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Juliet tinha idade suficiente para saber que com fogo não se
brinca. Mesmo assim, acabou se metendo na maior encrenca de sua
vida. Bem feito! Quem mandou ir até a Italia socorrer Jan, sua
irmã mais nova? Quem mandou ter a ousadia de mentir a Santino
Vallone, fazendo-se passar pela irmã, só para dar tempo a Jan de
se casar com Mario, o irmão de Santino? Agora tinha de aguentar
os maus-tratos daquele siciliano feroz, que se achava no direito
de mantê-la prisioneira em sua casa e de de compartilhar sua
cama. Aquilo era um perigo! E o pior é que Juliet estava cada
vez mais desejosa dos beijos acalorados de Santino...
Palavras ao Vento
Sara Craven
Sabrina nº 106
Copyright: SARA CRAVEN
Título original: "MOTH TO THE FLAME"
Publicado originalmente em 1979 pela
Mills & Boon Ltd.Londres,Inglaterra.
Tradução: LUZIA ROXO PIMENTEL.
Copyright para a língua portuguesa: 1980
EDITORA EDIBOLSO LTDA. — São Paulo
Uma empresa do GRUPO ABRIL
Composto e impresso nas oficinas da
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAI.
Foto da capa: ERIC BACH
Digitalização e revisão: Zaira
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2008
CAPÍTULO I
— Bem, eu não a entendo — disse a sra. Laurence, triste.
— A maioria das garotas daria tudo para passar uma semana
em Roma, com todas as despesas pagas.
Juliet Laurence olhou a mãe, com afeição, e disse:
— Você faz com que tudo pareça tão simples!
— Mas é simples! — protestou a mãe.
— E, naturalmente, Jan me receberá de braços abertos, sem
a menor ideia de que eu fui enviada para espioná-la.
— Que jeito mais desagradável de se expressar! — exclamou,
olhando com reprovação para a filha mais velha, — Esta não
é, de forma alguma, minha intenção. Admito que estou
preocupada, mas. . .
— Mas quer saber o que ela está fazendo e por que não
escreve há mais de um mês. E não quer perguntar
diretamente... — completou Juliet.
— Ela nunca me deixou tanto tempo esperando uma carta —
respondeu a mãe, na defensiva. — Alguma coisa está errada.
Sei disso. Tenho um pressentimento...
— Oh, mamãe! — Juliet sorriu. — Você e seus
pressentimentos. . . Se está tão preocupada, por que não
telefona a Jan? É mais barato do que eu ir para Roma atrás
de informações para você.
— Não posso telefonar para ela. Ia parecer uma daquelas
mães detestáveis que vivem tentando arrastar os filhos de
volta para casa. Jan iria odiar isto. E eu nunca interferi
na vida dela, não é?
Juliet fez-lhe um carinho nos ombros.
— Não, mamãe, claro que não.
Ocorreu-lhe que, se fosse ela quem estivesse em Roma, em
vez de sua irmã mais nova, sua mãe não estaria assim tão
preocupada. Mas de pronto afastou essa ideia. Afinal, Jan
era a caçula e a favorita. Juliet sabia disso e não se
sentia magoada, já que a atitude da mãe era totalmente
inconsciente.
Todo mundo gostava de Jan. Era muito bonita. Mesmo os
estranhos simpatizavam com ela imediatamente. Assim, não
foi surpresa para ninguém quando ela escolheu a carreira de
modelo, aos dezessete anos. Agora estava em Roma, há quase
um ano, contratada por uma importante loja de modas.
Juliet não invejava o sucesso da irmã e sua carreira
rápida. Já tinha compreendido isso há muito tempo. Ninguém
iria lhe oferecer um emprego de manequim, mesmo que ela o
desejasse. A não ser que fosse para anunciar meias ou
esmalte de unhas. Suas pernas eram longas e bem torneadas,
e suas mãos, pequenas, muito bem cuidadas. Seu corpo,
porém, apesar de magro e bem-feito, não era, a seu ver, o
ideal. Embora tivesse o mesmo tom de pele de Jan, seu
cabelo tendia para o cobre brilhante, enquanto o da irmã
era vermelho dourado. Juliet tinha os olhos azuis
acinzentados e os de Jan eram verdes. Seu rosto era mais
magro, ao passo que Jan tinha as maçãs do rosto
proeminentes e a boca mais carnuda.
Não era fácil admitir a possibilidade de ser mais
vulnerável do que a irmã, pois era mais velha dezoito
meses. Quando eram pequenas, ela sempre tomara uma atitude
protetora, advertindo Jan sobre os problemas que poderiam
levá-la a dificuldades. Jan parecia aceitar isso da mesma
forma com que aceitava a admiração de todos. Por outro
lado, parecia ter nascido sabendo para onde ir e o que
queria da vida, enquanto Juliet não tinha a menor ideia
sobre seu futuro. Obtivera seu diploma de professora e
terminava agora seu primeiro ano de estágio. Sentia-se
feliz, mas um tanto quanto acomodada para seus vinte e dois
anos. Tinha consciência disso. Mesmo assim, não ficava
chateada quando Jan a criticava por isso. Só que
recentemente, começara a se questionar sobre as críticas de
Jan e sobre o risco de estar vivendo sem emoções.
Havia Barry Tennent. Ele ensinava na mesma escola e
passavam muitas horas juntos. Juliet admitia que gostava da
companhia dele, mas sabia que Barry era ambicioso, pois
pretendia disputar uma vaga de deputado, quando chegasse
aos trinta anos. Não que ele não fosse atraente. Mas será
que era o homem certo para ela? Não pensava em se casar com
ele apenas para garantir o futuro? Sua mãe também aprovava
Barry. Achava-o um rapaz de confiança, como se essa fosse
a maior qualidade de um homem. Juliet porém não estava
assim tão segura. No fundo se sentia entediada.
Surpreendera-se ultimamente com certo sentimento de culpa
por querer estar na pele de Jan, apenas por algum tempo,
para conhecer um outro estilo de vida. Mas não ia ganhar
nada sonhando acordada. Talvez um outro emprego pudesse
proporcionar a mudança de que tanto precisava. Podia até
mesmo trabalhar no exterior. Uma colega sua de escola
estava agora vivendo com uma família no leste da Europa,
ensinando inglês para os filhos do casal. Talvez ela também
pudesse arranjar um emprego semelhante.
Mesmo se sentindo assim, tinha concordado em ir a Roma sem
pensar duas vezes, conforme sua mãe pedira, mas depois
começaram as dúvidas. Se o convite tivesse vindo da própria
irmã, não teria hesitado um só momento. Mas Jan nunca
fizera isso. Costumava vir vê-las de vez em quando,
trazendo lindos presentes e contando mil histórias sobre as
festas a que tinha ido e sobre as pessoas importantes que
tinha conhecido.
Suas visitas entretanto nunca eram demoradas, pois ela logo
se aborrecia. Sempre tinha sido assim, desde criança. Podia
lembrar-se de uma porção de incidentes nas brincadeiras e
até mesmo do rompimento de amizades com relativa facilidade
por causa dessa ânsia de Jan na busca de novidades. Era
surpreendente que seu interesse pelo trabalho ainda não
tivesse terminado. Juliet esperava que mesmo a carreira de
manequim, com todo seu fascínio, fosse aborrecê-la depois
de um certo tempo.
Raramente tinha notícias de Jan, a não ser quando ela
escrevia para a mãe, e não se preocupava muito com isso.
Mas há mais de três semanas não chegava nenhuma carta e sua
mãe estava realmente aflita.
Juliet olhou para ela com pena, Tinha tentado tanto parecer
imparcial que ficaria magoada se alguém lhe dissesse que
favorecia Jan de alguma forma.
— Mamãe — disse ela gentilmente —, nós precisamos deixar
Jan viver a vida dela, você sabe disso. Deve haver algum
motivo para ela não ter escrito ultimamente. Talvez esteja
trabalhando demais, ou tenha viajado. . .
— Ou esteja doente! — Seus olhos procuraram os de Juliet.
— Oh, querida, alguma coisa está errada. Eu sinto aqui
dentro.
— Bobagem — disse Juliet com firmeza. — Se ela estivesse
doente, a companhia Di Lorenzo nos teria avisado. Teriam
pelo menos telefonado para você.
A mãe tomou-lhe a mão.
— Por favor, Juliet, vá vê-la. Só assim ficarei sossegada.
Se houver algum problema ela confiará muito mais em você do
que em mim.
