-noite".

Livros Florzinha 31
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Ela estava apreensiva com a visita ao hospital. Temia que, ao ver Peter fraco e
ferido, ficasse com pena dele e fosse levada a fazer-lhe promessas irrefletidas que não
poderia cumprir depois. Para completar sua aflição, Christian passou a manhã vigiando-a
como se fosse um carcereiro e ela uma prisioneira tentando escapar. Imogen não teve
outro jeito senão resignar-se. Todos pareciam achar natural que ele a levasse de carro e
ela não tinha um bom motivo para recusar.
Estava uma tarde bonita quando saíram. Havia uma brisa suave e perfumada. À
medida que passavam pela serra, Christian ia apontando e dizendo o nome das
montanhas principais. Ele falava de modo impessoal, descrevendo a região com a maior
naturalidade, como se a cena na cozinha nunca houvesse acontecido.
Peter estava na enfermaria geral, com uma perna engessada e a cabeça
enfaixada. Ele a cumprimentou timidamente quando ela entrou com Christian trazendo
frutas, flores e revistas. Depois Christian saiu dizendo que a esperaria lá fora.
Uma enfermeira bonita pegou as flores para pôr num vaso e Imogen percebeu que
o olhar de Peter a seguiu.
— Ela é muito boazinha — disse ele -, está sempre bem-humorada!
— Ela é muito bonita — comentou Imogen, imaginando se Peter já mudara de
interesse. Seria um grande alívio.
— Mas não tanto quanto você — disse Peter, suspirando. — Você foi legal em ter
vindo, Imogen. Eu não merecia. Banquei o bobo e fui fazer uma besteira dessas!
— Acidentes acontecem. A gente não pode evitar.
— Esse eu poderia ter evitado. Foi pura idiotice minha. Eu sabia que a pedra não
estava bem firme. Graças a Deus que não deixei Christian amarrar a corda dele em mim,
senão eu o teria feito cair também.
— Bem, mas agora o pior já passou. . . — Imogen interrompeu bruscamente. —
Quando você vai voltar pra casa?
— Amanhã ou depois. Não vai ser nada romântico sair por aí de muleta,
manquitolando, com esse gesso todo!
— O que tem isso? Você deveria dar graças a Deus por estar vivo!
Ele fez uma careta.
— Acho que era melhor ter morrido.
— Que loucura é essa? Não seja ridículo! — disse ela com veemência. — Você é
jovem, Peter, tem a vida toda diante de si!
Mas Imogen entendia bem o que ele estava sentindo. Ela também sentira isso
quando Raymond a deixara. Só que havia uma diferença: ela conhecia Ray desde
criança, quase uma vida toda de convivência, e Peter não a conhecia nem há um mês.
— Não é que eu seja covarde — disse ele subitamente -, mas sei que não posso
competir com Christian.
— E por que você precisa competir com ele? — perguntou ela, exasperada. —
Sobressair-se em competições esportivas não é a coisa mais importante do mundo, e
além disso você tem um caráter muito melhor do que o dele.
— Obrigado, mas ter bom caráter não impressiona as mulheres — disse ele,
desconsolado.
Imogen não sabia mais o que fazer. Era absurda e ridícula aquela obsessão dele
era achar que havia algo entre ela e Christian, e de Christian em achar que havia algo
entre ela e Peter. Nenhuma das duas suspeitas tinha fundamento. Enfim, procurou animá-
lo.

— Ora, vamos, Peter, sai dessa! O que você pretende? Ser um dom-juan? Um dia
você vai encontrar uma garota bacana que saberá apreciar suas boas qualidades.
— Coisa que não acontece com você.

Livros Florzinha 32
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Mas eu aprecio muito você! — Esquecendo-se do cinismo que pretendera


adotar como proteção desde que Raymond a deixara, ela falou com sinceridade, aflita: —
Puxa, Peter, eu amaria você, se pudesse! Mas você sabe que não se pode mandar no
coração. Eu acho que nunca mais vou amar outra vez.
— Outra vez?! — repetiu ele, pegando-a de surpresa. Com esforço ela recuperou a
pose e sorriu com tristeza.
— Eu não queria revelar isso, escapou por acaso. É uma velha história e é triste. O
que eu quero dizer é que você merece ser o primeiro amor de uma garota. E está cheio
de garotas legais por aí... essa sua enfermeira, por exemplo, é uma.
Suas palavras surtiram efeito, pois o rumo da conversa mudou.
— Ela é uma graça, não é? — perguntou ele, sorrindo.
— Achei um amor. E aposto como tem uma queda por você. Bem que eu vi o jeito
de ela olhar!
Conversaram mais um pouco e ela ficou aliviada quando terminou a hora de visita.
Despediu-se de Peter prometendo ajudá-lo quando voltasse para casa. Queria reanimá-
lo. Acenou para ele mais uma vez antes de sair da enfermaria.
Já sabia o que iria acontecer, agora. Se ela desse apoio a ele e lhe fizesse
companhia, Christian iria acusá-la de estar incentivando o rapaz, de estar provocando. E
se não fizesse nada ele iria dizer que ela era sem coração. O que iria fazer? Como sairia
dessa?

CAPÍTULO IV

Imogen saiu para o pátio ensolarado do hospital, com a sensação de ter cumprido
um dever difícil.
Christian esperava por ela, encostado no carro e fumando displicentemente. Ela o
viu antes que ele a visse. Estava de perfil e seus traços finos recortavam-se contra o
fundo azul do céu, Ele olhava as montanhas ao longe, com uma expressão distante e ela
pensou com desdém que talvez ele estivesse sonhando com futuros triunfos atléticos. Ou,
quem sabe, fosse despeito dela por se sentir excluída de seu rol de interesses. Vaidade
feminina ferida.
Assim que entrou no carro ele deu a partida e dirigiu-se para o centro da cidade.
— Depois dessa provação deve estar precisando de uma xícara de chá —
comentou.
Ele estava certo, mas só que ela não queria tomar o chá junto com ele.
— Prefiro ir direto pra casa — disse secamente.
— É que eu gostaria de discutir aquela proposta de que lhe falei. Toda a
curiosidade que ela sentia em relação ao assunto desaparecera depois daquele episódio
na cozinha.
— Seria perda de tempo — disse ela. — Nenhuma proposta sua poderia me
despertar o menor interesse.
— Como pode ter tanta certeza se nem sabe de que se trata? — perguntou ele
sem perder a calma. Estacionou o carro numa vaga e virou-se para ela. — Você está se
portando como uma criança malcriada, Imogen. Pensei que tivesse um pouco mais de
requinte. Por que não age de acordo com a idade que tem?
As palavras dele não a abrandaram nem um pouco. Com o olhar fixo no painel, ela
disse com frieza:

Livros Florzinha 33
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Sinceramente, depois de ontem à noite eu não suporto sua presença, Christian,


e pretendo passar o mínimo de tempo possível em sua companhia.
Isso seria rude o bastante para colocá-lo em seu lugar. -Ele a deixaria em paz
depois de um fora desses. Foi o que ela pensou, mas em vez disso ele caiu na risada.
— Meu Deus, quanto veneno! Esses seus olhos verdes estão brilhando como os de
uma serpente que vai atacar. Será que você quer mesmo me envenenar, Imogen?
Ela enfrentou o olhar zombeteiro dele ferozmente.
— Eu adoraria vê-lo se contorcendo de dor!
— Você sabe que não é verdade. Seria uma visão pavorosa. Agora, quanto àquela
xícara de chá,.. estou certo de que está morrendo de vontade e está sendo boba de se
privar disso só pelo prazer de me tratar mal. — Desceu do carro e deu a volta para abrir a
porta para ela. — Vamos, deixe de tolices e desça!
Imogen olhou-o nos olhos e acabou rindo também. Ele tinha razão, ela estava
sendo infantil. Não era assim que Vivien se portaria. Ela aceitaria o chá e ainda provocaria
galanteioes mesmo que não fossem sinceros. E também não faria aquela tempestade em
copo d'água por causa de um beijo.. . Afinal, que mal havia num beijo?
— Acho que é impossível tratar você mal! — disse ela sorrindo. — Já que está
pronto a desculpar minha rudeza, eu desço. — Saiu do carro. — Onde vamos?
— Logo ali.
Ele segurou o braço dela e conduziu-a pela rua. Aquele contato agitava todos os
seus nervos. Ela queria ficar indiferente a ele, mas seu corpo a traía. Começou a pensar
em outra coisa para distrair a atenção do efeito que produzia nela a proximidade daquele
homem. Olhou ao redor, examinando a rua e a paisagem montanhosa ao fundo.
— É uma cidade bem movimentada! — observou, tentando parecer natural.
Ele continuava a segurar seu braço e ela percebeu que, por onde passavam, as
mulheres olhavam para ele.
— Quando começar a temporada é que vai ficar movimentada de fato. Este lugar é
famoso pelas fontes de água mineral. É uma estação de águas e as pessoas vêm aqui
para tomar banhos medicinais. Fica cheio de turistas. — Parou na frente de uma
confeitaria. — Acho que aqui está bom.
Largou o braço dela e segurou a porta para que ela entrasse primeiro. Sentaram-se
e ele continuou a falar sobre a região, enquanto não eram servidos. Quando a garçonete
chegou com o chá e os bolos que haviam pedido, ele parou de falar e olhou para Imogen,
perscrutando-a.
— Quanto àquela proposição que tem causado tanta polêmica entre nós, o que me
diria de sair daqui por alguns meses? Quer dizer, gostaria de visitar um país estrangeiro?
Ela se espantou e exclamou:
— Puxa, eu sempre quis viajar!
— Então essa é uma oportunidade. Sei que a Suécia não é tão romântica quanto
os países do Mediterrâneo, mas é muito bonita. . . tem lagos imensos, florestas enormes.
É um país muito limpo, onde tudo funciona com muita eficiência!
Ela se lembrou, então, que ele era meio sueco. A Suécia era sua outra pátria, que
ele descrevia com carinho. Mas por que havia de querer que ela fosse para lá? Formulou
a pergunta em voz alta.
— Para ajudar minha irmã Greta — explicou ele. — Ela está morando numa
fazenda, na região central da Suécia, que pertencia ao marido dela que, como você já
sabe, morreu num acidente. Ela está querendo se desfazer da propriedade e mudar-se
para Estocolmo. Já arranjou um apartamento lá e vai voltar a lecionar. Greta tem dois
filhos e queria alguém para ajudá-la a cuidar deles durante a mudança e talvez depois.
Mas precisa ser alguém de confiança. Ela é muito sozinha, Imogen, e não tem estado
muito bem. Papai e Lettice ficariam muito contentes e agradecidos se você pudesse

Livros Florzinha 34
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

aceitar. £ claro que você receberá um salário e não deixa de ser uma aventura
interessante! O que acha? — Ele a encarou com um apelo no olhar.
— É, seria uma aventura mesmo — disse Imogen um tanto seca. — Será que ela
não prefere uma moça sueca?
— Ela quer justamente uma inglesa. As suecas são muito independentes. Não se
esqueça de que ela é meio inglesa. Greta me pediu para perguntar a Lettice se ela não
conhecia ninguém que quisesse passar alguns meses no estrangeiro.
— Quer dizer que discutiram o assunto em família e decidiram que eu servia.
Imogen não se sentiu nada lisonjeada com isso. Na verdade até se irritou. Que
situação irônica! Ela totalmente empenhada em parecer uma garota moderninha,
independente, coquete. . . e ninguém estava acreditando! Peter insistia em considerá-la
uma moça boazinha e meiga. E nem Christian, que a chamara de feiticeira sedutora,
tigresa, estava convencido do que dissera, pois achava que ela preenchia os requisitos
para cuidar de crianças e fazer companhia à irmã dele!
Essa era muito boa! Lettice devia ter dito que ela estava sem trabalho e que
provavelmente aceitaria.
Imagine só se alguém poderia pensar em Vivien para um emprego desses!
Decididamente ela, Imogen, não convencia com sua pose de mulher fatal!
— Sabendo o que você pensa de mim — continuou ela -, estou admirada que me
ache recomendável para sua irmã.
— Será que você sabe mesmo o que eu penso de você? — perguntou ele com um
estranho sorriso.
— Lembro-me bem que você só faltou dizer que eu era uma prostituta.
— Não terá muitas oportunidades de conquistar alguém lá em Jamtland — disse
ele, rindo — e, depois, sua vida amorosa é assunto só seu. Lettice disse que você é
responsável e conscienciosa e eu próprio já andei observando seu comportamento.
— Já mesmo? — Ela estava chateada. — Quer dizer que andou me dissecando...
mas você sabe que sou bailarina, tenho uma profissão definida, não sou de ficar fazendo
"bicos". . . por que achou que eu era indicada?
— Porque tem jeito com crianças. Eu observei você com Teddy e Pamela. Percebi
que gosta de crianças e que se entende bem com elas. Os filhos de Greta, Sven e Kajsa,
não têm recebido muita atenção, coitados. O pai não era muito amoroso e minha irmã tem
tanta coisa pra fazer que não tem muito tempo pra dedicar a eles. Não que eu esteja
criticando Greta, mas tenho pena daquelas crianças, Imogen, e estou certo de que você
poderia fazer muito por elas.
Ela estava perplexa. Não imaginara que Christian fosse o tipo de homem que se
preocupasse com crianças, apesar de ter visto como ele tratava com atenção Teddy e
Pamela. Ela o encarou com curiosidade e disse:
— Quer dizer que está apelando para meus bons sentimentos e meu instinto
maternal? E se eu não os tiver?
— Ora, vamos, Imogen, corta essa! — Ele sorriu triunfante. — Você não é tão má
assim.
— Muito obrigada — disse com sarcasmo. — — E se eu aceitar esse. . . ahn.. .
trabalho, como farei?
— Eu vou a Jamtland para a Semana de Esportes de Are, no começo de março.
Jamtland faz fronteira com a Noruega e Are é um centro turístico e de esportes de
inverno. Eu pensei em abrir lá minha escola... mas é um pouco longe. Esse lugar para
mim é significativo e eu tenho um apego sentimental por ele, porque foi na montanha
Areskutan que aprendi a esquiar. Eu levaria você comigo e a deixaria com Greta enquanto
vou a Are.
— No começo de março! Mas já estamos quase no fim de fevereiro. Não há muito
tempo.

Livros Florzinha 35
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— E você precisa de tempo para decidir?


— É claro que sim. Preciso voltar a Londres e resolver minhas coisas. Tenho o
apartamento... pode ser que você vá de um lugar pra outro sem dar satisfações a
ninguém, mas eu tenho minhas obrigações.
— Realmente você tem senso de responsabilidade. Mais uma virtude!
Imogen corou. Seria interessante ir à Suécia com Christian, mas talvez não fosse
sensato. Ele se mostrara indiferente a ela, mas seus sentimentos em relação a ele
estavam confusos. Sentia-se atraída por Christian ao mesmo tempo que se sentia
incompatível, e se convivessem mais tempo a atração poderia vencer.
— É melhor eu dizer não de uma vez, assim você pode procurar outra — disse com
firmeza, embora se arrependesse.
— Se você não quiser, paciência. Eu não vou procurar outra. Greta vai ter que se
virar e arranjar alguém lá mesmo.
— Você já fracassou em outra tentativa? Quer dizer, Érica também não aceitou?
— Érica! — Ele ergueu as sobrancelhas, — Não falei com ela.
— Por que não? Eu achei que ela seria a primeira a quem você faria a proposta.
— Pensei nela, sim — concordou ele -, mas depois refleti melhor e decidi não falar
nada. Não sou como você, não gosto de alimentar falsas esperanças. Se eu a levasse
para a casa de minha irmã ela poderia pensar que eu estava com outras intenções. E eu
não quero saber de compromissos.
Lembrando-se do que Peter lhe contara sobre o comportamento dele com as
garotas, ela perguntou em tom de reprovação:
— Quer dizer que você iludiu a garota e agora quer se livrar dela?
— Ela não precisou ser iludida — disse ele, sarcástico. — Não sou nenhum dom-
juan como você pensa. Só não gosto de incentivar ilusões e esperanças vãs.
— E você tem certeza de que eu não tenho nenhuma? — perguntou em tom de
malícia.
— Esperanças em relação a mim? — Christian sorriu. — Acho que você deixou
bem claro, não é? Com você não preciso me preocupar nesse sentido.
Imogen fez um olhar sedutor, sentindo prazer em provocar.
— Será que não mesmo? — murmurou ela.
— Tenho certeza absoluta. Você disse que não gosta de mim e não correspondeu
quando eu... ahn.. . tomei a iniciativa.
— Quer dizer que quando me beijou ...estava me testando? — perguntou ela,
indignada.
— Quem sabe. — O olhar era zombeteiro.
— Seu monstro desalmado — disse ela impulsivamente.
Ele caiu na risada.
— Sua reação foi mais do que satisfatória — disse ele.
Ela cerrou os punhos, furiosa, estava com vontade de dar outro tapa nele.
— Numa coisa você está certo ... — eu realmente não gosto de você, e se sua irmã
for parecida...
— Não tem perigo — interrompeu ele. – O que você não gosta em mim é o fato de
eu ser homem e não ficar bajulando você. E depois que você estiver lá não vai me ver,
porque de Are vou para a Espanha com a equipe do Campeonato Mundial.
Ela conteve as palavras ríspidas que queria dizer. Não valia a pena ficar discutindo
com ele. Ele já demonstrara bem sua indiferença. Com curiosidade, perguntou:
— Você nunca pretende se casar?
— Não. Mas só me casarei quando me retirar das competições. Não poderia
esperar que uma esposa tolerasse minhas viagens constantes. Preciso estar sempre indo
onde há neve, para treinar. Às vezes vou até os Andes. Nosso último treino foi no Chile.

Livros Florzinha 36
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Esquiar é a coisa mais importante de sua vida, não é? — perguntou ela em tom
de compreensão. Ela também quisera fazer da dança a coisa mais importante de sua
vida, mas não tivera boas oportunidades.
Quanto a Christian, era muito mais feliz. Não precisava de nada e de ninguém. Só
de neve.
— É, você tem razão — concordou ele.
— Conte-me alguma coisa sobre isso — pediu ela com real interesse. — Eu não
entendo nada de esporte nenhum. Como é quando você compete?
— Existem várias modalidades; a.corrida no plano, o salto de esqui, a corrida em
declive, e a corrida em ziguezague. As duas últimas são minha especialidade. A corrida
em declive, como o nome sugere, é uma pista quase vertical que vai de um a quatro
quilômetros. Há uns postos de controle por onde o corredor deve passar. A outra faz um
ziguezague entre árvores e obstáculos e é mais arriscada. Numa descida reta, já
consegui atingir mais de cem quilômetros por hora. É uma sensação maravilhosa! Acho
que é a coisa que mais se aproxima do vôo de um pássaro. A emoção é muito mais forte
do que ficar sentado dentro de um avião!
O entusiasmo iluminava os olhos dele. Ele nem a estava vendo mais, era como se
estivesse enxergando as montanhas brancas, saboreando a lembrança daquela
velocidade fantástica. A paixão dele por pistas de esqui era bem maior do que a que
qualquer mulher poderia despertar.
— Na corrida em ziguezague — continuou ele -, a velocidade é bem menor. Há em
média uns setenta postos de controle. Esses postos são lugares onde a pista se estreita e
é marcada por um poste com bandeira, de cada lado, e o esquiador precisa passar por aí
sem esbarrar, A prova consta de duas passagens pela pista e na segunda vez os postes
são mudados de lugar. O percurso é cheio de curvas e o esquiador precisa estar muito
bem preparado, ter uma espécie de intuição. É preciso uma harmonia perfeita do homem
com a pista para que ele se saía bem. Não se pode descer com muita velocidade. As
curvas exigem um movimento suave e bem calculado, se houver a menor
descoordenação a pessoa sai fora da pista. . . mas você já deve ter visto na televisão
alguma vez, não é?
Ela não queria confessar que não gostava de assistir a esses programas, mas ele
não parecia interessado na resposta. Seu rosto estava iluminado, radiante. Sem querer
ela pensou quão irresistível ele seria na hora do amor. Será que teria aquela expressão?
Mas imediatamente afastou tal pensamento. Era perturbador demais.
— Eu pensava que, quando ganhasse uma medalha de ouro, me daria por
satisfeito — concluiu. — Mas agora já ganhei, quero mais. Assim é a natureza humana...
— Christian sorriu, quase como se estivesse se desculpando.
— Espero que consiga outras — disse ela displicentemente. — Mas, voltando ao
assunto da sua irmã, eu moro em Londres num apartamento que divido com duas amigas
e não posso desistir da minha parte, assim, sem estar certa de que vou conseguir um
trabalho seguro dentro da minha profissão.
— Pense bem no assunto — insistiu ele -, não recuse definitivamente a proposta,
converse com Lettice.
Imogen não tinha a menor intenção de fazer isso, já estava decidida, mas foi
Lettice quem trouxe o assunto à baila. Estavam as duas arrumando a cozinha e parece
que ali era o lugar onde sempre se conversavam as coisas mais importantes. Engraçado,
mas nunca se usava a sala para uma conversa séria!
— Eu gostaria que você fosse, Imogen — disse Lettice. — Joseph está tão
preocupado com Greta... afinal, é filha dele! Ela tem tido muitos problemas, você sabe, e
ele tem medo que ela fique muito deprimida, Greta é tão sozinha... E aqueles invernos
longos e rigorosos da Suécia abatem o ânimo de qualquer um! Eu acho que você é a
pessoa certa para fazer companhia a ela, ajudá-la e animá-la um pouco!

