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FEITOS UM PARA O
OUTRO
ILLUSION
CHARLOTTE LAMB
Para Débora,
era uma situação
absurda: pela primeira
vez na vida, a
talentosa repórter
tinha virado notícia. E
que notícia! Ainda
podia ver os flashes
dos paparazzi
explodindo em seu
rosto. E ela, de
vestido rasgado, nos
braços de um homem
que mal conhecia.
Quem é que ia acreditar que não havia nada entre os dois? Pior: como ia convencer
Mateus Tyrell de que ela não tinha nada a ver com aquele flagrante, armado só para
prejudicá-lo e conseguir uma boa história? O jeito, agora, era manter a calma. Só não
podia esperar que Mateus se vingasse, obrigando-a a coisas tão horríveis...
CAPÍTULO I
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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb
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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb
Não podia se iludir, pensando que ele a havia enganado. Na verdade, Robert até
a prevenira.
— Não me leve a sério — tinha dito muitas vezes.
Mas sempre falava rindo e de um jeito tão suave, que ela jamais tinha levado
seu aviso a sério. Um grande erro... Apaixonara-se cegamente, ignorando totalmente
os sinais de perigo.
Robert era charmoso, sem pretensão, com aquele sorriso encantador — mas
impessoal, agora sabia disso. Como o sorriso que o porteiro do hotel lhe dera. Ele
gostava da companhia de Débora, tinham sido inseparáveis durante três meses.
Débora era uma moça inteligente, cheia de senso de humor e dotada de uma
mente viva e brilhante. Só que seu tão decantado senso de humor a abandonara,
quando descobriu que Robert tinha outra mulher.
— Eu lhe disse para não me levar muito a sério, não disse? Afinal de contas,
somos amigos, não somos?
— Amigos?
A palavra "amigos" a apanhara desprevenida, deixando-a perturbada a ponto
de tremer incontrolavelmente. Amigos? Como ele podia chamar o que havia entre os
dois simplesmente de amizade?
Robert chegou a corar diante de sua reação. Depois, ele tentou explicar,
suavemente:
— Deb, eu nunca prometi nada a você... Não pode negar isso. Não tente me
colocar contra a parede. Não gosto disso, você sabe. Sofro de claustrofobia quando
percebo que as pessoas querem me prender, reclamando por direitos e deveres. Não
me sinto à vontade, e você sabe do que estou falando.
Quando essas lembranças lhe voltavam — o que acontecia sempre —, sentia-se
grata por não ter perdido totalmente o orgulho. Mas a decepção deixou uma dor tão
insuportável, que resolveu afastar-se algum tempo de Londres, tirar umas férias.
— Nessa época do ano? — Andréa havia perguntado, com um leve
ressentimento.
Andréa tinha marido e filhos, mas nem por isso deixava de se preocupar com a
irmã, que, em sua opinião, era independente demais.
— Você está sempre viajando. Acabou de chegar de Genebra. Para que precisa
de férias? — Nem esperou resposta. Começou a desfiar o rosário de queixas bem
maiores do que os motivos que talvez Débora tivesse para querer sair da Inglaterra.
E, quando Andréa começava, não havia meio de pará-la. Débora deixou de ouvi-la
depois dos primeiros minutos de lengalenga. Não havia mesmo nenhuma necessidade de
prestar atenção: conhecia de cor e salteado os pontos de vista da outra, que, aliás,
nunca perdia uma chance de os repetir, toda vez que se encontravam.
Andréa era quatro anos mais velha e ainda a tratava como a caçula. Ralhava,
dava ordens, se intrometia, exatamente como quando eram crianças.
— Você devia se casar. — Lá vinha ela com seu assunto favorito.
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— Vou andar com você. — Juntou-se a ela, sem pressa. — Para o caso de
encontrar mais algum daqueles rapazes perigosos... — Havia zombaria no comentário e
seu olhar era provocador.
Mas Débora não insistiu na história do assalto. Nem se incomodou se ele
acreditava nela ou não. O incidente a deixara trêmula e aquele silêncio hostil, mais a
lembrança dos rapazes, ainda a intimidava bastante.
Estremeceu involuntariamente e o desconhecido observou:
— Devia ter vestido algo mais quente do que essa jaqueta. Estamos em
outubro, lembra? Aqui em Veneza, costuma ser bastante frio no outono.
As luzes do hotel apareceram por entre a névoa. Pararam na porta, do lado de
fora, e Débora começou a agradecer, mas foi logo interrompida pelo sorriso que ele
deu:
— Não foi nada. Estou feliz por ter ajudado. Vai ficar por aqui?
— Vou.
— É um ótimo hotel, calmo e bem-dirigido. A comida é excelente.
— Conhece-o bem? — Imaginou que ele morasse em Veneza. Não parecia um
turista.
Diante das luzes do hotel, foi capaz de vê-lo direito pela primeira vez. Era bem
mais alto do que ela, com ombros largos e poderosos, corpo delgado e elegante, o
físico de um atleta. Seu rosto era marcante, sem ser bonito, com sobrancelhas
escuras e olhos verdes que a observavam, divertidos. Tinha um nariz ligeiramente
arrogante e uma boca bem-feita e sensual.
— Já estive aqui muitas vezes. Quando você chegou?
— Há uma ou duas horas. Ele sorriu.
— E foi logo explorando o lugar, hein? Não é muito aconselhável, com este
tempo.
— Não.
Ela estava se aborrecendo novamente e, pela maneira como ele a observava,
percebeu que tinha notado sua zanga e se divertia ainda mais com isso. Deu-lhe a
impressão de ser um homem irônico, que ria com freqüência. Sua pele estava bem
bronzeada., Será que tinha acabado de voltar de férias ensolaradas?
— Bem, obrigada novamente.
O porteiro já estava abrindo a porta. Débora percebeu o olhar curioso que deu
para o outro homem. Entrou, sem se virar outra vez para seu salvador. O hall estava
bem aquecido e acolhedor. Ela tremia e o porteiro disse, atencioso:
— Uma noite terrível senhorita. Temos muitos nevoeiros nesta época do ano.
Débora sorriu e concordou com ele.
— Estou faminta — acrescentou, sentindo o delicioso aroma que vinha do
restaurante. Seu estômago começava a reclamar. — Mas, primeiro, vou subir para me
trocar.
Comeu pratos típicos, o famoso fígado veneziano com creme e ervas, e o
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apaixonou pela primeira vez. Antes disso, só tinha brincado com o amor, sempre
divertindo-se e experimentando-o. Quando finalmente se apaixonou, tinha sido
divertido também, exceto naquele dia em que todo o encanto acabou: seu jovem
Adônis, um rapaz de vinte anos, de temperamento ardente, confessou que
simplesmente não a amava mais. Engraçado! Débora não conseguia mais nem lembrar
como ele era.
Será que um dia também esqueceria como Robert era? Fechou os olhos... e a
imagem dele apareceu imediatamente. Não era tanto a aparência dele, mas a maneira
como sorria... isso, sim, achava inesquecível.
Ele não me fez de boba, Débora tentava se convencer. Eu mesma me fiz de
boba. Sou ótima nisso. Provavelmente, é o meu maior talento.
— Você nunca presta atenção — seu chefe tinha lhe dito certa vez. Na época
era uma repórter iniciante, correndo atrás de experiência de vida e trabalho, nunca
parando para ouvir direito o que as pessoas tinham para contar.
Cometera um terrível engano, confundindo dois nomes. Resultado: dois homens
importantes e irados tinham ido à redação, fazer queixa dela.
— Você nunca presta atenção no que ouve.
O chefe tinha razão. Devia ter ouvido quando Robert preveniu:
— Não me leve a sério.
Ele foi honesto. E não era culpado por ela se apaixonar tão perdidamente.
Tinham se conhecido num almoço, quando Débora foi receber um prêmio de
equipe pela cobertura de uma guerrilha num país africano. Ela acabara de voltar de lá,
depois de ver cenas que jamais esqueceria, e ficou irritada com os discursos elogiosos,
a festa, a comida cara, os homens com ternos impecáveis, os charutos e o vinho. Não
podia deixar de lembrar as criancinhas que choravam, implorando por comida, nas ruas
da cidade em ruínas. Estava de partida, de volta para casa, e aquela imagem
acompanhou-a cada minuto da viagem.
Mas não demonstrou a sua revolta. Fez um discurso educado e gentil de
agradecimento e, para apagar aquela lembrança terrível, acabou bebendo mais do que
estava habituada. A mistura de vinho e raiva soltou sua língua. Robert estava sentado
a seu lado e conversaram bastante. No final do almoço, ele perguntou:
— Posso ver você novamente?
A princípio, Débora estava sempre fora da Inglaterra, a serviço. Foi se
envolvendo sem perceber, pensando que ele se sentia da mesma forma. Robert ficava
tão feliz ao vê-la e tão triste quando ela tinha que viajar novamente, que tudo levava a
crer que os sentimentos dela eram correspondidos.
Ele morava e trabalhava em Londres; aquela era sua concepção do paraíso.
Como editor de uma revista muito conceituada, conhecia todo mundo e tinha trânsito
livre em todos os lugares. Era muito sociável, gostava de boa companhia e nada
importante acontecia na cidade sem que Robert estivesse presente. Conseguia
entradas para todas as peças novas, óperas ou bales. Assim como convites para festas.
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um filho como Kerry. Gostava muito dele, e imaginava o que Andréa diria, se lhe
confessasse seus instintos maternais.
"É muito fácil para você falar! Só o vê quando ele se comporta melhor! Devia
ver Kerry quando teve sarampo, ou quando não quer ir para a cama, por causa de algum
programa da tevê. Aí, então, é que se revela o verdadeiro monstrinho!"
Talvez as maçãs fossem sempre bonitas do outro lado da cerca. Invejava
Andréa que, apesar de todas as queixas, tinha segurança e amor, e sabia disso. Por sua
vez, Andréa invejava aquele glamour, aquele encanto, a magia da vida excitante que
pensava que Débora levava.
Comprou um número enorme de postais e sentou-se num café, para escrever
rapidamente umas linhas, antes de enviá-los. Pela primeira vez, depois de muito tempo,
não mandou nenhum cartão para Robert.
Recolheu os cartões e ia se levantar quando viu o homem da véspera. Ele não a
viu; atravessava a praça larga è cheia de pombos, com uma mulher. Débora observou-
os. Aquela cabeça de cabelos claros estava inclinada, ouvindo o que sua companheira
dizia. Ela andava rapidamente, para acompanhar os passos rápidos e largos dele, e os
saltos dos sapatos ressoavam.
De repente ele sorriu, e seu rosto encheu-se de humor e charme. Débora
sentiu novamente a hostilidade que sentira na noite anterior, quando ele admirou suas
pernas. Uma hostilidade maior ainda, porque conhecia aquele tipo de sorriso,
encantador e casual. Robert costumava sorrir exatamente daquele jeito para as
mulheres.
Olhou na direção oposta e caminhou até encontrar um vaporetto, que a levaria
de volta ao canal onde ficava o hotel. O dia estava calmo, e o ar, limpo, uma qualidade
que enriquece Veneza e enfeita o esplendor decadente de suas igrejas e palácios
antigos. A neblina não combinava com aquele lugar. Uma brisa leve e suave soprou ao
longo do Grande Canal, arrepiando a superfície e multiplicando os reflexos coloridos na
água.
Uma criança passou numa gôndola, chupando um enorme sorvete de morango.