— Eu não contaria com isso — disse Juliet secamente. — Ela
nunca foi de fazer confidências, você sabe.
— Mas é sua irmã. Em quem mais confiaria? — A sra.
Laurence parecia um pouco magoada. — Juliet, por um momento
me pareceu que você. . . não ama Jan.
— Mas claro que amo. Jan me encanta como a qualquer outra
pessoa que dela se aproxima. Mas, para ser honesta, há
momentos em que. . . deixo de amá-la, principalmente quando
ela deixa você triste desse jeito. Entretanto, se lhe
agrada e lhe dá alguma paz de espírito, eu irei a Roma logo
que as aulas terminarem. Você deve escrever a Jan,
avisando. Não posso chegar lá inesperadamente. E, se ela
responder que não é conveniente, ninguém vai me arrastar
para a Itália e você terá de aceitar minha decisão.
— Concordo — respondeu a mãe alegremente. — É claro que
ela quer vê-la, querida. E será ótimo para você, também.
Tem estado cansada ultimamente e um pouco de sol lhe fará
muito bem. Jan pode até lhe pedir que fique por mais tempo.
— Pode — admitiu Juliet, desanimada. Começou então a fazer
um balanço de suas roupas, imaginando o que poderia usar no
verão de Roma. Provavelmente ia estar muito quente. Só
serviriam as roupas de algodão, sem fibras sintéticas. Uma
saia longa, talvez, e algumas blusas para usar caso saísse
da cidade com Jan. Apesar do desânimo com que havia
encarado a ideia, uma excitação ligeira começava a se
manifestar. . . Pelo menos alguma coisa ia tirá-la daquele
marasmo em que estava se afogando.
Sua animação aumentou à medida que o fim do período escolar
foi se aproximando. A sra. Laurence havia escrito a Jan,
como tinha prometido, explicando que Juliet precisava de
férias e dando os detalhes do vôo em que ela chegaria.
Se Jan respondesse no último momento, cancelando a viagem,
seria terrível, pensou Juliet enquanto fazia a mala, na
véspera de partir. Tinha comprado coisas novas: jeans de
algodão, duas blusas bonitas, de mangas compridas, para uma
eventual visita às igrejas, e um vestido longo ao qual não
tinha conseguido resistir. Não ia levar casacos. Apesar da
perspectiva otimista da mãe sobre uma visita demorada,
Juliete duvidava que fosse permanecer em Roma mais de uma
semana.
O fato de Jan não ter respondido a nenhuma das cartas da
mãe parecia estranho. Podia pelo menos ter mandado um
bilhete, dizendo que estava esperando Juliet.
A mãe estava cada vez mais nervosa com a falta de notícias
e Juliet prometeu que telefonaria assim que chegasse para
lhe contar o que estava acontecendo.
Desistira de participar de uma excursão com outros
professores da escola, que lhe parecera mais interessante
do que ir a Roma, no auge do verão, visitar uma irmã.
Não havia nada de estranho no fato de ela não escrever para
casa, além de mera falta de atenção, pensou Juliet enquanto
trancava a mala. Mas nunca iria conseguir convencer a mãe
daquilo.
Sua má vontade aumentou ao constatar que ninguém a esperava
no aeroporto. Ela tinha o endereço e seria capaz de tomar
um ônibus ou um táxi que a levasse até lá, mas Jan não fora
gentil. Juliet não conseguiu evitar seu desapontamento no
percurso até a cidade.
Em outras circunstâncias, estaria admirando as ruínas
antigas que apareciam com frequência pelo caminho. Mas não
conseguia ver nada. Estava simplesmente tensa, sentada num
canto do banco do táxi. Pela primeira vez lhe ocorreu que
podia haver uma razão mais forte para que Jan não
respondesse às cartas. E se ela estivesse viajando e nem
mesmo tivesse recebido as cartas da mãe? Se fosse esse o
caso, Juliet estaria na pior. Tanto ela quanto a mãe tinham
quase certeza de que Jan estaria em Roma e não haviam
previsto a diária de um hotel, no orçamento de viagem. Além
disso, dificilmente acharia uma vaga, naquela época do ano.
Juliet não tinha permitido que a mãe pagasse toda a
passagem. Aceitou apenas uma pequena ajuda. Mas se Jan
estivesse viajando, não saberia realmente o que fazer.
— Chegamos, signorina — anunciou o chofer do táxi, pondo
fim à suas divagações.
Juliet inclinou-se para a frente, olhando sem acreditar o
edifício em frente ao qual o táxi tinha parado. Não era
nada do que esperava. Em algumas cartas Jan tinha descrito
o pequeno apartamento que ela dividia com outra moça.
Quando avisou, mais tarde, que tinha mudado, Juliet
calculou que fosse para um apartamento semelhante, mas se
enganara totalmente.
Arriscando o pouco italiano que sabia, perguntou ao chofer
se não havia algum engano. Ela não compreendeu sua
resposta, mas o ar ofendido do italiano deixou bem claro
que cometera uma gafe. Quando lhe estendeu o papel com o
endereço por escrito, ele quase o arrancou das mãos,
apontando com o indicador para uma placa com o nome
da rua. Parecia não haver nenhum engano. Ele a trouxera ao
endereço pedido. Ela pagou e deu-lhe o que lhe pareceu ser
uma boa gorjeta, capaz de compensá-lo pela ofensa. Depois
subiu as escadas de mármore, passou pelas portas de vidro e
entrou no bloco de apartamentos.
A entrada não era muito grande e estava gelada com o ar
condicionado ligado. Um porteiro uniformizado de vermelho
escuro, sentado em um cubículo de vidro, veio ajudar Juliet
a carregar a mala, levando-a até o elevador. Depois lhe
acenou com a mão, indicando obviamente que ia comunicar sua
chegada pelo interfone.
Em seguida, mediu-a da cabeça aos pés e perguntou:
— Sim, signorína. Em que posso servi-la? — Havia uma certa
insolência em seu tom de voz, que incomodou Juliet.
Ela respondeu baixinho:
— Desculpe-me, senhor, mas não falo italiano.
— Não se preocupe, falo bem o inglês, senhorita. Em que
posso ajudá-la?
— Estou procurando minha irmã. Este é o endereço que ela
me deu, mas não tenho certeza...
— Qual o nome da sua irmã e qual o apartamento?
Silenciosamente, ela lhe estendeu o pedaço de papel. Ele
estudou-o
por alguns minutos e, franzindo as sobrancelhas, disse:
— Ê aqui mesmo, senhorita. É a moça inglesa do quarto
andar. Ela não me disse que a senhorita ia chegar, mas
posso chamá-la imediatamente. Um momento, por favor.
Ele voltou para o interfone e Juliet deduziu que aquela era
uma medida de segurança. Jan, pensou, era uma felizarda em
morar num lugar onde essas precauções eram obrigatórias.
— Pode subir agora — avisou o porteiro, num gesto largo. —
O elevador é à sua direita.
O elevador parecia antigo com sua porta de ferro
trabalhada, mas o desenho era ultramoderno e chegaram ao
quarto andar rapidamente. Juliet saiu num corredor
ladrilhado e começou a andar, os saltos de suas sandálias
fazendo um ruído seco, enquanto procurava o número correto,
em cada porta.
Era a última e Juliet deduziu que se tratava de um dos
apartamentos com a sacada que tinha notado logo ao chegar.
Tocou a campainha com um pequeno microfone logo acima.
Ficou surpresa quando o microfone estalou e a voz familiar
de Jan perguntou com impaciência:
— Quem é?
— É Juliet. — Estava surpresa. O porteiro tinha avisado
que estava subindo. Quem mais podia ser?
— Oh, Juliet! — A voz da irmã parecia aliviada. Ouviu o
ruído de uma tranca e a porta se abriu. Jan estava ali,
sorrindo para ela. — Querida, que surpresa agradável!
— Você não estava me esperando? — Juliet entrou no
apartamento o colocou a mala no chão.
— Mamãe mencionou algo em uma das suas cartas, mas,
francamente, não imaginava que fosse verdade. É maravilhoso
tê-la aqui. Quanto tempo vai ficar?
— Uma semana. Está bem?