Livros Florzinha 37
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Imogen apresentou suas razões para recusar, embora o pedido de Lettice a tivesse
tocado fundo. Eles estavam sendo tão gentis, recebendo-a na casa deles por tanto tempo,
que ela se sentia na obrigação de retribuir de alguma forma.
— Olha, para ser sincera, Lettice — concluiu ela -, o negócio é que eu não me dou
muito bem com Christian,
— Mas você não vai nem vê-lo, depois da viagem! — Lettice encarou Imogen, com
um apelo no olhar. — Será que não é por causa de Peter que você não quer ir?
— Pelo amor de Deus, nem pense nisso! Não quero mais me amarrar em homem
nenhum! Sabe, Lettice, eu levei um fora terrível, por isso é que fiquei tão mal. Eu vim para
cá para esquecer.
Enquanto falava, percebeu que a sensação de perda e abandono já não era tão
grande. Estava ali há pouco tempo, mas a lembrança de Raymond já se tornara tão
remota que não a incomodava mais. Imaginou que fosse por estar num ambiente
diferente, cheio de novidades, e temia ficar deprimida em Londres, outra vez, pois a
cidade estava cheia de coisas que se associavam à recordação dele. Ela não podia tê-lo
esquecido assim com tanta facilidade, afinal.
— Ah, pobrezinha... — Lettice olhou-a com simpatia e compreensão.
— Não quero mais saber de homens! — declarou Imogen dramaticamente.
— Mas, minha cara, você não pode julgar todos da mesma forma, por causa de um
mau-caráter — aconselhou Lettice. — Você teve azar, mas vai superar isso e acabará
encontrando alguém que não a decepcionará.
— Não sei não... — disse ela com amargura — "gato escaldado tem medo de água
fria".
— Mas tem certeza de que nem Peter nem Christian.. .
— Nenhum dos dois tem a menor chance — interrompeu Imogen. — E Christian
não é nenhum anjinho, como você pensa. Ele gosta de se aproveitar e depois cair fora.
— Acho que você o está julgando mal — disse Lettice. — Em todo caso, é com
Greta que você vai morar e não com ele. E ela também teve problemas com o marido,
estavam para se separar quando ele morreu. Portanto vocês duas poderão curtir as
mágoas juntas. Mas duvido que sua dor-de-cotovelo dure muito. Aposto como até o ano
que vem já, está casada!
— Olha que você perde a aposta. — Imogen riu. — Bom, mas se eu for para a
Suécia. . . preciso ir falar com as meninas pra resolver o negócio do apartamento. . .
Uma carta de Vivien que chegou no dia seguinte veio justamente resolver aquela
questão. Ela dizia, na carta, que o show que estava fazendo acabara por falta de público
e ela conseguira contrato numa companhia itinerante. Ia ficar viajando não sabia por
quanto tempo. Não precisaria mais do apartamento. A carta continuava:
"Quanto a Louise, está precisando casar com urgência. Quem diria, hein? Ela, tão
séria! A questão é que ela e Godfrey estão desesperados para arranjar um lugar para
morar e ela falou comigo sobre a possibilidade de ficar com esse apartamento. Por mim
tudo bem, mas disse a ela que você é quem decidia, pois o contrato está em seu nome e
o fiador é seu pai. O que você vai fazer? Transferir o contrato para ela, ou arranjar outras
duas companheiras para dividir o aluguel? Acho melhor você voltar e resolver essas
coisas logo..."
imogen ficou chateada com a falta de precaução de Louise. Que irresponsabilidade
começar um casamento assim às pressas, sem ter nada preparado! Ela se sentia coagida
a deixar o apartamento para o jovem casal aflito. Fora ótimo morar com Vivien e Louise,
pois elas já se conheciam, mas agora não tinha a menor vontade de dividir o apartamento
com duas estranhas. Parece que o destino conspirava para que ela fosse mesmo para a
Suécia!
Imogen telefonou para seu empresário, mas ele não tinha nada em perspectiva.
Talvez se ela voltasse para Londres fosse mais fácil arranjar algo.

Livros Florzinha 38
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Expôs a situação, francamente, para Lettice e disse a ela que, se não surgisse
nenhum contrato, aceitaria a oferta de trabalhar com Greta, a não ser que já tivessem
arranjado outra pessoa.
— Não tem perigo — disse Lettice. — Christian acha que só você serve para ir.
Imogen ficou imaginando por que Christian cismara com ela para aquele trabalho,
se ela era bailarina! Talvez a aula de esqui tivesse sido um teste. Ele gostou de ela não
ter chorado. Se as lágrimas fossem para ele, bem que ficaria envaidecido, mas para
trabalhar com a irmã queria alguém firme e corajoso. Não se sentiu lisonjeada com tal
pensamento, mas sentiu que a situação era um desafio para ela. Se fosse, não iria temer
o frio rigoroso da Suécia, nem o trabalho pesado! Iria mostrar a Christian de que ela era
capaz! Ele ia ver que ela não era inferior a ele!
— Estou torcendo para que não apareça nenhum contrato para você, de repente.
Afinal, quando se cansar da Suécia poderá voltar a exercer sua profissão! — disse
Lettice. — E se você ainda estiver por lá até o verão, vamos nos encontrar de novo. Nós
passaremos as férias lá.
— Isso seria maravilhoso! — concordou Imogen. — — Agora preciso voltar
imediatamente para Londres e resolver tudo.
Como já estava tarde, decidiu que partiria na manhã seguinte e foi fazer as malas.
Quando Chrisíian soube da sua decisão, convidou-a para viajar com ele de carro,
pois também precisava ir a Londres.
— É bem mais rápido e agradável do que viajar de trem — disse ele.
— Agradeço, mas dispenso o convite — disse secamente. Ficou gelada só de
pensar em passar tanto tempo sozinha com Christian na intimidade de um carro. Já teria
que agüentar isso se -fosse com ele para a Suécia... mas ainda não estava resolvido. E,
em todo caso, num avião haveria outros passageiros.
— Para que desperdiçar dinheiro com a passagem? — perguntou ele. Depois,
como se adivinhasse o pensamento dela, acrescentou:
— Não estaremos sozinhos. Vou dar uma carona a Érica e ao irmão dela que vão
passar uma semana em Londres. Por que não vai conosco também?
Isso mudava a situação e, afinal, estava curiosa para conhecer essa tal de Érica.
Aceitou o convite e agradeceu.
Naquela tarde Peter chegou do hospital. Veio de ambulância, o que alvoroçou as
crianças. Elas correram para o jardim para ver de perto. Mas Imogen não saiu, pois tinha
certeza de que Peter não gostaria que ela presenciasse a cena humilhante.
As crianças voltaram correndo.
— Ele estava pendurado em duas madeiras — anunciou Pamela, de olhos
arregalados.
— São muletas, sua boba — explicou Teddy com superioridade.
— Pra ele poder ficar em pé. — Depois virou-se para Imogen, aflito.
— Peter vai ter que usar isso pra sempre?
— É claro que não. É só até tirar o gesso.
Embora não tivesse visto, imaginou a cena. Seu coração encheu-se de pena do
jovem que, pouco antes, esquiara alegre no Rushup Edge. Ia demorar muito até que
pudesse esquiar de novo.
Mais tarde ela foi até a casa dele, dar-lhe as boas-vindas. Ele estava bem vestido e
arrumado, mas permanecia deitado no sofá com as pernas cobertas por uma manta.
A mãe dele a recebeu dizendo estar contente por ela ter vindo. Peter estava tão
deprimido!
Assim que ela entrou Peter largou o livro que estava lendo e tentou instintivamente
se levantar. Imogen correu para ele.
-— Não se mexai

Livros Florzinha 39
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Ele se recostou de novo nas almofadas, com um sorriso pálido. Ela se ajoelhou ao
lado dele, sentindo-se mais comovida do que no dia que o vira no hospital.
— Puxa, Peter, sinto muito ver você assim.. . •
— Eu também. Um mês e meio vai parecer uma eternidade. Ainda mais que você
não vai estar aqui pra me consolar. Christian já esteve aqui e contou que você vai voltar
para Londres. Por que, Imogen? Não podia esperar até que eu melhore um pouco?
— Gostaria de poder ficar... — mentiu ela — mas não dá. Com Peter naquele
estado, ela acabaria se envolvendo muito mais do que desejava. Sentiu-se aliviada por
Christian já ter dado a notícia da partida. Ela apenas explicou os motivos que a obrigavam
a ir, sem mencionar o projeto da Suécia, esperando que Christian não houvesse falado
nada a esse respeito, pois tinha certeza de que Peter iria interpretar mal. Ele parecia não
saber de nada. Conversaram sobre Londres e as perspectivas de um novo trabalho.
— Espero que consiga alguma coisa na televisão de novo, assim eu poderei pelo
menos vê-la — disse ele.
— Bem que eu gostaria. Era tão divertido!
Mas também isso não era verdade. Não queria nada que a fizesse lembrar
Raymond.
Ele acariciou de leve os cabelos dela e Imogen não fez nada para impedi-lo. Estava
com pena dele. A lareira estava acesa e ela estava toda de branco, de calça comprida e
malha. Só havia um abajur aceso ao lado do sofá. O ambiente era aconchegante e íntimo.
— Nunca esquecerei você, Imogen — disse ele com sinceridade -, apesar de saber
que você não liga para mim.
— Não diga isso, Peter...
Ela ergueu a cabeça e encontrou nos olhos castanhos dele um olhar profundo e
sentimental. Por que haveria de ser assim? Sempre aquele desencontro, amor
desperdiçado... o dela por Raymond, o de Peter por ela.. .
— Você é meu amigo — disse ela -, e eu nunca esqueço meus amigos.
— Ah... amigo! — disse, fazendo pouco caso, mas depois sorriu. — Ora, não quero
amolar você. Você me escreve de vez em quando para dizer como vai?
— Se você quiser. . . — Mas estava relutante em fazer isso.
— Se é uma chateação, não precisa... — disse ele depressa.
— Não é nada disso!
É que se escrevesse da Suécia ele iria saber onde ela estava, pelo selo, e iria
desencadear uma tempestade de ciúme sem fundamento,
Esforçou-se para parecer alegre e distraí-lo. Conversaram sobre várias coisas,
todos os assuntos menos Christian. Nenhum dos dois tocou no nome dele. Entretanto ele
estava presente na mente de ambos. Na de Peter, porque acreditava que ela o amasse, e
na de Imogen, porque sentia como se ele estivesse fiscalizando tudo o que dizia a Peter,
acusando-a de estar iludindo o rapaz.
Não sabendo mais como agir, resolveu que deveria ir embora e disse a Peter que
precisava arrumar as malas.
— Não vai me dar um beijo de despedida?
Foi um beijinho puro, um leve roçar de lábios, mas ele ficou satisfeito.
Quando saiu no jardim viu que a mãe de Peter conversava com a enfermeira que o
atendera no hospital. A moça tinha parentes naquela cidade e vinha sempre visitá-los nos
dias de folga. E aproveitara, na volta, para passar por ali e saber de seu ex-paciente.

— Só queria saber se ele fez boa viagem e se está se sentindo bem aqui — dizia
ela timidamente.
A mãe de Peter conduziu-a para a sala onde Imogen acabara de sair e ela ainda
ouviu a exclamação alegre do rapaz quando viu a moça. Pensou com alívio que não
demoraria muito para que Peter se consolasse.

Livros Florzinha 40
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Começara a nevar de novo e ela esperava que isso não fosse atrapalhar a viagem
do dia seguinte. Correu pelo jardim, porque estava sem mantô, e entrou em casa quase
sem fôlego. Christian, que acabava de desligar o telefone, virou-se e, ao vê-la, barrou seu
caminho. Perscrutou-a por alguns instantes com arrogância.
— Foi romântica a despedida? — perguntou com ironia. — Mas você parece estar
com pressa de se afastar dele!
— Corri porque estou sem mantô e está frio. E quanto a Peter, saiba que estou
com muita pena dele.
— É mesmo? — perguntou com sarcasmo.
— É sim — disse ela com veemência. — Você pensa que eu não tenho coração?
— Imogen parou bruscamente, lembrando-se de que não queria dar essa impressão.
— Ah, fico contente de ouvir isso! — disse com sinceridade. — Então por que vive
querendo parecer tão insensível e fé
ria? Você na verdade é boazinha.
Ela considerou o termo banal e humilhante.
— Se é o que você acha — disse com desdém -, vai ter uma bela surpresa!
Ele ergueu as sobrancelhas e pestanejou.
— Não creio que você possa me fazer uma surpresa, Imogen.
— Espere e verá! — retrucou ela. — E agora quer fazer o favor de me deixar
passar? Preciso arrumar as malas.
Christian se afastou e ela passou por ele, ruborizada. Antes de subir a escada,
virou-se novamente.
— Você vai ver como posso ser horrível quando quero.
— Só vendo para crer.
Ela subiu correndo, ouvindo a gargalhada dele.
Na manhã seguinte não havia neve, O dia estava ensolarado, embora na hora que
saíram algumas nuvens começassem a aparecer sobre as colinas.
Lettice e Joseph despediram-se dela afetuosamente, convidando-a a voltar sempre
que quisesse e repetindo que gostariam de encontrá-la na Suécia, quando fossem.
As crianças ficaram tristes quando souberam que iria embora. Tinham se apegado
a ela, que sempre lhes contava histórias na hora de dormir.
Imogen estava com o mesmo vestido verde de lã que usava quando chegou e o
mantô de pele de camelo. E havia pintado os olhos e os lábios, já que estava voltando
para Londres. Christian analisou-a e, .com um muxoxo, murmurou:
— Hum. .. de volta à sofisticação!
Ele também estava diferente. Usava um terno elegante e ela estranhou, pois
sempre o vira usando roupas esportes e informais. Estava com pressa de partir e
conduziu-a para o banco da frente do carro, sem cerimônia, enquanto Joseph colocava a
bagagem no porta-malas. Da janela de sua casa, Peter acenava para ela.
Partiram logo e desceram a ladeira para pegar Érica e o irmão na casa deles.
— Espero que não nos façam esperar! — comentou Christian.
— Por que, não costumam ser pontuais?
— Sabe como são as mulheres pra se arrumar... perdem a noção de tempo.
— Eu não perco.
Ele lhe lançou um olhar divertido.
— Vamos ver.
A casa de Lettice ficou para trás. Imogen percebeu que seu estado de espírito
estava bem melhor do que quando chegou. Estava praticamente curada. Agora sua
preocupação era o futuro. Tanto podia ser que seu empresário houvesse arranjado algum
contrato para ela nesse meio tempo, quanto podia ser que ela precisasse ir para um país
estrangeiro. E ambas as possibilidades a entusiasmavam.

Livros Florzinha 41
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

CAPÍTULO V

George esperava por eles na calçada com algumas malas a seu lado quando
pararam na frente da casa.
— Érica já vem vindo — disse ele, colocando a bagagem no carro. Christian olhou
para o relógio de pulso e piscou para Imogen.
— Como sempre, atrasada — disse.
Esperou cinco minutos e depois, impaciente, tocou a buzina. O som fez com que
Érica aparecesse, mas ela não estava nem um pouco apressada. Imogen olhou-a com
curiosidade.
Não havia nada de chamativo nela. Tal como o irmão, tinha os cabelos e olhos
castanhos. Era baixa e delicada, mas o terninho vermelho que usava fora mal escolhido.
Tinha as pernas curtas demais para usar calça comprida e seu tipo miúdo exigia roupas
mais femininas. Estava com uma maquilagem pesada demais, que fazia seu rosto parecer
o de uma boneca.
George, que já estava sentado no banco de trás, abriu a porta para ela, mas Érica
titubeou e olhou para Christian, que disse apenas:
— Vamos depressa! Entre logo que já estamos atrasados!
Ela entrou, relutante e emburrada e, sabendo que ela esperava se sentar ao lado
de Christian, Imogen perguntou:
— Não gostaria de se sentar na frente?
— Ela está muito bem ali — disse Christian e deu partida no carro.
Passaram por Chesterfield, uma cidade famosa por sua igreja com torre retorcida.
Imogen achou curioso e George explicou os detalhes arquitetônicos, o que trouxe à baila
discussões sobre estilos de arquitetura. As colinas foram se distanciando, à medida em
que rumavam para o sul.
— Acabou a paisagem — disse Christian a Imogen quando entraram na estrada
principal. — Essas rodovias modernas são rápidas, mas terrivelmente monótonas.
O que era verdade. George conversava animadamente com os dois, mas Érica não
abria a boca. Continuava emburrada e Christian não se dirigiu diretamente a ela nem uma
vez. Imogen percebeu que uma ou duas vezes ele olhou pelo retrovisor, com um sorriso
irônico.
Sabia muito bem por que Érica estava emburrada, pois provocara propositalmente
essa reação. Mas aquela garota não tinha orgulho!, pensou Imogen. Se estivesse no lugar
dela, jamais deixaria transparecer que ficara chateada por se sentir negligenciada. Assim
ela estava apenas dando motivo para que ele se divertisse às suas custas.
Por volta da hora do almoço, George começou a falar menos e Êrica mostrou sinais
de animação.
— Você deve estar precisando descansar, Christian — disse ela. — Está dirigindo
há bastante tempo e ainda falta muito para chegar em Londres.
— Se está com fome, por que não diz logo? — perguntou ele, irritado. — Eu faço
sempre esse percurso brincando, direto, e ainda consigo enfrentar o trânsito de Londres.
E você, Imogen? Gostaria de parar?
— Não tenho nada contra... — admitiu ela.
— É. Afinal, pra que tanta pressa? — acrescentou George.
Ele olhou de relance para Imogen e continuou a prestar atenção na estrada.
Entraram numa cidadezinha e ali procurou um lugar para estacionar o carro. Assim que
desceram, Érica se apossou de Christian, segurando no braço dele e esforçando-se para

Livros Florzinha 42
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

acompanhar seus passos largos. Ele não fez o menor esforço para facilitar-lhe a
caminhada. Imogen percebeu que Êrica usava saltos altíssimos que não combinavam
nem um pouco com sua roupa. Estava começando a entender o que Christian quisera
dizer quando observou que Érica não precisava ser incentivada. Imogen seguia atrás, ao
lado de George.
— Você não ficou muito tempo com os Wainwright — comentou ele. — Pensei que
fosse ficar até a Páscoa.
— Quem me dera! — disse ela. — Só que eu não sou nenhuma filhinha de papai.
Eu trabalho. E já estava mais do que na hora de sair da folga!
Ele a olhou com interesse. — Você é artista, não é? Trabalha no palco.
— Quando consigo um contrato! Ê uma profissão muito concorrida. — Ela não
tocou no assunto da Suécia.
Estavam terminando a refeição quando Érica comentou com petulância:
— Ouvi dizer que foi esquiar no Rushup Edge e que você deu um espetáculo,
Christian. Pena que você veio quando eu não estava! Devia ter-me telefonado.
Por essa conversa Imogen deduziu que era a primeira vez que os dois se viam. A
carona devia ter sido combinada com George.
— Eu telefonei, mas você estava em Buxton — disse Christian.
— Por que não ligou para lá? Eu teria voltado.
— Não queria estragar seu fim de semana, e seus amigos não iriam me perdoar
por isso.
— Sabe muito bem que eu preferia estar com você.
— E você ia dizer isso para os seus amigos? — Christian sorriu.
— É claro que não — disse George. — Eles não imaginam que ela está
apaixonada por você.
Érica enrubesceu.
— George, não seja cretino! — disse ela. — É que Christian prometeu me ensinar
a esquiar.e não é sempre que isso é possível em Castleton. Talvez não haja outra
oportunidade.
— Christían aproveitou-a bem — disse George com total falta ds tato. — Arranjou
outra aluna.
Pelas fofocas locais, todo mundo sabia de tudo. Érica fulminou Imogen com um
olhar.
— É. Eu ouvi dizer — disse ela entre os dentes.
— A aula foi um fracasso — informou Imogen -, e eu preferia que a aluna tivesse
sido você.
Será que Christian teria deixado aquela garota frágil subir a encosta carregando os
esquis? Em todo caso, ele não parecia interessado nela. Talvez já estivesse cansado
dela.
No toalete, antes de saírem, Érica disse, com despeito:
— Acho que você se apaixonou por Christian, mas já percebeu que ele nunca irá
corresponder, não?
— Não tenho o menor interesse por ele — garantiu Imogen. — Acontece que eu
estava lá e ele resolveu se divertir com a minha falta de prática.
Érica se surpreendeu com a informação.
— Acho bom que entenda que ele é meu namorado! — declarou ela com
veemência.
Imogen pensou que não era isso o que Christian a considerava e teve pena de
Érica. Aquela garota atrevida, que reclamava direitos sobre ele, não sabia que "o
namorado" iria à Suécia, Espanha e depois à América do Sul, numa longa excursão, e iria
demorar muito até que a visse de novo. Será que, afinal, Christian não dera nem um
motivo para Érica se sentir dona dele assim?