De repente, inclinou-se e deixou cair o sorvete no canal, e a crise de raiva que teve
fez todo mundo morrer de rir. Débora riu também. Era tão bom ser criança e não
precisar esconder a frustração...
Olhou para as fachadas rosadas e douradas que passavam por ela e sentiu-se
quase feliz novamente. Era um bom sinal de que talvez, num futuro próximo, voltaria a
ser ela mesma. Mesmo a infelicidade não dura para sempre. Um dia ela se recuperaria
e se livraria daquela dor.
Voltando para o hotel, surpreendeu o porteiro com um sorriso espontâneo e
farto.
— Um bom dia, senhorita? — Ele parecia encantado, como se Veneza lhe
pertencesse e tivesse notado o fato de Débora não ter se sentido muito feliz por lá
até agora. Estava recompensado, feliz por vê-la feliz.
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— Muito bom! — respondeu, apesar de nada ter acontecido; exceto que o sol
brilhava e que aquela criança tinha deixado cair seu sorvete nas águas do canal.
Enquanto o elevador subia, com um solavanco, viu o homem alto cruzando o hall.
Seus olhos se encontraram. Débora quase sorriu para ele também, mas depois resolveu
ignorá-lo. Era mais seguro.
CAPÍTULO II
Quando Débora desceu para jantar naquela noite, p elevador não estava
funcionando. Um aviso tinha sido colocado na grade: "Em Conserto". Isso queria dizer
que teria de descer quatro lances de escada e subi-los novamente depois. Eles não o
consertariam naquela noite, sem dúvida.
A escada era de mármore, enfeitada e gasta. Seus saltos faziam um barulho
indiscreto ao descer. Tinha a impressão de que o hotel estava apenas com a metade da
capacidade. Raramente via outros hóspedes pelos corredores, e Débora preferia
assim. Os empregados tinham mais tempo livre e, conseqüentemente, estavam de
melhor humor.
No primeiro andar, havia uma porta aberta. Quando passou, alguém saiu do
quarto, com uma chave na mão. Débora sorriu, mas ficou séria quando o reconheceu
novamente.
— Teve um bom dia? — ele perguntou, juntando-se a ela.
— Sim, obrigada. — O homem lembrava-lhe o pânico que sentira na véspera, e
sua presença a incomodava.
Ele parecia diferente naquela noite. Dava a impressão de estar zangado por
algum motivo. Seus olhos tinham uma luz fria e ele estava com uma expressão
carrancuda. Débora ficou aliviada, ao pensar que ele não tinha aquela cara. fechada
quando apareceu por entre a névoa, na noite anterior.
Os olhos verdes pousaram sobre ela e, subitamente, mudaram, tornando-se
mais suaves.
— Vai fazer algo essa noite?
— Jantar e dormir cedo — respondeu rapidamente, para não lhe dar chance de
fazer nenhum convite.
— Salvei sua vida ontem a noite — falou, com uma certa zombaria na voz. — Ou
de coisa pior, dependendo do que os seus meninos tinham em mente.
— Tive a impressão de que você não acreditou na existência deles, não
foi?
— E isso importa? — Ele estava zombando novamente. — De qualquer maneira,
não acha que me deve um favor? Pelo menos, seria justo, não acha?
— Eu teria feito o mesmo, se você fosse assaltado por dois adolescentes.
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— Era exatamente isso que eu tinha pensado. Débora fitou-o, confusa. Ele
continuou, tranqüilo:
— Tenho uma festa hoje à noite. Não há jeito de evitá-la sem ofender alguém
que não posso ofender. Se eu for sozinho, vou ser perseguido a noite inteira por uma
gordinha insistente que parece não entender negativas educadas.
— Tente as mal-educadas, então. Ele riu.
— O pai dela é o fulano que eu não posso me dar ao luxo de ofender.
— Parece que você tem problemas.
— Eu ficaria muito grato se você pudesse ser meu guarda-costas por essa
noite.
Débora deu-lhe um olhar frio.
— Que tal se você tentar contratar um numa agência de segurança?
— Um pouco tarde para isso, agora. Eu tinha alguém com quem contar, mas ela
acabou de ligar, dizendo que está com uma enxaqueca terrível. Eu não posso ir sozinho.
— Oh, essa espécie de festa talvez não seja o meu ambiente. Receio que eu
não tenha nada a ver com tudo isso. — Sorriu para ele, dando o assunto por encerrado
e, quando chegaram ao restaurante, foi direto para sua mesa.
O homem, no entanto, seguiu-a, sem ter sido convidado, sentando-se tão à
vontade como se soubesse que era bem-vindo e não tivesse a menor dúvida sobre o
fato.
— Oh, é uma festa formal, monótona — insistiu. — Teresa é o único problema:
uma garota mimada e totalmente estragada que, por algum motivo, tem idéia fixa em
mim. Se me arrisco a chegar sozinho, ela vai grudar em mim.
O garçom dividiu as atenções e os sorrisos entre os dois, oferecendo-lhes o
menu.
Débora olhou em volta, irritada com aquela companhia indesejada.
— O fígado está ótimo — ele comunicou, indiferente ao olhar significativo que
ela tinha dado.
— Eu sei. Comi ontem à noite.
— Experimente a vitela então — ele sugeriu.
Débora fechou o menu, furiosa, decidindo comer galinha. Pediu
rispidamente:
— Pollo Principessa.
O garçom sorriu e anotou, antes de desviar a atenção para o outro hóspede da
mesa.
Depois que encomendou o prato e o garçom se retirou, ele olhou Débora,
pensativo e preocupado.
— Meu nome é Mateus — informou, esperando que ela fizesse o mesmo.
— Débora. — Ele não tinha dado o sobrenome, portanto ela também não o fez.
— Em Veneza, de férias? De onde você é?
— Londres — respondeu secamente, desejando que ele fosse embora, mas sem
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seu cabelo claro e grosso, penteado para trás, mas sempre caindo na testa, fazendo
com que ele o afastasse, impaciente. Seus movimentos eram cheios de energia e
vitalidade. Aparentava ser bastante ativo, e ela imaginava que devia ser difícil para ele
ficar parado por muito tempo.
— Existe alguém que não gostaria, se você fosse a essa festa? — ele
perguntou, de repente, olhando para suas mãos, para verificar se usava aliança.
— Sim.
— Ah... Um amante?
— Não. Eu.
Ele riu novamente.
— O seu cabelo é natural? A cor quero dizer? — ele perguntou,
surpreendendo-a.
Ela levantou os olhos, sem compreender a súbita mudança de assunto.
— Sim, é natural. — Depois, percebendo que ele a estava provocando,
acrescentou; — Muito engraçado!
— Você deveria usá-lo mais comprido. Enfeitaria muito mais.
— É mais fácil para lidar com ele nesse comprimento.
— Que menina prática — caçoou.
O garçom retirou o primeiro prato e serviu o segundo.
Débora tinha planejado terminar a refeição rapidamente e ir embora, antes
que ele pudesse insistir em levá-la à festa, mas o efeito do vinho já se fazia notar.
Estava mais relaxada, e seus movimentos mais lentos.
É um vinho bom e caro, pensou, tentando ler o rótulo, inutilmente por causa do
guardanapo adamascado que cobria a garrafa. O garçom colocou-a no balde de gelo e
retirou-se. Ela olhou para Mateus., que calmamente informou-a sobre a safra e o ano.
— Eu estava mesmo imaginando que vinho seria — ela confessou.
— Eu sei. Notei isso.
— É muito bom.
— Não é mesmo? — Ele olhou para o prato de Débora. — Seu jantar parece
muito bom, também. Eu lhe disse que a comida daqui era excepcional. O chefe da
cozinha foi treinado em Paris e está aqui há anos. Sempre fico neste hotel quando
venho a Veneza.
— Você não mora aqui, então? Ele pareceu surpreso.
— Não. Moro em Londres, como você.
— Mas vem freqüentemente para cá?
— De vez em quando.
Algumas pessoas passavam pela mesa e Mateus dirigiu o olhar para uma delas,
uma bela mulher, observando-a do rosto até as pernas elegantes, com evidente
aprovação. Quando se virou novamente para Débora, ela comentou, irônica:
— Por que não pede para ela ir à festa com você?
— Não fomos apresentados.
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— Mas isso não o impediria. Não me lembro de ter sido apresentada a você,
também.
— Ah, mas você me deve um favor.
— Lembre-me de jamais lhe pedir um favor novamente: ele pode, custar muito
caro!
— O sapato está apertando meu pé, não o seu. — Fez cara de triste e insistiu:
— Ora, vamos... Uma horinha naquela festa não vai tirar pedaço, não é mesmo?
Débora deu de ombros, bebendo mais um pouco daquele vinho delicioso.
Sentia-se estranhamente alegre, aliviada. Uma festa até que podia ser divertido;
principalmente porque não conhecia ninguém e não precisava se esforçar em ser
animada e agradável. O vinho corria em suas veias e dava ao mundo um colorido mais
forte.
Mateus pressentia a vitória. Inclinou-se sobre a mesa, pedindo:
— Então?
— Vou pensar no assunto. Ele parecia mais autoconfiante.
— Você já esteve em Veneza antes?
Foi bastante inteligente, ela pensou, em mudar de assunto assim. Aquele
homem sabia observar e esperar. Sabia quando manter ou não a pressão.
— Já.
— Gosta daqui, então? Senão, não viria novamente, como eu?
— E você gosta de evidenciar o óbvio, não gosta? Os dois se mediram com o
olhar.
— E você gosta de jogar as pessoas para baixo.
— Depende.
— De quê?
— Se elas merecem ou não!
— Como é que ele é? — perguntou, de repente.
A mão de Débora tremeu, e ela pousou o garfo no prato.
— O quê? De quem está falando?
— Do fulano que magoou você. É por ele que está me castigando, não?
Ela lançou-lhe um olhar de admiração.
— Muito inteligente!
— Como você diz, estou apenas confirmando o óbvio. Foi recente, não foi?
— Sua vitela está esfriando.
Ela continuou a comer e, depois de um instante, ele também o fez. Não falaram
durante algum tempo. Foi apenas quando estavam na sobremesa que Mateus resolveu
puxar assunto novamente:
— Que idade você tem? Débora sorriu.
— Você faz perguntas bastante pessoais, não é mesmo?
— Eu imaginava como é que você chegou até os... vinte e cinco... ou seis sem ter
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uma história sensacionalista, eram conhecidos por paparazzi. Não seguiam as pessoas,
como abutres esperando pela morte, se a presa não fosse um grande nome.
Mateus, ela pensou, procurando por um sobrenome famoso que completasse o
primeiro nome.
Ela não poderia perguntar agora, sem despertar curiosidade. Precisaria
esperar dicas. Cedo ou tarde, acabaria descobrindo. O porteiro do hotel, sem dúvida
alguma, sabia e lhe diria, se ela perguntasse com jeitinho.
O café chegou, mas naquela noite estava muito melhor. Mateus tinha pedido
com creme e licor para acompanhar.
Débora estava alegre e relaxada, finalmente, mas, por trás do olhar risonho,
sua mente trabalhava a toda, incessantemente.
— Você vai à festa? — Mateus perguntou, e recebeu de volta um sorriso
fascinante.
— Gostaria muito!
Ele pareceu surpreso, mas não muito, pensando, sem dúvida, que sua decisão
era efeito daquele bom vinho que tinha servido a Débora durante todo o jantar. Ela
olhou para ele, carinhosamente, enquanto bebia o café.
Não seria má idéia ir com Mateus. Para isso estava em Veneza: para
espairecer, tentar esquecer. Quando pediu aquelas férias, seu editor tinha caído em
cima dela, como um corvo:
— Você já tirou suas férias. O que pensa que é isso aqui? Uma casa de
caridade?
