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Amor Na Grécia

A WOMAN IN LOVE
Brittany Young

Melina voltou para recuperar o amor do homem amado

"Você não deveria ter retornado justamente agora em minha vida,


Melina." As palavras de Aristo ainda martelavam-lhe a cabeça enquanto
observava as luzes da ilha Kortina, a bordo do Calypso.
Por que fora apaixonar-se por aquele grego misterioso? Qual o
motivo de ele não poder entregar-se ao amor? Tinha quase certeza que
existia outra mulher em sua vida...

Digitalização: Vicky B.
Revisão: Laís
Formatação: Rose
A WOMAN IN LOVE
© 1989 Brittany Young
Originalmente publicado pela Silhouette Books,
Divisão da Harlequin Enterprises Limited
AMOR NA GRÉCIA
© 1990 para a língua portuguesa
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Tradução: Edite S. Sciulli
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.
Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
PRÓLOGO

Apoiada à balaustrada do Calypso, o navio de pesquisas de seu pai, Melina


Chase olhava sonhadoramente para a ilha grega distante menos de dois
quilômetros. Bem ao alto, destacando-se entre a paisagem, erguia-se uma
maravilhosa mansão, como que saída de um conto de fadas.
Melina foi despertada de suas fantasias pela mão carinhosa que lhe
desmanchava os cabelos.
— Vocês, garotas de quinze anos, sempre com esse ar sonhador... —
falou carinhosamente Gregory Chase.
— Oh, olá, papai. Acho que estava mesmo sonhando acordada. E você,
como se sente? Parece tão cansado.
— E estou, querida. Nunca enfrentei tantos obstáculos antes. Não obtive
êxito nem ao menos para conseguir um patrocinador. — E acrescentou,
inconformado: — Você percebe, Melina, que estamos ancorados sobre uma
cidade grega com mais de três mil anos?
Melina não apenas compreendia esse fato, como também ajudara nos
trabalhos preliminares de mergulho no início da semana.
— E enquanto nossa mente fervilha só em pensar nas raridades que
podem estar submersas nestas areias após tantos séculos, o governo
permanece indiferente. Não querem que perturbemos o local.
— Apresentaram-lhe um motivo plausível?
— Qual nada. Apenas uma bobagem sobre uma certa maldição.
Os olhos de Melina se iluminaram. Esse era o tipo de assunto que
adorava.
— Uma maldição? Conte-me, papai.
— Ora, trata-se apenas da costumeira história sobre a má sorte perseguir
qualquer um que ouse intrometer-se com a cidade e seus túmulos submersos.
Porém, não vejo como um ser racional possa acreditar em tal asneira.
— Pois é óbvio que o governo grego acredita, do contrário teria permitido
que realizássemos as escavações aqui.
Gregory Chase suspirou, desanimado.
— Não nos resta outra alternativa, no momento, a não ser partir. Amanhã
cedo voltaremos à Turquia.
Melina ficou pensativa, sem nada dizer.
O dr. Chase fitava-a, constatando mais uma vez, aturdido, o quanto ela se
assemelhava à mãe, que falecera inesperadamente cinco anos atrás. Era a sua
garota dourada, a razão principal de sua vida.
— Em que pensa, Melina?
— Sei que você não gosta que eu saia desacompanhada, mas adoraria ir
até Kortina antes de partimos — respondeu ela, hesitante, apontando a ilha. —
É tão maravilhosa. Nada me acontecerá, prometo.
— Você está crescendo tão depressa! Gostaria de não ter de enviá-la ao
internato todos os anos. Partilho tão pouco de sua vida — refletiu o dr. Chase,
melancólico. — Se sua mãe continuasse viva, talvez tudo fosse diferente.
— Eu sei, papai, mas ela não está mais conosco, e o internato não é tão
aborrecido assim, afinal. Gostaria apenas de poder ter um pouco mais de
liberdade quando estou aqui, no verão. Já não sou uma criança.
— Você tem razão. Já está em idade de dar alguns passeios sozinha.
Melina, surpresa, saltou ao pescoço do pai, dando-lhe um forte abraço.
— Obrigada, papai. Você não se arrependerá.
Antes que ele mudasse de idéia, correu e embarcou na pequena lancha
que era rebocada pelo navio.
Dentro dela havia uma motoneta vermelha usada para o transporte em
terra. Soltou as cordas que prendiam a embarcação ao Calypso e ligou o motor
de popa. Sentou-se e habilmente manobrou a lancha em direção à ilha. A
velocidade era uma de suas paixões. Gostava de sentir o vento agitar os seus
longos cabelos loiros. O mar jogava gotas de água em seu rosto aquecido pelo
sol, enquanto o pequeno barco abria caminho por sobre as ondas.
Próximo à praia, Melina desligou o motor da lancha e conduziu-a para a
areia com destreza. Sem tirar as sandálias, desceu do barco e puxou-o para
um lugar seguro.
Aquela era uma praia de pescadores. Redes imensas encontravam-se
estendidas pelo chão, enquanto homens, mulheres e crianças realizavam
vários consertos. Alguns olhavam e sorriam para a bonita menina loira, que
retribuía o sorriso e lhes dirigia uma saudação em grego, enquanto empurrava
a motoneta para a rua pavimentada com pedras arredondadas que levava aos
mercados próximos.
Melina amava o burburinho e o colorido das feiras livres gregas, ainda
mais nas pequenas ilhas, que não atraíam tantos turistas. Estacionando a
motoneta a um lado, desceu a rua estreita, que se tornava ainda mais
acanhada com as barracas de frutas, verduras, pães e peixes, além de outras
repletas de flores resplandecentes. Comprou uma laranja, que foi degustando
à medida que andava e olhava ao redor, apreciando tudo o que via. O suco
escorria-lhe pelo queixo, e ela, como uma criança, limpava-o com as costas da
mão.
Nas barracas geralmente trabalhavam as mulheres mais velhas,
ligeiramente rechonchudas, com a pele morena enrugada por anos de
exposição ao brilhante sol do mar Egeu. Possuíam olhos cheios de humor e,
quando sorriam, seus dentes — que nem sempre estavam todos presentes —
chegavam a cintilar, de tão brancos.
Terminada a laranja, Melina não resistiu e comprou um ramalhete de
flores coloridas. Sentindo seu perfume, voltou para apanhar a motoneta e
dirigiu-se às aprazíveis montanhas que vinha admirando do Calypso durante a
última semana. Com facilidade, subiu a estrada estreita e sinuosa, desejando
chegar ao topo sem demora, para ver de perto a mansão. Queria constatar se,
de fato, era tão bonita e tranqüila quanto imaginava.
O tráfego ali não era intenso. Ela estava inebriada com o primeiro sabor
de verdadeira liberdade que sentia. Uma sensação maravilhosa inundava-a
quando fazia a curva seguinte, mas que imediatamente foi substituída por uma
onda de terror ao perceber que um grande carro vinha velozmente em sua
direção. Melina não tinha para onde ir, a não ser rumo a uma ribanceira de
cerca de trezentos metros de profundidade. Num último momento de lucidez
saltou para o lado com a moto e sentiu o solo áspero vindo a seu encontro.
Depois mergulhou numa escuridão profunda.
O homem que encontrou Melina, minutos mais tarde, examinava-a
atentamente. Verificou que a respiração era regular e parecia não haver
nenhuma fratura. Apenas uma feia equimose arroxeada se formava na
têmpora. O desconhecido afastou-lhe o cabelo sedoso do rosto e a observou.
Ela não deveria ter mais de quinze anos ou dezesseis anos, nove anos a menos
que ele próprio, e era óbvio que em seu sangue não corria uma gota sequer de
sangue grego. E era tão suave e maravilhosa que quase o deixou sem fôlego.
Com uma delicadeza incomum nos gestos, tomou-a nos braços e
acomodou-a no banco de trás de seu automóvel.
Melina teve a vaga sensação de braços fortes envolvendo-a e carregando-
a. Foi levada para um lugar calmo e de temperatura amena, de onde podia
ouvir o mar e até sentir o seu aroma agradável. Percebeu o cabelo ser
afastado de seu rosto. Ouviu uma voz profunda falando-lhe em grego. Ergueu
as pálpebras pesadas e encontrou uma par de olhos cor de mel, os mais belos
que já vira, a observá-la. E descobriu que, depois de contemplá-los, era muito
difícil afastar o olhar.
Um sorriso brotou nos lábios do estranho e as covinhas em seu rosto se
aprofundaram.
— Você voltou a si, afinal. Isso é bom.
— Voltei? — repetiu Melina, ainda um pouco fora de si. Tudo lhe parecia
muito estranho. Tentou sentar-se, porém moveu-se muito depressa e uma dor
penetrante atingiu-lhe as têmporas. Ofegante, caiu de volta nos travesseiros.
Foi quando se deu conta de que sofrera um acidente e que agora estava sobre
uma cama, em um quarto de dormir. Olhou para o desconhecido, sentado a
seu lado.
— Onde estou?
— Está em minha casa. Eu a encontrei à beira da estrada — esclareceu
suavemente.
— Minha motoneta! Você a encontrou também? — quis saber Melina, o
pânico transparecendo na voz.
— Acalme-se. Eu a trouxe para cá com você. Está um pouco danificada,
mas ainda funciona. Você se lembra do que aconteceu?
A voz dele era gentil e tranqüilizadora. Melina pensou por um momento e
contou-lhe sobre o acidente. Seus olhos verde-azulados voltaram-se para ele.
— Era você quem dirigia o carro?
— Não, eu a encontrei algum tempo depois e a trouxe para cá.
— Não sei como lhe agradecer.
Os olhares de ambos se encontraram e ela simplesmente não foi capaz de
desviar o seu. Não o conhecia e nada sabia a seu respeito. E ainda assim
sentia-se irresistivelmente atraída por ele.
Seus traços eram marcantes e sua boca parecia ter sido esculpida como a
de uma estátua grega.
— Você não precisa agradecer. Gostaria de saber seu nome.
— Mary.
A mentira saltou-lhe aos lábios depois de pensar rapidamente. Se o pai
tomasse conhecimento do que acontecera, perderia a recém-conquistada
liberdade.
— Prazer em conhecê-la, Mary. Eu sou Aristóteles Drapano.
Aristo, que estava sentado na beirada da cama, levantou-se lentamente
para não lhe causar nenhum desconforto com seu movimento.
— Chamei um médico que deverá chegar dentro de instantes. Há parentes
seus em Kortina? Gostaria de entrar em contato com eles e avisá-los de que
você está bem.
— Que horas são?
— Oito horas — respondeu ele, sem olhar para o relógio.
Melina suspirou, aliviada.
— Não há ninguém me esperando agora. Devo voltar mais tarde.
Este ponto da história era verdadeiro. Seu pai não começaria a inquietar-
se antes das nove horas. Se até lá não estivesse de volta, poderia dar adeus à
sua doce liberdade. Só de pensar nisso, sentia-se sufocar.
— Tem certeza de que não devo informar ninguém?
Ela teve de desviar o olhar, pois não havia meios de fitar aqueles olhos e
mentir.
— Sim.
Sentiu-se atentamente observada. Ele não acreditara nela...
— Devo resolver alguns assuntos; posso deixá-la a sós por alguns
momentos? Voltarei com o médico assim que ele chegar.
— Pode ir tranqüilo. — E, após uma pequena pausa, murmurou: —
Obrigada.
Aristo, que já se encontrava próximo à porta, voltou-se.
— Você não precisava ter parado para me ajudar, mas estou grata que o
tenha feito.
O rapaz grego fitou-a longamente, inclinou a cabeça e deixou o quarto.
Melina esperou apenas ouvir o som dos passos dele diminuir. Sentou-se,
desta vez com muito cuidado. A dor de cabeça era suportável. As sandálias
haviam sido tiradas de seus pés. Encontrou-as ao lado da cama e calçou-as.
Ainda na beirada da cama, olhou ao seu redor. O quarto era espaçoso,
mobiliado com bonitos e pesados móveis estilo Mediterrâneo. Uma porta-
balcão estava aberta, permitindo a entrada de uma brisa agradável. Levantou-
se e foi até a sacada. De onde estava, podia ver o Calypso ancorado ao largo.
Porém, em local bem mais próximo, um objeto vermelho era refletido pelos
últimos raios do sol. Sua motoneta! Uma escada conduzia de onde se
encontrava até o jardim. Melina desceu lentamente e dirigiu-se até onde
estava seu veículo. Tentando não fazer nenhum ruído, afastou-se empurrando-
a para longe da casa por cerca de vinte metros. Prendeu então a respiração,
quando tentou dar a partida no motor. Nada aconteceu. Mordendo o lábio,
tentou novamente e com êxito desta vez.
Antes de ir, contemplou a mansão, com uma ponta de arrependimento.
Não tinha outra escolha, porém. Voltou-se devagar e partiu.
Apenas depois de estar a salvo a bordo do Calypso e de ter tornado
suportáveis as dores que sentia com a ajuda de algumas aspirinas, e de pensar
no que diria ao pai, foi que Melina parou para observar a montanha. Seria uma
noite escura, não fossem as estrelas salpicando o céu. Mas ela podia ver a
mansão ao longe, com suas luzes claras e brilhantes.
E em sua mente ainda estava viva a imagem dos olhos cor de mel de um
grego chamado Aristóteles Drapano.
Aristo encontrava-se na mansão, parado na varanda envolta em
penumbra, uma bebida na mão, observando a silhueta elegante de um navio
sobre o mar escuro. Por que essa sensação de perda? Seria porque uma garota
que mal conhecia — uma criança, na verdade — havia desaparecido sem
deixar rastros? Sentia-se tentado a sair em seu encalço, porém tal atitude não
levaria a nada. Com certeza, ela se achava segura agora, em companhia da
família. E ele estaria em melhor situação desconhecendo seu paradeiro.
O que Aristo ignorava no momento era o quanto a lembrança daquela
garota loira iria persegui-lo.

CAPÍTULO I

Nove anos se passaram. Um hidroavião sobrevoava a montanhosa ilha


grega de Kortina a baixa altitude. O rosto de Melina iluminou-se ao avistar o
Calypso através da janela, um ponto branco contrastando com o azul profundo
do mar Egeu. Apontou o navio para o piloto, que se preparou para a descida.
Minutos depois, taxiou para perto da plataforma de mergulho, onde um jovem
rapaz abriu a porta e ajudou-a a descer.
— Craig! Pensei que estivesse na Turquia — exclamou Melina, com
evidente prazer na voz.
— E estava, mas então seu pai convidou-me para trabalhar neste projeto
e não pude recusar. E você, o que faz aqui?
— Tirei algumas semanas de férias e resolvi passá-las no Calypso. Posso
até ajudá-lo, se quiser.
— Do modo como estamos perdendo mergulhadores por aqui, eu acho
uma ótima idéia; mas você terá de ver se o seu pai concorda.
— Perdendo mergulhadores? Como assim?
— Eu diria que este empreendimento é um tanto propenso a acidentes.
— Alguém ficou ferido?
— Até agora, não, e espero que continue assim — concluiu o rapaz.
Melina agradeceu e despediu-se do piloto, depois de tirar a mala do avião.
Craig tomou-lhe a bagagem das mãos e ajudou-a a subir até o convés.
— Meu pai está a bordo? — indagou ela.
— Ele está, sim. Há uma visita com ele no momento, mas não creio que
se importe em ser interrompido, principalmente por você — brincou o rapaz. —
Vejo-a mais tarde.
Ele ajustou a máscara de mergulho e o tubo de ar, desaparecendo em
seguida por sobre a plataforma.
Naquele momento, o hidroavião passou voando sobre o navio. Melina
protegeu os olhos do sol com a mão e observou-o até tornar-se um pequeno
ponto distante.
Com um suspiro feliz, dirigiu-se à parte da frente do navio, onde se
encontrava a sala de trabalho do pai. Pôde vê-lo pela janela, o cachimbo preso
entre os dentes, entretido na conversa com o visitante. Tratava-se de um
homem muito alto, cabelos negros e espessos bem aparados, vestindo um
terno claro que contrastava com a pele morena. Sem poder ver-lhe o rosto,
pois achava-se de costas para ela, Melina bateu de leve à porta.
A surpresa e a alegria eram evidentes no rosto do dr. Chase, que foi
recebê-la com um abraço.
— Que bom vê-la aqui. Eu não a esperava.
— E eu não tinha mesmo planos para vir, até ontem. O museu onde
trabalho sofreu alguns danos durante um terremoto e ficará fechado durante
três semanas para reformas. Achei que seria uma boa idéia passá-las com
você.
O pai afastou-se um pouco e tomou-lhe o rosto entre as mãos.
— Você está encantadora, como sempre.
Apesar da alegria em vê-la, seu pai deixava transparecer uma certa
inquietação, como se preferisse que ela não estivesse ali naquele momento.
— Terei escolhido uma hora inadequada para vir?
— De modo algum, querida — garantiu-lhe o pai, após alguma hesitação.
De repente, lembrou-se de que não estavam a sós e voltou-se para o
visitante, ainda abraçando a filha.
— Melina, gostaria de apresentá-la a...
"Aristo Drapano", completou ela mentalmente, refazendo-se do choque
inicial de rever aqueles olhos cor de mel que há anos teimavam em invadir-lhe
os sonhos. Será que ele também se lembrava dela? Com o coração aos pulos,
estendeu a mão para cumprimentá-lo.
— Melina — murmurou ele suavemente, enquanto lhe segurava a mão.
Não demonstrou tê-la reconhecido. Melina estava como que hipnotizada e
deu um salto quando o pai tocou-lhe de leve no ombro. Desvencilhou-se do
cumprimento e beijou o rosto do pai.
— Vejo que estão muito ocupados. Vou desfazer as malas e
conversaremos mais tarde, está bem, papai?
— Sinto dizer-lhe, querida, mas permanecerei ocupado também parte da
noite.
— Não faz mal. Teremos muito tempo para colocar os assuntos em dia.
E, voltando-se para Aristo:
— Sr. Drapano, foi um prazer conhecê-lo. Com licença.
Melina retirou-se e voltou ao convés, respirando profundamente para se
recompor. De certa forma, sempre esperara tornar a vê-lo, mas nunca
imaginou que a ocasião lhe provocasse tal impacto.
O som de vozes masculinas que vinha da plataforma de mergulho
arrancou-a de seus devaneios. Apanhou a mala e dirigiu-se à sua cabine no
andar inferior, que ocupava desde a infância. Era um aposento não muito
grande, porém aconchegante, que permanecia o mesmo, ano após ano. Nas
prateleiras, encontravam-se desde seus livros infanto-juvenis até os textos so-
bre arqueologia que lera na faculdade. Pequenos objetos que encontrara na
adolescência quando mergulhava com o pai enfeitavam uma simpática
cômoda.
Depositou a mala sobre a cama e, com a prática de quem passara boa
parte de sua vida viajando de um canto a outro do mundo, rapidamente
colocou seus pertences no armário e nas gavetas. Feito isto, guardou a mala e
saiu para o corredor em direção à cozinha.
Luigi, o gordo cozinheiro italiano que trabalhava a bordo do Calypso havia
mais de vinte anos, parecia furioso com algo. Seu ventre literalmente tremia
de raiva, enquanto praguejava em italiano com sua voz de tenor. Nem ao
menos se deu conta da presença de Melina, que apanhou um talo de salsão e
permaneceu calmamente mastigando-o, sentada sobre o balcão.
Quando ele se voltou e a viu, parou de imediato com as imprecações e foi
em sua direção para envolvê-la em um grande abraço. Amava aquela garota
como se fosse sua filha.
— Minha menina — disse com afeto, dando um passo para trás para
admirá-la. — Seu pai não me disse que você viria.
— Ele também não sabia. Por que está tão zangado?
— Por que estou tão zangado? — repetiu ele. — Porque contratei um
idiota como ajudante, que foi até o vilarejo há duas horas e esqueceu a lista de
compras. Sem a lista, não teremos os mantimentos e a tripulação fica sem
jantar. Não é um bom motivo?
Melina tomou-lhe a lista das mãos.
— E se eu fosse a Kortina e fizesse as compras para você?
— Mas, querida, você acaba de chegar. Não posso pedir-lhe esse favor.
— Você não pediu, eu me ofereci. Além do mais, há anos que não vou a
Kortina, e adoraria fazê-lo.
— Você tem certeza? — indagou Luigi.
— Mas, claro. E, se meu pai perguntar, diga-lhe para onde fui, está bem?
— Eu direi.
Colocando na boca o que restava do salsão e guardando a lista de
compras dobrada em seu bolso, Melina subiu ao convés, sem olhar para onde
ia. Literalmente chocou-se com Aristo Drapano, que a segurou pelos ombros
com firmeza.
— Oh! Me desculpe — murmurou ela, ofegante.
— Está tudo bem. Aonde vai com tanta pressa? — quis saber ele,
soltando-a.
— Vou a Kortina, comprar alguns mantimentos. — Aristo não mais a
tocava, mas Melina ainda sentia-lhe as mãos nos ombros.
— Eu já estava de partida. Venha, eu a levarei. — E antes que pudesse
recusar, ele completou: — E não se preocupe, cuidarei para que alguém a
traga de volta.
Depois de alguns momentos de hesitação, Melina seguiu-o até a lancha
presa ao lado do Calypso e permitiu que ele a ajudasse a entrar. Depois que
Aristo deu partida aos possantes motores, ela pôde observá-lo tirar o paletó e
colocá-lo nas costas da cadeira, soltar a gravata, desabotoar o colarinho e os
punhos da camisa azul-clara, expondo seus braços bronzeados. As mãos,
longas e fortes, pilotavam a lancha com habilidade, e em poucos minutos
cortavam as ondas em direção a Kortina.
Aristo voltou a cabeça, como se percebesse estar sendo atentamente
observado. Os olhares de ambos se encontraram e assim permaneceram por
vários momentos.
Seguiram em direção a um ancoradouro que fora construído depois da
última visita de Melina. Quando se aproximaram, Aristo fez um sinal a dois
rapazes, que o ajudaram a amarrar a lancha ao cais com segurança. Ele
apanhou o paletó, saltou para fora e segurou a mão de Melina enquanto ele
também saía.
Caminharam até o mercado, onde fariam as compras. Ela notou que eram
seguidos por um dos rapazes do cais. Intrigada, quis saber o motivo.
— Ele vai entregar os mantimentos no Calypso — esclareceu Aristo.
— Mas eu mesma posso fazê-lo.
— Não, se estiver jantando comigo.
— E vou estar? — surpreendeu-se ela.
— Depende de você.
A hesitação que sentia não durou muito, pois queria muito passar algum
tempo a seu lado.
— Então está bem. Vou jantar com você.
A tarde já chegava ao fim e o movimento no mercado diminuía. Melina fez
as compras, item por item, e, quando terminaram, foram dadas instruções
precisas ao rapaz para levá-las à lancha e, de lá, ao Calypso.
Seguiram então até uma taverna com mesas ao ar livre, cobertas com
toalhas brancas, de onde se viam o mar e o navio do pai ancorado ao longe.
— Você gosta de vinho grego? — perguntou Aristo, enquanto puxava uma
cadeira para ela.
— Gosto muito. Na verdade, faz muito tempo que não tomo nenhum
"retsina".
Assim que ele se instalou em uma cadeira à sua frente, pediu ao garçom
que trouxesse o vinho, voltando em seguida sua atenção para Melina.
— Ouvi-a dizer a seu pai que trabalha em um museu. O que faz lá,
exatamente?
— Tenho várias ocupações, como classificar e datar objetos encontrados
em escavações arqueológicas e tentar restaurar aqueles que se encontram
danificados.
— Eu supunha que você estivesse mais interessada em achar os objetos,
como faz seu pai, em vez de restaurá-los.
— Ah, mas estou. E gosto de mergulhar, porém só o tenho feito por
divertimento, ultimamente.
O garçom trouxe a garrafa de "retsina", serviu-os e afastou-se.
— E você, qual o seu ramo de atividade? — quis saber Melina, enquanto
provava do líquido fresco e transparente com um leve sabor de pinho.
— Estou ligado a vários negócios, a maioria em Atenas, e nenhum ligado à
arqueologia.
Ela olhou para o Calypso.
— É um barco fantástico — elogiou ele.
Melina seguiu-lhe o olhar e concordou.
— Papai comprou-o quando eu era apenas um bebê, e levou anos para
equipá-lo a seu gosto, mas valeu a pena.
— Você passou muito tempo a bordo?
— Eu cresci naquele navio. Papai nos levava, mamãe e eu, a todos os
lugares a que ia, até que ela morreu.
— E então, o que aconteceu?
— Fui obrigada a ir para um internato, mas ainda passava as férias de
verão no Calypso.
O garçom retornou com um cesto de fatias grossas de pão cobertas de
pepinos e endro. Aristo ofereceu uma fatia a Melina e apanhou outra para si.
Ela o observava, perguntando-se mais uma vez se ele não se lembrava dela.
Decidiu averiguar.
— Às vezes tenho a sensação de que já o conheço — começou, de modo
inocente, dando mais uma mordida no pão crocante. — Já não nos vimos
antes?
Ele a fitou, e ela juraria ter visto um sorriso oculto em seus olhos.
— Tenho certeza de que me lembraria se a tivesse encontrado.
Tal resposta não era nada esclarecedora, portanto decidiu deixar o
assunto de lado.
— Como conheceu meu pai? — indagou ela.
— Conhecemo-nos hoje. O povo de Kortina está preocupado com suas
atividades e pediram-me para falar-lhe a respeito.
Melina lembrou-se da conversa que tivera com o pai, anos atrás.
— Essa preocupação tem algo a ver com a maldição que acompanharia
qualquer um que perturbasse as ruínas?
— Exatamente.
Ela olhou-o, curiosa. Ele parecia uma pessoa bastante racional.
— E você acredita nesta história?
Naquele momento, o rapaz que os ajudara com as compras aproximou-se
da mesa. Em grego, avisou Aristo de que já cumprira sua tarefa e que a lancha
se encontrava ancorada no mesmo local. Recebeu em troca um agradecimento
e uma generosa gorjeta. O jovem ficou radiante e afastou-se correndo,
satisfeito.
— Foi muito gentil em ajudar-me — comentou Melina.
Ele a contemplou por alguns instantes e retomou o assunto anterior.
— Você quer saber se acredito na existência dessa maldição.
Melina assentiu.
— No que acredito, não vem ao caso. O fato importante é que já houve
vários acidentes e isso em apenas um mês de trabalho.
— Mas um mergulhador contou-me, hoje mesmo, que nenhum deles foi
grave.
— Ainda não — concluiu Aristo, pessimista.
— Você acredita que podem ocorrer acidentes mais sérios?
— Não sou adivinho, Melina, mas creio que a probabilidade de ocorrer um
acidente sério é grande. Até que seu pai se decida a partir, talvez já seja tarde
demais.
— Papai é um homem muito sensato, ao contrário do que parece supor.
Melina não estava zangada, mas sentiu a necessidade de esclarecer
alguns pontos.
— A segurança da tripulação sempre foi tratada com atenção especial por
meu pai. É evidente que ele não acredita haver perigo na realização destas
escavações.
Ele examinou-a silenciosamente.
— Se isso ajudar para acalmá-la, quero que saiba que gosto muito de seu
pai. É um bom homem.
Um sorriso iluminou o rosto de Melina, e o coração de Aristo tentou
absorver toda a sua beleza. Mostrando-lhe o pequeno cardápio que se
encontrava sobre a mesa, perguntou-lhe o que gostaria de comer.
— Mussaká — afirmou, sem nem mesmo olhar. — Já não me lembro
quando foi que provei este prato a última vez.
Com discrição, Aristo fez sinal ao garçom e pediu o mesmo para os dois,
enquanto ela contemplava o lento pôr-do-sol no horizonte. Ele se recostou à
cadeira, estirando as longas pernas, e provou mais um pouco do vinho, sem
deixar de fitar o seu perfil, imerso naquela beleza natural. Ela parecia ter
nascido para viver ao ar livre. Seus cabelos eram dourados e brilhantes, os fios
espessos e sedosos como que implorando para serem acariciados. O nariz, de
linhas suaves e salpicado de pequenas sardas, achava-se em perfeita harmonia
com o rosto. As faces, ligeiramente coloridas pelo sol, emolduravam a boca
maravilhosamente desenhada. E os olhos verde-azulados — fascinantes e
possuidores de um brilho inteligente, guarnecidos de longos cílios espessos —
seriam capazes de amar um homem com ardor ou de partir-lhe o coração.
Eram esses olhos que o fitavam naquele momento.
— Eu amo essa ilha — revelou ela.
— Já esteve aqui antes?
— Sim, há muito tempo — murmurou docemente. — Mas lembro-me
daquela época com freqüência.
— É verdade que há lugares, assim como pessoas, que não se esquecem
com facilidade — aquiesceu ele.
Os lábios de Melina entreabriram-se e sua respiração tornou-se mais
rápida. "Oh, Deus, ele é um homem atraente demais", pensou.
— Aristo! Finalmente — chamou um rapaz, em grego. — Procurei-o por
toda a ilha.
Aristo manteve seu olhar no de Melina por mais alguns segundos e então
o encanto se quebrou.
— Olá, Timon. O que há de tão urgente que não podia esperar até mais
tarde? — Sua voz não transmitia nenhuma emoção.
O rapaz, uma versão mais jovem e esmaecida de Aristo, virou uma
cadeira e sentou-se, apoiando os braços no encosto.
— Helen ligou, pedindo que você a apanhe em Atenas hoje à noite —
explicou Timon, lançando um olhar apreciador sobre Melina. — Quem é você?
— perguntou-lhe, sem fazer pausa.
— Melina Chase, este é meu irmão, Timon Drapano — apresentou Aristo.
Ela estendeu-lhe a mão, que o rapaz levou aos lábios.
— Você é americana? — quis saber ele.
— Sim, sou.
— O que a traz a Kortina?
— Vim visitar meu pai no Calypso — esclareceu, retirando a mão.
— Chase — repetiu Timon. — Mas claro! Você conversou com o pai dela?
— perguntou ao irmão, em grego.
— Sim, conversou — informou Melina, também em grego.
— Desculpe-me. Onde aprendeu a falar tão bem nosso idioma? —
interessou-se ele, um tanto constrangido.
— Passei muito tempo na Grécia, quando criança.
— Então terei de escolher as palavras, quando estiver perto de você.
A taverna estava ficando repleta de kortinianos. O som de conversas e
risos tornava-se cada vez mais alto, e músicos locais tocavam canções típicas,
enquanto os presentes acompanhavam o ritmo batendo palmas.
Timon virou-se para o irmão.
— Prometi a Helen que você iria buscá-la. Ela está à sua espera.
Aristo fitou Melina, e Timon seguiu-lhe o olhar.
— Não se preocupe. Providenciarei para que ela chegue ao Calypso em
segurança — garantiu o rapaz.
— Você concorda, Melina? — indagou Aristo, ainda hesitante. — Posso
telefonar, avisando que me atrasarei.
— Oh, não, por favor. Estarei bem com seu irmão — assegurou, a fim de
tranqüilizá-lo.
— Então está bem. Nos veremos novamente.
Era uma afirmação, não uma pergunta.
— Mas claro que sim — acrescentou Timon. — Na festa que estaremos
oferecendo amanhã.
Aristo permaneceu em silêncio e Timon sorriu para ela.
— Na verdade, serei seu acompanhante.
— Realmente, eu não planejava... — começou ela, para ser interrompida
de imediato pelo rapaz.
— Compreendo que esteja aqui para visitar seu pai, mas com certeza
poderá roubar uma noite para divertir-se com pessoas de sua idade. Vou
apanhá-la às oito. E não precisa considerar esse convite como um encontro.
Serei apenas o meio de você chegar à festa e de voltar ao navio, depois.
Timon era um rapaz charmoso e persuasivo, e ela concordou, afinal.
— Está bem. Já que você não me deixa outra escolha, eu irei — brincou
Melina.
A expressão de Aristo era impassível, ao se levantar.
— Então a verei amanhã, Melina. Boa noite.
— Quem é Helen? — quis saber ela, assim que o viu partir e antes que
pudesse controlar as palavras.
— É sua noiva; vão casar-se dentro de um mês — contou Timon, como se
fosse fato notório.
Para Melina, a informação teve o efeito de uma punhalada. O garçom
trouxe duas saladas gregas e dois mussakás. Timon animou-se:
— Não apenas sou favorecido pelo bom gosto de meu irmão em relação às
mulheres, como também me apodero de seu jantar.
De repente, Melina perdera o apetite.
— Prove — disse-lhe o rapaz com gentileza. — A comida daqui é a melhor
de toda a Grécia.
Ela seguiu-lhe o conselho e não se arrependeu. Timon demonstrou ser
uma pessoa amável e excelente companhia. Eram quase dez horas quando
voltou ao Calypso. Subiu ao convés e observou a lancha afastar-se
rapidamente em direção à ilha pontilhada de luzes.
— Teve uma noite agradável, querida?
Ela voltou-se e viu o pai recostado em uma cadeira, fumando seu
cachimbo. Aproximou-se dele e beijou-o na face, sentando-se a seu lado.
— Foi uma noite ótima, papai.
— Aristo Drapano é um homem interessante.
Ela assentiu, na escuridão.
— Um homem misterioso — continuou o dr. Chase.
— Como assim? — interessou-se Melina, curiosa.
— Há pessoas tentando decidir se ele é ou não um ladrão.
— Que palavras estranhas. Eu não o compreendo.
— Há cerca de quatro meses foram roubados perto de dez milhões de
dólares em barras de ouro de um dos bancos do qual o sr. Drapano é
proprietário.
— Dez milhões de dólares? — repetiu ela, assombrada.
— Não lhe pertenciam, é claro, mas ao governo grego. Pelo que se sabe, o
ouro estava sendo transportado de um banco a outro e foi roubado durante o
trajeto. As autoridades consideram-no como o principal suspeito, pois era o
único que conhecia todos os detalhes da operação.
— Mas isso é ridículo!
Seu pai olhou-a surpreso, sem compreender.
— Querida, você não o conhece o bastante para avaliar do que ele é capaz
ou não.
— Creio que você tem razão neste aspecto, porém minha intuição me diz
que ele jamais cometeria um ato semelhante.
Gregory Chase concordou.
— Para lhe dizer a verdade, também penso assim, caso contrário teria ido
buscá-la em Kortina no momento em que soube que saíra com ele. Apenas
julguei necessário colocá-la a par dos fatos.
O silêncio caiu entre eles.
Pouco depois, o dr. Chase tomou-lhe a mão e apertou-a.
— Gostaria de ficar mais tempo aqui com você, mas sou um velho homem
que inicia bem cedo o seu dia.
— Vou ajudá-lo amanhã.
— Mas você está de férias. Deve descansar e se divertir.
— Acredite, papai, mergulhar é um divertimento para mim.
— Então está combinado. Não fique acordada até muito tarde.
E, levantando-se, deu-lhe um beijo.
— Boa noite, papai. Eu o amo.
— Eu também a amo.
Recostada em sua cadeira, podia ver as luzes da mansão Drapano a
distância, e imaginou se Aristo já teria voltado de Atenas com sua futura
esposa.
"Sua futura esposa", pensou.
Ela o havia visto apenas duas vezes. Por que deveria importar-se com seu
casamento?
Mas ela se importava. E muito...

