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A WOMAN IN LOVE
Brittany Young
Digitalização: Vicky B.
Revisão: Laís
Formatação: Rose
A WOMAN IN LOVE
© 1989 Brittany Young
Originalmente publicado pela Silhouette Books,
Divisão da Harlequin Enterprises Limited
AMOR NA GRÉCIA
© 1990 para a língua portuguesa
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Tradução: Edite S. Sciulli
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.
Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
Melina acordou tarde no dia seguinte, vestiu o seu traje de banho e, por
cima deste, um curto traje de mergulho cor-de-rosa. As longas pernas
achavam-se descobertas, pois preferia assim quando mergulhava em águas
mornas. Enquanto prendia o cabelo em um rabo-de-cavalo, ouviu baterem à
porta. Era Luigi, trazendo-lhe suco de laranja e torradas sobre uma bandeja.
— Seu pai me disse que você iria mergulhar hoje.
— E você quis certificar-se de que me alimentaria antes de ir, certo?
— Acertou em cheio. Sei que não o faria se eu mesmo não lhe trouxesse
algo.
Ela beijou-lhe o rosto, enquanto lhe tomava a bandeja das mãos.
— Obrigada, Luigi; comerei tudo, prometo.
— Até a última migalha! — completou ele.
Deixando a porta aberta, Melina colocou a bandeja sobre a cômoda e,
apanhando o suco com uma das mãos e a torrada com a outra, dirigiu-se ao
convés superior.
Estava um dia deslumbrante. Sentindo o sol em seu rosto, foi até a mesa
de trabalho do pai, onde este já se achava reunido com outros quatro
mergulhadores. Eram todos desconhecidos, com exceção de Craig.
— Melina, esse é o local em que vai trabalhar — informou-lhe o pai,
apontando a exata posição em um mapa sobre a mesa.
Ela examinou o desenho, até localizar sua posição em relação ao navio, e
assentiu.
— A que profundidade trabalharemos?
— Varia entre vinte e trinta e cinco metros. Péricles estará trabalhando
em local próximo ao seu — informou o pai, indicando um jovem grego parado
ao lado de Craig. — Trata-se de um voluntário da ilha e sua principal função é
desobstruir a passagem entre as ruínas.
Péricles e Melina trocaram sorrisos e ela tornou a examinar o mapa.
Indicando pontos distantes, o dr. Chase mostrou a posição dos demais
mergulhadores. Péricles seria o único a trabalhar perto dela.
— Eu mesmo descerei a intervalos regulares para verificar se tudo está
correndo bem. Para começar, Melina, quero que use o aparelho de sucção
portátil que já se encontra aqui. Concentre-se na área que lhe foi destinada,
desobstruindo camada por camada. Sei que há algo onde estará trabalhando,
porém não sei do que se trata ou se nos interessará. E não saberemos até
termos limpado a área. Quase tudo o que encontramos até o momento estava
em pedaços, o que não nos surpreende se considerarmos como verdadeira a
versão de Platão que conta que a cidade submergiu devido a um terremoto e
uma onda gigantesca. Alguma pergunta?
Ninguém tinha dúvidas.
— Ótimo, então. Mãos à obra. Melina, os cilindros de ar foram
recarregados e seu equipamento foi trazido do depósito. Estão no convés,
próximo à plataforma.
Melina agradeceu e, enquanto os demais mergulhadores se afastavam,
Gregory Chase entregou-lhe uma prancheta à qual estavam presos um mapa
impermeabilizado e uma caneta.
— Existe a possibilidade de você não encontrar nada interessante a
princípio, mas, como você sabe, tudo deverá ser registrado.
Ela assentiu.
— Você não se sente de volta aos velhos tempos? — indagou-lhe o pai.
— É quase como se o tempo não tivesse passado. Lembro-me sempre da
primeira vez que aqui estivemos. O governo opunha-se obstinadamente à
realização destas pesquisas. Como conseguiu convencê-los?
— Não foi fácil, acredite. Foram quase dez anos de negociações até
chegarmos a um acordo que satisfizesse a todos. A verdade é que eles ainda
estão um tanto céticos, porém isso mudará quando virem os objetos que
recuperaremos do fundo do mar.
— E por falar em recuperar objetos, acho que está na hora de eu
começar.
— Tenha cuidado.
Ela sorriu-lhe, tranqüilizando-o, e foi apanhar seu equipamento, dirigindo-
se em seguida à plataforma de mergulho. Craig estava justamente saltando na
água. Após colocar e ajustar seus apetrechos e umedecer sua máscara para
que não embaçasse, Melina imitou-o. Por alguns momentos, enquanto a
descida se estabilizava, ela olhou ao redor para se posicionar. Não teve
dificuldade em enxergar, pois a água era limpida e transparente e o brilho do
sol penetrava até alguns metros abaixo. Pôde localizar Craig nadando em
direção oposta e logo depois Péricles, já trabalhando no fundo do mar.
Com o auxílio das nadadeiras, impulsionou-se para baixo até alcançar o
ponto que seu pai indicara no mapa. Péricles olhou em sua direção, mostrando
com um aceno de cabeça que já a vira.
O aparelho de sucção era semelhante a um grande aspirador de pó,
porém tão leve sob a água que era fácil de se manobrar. Melina colocou-o em
funcionamento e iniciou sua monótona tarefa de limpar camada por camada de
areia. Sempre que deparava com algo que parecia ser valioso, o item era
numerado e anotado, mostrando sua localização exata no mapa.
Cerca de uma hora se passara quando Péricles lhe fez sinais de que iria
subir. Melina, cujo manômetro indicava ter ainda perto de cinco minutos de ar,
mostrou que ficaria mais um pouco.
Dentro de exatos cinco minutos, Melina deu impulso para cima em direção
à plataforma. Tirou a máscara e parte do equipamento, entregando o cilindro
vazio a Péricles. Até o fim da tarde este procedimento tornou-se rotina. Após
algumas horas de trabalho, Melina havia encontrado apenas umas poucas
peças de cerâmica fragmentadas. Quando subiu à tona pela última vez naquele
dia, seus companheiros já se encontravam na plataforma de mergulho. Livrou-
se do cilindro de ar, entregando-o a Péricles novamente, descalçou as
nadadeiras e subiu ao convés. Craig fez o mesmo.
— Você parece cansada — constatou o rapaz.
— E estou mesmo — respondeu ela.
— Todo aquele trabalho fácil que tem realizado no museu deixou-a fora de
forma.
Sem forças até para responder, Melina abriu o zíper de seu traje de
mergulho e deixou-se cair em uma cadeira. Craig sentou-se a seu lado e um
silêncio tranqüilo caiu entre eles, enquanto o sol os aquecia.
— Estou satisfeito em ter o fim de semana pela frente — comentou Craig,
após alguns minutos.
— Vai fazer algo especial? — indagou Melina.
— Apenas uma ida a Atenas com a tripulação. Porém não voltarei ao
Calypso antes de domingo à noite. E quais são seus planos?
— Irei a uma festa em Kortina, hoje à noite, mas voltarei ao navio,
depois. E bem cedo — acrescentou. — Sinto-me tão cansada, que dormiria
uma semana.
— Melina! — escutou o pai chamá-la.
Ela abriu os olhos, protegendo-os do sol com uma das mãos.
— Sinto ter de deixá-la, mas devo ir a Atenas hoje à noite. Voltarei
segunda-feira.
— Há algo errado?
— Não. Apenas alguns assuntos a resolver. A que horas você vai sair?
— Me apanharão às oito.
— Ótimo. Então ainda poderemos jantar juntos.
O pai deu-lhe uma palmadinha no ombro e afastou-se, enquanto Craig e
Melina o seguiam com o olhar.
— Sinto que algo não vai bem. Você sabe do que se trata? — indagou ela,
quando o pai não poderia ouvi-la.
— São problemas financeiros. Essa história sobre a maldição segue-o a
todos os lugares e faz com que bancos particulares relutem em patrocinar suas
pesquisas.
— Não imaginei que tivéssemos de enfrentar esse tipo de atitude no
mundo de hoje.
— As pessoas, porém, não esquecem com facilidade. Ainda se recordam
do que ocorreu aos arqueólogos que invadiram a tumba de Tutancâmon, no
Egito. Os pesquisadores zombaram da suposta maldição, mas então, um após
outro, os integrantes da equipe morreram, ou foram mortos. Às vezes sob
circunstâncias bastante estranhas.
— Lembro-me de ter lido algo a respeito — comentou Melina.
— E agora, os kortinianos dizem ter visto luzes estranhas vindas do fundo
do mar.
— Luzes estranhas... Quem terá divulgado tal boato?
— Quem sabe? Alguém deve ter visto o reflexo da luz do luar ou algo
semelhante e distorceu os fatos. Estou aqui há um mês e nunca vi nada.
Ela ergueu-se com um suspiro.
— Bem, já que não podemos desvendar esse mistério, vou tomar um bom
banho e preparar-me para a festa de logo mais.
— Espero que se divirta — desejou-lhe Craig.
— Obrigada. Desejo o mesmo a você, em Atenas — devolveu ela.
— É o que pretendo. Vejo-a na segunda-feira.
Chegando à cabine, Melina despiu-se e foi para o chuveiro. A água
provocou um efeito agradável e revigorante. Ensaboou os longos cabelos
demoradamente, e em seguida o corpo, permitindo então que a água
deslizasse sobre ele até toda a espuma ter desaparecido.
Quase com relutância, abandonou a ducha e enxugou-se numa grande e
felpuda toalha, que depois enrolou em torno de si, prendendo-a entre os seios.
Secou os longos cabelos e deixou-os soltos, e foi até o armário escolher o que
vestiria naquela noite. Decidiu-se por um vestido de tafetá preto com leves
babados que vinham da cintura até os joelhos e que lhe deixava descobertos
os ombros torneados. A única jóia que usava era um par de brincos de ônix
circundados por duas fileiras de brilhantes que havia pertencido à sua mãe.
Antes de deixar o quarto, calçou os sapatos pretos de saltos altos, que
pareciam alongar-lhe ainda mais as pernas. Quando entrou na sala de seu pai,
este ergueu-se da escrivaninha com um assobio de aprovação.
— Estou tão habituado a vê-la com roupas de trabalho que quase havia
me esquecido de como fica bonita vestida assim.
Ele caminhou para uma pequena mesa próxima à janela e puxou-lhe uma
cadeira.
— Nosso jantar foi trazido há poucos minutos.
Melina sentou-se, descobriu o prato e sorriu ao ver que Luigi havia
preparado sua iguaria predileta — salmão grelhado.
— Ele nunca se esquece de nada — constatou ela, sorrindo.
— Não quando se trata de você. Sabe que ele se considera seu segundo
pai.
Ainda com um sorriso, ela provou um bocado e suspirou, deliciada.
