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Um Amor Antigo

THE IDEAL FATHER

Rosalie Ash

Paixão? Não...era amor mesmo!


Ele era o homem dos seus sonhos...e de seus pesadelos. Quatro anos atrás, Marco
fora sua grande paixão, mas partira sem saber que ela estava grávida. Agora ele estava de
volta...e descobriria a verdade!
Para Polly, revelar o segredo que mantivera por tanto tempo guardado não significava
dificuldade alguma comparada a emoção que sentira ao saber que iria rever marco. E Polly
tinha certeza de que não conseguiria esconder seus sentimentos!

Digitalização: Mikaina
Revisão: Samuka
Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

Um Amor Antigo
The Ideal Father
Rosalie Ash
Sabrina 1189
1998
Editora Nova Cultural, 2000

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

Capítulo 1

A festa de batizado, na ensolarada encosta de uma colina da Toscana, tinha muita


gente e a atmosfera era de completa alegria. Polly sentia-se uma tola por ter duvidado do
calor com que a receberiam.
Os dois moisesinhos de vime estavam à sombra de uma nodosa glicínia, junto à sólida
parede de pedra da casa de fazenda toscana. Afastando o cabelo do rosto, Polly foi olhá-los
com cuidado. Os dois bebês de cabelos negros achavam-se lado a lado. Gêmeas. As duas
pequenas sobrinhas de Marco estavam com alvos vestidos de batismo, deitadas de costas,
com os diminutos polegares na boca.
Enquanto ela olhava, as boquinhas sugaram espasmodicamente, as pálpebras
tremeram, ergueram-se, depois voltaram ao normal. Os dedinhos flexionaram-se e tornaram
a imobilizar-se. Tranquilas e protegidas em seus pequenos mundos. Imaginando com o que
bebês de três meses sonhariam, Polly sorriu docemente. As feições das menininhas e o tom
de suas peles tinham algo de familiar: lembravam Ben quando era pequenino. O estômago
de Polly apertou-se, e ela admitiu a si mesma por que estava ali, na verdade.
Não podia fingir que simplesmente cedera à pressão que seu pai fizera para que fosse
à Itália. De fato, ele tinha feito bastante pressão para que ela aceitasse o convite dos Daretta
para a festa de batizado, principalmente, desconfiava, para demonstrar que os ingleses
Hamilton e os sicilianos Daretta, dois ramos da mesma família, afinal haviam parado de
brigar. Como sua irmã de criação, Sophy, lhe havia dito que Marco não poderia sair de
Londres por causa de um julgamento, e, uma vez que o único Daretta com quem Polly tinha
problema era ele, concordara em ir.
Afinal, a quem estava querendo enganar? Pondo de lado qualquer intenção nobre,
seus motivos para estar ali eram emocionais, pessoais e nem um pouquinho racionais.
Marco Daretta era tio das menininhas gêmeas, e aceitar os argumentos do pai sobre a
unidade da família havia sido uma desculpa para ela ceder à tentação de ver os novos
rebentos da família Daretta, para torturar-se comparando fatos...
Olhava os bebês adormecidos com muita ternura. A irmã de Marco, Marietta, era meio
inglesa, como ele, mas seu marido era italiano, claro. E ali estava a inconfundível "marca" da
família Daretta nos pequenos rostos de feições ainda indeterminadas. Os genes Daretta,
sem dúvida extra potentes graças a séculos do denso sangue siciliano, eram poderosamente
dominantes, fossem de quem fossem os genes que se unissem a eles.
Chegou um pouco mais perto. Será que as pequeninas haviam herdado também os
magníficos olhos azul-escuros dos Daretta? Impossível saber isso no momento. As duas
estavam profundamente adormecidas. Mas dava para ver contra a sedosa pele cor de
pêssego que os longos cílios eram negros.
— Polly.
Ao inesperado som da voz profunda de Marco, ela sobressaltou-se e sentiu-se
culpada como se estivesse fazendo algo que não devia. Em seguida, zangou-se consigo
mesma. Há tempo que lutava para nunca mais sentir-se culpada.
Voltou-se, os longos cabelos movimentando-se junto ao rosto, tendo que reunir todo
autocontrole para exibir uma expressão composta e bem-educada ao erguer os olhos para o

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homem ao seu lado. Mas falar foi temporariamente impossível. Ficou apenas olhando para
ele, com o coração aos saltos.
— Não vai me dizer oi? — brincou Marco.
Sua testa morena estava franzida, e os olhos, inquiridores. Que olhos extraordinários!
Profundos, sob espessas sobrancelhas negras. As íris eram de um azul-escuro que a faziam
pensar na tinta indelével, de um azul quase negro, que seu pai mantinha na mesa de
trabalho, em antigos tinteiros de cristal.
Depois de passar nervosamente a língua pelos lábios, ela clareou a garganta.
— Oi, Marco.
— Até que enfim nos encontramos novamente! Como vai, Polly? — Ele a examinou da
cabeça aos pés. — Você está bem?
Polly sabia que devia sorrir e obrigou-se a fazê-lo.
Se pelo menos estivesse preparada para vê-lo! Havia evitado encontrar Marco várias
vezes nos últimos quatro anos. Quase acontecera em algumas ocasiões, porém ela sempre
perdera a coragem e cancelara o compromisso no último instante, com uma desculpa. Não
sabia como iria reagir ao vê-lo.
Registrou vagamente que tremia. A brisa morna brincava com seus cabelos, e o
costume de linho cor de tijolo provavelmente estava amassado da viagem. Sentiu os olhos
dele descerem por seu corpo, pararem brevemente na saia justa que ficava pouco abaixo
dos joelhos e continuar até os sapatos cinza, com saltos que acrescentavam sete
centímetros ao seu um metro e setenta e três. Quando ele ergueu os olhos até o discreto
decote em V do casaco do costume, seu corpo a traiu, com um arrepio na espinha e
enrijecimento dos seios.
Desprezou-se por isso. Sempre ficava sem graça quando Marco a olhava, achando
que ele a comparava com Sophy e que a considerava uma sombra pálida e inferior de sua
atraente irmã de criação.
Ela e Sophy tinham aparência similar — pura coincidência uma vez que não eram
parentes de sangue — e uma descrição delas seria bastante igual: claras, tipo anglo-saxão,
olhos azuis, cabelos loiros longos. Até mesmo os traços do rosto eram parecidos: nariz
pequeno e um pouquinho arrebitado, boca ampla e cheia. Mas a semelhança limitava-se à
aparência.
Sophy tinha "algo" que enlouquecia os homens. Era muito mais alta, de corpo um
pouco mais curvilíneo, cores mais acentuadas e tinha absoluta segurança sexual. Sempre
que Polly pensava na irmã, formava-se em sua mente a imagem dela nos braços de Marco,
os dois entregues a um faminto beijo, como os vira na Sicília, cinco anos atrás. E como
imaginara, fato confirmado por comentários de Sophy, naquele dia haviam passado a maior
parte do tempo juntos...
Polly procurou respirar devagar e acalmar-se. Paz e serenidade fazem parte de uma
respiração profunda; era o que asseguravam os videocassetes de auto hipnose ante
estresse e seu professor de ioga.
— Estou ótima, obrigada — conseguiu dizer, por fim. — E você parece bem, Marco.
Ele parecia mais do que bem. Parecia... fabuloso, decidiu ela, com tristeza, avaliando
a figura perfeita. O terno cor de ardósia era um triunfo da moda masculina italiana, a camisa
de um azul-acinzentado e a gravata castanha com listras azuis tinham uma elegância sutil. O
fato de estar diante do olhar, do rosto anguloso, dos olhos expressivos, da pele morena, dos
bastos cabelos negros e rebeldes aumentava a sensação de sufocação.
— Não esperava encontrá-lo aqui — disse, quando o silêncio tornou-se desagradável.
— É mesmo? Mas esta é a minha casa. Como eu poderia cedê-la para a festa de
batizado das minhas sobrinhas e não estar presente?

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Então aquela fazenda, isolada entre ondulados campos de milho, vinhas e oliveiras,
na terra vermelha da Toscana, era de Marco? Polly censurou-se por não saber disso. O
convite partira de Marietta e fora com a mãe dela, tia Ruth, que falara ao aceitá-lo.
Mas agora que pensava a respeito, era claro que ele estaria presente ao batizado das
filhas de sua irmã, e nenhuma sessão do tribunal, em Londres, o impediria. Se havia um
homem ligado à família, era Marco Daretta. Afinal, ele era meio siciliano. Sua tia Ruth lhe
dissera que a única instituição que importava de fato para os sicilianos era a família. E não
havia dúvida de que para Marco a família vinha em primeiro lugar. As crianças,
principalmente os bebês, estavam no alto da lista de prioridades. Só dependia do lado da
família que estava envolvido.
E aqueles bebês...
Polly dominou um pequeno tremor de apreensão. A enormidade da sua decisão,
tomada quatro anos atrás, depois de meses de agoniada incerteza, manifestava-se de
repente como um enorme peso no coração...
— Polly, querida, você veio!
O entusiasmo de tia Ruth desfez a tensão crescente. Ela foi ao encontro da mãe de
Marco e deixou-se abraçar pela suave senhora; em seguida sentiu-se observada pelos
amorosos olhos castanhos. A afeição que viu neles ajudou-a a relaxar um pouco.
— Meu bem, estou tão contente por você ter vindo!
— Eu também — respondeu Polly, meio rouca. — Sinto, mas papai e Sophy não
puderam vir.
— Não faz mal, eu compreendo.
— Papai está no meio de um julgamento — explicou, depressa —, e Sophy tem um
desfile marcado.
— Você estar aqui já é o bastante. Afinal, é minha sobrinha querida, filha do meu
irmão de criação! Quantas vezes nos vimos nestes anos todos?
— Bem... — Polly deu um leve sorriso — uma vez ou duas.
— Duas. Uma vez na Inglaterra, acho que você estava com treze anos, não? E num
feriado de Páscoa, quando você veio conhecer a Sicília, antes de começar a universidade —
recordou Ruth com certa tristeza. — Tive esperança de que as filhinhas de Marietta fossem o
grande motivo para uma linda reunião da família. Confesso que gostaria de ver meu irmão
aqui, hoje...
— Eu sei... — Polly mordeu os lábios. — Há quanto tempo vocês não se veem?
O rosto de Ruth tornou-se triste.
— Acho que... Oh, faz uns dez anos desde a última vez que vi Harry, e não foi um
encontro muito feliz. Fui visitar minha mãe, levando Marco para conhecer a avó inglesa. Ela
praticamente nos pôs para fora...
— Papai queria vir, tia Ruth — afirmou Polly com sinceridade, o olhar firme ao
encontrar o da tia. — Verdade.
E era verdade, pensou Polly. Seu pai era um homem orgulhoso, que tinha dificuldade
em dar o primeiro passo para fazer as pazes depois de uma briga. E, se bem que fosse
orgulhoso demais para renovar o contato, há muito que deixara de sentir qualquer
animosidade pelos Daretta. Não fizera objeção a que ela e Sophy fossem passar as férias
com eles na Sicília, cinco anos atrás, e o convite para o batizado dar-lhe-ia a oportunidade
perfeita para um reencontro com sua irmã Ruth e o patriarca siciliano com quem ela se
casara vinte e nove anos atrás, contra a vontade dos Hamilton.
— Ele ficou muito desapontado — contou Polly. — Sophy também. Ela teria vindo
correndo, se pudesse. Mandaram abraços, lembranças... e presentes, claro! — Ela ergueu a
enorme bolsa com o logotipo da Harrods. — As gêmeas são adoráveis!

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— Elas são dois pequenos milagres! Quer segurar uma delas?


— Cuidado, mamãe — avisou Marco, entre sério e rindo. — Marietta disse que, se
você acordar as meninas mais uma vez para mostrá-las a alguém, vai ficar de castigo por
uma semana, atendendo as gêmeas todas as noites!
Ruth ficou sem jeito.
— Oh, elas estão dormindo de novo? Nunca sei quando um bebê está dormindo... Se
elas conseguem dormir com essa barulheira, vão dormir de qualquer jeito à noite. Marco,
querido, não é maravilhoso ter Polly aqui?
Houve uma pausa.
— É, sim — respondeu ele, sério. — Ela é muito arisca.
Polly sentiu o rosto e o pescoço arderem quando ele a segurou pelos ombros e beijou-
a formalmente nas faces. Permaneceu imóvel, com o calor das fortes mãos passando
através do tecido, os lábios tocando-lhe o rosto, as lembranças despertando, ao leve odor de
colônia sândalo-citrus, que era másculo como ele próprio. Ficou aborrecida ao constatar até
que ponto ele conseguia perturbá-la. Mas o fato é que Marco sempre exercera esse efeito
sobre ela. Mal escutando a conversa que continuava ao redor, Polly começou a pensar na
primeira vez em que o vira, dez anos atrás. Estava com treze anos, então, e ele tinha vinte e
um. Alto, de pernas compridas, atlético, saíra intempestivamente do Priorado Hamilton
depois do confronto com a avó, que Ruth acabava de mencionar.
Ela chegava da escola; ao vê-lo descendo a escadaria da casa da avó Hamilton,
parara de repente e quase fora atropelada pelo entregador de jornais, que saíra de trás dos
arbustos no final da alameda e corria muito com sua bicicleta. Marco vira que um acidente ia
acontecer, correra e a puxara bem a tempo. A pasta escolar de Polly saíra voando,
espalhando livros e cadernos sobre o cascalho, e o garoto caíra com a bicicleta, levantando-
se rápido e murmurando desculpas. Marco a segurara pelos ombros, impedindo-a de cair, e
dissera:
— Você está bem?
Ele estava tenso e devia ter dito algo mais, só que ela não escutara porque sua
impressionável imaginação de treze anos fora atraída pelo extraordinário poder daqueles
olhos de um profundo azul, o cabelo negro, bastante comprido, e o rosto de traços bem
definidos.
Era uma pena vovó Hamilton não estar viva e ali, naquele dia, pensou Polly, voltando
ao presente. Ela iria ver que o casamento "desgraçado" de sua enteada Ruth com o siciliano
pobre lhe garantira um marido amoroso e uma família unida; iria ver também que seu neto
por afinidade, Marco, se tornara um advogado de sucesso. E é isto que interessa de fato aos
pais, não é? Saber que seus filhos e seus netos haviam vencido na vida, eram felizes e
amados.
Os pensamentos de Polly se detiveram de súbito neste ponto. "Famílias ideais" e
felizes não eram seu ponto forte, eram? Sentiu-se aquecida de novo, e esse calor nada tinha
a ver com o verão toscano.
— Peguei Polly adorando as gêmeas — dizia Marco, rindo. — Eu não sabia que ela é
do tipo maternal.
Polly conteve a respiração. O calor intensificou-se, depois ela ficou gelada, como se
uma onda de pânico a envolvesse. Seguiu-se um ataque de náusea e teve medo de
desmaiar. Será que ele sabia? Forçou-se a erguer a cabeça e fitá-lo, mas os olhos azul-
escuros estavam tranquilos. Não, ele não tinha como saber, acalmou-se. Se soubesse, não
estaria mantendo uma conversa bem-educada com ela; estaria zangado, com uma raiva fria,
e talvez tivesse mesmo esse direito.

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— Como pode ter uma ideia do "tipo" que sou, Marco? — Ela falava rezando para a
voz não tremer. — Não nos vemos há anos.
— Por sua culpa, Polly, não minha. Talvez esteja baseando minha opinião numa
informação antiga, mas você sumiu de repente na última vez que nos vimos.
— Muita coisa muda em cinco anos.
— Acredito que você tenha mudado, Polly.
Ele a observou de novo, prestando atenção em tudo: nos longos cabelos sedosos e
loiros que desciam pelos ombros, nos enormes olhos de um azul-acinzentado.
— Você parece mais... mais madura — acrescentou. — Mais serena. E isso fica-lhe
bem.
— Verdade?
Foi tudo que ela encontrou para dizer.
Tinha feito a coisa certa, garantiu a si mesma em silencioso desespero. Tinha feito a
única coisa possível. Teria sido humilhante contar a Marco sobre a gravidez quando ele
deixara claro que não queria complicações. E contar-lhe depois que Ben nascera...
Impossível. Sua respiração tornou-se difícil pela agonia daquelas decisões do passado
voltando a torturá-la.
Ben tinha sido concebido durante um momento de irresponsável desejo, pelo menos
por parte de Marco. E, mesmo que ele houvesse querido mais, ela teria sido moralmente
obrigada a dizer não e a manter-se longe dele, que era propriedade de Sophy.
Sua irmã de criação deixava isso claro toda vez que ia ao Priorado Hamilton. Se
notara a semelhança de Ben com Marco, não dera o menor sinal. E jamais perdia chance de
contar a Polly que saía sempre com ele, que muitas vezes passava a noite no apartamento
dela em Londres, que passavam alguns fins de semana juntos, que ele lhe comprara lingerie
sexy ou joias caras como presentes de aniversário...
Ela havia feito algo impensável ao ter um caso com o amante da sua irmã.
Contudo, não houvera complicações. Naquela noite, Marco deixara claro que não
queria envolver-se com ela, que tinham feito amor levados apenas por impulso e que aquilo
fora um erro que devia ser esquecido.
Mas, de repente, aquelas justificativas lógicas perderam toda a força diante do fato de
que naquele momento, na Inglaterra, havia um menino sendo cuidado por um casal amigo
enquanto ela estava na Itália; que aquele menino era filho de Marco, não, filho deles, dela e
de Marco, e que ele não tinha ideia...
— Marco, pare de brincar e vá buscar vinho para Polly — ordenou Ruth ao filho. —
Essa menina veio de longe, da Inglaterra! Temos de fazê-la sentir-se em casa.
— Não me trate como uma mártir, tia Ruth — riu Polly. — A viagem não foi nada
diante do prazer de conhecer as gêmeas de Marietta.
Uma das pequeninas espreguiçou-se e deu um gritinho, que acordou a outra. As duas
começaram a chorar. Marietta apareceu no mesmo instante, com um vestido azul-cobalto e o
corpo mais redondo do que Polly lembrava. Porém estava mais linda do que antes, radiosa,
os reflexos avermelhados em seus cabelos negros e longos como único traço do sangue
inglês que herdará de Ruth.
Todos os filhos dos Daretta eram magníficos, pensou Polly olhando Marco ao lado da
irmã, ambos com a aparência dramática e um tanto sombria dos sicilianos. Pensou de novo
em como o forte e moreno sangue siciliano dominara o suave e rosado sangue inglês. Não
tinham nenhum traço dos Hamilton, como num ato de vingança pela rejeição.
— Mamãe, você as acordou de novo?
— Juro por Deus, Marietta, nem cheguei perto delas — protestou Ruth, os olhos muito
abertos. — Não é verdade, Polly e Marco?

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Todos riram, e Marietta deu uma gêmea a Marco, outra a Polly, juntamente com o
beijo de boas-vindas e, em seguida, a sentença:
— Vocês são os que estavam mais perto quando elas acordaram, então vão ter de
aguentá-las!
Sentou-se, pegou a sacola da Harrods e extasiou-se diante de dois sólidos porta-
retratos de prata, estatuetas de porcelana do Coelho Peter, canecos, bonecas e mais uma
infinidade de presentes.
— São nossos... de papai, meus e de Sophy, é claro.
— São lindos! Muito obrigada... — Marietta começou a rir ao ver que Marco olhava
cismado para a menininha que se contorcia em seus braços. — É bom que vá se
acostumando, irmão, para quando atender as súplicas de papai dando-lhe um neto.
Ruth fitou a filha com ar reprovador.
— Marietta, você sabe que seu pai está no sétimo céu com as gêmeas! Eu prefiro que
Marco primeiro arranje uma esposa.
— Isso não é difícil — observou Marietta. — Durante os últimos anos ele vem tendo
todas as moças casadouras da Europa nas mãos.
— Que exagero! — contrapôs Marco. — E, mesmo que fosse verdade, o que há de
errado em namorar?
— Claro, pobre Marco! — brincou Marietta. — A vida é curta demais para
comprometer-se com a mulher errada, não?
Polly estremeceu por dentro. Conhecia por experiência própria a teoria de Marco a
respeito de nada de laços, nem de compromissos. Vira de perto a reação dele quando
colocado diante da mais remota possibilidade de assumir a consequência de suas ações.
Como Sophy encarara isso?, imaginou. Bem, talvez ela também preferisse ser livre, pois
frequentava os círculos elegantes das modelos e viajava muito; provavelmente lhe convinha
encontrar-se com Marco onde e quando suas viagens coincidissem.
Por mais que Marco embalasse a garotinha, mais ela chorava, e Polly achou divertida
a expressão dele, apesar de estar perplexa e preocupada.
Apoiando num ombro a menininha que tinha nos braços, ela deu-lhe delicados
tapinhas nas costas, fazendo-a calar-se. Um par de grandes olhos azul-escuros, com
espessos cílios negros, fitaram-na com a curiosidade natural e sem culpa das criancinhas.
Ao deparar com o olhar desconfiado de Marco, não conseguiu continuar séria.
— Como é que você faz isso? — perguntou ele.
E olhou para a pequenina que se contorcia em seus braços, o rostinho quase roxo,
aos berros, mas sem nenhuma lágrima.
— Talvez essa aí seja a mais extrovertida das duas — riu Polly. — Ou, quem sabe, é
a mais faminta.
Com pena do irmão, Marietta pegou a filhinha e foi buscar as mamadeiras. Num
impulso, Polly colocou a gêmea que segurava nos braços de Marco. A menina olhou-o com
curiosidade, depois sorriu, encantada, e encostou a mãozinha no rosto dele.
— Pelo menos uma das minhas sobrinhas me aprova — comentou Marco, feliz. — Eu
já estava achando que tinha perdido o jeito.
— O jeito?
— Em geral, os nenês gostam de mim.
Ele sorriu, entregando a pequena para sua mãe. A dignidade dele estava salva,
pensou Polly, depois zangou-se por estar se preocupando com a autoestima de Marco. Ele
pouco se importara com a autoestima dela no último encontro.
— Vá comer e beber alguma coisa, querida — convidou Ruth, abraçando a pequenina.
— Marco cuida de você.

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— Você se atreveria a desobedecer? — zombou ele.


Levou Polly para a longa mesa com toalha branca, posta à sombra de um
caramanchão de glicínias. A família e convidados já estavam acomodados ao redor da mesa.
Numa das pontas reuniam-se os mais idosos, vestidos de preto, que apreciavam a festa com
olhares alegres, através de uma tênue cortina de fumaça de cigarro.
Com formalidade meio constrangida, Marco puxou uma cadeira para Polly no outro
extremo.
— As gêmeas são maravilhosas, não? — comentou ela, apenas para quebrar a
tensão.
— Claro que sim, são Daretta — respondeu Marco —, e minhas afilhadas.
Polly arregalou os olhos, em exagerada surpresa.
— Além de tio, vai ser padrinho delas, também?
O calor irradiado pelos olhos de Marco caiu alguns graus, e ela arrependeu-se da
brincadeira. Talvez a ancestralidade siciliana de Marco o tornara sensível a conotações
irônicas com o título e papel de padrinho. Durante anos ouvira a vovó Hamilton tecer ácidos
comentários com seu pai sobre a sensibilidade dos Daretta a esse respeito.
— Sim, e é uma grande honra. Pretendo levar minha responsabilidade a sério. Sinto
você ter chegado atrasada para o almoço...
Ele pegou uma travessa de salada, outra de macarrão, pão, queijo, vinho e colocou
tudo ao alcance dela, que explicou:
— É que meu voo foi adiado. Depois, foi difícil alugar um carro no aeroporto. Achei
que nunca iria chegar aqui.
Ela desejou que ele se afastasse e a deixasse comer em paz. Tia Ruth tivera boa
intenção, porém Marco era a última pessoa que Polly queria que "cuidasse" dela.
— É um milagre você ter vindo — observou ele, seco. — Eu estava começando a
achar que o destino iria nos manter separados até a próxima encarnação. Bem-vinda à
minha casa! Experimente este chianti.
Ele a serviu de vinho, depois serviu a si mesmo. Sentou-se na cadeira em frente,
observando-a atentamente, com as pálpebras semicerradas.
— Gostou da minha casa toscana?
Polly sentiu que corava e pela milésima vez desejou não demonstrar o quanto estava
perturbada. O sarcasmo dele era justificado em parte, uma vez que ela manobrara tanto
tempo para evitá-lo. Mas os arranjos dele para encontrá-la não seriam mais justificados do
que os dela para não vê-lo.
Tratou de se controlar e admirou as antigas paredes de pedra e venezianas vermelho-
ferrugem, depois a paisagem de extraordinária beleza ao redor, as flores de colorido
brilhante, o céu de um azul luminoso, a terra vermelha.
— Nem é preciso dizer — respondeu ela, com franqueza. — Adoro este lugar. Você
costuma ficar em casa?
— Não o bastante — admitiu ele, juntando as mãos atrás da cabeça e olhando ao
redor.
O movimento fez o paletó abrir-se, e Polly viu-se lutando contra o impulso de fixar os
olhos na expansão do sólido peito masculino sob o fino tecido da camisa.
— Passo tempo demais nas cidades — acrescentou Marco.
— Não sei como consegue sair daqui.
— Encontro tudo aqui quando volto, e isso dá uma sensação de ausência de tempo,
entende? A luminosidade da Toscana é especial.
— E o perfume também — acrescentou ela. — Erva, flores, terra quente. — Polly
seguiu o olhar dele.

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A varanda estendia-se por todo o comprimento da casa, adornada com estátuas de


granito e urnas. Da varanda, alguns degraus de pedra desciam para a encosta gramada da
colina, e mais além, até onde os olhos podiam ver, as ondulações repetiam-se até Florença,
com milharais, videiras e oliveiras, num suceder de vários tons de verde, ouro e castanho-
avermelhado.
— Parece um quadro de Giorgione — murmurou ela —, com essa luminosidade
dourada em tudo. É difícil acreditar que gente de verdade mora aqui.
— Você veio de carro do aeroporto... Deve ter visto "gente de verdade", Polly.
Ela fez uma reconstituição mental dos pequenos e poeirentos aglomerados de casas,
de crianças brincando no chão e velhos de negro olhando-a passar, encostados em
porteiras.
— Tem razão. Vi, sim. — Ela piscou, procurando um modo gentil de continuar a
conversa. — Bonito de sua parte fazer a festa de batizado aqui, Marco. Onde Marietta mora?
— Ela e o marido têm um pequeno apartamento em Florença. Meus pais estão
reformando a vila deles, que fica mais abaixo, na colina. Minha casa era o melhor local.
— Há quanto tempo você a tem?
— Uns seis meses. — De novo ele olhou ao redor, com as pálpebras apertadas. —
Tenho planos para modernizá-la um pouco. Há uma velha piscina em frente à varanda, mais
abaixo, que dá para usar, mas precisa ser reformada... Conheço um graniteiro que trabalha
muito bem... E há muita manutenção a fazer, assim que eu tenha tempo de me organizar. A
varanda precisa de reparos, os parapeitos e degraus estão se desmanchando.
— Se já a tem há seis meses, imagino que esteja ansioso para fazer a reforma. Anda
muito ocupado com o trabalho?
Marco fez que sim.
— Em Londres, sempre sonhei em ter meu canto na Itália... — Ele calou-se por um
instante, e seus olhos encontraram os dela, retendo-os. — Diga-me como vão as coisas na
Inglaterra — disse por fim. — Seu pai está bem?
— Está. Mas acho que anda trabalhando demais.
O pai dela ficara viúvo pela segunda vez. Pelo que Polly conseguia perceber, apesar
da reserva, ele vivia apenas para o trabalho.
— Os juízes não se aposentam cedo, é a regra — comentou Marco, sem expressão.
— Você tem se encontrado com ele? Profissionalmente, quero dizer.
— Não muito. Boa parte do meu trabalho tem sido fora do Reino Unido, nos últimos
tempos. Mas quando o vi no tribunal ele me pareceu bem de saúde. É considerado um bom
juiz, sábio e justo.
O tom de Marco era seco, percebeu Polly. Sem dúvida "sábio e justo" não eram
palavras que expressassem sua ideia sobre a velha geração dos Hamilton.
— E você, o que tem feito? — quis saber ele.
— Estou de volta ao Priorado Hamilton. Dirijo meus negócios de lá.
— Verdade? Eu não sabia. Sophy não me disse nada.
— Você e Sophy continuam se vendo, então?
Assim que falou ela teve vontade de morder a língua. Será que se convencera de que
Sophy exagerava a respeito de sua proximidade com Marco? Desprezou-se por ser tão
ingênua.
Sabia perfeitamente que ela e Marco ainda estavam envolvidos. Sempre que via a
irmã de criação, falavam nele. Mas elas não se haviam encontrado muito ultimamente.
Sophy, dois anos mais velha, era filha da segunda esposa de Harry Hamilton. A mãe de Polly
morrera de modo aventuroso ao escalar uma montanha na Índia, quando ela estava com dez
anos. Sadly, mãe de Sophy, morrera durante uma gravidez tardia e, apesar dos esforços de

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Polly para ter uma "irmã mais velha" amiga, as duas meninas na melhor hipótese se
toleravam e, na pior, detestavam-se.
— Nos vendo? — Marco parecia estar procurando o significado exato dessas
palavras, como fazia ao interrogar uma testemunha. — Falamos às vezes por telefone e nos
encontramos ocasionalmente quando estamos em Londres. Na verdade, ela esteve aqui há
uns dois meses, para conhecer a casa. Por quê? Você não aprova?
A já conhecida e fria sensação tomava conta do estômago de Polly, tirando-lhe o
apetite. Aquele desespero enciumado era irracional, e odiou-se por senti-lo ainda depois de
cinco anos para acostumar-se com a ideia de que Marco e Sophy ainda se viam. De repente,
a saborosa "pasta" ficou com gosto de serragem.
— Não aprovo? — Havia incredulidade no tom dela. — Por que eu teria que aprovar
ou não?
Ele sacudiu os ombros e tomou um gole de vinho. Seu olhar atento a fez remexer-se
inquieta na cadeira.
Marco e Sophy jantando em algum bistrô londrino da moda antes de fazer amor pelo
resto da noite... foi a imagem que se desenhou na mente de Polly e a fez sentir-se mal. O
que estava acontecendo? Sabia disso há anos. Baseara todas as atitudes e decisões vitais
para o futuro nesse conhecimento.
Nunca se livraria da culpa e da vergonha que sentira depois daquele baile em
Cambridge, num fim de semana, quando soube que Marco e Sophy estavam envolvidos.
— Você parece tensa, Polly. — O comentário inesperado de Marco a fez cair em si. —
Minha mãe me disse que pretende ficar aqui só até amanhã. Não pode ficar mais? É uma
boa oportunidade para descontrair.
— Não.
Descontrair? Com Marco por perto? Não acreditava que ele podia ser tão insensível.
Provavelmente, não tinha a menor ideia de quanto a machucara quatro anos atrás, tratou de
lembrar-se ela. Ele não podia imaginar o caos que criara em sua vida. E ela não podia deixar
que ele soubesse.
— Não posso ficar mais tempo longe — acrescentou, para suavizar a recusa seca.
Marco pegou o pão, tirou um pedaço para si e passou-o para ela. Comeu-o com
azeitonas pretas e queijo. Tomou um gole de vinho.
— Dos negócios?
— É. Abri uma agência de genealogia. Monto as árvores genealógicas das pessoas.
— Sim, eu sei o que é genealogia — riu ele.
— Desculpe. Claro que sabe.
— E gosta desse trabalho? A agência vai bem?
— Sim, para a primeira pergunta, adoro. Quanto à segunda... — Ela hesitou, não
querendo expor sua situação precária. — Depende do que você considera "ir bem". Nunca
vou ficar rica, mas estou começando agora. E, como a procura ainda é pouca, trabalho em
casa. Transformei uma das salas em escritório...
Falar com Marco sobre sua casa e seu trabalho a deixava nervosa. Não podia prever
aonde as perguntas dele poderiam chegar. Tratou de não deixá-lo falar.
— Papai está entusiasmado, ele é apaixonado por genealogia. Foi por isso que
comprou o Priorado Hamilton. Ele traçou a verdadeira árvore genealógica da família Hamilton
até o século treze e comprou de volta a casa ancestral!
— Creio que isso agrada muito aos avós — comentou Marco —, porque confirma suas
importantes origens.
— Cuidado! — O tom dela era de brincadeira. — Jamais imaginei que você tinha
índole agressiva, Marco.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

A boca ampla e bem desenhada dele sugeriu um sorriso.