CAPÍTULO II

Melina acordou tarde no dia seguinte, vestiu o seu traje de banho e, por
cima deste, um curto traje de mergulho cor-de-rosa. As longas pernas
achavam-se descobertas, pois preferia assim quando mergulhava em águas
mornas. Enquanto prendia o cabelo em um rabo-de-cavalo, ouviu baterem à
porta. Era Luigi, trazendo-lhe suco de laranja e torradas sobre uma bandeja.
— Seu pai me disse que você iria mergulhar hoje.
— E você quis certificar-se de que me alimentaria antes de ir, certo?
— Acertou em cheio. Sei que não o faria se eu mesmo não lhe trouxesse
algo.
Ela beijou-lhe o rosto, enquanto lhe tomava a bandeja das mãos.
— Obrigada, Luigi; comerei tudo, prometo.
— Até a última migalha! — completou ele.
Deixando a porta aberta, Melina colocou a bandeja sobre a cômoda e,
apanhando o suco com uma das mãos e a torrada com a outra, dirigiu-se ao
convés superior.
Estava um dia deslumbrante. Sentindo o sol em seu rosto, foi até a mesa
de trabalho do pai, onde este já se achava reunido com outros quatro
mergulhadores. Eram todos desconhecidos, com exceção de Craig.
— Melina, esse é o local em que vai trabalhar — informou-lhe o pai,
apontando a exata posição em um mapa sobre a mesa.
Ela examinou o desenho, até localizar sua posição em relação ao navio, e
assentiu.
— A que profundidade trabalharemos?
— Varia entre vinte e trinta e cinco metros. Péricles estará trabalhando
em local próximo ao seu — informou o pai, indicando um jovem grego parado
ao lado de Craig. — Trata-se de um voluntário da ilha e sua principal função é
desobstruir a passagem entre as ruínas.
Péricles e Melina trocaram sorrisos e ela tornou a examinar o mapa.
Indicando pontos distantes, o dr. Chase mostrou a posição dos demais
mergulhadores. Péricles seria o único a trabalhar perto dela.
— Eu mesmo descerei a intervalos regulares para verificar se tudo está
correndo bem. Para começar, Melina, quero que use o aparelho de sucção
portátil que já se encontra aqui. Concentre-se na área que lhe foi destinada,
desobstruindo camada por camada. Sei que há algo onde estará trabalhando,
porém não sei do que se trata ou se nos interessará. E não saberemos até
termos limpado a área. Quase tudo o que encontramos até o momento estava
em pedaços, o que não nos surpreende se considerarmos como verdadeira a
versão de Platão que conta que a cidade submergiu devido a um terremoto e
uma onda gigantesca. Alguma pergunta?
Ninguém tinha dúvidas.
— Ótimo, então. Mãos à obra. Melina, os cilindros de ar foram
recarregados e seu equipamento foi trazido do depósito. Estão no convés,
próximo à plataforma.
Melina agradeceu e, enquanto os demais mergulhadores se afastavam,
Gregory Chase entregou-lhe uma prancheta à qual estavam presos um mapa
impermeabilizado e uma caneta.
— Existe a possibilidade de você não encontrar nada interessante a
princípio, mas, como você sabe, tudo deverá ser registrado.
Ela assentiu.
— Você não se sente de volta aos velhos tempos? — indagou-lhe o pai.
— É quase como se o tempo não tivesse passado. Lembro-me sempre da
primeira vez que aqui estivemos. O governo opunha-se obstinadamente à
realização destas pesquisas. Como conseguiu convencê-los?
— Não foi fácil, acredite. Foram quase dez anos de negociações até
chegarmos a um acordo que satisfizesse a todos. A verdade é que eles ainda
estão um tanto céticos, porém isso mudará quando virem os objetos que
recuperaremos do fundo do mar.
— E por falar em recuperar objetos, acho que está na hora de eu
começar.
— Tenha cuidado.
Ela sorriu-lhe, tranqüilizando-o, e foi apanhar seu equipamento, dirigindo-
se em seguida à plataforma de mergulho. Craig estava justamente saltando na
água. Após colocar e ajustar seus apetrechos e umedecer sua máscara para
que não embaçasse, Melina imitou-o. Por alguns momentos, enquanto a
descida se estabilizava, ela olhou ao redor para se posicionar. Não teve
dificuldade em enxergar, pois a água era limpida e transparente e o brilho do
sol penetrava até alguns metros abaixo. Pôde localizar Craig nadando em
direção oposta e logo depois Péricles, já trabalhando no fundo do mar.
Com o auxílio das nadadeiras, impulsionou-se para baixo até alcançar o
ponto que seu pai indicara no mapa. Péricles olhou em sua direção, mostrando
com um aceno de cabeça que já a vira.
O aparelho de sucção era semelhante a um grande aspirador de pó,
porém tão leve sob a água que era fácil de se manobrar. Melina colocou-o em
funcionamento e iniciou sua monótona tarefa de limpar camada por camada de
areia. Sempre que deparava com algo que parecia ser valioso, o item era
numerado e anotado, mostrando sua localização exata no mapa.
Cerca de uma hora se passara quando Péricles lhe fez sinais de que iria
subir. Melina, cujo manômetro indicava ter ainda perto de cinco minutos de ar,
mostrou que ficaria mais um pouco.
Dentro de exatos cinco minutos, Melina deu impulso para cima em direção
à plataforma. Tirou a máscara e parte do equipamento, entregando o cilindro
vazio a Péricles. Até o fim da tarde este procedimento tornou-se rotina. Após
algumas horas de trabalho, Melina havia encontrado apenas umas poucas
peças de cerâmica fragmentadas. Quando subiu à tona pela última vez naquele
dia, seus companheiros já se encontravam na plataforma de mergulho. Livrou-
se do cilindro de ar, entregando-o a Péricles novamente, descalçou as
nadadeiras e subiu ao convés. Craig fez o mesmo.
— Você parece cansada — constatou o rapaz.
— E estou mesmo — respondeu ela.
— Todo aquele trabalho fácil que tem realizado no museu deixou-a fora de
forma.
Sem forças até para responder, Melina abriu o zíper de seu traje de
mergulho e deixou-se cair em uma cadeira. Craig sentou-se a seu lado e um
silêncio tranqüilo caiu entre eles, enquanto o sol os aquecia.
— Estou satisfeito em ter o fim de semana pela frente — comentou Craig,
após alguns minutos.
— Vai fazer algo especial? — indagou Melina.
— Apenas uma ida a Atenas com a tripulação. Porém não voltarei ao
Calypso antes de domingo à noite. E quais são seus planos?
— Irei a uma festa em Kortina, hoje à noite, mas voltarei ao navio,
depois. E bem cedo — acrescentou. — Sinto-me tão cansada, que dormiria
uma semana.
— Melina! — escutou o pai chamá-la.
Ela abriu os olhos, protegendo-os do sol com uma das mãos.
— Sinto ter de deixá-la, mas devo ir a Atenas hoje à noite. Voltarei
segunda-feira.
— Há algo errado?
— Não. Apenas alguns assuntos a resolver. A que horas você vai sair?
— Me apanharão às oito.
— Ótimo. Então ainda poderemos jantar juntos.
O pai deu-lhe uma palmadinha no ombro e afastou-se, enquanto Craig e
Melina o seguiam com o olhar.
— Sinto que algo não vai bem. Você sabe do que se trata? — indagou ela,
quando o pai não poderia ouvi-la.
— São problemas financeiros. Essa história sobre a maldição segue-o a
todos os lugares e faz com que bancos particulares relutem em patrocinar suas
pesquisas.
— Não imaginei que tivéssemos de enfrentar esse tipo de atitude no
mundo de hoje.
— As pessoas, porém, não esquecem com facilidade. Ainda se recordam
do que ocorreu aos arqueólogos que invadiram a tumba de Tutancâmon, no
Egito. Os pesquisadores zombaram da suposta maldição, mas então, um após
outro, os integrantes da equipe morreram, ou foram mortos. Às vezes sob
circunstâncias bastante estranhas.
— Lembro-me de ter lido algo a respeito — comentou Melina.
— E agora, os kortinianos dizem ter visto luzes estranhas vindas do fundo
do mar.
— Luzes estranhas... Quem terá divulgado tal boato?
— Quem sabe? Alguém deve ter visto o reflexo da luz do luar ou algo
semelhante e distorceu os fatos. Estou aqui há um mês e nunca vi nada.
Ela ergueu-se com um suspiro.
— Bem, já que não podemos desvendar esse mistério, vou tomar um bom
banho e preparar-me para a festa de logo mais.
— Espero que se divirta — desejou-lhe Craig.
— Obrigada. Desejo o mesmo a você, em Atenas — devolveu ela.
— É o que pretendo. Vejo-a na segunda-feira.
Chegando à cabine, Melina despiu-se e foi para o chuveiro. A água
provocou um efeito agradável e revigorante. Ensaboou os longos cabelos
demoradamente, e em seguida o corpo, permitindo então que a água
deslizasse sobre ele até toda a espuma ter desaparecido.
Quase com relutância, abandonou a ducha e enxugou-se numa grande e
felpuda toalha, que depois enrolou em torno de si, prendendo-a entre os seios.
Secou os longos cabelos e deixou-os soltos, e foi até o armário escolher o que
vestiria naquela noite. Decidiu-se por um vestido de tafetá preto com leves
babados que vinham da cintura até os joelhos e que lhe deixava descobertos
os ombros torneados. A única jóia que usava era um par de brincos de ônix
circundados por duas fileiras de brilhantes que havia pertencido à sua mãe.
Antes de deixar o quarto, calçou os sapatos pretos de saltos altos, que
pareciam alongar-lhe ainda mais as pernas. Quando entrou na sala de seu pai,
este ergueu-se da escrivaninha com um assobio de aprovação.
— Estou tão habituado a vê-la com roupas de trabalho que quase havia
me esquecido de como fica bonita vestida assim.
Ele caminhou para uma pequena mesa próxima à janela e puxou-lhe uma
cadeira.
— Nosso jantar foi trazido há poucos minutos.
Melina sentou-se, descobriu o prato e sorriu ao ver que Luigi havia
preparado sua iguaria predileta — salmão grelhado.
— Ele nunca se esquece de nada — constatou ela, sorrindo.
— Não quando se trata de você. Sabe que ele se considera seu segundo
pai.
Ainda com um sorriso, ela provou um bocado e suspirou, deliciada.
— E eu quase me esqueci de como ele cozinha bem.
— Prometo não contar-lhe isso — brincou o pai.
Melina riu, mas logo mergulhou em profundo silêncio. Durante todo o dia
mal conseguira afastar Aristo Drapano de sua mente e agora, que estava
prestes a revê-lo, tal tarefa tornava-se ainda mais difícil. Sem se dar conta,
empurrava o peixe de um lado a outro do prato, não mais interessada em
comer.
O pai tomou-lhe a mão, fazendo-a parar o movimento.
— O que há de errado, querida? — indagou, apreensivo.
Ela ergueu o olhar, tomada de surpresa, e então sorriu.
— Creio que estou um tanto preocupada.
— Posso saber o motivo?
— Os motivos são vários, mas nada importante.
— Tem certeza?
— Claro, papai. Pode ficar tranqüilo.
A expressão do dr. Chase ficou séria e atenta por um momento. Melina
também escutou o avião aproximar-se.
— O pessoal já partiu para Atenas; portanto, este só pode ser o meu —
concluiu ele, quando ficou evidente que o aparelho havia circundado o navio.
Seu olhar pousou na filha.
— Qualquer dia desses, antes de você partir, encontraremos tempo para
uma longa conversa. E trate de comer mais um pouco desse salmão, ou Luigi
ficará profundamente ofendido.
Obediente, Melina comeu mais um bocado. O pai vestiu o paletó e fechou
sua pasta.
— Voltarei segunda-feira à tarde, quando muito. Cuide-se bem.
— Eu me cuidarei. Faça boa viagem.
O pai piscou e sorriu-lhe, desaparecendo em seguida pela porta.
Desistindo do salmão que ainda restava no prato, foi até o convés. Quando viu
uma lancha se aproximando, soube que era Timon, e desceu as escadas para
esperá-lo.
— Uma mulher pontual. Gosto disso — elogiou ele, enquanto a ajudava a
entrar no barco.
— Uma observação bastante machista, não acha? — brincou Melina.
Timon respondeu com um largo sorriso.
— Nós, os gregos, não somos conhecidos por nossas atitudes liberais.
— Na verdade, já ouvi boatos a esse respeito.
— Pois acredite neles.
Ele pôs a lancha em movimento e rumou para Kortina — não ao local mais
habitado, mas para o lado oposto da ilha, onde se encontrava a mansão. O sol
mal havia começado a se pôr, e o céu ainda estava bastante claro, porém
repleto de uma profusão de cores que se tornava mais rica e profunda com o
passar dos minutos.
Timon aproximou a lancha do ancoradouro, saltou para fora a fim de
amarrá-la, antes de ajudar Melina a descer. Ela ficou de pé no ancoradouro,
observando de um lado a areia e, de outro, o rochedo íngreme.
— Posso fazer-lhe uma pergunta tola? — indagou Melina.
— Mas claro! Quantas quiser.
— Como pretende nos levar até lá em cima?
— Não se preocupe, não a farei escalar o rochedo — prometeu ele, rindo.
— Venha comigo.
Timon pegou-a pela mão e caminharam pela praia.
— Espere — pediu ela, apoiando-se nele e descalçando os sapatos. —
Agora, sim, posso andar.
Caminharam mais alguns metros, até chegarem a um enorme cesto.
Timon entrou nele e estendeu os braços para Melina.
— O que você faz aí dentro? — perguntou ela, espantada.
— É este cesto que vai nos conduzir até o topo. Venha, é perfeitamente
seguro.
— Prefiro ficar aqui e ver o que acontece.
— Ora, não seja covarde. Eu mesmo o projetei, e já o usamos há anos.
Até minha avó já está acostumada a ele.
— O que eu não faria para ir a uma festa! — suspirou Melina, resignada.
Aproximando-se, permitiu que Timon a erguesse por sobre a borda do
cesto.
Tomando um controle remoto semelhante aos usados para abrir portas de
garagens, apontou-o para o alto, apertando o botão. Os pesados cabos presos
ao cesto rangeram, e este começou a mover-se devagar.
— É como estar em um elevador — explicou ele.
— Parece que temos opiniões contrárias a esse respeito — retrucou ela,
apreensiva.
Cerca de três minutos depois, o cesto passou por uma abertura na rocha e
parou dentro de um pequeno abrigo que havia sido construído em seu redor.
Timon saiu do cesto com facilidade e ajudou Melina, que estava ansiosa por
também pisar em chão firme.
— Pronto. Não foi tão mal assim, concorda? — perguntou Timon com um
sorriso.
— Digamos que foi... interessante.
Apoiou-se nele, desta vez para calçar os sapatos.
O rapaz tomou-lhe a mão e conduziu-a para fora do abrigo, através dos
jardins da mansão. Os convidados passavam pelas largas portas e pelo
gramado, conversando e rindo. Garçons de paletó branco abriam caminho,
oferecendo bebidas e comidas ricas tipicamente adornadas. Música suave
nascia em um dos salões internos e atravessava o ambiente em direção aos
jardins.
Sem que se desse conta, Melina procurava Aristo com o olhar. E o
encontrou. Parado próximo a uma coluna, vestindo um elegante smoking,
segurava um copo de bebida. Conversava com uma mulher alta de cabelos
negros e curtos, usando grandes brincos de ouro. Ela com certeza era grega, e
adorável.
Timon seguiu-lhe o olhar.
— Aquela é Helen.
Ela já o sabia, sem que ele o tivesse mencionado. Formavam um casal
admirável.
Aristo avistou-a quase ao mesmo tempo. Seus olhares se encontraram por
entre os convidados. Ele parou de falar em meio a uma frase, o que fez a noiva
olhar para ele e em seguida para Melina, ao tentar descobrir o que lhe
chamara a atenção. Helen teve de tocar-lhe o braço para despertá-lo de seu
alheamento. Melina observou-o por mais um curto momento e voltou-se para
Timon.
— Aristo costuma dar muitas festas?
— Não. Ele não é muito sociável.
— Não está me parecendo.
— Mas é verdade. Já Helen é o oposto. Ela vive em função de festas e
quer que Aristo a acompanhe. Por esta razão ele passa muito mais tempo em
seu apartamento em Atenas do que aqui.
Um convidado juntou-se a Helen e Aristo. Este sussurrou algo ao ouvido
da noiva, deixou-a em companhia do recém-chegado e encaminhou-se até
onde estava Melina. Ele a contemplou atentamente, os olhos cor de mel não
perdendo nenhum detalhe. Mesmo sem ter proferido uma palavra sequer,
aquele olhar a fez sentir-se maravilhosa. Ele, então, contemplou-lhe os
cabelos.
— Estou satisfeito que os tenha deixado soltos.
— Depois do que enfrentei para chegar até aqui, eles teriam se soltado de
qualquer maneira — retrucou secamente.
Aristo sorriu.
Timon, que havia estado conversando com outros convidados, virou-se
para ela.
— O que gostaria de tomar?
— Água mineral, por favor.
— Água mineral? — repetiu, surpreso. — Você pretende mesmo ter uma
noite e tanto!
Dizendo isso, Timon se afastou.
— Enquanto ele sai à procura de um garçom, quero apresentá-la à nossa
avó — convidou Aristo, tomando-lhe o braço com gentileza.
Conduziu-a através do gramado onde se achava uma adorável senhora
aparentando mais de setenta anos, que observava as pessoas ao seu redor.
— Vovó, gostaria que conhecesse Melina, filha do dr. Chase. Melina, esta é
Anthea Drapano.
Melina, trocando um delicado aperto de mão com a senhora, sentou-se
em uma cadeira à sua frente. Gostou dela de imediato.
— Melina — repetiu suavemente a senhora. — É um nome muito grego
para uma garota de pele tão alva.
— Meus pais estavam apaixonados pela Grécia, quando nasci.
— Aprovo o bom gosto de seus pais. E, pelo que tenho escutado, seu pai
continua apaixonado por nosso país.
— Creio que se trata de uma paixão eterna.
— Ele está deixando várias pessoas muito pouco à vontade.
— A senhora é uma dessas pessoas?
Anthea deu de ombros, levemente.
— Digamos que não compartilho da curiosidade de seu pai a respeito de
nossos ancestrais.
— A senhora seria uma péssima arqueóloga — concluiu Melina sorrindo.
A velha senhora devolveu-lhe o sorriso.
— Aí está você — interveio Timon, aproximando-se com as bebidas na
mão.
E, voltando-se para a avó:
— Agora vou roubar-lhe Melina por algum tempo. Quero apresentá-la a
alguns amigos.
Melina gostaria de continuar conversando com Anthea Drapano, mas
Timon literalmente a arrastava e, para não ser rude, pediu licença e
acompanhou-o.
Aristo, que mal pronunciara uma palavra, recostou-se a uma coluna e
observou-os se afastarem.
— É uma garota encantadora — comentou a avó.
— Concordo com a senhora, vovó.
— Timon parece bastante atraído por ela.
— Ele seria um tolo se não estivesse.
— E você desaprova?
Houve um curto silêncio.
— Eu detestaria vê-la envolvida com ele.
— Receia que ele lhe parta o coração?
— Algo parecido — respondeu Aristo após uma pausa.
— A não ser que eu esteja enganada a respeito dela, não creio que ele
tenha a oportunidade de fazê-lo.
Ele ficou em silêncio mais uma vez.
— Há algo que o preocupa?
— Nada que eu não possa resolver.
— E nada que pretenda discutir comigo, é claro.
Com um olhar carinhoso, ele inclinou-se e beijou a testa da avó.
— Ainda não.
— O motivo de sua preocupação tem algo a ver com Melina? — quis saber
a avó.
— Apenas que sua presença dificulta um pouco os fatos — explicou Aristo,
enquanto endireitava o corpo.
Anthea estudou o perfil do neto.
— Ela complica os fatos ou ela em si é uma complicação?
— Acredito que seja um pouco de cada. E você é demasiado observadora.
— Estou ficando velha, Aristo. Tenho me tornado perita em observar
pessoas ultimamente. Vejo detalhes hoje que me teriam escapado quando
jovem.
— O quê, por exemplo?
— Como a maneira que você olhou para Melina quando ela chegou com
Timon, e o modo como você a olha agora.
— Ela é uma mulher atraente e eu gosto de mulheres atraentes. Não
interprete os fatos de maneira errada.
— Absolutamente. Os fatos são bem claros para mim.
— Vovó — disse ele afetuosamente —, confesso que a senhora às vezes
me surpreende com sua perspicácia, porém desta vez está enganada.
— Estarei mesmo? — indagou, sem convicção.
— A senhora esquece que vou casar-me dentro de quatro semanas?
— Com uma mulher que você não ama.
— Tenho grande carinho por Helen.
— Carinho não é amor.
— Às vezes é melhor. É mais estável. Tenho certeza de que Helen será
boa esposa e mãe.
— Contanto que você contrate uma babá para cuidar de seus filhos.
— A senhora fez o mesmo.
— Eu era uma idiota e hoje me arrependo — reconheceu ela. — Ah,
Aristo, não encaro seu futuro com muito otimismo.
— Pensei que gostasse de Helen.
— O que sinto por ela não vem ao caso, e sim o que você sente.
— Eu lhe fiz várias promessas e empenhei minha palavra à sua família —
retrucou Aristo.
— Acredito que o tenha feito. Mas isso foi antes de Melina chegar.
— Vovó, a senhora é uma mulher obstinada.
— Apenas quero vê-lo feliz.
— Eu o serei. Demorei muito para tomar essa decisão. Helen será a
esposa perfeita para mim. Não preciso de alguém como Melina Chase...
— Complicando as coisas? — completou Anthea.
— Exatamente.
Anthea Drapano sorriu para si mesma. "Ele não precisa disso, mas foi
exatamente o que ocorreu", pensou.
Aristo divisou um homem acenando-lhe a distância, na escuridão. Pediu
licença à avó, afastando-se sem outra explicação.
Enquanto isso, foi por educação que Melina permitiu que Timon a
apresentasse a várias pessoas, sem porém conseguir imitar-lhe a alegria. O
riso e a tagarelice ininterruptos do rapaz começavam a irritá-la. Seu olhar
correu entre os demais convidados. Um movimento entre as árvore chamou-
lhe a atenção e ela se esforçou para ver do que se tratava. Pôde divisar dois
homens, um dos quais era Aristo. Seu interlocutor era tão alto quanto ele, po-
rém muito mais encorpado. Pela maneira como se achavam entretidos na
conversa, devia tratar-se de assunto importante.
Timon desviou-lhe a atenção ao pedir-lhe licença para deixá-la alguns
instantes.
Foi quase com alívio que o viu aproximar-se de uma jovem italiana a
quem já fora apresentada antes. Os dois começaram a conversar
animadamente, com as cabeças muito juntas. Finalmente sentindo-se livre, ela
embrenhou-se entre os convidados, sem notar que um par de olhos cor de mel
a seguia e encaminhou-se até os rochedos para contemplar o mar. Podia ver o
Calypso ancorado, a distância, as luzes refletindo na água.
Aristo seguiu-a e parou a poucos passos dela, olhando como o vento
soprava em seus cabelos sedosos, ondulando-os por sobre os ombros nus.
Afastando-se das árvores, ele aproximou-se de Melina. Ela soube quem era,
mesmo sem se voltar. As mãos quentes de Aristo fecharam-se sobre seus
braços frios, e a sensação que a percorreu subitamente talvez pudesse ser
descrita como algo semelhante a uma dor.
— Você deveria estar usando um agasalho — murmurou ele suavemente.
— Está uma noite fria.
Ela voltou a cabeça levemente e fitou-o.
— Estou bem, mesmo.
Aristo tirou o paletó e colocou-o sobre os ombros de Melina.
— Agora, sim, você está bem.
Ela se voltou por completo e olhou-o novamente, agradecida, enquanto
segurava as pontas do paletó sobre o peito.
— Não está gostando da festa? Por que está aqui tão só? — quis saber
Aristo.
— Está uma festa adorável. Apenas precisava afastar-me da música e das
conversas por alguns minutos.
Ele fitou-a em silêncio, deixando-a desconcertada com seu exame
minucioso.
— Você não deveria estar atendendo os outros convidados? — perguntou
ela.
— Os outros convidados estão bem. É você que parece estar descontente
por algum motivo.
— Descontente? — Melina meneou a cabeça. — Perdoe-me por dar-lhe
essa impressão. Creio estar apenas cansada.
— Alguma razão em especial?
— Muito especial. Passei o dia mergulhando e não estou mais habituada a
fazê-lo.
Os músculos de Aristo retesaram-se. Melina sentiu-o mais do que viu.
— Pensei que estivesse de férias — continuou ele.
— E estou. Mas gosto de mergulhar e não tenho tido oportunidade de
fazê-lo nos últimos tempos. Receio que minha habilidade me deixe confinada
em museus abafados.
— Estou surpreso que seu pai tenha lhe dado permissão, apesar de todos
os acidentes que têm ocorrido.
— Sou uma mergulhadora cautelosa. Ele mesmo me treinou — garantiu-
lhe Melina.
Ela deixou escapar um bocejo, antes que pudesse disfarçá-lo.
— Perdoe-me — pediu, com um sorriso. — Creio que gostaria de voltar ao
navio, certo?
— Gostaria, sim, mas primeiro devo encontrar Timon.
Aristo o vira desaparecer pelo jardim em companhia da garota italiana.
— A não ser que eu me engane, penso que você não o verá tão cedo. Eu
mesmo a levarei de volta.
— Mas, e Helen? — indagou Melina, preocupada.
— Não sentirá minha falta durante os poucos minutos em que eu me
ausentar. Venha.
Os dois seguiram em direção ao abrigo. Quando Aristo colocou as mãos na
cintura de Melina para ajudá-la a entrar no cesto, sentiu-a enrijecer-se.
— Há algo errado? — quis saber ele.
— Este meio de transporte me deixa um tanto apreensiva.
— Cuidarei para que fique segura.
E ela sentiu-se realmente segura a seu lado, e acalmou-se.
Melina estava de costas para ele, muito próxima a seu peito, e sentia-lhe
a respiração morna entre seus cabelos. Um tremor delicioso atravessou-lhe o
corpo.
Instantes depois chegaram a seu destino e encaminharam-se ao pequeno
ancoradouro.
— Espere só um minuto — pediu ela, enquanto se apoiava nele para tirar
os sapatos, como fizera antes com Timon.
Sem que ela esperasse, Aristo tomou-a nos braços e carregou-a para a
lancha, com delicadeza.
Melina tentava desesperadamente evitar os sentimentos que a invadiam,
e foi em silêncio que atravessaram a baia, em direção ao Calypso.
Aristo parou ao lado do navio.
— Espero que a tripulação não seja muito barulhenta, assim poderá
descansar.
Ela se levantou e andou em direção à escada.
— Isto não será problema hoje. Só eu estarei a bordo. Todos foram passar
o fim de semana em Atenas.
Os olhos dele se estreitaram.
— Você quer dizer que estará completamente só e que seu pai deixou o
navio desprotegido de todo?
— Estou habituada a ficar só e, além disso, sei cuidar de mim.
— Seu pai é de fato um homem confiante demais.
— Os objetos de valor foram guardados em lugar seguro.
— Ainda assim, deveria haver mais alguém com você. Mandarei um de
meus homens para cá.
Melina olhou-o curiosa, a princípio, e, então, um sorriso encantador
formou-se em seus lábios.
— Está se preocupando demais com alguém que mal conhece, Aristo.
— Esse é um direito meu — retrucou ele, percorrendo-lhe a face
ensombreada com os olhos, enquanto o pequeno barco balançava suavemente.
— É muito gentil de sua parte, mas não é necessário, mesmo. Gosto de
ficar só, e nada de mal acontecerá.
Aristo decidiu não mais discutir e esperou até que ela estivesse segura no
convés.
— Oh, espere! — chamou ela. — Esqueci de devolver-lhe o paletó.
Ele tomou-o de suas mãos, o olhar preso no dela.
— Boa noite, Melina.
— Boa noite, e obrigada.
Após vê-lo ligar o motor e afastar-se do navio, dirigiu-se para a cabine.
Mesmo estando exausta, não conseguiu conciliar o sono. Aristo Drapano
invadia-lhe os pensamentos.
Ao voltar para a mansão, Helen foi a primeira pessoa que encontrou,
perto da casa.
— Querido, aí está você — disse, recebendo-o com um sorriso. — Devo
voltar para Atenas, pois começo um novo trabalho de moda amanhã cedo. Já
havia lhe contado, não?
— Contou, sim. Mas terei de pedir que um piloto a leve. Não poderei ir.
— Tem certeza de que é isso que quer? — Ela aproximou-se, insinuante.
— Poderíamos passar a noite em Atenas.
Aristo fitou-lhe os olhos negros.
— Não hoje, Helen.
Helen abraçou-o e aproximou-se ainda mais dele.
— Ora, vamos... — insistiu, sussurrando.
Eram estranhos os detalhes que, de repente, ele notava. Não se lembrava
de já tê-la visto sem maquiagem, que ela usava em demasia. O cabelo era
perfeito, nem um fio fora do lugar. E o perfume... era, na verdade, um tanto
forte.
A noiva beijou-o, porém Aristo retribuiu sem ardor, fato que ela percebeu
de imediato.
— O que há de errado, meu bem?
— Nada importante, Helen. É apenas uma série de pequenas coisas a
serem resolvidas e que me deixam um tanto preocupado.
Um homem aproximou-se deles na escuridão.
— Nicholas — a voz de Aristo soava quase aliviada —, gostaria que
levasse Helen de volta a Atenas.
Helen fitou-o por um longo momento.
— Você me telefona? — indagou ela.
— Ligarei, prometo — tranqüilizou-a Aristo, beijando-lhe o rosto.
— Tente não sentir muito a minha falta — brincou ela, afastando-se.
Aristo ficou observando-a mais alguns instantes, surpreendido por sua
total indiferença. Não estava apaixonado por ela, mas nunca deixara de achá-
la atraente e sedutora, antes desta noite.
Com um movimento de cabeça, entrou na mansão e trocou o smoking por
uma calça confortável e um suéter tricotado a mão. Quando saía com passos
rápidos por um dos lados da casa para evitar os convidados, a voz de Timon
surgiu, de repente, do nada.
— Pelo que entendi, você levou Melina de volta ao navio, enquanto me
achava entretido com outros assuntos. Creio que devo agradecer-lhe.
Aristo parou e voltou-se. Timon, de pé em uma clareira, fumava,
encostado a uma árvore.
— Não é necessário — retrucou Aristo.
— Não. Acredito que não seja. — O som de sua voz estava abafado,
devido à bebida. — E não acho que tenha sido um sacrifício, afinal.
O irmão permaneceu em silêncio.
— Melina é uma moça fascinante.
Aristo continuou sem nada dizer.
Timon observou o irmão, com uma atitude tranqüila que encobria a tensão
escondida sob a superfície.
— A festa ainda não terminou. Para onde vai com tanta pressa, a esta
hora?
— Vou pescar, Timon. Vê algum problema nisso?
— É uma hora um tanto estranha para a pesca, não concorda? — indagou
ao irmão mais velho.
— É surpreendente o que se consegue apanhar altas horas da noite —
replicou ele, afastando-se. O tom de sua voz era calmo e ameaçador.
Timon jogou o cigarro no chão, esmagou-o com o pé e retornou à festa.
Aristo ancorou a lancha a uma distância de cem metros do Calypso.
Recostando-se na cadeira confortável, esticou as longas pernas e preparou-se
para o que esperava ser uma noite tranqüila.
Depois de horas virando-se sobre a cama, Melina desistiu de tentar
dormir. Afastando os lençóis, deixou o quarto e subiu ao convés. Com um
suspiro cansado, apoiou os braços à balaustrada e ficou contemplando as luzes
cintilantes da ilha.
Um barco flutuava mansamente na baía. Olhando com mais atenção,
reconheceu a lancha de Aristo. Por que motivo ele estaria ali? Que perigos ele
acreditaria estarem ameaçando-a?

