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Palavras ao Vento

Juliet tinha idade suficiente para saber que com fogo não se
brinca. Mesmo assim, acabou se metendo na maior encrenca de sua
vida. Bem feito! Quem mandou ir até a Italia socorrer Jan, sua
irmã mais nova? Quem mandou ter a ousadia de mentir a Santino
Vallone, fazendo-se passar pela irmã, só para dar tempo a Jan de
se casar com Mario, o irmão de Santino? Agora tinha de aguentar
os maus-tratos daquele siciliano feroz, que se achava no direito
de mantê-la prisioneira em sua casa e de de compartilhar sua
cama. Aquilo era um perigo! E o pior é que Juliet estava cada
vez mais desejosa dos beijos acalorados de Santino...

Palavras ao Vento
Sara Craven
Sabrina nº 106
Copyright: SARA CRAVEN
Título original: "MOTH TO THE FLAME"
Publicado originalmente em 1979 pela
Mills & Boon Ltd.Londres,Inglaterra.
Tradução: LUZIA ROXO PIMENTEL.
Copyright para a língua portuguesa: 1980
EDITORA EDIBOLSO LTDA. — São Paulo
Uma empresa do GRUPO ABRIL
Composto e impresso nas oficinas da
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAI.
Foto da capa: ERIC BACH
Digitalização e revisão: Zaira
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2008

CAPÍTULO I
— Bem, eu não a entendo — disse a sra. Laurence, triste.
— A maioria das garotas daria tudo para passar uma semana
em Roma, com todas as despesas pagas.
Juliet Laurence olhou a mãe, com afeição, e disse:
— Você faz com que tudo pareça tão simples!
— Mas é simples! — protestou a mãe.
— E, naturalmente, Jan me receberá de braços abertos, sem
a menor ideia de que eu fui enviada para espioná-la.
— Que jeito mais desagradável de se expressar! — exclamou,
olhando com reprovação para a filha mais velha, — Esta não
é, de forma alguma, minha intenção. Admito que estou
preocupada, mas. . .
— Mas quer saber o que ela está fazendo e por que não
escreve há mais de um mês. E não quer perguntar
diretamente... — completou Juliet.
— Ela nunca me deixou tanto tempo esperando uma carta —
respondeu a mãe, na defensiva. — Alguma coisa está errada.
Sei disso. Tenho um pressentimento...
— Oh, mamãe! — Juliet sorriu. — Você e seus
pressentimentos. . . Se está tão preocupada, por que não
telefona a Jan? É mais barato do que eu ir para Roma atrás
de informações para você.
— Não posso telefonar para ela. Ia parecer uma daquelas
mães detestáveis que vivem tentando arrastar os filhos de
volta para casa. Jan iria odiar isto. E eu nunca interferi
na vida dela, não é?
Juliet fez-lhe um carinho nos ombros.
— Não, mamãe, claro que não.
Ocorreu-lhe que, se fosse ela quem estivesse em Roma, em
vez de sua irmã mais nova, sua mãe não estaria assim tão
preocupada. Mas de pronto afastou essa ideia. Afinal, Jan
era a caçula e a favorita. Juliet sabia disso e não se
sentia magoada, já que a atitude da mãe era totalmente
inconsciente.
Todo mundo gostava de Jan. Era muito bonita. Mesmo os
estranhos simpatizavam com ela imediatamente. Assim, não
foi surpresa para ninguém quando ela escolheu a carreira de
modelo, aos dezessete anos. Agora estava em Roma, há quase
um ano, contratada por uma importante loja de modas.
Juliet não invejava o sucesso da irmã e sua carreira
rápida. Já tinha compreendido isso há muito tempo. Ninguém
iria lhe oferecer um emprego de manequim, mesmo que ela o
desejasse. A não ser que fosse para anunciar meias ou
esmalte de unhas. Suas pernas eram longas e bem torneadas,
e suas mãos, pequenas, muito bem cuidadas. Seu corpo,
porém, apesar de magro e bem-feito, não era, a seu ver, o
ideal. Embora tivesse o mesmo tom de pele de Jan, seu
cabelo tendia para o cobre brilhante, enquanto o da irmã
era vermelho dourado. Juliet tinha os olhos azuis
acinzentados e os de Jan eram verdes. Seu rosto era mais
magro, ao passo que Jan tinha as maçãs do rosto
proeminentes e a boca mais carnuda.
Não era fácil admitir a possibilidade de ser mais
vulnerável do que a irmã, pois era mais velha dezoito
meses. Quando eram pequenas, ela sempre tomara uma atitude
protetora, advertindo Jan sobre os problemas que poderiam
levá-la a dificuldades. Jan parecia aceitar isso da mesma
forma com que aceitava a admiração de todos. Por outro
lado, parecia ter nascido sabendo para onde ir e o que
queria da vida, enquanto Juliet não tinha a menor ideia
sobre seu futuro. Obtivera seu diploma de professora e
terminava agora seu primeiro ano de estágio. Sentia-se
feliz, mas um tanto quanto acomodada para seus vinte e dois
anos. Tinha consciência disso. Mesmo assim, não ficava
chateada quando Jan a criticava por isso. Só que
recentemente, começara a se questionar sobre as críticas de
Jan e sobre o risco de estar vivendo sem emoções.
Havia Barry Tennent. Ele ensinava na mesma escola e
passavam muitas horas juntos. Juliet admitia que gostava da
companhia dele, mas sabia que Barry era ambicioso, pois
pretendia disputar uma vaga de deputado, quando chegasse
aos trinta anos. Não que ele não fosse atraente. Mas será
que era o homem certo para ela? Não pensava em se casar com
ele apenas para garantir o futuro? Sua mãe também aprovava
Barry. Achava-o um rapaz de confiança, como se essa fosse
a maior qualidade de um homem. Juliet porém não estava
assim tão segura. No fundo se sentia entediada.
Surpreendera-se ultimamente com certo sentimento de culpa
por querer estar na pele de Jan, apenas por algum tempo,
para conhecer um outro estilo de vida. Mas não ia ganhar
nada sonhando acordada. Talvez um outro emprego pudesse
proporcionar a mudança de que tanto precisava. Podia até
mesmo trabalhar no exterior. Uma colega sua de escola
estava agora vivendo com uma família no leste da Europa,
ensinando inglês para os filhos do casal. Talvez ela também
pudesse arranjar um emprego semelhante.
Mesmo se sentindo assim, tinha concordado em ir a Roma sem
pensar duas vezes, conforme sua mãe pedira, mas depois
começaram as dúvidas. Se o convite tivesse vindo da própria
irmã, não teria hesitado um só momento. Mas Jan nunca
fizera isso. Costumava vir vê-las de vez em quando,
trazendo lindos presentes e contando mil histórias sobre as
festas a que tinha ido e sobre as pessoas importantes que
tinha conhecido.
Suas visitas entretanto nunca eram demoradas, pois ela logo
se aborrecia. Sempre tinha sido assim, desde criança. Podia
lembrar-se de uma porção de incidentes nas brincadeiras e
até mesmo do rompimento de amizades com relativa facilidade
por causa dessa ânsia de Jan na busca de novidades. Era
surpreendente que seu interesse pelo trabalho ainda não
tivesse terminado. Juliet esperava que mesmo a carreira de
manequim, com todo seu fascínio, fosse aborrecê-la depois
de um certo tempo.
Raramente tinha notícias de Jan, a não ser quando ela
escrevia para a mãe, e não se preocupava muito com isso.
Mas há mais de três semanas não chegava nenhuma carta e sua
mãe estava realmente aflita.
Juliet olhou para ela com pena, Tinha tentado tanto parecer
imparcial que ficaria magoada se alguém lhe dissesse que
favorecia Jan de alguma forma.
— Mamãe — disse ela gentilmente —, nós precisamos deixar
Jan viver a vida dela, você sabe disso. Deve haver algum
motivo para ela não ter escrito ultimamente. Talvez esteja
trabalhando demais, ou tenha viajado. . .
— Ou esteja doente! — Seus olhos procuraram os de Juliet.
— Oh, querida, alguma coisa está errada. Eu sinto aqui
dentro.
— Bobagem — disse Juliet com firmeza. — Se ela estivesse
doente, a companhia Di Lorenzo nos teria avisado. Teriam
pelo menos telefonado para você.
A mãe tomou-lhe a mão.
— Por favor, Juliet, vá vê-la. Só assim ficarei sossegada.
Se houver algum problema ela confiará muito mais em você do
que em mim.
— Eu não contaria com isso — disse Juliet secamente. — Ela
nunca foi de fazer confidências, você sabe.
— Mas é sua irmã. Em quem mais confiaria? — A sra.
Laurence parecia um pouco magoada. — Juliet, por um momento
me pareceu que você. . . não ama Jan.
— Mas claro que amo. Jan me encanta como a qualquer outra
pessoa que dela se aproxima. Mas, para ser honesta, há
momentos em que. . . deixo de amá-la, principalmente quando
ela deixa você triste desse jeito. Entretanto, se lhe
agrada e lhe dá alguma paz de espírito, eu irei a Roma logo
que as aulas terminarem. Você deve escrever a Jan,
avisando. Não posso chegar lá inesperadamente. E, se ela
responder que não é conveniente, ninguém vai me arrastar
para a Itália e você terá de aceitar minha decisão.
— Concordo — respondeu a mãe alegremente. — É claro que
ela quer vê-la, querida. E será ótimo para você, também.
Tem estado cansada ultimamente e um pouco de sol lhe fará
muito bem. Jan pode até lhe pedir que fique por mais tempo.
— Pode — admitiu Juliet, desanimada. Começou então a fazer
um balanço de suas roupas, imaginando o que poderia usar no
verão de Roma. Provavelmente ia estar muito quente. Só
serviriam as roupas de algodão, sem fibras sintéticas. Uma
saia longa, talvez, e algumas blusas para usar caso saísse
da cidade com Jan. Apesar do desânimo com que havia
encarado a ideia, uma excitação ligeira começava a se
manifestar. . . Pelo menos alguma coisa ia tirá-la daquele
marasmo em que estava se afogando.
Sua animação aumentou à medida que o fim do período escolar
foi se aproximando. A sra. Laurence havia escrito a Jan,
como tinha prometido, explicando que Juliet precisava de
férias e dando os detalhes do vôo em que ela chegaria.
Se Jan respondesse no último momento, cancelando a viagem,
seria terrível, pensou Juliet enquanto fazia a mala, na
véspera de partir. Tinha comprado coisas novas: jeans de
algodão, duas blusas bonitas, de mangas compridas, para uma
eventual visita às igrejas, e um vestido longo ao qual não
tinha conseguido resistir. Não ia levar casacos. Apesar da
perspectiva otimista da mãe sobre uma visita demorada,
Juliete duvidava que fosse permanecer em Roma mais de uma
semana.
O fato de Jan não ter respondido a nenhuma das cartas da
mãe parecia estranho. Podia pelo menos ter mandado um
bilhete, dizendo que estava esperando Juliet.
A mãe estava cada vez mais nervosa com a falta de notícias
e Juliet prometeu que telefonaria assim que chegasse para
lhe contar o que estava acontecendo.
Desistira de participar de uma excursão com outros
professores da escola, que lhe parecera mais interessante
do que ir a Roma, no auge do verão, visitar uma irmã.
Não havia nada de estranho no fato de ela não escrever para
casa, além de mera falta de atenção, pensou Juliet enquanto
trancava a mala. Mas nunca iria conseguir convencer a mãe
daquilo.
Sua má vontade aumentou ao constatar que ninguém a esperava
no aeroporto. Ela tinha o endereço e seria capaz de tomar
um ônibus ou um táxi que a levasse até lá, mas Jan não fora
gentil. Juliet não conseguiu evitar seu desapontamento no
percurso até a cidade.
Em outras circunstâncias, estaria admirando as ruínas
antigas que apareciam com frequência pelo caminho. Mas não
conseguia ver nada. Estava simplesmente tensa, sentada num
canto do banco do táxi. Pela primeira vez lhe ocorreu que
podia haver uma razão mais forte para que Jan não
respondesse às cartas. E se ela estivesse viajando e nem
mesmo tivesse recebido as cartas da mãe? Se fosse esse o
caso, Juliet estaria na pior. Tanto ela quanto a mãe tinham
quase certeza de que Jan estaria em Roma e não haviam
previsto a diária de um hotel, no orçamento de viagem. Além
disso, dificilmente acharia uma vaga, naquela época do ano.
Juliet não tinha permitido que a mãe pagasse toda a
passagem. Aceitou apenas uma pequena ajuda. Mas se Jan
estivesse viajando, não saberia realmente o que fazer.
— Chegamos, signorina — anunciou o chofer do táxi, pondo
fim à suas divagações.
Juliet inclinou-se para a frente, olhando sem acreditar o
edifício em frente ao qual o táxi tinha parado. Não era
nada do que esperava. Em algumas cartas Jan tinha descrito
o pequeno apartamento que ela dividia com outra moça.
Quando avisou, mais tarde, que tinha mudado, Juliet
calculou que fosse para um apartamento semelhante, mas se
enganara totalmente.
Arriscando o pouco italiano que sabia, perguntou ao chofer
se não havia algum engano. Ela não compreendeu sua
resposta, mas o ar ofendido do italiano deixou bem claro
que cometera uma gafe. Quando lhe estendeu o papel com o
endereço por escrito, ele quase o arrancou das mãos,
apontando com o indicador para uma placa com o nome
da rua. Parecia não haver nenhum engano. Ele a trouxera ao
endereço pedido. Ela pagou e deu-lhe o que lhe pareceu ser
uma boa gorjeta, capaz de compensá-lo pela ofensa. Depois
subiu as escadas de mármore, passou pelas portas de vidro e
entrou no bloco de apartamentos.
A entrada não era muito grande e estava gelada com o ar
condicionado ligado. Um porteiro uniformizado de vermelho
escuro, sentado em um cubículo de vidro, veio ajudar Juliet
a carregar a mala, levando-a até o elevador. Depois lhe
acenou com a mão, indicando obviamente que ia comunicar sua
chegada pelo interfone.
Em seguida, mediu-a da cabeça aos pés e perguntou:
— Sim, signorína. Em que posso servi-la? — Havia uma certa
insolência em seu tom de voz, que incomodou Juliet.
Ela respondeu baixinho:
— Desculpe-me, senhor, mas não falo italiano.
— Não se preocupe, falo bem o inglês, senhorita. Em que
posso ajudá-la?
— Estou procurando minha irmã. Este é o endereço que ela
me deu, mas não tenho certeza...
— Qual o nome da sua irmã e qual o apartamento?
Silenciosamente, ela lhe estendeu o pedaço de papel. Ele
estudou-o
por alguns minutos e, franzindo as sobrancelhas, disse:
— Ê aqui mesmo, senhorita. É a moça inglesa do quarto
andar. Ela não me disse que a senhorita ia chegar, mas
posso chamá-la imediatamente. Um momento, por favor.
Ele voltou para o interfone e Juliet deduziu que aquela era
uma medida de segurança. Jan, pensou, era uma felizarda em
morar num lugar onde essas precauções eram obrigatórias.
— Pode subir agora — avisou o porteiro, num gesto largo. —
O elevador é à sua direita.
O elevador parecia antigo com sua porta de ferro
trabalhada, mas o desenho era ultramoderno e chegaram ao
quarto andar rapidamente. Juliet saiu num corredor
ladrilhado e começou a andar, os saltos de suas sandálias
fazendo um ruído seco, enquanto procurava o número correto,
em cada porta.
Era a última e Juliet deduziu que se tratava de um dos
apartamentos com a sacada que tinha notado logo ao chegar.
Tocou a campainha com um pequeno microfone logo acima.
Ficou surpresa quando o microfone estalou e a voz familiar
de Jan perguntou com impaciência:
— Quem é?
— É Juliet. — Estava surpresa. O porteiro tinha avisado
que estava subindo. Quem mais podia ser?
— Oh, Juliet! — A voz da irmã parecia aliviada. Ouviu o
ruído de uma tranca e a porta se abriu. Jan estava ali,
sorrindo para ela. — Querida, que surpresa agradável!
— Você não estava me esperando? — Juliet entrou no
apartamento o colocou a mala no chão.
— Mamãe mencionou algo em uma das suas cartas, mas,
francamente, não imaginava que fosse verdade. É maravilhoso
tê-la aqui. Quanto tempo vai ficar?
— Uma semana. Está bem?
Juliet percorreu com os olhos a sala em que estavam. Era
uma sala grande, construída em três níveis, e um tipo de
galeria com corrimão de ferro que provavelmente conduzia ao
quarto. Dois degraus desciam para a sala de estar que, a
julgar pelo tamanho, tomava quase todo o apartamento. De um
lado, uma porta de vidro conduzia à sacada. O carpete
grosso, de cor creme, era da melhor qualidade. Um grande
sofá marrom de couro e duas poltronas combinando estavam
colocadas de costas para a janela e de frente para uma
parede onde se viam um elegante e complicado aparelho de
som e uma televisão. Do outro lado da sala havia um piano
branco e sobre ele um vaso de alabastro cheio de rosas
amarelas.
— Claro que sim. — Jan parecia divertida. — Outra coisa:
você tem muito tempo para fazer seu relatório a mamãe. Já
sei por que está aqui.
Juliet sentiu-se desapontada e a irmã sorriu.
— Não fique aborrecida. Mamãe deixa transparecer tudo,
você sabe. E você não é muito diferente dela. Eu não me
importo.. . mesmo. Acho que deveria ter sugerido que você
viesse antes, mas estive tão ocupada. — Fez um gesto amplo.
—- Bem, vou colocar sua mala no quarto e depois fazer um
café. Vamos tomá-lo na sacada.
O quarto era bem grande, com duas camas de solteiro
cobertas com colchas douradas. Havia cortinas de seda nas
janelas e uma parede inteira ocupada por armários brancos e
dourados. O banheiro conjugado ao quarto era excepcional:
tinha uma banheira tipo piscina e torneiras douradas em
forma de delfins.
Juliet balançou a cabeça ao olhar à sua volta. Na verdade,
tudo aquilo era muito diferente da casa em que tinham
nascido e crescido. Jan parecia completamente à vontade no
novo cenário. Havia uma grande diferença entre ela e a
irmã, não havia a menor dúvida. Sentiu-se uma estranha no
meio de todo aquele luxo.
— Gosta do apartamento? — perguntou Jan no banquinho da
penteadeira.
— É incrível! — Juliet escolheu com cuidado as palavras. —
Mas onde está Maria? Pensei que morasse com ela,
— Oh, aquilo não funcionou — explicou Jan. — Mas este
lugar é apenas temporário. Ainda não sou milionária. Alguém
cancelou a locação e eu pude tê-lo com um contrato a curto
prazo e aluguel baixo, mas tenho de desocupá-lo no outono.
Vai ser ocupado por um inquilino permanente. Mas até lá vai
ser muito agradável viver neste luxo! — Ela sorria enquanto
falava, os olhos valorizados por cílios postiços.
Juliet de repente teve certeza de que ela estava mentindo.
Não sabia por quê. Desde criança ela tinha o dom de
descobrir quando Jan não estava falando a verdade. Juliet
se sentiu meio sem jeito, mas logo reagiu, pois afinal de
contas já não eram mais crianças. Jan tinha sua própria
vida e o direito de manter quantos segredos quisesse. O
mais importante de tudo era tranquilizar a mãe. Juliet
tinha que lhe telefonar e dizer que Jan estava feliz.
Suspeitava que havia alguma coisa estranha, mas não podia
antecipar à mãe, pois não tinha certeza de nada.
— Qual é o problema? — perguntou Jan, jogando a cabeça
para trás. — Você parece tão solene, querida. Será que o
vôo lhe fez mal? Está cansada?
— Um pouco, talvez. — Juliet tirou algumas roupas da mala
e as pendurou no armário. — Acho que um banho vai me fazer
bem.
— Sinta-se à vontade. — Jan levantou-se, impaciente. — Vou
cuidar do café. Venha para a sala quando estiver pronta.
Juliet pensava enquanto a água escorria fazendo cócegas
sobre o seu corpo. Sua irmã a recebera melhor do que
esperava, mas havia alguma coisa falsa na atitude de Jan.
Ela deve estar com medo que eu comece a espioná-ía, pensou,
resignada, enquanto se enxugava em uma toalha enorme e
macia. Decidiu-se então a não se mostrar interessada na
vida particular da irmã..
Escolheu um vestido simples em tons de verde, com sandálias
combinando. Escovou os cabelos e amarrou-os com uma
echarpe, na altura da nuca. Ào terminar de se arrumar,
achou que estava suficientemente apresentável, apesar de
não conseguir competir com o nível de sofisticação de Jan.
Pensou de repente na possibilidade de usar as calças de
seda creme e a frente-única atrevida para se aproximar mais
do estilo da irmã, mas logo desistiu da ideia.
Deixou então o quarto e dirigiu-se para a sala. Ouviu Jan
conversando em algum lugar, em voz baixa, e parou para
escutar, calculando que outras visitas pudessem ter chegado
enquanto estava no banho. Mas logo se sentiu ridícula.
Afinal também era uma visita e como tal resolveu agir com
mais determinação. Mas Jan estava sozinha na sala, lalando
ao telefone. Fumava um cigarro, soltando nervosamente a
fumaça, e Juliet a viu, de repente, se inclinar para a
frente e amassar o cigarro no cinzeiro, ao lado do
telefone. Ao fazer isso, ela viu Juliet na galeria. Sorriu
e acenou. Sua voz tornou-se mais clara. Finalmente se
despediu sorrindo e colocou o fone no gancho.
— Desculpe — disse Juliet meio sem jeito, descendo a
escadinha. Interrompi alguma coisa?
— Apenas um telefonema — respondeu alegremente. — Não era
importante. Agora venha tomar um pouco de sol e conte-me
tudo que está acontecendo em casa.
Durante todo o tempo Jan tentou ser simpática e Juliet
sentiu que começava a relaxar. Perdera aquela sensação de
intromissão que a incomodava desde sua chegada.
Para o jantar Jan preparou melão com presunto cru e uma
massa típica.
— Está cozinhando muito bem — disse Juliet, servindo-se de
mais vinho.
— Sempre adorei a comida italiana. Felizmente, parece que
ela também gosta de mim. - Jan olhou então para seu corpo
esbelto, com satisfação. — Se eu perceber que estou me
transformando em uma matrona italiana, faço dieta
permanente.
— Não precisa se preocupar com isso — observou Juliet aíe-
tuosamente. — Acho que engordou um pouquinho, mas está
muito bem.
Seu comentário tinha sido casual e ela hão estava preparada
para a resposta agressiva-da irmã.
— Que bobagem! Estou com o mesmo peso que sempre tive.
Você acha que com esse meu trabalho eu não estaria sempre
atenta.
— Desculpe. — Juliet sentiu-se desastrada e sem tato.
Depois de uma pausa, Jan sorriu com esforço.
— Desculpe-me também, Juliet. Não costumo explodir assim,
mas algumas das garotas com quem trabalho costumam ser
terríveis. — Deu uma risada forçada. — Acho que estou
reagindo agressivamente mesmo aos comentários mais
inocentes. Graças a Deus eu. . . — ela se interrompeu de
repente.
— Sim? — Juliet perguntou gentilmente.
— Graças a Deus eu sempre tenho a possibilidade de voltar
para a Inglaterra, se as coisas piorarem — disse ela, mas
novamente Juliet
sentiu que aquela não era exatamente a frase que a irmã
pretendia dizer.
Em seguida, Jan passou a conversar normalmente, contando
anedotas sobre as pessoas famosas que iam comprar roupas na
Di Lorenzo. Com isso o desconforto de Juliet passou.
Naquela noite, quando se deitaram, Juliet ficou ouvindo a
respiração da irmã, na cama ao lado. Estava excitada demais
para dormir. Admitiu que poderia ter dias muito divertidos
em Roma. Jan estaria trabalhando a maior parte do tempo,
mas tinha prometido sair com ela algumas vezes para
passeios e compras. À noite, dissera Jan, tudo era
diferente.
Depois de lavarem a louça do jantar, Juliet telefonou
rapidamente para a mãe, dizendo que tudo estava bem e que
escreveria dando mais detalhes nos próximos dias.
Tinha tentado convencer Jan de que a mãe precisava se
sentir tranquila e receber cartas com mais frequência, mas
Jan tinha respondido de modo petulante e Juliet preferiu
mudar de assunto.
Quando se está longe de casa, com um trabalho agitado
demais e uma vida social intensa, a obrigação de escrever
cartas é sempre adiada, pensou Juliet. E Jan devia ser
muito ocupada. O telefone tocou duas vezes durante a noite
e, apesar da irmã não lhe dizer nada, Juliet não tinha
dúvida de que os chamados eram de homens. Havia algo de
íntimo e acariciante na voz de Jan quando ela respondeu.
Juliet não conseguiu entender nada da conversa, pois a irmã
sempre falava em italiano.
Mas, quando se é jovem e amada como Jan, não é de se
admirar que todos a procurem, concluiu Juliet. Pensando
nisso, acabou dormindo.
Quando acordou na manhã seguinte, a cama de Jan estava
vazia, apesar de ser bem cedo. Levantou-se, pegou o robe de
bordado inglês que combinava com sua camisola e foi até a
galeria. Mas, ao passar pela porta do banheiro, deu-se
conta de que Jan não passava bem. Imediatamente bateu à
porta.
— Jan, querida, o que há de errado? Você está doente?
Posso entrar?
Houve uma pausa e Jan abriu a porta.
— Oi — disse ela, sem graça. — Não precisa se preocupar.
Estou bem. Devo ter comido alguma coisa que não me fez bem.
Talvez o melão. . . Fiquei enjoada, mas já passou.
Vou fazer um café. — Juliet olhou, ansiosa, a irmã. — Quer
voltar para a cama? Está tão pálida!
Claro que estou pálida. Estive vomitando. Pelo amor de
Deus, não crie confusão. Você é pior do que a mamãe — disse
Jan, impaciente.
Depois de pronto o café, sentaram-se na sacada, cóm uma
bandeja de pãezinhos quentes e manteiga. Jan havia
recuperado a cor e o bom-humor.
— Maravilhoso! — exclamou, ao pegar o copo de suco de
laranja que Juliet lhe estendia. — Você é um anjo. Devia
tê-la convidado há mais tempo.
Seus olhos eram desafiadores diante da expressão de Juliet.
— Bem, vamos, querida. Pergunte-me se é verdade.
— E eu preciso? — retrucou Juliet, sem disfarçar uma certa
mágoa na voz.
- Acho que não — disse Jan, terminando o suco de laranja e
colocando o copo na mesa. — Como professora, imagino que
você saiba somar dois mais dois, e chegar a um resultado
correto. Devo tê-la convencido a respeito do meu peso, mas
sabia que não poderia esconder mais nada de você depois do
enjoo desta manhã.
Juliet encarou-a.
— Mamãe e eu nunca deveríamos saber?
— Vamos dizer que a sua visita, precisamente nesta
época... foi inoportuna.
— Então, por que não me impediu de vir? — perguntou
Juliet, tentando não demonstrar como estava magoada.
— Porque achei que, se a mantivesse afastada com desculpas
bobas, mamãe poderia vir pessoalmente. E enquanto eu puder
esconder, dela, vou fazê-lo. Ela é a última pessoa que eu
quero que saiba disso, até que tudo tenha sido resolvido.
— O que vai fazer? Está pensando em. . . se livrar do
bebé? Os olhos de Jan se arregalaram.
— Um aborto, na Itália? Você está brincando! Nada é mais
condenável do que isto por aqui. Eu vou casar. Na verdade,
se você atrasasse sua viagem mais uma semana ou duas, eu já
estaria casada, com todos os problemas resolvidos, e as
mais românticas esperanças de mamãe gloriosamente
realizadas. Depois de um intervalo discreto, eu diria a ela
que ia ter um neto. Tudo perfeito.
— Compreendo — disse Juliet secamente. — Para começar, por
que você não casou antes? Teria evitado todas estas
correrias de última hora.
Jan serviu-se de mais café.
— Há motivos. Mamãe não é a única parente que não sabe dos
nossos planos. Mário tem um irmão que está causando sérios
problemas, só com o nosso namoro.
— De que modo? — perguntou Juliet, passando manteiga no pão
e dando uma mordida, apesar de não sentir nenhum apetite.
Às novidades sobre Jan a haviam perturbado. Sentia-se
enjoada e com uma leve dor de estômago.
— O irmão mais velho acha que tem o direito de opinar
sobre nosso casamento. Nem preciso dizer que ele não me
aprova. Aliás, a gente nunca se viu.
— Mas Mário pode ser influenciado por suas opiniões? —
perguntou Juliet, sem conseguir disfarçar a ansiedade. — Os
italianos parecem ter um forte vínculo familiar e. . .
— Bem, o irmão controla o dinheiro, para começar —
explicou Jan, fazendo um gesto expressivo com as mãos. —
Você está certa sobre esse vínculo. O pessoal de Mário é do
sul da Itália, da Calábria, onde a família vem em primeiro
lugar. Más atualmente não vivem mais lá. Sàntino, o irmão
mais velho, é industrial no norte. Tem vários negócios,
inclusive uma agência de turismo. Eu sei que ele espera que
Mário faça um casamento conveniente. Em outras palavras,
que case com a filha de algum industria! e traga para a
família um bom dote. Eu não me enquadro bem nesse esquema,
como você pode deduzir.
— Mas é terrível! — exclamou Juliet, consternada. —
Casamento de conveniência é coisa do passado.
Jan ergueu as sobrancelhas.
— As famílias do sul são muito tradicionais, e as ideias
de Santino, muito antigas.
— Mas ele sabe sobre o bebé?
— Claro que não! — Jan arregalou os olhos. — Na verdade,
em vista de sua hostilidade aberta, não dissemos nada a
ele. Mário acha melhor não contarmos e enfrentá-lo com o
fato consumado, isto é, após o casamento. — Jan parecia
chateada. — Uma vez casados, nada pode ser feito e duvido
que ele ponha em prática suas ameaças.
— Ameaças? — Juliet olhou a irmã, espantada. Jan riu.
— Não me amedrontaram, são bobas, parecem frases do
passado. O que ele fez de pior foi cortar a mesada de Mário
e ameaçar deserdá-lo. Mário é seu herdeiro, pois Santino
não é casado e nem pretende se casar. Está muito ocupado
ganhando dinheiro e se divertindo.
Não passa de um moralista hipócrita, cujos princípios não
se aplicam a ele mesmo.
— Pensei que não o conhecesse.
— Apenas sua reputação — esclareceu Jan. — Já o vi uma
vez. de longe, em uma boate. Quem o vê, nunca o esquece.
— Como ele é? — Juliet estava curiosa.
— Muito alto, com ombros bem mais largos do que a maioria
dos homens e bem bronzeado. Foi tudo o que percebi, porque
Mário me arrastou rapidamente para fora da vista dele. —
Jan riu. — Acho que sente um pouco de ciúmes de mim. Eu
disse, casualmente, que achava Santino muito bonito e ele
quase explodiu de raiva. Nunca me leva com ele, quando me
proponho a enfrentar pessoalmente o leão e a convencê-lo de
que serei uma dádiva para a família Vallone.
Jan parecia calma, sem se importar com a atitude do futuro
cunhado. O que no fundo a impressionava era o fato dele ser
um homem bonito.
— Por quê? — perguntou Juliet, pensativa. Jan sorriu
novamente.
— Como eu disse, acho que o pobre Mário sempre viveu à
sombra do irmão. Talvez esteja com medo de que Santino o
passe para trás.
Juliet apertou os lábios,
— Oh, compreendo — disse ela com sarcasmo. — O
relacionamento com seu futuro marido vai se basear na
confiança mútua.
— Oh, pelo amor de Deus, não seja tão provinciana — disse
Jan. meio irritada. — Nós não temos as mesmas ilusões
românticas que você. Não existe perfeição no casamento.
Mário é conveniente para mim sob vários aspectos e eu
estava mesmo pensando em me casar. Desfilar é muito bom
enquanto se é jovem, mas não depois dos vinte anos. Há
dúzias de garotinhas esperando que você deixe as passarelas
para ocuparem seu lugar. O pior de tudo é a perspectiva de
ficar gorda e feia durante os meses de gravidez. Acho que
depois vou dar adeus à carreira de modelo.
— Pensei que você amasse sua profissão — considerou Julie.
— Mamãe e eu sempre achamos que este era seu mundo, sua
vida. De qualquer modo, você sabe que pode voltar para casa
à hora que quiser.
— Para quê? — perguntou Jan. — Não sei fazer outra coisa,
e além do mais não acho que Londres possa ser diferente
daqui. Ou você pensa que vou aceitar algum emprego de
segunda categoria, desfilando em lojas do interior? Não,
muito obrigada. Prefiro Mário, apesar de ter que aguentar a
família dele. — Ela olhou para seu relógio de pulso e
acrescentou: — Tenho que sair voando ou então aguentar um
sermão na Di Lorenzo. — Deu uma risada, enquanto se
levantava. — Posso desfilar vestidos para futuras mamães,
que acha? Até logo, querida. A gente se vê à noite.
Gs pensamentos de Juliet eram sombrios, enquanto lavava a
louça do café. Todo o prazer que sentira em seu primeiro
dia em Roma desaparecera com as novidades que Jan lhe
contara.
Devia no fundo sentir-se aliviada com a disposição do rapaz
de querer ficar ao lado de Jan, casar-se e dar um nome à
criança. Sua mãe não precisaria saber da verdade, que
certamente iria magoá-la. Não seria muito fácil convencê-
los de que a sociedade moderna estava ficando cada vez mais
permissiva e que mães solteiras já hão eram tão
discriminadas. . . O mundo não havia mudado para sua mãe.
Se Jan tivesse confessado que estava grávida, ela não lhe
teria poupado conforto e carinho, mas Juliet sabia a que
preço. Sua mãe era a pessoa mais gentil e mais antiquada
que conhecia. Além disso, o fato de Jan, a filha querida,
ter rompido com a moral tradicional da família seria um
desgosto tão grande que talvez ela nunca mais se
recuperasse dele.