Livros Florzinha 43
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Eu já sabia do relacionamento de vocês — disse ela com tato -, e não tenho a


menor intenção de me intrometer.
Sentindo-se novamente confiante, Érica ficou descontraída e coquete. — Então
está tudo bem — disse, feliz. — Achei que deveria esclarecer a situação. Vou ficar em
Londres alguns dias fazendo compras e estou pretendendo ir a teatros e cinemas. Será...
você gostaria de fazer companhia a George pra ele nos deixar sozinhos?
Imogen disse que estaria ocupada, que tinha muitas coisas para resolver e não
dispunha de tempo. Não queria se envolver com George. Aí sim é que Christian iria
mesmo pensar mal dela!
Chegaram no fim da tarde, um pouco antes da hora do rush, mas mesmo assim o
trânsito estava congestionado. Imogen admirou a habilidade com que Christian dirigia. Ele
deixou os dois irmãos no Hotel Blomsbury e insistiu em levar Imogen até a casa dela,
apesar de ela dizer que dali poderia ir de táxi. Ela foi indicando o caminho e quando
chegaram ele fez questão de carregar as malas até o apartamento. Imogen não teve outro
jeito senão convidá-lo a entrar.
Vivien estava no sofá, usando um sofisticado roupão, e assim que eles entraram
ela se ergueu.
— Oi! Puxa, menina, como você está ótima! Quem é ele? Imogen apresentou-os.
— Desculpe meu traje — disse Vivien, muito à vontade, para Christian -, eu estava
descansando.
Ela o analisava com interesse maldisfarcado. Vivien estava muito bonita. Com seus
cabelos negros e os olhos grandes e misteriosos, parecia quase uma oriental. Fazia um
contraste perfeito com a beleza nórdica de Christian. Um belo casal!
— Desculpe incomodá-la — disse ele educadamente e sorriu. — O traje é
encantador.
— Ora, fique à vontade. Estou contente que tenham vindo, estava mesmo
chateada. Aceita alguma coisa? Só temos café ou chá.
Christian agradeceu e recusou, dizendo que precisava ir embora. Depois virou-se
para Imogen e, para sua surpresa, perguntou se ela não queria jantar com eles. Ficou
imaginando que ele também queria que ela distraísse George e desculpou-se dizendo
que não poderia ir. Vivien ergueu as sobrancelhas.
— Está bem, se você não pode. . . — disse ele com indiferença e depois olhou
para Vivien. — E você, o que acharia de me fazer companhia nesse jantar?
— Acharia divino... quer dizer, se Imogen tem certeza que não quer mesmo ir.
— Imogen já está cansada da minha companhia, por hoje. — Christian riu e
começou a combinar o encontro para a noite.
Depois que ele se foi, Vivien olhou para Imogen, boquiaberta.
— Puxa, mas que pão! É assim que são os homens por lá? Já estou louca para
conhecer esse lugar! Mas você ficou louca, onde se viu recusar um convite desses? O
que deu em você? Aqui nem tem o que comer.
— Então aproveite para comer bem! — disse Imogen. — Agora tem uma coisa:
Christian está com outra mulher. Ele convidou você pra fazer companhia ao irmão dela.
— Que evidentemente não atrai você — disse Vivien com sagacidade -, mas eu
não quero nem saber. Estou mais é a fim de uma boa refeição. Embora ache que não
seria difícil conquistar esse seu Christian, se eu quisesse.. .
— É, não duvido nada! — disse Imogen rindo, pensando que a pobre Érica não
teria a menor chance de competir com Vivien.
No fundo Imogen sabia que Christian não estava apaixonado por Érica e pensou
que seria melhor que a garota se desiludisse de uma vez. Vivien não corria perigo de se
envolver.
Quando ficou sozinha e começou a guardar as coisas, sentiu-se invadida pelas
recordações que tanto temera. O apartamento estava em silêncio, Vivien .estava tomando

Livros Florzinha 44
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

banho e ela lembrou-se de Raymond com toda nitidez. Quase podia vê-lo ali, sentado no
sofá, tocando violão e cantando como fizera tantas vezes. Aquele lugar estava
impregnado da presença dele. Talvez fosse melhor mesmo mudar-se, dali. Não lhe fazia
bem ficar remoendo recordações, agora que estava tão distante de Raymond como se ele
não existisse.
Vivien colocara um vestido preto longo e estava maravilhosa..Imogen imaginou
com malícia qual seria a reação de Érica ao vê-la.
Depois que a amiga saiu, sentiu-se deprimida e achou que era cansaço. Não podia
ser arrependimento por ter recusado o convite df Christian!
Louise chegou do serviço e as duas comeram juntas o omelete que Imogen
preparou. Louise não fez muitos rodeios para perguntar o que a amiga decidira sobre o
apartamento. Estava aflita.
— Vou transferir o contrato para você, ou melhor, para Godfrey — disse Imogen. —
Não vou mesmo ficar mais aqui.
— Tem certeza? Quer dizer, não quero que se sinta obrigada a fazer isso... embora
para nós seja uma maravilha encontrar logo um teto.
— Tenho sim. Não quero ficar aqui... está cheio de recordações. Acho que ainda
não lhe dei os parabéns, não é, Louise? Quando é o casamento?
Louise baixou o rosto, constrangida.
— Foi na semana passada. Não houve nada. Fomos ao cartório e pronto. Achamos
que seria melhor assim.
— Claro! Não estou censurando você e espero que sejam muito felizes.
— Seremos sim. Eu sempre quis ter um filho. Vou correndo contar a Godfrey que já
arranjamos apartamento. Ele tem sido maravilhoso!
Quando Louise saiu, Imogen se sentiu ainda mais só. Já estava se preparando
para deitar quando Vivien entrou, radiante e espalhafatosa, e atrás dela, para espanto de
Imogen, vinha Christian, trazendo urnas garrafas e uns pacotes.
— Christian achou melhor virmos para cá animar um pouco você! — anunciou ela
em tom alegre. — Afinal precisamos comemorar sua chegada! Onde está Louise?
Mas nem foi preciso responder, pois ela acabara de entrar.
— Godfrey está imensamente grato a você! — começou ela, mas parou quando viu
a visita.
Imogen fez as apresentações.
— Sente-se, Christian — disse Vivien, indicando o sofá. — Vou buscar uns copos.
— Trouxe os copos e colocou-os na mesa. — Louise, agora me ajude a levar esses
pacotes para a cozinha e desembrulhá-los. Olha, Christian, o abridor está aqui.
As garrafas eram de champanha. Os pacotes continham .comida. Assim que as
duas foram para a cozinha, Imogen olhou para Christian, perplexa.
— O que você fez com Êrica e George?
— Nada. Eles foram dormir. Deixei-os no hotel e vim para cá com Vivien. Não sabia
que você morava com uma beleza dessas!
— Eu deveria ter lhe contado?
— De jeito nenhum. Estragaria a maravilhosa surpresa. A rolha saltou longe, com
estampido.
— Depressa... os copos!
Logo o ambiente se fez descontraído. Louise ria à toa sob o efeito do champanha;
Vivien, sentada ao lado de Christian, fazia piadinhas maliciosas que ele respondia com
outras mais picantes ainda. Só Imogen não conseguia participar da alegria geral. Talvez
estivesse assim porque Raymond não estava lá. Mas não era bem isso o que sentia. Não
sabia explicar. Como por transmissão de pensamento, Louise comentou de repente:
— Puxa, que pena que Ray não está aqui! Se estivesse, aposto como iria tocar
violão pra gente! — Ela ainda não sabia do rompimento entre ele e Imogen.

Livros Florzinha 45
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Quem é Ray? — perguntou Christian com súbito interesse.


— É o namorado de Imogen. Ele está na Austrália.
— Não sabia que tinha um — disse ele, olhando para Imogen.
— Ah, ele já era! — respondeu ela, corando.
— — Então por que esse olhar tristonho? — Christian estendeu a mão e puxou
Imogen para que se sentasse do outro lado dele. — Pronto, meu harém está completo!
Imogen quis sair, mas ele passou o braço por seus ombros, impedindo-a, Ela
estava colada a ele, pois o espaço era pequeno. Os olhos dele brilhavam, tornando seu
rosto sensual.
— Com qual das escravas o amo deseja passar a noite? — brincou Vivien
maliciosamente.
— É difícil escolher... você é linda, mas esta aqui... — ele apertou Imogen de leve
— me deixa maluco... é um diabinho!
Ele se virou e beijou-a no rosto. O contato daqueles lábios provocou-lhe arrepio.
Nem Ray jamais a deixara tão excitada. Tentou afastar-se.
— Você está bêbado! — disse ela, brava.
— É o champanha — explicou Vivien. — E afinal ele tem direito... foi ele que
comprou a bebida.
— Que loucura, meu Deus! — exclamou Luise, rindo. — Ouer mais um pouco,
Christian?
Ela encheu os copos, a mão já sem muita firmeza.
— Calma aí, menina — disse Vivien -, você já bebeu demais. Vai fazer mal pro
nenê.
— Que nenê! — perguntou Christian.
— O filho que estou esperando — disse ela com orgulho. — Eu sou casada, sabe?
— E exibiu a aliança, cheia de si.
— Puxa! Uma surpresa atrás da outra! Quer dizer que ela ganhou de vocês duas,
hein? Chegou primeiro ao altar! — brincou ele.
— Grande coisa! — disse Vivien depressa. — Vocês homens são todos uns patifes
sem-vergonhas!
— Menos meu Godfrey! — defendeu Louise.
— Vamos ver — disse Vivien, cética. — Beba mais, Christian, ainda tem bastante.
Vamos afogar as mágoas passadas. — E olhou significativamente para Imogen.
— Não, obrigado. Já chega. Preciso treinar amanhã.
Ele se desvencilhou das duas garotas e ergueu-se. Passou a mão pelos cabelos,
ajeitando-os, e foi pegar o paletó que havia tirado. Estava perfeitamente sóbrio.
— Minhas senhoras, obrigado pela agradável companhia — disse ele com cortesia
-, mas preciso ir embora. Bem, garotas, boa-noite.
Ele beijou as três, mas Imogen ele beijou por último e na boca. Vivien levou-o até a
porta, insistindo para acompanhá-lo até lá embaixo. Louise correu para a janela.
— Puxa vida! Que carrão! Espero que ele esteja em condições de guiar...
— Tomara que seja preso! — disse Imogen, furiosa. — Ele é uma ameaça pública!
— Ainda sentia nos lábios o beijo que provocara um tumulto em seu íntimo. Louise virou-
se para ela.
— Que bicho mordeu você? Credo!
Imogen murmurou qualquer coisa e começou a recolher os copos usados.
— Até que estava divertido, não é? — disse Louise.
— É, ele deve ter se divertido muito, mesmo — respondeu Imogen, levando os
restos de comida para a cozinha.
— Deixe isso aí — disse Vivien, que acabara de entrar -, amanhã a gente limpa. Dá
tempo antes do ensaio.
— É um bom papel?

Livros Florzinha 46
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Excelente! -— respondeu Vivien e olhou entusiasmada para a amiga. — Quer


dizer que esse tremendo gatão vai levar você para a Suécia, hein?! Esse é bem melhor
do que o outro. Você progrediu.
— Ainda não está decidido.. . — começou Imogen.
— Mas, se depender de você, agarre a oportunidade, minha cara! Isso não é coisa
para se jogar fora. E pode ficar tranqüila que não há nada de sério entre ele e aquela
baixinha insossa com quem jantamos.
— Ele não leva ninguém a sério — insistiu Imogen.
— Então já sabe como tratá-lo e ele é ótima companhia. Aproveite ao máximo, sua
boba, ele é mão-aberta! E depois diga adeus e nada de lágrimas.
Bem que ela gostaria de poder fazer isso, mas e se ficasse apaixonada por ele?
Quando se deitou, tentou lembrar-se de Ray, mas a imagem dele lhe fugia. Só
conseguia ver os olhos azuis e maliciosos de Christian e aqueles lábios macios que
haviam beijado os seus.
No dia seguinte Imogen foi encontrar seu empresário e ficou deprimida. O quadro
que ele expôs não era nada animador. Não havia contrato nenhum e havia uma porção de
outras dançarinas mais experientes também desempregadas.
— É melhor arranjar outro trabalho enquanto espera — aconselhou ele. — Isso vai
demorar.. . a situação está feia. Se aparecer algo eu aviso você.
Quando contou a Vivien o resultado do encontro, a amiga falou:
— É, nada dura pra sempre, mesmo... ainda bem que você já tem outra coisa pra
fazer! Vamos nos separar por aqui.
— Tomara que o casamento de Louise dê certo — comentou Imogen.
— Ah, tem tudo pra dar. Os dois são acomodados. Gente como nós e que se dá
mal. Talvez a gente queira demais da vida...
— Raymond era tudo o que eu queria — murmurou Imogen.
— Deixe de ser boba! Aquele não valia a pena. Espero que encontre um sueco
maravilhoso que a faça esquecer esse cara. — Ela olhou a amiga, com astúcia. — Na
verdade... acho que já encontrou.
— Ah, esse é pior do que Ray — disse Imogen. — Uma mulher pode lutar contra
outras rivais, mas não contra pistas de esqui!
— Não se preocupe com isso — aconselhou Vivien -, a carreira de um atleta é
curta. A idade é muito importante nisso, sabe como é, né?
Christian passou por lá à noite para saber como fora o encontro com o empresário.
Desapontada, ela contou o que houve e disse estar pronta para ir à Suécia se a irmã dele
ainda estivesse precisando dela.
— Está sim — garantiu ele -, e com bastante urgência.
Ele propôs que partissem dentro de dois dias. Já que ela estava com o passaporte
em dia, não havia motivo para demorarem mais.
— Não quer me levar no lugar dela? — disse Vivien. — Ela está relutando tanto!
— Eu não me arriscaria a levar você... — disse ele. rindo. — Num país onde só há
loiras, você faria furor! Muita responsabilidade, minha cara.
— Mas Imogen não é loira.
— Não, mas ela é uma geladeira... — retrucou ele — coisa que você não parece
ser...
— O que eu sou? Uma fogueira? — Vivien riu. — Não se preocupe, Imogen. Eu
detesto crianças e já tenho minha excursão programada.
Ela não estava preocupada, sabia que a amiga estava brincando. Entretanto não
conseguia impedir uma sensação desagradável que aquela familiaridade entre Christian e
Vivien despertava nela. Não podia ser ciúmes, isso seria absurdo!
Os dois dias foram uma correria louca com os preparativos. Imogen foi até a casa
dos pais e ficou sabendo que Lettice já escrevera contando tudo e dizendo que estava

Livros Florzinha 47
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

grata dela poder fazer esse favor. Os pais estavam contentes com essa oportunidade da
filha viajar e tranqüilos porque sabiam que ela estava em boa companhia.
Lettice havia mandado para ela um casaco de peles e um gorro combinando, que
não usava mais e que poderiam ser úteis a Imogen em Jamtland. Ela, que já estava
ansiando pela primavera, que logo chegaria na Inglaterra, lembrou-se que teria de
enfrentar um frio rigoroso.

Afinal chegou o dia e ela se encontrou com Christian no aeroporto. Quando o avião
pousou em Bromma, era meio-dia e o sol brilhava. O céu estava límpido e a neve nos
telhados cintilava.
Christian pegou um táxi e foram até a cidade. Só partiriam à noite, de trem
expresso, rumo ao norte. O carro os deixou no hotel em frente à estação ferroviária.
Todos conheciam Christian por ali e o gerente guardou a bagagem deles de bom grado.
Depois do almoço Christian avisou que precisaria sair para encontrar o corretor de
imóveis e tratar do apartamento de Greta, e Imogen ficou na sala de estar do hotel
esperando por ele.
O hotel, como tudo mais na Suécia, era impecávelmente limpo, muito bem
aquecido, com janelas resistentes e bem mobiliado. Era confortável, mas Imogen estava
eufórica demais para ficar quieta no lugar, como Christian esperava. Colocou o manto e
resolveu sair para dar uma olhada.
Foi caminhando a esmo pela avenida Vasagaten até que chegou a uma ponte
sobre um canal. O ar era frio, porém revigorante, o sol era fraco, mas aquecia. Blocos de
gelo flutuavam nas águas.
Atravessou a ponte e viu-se no centro histórico de Estocolmo. Virou para a
esquerda e cruzou outra ponte que conduzia a Helgeandsholmen e ao Riksdagshusit, o
Parlamento Sueco. À direita ficava o Palácio Real, só que ela não sabia o que era.
Apenas admirava aquelas construções diferentes, cheia de euforia.
Afinal começou a sentir frio e resolveu voltar. Ela tivera o cuidado de decorar os
nomes estranhos e complicados das ruas. Ficou contente com o calor aconchegante do
hotel, mas estava com raiva de Christian por tê-la deixado sozinha. Só que quando ele
apareceu ela ficou tão contente de ter com quem conversar, que esqueceu a raiva.
Christian estava elegante e bonito. Vendo-o ali ela concluiu que ele parecia mais
um sueco do que um inglês. Percebeu que as mulheres que estavam na sala eram todas
bonitas, loiras e altas, e então entendeu por que a beleza morena de Vivien o atraiu tanto.
Outra coisa que a impressionou foi o ar calmo e seguro das mulheres. Não tinham nada
da fragilidade feminina e pareciam ser mulheres decididas que sabiam exatamente o que
queriam. De repente lhe ocorreu que Christian deveria ter achado suas amigas, e ela
própria, frívolas e coquetes.
Notando seu olhar observador, Christian disse:
— Não— houve muita mistura racial por aqui. A Suécia foi colonizada por tribos
germânicas e não houve invasões de outros povos, por isso os suecos são o povo mais
uniforme da Europa. Vocês, ingleses, já não. Tiveram ancestrais bretões, celtas, saxões e
normandos. São um povo híbrido, produto dessas misturas.
— Eu gosto disso! — exclamou ela, indignada, como se fosse urna ofensa. — Você
está falando, mas tem um pai britânico!
— Obrigado por lembrar. Quando estou aqui até esqueço, penso que sou só sueco.
Então não era imaginação dela. Ele ficava mesmo diferente lá! Pensou em Greta.
Como seria ela? Pelo pouco que vira no hotel, achou que os suecos não eram um povo
comunicativo. Como seria recebida?
Um jovem se aproximou e, tendo reconhecido Christian, estendeu a mão.
— Olá, como vai o senhor?
Christian ergueu-se e o cumprimentou. Depois apresentou Imogen.

Livros Florzinha 48
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Ê a sua noiva? — perguntou o rapaz.


— Ainda não é oficial — respondeu Christian com um brilho malicioso no olhar.
Falaram sobre esporte por algum tempo. Parece que esse sr. Bergquist era
repórter e pediu para fotografar Christian para o jornal. Christian desculpou-se dizendo
que estavam com pressa, pois ainda precisavam jantar antes de pegar o trem.
Quando estavam jantando, Imogen perguntou por que ele confundira o rapaz.
— Por que você não disse que vim trabalhar para sua irmã? — perguntou ela.
— Por que deveria? Não é da conta dele. E, depois, eu vi bem como ele olhou pra
você... é melhor que pense mesmo que você está comprometida.
— Ora, não seja ridículo! — disse ela, irritada com o ar de zombaria dele. — O que
pensa que sou?
— Não gosta de conquistar todos os homens para fazê-los sofrer? — Christian
sorriu e ela enrubesceu. — Não... não precisa avançar em mim. Deixa pra lá. O fato é que
não quero que esse cara vá atrás de você em Jamtland.
— E quem disse que ele iria?
— Afinal ele é um repórter, vive viajando... e você se destaca muito entre essas
loiras todas.
Tentando mudar o assunto ela perguntou:
— Você o chamou de um jeito engraçado. . . por quê?
— Ah, é porque usei o título dele antes do nome. Aqui todo mundo usa. Você será
chamada de Pagem Sinclair.
— Não me parece um título muito ilustre! — Imogen riu. — Mas por que isso?
— Porque não há muita variedade de sobrenomes por aqui. Numa cidade como
essa, de milhões de habitantes, pode haver uns dez mil Karlsson, por exemplo. Por isso,
na lista telefônica os nomes são catalogados por profissões, E toda ocupação aqui é
considerada profissão, por mais humilde que seja. Pois essa é uma sociedade socialista,
igualitária. Esse rapaz que você conheceu, na lista está assim: Bergquist, Repórter, Erik.
— Ah, sei.
A substancial refeição constou de uma sopa seguida de um prato preparado com
vários tipos de peixe e camarão, carne fria, salada de verduras e queijo. Depois frango
com cogumelos. E Christian explicou a ela que cogumelo era a comida preferida naquele
país e que cresciam em abundância em várias regiões. A sobremesa foi pudim e depois
veio o café.
Depois de tal refeição, Imogen teria preferido dormir no hotel confortavelmente, em
vez de sair na noite fria e escura e pegar um trem. Estava exausta com todas as novas
impressões e sensações.
— Você está caindo de cansaço, minha... pobre garota! Mas vai poder dormir bem.
A cabine é confortável e só chegaremos amanhã cedo. Boa noite e bom sono! — disse
ele e foi para a cabine dele.
Tão logo se viu sozinha ela tirou a roupa e deitou-se. Dormiu assim que pôs a
cabeça no travesseiro.

CAPÍTULO VI

A parte central da Suécia é uma região de lagos e florestas que se estende,


baixando de altitude, até o mar Báltico. No outro extremo ficam as montanhas que
começam na Noruega. É cortada por numerosos rios que transportam a madeira até o
mar. A madeira é o principal produto da região.