— Eu ficaria muito agradecida, Hal — ela disse baixinho, desviando o olhar.
Hal percebera sua tristeza e não tocou mais no assunto. Era um homem alto e
agressivo, com uma voz muito forte que podia ser ouvida de uma ponta à outra do
prédio. Também tinha um sexto sentido apurado e um altíssimo senso de oportunidade.
Não sabia o que estava acontecendo, nem queria saber. Apenas sentiu que Débora
precisava sair um pouco da Inglaterra e concordou. Seus ombros enormes se
encolheram.
— OK. Vou esperar um favor em troca, um dia desses. Pode tirar uma semana.
— Dez dias, se você der um jeito.
— Leve alguns litros do meu sangue também, não quer? — tinha dito,
afastando-se.
Hal ficaria feliz se ela levasse uma boa história, ao voltar das férias. Era o
mínimo que podia fazer por ele.
Débora fazia parte de uma pequena e selecionada equipe de repórteres
encarregados quase que apenas de assuntos estrangeiros. Tinham que ter sempre uma
maleta pronta para viajar a qualquer momento que fosse necessário.
Quando a história era muito complexa, iam em grupo para garantir uma boa
cobertura. Débora era a única mulher da equipe e tinha que trabalhar duas vezes mais
do que os outros, porque qualquer erro que cometesse era logo considerado uma
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verde na mala. Sempre levava um traje de noite em suas viagens, porque nunca podia
prever os lugares onde seu trabalho a obrigaria a ir e era sempre bom estar
prevenida.
Tomou banho, vestiu-se e maquilou-se com uma rapidez extraordinária. Em
quinze minutos, exatamente, estava de volta à porta do quarto de Mateus. Bateu e ele
abriu, muito espantado.
— Incrível! — comentou, entusiasmado.
— Isso é para você aprender a não fazer julgamentos levianos.
— Na minha experiência de vida, as mulheres sempre subestimam o tempo de
que precisam para se aprontar.
— Se existe algo que realmente não consigo entender, é o julgamento
apressado, injusto e generalizado que os homens fazem a respeito das mulheres.
— Há sempre exceções às regras — ele concordou, divertido. Estava de camisa
e lutando com as abotoaduras.
— Você não está pronto, ainda? — Débora olhou atrevidamente para ele.
— Sinto-me culpado. Peço clemência. Não vou demorar mais do que um minuto.
Prometo.
Ela o ajudou com as abotoaduras.
— Obrigado. — Depois, virou-se para pegar o paletó do smoking. Ficava ainda
mais atraente naquela roupa. A formalidade e a elegância
do smoking combinavam com ele; o traje realçava a largura de seus ombros e a
flexibilidade do físico musculoso. Débora tinha que concordar que era bastante
compreensível uma adolescente ficar fascinada e impressionada com ele, achando-o
desejável e irresistível. Sua maneira de agir displicente e charmosa sem dúvida devia
ser ó máximo da sofisticação para a tal Teresa.
Por que será que a sofisticação parece tão fascinante quando se é jovem?
Débora lembrou que ela mesma também pensava assim. Sentiu pena e simpatia por
aquela menina apaixonada e rejeitada.
A simpatia provocou uma pergunta: será que Mateus tinha flertado com a
garota? Talvez ele seja outro Robert, pensou, observando-o enquanto ele colocava o
relógio no pulso.
— Pronto — disse, olhando-a. Os olhos verdes pousaram sobre ela e brilharam,
aprovadores. — Posso me permitir dizer que você ainda parece mais uma modelo, nesse
vestido?
— Obrigada.
Foi um agradecimento morno. Não ia se deixar levar por elogios e se envolver
novamente. Naquele momento, os homens estavam em sua lista negra. Ele que fosse
jogar todo aquele charme em cima de outra. Ela não estava interessada em nenhum
joguinho romântico.
— Você está sempre com o pé atrás, não é?
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tinha impedido. Não há nada mais doloroso do que um amor não correspondido.
Nem o inferno é pior, pensou, olhando para a cidade banhada pelo luar, tão
linda e ao mesmo tempo tão feia, porque Robert não estava lá.
O amor existia só em sua própria cabeça... será que ele também tinha dito isso
sobre ela?
Olhou rapidamente para Mateus, que observava os prédios que
passavam vagarosamente à sua direita, sem imaginar o efeito que sua frase provocara.
Apesar de Robert a ter prevenido para não levá-lo a sério, tinha flertado com
ela e feito tudo para conquistá-la, durante meses. Interpretara-se mal suas intenções,
era porque Robert a levou a pensar que a amava. Ele tinha pelo menos metade da culpa,
induzindo-a ao erro. Será que era o mesmo que Mateus estava fazendo para Teresa
Scalatio?
Queria-se assinar um contrato com o pai dela, devia ter usado Teresa para
ajudá-lo. Pelo charme que costumava fazer com ela, Débora podia muito bem imaginar
que ele sempre se comportava assim com as mulheres, persuasivo e insinuante. Agora
que o acordo já estava confirmado, queria se livrar da pobre moça. Suas intenções
nunca tinham sido sérias.
Mateus virou-se e seus olhos se encontraram. Ela viu que o rosto dele tinha
mudado: a expressão calma e tranqüila dera lugar a um olhar interrogativo. Tinha visto
hostilidade em sua expressão e queria saber por quê. Forçando um sorriso, disse:
— A sua lua valeu.
— Fico contente que pense assim. Encomendei-a especialmente para você.
— Quanta atenção!
Ele sorriu, mas ainda conservava aquela expressão de curiosidade.
— Como ele era?
Ela piscou e não conseguiu encará-lo.
— E muito longe esse palácio, ou você não disse ainda?
— O que foi que não deu certo? Você brigou com ele? Ou foi o contrário?
Débora também não respondeu a essas perguntas. Depois de algum tempo, ele
continuou:
— O amor é como dor de dente. Pode ser um inferno, enquanto dura; mas,
quando ele se vai, você não entende por que toda aquela confusão.
— Você é um perito no assunto, pelo que estou vendo. — Ela não conseguiu
disfarçar o antagonismo na voz.
— Sou um ser humano. Isso me faz um perito; no amor, pelo menos. Se eu
chegasse aos trinta e seis anos sem saber algo a respeito, seria muito tolo.
— Coisa que você não é, evidentemente.
Os olhos de Mateus começaram a brilhar. Ele aproximou-se e passou o braço
atrás dela.
— Quer uma prova disso?
— Não, obrigada — Débora falou, endireitando-se.
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— Uma pena. — Ele riu. — Estou sempre pronto para demonstrações desse
tipo.
— Tenho certeza disso.
Olhou para o braço dele, colocado no encosto do banco, e Mateus
imediatamente o retirou.
Naquele momento, a gôndola bateu nos degraus de pedra. Mateus ajudou-a a
saltar e a subir nos degraus úmidos e escorregadios, cobertos de musgo.
O palácio era cinzento e azul, com varandas em arco ao longo da fachada do
primeiro andar. Dava a impressão de que mesmo a brisa mais suave o faria desabar
dentro do canal. O tempo tinha desgastado o trabalho de entalhe na pedra, as
molduras e as pilastras, fazendo:o parecer uma casa sentenciada à morte.
— Deve ter sido lindo!
Débora achou-o triste. Ele clamava por ser salvo das águas, mas era tão
grande que custaria uma fortuna até mesmo para ser pintado. Estava humildemente
conformado com sua ruína.
— Há mais ou menos uma dúzia de famílias vivendo aqui agora. É como uma
coelheira lá dentro. — Mateus levou-a pelo braço em direção à casa.
A pesada porta de entrada estava entreaberta. Mateus olhou para a fila de
cartões e campainhas que havia ao lado e apertou uma delas. Ouviram passos que se
aproximavam e depois uma menina apareceu. Jogou-se no pescoço de Mateus, com um
sorriso de pura felicidade.
— Matt!
Virou-se para ele e começou a falar em italiano, pendurada em seu pescoço.
Débora observava, cheia de simpatia e pena. Pobrezinha, pensou com raiva. Que
grande cachorro que ele é!
CAPÍTULO III
— Inglês, por favor, Teresa. Trouxe uma amiga comigo. — Mateus retirou os
braços que estavam ao redor de seu pescoço e afastou-se, devagar. — Esta é Débora.
Teresa virou-se num movimento violento e rápido, para depois olhar para
Débora com indisfarçável desgosto.
— Ciao.
— Alô! — ela respondeu, com um sorriso caloroso, pronta a oferecer sua
amizade, se a menina a quisesse.
Teresa não prestou atenção, nem escondeu a indiferença. Seu rosto revelava
as emoções. Não aprendera ainda a escondê-las, e não parecia querer aprender. Devia
ter entre dezessete e dezenove anos, Débora calculou. Pequena, rechonchudinha,
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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb
muito feminina, de cabelo preto que brilhava como seda e ligeiramente ondulado,
emoldurando o rosto moreno. Seus olhos escuros eram enormes e brilhantes, com
cílios longos que ela batia, fazendo charme quando olhava para Mateus.
A garota falava italiano novamente, e ele fez uma careta para ela.
— Débora não entende italiano.
O que lhe dá essa certeza'?, Débora pensou, intrigada.
Na verdade, ela falava um pouquinho, mas não o suficiente para seguir a
torrente de palavras de Teresa. Era essencial para seu trabalho que conhecesse
línguas. Falava francês, alemão, russo e árabe com variações de conhecimentos e
fluência, e estava atualmente aprendendo chinês. Sua professora era uma moça
chinesa que trabalhava na redação como secretária e que morava num dos quartos que
ficavam sobre o restaurante chinês do pai.
Débora tinha que encaixar muito bem suas aulas, quando estava na Inglaterra,
mas eram sempre interrompidas pelas peraltices dos três irmãos de Chi. Os meninos
pareciam feitos de pele e músculos e jogavam-se pelo quarto como molas, rindo das
censuras da irmã. Débora gostava do calor que havia naquela atmosfera familiar. Suas
aulas eram divertidas, mesmo que ainda não tivessem progredido muito com a
extremamente complicada língua chinesa.
— Débora é uma amiga... — Mateus estava dizendo, e ela teve a impressão de
que o ouviu falando o mesmo em italiano, um pouco antes.
Teresa virou-se e caminhou, seus ombros levantaram-se elegantemente. Eles a
seguiram através do hall úmido de pedra. As paredes eram de um branco duvidoso, a
tinta estava escamada em vários pontos. Ao passarem, os flocos de tinta caíam,
salpicando o chão de pedra.
Havia música que vinha de uma daquelas portas. Teresa entrou no apartamento,
sem olhar para trás para saber se eles a seguiam.
Pelo estado do prédio, Débora pensou que o apartamento seria também tão
maltratado como o resto; mas, ao entrar, notou espantada como estava errada. Era
tão luxuoso como elegante. A altura dos cômodos, o comprimento e a largura deviam
fazê-los parecer sombrios e nus, se não tivessem sido decorados com supremo bom
gosto. O decorador tinha dado ao local ambientes vivos com plantas, estátuas de
bronze, estantes baixas para dividi-lo e ao mesmo tempo conservar o espaço aberto e
circulante.
Naquele salão enorme, aquelas pessoas, uma verdadeira multidão, pareciam ser
engolidas facilmente.
Todos conversavam com copos nas mãos, ou sentavam-se numa das áreas
simétricas, em tons de bege e de aparência levemente japonesa, com almofadas
baixas. Havia espelhos imensos nas paredes que alargavam o ambiente.