A vida não fora fácil para ela desde que ficara viúva, com
quase quarenta anos. Tinham tudo o que necessitavam
materialmente, mas sua mãe nunca conseguiu esconder o fato
de que necessitava do apoio de um homem a seu lado. Tudo
seria diferente se ela tivesse se casado outra vez.
Quando crianças, tanto Juliet quanto Jan.tinham tomado
cuidado para poupá-la de aborrecimentos. Não lhe contavam
certas coisas para não vê-la sofrer. Agora Jan parecia não
pensar mais assim e o que perturbava Juliet não era a
confusão em que a irmã estava metida, mas sua atitude na
busca de uma solução.
Jan não tinha dado a entender que estava apaixonada por
Mário. Juliet tinha uma ideia clara sobre o hostil e
perturbador Santino, mas nenhuma sobre o futuro cunhado.
Tudo que sabia sobre Mário é que vivia à sombra do irmão e
aparentemente dependia dele para sobreviver. Estava claro
também que, apesar de tudo, ele seria capaz de dar a Jan
uma vida no nível que ela desejava. Examinando o
apartamento luxuoso, Juliet concluiu porém que não havia
provas nesse sentido. Na verdade, não tinha nenhuma ideia
de como um se sentia em relação ao outro.
Sem dúvida, havia uma atração recíproca e provavelmente ele
ia se casar com Jan apesar da oposição de Santino. Mário
devia estar apaixonado por ela e isso talvez fosse
suficiente, pensou. Já não ouvira falar que em um
relacionamento sempre há um que ama e outro que se deixa
amar? Essa ideia porém não a satisfazia. Juliet não sabia
claramente como era o homem de seus sonhos, mas de uma
coisa tinha certeza: o sentimento devia ser mútuo. Em
matéria de amor não podia haver, segundo ela, meias
medidas.
Por outro lado, talvez ela estivesse se preocupando sem
razão. A irmã sempre a havia condenado por ser muito
sentimental. Talvez agora Jan estivesse apaixonada e com
vergonha de revelar seus sen-limentos mais profundos a ela.
Afinal, Juliet era forçada a admitir, elas nunca tinham
trocado confidências. Jan sempre teve suas amigas e
provavelmente confiava muito mais nelas do que na própria
irmã.
Talvez, pensou tristemente, se eu a tivesse encorajado a se
aproximar de mim, agora saberia o que está sentindo. Se ela
não ama Mário não deve cometer o engano de se casar com
ele, mesmo sendo muito rico. Sua mãe também pensaria assim.
Ao mesmo tempo, não podia acreditar que Jan estivesse
querendo casar apenas por uma questão de respeitabilidade.
Sua irmã não se importava muito com as convenções. De
qualquer forma devia amá-lo, já que ia ter um filho dele.
Voltou à realidade quando a campainha soou. Um pouco
indecisa, apertou o botão do microfone.
— Quem é? — perguntou, sentindo-se pouco à vontade.
— Desculpe, segnorina. É da floricultura.
Juliet destrancou a corrente e abriu a porta. Era mesmo um
rapaz de uniforme verde, carregando uma caixa comprida
cheia de rosas vermelhas de cabos longos.
— Srta. Laurence? — perguntou, apresentando em seguida uma
nota onde ela devia acusar com sua assinatura o recebimento
das flores. Durante um momento Juliet hesitou, pensando se
deveria explicar quem era e que a residente não estava.
Mas, ao se dar conta de sua dificuldade para fazê-lo,
desistiu com um sorriso e recebeu as flores. Assinou
simplesmente J. Laurence na nota.
— Obrigado — o rapaz agradeceu e partiu.
Juliet fechou a porta e examinou as flores. Não viu nenhum
cartão indicando quem era o remetente. Achou que devia ser
Mário, mas era estranho que as enviasse àquela hora, quando
sabia que Jan estava trabalhando na Di Lorenzo. De qualquer
forma, era um gesto de amor. Se deixasse as flores' na
caixa, na hora em que Jan chegasse estariam murchas; então
foi até a cozinha e arrumou-as numa jarra, que depois
colocou era uma mesinha da sala, perto da janela. Ali
poderiam ser vistas por qualquer pessoa que entrasse.
Antes de sair, experimentou na porta da frente a chave que
a irmã lhe havia dado na noite anterior. Depois a colocou
novamente na bolsa e deu uma última olhada ao apartamento,
para ver se tudo estava em ordem.
As rosas vermelhas chamaram-lhe a atenção. Eram o símbolo
tradicional do amor, pensou ela, enquanto apertava o botão
do elevador. Por que, ao vê-las, tinha involuntariamente
sentido um arrepio percor-rer-lhe a espinha? Não sabia.
CAPÍTULO II
Quando voltou ao apartamento, no fim da tarde, Juliet já se
esquecera dos maus pensamentos que tivera de manhã e pela
primeira vez sentia-se feliz por estar em Roma.
Não teve dificuldades em escolher o que queria ver
primeiro. Foi direto para a Catedral de São Pedro, onde
praticamente passou o dia. Ficou emocionada ao chegar na
praça com o mesmo nome que Bernini havia projetado séculos
atrás. Era aquele o cenário que tinha visto muitas vezes na
televisão, por ocasião da Páscoa e outras festas cristãs.
Naquele dia, entretanto, a praça estava quase deserta.
Havia apenas pequenos grupos de turistas que se
concentravam perto das colunas, tirando fotografias das
estátuas.
Durante alguns instantes, sentiu-se quase desapontada
porque tudo lhe parecia muito familiar. Ao ver algumas
pessoas subindo os degraus em direção à igreja, deu-se
conta de suas proporções e ficou espantada.
Passou o resto do dia visitando a igreja, desde as pequenas
sacadas até a cúpula e as antigas catacumbas cristãs.
Deslumbrou-se com o salão dos tesouros, onde estavam
expostas as peças que durante séculos Unham sido
presenteadas ao Vaticano. Sua imaginação voltou-se para 0
passado, principalmente para Carlos Magno, cuja coroa
estava bem à sua frente. Depois se deteve longamente diante
da Pietà de Michelangelo, agora protegida de atentados por
uma vitrine. Lágrimas vieram-lhe aos olhos. Nenhuma
fotografia ou reprodução fazia justiça à grandiosidade
daquela obra!
Estava física e mentalmente exausta e foi com alívio que
encontrou um táxi para levá-la de volta ao apartamento. Mas
ainda não conseguira se desligar de magnificência daquele
extraordinário monumento.
Ao chegar ao prédio de apartamentos olhou para o porteiro.
Pretendia retribuir-lhe com um sorriso o cordial bom-dia
que ele lhe dera ao sair pela manhã. Mas não era o mesmo
empregado e sua expressão não era nada simpática. Deduziu
que o turno do outro já terminara. Sentiu-se tola ao pegar
o elevador e concluiu que não devia sorrir para qualquer um
enquanto estivesse na Itália.
Olhou o relógio e viu que dispunha de tempo, antes de Jan
chegar. Não tinha entretanto a menor ideia de quantas horas
Jan trabalhava por dia. Não havia ninguém no apartamento,
como previra. Não demorou muito porém para que percebesse
que não estava exatamente do modo como o havia deixado.
Quando olhou para o jarro de rosas vermelhas, seu coração
disparou ao ver um grande envelope branco encostado a ele.
O envelope estava endereçado a ela e a letra era de Jan.
Voltou-lhe a ansiedade ao ler o bilhete, que dizia:
"Querida, desculpe-me por deixá-la assim sozinha, mas
preciso viajar por alguns dias. O irmão mais velho está a
caminho, a fim de causar problemas, e eu, simplesmente, não
posso esperar mais. Da próxima vez que nos encontrarmos já
serei a sra. Vallone. Deseje-me sorte. Sua Jan."
Juliet ficou sem ação por uns momentos, até ter a ideia de
picar o bilhete em pedacinhos. Sua irmã ia se casar. Não
podia ter sido mais explícita. Estava muito magoada com a
atitude de Jan. Mas se fosse com sua mãe teria sido muito
pior. Não ocorreu a Jan que sua irmã talvez quisesse
assistir à cerimónia. Nem mesmo lhe apresentou o noivo,
antes do casamento.
Foi para a cozinha, jogou fora os pedaços do bilhete e
procurou acalmar-se. Não adiantava nada querer que Jan
fosse diferente. Ela sempre teve um lado adorável e outro
profundamente egoísta. A explicação era simples: fora
mimada demais.
Deu uma espiada nos armários e na geladeira e viu que havia
bastante comida. Tudo o que tinha a fazer era preparar um
pequeno jantar. Tudo poderia ser muito pior, admitiu. Na
verdade, estava desapontada por Jan se casar assim às
pressas e em segredo, mas, a julgar pelas inforfriações
sobre Santino Vallone, a irmã certamente tinha suas razões
para agir daquele jeito. O apartamento ficara sob sua
responsabilidade e Juliet ainda não sabia o que fazer nos
próximos dias.
Não queria enfrentar um jantar solitário, depois de ter
andado sozinha o dia inteiro. Jan não estaria interessada
em ouvi-la, se estivesse ali, mas sempre seria alguém.
Agora estava completamente só, sem ter com quem comentar o
passeio da tarde nem discutir os planos para o dia
seguinte. Sentiu-se triste, como uma criança perdida.
Resolveu reagir, enxugando as lágrimas que começavam a
inundar seus olhos. Não corria perigo e não havia nada pior
do que sentir pena de si mesma. O que tinha a fazer agora
era aproveitar ao máximo o tempo que lhe restava em Roma,
porque quando Jan voltasse da lua-de-mel não iria perturbar
a vida do casal, por mais solitária que se sentisse. Aliás,
tão logo Jan chegasse, ela voltaria para casa.
Não ia passar a noite se lamentando. Tomaria um banho,
trocaria de roupa e ia sair para jantar Depois dessa
decisão, sentiu-se muito mais animada. Como sua viagem ia
ser inevitavelmente abreviada, podia gastar um pouco mais
de dinheiro. Foi até o banheiro e começou a se despir.
Nada melhor do que um bom banho para relaxar! Havia uma
grande variedade de talcos e perfumes em uma prateleira de
vidro acima da banheira. Cheirou alguns antes de se
perfumar com o mais exótico. Depois pegou uma toalha e
enxugou os cabelos que lhe chegavam até os ombros. Estava
voltando para o quarto quando ouviu a campainha.
Pegou então um robe, vestiu-o e foi correndo atender à
porta. Pensou que fossem Jan e Mário que tivessem vindo
convidá-la para o casamento. Afinal, era um acontecimento
familiar. Na pressa, tropeçou no robe que era muito grande
para ela e quase caiu. Talvez também o fosse para Jan. . .
Só então se deu conta de que devia pertencer a Mário.
Talvez ele tivesse saído do apartamento quando ela chegou
de Londres, pensou Juliet enquanto destrancava a corrente
da porta. De qualquer modo, não era da sua conta.
A campainha soou novamente, alta e impaciente, e na
afobação ela se esqueceu de usar o interfone. Ao abrir à
porta, um homem empurrou-a para dentro do apartamento e
fechou a porta.
Juliet ficou sem saber o que fazer quando o recém-chegado
caminhou até a sala de estar e ficou olhando à sua volta.
Se fosse Mário ia lhe dizer poucas e boas, mas de repente
compreendeu que Mário seria certamente mais jovem. Não, não
era seu futuro cunhado. Agora tinha certeza.
Naturalmente se sentiu em desvantagem. . . Seu cabelo
estava molhado e escorrido, colado ao rosto e ao pescoço, e
não estava usando nada além do robe. Sentiu que não
estava preparada para receber ninguém, sobretudo aquele
estranho que se comportava como se fosse o dono da casa.
Era moreno, cabelos espessos, nariz grande, uma boca
sensual e bem-feita. Tinha um ar voluntarioso e os olhos
surpreendentemente claros. .. quase amarelos.
Por razões inexplicáveis, Juliet amarrou com mais força o
cinto do roupão.
Ele lhe fez uma pergunta em italiano e ela fez um gesto com
a cabeça.
— Desculpe-me, mas não compreendo. — Sua voz estava
trémula. — Sou inglesa. Você fala inglês, por acaso?
— Claro que sim — respondeu, furioso. — Mas pensei que a
senhorita falasse fluentemente o italiano. Será que é mais
uma história de meu irmão? Ele sempre acredita em tudo que
lhe dizem.
Juliet engoliu em seco. Sua intuição não a enganara. A
altura dele foi o bastante para ela saber quem era. Era
muito mais alto do que a média dos homens que vira durante
o dia, magro, bronzeado e com uma pele que parecia seda.
Tinha tirado o casaco e estava de pé, observando-a, as mãos
pousadas levemente nos quadris. Parecia um leão prestes a
atacar sua presa. Ele correspondia exatamente à descrição
que Jan tinha feito de Santino Vallone. Juliet desejou não
estar ali, principalmente porque ele parecia despi-la com o
olhar.
Tentando manter-se calma, disse:
— Acho que o senhor cometeu um engano. Ele sorriu.
— Pelo contrário, senhorita. Você cometeu o engano. Eu lhe
ordenei que deixasse meu irmão em paz. Ofereci o que achei
justo para chegarmos a um acordo generoso e, ainda assim,
você ignorou a minha carta e desobedeceu completamente
minhas ordens.
Um sentimento dedesespero começou a tomar conta de Juliet.
Não estava preparada para aquilo. Jan não tinha mencionado
nenhuma carta, nenhum acordo, apenas falara vagamente sobre
w aças. Olhando Santino Vallone, Juliet percebeu que ele
poria em pratica qualquer ameaça que tivesse feito. Disso
não duvidava!
Decerto Jan sabia que ele viria até ali, por isso decidira
se ausentar. Lembrou-se então que ela tinha ^viajado para
se casar e que aquele homem estava ali exatamente para
impedir o casamento. Além do mais, tinha tomado Juliet por
Jan, sem de leve suspeitar que o irmão estivesse fora.
Tudo o que ela tinha a fazer era explicar a situação,
mostrando-lhe o passaporte e esclarecendo assim o equívoco.
Mas, ao sair dali, ele fatalmente iria atrás de Jan e Mário
e, se os encontrasse, impediria o casamento. Jan na certa o
temia mais do que havia revelado, por isso fugira naquelas
condições.
Se o deixasse acreditando que ela era Jan, talvez fosse
possível mantê-lo afastado do casal por alguns dias ou pelo
menos o tempo suficiente para que se casassem.
Decidida a pôr em prática seu plano, jogou a cabeça para
trás, encarou-o e perguntou:
— Ordens, senhor? Quem lhe deu o direito de me dar ordens?
Santino não escondeu sua impaciência.
— Não estamos aqui para falar em direitos, senhorita. Vim
para consumar o acordo que propus em minha carta.
Compreendi, pela sua resposta, que pretende considerá-lo.
Mas não vou tolerar mais nenhuma provocação sua.
Juliet ouviu-o em silêncio. Sua cabeça rodopiava. Parecia
que mergulhava em águas profundas. O que ele queria dizer?
Será que Jan lhe tinha escrito? Se tivesse, será que
pretendia mesmo fazer um acordo ou estava só querendo
ganhar tempo? Não havia resposta. Jan não podia ter
considerado seriamente a proposta de ser comprada. Juliet
não acreditava naquilo. Sua irmã não aceitaria esse tipo de
acordo!
— O senhor está tão acostumado com pessoas que lhe atendem
os menores desejos, que tive até medo de lhe dizer
exatamente o que penso.
Santino olhou-a com firmeza e Juliet percebeu que a
situação estava começando a ficar perigosa.
— É mesmo, senhorita? — perguntou, fingindo surpresa. —
Mas deixemos isso de lado.. . O que há de errado com a
minha oferta? O dinheiro não é suficiente?
Juliet sentiu raiva. Mesmo que Jan tivesse cometido erros,
era sua irmã. Não importava o que aquele machão italiano,
arrogante e rico, estivesse tentando insinuar. Ela não era
nenhuma mercadoria barata à venda.
Seu tom de voz soou doce, mas seu sorriso foi perigoso
quando eia respondeu:
— Não, não é não. Eu quero é Mário e dinheiro nenhum pode
me comprar. Por favor, nem tente.
Santino sorriu.
— Admiro sua convicção, senhorita, mas não acredito nela.
Também tenho minhas convicções e uma delas é que todos nós
temos um preço, homens e mulheres. Estou apenas querendo
saber qual é o seu.
Juliet pensou em reagir com violência: dar-lhe um bofetão
ou arranhar seu rosto. Mas decidiu controlar seus impulsos
e conduzir a cena como se fosse Jan.
Jan não teria se perturbado por estar com os cabelos
molhados e de robe. Teria sorrido, feito graça com a
descortesia dele e pronto. Juliet tentou imitá-la,
ajeitando os cabelos para trás e mostrando melhor o rosto.
Afrouxou o cinto do robe e deixou mais pronunciado o
decote. Santino Vallone sabia que ela não estava usando
mais nada, apenas perfume. Ia lidar com ele. como se lida
com um peixe no anzol, usando apenas seus atributos
físicos.
Sabia o que Jan teria feito, mas ela era diferente. O mais
deprimente era que Juliet não sabia por onde começar.
Homens arrogantes como Santino estavam completamente fora
de suas relações. Oueria continuar tentando e ver se o
convencia de que era Jan.
— Perdeu a língua, senhorita? — perguntou, ríspido. — Ou
está muito ocupada fazendo cálculos mentais?
— Não, estava pensando sobre sua opinião a respeito das
mulheres e dos homens e concluí que é muito mesquinha.
Espero que me tenha na conta de uma exceção.
— Então o passarinho resolveu cantar diferente? Muito bem!
Sabe que fica encantadora quando está zangada, senhorita?
Ou, pelo menos, quando finge que está. Imagino que-tenha
causado um efeito devastador sobre a ingenuidade de meu
irmão, mas agora o joguinhó acabou, ou melhor, já tinha
acabado quando você decidiu quebrar as regras. Portanto,
não vamos mais perder tempo.
— Desculpe — disse Juliet, sentindo que o robe lhe deixava
um dos ombros à mostra. Seu primeiro impulso seria cobri-
lo, mas não o fez. Sentiu que ele a cobiçava com os olhos.
Alguma coisa perigosa estava para acontecer. Fechou as mãos
e tentou relaxar. Jan nunca ficaria tensa apenas porque um
homem a estava olhando. Além disso, ele sabia que ela era
modelo de sucesso, que estava acostumada àquilo. Para levar
avante seu plano, tinha que lutar contra aquele pânico que
fatalmente a dominaria em circunstâncias normais. Só que
não eram normais e aquele homem era diferente dos outros. —
Eu não o compreendo, senhor. A que jogo está se referindo
e que
regras quebrei?
— Você é muito inocente quando lhe convém. Está me achando
com cara de idiota? O jogo é o amor e as regras consistem
simplesmente no seguinte: não espere que um homem se case
com uma mulher como você.
Ela já esperava pelo que ele ia dizer, mas não imaginou que
fosse tão violento. Ficou chocada. Sentiu-se como se a
tivessem golpeado na boca do estômago. Sua respiração se
acelerou. Como ele se atrevia a insinuar aquelas coisas
sobre sua irmã?
Devia saber que ela e Mário estavam vivendo juntos e talvez
por isso a condenasse. Não passava de um moralista e, como
todo machão, achava que as mulheres deviam preservar a
virgindade até o dia do casamento. Jan transgredira esse
princípio e por iSso ele a via como uma prostituta.
Empalideceu ao se dar conta de que Santino provavelmente
tinha reconhecido o robe que ela estava usando e tirara
suas conclusões.
Lembrou-se das frases amargas de Jan sobre a prepotência e
a hipocrisia do cunhado e ele nada mais fizera do que
confirmá-las. As mulheres para ele não passavam de objetos
a serem usados segundo as conveniências de seu prazer. Jan
e Mário se amavam! Será que isso não merecia ser
respeitado? Sentiu que sua resolução se firmava. Ela e
Santhp Vallone iam jogar um novo jogo e, desta vez, ela ia
ditar as regras.
Sorriu para ele e perguntou:
— O senhor deve se entender com Mário; foi ele quem me
propôs casamento.
— Mas eu tenho sua palavra empenhada, senhorita — disse
ele pausadamente, acentuando cada palavra.
Ela sorriu, tentando disfarçar sua própria fúria.
— O senhor está jogando sujo e isso não consta das regras.
— Eu dito as minhas próprias regras — afirmou Santino e
ela se calou. Começou então a imaginar como ele reagiria
quando soubesse a verdade. Mas logo se tranquilizou, pois
quando isso acontecesse já estaria de volta à Inglaterra.
Jan e Mário é que iriam enfrentar juntos a ira dele.
Continuou divagando. .. De qualquer modo, Jan sempre
poderia lhe dizer a verdade: que não tinha a menor ideia do
que ela tinha feito em sua ausência.
— Parece nervosa — observou Santino.
— E não devia estar? — Não tinha tido intenções de ser
provocante, mas resolveu sê-lo. Os olhos de Santino
brilhavam e Juliet sentiu aumentar sua confiança. — Você me
perturba. . .
— Sinto-me lisonjeado, senhorita. — Ele parecia divertido.
— E você, nem preciso dizer, perturba qualquer homem.
— Está se incluindo entre eles? — perguntou, audaciosa.
— E você não sabia? — Santino estava novamente perigoso.
— Estou apenas curiosa. Gostaria de saber por que não sou
bem-vinda à família Vallone. Será um problema de sangue
azul?
Tinha atirado uma flexa ao acaso, mas sabia que havia
atingido o alvo. Olhou demoradamente para ele e sorriu.
— Pobre Mário! — ele exclamou. — Nunca tem uma chance.
Onde é que ele está? Escondido no quarto, com medo de se
mostrar?
— Oh, não. — Juliet surpreendeu-se com sua pergunta quase
rude. Ele falava como se ela conhecesse os problemas de
Mário. Como iria enganá-lo agora? — Eu... eu não vi Mário
hoje.
Ele começou a rir,
— Curioso! Eu não o encontrei no escritório e me disseram
que ele tinha vindo vê-la.
— Bem, talvez tenha mudado de ideia. — Afastou-se e
começou a arrumar as rosas. — Pode ser até que ele tenha
desistido de tudo. O senhor não devia se preocupar tanto.
Já pensou nessa possibilidade?
— Duvido, senhorita, e apenas por um detalhe: você não me
parece preocupada o suficiente. Nenhuma mulher deixa
escapar p homem que garante seu sustento sem fazer um
esforço sequer para recuperá-lo. Se tivesse qualquer
suspeita de que Mário estava se afastando, já teria chegado
a um acordo comigo há muito tempo.
Ela fingiu bocejar.
— Bem, aquele que garante meu sustento não está aqui
agora, o que é realmente uma pena, pois já está passando da
hora do jantar e estou esfomeada. . . Assim, se me
permite. . .
Ele olhou o relógio. Era um elegante modelo em platina e
combinava com as abotoaduras de sua camisa de seda.
— Vá se arrumar, senhorita — ordenou bruscamente. — Vou
levá-la a jantar.
Juliet estava despreparada para o convite. Sua reação
realmente a surpreendeu. Todo aquele seu desempenho a
esgotara. Esperava apenas que ele se despedisse e saísse.
— Mas, o senhor não pretendia jantar comigo. . . —
argumentou, insegura, parando de se fazer de valente.
— É verdade, mas achei a ideia atraente. Vista-se enquanto
telefono para nos reservarem uma mesa.
Ela ia protestar, mas desistiu. Ele podia suspeitar de
alguma coisa. Engoliu em seco. Estava com fome, mas só de
pensar em estar com ele nas próximas horas, na intimidade
de um restaurante, sentiu que o apetite estava diminuindo.
Jan teria conduzido a conversa sem temor. . . Ela até já
tinha se proposto a enfrentar o leão em carne e osso. Mas
Juliet só desejava um pouco de paz. Não tinha realmente
confiança em si, pelo menos o suficiente para continuar
desempenhando aquele papel durante os próximos dias. Se
precisasse fazê-lo, sairia do apartamento e iria para um
hotel barato. Isso se Santino Vallone não mandasse alguém
vigiá-la, o que poderia perfeitamente estar em seus planos.
Olhou-o, cautelosa. A raiva que ele demonstrara antes dera
lugar a uma certa amabilidade. Talvez fosse só superficial,
pois no fundo certamente devia continuar odiando-a.
— Está certo! Muito obrigada, senhor. Mas imagine o
que dirão os colunistas sociais se o virem jantando
comigo, sua futura cunhada!
Ele discou um número. Depois de desligar o telefone, virou-
se para ela e disse:
— Acho que chegarão às conclusões certas. Deixe-me lembrá-
la novamente, senhorita, que seu futuro como minha cunhada
não existe.
Juliet saiu da sala, sem responder.
No quarto, deu uma olhada em suas roupas e concluiu que não
eram nada apropriadas para o papel que estava
desempenhando. Olhou o vestido novo que tinha comprado. . .
Branco, com delicados entremeios de bordados inglês. A
cintura alta acentuava sua magreza e fragilidade.
Mas, para jantar com Santino Vallone num restaurante da
moda em Roma, fragilidade era a última coisa que queria
aparentar. Puxou a outra porta e começou a olhar as roupas
de Jan. Devia haver algo que pudesse usar. Imaginou onde
Santino iria levá-la. Esperava que não fosse a nenhum
restaurante onde conhecessem Jan. Não ia saber o que fazer
se encontrassem alguém que conhecesse a irmã. Na verdade,
sua semelhança com ela era superficial, podiam passar uma
pela outra apenas à distância. Tinham a mesma altura e o
mesmo corpo. A cor da pele também era semelhante. Talvez
por isso Santino Vallone não tivesse questionado sua
identidade. Esperava encontrar uma inglesa no apartamento e
ela correspondera às suas expectativas, apesar de não ser
exatamente do jeito que ele pensava.
Pegou ao acaso uma saia longa preta, de crepe de seda, e
uma blusa de renda, de mangas compridas. Era mais decotada
do que tudo o que já tinha usado, mas tinha certeza de que
ia lhe dar a sofisticação de que precisava.
O cabelo era um outro problema. Apesar de já estar quase
seco, não ficaria bem fazer o rabo-de-cavalo que
habitualmente usava. Achou melhor prendê-lo numa espécie de
nó e deixá-lo cair ao lado do rosto. Desistiu de se
maquilar. Aplicou apenas uma sombra azul nas pálpebras para
acentuar a cor dos olhos e um ligeiro blush no rosto. Ao
terminar, ficou satisfeita. O cabelo estava como cia queria
e o efeito era mesmo muito bom. Mostrava um pedacinho das
orelhas e acentuava o contorno do rosto. Pouco importava
que estivesse trémula, pois estava certa de que controlaria
a situação. Olhou-se novamente no espelho e vestiu a
roupa que tinha escolhido. Ao encontrar Santino, ele
comentou baixinho:
— Encantadora. Meus respeitos pelo bom gosto de Mário,
apesar de seu bom senso ser discutível.
Juliet sentiu vontade de gritar, mas controlou-se. Procurou
não prestar atenção nos olhos dele, que pareciam devorá-la,
e percebeu que enrubescia.
Santino ergueu as sobrancelhas.
— Por que esta pretensa timidez? Você usa roupas muito
mais ousadas todos os dias. Tenho certeza de que desfila
orgulhosa na Di Lorenzo enquanto centenas de olhos a
devoram. Sem mencionar o desfile particular que tive
oportunidade de assistir na festa da condessa Leontana, há
alguns meses.
Ela estava envergonhada e confusa. Sabia que Jan era capaz
de enfrentá-lo. As moças usavam muito menos roupa nas
praias do Mediterrâneo e do Adriático. Ela mesma, se
estivesse usando um biquini, aguentaria firme o olhar dele.
Mas não estavam numa praia. Era um apartamento e ela nunca
se vira numa situação como aquela. Sentiu-se antiquada como
a própria mãe. Tentou manter-se fria e disse:
— Prefiro poupar minha vida privada e profissional de seus
comentários. Talvez seja gentil o bastante para não me
olhar desse jeito.
— Bem, então vamos. Já estamos atrasados.
As mãos de Juliet estavam trémulas. Mordeu o lábio e
concluiu que aquele vestido, apesar de ousado, era
exatamente o que Jan teria escolhido.
Antes de saírem, Santino pegou uma das rosas vermelhas e
caminhou em sua direção. Ela sentiu-se hipnotizada. Não
podia desviar os olhos dele e tampouco deixar de enrubescer
à medida que ele se aproximava.
Ao chegar perto, colocou a rosa em seu decote e durante
alguns minutos ela sentiu seus dedos lhe tocarem os seios.
Santino afastou-se e, sorrindo, disse:
— Um contraste encantador: as pétalas da rosa e sua pele
acetinada. Estou feliz por tê-la convidado, senhorita.
Juliet não sabia o que dizer. Santino colocou então a mão
em seus ombros e a conduziu até a porta.
CAPÍTULO III
Santino dirigia muito bem. Juliet olhou para ele e depois
para o carro-esporte baixo e longo, que quase não fazia
barulho à medida que vencia o tráfego.
Queria perguntar para onde estavam indo, mas preferiu
fingir que já sabia. Procurou não olhar com curiosidade as
ruas por onde passavam, como se sempre as tivesse visto.
Jan, tinha certeza, conhecia de cor o caminho.
Ele permaneceu calado enquanto dirigia. Melhor assim,
admitiu Juliet. Todas as situações equívocas que até então
enfrentara começaram a passar por sua mente. O pior é que
ele devia esperar que ela conversasse sobre uma porção de
assuntos: Mário, a família dele, os amigos. O que ia dizer
se Santino lhe fizesse perguntas? Podia cometer todos os
tipos de erros e despertar suspeitas. Não havia dúvida de
que ele já devia estar achando estranho uma garota que
trabalhava em Roma há tanto tempo não falar italiano.
Juliet arrependeu-se de não ter revelado sua verdadeira
identidade logo no início. Podia ter passado pela irmã se
ela lhe houvesse dado dicas e certas informações para as
emergências. Qualquer coisa, pensou Juliet, era melhor do
que aquilo. Sentiu um arrepio. Logo ele iria descobrir sua
farsa e acabar com os planos de Jan.
Pediu a Deus que o restaurante não estivesse muito cheio.
Quanto menos pessoas encontrasse, melhor. E quanto mais
escuro o local, melhor ainda. À luz de velas, em um
cantinho discreto, ela se sentia capaz de passar por Jan,
mesmo que fosse vista à distância por alguém que conhecesse
sua irmã.
Suas esperanças caíram por terra quando chegaram ao
restaurante. Santino tinha escoíhido-um lugar quase fora da
cidade. Era grande, cheio e parecia muito caro. A mesa,
longe de ser em um cantinho, ficava quase no centro de um
enorme terraço, sobre um jardim exótico com vista para a
cidade.
Juliet sentiu-se observada por todos, enquanto se dirigia à
mesa. Se já não tivesse passado um dia inteiro em Roma,
ficaria chocada com os olhares masculinos e com os
comentários, em voz baixa, que faziam enquanto ela passava.
Afundou na cadeira e tentou controlar seu embaraço.
Era o tipo de situação que Jan teria adorado,
principalmente acompanhada de alguém tão charmoso como
Santino Vallone. Era um alívio se esconder dos olhares
atrás do cardápio que o garçom lhe estendeu. Imaginou que
devia aparentar experiência na escolha dos pratos e ouviu
seu acompanhante pedir dois martínis.
Ele se encostou na cadeira e a olhou, curioso.
— O que deseja comer, Janina? Talvez um filé simples com
salada?
— Claro que não! — protestou, indignada, olhando o carrinho
das entradas que o garçom havia trazido para perto da mesa.
Ele ergueu levemente as sobrancelhas.
— Você não vive em regime permanente? Mas isso é
maravilhoso! Juliet pensou no comentário que havia feito a
Jan. Parecia que
fora há um século e só havia passado um dia.
—yNãp, pelo menos por enquanto — respondeu constrangida e
olhou ao redor, procurando mudar de assunto. — Que vista
maravilhosa! y

— Nunca esteve aqui antes?


— Acho que não. Não me lembro. . .
— A gente vai a tantos lugares. . . — completou a frase
dela, brincalhão. — Você é uma verdadeira romana, Janina.
Estou surpreso que ainda ache bonita esta vista.
— Não disse isso.
— Não — concordou ele. — Você disse maravilhosa, mas vi
que seus olhos estavam sonhadores.
Ela abaixou os olhos, embaraçada. Precisava tomar mais
conta de seus olhos e de suas palavras,
— Eu vejo o que você vê, mas também os telhados, as
torres, as antenas. Coisas que não têm nada a ver com meu
conceito de maravilhoso.
— Qual é o seu? — Os drinques chegaram e foi um alívio.
Ela segurou o cálice, um pouco trémula.
— Há muitas coisas belas, mas nenhuma delas relacionada
com a cidade. Talvez uma fortaleza em ruínas, à beira de um
penhasco com vista pára o mar, e ao longe uma ilha verde e
lilás sob a luz do sol poente.
— Um lugar especial?
— Um lugar especial — concordou Santino que, em seguida,
perguntou: — A quem vamos brindar?
Juliet ficou surpresa com sua arrogância e seu olhar
insinuante.
— À nossa melhor compreensão mútua? — sugeriu, encabulada.
— Acho que não. — A voz dele soava fria e indiferente
outra vez. Ela se sentiu magoada, muito mais do que
esperava. Ergueu o
cálice e propôs:
— Bem, então aos amigos ausentes!
— Disse isto com uma certa preocupação, senhorita. Acho que
está se referindo ao Mário. Talvez seja melhor que ele
esteja ausente. O que poderíamos dizer, caso ele venha a
saber que estivemos aqui juntos?