Livros Florzinha 49
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Como era noite, Imogen não viu nada do lugar por onde o trem passava. Havia
dormido um sono pesado nas primeiras horas e depois acordou, nervosa e apreensiva.
Que loucura fizera! Por que aceitara ir? Sozinha, na escuridão, finalmente enfrentou a
verdade. Não fora por necessidade de trabalho... teria arranjado qualquer outro na
Inglaterra mesmo. Também não fora para retribuir um favor dos Wainwright.. . Sabia que
fora apenas movida pelo desejo de conhecer o país onde Christian crescera. O que a
levara a aceitar fora um desejo subconsciente de estreitar os laços de relacionamento
entre ela e ele. Era evidente, agora, que se sentia atraída por ele. Por que fora tão tola a
ponto de se recusar a perceber isso antes?
Com sua atitude leviana, havia estragado qualquer possibilidade de ele se ligar a
ela, pois havia se mostrado frívola e coquete. Uma pessoa superficial. E ele acreditara,
senão por que iria recriminá-la pelo comportamento em relação a Peter? E por que fizera
aquele comentário em relação ao repórter? E agora, mesmo que pudesse fazê-lo mudar
de opinião a seu respeito, não tinha a menor chance. Afinal, ele só se interessava por sua
carreira no esporte que praticava. Ele mesmo já dissera que não pensava em projetos de
casamento enquanto não abandonasse as competições. A emoção de correr sobre esquis
era bem maior do que a que qualquer mulher pudesse lhe proporcionar!
E lá estava ela, num país estrangeiro, entre pessoas desconhecidas e dali a alguns
dias Christian iria partir. O que, pensando bem, era uma boa coisa, pois se convivesse
muito com ele seria inevitável que surgisse um sentimento mais profundo em seu
coração. "E os homens não merecem!", parecia dizer o ruído das rodas do trem.
Ainda estava escuro quando chegaram ao destino, embora houvesse uma fraca
claridade no horizonte, a leste. A lua brilhava sobre os pinheiros e na superfície gelada de
um lago. Tudo estava coberto de neve e o frio era terrível.
Esperava por eles um carro com corrente nas rodas, que era para poder trafegar
na neve. O camponês atarracado que o dirigia foi conversando com Christian em sueco e
aquelas palavras, incompreensíveis para ela, aumentavam a sensação de irrealidade.
Seria ela mesmo, Imogen Sinclair, que estava ali, naquele lugar gelado?
Não havia cidadezinhas, nem mesmo uma única casa por onde passavam. Ela não
se conteve.
— Não mora ninguém aqui?
— A população está se tornando escassa por aqui. Há uma tendência de fugirem
para o sul.
— O que não é de se admirar! — disse Imogen, estremecendo. Passaram por uma
zona de derrubada de árvores. Uma enorme fogueira iluminava a cena: troncos de
árvores empilhados à beira da estrada esperando para serem transportados. Um
agrupamento de casas de madeira, numa clareira, e um enorme trenó cheio de toras
movendo-se lentamente. Os lenhadores, que usavam casacos de pele com capuz,
pareciam estranhas criaturas iluminadas pelo fogo. O barulho áspero de uma serra
elétrica quebrava o silêncio.
— Eles levam os troncos até o rio congelado e deixam lá empilhados. Quando o
gelo derrete, as águas carregam as toras até as indústrias perto da costa, e lá são
retirados da água — explicou Christian.
— Quer dizer que eles trabalham aqui durante o inverno todo? — Imogen
perguntou, incrédula.
— O inverno é a época da derrubada. As árvores estão secas e a neve facilita o
transporte. No verão esse pessoal volta para trabalhar nas fazendas de onde vieram.
— Puxa, que gente forte! — exclamou ela.
— Descendentes de vikings! — disse ele, orgulhoso. — Somos um povo forte e
vigoroso.
As árvores foram rareando até que a paisagem se transformou em campos
cobertos de neve e surgiu a casa da fazenda. O teto era bem inclinado para evitar o

Livros Florzinha 50
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

acúmulo de neve, as janelas eram pequenas e resistentes para proteger da ventania


gelada. Imogen suspirou aliviada quando viu luz por trás das vidraças. Pelo menos havia
eletricidade!
Greta parecia mais inglesa nas atitudes do que o irmão. Recebeu Imogen
calorosamente enquanto as crianças, loiríssimas, uma de três, outra de quatro anos, a
cumprimentaram timidamente. Christian abraçou-as e ergueu-as no colo, uma de cada
vez, comentando quanto haviam crescido. Greta riu e disse que era só impressão, pois
não fazia muito tempo desde a última vez que as vira.
— Vocês devem estar morrendo de fome! — disse ela. — Venham comer.
Greta era uma moça alta e loira, muito parecida com o irmão. Ela os conduziu até a
sala, que era enorme, toda de madeira. O teto baixo era sustentado por grossas vigas, as
paredes eram de pinho encerado, deixando ver os nós da madeira. O assoalho era de
tábuas largas com tapetes coloridos, feitos a mão, de longe em longe. Numa das
extremidades havia uma imensa lareira acesa e na outra um aquecedor branco e
redondo. A mesa comprida e rústica estava posta para a refeição. Estava tão quente que
Imogen desabotoou o casaco.
— Talvez queira tirar o manto primeiro — sugeriu Greta. — Vou lhe mostrar seu
quarto.
Imogen seguiu-a relutante, esperando encontrar um quarto gelado, mas lá também
havia um aquecedor redondo. O aposento era pequeno e todo de madeira também, e a
mobília era rústica.
— O banheiro é ali ao lado! — Greta mostrou. — Tem também uma sauna, mas
não é muito usada.
Ela saiu e deixou Imogen sozinha. O silêncio era profundo em torno da fazenda.
Quando voltou para a sala, Greta e Christian falavam sobre a competição em Are.
— Só espero que não queira que a gente vá vê-lo... — dizia Greta. — É frio
demais! — Depois viu Imogen hesitante na porta. — Venha, vamos nos sentar. Fique à
vontade.
Greta serviu umas vasilhas com uma espécie de mingau que as crianças
chamaram de gröt. Imogen não gostou muito, mas estava com tanta fome que comeu
tudo com apetite. Depois veio presunto frito com um pão de centeio que tinha consistência
de biscoito.
— Você vai sentir falta desse espaço todo — disse Christian, observando a sala
grande. — Estive no seu apartamento, em Estocolmo, ontem. Perto disso aqui é
minúsculo. Quatro aposentos e uma cozinha.
— E pra que quero espaço? Pra mim vai ser o paraíso depois desse barracão... e
lá o verão chega um mês mais cedo. — Virou-se para Imogen. — Aqui só começa a
esquentar depois da primeira quinzena de junho.
Imogen estremeceu. Estavam apenas no começo de março.
— Justamente por isso eu vim... — disse Christian — por causa da neve.
— É, eu sei. E se já acabou de comer, vá lustrar seus esquis, assim não fica me
atrapalhando.
Christian olhou para Imogen, fingindo estar magoado.
— Está vendo como minha irmã me trata depois de eu ter viajado todos esses
quilômetros só para vê-la?
— Parece que você disse que veio por causa da neve — falou Greta, com um riso
triste.
Christian se afastou e as duas tiraram a mesa.
— Ele é que nem os outros.. . — disse ela do irmão. — Nunca se case com um
sueco, Imogen. São todos egoístas, frios e ingratos. Só se interessam pelo que fazem e
por suas próprias ambições.
— Mas seu irmão não é sueco!

Livros Florzinha 51
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Ele só nasceu na Inglaterra, mas foi criado aqui e é igualzinho a todos. Sabe,
não posso lhe dizer que senti muito a morte de meu marido. Ele me considerava apenas
como a dona da casa e a companheira de cama. Eu não era nada feliz enterrada aqui
nesse fim de mundo.
— Bem... acho que é o que sempre esperam das esposas, não é? — disse
Imogen, meio embaraçada com a revelação.
— Mas eu não me satisfaço com isso. Eu estudei, sei falar cinco línguas, pilotar
carro de corrida e posso fazer muitas outras coisas. Não posso passar a vida fazendo
bolos e lavando o chão da cozinha. Em Estocolmo vou poder fazer uso de minha
habilidades.
— E as crianças?
— Elas irão para a escola maternal.
Imogen ficou um pouco desconcertada com essa demonstração de independência
feminina, mas não disse nada.
E não me olhe com esse ar de reprovação! – comentou ela. – Christian me disse
que você ,orava em Londres, portanto acho que pode me emntender muito bem.
— Quando ele lhe disse isso?
— Em uma das cartas. Ele me escreve sempre e falou muito de você em várias
delas.
— Ah, é?! — murmurou ela, enrubescendo.
— Você o impressionou bastante, mas ouça meu conselho: se quiser, ter um caso
com ele, tudo bem, sabe que por aqui não há repressões nesse sentido... mas nunca se
case com ele.
A idéia era tão improvável que Imogen riu.
— Isso não passaria pela cabeça dele, nem pela minha, jamais — disse com
convicção.
— É... e por que ele trouxe você de tão longe? — insinuou ela. Imogen se lembrou
de que Christian lhe dissera que não havia perigo de levá-la porque ela não interpretaria
mal a situação.
— Ele me trouxe para que eu a ajudasse... — disse ela.
— Ê ... realmente eu preciso e você não imagina quanto! Só o fato de ter com
quem conversar já me faz sentir melhor. E vamos ter muito o que fazer. Esqueça o que eu
falei sobre meu irmão, tá?
Imogen prometeu que sim.
O sol nasceu por volta do meio-dia, iluminando a paisagem que era bem diferente
da inglesa. O céu era azul profundo e a neve brilhava nas árvores ao redor da casa.
Apesar da beleza, Imogen sentiu-se desolada. Não agüentava mais ver neve. Estava
louca pra ver um gramado verde.
Christian, ao contrário, exultava. O tempo estava ótimo para esquiar. Ele passava a
maior parte do dia lá fora testando seus esquis e o equipamento.
— Fiquei muito tempo longe daqui — queixou-se ele. -— Estou fora de forma.
— Não há ninguém da sua categoria em Are — Greta o consolava. — Você sabe
que só vai lá por razões sentimentais.
— Pelo menos me exercito para a Espanha, e meu treinador vai estar lá. Depois de
amanhã vou embora, mana. Vou ficar lá e aproveitar ao máximo o bom tempo.
Imogen sentiu um aperto no coração. Faltava pouco para a inevitável separação.
Nos dias que se seguiram não teve tempo para remoer tristezas. Estava ocupada o
tempo todo, aprendendo o que tinha a fazer e tentando conquistar Kajsa e Sven. Eles lhe
pareciam muito calados, quietos e oprimidos, bem diferentes dos barulhentos filhos de
Lettice. Não era à toa que Christian se mostrara preocupado com eles. Ele também devia
ter notado o contraste. Mas a mãe dos garotos pensava diferente.

Livros Florzinha 52
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— As crianças precisam aprender desde cedo a não fazer barulho e a ter boas
maneiras — dizia ela. — As coisas que mais detestamos aqui são sujeira, desordem e
barulho.
O dia era curtíssimo e as crianças aproveitavam o pouco tempo de claridade para
irem. brincar lá fora, tão agasalhadas que mal se via seu rosto. Kajsa estava brincando
quando caiu e começou a chorar alto. Imogen saiu correndo, sem nem pôr o manto,
pegou a menina e a trouxe para dentro.
— Machucou alguma coisa? — perguntou Greta.
— Acho que não — disse Imogen, enquanto tirava os agasalhos da menina -, ela
está assustada.
— Então pare de fazer manha, Kajsa — ordenou a mãe. — Você não tem por que
chorar.
Imogen já estava percebendo que as crianças suecas recebiam uma rigorosa
educação espartana, mas notando a mágoa nos olhos azuis inundados de lágrimas não
conteve um impulso de carinho e abraçou a menininha, embalando-a.
— Pronto, já passou... foi um tombo, não é? Mas agora já está boa — disse ela.
Greta riu e foi para o escritório, onde fazia a contabilidade da fazenda, mas Imogen
continuou com a garotinha no colo, acalmando-a. Kajsa abraçou-a e seu rostinho foi
ficando suave e meigo enquanto era agradada. De repente Imogen ergueu a cabeça e viu
que Christian a observava com uma expressão enigmática. Apressadamente colocou a
menina no chão e agasalhou-a de novo.
— Já está boa agora, não é? Então vai brincar, vai...
— Não precisa tentar tapar o sol com uma peneira — comentou ele vendo a
sobrinha se afastar.
— O que quer dizer com isso? — ela o desafiou.
— Que não precisa se exaltar só porque eu a peguei desprevenida!
— Eu não sou sempre assim — disse ela, apressada, pois havia uma ternura no
olhar dele que a desconcertava. — Mas é que essas crianças são tão carentes de afeto!
— Eu lhe disse... — lembrou ele. — Greta é muito severa e acabou ficando ríspida
e seca. Também, o marido enterrou-a aqui nesse fim de mundo e passava o inverno todo
fora. Era ela quem cuidava de tudo, administrava a propriedade e fazia todo o serviço. Ele
dizia que ia trabalhar com os lenhadores... mas eu tenho minhas dúvidas e Greta também
tinha. Ficar sozinha aqui durante o inverno acaba com o ânimo de qualquer um. O dia tem
apenas uma hora e a temperatura é de muitos graus abaixo de zero.
— Então ela não está sofrendo pela morte dele, não é?
— Você estaria? — retrucou ele e saiu de novo.
Aí estava mais um exemplo de que os homens não prestam, pensou Imogen,
amargurada.

No dia seguinte Christian passou o tempo todo fora. Só voltou para jantar e parecia
bastante animado. Imogen o observava com ar pensativo e triste. Iria demorar muito até
que pudessem estar juntos de novo. Percebeu que ele a analisava com uma expressão
estranha e pensou se ele não estaria avaliando sua eficiência. Estaria arrependido de tê-
la trazido?
Quando ela voltou para a sala, depois de ter posto as crianças na cama, ele largou
o jornal que estava lendo e convidou-a para dar um passeio.
Imogen se espantou e arregalou os olhos para ele.
— A essa hora da noite? Está uma escuridão e um frio terríveis.
— Hoje tem lua e acho que você iria gostar de andar de trenó. É um passeio
romântico.
Ele a olhava com uma expressão ligeiramente zombeteira e ela ficou em dúvida.

Livros Florzinha 53
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Os trenós estão sendo substituídos por carros especiais para trafegar na neve.
Daqui a pouco ninguém mais vai ter trenós puxados por cavalos — continuou ele. — Acho
bom você não perder essa oportunidade dê experimentar antes que acabem.
— Também não exagere, não é, Christian! — disse Greta. — Mas acho que você
devia ir, sim, Imogen. Aproveite a boa vontade dele.
— Preciso me distrair um pouco antes da competição. Sempre faço isso— — Ele
olhou para Imogen que ainda hesitava e acrescentou com malícia: — Quem sabe o que
pode acontecer? De repente me acontece algum acidente naquela montanha e você vai
se arrepender de ter recusado meu último convite.
Imogen sentiu um arrepio. Percebeu subitamente que o esporte que ele praticava
era realmente perigoso e arriscado.
— É tão perigoso assim? — perguntou, ansiosa.
— Como a maioria dos esportes. — Ele se ergueu. — Vá se agasalhar bem,
enquanto vou atrelar os cavalos.
— Cuidado... — avisou Greta, sorrindo com malícia — luar é coisa perigosa.
— Não com esse frio — disse Imogen em tom alegre e foi se preparar.
Colocou as botas de pele, o manto com capuz, também de pele, as luvas
grossíssimas e o cachecol. Não havia nada de sedutor naquela figura, que mais parecia
um pacote, só com os olhos à mostra. Mas, afinal, Christian não tinha intenções
amorosas. Só a convidara porque não conseguia ficar parado dentro de casa. Mesmo
assim ela sentia uma excitação e uma euforia que não conseguia reprimir.
No trenó havia uma manta de pele para proteger os passageiros. Era puxado por
dois cavalos peludos, noruegueses, que tinham uma estranha cor rosada; e era iluminado
por duas lanternas antigas, uma de cada lado.
O trenó deslizava suavemente pela estrada, quase sem fazer barulho, pois a neve
abafava o som das patas dos cavalos. A estrada passava por um bosque de árvores altas
iluminadas pela lua, Não havia vento e o silêncio era total.
— Bem melhor do que o velho carro de Sven — comentou Christian com
satisfação.
— E o que você fez com o seu? — perguntou Imogen displicentemente, para
disfarçar o tumulto que a proximidade dele provocava.
— Deixei com papai. Ele poderá usá-lo para viajar nas férias de verão. Nesta
época do ano é melhor viajar de trem.
Subiram uma ladeira e as árvores começaram a rarear. Quando desceram do outro
lado, surgiu um lago prateado.
— No inverno os ônibus encurtam as distâncias passando sobre eles — explicou
Christian. — A superfície congelada é tão dura que resiste ao tráfego. Aliás, nossas usinas
hidrelétricas são construídas no subterrâneo, para que possam utilizar a água que corre
por baixo da superfície congelada.
— Puxa! Realmente os suecos são bastante eficientes!
— Eles se orgulham de fazer tudo funcionar direito.
Estava gostando das explicações instrutivas, mas no fundo desejava que a
conversa tomasse um caráter mais pessoal. Entretanto, de que poderiam falar? Ele queria
apenas se distrair, como dissera! Christian fez os cavalos pararem.
— Vamos andar até o lago.
Ela titubeou antes de sair da manta que a envolvia, enquanto Chistian amarrava os
cavalos a uma árvore e cobria-os com mantas especiais. Depois se aproximou, pegou-a
pelo braço e a conduziu até a margem. O silêncio e a brancura daquele cenário envolvia-
os numa estranha magia, como se fossem os únicos sobreviventes na face da terra.
De repente, no horizonte surgiu uma luz vermelha como fogo e espalhou-se pelo
céu em tons dourados. A abóbada celeste foi iluminada por uma claridade esverdeada. A
luz vermelha escureceu, passou por vários tons e voltou à cor inicial.

Livros Florzinha 54
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— O que foi isso? — perguntou Imogen, embasbacada, segurando com força o


braço de Christian, pois era um espetáculo incomum.
— Nunca ouviu falar da Aurora Boreal?
— Ah, é claro! — exclamou ela, aliviada. — Mas nunca tinha visto! Como é lindo...
se não estivesse tão frio! — Ela tremia.
Ele se virou para ela e devagar tirou o cachecol que lhe cobria o rosto. Depois
envolveu-a num abraço e beijou-a. Imogen ficou em êxtase, uma emoção estranha a
invadiu, e ela o abraçou com força, correspondendo ao beijo com ardor até que, quase
sem fôlego, inclinou-se para trás, ainda nos braços dele, e percebeu que ele estava rindo.
— Com todas essas roupas não posso sentir seu corpo. . . — queixou-se ele —
mas espero que esteja mais quentinha agora.
Ela sentiu um nó na garganta. Então Christian estava só brincando com ela?!
Tentou se libertar, mas ele a impediu.
— Imogen — murmurou ele suavemente em seu ouvido -, sua feiticeirinha... você
me enfeitiçou, não é?! — E beijou-a de novo.
— Você suportaria viver aqui para sempre?
— Depende com quem. . . — respondeu ela, sussurrando.
— Comigo, é claro! — Christian hesitou, depois disse de repente:
— Quer se casar comigo?
Não era possível que ele tivesse dito aquilo! Ela devia estar sonhando!
— O que você disse? — perguntou ela, atordoada.
— Você ouviu muito bem. Sei que não nos conhecemos há muito tempo, mas será
que isso é mais importante do que o que sentimos?
Então era verdade mesmo! Ela estava atônita.
— Não sei se serei um bom marido. Não posso prometer que vou lhe dar um lar...
por enquanto — continuou ele --, mas acabaremos tendo um lugar pra nós, como este.
Financeiramente eu não estou mal, não irá lhe faltar nada.
— Não posso acreditar que queira mesmo casar comigo... — disse ela. — Por
quê?
— Ora, por que um homem quer se casar? — retrucou ele quase com rispidez. —
Que pergunta! Porque é o único meio de ter você... ou não é?
Com um suspiro ela se afastou de Christian e ele não a deteve.
— Ê claro que é! — disse ela com orgulho.
Mas ficou pensando se dissera realmente a verdade. Agora sabia que estava
perdidamente apaixonada por ele. Tal como a Aurora Boreal que iluminara de repente o
céu, o amor surgira dentro dela com força espantosa. Não poderia mais viver sem ele. O
que Ray despertara nela era apenas uma fagulha se comparado com essa fogueira que
Christian acendera nela. Mesmo assim, será que cederia? Será que aceitaria ser só um
caso, por medo de perdê-lo?
Greta aconselhara-a a ter só um caso, ser amante dele, porque sabia o irmão não
se entregaria 'totalmente a ela. Mas se ele oferecera uma ligação permanente, por que
não aceitar? Ligá-lo a ela, definitivamente, fossem quais fossem as conseqüências? O
que ela sentia era muito mais do que uma emoção passageira e o fato de ele ter sugerido
que pudesse ser apenas isso a magoara.
— Você disse isso por que pensa que sou uma mulher fácil?
— Isso foi o que você própria disse, mas eu nunca acreditei — respondeu ele. — É
pensando no seu bem que eu fico em dúvida de arriscar um compromisso sério como o
casamento. Pode não ser fácil conviver comigo.. .
— Estou pronta a me arriscar, Christian — disse ela rindo de felicidade. — Quer
dizer... se você falou sério mesmo. Ou será que foi só por causa do luar? — acrescentou,
ansiosa.

