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A ÚLTIMA TENTAÇÃO

Ultimate Temptation
Sara Craven

Destino: TOSCANA
Atrações: a torre de Pisa, museus, artes góticas, paisagens deslumbrantes e...
um homem procurando uma mulher!
Giulio Falcone é a fantasia de todas as mulheres: alto, moreno e fatalmente
sensual. Foi ele quem socorreu Lucy num momento de perigo. Era natural que o
conde italiano desejasse algo em troca.
Ele precisava de uma mulher para ser a babá de seus sobrinhos. Este não seria
problema, se Giulio não houvesse declarado que se sentia atraído por ela. Na
casa de Giulio Lucy descobriu-se no lugar errado, na hora errada, com a última
e definitiva

Disponibilização: Priscila
Digitalização: Ana Cris
Revisão: Crysty
Sara Craven – A Última Tentação
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Querida leitora,

Este mês embarcaremos em uma via deliciosa: Toscana, uma região da Itália que tem o
maior acervo cultural do mundo, e onde você vai viver intensas emoções a bordo da
magnífica história A Ultima Tentação. Tenho certeza de que você vai adorar!

Arrivederci

Janice Florido Editora Executiva

Copyright © 1996 by Sara Craven


Originalmente publicado em 1996 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial,
sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a Mills & Boon Ltd.
Esta edição é publicada por acordo com a Mills & Boon Ltd.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.

Título original: Ultimate Temptation

Tradução: Débora da Silva Guimarães Isidoro


Editor: Janice Maria Florido
Arte: Ana Suely Dobón
Paginador: Nair Fernandes da Silva

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.


Rua Paes Leme, 524 - 10 andar CEP: 05424-010 - São Paulo – Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1998


EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda.
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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Sara Craven – A Última Tentação
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PRÓLOGO

BEM-VINDA À TOSCANA

Na região da Toscana, séculos de glória repousam em sua arte incomparável.


Paisagens idílicas de seus campos emolduram sua história milenar, na qual
ainda é possível sentir toda a força e bravura dos etruscos responsáveis por
tantas transformações na história da Itália.

A Toscana a espera de braços abertos para lhe apresentar a renascentista


Florença, a intrigante Pisa e a deslumbrante Siena.

Você está convidada para conhecer essa romântica região italiana de tantos
mitos e lendas.

Seja bem-vinda à Toscana, o berço da Renascença.

PASSADO ROMÂNTICO

Os tirrenos estabeleceram-se entre os rios Tiber e Amo, região que compreende


a Toscana, no ano de 1200 a.C. Já na época da fundação de Roma, a
confederação das cidades etruscas era a mais poderosa de toda a Itália central.
Florença ainda não existia, sendo a antiga Fiésole sua mais importante
metrópole.

Comerciantes e piratas, os tirrenos dividiam o domínio do mar com os fenícios


e os gregos, e a importância de suas colônias estenderam-se por todas as partes
até o ano de 280 a.C, quando foram subjugados por Roma.

Após a queda do Império Romano no Ocidente, a Etrúria, assim como a toda a


Itália setentrional foi dominada pelos ostrogodos e lombardos.

No final do séc. 8, Carlos Magno a anexou ao seu império, colocando duques e


condes em sua administração. Depois de algumas batalhas, Oto I, o Grande,
estabeleceu a supremacia alemã sobre a Itália e, com ela, implantou o sistema
feudal na região.

No mês de março de 1860, a Toscana foi finalmente anexada ao reino da Itália,


sendo Florença declarada sua capital de 1865 a 1870.

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PRESENTE ROMÂNTICO

Estendendo-se desde os Apeninos ao mar Tirreno, a Toscana ocupa a região da


Itália central e compreende nove províncias: Arezzo, Florença, Grosseto,
Livorno, Lucca, Massa e Garrara, Pisa, Pistóia e Siena.

Com quase meio milhão de habitantes, a principal cidade toscana é Florença,


cuja paisagem é dominada pela cúpula do Duomo, construída por Brunelleschi.
Considerada uma cidade-tesouro, ela reúne as maiores obras-primas do
Renascimento, assim como os mais fulgurantes palácios desse período da
história da humanidade. Visitá-los é conhecer a maravilhosa atmosfera em que
viviam as famílias que governaram a cidade, com destaque para os Médicis. E
foram os Médicis, verdadeiros mecenas, que construíram o maior e o mais belo
cartão-postal de Florença, a Catedral de Santa Maria Del Fiori, mais conhecida
como Duomo.

Localizada no centro da cidade e ocupando toda a Piazza Michelangelo, esta


catedral forma com o Batistério e o Campanário de Giotto um dos mais
impressionantes conjuntos arquitetônicos de toda a Itália. Revestida em
mármore branco, rosa e verde, a catedral firmou o estilo decorativo florentino,
reunindo linhas góticas — presentes nos portais e nas janelas —, ao estilo
predominantemente renascentista. A catedral que começou a ser construída em
1296 é tão grandiosa que, segundo alguns estudiosos, inspiraram as linhas da
Basílica de São Pedro, em Roma.

Chegando a Florença é obrigatória uma visita ao Palazzo Vecchio, edifício


construído entre 1299 e 1314, e que foi a antiga sede do governo. Cada aposento
deste palácio possui um estilo diferente, contrastando com a austera fachada de
pedras em tom escuro.

Do Palazzo Vecchio, na Piazza delia Signoria, chega-se à Ponte Vecchio, outro


marco de Florença que deve ser visitado.

A mais antiga das pontes sobre o rio Arno foi erguida em 1345 e abrigava um
mercado de carne. Hoje abriga dezenas de sofisticadas joalherias.

Para apreciar as obras-primas do Renascimento italiano, uma visita na Galeria


degli Uffizzi é fundamental. Ali, entre tantas outras obras, se encontram o Davi
de Michelangelo, As Três Graças e o Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, e

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duas fantásticas pinturas religiosas de Leonardo da Vinci, Anunciação e Adoração
dos Magos.

Majestosa e bastante cultural, Florença tem também um clima festivo'. Por seus
arredores circula sempre uma animada multidão composta de pintores,
desenhistas, vendedores de reproduções de quadros e outras lembranças. E, é
claro, de turistas que superlotam suas ruas, restaurantes e museus, prin-
cipalmente a Piazza delia Signoria, o centro cívico e histórico da cidade.

Vale a pena provar a preciosa comida toscana, beber vinho regional, o chiantti, e
ir às compras. As principais grifes estão ali estabelecidas, transformando
Florença num pólo da moda italiana.

No sudoeste da Toscana, Pisa atrai quase tantos turistas quanto Florença, mas
por razões bem diferentes. Esta cidade cresceu e acabou por rivalizar-se com o
poderio de Gênova e Veneza, graças à expansão comercial do séc. 12. E daquela
época guarda um marco arquitetônico inconfundível e o símbolo da Itália: a
torre inclinada de Pisa, que desafia a ciência e os séculos sobrevivendo a cada
ano às previsões pessimistas quanto à sua firmeza.

A construção da Torre de Pisa — que nada mais é que a torre dos sinos — foi
iniciada em 1173 e concluída duzentos anos depois. Sua altura atinge 56 metros.
Suas paredes têm mais de três metros de espessura na base, e cerca de 1,5 metro
nos oito andares que se seguem.

A Torre de Pisa seria mais um entre as centenas de campanários medievais que


se espalham pela Itália, se as fundações não tivessem deslizado em algum
momento de sua história.

Embora pequena e com apenas pouco mais de cem habitantes, Pisa reúne
muitas atrações em pouco espaço. Os quatro edifícios históricos da cidade
apresentam umas das maiores densidades mundiais de arte, história e ciência.
Além da torre pendente, estão o Duomo, o Batistério e o Campo-santo, um
cemitério retangular com galerias góticas, em área igual à do Maracanã. Neste
pequeno quadrilátero estão representadas a criatividade dos antigos pisanos,
por muitos anos rivais de Florença na arte.

Se Florença é o centro agitado da arte da Toscana até os dias atuais, Siena — a


60 quilômetros ao sul — é menos freqüentada e se oferece como refúgio para os
que apreciam tranqüilidade e romantismo.

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Siena parou no tempo. E é justamente aí que reside seu fascínio atual. A parte
antiga da cidade, com suas ruas estreitas que seguem em arcos dando
continuidade à Piazza del Campo, desaparecem nas colinas que dominam as
planícies ao redor.

Pouco mudou em Siena desde a época medieval. Todas as suas praças, palácios,
mansões dos antigos comerciantes, igrejas e a catedral datam do séc. 11 ao 15.
Da renascença propriamente dita, Siena herdou pouco.

A praça central em forma de anfiteatro ainda é o ponto de reunião de artistas e


boêmios. Os turistas que lá chegam vem pelas várias portas de acesso à praça e
são saudados pelos 102 metros da Torre de Mangia do Palácio Público, que abriga
atualmente a Prefeitura. Em seu extraordinário museu de arte medieval está o
mais antigo globo terrestre do mundo, assim como obras que mostram toda a
originalidade da pintura sianense.

De região montanhosa, Siena parece ter uma aldeia medieval no topo de cada
colina, construída em forma de fortaleza.

Outra característica de Siena é constatada no horizonte, onde se vêem as


paredes verticais das torres das igrejas. São as famosas vilas do alto dos morros,
admiradas por urbanistas do mundo inteiro. Uma delas é San Gimignano, onde
restaram apenas treze das muitas torres que originalmente foram erguidas por
famílias mercantes.

Carrara, no extremo norte da Toscana, em pleno litoral mediterrâneo também é


magnífica. O turista vislumbra a distância montanhas bastantes altas. A
primeira impressão é de se estar visualizando os primeiros campos de neves
dos Montes Apeninos. Mas, na realidade, trata-se das seculares escavações do
mármore de Carrara, usado nas construções das maravilhosas catedrais de
Florença, Pisa e Siena, nas tonalidades preta, branca, verde e rosa.

VOCÊ SABIA QUÊ...

- Florença é a capital da Toscana?

- a língua italiana surgiu em Florença nos escritos de Dante Alighieri, por isso

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ela é conhecida como a Mãe do idioma italiano?

- Florença e Siena são cidades rivais desde a Idade Média e que as duas foram
responsáveis pelo mais extraordinário florescimento de arte visto no mundo?

- nomes como Leonardo da Vinci, Rafaelo e Boticelli (na pintura), Donatelo e


Michelangelo (na escultura), Dante, Bocaccio e Petrarca (na literatura)
revolucionaram a vida européia durante os séculos 15 e 16, fazendo da Toscana
o centro do mundo civilizado?

- Galileu Galilei nasceu em Pisa em 1564 e cresceu em Florença, voltando a Pisa


com 17 anos para estudar na universidade?

- uma das mais famosas experiências de Galileu — a que provou que matérias
de diferente peso caem na mesma velocidade — foi feita do alto da Torre de
Pisa?

- o pequeno vilarejo de Chiantti está localizado a menos de 20 quilômetros ao


norte de Siena e que ali é a terra do mais famoso vinho italiano?

CAPÍTULO I

— Lucy... olhe aquele sujeito na mesa da ponta. Já viu alguém tão lindo?

Lucy Winters fechou os olhos quando o sussurro penetrante de Nina alcançou


seus ouvidos e, certamente, os de todas as outras pessoas sentadas no café.
Abrindo os olhos, fingiu concentrar-se no guia sobre a Toscana que mantinha
aberto entre as mãos, desejando poder esconder-se entre as páginas do livro.
Sua única esperança era de que o Adonis desconhecido fosse surdo, ou não
conhecesse uma única palavra do idioma delas. Mas um olhar rápido e
embaraçado na direção dele foi suficiente para constatar que o otimismo não
tinha fundamento.

Viu um perfil que poderia ter sido esculpido em bronze por Michelangelo,
marcado por linhas que sugeriam desdém. Um nariz empinado e aristocrático
realçava a boca firme, apertada em sinal de desgosto e o queixo arrogante. O
desconhecido chamou o garçom para pedir a conta. Depois virou-se para

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apanhar uma pasta de couro na cadeira ao lado e, por um momento, os olhos
frios como o âmbar encontraram os de Lucy.

Dizem que o gelo pode queimar. Nesse momento Lucy teve a impressão de
estar sendo marcada por um ferro em brasa.

— Nina, pelo amor de Deus! Ele a ouviu!

— E daí? Esses garanhões italianos vivem para serem olhados e admirados. Lá


vai ele. — Recostada na cadeira, ela deixou escapar um suspiro sonhador. —
Veja como aqueles quadris se movimentam. Aposto que é um estrondo na
cama!

Incomodada com a vulgaridade da companheira, Lucy observou com interesse


mais estético a figura alta que saía do café.

Sim, tratava-se de uma beleza clássica, apesar dos cabelos espessos, negros e
ondulados serem longos demais para o seu gosto. A graça com que
movimentava-se era mais instintiva que estudada. E ele não gostara de ser
objeto do interesse descarado de Nina, e não fez nenhuma questão de esconder
a contrariedade. E quem poderia culpá-lo?

Era um homem cujo caminho não devia ser atravessado.

— Aposto que viu mais que a beleza física daquele italiano. — Lucy comentou
com tom seco. — Ele estava usando um terno de corte perfeito. Um Armani,
certamente.

Nina riu.

— Fiquei mais interessada no que havia em baixo do terno. Sabe de unia coisa?
Estou começando a gostar da Itália.

Ela chamou o garçom para pedir mais dois capuccinos, e Lucy voltou ao guia de
turismo.

Pela centésima vez desde sua chegada, quarenta e oito horas atrás, imaginou se
havia tomado a decisão acertada. Concordar em dividir uma vila na Toscana
com três mulheres praticamente desconhecidas fora um tiro no escuro, mas
sentira-se desesperada para sair, distrair-se.

E quando ouvira Nina, uma colega de trabalho, lamentando o fato de a quarta


integrante do grupo ter desistido da viagem no último instante, oferecera-se
para substituí-la sem pensar no que fazia.

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Três semanas ao sol italiano seriam impossíveis se ainda estivesse com Philip.
Ele apreciava férias mais movimentadas, coisas como esquiar num mar bravio,
fazer um safári na África ou escalar as montanhas de Wales, e Lucy escondera a
própria apreensão para acompanhá-lo. Velejar na região das ilhas gregas havia
sido o máximo que ele aceitara em matéria de descanso, mas Lucy acabara se
mostrando uma péssima marinheira.

A irritação e a impaciência que Philip demonstrara na última viagem que


fizeram juntos deviam ter servido para alertá-la para os problemas no
relacionamento. Por outro lado, talvez o amor cegasse mesmo as pessoas,
pensou, tentando não olhar para a faixa branca no dedo onde antes estivera
uma aliança.

Quando Philip finalmente revelara a existência de outra pessoa em sua vida,


Lucy ficara perdida. Mas agora, olhando para trás, era forçada a admitir que os
sinais estiveram presentes durante muito tempo.

Atônita, vira ele fazer as malas e sair do apartamento que haviam dividido.
Apartamento dela, mas aceitara a decisão por conveniência, e por isso não
podia acusá-lo de nada. Agora tinha de fazer uma nova escolha, decidir se
queria viver com as lembranças ou encontrar outro lugar para recomeçar.

— Pode ficar conosco por algum tempo. — Sua irmã Jan havia oferecido, o rosto
delicado contorcido numa máscara de preocupação. — Até pôr os pés no chão
novamente.

Lucy amava Jan e o cunhado, um enorme jogador de rugby. Também adorava


os sobrinhos, duas crianças eternamente alegres e bem dispostas, mas sabia que
ir morar com eles, mesmo em caráter temporário, não era a resposta para os
problemas que enfrentava.

— Essa é uma das razões pelas quais decidi tirar férias. Para pensar e
reorganizar minha vida. — Tentara sorrir. — Vou precisar de algum tempo para
me ajustar.

— Mas acha que essa é a melhor maneira para ajustar-se? — Jan espalhara
açúcar sobre a massa e as frutas que acabara de despejar numa assadeira. —
Dividir uma casa com uma mulher que mal conhece e duas amigas dela? Para
mim, esse tipo de situação sempre acaba em desastre.

— Limite-se às tortas de maçã. — Lucy havia tentado impor um tom bem-

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humorado à voz. — Vi algumas fotos da Villa Dante e o lugar é fantástico, além
de muito barato. A casa pertence ao amigo do gerente de um restaurante
italiano onde Sandie e Fee costumam jantar depois das aulas.

— Quer dizer que nem se deu ao trabalho de procurar uma agência de viagens?

— Pare de preocupar-se. Jan. Vai ser maravilhoso. Talvez consiga até pintar um
pouco.

— Se tem certeza. — Jan havia suspirado. — Maldito Philip! Não acredito no


que ele fez com você. Quem é a nova namorada? Por acaso a conhece?

— Lembra-se de quando Philip mudou de emprego há alguns meses? Pois essa


mulher é filha do presidente do banco onde ele foi trabalhar. Philip sempre foi
muito ambicioso.

— Eu não escolheria uma palavra tão amena. Mas esqueça-o e aproveite suas
férias.

E essa havia sido a intenção de Lucy, mas as primeiras dúvidas começaram a


surgir durante o vôo para Pisa, quando suas companheiras abusaram dos
drinques oferecidos pela comissária de bordo e dedicaram-se a um flerte
barulhento com um grupo de rapazes do outro lado do corredor.

Lucy, que abrira mão da bebida para dirigir o carro alugado que estaria
esperando por elas no aeroporto, notara os olhares críticos lançados pelos
outros passageiros. Também havia percebido que alguns rapazes do grupo
estavam acompanhados por mulheres, e que elas nem tentavam ocultar a
hostilidade.

Mas suas tentativas de contornar a situação haviam sido recebidas com


desprezo pelas companheiras.

— Que garota! — Ouvira Sandie resmungar para Fee. — Agora entendo porque
o namorado a abandonou.

Tommaso, o zelador da propriedade, as recebera no aeroporto com o carro, um


pequeno Fiat, e entregara as chaves da vila. Era mais jovem do que Lucy
imaginara, muito eficiente e encantador, mas algo nele a deixara prevenida.

Não esperava ter de pagar sua parte do aluguel imediatamente, e em dinheiro,


mas as outras três não viram nada de errado no arranjo, e por isso ela acabara
concordando.

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— Não há um inventário que precisamos examinar? — Perguntara precavida.

Tommaso desprezara sua preocupação com um gesto típico e um sorriso


amplo.

— Se tiverem algum problema, conversem com a criada, Maddalena.

— E se ela não puder resolver o problema?

Tommaso encolhera os ombros.

— Então me procurem. — E entregara um cartão com um endereço manuscrito.


— Moro aqui mesmo, em Montiverno.

Tentando acostumar-se com a mão esquerda de direção e as ruas


desconhecidas, Lucy deixara-se consumir pelo pessimismo a respeito da
empreitada, especialmente quando as companheiras insistiram para que fizesse
um desvio de forma que pudessem passar pela famosa Torre Inclinada antes de
deixarem Pisa.

Lucy suspirara e, resignada, deixara Pisa rumo ao sul.

Naquele dia maravilhoso, o sol brilhava forte num céu muito azul e sem
nuvens. A brisa morna e suave trazia o perfume das rosas e dos pinheiros, e
intermináveis canteiros de girassóis precederam a entrada do grupo na região
dos vinhedos. Pequenos vilarejos de casas brancas e persianas fechadas
entrecortavam a paisagem de parreiras e flores, e as montanhas eram como uma
moldura natural para o quadro de rara beleza. Como as outras três haviam
dormido, Lucy pudera desfrutar do panorama em completa tranqüilidade.

Seguindo o mapa que Tommaso rabiscara num guardanapo de papel, passaram


por Montiverno, uma pequena cidade construída no alto de uma colina e
dominada pelas ruínas de uma antiga fortaleza, e seguiram pelo vale coberto de
vinhedos e oliveiras.

De repente, depois de uma curva mais acentuada, a Villa Dante surgira diante
de seus olhos em todo seu esplendor, o nome da propriedade entalhado nos
pilares de pedra que sustentavam o portão de ferro.

Uma entrada imponente para um local de veraneio, Lucy pensara ao dirigir por
entre os enormes ciprestes que pareciam montar guarda desde o portal.

E quando a casa finalmente surgira, erguendo-se orgulhosa numa porção mais


alta do terreno gramado, havia sido como se o ar escapasse de seus pulmões.

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Fora amor à primeira vista.

Sentada à frente do volante, embriagara-se com a beleza das velhas paredes


caiadas, do telhado vermelho e dos degraus de pedra que levavam à pesada
porta de madeira entalhada.

Os fotógrafos de Londres não haviam feito justiça àquela maravilha da


arquitetura.

Maddalena esperava para cumprimentá-las. Era uma mulher pequena, com


cabelos negros intercalados por vastas mechas grisalhas, e mostrara-se muito
nervosa. Durante a turnê pelas dependências da propriedade, ela mal falara e
nunca sorrira.

A vila ocupava três lados de um grande quadrilátero e era cercada por uma
varanda ampla e fresca de onde se podia ver todo o terreno. No centro do
quadrilátero havia uma grande fonte de água fresca, e alguns metros à frente
ficava a piscina. Adiante via-se o jardim repleto de flores exuberantes e cortado
por trilhas feitas com pedras.

No interior, os aposentos eram espaçosos, e a mobília parecia ter sido escolhida


com cuidado.

A sala de jantar encheu os olhos de Lucy com sua beleza. As paredes exibiam
lindos afrescos e uma imponente mesa de carvalho dominava o espaço.
Cadeiras do mesmo material e meia dúzia de candelabros de prata
completavam o conjunto de rara elegância. De lá passaram ao salotto, cujo teto
exibia um desenho colorido feito sobre gesso. A lareira em pedra maciça era
grande o bastante para assar um boi, e os sofás de couro tinham uma aparência
muito convidativa.

Todo esse esplendor pelo preço que estavam pagando? Lucy questionara a
situação em silêncio, mas as outras não se mostraram intrigadas.

— Um quarto para cada, e mais dois extras. — Nina exultara. — Só precisamos


de um pouco de sorte para aproveitar todo esse espaço.

Mas Lucy não queria aventuras. Esse tipo de encontro nunca fora seu estilo, e
sentia-se vulnerável e frágil demais para contemplar um relacionamento,
mesmo que superficial e passageiro.

Os primeiros dois dias foram calmos. Tomaram banho de sol, nadaram na


piscina cristalina e saborearam os deliciosos pratos que Maddalena preparava.

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Sandie e Fee passavam muito tempo ao telefone, falando em voz baixa e rindo
como adolescentes.

Decidira deixar para preocupar-se com a conta no momento oportuno. Até lá,
aproveitaria o ambiente de tranqüilidade e o luxo de contar com uma
empregada para servi-la.

Mas naquela manhã Maddalena não aparecera.

— Talvez seja seu dia de folga — Nina arriscara irritada enquanto lutava com a
cafeteira elétrica. — Ela disse alguma coisa, Lucy?

— Não. Ela mal falou comigo. Na verdade, acho que tem medo de nós. Por que
não vai ver se ela está no chalé, Sandie?

— Por que eu? — a outra devolvera.

— Porque você e Fee têm aulas de italiano.

— O que não significa que aprendemos alguma coisa — Fee sorrira. — Mas vou
tentar falar com Maddalena e descobrir o que aconteceu. — E saíra como quem
fazia uma grande concessão.

Pouco depois, ela retornara.

— Não há ninguém no chalé. Olhei pela janela e constatei que o lugar está
vazio. Ela levou tudo.

— Oh, não! — Nina assustara-se. — Nosso dinheiro! Os cheques de viagem, os


cartões de crédito...

Mas todos os objetos de valor estavam onde haviam sido deixados.

— Talvez ela tenha se cansado de tanto trabalho. — Fee havia sugerido. — Mas
o pagamento inclui o serviço de uma criada, e Tommaso terá de substituí-la
imediatamente. Iremos procurá-lo assim que comermos alguma coisa num
restaurante da cidade.

E fora assim que Lucy havia ido ao café na principal esquina de Montiverno,
onde bebia capuccino com Nina enquanto as outras compravam provisões no
mercado local, uma oferta que a surpreendera.

Sandie e Fee voltaram carregando grandes sacolas e sorrindo satisfeitas.

— Não imaginam quem encontramos no mercado. — Sandie disse ao sentar-se.


— Os rapazes com quem viajamos até Pisa, Ben e Dave. Os pais de Ben têm

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uma casa de veraneio a alguns quilômetros de Lussione. Não é uma
coincidência espantosa?

O rosto e a voz eram a expressão da ingenuidade, mas Lucy surpreendera uma


piscada lançada para Nina.

Era evidente que haviam mantido contato desde o início. Por isso passavam
tanto tempo ao telefone. E as compras no mercado haviam sido apenas um
pretexto para encontrarem os rapazes.

— Decidimos organizar uma pequena festa esta noite, uma espécie de boas-
vindas à Toscana para todos nós. Eles adoraram a idéia. — Fee ajeitou os óculos
escuros com ar despreocupado.

Lucy encarou-a.

— Vão dar uma festa na vila?

— Por que não? — Sandie disparou.

De repente todas olhavam para ela como se esperassem mais uma atitude
antipática da eterna desmancha-prazeres. Lucy sentia-se na obrigação de vetar
tal festa.

— A vila não é o local mais adequado para esse tipo de reunião. — Falava como
uma avó preocupada, mas não podia mudar a própria natureza. — A mobília é
composta por peças antigas e valiosas, e Tommaso pode não gostar de saber
que recebemos estranhos em sua propriedade.

— Se está tão interessada na aprovação de Tommaso, por que não vai falar com
ele? — Nina sugeriu. — Aproveite para dizer que Maddalena desapareceu.
Convide-o para participar da festa, se quiser. Bem, vou ver aquela butique no
final da rua. — Ela decidiu, consultando o relógio de pulso. — Voltarei a
encontrá-las aqui dentro de uma hora.

Lucy caminhou pelas ruas estreitas sentindo-se a verdadeira forasteira. A


ovelha negra do grupo.

Parou para verificar o endereço que Tommaso escrevera no cartão e franziu a


testa. Havia pedido informações antes de sair do café, mas as casas da
vizinhança pareciam pobres e abandonadas demais para o homem que
comandava a Villa Dante. A pintura descascada era marca registrada na
maioria das paredes, e os telhados exigiam atenção imediata. As telhas

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deslocadas ou quebradas sugeriam problemas na próxima chuva mais forte.

A casa de Tommaso ficava no meio da quadra. Dois degraus de madeira


apodrecida levavam à porta, e uma veneziana quebrada pendia da janela do
piso principal num ângulo estranho.

A campainha não funcionava, e por isso Lucy bateu na porta. Uma vez, duas,
três... Ninguém respondeu.

Erguendo-se na ponta dos pés, espiou por uma janela e viu um aposento vazio,
sem uma única peça de mobília ou qualquer sinal de vida.

Lucy voltou à rua e mordeu o lábio, preocupada. Primeiro Maddalena, e agora


Tommaso. Que estava acontecendo?

O melhor a fazer era ir ao encontro das companheiras e discutir o assunto com


elas. Aliviada por poder sair da área sombria de ruas estreitas e silenciosas,
Lucy voltou sobre os próprios passos.

Mas devia ter errado o caminho, porque descobriu-se numa praça diferente
daquela onde estivera com as companheiras. Em lugar dos bares e do
movimento, havia apenas uma igreja gótica e muitos pombos.

Lucy ouvia os próprios passos ecoando no piso de pedras e parou, imaginando


qual das alamedas a levaria de volta ao centro da cidade.

O silêncio era opressor... ameaçador. E de repente o ronco de uma motocicleta


explodiu como um trovão atrás dela.

Os pombos partiram em revoada. Lucy virou-se, teve uma impressão confusa


de duas figuras vestidas com roupas de couro, protegidas por capacetes negros,
e percebeu que uma delas estendia a mão em sua direção à medida que a moto
avançava.

Gritando, tentou pular para trás no momento em que a mão agarrou a alça de
sua bolsa, segurando-a com força e recusando-se a soltá-la. Ouviu a voz rouca
que a ameaçava, notou que o piloto acelerava e foi puxada para a frente, caindo
de bruços sobre as pedras do calçamento. Seria arrastada pela motocicleta se
não soltasse a bolsa.

— Socorro! Alguém me ajude!

Uma voz masculina gritou em resposta ao apelo.

Viu uma figura correndo em sua direção, sentiu uma força contrária àquela

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exercida pela mão do assaltante, e de repente a alça da bolsa se rompeu. Lucy
ficou caída no chão, assustada, ferida, mas livre, a bolsa presa entre os braços
enquanto os ladrões fugiam levando apenas uma alça sem valor.

Parecia mais seguro ficar onde estava. O coração batia depressa, o corpo todo
tremia e sentia-se enjoada. Sabia que o homem que a salvara estava inclinado
sobre ela, a voz profunda falando num italiano urgente enquanto ele tocava seu
ombro.

— Não! — exclamou apavorada, deixando-se dominar pelo pânico. — Tire as


mãos de mim.

— Não seja tola, signorina. — o desconhecido disse em inglês. — Ouvi quando


gritou por socorro, e só estou tentando ajudá-la. Machucou-se? Pode sentar-se?

Lucy aceitou a ajuda do desconhecido e sentou-se. As mãos que a tocavam eram


gentis, embora fortes, e o suave aroma de almíscar da colônia masculina
aguçava seus sentidos.

Devagar, virou a cabeça para fitá-lo e experimentou um misto de tensão e


desânimo ao constatar que seu salvador era o mesmo homem que Nina elogiara
no café.

O garanhão italiano num terno Armani. Quem mais?

De perto ele era ainda mais devastador. Belo como um príncipe da Renascença
e tão distante como um representante da antiga realeza.