— Não? — O sorriso revelou-se de uma vez e era implacável. — Bem, se não sou
agressivo não devo agradecer ao lado Hamilton da família por isso.
Ela colocou-se na defensiva por lealdade à sua família.
— Não reviva o passado, Marco. As feridas jamais cicatrizam se insistirmos em reabri-
las.
— É verdade — concordou ele. — E nos desviamos do ponto. Deve ser por causa do
sol quente da Itália e deste excelente chianti.
— De que ponto nos desviamos? — indagou ela, franzindo a testa.
— Eu estava tentando persuadi-la a tirar umas curtas férias. O que a impede de ficar
um pouco na Toscana? Será que as pesquisas genealógicas são tão urgentes?
Polly ficou olhando para ele durante um momento, com o coração aos saltos.
— Não quero ficar muito tempo fora de casa.
— Você tem apenas vinte e três anos — observou ele, pensativo. — Não se acha
jovem o bastante para passar alguns dias fora de casa e divertir-se um pouco?
— Na última vez em que nos vimos, você me aconselhou ter menos divertimento na
minha vida.
Ela dera a resposta áspera sem pensar e sentiu que corava de novo.
— Na última vez em que nos vimos, naquele baile em Cambridge — sugeriu ele —,
talvez tenha havido um desequilíbrio.
Havia uma clara frieza em sua voz e ela estremeceu. Sem desviar os olhos dos dele,
mordeu o lábio inferior querendo que seu rosto esfriasse. A intensidade das lembranças
parecia sufocá-la. Forçou um sorriso, pegou o copo com mão trêmula e tomou
cuidadosamente um gole de vinho.
— Será que podemos falar de outra coisa? — pediu, com suavidade. — Sempre que
penso nisso tenho medo de que meu ego entre em depressão.
Marco ergueu-se e deu a volta na mesa, devagar. Sentou-se numa cadeira ao lado e
colocou o braço no encosto da cadeira dela. Polly podia sentir o calor que emanava dele, e
essa proximidade quase a levou ao pânico. Parou de respirar até que seu coração deixou de
saltar daquele modo ridículo.
— Não devia — disse Marco, sombrio. — O que aconteceu não foi culpa sua, foi
minha. Se eu tivesse autocontrole aquilo nunca teria acontecido. Na verdade... — Ele
respirou fundo e ficou claro que tentava dominar a raiva. — Estou contente por você ter
tocado no assunto, Polly. Desde que foi embora naquele dia, sem falar comigo, não tive
chance de me explicar.
De novo ela mordeu o lábio e tomou vinho. Ter Marco tão perto ameaçava
perigosamente suas defesas.
— Estamos revivendo o passado de novo, Marco. Deixemos que ele fique no seu
lugar. Esqueça.
— Acontece que uma coisa assim é difícil de esquecer.
Polly fitou-o com a garganta apertada de emoção.
— Se espera que eu acredite que pensou em mim ao menos uma vez esse tempo
todo, realmente me considera uma idiota!
— Por que diz isso?
Houve uma pausa fria e o orgulho a fez continuar calada.
— Eu não sou um idiota, Polly. — A voz de Marco tornou-se áspera. — Você evitou
todas as ocasiões em que poderíamos ter nos encontrado e falado sobre o que aconteceu.
Acredite ou não, a sensação que tive com minha prima de dezenove anos me abraçando,

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

pedindo-me para fazer amor com ela, permaneceu em minha lembrança por um tempo muito
longo.
Ela levantou-se, seus joelhos estavam fracos.
— Você está se divertindo, não é? — Polly falou quase num murmúrio. — Com
licença, vou ver se Marietta precisa de mim.
Marco também se ergueu e ela sentiu-se dominada por sua altura.
— Desculpe, Polly. Vejo que acha desagradável a lembrança do que aconteceu. Mas
foi você quem puxou o assunto. — Os olhos dele, escurecidos, evocavam oceanos
tempestuosos. — Não pode me censurar por aproveitar a ocasião.
Essas palavras pairaram no ar entre os dois, como invisíveis mísseis. Se ela achava
desagradável lembrar-se do que acontecera? Do que ele estava falando? Aqueles haviam
sido os momentos mais maravilhosos da sua vida e estavam gravados de modo indelével em
sua memória.
De súbito, teve o impulso de sair correndo para o carro e voltar para o aeroporto.
Podia aceitar Marco reprovando-a, divertindo-se com ela. Mas Marco olhando-a como se...
como se ainda se importasse com o que havia acontecido era a última gota. O sufocado
desejo estava de volta e incendiava-lhe o corpo. Com olhar intenso, ele a observava.
— Fique pelo menos até amanhã à noite, Polly — pediu, suavemente. — Eu gostaria
de lhe mostrar a Toscana.
Polly não conseguia desviar os olhos dos dele.
— Per favore?
O uso do italiano era para encantá-la e convencê-la, pensou ela. Cravou as unhas na
palma das mãos, rezando para ter forças de recusar.
Mas não tinha o dever de colocar as coisas em claro com Marco? Insistia uma voz
num canto do seu cérebro. Não estava na hora de colocar as necessidades de outras
pessoas acima das suas? Um dia Ben ficaria sabendo da verdade...
— Scusi, signore Daretta — disse uma criada parando atrás de Marco. — Telefono.
Houve uma rápida troca de palavras em italiano que Polly não entendeu. A testa de
Marco franziu-se, em seguida ele voltou-se.
— Com licença, Polly. Voltarei já.
Ela ficou olhando-o distanciar-se e desaparecer dentro da casa. Tornou a sentar-se e
fitou o copo com vinho, incapaz de se mexer, paralisada pela sensação de iminente
catástrofe. A viagem à Itália já começava a se complicar, e chegara há menos de duas horas.
Não devia ter vindo. Devia ter resistido à pressão de seu pai. Sophy é que deveria estar ali.
Fora louca, completamente louca por se arriscar.
Estava tão preocupada que deu um pulo quando Marco parou ao seu lado.
— É para você. — A voz profunda tinha um quê de provocação que a confundiu. —
Pelo menos, foi o que entendi.
— O quê? — Ela levantou-se tão depressa que quase colidiu com ele. — Quem é?
O mal-estar tomava forma, como uma aguda premonição.
— Um menino — respondeu Marco, frio.
Ele a olhava de um modo que fez todo o sangue fugir-lhe do rosto que, em seguida,
tingiu-se de vermelho.
— Acabo de ter uma interessante conversa com um garoto muito precoce e inteligente
que me disse chamar-se Benedict Hamilton e que tem três anos e meio.
Polly esqueceu a expressão inquisitiva de Marco e deixou de se preocupar com o que
ele pensava. Tudo que sabia era que corria para a casa quase cega pela ansiedade.
Benedict... Se alguma coisa tivesse acontecido com Ben... Mas se ele telefonara não devia

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estar machucado, nem num hospital! Tinha a boca seca, a palma das mãos molhadas de
suor e o estômago em fogo.
Marco a alcançara e a segurava por um braço, guiando-a entre as pessoas. Quando
entrou num amplo escritório que dava para outro lado da casa, ela tremia pelo esforço de
recuperar a calma.
— O telefone está na escrivaninha — orientou ele, frio. — E não precisa ligar a cobrar.
É o mínimo que posso fazer para agradecer por estar monopolizando a mamãe dele... Não
acha, Polly?

Capítulo 2

— Ben? — Ela sabia que sua voz estava alterada. — É a mamãe, querido. Como é
que você está?
— Bem, mãe. Quem é o homem legal que atendeu?
Polly olhou por cima do ombro. Marco estava sentado, as pernas esticadas, numa
poltrona cor de terracota, diante de uma das amplas portas francesas que davam para o
jardim. Olhou sério para ela, que se contraiu.
— O homem... legal que atendeu é meu primo Marco. Agora, quero saber por que me
telefonou, filho. Está tudo bem por aí?
— Tá. Bonny tem uma porção de cachorrinhos, mamãe. Eu quero o amarelo, com
nariz cor-de-rosa. Está ouvindo, ele está mordendo meu pé.
Ela percebeu fracos latidos e sorriu. Imaginou o filhinho, todo importante, com a testa
franzida como fazia ao concentrar-se, falando ao telefone na sala da casa de campo de Will
e Janie, em Devon, provavelmente em cima de uma cadeira para alcançá-lo. Bonny, ela
sabia, era a simpática cadela labrador dourada do casal. Janie era sócia de Polly e se
oferecera para ficar com Ben enquanto ela estivesse na Itália.
A excitação na voz infantil a fez sorrir de novo. Vivia se maravilhando com a rapidez
com que o filho se desenvolvia; com apenas três anos e meio mantinha conversas
inteligentes com a maioria dos adultos. Janie achava que era porque ele sempre tivera a mãe
só para si, desde que nascera.
— Ben, posso falar com Janie?
— Pode... Janie!
Com o grito, Polly afastou o fone do ouvido. Depois de uma pausa preenchida por
ruídos variados, a voz cálida e alegre de Janie chegou até ela, que visualizou os alegres
olhos castanhos da amiga, os cabelos pretos e crespos. Ben estava em boas mãos.
— Jamais se preocupe com a capacidade dos pulmões de seu filho, Polly.
— Eu sei. Ele é capaz de acabar com os megafones. — Ela riu. — Tudo bem aí?
— Tudo ótimo. Não percebi que Ben estava telefonando até que fui falar com alguém
na extensão da cozinha. Ele deve ter encontrado seu número no caderninho junto ao
telefone. A gente ouve falar de gênios que leem jornal antes de largar as fraldas, mas não
acredita até que conhece um. Cuidar de um menino de três anos superdotado é sensacional!
— Espero que ele não esteja deixando vocês malucos. Voltarei o mais rápido que
puder.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Não faça isso! Fique por aí, descanse. Will me disse que há séculos não se divertia
tanto. Acho que ele está ficando gagá!
— É mesmo?
Polly sorriu, imaginando se o marido de Janie, um excelente, dedicado e simpático
médico rural, quarentão, podia ser descrito como "gagá" por causa do raro dom de se
entender perfeitamente com crianças.
— E o seu pai parece empenhado na missão de paz — acrescentou Janie. — Ele veio
aqui visitar Ben. O que está acontecendo, afinal?
Ela hesitou, sem saber como responder, por causa de Marco. Fechou os olhos por
alguns segundos a fim de organizar os pensamentos. Encontrava-se numa situação
impossível e não sabia como sair dela, a não ser fugindo, o que não lhe parecia a solução
ideal. Tinha de ter coragem de procurar uma saída decente. Tratou de conter as emoções e
obrigou-se a falar normalmente.
— Acontece que eu estava pensando em ficar aqui mais um dia, mas agora você está
também com uma ninhada de cachorrinhos para cuidar...
— Bonny cuida muito bem dos filhotes e, como está calor, eles dormem na velha
estufa, no fundo do quintal. Não há problema.
— Você é uma supermulher e só Deus sabe o quanto isso lhe custa!
— Um bocado... Não desligue, Ben quer falar com você de novo.
— Aposto que ele quer um dos filhotes da Bonny.
— Hum... Eu disse que quando você chegar vamos conversar a respeito.
— Muito diplomática! — riu Polly.
Ben voltou ao telefone e descreveu suas numerosas atividades nas últimas vinte e
quatro horas, enquanto ela tentava livrar-se da ansiedade que a atormentava sempre que
estavam separados. Adorava o pequeno e temia tornar-se uma daquelas mães neuróticas,
superprotetoras, do tipo que se penduram no pescoço dos filhos recusando-se a deixá-los
viver a própria vida.
Quando desligou, minutos mais tarde, o silêncio no estúdio pareceu-lhe ensurdecedor.
O poderoso contraste da conversa alegre com a tensão silenciosa entre ela e Marco pareceu
aumentar a ponto de o tique-taque do relógio carrilhão, acima da lareira, parecer o barulho
de alguém batendo na parede com uma marreta.
— Creio que preciso pedir desculpas — disse Marco, por fim.
Ela fitou-o, com a boca seca.
— Precisa? — Seu coração estava disparado. — Por quê?
Marco ergueu-se e aproximou-se, dando impressão de ser ainda mais alto do que era.
— Brinquei dizendo que você não é do tipo maternal, e é claro que estou mais
desinformado do que pensava. Parece que você é mãe competente e carinhosa. — Ele olhou
para a mão esquerda dela. — Sem marido?
— Pois é. — Seu nervosismo era tão intenso que ela começou a sentir enjoo. — Sou
uma mulher independente.
— Escolha sua ou dele?
— Como assim? — perturbou-se Polly.
O olhar de Marco era sombrio.
— O pai é o Paul?
Ela sentiu que empalidecia.
— Com quem o garoto se parece? — continuou ele. — É loiro, como você, ou ruivo
como Paul?
— Marco, eu...

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— Paul tem cabelo ruivo, não? — insistiu Marco. — Uma vez perguntei a Sophy. Acho
que estava curioso por saber como era o homem pelo qual você me deixou.
Polly fechou as mãos com força, com impressão de que a casa ia desabar em cima
dela. Tinha vontade de se deixar cair no chão e encolher-se como um feto, como se isso
pudesse salvá-la daquela situação insuportável.
— Dizer que eu o deixei é ridículo, e você sabe disso. Quanto a Ben... não quero falar
a respeito. Não é da sua conta.
— Acho que não, mesmo. — Ele sustentou-lhe o olhar, com os lábios crispados. —
Mas estou interessado. Afinal, você é da família, Polly, e...
— Não comece de novo! — cortou ela, ríspida. — Não somos nem mesmo primos de
sangue e você fala como se fôssemos irmãos!
Os olhos dele estreitaram-se até se tornarem praticamente um brilho azul-escuro entre
os cílios.
— Se fôssemos, eu preferiria pensar que não existiu o que aconteceu entre nós em
Cambridge.
— Claro — ela conseguiu murmurar por entre os dentes, sentindo-se pegar fogo.
Ele olhou-a de alto a baixo, devagar, provocando correntes elétricas em seu corpo
inteiro.
— Mas nada houve de premeditado ou racional no que aconteceu, não é, Polly? -—
Deu um leve sorriso. — Quanto a mim, não tenho certeza de que poderia parar, mesmo que
quisesse.
Ela deu uma risada amarga.
— Quer dizer que devo ser condenada por meu comportamento amoral?
Marco fitou-a em silêncio por um instante e foi impossível perceber em seu rosto o que
ele pensava.
— De jeito nenhum — discordou, suave. — Já falamos nisso. Se você não se lembra,
eu assumi a culpa. — Ele deu um passo, encurtando a distância entre os dois. — Mas chega
de passado. Vamos falar no presente, Polly. Como eu não soube nada do seu filho?
Um impulso de raiva a fez perder a respiração e quando falou sua voz soou sem cor,
pela emoção suprimida.
— E por que você deveria saber?
— Sophy poderia ter me dito...
— É... Mas por que ela iria pensar que você estaria interessado?
Marco ficou em silêncio de novo. Recuou, encostou-se na escrivaninha, com as mãos
nos bolsos da calça, e essa posição pôs em evidência os músculos rijos das coxas sob o
tecido esticado. Polly desviou os olhos, mas não tão depressa que ele não percebesse para
onde olhara.
— Você não contou a Sophy o que houve entre nós, contou?
Ela sentia-se horrorizada só de pensar nessa possibilidade.
— Não tenho hábito de espalhar por aí a minha vida pessoal — respondeu ele,
agressivo. — Você não perdeu tempo, não é, Polly? Era virgem, naquela noite em
Cambridge. Uma "virgem da pílula", segundo me assegurou. Depois, foi para a América com
Paul e parou de tomar a pílula?
O rosto de Polly queimava.
— Marco... por favor!
— Você vive com ele? Deixou seu filho com ele? Não...
O interrogatório brusco de Marco a deixava com os pensamentos descoordenados.
Num esforço sobre-humano, conseguiu responder.
— Paul e eu não vivemos juntos.

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— Há outro homem?
— Não vou discutir minha vida particular com você, Marco.
— Está criando seu filho sozinha?
— Sim... não... Tenho bons amigos... — Ela hesitou, depois acrescentou, depressa: —
Paul e eu ainda somos... íntimos. Ele mora no centro da cidade e dá aula na escola
primária...
— Que simpático. De vez em quando ele aparece, não é? Acha que isso basta para
dar a seu filho a necessária imagem do pai? — Marco falava em tom cáustico. — Os filhos
precisam ser criados num ambiente de relacionamento estável.
— Claro que precisam... em princípio — defendeu-se ela, ultrajada pela fria
condenação. — Por favor, Marco, não me venha com sermão! Eu fiz o melhor que pude.
Amo meu filho, ele tem tudo de que precisa...
— Menos um pai em tempo integral, pelo que vejo. E você?
O olhar intenso de Marco fez um arrepio percorrer a espinha de Polly.
— Você tem tudo de que precisa? — prosseguiu ele. — Contenta-se com esse meio
compromisso do homem que não é capaz de assumir a responsabilidade do próprio filho?
— Estou bem com a situação assim como está.
— Não posso acreditar que você esteja feliz com um arranjo tão frio — declarou ele,
categórico. — A menos que tenha conseguido anular sua natureza apaixonada.
— Do que está falando? — reagiu ela.
— Você não tem natureza apaixonada, Polly?
— Não. Particularmente, não...
— Não? Quer que eu a faça lembrar-se?
Num gesto involuntário, ela cobriu as orelhas com as mãos.
— Pare, Marco! Por que está fazendo isso?
— Fazendo o quê? Dizendo a verdade?
Ele se aproximou, ficando apenas a alguns centímetros dela, que sentia os nervos
tensos ao máximo.
— Marco, eu...
Polly calou-se. Ele a abraçou, suave e lentamente, até que seus corpos se
encostaram. Ela ia protestar, mas a boca de Marco a fez calar-se unindo-se à dela. Polly
debateu-se furiosamente a princípio, depois foi cedendo ao beijo cálido, gentil, porém
dominador.
Os lábios dela entreabriram-se, como que por vontade própria, e corresponderam ao
beijo. Polly redescobriu o sabor íntimo da língua de Marco, o poderoso impulso do desejo
dele. A reação violenta do corpo apagou tudo de sua mente. O passado desapareceu. Só
sabia do prazer intenso que era estar nos braços de Marco e apertou-se mais contra ele,
fagulhas de desejo irrompendo por todo o seu ser.
— Polly...
A voz de Marco estava rouca. Com um movimento rápido, levou uma das mãos dela
ao próprio peito e cobriu-a com a sua. Polly pôde sentir as batidas erráticas de seu coração,
que pareciam vibrar nas veias dela. Sua respiração ofegava. Tentou libertar a mão, porém
ele segurou-a entrelaçando os dedos, palma contra palma, os olhos brilhantes sob as
pálpebras semicerradas.
— Pare com isso — pediu Polly, com voz fraca. — O que quer?
— O que quero? Provar uma coisa a você.
Ele abraçou-a mais forte e beijou-a de novo. Sua língua tornou-se mais atrevida,
enroscando-se com a dela, dominando-lhe a boca. Era um beijo intenso, selvagem, e Polly

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cedeu à investida furiosa. Quando Marco recuou um pouco, respirando com dificuldade e
lutando para recuperar o controle, ela compreendeu que o queria com loucura.
— O que você provou? — perguntou, à beira das lágrimas.
— Que você ainda me quer, talvez? Mesmo tendo escolhido me deixar e ter o filho de
outro homem...
— O quê?
— Não foi o que você fez?
Ela ficou calada. Cuidado, Polly, advertiu-a a conhecida voz. Porém, o efeito dos
últimos minutos e a ironia, a injustiça da acusação a fizeram falar sem pensar.
— Você fala como se eu o tivesse rejeitado!
— E não rejeitou? — indagou ele. — De que modo classifica o que aconteceu, Polly?
Você me largou em Cambridge e foi embora para a América com um namorado.
Ficaram se olhando por momentos, até que Polly abaixou a cabeça e foi para uma das
poltronas perto da porta francesa. Sentou-se. Ela evitara ir para casa depois daquele fim de
semana em Cambridge. Voltara para Norwich, terminara os últimos dias do ano letivo na
universidade, pegara todas as suas coisas e fora para o apartamento de Paul, em Londres;
os dois tinham viajado para Salinas, na Califórnia, e ficado num acampamento para realizar o
trabalho de férias. Dissera ao pai que estava cansada demais para ir de Anglia do Leste até
Devon, antes de voar para a América. Mas a verdade era que a culpa a consumia e não tinha
coragem de olhar para Sophy.
— É, parece que ainda funciona — comentou Marco, com cinismo. — Talvez o seu
comportamento tenha me salvado de cometer o maior erro da minha vida.
— Que seria?...
— Acreditar que sua curiosidade de adolescente era uma verdadeira emoção.
— Verdadeira emoção? Duvido que você reconheça uma "verdadeira emoção" se
estiver diante dela, Marco. Que direito você tem de fazer com que eu me sinta pior do que
me senti pelo que aconteceu naquela noite em Cambridge? Foi um erro terrível e nunca
deveria ter acontecido.
Marco estava pálido.
— É assim que você vê as coisas, realmente, Polly?
— Como mais poderia vê-las? — enfureceu-se ela. — Eu não conseguia pensar
direito e acho que você também não...
As palavras defensivas haviam saído impulsivamente, e ela interrompeu-se ao notar
que os olhos dele apertavam-se e escureciam mais.
— É evidente — assentiu Marco, frio — que você não estava, mesmo, pensando
direito. Se estivesse, jamais permitiria que um Daretta a seduzisse, e tenho certeza de que
sua família diria que você havia escapado de boa. — Dirigiu-se para a porta. — Desculpe,
Polly, mas tenho de dar uns telefonemas. Pode ficar aqui, voltarei logo.
Ela ficou sozinha, sentada na poltrona e olhando para a porta fechada. Os
telefonemas deviam ser particulares, pensou, triste, já que havia um telefone ali. Observou o
escritório, as paredes nuas de granito envernizado; o soalho de tábuas longas, enceradas,
cobertas aqui e ali por tapetes; as pesadas e ricas cortinas cor de areia com listras vermelho-
ferrugem que lembravam o tom da terra toscana. Era um estúdio bonito, decorado com
simplicidade acolhedora.
Mas não tinha de ficar ali só porque Marco dissera que ficasse, porém estava exausta
até mesmo para um pequeno gesto de rebelião, como desaparecer dali. Tinha o cérebro em
branco. Fechou os olhos e tentou reencontrar o sentido de tudo.
Não entendia o porquê da amargura demonstrada por Marco, mas tinha certeza de
uma coisa: não devia iludir-se achando que naquilo tudo existia um sentimento maior que

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ficara oculto por um mal-entendido. Marco deixara bem claros os seus sentimentos há pouco
mais de quatro anos, naquela noite num quarto da universidade, antes de sair e deixá-la
sentindo-se como se tivesse dois centímetros de altura. Ele ficara tão desgostoso consigo
mesmo è com ela que se apressara a ir embora e a colocar a maior distância possível entre
os dois. Como se sentiria agora se soubesse de toda a verdade?
Abriu os olhos admirando a tranquila paisagem emoldurada pela esquadria da porta. O
som distante de vozes e risos dos convidados do batizado diluiu-se quando ela voltou a
lembrar-se daquele fim de semana especial.
Estava acontecendo o Baile de Verão. Ela estudava na universidade de Norwich, mas
tinha ido a Cambridge a convite de uma amiga que cursava medicina lá. Marco, se bem que
ela não o soubesse antes, fora também para a festa da universidade, que costumava receber
os ex-alunos como hóspedes. Um dos alunos do grupo de estudantes de medicina, Ruan,
interessara-se por Polly. Ele era bastante agradável fisicamente: loiro, alto e musculoso,
porém sua personalidade não a atraíra. Tinha um ar superior e debochado que a afastara.
Quanto mais a rodeava e insistia em que fossem para seu quarto, mais ela recusava e
procurava a companhia dos outros do grupo. Então, de repente, depois de uma taça e meia
de champanhe, vira-se num canto escuro dá construção do século XIII, esquecida da beleza
da cálida noite de junho, inexplicavelmente ator. Doada e incapaz de impedir que as mãos
atrevidas de Ruan a tocassem. Sua cabeça girava de modo alarmante e os olhos estavam
fora de foco.
A essa altura da noite ela ainda não sabia que Marco estava no baile. Não o via desde
a Páscoa, antes de entrar para a universidade, quando fora com Sophy para a Itália, a
convite de tia Ruth, e a família Daretta as levara à Sicília.
No entanto, Marco lhe contara depois, ele a vira entre a multidão e ficara preocupado
ao notar que fora quase forçada a sair do salão pelo rapaz que dançava com ela. Então,
havia ido atrás dos dois e, enquanto ele afugentava Ruan, Polly deslizara, aparentemente
com graça elegante, segundos seus amigos tinham dito mais tarde, pelo terraço e fora
estender-se no gramado, num estado próximo do coma.
No dia seguinte, ou mais exatamente na noite seguinte, pois dormira até as vinte
horas, acordara ainda com a cabeça tonta e desorientada, seminua entre lençóis, e vira seu
vestido de tafetá negro pendurado num cabide atrás da porta.
Quando Marco, de jeans e camiseta, com uma xícara de chá na mão, aparecera em
seu campo de visão, ela correra para o banheiro. Depois da tentativa de se recompor com
um bom banho de chuveiro e um pouco da pasta dental de Marco, voltara a largar-se na
cama. Lembrava-se de ter ficado um tempão deitada, confusa e nervosa. Seu cérebro estava
entorpecido. Mais que perturbador, fora assustador descobrir que não se lembrava de nada
do que acontecera nas últimas vinte e quatro horas.
Aterrorizada, tentara desesperadamente lembrar-se do que havia feito na noite
anterior. Por comentários velados de Marco ficara claro o que ele pensava: ingênua
estudante caloura tentando impressionar os colegas, ela fumara alguma droga que,
misturada com álcool, provocara uma reação adversa.
A injustiça desse julgamento fora a gota d'água. Polly começara a chorar e tremer
incontrolavelmente. Pelo que se lembrava, a ideia de que Marco a considerava idiota o
bastante para beber champanhe em exagero e, pior, misturá-la com maconha, coisa que
nem sequer tocara na vida, havia sido mais arrasadora do que os brancos de memória que a
impediam de recordar o que acontecera depois que começara a tomar a segunda taça de
champanhe no baile.
Marco fora sentar-se na beira da cama e a abraçara, carinhoso. Procurara animá-la e
pedira desculpas por ter agido de modo tão moralista. É que estava cansado e não pensava

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direito. Ficara acordado a noite toda, ao lado dela, deitado num saco de dormir estendido no
chão, para o caso de precisar ajudá-la. Esta simples confissão fizera o corpo de Polly
aquecer-se de gratidão.
A um certo momento, à medida que se mexiam, a colcha se deslocara e ela se vira
seminua nos braços de Marco. Notara a expressão dos olhos dele ao fitar-lhe os seios nus,
bem-feitos e cheios, com os mamilos escuros enrijecidos pela emoção. O olhar de Marco, de
meigo e confortador, se tornara diferente, mais escuro e muito intenso, quase que faminto.
Durante os anos anteriores ela experimentara uma grande admiração pelo primo,
admiração essa que se intensificara, secreta e meio assustadora, no decorrer daquelas férias
na Sicília, quando descobrira como ele era simpático, animado, inteligente e divertido. Só
que Marco gravitava ao redor de
Sophy, tratando-a como criança. E, naquele momento, no quarto da universidade, em
vez de sentir-se embaraçada e sem jeito, ela se entregara ao calor do corpo dele, passara os
braços pelos ombros largos e o puxara para seu lado, na cama.
Polly estremeceu, mal enxergando a paisagem dourada da fazenda de Marco. Temia
ter de passar a vida tentando apagar aquela cena da memória. Principalmente o choque que
tivera com a reação de Marco, depois. Humilhação era pouco para descrever o que ela
sentira. Ficara sem fala diante do horror que ele demonstrara, dizendo que "agira como um
animal". Se as horas de sono não tinham conseguido clarear seu cérebro entorpecido, a
rejeição de Marco havia piorado a situação.
Quanto a ter agido como um animal, ela deu um longo e profundo suspiro. Fazer amor
com Marco tinha sido... Polly fechou os olhos e a nova onda de lembranças a deixou toda
trêmula por dentro.
Ela se sentira envolta em uma névoa, sem pensamentos, sem racionalizar o que fazia.
Apenas se deixara levar por um tímido porém primitivo impulso, por uma irresistível atração
física para o homem com quem vinha sonhando e fantasiando há anos e que estava nu na
cama com ela, correspondendo calorosamente ao seu desejo.
Tinham se unido numa frenética e silenciosa urgência, a respiração dificultada pela
ansiedade, como se estarem entrelaçados no mais apertado dos abraços não fosse o
bastante. Boca na boca, seios no peito, ventres colados, pernas enlaçadas no corpo um do
outro, ela continuara envolta em bruma, mas guardara, nítido, o momento em que ele ia
possuí-la e hesitara, recuando para fitá-la, transfigurado pela paixão; então, ela erguera as
mãos trêmulas, segurara o rosto de Marco, puxara-o para si, recolhera com a ponta da língua
as gotas de suor no lábio superior dele e vira o selvagem, sombrio desejo masculino irromper
nos olhos azuis.
Em seguida, a dor aguda e passageira. Quase em seguida viera o prazer indescritível,
o êxtase profundo e, depois, ela voltara ao mundo real para encolher-se com aflita
humilhação ao ver a expressão de remorso e autodesprezo de Marco. Ele se censurava, em
desespero, diante da ideia de que poderia tê-la engravidado. Como não adiantava mais e lhe
parecera inútil aumentar sua preocupação, ela lhe dissera, amargamente, que esquecesse,
não havia perigo porque tomava a pílula.
Era irônico Marco agir agora como se fosse ela quem tivesse lamentado o que
acontecera, pensou angustiada. Mas talvez o tempo alterasse as lembranças, ou talvez fosse
mais conveniente para ele olhar para trás e ver-se no papel de abnegado herói, de amante
terno e dedicado.
O barulho da porta a fez virar-se. Marco voltara e trazia uma bandeja. Polly sentiu o
aroma gostoso de café e viu um prato com fatias do tradicional bolo de batismo inglês, com
certeza contribuição de Ruth para a festa.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Eu ainda estou com fome e precisando de cafeína — explicou ele, colocando a


bandeja na mesinha. — Achei que podíamos continuar conversando e tomar café com bolo.
— Se você quiser... — ela abaixou os olhos para ocultar o nervosismo que sentia —
mas não sei se temos muito a falar.
— Pois eu acho que temos de esclarecer vários pontos.
Ele serviu café e ofereceu leite, açúcar.
— Só leite, obrigada.
Ela pegou a xícara e tomou um gole. O denso e escuro café italiano era revigorante.
Viu Marco colocar uma colher de açúcar no seu, que preferiu preto. Depois ele sentou-se e
fitou-a de novo, causando-lhe desconforto, como se estivesse brincando de gato e rato com
ela.
— Coma um pouco do maravilhoso bolo da minha mãe — ofereceu.
Polly pegou uma fatia e experimentou. Tinha gosto de frutas e do recheio de creme de
amêndoas, que ela adorava. Quando terminou, viu que Marco ainda a olhava.
— Você gosta de bolo de frutas — observou ele, com um meio sorriso. — Eu também,
principalmente do de minha mãe.
— Se você for fixado no modo de sua mãe cozinhar — brincou ela —, vai causar
complexo na sua mulher, quando se casar.
— "Fixado" é um pouco de exagero. — Marco pegou uma fatia do bolo e acomodou-se
numa poltrona. — Gosto do que minha mãe faz, mas também cozinho razoavelmente bem.
Acha que isso também vai ser problema para minha mulher?
— Depende do que você cozinha. Muitos homens que conheci, que se diziam bons
cozinheiros, sabiam apenas fazer ovos mexidos e torradas.
— E conheceu muitos?
— Como?
— Muitos homens?
Ela olhou-o com atenção, mas a expressão dele não lhe disse nada. O olhar azul-
escuro era calmo, e o rosto, uma máscara; de amigável curiosidade. E ela rezou para deixar
de corar daquele jeito!
— Você está falando biblicamente? — perguntou, o mais naturalmente que pôde. —
Quer saber detalhes, descrições?
Marco empalideceu e continuou fitando-a em silêncio. Então, tomou alguns goles de
café.
— Não vou pedir que você me fale das suas aventuras sexuais, porque eu não falaria
das minhas.
— Ótimo, Marco — reagiu ela, veemente. — O fato de eu ser mãe solteira não lhe dá
o direito de questionar minha moral.
Ele saltou em pé e ficou parado, com expressão fechada, olhando para ela de toda a
sua altura. Por fim, enfiou as mãos nos bolsos do paletó e falou, com a voz um tanto presa.
— Não estou questionando sua moral. Quer você acredite ou não, estou apenas tendo
enorme dificuldade em me ajustar ao fato de você ter um filho e ninguém haver me falado a
respeito.
— Isso apenas demonstra que... — respondeu ela, com amarga simplicidade — que
nunca nos interessamos um pelo outro o suficiente para fazer contato durante todo esse
tempo.
— Eu fiz tudo que podia para falar com você, Polly! Mas foi isso que pensou nestes
últimos anos?
Polly sentiu-se como se estivesse encurralada e sem conseguir correr, como num
pesadelo.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— O que acha? — foi tudo que conseguiu dizer.


