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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

FEITOS UM PARA O
OUTRO
ILLUSION

CHARLOTTE LAMB

Para Débora,
era uma situação
absurda: pela primeira
vez na vida, a
talentosa repórter
tinha virado notícia. E
que notícia! Ainda
podia ver os flashes
dos paparazzi
explodindo em seu
rosto. E ela, de
vestido rasgado, nos
braços de um homem
que mal conhecia.
Quem é que ia acreditar que não havia nada entre os dois? Pior: como ia convencer
Mateus Tyrell de que ela não tinha nada a ver com aquele flagrante, armado só para
prejudicá-lo e conseguir uma boa história? O jeito, agora, era manter a calma. Só não
podia esperar que Mateus se vingasse, obrigando-a a coisas tão horríveis...

Digitalização: Ana Cris


Revisão: Ana Ribeiro

CAPÍTULO I

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Já estava escurecendo quando Débora se dirigiu para a saída do hotel. O


porteiro apressou-se em abrir a porta para ela, dando-lhe aquele sorriso adulador que
os latinos costumam dirigir a qualquer mulher que passa, independente de sua
aparência ou idade.
— Não esqueça que o jantar é servido às oito, senhorita. — Ele falava inglês
com um leve sotaque americano, e estava tão habituado a fazê-lo que já não se sentia
nem um pouco vaidoso de sua fluência.
— Não esquecerei.
Estava faminta, depois de ter recusado toda aquela comida sintética do
aeroporto. Não comia nada desde o rápido café da manhã em Londres, tomado tantas
horas atrás.
Sua mente tinha estado ocupada demais com tantas outras coisas... A dor pode
ser muito absorvente.
A dor não deixa espaço para mais nada. Todo o ser torna-se atento a ela,
fechando-se para o mundo. Nesse estado de torpor, Débora havia atravessado a
Europa: como se fosse surda, muda e cega.
Aquela companhia invisível não a deixou por um instante, dando-lhe nos nervos
e agitando seu sangue, que fervia com uma fúria louca.
Agora, todo o seu corpo parecia doer também. As longas esperas nos
aeroportos e aviões e o excesso de barulho e movimento faziam com que ansiasse por
andar rápido e sozinha, como se isso fosse sacudi-la ou melhorar seu humor.
O hotel ficava num dos canais traseiros de Veneza. Quando saiu dele, achou-
se, de repente, numa margem estreita e deserta. As paredes de trás dos prédios
refletiam-se na água oleosa e escura; uma névoa pálida e tênue emoldurava uma ponte
a distância.
Havia algo assustador e extraordinário ali. Débora ficou ouvindo aquele
silêncio, que foi penetrando em sua mente, como o nevoeiro. Atrás dela, o hotel estava
silencioso, mas bem-iluminado. Podia ver a silhueta do porteiro por trás da porta de
vidro. O homem parecia observá-la e, antes que ele saísse para perguntar se precisava
de informações ou ajuda, Débora continuou andando, sem direção definida.
Atravessou a ponte e parou para olhar o canal. A água movia-se, indolente, e
tinha um forte cheiro que lembrava o Tamisa nas tardes de inverno. Quando saíam
para passear ou iam a um teatro, ela e Robert costumavam caminhar, observando as
luzes amareladas dos globos redondos vitorianos, refletidas no rio.
Pensou nisso com um sorriso. Robert sempre a fazia sorrir e, naquele tempo,
nem imaginava que ele um dia poderia fazê-la chorar e sofrer tanto.
É muito bom que as pessoas não sejam capazes de prever o futuro, pensou.
Hoje é sempre mais seguro do que amanhã. Virou-se e saiu dali, com o coração
apertado.

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Não podia se iludir, pensando que ele a havia enganado. Na verdade, Robert até
a prevenira.
— Não me leve a sério — tinha dito muitas vezes.
Mas sempre falava rindo e de um jeito tão suave, que ela jamais tinha levado
seu aviso a sério. Um grande erro... Apaixonara-se cegamente, ignorando totalmente
os sinais de perigo.
Robert era charmoso, sem pretensão, com aquele sorriso encantador — mas
impessoal, agora sabia disso. Como o sorriso que o porteiro do hotel lhe dera. Ele
gostava da companhia de Débora, tinham sido inseparáveis durante três meses.
Débora era uma moça inteligente, cheia de senso de humor e dotada de uma
mente viva e brilhante. Só que seu tão decantado senso de humor a abandonara,
quando descobriu que Robert tinha outra mulher.
— Eu lhe disse para não me levar muito a sério, não disse? Afinal de contas,
somos amigos, não somos?
— Amigos?
A palavra "amigos" a apanhara desprevenida, deixando-a perturbada a ponto
de tremer incontrolavelmente. Amigos? Como ele podia chamar o que havia entre os
dois simplesmente de amizade?
Robert chegou a corar diante de sua reação. Depois, ele tentou explicar,
suavemente:
— Deb, eu nunca prometi nada a você... Não pode negar isso. Não tente me
colocar contra a parede. Não gosto disso, você sabe. Sofro de claustrofobia quando
percebo que as pessoas querem me prender, reclamando por direitos e deveres. Não
me sinto à vontade, e você sabe do que estou falando.
Quando essas lembranças lhe voltavam — o que acontecia sempre —, sentia-se
grata por não ter perdido totalmente o orgulho. Mas a decepção deixou uma dor tão
insuportável, que resolveu afastar-se algum tempo de Londres, tirar umas férias.
— Nessa época do ano? — Andréa havia perguntado, com um leve
ressentimento.
Andréa tinha marido e filhos, mas nem por isso deixava de se preocupar com a
irmã, que, em sua opinião, era independente demais.
— Você está sempre viajando. Acabou de chegar de Genebra. Para que precisa
de férias? — Nem esperou resposta. Começou a desfiar o rosário de queixas bem
maiores do que os motivos que talvez Débora tivesse para querer sair da Inglaterra.
E, quando Andréa começava, não havia meio de pará-la. Débora deixou de ouvi-la
depois dos primeiros minutos de lengalenga. Não havia mesmo nenhuma necessidade de
prestar atenção: conhecia de cor e salteado os pontos de vista da outra, que, aliás,
nunca perdia uma chance de os repetir, toda vez que se encontravam.
Andréa era quatro anos mais velha e ainda a tratava como a caçula. Ralhava,
dava ordens, se intrometia, exatamente como quando eram crianças.
— Você devia se casar. — Lá vinha ela com seu assunto favorito.

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— Obrigada pelo conselho.


Andréa tinha ficado um tanto confusa, ofendida e curiosa.
— Aconteceu algo de errado?
— Estou cansada, é tudo.
Débora não tinha nenhuma intenção de contar sobre Robert. A irmã vira o
rapaz algumas vezes, e sua reação havia sido um misto de ciúme e aprovação. Robert
era, de longe, muito mais atraente do que Tom, o marido de Andréa; daí o ciúme.
Apesar de ficar até aliviada, pensando que a irmã se casaria finalmente, ela se sentia
injustiçada por ser com alguém tão bonito como Robert.
— Está cansada? Faça-me rir! — Andréa, sim, estava sempre cansada. — Tente
se levantar às seis da manhã, com um bebê, e depois preparar o café para Tom e os
outros, fazer o trabalho de casa...
A lista tinha começado novamente. A vida de Andréa era apertada e ocupada,
mas incrivelmente fascinante, na opinião dela. Não lhe passava pela cabeça que Débora
talvez não ficasse tão fascinada assim.
Tudo tinha um fim, mesmo a dor. Débora tentava se convencer disso, andando
sem destino por entre a espessa névoa e a escuridão que haviam descido sobre as ruas
estreitas e os canais. Só ouvia o som dos próprios passos. De repente parou, tremendo
de frio. Onde estava?
Tinha caminhado a esmo, sem prestar atenção. Olhou em volta: não reconhecia
o lugar. Começou a voltar por onde imaginava ter vindo, o coração acompanhando o
ritmo das batidas de seus saltos altos no chão.
Então ouviu passos, furtivos, como de pés calçados com tênis. Débora só viu os
dois rapazes quando já estavam a seu lado, separando-se para deixá-la no meio. Olhou
para eles, sentindo-se assustada. Eram magros e altos, de jeans e suéteres pretos,
rindo de algum tipo de brincadeira da qual ela parecia participar como uma vítima
indefesa.
Tentou ignorá-los e apressou o passo. Fizeram o mesmo, espremendo-a entre
eles. Ouviu uma risada abafada. Não fizeram barulho, não disseram nada, mas aqueles
ombros encostados nos dela incomodavam, ameaçavam.
Naquele silêncio estranho e escuro, Débora sentiu-se perdida e muito só, e
isso aumentou o pânico que crescia dentro dela.
Se eles tivessem falado, não seria tão assustador. Era o silêncio que tornava a
situação tão aterradora e difícil de enfrentar. Eles não deviam ter mais do que
dezesseis anos, mas a maneira como agiam juntos era como se tivesse sido ensaiada,
antes de abordá-la. Será que a haviam seguido? Ou já tinham feito aquilo antes?
Um deles passou o braço na cintura de Débora, o que a encheu de raiva. Virou-
se e empurrou o rapaz, furiosa a ponto de esquecer o medo. Correu, mas logo foi
alcançada por eles e agarrada pelos braços, com muita força. Gritou e seu grito ecoou
na escuridão. Um dos rapazes tentou tapar-lhe a boca, mas, de algum lugar daquele
silêncio úmido e opressivo, soou uma outra voz:

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— O que está acontecendo? — Era um homem e falava inglês.


Os rapazes não se mexeram e Débora não conseguiu balbuciar um único som;
aquela mão sobre sua boca sufocava. Só pôde gemer.
— Onde está?
Ouviu som de passos que se aproximavam. Seus dois atacantes ficaram tensos
e atentos, relutantes em largar a presa, mas com medo de serem apanhados. De
repente, jogaram Débora de lado e correram feito loucos,
seus sapatos de borracha martelando o chão, único indício de que tinham
estado ali. Desapareceram na escuridão.
Débora tremia, rezava e respirava com dificuldade. Apoiou-se numa parede
para se levantar. Sentiu que as pernas mal a sustentavam e que o suor frio fazia sua
blusa colar na pele.
Naquela treva, um homem aproximou-se. Ofegante, Débora olhou para ele.
— Era você que estava gritando? Por que não respondeu? O que havia de
errado? Perdida? Estava perdida?
Débora não encontrava fôlego para falar. Seu coração parecia bater na
garganta.
— Você está bem? — Olhava para ela, com um certo, ar de impaciência. Débora
achou que ele devia estar com pressa e agora se sentia irritado por ter se atrasado.
Queria resolver de uma vez aquele problema e ir embora. — Diga alguma coisa. Não
pode? — ele acrescentou, aproximando-se.
— Uns meninos me assaltaram... sem roubo.
— Meninos? — Olhou em volta, procurando.
— Eles fugiram quando você apareceu... ou melhor, quando gritou para mim.
O homem não parecia acreditar em uma palavra de sua história. — Entendo.
Você está machucada?
Ela sacudiu a cabeça. Agora que estava a salvo e o coração começava a bater
mais normalmente, sentia-se embaraçada e irritada.
— Sinto muito que tenha se incomodado.
Ele pareceu divertido com sua tímida desculpa.
— Não fui incomodado. Pensei que havia alguém perdido na cerração.
— É verdade, estou, sim. Que lugar é este?
— Foi o que pensei — ele comentou, como se ela tivesse inventado a história
sobre os rapazes porque não queria confessar que estava perdida e amendrontada. —
Este é o canal Loretsi. Para onde quer ir?
— Para o Hotel Loretsi.
— Fica só a alguns quarteirões daqui. — Sorriu de um jeito que ela achou
irritantemente paternal. — Então, você não estava mesmo perdida, apenas pensou que
estivesse. Não devia ter saído nessa neblina.
Débora não estava com humor para ouvir conselhos de nenhum homem.
— Obrigada — disse, como se fosse um insulto, virando-se para voltar.

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— Vou andar com você. — Juntou-se a ela, sem pressa. — Para o caso de
encontrar mais algum daqueles rapazes perigosos... — Havia zombaria no comentário e
seu olhar era provocador.
Mas Débora não insistiu na história do assalto. Nem se incomodou se ele
acreditava nela ou não. O incidente a deixara trêmula e aquele silêncio hostil, mais a
lembrança dos rapazes, ainda a intimidava bastante.
Estremeceu involuntariamente e o desconhecido observou:
— Devia ter vestido algo mais quente do que essa jaqueta. Estamos em
outubro, lembra? Aqui em Veneza, costuma ser bastante frio no outono.
As luzes do hotel apareceram por entre a névoa. Pararam na porta, do lado de
fora, e Débora começou a agradecer, mas foi logo interrompida pelo sorriso que ele
deu:
— Não foi nada. Estou feliz por ter ajudado. Vai ficar por aqui?
— Vou.
— É um ótimo hotel, calmo e bem-dirigido. A comida é excelente.
— Conhece-o bem? — Imaginou que ele morasse em Veneza. Não parecia um
turista.
Diante das luzes do hotel, foi capaz de vê-lo direito pela primeira vez. Era bem
mais alto do que ela, com ombros largos e poderosos, corpo delgado e elegante, o
físico de um atleta. Seu rosto era marcante, sem ser bonito, com sobrancelhas
escuras e olhos verdes que a observavam, divertidos. Tinha um nariz ligeiramente
arrogante e uma boca bem-feita e sensual.
— Já estive aqui muitas vezes. Quando você chegou?
— Há uma ou duas horas. Ele sorriu.
— E foi logo explorando o lugar, hein? Não é muito aconselhável, com este
tempo.
— Não.
Ela estava se aborrecendo novamente e, pela maneira como ele a observava,
percebeu que tinha notado sua zanga e se divertia ainda mais com isso. Deu-lhe a
impressão de ser um homem irônico, que ria com freqüência. Sua pele estava bem
bronzeada., Será que tinha acabado de voltar de férias ensolaradas?
— Bem, obrigada novamente.
O porteiro já estava abrindo a porta. Débora percebeu o olhar curioso que deu
para o outro homem. Entrou, sem se virar outra vez para seu salvador. O hall estava
bem aquecido e acolhedor. Ela tremia e o porteiro disse, atencioso:
— Uma noite terrível senhorita. Temos muitos nevoeiros nesta época do ano.
Débora sorriu e concordou com ele.
— Estou faminta — acrescentou, sentindo o delicioso aroma que vinha do
restaurante. Seu estômago começava a reclamar. — Mas, primeiro, vou subir para me
trocar.
Comeu pratos típicos, o famoso fígado veneziano com creme e ervas, e o

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zabaglione, um doce leve e gelado, feito com vinho, ovos e creme.


Havia poucos hóspedes, que a olharam com curiosidade quando ela entrou,
como se novos hóspedes fossem de grande interesse para eles.
O garçom, muito atencioso, trocava seus pratos com presteza e mantinha seu
copo sempre cheio de vinho. O homem estava evidentemente encantado com o cabelo
de Débora. Os italianos admiravam as louras. Sentiam-se atraídos por seu tipo etéreo.
Os olhos escuros do garçom estavam sempre sobre ela, sorridentes.
Débora começava a se irritar. Houve época que os olhares masculinos a
divertiam e lisonjeavam. Mas agora sentia apenas hostilidade em relação aos homens.
Naquela noite, estava até mesmo considerando a admiração masculina como um insulto.
Queria que ele parasse de encará-la. Tinha mesmo vontade de esmurrá-lo. Seus olhos
castanhos diziam isso quando encontraram, pela milésima vez, os olhos escuros do
garçom fixos sobre ela. Viu que ele os desviou rapidamente para os pés cansados,
encolhendo os ombros, sem jeito. Sentiu-se tola e culpada, porque ele não era jovem e
não havia nenhuma maldade em sua admiração.
Pediu café, torcendo para que não fosse italiano, pois não gostava do café
deles. Preferia a bebida forte que tomavam em Londres. Perguntou ao garçom se
tinham licor, e ele se apressou em trazer um Drambuie, servindo-o junto com o café,
num ritual grandiloqüente, como se ela tivesse pedido a bebida apenas para agradá-lo...
o que, de certa forma, era verdade. Débora provou e sorriu para ele, fazendo o homem
quase estourar de felicidade.
Terminou sua xícara e bocejou. Sentia-se sonolenta, agora. A comida parecia
ter um efeito soporífero. Era, na realidade, o efeito da viagem e dos preparativos.
Tinha sido um dia muito movimentado; aliás, como ela queria. Se estivesse descansada,
pensaria em Robert o tempo todo, e não era bem isso o que desejava, apesar de ele
não ter saído de sua cabeça um momento sequer. Pelo menos, com muitas pessoas
sempre à volta, não podia chorar. Por isso, tinha atravessado toda a Europa: para
tentar fugir da dor que tomava conta dela.
O porteiro estava se retirando, quando ela passou, e despediu-se:
— Durma bem, senhorita — falou, e o homem que o substituiu mostrou-lhe
um sorriso generoso, enquanto lhe entregava a chave do quarto.
Débora encomendou o café da manhã no quarto e o Times. Era o único jornal
inglês que tinha certeza de conseguir fora da Inglaterra. Os outros, em geral,
chegavam muito tarde para serem lidos de manhã.
Depois de ter feito seu pedido, virou-se e esbarrou em alguém. ― O homem
segurou-a, evitando que caísse. Débora olhou para desculpar-se, e só então o
reconheceu.
— Sentindo-se melhor? — ele perguntou.
— Obrigada, estou, sim.
Não podia fingir que se alegrava por vê-lo. Ele a fazia lembrar o pânico que
tentava esquecer. E também não lhe agradava aquele olhar eternamente divertido.

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Ia embora, quando ele disse:


— Nada de sonhos maus, hein? .
Ria, mas Débora não. Sabia que teria maus sonhos. Gostaria de mandá-lo para o
inferno, mas simplesmente continuou andando, sem se virar para olhá-lo, como se não
tivesse ouvido o comentário.
O hotel tinha um desses elevadores antigos de ferro dourado, parecidos com
gaiolas. Aquele era cheio de arabescos barrocos e dava vista para todo o hall,
enquanto subia ou descia.
Débora olhou para baixo e sentiu-se invadir de raiva quando viu o homem alto e
bronzeado observando-a. Ele admirava suas pernas com o maior descaramento. Seu
olhar acompanhou-a até perdê-la de vista.
Havia flores sobre a mesa de seu quarto. Parou para cheirá-las e deu uma
olhada no espelho. Seu rosto estava corado e seu olhar era desaprovador. Parecia
zangada, disposta a brigar com alguém. Já era uma melhora, em comparação com o
estado miserável e sombrio em que se encontrava alguns dias atrás. Talvez o desânimo
voltasse a envolvê-la novamente, como a névoa veneziana, mas agora ela estava viva e
desperta.
As flores tinham aquela perfeição absoluta dos botões de estufa. Uma vez,
Robert lhe mandara rosas vermelhas de cabo longo, botões lindíssimos, mas que
pareciam artificiais.
— Lindas — ela havia dito, só para agradá-lo, pois preferia ter recebido um
buquê de violetas comprado numa daquelas bancas de rua.
Robert era um homem que obedecia a impulsos: fazia as coisas sem avaliar o
que custariam, para ele ou para qualquer outra pessoa. Gostava de viver ao acaso,
correndo atrás daquilo que o atraísse no momento. Recusava-se a levar a vida a sério,
e Débora admirava-o por isso. Mas tudo era diferente, agora que sabia que ele
também não a levava a sério.
Era tudo uma questão de ponto de vista: o lugar onde você está dita o que você
vê e como você o vê.
Deitou-se, tentando dormir, observando o nevoeiro como uma visão
fantasmagórica. O barulho da água nos degraus de pedra do canal entrava pela janela.
Havia um pequeno balcão em seu quarto, que o porteiro tinha recomendado que ela não
se atrevesse a pisar, pois não era seguro. Foi até lá e abriu as persianas.
O cheiro que tinha sentido antes estava mais forte agora. As janelas do prédio
em frente eram todas pequenas e gradeadas, como para impedir que as pessoas se
debruçassem e caíssem no canal. Será que era um hotel? Ou uma prisão? Ou um
convento que tinha que se prevenir contra freiras fugitivas? Observou as janelas,
esperando ver rostos tristonhos, mas não havia ninguém à vista.
Só ela estava triste. Que grande tola! Robert não era o primeiro homem por
quem se apaixonara. Já sabia que o amor podia desaparecer da mesma maneira como
tinha aparecido. Estava com vinte e sete anos agora, e tinha dezenove quando se

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apaixonou pela primeira vez. Antes disso, só tinha brincado com o amor, sempre
divertindo-se e experimentando-o. Quando finalmente se apaixonou, tinha sido
divertido também, exceto naquele dia em que todo o encanto acabou: seu jovem
Adônis, um rapaz de vinte anos, de temperamento ardente, confessou que
simplesmente não a amava mais. Engraçado! Débora não conseguia mais nem lembrar
como ele era.
Será que um dia também esqueceria como Robert era? Fechou os olhos... e a
imagem dele apareceu imediatamente. Não era tanto a aparência dele, mas a maneira
como sorria... isso, sim, achava inesquecível.
Ele não me fez de boba, Débora tentava se convencer. Eu mesma me fiz de
boba. Sou ótima nisso. Provavelmente, é o meu maior talento.
— Você nunca presta atenção — seu chefe tinha lhe dito certa vez. Na época
era uma repórter iniciante, correndo atrás de experiência de vida e trabalho, nunca
parando para ouvir direito o que as pessoas tinham para contar.
Cometera um terrível engano, confundindo dois nomes. Resultado: dois homens
importantes e irados tinham ido à redação, fazer queixa dela.
— Você nunca presta atenção no que ouve.
O chefe tinha razão. Devia ter ouvido quando Robert preveniu:
— Não me leve a sério.
Ele foi honesto. E não era culpado por ela se apaixonar tão perdidamente.
Tinham se conhecido num almoço, quando Débora foi receber um prêmio de
equipe pela cobertura de uma guerrilha num país africano. Ela acabara de voltar de lá,
depois de ver cenas que jamais esqueceria, e ficou irritada com os discursos elogiosos,
a festa, a comida cara, os homens com ternos impecáveis, os charutos e o vinho. Não
podia deixar de lembrar as criancinhas que choravam, implorando por comida, nas ruas
da cidade em ruínas. Estava de partida, de volta para casa, e aquela imagem
acompanhou-a cada minuto da viagem.
Mas não demonstrou a sua revolta. Fez um discurso educado e gentil de
agradecimento e, para apagar aquela lembrança terrível, acabou bebendo mais do que
estava habituada. A mistura de vinho e raiva soltou sua língua. Robert estava sentado
a seu lado e conversaram bastante. No final do almoço, ele perguntou:
— Posso ver você novamente?
A princípio, Débora estava sempre fora da Inglaterra, a serviço. Foi se
envolvendo sem perceber, pensando que ele se sentia da mesma forma. Robert ficava
tão feliz ao vê-la e tão triste quando ela tinha que viajar novamente, que tudo levava a
crer que os sentimentos dela eram correspondidos.
Ele morava e trabalhava em Londres; aquela era sua concepção do paraíso.
Como editor de uma revista muito conceituada, conhecia todo mundo e tinha trânsito
livre em todos os lugares. Era muito sociável, gostava de boa companhia e nada
importante acontecia na cidade sem que Robert estivesse presente. Conseguia
entradas para todas as peças novas, óperas ou bales. Assim como convites para festas.

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Além de jornalista influente, era um convidado charmoso e interessante. Muito


popular principalmente com as mulheres.
Débora percebeu, desde o começo, que ele tinha tido um passado bastante
agitado. Mas chegou até a se habituar com os olhares ciumentos que muitas mulheres
lhe dirigiam. Ou mesmo com outras, que o perseguiam abertamente. Ex-namoradas, ex-
casos...
Robert sempre tinha uma palavra encantadora para todas elas. Não se
mostrava constrangido ou confuso, pelo contrário.
— É maravilhoso ver você novamente, querida! — ele dizia.
Débora sentia pena das pobres mulheres que não tinham conseguido segurá-lo,
não percebendo que, muito em breve, seria a sua vez. Ele não era do tipo que se
deixava prender, mas ela não compreendeu isso... até ser tarde demais.
Sabia, agora. Gostaria de ter percebido logo no início. Não sofreria aquele
golpe, não se sentiria como um ratinho indefeso, preso na armadilha.
O fato de o amor ser uma ilusão não ajudava em nada, no momento. A ilusão
daquele amor ainda estava muito viva nela. Quando ele morresse, a dor iria embora
também, ela tentava se convencer. Gostaria de ter tomado mais vinho no jantar. O
sono seria uma fuga.
Fechou os olhos e deitou-se, muito quieta, convidando o sono a tomar conta de
seu corpo cansado.
Quando abriu os olhos novamente, já era dia. A neblina tinha desaparecido. Um
tímido e discreto raio de sol invadia o quarto, refletindo na parede, e vozes vinham da
estreita passagem que havia fora do hotel.
Levou alguns segundos para perceber que o barulho que a acordou tinha sido
uma batida discreta à sua porta. Bateram novamente.
— Entre.
Era a empregada, com seu café. Apesar de ter pedido, o Times não chegou com
ele. A arrumadeira magricela explicou que não havia sido entregue, devido à neblina.
Débora não fez comentários. Enfiou-se no robe de seda azul e sentou-se para
tomar café e comer um pedaço de pão com manteiga e geléia de cereja.
O café tinha sabor de leite. Com o que será que eles o faziam?
Quando terminou, tomou banho e vestiu um terninho bege de linho. Queria dar
uma volta e aproveitar para mandar alguns postais. Andréa tinha pedido que enviasse
cartões; não por ela, mas por seu filho mais velho, Kerry, que colecionava selos.
Débora tinha contribuído com grande parte da coleção, já que viajava muito. Nunca se
esquecia de mandar-lhe um cartão, mesmo que estivesse fora apenas por um ou dois
dias. Kerry tinha sete anos e acreditava que o mundo girava a seu redor. Estava numa
idade de descoberta do mundo e de completo egoísmo, e não se conformaria se sua tia
favorita algum dia o esquecesse. Débora não faria uma coisa dessas: não ia ferir seus
sentimentos nem machucar seu ego.
Nos intervalos de sua vida agitada, pensava às vezes em como seria bom ter

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um filho como Kerry. Gostava muito dele, e imaginava o que Andréa diria, se lhe
confessasse seus instintos maternais.
"É muito fácil para você falar! Só o vê quando ele se comporta melhor! Devia
ver Kerry quando teve sarampo, ou quando não quer ir para a cama, por causa de algum
programa da tevê. Aí, então, é que se revela o verdadeiro monstrinho!"
Talvez as maçãs fossem sempre bonitas do outro lado da cerca. Invejava
Andréa que, apesar de todas as queixas, tinha segurança e amor, e sabia disso. Por sua
vez, Andréa invejava aquele glamour, aquele encanto, a magia da vida excitante que
pensava que Débora levava.
Comprou um número enorme de postais e sentou-se num café, para escrever
rapidamente umas linhas, antes de enviá-los. Pela primeira vez, depois de muito tempo,
não mandou nenhum cartão para Robert.
Recolheu os cartões e ia se levantar quando viu o homem da véspera. Ele não a
viu; atravessava a praça larga è cheia de pombos, com uma mulher. Débora observou-
os. Aquela cabeça de cabelos claros estava inclinada, ouvindo o que sua companheira
dizia. Ela andava rapidamente, para acompanhar os passos rápidos e largos dele, e os
saltos dos sapatos ressoavam.
De repente ele sorriu, e seu rosto encheu-se de humor e charme. Débora
sentiu novamente a hostilidade que sentira na noite anterior, quando ele admirou suas
pernas. Uma hostilidade maior ainda, porque conhecia aquele tipo de sorriso,
encantador e casual. Robert costumava sorrir exatamente daquele jeito para as
mulheres.
Olhou na direção oposta e caminhou até encontrar um vaporetto, que a levaria
de volta ao canal onde ficava o hotel. O dia estava calmo, e o ar, limpo, uma qualidade
que enriquece Veneza e enfeita o esplendor decadente de suas igrejas e palácios
antigos. A neblina não combinava com aquele lugar. Uma brisa leve e suave soprou ao
longo do Grande Canal, arrepiando a superfície e multiplicando os reflexos coloridos na
água.
Uma criança passou numa gôndola, chupando um enorme sorvete de morango.
De repente, inclinou-se e deixou cair o sorvete no canal, e a crise de raiva que teve
fez todo mundo morrer de rir. Débora riu também. Era tão bom ser criança e não
precisar esconder a frustração...
Olhou para as fachadas rosadas e douradas que passavam por ela e sentiu-se
quase feliz novamente. Era um bom sinal de que talvez, num futuro próximo, voltaria a
ser ela mesma. Mesmo a infelicidade não dura para sempre. Um dia ela se recuperaria
e se livraria daquela dor.
Voltando para o hotel, surpreendeu o porteiro com um sorriso espontâneo e
farto.
— Um bom dia, senhorita? — Ele parecia encantado, como se Veneza lhe
pertencesse e tivesse notado o fato de Débora não ter se sentido muito feliz por lá
até agora. Estava recompensado, feliz por vê-la feliz.

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— Muito bom! — respondeu, apesar de nada ter acontecido; exceto que o sol
brilhava e que aquela criança tinha deixado cair seu sorvete nas águas do canal.
Enquanto o elevador subia, com um solavanco, viu o homem alto cruzando o hall.
Seus olhos se encontraram. Débora quase sorriu para ele também, mas depois resolveu
ignorá-lo. Era mais seguro.