— E eu quase me esqueci de como ele cozinha bem.
— Prometo não contar-lhe isso — brincou o pai.
Melina riu, mas logo mergulhou em profundo silêncio. Durante todo o dia
mal conseguira afastar Aristo Drapano de sua mente e agora, que estava
prestes a revê-lo, tal tarefa tornava-se ainda mais difícil. Sem se dar conta,
empurrava o peixe de um lado a outro do prato, não mais interessada em
comer.
O pai tomou-lhe a mão, fazendo-a parar o movimento.
— O que há de errado, querida? — indagou, apreensivo.
Ela ergueu o olhar, tomada de surpresa, e então sorriu.
— Creio que estou um tanto preocupada.
— Posso saber o motivo?
— Os motivos são vários, mas nada importante.
— Tem certeza?
— Claro, papai. Pode ficar tranqüilo.
A expressão do dr. Chase ficou séria e atenta por um momento. Melina
também escutou o avião aproximar-se.
— O pessoal já partiu para Atenas; portanto, este só pode ser o meu —
concluiu ele, quando ficou evidente que o aparelho havia circundado o navio.
Seu olhar pousou na filha.
— Qualquer dia desses, antes de você partir, encontraremos tempo para
uma longa conversa. E trate de comer mais um pouco desse salmão, ou Luigi
ficará profundamente ofendido.
Obediente, Melina comeu mais um bocado. O pai vestiu o paletó e fechou
sua pasta.
— Voltarei segunda-feira à tarde, quando muito. Cuide-se bem.
— Eu me cuidarei. Faça boa viagem.
O pai piscou e sorriu-lhe, desaparecendo em seguida pela porta.
Desistindo do salmão que ainda restava no prato, foi até o convés. Quando viu
uma lancha se aproximando, soube que era Timon, e desceu as escadas para
esperá-lo.
— Uma mulher pontual. Gosto disso — elogiou ele, enquanto a ajudava a
entrar no barco.
— Uma observação bastante machista, não acha? — brincou Melina.
Timon respondeu com um largo sorriso.
— Nós, os gregos, não somos conhecidos por nossas atitudes liberais.
— Na verdade, já ouvi boatos a esse respeito.
— Pois acredite neles.
Ele pôs a lancha em movimento e rumou para Kortina — não ao local mais
habitado, mas para o lado oposto da ilha, onde se encontrava a mansão. O sol
mal havia começado a se pôr, e o céu ainda estava bastante claro, porém
repleto de uma profusão de cores que se tornava mais rica e profunda com o
passar dos minutos.
Timon aproximou a lancha do ancoradouro, saltou para fora a fim de
amarrá-la, antes de ajudar Melina a descer. Ela ficou de pé no ancoradouro,
observando de um lado a areia e, de outro, o rochedo íngreme.
— Posso fazer-lhe uma pergunta tola? — indagou Melina.
— Mas claro! Quantas quiser.
— Como pretende nos levar até lá em cima?
— Não se preocupe, não a farei escalar o rochedo — prometeu ele, rindo.
— Venha comigo.
Timon pegou-a pela mão e caminharam pela praia.
— Espere — pediu ela, apoiando-se nele e descalçando os sapatos. —
Agora, sim, posso andar.
Caminharam mais alguns metros, até chegarem a um enorme cesto.
Timon entrou nele e estendeu os braços para Melina.
— O que você faz aí dentro? — perguntou ela, espantada.
— É este cesto que vai nos conduzir até o topo. Venha, é perfeitamente
seguro.
— Prefiro ficar aqui e ver o que acontece.
— Ora, não seja covarde. Eu mesmo o projetei, e já o usamos há anos.
Até minha avó já está acostumada a ele.
— O que eu não faria para ir a uma festa! — suspirou Melina, resignada.
Aproximando-se, permitiu que Timon a erguesse por sobre a borda do
cesto.
Tomando um controle remoto semelhante aos usados para abrir portas de
garagens, apontou-o para o alto, apertando o botão. Os pesados cabos presos
ao cesto rangeram, e este começou a mover-se devagar.
— É como estar em um elevador — explicou ele.
— Parece que temos opiniões contrárias a esse respeito — retrucou ela,
apreensiva.
Cerca de três minutos depois, o cesto passou por uma abertura na rocha e
parou dentro de um pequeno abrigo que havia sido construído em seu redor.
Timon saiu do cesto com facilidade e ajudou Melina, que estava ansiosa por
também pisar em chão firme.
— Pronto. Não foi tão mal assim, concorda? — perguntou Timon com um
sorriso.
— Digamos que foi... interessante.
Apoiou-se nele, desta vez para calçar os sapatos.
O rapaz tomou-lhe a mão e conduziu-a para fora do abrigo, através dos
jardins da mansão. Os convidados passavam pelas largas portas e pelo
gramado, conversando e rindo. Garçons de paletó branco abriam caminho,
oferecendo bebidas e comidas ricas tipicamente adornadas. Música suave
nascia em um dos salões internos e atravessava o ambiente em direção aos
jardins.
Sem que se desse conta, Melina procurava Aristo com o olhar. E o
encontrou. Parado próximo a uma coluna, vestindo um elegante smoking,
segurava um copo de bebida. Conversava com uma mulher alta de cabelos
negros e curtos, usando grandes brincos de ouro. Ela com certeza era grega, e
adorável.
Timon seguiu-lhe o olhar.
— Aquela é Helen.
Ela já o sabia, sem que ele o tivesse mencionado. Formavam um casal
admirável.
Aristo avistou-a quase ao mesmo tempo. Seus olhares se encontraram por
entre os convidados. Ele parou de falar em meio a uma frase, o que fez a noiva
olhar para ele e em seguida para Melina, ao tentar descobrir o que lhe
chamara a atenção. Helen teve de tocar-lhe o braço para despertá-lo de seu
alheamento. Melina observou-o por mais um curto momento e voltou-se para
Timon.
— Aristo costuma dar muitas festas?
— Não. Ele não é muito sociável.
— Não está me parecendo.
— Mas é verdade. Já Helen é o oposto. Ela vive em função de festas e
quer que Aristo a acompanhe. Por esta razão ele passa muito mais tempo em
seu apartamento em Atenas do que aqui.
Um convidado juntou-se a Helen e Aristo. Este sussurrou algo ao ouvido
da noiva, deixou-a em companhia do recém-chegado e encaminhou-se até
onde estava Melina. Ele a contemplou atentamente, os olhos cor de mel não
perdendo nenhum detalhe. Mesmo sem ter proferido uma palavra sequer,
aquele olhar a fez sentir-se maravilhosa. Ele, então, contemplou-lhe os
cabelos.
— Estou satisfeito que os tenha deixado soltos.
— Depois do que enfrentei para chegar até aqui, eles teriam se soltado de
qualquer maneira — retrucou secamente.
Aristo sorriu.
Timon, que havia estado conversando com outros convidados, virou-se
para ela.
— O que gostaria de tomar?
— Água mineral, por favor.
— Água mineral? — repetiu, surpreso. — Você pretende mesmo ter uma
noite e tanto!
Dizendo isso, Timon se afastou.
— Enquanto ele sai à procura de um garçom, quero apresentá-la à nossa
avó — convidou Aristo, tomando-lhe o braço com gentileza.
Conduziu-a através do gramado onde se achava uma adorável senhora
aparentando mais de setenta anos, que observava as pessoas ao seu redor.
— Vovó, gostaria que conhecesse Melina, filha do dr. Chase. Melina, esta é
Anthea Drapano.
Melina, trocando um delicado aperto de mão com a senhora, sentou-se
em uma cadeira à sua frente. Gostou dela de imediato.
— Melina — repetiu suavemente a senhora. — É um nome muito grego
para uma garota de pele tão alva.
— Meus pais estavam apaixonados pela Grécia, quando nasci.
— Aprovo o bom gosto de seus pais. E, pelo que tenho escutado, seu pai
continua apaixonado por nosso país.
— Creio que se trata de uma paixão eterna.
— Ele está deixando várias pessoas muito pouco à vontade.
— A senhora é uma dessas pessoas?
Anthea deu de ombros, levemente.
— Digamos que não compartilho da curiosidade de seu pai a respeito de
nossos ancestrais.
— A senhora seria uma péssima arqueóloga — concluiu Melina sorrindo.
A velha senhora devolveu-lhe o sorriso.
— Aí está você — interveio Timon, aproximando-se com as bebidas na
mão.
E, voltando-se para a avó:
— Agora vou roubar-lhe Melina por algum tempo. Quero apresentá-la a
alguns amigos.
Melina gostaria de continuar conversando com Anthea Drapano, mas
Timon literalmente a arrastava e, para não ser rude, pediu licença e
acompanhou-o.
Aristo, que mal pronunciara uma palavra, recostou-se a uma coluna e
observou-os se afastarem.
— É uma garota encantadora — comentou a avó.
— Concordo com a senhora, vovó.
— Timon parece bastante atraído por ela.
— Ele seria um tolo se não estivesse.
— E você desaprova?
Houve um curto silêncio.
— Eu detestaria vê-la envolvida com ele.
— Receia que ele lhe parta o coração?
— Algo parecido — respondeu Aristo após uma pausa.
— A não ser que eu esteja enganada a respeito dela, não creio que ele
tenha a oportunidade de fazê-lo.
Ele ficou em silêncio mais uma vez.
— Há algo que o preocupa?
— Nada que eu não possa resolver.
— E nada que pretenda discutir comigo, é claro.
Com um olhar carinhoso, ele inclinou-se e beijou a testa da avó.
— Ainda não.
— O motivo de sua preocupação tem algo a ver com Melina? — quis saber
a avó.
— Apenas que sua presença dificulta um pouco os fatos — explicou Aristo,
enquanto endireitava o corpo.
Anthea estudou o perfil do neto.
— Ela complica os fatos ou ela em si é uma complicação?
— Acredito que seja um pouco de cada. E você é demasiado observadora.
— Estou ficando velha, Aristo. Tenho me tornado perita em observar
pessoas ultimamente. Vejo detalhes hoje que me teriam escapado quando
jovem.
— O quê, por exemplo?
— Como a maneira que você olhou para Melina quando ela chegou com
Timon, e o modo como você a olha agora.
— Ela é uma mulher atraente e eu gosto de mulheres atraentes. Não
interprete os fatos de maneira errada.
— Absolutamente. Os fatos são bem claros para mim.
— Vovó — disse ele afetuosamente —, confesso que a senhora às vezes
me surpreende com sua perspicácia, porém desta vez está enganada.
— Estarei mesmo? — indagou, sem convicção.
— A senhora esquece que vou casar-me dentro de quatro semanas?
— Com uma mulher que você não ama.
— Tenho grande carinho por Helen.
— Carinho não é amor.