Juliet percorreu com os olhos a sala em que estavam. Era
uma sala grande, construída em três níveis, e um tipo de
galeria com corrimão de ferro que provavelmente conduzia ao
quarto. Dois degraus desciam para a sala de estar que, a
julgar pelo tamanho, tomava quase todo o apartamento. De um
lado, uma porta de vidro conduzia à sacada. O carpete
grosso, de cor creme, era da melhor qualidade. Um grande
sofá marrom de couro e duas poltronas combinando estavam
colocadas de costas para a janela e de frente para uma
parede onde se viam um elegante e complicado aparelho de
som e uma televisão. Do outro lado da sala havia um piano
branco e sobre ele um vaso de alabastro cheio de rosas
amarelas.
— Claro que sim. — Jan parecia divertida. — Outra coisa:
você tem muito tempo para fazer seu relatório a mamãe. Já
sei por que está aqui.
Juliet sentiu-se desapontada e a irmã sorriu.
— Não fique aborrecida. Mamãe deixa transparecer tudo,
você sabe. E você não é muito diferente dela. Eu não me
importo.. . mesmo. Acho que deveria ter sugerido que você
viesse antes, mas estive tão ocupada. — Fez um gesto amplo.
—- Bem, vou colocar sua mala no quarto e depois fazer um
café. Vamos tomá-lo na sacada.
O quarto era bem grande, com duas camas de solteiro
cobertas com colchas douradas. Havia cortinas de seda nas
janelas e uma parede inteira ocupada por armários brancos e
dourados. O banheiro conjugado ao quarto era excepcional:
tinha uma banheira tipo piscina e torneiras douradas em
forma de delfins.
Juliet balançou a cabeça ao olhar à sua volta. Na verdade,
tudo aquilo era muito diferente da casa em que tinham
nascido e crescido. Jan parecia completamente à vontade no
novo cenário. Havia uma grande diferença entre ela e a
irmã, não havia a menor dúvida. Sentiu-se uma estranha no
meio de todo aquele luxo.
— Gosta do apartamento? — perguntou Jan no banquinho da
penteadeira.
— É incrível! — Juliet escolheu com cuidado as palavras. —
Mas onde está Maria? Pensei que morasse com ela,
— Oh, aquilo não funcionou — explicou Jan. — Mas este
lugar é apenas temporário. Ainda não sou milionária. Alguém
cancelou a locação e eu pude tê-lo com um contrato a curto
prazo e aluguel baixo, mas tenho de desocupá-lo no outono.
Vai ser ocupado por um inquilino permanente. Mas até lá vai
ser muito agradável viver neste luxo! — Ela sorria enquanto
falava, os olhos valorizados por cílios postiços.
Juliet de repente teve certeza de que ela estava mentindo.
Não sabia por quê. Desde criança ela tinha o dom de
descobrir quando Jan não estava falando a verdade. Juliet
se sentiu meio sem jeito, mas logo reagiu, pois afinal de
contas já não eram mais crianças. Jan tinha sua própria
vida e o direito de manter quantos segredos quisesse. O
mais importante de tudo era tranquilizar a mãe. Juliet
tinha que lhe telefonar e dizer que Jan estava feliz.
Suspeitava que havia alguma coisa estranha, mas não podia
antecipar à mãe, pois não tinha certeza de nada.
— Qual é o problema? — perguntou Jan, jogando a cabeça
para trás. — Você parece tão solene, querida. Será que o
vôo lhe fez mal? Está cansada?
— Um pouco, talvez. — Juliet tirou algumas roupas da mala
e as pendurou no armário. — Acho que um banho vai me fazer
bem.
— Sinta-se à vontade. — Jan levantou-se, impaciente. — Vou
cuidar do café. Venha para a sala quando estiver pronta.
Juliet pensava enquanto a água escorria fazendo cócegas
sobre o seu corpo. Sua irmã a recebera melhor do que
esperava, mas havia alguma coisa falsa na atitude de Jan.
Ela deve estar com medo que eu comece a espioná-ía, pensou,
resignada, enquanto se enxugava em uma toalha enorme e
macia. Decidiu-se então a não se mostrar interessada na
vida particular da irmã..
Escolheu um vestido simples em tons de verde, com sandálias
combinando. Escovou os cabelos e amarrou-os com uma
echarpe, na altura da nuca. Ào terminar de se arrumar,
achou que estava suficientemente apresentável, apesar de
não conseguir competir com o nível de sofisticação de Jan.
Pensou de repente na possibilidade de usar as calças de
seda creme e a frente-única atrevida para se aproximar mais
do estilo da irmã, mas logo desistiu da ideia.
Deixou então o quarto e dirigiu-se para a sala. Ouviu Jan
conversando em algum lugar, em voz baixa, e parou para
escutar, calculando que outras visitas pudessem ter chegado
enquanto estava no banho. Mas logo se sentiu ridícula.
Afinal também era uma visita e como tal resolveu agir com
mais determinação. Mas Jan estava sozinha na sala, lalando
ao telefone. Fumava um cigarro, soltando nervosamente a
fumaça, e Juliet a viu, de repente, se inclinar para a
frente e amassar o cigarro no cinzeiro, ao lado do
telefone. Ao fazer isso, ela viu Juliet na galeria. Sorriu
e acenou. Sua voz tornou-se mais clara. Finalmente se
despediu sorrindo e colocou o fone no gancho.
— Desculpe — disse Juliet meio sem jeito, descendo a
escadinha. Interrompi alguma coisa?
— Apenas um telefonema — respondeu alegremente. — Não era
importante. Agora venha tomar um pouco de sol e conte-me
tudo que está acontecendo em casa.
Durante todo o tempo Jan tentou ser simpática e Juliet
sentiu que começava a relaxar. Perdera aquela sensação de
intromissão que a incomodava desde sua chegada.
Para o jantar Jan preparou melão com presunto cru e uma
massa típica.
— Está cozinhando muito bem — disse Juliet, servindo-se de
mais vinho.
— Sempre adorei a comida italiana. Felizmente, parece que
ela também gosta de mim. - Jan olhou então para seu corpo
esbelto, com satisfação. — Se eu perceber que estou me
transformando em uma matrona italiana, faço dieta
permanente.
— Não precisa se preocupar com isso — observou Juliet aíe-
tuosamente. — Acho que engordou um pouquinho, mas está
muito bem.
Seu comentário tinha sido casual e ela hão estava preparada
para a resposta agressiva-da irmã.
— Que bobagem! Estou com o mesmo peso que sempre tive.
Você acha que com esse meu trabalho eu não estaria sempre
atenta.
— Desculpe. — Juliet sentiu-se desastrada e sem tato.
Depois de uma pausa, Jan sorriu com esforço.
— Desculpe-me também, Juliet. Não costumo explodir assim,
mas algumas das garotas com quem trabalho costumam ser
terríveis. — Deu uma risada forçada. — Acho que estou
reagindo agressivamente mesmo aos comentários mais
inocentes. Graças a Deus eu. . . — ela se interrompeu de
repente.
— Sim? — Juliet perguntou gentilmente.
— Graças a Deus eu sempre tenho a possibilidade de voltar
para a Inglaterra, se as coisas piorarem — disse ela, mas
novamente Juliet
sentiu que aquela não era exatamente a frase que a irmã
pretendia dizer.
Em seguida, Jan passou a conversar normalmente, contando
anedotas sobre as pessoas famosas que iam comprar roupas na
Di Lorenzo. Com isso o desconforto de Juliet passou.
Naquela noite, quando se deitaram, Juliet ficou ouvindo a
respiração da irmã, na cama ao lado. Estava excitada demais
para dormir. Admitiu que poderia ter dias muito divertidos
em Roma. Jan estaria trabalhando a maior parte do tempo,
mas tinha prometido sair com ela algumas vezes para
passeios e compras. À noite, dissera Jan, tudo era
diferente.
Depois de lavarem a louça do jantar, Juliet telefonou
rapidamente para a mãe, dizendo que tudo estava bem e que
escreveria dando mais detalhes nos próximos dias.
Tinha tentado convencer Jan de que a mãe precisava se
sentir tranquila e receber cartas com mais frequência, mas
Jan tinha respondido de modo petulante e Juliet preferiu
mudar de assunto.
Quando se está longe de casa, com um trabalho agitado
demais e uma vida social intensa, a obrigação de escrever
cartas é sempre adiada, pensou Juliet. E Jan devia ser
muito ocupada. O telefone tocou duas vezes durante a noite
e, apesar da irmã não lhe dizer nada, Juliet não tinha
dúvida de que os chamados eram de homens. Havia algo de
íntimo e acariciante na voz de Jan quando ela respondeu.
Juliet não conseguiu entender nada da conversa, pois a irmã
sempre falava em italiano.