CAPÍTULO II

Quando Débora desceu para jantar naquela noite, p elevador não estava
funcionando. Um aviso tinha sido colocado na grade: "Em Conserto". Isso queria dizer
que teria de descer quatro lances de escada e subi-los novamente depois. Eles não o
consertariam naquela noite, sem dúvida.
A escada era de mármore, enfeitada e gasta. Seus saltos faziam um barulho
indiscreto ao descer. Tinha a impressão de que o hotel estava apenas com a metade da
capacidade. Raramente via outros hóspedes pelos corredores, e Débora preferia
assim. Os empregados tinham mais tempo livre e, conseqüentemente, estavam de
melhor humor.
No primeiro andar, havia uma porta aberta. Quando passou, alguém saiu do
quarto, com uma chave na mão. Débora sorriu, mas ficou séria quando o reconheceu
novamente.
— Teve um bom dia? — ele perguntou, juntando-se a ela.
— Sim, obrigada. — O homem lembrava-lhe o pânico que sentira na véspera, e
sua presença a incomodava.
Ele parecia diferente naquela noite. Dava a impressão de estar zangado por
algum motivo. Seus olhos tinham uma luz fria e ele estava com uma expressão
carrancuda. Débora ficou aliviada, ao pensar que ele não tinha aquela cara. fechada
quando apareceu por entre a névoa, na noite anterior.
Os olhos verdes pousaram sobre ela e, subitamente, mudaram, tornando-se
mais suaves.
— Vai fazer algo essa noite?
— Jantar e dormir cedo — respondeu rapidamente, para não lhe dar chance de
fazer nenhum convite.
— Salvei sua vida ontem a noite — falou, com uma certa zombaria na voz. — Ou
de coisa pior, dependendo do que os seus meninos tinham em mente.
— Tive a impressão de que você não acreditou na existência deles, não
foi?
— E isso importa? — Ele estava zombando novamente. — De qualquer maneira,
não acha que me deve um favor? Pelo menos, seria justo, não acha?
— Eu teria feito o mesmo, se você fosse assaltado por dois adolescentes.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Era exatamente isso que eu tinha pensado. Débora fitou-o, confusa. Ele
continuou, tranqüilo:
— Tenho uma festa hoje à noite. Não há jeito de evitá-la sem ofender alguém
que não posso ofender. Se eu for sozinho, vou ser perseguido a noite inteira por uma
gordinha insistente que parece não entender negativas educadas.
— Tente as mal-educadas, então. Ele riu.
— O pai dela é o fulano que eu não posso me dar ao luxo de ofender.
— Parece que você tem problemas.
— Eu ficaria muito grato se você pudesse ser meu guarda-costas por essa
noite.
Débora deu-lhe um olhar frio.
— Que tal se você tentar contratar um numa agência de segurança?
— Um pouco tarde para isso, agora. Eu tinha alguém com quem contar, mas ela
acabou de ligar, dizendo que está com uma enxaqueca terrível. Eu não posso ir sozinho.
— Oh, essa espécie de festa talvez não seja o meu ambiente. Receio que eu
não tenha nada a ver com tudo isso. — Sorriu para ele, dando o assunto por encerrado
e, quando chegaram ao restaurante, foi direto para sua mesa.
O homem, no entanto, seguiu-a, sem ter sido convidado, sentando-se tão à
vontade como se soubesse que era bem-vindo e não tivesse a menor dúvida sobre o
fato.
— Oh, é uma festa formal, monótona — insistiu. — Teresa é o único problema:
uma garota mimada e totalmente estragada que, por algum motivo, tem idéia fixa em
mim. Se me arrisco a chegar sozinho, ela vai grudar em mim.
O garçom dividiu as atenções e os sorrisos entre os dois, oferecendo-lhes o
menu.
Débora olhou em volta, irritada com aquela companhia indesejada.
— O fígado está ótimo — ele comunicou, indiferente ao olhar significativo que
ela tinha dado.
— Eu sei. Comi ontem à noite.
— Experimente a vitela então — ele sugeriu.
Débora fechou o menu, furiosa, decidindo comer galinha. Pediu
rispidamente:
— Pollo Principessa.
O garçom sorriu e anotou, antes de desviar a atenção para o outro hóspede da
mesa.
Depois que encomendou o prato e o garçom se retirou, ele olhou Débora,
pensativo e preocupado.
— Meu nome é Mateus — informou, esperando que ela fizesse o mesmo.
— Débora. — Ele não tinha dado o sobrenome, portanto ela também não o fez.
— Em Veneza, de férias? De onde você é?
— Londres — respondeu secamente, desejando que ele fosse embora, mas sem

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

coragem de pedir, diante daqueles olhos verdes fixos nela.


— Falando em Londres, o que faz? — Examinou-a de alto a baixo. — Modelo?
Ela sabia que aquilo era apenas cortesia, e não gostou que a tratasse assim.
Que tipo de tola pensava que era?
— Não. — Mas não lhe contou o que fazia.
— Você é de poucas palavras, hein?
— Estou aqui procurando paz e calma — Débora informou olhando-o firme.
— Estou aqui para assinar um contrato muito importante, mas, se brigar com
Teresa, corro o risco de perder o negócio.
— Estou certa de que será capaz de lidar muito bem com essa sua adolescente
apaixonada. — Ele parecia capaz de muito mais do que isso.
— Eu já lhe falei: ela é muito insistente.
— Sinto muito, mas não tenho nada a ver com isso. Não é problema meu.
Não acreditava numa palavra do que ele tinha dito. Estava só tecendo uma
trama de sedução, mas ela não se deixaria envolver. Há um ano, acreditaria naquela
história e teria ido à tal festa, porque ele era um homem bastante atraente e ela teria
ficado encantada com seu charme. Mas ele pegou-a no momento errado: estava farta
de homens charmosos. Não queria ir e não iria àquela festa. Ponto final.
— Ninguém é uma ilha — ele falou, num tom profundo e com a voz divertida.
— Banal, mas verdadeiro.
— Fiz um favor a você, lembra? Da próxima vez que eu a ouvir gritando no meio
da neblina, quer que atravesse a rua para não ver?
— Não vai haver uma próxima vez. Eu aprendo rápido. — É a pura verdade,
Débora pensou. Robert tinha lhe ensinado a lição, e ela não iria esquecê-la tão
depressa. Pelo menos, por enquanto.
— O que você falou que fazia? Você é uma pessoa bastante dura de coração!
— Eu não falei.
Não gostava de contar às pessoas que era jornalista. Na maioria das vezes,
alguém sempre se lembrava de uma história que achava que daria uma ótima
reportagem. Ou, se era alguém conhecido, olhava-a imediatamente com desconfiança,
achando que estava tramando de alguma forma obter a história íntima de sua vida.
Sentindo o olhar verde sobre si, Débora sorriu e comentou:
— Você também não me disse o que faz.
— Sou um homem de negócios.
— Isso abrange muitos pecados. Ele sorriu.
— Agora, tenho a impressão de que você não aprecia muito os homens de
negócios.
O garçom chegou. Débora concentrou-se no melão com presunto da entrada.
Não tinha pedido vinho, mas viu que seu copo estava sendo servido.
— Que amável! — falou, com um sorriso falso.
Não podia negar que Mateus era um belo homem. Gostava principalmente de

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

seu cabelo claro e grosso, penteado para trás, mas sempre caindo na testa, fazendo
com que ele o afastasse, impaciente. Seus movimentos eram cheios de energia e
vitalidade. Aparentava ser bastante ativo, e ela imaginava que devia ser difícil para ele
ficar parado por muito tempo.
— Existe alguém que não gostaria, se você fosse a essa festa? — ele
perguntou, de repente, olhando para suas mãos, para verificar se usava aliança.
— Sim.
— Ah... Um amante?
— Não. Eu.
Ele riu novamente.
— O seu cabelo é natural? A cor quero dizer? — ele perguntou,
surpreendendo-a.
Ela levantou os olhos, sem compreender a súbita mudança de assunto.
— Sim, é natural. — Depois, percebendo que ele a estava provocando,
acrescentou; — Muito engraçado!
— Você deveria usá-lo mais comprido. Enfeitaria muito mais.
— É mais fácil para lidar com ele nesse comprimento.
— Que menina prática — caçoou.
O garçom retirou o primeiro prato e serviu o segundo.
Débora tinha planejado terminar a refeição rapidamente e ir embora, antes
que ele pudesse insistir em levá-la à festa, mas o efeito do vinho já se fazia notar.
Estava mais relaxada, e seus movimentos mais lentos.
É um vinho bom e caro, pensou, tentando ler o rótulo, inutilmente por causa do
guardanapo adamascado que cobria a garrafa. O garçom colocou-a no balde de gelo e
retirou-se. Ela olhou para Mateus., que calmamente informou-a sobre a safra e o ano.
— Eu estava mesmo imaginando que vinho seria — ela confessou.
— Eu sei. Notei isso.
— É muito bom.
— Não é mesmo? — Ele olhou para o prato de Débora. — Seu jantar parece
muito bom, também. Eu lhe disse que a comida daqui era excepcional. O chefe da
cozinha foi treinado em Paris e está aqui há anos. Sempre fico neste hotel quando
venho a Veneza.
— Você não mora aqui, então? Ele pareceu surpreso.
— Não. Moro em Londres, como você.
— Mas vem freqüentemente para cá?
— De vez em quando.
Algumas pessoas passavam pela mesa e Mateus dirigiu o olhar para uma delas,
uma bela mulher, observando-a do rosto até as pernas elegantes, com evidente
aprovação. Quando se virou novamente para Débora, ela comentou, irônica:
— Por que não pede para ela ir à festa com você?
— Não fomos apresentados.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Mas isso não o impediria. Não me lembro de ter sido apresentada a você,
também.
— Ah, mas você me deve um favor.
— Lembre-me de jamais lhe pedir um favor novamente: ele pode, custar muito
caro!
— O sapato está apertando meu pé, não o seu. — Fez cara de triste e insistiu:
— Ora, vamos... Uma horinha naquela festa não vai tirar pedaço, não é mesmo?
Débora deu de ombros, bebendo mais um pouco daquele vinho delicioso.
Sentia-se estranhamente alegre, aliviada. Uma festa até que podia ser divertido;
principalmente porque não conhecia ninguém e não precisava se esforçar em ser
animada e agradável. O vinho corria em suas veias e dava ao mundo um colorido mais
forte.
Mateus pressentia a vitória. Inclinou-se sobre a mesa, pedindo:
— Então?
— Vou pensar no assunto. Ele parecia mais autoconfiante.
— Você já esteve em Veneza antes?
Foi bastante inteligente, ela pensou, em mudar de assunto assim. Aquele
homem sabia observar e esperar. Sabia quando manter ou não a pressão.
— Já.
— Gosta daqui, então? Senão, não viria novamente, como eu?
— E você gosta de evidenciar o óbvio, não gosta? Os dois se mediram com o
olhar.
— E você gosta de jogar as pessoas para baixo.
— Depende.
— De quê?
— Se elas merecem ou não!
— Como é que ele é? — perguntou, de repente.
A mão de Débora tremeu, e ela pousou o garfo no prato.
— O quê? De quem está falando?
— Do fulano que magoou você. É por ele que está me castigando, não?
Ela lançou-lhe um olhar de admiração.
— Muito inteligente!
— Como você diz, estou apenas confirmando o óbvio. Foi recente, não foi?
— Sua vitela está esfriando.
Ela continuou a comer e, depois de um instante, ele também o fez. Não falaram
durante algum tempo. Foi apenas quando estavam na sobremesa que Mateus resolveu
puxar assunto novamente:
— Que idade você tem? Débora sorriu.
— Você faz perguntas bastante pessoais, não é mesmo?

— Eu imaginava como é que você chegou até os... vinte e cinco... ou seis sem ter

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

aprendido a superar os grandes golpes.


Débora corou.
— Tenho vinte e sete anos agora. Mas talvez você tenha acertado no resto.
— Então, não vai fazer nenhum comentário a respeito?
— Sobre grandes golpes? Não. Não acho que valha a pena. Não tenho o hábito
de discutir minha vida particular com estranhos.
— Muito sábio de sua parte, não tenho a menor dúvida. Nem eu tenho esse
hábito, embora isso não impeça as pessoas de discutir minha vida. Não acontece o
mesmo com você?
— Raramente.
Não era verdade, claro. Andréa discutia avidamente os menores detalhes da
vida particular de Débora, como se tivesse todo o direito de se intrometer. Ainda não
sabia sobre o que tinha acontecido com Robert, mas, quando soubesse, haveria um
rosário de perguntas e recriminações. Depois, ela se mostraria solidária na dor da
irmã — o que talvez fosse pior. Finalmente, viriam os conselhos. Andréa, sem a menor
dúvida, acharia que Débora tinha afugentado Robert. E se impacientaria. Andréa
amava a irmã, mas era um amor que lhe dava o direito de culpar Débora pelo que lhe
acontecesse. Um amor misturado com rancor, exatamente porque não conseguia
entender a outra e não se conformava com isso.
— Principalmente jornalistas — Mateus estava dizendo, com o cenho franzido.
Débora olhou-o, sobressaltada.
— O quê?
— Jornalistas — ele repetiu, sem notar o tom agressivo da pergunta. — Eu os
detesto. Eles inventam o que não sabem e deturpam o que a gente lhes diz.
Débora comeu uma colherada de pudim de laranja. Era delicioso e desmanchava
na boca. E também lhe dava uma boa desculpa para não responder.
Depois de um curto espaço de tempo, falou casualmente:
— Você teve muitos problemas com jornalistas? — Fez com que a pergunta
parecesse desinteressada.
Mateus fez uma careta.
— Você nem acreditaria.
— Experimente. — Agora, ela estava curiosa. Com quem estaria jantando?
Mateus qualquer coisa, pensou. Não parecia um qualquer, a julgar pelo vinho que
escolhera. Ele não tinha dito seu sobrenome, e suspeitava de que devia ter bons
motivos para isso. Não queria que ela soubesse quem ele era. O que só podia significar
que era bem mais do que um simples “homem de negócios”.
— Os paparazzi, para começar — ele falou. — Esses são os piores.
Chantagistas e abutres, todos eles. Caçam você pela cidade, à procura de sangue... o
pior aspecto da Itália.
A Itália tinha fama por isso, era verdade o que ele dizia. Os fotógrafos e
repórteres free-lancers, que ganhavam a vida seguindo nomes famosos para conseguir

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

uma história sensacionalista, eram conhecidos por paparazzi. Não seguiam as pessoas,
como abutres esperando pela morte, se a presa não fosse um grande nome.
Mateus, ela pensou, procurando por um sobrenome famoso que completasse o
primeiro nome.
Ela não poderia perguntar agora, sem despertar curiosidade. Precisaria
esperar dicas. Cedo ou tarde, acabaria descobrindo. O porteiro do hotel, sem dúvida
alguma, sabia e lhe diria, se ela perguntasse com jeitinho.
O café chegou, mas naquela noite estava muito melhor. Mateus tinha pedido
com creme e licor para acompanhar.
Débora estava alegre e relaxada, finalmente, mas, por trás do olhar risonho,
sua mente trabalhava a toda, incessantemente.
— Você vai à festa? — Mateus perguntou, e recebeu de volta um sorriso
fascinante.
— Gostaria muito!
Ele pareceu surpreso, mas não muito, pensando, sem dúvida, que sua decisão
era efeito daquele bom vinho que tinha servido a Débora durante todo o jantar. Ela
olhou para ele, carinhosamente, enquanto bebia o café.
Não seria má idéia ir com Mateus. Para isso estava em Veneza: para
espairecer, tentar esquecer. Quando pediu aquelas férias, seu editor tinha caído em
cima dela, como um corvo:
— Você já tirou suas férias. O que pensa que é isso aqui? Uma casa de
caridade?
— Eu ficaria muito agradecida, Hal — ela disse baixinho, desviando o olhar.
Hal percebera sua tristeza e não tocou mais no assunto. Era um homem alto e
agressivo, com uma voz muito forte que podia ser ouvida de uma ponta à outra do
prédio. Também tinha um sexto sentido apurado e um altíssimo senso de oportunidade.
Não sabia o que estava acontecendo, nem queria saber. Apenas sentiu que Débora
precisava sair um pouco da Inglaterra e concordou. Seus ombros enormes se
encolheram.
— OK. Vou esperar um favor em troca, um dia desses. Pode tirar uma semana.
— Dez dias, se você der um jeito.
— Leve alguns litros do meu sangue também, não quer? — tinha dito,
afastando-se.
Hal ficaria feliz se ela levasse uma boa história, ao voltar das férias. Era o
mínimo que podia fazer por ele.
Débora fazia parte de uma pequena e selecionada equipe de repórteres
encarregados quase que apenas de assuntos estrangeiros. Tinham que ter sempre uma
maleta pronta para viajar a qualquer momento que fosse necessário.
Quando a história era muito complexa, iam em grupo para garantir uma boa
cobertura. Débora era a única mulher da equipe e tinha que trabalhar duas vezes mais
do que os outros, porque qualquer erro que cometesse era logo considerado uma

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fraqueza própria de seu sexo.


— O que você esperava? É mulher, afinal de contas! — comentavam, brincando.
Mas ela sabia que, no fundo, não era só uma mera brincadeira.
Seu trabalho a fascinava, mantinha-a ocupada em tempo integral. Tanto, que
nem percebia os anos passando, sem que um casamento lhe aparecesse.
Andréa, claro, fazia questão de chamar sua atenção para isso.
— Sem dúvida, é o seu trabalho: você nunca tem tempo para mais nada!
A irmã estava certa, apesar de Débora não querer admitir. Não precisava
admitir, de qualquer forma. Andréa estava sempre certa, na opinião dela mesma. Não
esperava que confirmassem seus pontos de vista. Encarava as pessoas com aquela
benevolência dos que se acham donos da verdade e por isso não se acanhava nem um
pouquinho em dar conselhos e ditar regras.
— É uma festa elegante — Mateus falou, e ela o encarou, confusa.
— O quê?
— A festa. — Ele sorriu, divertido. — Você estava a quilômetros de distância,
não é? Trouxe algum bonito vestido de baile?
Ela percebeu que aquilo não tinha lhe ocorrido até agora, e ele parecia
levemente preocupado.
— Acho que posso arrumar algo adequado.
— Sabia que você daria um jeito. Tem certeza de que não é modelo? Pelo
menos o tipo você tem!
— Sou apenas magra.
— Não, nos lugares certos.
Já para Andréa, ela era magricela, nem mais nem menos. Refeições apressadas
e pouco nutritivas e excesso de trabalho davam nisso, era o que a irmã vivia repetindo.
Desaprovava o ritmo de vida de Débora e, ao mesmo tempo, a invejava, o que talvez
explicasse a violência e a insistência de suas críticas.
A mãe delas morrera quando Débora estava com quinze anos e o pai tinha
deixado Andréa responsável pela irmã. Ele era um homem do mar, capitão de um navio
de frete entre Londres e Estocolmo, e não fazia a menor idéia de como cuidar de duas
meninas. Aquela mistura de doçura e repreensão de Andréa tinha surgido daqueles
anos, quando foi obrigada a se tornar praticamente mãe de Débora.
Mateus caminhou até a escada com ela, parou em seu quarto e perguntou:
— Quanto tempo você leva para ficar pronta?
— Quinze minutos. Ele olhou-a, incrédulo.
— Se acha que pode...
Débora estava habituada a mudar de roupa às pressas e sabia exatamente
quanto tempo levaria para fazê-lo. Sorriu para ele e confirmou:
— Quinze minutos!
Tinha trazido apenas um vestido adequado para festa, e por mero acaso. Não
esperava ter uma ocasião especial para usá-lo, mas o hábito a fez guardar o vestido

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

verde na mala. Sempre levava um traje de noite em suas viagens, porque nunca podia
prever os lugares onde seu trabalho a obrigaria a ir e era sempre bom estar
prevenida.
Tomou banho, vestiu-se e maquilou-se com uma rapidez extraordinária. Em
quinze minutos, exatamente, estava de volta à porta do quarto de Mateus. Bateu e ele
abriu, muito espantado.
— Incrível! — comentou, entusiasmado.
— Isso é para você aprender a não fazer julgamentos levianos.
— Na minha experiência de vida, as mulheres sempre subestimam o tempo de
que precisam para se aprontar.
— Se existe algo que realmente não consigo entender, é o julgamento
apressado, injusto e generalizado que os homens fazem a respeito das mulheres.
— Há sempre exceções às regras — ele concordou, divertido. Estava de camisa
e lutando com as abotoaduras.
— Você não está pronto, ainda? — Débora olhou atrevidamente para ele.

— Sinto-me culpado. Peço clemência. Não vou demorar mais do que um minuto.
Prometo.
Ela o ajudou com as abotoaduras.
— Obrigado. — Depois, virou-se para pegar o paletó do smoking. Ficava ainda
mais atraente naquela roupa. A formalidade e a elegância
do smoking combinavam com ele; o traje realçava a largura de seus ombros e a
flexibilidade do físico musculoso. Débora tinha que concordar que era bastante
compreensível uma adolescente ficar fascinada e impressionada com ele, achando-o
desejável e irresistível. Sua maneira de agir displicente e charmosa sem dúvida devia
ser ó máximo da sofisticação para a tal Teresa.
Por que será que a sofisticação parece tão fascinante quando se é jovem?
Débora lembrou que ela mesma também pensava assim. Sentiu pena e simpatia por
aquela menina apaixonada e rejeitada.
A simpatia provocou uma pergunta: será que Mateus tinha flertado com a
garota? Talvez ele seja outro Robert, pensou, observando-o enquanto ele colocava o
relógio no pulso.
— Pronto — disse, olhando-a. Os olhos verdes pousaram sobre ela e brilharam,
aprovadores. — Posso me permitir dizer que você ainda parece mais uma modelo, nesse
vestido?
— Obrigada.
Foi um agradecimento morno. Não ia se deixar levar por elogios e se envolver
novamente. Naquele momento, os homens estavam em sua lista negra. Ele que fosse
jogar todo aquele charme em cima de outra. Ela não estava interessada em nenhum
joguinho romântico.
— Você está sempre com o pé atrás, não é?

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Débora não respondeu. Saiu do quarto na frente dele, sentindo que a


observava o tempo todo. O porteiro conseguiu-lhes um táxi.
— Um especial veneziano — Mateus brincou, ajudando Débora a entrar na
gôndola.
— A única maneira de viajar por aqui — ela corrigiu, acomodando-se no banco
estofado.
— Encomendei uma lua também — ele continuou com a brincadeira, sentando-
se a seu lado.
A gôndola partiu. Lá estava ela, sendo levada languidamente sob o azul intenso
daquele céu. Débora olhava para o cenário, num enlevo tranqüilo e acolhedor.
— O luar de Veneza é famoso — Mateus falou, passando o braço no encosto do
banco, atrás de Débora.
Ela mudou de posição e ele tirou o braço. Não fez nenhum comentário, e
Débora perguntou:
— Onde é a festa?
— Num palácio. É verdade — falou, quando percebeu seu olhar incrédulo. — Ele
tem trezentos anos e já está um tanto decadente, mas ainda vale a pena ser visto. O
sr. Scalatio ocupa o andar térreo. O palácio foi dividido em apartamentos... como estão
fazendo com quase todos, ultimamente. São muito grandes para uma só pessoa. Esse é
um dos pequenos... uma casa exageradamente grande, de fato, mas eles sempre
preferem chamá-lo de palácio; é mais digno.
— O sr. Scalatio é o pai da sua Teresa?
— Ela não é minha. — Ele parecia levemente irritado.
— Mas quer ser?
Mateus virou a cabeça, e ela viu um brilho duro naqueles olhos verdes.
— Não gosto da maneira como você coloca a coisa. Não lhe dei nem sombra de
encorajamento; tudo o que existe está só na cabeça dela.
Não havia neblina naquela noite. A cidade toda estava banhada pelo luar
prateado, que se refletia na água calma e parada dos canais. Naquela luz misteriosa e
quase irreal, a decadência e a pobreza de Veneza desapareciam como por encanto. As
fachadas brilhavam suavemente, como castelos de contos de fadas. Muitas gôndolas
passavam por eles, mas os únicos ruídos que ouviam eram os dos remos e o sussurro de
vozes. Talvez seus ocupantes falassem de coisas prosaicas como o custo de vida, o
petróleo, suas hipotecas; fosse o que fosse, conversavam num tom baixo e íntimo, de
modo que cada gôndola parecia levar um casal romântico.
Débora não estava à vontade. Sentia um frio na espinha e a dor no peito
aumentava. Queria chorar. Tinha sido tocada profundamente por aquele ambiente.
Seus sentimentos por Robert haviam passado por vários estágios, na última
semana. Ela o odiara, desprezara mesmo, detestando-se por estar tão apaixonada.
Depois, quis ligar para ele e falar qualquer coisa que fosse, por mais banal que pudesse
parecer, apenas para ouvir sua voz. Mas era terrivelmente orgulhosa, e o orgulho a

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

tinha impedido. Não há nada mais doloroso do que um amor não correspondido.
Nem o inferno é pior, pensou, olhando para a cidade banhada pelo luar, tão
linda e ao mesmo tempo tão feia, porque Robert não estava lá.
O amor existia só em sua própria cabeça... será que ele também tinha dito isso
sobre ela?
Olhou rapidamente para Mateus, que observava os prédios que
passavam vagarosamente à sua direita, sem imaginar o efeito que sua frase provocara.
Apesar de Robert a ter prevenido para não levá-lo a sério, tinha flertado com
ela e feito tudo para conquistá-la, durante meses. Interpretara-se mal suas intenções,
era porque Robert a levou a pensar que a amava. Ele tinha pelo menos metade da culpa,
induzindo-a ao erro. Será que era o mesmo que Mateus estava fazendo para Teresa
Scalatio?
Queria-se assinar um contrato com o pai dela, devia ter usado Teresa para
ajudá-lo. Pelo charme que costumava fazer com ela, Débora podia muito bem imaginar
que ele sempre se comportava assim com as mulheres, persuasivo e insinuante. Agora
que o acordo já estava confirmado, queria se livrar da pobre moça. Suas intenções
nunca tinham sido sérias.
Mateus virou-se e seus olhos se encontraram. Ela viu que o rosto dele tinha
mudado: a expressão calma e tranqüila dera lugar a um olhar interrogativo. Tinha visto
hostilidade em sua expressão e queria saber por quê. Forçando um sorriso, disse:
— A sua lua valeu.
— Fico contente que pense assim. Encomendei-a especialmente para você.
— Quanta atenção!
Ele sorriu, mas ainda conservava aquela expressão de curiosidade.
— Como ele era?
Ela piscou e não conseguiu encará-lo.
— E muito longe esse palácio, ou você não disse ainda?
— O que foi que não deu certo? Você brigou com ele? Ou foi o contrário?
Débora também não respondeu a essas perguntas. Depois de algum tempo, ele
continuou:
— O amor é como dor de dente. Pode ser um inferno, enquanto dura; mas,
quando ele se vai, você não entende por que toda aquela confusão.
— Você é um perito no assunto, pelo que estou vendo. — Ela não conseguiu
disfarçar o antagonismo na voz.
— Sou um ser humano. Isso me faz um perito; no amor, pelo menos. Se eu
chegasse aos trinta e seis anos sem saber algo a respeito, seria muito tolo.
— Coisa que você não é, evidentemente.
Os olhos de Mateus começaram a brilhar. Ele aproximou-se e passou o braço
atrás dela.
— Quer uma prova disso?
— Não, obrigada — Débora falou, endireitando-se.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Uma pena. — Ele riu. — Estou sempre pronto para demonstrações desse
tipo.
— Tenho certeza disso.
Olhou para o braço dele, colocado no encosto do banco, e Mateus
imediatamente o retirou.
Naquele momento, a gôndola bateu nos degraus de pedra. Mateus ajudou-a a
saltar e a subir nos degraus úmidos e escorregadios, cobertos de musgo.
O palácio era cinzento e azul, com varandas em arco ao longo da fachada do
primeiro andar. Dava a impressão de que mesmo a brisa mais suave o faria desabar
dentro do canal. O tempo tinha desgastado o trabalho de entalhe na pedra, as
molduras e as pilastras, fazendo:o parecer uma casa sentenciada à morte.
— Deve ter sido lindo!
Débora achou-o triste. Ele clamava por ser salvo das águas, mas era tão
grande que custaria uma fortuna até mesmo para ser pintado. Estava humildemente
conformado com sua ruína.
— Há mais ou menos uma dúzia de famílias vivendo aqui agora. É como uma
coelheira lá dentro. — Mateus levou-a pelo braço em direção à casa.
A pesada porta de entrada estava entreaberta. Mateus olhou para a fila de
cartões e campainhas que havia ao lado e apertou uma delas. Ouviram passos que se
aproximavam e depois uma menina apareceu. Jogou-se no pescoço de Mateus, com um
sorriso de pura felicidade.
— Matt!
Virou-se para ele e começou a falar em italiano, pendurada em seu pescoço.
Débora observava, cheia de simpatia e pena. Pobrezinha, pensou com raiva. Que
grande cachorro que ele é!

CAPÍTULO III

— Inglês, por favor, Teresa. Trouxe uma amiga comigo. — Mateus retirou os
braços que estavam ao redor de seu pescoço e afastou-se, devagar. — Esta é Débora.
Teresa virou-se num movimento violento e rápido, para depois olhar para
Débora com indisfarçável desgosto.
— Ciao.
— Alô! — ela respondeu, com um sorriso caloroso, pronta a oferecer sua
amizade, se a menina a quisesse.
Teresa não prestou atenção, nem escondeu a indiferença. Seu rosto revelava
as emoções. Não aprendera ainda a escondê-las, e não parecia querer aprender. Devia
ter entre dezessete e dezenove anos, Débora calculou. Pequena, rechonchudinha,

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

muito feminina, de cabelo preto que brilhava como seda e ligeiramente ondulado,
emoldurando o rosto moreno. Seus olhos escuros eram enormes e brilhantes, com
cílios longos que ela batia, fazendo charme quando olhava para Mateus.
A garota falava italiano novamente, e ele fez uma careta para ela.
— Débora não entende italiano.
O que lhe dá essa certeza'?, Débora pensou, intrigada.
Na verdade, ela falava um pouquinho, mas não o suficiente para seguir a
torrente de palavras de Teresa. Era essencial para seu trabalho que conhecesse
línguas. Falava francês, alemão, russo e árabe com variações de conhecimentos e
fluência, e estava atualmente aprendendo chinês. Sua professora era uma moça
chinesa que trabalhava na redação como secretária e que morava num dos quartos que
ficavam sobre o restaurante chinês do pai.
Débora tinha que encaixar muito bem suas aulas, quando estava na Inglaterra,
mas eram sempre interrompidas pelas peraltices dos três irmãos de Chi. Os meninos
pareciam feitos de pele e músculos e jogavam-se pelo quarto como molas, rindo das
censuras da irmã. Débora gostava do calor que havia naquela atmosfera familiar. Suas
aulas eram divertidas, mesmo que ainda não tivessem progredido muito com a
extremamente complicada língua chinesa.
— Débora é uma amiga... — Mateus estava dizendo, e ela teve a impressão de
que o ouviu falando o mesmo em italiano, um pouco antes.
Teresa virou-se e caminhou, seus ombros levantaram-se elegantemente. Eles a
seguiram através do hall úmido de pedra. As paredes eram de um branco duvidoso, a
tinta estava escamada em vários pontos. Ao passarem, os flocos de tinta caíam,
salpicando o chão de pedra.
Havia música que vinha de uma daquelas portas. Teresa entrou no apartamento,
sem olhar para trás para saber se eles a seguiam.
Pelo estado do prédio, Débora pensou que o apartamento seria também tão
maltratado como o resto; mas, ao entrar, notou espantada como estava errada. Era
tão luxuoso como elegante. A altura dos cômodos, o comprimento e a largura deviam
fazê-los parecer sombrios e nus, se não tivessem sido decorados com supremo bom
gosto. O decorador tinha dado ao local ambientes vivos com plantas, estátuas de
bronze, estantes baixas para dividi-lo e ao mesmo tempo conservar o espaço aberto e
circulante.
Naquele salão enorme, aquelas pessoas, uma verdadeira multidão, pareciam ser
engolidas facilmente.
Todos conversavam com copos nas mãos, ou sentavam-se numa das áreas
simétricas, em tons de bege e de aparência levemente japonesa, com almofadas
baixas. Havia espelhos imensos nas paredes que alargavam o ambiente.
Um homem destacou-se de um dos grupos e foi até eles, sorrindo.
— Mateus, que bom ver você! — Falava inglês com um forte sotaque americano,
mas sua aparência era de italiano, e Débora não teve dúvida de que se tratava do pai

24
Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

de Teresa.
Mateus apresentou-a e deram-se as mãos, com um sorriso caloroso de boas-
vindas, apesar de que havia qualquer coisa curiosa por trás daquele sorriso. O sr.
Scalatio olhava por sobre o seu ombro para onde Teresa estava conversando
animadamente com outras pessoas, e depois virou-se para Mateus, mas Débora não
conseguiu interpretar aquele olhar.
Ele era baixo, forte sem ser gordo, de pele mais escura do que a da filha. O
cabelo estava rareando, principalmente no alto da cabeça, mas ele disfarçava isso
penteando-o para trás; mesmo assim, não escondia totalmente a careca rosada.
— Débora — ele murmurou, ainda segurando sua mão. — Gosto do nome...
combina com você. Parece mesmo uma Débora.
— E como se parece uma Débora? — ela perguntou, olhando no fundo daqueles
olhos escuros que tentavam encobrir o que se passava em sua cabeça. O que será que
ele achava do encantamento da filha por Mateus? Será que aprovava? Ou preferia não
se intrometer?
— Com você — ele respondeu, sorrindo. Tinha os lábios cheios, que denotavam
sensualidade e alegria de viver, e o sorriso era espontâneo e alegre. Não precisava
conhecer nada sobre ele para perceber que gostava de mulheres. Seus olhos quase a
devoravam, mas sem ser ofensivos, oferecendo-se amigavelmente a ela, se o quisesse.
— Conhece muitas Déboras?
Seu sorriso tornou-se uma gargalhada.
— Acho que você é a primeira. — Olhou para Mateus, que ouvia com atenção. —
Sua amiga é encantadora — falou em italiano, mas Débora compreendeu, mais pelo
sentido do que por qualquer outro motivo. — Muito bonita — acrescentou, ainda em
italiano.
— Obrigada — ela respondeu, com um sorriso que fazia covinhas dos lados da
boca,
— Ah, então fala o meu idioma? Que bom! Você não tinha me contado, Mateus.
— Eu também não sabia — ele disse, secamente, olhando para Débora com
olhos apertados. — Ela não tinha me contado.
— Conheço apenas algumas palavras.
— Precisa apenas de algumas — o sr. Scalatio murmurou, divertido.
— Uma apenas parece ser suficiente — Débora concordou. O velho franziu a
testa, sem entender,
— A palavra é "não" — Débora explicou, convicta. — Essa, eu conheço em pelo
menos quinze idiomas.
— Uma jovem viajada e que sabe muito bem como se cuidar, evidentemente. —
Ele olhou para Mateus. — Admiro o seu gosto mais do que nunca, meu amigo. — Voltou
a falar em italiano e, dessa vez. Débora teve que adivinhar pelo sentido o que tinha
sido dito; pela maneira como riram, não foi difícil adivinhar. Apesar disso, não
demonstrou ter compreendido.