— Então nos encontramos novamente — ele comentou sem nenhum prazer. —


O que pensa estar fazendo? Não sabe que é perigoso andar sozinha por essa
parte da cidade?

— Agora sei. Estava procurando alguém, e pensei que coisas como essa só
aconteciam nas grandes cidades.

— Infelizmente, os criminosos dos centros urbanos parecem ter decidido


ganhar a vida em cidades pequenas como Montiverno. Vamos ver se pode ficar
em pé.

Teria adorado recusar a mão estendida em sua direção e esbofetear o rosto


arrogante, mas aceitou a ajuda e levantou-se. O tombo a deixara imunda, e a
calça nova de algodão branco havia sido irremediavelmente rasgada. Cada
parte dela latejava, e sentia um impulso ridículo de romper em lágrimas.

Projeto Revisoras 16
Sara Craven – A Última Tentação
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Em vez disso, conteve-se e disse:

— Eles queriam minha bolsa, mas eu resisti.

— É melhor perder a bolsa do que ser morta ou espancada.

Lucy tirou os cabelos dos olhos com mão trêmula.

— Acabei de passar por uma das piores experiências de minha vida, e tudo que
sabe fazer é criticar!

— Não. Há algo que posso fazer para ajudá-la. Meu carro está estacionado perto
daqui. Vou levá-la a uma clínica para um exame completo.

— Não. — A resposta foi instintiva e imediata, provocada pela certeza de que


ladrões em motocicletas não representavam o único perigo nesse país fascinante
e cheio de surpresas. — Quero dizer... obrigada, mas não precisa incomodar-se.
Estou bem. Apenas um pouco... abalada.

— E inclinada a certas ilusões. — O italiano sorria, mas não havia humor em


seus olhos. — Estou oferecendo ajuda, signorina, mais nada. Não costumo
solicitar favores sexuais como recompensa por minha assistência, sejam quais
forem as fantasias que você e sua amiga possam ter.

O tom cortante da voz a atingiu como uma chicotada. Não havia razão para
sentir-se mortificada, disse a si mesma furiosa. O sujeito era um completo
desconhecido, e nunca mais o veria novamente. Que importância tinha se a
comparava com Nina?

No entanto, a opinião dele era importante.

Mesmo assim, ergueu o queixo e encarou-o com ar desafiante.

— Pense o que quiser, signore. Agradeço por ter me ajudado, mas não estou
interessada em sua opinião a meu respeito.

— Então aceite meu auxílio. Não posso ir embora e deixá-la aqui sozinha nesse
estado. Mas não tenho o dia todo para cuidar de seus interesses, signorina.
Sendo assim, decida-se de uma vez por todas.

Lucy mordeu o lábio.

— Bem... talvez uma carona de volta à praça onde minhas companheiras me


esperam.

— É claro. Sem dúvida ainda têm muito a discutir sobre o talento dos homens

Projeto Revisoras 17
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daqui. Tome cuidado, signorina. Não está na Inglaterra. Provocar um toscano é
brincar com fogo.

— Por favor, não se preocupe comigo, signore. Sou à prova de fogo — mentiu.

Tinha a impressão de ter caminhado descalça sobre um braseiro, mas rangeu os


dentes e seguiu o desconhecido até o local onde ele deixara o carro, numa rua
próxima.

Era um automóvel esportivo, preto, revelando poder e força em cada linha do


desenho arrojado. Como o proprietário, ela pensou, tentando extrair algum
humor da situação e admitindo o fracasso.

Aceitou a ajuda para acomodar-se no banco do passageiro com toda a


dignidade que ainda lhe restava e ficou em silêncio, esperando não sangrar no
couro legítimo, enquanto ele percorria as ruas estreitas com impressionante
habilidade. Finalmente alcançaram a praça principal, onde o italiano parou.

— Tem certeza de que não precisa de um exame médico?

— Sim, obrigada. Os ferimentos foram apenas superficiais, e tomei uma vacina


contra tétano antes de embarcar. Foi muito... — A única palavra em que
conseguia pensar era gentil, e por isso decidiu dizê-la, apesar de considerá-la
inadequada. — Gentil.

Ao ver que Lucy tentava manejar a maçaneta, ele inclinou-se e abriu a porta.
Mais uma vez ela foi atingida pela fragrância de almíscar e pelo calor
inquietante do corpo próximo ao dela. Muito quente. Muito próximo.

Ao encará-lo, viu uma chama intensa iluminando os olhos cor de âmbar e ouviu
o som da própria garganta engolindo em seco.

— Quer dizer que considera-se à prova de fogo? — Ele sorriu.

De repente o italiano inclinou-se, segurou seu queixo entre os dedos e beijou-a


na boca, devagar e com sensualidade contagiante. Depois soltou-a e, com um
gesto gracioso da mão bem tratada, indicou que estava livre para partir.

— Espero que seu garanhão italiano não a decepcione. Arrivederci, signorina.

Silencioso como uma pantera, o carro afastou-se deslizando pela rua estreita, e
Lucy ficou onde estava, a mão sobre os lábios trêmulos.

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CAPÍTULO II

Lucy censurou-se mentalmente pela centésima vez. Não era mais nenhuma
criança. Havia estado apaixonada por um homem. Vivera com ele. Portanto, um
único beijo, mesmo que fosse de um completo estranho, não devia ser tratado
como algo tão importante. Precisava compor-se.

Estava deitava na cama do quarto que ocupava na vila, olhando para o teto e
tentando compreender o que havia acontecido.

As outras haviam demonstrado preocupação quando a viram suja e rasgada e


souberam da tentativa de assalto. A princípio falaram em chamar a polícia, mas
Lucy opusera-se. Não tinha o número da placa da motocicleta, nem seria capaz
de descrever os sujeitos que a atacaram.

Nina dirigira o Fiat de volta à vila com cuidado exagerado, enquanto Sandie e
Fee cobriam Lucy de ofertas de todos os tipos, desde frutas e sucos até uma
xícara de chá caseiro.

Entretanto, todas mostraram-se intrigadas e cépticas quando relatara o


desaparecimento de Tommaso. O sentimento coletivo era de que havia ido ao
endereço errado.

— Por que um homem tão rico estaria acampado no meio de um cortiço sujo e
feio? — Nina perguntara, obrigando-a a admitir que a possibilidade era
improvável.

No dia seguinte, decidira, faria inquéritos mais apropriados.

Como Maddalena havia sumido sem deixar pistas, Nina e as outras tiveram de
organizar a festa sozinhas.

A ajuda de Lucy não fora solicitada. Nina a acompanhara até o quarto,


perguntara se precisava de alguma coisa e saíra imediatamente depois de ouvir
a resposta negativa.

Sozinha, Lucy enchera a banheira da suíte com água morna e deixara-se


confortar pelo banho prolongado.

O quarto que havia escolhido não era o maior, mas oferecia a melhor vista do
vale, e gostava das linhas sóbrias e discretas dos móveis e das cortinas cor de

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creme. Era um ambiente quase masculino. Talvez pertencesse a Tommaso,
pensou, experimentado um arrepio de contrariedade.

Alguém trouxera um copo de suco de fruta e um analgésico enquanto estava no


banho. O gesto sugeria gentileza e simpatia, e talvez marcasse uma nova fase no
relacionamento até então turbulento com as companheiras de viagem.

Eram todas mais jovens que ela, mesmo que só por alguns meses, solteiras e
livres. Que mal havia em procurarem um pouco de diversão?

Devia deixar de ser tão crítica e interessar-se mais pelas coisas boas da vida.
Envolver-se mais com as pessoas. A festa dessa noite seria uma ótima
oportunidade para demonstrar boa vontade. Afinal, agora também era uma
mulher sozinha, e não a metade de um casal.

Com a ajuda dos analgésicos, Lucy adormeceu e teve sonhos confusos e


inquietantes. Neles um homem moreno e misterioso vagava por seu campo de
visão, exibindo o rosto belo e orgulhoso como o de um anjo.

Quando acordou, no finai da tarde, notou que agarrava o travesseiro como


quem busca uma presença inexistente.

Não se sentia muito descansada, e as primeiras manchas roxas já podiam ser


vistas em algumas partes de seu corpo. Não seria difícil desculpar-se e
permanecer no quarto enquanto as outras festejavam no andar de baixo. Mas a
solidão também não a atraía. Na verdade, preferia não ter tempo ou
oportunidade para pensar.

A maior parte das roupas que trouxera era casual, mas no último instante
decidira pôr na mala um vestido próprio para uso noturno.

Lucy examinou-o sem entusiasmo. Philip a convencera a comprá-lo, apesar de


sua resistência, durante a última semana que passaram juntos. O traje curto,
justo e decotado não era seu estilo, nem favorecia suas curvas delicadas e
esguias. E a cor, um vermelho-escuro, também não era a mais favorável ao seu
tom de pele, porque roubava sua luminosidade natural.

Mas era o único traje de festa que possuía, e por isso vestiu-o sem hesitar.
Talvez fosse bom usá-lo.

Desde o rompimento com Philip, havia passado dias e noites torturando-se com
autocríticas, perguntando-se como pudera ser tão cega, ou como não havia
suspeitado a tempo de tentar salvar o amor que os unira e reconquistá-lo.

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Agora, enquanto escovava os cabelos lisos de comprimento médio, sabia que
não havia nada que pudesse ter feito. E, pela primeira vez, concluiu que havia
sido melhor nem ter tentado.

Porque a verdade era que a magia desaparecera do relacionamento muito antes


da partida de Philip.

Mas por que de repente passava a ver tudo isso com tanta clareza?

Porque, naquele dia, um homem a beijara, alguém que nunca mais encontraria,
e conseguira sacudi-la com a intensidade de um terremoto, provocando uma
excitação imediata como jamais sentira antes.

Não havia sido Philip quem a encantara no sonho, mas aquele outro homem.
Chegara a sentir o hálito quente no rosto, inalara o perfume delicado e sensual
de sua colônia e fora envolvida pelo calor dos braços fortes. E havia desejado
muito mais que um simples beijo.

De frente para o espelho, levou a mão aos lábios mais ume vez e assustou-se.

O que estava acontecendo com ela?

Apesar das boas intenções, Lucy não conseguia entrar n< espírito da festa.

Os convidados haviam chegado, ruidosos e animados, trazendo uma coleção de


garrafas de vinhos e vários discos de rock.

Fee preparara uma enorme travessa de espaguete carbonara, que serviram na


sala de jantar. Lucy foi invadida por uma onda de indignação ao ver Dave
apagar o cigarro no canto da mesa de madeira nobre e polida.

— Que. lugar fabuloso! — Ben comentou, reclinando-se na cadeira. — Tiveram


sorte por encontrar algo assim nessa região. Quando meus pais estiveram aqui
pela primeira vez em busca de uma casa, descobriram que todos os imóveis da
área pertenciam a uma família de nome Falcone, banqueiros de Florença, pelo
que ouvimos dizer. E eles não queriam nem pensar em vender um único
milímetro de terra, ou um só tijolo de qualquer propriedade.

— Falcone? — Lucy perguntou com a testa franzida. — Que engraçado. Há um


falcão entalhado sobre a porta principal da vila. Acham que pode existir alguma
ligação?

— Lucy tem um grande interesse por prédios antigos. — Fee explicou aos
outros. — Ela sempre nota todos os detalhes.

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Hal inclinou-se sobre a mesa. Era alto, louro e mais velho que os outros.

— Que tal concentrar-se no presente e notar coisas mais concretas? Como eu,
por exemplo.

Todos riram, mas Lucy viu que os olhos do rapaz mergulhavam em seu decote
e sentiu-se desconfortável. Ben pegou uma das garrafas sobre a mesa.

— Ou podemos notar esse maravilhoso Chianti Roccanera, um dos produtos da


indústria Falcone. Papai me mataria se soubesse que peguei uma garrafa da
adega.

Nina levantou o copo.

— Então vamos fazer um brinde ao pai de Ben e a todos os Falcone, incluindo o


da porta da frente. E ao nosso senhorio, Tommaso Moressi, que conseguiu
subjugar o sistema.

Quando terminaram de jantar, enrolaram os tapetes do salotto e dançaram. Lucy


observava o processo de formação de pares sem nenhum interesse. O final da
experiência não seria do agrado de ninguém, podia apostar nisso.

Nina escolheu Greg, com quem havia flertado no avião e que parecia estar
desacompanhado, o que não sugeria problemas. Mas a namorada de Ben, Sue,
não escondia o aborrecimento causado pela aproximação de Fee, com quem o
rapaz dançava alegremente. E Sandie mostrava-se disposta a arrancar Dave dos
braços de Clare.

Notando que Hal vinha em sua direção, Lucy decidiu ir tirar os pratos sujos da
mesa. A sala de jantar era como uma área atingida por um bombardeio. Havia
comida no chão, sobre o tapete, e uma poça de vinho formara-se bem no centro
da mesa por conta de uma taça virada, escorrendo al£ uma das cadeiras e
respingando no piso. Um abajur sobre uma das mesas laterais fora derrubado e
quebrado, e uma das lindas taças de cristal havia sido estilhaçada.

E o estado da cozinha era ainda pior. Fee parecia ter usado todas as panelas e
tigelas para preparar o macarrão. Suspirando, Lucy amarrou um pano em torno
da cintura e começou a trabalhar.

O barulho da festa foi se tornando mais baixo, e pouco depois ela ouviu o som
de gargalhadas vindo de fora. Quando foi investigar, descobriu que todos
estavam na piscina.

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A noite era quente, e estrelas luminosas pontilhavam o céu sem nuvens. As
luzes haviam sido acesas e alguém trocara o rock por uma melodia mais
romântica e lenta.

Greg e Nina dançavam abraçados, como se estivessem colados um no outro. Ele


beijava o pescoço dela e empurrava as alças de seu vestido enquanto a
acariciava sem nenhum pudor.

Fee e Sandie estavam na água com Ben e Dave, obviamente nus, pois as roupas
jaziam esquecidas no piso de cerâmica. Sue os observava com expressão
carrancuda, e Clare mordia o lábio como se lutasse contra as lágrimas.

A confusão parecia inevitável, e Lucy decidiu que preferia não se envolver.

Ao virar-se para entrar, deparou-se com Hal bloqueando o caminho.

— Fugindo de nós?

— Tive um dia horrível. Acho que vou para a cama.

— Que idéia maravilhosa! Quer companhia?

— É melhor ficar aqui com seus amigos — Lucy respondeu.

Lucy virou-se, disposta a desviar do visitante inconveniente e ir buscar refúgio


no silêncio do quarto, mas Hal agarrou-a pelos ombros e virou-a de frente para
os outros.

— A moça quer partir — ele anunciou. — O que dizem?

— Deixe-a ir — Fee opinou. — O que se pode esperar de alguém cujo


sobrenome é Winters? Uma natureza gelada, sem dúvida. Ninguém sentirá falta
dela.

— Não, jogue-a na piscina — Ben sugeriu. — Será um bom castigo para a


desmancha-prazeres.

— Mas não estrague esse lindo vestido — Greg gargalhou, o braço em torno da
cintura de Nina.

— Tira, tira, tira — ela começou a cantar, imitada pelos outros.

Apenas Sue e Clare guardavam um silêncio aborrecido. Lucy sentiu o sangue


congelar nas veias quando as mãos de Hal, atrevidas e inconvenientes,
manejaram o zíper de seu vestido. O tecido começou a escorregar por seus
ombros.

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— Não! — Furiosa, disparou um violento chute para trás e conseguiu cravar o
salto da sandália na canela do rapaz, que praguejou e soltou-a.

Aproveitando o momento de espanto geral, Lucy contornou a piscina e correu


na direção do jardim escuro, o desespero sobrepujando a dor dos hematomas
espalhados pelo corpo.

Pensava em alcançar o carro estacionado na lateral da casa, mas havia alguma


coisa impedindo a passagem. Ou alguém, a mente registrou com espanto
quando foi capturada e imobilizada.

Hal devia ter encontrado um atalho. Na melhor das hipóteses, seria despida e
jogada na piscina, e a idéia a revoltava.

— Solte-me! — Exigiu, tentando cravar as unhas nos braços que a seguravam.


— Já disse para me soltar!

— Sta zitto. — A voz era profunda e familiar. — Cale a boca, sua tola, e fique
quieta.

— Você? — Ao reconhecer o homem que a salvara uma vez, Lucy enterrou o


rosto em seu peito e deixou escapar um suspiro aliviado.

Por um momento ele a amparou, depois afastou-a e caminhou para a área


iluminada.

Todas as cabeças viraram-se em sua direção como que comandadas por fio
invisíveis. As risadas e os gritos silenciaram de súbito, sucedidas por um
silêncio intenso no qual sua voz, quieta e fria, caiu como uma pedra.

— Sou Giulio Falcone, e esta é minha casa. Posso saber o que fazem aqui?

— Sua casa? — Nina foi a primeira a vencer o espanto causado pela aparição
súbita do italiano. Ela o encarava ruborizada, perturbada e agressiva. — De que
está falando?

— É simples — Ben interferiu. — É ele. O conde Falcone em pessoa.

— Não quero saber quem ele é. — Nina devolveu impaciente. — Este lugar
pertence a Tommaso Moressi, e nós o alugamos.

— Está enganada, signorina. — A voz do conde era fria como o aço. — O


homem de quem fala, Moressi, é apenas o sobrinho de minha criada,
Maddalena. Ele não possui nada além do que pode roubar. Espero que não
tenham sido tolos a ponto de pagar adiantado.

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— Foi exatamente o que fizemos — Lucy revelou em voz baixa, as mãos
trêmulas ajeitando o vestido. — Três semanas de aluguel, mais o uso do
automóvel e o serviço da criada, que desapareceu como o signore Moressi.

— Eu já esperava por isso. A notícia sobre meu retorno inesperado deve ter
chegado aos ouvidos dele, que tratou de escapar. Pobre Maddalena. Ela sempre
mimou o imprestável.

— Pobre Maddalena? — Fee repetiu incrédula. — E quanto ao nosso dinheiro?

Agora ela estava fora da piscina, e o conde examinou-a com ar de reprovação.

— Tenha um mínimo de decência e vista-se, signorina. Lamento que tenham


sido vítimas de um trapaceiro, mas o problema não é meu. Exijo que saiam de
minha casa imediatamente. — E olhou em volta. — Estão todos hospedados
aqui?

— Não. — Ben estava recolhendo as roupas que deixara no chão, e comportava-


se como um adolescente apavorado e inseguro. — Meus pais têm uma casa
perto de Lussione.

— Então sugiro que volte para lá. E leve seus amigos com você.

Em poucos segundos, a piscina ficou vazia e os inquilinos da Villa Dante


desapareceram para fazer as malas.

Quando passou pela porta do salotto, Lucy ouviu uma discussão furiosa entre
Ben e os outros. Hal afastou-se do grupo e caminhou até a porta.

— Está tudo bem, querida. — Os olhos a examinavam com um misto de


confiança e malícia. — Não precisa se preocupar com nada. Tenho um quarto só
para mim na casa de Ben. Cuidarei de você... desde que comece a demonstrar
um pouco mais de simpatia.

— Esqueça!

Lucy virou-se e subiu a escada aos saltos. Quando chegou ao quarto, seu
coração batia descompassado, e ela começou a esvaziar gavetas e armários, sem
nem sequer prestar atenção ao que fazia enquanto tentava pensar. Tinha de
cortar ligações com o grupo, decidiu, jogando as roupas na mala. Precisava
chegar em Pisa e embarcar no primeiro vôo de volta a Inglaterra. Qualquer
outra possibilidade era impensável.

Determinada, foi buscar os objetos de higiene pessoal no banheiro e, ao voltar

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ao quarto, encontrou Giulio Falcone parado à porta, observando-a.

— Não precisa me vigiar — disse apressada, consciente da respiração ofegante e


do medo que aprisionava seu coração. — Estou quase terminando.

— Já notei. Ansiosa para chegar a Lussione?

— É claro que não!

— Não quer ficar com seus amigos?

— Não são meus amigos.

— Estranho. Notei um nível de intimidade incomum para meros conhecidos.

Lucy ficou vermelha, lembrando a cena que ele presenciara.

— São apenas pessoas que conhecemos no avião. Nina e as outras queriam dar
uma festa e os convidaram.

— Entendo. Vi a trilha de destruição deixada pela inocente reunião.


Especialmente na sala de jantar.

— Não tive tempo para pôr tudo em ordem — Lucy admitiu constrangida. —
Mas limpei a cozinha. E esteja certo de que o recompensaremos pelo prejuízo.

Falcone deixou escapar uma gargalhada.

— Não seja ingênua, signorina. O abajur e a taça eram peças antigas de grande
valor. A substituição será impossível, e mesmo que existissem objetos similares,
o custo seria inestimável.

— Podemos nos unir para pagar. Tenho certeza de que a polícia encontrará
Tommaso Moressi e recuperará nosso dinheiro. Suponho que tenha alguma
influência sobre as autoridades locais, signore.

— Tommaso já deve estar muito longe daqui. Como sempre, fugiu sem deixar
pistas enquanto a pobre tia ficava para reparar seus erros.

Lucy abaixou a cabeça.

— Agora entendo porque ela não nos queria aqui. Maddalena parecia muito
assustada.

— Posso imaginar. Tommaso é um oportunista incorrigível. Ele sabia que eu


não tinha planos de voltar à vila até a época da colheita, mas circunstâncias
alheias à minha vontade me obrigaram a mudar de idéia. Lamento sua falta de

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sorte, signorina. Poderia ter aproveitado suas férias sem nem sequer ter
consciência de que a ocupação da vila era ilegal.

A última palavra pairou entre eles por alguns instantes, trazendo à tona todo o
tipo de implicações.

— Como conheceram Moressi e souberam da existência desse lugar?

— As outras moças do grupo costumam freqüentar uma pizzaria depois das


aulas de italiano. O gerente do restaurante cuidou de tudo. Ele e Tommaso
devem ser cúmplices. Tive dúvidas a respeito de Tommaso desde que o conheci
em Pisa, e quando vi esta casa, um lugar tão lindo e antigo, tudo me pareceu
ainda mais estranho. Ele não se enquadrava no cenário.

— Nunca enquadrou-se. Que outra alternativa tem, além de ir para Lussione?

— Pisa. E o próximo vôo de volta para casa.

— A solução pode ser mais difícil do que imagina, signorina. Estamos em plena
temporada de férias, e todos os vôos estão lotados.

— Então encontrarei um lugar para hospedar-me e entrarei na lista de espera.


— Decidiu, exibindo mais confiança do que sentia enquanto fazia um rápido
cálculo mental de quanto dinheiro possuía.

— Pode arcar com essa despesa extra?

— Não tenho escolha.

— Nesse caso, foi sorte ter conseguido ler sua mente com tanta precisão.

— O que quer dizer? — De repente experimentava um estranho sentimento de


perigo.

— Seus amigos já partiram. Disse a eles que não os acompanharia.

— Quer dizer... que Nina e as outras foram embora e me deixaram aqui


sozinha? Sem dizer nada?

Giulio Falcone sorriu. Havia algo de pagão na curva dos lábios, ela pensou,
uma espécie de excitação que crescia na mesma velocidade em que aumentava a
apreensão em seu peito.

Falcone respondeu com voz doce.

— Não está sozinha, signorina. Também ficarei aqui. De agora em diante,


considere-se minha hóspede. E minha acompanhante, também.

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CAPÍTULO III

Lucy encarou-o. Sabia que estava tremendo e tinha a sensação de que todo o
calor esvaíra-se de seu corpo, deixando-a gelada.

— Acompanhante, signore? Receio não ter entendido.

— É simples. Vai ficar aqui, signorina, para reparar o insulto praticado contra
minha casa e minha família por seus... conhecidos.

— Eu vou ficar? Mas isso não é justo!

— Você mesma admitiu que não pode reparar o prejuízo causado. No entanto,
existem outros métodos de reembolso. Creio que poderemos chegar a um
acordo satisfatório para nós dois.

— Então está enganado! — Lucy reagiu, furiosa. — Como se atreve a sugerir tal
coisa? Quem pensa que é? Ou melhor, quem pensa que sou?

— Sou Giulio Falcone — ele respondeu arrogante. — E você é a jovem que


tremeu em meus braços por duas vezes. Vai negar?

— Estava perturbada. Na primeira vez havia sofrido uma tentativa de assalto, e


na segunda estava fugindo. Pensei que houvesse percebido e compreendido o
motivo de minha aflição.

— Ah, sim. Mas por que provocar um homem usando um vestido como aquele,
e depois privá-lo do prazer? Suas companheiras não demonstravam a mesma
resistência.

— Não sou responsável pela conduta de ninguém. Respondo apenas por meu
comportamento, e afirmo que não faço esse tipo de jogo.

Ele riu.

— Como disse, estou partindo para Pisa.

— É mesmo? E como pretende chegar lá?

— Dirigindo, é claro — Lucy respondeu sem encará-lo, virando-se para fechar a


mala.

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— Não sabia que havia trazido seu carro.

— Não trouxe, mas... — E parou, virando-se a tempo de ver o sorriso


debochado e o movimento negativo que ele fazia com a cabeça. — É claro. O
carro também é seu. Eu devia ter imaginado.

— Não, o automóvel não é meu. É da contessa.

Quieta, esperou que o choque inicial fosse superado e tentou raciocinar. A idéia
de que o sujeito pudesse ser casado nunca havia passado por sua cabeça. Não
que fizesse alguma diferença, mas...

— Só posso dizer que ela merece toda minha compaixão — disparou.

— Por quê? Não gostou do carro?

— Não me refiro ao automóvel, mas ao fato de ter se envolvido com um...


homem como você.

— A aparência de uma pomba e a língua de uma cascavel. Uma combinação


intrigante.

— Não perca seu tempo tentando encontrar respostas. — Lucy apanhou a mala.
— Poderia me emprestar seu... o carro da condessa para a viagem até Pisa, por
favor?

— Não. Ela ergueu o queixo.

— Certo. Então irei andando até lá.

— Com esse vestido? Terá sorte se conseguir completar o primeiro quilômetro.


— Ele riu. — Isto é, se a polícia não a detiver antes dos primeiros dez metros.

— Pretendo mudar de roupa, se puder ter alguma privacidade. Não acredito


que jeans e camiseta me transformem em alvo de atenção da polícia.

— Não. Mas invasão de domicílio é crime, lembra-se?

— Não pode me culpar por tudo que aconteceu. Havia mais gente aqui quando
chegou.

— É verdade, mas todos foram embora, e você, colombina, é a única disponível


para oferecer a compensação que espero.

— Acha que sou como elas... como Nina e as outras. Pois posso garantir que
está enganado.

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— Eu sei que não é como elas. Se não acreditasse nisso, não a teria escolhido.

Os olhos cor de âmbar, atentos e profundos, passearam por seu corpo detendo-
se na curva dos seios, na linha delgada da cintura e nas coxas reveladas pelo
vestido curto.

O rosto sombrio sugeria frieza, distanciamento. Era um predador diante da


presa indefesa, pronto para atacar ao primeiro sinal de fraqueza. E Lucy sabia
que estava fraquejando.

— Não pode me manter aqui contra minha vontade — ela disse, movida pelo
desespero.

— Nas atuais circunstâncias, tenho todos os direitos que quiser, Lúcia mia.

— Não me trate dessa maneira!

Giulio Falcone franziu a testa.

— Soube que esse é seu nome.

— Sim, mas não dei permissão para usá-lo.

— Um detalhe sem nenhuma importância diante dos fatos que tentamos


resolver. Afinal, já temos alguma intimidade.

— Só por que corri ao seu encontro em busca de ajuda? Teria me atirado nos
braços do próprio Frankenstein para escapar daquele sujeito asqueroso!

— Não. Refiro-me ao fato de ter ocupado meu quarto e dormido em minha


cama. Presumo que a escolha tenha sido sua, bella mia. Não acha que isso cria
um laço forte entre nós? — Ao ver a cor escapar de seu rosto, ele riu. — Não
diga que não imaginou.

— Você é nojento! Quer saber de uma coisa? Chame a polícia. Até a cadeia será
melhor do que sua companhia. Também terei uma boa história para contar aos
oficiais.

— No meu quarto? Usando esse vestido? As aparências estarão todas contra


você, Lúcia.

— Sua esposa pode ter uma opinião diferente a respeito do assunto. Ou ela não
se importa com seu comportamento desleal e impróprio?

— Seria ótimo mantê-la aqui, nem que fosse só para ensiná-la a falar com um
mínimo de civilidade. — Giulio Falcone irritou-se. — Mas, antes disso, quero

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que saiba que cometeu mais um engano. Não sou casado. E também está
enganada quanto aos motivos que me levam a retê-la aqui. <

— Duvido, signore. Ouvi dizer que os italianos são...

— A comédia acabou, signorina. Lamento decepcioná-la, mas meu interesse por


você não tem nada de romântico.

— Será que pode ser mais claro? — Ela suspirou, cansada de defender-se de
acusações injustas e investidas confusas.

— E simples. Minha irmã envolveu-se num acidente de automóvel ontem de


manhã. Ela e as duas crianças não sofreram ferimentos graves, nada além de
cortes, hematomas e o susto, mas a governante, a babá, não teve tanta sorte.
Fraturou a perna e terá de passar algum tempo numa clínica. Fiammetta deseja
descansar e recuperar-se, mas não há ninguém para cuidar das crianças, e
Marco e Emília sabem como dar trabalho. Esperava encontrar Maddalena aqui,
pois sabia que ela concordaria em assumir as responsabilidades de Alison
temporariamente. As crianças estão acostumadas com ela. Mas Maddalena
desapareceu, e você é a única opção.

— Eu? Não sou babá!