Um homem destacou-se de um dos grupos e foi até eles, sorrindo.
— Mateus, que bom ver você! — Falava inglês com um forte sotaque americano,
mas sua aparência era de italiano, e Débora não teve dúvida de que se tratava do pai
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de Teresa.
Mateus apresentou-a e deram-se as mãos, com um sorriso caloroso de boas-
vindas, apesar de que havia qualquer coisa curiosa por trás daquele sorriso. O sr.
Scalatio olhava por sobre o seu ombro para onde Teresa estava conversando
animadamente com outras pessoas, e depois virou-se para Mateus, mas Débora não
conseguiu interpretar aquele olhar.
Ele era baixo, forte sem ser gordo, de pele mais escura do que a da filha. O
cabelo estava rareando, principalmente no alto da cabeça, mas ele disfarçava isso
penteando-o para trás; mesmo assim, não escondia totalmente a careca rosada.
— Débora — ele murmurou, ainda segurando sua mão. — Gosto do nome...
combina com você. Parece mesmo uma Débora.
— E como se parece uma Débora? — ela perguntou, olhando no fundo daqueles
olhos escuros que tentavam encobrir o que se passava em sua cabeça. O que será que
ele achava do encantamento da filha por Mateus? Será que aprovava? Ou preferia não
se intrometer?
— Com você — ele respondeu, sorrindo. Tinha os lábios cheios, que denotavam
sensualidade e alegria de viver, e o sorriso era espontâneo e alegre. Não precisava
conhecer nada sobre ele para perceber que gostava de mulheres. Seus olhos quase a
devoravam, mas sem ser ofensivos, oferecendo-se amigavelmente a ela, se o quisesse.
— Conhece muitas Déboras?
Seu sorriso tornou-se uma gargalhada.
— Acho que você é a primeira. — Olhou para Mateus, que ouvia com atenção. —
Sua amiga é encantadora — falou em italiano, mas Débora compreendeu, mais pelo
sentido do que por qualquer outro motivo. — Muito bonita — acrescentou, ainda em
italiano.
— Obrigada — ela respondeu, com um sorriso que fazia covinhas dos lados da
boca,
— Ah, então fala o meu idioma? Que bom! Você não tinha me contado, Mateus.
— Eu também não sabia — ele disse, secamente, olhando para Débora com
olhos apertados. — Ela não tinha me contado.
— Conheço apenas algumas palavras.
— Precisa apenas de algumas — o sr. Scalatio murmurou, divertido.
— Uma apenas parece ser suficiente — Débora concordou. O velho franziu a
testa, sem entender,
— A palavra é "não" — Débora explicou, convicta. — Essa, eu conheço em pelo
menos quinze idiomas.
— Uma jovem viajada e que sabe muito bem como se cuidar, evidentemente. —
Ele olhou para Mateus. — Admiro o seu gosto mais do que nunca, meu amigo. — Voltou
a falar em italiano e, dessa vez. Débora teve que adivinhar pelo sentido o que tinha
sido dito; pela maneira como riram, não foi difícil adivinhar. Apesar disso, não
demonstrou ter compreendido.
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diziam que tinha total consciência do fascínio que exercia sobre as mulheres.
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O sr. Scalatio tinha ficado ocupado com alguns dos convidados, e Mateus e
Débora estavam a sós por um momento, aquele breve momento em que eles se fitaram
nos olhos. Ela piscou, irritada, diante da calma dele, cada vez mais arrependida de ter
concordado em ir.
Vários outros convidados juntaram-se a eles, cumprimentando Mateus. Ele
apresentou-a, mas ela não prestou atenção em seus nomes. Os sorrisos eram
negligentes, formais: estavam obviamente interessados em Mateus e quase não
ligaram para ela.
— O mercado está agitado — um deles falou, baixinho, a voz como se
discutisse algo muito perigoso.
— Quando não é assim? — Mateus deu de ombros.
— Outra corrida nos prazos fixos?
— Diga-me você. — Mateus sorriu e aquele sorriso tinha a intenção de cortar a
conversa.
E o fez. O homem calou-se, olhando para sua bebida. ,
A mulher que estava a seu lado começou a falar do último seqüestro.
^— Acho que volto para Paris — comentou, nervosa, e tinha-se a sensação de
que ela estava constantemente voando de um lugar para o outro. — As coisas andam
mais sossegadas por lá. — Usava brincos pendentes de rubi, que balançavam em
círculos, cada vez que mexia a cabeça.
São valiosíssimos, Débora pensou, examinando-os. Não tinha a menor dúvida de
que valia a pena raptá-la, apenas por eles.
— Há quanto tempo você está por aqui, Mateus? — o homem perguntou.
Todos usavam o primeiro nome apenas. Era enlouquecedor. Débora continuou
vasculhando a memória, à procura de uma pista da identidade dele, mas sem resultado.
No entanto, a intuição lhe dizia que era um homem importante. Durante anos,
conhecera muitos nomes e rostos que devia guardar, por causa de seu trabalho. Uma
boa memória era uma bênção para um jornalista, mas naquele caso não estava ajudando
em nada.
Outro homem passou e Débora ficou tensa, quando o reconheceu. Era um
italiano de uma ótima família que tinha estado na delegação da Itália no Oriente
Médio, alguns anos atrás. Ela o encontrara numa reunião oficial e durante todo o
tempo ele parecera mais interessado em seu cabelo louro e em suas pernas elegantes
do que em diplomacia.
Tudo indicava que ainda se interessava. Pelo jeito como a olhava,percebeu que
não a reconhecera, mas sabia que já tinham se encontrado antes. O homem aproximou-
se, com um sorriso confiante.
— Não nos conhecemos?
Ela notou imediatamente o leve sorriso cínico que Mateus lhe dava.
— Estou certa de que me lembraria, se já o conhecesse.
O italiano ficou encantado com a resposta. Era pretensioso demais para
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Puxou-a, ainda com mais força. Ela foi jogada em seu peito, violentamente,
enquanto ele se inclinava para beijá-la. Débora virou o rosto, esquivando-se. Mateus
soltou-lhe os ombros, mas só para colocar os braços em volta dela. Débora aproveitou
esse gesto para fugir daquele cerco. Ele ficou enraivecido e deixou escapar um
palavrão. Rapidamente agarrou-a pelas costas, mas pegou apenas seu vestido,
rasgando-o.
Mateus ficou tão surpreso quanto Débora. O barulho do tecido rasgado
superou todos os outros. Depois, silêncio. Gelados, os dois ficaram se encarando
incapazes de dizer uma palavra ou de se mover.
Naquele exato momento, a porta atrás de Mateus abriu-se e Teresa entrou,
com um sorriso de alguém que acabou de descobrir uma boa desculpa para aparecer.
Mas o sorriso sumiu, quando percebeu o que tinha acontecido com o vestido de
Débora.
A garota começou a esbravejar em italiano, feito uma histérica, e, pela
primeira vez, Mateus parecia não saber o que fazer para impedi-la. Ele estava de pé,
com as mãos caídas ao longo do corpo, como em choque.
Quando saiu finalmente daquele estado de letargia, gritou com Teresa,
expulsando-a dali.
Débora segurou o vestido rasgado, juntando as pontas e tentando imaginar
como é que sairia da casa.
Mateus voltou-se e fechou a porta, encostando-se nela e olhando fixamente
para Débora.
— Não vou me desculpar. Você mesma provocou.
— Eu sei — admitiu, desanimada. — Perdi a cabeça. Ele mordeu o lábio e
suspirou, impaciente.
— Eu também... e me desculpo. Foi uma maneira ridícula de me comportar. Não
estou habituado a rasgar as roupas das mulheres. Pelo menos, não em público. — Essa
última frase foi dita com um leve tom de ironia.
— O que faz em particular só diz respeito a você. — Mesmo isso, ela se
arrependeu de falar. Não queria começar uma nova discussão: já tinha problemas
suficientes.
Ele sorriu e isso relaxou a tensão. Subitamente, tudo pareceu tão engraçado
que ambos começaram a rir ao mesmo tempo.
— O rosto daquela menina... — Débora murmurou, quando conseguiu se
controlar. — Só Deus sabe o que ela pensou que estivesse fazendo!
— Eu sei disso! Ela foi muito clara. Os jovens de hoje têm uma linguagem
direta e objetiva, não acha? Quando eu tinha dezesseis anos, nunca sonharia em dizer
algumas das coisas que Teresa acabou de dizer.
— Dezesseis? — Débora parou de rir. — Ela parece mais velha.
— É bastante precoce.
— Não duvido. E também é madura em outras coisas.
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— Você se refere a mim? Oh, ela vai se livrar dessa fixação, mas, no momento,
é muito desagradável.
— Posso imaginar.
— Não quero ferir os sentimentos dela, mas não estou habituado a seduzir
meninas, apesar de precoces.
— As aparências podem enganar.
— O que quer dizer?
— Você também não está habituado a rasgar as roupas das mulheres, mas
Teresa pode até pensar o contrário, depois do que viu.
— Meu Deus, está certo. Sou muito leviano.
— Você foi provocado. — Débora olhou para o vestido. — Como será que vou
sair daqui, dessa maneira?
— Não se preocupe, vou providenciar um casaco. — Abriu a porta, olhou para
ela com ar malicioso e disse: — Você é uma mulher perigosa. Acho que tive sorte de me
livrar apenas com um chute na canela!
Mateus saiu antes que pudesse responder, e ela sorriu, silenciosamente,
quando a porta se fechou atrás dele. Olhando novamente para o vestido, pensou que
devia ter pedido para ele lhe conseguir uns alfinetes de segurança. A roupa estava
perdida, naturalmente. Quem pensaria que o tecido rasgaria com tanta facilidade?
Segurou as duas pontas, rezando para que ninguém aparecesse de repente.
Seu olhar foi atraído para a moça de Modigliani, única testemunha de toda a
cena.
— Tudo bem para você — Débora falou, encarando aqueles grandes olhos
amendoados que tinham um ar de ironia. — Você está a salvo, aí no seu quadro. Nada
nem ninguém podem atingir você.
Quando se brinca com o ego de um homem, nunca é possível prever com que
tipo de monstro se está mexendo. O orgulho deles é como um animal selvagem, que
reage violentamente a qualquer espécie de provocação, por menor que seja. Se ela
tivesse dado em cima dele, Mateus teria corrido feito louco; mas, como se mostrou
indiferente,ele ficou ofendido e zangado. Débora até mesmo duvidara daquela história
sobre Teresa, até ver a carinha derretida da menina e o modo ansioso como sé jogou
no pescoço dele. Teresa estava alimentando aquele tipo de paixão que, na adolescência,
pode ser altamente traumática. Seus olhos devoravam' Mateus cada vez que ele se
aproximava. E não se preocupava em disfarçar. Tinha a chama interior do amor para
iluminar seu rostinho e\ aquele frescor da juventude. Uma combinação perigosa de
inocência e, sensualidade. Mateus poderia se ver tentado. Muitos homens ficariam.
Podia ser até que ele- tivesse dado algum motivo para a pobre garota se envolver
tanto.
A porta se abriu e ele voltou, trazendo um casaco. Era de vison comprido. Ela
nem ousava se perguntar quanto custaria.
— Meu Deus!
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— Adorável. Ninguém nunca notará algo de estranho. Caminhe pela sala com a
maior displicência.
— Me sinto como a modelo que não sou — Débora comentou, enquanto o seguia.