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— A sua estada em Veneza vai ser demorada?


— Receio que seja por uma semana apenas.
— Que pena — o velho falou, suspirando. — Há muito a ser visto em Veneza.
Uma semana é pouquíssimo tempo.
— Ela já esteve aqui antes — Mateus interrompeu. — E gosta muito.
— Mas é claro que gosta — o sr. Scalatio falou, entusiasmado. — Como poderia
ser diferente? — E deu-lhe outro caloroso sorriso. — Mas deixem-me trazer-lhes um
drinque. O que vai tomar, Débora?
Ele não tinha perguntado o sobrenome dela, aceitando-a apenas como amiga de
Mateus. Mas será que algum dia ela saberia o sobrenome do homem a seu lado? A
julgar pelo ambiente, pelas roupas e pela ostentação dos convidados, não estava
enganada ao imaginar que Mateus era digno do interesse dos jornalistas.
Olhando em volta, fixou-se numa mulher na outra extremidade da sala, que
imediatamente reconheceu. A maioria das pessoas que lessem jornal a reconheceria.
Era americana de origem, uma colunável com três ex-maridos e uma gorda pensão. Sua
presença na festa dava-lhe um certo brilho; ela não ia a qualquer lugar, a não ser que
fosse o lugar certo.
Débora correu os olhos pelo salão e notou que já tinha visto alguns dos
convidados antes, apesar de que não conseguia lembrar os nomes de mais do que um ou
dois.
Eles circulavam de grupo em grupo, ora rindo alto, ora falando em sussurros.
Os brilhantes cintilavam nos pescoços, mãos e braços das mulheres: Tudo muito
bonito, mas meio artificial. Débora pensou, saudosa, em seu quartinho de hotel, calmo
e silencioso. Ela estava ali, atrás de uma boa história sobre Mateus, mas talvez não
houvesse nada, afinal de contas, e aquilo tudo não passasse de uma perda de tempo e
uma chateação.
Aquelas eram pessoas que ela teria evitado em circunstâncias normais. Tentar
conversar com elas era como empurrar uma bola de neve morro acima, em pleno verão.
— Você não esqueceu que está comigo, não é? — Mateus perguntou baixinho,
encostando o ombro no dela.
— Como poderia? — Débora perguntou, olhando-o por cima do copo.
— Você parecia não estar certa do que fazia aqui esta noite.
— E não estou mesmo. Devo ter ficado louca para deixar você me arrastar até
aqui.
— Uma boa ação merece outra.
Ficou observando-a, muito próximo, olhando em seus olhos, e ela podia sentir o
magnetismo sensual que o tornava tão confiante. Ou você o tinha ou não tinha, e aquele
homem não só o tinha — e muito —, como sabia disso. A maneira como sorria tão
facilmente e sua postura relaxada

diziam que tinha total consciência do fascínio que exercia sobre as mulheres.

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O sr. Scalatio tinha ficado ocupado com alguns dos convidados, e Mateus e
Débora estavam a sós por um momento, aquele breve momento em que eles se fitaram
nos olhos. Ela piscou, irritada, diante da calma dele, cada vez mais arrependida de ter
concordado em ir.
Vários outros convidados juntaram-se a eles, cumprimentando Mateus. Ele
apresentou-a, mas ela não prestou atenção em seus nomes. Os sorrisos eram
negligentes, formais: estavam obviamente interessados em Mateus e quase não
ligaram para ela.
— O mercado está agitado — um deles falou, baixinho, a voz como se
discutisse algo muito perigoso.
— Quando não é assim? — Mateus deu de ombros.
— Outra corrida nos prazos fixos?
— Diga-me você. — Mateus sorriu e aquele sorriso tinha a intenção de cortar a
conversa.
E o fez. O homem calou-se, olhando para sua bebida. ,
A mulher que estava a seu lado começou a falar do último seqüestro.
^— Acho que volto para Paris — comentou, nervosa, e tinha-se a sensação de
que ela estava constantemente voando de um lugar para o outro. — As coisas andam
mais sossegadas por lá. — Usava brincos pendentes de rubi, que balançavam em
círculos, cada vez que mexia a cabeça.
São valiosíssimos, Débora pensou, examinando-os. Não tinha a menor dúvida de
que valia a pena raptá-la, apenas por eles.
— Há quanto tempo você está por aqui, Mateus? — o homem perguntou.
Todos usavam o primeiro nome apenas. Era enlouquecedor. Débora continuou
vasculhando a memória, à procura de uma pista da identidade dele, mas sem resultado.
No entanto, a intuição lhe dizia que era um homem importante. Durante anos,
conhecera muitos nomes e rostos que devia guardar, por causa de seu trabalho. Uma
boa memória era uma bênção para um jornalista, mas naquele caso não estava ajudando
em nada.
Outro homem passou e Débora ficou tensa, quando o reconheceu. Era um
italiano de uma ótima família que tinha estado na delegação da Itália no Oriente
Médio, alguns anos atrás. Ela o encontrara numa reunião oficial e durante todo o
tempo ele parecera mais interessado em seu cabelo louro e em suas pernas elegantes
do que em diplomacia.
Tudo indicava que ainda se interessava. Pelo jeito como a olhava,percebeu que
não a reconhecera, mas sabia que já tinham se encontrado antes. O homem aproximou-
se, com um sorriso confiante.
— Não nos conhecemos?
Ela notou imediatamente o leve sorriso cínico que Mateus lhe dava.
— Estou certa de que me lembraria, se já o conhecesse.
O italiano ficou encantado com a resposta. Era pretensioso demais para

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compreender que se tratava apenas de uma frase feita, e não de um cumprimento.


— Talvez eu a tenha visto num jornal ou na tevê — sugeriu, obviamente em
dúvida se ela era uma figura conhecida e não querendo que percebesse.
— Talvez — ela respondeu, suavemente, não revelando nada de concreto.
— Um lindo vestido. — O elogio foi uma tentativa desajeitada de esconder sua
confusão. — Que tecido interessante. — Agora, era uma desculpa tola para tocá-la. O
homem passou os dedos pela manga sedosa, deixando que escorregassem,
sorrateiramente, pelo braço dela.
Débora não perdeu a calma.
— Fico contente que goste. É um tecido italiano.
Na verdade, era seda sintética, mas tão boa que parecia verdadeira. Tinha
escolhido aquele vestido porque ele seria adequado a qualquer ocasião. Quando estava
a trabalho, nunca sabia a que tipo de lugares teria que ir, e seu guarda-roupa precisava
ser versátil e de boa qualidade.
— Quanto tempo vai ficar em Veneza?
— Uma semana.
Ele continuava a segurá-la e, como Débora não tinha reclamado, agora estava
acariciando seu braço, com um sorriso cheio de confiança.
Ela não queria afastá-lo com brutalidade; isso poderia reavivar sua memória.
Naquela reunião, anos atrás, o italiano havia tentado a mesma espécie de aproximação
e ela o mandara desaparecer, sem muitos rodeios. Se fizesse algo parecido agora, era
muito provável que o sujeito se lembrasse.
Era irônico que, depois de anos despachando tantos homens sem um segundo
de arrependimento, ela tivesse caído por alguém como Robert. Uma amiga lhe disse,
certa vez, que tinha uma teoria própria sobre o amor. Era mais ou menos assim: "Ele
não existe. Nós inventamos para nós mesmos, num tempo e espaço que escolhemos. Um
dia, a gente se sente disposta a amar e escolhe o primeiro que aparece". Débora riu
muito, na época, mas começava a achar que a outra tinha razão.
Sua experiência com Robert só havia aumentado sua hostilidade com relação
aos homens, produto de anos de jornalismo. Trabalhando com eles lá fora, quando
estavam longe das esposas e entendiados, às vezes num fim de mundo sem qualquer
tipo de diversão, sempre era cantada pelos próprios colegas. Casados ou solteiros,
todos tentavam. Imaginavam que, por ela ser livre, significava que fosse também
disponível. Suas recusas os deixavam mal-humorados e difíceis de trabalhar. Coisa
idiota e cansativa...
Débora era ambiciosa e inteligente. Desde cedo, decidiu-se a subir na carreira.
Não eram muitas as mulheres que se dedicavam às reportagens internacionais. Não
gostavam de viajar ou dos perigos que poderiam enfrentar; preferiam ficar a salvo, em
casa. Era preciso ter muita garra para aceitar o desafio, concorrer com os colegas
homens e sair-se bem.
— Você tem que ser dura como aço — Hal tinha dito, muito tempo atrás. —

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Será que é bastante forte?


— Sou. — Não hesitou um segundo para responder, como se acreditasse
realmente naquilo, mas naturalmente sua confiança era fingida.
Tinha descoberto que, quando você faz, algo aparentando segurança, as
pessoas acreditam em você. A confiança é tudo. As pessoas aceitam a gente na medida
em que nos aceitamos.
O italiano estava conversando suavemente, olhando-a nos olhos. O tolo
imaginava ter feito uma conquista, quando a única preocupação de Débora era dar um
jeito de despachá-lo, sem problemas,
Mas não precisava se preocupar. Mateus veio em seu socorro, passando o braço
em sua cintura e perguntando:
— Divertindo-se, querida?
Ela escondeu a surpresa com dificuldade. Sorrindo, concordou:
— É uma festa maravilhosa!
— Estou contente que ache isso. — Olhou-a, com um sorriso, mas também com
um certo ar de desafio que ela não tinha visto antes em seus olhos.
O outro homem compreendeu e, resignado, murmurou uma desculpa qualquer e
retirou-se. Você é cheia de surpresas, hein? — Mateus comentou.
— Como?
— Pensei que não estava interessada em flertes.
— E não estava.
— Não era o que parecia.
— Então, você é um péssimo observador. Ele sorriu.
— Vou prestar mais atenção em você, a partir de agora.
— Não se dê ao trabalho.
— Você gosta de Modigliani? A pergunta foi inesperada.
— Não era o homem que pintava com um olho fechado? Mateus ignorava o fato.
— Há um esboço dele em algum lugar da casa. Scalatio está muito orgulhoso.
Custou uma fortuna e agora vale duas vezes mais.
— Esse é um estranho critério para apreciar uma obra de arte.
— Quer ver?
— Muito. Gosto daquelas mulheres compridas e levemente oblíquas dele.
— É apenas uma questão de como você vê as coisas.
— Absolutamente certo.
Os lábios de Mateus se entreabriram, num sorriso malicioso.
— Que gatinha dócil você pode ser... mas não pense que não estou vendo as
garras:
Levou-a pela sala enorme e notou que as pessoas olhavam para eles, com
curiosidade. Débora sentiu-se vagamente aborrecida ao constatar que Mateus era o
tipo de pessoa pela qual poderia se interessar, em outras circunstâncias. Era muito
mais inteligente do que aparentava sob aquele físico de atleta, e ela lamentava que não

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

tivessem se encontrado antes de conhecer Robert. Talvez chegasse a gostar muito


dele, se a lembrança do outro não a perseguisse, destruindo sua paz. A dor era
insuportavelmente constante, como um cão fiel que a seguisse a toda parte.
Modigliani estava pendurado numa parede branca, num dos ambientes da sala
maior. Havia vários outros quadros dispostos ao redor, mas ele chamava a atenção
imediatamente.
Mateus observava Débora, mais do que o quadro.
— Gosta?
— Muito — falou, virando-se e encontrando aquele olhar verde.
— Você é tão lacônica que me inibe.
— Quer que eu fale sobre a técnica do artista? Não posso, não sou perita em
arte, Que mais poderia falar? — Foi examinar os outros quadros e Mateus a
acompanhou. Ofereceu o braço a ela que, num impulso, rejeitou-o. Arrependeu-se logo,
percebendo que tinha sido apenas um gesto gentil da parte dele.
Mateus não escondeu a irritação.
— Não precisa ficar com o pé atrás, eu não pretendia passar nenhuma cantada.
Corando, ela murmurou algo incompreensível, aborrecida com seu gesto
precipitado e tolo.
— Apesar de que não deixa de ser uma boa idéia — ele falou, ainda zangado. —
Detesto desapontar uma dama.
— Não seja estúpido! — Débora recuou — Não estou com humor para esse tipo
de brincadeira . Não vamos começar!
— Isso é óbvio, e também é óbvio ,por que, mas não quero ser crucificado pelo
que nem pensei em fazer.
Naquele ponto, Débora sabia que devia se desculpar, porque o rosto dele
estava tenso e raivoso e os olhos verdes a fuzilavam de ódio. Por um momento, quase o
fez, mas, finalmente, a repulsa sexual foi mais forte, e deixou escapar!
— Fique com essas mãos longe de mim!
Foi a gota d'água, ela já deveria esperar. Seus lábios se apertaram e suas
mãos estenderam-se para agarrá-la. Agora, ele também era todo hostilidade. E, por
sua expressão agressiva, ia revidar com violência.
— Não gosto de pagar o pato pelos outros — ele explodiu, puxando-a contra o
corpo.
Os ombros de Débora doeram quando os dedos fortes se enterraram ern sua
carne. Furiosa, tentou chutá-lo nas canelas, lutando contra aquela pressão que a
arrastava até ele.
— Ai! — ele reclamou, recuando, mas mantendo-a presa. — Isso dói! —
Esfregou uma perna na outra, com os olhos cheios de ira. — Meu Deus, você quase
quebrou a minha perna!
— Solte-me, ou vou fazer de novo!
— Não vai ter outra chance, sua cadelinha!

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Puxou-a, ainda com mais força. Ela foi jogada em seu peito, violentamente,
enquanto ele se inclinava para beijá-la. Débora virou o rosto, esquivando-se. Mateus
soltou-lhe os ombros, mas só para colocar os braços em volta dela. Débora aproveitou
esse gesto para fugir daquele cerco. Ele ficou enraivecido e deixou escapar um
palavrão. Rapidamente agarrou-a pelas costas, mas pegou apenas seu vestido,
rasgando-o.
Mateus ficou tão surpreso quanto Débora. O barulho do tecido rasgado
superou todos os outros. Depois, silêncio. Gelados, os dois ficaram se encarando
incapazes de dizer uma palavra ou de se mover.
Naquele exato momento, a porta atrás de Mateus abriu-se e Teresa entrou,
com um sorriso de alguém que acabou de descobrir uma boa desculpa para aparecer.
Mas o sorriso sumiu, quando percebeu o que tinha acontecido com o vestido de
Débora.
A garota começou a esbravejar em italiano, feito uma histérica, e, pela
primeira vez, Mateus parecia não saber o que fazer para impedi-la. Ele estava de pé,
com as mãos caídas ao longo do corpo, como em choque.
Quando saiu finalmente daquele estado de letargia, gritou com Teresa,
expulsando-a dali.
Débora segurou o vestido rasgado, juntando as pontas e tentando imaginar
como é que sairia da casa.
Mateus voltou-se e fechou a porta, encostando-se nela e olhando fixamente
para Débora.
— Não vou me desculpar. Você mesma provocou.
— Eu sei — admitiu, desanimada. — Perdi a cabeça. Ele mordeu o lábio e
suspirou, impaciente.
— Eu também... e me desculpo. Foi uma maneira ridícula de me comportar. Não
estou habituado a rasgar as roupas das mulheres. Pelo menos, não em público. — Essa
última frase foi dita com um leve tom de ironia.
— O que faz em particular só diz respeito a você. — Mesmo isso, ela se
arrependeu de falar. Não queria começar uma nova discussão: já tinha problemas
suficientes.
Ele sorriu e isso relaxou a tensão. Subitamente, tudo pareceu tão engraçado
que ambos começaram a rir ao mesmo tempo.
— O rosto daquela menina... — Débora murmurou, quando conseguiu se
controlar. — Só Deus sabe o que ela pensou que estivesse fazendo!
— Eu sei disso! Ela foi muito clara. Os jovens de hoje têm uma linguagem
direta e objetiva, não acha? Quando eu tinha dezesseis anos, nunca sonharia em dizer
algumas das coisas que Teresa acabou de dizer.
— Dezesseis? — Débora parou de rir. — Ela parece mais velha.
— É bastante precoce.
— Não duvido. E também é madura em outras coisas.

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— Você se refere a mim? Oh, ela vai se livrar dessa fixação, mas, no momento,
é muito desagradável.
— Posso imaginar.
— Não quero ferir os sentimentos dela, mas não estou habituado a seduzir
meninas, apesar de precoces.
— As aparências podem enganar.
— O que quer dizer?
— Você também não está habituado a rasgar as roupas das mulheres, mas
Teresa pode até pensar o contrário, depois do que viu.
— Meu Deus, está certo. Sou muito leviano.
— Você foi provocado. — Débora olhou para o vestido. — Como será que vou
sair daqui, dessa maneira?
— Não se preocupe, vou providenciar um casaco. — Abriu a porta, olhou para
ela com ar malicioso e disse: — Você é uma mulher perigosa. Acho que tive sorte de me
livrar apenas com um chute na canela!
Mateus saiu antes que pudesse responder, e ela sorriu, silenciosamente,
quando a porta se fechou atrás dele. Olhando novamente para o vestido, pensou que
devia ter pedido para ele lhe conseguir uns alfinetes de segurança. A roupa estava
perdida, naturalmente. Quem pensaria que o tecido rasgaria com tanta facilidade?
Segurou as duas pontas, rezando para que ninguém aparecesse de repente.
Seu olhar foi atraído para a moça de Modigliani, única testemunha de toda a
cena.
— Tudo bem para você — Débora falou, encarando aqueles grandes olhos
amendoados que tinham um ar de ironia. — Você está a salvo, aí no seu quadro. Nada
nem ninguém podem atingir você.
Quando se brinca com o ego de um homem, nunca é possível prever com que
tipo de monstro se está mexendo. O orgulho deles é como um animal selvagem, que
reage violentamente a qualquer espécie de provocação, por menor que seja. Se ela
tivesse dado em cima dele, Mateus teria corrido feito louco; mas, como se mostrou
indiferente,ele ficou ofendido e zangado. Débora até mesmo duvidara daquela história
sobre Teresa, até ver a carinha derretida da menina e o modo ansioso como sé jogou
no pescoço dele. Teresa estava alimentando aquele tipo de paixão que, na adolescência,
pode ser altamente traumática. Seus olhos devoravam' Mateus cada vez que ele se
aproximava. E não se preocupava em disfarçar. Tinha a chama interior do amor para
iluminar seu rostinho e\ aquele frescor da juventude. Uma combinação perigosa de
inocência e, sensualidade. Mateus poderia se ver tentado. Muitos homens ficariam.
Podia ser até que ele- tivesse dado algum motivo para a pobre garota se envolver
tanto.
A porta se abriu e ele voltou, trazendo um casaco. Era de vison comprido. Ela
nem ousava se perguntar quanto custaria.
— Meu Deus!

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Gosta? Acho que vai servir. — Segurou-o, cavalheirescamente, e ela enfiou


os braços pelas mangas.
Mateus afastou-se para olhá-la da cabeça aos pés.
— Bonito. Decididamente, o vison fica perfeito em você.
Depois acariciou a pele, aconchegando-a a ela.
— Sempre me perguntei como seria.
— Usar vison? Quer dizer que nenhum dos seus admiradores lhe deu
um de presente? Que omissos! Fico contente em remediar uma falha tão imperdoável.
— De quem é esse? Não é de Teresa, é?
— Não o tire.
— Como foi que a convenceu a emprestar para mim?
— Não fiz isso. Pedi para o pai dela.
— Oh, meu Deus! Você acha que foi certo?
— Temos que tentar tirá-la daqui sem causar uma série de comentários
maldosos. Não quero estar amanhã nas manchetes dos jornais. É justamente dessa
espécie de história que eles gostam.
Débora não tinha encarado o fato sob aquele ângulo. Teve vontade de rir.
Tinha estado à espreita de uma boa reportagem, mas não sabia que faria parte dela.
Aquela era uma festa da alta sociedade, com convidados ricos e conhecidos, e um
escândalo envolvendo um deles rasgando a roupa de uma mulher... Poderia vender a
história para um dos jornais de fofocas de Roma por um bom dinheiro. O bastante
para tirar umas férias de verdade. Poderia... se não fosse ela a mulher em questão.
— Receio que Teresa vai odiar você depois desta noite — disse a Mateus.
— Meus ombros são bastante largos para agüentar isso. O pai dela pareceu
aliviado. Acho que tinha ficado preocupado .com a paixonite da garota.
— Achou que você estava mal intencionado?
— Ele não falou, mas creio que sim. — Mateus encarou-a. — Minha reputação
foi por água abaixo.
— Ah, e você tem uma?
— Sou relutante em admitir que sim, mas tenho.
Ela podia acreditar muito bem no que ouvia. Aquele sorriso cínico e experiente
era o de um homem do mundo.
Quem, afinal, é ele?, pensou novamente, intrigada. Juraria que já o tinha visto
antes. Tinha charme, humor e energia suficiente para três homens, bastante
autocontrole e um caráter que sobrepujava às vezes todo o resto. Uma combinação
interessante. Não era fácil resistir à sua atração física; tinha que admitir que não
conseguia ignorar aquele sorriso divertido e aqueles olhos verdes. Não queria gostar
dele, não estava disposta a gostar de homem nenhum; mas, por mais desagradável que
fosse, não podia negar que gostava.
Mateus aproximou-se e ajeitou a gola do casaco, levantando-se para emoldurar
o rosto de Débora.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Adorável. Ninguém nunca notará algo de estranho. Caminhe pela sala com a
maior displicência.
— Me sinto como a modelo que não sou — Débora comentou, enquanto o seguia.
— Decididamente, o vison faz o meu gênero.
Mateus sorriu, divertido.
— Será que isso é uma indireta? — Abriu a porta para ela passar.
— Sinto muito: não é, não.
— Você sente? Tenho a impressão de que um vison seria até pouco.
— Que lisonjeiro!
Entraram no salão e, de repente, todos se viraram para olhar para eles. Débora
teve a impressão de que sabiam exatamente o que havia acontecido lá dentro. Forçou
um sorriso e continuou ao lado de Mateus, que também fingiu não notar os
comentários, cochichos e risinhos curiosos e divertidos.
Teresa não se aproximou deles. Ficou a distância, com um copo na mão, o rosto
muito corado e um sorrisinho amarelo nos lábios pálidos. Débora pensou ver rancor no
olhar da garota, mas fez que não notou.
Teresa examinava o casaco de vison com uma espécie de ferocidade. Não
parecia surpresa ao ver que Débora o usava, mas certamente não gostou. Ele estava
mais curto do que deveria, pois Débora era mais alta. Ficava elegante, apesar disso;
sem dúvida, aquela era sua pele. Olhou-se num espelho enquanto passavam e confirmou
o que tinha achado. Pena que não podia comprar um.
O que fazia uma garota de dezesseis anos com um casaco como aquele? Mateus
tinha dito que ela era bastante mimada, e certamente era verdade. Um pai que
comprava vison para uma menina só podia estragar a filha. Além de ter dinheiro para
jogar pela anela.
Ao saírem para o luar de Veneza, ela parou para respirar, aliviada.
— Sente-se melhor?
— Muito.
Foram até o canal. A gôndola estava esperando por eles, mas, quando
começaram a descer até ela, tomando cuidado nos degraus perigosamente
escorregadios, outra gôndola apareceu e um homem saltou dela com uma agilidade que
surpreendeu Débora. Parou para olhá-lo, admirada, até notar a máquina fotográfica
pendurada em seu pescoço.
— Oh, que inferno! — Mateus estava atrás dela e naqueles degraus estreitos
era impossível passar para tentar salvar a situação.
O homem foi tão rápido ao acionar a máquina, que Débora não teve tempo de
segurar o casaco que ficou aberto. A luz do flash deixou-a cega e tonta. Foi apenas
por um minuto, mas o suficiente para que desse um passo em falso. Desequilibrada,
escorregou na pedra coberta de musgo. Mateus mergulhou para segurá-la, enquanto
ela caía de lado. Os flashes explodiram em volta deles como relâmpagos.
A língua que Mateus falava era quase desconhecida. Irrompendo numa

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

torrente de palavras raivosas, ele empurrou Débora até a parede, sem cerimônia, e
gritou:
— Fique aqui. E jogou-se pelos degraus abaixo.
Vendo-o aproximar-se, o fotógrafo pulou de volta na gôndola com a mesma
agilidade e rapidez com que tinha descido. Mateus parou no último degrau, hesitando
se continuava ou não, e o rapaz gritou, animado:
— Ciao. Grazie, signor Tyrell!
Tyrell, Mateus Tyrell. O nome trouxe de volta a lembrança de vários recortes
que Débora tinha lido no arquivo da revista. Mateus era o cabeça de uma indústria
farmacêutica internacional. Ela tinha pesquisado sobre ele e sobre a companhia quatro
anos atrás e a revista fizera uma série de artigos sobre eles. Na época, houve
problemas com um remédio que produziram que tinha provocado efeitos colaterais, por
não ter sido suficientemente testado e lançado prematuramente no mercado.
Débora não entendia como não o tinha reconhecido... mas também, na época
havia se interessado mais pela história do que pelo homem atrás dela. Daquela vez,
ficara encarregada das matérias de pesquisas, em vez das reportagens; por isso, não o
conhecera pessoalmente. Mas agora se lembrava perfeitamente: a pasta de Mateus
Tyrell, no arquivo, era bem grande. Tudo o que ele fazia virava notícia.
Meu Deus!, ela pensou, só então percebendo no que estava metida. Fotos dela,
num vestido rasgado, caindo nos braços de Mateus, iam ser o prato da imprensa
italiana no dia seguinte.

CAPÍTULO IV

Antes de deitar-se, Débora deu mais uma olhada carinhosa para aquele casaco
de vison que estava pendurado cuidadosamente em seu armário. Ela poderia se
acostumar facilmente a usar coisas boas assim. Ia apagar a luz, quando teve uma visão
horrível de alguém invadindo o quarto e tentando roubar o casaco. Ele estava sob sua
custódia e valia uma fortuna. Subitamente, sentiu-se preocupada.
Não tinha lhe ocorrido até aquele momento, mas, enquanto o casaco estivesse
com ela, estaria sob sua responsabilidade. Levaria anos para pagá-lo, se fosse roubado.
Deve estar seguro, pensou. É claro que sim. Apagou a luz e tentou dormir, mas
o sono desaparecera. Ouviu os sons da noite sob a janela, e depois de uma hora mais
ou menos acendeu a luz e saiu da cama. Vestiu o robe e lembrou-se do casaco
novamente. Mateus é que devia ficar com ele durante a noite: podia se permitir o luxo
de perdê-lo; ela, não.
Os dois tinham se despedido na escada. Débora teve a impressão de que
Mateus ia tentar impedir a publicação das fotos. Havia mergulhado num silêncio

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profundo durante todo o caminho de volta para o hotel. Ela não ousou interromper
seus pensamentos: já tinha os próprios aborrecimentos.
Não conseguiria dormir com a perspectiva de tornar-se personagem de ! um
escândalo da vida de Mateus Tyrell. E ainda por cima aquele casaco... era demais!
Do vison, pelo menos, ela podia se livrar \ imediatamente.
Passaram-se alguns minutos, antes que ele abrisse a porta do quarto. Quando o
fez, olhou-a, surpreso.
— Será que você pode cuidar do casaco esta noite para mim? Não consigo
dormir com ele no meu quarto: estou com medo de que apareça algum ladrão.
Ele passou a mão pelo cabelo, com impaciência.
— Deus todo-poderoso, que idéias tolas as mulheres têm!
— Não há nada de tolo em ter medo de ficar com um casaco que vale milhões
no meu quarto. Eu não poderia pagar, se fosse roubado.
— Não seria responsabilidade sua.
— Acontece que eu acho que seria, e não gosto nem um pouco da idéia.
— Ora, então deixe-o comigo — ele respondeu, segurando o casaco. Ouviram
uma respiração pesada atrás deles, alguém arfando enquanto
subia a escada. Débora virou-se rapidamente e viu um homem.
Mateus Tyrell lançou-lhe um olhar desconfiado, resmungou qualquer coisa e
depois puxou Débora para dentro, fechando a porta.
— Nós não podemos nos arriscar a ter outro problema — ele falou,
inclinando-se para ouvir se os passos se afastavam.
Débora observou o quarto. Ele ainda não tinha ido para a cama. Uma agenda
aberta perto do telefone branco, sobre a cama, deu-lhe a impressão que ele tinha
estado fazendo uma série de telefonemas para impedir que publicassem as fotos.
Mateus jogou o casaco sobre uma cadeira e Débora reclamou:
— Não o trate assim! Você não tem consideração?
— Muito pouca. — Seus olhos verdes tinham uma expressão tensa e as linhas
ao redor estavam muito pronunciadas. — Estou tentando achar um jeito de afastá-la
das manchetes, mas, naturalmente, por mais que eu tente e me esforce, mais curiosos
eles ficam.
— Que cavalheiresco tentar me proteger!
Ela não pôde evitar um tom sarcástico na voz, e Mateus percebeu, olhando-a
friamente.
— Estou acostumado com essas coisas. Você não está e pode ser desagradável.
Ela não tinha certeza de que ele estivesse preocupado apenas com ela, mas
deu-lhe crédito e um sorriso.
— É muito amável por se preocupar.
Não deveria ter sido tão formal. Ele interpretou mal e...
— Muito bem, não acredita em mim. — Virou-se, apertando o cinto do robe
curto.