— Não, mas está aqui, e já admitiu que não pode pagar o que me deve. De
minha parte, tenho consciência de que arruinei suas férias. Seja franca, Lúcia.
Quer realmente deixar a Toscana tão cedo, quando pode ficar aqui e ainda
receber por isso?

— Sua proposta é absurda. — Surpresa com a súbita alteração no rumo da


conversa, Lucy tentava controlar a respiração ofegante.

— Por quê? Minha irmã e as crianças estarão aqui para protegê-la contra
minhas investidas, se é isso que a preocupa.

— Não sou adequada ao emprego que oferece — disse. — Além do mais, não
sabe nada a meu respeito.

— Não está habituada a lidar com crianças?

— Na verdade, vivo em contato constante com meus sobrinhos.

— Que idade eles têm?

— Seis e quatro anos. — Lucy não pôde conter o sorriso terno que bailou em
sua boca provocado pela lembrança doce dos sobrinhos. Notando que ele

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preparava-se para usar aquele sentimento, tratou de reagir depressa. — Mesmo
assim, não posso aceitar.

— Não sei por quê. Marco e Emília são um pouco mais velhos, é verdade, mas
passaram por uma experiência traumática e precisam de alguém capaz de tratá-
los com carinho e atenção.

— Sua irmã pode ter outros planos.

— Fiammetta raramente tem idéias próprias. Além do mais, essa é uma situação
de emergência. Eles sairão da clínica amanhã cedo e virão diretamente para cá.
Não posso permitir que encontrem um cenário de devastação.

— Mas se está interessado apenas numa mistura de babá e empregada


doméstica barata, por que fingiu... deixe-me pensar... — e calou-se,
envergonhada por perguntar.

— Porque você estava pronta a acreditar que eu era uma espécie de Casanova
moderno. A tentação de confirmar seus temores foi irresistível. — Giulio
Falcone sorriu. — Mas enquanto for minha empregada e viver sob meu teto,
estará segura. A menos, é claro, que insista...

— Não conte com isso. — Ela reagiu apressada, sentindo o rosto queimar.

— Então sugiro que instale-se em outro quarto.

— Quer dizer, signore, que se eu concordar em ajudá-lo, cancelará todas as


obrigações entre nós?

— Mais que isso. Garanto que não sofrerá nenhum prejuízo financeiro em
conseqüência da desonestidade de Moressi, e ainda levará com você lembranças
inesquecíveis da Toscana, sem falar na eterna gratidão dos Falcone.

— Ah, sim! Essa é uma de minhas principais considerações. — Lucy devolveu


sarcástica.

— Então, aceite minha proposta.

— Não sei o que dizer. Nem o que...

— Por que não segue seu instinto, colombina?.

O instinto ordenava que fugisse para bem longe da Villa Dante e do conde
Falcone. De seu sorriso. Do charme que parecia tocá-la como uma mão atrevida.

— Está bem, eu fico. Mas só até encontrar outra pessoa. — Ela decidiu, sem

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saber o que a levava a optar pelo caminho mais difícil e perigoso.

— Grazie, Lúcia. — O sorriso tornou-se ainda mais amplo e sensual. — E agora,


sugiro que livre-se desse vestido, antes que eu esqueça minhas boas intenções.

Por um momento os olhos a desnudaram devagar. Em seguida, ele levou a mão


aos lábios, jogou um beijo divertido e saiu do quarto.

Lucy viu a porta sé fechar atrás dele e, incapaz de conter-se, disparou:

— Bastardo!

Sua primeira atitude foi procurar outro quarto. O escolhido foi o último
aposento do corredor, o mais afastado da suíte de Giulio Falcone, e também o
menor de todos.

Bem adequado para uma criada, ela pensou, jogando a mala sobre a cama.

O coração ainda se comportava de maneira estranha, batendo mais depressa


que o normal. Não acreditava na facilidade com que expunha-se ao sofrimento.
Como pudera imaginar que alguém como Giulio Falcone interessava-se por ela?

Ainda não sabia por que decidira ficar, exceto por não ter outra alternativa. Ele
era um homem rico e poderoso, que também podia ser cruel, sem dúvida.

Mas seria por pouco tempo, consolou-se. Logo a irmã do conde encontraria
uma substituta para a babá e todo o incidente seria apenas uma lembrança da
qual riria no futuro.

No momento, o mais importante era livrar-se do vestido.

Lucy torceu-se, fez todo o tipo de movimentos extravagantes e incômodos, mas


o zíper recusava-se a ceder.

— Não posso estar presa num vestido idiota!

Mas o zíper permanecia no mesmo lugar. Com um suspiro frustrado, Lucy


decidiu que teria de cortar o tecido.

Estava procurando a tesoura de unhas, quando batidas rápidas na porta


precederam a entrada de Giulio Falcone.

— Então esse é o esconderijo que escolheu? — Ele olhou em volta. — Um pouco


apertado, não acha?

— É o ideal. — A resposta gelada não revelava a confusão de sentimentos e


emoções que a atormentava.

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— Se está satisfeita... — O conde encolheu os ombros. — Ainda não está pronta?
Quero mostrar onde ficam os lençóis e as toalhas limpas.

— Só precisa me dizer quais são os armários, e farei o resto sozinha.

— Está com algum problema?

— Nada que eu não possa resolver. — Ela ergueu o corpo, a tesoura de unhas
na mão.

— Se sente necessidade de defender-se, é melhor ir até a cozinha e escolher uma


das facas de carne. É mais efetivo.

— Não seja ridículo! O zíper do vestido emperrou, e por isso preciso da tesoura.

— Francamente! — Falcone suspirou com impaciência, segurando-a pelos


braços e virando-a de forma a ter acesso ao zíper.

— Por favor, não faça isso! Posso resolver o problema sozinha.

— Fique quieta.

A respiração dele era quente em sua pele, e sabia que estava inclinado para
examinar o material defeituoso.

— Apenas uma linha presa entre os dentes de metal — Giulio concluiu. — Acho
que posso soltá-la sem estragar seu vestido.

Lucy esperou paralisada, tentando não estremecer ao sentir os dedos em suas


costas.

— Não fique nervosa. — Ele riu. — Isso é menos perigoso do que atacar-me
com a tesoura de unhas.

Ela preferiu não responder.

Giulio Falcone estava muito próximo, criando justamente o tipo de situação que
desejava evitar. Através do espelho da parede, podia ver o rosto moreno e
compenetrado, os lábios cheios e sensuais que quase tocavam sua pele. De
repente a mente foi invadida pela lembrança do sabor daquela boca, e todo seu
corpo foi inundado por uma onda de desejo que ela não podia controlar ou
ignorar. O movimento das mãos movendo o zíper para baixo só aumentavam o
tormento silencioso.

— Será que pode ser mais rápido, por favor?

— Estou tentando ser cuidadoso. Não quero arruinar o tecido.

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— Não tem importância. Não pretendo usar esse vestido novamente. Nunca
mais.

— É mesmo? In tal caso... — Giulio segurou as duas extremidades da gola do


vestido e puxou-as com um movimento brusco. O som característico de
costuras e tecido se rompendo invadiu o quarto e, em seguida, a metade
superior da roupa escorregou pelo corpo de Lucy, desnudando-a até a cintura.

Por um segundo ela ficou imóvel. Depois, com um grito de horror e vergonha,
agarrou o pano rasgado e puxou-o sobre os seios.

Giulio Falcone deu dois passos para trás, observando seu desconforto com
olhos que sugeriam humor, satisfação e algo mais intenso e perigoso.

— Como teve coragem? — Lucy disparou indignada. — Como atreveu-se a


fazer algo tão... tão...

— Só segui suas instruções. — Ele a interrompeu com um sorriso divertido. —


Não pode me culpar se o resultado não atendeu às suas expectativas. De minha
parte, posso garantir que estou mais do que satisfeito.

— Saia daqui. — Tinha de livrar-se dele antes que as lágrimas começassem a


correr de seus olhos. — Saia de perto de mim. Você não é digno de confiança.

— Está enganada, signorina. Se fosse mesmo o vilão que imagina, já estaríamos


na cama. Sendo assim, é melhor deixar de fingir que não percebe a atração que
existe entre nós. De minha parte — ele sorriu —, tentarei convencer-me de que
não tem a pele pálida como o luar, ou seios como flores implorando pelo toque
das mãos de um homem. E agora, vou descer e preparar um café bem forte. Se
estiver interessada, encontre-me na cozinha.

Assim que ele saiu, Lucy sentou-se na cama estreita e ficou olhando para a
porta fechada. De uma coisa tinha certeza. Não podia correr o risco de
permanecer na Villa Dante. Tinha de fugir o mais depressa possível.

Ao virar-se, viu o próprio reflexo no espelho e surpreendeu-se com o rosto


estranho emoldurado por cabelos desalinhados. Olhos brilhantes e confusos a
encaravam, e mãos trêmulas seguravam o que restava do vestido contra a
palidez do corpo seminu.

Pele pálida como o luar...

A lembrança das palavras do conde foi suficiente para sacudi-la com um

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arrepio.

Por favor, ajude-me a superar esta noite. Só esta noite.

O apelo soava como uma prece desesperada.

CAPÍTULO IV

Trabalho, trabalho e trabalho. Essa era a solução, Lucy decidiu. Manter-se


ocupada e evitar enganos.

Não que Giulio Falcone pudesse ser descrito como um inocente engano,
decidiu, terminando de vestir a calça de lycra verde e a camiseta grande e
confortável. Falcone era a personificação do perigo, e expor-se seria loucura.

Sobrevivência era o nome do jogo, e conhecia as regras, embora soubesse pouco


sobre homens como Giulio Falcone. O conde era um enigma, um mistério que
não tinha o direito nem o desejo de decifrar,

Mantendo-se ocupada, impediria a mente de enfocá-lo constantemente. E assim


que as crianças chegassem, seu tempo seria totalmente preenchido. A presença
dos pequenos representaria uma boa medida de segurança até que pudesse
escapar.

Lucy encontrou lençóis e toalhas limpas num armário do corredor, perto da


escada, e começou a trabalhar. Os quartos usados pelas outras pareciam ter sido
varridos por um tornado, com camas desfeitas, portas de armários abertas e
gavetas vazias espalhadas pelo chão.

Toalhas molhadas decoravam os banheiros, cujo piso exibia manchas de talco,


gel para cabelos e creme hidratante.

Rangendo os dentes, Lucy lançou-se à tarefa de restaurar a ordem e, aliviada,


descobriu que a sujeira era apenas superficial.

O quarto que havia ocupado foi deixado por último. Parada na porta, relutou
em entrar, mas censurou-se pela insegurança e, respirando fundo, passou pela
soleira.

Felizmente a suíte estava vazia. Apesar da cama desfeita, o aposento estava

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mais limpo que os outros, o que provocou uma nova onda de alívio.

A janela estava aberta para a noite quente, e uma brisa suave empurrava as
cortinas para dentro do quarto.

Lucy aproximou-se com a intenção de fechar as venezianas, mas parou para


apreciar a beleza do céu estrelado.

As pessoas costumavam dizer que o destino de alguém estava escrito nas


estrelas, mas olhava para os pequenos pontos de luz e não conseguia ver nada
que pudesse explicar os eventos das últimas vinte e quatro horas.

A lua parecia estar próxima o bastante para ser tocada, espalhando sua luz
prateada como um manto de cetim sobre as montanhas distantes.

Pele pálida como o luar...

As palavras ecoavam em sua mente. Erguendo a mão, tocou a curva do seio.

Por um momento ficou quieta e, em seguida, obrigou-se a retornar à realidade


com um arrepio profundo, consciente do silêncio que acompanhava a noite de
verão. A luz do dia, o isolamento da vila havia sido mais um atrativo mas, na
escuridão, a ausência de sons servia apenas para ressaltar sua vulnerabilidade.

Evitando um segundo arrepio, trancou as venezianas. Quando fechou as


vidraças viu o reflexo de uma sombra movendo-se pelo quarto, atrás dela.

O grito de pavor morreu em sua garganta, e ela virou-se, deixando cair os


lençóis, fronhas e travesseiros que equilibrara sobre os joelhos para lidar com a
janela.

— Está muito nervosa — Giulio Falcone comentou com tranqüilidade.

— Por que será? — Lucy devolveu com um misto de impaciência e sarcasmo, o


coração batendo como se quisesse escapar de seu peito. — Gostaria que não se
esgueirasse pela casa dessa maneira.

— Subi a escada como sempre faço. Não tenho culpa se estava distraída.

— Digamos que tenho muito em que pensar. E muito o que fazer, também. —
Determinada, aproximou-se da cama e começou a retirar os lençóis.

— Pare com isso.

— Camas não se arrumam sozinhas.

— Então deixe-a como está. — O sorriso que dançava em seus lábios tornou-se

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mais amplo quando ela ergueu o corpo e encarou-o com ar surpreso. — Ou
acha, bella mia, que não gostaria de dormir com o cheiro de sua pele no meu
travesseiro?

Furiosa, Lucy percebeu que havia ruborizado novamente. Mesmo assim, fingiu
uma calma que estava longe de sentir.

— Fui contratada para fazer um trabalho, signore. Arrumar as camas faz parte
dele.

— Mas não precisa concluí-lo agora. Preparei café e alguma comida para nós.

— Sabe cozinhar? — ela espantou-se.

— Não sou o aristocrata afetado que imagina. Ao longo dos anos aprendi a ser
auto-suficiente. Sou capaz até de arrumar minha própria cama. Portanto, deixe
o quarto como está e venha comer.

— Mas... não podemos nos sentar à mesa para uma refeição no meio da noite.

—Por que não? Sempre que um apetite existe, devemos saciá-lo. Não concorda?

Lucy mordeu o lábio. Sabia que a pergunta tinha pouco a ver com comida, e
que ele não media esforços para provocá-la, mas desafiá-lo seria mergulhar em
águas ainda mais profundas, e só a faria parecer ridícula.

Por isso seguiu-o relutante até a cozinha. Quando passaram pela porta da sala
de jantar, Lucy notou que o antigo resplendor havia sido restaurado.

— Oh! — exclamou. — Planejava cuidar da sala em seguida.

— Então pode alterar seus planos. De qualquer maneira, espero que não se
incomode se comermos na cozinha.

— Até prefiro. Afinal, esse é o lugar de uma criada.

A resposta gelada provocou uma expressão carrancuda que ela registrou com
satisfação.

Mas a alegria por tê-lo surpreendido foi superada pela perplexidade quando
viu o omelete perfeito que o conde preparara, uma mistura dourada completa
com ervas frescas, presunto, queijo e tomate. Era evidente que usara tudo que
havia no refrigerador. Também aquecera um pedaço de pão e abrira uma
garrafa de vinho.

— Não posso comer tudo isso — ela protestou ao ser servida. — Passaria o resto

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da noite acordada.

— Garanto que a comida é leve e saudável. Além do mais, deve alimentar-se


para armazenar forças. Vai precisar delas.

As palavras pairaram no ar como uma ameaça. Ou uma promessa.

— Posso saber por quê? — Lucy perguntou corajosa.

— Para lidar com Marco e Emília, é claro. Por que mais, colombina!

— São tão terríveis assim? — Ela assustou-se, saboreando o primeiro pedaço de


omelete.

— Não. Na verdade, são apenas mimados. Sérgio, o pai deles, é o disciplinador


da família, mas o trabalho o obriga a passar muito tempo longe dos filhos, que
acabam sob o comando brando de Fiammetta. Ela é tão preguiçosa quanto
encantadora, e muito suscetível a influências externas.

— Essa é uma maneira estranha de falar sobre a própria irmã.

— Não somos irmãos realmente. Fiammetta é filha da segunda esposa de meu


pai, que agora é viúva.

Lucy digeriu a informação com mais um pedaço de omelete e um gole de vinho.

— Quer dizer que a confessa que mencionou é sua madrasta?

— Sim. — A resposta tensa e fria traiu sentimentos profundos e contidos.

— Ela também virá?

— Não. A condessa vive em Roma durante quase todo o tempo, e passa o verão
entre Zurique e o sul da França. Ela fica tão entediada aqui que suas visitas são
sempre breves, embora eu faça questão de sua presença nas celebrações da
colheita. Os trabalhadores da propriedade dão muita importância a esse tipo de
formalidade.

— Como alguém pode ficar aborrecido num lugar tão lindo? A vila é um
pedaço do paraíso!

Giulio encolheu os ombros.

— Aí estão as duas faces da Villa Dante. Para você, o paraíso. Para Cláudia, o
purgatório.

— E o Fiat pertence a ela. Se vem aqui tão raramente, por que a contessa mantém

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um carro na propriedade?

— Para poder escapar quando é obrigada a vir. Com o automóvel, ela foge do
tédio dos vinhedos e da vida do campo para ir ao encontro dos amigos em
Siena e Florença. Fazer compras, falar sobre a vida alheia e jogar cartas são seus
passatempos favoritos.

Lucy notou o tom de desprezo na voz dele.

Depois de um breve silêncio, Giulio Falcone estendeu a mão e tocou a faixa


mais clara onde antes estivera a aliança de Philip. Foi um toque leve, mas
suficiente para provocar um tremor que a sacudiu intensamente.

— Do que está fugindo, pequena? De um casamento infeliz?

— Não. — Lucy respirou fundo, tentando conter-se. — Nós... não chegamos tão
longe, felizmente.

— Felizmente. — O conde concordou. — O que aconteceu?

— Ele conheceu outra pessoa. Alguém com mais coisas a oferecer.

— Ele disse isso?

— Não com todas as palavras. Não posso acusá-lo de crueldade. Mas tirei
minhas próprias conclusões.

— Non importa. Algumas semanas de sol italiano, bella mia, e a marca deixará de
existir.

A menos que tomasse muito cuidado, deixaria a Toscana marcada por cicatrizes
mais profundas que a faixa clara no dedo. A dor causada por Philip não
passaria de um simples incômodo comparada ao sofrimento a que se expunha.

Algumas semanas seriam demais para sua segurança. Tinha de partir o mais
depressa possível.

— Voltando às crianças — disse —, não acha que teremos problemas com


relação ao idioma? Meu italiano é praticamente nulo.

— Mas Marco e Emília falam inglês. Passaram a maior parte da infância na


Inglaterra e nos Estados Unidos, e Sérgio insistiu na necessidade de eles
aprenderam outro idioma, além da língua materna. Nesse aspecto não haverá
nenhuma dificuldade.

— Entendo. Seu inglês também é muito bom, signore.

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— E pode melhorar. Devia ser melhor, já que a 'maioria das transações
comerciais do nosso banco é realizada em seu país. Passei vários períodos de
minha vida na Inglaterra, mas não recentemente. Caso contrário, poderíamos
ter nos conhecido antes.

— Duvido. Vivemos em mundos diferentes.

— Mas às vezes os mundos se encontram, Lúcia. Não acredita na força do


destino?

— Prefiro limitar-me às coisas mais práticas e objetivas.

— Então conte-me sobre o aspecto prático de seu mundo. Tem um emprego?

— Sim. Estudei desenho gráfico, e atualmente trabalho com publicidade.

— Numa empresa própria?

Lucy falou um pouco sobre a carreira, e ele ergueu uma sobrancelha numa
expressão que mesclava espanto e respeito.

Evitando falar de si mesma, Lucy empurrou a cadeira, levantou-se e ofereceu


um sorriso forçado.

— E agora, acho melhor ir descansar. Amanhã terei um dia cheio.

Giulio Falcone também levantou-se.

— Durma bem, Lúcia.

Apesar da tensão e das preocupações, Lucy adormeceu assim que encostou a


cabeça no travesseiro.

Quando acordou, a luz do sol penetrava por uma fresta da cortina e espalhava-
se pelo chão do quarto como uma piscina dourada. Por um momento sentiu-se
desorientada, mas em seguida a memória retornou, e ela sentou-se de um salto.

Dormira demais.

Consultando o relógio de pulso que deixara sobre o criado-mudo, constatou


horrorizada que passava das dez horas.

Um horário bastante inadequado para começar um dia de trabalho, decidiu,


levantando-se apressada. Só esperava que o dono da casa ainda estivesse
dormindo.

Desceu a escada constrangida, esperando ser recebida por um comentário

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sarcástico ou uma censura direta, mas, para sua surpresa, Falcone não estava
em parte alguma. O lugar parecia deserto, mas a cafeteira havia sido usada.

Servindo-se de um copo de suco da jarra deixada na geladeira, encostou-se no


batente da porta das fundos e olhou para o pátio onde ficavam as garagens. O
carro de Giulio Falcone não estava em lugar algum, mas o Fiat permanecia na
vaga onde costumavam deixá-lo.

Liberdade. A palavra cruzou sua mente e foi instalar-se num recanto escondido
da consciência.

Olhando para o Fiat, respirou fundo. Por que não? O carcereiro havia
desaparecido e deixara a porta da cela aberta. Por que ficar, se podia partir? Por
que pagar pelos erros cometidos por outros, se podia simplesmente fugir? Já
havia preparado os quartos para os visitantes da vila. O que mais Giulio
Falcone podia esperar?

Na noite anterior fora quase convencida a aceitar seus termos, mas agora o sol
brilhava no céu, e estava acordada e pronta para lutar. E escapar, Porque tinha
de haver um lugar para onde pudesse fugir.

O nobre conde Falcone teria de encontrar alguém para cuidar de sua


encantadora irmã e de seus mimados e intoleráveis sobrinhos.

— Vou para casa agora, enquanto ainda posso! — exclamou em voz alta.

Deixou o copo de suco sobre a pia e subiu. No quarto, jogou todas as roupas e
objetos pessoais dentro da mala e fechou-a.

Por um momento ficou parada no alto da escada com todos os sentidos em


alerta, tentando ouvir algum barulho. Mas havia apenas o silêncio e, por isso,
resistindo ao impulso de andar na ponta dos pés, desceu e dirigiu-se à garagem.

Para sua surpresa, o veículo estava trancado. Não lembrava-se de tê-lo fechado
com a chave, já que o isolamento da vila não exigia esse tipo de precaução, mas
Nina havia sido a última a dirigir o automóvel na tarde anterior, quando
retornaram de Montiverno.

Oh, não! E se ela houvesse levado as chaves na bolsa? Concentrada, tentou


recordar cada passo depois da desastrosa visita à cidade. Fora direto para o
quarto, e Nina a acompanhara. Havia visto quando ela jogara o chaveiro sobre a
cômoda, e ouvira o barulho estridente do metal contra a superfície de madeira
polida.

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Talvez ainda estivessem lá. Se Giulio Falcone não houvesse notado a presença
das chaves... Ele estivera cansado na noite anterior, e nessa manhã devia ter
saído apressado, preocupado com outros assuntos.

Lucy deixou a mala escondida atrás de uma grande pedra que marcava o início
dos canteiros de flores e correu de volta a casa, subindo a escada aos saltos.

Um olhar para a cômoda revelou que seu otimismo havia sido em vão.
Respirando fundo, refletiu sobre a situação. Era possível que as chaves, jogadas
sobre a cômoda sem nenhum cuidado, houvessem deslizado pela superfície
encerada e caído entre a parede e o móvel.

Tentou arrastar a pesada peça de mobília para examinar o vão atrás dela, mas
foi impossível movê-la. Ofegante, ajoelhou-se e encostou o rosto no chão para
tentar enxergar alguma coisa de baixo para cima.

— Tirando o pó dos cantos, bella mia? Não esperava tanta dedicação.

Lucy levantou-se de um salto e abafou um grito de dor ao bater a cabeça no


puxador de uma gaveta.

Por que não ouvira os passos dele? Felizmente não havia sido surpreendida
vasculhando suas coisas.

Resistindo ao impulso de tocar a área atingida pelo puxador, encarou-o e


disparou:

— É a terceira vez que quase me mata de susto.

— É a terceira vez que a encontro em meu quarto. Posso começar a imaginar


que não consegue ficar longe daqui.

— Não perca seu tempo com hipóteses improváveis. Estava apenas... — Um


olhar para o pulso esquerdo ofereceu a inspiração necessária. — Procurando
meu relógio. Pensei que talvez pudesse tê-lo esquecido aqui.

— Lamento, mas não. Acho que estava usando seu relógio ontem à noite.

— Oh, estava? Não consigo me lembrar.

O olhar intenso parecia desvendar os mais profundos segredos de sua alma.

— Machucou-se?

— Eu? Não — ela mentiu. Tinha a impressão de que um galo do tamanho de


um ovo formava-se em sua cabeça. — Bem, vou continuar procurando em

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outros lugares.

Tinha de passar por ele para chegar à porta, mas não esperava que o conde a
segurasse pelo braço e a fizesse parar.

— Desculpe se a assustei. Não era essa minha intenção. Fui ao vinhedo para
pedir a ajuda de Teresa, esposa de Franco. Ela virá cozinhar para nós
temporariamente. Esperava estar de volta antes que acordasse, mas...

— Lamento ter criado tantos problemas, signore. Garanto que não acontecerá
novamente. Se quiser especificar um horário para que eu comece minhas
atividades diárias, prometo estar acordada e disponível no futuro.

— Por que o ultraje? — Ele sorriu. — Não sou o primeiro homem a vê-la na
cama, afinal.

— Acontece que dou muito valor à minha privacidade.

— Nesse caso, prometo respeitá-la. Nunca mais entrarei em seu quarto,


colombina, a menos que seja convidado. Satisfeita?

— Se é tudo que posso obter no momento... E agora, será que pode me soltar?

— Por outro lado — ele prosseguiu como se não a escutasse —, tem autorização
para entrar no meu quarto sempre que desejar, e ficar por quanto tempo quiser.
Espero que encontre seu relógio. — Soltou-a, aproximando-se da cômoda. — É
irritante procurar alguma coisa inutilmente.

Aturdida, Lucy o viu retirar do bolso as chaves do próprio carro e as do Fiat,


que jogou na primeira gaveta. Através do espelho, Falcone observava sua
reação com um sorriso divertido.

— No entanto, antes de continuar procurando, sugiro que ponha uma bolsa de


gelo na cabeça. Quem sabe? Talvez sirva para acalmá-la, também, além de
diminuir a dor causada pela pancada.

A gargalhada de Giulio Falcone a seguiu através da porta, que ela bateu com
violência, e pelo longo corredor até a frágil segurança de seu quarto.

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CAPÍTULO V

O quarto parecia um forno, e o único lugar para sentar era a cama, o que não
contribuía muito para melhorar o humor de Lucy.

Giulio Falcone era uma serpente. Um bastardo diabólico que a manobrara e


manipulara durante todo o tempo. Na verdade, ele a fizera de tola e odiava-o
por isso.

O ódio era uma atitude mais segura que a anterior reação ingênua à atração que
experimentava por ele. O trabalho não havia sido suficiente para defendê-la
contra o sorriso que transformava o rosto duro, ou contra o fogo que iluminava
os extraordinários olhos cor de âmbar. Descobrira aquela verdade na noite
anterior.

Precisava do ódio como uma ferramenta extra de defesa, até que um dia, de
alguma maneira, fosse capaz de ensinar ao sujeito uma lição que ele jamais
esqueceria.

Lucy esvaziou a bolsa sobre a cama e examinou o conteúdo devagar, calculando


quando tinha em dinheiro e cheques de viagem. A carteira de motorista estava
na carteira. Talvez pudesse pagar o aluguel de um carro para ir até o aeroporto.
Mas onde ficaria, caso não conseguisse embarcar de imediato? E quanto tempo
poderia manter-se?

As perguntas atropelavam-se em sua mente. Havia sido tolice não incluir o


cartão de crédito nos documentos, mas antes da partida a decisão parecera
sensata, como uma maneira de conter gastos e poder mudar-se com alguma
tranqüilidade, caso decidisse realmente ir morar em outro apartamento quando
voltasse para casa. Vasculhou todos os compartimentos da bolsa em busca de
mais dinheiro, mas só encontrou receitas, alguns papéis sem importância e uma
velha foto de Philip.

Respirando fundo, rasgou o retrato e jogou-o no cesto de lixo. As batidas na


porta a puseram em pé. Não precisava perguntar quem era.

— Sim?

— Minha irmã chegou, Lúcia. Pode descer para conhecê-la? Sei que está
zangada comigo, mas as crianças estão muito assustadas e precisam de você.

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Furiosa, Lucy foi até a porta e abriu-a com um movimento brusco.

— Não tem vergonha de manipular as pessoas?

— Reconheço que não é uma atitude digna de orgulho, mas já fui acusado de
coisas piores. E agora, pare de desperdiçar sua energia com tolices e venha
comigo, por favor.

Giulio virou-se, e Lucy deu um passo à frente, parando ao sentir que a canela ia
de encontro a um objeto duro e doloroso. Sua mala. Alguém a retirara do
esconderijo perto da garagem e a trouxera até o corredor.

Alguém?

Sabia muito bem quem havia encontrado a mala.

Depois de empurrar a bagagem para dentro do quarto, fechou a porta e desceu


a escada. O hall estava cheio de gente, e havia muito barulho, também. Um
motorista uniformizado trazia mais malas e caixas do que Lucy havia visto em
toda sua vida. Havia uma jovem alta e loira vestida com a elegância clássica e
descuidada que só se encontra nas páginas das grandes revistas de moda,
falando muito depressa e gesticulando rapidamente. Havia um menino com
cabelos escuros e encaracolados andando de um lado para o outro e gritando, e
uma menina um pouco mais velha que chorava em silêncio.

O conde Falcone havia parado no meio da escada e permanecia imóvel como


uma estátua, olhando para a porta aberta além do caos. Nela, Lucy viu com
espanto que mais alguém acabava de chegar.

Tratava-se de uma senhora, muito magra e bem vestida, os cabelos prateados


ostentando a perfeição alcançada apenas pelos grandes cabeleireiros. Ela olhava
em volta com um misto de autoridade e desdém.