CAPÍTULO III

Aristo permaneceu em sua vigília até o sol ter-se levantado por completo
e só então regressou para casa. Ao aproximar-se da mansão, a pé, viu Timon
sentado na varanda, ainda acordado, com uma bebida gelada nas mãos.
— Foi bem-sucedido em sua pescaria? — indagou o rapaz.
— Ainda não. Mas não há nada como um dia após o outro — declarou
Aristo, parando à sua frente.
— O que, exatamente, espera apanhar lá fora?
Aristo olhou para ele com uma expressão dura no rosto. Sem responder,
virou-se e entrou na casa.
Os dedos de Timon apertaram perigosamente o copo que segurava.
Melina adormecera em uma cadeira no convés. O sol já lhe aquecia a pele
quando despertou. Estendeu os braços e espreguiçou-se voluptuosamente.
Então, lembrando-se de súbito do motivo pelo qual estava no convés, ergueu-
se de um salto e dirigiu-se à balaustrada. A lancha de Aristo já havia partido.
Mas não havia sido um sonho? O barco dele estivera ali, na noite anterior. Por
quê? Para protegê-la? Contra o quê? Contra quem?
Com um leve dar de ombros, Melina desceu à cabine, vestiu um jeans e
uma blusa branca de mangas curtas, foi à cozinha servir-se de um copo de
suco de laranja e voltou ao convés para desfrutar o prazer de sentir o sol
aquecer-lhe o corpo.
Ficou um longo tempo observando os outros barcos e as pessoas que
aproveitavam o fim de semana brincando na água.
No alto do rochedo, brilhando ao sol da manhã, achava-se a mansão
Drapano. Por mais que tentasse, não conseguia desviar seu olhar e o
pensamento daquela casa.
Para escapar por alguns momentos àquela atração, encaminhou-se à
biblioteca do pai e sentou-se à sua escrivaninha para examinar alguns esboços
feitos por ele sobre o que haveria no fundo do mar, sob o barco. Utilizando-se
de um moderno sonar que devolvia imagens através de ecos, ele havia
localizado áreas onde poderiam existir vestígios da parte submersa de Kortina.
Este projeto havia se tornado a paixão de seu pai durante anos. Mesmo
quando criança, ela vira seus olhos se iluminarem à mera alusão a este local. A
porção perdida de Kortina era a sua Atlântida.
Melina tinha pouco tempo disponível antes de retornar ao seu trabalho no
museu em Chipre e queria muito ajudar o pai. Descendo ao depósito onde era
guardado o equipamento, ela verificou que seus cilindros de ar haviam sido
recarregados. Vestiu seu traje de mergulho, ajustou os demais apetrechos e,
da plataforma, saltou no mar.
Amadores raramente mergulhavam sozinhos, já os profissionais não se
davam ao luxo de tal restrição. Mesmo se houvesse um companheiro,
trabalhavam separadamente. Melina já trabalhara só por muitas vezes e não
se sentia apreensiva no momento, quando usava as nadadeiras para
impulsionar-se em direção à sua área. O aparelho de sucção encontrava-se no
local onde o deixara no dia anterior. Ergueu-o sem esforço, começando então
seu trabalho de remover outra camada de areia.
Achava-se tão absorta em seu trabalho que não notou que um barco se
aproximou, acima de sua cabeça, e ancorou próximo ao Calypso.
Cerca de trinta minutos já haviam se passado quando Melina começou a
sentir dificuldades em respirar. Consultando o relógio, verificou que ainda
deveria dispor de meia hora de ar. Aplicou uma sacudidela no regulador de
pressão e inspirou novamente. A dificuldade era ainda maior. Examinou então
o manômetro, que indicou que o cilindro continha ainda metade de sua capaci-
dade; quando tentou respirar mais uma vez, deu-se conta, aterrorizada, de
que este achava-se vazio e de que teria de nadar mais de trinta metros para
cima antes de chegar à tona. Controlando o pânico que dela se apoderava,
Melina desprendeu seu cinto de lastro com um gesto automático, deixando-o
cair ao fundo enquanto movia os pés ritmadamente. Subir muito rápido
poderia provocar-lhe uma embolia e, vagarosamente, por outro lado, causar-
lhe a morte por asfixia. Não havia ar no cilindro e ela não tinha escolha. Pôs-se
a mover os pés com rapidez, num esforço desesperado para alcançar a
superfície antes de perder os sentidos, arrancando a máscara durante o
percurso.
Quando chegou à tona, afinal, seu peito parecia prestes a explodir. Ouviu
chamarem-lhe o nome e então sentiu braços fortes puxando-a para cima da
plataforma de mergulho. Deitada de lado, tossia e respirava com dificuldade. O
cabelo molhado foi afastado de seu rosto com um gesto delicado.
Quando recuperou um pouco de suas forças, ainda ofegante, virou-se e
deparou com Aristo a observá-la. A água pingava-lhe das roupas encharcadas
e sua respiração era tão entrecortada quanto a dela.
— Mas o que houve, afinal? — indagou ele, arquejante, enquanto a
auxiliava a sentar-se e desembaraçar-se de seu cilindro.
— Não sei lhe dizer. Fiquei sem ar muito antes do previsto.
— Você não examinou o manômetro?
— Mas claro que sim. Além disso, mergulho desde criança. — E, após uma
pausa, disse, zangada: — Verifique você mesmo!
Aristo obedeceu e examinou o cilindro detidamente, sua fisionomia
tornando-se cada vez mais anuviada.
— Está quebrado. Quando foi que o usou pela última vez?
— Ontem, durante o dia inteiro — esclareceu ela. Melina livrou-se dos
demais apetrechos de mergulho, mas, exausta, tornou a deitar-se sobre a
plataforma, com a mão sobre o peito dolorido.
— Por um momento julguei que não conseguiria.
Aristo reclinou-se sobre ela e fitou-lhe o rosto.
— Tem certeza de que está bem? — indagou, preocupado. — Devo levá-la
a um médico?
— Eu estou bem. Ou, pelo menos, estarei, dentro de mais alguns minutos.
Graças a Deus você estava aqui.
Os maxilares de Aristo cerraram-se.
— Quem tem acesso ao equipamento? — quis saber ele.
— Quem? — repetiu ela, confusa. — Ora, todos os membros da tripulação.
— Alguém mais?
Melina negou com um gesto de cabeça.
— Não. Nós recarregamos os cilindros a bordo.
Ele tomou o equipamento, colocou-o no navio e então ajudou Melina a
levantar-se e subir as escadas.
— Vá e troque de roupa. Vou levá-la comigo.
— Levar-me para onde?
— Para minha casa — esclareceu ele.
— Prefiro ficar aqui.
— E eu prefiro vê-la em lugar seguro.
Quando ela chegou ao convés, esperou que Aristo a alcançasse e
garantiu-lhe, calmamente:
— Foi apenas um acidente. A probabilidade de algo semelhante voltar a
ocorrer é mínima. Além do mais, não voltarei a mergulhar, hoje.
— Neste ponto você acertou: não voltará, mesmo. Vai para casa comigo.
Melina não estava acostumada a que lhe falassem naquele tom dominador
e não gostou.
— Não me diga o que devo fazer — zangou-se ela.
— Você é uma moça muito teimosa.
— Teimosa? Só porque não gosto que alguém que mal conheço me dê
ordens como se fosse sua propriedade?
— Se foi essa a impressão que lhe dei, então me perdoe — pediu,
conciliador.
Tais palavras surpreenderam-na. Aristo Drapano não parecia ser o tipo de
pessoa que se desculpava com facilidade ou freqüência.
— Está perdoado — tornou ela, agora sorridente.
— O principal motivo pelo qual estou aqui é transmitir-lhe um convite de
minha avó. Ela gostou muito de conhecê-la e gostaria que lhe fizesse
companhia durante a tarde. Talvez você queira ficar também para o jantar.
— É um convite muito simpático.
— E então, qual é a resposta? — perguntou, após alguns instantes.
— Eu aceito, com prazer. Levarei apenas alguns minutos para me
aprontar.
— Eu esperarei.
Assim que ela desapareceu no convés inferior, Aristo apanhou o
manômetro e examinou-o mais atentamente. Não havia evidência de ter sido
danificado intencionalmente, porém, mesmo estando desligado do cilindro,
indicava estar com metade de sua capacidade.
Melina retornou, vestida com short cor-de-rosa e blusa também rosa. Seu
cabelo estava úmido.
— Eu lhe ofereceria uma das roupas de papai, mas não serviriam em você
— lembrou ela, ao notar que ele continuava encharcado por causa de seu
mergulho imprevisto.
— Não se incomode. Dentro em breve estaremos em minha casa.
Ele ajudou-a a entrar na lancha e voltou para apanhar o cilindro de ar e o
manômetro.
— Por que foi buscá-los? — interrogou-o, curiosa.
Aristo colocou-os no fundo do barco, indo então para a frente, e ligou o
motor.
— Preciso ir a Atenas hoje. Vou levá-los a uma oficina para que sejam
consertados.
Ela olhou-o, surpresa.
— Tenho certeza de que você pode dispor melhor de seu tempo. Por
favor, não deve ter esse trabalho.
Seus olhares se encontraram.
— Não é nenhum trabalho, creia-me.
Sem esperar resposta, ele conduziu a lancha pelo mar. Mais uma vez
foram até o ancoradouro Drapano, e novamente Melina teve de enfrentar o
famigerado cesto.
Pouco depois, chegando ao topo, juntos caminharam pelos agradáveis
jardins. Aristo fitou-a e viu que estava sorrindo.
— O que houve? — indagou, curioso.
— Oh, estava apenas me lembrando de como, anos atrás, quando meu pai
ancorou o Calypso perto de onde está agora, eu costumava olhar para esta
mansão e imaginar como seria. Parecia emanar tanta tranqüilidade!
— E agora, que a viu de perto?
— Creio que tem a possibilidade de transformar-se naquilo que sonhei,
porém sinto como se houvesse algo perturbando-lhe a paz, no momento. A
atmosfera está calma na superfície, mas uma tempestade se desencadeia em
seu interior.
— Ora, ora. E de onde tirou essas idéias?
Melina hesitou apenas um momento.
— Ouça, quero dizer-lhe que estou a par de seus problemas.
— Meus problemas? Do que está falando? — interessou-se ele, intrigado.
— Em relação ao ouro roubado.
— Ah, isso. As notícias se espalham rapidamente.
— Papai achou que eu deveria ser informada sobre o fato.
Aristo parou de caminhar e voltou-se para fitá-la.
— E ainda assim compareceu à festa de ontem e está aqui comigo agora.
Por quê?
— Eu confio em você.
— Palavras corajosas, considerando que mal me conhece. Eu poderia ser o
maior escroque da ilha, sabia?
Melina sacudiu a cabeça.
— Você nunca cometeria aquele crime — tornou Melina, com suavidade.
Aristo tomou-lhe o rosto entre as mãos.
— Não seja tão ingênua e confiante. Essa atitude poderá causar-lhe
problemas.
Seus olhares se encontraram.
— Não sou nem ingênua nem confiante demais, Aristo, mas sinto-me
como se o conhecesse profundamente. Sei que essas palavras soam ridículas.
Mal posso crer que as tenha pronunciado. Mas é o que vai dentro de mim.
Ele moveu a mão sobre sua face, os dedos acariciando-lhe a pele macia,
enquanto a contemplava.
— Oh, Melina, o que vou fazer a seu respeito? — perguntou ternamente,
invadido por intensa emoção.
Ela devolveu-lhe o olhar, sem nada dizer.
O rosto de Aristo curvou-se lentamente sobre o dela. Quando seus lábios
se tocaram, Melina sentiu todo o corpo vibrar. Seus movimentos eram
dolorosamente suaves ao explorar-lhe a boca, sem nunca puxá-la para mais
perto dele. Seus corpos não se tocaram. Seus lábios separaram-se e eles se
entreolharam, antes de beijar-se novamente, procurando, saboreando. Ele lhe
acariciava os cabelos, os dedos embaraçando-se nos fios espessos, à medida
que o beijo se tornava mais e mais ardente.
— Não — gemeu Aristo, de repente, afastando-se dela. — Não posso fazer
isso.
Só então Melina lembrou-se de Helen.
— Perdoe-me — murmurou, abalada.
A expressão em sua face dilacerou o coração de Aristo. Envolveu-a nos
braços e prendeu-a por um momento em um abraço consolador.
— Sou eu quem devo pedir perdão — ele sussurrou suavemente, de
encontro aos cabelos perfumados. — Sou inteiramente culpado. Não
acontecerá de novo, prometo.
Ela afastou-se dele, com relutância.
— Vamos andando — pediu ele, tentando não olhá-la.
Timon estava deixando a mansão no exato momento em que chegaram.
Fitou Melina, surpreso, e então seu olhar deslocou-se para o cilindro que o
irmão carregava. Voltou-se novamente para ela.
— O que está fazendo aqui? — indagou-lhe o rapaz.
— Sua avó me convidou.
— Que estranho. Acabo de falar-lhe e ela nada comentou sobre sua vinda.
— Talvez — retrucou Aristo — ela não tenha sentido necessidade de dar-
lhe explicações.
O olhar de Melina percorreu os dois irmãos. Eram tão parecidos e, ainda
assim, tão diferentes. Havia um clima muito tenso entre ambos, muito mais
perceptível agora do que durante a primeira vez que os vira juntos na taverna.
— E nossa avó também está interessada em ver o equipamento de
mergulho de Melina? — perguntou, indicando o aparelho com um gesto de
cabeça.
— Está quebrado. Vou levá-lo a Atenas para ser consertado.
Timon lançou-lhe um olhar cético.
— Ah, entendo. Bem, espero que passem uma tarde agradável.
— Para onde está indo? — quis saber Aristo.
— Desde quando lhe devo satisfações? — foi a resposta indelicada do
irmão mais moço.
Os músculos do rosto de Aristo contraíram-se.
— Até logo mais, Melina — despediu-se Timon, dirigindo-se a um carro
estacionado perto de onde se encontravam.
— Por que há este clima entre vocês dois? — quis saber ela, ao
atravessarem a varanda.
Um aceno de cabeça foi a única resposta que recebeu.
Sem mais perguntas, Melina seguiu-o para dentro da mansão.
Encontraram a sra. Anthea na sala de refeições, saboreando uma fruta. Ela
sorriu, agradavelmente surpresa ao ver Melina.
— Olá, querida. Sente-se aqui, por favor — convidou ela.
Melina retribuiu-lhe o sorriso e obedeceu.
— Não gostaria de comer alguma coisa, uma fruta talvez, ou tomar uma
xícara de café?
— Oh, não, obrigada. Acordei um pouco tarde, e quando isso acontece,
não consigo comer nada durante horas.
A velha senhora voltou, então, a atenção às roupas ainda molhadas do
neto.
— O que houve com você?
— Apenas um pequeno mergulho no mar — foi a explicação de Aristo. —
Vovó, terei de ir a Atenas. Estarei de volta no final da tarde.
Ela fitou-o com curiosidade, mas nada disse quando ele deixou o
aposento. Um sorriso um tanto embaraçado surgiu nos lábios de Melina.
— A senhora não me esperava, não é verdade?
— Para ser sincera, não, porém estou igualmente satisfeita por vê-la.
Melina virou-se para observar a porta pela qual Aristo havia desaparecido.
— O que ele terá em mente? — indagou Melina, quase para si mesma.
— Fala de Aristo? Por quê?
— Por que me disse que a senhora queria passar a tarde comigo, se não
era verdade?
— Parei de tentar encontrar motivos para as atitudes dos homens há
muitos anos — foi a resposta resignada de Anthea, que apanhou uma xícara de
café para si e ergueu-se.
— Venha, vamos sentar-nos na varanda. Parece que teremos uma tarde
muito agradável — convidou ela.
A paisagem vista daquele ponto era totalmente diferente da do outro lado
da mansão, com montanhas assomando a distância.
— Este é um lugar encantador, não acha? — perguntou Anthea fitando
Melina, que concordou. — Confesso que sinto falta desta ilha quando não estou
aqui.
— Não mora aqui, então? — indagou Melina.
— Passo apenas alguns meses por ano nesta casa. Durante o tempo
restante, moro em Atenas.
— A senhora prefere a cidade?
— Não é uma questão de preferência. Nasci em Atenas. A maioria de
meus amigos vive lá, pelo menos os que ainda restaram. Ficar velha pode se
tornar uma atividade bastante solitária.
— Mas a senhora tem sua família.
Ela sorriu.
— Sim, tenho meus netos, que me trazem grandes alegrias. Mas não é
disso que falo. Sinto falta dos amigos que já não estão aqui. Fomos jovens
juntos e partilhamos muitas experiências. Você compreende?
— Sim, creio que sim — respondeu ela.
— Eu sabia que entenderia — tornou Anthea, tocando-lhe a mão.
Naquele momento, um helicóptero sobrevoou a casa e imediatamente
desapareceu atrás das montanhas.
— Ali vai Aristo — comentou Anthea.
— Ele viaja a Atenas com freqüência? — indagou Melina.
— Algumas vezes por semana. É onde se encontram seus escritórios. Ele
mantém um apartamento lá, também, e, é claro, é onde vive Helen. — Ela
olhou Melina de soslaio ao pronunciar esta última frase.
— Ai estão vocês duas — falou Timon, ao entrar na varanda.
Anthea voltou-se e sorriu-lhe.
— Olá, querido, apanhou seu barco?
— Apanhei, sim. Está ancorado e pronto para a ação. — E dirigindo-se a
Melina: — O que acha da idéia?
— Que idéia? — quis saber ela.
— Você pratica esqui aquático?
— Já o fiz, há muitos anos.
— Então você ainda o pratica. Sabe, é como andar de bicicleta, você
jamais esquece.
E, debruçando-se sobre a avó e dando-lhe um beijo na testa, perguntou:
— Você se importa se eu lhe roubar Melina por algumas horas?
— Claro que me importo. Estamos batendo um papo muito agradável —
brincou a velha senhora.
— Então por que não nos acompanha? — convidou Timon.
— Ir com vocês? Num barco? Da maneira como você pilota? Jamais!
Melina fitou-o com suspeita.
— Se sua própria avó se recusa a entrar em seu barco, o que o faz pensar
que eu o farei?
— Otimismo — respondeu Timon, soltando uma gargalhada.
— Pode ir, querida. Ele insistirá até você ceder.
— Mas eu não trouxe nenhum maiô.
— Temos alguns aqui, para hóspedes. Mas, se você não gostar da idéia,
posso levá-la até o Calypso. E prometo pilotar com cuidado.
Melina olhou para Anthea e riu.
— A senhora tem razão. Ele é bastante insistente. — E, dirigindo-se a
Timon: — Eu gostaria de apanhar meus próprios esquis.
Os olhos dele arregalaram-se com uma falsa surpresa.
— Seus próprios esquis? Parece que temos uma campeã por aqui. Venha.
Vou levá-la até o navio.
Os dois deram a volta na casa e caminharam pelo jardim até o abrigo.
Desta vez, porém, Melina não se queixou.
— Parece que estou sendo forçada a me acostumar a esta geringonça —
comentou ela.
— Eu não lhe disse? É o meio de transporte mais seguro que existe —
insistiu o rapaz.
No ancoradouro, ao lado da lancha de Aristo, encontrava-se uma brilhante
lancha vermelha.
— Esta é a sua lancha? Parece nova.
— Eu já a possuo há cerca de um ano. Ficou em uma oficina por uma
semana, para pequenos reparos.
Timon sentou-se em frente ao painel de controle e ligou os possantes
motores com grande ruído quando Melina se instalou a seu lado.
— Segure firme! — gritou, ao afastar o barco do ancoradouro.
Momentos depois, disparavam pela baía a mais de cento e vinte
quilômetros por hora.
Melina gostava de velocidade, mas assim já era demais. Suas mãos
agarravam-se ao assento com tanta força que o nó de seus dedos ficaram
brancos.
Timon riu ao ver sua expressão, já parados perto do Calypso.
— Eu a deixei nervosa?
— Não seja bobo. Adorei cada minuto — foi sua resposta irônica, ao
erguer-se e sair da lancha.
— Você se importa se eu a deixar aqui e voltar dentro de poucos minutos?
— quis saber Timon.
— De modo algum. Será o tempo necessário para me trocar e encontrar
os esquis. E espero que ande mais devagar na próxima vez que eu entrar em
seu barco.
— Pode ficar tranqüila. Navegarei lenta e suavemente — prometeu ele.
Ela pareceu cética.
— Confie em mim — garantiu o rapaz.
Melina apenas sorriu. Ele era um bom rapaz, mas não lhe inspirava muita
confiança. No momento seguinte, porém, lembrou-se de que se tratava do
irmão de Aristo e transferiu alguma da confiança que sentia por ele para o
irmão mais jovem.
— Está bem, então. Estarei pronta quando voltar.
— Ótimo. Está um dia perfeito para entrar na água.
Melina contemplou o límpido céu azul e a água serena. Timon estava
certo. Era um dia perfeito.
Subiu a bordo e esperou que ele se afastasse em direção à ilha. Era um
garoto no corpo de um homem. Muitas mulheres sentiam-se atraídas por tal
personalidade, o que não ocorria com ela.
Indo até a cabine, vestiu o traje de banho e desceu ao depósito,
procurando à sua volta até encontrar os esquis que seu pai lhe fizera quando
ela tinha dezesseis anos. Jogando-os por sobre os ombros e carregando uma
sacola contendo uma toalha e uma muda de roupa, retornou ao convés e
verificou que Timon ainda não havia regressado. Apoiou então os esquis à
balaustrada e colocou a sacola no chão. Quando estava prestes a sentar-se,
ouviu um ruído no navio, não muito alto. Voltou-se na direção do som e
escutou atentamente. Instantes depois, o ruído se repetiu.
Movendo-se tão silenciosamente quanto possível, atravessou o convés e
caminhou rumo à sala do pai.
Melina detinha-se de quando em quando, imóvel, suspendendo até a
respiração. Apesar do calor do dia, sentia a pele arrepiar-se.
Quando chegou ao escritório do sr. Chase, moveu-se rente à parede. O
coração saltava-lhe no peito ao se inclinar para espiar pela janela.
Vinda não se sabe de onde, surgiu aquela mão enorme, que lhe caiu
pesadamente sobre o ombro. Um grito partiu de sua garganta.