— Não sei o que você pensa, Polly, mas supus que havia recebido meus recados e
que não quis responder, que arranjava pretextos para não estar em casa quando fui procurá-
la e que escapava no último minuto todas as vezes que consegui dar um jeito de nos
encontrarmos.
Ele permanecia de pé, imóvel como uma estátua, os olhos transformados em frestas e
com um brilho que a assustava. Num certo momento apenas o olhar dele se deslocou,
descendo para a discreta insinuação do início dos seios que o decote do casaco do costume
deixava entrever, depois para as coxas esguias que a saia justa descobria em parte quando
se sentava.
— Mas agora sei o que quero fazer — acrescentou ele.
— Marco... — ela ergueu-se, apesar dos joelhos trêmulos, querendo encará-lo no
mesmo plano — pare com isso.
— Quero fazer amor com você, Polly, e vou ensiná-la a não brincar comigo.
— O quê? — Ela mal conseguia respirar e seu coração saltava tanto que parecia
chocar-se contra as costelas. — Quando há um problema, a sua resposta é sexo?
— No seu caso, talvez o problema seja sexo. Não posso negar que a acho
sexualmente atraente. Naquela noite, em Cambridge...
— Fico muito lisonjeada — interrompeu Polly.
Falar com ele sobre sexo a fazia sentir-se esquisita, atordoada e fraca como se as
pernas não tivessem ossos.
— Naquela noite em Cambridge aconteceu comigo uma coisa que jamais havia
acontecido e nunca mais aconteceu. Perdi a cabeça por completo...
Os lábios dele se contraíram e Polly desviou os olhos.
— Nós dois perdemos a cabeça — disse dolorosamente. — Mas depois soube o que
houve comigo naquela noite. Descobri o que um perverso estudante de medicina havia feito.
Se estiver interessado em saber...
— Eu também fiquei sabendo, depois que você foi embora. Ele pôs uma droga no seu
champanhe.
Surpreendida, ela encarou-o de novo.
— Como soube?
— Ouvi uns estudantes conversando no bar da universidade. E você, como soube?
— Minha amiga de Cambridge me contou. Foi um remédio chamado Rohypnol, que é
usado como pré-anestésico. Parece que não altera o gosto das bebidas e age de imediato. É
conhecido como "droga do estupro" na América.
— Fiquei mal quando soube — disse Marco, sombrio.
— Por quê? — Os olhos de Polly brilhavam, desafiantes. — Eu me senti bem melhor
quando soube a verdade. Pude racionalizar a minha atitude. Fiquei sabendo que esse
remédio age rapidamente, pode causar amnésia e é afrodisíaco... o que explica o modo
libertino como agi com você naquela noite.
Houve um silêncio e os olhos de Marco escureceram-se ainda mais.
— E fiquei sabendo também — falou, enfim — que a droga não deixa resíduos na
corrente sanguínea vinte e quatro horas depois de ingerida, e que o efeito afrodisíaco só
ocorre imediatamente.
O rosto de Polly ficou vermelho.
— Entendi. Quer dizer que não foi o Rohypnol que me fez ir para a cama com você e
oferecer-lhe minha virgindade?
— Olhe, mesmo me enganando, prefiro achar que você não pôde resistir a mim.
— Digamos que na ocasião minha resistência estava baixa.

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Ele pôs as mãos nos ombros de Polly, fazendo-a estremecer.


— Você me perdoa? — pediu, suavemente. — Eu me senti tão culpado todos estes
anos...
Polly ficou desarvorada. Era por isso que Marco tentara tanto falar com ela, para livrar-
se da culpa. Sua garganta apertou-se e doeu, por causa das lágrimas contidas. Anuiu.
— Não há o que perdoar.
— Então, vai ficar aqui mais um pouco?
Ela devia dizer não. Sabia disso. A atmosfera entre eles era muito explosiva,
repassada de emoção demais para que ficassem juntos. Mas alguma coisa, uma emoção
que não conseguia identificar, culpa, talvez, ou um senso de dever para com seu filho, a fez
tomar a perigosa decisão.
— Está bem — concordou com voz alterada —, porém só mais um dia. Tenho de
voltar. Ben sente a minha falta e quero conversar com Janie, para ficar com um dos filhotes
da sua cadela labrador...
— Janie?
— Minha amiga, que mora na zona rural de Londres. — Ela aproveitou a mudança de
assunto para escapar e dirigir-se à porta. — Ben está na casa dela. Janie trabalha comigo na
agência genealógica, e o marido dela é o médico local. Marco, preciso... Será que pode me
indicar meu quarto?
— Claro.
Agudamente consciente do ar de triunfo de Marco, ela passou a falar sobre
banalidades enquanto se dirigiam ao andar de cima. Ele a levou a um quarto com paredes
cor de pêssego, iluminadas pelo sol da tarde, e teto atravessado por grossas e antigas vigas.
As duas janelas abriam-se para o lado da colina que dava para Florença.
— As minhas malas...
— Já mandei trazer.
De fato, as malas estavam ali, junto da cama.
— Fique à vontade — disse ele.
— Obrigada.
Quando Marco saiu e fechou a porta, ela se deixou cair sentada na cama, exausta de
tanto nervosismo e arrependida. Não deveria ter concordado em ficar e deveria ter dito a
verdade a ele. Tivera várias oportunidades de dizer, com simplicidade: "Ben é seu filho". Era
uma covarde e se desprezava.
Porém iria desprezar-se ainda mais se destruísse o relacionamento de Sophy com
Marco. E, com certeza, se Marco amava Sophy, só iria causar sofrimento a Ben e a ela caso
se visse obrigado a envolver-se em sua vida.

Capítulo 3

Polly acordou muito cedo na manhã seguinte, por não ter fechado as venezianas.
Deitara-se na cama e ficara olhando a lua, alta e fria no céu negro, que agora era de um azul
suave. O sol derramava-se no quarto. Um barulho característico sugeria um jardineiro
trabalhando. Levantou-se, piscou, bocejou e olhou para os pés descalços que assomavam

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da barra da camisola de fino algodão creme e pisavam num trecho do soalho aquecido pelo
sol. Ainda sonolenta, sentiu-se feliz e quis descobrir por quê. Reconheceu que era uma
sensação vinda da primeira infância, quando se sentia amada e protegida. Sentimento que
havia desaparecido quando sua mãe morrera e seu pai se casara de novo com a mãe de
Sophy. A outra menina viera abalar a segurança de seu pequeno mundo.
Mas por que naquela manhã sentia-se segura? Talvez fosse consequência de algum
sonho, porém de qualquer modo permanecia uma sensação diferente criada pela surpresa
do telefonema de Ben, pela reação de Marco, pelas verdades ditas apenas pelo meio e as
evasões do dia anterior.
Havia telefonado para Janie antes de dormir a fim de falar com ela sem a tensão
causada pela presença de Marco e ter certeza de que seu filho estava mesmo bem e que
podia ficar na Itália por mais tempo.
Parecia ação do inconsciente sentir-se tão bem ali, a salvo, feliz. De onde viera isso?
De estar com Marco de novo, informou-a a voz interior. Era mais loucura ainda.
Olhando para a lua, depois que se deitara, pensara em Ben e nos últimos quatro anos
de sua vida. Olhara para a fotografia do filho que guardava na agenda de telefones, havia
sido difícil conter as lágrimas de saudade. Por fim adormecera com uma tênue e improvável
visão de como sua vida teria sido... se... Se...
Palavra pequenina que torturava tanto!
Se tivesse dito a Marco que estava grávida, em vez de tomar aquela decisão dolorosa
de enfrentar tudo sozinha. Se tivesse contado a ele quando Ben nascera...
Caíra no sono imaginando Marco, Ben e ela formando uma família que faz tudo junto,
como ir à praia, ao cinema: nadar ou andar a cavalo. Ou que simplesmente fica sentada
diante da lareira, tomando chá com torradas, jogando ludo...
Talvez fosse por isso que se sentia idiotamente feliz. O sonho produzira seus efeitos
antes de dar lugar à realidade.
Foi tomar um banho de chuveiro rápido e lavou a cabeça. Lavar os cabelos sempre a
ajudava a pôr as ideias em ordem. Só que naquele dia não adiantou.
Precisava de ar. Sentia falta da caminhada de todas as manhãs. Vestiu calça
comprida de sarja, camiseta de um azul bem claro, mocassins, prendeu os cabelos num
rabo-de-cavalo e desceu.
Pelas portas francesas abertas entrava o suave perfume das glicínias. Parou na
varanda, fechou os olhos e aspirou profundamente os gostosos odores da Toscana ao
amanhecer.
— Não conseguiu dormir mais?
A voz de Marco afez abrir os olhos. Ele estava à sua frente, com camisa de jeans
desbotada, calças de jeans azul-marinho, sapatos esporte, os cabelos negros ainda
molhados do banho. Seu olhar era penetrante.
— Dormi como uma pedra. Foi o sol que me acordou, então resolvi me levantar para
dar um passeio.
— Primeiro, vamos tomar café — convidou ele.
Ela seguiu seu olhar além da varanda. No caramanchão protegido do sol pelos galhos
da glicínia estava posta uma pequena mesa para o café da manhã, toalha branca, xícaras
verde-oliva, guardanapos amarelos.
— Está bem.
Foram para a mesa. Numa cesta havia pãezinhos frescos, ainda quentes sob o
guardanapo, manteiga, geleia num pote de cerâmica café e leite. Só então Polly percebeu
que estava com fome. Sorriu para Marco, sentado à sua frente.
— Você sempre toma café tão cedo?

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Ele pegou um pãozinho, partiu um pedaço, passou manteiga e cobriu-o


generosamente com geleia. Enquanto isso, ela observava-lhe as mãos, longas, fortes,
morenas. Apanhou-se ansiando por que a acariciassem e tratou de controlar-se.
— Costumo levantar cedo e em geral corro antes do café. — Ele mastigou,
observando-a com os olhos entrecerrados. — Só que hoje levantei mais cedo do que de
costume. Não consegui dormir esta noite.
— Espero que não esteja doente! — preocupou-se ela.
— Não, não estou. É a minha cabeça que está cheia de pensamentos. Quer café?
— Por favor.
Fez-se um perturbado silêncio enquanto ele a servia de café com leite e tomava o seu,
preto. Polly passou um pouco de geleia num pedaço de pão e mordeu um pequeno pedaço.
A geleia era de abricó, a sua preferida. Comeu devagar, pensando na noite anterior.
Deixara que Marco remarcasse a passagem, já que seu italiano era sofrível. Apesar da
insistência dela em que podia ficar só mais um dia, ele anunciara que, marcara a passagem
para o fim da semana seguinte.
Sentimentos confusos tomaram conta dela ao ouvir isso. Secretamente contente por
passar mais tempo na companhia dele, protestara, dizendo que não dava para ficar tanto
tempo.
— Você merece um descanso — dissera ele, calmo, com o olhar determinado que a
perturbava tanto.
E naquele momento ele a fitava do mesmo modo enquanto ela saboreava o pãozinho.
— É gostoso — comentou ele em tom jovialmente irônico — nós dois aqui, sozinhos,
tomando o café da manhã, como um velho casal.
— Nem tanto.
A resposta defensiva foi mais áspera do que ela queria.
— É verdade. Você está com vinte e três anos e eu com trinta e um. Não somos
exatamente velhos. Nem somos um casal.
— Isso. — O olhar insinuante dele fazia o corpo de Polly aquecer-se. — E também
não nos conhecemos direito, não é, Marco?
— Acho que não.
— Como poderíamos nos conhecer bem? Quantas vezes nos encontramos? —
insistiu ela.
Tomou um pouco de café e quando ergueu o rosto viu que os olhos dele se haviam
estreitado. Lembrou-se de que fora ela quem evitara os encontros nos últimos quatro anos.
Sentiu que corava. Sabia exatamente quantas vezes se haviam encontrado, pois todas
estavam gravadas de modo indelével na sua memória.
— Três — disse ele, seco, mas com um brilho diferente nos olhos. — Quando você
tinha treze anos e eu irrompi, literalmente, no Priorado Hamilton. Quando você estava com
dezoito anos e fomos juntos à Sicília, na Páscoa. E quando estava com dezenove e nos
encontramos por acaso no baile de Cambridge.
— Que boa memória! — impressionou-se ela.
— Para azar meu, tenho excelente memória, sim. Lembro-me de cada detalhe dos
nossos encontros, Polly. — Ele fitou por momentos a fumaça que subia de sua xícara de
café, depois olhou-a de novo. — Lembro-me também da impressão que me causou naquele
dia, na escada do Priorado Hamilton.
— Qual foi?
— De um coelhinho assustado.
— Obrigada! — zangou-se Polly, colocando a xícara no pires.
Ele riu.

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— Seu cabelo estava reunido numa trança, você tinha aparelho nos dentes e me
olhou como se eu fosse a encarnação do diabo.
— Mentira! Como é que pode lembrar-se de tantos detalhes dez anos depois?
— Como eu disse, tenho boa memória.
— É evidente. Você me assustou ao sair correndo da casa, eu parei de repente e
quase fui atropelada pelo jornaleiro...
— E salvei galantemente a sua vida.
— Verdade. — Ela sorriu. — Mas você parecia tão feroz e violento que pensei que
fosse um... um bandido que havia invadido minha casa, se tia Ruth não saísse logo em
seguida.
— Que ironia... — um toque gelado tomara conta da voz dele — foi o que sua avó
disse antes que eu saísse correndo daquele jeito.
— Ela chamou você de bandido? — chocou-se Polly.
— Não exatamente com essa palavra, usou minha origem siciliana como insulto mais
satisfatório.
Uma chocada surpresa arredondou os olhos de Polly. Ela sabia da inimizade na
família, mas não conhecia os detalhes.
— De que modo? — perguntou, cautelosa.
— Não banque a inocente, Polly. Claro que você sabe como. Meu pai nasceu numa
cidade da Sicília, famosa pela atuação da máfia, e quando minha mãe decidiu casar-se com
ele não foi apenas sua profissão inferior que ofendeu a família. Foi o estigma do lugar do seu
nascimento. Não finja que não sabe a causa da briga entre as nossas famílias.
Ela sacudiu a cabeça.
— Não acredito que vovó Hamilton realmente pense...
A expressão de Marco era fria e cínica ao interrompê-la.
— Minha mãe transtornou o clã Hamilton casando-se com meu pai. Ele era muito
pobre, siciliano e engravidou-a. Os Hamilton cortaram todo contato com ela quando saiu de
casa. Naquele dia, minha mãe tinha ido falar com a sua avó na esperança de fazer as pazes.
Pensava que a madrasta dela mudaria de atitude, uma vez que meu pai havia vencido na
vida, passando de humilde pizzaiolo a dono de uma cadeia de pizzarias e podendo pagar
minha educação num prestigioso colégio inglês. Em vez disso, ela acusou meu pai de ter
enriquecido por meios ilícitos. Pelo jeito, parecia que nem sequer considerava a ideia de que
ele poderia ter vencido na vida legalmente. Chegou a comentar que apesar de eu estar
estudando direito em Cambridge iria seguir os passos dele. Ou seja, "vai trabalhar como
garçom num bar", disse ela, "ou entrar para o outro negócio da família". Ela queria dizer que
me tornaria um mafioso.
Com profundo do mal-estar, Polly parou de comer e pôs o pãozinho no prato.
— Marco, honestamente, eu nunca soube...
— A briga da família fala por si, Polly — observou ele, calmo. — Por que pensa que as
gerações mais velhas dos Daretta e dos Hamilton ficaram separadas por todos esses anos?
Tentei esquecer, mas foi difícil. Principalmente por causa da minha profissão e do tipo de
gente com que tenho de lidar no tribunal.
— Mas meu pai não pode ter...
Ela interrompeu-se, uma onda de calor ardendo-lhe nas faces. Ia dizer que era
impossível seu pai ter concordado com vovó Hamilton, que não era possível ser tão
ridiculamente preconceituoso. Mas como seu pai se sentia, de fato, em relação ao clã
Daretta? Ele era um homem calmo, reservado, que guardava os pensamentos para si
mesmo. Não se lembrava de ouvi-lo emitir opiniões iguais às de vovó Hamilton, mas também

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ele não havia feito nenhum esforço para reatar relações com tia Ruth, sua irmã de criação, e
o marido dela, Tino...
Até aquele batizado, pensou. Apesar da resistência dela, de sua lista de desculpas
para não ir, o pai a pressionara para aceitar o convite.
— Tenho uma ideia — disse Marco, de repente. — O passado é muito controvertido e
seria bom deixá-lo de lado, por enquanto. Já que não nos conhecemos bem, vamos
aproveitar sua estada aqui para isso, Polly.
— O que vamos fazer, então?
— Vamos passar o dia fora. Podemos ir a Florença, ver se aguentamos as filas para
entrar no Uffizi ou no Bargello; mas, se quisermos esquecer a cultura e sermos decadentes,
vamos tomar um cappuccino na Piazza della Signoria. Podemos almoçar na beira do rio e
jantar num pequeno restaurante onde fazem a pasta melhor que já comi.
— E os seus convidados?
— Eu apenas cedi a casa, eles são convidados de Marietta, e mamãe que está
dirigindo tudo, como ela gosta. — Ele fez uma cara engraçada que obrigou Polly a rir. — A
maior parte deles vai embora logo depois do café. Ninguém vai reparar que sumimos. O que
acha?
A hesitação de Polly dissolveu-se diante do fato de Marco querer passar o dia todo
com ela.
— Parece maravilhoso — concordou, animada.
— Ótimo. Em quanto tempo você se apronta?
Polly terminou de tomar o café com leite e levantou-se.
— Em dez minutos — garantiu, com simplicidade.
Foi um dia mágico.
No trajeto até Florença, no Aston Martin conversível azulmetálico de Marco, passaram
por vilarejos floridos. No carro aberto, o sol aquecia deliciosamente o rosto de Polly. Fiel à
sua palavra, ela se arrumara depressa, simplesmente escovando os dentes e os cabelos,
trocando a camiseta por uma blusa solta, de seda âmbar, e os mocassins por sapatos
esporte marrons. Pegara um suéter de cashmere em tom um pouco mais escuro que a blusa.
Em menos de dez minutos voltou à varanda, de óculos escuros, com bolsa à tiracolo marrom
pendurada num ombro e um frêmito gostoso de antecipação agitando borboletinhas em seu
estômago.
Marco a esperava. Também usava óculos para sol, trocara a camisa jeans por outra
mais leve, de algodão, em xadrez azul-da-prússia, vermelho e bege, e estava com um paletó
de linho cor de terracota. Ele era excelente companhia: animado, tranquilo, divertido, atento
aos desejos dela, mas fiel ao programa feito para aquele dia.
Um conhecido de Marco livrou-os da fila para entrar no Uffizi, e passaram algumas
horas vendo obras-primas do Renascimento, que ela conhecia apenas através de livros.
Abriram caminho entre a multidão que crescia a cada momento, indo de sala em sala,
admirando Ticiano, Da Vinci e Botticelli até que a cabeça de Polly começou a doer.
— Eu deveria ter vindo a Florença para me aperfeiçoar em história — contou a Marco,
quando pararam diante do quadro Hércules e Anteu lutando pela supremacia. — Incluí
história da arte no meu currículo.
— Neste caso, você gostaria de ver uma escultura em bronze sobre esse tema? — ele
indicou o quadro de Hércules. — Creio que está no Bargello.
Ela consultou o guia turístico e assentiu.
— Isso mesmo. Será que dá para irmos lá?
— Depois do almoço.
— De pleno acordo! — riu ela.

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Sentaram-se numa mesinha da rua olhando as pessoas passarem e os garçons


moverem-se agilmente. Os sinos de uma igreja próxima começaram a badalar, e uma
revoada de pombos saiu da torre e fez evoluções fascinantes contra o azul do céu.
Almoçaram sob o guarda-sol colorido, melão com presunto e, depois, tagliatelle na manteiga
com tomate e orégão, conversaram sobre arte e história, e Marco a surpreendeu por seu
profundo conhecimento do assunto.
— Para um advogado, você conhece muito da história da arte — comentou, admirada.
— Não leio apenas poeirentos livros de direito.
— Isso é evidente. Estou impressionada.
— Você deveria ter escolhido uma profissão ligada ao seu amor por história. — Marco
já terminara de comer. — Aliás, tenho impressão de que não terminou o curso...
Polly acabou seu tagliatelle, colocou o garfo e a colher no prato, então respondeu.
— Tem razão, não terminei. Mas combinamos não falar no passado...
— É verdade. — Ele ficou sério. — Conte-me da sua vida na Inglaterra. Como se
arranja?
— Eu me arranjo muito bem. Papai está por perto, claro, mas não pode me ajudar com
Ben porque está sempre ocupado no tribunal. Por sorte tenho Mary, uma senhora que vai
todo dia cuidar da casa para mim. Ela adora crianças e de vez em quando leva um de seus
sobrinhos para brincar com Ben. Janie também me ajuda muito, tanto em particular quanto
na A Arvore Genealógica.
— A Arvore Genealógica? — Ele sorriu. — É esse o nome da sua empresa?
— É. Gosta?
— Muito bom. Então, você é a dona d'A Árvore Genealógica e localiza ancestrais das
pessoas. O que faz nas horas de folga?
— Sou secretária da Sociedade de História local, faço ioga uma vez por semana. Só
isso, quanto a atividades pessoais. Mas faço uma porção de coisas com Ben. Nadamos,
andamos pela praia e nos rochedos... você sabe... olhando as gaivotas, catando conchas,
descobrindo os nomes de flores silvestres...
— Um verdadeiro turbilhão social!
— Sou feliz assim.
— Tenho certeza de que é, Polly.
— Não assuma esse ar superior!
O olhar dele escureceu.
— Foi sem querer. Acredite ou não, para mim é novidade alguém dizer que as delícias
do lar lhe bastam para ser feliz.
— Quem sabe eu deva acrescentar "ana" ao meu nome...
Ele acompanhou-a na risada ao ouvir isso, porém Polly duvidou de que se lembrasse
que a havia apelidado de "Poliana", meiga e confiante personagem de romance cor-de-rosa
para adolescentes, e a relegado ao status de jardim da infância durante aquelas férias na
Sicília, cinco anos atrás.
Ela jamais esquecera. A convite da tia Ruth tinha ido com Sophy passar a Semana
Santa na Sicília, e no domingo de Páscoa tinham ido a Prizzi, assistir à famosa Dança dos
Diabos.
Em apenas uma semana com os Daretta ela descobrira que amava Marco. Talvez
tivesse acontecido por tê-lo visto em seu ambiente, com a família. Ele deixara de ser a figura
distante, o herói que venerava, o moreno e fascinante primo siciliano que naquela tarde
irrompera do Priorado Hamilton para morar na imaginação dela despertando as mais
secretas fantasias de uma adolescente.

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Naquela semana, na Sicília, ele fora um Marco agradável, tranquilo e afetuoso, que
tratava os pais com carinho, que brincava com infinita paciência com a pequena sobrinha de
três anos, Rosa, filha de sua irmã mais velha, e dava-se muito bem com suas irmãs mais
próximas e as duas primas inglesas.
Polly corou ao pensar em como adorava a fotografia tirada na procissão de Prizzi, em
que os dois riam. Tia Ruth a enviara para a universidade, com as demais fotos das férias. Ela
a emoldurara e pendurara acima da cabeceira de sua cama. No entanto, sabia que Marco
jamais seria dela. Isso também ficara claro durante aquela semana na Sicília. Ele tinha olhos
apenas para Sophy, com seu cabelo dourado, olhos cor de violeta, corpo e maneiras
irresistíveis de modelo.
Vivia brincando com ela, como se fosse sua irmãzinha mais nova. Lembrava-se bem
de quando começara o apelido de "Poliana". Eles haviam assistido à colorida procissão do
domingo, de Páscoa, que representava a luta entre o Bem e o Mal. Marco, então fizera um
comentário sobre o Mal ser sempre mais forte do que o Bem. Ela discordara, dizendo que
tudo dependia da fé que se tivesse no conceito do anjo da guarda. Ele rira, depois pedira
desculpas por ser tão cínico e a chamara pelo apelido durante o resto da semana.
Então, na última noite das férias, depois de voltarem para casa após jantarem fora, ela
vira Marco e Sophy beijando-se no escurinho do jardim da casa. Ficara olhando, pasma, por
alguns segundos porque Sophy estava totalmente colada a ele, seu cabelo loiro destacando-
se no escuro, os dedos enfiados no basto cabelo negro de Marco. Ela se virara e saíra dali
quase correndo, sem enxergar direito por causa das lágrimas.
— ...às vezes a gente fica andando em círculo e perde de vista os verdadeiros valores
— dizia Marco. — Invejo a vida simples que você leva.
Ela piscou, afastando as lembranças. Tinham combinado deixar o passado em paz.
— A sua vida é muito complicada?
Ele terminou o vinho.
— Passo muito tempo no desagradável mundo dos processos criminais e às vezes
vejo-me defendendo pessoas nas quais não confio. No momento estou trabalhando como
assessor da promotoria.
— Está trabalhando em Londres, não?
Ele fez que não.
— Roma.
— Oh, mas Sophy...
Ela calou-se. Era estranho, Sophy lhe dissera outra coisa.
— O que tem Sophy?
— Nada. Não importa. Está defendendo ou acusando?
— No caso encerrado na semana passada eu acusei.
Ela esperou, porém ele não disse mais nada.
— Que tipo de caso?
— Você não vai gostar de conhecer os detalhes, Polly. Quer tomar café aqui ou vamos
até o Bargello, onde podemos acompanhá-lo com excelentes doces?
— Prefiro o Bargello.
Depois de passar a tarde andando pela cidade, admirando obras de arte, ambos
concordaram em que seria ótimo tomar um banho e trocar de roupa antes do jantar. No
carro, Polly reclinou-se no assento, cansada e feliz, durante a volta para casa.
Ela e Marco haviam conversado como nunca tinham tido chance até então, e ela
sentia-se muito próxima dele, talvez por tomar conhecimento de coisas simples a seu
respeito: que preferia vinho tinto ao branco, gostava de café preto e forte com uma colher de

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

açúcar, apreciava mais a comida mexicana do que a italiana e considerava a mãe a melhor
cozinheira o mundo.
Ficou sabendo que ele partilhava do seu gosto por cinema, principalmente filmes do
diretor italiano Bertolucci; que corria, nadava e jogava tênis; que de vez em quando esquiava
na Itália, fazia alpinismo e velejava na Inglaterra; que aprendera a cozinhar com o pai
durante as férias escolares; que gostava de livros de suspense e movimentados; que tinha
uma vasta coleção de CDs que ia dos Beatles ao Oasis e uma coleção de jazz que incluía o
repertório completo de Glen Miller.
— Eu adoro Glen Miller! — entusiasmara-se ela.
— Isto completa o quadro — anunciara ele, solene. — Vim para ficar, convidado ou
não.
Ela dera risada ao ouvir aquilo, mas ficara com certo nervosismo e uma vaga
sensação de culpa. Então, mudara de assunto. Precisava ter cuidado. Tinha havido alguns
momentos naquele dia em que haviam se entendido tão bem, em que a companhia de Marco
a deixara tão feliz, tranquila e natural que quase não resistira ao impulso de simplesmente
dizer a ele "Temos um filho"...
O esforço para manter aquele segredo era exaustivo e a deprimia.
Durante o trajeto de volta, ela fechou os olhos e deu um enorme bocejo.
— Podemos ir a um restaurante ou jantar em casa. O que prefere? — indagou Marco
enquanto o Aston Martin deslizava sem esforço pela rodovia. — Agora a casa vai ser apenas
nossa.
— Como você quiser. — Ela bocejou novamente e sorriu. — Se quiser sair, tudo bem.
Um banho de chuveiro e estarei nova!
— Posso fazer um prato toscano especial — propôs ele —, com o corte de carne local
chianina e porcini, cogumelos silvestres, enquanto você fica reclinada num sofá com um
copo de chianti e ouvindo música do Renascimento italiano, para completar nosso dia
cultural. O que acha?
Nesse momento ele parava e ela permaneceu em silêncio, saboreando o delicioso
silêncio que os envolveu. As janelas da casa da fazenda refletiam o vermelho radioso do pôr-
do-sol. Até mesmo as velhas paredes de pedra haviam adquirido um brilho avermelhado.
Com o verde-pálido do milharal, o verde-forte das vinhas e o verde-escuro dos álamos que
se estendiam na amplidão, aquele lugar lhe pareceu seguro e acolhedor como um lar.
— Marco — perguntou ela, num impulso — por que você não se casou para ter a vida
simples e tranquila que parece querer?
Ele a fitou durante um tempo longo o bastante para que ela corasse.
— Por que pergunta isso?
— Ao descrever o que pretende fazer para o jantar você parecia tão... doméstico!
Polly falou com dificuldade, a garganta apertando-se pelo nervoso de se ver
observada pelos olhos semicerrados.
— O marido ideal para qualquer mulher? — brincou ele. — Você parece a minha mãe.
Mas quem sabe? Talvez porque a mulher ideal não se dobrou ao meu encanto. — Havia
uma nota amarga na voz dele. — Tenho apenas trinta e um anos e muito tempo para
encontrá-la. Não se pode ter pressa nessas coisas, Polly. Você deve saber disso.
Ele se referia à sua situação de mãe solteira, pensou ela, abatida.
— É verdade — concordou, sombria.
Fechou os olhos por segundos. O tempo já devia ter-lhe ensinado que não era a
mulher ideal para Marco, mas a confirmação doía.
— Então, o que vai ser? — insistiu ele. — Jantar fora ou quer se arriscar a
experimentar a minha comida?