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Débora notou então que ele não usava nada por baixo. Suas pernas estavam
nuas, e os pêlos, úmidos. Estava no banho, quando ela bateu na porta.
Ao perceber isso, ficou nervosa. Foi até a porta, e Mateus virou-se,
percebendo sua intenção.
— Agora, o que há?
— Acho melhor eu sair, enquanto o caminho está livre — respondeu, sem
querer olhá-lo nos olhos.
Mateus foi até ela, fazendo-a recuar involuntariamente. Parou, com os olhos
fixos em seu rosto.
— Não vou atacar novamente! — explodiu.
— Não pensei que fosse! — Mas ela corou.
— Oh, você pensou, sim! Não pule dessa maneira, me faz ficar nervoso.
— Nós não íamos querer isso, não é? — Dessa vez, encarou-o com raiva. — Da
última vez, foi um desastre.
— Você não aprende com as experiências?
— Não — ela falou, lembrando-se de Robert. — Aparentemente, não.
— Já é tempo de começar, então.
Suas vozes tinham-se elevado, sem que o notassem. Quando perceberam,
ficaram em silêncio, olhando-se calmamente.
— Tenho a impressão de que já passei por isso — Mateus resmungou, com uma
pequena careta.
— Déjà vu? — Débora suspirou. — Sinto muito.
— Se você tirasse da cabeça a idéia ridícula de que vou tentar violentá-la,
poderíamos evitar esses episódios desagradáveis.
— Tudo bem. Combinado — ela falou, sorrindo.
— Bom. — Mateus riu também e pareceu mais relaxado. — Agora, vou passar
por você para espiar lá fora e verificar se não há nenhum desses malditos paparazzi
espreitando. Então, por favor, não comece a pular em pânico, quando eu me aproximar.
— Não sou nenhuma tola.
— Não. É apenas uma mulher.
— Chauvinista!
Ele abriu a porta e espiou para o corredor.
— Parece que está tudo bem.
Débora respirou aliviada. Aquela intimidade com Mateus seminu e ela de
camisola e robe tinha começado a perturbá-la. Passando por ele, murmurou:
— Boa noite, novamente.
Ele sorriu, e havia outra vez aquele brilho de malícia em seus olhos.
Mas ela só viu durante um segundo, antes que Mateus se inclinasse, dizendo:
— Realmente, acho que devo... — E tocou sua boca com os lábios. Bem atrás
deles ficava a porta de vidro do elevador de carga, que foi levantada de repente. Um
flash estourou, e Mateus, numa fração de segundo, empurrou Débora e correu atrás

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do fotógrafo.
Por sobre os ombros ela viu a cabeça do mesmo rapaz que tinha feito as fotos
nos degraus do palácio.
Mateus não conseguiu pegar o elevador e correu até a escada, descendo os
degraus numa correria louca.
Não acredito, ela pensou. Como é que ele pode ter sido tão tolo? Se bem que,
com ou sem aquele beijo, o rapaz os teria apanhado juntos naquela intimidade. O beijo
apenas enfatizou o que aquele encontro noturno teria sugerido.
Voltou para o quarto de Mateus e sentou-se na cama, olhando para os chinelos
de pele, balançando-os para cima e para baixo, como uma criança.
Quando ele voltou, ela podia jurar, pela sua expressão, que não tinha alcançado
o rapaz.
— Ele saiu num piscar de olhos: não o peguei — falou, fechando a porta. — Que
inferno! Você não podia ter ficado no seu quarto? Que risco estúpido vir até aqui
dessa maneira! — Depois calou-se e ficou olhando para ela, com os olhos apertados. —
Bem, bem, bem. Nada disso tinha me acontecido antes.
— O que não tinha acontecido?
— Que estupidez a minha! Eu devia ter pensado nisso, mas fui muito lento, por
uma vez.
― De que você está falando? Não vai me explicar?
— Oh, sim. Acho que sim — ele falou, num tom macio, indo até ela. Débora
deveria ter percebido sua intenção, mas ainda estava muito
chocada com as aventuras daquela noite, e tinha parado de se esquivar cada
vez que ele se aproximava.
— Eu não gosto de ser usado — Mateus disse, agarrando-a pelo braço e
levantando-a da cama com um movimento zangado.
— Ei... — Débora começou, furiosa.
Não teve chance de dizer mais nada. Mateus segurou-a como se fosse uma
boneca, assustando-a com aquela brusca mudança de atitude. Sua boca forçou a dela,
esmagando-lhe os lábios. Enquanto ela lutava e se debatia, ele tirou uma das mãos de
seu ombro e pegou-a pelo pescoço, empurrando sua cabeça para trás. Agora, Débora
mal podia se mover; quanto mais, fugir.
A violência daquele beijo machucou-a. Seus lábios começaram a queimar e
depois ficaram dormentes. Tinha os olhos bem abertos e as mãos espalmadas no peito
dele, mas não conseguia afastá-lo um milímetro sequer. Mateus estava impondo toda a
sua força máscula sobre ela, sem piedade.
Enquanto se contorcia em seus braços, Débora esbarrou no pé da cama. Quis
evitar a queda, agarrando-se na camisa dele, mas tudo o que conseguiu foi arrastá-lo
com ela para a cama.
O peso do corpo de Mateus a mantinha presa ao colchão. Por alguns instantes,
ele parou de beijá-la e um sorriso malicioso apareceu em seus lábios.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Chegamos onde você pretendia, não é mesmo? — perguntou, num tom de que
ela não gostou nem um pouco. — Devo reconhecer que você é bastante inventiva.
Conheci pessoas astutas, mas você... Você me tapeou desde o momento em que nos
encontramos naquele nevoeiro lá fora. Estar perdida e todo o resto foi simplesmente
brilhante. O que você é? Uma atriz?
— Será que não vai me soltar? — Débora explodiu, empurrando-o.
— Isso não é bem o que você quer... ou é? — Seu sorriso era maldoso e gelado.
— Qual é a sua intenção agora? Ou será que aquele rapaz é se namorado?
— Olhe... — Débora tentou explicar.
— Não, olhe você. Ok vou comprar. Reconheço que caí feito um pato. Não é a
primeira vez que lido com chantagistas.
— Meu Deus! — Débora gritou chocada.
— Cale a boca — ele murmurou, furioso, beijando-a ferozmente. Quando
levantou a cabeça, Débora esperava ver seu próprio sangue na
boca de Mateus. Passou a língua nos lábios doloridos, cheia de ódio por ele.
— Vou pagar humildemente... mas, primeiro, quero receber um pouco mais pelo
meu dinheiro.
— Oh, não! Não vai, não — ela falou, furiosa.
— Aí é que você se engana, mocinha, porque eu vou.
Uma de suas mãos pousou no peito dela e Débora gelou em pânico. Não
conseguia desviar o olhar. Ele estava enraivecido como um louco, mas havia algo em
seus olhos que a fez corar.
— Você é uma atriz. E inteligente, além do mais. Até consegue corar quando
quer. Tenho ouvido falar de atrizes que podem chorar ou rir no palco, mas isso é algo
novo para mim. Você me surpreende!
Enquanto falava naquele tom hostil, ele a acariciava e sua pele parecia queimar
onde era tocada. Seu corpo reagia de uma forma que ela não conseguia disfarçar.
Mateus acariciava seus seios, observando-a, e o coração de Débora batia cada vez
mais rápido contra o dele.
— Assim é melhor. Imagino que essa aproximação não lhe tinha ocorrido, não
é? Você se subestima, Débora. E esse mesmo o seu nome? Não importa... eu gosto
dele. Combina com você, como Scalatio disse. Teria poupado tempo e trabalho, o seu e
o do namoradinho, se vocês tivessem ido direto ao assunto, e feito logo uma proposta.
As mãos dele deslizaram por seus quadris e desceram até as coxas. Débora
protestou, com um gemido abafado, e ele olhou-a asperamente.
— Eu me interessei por você assim que a vi. Se queria dinheiro, não precisava
ter inventado toda essa história. Poderíamos ter discutido o assunto de uma maneira
mais amistosa, e não tenho dúvida de que teríamos chegado a um acordo.
O pânico que ela sentia tinha desaparecido. Estava controlada e calma, ouvindo
os insultos e tentando descobrir uma saída para aquela situação. Percebeu que não
havia condição de convencê-lo de que estava errado. Não naquele momento. Embora

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

sua violência tivesse diminuído um pouco, ainda estava bastante zangado e, além do
mais, sexualmente excitado. Conhecia os homens o suficiente para reconhecer a
maneira como olhava para ela e a tocava. Depois de toda a ira, estava se comportando
como um oportunista; como todos os homens, aliás. Tirava vantagem da situação e não
ficaria convencido por nada que ela fizesse.
O macho era mais forte nele naquele momento. Ela mesma também se sentia
excitada com seu toque, mas era uma reação puramente física, que nada tinha a ver
com emoções, e, por isso mesmo, perigosa. A atmosfera estava se tomando explosiva.
Débora tinha que fazer algo para aliviá-la, mas não conseguia pensar com clareza.
Tentou mexer-se sob ele, dizendo:
— Tem alguma coisa machucando as minhas costas. Será que você pode se
afastar um pouco, por favor? — pediu, com um sorriso inocente.
Ela o viu hesitar e depois se afastar. Débora sentou-se e ambos descobriram o
que a incomodava: a agenda aberta sobre a cama. Mateus pegou-a e jogou no chão.
— Sei que você não vai acreditar, mas está totalmente errado. — Ela resolveu
enfrentar a situação, sem tentar escapar e mostrando-se calma e digna. — Tenho
tanto motivo ou mais do que você para não querer me ver envolvida em escândalos
internacionais ou com gente do jet-set. Não planejei nenhuma chantagem.
Percebeu que o mau humor dele estava passando. Ela o havia distraído com a
queixa sobre o livro. Estava começando a conhecer Mateus Tyrrel. Era explosivo, mas
acalmava-se rapidamente também. Tudo o que tinha a fazer era falar e falar, até que
ele se acalmasse por completo.
— Você acha que devo acreditar realmente nessa sua história?
— Não agora — ela admitiu, encolhendo os ombros. — Eu poderia dar a minha
palavra de honra, mas, como você não acredita que eu tenha uma, não acho que
adiantaria muito. Posso provar que tenho um passado idôneo em Londres a essa hora
da noite, porém, não seria muito fácil checar... e de qualquer maneira, fico indignada só
de pensar em ter que passar por esse tipo de julgamento.
Seu tom de voz calmo, sem alterações, estava surtindo efeito, apesar de que
ele ainda a olhava com frieza.
— Estive pensando na aparição oportuna desse fotógrafo — ela
continuou, devagar. — Como não lhe dei a informação de nada disso, acho que posso
adivinhar quem o fez e por que o fez.
Mateus Tyrell enrijeceu o corpo e enfiou as mãos nos bolsos do robe preto. O
movimento brusco fez com que a roupa abrisse um pouco no peito. Débora desviou o
olhar rapidamente. A última coisa que queria no momento era o seu apelo como homem.
Tinha que se manter o mais fria possível.
— Bem? — ele perguntou.
— Acho que sua amiguinha Teresa fez isso.
Essa impressão estava com ela há algum tempo. Só não tinha dito nada : ainda
porque achava que, se a garota tivesse chamado um dos paparazzi, o teria feito no

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

momento certo, no auge da confusão. Mas o ciúme era uma emoção incontrolável.
Débora não queria jogar Mateus contra a menina; no entanto, sua própria segurança
era muito mais importante naquele momento. Se fosse para escolher entre ela e
Teresa Scalatio...
Virou-se, num movimento rápido e tenso, e observou o efeito de sua acusação.
— Isso não tinha me ocorrido — ele falou, pensativo.
— Mas deveria. Como é que eu podia saber que você ia rasgar o meu vestido
naquela festa? Como é que eu podia ter contratado um fotógrafo para colher o
flagrante que eu não sabia que ia ocorrer?
Ele murmurou um palavrão.
― Xingar não adiante nada ― Débora disse , muito calma.
— Não seja tão puritana! — Ele virou-se, com um olhar gelado e direto. — Como
posso saber se esse não é outro dos seus golpes?
Débora deu-lhe um sorriso despreocupado.
— Não pode saber. Se eu fosse a pessoa que você pensa que sou, não estaria
aqui, conversando: já teria tentado fugir há muito tempo.
— Que interessante!
— Deixe de ironia. Não sou nem chantagista nem vigarista. Não quero ir para a
cama com você, e certamente não quero aquelas fotos nossas nos jornais.
Ele sentou-se na cama ao lado dela e passou as mãos pelos cabelos.
— Diabos! É a segunda vez nessa noite que tenho que lhe pedir desculpas. Vai
se tornar um hábito.
— Você me preveniu que tinha um temperamento explosivo.
— Explosivo, não. Apenas quente. Débora não fez comentários, e ele sorriu.
— Isso faz sentido. Sobre Teresa, quero dizer. Os italianos se vingam em
grande estilo. Seria justamente o tipo de golpe que a garota aplicaria. Eu lhe disse que
ela era perigosa. Tremo ao pensar o que vai ser, quando chegar aos trinta. Se aos
dezesseis ela já é uma ameaça...
— Está apaixonada — Débora falou, com tolerância e alívio, ao ver que ele
tinha se tornado humano novamente.
— Você é muito compreensiva. Não acho que seria tão indulgente no seu lugar.
— Mateus olhou para o telefone. — Não me sinto assim. Na verdade, pretendo
telefonar para o pai dela e contar tudo o que nos aconteceu.
— Mas não sem provar. Você gosta mesmo de acusar as pessoas, não é?
Ele pareceu divertido.
— Não, normalmente. Você causou um efeito desastroso sobre mim.
— É típico de um homem culpar a mulher!
— Não podemos evitar, é o pecado original — ele falou, sorridente. — Mas você
é uma mulher extraordinária — acrescentou, com os olhos fixos nela. — Não me
lembro de ter conhecido uma como você antes. Só nos encontramos há vinte e quatro
horas, mas você já me deixa sem fala.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Isso eu não tinha notado!


— Você pensa quase... quase como um homem.
— Se acha que isso é um elogio, é bom pensar duas vezes antes de falar, da
próxima vez.
Mateus deu uma risada e passou a mão, de leve, no rosto de Débora,
— Já me desculpei?
— Acho que sim.
— Adequadamente? — Ele estava se aproximando e Débora intuiu outro
avanço.
— Perfeito — ela falou, levantando-se. Não queria que ele começasse tudo de
novo.
— Ele devia estar louco — Mateus disse, levantando-se também. —Aquele
homem que deixou você escapar.
— Oh, ele... — Débora falou, com o sorriso apagado. Não pensava em Robert há
algum tempo; parecia que já fazia anos. Devia ter passado, realmente, uma hora mais
ou menos, mas sua mente tinha se ocupado, tanto com o presente que o passado
deixara de incomodar. Agora tinha voltado com toda a dor e humilhação. Foi até a
porta, evitando olhar para Mateus Tyrell.
Ele abriu a porta para ela, que passou, de cabeça baixa. Não queria
espectadores nem simpatizantes de sua dor.
— Não queremos dar outra oportunidade para os paparazzi. Parece que você
pode sair agora.
— Boa noite, e vamos esperar que eu não tenha que dizer isso novamente —
Débora falou, saindo.
Chegou a seu quarto sem problemas. O hotel estava calmo e silencioso. Tirou o
robe e foi para a cama, bocejando. Como estava cansada!
Deitada, ouvia o som da água sobre as pedras na margem do canal. Não
conseguia dormir, pensando no que acontecera. Houve um momento difícil em que
Mateus esteve a ponto de dominá-la e ela quase obedeceu a um impulso selvagem de
deixá-lo fazer o que bem quisesse. Tinha vivido num turbilhão emocional, desde que
descobrira que Robert não a amava. A raiva e o desejo de Mateus tinham encontrado
eco dentro dela, até que despertou do êxtase e raciocinou mais claramente.
O temperamento dele era imprevisível. Explodia sem aviso e pegava as pessoas
de surpresa. Mas, quando se acalmava, era um homem até muito fácil de amar.
Exceto, naturalmente, quando os homens estavam fora de cogitação, que era
como ela se sentia naquele momento.
O problema era que já se sentia mais envolvida com Mateus Tyrell do que
gostaria, e tinha a estranha sensação de que as complicações ainda não haviam nem
começado. No dia seguinte, poderiam ser enredados num grande escândalo.
Preciso ligar para Hal e preveni-lo, pensou, e bocejou novamente. Haveria
muito tempo para isso no dia seguinte. Seu corpo doía e sentia-se incapaz de pensar no

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

assunto por muito tempo.


Acordou de manhã com batidas na porta. Ainda sonolenta e cambaleante,
levantou-se e vestiu o robe, piscando diante da claridade que entrava no quarto.
Abriu a porta e Mateus passou como um raio, com o olhar carregado de ódio.
Débora fechou a porta e encostou-se nela, com a mão sobre a boca,bocejando.
— Cedo assim! Ainda nem acordei!
— Você está sempre mentindo, sua cadelinha! — ele berrou. — De novo? — ela
falou, suspirando.
— Não banque a inocente! — ele disse por entre os dentes.
— O que é desta vez?
Débora não saiu do lugar; precisava do apoio da porta atrás de seus ombros. E
aquela claridade estava ferindo seus olhos.
— Você não passa de uma mentirosa, srta. Linton!
Durante um curto espaço de tempo ela não compreendeu. Então, olhou para o
jornal na mão dele.
— Oh, sim — Mateus falou, azedo. — Está tudo aqui. Então, você não é uma
atriz nem uma modelo. Você é uma jornalista miserável.
Como é que tinham descoberto? Só podia haver uma resposta: o porteiro do
hotel. Eles sempre se tornam tagarelas, quando o preço é alto. O passaporte dela dizia
sua profissão, e todos no hotel sabiam. Devia ter pensado nisso na véspera.
— Sabia que você tinha algo de errado! — Mateus gritou, sacudindo o jornal
diante de seu rosto. Depois, amassou-o e jogou no chão, com violência.
Caiu aos pés de Débora e ela observou, chocada, a foto em destaque na
primeira página.
— Que foto terrível!
Mateus falou algo que ela preferiu ignorar.
— Bem, você deve estar acostumado a sair nos jornais — ela comentou,
mantendo a calma. — Eu não estou. Nenhum dos meus amigos me reconheceria. Pareço
uma caricatura!
— Você falou isso, não eu.
— Minha cabeça está doendo. Não grite assim! Parece que tem alguém
martelando minha cabeça.
— Era o que eu queria fazer! Débora suspirou.
— Sinto muito. Devia ter lhe contado que era jornalista... Mas, depois que você
deu sua opinião sobre os jornalistas, achei melhor ficar calada para não criar uma
situação embaraçosa.
— Sem mencionar que viu uma chance de conseguir uma história.
— Sim, sem mencionar isso.
Houve um instante em que ele quase sorriu, mas a raiva contida não permitiu.
— E pensar que eu me desculpei com você ontem à noite! Sempre me orgulhei
em ser um conhecedor de caracteres, mas perdi todos os pontos com você.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Você ainda é — falou, cansada.


— Não, acho que não. Quanto foi que você ganhou?
— Nem um centavo. — Ela já começava a ficar zangada. — Olhe, o que você
acha que eu ganharia, tendo uma história como essa sobre mim publicada num jornal?
— Posso pensar em um milhão de vantagens para você. Leia a história primeiro.
Débora abaixou-se e pegou o jornal. Ao fazer isso, sentiu-se tonta e segurou a
cabeça entre as mãos.
Seu nome parecia saltar da página, mas ela estava muito indisposta para ler
toda a notícia.
— O que diz aí? — perguntou.
— O seu italiano não é suficiente? Tem certeza?
Estava claro que ele não acreditaria em nada do que ela dissesse, de agora em
diante.
— Não me conte, se não quiser... não me incomodo realmente.
— Eles, educadamente, descrevem você como minha amiga, mas somos
bastante adultos para entender o que quiseram insinuar com isso.
— Bem, não acho que iriam sugerir que somos apenas bons amigos. Não, depois
de me fotografarem com o vestido rasgado e de camisola. Você já devia esperar por
isso. Então, por que toda essa confusão, afinal?
— Estou certo de que você sabia exatamente que tipo de coisa iam insinuar.
— É claro que sabia! E você também. O que acha da nossa situação, agora?
— O que eu acho?! — Mateus andou pelo quarto, furioso. — Você planejou a
coisa toda, não foi? Um plano cuidadoso, para me pegar numa armadilha.
— Ora, não seja ridículo! Acha que alguém se daria a todo esse trabalho,
apenas para ter essa tolice como notícia no jornal?
— Os repórteres vendem até as mães por uma notícia.
— Não sou dessa espécie de repórter.
Por que será que ela tinha pensado que ele era inteligente? A mania de
perseguição daquele homem era idéia fixa, doentia.
— De que espécie você é, então? — ele perguntou rapidamente, e Débora
percebeu que sua resposta não ia tomá-la mais popular do que antes.
Ela hesitou e depois...
— Trabalho na equipe do Probe.
Por um segundo apenas, Mateus não se mexeu. Várias emoções passaram por
seu rosto, e Débora não gostou de nenhuma delas.
— Meu Deus! — ele falou. — Meu Deus, é bem pior do que tinha pensado!
— Isso é uma questão de opinião — Débora murmurou.
Ele não era muito inteligente, ela tinha se enganado. Estava a ponto de
explodir novamente e, dessa vez, ia ser mesmo uma verdadeira explosão. Seus olhos
faiscavam como se fossem um aviso luminoso.
— Essa equipe é o bando de parasitas que tentou me acusar de assassinato,

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

quando tivemos problemas com o novo remédio.


— Várias pessoas morreram, como bem me lembro. O remédio não tinha sido
testado por tempo suficiente.
— Houve um efeito colateral inesperado que não poderíamos ter previsto.
— Teria sido descoberto, se continuassem os testes por mais alguns anos.
— E durante esses anos, milhares de pessoas doentes viveriam com dores
terríveis. Aquela droga foi a primeira capaz de aliviar o sofrimento dessa gente. Você
não considerou sob esse ponto de vista, pelo que vejo. — Fez uma pausa, depois
daquele desabafo raivoso. — Você estava envolvida naquela série de reportagens, não
é?
— Estava.
— Entendo.
Ele tinha entendido muito mais do que isso, e muita coisa errada também.
Débora sabia que agora não ouviria uma palavra do que tinha para lhe dizer. Seu rosto
estava tenso e os olhos verdes pareciam pedras de gelo.
— Pelo jeito, você tem bastante prestígio no Probe. Por que não tomou
nenhuma providência? Por que não tenta impedir tudo isso?
— Não há nada a ser impedido.
Débora segurou o robe com as duas mãos, impaciente. Com o cabelo
despenteado, os olhos inchados de sono e sem nenhuma maquilagem, devia estar com
uma aparência péssima, porque Mateus a olhava fixamente, de uma maneira que
ela não estava gostando.
Ele também não tinha uma aparência muito boa. Pela expressão cansada, devia
estar de pé há muito tempo. Talvez nem tivesse dormido... toda aquela irritação
maníaca sugeria isso. Mas se barbeara e vestia-se com elegância. Usava um terno
escuro com uma camisa azul pálido e uma gravata de seda azulada.
— Não gosto de ser usado.
— Mas você não está sendo usado — Débora falou, com uma irritação
crescente. — Está apenas sendo um estúpido idiota!
Ele respirou fundo.
— Desta vez, você não vai se sair bem.
— O que quer dizer com isso?
― Quero dizer que você vai descobrir que não costumo ficar parado, quando
querem me fazer de bobo. — E saiu do quarto, com a rapidez de um relâmpago.
A porta bateu atrás dele, e Débora segurou a cabeça, que doía terrivelmente.
Tudo por culpa dele: era o homem mais cansativo que já tinha conhecido! Pensou, com
pesar, no dia de sua chegada a Veneza. Ali, só esperava encontrar paz e tranqüilidade.
Que ironia...
O porteiro do hotel estava certo: não deveria ter se aventurado lá fora,
naquela cerração. Se o ouvisse, nada daquilo teria lhe acontecido. Agora, no que será
que estava envolvida?

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

CAPÍTULO V

Depois de tomar banho e se vestir, Débora tentou uma ligação para Hal. Ele já
sabia das novidades e começou a rir, antes que ela dissesse uma palavra.
— Então, era por isso que você tinha que ir para Veneza? Quem teria
suspeitado? E eu, que sempre pensei que você fosse uma menina bem-comportada...
Isso só prova que nunca se deve pôr a mão no fogo por uma mulher.
— Não é verdade! — ela gritou.
— Ai, meus tímpanos! Como não é verdade? Eu li nos jornais da manhã,
enquanto comia meus ovos quentes.
Deu outra risada. Hal estava de muito bom humor. Ela tinha salvo seu dia.
— Você quer dizer que está nos jornais ingleses também? — Aquilo não tinha
lhe ocorrido. Ficou chocada.
— Não, ainda não. Para dizer a verdade, recebi um telefonema de Rodney. Ele
está em Roma, lembra? Leu isso lá e quase engoliu o primeiro cigarro do dia.
Rodney era o tipo de pessoa que estava sempre por perto nas horas erradas...
para os outros.
— Eu não sabia que ele estava em Roma.
— Sabia, sim. É que nunca presta atenção nas coisas. Vive apressada. Eu o
mandei até lá para a última cobertura política. Há eleições dentro de um mês e alguém
atirou num dos líderes comunistas.
— Não sei o que ele lhe contou, mas garanto que exagerou — Débora falou,
desanimada.
— Sem essa, Deb. Rodney leva nossos interesses a sério. Ele telefonou para me
prevenir, antes que alguém o fizesse.
— Que amável! Nunca fui com a cara dele, e até hoje não sabia por quê.
— Porque ele está de olho em você — Hal disse, mastigando alguma coisa.
— Você tem que comer amendoim bem no meu ouvido?
— São flocos açucarados, querida. Preciso de sangue doce.
— Você precisa de um tiro! Não é verdade, Hal. Nada disso. Tudo não passa de
uma série de acidentes ridículos.
— Gostei dessa — Hal urrou. — Ridículos hein? Rodney me descreveu a foto, e
juro que me pareceu bastante cômica. Uma noite de aventura, pelo que percebi.
— Oh, cale a boca!
Ela desligou. Que espécie de editor era ele, que não a ajudava? Hal ligou de
volta poucos minutos depois.
— Que tal a história verdadeira? Você poderia ditar para mim.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Não vou contar minha vida particular para ninguém! E além do mais, não é
verdade.
— Não há fumaça sem fogo.
— Isso é o que faz de você um grande editor... um profundo conhecedor do
clichê.
Ela estava ficando realmente zangada e Hal percebeu.
— Ok. Então, qual é a história?
— Somos apenas amigos.
Ele ainda estava rindo, quando Débora desligou o telefone novamente. Quando
voltou a tocar, ela atendeu gritando:
— Hal, juro que um dia acerto você! A voz de Rodney murmurou:
— Onde é que ouvi isso antes?
— Ah, é você? Que idéia foi essa de contar toda aquela história ridícula para
Hal? Por que tinha que ser justo você em Roma?
Rodney Harris era um homem pequeno o magro, sempre com uma expressão
matreira. Também tinha faro para notícias e sabia se tornar praticamente invisível,
quando necessário. As pessoas nunca o percebiam passar, até que já fosse tarde
demais. Ele pescava as histórias no ar. Débora não o suportava, mas admitia que seu
trabalho era muito melhor do que o dela.
— Você está ficando histérica — Rodney observou, com um risinho abafado. —
Acalme-se e conte-me a história verdadeira.
— Quer dizer que não acredita em toda aquela baboseira do jornal?
— Esquece. Conheço você. Há quinze dias estava toda derretida por Robert
Langton. Por que iria começar de repente um caso com Mateus Tyrell?
Débora suspirou. Tinha julgado mal Rodney. Afinal, ele não era assim tão mau.
— Eu percebi logo qual era a sua jogada — Rodney continuou, desmentindo sua
boa impressão sobre ele.
— O que quer dizer com isso?
— Menina inteligente. Francamente, não sabia que você era tão inteligente. Se
eu estivesse no seu lugar, era exatamente o que teria feito.
Débora olhou para o telefone e o sacudiu, como se o que acabara de ouvir
fosse culpa de algum defeito do aparelho.
— De que você está falando, Rodney? — Sua voz era cautelosa.
— Você está tentando conseguir a história exclusiva de Tyrell, certo?
Métodos tradicionais. Não pensei que tivesse alma de uma verdadeira repórter.
Sempre imaginei que você fosse uma dessas feministas puritanas.
Débora desligou. Já devia saber que ele tiraria aquele tipo de conclusão. Jogo
sujo seria justamente o que Rodney faria. Tinha conseguido uma reportagem por meios
ilícitos no passado. Por uma boa história, Rodney era capaz de qualquer coisa. Aliás, a
insistência era sua marca registrada em tudo na vida.
Inclusive com as mulheres. Apesar de feio e insignificante, Rodney se gabava

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

de ter muito sucesso com elas. Débora sempre desconfiou de que ele vencia pelo
cansaço. E era mais ou menos isso mesmo. O próprio Rodney confessou, certa vez, que
tudo era matemático. — Como a roleta — ele disse. — Se você continua jogando no
preto, cedo ou tarde vai dar preto. E, se você continua tentando sua sorte com as
mulheres, mais cedo ou mais tarde uma delas diz sim.
Débora tinha ficado enojada com o comentário.
— Protesto, em nome de todas as mulheres.
Ela havia tomado muita vodca na época e parecia muito solene.
— As mulheres odeiam a verdade. Elas preferem o mundo cor-de-rosa dos
romances.
— Não é de admirar que você não tenha se casado. Quem é que ia querer um
machista assim?
— E por que você não casou? — Rodney tinha perguntado, servindo-
se de mais vodca. — Esperando pelo amor de verdade, não é?
— Deixe pra lá.
Rodney, felizmente, não era um exemplo típico dos homens com quem
ela trabalhava, mas quase todos demonstravam o mesmo cinismo pelo È amor.
Esperavam que estivesse disposta a dizer sim, apenas por ser uma mulher livre e
independente. Mas Débora nunca o fez; principalmente porque sabia muito bem o que
eles queriam e era contra o sexo pelo sexo.
Para a maioria dos homens que conhecia, o sexo era como qualquer outro
apetite. Débora queria mais do que isso da vida. Pensou que tinha encontrado, com
Robert. Pensou mesmo que o amava.
Fui cega, surda e muda com ele, pensou, com raiva, indo até a varanda de seu
quarto. Sentiu as pedras estalarem sob os pés.
— Deixe quebrar — disse a si mesma. — O que importa?
As janelas do lado oposto estavam fechadas. Olhou para elas, sentindo | que
sua vida era assim: uma parede branca, com janelas mínimas, todas elas fechadas com
grades.
A água do canal estava esverdeada naquela manhã. O sol brilhava sobre ela,
salpicando-a de reflexos dourados.
Durante um certo tempo, não percebeu a batida na porta. Depois, foi atender,
relutante. Era Mateus novamente. Entrou sem pedir licença e olhou-a de uma maneira
quase possessiva.
— Ainda bem que está vestida.
— O que você quer?
— Isso é maneira de falar com seu noivo?
Débora olhou para ele, de boca aberta. Que brincadeira idiota era aquela? E
por que o sorrisinho estranho?
— O que você disse?
— Você ouviu. — Ele foi até a janela e fechou-a. — Você esteve lá fora? Os

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

balcões não são seguros. Eles não lhe falaram?