— Ele dificilmente consideraria privado nosso encontro,
por isso não faria objeções,
— Acha que não? — Santino sorriu sem prazer. — Parece se
esquecer de que Mário é do sul da Itália, como eu.
Aparentemente, podemos não dar muita atenção aos costumes e
à moral, mas nessas coisas somos meio antigos,
tradicionais. Você descobrirá, senhorita. Nós, do sul,
somos ciumentos. Muito mais de nossa honra do que de nossas
mulheres.
— Isso não se aplica ao momento. Você é irmão de Mário —
observou Juliet.
— E isso lhe dá algum tipo de imunidade? — perguntou. —
Você tenta se enganar, senhorita, mas Mário não. — Olhou-a
demoradamente. — Deve se lembrar sempre disso!
Jan tinha falado de ameaças e estava certa. Toda a atitude
dele era uma ameaça. Ela devia estar louca para se envolver
com aquele homem. Podia dizer que tinha boas intenções, mas
não ia fazer a menor diferença para Santino.
Em outras circunstâncias, pensou Juliet, aquela seria a
noite de seus sonhos. Enquanto se dirigiram à mesa eia
notou como as outras mulheres olhavam Santino Vallone.
Sentiu-se feliz, mas isso não levava a nada. Só ia restar a
lembrança de que se divertira com um homem bonito e
perigoso. Divertir? Será que estava mesmo se divertindo?
Santino Vallone podia fazê-ia se arrepender e descarregar
seu ódio em Jan. Mas, Juliet tinha que admitir, nunca se
sentirá tão viva em toda sua existência. Não seria nada
fácil reassumir sua verdadeira identidade!
Uma coisa era certa: mesmo em circunstâncias diferentes,
eles não poderiam se encontrar outra vez. Ela o evitaria a
qualquer custo, para preservar sua paz de espírito. O
silêncio entre ambos já estava ficando constrangedor. Era
estranho pensar que, naquele momento, eles podiam estar se
tornando parentes com o casamento de Jan e Mário. Era algo
estranho e perturbador. Pensou se Mário seria parecido com
o irmão e concluiu que não. Uma versão mais jovem de
Santino não aceitaria viver à sombra do irmão mais velho,
não aguentaria suas ordens ditatoriais nem sua
interferência nos planos de casamento.
Tinha procurado no apartamento, mas não havia encontrado
nenhuma fotografia do noivo de Jan. Na verdade, o local
tinha poucos objetos pessoais, como se Jan tivesse decidido
não lhe emprestar sua personalidade. Talvez quisesse se
poupar, já que sua permanência era temporária. Outra ideia
ocorreu a Juliet. Não tinha a menor ideia de onde a irmã e
o cunhado pretendiam viver quando voltassem. Iriam morar no
apartamento ou deixá-lo vago, preferindo um outro lugar
qualquer? Onde Mário morava? Tudo que Juliet esperava era
que eles não precisassem morar com Santino.
Os pratos começaram a chegar e ela deixou de pensar em Jan.
Este era seu primeiro e provavelmente último jantar em um
restaurante romano de alto nível. Ia aproveitar cada
minuto, apesar de seu sexto sentido lhe avisar para tomar
cuidado.
A entrada constava de sardinhas, lagosta, fatias de tomate,
pimentões, anchovas e azeitonas. A seguir, foi servida uma
massa com creme de leite. Estava com apetite, apesar de
suas preocupações. Os garçons acenderam as velas da mesa e
uma pequena lamparina a gás.
O prato principal foi vitela ao molho madeira com
cogumelos, acompanhada de ervilhas e brócolos. Juliet
adorou a comida e o vinho que ele havia escolhido.
Santino comia pouco e talvez por isso não tivesse o menor
traço de gordura no corpo, apenas músculos. O mesmo não
podia ser dito da maioria dos homens nas mesas vizinhas.
Pediram frutas como sobremesa e o garçom trouxe uma
travessa com pêssegos enormes, cerejas e uvas.
Depois de tomarem café e um licor, Santino disse: — Agora
podemos conversar.
— Não há nada para conversar.
— Você acha? — Pegou um charuto e acendeu-o calmamente. —
lista pronta para aceitar o acordo que lhe propus, sem
maiores discussões? .
— Não — respondeu Juliet, sacudindo a cabeça. — Seu acordo
é totalmente inaceitável. Acho que já deixei isso bem
claro.
— Não deixou nada claro. — A voz dele era dura. — O que
quer? Mais dinheiro? Ficará desapontada. Não arriscaria
mais nenhum centavo no futuro de meu irmão com você. A
quantia que lhe ofereci é mais do que generosa. Acho que
seu advogado já lhe avisou.
Ela ia dizer que não tinha nenhum advogado, mas calou-se a
tempo. Era possível que Jan tivesse pedido conselho a um
advogado, diante das ameaças de Santino. Tentar continuar
aquela conversa era arriscado. Mas não tinha outro jeito.
Juliet só esperava que não durasse muito. Quando ele visse
que ela permanecia irredutível, a levaria de volta ao
apartamento. A primeira coisa a fazer no dia seguinte era
voltar para a Inglaterra. Deixaria um bilhete para Jan e
Mário, contando o que havia feito. Quando voltassem,
casados, nada mais poderia ser feito contra eles.
— Sua ideia de generosidade é diferente da minha — disse
ela friamente, embora soubesse que ele nunca entenderia a
ironia da frase!
— É incrível! — exclamou para si mesmo. — O rosto e o
corpo de um anjo de Botticelli abrigam uma alma mercenária!
Tenho pena de você, senhorita. Deve ser muito infeliz.
Ela abaixou os olhos, para disfarçar a indignação. Jan
teria dado uma gargalhada e feito um comentário agressivo.
Juliet permaneceu calada.
Viu que ele olhava o relógio e percebeu sua impaciência.
— Vamos, Janina — disse finalmente. — Não pretende fingir
que me acompanhou até aqui para negociar um acordo. Ou é
vaidosa a ponto de achar que basta, para mim, jantar
admirando a sua beleza? Você alimenta meus olhos, excita
meus sentidos, mas deixa frio meu coração. Minha oferta
está de pé. É pegar ou largar.
Como se fosse num sonho, ela o ouviu repetir a quantia que
oferecera a Jan. Em liras, naturalmente, e, só de tentar
fazer o cálculo, Juliet sentiu a cabeça girar. Era como
ganhar o primeiro prémio da loteria, pensou, confusa.
Incrível que ele oferecesse aquela quantia apenas por
motivos pessoais. Seu espanto começou a dar lugar a uma
raiva incontrolável. Afinal, o que era o dinheiro? Apenas
um insulto a Jan.
— Então, o que me diz? — A voz dele era incisiva,
cortante.
— Nada, senhor — respondeu, educada. — Nada que diga ou
faça me fará desistir de Mário, Sabe, eu o amo.
— Amor? Duvido até que saiba o significado dessa palavra.
Eu certamente não descreveria o relacionamento que tem com
Mário, ou com qualquer outro, como sendo amor. Mário é um
bobo! Mas saiba de uma coisa, senhorita, eu não vou deixar
que ele sofra o resto da vida por causa de uma bobagem.
Juliet não podia perder o controle, embora tivesse vontade
de gritar e jogar o resto do licor na cara dele.
— Duvido que Mário veja nosso. . . relacionamento do mesmo
modo que o senhor.
— Mas ele verá — assegurou-lhe Santino.
Juliet sentiu-se gelada. Como uma marionete ergueu a mão e
tocou a rosa no decote. Ele observou seu gesto e sorriu.
— Eu mostrarei a ele o que você realmente é, senhorita, e
ele acreditará em mim. Pegue o dinheiro enquanto pode. Eu,
talvez, não volte a fazer a oferta.
— Vá para o inferno e leve o seu dinheiro junto!
Ele sacudiu a cabeça e a encarou. Não demonstrou a menor
emoção, mas Juliet percebeu sua forte determinação e
sentiu-se amedrontada.
— Se eu for para o inferno — disse ele gentilmente —, eu a
levarei comigo. Esteja certa disso.
As mãos dela estavam trémulas, mas fez um esforço e tomou
mais café. Milagrosamente, não derrubou nem uma gota. Não
queria parecer nervosa. De repente algo lhe passou perto do
rosto e ela gritou.
— O que é isso?
— Uma mariposa — ele explicou, impaciente. — As velas as
atraem.
Agora ela podia ver melhor: era uma grande mariposa
cinzenta, voando desesperada em volta do vidro que protegia
a vela. Enquanto observava, a mariposa aproximou-se
perigosamente da chama.
— Oh, faça alguma coisa! — gritou impulsivamente. — Ela
vai se queimar!
Ele a olhou longamente e depois pegou o inseto pelas asas.
— E agora? Devo matá-la ou deixá-la ir embora? —
perguntou.
— Solte-a, é claro!
Ele se ergueu, passou pelas outras mesas, foi até a beirada
do terraço e soltou a mariposa.
— Às mariposas são muito bobas — disse ele, pensativo,
quando voltou à mesa. — Gostam de viver perigosamente, e
por causa disso, geralmente, vivem pouco. Aprenda com elas,
senhorita. Fique longe da chama da vela e viverá mais um
dia para poder continuar brincando com fogo.
A tensão lhe provocara dor de cabeça e Juliet passou as
mãos sobre a testa. Não queria pensar muito nas implicações
das palavras de Santino, sob o risco de ficar com medo. O
que ele pretenderia fazer para consumar suas ameaças?
— Está tentando me amedrontar, mas isso não vai funcionar.
Agora, gostaria de ir para casa. Não temos mais nada a nos
dizer — falou com coragem, embora por dentro se sentisse
quase em pânico. Precisava ficar sozinha para recuperar seu
equilíbrio. Pediu licença e foi à toalete.
Sozinha, sentou-se em um banquinho de veludo e olhou-se no
espelho. A comparação entre ela e a mariposa fora muito
desagradável. Tinha plena consciência do que havia feito e
agora sabia que ele a tinha na palma da mão, para agir como
quisesse. Mas resolveu não pensar mais naquilo. Como os
pratos sofisticados e o vinho, Santino também era demais
para a cabeça de uma professora inglesa de subúrbio. Tinha
mais é que agradecer ao próprio sistema nervoso, por não
ter falhado, pensou. Não ia vê-lo nunca mais depois daquela
noite.
Olhou-se novamente e passou um pouco mais de blush. O que
ele havia dito mesmo? "O rosto e o corpo de um anjo de
Botticelli." Era um elogio desnecessário e até meio
ridículo. Ele não precisava tê-lo dito. E nem era
verdadeiro. Jan era a mais bonita, sempre tinha sido. Se
ele as visse, juntas, chegaria também àquela conclusão.
Sentiu-se até satisfeita por ter vindo a Roma, pois pudera
fazer algo em favor da irmã.
Mas, na verdade, o que Santino tinha contra Jan? Havia
feito uma porção de ameaças, mas não tinha apresentado
nenhuma prova evidente que justificasse sua oposição ao
casamento dela com seu irmão. Juliet sabia que Jan não
tinha levado uma vida de freira desde que chegara à Itália.
Mas Santino Vallone tinha de entender que já não havia mais
um código moral para os homens e outro para as mulheres.
Uma coisa era certa: sua mãe não podia saber de nada. Mas,
no fundo, Juliet desejou que Santino a conhecesse, que
fosse visitá-la na Inglaterra e visse a que tipo de família
ambas pertenciam. Seria forçado a admitir que, difamando
Jan, tinha sido injusto para com todos os Laurence.
Mas para que Santino precisava admitir alguma coisa? Aquela
pergunta começou a lhe martelar o cérebro. Não conseguia
respondê-la. Por que então entrar naquele tipo de
especulação sobre famílias-?
Olhou a rosa e lembrou do toque dos dedos de Santino em
seus seios. Mesmo sendo um leve contato, fora como uma
corrente elé-trica, atingindo todos seus nervos. O que
aconteceria se ele a abraçasse e a beijasse? Mas era
ridículo admitir que estava sentindo uma certa atração por
Santino! Mesmo em pensamento não passava de uma deslealdade
para com Jan. Não podia alimentar nada em relação àquele
homem, que tratava sua irmã com o maior desrespeito.
Balançou a cabeça, espantada. O que lhe estava acontecendo?
Suas opiniões pareciam agora abaladas com as novas
sensações que experimentava. Sempre soube o que queria em
um homem e custava-lhe crer que as poucas horas passadas na
companhia de Santino pudessem mudar suas ideias, seus
princípios.
Se assim o fosse, seria remota a perspectiva de uma vida
feliz, pois iria julgar seus relacionamentos futuros em
função desse homem que ameaçava romper suas estruturas.
Não, não ia permitir que isso acontecesse! Pegou a bolsa
e saiu. Sentia-se ansiosa.
Quando admitiu mentalmente sua atração por Santino, deu-se
conta de que devia voltar rápido para a Inglaterra.
Precisava escapar, enquanto ainda tivesse algum controle
sobre si mesma. Sorriu amargamente. A que caminhos
estranhos e perturbadores a personalidade de Jan a estava
conduzindo! A experiência de se fazer passar por ela não
estava sendo nada agradável. Não via a hora de voltar a ser
Juliet Laurence outra vez!
Se voltasse imediatamente à Inglaterra, podia ainda
participar da excursão com seus colegas de escola. Seria
ótimo, pois precisava se distrair nos próximos dias. Se
ficasse em casa, sua mãe ia deduzir que havia algo errado e
chegaria às mais diferentes conclusões. Juliet sabia que
era difícil esconder qualquer coisa da mãe, uma vez que lhe
tivesse despertado suspeitas.
Bem, agora tinha de ir. A porta do banheiro se abriu e duas
mulheres entraram, oihando-a com curiosidade. Por alguns
momentos ela ficou imaginando se podia fugir de Santino,
pegar uma carona até Roma com alguém que estivesse saindo,
talvez até mesmo com aquelas mulheres...
Mas o bom senso a fez abandonar tais pensamentos. Como ia
se fazer entender com seu conhecimento limitado de
italiano? Dificilmente encontraria um chofer de táxi que
falasse um pouco de inglês para poder entendê-la. E
certamente Santino não ia se conformar se ela o deixasse lá
numa eterna espera. .. Ia querer se vingar do vexame
passado diante de seus inúmeros amigos ali presentes.
Não. Iria embora com ele, como tinha vindo. Quando
chegassem no apartamento, se separariam.
Mordeu o lábio enquanto andava pelo terraço, de volta à
mesa diide ele estava sentado. Fumava. Por que não podia
ser honesta consigo mesma e admitir que gostaria de passar
mais alguns momen-ios na companhia dele, apesar de tudo o
que tinha dito e feito, apesar do abismo que existia entre
ambos? A verdade é que, quando partisse, Juliet não queria
que ele ficasse com uma imagem falsa a seu respeito, ao
desempenhar o papel da irmã. Talvez, no caminho de volta
para o apartamento, conseguisse mudar um pouco a opinião
dele sobre Jan.
Idiota romântica, pensou. Quando ele descobrir o que fiz,
provavelmente vai querer quebrar meu pescoço.
Ele levantou-se gentilmente, quando ela se aproximou.
Afastou a cadeira com cortesia e voltou a se sentar.
Parecia muito alto, gigantesco quase, e sorria.
— Pedi mais um café. . . — disse ele — o que havia no bule
já estava frio.
Juliet olhou a xícara à sua frente. Na verdade, não queria
mais café. Se tomasse, não ia conseguir dormir bem. Mas não
esperava isso mesmo, pensou, depois de todas aquelas
emoções. . . e levou a xícara aos lábios.
O café estava quentinho, mas um pouco amargo. Juliet
colocou a xícara no pires e olhou para ele.
— Podemos ir agora? — perguntou. — Sou uma moça que
trabalha, lembra-se? Não posso ficar acordada até tarde.
— Sua aparência não parece ter mudado — comentou Santino.
Ela enrubesceu e bebeu mais um pouco de café, para
disfarçar o embaraço. Santino permaneceu sentado, calmo, e
com ar meditativo.
— Vou perguntar pela última vez, Janina. — Juliet sentiu
que gostaria de ouvir seu próprio nome, dito por ele, em
lugar do da irmã. — Vai aceitar o dinheiro que ofereci?
Volte a seu país e deixe meu irmão em paz.
Ele parecia cansado, pensou, surpresa. Talvez não estivesse
acostumado com pessoas que recusassem suas ofertas, tanto
no nível profissional como no pessoal.
Ela tomou mais um pouco de café e respondeu:
— Não posso. É. . . muito tarde. Por favor, aceite isso
como minha última palavra.
Tarde, muito tarde, pensou ela. Será que ele ia entender o
que queria dizer com aquelas palavras?
— Última palavra! — repetiu Santino. Para desânimo de
Juliet todo o cinismo voltara à sua voz. Ele sorriu e
acrescentou; — Termine seu café e vamos. Não há nada mais
para ser dito.
Estava tudo terminado! Os garçons se inclinaram agradecendo
quando eles saíram e Juliet concluiu que ele devia ter pago
a conta em sua ausência e deixado uma boa gorjeta.
O destino prega peças estranhas às pessoas, pensou ela,
enquanto se sentava ao lado dele, no carro. Durante uma
noite tinha vivido como milionária, apenas para ser acusada
de interesseira. Isso não existia, nem mesmo em conto de
fadas!
Era muito mais fácil ser Juliet Laurence, a professora,
pensou. Ou será que as coisas iam se tornar difíceis de
agora em diante? Estava ficando deprimida. Aquele quebra-
cabeças patético que tinha armado devia chegar ao fim mais
cedo ou mais tarde. Era melhor que fosse o mais cedo
possível, considerou, levando em conta a atração que tinha
sentido por ele. Queria que tudo já tivesse terminado.
Havia dor e perigo esperando por ela. Sua própria vida já
lhe parecia aborrecida, em virtude dos últimos
acontecimentos.
O carro estava um pouco abafado e ela abriu as janelas.
Sentia muita vontade de bocejar, espreguiçar-se e tentou
fazer isso disfarçadamente. Santino Vallone não devia estar
acostumado com mulheres que bocejassem e se espreguiçassem
em sua companhia. Ela não estava entediada, como explicar
aquela repentina sonolência?
Santino inclinou-se, apertou o botão e ela começou a ouvir
uma música suave, calma e sensual, que aumentou ainda mais
sua sensação de sono. Forçou-se a ficar com os olhos
abertos e se colocou na posição mais reta possível. Não
tinha jeito mesmo, estava quase dormindo.
Se estivesse com Barry, simplesmente colocaria a cabeça em
seus ombros e daria um cochilo. Mas seria imperdoável fazer
isso com Santino. Mesmo que tivessem passado uma noite
agradável, um na companhia do outro, ela não podia se
colocar inteiramente à sua mercê.
Sentiu que ia bocejar e virou a cabeça para disfarçar,
olhando desesperadamente pela janela. Fora do carro, a
escuridão era total. Tudo o que tinha a fazer era recostar-
se no canto do banco e não pensar em mais nada, pois quando
se está com sono não dá para lazer outra coisa.
Através da neblina que parecia envolvê-la, ela o ouviu
dizendo algo suave, como se estivesse brincando com ela:
— Por que lutar, senhorita? Feche os olhos e não se
furte a esse prazer!
Foi o tom divertido de sua voz que a fez despertar um pouco
Tentou raciocinar, mas foi em vão. Sentiu a boca amarga e
ouviu sua própria voz, como se viesse de muito longe:
— O café.. . o que você colocou no café?
Ele riu. Foi um riso brincalhão e misterioso. Antes de
adormecer completamente, foi a última coisa que Juliet
ouviu.
CAPÍTULO IV
Ela acordou aos poucos. Esticou o braço automaticamente
para travar o despertador, que pensou ter ouvido.
Mas sua mão não encontrou nada. O sol começava a se filtrar
através de suas pálpebras ainda fechadas. Foi então que se
deu conta de que ainda estava em Roma, no apartamento de
Jan. Apenas sonhora que havia voltado para casa.
Abriu os olhos de vez, mas mesmo assim ainda parecia estar
sonhando. O quarto em nada se assemelhava ao do apartamento
luxuoso. Era-lhe completamente desconhecido.
Sentou-se e percebeu que sentia uma dorzinha de cabeça
desagradável. Olhou o quarto, assustada. Não era muito
grande, mas tinha bastante altura, o que lhe dava uma certa
grandiosidade. As paredes eram de pedras e nelas se viam
alguns quadros a óleo e aquarelas. A mobília era pesada e
antiga. As janelas eram pequenas e embutidas na parede. A
cama em que estava deitada ficaria muito melhor em um
museu, pensou Juliet, enquanto observava os brocados que
caíam pela cabeceira e pelos lados. Havia uma longa cortina
de cada lado fechando completamente a cama. Os lençóis e
fronhas eram de cambraia de linho muito fino e debruados
com uma renda belíssima, provavelmente feita à mão.
Percebeu então que o lençol e uma colcha muito trabalhada
eram tudo o que tinha para se cobrir. Enrubesceu. Alguém a
tinha trazido até ali, despido e colocado na cama. Ela não
se lembrava de nada. Suas últimas lembranças eram a música
dentro do carro em movimento e a voz de um homem.
Colocou as mãos no rosto afogueado e tentou lembrar o que
havia acontecido. Teria sido na noite anterior? Era difícil
dizer, mas não devia ter dormido por muito tempo. . .
Sentiu um gosto desagradável na boca e, depois de hesitar
alguns momentos, pegou uma jarra de suco de laranja que
estava sobre a cómoda, encheu um copo e o esvaziou até a
última gota. Estava delicioso, gelado e refrescante. Sentiu
a cabeça melhorar e as ideias clarearem a cada minuto que
passava.
Olhou o quarto, deprimida. Onde estavam as roupas que tinha
usado na noite passada? Agora tinha certeza que, fosse qual
fosse o lugar cuide estivesse, Santino Vállone a havia
trazido até ali. Ficou indignada só de pensar que tinha
ficado nua e desamparada sob o olhar cínico dele.
Queria sair da cama e procurar alguma coisa no gigantesco
guarda-roupa entalhado à sua frente. Mas, como não tinha
nada com que se embrulhar, hesitou um pouco. Depois, puxou
a colcha, jogou-a sobre os ombros e ficou parecendo uma
exótica figura antiga. Não era o robe ideal, mas era melhor
que nada, pensou Juliet ao sair da cama c dirigir-se para o
outro lado do quarto, pisando sobre os tapetes de pele de
cabra que forravam o chão de madeira rústica.
A colcha se prendia nas coisas e derrubava-as. Era pesada
demais! O pior foi quando, ao abrir o guarda-roupa, viu que
estava completamente vazio.
Ficou ali, de pé, espantada. Não esperava encontrar um
enxoval, mas ao menos um vestido preto que havia usado no
jantar.
Bateu a porta do armário e mordeu o lábio, com raiva. Em
que si-luação ridícula havia se metido! Puxou a colcha mais
para perto do corpo e dirigiu-se à porta. Era muito grande,
parecia pesada e tinha como maçaneta simplesmente uma
argola. Virou-a para um lado e para o outro, puxou-a e
empurrou-a. A porta não se moveu. Desesperada, atirou-se
contra ela, mas nada aconteceu. Sentiu-se de repente tomada
de uma fúria incontrolável Batia na porta com os dois
punhos e com isso a colcha começou a cair.
— Abra esta porta! — gritava com toda força. — Deixem-me
sair, seus cretinos! Abram aqui, estão ouvindo?
As palavras pareciam valentes e o barulho também era
grande, mas só o eco respondeu. Ela se sentiu enganada c
com muito medo. Os minutos foram passando e não veio
nenhuma resposta. Começou a sentir frio e náuseas.
Virou-se novamente para a porta e começou a examinar os
entalhes.
Onde estava? Que lugar era aquele e por quanto tempo seria
forçada a permanecer ali?
A julgar pela parede, devia ser uma espécie de fortaleza...
Lembrou-se então de algo que Santino havia dito naquele
malfadado jantar da noite anterior. Algo sobre uma
fortaleza em ruínas numa ilha cor de ametista. Chutou a
colcha e foi até uma janela.
Parecia estar olhando diretamente para um penhasco.
Certamente, o mar estava lá embaixo. Mas não tinha a
luminosidade que Santino havia mencionado. A julgar pela
posição do sol, Juliet achou que devia ser quase meio-dia.
Seu relógio tinha parado à noite. Um calor gostoso vinha da
água e, à distância, ela pôde ver uma faixa de terra.. .
talvez a ilha que ele tinha mencionado. Deu uma última
olhada e abandonou a ideia de sair pela janela. Mesmo que
conseguisse fazer uma túnica com os lençóis, descer daquela
altura era algo fora de cogitação.
Curvou os ombros e virou-se. Queria muito chorar, mas não
ia se dar a esse luxo. Já tinha demonstrado sua raiva
contra a porta e não conseguira absolutamente nada. Chorar
seria apenas uma perda de energia.
Gostaria de saber exatamente as horas. Há quanto tempo
tinha saído do restaurante? Sentia fome outra,vez! Mordeu o
lábio. E não tinha roupas! Será que Santino Vallone era tão
bárbaro que iria mantê-la ali sem comer? Juliet sacudiu a
cabeça. Aquilo estava virando um enorme pesadelo. Quanto
tempo ele pretendia mantê-la presa?
Ninguém sentiria falta dela durante algum tempo. Jan
poderia se preocupar, mas acabaria achando que tinha ido
fazer algum passeio, até perceber que todas as suas roupas
e o passaporte estavam lá. Só então concluiria que alguma
coisa de errado estava acontecendo. Isso, se voltasse logo
ao apartamento. Talvez não o fizesse, decidindo
simplesmente ir morar com Mário para só depois resolver o
que faria com o apartamento. Além do mais, era impossível
saber por quanto tempo! Juliet engoliu em seco. Na verdade,
a primeira pessoa a se dar conta de sua ausência seria sua
mãe, e era tudo o que ela não queria que acontecesse. Não
fora para proteger a mãe e mantê-la afastada das confusões
de Jan que havia concordado com a viagem?
Tossiu. Tinha esquecido a teoria em que acreditara durante
toda sua vida: observar primeiro o lugar e as pessoas antes
de se arriscar. Estava prisioneira numa espécie de teia-de-
aranha e alguém precisaria socorrê-la. Era impossível ter
acontecido tudo aquilo tão rapidamente! Talvez estivesse
ainda dormindo e sonhando. Belíscou-se para ter certeza de
que estava acordada. E realmente estava.
Para piorar as coisas, ouviu passos que se aproximavam.
Voou então para a cama e cobriu-se rapidamente com o
lençol. Percebeu que us curvas do seu corpo apareciam
perfeitamente sob as dobras do ii-cido, mas a colcha havia
caído no chão e estava muito distante para pegá-la, pois a
porta estava se abrindo.
Santino Vallone entrou. Usava calças jeans e uma camisa
escura, lusta, desabotoada. Parou e olhou-a. Descabelado e
sem gravata, dificilmente se parecia com o elegante homem
de negócios que tinha encontrado no dia anterior. Exceto em
uma coisa: a atração física permanecia intacta e com força
total. Juliet percebeu que seu corpo tremia.
Ele continuou olhando para ela e não movia nenhum músculo,
mas de repente sorriu. O sorriso foi revelador. Ele sabia
de sua nudez sob o lençol, pois a vira sem roupas horas
antes. Juliet sentiu o rosto i|ueimando de vergonha.
— Saia — disse ela com os dentes cerrados.
— Pensei, pelo barulhão que ouvi há poucos minutos, que
quisesse companhia.
— Não a sua — respondeu-lhe, enraivecida. — Nunca sua
companhia.
Ele sorriu novamente, agora com certa ironia.
— É uma pena, porque estamos condenados a ficar um na
companhia do outro, durante algum tempo. — Havia um tom
definitivo em sua voz, que a amedrontou.
Depois de um momento, ela respondeu:
— Não precisamos. Deíxe-me sair daqui. Não direi nada a
ninguém... — Fez uma pausa. Estava começando a implorar e
sabia que não devia fazer isso.
Ele sacudiu ligeiramente a cabeça e continuou a sorrir.
— A perspectiva de você sair andando, assim como está, é
muito ;iiraente -— disse ele secamente.
Juliet enrubesceu ao perceber suas insinuações.
— Isso é ridículo! —r A respiração dela se acelerou e
Santino ficou ali postado, olhando seus seios arredondados
sob o lençol. Juliet tentou ficar calma. Não queria deixá-
lo perceber que estava quase em pânico. Não apenas pelas
razões dele. — Não pode me manter aqui .(intra minha
vontade! — protestou.
— E no entanto, você está aqui — respondeu friamente.
— É rapto — protestou novamente, consciente da fraqueza de
suas palavras. — É um crime terrível, na Itália, você sabe
disso.
Será preso. Alguém vai perceber, cedo ou tarde, que está me
prendendo aqui, então. . .
— Alguém vai mesmo perceber, por isso é que estou
prendendo você aqui. — Ele fez uma pausa, os olhos fixos ao
longe, depois acrescentou novamente: — Mário.
Ela tinha esquecido o quebra-cabeça montado no dia
anterior. Muitas horas haviam se passado, mas ele ainda a
tomava por Jan.
— Está tendo todos estes problemas simplesmente para me
manter longe de Mário? — Juliet estava com o coração
dolorido e ficou repetindo para si mesma: ele não sabe,
ainda não entendeu. . .
Depois de se acomodar em uma cadeira de veludo muito
elegante: disse sem emoção:
— Não exatamente. Isto, se você estiver lembrada, era
minha intenção inicial. Quando recusou a oferta que lhe
fiz, tive que tomar uma decisão mais drástica. Tenho de ter
certeza que, no futuro, Mário ficará longe de você. — Riu,
irónico. — Quando souber que esteve aqui comigo, terei
conseguido o efeito desejado. Prometo que não vou provocar
ciúmes exagerados.
— Mas eu não estou aqui, com você, nessas condições.
— Não, concordo. Mas acha que Mário acreditará quando
ficar sabendo de suas andanças, como eu pretendo que fique?
— Sim, e se ele é seu irmão, saberá das armadilhas que
preparou para conseguir seus propósitos. Eu explicarei
tudo. Vou contar tudo o que você disse e fez. Vamos ver em
quem ele acredita.
— Vamos ver. — Santino sorriu, confiante. — Aliás, ele já
deve ter lido os jornais.
— Os jornais?
— Estou surpreso que alguém tão acostumado às câmeras como
você não tenha percebido que estávamos sendo fotografados
no restaurante. Tomei o cuidado de avisar um jornalista,
conhecido meu, que íamos para o sul passar juntos uma
semana de sol e prazer. — Fez uma pausa. — Ele invejou
minha sorte. Você verá, Janina, sua fama vai aumentar ainda
mais. Ainda não vi os jornais da manhã, as notícias sobre
mim saem sempre com destaque.
— Perfeito! -— exclamou, tentando parecer irónica. —
Depois que colocou suas mãos arrogantes em uma mulher, nada
mais pode ser feito.
— Eu diria que é exatamente assim — respondeu ele
gentilmente — Ninguém acreditará em você, muito menos que a
mantive aqui 9 contra sua vontade. Compreenderão seus
motivos para estar alegando isso. Mas, acredite-me, não é a
primeira senhorita que passa férias comigo.
Ele não estava se vangloriando, apenas comentava um fato.
Juliet não devia se incomodar em ouvir aquelas palavras,
mas sentiu que seu coração se contraía.
— Mas com você é a primeira vez, portanto vamos nos
divertir. Seja honesta, em outras circunstâncias podíamos
aproveitar melhor nosso tempo, mas do jeito que estamos...
— Você é um tirano! — exclamou Juliet, agora completamente
pálida.
Os olhos dele endureceram.
— Não vamos começar a nos ofender. Isso não leva a nada.
Além do mais, sei muito mais palavrões do que você possa
imaginar. — Ele se levantou e se aproximou dela.
Juliet se encolheu e suas mãos agarraram o lençol até as
juntas dos dedos ficarem brancas. Ele notou seu gesto
instintivo e sorriu.
— Não se preocupe, Janina. Eu ia dizer que, do jeito que
estamos, eu não sujaria minhas mãos em você. Portanto, não
tem nada a temer. — Virou-se. — Agora, vou dizer a
Annunziata para lhe trazer o café da manhã. Parece que
precisa de um estimulante. Juliet estava com a boca seca,
— Como posso saber que é seguro tomar seu café?
— Pode confiar em mim — respondeu-lhe com um olhar irónico.
- Não sou de má índole.
— Mas você me dopou — acusou-o. — Colocou drogas no meu
café e foi por isso que conseguiu me trazer até aqui. Quer
me manter prisioneira? Pretende mesmo levar avante esse
plano?
— Você não estava dopada — Santino contestou-a friamente.
— Era uma inofensiva pílula para dormir, só isso; uma do
tipo que minha mãe sempre toma e não tem efeito prolongado.
E pretendo, sim, Janina, continuar com isso. O que diz de
mim ou o que fará quando partir, não me interessa. Minha
única preocupação é que não se case com meu irmão. Sei que
ele não vai querer ficar com o que acredita serem meus
restos. Nada mais tem importância. Mas, se você for boba a
ponto de apregoar suas reclamações ao mundo, então deixo o
julgamento por conta daqueles que se importam com
acontecimen-los desta natureza. Talvez acreditem em você,
talvez não. Não me importo. Sou um homem de influência,
como já deve ter percebido.
— Entendi uma porção de coisas — disse ela, com a cabeça
dolorida. — Agora, por favor, tenha a bondade de sair de
meu quarto.
Ele a olhou longamente, de modo brincalhão. Foi até a porta
e disse:
— Há mais uma coisa a ser esclarecida. Este não é o seu
quarto. É o meu. — E saiu.
Juliet procurou palavras agressivas para insultá-lo, mas
não lhe ocorreu nenhuma. Depois de alguns momentos,
percebeu que ele não ia voltar. Virou-se, enterrou o rosto
no travesseiro e chorou.