— Cláudia. — O som da voz de Giulio Falcone exerceu um efeito quase mágico,


e de repente o silêncio caiu sobre o grupo. — Che sorpresa.

A mulher parada na porta sorriu.

— Meu querido Giulio. É claro que vim para ajudar minha filha.

Embora falasse em italiano, Lucy entendia com clareza. A contessa tinha uma
voz curiosa, rouca, mas com uma nota metálica que destoava do sorriso amplo.

Os olhos, vibrantes e escuros sob a maquiagem pesada, notaram a presença da


estranha atrás do dono da casa.

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— Quem é a moça? Giulio respondeu em inglês:

— Esta é Lucy Winters, minha querida Cláudia. Ela aceitou ocupar o cargo de
Alison e nos ajudar até tomarmos outras providências.

— Dove sta Maddalena? — A condessa perguntou com ar intrigado.

— Tommaso criou problemas mais uma vez, e ela partiu de repente.

— Não há ninguém no vilarejo para assumir os deveres da casa? Precisava


contratar outra inglesa?

— Teresa virá cozinhar para nós, mas ela tem uma família de quem precisa
cuidar. Por isso não pode assumir todas as responsabilidades.

— Se for bem paga... — A contessa começou, só para ser interrompida pela


jovem.

— Mamma, é claro que preferimos uma inglesa. Assim as lições das crianças não
serão interrompidas. Devíamos demonstrar alguma gratidão por Giulio ter se
dado ao trabalho de substituir a pobre Alison. — Ela ofereceu um sorriso
radiante para Lucy. — Como vai, signorina? Sou Fiammetta Rinaldi. E um
prazer conhecê-la.

— Mas... quem é essa jovem? De onde ela veio? — Cláudia insistiu, impaciente.
— Quais são suas credenciais? Tem alguma experiência com crianças?

O tom de Fiammetta traía uma certa irritação.

— Mamma, não crie problemas. É claro que Giulio não contrataria alguém sem
referências adequadas. — E, virando-se para a inglesa. — Não é uma boa
maneira de nos conhecermos, signorina, mas as últimas quarenta e oito horas
foram muito difíceis para nós.

Era muito bonita, Lucy decidiu, notando os grandes olhos castanhos e a boca
perfeita. Nem mesmo o curativo em sua, testa podia diminuir a beleza dos
traços delicados.

— Mais do que difíceis. — A condessa ofereceu arrogante.

— O acidente podia ter sido uma tragédia. A vida de meu único neto foi posta
em risco.

Lucy viu a menina encolher-se, o rosto marcado pelas lágrimas exibindo uma
hostilidade assustadora e, naquele momento, soube que jamais gostaria de

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Cláudia Falcone.

Astuta, não perdeu a chance de descobrir mais sobre a situação.

— Sua neta não estava no carro na ocasião do acidente, condessa Falcone? Que
sorte!

— Emilia estava no carro — ele anunciou. — Mas ela chorou. Não foi corajosa
como eu. E hoje ela ficou enjoada e passou mal.

Mordendo a língua para não dizer o que pensava, Lucy decidiu que era hora de
intervir e assumir seu papel. Descendo os degraus até onde estava o conde,
tocou seu braço e disse:

— Leve as senhoras para o salotto, signore, enquanto eu cuido das crianças.


Emília precisa de um banho e roupas limpas. — E virou-se para Fiammetta. —
Em que mala posso encontrar as roupas de sua filha, signora?

Fiammetta olhou para a bagagem com desânimo.

— Infelizmente, não sei. Alison sempre cuidou de tudo.

— Bem, enquanto não puder encontrá-las, terei de improvisar da melhor


maneira possível. — E estendeu a mão na direção de Emília, cujos soluços
ecoavam pela sala.

— Não quer vir comigo e tirar essa roupa suja?

— Não! Quero Alison! — E correu para trás da avó como se quisesse esconder o
rosto em seu vestido.

A condessa esquivou-se e estendeu as mãos com um misto de repugnância e


impaciência.

Giulio entrou em cena e decidiu o impasse com doçura, sem deixar de ser firme.

— Alison não pode estar conosco. Portanto, acompanhe Lucy, querida.

— Não! Não vou! Não pode me obrigar!

— Acha que não? — Ele pegou a criança e abraçou-a, fingindo que ia jogá-la
sobre um ombro. Em nenhum momento deu a impressão de importar-se com o
estado das roupas, do rosto e dos cabelos da sobrinha, e pouco depois subiu a
escada levando-a no colo.

Para surpresa de Lucy, Giulio levou Emília para o quarto dele. Ao colocá-la no
chão no banheiro da suíte, sorriu para a menina e afagou seus cabelos com

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carinho.

— Aqui estamos, cara. Logo tudo estará bem melhor. — E virou-se para Lucy.
— Sente-se capaz de assumir o comando de agora em diante?

Lucy abriu a torneira para encher a banheira com água morna e, sem encará-lo,
opinou:

— Vai ter de mudar de roupa, também.

— Eu já havia notado. Mas não me importo. Essas coisas acontecem,


principalmente com crianças.

Com casualidade impressionante, Falcone despiu a camisa suja, jogou-o no


cesto de roupas que ficava no banheiro e sorriu para a sobrinha.

— Comporte-se, mocinha — disse, antes de voltar ao quarto e abrir o guardaroba


para escolher uma camisa limpa.

De repente, Lucy se deu conta de estar seguindo o conde com os olhos.


Assustada, virou-se e tratou de prestar atenção à temperatura da água, grata
por Giulio Falcone não ter notado nada.

Fascinada como uma adolescente inundada por hormônios! Tinha de compor-


se, ou acabaria fazendo papel de idiota.

A menina reclamou que a água estava muito quente, depois muito fria, e que o
xampu ardia nos olhos. Ao empurrar o chuveiro manual que Lucy utilizava
para terminar de lavar seus cabelos, vingou-se dando um banho na babá
substituta.

Essa era uma bela introdução às suas novas obrigações, Lucy decidiu irritada,
lutando para tirar a menina da banheira, apesar dos protestos veementes.
Depois de enxugá-la, enrolou-a na toalha de banho e deixou-a sentada sobre a
cama enquanto ia buscar o próprio secador de cabelos no quarto modesto que
passara a ocupar.

Para sua surpresa, encontrou a mala novamente no corredor. E, mais


surpreendente ainda, dessa vez havia uma desconhecida dentro do quarto, uma
mulher de meia-idade com aparência carrancuda e roupas negras. Em silêncio,
ela guardava seus pertences nas gavetas e nos armários.

— Desculpe, mas deve estar havendo algum engano. Este quarto é meu.

— Non capisco.

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— Não acredito no que estou vendo!

— Algum problema?

A voz da contessa assustou-a, e Lucy virou-se de um salto. Esgueirar-se pela


casa devia ser uma característica familiar.

— Parece que perdi meu quarto — disse, sem tentar esconder o aborrecimento.

— Seu quarto? Esse aposento sempre foi ocupado por minha criada quando
estou na vila. Preciso tê-la perto de mim. Tenho certeza de que compreende.

— É claro. Irei me instalar num dos outros quartos — Lucy decidiu resignada,
odiando a arrogância da nobre italiana.

A contessa examinou uma unha esmaltada com cuidado exagerado.

— Infelizmente, estaremos recebendo alguns hóspedes ainda hoje. Todos os


quartos da vila serão necessários para acomodá-los. Mas ainda resta a casetta
onde Maddalena dormia. Garanto que é bem confortável.

— Estou aqui para cuidar das crianças. Imagino que a signora Rinaldi prefira
que eu fique perto delas.

— Sem dúvida. Por isso as crianças ficarão na casetta com você. É a solução
ideal. Minha filha precisa de alguns dias de repouso para recuperar-se do
choque do acidente. Embora seja uma excelente mãe, crianças nessa idade
costumam ser cansativas. Concorda comigo?

— Totalmente. E presumo que seus hóspedes não causarão nenhum tipo de


alteração na rotina doméstica.

— Minha sobrinha está visitando a região com um amigo. E natural que eu


queira vê-la. Como empregada temporária, signorina, não pode esperar que a
instalemos sob o nosso teto para que misture-se com nossos convidados como
uma igual. Por outro lado, como Teresa tem outros afazeres além de nos servir,
você e as crianças poderão juntar-se a nós para as refeições. A propósito, assim
que for possível, quero discutir as circunstâncias em que conseguiu esse
emprego.

— Sugiro que discuta o assunto com seu enteado, contessa. Afinal, qualquer
coisa que eu diga será apenas fofoca de empregada.

De cabeça erguida, sentindo-se orgulhosa pela resposta rápida e direta, Lucy


pegou a mala e voltou para o quarto onde deixara Emília. Usando o secador de

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cabelos, cuidou da menina com delicadeza e foi recompensada por uma
resignação silenciosa.

Vasculhando a mala, encontrou uma camiseta cor de creme com flores


vermelhas pintadas na frente. — Que tal usar essa roupa até encontrarmos suas
coisas?

Emília torceu o nariz.

— É sua?

— Sim, mas nunca a usei, e por isso não será contaminada. Servirá como
camisola — decidiu, abandonando a tentativa de humor. — Não pode dormir
embrulhada numa toalha úmida.

— Não quero dormir. — A menina protestou, apesar dos olhos vermelhos e


pesados.

Lucy preparou-se para vestir a camiseta na pequena que, depois de um esboço


de resistência, acabou por colaborar.

— Quanto tempo passaremos aqui? — ela perguntou, encolhendo-se sob o


cobertor.

— Sua mãe é quem vai decidir.

— Estávamos indo para a praia quando o carro nos atingiu. Gosto mais de lá.
Aqui é aborrecido — suspirou. — Mas minha mãe fará o que nonna disser. E o
que sempre acontece quando meu pai não está por perto. Espero que ele volte
logo.

— Seu pai voltará assim que for possível.

— Este é o quarto de zio Giulio. Por que estou aqui?

— Porque nossas acomodações ainda não estão prontas. Ficaremos naquela


pequena casinha no quintal.

Apesar do sorriso que distendia os lábios de Lucy, Emília sentou-se na cama ao


ouvir a informação.

— A casa que era de Maddalena? — perguntou incrédula.

Naquele, momento a menina exibia uma forte semelhança com a condessa.

— Exatamente. — Lucy baixou a voz como quem participa de uma conspiração.


— E teremos a casa só para nós.

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Emília encarou-a, certamente ponderando a ignomínia de ter sido relegada aos
aposentos de uma empregada contra a grande vantagem de poder ficar longe
da avó.

— Por que não podemos ficar aqui? — quis saber.

— Porque chegarão alguns convidados. Uma de suas primas, pelo que entendi.

— Só tenho uma prima. Angela. Sabia que minha avó a convidaria.

— Não gosta dela?

— Não importa. Quem tem de gostar dela é meu tio Giulio.

As palavras caíram como uma pedra no coração de Lucy.

— Por quê? — ela perguntou, percebendo que segurava o fecho da mala com
força desnecessária antes de finalmente fechá-la.

Emília sorriu triunfante.

— Porque ela é a mulher com quem meu tio vai se casar.

Como se estivesse muito longe da própria voz, ouviu-se perguntar:

— Eles são noivos?

— Não, mas ouvi mamma falando com papá sobre o assunto, e ela dizia que zio
Giulio só está esperando que Angela cresça.

Olhando para as próprias mãos, Lucy notou as marcas vermelhas onde as


unhas haviam ferido a pele macia e, angustiada, censurou-se por ter sido tão
tola, patética e estúpida.

Em voz alta, disse com calma aparente:

— Bem, já é hora de irmos descansar. Fique aqui, enquanto vou preparar nossa
nova casa.

Em silêncio, Emilia deitou-se e ficou quieta, pensativa. Lucy foi recolher as


roupas sujas no banheiro e, ao passar diante do espelho, notou os olhos tristes e
o rosto pálido.

— O que imaginava? — perguntou ao próprio reflexo. — Sabia desde o início


que ele estava apenas divertindo-se à sua custa.

Só esperava que Giulio Falcone não soubesse como havia ido longe na estrada
sem volta rumo a um sofrimento que ela mesma fabricara.

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Sem dúvida a considerava presa fácil, especialmente por ter sido rejeitada por
outro homem recentemente. Mas se pensava que estava à disposição para ser
usada e humilhada mais uma vez, se a julgava uma aventureira, então provaria
que estava cometendo um engano.

Giulio podia perceber as respostas físicas que provocava com sua presença, mas
não o deixaria descobrir a profundidade de sua rendição mental e emocional.

Não podia estar apaixonada.

Agora o destino estava em suas mãos. Falcone não podia saber que tinha o
poder de feri-la, caso contrário a Villa Dante seria uma filial do inferno para ela.

Quarenta e oito horas atrás, nem sabia sobre a existência de Giulio Falcone.
Agora estava emaranhada numa teia de ciúme, medo e paixão.

Se partisse, Giulio não poderia segui-la. A presença da noiva o impediria.

Mas, por maior que fosse a distância entre eles, sempre o levaria na mente e no
coração, ao lado de uma urgência intensa que jamais poderia ser saciada.

Tinha de ficar. Tinha de vê-lo todos os dias ao lado de Angela, a mulher com
quem o conde pretendia se casar. Precisava encarar a realidade e matar de uma
vez por todas o desejo que sentia por ele, antes que o sentimento a destruísse.

Quando voltou ao quarto, viu que Emília dormia profundamente e sentiu uma
onda de simpatia pela menina que, encolhida, exibia as marcas das lágrimas no
rosto triste.

Não era a única criatura infeliz na Villa Dante, pensou furiosa. Malditos Falcone
com sua beleza e crueldade!

Mas não os deixaria vencer essa batalha. Ficaria e lutaria, mesmo que a
verdadeira briga fosse contra ela mesma.

Mantendo a cabeça erguida, Lucy saiu do quarto e desceu a escada.

CAPÍTULO VI

Para alívio de Lucy, nenhum membro da família estava por perto quando ela
desceu, embora pudesse ouvir vozes além da porta do salotto, inclusive os gritos

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agudos de Marco.

Teresa estava na cozinha. Sorridente, ela já começava a manusear panelas e


talheres para preparar a próxima refeição. Lucy apresentou-se e evitou a
torrente de perguntas fingindo não compreendê-la, desculpando-se para sair
em seguida.

A casetta não era espaçosa. Com dois quartos e um pequeno banheiro separados
da sala e da cozinha por um lance de escada, serviria apenas como refúgio para
os momentos de repouso.

Teria de servir, decidiu, tentando pensar na melhor forma de acomodar as


crianças. Ainda eram pequenos o bastante para ficarem no mesmo quarto e,
determinada, ela empurrou as camas estreitas para o aposento maior, deixando
a cama de dobrar no dormitório que ocuparia sozinha. Nem mesmo a contessa
poderia protestar diante de tal arranjo.

Estava começando a arrumar os lençóis e travesseiros quando ouviu alguém


entrar com passos firmes e escutou a voz de Giulio chamando-a. Por um
momento experimentou um desejo covarde de esconder-se no armário, mas
desistiu ao lembrar que teria de enfrentá-lo mais cedo ou mais tarde:

Respirando fundo, desceu a escada para ir encontrá-lo na sala, onde ele olhava
em volta com ar crítico.

— Algum problema, signore?

— Muitos. Vim desculpar-me.

Surpresa, Lucy precisou de alguns instantes para recompor-se.

— Não é necessário.

— Está enganada, signorina. Pedi para ficar aqui e ajudar Fiammetta com as
crianças, mas não imaginava que Cláudia também viria, nem que imporia a
presença de convidados sem me consultar. Também não esperava que fosse
forçada a acomodar-se aqui. — E abriu os braços. — Mas a chegada de minha
madrasta muda tudo. Nas atuais circunstâncias, sinto-me forçado a libertá-la do
nosso acordo. Pode partir quando quiser, e sugiro que vá o mais depressa
possível.

Silêncio.

Era quase engraçado. Até pouco antes sentira-se angustiada sem saber se devia

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ficar ou partir e, de repente, Giulio a expulsava sem a menor hesitação. Pena
não sentir vontade de rir.

— O que vai acontecer com as crianças?

— Elas têm mãe e avó. As duas...

— Francamente, signore! Sabe muito bem que nenhuma delas está disposta a
assumir a responsabilidade. Sente-se disposto a cuidar de seus sobrinhos?

— Eu?

— Era o que eu imaginava. Nesse caso, prefiro ficar e zelar belo bem-estar dos
meninos até encontrar outra pessoa para o trabalho.

— Isso é impossível.

— Por quê?

— Porque sua presença causaria dificuldades. Não conhece a identidade dos


nossos... hóspedes.

— Está enganado, signore. Sei exatamente quem esperam. E não precisa


preocupar-se, porque não tenho intenção de causar constrangimentos, se é isso
que teme.

— Então já sabe? Como?

— Não importa. Afirmo que a chegada dos convidados não faz a menor
diferença para mim — mentiu.

— Não precisa fingir, Lúcia. Não quando estamos sozinhos.

— Não estou fingindo. Foi apenas... um interlúdio. Tenho plena consciência


disso. Apenas um evento isolado, que não deve ser lembrado ou levado a sério.
E é exatamente o que pretendo fazer. Portanto, não se preocupe.

— Não foi essa a impressão que tive. Desculpe-me, mas pensei que fosse mais
que um interlúdio.

— Então enganou-se, signore. De qualquer maneira, está acabado. É melhor


fingirmos que nada aconteceu.

— Bravas palavras. Mas o que vai sentir quando deparar-se com a realidade?
Não quero vê-la sofrer, Lúcia.

Então não via que estava ferida de morte? Ela ergueu os ombros.

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— Por favor, não se incomode mais. Está levando muito a sério algo que é...
trivial. Lamento ter dado uma falsa impressão sobre meus sentimentos e... meu
envolvimento. Não foi intencional.

Houve um período de silêncio antes de ele responder.

— Entendo. É evidente que minha opinião original a seu respeito era correta, —
Giulio esperou que ela digerisse o comentário para prosseguir. — Encontrei as
roupas das crianças. — E apontou as malas deixadas perto da porta.

— Grazie.

— Prego. Desejo boa sorte em seu novo papel, cara. Espero que ele não exija
demais de você.

— Não se preocupe. Saberei ocupar meu lugar. Falcone estava partindo, mas
encarou-a mais uma vez.

— Seu lugar? — repetiu, a voz traindo o aborrecimento que até então tentara
esconder. — Vou mostrar qual é o seu lugar, mia cara.

O tratamento soava como um insulto. Dois passos o colocaram diante dela. As


mãos a seguraram pela cintura e a puxaram de encontro ao peito musculoso.
Então, por um momento interminável, a boca apoderou-se da dela quase com
selvageria. Chocada, Lucy sentiu-se corresponder à invasão como se não
possuísse nenhum tipo de poder sobre o próprio corpo.

E então acabou.

Giulio afastou-se e soltou-a bruscamente.

— Agora vai ter algo para lembrar — disse. — Mais um item em sua coleção de
trivialidades.

Falcone saiu da casetta batendo a porta.

Era horrível saber que a considerava tão baixa, mesquinha e desprezível. E no


entanto, o que mais podia esperar? Giulio só estava agindo de forma realista.
Apesar do que já acontecera entre eles, eram estranhos.

E o fato de ter gravado cada linha daquele corpo na memória e de sentir-se


flutuar cada vez que ouvia a voz profunda e grave era problema dela. Só dela.

Mas jamais revelaria o que sentia pelo conde. Desse momento em diante, Giulio
Falcone seria território proibido e tomaria providências para que os mundos

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que habitavam jamais colidissem novamente.

Para Lucy, o almoço foi uma ocasião tensa. Emília, limpa e bem-arrumada nas
próprias roupas, mostrava-se mal-humorada, e Marco, que passara toda a
manhã merecendo a atenção completa da avó, parecia disposto a demonstrar
como podia ser insuportável, se quisesse.

A contessa falava sem parar, sempre no idioma local, e sorria enquanto


gesticulava vigorosamente. Fiammetta, visivelmente embaraçada, tentava
obrigar a mãe a conversar em inglês e envolver Lucy no assunto, mas suas
tentativas eram ignoradas por Cláudia, que parecia disposta a não tomar
conhecimento da presença da nova criada. Era uma verdadeira aula prática
sobre como ser rude sem perder o charme.

E Giulio permanecia em silêncio. Sentado à cabeceira da mesa, retraído e


preocupado, brincava com o excelente escalope ao creme de espinafre que
Teresa havia preparado.

Quando a refeição chegou ao fim, Fiammetta anunciou que os filhos deviam ir


descansar, o que provocou um protesto imediato de Emília.

— Não estou com sono. Marco pode ir dormir, se quiser. Eu vou nadar.

— Não depois do almoço — Lucy avisou com firmeza. Em resposta foi


brindada por um olhar hostil e um violento chute na canela por baixo da mesa.
O gemido de dor foi abafado pela reação explosiva de Marco.

— Não vou dormir!

— Marco, caro. — Fiammetta levou a mão à própria testa.

— Não grite, por favor. — E, virando-se para Lucy. — Pode fazer alguma
coisa...?

— É claro que ela pode — a condessa interferiu impaciente.

— Para isso foi contratada. Leve as crianças daqui, signorina, e as entretenha.

— Não precisa incomodar-se — Giulio cortou, levantando-se decidido. — Vou


ao vinhedo para conversar com Franco, e os meninos podem vir comigo. Mas só
se prometerem comportar-se

— acrescentou, vendo que os sobrinhos já saltavam das cadeiras e batiam


palmas numa demonstração de euforia.

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— Vai sair? — Havia um certo tom de censura na voz da confessa. — Angela
chegará a qualquer momento.

— Nesse caso, espero que a receba bem e a instale com todo o conforto. Afinal,
Angela e o amigo são seus convidados, Cláudia.

Giulio saiu da sala levando as crianças e deixando um silêncio pesado e tenso.

A condessa pôs fim ao período de quietude rompendo num discurso furioso,


que Fiammetta interrompeu com uma gargalhada divertida.

— Mamma, ainda não aprendeu que Giulio não pode ser comandado? Ele se
casará com Angela quando decidir, e não antes. Até lá, os dois podem divertir-
se como quiserem.

Lucy tinha a sensação de ter engolido uma pedra.

Fiammetta encolheu os ombros novamente, dessa vez com indiferença, e em


seguida virou-se para Lucy, que tentava sair da sala sem ser notada. — Lúcia,
encontrei alguns livros e brinquedos das crianças no meio da minha bagagem.
Venha comigo ao meu quarto para apanhá-los, por favor.

Quando subiram a escada, Fiammetta apoiou o braço no dela.

— Lúcia, quero que saiba que sou muito grata por estar aqui. Também quero
pedir para não dar importância ao comportamento de minha mãe. A verdade é
que ela não tem muita simpatia pelos ingleses. Sua irmã mais nova, Bianca, a
quem ela amava muito, casou-se com um inglês e morreu em seu país depois de
dar à luz Angela.

— Sinto muito — Lucy respondeu constrangida, sem saber como agir.

— Mamma é uma pessoa obstinada. Quando ela se casou com o conde Falcone,
Giulio e eu éramos apenas crianças. Ela esperava ter outro filho, um menino,
mas não conseguiu engravidar, e então decidiu que Giulio e eu deveríamos nos
casar. É claro que a idéia era ridícula. Não nos amávamos como homem e
mulher, e sim como irmãos, apesar de ele sempre ter sido muito atraente. Além
do mais, eu nunca conseguia saber em que ele estava pensando, e isso me
enlouquecia. Com Sérgio sou canaz de prever cada pensamento ou ação, e por
isso nosso casamento é perfeito.

Lúcia estava espantada com a franqueza das confidencias.

— Signora... — começou, tentando distanciar-se e ocupar seu lugar de criada.

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— Oh, por favor! Detesto toda essa formalidade. Alison é como um membro da
família, e espero que você também se aproxime mais de nós. Pode me chamar
de Fiammetta. Está imaginando por que disse coisas tão pessoais, não é? — Ela
a conduziu para dentro do quarto e fechou a porta. — Não se trata de simples
fofoca. Está cuidando de meus filhos, e por isso há algo que precisa saber. Algo
sobre Emília e o grande problema que enfrentamos.

Sabia que havia algo de errado com a menina.

Fiammetta prosseguiu.

— Quando ela nasceu, mamma ficou muito feliz, naturalmente. Afinal, era sua
primeira neta. Mas quando Marco veio ao mundo, tudo foi diferente. Ali estava
o menino com que ela tanto sonhara. Mamãe ficou muito feliz, quase como se o
bebê fosse dela. Sérgio e eu pensamos que a onda de euforia acabaria passando,
mas estávamos enganados. Emília percebe a diferença que a avó faz entre os
dois, e sente ciúme.

— É compreensível.

A jovem italiana respirou fundo.

— Um dia, mamma entrou no quarto de Marco e encontrou Emília parada ao


lado do berço com um copo na mão. Havia água em todos os lugares. No
cobertor, nos lençóis... e no rosto do bebê. Ela disse que só estava tentando
saciar a sede do irmão.

— Uma certa rivalidade entre irmãos faz parte da infância. Meus sobrinhos
também brigam muito e...

— Acho que não está compreendendo, Lúcia. Aconteceram outros episódios.


Quando Marco começou a andar, nós a encontramos levando o irmão para a
piscina. Emília disse que pretendia ensiná-lo a nadar, coisa que nem ela sabia
fazer. Se o menino houvesse escorregado... — Ela foi sacudida por um tremor e
levou a mão à boca. Lucy tocou seu braço.

— Mas ele não escorregou. E tudo isso deve ter acontecido há muito tempo.

— E o que Sérgio diz, mas não consigo esquecer a cena. Recentemente Emília
tem roubado. Nada de muito valor, felizmente. Apenas algumas mil liras da
minha bolsa, ou da carteira de minha mãe. Mas isso me deixa muito ansiosa.
Mamma acredita que devemos mandá-la para um colégio interno especializado
em crianças problemáticas.

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— Já discutiu esse assunto com Giulio... quero dizer, com o conde Falcone?

— Não. Giulio era apenas um garoto de quatorze anos quando o pai dele casou-
se pela segunda vez. É claro que ele amava a mãe, e não conseguiu aceitar a
presença de outra mulher no lugar que havia sido dela. E mamma... bem, ela
também cometeu alguns enganos. Duvido que sinta-se capaz de dividir
problemas tão sérios com o enteado. Revelar que a neta pode ter algum tipo de
doença... Se Giulio fosse casado, se tivesse filhos, o relacionamento familiar
certamente seria mais próximo. Ele entenderia melhor...

— Bem, talvez as coisas mudem quando ele se casar com Angela. — A voz de
Lucy soava particularmente indiferente.

Fiammetta encolheu os ombros.

— Pode ser. Angela é muito bonita, e Giulio... bem, você já deve ter notado. Ele
é um homem que qualquer mulher gostaria de ter, mesmo sem o dinheiro e o
poder que o acompanham. Pensei que se casariam há três anos, quando ele
esteve em Londres e passou a encontrá-la com freqüência, mas Giulio recusou-
se a assumir qualquer tipo de compromisso, dizendo que Angela era muito
jovem. Desde então os dois têm visto outras pessoas, mas no final acabarão se
unindo. E ela certamente será uma boa esposa, porque pode partilhar do
mundo de Giulio e participar de seus negócios como eu jamais poderia. Sérgio
nunca me aborreceu com essas exigências.

Lucy não estava surpresa. Fiammetta tinha beleza e charme, mas não havia sido
brindada com uma inteligência notável ou uma grande profundidade de
caráter.

— Mas dessa vez Angela deixou mamma furiosa — Fiammetta prosseguiu,


reforçando a opinião da outra. — Trazer esse rapaz para cá é quase uma ofensa
pessoal. Ela nunca exibiu seus relacionamentos diante de Giulio como está
fazendo agora.

— Talvez Angela esteja tentando provocar o ciúme do conde para forçá-lo a


tomar uma decisão.

— Sim, você pode estar certa. — Fiammetta bateu palmas. — Brava. Lúcia. É
uma mulher muito inteligente. Como acha que ele vai reagir? Aposto que os
próximos dias serão muito interessantes.

Quando voltou à casetta levando os livros e brinquedos, Lucy decidiu que tanta

Projeto Revisoras 60
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diversão seria mais do que podia suportar.

Durante as horas seguintes ocupou-se arrumando as roupas e objetos pessoais


das crianças em armários e prateleiras, tentando amenizar a atmosfera
espartana da casetta espalhando vasos de flores pelo ambiente. Tinha certeza de
que Marco e Emília não reconheceriam seu esforço, mas pelo menos havia
tentado.

Fechara as venezianas contra o forte sol vespertino, mas o ar no interior da


pequena casa era quente e pesado. Como tinha algum tempo livre, podia
aproveitar para ir refrescar-se na piscina.

Depois de trocar o conjunto de saia e blusa por um biquíni preto e uma camisa
de seda da mesma cor, colocou os óculos escuros e o protetor solar numa bolsa.

A vila parecia dormir sob o sol escaldante quando ela atravessou o jardim. Nem
as abelhas voavam sobre os canteiros que separavam a casa principal da área da
piscina, e até as cigarras mantinham-se silenciosas. As folhas das árvores não se
moviam, sinal de que não havia nem mesmo uma brisa leve, e podia ouvir a
própria respiração na tarde quieta e parada.

Por um momento ficou no alto da escada, olhando para a água azul e cristalina
da piscina, lembrando os eventos da noite anterior. A música, as risadas, o
pânico que experimentara... Com um arrepio de repulsa, deixou-se envolver
pela paz que agora dominava o local.

Além das cadeiras e dos guarda-sóis, havia também uma pilha de colchões
próprios para o banho de sol. Lucy colocou um deles à sombra de uma árvore
frondosa perto da piscina, despiu a camisa e mergulhou. A água era como uma
carícia na pele quente e suada, e ela nadou até sentir-se fresca e relaxada.