CAPÍTULO IV

— Quem é você? O que faz aqui? — perguntou-lhe o desconhecido, em


grego, virando-a rudemente.
Melina viu-se frente a frente com um indivíduo dono de uma expressão
muito desagradável. Reconheceu o homem que vira conversando com Aristo
entre as árvores na noite anterior. Com surpresa, percebeu estar mais
zangada do que amedrontada ao retirar-lhe a mão com rispidez.
— O que eu faço aqui? — explodiu, também em grego. — Creio que eu
deveria fazer-lhe esta pergunta.
— Eu sou Lambus, o novo ajudante do cozinheiro.
— O novo ajudante... — repetiu ela, com um misto de surpresa e alívio na
voz. — Ouvi um ruído e vim ver o que estava acontecendo. Não esperava
encontrar mais ninguém no navio. Eu sou Melina Chase, filha do dr. Chase.
Lambus apertou-lhe a mão num gesto firme e rápido. Não havia nenhum
sorriso em seu rosto.
— Há mais alguém a bordo? — interrogou-o Melina.
— Somente Luigi. Ele está em sua cabine agora.
— Ah, compreendo. Acho que vou trocar umas rápidas palavras com ele
antes de sair.
Dizendo isso, afastou-se em direção à cabine do cozinheiro. Bateu à porta,
que foi aberta quase de imediato.
— Melina! Eu me perguntava onde você estaria — exclamou o italiano.
— Estive em Kortina, até há pouco. Luigi, gostaria de saber algo sobre o
seu novo ajudante.
— Ah, sim, Lambus.
Ela assentiu.
— Acabo de encontrá-lo no convés superior. Ele foi recomendado por
Aristo Drapano?
— Não — respondeu Luigi, um tanto confuso.
— Como o encontrou, então? — indagou ela.
— É curioso, mas parece que foi ele a me encontrar. E eu lhe digo uma
coisa. Ele conhece seu ofício.
— Você verificou suas referências?
— Apenas uma em Kortina, fornecida pelo proprietário de uma pequena
taverna no vilarejo.
— Eu entendo. — Ela se perguntava por que Lambus, conhecendo alguém
tão influente quanto Aristo Drapano, não o usara como referência.
— Há algo errado, Melina? — indagou Luigi.
— Não, Luigi. Acontece que o encontrei há pouco no convés e quis me
certificar de que ele pertencia à tripulação — foi a explicação que ela lhe deu.
— Você vai ficar no navio, hoje? — quis saber o cozinheiro.
— Não, vou esquiar com o irmão do sr, Drapano. E você, ficará de olho
em tudo por aqui, certo?
— Você se preocupa demais — disse-lhe Luigi afetuosamente. — Vá e se
divirta.
Quando retornou ao convés superior, Timon havia voltado e já colocara
seus esquis na lancha.
— Pronta? — perguntou.
— Mais pronta do que nunca!
Dirigiram-se para outra parte da baía, onde o mar era mais calmo,
cruzado apenas por umas poucas lanchas.
— Vá você primeiro — gritou Timon, devido ao ronco dos motores.
Melina saltou na água assim que a lancha parou. Timon entregou-lhe os
esquis e atirou-lhe o cabo de reboque. Assim que Melina se encontrou
preparada, o rapaz pôs o barco em movimento, aumentando a velocidade aos
poucos até ela ficar em pé e deslizar com elegância sobre a água. Ela ficou
surpresa com a facilidade com que recuperou a habilidade para esquiar, após
anos sem fazê-lo.
A primeira corrida foi longa e seus joelhos cansaram-se do esforço. Melina
fez sinal para que Timon parasse e ele diminuiu a velocidade, dando uma volta
para apanhá-la e preparou-se para sua vez.
Ele era um ótimo esquiador e proporcionou-lhe uma verdadeira exibição,
executando uma série de acrobacias. Levou alguns tombos, também, mas
sempre voltava à tona bem-humorado.
Esquiaram até o final da tarde. Quando Timon içou-a para o barco pela
última vez, ela se deixou cair na cadeira, atirando a cabeça para trás.
— Estou exausta!
— E eu estou faminto — acrescentou ele. — Vamos jantar em minha casa.
Melina voltou-se para ele e fitou-o.
— Obrigada, mas creio que não vou. Já me impus demais para a sua avó
por um dia.
— Não é imposição. Ela adora sua companhia. Além do quê, não lhe dou
escolha.
Dizendo isso, sem esperar resposta, dirigiu-se ao ancoradouro Drapano.
Ao entrarem na mansão, momentos mais tarde, Timon subiu correndo as
escadas, acenando para Melina segui-lo para dentro de um confortável quarto
de hóspedes.
— Você pode tomar um banho e trocar-se aqui. Encontro você no andar
inferior dentro de meia hora.
O banheiro era provido de tudo que uma pessoa poderia desejar, e Melina
tomou uma ducha demorada, secou seu longo cabelo e vestiu a calça branca e
a malha de verão que havia posto na sacola. Se soubesse que iria jantar na
mansão, teria escolhido um traje mais apropriado. Mas, pensou, olhando-se no
espelho, não havia nada a fazer a esse respeito, agora.
Não encontrou ninguém na sala quando desceu. Foi até a varanda e, de
lá, decidiu ir até o jardim.
— Melina!
Ela se virou, surpresa, e viu Anthea Drapano colhendo flores e colocando-
as em um cesto próximo a ela.
— Seja gentil, querida, e ajude-me com isso, sim?
Melina caminhou até ela e apanhou o cesto.
— São flores maravilhosas — elogiou ela.
— Eu amo as flores — declarou Anthea. — Como foi seu dia com Timon?
— Muito divertido.
— Timon é mesmo um rapaz muito alegre. — A afeição transparecia em
sua voz. — Já Aristo, por outro lado, leva a vida muito a sério.
— Eu imagino — disse Melina.
— Não que haja algo de errado nisto. Eu apenas gostaria que ele
encontrasse mais tempo para se divertir.
Melina sorriu.
— Foi o que papai me disse ontem e expliquei-lhe que gostava de
trabalhar e que considerava isso relaxante.
— Talvez o mesmo aconteça com Aristo — refletiu a velha senhora com
um leve movimento de ombros.
Melina assentiu, pensativa.
— Vamos voltar para casa. Você fica para o jantar, espero — pediu a sra.
Drapano, colhendo mais uma flor.
— Timon convidou-me.
— Ótimo. Se ele não a tivesse convidado, eu o faria.
O rapaz ainda não havia descido quando entraram. Anthea apontou para
uma pequena mesa redonda no centro do vestíbulo, onde se achava um vaso.
— Você faria o favor de arrumar as flores para mim, enquanto vou me
lavar?
— Eu adoraria fazê-lo — apressou-se em responder Melina.
— Já deve haver água fresca no vaso — acrescentou Anthea.
Melina certificou-se de que a água era realmente fria e com o auxílio de
uma tesoura, cantarolando enquanto trabalhava, aparou algumas hastes mais
longas e arrumou as flores no jarro com bom gosto.
Não percebeu que era observada até dar um passo para trás para ver o
seu trabalho.
— Está maravilhoso — escutou às suas costas.
Voltando-se, viu Aristo em pé, os braços cruzados sobre o peito forte,
apoiado levemente contra o batente da porta. Sentiu o coração batendo mais
forte em seu peito.
— Obrigada — foi tudo o que conseguiu dizer.
Afastando-se do batente, ele apanhou atrás de si um cilindro de ar novo
em folha.
— Trouxe isto para você — anunciou ele.
— Mas este não é o meu.
— Comprei-lhe um novo. Pareceu-me mais seguro do que mandar
consertar o outro.
— O que havia de errado com ele? — interessou-se Melina.
— O bocal estava amassado e torcido, e o manômetro, danificado.
— Isso é estranho, já que estava perfeito até ontem — refletiu ela.
— Você tem certeza de que ninguém além da tripulação teve acesso ao
equipamento?
— Sim, tenho, já lhe disse hoje de manhã.
— E quando você esteve fora do navio?
— Tudo se encontrava trancado ao depósito. Ninguém poderia ter entrado
lá. Além disso, quem teria a intenção de quebrar propositalmente um cilindro
de ar?
— Eu não sei se alguém quereria. Assim como você, contudo, acho curioso
que o mesmo equipamento que funcionou bem ontem tenha estado perto de
matá-la, hoje.
— Perto de matá-la? — repetiu Timon ao cruzar o vestíbulo e
aproximando-se de Melina. — Do que está falando?
Aristo fitou o irmão e contou-lhe o ocorrido.
Um silencioso combate parecia estar sendo travado entre os dois. Aristo
estava totalmente calmo enquanto Timon se agitava cada vez mais.
— Foi este o motivo para levar o equipamento de mergulho a Atenas?
— Pedi a Spiro que o examinasse.
— E a que conclusão ele chegou?
— Ele não pôde assegurar que o dano tenha sido intencional, mas
também não pôde eliminar tal possibilidade — esclareceu Aristo, sem afastar
os olhos do irmão. — Tem idéia do que pode estar acontecendo, Timon?
— Mas, eu... Como iria saber? — Voltou-se para Melina: — Você não disse
nada quando fomos esquiar. Você tem certeza de que está bem?
— Estou bem, mesmo. Tive sorte por Aristo ter chegado, pois creio que
não teria conseguido voltar ao Calypso sem seu auxílio.
Timon passou os dedos pelos cabelos, obviamente aborrecido.
— Me dêem licença, por favor — pediu ele.
Sem dizer mais nada, deixou o vestíbulo com um movimento abrupto e
desceu pelo corredor. Momentos depois, ouviu-se uma porta batendo, a
distância.
Melina olhou para Aristo, desnorteada.
— Cada vez entendo menos o que acontece entre vocês dois.
— Pode ter certeza de que não é nada relacionado a você.
— Permita-me discordar. Se o que houve agora tem alguma ligação com o
acidente desta manhã, eu diria que tem muito a ver comigo.
Aristo estendeu a mão e gentilmente acariciou-lhe a face.
— Não posso discutir esse assunto no momento. Apenas acredite em mim
quando digo que não permitirei que nada lhe aconteça.
Ela colocou as mãos sobre a dele.
— Aristo, você está me amedrontando.
— Não é esta a minha intenção.
— Estou de saída — anunciou Timon, voltando ao vestíbulo. — Não sei
quanto tempo ficarei fora.
Sem esperar resposta de ninguém, afastou-se. Melina seguiu-o com o
olhar, intrigada.
— Venha, não se preocupe com Timon. Vamos até a varanda esperar o
jantar. Não gostaria de beber algo? — convidou Aristo.
— Acho que vou aceitar um chá gelado.
— Está certo. Vá sentar-se, e estarei com você em um minuto.
Melina obedeceu, mergulhando nas confortáveis almofadas de um sofá de
vime, de onde se avistava o mar Egeu. De qualquer ponto da mansão parecia
haver uma paisagem diferente e magnífica.
Aristo voltou em seguida com o chá e uma bebida mais forte para ele.
Sentou-se em uma cadeira a seu lado, contemplando-a.
— Em que está pensando? — quis saber ele.
— Em como é maravilhosa sua casa. Gosto da maneira como a varanda
está situada ao seu redor. Deste lado, vê-se o mar, do outro, as montanhas.
Ali adiante, o jardim. Uma paisagem para diferentes disposições de ânimo.
— E qual o seu, no momento?
— Eu diria que é contemplativo.
— Sobre o quê?
— Nada muito profundo. Estava apenas me lembrando de como tenho
viajado por toda minha vida. Meu único lar foi o Calypso e onde quer que ele
estivesse no momento. Por causa disso, sempre achei que ficar em um mesmo
lugar por muito tempo iria me entediar. Mas não me sinto aborrecida aqui. Eu
amei esta ilha no momento em que a vi e a considero o lugar perfeito para
viver.
— Esta casa também é perfeita, faltam apenas as crianças... — completou
Anthea Drapano ao entrar na varanda e sentar-se ao lado de Melina. — Onde
está Timon?
— Ele teve de sair — esclareceu Aristo.
— Ah, aquele menino. Você terá de falar com ele.
— Sabe que Timon não me dá ouvidos. O que você quer beber, vovó?
— Chá estaria ótimo para mim também — pediu, olhando para o copo de
Melina.
Aristo afastou-se para atender o pedido da avó e Melina seguiu-o com o
olhar. Tal fato não passou despercebido pela velha senhora.
— Então, Melina, para onde vai, terminadas as suas férias? — indagou ela.
— Voltarei ao meu trabalho no museu local de Chipre.
— Trabalha lá há muito tempo?
— Não muito. Foi só recentemente que puderam contratar um profissional
para realizar a tarefa de classificação e restauração de peças antigas.
— E você foi a escolhida — concluiu Anthea.
— Eu fui a única que se candidatou ao emprego.
— Você está sendo muito modesta.
— Estou apenas sendo sincera.
— Bem, seu trabalho deve ser fascinante. Mas estou curiosa. Por que não
está trabalhando ao lado de seu pai?
— Aceitei o emprego em Chipre antes de papai conseguir permissão para
realizar suas escavações aqui. Eu deixaria o museu em apuros se os
abandonasse agora.
— Concordo plenamente com você.
Aristo retornou com o chá, entregou-o à avó e sentou-se em frente as
duas mulheres.
— Isto significa que quando terminar seu trabalho no museu irá juntar-se
à equipe do dr. Chase?
— Não decidi ainda sobre meu futuro, mas essa é uma possibilidade.
O sol já se escondera no horizonte, deixando-os envoltos em uma
agradável penumbra. Apenas algumas luzes brilhavam sobre a varanda, vindas
do interior da mansão. Os ruídos do dia transformaram-se em suaves sons
noturnos. Um homem surgiu de dentro da casa para avisá-los de que o jantar
estava pronto.
— Jantaremos aqui fora — comunicou-lhe Aristo.
— Sim, senhor.
Dentro de poucos minutos, uma pequena mesa foi posta na varanda,
iluminada com a suave e bruxuleante luz de longas velas brancas.
Os três sentaram-se à mesa. As mãos de Aristo tocaram de leve os
ombros de Melina ao oferecer-lhe uma cadeira e aproximá-la da mesa.
Mesmo o mais leve toque de suas mãos tinha sobre ela um efeito
devastador. E Melina sabia o porquê. Talvez, se fosse honesta consigo mesma,
já o sabia desde os quinze anos. Talvez, também, este fosse o motivo de
gostar tanto de Kortina. Porque ali vivia Aristo Drapano.
Baixando o olhar, voltou sua atenção à mesa enquanto abria o
guardanapo e o colocava sobre o colo, deliberadamente evitando o rosto de
Aristo quando este sentou-se à sua frente.
O mesmo empregado que anunciara o jantar voltou com as saladas e o
vinho branco gelado.
Anthea e Melina conversavam calmamente enquanto comiam, mas Aristo
parecia alheio ao que se passava à sua volta.
Um prato foi retirado, outro foi servido. Anthea olhou o neto com a
preocupação estampada no rosto. Melina também notava-lhe a inquietação,
sem atinar com o motivo.
Após saborear a sobremesa e o café forte e doce, a velha senhora colocou
o guardanapo sobre a mesa e ergueu-se. Quando Aristo quis imitá-la, impediu-
o:
— Por favor, não se levante. Vou ler um pouco e dormir em seguida. Vejo-
o amanhã.
Voltando-se para Melina, debruçou-se e beijou-a em ambas as faces.
— Espero vê-la amanhã também. Boa noite, queridos.
Melina observou-a afastar-se.
— Gosto de sua avó.
— Ela sente o mesmo por você — acrescentou ele.
— E nós, o que faremos agora?
— Como assim?
— Bem, Timon praticamente me impingiu a você esta noite e você
certamente tem assuntos mais importantes com que se ocupar do que ficar me
fazendo companhia. Eu iria para casa, mas novamente não tenho meios
próprios para fazê-lo.
Aristo pegou o copo e recostou-se confortavelmente em sua cadeira, o
olhar nunca abandonando o dela. Na verdade, gostaria que ela ficasse. Para
sempre. Mas não podia. Teria de dominar aquele sentimento que o invadia
com intensidade cada vez maior. Terminou o vinho e colocou o copo sobre a
mesa.
— Venha. Vou levá-la ao Calypso.
Quando se ergueram, o mordomo veio até a varanda e avisou Aristo que
estava sendo chamado ao telefone. Este pediu licença a Melina e entrou na
casa.
Ela tornou a sentar-se para aguardá-lo, a cabeça apoiada nas almofadas,
os olhos fixos no luar, a mente perdida em pensamentos. Quis perguntar-lhe
sobre Lambus, mas, por algum motivo inexplicável, hesitou. Quis indagar-lhe
também por que passara a noite vigiando o Calypso, porém não sabia como
fazê-lo.
Suas pálpebras se fecharam lentamente. Após a noite maldormida e o
vinho tomado no jantar, Melina não resistiu e adormeceu.
Minutos se passaram, quando Aristo retornou à varanda.
— Desculpe ter demorado tanto...
Seus olhos pousaram em Melina, as pernas enrodilhadas sob o corpo, o
longo cabelo caído sobre um ombro. Agachado à sua frente, contemplou-a
longamente, dominado por profunda emoção.
— Melina — sussurrou.
Ela mal se moveu.
— Melina... — chamou outra vez, os dedos acariciando-lhe o rosto com
delicadeza.
Devagar, ela abriu os olhos sonolentos. Levou alguns segundos para
lembrar-se de onde estava.
— Oh — murmurou, erguendo-se. — Sem querer, adormeci. Podemos ir,
se quiser.
— Não vamos a nenhum lugar. Você passará a noite aqui.
— Eu realmente não posso. Luigi ficará preocupado.
— Quem é Luigi? — quis saber Aristo.
— Ele trabalha no navio.
— Eu mandarei avisá-lo.
Melina, ainda entorpecida pelo sono, vacilou. Aristo tomou-a nos braços e
levou-a para o interior da casa. Ele sentiu-lhe o corpo enrijecer.
— Relaxe, não vou fazer-lhe mal nenhum — sussurrou ele de encontro aos
cabelos de Melina.
— Posso andar — retrucou ela.
— Você mal consegue manter-se em pé.
Ele estava certo. Decidiu não mais discutir e recostou a cabeça em seu
ombro, suspirando ao fechar de novo os olhos. Porém, mesmo sonolenta,
sentia com intensidade a solidez e o calor daquele corpo onde quer que
tocasse o seu.
Aristo carregou-a para o andar superior até um dos quartos. Sem acender
a luz, atravessou o aposento, puxou as cobertas e gentilmente colocou-a sobre
a cama.
Melina abriu os olhos e, na tênue luz do luar que se filtrava através das
janelas abertas, pôde vê-lo descalçar-lhe os sapatos e debruçar-se para cobri-
la com um lençol macio. Ele então notou-lhe os olhos abertos e um leve sorriso
assomou-lhe à boca.
— É como nos velhos tempos, não é mesmo, Mary?
Os lábios de Melina entreabriram-se com suavidade.
— Você lembrou! — emocionou-se ela.
— Oh, sim, eu me lembrei. Mas desta vez, não fuja.
— Não posso. Você sabe onde moro.
— Se eu o soubesse há nove anos, talvez os acontecimentos tivessem
tomado outro rumo.
Ele deixou o aposento e fechou a porta atrás de si. Momentos depois, ela
ouviu a porta do quarto ao lado abrir-se e fechar-se em seguida.