Não adiantava nada dizer a si mesma que poderia ter evitado
tudo aquilo, dizendo-lhe simplesmente qual a sua verdadeira
identidade. Era tarde demais! Ali estava ela, e
permaneceria ali até que ele decidisse que já tinha passado
tempo suficiente. Então descobriria seu erro.
Tremia com o rosto colado ao travesseiro. Aquela fuga toda
parecia uma partida de xadrez. Ela, a rainha branca, ia
derrotar triunfalmente o rei negro. Podia também não passar
de um peão, durante todo o jogo. Mas estava contente por
saber que, pelo menos, Jan tinha escapado. Não interessava
quantas humilhações tivesse que passar nas mãos de Santino.
Nada podia mudar o fato de que, na verdade, ele perdera a
partida. Jan e Mário estavam a salvo das suas maquinações.
Que tipo de vida teriam se tivessem de permanecer
constantemente perto de Santino? Nem se atrevia a imaginar.
Aquilo tudo era tão desnecessário e cruel! O que, na
verdade, ele sabia sobre Jan? Nem tinha conseguido
distingui-la da irmã. Talvez sua péssima opinião sobre ela
se baseasse apenas em boatos e fofocas. De qualquer forma,
Santino não lhe parecia justo.
Juliet ergueu-se, apoiada em um dos cotovelos. Esfregou os
olhos, com um gesto infantil, afastando as últimas
lágrimas. Bem, mesmo os peões têm seu lugar de destaque num
jogo de xadrez, concluiu. Seria com imensa satisfação que
iria ver desaparecer do rosto dele toda aquela arrogância,
quando descobrisse que seu plano tinha falhado. Qualquer
humilhação que ela sofresse seria recompensada ao chegar
esse momento.
Olhou para a porta. Não estava fechada. Santino estava
certo de: que já tinha ganho a partida. Mas ia descobrir
seu erro, mais cedo ou mais tarde! Ela se endireitou quando
ouviu passos se aproximando. Depois relaxou ao perceber que
eram chinelos que se arrastavam, portanto não podia ser
Santino.
Logo em seguida uma mulher apareceu na porta. Era gorda e
vestia-se estranhamente de preto. Seu cabelo grosso tinha
sido puxado para trás, em um coque. Trazia o café numa
bandeja e sua expressão era triste. Os olhos escuros
brilhavam inocentemente quando ela cumprimentou Juliet:
— Bom-dia, signorína. Como vai?
— Muito bem! — respondeu Juliet com maior sarcasmo
possível, mas logo percebeu que fora inútil. Annunziata
estava com uma expressão resignada e sorridente. Ela
sacudiu a cabeça aprovando e colocou a bandeja sobre a
cómoda. Despejou um pouco de café na xícara de porcelana.
— A senhorita é muito bela — disse ela, enquanto estendia
a xícara a Juliet.
Juliet tomou um gole de café e sentiu que desta vez estava
bom de açúcar. Era quente e cheiroso, exatamente o que eia
precisava, e apesar de tudo que lhe tinha acontecido
sentiu-se menos triste.
— Obrigada.
Annunziata começou a falar em italiano, cheia de animação.
Juliet riu e sacudiu a cabeça, querendo dizer que não
compreendia. O rosto de Annunziata ficou um pouco triste,
mas ela logo deu a entender que a linguagem não seria uma
barreira entre as duas.
Depois de continuar falando em voz alta e com muitos
gestos, Annunziata percebeu que Juliet não ia cooperar,
pois continuava cilada tomando café. Era óbvio que a
empregada tinha tirado suas conclusões sobre os
acontecimentos, mas não demonstrava a menor desaprovação,
Juliet terminou o café e colocou a xícara novamente na
bandeja. Agora queria algo para vestir. Usando as poucas
palavras italianas que conhecia, conseguiu fazer com que a
empregada dissesse onde estavam suas roupas. Para seu
alívio, Annunziata pensava que Juliet estava embaraçada por
ser muito jovem. Não ia discutir com ela, pois nunca iria
entender o que estava se passando. Ela mesma não estava
querendo acreditar em tudo aquilo.
Sem dúvida, não era a primeira garota nua que Annunziata
via ao irazer o café da manhã no quarto de Santino.
Deprimiu-se de novo no pensar nisso. Entretanto, não era da
sua conta o que Santino fazia! Apesar de estar aborrecida
por ele ter estragado suas férias em Roma, não precisava
ter medo dele, já que nada havia transpirado. Talvez
sofresse com suas explosões temperamentais, mas só. O que
mesmo ele havia dito? "Não vou sujar minhas mãos em
você..." Lembrou-se da arrogância de sua voz e sentiu um
arrepio, apesar do dia estar quente.
Logo Annunziata voltou trazendo uma mala, que Juliet
reconheceu ser a sua. Quando ficou sozinha novamente,
examinou seu conteúdo e verificou que havia uma mistura
curiosa das suas coisas com as de Jan. Quando abriu õ
guarda-roupa da irmã para escolher uma roupa de noite,
havia percebido que setis gostos eram muito diferentes.
O de Jan era mais sofisticado e atrevido. Juliet examinou
algumas das roupas que teria de vestir nos próximos dias.
Não tinha nenhuma ideia de quanto tempo seria forçada a
ficar comi Santino. Como esperava, não havia nem sinal de
sua bolsa, onde guardara sua carteira com o passaporte e o
dinheiro. Era difícil imaginar como fugir sem documentos.
A melhor política, ou melhor, a única, nas atuais
circunstâncias, era: esperar. Cedo ou tarde, ela
raciocinou, Mário entraria em contato com o irmão, depois
que o casamento já fosse um fato consumado, Depois disso,
não haveria razões para Santino detê-la por mais tempo. A
não ser que estivesse tão furioso com a decepção que a
matasse e atirasse seu corpo no mar. Uma coisa era certa:
Juliet tinha certeza de que ele não era um bom perdedor.
Depois de olhar durante muito tempo as roupas, escolheu
uma; calça de algodão e uma frente-única combinando.
Parecia mais fechada que a maioria das blusas que tinham
vindo na mala. Colocou um robe de algodão e foi procurar o
banheiro.
Não precisou andar muito. Duas portas depois do quarto
encontrou uma sala de banho toda de mármore. A única coisa
moderna, ali, além das toalhas felpudas, era o boxe do
chuveiro, em um canto. Juliet decidiu usá-lo, deixando a
água cair abundante sobre seu corpo. Depois se enxugou
cuidadosamente e escolheu um perfume em uma prateleira
cheia de colónias e talcos. Passou-o nos ombros e braços e
sentiu que enrubescia. Tinha percebido que os perfumes
colocados ali eram destinados a agradar aos mais variados
tipos de mulher.
Colocou a colónia de banho, que tinha usado, de volta a seu
lugar. Não havia dúvida de que Santino escolhia os perfumes
tanto para si próprio como para as amiguinhas. Ia imaginar
que ela havia se perfumado para ele.
— Gostaria de ter usado extrato de gambá! — exclamou para
si mesma, enquanto vestia as calças e fechava o zíper.
Depois de vestida, sentiu-se mais à vontade. Tirou os
lençóis da cama e colocou-os na janela para tomarem ar. Em
seguida esvaziou a mala e tornou a arrumá-la
cuidadosamente. Santino tinha simplesmente arrancado as
coisas do guarda-roupa de Jan e atirado tudo dentro da
mala. Muitas precisavam ser passadas e penduradas. Um
pensamento não a abandonava: aquele era o quarto dele. Mas
ele não poderia reclamar se pendurasse algumas coisas em
seus cabides, pois eram os únicos disponíveis.
Foi até a janela e olhou ao longe. Além do mar, o horizonte
brilhava, parecendo enfumaçado pelo calor. O que devia
fazer? Ficar ali até Santino descobrir a verdade? Mordeu o
lábio. Não se pudesse ivitá-lo, pensou, resoluta. Havia o
mar e onde havia mar havia praias de todos os tipos. Ela
podia, simplesmente, continuar suas férias, e Santino que
fosse para o inferno! Uma porção de gente paga for-i unas
para passar alguns dias em uma praia da costa italiana.
Agora, já que estava ali, com as despesas pagas e sendo
muito bem servida, ia aproveitar o máximo que pudesse.
Dirigiu-se à porta e caminhou por um corredor que terminava
numa escada de onde se via a sala principal. Parecia
deserta. Depois de alguns momentos Juliet aventurou-se a
descer até lá. Era ampla, o chão todo ladrilhado com
lajotas avermelhadas e as paredes de pedra clara. De um
lado havia uma sala menor, com o chão elevado e paredes
muito espessas. Juliet percebeu que era a sala de jantar,
pois no centro havia uma mesa grande, entalhada, com
cadeiras de encosto alto, estofadas com veludo cor de
vinho. Não havia lareira c três sofás cor de caramelo
formavam um ambiente aconchegante perto de uma mesa baixa,
antiga, sobre a qual estavam arrumados livros e revistas. A
janela original tinha sido aumentada e dela se descortinava
uma ampla vista para o mar. Uma porta meio escondida sob a
escada por onde eíá havia descido levava à cozinha e às
dependências dos empregados.
Tudo era muito simples, mas agradou mais a Juliet do que o
luxo do apartamento de Roma. Imaginou como aquela
construção devia ser velha. Admitiu que tinha sido muito
bem adaptada às necessidades da vida moderna, sem nenhum
prejuízo para seu estilo original. Devia ler sido mesmo uma
espécie de fortaleza, pensou, notando mais uma vez a
grossura das paredes.
Andou pela sala. Suas sandálias não tinham saltos e não
faziam nenhum ruído. Pegou uma revista, mas percebeu que
tratava de assuntos técnicos. Talvez os planos de Santino
para entreter as mulheres não incluíssem leitura, pensou,
irónica.
Sentiu fome. Tinha gostado do café de Annunziata, mas
precisava de algo mais sólido. Talvez, como já não
estivesse mais prisioneira naquele quarto, Santino também
não tivesse planos para matá-la de fome. Atirou-se em um
sofá, imaginando o que Jan e Mário estariam fazendo naquele
momento. Esperava que estivessem felizes, pois só assim
seus problemas seriam um pouco mais suportáveis. Por um
segundo sentiu que ia chorar, mas controlou-se. Não
adiantava ficar com pena de si mesma. Tinha se metido
naquela encrenca, e.o que linha a fazer, logo que pudesse,
era sair dela. E rezar para não se machucar na saída.
Ficou encostada nas almofadas com os olhos fechados. De
repente. teve noção de que não estava sozinha. Abriu os
olhos e viu Santino de pé na sua frente. Endireitou
imediatamente a postura e puxou os cabelos para trás com um
gesto defensivo. Esperava não ter demons trado nenhum sinal
de fraqueza na frente dele.
— Estou surpreso por encontrá-la ainda aqui dentro —
observou ele, depois de ficar alguns minutos em silêncio. -
— Ou tem medo que o sol da Calábria queime sua pele
adorável?
— É o meu ganha-pão, senhor — respondeu com voz baixa e
fria, Ele se sentou a seu lado no sofá e esticou as pernas.
Sorria cinicamente enquanto a olhava.
— De diversas formas, é o seu ganha-pão, não é? — insinuou
riu ao ver a indignação estampada no rosto de Juliet.
Queria arranhá-lo com força no rosto. Ergueu a mão, mas ele
foi mais rápido, segurando-a pelos pulsos até que ela
gemesse de dor.
— Não faça isso, Janina, ou serei forçado a agir de um
modo; que não vai gostar.
— Estar em seu quarto já é um castigo muito grande,
acredite disse ela amargamente, esfregando devagar o pulso
dolorido. Seus dedos deixaram marcas, pois os pressionara
com força.
— É mesmo? Então devo pensar em algo que torne minha
companhia menos desagradável a você, Janina.
— E ao senhor também, sem dúvida. Ele sorriu.
— Oh, eu não encaro sua companhia como um castigo, Janina.
Para um homem, a presença de uma mulher bonita é sempre com
pensadora. -— Esticou a mão e pegou o pulso que ela ainda
estava esfregando. Levou-o sensualmente aos lábios. — Você
se machuca facilmente, não posso me esquecer disso.
Durante alguns momentos ela ficou sem fala, petrificada
pela indi reta óbvia das palavras dele. Depois desvencilhou
o pulso de suas mãos, tentando ignorar o tremor que lhe
tinha invadido o corpo ao sentir o toque dos lábios de
Santino sobre a pele. Durante um segundo sentiu-se tentada
a se afastar para mais longe, no sofá. Ele estava tão perto
que podia sentir seu calor, suas coxas estavam se tocando e
Santino parecia muito à vontade, mas sabia que esta atitude
corria o risco de parecer boba, sem dignidade. Ao mesmo
tempo queria deixar bem claro que não era um brinquedinho
em suas mãos. Não importava que outras mulheres já tivessem
desempenhado antes esse papel para ele.
— Prefiro que não encoste em mim — pediu friamente.
— Por quê? — perguntou ele, um pouco espantado, — Aqui não
há câmeras à sua volta, nem compradores ávidos para quem
você precise mostrar seu corpo. Apesar disso, sua pele
parece seda e tem o perfume das rosas de verão. Eu sou seu
público, pois acho que se arrumou para mim.
— Engano seu — respondeu ela, odiando-se por perceber que
enrubescia. Jan, pensou amargamente, não teria reagido
assim, apesar de todos aqueles galanteios.
Santino riu baixinho, com uma expressão de curiosidade nos
olhos.
Parecia que a reação dela o havia encantado e Juliet ficou
tensa. Na verdade, não queria despertar suspeitas sobre sua
identidade, naquele ponto do jogo. Talvez ainda houvesse
tempo de ele impedir o casamento de Jan e Mário.
Tentou relaxar e sorriu sem vontade.
— Tenho meus hábitos — disse ela, procurando emprestar à
voz um tom de alegria. — Acho que perfumes e loções são
para serem usados. O que há de errado nisso?
— Absolutamente nada! — exclamou Santino, muito à vontade,
estudando-a atentamente com seus olhos claros. — Espero que
os perfumes tenham sido de seu gosto. — Seu olhar fixou-se
então na abertura de seu decote.
Juliet ergueu casualmente os ombros, como se estivesse
respondendo à pergunta dele.
— São ótimos, mas não os usarei por muito tempo, não é?
— Nunca se sabe! Talvez os encantos de Roccaforte a
atraiam tanto que decida ficar mais tempo.
Os encantos de Roccaforte ou do seu proprietário, ela
pensou em silêncio, querendo fugir daquele olhar arrogante.
— Duvido — respondeu friamente. — Não desejo passar mais
tempo em sua companhia do que o estritamente necessário.
Ele riu. Não parecia perturbado pela hostilidade de Juliet.
— Ficará surpresa com minha imaginação. Apesar de que, em
certos momentos, sou muito prático. — Antes que ela pudesse
perceber suas intenções, ele se inclinou para a frente e
lhe desabotoou o primeiro botão da frente-única. — Tenho
certeza de que o costureiro teria preferido assim —
comentou, divertido.
O primeiro impulso dela foi abotoar-se novamente e fugir
daquele olhar provocante. Mas hesitou. Aquele não teria
sido um gesto típico de Jan. Brincadeiras e provocações
faziam parte de sua segunda natureza. Para começar, ela não
teria ficado ali Sentada rígida, enrubescendo a cada vez
que ele a olhasse, o coração acelerando sempre que os dedos
dele encostassem em sua pele.
Que loucura! Já tinha sido beijada, abraçada, tocada. Por
que aquele homem tinha o poder de conseguir perturbá-la
tanto? Não fazia sentido. Tudo que percebia era a
proximidade dele. Já não conseguia raciocinar com lógica.
Surpreendeu-se imaginando como se sentiria se ele a
beijasse, se aqueles lábios firmes encontrassem os seus,
antes de começarem a descer para. . . Com um esforço
desesperado tentou se afastar daquele sonho perigoso.
— Não lute tanto contra seus instintos — disse ele,
brincalhão. Juliet sentiu-se gelada. — Mário já está
perdido mesmo. Para que afastar seu corpo do meu? — Pegou-a
então pelo queixo, forçando-a a encará-lo. — Posso dizer a
Annunziata que não precisa preparar outro quarto, Janina? —
A mão dele deslizou para o pescoço, depois desceu até o
ombro e por fim acariciou-lhe os seios. Santino incli-nou-
se um pouco e sua mão chegou até a cintura de Juliet, que
deu um grito assustado ao perceber que mais um botão da
blusa estava sendo desabotoado.
— Não! — gritou ela e segurou a frente única antes que
seus seios ficassem expostos.
— Por que não? — perguntou ele suavemente. — Talvez eu não
lhe proponha casamento, como meu irmão, mas verá que sou
generoso. Por que adiar uma coisa que, sabemos, será
inevitável?
Juliet sacudiu a cabeça violentamente. Ergueu o queixo e o
encarou, desafiadora.
— Não duvido que já tenha planejado tudo — disse ela com
um ligeiro tremor na voz. — Mas se esqueceu de uma coisa:
acho você e suas investidas nojentos!
O silêncio que se seguiu foi terrível. Apesar de sua
coragem, Juliet sentiu um arrepio nervoso percorrer todo
seu corpo quando olhou para ele. Santino não escondia sua
raiva, mas ela já esperava por isso. Era raiva e algo mais
que ela não soube identificar imediatamente.
— Então me acha nojento? — perguntou finalmente, separando
bem as palavras e criando uma certa tensão. — Está mentindo
e sabe disso tanto quanto eu. Se não fosse pelo fato de
Annunziata estar prestes a servir o almoço, eu provaria,
aqui e agora, que está mentindo — concluiu, insolente,
oihando-a da cabeça aos pés.
Ergueu-se e, antes que Juliet pudesse imaginar suas
intenções, ergueu-a também, colocando-a de pé à sua frente.
Enquanto ela ainda estava sem equilíbrio, puxou-a contra
seu corpo, fazendo çom que sentisse sem disfarces sua
virilidade.
Durante um longo momento ele a manteve ali, mostrando-lhe a
potência do seu abraço e do seu sexo. Sua mão acariciou-lhe
os cabelos e seus lábios se aproximaram dos dela.
Juliet mal conseguia respirar. Pensar, muito menos. Mas de
repente gemeu. Se Santino ouviu, não demonstrou nada. Seu
abraço não se afrouxou e ele tampouco diminuiu a
intensidade de seus carinhos. Parecia querer devorar-lhe os
lábios. Com muito esforço Juliet manteve os braços caídos
ao longo do corpo. Queria abraçá-lo também, puxá-lo para
mais perto, entregar-se totalmente, ser enfim a prisioneira
que ele pretendia que ela fosse.
Quando finalmente ele a soltou, sentiu gosto de sangue nos
lábios e levou a mão até a boca. Santino abaixou os olhos,
aqueles olhos de leão atrás da caça, pensou Juliet com
vontade de gritar e rezando para que a tocasse novamente.
Como se atendesse a seu pedido, ele se dirigiu a uma
mesinha baixa, cheia de garrafas e copos, perto da janela.
Pegou uma garrafa e destampou-a, voltando a olhar Juliet
como se ela fosse uma estátua de pedra. Sua expressão era
fria, apesar de tentar parecer divertida.
— Um aperitivo? — ofereceu com um tom de ambiguidade. — Vai
nos abrir o apetite!
Durante um momento Juliet encarou-o ali parado, fazendo as
vezes do anfitrião gentil. Em seguida retirou-se para o
quarto e, ao fechar a porta, pôde ouvir ao longe a sonora
gargalhada de Santino.
CAPÍTULO V
Juliet sentou-se desconsolada na beira da cama, observando
o chão. Na bandeja ainda estavam os restos do café da manhã
que Annun-ziata tinha trazido. Sentia-se um pouco culpada
por dar mais trabalho à empregada, mas ou continuaria com
fome ou pediria o almoço no quarto. Não ia aguentar ver
Santino Vallone à sua frente durante toda a refeição.
Nunca em toda a sua vida havia imaginado que alguém a
beijasse tão selvagemente ou fosse tão insolente como ele.
O pior é que o objeto de toda aquela paixão e arrogância
era sua irmã, e não eia.
Podia fingir que era Jan, mas a atração que sentia por
Santino era muito sua. Tinha sido boba ao achar que um
homem com a experiência dele não ia perceber isso.
A última reação que esperava de si mesma era a de ter
correspondido ao beijo dele como uma virgem amedrontada,
pensou, sorrindo. Mas no fundo ela não passava disso e nem
mesmo conseguira disfarçar.
Afastou os cabelos dos ombros. Aquela charada estava
ficando mais complicada e ela sentia que precisava
confessar sua verdadeira identidade a Santino. Não ia ser
nada agradável, pois Juliet sabiá como ele ficava quando
estava com raiva e não se sentia segura o bastante para
provocá-lo outra vez.
Na verdade, não pretendia fazê-lo, de jeito nenhum. O que
ela mais queria era sair daquele quarto e ir.para um que
fosse só seu, onde pudesse se trancar pelo menos à noite.
Levantou-se e pegou a mala, determinada. No corredor
parou, olhando as portas fechadas. O quarto ao lado do de
Santino estava vazio, mas ela decidiu evitá-lo por estar
muito próximo ao dele. Escolheu um quarto menor, do outro
lado do banheiro que havia usado de manhã. Estava mobiliado
com o mesmo estilo antigo e precisava apenas de uma ligeira
arrumação.
Juliet começou então a procurar cabides para pendurar suas
roupas. Depois verificou se a velha fechadura da porta
estava funcionando. Estava um pouco dura, mas depois de
algumas tentativas conseguiu mover a lingueta e trancar a
porta. Depois, tentou abri-la, mas enfrentou uma certa
dificuldade e, quando o conseguiu, deu com Annunziata no
corredor, segurando uma bandeja, a boca aberta de espanto
com os acontecimentos que se sucediam.
Quando Juliet deu a entender que queria a cama arrumada o
espanto de Annunziata chegou às raias da incredulidade. Seu
rosto ficou até engraçado. Claro que Annunziata considerava
a ocupação de um outro quarto um desperdício. Começou a
falar descontroladamente, revirando os olhos e gesticulando
as mãos nervosas. Queria dizer que Juliet devia partilhar a
cama com Santino.
Era óbvio, Juliet pensou, que ele não tinha se incomodado
em explicar a Annunziata o que estava acontecendo. Se ao
menos a criada falasse algumas palavras em inglês e ela um
pouco de italiano, a situação toda poderia ser esclarecida
em alguns momentos. Do jeito que estava, Annunziata
acreditava piamente que tinha havido apenas uma briguinha
de namorados antes do almoço, mas tudo seria resolvido na
hora de dormir. Continuou sacudindo a cabeça e Juliet a viu
sair, sem grandes esperanças de que satisfizesse seu pedido
e lhe arrumasse a cama.
A vista daquele novo quarto era um pouco diferente. Dava
para ver uma praia com areia prateada e alguns barcos
ancorados. Ela imaginou que seriam barcos de pescadores.
Decidiu que exploraria a praia mais tarde. Almoçou, depois
foi até a cama e tirou as sandálias, atirando-as sobre o
colchão. Tinha fechado as cortinas e o quarto estava um
pouco escuro. A luz era agradável e Juliet percebeu que
depois do almoço suas pálpebras começavam a se fechar
involuntariamente. Tentou não cochilar. Queria apenas
descansar um pouquinho. Depois colocaria um biquini e iria
até a praia. Enquanto isso, pretendia ensaiar algumas
frases para dizer a Santino, na hora em que tivesse de lhe
confessar quem era.
Seria terrível ficar na frente dele, contando tudo. Era
melhor preparar antes o que tinha a dizer, pensou, tentando
procurar uma boa frase para iniciar a confissão. Tudo lhe
parecia artificial e ridículo.
Seus pensamentos rodopiavam e de repente Juliet se viu
sonhando acordada, confessando a Santino que o amava.
— Mas isso é realmente ridículo! — exclamou para si mesma.
Quando abriu os olhos de novo viu Annunziata de pé, com os
braços cheios de lençóis e colchas.
— Oh, céus! — Juliet sentou-se, espreguiçando-se
languidamente. Estava espantada por ter dormido quase duas
horas. Achou que ainda estava sofrendo os efeitos do
tranquilizante que Santino tinha colocado em seu café na
noite anterior.
Ajudou Annunziata a arrumar a cama, procurando ignorar as
observações da criada. Ela lhe dizia que o patrão tinha
dado permissão para que ela usasse aquele quarto. Juliet
surpreendeu-se, mas não deu mostras disso. Entretanto,
estava aliviada. Talvez Santino tivesse acreditado em suas
palavras. A memória daquele beijo violento a perseguia.
Parecia que ele tinha decidido brincar de gato e rato.
Esperava que a brincadeira durasse apenas mais vinte e
quatro horas, para ter certeza de que Jan e Mário já
estivessem casados. Depois faria sua confissão. E, quando
tudo estivesse acabado, Santino talvez nunca mais lhe
dirigisse a palavra novamente.
Quando Annunziata terminou com suas reclamações sobre as
excentricidades das inglesas, Juliet vestiu um biquini.
Mais uma vez, era algo muito mais ousado do que esperava.
Olhou-se no espelho e Jevou um susto ao perceber o quanto
iria expor seu corpo aos olhos dele. No último minuto
vestiu uma túnica dè algodão branco, de decote redondo e
mangas imensas. Até descobrir que aquela praia era pública,
ficou imaginando que apenas dois oihos masculinos iriam
observá-la.
Desceu e dirigiu-se à porta de entrada. Antes de abri-la,
imaginou, por um momento, se alguém tentaria impedi-la de
sair. Não, parecia não haver ninguém em casa, com exceção
de Annunziata, que tinha ido para a cozinha. Juliet sentiu-
se desapontada, pois estava certa de que ele a procuraria
durante a tarde, para discutirem novamente.
Ao sair percebeu que estava mais quente do que supunha e
ficou imóvel alguns momentos, procurando acostumar o corpo.
Agora podia ver que o castelo tinha sido construído em uma
saliência da rocha, numa das extremidades de uma pequena
baía. À sua frente, uma escada com degraus de pedra levava
até a praia. Lá embaixo estava o carro de Santino,
estacionado sob algumas árvores.
Para onde olhasse só via o vapor do calor. Ao longo da baía
havia uma série de casas brancas que faziam parte de um
vilarejo. Logo abaixo do castelo estava a costa rochosa com
caminhos que se dirigiam ao vilarejo. Juliet viu que havia
uma pequena praia escondida com uma porção de barcos
pesqueiros.
Queria ficar sozinha e achou que a pedra acima do castelo
seria o melhor lugar. Não pretendia tomar seu banho de sol
à vista daqueles pescadores italianos. Protegeu os olhos
com as mãos e lembrou com saudades dos elegantes óculos
escuros que tinham ficado em Roma. O sol queimava sua
cabeça. Começou então a procurar um caminho que a levasse
até a praia, onde certamente estaria mais fresco.
Desceu e passou pelo carro de Santino. Sentiu um desejo de
se aproximar e examiná-lo mais de perto. Algo dentro dela
lhe dizia que Santino podia tê-lo deixado aberto com as
chaves no contato e o tanque cheio de gasolina. Quando o
trinco da porta não abriu, ela percebeu que estava sendo
otimista demais. Estava realmente fantasiando! De qualquer
forma, como ia dirigir aquele carro pelas estradas, se nem
sabia o caminho de volta a Roma? Sacudiu a cabeça
desanimada e afastou-se. Nisso algo em uma das janelas mais
altas do castelo lhe chamou a atenção: um brilho, como se o
sol estivesse se refletindo em um vidro móvel.
Ficou indignada. Alguém, e só podia ser Santino, a
observava com binóculos. Voltou-se em direção ao castelo e
fez uma careta. Era uma reação infantil, mas fê-la sentir-
se muito melhor. Desceu para a praia com a cabeça erguida e
tomou a direção das pedras. Imaginou se ele ainda estava
observando, mas nada neste mundo a faria olhar para trás.
Ao contrário do que supôs, parecia que perto do mar o calor
era ainda maior. Subiu em uma pedra e achou que, pelo menos
ali, ninguém no castelo podia vê-la. Sem hesitar, tirou a
túnica e deixou-a cair sobre a pedra, antes de mergulhar. O
frescor da água causou-lhe uma sensação deliciosa. A água
era cristalina e ela lamentou não ter uma máscara de
mergulho para explorar as rochas e a vegetação do fundo do
mar. Voltou novamente para a pedra e sentou-se, torcendo os
cabelos para que a água escorresse. Sentiu que o biquini
agora estava grudado em seu corpo. Sacudiu então os cabelos
e vestiu a túnica. Â distância, podia ouvir vozes que
vinham do vilarejo, trazidas pelo vento.
Era um lugar muito tranquilo, quase paradisíaco, mesmo com
aquele diabo observando-a de longe. Sorriu ao imaginar
Santino como um diabo. Não era preciso muito esforço. Ele
tinha o orgulho de Lúcifer e o rosto de um anjo mau.
Juliet tentou afastar estes pensamentos. Mas, no fundo, era
romântico imaginar Santino como um príncipe das trevas. Na
verdade, cie era apenas um industrial poderoso que não
hesitaria em fazer a lei com suas próprias mãos, caso fosse
necessário. O lamentável era sofrer isso na própria pele.
Encostou o queixo nos joelhos e ficou olhando a água,
imaginando o que teria acontecido se tivesse encontrado
Santino em outras circunstâncias, como outras mulheres que
tinham vindo ali ao castelo, como uma namorada casual, uma
amiga ou amante. Lembrou-se do jantar na noite anterior,
quando ele lhe pareceu quase humano e ela se sentiu, pela
primeira vez, atraída por ele. Foi um momento em que a
sombra de Jan não se interpôs entre ambos.
Se o tivesse encontrado por acaso, enquanto estivesse
passeando em Roma, talvez ele a convidasse para jantar e
Juliet não estava certa se teria aceitado. Não era verdade!
Teria aceitado sim e jantado com ele, onde escolhesse.
Tinha de admitir isso, mesmo que a humilhasse. Talvez, para
sua própria paz de espírito, se sentisse mais equilibrada
por haver esse antagonismo entre ambos.
Além disso, quem poderia garantir que teriam se encontrado
por acaso em algum lugar? A única razão dela estar ali era
convencê-lo de que era Jan. Talvez tivesse tentado fazer
amor com ela porque se sentia entediado e ela estava
disponível. Não tinha a menor ideia sobre as mulheres que o
atraíam, mas imaginou que seriam morenas, como ele, de
olhos amendoados, ou então louras, parecidas com pinturas
italianas da Renascença.
Uma coisa era certa: quando ele e Jan se encontrassem,
Santino se perguntaria como podia ter cometido aquele erro,
ao ver que a semelhança entre as duas era superficial. Isso
já acontecera muitas vezes em sua vida. Ver-se descrita
como uma criança adorável e depois perceber que as pessoas
quase perdiam o fôlego quando Jan entrava. Tinha se
acostumado a ser "a outra" ou "a quietinha". Teve vontade
de chorar e, num gesto infantil, esfregou os olhos com
força.
Muito próxima, ouviu a voz de Santino:
— Qual é o problema? — perguntou ele.
Ela se assustou. Tinha estado tão distraída em seus
pensamentos que não o vira se aproximar.
— Nada. O sol está forte demais, não acha?
— Você não tem óculos escuros? Olhou-o furiosa e exclamou:
— Você se esqueceu de trazê-los!
— Deve perdoar meu esquecimento. — Admirou-a com os olhos,
detendo-se especialmente nas curvas de seu corpo. — Em
compensação, acho que escolhi bem as outras coisas.
— Se você acha. . . — Queria que parasse de observá-la.
Ficou olhando o mar e ouviu-o assobiar baixinho. Era um som
desagradável e Juliet deduziu que ele queria chamar a
atenção sobre si.
— Você parece fascinada com a Sicília.
— Estamos na Sicília? Não tinha ideia. Nunca vim aqui
antes. . .
— Nunca veio? — Ele a encarou. — Pensei que tinha
conhecido Mário quando posava para uma revista, perto de
Palermo.
Ela engoliu em seco.
— Bem, naturalmente — disse depois de alguns momentos. —-
Quis dizer que nunca tinha visto o lugar deste ângulo. —
Sorriu, meio sem graça. — Quando se está trabalhando, todos
os lugares são iguais, você sabe.
— Não acredito —- afirmou Santino. — Troque de lugar com
uma operária de fábrica e verá que tenho razão.
Ela enrubesceu, consciente da bobagem que havia dito.
— Não quis dizer isso.
— Espero que não. Sabe que você me intriga, Janina?
— Não sei por quê.
— Eu lhe digo. Você não se encaixa na imagem que eu fazia
de você. Muita coisa combina, mas outras não.
Juliet sentiu» que ficava tensa. Então é isso, pensou, que
pode me denunciar.
Tentou se controlar.
— Desculpe-me se não me encaixo no modelo de feminilidade
que esperava.
— Não disse isso. — Santino sorriu.— Você corresponde a
todas as minhas expectativas e a outras tantas.. . — Ele
sacudiu levemente a cabeça, — Acho que tudo faz parte desse
mundo artificial em que vive. Você acaba esquecendo o que é
ser uma pessoa espontânea, de verdade. Está sempre
desempenhando um papel, como se isso fosse sua segunda
natureza.
A imagem que Santino fazia dela era idêntica à que Juliet
fazia da própria irmã.
— Mas, devo confessar — continuou, com a voz cada vez mais
profunda — que de vez em quando vejo em seus olhos algo que
me intriga.
Ela sentiu o coração bater mais rápido. Sentiu um impulso
de dizer a ele toda a verdade. Mas ainda era muito cedo! Se
o casamento ainda não tivesse sido realizado, Santino
poderia evitá-lo. Sorriu.
— Já lhe ocorreu que eu posso ser aquela pessoa pela qual
Mário se apaixonou?