As confidencias de Fiammetta ainda ocupavam seus pensamentos, por mais


que tentasse esquecê-las ou convencer-se de que não eram de sua conta.

A verdade era que estava muito envolvida com tudo que acontecia à sua volta,
e tivera consciência desse envolvimento desde o primeiro e infeliz encontro com
Giulio Falcone em Montiverno.

Pensar nele era o suficiente para provocar arrepios que percorriam seu corpo
como dedos gelados.

Censurando-se por agir como uma adolescente tola e ridícula, contornou a


piscina para ir deitar-se no colchão que deixara sob a árvore.

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Estava enxugando-se com a toalha que levara quando os sentidos entraram em
alerta.

De algum lugar, além dos canteiros floridos, viera um ruído abafado, como a
brisa soprando por entre as folhas. Mas o ar estava parado.

Tensa, olhou em volta e examinou toda a extensão que os olhos podiam


alcançar em busca de algum movimento.

— Há alguém aí? — perguntou.

Mas não houve resposta. O silêncio voltara a reinar absoluto.

Devia ter imaginado o som que a inquietara, decidiu, estendendo a toalha sobre
o colchão e deitando-se de bruço. Apoiando a cabeça nos braços, fechou os
olhos e deixou a quietude envolvê-la aos poucos.

Uma sucessão de imagens ocupava sua mente. O rosto triste de Emília, os olhos
ansiosos de Fiammetta, a expressão de desprezo da contessa. E, acima de todas
elas, os olhos cor de âmbar de Giulio Falcone cintilando como fogo, a boca
apertada numa linha furiosa ou distendida num sorriso encantador. A graça
inerente e instintiva do corpo musculoso. A força evidente das mãos
determinadas e bem cuidadas.

Lucy apertou os olhos e viu milhares de pontos coloridos dançando na


escuridão, mas não conseguiu desfazer a imagem.

A lembrança de Falcone era como uma sombra penetrando em cada


pensamento ou sonho.

Estava apaixonada. Perdidamente.

CAPÍTULO VII

Lucy sentia o corpo relaxado, como se flutuasse sobre uma corrente de ar


quente. Quando olhou para a paisagem, muitos metros abaixo, abriu os braços e
voou como um pássaro deixando a prisão da terra em busca da liberdade.

Mas sabia que aquela liberdade era uma breve ilusão. Acima dela pairava a
sombra do falcão, o predador de quem jamais poderia escapar.

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Então ouviu seu nome e sentiu a mão que acariciava seu corpo emplumado,
subjugando-a sem esforço. Era o toque de um mestre.

A realidade impôs-se ao sonho e, subitamente desperta ela abriu os olhos e viu


Giulio Falcone ajoelhado a seu lado, espalhando protetor solar em suas costas.

— Que está fazendo? — Lucy perguntou, sentando-se e segurando a parte de


cima do biquíni, que ele havia desabotoado.

— Impedindo que seja tostada viva. — A resposta tinha um tom cáustico. — O


sol moveu-se rapidamente enquanto dormia.

— Não acha que o mais lógico teria sido me acordar?

— Talvez fosse mais lógico, mas não mais agradável.

Lucy mordeu o lábio.

— Aposto que também esteve aqui antes, observando-me. Como dono da casa,
devia ter um pouco mais de respeito pela privacidade dos hóspedes e
empregados.

— Do que está falando?

— Não finja! Há quanto tempo está escondido no jardim espionando-me?

— Tenha cuidado, Lúcia. Existem limites, até mesmo para você. Cheguei há
alguns momentos com a intenção de nadar. Se não a houvesse encontrado
exposta ao sol, certamente teria respeitado sua privacidade.

Enquanto abotoava o biquíni, Lucy o observava. Ele ainda usava as mesmas


roupas que vestira no início do dia.

— Não parece vestido para nadar, signore.

— À essa hora do dia, normalmente tenho a piscina só para mim, e por isso
posso esquecer certas trivialidades. Quer uma demonstração? — Ele sorriu,
levando a mão ao cinto.

Imaginando o corpo poderoso e forte totalmente nu, Lucy sentiu a boca seca.

— Não — respondeu perturbada. Apanhando a camisa, levantou-se de um


salto. — Vou deixá-lo desfrutar do conforto de sua casa.

— Não precisa fugir, colombina. Continue aproveitando o sol, agora que está
protegida contra ele. E desfrute de sua liberdade enquanto pode.

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— Oh, céus! As crianças! — Assustou-se, olhando em volta com expressão
assustada. — Onde elas estão?

— Os meninos ficaram brincando com os filhos de Franco, e pareciam muito


felizes quando os deixei lá. Teresa os trará de volta quando vier preparar o
jantar.

Lucy permaneceu onde estava, indecisa, sabendo que Giulio notava a pele
dourada exposta pelo biquíni sumário. Até pouco antes estivera tocando suas
costas.

Giulio respirou fundo.

— Lúcia, pare de agarrar essa camisa como se fosse um escudo. Não precisa
defender-se.

— Não? Tem uma memória muito fraca, signore.

— Pelo contrário. Se quer que eu peça desculpas por minha conduta na casetta,
então me desculpo. Reconheço que não tinha o direito de beijá-la. Mas me
recuso a pedir perdão pelo protetor solar. Foi necessário, e só quis ajudá-la.

— Não tinha o direito de decidir por mim e me tocar, quaisquer que fossem as
circunstâncias.

— Primeiro me acusa de espioná-la por entre os arbustos como um adolescente,


e agora insinua que posso atacá-la!

— Não foi o que eu disse...

— Mas foi o que insinuou. Deixou claro que não mereço sua confiança, que não
sou capaz de ficar sozinho com você sem tomar pela força algo que não está
disposta a oferecer.

Pois está enganada, mia cara. Nunca precisei forçar uma mulher a nada, e você
não será exceção a essa regra.

— Nesse caso, por que não consigo sentir-me segura?

— Talvez por não confiar em si mesma.

Ele despiu a camisa e a calça, revelando um calção preto próprio para a natação.

— Isso satisfaz seu senso de decência, colombina?

O traje de banho não a ajudava em nada, e Lucy teve de respirar fundo várias
vezes para controlar as batidas rápidas do coração.

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— Sim, mas não me tenta a ficar. — Fingindo uma indiferença que estava longe
de sentir, vestiu a camisa sobre o biquíni e começou a abotoá-la com dedos
trêmulos.

Notando a maneira como os olhos vagavam por seu corpo, ela pendurou a
bolsa sobre o ombro indicando que pretendia partir.

— Está sendo injusto, signore.

Ao passar por ele, sentiu os dedos em torno de seu braço e foi obrigada a parar.

— O que pode ser justo numa situação como a nossa? Olhe para mim, Lúcia.

O ar que os cercava tornou-se ainda mais quente, vibrando com uma


intensidade que não tinha qualquer relação com o brilho do sol.

O sangue corria devagar pelas veias de Lucy, espalhando um calor que aos
poucos ia tomando conta de todo o corpo. Só precisava virar-se para ele.
Apenas um movimento...

De repente uma gargalhada estridente e distante quebrou o encanto e desfez o


sonho.

— Divertindo-se com mais um de seus joguinhos, Giulio, querido? — A mulher


estava parada na escada, olhando para os dois. Era morena e muito bonita, o
corpo exuberante exibido pelo vestido claro que parecia uma segunda pele. —
Quem é sua última amiguinha?

Lucy virou-se, e o ar escapou de seus pulmões como se houvesse levado um


soco.

Não precisava tentar adivinhar quem era a jovem. Só podia ser Angela, a futura
esposa de Giulio.

Mas não se tratava de uma desconhecida. Já a vira antes, e recentemente. Em


Londres, saindo de um restaurante em Knightsbridge. Com Philip.

E ele também estava ali, parado na escada, o rosto congelado numa máscara de
incredulidade que beirava o horror.

— Sou apenas uma empregada temporária, signorina — disse, afastando-se de


Giulio e lutando contra a onda de histeria que ameaçava dominá-la. — Se me
dão licença...

E subiu a escada pulando os degraus, sem olhar para trás.

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Não podia estar acontecendo!

Lucy andava pela pequena sala da casetta e resistia ao impulso de beliscar-se


para ter certeza de que não estava sonhando. Sempre imaginara que um
reencontro a deixaria devastada, mas não fora essa sua reação. Na verdade,
experimentara apenas um grande desânimo e um profundo constrangimento.

Lucy sentiu um gosto amargo na boca ao pensar em Angela, tão linda e


confiante, esbanjando sensualidade. Seu sorriso havia sido zombeteiro diante
da cena que presenciara na piscina, e o olhar que lançara em sua direção fora do
mais puro desprezo.

Como Fiammetta sugerira, Angela e Giulio divertiam-se enquanto esperavam o


momento de unirem-se.

Mas onde ficava Philip nessa história? Estaria divertindo-se, também, ou levava
o romance a sério?

E o que Ângela sentia? Comparado a Giulio, Philip tinha pouco a oferecer. Uma
aptidão para esportes radicais e dedicação ao trabalho não significavam muito
contrapostos à fortuna e ao nome que vinham desde a época do Renascimento.
Teria acertado ao dizer que Ângela só usava o namorado para despertar o
ciúme do futuro marido e forçá-lo a tomar uma decisão?

Lucy suspirou. Pelo rumo que os fatos pareciam tomar, logo seria duas vezes
perdedora.

Mas Giulio nunca fora seu, e por isso não podia perdê-lo. E tinha de lembrar-se
disso a todo custo, se quisesse preservar a sanidade.

Foi um alívio quando Teresa trouxe as crianças, e ela ocupou-se com a tarefa de
banhá-los e vesti-los para o jantar.

— Quando crescer, serei dono de um vinhedo — Marco anunciou eufórico.

— Até lá, concentre-se em caminhar sobre os próprios pés. — Lucy aconselhou,


virando-se para Emília com um sorriso cúmplice. — E você, o que pretende
fazer quando for adulta?

— Acho que encontrarei um marido rico, como zia Ângela.

— Nesse caso, é melhor procurar uma cara nova. — Marco deu uma gargalhada
forçada seguida por um grito de dor. — Ela me beliscou! — E mostrou o braço
rechonchudo onde marcas vermelhas confirmavam a acusação.

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— Se não fosse tão rude com sua irmã, nada disso teria acontecido.

— Devia estar do meu lado, não do dela. — O rosto infantil era uma máscara de
ultraje.

— Não pretendo tomar partido nessa disputa, mocinho.

— Então contarei a mamma sobre o que ela fez, e Emília estará encrencada.

— Ninguém gosta de pessoas que falam demais — disse, torcendo o nariz para
o garoto.

— Mas nonna diz que Emília tem de ser punida quando é má para mim.

— E o que acontece quando você é mau para ela?

— Nada! — Emília explodiu. — Porque sempre sou a culpada!

— Tenho uma idéia. Por que vocês dois não tentam ser amigos só por um dia?

— Por quê? O que temos a ganhar com isso? — Marco perguntou sem
entusiasmo.

— Vou esperar até ter certeza de que são capazes de um mínimo de gentileza, e
depois decidirei. Agora, desçam e fiquem quietos enquanto mudo de roupa.

Havia acabado de sair do banho quando ouviu um estrondo e um grito no


andar de baixo. Enrolada numa toalha, desceu a escada como se fosse apagar
um incêndio e encontrou um dos vasos de cerâmica estraçalhado, a planta que o
ocupava caída no chão.

— Quem fez isso?

— Foi Emília. Ela jogou o vaso em minha direção.

— Não joguei. — Emília estava vermelha de raiva. — Ele estava brincando com
o vaso. Disse a ele que devia parar e Marco o jogou no chão.

— Mentirosa! — O menino gritou.

— O que está acontecendo aqui?

A voz fria e imponente atraiu a atenção de todos para a porta da casetta.

— Um deles quebrou o vaso — Lucy contou ao ver Giulio Falcone. O fato de


usar apenas uma toalha sobre o corpo nu contribuía para o desconforto que
experimentava. — Os dois estão trocando acusações. Não se pode dizer que seja
um bom começo para o novo regime.

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— Lúcia prometeu que nos recompensaria se fossemos amigos por um dia
inteiro — Março contou ao tio.

— Suborno, colombina?

— Tenho de começar por algum lugar. — Vermelha, segurou a toalha com mais
força.

Giulio olhou para os sobrinhos.

— Muito bem, pequenos furacões, se forem capazes de tamanha proeza, eu


mesmo os recompensarei. Que tal um piquenique?

— Si, si. — os dois responderam em coro, pulando como animais amestrados.

— Mas Lúcia terá de decidir se merecem a recompensa, certo? — E virou-se


para a criada. — Fiammetta disse que os meninos podem ir conversar com ela
enquanto se prepara para o jantar. Vim buscá-los... e parece que cheguei no
momento certo.

— Sim, obrigada.

— Prego. — Assim que os dois pequenos saíram para a tarde ensolarada, Giulio
virou-se da porta e sorriu. — Se eu for bonzinho por um dia inteiro, também vai
me recompensar?

— Acho que posso assumir esse compromisso sem correr riscos, signore. Vinte e
quatro horas representam muito tempo.

E, com toda a dignidade que podia manter numa toalha de banho, virou-se e
subiu a escada consciente de estar sendo observada.

Através da janela do quarto, viu quando ele cruzou o pátio e teve de respirar
fundo para recuperar a calma.

Vinte e quatro horas. Muito tempo. O suficiente para apaixona-se. O bastante


para descobrir uma dor capaz de rasgá-la ao meio e deixá-la sofrendo por toda
a eternidade. O suficiente para querer morrer.

Mas tinha de continuar vivendo... e sofrendo.

— Odiá-lo teria sido mais simples.

Lucy esperava encontrar a família reunida no salotto quando dirigiu-se à casa,


mas, para sua surpresa, Philip era o único ocupante do espaço luxuoso. Ele
estava sentado ao lado da janela, segurando um Campari com soda, mas virou-

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se ao ouvir seus passos e encarou-a.

— Qual é o jogo, Lucy? O que está fazendo aqui?

— Consegui um emprego temporário. Sou babá dos filhos da signora Rinaldi.

— Quer que eu acredite nessa tolice? Veio até aqui com o único propósito de
embaraçar-me. Estou desapontado, Lucy. Pensei que tivesse mais dignidade.
Mais... orgulho.

— Não seja ridículo. Não sabia que sua namorada tinha alguma ligação com os
donos desta casa. Na verdade, nem conhecia essas pessoas até ontem.

— Vai continuar mentindo? Quer me convencer de que conseguiu um emprego


de babá para cuidar dos filhos de alguém que nem conhecia? Francamente!

— Não estou interessada em convencê-lo de nada. Já disse o que aconteceu.


Fiquei sem dinheiro, e eles precisavam de uma babá. Além do mais, não precisa
preocupar-se com a possibilidade de ser embaraçado diante de sua nova
namorada, Philip, porque, de minha parte, é tão estranho para mim quanto
todas aquelas pessoas. Nosso encontro foi uma desagradável coincidência, mas
não precisa ser um completo desastre.

— Suponho que não. Por outro lado, seria apenas o desfecho perfeito para essa
horrível viagem. Planejamos uma espécie de lua-de-mel, férias românticas para
um casal de namorados, mas assim que chegamos a Florença, Angela
transformou-se num monstro devorador de cultura. Fui obrigado a visitar
dezenas de museus, e tenho a impressão de que nunca mais vou esquecer a
estátua de Davi. Em todo lugar que olhava havia uma delas.

Lucy sentia vontade de rir, mas conteve-se.

— Se não me engano, a original está na Academia. Todas as outras devem ser


cópias.

— Ah, sim! É claro que você sabe! — E virou-se como se só então a visse
realmente. — Não me lembro de tê-la visto usando essa roupa.

A saia ampla em tons de azul combinava com a blusa branca de decote redondo
e, apesar de simples, o traje tinha uma certa elegância.

— É nova. Comprei antes de viajar.

— Nunca vi uma babá usando roupas tão elegantes em horário de expediente.


Espero que saiba o que está fazendo, Lucy. — E parou para beber um pouco do

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Campari. — Para ser bem honesto, não esperava hospedar-me com os parentes
de Angela. Ela nunca os mencionou quando estávamos em Londres. Mas querer
me apresentar à família deve ser um bom sinal. — E baixou a voz. — A tia, a tal
confessa, é um verdadeiro teste de paciência!

— Pois eu a considero encantadora.

— Não há como discutir preferências pessoais. Tenho de admitir que está muito
bonita, Lucy.

— Obrigada.

— Estou falando sério! Tão atraente quanto no dia em que a conheci.

— Ou até conhecer Angela.

— Ah, por favor! Tivemos bons momentos juntos.

— Tivemos? — E consultou o relógio. Onde estavam todos?

— Você sabe que sim. — Ele abandonou o copo sobre uma mesa de canto e
levantou-se.

— Não sei o que está planejando, Philip, mas é melhor desistir.

— Ora, ora! De repente tornou-se altiva e distante. Espera que o grande Giulio
Falcone se interesse por você? Vi como estavam próximos na piscina hoje à
tarde, quando chegamos. De acordo com Angela, ele é famoso por seus
romances passageiros, mas normalmente exige padrões mais elevados.

Lucy forçou um sorriso.

— Obrigada pelo elogio.

Um som na porta chamou sua atenção, e ela virou-se. Giulio estava parado na
soleira, acompanhando a cena com expressão neutra.

— Boa noite. Só um péssimo anfitrião faz um hóspede esperar — disse.

— Oh, não se incomode. — Philip voltou ao sofá. — Angela sugeriu que eu me


servisse de um drinque.

— É claro. Normalmente haveria alguém para servi-lo, mas estamos


enfrentando problemas com a criadagem. Quer beber alguma coisa, Lúcia? —:
ofereceu, aproximando-se do carrinho onde ficavam as bebidas.

— Suco de frutas, por favor.

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— Quanta virtude!

Falcone encheu um copo com suco de laranja e acrescentou gelo antes de


entregá-lo. O tilintar dos cubos contra o cristal a fez perceber que suas mãos
tremiam. Philip terminou de beber o Campari.

— Acho que vou ver por que Angela está demorando tanto.

— O eterno problema sobre o que vestir, sem dúvida — Giulio comentou com
tom divertido, servindo-se de um uísque enquanto Philip dirigia-se à porta.

Lucy obrigou-se a beber alguns goles do suco, preparando-se para o que estava
por vir.

Quando Giulio finalmente falou, sua voz era quase gentil.

— Fique longe dele, Lúcia. Esse homem não é para você. Adoraria dizer que
sabia disso, mas preferiu cooperar com o jogo de aparências.

— Isso é um aviso?

— Não. É uma ordem, e você vai cumpri-la.

— Por que ele é namorado de sua prima Angela?

— Talvez. Pelo menos até ela se cansar. — Giulio riu. — Angela foi
amaldiçoada com um baixíssimo nível de tolerância.

— Deve ser um traço genético. Uma dessas características familiares. E se eu


decidir ignorar sua ordem? — ela o desafiou, bebendo mais um pouco do suco
para disfarçar o nervosismo.

— Serei obrigado a fazê-la arrepender-se de ter posto os pés na Toscana.

— Lamento, mas está atrasado, signore. Já me arrependi mil vezes. Sendo assim,
creio não ter mais nada a perder.

O silêncio entre eles pareceu estender-se por uma eternidade. O rosto de


Falcone era como uma máscara de bronze, rígido e inexpressivo. Ele deu dois
passos em sua direção e parou, como se de repente estivesse à beira de um
abismo.

— Então, signorina, não há mais nada a ser dito.

Nesse momento a porta do salotto se abriu e Fiammetta entrou seguida pelas


crianças.

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Lucy aproximou-se da janela e fingiu um enorme interesse pelas sombras que
começavam a invadir o jardim.

CAPÍTULO VIII

Se Lucy não estivesse tão tensa, o jantar teria sido quase divertido.

Sentado ao lado da contessa, Philip esforçava-se para participar da conversa,


mas todos os comentários que fazia eram ignorados, ou respondidos com uma
frieza capaz de congelar até o mais insensível dos homens.

Usando um vestido de seda que devia ter custado o equivalente a três meses do
salário de Lucy, Angela mantinha toda a atenção voltada para Giulio. A voz
baixa, a linguagem corporal que excluía todos os presentes com um simples
movimento de ombros, a mão brincando com a abotoadura de ouro do conde, o
riso suave e sedutor... tudo proclamava uma intimidade sólida e antiga.

Lucy concentrou-se em tentar convencer as crianças a se comportarem, e acabou


ouvindo a descrição que Fiammetta fazia do apartamento em Nova York, para
onde mudariam-se no outono.

Também pretendia mudar, decidiu. Talvez procurasse até um novo emprego


quando voltasse para Londres. Recomeçaria do zero. Buscaria o esquecimento
num frenesi de atividades e na construção de novos horizontes. E rezaria para
que o resultado fosse positivo.

Marco cutucou-a.

— Quando devemos começar a ser bons? — ele perguntou num sussurro.

— Imediatamente. Terão de ser perfeitos durante vinte e quatro horas. Portanto,


tratem de se comportarem como crianças adoráveis a partir de já.

O ar decepcionado indicava que ele havia planejado atormentar a irmã, mas,


encolhendo os ombros, Marco dedicou-se ao sorvete de pêssego.

O café e o licor já estavam sendo servidos quando tudo mudou subitamente.

A confessa conversava com Fiammetta, e Giulio inclinou-se para a frente.

— Minha querida Cláudia, vejo que está usando o anel Falcone. Isso significa

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que decidiu devolvê-lo, afinal?

A condessa olhou para a própria mão, examinando a jóia de rubi e ouro.

— Caro Giulio, não é delicado abordar assunto familiares na presença de


estranhos. Não precisamos lavar nossa roupa em público.

— Tentei discutir a questão em particular, mas não obtive sucesso. Como seus
advogados disseram várias vezes, o anel é uma herança, não uma jóia qualquer,
e devia ter sido devolvido à família depois da morte de meu pai.

— A fim de que o novo conde Falcone possa dá-lo à sua esposa? Mas você não
tem uma esposa, mio caro. Na verdade, está se tornando famoso por conta dessa
insistência em permanecer solteiro. Sendo assim, a questão está em suas mãos.
Tudo que precisa fazer é satisfazer meu desejo anunciando o noivado, e garanto
que terá o anel para presentear a jovem felizarda. — Ela sorriu para Angela e
estendeu a mão, estudando a jóia que brilhava à luz do candelabro de prata.

— Estou farto dessa discussão — Giulio Falcone anunciou com frieza. — Meu
casamento não tem nenhuma, relação com o assunto. O anel pertence ao legado
da família, mesmo que eu permaneça solteiro até o fim de meus dias.

— E é essa sua intenção?

— Não. Pretendo me casar antes do final do ano. Mas isso, perdoe-me, querida
Cláudia, não lhe diz respeito. E presentear minha fidanzata com a jóia também é
uma decisão pessoal, não um ritual orquestrado por você.

— Com licença, signora — pediu Lucy, empurrando a cadeira para levantar-se.


— Vou levar as crianças para a cama. Foi um longo dia.

— Vou com você — Fiammetta disse, ajudando Lucy a retirar os meninos da


sala de jantar. — Dio mio, que cena! — comentou em voz baixa quando
atravessaram o jardim perfumado. — O problema é que o anel tem enorme
valor. Trata-se de uma jóia do século quinze que devia ser mantida num cofre.

— Não pode conversar com ela?

— Sim, sobre muitas coisas, mas não sobre o anel. Mamma jamais me ouviria.
Ela provoca Giulio constantemente, como fez esta noite, exibindo a jóia em
ocasiões sem importância. Sei que ele não devia ter dito o que disse, mas não
posso censurá-lo.

— Talvez a condessa quisesse provocá-lo para fazê-lo pedir sua prima em

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casamento.

— Então ela não conhece o próprio enteado. Por outro lado, o casamento não
deve demorar. Notou como eles conversaram durante o jantar?

— Sim. — Lucy respondeu com tom seco. — Crianças, mais devagar — disse,
apressando o passo para alcançá-las. — Está escuro, e vão acabar caindo e se
machucando.

A sugestão de qualquer possibilidade de dano aos herdeiros era a melhor


maneira de fazer Fiammetta esquecer o resto do mundo.

As crianças foram para a cama sem criar problemas, apesar de Emília mostrar-
se disposta a manter a mãe a seu lado. E quem poderia censurá-la por isso?

Quando Fiammetta saiu e a casetta foi invadida pelo silêncio, Lucy sentou-se no
banco do lado de fora, perto da porta. Depois da quietude do dia, a noite era
cheia de sons e movimentos. Grilos, sapos e aves noturnas entoavam uma
canção de amor à natureza que embalava seus devaneios.

Trouxera um livro ao sair, mas o volume permanecia fechado sobre seus


joelhos. A mente era como um turbilhão de pensamentos e impressões, quase
todos infelizes. Como uma vida inteira podia mudar tão depressa? Como se
podia perder a noção da própria natureza em pouco mais de vinte e quatro
horas? Não era normal.

Giulio Falcone apoderara-se dela, da mente, da alma e do coração. Desde o


primeiro encontro sentira o perigo e reconhecera os sinais do que estava prestes
a viver, mas havia sido incapaz de resistir.

O som de passos invadiu sua reflexão, e ela ergueu os ombros, o corpo todo em
estado de alerta esperando ver a figura alta e imponente que pouco depois
surgiu sob a luz da lua.

— Boa noite, signore — disse, surpreendendo-se com o tom controlado da voz.


— Veio em busca de mais uma discussão?

— Não. Encerrei o período de batalhas, pelo menos por hoje. Vim ver se as
crianças estão bem e se você tem tudo que considera necessário. Posso sentar-
me?

— Não devia estar com seus convidados?

— Convidei Fiammetta e as crianças. Como a primeira está jogando cartas, e os

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pequenos já foram dormir, sinto-me livre para decidir como ocupar meu tempo.

Lucy acomodou-se num extremo do banco, ajeitando o tecido da saia junto ao


corpo. Giulio observou a manobra com expressão divertida antes de sentar-se.

— Não está nervosa aqui fora, longe da casa e das outras pessoas?

Não estava, até esse momento.

— Suponho que queira me falar sobre bandos de assaltantes armados que


invadem as propriedades da vizinhança.

— Não. Graças a Deus, não temos esse tipo de problema por aqui. Foi você
quem sentiu-se observada na piscina.

— Sim, mas devo ter me enganado.

— Eu disse que não havia ficado escondido para observá-la, mas isso não exclui
outras pessoas.

— Pode ter sido um gato.

— Sim, ou um urso selvagem, ou um lobo das montanhas.

— Ou minha imaginação. Os problemas que tenho enfrentado ultimamente


podem ter me tornado paranóica.

— Não exagere. É evidente que não perdeu o equilíbrio. Mas também é óbvio
que está infeliz, e isso me incomoda, porque sei que sou o culpado. Não queria
vê-la sofrendo dessa maneira, Lúcia.

— Por favor. Prefiro não discutir esse assunto — ela pediu, sentindo que
poderia trair-se a qualquer momento.

— Mas não podemos fingir que a situação não existe — o conde argumentou.

— Talvez você não possa. Sou uma grande atriz.

— Lúcia. — Ele estendeu a mão e parou ao vê-la encolher-se. — Será que não
entende? Discutir o assunto só tornará tudo muito pior. Não pode demonstrar
um mínimo de compaixão, pelo menos?

— Não sabia que a ferida era tão profunda. Não há nada que eu possa fazer?

— Esta manhã, disse que tudo seria melhor se eu partisse. Eu... sou forçada a
reconhecer que estava certo. Irei embora assim que encontrar outra pessoa para
cuidar das crianças.

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Giulio ficou em silêncio por alguns instantes, os olhos fixos no chão.

— Como quiser. Teresa tem uma prima que é professora e está procurando um
emprego temporário para ocupar-se durante as férias. Verei o que posso
arranjar. O que pretende fazer?

— O que devia ter feito desde o início. Voltarei para a Inglaterra no primeiro
vôo disponível. Retomarei minha vida de onde a deixei.

— Fala como se tudo fosse muito simples. Como se a questão fosse racional. E
no entanto, nós dois sabemos que não é assim.

Antes que pudesse imaginar as intenções do conde, Lucy foi aprisionada pelos
braços fortes e descobriu-se sobre os joelhos dele, imobilizada.

Por um segundo viu o rosto moreno iluminado pelo luar, o brilho nos olhos e as
linhas que marcavam a área em torno da boca provocante. O falcão com sua
presa. Logo ele a devoraria, e então estaria eternamente perdida na escuridão.

No instante seguinte, os lábios macios, firmes, exigentes, pediam uma resposta


que Lucy sabia ser perigosa. Devia resistir. Devia rejeitá-lo, lutar com todas as
forças para libertar-se, mas o calor daquela boca e o cheiro da pele bronzeada
eram como uma droga poderosa que a impedia de raciocinar. Indefesa,
entregou-se ao beijo como quem rende-se à morte.

Os braços enlaçaram o pescoço musculoso, e a mente zombou de sua intenção


de resistir. Por que fingir que não o queria, se o desejava com desespero? Se não
podia tê-lo a seu lado para sempre, então aceitaria o' que ele estava disposto a
oferecer. Um breve interlúdio apaixonado. Uma lembrança para aquecê-la no
vazio que prometia ser o futuro.

As mãos lançavam-se numa viagem alucinante e ansiosa, explorando e


descobrindo, provocando e saciando. De repente, Giulio encontrou o fecho de
seu sutiã e libertou os seios da prisão que os asfixiava. Lucy teve de abafar um
gemido aflito quando uma das mãos tocou a pele nua e sensível.