CAPÍTULO V

Melina não tinha noção das horas, quando acordou. Lá fora ainda estava
escuro. O que a despertara? Um ruído? Ou fora um sonho?
Ela permaneceu deitada por alguns minutos, à escuta. Havia apenas o
silêncio. Tentou fechar os olhos e adormeceu outra vez, mas foi inútil. Saiu da
cama e foi até a janela para contemplar a noite. Foi só então que percebeu que
Aristo a colocara no mesmo quarto de anos atras. Com um sorriso repleto de
lembranças, foi até a sacada e desceu os degraus que conduziam ao jardim.
O ar da noite era revigorante. A lua ainda estava visível e não havia sinal
do amanhecer, o que a fez concluir que deveria ser duas ou três horas da
madrugada.
Com as mãos nos bolsos, caminhou até os rochedos para apreciar o mar.
O Calypso, com suas luzes de navegação acesas, flutuava pacificamente na
baia.
Algo no mar chamou-lhe a atenção. Aproximou-se mais da borda do
rochedo, os olhos apertados pela concentração. Seu coração saltou quando a
viu novamente: uma luz. Debaixo da água, próximo ao Calypso.
Apagou-se, reapareceu, movendo-se de um lado a outro. Era essa então a
luz misteriosa da qual falavam os habitantes locais!
Correndo de volta à mansão, galgou os degraus de dois em dois até a
sacada, atravessou o quarto que usava e foi até aquele no qual ouvira Aristo
entrar. Melina bateu levemente, a princípio, depois com mais intensidade, sem
obter resposta.
Entreabrindo a porta, espiou pela fresta e chamou-o duas vezes seguidas
em voz baixa. Nada. Entrou no quarto, tateando pela parede até encontrar o
interruptor e acendeu a luz. Não havia ninguém no aposento. A cama não só
se achava vazia como nem ao menos fora desfeita.
Melina ficou ali parada, ainda sem saber que atitude tomar. Talvez tivesse
imaginado que ele entrara ali. Não poderia, entretanto, procurá-lo pela
mansão, batendo de porta em porta no meio da noite. Já se retirava, quando
uma idéia a fez entrar novamente. Sentindo-se uma intrusa, dirigiu-se ao
armário e abriu a porta. Estava repleto de roupas masculinas. Tocou a manga
de um paletó. Reconheceu-o. Era de Aristo. Então, onde ele poderia estar?
Antes de apagar a luz, observou por alguns momentos o quarto de móveis
de madeira escura e as cortinas azuis. Saiu, fechou a porta atrás de si e,
atravessando novamente seu próprio quarto, retornou ao rochedo, onde
sentou-se e permaneceu, apenas vigiando.
A luz havia desaparecido. Por mais que se esforçasse, nada mais viu, em
ponto algum.
Percebeu um movimento às suas costas e voltou-se.
— O que faz acordada a essa hora? — perguntou-lhe Aristo, sentando-se a
seu lado.
— Procurando por você. Vi uma luz, vinda do mar.
Ele encarou-a, cético.
— Eu vi! Não muito longe do Calypso.
Ele concentrou a atenção na água e esperou.
— Já se foi, agora — constatou Melina, após alguns minutos. — Mas
estava lá. Fui até seu quarto chamá-lo, mas você havia saído.
Então, ela notou-lhe os cabelos molhados.
— Eu estava no mar, nadando.
— Estava lá fora e não viu nada?
— Encontrava-me do outro lado do rochedo.
— Oh! — A voz de Melina revelou seu desapontamento.
Ele olhou o mar fixamente por mais algum tempo.
— Talvez você tenha apenas imaginado ter visto essa luz, ou, ainda, tenha
visto o reflexo do luar.
— Não, tenho certeza de que estava lá, e parecia ser um holofote,
movendo-se em círculos. Haveria alguém executando algum trabalho noturno?
Mas a essa hora? E tão próximo ao Calypso! — E, voltando-se para Aristo: —
Será que alguém pretende prejudicar o trabalho de papai?
— Não acredito nessa hipótese — retrucou ele.
— Mas nenhuma outra alternativa faz sentido!
— Você sempre foi curiosa assim? — indagou Aristo, suspirando.
— Sobre acontecimentos dessa natureza? Mas claro!
— Pois acho melhor deixarmos certos assuntos de lado — aconselhou ele,
ao erguer-se e ajudá-la a fazer o mesmo.
— Como pode dizer algo semelhante? Sou da opinião que a polícia deve
ser avisada.
— Não. A polícia, não.
— Mas...
— Eu já disse, a polícia, não — interrompeu ele. — Provavelmente era
apenas um habitante local curioso.
— Ou alguém tentando relembrar aos kortinianos a existência daquela
maldição — sugeriu ela.
— Certamente esta é uma possibilidade.
Melina afastou-se um pouco dele, olhando-o nos olhos.
— Você sabe exatamente o que está acontecendo, não é? — interrogou-o
ela.
Ele não respondeu.
— Sabe também por que o trabalho de meu pai tem sido dificultado por
acidentes e sabe por que meu cilindro de ar falhou.
— O que a faz pensar assim?
— Não posso prová-lo, é claro. É apenas um pressentimento.
— E tais presságios ocorrem com freqüência?
— Ultimamente, sim — declarou ela.
— E se lhe afirmar que está enganada?
— Não poderei acreditar em você.
— É o que eu chamaria de uma resposta franca.
Melina lhe lançou um olhar suplicante.
— Não vai revelar-me o que sabe?
— Como iria revelar-lhe algo que desconheço?
— E me contaria, se soubesse?
— Se tivesse certeza dos fatos, sim.
Ele enlaçou-lhe a cintura, afastando-a do rochedo.
— Venha, vamos voltar para casa — pediu ele.
Caminharam juntos até atingir as escadas que conduziam ao quarto
ocupado por Melina. Ela subiu alguns degraus, mas voltou-se de repente e
encarou Aristo.
— Não pode nem dizer-me se tem algo a ver com a maldição?
— Meu palpite é de que não tem nada a ver...
— É um alívio, ao menos — suspirou ela.
Aristo estendeu a mão como se fosse tocá-la, porém retirou-a e deixou-a
cair ao longo do corpo.
— Tente dormir mais um pouco antes de o dia amanhecer.
Ela recomeçou a subir as escadas.
— Melina? — chamou-a Aristo.
Ela se voltou.
— Não diga nada a ninguém sobre a luz que viu esta noite.
— Terei de contar a meu pai. Especialmente sendo algo que possa afetar o
seu trabalho.
— Está bem, se for necessário, mas só a ele — pediu mais uma vez.
— Farei o que me pede.
Pela primeira vez na vida, Melina não perguntou o motivo.
Quando já se encontrava no quarto às escuras, olhou pela janela. Assim
que Aristo a julgou deitada, afastou-se rapidamente da mansão.
Melina sentiu-se tentada a segui-lo, a princípio, mas algo lhe dizia que não
o fizesse. Não naquela noite.
Com um suspiro fatigado, deitou-se sobre as cobertas com o olhar fixo no
teto.
Horas se passaram e Melina continuava acordada, à espera de algum
ruído que lhe indicasse que Aristo voltara ao quarto. Tal não ocorreu.
Ao nascer do sol, levantou-se e desceu. O mordomo já se achava de pé e
cumprimentou-a com um sorriso.
— Bom dia, senhorita.
— Pode-me conseguir papel e caneta, por favor? — perguntou,
retribuindo-lhe o sorriso.
— Claro, senhorita. Levará apenas um instante.
Melina foi sentar-se na varanda enquanto esperava, escutando os
pássaros despertando e saindo à procura de alimento.
O mordomo retornou com seu pedido e colocou a caneta e o papel, além
de um envelope, na mesa, à sua frente.
— Deseja algo mais? Um café? Algo para comer?
— Não, obrigada. Isto é tudo.
Com uma leve inclinação de cabeça, ele entrou na casa, enquanto ela
começava a escrever um bilhete a Aristo, agradecendo-lhe pelo jantar e por
deixá-la passar a noite na mansão. Colocou-o num envelope e o deixou sobre
a mesa.
Pegando o novo cilindro de ar que ele deixara apoiado à parede na noite
anterior, colocou-o sobre o ombro e retirou-se da mansão, caminhando pela
estrada sinuosa que conduzia ao vilarejo. O passeio, bastante agradável,
tomou-lhe uma hora. O sol já ia alto quando aproximou-se das primeiras casas
e as pessoas já estavam montando suas barracas para iniciar os negócios do
dia.
Seguindo diretamente para o cais, contratou dois jovens para levá-la ao
Calypso em seu pequeno barco. Dentro de poucos minutos, Melina estava a
bordo do navio.
Retornando à sua cabine, tomou uma ducha e preparou-se para outro dia
de trabalho. Os demais mergulhadores já se encontravam no convés superior
quando lá chegou.
— Voltou bem cedo, não? — brincou Craig ao vê-la.
— Não é o que você pensa.
O sorriso dele aumentou.
— E, mesmo que fosse, não seria da sua conta.
— Você sabe colocar alguém em seu devido lugar!
— Tenho algo mais importante a dizer-lhe. Quero que peça a todos que
verifiquem o equipamento antes de descer.
— Nós sempre o fazemos, sabe disso.
— Mas, a partir de agora, devem verificar minuciosamente.
— Há algo errado? — O ar divertido desapareceu de seu rosto.
— Tive problemas com o cilindro e o manômetro, ontem.
— Fique tranqüila. Falarei com todos.
— Meu pai já chegou?
— Eu ainda não o vi — informou Craig.
— Não deve ter regressado. Apenas tinha esperanças de que ele tivesse
voltado mais cedo.
— Vai mergulhar hoje?
— Hum, hum. Na mesma área que me foi designada.
— Ok, então. Vejo-a logo mais.
Quando ele se afastou para preparar-se e falar aos outros mergulhadores,
Melina colocou o equipamento e saltou no mar.
Em vez de seguir direto à sua área, no entanto, ela nadou até onde
pensou ter visto a luz, a meio caminho do Calypso e da praia.
Deslizando sobre o fundo do mar, observou atentamente, apesar de não
saber o que procurava. Nada parecia estar alterado, mas alguém
definitivamente havia estado ali durante a noite. Ela viu a luz. Não fora um
sonho.
Com uma última olhadela ao seu redor, dirigiu-se à sua área, apanhou o
aparelho de sucção e preparou-se para o trabalho. Péricles já se encontrava
removendo pedras pesadas. Melina não reparou no modo como ele a
observava.
Foi um longo dia, porém produtivo, pois foi capaz de remover outra
camada de areia. Encontrou algumas peças de cerâmica espalhadas, que
colocou em um cesto. Se o tempo continuasse firme, e o mar, calmo, poderia
fazer grandes progressos antes de retornar ao Chipre.
A tarde já caía quando Melina subiu à superfície pela última vez naquele
dia. Um hidroavião flutuava suavemente e próximo ao Calypso, preso por
cordas. Desembaraçando-se do cilindro e do equipamento, deixou-o sobre a
plataforma e subiu ao navio. Seu pai se encontrava ali, conversando com um
homem elegantemente trajado.
— Melina — chamou o pai com um sorriso, estendendo a mão para que
ele se juntasse a eles. — Gostaria de apresentá-la ao sr. Stratos Demopoulous.
Stratos, esta é minha filha, Melina.
O homem aparentava ter a mesma idade de Aristo e parecia ser tão grego
quanto seu nome. Sua pele era cor de oliva e os cabelos escuros, escovados
para trás. E os olhos negros, ele não os tirava de seu rosto.
— Desculpe pela água — disse-lhe Melina depois que ele soltou a sua mão
úmida.
— Não tem importância. Vejo que tem mergulhado para seu pai.
— Um pouco, sim.
— Stratos está analisando a possibilidade de investir no projeto —
informou-lhe o dr. Chase, mal disfarçando o excitamento na voz.
— Ah, então o senhor é a razão da ida de papai a Atenas — concluiu ela.
O grego respondeu afirmativamente, sem deixar de olhá-la. Ela sorriu, um
tanto constrangida por causa daquele exame minucioso.
— Se me derem licença, vou enxugar-me e vestir-me.
— Nós a veremos mais tarde? — quis saber Stratos.
— Estarei no navio, se foi isso o que quis dizer.
Ele curvou a cabeça e, ao se afastar, Melina ainda pôde sentir seus olhos
fixos nela.
Assim que tomou uma ducha e se vestiu, saiu da cabine e quase chocou-
se com Craig em frente à sua porta.
— Opa — exclamou ele, rindo, ao segurá-la pelos ombros. — Eu vinha
justamente chamá-la. Seu pai deseja vê-la no escritório.
— Aquele Stratos Demopoulous ainda se acha com ele?
— Pelo que eu saiba, está dando uma volta pelo navio, provavelmente
para descobrir qual será o destino de todo o seu adorável dinheiro.
Craig saiu em outra direção e Melina se encaminhou ao escritório do pai.
Ele ergueu os olhos ao escutá-la entrar e sorriu-lhe.
— Craig avisou-me de que queria me ver.
Gregory Chase apontou-lhe uma cadeira e recostou-se à mesa.
— Preciso falar-lhe sobre algo — informou-lhe o pai.
— Sim, papai, estou ouvindo.
— É um assunto um tanto difícil.
Melina fitou-o curiosa e esperou.
— Stratos gostaria de levá-la para jantar em Atenas hoje à noite. Se
quiser ir, ótimo, porém não quero que se sinta obrigada a aceitar.
— Ele ameaçou não financiar as pesquisas, caso eu não vá?
— Não. Mas isso não faria diferença. Ainda lhe aconselharia a não ir se
não quisesse. Posso precisar de dinheiro, mas não a ponto de trocar minha
filha por ele.
Melina levantou-se e beijou-lhe o rosto.
— Sei que nunca tomaria tal atitude. Esperarei até que Stratos me
convide e então decidirei.
— Melina, lembre-se, sinta-se à vontade para recusar.
O visitante entrou naquele momento.
— Apreciei suas instalações, dr. Chase. São modernas e bem organizadas
e se houver algo para ser descoberto, creio que será o senhor a fazê-lo. Dentro
de alguns dias, oferecerei uma festa especial em Atenas. Gostaria que o
senhor e toda a tripulação comparecessem.
— Isto é muito gentil de sua parte — agradeceu o dr. Chase.
— De modo algum. Apenas acredito que projetos semelhantes ao seu
merecem uma ampla base de apoio, não apenas um ou dois patrocinadores.
Outros convidados gostarão de conhecê-los e conversar com todos. Os
resultados poderão ser vantajosos para todos nós.
— Obrigado. Providenciarei para que a tripulação compareça.
Stratos então voltou-se para Melina.
— Eu estava curioso em saber, srta. Chase, se me daria a honra de sua
companhia para um jantar, hoje à noite?
Melina estudou-o por um momento. Não gostara do modo como ele a
olhava fixamente, mas parecia ser um homem interessante e agradável. E,
talvez, só o fato de jantar com ele poderia ajudá-lo a se decidir a patrocinar
com generosidade o projeto do pai. Ela sabia o quanto seu pai precisava
daquele financiamento. Empregara quase todo o próprio dinheiro na
preparação do navio com os melhores equipamentos. Sem os fundos
necessários, não haveria como pagar a tripulação e comprar mantimentos.
— Terei o maior prazer em acompanhá-lo, sr. Demopoulous.
— Maravilhoso! E, por favor, chame-me de Stratos.
— Muito bem, então. E você deve chamar-me de Melina. Como devo me
vestir?
— O restaurante a que pretendo levá-la é um dos mais sofisticados de
toda a Grécia.
Melina teve dúvidas se o seu guarda-roupa estaria à altura.
— Deveremos partir dentro de uma hora — comunicou-lhe Stratos,
olhando o relógio.
— É o tempo suficiente para me arrumar — afirmou ela, dirigindo-se à
saída.
Ele se moveu com rapidez e abriu-lhe a porta.
Melina sorriu-lhe em agradecimento e voltou à cabine para vestir-se.
Trouxera tão poucas roupas...
Rejeitou de imediato o vestido que usara na festa dos Drapano. Procurou
então no armário de roupas que ali deixava, em base permanente, e encontrou
um traje que, apesar de antigo, estava na moda. A seda verde-água do vestido
que lhe chegava aos joelhos formava um contraste perfeito com a pele
ligeiramente bronzeada e combinava com seus olhos. Um casaquinho no mes-
mo tom completava o conjunto.
Após alguns minutos de indecisão, escovou o cabelo para trás e prendeu-o
num elegante coque. Como sempre fazia, aplicou pouca maquilagem,
ressaltando os olhos e as faces, porém de modo quase imperceptível.
Delicados brincos de ouro deram o toque final.
Quando subiu ao convés, encontrou o pai e o acompanhante conversando
próximo à balaustrada. Ambos voltaram-se à sua chegada, porém foi Stratos
que deu um passo à frente, seu olhar absorvendo todos os detalhes.
— Você está primorosa! — elogiou ele, tomando-lhe as mãos.
— Obrigada — agradeceu Melina, despedindo-se, em seguida, do pai.
Stratos ajudou-a a entrar no avião e fez o mesmo, fechando a porta,
enquanto dois mergulhadores desatavam as cordas que o prendiam ao
Calypso. Em segundos estavam movendo-se sobre a água e levantando vôo
em direção a Atenas.
Menos de uma hora depois desciam no aeroporto. Ao deixarem o avião,
uma Mercedes aproximou-se e um motorista uniformizado abriu-lhes as portas
do automóvel, primeiro para Melina e então para Stratos.
— Você já esteve em Atenas antes? — quis saber ele, depois de estarem
acomodados no assento de trás.
— Muitas vezes. Creio ter passado mais tempo de minha vida na Grécia do
que na América.
— Seu pai sente um grande amor por este país.
— É verdade. E sempre foi assim.
— E esse amor parece ter contagiado você.
— A Grécia possui uma história muito rica.
Já estava anoitecendo e algumas estrelas despontavam no céu.
O carro avançava com rapidez pela estrada. O tráfego ia se tornando cada
vez mais intenso à medida que se aproximavam da cidade.
Melina viu a Acrópole, de relance, maravilhosamente iluminada para exibir
o Partenon e o Erectêion. Aquela beleza causava-lhe intensa emoção. Algumas
pessoas enxergavam ali apenas ruínas. Ela via graciosas colunas e elegantes
linhas arquitetônicas que haviam sobrevivido através dos séculos com intacta
dignidade.
Stratos notou sua reação.
— Nossa Acrópole a deixa impressionada, não?
— Fico totalmente sem fôlego — afirmou com suavidade.
Ele fitou-lhe o perfil bem-feito e experimentou emoção semelhante à de
Melina.
O motorista estacionou o automóvel em frente a um ostentoso
restaurante e abriu a porta a Stratos, que deu a volta ao carro, auxiliando
então Melina a descer.
Tomando-a pelo braço de modo estranhamente possessivo, conduziu-a ao
interior do prédio. O maître, cumprimentando Stratos com respeito, levou-os a
uma mesa situada a um canto, suavemente iluminado.
Sentaram-se e ela observou o ambiente ao seu redor com ligeiro
desapontamento. Encontrar-se ali era o mesmo que estar jantando em
Manhattan. Nada havia que lembrasse o charme de um restaurante grego.
Ao voltar o olhar para o acompanhante, este a contemplava com
intensidade.
— Sinto-me constrangida — declarou ela com um sorriso para abrandar o
tom frio de sua voz.
— Por quê? — indagou ele.
— Pela maneira como me olha.
— Uma mulher como você deve estar habituada a tais olhares.
— Creio que você é um tanto mais ousado que os demais.
— Sou franco e considero-a uma das mais belas mulheres que já vi.
Outros homens já lhe haviam dito o mesmo, e suas palavras não a
embaraçaram.
— O que diria se eu lhe pedisse para se tornar minha amante? —
perguntou Stratos, de súbito.
Melina mal conteve uma reação de surpresa.
— Eu diria que você está brincando — conseguiu responder.
— E caso não se tratasse de uma brincadeira? — revidou ele.
— Eu agradeceria e recusaria.
— Por quê? — quis saber, um tanto incrédulo.
— Além de não estar em meus planos tornar-me amante de quem quer
que seja, mal nos conhecemos.
— Posso oferecer-lhe um futuro ilimitado, como riqueza, posição, poder;
satisfazer-lhe qualquer desejo.
Melina meneou a cabeça, sem acreditar no que ouvia.
— Você coloca todas as suas convidadas nesta situação difícil?
— Na realidade, não — explicou sorrindo. — Mas, lembre-se: estou
habituado a conseguir o que quero. E acontece, Melina Chase, que quero você.
— Sou uma mulher, e não um objeto, e gostaria de mudar de assunto.
— É o que faremos, então, por ora — tornou ele, dando de ombros.
Um garçom aproximou-se e serviu-lhes o vinho tinto seco que Stratos
encomendara à sua chegada. O grego ergueu o copo num brinde:
— A futuras ligações.
Melina não respondeu, mantendo o copo sobre a mesa.
— Estava me referindo às ligações com seu pai — esclareceu ele, fitando-a
com um sorriso nos olhos.
— Neste caso — respondeu ela, erguendo o copo —, a futuras ligações.
Melina observou-o por detrás da borda do copo enquanto provava do
vinho. Outras mulheres o achariam atraente. Era também um homem
audacioso e tinha de aceitar o fato de não desgostar dele por esse motivo.
Era um homem que dizia sempre o que pensava, sem se importar que ela
fizesse o mesmo.
Ao colocar o copo de volta sobre a mesa, sentiu-se compelida a virar-se.
Quando o fez, encontrou o olhar zangado de Aristo Drapano.