— Não, não é isso — disse ele, amargo. — Sei exatamente
qual a atração de Mário por você e garanto-lhe que não é
por sua boa alma. No começo, antes que você o convencesse a
lhe propor casamento, ele foi muito franco sobre o assunto.
— Então por que não tentou acabar com nosso caso naquela
época? Isso me surpreende! — retrucou, curvando-se de tal
modo que seu cabelo veio todo para a frente.
— Por que deveria? Disse a mim mesmo que Mário tinha todo
o direito de se divertir como quisesse, antes de se casar,
de constituir uma família. — Seu tom era cínico. — Enganei-
me ao acreditar que você conhecia as regras para esse tipo
de jogo e que estava disposta a aceitá-las.
— Não está com medo de que Mário o odeie para sempre por
tudo que está fazendo?
— Não duvido; mas só no começo. — Ele parecia divertido. —
Pode desistir, se pensa que tem o poder de nos colocar um
contra o outro. Mário se acalmará. Você foi para ele uma
amante ótima, mas todas as boas coisas chegam ao fim, ele
sabe disso muito bem. Tem obrigações com a família e tenho
certeza de que não sentirá peso na consciência se souber
que você. . . foi bem cuidada.
— Cuidada por você, suponho — disse ela, com ódio na voz.
— Meu Deus, se você ao menos soubesse como o odeio, como o
desprezo.
Ele riu.
— Isto não me perturba, Janina. Um pouco de ódio pode até
quebrar o tédio. Pelo menos não vai me aborrecer com
intermináveis e falsas declarações de amor. — Ficou em
silêncio alguns momentos, depois agarrou-a pelos ombros e
puxou sua túnica. — Não vamos nos enganar, Janina —
murmurou. — Existe alguma coisa entre nós desde o primeiro
momento em que nos encontramos. Sei disso e você também.
Portanto esqueça os detalhes virtuosos. — Santino curvou a
cabeça e ela sentiu seu hálito quente no pescoço. Passou
vagarosamente a língua pela curva suave do seu ombro e
Juliet arrepiou-se inteira.
— Tem gosto de sal. — A voz de Santino estava mais rouca e
mais próxima do ouvido dela. — Não está usando maquilagem e
seu cabelo parece um ninho de ratos. Se não estivéssemos
cercados por estas pedras eu a possuiria aqui mesmo.
— Deixe-me só! — exclamou, confusa. Estava quase em
pânico e prestes a chorar. Seria tão fácil se entregar a
ele, puxá-ip para perto de si, ficar junto daquele corpo
quente e não resistir mais! Mas no dia seguinte ia acordar
envergonhada e arrependida. Além disso, caso se entregasse
a ele, Santino saberia que ela não era Janina. A dolorosa
falta de experiência de Juliet não deixaria dúvidas sobre a
peça que ela tinha lhe pregado. Apesar de saber que, mais
cedo ou mais tarde revelaria tudo, não queria que ele
soubesse daquele jeito.
— Sozinha? — Parecia incrédulo. — Por que esse desejo
repentino de solidão? Annunziata me disse que você insistiu
em ficar no quarto de hóspedes. Está com medo de que ela
fique chocada de vê-la comigo, em vez de com meu irmão? Ela
não sabe nada de seu relacionamento còm Mário. Não lê
jornais, pelo menos não os cronistas sociais, e nenhum
boato chegou a seus ouvidos.
— Na verdade, para ela, eu sou apenas mais uma na longa
lista de convidadas, só que não muito acomodada, não é
mesmo? Acredite-me, não estou tentando fazer com que a
situação seja aceitável para Annunziata. Estou apenas
empenhada em lhe provar que você não me agrada.
— Não a agrado quando sinto seu corpo tremer, seus braços
lutando para não me abraçarem? Janina, você pensa que sou
um bobo com sua primeira namorada?
— Oh, não! Não é isso. . . Nunca! Mas não lhe ocorreu que
está querendo algo. . . querendo comprar algo? Querer não é
motivo suficiente para ter.
Durante alguns momentos ficaram em silêncio. Depois, ele
disse, aborrecido:
— Você é um feixe de contradições, como já disse antes.
Muito bem, vamos fazer o jogo do seu jeito. Mas, no final,
os resultados serão os mesmos. Quanto a meus beijos, duvido
que me diga que está aborrecida ou insatisfeita!
— Você faz tudo parecer tão ridículo! Não consegui
convencê-lo de que estou sendo sincera.
Juliet levantou-se com medo de que ele a detivesse, mas
isso não aconteceu. Eia chegou até o castelo, subiu, as
escadas e só então se virou. Santino estava de pé, no mesmo
lugar. Era uma figura estranha! Quando a viu virar-se,
ergueu a mão e fez uma ampla saudação a ela.
Por alguns momentos, Juliet pensou que viria atrás dela.
Depois viu que tinha tirado a camisa e as calças, para dar
um mergulho. Ficou na beirada da rocha, imóvel, um momento
antes de se atirar na água. Só então Juliet percebeu que
estava nu. Virou o rosto rapidamente, sentindo-se traída
pelo rubor que lhe subiu às faces e dirigiu-se rapidamente
para a porta do castelo.
Juliet ficou se observando em um grande espelho, no canto
do quarto. Estava confusa. Dentro de alguns minutos seria
hora de descer para o jantar e ela queria ter certeza de
que estava bem.
Tinha se vestido com muito cuidado, escolhendo, depois de
algumas dúvidas, o vestido de noite que havia comprado na
Inglaterra e que, por sorte, estava entre as roupas que
Santino trouxera.
Não tinha resistido àquele vestido quando o viu na butique,
mas não havia imaginado que o usaria naquelas
circunstâncias. Era de um tecido muito macio, num tom entre
o verde e o azul. O decote era profundo, arredondado, as
mangas largas e transparentes. A saia era rodada, ampla, e
flutuava em torno das suas pernas quando ela andava. Tinha
uma longa echarpe combinando, que ela havia usado para
amarrar o cabelo.
A severidade do penteado e a fragilidade do vestido
conjugaram-se para torná-la completamente vulnerável. Foi
isso que a perturbou quando se olhou no espelho, pois não
pretendia parecer frágil nem vulnerável. Queria aparentar
segurança e autodomínio.
A roupa era errada, mas outra alternativa seria usar mais
um vestido de Jan e nenhum a agradava. Todos eram elegantes
e caríssimos, mas chamavam muito a atenção. Eram as roupas
perfeitas para o mundo superficial em que Jan circulava,
pensou Juliet, triste.
Que adiantava atrair um homem quando se sabia que após
satisfazer seu desejo nada mais restaria?
Já não estava mais conseguindo atuar como Jan. A
brincadeira estava ficando muito longa e de mau gosto. Além
do mais, não tinha sequer conseguido melhorar a imagem da
irmã aos olhos de Santino.
Tinha chegado à conclusão de que as observações dele diziam
respeito a Jan, à vida que ela levava desde que tinha ido
trabalhar na Itália, uma vida que Juliet desconhecia e
preferia continuar ignorando. Agora que sabia a verdade,
convenceu-se mais do que nunca de que sua mãe deveria
continuar ignorando o comportamento de Jan. Esperava que
Santino estivesse sendo excessivamente preconceituoso,
exagerando tudo que havia dito sobre ela.
Geralmente Juliet se surpreendia pensando que ele estava
falando sobre uma garota completamente estranha, não aquela
com quem ela havia crescido e que pensava conhecer.
Sacudiu a cabeça e viu as pontas da longa echarpe
esvoaçarem. Sorriu. Era um vestido tão bonito e romântico!
Um vestido para sonhar e amar.
SÓ que não havia nenhum amor à sua espera. Talvez houvesse
uma paixão ou uma satisfação sexual passageiras, se o
aceitasse; algumas horas deliciosas, que nunca mais se
repetiriam. Mas, quando terminassem, o que restaria? O
sentimento que poderia transformar a paixão em ura
relacionamento mais durável, simplesmente, não existia.
Depois que Santino a possuísse, iria desprezá-la. E quando
descobrisse sua verdadeira identidade, as coisas seriam
piores.
Juliet virou-se para o espelho. Não podia esperar mais. A
última coisa que desejava era ver Santino bater na porta, O
quarto parecia muito íntimo para se encontrarem, pensou, o
coração batendo descontroladamente. Seus olhos se abriram
mais, quando se voltaram para a cama. Estava imaculada, com
lençóis limpos e sua camisola dobrada aos pés da cama.
Saiu rapidamente e desceu a escada, olhando cuidadosamente
onde colocava os pés, com medo de tropeçar.
_Santino estava de pé, perto da janela, segurando um copo.
Juliet podia jurar que não tinha feito nenhum barulho
enquanto descia as escadas, mas mesmo assim ele se virou.
— Quer um drinque? — perguntou abruptamente, franzindo as
sobrancelhas como se tivesse dificuldade em reconhecê-la.
— Um suco de frutas, por favor. Estou com muita sede. Fez
tanto calor hoje. . .
Ele serviu o suco e estendeu-lhe o. copo sem comentários,
Juliet sentiu-se desapontada ao perceber que tinha esperado
que ele a achasse bonita. Sou uma boba, concluiu,
impaciente.
A sala estava iluminada com velas. Annunziata tinha
distribuído castiçais em diferentes lugares.
— Parece tão arrumado —- comentou Juliet, um pouco para si
mesma, e enrubesceu ligeiramente ao olhar para Santino. —
As velas.. . aquele conjunto ali.. .
— Você é romântica, Janina? — perguntou, com um sorriso
meio irónico. — Não pensei que fosse. Logo vai me dizer que
se apaixonou pela sua prisão.
Não pela prisão, mas pelo carcereiro, gostaria de ter dito.
Em vez disso, e com uma voz totalmente diferente da sua,
disse:
— Sempre me interessei por História. Acho que este castelo
é muito antigo, não é?
— Sim. — Santino parecia saber que ela estava tentando
evitar um determinado assunto. — Foi construído pelos
sarracenos, eu acho. Desde então foi destruído e
reconstruído várias vezes.
— Você vive aqui há muito tempo? — perguntou, evitando
encará-lo.
— O tempo suficiente — respondeu, frio. — Já tinha mudado
de donos muitas vezes antes que eu entrasse em cena.
Precisava de uma porção de reformas e isso deve ter
desencorajado os antigos proprietários.
— Mas não o desencorajou.
— É verdade. Desde a minha infância sonhava em viver num
lugar como este. Havia um plano para transformá-lo em um
hotel, mas consegui evitá-lo a tempo.
— É contra o turismo?
— Não, acho até que seria de grande benefício para uma
região pobre como esta. Mas o castelo não é grande o
bastante para se transformar em um bom hotel. Acho que pode
ser melhor aproveitado como residência particular. Isto não
me impediu de entrar em sociedade com outros homens de
negócios que estão construindo uma cadeia de hotéis de luxo
ao longo da costa.
— Não vai estragar seu sonho, tendo de dividi-lo com
outros? — perguntou baixinho.
— Sonhos são para crianças. Apenas os tolos os confundem
com a realidade. — Ele tomou de um só gole tudo o que
estava no copo e colocou-o novamente na bandeja.
Juliet percebeu que havia uma certa energia emanando dele,
como se estivesse irritado. Mas não conseguiu descobrir o
que tinha dito ou feito para despertá-la. Lembrou que tinha
reagido da mesma forma em outras ocasiões, quando tentara
se aproximar, saber o que ele pensava, em que acreditava.
Era a prova que precisava para saber se seu interesse por
ela era apenas físico. Seus pensmentos e suas emoções não
despertavam o menor interesse nele.
Santino não desejava nenhum tipo de estímulo intelectual
por parte de uma mulher. Só queria sexo e nada mais.
Estaria se enganando se imaginasse que sua resistência
tinha despertado o interesse dele ou até mesmo seu
respeito. Se havia percebido que não podia seduzi-la,
talvez desse de ombros e a colocasse em sua lista de
exceções. O fato de ter encontrado uma mulher que não
estava ansiosa em ir para a cama com ele não o afetava em
nada. Poderia ficar um pouco irritado, nada mais que isso.
Nos próximos dias ia encarar o fato com algum
aborrecimento, depois esquecê-lo.
Ele não voltou ao sofá onde Juliet estava sentada.
Continuou de pé, perto da janela. Ela ficou imaginando por
que Santino estava com o olhar fixo lá fora. A escuridão
era total e não dava para ver nada.
Ficou contente quando ouviu a porta se abrir e Annunziata
avisar que o jantar estava pronto. Depois de servi-lo a
criada não saiu imediatamente. Ficou ali, observando-os e
sorrindo, orgulhosa. Tinha todo o direito de estar assim,
pensou Juliet, enquanto tomava a sopa. Sentia-se mais viva,
mais animada com a presença deles.
Juliet inclinou o rosto sobre o prato, evitando
instintivamente o olhar dele. Ali, na sala de jantar,
pareciam separados do castelo. As velas, com sua luz suave,
criavam um clima meio irreal. . .
Sem nenhuma razão, ela se lembrou daquela mariposa que
voava na mesa do restaurante.. . Tinham se passado apenas
vinte e quatro horas e parecia toda uma vida! A mariposa
tinha sido atraída pela luz que, ao mesmo tempo, poderia
tê-la levado à morte.
E ela, será que era melhor do que a mariposa? Estava sendo
atraída também. A chama que ameaçava queimá-la era a
atração que sentia por Santino, uma chama capaz de desiruir
toda sua resistência e até mesmo seu respeito próprio.
Gomo se estivesse sonhando, ouvia a voz dele perguntando se
havia terminado. O rosto dela estava iluminado pelas velas
à frente do prato vazio. Seus pensamentos rodopiavam,
desgovernados.
Ele pegou um sininho e chamou Annunziata. Ela retirou os
pratos vazios e trouxe sardinha grelhada. A criada devia
estar acostumada a atender àquele sininho. Se o dono da
casa não a chamasse era porque ele e suas convidadas não
queriam ser perturbados.
Observando-a sob os cílios, Juliet imaginou o que
Annunziata pensaria daquelas constantes visitas de mulheres
diferentes. Estaria chocada? Usava um crucifixo de prata no
pescoço e devia ser católica. Talvez o salário que Santino
lhe pagava fosse suficiente para acalmar sua consciência.
Afinal, Juliet sabia, por experiência própria, que ele
achava que todos podiam ser comprados.
Forçou-^se a comer porque não queria que Santino percebesse
as emoções que se apoderavam dela. Mas não sentia nenhum
apetite. Estava contente por ele não querer conversar.
Entretanto, mesmo aquele silêncio a perturbava. Talvez
fosse um silêncio deliberado, ou uma outra armadilha para
torná-la ainda mais vulnerável.
O vinho estava gelado e seco. Ficou contente quando sentiu
que seu sangue circulava mais rapidamente. Annunziata
voltou, demonstrando desapontamento ao ver que Juliet tinha
comido muito pouco. Talvez os próximos pratos estivessem
mais a seu gosto, pensou a criada. Juliet serviu-se de
galinha com cogumelos, mas percebeu que, do outro lado da
mesa, Santino a observava. Ficou nervosa e achou difícil
mastigar e engolir sob seu olhar. Entretanto, o vinho a
fizera recuperar a confiança em si mesma.
Santino pegou então a garrafa, serviu de novo o vinho e,
erguendo seu copo, fez um brinde:
— Saúde, Janina!
Ela também ergueu o copo, mas não disse nada.
Santino usava um blazer de veludo preto e uma camisa branca
simples, mas ambos da melhor qualidade.
Ele ergueu os olhos e viu que Juliet o observava. Mas antes
que fizesse qualquer pergunta, ela decidiu falar:
— É porque sou pobre, porque tenho de trabalhar para
viver, que minha. . . que não posso casar com seu irmão? —
Juliet estava mais descuidada. Em sua pressa, quase tinha
dito minha irmã e esperava que ele não houvesse percebido.
Santino foi pego de surpresa pela pergunta.
— Está tentando ser engraçada? — perguntou ele, arrogante.
— Não! — exclamou Juliet, sacudindo a cabeça diversas
vezes.
— É que não consigo compreender por que se opõe tanto à
ideia. Você nunca me falou sobre o motivo real, só deixou
suas acusações pairando no ar.
— E as conclusões que tirou não bastaram? — Ele tornou a
encher o próprio copo. —Desculpe, Janina, se não fui claro.
Pensei que tínhamos nos entendido.
— Não tenho mais certeza de ter entendido nada — disse ela
com um certo cansaço.
— Então, entenda isso de uma vez por todas. Nunca
desprezei a pobreza honrada. Acha que minha família sempre
foi rica? Que sempre vivi em lugares como este, com criados
à minha volta? Você não sabe de nada. O que tenho, consegui
com minhas mãos. Amanhã vou levá-la ao vilarejo, Janina, e
verá a casa em que meu pai nasceu. Vai me perguntar como
ele conseguiu sobreviver, como pôde manter sua família.
— Você nasceu lá também? — perguntou Juliet timidamente.
Ele sacudiu a cabeça.
— Vi a luz do dia nas favelas de Reggio — respondeu,
indiferente.
— Um começo pior do que a casa de Roccaforte. Ê preciso
muita força de vontade para sobreviver lá e isso eu tinha
de sobra! — Encostou-se então na cadeira e perguntou: —
Mário não lhe falou sobre isso?
Ela fez que não com a cabeça, esperando que ele não pedisse
maiores explicações. Santino sorriu.
— Talvez ele se julgue agora mais aceitável a seus olhos
do que antes, Janina. Deve ter vergonha do passado humilde.
— Sua voz se tornou amarga. — Não que ele não tenha se
esforçado. Era muito jovem e seu caminho tornou-se mais
fácil com meu sucesso. Fácil demais, talvez.
— Por favor, será que pode entender que não estou
interessada no dinheiro de Mário? — protestou, furiosa. Oh,
tomara que seja verdade em relação à Jan, pensou.
— Acredito em você. Por que não? Deve haver homens muito
mais ricos em sua vida, se me permite falar claramente. Mas
Mário é jovem e tolo, pois foi o único a lhe propor
casamento, não foi, Janina? Um marido rico e bonito lhe
daria toda a respeitabilidade que você decidiu ter. Não a
culpo. Em seu círculo permissivo de amizades, já deve ter
começado a ser notada. Mário surgiu como um salva-vidas
para alguém que se afogava. Mas, por mim, você pode se
afogar, porque meus planos para Mário não incluem um
casamento com uma prostituta do seu tipo!
Ela gritou e atirou todo o conteúdo de seu copo no rosto
dele.
— Meu Deus! — exclamou ele, levantando-se e procurando
rapidamente um guardanapo para enxugar o vinho que lhe
escorria pelo rosto.
Juliet ficou sentada como se tivesse virado uma estátua de
pedra. Era engraçado vê-lo assim, mas ela não estava com a
menor vontade de rir.
Santino pegou o sininho e tocou violentamente.
Quando Annunziata entrou, vermelha e afobada, ele fez um
gesto para que tirasse a mesa. Juliet estava envergonhada
do que tinha feito, mas talvez aquela fosse uma reação
instintiva. Não poderia ter ficado ali, calmamente,
ouvindo-o chamar sua irmã de prostituta. Sentiu frio e um
ligeiro enjoo.
Santino aproximou-se dela, agarrou-a pelos pulsos e a
colocou de pé.
— Este cabelo acobreado combina muito com seu
temperamento. — Desculpe — disse ela, mordendo o lábio e
tentando disfarçar a dor que sentia nos pulsos. — Você não
devia ter dito aquilo.
— Você quis ouvir a verdade -— retrucou friamente.— Vai se
arrepender, eu lhe prometo...
Empurrou-a para um dos sofás e sentou-se a seu lado. Foi
então que ele a abraçou e beijou, sem que ela pudese
protestar.
Santino estava sendo rude e Juiíet sabia que ele estava
agindo daquela maneira movido pelo ódio, e não por paixão.
Para Annunziata, que continuava tirando a mesa, parecia que
o patrão estava restabelecendo seu domínio sobre uma amante
teimosa.
O peso do corpo dele a empurrava para trás, contra as
almofadas do sofá. Havia colocado as mãos entre elas, na
tentativa de empurrá-lo, mas de nada adiantou. Estava com
os dedos apoiados na camisa de Santino, e sentia o calor de
sua pele. De dentro dela uma vozinha dizia que desabotoasse
a camisa e lhe tocasse o peito peludo que tanto a excitava.
Santino ergueu a cabeça e a olhou. Estava com as
sobrancelhas franzidas e ela sentiu que grande parte do
ódio se dissipara com aquele beijo.
Quando se inclinou para ela novamente, seus beijos e seus
carinhos tornaram-se mais suaves. Agora a tocava levemente
com os lábios, acariciando-lhe o queixo, a testa e os olhos
quase fechados. Novamente ela enrubesceu, traída pela
emoção provocada por aquela inesperada ternura.
Santino beijou-a no pescoço e acariciou-lhe demoradamente
os ombros.
Juliet sentiu um nó na garganta. As mãos e os lábios dele
eram muito persuasivos. Estava sentindo um tumulto
emocional. O controle de Santino, por si só, já era uma
provocação. Ela percebeu envergonhada que seu próprio corpo
se elevava para encontrar o dele, numa oferta silenciosa.
Seus seios arredondados forçavam a blusa fina, com os bicos
rijos de desejo.
Ele a encarou novamente. Seus olhos desceram até os lábios
dela como se os quisesse guardar para sempre na memória.
Tirou-Ihe então a echarpe que lhe prendia os cabelos,
deixando-os cair soltos sobre os ombros. Curvou-se então
novamente e beijou-a outra vez, agora com calor e ternura
redobrados.
Quando finalmente Santino ergueu a cabeça, Juliet protestou
baixinho e ele sorriu.
— Não seja impaciente, Janina. — A voz dele soava mais
rouca e profunda. — Temos toda a noite à nossa frente.
Quero dançar com você. É um prazer que me prometi há muito
tempo.
Passou a echarpe pela cintura dela, segurando ambas as
extremidades e puxando-a gentilmente.
Dançar? Estava espantada, pois não havia música.
Como se tivesse lido seus pensamentos, ele a conduziu até
uma arca de madeira entalhada, pressionou um botão
escondido, e a música invadiu o ambiente suave e
vagarosamente. Ele deixou a echarpe cair no chão.
Durante um momento aquilo lhe pareceu a realização de seus
sonhos desde que vira o vestido na loja. Sabia que era uma
roupa para quem está em vias de se apaixonar. E apesar de
tudo que havia sido dito e acontecido, ela realmente se
apaixonara por Santino Vallone. Juntou então seu corpo ao
dele e deixou que a abraçasse possessivamente.
Podia ter ficado assim para sempre. Mas riu suavemente
quando ele a fez rodopiar. A saia florida, longa e
delicada, esvoaçou a seu redor. Ele a puxou de volta para
beijá-la de novo. Nada mais importava, pensou ela, fechando
os olhos e sentindo intensamente a proximidade dele.
Ele a beijou nas orelhas e pediu baixinho:
— Dance para mim, quero vê-la.
Abriu os olhos e percebeu que a sala agora estava muito
mais escura. Enquanto estava dançando, Santino devia ter
apagado algumas lâmpadas, deixando aceso apenas um abajur.
Provavelmente era ali perto da luz que ele desejava vê-la
dançar, pois estava de pé no escuro, observando-a.
Sentiu-se de repente envergonhada e tola. Não era uma
bailarina, mas era difícil resistir ao ritmo daquela
música. Havia uma estranha solidão naquele espaço de luz,
próximo do abajur. Ela começou a dançar usando
primeiramente os ombros e as mãos, depois os quadris e todo
o corpo. O ritmo parecia dominá-la. Seu corpo todo sentia a
luz e o ar, enquanto ela levantava as saias com as mãos,
usando-as como se fossem asas, erguendo e abaixando os
braços.
Mas não sou uma borboleta, pensou, sonhadora. Ela era a
mariposa que circulava em volta da luz, atraída pelo seu
brilho perigoso.
De repente viu que Santino estava atrás dela. Suas mãos
afas-taram-lhe os cabelos do pescoço e ele a beijou na
nuca.
— Estranho, Janina — murmurou em seu ouvido. — Não era
exatamente isso que eu pretendia. Queria que dançasse para
mim do modo que dançou na festa de Vittoria Leontana. Não
deve ter esquecido. Ou devo refrescar sua memória?
Os dedos dele passaram por suas costas nuas até chegarem ao
zíper. Então começaram a puxá-lo. O vestido caiu dos ombros
dela.
Durante um momento, Juliet ficou parada, chocada, sem ação.
Depois deu um grito e recolocou o vestido. Ele forçou-a a
encará-lo. Seus olhos estavam quase fechados e, impaciente,
ele observou os gestos envergonhados dela.
— Por que continuar fingindo? — perguntou ele. — Não se
cobriu diante de mim e de mais trinta outras pessoas na
festa de Vittoria, apesar do seu acompanhante envergonhado
ter interrompido, antes que você tirasse a última peça. —
Santino sorriu como se estivesse lembrando o que
acontecera, mas o sorriso era forçado, duro. Estudava
Juliet como se fosse uma obra de arte antiga e ela
continuava agarrada ao vestido, vermelha de vergonha.
— Não sei o que quer dizer.
— Não sabe? Foi mesmo uma linda dança. Deixou todos muito
excitados, principalmente eu. Mas só tive o privilégio de
ver os últimos minutos. Depois me disseram que você não
estava preparada para tirar apenas o vestido, mas o resto
também. Precisava ouvir os comentários na Via Veneto. — Ele
sorriu. — O strip-tease não é novidade aqui, naturalmente,
mas é muito raro vê-lo em uma festa respeitável. Não
acredito que as profissionais distribuam suas roupas para
os espectadores. — Fez uma pausa. — Pobre Rizziani, estava
tão chateado! Ficou perturbado com seu charme, mas você não
era privilégio só dos olhos dele, como pretendia. Acho que
ficou preocupado também com o preço das roupas que você
atirou com tanto descuido, e que ele provavelmente tinha
pagado.
Juliet sentiu que estava com as pernas moles, como se
apenas a necessidade de ouvi-lo até o fim a tivesse mantido
de pé. Desabou no chão, as mãos ainda agarrando o vestido.
Curvou a cabeça e começou a chorar desesperadamente,
Santino não estava mentindo, mas ela não conseguia aceitar
a verdade que ele havia descrito. Fora extremamente frio,
sem ter a menor ideia de que estava destruindo suas ilusões
sobre a irmã. Janina, a mimada, a mais bela, a invejada!
Juliet ficou apavorada só de imaginar como a mãe reagiria.
Não, ela não devia saber nunca! O bebé não era nada,
comparado com aquilo. Sua mãe não entenderia o
comportamento de Jan e ia ficar extremamente magoada.
Pelo que Santino havia dito, parecia que Jan tinha sido
também amante do tal Rizziani. Era tudo muito degradante,
pior do que havia suspeitado em seus terríveis pesadelos.
Não era de espantar que Santino Vallone se opusesse à ideia
de Jan entrar para a família. Não podia culpá-lo por sua
atitude, tendo conhecimento do que sabia e tinha viste.
— Suas lágrimas são encantadoras — observou ele
cinicamente. — Mas é um pouco tarde para remorsos. Não sou
tão antiquado como Rizziani. Não acho que uma moça bonita
tenha de ser propriedade exclusiva de alguém. E você é
linda. O cabelo parece fogo, a pele parece neve, uma
combinação interessante de cores. Sempre pensei que teria a
oportunidade de vê-la novamente. Esta noite você pode
completar sua dança. Não .haverá nenhum Rizziani para
iníer-rompê-la com suas objeções antiquadas e envolvente em
seu casaco, exatamente no momento da verdade. Portanto,
enxugue os olhos e continue dançando.
— Não posso — disse ela, passando a mão nos lábios
trémulos. — Você não compreende.
— Acho que eu compreendo. — Ele a ergueu sem gentileza.
Seus olhos brilharam à luz do abajur, tornando-o ainda mais
diabólico. — Apesar de toda a descrição que lhe fiz sobre
nosso primeiro encontro, ainda não acredita que eu a tenha
visto, não é? É desagradável ter de lembrar os atos
degradantes, principalmente quando se pensa que todo mundo
se esqueceu deles. Mas por que fingir que está
envergonhada? Não a despi momentos atrás, quando ainda
estávamos nos beijando? Você nem protestou!
Ele segurou o vestido que ela continuava a apertar contra
os seios.
— Um vestido tão bonito! Não me faça rasgá-lo, minha
querida! Ela precisou de muito controle para não o
esbofetear. Estava furiosa e Santino percebeu isso.
Aproximou-se mais dela e a ficou observando, com aquele ar
de desespero estampado no rosto.
— O que é? — perguntou ele. — Janina, não quero. . .
— Não me chame assim! — interrompeu-o. — E não me toque.
Na verdade, quando eu disser o que tenho para lhe dizer,
estarei rezando para não vê-lo nunca mais. — Ela fez uma
pausa e tomou fôlego. — Estive mentindo, desde o começo.
Não sou Janina Laurence. Sou Juliet, sua irmã mais veíha
que chegou da Inglaterra.
CAPÍTULO VI
Juliet ficou de pé, tensa, esperando Santino explodir de
raiva. Tinha se convencido de que ele reagiria assim quando
dissesse a verdade. Sua risada foi um choque para ela. Não
podia acreditar!
— Sua imaginação é realmente fértil demais! — disse ele. —
Mas não é hora nem lugar para isso. Está começando a cansar
minha paciência.
Deu mais um passo em direção a ela. Havia ameaça em seu
rosto e Juliet sentiu que chorava por dentro, quase
dominada pelo desejo de se virar e sair correndo. Ao mesmo
tempo, sabia que tinha de permanecer ali e convencê-lo de
que estava dizendo a verdade.
— Precisa me ouvir —disse ela. Tinha se afastado o máximo
dele e agora não podia ir mais longe. Um dos sofás se
encontrava exatamente às suas costas. — Enganei-o
deliberadamente. Sabia que você pensava que eu era Jan.
Deixei que continuasse pensando, porque não queria que você
a perseguisse mais. Mas minha bolsa está no quarto em Roma,
com meu passaporte. Ele o convencerá de que estou falando a
verdade.
Santino fez uma pausa e Juliet calculou que ele estava
pensando no que tinha ouvido. Mas estava apenas tirando o
blazer de veludo manchado de vinho e a camisa. Quando
voltou seus olhos para ela, Juliet sentiu sua respiração se
acelerar.
— Espera que eu vá correndo até Roma para me certificar
dessa sua história? — Ele sacudiu a cabeça enquanto jogava
a camisa no chão. — Desculpe, minha cara. Tenho coisas
melhores a fazer. Agora pare de tentar me convencer de que
é uma donzela amedrontada — disse, com voz impaciente. —
Venha até aqui. Não é o que ambos desejamos?
Estendeu os braços imperativamente, franzindo as
sobrancelhas ao ver que ela não fazia o menor movimento
para se aproximar.
— Não me obrigue a forçá-la — advertiu-a, bem-humorado,
embora deixando bem clara uma ameaça.
— Tem de acreditar em mim — insistiu Juliet, desesperada.
— Não sou minha irmã. É claro que já viu fotografias dela
nas revistas, não é? E na tal festa que mencionou, deve tê-
la visto pessoalmente.
— Até demais! — comentou Santino, fazendo com que ela
enrubescesse. — Você deve saber, Janina, que quando dança
para um homem usando apenas uma minúscula calcinha de
rendas, dificilmente ele estará olhando o seu rosto. Quanto
às fotos das revistas, a maquilagem muda demais o rosto das
mulheres. Não, você não me convence e a minha paciência,
com este seu comportamento de virgem convicta, está
diminuindo a cada minuto. — Os olhos dele a mediram.
Ela se encolheu no sofá, aterrorizada com a expressão de
sensualidade estampada no rosto dele. Ouviu-o rir
suavemente.
— Entregue-se, Janina — pediu, gentil. — Não me obrigue a
forçá-la.
— Santino, por favor! — Frustrada e desesperada ela
demonstrava no rosto suas emoções. — Não, não faça nada de
que a gente possa se arrepender. . .
Ele riu.
— Quer dizer que vou me odiar amanhã de manhã? Que coisa
mais antiga e falsa! Não vou me odiar, minha querida. E nem
você me odiará.
Sem perder mais tempo ele foi até ela e puxou-a contra si.
Seu gesto brusco fez com que Juliet soltasse o vestido.
Durante um longo momento ele a olhou. Respirou
profundamente e caiu de joelhos ao lado dela, pressionando
o rosto contra a pele acetinada do estômago de Juliet.
— Posso chamá-la de Juliet, se deseja, meu bem -— murmurou
ele, beijando todo o corpo. — Nesta noite, tal nome será
mais do que apropriado.
Ela deu um gemido de prazer. Não conseguiu controlar-se.
Apesar de tentar afastá-lo, suas mãos e lábios a deixavam
cada vez mais excitada. O mais leve toque provocava-lhe uma
torrente de prazer e Juliet perdeu as forças...
Mas, em algum lugar dentro dela, uma vozinha estava
chorando, agoniada. Ela queria ser dele, mas não porque
estava sendo confundida com Jan. Quando Santino começou a
acariciar suas coxas, sentiu que precisava encontrar algo
com que se cobrir. Nenhum dos dois disse nada, até que
Juliet começou a ouvir um estranho barulho. Pareciam
tambores distantes ou mesmo trovões, ou ainda, quem sabe,
as batidas de seu próprio coração desesperado. Mas não
estava muito interessada, só queria passar os braços pelo
pescoço dele, puxá-lo para ainda mais perto. Esperava
ansiosa o momento em que ele a levaria nos braços até lá em
cima, para aquela cama imensa.
Entretanto, o barulho continuava. Deu-se conta de que havia
vozes e Santino começou a praguejar antes de afastá-la de
junto de si, sem muita gentileza.
Ele pegou o vestido amassado e atirou-o para ela.
— Vista-se, Janina — ordenou, enquanto abotoava a camisa.
— Parece que temos visitas.