Livros Florzinha 55
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Falei sério sim — garantiu ele -, embora... o luar ajude bastante. Eu quero você,
Imogen. Estou louco por você. Deve ter pensado horrores de mim aquele dia no Rushup
Edge, em que eu a fiz carregar os esquis, não é? Mas foi naquele dia que eu descobri que
você não era apenas um rostinho bonito. Você é determinada, corajosa e cheia de
orgulho... é exatamente o tipo de mulher que eu gostaria que fosse a mãe de meus filhos!
Será que ele estava sendo sincero ou estava apenas tentando seduzi-la com
promessas? Instintivamente se afastou.
— O que foi? Ficou ofendida com minha franqueza? Você não gostaria de ter um
filho meu?
— Para que fosse treinado para ser um campeão de esqui?
— Não necessariamente, embora eu ficasse contente se ele fosse um bom
esquiador. — Ele se aproximou e abraçou-a de novo. — Você detesta esse esporte, não
é? Mas é meu único vício.
— Eu só detesto porque afasta você de mim.
— Mas não devia pensar assim, Imogen. Depois, um dia, vou ter de parar mesmo.
— E só então é que você vai se preocupar com a esposa?
— Pois é... — Ele riu, sem querer levá-la a sério. — Aí vou precisar de uma
compensação, não é?!
— Isso é tudo... — começou, mas ele sufocou as palavras com outro beijo e ela
não pensou em mais nada.
Depois ele afastou um pouco o rosto e perguntou:
— Será que agora você pode me contar por que estava representando, por que
precisou fingir que era uma mulher volúvel e coquete se você não é isso e nunca poderia
ser?
Ela contou a ele sobre Raymond e falou como ficara magoada e desconfiada dos
homens por causa do que ele lhe fizera. Quando terminou, Christian perguntou,
enciumado:
— Você o amava de verdade?
— Eu pensei que o amasse — disse com sinceridade -, mas agora sei que foi só
romantismo de adolescente. Era muito diferente do que o que eu sinto por você.
— Ainda bem.
E dessa vez ele a beijou com mais ardor. No céu, as estrelas cintilavam e a lua
fazia brilhar a superfície congelada do lago e a neve acumulada ao redor. Estranho
cenário para o amor que acabara de despertar!
Estava tão feliz que só existia aquele momento para ela. Não pensava nos "como"
e "porquês". Mas de repente uma dúvida a assaltou.
— Já fui abandonada uma vez, será que você também não vai me abandonar?
— Não sou um garoto inconseqüente — respondeu ele suscintamente.
Abraçados, ele a conduziu de volta ao trenó, ajudou-a a se acomodar e enrolou-a
na manta com ternura.
No caminho, Imogen começou a ficar apreensiva de contar a Greta a novidade.
Achou que ela iria reprovar, sem dúvida. Ela estava amargurada com o recente
casamento fracassado e Imogen não queria que nada estragasse aquela felicidade que
sentia. Hesitante, perguntou:
— Será que devemos contar a Greta já? Eu... eu gostaria de guardar segredo por
enquanto. Afinal, acabei de chegar... e vim para ajudá-la, não para me casar com você.
— Você veio porque eu quis que viesse — disse ele. — Por que outro motivo você
acha que eu teria trabalho e despesas trazendo-a para cá? Greta poderia ter arranjado
alguém por aqui mesmo.
Ela ficou atônita com a revelação.
— Então você já gostava. . .

Livros Florzinha 56
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Acho que sim. O que sei é que não suportava a idéia de me afastar de você.
Deixando você com Greta, pelo menos eu ficaria mais sossegado.
— Muito bonito! Você planejou tudo e eu caí direitinho. — Imogen riu. — Acho que
sua irmã não vai gostar muito disso.
— Talvez não — concordou ele. — Quem sabe você tem razão... é melhor
guardarmos segredo por enquanto. É capaz de Greta encher sua cabeça contra mim.
— Isso ela nunca conseguiria! — garantiu Imogen.
— Infelizmente vou ter que me ausentar e não terei como me defender de críticas
— disse ele -, mas você já sabia disso. Quando eu voltar dos Pireneus, vou encontrá-la
em Estocolmo e trataremos de nosso casamento.
— Assim... já?
— Por que haveríamos de esperar?
— É. Não há motivo.
Não previra esse romance arrebatador, Mas e os preparativos do casamento?
— Onde vamos morar? — perguntou ela, lembrando-se.
— Ora, numa cabana no bosque, durante o verão. É um velho costume sueco e as
florestas são lindas! E durante o inverno estaremos viajando, seguindo a neve. Mas o
verão é todo seu.
Parecia um futuro um tanto incerto, mas só a perspectiva de passar o verão
sozinha com ele deixava-a extasiada.
— Mas quanta atenção! — disse ela em tom irônico. — Quer dizer que vou ter um
marido de verão. . .
— Não é isso, mas certamente você não espera que eu abandone o esqui.. .
espera? — perguntou ele, ansioso.
— Não, Christian. Eu sei o que isso significa pra você.
Em todo caso, a sensação de se ver em segundo plano não a agradava muito.
— Você viajará comigo, é claro. Irá onde eu for. Você nunca viu uma corrida de
esquis?
— Eu adoraria ver! — disse em tom não muito convincente. Quando chegaram à
fazenda ela contou sobre o passeio, sobre a Aurora Boreal que vira, mas não mencionou
nada de pessoal. Greta olhou para o rosto corado e os olhos brilhantes deles e apenas
sorriu com perspicácia.
Christian partiu na manhã seguinte, bem cedo. E na mesa do café estava tão tenso
e lacônico que Imogen sentiu-se como se houvesse sonhado o que acontecera na noite
anterior. Greta percebeu que ela estava assustada e explicou-lhe que ele sempre ficava
daquele jeito antes dê uma competição. Imogen não pôde deixar de pensar, com certo
mal-estar, que seria sempre ignorada nessas ocasiões. Ele a beijou antes de partir, mas o
beijo não foi diferente do que o que deu na irmã e Greta nem percebeu.
Depois que ele se foi, seguiu-se um enorme vazio. O encanto daquele momento à
beira do lago começou a se desfazer e Imogen foi assaltada por dúvidas, apreensões e
ressentimentos. Christian não devia ter ido embora daquele jeito, sem a menor
confirmação do que dissera na véspera! Em parte era culpa dela mesmo, pois, se tivesse
contado a Greta, sentiria que o que acontecera era mais real. Agora, entretanto, não se
sentia disposta a enfrentar as críticas que naturalmente ela faria.
Enquanto isso, ocupava-se ajudando Greta a preparar a mudança e cuidando das
crianças.
Havia uma televisão na fazenda que pegava bem, e elas puderam assistir ao
campeonato de Are. Imogen achava enfadonho aquilo tudo, nunca se interessara por
esportes, só estava assistindo para ver Christian, mas quando ele apareceu foi uma
decepção. Ele usava um capacete de corrida e óculos de proteção que lhe escondiam o
rosto e só era identificável pelo número que trazia no peito e nas costas. De resto era
apenas uma entre tantas figuras com o.mesmo aspecto.

Livros Florzinha 57
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Imogen o viu na pista de ziguezague, deslizando por entre os postes e fazendo as


curvas difíceis com perfeita precisão. Ficou ansiosa esperando o resultado da contagem
de tempo, mas, mesmo quando Christian foi proclamado vencedor, ele apenas tirou os
óculos e mal deu para identificá-lo.
No meio da semana ele telefonou. Foi Greta quem atendeu, pois o telefone ficava
no escritório dela, e gritou para Imogen.
— Ele quer falar com você!
Mas ela continuou no escritório, ao lado do telefone.
— Está com saudade de mim? — perguntou ele assim que ela atendeu.
— É claro que sim! — A presença de Greta a constrangia e ela não podia falar
livremente. — Como é que vai? Nós vimos você pela televisão. Meus parabéns.
— O mais importante vai ser a descida da montanha! — disse ele. — Tenho
treinado bastante e a neve está ótima. Consegui fazer a descida de Areskutan em cinco
minutos... se eu conseguir manter essa velocidade na competição, vou bater o recorde!
Sem querer ela suspirou. Havia tantas outras coisas que ela queria que ele
dissesse! E ele só pensava em bater recordes!
— Você está sozinha? — perguntou ele,
— Greta está aqui. Imediatamente Greta pegou o fone.
— O que é Christian? — disse a irmã.
Imogen se afastou. Greta pensara que ele queria falar com ela outra vez, e a
conversa deles ficou no ar.
A grande corrida era ainda mais difícil de televisionar. Só dava para se ver uns
pequenos pontos pretos deslizando velozmente no branco. Um por um iam cruzando o
arco de chegada e eram aclamados pela assistência quando anunciavam a contagem de
tempo. Ao final anunciaram, em quatro idiomas, o resultado de Christian: quatro minutos.
Ele vencera! E desta vez ela pôde vê-lo bem. A câmara focalizou de perto e, na euforia do
momento, ele arrancou o capacete e a máscara e foi carregado no ombro por animados
torcedores. Enternecida ela observava a figura daquele orgulhoso víking, seu amado,
carregado em triunfo, desfrutando de uma felicidade da qual não fazia parte.
Isso foi à tarde. Imogen passou o resto do dia em uma expectativa febril. Ele havia
prometido ir vê-las antes de partir para a Espanha, mas chegou a hora de deitar e ele não
apareceu.
— Deve estar comemorando — comentou Greta. — A equipe toda estava lá.
Devem ter viajado juntos... Agora só o veremos em Estocolmo.
Ela estava acostumada com o comportamento imprevisível do irmão, mas Imogen
ficou arrasada. Será que ele estava arrependido da proposta que fizera naquela noite de
luar à beira do lago?
Na segunda-feira chegou uma carta. Imogen abriu o envelope datilografado, sem
muita curiosidade, e deparou com uma letra desconhecida, mas seu coração bateu mais
rápido quando ela viu a assinatura. Ela não conhecia a caligrafia de Christian! Guardou
depressa a carta para ler quando estivesse sozinha. Felizmente Greta estava ocupada,
lendo, e não percebeu nada.
— Ótimo! — exclamou ela erguendo os olhos da carta que lia. — A decoração do
apartamento está pronta e já podemos mudar. Ah, não vejo a hora de sair daqui!
— Mas é tão gostoso aqui. . . — disse Imogen, olhando em redor.
— Isso porque você não estava aqui em novembro, quando começa a nevar e é
noite o tempo todo! Aposto como em Estocolmo já não há mais neve.
Havia muita coisa para fazer naquele momento e pareceu-lhe que passou uma
eternidade até que conseguisse um jeito de ir para o quarto ler a carta.
Não era muito longa. Christian se desculpava pelos garranchos e por não ter
podido vê-la antes de ir para a Espanha. Tinha havido uma súbita mudança nos planos e

Livros Florzinha 58
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

ele precisou partir imediatamente. Ele a veria em Estocolmo com mais calma e, como
estava terminando a temporada de esqui, poderiam planejar o futuro juntos.
"Há muito mais que gostaria de dizer, mas infelizmente não tenho tempo", terminou
assim e assinou "seu Christian".
As duas últimas palavras eram quase um rabisco, como se tivessem sido
acrescentadas às pressas. Era a primeira carta dele e afinal não podia dizer que era uma
carta de amor. Lembrou-se das frases apaixonadas que Ray costumava escrever para ela
e guardou a carta, sentindo-se frustrada. É verdade que ela e Ray eram adolescentes
românticos, na época, e Christian era um adulto e não era escritor... mas não conseguia
deixar de achar a carta fria e formal.
Lembrou-se repentinamente, com um calafrio, que Peter lhe dissera uma vez que
Christian se deixava levar pelo momento romântico... o luar, um rosto bonito e depois
ficava procurando um jeito para se livrar da garota.
E naquela noite havia luar, a Aurora Boreal... certamente ele se deixara levar!
Lentamente a dúvida se insinuou e tomou conta dela. Talvez Christian tivesse
mudado de idéia. E agora estivesse sem saber como agir para livrar-se de um
compromisso que ele assumira num momento de entusiasmo e agora não desejava mais.

CAPÍTULO VII

Agora que já estavam instaladas no apartamento de Estocolmo, tudo o que


acontecera antes, mais do que nunca, lhe parecia um sonho. Aquelas luzes coloridas que
Imogen vira piscando no céu, o lago congelado, a neve... estavam tão distantes que
pareciam irreais.
No apartamento a vida era mais parecida com a que levava antes. O espaço era
bem menor e as ruas e lojas, embora não fossem iguais às de Londres, eram um cenário
mais comum.
Imogen esperava ansiosamente uma carta de Christian que viesse desfazer suas
dúvidas e incertezas. Uma carta onde ele confirmasse tudo o que lhe dissera naquela
noite mágica. A dor de imaginar que ele estivesse arrependido de um gesto impulsivo era
quase insuportável. E ela não podia nem ter o consolo de se abrir com Greta... ou talvez
fosse melhor assim. Seria demais para seu orgulho suportar a piedade de Greta!
Para piorar seu desespero, a temporada na Espanha terminou e Christian não
voltava para Estocolmo. Talvez ele nem se lembrasse mais de sua existência, tão
preocupado estivera em contagem de tempo e em bater recordes, ou quem sabe, ao
contrário, lembrava-se dela e estava querendo evitá-la. Imogen andava desolada.
O apartamento fora decorado e a mobília era toda nova. Greta não trouxera nada
que a lembrasse da vida de antigamente. A principal ocupação de Imogen era cuidar das
crianças. Todas as tardes ela as levava passear e elas estranhavam bastante o
movimento nas ruas, pois estavam acostumadas ao sossego da fazenda.
Adoravam olhar vitrines e ver as grandes lojas.
— Tem tanta gente no mundo pra comprar tudo isso? — perguntava Kajsa.
— Não está vendo como aqui é cheio de gente? — dizia Sven, oihando as pessoas
que passavam.

As crianças falavam tanto o inglês quanto o sueco com perfeição,


— Aqui todo mundo é bilíngüe — explicava Greta. — Ninguém fala sueco fora da
Suécia, portanto todos falam ou inglês ou alemão como segunda língua.

Livros Florzinha 59
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

De vez em quando Imogen lhes comprava um presentinho ou levava os dois para


tomar um lanche numa confeitaria, coisa que eles adoravam.
Um dia, ao voltarem de um desses passeios, Greta veio lhe dizer que o irmão
telefonara. Imogen sentiu um aperto no coração. Será que ele iria voltar?
— Ele está metido numa complicação chata — disse Greta. — Estava viajando no
carro de uns amigos quando houve um acidente. O dono do carro, que é muito amigo
dele, está sendo processado e, como Christian é uma das testemunhas, está na Espanha,
ainda, esperando a solução do caso. Ele ficou louco da vida... está muito chateado. Deve
ser por estar perdendo a neve dos Pirineus!
— Ele não ficou ferido? — perguntou Imogen, aflita.
— Só uns arranhões. — Greta estava tirando o casaco de Kajsa — Ah... ele
mandou lembranças para você! Não sei não, mas isso está me parecendo que tem rabo
de saia! Tem mulheres participando das competições também e muitas são bonitas...
Nesse caso, ele só vai aparecer quando se cansar da garota e quiser dar o fora.
Imogen ficou deprimida com o comentário de Greta. Afinal, se era verdade a
história do acidente, por que ele ao menos não lhe escrevera? Só recebia cartões postais
com mensagens breves e impessoais e ele não ia falar de amor logo num cartão aberto
para todo mundo ler! O último que recebeu dizia que ela logo o veria e não veio com
endereço para resposta. Ela olhou desconsolada para a paisagem do cartão: montanhas
nevadas sob um céu azul, a barreira que existia entre eles.
Greta largou o cartão dela em cima da mesa, com um comentário.
— Puxa, que milagre receber este. Christian diz que prefere o telefone e detesta
ficar escrevendo muito.
Mas quando ele telefonou, Imogen, mais uma vez, não estava.
— Como é que você disse que ele escrevia sempre quando estava na casa do pai?
— lembrou Imogen.
— Porque precisávamos resolver várias coisas sobre a propriedade e além disso
ele estava querendo me animar porque sabia que eu estava sozinha — explicou Greta.
Imogen também eslava se sentindo só e precisando de consolo, mas ele parecia
não pensar nisso. Nem quando telefonava era para ela. Só falava com Greta. Era
evidente que se preocupava mais com a irmã do que com ela.

E a espera continuava, angustiante, para Imogen, desejando receber uma


confirmação, um sinal de afeto. Ele estava ocupado com seus negócios e talvez não
notasse o tempo passar. Sabia que ela estava bem com a irmã... mas para Imogen o
tempo se arrastava.
Aquela incerteza começou a afetá-la profundamente e ela se tornou pálida ~e com
olheiras. Greta ficou preocupada, achando que o clima da Suécia não estava lhe fazendo
bem. Imogen garantiu que melhoraria assim que esquentasse um pouco e a primavera
estava perto.
Era como se a cidade aos poucos acordasse de um longo sono. O porto estava
cheio de barcos que iam e vinham entre as ilhas. O verde brotava nas árvores e o sol
brilhava, apesar de ainda estar frio. Agora os dias eram longos.
Uma tarde Imogen ficou sozinha em casa. Greta saíra com as crianças para visitar
uns parentes e ela aproveitou para pôr em dia a correspondência. Resolveu afinal
escrever para Peter, conforme havia prometido, esperando que a essa altura ele já não
estivesse mais com ciúmes de Christian. Não contou nada sobre eles e disse que
Christian estava viajando. Colocou o endereço no envelope, com um suspiro, desejando
poder escrever a Christian.
Nesse momento soou a campainha da porta e ela sentiu um calafrio, como sempre
acontecia. Estava sempre esperando que fosse seu amado.

Livros Florzinha 60
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Olhou rapidamente no espelho do corredor e ajeitou o cabelo antes de ir abrir.


Estava bem mais magra, o que fazia seus olhos parecerem maiores. A campainha tocou
de novo e ela correu para abrir e quase caiu de susto quando se viu diante de Raymond.
Ficou boquiaberta, sem conseguir falar, pestanejando, enquanto ele sorria
triunfante.
— Está admirada? — disse ele. — Estive no velho apartamento e encontrei Louise
morando lá. Quem diria que ela seria a primeira a se casar, hein?! Ela me deu seu
endereço e disse que você estava trabalhando aqui. — Ela continuava muda e imóvel. —
Será que não posso entrar? Estou atrapalhando você?
Automaticamente ela o fez entrar, sentindo que agora ele não era mais do que um
estranho para ela. Antigamente o teria recebido com euforia, mas ele não lhe despertava
mais nenhuma emoção, nem ressentimento.
— A família não está. . . — disse ela, conduzindo-o até a sala — estou sozinha.
Nossa! Estou boba de ver você! Sente-se e me conte como é que veio parar aqui! Pensei
que estivesse do outro lado do mundo. O que houve?
— Pensei que você ia cair de costas quando me visse — disse ele com satisfação.
— Bonitinho isto aqui... tão arrumado! Puxa, será que posso fumar?
— Desde que não deixe cair a cinza no chão como costumava fazer... -disse ela,
estendendo um cinzeiro.
Raymond estava meio embaraçado. A recepção não fora tão calorosa quanto ele
imaginara. Sabia que a tratara mal, mas Imogen não era de guardar rancor. Pensou que
ela fosse chorar de alegria ao vê-lo... entretanto ela estava diferente. Parecia tão distante
e esquiva! E não havia mais brilho naqueles olhos verdes.
— Posso tirar o sobretudo? Aqui está quentinho.
— É claro. Dá aqui que eu penduro. Me conte logo o que houve, que depois vou
fazer um chá pra nós.
O cabelo preto e crespo de Raymond estava comprido quase até os ombros. Ele
também estava mais magro e com a pele bronzeada. Estava espetacularmente bonito e
parecia ciente disso.
— Estou participando de um show musical que está se apresentando aqui. Vamos
ficar uma semana, depois vamos para Berlim, É um espetáculo moderníssimo, Imogen, e
nós dançamos nus. Tem de ver que legal!
Imogen torceu o nariz para o que ele disse.
— Não gosto dessa mania de nudismo nos espetáculos modernos — falou ela. —
Tem gente que fica horrível nua!
— Ah, mas no nosso grupo só tem gente bacana. Todos escolhidos com cuidado. E
o pessoal daqui não tem essas frescuras — disse ele levianamente. — Na menor
oportunidade, tá todo mundo tirando a roupa... e vou te contar, cada corpo espetacular!
Mas, afinal, que idéia foi essa de você vir pra Suécia?
— É uma longa história — disse ela, em tom sombrio. — Vou fazer o chá primeiro,
depois eu conto.
Foi até a cozinha, contente de poder ficar só, para se refazer da surpresa. Que
ironia do destino! Ela esperando Christian, e quem surgia era o antigo namorado, a última
pessoa que pensaria encontrar. Incrível como não sentia mais nada por ele! E pensar que
ele já significara tanto em sua vida! Mas agora tudo o que sentira por ele estava
definitivamente morto. Até mesmo o ressentimento que ele causara ao abandoná-la.
Pensando bem, até se alegrava de ver aquele rosto tão familiar, ali entre tantos estranhos.
Não é que fosse volúvel, mas Ray pertencia a uma fase de sua vida que já passara.
Depois disso ela amadurecera bastante, adquirira experiência e descobrira o que era o
verdadeiro amor.
Voltou para a sala, levando uma bandeja com chá e bolo e já se sentia mais
natural.

Livros Florzinha 61
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— O que houve afinal com a viagem à Austrália?