Mas, quando se é jovem e amada como Jan, não é de se
admirar que todos a procurem, concluiu Juliet. Pensando
nisso, acabou dormindo.
Quando acordou na manhã seguinte, a cama de Jan estava
vazia, apesar de ser bem cedo. Levantou-se, pegou o robe de
bordado inglês que combinava com sua camisola e foi até a
galeria. Mas, ao passar pela porta do banheiro, deu-se
conta de que Jan não passava bem. Imediatamente bateu à
porta.
— Jan, querida, o que há de errado? Você está doente?
Posso entrar?
Houve uma pausa e Jan abriu a porta.
— Oi — disse ela, sem graça. — Não precisa se preocupar.
Estou bem. Devo ter comido alguma coisa que não me fez bem.
Talvez o melão. . . Fiquei enjoada, mas já passou.
Vou fazer um café. — Juliet olhou, ansiosa, a irmã. — Quer
voltar para a cama? Está tão pálida!
Claro que estou pálida. Estive vomitando. Pelo amor de
Deus, não crie confusão. Você é pior do que a mamãe — disse
Jan, impaciente.
Depois de pronto o café, sentaram-se na sacada, cóm uma
bandeja de pãezinhos quentes e manteiga. Jan havia
recuperado a cor e o bom-humor.
— Maravilhoso! — exclamou, ao pegar o copo de suco de
laranja que Juliet lhe estendia. — Você é um anjo. Devia
tê-la convidado há mais tempo.
Seus olhos eram desafiadores diante da expressão de Juliet.
— Bem, vamos, querida. Pergunte-me se é verdade.
— E eu preciso? — retrucou Juliet, sem disfarçar uma certa
mágoa na voz.
- Acho que não — disse Jan, terminando o suco de laranja e
colocando o copo na mesa. — Como professora, imagino que
você saiba somar dois mais dois, e chegar a um resultado
correto. Devo tê-la convencido a respeito do meu peso, mas
sabia que não poderia esconder mais nada de você depois do
enjoo desta manhã.
Juliet encarou-a.
— Mamãe e eu nunca deveríamos saber?
— Vamos dizer que a sua visita, precisamente nesta
época... foi inoportuna.
— Então, por que não me impediu de vir? — perguntou
Juliet, tentando não demonstrar como estava magoada.
— Porque achei que, se a mantivesse afastada com desculpas
bobas, mamãe poderia vir pessoalmente. E enquanto eu puder
esconder, dela, vou fazê-lo. Ela é a última pessoa que eu
quero que saiba disso, até que tudo tenha sido resolvido.
— O que vai fazer? Está pensando em. . . se livrar do
bebé? Os olhos de Jan se arregalaram.
— Um aborto, na Itália? Você está brincando! Nada é mais
condenável do que isto por aqui. Eu vou casar. Na verdade,
se você atrasasse sua viagem mais uma semana ou duas, eu já
estaria casada, com todos os problemas resolvidos, e as
mais românticas esperanças de mamãe gloriosamente
realizadas. Depois de um intervalo discreto, eu diria a ela
que ia ter um neto. Tudo perfeito.
— Compreendo — disse Juliet secamente. — Para começar, por
que você não casou antes? Teria evitado todas estas
correrias de última hora.
Jan serviu-se de mais café.
— Há motivos. Mamãe não é a única parente que não sabe dos
nossos planos. Mário tem um irmão que está causando sérios
problemas, só com o nosso namoro.
— De que modo? — perguntou Juliet, passando manteiga no pão
e dando uma mordida, apesar de não sentir nenhum apetite.
Às novidades sobre Jan a haviam perturbado. Sentia-se
enjoada e com uma leve dor de estômago.
— O irmão mais velho acha que tem o direito de opinar
sobre nosso casamento. Nem preciso dizer que ele não me
aprova. Aliás, a gente nunca se viu.
— Mas Mário pode ser influenciado por suas opiniões? —
perguntou Juliet, sem conseguir disfarçar a ansiedade. — Os
italianos parecem ter um forte vínculo familiar e. . .
— Bem, o irmão controla o dinheiro, para começar —
explicou Jan, fazendo um gesto expressivo com as mãos. —
Você está certa sobre esse vínculo. O pessoal de Mário é do
sul da Itália, da Calábria, onde a família vem em primeiro
lugar. Más atualmente não vivem mais lá. Sàntino, o irmão
mais velho, é industrial no norte. Tem vários negócios,
inclusive uma agência de turismo. Eu sei que ele espera que
Mário faça um casamento conveniente. Em outras palavras,
que case com a filha de algum industria! e traga para a
família um bom dote. Eu não me enquadro bem nesse esquema,
como você pode deduzir.
— Mas é terrível! — exclamou Juliet, consternada. —
Casamento de conveniência é coisa do passado.
Jan ergueu as sobrancelhas.
— As famílias do sul são muito tradicionais, e as ideias
de Santino, muito antigas.
— Mas ele sabe sobre o bebé?
— Claro que não! — Jan arregalou os olhos. — Na verdade,
em vista de sua hostilidade aberta, não dissemos nada a
ele. Mário acha melhor não contarmos e enfrentá-lo com o
fato consumado, isto é, após o casamento. — Jan parecia
chateada. — Uma vez casados, nada pode ser feito e duvido
que ele ponha em prática suas ameaças.
— Ameaças? — Juliet olhou a irmã, espantada. Jan riu.
— Não me amedrontaram, são bobas, parecem frases do
passado. O que ele fez de pior foi cortar a mesada de Mário
e ameaçar deserdá-lo. Mário é seu herdeiro, pois Santino
não é casado e nem pretende se casar. Está muito ocupado
ganhando dinheiro e se divertindo.
Não passa de um moralista hipócrita, cujos princípios não
se aplicam a ele mesmo.
— Pensei que não o conhecesse.
— Apenas sua reputação — esclareceu Jan. — Já o vi uma
vez. de longe, em uma boate. Quem o vê, nunca o esquece.
— Como ele é? — Juliet estava curiosa.
— Muito alto, com ombros bem mais largos do que a maioria
dos homens e bem bronzeado. Foi tudo o que percebi, porque
Mário me arrastou rapidamente para fora da vista dele. —
Jan riu. — Acho que sente um pouco de ciúmes de mim. Eu
disse, casualmente, que achava Santino muito bonito e ele
quase explodiu de raiva. Nunca me leva com ele, quando me
proponho a enfrentar pessoalmente o leão e a convencê-lo de
que serei uma dádiva para a família Vallone.
Jan parecia calma, sem se importar com a atitude do futuro
cunhado. O que no fundo a impressionava era o fato dele ser
um homem bonito.
— Por quê? — perguntou Juliet, pensativa. Jan sorriu
novamente.
— Como eu disse, acho que o pobre Mário sempre viveu à
sombra do irmão. Talvez esteja com medo de que Santino o
passe para trás.
Juliet apertou os lábios,
— Oh, compreendo — disse ela com sarcasmo. — O
relacionamento com seu futuro marido vai se basear na
confiança mútua.
— Oh, pelo amor de Deus, não seja tão provinciana — disse
Jan. meio irritada. — Nós não temos as mesmas ilusões
românticas que você. Não existe perfeição no casamento.
Mário é conveniente para mim sob vários aspectos e eu
estava mesmo pensando em me casar. Desfilar é muito bom
enquanto se é jovem, mas não depois dos vinte anos. Há
dúzias de garotinhas esperando que você deixe as passarelas
para ocuparem seu lugar. O pior de tudo é a perspectiva de
ficar gorda e feia durante os meses de gravidez. Acho que
depois vou dar adeus à carreira de modelo.
— Pensei que você amasse sua profissão — considerou Julie.
— Mamãe e eu sempre achamos que este era seu mundo, sua
vida. De qualquer modo, você sabe que pode voltar para casa
à hora que quiser.
— Para quê? — perguntou Jan. — Não sei fazer outra coisa,
e além do mais não acho que Londres possa ser diferente
daqui. Ou você pensa que vou aceitar algum emprego de
segunda categoria, desfilando em lojas do interior? Não,
muito obrigada. Prefiro Mário, apesar de ter que aguentar a
família dele. — Ela olhou para seu relógio de pulso e
acrescentou: — Tenho que sair voando ou então aguentar um
sermão na Di Lorenzo. — Deu uma risada, enquanto se
levantava. — Posso desfilar vestidos para futuras mamães,
que acha? Até logo, querida. A gente se vê à noite.