— Decididamente, o vison faz o meu gênero.
Mateus sorriu, divertido.
— Será que isso é uma indireta? — Abriu a porta para ela passar.
— Sinto muito: não é, não.
— Você sente? Tenho a impressão de que um vison seria até pouco.
— Que lisonjeiro!
Entraram no salão e, de repente, todos se viraram para olhar para eles. Débora
teve a impressão de que sabiam exatamente o que havia acontecido lá dentro. Forçou
um sorriso e continuou ao lado de Mateus, que também fingiu não notar os
comentários, cochichos e risinhos curiosos e divertidos.
Teresa não se aproximou deles. Ficou a distância, com um copo na mão, o rosto
muito corado e um sorrisinho amarelo nos lábios pálidos. Débora pensou ver rancor no
olhar da garota, mas fez que não notou.
Teresa examinava o casaco de vison com uma espécie de ferocidade. Não
parecia surpresa ao ver que Débora o usava, mas certamente não gostou. Ele estava
mais curto do que deveria, pois Débora era mais alta. Ficava elegante, apesar disso;
sem dúvida, aquela era sua pele. Olhou-se num espelho enquanto passavam e confirmou
o que tinha achado. Pena que não podia comprar um.
O que fazia uma garota de dezesseis anos com um casaco como aquele? Mateus
tinha dito que ela era bastante mimada, e certamente era verdade. Um pai que
comprava vison para uma menina só podia estragar a filha. Além de ter dinheiro para
jogar pela anela.
Ao saírem para o luar de Veneza, ela parou para respirar, aliviada.
— Sente-se melhor?
— Muito.
Foram até o canal. A gôndola estava esperando por eles, mas, quando
começaram a descer até ela, tomando cuidado nos degraus perigosamente
escorregadios, outra gôndola apareceu e um homem saltou dela com uma agilidade que
surpreendeu Débora. Parou para olhá-lo, admirada, até notar a máquina fotográfica
pendurada em seu pescoço.
— Oh, que inferno! — Mateus estava atrás dela e naqueles degraus estreitos
era impossível passar para tentar salvar a situação.
O homem foi tão rápido ao acionar a máquina, que Débora não teve tempo de
segurar o casaco que ficou aberto. A luz do flash deixou-a cega e tonta. Foi apenas
por um minuto, mas o suficiente para que desse um passo em falso. Desequilibrada,
escorregou na pedra coberta de musgo. Mateus mergulhou para segurá-la, enquanto
ela caía de lado. Os flashes explodiram em volta deles como relâmpagos.
A língua que Mateus falava era quase desconhecida. Irrompendo numa
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torrente de palavras raivosas, ele empurrou Débora até a parede, sem cerimônia, e
gritou:
— Fique aqui. E jogou-se pelos degraus abaixo.
Vendo-o aproximar-se, o fotógrafo pulou de volta na gôndola com a mesma
agilidade e rapidez com que tinha descido. Mateus parou no último degrau, hesitando
se continuava ou não, e o rapaz gritou, animado:
— Ciao. Grazie, signor Tyrell!
Tyrell, Mateus Tyrell. O nome trouxe de volta a lembrança de vários recortes
que Débora tinha lido no arquivo da revista. Mateus era o cabeça de uma indústria
farmacêutica internacional. Ela tinha pesquisado sobre ele e sobre a companhia quatro
anos atrás e a revista fizera uma série de artigos sobre eles. Na época, houve
problemas com um remédio que produziram que tinha provocado efeitos colaterais, por
não ter sido suficientemente testado e lançado prematuramente no mercado.
Débora não entendia como não o tinha reconhecido... mas também, na época
havia se interessado mais pela história do que pelo homem atrás dela. Daquela vez,
ficara encarregada das matérias de pesquisas, em vez das reportagens; por isso, não o
conhecera pessoalmente. Mas agora se lembrava perfeitamente: a pasta de Mateus
Tyrell, no arquivo, era bem grande. Tudo o que ele fazia virava notícia.
Meu Deus!, ela pensou, só então percebendo no que estava metida. Fotos dela,
num vestido rasgado, caindo nos braços de Mateus, iam ser o prato da imprensa
italiana no dia seguinte.
CAPÍTULO IV
Antes de deitar-se, Débora deu mais uma olhada carinhosa para aquele casaco
de vison que estava pendurado cuidadosamente em seu armário. Ela poderia se
acostumar facilmente a usar coisas boas assim. Ia apagar a luz, quando teve uma visão
horrível de alguém invadindo o quarto e tentando roubar o casaco. Ele estava sob sua
custódia e valia uma fortuna. Subitamente, sentiu-se preocupada.
Não tinha lhe ocorrido até aquele momento, mas, enquanto o casaco estivesse
com ela, estaria sob sua responsabilidade. Levaria anos para pagá-lo, se fosse roubado.
Deve estar seguro, pensou. É claro que sim. Apagou a luz e tentou dormir, mas
o sono desaparecera. Ouviu os sons da noite sob a janela, e depois de uma hora mais
ou menos acendeu a luz e saiu da cama. Vestiu o robe e lembrou-se do casaco
novamente. Mateus é que devia ficar com ele durante a noite: podia se permitir o luxo
de perdê-lo; ela, não.
Os dois tinham se despedido na escada. Débora teve a impressão de que
Mateus ia tentar impedir a publicação das fotos. Havia mergulhado num silêncio
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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb
profundo durante todo o caminho de volta para o hotel. Ela não ousou interromper
seus pensamentos: já tinha os próprios aborrecimentos.
Não conseguiria dormir com a perspectiva de tornar-se personagem de ! um
escândalo da vida de Mateus Tyrell. E ainda por cima aquele casaco... era demais!
Do vison, pelo menos, ela podia se livrar \ imediatamente.
Passaram-se alguns minutos, antes que ele abrisse a porta do quarto. Quando o
fez, olhou-a, surpreso.
— Será que você pode cuidar do casaco esta noite para mim? Não consigo
dormir com ele no meu quarto: estou com medo de que apareça algum ladrão.
Ele passou a mão pelo cabelo, com impaciência.
— Deus todo-poderoso, que idéias tolas as mulheres têm!
— Não há nada de tolo em ter medo de ficar com um casaco que vale milhões
no meu quarto. Eu não poderia pagar, se fosse roubado.
— Não seria responsabilidade sua.
— Acontece que eu acho que seria, e não gosto nem um pouco da idéia.
— Ora, então deixe-o comigo — ele respondeu, segurando o casaco. Ouviram
uma respiração pesada atrás deles, alguém arfando enquanto
subia a escada. Débora virou-se rapidamente e viu um homem.
Mateus Tyrell lançou-lhe um olhar desconfiado, resmungou qualquer coisa e
depois puxou Débora para dentro, fechando a porta.
— Nós não podemos nos arriscar a ter outro problema — ele falou,
inclinando-se para ouvir se os passos se afastavam.
Débora observou o quarto. Ele ainda não tinha ido para a cama. Uma agenda
aberta perto do telefone branco, sobre a cama, deu-lhe a impressão que ele tinha
estado fazendo uma série de telefonemas para impedir que publicassem as fotos.
Mateus jogou o casaco sobre uma cadeira e Débora reclamou:
— Não o trate assim! Você não tem consideração?
— Muito pouca. — Seus olhos verdes tinham uma expressão tensa e as linhas
ao redor estavam muito pronunciadas. — Estou tentando achar um jeito de afastá-la
das manchetes, mas, naturalmente, por mais que eu tente e me esforce, mais curiosos
eles ficam.
— Que cavalheiresco tentar me proteger!
Ela não pôde evitar um tom sarcástico na voz, e Mateus percebeu, olhando-a
friamente.
— Estou acostumado com essas coisas. Você não está e pode ser desagradável.
Ela não tinha certeza de que ele estivesse preocupado apenas com ela, mas
deu-lhe crédito e um sorriso.
— É muito amável por se preocupar.
Não deveria ter sido tão formal. Ele interpretou mal e...
— Muito bem, não acredita em mim. — Virou-se, apertando o cinto do robe
curto.
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Débora notou então que ele não usava nada por baixo. Suas pernas estavam
nuas, e os pêlos, úmidos. Estava no banho, quando ela bateu na porta.
Ao perceber isso, ficou nervosa. Foi até a porta, e Mateus virou-se,
percebendo sua intenção.
— Agora, o que há?
— Acho melhor eu sair, enquanto o caminho está livre — respondeu, sem
querer olhá-lo nos olhos.
Mateus foi até ela, fazendo-a recuar involuntariamente. Parou, com os olhos
fixos em seu rosto.
— Não vou atacar novamente! — explodiu.
— Não pensei que fosse! — Mas ela corou.
— Oh, você pensou, sim! Não pule dessa maneira, me faz ficar nervoso.
— Nós não íamos querer isso, não é? — Dessa vez, encarou-o com raiva. — Da
última vez, foi um desastre.
— Você não aprende com as experiências?
— Não — ela falou, lembrando-se de Robert. — Aparentemente, não.
— Já é tempo de começar, então.
Suas vozes tinham-se elevado, sem que o notassem. Quando perceberam,
ficaram em silêncio, olhando-se calmamente.
— Tenho a impressão de que já passei por isso — Mateus resmungou, com uma
pequena careta.
— Déjà vu? — Débora suspirou. — Sinto muito.
— Se você tirasse da cabeça a idéia ridícula de que vou tentar violentá-la,
poderíamos evitar esses episódios desagradáveis.
— Tudo bem. Combinado — ela falou, sorrindo.
— Bom. — Mateus riu também e pareceu mais relaxado. — Agora, vou passar
por você para espiar lá fora e verificar se não há nenhum desses malditos paparazzi
espreitando. Então, por favor, não comece a pular em pânico, quando eu me aproximar.
— Não sou nenhuma tola.
— Não. É apenas uma mulher.
— Chauvinista!
Ele abriu a porta e espiou para o corredor.
— Parece que está tudo bem.
Débora respirou aliviada. Aquela intimidade com Mateus seminu e ela de
camisola e robe tinha começado a perturbá-la. Passando por ele, murmurou:
— Boa noite, novamente.
Ele sorriu, e havia outra vez aquele brilho de malícia em seus olhos.
Mas ela só viu durante um segundo, antes que Mateus se inclinasse, dizendo:
— Realmente, acho que devo... — E tocou sua boca com os lábios. Bem atrás
deles ficava a porta de vidro do elevador de carga, que foi levantada de repente. Um
flash estourou, e Mateus, numa fração de segundo, empurrou Débora e correu atrás
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Julia 4 – Feitos um para o outro – Charlotte Lamb
do fotógrafo.
Por sobre os ombros ela viu a cabeça do mesmo rapaz que tinha feito as fotos
nos degraus do palácio.
Mateus não conseguiu pegar o elevador e correu até a escada, descendo os
degraus numa correria louca.
Não acredito, ela pensou. Como é que ele pode ter sido tão tolo? Se bem que,
com ou sem aquele beijo, o rapaz os teria apanhado juntos naquela intimidade. O beijo
apenas enfatizou o que aquele encontro noturno teria sugerido.
Voltou para o quarto de Mateus e sentou-se na cama, olhando para os chinelos
de pele, balançando-os para cima e para baixo, como uma criança.
Quando ele voltou, ela podia jurar, pela sua expressão, que não tinha alcançado
o rapaz.
— Ele saiu num piscar de olhos: não o peguei — falou, fechando a porta. — Que
inferno! Você não podia ter ficado no seu quarto? Que risco estúpido vir até aqui
dessa maneira! — Depois calou-se e ficou olhando para ela, com os olhos apertados. —
Bem, bem, bem. Nada disso tinha me acontecido antes.