— Nem aconteceu. Foi cancelada na última hora, mas eu tive sorte de conseguir
lugar nesse show logo em seguida.
— E Janice não o ajudou? — perguntou com malícia,
— Nem me fale naquela vagabunda — disse ele com calma. — Não quero mais
saber dela! A companhia dela faliu, por isso não houve a viagem.
Imogen sorriu com pesar. Tanto sofrimento e desespero por nada! Dois meses
atrás, morreria de alegria ao ouvi-lo xingar Janice, agora, não ligava a mínima para as
ligações dele com outras mulheres. E quando ele a fitou com olhar ardente, seu coração
não bateu mais rápido.
— Eu fui um idiota, Imogen — disse ele com falsa humildade -, fiz uma besteira
enorme, mas agora recuperei a razão. Nunca houve ninguém para mim a não ser você!
— Tenho a impressão de que recuperou a razão um pouco tarde. : — Você não
pode ter mudado em tão pouco tempo! — Raymond parecia perplexo.
— Por que não? Se você mudou em menos tempo!
— Mas eu estou lhe dizendo... eu não mudei! — queixou-se ele. — Sabe o que é,
Imogen, nós sempre estivemos juntos. Acho que eu queria... como posso dizer... adquirir
um pouco de experiência antes de firmar alguma coisa. Mas agora que a encontrei de
novo, estou certo de que você é a mulher que eu quero. A única para mim!
— Muito bonito! Mas o que esperava que eu ficasse fazendo enquanto você
adquiria experiência?
— Você sempre foi tão fiel... — murmurou ele.
-— Então pensou que eu ficaria esperando, à disposição, até que você resolvesse
me procurar, sabe Deus quando?
— Eu lhe disse que iria procurá-la assim que pudesse. Estava certo de encontrá-la
no apartamento... será que você esqueceu tudo de bom que vivemos juntos?
— Não esqueci, não. São recordações lindas... mas tudo acabou, Ray! É diferente.
Nós éramos duas crianças e agora me tornei adulta.
— Ela suspirou e desviou o rosto. Raymond perscrutou-a com um olhar e
enfureceu-se.
— Quer dizer que existe outro?! -— perguntou ele.
Ela balançou a cabeça, negando. Não podia falar de Christian, que a abandonara.
— Não quero mais nada com o amor, Ray. Será que não podemos ser bons
amigos?
Agora que ela se tornara inacessível ele a desejava mais.
— Eu esperava que pudéssemos ser muito mais do que isso.
— Mas é impossível — retrucou ela.
— Mas eu expliquei... — Raymond não conseguia entender.
— Muito mal, aliás — interrompeu ela. — Quer mais chá?
— Não, obrigado. — E continuou a falar, com infantilidade.
— Acho que você não pode me perdoar por ter aceitado um contrato sem você,
mas sabe como é na nossa profissão. . . a gente tem que aceitar o que aparece. Queria
que eu morresse de fome enquanto esperava você se curar daquela doença boba?
— Você nem procurou saber se eu me curei.
— Não dava tempo. . . e eu voltei assim que pude.
Ela não acreditava em Raymond. O fato é que ele pensava encontrá-la no
apartamento, chorando a ausência dele e esperando ansiosa sua volta. Quando
encontrou tudo diferente não se conformou. A indiferença dela feria seu orgulho
masculino.
Ele se ergueu, aproximou-se dela e abraçou-a.
— Imogen.. . — murmurou com voz queixosa.

Livros Florzinha 62
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Ela ficou imóvel nos braços dele. Esse era o teste final. Seu corpo também o
rejeitava. Não havia mais atração nem magia na proximidade dele. Estava totalmente
liberta da obsessão infantil que tivera por ele.
Ele a beijou mas ela não correspondeu.
— O que houve com você? — perguntou ele, bravo. — Virou uma estátua de gelo?
Delicadamente ela se desvencilhou dele.
— Não adianta, Ray — murmurou ela. — Está acabado.
Nenhum dos dois ouviu a porta se abrir. Mas ao ouvir a voz familiar, Imogen se
sobressaltou e virou-se, com o rosto em brasa, para encarar Christian, que a olhava com
frieza.
— Desculpe ter interrompido — disse ele.
E logo em seguida surgiram as crianças e Greta.
— Imagine! Encontrei Christian na porta. Chegamos juntos! — explicou Greta,
depois olhou para Ray e a bandeja de chá. — Não vai nos apresentar seu amigo?
Imogen fez as apresentações em voz quase inaudível, ciente do olhar
constrangedor de Christian.
— Essas são as crianças de quem tomo conta — disse ela, desejando que Ray
fosse logo embora.
— Puxa, que mudança, hein? É isso que faz agora? — disse Ray, erguendo as
sobrancelhas. — Imogen era minha parceira de dança — disse ele, olhando com
petulância para Christian. — Estou fazendo um show aqui em Estocolmo e aproveitei para
fazer uma visita.
— Ora, é claro! — disse Greta. — Fique à vontade. Imogen deve ter ficado
contente em reencontrar um velho amigo. Como é mesmo seu nome?
— Pode me chamar de Ray, todos me chamam assim. — No olhar dele havia um
brilho malicioso. — Na verdade Imogen e eu somos bem mais do que amigos. Tivemos
que nos separar porque viajei com uma companhia de teatro. Espero que ela tenha
conseguido se distrair durante minha ausência. Ela ficou tão chateada por termos nos
separado!
Ele havia feito de propósito, pois, pelo constrangimento de Imogen, percebeu que
havia algo entre ela e Christian e quis estragar. E bastou olhar para Christian para que
Imogen notasse que ele realmente estragara. O pior é que não sabia como se defender.
Tudo indicava que ela mentira.
Ray, sentindo-se dono da situação, sorria, cínico.
— Bem, preciso ir agora. Estão me esperando no teatro — disse ele, depois virou-
se para Greta. — Obrigado pelo chá. — Pegou o sobretudo e despediu-se de Imogen: —
Espero vê-la amanhã... você não vai me acompanhar até a porta?
Ela não saiu do lugar. Apenas balançou a cabeça negativamente, sentindo-se
atordoada, e foi Christian quem o acompanhou até a saída.
— Espero que você não tenha se importado — disse Imogen a Greta enquanto
recolhia as xícaras, como um autômato.
— Tudo bem — disse ela. — Você tem plena liberdade de receber seus amigos. Só
que eu não sabia que ele estava aqui.
— Nem eu. Essa visita foi uma surpresa incrível. .— É mesmo? Que bom, não é?
— Não, não foi nada bom! — exclamou Imogen com veemência. — Foi um
desastre total.
Levou a bandeja para a cozinha, remoendo seus pensamentos. Por que Christian
voltara justamente naquele dia? Como iria explicar a ele? Será que conseguiria convencê-
lo? Ainda mais depois do que Ray dissera! Todas aquelas insinuações maldosas!
Christian iria pensar que ela era mesmo a mulher vulgar que quisera uma vez parecer.
Um tanto relutante voltou para a sala e Greta lhe disse em tom despreocupado:

Livros Florzinha 63
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Não quer dar banho nas crianças, enquanto eu arrumo as coisas de Christian no
seu quarto? Você não se incomoda de dormir com elas enquanto meu irmão está aqui,
não é?
Não precisa ter trabalho — disse Christian. — Eu não vou ficar aqui.
— Não é trabalho nenhum. — Greta olhou-o sem entender. — Imogen não se
incomoda e já estava combinado que ficaria conosco. Por que mudou de idéia de
repente?
Ele olhou com frieza para Imogen e ela soube que era ela o motivo. Depois virou-
se para a irmã.
— Não quero desalojar ninguém — disse ele. — Posso muito bem ficar num hotel
aqui perto. Vou ficar pouco tempo mesmo... não vale a pena desorganizar vocês.
— Pouco tempo? — Greta entendia cada vez menos.
— É. Vou participar do Campeonato Internacional Britânico em Aviemore.
— Você vai?! Mas você não tinha dito isso!
— É... vou substituir alguém que desistiu na última hora — desculpou-se ele.
— Mas, então, não vai voltar para cá?
— Creio que não. Vou visitar papai e Lettice e depois vou ver se consigo ir para a
América do Sul.
Imogen ficou gelada, Christian não dera o menor indício que confirmasse os planos
que fizera com ela. Aquela noite mágica fora mesmo um sonho! Para Greta também
aquelas resoluções eram uma surpresa.
— Pois é... — continuou ele — quero experimentar essa novidade. Nunca esquiei
na Escócia e vai ser um desafio. As condições lá são bem diferentes.
— Mas... e essa história de América do Sul?! Pensei que você ia passar o verão
conosco! — reclamou Greta.
Evitando olhar para Imogen, ele respondeu com rispidez:
— Está fora de cogitação! Cheguei à conclusão de que é melhor eu continuar
treinando e ganhar outra medalha de ouro.
Greta estava decepcionada, mas Imogen estava arrasada. Era mais do que óbvio
que ele estava querendo fugir dela, arrependido da proposta que fizera impulsivamente.
— Bem... a vida é sua, mano! — resignou-se Greta.
— É. . . — Christian sorriu e abraçou a irmã. — Eu iria ficar fora de forma se
passasse o verão todo lá no seu chalé, no bosque.
A voz dele soou estranha e ele olhou furtivamente para Imogen de um jeito que a
fez murchar.
— Não é fácil resistir à tentação — continuou ele. — Agora vou indo, preciso
procurar um hotel. Amanhã eu volto pra levar você e as crianças passearem, assim
Imogen fica de folga para encontrar com o amigo dela.
Imogen estremeceu e Greta ergueu as sobrancelhas, mas as crianças fizeram uma
algazarra.
— Oba! Vamos passear de barco! — disse Sven.
— Não! Quero ir ao zoológico! ~— disse Kajsa. Christian riu com indulgência.
— Podemos ir ao zoológico de barco... — disse ele — assim os dois ficam
contentes.
Imogen foi completamente ignorada, enquanto a animação era geral. Não fora
sequer convidada para o passeio, não poderia desfrutar da companhia de Christian e não
teria oportunidade de esclarecer o mal-entendido. Será que essa atitude era só por ele
pensar que havia algo entre ela e Ray ou ele já havia mudado de idéia antes? Ele já tinha
outros planos traçados, não poderia tê-los inventado naquele momento!
Com medo de demonstrar sua mágoa, Imogen foi para o quarto. Encostou o rosto
na vidraça fria, com o olhar ausente. A presença de Christian a enlouquecia. Queria correr
para os braços dele, dizer que o amava e que Ray não significava mais nada para ela.

Livros Florzinha 64
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Mas não podia fazer isso diante de todos e ele parecia não estar disposto a ficar a sós
com ela.
Era preciso criar uma oportunidade! Ela estava disposta a tudo, não iria perdê-lo
assim tão fácil. Precisava ao menos saber se ele ainda a queria. Arranjaria um jeito de
ficar sozinha com Christian antes que ele fosse embora. Afinal, se ela lhe devia uma
explicação, ele também lhe devia uma. Não podia simplesmente mudar de idéia e ignorá-
la daquele modo!
Sem fazer barulho, saiu do quarto e esgueirou-se até a porta, saindo sem que
ninguém percebesse. Desceu os três andares, pela escada, correndo, pois Christian já
estava de saída e temia que Greta o acompanhasse até o elevador e pudesse encontrá-la
esperando por ele na entrada do edifício.
Quando o viu sair do elevador, com o rosto sério e sombrio, titubeou por instantes,
mas encheu-se de coragem e foi ao encontro dele, com o coração batendo
descompassado.
— Christian!
Ao ouvir a voz de Imogen ele parou imediatamente, imóvel como uma estátua,
enquanto ela o fitava com um apelo desesperado no olhar.
— O que deseja, moça? — disse com frieza, depois de algum tempo.
— Gostaria que ouvisse o que tenho a dizer — disse ela, esforçando-se para
manter a calma. — Eu já havia lhe contado sobre Ray, você sabe que ele não significa
mais nada para mim. Eu lhe disse!
— É mesmo? Você me surpreende! :— Ele continuava impassível. Meu Deus! Ele
estava se portando do mesmo jeito que se portara em relação a Peter. A situação era
parecida. Mas afinal ele acabara acreditando nela, era preciso fazê-lo acreditar agora
também! Ele continuou, no mesmo tom de frieza;
— Creio que era pedir demais querer que você se mantivesse fiel esse tempo todo,
não é? Será que consegui ser mesmo uma distração, como disse seu amiguinho?
— Como é que você pode dizer isso? Como pode pensar que eu tenha mentido pra
você? Eu nem sabia que ele estava aqui! Pensei que estivesse na Austrália! Ele apareceu
hoje...
— É mesmo?
Ela olhou para ele com ternura. Um raio de sol iluminava os cabelos dele, mas o
olhar continuava frio e distante.
— Christian, diga-me a verdade — disse ela, ansiosa. — Será que Ray não é
apenas uma desculpa? Acho que você está mais é arrependido do que me disse naquela
noite.
Ele se virou, impaciente, para que ela não visse seu rosto.
— E qual é o motivo para achar isso? — perguntou ele.
— Você nunca me escreveu. .. — disse ela com uma centelha de esperança.
— Estava ocupado com outras coisas.
Ela se esforçara para manter a calma, mas o sentimento de rejeição provocou nela
uma onda de ressentimento e amargura que a arrastou.
— Ê, eu sei! — exclamou ela, furiosa. — Como você mesmo disse, a única coisa
com que se importa são medalhas de ouro! Quando você se viu de novo nas pistas,
achou que não valia a pena desistir de um único verão por minha causa! Ou quem sabe
arranjou outra garota, alguma competidora bonita que também vai para os Andes e assim
você vai estar melhor lá do que comigo! Você está com medo de se sentir amarrado, não
é? Quer me dar o fora e me acusa de ser infiel, mas o que me diz de você?
Ele se virou para ela, os punhos cerrados e o músculo da face contraído, e falou
com ironia:
— O roto falando do esfarrapado?
— Isso é tudo o que tem pra dizer?

Livros Florzinha 65
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Não tenho nada a dizer, Imogen, portanto não vejo motivo para prolongarmos
essa conversa desagradável.
A raiva cedeu lugar à desolação. Então Christian não a amava mais, mesmo! Quem
sabe, ele nunca a amara... afinal, não falara em amor. Talvez ele apenas a tivesse
desejado e agora nem isso mais!
Arrasada e em silêncio, ela se dirigiu para a escada. Ele afinal confirmara suas
dúvidas e desconfianças. Christian deu um passo fazendo menção de segui-la e chamou-
a, mas quando Imogen parou e se virou, ele também parou. Ficaram se olhando em
silêncio por um longo instante, depois, com um resmungo abafado, ele lhe deu as costas
e saiu do prédio.
Imogen voltou para a escada devagar e foi subindo, como um autômato, sem
perceber as lágrimas que rolavam nas faces pelo sonho desfeito.
Entrou devagarinho, sem ninguém perceber, e se fechou no quarto, chorando com
desespero. Greta veio chamá-la. Estava na hora de dar banho nas crianças. Ela se
recompôs e foi para a sala, ainda pálida.
— Acho que ele achou isso aqui muito apertado para ele — disse Greta. — Num
hotel ele pode se espalhar melhor. Christian gosta de muito espaço!
— Ele prefere a fazenda? — perguntou Imogen, tentando parecer natural.
— Sem dúvida! Só que não é ele quem arruma a casa, não é? Greta continuou a
falar do irmão e contou que tudo acabara bem na Espanha. O amigo afinal só precisou
pagar uma multa.
— Assim que tudo terminou ele veio correndo, não quis nem telefonar pra nos fazer
uma surpresa — continuou Greta.
Imogen não disse nada. Quem teve a surpresa foi Christian, pensou ela. E se Ray
não estivesse lá? Que desculpa ele teria arranjado para lhe dar o fora? Agora estava certa
de que Christian mudara de idéia e queria se livrar dela! Ele apenas brincara com seus
sentimentos. A dor era tão terrível que ela mal podia disfarçar.
— O que houve? — perguntou Greta. — Não está se sentindo bem?
— Foi só uma tontura, mas já passou. . . — Ela sorriu, trêmula. Greta fez com que
ela.se sentasse e disse-lhe para ficar descansando,
que ela mesma cuidaria dos meninos.
— Acho que você não se deu bem com nosso clima — disse ela -, mas agora o
pior já passou. Vamos passar o verão no chalé do bosque e ainda vai demorar até esfriar
de novo.
— Ah, que maravilha!
Greta deu banho nas crianças e mandou-as para a cama, dizendo que aquela noite
não teriam histórias, pois Imogen estava muito cansada.
Imogen estava com remorso por não estar cumprindo seus deveres, mas realmente
estava muito mal, não tinha condições para contar histórias e se mostrar alegre.
Antes de ir para o quarto recolheu o bloco e as cartas que escrevera e que não
tivera tempo de pôr no correio. Haviam ficado em cima da mesa, com toda aquela
confusão. Daí viu o envelope com o nome de Peter e ficou imaginando se Christian tinha
visto aquilo. Mas também, agora, que importância tinha isso? Não adiantava mais. Como
pudera sonhar que Christian a amava de verdade? Ele só amava aquela porcaria de
esporte que praticava! E ela fora uma boba em se deixar iludir. Agora só lhe restava
esquecê-lo...
Greta chamou-a para tomar um chá com ela e Imogen foi, esperando que ela não
fosse mais falar do irmão.
Greta começou a combinar o programa do dia seguinte e, como se houvesse
lembrado algo, de repente perguntou:
— Você tem mesmo programa para amanhã?

Livros Florzinha 66
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Por um momento Imogen hesitou. Se admitisse que iria sozinha, Greta poderia
convidá-la para ir junto com eles, e isso seria embaraçoso para Christian. Ele até
combinara o encontro fora do apartamento que era para não ter de ir lá e vê-la! E além
disso, ela própria não suportaria passar o dia com ele, tratando-a com frieza.
— Tenho sim, obrigada — disse ela e Greta não insistiu. Christian não apareceu no
apartamento. No dia seguinte ao do passeio, ele convidou Greta para jantar no hotel dele,
Ela se vestiu com elegância, usando um vestido preto, longo.
— Que pena que você não pode ir também! — comentou ela. — Mas quem iria
ficar com as crianças, não é?
— Esse é meu trabalho — retrucou Imogen. — Aliás, eu faço tão pouco pelo salário
que recebo!
— Imagine só! Você trabalha bastante — protestou Greta -, mas eu considero você
como amiga, não como empregada. Você tem me ajudado tanto! — Ela lançou um olhar
penetrante. — Pensei que houvesse alguma coisa entre você e Christian. Ele estava tão
cheio de atenções, antes de viajar... mas agora não parece mais interessado. Você contou
a ele sobre o outro rapaz?
— Contei.
Greta continuou a olhá-la de modo tão semelhante ao irmão que Imogen ficou
desconcertada.
— É... é sempre difícil quando há um confronto entre o passado e o presente —
comentou ela, rindo. — — Você não sabia mesmo que esse rapaz ia aparecer por aqui?
— Não tinha a menor idéia!
— Deve ter sido uma grande emoção, então, não é? Afinal, Christian deve ter sido
apenas um passatempo, um flerte inconseqüente.
— É isso o que ele pensa?
— Sei lá o que pensa! — Bem feito para ele, saber que não é invencível. Em todo
caso acho que Christian também não levou a sério o flerte de vocês. Ele nunca leva!
Deve ter arranjado outra distração na Espanha... vai ver que o amigo tinha uma
irmã bonita. Ê claro que isso ele não ia contar pra gente. Por isso demorou tanto lá... essa
história de processo não me convenceu, não.
— Christian é leal com os amigos — disse Imogen, lembrando-se de Peter.
— É, isso ele é mesmo. Com os amigos, Christian é leal, mas com as mulheres é
um malandro. Tira sua casquinha e depois sempre escapa antes de ser amarrado. Vai
fazer muito sucesso com as alunas quando for instrutor de esqui!
— É bem possível — disse Imogen, secamente. — Quando ele vai embora?
— Depois de amanhã.
Imogen sentiu um aperto no coração. Talvez não o visse nunca mais.
— Ele vai aparecer pra se despedir — informou Greta e saiu para o jantar.
No dia seguinte, Imogen arrumou-se com especial cuidado, esperando a visita de
Christian, embora soubesse que não adiantaria nada. Colocou o vestido verde de lã que
usara na viagem para Londres. Maquilou-se cuidadosamente para disfarçar a palidez e
deixou o cabelo solto, brilhante e macio.
Ele chegou à tarde e as crianças o receberam ruidosamente, tomando conta dele.
Imogen percebera que Christian era muito mais paciente com elas do que a mãe.
— Ah, tio, não vai embora... — pediu Kajsa.
— Eu preciso — explicou ele, colocando-a sobre os joelhos. — Tenho que ir onde
está a neve.
— Quando eu crescer quero ser campeão de esqui! — disse Sven.
— Espero que sim.
— Eu não! — disse Greta com veemência. — Esquiar é bom como passatempo,
mas espero que Sven tenha uma profissão melhor e vença na vida!