— Às vezes é melhor. É mais estável. Tenho certeza de que Helen será
boa esposa e mãe.
— Contanto que você contrate uma babá para cuidar de seus filhos.
— A senhora fez o mesmo.
— Eu era uma idiota e hoje me arrependo — reconheceu ela. — Ah,
Aristo, não encaro seu futuro com muito otimismo.
— Pensei que gostasse de Helen.
— O que sinto por ela não vem ao caso, e sim o que você sente.
— Eu lhe fiz várias promessas e empenhei minha palavra à sua família —
retrucou Aristo.
— Acredito que o tenha feito. Mas isso foi antes de Melina chegar.
— Vovó, a senhora é uma mulher obstinada.
— Apenas quero vê-lo feliz.
— Eu o serei. Demorei muito para tomar essa decisão. Helen será a
esposa perfeita para mim. Não preciso de alguém como Melina Chase...
— Complicando as coisas? — completou Anthea.
— Exatamente.
Anthea Drapano sorriu para si mesma. "Ele não precisa disso, mas foi
exatamente o que ocorreu", pensou.
Aristo divisou um homem acenando-lhe a distância, na escuridão. Pediu
licença à avó, afastando-se sem outra explicação.
Enquanto isso, foi por educação que Melina permitiu que Timon a
apresentasse a várias pessoas, sem porém conseguir imitar-lhe a alegria. O
riso e a tagarelice ininterruptos do rapaz começavam a irritá-la. Seu olhar
correu entre os demais convidados. Um movimento entre as árvore chamou-
lhe a atenção e ela se esforçou para ver do que se tratava. Pôde divisar dois
homens, um dos quais era Aristo. Seu interlocutor era tão alto quanto ele, po-
rém muito mais encorpado. Pela maneira como se achavam entretidos na
conversa, devia tratar-se de assunto importante.
Timon desviou-lhe a atenção ao pedir-lhe licença para deixá-la alguns
instantes.
Foi quase com alívio que o viu aproximar-se de uma jovem italiana a
quem já fora apresentada antes. Os dois começaram a conversar
animadamente, com as cabeças muito juntas. Finalmente sentindo-se livre, ela
embrenhou-se entre os convidados, sem notar que um par de olhos cor de mel
a seguia e encaminhou-se até os rochedos para contemplar o mar. Podia ver o
Calypso ancorado, a distância, as luzes refletindo na água.
Aristo seguiu-a e parou a poucos passos dela, olhando como o vento
soprava em seus cabelos sedosos, ondulando-os por sobre os ombros nus.
Afastando-se das árvores, ele aproximou-se de Melina. Ela soube quem era,
mesmo sem se voltar. As mãos quentes de Aristo fecharam-se sobre seus
braços frios, e a sensação que a percorreu subitamente talvez pudesse ser
descrita como algo semelhante a uma dor.
— Você deveria estar usando um agasalho — murmurou ele suavemente.
— Está uma noite fria.
Ela voltou a cabeça levemente e fitou-o.
— Estou bem, mesmo.
Aristo tirou o paletó e colocou-o sobre os ombros de Melina.
— Agora, sim, você está bem.
Ela se voltou por completo e olhou-o novamente, agradecida, enquanto
segurava as pontas do paletó sobre o peito.
— Não está gostando da festa? Por que está aqui tão só? — quis saber
Aristo.
— Está uma festa adorável. Apenas precisava afastar-me da música e das
conversas por alguns minutos.
Ele fitou-a em silêncio, deixando-a desconcertada com seu exame
minucioso.
— Você não deveria estar atendendo os outros convidados? — perguntou
ela.
— Os outros convidados estão bem. É você que parece estar descontente
por algum motivo.
— Descontente? — Melina meneou a cabeça. — Perdoe-me por dar-lhe
essa impressão. Creio estar apenas cansada.
— Alguma razão em especial?
— Muito especial. Passei o dia mergulhando e não estou mais habituada a
fazê-lo.
Os músculos de Aristo retesaram-se. Melina sentiu-o mais do que viu.
— Pensei que estivesse de férias — continuou ele.
— E estou. Mas gosto de mergulhar e não tenho tido oportunidade de
fazê-lo nos últimos tempos. Receio que minha habilidade me deixe confinada
em museus abafados.
— Estou surpreso que seu pai tenha lhe dado permissão, apesar de todos
os acidentes que têm ocorrido.
— Sou uma mergulhadora cautelosa. Ele mesmo me treinou — garantiu-
lhe Melina.
Ela deixou escapar um bocejo, antes que pudesse disfarçá-lo.
— Perdoe-me — pediu, com um sorriso. — Creio que gostaria de voltar ao
navio, certo?
— Gostaria, sim, mas primeiro devo encontrar Timon.
Aristo o vira desaparecer pelo jardim em companhia da garota italiana.
— A não ser que eu me engane, penso que você não o verá tão cedo. Eu
mesmo a levarei de volta.
— Mas, e Helen? — indagou Melina, preocupada.
— Não sentirá minha falta durante os poucos minutos em que eu me
ausentar. Venha.
Os dois seguiram em direção ao abrigo. Quando Aristo colocou as mãos na
cintura de Melina para ajudá-la a entrar no cesto, sentiu-a enrijecer-se.
— Há algo errado? — quis saber ele.
— Este meio de transporte me deixa um tanto apreensiva.
— Cuidarei para que fique segura.
E ela sentiu-se realmente segura a seu lado, e acalmou-se.
Melina estava de costas para ele, muito próxima a seu peito, e sentia-lhe
a respiração morna entre seus cabelos. Um tremor delicioso atravessou-lhe o
corpo.
Instantes depois chegaram a seu destino e encaminharam-se ao pequeno
ancoradouro.
— Espere só um minuto — pediu ela, enquanto se apoiava nele para tirar
os sapatos, como fizera antes com Timon.
Sem que ela esperasse, Aristo tomou-a nos braços e carregou-a para a
lancha, com delicadeza.
Melina tentava desesperadamente evitar os sentimentos que a invadiam,
e foi em silêncio que atravessaram a baia, em direção ao Calypso.
Aristo parou ao lado do navio.
— Espero que a tripulação não seja muito barulhenta, assim poderá
descansar.
Ela se levantou e andou em direção à escada.
— Isto não será problema hoje. Só eu estarei a bordo. Todos foram passar
o fim de semana em Atenas.
Os olhos dele se estreitaram.
— Você quer dizer que estará completamente só e que seu pai deixou o
navio desprotegido de todo?
— Estou habituada a ficar só e, além disso, sei cuidar de mim.
— Seu pai é de fato um homem confiante demais.
— Os objetos de valor foram guardados em lugar seguro.
— Ainda assim, deveria haver mais alguém com você. Mandarei um de
meus homens para cá.
Melina olhou-o curiosa, a princípio, e, então, um sorriso encantador
formou-se em seus lábios.
— Está se preocupando demais com alguém que mal conhece, Aristo.
— Esse é um direito meu — retrucou ele, percorrendo-lhe a face
ensombreada com os olhos, enquanto o pequeno barco balançava suavemente.
— É muito gentil de sua parte, mas não é necessário, mesmo. Gosto de
ficar só, e nada de mal acontecerá.
Aristo decidiu não mais discutir e esperou até que ela estivesse segura no
convés.
— Oh, espere! — chamou ela. — Esqueci de devolver-lhe o paletó.
Ele tomou-o de suas mãos, o olhar preso no dela.
— Boa noite, Melina.
— Boa noite, e obrigada.
Após vê-lo ligar o motor e afastar-se do navio, dirigiu-se para a cabine.
Mesmo estando exausta, não conseguiu conciliar o sono. Aristo Drapano
invadia-lhe os pensamentos.
Ao voltar para a mansão, Helen foi a primeira pessoa que encontrou,
perto da casa.
— Querido, aí está você — disse, recebendo-o com um sorriso. — Devo
voltar para Atenas, pois começo um novo trabalho de moda amanhã cedo. Já
havia lhe contado, não?
— Contou, sim. Mas terei de pedir que um piloto a leve. Não poderei ir.
— Tem certeza de que é isso que quer? — Ela aproximou-se, insinuante.
— Poderíamos passar a noite em Atenas.
Aristo fitou-lhe os olhos negros.
— Não hoje, Helen.
Helen abraçou-o e aproximou-se ainda mais dele.
— Ora, vamos... — insistiu, sussurrando.
Eram estranhos os detalhes que, de repente, ele notava. Não se lembrava
de já tê-la visto sem maquiagem, que ela usava em demasia. O cabelo era
perfeito, nem um fio fora do lugar. E o perfume... era, na verdade, um tanto
forte.
A noiva beijou-o, porém Aristo retribuiu sem ardor, fato que ela percebeu
de imediato.
— O que há de errado, meu bem?
— Nada importante, Helen. É apenas uma série de pequenas coisas a
serem resolvidas e que me deixam um tanto preocupado.
Um homem aproximou-se deles na escuridão.
— Nicholas — a voz de Aristo soava quase aliviada —, gostaria que
levasse Helen de volta a Atenas.
Helen fitou-o por um longo momento.
— Você me telefona? — indagou ela.
— Ligarei, prometo — tranqüilizou-a Aristo, beijando-lhe o rosto.
— Tente não sentir muito a minha falta — brincou ela, afastando-se.
Aristo ficou observando-a mais alguns instantes, surpreendido por sua
total indiferença. Não estava apaixonado por ela, mas nunca deixara de achá-
la atraente e sedutora, antes desta noite.
Com um movimento de cabeça, entrou na mansão e trocou o smoking por
uma calça confortável e um suéter tricotado a mão. Quando saía com passos
rápidos por um dos lados da casa para evitar os convidados, a voz de Timon
surgiu, de repente, do nada.
— Pelo que entendi, você levou Melina de volta ao navio, enquanto me
achava entretido com outros assuntos. Creio que devo agradecer-lhe.
Aristo parou e voltou-se. Timon, de pé em uma clareira, fumava,
encostado a uma árvore.
— Não é necessário — retrucou Aristo.
— Não. Acredito que não seja. — O som de sua voz estava abafado,
devido à bebida. — E não acho que tenha sido um sacrifício, afinal.
O irmão permaneceu em silêncio.
— Melina é uma moça fascinante.
Aristo continuou sem nada dizer.
Timon observou o irmão, com uma atitude tranqüila que encobria a tensão
escondida sob a superfície.
— A festa ainda não terminou. Para onde vai com tanta pressa, a esta
hora?
— Vou pescar, Timon. Vê algum problema nisso?
— É uma hora um tanto estranha para a pesca, não concorda? — indagou
ao irmão mais velho.
— É surpreendente o que se consegue apanhar altas horas da noite —
replicou ele, afastando-se. O tom de sua voz era calmo e ameaçador.
Timon jogou o cigarro no chão, esmagou-o com o pé e retornou à festa.