Por um momento ela olhou para ele, antes de compreender o
que lhe havia dito. Engoliu em seco, vestiu-se, fechando
rápido o zíper, e sentiu que seu rosto pegava fogo e
fatalmente iria traí-la.
Ele já estava na porta, virando-se impaciente para ter
certeza de que ela estava pronta. Puxou a tranca de ferro e
abriu. Juliet apanhou a echarpe e começou a prender os
cabelos. Depois, sentou-se no sofá mais próximo e notou que
suas mãos estavam trémulas.
— Santino! — Era uma voz de mulher e Juliet contraiu-se
involuntariamente quando a ouviu. Na verdade, não iam lhe
poupar nada, pensou.
Mas a mulher que entrou na sala não tinha idade para ser
amante de Santino. Tinha cabelos grisalhos, um andar cheio
de dignidade, era baixa e com tendência para a gordura.
Estava elegante, vestida de preto. Diamantes brilhavam em
suas orelhas e nas mãos;
Santino estava espantado.
— Mamãe! — exclamou.
Começaram então a falar em italiano e Juliet, que se sentou
bem no canto do sofá, desejou que o chão se abrisse e a
engolisse. Mas não tinha jeito de escapar dali. Apesar das
explicações da mãe, que Santino tinha ouvido como uma
estátua de pedra, logo os olhos brilhantes dela percorreram
o ambiente e observaram Juliet. O acompanhante da mãe de
Santino também a notara. Era um senhor alto, calmo, de
rosto distinto e cabelos cinzentos. Olhava-a espantado,
como se Juliet o lembrasse alguém.
Juliet mordeu o lábio. Sabia o que ele devia estar pensando
e não ia negar nada. Se não tivessem chegado, Santino e ela
estariam, naquele momento, fazendo amor.
Ao perceber silenciosamente esta realidade, ouviu Santino
dizer, impaciente.
— Sim, mamãe, mas espere um momento, por favor.
Virou-se abruptamente e foi até onde ela estava sentada.
Estava preocupado.
— Mário foi hospitalizado. Feriu-se num acidente com o
carro, perto de Nápoles.
— E Jan? — perguntou, desesperada. — Jan estava com ele?
Ela está bem?
— É tudo o que tem para dizer? Mais mentiras?
Antes que ela pudesse responder, a velha se aproximou e
perguntou:
— Quem é ela?
— Fale em inglês, mamãe — sugeriu Santino. — É a única
língua que a srta. Laurence compreende.
— Laurence? — A mãe pronunciou o nome cuidadosamente.
Depois exclamou: — Meu Deus, mas é o mesmo nome daquela
moça!
— Virou-se para Santino. — O que você está fazendo aqui com
uma garota com o mesmo nome da outra?
Santino tomou-a pelo braço calmamente.
— Mamãe, esta é a garota que estava envolvida com Mário,
mas não precisa se preocupar mais...
— Esta garota? — A velha examinou Juliet por um longo
tempo.
— Não — disse ela finalmente. — É parecida. É muito
parecida, mas não é a mesma.
— Mamãe, o que você está dizendo? — A voz de Santino
estava rouca.
— Disse que não é a mesma garota — respondeu a mãe
pausadamente. — Como ela estaria aqui, se está no mesmo
hospital que Mário?
Santino não prestou nenhuma atenção à lógica do argumento.
Disse quase para si mesmo:
— Mas não pode ser! — Depois tomou Juliet nos braços,
apertando-a até que sentisse dor. Falou, rouco: — Quem é
você? É melhor dizer a verdade, desta vez!
Juliet afastou-se, encarando-o, desafiadora.
— Já lhe disse quem sou. Meu nome é Juliet e sou irmã de
Janina Laurence. Sou professora e acabei de chegar da
Inglaterra.
— Uma professora? — repetiu, rindo. Soltou-a e se afastou.
— Meu Deus, que confusão!
— O que ela disse? Que é irmã daquela outra? — perguntou-
lhe a mãe.
— Sim, mamãe — respondeu Santino. — É irmã dela.
— Meu Deus! — A velha foi até um sofá e sentou-se. Tirou
da bolsa um lencinho e o ievou aos lábios.
— Até parece castigo! — lastimou-se. — Toda mãe tem filhos
que se casam e têm netos. Eu tenho filhos que andam por aí
com mulheres que não servem para casar. Já não era
suficiente Mário, o mais novo, um ingénuo, fugir com aquela
moça? Será que você tinha de fazer a mesma coisa?
Ela não se esforçou mais para falar inglês. Começou uma
ladainha de reclamações em italiano e Juliet ficou aliviada
por não compreender. Santino não fez nenhuma tentativa para
impedir a enxurrada de palavras da mãe. Permaneceu em
silêncio, com a cabeça ligeiramente inclinada. Juliet viu
que ele estava pálido.
Foi o acompanhante da mãe quem se aproximou dela e, depois
de colocar uma das mãos em seu ombro, disse em um bom
inglês, apesar do forte sotaque:
— Calma. Santino compreende seus sentimentos. Agora basta.
— Virou-se para Juliet e acrescentou: — Desculpe minha
esposa, signorina. Ficou muito nervosa e esqueceu-se de
dizer que sua irmã também está no hospital. O ferimento não
é sério. Apenas algumas costelas quebradas, e só.
Juliet deu um longo suspiro.
— Graças a Deus! — exclamou. — Obrigada, senhor. Vou
avisar minha mãe.
— Mas não esta noite — interveio Santino bruscamente. —
Ouviu meu padrasto dizer que não está gravemente ferida. —
Ele olhou para ela e não parecia mais um estranho perigoso.
O amante que a tinha acariciado momentos atrás havia
desaparecido, ou talvez nunca houvesse existido.
De repente Juliet se sentiu cansada e com sede. Queria
voltar para seu quarto, longe daqueles olhos hostis que
pareciam feri-la. Mas suas pernas estavam moles. Não ia
conseguir andar, estava chocada demais para se mover.
— Atenção, Santino — disse o padrasto. — Acho que a
signorina não está passando bem.
Sem uma palavra, e antes que ela pudesse protestar, Santino
tomou-a nos braços e dirigiu-se para a escada. Seu rosto
continuava pálido, como se achasse desagradável aquela
tarefa.
Mas o que ela estava esperando?, pensou, desolada. Sabia, o
tempo todo, que ia ter de contar a verdade mais cedo ou
mais tarde.
Santino não falou até chegarem ao quarto. Colocou-a na cama
e virou-se, dizendo rispidamente:
— Vou lhe mandar Annunziata.
— Santino — dise ela, erguendo-se um pouco e olhando-o
suplicante. — Como aconteceu... o acidente?
Juliet encostou-se nos travesseiros, fechou os olhos e
deixou que as lágrimas escorressem. Pobre Jan, pensou,
tinha começado a lua-de-mel no hospital. Ainda bem que os
dois sofreram apenas ferimentos leves. Seu maior desejo era
que aquela história toda tivesse terminado, para o bem de
todos.
Virou-se e enterrou o rosto no travesseiro.
Se eles ao menos tivessem esperado mais um momento. Oh, por
que tinham de chegar naquele momento? Por que não deixaram
Santino me possuir esta noite?
Juliet acordou muito cedo na manhã seguinte. Não pensou que
seria capaz de dormir, mas seus sonhos foram quase
pesadelos, Annunziata tinha aparecido, na noite anterior,
com uma bolsa de gelo e um bule de chá. Tinha um gosto de
ervas frescas, mas pareceu refrescá-la à medida que o
tomava sob o olhar cuidadoso de AnnUnziata. Sentiu-se mais
calma. A criada então afofou os travesseiros, puxou as
cobertas e desejou-lhe boa-noite.
Apesar de nenhum de seus problemas terem sido resolvidos
durante a noite, Juliet acordou renovada depois de várias
horas de sono. Saiu da cama e foi até a janela, puxando as
cortinas. Lá embaixo o mar brilhava sob o sol da manhã. O
ar parecia fresco e limpo e um pássaro solitário cruzou o
céu sem nuvens.
Juliet puxou os cabelos para trás. Tinha de ir ao hospital
ver Jan. Não estava gravemente ferida, mas costelas
quebradas doem e incomodam demais. Talvez estivesse
nervosa, depois do acidente.
Ao mesmo tempo, tinha de encarar o fato de não estar nem um
pouco ansiosa para encontrar a irmã. Sentia que Suas
descobertas sobre o passado de Jan a tinham transformado em
uma estranha; alguém que, em outras circunstâncias, teria
preferido manter à distância.
Hipócrita, disse a si mesma, enquanto voltava da janela e
se dirigia ao banheiro. Não devia ficar bancando a
virtuosa, se nunca tinha sido tentada. Juliet sabia agora
muito bem como é fácil sucumbir à tentação.
Não fosse pela chegada da mãe dele e do padrasto, ela
estaria acordando nos braços de Santino, para sabe-se lá
que tipo de recriminações e arrependimentos.
Perdida em seus pensamentos saiu e deu de encontro com
alguém que estava deixando o banheiro.
— Oh, desculpe-me — disse, espantada, ao dar de cara com
uma mulher que nunca tinha visto antes. Era muito mais
jovem, mas com a mesma aparência bem cuidada. Usava um
penhoar caríssimo.
A mulher não respondeu, mas ficou olhando Juliet longamente
e, em silêncio, com um sorriso no canto dos lábios. Não era
um sorriso amigável, do tipo geralmente trocado entre as
convidados da mesma casa. Era o sorriso de alguém que sabia
demais, pois tinha uma certa malícia. Juliet enrubesceu.
Finalmente a mulher se moveu, tirando os olhos do rosto de
Juliet e pousando-os em seus cabelos. Depois passou,
deixando atrás um aroma de perfume caro.
O mesmo perfume impregnava o banheiro. Juliet sentiu-se
nervosa e sabia que era por causa do encontro com aquela
mulher, imaginou quem seria a estranha e quando chegara.
Colocou jeans e uma túnica de seda sem mangas. Desceu em
seguida. A sala de estar estava vazia. Na sala de jantar,
Annunziata estava pondo a mesa para o café da manhã. Ela
sorriu, expansiva, quando viu Juliet. Estendendo os braços,
conduziu-a a uma grande porta que estava completamente
aberta, deixando entrar a brisa fresca. Juliet pensou que
estivesse sendo convidada a dar um passeio que lhe abrisse
mais o apetite, mas logo percebeu seu engano. Annunziata
estava falando e apontando a praia.
Ela olhou e viu uma figura imóvel na beira da água. Com um
baque no coração, percebeu que era Santino. Seu primeiro
impulso foi voltar correndo e se esconder no quarto, mas
aquilo só ia adiar o encontro inevitável. Cedo ou tarde
teria de falar com ele, perguntar se podia levá-la a
Nápoles. Não tinha outra escolha, pois estava sem dinheiro
e sem documentos.
Devagar, começou a descer em direção à praia. Seus punhos
se fecharam instintivamente e enterrou as unhas nas palmas
das mãos, esperando com isso conseguir manter seu controle.
Queria chegar silenciosa, mas ele a ouviu. Franziu as
sobrancelhas e a olhou. Juliet estava magoada. Precisou de
muita força de vontade para continuar andando até chegar
perto dele.
— Bom dia — disse ele em voz baixa.
Estava usando jeans desbotados e uma camisa azul, aberta
quase até a cintura. A barba estava crescida, pois ele não
se incomodara em barbear-se naquela manhã. Juliet sentiu
uma contração no estômago ao encará-lo. Os olhos dele
estavam avermelhados, mas ele não perdera seu charme. Achou
que, com seus olhos penetrantes, ele pudesse descobrir seus
pensamentos, por isso decidiu falar:
— Senhor, eu. . . eu preciso de sua ajuda.
— Minha ajuda? — repetiu, confuso. — Parece surpreso —
disse ela.
— Claro! Quando se meteu nessa aventura maluca, não lhe
ocorreu que haveria consequências?
— Sim.. . não... oh, não sei — respondeu, nervosa. — Não
me pareceu importante no momento. Tudo que importava era
Jan poder casar com seu irmão, se era isso que ela queria.
Ele a olhou de frente.
— É assim tão importante que sua irmãzinha consiga sempre
tudo o que quer?
— Não — respondeu Juliet e engoliu em seco. — Acho que ela
foi muito mimada. É tão adorável que se torna difícil lhe
dizer não — continuou na defensiva, vendo que ele sorria
cinicamente. — Ela sempre foi muito amada e admirada e
talvez não tenha consciência do mal que isso lhe fez.
— Sua lealdade a ela é maior que seu bom senso, senhorita
— observou, com um sorriso inexpressivo. — Em outras
palavras, está querendo me dizer que, para satisfazer uma
garota mimada e egoísta, outras pessoas devem sofrer as
consequências desse ridículo egoísmo?
— Mas não foi só um desejo dela — protestou Juliet. —
Mário tinha que casar, não percebe... — disse ela baixinho
quando percebeu que ele a olhava.
-— Meu Deus! — exclamou. — Ê um dado novo. Você não me
disse antes e minha mãe não ouviu. Fale a verdade! — pediu-
lhe. Juliet baixou a cabeça, infeliz.
— Jan vai ter um bebé de Mário — admitiu em voz baixa.
Santino não disfarçou sua irritação. Praguejou. Depois
seguiu-se um longo silêncio.
— Então, tinha de haver um bebé! — disse ele finalmente,
se virando para ela. — E para quando?
— Não sei — respondeu Juliet. — Ela não queria que eu
soubesse.— Explicou então as razões de sua visita a Jan. —
Quando ela me falou do bebé, entendi por que queria casar
rapidamente e em segredo. Por isso decidi ajudá-la. Minha
mãe. . . sempre teve muito orgulho de Jan, vive contando os
sucessos dela para toda a família. Ficaria com o coração
partido se soubesse que Jan está para ser mãe solteira.
— Acho que há uma certa ironia em toda essa situação. Você
fazendo tudo a favor desse casamento, para poupar sua
mãe... e eu batalhando contra ele, pelas mesmas razões. Nem
pensei na existência da sua. Segundo a história que sua
irmã contou a Mário, ela é órfã e foi criada era asilos
porque não tinha nenhum parente vivo.
— Oh, não! Ela não podia ter dito isso!
— Para conseguir o que desejava, eu acho que ela seria
capaz de dizer qualquer coisa. Tem certeza de que este bebé
é mesmo de verdade, e não fruto da imaginação dela?
— Tenho certeza de que está grávida — admitiu Juliet,
infeliz. — Ela engordou e estava muito enjoada naquela
minha primeira manhã em Roma,
— Humm... — Santino fez uma pausa e depois disse
friamente, com rispidez: — Então ela decidiu
responsabilizar Mário pela paternidade dessa criança. ,
Os olhos de Juliet encheram-se de lágrimas.
— Que coisa mais desagradável de se dizer.
— Mas pode ser verdade! Sei que ela nunca irá admitir
isso, se é que sabe quem é o pai.
— Não devia falar assim — pediu-Ihe com os lábios
trémulos. — Não a conhece.
— Não, mas pensei que sim — respondeu abruptamente. —
Entretanto, conheci você. E, na noite passada, este
conhecimento foi quase completo.
Juliet sentiu a garganta apertar, O silêncio entre ambos
era constrangedor. Oh, Deus, pensou ela, faça com que ele
não se mova, não me toque. O menor contato físico entre
eles iria fazer com que suas emoções explodissem.
— Por favor, não vamos falar sobre a noite passada — disse
ela finalmente.
— Claro que não — concordou ele, educado. — Vamos fazer de
conta que nada aconteceu.
Ela ficou olhando as pedrinhas aos seus pés. Depois falou
devagar:
— Afinal, aquilo não teve o menor significado. Você pensou
que eu fosse Jan. Era isso que eu queria que pensasse,
portanto foi culpa minha... — A voz dela foi sumindo aos
poucos. Nada no mundo ia fazê-la levantar o rosto e encará-
lo.
— É verdade. Você é uma ótima atriz, minha cara, muito boa
mesmo! Se pretende continuar copiando sua irmã, devo
aconselhá-la a escolher melhor suas companhias. Da próxima
vez pode não sair ilesa do desempenho.
— Jan pode prescindir de minha ajuda de agora em diante —
disse ela com alegria forçada. — Tem um marido para cuidar
dela e. . .
— Parece que não. — O tom deie era seco. — Temo que sua
atuação como atriz tenha sido em vão, Giulietta. Mário e
sua irmã não estão casados. Nem parece que vão se casar, de
acordo com as informações dé minha mãe.
— Mas eles precisam! — Juliet começou a chorar. — Não
posso ter feito tudo aquilo por nada. . . Não pode ser!
Sentou-se na rocha mais próxima e enterrou o rosto nas
mãos. Não era possível que tivesse deixado toda sua vida
virar de cabeça para baixo, perder sua paz de espírito, seu
respeito próprio, talvez para sempre, e alguém lhe dizer
que tudo isso tinha sido em vão.
Deu um longo suspiro, ergueu os olhos e encontrou os dele.
— Então, você ganhou... finalmente.
— Não é uma vitória de que esteja orgulhoso. E não é uma
vitória completa.
Ela fez um esforço para se levantar.
— Quero lhe pedir um favor. Pode me levar até Nápoles,
para encontrar Jan? Ela deve estar péssima, precisando de
alguma coisa.
— No momento, ela está em boas mãos. Mas posso compreender
sua ansiedade. Minha mãe teme que alguma calamidade
aconteça se ela também não for visitar Mário imediatamente.
Juliet olhou-o, espantada, e ele sorriu.
— Também preciso de sua ajuda. Quando minha mãe recebeu o
recado do hospital, estava passando alguns dias na vila, em
Brindisí, a irmã de meu padrasto. Quando decidiram vir até
aqui, a cunhada insistiu em acompanhá-los, por razões que
só ela sabe, — Ele fez uma pausa. — Quando chegaram, eu não
tinha nenhuma ideia de que não estivessem sós e fiquei
horrorizado quando mamãe me contou que Vittoria estava
esperando no carro. Ela está determinada a nos acompanhar
até Nápoles agora de manhã. Não há meios de evitar isso,
sem levantar ainda mais suas suspeitas.
— Mas por que deveríamos evitar que ela fosse? Santino
enfiou as mãos nos bolsos, nervoso.
— Porque ela não é apenas a cunhada da minha mâe — disse,
baixinho. — É também madrinha de Francesca, a noiva de
Mário.
— Noiva de Mário? — Juliet respirou fundo, o corpo
tremendo.
— Não sabia que ele era noivo? Sua irmã esqueceu esse
detalhe? — Ela falou alguma coisa sobre um casamento
arranjado. — Juliet curvou a cabeça. — Mas tive a impressão
de que era para daqui a algum tempo.
— A data do casamento deles já foi marcada. Francesca,
naturalmente, não sabe nada sobre a existência de sua irmã.
Eia é muito jovem, bonita, inocente, e ama o cabeça-dura do
meu irmão muito mais do que ele merece. Espero que ela não
fique sabendo desse seu comportamento vulgar e indigno.
— Espero que não — concordou Juliet. — Mas o que isso tudo
tem a ver com a madrinha? Com certeza ela não.. .
— Acha que não? — Santino sacudiu a cabeça.— Quando o
marido de Vittoria morreu, não a deixou bem amparada como
ela esperava. Ela não é exatamente pobre, compreende? A
família de Francesca, por outro lado, é muito rica, e ela é
a herdeira de tudo. . . Vittoria tem um filho, um ano mais
novo que Mário. Se ela conseguir romper o noivado de
Francesca com Mário, então, talvez seu filho possa entrar
em cena. . . — Santino fez uma pausa significativa.
— Mas isto seria desastroso — disse Juliet, incrédula. —
Não se pode pensar na felicidade de alguém, do ponto de
vista financeiro.. . — Ela notou o olhar irónico dele e
resolveu calar-se.
— Pode ser desastroso — disse friamente. — Mas Vittoria
vive aprontando por aí. Se chegar na clínica e encontrar
sua irmã no quarto ao lado, ferida no mesmo acidente, não
precisará muito para tirar suas conclusões.
— E como vamos impedi-la? — perguntou Juliet, desanimada.
— Vou tentar criar uma cortina de fumaça, disfarçar tudo —
disse ele. — Com a sua ajuda, é claro. Ela conhece bem sua
irmã, mas não conhece você, apesar de não ter dificuldades
em perceber as semelhanças, quando encontrá-la.
— Já nos encontramos, perto do banheiro — contou Juliet.
— Não tem importância. Tudo o que tem a fazer, quando
voltar ao castelo, é aceitar sem comentários a história que
vou contar para explicar sua presença aqui e também a
presença de Janina na clínica em Nápoles.
— O que vai dizer? — perguntou Juliet, sentindp-se
terrivelmente enjoada.
— Que você e eu estamos noivos e vamos nos casar.
— O quê? Está louco?
— Não — respondeu, sacudindo a cabeça. — Ouça o que vou
lhe dizer e não fique nervosa. Vittoria já deve ter lido os
jornais e deve estar curiosa porque leu os boatos sobre a
minha presença aqui com Janina... ou melhor, com você. Ela
gosta muito de escândalos e fofocas. Na verdade, às vezes
vende histórias aos jornais, sobre seus amigos mais
queridos, não apenas aqui na Itália, mas também no
exterior. Bem, eu posso explicar a história, dizendo que o
repórter se apressou demais e cometeu um engano. Duas
irmãs, ambas com os cabelos avermelhados, inglesas e
bonitas. . . Um repórter pode ser apressado demais e
cometer erros. Hoje vou então anunciar que vamos nos casar,
que eu já tinha começado a organizar uma festa e convidado
Mário para vir até aqui com sua irmã. Antes que eu pudesse
telefonar convidando minha família e outras pessoas,
inclusive Francesca, Mário sofreu o acidente com o carro.
— Não vai funcionar! — Juliet cruzou as mãos com força.
— Ajude-me e eu a ajudarei. Esse é o trato! — lembrou-lhe.
— Mas não posso me envolver nisso — protestou ela.
— Por que não? — Os olhos dele estavam fixos no rosto de
Juliet. — Você é uma ótima átriz, como já lhe disse. Tudo o
que tem a fazer é desempenhar o papel de minha noiva
durante alguns poucos dias, e convencer sua irmã a
colaborar com a nossa história.
— Eu, convencer Jan? — Juliet sacudiu a cabeça. — Deve
estar brincando!
— Oh, nunca falei tão sério! Pense um pouco, se você achar
necessário. No momento, o único vestígio de escândalo em
torno disso tudo é a história que eu mesmo forneci aos
jornais e que será desmentida com nosso noivado. Mas o que
acontecerá se os fatos verdadeiros vierem à tona? Não
poderemos evitar os mexericos. . . Vittoria vai se
encarregar de espalhar a história, e não apenas nos jornais
italianos. Ela fará tudo para que as notícias cheguem a
Londres e Nova Iorque. Em pouco tempo sua mãe saberá tudo e
você não poderá fazer nada para poupá-la desses
aborrecimentos. Estou certo de que não vai ficar feliz ao
ler as notícias sobre suas duas filhas.
Juliet tentou ordenar seus pensamentos. Lembrou da malícia
nos olhos de Vittoria e do que isso poderia resultar era
termos de fotografias e manchetes. Era uma perspectiva que
a amedrontava e a preocupava ao mesmo tempo. Sua mãe nunca
mais se recuperaria do choque.
— Uma última coisa — disse Santino, calmo. — Talvez você
não saiba, mas Vittoria é a condessa Leontana, em cuja
festa, como lhe contei, sua irmã fez o maior sucesso. Não
creio, portanto, que ela vá deixar passar o incidente em
brancas nuvens. . .
— Mas deve haver um outro jeito — disse Juliet,
desesperada. — Eu não posso fingir que sou sua noiva, deve
compreender isso.
— Desculpé-me, mas eu não compreendo. O noivado é em
benefício de sua própria segurança. Considerando a peça que
me pregou, não lhe devo nada. Quando tiver convencido todo
mundo de que é minha noiva, Vittoria não ousará atacá-la,
pois estará sob a proteção de minha família.
Os olhos de Juliet se encheram de lágrimas.
— E sua mãe? — perguntou logo que adquiriu controle sobre
a voz. — Ela também não tem uma boa opinião sobre a minha
irmã ou sobre mim, pelo que compreendi na noite passada.
Como vai aceitar esse noivado de mentira, ou pretende lhe
dizer que se trata de uma fraude?
— Isso será um segredo apenas entre nós dois — explicou. —
Você não me deve nada, mas não contará nada a ninguém, nem
mesmo à sua irmã, está bem? Quanto à minha mãe, não se
preocupe, sei lidar com ela.
— E quanto tempo vai durar essa farsa?
— Até que Mário e Francesca estejam casados ou até que eu
decida terminá-la. Mas será o mais rápido possível. Não
fique tão angustiada, Giulietta. Nosso noivado, embora
público, será de mentira. Não vou tentar conseguir seus
favores na intimidade. — El lhe ergueu o queixo e
perguntou: — Você é virgem?
— Sim. . . mas faz alguma diferença?
— Acho que sim — disse ele e soltou-lhe o queixo. — Não
fui gentil com você, Giuletta, mas pelo menos não vou
carregar o peso de tê-la seduzido. — Ele sorriu suavemente.
— Na Itália, a pureza das moças, antes do casamento, ainda
é altamente valorizada. Estou contente, pois você não terá
problemas com seu futuro marido.
Juliet não disse nada. Santino então tomou-lhe a mão e
disse:
— Venha, vamos voltar e contar a novidade para todo mundo.
Enquanto Juliet o seguia pelas pedras, em direção ao
castelo, compreendeu que, na vida, algumas vezes há
momentos em que as lágrimas mais sentidas são aquelas que
não podem ser derramadas.
CAPÍTULO VII
— Bem, querida, você foi muito esperta — disse Jan e
recostou-se nos travesseiros. Seus olhos brilhavam. — Nunca
pensei que trabalhasse tão rápido. Santino Vallone é, sem
dúvida, um ótimo partido.
Juliet ficou vermelha.
— Não vamos discutir isso agora. Como está passando, Jan?
— Melhor do que se poderia esperar! Não é essa a frase que
eles usam? — Jan atirou longe um dos travesseiros. Sentiu
dor e fez uma careta. — A criança continua firme aqui
dentro, não pense que tive a sorte de abortar.
— Oh, Jan! — Juliet sentou-se em uma cadeira ao lado da
cama. — Nem pense nisso. . .
— Você já disse a seu lindo noivo que o primeiro sobrinho
dele, ou sobrinha, será bastardo? — perguntou Jan maliciosa
e com um sorriso nos lábios. — Imagino se irão me convidar
para o casamento de vocês. Só se for tão rápido como o
noivado. — Mediu então a irmã da cabeça aos pés. — Será que
o atraente Santino a deixou mais solta ou você conseguiu
convencê-lo de que ser virgem está na última moda? — Jan
deu uma risadinha. — Pobre Santino. Deve ser experiência
nova, para ele, encontrar uma garota que não dorme com todo
mundo. Espero que a novidade dure, querida. Será terrível
se seu marido morrer de tédio na noite do casamento.
— Terrível mesmo — concordou Juliet com satisfação. — Mas,
imagine só como ficarei bem, de viúva rica.
— Ora vejam só! A gatinha está mostrando as unhas! Até que
enfim! Foi isso que aprendeu depois de passar dois dias com
Santino? Então não perca as esperanças. Juliet olhou para
ela e cruzou as mãos.
— Jan — disse baixinho — o que houve de errado entre você
e Mário?
— Vamos dizer que os argumentos da família dele começaram
a ter um peso maior que os meus, está bem?
— Não tem nada a ver com o fato de que ele já está noivo?
Jan respirou profundamente.
— Então seu envolvimento com Santino incluiu um curso
rápido sobre a família? Claro! Eu sabia tudo sobre
Francesca.
— E isto não a fez parar? — perguntou Juliet, perplexa. —
Sabia que ele pertencia a outra e mesmo assim. . .
— Se vai ficar aí sentada, me passando um sermão, pode ir
embora! — Jan encarou-a, com agressividade. — Foi um jogo,
cujo resultado não foi a meu favor, só isso. Não sei por
que a sonsa da Francesca não ficou para sempre em seu
colégio interno. Teria resolvido todos os problemas.
— Tem certeza? — perguntou Juliet com amargura. — Pelo que
ouvi nos dois últimos dias, você não é uma noiva com boa
reputação.
— Talvez não — disse Jan friamente. — Mas nunca pretendi
desempenhar o papel de virgem da família. Ele é seu, minha
querida, e devo dizer que o desempenha muito bem.
Seguiu-se um silêncio profundo no quarto, Juliet começou a
achar que estava vivendo um pesadelo. Tinha dito a si mesma
que tudo que lhe acontecera nós últimos dias, mesmo suas
maiores decepções, estariam compensadas se Jan e Mário se
casassem. Acreditava, com todo seu romantismo bobo, que
eles formavam o par ideal e só o que pretendera era ajudá-
los a encontrar o caminho da felicidade. Mas agora estava
mais que evidente que não era bem assim. Jan parecia um
pouco aborrecida por seus planos não terem dado certo, mas
Juliet duvidava que sentisse realmente algum amor por
Mário.
O barulho da rua chamou Juliet à realidade. Não era
realmente um sonho. Nem tampouco a pesada esmeralda que
usava como anel de noivado. Nunca imaginou que um dia
pudesse possuir aquele tipo de jóia. Bem, na realidade não
a possuía, lembrou-se. Era apenas um empréstimo, uma posse
provisória.
Se ela tinha achado difícil desempenhar o papel de Jan,
fingir-se agora noiva de Santino era ainda pior. Tinha de
parecer apaixonada, e fingir para ele que isso não era
verdade era muito difícil. Ela o amava, mas só podia
admitir aquela verdade dolorosa para si mesma.
Ele nunca devia saber, repetia-se constantemente, enquanto
se dirigia à clínica com a mãe de Santino.
Sentada ao lado dele, vendo-o dirigir, queria tocá-lo,
segurar-lhe a mão, deixar que seu braço encostasse nele
casualmente. Mas não se atrevia, pois tais gestos, por mais
que os disfarçasse, poderiam comprometê-la.
Nenhum dos dois conversou muito, talvez porque tudo já
tivesse sido dito anteriormente. Santino já lhe falara o
necessário durante o tempo em que ficaram sozinhos e ele
lhe ofereceu o anel quando lhe contou a explicação que
pretendia dar à família sobre o noivado deles. Mesmo assim
ficou surpresa com as palavras da mãe de Santino:
— Meu filho me disse que cometeu um grande erro com a
senhorita, e como homem honrado vai reparar isso, casando-
se com você.
O padrasto murmurou qualquer coisa e lhe bateu de leve nos
ombros. Era óbvio que não tinha nenhuma ideia de como se
comportar naquela situação.
Mas quando Vittoria Leontana desceu até a sala de estar,
sorrindo cheia de malícia, Juliet viu, pela primeira vez, o
que significava a solidariedade familiar. Santino dissera a
sua mãe que ia se casar com ela e que nenhum estranho devia
saber que sua mãe lamentava essa escolha, nem os motivos
que o tinham levado a fazê-la. Julie foi apresentada a
Vittoria pela velha, que agora não escondia sua alegria,
acrescentando alguns detalhes para que a história se
tornasse mais romântica e verdadeira.
Para espanto de Juliet, a velha contou que Santino a
conhecera em Londres, há um ano. Tinham planejado casar se
seus sentimentos resistissem a um tempo de separação. Sim,
era verdade que era irmã de Janina, a modelo da Di Lorenzo.
Felizmente nada de grave acontecera tanto para ela como
para Mário, que tinha se oferecido para trazê-la. Deus
realmente tinha sido muito bom e evitado ferimentos sérios!
Vittoria sorriu e cumprimentou Juliet. Mas havia um vazio
em seu olhar, como se não tivesse acreditado no que lhe
haviam dito. Juliet ficou aliviada ao ver que seu inglês
ainda era pior que o da mãe de Santino. Isso significava
que não ia lhe fazer perguntas.
Vittoria quis ir no carro de Santino até a clínica, mas a
mãe dele convenceu-a a ir em outro, protestando conhecer
melhor a futura nora. Juliet porém duvidava que aquela
falsa alegria fosse se manter por mais tempo. E assim foi.
Ninguém tentou conversar e o carro correu silencioso
durante toda a viagem. Quando a velha falou foi para
dirigir perguntas a Santino, em italiano. Seu tom de voz e
as respostas lacónicas que ele deu não deixaram dúvidas a
Juliet de que falavam dela. Sentiu-se infeliz e quis fugir
dali. Nunca imaginou que sua viagem à Itália tivesse
consequências tão desastrosas. Por outro lado, não estava
arrependida de ter encontrado Santino. Até aquele momento,
tinha vivido apenas pela metade, apesar de não perceber. E
agora nunca mais ia se contentar com isso.
Ao chegarem à clínica, um edifício grande e moderno,
rodeado por jardins e quase fora da cidade, foram recebidos
por uma freira sorridente que conversou com a velha senhora
e os conduziu para dentro.
Santino virou-se para Juliet e disse:
— Vou levar minha mãe para ver Mário. Acho que você
prefere estar sozinha com sua irmã por algum tempo.
Ela concordou, mas agora já estava arrependida. Talvez
tivesse sido melhor esperá-lo para, juntos, encontrarem
Jan. Pelo menos teria evitado a cena entre ambas. Jan não
falaria com ela daquele jeito na presença de uma outra
pessoa, principalmente de Santino.
— Qual é o problema? — perguntou Jan. — O doce romance de
seus sonhos está se tornando amargo? É isso o que acontece
com os noivados rápidos. Tudo é muito agradável enquanto
você está sonhando, mas ao voltar à realidade as pessoas
tendem a se machucar, de vez em quando.
— Não é isso — protestou Juliet, levantando-se, nervosa, e
indo até a janela. — Queria saber o que pretende fazer
agora.