— O que não tinha acontecido?
— Que estupidez a minha! Eu devia ter pensado nisso, mas fui muito lento, por
uma vez.
― De que você está falando? Não vai me explicar?
— Oh, sim. Acho que sim — ele falou, num tom macio, indo até ela. Débora
deveria ter percebido sua intenção, mas ainda estava muito
chocada com as aventuras daquela noite, e tinha parado de se esquivar cada
vez que ele se aproximava.
— Eu não gosto de ser usado — Mateus disse, agarrando-a pelo braço e
levantando-a da cama com um movimento zangado.
— Ei... — Débora começou, furiosa.
Não teve chance de dizer mais nada. Mateus segurou-a como se fosse uma
boneca, assustando-a com aquela brusca mudança de atitude. Sua boca forçou a dela,
esmagando-lhe os lábios. Enquanto ela lutava e se debatia, ele tirou uma das mãos de
seu ombro e pegou-a pelo pescoço, empurrando sua cabeça para trás. Agora, Débora
mal podia se mover; quanto mais, fugir.
A violência daquele beijo machucou-a. Seus lábios começaram a queimar e
depois ficaram dormentes. Tinha os olhos bem abertos e as mãos espalmadas no peito
dele, mas não conseguia afastá-lo um milímetro sequer. Mateus estava impondo toda a
sua força máscula sobre ela, sem piedade.
Enquanto se contorcia em seus braços, Débora esbarrou no pé da cama. Quis
evitar a queda, agarrando-se na camisa dele, mas tudo o que conseguiu foi arrastá-lo
com ela para a cama.
O peso do corpo de Mateus a mantinha presa ao colchão. Por alguns instantes,
ele parou de beijá-la e um sorriso malicioso apareceu em seus lábios.
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— Chegamos onde você pretendia, não é mesmo? — perguntou, num tom de que
ela não gostou nem um pouco. — Devo reconhecer que você é bastante inventiva.
Conheci pessoas astutas, mas você... Você me tapeou desde o momento em que nos
encontramos naquele nevoeiro lá fora. Estar perdida e todo o resto foi simplesmente
brilhante. O que você é? Uma atriz?
— Será que não vai me soltar? — Débora explodiu, empurrando-o.
— Isso não é bem o que você quer... ou é? — Seu sorriso era maldoso e gelado.
— Qual é a sua intenção agora? Ou será que aquele rapaz é se namorado?
— Olhe... — Débora tentou explicar.
— Não, olhe você. Ok vou comprar. Reconheço que caí feito um pato. Não é a
primeira vez que lido com chantagistas.
— Meu Deus! — Débora gritou chocada.
— Cale a boca — ele murmurou, furioso, beijando-a ferozmente. Quando
levantou a cabeça, Débora esperava ver seu próprio sangue na
boca de Mateus. Passou a língua nos lábios doloridos, cheia de ódio por ele.
— Vou pagar humildemente... mas, primeiro, quero receber um pouco mais pelo
meu dinheiro.
— Oh, não! Não vai, não — ela falou, furiosa.
— Aí é que você se engana, mocinha, porque eu vou.
Uma de suas mãos pousou no peito dela e Débora gelou em pânico. Não
conseguia desviar o olhar. Ele estava enraivecido como um louco, mas havia algo em
seus olhos que a fez corar.
— Você é uma atriz. E inteligente, além do mais. Até consegue corar quando
quer. Tenho ouvido falar de atrizes que podem chorar ou rir no palco, mas isso é algo
novo para mim. Você me surpreende!
Enquanto falava naquele tom hostil, ele a acariciava e sua pele parecia queimar
onde era tocada. Seu corpo reagia de uma forma que ela não conseguia disfarçar.
Mateus acariciava seus seios, observando-a, e o coração de Débora batia cada vez
mais rápido contra o dele.
— Assim é melhor. Imagino que essa aproximação não lhe tinha ocorrido, não
é? Você se subestima, Débora. E esse mesmo o seu nome? Não importa... eu gosto
dele. Combina com você, como Scalatio disse. Teria poupado tempo e trabalho, o seu e
o do namoradinho, se vocês tivessem ido direto ao assunto, e feito logo uma proposta.
As mãos dele deslizaram por seus quadris e desceram até as coxas. Débora
protestou, com um gemido abafado, e ele olhou-a asperamente.
— Eu me interessei por você assim que a vi. Se queria dinheiro, não precisava
ter inventado toda essa história. Poderíamos ter discutido o assunto de uma maneira
mais amistosa, e não tenho dúvida de que teríamos chegado a um acordo.
O pânico que ela sentia tinha desaparecido. Estava controlada e calma, ouvindo
os insultos e tentando descobrir uma saída para aquela situação. Percebeu que não
havia condição de convencê-lo de que estava errado. Não naquele momento. Embora
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sua violência tivesse diminuído um pouco, ainda estava bastante zangado e, além do
mais, sexualmente excitado. Conhecia os homens o suficiente para reconhecer a
maneira como olhava para ela e a tocava. Depois de toda a ira, estava se comportando
como um oportunista; como todos os homens, aliás. Tirava vantagem da situação e não
ficaria convencido por nada que ela fizesse.
O macho era mais forte nele naquele momento. Ela mesma também se sentia
excitada com seu toque, mas era uma reação puramente física, que nada tinha a ver
com emoções, e, por isso mesmo, perigosa. A atmosfera estava se tomando explosiva.
Débora tinha que fazer algo para aliviá-la, mas não conseguia pensar com clareza.
Tentou mexer-se sob ele, dizendo:
— Tem alguma coisa machucando as minhas costas. Será que você pode se
afastar um pouco, por favor? — pediu, com um sorriso inocente.
Ela o viu hesitar e depois se afastar. Débora sentou-se e ambos descobriram o
que a incomodava: a agenda aberta sobre a cama. Mateus pegou-a e jogou no chão.
— Sei que você não vai acreditar, mas está totalmente errado. — Ela resolveu
enfrentar a situação, sem tentar escapar e mostrando-se calma e digna. — Tenho
tanto motivo ou mais do que você para não querer me ver envolvida em escândalos
internacionais ou com gente do jet-set. Não planejei nenhuma chantagem.
Percebeu que o mau humor dele estava passando. Ela o havia distraído com a
queixa sobre o livro. Estava começando a conhecer Mateus Tyrrel. Era explosivo, mas
acalmava-se rapidamente também. Tudo o que tinha a fazer era falar e falar, até que
ele se acalmasse por completo.
— Você acha que devo acreditar realmente nessa sua história?
— Não agora — ela admitiu, encolhendo os ombros. — Eu poderia dar a minha
palavra de honra, mas, como você não acredita que eu tenha uma, não acho que
adiantaria muito. Posso provar que tenho um passado idôneo em Londres a essa hora
da noite, porém, não seria muito fácil checar... e de qualquer maneira, fico indignada só
de pensar em ter que passar por esse tipo de julgamento.
Seu tom de voz calmo, sem alterações, estava surtindo efeito, apesar de que
ele ainda a olhava com frieza.
— Estive pensando na aparição oportuna desse fotógrafo — ela
continuou, devagar. — Como não lhe dei a informação de nada disso, acho que posso
adivinhar quem o fez e por que o fez.
Mateus Tyrell enrijeceu o corpo e enfiou as mãos nos bolsos do robe preto. O
movimento brusco fez com que a roupa abrisse um pouco no peito. Débora desviou o
olhar rapidamente. A última coisa que queria no momento era o seu apelo como homem.
Tinha que se manter o mais fria possível.
— Bem? — ele perguntou.
— Acho que sua amiguinha Teresa fez isso.
Essa impressão estava com ela há algum tempo. Só não tinha dito nada : ainda
porque achava que, se a garota tivesse chamado um dos paparazzi, o teria feito no
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momento certo, no auge da confusão. Mas o ciúme era uma emoção incontrolável.
Débora não queria jogar Mateus contra a menina; no entanto, sua própria segurança
era muito mais importante naquele momento. Se fosse para escolher entre ela e
Teresa Scalatio...
Virou-se, num movimento rápido e tenso, e observou o efeito de sua acusação.
— Isso não tinha me ocorrido — ele falou, pensativo.
— Mas deveria. Como é que eu podia saber que você ia rasgar o meu vestido
naquela festa? Como é que eu podia ter contratado um fotógrafo para colher o
flagrante que eu não sabia que ia ocorrer?
Ele murmurou um palavrão.
― Xingar não adiante nada ― Débora disse , muito calma.
— Não seja tão puritana! — Ele virou-se, com um olhar gelado e direto. — Como
posso saber se esse não é outro dos seus golpes?
Débora deu-lhe um sorriso despreocupado.
— Não pode saber. Se eu fosse a pessoa que você pensa que sou, não estaria
aqui, conversando: já teria tentado fugir há muito tempo.
— Que interessante!
— Deixe de ironia. Não sou nem chantagista nem vigarista. Não quero ir para a
cama com você, e certamente não quero aquelas fotos nossas nos jornais.
Ele sentou-se na cama ao lado dela e passou as mãos pelos cabelos.
— Diabos! É a segunda vez nessa noite que tenho que lhe pedir desculpas. Vai
se tornar um hábito.
— Você me preveniu que tinha um temperamento explosivo.
— Explosivo, não. Apenas quente. Débora não fez comentários, e ele sorriu.
— Isso faz sentido. Sobre Teresa, quero dizer. Os italianos se vingam em
grande estilo. Seria justamente o tipo de golpe que a garota aplicaria. Eu lhe disse que
ela era perigosa. Tremo ao pensar o que vai ser, quando chegar aos trinta. Se aos
dezesseis ela já é uma ameaça...
— Está apaixonada — Débora falou, com tolerância e alívio, ao ver que ele
tinha se tornado humano novamente.
— Você é muito compreensiva. Não acho que seria tão indulgente no seu lugar.
— Mateus olhou para o telefone. — Não me sinto assim. Na verdade, pretendo
telefonar para o pai dela e contar tudo o que nos aconteceu.
— Mas não sem provar. Você gosta mesmo de acusar as pessoas, não é?
Ele pareceu divertido.
— Não, normalmente. Você causou um efeito desastroso sobre mim.
— É típico de um homem culpar a mulher!
— Não podemos evitar, é o pecado original — ele falou, sorridente. — Mas você
é uma mulher extraordinária — acrescentou, com os olhos fixos nela. — Não me
lembro de ter conhecido uma como você antes. Só nos encontramos há vinte e quatro
horas, mas você já me deixa sem fala.
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CAPÍTULO V
Depois de tomar banho e se vestir, Débora tentou uma ligação para Hal. Ele já
sabia das novidades e começou a rir, antes que ela dissesse uma palavra.
— Então, era por isso que você tinha que ir para Veneza? Quem teria
suspeitado? E eu, que sempre pensei que você fosse uma menina bem-comportada...
Isso só prova que nunca se deve pôr a mão no fogo por uma mulher.
— Não é verdade! — ela gritou.
— Ai, meus tímpanos! Como não é verdade? Eu li nos jornais da manhã,
enquanto comia meus ovos quentes.
Deu outra risada. Hal estava de muito bom humor. Ela tinha salvo seu dia.
— Você quer dizer que está nos jornais ingleses também? — Aquilo não tinha
lhe ocorrido. Ficou chocada.
— Não, ainda não. Para dizer a verdade, recebi um telefonema de Rodney. Ele
está em Roma, lembra? Leu isso lá e quase engoliu o primeiro cigarro do dia.