Aristo ancorou a lancha a uma distância de cem metros do Calypso.
Recostando-se na cadeira confortável, esticou as longas pernas e preparou-se
para o que esperava ser uma noite tranqüila.
Depois de horas virando-se sobre a cama, Melina desistiu de tentar
dormir. Afastando os lençóis, deixou o quarto e subiu ao convés. Com um
suspiro cansado, apoiou os braços à balaustrada e ficou contemplando as luzes
cintilantes da ilha.
Um barco flutuava mansamente na baía. Olhando com mais atenção,
reconheceu a lancha de Aristo. Por que motivo ele estaria ali? Que perigos ele
acreditaria estarem ameaçando-a?
CAPÍTULO III
Aristo permaneceu em sua vigília até o sol ter-se levantado por completo
e só então regressou para casa. Ao aproximar-se da mansão, a pé, viu Timon
sentado na varanda, ainda acordado, com uma bebida gelada nas mãos.
— Foi bem-sucedido em sua pescaria? — indagou o rapaz.
— Ainda não. Mas não há nada como um dia após o outro — declarou
Aristo, parando à sua frente.
— O que, exatamente, espera apanhar lá fora?
Aristo olhou para ele com uma expressão dura no rosto. Sem responder,
virou-se e entrou na casa.
Os dedos de Timon apertaram perigosamente o copo que segurava.
Melina adormecera em uma cadeira no convés. O sol já lhe aquecia a pele
quando despertou. Estendeu os braços e espreguiçou-se voluptuosamente.
Então, lembrando-se de súbito do motivo pelo qual estava no convés, ergueu-
se de um salto e dirigiu-se à balaustrada. A lancha de Aristo já havia partido.
Mas não havia sido um sonho? O barco dele estivera ali, na noite anterior. Por
quê? Para protegê-la? Contra o quê? Contra quem?
Com um leve dar de ombros, Melina desceu à cabine, vestiu um jeans e
uma blusa branca de mangas curtas, foi à cozinha servir-se de um copo de
suco de laranja e voltou ao convés para desfrutar o prazer de sentir o sol
aquecer-lhe o corpo.
Ficou um longo tempo observando os outros barcos e as pessoas que
aproveitavam o fim de semana brincando na água.
No alto do rochedo, brilhando ao sol da manhã, achava-se a mansão
Drapano. Por mais que tentasse, não conseguia desviar seu olhar e o
pensamento daquela casa.
Para escapar por alguns momentos àquela atração, encaminhou-se à
biblioteca do pai e sentou-se à sua escrivaninha para examinar alguns esboços
feitos por ele sobre o que haveria no fundo do mar, sob o barco. Utilizando-se
de um moderno sonar que devolvia imagens através de ecos, ele havia
localizado áreas onde poderiam existir vestígios da parte submersa de Kortina.
Este projeto havia se tornado a paixão de seu pai durante anos. Mesmo
quando criança, ela vira seus olhos se iluminarem à mera alusão a este local. A
porção perdida de Kortina era a sua Atlântida.
Melina tinha pouco tempo disponível antes de retornar ao seu trabalho no
museu em Chipre e queria muito ajudar o pai. Descendo ao depósito onde era
guardado o equipamento, ela verificou que seus cilindros de ar haviam sido
recarregados. Vestiu seu traje de mergulho, ajustou os demais apetrechos e,
da plataforma, saltou no mar.
Amadores raramente mergulhavam sozinhos, já os profissionais não se
davam ao luxo de tal restrição. Mesmo se houvesse um companheiro,
trabalhavam separadamente. Melina já trabalhara só por muitas vezes e não
se sentia apreensiva no momento, quando usava as nadadeiras para
impulsionar-se em direção à sua área. O aparelho de sucção encontrava-se no
local onde o deixara no dia anterior. Ergueu-o sem esforço, começando então
seu trabalho de remover outra camada de areia.
Achava-se tão absorta em seu trabalho que não notou que um barco se
aproximou, acima de sua cabeça, e ancorou próximo ao Calypso.
Cerca de trinta minutos já haviam se passado quando Melina começou a
sentir dificuldades em respirar. Consultando o relógio, verificou que ainda
deveria dispor de meia hora de ar. Aplicou uma sacudidela no regulador de
pressão e inspirou novamente. A dificuldade era ainda maior. Examinou então
o manômetro, que indicou que o cilindro continha ainda metade de sua capaci-
dade; quando tentou respirar mais uma vez, deu-se conta, aterrorizada, de
que este achava-se vazio e de que teria de nadar mais de trinta metros para
cima antes de chegar à tona. Controlando o pânico que dela se apoderava,
Melina desprendeu seu cinto de lastro com um gesto automático, deixando-o
cair ao fundo enquanto movia os pés ritmadamente. Subir muito rápido
poderia provocar-lhe uma embolia e, vagarosamente, por outro lado, causar-
lhe a morte por asfixia. Não havia ar no cilindro e ela não tinha escolha. Pôs-se
a mover os pés com rapidez, num esforço desesperado para alcançar a
superfície antes de perder os sentidos, arrancando a máscara durante o
percurso.
Quando chegou à tona, afinal, seu peito parecia prestes a explodir. Ouviu
chamarem-lhe o nome e então sentiu braços fortes puxando-a para cima da
plataforma de mergulho. Deitada de lado, tossia e respirava com dificuldade. O
cabelo molhado foi afastado de seu rosto com um gesto delicado.
Quando recuperou um pouco de suas forças, ainda ofegante, virou-se e
deparou com Aristo a observá-la. A água pingava-lhe das roupas encharcadas
e sua respiração era tão entrecortada quanto a dela.
— Mas o que houve, afinal? — indagou ele, arquejante, enquanto a
auxiliava a sentar-se e desembaraçar-se de seu cilindro.
— Não sei lhe dizer. Fiquei sem ar muito antes do previsto.
— Você não examinou o manômetro?
— Mas claro que sim. Além disso, mergulho desde criança. — E, após uma
pausa, disse, zangada: — Verifique você mesmo!
Aristo obedeceu e examinou o cilindro detidamente, sua fisionomia
tornando-se cada vez mais anuviada.
— Está quebrado. Quando foi que o usou pela última vez?
— Ontem, durante o dia inteiro — esclareceu ela. Melina livrou-se dos
demais apetrechos de mergulho, mas, exausta, tornou a deitar-se sobre a
plataforma, com a mão sobre o peito dolorido.
— Por um momento julguei que não conseguiria.
Aristo reclinou-se sobre ela e fitou-lhe o rosto.
— Tem certeza de que está bem? — indagou, preocupado. — Devo levá-la
a um médico?
— Eu estou bem. Ou, pelo menos, estarei, dentro de mais alguns minutos.
Graças a Deus você estava aqui.
Os maxilares de Aristo cerraram-se.
— Quem tem acesso ao equipamento? — quis saber ele.
— Quem? — repetiu ela, confusa. — Ora, todos os membros da tripulação.
— Alguém mais?
Melina negou com um gesto de cabeça.
— Não. Nós recarregamos os cilindros a bordo.
Ele tomou o equipamento, colocou-o no navio e então ajudou Melina a
levantar-se e subir as escadas.
— Vá e troque de roupa. Vou levá-la comigo.
— Levar-me para onde?
— Para minha casa — esclareceu ele.
— Prefiro ficar aqui.
— E eu prefiro vê-la em lugar seguro.
Quando ela chegou ao convés, esperou que Aristo a alcançasse e
garantiu-lhe, calmamente:
— Foi apenas um acidente. A probabilidade de algo semelhante voltar a
ocorrer é mínima. Além do mais, não voltarei a mergulhar, hoje.
— Neste ponto você acertou: não voltará, mesmo. Vai para casa comigo.
Melina não estava acostumada a que lhe falassem naquele tom dominador
e não gostou.
— Não me diga o que devo fazer — zangou-se ela.
— Você é uma moça muito teimosa.
— Teimosa? Só porque não gosto que alguém que mal conheço me dê
ordens como se fosse sua propriedade?
— Se foi essa a impressão que lhe dei, então me perdoe — pediu,
conciliador.
Tais palavras surpreenderam-na. Aristo Drapano não parecia ser o tipo de
pessoa que se desculpava com facilidade ou freqüência.
— Está perdoado — tornou ela, agora sorridente.
— O principal motivo pelo qual estou aqui é transmitir-lhe um convite de
minha avó. Ela gostou muito de conhecê-la e gostaria que lhe fizesse
companhia durante a tarde. Talvez você queira ficar também para o jantar.
— É um convite muito simpático.
— E então, qual é a resposta? — perguntou, após alguns instantes.
— Eu aceito, com prazer. Levarei apenas alguns minutos para me
aprontar.
— Eu esperarei.
Assim que ela desapareceu no convés inferior, Aristo apanhou o
manômetro e examinou-o mais atentamente. Não havia evidência de ter sido
danificado intencionalmente, porém, mesmo estando desligado do cilindro,
indicava estar com metade de sua capacidade.
Melina retornou, vestida com short cor-de-rosa e blusa também rosa. Seu
cabelo estava úmido.
— Eu lhe ofereceria uma das roupas de papai, mas não serviriam em você
— lembrou ela, ao notar que ele continuava encharcado por causa de seu
mergulho imprevisto.
— Não se incomode. Dentro em breve estaremos em minha casa.
Ele ajudou-a a entrar na lancha e voltou para apanhar o cilindro de ar e o
manômetro.
— Por que foi buscá-los? — interrogou-o, curiosa.
Aristo colocou-os no fundo do barco, indo então para a frente, e ligou o
motor.
— Preciso ir a Atenas hoje. Vou levá-los a uma oficina para que sejam
consertados.
Ela olhou-o, surpresa.
— Tenho certeza de que você pode dispor melhor de seu tempo. Por
favor, não deve ter esse trabalho.
Seus olhares se encontraram.
— Não é nenhum trabalho, creia-me.
Sem esperar resposta, ele conduziu a lancha pelo mar. Mais uma vez
foram até o ancoradouro Drapano, e novamente Melina teve de enfrentar o
famigerado cesto.
Pouco depois, chegando ao topo, juntos caminharam pelos agradáveis
jardins. Aristo fitou-a e viu que estava sorrindo.
— O que houve? — indagou, curioso.
— Oh, estava apenas me lembrando de como, anos atrás, quando meu pai
ancorou o Calypso perto de onde está agora, eu costumava olhar para esta
mansão e imaginar como seria. Parecia emanar tanta tranqüilidade!
— E agora, que a viu de perto?
— Creio que tem a possibilidade de transformar-se naquilo que sonhei,
porém sinto como se houvesse algo perturbando-lhe a paz, no momento. A
atmosfera está calma na superfície, mas uma tempestade se desencadeia em
seu interior.
— Ora, ora. E de onde tirou essas idéias?