Gs pensamentos de Juliet eram sombrios, enquanto lavava a
louça do café. Todo o prazer que sentira em seu primeiro
dia em Roma desaparecera com as novidades que Jan lhe
contara.
Devia no fundo sentir-se aliviada com a disposição do rapaz
de querer ficar ao lado de Jan, casar-se e dar um nome à
criança. Sua mãe não precisaria saber da verdade, que
certamente iria magoá-la. Não seria muito fácil convencê-
los de que a sociedade moderna estava ficando cada vez mais
permissiva e que mães solteiras já hão eram tão
discriminadas. . . O mundo não havia mudado para sua mãe.
Se Jan tivesse confessado que estava grávida, ela não lhe
teria poupado conforto e carinho, mas Juliet sabia a que
preço. Sua mãe era a pessoa mais gentil e mais antiquada
que conhecia. Além disso, o fato de Jan, a filha querida,
ter rompido com a moral tradicional da família seria um
desgosto tão grande que talvez ela nunca mais se
recuperasse dele.
A vida não fora fácil para ela desde que ficara viúva, com
quase quarenta anos. Tinham tudo o que necessitavam
materialmente, mas sua mãe nunca conseguiu esconder o fato
de que necessitava do apoio de um homem a seu lado. Tudo
seria diferente se ela tivesse se casado outra vez.
Quando crianças, tanto Juliet quanto Jan.tinham tomado
cuidado para poupá-la de aborrecimentos. Não lhe contavam
certas coisas para não vê-la sofrer. Agora Jan parecia não
pensar mais assim e o que perturbava Juliet não era a
confusão em que a irmã estava metida, mas sua atitude na
busca de uma solução.
Jan não tinha dado a entender que estava apaixonada por
Mário. Juliet tinha uma ideia clara sobre o hostil e
perturbador Santino, mas nenhuma sobre o futuro cunhado.
Tudo que sabia sobre Mário é que vivia à sombra do irmão e
aparentemente dependia dele para sobreviver. Estava claro
também que, apesar de tudo, ele seria capaz de dar a Jan
uma vida no nível que ela desejava. Examinando o
apartamento luxuoso, Juliet concluiu porém que não havia
provas nesse sentido. Na verdade, não tinha nenhuma ideia
de como um se sentia em relação ao outro.
Sem dúvida, havia uma atração recíproca e provavelmente ele
ia se casar com Jan apesar da oposição de Santino. Mário
devia estar apaixonado por ela e isso talvez fosse
suficiente, pensou. Já não ouvira falar que em um
relacionamento sempre há um que ama e outro que se deixa
amar? Essa ideia porém não a satisfazia. Juliet não sabia
claramente como era o homem de seus sonhos, mas de uma
coisa tinha certeza: o sentimento devia ser mútuo. Em
matéria de amor não podia haver, segundo ela, meias
medidas.
Por outro lado, talvez ela estivesse se preocupando sem
razão. A irmã sempre a havia condenado por ser muito
sentimental. Talvez agora Jan estivesse apaixonada e com
vergonha de revelar seus sen-limentos mais profundos a ela.
Afinal, Juliet era forçada a admitir, elas nunca tinham
trocado confidências. Jan sempre teve suas amigas e
provavelmente confiava muito mais nelas do que na própria
irmã.
Talvez, pensou tristemente, se eu a tivesse encorajado a se
aproximar de mim, agora saberia o que está sentindo. Se ela
não ama Mário não deve cometer o engano de se casar com
ele, mesmo sendo muito rico. Sua mãe também pensaria assim.
Ao mesmo tempo, não podia acreditar que Jan estivesse
querendo casar apenas por uma questão de respeitabilidade.
Sua irmã não se importava muito com as convenções. De
qualquer forma devia amá-lo, já que ia ter um filho dele.
Voltou à realidade quando a campainha soou. Um pouco
indecisa, apertou o botão do microfone.
— Quem é? — perguntou, sentindo-se pouco à vontade.
— Desculpe, segnorina. É da floricultura.
Juliet destrancou a corrente e abriu a porta. Era mesmo um
rapaz de uniforme verde, carregando uma caixa comprida
cheia de rosas vermelhas de cabos longos.
— Srta. Laurence? — perguntou, apresentando em seguida uma
nota onde ela devia acusar com sua assinatura o recebimento
das flores. Durante um momento Juliet hesitou, pensando se
deveria explicar quem era e que a residente não estava.
Mas, ao se dar conta de sua dificuldade para fazê-lo,
desistiu com um sorriso e recebeu as flores. Assinou
simplesmente J. Laurence na nota.
— Obrigado — o rapaz agradeceu e partiu.
Juliet fechou a porta e examinou as flores. Não viu nenhum
cartão indicando quem era o remetente. Achou que devia ser
Mário, mas era estranho que as enviasse àquela hora, quando
sabia que Jan estava trabalhando na Di Lorenzo. De qualquer
forma, era um gesto de amor. Se deixasse as flores' na
caixa, na hora em que Jan chegasse estariam murchas; então
foi até a cozinha e arrumou-as numa jarra, que depois
colocou era uma mesinha da sala, perto da janela. Ali
poderiam ser vistas por qualquer pessoa que entrasse.
Antes de sair, experimentou na porta da frente a chave que
a irmã lhe havia dado na noite anterior. Depois a colocou
novamente na bolsa e deu uma última olhada ao apartamento,
para ver se tudo estava em ordem.
As rosas vermelhas chamaram-lhe a atenção. Eram o símbolo
tradicional do amor, pensou ela, enquanto apertava o botão
do elevador. Por que, ao vê-las, tinha involuntariamente
sentido um arrepio percor-rer-lhe a espinha? Não sabia.
CAPÍTULO II
Quando voltou ao apartamento, no fim da tarde, Juliet já se
esquecera dos maus pensamentos que tivera de manhã e pela
primeira vez sentia-se feliz por estar em Roma.
Não teve dificuldades em escolher o que queria ver
primeiro. Foi direto para a Catedral de São Pedro, onde
praticamente passou o dia. Ficou emocionada ao chegar na
praça com o mesmo nome que Bernini havia projetado séculos
atrás. Era aquele o cenário que tinha visto muitas vezes na
televisão, por ocasião da Páscoa e outras festas cristãs.
Naquele dia, entretanto, a praça estava quase deserta.
Havia apenas pequenos grupos de turistas que se
concentravam perto das colunas, tirando fotografias das
estátuas.
Durante alguns instantes, sentiu-se quase desapontada
porque tudo lhe parecia muito familiar. Ao ver algumas
pessoas subindo os degraus em direção à igreja, deu-se
conta de suas proporções e ficou espantada.
Passou o resto do dia visitando a igreja, desde as pequenas
sacadas até a cúpula e as antigas catacumbas cristãs.
Deslumbrou-se com o salão dos tesouros, onde estavam
expostas as peças que durante séculos Unham sido
presenteadas ao Vaticano. Sua imaginação voltou-se para 0
passado, principalmente para Carlos Magno, cuja coroa
estava bem à sua frente. Depois se deteve longamente diante
da Pietà de Michelangelo, agora protegida de atentados por
uma vitrine. Lágrimas vieram-lhe aos olhos. Nenhuma
fotografia ou reprodução fazia justiça à grandiosidade
daquela obra!
Estava física e mentalmente exausta e foi com alívio que
encontrou um táxi para levá-la de volta ao apartamento. Mas
ainda não conseguira se desligar de magnificência daquele
extraordinário monumento.
Ao chegar ao prédio de apartamentos olhou para o porteiro.
Pretendia retribuir-lhe com um sorriso o cordial bom-dia
que ele lhe dera ao sair pela manhã. Mas não era o mesmo
empregado e sua expressão não era nada simpática. Deduziu
que o turno do outro já terminara. Sentiu-se tola ao pegar
o elevador e concluiu que não devia sorrir para qualquer um
enquanto estivesse na Itália.
Olhou o relógio e viu que dispunha de tempo, antes de Jan
chegar. Não tinha entretanto a menor ideia de quantas horas
Jan trabalhava por dia. Não havia ninguém no apartamento,
como previra. Não demorou muito porém para que percebesse
que não estava exatamente do modo como o havia deixado.
Quando olhou para o jarro de rosas vermelhas, seu coração
disparou ao ver um grande envelope branco encostado a ele.
O envelope estava endereçado a ela e a letra era de Jan.