— Quer saber se vou continuar colaborando com essa bobagem
que você e Santino inventaram para explicar por que Mário e
eu estávamos no mesmo carro juntos? — Jan deu uma
risadinha. — Pode me dar uma boa razão para que eu
colabore? Afinal, não devo nada à família Vallone, nada
mesmo!
— Será que ajuda se eu disser que Vittoria Leontana deve
chegar a qualquer momento? Se ela descobrir a verdade, você
sabe de algum jeito para evitar que mamãe saiba disso tudo?
— Juliet falava baixo com esforço.
— Vittoria? O que ela vem fazer aqui? Essa víbora era a
última pessoa que eu pretendia ver.
— Não vamos discutir sobre isso — disse Juliet, cansada. —
É muito complicado explicar, mas ela é parente da família
Vallone. Está vindo para a clínica com o irmão, o padrasto
de Santino. Na verdade, já devem ter chegado.
Rapidamente disse à irmã tudo o que Santino havia centado
sobre a condessa e seu gosto por escândalos, bem como seu
hábito de vender informações para os cronistas sociais.
— Ela não vai hesitar em ganhar dinheiro — argumentou
Juliet.
— E você pode imaginar o que aconteceria se mamãe ficasse
sabendo? Jan parecia preocupada.
— Claro que sim — respondeu. — Muito bem, querida irmã,
vou colaborar com a história de vocês, mas com uma
condição.
Juliet sentiu um baque no coração.
— Não tenho certeza se posso aceitar. . . — disse ela.
— Vou me arriscar e encontrar um jeito de fechar a boca de
Vittoria. Sei de alguns detalhes sobre a vida dela que
podem prejudicá-la se os tornar públicos. . .
— Oh, não! — protestou Juliet. — Pelo amor de Deus, não se
nivele com ela! Diga-me qual é a condição e verei se posso
satisfazê-la.
Jan recostou-se melhor nos travesseiros. Sorria novamente.
— Preciso viajar, ir para outro lugar longe de Roma, pelo
menos durante algum tempo. Não quero voltar para a
Inglaterra. Preciso de um refúgio. — Fez uma pausa e olhou
para Juliet.
— O que você pretende? Que eu lhe arrume um lugar para
ficar? — perguntou Juliet, desesperada. — Mas, Jan, é
impossível. Não posso trabalhar aqui, tenho pouco dinheiro
e preciso voltar à Inglaterra antes de setembro para
providenciar um novo passaporte.
— Sobre o que está falando? — perguntou Jan, impaciente. —
Algumas vezes, Juliet, penso que você é meio confusa. Não
estou propondo que se meta junto comigo em um hotelzinho de
segunda classe, para esconder minha gravidez. Se é isso que
está pensando, esqueça. Se já esqueceu, quero lembrá-la de
que está noiva de um homem muito rico. Acho que ele não vê
com alegria a ideia de você voltar para a Inglaterra e
continuar lecionando para aqueles garotos idiotas, quando
pode perfeitamente ficar aqui e educar os filhos dele.
— Jan sorriu. — Você já esteve no castelo e fatalmente
voltará para lá. Quero ir junto com você. Não aguento mais
ficar aqui neste buraco. Essas freiras me irritam! Elas
sabem que estou grávida.
— Claro que sabem. São enfermeiras também. — O coração de
Juliet disparou. Nunca havia pensado que Jan fosse pedir
aquilo. Na verdade, tinha quase certeza de que ela não ia
querer ver nenhum dos Vallone outra vez. Desesperada,
lembrou que Santino lhe avisara para não contar à irmã que
o noivado era uma fraude. Jan parecia saber de tudo e nunca
conseguiriam manter aquela farsa com ela junto deles.
Apesar de Santino ter dito para continuarem com a farsa até
Mário se casar com Francesca, esperava convencê-lo a deixá-
la voltar logo à Inglaterra. Não queria, de maneira alguma,
voltar ao castelo. Santino havia dito que não pretendia
solicitar seus favores de mulher, mas suas decisões
poderiam fraquejar na intimidade. Se tentasse possuí-la,
Juliet ia ceder. Sentia uma profunda necessidade de se
entregar a ele e não podia haver nada pior se Santino
continuasse inflexível em sua decisão de evitar qualquer
aproximação física entre ambos.
— Bem, qual é o problema? Parece que viu um fantasma! —
disse Jan. Juliet sorriu. — Vamos, querida, não seja tão
antiquada. Se está planejando uma lua-de-me] antecipada,
serei muito discreta. Não vou atrapalhar, prometo. Você não
vai se arrepender de me levar. Vou lhe dar alguns
conselhos. . .
— Não, é impossível, Jan.
— Desculpe-me, mas o que é impossível? — perguntou
Santino, que discretamente surgira na soleira da porta. Em
seguida entrou, olhou para Jan e depois para Juliet.
— Que semelhança incrível! -— exclamou. — Ninguém comentou
isso antes?
— Não — respondeu Jan, séria. Não parecia satisfeita com o
comentário de Santino. Estava acostumada a ser sempre
considerada a mais bonita e nunca dera ouvidos a quem
notava semelhança entre elas. Finalmente sorriu para
Santino. — Está me vendo em condições desfavoráveis,
senhor. Estou sem maquilagem, pois perdi minha bolsa no
acidente.
—- Uma perda pequena, em comparação com outras que poderiam
ter ocorrido — disse Santino calmamente. Sentou-se ao lado
da cama e olhou para ela durante muito tempo. — Finalmente
nos encontramos, Janina. Não deve lamentar a perda da
maquilagem, sabe? Uma beleza como a sua não precisa de
cosméticos.
Juliet sentiu-se tensa com o tom irónico de suas palavras e
ficou com medo que Jan também o percebesse. Mas a irmã não
se deu conta. Tomou a frase como um elogio e sorriu.
— Lamento não nos termos encontrado antes — disse ela,
provocante. — Agora que nos conhecemos é uma pena que já
esteja comprometido com minha irmã.
Constrangida, Juliet afastou-se e foi até a janela. Não
tinha a menor ideia do que Santino ia dizer a Jan. Mas a
última coisa que esperava; era vê-lo ali, sentado na cama,
segurando as mãos dela.
— Eu também preferia encontrá-la em outras circunstâncias
— respondeu ele, sem nenhuma ironia na voz.
É o tipo de frase a que ambos estão acostumados, pensou
Juliet. Jan também era o tipo de mulher a que ele se
habituara. Um caso rápido e divertido, sem maiores
consequências para ambas as partes. Eram muito parecidos,
concluiu.
Santino então a interpelou:
— O que é impossível, Giulietta? Você estava no meio de
uma explicação, quando entrei.
Ela não se virou para olhá-lo. Com a voz cansada e baixa,
respondeu:
— Jan quer ir para o castelo conosco. Está cansada da
clínica e acha que um pouco de repouso à beira-mar vai lhe
fazer bem.
— Que ideia ótima! — exclamou. — Você achou que eu ia
criar alguma dificuldade?
Ainda sem olhar nenhum dos dois, Juliet disse com o mesmo
tom de voz:
— Eu não tinha certeza se retornaríamos ao castelo.
— Claro que voltaremos para lá — disse ele casualmente. —
E será ótimo se sua irmã nos acompanhar. Será melhor
companhia para você do que Annunziaía, nessas próximas
semanas.
— Uma acompanhante? — disse Jan, gargalhando. — Bem, não
deixa de ser interessante.
Sentindo-se um pouco tonta, Juliet deixou o quarto, dizendo
que ia procurar uma das freiras para arrumar a mala de Jan.
Santino a seguiu.
— Que há com você? — perguntou ele, segurando com força o
braço dela. — Para onde está correndo?
Ela o encarou.
— Jan precisa de suas coisas — respondeu, tentando se
desvencilhar dele.
Santino fez um gesto impaciente.
— Não deixarão que ela saia da clínica hoje — disse,
incisivo. — Ela e Mário ainda estão sob observação. Amanhã
providenciaremos isso. — Olhou-a novamente, agora mais de
perto, e perguntou: — O que a está perturbando?
— Não posso voltar ao castelo — respondeu, desesperada. -—
Santino, eu não posso, preciso voltar para a Inglaterra.
Tenho responsabilidades.
— Você também as tem aqui. Envolveu-se neste caso por sua
vontade, mas ficará aqui, por minha vontade. Vamos ver se
tudo isso acaba bem.
— Você tem vontade que Jan vá conosco para o castelo?
— A ideia não tinha me ocorrido, mas é muito boa,
principalmente porque soube que Francesca e a mãe estão
vindo para cá, visitar Mário. Prefiro que sua irmã esteja
distante quando elas chegarem. Assim, Vittoria não terá
chance de envenená-las.
— Essa é a única razão?
— Nao. — Estudou-a por alguns momentos e endureceu o
olhar. — Claro que não. Você não é nenhuma ingénua,
Giulietta, portanto deve saber por que concordei em
convidá-la.
— Sim, acho que sei.
Juliet respirou profundamente. Santino segurou-a pelo
queixo. Quase em pânico, sentiu que ele ia beijá-la.
Afastou-se então rapidamente.
— Você prometeu — lembrou-lhe Juliet. — Nosso noivado só é
válido em público.
Ele se aproximou com os olhos espantados.
— Não consigo imaginar um lugar mais público do que este
corredor de hospital, com freiras circulando o tempo todo.
Mas não se preocupe. Sua preciosa castidade está segura, no
momento. Minha mãe pediu que a levasse até o quarto de
Mário, para conhecê-lo.
— Isso tudo não passa de uma farsa — disse, amargurada. —
Muito bem, vou ser apresentada como sua futura esposa. Mas
não precisa me acompanhar. Como já disse, não sou nenhuma
ingénua. Posso entrar no quarto certo, sem problemas.
— Há momentos, Giulietta, em que tenho vontade de bater em
você. Vá logo, antes que não consiga mais controlar meus
impulsos.
Na porta, ela hesitou. Podia ouvir a mãe de Santino
conversando, nervosa, lá dentro. De vez em quando o marido
a interrompia e Juliet deduziu qual devia ser o assunto.
Arrependeu-se de ter dito a Santino que não precisava de
sua companhia. Não ia ser fácil entrar no quarto e
enfrentar todos aqueles olhares. . . Olhou para trás para
pedir ajuda a Santino, mas ele voltara para o quarto de
Janina, deixando-a sozinha ali no corredor.
Ao ver a luxuosa suite do hotel em que passaria a noite,
Juliet deu-se conta do que Santino podia conseguir com seu
dinheiro. Por exemplo, acomodações para toda sua família,
em um dos melhores hotéis da cidade, no auge da estação.
Nada tinha sido esquecido, desde a geladeira cheia de
bebidas até um imenso vaso de cristal com rosas vermelhas,
ao lado da cama. Cortesia da gerência, imaginou, enquanto
se curvava para sentir o aroma das flores. Mas estava
errada. Encontrou ao lado das rosas um pequenino cartão
branco onde estava escrito apenas: Santino.
Teve vontade de jogar fora as flores e o vaso, mas percebeu
a tempo a inutilidade de seu gesto. Levou-as então para uma
elegante saleta onde havia uma mesa baixa perto de um sofá.
Colocou o vaso sobre ela e escondeu o cartão.
Quando ouviu uma batida na porta, tinha acabado de arrumar
as rosas. Estava trémula e derrubou algumas gotas d'água
sobre o mármore da mesa.
— Dane-se! — exclamou, furiosa, enxugando as gotas com um
lenço. — Entre! — disse em seguida, mas logo se arrependeu,
pois era provável que fosse Santino.
Em vez dele, entrou sua mãe. Estava com um vestido de renda
cinzenta, colar e pulseira de brilhantes. Juliet olhou-a,
surpresa, pois durante a breve visita que fizera ao quarto
de Mário a velha tinha se mantido distante e fria. Não
esperava que a procurasse.
O encontro com Mário fora tão confuso quanto ela havia
previsto. Durante a conversa que se seguiu às
apresentações, sentiu que ele a examinava com cuidado.
Sabia que ele também estava espantado com sua semelhança
com Jan. Achou-o também parecido com Santino, mas só
fisicamente. Era muito bonito, mas seu rosto mostrava
imaturidade, e durante a conversa percebeu que ele estava
disposto a culpar qualquer pessoa, menos a si mesmo, pelo
que tinha acontecido. Estava envergonhado de encontrar
Juliet e seu olhar às vezes parecia curioso, imaginando
quanto ela saberia sobre seu caso com Jan e tudo o mais.
Todos ficaram contentes quando uma freira entrou e anunciou
que o horário de visitas tinha terminado. Não havia sinal
de Santino, quando saíram do quarto. O padrasto dele, sr.
Peretto, achou que devia levar a esposa e Juliet até o
hotel, juntamente com Vittoria Leontana, que tinha ficado
esperando por eles no saguão do hospital.
Desde que chegara ao hotel e se instalara em sua suite,
Juliet não tinha ouvido falar de Santino. As rosas tinham
sido até agora o único sinal de sua presença. Aquela visita
inesperada da mãe dele fez com que ela se sentisse mais
tensa.
— Sente-se, Giulietta — disse ela. — Vamos conversar. —
Esperou que Juliet sentasse, depois se colocou a seu lado,
olhando-a de frente.
Juliet segurou o olhar durante alguns minutos, depois
perguntou baixinho:
— Há alguma coisa que queira saber, senhora?
— Muitas — respondeu ela, balançando a cabeça. Olhou
novamente nos olhos de Juliet. — Acha estranho eu querer
conversar com minha futura nora? Precisamos conversar. Hoje
a observei cuidadosamente.
— Eu percebi -— disse Juliet quase sem fôlego.
— Também acha isso estranho?
— Não.. . pelo menos não muito. — Juliet olhou para as
próprias mãos e viu a esmeralda brilhando. — Acho natural,
em tais circunstâncias, que a senhora queira me observar.
Sei que não gostou do que viu, mas...
— Não é bem assim. É por Santino. — A velha falava com
sinceridade. — Você é muito bonita. Não tão bonita, é
verdade, como sua irmã, mas não vamos falar dela. Ela
voltará logo para a Inglaterra?
— Não, não voltará logo. — Juliet sentiu a garganta seca.
— Ela ficará no castelo durante algum tempo, como minha
acompanhante.
— Como acompanhante? Só agora Santino pensou nisso, mas é
muito tarde.
— Não é muito tarde — retrucou Juliet. — Acredite,
senhora, na Inglaterra ninguém mais se casa porque. . .
bem, porque comprometeu a noiva. É como se nós. . . se ele.
. . quero dizer, isso não tem a menor importância.
- Não tem importância?! Aqui não é a Inglaterra, é a
Itália.
Na Calábria, cuidamos de nossas filhas. Será que seu pai
não se importa e nem vai tentar se vingar do homem que a
desonrou?
— Meu pai já morreu há alguns anos — respondeu Juliet. —
Acho que minha mãe ficaria muito aborrecida, mas ela não
precisa saber disso.
— Sua mãe não sabe? Não a convidou para o casamento?
— Sim, claro! — Juliet estava se sentindo confusa demais.
— É que não tenho certeza se vai haver mesmo casamento.
— Mas não há dúvida quanto a isso — disse ela, incisiva. —
Santino é um homem honrado. Mário já não é tanto. Ele me
preocupa. Mas a pequena Francesca será boa para ele. —
Sacudiu a cabeça e colocou a mão sobre a de Juliet. — Vamos
descer para jantar. Virá conosco?
— Obrigada, senhora, mas acho que não. Estou com um pouco
de dor de cabeça. Vou pedir que me tragam uma sopa.
— Sopa? Tem que se alimentar bem, para poder dar muitos
filhos a Santino. Você está muito pálida, precisa ficar
mais corada! O segredo é comer bem e tomar muito vinho
tinto. — Esperou um momento e, quando percebeu Juliet
confusa, levantou-se e disse: — A gente conversa mais
tarde.
Para seu espanto, a velha lhe fez um carinho no rosto antes
de sair.
Juliet ficou imóvel durante alguns minutos, tentando
controlar as lágrimas. Aquele gesto inesperado de
delicadeza a sensibilizara a ponto de sentir vontade de
chorar. Estava carente demais. . .
Levantou-se e foi até o banheiro, percebendo como o quarto
parecia feio sem as rosas de Santino. Uma pequena maleta de
couro, provavelmente arrumada por Annunziata, estava em
cima de uma cadeira. Abriu-a, pegou uma camisola e seus
produtos de toalete. Decidiu tomar um banho antes de tomar
a sopa.
A desculpa da dor de cabeça era verdadeira. Sentia uma
forte tensão na nuca, mas a água morna relaxou-a.
Vestiu a camisola de renda branca e o robe combinando.
Enrolou os cabelos em uma toalha, tirou o telefone do
gancho e ligou para a copa. A voz do outro lado era gentil
e logo entendeu o que ela queria, prometendo que a sopa
chegaria o mais rápido possível.
Ficou surpresa com a eficiência do atendimento. Poucos
minutos tinham se passado quando bateram à porta. Abriu-a,
enxugando os cabelos.
Mas não era o garçom e sim Santino. Ficou surpreso ao vê-la
de robe, com os cabelos úmidos caindo nos ombros.
— Acho que já nos encontramos assim antes — observou ele,
brincalhão, enquanto se dirigia à saleta. — Falta uma
coisa. — Pegou uma das rosas vermelhas, quebrou o cabo e
colocou-a no decote do robe, entre os seios dela. — Lembra-
se?
— Claro que me lembro! — exclamou e atirou a rosa no
tapete. — E posso passar muito bem sem essas falsas
gentilezas. Estamos fazendo um jogo e talvez você tenha se
esquecido que prometeu não me tocar. Sua mãe esteve aqui me
falando, a ponto de me enjoar, que você é um homem de
honra. Não me parece, entrando assim desse jeito em meu
quarto. . .
— Já terminou? — interrompeu-a. Sua voz soou fria e
irritada. Ele estava um pouco pálido. — Vamos esclarecer
uma coisa. Não entrei aqui sem antes bater na porta,
concorda?
— Pensei que fosse o garçom. Foi um engano, portanto
agradeceria se saísse.
— Irei quando quiser, Giulietta. Vim aqui para lhe dar
isso. — Estendeu-lhe um vidro com algumas pílulas. — Minha
mãe lhe mandou, para sua falsa dor de cabeça.
— Não é falsa — replicou, furiosa. — Minha cabeça está
mesmo doendo.
— Vai sentir dores em outros lugares, daqui a pouco —
disse ele suavemente. — Como se atreveu a recusar um
convite de minha mãe, para ir conosco ao restaurante?
Desempenhar o papel de noiva requer de você um mínimo de
cortesia, sabia?
— Não quero parecer mais hipócrita - respondeu, cansada.
Estendeu-lhe a mão e ele colocou nela o vidrinho.
— Será que um pequeno jantar é um sacrifício tão grande?
Sim, teve vontade de lhe dizer, pois terei de me sentar à
sua frente,
ver você sorrir para mim, como se me amasse, sabendo que
tudo não passa de uma farsa.
— Acho que já fiz todos os sacrifícios necessários —
respondeu, indiferente. — Já me comprometi a voltar ao
castelo a seu pedido. Era algo que eu não esperava ter de
fazer.
— Não — disse ele, com os dentes cerrados. — Isso também,
agora, você não esperava — acrescentou e, esticando os
braços, a puxou para si.
O vidrinho de pílulas voou sobre o carpete. Ela só
conseguiu murmurar o nome dele, em tom de protesto, antes
que seus lábios se juntassem. Depois percebeu que já não
estava mais protestando, mas apenas sentindo o abraço
passional de Santino e o calor de seu corpo junto ao dela.
Seus lábios ainda estavam unidos quando ele a tomou nos
braços e a levou até o quarto, trancando a porta.
— Não! — protestou. Estava repentinamente com medo ao
perceber a determinação dele. Começou a bater com os pulsos
no peito dele. — Não, Santino. Ponha-me no chão!
— Será um prazer — brincou ele. Depois atirou-a na cama e
deitou-se a seu lado. Seus braços a subjugavam e ela se
esforçou para se libertar deles.
— Apenas mais um sacrifício.
A voz dele soava bem próxima aos ouvidos de Juliet. Quase
insolente, ele começou a abrir o robe e a camisola dela,
revelando a curva dos ombros e um de seus seios.
— Você é bela demais! — exclamou. Santino roçou-lhe os
lábios pelo corpo e Juliet viu-se invadida por uma onda de
prazer. Era difícil resistir a seus carinhos, mas num
esforço desesperado empurrou-o para longe e caiu de joelhos
no chão. Seu instinto lhe dizia para correr para bem longe
dele... para,o banheiro, onde poderia se trancar. Mas suas
pernas trémulas não seriam capazes de levá-la muito longe.
Ficou então ali ajoelhada e, lutando contra sua própria
vontade, e sem conseguir conter as lágrimas, pediu-lhe:
— Não, Santino, por favor, não! Ele disse alguma coisa,
mas Juliet não ouviu direito. Tocou-lhe
suavemente os ombros e ela encoíheu-se ainda mais. Alguém
então bateu à porta e Santino foi atender. Era o garçom.
Juliet sentia-se ainda incapaz de se levantar e fugir dali.
Inclinou a cabeça e esperou para ver o que ele faria.
— Acho que lhe devo desculpas — disse Santino ao se
aproximar dela. — Mas se fui grosseiro foi porque você me
deixou com muita raiva. Isto porém não vai acontecer
novamente. Agora venha tomar sua sopa, antes que esfrie.
Levou-a até a saleta, ajudou-a a sentar-se e serviu-lhe a
sopa.
— Vou deixá-la agora. Devo pedir a minha mãe que venha ve-
la antes de dormir?
Juliet sacudiu a cabeça, dizendo-lhe que não.
— Muito bem. Então, boa noite, Giulietta.
Ele esperou alguns momentos e, como ela não respondesse,
saiu sem pressa e sem olhar para trás.
Juliet ficou sentada, imóvel, olhando o prato de sopa.
Perdera o apetite! Depois de algum tempo, levantou-se e
voltou ao quarto. Tirou o robe e deitou-se. Estava cansada
e com muito frio. O melhor remédio era dormir.
CAPÍTULO VIII
Juliet recebeu alguns dias depois uma carta da mãe. Dizia:
"Querida, estou contente que tenha esticado suas férias por
mais tempo. Assim poderá conhecer melhor a Itália. Foi
ótimo também que Jan tenha podido passar algum tempo com
você. É muita gentileza dos amigos terem convidado vocês
duas para ficarem com eles.
"As notícias sobre Jan são realmente muito animadoras. Ela
tem sido muito feliz na Di Lorenzo, mas acho que chegou a
hora de mudar. Acho maravilhosa a perspectiva de que venha
a trabalhar em um filme..."
Juliet terminou de ler a carta e recolocou-a no envelope.
Então, aquela era a última mentira de Jan! Sua irmã estava
desempregada, essa era a verdade. Tinha se demitido da Di
Lorenzo e escrito a diversas outras casas de moda,
pleiteando trabalho para dois meses após o nascimento do
bebé. Mas nenhuma havia mostrado interesse. Com isso, Jan
estava ficando cada vez mais nervosa.
Ultimamente, porém, parecia mais calma, embora não contasse
com nenhuma proposta de emprego. Essa tranquilidade porém
era passageira. Jan gostava da boémia, da vida agitada de
Roma e não estava preparada para se adaptar à vida de uma
aldeia de pescadores.
Já estavam no castelo há um mês e Juliet sentiu que chegara
a época de voltar para a Inglaterra. Nesse período tudo
ficara muito confuso para ela. Na verdade, não se lembrava
de ter sido mais infeliz em qualquer outra época de sua
vida. Entretanto, superficialmente tudo parecia um jardim
de rosas. O que tinha feito de errado?
Desempenhar o papel de noiva de Santino não havia sido tão
difícil como imaginara. Ele fizera tudo para as coisas se
tornarem mais fáceis para ela. Tinha viajado muito a
negócios e, além de um leve beijo de despedida, não fizera
maiores tentativas de conquistá-la. Era até um alívio não
ter que enfrentar de novo aquela investida louca e
assustadora de Santino quando ainda estavam no hotel. Não
havia paixão nenhuma, essa era a verdade!
Santino sempre evitava ficar a sós com ela no castelo. Não
tinha portanto do que reclamar, pois afinal era o que
queria, embora no fundo desejasse o contrário. As
oportunidades de ficarem a sós também não eram muitas, pois
Jan estava sempre por perto. Em alguns momentos Juliet
chegou a ter quase certeza de que a irmã sabia que aquele
noivado não passava de uma farsa. Algumas vezes, quando
estavam sentados na mesa de jantar, Jan fazia comentários
sobre amor e casamento, que exasperavam Juliet. Sentia que
não teria forças para suportar por muito mais tempo aquela
situação.
Durante a permanência dela no castelo, tinham recebido duas
visitas de Vittoria Leontana. Ela foi muito simpática com
Jan e conseguiu até dirigir algumas frases cordiais, em
inglês, a Juliet, mas ficou bem claro que havia ido
espionar. Juliet ficou surpreendida com a rapidez de Jan
para despistá-la e evitar responder suas perguntas mais
comprometedoras. Era óbvio que a condessa tinha lido a
história que Santino divulgara pelos jornais, ligando seu
nome ao de Jan. Vittoria parecia não acreditar que a
confusão de uma irmã com a outra fosse apenas um erro
jornalístico. Mas, no final, teve de partir com a
curiosidade insatisfeita. Juliet respirou aliviada ao ver o
carro caríssimo ser manobrado e tomar o rumo da estrada
costeira.
Tinha certeza de que a condessa fora responsável pelo
grande número de fotógrafos que as esperavam do lado de
fora da clínica, ao saírem de lá, quatro semanas antes. Não
lhe fora fácil enfrentar as câmeras, mas Jan, já acostumada
a elas, recebeu os fotógrafos com seu melhor sorriso.
Juliet imaginou que Santino fosse se aborrecer, mas, apesar
dele não se mostrar muito receptivo, respondeu com
paciência a todas as perguntas dos jornalistas.
Durante a viagem de volta a Roccaforte, num momento em que
Jan estava dormindo, Juliet se atreveu a perguntar a
Santino o que os jornalistas queriam saber dele.
— Estavam interessados em Janina. Se ela tinha ficado
ferida; quando voltaria a trabalhar como modelo; enfim esse
tipo de coisas que você pode imaginar. Também fizeram
perguntas sobre você.
— Compreendo, Você disse a eles que estamos noivos?
— Naturalmente. Contei a eles exatamente a mesma história
que combinamos. O que você esperava que eu dissesse?
— Exatamente isso, eu acho — admitiu em voz baixa. — Eu
não queria que muitas pessoas ficassem sabendo. Vai
dificultar as coisas quando. . . — Juliet se interrompeu,
sem saber como terminar a frase.
— Quando decidirmos que a comédia acabou, você quer dizer?
— completou Santino. — Não se preocupe, minha cara. Vamos
deixar claro a todos que você não me quis, se é isso que a
deixa preocupada.
— Não é! Estou com medo que os jornais ingleses publiquem
alguma coisa. . . mamãe pode ficar sabendo!
— Bem, talvez fosse melhor você escrever para ela, dizendo
que estamos noivos.
— Não! — Juliet foi decisiva. — Então terei de contar tudo
desde o começo. Não posso simplesmente dizer que estou
noiva, prestes a me casar. . . Ela ficaria excitada demais!
Não gostaria de envolvê-la em toda essa farsa. Além do
mais, ela ia querer conhecê-lo. Haveria todo tipo de
complicações.
— Então, esperemos que os jornais ingleses achem que a sua
vida não é do interesse deles — disse ele secamente.
Agora que estavam unidos temporariamente, parecia haver uma
barreira entre ambos, que nunca existira no tempo em que
ela resistia às investidas dele. Santino comportava-se fria
e cortesmente. Isso bastava para mantê-la à distância.
Tentou convencer-se de que assim seria melhor, mais fácil,
mas foi em vão. Nada do que ele fizesse ou dissesse, nenhum
endurecimento em sua atitude para com ela ia pôr fim àquele
seu estado emocional que tanto a desgastava.
À noite ficava deitada, sem sono, olhando para o vazio e
dizendo a si mesma que era loucura se permitir ter tais
sentimentos por um homem que mal conhecia. Na verdade,
Santino não passava de um estranho para ela. Mesmo assim,
sabia que isso não era totalmente verdade. Parecia que
sempre havia estado junto dele, que sempre estivera à sua
espera. Era realmente muito difícil de entender!
O pior é que ele não sentia o mesmo. No começo Juliet tinha
conseguido atrair a atenção dele por motivos estranhos à
sua pessoa. Depois se transformara em uma mulher disponível
para o amor. Às vezes imaginava que pudesse aceitar o mundo
dele e aquele tipo de romance casual, o máximo que se podia
pretender de um relacionamento, na opinião dele. Mas não
adiantava. Ela queria mais e tinha de encarar os fatos: não
devia esperar nada dele.
Foi até a janela e viu que havia algumas barracas coloridas
espalhadas pela praia. Jan tomava calmamente seu sol. Não
havia dúvidas de que, se lutasse com empenho, podia
conseguir novamente Santino. Mas estava consciente da forte
atração existente entre ele e sua irmã. No começo era
apenas uma amizade sem consequências, apesar de Jan
persegui-lo abertamente. Nada, nem o fato de saber que ele
era o noivo de sua irmã, parecia detê-la. Nem mesmo o ar
frio e divertido com que ele, no início, recebeu seus
avanços. Mas a persistência tinha sido recompensada. Jan
era sempre encantadora. Agora, naquele começo de gravidez,
seu rosto tornara-se mais suave e sua pele muito mais
sedosa. Seus seios estavam mais volumosos, mas o corpo não
havia se alterado ainda. O banho de sol diário dera-lhe um
bronzeado de fazer inveja. Um homem como Santino não podia
deixar de apreciar aquela mulher, pensou Juliet com
amargura.
No começo ela fora com eles à praia, mas aos poucos começou
a se sentir cada vez mais posta de lado. Não os culpou por
isso, pois na verdade Jan e Santino tinham muito mais
coisas em comum. Ela pertencia àquele mundo luxuoso, que
ele também conhecia. Era natural que tivessem muito o que
conversar. Mas Juliet não esperava ser excluída tão
completamente. Não havia se perturbado com as constantes
frases de Jan, em italiano, que geralmente ela traduzia
depois. Podia aceitar aquilo, mas não a mudança em seu
relacionamento com Santino. Agora Jan se sentava ao lado
dele na hora das refeições. A voz dela era baixa, íntima.
Sempre estava contando alguma anedota escandalosa que podia
até mesmo ser em chinês, pois Juliet não conseguia ouvir.
Era tudo feito com muita sutileza, com olhares contritos em
direção a ela e sempre se seguia a frase: "Querida, não
deixe que eu monopolize seu lindo noivo".
Entretanto, pensou Juliet, era exatamente aquilo que Jan
estava fazendo com o maior sangue-frio. Apesar de não
existir nenhum noivado real entre Santino e éla, a atitude
de sua irmã era muito reprovável. Jan não sabia da farsa.
Só sabia que Juliet e Santino tinham se apaixonado e estava
fazendo o possível para interferir. Juliet tentava imaginar
quais seriam os motivos dela. Mas não, o melhor era não se
importar com a reação de Santino aos avanços provocantes de
sua irmã. Tinha esperado que ele a ignorasse educadamente,
mas ele não dava o menor sinal de estar disposto a fazer
isso. Talvez estivesse apenas se divertindo, mas nunca
desencorajava Jan. Juliet chegou à triste conclusão de que,
se não fosse ela estar ali, os dois já teriam tido um caso.
 medida que o tempo passava, ela sabia que a única forma
de não se magoar mais era voltar à Inglaterra. Entretanto,
havia problemas. Santino parecia não querer deixá-la
partir. Chegou a pensar que a humilhação que estava
sofrendo nas últimas semanas talvez fosse um castigo de
Santino, por ela tê-lo decepcionado. Já não tinha mais
certeza de nada, apenas daquela dor dentro de si.
Havia também problemas práticos, impedindo sua partida
imediata. Ainda estava usando os vestidos que Santino tinha
trazido do apartamento, naquela primeira noite. Sua bolsa
com o passaporte e o dinheiro e o resto de suas roupas
ainda estavam em Roma. Jan, ao contrário, tinha roupas até
demais. Isso não impedia que fizesse sempre comentários
desagradáveis quando Juliet usava alguns de seus vestidos.
Infelizmente, a maioria das roupas que Santino escolhera
pertencia a Jan. Tinha tentado explicar-lhe isso algumas
vezes, mas ela, impaciente, mudava de assunto.
Juliet olhou para a carta de sua mãe, agora já amassada em
suas mãos. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ver aquela
letra familiar. Sentiu saudades de sua casa, de sua escola
e de seus alunos. Afinal, era àquele mundo que ela
pertencia!
Não adiantava permanecer ali. Tinha de obrigar Santino a
marcar sua viagem de volta para a Inglaterra. As férias iam
terminar e precisava reassumir seu emprego. Mas não sabia
como fazê-lo! Era preciso esperar um momento oportuno, que
nunca parecia chegar.
Infeliz e desanimada, dirigiu-se à praia ao encontro dos
dois. Sabia que a tinham visto aproximar-se e sentiu-se
como uma intrusa. Ao chegar mais perto, viu Santino deitado
a poucos centímetros de Jan. Ele se ergueu, com a
fisionomia impaciente. Jan estava falando naquele tom de
voz baixo, que parecia reservado só a ele. Juliet chegou
mais perto e a irmã se interrompeu de modo teatral,
sorrindo para ela.
— Oi, queridinha. Veio nos fazer companhia? Que ótimo!
Pensei que estivesse respondendo à carta de mamãe, como uma
boa filha.
Juliet forçou um sorriso. .
— Acho que não será preciso. Provavelmente vou chegar lá
antes da carta.