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

Com um suspiro, ela sorriu.


— Como resistir a um jantar tranquilo, em casa?
Assim que falou, ela sentiu uma vontade enorme de telefonar para Janie e saber do
seu filho.
— Você se importa se eu ligar para a Inglaterra, Marco?
— À vontade. Vou tomar um banho e, depois, colocar meu chapéu de cozinheiro.
No seu quarto, Polly tomou um banho de chuveiro e pôs o único vestido que levara,
pois pretendera ficar lá apenas um dia e uma noite. Era um chemisier sem mangas, um de
seus favoritos, com cinto largo e de macio linho coral. Calçou os mocassins; em seguida
mudou de ideia. O único par de sapato que levara era os sociais de camurça cinzenta, e
preferiu-o. Precisava de confiança extra que os saltos altos poderiam dar-lhe.
Examinou o rosto no espelho. O passeio de carro com a capota arreada dera um
colorido bonito à sua pele. Até o cabelo parecia mais brilhante; o loiro-prata tendia a ficar
mais para o cinza-rato durante o inverno inglês. Aplicou pouquíssima maquiagem: nas
pálpebras, uma leve sombra cinza quase da cor de seus olhos, um toque de pó e um mínimo
de batom cor de pêssego escura. Terminou com uma generosa dose do perfume Eau d'Issey
que o pai lhe dera no Natal e avaliou o efeito final com sentimentos contraditórios. Vibrava de
antecipação, reconhecia, porém ao mesmo tempo estava apreensiva.
Aquele dia havia sido de folga: tinham fingido não ser espectros vagando no passado
e ela adorara, não, deleitara-se com cada minuto da companhia dele. E ali estava usando um
perfume caríssimo, passando batom com a mesma ansiedade inocente de uma adolescente
no primeiro encontro.
Sufocando um gemido, sentou-se na poltrona ao lado da cama e pegou o telefone.
Para sua surpresa, ninguém atendeu na casa de Janie. Mordendo o lábio, deixou o
aparelho tocar um século. Eram seis horas da tarde na Inglaterra; Ben já devia ter tomado
seu banho, o chá e sido posto na cama. A aflição começou a contrair-lhe o estômago, e Polly
tentou livrar-se dela. Se algo tivesse acontecido já teria sido avisada. Não devia preocupar-
se daquele jeito.
No instante em que Marco a viu aparecer na varanda, meia hora depois, ergueu as
sobrancelhas.
— O que foi, Polly?
— Nada...
— Aconteceu algo, não quer me contar?
Ela pegou o copo de vinho que ele lhe oferecia.
— Ninguém atendeu. — Tomou um gole do vinho frio e seco, depois forçou um
sorriso. — Eu só queria falar com Janie, saber se Ben está contente, mas... Acho que foram
passear no zoo ou...
Marco sentou-se ao lado dela no sofá de vime da varanda, perturbando-a com sua
proximidade. Esticou as longas pernas, apoiou a cabeça no encosto e virou-se para olhá-la.
— E você ficou preocupada? Realmente, ama muito o seu filho!
— Claro!
Ela lutava contra o efeito que o calor do corpo de Marco lhe provocava.
— Não se preocupe, está tudo bem.
— É, tenho certeza de que sim. Eu só... Nunca fiquei longe de Ben e me parece
errado.
— Percebi isso no seu rosto ontem, quando ele ligou. Você tem o hábito de pensar o
pior quando algo inesperado acontece?
— Acho que sim... — Ela deu um sorriso forçado. — Alguém me disse que quando se
é preocupada demais não se deve ter filhos.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Será que não errou o número ao discar?


— Pode ter acontecido. — Ela pôs o copo de vinho na mesinha, pegou a agenda e
verificou o telefone de Janie. — Não. Disquei certo.
Houve uma breve pausa.
— Imagino que Ben não tenha sido planejado... — comentou Marco, suave.
Ela enrijeceu.
— Pois é.
— Deve ter sido um choque descobrir que estava grávida.
— A única coisa que sei com certeza é que não ficaria sem Ben por nada deste
mundo.
Ele tocou-lhe a mão, de leve.
— Polly...
— Hein?
Polly abaixou a cabeça e torceu para que o cabelo escondesse seu rosto vermelho.
— Olhe para mim...
A voz profunda se tornara rouca.
— Marco, por favor, não...
— Não, o quê? — Com a outra mão ele ergueu-lhe o queixo e a fez encará-lo. — Que
eu não tente chegar perto de você?
— Que não tente tirar vantagem da proximidade...
Tratava-se de uma acusação injusta e ela sabia. Sabia também que Marco não
precisava perseguir mulheres porque elas se aproximavam por iniciativa própria. Era o
desespero que a colocava na defensiva.
Ele ficou imóvel e calado por momentos, os olhos com um brilho quase feroz.
— É o que pensa de mim, Polly? — falou afinal.
Permanecendo em silêncio, ela sentiu a garganta apertar-se, dificultando-lhe a
respiração.
— Na verdade, não sei o que pensar — conseguiu dizer.
— E se isso fosse verdade, você me condenaria?
— O que quer dizer?
— Que você fez questão de ficar longe de mim todos estes anos — observou ele, com
uma risada triste. — Foi embora de Cambridge sem uma palavra e me evitou desde então.
Talvez me tenha subido à cabeça o fato de agora tê-la aqui.
Ele inclinou-se e beijou-a. Beijou-a com certa brutalidade, ignorando a resistência;
deslizou as mãos pelo pescoço dela e mergulhou os dedos nos macios cabelos; depois, os
polegares acompanharam o contorno de rosto delicado e acariciaram as pequenas orelhas
até que, com um gemido, ela relaxou e entreabriu os lábios. Então, tornou-se mais gentil e
introduziu com suavidade a língua em sua boca. O intenso desejo a fez agarrar-se a ele com
trêmula urgência.
— Polly, meu bem...
Marco recuou alguns centímetros. Vermelha e confusa, ela abriu os olhos e viu-o
fitando-a com tal intensidade que a desorientou, como se houvesse sido absorvida por uma
quente escuridão.
— Eu deveria me controlar, mas ainda a quero com uma intensidade que me
enlouquece...
Havia desespero naquelas palavras, como se as arrancasse do mais íntimo de seu
ser.
E Polly estava dominada pelo desejo, da cabeça aos pés. Pensava no que responder
quando viu o rosto dele alterar-se, sentiu-o ficar tenso e afastar-se dela, de cabeça baixa. E

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assim ficou olhando para o chão. Ela seguiu-lhe o olhar e teve um sobressalto quando ele se
inclinou para pegar algo. Devia ter caído da sua agenda.
A foto de Ben estava na mão de Marco; um menininho de jeans e camiseta vermelha,
rindo descontraído para a câmara. A foto era inocente e terrivelmente incriminadora ao
mesmo tempo.
Polly compreendeu que Marco olhava, deslumbrado, para a pequena réplica de como,
com certeza, ele havia sido vinte e oito anos atrás.

Capítulo 4

O silêncio caiu como um enorme peso e ela parou de respirar, como se isso pudesse
diminuir a pressão da explosão que se avizinhava. Tentou falar, mas sua garganta estava
fechada.
— Este é Ben? — a voz de Marco soou perigosamente calma.
Polly ergueu a cabeça e deu com os olhos dele.
— Sim, é.
Cerrou as mãos dos lados do corpo. Tremia. O olhar de Marco continuava duro, com
uma sombra de emoção no fundo.
— Ele é meu filho. — A crua amargura pareceu cortar a carne dela até o osso. — Não
é, Polly?
Ela engoliu com dificuldade. Imaginara esse tipo de cena milhares de vezes, mas nada
a preparara para a realidade.
— Então, é ou não é?
Num gesto pesado de controlada violência ele largou a foto, segurou-a pelos braços e
sacudiu-a de leve.
— Pelo amor de Deus, Polly, tenho direito de saber!
O coração dela batia forte e descompassado, a boca estava seca. Tentou engolir de
novo, tremendo de modo incontrolável. Ele a soltou e ergueu-se, imenso.
— Estou avisando — disse, sem entonação —, não minta porque vou mandar fazer
testes de sangue.
— Sim, é seu filho.
Pronto. Tinha dito. Afinal, admitira, e ouviu sua voz ecoando no silêncio, plana e sem
emoção, até que ele falou, com enregelante calma.
— Por que não me contou, Polly?
— O que você acha?
— Não sei direito, mas tenho várias ideias. Devo adivinhar? É esse o jogo, Polly?
Tenho de enumerar os motivos pelos quais penso que você foi embora de Cambridge sem
falar comigo, por que não me avisou que estava grávida e escondeu a existência de meu
filho por mais de três anos?
— Marco...
— Do que teve medo? Da censura da família? Não foi capaz de enfrentar seu pai e
sua avó com um Daretta bastardo crescendo em seu ventre?
— Não use essa palavra! Não se atreva a chamar meu filho de bastardo!

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— Mas é a palavra certa. É o que ele é. E por sua maldita culpa! Uma conspiração dos
Hamilton porque qualquer outra coisa é admissível, menos aceitar um membro do notório clã
dos Daretta como o pai do seu filho. Acertei?
Ele a fitava com os olhos apertados, e ela contraiu-se de tanta tensão. A raiva gelada
dele assustava, mas o pior era a expressão assombrada de seus olhos. Por um breve
momento ela quis chorar, mas controlou-se; com dolorosa angústia, compreendeu que Marco
considerava que o motivo dela havia sido preconceito e orgulho.
— Não — murmurou —, você está errado.
— Estou?
Ele caminhou até a beira da varanda, voltou-se e fitou-a com tanta raiva que ela parou
de respirar.
— Então, explique-me essa conspiração de silêncio. Explique-me por que não
respondeu às minhas cartas, nem atendeu aos meus telefonemas!
O coração de Polly deu um pulo. Ela recebera uns dois telefonemas dele, muito bem-
educados, tentando marcar encontro, mas nunca recebera carta alguma.
— Que cartas?
— Por favor, pare de fingir! — atacou ele, ácido. — Isso seria o insulto final, Polly.
Ela ajeitou-se no sofá e passou uma das mãos pelo rosto. Sua cabeça pesava e
ameaçava doer diante de tanta confusão.
— Marco — começou, com cuidado e tentando pensar com lógica —, antes que esta
conversa se torne mais... mais descontrolada, pense naquela noite em Cambridge. O que
aconteceu entre nós foi um... uma coisa de momento. É evidente que nenhum de nós
pensava direito. Eu... eu ainda estava atordoada por causa da droga que me haviam dado.
Você disse que não havia dormido a noite inteira, preocupado comigo... Depois de fazermos
amor, você deixou seus sentimentos bem claros. Sabendo que você estava envolvido com
minha irmã, eu não tinha como censurá-lo e...
— Envolvido? — cortou Marco, brusco. — Que diabo você sabe do meu
relacionamento com Sophy?
— Não tente me enganar! — zangou-se Polly. — Eu também estava em Prizzi,
lembra-se?
— Lembro-me de que você também estava em Prizzi, sim — ironizou ele —, mas não
sei o que quer insinuar.
— Parece que a sua memória é seletiva — retrucou ela, também sarcástica —, por
isso não vou perder tempo discutindo.
Ele não ia admitir que tinha algo com Sophy, talvez por sentir-se culpado pela traição
que havia feito a ela naquela noite, em Cambridge, concluiu Polly, com repentina sensação
de cansaço. Marco pensava que era boba? Tinha visto os dois se beijarem, praticamente
comendo um ao outro, e toda vez que se encontravam Sophy lhe dizia que tinha estado com
ele. Aliás, no dia anterior ele mesmo não dissera que ela tinha estado ali?
— Quer saber por que não lhe contei sobre Ben? Porque você iria sentir-se
responsável por uma coisa da qual não queria participar.
— Acha que eu não ia querer participar da existência do meu filho?
— Ele é meu filho — respondeu Polly, empalidecendo. — Você deixou claro que temia
ter me engravidado e que considerava tudo um erro. Quando um filho é querido, concebido
com amor, é diferente. Ben foi... foi produto de um fim de semana desastroso. A sua reação
naquela noite provou que não se interessava por mim, então eu assumi nosso filho sozinha.
A expressão de Marco era tão fechada e tensa que Polly pensou que fosse bater nela.

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— Você avaliou mal minha noção de responsabilidade — disse, seco — e não queria
que eu fizesse parte do quadro, não é? Quando fiquei preocupado com a possibilidade de
você engravidar, garantiu que tomava a pílula. Era mentira?
Ela corou.
— Não, eu tomava a pílula, sim... por causa de problemas menstruais. — Percebeu
que ficava ainda mais vermelha e zangou-se consigo mesma. — Havia parado de tomá-la
porque não me dei bem e tinha medo dos efeitos colaterais.
— Então, por que me disse que tomava?
Polly ficou olhando para ele em silêncio, por momentos.
— Porque era o que você queria ouvir! — explodiu, por fim. — Não acha que naquela
noite eu já havia sido bastante humilhada? Fiz amor com você realmente sem pensar no que
significava, talvez ainda por efeito da droga. Ao perceber que eu era virgem, você fez um
sermão contra minha estupidez e sua falta de controle, o que me levou a pensar que a coisa
mais sábia a fazer era escapar o mais depressa possível daquela confusão. Eu não via razão
para você se angustiar tanto, uma vez que era tarde demais. Por isso, disse que estava
tomando a pílula.
— Muito atencioso da sua parte! — zombou ele. — Aí, foi embora para a América com
seu namorado e quando voltou evitou-me todas as vezes que quis vê-la ou falar com você,
nem respondeu às minhas cartas.
— Não recebi carta alguma — retrucou ela, indignada.
— Então... é claro que alguém as interceptou.
Marco parecia ter falado consigo mesmo e Polly teve a sensação estranha de ter sido
traída. Seria possível alguém ter desviado as cartas endereçadas a ela? Quem? Seu pai?
Repudiou essa ideia.
— Bem, é a vida, acho — comentou ele, com um gesto desalentado. — No entanto, o
que a impediu de atender aos meus telefonemas? Ou de me escrever, contando sobre o
Ben?
— Eu já disse, Marco. Pensei que você não queria saber, e não queria impor-lhe essa
responsabilidade.
— Esse é o melhor elogio que recebi ultimamente — sorriu ele, triste. — Pelo menos
você compreendeu que se eu soubesse que tinha um filho iria assumir a responsabilidade.
Melhor tarde do que nunca, acho. Meu filho virá para a Itália e obterá a cidadania italiana
assim que eu organizar a papelada e...
— Como é?
— Você ouviu. Meu filho passou os primeiros anos de vida na Inglaterra, agora virá
para a Itália, que é o seu lugar.
— E se a mãe do seu filho quiser que ele fique na Inglaterra?
O olhar dele tornou-se sombrio ao percorrê-la da cabeça aos pés.
— O que você quer não importa — afirmou, determinado.
— Como pode dizer isso?
— Você mentiu deliberadamente excluindo-me do que seria o período mais importante
da minha vida... — A voz dele falhou, e Marco calou-se por um instante, respirando com
dificuldade. — Ben é meu filho. É um Daretta e foi privado do pai. Ele precisa passar algum
tempo aqui, comigo.
Polly ficou olhando, pasma, enquanto ele voltava-lhe as costas e entrava na casa;
depois, com o coração pesado, foi atrás dele, que estava na sala de estar, servindo-se de
uísque. Quando ela entrou, colocou o copo sobre a lareira e ficou parado, toda tensão
evidente nos ombros e nas costas rígidas.
— Marco, temos de conversar... Você não pode dizer o que disse e pronto!

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Ele voltou-se. A sala estava na penumbra, apenas um abajur fora aceso, mas deu
para Polly ver-lhe o rosto molhado de lágrimas. Ficou chocada.
— Oh, Marco...
Sua garganta fechou-se e ela não conseguiu continuar.
— Volte para a varanda!
Ele cobriu os olhos com a mão, mas ela se aproximou e tocou-lhe o ombro. Sentiu os
músculos tensionarem-se quando Marco a afastou.
— Não, Marco... Precisamos falar — murmurou, emocionada.
— Agora não, Polly. — Fitou-a com olhos apagados. — Conversaremos mais tarde.
Preciso de algum espaço...
— Foi muito duro para mim também, sabe? Criar Ben sozinha...
— Mas ele estava com você! — De súbito, a voz dele tornou-se de novo profunda e
forte. — Ele me foi negado. Eu tive um filho, um bebê que não vi crescer. Ele poderia ter tido
a seu lado pai e mãe amorosos desde que nasceu, mas você negou-lhe isso. Não sei se vou
conseguir perdoar, Polly.
Naquele momento Marco parecia muito mais siciliano do que inglês, pensou ela, com
um arrepio. Suas palavras tinham um toque dramático, vingativo, que nenhum homem inglês
seria capaz de produzir. Já não chorava, seus olhos brilhavam mais do que nunca e a dor
que ele sentia transmitia-se para ela.
Não pôde mais suportar. Aproximou-se e abraçou-o. Tremia de emoção. Marco
respirou fundo e permaneceu imóvel. Levada mais pelo impulso do que pela razão, ela
aproximou a boca da dele e quando seus lábios se tocaram foram percorridos por intensa
eletricidade.
Com uma imprecação abafada, ele segurou a cabeça de Polly e beijou-a
ardentemente; ela entreabriu a boca e suas línguas se enroscaram, despertando violentas
emoções. Ele tinha gosto de uísque. Uma chama surgiu e transformou-se numa fornalha tão
potente de desejo que foi como se o corpo dela se fundisse ao seu calor.
— Por favor, não me odeie... — balbuciou junto à boca de Marco. — Eu não
suportaria!
— Eu não a odeio... — respondeu ele, com voz dolorida. — Que Deus me ajude, eu
queria odiá-la, mas não posso...
Polly mal conseguia respirar. Sentia os seios doendo de excitação, esmagados contra
o peito dele; cada centímetro de seu corpo clamava por Marco e seus joelhos pareciam sem
ossos. Ele deslizou a mão pelas costas dela e apertou-a mais contra si, fazendo-a perceber a
rigidez de seu sexo ardente. Poderia estar furioso com ela, mas ainda a queria. Se a deitasse
no soalho e a despisse, ela não reagiria, simplesmente o receberia sem pensar, com uma
urgência que a fazia ter vergonha da perda de controle. Marco passou as mãos pelo corpo
dela, detendo-se na cintura esguia, traçando-lhe o contorno sob o tecido leve do vestido. Ela
emitiu um gemido quando ele desabotoou o corpete do vestido e tocou-lhe a pele nua, com
tal intensidade que um irresistível desejo a consumiu. Agarrou-se a ele e seus olhos
fecharam-se com força quando sentiu que as mãos fortes afastavam o sutiã de renda e os
mornos lábios envolveram o bico do seio enrijecido. A onda de paixão foi superada pela fúria
do desejo há muito tempo contido, e emanava dele de modo tão poderoso que era quase
palpável. Polly imaginou o que seria dela se fosse consumida por aquele fogo.
— Oh, Marco, senti tanta saudade de você... — murmurou.
— Saudade de mim? Não minta — pediu ele, enrouquecido.
E soltou-a, como se recuperasse o controle de repente.
O rosto de Marco estava no escuro, mas seus olhos fixavam Polly e o brilho da paixão
confundia-se com o da raiva.

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— Era só telefonar ou pegar um avião para cá — acrescentou.


Ela o fitou sem dizer nada e ele continuou.
— Você estava com o meu filho no ventre. Não lhe ocorreu que eu tinha direito de
saber? Mas nada me disse. Evitou-me todo esse tempo, escondendo a gravidez,
escondendo meu filho. Meu Deus, Polly, como pôde fazer isso?
Com os dedos desajeitados, a visão perturbada, ela tentava abotoar o vestido. Marco
ficou observando seus esforços por alguns segundos, depois afastou-lhe as mãos e abotoou-
o ele mesmo.
— Está tudo bem, não chore — disse, perturbado. — Tem razão, precisamos
conversar. Quer uma bebida?
— Não... sim... está bem...
Ele serviu uma dose de uísque e deu a ela. Seus olhos estavam frios de novo, como
se os movimentos práticos lhe tivessem dado tempo para dominar os sentimentos.
— A primeira coisa que precisamos resolver é como trazer Ben para cá o mais
depressa possível.
— Posso ir para lá...
— Não — interrompeu Marco, e algo na voz dele a fez fitá-lo com atenção. — Não vou
deixar que saia de perto de mim. Vou pedir a Sophy que o traga.
— O quê?
O sangue pareceu sumir-lhe das veias, e Polly ficou gelada. Ele queria que Sophy
levasse Ben para a Itália! Como podia ser tão insensível?
— É a solução mais óbvia — afirmou Marco. — Ela é tia dele. Amanhã cedo vou
examinar a situação legal, mas acredito que num caso como este tudo que precisamos fazer
é assinar uma autorização no consulado de Florença e mandá-la por fax ao Departamento de
Passaportes. Eles emitem passaportes de emergência no mesmo dia. Sophy terá de
preencher um formulário...
— Pelo jeito, uma das vantagens de ser advogado — comentou ela, irônica — é ter a
cabeça cheia de informações obscuras como essas.
— Ela vai precisar da certidão de nascimento dele, é claro. Você tem uma, não?
— Em casa, na minha escrivaninha. — Polly tomou um gole de uísque tentando
aquecer-se. — Marco, não quero que Ben venha para cá e nos veja... brigar, discutir ou algo
parecido.
A expressão de Marco era indecifrável.
— Fique tranquila, não quero que nada perturbe nosso filho. A felicidade de Ben é
minha única preocupação. Mas quero que ele venha para cá. Assim, se Deus quiser, nosso
filho estará com o pai e a mãe daqui a no máximo dois dias.
— E daí?
Polly mal acreditava que ele tomava as rédeas da situação de modo tão arrogante e
envolvendo Sophy, apesar de ter ideia de como iria ser intolerável a convivência.
Mas a culpa sobrepujou a raiva, e a reação positiva de Marco ao saber que era pai de
Ben foi gratificante para ela.
— Vamos deixar isso para depois? — propôs ele, frio. — Agora quero jantar e, devido
às circunstâncias, acho melhor sairmos.

As vinte e quatro horas seguintes passaram-se num clima de inquieta tensão. As


providências necessárias foram tomadas e tudo correu do modo mais fácil. Polly não tinha
ideia de como Marco convencera Sophy a abandonar o trabalho e viajar com Ben, mas pelo
visto ele sempre conseguia o que queria. Conhecia até mesmo a pessoa certa para puxar os

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cordões na companhia aérea e obteve dois lugares no voo Heathrow-Florença na noite


seguinte.
Durante todo esse tempo comportara-se como um distante e bem-educado estranho.
Depois da perda de controle, que ocorrera quando ela praticamente se jogara nos braços
dele, refletia Polly amargamente, Marco tomara cuidado para nem sequer esbarrar nela. Com
certeza sua mente estava ocupada com a ideia de logo ter ao seu lado não apenas Sophy
como também o filho.
Polly procurava fortalecer-se para enfrentar a mais complicada situação de sua vida,
mas não estava bastante forte para suportar a devastação emocional que sobreveio quando
um carro parou no pátio, vozes ecoaram e passos ressoaram no cascalho da alameda que
levava à casa. Tia Ruth e tio Tino tinham ido buscá-los, porque Marco insistira em que seu
primeiro encontro com o filho devia ser em casa, não no aeroporto.
Ela correu para a porta. Ruth, Tino, Sophy e Ben encaminhavam-se para a casa.
Marco já estava lá, em pé numa posição forçadamente ereta que revelava os músculos
rígidos pela tensão. Seus olhos estavam fixos na pequena figura junto de Sophy.
— Ciao, Marco! Ei, Poliana! — a voz aguda de Sophy ecoou na clara tarde de verão.
Marco foi lentamente ao encontro deles.
Polly ficou onde estava, uma das mãos apoiada no batente, para se manter em pé. Via
Marco de costas, aproximando-se de Ben e Sophy, e o horror daquilo tudo a dominou. A
cena fragmentou-se em várias imagens vívidas. Quando Sophy se aproximou mais, ela pôde
ver que seu sorriso era fixo e falso, que os lindos olhos cor de violeta estavam abertos
demais, febris, com um brilho de entusiasmo, ou de ressentimento contido. Segurava com
força a mãozinha de Ben, puxando-o como um troféu, ao aproximar-se de Marco, que beijou-
a nas faces e depois a abraçou.
Era um claro exibicionismo de posse dedicado a Polly, que sentiu um aperto no
estômago. Até aquele momento duvidara de ter agido certo há quatro anos, mas agora
reconhecia que fizera muito bem ao evitar as tentativas de Marco de falar com ela depois do
acontecido em Cambridge, que agira certo escondendo dele o nascimento de Ben.
O pequeno soltou a mão de Sophy e saiu correndo.
— Mamãe! Mamãe! Andamos de avião. Sofa disse que vou comer o verdadeiro
spaghetti italiano!
A voz excitada de Ben e sua versão pessoal do nome de Sophy quebraram o encanto.
Com alegria, Polly soltou um suave grito de boas-vindas e abriu os braços para o filho.
Quando ele chegou perto, ergueu-o no colo, acariciou-lhe o cabelo, beijou-lhe o rosto e riu,
acompanhando as gostosas risadas dele. Então, voltou-se e olhou para os demais.
Tino, pai de Marco, era alto e moreno como o filho, muito parecido com ele a não ser
pelos cabelos grisalhos, de um cinza-aço, e as linhas profundamente marcadas do rosto. Sua
expressão no momento era estranha e cautelosa, o brilho de seus olhos, também de um azul
escuro, indecifrável.
Tia Ruth sorria fixamente, uma nuvem de incerteza nublando-lhe o olhar quando
tentou disfarçar a tensão falando nervosamente do tráfego até o aeroporto e das dificuldades
para estacionar. Polly não conseguia desviar os olhos de Marco. Ele ainda estava parado
junto de Sophy, que lhe dera o braço como se oferecesse um silencioso apoio naquele
momento de crise emocional. O olhar dele encontrou momentaneamente o de Polly e voltou
a fixar-se no menininho de cabelos negros que estava no colo dela.
— Este é o Ben — esclareceu Polly sem necessidade e com voz presa.
Marco demonstrou orgulho ao sorrir para o filho.
— Eu sei... Olá, Ben.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

Devagar, ela colocou o pequeno no chão, ficou de mãos dadas com ele e fitou Marco,
desamparada.
Sophy parecia pairar milímetros acima do chão e olhava de um para outro, mal
respirando. Parecia mais atraente do que de costume, com um vestido vermelho, os cabelos
dourados presos no alto da cabeça e duas pequenas mechas descendo dos lados do rosto; a
sombra malva em suas pálpebras acentuava o azul-violeta dos lindos olhos.
Polly recuperou-se com esforço.
— Será que podemos mostrar ao Ben o quarto dele? — disse, aparentando alegria.
— Sim, claro...
Por instantes Marco pareceu perdido. Depois, encaminhou-se para Ben. Agachou-se
e, muito sério, examinou o rostinho dele. Foi visível a dificuldade que teve em relaxar e sorrir
para o menino.
— Que tal jantar, tomar um banho e... quem sabe, ouvir uma história antes de dormir,
Ben? Pusemos uma cama para você no quarto da sua mãe...
Ben enfiara o polegar na boca e olhava, pensativo e curioso, para Marco, sem o
menor sinal de medo. Polly observava os dois, com o coração dolorido. Sempre soubera que
eram muito parecidos. Podia não ter visto Marco todos aqueles anos, mas não precisava de
fotografia para lembrar-se dos detalhes.
No entanto, vê-los juntos era uma revelação angustiante. Os solitários e secretos anos
desfilaram em sua mente. Ben era uma perfeita reprodução de Marco. Seus sentimentos
deram mais uma abrupta reviravolta. Orgulho dela à parte, Sophy à parte, como tivera
coragem de mantê-los separados todo aquele tempo?
Ben, esguio e moreno, com seus jeans e camiseta preferidos, os minúsculos tênis,
parecia pequeno e vulnerável ao lado de Marco, tão alto e forte. Sentiu os olhos encherem-
se de lágrimas e piscou rapidamente.
— Quem é esse homem, mamãe? — perguntou Ben, as palavras atrapalhadas pelo
polegar na boca.
— Marco Daretta — apresentou-se Marco, antes que ela recuperasse a voz, e apertou
formalmente a mãozinha de Ben. — Falamos por telefone outro dia, lembra-se?
— Marco, o primo da mamãe!
Era evidente a satisfação do garotinho, que encontrara um espaço em seu mundo
para colocar Marco.
— Tudo certo, não? Agora... — Marco ergueu-se e dirigiu-se a Ruth, com voz
controlada. — Mamãe, importa-se de levar Sophy ao quarto dela? Eu vou com Ben.
— Não — negou-se o menino —, vou ficar com minha mãe.
A respiração de Polly alterou-se. Era evidente que Ben estava cansado, superexcitado
e sentindo a tensão entre os adultos. Seu lábio inferior tremia quase que imperceptivelmente.
Caso se sentisse inseguro iria chorar e sentir-se humilhado, pois o orgulho o proibia de fazê-
lo, a não ser em circunstâncias extremas.
— Claro que vai ficar comigo, Ben — concordou, pegando-o no colo, e ele passou os
bracinhos em seu pescoço. — Lembra-se, filho, que uma vez me perguntou onde estava o
seu pai?
O pequeno assentiu. O coração de Polly bateu mais forte e ela o abraçou.
— Marco é seu pai, Ben. Agora, vamos todos juntos ver onde você vai dormir. Está
certo?
Fez-se um longo silêncio durante o qual Ben voltou-se e ficou olhando para Marco.
— Se você é meu pai — perguntou, então —, por que não mora com a minha mãe?