CAPÍTULO VI

O acompanhante de Aristo sentou-se e este encaminhou-se à mesa de


Melina e Stratos. O sorriso que brotara nos lábios dela logo se desvaneceu.
Ignorando Stratos, que se erguera à sua aproximação, falou diretamente
a Melina:
— O que faz aqui?
Tomada de surpresa pela cólera estampada na expressão e no tom de voz
de Arísto, Melina balbuciou:
— Stratos, ou melhor, o sr. Demopoulous, convidou-me. Aristo Drapano,
este é Stratos...
— Nós já nos conhecemos — interrompeu-a Aristo.
Melina olhou-o, curiosa. Pressentiu que algo estava muito, muito errado
ali.
— Conversaremos mais tarde, Melina. — Ele voltou-se para Stratos,
cumprimentou-o com um gesto de cabeça e retornou para sua mesa.
Stratos sentou-se, com um sorriso divertido brincando no canto de sua
boca.
— O que houve com ele? — indagou Melina.
— Se entendi bem, Aristo Drapano não está nem um pouco satisfeito em
vê-la aqui comigo.
— Isso não faz nenhum sentido.
— Faz, sim. Aristo e eu somos concorrentes nos negócios. Ambos
possuímos bancos aqui e no estrangeiro, além de outros negócios.
Melina não o disse, mas era de opinião de que uma simples concorrência
não faria Aristo reagir daquela maneira.
— Há quanto tempo vocês se conhecem? — perguntou Melina.
— Desde crianças. Ele é um pouco mais jovem do que eu e sempre foi
ambicioso. Ele assumiu o banco do pai quando este faleceu, e progrediu muito.
Com um sorriso maroto, Stratos perguntou a Melina:
— E você, como o conheceu?
— Ele estava no Calypso no dia em que cheguei.
— Entendo. Então, ele é amigo de seu pai?
— Não exatamente um amigo. Eu diria que é mais um conhecido.
— É seu amigo, então?
— Sim.
— Você conheceu os demais integrantes de sua família?
— Fui apresentada à avó e ao irmão, se é a eles que se refere.
— E o que achou deles? — perguntou ele, insistente.
— Gosto deles — disse ela abruptamente. — Por que me faz tantas
perguntas?
— Curiosidade, suponho. É sempre interessante conhecer bem os seus
inimigos.
Havia música americana tocando suavemente ao fundo e vários casais
dançavam.
Stratos convidou-a para dançar.
Melina gostaria de recusar, porém, sem encontrar nenhum pretexto
convincente, não teve outra escolha senão aceitar. Andando por entre as
mesas, dirigiram-se à pista de dança. Ele puxou Melina para seus braços e
começaram a mover-se ao ritmo da musica.
Sobre o ombro de Stratos, pôde ver Aristo observando-os com um intenso
olhar enigmático. Tratava de negócios, com certeza, pois havia alguns
documentos espalhados sobre a mesa. Os dois homens conversavam, porém
os olhos de Aristo não se afastavam do par que dançava. Ela sentia-se cada
vez mais desconfortável.
— Você se importa se nos sentarmos? — pediu finalmente a Stratos.
— Você não gosta de dançar comigo?
— Acho que apenas quero me sentar, no momento.
— Como quiser — concordou ele.
Melina fez o possível para ignorar a presença de Aristo quando voltaram à
mesa.
Assim que se sentaram, outro garçom adiantou-se para anotar seus
pedidos. Antes que Melina pudesse dizer algo, Stratos já havia pedido pelos
dois. Quis protestar, mas calou-se. Estava ali por causa de seu pai e apenas
durante um jantar. Por uma vez poderia deixar um homem decidir por ela sem
causar problemas.
Stratos recostou-se na cadeira e observou-a mais uma vez.
— Fale-me de você, Melina. Está envolvida emocionalmente com alguém
no momento?
— Não estou interessada em ninguém, por ora.
— Isso é maravilhoso!
Melina deixou transparecer sua indisfarçável surpresa.
— Por que maravilhoso?
— Porque este fato torna o meu objetivo mais fácil de ser alcançado.
— Seu objetivo? — indagou ela, em entender.
— O que já lhe falei antes; quero-a para minha amante.
Agora ela estava começando a se aborrecer com seu atrevimento.
— E eu já lhe disse não estar interessada.
Foi como se ele não a tivesse ouvido.
— Seu pai me disse que ficaria aqui por três semanas, o que é tempo
suficiente para você mudar de idéia.
Melina sorriu, tentando manter o bom humor.
— Creio que já conversamos bastante sobre isso.
— Você não se apaixona facilmente, não é mesmo?
— De modo algum.
— Já esteve apaixonada alguma vez?
Ela pensou em Aristo, tão próximo.
— Uma vez apenas, há muito tempo. Eu tinha apenas quinze anos.
— E ninguém mais, desde aquela época?
— Não — mentiu ela.
— Eu acho isso muito intrigante. Porém lembre-se de que eu sou um
homem muito determinado.
— Asseguro-lhe que sou mulher de igual determinação e não estou
interessada em iniciar um relacionamento com você.
Aristo aproximou-se da mesa naquele instante.
— Gostaria de dançar com você, Melina.
Ela lançou-lhe um olhar desamparado, desejando muito dançar, mas não
querendo ser rude com seu acompanhante. Stratos veio em seu auxílio.
— Por favor, eu não me incomodo — insistiu ele de maneira educada.
Melina agradeceu-lhe com um sorriso ao dar a mão a Aristo, e se afastou
em sua companhia.
Envolvendo-a com os braços, Aristo ficou completamente imóvel por
vários segundos, contemplando-a, antes de finalmente começar a dançar.
— Por que está aqui com ele? — O desagrado era evidente em sua voz.
— Acha que não deveria estar? — indagou ela.
— Creio que é imprudência.
— Mas por quê?
— Porque de não é o tipo de homem que lhe sirva de companhia.
— Ele tem sido muito gentil comigo.
— Melina, Stratos só é gentil com as pessoas quando quer algo delas. Por
favor, acredite em mim.
— Eu acredito. Eu não sei por quê, mas sempre acreditei. Nesta ocasião,
entretanto, você está enganado. Estou aqui porque eu quero algo dele.
— O quê? — espantou-se Aristo.
— Ele está estudando a possibilidade de ser um dos patrocinadores de
papai e pensei que jantar com ele ajudaria.
— Quem convidou quem?
— Ele me convidou — esclareceu Melina.
Aristo segurou-lhe a mão mais perto de seu corpo.
— Melina, Stratos é um ladrão e mentiroso. É também muito charmoso,
segundo algumas mulheres. Não se deixe iludir por ele.
— Não sou tão ingênua quanto você pensa. Se, por um lado, vejo nele
certo charme, por outro há algo em seu modo de ser que não suporto.
Aristo sorriu, de certa forma tranqüilizado.
— Posso saber qual é o problema que há entre vocês dois? — quis saber
Melina.
— Digamos apenas que Stratos e eu não concordamos em determinados
assuntos.
— Ele diz que tem algo a ver com seu espírito competitivo.
— Foi isso o que ele disse?
— Será que pode ser mais específico? — Ela estava curiosa sobre toda
aquela situação.
— Não, Melina. Não quero que você se envolva.
— Envolver em quê? — continuou ela, insistente.
— Ah, Melina, que hora você escolheu para retornar à minha vida.
Assim que pronunciou essas palavras e antes que ela pudesse responder,
a música terminou.
— Vou levá-la de volta à sua mesa.
— Mas...
Tomando-lhe a mão, Aristo conduziu-a pelo restaurante, ignorando-lhe a
perplexidade. Com um gesto de cabeça em direção a Stratos, mais uma vez,
Aristo voltou-se e os deixou.
Stratos a olhava com interesse.
— Considerando que mal se conhecem, parecem entender-se muito bem.
— Eu passei algum tempo na mansão, visitando sua avó — explicou ela,
sem fitá-lo.
Enquanto falavam, os pratos foram servidos. Assim como não havia nada
de típico em relação ao restaurante, nada havia de típico na comida. Seu filé
ao molho "béarnaise" estava perfeito, assim como as ervilhas e o suflê de
queijo. Melina estava faminta, como sempre ficava, após passar um dia
mergulhando, e degustou com prazer cada porção dos deliciosos pratos.
Saboreou o vinho e, mais para evitar ter de ficar falando de si do que por um
interesse real no assunto, comentou:
— Você perguntou sobre a minha vida. Conte-me algo sobre a sua.
— Receio ser uma história muito insípida.
— Não seja modesto. Duvido que o seja, com tudo que conquistou. Por
exemplo, como adquiriu seu primeiro banco?
— Eu tinha algum dinheiro e fui bem-sucedido em alguns investimentos.
Os proprietários de um certo banco em Atenas, meus amigos, enfrentaram
problemas e eu lhes fiz um empréstimo. Quando não puderam liquidá-lo,
assumi o controle.
Melina fitou-o, chocada.
— Fez isso a seus amigos?
Ele a olhava, divertido.
— Não fique tão surpresa, Melina. Eles tinham conhecimento do que
poderia lhes suceder. Eles precisaram de suporte financeiro e o conseguiram.
Teriam perdido o banco se eu não os tivesse ajudado.
— Perderam-no de qualquer forma.
— Porque contraíram uma dívida que não puderam saldar. Foi escolha
deles aceitar ou recusar a minha oferta. E, amizade à parte, tratava-se
estritamente de negócios.
Melina nada disse. Stratos olhou-a fixamente, com um meio-sorriso nos
lábios.
— Você desaprova?
— Não cabe a mim aprovar ou não.
— Talvez não, mas estou curioso em saber sua opinião.
— Pois bem. Acho que se você realmente quisesse, poderia ter encontrado
outra forma. Talvez lhes oferecesse uma prorrogação de prazo.
— Sim, eu poderia ter feito isso.
— Você não o fez porque queria o banco.
Ele ergueu seu copo num cumprimento.
— Muito bem! Foi exatamente o que fiz.
— É preciso ter muito sangue-frio.
— E eu repito: é assim no mundo dos negócios.
— Sua consciência nunca o incomodou?
— Não, nunca tive remorsos, se é o que quer dizer.
Ela meneou a cabeça, incrédula.
— Você é muito sensível, Melina — comentou ele.
— Talvez se trate de sensibilidade, ou, ainda, apenas de valores diferentes
dos seus.
Stratos a encarou, satisfeito.
— Você gostaria de uma sobremesa, Melina? — perguntou, ignorando-lhe
a reação.
— Não, apenas gostaria de ir para casa.
— Conheço uma pequena e agradável discoteca perto daqui e...
— Não, por favor, não insista. Leve-me de volta ao Calypso —
interrompeu ela.
— Como quiser — respondeu ele, sem deixar-se abater.
Stratos pediu a conta. Quando esta foi paga, puxou a cadeira para ela e
conduziu-a para fora do restaurante. Ao passarem pela mesa de Aristo, tentou
ocultar seu desagrado para que ele não sentisse necessidade de vir em seu
auxílio.
Durante o vôo para casa, Melina ficou em silêncio, sem poder ignorar os
olhares que Stratos lhe dirigia. Quando o avião finalmente pousou ao lado do
Calypso, ela voltou-se para ele e estendeu-lhe a mão.
— Obrigada pelo jantar, Stratos.
Ele segurou-lhe a mão por um longo momento.
— Gostei de estar com você, Melina. Pense no que lhe disse.
— Não há sobre o que pensar — retrucou secamente.
— Uma noite comigo e você nunca mais quererá Aristo Drapano
novamente.
Os lábios dela entreabriram-se levemente.
— Aristo? O que tem ele a ver com isso?
— Você acha que não notei como se olhavam?
— Não nos olhamos de nenhum modo especial. Não que isso fosse de sua
conta.
— Ele não é nada — atacou Stratos.
— Boa noite — despediu-se ela, retirando a mão.
Stratos pegou-a pelo braço quando já se retirava.
— Ele nunca a terá. — Havia um quê de ameaça em seu tom de voz.
— Deixe-me ir.
Ele segurou-a um instante mais e então soltou-a. Melina imediatamente
saltou para a plataforma de mergulho.
Stratos reclinou-se sobre o assento do passageiro e prometeu:
— Eu a verei novamente, em breve.
— Não, não verá — retrucou Melina, com firmeza, batendo a porta do
avião e subindo para o convés.
Ao observá-lo taxiar, afastando-se do navio, seu coração dava saltos no
peito. Não deveria ter concordado em sair com ele. Era um mau-caráter. Era o
único modo de descrever o que sentia por ele. Não só por causa do que lhe
dissera, mas pelo que vira em seus olhos. Jamais se sentira tão amedrontada
por alguma outra pessoa.
Ela só relaxou quando viu o avião levantar vôo. Finalmente ele se fora. Ela
estava em casa, a uma distância segura daquele homem.
Aliviada, Melina caminhou pelo convés. Viu que a luz do escritório do pai
estava acesa e bateu à porta. Ele ergueu os olhos dos papéis que examinava e
acenou-lhe para que entrasse.
— Como foi o jantar? — quis saber, recostando-se à cadeira. Ela
empoleirou-se a um canto da mesa, encarando-o.
— Acho que você não deve aceitar o dinheiro dele.
— Mas por quê? — indagou, apreensivo.
— Não confio nele.
Os olhos de Gregory Chase se estreitaram.
— O que foi que ele lhe fez, para dizer isso?
— Nada. Ele não fez nada. Foi o que disse que me fez sentir inquieta.
— Quer contar-me o que houve?
— Não gostaria de repeti-lo. Quero apenas esquecer.
— Ele lhe fez ameaças? — quis saber o pai, preocupado.
— Não diretamente. Mas havia algo por trás de suas palavras que me
amedrontaram.
O dr. Chase conhecia bem a filha e sabia que não perdia o controle com
facilidade. Se Stratos a fez sentir-se perturbada e ameaçada, havia um bom
motivo, por certo.
— Melina, a esta altura dos acontecimentos, não tenho escolha. Se não
conseguir algum financiamento, e rápido, terei de encerrar as atividades.
— É assim tão sério, papai?
Ele assentiu.
Ela abraçou o pai, suspirando.
— Sinto muito, papai. Sei que precisa de toda a ajuda possível.
— Isto é verdade. Eu lhe contei que Aristo se ofereceu para financiar a
operação logo que cheguei aqui?
— Não, isto é novidade para mim.
— Infelizmente, tive de recusar a oferta, porque ele impôs uma condição
impossível para liberar o dinheiro e não tive alternativa.
— Que condição era essa? — indagou a filha.
— Eu teria de afastar o navio daqui e interromper o trabalho por cerca de
um mês.
— Afastar o Calypso! Mas por quê?
— Ele disse algo sobre dar tempo aos habitantes locais se acostumarem à
idéia de revolvermos os túmulos de seus antepassados.
— Se não estavam habituados até aquele momento, um mês não faria
muita diferença, não acha?
— Concordo com você. Acredito que havia outras razões para que ele
impusesse tal condição.
— Estou curiosa em saber quais seriam.
O dr. Chase deu de ombros.
— Eu não sei. Na época recusei, porque não podia dispensar a tripulação e
mudar os planos; porém, se não conseguir o dinheiro de alguma outra fonte,
não terei escolha.
— Talvez você possa falar com ele novamente.
— Sim, talvez — tornou ele, pensativo.
— Ele inspira mais confiança do que Stratos.
— Neste ponto você tem toda a razão.
Melina ergueu-se e caminhou até a janela para contemplar o mar. Um
helicóptero sobrevoou o navio naquele instante e desapareceu, ao pousar na
ilha. Soube que se tratava de Aristo. Ficou satisfeita por ele não ter ficado em
Atenas.
Ela suspirou ao observar o céu. Estava escuro, pontilhado de estrelas.
De repente, ela se voltou.
— Acabo de lembrar-me de algo que queria contar-lhe. Passei a noite em
Kortina e, ao acordar durante a noite, levantei-me para observar o mar.
Quando olhei em direção ao Calypso, vi a luz da qual os habitantes da ilha têm
falado.
O semblante do pai ficou sério.
— Você viu? Tem certeza?
— Não há engano.
— O que lhe pareceu ser?
— Certamente nada sobrenatural. Meu palpite é de que se tratava de um
refletor como os que usamos para mergulhos noturnos ou em águas muito
profundas.
— Isto que dizer — disse pensativamente o dr. Chase — que temos um
mergulhador noturno.
— É o que parece — respondeu Melina.
— Não há dúvida de que é alguém apenas curioso sobre o que estamos
fazendo.
— Foi também o que disse Aristo.
— Aristo? Você estava com ele quando viu a luz?
Ela não pôde evitar o sorriso que lhe brotou nos lábios ao escutar o tom
de voz do pai.
— Garanto-lhe que foi um encontro absolutamente inocente...
— Compreendo — respondeu ele, com algumas dúvidas.
— Então, o que pretende fazer a respeito?
— Sobre o mergulhador? Creio que não há nada que eu possa fazer, além
de manter vigilância sobre o local. Mas, francamente, penso que será perda de
tempo. Contanto que não prejudiquem nosso trabalho, está tudo bem, e até
agora não o fizeram.
— Creio que não — foi a resposta de Melina.
O dr. Chase olhou a filha por um momento.
— Querida, gostaria de falar-lhe sobre um outro assunto. Estamos
encontrando muitos objetos de cerâmica danificados e não temos ninguém
para restaurá-los e datá-los. Já que esta é sua especialidade, perguntava-me
se não gostaria de fazê-lo para nós, enquanto estiver aqui.
— Restam-me apenas duas semanas e meia de férias. Não é muito tempo.
— Eu sei, mas ainda não encontrei ninguém da região para realizar este
trabalho. Os melhores profissionais não querem permanecer a bordo de um
navio por tempo indeterminado ou, como você, já estão comprometidos com
outros empregos.
— Está bem, papai, farei o que puder.
— Obrigado, filha. Vejo-a pela manhã, então — despediu-se o pai, dando-
lhe um beijo no rosto.
Melina voltou ao convés. Inclinada sobre a balaustrada, tentou divisar
qualquer tipo de luz vinda do fundo do mar. Não tinha esperanças em vê-la,
realmente, e foi isso o que ocorreu. Além do fato de ser muito cedo ainda, não
podia imaginá-los tão previsíveis a ponto de aparecerem duas noites seguidas.
Mesmo assim, não faria mal ficar atenta. Seu pai não parecia crer que
houvesse algo ameaçador a respeito da luz, porém Melina não compartilhava
sua opinião.
Seus olhos moveram-se para a mansão. Estava bem iluminada. Aristo já
deveria estar em casa, àquela hora. Estaria pensando nela?
Lembrou-se de suas palavras enquanto dançavam: "Que horas você
escolheu para retornar à minha vida?" O que quisera dizer? Ela quase temia
encontrar a resposta.
Melina não saberia contar quanto tempo ficara ali, imersa em
pensamentos. Um ruído forte ecoando através da água acordou-a de seus
devaneios. Logo seguiu-se outro. Haveria alguém mergulhando tão tarde da
noite?
Ela ficou imóvel, à escuta.
Tudo que ouviu foi o silêncio.