Giulio a encarava com expressão triunfante, os olhos iluminados por um fogo


capaz de incendiar o mundo. Enquanto a fitava, continuava acariciando seu seio
e arrancando suspiros de prazer e angustia de sua garganta.

Depois foi a vez dos lábios seguirem o caminho traçado pelas mãos, excitando-a
como jamais imaginara ser possível.

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Sara Craven – A Última Tentação
(Julia Cartão Postal 51)
O desejo de tocá-lo era mais forte que tudo e, tímida, ela levou os dedos
trêmulos à gola da camisa, abrindo-a devagar para experimentar a textura da
pele bronzeada e firme. Quando finalmente espalmou a mão sobre o peito
musculoso e sentiu as batidas aceleradas daquele coração, teve a impressão de
estar entrando no paraíso.

Sabia o que aconteceria em breve. Sentiu quando ele abriu sua saia e
experimentou uma onda de calor tão forte, que temeu derreter nos braços do
conde.

A boca apoderou-se novamente da dela, dessa vez com delicadeza. O beijo era
como uma súplica silenciosa, um pedido que ela estava disposta a atender sem
hesitar.

Quando Giulio a acomodou sobre o corpo, fazendo-a sentir o quanto a desejava,


ela teve de esforçar-se para conter o grito de prazer que formava-se em sua
garganta.

Mas o grito que ouviram foi outro. O de uma criança apavorada.

O encanto se quebrou.

— Oh, meu Deus! — Lúcia gemeu desnorteada, levantando-se e ajeitando as


roupas com mãos trêmulas. — E Emília! O que Marco pode ter feito?

Preocupada, entrou e subiu a escada aos saltos, consciente da presença de


Giulio atrás dela.

Emília estava sentada na cama, as mãos sobre os ouvidos e o rosto contorcido, a


boca aberta para mais um grito.

— Calma, querida. — Lucy ajoelhou-se na cama e abraçou-a. — O que


aconteceu?

A resposta foi uma enxurrada de soluços e palavras incompreensíveis no


idioma local.

Mas, qualquer que fosse o problema, Marco não podia ser acusado de nada. Um
olhar para a cama vizinha foi suficiente para certificar-se de que ele dormia
profundamente.

— Ela teve um pesadelo — Giulio traduziu, sentando-se no outro lado da cama.


— Estava num carro que foi atingido por outro, e não conseguiu abrir a porta
para sair.

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— Mas isso não aconteceu, Emília. — Lucy afagou os cabelos da menina com
delicadeza. — Está aqui, na vila de seu tio, e perfeitamente segura.

— Zio Giulio. — A menina virou-se para ele, ainda soluçando.

— Lúcia está certa, cara. — O conde abraçou-a e secou seu rosto com o lenço
que retirou do bolso. — Foi só um sonho ruim.

— Quero um copo de leite. E quero que fique aqui comigo, zio Giulio.

— Vou providenciar leite morno. — Lucy decidiu, saindo em seguida.

O pesadelo da menina havia sido sua salvação. Estivera prestes a entregar-se de


corpo e alma a um homem que já pertencia a outra. Um homem que só podia
vê-la como fonte temporária de prazer. Depois teria sido abandonada à própria
dor e às conseqüências desastrosas dessa rendição.

Mas, felizmente, as circunstâncias haviam restaurado sua sanidade antes que


um dano maior fosse provocado.

Quando voltou ao quarto levando o leite morno, Emília estava bem mais calma
e até sorria enquanto Giulio murmurava uma história em seu ouvido. Ela bebeu
todo o leite sem protestar e, em seguida, deitou-se segurando a mão do tio.

— E Lúcia também deve ficar — a pequena decretou. — Alison costumava


contar histórias. Minha preferida é Cinderela.

— Conhece essa história, colombina? — Giulio perguntou com um sorriso


debochado.

Sentia-se como se a estivesse vivendo, Lucy pensou, desviando os olhos para


não trair os próprios sentimentos. A meia-noite acabara de soar, vestira
novamente os velhos trapos, e não haveria um final feliz.

A presença de Giulio Falcone a incomodava profundamente. O cenário íntimo


do quarto, a criança sonolenta e a união para confortá-la formavam um quadro
doloroso demais, um cena que trazia à mente possibilidades que jamais se
realizariam.

Mas havia uma certa medida de paz em contar a velha história de amor, perdas
e redescobertas. Lucy mantinha a voz baixa e estável, e muito antes de
Cinderela fugir deixando para trás o sapatinho de cristal, Emília já dormia
profundamente.

— Ela está mais tranqüila, mas dormirei com a porta aberta, caso tenha de

Projeto Revisoras 78
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voltar a confortá-la.

Giulio levantou-se.

— Sabe de uma coisa, bella mia? Está desperdiçando seu talento no ramo da
publicidade. Devia dedicar-se às crianças.

— Não sei de onde tirou essa idéia. — Lúcia saiu do quarto e desceu a escada
de cabeça erguida, consciente da presença dele às suas costas. — Uma história e
um copo de leite não me transformam em Mary Poppins.

— Tem certeza de que quer partir?

— Mais que nunca — ela afirmou, tomando o cuidado de não encará-lo


enquanto lavava o copo vazio.

— Entendo. Acha que tentarei fazer amor com você novamente, se ficar. Está
enganada. Meu comportamento esta noite foi um erro. Não tenho o direito de
tocá-la.

— Pelo menos concordamos a respeito de alguma coisa.

— Não tentarei justificar minha atitude. Digo apenas que é difícil resistir aos
seus encantos.

E à sua disponibilidade. Giulio não disse as palavras em voz alta, mas nem era
necessário.

— E que justificativa posso oferecer? — ela indagou. — Devo dizer que é um


especialista em sedução e me fez perder o contato com a realidade por alguns
momentos?

— Se acredita nisso... De qualquer maneira, o episódio não vai se repetir. Está


satisfeita?

— Não quero garantias. A única coisa que me interessa é minha liberdade. E o


mais depressa possível.

— Então a terá. E espero, pelo seu próprio bem, caríssima, que não tenha de
pagar muito caro por ela.

Lucy ouviu os passos de Giulio, e o som da porta se fechando.

Havia acabado. Ponto final.

Devia estar feliz, mas a única coisa que sentia era um imenso vazio.

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Um soluço conseguiu vencer a barreira que formara-se em sua garganta e
explodiu no alívio das lágrimas.

CAPITULO IX

Foi uma noite interminável para Lucy. A idéia de partir e nunca mais ver Giulio
era insuportável, mas também não ousava ficar, porque sabia que, nesse caso,
seria destruída.

Não compreendia como a devastação emocional pudera dominá-la tão


rapidamente, ou como todas as expectativas e valores haviam se transformado
em questão de horas.

Sempre considerara o amor um compromisso estável que crescia a partir da


simpatia mútua e de interesses compartilhados, não uma tempestade violenta
de angústia, desejo e ciúme, um furacão de sentimentos incontroláveis que
podiam destruir a vida de uma pessoa em questão de horas.

Isso não era amor, argumentou em pensamentos. Era luxúria.

O dia já estava amanhecendo quando conseguiu mergulhar num sono agitado,


e pouco depois os gritos de Marco a acordaram de maneira súbita.

— Levante-se, Lúcia, estou com fome!

Ele estava ajoelhado ao lado da cama, cutucando-a com a ponta do indicador


como se quisesse enlouquecê-la.

— Pare com isso, por favor. Vá se vestir, e prometo que irei encontrá-lo num
minuto.

— Fomos bonzinhos? As vinte e quatro horas já terminaram?

— Não. Ainda têm de demonstrar comportamento exemplar, ou perderão a


recompensa prometida.

O café da manhã foi um verdadeiro banquete, uma seleção variada de carnes


frias, queijos, frutas, conservas e pães quentes, acompanhados por café, leite e
suco de laranja.

Lucy serviu as crianças antes de sentar-se diante da própria refeição, composta

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por pão, geléia de cereja e uma pêra.

Mal havia começado a comer quando Ângela chegou, cumprimentou-os com


um aceno indiferente e aproximou-se da mesa.

— Minha tia prefere tomar o café no quarto. Pode preparar uma bandeja?

Por um momento, Lucy olhou para a jovem vestida com short e camiseta branca
e imaginou como ela ficaria depois de ser atingida por um torpedo de geléia de
cereja.

— É claro que sim, srta... Como é mesmo seu nome?

— Brockhurst. — Angela sentou-se e olhou para Marco com ar de repulsa. —


Ele precisa comer com a boca aberta?

Lucy, que estava prestes a censurar o menino pela mesma razão, encolheu os
ombros. -

— Gosto de ver uma criança com apetite. — E levantou-se para sair da sala.

Teresa providenciou uma bandeja coberta com uma imaculada toalha branca,
porcelana chinesa decorada com padrões florais e um cintilante serviço de café
em prata, tudo acompanhado por sorrisos de simpatia e compaixão.

Quando estava carregando a bandeja na direção da escada, Lucy foi detida pela
voz de Giulio.

— O que está fazendo?

Com o coração aos saltos, virou-se e o viu parado na porta, uma silhueta escura
contra o sol matinal.

— Vou levar o café da contessa.

— Quem pediu?

Pela primeira vez desde que o conhecera, ele não exibia a habitual aparência
impecável. Precisava barbear-se, e as roupas que usava eram as mesmas da
noite anterior.

— Tia Cláudia, querido — Angela respondeu, surgindo na porta da sala de


jantar. — Por favor, não demore, Lucy. A contessa não aprecia café frio.

— A srta. Winters também não gosta de ser tratada como uma criada —, Giulio
afirmou com tom gelado. — Sua tia já tem uma empregada para servi-la. Onde
está ela?

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— Provavelmente passando as roupas que tia Cláudia pretende usar. Qual é o
problema caro! É só uma bandeja de café.

— Tem razão — Giulio respondeu, tirando a bandeja das mãos de Lucy. — E


como estou subindo, eu mesmo a levarei. E aproveitarei a oportunidade para
esclarecer qualquer mal entendido quanto ao papel da srta. Winters nesta casa.

— Oh, acho que isso já ficou bem claro, pelo menos para mim, meu bem. —
Angela ria. — Mas quem sou eu para criticar suas pequenas escapadas?
Também não sou imune a certas tentações.

Furiosa, Lucy voltou à sala para terminar a refeição.

— No entanto, se está tentando me deixar enciumada, vai ter de escolher algo


melhor que aquela magricela pálida.

Seria um dia muito quente. Lucy passou a primeira parte da manhã tentando
convencer as crianças a escreverem um cartão para Alison, mas elas recusavam-
se a fazer um desenho ou assinar os nomes, e por isso desistiu e os levou à
piscina para um mergulho.

Emilia tinha um certo temor de água, mas procurava não demonstrá-lo. Como
Marco insistia em debruçar-se sobre a irmã e enervá-la, Lucy foi buscar uma
bola no quarto de despejo onde ficavam os guarda-sóis e colchões, e assim os
dois começaram um divertido jogo na parte mais rasa da piscina. A brincadeira
durou cerca de meia hora, até Angela entrar em cena.

— Que barulho! — Ela estava parada perto da borda, acompanhada por Philip
que, sério, parecia pouco a vontade. — Vim aqui para relaxar — a jovem
continuou. — Não pode levar os meninos para brincarem em outro lugar?

— Acabamos de chegar, srta. Brockhurst.

— E daí? Estou dizendo que deve levá-los para outro lugar. Gostaria de um
pouco de paz e privacidade. — Angela olhou para Philip com um sorriso
bastante significativo, e em seguida examinou o biquíni de Lucy com ar de
desprezo. — Além do mais, tenho certeza de que zia Cláudia não permite que
os criados usem a piscina quando há algum convidado.

Controlando a fúria que a invadia, Lucy retirou as crianças da água com esforço
e enrolou-as em. toalhas.

— Vou tentar me lembrar disso.

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— Espero que sim. Todos os meus amigos na Inglaterra têm babás, e você é
simplesmente a pior que já vi. E não se iluda com as atenções de Giulio, meu
bem, porque para ele, esse tipo de atitude é instintiva. Como um reflexo
fisiológico, se é que me entende.

— Qual de nós está tentando convencer, srta. Brockhurst? — Com um aceno


frio para o pobre e embaraçado Philip, levou as crianças para longe antes que a
outra pudesse responder.

Quando chegaram à casetta, foram recebidos por uma condessa impaciente e


carrancuda.

— Finalmente apareceram. Já estava farta de esperar.

— Sinto muito — Lucy respondeu irritada. — Não sabia que queria me ver.

— Devia apresentar-se à dona da casa para receber instruções todas as manhãs.


E essas roupas não são indicadas para o horário de expediente.

Lucy suspirou.

— Tem razão, contessa. Estava indo me vestir.

— É bom saber disso. Vou almoçar com alguns amigos em Siena, e quero levar
Marco comigo. Por favor, vista-o adequadamente.

— Somente Marco?

— Não ouviu o que eu disse? — Cláudia examinou as unhas bem feitas. —


Meus amigos possuem muitos objetos de valor e, infelizmente, Emília não é
confiável. É melhor que ela permaneça aqui.

— Não quero mesmo ir. — O rosto de Emília anunciava tempestade e, tentando


acalmá-la, Lucy pousou a mão no ombro da garota. — Odeio você! — ela
gritou, rompendo num pranto descontrolado. — Odeio você!

— Que drama. — A voz da condessa fazia pensar em pedras de gelo. — Como


se atreve a falar comigo nesse tom? E você signorina, tem certeza de que está
preparada para lidar com uma criança tão problemática?

— Os problemas de Emília foram criados pelo ambiente em que ela vive,


contessa.

— Você é insolente.

— Não, senhora. Apenas honesta. — E virou-se para Marco. — Entre, caro, e

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espere por mim no quarto.

— Quero ficar aqui. — Excitado, ele olhou por cima do ombro da babá e bateu
palmas. — Zio Giulio, venha ver Lucy e nonna brigando.

— O que está acontecendo aqui? Por que Emília está chorando?

— Mais uma de suas tempestades num copo de água. — A condessa respondeu


com descaso. — Lamento, Giulio, mas a srta. Winters não é madura o bastante
para cuidar dessas crianças. Ela acabou de dar um péssimo exemplo, e exijo que
a demita imediatamente.

— Está atrasada, Cláudia. A signorina pediu demissão ontem à noite.

— É mesmo? E quem vai substituí-la?

— Dorotea, a prima de Teresa. Isto é, espero que ela aceite o convite assim que
for encontrada. — E virou-se para a sobrinha. — O que aconteceu, meu bem?

— Nonna disse que sou uma ladra. A condessa encolheu os ombros.

— Disse apenas que não a levarei para almoçar na casa dos Masserinis porque
ela não é confiável.

— Você vai almoçar comigo, cara. — Giulio decidiu, afagando o rosto molhado
da menina. — Vá mudar de roupa.

O sorriso de Emília foi como o sol surgindo por trás das nuvens, mas o olhar
que ela lançou na direção da avó antes de entrar na casetta sugeria rancor e
ressentimento. Marco seguiu a irmã.

A contessa forçou um sorriso.

— Meu querido Giulio, não pode abandonar seus convidados. Angela ficará
ofendida. — E virou-se para Lucy. — Ainda aqui, signorina? Devia estar
ajudando meu neto a vestir-se.

— Sugiro que também vá se arrumar, Lúcia. — Havia um brilho divertido nos


olhos de Giulio. — Florença exige roupas mais formais.

— Quer que eu vá com vocês? — Lucy perguntou.

— Naturalmente. Até sua substituta apresentar-se, espero que continue


cumprindo seus deveres. E Emília precisa de companhia no automóvel, caso
sinta medo ou enjôos novamente. Acha que estará pronta dentro de quinze
minutos?

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Lucy afirmou com a cabeça e desapareceu além da porta da casetta. Lá dentro,
enquanto supervisionava as crianças, pôde ouvir a furiosa explosão da
condessa e as respostas geladas de Giulio às colocações em italiano.

Os meninos também ouviam, e por isso ela os afastou da janela e fechou a


veneziana.

— Estão brigando por causa daquele anel vermelho que nonna usa de vez em
quando. — Marco contou enquanto tomava uma ducha.

— O anel não é dela. Ela não devia usá-lo. — Emília opinou com paixão
enquanto lavava os cabelos. — Ouvi papa dizendo a mamma que a jóia devia ser
devolvida.

— Trata-se de uma discussão entre dois adultos, e vocês não devem interferir —
Lucy orientou com firmeza. — Muito bem, o que vão vestir?

Pela primeira vez Emília não criou problemas, aceitando de imediato a sugestão
oferecida pela babá temporária.

No entanto, foi uma verdadeira batalha convencer Marco a usar o short de


veludo e a camisa de cetim que a condessa julgaria adequados à ocasião.

— Odeio essas roupas — ele resmungava. — Mas gosto de ir almoçar com os


amigos de minha avó. Sempre ganho presentes.

— Você já tem mais do que precisa — Lucy comentou com tom severo
enquanto penteava os cabelos do garoto.

Quando terminou de arrumá-los, mandou-os descer e esperar na sala com os


livros de figuras, deixando claro que não deviam brigar ou sujar as roupas
enquanto esperavam.

Sabia que estava brincando com fogo, mas, mesmo assim, vestiu um conjunto
amarelo e afastou os cabelos do rosto prendendo-os com um lenço da mesma
cor.

Quando levou as crianças à vila, Lucy encontrou Fiammetta no salotto, lendo


uma revista que ela deixou de lado para abraçar os filhos e recomendar que
tivessem bom comportamento.

— Lúcia também deve comportar-se — Marco lembrou.

— Sim, e Emília estará lá para ter certeza disso. — Fiammetta riu, estendendo a
mão para Giulio. — Tome cuidado, mio caro. Às vezes acho que vai depressa

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demais.

— É você quem se preocupa demais.

Notando-o, Lucy franziu a testa, mas relegou-o a um recanto sombrio da mente


assim que a condessa entrou, exigindo a companhia do neto.

Depois que Cláudia e Marco partiram, Giulio parou o carro diante da casa.

— Quero ir na frente! — Emília gritou ao ver um dos automóveis do tio, um


modelo mais espaçoso que o esportivo que Lucy conhecera em Montiverno.

— Não, pequena. — O conde colocou-a no banco de trás e prendeu o cinto de


segurança, apè&ar dos protestos veementes da sobrinha. Ao notar que Lucy
acomodava-se no banco traseiro, ele franziu a testa. — O que está fazendo?

— Acho melhor ficar perto dela, caso haja algum problema.

— Tem certeza de que não está considerando outros problemas?

— Sim, tenho certeza absoluta. Não sou eu quem tem pesadelos.

Houve um breve período de silêncio antes de ele responder.

— Desculpe. Não devia precisar desse tipo de comentário para lembrar as


dificuldades que minha sobrinha enfrenta.

— E quem será o príncipe?

— Acho que vai ter de esperar alguns anos. Mas um dia ele virá, tenho certeza.
— E acomodou-se atrás do volante. — Muito bem, o dia é todo seu. Para onde
vamos, principessa!

— Para Florença, zio Giulio. Você mesmo disse.

— Ah, sim! Mas receio ter esquecido o caminho. Vai ter de me ajudar, ou
corremos o risco de almoçar em Roma. E vai ter de falar alto, porque estou
ficando velho e surdo.

Emília riu e olhou pela janela à espera da primeira placa de sinalização.

Em alguns momentos, ela ficou em dúvida sobre para que lado ficavam a
direita e a esquerda, e a aproximação de um precipício a deixou visivelmente
assustada, mas a alegria de Giulio e as intervenções doces e firmes de Lucy a
ajudaram a superar os temores. O jogo estendeu-se até Florença.

— Obrigada — Lucy murmurou quando saíram do carro. Ele havia estacionado

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no meio de uma grande praça repleta de cópias em bronze das mais famosas
esculturas de Michelangelo, incluindo o conhecido Davi. — Foi muita bondade
sua.

— E está surpresa, porque considera a crueldade mais natural à minha


personalidade, talvez?

— Ora, não!

— Grazie. — Ele parecia divertir-se. — Talvez tenha desejado evitar outra


reprimenda.

— Entendo. — Constrangida, ela decidiu mudar de assunto e abordar tópicos


mais seguros. — Que lugar é este?

— A Piazzale Michelangelo. Quem vem a Florença tem o dever de conhecer


essa praça, mesmo que não veja nenhum outro lugar. — Atravessando o mar de
artesãos vendendo peças de cerâmica e telas coloridas, ele conduziu Lucy e
Emília ao extremo oposto da praça, onde havia um observatório.

A partir daquele ponto elevado puderam ver Florença cortada pelo rio Arno,
suas torres e praças iluminadas pelo sol como numa gloriosa pintura medieval.
E além dela, à distância, erguiam-se as montanhas toscanas em tons de verde,
azul e púrpura.

— É lindo! — Lucy murmurou.

— Sim. Mais lindo que um sonho.

Virando-se, viu que ele a observava com atenção. Um rubor instintivo tingiu
seu rosto e, perturbada, ela voltou a apreciar a paisagem.

— Sempre que me afasto daqui, este é o primeiro lugar que visito na volta. —
Giulio contou.

— Aquela é a Ponte Vecchio? — Lucy perguntou, fingindo um enorme interesse


a fim de disfarçar os efeitos provocados pela proximidade física.

— Sim, a única ponte sobre o Arno que resistiu intacta à guerra. Meu pai
sempre dizia que ninguém jamais saberia porque os alemães a pouparam. A
ponte permanece no mesmo lugar, altiva e sólida, desde o tempo de Cosimo de
Mediei.

— Seu ancestral.

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— Um deles, talvez. Quer comprar alguma coisa na Ponte Vecchio? Uma
lembrança de sua visita a Florença?

— Acho que terei de me contentar com souvenirs baratos. Pensando bem, não
preciso deles. Jamais esquecerei essa vista enquanto viver. Obrigada por ter me
trazido até aqui.

Ele encolheu os ombros.

— Tirei o dia para praticar boas ações. Sei que nem sempre fui muito generoso
com você, Lúcia, e sei também que, no final, terei de ser cruel... para ser bom.

A mão pousou sobre seu ombro e, de repente, ela sentiu-se puxada contra o
corpo musculoso. Os lábios roçaram o dela num beijo suave e rápido.

E então, com a mesma rapidez, antes que alguém pudesse notar o que
acontecia, Lucy estava livre novamente, tocando a boca com dedos trêmulos e
vendo o conde afastar-se. Um dia, num futuro muito próximo, teria de vê-lo
afastar-se para sempre.

CAPÍTULO X

Quando alcançou Giulio e Emília no carro, Lucy havia conseguido estabilizar a


respiração e encarou-o com expressão sardônica.

— A mocinha quer sorvete — ele explicou. — Acho melhor almoçarmos antes


de satisfazer o desejo da princesa.

Sem esperar para ouvir a opinião da babá temporária, ele entrou no automóvel
e dirigiu até uma rua lateral perto da Piazza delia Signoria, onde estacionou.

— Agora seguiremos andando — disse, segurando a mão de Emília. — Vamos


pela trilha dos turistas para que Lúcia possa conhecê-la.

Pouco depois, Giulio olhou por cima do ombro e perguntou:

— Reconhece esse lugar?

— É claro. Esse lugar foi cenário de um filme famoso. Uma Janela para o Amor.

— Tive oportunidade de assistir a ele em Londres no ano em que foi lançado.

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Não imagina como senti saudade daqui.

— Imagino. Foi assistindo a esse filme que decidi conhecer a Itália a qualquer
preço.

— A qualquer preço? Tem certeza de que já não pagou caro demais por essa
viagem?

— Não tenho certeza de mais nada.

Giulio afirmou com a cabeça e seguiu em frente, o rosto sério e pensativo.

Pouco depois pararam diante da estátua de um porco selvagem. Giulio


inclinou-se para sussurrar em seu ouvido.

— Diz a lenda que, se afagar o animal, voltará a Florença.

Podia apostar que essa era a ambição da maioria dos turistas que passava por
ali, mas, para ela, retornar a Itália representava apenas um risco que não
pretendia correr. Mesmo assim, incentivada por Emília, levantou a mão e
deslizou-a pelo metal frio, notando que a menina pedia algumas moedas ao tio
para jogá-las na boca do animal.

— Mais uma parte da lenda local — ele explicou. — Dizem que dá sorte...

— Para quem?

— Para quem joga as moedas e, especialmente, para o orfanato que as recolhe


todas as semanas. — Giulio sorriu.

— Pode me dar mais moedas, zio Giulio?

— Mais tarde, querida, quando voltarmos aqui depois do almoço.

Comeram num pequeno restaurante com mesas arrumadas na calçada sob


árvores frondosas. O proprietário, um homem gordo e baixo, apertou a mão de
Giulio com entusiasmo.

— Bella donna — suspirou.

Foram levados à melhor mesa, onde um garçom logo serviu vinho, água
mineral e pães quentes.

— Giovanni serve uma das melhores comida de Florença, e pediremos a


especialidade da casa. — Giulio comentou antes de provar o crostino, uma
torrada coberta por patê de fígado e alho.

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Sara Craven – A Última Tentação
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Esquecendo que prometera a si mesma ser fria e distante, Lucy retribuiu o
sorriso com que Giulio a brindara.

— Deve vir aqui com freqüência para receber tratamento tão especial.

— Moro e trabalho aqui, só isso. E então, está satisfeita com a visita a Florença?

— Sim, muito. Pretendia mesmo conhecer essa região. Mas fui... surpreendida
pelos eventos.

— Eu também. Mas uma visita não é o bastante. Deve conhecer melhor minha
cidade antes de partir.

— Engraçado. — Ela sorriu. — Moro e trabalho em Londres, mas nunca me


referi a ela como minha cidade.

— Os italianos são muito possessivos. Durante séculos, homens lutaram e


morreram por essas mesmas cidades, alguns como invasores, outros como
defensores. E nós, de Florença, gostamos de vencer a qualquer preço.

— Dante também era de Florença, não?

— Sim, como Beatrice, a jovem que o poeta amou durante toda a vida. Mas
Dante não se contentou com a poesia. Envolveu-se na política e foi expulso da
cidade para Ravenna. Há uma história em nossa família sobre ele ter sido
recebido em nossa casa a caminho do exílio, motivo pelo qual a propriedade
leva seu nome. Gosto de acreditar nisso.

— Ele algum dia retornou a Florença?

— Não. Tinha inimigos demais para isso. Mas agora, todos os anos no
aniversário de sua morte, a cidade envia combustível para acender as luzes em
seu túmulo e assim fazer as pazes com ele.

— É uma bela história. Pena ele nunca mais ter reencontrado sua querida
Beatrice.

— Diz a lenda que ele só a viu uma única vez, quando ainda era uma menina a
caminho da escola. Mas aquela criança tornou-se seu ideal, embora os dois
tenham se casado com outras pessoas.

— Isso é tolice. — Emília opinou, limpando os últimos vestígios de sorvete da


tigela. — Pessoas que se amam não devem se casar com outras pessoas, mas
entre elas. Não é verdade, zio Giulio?

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— Sim, mas nem sempre isso é possível, cara. Além do mais, sabemos que
Dante amou Beatrice, mas comenta-se que ela nunca retribuiu seu amor.

— Já terminei de comer. Posso ir ver os gatinhos?

— Sim, querida. Irei encontrá-la assim que terminar de tomar o café. — E sorriu
para Lucy, que parecia prestes a protestar. — Relaxe, colombina. Ela estará
segura no pátio. Aproveite a paz enquanto pode. Afinal, todos nós merecemos
uma trégua. E enquanto descansamos, Ângela pode desfrutar de alguma
privacidade com o amante.

— Não se importa com os romances de Angela? — perguntou, incapaz de


conter-se.

— Reconheço que, desta vez, ela conseguiu me perturbar muito.

— Nesse caso... — E parou, respirando fundo para engolir as lágrimas. — Por


que não põe fim ao tormento?

Por que não pedia Angela em casamento e a* fazia encerrar de vez o romance
com Philip? Angela era uma mulher vulgar, leviana e gananciosa, mas se era
esse seu ideal romântico, ninguém tinha o direito de criticá-lo.

— Poderia realmente decidir a situação, mas isso não resolveria o problema. De


que adiantaria?

— Quando se ama alguém...

— Ah, o amor! — ele exclamou debochado. — Uma pequena palavra capaz de


encobrir uma infinidade de pecados. Até onde podemos ir por amor, Lúcia?

— Pelo amor verdadeiro podemos ir ao infinito. Ao fim do mundo.

— Mas é correto amar alguém que faz questão de demonstrar-se incapaz de


retribuir esse amor? Alguém que nos fere deliberadamente? — Agora havia
raiva em sua voz, uma angústia tão intensa que chegava a ser assustadora.

— Talvez não possamos controlar nossas emoções com a facilidade que sugere.
O verdadeiro amor, o sentimento forte, profundo e eterno de que falam os
poetas, não nos dá escolha.

— Espero que esteja enganada. — Giulio empurrou a cadeira e levantou-se. —


Vou cumprir minha promessa e levar Emília de volta à praça para que ela
alimente novamente II Porcellino.

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(Julia Cartão Postal 51)
— Quem?

— A estátua do porco selvagem.

— Ah! Vai expor-se ao sol depois dessa refeição maravilhosa?

— Normalmente voltaria ao meu apartamento para um pequeno riposo a


sombra. A idéia a agrada?

— Suponho que seja uma prática habitual... num lugar tão quente... — Ela
gaguejou, sentindo a boca seca.

— Bastante habitual. E muito agradável, também. Gostaria de acompanhar-me,


Lúcia mia? Poderia deitar-se em minha cama, em meus braços, e ficaria
observando os desenhos feitos pela luz do sol através das persianas fechadas?