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

A hora seguinte foi uma das piores da vida de Polly. Ruth, Tino, Sophy, Marco e ela
conversaram superficialmente, riram e brincaram com Ben, representando num convincente
cenário da família perfeita enquanto que sob a superfície um vulcão de ira, de perguntas e
acusações não feitas agitava-se à beira da erupção.
Quando, afinal, Ben foi acomodado na cama ao lado da sua, ela saiu, exausta, para o
corredor, onde Marco a esperava encostado na parede.
Polly passou a mão trêmula nos cabelos.
— Precisamos conversar — disse ele, calmo.
— Aqui não — sussurrou ela.
Ele desencostou-se da parede, segurou-a por um braço e levou-a a um quarto mais
adiante.
— Aqui não seremos interrompidos — garantiu.
— É o seu quarto?
— Não se preocupe, não tenho planos de seduzi-la esta noite.
Assim que entraram no quarto de Marco ela olhou ao redor. Era grande, quadrado,
com paredes altas e de pedra à vista, com vigas envernizadas no teto, que era pintado de
branco fosco; no soalho havia tapetes de fibra de coqueiro seca. A colcha da cama parecia
de seda, com arabescos em branco e marrom, como as cortinas. A cama era enorme,
parecia estar sobre uma plataforma, simbolicamente dominando o quarto.
— Eu preferia que déssemos um passeio para conversarmos.
Fez um gesto para livrar o braço e só então ele percebeu o quanto a estava
apertando. Soltou-a e ficou parado, olhando-a. Distraído, passou a mão no rosto.
— Não há perigo de Ben acordar e querer você?
Polly caiu em si. Estava tão nervosa que não pensava direito. Ele tinha razão. Ben
jantara, tomara banho, vestira seu melhor pijama, amarelo com ursinhos vermelhos, fora
embalado e beijado. Ouvira uma historinha cinco vezes, demolira três fatias de pão com mel
e um copo de suco de laranja. Agora achava-se deitado na cama ao lado da de Polly, com a
porta aberta e um abajur bem fraco aceso na cabeceira. Podia ser que acordasse e
chamasse por ela.
— Há, sim, mas se ficarmos no jardim...
— Não gosta do meu quarto?
O olhar dele nada dizia, mas os cantos da boca ergueram-se, anunciando um sorriso.
— Não é isso...
De novo enrubescendo! Apesar de tudo, ansiava por estar nos braços dele e tinha
vergonha da própria falta de orgulho. Houve um breve silêncio, então o olhar dele liberou o
dela.
— Está bem — concordou, abrindo a porta —, vamos para o jardim.
Lá fora estava quente, o ar perfumado pelas flores. Polly viu de relance Ruth, Sophy e
Tino sentados na varanda, perto de uma das portas francesas, e notou que voltaram a
cabeça para olhá-los quando passaram.
— Ele é incrível — murmurou Marco.
Chegaram ao fim da alameda e pararam junto a um canteiro.
Polly enfiou as mãos trêmulas nos bolsos da calça esporte branca e procurou manter
os pensamentos em ordem.
— Sim, é... — Engoliu seco e voltou-se para Marco. — Desculpe o modo como o
apresentei, eu estava nervosa.
— Poderia ter sido pior. Creio que ele não vai lamentar minha ausência paterna,
depois da última leitura da historinha desta noite.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

Ela notou o sorriso triste e ficou com pena de Marco. Ben levaria algum tempo para
aceitá-lo, isso era natural, e era outro ponto que tornava mais grave o crime de tê-los
mantidos separados.
— Ele já gosta de você — disse, depressa. — Ben é muito reservado com
desconhecidos.
— Que ironia, ser um desconhecido para o filho.
— Marco, eu...
— Ele é um verdadeiro Daretta — interrompeu-a ele e o luar revelou uma expressão
de orgulho. — Ben notará esse fato quando for mais velho. Meu pai disse que é exatamente
como eu quando tinha essa idade.
— Tenho certeza de que sim. Não há um só traço dos Hamilton nele, mas é meu filho
também, Marco.
— Claro. É justo que a natureza proclame tão claramente que ele é meu filho, de outro
modo eu ainda não estaria sabendo que sou pai. — O tom dele era amargo. — Você não
pretendia me contar, não é? Paul continuaria desempenhando o papel de pai, usurpando
meu lugar. É isso?
A ira de Marco desta vez era fria, como água posta a ferver em fogo médio, e talvez
por isso mais alarmante. Ela ia responder que Paul nada tinha a ver com ela e Ben quando a
voz de Sophy a impediu.
— Marco? Polly? Vocês estão aí?
E ela apareceu em seguida, seu vulto recortando-se na escuridão.
— Ah, achei-os! — Sorriu para Marco, depois fuzilou Polly com o olhar, as mãos nos
quadris. — Ben acordou. Teve um pesadelo, acho. Está chamando vo...
Polly já estava quase entrando na casa quando Sophy terminou. Quando subia os
degraus para a varanda, olhou por cima do ombro. Não viu Marco e Sophy, perdidos na
escuridão do fim da alameda.
Ficou frustrada. Por mais que Marco se preocupasse com o filho, concluiu, esquecia-
se dele e de tudo o mais quando Sophy aparecia. E, por mais que ele negasse qualquer
envolvimento com ela, nada mudara desde aquela semana na Sicília, quando acompanhava
todos os movimentos dela, ria de todas as suas gracinhas e a levava aos bares e
restaurantes locais.
Surpreendida com a força do ciúme que sentia, empurrou o sofrimento para o fundo
da mente, entrou na casa e subiu a escada de dois em dois degraus.
Ben estava tranquilamente sentado no colo de Ruth e parecia feliz; não havia sinais de
lágrimas em seu rosto e, com o polegar na boca, olhos quase fechando, ouvia a avó ler uma
história. Quando viu Polly seus olhos brilharam, ergueu a mãozinha livre e acenou um
cumprimento, sem interromper a história.
— Mais? — tentou, esperançoso, quando Ruth terminou de ler. A avó sorriu, amorosa.
— Agora você vai dormir, Ben. Dê boa noite para a mamãe.
— Não estou com sono. Mamãe lê mais...
Ele estendeu os bracinhos para Polly, que sorriu e abraçou-o, ao mesmo tempo que
acariciava os cabelos negros. Inalou o odor de talco e cheirou o pescoço frágil, sentindo uma
estranha vontade de chorar.
— Está bem, mas uma historinha só — concordou, suave — e se você prometer que
dorme depois.
O pequeno já estava quase adormecido em seus braços, percebeu ela ao sentir que
ele se soltava, relaxado. Deitou-o e Ruth saiu enquanto ela sentava-se na beira da cama e lia
a história. Era a preferida de Ben: um antigo e politicamente incorreto livro infantil da
biblioteca do Priorado Hamilton que envolvia roubos de carros, duendes e excitantes

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aventuras em uma floresta muito escura; era evidente que ele participava delas com seu
surrado ursinho de pelúcia. Ela fez uma silenciosa prece de agradecimento por ter, afinal,
dito a verdade a Marco e ao filho. Temera que ele perguntasse pelo pai, antes de dormir,
mas com certeza Ben ainda estava processando a nova informação. Era melhor dar-lhe
tempo para se ajustar.
O garotinho adormeceu antes que ela terminasse a terceira página.
Polly fechou o livro e olhou para o filho adormecido com o coração transbordante de
amor. Era lindo e tão meigo com o polegar na boca, os sedosos e longos cílios negros
sombreando as faces, o ursinho apertado ao peito! De súbito, Ben pareceu-lhe muito
distante, sua extrema semelhança com Marco parecendo afastá-lo dela. E o fato de ele estar
ali, na Itália, reforçava a impressão.
Teve uma visão do futuro sem ele, uma premonição de perdê-lo, e foi como se dedos
gelados lhe apertassem o coração. As últimas horas haviam transtornado a sua vida. Estava
numa terra estranha, com seu segredo revelado... Marco e Sophy estavam lá embaixo,
sozinhos no jardim.
O que estariam fazendo? Combinando o próximo movimento? Será que Marco iria
tentar ficar com Ben e casar-se com Sophy? Uma revolta incandescente substituiu o medo.
Até agora Ben dependera totalmente dela. Era seu. Ela o protegera, lutara por ele, morreria
por ele se fosse necessário... O que quer que Marco estivesse planejando, ela colocaria os
direitos de Ben em primeiro lugar e os seus em segundo, porém jamais permitiria que lhe
tirassem o filho.
Ergueu-se com cuidado, saiu do quarto deixando a porta aberta e desceu a escada,
relutante.
Tino e Ruth achavam-se no sofá da ampla sala de estar; ele lia o jornal, com óculos
meia-lua quase na metade do nariz. Ergueu os olhos e sorriu quando a viu. Ruth pôs de lado
o livro que lia e indicou a almofada ao seu lado.
— Venha, querida. Você parece preocupada. Conte-me o que há.
Não havia nada que Polly quisesse mais do que abraçar tia Ruth, esconder o rosto no
seu ombro e chorar. Mas Ruth era a mãe de Marco e precisava ter cuidado: era uma aliada
em potencial, mas também uma inimiga.
Aproximou-se, com um sorriso meio forçado, e sentou-se ao lado dela.
— Estou preocupada porque Marco quer que Ben fique aqui — disse, nervosa. —
Acho que ele não vai aceitar argumentos...
— Vai, sim, querida. Dê-lhe tempo. Ele está em choque. Nós... todos nós estamos. —
Ruth olhou ao redor, com a testa franzida. — Onde Marco está?
— Não sei. Lá fora, acho... — Polly procurou manter a voz firme — com Sophy.
— Marco é impulsivo, mas vai acalmar-se — comentou Tino, por cima do jornal. — Ele
tinha um filho e não sabia, Polly. Não era preciso ninguém dizer-lhe que Ben é seu filho; foi
só vê-lo e ele sentiu aqui... — Bateu no peito, onde ficava o coração, num gesto bem italiano,
com os olhos brilhando de emoção. — E eu tenho um neto. Isso me causa uma enorme
alegria e a maior tristeza porque não o sabia até agora. Nós, Daretta, somos uma família
unida, cuidamos uns dos outros, entende?
— Claro que ela entende, Tino — interferiu Ruth, gentil. — Polly teve sobressaltos
bastantes nos últimos dois dias. Está pálida, trêmula e não precisa do seu sermão sobre a
união familiar.
— Pode deixar, tia Ruth. Sei que os Daretta se protegem a qualquer preço.
Polly ergueu-se, perturbada, e ia sair quando Ruth segurou-a por um braço.
— Sente-se, por favor, meu bem. Tino, sirva uma bebida para Polly.

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— Si, si, va bene. Mi dispiace. — Sem jeito, Tino foi para a mesinha de bebidas. — O
que você quer, Polly?
— Não sei...
Ela lutava furiosamente contra o impulso de chorar por causa do carinho de Ruth e da
atitude de Tino, que era um pedido de desculpas.
— Um gim-tônica bem forte — decidiu Ruth, passando o braço pelos ombros da
sobrinha e apertando-a de encontro a si.
Pouco depois Tino deu a bebida a Polly.
— Obrigada.
— Prego... Desculpe-me, querida. Sossegue, tudo vai se arranjar. Dê tempo ao Marco,
ele...
— Ele o quê?
Era a voz de Marco que interrompia a conversa, vinda da porta francesa que se abria
para o jardim. Os três voltaram-se. Polly quase deixou o copo cair. Apertou os dedos ao
redor dele a ponto de as juntas ficarem brancas. Ali estava Marco, de pé, sério, com um
braço passado na cintura de Sophy, que o rodeava com os dois braços e apoiava-se em seu
peito, como se não pudesse separar-se dele.
— Mencionaram meu nome. — O sorriso de Marco não chegava aos olhos. — O que
vou fazer, babbo, se me derem tempo?
O rosto moreno de Tino estava mais contraído que o do filho.
— A coisa certa — respondeu, firme —, se bem que parece-me que sua vida é mais
complicada do que eu pensava, meu filho.
Marco permaneceu fitando o pai com desafio no olhar, depois olhou para a mãe, para
Polly e por fim para Sophy, que se apoiava fragilmente nele.
— Sophy tropeçou nos degraus da varanda e torceu o tornozelo — explicou, fitando o
rosto pálido de Polly. — Ela mal consegue andar.
— Oh, Marco, eu disse que precisava recuperar aqueles degraus! — Ruth saltou em
pé, observando o corajoso sorriso de Sophy com expressão estranha. — Machucou muito?
— Está doendo bastante — respondeu Sophy, com voz insegura. — Não posso apoiar
o pé no chão...
— Eu a ajudo a subir a escada, Sophy, querida — propôs Ruth —, e vamos banhar o
tornozelo com água gelada. Vou pedir a Angelina para procurar uma bandagem na caixa de
pronto-socorro.
Sophy fez uma valente tentativa de andar apoiando-se em Ruth, mas soltou um grito
de dor.
— Não dá! — ofegou, parou e estendeu a mão para Marco. — Você vai ter que me
carregar para cima.
Os maxilares de Polly cerraram-se com tanta força que ela teve impressão de que
nunca mais se abririam. Sem demonstrar qualquer reação, Marco ergueu facilmente Sophy
nos braços e desapareceu na escada, com a mãe atrás.
Fez-se um silêncio constrangido na sala de estar.
— Eu acho — disse Tino, mansamente, quando o silêncio prolongou-se demais — que
percebi qual é o problema, cara.
— É mesmo? — A reação dela parecia defensiva, mas por dentro morria de aflição. —
Quer dizer que percebeu que seu filho é louco por minha irmã?
Tino pensou por instantes.
— Percebi que sua irmã é louca pelo meu filho e que você tem ciúme. Não é
necessariamente a mesma coisa...

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— Pode crer, tio Tino, é tudo a mesma coisa, sim! — Polly lutava contra as lágrimas.
— Não sou idiota e...
— Não, não é — disse Marco, atrás dela.
Entrara tão silencioso na sala que nenhum dos dois percebera. Polly voltou-se,
desafiante.
— Quer parar de fazer isso, Marco?
— O quê?
— Entrar disfarçadamente nas salas e ouvir a conversa dos outros!
— Eu não fiz isso — retrucou ele, colocando-se diante dela. — Esta é a minha casa e
apenas vim para a sala de estar. Uma vez que você apregoa não ser idiota, Polly, não vai
discutir a solução óbvia para o nosso dilema.
Polly tomou um gole do gim-tônica. "Forte" era dizer pouco. Seguindo a ordem de
Ruth, Tino devia ter colocado três medidas de gim para uma de tônica. Ela engasgou e
tossiu. Marco aproximou-se, pegou o copo da mão dela e o pôs na mesinha.
— E qual seria essa solução óbvia? — ela perguntou, agressiva. — Eu me atirar
embaixo de um ônibus para deixar você e Sophy darem um lar feliz a Ben?
Marco observou atento o rosto pálido dela.
— Fantasiar a respeito do meu relacionamento com Sophy é um método fácil de aliviar
sua consciência por causa de Paul. Vou considerar que foi o gim que disse isso — riu ele. —
A solução óbvia é você e eu nos casarmos.

Capítulo 5

Polly ficou em silêncio, olhando para Marco. Então, deu um salto, esbarrou na
mesinha e seu copo caiu. Murmurando um pedido de desculpas, ela saiu correndo pela porta
francesa e perdeu-se na noite cálida.
Passou pela varanda e entrou no jardim, quase sem ter consciência do que fazia.
Atravessou o jardim e chegou à estradinha de terra que percorria a fazenda, subindo e
descendo colinas, entre bosques, milharais e vinhedos. Correu mais ao ouvir a voz de Marco.
A terra seca rangia sob seus pés. O luar tornava o caminho bem visível, e ela continuou
correndo, sabendo apenas uma coisa: não queria ficar perto dele por enquanto.
— Polly, espere!
Ele acabou por alcançá-la e, ofegando, segurou-a pelo braço.
— Deixe-me em paz!
Ela tentou libertar-se, em vão.
— Seja razoável. Não pode sair correndo desse jeito...
— Qualquer coisa, Ruth e Tino cuidarão de Ben — respondeu ela, fria —, mas ele
dorme profundamente e não acordará hoje.
— Não é Ben que me preocupa. A Toscana é relativamente segura, mas não convém
que uma mulher ande sozinha por aí, à noite.
— Por que você iria se importar?
— Está bancando a criança!
— Vá embora, Marco!

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A raiva contida a fazia tremer.


— Compreendo que você queira ficar sozinha — assentiu ele —, mas se insistir em
perambular pelos campos à noite terá de aceitar minha companhia.
Passou a andar ao lado dela, sempre segurando-a pelo braço. Percebendo que não
tinha escolha, ela resignou-se. Andaram em silêncio por alguns minutos. Acima do ranger
dos passos dele e da própria respiração alterada, Polly ouvia pequenos animais
movimentando-se no mato e o canto dos grilos.
— Não posso acreditar — disse, em voz baixa — que espere que eu me case com
você.
— Não acha que nosso filho merece ter pais que o amem? Ben deve crescer ao lado
do pai e da mãe e, para ter certeza disso, devemos nos casar, Polly.
Haviam chegado ao alto de uma colina onde um velho carvalho marcava o início da
mata e pararam, de frente um para o outro.
— Em que ambiente ele cresceria com o pai e a mãe detestando a presença um do
outro?
Os expressivos olhos de Marco a fitaram por momentos.
— Você detesta a minha presença, Polly? — Sem esperar resposta, segurou-a pelos
braços e puxou-a para si. — Não foi o que pareceu ontem.
A proximidade dele era pura tentação, afetando-a fisicamente de maneira quase
dolorosa. As pontas dos seios dela tocaram de leve o peito masculino, demolindo suas
defesas.
— Isso não é justo, Marco...
— Não? Tenho a impressão de que ontem, na sala de estar, você queria levar nosso
relacionamento para um nível mais... íntimo.
A boca de Marco abafou o protesto dela, que entreabriu os lábios correspondendo ao
beijo, ao mesmo tempo que o desejo escaldante percorria-lhe as veias.
Ele recuou alguns milímetros.
— Então? Minha impressão foi errada?
Polly fitou-o, com o coração acelerado. Era crueldade dele usar como arma o
momento de fraqueza que tivera na noite anterior. Tinha vergonha por sua incapacidade de
ocultar os sentimentos.
Marco tirou o paletó e estendeu-o no solo, sob os ramos do carvalho. Quando a fez
sentar-se ao seu lado, ela não reagiu, como se estivesse em transe. Ele passou o braço
pelos ombros de Polly, que prendeu a respiração ao ter consciência do corpo musculoso
junto ao seu.
— Polly, por mais que você diga o contrário, tenho certeza de que sabe o que sinto a
seu respeito — disse ele, suave. — Cara, desde que chegou não consigo parar de pensar
em fazer amor com você.
Ela olhou para longe, a pulsação errática, concentrando-se na beleza dá noite italiana
para tentar sublimar o violento desejo que Marco despertava. Através de um véu de lágrimas,
via as luzes da casa dele como pontos dourados no escuro.
Pensou em Sophy lá, num quarto de hóspedes, com o tornozelo enfaixado e olhos
cintilando de triunfo. Essa visão clareou-lhe a mente e descobriu a mentira que precisava
usar para defender-se.
— A luxúria não é boa base para um casamento, Marco. De fato, não detesto a sua
presença — confessou, uma bola formou-se em sua garganta, dificultando-lhe a fala —, mas
ter desejo sexual por uma pessoa é uma coisa... Acha, de fato, que devemos pensar em
casamento quando... quando nenhum de nós está envolvido sentimentalmente com o outro?
Mordeu o lábio ao perceber que Marco se tornava tenso.

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— Como você e Paul? Ainda dorme com ele?


— Não tenho que lhe dar conta dos meus atos, do mesmo modo que você não tem
que me dizer se anda dormindo com a minha irmã e...
Ele voltou-se, com os olhos chamejantes.
— Zitta! Cale-se, Polly! Estou farto de ouvir você falar em Sophy, cansado de ter meu
nome ligado ao dela.
Polly fitou-o e o luar revelou que lutava contra as lágrimas, o que levou-o a conter-se.
— O que tenho de fazer para convencê-la que não estou envolvido com Sophy?
— Será difícil, Marco, uma vez que atitudes são mais eloquentes do que palavras.
— Sejam quais forem as atitudes a que se refere — disse ele, com firmeza —, sua
irmã e eu somos apenas amigos. Sei que há evidências circunstanciais...
— Como advogado, você entende disso! E também é perito em resolver casos por
persuasão, não é?
O sarcasmo que havia em sua voz a fez odiar-se. Desse jeito, recusando-se a ouvi-lo,
não o estava afastando? Queria tanto acreditar nele! Mas para isso teria de confiar passando
por cima das evidências que a convenciam de que Marco mentia. Era assustador pensar em
acreditar nele. Isso a tornaria muito mais vulnerável.
— Então, está decidida a me ver como mentiroso? — amargurou-se Marco. — Vamos
falar no modo como você me decepcionou nos últimos quatro anos. Se eu não tivesse visto
aquela fotografia, não me diria que tenho um filho. Diria?
Uma onda de calor passou pelo rosto de Polly.
— Não...
— É isso que mais me dói.
A amargura profunda que havia na voz dele a atingiu. Marco segurou-lhe o queixo
entre o polegar e o indicador, fazendo-a fita-lo. Havia um brilho determinado nos olhos azul-
escuros, quando prosseguiu.
— Se houvesse uma lei considerando crime o que fez comigo, você estaria atrás das
grades, Polly.
Havia algo assustadoramente verdadeiro naquela suave, porém furiosa constatação.
Ela libertou o rosto, abaixou-o e ficou imóvel, com os braços ao redor dos joelhos.
— Entendi... — murmurou minutos depois — você na verdade queria me ver na
prisão, mas como não dá passou para o melhor plano seguinte que é casar-se comigo. Que
romântico!
— Um menino precisa do pai, Polly. — A voz dele, contida, era dura como aço. — Não
quero separá-lo de você, claro, e...
— Mas tentará fazê-lo, se for preciso? — cortou ela, percebendo que não conteria o
pranto por mais tempo. — Acha que com seu conhecimento legal poderá conseguir? Eu
lutaria com você até o último instante, Marco.
— Polly... — Ele viu as lágrimas prestes a rolar e abraçou-a. — Veja só nós dois! —
Deu uma risada forçada. — Ameaçando um ao outro como inimigos mortais! Querida, pare
de lutar e pense em Ben.
— Solte-me.
— Não, até que desista de lutar contra mim.
— Nunca — reagiu ela. — Não pense, nem por um segundo, que vou deixar que me
tire Ben. Nunca deixarei meu filho, Marco.
— Não tem que deixá-lo. — Ele afastou-a um pouco e fitou-a com intensidade antes
de beijar-lhe de leve os lábios. — Não está me ouvindo. Ben precisa conhecer seu pai e
precisa de nós dois. Case-se comigo... por favor?
— Não...

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Ele aprofundou o beijo, que teve o dom de parar a discussão e transformar a lógica
sequência dos pensamentos dela em esquecimento total.
— Polly...
Da voz dele emanava poderoso desejo, que despertou irresistíveis lembranças e
sentimentos que ela não tinha forças para rejeitar. Passou os braços no pescoço forte e
arqueou o corpo de encontro ao dele.
— Meu anjo... Polly, querida, você é tão linda... Eu a quero tanto...
— Quer? — sussurrou Polly, com os olhos enevoados e a boca vermelha do beijo. —
E eu quero tanto acreditar em você...
Ele quer Ben, pensava, magoada, e sou apenas o modo de consegui-lo.
— Acredite...
Com os dedos enfiados em seus cabelos, Marco beijou-lhe o pescoço com tão terna
paixão que a resistência dela dissolveu-se por inteiro.
— Acredite — prosseguiu ele —, quero você... — Trêmulas, suas mãos desabotoavam
a blusa dela. — Você não sabe... Você não tem ideia, meu anjo de quanto...
A blusa foi tirada e posta de lado. Ele tocou-lhe os seios e Polly sentiu-se derreter. O
sutiã seguiu o caminho da blusa, e a brisa suave da noite acariciou a pele nua. Marco usou o
peso do próprio corpo para fazê-la deitar-se, e a coxa, que parecia esculpida em aço, para
abrir-lhe as pernas. Ela fechou os olhos, mas sentia o ardor do olhar dele percorrendo-lhe os
seios, que doíam de tão rígidos. Quando sentiu os lábios ansiosos envolverem um mamilo e
sugá-lo, lentamente e em deliciosa tortura, ela gemeu alto, dando voz ao chamado de seu
corpo por ele.
— Marco, eu não... não posso...
Tornou-se incoerente. Seu cérebro não funcionava, seus lábios não eram capazes de
formar as palavras que queria dizer para proteger-se.
— Não se preocupe... Está tudo bem, meu anjo...
A voz sussurrante e rouca de Marco a excitava ainda mais. Ele desceu o zíper da
calça dela e tirou-a com facilidade. Colocou-se entre as coxas esguias, na demanda
masculina tão antiga quanto o tempo. Por cima da calcinha de cetim, acariciou o macio e
elevado monte no baixo ventre. Um abafado grito escapou dos lábios dela e ele cobriu-os
com sua boca no momento em que, deslizando os dedos por dentro da calcinha passou a
acariciar o ardente, acetinado e úmido sexo com delicada insistência.
Polly foi arrebatada por uma vertiginosa espiral que a transportou para o fundo de um
poço de desejo, escuro e misterioso como as profundezas do oceano. Num vislumbre de
consciência admitiu que houvera razão para sua fraqueza de pouco mais de quatro anos
atrás. Bastava Marco tocá-la para que perdesse o controle e deixasse de pensar com
clareza. O fato de ele ser ou não amante de sua irmã de criação perdia-se à distância.
— Marco?...
O murmúrio foi como uma pergunta que flutuou no ar.
— Deixe-me amá-la, querida...
O pedido ansioso, feito numa voz rouca de paixão, era irresistível. Ele foi tirando a
calcinha de cetim branco enquanto as trêmulas mãos dela desabotoavam-lhe a camisa,
lutavam com o cinto, depois com o botão da calça. Com as batidas do coração ecoando nos
ouvidos, ela desistiu de abrir o zíper sobre o volume rijo criado pelo sexo dele no máximo da
ereção. Ficou deitada, impaciente, olhando-o despir-se. Em seguida Marco estendeu-se
sobre ela e penetrou-a com ardor, abafando-lhe os gritos com beijos apaixonados.
Foi uma união alucinante, avassaladora, que a fez chorar quando chegaram juntos ao
êxtase, num clímax violento e arrebatador que a fez emitir um grito abafado de triunfo.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

Deixaram-se cair, exaustos, sobre o paletó de linho. Polly jazia imóvel como uma
boneca quebrada, o sangue ainda correndo célere pelas veias, a respiração ofegante.
Sentiu, como num sonho, Marco acariciando-lhe o cabelo, depois puxando-a o mais possível
para perto de si.
Ficaram ali, enlaçados, por muito tempo. Ela sentia as batidas do coração dele
vibrando contra seu próprio corpo e emocionou-se com a segurança que sentia entre os
braços fortes. Queria que essa sensação nunca terminasse.
— Desta vez está mesmo tomando a pílula? — perguntou ele, pouco depois.
Havia uma ponta de humor em sua voz que fez o estômago dela contrair-se.
— Não.
— Ótimo. Não quero criar Ben como filho único.
Polly ficou imóvel, mas a bem-humorada arrogância de Marco a trouxe de volta à
realidade. Todo seu ser rebelou-se. Havia sido louca em deixar que aquilo acontecesse. Se
não soubesse como as coisas eram, diria que seus piores temores acabavam de confirmar-
se. Marco não estava, e jamais havia estado emocionalmente ligado a ela. Dava-lhe valor
apenas por ser mãe do seu filho e sentia-se dono dela com uma certeza que assustava.
No entanto, que Deus a ajudasse, amava-o tanto que faria qualquer coisa para ver seu
amor retribuído, o que dava a Marco o poder de machucá-la. Encolheu-se ao pensar nisso.
— Está bem que você queira que Ben tenha irmãos e irmãs — comentou, com uma
risada amarga —, mas podia pelo menos fingir que seu pedido de casamento teve outro
motivo que o bem-estar de Ben, irmãos para Ben e a segurança de Ben...
— Talvez tenha — respondeu Marco, evasivo —, mas por enquanto não sei.
— Realmente, não sei por que insisto em conversar com você!
— Pois é, você evitou falar comigo durante anos — rebateu ele, frio —, por que mudar
de hábito agora?
Ela sentou-se e pegou sua roupa, humilhada e desgostosa consigo mesma; ao menor
toque de Marco seu corpo se incendiava, e perdera o controle com ele de novo. Jamais isso
acontecera com outro homem; ao contrário, dizia "não" com facilidade a qualquer avanço
sexual. Mas não resistia a Marro. Por que tinha de amar justamente um homem que amava
outra mulher?
— Polly, querida...
— Não me chame assim!
Ela conseguiu vestir-se, apesar dos dedos que pareciam determinados a não
obedecê-la.
— Escute... a culpa foi minha. — Marco ergueu-se, vestiu o jeans e a camisa com
movimentos rápidos e firmes. — Eu não devia ter brincado sobre a pílula. Foi de mau gosto e
peço desculpas.
Um brilho de ressentimento consigo mesmo passou pelos olhos dele, e ao vê-lo Polly
teve vontade de rir, de brincar e quebrar o gelo de novo. Mas não o fez. Ter cedido a Marco e
ao próprio desejo parecia-lhe um sórdido interlúdio físico. Virou-lhe as costas e abotoou a
cintura da calça com dedos trêmulos.
Ele abaixou-se para pegar o paletó, sacudiu-o e colocou-o nos ombros de Polly.
Segurou-a pelos braços e apertou-os ternamente, com visível ansiedade no olhar.
— Vá para casa. Angelina já deve estar com o jantar pronto.
— Não tenho fome. — Ela livrou-se e começou a descer a colina. — Estou cansada e
quero me deitar.
— Deve comer, você está muito magra.
— Acha que precisa me engordar para eu ter mais filhos?
— Parece que é um problema para nós conversarmos depois do amor, Polly...