— Falaram. Mas que história é essa de noiva?
— Se eles falaram, o que estava fazendo lá fora? Pode acabar cedendo um dia
desses. Você quer morrer?
— Nesse exato momento, eu não ligaria a mínima!
— Que pensamento derrotista. — Ele parecia muito satisfeito com alguma
coisa: ria de orelha a orelha.
— O que você andou fazendo? Por que está falando de noivas?
— Eu lhe disse que não deixaria que me passassem para trás. O Probe não vai
jogar mais sua lama em cima de mim.
Débora colocou as mãos nos bolsos do cardigã de tricô grosso que estava
usando.
— Certo, já entendi. Mas onde é que entra a palavra noiva?
— Anunciei nosso noivado ao mundo, dez minutos atrás — ele falou, sorridente.
— Ora, não seja ridículo!
— Você tem uma péssima educação para uma dama. Espero um pouco mais de
respeito... em público, pelo menos.
Ela fechou os punhos dentro dos bolsos do cardigã, como se fosse esmurrar
alguém.
— Você não está falando sério. Não pode ser. Não faria algo tão tolo e
arrogante!
— Existem muitas maneiras de tirar a pele de um animal.
— Adorável! — Débora sentiu-se como um ioiô sendo manuseado. A qualquer
instante, ela sabia que ia acabar estourando. — Agora que você conseguiu me envolver
num escândalo nos jornais italianos, quer me transformar em notícia também da
imprensa internacional, não é? Pois pode esquecer o assunto, sr. Tyrell! Pegue o
telefone e diga-lhes que mudou de idéia e que não há nenhum noivado.
— Por enquanto, há. Até que os comentários acabem, estamos noivos. Depois de
algumas semanas, você desaparece de volta para o buraco de onde veio, e eu continuo
em paz sem você. Mas, até lá, estamos noivos.
— Não estamos coisa nenhuma! — Débora falou, com os lábios trêmulos de
raiva.
— É a minha vida que estou protegendo. Não quero aqueles abutres em cima de
mim. Lembro muito bem a última experiência que vivi com vocês, jornalistas. Estavam
nos jardins da minha casa, nos escritórios da fábrica, gritando pelos corredores,
entrando pelas chaminés. Um daqueles bastardos veio até o meu escritório num
andaime de limpador de vidraça e tirou fotos minhas na escrivaninha. Se eu tivesse um
revólver na gaveta, teria atirado. Fizeram perguntas aos meus empregados,
subornaram alguns deles, seduziram outros...
Ela pensou em Rodney. Pelo amor de Deus, aquilo era bem coisa dele.
— Pode avisar os seus coleguinhas que não vão repetir a dose. Diga-lhes para

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

largarem o meu pé, ou fico louco. Não vou permitir outra série de artigos sobre mim no
seu currículo.
— Nada foi planejado. Eu juro. Ele riu, incrédulo.
— Estou falando a verdade! Vim aqui apenas para passar umas férias calmas...
Não sabia que você estava aqui. Não estou seguindo você e não quero nenhuma história
a seu respeito. Nunca quis. — Aquilo não era realmente verdade, mas sentiu-se
justificada ao dizê-lo.
— Desculpe, mas não acredito em tantas coincidências assim. Ontem à noite
fui enganado. Você e o fotógrafo estavam combinados. Você desceu de camisola, só
para que ele conseguisse aquela segunda foto. Bem, foi trabalho inútil. Não importa o
que queria com aquelas fotos comprometedoras, pode esquecer.
— Você é uma pessoa perigosamente desconfiada! — Débora desabafou e caiu
no choro.
Sentou-se na cama e chorou com o rosto entre as mãos. Estava exausta e
queria desesperadamente dormir. Ninguém a ouviria, nem seu próprio editor ou
qualquer um de seus colegas. Robert estava em Londres. Sentia falta dele e o amava,
mas naquele momento o detestava e todos os outros homens que conhecia. Tinha
fugido de um problema e caído em outro, por causa de homens. Agora, Mateus a
encurralava com um compromisso de noivado absurdo e olhava para ela com desgosto,
fazendo-a sentir-se pequena e nojenta.
— Oh, meu Deus! — ele resmungou. — Por que será que as mulheres são tão
suscetíveis?
Ela chorou ainda mais. Gostaria de nunca ter pisado em Veneza.
— Que truque antiquado. — Mateus sentou-se a seu lado e puxou-a para si.
Ela chorou no peito dele, na camisa, com a esperança de estragá-la. A gravata
era sedosa e macia em seu rosto úmido. Ele acariciou sua cabeça, como se ela fosse um
cãozinho enraivecido.
— Pare com isso, antes que eu também chore. Não consigo suportar lágrimas
de mulher. Não agüento.
— Eu não agüento os homens, chorando ou fazendo qualquer coisa — Débora
resmungou.
— Então, você pode falar, não é? Pensei que estivesse fora de si, mas foi
apenas raiva, não foi? — Segurou-a pelos ombros e olhou para ela com prazer. — Você
parece ter derretido. Não fica bem chorando: não combina com você.
— Não faço por esporte — ela falou, fungando. Uma lágrima escorreu por seu
rosto até o canto da boca, e ela sentiu o gosto de sal.
— Eu só conheço uma coisa que se deve fazer às mulheres — Mateus disse, e
começou a fazer.
Débora sentia-se fraca e abandonada, e a pressão morna da boca de Mateus
era reconfortante. Ele deitou-a na cama, quando sentiu seu abandono, a agora estava
beijando as lágrimas, o nariz, os olhos e a boca de Débora, que gostava daquela

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

sensação. Suas mãos estavam apoiadas no peito de Mateus, mas não tentava empurrá-
lo: sentiu o coração dele disparar, num ritmo tão louco como o seu. Mateus deslizou
uma das mãos sob o cardigã.
— Quanta roupa mais você está usando? — perguntou, irritado, quando tocou
sua blusa.
Ela afastou-se, confusa com aquele tom rude, e olhou para ele.
— Já me sinto melhor agora — disse, sentando-se e endireitando as roupas.
— Oh, sente-se melhor? Começo a pensar seriamente que você gosta de
provocar.
— Estou aqui em Veneza por apenas uma semana... cinco dias mais. Parecia
muito pouco tempo, quando vim para cá, e agora parece muito tempo o que me resta
para ficar.
— Volte aqui. — Mateus levantou a mão, para puxá-la para si.
— Pare com isso!—Débora afastou-o, zangada.
— Acho que tenho alguns privilégios, sendo noivo. Meu Deus, só de pensar nisso
me sinto nervoso! — Deu um suspiro exagerado. — Sempre fugi do casamento. Tenho
alergia a qualquer tipo de prisão.
— E por que, diabos, foi fazer isso agora? Ficou louco?
— Perdi a razão. Não ia ser encurralado novamente pelo seu pessoal. — Colocou
a mão por dentro da blusa de Débora, fazendo-a estremecer ao contato de seus
dedos.
— Não faça isso!
Ela escorregou da cama e foi se olhar no espelho. Seu rosto estava molhado de
lágrimas, e o cabelo despenteado. Foi até o banheiro e trancou a porta. Quando saiu
recomposta de lá, Mateus continuava deitado na cama, com as mãos sob a cabeça.
Estava totalmente relaxado, com a gravata desfeita e o colarinho aberto.
Olhou-o, sem nenhum prazer.
— Não fique tão à vontade, você já está de saída.
— Eu, não — ele falou calmamente. — Há quanto tempo você é jornalista?
— Desde os dezoito anos.
— E está com vinte e sete. Nove anos, então.
— Posso entender por que você é o chefão de uma multinacional. Tem cabeça.
Queria feri-lo. Ele parecia tão à vontade, como se não tivesse nada mais a
preocupá-lo no mundo, e Débora sabia que a qualquer momento a imprensa começaria a
persegui-los. Mateus Tyrell era um homem muito rico, famoso mesmo, com muito
poder nas mãos. O noivado dele, principalmente com aquelas fotos, ia
despertar bastante interesse e curiosidade.
— Bonita, mas muito dura — ele comentou. — Não gosto disso nas mulheres.
Gosto que elas sejam femininas, pequenas e fascinantes.
— Teresa seria o seu ideal, então. Devia ter ficado noivo dela.
— Estou começando a achar que tem razão. Por outro lado, você é

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

completamente diferente. Jamais encontrei alguém como você e duvido que volte a
encontrar. — Antes que Débora pudesse perceber se aquilo era um elogio ou não, ele
acrescentou: — Mas, se encontrar, vou fugir como o diabo da cruz.
— Lá está a porta, comece a correr agora — ela sugeriu, esperançosa.
— Primeiro, vou me divertir.
— Sabe, tive a impressão de que você ia dizer isso. Mas não comigo, sr. Tyrell.
Não faz o meu gênero. Nunca me senti atraída por essa vida, sou apenas uma
trabalhadora. Então, vamos parar com a brincadeira e ser sérios, para variar.
— Não vamos, não — ele falou, levantando a mão num gesto de comando. —
Venha para perto de mim. Eu gosto de brincar.
— Acho que não sou uma jogadora entusiasta.
— Você apenas precisa de mais experiência. Uma chuva não faz uma
tempestade.
— O que quer dizer com isso?
— Só porque um homem a feriu, isso não quer dizer que tem que ignorar tudo
sobre sexo.
Débora foi até a janela e abriu-a. O ar lá fora tinha se tornado morno é
pesado. Fazia um típico dia de outono. Os raios do sol dançavam na água e o céu era de
um azul vivo.
— Não saia nessa varanda; arriscar-se dessa maneira não resolve.
— Eu gosto de me arriscar. Foi por isso que escolhi a reportagem
internacional... gosto de saber que estou correndo um leve risco, mas que o perigo é
passageiro. Tenho bastante senso de autopreservação para não querer ser morta. Sei
tomar conta de mim muito bem. Já tive um revólver apontado para mim no passado. Já
fui até ameaçada de rapto. Cheguei a me estranhar, naquela noite em que os rapazes
surgiram no meio da cerração. Normalmente, eu teria reagido de modo diferente...
aprendi um pouco de judô, tenho idéia de como me defender.
— Eu sabia que você era perigosa. Sinto-me grato por não ter quebrado a
minha perna, quando me deu aquele chute, ontem à noite.
— Eu poderia ter quebrado o seu braço.
— Por favor, não. Acho que não gostaria da sensação.
— É muito doloroso — ela concordou, sorrindo. — Na noite em que cheguei
aqui, e fui dar uma volta lá fora, estava num estado lastimável. Tinha parado de pensar
com clareza. Acho que estava apenas sentindo.
Mateus observava-a, atento, sem dizer uma palavra. Ela virou-se e olhou para o
canal.
— Foi por isso que gritei, quando aqueles meninos me assustaram. Todos os
meus reflexos me deixaram. Senti-me uma tola mais tarde.
— Você não foi tão forte como pensava que fosse?
— Foi horrível a maneira como eles agiram. Estavam silenciosos, mudos. Havia
uma intenção terrível em seus rostos, uma ameaça de violência que me assustou

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

realmente. Eles eram sinistros.


— Talvez devêssemos ter chamado a polícia.
— Não havia nada a dizer à polícia. Nem poderia ter descrito os rapazes. Eu
nem sequer olhei para eles direito, não fizeram nada demais. Iam fazer... isso posso
apostar... mas não tiveram tempo, graças a você.
— Fico contente por ter aparecido.
— Eu também. Nem posso lhe dizer quanto.
— Se você não fala sobre as coisas que a incomodam, elas tendem a crescer.
Principalmente, algo assim. — Fez uma pausa. — E coisas como um caso de amor
desfeito.
— Disso eu não gostaria de falar. — Virou-se, desviando o olhar para o céu.
— Mais uma razão para falar. A coisa a ser feita é tirá-lo da cabeça, e falar
sobre ele ajudaria.
— Não acho.
Débora sempre foi muito independente, para estar disposta a contar a história
de sua vida sem mais nem menos. No seu tipo de trabalho, tinha que ser independente.
Só podia depender de si mesma, quando estava longe de casa, numa situação
embaraçosa. Robert tinha quase minado essa sua autoconfiança. Ele a deixara
emocionalmente instável, incerta sobre si mesma e sobre a vida.
— Você brigou com ele?
— Robert não é o tipo de homem que briga. Ele simplesmente se livra de
qualquer coisa que o desagrade.
Ao dizer isso, tudo ficou bem mais claro em sua mente. Era exatamente assim
que ele era. Robert preferia aproveitar a vida superficialmente, sem se envolver
demais com ela. Fugia da responsabilidade, principalmente em relação às outras
pessoas, e o amor é uma responsabilidade. Somos sempre responsáveis pela felicidade
daqueles que amamos. Além disso, amar é uma dádiva, e Robert não tinha a capacidade
de se dar a ninguém.
— E ele se livrou de você?
— Pode-se dizer que sim. Eu me apaixonei, ele ficou assustado e deu o fora. —
Olhou-o, com desafio. — Contente? Já contei o suficiente.
Os olhos de Mateus demonstravam ternura.
— Sinto muito.
— Eu também. Não gosto de me sentir como uma tola.
— Já tinha notado. Você é muito orgulhosa, e isso não é bom. Excesso de
orgulho impede que a gente conheça as melhores coisas da vida.
— Você devia ser editor — ela falou, maliciosa. — Tem sempre uma frase feita
na ponta da língua.
— Falando de editores, você falou com o seu sobre mim, hoje?
— Oh, falei com ele... quando ele parou de rir e me ouviu. Tinha ouvido falar
das fotos, e acho que não conseguia esperar para vê-las. Provavelmente, vou achá-las

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

presas no quadro de avisos, quando voltar para a redação. Serei a piada do dia!
— Eles não sabiam o que você tinha planejado? Ou bolou tudo sozinha?
Exasperada, ela disse:
— Não planejei absolutamente nada. Continuo a repetir, mas você não quer
ouvir. Sou tão vítima quanto você... e mais, se quiser saber. Você merece ser
perseguido pelos paparazzi, mas eu não.
Mateus fitou-a, inexpressivo. Era impossível dizer se acreditava ou não.
— E eu não vou alimentar essa história de noivado também — Débora falou,
esperando convencê-lo. — Você não parece perceber que efeito isso teria na minha
vida. Eu seria caçada pelos meus próprios colegas! — Pensou em Rodney correndo atrás
dela e inventando uma de suas histórias. — Ficar sua noiva me tornaria notícia —
continuou —, e isso eu não quero!
Há alguns minutos, ouviam um barulho crescente fora do hotel. Débora já tinha
notado, mas agora estava se tornando uma barulheira infernal. Parecia até uma briga.
Naturalmente, não podia ser. Com certeza, um ônibus lotado de hóspedes novos tinha
chegado do aeroporto. Ouviu os gritos e argumentos, o som de passos, e alguém
batendo numa porta.
O telefone tocou e ela atendeu. Houve uma explosão de italiano em seu ouvido.
— Sinto muito, não entendo. Pode falar em inglês? Mateus rolou sobre a cama
e arrancou o fone da mão dela.
— Você se importa? — ela perguntou, tentando pegar o fone novamente. —
Esse é o meu quarto!
Ele estava ouvindo e respondendo para quem quer que fosse em italiano
fluente. Mantinha Débora afastada com a outra mão, sem nenhuma dificuldade. Seu
rosto ficou sombrio, e as sobrancelhas, franzidas, acentuaram o verde dos olhos.
Recolocou o fone e dirigiu-lhe um olhar frio e direto.
— Receio que seja muito tarde para mudar de idéia. Os cachorros da imprensa
estão latindo lá embaixo. Querem que a gente desça para falar com eles, e o gerente
do hotel insiste que façamos isso. Não irão embora sem conseguir uma declaração
nossa e fotos. Ele quer se livrar deles. Estão bloqueando a entrada.

CAPÍTULO VI

Débora nunca tinha estado do outro lado da notícia e sentiu-se como um cão de
caça, subitamente perseguido pela própria matilha. Tinha levado mais ou menos uns
quinze minutos para que Mateus a convencesse a descer com ele, e foi apenas a
aparição histérica do gerente que a fez tomar a decisão. O homem agitava os braços,

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

implorava, ameaçava quase chorando.


Os paparazzi estavam invadindo o lugar até pela cozinha e pelas janelas,
impedindo os hóspedes de sair. Ele queria vê-los pelas costas. Queria de volta a calma
e discrição de seu hotel. Tudo aquilo foi dito em italiano. Parecia ter esquecido o
inglês; apenas sua própria língua seria capaz de transmitir seu desespero.
Débora tinha entendido uma palavra entre dez, mas compreendeu
perfeitamente sua angústia e desaprovação. Aquele era um hotel respeitável, os
hóspedes não gostavam do que estava acontecendo. Naquela época, fora da estação,
poderiam se mudar para qualquer outro hotel, e o homem fez com que ela e Mateus se
sentissem como se o estivessem traindo.
Débora acabou cedendo, relutante. Enfrentar seus colegas era uma tarefa das
mais difíceis. Gostaria de saber manter-se firme.
Não os conhecia, era verdade, mas quantas vezes tinha sido parte daquele
grupo, sem ao menos considerar o que provocava nas pessoas que estavam no seu lugar
agora?
Havia alguns paparazzi com as máquinas a postos e gritando em italiano: Bacci,
signor Tyrell. Mãos ansiosas agarravam os dois, tentando fazer com que se
abraçassem para as fotos. Outros eram de jornais ingleses ou americanos, e ela
entendia tudo que diziam... e preferia não ter entendido.
Apesar do pedido para beijá-la, Mateus ficou impassível diante dos paparazzi.
Escolheu as perguntas que queria responder, fingindo não ouvir as indesejáveis. Ela o
viu sob um ângulo diferente, enquanto o observava, silenciosa, corada e irada.
No pouco tempo que se conheciam, ele tinha dado a impressão de ser
introvertido e arredio. Mas o homem que estava a seu lado agora era o cabeça de uma
multinacional e sua personalidade tinha se transformado. Sua voz era fria e impessoal.
Seu rosto tinha uma expressão astuta.
Ouvindo-o esquivar-se friamente das perguntas, protegendo-se sem se alterar,
com respostas cuidadosas e claras, ela pôde ver que Mateus era um verdadeiro bloco
de gelo. Sem perceber, tinha se perguntado que tipo de homem de negócios ele seria.
Até então, só conhecia seu humor instável, o charme e a facilidade que tinha para
falar, o jeito de rir para as pessoas sem se tornar vulgar. Era obrigada a reconhecer
agora que ele era mais impressionante do que imaginava. Possuía uma autoridade inata.
Não permitia que ninguém o forçasse ou apressasse e não parecia perder a calma e o
humor.
— Deixe tudo comigo — ele tinha dito antes, e Débora fez exatamente isso.
Recusou-se a dizer uma palavra. Deixou que Mateus se encarregasse de toda a
entrevista.
Algumas perguntas eram muito íntimas e reveladoras.
— Sua amizade com Leila Montrey acabou, sr. Tyrell? — um americano
perguntou. — Ela sabe sobre a srta. Linton?
Essa Mateus preferiu ignorar. Débora não olhou para ele, mas sentiu-se corar.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Aquele nome não lhe dizia nada, mas não havia dúvida sobre quem era a tal Leila. Não
havia lhe ocorrido que tudo aquilo também podia embaraçá-lo. Tinha uma vaga
lembrança de sua vida amorosa por causa das investigações do Probe, alguns anos
atrás, só que não estava interessada no assunto... até agora. Na época, a única coisa
que a preocupava eram as pesquisas que a empresa dele fazia. Não conhecia Mateus e
nunca o tinha visto até então.
Rodney, naturalmente, invejava Mateus.
— Que vida a desse homem! Gostaria de ter o seu poder!
Rodney acreditava piamente que todas as mulheres ficavam impressionadas
com o dinheiro. Costumava dirigir carros velozes porque imaginava que aumentaria o
desejo delas por ele. Gastava fortunas em seus encontros e sempre esperava
retribuição por isso. Rodney era um bocado materialista. Qualquer garota que saísse
com ele sabia o que queria em troca da comida e do vinho excelente que lhe pagava. Se
ela não correspondesse depois das despesas, ele riscava seu nome da lista.
Débora agora se perguntava se era assim também que Mateus Tyrell agia. Ele
não precisava ser tão cruamente óbvio, ou insistente.
Um homem com aquele passado não precisava caçar: estaria muito ocupado
fugindo.
— Há quanto tempo vocês se conhecem? — alguém gritou. Mateus respondeu:
— Há bastante tempo. O suficiente. — E todos riram.
Alguns deles olhavam para Débora de uma maneira que ela considerava
insultosa. Tinha vontade de esmurrá-los, e Mateus notou, pois deu-lhe um olhar
demorado e divertido. Ele a conhecia o suficiente agora para saber o que tinha em
mente.
— Onde vocês se encontraram? — Quando é o casamento?
Mateus livrou-se dessas também, mas começava a se impacientar. Recebera
perguntas mais pessoais e insolentes sem sombra de raiva; agora, no entanto, sua
expressão estava mais dura e gelada.
Finalmente, dispensou os repórteres.
— Isso é tudo, senhores.
Passou o braço em volta dos ombros de Débora e, apesar das tentativas
excitadas por mais fotos e mais perguntas, ele conseguiu levá-la de volta para dentro
do hotel. O porteiro fechou as portas na cara da imprensa, que gritava
desesperadamente através do vidro para entrar. Convencidos de que nada mais
adiantava, eles correram para os telefones ou para revelar suas fotos.
— Uma profissão encantadora você tem — Mateus comentou, dando-lhe um
sorriso irônico. — Mentes de rato numa ratoeira. Eles seguem uma pista, sem saber
para onde vão.
— Oh, eles sabem. Você não percebe que existe um editor sentado na
redação, esperando por eles, e que, se não trouxerem a história correta, serão
demitidos?

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Isso seria uma grande coisa para a maioria.


— Você não está sendo coerente — ela falou, com veemência, defendendo os
colegas, apesar da raiva que tinha sentido pouco antes.
Ele deu-lhe mais um daqueles seus olhares irônicos.
— Sabe que eu tive a nítida impressão de que você também não estava caindo
de amores por eles?
Ela devolveu o olhar. Era muito esperto!
— Naturalmente, você não vai admitir tal coisa — Mateus insistiu.
— Você só os vê do seu lado da cerca.
— E, desse lado, o aspecto é tétrico, devo admitir.
— Eles também são humanos.
— Eu precisaria ter mais provas disso. — Olhou para ela demoradamente. —
Começando com você mesma, talvez.
Antes que ela pudesse perguntar o que queria dizer com aquilo, ele foi até
onde o gerente e o porteiro estavam, fazendo uma pequena conferência em italiano,
com gestos nervosos e vozes altas.
Mateus conversou rapidamente com o gerente. Débora não conseguiu perceber
o que dizia, mas, se era o que estava pensando, ela lhe quebraria o braço. Se ele
achava que começaria um caso com ela, só pelo fato de o destino os ter reunido
daquela maneira, estava muito enganado.
Ela lhe mostraria como era humana, se tivesse a audácia de tentar algum de
seus truques sedutores!
Ele voltou e levou-a até o elevador. Do hall, o porteiro e o gerente olhavam
para os dois, com desaprovação. Débora podia perceber o que pensavam. Da maneira
como a olhavam, sabia exatamente a opinião que faziam sobre ela, e sentiu-se à beira
das lágrimas.
— Vá arrumar suas coisas: vamos sair daqui, antes que os paparazzi voltem. E
eles vão voltar, quando as máquinas estiverem recarregadas.
— Vou pegar o primeiro avião para Londres — Débora avisou.
Isso tinha lhe ocorrido enquanto ouvia as perguntas da imprensa, lá embaixo. A
coisa mais sensata que tinham a fazer era desaparecer em direções opostas... um alvo
dividido é mais difícil de ser atingido. Conhecia sua profissão: não havia nada mais
morto, mais monótono, do que as notícias de ontem. Logo deixariam de ser do
interesse dos jornais. Tudo que precisavam era esperar por alguns dias. Sabia o que
enfrentaria, quando voltasse à redação: os colegas começariam a debochar, assim que
a vissem. Mas a coisa mais importante no momento era afastar-se das manchetes.
Mateus nem pestanejou quando ela falou, confiante, em voltar para Londres. Débora
ficou aliviada por ele não ter argumentado. Sentia, no entanto, que ele não a deixaria
ir; só não podia imaginar o que faria para impedir. E por que segurá-la? Era tudo tão
estúpido! Se ele não quisesse ser notícia, teria deixado o assunto morrer com as fotos
dos paparazzi. Em vez disso, alimentou a curiosidade da imprensa, dando-lhe um novo

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ângulo para explorar. Bem, pelo menos o noivado deles fez com que tudo parecesse
muito mais romântico e respeitável.
Quando o elevador parou no seu andar, com um solavanco, ele abriu a grade e
ficou olhando calmamente para ela.
— Arrumei uma saída por trás, para nós. Há um portão lateral. Com sorte,
vamos escapar dos paparazzi.
— Nada foge à atenção deles. Principalmente portões laterais e saídas por
trás... acredite.
— Oh, eu acredito.
— Aposto que acredita mesmo.
Com uma pequena careta, Mateus disse:
— De qualquer maneira, vamos tentar nossa sorte dessa maneira.
— Veja se consegue uma de suas amiguinhas para fazer um strip-tease para
eles — Débora sugeriu. — É o único jeito de esquecerem de nós.
— Excelente idéia. — Ficou sério, de repente. — Vá ao meu quarto quando
acabar de arrumar suas coisas. O gerente já deve ter providenciado tudo para a nossa
fuga. Vejo você no hall, dentro de meia hora.
Débora tinha apenas acabado de fazer as malas, quando Andréa ligou. A
chamada internacional estava péssima, chiando e barulhenta, tornando-se difícil ouvir,
apesar de a outra gritar. Mas Débora não precisava entender as palavras: podia
adivinhar pela entonação.
— Andréa, não posso falar agora.
— Grite, grite!
— Telefono amanhã — ela gritou, e ouviu um barulho muito forte do outro lado.
A irmã tentou responder, mas Débora se despediu rapidamente e desligou. Não se
sentia em condições de enfrentar Andréa no momento, mesmo a distância.
Devia imaginar que, cedo ou tarde, a irmã saberia de tudo. Olhando-se no
espelho, pensou que talvez o Probe estivesse investigando também. Hal não teria
escrúpulos em usar sua própria equipe contra ela. Uma história era uma história e, da
maneira como aquela estava se desenrolando, não podia culpá-lo. Em seu lugar, ela
agiria da mesma forma. Hal pensaria que, se não publicasse a história, mais alguém o
faria. Naquele caso, não havia dúvida sobre isso. Ela não era de nenhum interesse para
os leitores, mas Mateus Tyrell certamente era: tudo o que ele fazia sempre atraía
atenções. O Probe não se atreveria a perder uma matéria, só porque Débora estava
envolvida. Mais ainda: talvez até tentassem convencê-la a dar-lhes uma entrevista
exclusiva.
O porteiro chegou com uma expressão polida e educada, e ela o seguiu,
resignada. Era uma experiência interessante ser rotulada de mulher fatal, mas não
estava se divertindo muito com o fato.
Mateus esperava por ela.
— Suas malas serão mandadas depois — avisou. — Vamos ter que passar por

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ruas estreitas e talvez correr, e as malas só atrapalhariam.