Voltou-lhe a ansiedade ao ler o bilhete, que dizia:
"Querida, desculpe-me por deixá-la assim sozinha, mas
preciso viajar por alguns dias. O irmão mais velho está a
caminho, a fim de causar problemas, e eu, simplesmente, não
posso esperar mais. Da próxima vez que nos encontrarmos já
serei a sra. Vallone. Deseje-me sorte. Sua Jan."
Juliet ficou sem ação por uns momentos, até ter a ideia de
picar o bilhete em pedacinhos. Sua irmã ia se casar. Não
podia ter sido mais explícita. Estava muito magoada com a
atitude de Jan. Mas se fosse com sua mãe teria sido muito
pior. Não ocorreu a Jan que sua irmã talvez quisesse
assistir à cerimónia. Nem mesmo lhe apresentou o noivo,
antes do casamento.
Foi para a cozinha, jogou fora os pedaços do bilhete e
procurou acalmar-se. Não adiantava nada querer que Jan
fosse diferente. Ela sempre teve um lado adorável e outro
profundamente egoísta. A explicação era simples: fora
mimada demais.
Deu uma espiada nos armários e na geladeira e viu que havia
bastante comida. Tudo o que tinha a fazer era preparar um
pequeno jantar. Tudo poderia ser muito pior, admitiu. Na
verdade, estava desapontada por Jan se casar assim às
pressas e em segredo, mas, a julgar pelas inforfriações
sobre Santino Vallone, a irmã certamente tinha suas razões
para agir daquele jeito. O apartamento ficara sob sua
responsabilidade e Juliet ainda não sabia o que fazer nos
próximos dias.
Não queria enfrentar um jantar solitário, depois de ter
andado sozinha o dia inteiro. Jan não estaria interessada
em ouvi-la, se estivesse ali, mas sempre seria alguém.
Agora estava completamente só, sem ter com quem comentar o
passeio da tarde nem discutir os planos para o dia
seguinte. Sentiu-se triste, como uma criança perdida.
Resolveu reagir, enxugando as lágrimas que começavam a
inundar seus olhos. Não corria perigo e não havia nada pior
do que sentir pena de si mesma. O que tinha a fazer agora
era aproveitar ao máximo o tempo que lhe restava em Roma,
porque quando Jan voltasse da lua-de-mel não iria perturbar
a vida do casal, por mais solitária que se sentisse. Aliás,
tão logo Jan chegasse, ela voltaria para casa.
Não ia passar a noite se lamentando. Tomaria um banho,
trocaria de roupa e ia sair para jantar Depois dessa
decisão, sentiu-se muito mais animada. Como sua viagem ia
ser inevitavelmente abreviada, podia gastar um pouco mais
de dinheiro. Foi até o banheiro e começou a se despir.
Nada melhor do que um bom banho para relaxar! Havia uma
grande variedade de talcos e perfumes em uma prateleira de
vidro acima da banheira. Cheirou alguns antes de se
perfumar com o mais exótico. Depois pegou uma toalha e
enxugou os cabelos que lhe chegavam até os ombros. Estava
voltando para o quarto quando ouviu a campainha.
Pegou então um robe, vestiu-o e foi correndo atender à
porta. Pensou que fossem Jan e Mário que tivessem vindo
convidá-la para o casamento. Afinal, era um acontecimento
familiar. Na pressa, tropeçou no robe que era muito grande
para ela e quase caiu. Talvez também o fosse para Jan. . .
Só então se deu conta de que devia pertencer a Mário.
Talvez ele tivesse saído do apartamento quando ela chegou
de Londres, pensou Juliet enquanto destrancava a corrente
da porta. De qualquer modo, não era da sua conta.
A campainha soou novamente, alta e impaciente, e na
afobação ela se esqueceu de usar o interfone. Ao abrir à
porta, um homem empurrou-a para dentro do apartamento e
fechou a porta.
Juliet ficou sem saber o que fazer quando o recém-chegado
caminhou até a sala de estar e ficou olhando à sua volta.
Se fosse Mário ia lhe dizer poucas e boas, mas de repente
compreendeu que Mário seria certamente mais jovem. Não, não
era seu futuro cunhado. Agora tinha certeza.
Naturalmente se sentiu em desvantagem. . . Seu cabelo
estava molhado e escorrido, colado ao rosto e ao pescoço, e
não estava usando nada além do robe. Sentiu que não
estava preparada para receber ninguém, sobretudo aquele
estranho que se comportava como se fosse o dono da casa.
Era moreno, cabelos espessos, nariz grande, uma boca
sensual e bem-feita. Tinha um ar voluntarioso e os olhos
surpreendentemente claros. .. quase amarelos.
Por razões inexplicáveis, Juliet amarrou com mais força o
cinto do roupão.
Ele lhe fez uma pergunta em italiano e ela fez um gesto com
a cabeça.
— Desculpe-me, mas não compreendo. — Sua voz estava
trémula. — Sou inglesa. Você fala inglês, por acaso?
— Claro que sim — respondeu, furioso. — Mas pensei que a
senhorita falasse fluentemente o italiano. Será que é mais
uma história de meu irmão? Ele sempre acredita em tudo que
lhe dizem.
Juliet engoliu em seco. Sua intuição não a enganara. A
altura dele foi o bastante para ela saber quem era. Era
muito mais alto do que a média dos homens que vira durante
o dia, magro, bronzeado e com uma pele que parecia seda.
Tinha tirado o casaco e estava de pé, observando-a, as mãos
pousadas levemente nos quadris. Parecia um leão prestes a
atacar sua presa. Ele correspondia exatamente à descrição
que Jan tinha feito de Santino Vallone. Juliet desejou não
estar ali, principalmente porque ele parecia despi-la com o
olhar.
Tentando manter-se calma, disse:
— Acho que o senhor cometeu um engano. Ele sorriu.
— Pelo contrário, senhorita. Você cometeu o engano. Eu lhe
ordenei que deixasse meu irmão em paz. Ofereci o que achei
justo para chegarmos a um acordo generoso e, ainda assim,
você ignorou a minha carta e desobedeceu completamente
minhas ordens.
Um sentimento dedesespero começou a tomar conta de Juliet.
Não estava preparada para aquilo. Jan não tinha mencionado
nenhuma carta, nenhum acordo, apenas falara vagamente sobre
w aças. Olhando Santino Vallone, Juliet percebeu que ele
poria em pratica qualquer ameaça que tivesse feito. Disso
não duvidava!
Decerto Jan sabia que ele viria até ali, por isso decidira
se ausentar. Lembrou-se então que ela tinha ^viajado para
se casar e que aquele homem estava ali exatamente para
impedir o casamento. Além do mais, tinha tomado Juliet por
Jan, sem de leve suspeitar que o irmão estivesse fora.
Tudo o que ela tinha a fazer era explicar a situação,
mostrando-lhe o passaporte e esclarecendo assim o equívoco.
Mas, ao sair dali, ele fatalmente iria atrás de Jan e Mário
e, se os encontrasse, impediria o casamento. Jan na certa o
temia mais do que havia revelado, por isso fugira naquelas
condições.
Se o deixasse acreditando que ela era Jan, talvez fosse
possível mantê-lo afastado do casal por alguns dias ou pelo
menos o tempo suficiente para que se casassem.
Decidida a pôr em prática seu plano, jogou a cabeça para
trás, encarou-o e perguntou:
— Ordens, senhor? Quem lhe deu o direito de me dar ordens?
Santino não escondeu sua impaciência.
— Não estamos aqui para falar em direitos, senhorita. Vim
para consumar o acordo que propus em minha carta.
Compreendi, pela sua resposta, que pretende considerá-lo.
Mas não vou tolerar mais nenhuma provocação sua.
Juliet ouviu-o em silêncio. Sua cabeça rodopiava. Parecia
que mergulhava em águas profundas. O que ele queria dizer?
Será que Jan lhe tinha escrito? Se tivesse, será que
pretendia mesmo fazer um acordo ou estava só querendo
ganhar tempo? Não havia resposta. Jan não podia ter
considerado seriamente a proposta de ser comprada. Juliet
não acreditava naquilo. Sua irmã não aceitaria esse tipo de
acordo!
— O senhor está tão acostumado com pessoas que lhe atendem
os menores desejos, que tive até medo de lhe dizer
exatamente o que penso.
Santino olhou-a com firmeza e Juliet percebeu que a
situação estava começando a ficar perigosa.