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Talvez seja porque não fomos feitos para... para ficar juntos.
Ele se manteve em silêncio por alguns passos.
— Nesse caso, por que gostamos tanto de ficar juntos?
O rosto dela ardeu de novo.
— Eu não...
— Mentirosa. — A suave acusação dele era válida, reconheceu Polly. — Fizemos
amor apenas duas vezes e em ambas você se demonstrou tão louca por mim quanto eu por
você.
— Pare de me humilhar!
— Não estou humilhando. É um sentimento mútuo.
Haviam chegado à alameda que levava à casa. Ele parou, segurou-a por um braço e a
fez voltar-se.
— Acredite ou não, Polly, não costumo seduzir virgens sem proteção
anticoncepcional, nem levar mulheres para o mato e possuí-las em cima do meu paletó. —
Os cantos dos lábios dele tremeram ao calar-se por instantes. — É evidente que no nosso
caso existe, no mínimo, uma vigorosa atração sexual. Pela felicidade de Ben, Polly, não fuja
de mim esta noite. Temos muito a conversar.
Era dolorosa a necessidade de Polly em confiar nele. Cada átomo de seu corpo queria
que acreditasse. Em vez disso, preferiu ouvir o orgulho e falou com frieza.
— Ontem você disse que nunca poderia me perdoar pelo que fiz e não faz muito
tempo falou em me pôr na cadeia. Como quer que eu não suspeite dessas mudanças de
tática?
Polly teve um breve momento de triunfo ao ver confusão nos olhos dele.
— Eu estava zangado... disse até coisas que não penso. Mas não pode me condenar
por isso, Polly.
— Não posso? Você se considera o dono da verdade, Marco! O que me diz de
Sophy? — Ela deixou que as palavras saíssem, cortantes e amargas. — Você e minha irmã
namoravam há anos e eu não podia estragar tudo anunciando que esperava um filho seu.
Por isso, não tente me convencer de que sou a única culpada e, por favor, não me insulte
dizendo que não há nada entre vocês. Não sou cega, nem cretina. Até mesmo seu pai
percebeu que há alguma coisa.
— Polly, ela apenas machucou o tornozelo e...
O indício da raiva surgindo na voz dele não a deteve.
— Não havia motivo nenhum para ela ficar grudada em você daquele jeito! Tudo que
vocês fazem prova isso. Você escolheu Sophy para trazer Ben...
— Ela era a escolha evidente!
— Janie o traria, se eu pedisse. Mas, claro, você queria Sophy aqui! Quase pula, todo
agitado, quando a vê, e ela o devora com os olhos. Você nem se importou em ir ver como
Ben estava quando Sophy veio me chamar! Ficou aqui com ela...
— O que acha que fizemos?
— Não quero saber o que fizeram!
— Conversamos — afirmou Marco, furioso.
— Mesmo? — retrucou Polly, sarcástica. — Desculpe se não acredito!
— Você diz que ama Ben — havia desespero na voz de Marco —, então deve
reconhecer que meu filho precisa do pai, por mais mentiroso e sem princípios que me
considere.
— Ele é meu filho!
— É nosso filho.

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Ficaram olhando-se por um longo momento e Polly notou o quanto Marco estava
abatido.
— Sim... — concordou — é nosso filho.
Ele continuou a fitá-la por alguns segundos, depois indicou o caminho para a casa.
— Vamos entrar, Polly?
Ela acompanhou-o, aconchegando o paletó ao corpo e proibindo-se de chorar.
O jantar foi tenso. Sophy contou que o tornozelo melhorara muito depois que o médico
viera, aplicara uma pomada e o enfaixara. Tanto que ali estava, com eles. Soltara os
cabelos, que desciam, luminosos, abaixo dos ombros. Refizera a maquilagem e seus olhos
mostravam-se ainda mais magníficos com sombra e rímel negros, os lábios sobressaíam
pintados de vermelho-morango. O vestido de jérsei preto sugeria suas formas de maneira
provocante.
Ao seu lado Polly parecia uma sombra, assim pensava ela, apesar de ter se
esforçado. Tinha ido para o quarto, verificado se Ben dormia tranquilo. Tomara um banho,
vestira-se com simplicidade, passara apenas o batom cor de pêssego e um toque de blush.
Os cabelos, recém-lavados, eram como uma sedosa cortina loiro-prata que ia até o meio das
costas. Mas sentir-se eclipsada por Sophy era um hábito antigo, difícil de romper.
Angelina, a governanta, e Ruth haviam feito o jantar. O filé ao molho de vinho e
cogumelos derretia na boca, servido com batatas fritas, cenouras e brócolis. Estava tão bom
que Polly recuperou o apetite.
Tino serviu-lhe um copo de vinho tinto, animando-a a comer mais, e Ruth serviu-a uma
segunda vez de legumes e molho, fazendo-a sentir-se como convalescente de longa doença.
— Boa comida, bom vinho e uma boa noite de sono — proclamou Tino, jovial — é a
cura para todos os males.
Marco sorriu.
— Se tudo na vida fosse tão simples...
— Posso dar-lhe os parabéns, Poliana?
A sarcástica pergunta de Sophy vibrou no silêncio que secundou o comentário de
Marco. Todos pararam de comer e olharam para Polly.
— Agora não, Sophy — murmurou Marco, em tom de advertência.
— Oh, será que falei fora de hora?
Sophy tomou um gole de vinho e olhou um por um, ao redor da mesa.
— Pare com isso, Sophy.
O tom de Marco se tornara duro.
— Tino me disse que você pediu Polly em casamento... — Sophy sacudiu os ombros e
colocou os talheres no prato vazio. — Então, o segredo já foi revelado. A respeito de Ben,
quero dizer.
— Sinto decepcioná-la em sua visão simplista dos fatos, Sophy. — Polly fazia tudo
para manter-se digna. — Acontece que nem eu e nem Marco estamos livres para nos
casarmos.
— Não diga! Mas é claro que ambos estão pensando em Ben... que estão dispostos a
sacrificar-se por ele. Cuidado, todos os que vi casarem-se por causa de um filho, apenas,
acabaram se separando.
Os olhos falsamente inocentes de Sophy eram desmentidos pelo sorriso vingativo.
Ruth concentrava-se na comida no prato e Tino bebia seu vinho devagar, olhando-o de vez
em quando como se houvesse nele algo muito interessante.
— Polly e eu temos muito a conversar — disse Marco, aparentando calma. —
Chegaremos a um acordo, tenho certeza.

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— Espero que papai abençoe esse casamento, Polly — prosseguiu Sophy, ignorando
a ameaça velada na voz de Marco. — Ele disse outro dia que seria bom se a nova geração
unisse os dois lados dá família. Mas casar-se com alguém que não se ama é um preço alto
demais, não acha?
— Pelo amor de Deus, Sophy! — explodiu Marco — Quer parar com isso?
— Por quê? — Sophy era toda inocência. — Eu só quis ajudar...
Marco ergueu-se, deu a volta na mesa e chegou perto de Polly. Segurou-a pela mão,
impedindo-a de fugir, como foi seu impulso, afastou a cadeira dela e a fez levantar-se.
— Por favor, deem-nos licença. — Seu olhar percorreu a mesa e se deteve em Tino.
— Sei que é tarde, mas será que pode levar Sophy para a casa de vocês hoje ou amanhã
cedo? Polly e eu precisamos ficar sozinhos.
— Si, si. Va bene...
Dois círculos vermelhos desenharam-se nas faces de Sophy.
— Marco, não é muito gentil...
— No momento não tenho tempo para gentilezas — cortou ele, seco.
— Está bem. Preferia que você tivesse outras coisas em que pensar, mas eu só lhe
trouxe problemas.
Polly tentou soltar-se, porém Marco segurou-a com mais força, mantendo-a a seu
lado.
— Não mande Sophy embora por minha causa — pediu ela, com voz gelada. — É só
marcar as passagens e voltarei com Ben para casa amanhã, no primeiro voo para Heathrow.
Ruth começou a tirar a mesa, com angústia evidente no bondoso rosto redondo. Tino
retirou-se. Apenas Sophy permaneceu sentada, a malícia brilhando nos olhos cor de violeta.
— Essa é a decisão certa — aprovou, irônica.
— Chega! — rugiu Marco. — Venha, Polly.
Levou-a, quase arrastando, para o escritório, fez com que se sentasse numa das
poltronas voltadas para a porta francesa e sentou-se em frente.
— Vai deixar que ela ganhe a parada? — indagou, sombrio. — É o que Sophy está
tentando. Sei que vocês não se dão muito bem, mas não imaginei que fosse desse jeito.
Polly mal o escutou, ocupada em acalmar a própria agitação.
— Sabe que não nos damos bem? E como soube? Em suas muitas conversas íntimas
com minha irmã?
— Não desconte em mim! Foi você que me evitou todos esses anos.
— Por motivos que você torna cada vez mais válidos. Pense, Marco. Sophy tem
razão. Você não me ama e... e eu não o amo. É evidente que deve casar-se com ela e não...
— A questão não é essa — interrompeu ele, irritado. — Se eu quisesse me casar com
ela já estaríamos casados há muito tempo. É você que eu quero, Polly.
— Você quer Ben, isso sim. Seja honesto.
— Quero você e ele — declarou Marco.
Ela fitou-o, sem saber o que dizer. A cena à mesa de jantar fora humilhante e
precisava que ele a convencesse.
— Escute, Polly. Talvez você não me ame, mas temos de consertar a situação que
criamos. Temos de dar uma família a Ben. Você e eu. Se não for assim, Ben é que irá
sofrer... — Na voz de Marco transparecia uma urgência, uma franqueza difícil de ignorar. —
Nosso filho ficaria sem estabilidade, cresceria perguntando-se por que o pai não liga para
ele, iria sofrer todas as desvantagens de uma criança sem pai. — Inclinou-se para a frente,
os cotovelos apoiados nos joelhos, e falou com uma convicção que a impressionou. — Não é
isso que quero para meu filho. E você?

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Capítulo 6

— Sabe que não é! — reagiu ela, por fim, reerguendo suas arrasadas defesas. — Mas
se você não quer aceitar meus motivos para ficar sozinha com Ben, e se não percebe que
nosso casamento seria um erro que iria prejudicá-lo mais do que a situação atual, é mais
teimoso e arrogante do que eu supunha...
Polly calou-se, olhando fixo para Marco. Com horrorizada clareza viu o que estava
fazendo. Ao recusar o pedido de casamento não protegia os interesses de Ben, mas tentava
proteger a si mesma.
Sim, pois Marco seria um pai perfeito. Se tivesse alguma dúvida, bastaria lembrar-se
de como ele se emocionara ao ver o filho pela primeira vez, do modo natural como começara
a ganhar a confiança do pequeno, ajudando-a a dar banho nele, lendo histórias para ele
dormir. Marco era maravilhoso com crianças, como vira naquela viagem pela Sicília, quando
ele demonstrara afeição e paciência pela pequena Rosa, sua sobrinha de três anos.
Ben, esperto e inteligente como era, chegara à idade de começar a fazer perguntas,
de querer saber quem era e onde estava seu pai. Agora que o conhecera, nunca a perdoaria
se o fizesse perder o pai de novo.
Estava sendo egoísta. Tinha horror de sofrer outra vez, reconheceu, sentindo-se
miserável. Era ela, não Ben, que corria o risco de sofrer, porque amava Marco com loucura e
sabia que ele não podia corresponder a esse amor.
— Eu gostaria de saber quanto tempo levaremos para sair deste ponto — disse
Marco, cinicamente.
— Que ponto?
— O ponto de trocar insultos.
Ele levantou-se, foi servir duas doses de conhaque, voltou e ofereceu-lhe um dos
copos. Seu olhar estava frio ao encontrar o dela.
— Como esperava que eu reagisse? — defendeu-se Polly. — Acha, mesmo, que
deveria ficar feliz com seu forçado pedido de casamento?
— Calma, afinal, não é uma oferta assim tão ruim. — Ele foi até a porta francesa e
ficou de costas para ela. — Uma porção de mulheres veria essa situação pelo lado melhor.
Você não vai passar fome, nem terá de criar Ben sozinha. Nunca ficará sem dinheiro,
comida, roupas, tudo que se necessita para viver. Quanto a sexo... — ele tomou um gole de
conhaque, depois fitou-a por cima do ombro, com um brilho malicioso no olhar — não tenho
dúvida de que nos entenderemos bem.
— Pode esquecer essa última parte — revoltou-se ela prontamente. — Esta noite foi
uma exceção.
— Em homenagem aos velhos tempos?
— Se quiser pensar assim...
— Não consigo nos ver casados e vivendo como solteiros — ponderou Marco,
eloquente. — Mas quem sabe você prefere o papel da sacrificada, neste caso também.
Viveria dizendo que detesta a situação e iria defender sua honra zelosamente?
Ela ficou tão zangada que não conseguia encontrar palavras. A perspectiva de casar-
se com Marco era algo em que temia pensar porque despertava emoções confusas,

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conflitantes, a mais vigorosa delas era a perspectiva de pertencer a ele, de sentir-se segura
em sua secreta paixão, de construir a idílica família que sonhava para si e Ben.
— Pensa mesmo — falou, por fim —, que se nos casássemos eu iria dormir com você
sabendo que tem um caso com minha irmã?
— Agora chega, Polly!
Marco voltou-se tão bruscamente que quase derramou o conhaque. A fúria espelhada
no rosto dele a fez estremecer; os olhos estavam negros e as linhas que iam das narinas aos
cantos da boca se haviam aprofundado numa expressão feroz.
— Está claro que sua opinião a meu respeito não poderia ser mais baixa — continuou
ele. — Não espere que eu continue negando. Não adianta defender-me se não quer ouvir.
Polly pôs o copo de conhaque na mesinha, com um estalido, e fechou as mãos com
força.
— Muito conveniente! Não se desculpar, não explicar. Esse é seu lema, então?
Ele soltou a respiração contida.
— Se tivesse de pedir desculpas por alguma coisa, eu o faria.
Ficaram se olhando em irado silêncio até que o telefone tocou. Marco foi atender.
Falou em italiano, depois em inglês, e estendeu o telefone para Polly.
— Para você, Jane Chartwell.
Erguendo-se de um salto, ela pegou o telefone com mão trêmula. Seria muito bom
falar com Janie. A visão bem-humorada que sua amiga tinha da vida era uma das coisas que
mais apreciava nela.
— Janie?
— Polly, querida! Tudo certo? Ben chegou direitinho?
— Tudo certo...
Polly olhou significativamente para Marco, que ergueu as sobrancelhas, depois saiu
do escritório e fechou a porta.
— Ei, Polly, você está aí?
— Sim, estou... — Polly respirou fundo. — Janie, como é bom ouvir sua voz!
— Você está esquisita. Tem certeza de que tudo está bem?
— Não, não está.
— Quer falar a respeito?
Depois de profundo suspiro, ela respondeu:
— Marco insiste em que eu me case com ele.
— E daí?... Ele é o pai de Ben, não é?
— Eu... Não posso casar-me com ele, Janie! Ele é... é... Oh, meu Deus, não consigo
falar.
— Não vai me deixar nesse suspense! — protestou Janie. — Ele é o quê? Um sádico?
Um assassino serial? Um bandido?
— Pare com isso — riu Polly, com vontade de chorar. — Marco não é nada disso,
Janie. Só não posso me casar com ele.
— Não vou desligar enquanto você não me disser o que está acontecendo.
Procurando acalmar-se, Polly olhou para o céu lá fora.
— Ele e Sophy têm um relacionamento há anos. Foi por isso que não pude contar-lhe
sobre Ben. Agora, insiste em casar-se comigo e dar uma família estável a Ben, mas é
evidente que ainda há alguma coisa entre eles...
— Polly, querida... — Janie estava chocada. — Desculpe, eu não devia ter brincado.
— Acho que talvez seja esse o jeito de levar as coisas... como uma piada. Se Ben não
andasse ultimamente perguntando pelo pai, e Marco tão empenhado em ficar perto de Ben,
eu teria rido da proposta!

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— O que vai fazer?


— Não sei! O que eu quero fazer e o que preciso fazer são coisas diferentes... — Polly
segurava o telefone com uma força incrível. — Durante todos estes anos tive certeza de
estar agindo certo mantendo Ben longe de Marco, mantendo tudo em segredo. Mas agora...
— Agora está vendo as coisas do ponto de vista de Ben e ele quer o pai?
— Sim... e Marco é maravilhoso com ele.
— Polly, quer que eu vá para aí?
— Oh, não! Já tem gente demais aqui. Os pais de Marco e Sophy, é claro.
— Esperneando?
O tom insinuante de Janie fez Polly sorrir.
— E como! Isto deve ser muito difícil para ela, Janie.
— Como pai de Ben, Marco também tem direitos, Polly. Não esqueça.
O rosto de Polly ardia.
— Eu sei... Mas não gosto de ser manobrada, é só isso.
— Dê tempo para tudo se acalmar — aconselhou Janie. — Não tome decisões
apressadas. Meu bem, tenho de desligar. Will acaba de chegar e precisa do telefone para
qualquer emergência médica. Ligue para mim, está bem?
— Pode deixar. Obrigada, Janie. Sinto-me melhor depois de ter falado com você.
— Cuide-se, garota.
Polly desligou e ficou olhando para o telefone, tão distraída que quase saltou quando a
porta abriu-se.
— Terminou?
O rosto de Marco era inexpressivo.
— Como vê... Estava ouvindo atrás da porta?
— Claro. É o tipo da atitude que espera de mim, não?
— Não duvido de nada, vindo de você,
Marco soltou uma imprecação e parecia que ia bater em Polly. Então, de repente,
puxou-a para si e abraçou-a. Ela se manteve rígida, esmagada contra o peito dele.
— Venha, Polly... você precisa dormir.
Ela ergueu a cabeça, sobressaltada, e ele sorriu.
— Não comigo — garantiu. — Parece exausta. Precisa de um banho quente e uma
boa noite de sono.
Com gentileza, mas firme, ele levou-a até o quarto. A luz suave do abajur que tinham
deixado aceso era bastante para se orientar. Ia fechar a porta, porém Marco segurou-a.
— Quer alguma coisa? — perguntou, baixinho. — Uma xícara de chocolate quente
não a ajudaria a dormir?
— Não precisa, obrigada. Boa noite.
Marco soltou-a e ela ficou olhando para ele por alguns segundos. Então começou a
fechar a porta com determinação.
— Espere...
Ele forçou-a a abrir a porta e entrou no quarto.
— Marco, pelo amor de Deus! — sussurrou Polly, furiosa.
— Só quero dar uma olhada em Ben.
Enquanto falava, Marco aproximou-se da cama de Ben e olhou-o com intensidade.
O pequeno estava deitado de lado, a mão direita sobre o travesseiro, perto da boca,
com o polegar preferido bem perto. Sua respiração era tranquila e profunda.
Marco fitava o filho com tal concentração que ela podia quase ouvir o que ele
pensava. Seu filho. Carne de sua carne. Sua imagem em miniatura.
— Ele é incrível! — murmurou Marco, rouco.

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— Sim, eu sei.
Ele fitou-a. Ela viu o brilho emocionado em seu olhar e cerrou os dentes para
esconder a emoção.
— Tenho de recuperar o tempo perdido, Polly. Entende isso? Não me rejeite...
Olhos nos olhos, os azul-escuros presos aos azul-cinzas. Quando Marco aproximou-
se e tomou-a nos braços, Polly não teve força para lutar contra si mesma. Era como uma
força irresistível, como se sua alma e coração voassem para ele apesar do cérebro querer
retê-los. Abraçou-o também e fechou os olhos quando a boca de Marco cobriu a sua.
As grandes mãos percorreram-lhe possessivamente as costas, apertando-a de tal
modo de encontro a si que Polly pôde sentir o volume do peito musculoso, o ventre
achatado, o volume do sexo desperto. Sua pulsação disparou, e os ossos derreteram-se na
já conhecida integração entre eles. Queria ficar ali, nos braços de Marco, para sempre.
— Podemos viver juntos — murmurou ele, arfante. — Temos de conseguir. É muito
importante para mim. Quero me casar com você, Polly. Não estou envolvido com Sophy.
Quer acreditar nisso, por favor? Nunca a amei.
— Oh, mas... mas você disse...
A voz dela quebrou-se, porém seu coração expandia-se, otimista. O que ele dissera,
exatamente? Mal se atrevia a acreditar em Marco, mas seu coração revivia com o fio de
esperança. Por um momento acreditou que ele sentia-se envolvido com ela, que a amava e
que por essa razão tudo poderia dar certo, poderiam ser felizes.
— É melhor você se deitar, Polly — Marco falava com dificuldade. — Se eu ficar aqui
por mais tempo não serei responsável pelo que acontecer.
Polly conteve o impulso de pedir-lhe que ficasse, que continuasse a abraçá-la.
— Poderíamos acordar Ben — sussurrou ela, como se quisesse convencer tanto a si
quanto a Marco.
— E você precisa dormir. — Ele beijou-a de leve nos lábios. — Amanhã
conversaremos...
Voltou-se para o filho adormecido, admirou-o por alguns segundos, depois saiu e
fechou a porta com cuidado.
Polly não conseguia dormir. Sentia-se inquieta e acalorada, os pensamentos
atropelando-se, confusos. Não podia parar de pensar. Será que por algum milagre Marco a
amava? Não, com certeza não a amava, mas a desejava e queria viver com ela. Mesmo que
fosse apenas por Ben, era um começo.
Ela amava Marco profunda e totalmente, por mais que ele a tivesse decepcionado.
Primeiro, fora uma fascinação de adolescente, aos treze anos; depois, começara a amá-lo na
Sicília e fizera amor com ele em Cambridge, não só por estar meio atordoada e confusa pela
droga, mas porque o amava. Sempre o amaria.
E esse amor, pensava, revirando-se na cama, segredo que guardara por todos
aqueles anos, era grande o bastante para os dois... Marco queria Ben, amava Ben, e ela
amava Marco, tanto que chegava a doer.
Alguns casamentos com bases piores do que essa haviam dado certo...
Com o passar das horas, seus pensamentos tornavam-se mais febris e irracionais.
Afinal, adormeceu e acordou duas vezes com Ben murmurando, mas o garotinho estava
apenas sonhando.
A terceira vez que acordou foi por causa do som de batidas. Virando-se para o outro
lado, cansada, ouviu-as de novo. Sentou-se na cama, com impressão de que alguém batia
na porta do seu quarto. Mas não. Batiam em outra porta do corredor, e ouviu a voz de Sophy
chamando Marco. Imóvel como uma estátua, ouviu a porta abrir-se e um murmúrio de vozes.

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Com as pernas trêmulas e o coração saltando, deslizou da cama e abriu uma fresta em sua
porta a tempo de ver Sophy entrar no quarto de Marco e a porta fechar-se.
Fechou também a sua e, como um autômato, foi para o banheiro. Tremendo
incontrolavelmente, tirou a camisola, entrou no box e ficou imóvel sob a água morna do
chuveiro. Só então permitiu que soluços silenciosos lhe sacudissem o corpo e depois que
começou não pôde parar. "Chore bastante", lembrou-se de sua mãe lhe dizendo, "Ponha
tudo para fora, vai sentir-se melhor". Mas a visão de Sophy e Marco numa cama era forte
demais para ser apagada com lágrimas.
Chorou perdida e amargamente até que seu peito começou a arder, os olhos incharam
e a cabeça doeu. Quando, por fim, saiu do banheiro, os pássaros cantavam lá fora e o
amanhecer começava a clarear o céu. Deitou-se e mergulhou num sono exausto.
Sonhou vividamente com Marco e Ben. Os dois brincavam numa praia deserta. Com
cuidado, Marco chutava uma bola para Ben, que quis chutá-la de volta e errou. Tornou a
errar uma porção de vezes e se zangou; sentou-se na areia, chorando e dizendo "Quero
minha mãe", depois mudou para "Quero meu pai". Essas palavras ficaram se repetindo como
um mantra, então Marco pegou Ben no colo; o pequeno parou de chorar e abraçou Marco,
rindo.
— Você quer dizer "Oi, papai", em italiano?
— Quero.
— Ciao, babbo.
— Chou, babo.
— Si, va bene. Ciao, babbo. Molto bene!
Pai e filho se olhavam, trocando sorrisos idênticos. Então, Marco começou a andar
pela praia e Ben rodeou-lhe o pescoço com os bracinhos. Ela olhava, incapaz de se mover,
até eles estarem tão longe que mal os ouvia.
— Molto beni? O que quer dizer?
— Muito bem. O seu italiano é bom!
Polly abriu os olhos. As vozes do seu sonho eram reais. Essa conversa estava
acontecendo ali, no quarto. Marco achava-se sentado no chão ao lado da cama de Ben,
vestindo um abrigo azul-marinho. Ben permanecia na cama, ainda de pijama.
— Mamãe acordou! — gritou ele, alegre.
Saltou da cama, subiu na dela e ficou a cavalo sobre a mãe.
— Mamãe, papai está aqui. Agora ele vai ficar com a gente para sempre.
— Bom dia — cumprimentou Marco, suave. — Dormiu bem?
Polly passou a mão no rosto, afastando os cabelos que o cobriam.
— O que faz aqui? — perguntou, sonolenta.
— Pergunta não muito amigável essa! Trouxe-lhe uma xícara de chá. — Ele indicou a
bandeja na mesinha de cabeceira. — Com leite e sem açúcar, não?
— Isso, obrigada.
— Papai me trouxe chocolate. — Ben mostrou o copo vermelho, quase vazio. — Ele
vai me ensinar a nadar. Tome seu chá, mamãe.
— Se você parar de pular em cima de mim, eu tomo!
Ela abraçou o filho e beijou o rostinho moreno, corado. Sentou-se e só então lembrou-
se de que não havia tornado a vestir a camisola depois da sessão de choro embaixo do
chuveiro. Puxou a colcha, porém Marco já vira que estava nua. Evitou o olhar dele.
— Ben, quer ir ao banheiro pegar a minha camisola?
O garotinho olhou-a solenemente.
— Você não está com ela?
— Não.

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— Por quê? Você sempre veste a camisola.