Não olhou para Santino enquanto falava. Seus olhos estavam
fixos em Jan e percebeu que a irmã havia piscado para ele
logo que ela acabou de falar. Esperava que Santino dissesse
alguma coisa, mas ele continuou em silêncio. Ou tentava
ignorar o que ela tinha dito ou se sentia realmente
indiferente. A atitude dele não estava facilitando as
coisas. Tentou encará-lo. Ele tinha tirado a camisa e a
calça justa estava bem agarrada a suas pernas. Os óculos
escuros escondiam a expressão dos olhos dele, mas ela sabia
intuitivamente que ele ficara aborrecido com sua
intromissão.
Sentiu um pouco de raiva. Como ele se atrevia a assumir
aquele comportamento? Forçara-a a concordar com aquele
noivado falso, exigira-lhe uma série de coisas e agora nem
sequer a olhava? Decidida porém a resolver de vez aquela
situação, voltou-se para ele sorrindo e perguntou:
— Posso conversar em particular com você. . . querido? —
Ela se forçou a dizer a última palavra. — Quase não o tenho
visto ultimamente.
Durante alguns momentos ele pareceu hesitar. Depois levan-
tou-se.
— Desculpe-me, Janina.
— Claro! — Jan recostou-se, sorrindo. — Não vou ser
egoísta e querer me divertir sozinha com você. Não devo
esquecer que, afinal, você pertence a Juliet.
Santino olhou Juliet e sorriu, quase como se tivesse
fazendo uma careta.
— Eu também — disse alegremente. — Vamos andar um pouco
pela praia, querida, ou prefere que voltemos ao castelo?
— Na praia está bem. Não vou ocupar muito seu tempo.
Caminhou ereta ao lado dele, sabendo que Jan os observava.
— Então, finalmente, você me procurou — disse ele
baixinho, quando estavam um pouco distantes de Jan. —
Suponho que deva ficar orgulhoso. Posso saber a razão desse
desejo repentino de minha companhia?
— Não pode reclamar a falta de companhia feminina —
respondeu ela, furiosa com o tom de voz de Santino.
— Não, não posso. . . e não estou reclamando, acredite. —
A voz dele estava irónica. — Agora está fazendo o papel da
noiva ultrajada que veio reclamar por eu estar me
divertindo com sua irmã?
Juliet inclinou a cabeça e seus cabelos vieram para a
frente, como uma cortina. Estava com medo de demonstrar as
emoções verdadeiras que as palavras dele haviam provocado.
— Acho que não precisamos continuar com esta. . .
charada... — Juliet tentava manter o mesmo tom irónico de
Santino. — Você é livre e eu. . . penso que não estou
fazendo nada de muito proveitoso, continuando aqui.
— Nosso acordo era para você ficar até que Mário e
Francesca estivessem casados.
— É mesmo? Na verdade, não me lembro. Mas, se insiste em
continuar com isso, acho que terá de se contentar com um
noivado à distância. Preciso voltar ao trabalho. Sou
professora e minhas aulas começam dentro de poucos dias.
— Mas, e o casamento. . . o casamento de Mário? Não vai
estar presente?
— Acho difícil.
— Minha mãe espera que você compareça.
—- Não sei por quê — disse, cansada. — Acho exatamente o
contrário. Ela provavelmente vai erguer um brinde quando
souber que voltei para casa. Além do mais, será muito fácil
você dizer que o noivado terminou e eu voltei para a
Inglaterra. Pode dizer a todos que não consegui me
acostumar à Itália.
— Obrigado — disse ele com a voz gelada. — Acho que posso
imaginar uma boa história para satisfazer os curiosos. — A
mão dele agarrou a dela com tanta força que Juliet quase
gritou de dor. — Não se afaste desse jeito — ameaçou ele. —
A peça ainda não chegou ao fim. Nós somos dois namorados
felizes andando pela praia, de mãos dadas. — Ela sentiu um
arrepio ao perceber o ódio na voz dele. — Diga-me,
reassumir seu cargo de professora é a única razão para
voltar à Inglaterra?
— Não — respondeu. — Há outras razões.
— E eu sou uma delas? — perguntou ele de repente. Virou-se
então para ela e abraçou-a pela cintura. À vista de
qualquer um, pareciam estar se abraçando apaixonadamente.
Mas não havia a menor ternura no rosto de Santino. Juliet
sentiu que ele a observava e que não ia conseguir lhe
esconder nenhuma emoção. Este pensamento deixou-a
profundamente envergonhada.
— Talvez seja — respondeu, nervosa. O que ele queria que
ela dissesse? Que admitisse seu amor e caísse de joelhos,
implorando piedade?
— Então, sua irmã estava certa — disse ele suavemente e
ela se sentiu enrubescer. Será que Jan tinha descoberto seu
segredo? Será que os dois tinham passado aqueles últimos
dias rindo dela?
O som do mar a seus pés, o riso distante das crianças, tudo
de repente pareceu mais intenso. Ouviu então Santino
perguntar:
— Acha que ela não deveria ter me dito?
— Eu nem pensei que ela soubesse — respondeu Juliet
pausadamente, pensando na confissão que acabara de fazer. —
Desculpe-me, mas isso não tem importância. Se me deixar
partir. . .
Os braços dele se afastaram e ela pensou que ele havia
interpretado sua frase de modo errado. Então Santino disse:
— Já a deixei partir. Não percebeu?
Ela o encarou, percebendo pela primeira vez por que a
estava evitando, devotando todo seu tempo livre a Jan. Era
mesmo um tipo cruel, pensou, confusa. Tinha deixado-a
perceber que não haveria nenhuma esperança. Provavelmente
havia imaginado por que o orgulho dela não a fizera partir
antes. Este mesmo orgulho agora ia salvá-la, pensou
friamente.
— Há apenas um problema. Meu dinheiro e meu passaporte
ainda estão no apartamento de Jan, com o resto das minhas
roupas. Gostaria de pegá-los.
Ele fez um gesto impaciente.
— Não precisa. Eu irei pegá-los. Tenho de ir a Roma amanhã
e posso trazê-los. — Olhou-a novamente. — É isso mesmo o
que você quer? Tem certeza?
— Certeza absoluta — respondeu, sorrindo.
Ouviu-o respirar fundo, como se fosse dizer algo, mas não o
fez. Durante alguns momentos ele ficou imóvel, tenso.
Depois sacudiu levemente os ombros.
— Então nada mais há para ser dito.
Voltou-se e andou em direção a Jan. Juliet, de longe,
percebeu que a irmã havia tirado a parte superior do
biquini. Quando Santino se deitou a seu lado, ouviu-os
rindo juntos.
Sentiu ciúmes e pediu forças para sair logo dali, pois
sabia que não ia aguentar muito tempo.
Mas as coisas pareciam conspirar contra ela. Quando desceu
para o café da manhã, no dia seguinte, encontrou apenas
Annunziata. Sem acreditar, ouviu a empregada lhe explicar
que Santino e Jan tinham ido para Roma.
Juliet tomou café, sentindo como se tivesse levado uma
bofetada no rosto, em público. A situação não melhorou com
o silêncio de Annunziata e sua discreta simpatia.
Passou um dia terrível, andando pela praia, sem apetite nas
refeições, e decidiu fazer algo positivo em relação a sua
partida. Separou suas roupas das de Jan, no armário do
quarto de hóspedes. Quanto tempo ainda sua irmã iria ocupar
aquele quarto, antes de se mudar para o de Santino?
Não tinha a menor ideia de quanto tempo levava uma viagem a
Roma, mas ficou preocupada quando a noite chegou e eles não
voltaram. Jantou sozinha. Ao terminar a refeição, tentou
ouvir alguns discos, mas não conseguiu.
Quase não acreditou quando olhou no relógio e viu que
passava da meia-noite. Pela primeira vez lhe ocorreu que
eles poderiam não voltar naquela noite. Ficou nervosa ao
pensar em todas as implicações que aquela ausência traria.
Começou a andar pelo quarto e a cada minuto ia à janela, na
esperança de vê-los chegar. Pensou nas outras viagens de
Santino e no tempo que haviam durado, mas não conseguia se
lembrar. Sentou-se em um canto do sofá e tentou relaxar.
Não tinha a menor ideia de quando sua infelicidade e
cansaço se transformaram em sono. A primeira coisa que viu
à luz do dia seguinte foi Annunziata, com o rosto
preocupado, inclinada sobre ela, sacudindo seu ombro com
insistência e dizendo:
— Eles chegaram, senhorita.
Juliet sentou-se e sentiu os músculos doloridos. Seu
primeiro pensamento foi sair correndo dali. Seria horrível
se Santino e Jan entrassem e a encontrassem ali sentada,
esperando-os. Estava desarrumada, com os cabelos em
desalinho e não queria que a vissem assim. Começou a subir
as escadas enquanto Annunziata abria a porta. Entretanto,
algo a fez virar-se e olhar lá embaixo. Não viu Santino
entrar. Em vez dele, entrou a mãe. Não estava sozinha. O
marido a seguia, juntamente com uma garota bem nova, de
cabelos escuros, que Juliet nunca havia visto antes. Virou-
se para continuar subindo, mas era tarde demais.
— Então está aí, minha filha? Venha até aqui — ordenou e
Juliet obedeceu com muita relutância.
A velha examinou-a dos pés à cabeça.
— O que é isso? — perguntou. — Seus olhos estão vermelhos
e você está muito pálida. Suas roupas estão amassadas! O
que significa isso?
Percebendo que Annunziata estava ali de pé, pronta a dar as
informações, Juliet disse:
— Eu.. . adormeci no sofá, esta noite.
— Não há camas nesta casa? — perguntou. — E onde está meu
filho, que permite que isso aconteça?
Antes que Juliet pudesse responder, Annunziata deu um passo
à frente e tomou a iniciativa. Enquanto falava, o rosto da
mãe de Santino foi ficando preocupado, sombrio. Fez então
um leve sinal para que a criada se calasse.
— Então, ele está em Roma? — perguntou ela, virando-se
para Juliet. — Por que não foi junto?
Juliet sacudiu os ombros, cansada. Achava todo aquele
interrogatório muito desagradável, principalmente na frente
da garota estranha. Mas, a julgar por seu rosto encantador
e angelical, não estava compreendendo o que se passava.
— Porque ele não me levou — respondeu rudemente, forçando-
se a sorrir para o sr. Peretto e a perguntar onde tinham
tomado o café da manhã.
A mãe de Santino lembrou-se então de suas obrigações
sociais.
— Francesca, venha aqui. Quero apresentá-la a Giulietta,
que vai se casar com Santino.
— Não — disse Juliet, sacudindo a cabeça. Nas atuais
circunstâncias era bom não continuar mais com a farsa. —
Nós... percebemos a tempo que não ia dar certo, senhora,e
eu resolvi voltar à Inglaterra.
— Não estou compreendendo — retrucou calmamente. — Mais
tarde, você me explicará tudo. Agora, vá trocar esse
vestido amassado.
Juliet nunca a obedeceu com tanto prazer. Dirigíu-se à
escada e sentiu o olhar da jovem segui-la. Compreendeu seu
espanto. Provavelmente tinha sido trazida até ali para
conhecer sua futura cunhada. Só que havia desperdiçado a
viagem. De certa forma, Juliet estava se sentindo quase
triste. Francesca tinha um rosto doce e gentil e, em outras
circunstâncias, gostaria de tê-la como amiga.
Tomou um banho e trocou de roupa. Escolheu uma blusa de
seda creme de mangas longas e uma saia de seda marinho. Ao
descer, Annunziata estava servindo café com pãezinhos
quentes. A mãe de Santino fez um gesto para que Juliet os
acompanhasse. Ela assentiu, embora temesse um novo
interrogatório. Em vez disso, a velha conversou
animadamente sobre o casamento de Mário, a lista de
convidados, os presentes e outros detalhes da cerimónia.
Olhando para Francesca, Juliet achou que nunca havia visto
antes uma garota tão feliz com a perspectiva de um
casamento. No fundo sentia-se agradecida por seu desempenho
não ter dado em nada, possibilitando assim que Mário se
casasse com uma jovem tão apaixonada. Esperava muito que
Francesca nunca soubesse de nada e sentia-se feliz por Jan
estar a quilómetros de distância, em Roma.
Quando o café terminou, a velha pediu ao marido que levasse
Francesca passear perto do castelo. Juliet percebeu que o
interrogatório não podia mais ser adiado.
— Mostre tudo a ela — sugeriu, enquanto os dois se
preparavam para sair. — Tenho coisas a dizer a Giulietta.
Quando ficaram a sós, olhou apreensiva para Juliet e disse:
— Agora, explique. Até agora, achei que ia casar com
Santino. Agora vem dizer que não vai casar. Por quê? Já não
o ama?
Juliet sentiu um nó na garganta. Na verdade, seu segredo
bem guardado parecia ser um livro aberto para todos,
pensou, infeliz. Agora não adiantava negar, diante daqueles
olhos observadores. A mãe de Santino não acreditaria.
— Não é isso — disse ela, sacudindo a cabeça. — É que, na
verdade, Santino não quer casar comigo.
— Está falando daquela história que ele me disse. . . que
lhe propôs casamento porque a desonrou? — A velha fez um
sinal de impaciência. — Acho que Santino é um homem
liberal. Cheguei também à conclusão de que ele não se
importa mais com essas coisas. Além disso, você é a irmã
daquela outra. O que minha família lhe deve? Nada.
Viu que Juliet se sentiu ainda mais infeliz. Fez então um
carinho em sua mão.
— Não devia ter dito isso. Meu filho me disse que você é
diferente e acredito nele. Então por que não quer casar?
— A senhora não compreendeu — Juliet percebeu que a
franqueza seria sua única salvação — que nós nunca
estivemos realmente noivos? Era apenas uma história que
inventamos. — Cansada, explicou por que Santino havia
insistido na farsa do noivado.
A velha surpreendeu-se.
— Então, por que ele não me disse isso?
— Não sei — respondeu Juliet. — Ele... ele disse que eu
não devia dizer a ninguém. E eu não disse... até agora. Mas
como vou partir amanhã, isso provavelmente já não terá mais
tanta importância.
— E Santino está em Roma com aquela outra, sua irmã? — A
velha estava furiosa. — E pensar que eu estava agradecida
por ter um filho que não fosse bobo!
— Não culpe Santino — disse Juliet com dificuldade. — Ele
não pretendia que as coisas tomassem esse rumo.
— Quem sabe o que ele pretendia? Duvido até que ele mesmo
saiba. — Olhou para Juliet durante alguns momentos e sua
expressão suavizou-se. — Então você ama meu filho? —
perguntou gentilmente. — Bem, é simples. Fique aqui e case
com ele. Diga à sua irmã para sumir.
Juliet sentiu que ia chorar, mas controlou-se e sorriu.
— Eu. . . não posso fazer isso, senhora. E Santino não
quer que eu faça. Ele me queria enquanto pensou que eu
fosse Jan, mas tudo mudou quando ele descobriu a verdade.
Eu realmente preciso partir. Será mais fácil para todos.
— Mas será fácil para você? Não faça isso, garota. Fique e
lute. Juliet fez que não.
— Não tenho nada pelo que lutar, senhora. É melhor eu ir,
acredite-me.
Durante todo o dia esperaram Santino voltar. Finalmente,
quando a noite chegou, a velha consentiu em ir com o marido
e Francesca para a vila próxima de Messina, mas prometeu
voltar assim que pudesse.
Juliet tinha terminado o jantar e estava sentada sozinha na
sala de estar, dizendo a si mesma que outra noite no sofá
estava fora de cogitação, quando ouviu o ruído de um carro.
Queria fugir correndo, mas fechou as mãos com força e
sentou-se novamente no sofá.
Jan entrou primeiro. Estava rindo e Juliet pensou, nervosa,
que havia um tom de triunfo naquele riso. Jan parou quando
viu a irmã.
— Querida, você é adorável! Sentadinha aí como a mais fiel
das mulheres! — Dirigiu-se ao sofá e sentou-se na outra
extremidade, espreguiçandò-se languidamente.
— Foi uma ótima viagem — murmurou, sorrindo. Juliet
forçou-se a falar.
— Não sabia que pretendia ir junto.
O sorriso de Jan se alargou. Parecia um gato satisfeito.
— Santino insistiu muito, meu bem — disse alegremente. —
Acho que ele acha o noivado de vocês um tanto aborrecido.
Deve ter lhe parecido uma boa ideia em outra época. Talvez
ele tenha ficado noivo em um impulso de momento, mas
certamente não irá casar por esse motivo. — Fez uma pausa,
mas Juliet não disse nada. Depois de alguns minutos ela
continuou, animada: — Mais uma coisa, meu bem: eu não
deixaria transparecer meus sentimentos tão abertamente.
Aquela cena na praia, arrastando-o daquele jeito, quando
podia ver que ele não queria ir, foi uma falta terrível de
dignidade, querida. Aprenda a ser uma boa perdedora.
Juliet levantou-se.
— Não acho que deva aprender nada — disse ela quase
gentilmente. — Vou partir amanhã de manhã. Mas, antes
disso, há algo que preciso dizer, Jan, apesar de ter
pensado em não dizer nunca, por causa de mamãe. Você é, sem
dúvida, a maior vagabunda que já conheci. — Agora era sua
vez de sorrir ao ver o rosto espantado de Jan. — E, por
favor, peça a Santino para não me perturbar esta noite;
diga-lhe para deixar meu dinheiro e o passaporte aqui na
sala. Posso pegá-los antes de sair.
— Não seja boba — disse Jan friamente. — Como pensa em
sair deste fim de mundo se ele não levá-la?
— Acho o caminho — respondeu Juliet. — Prefiro ir descalça
e a pé até Roma, do que pedir a você ou a ele qualquer
favor.
Ouviu então um ligeiro movimento atrás dela. Virou-se e viu
Santino de pé na porta. A julgar por seu rosto sombrio, não
havia dúvida de que ouvira suas últimas palavras.
Juliet virou-se e dirigiu-se para a escada, sem se voltar
para ele quando a chamou:
— Giulietta!
Fez que não ouviu. Já estava com o pé no último degrau
quando ele a agarrou.
Furiosa, tentou afastar a mão dele de seu braço.
— Por favor, solte-me!
— Tenho algumas coisas para lhe dizer — disse ele.
Juliet notou que ele estava com a barba crescida e com
olheiras.
— Não quero ouvi-lo — respondeu em voz baixa. — Tenho um
bom conselho para você, Santino. Aprenda a ser um bom
perdedor.
Terminou então de subir a escada, sem se voltar para trás.
— Juliet querida! — Era sua mãe que a sacudia pelos
ombros.
— Já são mais de oito horas. Não ouviu seu despertador?
Trouxe sua xícara de chá.
— Oh, céus! — Juliet sentou-se, apressada, jogando os
cabelos para trás. — Obrigada, mamãe. Você é um anjo. Mas
não vou ter tempo nem para tomar o chá.
— Oh, terá sim — disse a sra. Laurence com firmeza. —
Talvez tenha perdido o hábito de um bom café da manhã, mas
não aprovo isso. Não vai sair antes de tomar o chá, minha
filha.
Juliet sorriu. A mãe às vezes a deixava nervosa, mas a
amava.
— Suas palavras são ordens, minha rainha — respondeu,
brincalhona.
— Há mais uma coisa — disse a sra. Laurence, sentando-se
na beira da cama e olhando para a filha. — Não tenho visto
você rir, nas últimas semanas.
— Oh, mamãe! — Juliet tomou Um gole de chá. — Estou assim
tão mal?
A sra. Laurence sorriu.
— Parece — disse gentilmente. — Querida, será que não
ajudaria se falássemos sobre o problema. . . qualquer que
seja? Deve ter acontecido algo, enquanto esteve fora, que
você considera um assunto proibido.
Juliet colocou a xícara ao lado da cama.
— Não há nada a discutir! — Tentava ser alegre. — E já
estou atrasada. . .
A mãe empurrou-a suavemente de volta aos travesseiros.
— Mais cinco minutos não farão muita diferença. Tudo o que
tenho a dizer é que depois de conviver alguns dias com uma
Juliet estranha, ainda posso ver alguma coisa da velha
Juliet... E é essa que quero de volta, para sempre.
Juliet piscou.
— Acho que ela já não existe, mamãe.
— O que aconteceu com ela? — perguntou a sra. Laurence. —
Minha filha volta para casa, depois do que deveriam ter
sido as férias de sua vida, e parece um fantasma. Não a vi
rir desde que voltou. Nem mesmo sorrir. Posso imaginar o
que o pobre Barry estará pensando.
Juliet inclinou a cabeça.
— Isso não me preocupa mais.
— Compreendo. . . Então, é um homem? Vai me dizer quem é
ele?
— Não será necessário. Não vou vê-lo nunca mais.
Enquanto tomava banho e se vestia, Juliet lembrou a última
noite passada no castelo. Algumas vezes, imaginava o que
teria sucedido se tivesse olhado para trás, na escada, e
ele lhe estendesse os braços. Será que ele teria feito
isso? Bem, não podia saber a resposta. Se o fizesse, ela
tinha certeza de que se atiraria neles, sem pensar em mais
nada.
Mas não olhara para trás. Tinha ido até o quarto, trancado
a porta e dormido pesadamente. Sua única preocupação era
chegar rapidamente a Roma no dia seguinte. Não sabia como
fazer. Mas tudo foi muito fácil. Quando desceu, encontrou a
mãe de Santino. Depois de alguns momentos, ficou decidido
que o sr.Peretto a levaria até o aeroporto de Roma.
Não viu sinal de Santino, nem teve jeito de saber o que a
mãe lhe havia dito. O sr. Peretto tinha sido muito
atencioso, conseguindo-Ihe uma passagem de primeira classe.
Era mais do que evidente que todos ali queriam se ver
livres dela.
O encontro com sua mãe tinha sido agradável. Muitas coisas
não lhe foram ditas e Juliet percebeu que estava ficando
prática na arte de disfarçar, responder com meias-verdades
e frases evasivas.
Cheia de amargura, tinha voltado ao trabalho. Pensava
sempre em Santino e Jan, juntos no castelo. Será que ele
estaria sentindo sua falta? Não devia nem pensar nisso.
Tudo estaria bem quando esquecesse os momentos que passaram
juntos. Mas em certas ocasiões lembrava-se de seus carinhos
de forma quase dolorosa, sobretudo por saber que não havia
futuro para aquele amor. Nunca poderia pertencer a ele, da
forma que desejava.
Era um consolo pensar que, mesmo se tivesse se entregado a
ele, nada seria diferente. Ela agora estaria na Inglaterra,
sozinha com suas lembranças e talvez até arrependida.
Sentia-se muito ansiosa. Pressentia que algo de ruim estava
para acontecer. Tinha passado o tempo todo nervosa e
impaciente com as crianças.
O dia porém estava bonito. Soprava uma brisa leve e
agradável. As rosas de sua mãe desabrocharam, espalhando
pelo ar seu perfume delicioso. Juliet decidiu planejar tudo
o que ia fazer à tarde, para não deixar que suas emoções
aflorassem. Primeiramente, tomaria um chá no jardim.
Estava profundamente mergulhada em seus pensamentos,
enquanto voltava para casa, que quase não viu um enorme
carro parado em frente ao jardim. A janela da sala estava
aberta e ela viu o perfil de um homem de quem jamais se
esqueceria. Era Santino.
Seu instinto era se esconder onde ele não pudesse encontrá-
la. Mas de que adiantaria? Tinha de encontrá-lo, se estava
em sua casa.
Ele não estava sozinho. Ela soube disso antes mesmo de
abrir a porta. Ouviu Jan rindo na sala. A sra. Laurence
apareceu, o rosto satisfeito, e foi logo dizendo:
— Querida, Jan está aqui. Ela casou com um italiano. Ele
veio junto. Não quer entrar e cumprimentá-los?
Oh, Deus, não me deixe chorar, pensou Juliet. Ficou
espantada com a própria voz, ao responder, calma:
— Mais tarde, mamãe, preciso trocar de roupa e depois vou
até o jardim.
— Mas eu fiz um chá. — Sua mãe olhou para ela, curiosa. —
Querida, seria melhor se viesse agora. Acredite-me, por
favor. . .
Interrompeu-se quando Jan apareceu atrás. Sua gravidez
agora estava mais aparente e ela não a estava disfarçando
mais. Usava um vestido muito elegante. Sorriu para Juliet
como se aquele encontro doloroso da última noite nunca
tivesse acontecido.
— Juliet, minha querida! — Ergueu a mão saudando a irmã e
Juliet viu nela um imenso diamante. Mesmo naquele momento,
sentiu-se aliviada por Santino não lhe ter dado o anel de
esmeraldas. O anel que tinha deixado no quarto do castelo
antes de partir.
— Oi, Jan — respondeu, calma. Sentiu o coração sangrando,
mas controlou-se. Minhas felicitações.
Jan continuou sorrindo.
— Foi um casamento rápido, mas ótimo. Pobre mamãe! Mas
agora já está tudo esquecido, não é? Estou perdoada.
A sra. Laurence virou-se silenciosamente e foi até a sala,
deixando as filhas a sós. Jan insistiu:
— Não vem tomar chá conosco? Meu marido está querendo vê-
la.
— É um prazer que ele não terá — disse Juliet. — Por
favor, diga-lhe que lhes desejo muitas felicidades.
Virou-se e dirigiu-se à escada. Ouviu a voz de Santino:
— Giulietta! — gritou ele. Juliet parou. Suas pernas
estavam trémulas e o rosto pálido.
Oh, não, por favor, não! Forçou-se a continuar subindo. Ali
era a casa de sua mãe. Lá em cima estava o seu quarto, seu
refúgio.
Ele colocou a mão em seu ombro, virando-a para que o
encarasse, e disse:
— Não fuja de mim outra vez, Giulietta.
— Tire as suas mãos de mim. Não teve nenhuma consideração
por mim, agora tenha pela sua esposa!
Virou-se e começou a subir novamente. Seu coração batia tão
forte que parecia querer sufocá-la. Ele continuava atrás
dela. Agar-rou-a pelas pernas e carregou-a nas costas o
resto da escada.
— Coloque-me no chão! Não se atreva! — gritava, furiosa.
— Atrevo-me sim — disse ele, firme. — Da última vez que a
deixei subir uma escada, você fugiu. Não vou mais cometer
esse erro. Qual é seu quarto? Vamos, diga logo!
— É a última porta — respondeu ela, começando a chorar.
Ele respirou fundo e a colocou na cama. Depois fechou a
porta e a fez sentar-se em seu colo.
— O que está fazendo? — gritou Juliet, esfregando
furiosamente os olhos. — Não tem o direito de fazer isso.
Sua esposa está lá embaixo. O que ela vai pensar? E a minha
mãe?
— A opinião de sua mãe talvez me preocupe. Mas não tenho
nenhuma esposa.
— O que está dizendo?
— Que não tenho esposa. Não casei, Giuletta! Mas que
ideia!
— Mas minha irmã casou! Mamãe me disse que foi com um
italiano e falou que o marido estava esperando para me
cumprimentar.
— E você deduziu que fosse eu? — Santino riu. — Não,
Giullietta. O marido de sua irmã é Pietro Rizziani. Acho
que o mencionei a você.
Juliet parecia não acreditar.
— Sim, Giulietta, aquele Rizziani!
— Mas pensei que ele fosse casado.
— Ele era, mas ficou viúvo. A gravidez de sua irmã o
persuadiu a não esperar muito para o segundo casamento.
Isso e a grande fortuna que ela lhe dará com o casamento.
— Mas Jan não tem dinheiro!
— Sei disso, minha cara. Mas afinal, ela é quase um membro
de minha família.
— Quer dizer. . . porque ela ia se casar com seu irmão...
— Não. . . — disse ele, sacudindo a cabeça — porque vou
casar com você.
— Não!
— Vou, sim. Não viajei até aqui para receber um não. —
Segu-rou-lhe o queixo e fez com que Juliet se voltasse para
ele. Durante alguns momentos, olhou-a profundamente. Então
seus lábios desceram sobre os dela. O mundo parecia
rodopiar ao redor de Juliet, que correspondia a todos os
beijos, sem reserva. Ele então começou a murmurar
juramentos, em italiano, enquanto acariciava o corpo dela,
despertando uma ternura cheia de desejo e prazer.
Finalmente ergueu a cabeça. Seus olhos estavam brilhando de
triunfo, mas Juliet estava contente com a vitória dele.
— Agora, diga-me, por que não me queria? - perguntou,
rouco.
— Pensei que você não me quisesse.
— Quando não a quis? Desde a primeira vez que nos
encontramos, tentei não amá-la demais. E não consegui. Eu a
queria. Não percebeu? Você era tudo o que eu desprezava,
mas amei-a no mesmo instante. Não se perguntou por que a
levei para jantar naquela noite? Não estava em meus pianos.
— Quais eram seus planos?
— Queria que desistisse de Mário e ia usar todos os meios
— confessou ele com franqueza. — Mandei-lhe rosas para ter
certeza de que era a moça em questão. Depois pensei em
levá-la ao castelo se não concordasse comigo. Mas você
parecia tão inocente. Todos os meus planos falharam. Como
podia imaginar que Janina Laurence, com toda sua história
patética, tinha uma irmã?
— Então, mandou as rosas e eu assinei o recibo. O mesmo
sobrenome ... a mesma inicial... — Ela riu. — Não é de
admirar que tenha acreditado em mim quando fiz o papel de
Jan.
— Entretanto, eu devia ter percebido. Desde a primeira vez
que a toquei. . . que a beijei... vi que era diferente.
Sentia desejo de protegê-la. Não sabia se devia sentir
raiva de mim mesmo ou de você.
— Mas ainda não compreendo! — Juliet olhou para ele com
carinho.— Quando descobriu a verdade, por que foi tão
cruel, tão desatencioso?
— Cruel, talvez, minha querida. Mas nunca desatencioso. O
noivado falso foi tudo em que pude pensar para mantê-la
perto de mim. Sabia que a havia amedrontado e que talvez
sentisse até repulsa por mim. Queria me reabilitar, mas
precisava de um pouco de tempo para nos conhecermos melhor.
Disse a mim mesmo que apressar o casamento seria ruim para
você. Queria lhe dizer que o noivado era verdadeiro. Devia
tê-lo feito, por causa das intenções de sua irmã.
— Achei que tinha se apaixonado por ela — confessou
Juliet.
— Pelo menos, pensei que a desejasse. Deduzi que, por isso
a tivesse levado até Roma.
Ele a olhou, incrédulo.
— Eu a levei a Roma para encontrar Rizziani. Em uma de
minhas viagens de negócios, fiquei sabendo que ele estava
viúvo. O primeiro encontro não foi tão bem sucedido como eu
esperava, e por isso tive de levá-la de volta ao castelo.
— Mas, Jan disse. . . ela me fez pensar.
— Sei o que ela a fez pensar. Também tentou me convencer
de que você estava desejosa de voltar logo à Inglaterra por
causa de alguém chamado Barry.
— Oh, não! Não pode ser! — Juliet ficou pálida. — Quero
dizer, nunca houve nada entre nós... e ela nem sabia. . .
— Parece que sua mãe contou em uma das cartas.
— Mas por que faria isso?
— Porque Jan pensava que eu fosse um marido melhor para
ela — respondeu, irónico. — Mas logo afastei essa ideia de
sua cabeça.
— E o sr. Rizziani, não se importa com o bebé?
— Por que deveria? Tenho certeza de que é dele.
— Quem lhe disse?
— Ele mesmo. E sua irmã confirmou.
Santino a puxou para mais perto.
— Quando vamos casar, Giulietta? Não quero esperar mais.
Fiquei muito ansioso nestas últimas semanas.
— Eu também. — Ela o abraçou.
— Espero que tenha sofrido tanto quanto eu. —- Pode estar
certo que sim.
Gentilmente ele tomou-lhe a mão, colocou novamente em seu
dedo o anel de esmeraldas e beijou-a.
— Desta vez não é uma farsa, minha querida — confessou-
lhe. — É para toda a vida!
FIM

Um romance inesquecível para você!


SABRINA 107
CORAÇÃO EM CHAMAS
Janet Dailey
Jennifer estava encerrando um caso de amor infeliz e não queria
saber de novos envolvimentos. Muito menos com Logan Taylor, com
quem sua irmã, viúva, ia se casar. Vá lá que Logan mexesse com
seus nervos cada vez que se aproximava, mas Jennifer tinha ido
àquela estação de esportes de inverno em Wyoming pára curar suas
mágoas e ajudar a irmã a cuidar do hotel onde ela trabalhava. Lá
Jennifer se sentia útil, amiga, e não ia deixar seu coração se
incendiar outra vez pelo homem errado. Ela tinha que ficar longe
de Logan, evitar o brilho daquele olhar penetrante... Ela tinha
que continuar fugindo do amor!

Uma espetacular história de amor!


SABRINA 108
MENTIRAS DE AMOR
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Os olhos de Caroline brilhavam de paixão cada vez que ela fitava
Domeni-co. Mas, para aquele italiano tão zeloso de sua
dignidade, Caroline era um enigma: ás vezes ela parecia inocente
e amorosa; outras vezes quase provava sua desonestidade, sua
falta de caráter. E ele tinha sido obrigado, por uma questão de
honra, a se casar com ela. Domenico precisava feri-la t puni-la
pelo mal que ela infligia a seu coração. Só Caroline sabia a
verdade: ela amava o marido e hão podia tocá-lo; tinha de mentir
todos os dias a ele para proteger da miséria uma criança
inocente. Será que algum dia seu tormento teria fim?

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SABRINA 109
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Noelle precisava de um emprego durante as férias e ficou
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Noelle, a nova garçonete, pobre e malcriada. E o pior é que ela
estava fascinada por Per... Quanto tempo ainda Noelle teria de
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SABRINA 110
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recusasse as condições de meu pai, arriscaria perder tudo o que
levei anos para conseguir. Eu tinha dois dias para encontrar uma
noiva que me servisse. E foi exatamente aí que você me caiu nas
mãos, como uma graça do céu, Eu seria um louco se atirasse fora
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