CAPÍTULO VII

Melina encontrava-se sentada a uma comprida mesa no convés do


Calypso combinando pacientemente pedaços de cerâmica e unindo o que
podia. Tratava-se de tarefa difícil. Mesmo tendo estado enterradas sob várias
camadas de lodo e areia, as bordas estavam corroídas, tornando impossível
uma combinação perfeita. Já algumas peças foram unidas com facilidade, pois
todos os pedaços foram encontrados próximos uns aos outros e encaixaram-se
quase como se fossem peças de um quebra-cabeça.
O trabalho era dolorosamente meticuloso, e ao final do dia suas costas
doíam sensivelmente, após passar tantas horas sentada.
Craig saiu da sala de transmissões e se dirigiu a ela:
— Como está indo?
Melina recostou-se à cadeira, esfregando a nuca.
— Muito devagar.
Ele examinou a peça em que ela estava trabalhando e balançou a cabeça.
— Eu jamais seria capaz de executar esse tipo de trabalho.
— Excitante demais para você? — perguntou Melina, rindo.
— Algo semelhante. — E, após uma pausa: — Você viu o Lambus? Há uma
chamada para ele.
— Receio que não. Está perto da hora do jantar — informou ela, olhando o
relógio. — Talvez ele esteja na cozinha.
— Verificarei lá — respondeu, afastando-se.
Péricles passou carregando vários cilindros de ar pertencentes aos
mergulhadores e seguiu Craig escadas abaixo. Minutos depois, viu Lambus
entrando na sala de transmissões. Quando saiu, menos de um minuto depois,
olhou para Melina e rapidamente para o lado oposto.
Melina o observou demoradamente.
— É um homem estranho — disse ao pai.
— Você acha?
— Hum, hum. Talvez seja por ele ser tão calado.
— Calado? Não sei se reparei nisto.
— O que será que ele faz quando não está no navio?
— Não faço a menor idéia. Estou mais interessado no que ele faz quando
está no Calypso e, pelo que diz Luigi, ele é um ótimo empregado.
— Creio que sim — falou, limpando as mãos em uma pequena toalha. —
Vou lavar-me para o jantar. E você?
— Vou jantar um pouco mais tarde, depois de terminar de verificar alguns
documentos.
Ele já se achava concentrado nos papéis que segurava ao ir para o
escritório.
Depois de jogar a toalha de volta à mesa, Melina desceu. Quase chocou-se
contra Lambus, que vinha da enfermaria com a caixa de primeiros socorros na
mão. Ela notou-a de imediato.
— Luigi se cortou — explicou ele.
— Foi grave? — quis saber ela, apreensiva.
— Não, não. Apenas um pequeno corte. — E começou a fastar-se.
— Eu o ajudo com o curativo — ofereceu ela, seguindo-o.
— Por favor, não é necessário, srta. Chase. Posso cuidar disso sozinho.
Pode preparar-se para o jantar.
— Tem certeza?
— Sim, por favor — assegurou-lhe ele, mais uma vez. Não seguiu-o, desta
vez, mas observou-o até perdê-lo de vista.
Ela estava certa: era um homem estranho.
Dando de ombros, foi ao seu quarto, tomou um banho, vestiu uma saia
branca de algodão e uma camiseta branca e vermelha e foi reunir-se aos
mergulhadores para jantar. A conversa à mesa era leve e divertida e Melina
passou momentos agradáveis.
Quando levou o prato à cozinha, encontrou Luigi jantando, com um livro
aberto à sua frente.
— Como está o corte? — interessou-se ela.
— Corte? De que corte está falando? — perguntou Luigi, sem
compreender.
— O seu corte, ora.
— Não tenho corte nenhum, menina.
— Mas... — Melina interrompeu-se. Obviamente Lambus mentira. Mas por
quê?
— O que a faz pensar que me cortei?
— Oh, acho que me enganei. Onde está Lambus?
— Ele saiu por uns instantes. Precisa falar com ele?
— Não. Eu... ahm... o jantar estava ótimo, como sempre.
Luigi ficou radiante com o elogio.
— Boa noite — despediu-se Melina.
— Boa noite, menina. Vejo-a no café da manhã, ok?
Melina encaminhou-se ao convés superior e encontrou um canto tranqüilo
e escuro para sentar-se. O sol já se pusera e havia um luar magnífico
iluminando o mar. Ela contemplou-o longamente, deixando que a luz prateada
a envolvesse.
Alguns dos mergulhadores subiram ao convés para conversar. Mas, depois
do dia extenuante, com outro igual ainda por vir, um a um se retiraram para
suas cabines.
Os pensamentos de Melina sempre voltavam para Aristo. Ela chegava à
conclusão de que o melhor a fazer seria terminar suas férias mais cedo e voltar
ao Chipre.
Um movimento no convés tirou-a de suas divagações e Lambus entrou em
seu campo de visão. Instintivamente, Melina escondeu-se nas sombras do
navio, encolhendo-se na cadeira, imóvel. Ele olhou furtivamente ao redor por
algumas vezes enquanto baixava uma lancha à água, desaparecendo em
seguida por cima da borda do navio. Ela esperou pelo ruído de um motor
sendo ligado, mas não houve nenhum. Curiosa, Melina caminhou com cautela
até a beira do Calypso e olhou para fora. Lambus usava os remos de
emergência com que todas as lanchas eram equipadas. Ligou o motor apenas
quando se encontrava a uma distância segura do navio.
Isso era mais do que ela podia suportar. Desceu outra lancha para o mar,
ligando-a de imediato, e seguiu ao encalço de Lambus. Viu quando este atingiu
uma praia e desligou o motor, sabendo que faria o mesmo a qualquer
momento. Ficou cercada pelo silêncio, enquanto Lambus saía da lancha e a
empurrava para a areia.
Não havia pessoas nem casas naquele local. O terreno pedregoso tornava-
o menos agradável do que outras partes da ilha. Melina achava-se
parcialmente escondida atrás de um grande rochedo que se projetava para
fora da água, e esperava que Lambus não dirigisse um olhar muito atento
naquela direção.
A distância, percebeu quando ele colocou uma sacola sobre os ombros e
encaminhou-se para o interior da ilha, andando entre as pedras. Melina
apanhou seus remos, afastou-se do rochedo e impeliu-se com cuidado à praia,
deixando a lancha a uma pequena distância da de Lambus e escondendo-a
entre alguns arbustos.
Seguindo na mesma direção que Lambus, subiu com dificuldade sobre as
pedras, agradecida por estar calçando sapatos adequados. Continuou andando
até alcançar uma estrada de terra. Dali, pôde ver ao longe, à luz do luar, as
elegantes ruínas de um templo antigo dedicado a Apolo. E também o rapaz,
caminhando rapidamente.
Melina escondeu-se nas sombras, pois, se podia vê-lo tão claramente,
qualquer um que estivesse observando conseguiria enxergá-la com igual
facilidade. O rapaz galgou a pequena colina sobre a qual fora construído o
templo e desapareceu dentro deste.
Ela aproximou-se com cautela e olhou ao redor. Algumas colunas ainda se
achavam maravilhosamente intactas. Outras haviam tombado ao solo e se
partido sob forma de rodas de mármore espalhadas pelo chão rochoso.
Degraus acompanhavam toda a extensão do templo. Ela pisou no primeiro e
estacou. Encontrava-se cercada por um silêncio profundo.
Subiu mais alguns degraus até atingir uma ampla superfície coberta de
grama que se estendia por cerca de trezentos metros. Mais adiante, havia mais
degraus. Ao galgá-los, seus pés chocaram-se contra alguns seixos, que
rolaram barulhentamente para baixo. Melina deteve-se e prendeu a respiração.
Nada ouviu.
Movendo-se entre duas imensas colunas, parou no centro do templo e
olhou ao redor. Parte do teto ainda não havia desmoronado e bloqueava a
entrada da luz do luar, tornando a tarefa de enxergar mais difícil. Mas ela não
pressentia a presença de ninguém.
Onde Lambus poderia ter ido?
O chão de pedra, com a grama crescendo por entre as fendas existentes
entre os blocos retangulares, estendia-se a perder de vista.
Era a primeira vez que Melina entrava neste templo, porém já havia lido
sobre o mesmo durante suas pesquisas. Deu mais alguns passos, sabendo que
deveria haver uma porta ali, em alguma parte. E encontrou-a, afinal. Era uma
fenda sombria na pedra clara. Caminhou até ela, parando à beira da escada
estreita que conduzia à parte inferior do santuário.
Silenciosamente, iniciou a descida, detendo-se a cada poucos degraus,
alerta a qualquer ruído que não pertencesse ao ambiente. Ouvia-se apenas um
gotejar de água a distância. Mesmo o barulho de insetos noturnos estava
ausente.
Engolindo em seco, continuou descendo. Já estava muito escuro e um
cheiro úmido e nauseante atingiu-lhe as narinas. De repente, alguém agarrou-
a por trás, tapando-lhe a boca para que não gritasse.
— O que está fazendo aqui? — a voz profunda de Aristo ecoou próximo às
paredes.
Quando a soltou, Melina voltou-se para ele, sem conseguir vê-lo.
— Aristo — chamou.
— Perguntei o que faz aqui, Melina.
— Estava seguindo Lambus — respondeu ela, assustada com seu tom de
voz. — E você, por que está neste lugar?
— Isso não importa. Por que seguia Lambus?
— Porque o comportamento dele era muito estranho e resolvi investigar.
Melina ouviu-o suspirar.
— Vi-o descer até aqui — continuou ela.
— O que devo fazer com ela? — escutou Lambus perguntar, imerso na
escuridão.
Melina aproximou-se mais de Aristo, os olhos procurando o dono da voz.
— O que ele quer dizer com "fazer comigo"? — quis saber ela, apreensiva.
— Você não deveria estar aqui — retrucou Aristo.
— Você também não deveria estar. Conte-me o que está acontecendo.
— Volte para o navio — ordenou-lhe Aristo.
— Não voltarei.
— Melina... — impacientou-se ele.
— Não. Não sairei daqui enquanto não me disser o que está havendo. Por
que está aqui?
— Não quero ser rude, Melina, mas este assunto não lhe diz respeito.
Lambus a levará de volta ao barco.
— Eu já lhe disse, Aristo, não sairei daqui.
— Você é muito teimosa, mais do que imaginei. — Ele passou os dedos
por seus cabelos. — Venha. Vamos até onde há ar fresco.
Com relutância, Melina subiu as escadas entre os dois homens. Assim que
pôde ver o rosto de Aristo ao luar, soube que algo estava muito, muito errado.
Sua aparência era terrível.
— Lambus, vá ver se alguém seguiu Melina — ordenou ele.
— E o seu braço? — indagou o rapaz, em grego.
— Você pode cuidar dele quando voltar.
Lambus colocou no chão a sacola que carregava e, em silêncio, atravessou
o templo e desapareceu.
Foi só então que Melina notou que a manga direita da camisa dele estava
rasgada na altura do ombro e encharcada de sangue.
— O que houve com seu braço? — interrogou-o, a preocupação
estampada no rosto.
— Sofri um acidente, mas não é nada sério.
— Deixe-me ver. — Ela aproximou-se, mas Aristo se afastou.
— Não é nada. Lambus cuidará disto ao retornar.
Sua mão estendida caiu-lhe ao lado do corpo. Ele parecia exausto.
— Aristo, não tenho o direito de interferir em sua vida. E certamente não
quero significar uma carga para você. Mas não sou uma criança para ser
dispensada à hora que bem entender. Estou aqui e quero ajudar. Deixe-me
fazê-lo, por favor.
— É uma longa história...
— Eu tenho toda a noite pela frente.
Ele fitou-lhe os olhos.
— Ah, Melina, eu não queria envolvê-la nisto — começou ele. — Você não
pode imaginar como me senti no dia em que a vi no barco de seu pai. A sua
lembrança tem me perseguido desde que a encontrei à beira da estrada e a
levei para casa, há tantos anos. E, de repente, lá estava você. E não havia
nada que eu pudesse fazer a esse respeito, nem naquele momento nem agora.
— Eu sei — murmurou ela, docemente. — Apenas deixe-me ficar com
você esta noite.
— Não posso permitir que você corra riscos desnecessários!
Ela ergueu a mão e tocou-lhe a face, enquanto se fitavam.
— Sou eu que quero ficar. Quero ajudá-lo, Aristo. Agora, chega de
conversa! Vamos, tire a camisa!
— Melina...
— Tire-a — ela pediu com firmeza e, ao mesmo tempo, com carinho.
Para sua surpresa, Aristo obedeceu. Melina ajudou-o a desembaraçar-se
da camisa e virou-o em direção à luz do luar, para poder ver a gravidade do
ferimento. Um curativo provisório havia sido feito em seu braço com uma tira
de pano e, com cuidado, ela a tirou, tentando ignorar-lhe a boca contorcida de
dor.
— Meu Deus! — exclamou, quando viu o ferimento. — Isto não é um
simples arranhão. O que houve?
— Levei um tiro, ontem à noite.
— Um tiro?! Por quê? De quem?
Aristo suspirou.
— Tudo bem. Conte-me depois — concordou ela. — Primeiro temos de dar
um jeito neste braço. Você vai ter de sentar-se.
Aristo caminhou até uma coluna próxima e se recostou a ela. Melina
apanhou a sacola que Lambus trouxera e abriu-a.
— Suponho que ele tenha trazido a caixa de primeiros socorros com que o
vi à tarde.
Mas uma garrafa de bebida foi o que ela encontrou primeiro.
— O que é isso? — quis saber Aristo.
— Conhaque — respondeu Melina, esforçando-se para ler o rótulo.
— Perfeito! Lembre-me de agradecer a Lambus quando ele voltar — pediu
ele ao tomar-lhe a garrafa da mão. Levando-a até a boca, tirou a rolha com os
dentes e tomou vários goles. Com a cabeça inclinada contra a coluna, ele
fechou os olhos.
Melina encontrou a caixa de primeiros socorros, abriu-a e colocou-a no
chão, enquanto examinava o ferimento.
— Você deveria consultar um médico.
— Nada de médicos. Pelo menos, não agora.
— Esse ferimento pode infeccionar.
— É um risco que tenho de correr. — E, olhando-a de lado, perguntou: —
Você sabe o que está fazendo?
— Não tenho a menor idéia. Nunca cuidei de um ferimento como esse
antes — confessou.
— Não é muito encorajador ouvir isso.
— Não seja malcriado. Sou tudo o que tem, no momento... Aristo
conseguiu sorrir, enquanto tomava outro gole de conhaque.
Melina tirou um pequeno frasco de anti-séptico da caixa e destampou-o.
— Esse líquido poderá arder um pouco — disse ela, enquanto o derramava
diretamente sobre o ferimento.
Aristo praguejou e endireitou o corpo, olhando-a acusadoramente:
— Arder um pouco?! Minha resistência à dor não é infinita, sabia?
— Eu o avisei.
— Bem, segundo você, isso resolve o problema, não? — ele replicou,
irônico.
— Vou aplicar mais um pouco. — Suas palavras foram acompanhadas de
ação, e sua garganta apertou-se ao imaginar o que ele estaria sofrendo.
Melina colocou então um grosso chumaço de algodão sobre o ferimento,
envolvendo o braço em seguida com uma comprida faixa de gaze e prendendo-
a com uma tira de esparadrapo.
— Aí está — declarou, enquanto admirava seu trabalho. — Amanhã,
quando puder ver melhor, darei mais uma olhada.
— Por acaso Lambus trouxe alguma comida? — quis saber ele, após
agradecer-lhe docemente.
Melina procurou na sacola e pôde encontrar apenas uma barra de
chocolate.
— Creio que ele não quis trazer nada da cozinha do Calypso com receio de
levantar suspeitas — concluiu ela. — Foi você quem o chamou hoje, no final da
tarde?
— Sim, fui eu.
— Como conseguiu?
— Entrei em uma casa próxima daqui sem os donos perceberem.
Melina colocou tudo de volta na sacola, exceto o conhaque, sentou-se em
frente a Aristo de modo a poder ver-lhe o rosto.
— Agora eu gostaria que me contasse como foi atingido.
Ele passou os dedos pelos cabelos, num gesto cansado.
— Tem algo a ver com o ouro roubado.
— O que há com ele? — Melina perguntou.
— Eu o estava transferindo de um banco a outro. Ninguém, a não ser eu,
sabia quais seriam os procedimentos. Ao menos era o que pensava.
— Quem mais descobriu?
— Timon. E ele contou a Stratos. Ao contrário de mim, Timon sempre
considerou Stratos como seu amigo.
Melina ouvia, incrédula.
— Então os dois conspiraram para roubar-lhe o ouro? — indagou ela.
— Não, não. Não creio nisso nem por um momento.
Melina estava confusa.
— Se Stratos roubou as barras de ouro e você tem conhecimento desse
fato, por que a polícia está concentrando as investigações em você? Por que
simplesmente não prendem Stratos?
— Com que provas? Você pode estar certa de que o ouro está em algum
local bem longe dele.
— Então como sabe que foi ele?
— Eu apenas sei, não posso lhe explicar como.
— E qual é o envolvimento de Timon?
— Até onde posso deduzir daquilo que ele me contou, ele bebeu demais e
tentava bancar o importante para Stratos. Ele sempre foi muito imaturo nesse
sentido. É como se quisesse chamar a atenção do mundo para a sua pessoa.
— Você deduziu? Timon não sabe lhe dizer exatamente o que ocorreu?
— Ele não se lembra. Passou a maior parte daquela noite em um estado
de torpor. Sinceramente, a princípio acreditei que o próprio Timon tivesse
roubado o ouro.
— Seguindo um raciocínio lógico, isso realmente faz sentido, mesmo que
ele seja seu irmão. Stratos tem seu próprio dinheiro. Por que quereria roubar
você?
— Stratos não roubou o ouro por seu valor. Ele o roubou com o intuito de
arruinar não só a mim, mas a toda a minha família.
— Arruinar você? Eu sei que o valor que está em jogo é muito alto, mas
suponho que o ouro estivesse no seguro; como poderia este fato arruiná-lo?
— Aquele ouro pertencia ao governo grego. No minuto em que se
espalhou a notícia do assalto, minha credibilidade estava destruída. E
imediatamente fiquei sob suspeita. E ainda estou.
— Mas por quê? — Melina não conseguia compreender.
— Voltamos ao ponto de eu ser o único a conhecer os arranjos para o
transporte, exceto Timon. E eu não tenho nenhuma intenção de contar à
polícia que ele sabia.
— Mas o fato de ele ter passado a informação a Stratos serviria para
torná-lo suspeito.
Aristo negou com um gesto de cabeça.
— Stratos teria apenas de negar, dizer que a conversa com Timon nunca
ocorreu. E Timon nem ao menos pode jurar o contrário, pois não pode
lembrar-se, realmente.
— E a sua reputação não o auxilia em nada? É ridículo suspeitar de você
como autor do roubo.
Aristo sorriu para ela.
— Você é dona de uma confiança cega.
— Em você, sim.
— Eu agradeço. Mas o triste fato é que nem todos pensam como você. Ah,
as pessoas que me conhecem bem têm ficado a meu lado, mas isso não altera
o fato de que todos os meus bancos vêm perdendo negócios para Stratos com
regularidade. E também não altera o fato de que há uma grande possibilidade
de que eu ou Timon, ou até ambos, terminemos na prisão. Foi tudo muito bem
planejado.
Melina estava silenciosa e pensativa.
— Eu ainda não entendo por que Stratos iria querer destruí-lo.
— O motivo é simples. Vingança.
— Mas por quê?
— Trata-se de algo que remonta a muitos anos. Stratos é meu meio-
irmão.
Melina arregalou os olhos, surpresa.
— Somos filhos da mesma mãe. Ela foi casada com o pai dele e deixou-o
para casar-se com meu pai quando Stratos tinha apenas dois anos de idade.
Seu pai alimentou um ódio profundo até a morte, ódio este que Stratos
herdou. Às vezes acho que tirar-me tudo que quero realmente bem é sua única
razão de viver.
Melina tentava assimilar o que ouvia.
— Deve haver um meio de provar que ele é o culpado.
— Somente se for apanhado com o ouro em seu poder.
— Mas você nem sabe onde está este ouro.
Pela primeira vez durante a conversa, Aristo demonstrou alguma
esperança.
— Sim, eu sei. Pelo menos penso que sei.
Os olhos de Melina se iluminaram.
— Está na baía, não é? — indagou ela, confiante.
— Eu creio que sim.
— E Timon sabe disso?
— Como eu, ele suspeita.
Ele tem mergulhado na região, tentando encontrá-lo.
Aristo mexeu-se e cerrou os olhos um instante quando uma onda de dor
atravessou-lhe o ombro. Melina passou-lhe a garrafa de conhaque.
— Aqui, tome mais um gole. É o único anestésico que temos.
Foi o que ele fez, suspirando.
— Tudo bem. Agora quero saber como levou esse tiro.
— Foi falta de cuidado — explicou, após uma pequena pausa. — Quando
voltei de Atenas ontem à noite, desci até a praia com intenção de mergulhar.
Quando estava para entrar no barco, alguém atirou pelas costas. Saltei para o
lado e para dentro d'água. Houve outro tiro, que não me atingiu, e nadei o
mais rápido que pude para um lugar seguro sob o ancoradouro, onde pude
colocar a cabeça fora da água sem ser visto. A pessoa que me acertou ficou
observando a água por um longo tempo. Depois de meia hora, como não viu
nada, afastou-se.
Melina estava horrorizada. Esses acontecimentos estavam completamente
fora de sua realidade.
— Você conseguiu ver quem foi?
— Ele trabalha no Calypso, Melina. Seu nome é Péricles.
Melina ficou chocada demais por alguns momentos para dizer algo.
— Péricles? Você tem certeza?
— Consegui vê-lo muito bem.
— Por que Péricles quereria matá-lo?
— Ele deve trabalhar para Stratos. E sem dúvida também é ele que está
por trás da série de acidentes que têm ocorrido com a tripulação de seu pai,
incluindo o problema em seu cilindro de ar.
Melina balançou a cabeça.
— Sinto-me perdida. Tudo faz sentido, se Stratos o odeia tanto quanto
você acredita. Mas por que iria ele infiltrar Péricles entre a tripulação do
Calypso, para começar? E por que quereria prejudicar as pesquisas e ainda
danificar meus cilindros de ar, sabendo quais seriam as conseqüências? O que
teria feito meu pai para merecer a inimizade de Stratos?
— Vamos começar do princípio: em primeiro lugar, acredito mesmo que o
ouro esteja na baía. Mas é uma área muito grande, e acho que, depois de
terem-no jogado na água, Stratos e seus capangas esqueceram o local exato e
têm estado à sua procura desde então. O que era tarefa fácil antes de seu pai
aparecer com seus mergulhadores. Eles não contavam com a presença de
terceiros. Nem contaram com a possibilidade de outras pessoas acharem o
ouro.
— Por que você acha que Stratos lançou-o na baía, afinal? Por que não
guardá-lo em sua casa ou no seu navio?
— No caso de alguém acreditar em Timon e realizar uma busca, ele seria
apanhado. Além disso, o que poderia ser melhor do que despejar a razão de
minha ruína em meu próprio "quintal"? Seu pai não se encontrava lá na época
e Stratos desconhecia as negociações com o governo para descobrir a cidade
submersa.
O mistério ia aos poucos se desfazendo.
— Assim, quando meu pai iniciou suas pesquisas, Stratos colocou Péricles
no navio para vigiar-nos e para se certificar de que não encontraríamos o ouro
roubado.
— E, o que é mais importante, teria alguém no local que o procuraria para
ele, sem levantar suspeitas.
— Então é Péricles que está por trás das luzes noturnas.
Aristo assentiu.
— Mas por que a onda de acidentes?
— Creio que seja porque Stratos queria o Calypso fora da baía para trazer
o ouro à superfície sem ser visto.
— Você também quis o navio de papai fora do caminho — lembrou-lhe
ela.
— Eu tinha receio de que alguém saísse realmente ferido. Consegui que
Lambus fosse contratado para que pudesse vigiar os acontecimentos para
mim. Talvez prevenir outros acidentes antes que acontecessem.
— Eu estava curiosa sobre isso — disse Melina calmamente. — Porém
ainda há algo que não entendo: Stratos poderia ter mandado matá-lo em
qualquer época. Por que agora?
— Porque estou chegando perto da verdade, e ele sabe. Acredito em
Timon. E tenho vigiado a baía. Anote minhas palavras, Melina: Stratos está se
preparando para buscar aquele ouro e não quer testemunhas.
— Mas o Calypso ainda está aqui.
— Devo admitir, tal fato tem me desconcertado.
— Talvez você esteja errado sobre o momento em que ele irá agir.
Aristo balançou a cabeça.
— Não. Eu conheço Stratos. Sei como funciona sua mente. Ele está
pronto.
Os olhos de Melina de repente se arregalaram.
— Timon! Se Stratos quis apanhar você, certamente está atrás de Timon
também.
— Meu irmão partiu para a Itália na noite passada. Com alguma sorte,
tudo aqui estará resolvido antes de ele voltar.
— É um alívio ouvi-lo falar assim. — Melina inclinou-se para a frente, os
cotovelos apoiados nos joelhos. — Sua avó não ficará preocupada por não vê-
lo voltar para casa?
— Sou conhecido por sair em viagens de negócios sem avisar, inclusive
em meus escritórios, e, no momento, é o que todos pensarão.
— Então, para Stratos, você está morto, Timon fora de alcance e ele pode
buscar o ouro com segurança.
— Exatamente — concordou Aristo.
— Quando e, se ele o fizer, que atitude você tomará?
— Estarei vigiando e seguirei o ouro direto até Stratos.
— Mas não pode com o braço neste estado.
— A não ser que você conheça alguma cura milagrosa, Melina, não tenho
escolha.
— Mas você tem. Você tem a mim e a Lambus. Podemos ajudá-lo.
Uma expressão divertida surgiu no rosto de Aristo.
— Você iria mesmo, não é?
— Sei como deslocar-me furtivamente de um lugar a outro.
— Sei, exatamente como hoje à noite, quando seguiu Lambus até aqui —
respondeu ele secamente.
As faces de Melina coraram na escuridão.
— Meus pés bateram em alguns seixos — explicou, na defensiva.
Aristo contemplou-a carinhosamente.
— Melina, por favor, entenda. Não posso permitir que você o faça. Não se
trata de um jogo. Trata-se de vida e morte.
— Sei disso.
— Então sabe também que não quero que nada de mal lhe aconteça.
— Sinto o mesmo em relação a você — afirmou ela com suavidade.
Melina pôde ver os músculos de seu rosto retesarem-se à luz do luar.
— Eu gostaria de que você chamasse a polícia para ajudá-los — continuou
ela.
— Não posso. Pelo menos até que tenha condições de provar minhas
suspeitas.
— E sobre meu pai? Talvez haja algo que ele possa fazer para auxiliá-los.
— Melina, tudo o que lhe contei foi estritamente confidencial. Ninguém
mais, incluindo seu pai, deve saber sobre isso. Quanto menos pessoas
estiverem a par dos acontecimentos, menos possibilidades há de Stratos ser
avisado.
— Está certo — Melina concordou com relutância. — Mas não gosto de vê-
los agindo sozinhos.
Lambus chegou silenciosamente pelo templo e caminhou até eles.
— Ninguém a seguiu — informou.
— Isso é bom. Encontre um local perto da baía e mantenha vigilância.
Então, ao romper do dia, volte para buscar Melina.
De novo, Lambus inclinou a cabeça e saiu. Melina agradeceu a Aristo.
— Eu imaginei que você não voltaria hoje, mesmo que eu mandasse.
— Acertou. — Ela estendeu a mão e tocou-lhe o rosto, com leveza. —
Você parece tão cansado...
— E estou. Como nunca estive em minha vida.
Ela se aproximou dele e encostou-se na coluna.
— Coloque a cabeça em meu colo — pediu ela.
Aristo estendeu o longo corpo no chão duro e fez o que ela pediu. Segurou
uma de suas mãos contra o peito para que ela sentisse o bater de seu coração.
Com a outra mão, deslizava os dedos pelo cabelo espesso.
— No que está pensando — indagou ela, fitando-lhe o olhar distante.
— Que será difícil dizer-lhe adeus quando chegar a hora. E ela chegará,
Melina. Você voltará ao trabalho em Chipre e eu me casarei com Helen.
Melina nada disse por um longo momento.
— Eu sei — murmurou, afinal.
Os olhos dele começaram a fechar-se lentamente.
— Sinto tê-la envolvido nesta trama.
O olhar de Melina percorreu-lhe o rosto. A respiração de Aristo tornou-se
profunda e regular. O coração batia compassadamente sob sua mão.
Com a cabeça recostada à coluna, Melina fitava a escuridão. Deveria
haver algo que pudesse fazer para ajudar. Aristo não estava em condições de
perseguir um ladrão e suposto assassino, mesmo que pensasse o contrário. No
momento, ninguém sabia que se encontravam ali, com exceção de Lambus.
Estavam a salvo, pelo menos por mais algumas horas.

CAPÍTULO VIII

O sol começava a surgir quando Melina despertou. A cabeça de Aristo


moveu-se em seu colo. A mão dela ainda repousava em seu peito. Sentiu-se
então invadida por uma profunda tristeza. Essa fora a sua noite com o homem
que amava. Sua única noite, pois poderia ser a última vez que o veria.
— Temos de ir — avisou Lambus, em voz baixa.
— Há quanto tempo está aqui? — perguntou, surpresa, pois não o vira
chegar.
— Apenas há alguns minutos. Está ficando tarde.
— Eu sei. Aristo — chamou docemente.
Ele moveu-se, soltando um leve gemido.
— Que horas são? — perguntou ele.
— Perto de quatro e meia.
Aristo sentou-se e estremeceu assim que mexeu o braço. Melina ajoelhou-
se a seu lado.
— Vou mudar o curativo antes de ir.
— Você não tem tempo para isso.
— Encontrarei tempo. Sente-se, por favor, e fique quieto.
Aristo observou-lhe a cabeça inclinada enquanto trabalhava à luz do sol
ainda pouco visível.
— Receio ter de usar aquele líquido outra vez — preveniu-o, ao remover o
curativo.
— Desta vez estou preparado — tornou ele.
Cerrando os dentes, Melina derramou o anti-séptico sobre o ferimento.
Aristo não vacilou, mas ela pôde ver a dor refletida em seus olhos.
Sem nada dizer, ela enfaixou-lhe o braço novamente, guardou o material
de primeiros socorros na sacola e apoiou-a contra a coluna.
— Quando eu voltar, trarei alguma comida de verdade.
— Eu não quero que volte.
— Aristo, não posso deixá-lo assim, com um ferimento à bala e sem
comida...
— Melina, por favor... Eu estarei bem. — A voz de Aristo era firme e não
admitia réplicas.
Ela se ergueu e Aristo a imitou, olhando para o outro homem sem nada
dizer. Lambus afastou-se para o outro lado do templo.
— Melina — ele chamou suavemente —, olhe para mim.
De costas para ele, não quis se voltar. Não queria que visse que estava
prestes a chorar.
As mãos de Aristo tocaram seus ombros delicadamente. Ela virou-se e
levantou o rosto relutante.
— Eu a amei no primeiro momento em que a vi. Mas você era tão jovem!
Não podia tê-la naquela época e não posso tê-la agora. Assumi um
compromisso com Helen e com sua família. Ela é uma boa mulher e lhe fiz
promessas que não posso quebrar. Nem mesmo por amor a você. Não tenho o
direito de fazer isso a ela nem a nós.
Melina fez um esforço e assentiu.
Ele gentilmente enxugou uma lágrima que começava a rolar por sua face.
— Sempre a amarei, Melina. Seria impossível não fazê-lo. Porém não devo
vê-la outra vez. Tenho de prosseguir com minha vida do modo que foi
planejada, e você deve fazer o mesmo.
— É o que tentarei fazer. — A voz dela era pouco mais que um sussurro.
Incapaz de se conter, Aristo puxou-a para si e a abraçou.
— Precisamos ir, agora — disse Lambus, atrás deles.
Melina afastou-se de Aristo e contemplou-o pela última vez.
— Espero que tudo saia bem para você. Cuide-se. E cuide de seu braço,
também. Adeus.
Aristo a observou até desaparecer no crepúsculo.
A visibilidade ainda não era boa quando chegaram ao Calypso, remando
silenciosamente. Pararam em frente à plataforma de mergulho.
— Suba, que eu cuidarei das lanchas — afirmou Lambus.
Melina assentiu e saiu. Já estava quase no último degrau quando se voltou
e pediu a ele:
— Por favor, cuide bem de Aristo.
— Ele ficará bem, Melina. Providenciarei para que isso aconteça. — A
expressão sempre fechada de Lambus se suavizara, ao lhe dizer essas
palavras.
Silenciosamente, Melina entrou no navio e dirigiu-se à sua cabine.
Ninguém havia se levantado, ainda. Deitada em sua cama, fechou os olhos e
caiu num sono profundo.
Já passara das oito horas quando finalmente despertou. Despiu-se
correndo e foi para o chuveiro. Após um banho rápido, vestiu um jeans e uma
blusa confortável e, em seguida, subiu ao convés.
Seu pai, que estava parado perto da balaustrada examinando alguns
papéis, viu-a e lhe sorriu.
— Ora, bom dia, dorminhoca.
— Desculpe, papai. Creio ter perdido a hora. — E sorriu, um tanto
encabulada. — Afinal, prometi que iria ajudá-lo.
— Acredite-me, querida, está ajudando mais do que imagina. Dei uma
olhada nas peças que conseguiu restaurar ontem e o trabalho está perfeito.
— Adorei o elogio, mas não é tão notável assim, afinal. Os fragmentos
encontrados naquela área em especial estão se encaixando como peças de um
quebra-cabeça.
— Deve estar na hora de termos alguma sorte nestas escavações. E
encontramos outra área que parece interessante. Ah, lembra-se da festa sobre
a qual Stratos falou quando esteve aqui? Será hoje à noite, e estará presente
um grupo interessado no trabalho que realizamos. Toda a tripulação
comparecerá.
— Lembro-me do convite e me pergunto por que estaria convidando toda
a tripulação.
— Ele acredita que dará a seus convidados uma perspectiva totalmente
nova sobre a pesquisa se conversarem não só com os idealizadores do projeto,
mas também com as pessoas que executam o trabalho real.
— Entendo... — E compreendeu mesmo, com uma súbita e notável
clareza. Que modo perfeito de tirar todos do Calypso. Essa noite seria a noite,
com certeza. Teria de avisar Aristo.
— Você virá conosco? — quis saber o pai.
— Sabe que não, papai. Não pretendo ver Stratos novamente.
— Claro, filha, entendo que não queira ir.
— Os mergulhadores já estão trabalhando? — indagou ela.
— Há mais de uma hora.
— E Péricles?
— Está com eles, é claro. Por que quer saber? — perguntou o pai,
olhando-a com interesse.
— Apenas curiosidade, creio — explicou, ungindo desinteresse. — Vou dar
um pulo até a cozinha, tomar um suco, antes de começar a trabalhar. —
Dizendo isso, afastou-se.
Encontrou Luigi lavando a louça e já se preparando para o almoço.
— Bom dia, Luigi. Eu gostaria de falar com Lambus, ele está?
O semblante do cozinheiro se anuviou.
— Ele acabou de sair. Não me ajudou com o café e não vai me ajudar com
o almoço. Não se pode confiar em mais ninguém hoje em dia.
O coração de Melina gelou. Como iria prevenir Aristo, sem Lambus para
ajudá-la?
— Obrigada, Luigi. Sinto sobre seu ajudante.
— Eu também. Ele era um ótimo empregado.
Melina voltou ao convés. Havia apenas uma saída. Ela teria de avisar
Aristo pessoalmente. Seu pai continuava recostado à balaustrada.
— Papai, preciso ir a Kortina rapidamente. Posso usar uma das lanchas?
— Mas claro, querida.
Ela agradeceu e baixou à água o mesmo barco que usara na noite
anterior. Segundos depois, já atravessava a baia em direção a Kortina. Não
podia seguir o mesmo trajeto da outra noite, pois poderia despertar suspeitas
caso estivesse sendo observada do navio. Depois de ancorar a lancha, levou a
motoneta amarela para o ancoradouro e dirigiu-se para o interior da ilha por
suas estradas sinuosas até as ruínas do templo.
Quando finalmente chegou, estacionou e subiu correndo os degraus.
Correu até a porta que conduzia à parte inferior.
— Aristo — chamou em voz baixa.
Não houve resposta.
Chamou-o outra vez e, novamente, apenas o silêncio. Enfrentando a
escuridão, Melina desceu as escadas.
— Aristo, se você está aqui, por favor, responda — pediu ela. Não havia
ninguém ali.
Ela retornou à luz do sol, atravessou o templo e sentou-se nos degraus
entre duas colunas. Não sabia mais onde procurar. Lambus já deveria estar
com ele, sem dúvida. Talvez já soubesse dos planos de Stratos e já tivesse
passado a informação a Aristo. De qualquer forma, nada havia que pudesse
fazer a respeito.
Erguendo-se, desceu os outros degraus, apanhou a motoneta e partiu em
direção à cidade.
Quando chegou ao Calypso, sentou-se imediatamente à sua mesa de
trabalho. Tentou concentrar-se no que fazia, mas era tarefa quase impossível.
Unir os fragmentos demandava paciência e era exatamente o que lhe faltava
no momento.
O dia parecia interminável. Péricles às vezes passava por ela e
ocasionalmente lhe sorria. Era preciso um grande esforço para retribuir esse
sorriso, mas ela o fez. De modo algum o deixaria desconfiar do que sabia a seu
respeito.
Quando o dia de trabalho terminou e todos se preparavam para ir a
Atenas, Melina desceu à própria cabine para uma ducha e trocar de roupa.
Depois de colocar um informal vestido de verão e sapatos confortáveis,
apanhou um livro e foi ao convés superior. Seu pai já se encontrava lá, usando
um de seus dois únicos ternos, mas mesmo assim tinha uma aparência
elegante. Um enorme hidroavião enviado por Stratos, grande o suficiente para
levar toda a tripulação, flutuava próximo ao navio. Um a um os mergulhadores
chegaram ao convés. Até Luigi iria a Atenas.
Péricles estava ausente. Estaria demorando para se trocar? Olhou
esperançosa para as escadas, mas ele não apareceu.
— Papai, onde está Péricles? — indagou ela.
— Você tem demonstrado bastante interesse por esse rapaz, não é
verdade? — falou o dr. Chase, sorrindo. — Ele partiu para Kortina após o
último mergulho. Explicou algo sobre a mãe encontrar-se doente.
— Para Kortina? — O coração saltou-lhe à garganta e lá permaneceu.
— É isso mesmo. Suponho que voltará amanhã cedo. Na verdade,
nenhum de nós deverá estar de volta antes disto.
Melina observou a tripulação embarcar no hidroavião, que foi ganhando
velocidade até levantar vôo. Ela acenou aos passageiros, depois recostou-se à
balaustrada e contemplou Kortina. Era uma noite calma e tranqüila.
Caminhando pelo convés, parando aqui e ali, finalmente apanhou seu
livro, enrodilhou-se sobre uma cadeira e começou a ler. Ou pelo menos tentou.
Continuou a observar a água mais adiante, atenta ao menor som
diferente. Suas pálpebras tornaram-se pesadas. Quase não dormira na noite
anterior. Quando permitiu que os olhos se fechassem, disse a si mesma que
estando no convés perceberia de imediato qualquer movimento fora do
comum.
O que não previra foi adormecer tão profundamente. E por tanto tempo.
Era meia-noite quando Melina acordou. Levou alguns segundos para
perceber onde estava. Ao se mover, o livro caiu no chão com um baque surdo
que a despertou por completo.
Levantou-se e começou a caminhar para a balaustrada, porém deteve-se
e tornou a se ocultar nas sombras. Uma traineira achava-se parada cerca de
cem metros do Calypso, as redes molhadas brilhando à luz do luar. Era, sem
dúvida, uma hora estranha para pescar. Melina permaneceu onde estava por
um longo tempo, a atenção totalmente voltada aos movimentos na
embarcação.
As redes eram jogadas e puxadas repetidas vezes, fato incomum a uma
pescaria, considerando que a traineira se encontrava ancorada. Tal
procedimento dificultaria ou tornaria impossível a pesca com rede. Esperou que
os motores fossem ligados e que o barco se movesse para arrastar as redes,
mas tal não sucedeu.
Então, o luar permitiu-lhe vislumbrar algo que brilhava dentro das redes.
Poderia ser peixe. Ou poderia ser... o ouro.
O coração de Melina saltava-lhe no peito. Lembrou-se de Aristo. Estaria
ele vigiando? Saberia o que acontecia? E caso não soubesse? A resposta era
simples: Stratos teria vencido.
Tendo se habituado a controlar as situações, tomou uma decisão:
descalçou os sapatos, dirigiu-se à plataforma de mergulho e entrou na água,
silenciosamente. Nadando com rapidez, aproximou-se do barco pelo lado
oposto ao do Calypso.
Aguardou alguns momentos, à escuta, arrastou-se para fora segurando-se
a um dos grandes pneus amarrados ao lado da embarcação. Erguendo-se,
espiou para o convés. Viu apenas um homem, em roupas de mergulho, de
costas para ela. Não pôde ver o que fazia.
Quando ele se afastou, afinal, desaparecendo atrás da casa do leme,
Melina içou-se para o convés. Com água escorrendo a seus pés, movimentou-
se com ligeireza, encostando-se à parede, sem fôlego.
O mergulhador retornou. Oculta nas sombras, ela observou. Viu-o usar
um guincho para arrastar a segunda rede na qual se encontravam várias
caixas de metal. Qualquer que fosse seu conteúdo, era muito pesado, pois
outro homem juntou-se ele para auxiliá-lo.
Outro mergulhador subiu a bordo, vindo do mar. Assim que tirou a
máscara, Melina reconheceu Péricles.
— Já pegamos tudo — afirmou, em grego, para os companheiros.
— Então, vamos sair daqui.
Quando ela ia saltar na água, Péricles começou a caminhar em sua
direção. Não teve outra alternativa senão entrar na casa do leme, onde
mergulhou para baixo de uma pilha de cobertas.
Ouviu quando Péricles entrou. Os motores foram ligados sem muita
dificuldade. O ruído intensificou-se aos poucos até tornar-se rápido e regular.
Então a traineira movimentou-se.
O seu coração dava saltos. O que faria agora?
Aristo encontrava-se nos rochedos vigiando a traineira pelo binóculo. Seu
braço direito doía mas ele se forçava a ignorar a dor.
— A única razão para aquela embarcação estar lá a esta hora é apanhar o
ouro. Nosso palpite estava certo, Lambus.
Foi então que captou um movimento ao longo do barco de pesca e
estreitou os olhos, atento. Parecia ser... Não, era impossível.
— Oh, meu Deus — ele murmurou, com a voz rouca. — O que ela está
fazendo?
Lambus, que observava com seu próprio binóculo, movimentou-os até
encontrar o que Aristo vira.
Ante o olhar horrorizado dos dois homens, uma mulher saiu da água e,
pouco depois, saltou para dentro da traineira.
— Aquela é Melina? — perguntou Lambus, incrédulo.
— Quem mais seria louca a esse ponto? — Aristo balançava a cabeça. —
Eu não acredito no que vejo!
Viram quando ela desapareceu dentro da casa do leme, seguida instantes
depois por um homem. E isso foi tudo o que conseguiram divisar.
Os motores foram ligados, e Melina não deixara o barco.
Aristo ergueu-se, deixando de lado o binóculo.
— Lambus, chame a polícia em Atenas. Pegue o helicóptero. Tentarei
apanhar a lancha e seguir a traineira. Eu apostaria que o navio de Stratos está
lá fora, esperando por ela.
— Eu devia ir com você. Mesmo que alcance o barco, o que poderá fazer
com o braço neste estado?
— Pensarei em algo. Faça o que lhe pedi e tome a mesma direção que a
traineira segue agora.
Lambus assentiu e partiu rapidamente.
Aristo desceu com dificuldade para a praia de solo rochoso e dirigiu-se o
mais rápido que pôde para onde guardava a lancha, tentando ao mesmo
tempo não perder a traineira de vista.
De repente, o ouro parecia ter perdido a importância. Porém, se algo
acontecesse a Melina...
Finalmente conseguiu alcançar seu barco. A chave encontrava-se no
contato, como sempre. Ele a virou e nada aconteceu. Praguejando, tomou de
uma lanterna, tentando controlar a frustração. Iluminou o intrincado sistema
elétrico da lancha. Alguns fios pendiam soltos, desligados. O barco havia sido
sabotado.
Ele olhou o mar outra vez. A traineira desaparecia no horizonte. Tentando
dominar o pânico, Aristo apanhou suas ferramentas e lançou-se ao trabalho.