Livros Florzinha 67
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Falou o protótipo da mãe sueca! — Christian riu. — Seu tio não é para servir de
exemplo, Sven.
— Por que você não tem um filho, tio? — perguntou o garoto ingenuamente.
— É uma boa pergunta! — Sem querer ele olhou para Imogen, que estava um
pouco afastada do grupo, e desviou o olhar depressa. — Só que primeiro preciso arranjar
uma esposa.
— Por que não casa com Imogen? — disse Kajsa com naturalidade. — Ela não
tem marido!
— Imogen não está interessada em casamento. Ela não gosta disso — disse ele
secamente e colocou a sobrinha no chão de novo. — E depois, quem vai tomar conta de
você se ela for embora?
— A gente não quer que ela vá embora! — exclamou Sven; depois virou-se para
Imogen. — Você não vai se casar nunca, não é? Você promete?
— Não posso prometer.. .
— Exatamente o que pensei — disse Christian, olhando para ela. Em seguida
ergueu-se e olhou para os sobrinhos. — Pode ser que eu traga uma tia pra vocês do
Chile... uma bem morena. Que tal, hein?
— Não diga besteiras, Christian — disse Greta com aspereza.
— Depois as crianças vão repetir isso para os outros. . .
— E daí? Bem, agora preciso ir... ainda tenho que fazer as malas. Até qualquer dia,
mana.
Ele a beijou, enquanto Imogen sufocava seu desespero. Ele ia partir sem lhe dirigir
uma única palavra! Ela queria se jogar nos braços de Christian, dizer que o amava, que
queria se casar com ele e ter um filho lindo como Sven! Mas não podia. Precisava aceitar
o fato de que não significava mais nada para ele.
Ele despediu-se dela com formalidade. Apenas tocou de leve a mão que Imogen
estendeu e evitou o olhar de desesperado apelo que ela lhe lançou.
Greta e as crianças desceram com ele e Imogen ficou sozinha com sua dor, que
desta vez era mil vezes pior, pois ela amava Christian como uma mulher madura, com
todas as forças de seu ser.
Depois de alguns minutos, Greta e as crianças voltaram e, quando Sven fechou a
porta, ela sentiu que era o fim... definitivamente.
— Bem, agora não vamos vê-lo por um bom tempo... — comentou Greta. — Que
tal tomarmos um chá?
Em silêncio, Imogen foi até a cozinha e preparou as xícaras.

CAPÍTULO VIII

Dia trinta e um de maio começaram as férias escolares e a maioria das pessoas se


preparava para passar os três meses de verão nos chalés que costumavam ter à beira de
lagos e florestas, em alguma das várias ilhas que formam a cidade.
Greta também se preparava.
— Quando morava na fazenda, não saía nunca, mas, agora que sou livre, vou ter
férias como todo mundo. Christian arranjou esse chalé quando tratou do apartamento —
disse Greta a Imogen.
Dia primeiro de maio elas haviam ido para o interior com as crianças para
assistirem às festas folclóricas celebrando a primavera, embora ainda estivesse frio. A
festa fora bonita, com danças ao redor de uma enorme fogueira e cantos alegres

Livros Florzinha 68
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

bendizendo o sol. Mas para Imogen não existia mais nada alegre. Desde que Christian
partira, não havia mais primavera em seu coração.
As notícias que chegavam dele eram raras e lacônicas. Ele vencera o campeonato
em Aviemore. E era verdade mesmo que estava substituindo um outro da equipe, que
desistira na última hora. Imogen tentava se consolar pensando que mesmo que ele não
houvesse dado o fora nela, teria ido fazer aquela viagem. Se tivessem ficado juntos, ela
estaria sempre em segundo plano.
Receberam uma carta de Lettice onde ela contava que Christian havia passado
para visitá-los e falava também que Érica, tendo perdido as esperanças de conquistá-lo,
arranjara um noivo. Lettice dava graças a Deus, pois não achava que aquela garota
servisse para seu amado enteado.
Peter estava namorando a enfermeira e mandara apenas um cartão postal a
Imogen como resposta à sua carta.
Os dias estavam mais quentes e as flores começaram a surgir e não houve mais
notícias de Christian. Ele havia partido para os Andes.
Num domingo, Greta resolveu ir até o chalé, prepará-lo para a temporada de verão
que estava próxima. Ele ficava à beira de um lago rodeado por um bosque. A sala de
estar era ampla e mobiliada com dois sofás-camas e, ao lado, uma pequena cozinha.
Uma escada rústica conduzia a um mezanino, que seria o quarto das crianças, de onde
se avistava a sala. A janela era enorme e dava para o terraço que ficava de frente para o
lago.
— Quando esquentar mais vai dar pra gente tomar banho no lago! — disse Greta.
— Logo, logo vai fazer calor, você vai ver.
Havia vários outros chalés ao redor do lago, portanto não iriam ficar isolados.
Alguns deles já estavam ocupados.
— Tem urso nesse bosque?! — perguntou Kajsa, em tom amedrontado.
— Não. Aqui não tem nenhum — garantiu Greta. — Tem só alguns veados.
Imogen não via a hora de se instalarem ali. O bosque e o lago a encantavam. E
aquele lugar não lhe trazia recordações de Christian; quem sabe ali teria um pouco de
paz.
Greta fez um chá e eles tomaram lanche na sala. As crianças não paravam de subir
e descer a escada, entusiasmadas com o quarto lá em cima. Imogen começou a ficar
aflita,
— Não tem perigo delas caírem? — perguntou.
— Não tem perigo. Você se preocupa demais, Imogen. Se caírem, paciência. Deixe
elas aprenderem a ser independentes, não se pode ficar mimando os filhos.
Afinal chegou o grande dia em que trancaram o apartamento e saíram rumo ao
lago. Imogen sentia-se mais animada. Parece que a vida se repetia, pensou ela. Saíra de
Londres para procurar paz em Derbyshire e conhecera Christian. Agora estava saindo de
Estocolmo para tentar um esquecimento na calma dos bosques. Só esperava que dessa
vez não encontrasse nenhum outro homem. Não queria nada com eles.
Mas o lugar era espaçoso e não era necessário estar em contato com os vizinhos.
Greta também queria se isolar.
Os dias transcorriam tranqüilos e agradáveis. Tomavam banho no lago, pescavam
e passeavam pelo bosque. Um dia, num desses passeios, encontraram um filhote de
corça, recém-nascido, deitado na relva.
— Não peguem nele — avisou Greta -, e fiquem quietinhos aí. Ficaram parados
observando o animalzinho se erguer, nas pernas ainda sem firmeza, depois olhar para
eles e correr para perto da mãe, que estava alerta, um pouco mais adiante.
— Eu queria levar um desses pra mim — disse Kajsa. — Podia dormir numa caixa
no meu quarto.
— Não é. possível, filhinha. Ele cresce e fica grande que nem a mãe.

Livros Florzinha 69
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Kajsa olhou para a corça e concluiu que realmente ela não caberia no apartamento.
Todos estavam se tornando bronzeados, mas Imogen era a que estava com a cor
mais bonita. Os reflexos escuros do cabelo haviam se acentuado e, em contraste com a
pele morena, os olhos pareciam mais verdes.
Um dia, em conversa, Greta perguntou:
— Que fim levou aquele seu amigo inglês? Ele devia ver você, agora que está tão
bonita!
— Acho que ele voltou para a Inglaterra.
— Ele não escreve pra você?
— Não. Era só um conhecido.. .
Greta estranhou. Ele lhe parecera muito íntimo de Imogen para ser um conhecido.
Adivinhando o pensamento dela, Imogen enrubesceu, mas não explicou nada. Raymond
aparecera apenas para fazer o estrago depois sumira de novo, possivelmente
decepcionado com a recepção fria que tivera.
Os Wainwright iriam chegar em agosto e Imogen não encarava com muita
animação a perspectiva. Não que ela não gostasse deles, mas temia que Lettice
começasse a falar de Christian, o que ameaçaria a paz que conseguira com tanta
dificuldade. Greta esperava ansiosa a chegada deles.
— Faz tempo que papai não vê os netos — comentou ela com Imogen. — Que
confusão de parentesco, não é? Veja só, os filhos de Lettice são tios dos meus filhos!
— Você se preocupa com isso? — perguntou Imogen.
— Nem um pouco. Gosto muito de Lettice. Bem diferente da imagem tradicional da
madrasta, não é? Ela não tem nada a ver com o fracasso do casamento de meus pais.
Foi mamãe quem quis a separação. É sempre difícil casar com alguém de outra
nacionalidade.
Diante de tanta animação, Imogen se envergonhou de ter desejado que eles não
viessem e se preparou para ouvir falar de Christian com indiferença.
Eles vieram por mar até Gothenburg e traziam o carro de Christian. Imogen
lembrou com um aperto no coração a noite em que ele dissera isso.
— Acho que eles vão querer passear na cidade. . . — disse Greta com um suspiro.
— Eu detesto isso, mas é preciso ser hospitaleira. Será que você não poderia levá-los?
— Mas eu não conheço a região como você! — protestou Imogen.
— Ah, é só comprar um livrinho guia, com as indicações dos lugares históricos e
essas coisas... Eu não tenho cabeça pra isso. Acho que você pode fazer melhor do que
eu,
Os Wainwright chegaram num belo dia de pleno verão. Pararam o carro ao lado do
chalé e quando Imogen os viu seu coração quase parou. Lá estavam Joseph, um pouco
abatido, Lettice, vivaz como de costume; as duas crianças, que já haviam descido e
olhavam desconfiadas para Kajsa e Sven e... lá estava Christian.
Greta não conteve um gritinho de alegria.
— Christian! Pensei que você estivesse nos Andes!
— De repente eu enjoei de ficar lá — disse ele, beijando a irmã. — Então voltei em
tempo pra me juntar a eles. Quis fazer outra surpresa.
Olhou para Imogen com curiosidade, com se quisesse descobrir o que se passara
com ela durante aquele tempo todo. Greta foi cumprimentar Joseph e Lettice e deixou
Imogen face a face com Chrístian. Automaticamente ela estendeu a mão.
— Realmente foi uma surpresa — conseguiu dizer, aparentando uma calma que
estava longe de sentir.
Ele apertou de leve a mão dela enquanto olhava-a de alto a baixo. Ela estava de
maiô.
— Você mudou. Está muito bonita, com esse bronzeado — disse ele em tom
brejeiro,

Livros Florzinha 70
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

No olhar dele ela viu indiferença, o que era bem pior. Ela murmurou qualquer coisa
e foi cumprimentar os outros.
— Puxa! Como lhe fez bem o ar daqui! — exclamou Lettice.
— Parece outra pessoa, nem aquela menininha pálida que esteve em casa, não é,
Joseph?
— Também, ela estava em convalescença! — Joseph sorriu e beijou-a
afetuosamente.
— A gente viu uma corça — disse Sven, sentindo-se negligenciado.
— Ele fala inglês! — exclamou Teddy, surpreso.
— E claro que fala — Greta riu -, mas duvido que você fale sueco!
— Eu sei falar "muito obrigada" — disse Pamela. — É tack. Todos riram e se
encaminharam para o chalé dos Wainwright,
No caminho, Christian tirou o pulôver e a camisa.
— Com licença, mas não resisto. Minha pele precisa tomar ar!
— Como é que você está bronzeado se estava na neve? — perguntou Sven,
interessado, olhando o tórax nu do tio.
— É que lá tem sol também no inverno e dá pra bronzear — explicou Christian. —
Estou contente por estarmos juntos de novo.
Imogen, subitamente, sentiu-se demais. Ela não fazia parte da família, estava
sobrando ali. Foi diminuindo os passos e ficando para trás. Parou para olhar uma
borboleta linda que pousara numas flores e de repente percebeu que Christian estava a
seu lado. Ergueu o olhar e encontrou o dele.
Havia um brilho estranho e cálido nos olhos dele, mas ele falou em tom de
zombaria:
— Que quadro lindo! A ninfa e a borboleta... mas pra que esse ar de abandono e
tristeza? Está aborrecida com a vida caseira?
— Nem um pouco — respondeu ela -, mas acontece que isso é uma reunião de
família à qual eu não pertenço!
— Poderia já estar fazendo parte dela.
— Será que podia mesmo? Não sei-... — Ela olhou para o lago. — Acho que me
enganei com você.
— Eu é que me enganei, mas sou apenas um homem, fácil de se deixar enganar
pela astúcia feminina.
— Não é verdade — disse ela, furiosa. — Você é o tipo de. homem que gosta de
fazer as mulheres sofrerem.
— Você não parece estar sofrendo — disse com voz macia. — Está com uma
aparência melhor do que nunca! Quem é dessa vez? Algum deles? — Apontou para um
grupo de jovens que nadava no lago.
— Não conheço nenhum deles — disse ela com indiferença.
— Puxa, estou admirado! Nenhum homem atrás de você? Logo agora que está tão
linda? Olhe aqui, Imogen, sei que você gosta de provocar os homens e não vai me
enganar que com todo esse material aí disponível — apontou os jovens — você se
dedique apenas às crianças.
Ela apertou as mãos e engoliu as palavras horríveis que queria dizer. Estava certa
de que ele queria provocá-la de propósito e ela não ia lhe dar o gosto de ver que
conseguira.
Mas, por que estaria querendo fazer aquilo? Será que ainda sentia algo por ela?
Uma centelha de esperança se acendia nela.
— Se você me tem em tal conceito — disse ela com a voz trêmula -, por que veio
para cá? Sabia que eu estaria aqui!
— E acha que eu vou me privar de ficar com minha família só por causa de você?
— Ele desviou o rosto e murmurou: — Não pude evitar.

Livros Florzinha 71
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Sentindo-se encorajada ela se aproximou dele.


— Será que não podemos ser amigos? — disse, colocando a mão no braço dele,
com um apelo no olhar.
Ele puxou o braço bruscamente, como se a mão dela o queimasse.
— Não, Imogen — disse ele com voz rouca, — E não toque em mim, ou sou capaz
de fazer algo que você não vai gostar.
— Tem certeza de que não vou gostar? — disse ela provocante, querendo que ele
a beijasse.
— Pare de me provocar — disse ele, ríspido. — Diga uma coisa: que fim levou
aquele seu dançarino? Ainda está com você ou já levou o fora que nem o Peter?
Ao ouvir o nome de Peter ela sentiu um calafrio. Será possível que ele ainda
pensava que Peter continuava apaixonado por ela e por isso mudara de_ idéia? Mas isso
era ridículo! Umedeceu os lábios antes de falar:
— Você nunca me perdoou por isso, não é?
— Não se trata disso — respondeu com frieza. — Peter já está bem curado do que
você causou a ele, já tem outra. É que aquilo deveria ter me servido de aviso. Mas eu,
feito um bobo, acreditei que você era muito boazinha, até que seu dançarino me abriu os
olhos! — Ele fez uma pausa e olhou-a com certa suavidade. — Você não pode evitar, não
é, Imogen? Eu não deveria culpá-la por ser volúvel e arrebatar corações... só que eu não
vou fazer parte da sua coleção.
— Mas eu quero só você! -— disse ela, desesperada. — Christian, por favor, me
escute... Eu quero lhe contar o que houve realmente entre Ray e eu.
Os músculos da face dele se contraíram e ela sentiu um aperto no coração.
— Não quero ouvir nada. O que vi foi bastante.
— Não é nada do que você pensa .— insistiu ela.
— Vai querer me dizer que estou vendo demais? Sinto muito, minha cara, mas não
dá...
— Mas lá em Jamtland... — começou ela, mas ele a fez calar com um gesto.
— Desculpe-me por aquilo. Foi um engano meu. Depois percebi que se casasse
com você não teria um momento de paz enquanto estivesse longe, imaginando o que
você estaria aprontando.
— Nem eu teria! — exclamou ela, ofendida com a insinuação dele. — Pelo que me
consta você estava com uma garota na Espanha e outra no Chile!
. Ele apenas riu.
— Não havia garota nenhuma, Imogen. Você está me julgando por você. Eu tenho
mais o que fazer.
— Esquiar, por exemplo?
— É claro. Você sabe que isso é a coisa mais importante da minha vida!
— É... — disse em tom de censura — eu sei. Pobre da mulher com quem você
casar!
— Pois é. Por isso mesmo resolvi ser um solteirão.
Depois disso houve um silêncio entre eles. De longe chegavam as vozes alegres
que vinham dos chalés e do lago. Eles estavam entre as árvores, fora do alcance dos
olhares, como se estivessem num mundo à parte, verde e florido, onde o único som era o
zumbido de abelhas à procura de mel.
Imogen encostou-se no tronco de uma árvore e fechou os olhos. Christian a
humilhara, mostrando-se indiferente. Ela deveria ter feito o mesmo, mostrar-se ainda mais
indiferente, mas mão conseguira porque ele ainda dominava seu coração. Teve vontade
de gritar a ele que se contentaria em vê-lo apenas um mês durante o ano todo, se
soubesse ele a amava. Mas agora não adiantava mais. Ele a julgava vulgar e volúvel e
não poderia fazer nada para mudar a opinião dele. Não havia mais o que dizer.

Livros Florzinha 72
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Christian ficou olhando aquela figura desolada por alguns instantes, depois
suspirou e se aproximou dela.
Imogen sentiu que ele se aproximava e seu coração começou a bater
descompassado. Ele chegou bem perto, segurou o rosto dela entre as mãos e fez com
que ela erguesse a cabeça, mas ela continuava com as pálpebras cerradas, temendo que
ele pudesse ler em seu olhar o amor e o desejo que a consumiam.
Delicadamente ele beijou seus lábios e depois retirou as mãos do rosto dela.
— Pensei que já estivesse tudo acabado, senão não teria vindo. Ela abriu os olhos
imediatamente.
— E não está?! — perguntou, ansiosa.
— Parece que não — disse, sem esclarecer se ele se referia a ela ou a ele próprio.
— Vamos ter que conviver diariamente por duas semanas... portanto acho melhor
declararmos trégua.
— Por mim, tudo bem — disse ela inexpressivamente.
— Ótimo. — Ele se afastou, depois virou-se para ela com um sorriso triste. —
Desculpe se lhe fiz promessas que não pude cumprir, mas pode acreditar que você teve
sorte de se livrar de mim. Devo ter perdido a cabeça naquela noite, sabe como é, o luar...
a Aurora Boreal.. .
— É, eu sei — disse ela secamente.
— Então estamos entendidos, não é? Agora vamos nos juntar aos outros.
— Não, obrigada. Vou para o chalé de Greta, tenho umas coisas para fazer.
Era mentira, mas queria ficar sozinha. Não poderia participar da alegria geral.
— Como quiser — disse ele com indiferença.
Ele se afastou, caminhando por entre as árvores, enquanto as sombras das folhas
formavam desenhos em seu dorso nu, e o sol fazia brilhar o cabelo escuro. Não olhou
para trás. Imogen observava-o sentindo o coração desfalecer. Ele não entendera nada!
Sentada no terraço do chalé, Imogen reconstruía na memória a conversa deles,
várias vezes em seguida, tentando descobrir um indício de esperança, mas era em vão.
Ele estava apenas preocupado em garantir a harmonia e sossego durante as férias.
Christian jamais a amara, era evidente!
Os dias que se seguiram foram para Imogen um misto de tristeza e alegria, pois
estava sempre com Christian e, depois da conversa no bosque, ele a tratava
amavelmente e com naturalidade. Não a evitava, mas também não procurava sua
companhia e nunca estavam sozinhos.

Os Wainwright alugaram um pequeno veleiro e todos passavam o dia inteiro no


lago. Christian, Joseph e Greta sabiam bem como manejar o barco e Imogen e Lettice
sempre tinham tarefas menos importantes a bordo. De vez em quando Imogen manejava
a barra do leme, sob a orientação de um deles.
E assim o tempo passava. Os dias agora eram longuíssimos, nunca chegava a
anoitecer completamente. Depois do jantar, costumavam sentar-se no terraço do chalé de
Greta, onde Joseph tocava bandolim e todos cantavam juntos. Ele tinha uma agradável
voz de barítono e também gostava de cantar, sozinho, canções românticas que sabia em
várias línguas.
Nessas ocasiões Christian sempre se sentava o mais longe possível de Imogen,
mas ela freqüentemente surpreendia seu olhar. Um estranho olhar que ela não conseguia
interpretar. Adorava essas noitadas, pois ao menos estava perto dele, podia olhá-lo e
sentir sua presença. Não queria nem pensar no vazio que ficaria depois que ele partisse!
Sven e Kajsa iam se deitar cedo, mas Teddy e Pamela ficavam até mais tarde no
terraço, ouvindo as canções. Invariavelmente adormeciam bem antes que a noitada
terminasse e era preciso carregá-los para a casa. Pamela sempre adormecia com a
cabeça no colo de Imogen.

Livros Florzinha 73
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

A temperatura era agradável e todos usavam pouca roupa. Christian estava sempre
de camisa e Imogen não cansava de admirar o corpo bem-feito, de musculatura perfeita.
Ele era seu herói, com os cabelos escuros, crescidos, tremulando à brisa da tarde.
Um dia Imogen passeava sozinha pelo bosque quando viu Christian e Lettice
caminhando e conversando. Eles não perceberam sua aproximação e ela se escondeu,
não querendo atrapalhar. Mas os dois pararam de andar e a voz de Lettice chegou até
ela:
— ...Pretende continuar assim? — dizia Lettice. — Não pode continuar nessa vida
para sempre.
Christian riu.
— Eu não vou continuar. Já decidi sossegar e me instalar. Vou investir meu
dinheiro numa fazenda que será também escola de esqui. Só que será aqui na Suécia,
mas vocês poderão vir me visitar sempre.
— Então precisa se casar. Não vai viver numa fazenda, sozinho.
— Já pensei nisso...
Eles continuaram a andar e Imogen não pode ouvir o resto. Ficou amargurada.
Então ele mentira! Dissera que ia ficar solteirão e já deveria estar arranjando alguma
moça sueca para se casar! Imaginou ele e a moça numa fazenda como a de Greta, na
intimidade das longas noites de inverno, e sentiu um aperto no coração.
Naquela noite Joseph cantou uma canção de amor que falava de juras ao luar que
depois se perdiam. O céu estava límpido, azul profundo, e a lua brilhava sobre a
paisagem.
Imogen sentiu seus olhos se inundarem de lágrimas e, para fugir dali, disse que ia
colocar Pamela na cama e afastou-se, com pressa de esconder sua emoção.
Ainda não estava muito longe quando Christian a alcançou.
— Ela é muito pesada pra você, deixa que eu a carrego — disse ele e pegou a
menina.
Imogen arrepiou-se quando o braço dele esbarrou no seu e, com um nó na
garganta, fez menção de ir embora.
— Você não vem me ajudar? — perguntou ele.
Ela não respondeu; não conseguia falar e sabia que ele podia muito bem se
arranjar sem ela. Saiu correndo e entrou no chalé murmurando um "boa-noite" para todos.
Não queria que ninguém visse a tristeza que sentia por nunca mais poder ouvir
juras de Christian ao luar.