— Você já preparou tudo, hein?
— Eles esperam que a gente vá pela margem. Pedi uma gôndola. Isso vai mantê-
los lá.
Débora não estava convencida.
— Eles vão colocar alguém nos fundos do prédio... eu o faria. Sempre cobrem
todas as saídas.
— Pensei nisso — Mateus respondeu, divertido.
Ela não perguntou o que ele pretendia; achou que preferia ignorar. Descobriria,
de qualquer maneira. Quando foram até os fundos do hotel, viu um jovem de camisa
azul, espiando ansioso. Tinha todo o jeito de repórter. Antes que pudesse prevenir os
colegas, dois homens de mangas de camisa arregaçadas pularam sobre ele,
imobilizando-o e impedindo que fizesse qualquer outra coisa, a não ser gritar.
— Corra! — Mateus mandou.
Agarrou a mão de Débora e começaram a correr pela alameda estreita e
sombria que dava atrás do hotel, protegidos pelos paredões altos e escuros. As
pessoas olhavam, indiferentes, quando passavam por elas. Veneza é um emaranhado de
alamedas. Atravessaram pontes estreitas e repletas de gente. Mateus parecia
conhecer muito bem o caminho, mas Débora estava perdida em pouco tempo.
— Podemos diminuir o passo? Minhas pernas não agüentam mais.
— Você não parece estar em muito boa forma. Arfando, ela encostou-se numa
parede de pedra.
— Mais um minuto, e vou ser um caso de hospital!
A respiração dele estava quase normal, e ficou ao lado de Débora, tentando
ouvir os passos de seus perseguidores, mas não havia nenhum ruído.
— Acho que os despistamos.
— Graças a Deus, pelo menos por isso! Acho que não vão pensar em vigiar o
aeroporto.
— É claro que vão, mas podem vigiá-lo até ficarem roxos de frio. Nós não
vamos para lá.
— Eu vou.
— Não vai, não. Tenho um carro esperando por nós, a dois minutos daqui.
— Vou para casa — Débora insistiu, sentindo os dedos de Mateus em seu
braço, puxando-a. — Volto para Londres hoje mesmo.
Mateus empurrou-a para frente, com força, sem se importar em argumentar.
— Eu vou — Débora repetiu, com veemência. Não estava gostando do fato de
ele não ter respondido. Parecia muito distante e frio. — Quero ir para o aeroporto —
ela disse, enquanto Mateus a fazia entrar no carro, um pouco depois.
O motorista deu partida, e o carro deslizou suavemente. As janelas eram de
vidro fume, e Débora se perguntava se não seriam também à prova de balas, Talvez
comprado de algum chefão da Máfia. Era luxuoso e discretamente elegante; o tipo de

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carro para alguém como Mateus Tyrell, concluiu, olhando-o com uma irritação
crescente.
— Quero ir para o aeroporto — tentou novamente.
— Mude o disco. Você já expôs seu ponto de vista e eu já lhe expliquei por que
não pode pegar um avião agora para Londres.
— Para onde está me levando? Não tem o direito de fazer isso, sr. Tyrell. Pare
já esse carro e deixe-me descer. — Tentou alcançar a maçaneta.
— Está trancada e é automática — Mateus informou gentilmente. Débora
começou a xingá-lo.
— Quando fica furiosa, aparecem uns pontos vermelhos no fundo de seus olhos
— Mateus falou, muito calmo. — Eu tinha um rato de estimação quando menino que
fazia assim.
Débora respirou fundo, com as mãos crispadas.
— Não me bata. Preciso dos dois braços — Mateus zombou.
Antes que ela pudesse empurrá-lo ou protestar, ele demonstrou de maneira
muito prática o que dizia, abraçando-a com força. O motorista olhou-os pelo
retrovisor, rindo.
Com a mão livre, ele levantou o queixo de Débora e acariciou seu rosto. Ela o
encarou, indignada, antes que a boca de Mateus cobrisse seus lábios.
Ele se divertiu com suas tentativas de se libertar. Débora sentia-se dividida
entre o ódio e o tremor emocionado e involuntário que aqueles lábios cálidos
provocavam. Talvez esquecesse a raiva, se Mateus não risse dela. Ainda estava
sensível por ele ter descoberto seu caso com Robert. Nenhum homem tinha rido dela
daquele jeito, e achou que estava fazendo pouco por ter sido abandonada pelo outro. O
pensamento deixou-a furiosa. Tentou chutá-lo, mas encontrou a resistência do joelho
de Mateus que a escorava sobre o banco. Era uma luta indigna e inútil, que terminou
finalmente quando ele perdeu o bom humor.
A mão que segurava o queixo de Débora passou a apertar feito uma chave
inglesa, e então Mateus começou a beijá-la, sem nenhuma piedade. Durante algum
tempo, ela resistiu. Depois... Não entendia o que estava se passando: toda a
resistência deu lugar a uma entrega total. Sua pele parecia queimar e corresponder
aos beijos violentos com sofreguidão. Quando Débora percebeu, estava acariciando
aquele cabelo claro e grosso, atraindo-o para si.
Mateus largou-a e recuou. Foi um gesto tão brusco e inesperado que Débora
sentiu como se a tivesse esbofeteado. Abriu os olhos, envergonhada.
Ele estava completamente diferente. Havia um lampejo estranho em seu olhar.
Débora não teve nenhuma dificuldade para reconhecer aquela expressão: excitação,
triunfo, autoconfiança... tudo estava ali, bem claro para que ela lesse.
Mateus Tyrell era um homem perigoso. Qualquer homem que podia esconder
violência e determinação sob uma fachada de indiferença era perigoso.
Sua fraqueza, ela pensou, é o caráter. Era a única falha na fachada. Tinha duas

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caras: uma muito fria, para o público, e outra charmosa, para as mulheres. Devia ter
um monte de amigas, mas também ser respeitado e até temido pelos homens.
Principalmente, os que trabalhavam com ele.
Olhou-o com raiva, e gritou:
— Não gosto de ser agarrada, sr. Tyrell!
— Sou seu noivo, lembra?
— Gostaria que parasse de dizer isso. Não é verdade, e quero que deixe toda
essa história ridícula cair no esquecimento.
— No tempo certo — murmurou, recostando-se no assento, com as pernas
esticadas para frente, sorridente.
― Devo ter ficado louca, para me deixar levar até esse ponto.
— Sou muito perseverante — Mateus comentou, ainda sorrindo, e ela não
gostou de seu jeito.
— Só não comece a ter idéias, sr. Tyrell!
— Muito tarde; já estou com elas. Sempre fui fascinado por louras de grandes
olhos castanhos, principalmente quando têm o corpo que você tem. Realmente, devia
ter sido modelo: tem um andar bastante sedutor.
Débora ficou corada novamente e respondeu, furiosa:
— Pode esquecer essas idéias, não estou interessada.
— Tanto melhor. Nunca tive experiência de caçar animais selvagens.
— Você está me deixando furiosa, sr. Tyrell.
— Estou vendo. Gosto das fagulhas no seu olhar, quando fica
enraivecida. Não posso nem esperar para senti-la derreter nos meus braços.
Débora respirou fundo. Contou até dez, antes, de responder, com calma
fingida:
— Entendo. Então, é isso que vou fazer, não é? Que amável por ter me avisado!
Gosto de ter uma idéia do que vai dentro da cabeça de um homem, quando ele me
agarra como se eu fosse uma boneca numa loja de brinquedos.
Os olhos de Mateus brilhavam, divertidos.
— Quer dizer que não sabia? Então, já é hora de descobrir. Está perdendo
tempo.
— Não, no meu ponto de vista.
Como ele ousava? Que topete tinham os homens!
— Para onde vamos? — ela perguntou, olhando para os vinhedos por onde
passavam.
— Um amigo tem uma vila nos Dolomitas. Ele me emprestou por uns dois dias.
— Oh, não! Você não quer dizer... Não vou passar dois dias com você numa vila
que fica sei lá onde. Portanto, pode esquecer o assunto.
— Aqui é Trevira. Bassano está a meia hora daqui e a vila fica a poucos
quilômetros de Bassano.
— Não estou precisando de uma aula de geografia. Só quero voltar para

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Veneza para pegar um avião para Londres.


— A paisagem lá é fantástica.
— Acredito. Mas me leve de volta para Veneza!
— Não seja cansativa. — Mateus endireitou-se no assento. — Estou morto de
sono. Vou tirar uma soneca. Acorde-me, quando chegarmos à vila.
Ela não acreditava que ele estivesse falando sério, até descobrir que tinha
mesmo adormecido profundamente. Não era fingimento; seu rosto estava totalmente
relaxado. Observou-o, incrédula. Como é que podia fazer uma coisa dessas? Apesar de
estar acostumada a dormir a qualquer hora do dia ou da noite, sempre levava algum
tempo para pegar no sono durante o dia, e, mesmo assim, precisava de um quarto
escuro para conseguir. Não entendia alguém adormecer daquele jeito, dentro de um
carro, em plena luz do dia.
Não teve coragem de acordar Mateus. Durante alguns momentos, observou-o,
analisando cada linha de seu rosto e descobrindo que, embora o conhecesse há tão
pouco tempo, sabia de cor cada traço. Tentou ler sua expressão, sem conseguir.
Mesmo dormindo, ele sabia defender sua intimidade,
O carro disparava em direção aos Dolomitas. Subiam uma colina margeada de
pinheiros que se recortavam contra o céu. O ar tornou-se mais frio e rarefeito.
Pegaram uma estrada que circundava os pinheiros. Havia poucas casas entre as
árvores, com paredes rachadas e maltratadas. Pareciam estar lá há centenas de anos,
incrustadas nas encostas rochosas dos morros, como se estivessem prestes a
escorregar até o vale. Algumas galinhas ciscavam por entre oliveiras e ciprestes que
cresciam ao redor das casas.
Havia algo de incoerente na encosta. Parecia provisória e, ao mesmo tempo,
como se a vida toda tivesse estado do mesmo jeito. A natureza era rica, luxuriante
até, e as casas, pobres e decadentes.
Quando o carro passou por um portão aberto, Débora endireitou-se. Não disse
nada, mas Mateus acordou, esticando-se.
— Gostaria de saber como conseguiu. Bem que eu queria dormir um pouco
também, mas não sou capaz de apagar feito você.
— Deveria aprender. É muito útil. — Mateus olhou pela janela, enquanto
paravam junto de um gramado.
— Chegamos, imagino — Débora falou.
— Parece.
Viram a casinha por entre uma fila de oliveiras. Branca e pequena, estava
aninhada na encosta. Não era muito grande. Três ou quatro quartos, no máximo, ela
imaginou. Talvez tivesse sido uma fazenda.
— Não vou ficar aqui sozinha com você! — ela disse, numa explosão raivosa.
Mateus olhava pela janela do carro.
— Não parece que vamos ficar sozinhos.
Débora seguiu-lhe o olhar e fez uma careta: Teresa Scalatio estava de pé na

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varanda comprida, na frente da casa.

CAPÍTULO VII

Não havia nenhuma dúvida na atitude de Teresa, quando saíram do carro.


Correu até Mateus com uma expressão dramática, e começou a falar, excitada, em
italiano. Seus olhos escuros fixaram-se em Débora, com ódio, antes de se virar para
Mateus. Ele afastou-a, como se ela fosse uma criança difícil, segurando-a pelos
ombros.
— Comporte-se! Você sabe que Débora não entende a sua língua. E o que está
fazendo aqui?
— Papai me disse que tinha emprestado a vila. Matt, como é que pôde? Quando
vi aquelas fotos, não parei de chorar. Ela é sua amante. Não acreditava, até ver as
fotos. — Seu inglês, como o do pai, tinha um sotaque bem forte, mas era correto. —
Odeio você! — disse, com ênfase, fuzilando-o com aqueles olhos enormes e tornando
bem claro que nada do que dizia era verdade.
— Seu pai não tinha que ter contado nada.— Mateus olhou para ela, com
indulgência. — Foi você que avisou os paparazzi, imagino. Não foi uma coisa muito
bonita.
A garota corou violentamente, mordendo o lábio.
— Eu...
— Não minta — Mateus ordenou, seco.
Teresa olhou para ele com os olhos apertados e depois apontou para Débora.
— Com certeza foi ela. Os jornais dizem que é repórter.
— Você precisa levar uma surra — Mateus falou. — E sou a pessoa indicada
para lhe dar uma se continuar mentindo desse jeito. E uma menina muito má.
— Menina? Não sou uma menina. Sou uma mulher. Você se recusa a aceitar
isso, mas as outras pessoas não são tão tolas e percebem.
— Garotinha sem-vergonha!
Havia aquele ar divertido em seu rosto novamente. Débora podia notar que, por
mais que ele evitasse, achava Teresa charmosa; principalmente, naquela tarde. Usava
um suéter vermelho e uma saia godê branca de lã. Quando se moveu, para afastar-se
dele, a saia revelou suas pernas elegantes.
— Como é que você conheceu os paparazzi? Por segundos, ela hesitou. Depois,
deu de ombros.
— Gianni tirou umas fotos minhas no verão passado. Saímos algumas vezes.
— Seu pai sabe disso? Ela não respondeu.
— Penso que não — ele acrescentou. — Acho que não ia gostar, não é?

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— Gianni não acha que sou uma menininha.


— Então, fique com ele — Mateus disse, sem piedade. Teresa bateu o pé.
— Oh, Gianni está certo: você é um filho da mãe! Imperturbável Mateus
respondeu:
— Gianni está absolutamente certo: eu sou, mesmo. Então, volte para Veneza e
não me deixe ver você aqui novamente, ou posso ficar tentado a lhe dar a surra que
seu pai devia ter dado há muito tempo.
— Você não se atreveria! — Meio raivosa meio excitada, ela o provocou com
aqueles olhos escuros.
Mateus deu um passo à frente e Teresa recuou imediatamente pela escada.
— Filho da mãe, filho da mãe!
Mateus correu para alcançá-la e ela fugiu feito uma gazela por entre as
oliveiras.
— Como é que ela vai voltar para Veneza? — Débora perguntou, preocupada.
— Ela veio até aqui — Mateus falou, com indiferença. — Pode muito bem voltar.
Débora olhou-o, com desprezo.
— Ela está certa... e Gianni também. Você é um filho da mãe! — O sorriso tinha
voltado aos olhos de Mateus.
— Sou realista. Sugiro que você experimente uma vez.
Abriu a porta da casa, e Débora seguiu-o pelo hall. Olhou ao redor, com
curiosidade. O chão era de cerâmica azul e branca, refletindo a luz que vinha pela
porta aberta. As paredes brancas estavam cobertas quadros e esboços a carvão, com
paisagens marinhas.
De repente ouviu o barulho do motor do carro lá fora. Ele foi embora!, pensou.
Correu até a varanda, acenando. O motorista não olhou para trás. Débora viu o
automóvel desaparecer e sentiu-se prestes a chorar.
Voltou para dentro, chamando por Mateus.
— Onde é que você está? Para onde é que o carro foi? Não vou ficar aqui com
você!
Olhou dentro do quarto mais próximo. Estava vazio. Reparou na mobília de
junco e achou que ficaria melhor num bangalô de praia.
— Onde você está? — tornou a chamar, saindo de lá. Mateus apareceu na outra
porta.
— Você pode ficar com esse quarto.
Débora foi até ele e olhou para a cama arrumada com lençóis estampados e
cobertores grossos.
— É o que você pensa. Vou voltar para Veneza.
— Não, com esses sapatos. Não foram feitos para andar. — Segurou a porta
aberta e, com a mão na maçaneta, mostrou. — Uma fechadura, está vendo? Você pode
se trancar aqui e sentir-se segura quando quiser.
— Por que você é tão teimoso?

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— Não sou teimoso. Apenas acho que o meu jeito de fazer as coisas é o
correto. Há uma grande diferença.
— Para mim, parece teimosia pura.
— Isso também. Meu quarto, você vai gostar de saber, é do outro lado do hall.
— Ótimo. Fique nele.
— Depende de você. Débora olhou para seu rosto zombeteiro e sentiu o
coração bater acelerado. O que será que queria dizer com aquilo? Será que achava que
ia convidá-lo? Sim, era isso que achava. Pois podia continuar achando!
— Estou faminta. Há alguma comida por aqui?
— Por que acha que não?
— Onde está, então?
— Onde é que geralmente se encontra comida? — Olhou para ela, irritado. —
Tente na cozinha!
— Quem vai cozinhar?
— Bem, não sou eu. Você está com fome; Então, faça você. Débora foi até a
cozinha. Achou-a grande, espaçosa, ensolarada e muito bem equipada. Pensou em qual
seria a utilidade daquela vila. Será que os Scalatio iam lá com freqüência? Muito
dinheiro tinha sido gasto para transformar aquele lugar isolado num lar luxuoso,
apesar de aparentemente desabitado e sem calor. Provavelmente, conservavam a casa
para as férias.
Que desperdício!, pensou, abrindo o freezer que ocupava um bom espaço numa
das paredes.
Não tinha tempo para esperar pelo cozimento da carne; então, escolheu uma
comida congelada que poderia ser assada imediatamente. O fogão era elétrico.
Passados cinco minutos, um cheirinho gostoso tomava conta da cozinha.
Mateus chegou quinze minutos depois, quando ela chamou.
— Meu Deus, você trabalha rápido! — comentou, observando a mesa.
— Sente-se para comer enquanto está quente.
Estava corada pelo calor do fogão, mas também era devido ao crescente
nervosismo de estar sozinha naquele lugar com Mateus.
Sentaram-se um em frente ao outro, na enorme mesa de carvalho da cozinha.
— Não é a espécie de comida refinada a que está habituado, mas foi a melhor
que pude fazer nas circunstâncias.
— Cheira muito bem — ele falou, começando a Comer. — Scalatio me disse que
tinha vinho na adega, mas vamos deixar para mais tarde.
— Vamos deixar para sempre.
— Você tem medo de que isso leve a uma cena de sedução?
— Não comigo...
— E muito otimista. Seu rubor aumentou.
— Se você acha que...
— Sim, e daí? — Ele ria, olhando para ela.

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— Não, na sua vida — falou, com firmeza.


— Estamos aqui por apenas dois dias e temos que achar algo para passar o
tempo. Não conheço nada mais agradável para preencher o tempo, você conhece?
— Há muito mais na vida do que pular de cama em cama — Débora falou, com
escárnio.
— Eu sabia... você é reprimida.
— Não sou! Não venha com suas teorias idiotas pra cima de mim. Eu tinha
dezessete anos, quando ouvi isso pela primeira vez. Os homens sempre tentam
convencer uma garota de que, se ela não for para a cama com eles, é porque é
reprimida ou recalcada. Não conseguem perceber que o sexo para a mulher é uma
manifestação de amor, e não de apetite.
— Não considero o sexo um apetite.
— Não? — Ela sorria, incrédula.
— Não. Um jogo, talvez. Um jogo muito agradável para os dois.
— Oh, isso é apenas uma pequena variação sobre o mesmo tema. O amor não é
apetite nem jogo. E bem mais sério do que os dois. —Levantou-se, com raiva, e disse:
— Fique com as mãos longe de mim enquanto estivermos aqui, ou perco a paciência, sr.
Tyrell!
Foi até a varanda, em silêncio, e ele a seguiu com o olhar. Débora| olhou em
volta, com desespero. O sol fresco do outono brilhava e o vento assobiava nas
oliveiras.
Robert também achava que o amor era um jogo e, quando percebeu que ela
tinha levado o jogo a sério, escapou. Pensando em todos aqueles anos de jornalismo,
nem podia se lembrar quantas vezes os homens quiseram levá-la para a cama com uma
ou outra desculpa, sempre alegando que o sexo era uma parte da vida.
Às vezes, ela até queria se convencer disso, mas o amor era muito importante
para ser tratado daquela maneira. Era a força que criava a própria vida, e usá-lo
levianamente seria loucura.
Invejava a irmã, que estava completamente dedicada à própria vida e que, à
menor reclamação, conseguia o que queria. O marido e as crianças a amavam e
precisavam dela. A maioria das pessoas vivia descontente, desejando sempre alcançar
o que não tinha. Mas Andréa era diferente: para ela, seu mundinho era perfeito e
completo.
Débora desceu os degraus do terraço e caminhou pelo chão de pedra,
procurando a sombra das árvores.
Tinha pensado uma vez que a carreira lhe daria tudo o que queria, mas Robert
provara que estava se enganando. Não em o homem que imaginava que fosse, e agora
via que tinha amado alguém que não existia. Robert havia sido uma ilusão, mas deixara
um vazio em sua vida.
Sou tola completa, disse a si mesma. Só uma perfeita idiota ficaria apaixonada
por alguém que não existia. Se Robert a havia ferido, talvez ela estivesse pedindo por

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

isso. Jogou-se inteira naquele amor, sem saber onde a levaria. Tinha o hábito de se
apressar. Amara Robert, porque achava que nunca mais saberia como era amar e ser
amada. No entanto, as mulheres têm uma intuição muito profunda sobre o amor. Ele é
o segredo da vida, e as mulheres nascem sabendo disso.
Se Robert não passara de ilusão, então aquela dor não era de coração partido,
e sim de orgulho ferido, uma coisa bem diferente. Apenas tinha ficado humilhada, ao
perceber que amara o homem errado. Que havia sido feita de boba. Ela própria criou o
homem que dizia amar. Estava apaixonada pelo amor, e não por Robert.
Uma pedrinha caiu perto dela, fazendo-a estremecer. Mateus tinha se
aproximado, sem que notasse. Olhou-a, calmamente, com uma das mãos apoiadas na
árvore. Seu corpo todo era um arco elegante; a linha do peito, da cintura, do quadril...
— Eu me desculpo. Mereci aquele sermão. Considere-me devidamente castrado.
Por alguma razão, isso fez com que ela se sentisse pior. Virou-se, tentando
abafar um soluço.
— Não... — Mateus disse, aproximando-se mais.
Débora precisava chorar. Seus sentimentos estavam todos confusos;
precisavam se liberar através das lágrimas.
— Oh, inferno! — ele falou, puxando-a contra o peito. — Lágrimas de novo, não!
Já lhe disse que não consigo ver mulheres chorarem.
— Não as faça chorar, então... — ela soluçou. Sentia-se tão protegida dentro
daqueles braços musculosos! E tão frágil, quando ele acariciava seus cabelos!
— Sou um cachorro. Vamos, diga!
— Você é um cachorro — Débora murmurou.
— Você me leva muito ao pé da letra...
— Não quero isso, em absoluto.
Sentia-se mais forte, agora. Ele parecia transmitir-lhe sua força e confiança.
Dava-lhe mais vida. Levantou a cabeça e tentou afastar-se.
— Fique aí. Gosto quando você se apóia em mim. Você é uma mistura de
profissional independente e garotinha assustada. Nunca sei se vai cair em cima de mim
como a mulher-maravilha ou se desmanchar em lágrimas.
Débora não pôde deixar de rir.
— Isso faz parte do meu charme.
— Fico contente que concordamos em alguma coisa.
Tirou um lenço do bolso e começou a enxugar o rosto de Débora. Ela deixou-o
fazer isso, com prazer. Quando ele terminou, beijou-lhe o nariz.
— Perdoado?
— Tenho a sua palavra de que não vai mais falar daquele jeito comigo?
— Tenho que jurar? Concordo, mas será que não pode tentar ver a coisa do
meu ponto de vista? Sou homem, e quando vejo algo que quero, o meu instinto é tentar
pegar.
— Tente controlar seus instintos.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Isso impede a alegria de viver.


— Pode ser diversão para você, mas pode ser uma amolação para a mulher.
Gostaria de ser bombardeado com observações idiotas o tempo todo? Eu trabalho com
homens e freqüentemente viajo com eles. Sou obrigada a suportar sua companhia.
Estou cansada de recusar esse tipo de proposta de homens que mal conheço. O- que os
faz pensar que vocês são dádivas de Deus para as mulheres?
— Ei... eu não estava...
— Ah, você estava, sim. Só porque estamos sozinhos naquela casa, pensou que
eu cairia nos seus braços sem pestanejar. Bem, você pode parar de pensar!
— Posso?
Débora enrijeceu o corpo, olhando para ele. Quando quis ir embora, Mateus
esticou o braço, impedindo-lhe a passagem.
— O problema é que você leva a vida muito a sério. Já é tempo de aprender a
ceder um pouco.
— Não, para você... — ela começou, mas não continuou.
Mateus inclinou-se sobre ela, com uma expressão de paixão que a surpreendeu.
Então, o jogo dele tornou-se verdade numa fração de segundo e Débora ficou indefesa
diante daquele olhar.
Seus lábios entreabriram-se ao apelo erótico e silencioso da boca de Mateus.
Ele a aconchegou ao peito e a mão forte e suave deslizou por cada curva de seu corpo,
em movimentos sensuais. Aquela intimidade fez explodir algo dentro de si. Seus lábios
começaram a responder freneticamente. Ouviu que Mateus gemia e sentiu a mão dele
subir suavemente, até seus seios. Quando isso aconteceu, todo seu corpo começou a
queimar. O desejo tomou conta de si de tal maneira, que não pensou no que estava
fazendo. Enterrou as mãos no cabelo espesso de Mateus, entregando-se àquela força
que a dominava.
Ele interrompeu o beijo, depois de um momento, respirando pesado. Olhou-a
nos olhos e ela estremeceu.
— Você estava dizendo? — ele perguntou, com ironia. Débora soltou-se e
encarou-o, com raiva.
— Vá para o inferno!
Saiu correndo, mas tropeçou numa raiz exposta e teve que se agarrar ao
tronco da árvore para não cair. Mateus tentou ajudar, mas ela já não precisava. Deu-
lhe mais um olhar de desprezo e ódio e afastou-se com mais dignidade, ouvindo que ele
ria.
Dentro da casa, procurou se acalmar e entender o que teria lhe acontecido nos
braços de Mateus. Desprezava-se por ter correspondido daquela forma. Agora, ele
pensaria que tinha apenas que forçar a pressão para que ela cedesse completamente.
Foi até o quarto e trancou a porta. Sozinha com ele, ela estava como uma
ovelha presa com um lobo. Mais cedo ou mais tarde, Mateus tentaria levá-la para a
cama e, depois do que tinha acontecido entre eles, não garantia poder resistir.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Imaginou que depois de Robert e de toda a desilusão que teve, era impossível
reagir assim a qualquer outro homem, mas talvez sua própria infelicidade tivesse
despertado aquele desejo sexual crescente dentro de si.
Uma coisa, porém, estava clara: gostava de Mateus Tyrell. Ele era muito
atraente. Sentia-se desperta e viva em sua companhia. Eram estimulantes um para o
outro. Agora, tinha que admitir que não eram só suas mentes que ficavam excitadas.
Estava fisicamente desperta também, e sabia muito bem que Mateus também se
sentia assim.
Tudo aquilo não queria dizer amor. Era muito mais simples e prosaico: Mateus
gostou dela, e tinha dito.
Olhou-se no espelho da penteadeira e percebeu que o cabelo estava
despenteado, seu nariz brilhava e o batom quase desaparecera. Só Deus sabia por que
Mateus tinha se encantado com ela. Os homens eram criaturas estranhas. Robert
teria lhe dado mais valor, se ela começasse fugindo dele. E Mateus tinha perdido a
paciência porque pensou que o estava desafiando. O ego masculino era muito instável.
Mateus tinha sido razoável, até descobrir que ela era uma jornalista e
imaginar que queria fazê-lo de bobo. Agora, já sabia. No futuro, iria conservar-se mais
calma, nem tanto por ele, mas por si própria.
Deitou-se, subitamente exausta. Tinha sido um dia cansativo e tenso. Mateus
conseguira dormir no carro, mas ela tinha a impressão de estar acordada há uma
semana.
Fechou os olhos, espreguiçando-se. Talvez no ano que vem nem se lembrasse
mais de como Robert era. O tempo apaga tudo. Estava fazendo o seu trabalho agora:
fechando a ferida que Robert deixara aberta. Mateus tinha ajudado bastante,
naturalmente. De uma coisa pelo menos não podia se queixar: ele nunca se tornava
enfadonho.
Quando abriu os olhos, percebeu que tinha anoitecido. As sombras já invadiam
o quarto. Um som atrás dela fez com que pulasse. Depois, notou que havia alguém
batendo à janela. Ouviu a batida novamente, e viu um rosto colado na vidraça, o nariz
espremido e os olhos bem abertos.
Ainda tonta de sono, Débora foi até lá.
— Oh, meu Deus! — murmurou, reconhecendo aquele rosto. Devia ter previsto.
Levantou o vidro, e ele entrou, resmungando:
— Ei, cuidado! Você quase me decapitou!
— Não me provoque! O que faz por aqui, Rodney?
— Me dê uma mão. Tyrell está no jardim, e não quero que ele me veja.
— Tenho uma boa voz e posso gritar por ele — Débora ameaçou.
— Saia do caminho! — Ele levantou a persiana para poder pular para dentro do
quarto.
— Como nos encontrou?
— Entrei em contato com alguém que conheci voltando para Veneza.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Conversamos e ele me disse onde vocês estavam.


— Ele?
— Um fotógrafo free-lance. A garota dele deve ter uma queda por Tyrell. Ela
estava no carro, transpirando raiva e vingança por todos os poros.
— Teresa Scalatio!
— Ah, então é essa? Ela é o que chamo de sexy. Gostei da garota. — Olhou
para Débora e comentou: — Sem ofensa, mas Tyrell fez a escolha errada, se você quer
saber.
— Não perguntei nada. O que está fazendo aqui?
— Ora, qual é? Não preciso lhe dizer isso. Hal quer a sua versão da história...
exclusiva. Qual é a vantagem de ter um dos nossos no meio de uma notícia dessas, se
não tiramos nenhum proveito?
— Acho que seria ingenuidade da minha parte querer saber se algum de vocês
sentiu qualquer espécie de lealdade por mim, como amiga e colega.
Rodney inspecionava o quarto. Ela podia perceber que ele estava arquivando
detalhes para sua história.
— O que sempre gostei em você, Deb, é o seu senso de humor.
— Pois acabo de perdê-lo. E pare de fazer um inventário. Se escrever uma só
linha sobre isso, eu o mato. Juro que mato.
Ele parou perto da cama, medindo-a com os olhos. — Um pouco pequena. Ou
será que Tyrell tem a cama de casal em outro lugar?
Débora atingiu-o. Ele estava desprevenido e caiu no chão, gritando e agarrando
a perna que batera no canto da cama. Débora gelou, olhando para a porta. Rodney tinha
feito muito barulho. Será que Mateus ouvira?

CAPÍTULO VIII

Rodney ficou de pé, esfregando a nuca.


—: Por que fez isso? Até parece que insultei você!
— Você insultou! E mantenha a voz baixa! Quer que ele ouça?
— Não vejo qual é o insulto de dizer que essa cama é de solteiro.
— É uma cama de solteiro porque vou dormir nela sozinha.
— Espera que eu acredite nisso, depois daquelas fotos dos dois juntos? —
Deixe pra lá!
Débora foi até a porta para ouvir se havia movimento.
— Acho tudo isso inacreditável.
— O quê?
Virou-se, e ele a olhava atentamente, da cabeça aos pés.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Que você tenha pescado um cara desses. É até bem bonitinha, claro. Aliás,
eu sempre me senti atraído por esses seus olhos castanhos. Mas você não é tão
espetacular para que um cara como Tyrell fique caído. Ele é muito especial e... com
todo aquele dinheiro. Posso imaginar por que você o queria, mas Tyrell pode escolher a
mulher que desejar. O que foi que o fez escolher você?
— Eu o enfeiticei.
Débora tinha vontade de partir para cima dele novamente, mas apenas olhou-o
com desprezo.
— Hal manda lembranças e congratulações. Ele disse que espera que você não
se esqueça dos amigos pobres, agora que vai ser uma esposa milionária.