— Ben...
Os olhos azul-escuros de seu filho eram inocentes, mas ela foi ficando cada vez mais
vermelha.
— Vai ver que mamãe sentiu calor à noite — sugeriu Marco. Foi ao banheiro e voltou
com a camisola creme, sem mangas, e um leve sorriso.
— É, foi isso — afirmou ela, por entre os dentes. — Dê-me a camisola.
— Está calor... Tem certeza de que precisa dela?
— Marco, me dê a camisola, por favor.
— Mamãe está sem roupa — observou Ben, sério, e ergueu a ponta da colcha para
certificar-se. — Lá em casa ela anda nua.
— Muita gente faz isso...
Marco aproximou-se da cama, com a camisola irritantemente fora do alcance dela e os
olhos passando dos ombros nus para o relevo dos seios que a colcha deixava perceber.
— Tenho certeza de que mamãe é muito bonita sem roupa — acrescentou.
— Louise disse que o pai e a mãe dela nunca usam roupa...
Louise era uma amiguinha do Grupo Mães e Pequeninos, em Devon, um ano mais
velha do que Ben e igualmente precoce.
— Ela disse que eles nunca põem roupa no quarto.
— Coisa muito normal — assentiu Marco, sabiamente, sentando-se na beira da cama.
— Papais e mamães costumam fazer isso.
— Marco, quero minha camisola, por favor.
Ela jamais se sentira tão vulnerável como naquele momento, nua embaixo da colcha,
numa armadilha, enquanto ele fazia insinuações depois de ter passado a noite com Sophy.
— Desculpe — disse Marco, entregando-lhe a camisola. — Devo ter sido contagiado
pelo meu filho e agi como um adolescente.
— Os adolescentes não agem como você agiu — retrucou ela, cortante.
— Não?
O olhar dele escureceu, interrogativo.
— As conotações de um adolescente são bem mais ingênuas.
— Parece que você não dormiu bem, Polly.
— Por que diz isso?
— Por causa do seu mau humor... ou você sempre se deita com um humor e acorda
com outro?
— Isso não acontece com todo mundo? — rebateu ela. — Agora, quer sair do meu
quarto? Vou tomar banho e me vestir.
— Não acha que é o momento de dar uma aula sobre fatos da vida ao Ben?
— Não, não acho!
— Está certo, eu vou. Até mais tarde.
— Até mais tarde — ecoou Ben, com ar tristonho.
— Não se esqueça de que vamos nadar — disse Marco, por cima do ombro.
Polly viu o rosto do filho iluminar-se.
— Não vou esquecer! — garantiu o menininho, todo importante. — Mamãe, o que é
fatos da vida?
Estavam sentados ao sol, na beira da piscina, que ficava bem distante da casa. Marco
insistira em que deveriam nadar em família e levara todo o necessário para um piquenique.
No pequeno vestiário havia todo o necessário. Tinham colocado três espreguiçadeiras perto
da mesa de madeira, sombreada por um guarda-sol vermelho-ferrugem. Estátuas de ninfas
nuas e de homens bem dotados espalhavam-se entre as oliveiras e oleandros que rodeavam

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a piscina. Marco trouxera uma geladeira de isopor com refrigerantes e vinho branco gelados,
copos, pão, queijo e frutas.
Polly achara melhor Ben brincar um pouco na água, com pequenas boias nos braços,
antes da aula de natação. Os três estavam sozinhos. Mantendo o que dissera, Marco fizera
os pais levarem Sophy para a casa deles logo depois do café da manhã. Só Angelina e uma
criada haviam ficado na casa da fazenda com eles. A governanta, uma senhora de uns
cinquenta anos, meiga e carinhosa, se tornara a preferida de Ben e o enchia de guloseimas
assim que a mãe virava as costas.
Por Ben, Polly tentava a duras penas manter uma aparência serena para encobrir sua
fúria depois do que vira na noite anterior.
— Quero saber como foi — exigiu Marco, de súbito.
— Como foi o quê?
— A gravidez. Como foi ter meu filho. — O tom grave dele dava peso às palavras. —
Coisas que eu deveria ter acompanhado.
Polly pegou o copo de suco de laranja da mesa e tomou uns goles.
— Se quer saber como é um parto — retrucou, fria — pergunte para Marietta.
Ele pareceu ignorar a impaciência dela, como ignorara sua frieza a manhã inteira.
— Você teve uma boa gravidez?
— Bastante boa. Se quer mesmo saber de tudo, tomei as vitaminas e o ácido fólico
necessários, fui a aulas pré-natais acompanhada por Janie, entrei em trabalho de parto vinte
e quatro horas antes de Ben nascer, com a ajuda de fórceps... Felizmente não houve
sequelas, como você pode ver. Marco, temos de conversar...
— Estamos conversando. Não acredito que você tenha passado tudo isso sozinha,
querida! Se tivesse me dito, eu estaria a seu lado... — murmurou ele, em tom magoado. —
Como se arranjou depois? Deve ter sido difícil.
Polly avisou a si mesma para não ceder à sedutora ilusão de que Marco se importava
com ela, que também a amava com loucura. Pensou na visão da noite anterior para se
fortalecer: a emoção dele tinha a ver só com o filho, e era melhor que se convencesse disso
para não sofrer mais.
Olhando para Ben, que brincava na piscina, lembrou-se do desafio que haviam sido os
primeiros meses depois do nascimento dele, sem um marido amoroso ao lado para apoiá-la
na mais importante e doce missão da mulher.
Seu pai fora compreensivo e lhe dera amparo. Mary, a governanta deles, também
tinha sido maravilhosa, mas nunca esqueceria as longas noites em que molhara o
travesseiro com lágrimas, querendo contar a Marco, mas sabendo que isso o separaria de
Sophy e dividiria ainda mais a família.
— Não quero falar do passado, da gravidez e do parto — declarou, brusca. — Quero
falar de agora, de você, de Ben e de mim.
— Polly, você me excluiu da concepção do meu filho. Não acha que tenho direito de
saber como foi?
— Tudo bem. Foi duro, mas no momento em que vi meu filho esqueci o resto. Amei-o
no mesmo instante e faria qualquer coisa para protegê-lo. Entende?
Fez-se silêncio por um momento. Marco tomou alguns goles de água gelada, com o
rosto desprovido de expressão.
— Achou que precisaria protegê-lo de mim, Polly?
— Sim... Naquele tempo eu tinha razões para pensar que aquela situação só lhe traria
problemas. Pensei que estivesse envolvido com Sophy e que iria pesar muito a
responsabilidade de assumir um filho inesperado.
Como Marco nada dissesse, ela prosseguiu:

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— Assim, concluí que seria melhor que nos primeiros anos de vida Ben ficasse
apenas com a mãe, que o amava, do que em um ambiente tenso pela situação
desequilibrada que poderia se instalar se eu lhe contasse sobre ele... Oh, meu Deus! Já
falamos nisso, Marco. Será que não vê que não posso me casar com você?
— Mas não tem escolha — constatou ele, frio.
— Tenho, sim! — Lembrar-se da cena da noite anterior a fez erguer a cabeça. — Não
pode obrigar-me a casar com você, nem pode continuar com essa chantagem sentimental.
Se quer ter contatos regulares com Ben, posso concordar, mas vou voltar para a Inglaterra
com ele. Poderá visitá-lo quando quiser.
O olhar de Marco pareceu congelá-la.
— Você e Ben vão ficar aqui. Já disse que não há o que discutir, Polly. Vamos nos
casar.
— Não.
— Solicitei uma ordem do tribunal que a proíbe de levar Ben embora.
— Você o quê?
Ela teve impressão de que todo sangue o lhe fugia do corpo.
— Para maior segurança, estou com seu passaporte — prosseguiu Marco. — Falei
com seu pai, que ficou contentíssimo ao saber que vamos nos casar; parece que ele também
estava aflito com a situação e desconfiava há algum tempo de que eu era o pai de Ben.
Como vê, não há motivo para brigarmos. Você perdeu o direito à independência no momento
em que escondeu meu filho de mim.
A calma exposição de fatos deixou-a muda. Ele estava com seu passaporte?
— Mais alguma coisa a dizer? — perguntou Marco, quando o silêncio se prolongou
demais. — Posso sugerir um assunto? Gostaria de saber sobre seu envolvimento com Paul.
— Paul? — Contemporizou ela, pensando depressa. — Ele e eu temos... um acordo...
— Rompa esse acordo.
— É impressionante seu complexo de ditador, Marco!
Polly se pôs em pé, nervosa demais para discutir. Ben estava deitado de costas na
água, batendo mãos e pés, deslocando-se erraticamente na piscina.
— Espero que a água não seja suja como parece — comentou ela, por cima do
ombro. — Não gostaria que Ben tivesse uma infecção de ouvido.
— A água foi substituída na semana passada e tratada como se deve — respondeu
Marco, seco.
— Mamãe, olha! Estou nadando! Olha, mamãe!
— Ótimo, meu filho! — aprovou ela, alegre. — Logo não vai mais precisar das boias.
— Ele vai aprender com facilidade.
Marco parara ao lado dela, na beira da piscina. Vestia um calção azul-marinho.
Observou o short e a camiseta que Polly usava.
— Você deve estar com calor — comentou. — Por que não vê se este biquíni de
Marietta lhe serve?
Ele mostrou o biquíni que a irmã deixara no vestiário. Era uma exótica e minúscula
criação em lycra branca.
— Estou bem assim. Só vou olhar.
— Você é que sabe.
Marco foi para o lado mais fundo da piscina e parou na beirada, antes de mergulhar.
Com a garganta seca, Polly observou-o. Estivera em situação íntima com ele duas vezes,
mas em nenhuma delas pudera observar, da necessária distância, o físico másculo e bem
feito. Não conseguia desviar os olhos, fascinada pelo tom moreno da pele, os bastos cabelos
negros, os ombros largos e quadris estreitos, as pernas alongadas e musculosas.

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Ele mergulhou com perfeição e só apareceu na superfície do outro lado da piscina.


— Me ensina a fazer isso! — pediu Ben, com os olhos arregalados de espanto. —
Mamãe, a água está quentinha. Venha!
— Venha — ecoou Marco, sorrindo. — Está relaxante e vai fazer-lhe bem.
— Por favor, mamãe...
Resmungando interiormente, ela pegou o biquíni e foi para o vestiário. Num segundo
tirou a roupa e vestiu o biquíni. Não tinha espelho para ver como ficara, mas olhando-se
como podia verificou que revelava mais do que ela gostaria. O sutiã se reduzia a dois
cordões e dois pequenos Vs invertidos que cobriam praticamente o centro dos seios. A
calcinha era bem cavada e estreita, fazendo-a sentir-se exposta. Bem, pelo menos não era
do tipo fio-dental, pensou, e saiu do vestiário.
De cabeça erguida, caminhou para a piscina e um longo assobio a fez cerrar os
punhos.
— Bellissima! — elogiou Marco. — Sua mamãe é uma mulher muito bonita, Ben.
Polly, quase roxa de vergonha, mergulhou na esperança de refrescar o rosto. Quando
emergiu, tirando os cabelos dos olhos, viu-se diante de Marco. Ben estava sobre os ombros
dele e ria agitando os braços como se fossem asas, as bóias fazendo um barulho engraçado.
Agarrou-se nos cabelos do pai quando ele o pegou e começou a balançá-lo, fazendo-o gritar
de entusiasmo.
— Não vou chamar você de Marco, como a mamãe. Vou chamar de papai, sempre! —
Os olhos do pequeno brilhavam de felicidade. — Eu queria tanto um papai!
Ao ouvir aquilo o coração de Polly contraiu-se, doendo muito. Compreendeu o que
tinha de fazer, apesar de seu orgulho e dúvidas sobre os verdadeiros motivos de Marco. Ben
merecia crescer numa família, com mãe e pai. Pesava na balança ver pai e filho juntos,
felizes e alegres com a companhia um do outro. Amava demais o filho para negar-lhe isso. E
amava Marco, mesmo achando que o seu era o amor mais infeliz que havia.
— Louise disse que não sabia por que eu não tinha pai... — continuou Ben, todo
animado. — Ela acha que eu perdi "ele"...
Marco sorriu para Ben com profunda ternura.
— Pode dizer à sua amiga Louise que você tinha perdido seu pai, mas o achou. Va
bene?
— Va benni! O pai de Louise é divertido como você. E ele também diz que minha mãe
é bonita.
O sorriso sumiu do rosto de Marco, que o recolocou na água e ficou olhando o
pequeno nadar cachorrinho.
— O pai de Louise — perguntou, por fim, com olhar gelado — é um dos motivos pelo
quais você não quer se casar comigo?
— O pai de Louise é casado com a mãe dela, e meu relacionamento com eles
resume-se a rápidos encontros na rua ou em lojas — informou Polly, com sarcasmo. — Mas
pense o que quiser, não me importa.
— Polly...
— Aliás, o pai de Louise me lembra você — acrescentou ela, ácida. — Ele é incapaz
de ser fiel, nem mesmo para salvar a própria vida.
Marco fitou-a com o olhar penetrante e interrogativo que ela estava aprendendo a
reconhecer.
— Desculpe, não entendi nada, Polly. Ontem à noite você parecia bem disposta em
relação a mim, hoje me trata como um ser desprezível. A que se deve isso?
Incrédula, Polly ficou olhando para ele. Como era possível ser tão cínico e fingido?

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— Você é um ator brilhante, Marco. Dizem que as carreiras de advogado e ator têm
muito em comum. — Não dava para esconder a aversão que ela sentia. — Ontem à noite
Sophy foi para o seu quarto. Depois... oh, meu Deus... depois de você me afirmar que não
está envolvido com ela e...
— Espere um pouco, Polly!
— Por favor, chega de mentiras! Não minta, Marco, não me importa.
— Quer dizer que me julga sem dar-me o direito de defesa?
— Quer dizer que não me importa o que você faz.
— Polly...
— Não precisa pressionar mais — declarou ela, escondendo o que sentia. — Vou me
casar com você.
Fez-se um tenso silêncio durante o qual os dois se olharam numa espécie de
irrealidade.
— Vai? — Mal se ouvia a voz dele e seus olhos haviam escurecido. — Vai se casar
comigo?
— Vou, Marco. Por Ben. Tem razão, ele precisa de você e não tenho escolha.
— Apenas por Ben? — A expressão dele tornou-se atenta. — Querida...
— Sim, apenas por Ben. Ele precisa de você, de uma família. Percebo agora que o
que considerei certo nesses anos todos estava errado. Privei Ben do pai e você do seu filho.
Preciso consertar isso...
E amo você, completou uma voz na mente dela. Amava-o demais para perder a
chance de se tornar a sra. Marco Daretta.
— Polly, meu anjo...
A emoção na voz dele a perturbou, porém Polly manteve-se firme. Se demonstrasse a
Marco o que sentia morreria de humilhação.
— É verdade que Ben precisa conhecer seu pai, mas com uma condição... Não se
aproxime de mim quando estivermos a sós, Marco.
— Polly, querida...
Ela ergueu o queixo, mas sua voz tremeu.
— Não vou mais fazer amor com você. Nunca mais.

Capítulo 7

O casamento da senhorita Polly Hamilton com o senhor Marco Daretta foi, na opinião
da noiva, um evento inutilmente exagerado. Ela foi ao altar com um vestido de seda azul-
pastel e um discreto diadema de miosótis nos cabelos erguidos.
Na verdade, era a terceira cerimônia a que os noivos compareciam. Primeiro, tinha
sido o casamento civil em Florença, depois a bênção na igreja do século XIII da cidade dos
Hamilton. E, por fim, o matrimônio com grande pompa na magnífica igreja numa antiga
piazza de Florença, com a troca de votos da solene tradição do catolicismo italiano.
A culpa fora de Polly, que se recusara a tomar parte nos preparativos. Assim, Marco, a
mãe dele e as irmãs tinham organizado aquela verdadeira maratona.

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Tudo se passou como num sonho, e se lhe perguntassem como havia sido, ela
poderia narrar com fidelidade os acontecimentos apenas de um certo ponto em diante,
quando já estavam no aeroporto, com roupas de viagem e acompanhados por Ruth, Tino,
Janie, Will, Marietta e, claro, Ben. Lembrava-se perfeitamente de tudo a partir do momento
em que Marco perguntou ao filho:
— Tem certeza de que vai ficar bem com vovó Ruth e tia Marietta enquanto levo
mamãe para a lua-de-mel?
— Claro que sim! — interferiu Marietta, arrepiando o cabelo de Ben. — Ele vai me
ajudar com as gêmeas.
Ruth se oferecera para cuidar do pequeno e Marietta também ficaria na casa dos pais
por uma semana, porque o marido ia viajar a negócios.
— Vou ajudar a dar banho nelas! — garantiu Ben, animado. — Mamãe, o que é lua-
de-mel?
— Bem... — hesitou Polly.
— São férias que as pessoas tiram quando se casam porque ficam muito cansadas —
explicou Janie. — E você, Polly, bem que merece férias!
— Pode deixar — garantiu Marco —, vou fazer essa moça descansar, Janie.
— É só vocês ficarem na cama sempre — aconselhou Ben, na sua inocência. —
Louise me disse que a irmã grande dela ficou na cama todos os dias da lua-de-mel...
Foi impossível deixar de rir daquelas palavras.
— Essa Louise é uma preciosa fonte de informações — murmurou Marco para Polly.
— Quem é ela?
— Uma menininha de quatro anos, que está na mesma escola de Ben.
— Quatro anos que valem por catorze, parece! — riu Janie.
— Acho que precisamos ir... — Marco abraçou Ben. — Estão chamando nosso voo.
Então, garotão, pode me emprestar a mamãe por uma semana?
— Posso! Vovô Tino disse que vou tomar sorvete de chocolate todos os dias, no café
da manhã — respondeu Ben, sério.
Polly olhou para o filho com o coração um tantinho apertado. Nas últimas semanas ele
havia sido absorvido pela família Daretta como uma gota de água por uma esponja. Ele e os
novos avós se adoravam. Depois de mais de três anos como a pessoa adulta mais
importante para Ben, ela reconhecia que isso era saudável. Mas era tão duro de aceitar!
— Va bene? — perguntou Marco, sério.
— Si, va bene, babbo — respondeu o garotinho exibindo orgulhoso o seu italiano.
Os olhos idênticos se entendiam. Polly sabia que era ridículo sentir-se excluída, mas
sentiu-se.
O voo de Trapani para a Sicília foi curto. Os dois mal se falaram, e Polly passou a
maior parte do tempo olhando pela janelinha. A villa em Favignana era uma pequena
construção branca, rústica e simples, à beira-mar. Do lado de fora, uma escada de pedra
dava acesso ao piso superior, onde espreguiçadeiras, mesas e cadeiras brancas
espalhavam-se pelo amplo terraço com mureta baixa e grandes floreiras de granito com
gerânios.
Num dos lados havia um longo sofá de pinho com almofadas estofadas em algodão
verde-mar e branco.
Da porta envidraçada sob o arco via-se um espaço muito amplo em que se
conjugavam sala de estar, cozinha e sala de jantar. O quarto ficava no piso térreo, e Marco
levara as malas para lá enquanto ela ia ao terraço, ansiosa por apreciar a vista. Um
admirável mar azul-turquesa e marinho estendia-se diante de seus olhos, e meias-luas de

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areia muito branca entre rochedos. Fazia calor, o sol ardia em seu rosto e o canto das
cigarras era ensurdecedor.
— Gosta?
Marco chegara em silêncio e parara atrás dela.
— Não é o que eu esperava.
— Por quê?
Polly sacudiu os ombros.
— Imaginei algo mais... grandioso.
— Pensei que você iria gostar de simplicidade, passear em rochedos, na praia,
colecionar conchas. Prefere um hotel de luxo?
— Não — ela voltou-se —, eu não quis dizer isso. É lindo!
— Polly, acha que pode aprender a me amar?
O coração dela falhou diante da inesperada pergunta e ficou olhando para ele, até que
recuperou a fala.
— Que tipo de pergunta é essa? Como se pode ensinar alguém a amar?
— Em muitos países ainda existem casamentos arranjados. Se dois estranhos podem
aprender a amar-se, há esperança para nós. Não somos estranhos e temos o mais poderoso
incentivo do mundo.
— Ben.
Ele assentiu devagar e uma onda de revolta aqueceu o corpo de Polly.
— Chantagem emocional? Se me importo com Ben, devo amar o pai dele? Seria
melhor sermos estranhos, Marco — os olhos dela lançavam chispas —, aí eu não teria
motivos para não acreditar em você.
— Posso tentar ensiná-la a acreditar em mim.
— Você é ocupado demais para isso, Marco. Há coisas melhores em que empregar
seu valioso tempo.
— Pensei o mesmo em relação a você e achei que forçar a situação não é o melhor
modo de iniciar uma lua-de-mel.
— Esta não é uma lua-de-mel convencional.
Com ar divertido, Marco ergueu as sobrancelhas.
— O que é uma lua-de-mel convencional?
Pegou a mão dela, conduziu-a para a escada, desceram e entraram no quarto, que
estava na penumbra, com as venezianas fechadas. Livrando a mão, Polly olhou ao redor,
fascinada. O quarto era quadrado, branco, de teto alto, com uma enorme cama de madeira
entalhada. A cama estava arrumada com perfeição e coberta com uma colcha de algodão
rústico, verde-mar. De cada lado havia um tapete de pele creme e mesinhas-de-cabeceira
com abajures de cúpula também creme. Um enorme ventilador, fixo no teto de madeira,
girava hipnoticamente. Sua mala e a de Marco achavam-se sobre a cômoda junto a uma das
janelas.
Polly estava como que enraizada no piso de granito polido. Marco abriu as janelas e o
sol irrompeu. Em seguida, abriu a porta francesa que dava para uma varanda com floreiras
de gerânios. Num toque caseiro, um varal de plástico estendia-se de uma árvore a outra,
com prendedores amarelos e vermelhos.
— Você, não sei, mas eu estou com sede.
Ele foi até uma pequena geladeira com garrafas de água mineral, vinho branco,
cerveja, sucos de frutas e metade de uma enorme melancia protegida por uma película
transparente. Na porta, havia uma garrafa de champanhe.
— O que você quer, Polly?

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— Água, por favor. — Ela clareou a garganta e sentou-se na cama. — Este é o único
quarto?
— É. Quer tomar um banho antes de desfazermos as malas?
Depois de dar-lhe um copo com água, ele sentou-se na cama e em seguida deitou-se,
como se a experimentasse.
— É king-size, muito confortável — comentou. — Colchão bem firme, de luxo e caro,
eu diria. Talvez não esteja dentro dos padrões ortopédicos, mas...
— Não me interessa se é king-size ou baby-size, firme ou macio ou qualquer coisa! —
descontrolou-se Polly. — Não vou dormir na mesma cama que você durante a semana toda!
Marco se pôs em pé, espreguiçou-se e foi para o banheiro.
— Importa-se que eu tome banho primeiro?
Ela bebeu a água, na esperança de acalmar-se. O barulho do chuveiro mal era
audível, através da porta fechada. Levantou-se, avaliando suas opções. Saiu para a varanda
e olhou para o mar azul-cobalto, tentando afastar a histeria que ameaçava dominá-la quando
pensava em dormir naquela enorme cama com Marco. Ele não tinha o direito de colocá-la
naquela situação embaraçosa. Ela havia dito que se casaria, sim, porém que nunca mais
faria amor com ele.
— Desculpe a demora. — Marco interrompeu-lhe os pensamentos. — É a sua vez,
querida.
Ela piscou diante da visão do corpo moreno, másculo, com apenas uma toalha branca
enrolada na cintura. Pegou a frasqueira, entrou no banheiro e quando foi fechar a porta viu
que não havia chave. Voltou ao quarto e encontrou Marco nu, enxugando o cabelo. Ele sorriu
ao vê-la ficar vermelha.
— Algum problema?
— A porta não tem chave e... Vista-se, por favor!
— Por quê? Está calor, somos casados, e casais costumam ficar sem roupa no
quarto. Lembra-se?
Furiosa, ela virou as costas, entrou no banheiro e bateu a porta.
— Não se atreva a entrar aqui! — gritou.
— Pode deixar — gritou ele de volta —, minha mãe me ensinou que é má educação
entrar no banheiro quando uma senhora está nele.
Ela tirou a roupa e ficou um tempão sob a água do chuveiro. A certo momento Marco
bateu à porta.
— Não pode passar a semana inteira aí, Polly!
— Nem pretendo!
Ela enrolou a vasta toalha branca no corpo, saiu e deu com ele diante da porta, ainda
coberto apenas com a toalha. Quando tentou passar, Marco segurou-a e abraçou-a.
— Seu cheiro é delicioso! — disse, aspirando junto ao pescoço dela.
— Marco, pare com isso!
— Sua pele é como seda.
Começou a levá-la para a cama.
— Solte-me! — exigiu ela, com a voz presa. — Marco, você prometeu...
— Eu não prometi nada, a não ser durante a cerimônia na igreja, hoje.
Caíram na cama e ele girou o corpo para prendê-la, quando Polly começou a
espernear e empurrá-lo.
— Nós dois sabemos que nossos votos não valiam nada e...
A voz dela apagou-se quando ele afastou a toalha que a envolvia e tocou-lhe os seios,
de leve.
— Não fale como se conhecesse meus pensamentos.

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— Eu disse que me casaria, mas que não faria amor com você — lembrou-o Polly,
procurando agarrar-se ao próprio orgulho. — Pensei que... que você ia respeitar meus
sentimentos.
— Não posso — murmurou ele, deslizando as mãos pelo corpo dela. — Não posso
estar perto de você sem desejá-la.
— Oh, Marco... meu Deus!
Ela tentou despertar a raiva para anular a onda de paixão que a envolvia. Não
adiantou. Seu corpo queria Marco, sua reação a ele era como um poço escuro de desejo em
que deslizava, surda e cega à razão.
— Admita que sente o mesmo por mim, Polly...
— Não...
Marco deslizou as mãos pelo ventre liso e passou os dedos entre os pêlos crespos e
sedosos no ápice das coxas esguias e firmes. Fitou-lhe o rosto ao sentir a umidade e o calor
do sexo acetinado.
— Não? Você diz que não me quer, mas todo seu corpo diz o contrário.
A intensidade da paixão na voz dele ateou fogo ao corpo de Polly.
— É apenas uma reação física — tentou explicar ela, sufocando um gemido de
excitação e vergonha. — Oh... Por favor, Marco...
— Você tem essa "reação física" com todos os homens?
A boca de Marco percorreu, ardente, os seios túrgidos, beijou-lhe o ventre, enquanto
as mãos atreviam-se a carícias cada vez mais íntimas.
— Ou só comigo, querida? — acrescentou, com voz rouca.
— Só... oh, por favor... só com você...
— Polly, meu anjo...
A emoção evidente na voz dele fez com que ela esquecesse de vergonha e o fitasse.
— Meu Deus, Marco... — Acariciou o rosto dele com dedos trêmulos. — Não sei como
resistir a você.
— Então, não resista, querida.
Ele mal conseguiu falar, também subjugado pelo intenso amor. Fitaram-se e seus
olhos disseram-se o que as palavras não conseguem expressar, em uma indescritível
comunhão emocional.
Polly puxou Marco para si, numa entrega total que anulava tudo o mais, e seu corpo
vibrou no momento da repentina e completa posse. Ouviu-se gemer e gritar com desinibido
prazer e em seguida tudo o mais desapareceu na espiral vertiginosa que os transportou para
o gozo arrasador.
— Só experimentando é que a gente acredita.
Nessa noite Marco insistira em ser o cozinheiro, e Polly limitara-se a pôr a mesa. Com
um gesto teatral, ele pôs a travessa com espaguete à bolonhesa na mesa. Polly aspirou o
delicado aroma e sorriu à luminosidade suave da grande vela anti-insetos.
— Isso quer dizer que é muito ruim ou muito bom?
Ele fingiu-se ofendido e não respondeu, tratando de abrir a garrafa de vinho tinto.
— A signora quer experimentar o vinho?
— Se o padrone diz que é bom, eu acredito.
Jantavam na varanda. A noite estava quente, até mesmo para o vestido de algodão
curto de frente-única que Polly usava.
— Dá impressão de que estamos sozinhos, no fim do mundo — murmurou ela.
Marco serviu-a.
— Sem levar em conta um monte de corujas; vinte milhões de cigarras e grilos... para
não falar nos mosquitos.

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— Eu não pensei na vida animal.


— Mas devia, pois também são criaturas de Deus.
De repente, Marco inclinou-se e deu um tapa no braço de Polly, assustando-a. Um
mosquito caiu no chão.
— Desculpe, mas quis pegá-lo antes que a picasse... Os mosquitos sicilianos jamais
perdem uma chance.
— Parecem com um certo siciliano que conheço! Mas pode deixar, eu passei
repelente.
— Isso demonstra como você é irresistível. Tenho certeza de que era um mosquito
macho.
Polly abaixou os olhos para o prato.
A incontrolável paixão que os dominara naquela tarde a fizera dormir por cerca de
duas horas. Quando acordara, haviam tomado champanhe e comido finas fatias de melancia,
uma das frutas que ela adorava. Tinham feito amor de novo, um amor longo, lento, que lhes
proporcionara um prazer imensurável.
— Precisamos conversar — disse ele, ao terminarem o espaguete e o vinho.
— A vida seria mais simples se ninguém conversasse — observou Polly, pensativa.
— Se a gente só se comunicasse pela união física, como os animais?
— Quando conversamos, seriamente quero dizer, surgem tantos obstáculos!
— Concordo em que é um risco. Mas ignorar os fatos não os soluciona.
— Sempre acabamos dizendo coisas horríveis. — Ela ajeitou o garfo e a colher no
prato vazio. — Estava mesmo uma delícia, Marco. Da próxima vez vou fazer para você um
prato inglês de que goste. Que tal lombo de porco assado com todos os acompanhamentos?
Batatas à sotê, purê de maçã, abóbora, cenoura e vagem na manteiga...
— Seria ótimo. Então, você prefere fazer de conta que está tudo bem, que os
obstáculos não existem, Polly. Um dos motivos pelos quais insisti em passarmos esta
semana sozinhos foi para que pudéssemos falar do futuro.
Marco ergueu-se, recolheu os pratos, a travessa e foi colocá-los na pia.
— Pêssegos frescos, sorvete ou tiramissu? — perguntou, abrindo a geladeira.
— Pêssegos, por favor.
Ele voltou trazendo uma tigela com pêssegos, dois pratinhos e uma faca afiada.
Passou a descascar uma fruta.
— Você quer mesmo conversar a nosso respeito? — indagou ela, hesitante.
— E a respeito de Ben. O que pretendemos para ele. Nosso... compromisso um com o
outro...
Marco deu-lhe o pêssego, que era doce, frio e sumarento, porém metade do prazer de
Polly foi apagado pelo pânico causado pelo possível significado daquelas palavras.
— Quero que Ben cresça feliz e saudável — começou, cautelosa.
Ele parou de comer seu pêssego e fitou-a, com sombras nos olhos.
— Eu também. É por essa razão que faço tanta questão de que ele tenha pai e mãe
por perto.
Desconfortável, Polly ajeitou-se na cadeira. Aquelas conversas a faziam sentir-se
culpada ou, pior, insignificante e egoísta. Era como se Marco achasse que ele é que devia
perdoá-la e não o contrário.
— Já vimos que isso é muito fácil para nós, não? — acrescentou, gentilmente irônico.
Dependia do que estavam falando, pensou ela ressentida. Levá-la para a cama
demonstrara-se humilhantemente fácil.
— De um modo até surpreendente, eu diria. — O tom dela soou mais frio do que
pretendia. — Sei que é por Ben — emendou, mais suave. — É que... quando falamos a

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respeito eu me sinto como se você me julgasse pelo que aconteceu e... e acho que não tem
o direito de fazer isso.
— O que vai dizer a Ben? Ele já começou a fazer perguntas, não?
Ela fez que sim, pouco à vontade.
— Eu disse que seu pai morava em outro país.
— O que é uma verdade parcial.
— E que... — emocionada, ela teve de engolir em seco — e que o amava, mas era um
homem muito ocupado.
A aparente indiferença dele mal disfarçava a irritação.
— Grande. Ben ia crescer pensando que seu pai era ocupado demais para vê-lo? Pelo
amor de Deus, Polly! Nunca parou para pensar que as crianças crescem interrogando os
adultos?
— Não me censure!
— Está bem, mas pense nisso. A criança se prepara para a vida, entre outras coisas,
sabendo de onde veio, quem são seus pais, as circunstâncias de sua concepção, coisas que
talvez pareçam dispensáveis na primeira infância, mas não são, pois ajudam a construir o
adulto. Saber que é amada pelo pai e pela mãe é a coisa mais importante para uma criança,
Polly.
— Eu sei! — Lágrimas velaram os olhos de Polly. — Não precisa me fazer sermão
sobre responsabilidades maternas!
— Desculpe... Eu não quis fazer sermão e sim fazê-la entender o que sinto. — Ele
respirou fundo, como se procurasse dominar a ira. — Queria contar-lhe o que aconteceu com
um amigo meu, da faculdade. Ele tinha vinte e dois anos quando soube quem era seu
verdadeiro pai. Nunca entendera por que o marido de sua mãe, que considerava como pai,
parecia gostar apenas dos seus irmãos. A mãe contou-lhe a verdade pouco antes de morrer.
O pai dele era um pescador espanhol, com quem ela tivera um caso passageiro quando já
era casada. O marido ficara sabendo, se dispusera a criar o menino como se fosse seu filho,
mas nunca pudera ultrapassar a mágoa o bastante para amá-lo.
— Isso é tão triste... — murmurou Polly.
— O verdadeiro pai de Luís sabia de sua existência, mas não tinha dinheiro e nada
para oferecer ao filho, a não ser o amor paterno. Pouco antes de morrer, a mãe deu a Luís
um maço de cartas que recebera naqueles anos todos e escondera do marido. Deu-lhe
também um endereço e um telefone na Espanha. Ele telefonou e o homem confirmou que
tinha um filho na Inglaterra e irrompeu em lágrimas, dizendo que esperara a vida inteira por
aquele telefonema. Luís foi conhecê-lo e me disse que fora a primeira vez na vida que se
sentira de fato ligado a alguém, que soubera o que era um abraço de pai. Ele tinha os olhos,
as mãos, o corpo do pai... Disse-me que ambos choraram como crianças por quase meia
hora.
— Graça a Deus eles se encontraram. — Polly sorriu para esconder a profunda
perturbação. — Temi que o fim fosse trágico, com o pai morrendo antes de conhecê-lo ou
algo parecido.
— A tragédia de Luís foi chegar até a idade adulta sem o amor e o apoio do pai. O pai
não estava bem de saúde quando se encontraram e morreu seis meses depois. Luís teve um
colapso nervoso, recuperou-se e levou alguns anos fazendo análise com um psiquiatra...
Tudo depende de como se vê as coisas, Polly.
— É, eu sei — assentiu ela, passando a mão pelo rosto. — O que aconteceu com Luís
poderia ter acontecido comigo. Minha mãe foi pressionada pela família para romper com meu
pai e casar-se com um próspero senhor inglês.