As palavras provocavam uma reação tão poderosa que Lucy teve medo de
perder o contato com a realidade. O desejo incendiava seu corpo, e naquele
momento soube que aceitaria estar em qualquer lugar, desde que fosse com ele.

— Zio Giulio, II Porcellino espera por nós!

A voz estridente de Emília quebrou o encanto. Giulio suspirou e virou-se,


sorrindo para a sobrinha.

— É melhor não deixarmos um porco selvagem impaciente. Vamos?

Lucy o viu segurar a mão da menina e afastar-se.

— Mais café, bella signorina? — Giovanni ofereceu atencioso.

Ela sorriu e agradeceu, não sem antes elogiar a excelente comida e o ambiente
fresco e agradável.

— Ciao, querida. Conseguiu escapar, ou está apenas cumprindo seus deveres


domésticos?

Assustada, ela virou-se e compreendeu de onde viera a sensação de estar sendo


observada. Hal, vestido apenas com um short muito curto e uma camiseta,
estava parado ao lado da mesa, sorrindo com a arrogância de sempre.

— Posso sentar-me?

— Não. Já estava indo embora.

— Por que insiste nessa atitude antipática e fria?

— Talvez não aprecie o tipo de amizade que tem a oferecer.

Projeto Revisoras 92
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— Entendo. Prefere os italianos, não? — Ele riu, sentando-se com uma
casualidade irritante. — Nina ficou enciumada por não ter sido escolhida pelo
conde, mas expliquei a ela que você possui um ar misterioso capaz de
enlouquecer os homens. Quando ele apareceu em Lussione, ela chegou a
esperar que Falcone houvesse mudado de idéia, mas o sujeito só queria fazer
perguntas sobre seu passado. Ela ficou furiosa por isso!

— Lussione? — Lucy repetiu com a testa franzida.

— Sim, ele apareceu ontem de manhã, logo depois do café. Os pais de Ben
ficaram muito impressionados. Espero que ele tenha ficado satisfeito com as
referências, que Nina forneceu a seu respeito. Francamente, eu não teria ficado.

Lucy afastou a cadeira e experimentou um forte alívio ao ver que Giovanni


aproximava-se novamente.

— Quer pedir alguma coisa, signore?

— Não. Só parei para conversar com a signorina.

— Este é um restaurante, e eu sou o proprietário. As pessoas sentam-se aqui


para comer, mais nada.

— É claro. — Hal comentou com ironia. — Bem, sei quando não sou bem-vindo.
Se as coisas não derem certo com o conde, meu bem, se for abandonada, como
ele fez com todas as outras, não hesite em me procurar.

Ele inclinou-se e, pressentindo sua intenção, Lucy virou a cabeça, de forma que
o beijo insolente atingiu-a no rosto.

Ao virar-se, viu Giulio parado a alguns metros de distância, as emoções


escondidas atrás da expressão altiva de quem tem sempre certeza de ser
superior aos outros.

— Seu amigo da vila — ele comentou com frieza ao aproximar-se.

— Vocês dois partilham de uma visão curiosa sobre o conceito da amizade.

— E só isso que temos em comum?

— O que está tentando insinuar? — ela indagou, furiosa com os ataques


sucessivos à sua dignidade. — Não sabia que havia mais alguma coisa a ser
partilhada.

— Então sua memória é bastante fraca, bella mia. — Giulio jogou o pacote que

Projeto Revisoras 93
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carregava sobre a mesa e, impaciente, fez um gesto para pedir a conta a
Giovanni.

— Sua memória também não é nenhum prodígio, conde Falcone. Não pode
imaginar que eu tenha desejado... aquilo!

— Não preciso de imaginação. Sei o que vi.

Por um momento, ela o encarou atônita e ultrajada. Como ousava lançar uma
acusação tão injusta, quando ele mesmo havia tentado seduzi-la? Quando a
mulher com quem pretendia casar-se conduzia um romance sob seu próprio
teto? Não só era totalmente amoral, como um especialista em estabelecer e
seguir duplos padrões de conduta. E como pudera esquecer tudo isso, mesmo
que só por um momento?

— Pense o que quiser, signore — falou, mantendo a cabeça erguida. — Acredite


no que lhe disseram em Lussione. Soube que esteve lá fazendo perguntas ao
meu respeito.

— Entre outras coisas.

— E decidiu que tenho fibra moral suficiente para cuidar das crianças? Se é que
pode julgar esse tipo de característica...

— Sou o chefe da minha família, Lúcia, e farei sempre o que for necessário para
proteger o bem-estar e a reputação dos Falcone.

— Colocando-se num pedestal, signore? — Ela riu. — Está me surpreendendo.


— Tentando fugir daquele assunto, ela indagou: — Onde deixou sua sobrinha?

— Ali. — Ele apontou para a calçada. — Escolhendo flores para a mãe. — E


apontou o pacote sobre a mesa. — E como um tolo que sou, escolhi isso para
você.

Lucy levantou-se.

— Um presente de despedida, conde Falcone? Um substituto para a tarde de


amor? Se espera que eu me incline e agradeça, lamento, mas terá uma grande
decepção. Não quero nada de você. Nem agora, nem nunca!

— Por favor, fale baixo. Está chamando a atenção de todos.

— Quer me convencer de que essas pessoas não estão habituadas com esse tipo
de cena, signore? Notei que os habitantes de sua cidade costumam conduzir
conversas comuns em voz alta.

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— Não eu. E agora, é melhor irmos embora, antes que Giovanni sofra um
ataque cardíaco. Presumo que tenha visto o bastante de Florença por um dia.

— Mais que o suficiente — Lucy falou antes de ir juntar-se a Emília na barraca


de flores na calçada.

— São todas tão lindas! — a menina exclamou ao vê-la. — Acha que mamma vai
gostar de flores amarelas? Ou as rosas são mais bonitas?

— Que tal um ramalhete misto? — Lucy perguntou, furiosa por notar que
Giovanni ria de algo que Giulio acabara de dizer. Um comentário engraçado à
sua custa, sem dúvida.

As flores foram embrulhadas num papel elegante, e Emília insistiu em carregá-


las durante todo o trajeto de volta, falando com entusiasmo enquanto ignorava
o silêncio gelado que reinava entre os adultos.

Quando chegaram à vila, Emília quis correr ao encontro da mãe para entregar o
presente, mas Giulio agiu com firmeza.

— Sua mãe está descansando, e você deve fazer o mesmo, querida. Acompanhe
Lúcia, e Teresa porá as flores na água até mais tarde.

Emília fez uma careta contrariada, mas obedeceu sem protestar. Quando Giulio
subia a escada para a porta principal, ela se abriu, e Angela apareceu, sorrindo e
estendendo as mãos na direção dele.

— Querido! — A voz melosa sugeria reprovação. — Por que não me disse que
ia a Florença? Teria ido com você. Preciso fazer algumas compras na Ferragamo
e na Pucci.

— Quem sabe da próxima vez? — Giulio tomou as mãos dela e levou-as aos
lábios, dizendo mais alguma coisa que Lucy não pôde ouvir.

Mantendo a cabeça erguida, sentiu os músculos da face rígidos, mas disse a si


mesma que ainda tinha um dever a> cumprir. Uma vez no quarto da casetta,
Emília despiu-se e deitou-se.

— Conte-me uma história — ela pediu, sonolenta, porém autoritária.

— O que quer ouvir?

— Cinderela.

— Outra vez?

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— Sim, porque Cinderela tornou-se uma principessa, como zio Giulio diz que eu
serei um dia. Espera encontrar um príncipe e casar-se com ele, Lúcia?

— Os príncipes ingleses já têm outros compromissos, meu bem. Ficaria


satisfeita com um bom homem que me amasse.

— Zio Giulio é um bom homem. E hoje eu o vi beijá-la. Vai se casar com ele?

— As pessoas trocam beijos por vários motivos, Emília — Lucy respondeu com
tom neutro, apesar da reação intensa provocada pelo comentário inocente. —
Nem sempre um beijo significa que um homem e uma mulher estejam
apaixonados, ou que pretendem viver juntos para sempre. Na maioria das
vezes, eles acabam se casando com outros indivíduos. — A imagem de Ângela,
sorridente é triunfante, invadiu sua mente. — Vamos à história. Era uma vez...

Emília adormeceu muito antes de a história terminar. Lucy desceu a escada sem
fazer barulho, disposta a ir sentar-se no jardim e desenhar. Recusava-se a
pensar.

Viu o pacote que Giulio lhe entregara em Florença, e que ela havia deixado
sobre a mesa da sala. Havia uma nota sob o laço de fita que o envolvia.

O homem movia-se com a agilidade de um gato! Não ouvira o menor ruído


capaz de indicar sua presença na casetta enquanto ela estivera no quarto.

A nota era breve.

"Encare essa lembrança como um presente sem intenções ulteriores. Ou como


uma compensação. E acredite que não espero nada em troca."

Impelida pela curiosidade, e algo mais difícil de definir, ela rasgou o papel e
abriu a caixa. Com mãos trêmulas, removeu o papel de seda que envolvia uma
linda bolsa de couro com fecho dourado. Depois abriu a bolsa.

Dentro dela encontrou um cartão branco onde estava escrito apenas o nome
dele. Giulio. Nada mais.

Triste, levou o cartão aos lábios e guardou-o num dos bolsos.

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CAPÍTULO XI

Foi uma tarde longa. Apesar da determinação de Lucy, a atividade tão adorada
de desenhar e pintar não proporcionou o efeito anestésico que esperava.

Tinha de agradecer pelo presente, e precisava encontrar as palavras adequadas


para indicar que compreendera o espírito da oferta.

Qualquer que fosse ele. Havia lido o bilhete dezenas de vezes, mas ainda não
conseguira chegar a uma conclusão.

Foi quase um alívio quando Marco retornou, e Lucy sugeriu que o brinquedo
fosse guardado, e os dois passassem o tempo pintando.

Os irmãos aceitaram a sugestão e dedicaram-se à tarefa com empenho, e


supervisioná-los para impedir que espalhassem tinta por toda a casa foi
suficiente para ocupá-la até a hora de vesti-los para o jantar.

Enquanto caminhavam para a vila, Lucy só conseguia pensar no encontro com


Giulio. Ensaiara centenas de vezes as palavras polidas e formais que escolhera
para manifestar sua gratidão, mas a primeira pessoa que encontrou ao passar
pela porta foi Philip, cujo rosto carrancudo anunciava tempestade.

— Gostaria de saber que está acontecendo. A condessa acabou de me informar


que Angela vai sair com o conde, e ela nem se deu ao trabalho de me oferecer
uma explicação!

— Sinto muito — Lucy comentou, conduzindo as crianças ao salotto e tentando


esconder a dor provocada pela notícia. — Mas os dois são livres, lembra-se?
Afinal, você e Angela não estão noivos.

— Não, mas temos um compromisso. Ou melhor, pensei que tivéssemos. Agora


não tenho certeza de mais nada. Ela mudou muito desde que chegamos a Itália.
Não-sei mais como agradá-la. Na verdade, estou pensando em partir. Voltar a
Inglaterra. O que acha?

— Acho que, se ama Angela de verdade, deve ficar e lutar por ela, mesmo que
isso o faça sofrer. Não acredito em desistir.

— Brava, Lúcia! — exclamou uma voz familiar carregada de ironia. — Gostaria


de saber se sua coragem será recompensada. — Giulio concluiu com um sorriso
rígido.

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Por um instante, examinou-o como se quisesse devorá-lo com os olhos,
absorvendo a elegância do terno de tecido leve que realçava os ombros largos e
as pernas longas e bem torneadas.

Vestido para matar! E devia estar feliz por não ser a vítima. Devia... mas não
estava.

— Com licença, conde Falcone. Preciso ir cuidar das crianças. Havia acabado de
alcançar a porta do salotto quando ouviu

a voz de Emília erguendo-se numa torrente de gritos furiosos.

— Oh, meu Deus!

Ao abrir a porta, Lucy viu a menina atirar-se sobre a confessa com os punhos
cerrados. Deu um passo à frente, mas Giulio chegou ao local da cena antes dela,
contendo a criança com mãos firmes.

— O que é isso? — perguntou enérgico. — O que aconteceu?

— Minhas flores! — Emília soluçou. — As flores que trouxe para minha mãe.
Ela as jogou no lixo! Odeio você! Odeio essa mulher!

— Calma, meu bem — Lúcia interferiu, ajoelhando-se para abraçar a menina. O


olhar que lançou na direção da condessa era frio, cheio de acusações silenciosas.
— Tenho certeza de que houve um engano. Sua avó não destruiria
deliberadamente o presente que trouxe para sua mãe.

Cláudia Falcone encolheu os ombros.

— Encontrei aquele horrível buquê num vaso sobre a mesa. Notei que estavam
murchando, e por isso as joguei fora.

— As flores não estavam murchando. É mentira!

— Já chega! — Giulio interferiu com voz firme. — Fez realmente o que Emília
está dizendo, Cláudia? Por quê?

— Não suporto flores murchas. Mas, como acabou de ver, Giulio, Emília é
incapaz de controlar-se. Talvez tenha algum tipo de desequilíbrio emocional.
Agora Fiammetta vai acreditar no que digo sobre a necessidade de submeter
essa criança a uma supervisão rígida e severa.

Ela deu um passo à frente, e Lucy sentiu que Emília encolhia-se em seus braços.

— Algo tem de ser feito — Giulio admitiu sério.

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— Não acredito no que estou ouvindo! — Lucy explodiu, abraçando a criança
com mais força, como se quisesse protegê-la. — Admito que o comportamento
de Emília foi reprovável, mas ela estava ferida, magoada. E foi provocada.
Tratar as flores que ela escolheu para a mãe como lixo, foi crueldade.

— Leve as crianças de volta à casetta, Lúcia. Pedirei a Teresa que sirva a refeição
de vocês lá. — Giulio decidiu.

Lucy levantou-se sem largar a mão trêmula de Emília.

— Signore Giulio, podemos conversar em particular?

— Lamento, mas no momento é impossível. Conversaremos amanhã.

— Então gostaria de falar com a signora Rinaldi.

— Fiammetta está com uma terrível dor de cabeça. Ela jantará no quarto e não
deseja ser perturbada. Faça o que estou pedindo, Lúcia, per favore.

Nesse momento, Angela apareceu na porta.

— Estou esperando, caro. Vamos perder uma linda noite.

Os cabelos negros e sedosos brilhavam como a lua, e o vestido cor-de-rosa


realçava o bronzeado perfeito. Lucy imaginou-a careca e sem os dentes da
frente enquanto arrastava seus acompanhantes, uma menina chorona e um
menino contrariado e furioso, rumo à saída. Já havia deixado o salotto quando
ouviu a voz melodiosa do conde.

— Desculpe-me, mia cara. Prometi que a noite seria toda sua.

— Por que está chorando? — Marco perguntou.

— Não estou chorando — Lucy respondeu, piscando para conter as lágrimas.

— Agora zio Giulio não vai nos levar ao piquenique. E eu fui bom. A culpa é de
Emília.

— Está sendo cruel e injusto. O que faria se sua avó jogasse fora um presente
que você comprou?

— Ela não faria isso.

Lucy conseguiu convencer Emília a comer um pouco e depois divertiu os dois


irmãos com jogos e desenhos até a hora de mandá-los para a cama.

Depois de lavar os pratos do jantar e deixá-los sobre a bandeja, prontos para

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serem levados de volta à vila, Lucy tentou jogar paciência, mas descobriu-se
sem chances depois de alguns poucos movimentos em cada partida.

Tentou ler, mas a história não prendia sua atenção.

Como último recurso, foi para a cama e ficou virando-se de um lado para o
outro, incapaz de dormir, a mente alerta e a imaginação criando cenas
envolvendo Giulio e Angela jantando num terraço iluminado pelo luar,
conversando em voz baixa e trocando carícias furtivas.

— Vou tomar um bom banho e lavar os cabelos.

No passado, o truque sempre funcionara como um sedativo instantâneo. Depois


de uma ducha morna e demorada, vestiu uma camisola fresca, olhou as crianças
e desceu para preparar um café. Enquanto esperava a água ferver, abriu a;porta
da frente para respirar.

Lua encoberta, pensou, usando a toalha para enxugar os cabelos. Tempestade à


vista.

De repente uma espécie de instinto avisou-a de que não estava sozinha, e ela
parou, tensa. A sombra que surgiu entre os arbustos do jardim logo
materializou-se na figura de um homem que caminhava em sua direção.

Por um instante, desesperada, perguntou-se o que estava fazendo sozinha e


indefesa do lado de fora. Abriu a boca para gritar e descobriu que nenhum som
brotava de sua garganta.

Acima das batidas aflitas do coração e do zumbido que ecoava em seus


ouvidos, a voz dele chegou clara e límpida.

— Lúcia.

— Giulio! Oh, meu Deus! — Aliviada, deixou-se cair no banco e levou o punho
cerrado à boca. — E você...

— Peço desculpas por tê-la assustado — ele disse, sentando-se ao lado dela e
tomando o cuidado de manter uma distância segura.

E por ter me surpreendido. E enchido meu coração com uma alegria tão imensa
e estúpida, que não sei se devo rir ou chorar.

— Não é um tarde para visitas sociais? — ela perguntou em voz alta.

— Não tive a intenção de incomodá-la. Não pensei que ainda estaria acordada à

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esta hora. Eu... não conseguia dormir, e por isso decidi caminhar e pensar um
pouco.

— Também não consegui dormir. Por isso lavei os cabelos.

— E ajeitou as mechas úmidas cornos dedos, percebendo, tarde demais, que o


movimento delineava os seios sob a camisola fina. — Espero que tenha tido
uma noite agradável. — Disse, tentando distraí-lo.

— Também esperava o mesmo. Mas não vim aqui para discutir minha vida
social.

— Entendo. Disse que conversaria comigo amanhã, e já passa da meia-noite.


Sendo assim...

— Também não era esse tipo de entrevista que tinha em mente.

— Mas, já que estamos aqui, podemos aproveitar para discutir o assunto. —


Lucy respirou fundo, tentando recompor-se.

— Se espera que eu peça desculpas à contessa, lamento, mas não posso. Acho
que a maneira como ela trata a neta é absolutamente inadequada, e não
pretendo dizer o contrário.

— Felizmente, em breve isso não será mais de sua conta.

— Tem razão. Mas não pode acreditar que Emília sairá mais feliz ou ajustada de
um colégio interno.

— Qualquer que seja minha opinião, a decisão final deve ser de Fiammetta e
Sérgio.

— Sobre quem não exerce nenhuma influência.

— Não como Cláudia exerce sobre Fiammetta. Se quer mesmo ajudar, minha
sobrinha, mantenha-a longe de Cláudia. Certifique-se de que não haja mais
nenhum confronto entre vocês. Minha madrasta é uma inimiga vingativa.

— Já havia notado. Suponho que partir em defesa de Emília foi a pior coisa que
eu poderia ter feito.

— Sem dúvida. Quando sugeri que ficasse para cuidar das crianças, não
imaginava que enfrentaríamos todos esses problemas.

— Teria agido diferente?

— Sim. Mas naquele momento, Lúcia, não tive outra opção. Como poderia

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Sara Craven – A Última Tentação
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saber que o resultado seria tão terrível?

— Por favor, não se culpe. Afinal, as coisas não têm sido tão terríveis assim, e
no final tudo acabará bem.

— Acredita mesmo nisso? Apesar de tudo?

— Preciso acreditar. — Lucy levantou-se. — Não tenho escolha, — E virou-se


para a porta da casetta. — Boa noite, signore.

— Espere! Quero dizer a mim mesmo que você será feliz.

Um dia, ela pensou, quando conseguisse arrancá-lo do coração e apagá-lo da


mente, talvez encontrasse um pouco de paz. Mas não mais que isso. Porque
jamais seria feliz sem ele. Sentia-se como se houvesse sido levada às portas do
paraíso e depois comunicada de que viveria sempre na escuridão.

Ela sorriu para o conde e ergueu a cabeça.

— Vou ficar bem. E agora, por favor, vá embora. É tarde...

— Sim. — Giulio concordou. — Tarde demais para nós dois. Lucy deu um
passo para trás, e ele a seguiu, como sabia desde o início que aconteceria.

Em seguida o conde fechou a porta e apoiou-se nela, ás mãos apoiadas no


batente, como se quisesse agarrar-se à realidade ou aos últimos resquícios de
sanidade.

Os olhos encontraram os dela.

— Quero vê-la, Lúcia. Só uma vez. Vai mostrar-se para mim? Preciso ter algo
para lembrar quando for embora.

Por um momento ela o encarou, deixando o tormento estampado em seus olhos


cegá-la e ensurdecê-la para as evidências da razão.

Tremia por dentro, mas as mãos permaneciam firmes quando começou a abrir
os doze minúsculos botões que fechavam a camisola. Quando o último botão foi
aberto, ela afastou o tecido dos ombros e deixou-o cair a seus pés. Nua sob a luz
tênue da lâmpada, era como uma oferenda de rosa e pérolas, aturdida pelo fogo
que brilhava nos olhos cor de âmbar.

Giulio ficou parado, estudando-a como se quisesse realmente gravá-la na


memória, apenas o movimento convulsivo de um músculo na garganta traindo
a tensão que o dominava.

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Ela disse seu nome uma vez, duas, como se fizesse uma súplica desesperada.

E então o viu balançar a cabeça, um movimento lento e relutante, como se


estivesse sofrendo a pior das dores.

— Não posso, mia cara. Não me atrevo a beijá-la, a tocá-la, porque, se o fizer,
não serei capaz de parar, e nós dois sabemos que um encontro entre nós é
impossível. Tudo que posso dizer é que jamais esquecerei esse momento, e serei
eternamente grato por ter me dado a oportunidade de guardar tão doce e
encantadora lembrança.

E, em seguida, ele saiu.

Por algum tempo Lucy permaneceu onde estava. Depois, sacudida por um leve
tremor, voltou à realidade. Devagar, abaixou-se, recolheu a camisola e colocou-
a sobre o corpo.

— Também vou me lembrar — disse em voz baixa. — Lembrarei para sempre o


som da porta se fechando às suas costas. Para sempre.

CAPÍTULO XII

O tempo havia mudado, como Lucy previra ao ver a lua encoberta, e uma
chuva persistente caía sobre a vila. A idéia de rever Giulio depois da
humilhação da noite anterior era perturbadora, mas não teve muito tempo para
pensar nisso. Assim que pôs os pés na vila e levou as crianças à sala de jantar
para a refeição matinal, ouviu a voz abafada de Fiammetta chamando-a da
porta do salotto.

— Bom dia, Lúcia. Soube que Emília criou problemas novamente.

Lucy entrou e fechou a porta para evitar que as crianças ouvissem a conversa.

— É verdade. O presente que ela trouxe de Florença para você foi destruído, e a
pobrezinha ficou muito aborrecida.

— Minha mãe está furiosa. Ela afirma que Emília perdeu o controle, e que está a
caminho da delinqüência.

— Que exagero!

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Sara Craven – A Última Tentação
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— Não sei em quem acreditar. Às vezes penso que mamma está certa, e Emília
precisa da disciplina rígida de um internato. Em outras... Se pelo menos Sérgio
estivesse aqui! Ele saberia o que fazer.

— Então, por que não adia a decisão até poder conversar com ele? Tenho
certeza de que a contessa compreenderá seu desejo. Enquanto isso, manterei
Emília bem longe da avó. Ela e Marco gostam muito de brincar com os filhos de
Teresa no vinhedo, e posso passar mais tempo por lá com as crianças.

— Oh, Lúcia! O que seria de mim sem você? Especialmente agora, que Giulio
voltou a Florença...

— Voltou? Eu não sabia.

— Ele saiu esta manhã, bem cedo. Giulio representa tão grande conforto para
mim, que chego a me esquecer de que ele tem um trabalho e uma vida própria.

— Se dá tanta importância aos conselhos e ao apoio de seu irmão, espere-o para


conversar todas as noites, quando ele voltar.

— Ele não virá. Na verdade, Giulio nunca fica na vila nesta época do ano. Ele só
veio para me ajudar num momento de crise, mas agora só voltará em setembro,
para a colheita.

— Oh! Pensei que a presença de Angela... da srta. Brockhurst... bem, era de se


esperar que ele ficasse ao lado da futura esposa.

— Angela irá encontrá-lo em Florença. O que, aliás, cria mais um problema. O


que fazer com seu convidado? A propósito, tive a impressão de que ele se
interessa por você, Lúcia.

— É pouco provável — ela disse apressada, tentando mudar de assunto.

— Por quê? Você é jovem, bonita. E ele também é um rapaz muito atraente.

— Não estou procurando romance, signora. Sou apenas uma empregada


temporária. Alguém teve notícias de Dorotea? Já sabem quando ela poderá vir?

Fiammetta suspirou desanimada.

— Dorotea está de férias, viajando, e não há como entrar em contato com ela. É
constrangedor, Lúcia, especialmente porque, sabemos, você também precisa
retomar sua vida. Não pode ter sido babá antes de vir para cá.

O comentário aparentemente casual tingiu o rosto de Lucy de vermelho, e ela

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baixou a cabeça para esconder o desconforto.

— Bem, terei de ser paciente por mais algum tempo. E agora, é melhor ir ver as
crianças.

— Hoje terão a casa toda só para vocês. Vou fazer alguns exames médicos, e
mamãe me acompanhará. É uma pena que o tempo tenha mudado. O que vai
fazer?

— Ainda não sei, mas tenho certeza de que poderei divertir as crianças. — Lucy
afirmou com falso entusiasmo antes de sair.

Na sala de jantar, as crianças estavam sentadas à mesa falando muito alto,


enquanto, do outro lado, Angela e Philip discutiam em voz baixa, mas com
ferocidade evidente.

Philip levantou-se e ofereceu um sorriso pálido.

— Bem-vinda a mais um dia no paraíso — disse. Tomada por uma súbita onda
de compaixão, Lucy silenciou os irmãos e serviu-se de presunto e queijo. Se ele
realmente gostasse de Angela, devia estar se sentindo o último dos homens.

— Suponho que esteja de partida? — ela comentou ao sentar-se.

— Engana-se. — Foi a resposta surpreendente. Sorrindo, Philip sentou-se ao


lado dela. — Está é minha viagem de férias, e pretendo aproveitá-la até o fim.
Pensei em ir de carro até Lucca. Não quer me acompanhar?

— Obrigada, mas as crianças ficariam aborrecidas, e Emília normalmente passa


mal em viagens longas.

— Não estava mesmo pensando em levá-los. Devolva-os para a mãe deles e


aproveite o que resta das férias. Encare os fatos, Lucy. Somos tão queridos por
aqui quanto espinhas no nariz. E você não deve nada a essas pessoas.

— Dei minha palavra, e pretendo cumpri-la.

— Faça como quiser. — Philip encolheu os ombros e levantou-se, sorrindo


enquanto exercitava seu charme quase infantil. — Eu posso esperar.

O dia passou depressa, apesar da chuva constante. As crianças desenharam,


pintaram, ouviram histórias e fizeram doces de amêndoas sob a supervisão
indulgente de Teresa. Agora, Marco brincava com o carro novo no salotto, e
Lucy o deixou com o brinquedo para ir procurar por Emília, que havia
desaparecidos.

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Ao chegar no último degrau da escada, viu a menina atravessando o corredor
em sua direção, carregando algo que merecia todo seu cuidado.

— Veja, Lúcia! nonna deixou o lindo anel de zio Giulio sobre a cômoda. Um
ladrão poderia tê-lo roubado. Vou entregá-lo ao meu tio assim que ele chegar,
porque assim a jóia estará em segurança.

— O que estava fazendo no quarto de sua avó?

— Apenas olhando.

Por que não havia declarado o quarto da condessa território proibido? Agora,
sem querer, Emília acabara de fornecer mais munição para os cruéis ataques de
Cláudia.

— Por favor, querida, ponha o anel de volta onde o encontrou.

— Não. Vou entregá-lo ao zio Giulio.

— Ele está em Florença.

— Então cuidarei da jóia até ele voltar. Meu tio não quer que nonna fique com o
anel.

— isso é problema deles. E seu tio não voltará... pelo menos no futuro próximo.

— O que é isso?

— É muito tempo. Não discuta comigo, Emília. Vou devolver esse anel ao local
de onde o tirou. Sua avó ficaria furiosa se soubesse que esteve mexendo nas
coisas dela, ou que entrou em seu quarto.

— Não me importo. Odeio minha avó.

— E deve me odiar, também. Porque é evidente que sua avó ficaria zangada
comigo por tê-la deixado entrar no quarto, e me mandaria embora
imediatamente. É isso que deseja?

— Oh, não!

— Então me dê o anel, e vamos fingir que nada aconteceu.

Emília obedeceu, e Lucy foi ao quarto da contessa para depositar a preciosa jóia
sobre a cômoda, entre a confusão de frascos de perfume e objetos de uso
pessoal. A bagunça que reinava no ambiente sugeria que, além de carrancuda, a
criada de Cláudia também era preguiçosa e negligente. Felizmente não tinha de
responder pela organização das roupas e sapatos da condessa, ou passaria

Projeto Revisoras 106


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metade do dia arrumando tudo que ela jogava pelo chão.

A tentação de colocar o anel no dedo e provar a sensação de ser a noiva de um


Falcone era grande, mas Lucy resistiu a ela e saiu, fechando a porta sem fazer
barulho.

Mais um segredo que teria de carregar para o resto da vida, como todos os
outros que colecionara durante sua breve estada na Villa Dante.

O dia era quente. No alto de uma colina, Lucy pintava o cenário de telhados
vermelhos que via alguns metros abaixo, além do vinhedo.

Na última semana, o local transformara-se no refúgio perfeito para ela e as


crianças. Desde a partida de Giulio a contessa não se incomodava mais em
esconder a animosidade. E Angela, que passava os dias em Florença, mas não as
noites, exibia um ar de triunfo que era quase palpável.