— Oh, não os esquecerei! Se eu puser os olhos em cima de Hal novamente, vou


mandá-lo para algum lugar...
— De qualquer maneira, como conheceu Tyrell?
— Nós nos encontramos, só isso. Cuide de sua vida e deixe a minha em paz.
— Tenha coração, Deb! Preciso levar uma história, ou então Hal vai me comer
vivo.
— Empresto garfo e faca.
— Não seja assim comigo. Quando é o casamento? — Rodney, saia da minha
frente. Desapareça!
— Ficou zangada porque falei que você não estava no primeiro time das
beldades, não é? Uma coisa engraçada sobre as mulheres é que a gente pode dizer
tudo para elas, menos que não são Helena de Tróia e Bo Derek ao mesmo tempo.
— Rodney, você está me tirando do sério. Se não sair daqui imediatamente, não
sei o que posso fazer.
Rodney sentou-se na cama, ignorando solenemente a ameaça.
— Você vai enfrentar muita concorrência, sabe? A vida de Tyrell está cheia de
mulheres adoráveis.
Ela reconheceu o estilo. Era Rodney a toda. Era o tipo de ataque que
costumava usar, quando queria uma reportagem.
— Saia! — ela gritou, avançando para ele.
— O último amor dele está se consumindo de paixão em Londres. Ela é
realmente uma beleza, se bem que não faça o meu gênero.
Débora tentou puxá-lo pela camisa, mas ele a agarrou pelos pulsos, trazendo-a
para baixo.
— O que há, Deb? Ciúme?
— Por que você... — Empurrou-o, tentando livrar-se, mas foi logo arrastada
para a cama.
— Largue-me!
Rodney ria dela. Débora ficou imóvel, encarando-o.
— Se você fizer... — Sentiu que ele ia beijá-la, mas seu protesto foi

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

interrompido por uma batida na porta. Rodney olhou para lá, de boca aberta. Antes
que pudesse dizer qualquer coisa, Mateus arrancou-o da cama.
— Olhe... — murmurou — você não pode.
Mateus despachou-o pela janela, sem ouvir o que tinha a dizer. Débora viu-o
todo sujo de terra e encolhido. Tyrell virou-se então para ela, com o rosto cheio de
ódio.
— Imagino que esse é o patife que tem feito você chorar ultimamente.
— Seu gosto é um tanto suspeito, srta. Linton. Esperava por coisa melhor.
Apanhada de surpresa, ela quis explicar, mas ele não lhe deu chance
— Espero que não tenha dito nada a ele de que possa se arrepender porque
senão vou fazer você se arrepender. Ouvi vozes aqui e pensei quê você fosse
ventríloqua; mas, só para checar, dei um giro pela casa Felizmente fiz isso. Se você
desmentiu o nosso noivado, vai fazer papel de idiota para desmentir novamente. Ele
também estava naquele complô do Probe?
— Já lhe disse: não houve complô. Você sabe que Teresa mandou aquele
fotógrafo atrás de nós.
— Oh, sim, mas você resolveu tirar vantagem do caso, não foi? Você e o Probe
querem acabar comigo, desde aquele caso, quatro anos atrás. Mas não vão conseguir
nada comigo. Se eu encontrar mais um desses furões por aqui, quebro o pescoço do
desgraçado! — Virou para olhar pela janela. — O seu amiguinho está fugindo como o
diabo da cruz. Acho que ele entendeu o recado.
— Ele não é meu amiguinho; apenas trabalha comigo.
— Eu vi que era isso. — Olhou-a com desprezo. — Não é de se espantar que as
notícias dos jornais estejam tão mal escritas, se é assim que vocês se comportam!
Rolando nas camas, rindo e se beijando. Acha que sou imbecil? O homem é seu amante!
Débora fervia de raiva e embaraço.
— Oh, pense o que quiser!
— Não preciso de sua permissão para fazer isso.
— Não. Está precisando é de uma operação no cérebro.
— É isso mesmo, rebaixe-se ao insulto infantil, quando não encontra nada mais
adequado para dizer.
— Vou me rebaixar a dar um soco na sua boca se falar comigo assim
novamente!
— Moça, está começando a me aborrecer — disse, caminhando até ela.
— Não me toque!
— E eu, que estava começando a acreditar naquela sua história sobre o amor
ser sério demais para que se brinque com ele. Devia estar maluco para acreditar na
palavra de uma mulher; principalmente, sendo jornalista. Se você pode rolar na cama
com um verme como aquele, pode muito bem fazer isso comigo também!
Mateus estava uma fera, e Débora achou mais prudente ficar calada.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Não suporto ser passado para trás... — Pegou-a pelos braços e jogou-a sobre
a cama, prendendo-a sob o peso de seu corpo.
Débora lutou, até que ele encontrou sua boca. A força opressora daquele beijo
quebrou sua resistência. Não estava tentando mais afastá-lo. Involuntariamente, ela
passou os braços pelo pescoço dele e sentiu que já não a beijava com tanta raiva.
Mateus a acariciava suavemente, e Débora ficou horrorizada ao perceber que
gemia de prazer e, em vez de lutar, ela o puxava para mais e mais perto.
Pela primeira vez, não queria que ele parasse. Seu corpo ardia num convite
involuntário, e os beijos se tornaram mais ardentes e excitados.
Ela_ começou a duvidar se devia se deixar envolver, mas foram interrompidos
pelo estouro de um flah do lado de fora da janela.
— Oh, inferno! — Mateus gritou.
Foi até a janela e Débora continuou deitada, trêmula.
Ouviu que ele pulou para o jardim e depois correu. Houve um ruído seco e
palavrões. Ela não foi até a janela, mas podia adivinhar o que estava acontecendo:
Mateus tinha tropeçado numa daquelas raízes expostas devido ao solo seco da região.
Saindo da cama, foi lavar-se na pia. Pouco tempo depois, Mateus estava de
volta por onde tinha saído.
— Há uma porta, sabia? — Débora falou, quando o viu pular a janela.
— Você vai ficar contente de saber que o seu amante conseguiu a foto.
— Ele não é meu amante!
— Sei o que vi. Vocês estavam se divertindo às minhas custas. Que espécie de
sujeito ele é, tirando fotos de sua garota com outro homem?
— Não sou a garota dele. — Débora enxugou o rosto e pendurou a toalha. — A
verdade é...
— Verdade? Que palavra engraçada para você dizer.
— Pare de usar esse tom comigo...
— Lembre-se bem: se eu o pegar novamente com você, acabo com ele.
Portanto, não o deixe entrar novamente nesta casa.
Débora suspirou; ele estava novamente de mau humor. Era melhor deixá-lo
esfriar.
— Precisa escovar sua roupa: está coberta de pó por causa do tombo que levou
há pouco.
As observações de Rodney sobre o passado de Mateus Tyrell tinham ficado em
sua mente. Sabia que era um perito na arte de despertar as mulheres e ela se deixara
levar por aquelas carícias sutis e excitantes por um bom tempo. Se fosse escrever
algo sobre ele, descreveria Mateus como playboy internacional, magnata e amante da
vida noturna. Hal sempre lhe dizia:
— As pessoas não têm tempo para ler romance, querida; elas querem os fatos
da maneira mais suscinta possível. Uma notícia objetiva poupa tempo e energia. Quanto
mais tempo você passar enfeitando suas frases, mais rápido os leitores vão esquecê-

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

la. Dê-lhes apenas uma notícia legível.


Ela se lembrava de sua primeira reportagem como se fosse ontem. Hal tinha
lido e comentado:
— Inteligente a menina, hein? — E depois, tinha embolado e jogado na sua
cesta de lixo. — Agora, vá escrever um parágrafo claro, dando-me apenas os fatos,
nada além dos fatos.
As notícias tinham uma vida efêmera: o tempo que o jornal ficava nas bancas.
Era preciso manter vida durante vinte e quatro horas apenas, o público interessado,
usando uma linguagem direta, simples.
A vida amorosa de Mateus Tyrell seria um sucesso em qualquer jornal. Ele era
um presente para qualquer colunista de fofocas. O Probe não o poupara, quando o
investigaram. Débora nada tinha a ver com aquele ângulo das reportagens, mas
lembrava-se vagamente. O nome dele tinha sido associado a uma série de mulheres
lindas, desde atrizes de cinema até cantoras de música pop.
Certamente, tinha uma técnica invejável. Devo mandar examinar minha cabeça
por ter me deixado envolver, pensou, revoltada. Mateus sabia corromper. Era como um
vício. Quanto mais a beijava mais agradável era a sensação... e começava a ficar
perigosa.
Provavelmente nunca teriam chegado àquilo, se ela não estivesse passando por
momentos difíceis por causa de outro homem. Nunca se deixara levar para a cama
antes, porque nunca tinha sido bastante tentada. É muito fácil ser controlada quando
não se está com as emoções abaladas. Débora nunca havia conhecido outro homem tão
sedutor. A maneira gelada como o tratava parecia não ter o menor efeito sobre ele.
Começava a se preocupar seriamente por isso.
Desprezou-se por ter se abandonado nos braços dele tão rapidamente, depois
de tudo que tinha dito. Só podia estar fora de si. Mateus Tyrell deveria considerá-la
apenas como mais uma de sua série de mulheres. Apenas isso. Se ela tivesse cedido
completamente, estaria morrendo de arrependimento agora.
Lembrou-se de Rodney e da foto que conseguira. Qualquer dúvida que tivesse
sobre o relacionamento dela com Mateus estaria desfeita, depois daquele beijo
apaixonado que havia testemunhado e documentado.
O baralho de um carro que se aproximava interrompeu seus pensamentos.
Destrancou a porta; Mateus não estava à vista. Ela correu até a varanda e reconheceu
o carro que os tinha levado até a vila. Mateus estava ao lado do carro, conversando
com o motorista, que em seguida partiu.
— Pare! — Débora gritou, acenando.
Mateus largou as malas que carregava e aproximou-se dela, segurando seu
braço.
— Deixe-me ir embora! Quero voltar com ele!
— Não, você não vai! Vai ficar aqui comigo!
— Não vou ficar aqui com você a noite toda!

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— É justamente isso que vai fazer.


O carro partiu. Sobre o ombro de Mateus, ela o viu desaparecer. Sua última
chance de escapar daquele homem tinha sumido bem diante, de seus olhos.
— Você não pode me manter aqui, contra a minha vontade!
— Escute primeiro...
— Se Teresa sabe que estamos aqui, os paparazzi vão invadir o lugar muito em
breve.
— Não vão. Já providenciei para que isso não aconteça — ele falou, sorrindo.
— Juro que não tenho intenção de escrever uma única palavra a seu respeito.
— Ele continuou rindo e ela continuou, furiosa: — Não quero nem ouvir falar de você
novamente.
— Adorável. Você tem mesmo jeito com as palavras. Não precisa de um
revólver: tem armas bem mais poderosas, não é?
Soltou-a e continuou carregando. as malas. Débora seguiu-o até a casa. Mateus
mostrou-lhe uma caixa.
— Comida. Pedi para trazerem carne. Estou faminto.
— Sou sua hóspede, muito contra a minha vontade. Cozinhe você, desta vez.
— Você vai se arrepender. Sou o pior cozinheiro do mundo.
— Vou tentar suportar. Chame, quando estiver pronto. Enquanto ela se
retirava, ele gritou:
— Sua mala!
— Quer levá-la até o meu quarto, por favor? Hóspedes não costumam carregar
a própria bagagem.
Ele foi atrás dela e deixou a mala no chão. Virou-se para olhá-la, com firmeza.
— Continue assim, e acabo perdendo a paciência.
— Estou me acostumando com o seu mau humor. Raramente o vi de outro jeito.
— Isso é mentira. Sou geralmente muito equilibrado. Só perco a esportiva
quando provocado.
— Se é nisso que quer acreditar... mas acho que está à beira de um ataque
cardíaco.
— Você é uma mulher bastante cansativa. Creio que anos de solidão, fazendo o
trabalho de um homem, a tornaram assim.
— Isso é o máximo do machismo. Você tem um temperamento que é de longe
pior do que o meu.
— Nunca encontrei alguém que me fizesse perder a paciência com tanta
facilidade. Você está com uma aparência de quem ficou em claro durante toda a noite.
Enquanto eu cozinho a pior comida que jamais comeu em toda a sua vida, sugiro que vá
se arrumar para ficar com o aspecto um pouco mais feminino.
— Cai fora! — ela gritou, vermelha de raiva.
Como se atrevia a chamá-la de provocadora? Desde que se conheciam, tinha
sido provocada o tempo todo. Às vezes, até tinha a impressão de que ele o fazia de

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

propósito. E aquele sorriso maldoso... era como se o fato de embaraçá-la o divertisse


loucamente.
Raiva atrai raiva, e entre eles a coisa tinha pegado fogo desde o início.
Olhando-se no espelho, percebeu que ele tinha razão: estava com um aspecto
lamentável. Trancou a porta e tratou de se arrumar um pouco. Quando Mateus a
chamou para comer, já se sentia bem mais apresentável e satisfeita com a aparência.
Estava de pé na cozinha, corado e atarefado.
— Eu preveni você, não diga que não sabia. Se conseguir comer, seja bem-
vinda. Eu prefiro pão com queijo.
Havia um cheiro de queimado no ar. Débora viu a razão daquele cheiro sobre a
mesa. Foi olhar de perto.
— Isso era bife?
Mateus não respondeu. Ela virou-se e viu que ele a inspecionava da cabeça aos
pés, concentrado. Levantou os olhos e apenas assobiou.
— Obrigada.
— É um prazer. A comida está intragável, mas o cenário vale a pena.
— Nunca fui muito fã de carvão. O que foi que aconteceu?
— Coloquei a carne na frigideira e depois resolvi fazer bife acebolado.
Enquanto eu descascava as cebolas, os bifes queimaram.
— Pelo amor de Deus, você devia ter percebido pelo cheiro!
— É claro que teria percebido, mas detesto cheiro de cebola e fui cortá-la na
varanda, ao ar livre. Foi só quando voltei que notei o que tinha acontecido. Acho que
levaria muito tempo para fazer tudo de novo.
Ela observou que havia moscas em volta da luz.
— Você deixou a porta aberta, não foi? Está cheio de moscas.
— Tudo bem. Sinto muito, mas não sou dona-de-casa nem cozinheiro!
— Você fez de propósito. Estava querendo me tapear. Mateus olhou para ela,
inocente.
— Do que está falando?
— Oh, saia logo daqui para que eu cozinhe algo comível para nós. — Pegou os
bifes queimados para jogá-los no lixo.
Mateus aproveitou e desapareceu. Provavelmente, ele nunca precisara cozinhar
antes. Devia ter um batalhão de empregados. Felizardo! Deixou a carne queimar de
propósito para obrigá-la a fazer a comida. Já sabia que ela cozinhava bem. Mateus
Tyrell podia fazer muito bem tudo o que quisesse, e era evidente que nunca teve a
menor intenção de preparar aquele jantar. Achava que as tarefas domésticas eram
coisa só de mulher.
Machão antiquado, Débora pensou, pegando um avental dentro de um dos
armários da cozinha. Não tinha se arrumado toda para acabar como escrava, na frente
de um fogão. Encontrou mais bifes no congelador espaçoso e colocou na frigideira.
Mateus voltou dez minutos depois, com uma garrafa de vinho. Respirou fundo,

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

enquanto enchia dois copos.


— Adoro cebola frita.
— Que bom. Eu também, mas odeio cheirar a cebola frita.
— Será que está me culpando por isso?
Ela servia a comida e não respondeu. Mateus olhou para o prato.
— Está maravilhoso. Onde encontrou o cogumelo?
— No congelador. — Ela sentou-se.
— Prefiro você sem o avental.
Débora o tirou, e Mateus sorriu para ela, amistoso. — Já lhe disse que você
está fantástica?
— Acho que já recebi um elogio.— Pensava no assobio e no olhar de admiração.
Ele levantou o copo.
— Boa comida, bom vinho, boa companhia... o que mais se pode pedir?
— É verdade, o que mais?
— Estou começando a pensar que vou ficar entediado, quando tiver que me
separar de você. Você dá vida às coisas. Não entendo como ainda não foi agarrada. Os
homens de sua vida devem ser cegos como morcegos.
— Você é muito gentil.
— Conte-me sobre a sua família. Tem irmãos?
— Uma irmã.
Começava a falar sobre Andréa. Mateus fazia perguntas quando se calava e,
muito tempo depois, percebeu que estava contando toda a sua vida. Parou e tomou mais
vinho.
— Seu pai ainda viaja entre Estocolmo e Londres?
— Ele adora o trabalho. Não saberia o que fazer da vida, se ficasse em terra
firme.
— Ele não foi muito dedicado à família, apesar de tudo. Posso até entender o
problema: sozinho, com duas filhas... mas livrou-se da responsabilidade, de uma certa
maneira.
— Não tinha idéia de como nos ajudar. Talvez ele não devesse ter casado.
— Você não o vê bastante?
— Muito raramente. — Ela deu de ombros. — No Natal, às vezes aparece na
casa de Andréa para passar uns dias conosco.
— Você passa o Natal com ela?
— Geralmente.
— São muito chegadas?
— Acho que sim. Andréa insiste em me ver como uma adolescente-problema
até agora. Ela nasceu para ser mãe. É meio autoritária, mas, enfim, é toda a família
que tenho.
— Você tem sorte — ele falou secamente. — Tenho uma família enorme, com
tentáculos espalhados pelo mundo inteiro, e eles se recusam a me deixar levar minha

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

própria vida.
— Seus irmãos são mais velhos ou mais moços?
— Tenho duas irmãs mais velhas e uma mais moça. São todas casadas e têm
filhos. Tenho um irmão mais novo também. Agora está casado e a mulher espera bebê
para o Natal. Fora eles, tenho uma porção de tias, tios e primos. Os que moram na
Inglaterra são os piores. Ficam de olho em mim o tempo todo. Passo a vida me
escondendo deles.
— Você não parece o tipo de homem que tem essa formação.
— O que eu pareço, então? — Inclinou-se sobre a mesa, com uma expressão
interessada, o queixo apoiado nas mãos, como uma criança que gosta de ser o centro
das atenções.
— Não tinha pensado no assunto.
— Pense agora — pediu, sorrindo.
Débora ficou alarmada. Não queria chegar a tal intimidade com ele,-mas
durante a refeição tinham se aproximado, e estava preocupada com a .„ maneira como
ele a olhava. Mateus Tyrell era hábil com as pessoas... percebia cada vez mais isso. Era
um manipulador nato, ameaçando sutilmente e provocando as pessoas, até elas
fazerem o que ele queria. Todo aquele charme surtia efeito, apesar das tentativas que
ela fazia para ignorá-lo.
— Ainda não conheço você o suficiente — respondeu, evasiva.
— Covarde! Agora, você me decepcionou. Dentro dessa embalagem maravilhosa,
ninguém diria que existe um cérebro tão capaz. Enquanto um homem está ocupado
admirando você, você é bem capaz de lhe cortar a cabeça, sem que o infeliz perceba a
sua intenção.
— Alguns bem que merecem isso — Débora falou, esforçando-se para não rir.
— Viu? Você é muito perigosa.
Débora não gostou do comentário. Mateus percebeu e parecia ainda mais
divertido.
— Como ele era? Esse seu Robert?
Lá vinha ele novamente. Será que nunca desistia? Olhando para o copo de
vinho, respondeu:
— Atraente.
— O que o tornava tão especial? Pelo menos, acredito que fosse. Senão, você
não teria caído por ele. Tenho certeza de que foi a primeira vez que se apaixonou.
— Acho que eu estava pronta para esse tipo de erro. Durante anos, meu
trabalho era a única coisa que me importava, mas, quando o conheci, comecei a ficar
cansada de viajar pelo mundo. Acho que queria me apaixonar.
— Então, você se apaixonou e escolheu o homem errado.
— O que quer dizer com isso?
— O que me contou sobre esse Robert me faz pensar que escolheu o mesmo
tipo de homem de seu pai... um sujeito que foge de responsabilidades. Nós tendemos a

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

procurar pessoas parecidas com as que nos afetaram profundamente na infância. Sem
perceber, talvez você reconhecesse em Robert o mesmo comportamento que tinha
aprendido a esperar dos homens.
Débora ficou surpresa demais para responder. Esvaziou o copo de vinho de um
só gole.
— Estou sendo muito indiscreto? Ela olhou para a mesa desarrumada.
— É melhor tirar a mesa e lavar a louça.
— Isso eu posso fazer — Mateus disse, levantando-se. Não comentou
absolutamente nada sobre a recusa de Débora em continuar o assunto.

CAPÍTULO IX

Depois de arrumarem a cozinha, foram jogar cartas. Mas Débora não conseguia
se concentrar. As moscas voavam em torno das lâmpadas, fazendo barulho com as
asas. O vento lá fora soprava sobre as oliveiras e o céu escuro estava cheio de nuvens.
A lua, quando aparecia, delineava os contornos das montanhas.
— Você está jogando, ou está com a cabeça a quilômetros daqui? Débora voltou
a si, desculpando-se.
— Já é a minha vez?
Jogou uma carta, meio ausente, e Mateus a olhou, compreensivo.
— Sua mente não está aqui nesta mesa — disse, recolhendo o baralho.
— Quem ganhou?
— Eu. Você nem notou. Parece cansada. Por que não vai para a cama? Débora
ficou em pé, bocejando.
— Desculpe. Estou cansada, sim. Boa noite.
— Bons sonhos.
Ela não gostou da maneira como ele disse isso.
Trancando a porta, aprontou-se para deitar. Mal tocou no travesseiro, já
estava dormindo profundamente.
De manhã, batidas na porta a acordaram.
— Vamos, bela adormecida, quer café ou não quer?
Débora pulou da cama e vestiu o robe. Quando abriu a porta, ele entrou com a
bandeja do café. Ela sentia-se ótima naquela manhã: tinha dormido bem a noite toda,
pela primeira vez em muito tempo.
Mateus puxou as cortinas. Enquanto andava pelo quarto, Débora percebeu com
que familiaridade eles se tratavam. Ficou confusa, ao pensar que se conheciam há
poucos dias; parecia que já fazia anos.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Olhou-o com os grandes olhos castanhos bem abertos e um tanto


deslumbrados. Ele estava servindo café, com o corpo inclinado sobre a bandeja.
— Quer um pouco de creme também?
Ela nem ouviu. Mateus levantou a cabeça e seus olhos se encontraram.
— Creme? — perguntou novamente, rindo.
— Obrigada.
Tenho que me afastar dele, pensou. O que há comigo? Começou a analisar
aquela sensação estranha dentro do peito. Aceitou a xícara de café para esconder a
confusão, e Mateus foi até a porta.
— Já tomei o meu café. Deixei você dormir.
— Foi muito gentil. Obrigada. — Não podia evitar de falar de uma maneira
formal. Estava terrivelmente perturbada e não podia encará-lo.
— Fico contente que você comece a notar o meu lado bom.
Era só isso mesmo, ou será que estava se comportando como uma adolescente?
Desde que conhecera Mateus, vivia em constante agitação. Não era muito próprio dela
aquele estado. Nunca tinha sido emocional. Aprendera a dirigir sua vida com eficiência
e calma. Robert havia perturbado seu equilíbrio por algum tempo e, quando achava que
ia se recuperar, Mateus apareceu, para completar o estrago. Desde então, não
conseguia pensar com clareza.
Era o que devia fazer! Pensar. Trancou a porta, terminou o café e fechou as
cortinas, antes de tomar um banho rápido e vestir-se. Colocou uma calça branca e uma
camiseta azul. Olhou-se no espelho e não gostou: estava corada e com os olhos
brilhantes, toda agitada.
Controle-se, sua tola!, disse a si mesma. Estava deixando que ele tomasse
conta dela, e isso ia ser um desastre completo. Não havia lugar na vida de Mateus
Tyrell para alguém como ela. Exceto um lugar que não tinha nenhuma intenção de
ocupar.
— E não se esqueça disso! — murmurou, levando a bandeja para a cozinha.
— Esse é o primeiro sinal — Mateus comentou, levantando os olhos do livro que
lia.
— O quê?
— Falar sozinha.
— Primeiro sinal de quê? — Antes que ele respondesse, ela acrescentou: — Não
diga, não. Prefiro não saber.
— Tenho certeza de que não gostaria.
— Podemos voltar para Veneza hoje?
— Não. Pensei que podíamos dar um passeio nas montanhas. O cenário é
maravilhoso.
— Por que não? — Um dia a mais naquele lugar não iria alterar nada. No dia
seguinte, voltariam para Veneza.
— Posso até ouvir você pensando.

80
Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Oh... então, o que estou pensando?


— Eu diria que está tramando algo. Você tem um olho conspirador. Não vai
adiantar nada. Você vai ficar aqui, até que eu lhe diga que pode partir.
— Tenho um trabalho à minha espera.
— Você está de férias.
— E você também tem o seu trabalho. Eles não vão berrar por você, lá de
Londres?
— Há bastante gente para manter a roda em movimento. Se for urgente,
sabem onde me encontrar.
— Minha irmã não sabe onde estou. Vai ficar preocupada, se ler alguma notícia
nos jornais.
— Mande-lhe um telegrama. Vou providenciar.
— Eu não conseguiria explicar tudo isso por telegrama.
— Pensei que os jornalistas fossem peritos com as palavras.
— Posso pensar em umas duas para descrever você.
— Falei em concisão, e não em ofensa.
— No seu caso, dá no mesmo.
— Você tem uma língua bem afiada. Alguém já lhe disse isso?
— Uma ou duas pessoas.
— Todos homens?
— Não me lembro.
— Tenho certeza. Começo a perceber que só há um jeito de lidar com uma
mulher como você.
Com uma rapidez surpreendente, Mateus agarrou-a e beijou-a, com violência.
Apesar de rápido, o beijo fez com que o sangue dela fervesse. Para disfarçar o que
tinha sentido, Débora falou:
— Gostaria que não tivesse feito isso... é muito desagradável ser agarrada o
tempo todo.
A expressão dele ficou carregada, e o olhar, gelado. Virou-se e saiu, sem dizer
nada. Débora ficou surpresa: não esperava por aquela reação. Devia ter atingido seu
ego. Sem dúvida, ele achava que seus beijos eram sempre irresistíveis.
Foi só depois de duas horas, quando pararam para descansar no topo de um
morro íngreme, que Mateus finalmente relaxou. Tinha ficado em silêncio durante a
escalada, e Débora pensou que ia passar o dia todo sem falar com ela.
Agora, ele descansava e dizia:
— Você realmente está fora de forma, não está?
— Não costumo escalar os Dolomitas com freqüência.
— O que você faz, quando pode fugir do trabalho?
— Teatro, concertos, festas. — Lembrou-se de Robert novamente e notou,
com alívio, que não sentia mais aquela pontada no peito, à simples lembrança dele.
Mateus perguntou, casualmente, sobre o tipo de música de que ela gostava.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Falavam sem se olhar, sentados na sombra, recostados numa pedra.


Ele contou uma história engraçada sobre um maestro que, ao reger a orquestra
durante um concerto, deixou escapar a batuta, atingindo o violinista no nariz.
Débora começou a rir, e ele escorregou o corpo para perto dela. O beijo era
inevitável. Ali, sem testemunhas, além das cabras e vacas que pastavam distantes, não
importava se ela resistia ou não a seu encanto. Débora deixou os pensamentos de lado
e passou os braços em volta do pescoço dele, correspondendo com ternura.
Mateus murmurou algo que ela não entendeu. Sentiu que a puxava para mais
perto, com as mãos em seu cabelo, enquanto o beijo se tornava mais intenso. Seus
corpos e lábios se procuravam, ansiosos;
Mateus levantou a cabeça, e Débora entreabriu os olhos, tonta e feliz. Ele
sorriu, triunfante. Era um homem que não admitia derrotas e queria provar que ela
estava mentindo, quando disse que seus beijos não a afetavam. Compreender isso foi
um choque. A tontura passou e a sensação de felicidade também desapareceu. Mateus
voltou a beijá-la, com paixão, e agora havia um certo descontrole na maneira como a
tocava. A mente de Débora trabalhava a toda, durante aqueles momentos nos braços
dele. Até então, não tinha realmente percebido o grande perigo que corria.
Por mais casual que tudo tivesse começado, Mateus agora se comportava de um
jeito diferente. Ela o provocara demais e ele estava descontrolado. Prendeu a
respiração, quando as carícias se tornaram mais íntimas. Ele levantou a cabeça, com os
olhos brilhantes de desejo.
— Não lute comigo, Débora. Pare de resistir e ceda.
Débora não conseguiu responder; ele a beijava ardentemente outra vez, e ela
se abandonou àquela onda de paixão que os envolvia. Para sua surpresa, foi Mateus
quem acabou com aquela loucura. Afastou-se, respirando com dificuldade e deixando-a
deitada, encarando o céu azul e com uma estranha sensação de solidão.
Durante aqueles poucos momentos de paixão, Débora descobriu quanto o
desejava. Sabia que ele havia notado isso. Sabia também que, se estivessem na vila,
não teriam parado nos beijos. Havia uma necessidade crescente dentro dele,
encontrando respostas violentas...
— É melhor voltarmos — Mateus disse, passando as mãos pelos cabelos.
Débora não teve coragem de encará-lo. Estava corada e trêmula. Levantou-se e
começaram a descer. Mateus ia tão silencioso como antes e, de vez em quando, olhava
de relance para ela.
Débora pensou na vila mais adiante, onde os dois estariam sozinhos, naquela
intimidade, e o pânico foi crescendo dentro de si. Ele tinha isso em mente o tempo
todo, tinha certeza. Só por esse motivo queria voltar. Estava zangado com ela pelas
histórias do Probe, mas, sem dúvida, também a desejava. Tentara seduzi-la durante
todos aqueles dias, e agora sentia que não havia mais resistência. Começou a ficar
assustada: não queria entrar para a lista interminável de conquistas de. Mateus Tyrell,
Tinha que fugir dele. Mas como?

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Quando se aproximaram da casa, viram os carros.