Melina hesitou apenas um momento.
— Ouça, quero dizer-lhe que estou a par de seus problemas.
— Meus problemas? Do que está falando? — interessou-se ele, intrigado.
— Em relação ao ouro roubado.
— Ah, isso. As notícias se espalham rapidamente.
— Papai achou que eu deveria ser informada sobre o fato.
Aristo parou de caminhar e voltou-se para fitá-la.
— E ainda assim compareceu à festa de ontem e está aqui comigo agora.
Por quê?
— Eu confio em você.
— Palavras corajosas, considerando que mal me conhece. Eu poderia ser o
maior escroque da ilha, sabia?
Melina sacudiu a cabeça.
— Você nunca cometeria aquele crime — tornou Melina, com suavidade.
Aristo tomou-lhe o rosto entre as mãos.
— Não seja tão ingênua e confiante. Essa atitude poderá causar-lhe
problemas.
Seus olhares se encontraram.
— Não sou nem ingênua nem confiante demais, Aristo, mas sinto-me
como se o conhecesse profundamente. Sei que essas palavras soam ridículas.
Mal posso crer que as tenha pronunciado. Mas é o que vai dentro de mim.
Ele moveu a mão sobre sua face, os dedos acariciando-lhe a pele macia,
enquanto a contemplava.
— Oh, Melina, o que vou fazer a seu respeito? — perguntou ternamente,
invadido por intensa emoção.
Ela devolveu-lhe o olhar, sem nada dizer.
O rosto de Aristo curvou-se lentamente sobre o dela. Quando seus lábios
se tocaram, Melina sentiu todo o corpo vibrar. Seus movimentos eram
dolorosamente suaves ao explorar-lhe a boca, sem nunca puxá-la para mais
perto dele. Seus corpos não se tocaram. Seus lábios separaram-se e eles se
entreolharam, antes de beijar-se novamente, procurando, saboreando. Ele lhe
acariciava os cabelos, os dedos embaraçando-se nos fios espessos, à medida
que o beijo se tornava mais e mais ardente.
— Não — gemeu Aristo, de repente, afastando-se dela. — Não posso fazer
isso.
Só então Melina lembrou-se de Helen.
— Perdoe-me — murmurou, abalada.
A expressão em sua face dilacerou o coração de Aristo. Envolveu-a nos
braços e prendeu-a por um momento em um abraço consolador.
— Sou eu quem devo pedir perdão — ele sussurrou suavemente, de
encontro aos cabelos perfumados. — Sou inteiramente culpado. Não
acontecerá de novo, prometo.
Ela afastou-se dele, com relutância.
— Vamos andando — pediu ele, tentando não olhá-la.
Timon estava deixando a mansão no exato momento em que chegaram.
Fitou Melina, surpreso, e então seu olhar deslocou-se para o cilindro que o
irmão carregava. Voltou-se novamente para ela.
— O que está fazendo aqui? — indagou-lhe o rapaz.
— Sua avó me convidou.
— Que estranho. Acabo de falar-lhe e ela nada comentou sobre sua vinda.
— Talvez — retrucou Aristo — ela não tenha sentido necessidade de dar-
lhe explicações.
O olhar de Melina percorreu os dois irmãos. Eram tão parecidos e, ainda
assim, tão diferentes. Havia um clima muito tenso entre ambos, muito mais
perceptível agora do que durante a primeira vez que os vira juntos na taverna.
— E nossa avó também está interessada em ver o equipamento de
mergulho de Melina? — perguntou, indicando o aparelho com um gesto de
cabeça.
— Está quebrado. Vou levá-lo a Atenas para ser consertado.
Timon lançou-lhe um olhar cético.
— Ah, entendo. Bem, espero que passem uma tarde agradável.
— Para onde está indo? — quis saber Aristo.
— Desde quando lhe devo satisfações? — foi a resposta indelicada do
irmão mais moço.
Os músculos do rosto de Aristo contraíram-se.
— Até logo mais, Melina — despediu-se Timon, dirigindo-se a um carro
estacionado perto de onde se encontravam.
— Por que há este clima entre vocês dois? — quis saber ela, ao
atravessarem a varanda.
Um aceno de cabeça foi a única resposta que recebeu.
Sem mais perguntas, Melina seguiu-o para dentro da mansão.
Encontraram a sra. Anthea na sala de refeições, saboreando uma fruta. Ela
sorriu, agradavelmente surpresa ao ver Melina.
— Olá, querida. Sente-se aqui, por favor — convidou ela.
Melina retribuiu-lhe o sorriso e obedeceu.
— Não gostaria de comer alguma coisa, uma fruta talvez, ou tomar uma
xícara de café?
— Oh, não, obrigada. Acordei um pouco tarde, e quando isso acontece,
não consigo comer nada durante horas.
A velha senhora voltou, então, a atenção às roupas ainda molhadas do
neto.
— O que houve com você?
— Apenas um pequeno mergulho no mar — foi a explicação de Aristo. —
Vovó, terei de ir a Atenas. Estarei de volta no final da tarde.
Ela fitou-o com curiosidade, mas nada disse quando ele deixou o
aposento. Um sorriso um tanto embaraçado surgiu nos lábios de Melina.
— A senhora não me esperava, não é verdade?
— Para ser sincera, não, porém estou igualmente satisfeita por vê-la.
Melina virou-se para observar a porta pela qual Aristo havia desaparecido.
— O que ele terá em mente? — indagou Melina, quase para si mesma.
— Fala de Aristo? Por quê?
— Por que me disse que a senhora queria passar a tarde comigo, se não
era verdade?
— Parei de tentar encontrar motivos para as atitudes dos homens há
muitos anos — foi a resposta resignada de Anthea, que apanhou uma xícara de
café para si e ergueu-se.
— Venha, vamos sentar-nos na varanda. Parece que teremos uma tarde
muito agradável — convidou ela.
A paisagem vista daquele ponto era totalmente diferente da do outro lado
da mansão, com montanhas assomando a distância.
— Este é um lugar encantador, não acha? — perguntou Anthea fitando
Melina, que concordou. — Confesso que sinto falta desta ilha quando não estou
aqui.
— Não mora aqui, então? — indagou Melina.
— Passo apenas alguns meses por ano nesta casa. Durante o tempo
restante, moro em Atenas.
— A senhora prefere a cidade?
— Não é uma questão de preferência. Nasci em Atenas. A maioria de
meus amigos vive lá, pelo menos os que ainda restaram. Ficar velha pode se
tornar uma atividade bastante solitária.
— Mas a senhora tem sua família.
Ela sorriu.
— Sim, tenho meus netos, que me trazem grandes alegrias. Mas não é
disso que falo. Sinto falta dos amigos que já não estão aqui. Fomos jovens
juntos e partilhamos muitas experiências. Você compreende?
— Sim, creio que sim — respondeu ela.
— Eu sabia que entenderia — tornou Anthea, tocando-lhe a mão.
Naquele momento, um helicóptero sobrevoou a casa e imediatamente
desapareceu atrás das montanhas.
— Ali vai Aristo — comentou Anthea.
— Ele viaja a Atenas com freqüência? — indagou Melina.
— Algumas vezes por semana. É onde se encontram seus escritórios. Ele
mantém um apartamento lá, também, e, é claro, é onde vive Helen. — Ela
olhou Melina de soslaio ao pronunciar esta última frase.
— Ai estão vocês duas — falou Timon, ao entrar na varanda.
Anthea voltou-se e sorriu-lhe.
— Olá, querido, apanhou seu barco?
— Apanhei, sim. Está ancorado e pronto para a ação. — E dirigindo-se a
Melina: — O que acha da idéia?
— Que idéia? — quis saber ela.
— Você pratica esqui aquático?
— Já o fiz, há muitos anos.
— Então você ainda o pratica. Sabe, é como andar de bicicleta, você
jamais esquece.
E, debruçando-se sobre a avó e dando-lhe um beijo na testa, perguntou:
— Você se importa se eu lhe roubar Melina por algumas horas?
— Claro que me importo. Estamos batendo um papo muito agradável —
brincou a velha senhora.
— Então por que não nos acompanha? — convidou Timon.
— Ir com vocês? Num barco? Da maneira como você pilota? Jamais!
Melina fitou-o com suspeita.
— Se sua própria avó se recusa a entrar em seu barco, o que o faz pensar
que eu o farei?
— Otimismo — respondeu Timon, soltando uma gargalhada.
— Pode ir, querida. Ele insistirá até você ceder.
— Mas eu não trouxe nenhum maiô.
— Temos alguns aqui, para hóspedes. Mas, se você não gostar da idéia,
posso levá-la até o Calypso. E prometo pilotar com cuidado.
Melina olhou para Anthea e riu.
— A senhora tem razão. Ele é bastante insistente. — E, dirigindo-se a
Timon: — Eu gostaria de apanhar meus próprios esquis.
Os olhos dele arregalaram-se com uma falsa surpresa.
— Seus próprios esquis? Parece que temos uma campeã por aqui. Venha.
Vou levá-la até o navio.
Os dois deram a volta na casa e caminharam pelo jardim até o abrigo.
Desta vez, porém, Melina não se queixou.
— Parece que estou sendo forçada a me acostumar a esta geringonça —
comentou ela.
— Eu não lhe disse? É o meio de transporte mais seguro que existe —
insistiu o rapaz.
No ancoradouro, ao lado da lancha de Aristo, encontrava-se uma brilhante
lancha vermelha.
— Esta é a sua lancha? Parece nova.
— Eu já a possuo há cerca de um ano. Ficou em uma oficina por uma
semana, para pequenos reparos.
Timon sentou-se em frente ao painel de controle e ligou os possantes
motores com grande ruído quando Melina se instalou a seu lado.
— Segure firme! — gritou, ao afastar o barco do ancoradouro.
Momentos depois, disparavam pela baía a mais de cento e vinte
quilômetros por hora.
Melina gostava de velocidade, mas assim já era demais. Suas mãos
agarravam-se ao assento com tanta força que o nó de seus dedos ficaram
brancos.
Timon riu ao ver sua expressão, já parados perto do Calypso.
— Eu a deixei nervosa?
— Não seja bobo. Adorei cada minuto — foi sua resposta irônica, ao
erguer-se e sair da lancha.
— Você se importa se eu a deixar aqui e voltar dentro de poucos minutos?
— quis saber Timon.
— De modo algum. Será o tempo necessário para me trocar e encontrar
os esquis. E espero que ande mais devagar na próxima vez que eu entrar em
seu barco.
— Pode ficar tranqüila. Navegarei lenta e suavemente — prometeu ele.
Ela pareceu cética.
— Confie em mim — garantiu o rapaz.
Melina apenas sorriu. Ele era um bom rapaz, mas não lhe inspirava muita
confiança. No momento seguinte, porém, lembrou-se de que se tratava do
irmão de Aristo e transferiu alguma da confiança que sentia por ele para o
irmão mais jovem.