CAPÍTULO IX

No dia seguinte, como estava um pouco frio, resolveram não velejar e optaram por
um piquenique no bosque, que era mais abrigado. Depois de caminhar por algum tempo,
chegaram a uma clareira onde resolveram se instalar.
Imogen brincou com as crianças de esconde-esconde e outros jogos, até que Greta
serviu a refeição que haviam trazido. Então, sentou-se ao fado de Lettice num tronco
caído, enquanto os outros se espalhavam pela relva. Uma grande paz envolvia a todos.
Christian, deitado de bruços, fazia cócegas no pescoço de Pamela com uma folhinha,
fingindo que era um inseto. Imogen observava furtivamente, sentindo-se no paraíso.
Ela não tinha intenção de voltar para a Inglaterra por enquanto. Pensava em voltar
com Greta para Estocolmo e enfrentar o inverno. Talvez no próximo ano, quem sabe.

Livros Florzinha 74
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Chegou a hora de voltarem para o chalé e começaram a reunir as coisas. Imogen


foi indo com Pamela, Kajsa e Sven, certa de que Teddy estava com o pai. As crianças
ainda brincaram um pouco e depois Imogen pôs Kajsa e Sven na cama. Só quando
Joseph apareceu, mais tarde, é que descobriram que estava faltando Teddy.
Teddy era uma criança curiosa, que gostava de se aventurar. Naturalmente tentara
explorar o bosque e se perdera.
Lettice ficou tomando conta das crianças, enquanto Joseph, Greta e Imogen
voltaram para o lugar do piquenique e Christian saiu com o barco, todos procurando o
menino.
Não havia o menor sinal de Teddy na clareira e eles decidiram se separar, cada um
procurando numa direção. O sol já não estava tão forte e, embora não estivesse escuro,
havia lugares onde o bosque era mais cerrado e ficava sombrio.
— Preste atenção no caminho, Imogen — avisou Joseph quando ela se separou.
— Não vá se perder também.
Imogen seguiu com passos firmes, chamando o menino de quando em quando.
Entretanto tudo o que se ouvia era o canto dos pássaros. Ela caminhou durante um bom
tempo e depois, achando que Teddy não deveria ter ido tão longe, resolveu voltar. Mas
quando se virou levou um susto com o enorme veado que barrava seu caminho.
Ela ouvira dizer que esses animais só eram bravos na época do cio das fêmeas.
Ficou apreensiva com aquele animal de enormes chifres, que a olhava desconfiado.
Ficou imóvel e então viu o animal abaixar a cabeça e bater a pata da frente no
chão. Aquilo foi demais. Assustada, saiu da trilha e correu por entre as árvores. Mais
adiante retomou a trilha para logo em seguida perceber que não era a mesma. Resolveu
voltar, então, e notou que nuvens espessas haviam encoberto o céu e que escurecera
mais no bosque. Começou a correr, chamando pelos outros. Estava completamente
perdida.
Na penumbra as árvores tomavam formas assustadoras e qualquer ruído a deixava
de cabelo arrepiado. Não sabia que tipos de animais habitavam o bosque. Será que não
havia ursos mesmo? Continuou a correr sem direção até que tropeçou numa raiz de
árvore e caiu, torcendo o tornozelo. Tentou se erguer mas, quando firmou o pé
machucado no chão, a dor foi tanta que caiu de novo. Aflita, olhou em redor e, aguçando
a vista, distinguiu subitamente por entre as árvores o brilho das águas. Suspirou com
alívio. Devia ser o lago! Precisava chegar até lá!
Amarrou com força o lenço em volta do tornozelo e dirigiu-se para lá, mancando,
apoiando-se nas árvores, e até engatinhando. Porém, quando chegou à beira da água,
descobriu que não era o lago. Ali não havia o menor sinal de habitação.
Desapontada, sentou-se na relva, à margem, e concluiu que a única coisa que
tinha a fazer era ficar ali esperando que alguém a encontrasse. Olhou ao redor,
apreensiva. Certamente notariam sua ausência, mas iria demorar muito, afinal estavam
procurando Teddy.
Estava preocupada e com raiva de si própria pela tolice que fizera. A dor do
tornozelo causava-lhe uma certa fraqueza e estava cansada. Estendeu-se de costas no
chão e fechou os olhos.
Um ruído fez com que ela se erguesse num sobressalto. Ficou sentada olhando,
nervosa, à sua volta. Então viu Teddy que vinha vindo, com uma panelinha na mão e um
olhar assustado.
— Puxa! Pensei que você estivesse morta de verdade! — disse ele com alívio.
— Eu estou bem. — Ela sorriu, fingindo segurança. — Mas o que está fazendo
aqui? Estávamos todos procurando você.
Ele sentou-se ao lado dela.
— Ah, eu cansei de brincar e resolvi ir para meu esconderijo — falou ele com
importância. — Sabe, desde outro dia que eu encontrei essa casa.

Livros Florzinha 75
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Uma casa? — perguntou ela, ansiosa. — E quem mora nela?


— Ninguém. Está vazia. Eu vim buscar água, depois vou acender um fogo e a
gente pode fazer chá.
— Ninguém sabe onde é seu esconderijo? — perguntou ela, esperando que ao
menos Pamela soubesse.
— Papai estava junto no dia em que descobrimos a casa, mas ele nem se lembra
mais... faz uns três dias. Ele não deixou que a gente entrasse nela, mas eu resolvi voltar
sozinho e entrar lá, Agora vai ser minha. Ela é linda, Imogen...
— Deve ser mesmo — interrompeu ela. — Mas, meu amor, você não devia ter
desaparecido sem avisar ninguém. Sua mãe e seu pai devem estar preocupados.
— Ah, não estão... e eu ia voltar amanhã.
— Que tal voltar agora? — sugeriu ela, pois ele parecia conhecer o caminho. — Eu
torci o tornozelo e estou precisando de ajuda.
— Ah... você estragou minha brincadeira! — Teddy suspirou.
— Sinto muito, Teddy. Não tinha intenção, mas foi justamente por sua causa que eu
me machuquei. Se você tivesse avisado, ninguém precisava sair pra procurá-lo.
— Não pensei que iam se preocupar... — disse ele, cabisbaixo.
— Puxa, todo mundo ficou com medo que tivesse acontecido alguma coisa com
você!
— As mulheres sempre se preocupam demais, bem que Christian fala! Elas
sempre atrapalham tudo — disse Teddy.
Imogen não pôde deixar de rir. Ele estava tão parecido com Christian falando
daquele jeito que parecia uma miniatura do meio-irmão. Quando crescesse, sem dúvida,
faria alguma mulher sofrer, tal como o outro. Uma repentina pontada no tornozelo fez com
que ela fizesse uma careta de dor.
— Por favor, Teddy, vá depressa... — suplicou ela.
Ele olhou, hesitante, para o sombrio aglomerado de árvores.
— Puxa, mas está escuro lá... e é longe. Deve estar cheio de lobos — disse ele.
— Como é que vou fazer, então? — perguntou ela, alarmada. — Não posso ficar
aqui a noite toda!
— Não dá pra você ir até meu esconderijo? É perto daqui. Eu vou arranjar uma
bengala pra você.
— Está bem, vamos tentar — disse ela, resignada. Pelo menos ficaria abrigada.
— Teddy procurou pelas redondezas e trouxe um galho resistente de bom
tamanho. Imogen apoiou-se nele, ajudada pelo garoto. Conseguiu ficar em pé, apesar da
dor, e cambaleando chegaram afinal ao chalé, que ficava escondido entre arbustos e
plantas altas que cresciam à sua volta. Era uma pequena cabana com uma janela
quebrada, a porta quase caindo e só tinha um aposento. Lá dentro cheirava a mofo e num
canto Teddy havia colocado um monte de feno em que Imogen se deixou cair com um
suspiro de alívio.
— Christian me ensinou a fazer essa cama — disse o menino.
— Ele esteve aqui? — perguntou ela pois, se assim fosse, ele saberia onde
procurá-lo.
— Claro que não — respondeu, desfazendo as esperanças dela. — É que ele
sempre me conta histórias de pioneiros e descobridores, e como eles fazem pra ficar no
mato.
Havia um rústico fogareiro de ferro, que Teddy já havia preparado com galhos e
nós de pinho secos, e então acendeu o fogo.
— Agora vou fazer chá pra você — disse ele, orgulhoso. — Eu achei essa
panelinha aqui e já lavei bem.
Imogen observou admirada enquanto o menino colocava a panelinha no fogo e
retirava o chá da mochila que ele fizera tanta questão de lavar no passeio e percebeu que

Livros Florzinha 76
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

ele havia planejado cuidadosamente aquela aventura. Ele não esquecera nada:
saquinhos de chá, um pacote com açúcar, uma lata de creme de leite, biscoitos e um
pedaço de queijo. Havia ainda achado, entre os objetos que os antigos moradores
abandonaram, um bule de chá trincado, uma xícara sem asa e uma caneca de lata, além
de uma cadeira com o encosto quebrado onde ele se sentou enquanto esperava a água
ferver,
— Igualzinho aos pioneiros! — disse ele, feliz. — E nós temos mais sorte do que
Robson Crusoé, porque eu encontrei uma casa já pronta com coisas dentro. O que você
prefere: a xícara ou a caneca? A caneca tá meio enferrujada, eu lavei mas não saiu.
— Olhe, eu tomo no bule você na xícara, está bem? Chá com ferrugem não é
bom...
Ele preparou tudo direitinho e ela aceitou contente o reconfortante chá que ele lhe
ofereceu; só não aceitou biscoitos nem queijo, pois percebeu que havia pouco.
O fogo começou a se extinguir e Teddy lançou um olhar suplicante a Imogen.
— Será que posso deitar aí com você? Estou morrendo de sono.
— É claro! A cama é sua, afinal.
Ele se aninhou ao lado dela e quase imediatamente pegou no sono.
Imogen ficou imóvel, olhando para a abertura da janela por onde se via a lua.
Teddy havia conseguido fechar a porta quebrada, portanto não haveria perigo de entrar
algum animal. E lá de dentro ela ficou ouvindo os ruídos do bosque: farfalhar de folhas
balançando com o vento, ruídos de galhos, talvez pisados por coelhos , raposas, quem
sabe? Só esperava que não fossem ratos. Uma coruja lançou no ar um pio melancólico,
O tornozelo dela latejava terrivelmente e ainda havia arranhões e outros pequenos
machucados. Era difícil se ajeitar naquela cama desconfortável com Teddy caindo por
cima dela. O tempo passava e logo estaria bem claro novamente. Precisava convencer
Teddy a ir buscar socorro.
Apesar de todo o desconforto, o cansaço acabou vencendo e ela adormeceu.
Acordou sobressaltada com um ruído estranho e ficou apavorada ao ver que a porta
estava se abrindo. Ficou em suspense por alguns instantes, quase sem respirar, e depois
um facho de luz de lanterna a iluminou e ela ouviu a voz de Christian:
— Graças a Deus encontrei vocês!
Com um suspiro de alívio ela ergueu, apoiando-se nos cotovelos.
— Graças a Deus, mesmo! — repetiu ela. — Teddy está dormindo.
— É melhor acordá-lo — disse ele rispidamente. — Os pais dele estão quase
loucos de preocupação. Ainda bem que Pamela falou alguma coisa sobre a casa
abandonada e eu me lembrei desse lugar, Mas por que você não o levou de volta quando
o encontrou? — A voz era ameaçadora.
— Por favor, Christian — ela estava prestes a chorar -, não fique bravo, deixe que
eu explique... não fui eu que o encontrei, foi ele que me encontrou. Eu torci o tornozelo.
— Não estou bravo, meu bem, estou mais é aliviado! — Ele iluminou os pés dela
com a lanterna. — Ei... isso está feio! Se não estivesse tão escuro...
— Quem sabe se acender o fogão dá pra iluminar um pouco.
— Fogão?!
— É. Teddy arrumou tudo. Tem fósforo ali em cima.. , — Imogen indicou.
Ele acendeu o fogo e num instante o aposento já estava mais iluminado. Ele se
ajoelhou perto da cama improvisada e tocou com delicadeza o tornozelo dela. Ela se
contraiu.
— Distensão — diagnosticou ele. — É preciso uma compressa de água fria. Eu
trouxe atadura para enfaixar. Imaginei que alguém poderia estar precisando. Ainda bem
que não é nada grave.
— Tem água naquela panelinha ali.

Livros Florzinha 77
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Mas o que é isso, afinal? — Ele estava atônito. — Parece que foi tudo preparado
para um esconderijo.
— Pois é isso mesmo para Teddy. Ele está brincando de pioneiro.
— É mesmo?! — Christian começou a enfaixar o pé e o tornozelo dela. —
Desculpe se dói, meu bem, mas não dá pra evitar. É necessário fazer isso.
Era a segunda vez que ele a chamava de "meu bem" e seu coração quase parou.
Era uma tortura ouvi-lo dizer isso, sem que realmente tivesse tal significado. Quando ele
estava acabando de fazer o curativo, Teddy começou a se mexer.
— Já é de manhã? — perguntou ele, esfregando os olhos.
— Quase — respondeu Christian. — Olhe aqui, mocinho, vai ter que explicar umas
coisinhas.
Teddy sentou-se e arregalou os olhos para Christian.
— Como chegou aqui? — perguntou de.
— Andando, é claro! Sua irmã me deu uma dica e eu achei o lugar. Você merecia
uma boa surra, rapazinho!
— Papai e mamãe nunca batem na gente!
— É, mas eu bateria.
Teddy se encolheu encostando-se em Imogen, intimidado com o tom severo.
— Você vai deixar ele me bater? — disse para Imogen.
— Só os covardes se escondem atrás de uma mulher! Teddy deu um sorriso
amarelo e ficou sem jeito.
Christian ficou agachado, contemplando os dois que estavam à sua frente: uma
garota pálida e uma criança levada.

Lá fora já estava claro novamente e os pássaros começavam a cantar. Imogen


abraçou Teddy.
— Não seja severo com ele, Christían — defendeu ela. — Está certo que ele fez
mal em sair sem avisar ninguém, mas ele cuidou de mim tão bem! É um menino
extremamente engenhoso e corajoso!
— Eu queria fazer como os pioneiros das histórias que você conta — explicou
Teddy -, mas sabia que mamãe não ia deixar. As mulheres se preocupam demais com
tudo!
— Isso é verdade — concordou Christian, rindo. Teddy reanimou-se,
— Eu fiz chá — disse ele, orgulhoso -, e Imogen bebeu.
— Que coragem a dela! Mas onde arranjou chá?
— Eu trouxe — dísse Teddy, mostrando a mochila.
— Ah, é! Então essa expedição foi mesmo planejada?!
— É claro! Os pioneiros sempre planejam tudo. A única coisa que esqueci foi
abridor de latas. Tive que usar um prego pra abrir a lata de creme de leite.
— É, como disse Imogen, você é bastante engenhoso! — comentou Christian. —
Bem, mas agora é melhor voltarmos.
— Ah.. . pra quê?! — lamentou-se o garoto.
— Imogen precisa ser tratada.
— Bem... só tem mesmo um biscoito e um pedacinho de queijo pró café da manhã
— consolou-se Teddy. — Você já tomou café, Christían?
— Ainda não é hora de tomar café. Já está claro, mas é madrugada. Vamos indo!
— Mas Imogen não pode andar! — lembrou o garoto.
— Eu vou carregá-la.
— Mas ela é muito pesada! -: Não acho que seja. . .
— Você não pode me carregar até em casa! — protestou ela. — É muito longe.
Não é melhor chamar alguém para ajudá-lo?
— E deixar você aqui sozinha?

Livros Florzinha 78
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

— Teddy pode ficar comigo.. .


— Você está me subestimando — disse ele delicadamente. — Se você for mesmo
muito pesada, podemos descansar no meio do caminho. — Ele a ergueu nos braços. —
Leve como uma pluma!
Ela ainda tentou sugerir outro modo de transportá-la, mas ele a fez calar-se.
— Fique quietinha aí e passe o braço por trás do meu pescoço pra ficar mais fácil.
Ela obedeceu, timidamente, e seu rosto ficou tão perto do dele que podia notar os
pelinhos da barba que começava a crescer.

O chão estava úmido de orvalho, sobre o lago havia uma leve névoa, e a brisa era
suave e fresca.
— Devo estar horrível... — suspirou Imogen.
Christian abaixou o rosto para olhá-la. O cabelo estava desmanchado e, aqui e ali,
havia um fiapo de feno; a blusa estava rasgada e havia pequenos arranhões na face.
— Já vi você com melhor aparência — admitiu ele -, mas nunca tão atraente como
agora.
Teddy ia saltitando na frente, um pouco afastado deles, e Christian beijou-a de leve
nos lábios.
— Ah, Christian... — murmurou ela, trêmula, e escondeu o rosto no pescoço dele.
— Ah, Imogen... — ele a imitou. — Você ainda me ama?
— Que importância tem isso? — perguntou ela, triste. — Você não quer o meu
amor...
— Mas é claro que quero! Mais do que qualquer coisa. Ontem à noite é que admiti
a verdade. Quando voltei com o barco e me disseram que você havia sumido, eu quase
enlouqueci pensando que pudesse estar machucada ou em perigo... — Naquele momento
percebi que se algo acontecesse a você o mundo não teria mais sentido para mim.
Uma alegria imensa a invadiu.
— Você fala sério? — perguntou' ela, ansiosa. Teddy veio até eles, correndo.
— Puxa, gente, andem logo! Estou morrendo de fome!
— Vá indo na frente — disse Christian. — Você conhece o caminho, não é? Avise
que nós estamos indo, mas que vamos demorar um pouco, precisamos parar pra
descansar.
— Eu sabia que você ia achar Imogen pesada, eu achei quando ela se apoiou em
mim!
— É o peso mais agradável que já carreguei... — disse ele, mas o menino não
entendeu a sutileza. — Mas, agora, vá indo e avise sua mãe.
Teddy saiu correndo e, quando os dois chegaram à clareira onde na véspera
haviam feito o piquenique, o menino já havia sumido de vista. Christian sentou-se no
tronco caído, com Imogen no colo. O céu estava dourado e vermelho e o sol brilhava.
Christian abaixou a cabeça.
— Você está toda arranhada, meu bem! — disse com ternura. — Aquele garoto
merecia mesmo uma surra!
-— Ora, ele não fez por mal. Ê um moleque genial.
— Isso é mesmo! Tomara que tenhamos um como ele.
— Você está se aproveitando por eu estar impossibilitada de me defender... calma
aí! Acho que era melhor me pôr no chão pra você descansar.
Ele riu de mansinho e encostou o rosto no dela.
— Sabe o que vai acontecer com você? Vai ficar isolada comigo numa fazenda
como aquela de Greta... vou abandonar as competições ... e sua única distração vai ser
aprender a esquiar. Acha que pode agüentar isso?
— Eu agüentaria até viver no Pólo Norte, tendo você comigo, mas saiba que gostei
muito de fazenda de Greta! A única coisa que não posso suportar é sua falta de confiança.

Livros Florzinha 79
Juras ao Luar (Sigh no more) — Elizabeth Asthon — Sabrina no 89

Você não me deixou explicar a história de Ray... Não me deixou contar que ele chegou de
repente, esperando que eu fosse me atirar nos braços dele, toda derretida, e em vez
disso descobrir que eu não sentia mais nada por ele. Parece que você sempre chega na
hora errada e tira conclusões apressadas!
Christian abraçou-a com mais força.
— É, eu fui precipitado, mesmo — admitiu ele -, mas estava cego de ciúmes. Eu
volto pra me casar com você e a encontro nos braços de outro! O que esperava que
fizesse? Até que tive muito controle de não quebrar a cara dele! Fui embora pensando
que iria esquecê-la, mas não consegui. Então resolvi voltar para esclarecer o que
acontecera. Daí, quando vi você de novo, senti que estava fria e distante e pensei que
estava me odiando por ter vindo. Fiquei arrasado. Você podia ter peio menos me dado
uma dica do que sentia por mim, não é? .
— Não podia, não. Eu estava certa de que você se arrependera de ter-me pedido
em casamento e estava usando Ray apenas como desculpa para me dar o fora.
— Mas, meu amor, como pôde pensar isso?
— Alguém me disse um dia que você se entusiasmava com as garotas, num
ambiente romântico, com luar... fazia mil promessas e depois no dia seguinte ficava sem
saber o que fazer para se livrar delas.
— É.., não é mentira! — Christian sorriu, encabulado. — Só que com você foi
diferente. Você roubou meu coração e eu não fiz promessas vazias. Pedi que se casasse
comigo. — Ele ficou em silêncio por instantes. — Imogen, será que pode me perdoar?
Ela riu e, erguendo o rosto para ele, respondeu sem palavras. O sol iluminou o
bosque e os dois, com sua luz dourada e a promessa de um lindo dia.

FIM

Livros Florzinha 80

Você também pode gostar