— Sabia que eles nos descobririam — ela falou, aliviada.
Débora conhecia bem seu pessoal: nunca desistiriam de uma história daquelas.
Nada era trabalhoso demais para eles, se achavam que valia a pena.
Mateus teria recuado, se um dos repórteres não os avistasse. Pouco depois,
estavam cercados novamente.
Rodney fazia parte do grupo. Enquanto Mateus evitava responder algumas das
perguntas, ela percebeu o olhar ressentido do colega. Foi até ele e cochichou:
— Atrás da vila.
Rodney olhou-a, surpreso, sem dizer nada.
— Espere por mim — Débora explicou.
Um dos outros repórteres percebeu que conversavam e aproximou-se. Mas
Mateus veio junto e passou o braço pela cintura dela, tentando abrir passagem entre
eles.
— Onde estão aqueles homens? — explodiu, ao entrarem em casa.
— Homens? — Débora perguntou, confusa.
— Paguei a eles para ser protegido, e não vou perdoar isso. Deviam estar no
portão, para manter os curiosos a distância.
— Então foi isso o que quis dizer, quando falou que tinha tomado providências?
— Não deixo nada ao acaso.
Ouviram barulho lá fora. Mateus foi até a janela e disse:
— Até que enfim!
Os guarda-costas tinham chegado e enxotavam os repórteres.
— Vou dar uma palavrinha com eles — Mateus avisou, saindo. Débora
aproveitou a chance para ir até o quarto arrumar a mala.
Depois, abriu a janela. Imediatamente, Rodney saiu do meio do grupo de
arbustos.
— Tyrell não está por perto? Minha cabeça ainda dói da maneira como ele me
jogou para fora daqui da última vez.
Débora não fez nenhum comentário: ele tinha recebido o que merecia.
Entregou-lhe a mala e perguntou:
— Onde está o seu carro?
— O que está acontecendo?
— Não importa. Cadê o carro? — Pulou para fora, enquanto ele a olhava,
boquiaberto.
— Fim da linha, Deb. O que você pretende agora? Por que isso? Aonde vai?
Onde está Tyrell?
Ela ouvia a voz de Mateus falando em italiano em algum lugar na frente da
casa.
— Vou com você. Corra abaixado. Ele não pode ver a gente. Temos que sair,
antes que ele perceba.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Tiveram que engatinhar por entre as oliveiras, até poder correr de verdade. A
todo instante, Débora esperava ouvir o grito de Mateus atrás deles. Não ousou olhar
para trás. Cada passo parecia custar um sacrifício enorme.
Quando alcançaram o muro da casa, Rodney jogou a mala, dando a mão a
Débora, para que pulasse o muro também.
O carro dele estava a mais ou menos duzentos metros de distância, e só
quando deu partida é que ela respirou aliviada. Observou a casa afastar-se,
rapidamente.
— Ninguém veio atrás de nós — disse Rodney, diminuindo a velocidade. — O
que está acontecendo?
— Meta-se com a sua vida!
— Vamos, você está fugindo de Tyrell. Por quê? Briga?
— Não tenho nada a dizer. — Depois, falou com ironia: — Sem comentários. —
Nunca pensou que um dia diria aquelas palavras, as favoritas de muitos de seus
entrevistados. Riu da ironia da situação e repetiu: — Sem comentários. Não faça mais
perguntas.
Era a mesma coisa que pedir para a maré parar. Rodney a bombardeou com
dezenas de perguntas íntimas e indiscretas.
Quando Débora se recusou a responder, ele comentou que Mateus tinha a vila
devidamente vigiada durante todo o tempo que eles estavam lá. Havia homens
patrulhando cada canto dos jardins.
— Cada vez que tentávamos chegar perto, eles botavam a gente para correr.
— Bom. Pena que eu não vi isso.
— Você esqueceu de que lado está? As mulheres são tão emocionais! Um animal
sexual como Tyrell realmente sabe como chegar às mulheres, não é? Pensei que você
fosse uma profissional!
Débora preferiu ignorar. Sentia-se cansada demais para discutir. Ainda mais
aquele assunto.
— Aonde vamos? — Rodney perguntou. — Ou também não posso perguntar
isso?
— O quê?
— Vamos voltar para Veneza?
— Não, ele mandaria vigiar o aeroporto. Leve-me para Roma.
— O que está acontecendo? — Rodney implorava. — Vamos, Deb, seja amiga...
fale!
— Apenas dirija.
— Você está ficando um bocado egoísta!
— Egoísta?
— Eu sei que a história é sua, mas pensei que éramos amigos.
— O que no mundo fez você pensar isso?
— Bem, trabalhamos juntos no passado. Se você conseguiu algo importante com

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Tyrell, podia me deixar entrar nessa. Precisou da minha ajuda para escapar. Não vou
ter nenhuma recompensa?
— Você merece é um soco no olho.
— Sabia que você era uma lutadora inteligente. Eu disse isso a Hal. Falei que
você voltaria com algo importante. Os homens não têm chance com você: é um bloco de
gelo. Tyrell deve ter voado em cima de você, mas você não voou em cima dele.
Débora lembrou os momentos que tinham passado na encosta da montanha e o
que sentira.
— Você é muito gentil, Rodney. Estou profundamente tocada pelo
cumprimento. Agora, por favor, não diminua a velocidade até Roma.
Sabia que, quando Mateus descobrisse sua fuga, sairia atrás dela.
— O caminho é longo. — Ele se queixou. — Vai ser muito mais rápido se
voarmos.
— Já falei que ele vai vigiar o aeroporto, no momento em que perceber que
fugi.
— O que você quis fazer? Que história é essa, Deb? Não pode guardar só para
você.
— Continue dirigindo — ela insistiu, com os olhos no espelho retrovisor. — Ele
é rápido como um raio. Se pegar você, desta vez pode até quebrar seu pescoço.
Rodney parecia um coelho acuado. Pisou fundo no acelerador.
— Por que o meu pescoço? Isso me espanta, já que ele está atrás é de você.
Débora sentiu um frio na espinha. Como ele está certo, pensou. Não tinha
admitido até agora essa evidência. Mateus viria atrás dela, e tremia só de pensar no
que poderia acontecer, se a alcançasse. Tentou se convencer de que ele apenas daria
de ombros, quando percebesse que ela tinha fugido. Por que persegui-la?
Cruzou as mãos no colo. Estavam trêmulas. Sabia por que Mateus viria atrás
dela. Durante aqueles momentos de amor que tinham passado no topo da montanha,
suas intenções ficaram bastantes claras. E ela o conhecia o suficiente para saber que
não desistia do que queria. Aquela fuga não o faria esquecer. Mateus Tyrell estava
atrás dela.

CAPÍTULO X

— O que você quer dizer com isso? — Andréa a fitava, incrédula e impaciente.
— Como é que aquelas fotos foram um engano? — Kerry brincava com um caminhão
enorme pelo chão, fazendo um terrível barulho. Andréa baixou a voz e continuou: — Eu
não queria acreditar no que via. Deb, como você pôde?
— Não aconteceu absolutamente nada. Será que não consegue meter isso na

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

cabeça? As fotos foram mero acidente.


Kerry passou o caminhão por cima do pé de Débora.
— Desculpe, tia — falou, distraído.
— Leve essa coisa para fora, saia daqui! — Andréa mandou, mas pela primeira
vez não estava prestando atenção ao filho. Continuou descascando batatas e falando
com a irmã num tom zangado: — Não gostaria de repetir as coisas que os vizinhos
andam falando!
— Então, não repita.
— Tudo isso foi muito constrangedor. Nunca esperei isso de você.
— Não fiz absolutamente nada.
Débora já havia contado a verdade várias vezes, mas a outra acreditava em
tudo o que lia.
— Ele é bastante atraente, pelo que notei. Como ele é? Descreva esse príncipe.
— Não quero falar sobre ele.
Não saberia descrever Mateus Tyrell com imparcialidade. Ainda pulava,
nervosa, cada vez que alguém batia à porta ou quando o telefone tocava. Não tinha se
sentido segura, até que Rodney a colocou no avião para Londres. Tinham chegado a
Roma sem problemas, mas até agora a sensação persistia.
— Por que você é tão fechada? Nunca me conta seus problemas! — Andréa
reclamou.
— Estou contando agora, mas você se recusa a acreditar. Não há nada entre
nós. Toda a história foi um grande blefe.
— Então, o que significam aquelas fotos?
— Já expliquei...
— Não espera que eu acredite nesse conto de fadas, não é? Tom ficou
bastante chocado, fique sabendo.
— Sinto muito que Tom tenha ficado chocado. — Débora queria gritar e
quebrar coisas. — Mas ele não precisava. Não sou amante de Mateus Tyrell nem sua
noiva.
— Débora! — Andréa olhou para Kerry, brincando no chão. — Não diga essas
coisas na frente de crianças!
— Ele nem está ouvindo.
— Eles sempre ouvem. Kerry pegue o seu caminhão e vá para o jardim.
— Está muito frio — o garoto respondeu, metendo-se debaixo da mesa'.
— Viu só? Ele está ouvindo muito bem. — Abaixou-se para pegar o filho. — Eu
mandei ir lá para fora. Agora!
Ele saiu de lá, queixoso, com o caminhão embaixo do braço.
— Fora! — a mãe gritou.
— Quando é que você vai se casar, tia Deb? Posso ir? Quero ser seu pajem.
Quando a irmã de Peter casou ,ele foi pajem e ganhou três pedaços de bolo. Vou ter
um dia de férias no colégio, se eu for pajem. Peter também ficou de férias, no dia do

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casamento da irmã dele.


— Fora! — Andréa enxotou-o pela porta. — E não volte antes que eu chame
você.
Virou-se para Débora.
— Eu falei que ele estava ouvindo. Tem orelhas de radar, pesca tudo. E os
vizinhos não têm o menor escrúpulo de perguntar as coisas. Aquilo que ele não percebe
em casa, descobre na rua.
— As pessoas falam demais — Débora disse, ajudando a irmã a preparar o chá.
— Algumas não falam o suficiente. Você, por exemplo. Você não me contou que
tinha acabado com Robert.
— Isso é outra coisa de que não quero falar.
— E há algo que queira falar comigo? Sou sua irmã, no caso de não se lembrar.
— Como é que eu poderia esquecer? Você não perde uma chance de me lembrar
isso.
— Muito bonito! Se eu não me importasse com você, quem iria? Não gosto de
ficar sabendo pelos outros que a minha irmã está saindo por aí com homens como
Mateus Tyrell e chegando até Deus sabe onde. Robert era muito bonzinho, gostava
dele. Ele teria dado um ótimo marido.
— Marido era a última coisa que Robert queria ser!
— Oh... — Andréa pegou a chaleira e colocou o chá na água. — Deb, você me
deixa sem fala!
Gostaria de deixar, Débora pensou, enquanto a outra continuava em seu
discurso interminável.
— Quer dizer que você e Robert... e agora esse Tyrell... Deus sabe, não sou
antiquada, mas não sei realmente o que Tom vai dizer. Realmente, não sei. — Andréa
serviu o chá. — E o que papai estará pensando?
Débora só sabia o que ela estava pensando. Que gostaria de se levantar e
desaparecer dali. Mas Andréa nunca a perdoaria. Tinha que ficar sentada, ouvindo
tudo aquilo e, pior, sabendo que a irmã não acreditava nela. Seria preciso que Deus
interferisse pessoalmente para que Andréa ouvisse uma palavra do que dissesse.
As famílias eram uma bênção e um castigo. O mundo seria muito mais frio e
solitário sem elas, mas, por outro lado, sempre se achavam com direito de se meter na
vida da gente e dar conselhos. Um amigo seria mais imparcial naquela situação. Mas
como é que se diz a uma irmã que praticamente criou a gente para calar a boca e parar
de interferir?
Para Andréa, Débora sempre seria a irmãzinha caçula. Nunca a veria como
adulta que pudesse dispor da própria vida. Andréa iria sempre se preocupar, agir com
prepotência e bancar a mandona. Débora achava que isso aconteceria mesmo quando
fossem duas velhinhas. Tinha que se resignar, apesar de aquilo às vezes a enfurecer.
Era enlouquecedor, mas era o preço que pagava, por ter uma família. E sabia que, se
brigasse seriamente com Andréa, ia se sentir vazia e infeliz.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Eu só não entendo por que ele falou que vocês estavam noivos, se não
estavam.
— Já lhe disse: para calar o Probe.
— Não acredito. Não faz nenhum sentido. Um homem desses? Com todo o
dinheiro que tem?
E um temperamento como o Vesúvio, Débora pensou. Quando Mateus se
zangava, era melhor sair da frente. Mas não ia explicar tudo aquilo para sua irmã.
— Ele deve ter ficado encantado por você. Débora corou, diante do olhar
insistente da irmã.
— Eu sabia! — a outra falou, triunfante.
Débora preferiu ignorar. Não queria mais se expor: Andréa era muito
observadora, e ela podia se trair.
— Robert telefonou várias vezes.
— O que foi que ele disse?
— Queria saber o que estava acontecendo com você. O que esperava? Ele
parecia tão desconcertado como eu.
Sem dúvida. Devia ter ficado com as notícias engasgadas, imaginando que havia
sido passado para trás. Mateus tinha dado a impressão de que eles já se conheciam
secretamente há algum tempo. Podia imaginar a surpresa e o choque de Robert. Que
golpe em seu orgulho!
Aquilo não a desagradou. Deu-lhe vida nova. Recuperou um pouco do amor-
próprio perdido.
— Você deve telefonar para ele — Andréa falou. — Prometi que lhe daria o
recado.
Débora preferiu não responder. Não ia ligar para Robert; ele estava
enterrado, junto com o passado. Mateus tinha conseguido isso. Fez com que ela
vencesse a fase mais dolorosa de sua vida. Apesar dos pesares, aquela confusão toda
servira para alguma coisa.
Kerry abriu a porta, e a mãe deu-lhe um olhar feroz.
— Pensei que tinha mandado você ficar no jardim.
— Tem um carro enorme lá fora e um homem vem vindo para cá. O coração de
Débora pulou. Levantou-se, com o rosto em chamas.
— É ele! Eu não estou em casa e você não sabe onde estou — disse para
Andréa.
— De que você está falando? — Boquiaberta, a irmã olhava, sem saber o que
fazer. —Oh, quer dizer que é Mateus Tyrell?
— É claro que é. — A campainha tocou uma vez, e depois várias vezes seguidas.
— Não o deixe entrar! — Débora implorou.
Andréa ficou tensa.
— Está com medo dele? — Seu rosto tinha assumido a expressão combativa de
alguém que se prepara para uma guerra.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Aterrorizada — Débora falou, sem fôlego. Andréa olhou para a irmã, com
firmeza e decisão.
— Bem, eu não estou — falou, com o queixo levantado.
— Não o deixe entrar — Débora implorou, recuando, como se Mateus fosse
irromper sala adentro.
A campainha continuou a tocar, insistente.
— Não se preocupe, não vou — Andréa a acalmou, dirigindo-se para a porta.
— Você não o conhece. Ele parece um bate-estaca.
— Bem, mesmo assim, não vai bater em mim — disse e saiu. Kerry apareceu na
porta, com o rostinho excitado.
— Ele tem um carro incrível. Posso ir até lá, para olhar? É vermelho. Tenho
certeza de que ele voa. Papai não dirige rápido porque a mamãe não gosta. Você viu o
meu dente? Ele caiu quando eu estava almoçando na escola. Acho que engoli. Se eu
ficar com dois dentes faltando, vou poder assobiar. Você sabe assobiar, tia Deb?
— Sei — respondeu, ausente.
— Peter sabe assobiar. Ele não tem dois dentes. O que você sabe assobiar, tia
Deb? Uma música? Deixe ver, faça isso para mim!
A atenção de Débora tinha sido desviada para as vozes na entrada, mas fez um
grande esforço para prestar atenção no rostinho sério de Kerry. Ele era um garoto
saudável e magrela, com sardas no nariz e olhos redondos e muito vivos. Ela olhou para
ele afetuosamente.
— Sinto muito, o que você disse? O que quer que eu faça?
— Assobie — o menino pediu, sem estranhar que ela não tivesse ouvido. Os
adultos sempre faziam isso. Repetiu a história sobre Peter, com paciência, e
novamente perguntou se Débora sabia assobiar.
Ela provou que sabia e disse-lhe que, se tivesse menos dois dentes, poderia
fazê-lo muito melhor. Depois, ele mostrou a falha que tinha na boca.
— Maravilha! Que sorte que você não é um elefante. Os dentes deles são
enormes.
— Presas — Kerry corrigiu, com desprezo. — Eles também têm dentes, mas não
mastigam com as presas.
— Oh, não mesmo? Eu não sabia.
— No meu livro de conhecimentos gerais diz isso. Tem uma foto dos dentes
deles.
Débora pegou-o no colo. O garoto protestou:
— Não me aperte tanto, titia, minha barriga dói.
— Desculpe. — Beijou seu narizinho sardento.
Naquele momento, a porta foi aberta e um homem entrou. Andréa vinha atrás,
dizendo:
— Espere...

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Diante dela, estavam os olhos verdes de Mateus Tyrell. Seus braços ao redor
de Kerry apertavam ainda mais o menino. Ele abriu a boca para reclamar, mas não
conseguiu dizer nada quando viu a expressão da tia.
— Você não tem o direito de forçar passagem dessa maneira! — Andréa estava
indignada.
Débora colocou Kerry no chão e levantou-se. Sabia que a irmã não conseguiria
impedir sua entrada, se ele estava realmente determinado a entrar.
Mateus parou na porta, com Andréa cercando-o e lançando olhares
preocupados para Débora.
— Então, consegui pôr as mãos em você, finalmente! Você me aprontou uma
boa! Não dou a mínima para o seu judô. Agora, vai levar a maior surra dê sua vida. Se
quiser quebrar o meu braço depois, a vontade!
Andréa estava pasma, olhando de um para o outro, com os olhos arregalados.
Kerry ouvia, excitado.
— Se der um passo à frente, vai se arrepender! — Débora avisou, preparando-
se para escapar pela porta aberta que dava no jardim.
— Minha irmã não tem que falar com o senhor, se ela não quer! — Andréa
tentou meter-se. — Sabe que posso chamar a polícia? Esta é a minha casa, e ninguém
tem o direito de invadi-la.
Mateus deu-lhe um olhar de relance.
— Parece que é de família — falou para Débora.
— O que quer dizer? — Andréa perguntou, tremendo de raiva e suspeita.
— Não faça perguntas — Débora aconselhou.
— É muito melhor mesmo — Mateus concordou.
Deu um passo à frente, e Andréa se adiantou para encará-lo.
— O senhor não está lidando com mulheres indefesas.
— Disso eu não tenho a menor dúvida — ele falou, seco.
— Muito engraçado. Meta na sua cabeça que minha irmã não quer vê-lo. Ela não
é do tipo de mulher com quem está acostumado a lidar.
— Eu sei de que espécie ela é — Mateus disse pausadamente. — Ela vai ter que
responder por uma série de coisas. Estou até aqui com a sua irmã e não tenho a menor
intenção de deixá-la fugir de novo.
Andréa abria e fechava a boca, feito um peixe fora d'água. Olhava de Débora
para Mateus, como se assistisse a uma partida de tênis. Acabou esbarrando em Kerry.
— Vá brincar no jardim! — Empurrou-o pela porta, fechando-a. Mateus avançou
até Débora e agarrou-lhe o pulso, com um olhar cheio de ameaça e zombaria.
— Agora, você não me escapa.
— Não me machuque! — Débora lutava para se soltar. — Andréa... Olhou em
volta, mas a irmã tinha desaparecido. Mateus sorriu.
— Vejo que a sua irmã é realista. Espero que você também seja um dia...
Porque, se não for, vai levar uma vida um bocado difícil.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Será que pode me soltar?


Débora tentou empurrá-lo com a mão livre, mas ele foi mais rápido,
aprisionando-a também. Puxou-a para a frente, e ela virou-se, para evitar seus lábios.
— Que diabo! Fique quieta! Não me faça perder a paciência, ou não me
responsabilizo pelos meus atos, Débora. Corri por toda a Europa atrás de você e não
estou com nenhuma vontade de brincar.
— Nem eu. Eu lhe disse que não sou boa jogadora.
— Sei exatamente o que você é. Segurou-a, violentamente, e beijou-a com
fúria.
— Não... — ela murmurou sob sua boca, mas a pressão se tornava cada vez mais
intensa.
Mateus beijou-a, até que ela parou de lutar e correspondeu com a. mesma
intensidade. Seus corpos estavam enlaçados num abraço forte e desesperado. Débora
sentia o calor dele queimando-a. Agarrou-se mais e se entregou ao enlevo intenso que
Mateus tinha conseguido despertar nela.
Quando ele finalmente se afastou, conservou os braços em volta de sua
cintura. Havia ternura e violência ao mesmo tempo nos olhos verdes.
— Se pensava que fugindo daquela maneira ia ficar livre de mim, estava
muitíssimo enganada. Podia ter ido até o fim do mundo, Débora, que mesmo assim eu a
encontraria.
— Será que ainda tenho que soletrar? Recuso-me a ter um caso com você.
Ela tremia e a voz estava presa na garganta. Sabia que Mateus era capaz de
minar sua vontade. Esperava parecer mais confiante do que se sentia. Naquele
momento, mal podia se manter em pé. Os beijos dele a tinham deixado tão fraca como
uma convalescente.
— Oh, então você se recusa, não é? — Ele tinha um olhar malicioso. Débora
encarou-o, desafiante.
— Me recuso.
— Quer apostar? — Sua voz estava suave e os lábios esboçavam um sorriso.
— Não quero me envolver com você mais do que já estou. Para mim, chega!
A mão de Mateus correu por suas costas.
— Até que ponto já está envolvida?
— Deixe-me! — Tentou lutar novamente.
— Não, Débora, não vou mais deixar você... nem agora nem nunca. Admito que
no início pensei em ter apenas um caso. Tudo o que eu sabia sobre você nas primeiras
vinte e quatro horas era que me agradava muito com esses enormes olhos castanhos,
doces como o mel. Pensei em me aproximar da forma convencional, é lógico que pensei
nisso. Mas, depois, as coisas mudaram. Você me fisgou de uma maneira que, desde
então, não sou mais o mesmo.
O coração de Débora quase parou de bater. Não conseguia dizer
absolutamente nada. Estava paralisada.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Você foi feita para mim — ele murmurou, sorrindo. — Feita de encomenda,
querida. Sinto-me grato ao animal que a mandou para Veneza, aos prantos. Se não
fosse por ele, não teríamos nos encontrado. Vou mesmo convidá-lo para o casamento.
— Casamento?
— Casamento.
Corada e confusa, ela tentou protestar:
— Mateus, você está se apressando! Não pertenço ao seu mundo, e nem você
ao meu.
— Então vamos construir o nosso. Um que nós dois faremos juntos. É a única
dúvida que você tem?
— Eu não me adaptaria.
— Você se adapta a qualquer coisa. É inato em você. Lembra-se do casaco de
vison? O que me diz disso? Minha querida, você não tem outro argumento que me
convença do contrário!
— Oh, Mateus...
— Você adorou usá-lo, confesse.
— Há tantas outras coisas...
— Vou acabar com todas elas. Tenho certeza de que consigo.
— Não seja tão confiante assim!
— Não tenha uma de suas crises, pelo amor de Deus!
— Pare de bancar o mandão. Você não pode simplesmente se apoderar de mim e
comandar a minha vida.
— É justamente isso o que vou fazer.
Débora sentiu que ele se aproximava e falou, ainda sem fôlego:
— Você não pensou direito no que está dizendo.
— Não pensei em mais nada, nos últimos dois dias.
— Dois dias não são o bastante.
— É até demais, para mim.
— Uma semana atrás, pensei estar apaixonada por outro homem! Isso não lhe
diz nada? — Débora estava ficando desesperada. Ele parecia mais obstinado do que
nunca, e ela não tinha um único argumento para lhe dar. Seu coração batia tão forte,
que era impossível falar.
— Algo me diz que estou certo — Mateus falou calmamente. — Algo me diz que
você é humana e que me quer.
— Preciso de tempo!
— Depois de casados, vai ter o tempo que quiser — ele prometeu, beijando-a
no pescoço, junto da orelha.
— Quer me ouvir um momento, Mateus? — pediu, quando ele a puxou para o
peito, mas sem nenhuma intenção de afastá-lo. — Acho que quer casar comigo num
impulso, só porque tive uma desilusão amorosa há pouco tempo.
Mateus explorou o pescoço de Débora até encontrar seus lábios.

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Não acredito que você ligasse a mínima para ele... Tudo não passou de um
erro. Acho que me ama, mas ainda não está pronta para confessar. Se insiste, posso
esperar que esteja tão certa como eu. Mas, enquanto isso, não me mande embora,
porque não vou, Débora.
— Você é o homem mais obstinado que já conheci.
— Decidido— ele corrigiu.
— Eu falei obstinado e quis dizer isso mesmo.
— Querida...
Ele a beijou e ela tentou não corresponder, mas não conseguiu. Mateus riu,
satisfeito.
— Vê o que quero dizer?
— Mateus, você não percebe como é ridículo e absurdo tudo isso? Não posso
estar apaixonada por você, logo depois de morrer de amor por Robert.
— Nós concordamos que tudo não tinha passado de uma ilusão. Você estava
inclinada a se apaixonar por qualquer homem que se mostrasse disposto a abandoná-la;
isso foi instintivo em você, sabe disso. Foi condicionada desde a infância a escolher
alguém tão irresponsável quanto seu pai, mas teve juízo suficiente para se afastar
dele assim que percebeu que espécie de homem era.
Ela suspirou.
— Mesmo assim...
— Mesmo assim, nada — Mateus a interrompeu bruscamente. — Não vou
arriscar perder a minha felicidade, só porque você não tem fibra bastante para se
arriscar comigo. Nem que eu tenha que algemar você até o altar. Então, pare de
argumentar e aceite as coisas como são.
— Não force! — Os olhos castanhos faiscavam, furiosos.
— Acho que é o que você precisa. E muito cabeçuda. Precisa de mão firme.
— Tente, para ver o que acontece!
— Tenho o firme propósito de tentar. — Ele parecia divertido.
— Só estou querendo fazer você ver as coisas com mais clareza.
— Engraçado! É exatamente o que eu estou tentando fazer com você. Um de
nós deve estar errado.
— Oh, e é claro que sou eu a errada. Não poderia, por acaso, ser você?
— Não. Sou conhecido pelo meu equilíbrio e senso prático.
— Sem mencionar o seu temperamento explosivo.
— Depois que estivermos casados, espero que você se lembre de não me
provocar. — Riu de um jeito tão provocante que o coração de Débora derreteu
novamente.
— Mateus... — começou, e foi silenciada por um beijo estonteante, que a fez
sentir-se fraca novamente. Agarrou-se a ele, sem querer mais escapar.
— Convencida? — ele perguntou, com um sorriso de vitória. — Ou você precisa
de mais alguma prova?

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

— Preciso examinar minha cabeça. — Aconchegou-se ao peito dele. Bateram à


porta, e Mateus olhou para ela, com uma careta.
— Sua irmã deve querer ter certeza de que não estrangulei você ainda. Andréa
pôs a cabeça pela porta, e estranhou ao vê-los abraçados.
— Acho que vocês gostariam de tomar café — disse, como se quisesse dizer
algo bem diferente.
— Um bom uísque seria mais apropriado — Mateus respondeu. — Pedir sua irmã
em casamento é pior do que três rounds com qualquer peso-pesado!
Andréa olhou para Débora, perplexa.
— Ela não disse sim ainda. Pretendo beijá-la, cada vez que disser não, até ela
mudar de idéia.
— Da próxima vez que eu estiver com raiva dos homens, não vou mais para
Veneza — Débora falou, sem levantar a cabeça do ombro de Mateus.
— Da próxima vez, você vai ficar comigo.
— Se precisarem de mim, estou na cozinha — Andréa falou, saindo e fechando
a porta.

— Estou ansioso para ver o encontro de sua irmã com as minhas. Acho que vai
ser uma ocasião memorável.
Puxou Débora até o sofá. Ela o olhava, com dúvida e paixão.
— Você conheceu tantas mulheres... Como pode saber que o que sente por mim
não vai acabar, como aconteceu com as outras?
Ele acariciou o rosto dela.
— Tenho certeza.
— Como pode ter certeza?
— Nunca me senti assim antes — falou, com um olhar significativo e
provocante.
— Oh... — ela murmurou, sem fôlego. — E como é que se sente?
— Não saberia descrever. Já desejei uma mulher antes, com o mesmo ardor,
eu acho. Mas, com você, aconteceu algo diferente... uma reação química que me faz
mudar da extrema raiva até a mais extrema felicidade, num piscar de olhos. Você me
faz sentir vivo. Com as outras, o único elo era o sexo. Com você, é diferente.
Débora não sabia se aquilo era um elogio ou não. Mateus continuou:
— Quando eu a conheci, começava a achar a vida enfadonha. Dia após dia, a
mesma rotina... e sem finalidade, aparentemente. Garotas idênticas, com mentes tipo
máquinas de calcular, faziam fila atrás de mim. Isso acontece, quando se tem dinheiro.
Você sai com elas porque não tem nada melhor a fazer, mas, depois de um certo
tempo, vê que esqueceu o nome de todas, e isso é um péssimo sinal.
— Deve ser mesmo.
— Que menina má que você é, às vezes. Quando a encontrei, as coisas
pareceram mudar. Tornou minha vida muito rica e sem nenhum tempo de

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

aborrecimento. A princípio, não percebi o que estava me acontecendo, mas quando a vi


na cama, com aquele desgraçado... nem sei o nome dele... fiquei tão louco que entendi
que era ciúme. Aquilo fez com que eu começasse a pensar nos meus sentimentos. —
Fez uma careta para Débora. — Fui vê-lo em Roma, pensei que encontraria você lá.
— Pobre Rodney! O que foi que você fez com ele?
— Amassei o nariz dele... só um pouquinho. Num minuto, resolveu contar onde
você estava.
— Não foi correto. Pobre Rodney. — Débora pensou que gostaria de ter visto a
cena. Não que desejasse o mal de Rodney, mas o que ele tinha dito sobre ela ser um
bloco de gelo não lhe saía da cabeça.
— Confesso que ainda estou com ciúme.
— De Rodney? Você deve estar louco! — Débora começou a rir, enquanto
Mateus apertava seu braço, com um olhar ameaçador.
— Isso não foi divertido. Se alguém tivesse dito que eu me veria tentado a
torcer o pescoço de um cretino qualquer por ciúme, eu diria que ele precisava de um
analista. Mas o fato foi que me senti tentado a jogá-lo do décimo quinto andar, até que
ele me jurou que não tinha nada com você.
Débora ficou horrorizada.
— Você não contou nada a ele, contou? Mateus deve estar maluco. Realmente,
está! Ele vai publicar isso. Não lhe passou pela cabeça?
Ele parecia impaciente.
— A única coisa que me ocorreu no momento era encontrar você e saber se
também me amava. Eu estava muito ocupado em amassar o seu amiguinho, para pensar
em como é que tudo aquilo ia ficar impresso.
— Você devia estar em estado de choque — ela zombou, com um suspiro.
— Você não devia ter fugido de mim.
— Eu tinha que fugir.
— Por quê? — Ele estava indignado. — Pensei que íamos chegar a algo. Por que
você escapou?
— Porque você estava chegando lá — confessou, corando um pouco. — Fiquei
muito assustada com a maneira como começava a me sentir em relação a você, e não
queria passar outra noite sozinha com você lá na vila. Sei que as chances eram de
acabar na cama com você, se eu ficasse.
Mateus parecia feliz.
— Foi exatamente o que eu pensei.
— Você é o convencido mais irritante...
Mas os beijos apaixonados dele calaram os protestos de Débora. E quem é que
queria protestar?

FIM

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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb

Você vai viver uma história emocionante!

JULIA 43
SEMPRE NO MEU CORAÇÃO
Mary Wibberley

Seria loucura continuar sonhando com Jared de Marais, dois anos depois de
ele ter partido sem uma palavra, sem um adeus? Claro que era! Charlotte devia odiá-lo
por tudo o que tinha sofrido. Mas o fato é que não conseguia esquecer a paixão, tão
linda, que eles tinham vivido em Paris. E agora, de volta ao interior da França, para
trabalhar num castelo, Charlotte o reencontrava. O que estaria Jared fazendo ali, em
pleno campo? Será que também trabalhava no cast Tor. E ela, teria coragem de
encará-lo, sem que seus olhos confessassem que, apesar de desprezada, ainda daria a
vida por ele?

JULIA 44
A PRAIA DAS ILUSÕES
Victoria Gordon

Selma estava confiante. Ninguém podia ser infeliz em Queensland, na


Austrália, com um emprego como era o dela, no jornal. Só que Selma não havia contado
com Dan Bradley. O primeiro encontro deles foi emocionante, com a lua e a praia
deserta como únicas testemunhas. Mas Selma achou que logo o esqueceria. No
entanto, Dan invadiu sua vida profissional, destruiu seu coração e a transformou em
piada da cidade inteira. E agora ela não passava de uma figura ridícula para todos,
apaixonada pelo homem errado. De uma estranha raridade, segundo Dan: uma virgem
medrosa de 28 anos!

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