— Está bem, então. Estarei pronta quando voltar.
— Ótimo. Está um dia perfeito para entrar na água.
Melina contemplou o límpido céu azul e a água serena. Timon estava
certo. Era um dia perfeito.
Subiu a bordo e esperou que ele se afastasse em direção à ilha. Era um
garoto no corpo de um homem. Muitas mulheres sentiam-se atraídas por tal
personalidade, o que não ocorria com ela.
Indo até a cabine, vestiu o traje de banho e desceu ao depósito,
procurando à sua volta até encontrar os esquis que seu pai lhe fizera quando
ela tinha dezesseis anos. Jogando-os por sobre os ombros e carregando uma
sacola contendo uma toalha e uma muda de roupa, retornou ao convés e
verificou que Timon ainda não havia regressado. Apoiou então os esquis à
balaustrada e colocou a sacola no chão. Quando estava prestes a sentar-se,
ouviu um ruído no navio, não muito alto. Voltou-se na direção do som e
escutou atentamente. Instantes depois, o ruído se repetiu.
Movendo-se tão silenciosamente quanto possível, atravessou o convés e
caminhou rumo à sala do pai.
Melina detinha-se de quando em quando, imóvel, suspendendo até a
respiração. Apesar do calor do dia, sentia a pele arrepiar-se.
Quando chegou ao escritório do sr. Chase, moveu-se rente à parede. O
coração saltava-lhe no peito ao se inclinar para espiar pela janela.
Vinda não se sabe de onde, surgiu aquela mão enorme, que lhe caiu
pesadamente sobre o ombro. Um grito partiu de sua garganta.
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
Melina não tinha noção das horas, quando acordou. Lá fora ainda estava
escuro. O que a despertara? Um ruído? Ou fora um sonho?
Ela permaneceu deitada por alguns minutos, à escuta. Havia apenas o
silêncio. Tentou fechar os olhos e adormeceu outra vez, mas foi inútil. Saiu da
cama e foi até a janela para contemplar a noite. Foi só então que percebeu que
Aristo a colocara no mesmo quarto de anos atras. Com um sorriso repleto de
lembranças, foi até a sacada e desceu os degraus que conduziam ao jardim.
O ar da noite era revigorante. A lua ainda estava visível e não havia sinal
do amanhecer, o que a fez concluir que deveria ser duas ou três horas da
madrugada.
Com as mãos nos bolsos, caminhou até os rochedos para apreciar o mar.
O Calypso, com suas luzes de navegação acesas, flutuava pacificamente na
baia.
Algo no mar chamou-lhe a atenção. Aproximou-se mais da borda do
rochedo, os olhos apertados pela concentração. Seu coração saltou quando a
viu novamente: uma luz. Debaixo da água, próximo ao Calypso.
Apagou-se, reapareceu, movendo-se de um lado a outro. Era essa então a
luz misteriosa da qual falavam os habitantes locais!
Correndo de volta à mansão, galgou os degraus de dois em dois até a
sacada, atravessou o quarto que usava e foi até aquele no qual ouvira Aristo
entrar. Melina bateu levemente, a princípio, depois com mais intensidade, sem
obter resposta.
Entreabrindo a porta, espiou pela fresta e chamou-o duas vezes seguidas
em voz baixa. Nada. Entrou no quarto, tateando pela parede até encontrar o
interruptor e acendeu a luz. Não havia ninguém no aposento. A cama não só
se achava vazia como nem ao menos fora desfeita.
Melina ficou ali parada, ainda sem saber que atitude tomar. Talvez tivesse
imaginado que ele entrara ali. Não poderia, entretanto, procurá-lo pela
mansão, batendo de porta em porta no meio da noite. Já se retirava, quando
uma idéia a fez entrar novamente. Sentindo-se uma intrusa, dirigiu-se ao
armário e abriu a porta. Estava repleto de roupas masculinas. Tocou a manga
de um paletó. Reconheceu-o. Era de Aristo. Então, onde ele poderia estar?
Antes de apagar a luz, observou por alguns momentos o quarto de móveis
de madeira escura e as cortinas azuis. Saiu, fechou a porta atrás de si e,
atravessando novamente seu próprio quarto, retornou ao rochedo, onde
sentou-se e permaneceu, apenas vigiando.
A luz havia desaparecido. Por mais que se esforçasse, nada mais viu, em
ponto algum.
Percebeu um movimento às suas costas e voltou-se.
— O que faz acordada a essa hora? — perguntou-lhe Aristo, sentando-se a
seu lado.
— Procurando por você. Vi uma luz, vinda do mar.
Ele encarou-a, cético.
— Eu vi! Não muito longe do Calypso.
Ele concentrou a atenção na água e esperou.
— Já se foi, agora — constatou Melina, após alguns minutos. — Mas
estava lá. Fui até seu quarto chamá-lo, mas você havia saído.
Então, ela notou-lhe os cabelos molhados.
— Eu estava no mar, nadando.
— Estava lá fora e não viu nada?
— Encontrava-me do outro lado do rochedo.
— Oh! — A voz de Melina revelou seu desapontamento.
Ele olhou o mar fixamente por mais algum tempo.
— Talvez você tenha apenas imaginado ter visto essa luz, ou, ainda, tenha
visto o reflexo do luar.
— Não, tenho certeza de que estava lá, e parecia ser um holofote,
movendo-se em círculos. Haveria alguém executando algum trabalho noturno?
Mas a essa hora? E tão próximo ao Calypso! — E, voltando-se para Aristo: —
Será que alguém pretende prejudicar o trabalho de papai?
— Não acredito nessa hipótese — retrucou ele.
— Mas nenhuma outra alternativa faz sentido!
— Você sempre foi curiosa assim? — indagou Aristo, suspirando.
— Sobre acontecimentos dessa natureza? Mas claro!
— Pois acho melhor deixarmos certos assuntos de lado — aconselhou ele,
ao erguer-se e ajudá-la a fazer o mesmo.
— Como pode dizer algo semelhante? Sou da opinião que a polícia deve
ser avisada.
— Não. A polícia, não.
— Mas...
— Eu já disse, a polícia, não — interrompeu ele. — Provavelmente era
apenas um habitante local curioso.
— Ou alguém tentando relembrar aos kortinianos a existência daquela
maldição — sugeriu ela.
— Certamente esta é uma possibilidade.
Melina afastou-se um pouco dele, olhando-o nos olhos.
— Você sabe exatamente o que está acontecendo, não é? — interrogou-o
ela.
Ele não respondeu.
— Sabe também por que o trabalho de meu pai tem sido dificultado por
acidentes e sabe por que meu cilindro de ar falhou.
— O que a faz pensar assim?
— Não posso prová-lo, é claro. É apenas um pressentimento.
— E tais presságios ocorrem com freqüência?
— Ultimamente, sim — declarou ela.
— E se lhe afirmar que está enganada?
— Não poderei acreditar em você.
— É o que eu chamaria de uma resposta franca.
Melina lhe lançou um olhar suplicante.
— Não vai revelar-me o que sabe?
— Como iria revelar-lhe algo que desconheço?
— E me contaria, se soubesse?
— Se tivesse certeza dos fatos, sim.
Ele enlaçou-lhe a cintura, afastando-a do rochedo.
— Venha, vamos voltar para casa — pediu ele.
Caminharam juntos até atingir as escadas que conduziam ao quarto
ocupado por Melina. Ela subiu alguns degraus, mas voltou-se de repente e
encarou Aristo.
— Não pode nem dizer-me se tem algo a ver com a maldição?
— Meu palpite é de que não tem nada a ver...
— É um alívio, ao menos — suspirou ela.
Aristo estendeu a mão como se fosse tocá-la, porém retirou-a e deixou-a
cair ao longo do corpo.
— Tente dormir mais um pouco antes de o dia amanhecer.
Ela recomeçou a subir as escadas.
— Melina? — chamou-a Aristo.
Ela se voltou.
— Não diga nada a ninguém sobre a luz que viu esta noite.
— Terei de contar a meu pai. Especialmente sendo algo que possa afetar o
seu trabalho.
— Está bem, se for necessário, mas só a ele — pediu mais uma vez.
— Farei o que me pede.
Pela primeira vez na vida, Melina não perguntou o motivo.
Quando já se encontrava no quarto às escuras, olhou pela janela. Assim
que Aristo a julgou deitada, afastou-se rapidamente da mansão.
Melina sentiu-se tentada a segui-lo, a princípio, mas algo lhe dizia que não
o fizesse. Não naquela noite.
Com um suspiro fatigado, deitou-se sobre as cobertas com o olhar fixo no
teto.
Horas se passaram e Melina continuava acordada, à espera de algum
ruído que lhe indicasse que Aristo voltara ao quarto. Tal não ocorreu.
Ao nascer do sol, levantou-se e desceu. O mordomo já se achava de pé e
cumprimentou-a com um sorriso.
— Bom dia, senhorita.
— Pode-me conseguir papel e caneta, por favor? — perguntou,
retribuindo-lhe o sorriso.
— Claro, senhorita. Levará apenas um instante.
Melina foi sentar-se na varanda enquanto esperava, escutando os
pássaros despertando e saindo à procura de alimento.
O mordomo retornou com seu pedido e colocou a caneta e o papel, além
de um envelope, na mesa, à sua frente.
— Deseja algo mais? Um café? Algo para comer?
— Não, obrigada. Isto é tudo.
Com uma leve inclinação de cabeça, ele entrou na casa, enquanto ela
começava a escrever um bilhete a Aristo, agradecendo-lhe pelo jantar e por
deixá-la passar a noite na mansão. Colocou-o num envelope e o deixou sobre
a mesa.
Pegando o novo cilindro de ar que ele deixara apoiado à parede na noite
anterior, colocou-o sobre o ombro e retirou-se da mansão, caminhando pela
estrada sinuosa que conduzia ao vilarejo. O passeio, bastante agradável,
tomou-lhe uma hora. O sol já ia alto quando aproximou-se das primeiras casas
e as pessoas já estavam montando suas barracas para iniciar os negócios do
dia.
Seguindo diretamente para o cais, contratou dois jovens para levá-la ao
Calypso em seu pequeno barco. Dentro de poucos minutos, Melina estava a
bordo do navio.
Retornando à sua cabine, tomou uma ducha e preparou-se para outro dia
de trabalho. Os demais mergulhadores já se encontravam no convés superior
quando lá chegou.
— Voltou bem cedo, não? — brincou Craig ao vê-la.
— Não é o que você pensa.
O sorriso dele aumentou.
— E, mesmo que fosse, não seria da sua conta.
— Você sabe colocar alguém em seu devido lugar!
— Tenho algo mais importante a dizer-lhe. Quero que peça a todos que
verifiquem o equipamento antes de descer.