— É mesmo, senhorita? — perguntou, fingindo surpresa. —
Mas deixemos isso de lado.. . O que há de errado com a
minha oferta? O dinheiro não é suficiente?
Juliet sentiu raiva. Mesmo que Jan tivesse cometido erros,
era sua irmã. Não importava o que aquele machão italiano,
arrogante e rico, estivesse tentando insinuar. Ela não era
nenhuma mercadoria barata à venda.
Seu tom de voz soou doce, mas seu sorriso foi perigoso
quando eia respondeu:
— Não, não é não. Eu quero é Mário e dinheiro nenhum pode
me comprar. Por favor, nem tente.
Santino sorriu.
— Admiro sua convicção, senhorita, mas não acredito nela.
Também tenho minhas convicções e uma delas é que todos nós
temos um preço, homens e mulheres. Estou apenas querendo
saber qual é o seu.
Juliet pensou em reagir com violência: dar-lhe um bofetão
ou arranhar seu rosto. Mas decidiu controlar seus impulsos
e conduzir a cena como se fosse Jan.
Jan não teria se perturbado por estar com os cabelos
molhados e de robe. Teria sorrido, feito graça com a
descortesia dele e pronto. Juliet tentou imitá-la,
ajeitando os cabelos para trás e mostrando melhor o rosto.
Afrouxou o cinto do robe e deixou mais pronunciado o
decote. Santino Vallone sabia que ela não estava usando
mais nada, apenas perfume. Ia lidar com ele. como se lida
com um peixe no anzol, usando apenas seus atributos
físicos.
Sabia o que Jan teria feito, mas ela era diferente. O mais
deprimente era que Juliet não sabia por onde começar.
Homens arrogantes como Santino estavam completamente fora
de suas relações. Oueria continuar tentando e ver se o
convencia de que era Jan.
— Perdeu a língua, senhorita? — perguntou, ríspido. — Ou
está muito ocupada fazendo cálculos mentais?
— Não, estava pensando sobre sua opinião a respeito das
mulheres e dos homens e concluí que é muito mesquinha.
Espero que me tenha na conta de uma exceção.
— Então o passarinho resolveu cantar diferente? Muito bem!
Sabe que fica encantadora quando está zangada, senhorita?
Ou, pelo menos, quando finge que está. Imagino que-tenha
causado um efeito devastador sobre a ingenuidade de meu
irmão, mas agora o joguinhó acabou, ou melhor, já tinha
acabado quando você decidiu quebrar as regras. Portanto,
não vamos mais perder tempo.
— Desculpe — disse Juliet, sentindo que o robe lhe deixava
um dos ombros à mostra. Seu primeiro impulso seria cobri-
lo, mas não o fez. Sentiu que ele a cobiçava com os olhos.
Alguma coisa perigosa estava para acontecer. Fechou as mãos
e tentou relaxar. Jan nunca ficaria tensa apenas porque um
homem a estava olhando. Além disso, ele sabia que ela era
modelo de sucesso, que estava acostumada àquilo. Para levar
avante seu plano, tinha que lutar contra aquele pânico que
fatalmente a dominaria em circunstâncias normais. Só que
não eram normais e aquele homem era diferente dos outros. —
Eu não o compreendo, senhor. A que jogo está se referindo
e que
regras quebrei?
— Você é muito inocente quando lhe convém. Está me achando
com cara de idiota? O jogo é o amor e as regras consistem
simplesmente no seguinte: não espere que um homem se case
com uma mulher como você.
Ela já esperava pelo que ele ia dizer, mas não imaginou que
fosse tão violento. Ficou chocada. Sentiu-se como se a
tivessem golpeado na boca do estômago. Sua respiração se
acelerou. Como ele se atrevia a insinuar aquelas coisas
sobre sua irmã?
Devia saber que ela e Mário estavam vivendo juntos e talvez
por isso a condenasse. Não passava de um moralista e, como
todo machão, achava que as mulheres deviam preservar a
virgindade até o dia do casamento. Jan transgredira esse
princípio e por iSso ele a via como uma prostituta.
Empalideceu ao se dar conta de que Santino provavelmente
tinha reconhecido o robe que ela estava usando e tirara
suas conclusões.
Lembrou-se das frases amargas de Jan sobre a prepotência e
a hipocrisia do cunhado e ele nada mais fizera do que
confirmá-las. As mulheres para ele não passavam de objetos
a serem usados segundo as conveniências de seu prazer. Jan
e Mário se amavam! Será que isso não merecia ser
respeitado? Sentiu que sua resolução se firmava. Ela e
Santhp Vallone iam jogar um novo jogo e, desta vez, ela ia
ditar as regras.
Sorriu para ele e perguntou:
— O senhor deve se entender com Mário; foi ele quem me
propôs casamento.
— Mas eu tenho sua palavra empenhada, senhorita — disse
ele pausadamente, acentuando cada palavra.
Ela sorriu, tentando disfarçar sua própria fúria.
— O senhor está jogando sujo e isso não consta das regras.
— Eu dito as minhas próprias regras — afirmou Santino e
ela se calou. Começou então a imaginar como ele reagiria
quando soubesse a verdade. Mas logo se tranquilizou, pois
quando isso acontecesse já estaria de volta à Inglaterra.
Jan e Mário é que iriam enfrentar juntos a ira dele.
Continuou divagando. .. De qualquer modo, Jan sempre
poderia lhe dizer a verdade: que não tinha a menor ideia do
que ela tinha feito em sua ausência.
— Parece nervosa — observou Santino.
— E não devia estar? — Não tinha tido intenções de ser
provocante, mas resolveu sê-lo. Os olhos de Santino
brilhavam e Juliet sentiu aumentar sua confiança. — Você me
perturba. . .
— Sinto-me lisonjeado, senhorita. — Ele parecia divertido.
— E você, nem preciso dizer, perturba qualquer homem.
— Está se incluindo entre eles? — perguntou, audaciosa.
— E você não sabia? — Santino estava novamente perigoso.
— Estou apenas curiosa. Gostaria de saber por que não sou
bem-vinda à família Vallone. Será um problema de sangue
azul?
Tinha atirado uma flexa ao acaso, mas sabia que havia
atingido o alvo. Olhou demoradamente para ele e sorriu.
— Pobre Mário! — ele exclamou. — Nunca tem uma chance.
Onde é que ele está? Escondido no quarto, com medo de se
mostrar?
— Oh, não. — Juliet surpreendeu-se com sua pergunta quase
rude. Ele falava como se ela conhecesse os problemas de
Mário. Como iria enganá-lo agora? — Eu... eu não vi Mário
hoje.
Ele começou a rir,
— Curioso! Eu não o encontrei no escritório e me disseram
que ele tinha vindo vê-la.
— Bem, talvez tenha mudado de ideia. — Afastou-se e
começou a arrumar as rosas. — Pode ser até que ele tenha
desistido de tudo. O senhor não devia se preocupar tanto.
Já pensou nessa possibilidade?
— Duvido, senhorita, e apenas por um detalhe: você não me
parece preocupada o suficiente. Nenhuma mulher deixa
escapar p homem que garante seu sustento sem fazer um
esforço sequer para recuperá-lo. Se tivesse qualquer
suspeita de que Mário estava se afastando, já teria chegado
a um acordo comigo há muito tempo.
Ela fingiu bocejar.
— Bem, aquele que garante meu sustento não está aqui
agora, o que é realmente uma pena, pois já está passando da
hora do jantar e estou esfomeada. . . Assim, se me
permite. . .
Ele olhou o relógio. Era um elegante modelo em platina e
combinava com as abotoaduras de sua camisa de seda.
— Vá se arrumar, senhorita — ordenou bruscamente. — Vou
levá-la a jantar.
Juliet estava despreparada para o convite. Sua reação
realmente a surpreendeu. Todo aquele seu desempenho a
esgotara. Esperava apenas que ele se despedisse e saísse.
— Mas, o senhor não pretendia jantar comigo. . . —
argumentou, insegura, parando de se fazer de valente.
— É verdade, mas achei a ideia atraente. Vista-se enquanto
telefono para nos reservarem uma mesa.
Ela ia protestar, mas desistiu. Ele podia suspeitar de
alguma coisa. Engoliu em seco. Estava com fome, mas só de
pensar em estar com ele nas próximas horas, na intimidade
de um restaurante, sentiu que o apetite estava diminuindo.