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Os olhares deles se encontraram com dolorosa compreensão, com anos de


desentendimentos e brigas familiares voltando à tona.
— Como vê, Polly, tive vários motivos para lutar por meu filho.
Nesse instante o celular de Marco tocou. Ele fez cara feia e foi atender o telefone, que
deixara na cozinha.
— Eu devia ter desligado essa droga! — resmungou e disse secamente seu nome. —
Sop... — interrompeu-se e foi para dentro da sala com o telefone.
Seu lado da conversa era frio, se bem que calmo e bem-educado.
Polly compreendeu que era Sophy. Sophy, que tinha o número do telefone de Marco.
Sophy, bonita, cheia de ódio e vingativa, que se sentia com direito de ligar para ele na sua
lua-de-mel.
Ela teve a familiar sensação ruim no estômago. A dor da rejeição e da humilhação a
espreitava em cada canto. Sua garganta ficou seca, e o coração, dolorido. Por mais que
estivesse determinado a cumprir seu dever de pai, Marco continuava o caso com Sophy.
Quando ele voltou para junto dela, fez-se silêncio até seus olhos se encontrarem.
— Era Sophy? — perguntou Polly, inexpressiva.
— Era.
Marco deixou-se cair na cadeira e respirou fundo.
— Tudo certo na Toscana? — perguntou ela, rápida. — Tudo certo com Ben?
— Sim, sim...
— E com sua mãe, seu pai, suas irmãs? Não há crise alguma com a família Daretta?
O rosto dele escureceu ao perceber o clima pelo rosto pálido e contraído dela.
— Polly...
— Por que Sophy tem seu número e se acha com direito de lhe telefonar durante a
sua lua-de-mel, Marco?
— Ela deve ter ligado para o escritório e pegado com alguém — explicou Marco, com
calma. — Polly, não fique assim. Você conhece Sophy e sabe que ela deve estar se
divertindo por saber que criará problemas entre nós com esse telefonema. Mas ela ligou para
uma consulta legal. Ao levar Ben para a minha casa, infringiu uma cláusula do seu contrato
de modelo...
Polly olhava para ele, mas não via os traços fortes e atraentes do seu rosto, não via os
perturbadores olhos azul-escuros. Parecia que uma névoa avermelhada descera sobre ela
impedindo-a de enxergar e mal deixando-a ouvir. Não conseguia lutar contra a dor da
suspeita e do ciúme, que a trespassava como uma lâmina afiada. A explicação de Marco era
plausível, mas como sempre que o envolvimento dele com Sophy se manifestava não pôde
confiar nele. A dúvida voltara envenenando sua breve ilusão de felicidade, desfocando a
visão de que o relacionamento entre eles poderia ser...
— Você disse, agora pouco, que precisamos falar no compromisso que temos um com
o outro. Agora entendi. — A voz de Polly tornou-se aguda e insegura. — Quis dizer que
pretende acertar a maneira de continuar vendo Sophy, agora que estamos casados e sem
prejuízo para Ben!
Fez-se um pesado silêncio. Até mesmo grilos e cigarras pareciam ter parado de
cantar.
— Não — respondeu Marco, sombrio. — Não era disso que eu queria falar, Polly.
Ela procurou um modo de não demonstrar tão claramente suas incertezas.
— Oh, desculpe! — Deu um forçado sorriso. — Creio que foi falta de sensibilidade da
minha parte. É o mau hábito que tenho de achar que o ataque é a melhor defesa.
— Do que está se defendendo? Do seu envolvimento com Paul?

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A luz da vela começou a dançar diante dos olhos de Polly, que fez força para
permanecer firme.
— Nós dois entramos neste casamento sabendo que provavelmente tínhamos... outro
compromisso.
Polly mentia com plena consciência. A humilhação de ter cedido a ele mais uma vez
corroía como ácido a armadura do seu orgulho.
— Fale por você mesma. Sophy e eu nunca fomos amantes. Sei que não adianta eu
dizer isso, que não acredita em mim...
— Alguns homens mentem. Acham mais fácil mentir do que abrir a alma e aguentar as
consequências! — agrediu ela, sentindo-se miserável. — Desconfio que até se divertem com
isso.
— Mas que inferno! — explodiu Marco. — Você tem razão, não podemos conversar
porque sempre acabamos dizendo coisas horríveis. Vamos para a cama, Polly. Esse é nosso
único meio de comunicação!
Ela estava quase cega de fúria. Engoliu as lágrimas e respondeu, agressiva.
— Isso mesmo! Sexo é tudo. O que Sophy queria desta vez? Uma descrição
detalhada da nossa lua-de-mel? É assim que vocês se excitam?
Mesmo nos piores momentos de raiva, ela jamais tinha ido tão longe e nunca vira
Marco tão zangado. Estava pálido, sem cor até nos lábios.
— Não acredito... — Ele ergueu-se, apoiou as mãos na mesa e inclinou-se para a
frente, fitando-a com os olhos negros de ira. — Você acha que estou representando o papel
de marido dedicado pelo bem do nosso filho, mas que na realidade sou mentiroso,
trapaceiro... um depravado completo! Que mantenho um caso amoroso com minha cunhada
enquanto minha esposa entrega-se a mim com tocante dedicação!
— Isto é insuportável! — reagiu Polly, abalada. — Mais do que nunca vejo claramente
que não pode, mesmo, dar certo. Não vou deixar que faça isso comigo, Marco, não vou
permitir que me destrua.
Marco deu a volta na mesa e segurou-a pelo pulso, machucando-a.
— Nem sequer pense em me deixar, Polly — disse em voz muito baixa e fria.
— Não podemos ficar juntos desta maneira. Como posso confiar em você se está
mais do que claro que mente a respeito de Sophy?
— Se você for embora, Ben ficará. Não se esqueça disto!
— E crescerá sem o amor e o apoio da mãe? — rebateu ela, amarga. — É a melhor
opção, Marco?
Com um soluço, Polly soltou-se e saiu correndo da villa, em direção aos rochedos.
Estava muito escuro. Com gestos bruscos, enxugou as lágrimas e olhou o céu em busca da
lua, que não encontrou. Noite de lua nova, pensou, lembrando-se de uma das histórias da
infância. Noite negra para que os animais que eram caçados se movimentassem em
segurança.
Estava sentindo-se como um animal caçado. Marco era o caçador que a apanhara e
não iria deixá-la escapar. Encontrou a trilha e começou a descer mal vendo onde pisava; o ar
tinha cheiro de sal e de vegetação rasteira. O mato baixo arranhava-lhe as pernas. Quando
parou o calor envolveu-a como uma manta. Ouvia o mar, as ondas quebrando ritmicamente
na praia. As cigarras e grilos se haviam calado, mas de vez em quando ecoava na escuridão
um pio de coruja. Com decisão, ela percorreu quase correndo o resto da trilha e passou a
caminhar na areia macia. Seus passos emitiam um barulho rascante à medida que se
aproximava do mar. Admirou a escura extensão de água que ia até a pálida linha do
horizonte. Seu coração doeu com saudade de Ben, da sua casa, da normalidade. Não via
como suportar aquela situação artificial entre Marco e ela. Ia enlouquecer. Marco estava

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obcecado, concluiu, limpando as lágrimas com as costas das mãos. Obcecado em ficar junto
ao filho e criar uma família perfeita para ele. Inconvenientes como os sentimentos dela e o
relacionamento com Sophy deviam ser postos de lado para não macular a visão do mundo
perfeito para seu filho. A infelicidade que a amargurava por causa dessa situação era o
castigo pelo imperdoável pecado cometido contra a honra da família, quando não contara a
ele que iam ter um filho. As duas coisas mais importantes na cultura siciliana eram família e
honra, dissera tia Ruth.
Porém, naquele momento, Marco parecia interessado em mais uma coisa. Por que
passar a lua-de-mel discutindo e acusando se podia ter uma semana de satisfação sexual
com uma parceira bem-disposta?
— Polly...
A voz atrás dela quase a fez gritar. Voltou-se, em pânico.
— Não me olhe assim — pediu ele, pegando-lhe a mão. — O que acha que vou fazer
com você? Estrangular e jogar para os tubarões?
Ela tentou soltar-se.
— Deixe-me em paz.
— Venha, vamos para casa.
— Não.
— Vamos, Polly. — Havia súplica na voz dele. — Você está... perturbada. Não posso
deixá-la aqui, assim.
— Preciso de algum tempo sozinha. Preciso pensar...
— Nós dois estamos cansados — persistiu Marco. — Eu preciso dormir e acho que
você também. Vamos voltar.
Com gentil determinação, guiou-a para a trilha. Todos os músculos de Polly estavam
tensos pela humilhação de estar sendo levada quase à força de volta para a casa. Mas, de
repente, ela viu a inutilidade de lutar fisicamente contra ele. Marco era muito maior, muito
mais forte. Derrotada, deixou-se levar para dentro da casa, depois para o quarto, que lhe
pareceu acolhedor, com os abajures das cabeceiras acesos.
Sem olhá-lo, Polly pegou a camisola, os artigos de toalete e encaminhou-se para a
porta.
— Aonde pensa que vai? — rugiu ele.
— Lá para cima. Vou dormir no sofá do terraço.
— Está maluca. Vai ser comida viva pelos mosquitos.
— Então, durmo numa poltrona da sala.
Ela respondeu por cima do ombro e viu-o de pé no meio do quarto, as mãos nos
bolsos do jeans e o rosto inexpressivo.
— Não é preciso. — Havia uma autoridade na voz dele. — Fique no quarto, eu vou lá
para cima.
Polly começou a negar com a cabeça, mas em dois passos ele atravessou o quarto e
pôs a mão no ombro dela.
— Polly, sei que sua opinião a meu respeito não pode ficar pior do que é — disse, com
mal disfarçado sarcasmo —, mas nem mesmo um homem como eu deixaria sua mulher
passar a noite numa poltrona.
— Se você está disposto a fazê-lo, não deve ser impossível.
— Não é impossível — concordou ele, com ar divertido —, mas não é recomendável.
Qualquer um dorme melhor na cama, e você parece estar precisando de uma boa noite de
sono.
— Você disse que também precisava...

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Esta é a discussão mais boba da minha vida — suspirou Marco, com paciência. —
Que tal um acordo? Cada um fica no seu lado da cama e contém o impulso sexual?
Polly corou diante da ironia certeira.
— Como vou saber que posso confiar em você?
— Se quiser, prometo por minha honra...
— Sua honra? Você é um homem muito honrado, não é? Não me faça rir, Marco.
Ela virou as costas e ia entrar no banheiro, mas ele adiantou-se e barrou-lhe o
caminho, com expressão feroz.
— Marco... o que vai fazer?
— Agir de acordo com o seu insulto, esposa querida.
Passou a beijá-la até que ela soltou-se em seus braços. Então ergueu-a e levou-a
para a cama.
— Deixe-me sair daqui, Marco — implorou Polly.
— Por quê? Se eu deixar ou não você vai continuar pensando a mesma coisa de mim.
Desesperada, ela começou a bater nele, até que Marco segurou-lhe os dois pulsos,
com uma só mão, acima da cabeça. Polly chutou-o com a força máxima que seus pés
descalços permitiam e ele soltou o corpo sobre o dela, aprisionando-a na cama.
— Pare de lutar comigo, querida...
Ele cobriu-lhe a fronte, as pálpebras, o rosto, o pescoço de breves e ardentes beijos,
detendo-se nos pontos mais sensíveis. Com a mão livre, acariciou-lhe os ombros, depois
desamarrou as tiras do vestido, na nuca, descobrindo os seios que tocou com os lábios e a
língua, enlouquecendo-a.
— Pare com isso... Tire suas mãos de mim — sibilou Polly, em desespero.
— Quer que eu faça isso, mesmo?
Ele terminou de falar com os lábios num dos mamilos.
— Você prometeu... Marco!
O nome dele terminou num gemido quando Marco mordiscou-lhe o mamilo e começou
a sugá-lo.
— Não, eu disse que podia prometer — ele falava junto ao seio —, e mesmo que
prometesse não mudaria nada. Só um homem de honra cumpre promessas.
Ergueu a cabeça e ela viu que seus olhos estavam negros de desejo e de mágoa.
— Marco — Polly estava quase chorando —, sexo não vai resolver nossos problemas.
— Talvez não, mas é gostoso.
Tornou a cobri-la de beijos e de carícias, até que a viu tremer incontrolavelmente.
— E se falarmos vamos estragar tudo — prosseguiu ele. — Vamos ficar juntos, Polly,
você e eu, com amor ou ódio... que talvez sejam a mesma coisa.
— Não, Marco.
Ela soluçava, com o corpo arqueado sob as mãos exigentes dele, não querendo
corresponder, mas sentindo-se afundar no mar espesso e cálido da paixão, precisando que
Marco a fizesse toda sua.
— Polly, diga que me quer — exigiu ele.
— Não...
Lágrimas de paixão e desespero desciam pelas faces de Polly. Ela o amava, sim, e
não suportava que ele usasse a sexualidade para castigá-la. Não podia agüentar essa
extrema humilhação. Passou a lutar contra Marco de verdade, cegamente, empurrando-o
para longe de si.
— Diga, Polly...

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— Não, não! — De algum modo ela encontrou forças para repeli-lo. — Eu não quero
você, Marco! Não assim, não sem poder confiar... Está ouvindo? Pare, pare com isso...
Largue-me!
De súbito, Marco a soltou. Ela rolou pela cama e se pôs em pé. Trêmula, puxou o
vestido para o lugar, ocultando os seios. Marco sentou-se na beira da cama, devagar.
Passou as mãos nos cabelos, depois ergueu-se e olhou ao redor como se estivesse cego,
sem qualquer expressão no rosto.
— Pode se deitar — disse, com voz neutra.
Foi para a porta e quando voltou-se fitou-a, dessa vez com expressão de desprezo ou
desgosto, ela não sabia.
— Não precisa ficar tão apavorada — acrescentou ele. — Compreendi o recado.
— Aonde você vai?
Ele lançou-lhe outro breve olhar.
— Tenho um encontro com os mosquitos.

Capítulo 8

Quando Polly acordou, o relógio de viagem, na cabeceira, dizia que eram dez e
quinze. Levantou-se, tomou banho e, pensando que iriam à praia, pôs um biquíni azul-
turquesa com saída de banho combinando. Viu que estava com negras olheiras e decidiu
que óculos escuros eram indispensáveis. Ouviu o celular tocar enquanto subia a escada.
Marco, de camiseta branca e bermuda azul-marinho, falava em italiano ao telefone, na mesa
do terraço posta para o café da manhã. Desligou quando ela sentou-se.
— Bom dia — cumprimentou. — Fui pegar pão fresquinho na cidade. Já fiz café.
Alguma ideia do que quer fazer hoje?
— Nenhuma...
— Então, que tal pegarmos uma praia? Talvez hoje você queira ir jantar em Trapani.
Perto do porto há bons restaurantes de frutos do mar. O que acha?
Ele se mostrava atencioso, mas distante, e ela sentiu que pisava em terreno perigoso.
— Marco, sobre ontem à noite... — começou.
— Peço desculpas, não vai acontecer de novo. Foi loucura minha pensar que poderia
dar certo. Sem confiança o casamento não existe. Agora tome seu café, Polly.
Parecia que se havia erguido uma barreira intransponível entre eles, e ela teve
sensação de frio, apesar do calor. Marco ergueu-se e o celular tocou de novo. Ele atendeu,
falou primeiro em italiano e depois em inglês. Seu rosto contraiu-se, expressando angústia,
fazendo Polly quase morrer de medo.
— O que foi, Marco? — perguntou, ansiosa.
— Ben está num hospital, em Florença. Um acidente na piscina, segundo entendi...
— Na piscina? Como?
O terror dificultava-lhe a respiração.
— Estava com Sophy, não me explicaram direito o que aconteceu.
— Ele está bem, Marco?
— Sim, claro. Acalme-se... Vamos para lá agora mesmo.

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— Ben deve estar assustado, me chamando... Ele sempre me chama quando se


machuca... É orgulhoso demais para chorar...
Ela falava para agarrar-se à normalidade, sentindo que entrava em pânico.
— Polly, cara — Marco a fez levantar-se e abraçou-a —, meu pai disse que ele... ele
está inconsciente... que pode estar em coma.
Mais uma vez, em tão pouco tempo, a vida dela se transformou num sonho confuso,
só que desta vez, mau. Só voltou de fato à realidade no momento em que entrou no hospital.
Na ante-sala mal viu a família Daretta e Sophy, muito pálida e que parecia chorar. Passou
por eles e entrou diretamente no quarto. Ajoelhou-se ao lado da cama, beijou o rostinho do
filho, disse o nome dele e uma porção de coisas meigas e carinhosas das quais depois não
se lembrava, enquanto lágrimas desciam-lhe pelo rosto.
Olhos fechados, os longos cílios sombreando o rosto, Ben dormia. Passou-se muito
tempo até ela erguer os olhos e ver Marco. Ele estava branco, com dor profunda impressa no
rosto. Segurou a mãozinha de Ben e falou-lhe em italiano. Então, fitou-a e seus olhos
espelhavam o sofrimento que havia nos dela.
Polly compreendeu que, fosse como fosse, partilhavam algo muito importante: o amor
que tinham por Ben.
— Vamos falar com o médico — disse ele, baixinho, recolocando a mão de Ben sobre
o lençol.
E ela precisou de toda a força que tinha para acompanhá-lo. O médico foi
determinante: o prognóstico era incerto no momento. Se Ben voltasse a si nas próximas
horas estaria fora de perigo. Se continuasse em coma poderia haver danos cerebrais. Não
havia como saber, principalmente numa criança tão pequena, se e quanto dano ocorrera;
tudo dependia de quanto tempo ele havia ficado sem oxigênio.
— Encontrei-o flutuando de bruços — disse Sophy, assim que os viu.
— Encontrou-o? — Vibrava na voz de Marco uma violência controlada. — O que quer
dizer? Não estava com ele?
— Claro que estava. É que... eu olhei para outro lado por alguns segundos. Foi só
isso.
Ela se oferecera para ficar com Ben enquanto Ruth e Tino iam fazer compras e
Marietta amamentava as gêmeas. O pequeno quis nadar e, achando que não havia mal
nisso, ela o levara à fazenda de Marco e o acidente acontecera.
— Quer dizer que você olhou para um lado por alguns segundos e nesse tempo meu
filho correu para a piscina, escorregou, caiu, bateu a cabeça e ficou inconsciente na água
você não sabe por quanto tempo?
Polly advertiu Marco, segurando-lhe o braço. Sophy ficara ainda mais pálida. Tino e
Ruth olhavam para o filho, sem dar sinal de intervir.
— Guarde sua energia para ajudar Ben — murmurou ao ouvido de Marco. — Acusar
Sophy não vai adiantar nada. Tenho certeza de que ela está muito abalada.
— Será que está, Sophy? — perguntou ele, áspero.
— Claro que estou abalada! — defendeu-se Sophy. — Eu falei com Peter por apenas
alguns minutos e...
— Falou com quem? Você estava com um celular?
— Não, eu...
— Foi para casa telefonar? De lá até a casa há cinco minutos de caminhada! Como
pôde deixar uma criança de três anos sozinha numa piscina?
— Você está com ciúme porque telefonei para Peter!
Houve um silêncio de gelo que envolveu a todos.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Sempre a considerei minha amiga! — De repente Marco se tornou totalmente


siciliano, falando aos berros, sem controlar as emoções. — Só há dias descobri meu erro!
— Marco...
— Uma amiga não desviaria cartas nem mentiria, dizendo que é minha amante, para
me separar da mãe do meu filho. Não telefonaria para mim na lua-de-mel e, mais do que
tudo, não poria em risco a vida do meu filho, uma criança que estava em suas mãos. Você é
uma criminosa, Sophy, e morreu para mim!
Com o rosto vermelho de ódio, Sophy saiu da sala. Mesmo com as pernas inseguras,
Polly correu atrás dela e alcançou-a no meio do corredor que dava para a saída.
— Espere, Sophy!
Ela parou e voltou-se, o rosto tenso como uma máscara.
— Volte para seu amado Marco, Polly. Você venceu. Boa sorte.
— Sophy, eu sei que você jamais seria capaz de provocar o que aconteceu com Ben.
Tenho certeza de que foi acidente. Mas por que interferiu entre Marco e eu?
— Porque eu queria Marco! Sempre tive inveja de você... Meu pai foi embora e nunca
me procurou para saber como eu estava. Quando minha mãe casou com seu pai vi que ele a
adorava, era só "Polly isto... Polly aquilo". Você era a inteligente que foi para a faculdade, eu
a fútil que escolheu ser modelo... E Marco foi a última gota!
— Sophy, volte comigo. Marco já deve ter se acalmado e tudo...
— Não. É melhor eu ir embora. Ligo amanhã para saber de Ben.
Polly ficou olhando a irmã até que ela saiu do hospital. Quando chegava perto do
quarto de Ben viu Ruth sair e olhar de um lado para outro, em lágrimas. Seu coração parou.
Nunca imaginara que seria capaz de suportar tanta dor.
— Polly! — Ruth correu para ela. — Ele acordou! Está chamando você! Ben acordou!
Marco saiu para o corredor no momento em que tudo escureceu e Polly desmaiou.

Angelina descobriu sua verdadeira vocação quando Ben foi para a fazenda: tornou-se
uma enfermeira e babá perfeitas.
— Parece que Ben fez uma conquista — comentou Polly.
— Ele vai fazer uma porção de conquistas quando crescer — respondeu Marco,
orgulhoso.
— Como o pai — observou ela, sem pensar.
Olhou para Marco e viu em seu rosto a tensa seriedade que ali estava desde o
acidente de Ben. Não, desde a última discussão deles na villa Favignana. Ao chegarem à
Toscana, tinham passado a dormir em quartos separados e quando Ben voltara do hospital,
no dia anterior, fora dormir na cama no quarto dela, como antes. Era como se não se
tivessem casado.
Estavam no terraço e a noite começava a cair. Angelina, cumpridos os deveres de
enfermeira, agitava-se alegremente na cozinha, fazendo o jantar.
— O acidente de Ben ainda me parece mentira. — Polly tomou um gole de vinho
branco. — Se não fosse o curativo na testa...
— Ele é duro — concordou Marco. — É um Daretta.
— É meio Daretta, Marco, e meio Hamilton. Aliás, você herdou bastante do lado inglês
da família.
Ele se manteve imperturbável.
— O que quer dizer?
— Todo esse sangue-frio saxão... — Polly sorriu, criando coragem. — Talvez
estejamos precisando de um bom escândalo latino para desanuviar o ambiente.

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— Desanuviar o ambiente? — A ironia dele era cortante. — É tudo que você acha que
devemos fazer, Polly?
— Temos de fazer alguma coisa. — A garganta dela estava seca. — Você está me
evitando, Marco, agindo como um estranho. É atencioso, gentil, mas até agora só o vi sorrir
para Ben.
— O que esperava? — À ironia juntou-se amargura. — Que eu caísse de joelhos
agradecendo por Sophy ter dito a verdade e a você por agora acreditar em mim?
Polly determinou-se a não chorar.
— Marco... desculpe-me por não ter acreditado em você. É a única coisa que posso
dizer.
— Eu sei.
— Não basta?
— Preciso pensar, preciso de algum tempo sozinho.
— Sozinho? Espere aí. Você me impôs este casamento, exigiu que eu aceitasse por
ser mãe do seu filho, escondeu meu passaporte para eu não voltar para a Inglaterra, insistiu
num relacionamento sexual quando eu não o queria...
Marco ergueu-se, os lábios apertados numa linha fina.
— Preciso de tempo para saber como me sinto, Polly.
— É mesmo? E como pensa que eu me sinto?
— Numa armadilha, casada com um homem que não ama. E eu preciso descobrir
como me sinto casado com uma mulher que não tem o menor respeito pela minha
integridade moral.
Ela também se levantou, alterada.
— Marco, escute aqui...
— Na nossa "lua-de-mel" você fez acusações que ainda não posso perdoar, Polly.
Zombou da minha palavra, duvidou da minha dignidade e via as piores intenções em
qualquer coisa que eu fizesse.
— Mesmo eu tendo pedido desculpas vai continuar zangado? É, acho que há mais
sangue siciliano do que inglês nas suas veias.
— Talvez seja isso.
Polly cruzou os braços no peito, defendendo-se do frio que a envolveu. Havia uma alta
barreira de amargura entre eles e precisava ser forte para não implorar. Mas sentia-se morrer
por dentro.
— O que vamos fazer, então? — perguntou, fria.
— Tenho uns casos a resolver em Roma. Vou ficar fora uns vinte dias...
Foi como se ela levasse uma pancada no peito, mas não demonstrou.
— Neste caso, quero meu passaporte. Assim que Ben puder viajar, vou para a
Inglaterra com ele.
Os olhos de Marco lançaram chispas, mas Polly sustentou seu olhar, corajosa.
— Para ir ver Paul?
— Pense o que quiser — retrucou, fria.
Ficaram se olhando por momentos; até que Marco disse:
— Diga a Angelina que vou jantar fora, por favor.
E saiu.

Três semanas depois, sentada no chão do sótão do Priorado Hamilton, Polly chorava,
com envelopes no colo.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

A tarde chuvosa a inspirara a levar Ben ao sótão, onde estavam seus brinquedos,
jogos, um cavalo de balanço e uma preciosa arca com as fantasias que a família Hamilton
usava para as adivinhações de Natal. Entusiasmado, Ben tirara vestidos, calças, véus, capas
e chapéus, entre os quais encontrara uns envelopes e, desinteressado, deixara-os cair aos
pés da mãe. Eram as cartas que Marco lhe mandara, que Sophy dissera não lembrar onde
escondera.
— Mamãe, seu rosto está sujo de poeira! É por isso que está chorando?
Ben a olhava, preocupado, com um chapéu Napoleão Bonaparte na cabeça e uma
espada de plástico na cintura.
— Não, querido, não é pela poeira. — Ela passou a mão no rosto para livrar-se das
lágrimas. — É que estou lendo algo muito triste.
— Uma história?
— Não, exatamente...
Depois daquela noite, em Cambridge, Marco descobrira que o que acontecera entre
eles era "muito importante para se perder". Queria vê-la, desesperadamente, falar com ela...

Quer você acredite ou não, Polly, eu a amo. Acho que comecei a amá-la em Prizzi.
Você era tão meiga, tão doce... mas continuei a vê-la como minha priminha, não como a
mulher que já era. Perdi tanto tempo!...

Dobrou a carta com as mãos trêmulas. Havia mais duas. Na segunda, escrita uma
semana depois da primeira, ele repetia mais ou menos a anterior, para o caso de ela não a
ter recebido, e pedia-lhe que respondesse. Na terceira, dizia que o pai dela lhe dissera que
tinha ido para a América e que ia escrever para o endereço que ele lhe dera, mas desistira
quando Sophy contara que ela havia ido embora com Paul, um rapaz que namorava há
tempo. Mas que se a noite em Cambridge tivesse alguma consequência, sabia onde procurá-
lo se precisasse dele.
— Se não é história, o que é? — insistiu Ben.
— Umas cartas do papai.
— Por que elas são tristes?
— Porque eu não sabia que ele as tinha escrito.
Controlando-se a custo para não chorar, Polly ergueu-se e guardou as cartas no
bolso.
— Por que as cartas estão aqui, mamãe?
— Isso é meio complicado, querido... Vamos descer, agora.
— Quando o papai vem? — Ben tirou a espada do cinto e atacou a arca,
demonstrando alarmante capacidade para as artes marciais. — Ele disse no telefone que
vinha logo me ver. Eu amo o meu pai!
Enquanto desciam a escada do sótão que levava ao patamar da escadaria principal,
Polly declarou:
— Eu também amo seu pai.
A voz de homem falando com Mary no hall de entrada sobressaltou-a. Inclinando-se
sobre a balaustrada ela viu Marco lá embaixo.
— Marco!
— Papai!
Polly segurou o filho, para que não saísse correndo, e desceram juntos. Marco pegou
Ben no colo, beijou-o e, enquanto o pequeno tagarelava contando suas aventuras, estendeu
a mão para Polly, que apertou-a com o coração agitado.
— Como vai? — perguntou ele.

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Rosalie Ash — Um Amor Antigo — Sabrina 1189

— Com saudade... E você?


— Também com saudade.
— Papai, você não está me ouvindo!
— Desculpe, Ben... — Marco jogou o filho para cima e aparou-o, rindo. — Não ouvir é
o pior crime, assim como não confiar, não acreditar e não perdoar.
Polly pegou Ben do colo de Marco.
— Ben, papai e mamãe precisam conversar, você pode ficar um pouco com a Mary?
A governanta estendeu os braços para o garotinho, que passou para o colo dela com
ar desconfiado.
— O papai vai embora outra vez, mamãe?
— Não — respondeu Polly, com os olhos brilhando traiçoeiramente. — Acho que o
papai vai ficar com a gente.
Uma vez á sós, Marco voltou-se para ela.
— Isso que você disse... — começou, hesitante — significa que quer continuar nosso
casamento?
— Sim — respondeu ela, com ar de desafio. — Por que, não devo?
Ele fechou os olhos por um instante e suspirou.
— Não mereço você, querida — murmurou, rouco. — Pode me perdoar?
— Perdoar o quê, Marco?
O amor que sentia por ele era tão intenso que doía.
— Por ter agido como um adolescente indo embora para Roma... É que não
conseguia pensar direito, mas não devia ter feito isso, justo quando você e Ben precisavam
do meu apoio... É que tudo me parecia perdido, e a lembrança de Paul voltou a me
enlouquecer de ciúme...
— Paul é apenas um amigo. Aliás, as preferências sexuais dele são para outro lado.
— Ele é gay? — Marco fitou-a, incrédulo. — Todos estes anos eu tive ciúme de você
com um gay? Dio! Sophy me disse que vocês estavam seriamente envolvidos... Por que não
me disse a verdade, Polly?
— É que... Eu precisava me defender, Marco. Não suportava a humilhação de amá-lo
sem ser correspondida.
— Então, estávamos na mesma posição — sorriu ele, terno. — Não imagina o quanto
eu sempre a amei, o quanto sofri...
— Você é meu marido, agora. — Polly acariciou o rosto de Marco ao ver a dor
escurecer-lhe os olhos. — É o pai de Ben, o pai da irmãzinha ou irmãozinho dele que estou
esperando.
— Vamos ter outro filho? Por que não me contou, cara?
— Porque não queria que você voltasse para mim apenas por essa responsabilidade...
Sei que não pode esquecer que perdeu os primeiros anos de vida de Ben, mas pode me
perdoar?
— Sim. Agora que compreendi é fácil perdoar. Sou o homem mais feliz do mundo,
meu amor!
Marco abraçou Polly e beijou-a com ardor e possessividade mais eloquentes do que
palavras.

Fim

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