— Nós sempre o fazemos, sabe disso.
— Mas, a partir de agora, devem verificar minuciosamente.
— Há algo errado? — O ar divertido desapareceu de seu rosto.
— Tive problemas com o cilindro e o manômetro, ontem.
— Fique tranqüila. Falarei com todos.
— Meu pai já chegou?
— Eu ainda não o vi — informou Craig.
— Não deve ter regressado. Apenas tinha esperanças de que ele tivesse
voltado mais cedo.
— Vai mergulhar hoje?
— Hum, hum. Na mesma área que me foi designada.
— Ok, então. Vejo-a logo mais.
Quando ele se afastou para preparar-se e falar aos outros mergulhadores,
Melina colocou o equipamento e saltou no mar.
Em vez de seguir direto à sua área, no entanto, ela nadou até onde
pensou ter visto a luz, a meio caminho do Calypso e da praia.
Deslizando sobre o fundo do mar, observou atentamente, apesar de não
saber o que procurava. Nada parecia estar alterado, mas alguém
definitivamente havia estado ali durante a noite. Ela viu a luz. Não fora um
sonho.
Com uma última olhadela ao seu redor, dirigiu-se à sua área, apanhou o
aparelho de sucção e preparou-se para o trabalho. Péricles já se encontrava
removendo pedras pesadas. Melina não reparou no modo como ele a
observava.
Foi um longo dia, porém produtivo, pois foi capaz de remover outra
camada de areia. Encontrou algumas peças de cerâmica espalhadas, que
colocou em um cesto. Se o tempo continuasse firme, e o mar, calmo, poderia
fazer grandes progressos antes de retornar ao Chipre.
A tarde já caía quando Melina subiu à superfície pela última vez naquele
dia. Um hidroavião flutuava suavemente e próximo ao Calypso, preso por
cordas. Desembaraçando-se do cilindro e do equipamento, deixou-o sobre a
plataforma e subiu ao navio. Seu pai se encontrava ali, conversando com um
homem elegantemente trajado.
— Melina — chamou o pai com um sorriso, estendendo a mão para que
ele se juntasse a eles. — Gostaria de apresentá-la ao sr. Stratos Demopoulous.
Stratos, esta é minha filha, Melina.
O homem aparentava ter a mesma idade de Aristo e parecia ser tão grego
quanto seu nome. Sua pele era cor de oliva e os cabelos escuros, escovados
para trás. E os olhos negros, ele não os tirava de seu rosto.
— Desculpe pela água — disse-lhe Melina depois que ele soltou a sua mão
úmida.
— Não tem importância. Vejo que tem mergulhado para seu pai.
— Um pouco, sim.
— Stratos está analisando a possibilidade de investir no projeto —
informou-lhe o dr. Chase, mal disfarçando o excitamento na voz.
— Ah, então o senhor é a razão da ida de papai a Atenas — concluiu ela.
O grego respondeu afirmativamente, sem deixar de olhá-la. Ela sorriu, um
tanto constrangida por causa daquele exame minucioso.
— Se me derem licença, vou enxugar-me e vestir-me.
— Nós a veremos mais tarde? — quis saber Stratos.
— Estarei no navio, se foi isso o que quis dizer.
Ele curvou a cabeça e, ao se afastar, Melina ainda pôde sentir seus olhos
fixos nela.
Assim que tomou uma ducha e se vestiu, saiu da cabine e quase chocou-
se com Craig em frente à sua porta.
— Opa — exclamou ele, rindo, ao segurá-la pelos ombros. — Eu vinha
justamente chamá-la. Seu pai deseja vê-la no escritório.
— Aquele Stratos Demopoulous ainda se acha com ele?
— Pelo que eu saiba, está dando uma volta pelo navio, provavelmente
para descobrir qual será o destino de todo o seu adorável dinheiro.
Craig saiu em outra direção e Melina se encaminhou ao escritório do pai.
Ele ergueu os olhos ao escutá-la entrar e sorriu-lhe.
— Craig avisou-me de que queria me ver.
Gregory Chase apontou-lhe uma cadeira e recostou-se à mesa.
— Preciso falar-lhe sobre algo — informou-lhe o pai.
— Sim, papai, estou ouvindo.
— É um assunto um tanto difícil.
Melina fitou-o curiosa e esperou.
— Stratos gostaria de levá-la para jantar em Atenas hoje à noite. Se
quiser ir, ótimo, porém não quero que se sinta obrigada a aceitar.
— Ele ameaçou não financiar as pesquisas, caso eu não vá?
— Não. Mas isso não faria diferença. Ainda lhe aconselharia a não ir se
não quisesse. Posso precisar de dinheiro, mas não a ponto de trocar minha
filha por ele.
Melina levantou-se e beijou-lhe o rosto.
— Sei que nunca tomaria tal atitude. Esperarei até que Stratos me
convide e então decidirei.
— Melina, lembre-se, sinta-se à vontade para recusar.
O visitante entrou naquele momento.
— Apreciei suas instalações, dr. Chase. São modernas e bem organizadas
e se houver algo para ser descoberto, creio que será o senhor a fazê-lo. Dentro
de alguns dias, oferecerei uma festa especial em Atenas. Gostaria que o
senhor e toda a tripulação comparecessem.
— Isto é muito gentil de sua parte — agradeceu o dr. Chase.
— De modo algum. Apenas acredito que projetos semelhantes ao seu
merecem uma ampla base de apoio, não apenas um ou dois patrocinadores.
Outros convidados gostarão de conhecê-los e conversar com todos. Os
resultados poderão ser vantajosos para todos nós.
— Obrigado. Providenciarei para que a tripulação compareça.
Stratos então voltou-se para Melina.
— Eu estava curioso em saber, srta. Chase, se me daria a honra de sua
companhia para um jantar, hoje à noite?
Melina estudou-o por um momento. Não gostara do modo como ele a
olhava fixamente, mas parecia ser um homem interessante e agradável. E,
talvez, só o fato de jantar com ele poderia ajudá-lo a se decidir a patrocinar
com generosidade o projeto do pai. Ela sabia o quanto seu pai precisava
daquele financiamento. Empregara quase todo o próprio dinheiro na
preparação do navio com os melhores equipamentos. Sem os fundos
necessários, não haveria como pagar a tripulação e comprar mantimentos.
— Terei o maior prazer em acompanhá-lo, sr. Demopoulous.
— Maravilhoso! E, por favor, chame-me de Stratos.
— Muito bem, então. E você deve chamar-me de Melina. Como devo me
vestir?
— O restaurante a que pretendo levá-la é um dos mais sofisticados de
toda a Grécia.
Melina teve dúvidas se o seu guarda-roupa estaria à altura.
— Deveremos partir dentro de uma hora — comunicou-lhe Stratos,
olhando o relógio.
— É o tempo suficiente para me arrumar — afirmou ela, dirigindo-se à
saída.
Ele se moveu com rapidez e abriu-lhe a porta.
Melina sorriu-lhe em agradecimento e voltou à cabine para vestir-se.
Trouxera tão poucas roupas...
Rejeitou de imediato o vestido que usara na festa dos Drapano. Procurou
então no armário de roupas que ali deixava, em base permanente, e encontrou
um traje que, apesar de antigo, estava na moda. A seda verde-água do vestido
que lhe chegava aos joelhos formava um contraste perfeito com a pele
ligeiramente bronzeada e combinava com seus olhos. Um casaquinho no mes-
mo tom completava o conjunto.
Após alguns minutos de indecisão, escovou o cabelo para trás e prendeu-o
num elegante coque. Como sempre fazia, aplicou pouca maquilagem,
ressaltando os olhos e as faces, porém de modo quase imperceptível.
Delicados brincos de ouro deram o toque final.
Quando subiu ao convés, encontrou o pai e o acompanhante conversando
próximo à balaustrada. Ambos voltaram-se à sua chegada, porém foi Stratos
que deu um passo à frente, seu olhar absorvendo todos os detalhes.
— Você está primorosa! — elogiou ele, tomando-lhe as mãos.
— Obrigada — agradeceu Melina, despedindo-se, em seguida, do pai.
Stratos ajudou-a a entrar no avião e fez o mesmo, fechando a porta,
enquanto dois mergulhadores desatavam as cordas que o prendiam ao
Calypso. Em segundos estavam movendo-se sobre a água e levantando vôo
em direção a Atenas.
Menos de uma hora depois desciam no aeroporto. Ao deixarem o avião,
uma Mercedes aproximou-se e um motorista uniformizado abriu-lhes as portas
do automóvel, primeiro para Melina e então para Stratos.
— Você já esteve em Atenas antes? — quis saber ele, depois de estarem
acomodados no assento de trás.
— Muitas vezes. Creio ter passado mais tempo de minha vida na Grécia do
que na América.
— Seu pai sente um grande amor por este país.
— É verdade. E sempre foi assim.
— E esse amor parece ter contagiado você.
— A Grécia possui uma história muito rica.
Já estava anoitecendo e algumas estrelas despontavam no céu.
O carro avançava com rapidez pela estrada. O tráfego ia se tornando cada
vez mais intenso à medida que se aproximavam da cidade.
Melina viu a Acrópole, de relance, maravilhosamente iluminada para exibir
o Partenon e o Erectêion. Aquela beleza causava-lhe intensa emoção. Algumas
pessoas enxergavam ali apenas ruínas. Ela via graciosas colunas e elegantes
linhas arquitetônicas que haviam sobrevivido através dos séculos com intacta
dignidade.
Stratos notou sua reação.
— Nossa Acrópole a deixa impressionada, não?
— Fico totalmente sem fôlego — afirmou com suavidade.
Ele fitou-lhe o perfil bem-feito e experimentou emoção semelhante à de
Melina.
O motorista estacionou o automóvel em frente a um ostentoso
restaurante e abriu a porta a Stratos, que deu a volta ao carro, auxiliando
então Melina a descer.
Tomando-a pelo braço de modo estranhamente possessivo, conduziu-a ao
interior do prédio. O maître, cumprimentando Stratos com respeito, levou-os a
uma mesa situada a um canto, suavemente iluminado.
Sentaram-se e ela observou o ambiente ao seu redor com ligeiro
desapontamento. Encontrar-se ali era o mesmo que estar jantando em
Manhattan. Nada havia que lembrasse o charme de um restaurante grego.
Ao voltar o olhar para o acompanhante, este a contemplava com
intensidade.
— Sinto-me constrangida — declarou ela com um sorriso para abrandar o
tom frio de sua voz.
— Por quê? — indagou ele.
— Pela maneira como me olha.
— Uma mulher como você deve estar habituada a tais olhares.
— Creio que você é um tanto mais ousado que os demais.
— Sou franco e considero-a uma das mais belas mulheres que já vi.