Jan teria conduzido a conversa sem temor. . . Ela até já
tinha se proposto a enfrentar o leão em carne e osso. Mas
Juliet só desejava um pouco de paz. Não tinha realmente
confiança em si, pelo menos o suficiente para continuar
desempenhando aquele papel durante os próximos dias. Se
precisasse fazê-lo, sairia do apartamento e iria para um
hotel barato. Isso se Santino Vallone não mandasse alguém
vigiá-la, o que poderia perfeitamente estar em seus planos.
Olhou-o, cautelosa. A raiva que ele demonstrara antes dera
lugar a uma certa amabilidade. Talvez fosse só superficial,
pois no fundo certamente devia continuar odiando-a.
— Está certo! Muito obrigada, senhor. Mas imagine o
que dirão os colunistas sociais se o virem jantando
comigo, sua futura cunhada!
Ele discou um número. Depois de desligar o telefone, virou-
se para ela e disse:
— Acho que chegarão às conclusões certas. Deixe-me lembrá-
la novamente, senhorita, que seu futuro como minha cunhada
não existe.
Juliet saiu da sala, sem responder.
No quarto, deu uma olhada em suas roupas e concluiu que não
eram nada apropriadas para o papel que estava
desempenhando. Olhou o vestido novo que tinha comprado. . .
Branco, com delicados entremeios de bordados inglês. A
cintura alta acentuava sua magreza e fragilidade.
Mas, para jantar com Santino Vallone num restaurante da
moda em Roma, fragilidade era a última coisa que queria
aparentar. Puxou a outra porta e começou a olhar as roupas
de Jan. Devia haver algo que pudesse usar. Imaginou onde
Santino iria levá-la. Esperava que não fosse a nenhum
restaurante onde conhecessem Jan. Não ia saber o que fazer
se encontrassem alguém que conhecesse a irmã. Na verdade,
sua semelhança com ela era superficial, podiam passar uma
pela outra apenas à distância. Tinham a mesma altura e o
mesmo corpo. A cor da pele também era semelhante. Talvez
por isso Santino Vallone não tivesse questionado sua
identidade. Esperava encontrar uma inglesa no apartamento e
ela correspondera às suas expectativas, apesar de não ser
exatamente do jeito que ele pensava.
Pegou ao acaso uma saia longa preta, de crepe de seda, e
uma blusa de renda, de mangas compridas. Era mais decotada
do que tudo o que já tinha usado, mas tinha certeza de que
ia lhe dar a sofisticação de que precisava.
O cabelo era um outro problema. Apesar de já estar quase
seco, não ficaria bem fazer o rabo-de-cavalo que
habitualmente usava. Achou melhor prendê-lo numa espécie de
nó e deixá-lo cair ao lado do rosto. Desistiu de se
maquilar. Aplicou apenas uma sombra azul nas pálpebras para
acentuar a cor dos olhos e um ligeiro blush no rosto. Ao
terminar, ficou satisfeita. O cabelo estava como cia queria
e o efeito era mesmo muito bom. Mostrava um pedacinho das
orelhas e acentuava o contorno do rosto. Pouco importava
que estivesse trémula, pois estava certa de que controlaria
a situação. Olhou-se novamente no espelho e vestiu a
roupa que tinha escolhido. Ao encontrar Santino, ele
comentou baixinho:
— Encantadora. Meus respeitos pelo bom gosto de Mário,
apesar de seu bom senso ser discutível.
Juliet sentiu vontade de gritar, mas controlou-se. Procurou
não prestar atenção nos olhos dele, que pareciam devorá-la,
e percebeu que enrubescia.
Santino ergueu as sobrancelhas.
— Por que esta pretensa timidez? Você usa roupas muito
mais ousadas todos os dias. Tenho certeza de que desfila
orgulhosa na Di Lorenzo enquanto centenas de olhos a
devoram. Sem mencionar o desfile particular que tive
oportunidade de assistir na festa da condessa Leontana, há
alguns meses.
Ela estava envergonhada e confusa. Sabia que Jan era capaz
de enfrentá-lo. As moças usavam muito menos roupa nas
praias do Mediterrâneo e do Adriático. Ela mesma, se
estivesse usando um biquini, aguentaria firme o olhar dele.
Mas não estavam numa praia. Era um apartamento e ela nunca
se vira numa situação como aquela. Sentiu-se antiquada como
a própria mãe. Tentou manter-se fria e disse:
— Prefiro poupar minha vida privada e profissional de seus
comentários. Talvez seja gentil o bastante para não me
olhar desse jeito.
— Bem, então vamos. Já estamos atrasados.
As mãos de Juliet estavam trémulas. Mordeu o lábio e
concluiu que aquele vestido, apesar de ousado, era
exatamente o que Jan teria escolhido.
Antes de saírem, Santino pegou uma das rosas vermelhas e
caminhou em sua direção. Ela sentiu-se hipnotizada. Não
podia desviar os olhos dele e tampouco deixar de enrubescer
à medida que ele se aproximava.
Ao chegar perto, colocou a rosa em seu decote e durante
alguns minutos ela sentiu seus dedos lhe tocarem os seios.
Santino afastou-se e, sorrindo, disse:
— Um contraste encantador: as pétalas da rosa e sua pele
acetinada. Estou feliz por tê-la convidado, senhorita.
Juliet não sabia o que dizer. Santino colocou então a mão
em seus ombros e a conduziu até a porta.
CAPÍTULO III
Santino dirigia muito bem. Juliet olhou para ele e depois
para o carro-esporte baixo e longo, que quase não fazia
barulho à medida que vencia o tráfego.
Queria perguntar para onde estavam indo, mas preferiu
fingir que já sabia. Procurou não olhar com curiosidade as
ruas por onde passavam, como se sempre as tivesse visto.
Jan, tinha certeza, conhecia de cor o caminho.
Ele permaneceu calado enquanto dirigia. Melhor assim,
admitiu Juliet. Todas as situações equívocas que até então
enfrentara começaram a passar por sua mente. O pior é que
ele devia esperar que ela conversasse sobre uma porção de
assuntos: Mário, a família dele, os amigos. O que ia dizer
se Santino lhe fizesse perguntas? Podia cometer todos os
tipos de erros e despertar suspeitas. Não havia dúvida de
que ele já devia estar achando estranho uma garota que
trabalhava em Roma há tanto tempo não falar italiano.
Juliet arrependeu-se de não ter revelado sua verdadeira
identidade logo no início. Podia ter passado pela irmã se
ela lhe houvesse dado dicas e certas informações para as
emergências. Qualquer coisa, pensou Juliet, era melhor do
que aquilo. Sentiu um arrepio. Logo ele iria descobrir sua
farsa e acabar com os planos de Jan.
Pediu a Deus que o restaurante não estivesse muito cheio.
Quanto menos pessoas encontrasse, melhor. E quanto mais
escuro o local, melhor ainda. À luz de velas, em um
cantinho discreto, ela se sentia capaz de passar por Jan,
mesmo que fosse vista à distância por alguém que conhecesse
sua irmã.
Suas esperanças caíram por terra quando chegaram ao
restaurante. Santino tinha escoíhido-um lugar quase fora da
cidade. Era grande, cheio e parecia muito caro. A mesa,
longe de ser em um cantinho, ficava quase no centro de um
enorme terraço, sobre um jardim exótico com vista para a
cidade.
Juliet sentiu-se observada por todos, enquanto se dirigia à
mesa. Se já não tivesse passado um dia inteiro em Roma,
ficaria chocada com os olhares masculinos e com os
comentários, em voz baixa, que faziam enquanto ela passava.
Afundou na cadeira e tentou controlar seu embaraço.
Era o tipo de situação que Jan teria adorado,
principalmente acompanhada de alguém tão charmoso como
Santino Vallone. Era um alívio se esconder dos olhares
atrás do cardápio que o garçom lhe estendeu. Imaginou que
devia aparentar experiência na escolha dos pratos e ouviu
seu acompanhante pedir dois martínis.
Ele se encostou na cadeira e a olhou, curioso.
— O que deseja comer, Janina? Talvez um filé simples com
salada?
— Claro que não! — protestou, indignada, olhando o carrinho
das entradas que o garçom havia trazido para perto da mesa.
Ele ergueu levemente as sobrancelhas.
— Você não vive em regime permanente? Mas isso é
maravilhoso! Juliet pensou no comentário que havia feito a
Jan. Parecia que
fora há um século e só havia passado um dia.
—yNãp, pelo menos por enquanto — respondeu constrangida e
olhou ao redor, procurando mudar de assunto. — Que vista
maravilhosa! y