E, para piorar a situação, Philip havia eleito Lucy como alvo de suas atenções,
sentando-se ao lado dela à mesa do jantar, inventando desculpas para ir à
casetta e aparecendo na piscina quando ela acompanhava as crianças. Lucy o
rejeitava sem disfarces ou rodeios, mas era inútil. Como Philip ainda não
descobrira o caminho para o vinhedo, ela passava a maior parte do tempo lá,
fugindo de todos os incômodos que a vila abrigava entre suas paredes,

A casa de Teresa era a mais perfeita tradução da palavra hospitalidade, e com a


ajuda de Marco e Emília, a barreira representada pelo idioma logo foi superada.
Teresa, sempre sorridente e alegre, mudava imediatamente de humor quando o
nome de Cláudia era mencionado. Era evidente que ela só cozinhava na vila
pelo bem do conde Falcone, seu amado padrone.

Caminhar pelo vinhedo era outra atividade que a encantava. Sentir o solo sob
os pés e o sol nas costas era uma forma e sentir-se mais perto de Giulio, de
sonhar que um dia poderia unir-se nessa, terra abençoada onde ele nascera
e/crescera. Mas agora ele estava longe, em Florença, conduzindo reuniões
formais e administrando negócios sobre os quais nada sabia. E sempre seria
uma figura distante. Era tolice sonhar, porque os sonhos traziam a esperança, e
esperar em vão só podia acarretar sofrimento.

De repente ouviu um ruído às suas costas e, instantes depois, viu a sombra


escura que caía sobre a tela apoiada no cavalete. Pensou que Philip havia
descoberto o caminho para seu refúgio e suspirou resignada, preparando-se

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para enfrentar mais uma de suas investidas, mas a voz que chegou aos seus
ouvidos era muito mais potente e profunda que a dele.

— Lúcia.

— Oh, meu Deus! — ela exclamou, virando-se de repente.

— Desculpe. Não queria assustá-la, mas não esperava encontrá-la aqui.

— Passo quase todo o tempo aqui.

— Sozinha?

— Normalmente trago as crianças, mas hoje Fiammetta as levou à clínica onde


Alison se recupera. Decidi aproveitar o tempo livre para pintar.

— Vejo que tem talento.

— Obrigada. Não sabia... quero dizer, ninguém disse que voltaria hoje.

— Ninguém sabia. Foi um impulso. Decidi aproveitar o tempo livre para levar
as crianças ao piquenique prometido.

— Pensei que houvesse esquecido sua promessa.

— Raramente esqueço alguma coisa, colombina. — Os olhos encontraram a


porção de pele exposta acima do decote da blusa e deslizaram pelas pernas que
o short muito curto revelava.

— Elas ficarão desapontadas — Lucy comentou, tentando esconder a


inquietação provocada por aquele olhar.

— Creio que sim, especialmente porque não haverá outra oportunidade.

O que certamente significava que o momento de anunciar o noivado de Angela


chegara. A jovem nunca escondera a antipatia que sentia pelas crianças, o que o
levaria a afastar-se dos sobrinhos para satisfazê-la.

— É uma pena — lamentou.

— Tem razão. Há alguém em casa?

— Ninguém. Sua madrasta e a srta. Brockhurst foram fazer compras, mas


voltarão para o jantar.

— Pretendo voltar a Florença antes disso. Por que não acompanhou Fiammetta
na visita à clínica?

— Achei que ela gostaria de passar algum tempo com os filhos.

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— Entendo. Bem, vou deixá-la terminar sua pintura. Seria uma pena abandonar
uma tela tão linda.

— Não pretendo abandoná-la. Posso terminá-la agora, ou mais tarde.

— Você é muito compreensiva... e otimista, também. E se pode terminar sua tela


mais tarde, então esqueça a pintura. Temos uma cesta de comida para esvaziar.
Não pode me deixar sozinho num piquenique!

Sabia que devia resistir, mas não tinha forças para conter a onda de alegria e
esperança que inundava seu coração. Sorrindo como se vivesse um sonho,
encarou-o e disse:

— Está bem.

CAPÍTULO XIII

O local escolhido por Giulio era encantador, e ficava bem afastado da vila.
Apesar da preocupação por não ter deixado um bilhete para Fiammetta, caso
ela voltasse cedo com as crianças, Lucy não pôde esconder o espanto causado
pela paisagem. Estavam às margens de um rio sinuoso que, cheio de rochas e
pequenas cascatas, despencava quase verticalmente numa piscina natural.

— Gostou? — Giulio perguntou sorridente.

— E maravilhoso. Mas... tem certeza de que podemos ficar? Isso parece


território particular.

— E é.

— Oh, é claro! Você é o proprietário. Por acaso é dono de toda a Toscana?

— Só em sonhos. — Ele riu. — Na realidade, minha propriedade é muito


pequena, comparada a outras.

Não queria discutir a extensão da riqueza cios Falcone, e por isso estendeu a
toalha no chão e começou a esvaziar a cesta, onde encontrou uma imensa
variedade de salgados e doces, além de uma garrafa de vinho branco que ele
resfriou no rio.

— Esteve muito ocupado. — Lucy indicou, referindo-se à cesta.

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— Mais do que pode imaginar. A verdade é que não voltei só para rever as
crianças, mas para trazer boas notícias. Maddalena está voltando.

— Ora! Como a encontrou?

— Ela me encontrou. Procurou-me no banco, chorando muito, implorando para


que eu a perdoasse e ajudasse. Parece que Moressi foi preso por outras fraudes,
e... bem, ela está apavorada. Maddalena trabalhou conosco durante muitos
anos, e sempre foi honesta, apesar da fraqueza pelo sobrinho. Espero que esse
episódio tenha servido de lição.

— Se Maddalena está retornando à vila, vou ter de sair da casetta.

— Acho que não entendeu, Lúcia. Está livre para partir. Pode voltar para casa e
retomar sua vida. Não está satisfeita?

— Eu... sim, naturalmente. No entanto, sentirei saudade de Marco e Emília.


Acha que Maddalena conseguirá cuidar deles e da casa ao mesmo tempo?

— Creio que sim. Quando não está envolvida com os problemas criados por
Tommaso, ela é bastante competente. Além do mais, não será por muito tempo.

— Vejo que tudo será acertado da melhor maneira possível.

Lucy queria gritar e chorar. Mas, pior ainda, queria tocar a mão dele e sentir o
calor de sua pele, encontrar a força do corpo que tanto desejava.

Livre para partir, pensou com ironia. Que liberdade poderia ter, depois de
conhecê-lo e amá-lo?

— Sim, estamos resolvendo tudo, felizmente. E você, o que pretende fazer?

— Embarcarei no próximo vôo disponível para a Inglaterra, é claro.

— É claro — ele concordou. — Como disse desde o início, faço questão de pagar
todas as suas despesas de viagem. Mas... está tão ansiosa assim para partir? Não
gostaria de aproveitar o que resta das férias e conhecer melhor minha Toscana?
Viu tão pouco...

Havia mudado a própria vida, descoberto o amor e conhecido a dor. O que


mais poderia fazer?

— E muita gentileza sua, signore, mas tenho de voltar e assumir minhas


obrigações. E quanto mais cedo, melhor.

— Você tocou II Porcellino. Um dia terá de voltar a Florença.

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— Não acredito em superstições. — Nem em contos de fadas ou finais felizes.
— Além do mais, este é o lugar perfeito e a melhor maneira de dizer adeus. —
Ela ergueu a taça de vinho. — Salute.

Um brilho intenso iluminou os olhos do conde quando ele respondeu ao brinde.

— Está feliz por partir?

— Bem... as coisas boas sempre acabam.

— Quer dizer que considera positivo tudo que viveu aqui?

— Acho que fiz um trabalho razoável.

— Não foi isso que perguntei.

— Reconheço que nem sempre foi fácil — ela comentou em voz baixa.

— Não. Foi como estar no purgatório. Como sofrer as torturas do inferno.

— Sinto muito.

— Por que pede desculpas, quando sou o único culpado? A situação foi criada
por minha total falta de bom senso.

— Não... completamente.

— Não. Tem razão. O desejo foi recíproco, e por isso somos ambos culpados.

— Não devemos falar sobre culpa. Não num dia como o de hoje, quando tudo é
tão lindo.

— E você é mais linda que tudo. Ah, Lúcia...

Giulio abriu os braços e, sem pensar nas conseqüências, Lucy mergulhou neles.
Foi um beijo delicado, cheio de ternura e paixão. Aos poucos as carícias foram
se intensificando, tornando-se mais íntimas e atrevidas, e os dois deitaram-se
sobre a relva macia ao lado da toalha. As roupas iam sendo despidas f sem
pressa, como se quisessem saborear cada instante do encontro, prolongando-o
ao máximo.

— Ah, bella mia... — Giulio sussurrou entre um beijo e outro. — Não houve um
dia em que não tenha pensado em você assim, em meus braços... Mas isso é
loucura. — Decretou, como se subitamente houvesse recuperado o bom senso.

— Giulio? O que houve? — ela perguntou espantada, agarrando-se a ele como


se temesse vê-lo desintegrar-se. — Qual é o problema?

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— Todos.

— Mas... você disse que me queria.

— E quero. Tanto, que quase esqueci o significado das palavras honra e


obrigação, só para me perder em seus braços por alguns minutos. E perdi
minha alma por isso. Perdoe-me, Lúcia. — Ele tomou as mãos dela e levou-as
aos lábios. — Devia ter ficado em Florença. Devia saber que não poderia confiar
em mim mesmo. Por favor, tente não me odiar. Tente compreender porque
tenho de ser forte por nós dois, mesmo agora, nesse momento sem volta.

— Isso não existe. — Furiosa, levantou-se e ajeitou as roupas com movimentos


rápidos. — Há sempre um caminho de volta.

A menos que se amasse alguém como ela o amava, além do orgulho, da honra e
da razão. A menos que se estivesse preparado para sacrificar tudo pelo ser
amado, como teria feito por ele.

Qualquer coisa, pensou, sentindo a dor rasgá-la ao meio. Teria feito qualquer
coisa...

— Pode me levar de volta à vila, por favor? — pediu, erguendo o queixo para
encará-lo. — Eu... quero fazer minhas malas.

A viagem de volta pareceu interminável, e o silêncio tenso contribuía para


aumentar o desconforto que dominava o interior do automóvel. Felizmente
Giulio a deixou na casetta.

Lucy abriu a porta e desceu do carro apressada, ansiosa pelo alívio das lágrimas
que deixaria rolar assim que estivesse sozinha. Mas Giulio a seguiu e a fez parar
antes da porta, obrigando-a a encará-lo, as mãos como garras de ferro sobre
seus ombros.

— Não me odeie, mia cara, ou não suportarei o castigo. É melhor assim. Temos
de acreditar nisso.

— Sim. É melhor assim. Adeus, signore.

— Al diavoio! — ele explodiu. — Para o diabo com tudo isso. Não posso me
separar de você sem ao menos beijá-la. — E tomou-a nos braços para um beijo
apaixonado que falava de aflição e desespero. — Addio. — Ele parou e traçou o
sinal da cruz em sua testa. — Lembre-se sempre... como eu lembrarei.

Depois virou-se e partiu. Lucy ficou onde estava, vendo-o afastar-se, ouvindo-o

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som abafado do motor do carro e sentindo que uma parte de sua vida chegara
ao fim.

Nunca experimentara tão grande solidão.

CAPITULO XIV

Lucy estava fazendo as malas quando a criada Ida condessa foi procurá-la para
avisar que a signora Rinaldi havia voltado com as crianças e solicitava sua
presença na vila.

Fiammetta a esperava no salotio. Marco brincava tranqüilo com o carro novo,


mas Emília não estava presente.

— Oh, Lúcia! Estou muito feliz com as novidades! O entusiasmo de Fiammetta


pegou-a de surpresa.

— Também fiquei feliz ao saber que Maddalena está voltando.

— Maddalena? Oh, sim, ela vai voltar a trabalhar para nossa família, mas não é
a isso que me refiro. Sérgio chegará amanhã. Giulio estava aqui quando
chegamos e nos informou sobre o retorno de meu marido. Oh, mal posso
esperar para vê-lo! Amanhã irei ao salão de beleza em Florença e comprarei um
lindo vestido novo.

— Isso é maravilhoso! — Lucy respondeu com sinceridade. — Estou muito feliz


por todos vocês. Onde está Emília?

— Em meu quarto, brincando com algumas roupas minhas.

— Nesse caso, irei buscá-la e vestirei as crianças para o jantar.

Na casetta, Lucy lavou e vestiu os irmãos para a refeição em família. Os dois


exibiam bom humor invejável, ansiosos pela volta do pai, e Emília mostrava-se
aliviada com a rápida recuperação de Alison, que logo sairia da clínica.

— Sinto falta dela — a menina confessou. — Apesar de gostar muito de você.

— Também gosto de você — Marco anunciou. — Vou pedir ao papa para levá-la
conosco para a praia.

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— É. muita bondade sua, querido, mas tenho de voltar a Inglaterra. Maddalena
virá substituir-me.

— Desde que acordei esta manhã, tudo mudou. — Emília reclamou.

— A vida às vezes nos surpreende, querida.

Lucy escolheu um vestido preto que ainda não havia sido posto na mala e
preparou-se para a última refeição na Villa Dante. Só mais um jantar, disse a si
mesma, tentando aliviar a dor que invadia sua alma.

Assim que chegou à vila, compreendeu que algo estava acontecendo. Teresa os
esperava na porta da cozinha, o rosto preocupado e atento às vozes que vinham
do salotto. A condessa falava muito alto, traindo uma fúria devastadora,
enquanto Fiammetta tentava interceder com seu tom mais doce e submisso.

— O que está havendo?

Teresa ergueu os ombros num misto de confusão e incredulidade e voltou para


perto do fogão.

Preparando-se para enfrentar mais uma situação difícil, Lucy dirigiu-se ao


salotto e entrou sem pedir licença.

— Ah! — A contessa exclamou ao vê-la. — A boa e confiável signorina Winters.


Talvez ela possa explicar esse mistério.

— Mamma — Fiammetta protestou. — Não tem o direito de...

— Tenho todos os direitos. Não sabemos nada sobre essa mulher. Ela não tem
referências, nem foi recomendada por pessoas conhecidas.

— Giulio a contratou.

— Mas nunca explicou como a conheceu. Quem sabe o que podem ter
representado um para o outro, o que essa... essa vadia pode ter tramado?

— Como se atreve...? — Lucy reagiu indignada.

— Não banque a inocente! Acha que somos cegos? Acredita que não notamos
como olha para o meu enteado?

— Já chega, mamma — Fiammetta decretou com firmeza surpreendente ao notar


que Emília chorava num canto.

Aproximando-se da porta, chamou Teresa que, rápida e discreta, levou as


crianças para longe do ambiente tenso.

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— Temos um problema, Lúcia. Algo de terrível aconteceu, e estamos todos
muito perturbados. O anel Falcone desapareceu do quarto de minha mãe.
Procuramos em todos os lugares, mas não o encontramos e... bem, por mais
difícil que seja, temos de perguntar se sabe onde está a jóia. Talvez tenha visto
algum estranho rondando a vila, ou...

— Fiammetta, deixe de ser tola! Não houve nenhum estranho — a condessa


interferiu impaciente. — Minha criada viu a inglesa entrando em meu quarto há
uma semana. Hoje, quando soube que Maddalena está voltando e que logo
poderá partir, ela decidiu recompensar-se pelos duvidosos serviços prestados.
Chega de discussão. Vamos chamar a polícia e acabar com isso de uma vez.

— Acha que roubei o anel, signora?. Deve estar maluca!

— Não. É você quem está louca. Louca de raiva, porque meu enteado logo se
casará e não quer mais saber de você.

— Lúcia, espero que não se oponha, mas teremos de procurar a jóia na casetta —
Fiammetta avisou.

— E claro que não me oponho. — De repente um pressentimento terrível a


invadiu. Emília! A menina estivera brincando sozinha no quarto da mãe, de
onde poderia ter passado para o da avó.

— A signorina Winters parece assustada. — A voz da condessa era triunfante.

— Engana-se, contessa. Pode revistar minhas coisas quando quiser.

Só esperava que a busca terminasse em seu quarto, porque se fossem vasculhar


o das crianças... Se Emília houvesse tirado o anel, encontraria uma forma de
devolvê-lo mais tarde, sem que ninguém percebesse.

— O que esteve fazendo em meu quarto há uma semana, signorina?

— As crianças brincavam de esconder, e esqueci de estabelecer seu quarto como


território proibido. Por isso tive de ir buscá-las.

— Ah! E hoje foi procurar o que escondeu durante a brincadeira... Vamos


revistar a casetta imediatamente.

— Posso fazer uma pergunta? — Lucy interferiu. — Como soube que o conde
Falcone conversou comigo a respeito de minha partida?

— Agnese, minha criada, os viu juntos na casetta. Desde que chegamos, ela tem
se mantido muito atenta aos seus passos, seguindo minhas ordens, é claro.

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Então não havia sido paranóica a sensação de estar sendo espionada.

Agnese esperava para acompanhá-la de volta à casetta. Uma vez lá, a criada da
condessa começou a examinar suas roupas com cuidado. Depois de alguns
instantes ela levantou seu vestido de seda amarela e um pequeno pacote caiu no
chão. Triunfante, a condessa recolheu o objeto envolto em papel de seda. O anel
Falcone brilhava como sangue em sua mão.

O vestido que usara em Florença. Emília o escolhera como esconderijo. Bem,


pelo menos não guardara a jóia entre suas coisas.

— Muito bem, agora podemos chamar a polícia. — Cláudia decidiu.

— Não — Fiammetta anunciou da porta, mais firme que nunca. — Não vou
permitir que envolva a polícia nisso. Lúcia irá embora amanhã, você recuperou
a jóia, e Giulio não aprovaria um escândalo. E quanto a você, Lúcia... Tem
alguma explicação a oferecer?

— Sim, mas preferia mantê-la em segredo. — Emília era só uma criança, e ainda
não compreendia que seus atos podiam ter conseqüências. Delatá-la não seria
uma lição proveitosa, mas um castigo desastroso que só criaria traumas e
ressentimentos ainda mais profundos.

— Não sei como o anel foi parar em minha mala, signora, mas garanto que não o
coloquei lá.

— Então o assunto está encerrado. Seu jantar será servido aqui mesmo, e
amanhã Franco a levará a Montiverno, de onde poderá pegar um ônibus para
Pisa. Prefiro que não tenha mais nenhum contato com meus filhos. Esta noite
eles dormirão na vila.

Depois dos choques e insultos da última meia hora, esse era o golpe que mais
doía.

Lucy havia terminado de arrumar as malas, e preparava-se para ir dormir,


quando Philip apareceu, respondendo ao bilhete que ela enviara por Teresa
junto com a bandeja do jantar.

— Não devia ter me mandado esse bilhete. Eles podem pensar que estamos
juntos nisso.

— Acredita mesmo que roubei o anel?

— Alguém o roubou. Angela acredita que tenha sido apenas um ato de

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vingança, porque esperava conquistar Giulio Falcone e fracassou.

— Não estou interessada na opinião daquela mulher. Só o chamei aqui para


pedir algum dinheiro emprestado para a viagem de volta.

— Está me pedindo dinheiro, depois de ter passado a semana toda me tratando


como um estranho?

— Philip, é só um empréstimo! Pagarei assim que puder.

— Que tal pagar adiantado? Agora, por exemplo. Podemos lembrar os velhos
tempos...

— Prefiro voltar para casa a pé!

— Gomo quiser. Não é uma mulher de muita sorte, Lucy. Teve dois homens em
sua vida, e perdeu os dois para a mesma mulher. Não imagina como ela está
rindo à sua custa.

A garrafa de vinho trazida para o jantar ainda estava sobre a mesa, e ela a
agarrou determinada.

— Nesse caso, vamos dar a ela mais um motivo para divertir-se. — E despejou
o líquido dourado na cabeça de Philip.

Em Montiverno, Lucy decidiu que devia contar toda a verdade a Giulio. Não só
para impedir que ele guardasse dela uma péssima impressão, mas para explicar
a atitude de Emília e evitar que a menina fosse trancafiada num colégio interno.

A viagem de ônibus até Florença foi rápida e, lá, ela guardou as malas num
armário da rodoviária e pediu informações sobre o endereço do banco Falcone.
Depois de explicar ao corpo de segurança que precisava falar pessoalmente com
Giulio Falcone, foi levada à recepção onde a secretária informou que ele estava
ausente.

— O signore Falcone foi chamado para resolver um problema familiar.

Bem, pelo menos havia tentado.

De volta à rodoviária, descobriu que o ônibus para Pisa partiria dentro de uma
hora. Para passar o tempo, decidiu caminhar um pouco pela cidade. A cidade
de Giulio. Era sua última chance de conhecê-la um pouco melhor.

Na rua estreita perto de Duomo, o restaurante de Giovanni preparava-se para


receber os primeiros clientes do dia. Gostaria de poder fazer sua última refeição

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ali, mas a necessidade de economizar algum dinheiro para eventuais problemas
no aeroporto era grande, e por isso virou-se e seguiu rumo a Piazza delia
Signoria.

Perto do Mercato Nuovo, II Porcellino aguardava os afagos dos turistas que


sonhavam voltar um dia a Florença.

Lucy havia voltado, mas não como desejava. E nunca mais voltaria. Erguendo a
mão, tocou a cabeça da estátua numa despedida triste.

Quando Lucy finalmente conseguiu chegar ao aeroporto Galileu Galilei, Pisa


ardia sob o forte sol vespertino. Empurrando o carrinho com a bagagem,
pensou mais uma vez no que diria ao funcionário da empresa aérea para trocar
a passagem sem ter de pagar uma tarifa extra, mas as palavras desapareceram
de sua mente assim que ela passou pela porta e o viu.

Altivo, com as mãos na cintura e um brilho intenso nos olhos cor de âmbar, era
como a realização de um sonho.

— Finalmente a encontrei — ele disse, adiantando-se para assumir o comando


do carrinho.

Lucy não sabia como reagir. O coração batia tão depressa, que temia ser ouvida
por todas as pessoas que andavam de um lado para o outro no saguão.

— Veio para me entregar à polícia? Ou só para ter certeza de que estou mesmo
deixando o país?

— Nenhum dos dois. Devia saber disso, Lúcia.

Não sabia de mais nada, mas uma coisa queria esclarecer.

— Não roubei o anel. Mas receio saber quem o pegou.

— Também sei, e lamento mais do que pode imaginar.

— Por favor, não seja muito duro com ela. Trata-se de uma criatura infeliz e
confusa, e tenho certeza de que ela fez tudo isso por você.

— Como pode ser tão generosa. Por ela, você estaria atrás das grades!

— Não se pode responsabilizá-la por seu raciocínio confuso. Aposto que ela não
teve a intenção...

— Está enganada, Lúcia. Ela queria destruí-la. Sérgio e eu ouvimos tudo. Todos
os pensamentos venenosos e distorcidos que ela abrigava naquela cabeça

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doente. Foi horrível.

— Querido, por favor... Ela só uma criança, e...

— Criança? Cláudia nunca teve infância!

— Cláudia? — Lucy gritou. — Mas não foi ela...

— A contessa deu o anel à criada para que ele fosse escondido entre suas coisas.
Não percebeu?

— Eu... não. Pensei que fosse Emília e...

— Emília? De onde tirou essa idéia?

— Ela ouviu a discussão entre você e sua madrasta e decidiu ajudá-lo. Chegou a
pegar a jóia no quarto da condessa, dizendo que ia entregá-lo a você. Sabia o
que Cláudia faria, se tomasse conhecimento do fato, e por isso fui devolvê-lo.
Infelizmente, Agnese me viu no quarto.

— Então foi isso. Ela a espionava desde o primeiro dia, e ontem testemunhou o
beijo que trocamos. Quando relatou os fatos a Cláudia, elas arquitetaram esse
plano diabólico para obrigá-la a partir, certas de que já estaria na Inglaterra
antes que eu tomasse conhecimento de tudo.

— E incrível!

— Não para quem conhece a condessa. Venha comigo, Lúcia. Vamos levar sua
bagagem para o meu carro, e depois encontraremos um lugar tranqüilo para
conversarmos.

— Tenho de trocar minha passagem e... Giulio, preciso ir embora. Só queria que
soubesse que não sou uma ladra.

— Acha que vou deixá-la partir?

— Não pode me impedir. Não tem nem mesmo o direito de tentar. Afinal, vai
se casar com Angela e...

— Vamos esclarecer uma coisa. Não vou me casar com Ângela, nem agora, nem
no futuro. Não amo aquela mulher, e já deixei minha posição bem clara tanto
para ela, quanto para a condessa.

— Então não a quer

— Amo você, Lúcia. Por isso quero um pouco de privacidade. Para pedi-la em
casamento. Não posso discutir um assunto tão importante em um aeroporto

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lotado.

Aturdida, Lucy deixou-se guiar ao estacionamento, onde ele deixara o carro.

— Aqui estamos nós. — Giulio sorriu ao acomodar-se diante do volante. — De


volta ao ponto de partida. Dê-me sua mão, caríssima.

Ela obedeceu e, espantada, viu o anel de rubi ser colocado em seu dedo.

— E agora, meu amor? Acredita em mim?

— Mas... você me mandou embora! Disse que não tinha o direito de me tocar,
porque já havia assumido outras obrigações...

— Quando falei em obrigações, referia-me a você e aos compromissos que


acreditava existirem em sua vida. Pensei que ainda estivesse apaixonada por
Philip. Encontrei a fotografia do imprestável rasgada num cesto de lixo naquela
sua primeira noite em minha casa, e o reconheci assim que o vi com Angela.

— Mas como... Não pode ter tirado todas essas conclusões só porque...

— Deixe-me explicar melhor. Angela será uma mulher muito rica, e é evidente
que o pai dela costuma tomar todas as precauções possíveis com relação a todos
os homens com quem ela se envolve. Ele investiga o passado de cada um deles,
e fui informado sobre a história de vida de Philip antes de ele chegar à minha
casa. Mais uma medida de prevenção.

— Entendo.

— Quando fui a Lussione e interroguei suas amigas, elas confirmaram que


Philip a abandonara por outra mulher, e disseram que você ficou devastada
com o fim do relacionamento. Por isso fiquei preocupado com a iminente
chegada de Ângela e seu novo amante. Queria protegê-la do sofrimento, e por
isso sugeri que partisse. Naquele momento tive certeza de que a amava.

— Oh, meu Deus! Quanto tempo perdemos, meu amor!

— Poderemos recuperar cada segundo, certamente.

— Mas, se não tem nenhum interesse em Angela, por que saiu com ela?

— Queria apenas sua felicidade. Sabia que, se a tirasse de perto de Philip, ele
voltaria a cercá-la de atenções, e talvez reatassem o romance.

— Como pode pensar que ainda queria aquele homem? Não viu como reagia à
sua presença? Não sentiu como tremi em seus braços?

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Sara Craven – A Última Tentação
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— Tentei dizer a mim mesmo que tudo não passava de uma simples atração
física, porque não queria alimentar esperanças que só trariam sofrimento no
futuro.

— E o que o fez mudar de idéia? Afinal, se veio me procurar...

— Ah, sim! — Ele riu. — Fiammetta me contou alguma coisa sobre um certo
banho de vinho ontem à noite. Juntei a isso o fato de ele tê-la deixado partir
sozinha, com certeza ansioso para distanciar-se da suposta ladra do anel
Falcone, e concluí que havia cometido um grande engano.

— E como desmascarou Cláudia?

— Sérgio foi o grande responsável pela façanha. Ele chegou à vila esta manhã,
bem cedo, e encontrou o local mergulhado no caos. Como pai atento que é, logo
percebeu que Emília estava perturbada. Ela ouvira parte da conversa entre
Agnese e Cláudia e, embora não conseguisse compreendê-la, contou ao pai
fragmentos que o deixaram desconfiado. Ele me chamou com urgência à vila e,
juntos, arrancamos uma confissão de Agnese e posteriormente de Cláudia. E
claro que a expulsei de minha casa imediatamente. Sérgio ficou tentando pôr
um pouco de ordem na confusão criada por toda essa história enquanto eu
vinha procurá-la. Estou aqui desde cedo, esperando por você.

— E eu estava em Florença, tentando encontrá-lo em cada lugar que havíamos


visitado juntos. Foi tudo tão rápido...

— Como com meus pais. Um olhar, e os dois estavam perdidamente


apaixonados. Acredita na força do destino, colombina?

— Acho que sim. — Ela sorriu emocionada.

— Quando voltarmos à vila, todos já terão partido. Sérgio vai levar a família
para a praia, e assim teremos algum tempo só para nós, para planejarmos nosso
casamento. Isto é, se decidir aceitar meu pedido, é claro.

— Então ainda não sabe? Oh, Giulio, eu o amo! Não sou capaz de viver sem
você!

— Pode provar o que diz?

Rindo, ela o abraçou e baixou a voz.

— Acho que passarei o resto de minha vida demonstrando a força do meu


amor.

Projeto Revisoras 121


Sara Craven – A Última Tentação
(Julia Cartão Postal 51)
* * * *

SARA CRAVEN nasceu em South Devon e cresceu cercada por livros numa casa
junto ao mar. Depois de deixar a escola de gramática, ela trabalhou como
jornalista local e noticiou de tudo um pouco, desde exposições de flores a
assassinatos. Sara começou a escrever para a Mills & Boon em 1975. Além da
literatura, suas paixões incluem filmes, música, culinária e comer em bons
restaurantes. Atualmente ela vive em Somerset.

Projeto Revisoras 122

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