Outros homens já lhe haviam dito o mesmo, e suas palavras não a
embaraçaram.
— O que diria se eu lhe pedisse para se tornar minha amante? —
perguntou Stratos, de súbito.
Melina mal conteve uma reação de surpresa.
— Eu diria que você está brincando — conseguiu responder.
— E caso não se tratasse de uma brincadeira? — revidou ele.
— Eu agradeceria e recusaria.
— Por quê? — quis saber, um tanto incrédulo.
— Além de não estar em meus planos tornar-me amante de quem quer
que seja, mal nos conhecemos.
— Posso oferecer-lhe um futuro ilimitado, como riqueza, posição, poder;
satisfazer-lhe qualquer desejo.
Melina meneou a cabeça, sem acreditar no que ouvia.
— Você coloca todas as suas convidadas nesta situação difícil?
— Na realidade, não — explicou sorrindo. — Mas, lembre-se: estou
habituado a conseguir o que quero. E acontece, Melina Chase, que quero você.
— Sou uma mulher, e não um objeto, e gostaria de mudar de assunto.
— É o que faremos, então, por ora — tornou ele, dando de ombros.
Um garçom aproximou-se e serviu-lhes o vinho tinto seco que Stratos
encomendara à sua chegada. O grego ergueu o copo num brinde:
— A futuras ligações.
Melina não respondeu, mantendo o copo sobre a mesa.
— Estava me referindo às ligações com seu pai — esclareceu ele, fitando-a
com um sorriso nos olhos.
— Neste caso — respondeu ela, erguendo o copo —, a futuras ligações.
Melina observou-o por detrás da borda do copo enquanto provava do
vinho. Outras mulheres o achariam atraente. Era também um homem
audacioso e tinha de aceitar o fato de não desgostar dele por esse motivo.
Era um homem que dizia sempre o que pensava, sem se importar que ela
fizesse o mesmo.
Ao colocar o copo de volta sobre a mesa, sentiu-se compelida a virar-se.
Quando o fez, encontrou o olhar zangado de Aristo Drapano.
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
Melina passara a noite no hospital com Aristo. Ele ainda dormia quando
saiu para conseguir algum café. Ao retornar, alguns minutos depois, Helen e
seus pais se encontravam no quarto.
— Creio que é hora de ir embora — disse a Lambus, que estava fora do
quarto.
— Eu a levarei.
— Isso não será necessário.
— Sim, é. Aristo me colocou no Calypso para cuidar de você, e é
exatamente o que farei.
Com um sorriso triste, Melina deixou o café sobre uma mesinha do
corredor. Sem mais palavras, voltou-se para partir com Lambus.
A tarde já caía quando voltou ao Calypso. O pai correu ao seu encontro e
tomou-a nos braços.
— Não sabia o que pensar quando me ligou ontem à noite. Você está
bem?
— Eu estou bem, papai, fique sossegado — respondeu em voz baixa.
— Que história foi aquela sobre Stratos e o ouro?
Melina afastou-se um pouco do pai, as mãos ainda sobre seus ombros.
— Há muita coisa para ser contada, papai, e estou cansada demais para
fazê-lo agora. Você se importa que eu vá até minha cabine, primeiro?
— É claro que não. Você pode me contar tudo depois.
Dando um beijo no pai, afastou-se cansada para a cabine. Ainda com seu
vestido amarrotado, deitou-se na cama e dentro de segundos estava
profundamente adormecida. Seu corpo exausto não suportaria mais nada.
Passaram-se mais de vinte e quatro horas antes que Melina despertasse
completamente. Tirando o vestido, entrou no chuveiro e ficou sob a água fria
até sentir a pele dolorida.
Depois de se enxugar, vestiu um jeans e um pulôver enorme, fez as malas
e subiu ao convés. Seu pai lá se encontrava e ela sentou-se a seu lado.
— Sente-se melhor? — perguntou afetuosamente.
— Muito — afirmou Melina.
— Aristo ligou para saber como você estava passando. Ele me contou tudo
o que aconteceu. Encontraram o ouro no navio de Stratos e ele agora está livre
de suspeitas.
— Isso muito me alegra. Ele disse como estava seu braço?
— Não.
— E o que aconteceu a Timon? Teve problemas por seu envolvimento com
Stratos?
— Creio que não. Acho que levou apenas um "puxão de orelhas" por ter
bancado o tolo. E, seja como for, ele deixou a Grécia. Não acredito que volte
tão cedo.
— Falando em partir, pretendo voltar ao Chipre hoje.
Seu pai assentiu.
— Imaginei que o faria.
Ele contemplou-lhe o perfil e seu semblante encheu-se de dor. Sofria por
querer ajudar a filha e ser incapaz de fazê-lo.
— Lambus está a bordo — informou-lhe o pai. — Parece determinado a
ficar até você partir.
— Talvez ele possa levar-me de volta.
Seu pai olhou para cima.
— Aí está ele. Você mesma pode perguntar-lhe.
Antes que ela pudesse fazê-lo, Lambus respondeu:
— Claro que a levo. Quando quer partir?
— Assim que der uma olhada no César.
— Eu já o fiz. A polícia ainda não vai liberá-lo. Mas ele está sendo bem
cuidado, não se preocupe.
— Então, creio que podemos ir. Minhas malas já estão prontas, na cabine.
Lambus ofereceu-se para apanhar-lhe a bagagem e se afastou.
— Não sofra demais por Aristo. Ele é um bom homem, mas há outros
bons homens no mundo.
— Eu sei, papai.
— O que eu lhe disse é uma bobagem. Sei que Aristo não pode ser
substituído, assim como não pude amar outra mulher tanto quanto amei sua
mãe. É que detesto vê-la magoada.
— Isso vai passar. Tudo ainda é muito recente — assegurou-lhe,
tranqüilizadora.
— Cuide-se bem, filha.
— E você, faça o mesmo.
— Está pronta, Melina? — quis saber Lambus, carregando a bagagem.
Ela esforçou-se para sorrir ao pai.
Seu olhar dirigiu-se à Mansão Drapano. Contemplou-a por alguns
instantes e então, lentamente, andou em direção a Lambus.
— Estou pronta.
Em Chipre, os dias de Melina perseguiam uma rotina previsível. O trabalho
no pequeno museu era absorvente, mas ao chegar em casa, no final do dia,
era apanhada na armadilha dos pensamentos. Ler ajudava; ver os amigos,
também. Porém nada a livrava daquela persistente dor no coração.
Um mês já havia se passado, quando uma noite deixou o museu e
começou a caminhar para a sua pequena casa. Surgindo aparentemente do
nada, César veio trotando alegremente em sua direção, quase a derrubando de
entusiasmo. Melina, rindo, agachou-se e abraçou-se ao pescoço do enorme
cão.
— Adoro finais felizes — escutou a voz vinda de cima.
Melina ficou quieta e ergueu os olhos para Aristo. Levantou-se devagar.
— Eu também. O que faz aqui?
— A polícia liberou-o, por fim, e resolvi trazê-lo para você.
— Agradeço-lhe que tenha se dado a esse trabalho.
O olhar de Aristo percorreu o rosto adorável.
— Você está maravilhosa.
— Como está seu braço? — perguntou, ignorando o elogio.
— Está bom. O médico disse que, se não fosse por seus cuidados, teria
tido uma infecção grave, por certo.
Melina assentiu.
— Preciso falar-lhe, Melina.
— Não, não tenho tempo. — O pânico que sentia era evidente em sua voz.
— Mas quero agradecer-lhe mais uma vez por ter trazido César. Adeus.
Ela recomeçou a caminhar, passando por ele, mas Aristo estendeu a mão
e segurou-lhe o braço.
— Eu não me casei com Helen.
Ao voltar-se para ele, a surpresa estampava-se em seu rosto.
— Como?!
— Não pude.
— Mas como, se você disse...
— Eu sei o que disse — Aristo a interrompeu. — Há um lugar mais calmo
em que possamos conversar? — pediu, notando as pessoas que os
observavam, curiosas.
— Minha casa não é longe daqui.
— Então, vamos...
Em silêncio, caminharam rua acima, com César trotando feliz entre eles.
Ao chegarem, Melina destrancou a colorida porta de madeira e entrou. Aristo e
César a seguiram.
O ambiente estava envolto em sombras, porém ela não o notou, pois
Aristo tomava-lhe o rosto entre as mãos.
— Oh, Deus, como senti sua falta...
Melina ia falar, mas ele impediu-a, tocando-lhe os lábios com o dedo.
— Logo depois que você partiu, reuni Helen e a família e expliquei-lhes o
que sentia a seu respeito. Como sempre me senti em relação a você. Custou-
me uma pequena fortuna desfazer o contrato, mas Helen preferiu assim a
casar-se com um homem apaixonado por outra mulher. Estou livre agora.
Aristo puxou-a para si. Como era bom aquele abraço.
O corpo de Melina colou-se ao dele, e ela fitou-o direto nos olhos. O amor
que viu encerrado neles atingiu em cheio o seu coração.
— Case-se comigo, Melina. Agora. Hoje à noite. Não quero ficar sem você
nem mais um minuto.
Quando os lábios de ambos se encontraram, Melina e Aristo quase
explodiram por causa de toda a paixão por tanto tempo contida. Não
conseguiam aproximar-se o suficiente. Os lábios dele deixaram os dela para
explorar a suave linha de seu pescoço. Melina reclinou a cabeça para trás e um
leve gemido escapou-lhe dos lábios enquanto as mãos dele desabotoavam-lhe
a blusa com habilidade. Seus lábios pousavam agora com desejo sobre aqueles
seios macios e quentes.
Aristo endireitou o corpo e procurou-lhe a boca novamente. Tomou-a nos
braços e começou a levá-la em direção ao quarto, mas parou de súbito,
enterrando o rosto em seu cabelo.
— O que há de errado?
— Isto. — Ele ergueu a cabeça e fitou-a. — Eu a amo mais do que pensei
ser possível amar alguém. E quero fazer amor com você tão
desesperadamente, que chega a doer. Mas sou um homem conservador,
Melina. Quando nos unirmos pela primeira vez, quero que seja como marido e
mulher.
Melina tocou-lhe o rosto com um gesto suave e sorriu.
— Às vezes me pergunto como pude ter a sorte de me apaixonar por você
aos quinze anos.
— Por pouco não foi má sorte. Estive tão perto de perder você. Se não
tivesse ido visitar seu pai, talvez não estivéssemos juntos agora.
— Quem sabe não foi o destino — brincou ela.
— Você é um verdadeiro milagre. Mesmo quando parecia que não
podíamos estar juntos, lá estava você para me ajudar, quando eu mais
precisava.
— E mesmo quando você pensou que não precisava.
— E por quê?
— Porque eu era uma mulher apaixonada. E ainda sou — sussurrou de
encontro aos seus lábios.
FIM