Rodney era o tipo de pessoa que estava sempre por perto nas horas erradas...
para os outros.
— Eu não sabia que ele estava em Roma.
— Sabia, sim. É que nunca presta atenção nas coisas. Vive apressada. Eu o
mandei até lá para a última cobertura política. Há eleições dentro de um mês e alguém
atirou num dos líderes comunistas.
— Não sei o que ele lhe contou, mas garanto que exagerou — Débora falou,
desanimada.
— Sem essa, Deb. Rodney leva nossos interesses a sério. Ele telefonou para me
prevenir, antes que alguém o fizesse.
— Que amável! Nunca fui com a cara dele, e até hoje não sabia por quê.
— Porque ele está de olho em você — Hal disse, mastigando alguma coisa.
— Você tem que comer amendoim bem no meu ouvido?
— São flocos açucarados, querida. Preciso de sangue doce.
— Você precisa de um tiro! Não é verdade, Hal. Nada disso. Tudo não passa de
uma série de acidentes ridículos.
— Gostei dessa — Hal urrou. — Ridículos hein? Rodney me descreveu a foto, e
juro que me pareceu bastante cômica. Uma noite de aventura, pelo que percebi.
— Oh, cale a boca!
Ela desligou. Que espécie de editor era ele, que não a ajudava? Hal ligou de
volta poucos minutos depois.
— Que tal a história verdadeira? Você poderia ditar para mim.
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— Não vou contar minha vida particular para ninguém! E além do mais, não é
verdade.
— Não há fumaça sem fogo.
— Isso é o que faz de você um grande editor... um profundo conhecedor do
clichê.
Ela estava ficando realmente zangada e Hal percebeu.
— Ok. Então, qual é a história?
— Somos apenas amigos.
Ele ainda estava rindo, quando Débora desligou o telefone novamente. Quando
voltou a tocar, ela atendeu gritando:
— Hal, juro que um dia acerto você! A voz de Rodney murmurou:
— Onde é que ouvi isso antes?
— Ah, é você? Que idéia foi essa de contar toda aquela história ridícula para
Hal? Por que tinha que ser justo você em Roma?
Rodney Harris era um homem pequeno o magro, sempre com uma expressão
matreira. Também tinha faro para notícias e sabia se tornar praticamente invisível,
quando necessário. As pessoas nunca o percebiam passar, até que já fosse tarde
demais. Ele pescava as histórias no ar. Débora não o suportava, mas admitia que seu
trabalho era muito melhor do que o dela.
— Você está ficando histérica — Rodney observou, com um risinho abafado. —
Acalme-se e conte-me a história verdadeira.
— Quer dizer que não acredita em toda aquela baboseira do jornal?
— Esquece. Conheço você. Há quinze dias estava toda derretida por Robert
Langton. Por que iria começar de repente um caso com Mateus Tyrell?
Débora suspirou. Tinha julgado mal Rodney. Afinal, ele não era assim tão mau.
— Eu percebi logo qual era a sua jogada — Rodney continuou, desmentindo sua
boa impressão sobre ele.
— O que quer dizer com isso?
— Menina inteligente. Francamente, não sabia que você era tão inteligente. Se
eu estivesse no seu lugar, era exatamente o que teria feito.
Débora olhou para o telefone e o sacudiu, como se o que acabara de ouvir
fosse culpa de algum defeito do aparelho.
— De que você está falando, Rodney? — Sua voz era cautelosa.
— Você está tentando conseguir a história exclusiva de Tyrell, certo?
Métodos tradicionais. Não pensei que tivesse alma de uma verdadeira repórter.
Sempre imaginei que você fosse uma dessas feministas puritanas.
Débora desligou. Já devia saber que ele tiraria aquele tipo de conclusão. Jogo
sujo seria justamente o que Rodney faria. Tinha conseguido uma reportagem por meios
ilícitos no passado. Por uma boa história, Rodney era capaz de qualquer coisa. Aliás, a
insistência era sua marca registrada em tudo na vida.
Inclusive com as mulheres. Apesar de feio e insignificante, Rodney se gabava
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de ter muito sucesso com elas. Débora sempre desconfiou de que ele vencia pelo
cansaço. E era mais ou menos isso mesmo. O próprio Rodney confessou, certa vez, que
tudo era matemático. — Como a roleta — ele disse. — Se você continua jogando no
preto, cedo ou tarde vai dar preto. E, se você continua tentando sua sorte com as
mulheres, mais cedo ou mais tarde uma delas diz sim.
Débora tinha ficado enojada com o comentário.
— Protesto, em nome de todas as mulheres.
Ela havia tomado muita vodca na época e parecia muito solene.
— As mulheres odeiam a verdade. Elas preferem o mundo cor-de-rosa dos
romances.
— Não é de admirar que você não tenha se casado. Quem é que ia querer um
machista assim?
— E por que você não casou? — Rodney tinha perguntado, servindo-
se de mais vodca. — Esperando pelo amor de verdade, não é?
— Deixe pra lá.
Rodney, felizmente, não era um exemplo típico dos homens com quem
ela trabalhava, mas quase todos demonstravam o mesmo cinismo pelo È amor.
Esperavam que estivesse disposta a dizer sim, apenas por ser uma mulher livre e
independente. Mas Débora nunca o fez; principalmente porque sabia muito bem o que
eles queriam e era contra o sexo pelo sexo.
Para a maioria dos homens que conhecia, o sexo era como qualquer outro
apetite. Débora queria mais do que isso da vida. Pensou que tinha encontrado, com
Robert. Pensou mesmo que o amava.
Fui cega, surda e muda com ele, pensou, com raiva, indo até a varanda de seu
quarto. Sentiu as pedras estalarem sob os pés.
— Deixe quebrar — disse a si mesma. — O que importa?
As janelas do lado oposto estavam fechadas. Olhou para elas, sentindo | que
sua vida era assim: uma parede branca, com janelas mínimas, todas elas fechadas com
grades.
A água do canal estava esverdeada naquela manhã. O sol brilhava sobre ela,
salpicando-a de reflexos dourados.
Durante um certo tempo, não percebeu a batida na porta. Depois, foi atender,
relutante. Era Mateus novamente. Entrou sem pedir licença e olhou-a de uma maneira
quase possessiva.
— Ainda bem que está vestida.
— O que você quer?
— Isso é maneira de falar com seu noivo?
Débora olhou para ele, de boca aberta. Que brincadeira idiota era aquela? E
por que o sorrisinho estranho?
— O que você disse?
— Você ouviu. — Ele foi até a janela e fechou-a. — Você esteve lá fora? Os
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largarem o meu pé, ou fico louco. Não vou permitir outra série de artigos sobre mim no
seu currículo.
— Nada foi planejado. Eu juro. Ele riu, incrédulo.
— Estou falando a verdade! Vim aqui apenas para passar umas férias calmas...
Não sabia que você estava aqui. Não estou seguindo você e não quero nenhuma história
a seu respeito. Nunca quis. — Aquilo não era realmente verdade, mas sentiu-se
justificada ao dizê-lo.
— Desculpe, mas não acredito em tantas coincidências assim. Ontem à noite
fui enganado. Você e o fotógrafo estavam combinados. Você desceu de camisola, só
para que ele conseguisse aquela segunda foto. Bem, foi trabalho inútil. Não importa o
que queria com aquelas fotos comprometedoras, pode esquecer.
— Você é uma pessoa perigosamente desconfiada! — Débora desabafou e caiu
no choro.
Sentou-se na cama e chorou com o rosto entre as mãos. Estava exausta e
queria desesperadamente dormir. Ninguém a ouviria, nem seu próprio editor ou
qualquer um de seus colegas. Robert estava em Londres. Sentia falta dele e o amava,
mas naquele momento o detestava e todos os outros homens que conhecia. Tinha
fugido de um problema e caído em outro, por causa de homens. Agora, Mateus a
encurralava com um compromisso de noivado absurdo e olhava para ela com desgosto,
fazendo-a sentir-se pequena e nojenta.
— Oh, meu Deus! — ele resmungou. — Por que será que as mulheres são tão
suscetíveis?
Ela chorou ainda mais. Gostaria de nunca ter pisado em Veneza.
— Que truque antiquado. — Mateus sentou-se a seu lado e puxou-a para si.
Ela chorou no peito dele, na camisa, com a esperança de estragá-la. A gravata
era sedosa e macia em seu rosto úmido. Ele acariciou sua cabeça, como se ela fosse um
cãozinho enraivecido.
— Pare com isso, antes que eu também chore. Não consigo suportar lágrimas
de mulher. Não agüento.
— Eu não agüento os homens, chorando ou fazendo qualquer coisa — Débora
resmungou.
— Então, você pode falar, não é? Pensei que estivesse fora de si, mas foi
apenas raiva, não foi? — Segurou-a pelos ombros e olhou para ela com prazer. — Você
parece ter derretido. Não fica bem chorando: não combina com você.
— Não faço por esporte — ela falou, fungando. Uma lágrima escorreu por seu
rosto até o canto da boca, e ela sentiu o gosto de sal.
— Eu só conheço uma coisa que se deve fazer às mulheres — Mateus disse, e
começou a fazer.
Débora sentia-se fraca e abandonada, e a pressão morna da boca de Mateus
era reconfortante. Ele deitou-a na cama, quando sentiu seu abandono, a agora estava
beijando as lágrimas, o nariz, os olhos e a boca de Débora, que gostava daquela
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sensação. Suas mãos estavam apoiadas no peito de Mateus, mas não tentava empurrá-
lo: sentiu o coração dele disparar, num ritmo tão louco como o seu. Mateus deslizou
uma das mãos sob o cardigã.
— Quanta roupa mais você está usando? — perguntou, irritado, quando tocou
sua blusa.
Ela afastou-se, confusa com aquele tom rude, e olhou para ele.
— Já me sinto melhor agora — disse, sentando-se e endireitando as roupas.
— Oh, sente-se melhor? Começo a pensar seriamente que você gosta de
provocar.
— Estou aqui em Veneza por apenas uma semana... cinco dias mais. Parecia
muito pouco tempo, quando vim para cá, e agora parece muito tempo o que me resta
para ficar.
— Volte aqui. — Mateus levantou a mão, para puxá-la para si.
— Pare com isso!—Débora afastou-o, zangada.
— Acho que tenho alguns privilégios, sendo noivo. Meu Deus, só de pensar nisso
me sinto nervoso! — Deu um suspiro exagerado. — Sempre fugi do casamento. Tenho
alergia a qualquer tipo de prisão.
— E por que, diabos, foi fazer isso agora? Ficou louco?
— Perdi a razão. Não ia ser encurralado novamente pelo seu pessoal. — Colocou
a mão por dentro da blusa de Débora, fazendo-a estremecer ao contato de seus
dedos.
— Não faça isso!
Ela escorregou da cama e foi se olhar no espelho. Seu rosto estava molhado de
lágrimas, e o cabelo despenteado. Foi até o banheiro e trancou a porta. Quando saiu
recomposta de lá, Mateus continuava deitado na cama, com as mãos sob a cabeça.
Estava totalmente relaxado, com a gravata desfeita e o colarinho aberto.
Olhou-o, sem nenhum prazer.
— Não fique tão à vontade, você já está de saída.
— Eu, não — ele falou calmamente. — Há quanto tempo você é jornalista?
— Desde os dezoito anos.
— E está com vinte e sete. Nove anos, então.
— Posso entender por que você é o chefão de uma multinacional. Tem cabeça.