CAPÍTULO IX

Melina ainda se encontrava em seu esconderijo quando os motores


pararam. Não tinha a menor idéia de onde se encontrava. Pôde apenas sentir
os solavancos do barco quando os pneus que o cercavam batiam em algo lá
fora. A não ser que estivesse enganada, deviam estar ao lado do navio de
Stratos.
Ouviu o som de passos no convés e homens gritando uns com os outros.
Temendo ser descoberta, espiou por debaixo das cobertas na escura casa do
leme. Estava completamente só.
Quando lhe pareceu que toda a ação se concentrava na parte posterior da
traineira, Melina aventurou-se para fora de seu esconderijo e, com cautela,
olhou para o convés.
A atividade era frenética, com vários homens transferindo caixotes para o
navio ancorado ao lado com o auxílio de redes. A tarefa tomou-lhes um longo
período de tempo e Melina observou-os, curvada a um canto, imóvel.
Quando o último carregamento foi içado para o navio, apenas um homem
permaneceu na traineira. Melina concluiu, e com razão, que estariam prestes a
partir. Não poderia deixar que aqueles caixotes lhe escapassem. Arrastando-se
pelo convés sem ser vista, pulou por cima da balaustrada e saltou para a água.
Dando um grande impulso, nadou para o navio. Após procurar por alguns
instantes, encontrou a escada, subiu ao degrau inferior e agarrou-se a ele,
sem ser vista. De onde se encontrava, não podia ver nada, porém podia
escutar o que se passava a bordo.
Uma onda atingiu-a com força, quase a derrubando. Ela agarrou-se à
escada com mais firmeza e esperou. Quando as vozes se afastaram, Melina
subiu os degraus, com muita cautela. Espiando sobre a borda do navio, ficou
paralisada: um homem passava a dois metros dela naquele instante, e por
pouco não a viu.
Ao vê-lo desaparecer, saltou para o convés e encostou-se a uma parede,
de imediato. Sabia haver muitas pessoas no navio, porém desconhecia quantas
e em que lugar estavam.
Colocando a mão sobre o peito, permaneceu totalmente imóvel por um
momento e quando não pressentiu mais nenhum movimento, dirigiu-se para o
fundo do navio, sempre caminhando ao longo da parede. Tinha de achar um
lugar seguro para se esconder até decidir o que fazer.
Quando ouviu vozes vindo em sua direção, entrou pela primeira porta que
encontrou à sua frente, fechando-a com cuidado atrás de si.
Melina olhou ao seu redor, porém não podia ver muita coisa. Começou a
andar às apalpadelas até sua mão tocar em algo que percebeu ser um abajur.
Inclinou-se para acendê-lo e, ao se voltar, percebeu um ruído a seu lado.
Olhou, amedrontada, e viu-se observada por um cão enorme. Assustada,
pensou em fugir. O animal, porém, não fez nenhum movimento. Ele não
rosnou. Apenas olhava. Ela experimentou estender a mão, o que o cão inter-
pretou como um gesto de carinho.
Aliviada, Melina o afagou demoradamente. Porém não podia ficar ali muito
tempo. Aquele parecia ser o aposento de Stratos e este poderia aparecer ali a
qualquer instante.
Com um último carinho, Melina apagou a luz e foi até a porta. Não viu
ninguém, ao olhar para fora com cautela. Voltou pelo mesmo caminho que
havia feito antes. O convés estava deserto. Era quase como se a tripulação
tivesse terminado seu trabalho e se recolhido. Permanecendo junto à parede,
moveu-se rapidamente, parando de súbito ao som de passos às suas costas.
Não havia para onde ir. Melina gelou.
Uma porta próximo a ela se abriu e ela viu-se puxada para dentro antes
que pudesse reagir.
— Fique quieta! — sussurrou próximo ao ouvido uma voz deliciosamente
familiar.
Os passos seguiram adiante e a mão que lhe tapava a boca relaxou. O
aposento estava escuro como breu, mas Melina não precisava ver nada. Virou-
se e abraçou Aristo, que também a envolveu com os braços.
— Como chegou até aqui? — indagou ela, em voz baixa.
— Eu lhe faço a mesma pergunta, Melina. Eu quase desmaiei ao vê-la
subindo a bordo da traineira.
— Eu queria ver o que levavam a bordo.
— E conseguiu? — Havia ansiedade na voz de Aristo.
— Vi apenas uns caixotes, mas não o que havia neles. Segui-os até aqui,
mas não sei onde estão agora.
— Melina, você deveria ter ficado na traineira e partido com ela.
— E perder os caixotes de vista?
— Isso mesmo. E é exatamente o que você vai fazer neste momento.
Deixei a lancha ancorada a quinhentos metros daqui. Quero que nade até lá e
volte a Kortina.
— E você, o que pretende fazer?
— Ficarei aqui para acertar as contas com Stratos.
Melina afastou-se dele.
— Se você pensa que vou partir e deixá-lo aqui com o homem que tentou
matá-lo, está completamente enganado.
— Não creio que me enganei com você. É uma moça teimosa, intrometida
e pensa que pode acertar tudo com sua simples presença. Não é assim que
funciona. Você não tem nada a fazer aqui e vai partir agora. Nem que eu tenha
de jogá-la na água.
— Está bem, eu irei. — Ela se assustara com a reação zangada de Aristo.
Ele entreabriu a porta e olhou para fora.
— Não vejo ninguém. Venha — falou, tomando-lhe a mão. O som de um
helicóptero se fez ouvir naquele instante e suas brilhantes luzes de
aterrissagem lampejaram sobre o mar e dirigiram-se para o convés.
Aristo praguejou e correu rápido para a frente do navio, arrastando Melina
consigo. Ele a levou a um grande aposento onde pôde divisar um bar
semicircular, cercado de bancos altos. Pela maneira como se movia ali dentro,
Aristo obviamente já havia estado lá antes. Ele atravessou a sala e entraram
por uma porta envidraçada, deixando-a ligeiramente entreaberta. Menos de
dez minutos depois as luzes se acenderam e Stratos entrou acompanhado de
Péricles.
— Então nossa carga está a bordo? — certificou-se Stratos, enquanto se
servia de uma bebida.
— Sim, senhor. Correu tudo sem problemas.
— Algum sinal de Melina Chase? Ela não compareceu ao jantar.
— Não — foi a única resposta de Péricles.
— Isso é bom. — Stratos estava evidentemente muito satisfeito. — Agora,
tudo o que temos a fazer é esperar nossos amigos da Albânia, fazer a
transferência e tudo voltará ao normal.
— Exceto por seu irmão.
— Não o chame assim.
Neste instante, alguém bateu à porta.
— Entre — ordenou Stratos.
Um homem entrou, trazendo o cão enorme que Melina vira antes, preso a
uma coleira.
— Ah! — exclamou Stratos com satisfação. — Venha cá, César.
O homem soltou a coleira e se retirou, enquanto o animal corria para
Stratos e se sentava a seus pés, obediente.
— A morte de Drapano ocorreu em hora imprópria. Eu realmente preferia
tê-lo visto apodrecer na prisão — comentou Stratos.
— Já lhe disse que foi um acidente — retrucou Péricles.
— Eu sei, eu sei. Os meus planos eram outros, apenas isso. Eu o queria
fora do caminho por algum tempo para que pudéssemos trazer a carga à tona.
O cão então ficou agitado e começou a vagar pela sala. Parecia sentir a
presença de Melina e foi até a porta atrás da qual ela se encontrava.
— Oh, não — sussurrou ela. — Vá embora. — Ela fazia sinais com a mão
para o animal se afastar. — Ande, vá embora!
Em vez de obedecê-la, o cão agitou-se ainda mais, tentando abrir a porta
com a pata.
Péricles observava a cena, estranhando a atitude do animal, e dirigiu-se
para a porta. Melina sentiu o corpo de Aristo ficar tenso ao tocar no dela. Ele
puxou-a para trás e esperou. Assim que Péricles se aproximou, Aristo
empurrou a porta com violência e jogou-o ao chão contra uma mesa. Melina
ficou onde estava e viu quando Stratos veio na direção de Aristo. Ela gritou e
ele se voltou.
Stratos aplicou-lhe um forte soco e Aristo cambaleou. Seu braço ferido
bateu contra a parede e recomeçou a sangrar. Péricles se erguera e se
aproximava pelas costas. Melina entrou em ação. Apanhou uma garrafa quase
vazia que estava sobre o bar e despedaçou-a sobre a cabeça de Péricles. Ele
perdeu os sentidos, deixando Stratos lutando com Aristo.
Melina notou então que Stratos empunhava uma arma, que Aristo tentava
com esforço arrancar de sua mão. O revólver disparou duas vezes antes de ser
jogado para longe.
Stratos então atingiu o braço ferido de Aristo, fazendo-o cambalear mais
uma vez. Melina atirou-se sobre Stratos, que a empurrou com violência contra
a parede, o que a fez desfalecer.
Não sabia dizer o que ocorreu depois. Só se lembrava de Aristo ajoelhado
a seu lado, perguntando-lhe se estava bem.
— Creio que sim — respondeu, com voz incerta. — O que houve? Onde
está Stratos? — quis saber, olhando ao redor.
Ele se encontrava deitado no chão, inconsciente.
— Ele deve voltar a si dentro de minutos. — Então, voltando sua atenção
para Melina: — Você levou um belo tombo. Tem certeza de que está bem?
Melina assentiu, com um gesto de cabeça. Naquele momento, a porta
abriu-se com um estrondo e Lambus, seguido por um grupo de policiais,
irrompeu sala adentro.
— Presumo que esteja um pouco atrasado — concluiu, vendo o aposento
destruído.
— Só um pouco. — Aristo recostou-se fracamente contra o sofá. — O ouro
está a bordo, em algum lugar — informou, dirigindo-se a um policial.
O capitão da polícia moveu-se para a frente de Lambus.
— Foi ele o autor do roubo? — interrogou, indicando Stratos.
— Acertou, capitão — respondeu Aristo.
Stratos gemeu e voltou a si. Um policial foi até ele e algemou-o. Enquanto
era conduzido para fora, parou em frente a Aristo.
— Tentei destruí-lo tirando-lhe os bens, a reputação e, finalmente, a
liberdade. Se soubesse que seu ponto fraco era ela — seus olhos se voltaram
para Melina —, tudo teria sido muito mais fácil.
— Ele está certo, você sabe disso — declarou Aristo, depois que Stratos se
retirara. — Eu não sei o que faria se algo lhe acontecesse.
— Isto tudo é muito tocante, tenho certeza — interrompeu o capitão, com
um pigarro —, mas há muito a ser esclarecido ainda.
— Mas primeiro deve levá-lo a um hospital — interveio Melina, antes
mesmo que Aristo respondesse. — Está ferido há dias e precisa de cuidados.
— Está bem, senhorita. Temos um helicóptero aí fora.
— Eu também gostaria de ir, se me permitissem — pediu ela.
— Está bem — concordou o capitão de polícia enquanto se voltava para
cuidar de Péricles.
— Aristo, vou com você, porque, quando chegar a hora de deixá-lo, quero
ao menos ter a certeza de que está bem — explicou-lhe ela.
— Você é uma mulher para quem é muito difícil dizer não.
Neste instante, César tocou a mão de Melina com o focinho.
Ela olhou-o e lhe fez um carinho.
— Capitão, o que fará com o cão de Stratos?
— Provavelmente será sacrificado — volveu o capitão.
— Oh, não — pediu, comovida. — Ele nada fez de errado. Eu não poderia
ficar com ele?
— Teremos de consultar nossos superiores.
— Eu esperarei que o faça. Apenas se certifique de que nada de mal lhe
aconteça nesse meio tempo.
— Cuidaremos dele, fique certa disso.
Aristo observara a cena, enternecido. Como suportaria passar o resto de
sua vida sem ela?

CAPÍTULO X

Melina passara a noite no hospital com Aristo. Ele ainda dormia quando
saiu para conseguir algum café. Ao retornar, alguns minutos depois, Helen e
seus pais se encontravam no quarto.
— Creio que é hora de ir embora — disse a Lambus, que estava fora do
quarto.
— Eu a levarei.
— Isso não será necessário.
— Sim, é. Aristo me colocou no Calypso para cuidar de você, e é
exatamente o que farei.
Com um sorriso triste, Melina deixou o café sobre uma mesinha do
corredor. Sem mais palavras, voltou-se para partir com Lambus.
A tarde já caía quando voltou ao Calypso. O pai correu ao seu encontro e
tomou-a nos braços.
— Não sabia o que pensar quando me ligou ontem à noite. Você está
bem?
— Eu estou bem, papai, fique sossegado — respondeu em voz baixa.
— Que história foi aquela sobre Stratos e o ouro?
Melina afastou-se um pouco do pai, as mãos ainda sobre seus ombros.
— Há muita coisa para ser contada, papai, e estou cansada demais para
fazê-lo agora. Você se importa que eu vá até minha cabine, primeiro?
— É claro que não. Você pode me contar tudo depois.
Dando um beijo no pai, afastou-se cansada para a cabine. Ainda com seu
vestido amarrotado, deitou-se na cama e dentro de segundos estava
profundamente adormecida. Seu corpo exausto não suportaria mais nada.
Passaram-se mais de vinte e quatro horas antes que Melina despertasse
completamente. Tirando o vestido, entrou no chuveiro e ficou sob a água fria
até sentir a pele dolorida.
Depois de se enxugar, vestiu um jeans e um pulôver enorme, fez as malas
e subiu ao convés. Seu pai lá se encontrava e ela sentou-se a seu lado.
— Sente-se melhor? — perguntou afetuosamente.
— Muito — afirmou Melina.
— Aristo ligou para saber como você estava passando. Ele me contou tudo
o que aconteceu. Encontraram o ouro no navio de Stratos e ele agora está livre
de suspeitas.
— Isso muito me alegra. Ele disse como estava seu braço?
— Não.
— E o que aconteceu a Timon? Teve problemas por seu envolvimento com
Stratos?
— Creio que não. Acho que levou apenas um "puxão de orelhas" por ter
bancado o tolo. E, seja como for, ele deixou a Grécia. Não acredito que volte
tão cedo.
— Falando em partir, pretendo voltar ao Chipre hoje.
Seu pai assentiu.
— Imaginei que o faria.
Ele contemplou-lhe o perfil e seu semblante encheu-se de dor. Sofria por
querer ajudar a filha e ser incapaz de fazê-lo.
— Lambus está a bordo — informou-lhe o pai. — Parece determinado a
ficar até você partir.
— Talvez ele possa levar-me de volta.
Seu pai olhou para cima.
— Aí está ele. Você mesma pode perguntar-lhe.
Antes que ela pudesse fazê-lo, Lambus respondeu:
— Claro que a levo. Quando quer partir?
— Assim que der uma olhada no César.
— Eu já o fiz. A polícia ainda não vai liberá-lo. Mas ele está sendo bem
cuidado, não se preocupe.
— Então, creio que podemos ir. Minhas malas já estão prontas, na cabine.
Lambus ofereceu-se para apanhar-lhe a bagagem e se afastou.
— Não sofra demais por Aristo. Ele é um bom homem, mas há outros
bons homens no mundo.
— Eu sei, papai.
— O que eu lhe disse é uma bobagem. Sei que Aristo não pode ser
substituído, assim como não pude amar outra mulher tanto quanto amei sua
mãe. É que detesto vê-la magoada.
— Isso vai passar. Tudo ainda é muito recente — assegurou-lhe,
tranqüilizadora.
— Cuide-se bem, filha.
— E você, faça o mesmo.
— Está pronta, Melina? — quis saber Lambus, carregando a bagagem.
Ela esforçou-se para sorrir ao pai.
Seu olhar dirigiu-se à Mansão Drapano. Contemplou-a por alguns
instantes e então, lentamente, andou em direção a Lambus.
— Estou pronta.
Em Chipre, os dias de Melina perseguiam uma rotina previsível. O trabalho
no pequeno museu era absorvente, mas ao chegar em casa, no final do dia,
era apanhada na armadilha dos pensamentos. Ler ajudava; ver os amigos,
também. Porém nada a livrava daquela persistente dor no coração.
Um mês já havia se passado, quando uma noite deixou o museu e
começou a caminhar para a sua pequena casa. Surgindo aparentemente do
nada, César veio trotando alegremente em sua direção, quase a derrubando de
entusiasmo. Melina, rindo, agachou-se e abraçou-se ao pescoço do enorme
cão.
— Adoro finais felizes — escutou a voz vinda de cima.
Melina ficou quieta e ergueu os olhos para Aristo. Levantou-se devagar.
— Eu também. O que faz aqui?
— A polícia liberou-o, por fim, e resolvi trazê-lo para você.
— Agradeço-lhe que tenha se dado a esse trabalho.
O olhar de Aristo percorreu o rosto adorável.
— Você está maravilhosa.
— Como está seu braço? — perguntou, ignorando o elogio.
— Está bom. O médico disse que, se não fosse por seus cuidados, teria
tido uma infecção grave, por certo.
Melina assentiu.
— Preciso falar-lhe, Melina.
— Não, não tenho tempo. — O pânico que sentia era evidente em sua voz.
— Mas quero agradecer-lhe mais uma vez por ter trazido César. Adeus.
Ela recomeçou a caminhar, passando por ele, mas Aristo estendeu a mão
e segurou-lhe o braço.
— Eu não me casei com Helen.
Ao voltar-se para ele, a surpresa estampava-se em seu rosto.
— Como?!
— Não pude.
— Mas como, se você disse...
— Eu sei o que disse — Aristo a interrompeu. — Há um lugar mais calmo
em que possamos conversar? — pediu, notando as pessoas que os
observavam, curiosas.
— Minha casa não é longe daqui.
— Então, vamos...
Em silêncio, caminharam rua acima, com César trotando feliz entre eles.
Ao chegarem, Melina destrancou a colorida porta de madeira e entrou. Aristo e
César a seguiram.
O ambiente estava envolto em sombras, porém ela não o notou, pois
Aristo tomava-lhe o rosto entre as mãos.
— Oh, Deus, como senti sua falta...
Melina ia falar, mas ele impediu-a, tocando-lhe os lábios com o dedo.
— Logo depois que você partiu, reuni Helen e a família e expliquei-lhes o
que sentia a seu respeito. Como sempre me senti em relação a você. Custou-
me uma pequena fortuna desfazer o contrato, mas Helen preferiu assim a
casar-se com um homem apaixonado por outra mulher. Estou livre agora.
Aristo puxou-a para si. Como era bom aquele abraço.
O corpo de Melina colou-se ao dele, e ela fitou-o direto nos olhos. O amor
que viu encerrado neles atingiu em cheio o seu coração.
— Case-se comigo, Melina. Agora. Hoje à noite. Não quero ficar sem você
nem mais um minuto.
Quando os lábios de ambos se encontraram, Melina e Aristo quase
explodiram por causa de toda a paixão por tanto tempo contida. Não
conseguiam aproximar-se o suficiente. Os lábios dele deixaram os dela para
explorar a suave linha de seu pescoço. Melina reclinou a cabeça para trás e um
leve gemido escapou-lhe dos lábios enquanto as mãos dele desabotoavam-lhe
a blusa com habilidade. Seus lábios pousavam agora com desejo sobre aqueles
seios macios e quentes.
Aristo endireitou o corpo e procurou-lhe a boca novamente. Tomou-a nos
braços e começou a levá-la em direção ao quarto, mas parou de súbito,
enterrando o rosto em seu cabelo.
— O que há de errado?
— Isto. — Ele ergueu a cabeça e fitou-a. — Eu a amo mais do que pensei
ser possível amar alguém. E quero fazer amor com você tão
desesperadamente, que chega a doer. Mas sou um homem conservador,
Melina. Quando nos unirmos pela primeira vez, quero que seja como marido e
mulher.
Melina tocou-lhe o rosto com um gesto suave e sorriu.
— Às vezes me pergunto como pude ter a sorte de me apaixonar por você
aos quinze anos.
— Por pouco não foi má sorte. Estive tão perto de perder você. Se não
tivesse ido visitar seu pai, talvez não estivéssemos juntos agora.
— Quem sabe não foi o destino — brincou ela.
— Você é um verdadeiro milagre. Mesmo quando parecia que não
podíamos estar juntos, lá estava você para me ajudar, quando eu mais
precisava.
— E mesmo quando você pensou que não precisava.
— E por quê?
— Porque eu era uma mulher apaixonada. E ainda sou — sussurrou de
encontro aos seus lábios.

FIM

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