Queria feri-lo. Ele parecia tão à vontade, como se não tivesse nada mais a
preocupá-lo no mundo, e Débora sabia que a qualquer momento a imprensa começaria a
persegui-los. Mateus Tyrell era um homem muito rico, famoso mesmo, com muito
poder nas mãos. O noivado dele, principalmente com aquelas fotos, ia
despertar bastante interesse e curiosidade.
— Bonita, mas muito dura — ele comentou. — Não gosto disso nas mulheres.
Gosto que elas sejam femininas, pequenas e fascinantes.
— Teresa seria o seu ideal, então. Devia ter ficado noivo dela.
— Estou começando a achar que tem razão. Por outro lado, você é
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completamente diferente. Jamais encontrei alguém como você e duvido que volte a
encontrar. — Antes que Débora pudesse perceber se aquilo era um elogio ou não, ele
acrescentou: — Mas, se encontrar, vou fugir como o diabo da cruz.
— Lá está a porta, comece a correr agora — ela sugeriu, esperançosa.
— Primeiro, vou me divertir.
— Sabe, tive a impressão de que você ia dizer isso. Mas não comigo, sr. Tyrell.
Não faz o meu gênero. Nunca me senti atraída por essa vida, sou apenas uma
trabalhadora. Então, vamos parar com a brincadeira e ser sérios, para variar.
— Não vamos, não — ele falou, levantando a mão num gesto de comando. —
Venha para perto de mim. Eu gosto de brincar.
— Acho que não sou uma jogadora entusiasta.
— Você apenas precisa de mais experiência. Uma chuva não faz uma
tempestade.
— O que quer dizer com isso?
— Só porque um homem a feriu, isso não quer dizer que tem que ignorar tudo
sobre sexo.
Débora foi até a janela e abriu-a. O ar lá fora tinha se tornado morno é
pesado. Fazia um típico dia de outono. Os raios do sol dançavam na água e o céu era de
um azul vivo.
— Não saia nessa varanda; arriscar-se dessa maneira não resolve.
— Eu gosto de me arriscar. Foi por isso que escolhi a reportagem
internacional... gosto de saber que estou correndo um leve risco, mas que o perigo é
passageiro. Tenho bastante senso de autopreservação para não querer ser morta. Sei
tomar conta de mim muito bem. Já tive um revólver apontado para mim no passado. Já
fui até ameaçada de rapto. Cheguei a me estranhar, naquela noite em que os rapazes
surgiram no meio da cerração. Normalmente, eu teria reagido de modo diferente...
aprendi um pouco de judô, tenho idéia de como me defender.
— Eu sabia que você era perigosa. Sinto-me grato por não ter quebrado a
minha perna, quando me deu aquele chute, ontem à noite.
— Eu poderia ter quebrado o seu braço.
— Por favor, não. Acho que não gostaria da sensação.
— É muito doloroso — ela concordou, sorrindo. — Na noite em que cheguei
aqui, e fui dar uma volta lá fora, estava num estado lastimável. Tinha parado de pensar
com clareza. Acho que estava apenas sentindo.
Mateus observava-a, atento, sem dizer uma palavra. Ela virou-se e olhou para o
canal.
— Foi por isso que gritei, quando aqueles meninos me assustaram. Todos os
meus reflexos me deixaram. Senti-me uma tola mais tarde.
— Você não foi tão forte como pensava que fosse?
— Foi horrível a maneira como eles agiram. Estavam silenciosos, mudos. Havia
uma intenção terrível em seus rostos, uma ameaça de violência que me assustou
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presas no quadro de avisos, quando voltar para a redação. Serei a piada do dia!
— Eles não sabiam o que você tinha planejado? Ou bolou tudo sozinha?
Exasperada, ela disse:
— Não planejei absolutamente nada. Continuo a repetir, mas você não quer
ouvir. Sou tão vítima quanto você... e mais, se quiser saber. Você merece ser
perseguido pelos paparazzi, mas eu não.
Mateus fitou-a, inexpressivo. Era impossível dizer se acreditava ou não.
— E eu não vou alimentar essa história de noivado também — Débora falou,
esperando convencê-lo. — Você não parece perceber que efeito isso teria na minha
vida. Eu seria caçada pelos meus próprios colegas! — Pensou em Rodney correndo atrás
dela e inventando uma de suas histórias. — Ficar sua noiva me tornaria notícia —
continuou —, e isso eu não quero!
Há alguns minutos, ouviam um barulho crescente fora do hotel. Débora já tinha
notado, mas agora estava se tornando uma barulheira infernal. Parecia até uma briga.
Naturalmente, não podia ser. Com certeza, um ônibus lotado de hóspedes novos tinha
chegado do aeroporto. Ouviu os gritos e argumentos, o som de passos, e alguém
batendo numa porta.
O telefone tocou e ela atendeu. Houve uma explosão de italiano em seu ouvido.
— Sinto muito, não entendo. Pode falar em inglês? Mateus rolou sobre a cama
e arrancou o fone da mão dela.
— Você se importa? — ela perguntou, tentando pegar o fone novamente. —
Esse é o meu quarto!
Ele estava ouvindo e respondendo para quem quer que fosse em italiano
fluente. Mantinha Débora afastada com a outra mão, sem nenhuma dificuldade. Seu
rosto ficou sombrio, e as sobrancelhas, franzidas, acentuaram o verde dos olhos.
Recolocou o fone e dirigiu-lhe um olhar frio e direto.
— Receio que seja muito tarde para mudar de idéia. Os cachorros da imprensa
estão latindo lá embaixo. Querem que a gente desça para falar com eles, e o gerente
do hotel insiste que façamos isso. Não irão embora sem conseguir uma declaração
nossa e fotos. Ele quer se livrar deles. Estão bloqueando a entrada.
CAPÍTULO VI
Débora nunca tinha estado do outro lado da notícia e sentiu-se como um cão de
caça, subitamente perseguido pela própria matilha. Tinha levado mais ou menos uns
quinze minutos para que Mateus a convencesse a descer com ele, e foi apenas a
aparição histérica do gerente que a fez tomar a decisão. O homem agitava os braços,
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Aquele nome não lhe dizia nada, mas não havia dúvida sobre quem era a tal Leila. Não
havia lhe ocorrido que tudo aquilo também podia embaraçá-lo. Tinha uma vaga
lembrança de sua vida amorosa por causa das investigações do Probe, alguns anos
atrás, só que não estava interessada no assunto... até agora. Na época, a única coisa
que a preocupava eram as pesquisas que a empresa dele fazia. Não conhecia Mateus e
nunca o tinha visto até então.
Rodney, naturalmente, invejava Mateus.
— Que vida a desse homem! Gostaria de ter o seu poder!
Rodney acreditava piamente que todas as mulheres ficavam impressionadas
com o dinheiro. Costumava dirigir carros velozes porque imaginava que aumentaria o
desejo delas por ele. Gastava fortunas em seus encontros e sempre esperava
retribuição por isso. Rodney era um bocado materialista. Qualquer garota que saísse
com ele sabia o que queria em troca da comida e do vinho excelente que lhe pagava. Se
ela não correspondesse depois das despesas, ele riscava seu nome da lista.
Débora agora se perguntava se era assim também que Mateus Tyrell agia. Ele
não precisava ser tão cruamente óbvio, ou insistente.
Um homem com aquele passado não precisava caçar: estaria muito ocupado
fugindo.
— Há quanto tempo vocês se conhecem? — alguém gritou. Mateus respondeu:
— Há bastante tempo. O suficiente. — E todos riram.
Alguns deles olhavam para Débora de uma maneira que ela considerava
insultosa. Tinha vontade de esmurrá-los, e Mateus notou, pois deu-lhe um olhar
demorado e divertido. Ele a conhecia o suficiente agora para saber o que tinha em
mente.
— Onde vocês se encontraram? — Quando é o casamento?
Mateus livrou-se dessas também, mas começava a se impacientar. Recebera
perguntas mais pessoais e insolentes sem sombra de raiva; agora, no entanto, sua
expressão estava mais dura e gelada.
Finalmente, dispensou os repórteres.
— Isso é tudo, senhores.
Passou o braço em volta dos ombros de Débora e, apesar das tentativas
excitadas por mais fotos e mais perguntas, ele conseguiu levá-la de volta para dentro
do hotel. O porteiro fechou as portas na cara da imprensa, que gritava
desesperadamente através do vidro para entrar. Convencidos de que nada mais
adiantava, eles correram para os telefones ou para revelar suas fotos.
— Uma profissão encantadora você tem — Mateus comentou, dando-lhe um
sorriso irônico. — Mentes de rato numa ratoeira. Eles seguem uma pista, sem saber
para onde vão.
— Oh, eles sabem. Você não percebe que existe um editor sentado na
redação, esperando por eles, e que, se não trouxerem a história correta, serão
demitidos?
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ângulo para explorar. Bem, pelo menos o noivado deles fez com que tudo parecesse
muito mais romântico e respeitável.
Quando o elevador parou no seu andar, com um solavanco, ele abriu a grade e
ficou olhando calmamente para ela.
— Arrumei uma saída por trás, para nós. Há um portão lateral. Com sorte,
vamos escapar dos paparazzi.
— Nada foge à atenção deles. Principalmente portões laterais e saídas por
trás... acredite.
— Oh, eu acredito.
— Aposto que acredita mesmo.
Com uma pequena careta, Mateus disse:
— De qualquer maneira, vamos tentar nossa sorte dessa maneira.
— Veja se consegue uma de suas amiguinhas para fazer um strip-tease para
eles — Débora sugeriu. — É o único jeito de esquecerem de nós.
— Excelente idéia. — Ficou sério, de repente. — Vá ao meu quarto quando
acabar de arrumar suas coisas. O gerente já deve ter providenciado tudo para a nossa
fuga. Vejo você no hall, dentro de meia hora.
Débora tinha apenas acabado de fazer as malas, quando Andréa ligou. A
chamada internacional estava péssima, chiando e barulhenta, tornando-se difícil ouvir,
apesar de a outra gritar. Mas Débora não precisava entender as palavras: podia
adivinhar pela entonação.
— Andréa, não posso falar agora.
— Grite, grite!
— Telefono amanhã — ela gritou, e ouviu um barulho muito forte do outro lado.
A irmã tentou responder, mas Débora se despediu rapidamente e desligou. Não se
sentia em condições de enfrentar Andréa no momento, mesmo a distância.
Devia imaginar que, cedo ou tarde, a irmã saberia de tudo. Olhando-se no
espelho, pensou que talvez o Probe estivesse investigando também. Hal não teria
escrúpulos em usar sua própria equipe contra ela. Uma história era uma história e, da
maneira como aquela estava se desenrolando, não podia culpá-lo. Em seu lugar, ela
agiria da mesma forma. Hal pensaria que, se não publicasse a história, mais alguém o
faria. Naquele caso, não havia dúvida sobre isso. Ela não era de nenhum interesse para
os leitores, mas Mateus Tyrell certamente era: tudo o que ele fazia sempre atraía
atenções. O Probe não se atreveria a perder uma matéria, só porque Débora estava
envolvida. Mais ainda: talvez até tentassem convencê-la a dar-lhes uma entrevista
exclusiva.
O porteiro chegou com uma expressão polida e educada, e ela o seguiu,
resignada. Era uma experiência interessante ser rotulada de mulher fatal, mas não
estava se divertindo muito com o fato.
Mateus esperava por ela.
— Suas malas serão mandadas depois — avisou. — Vamos ter que passar por
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carro para alguém como Mateus Tyrell, concluiu, olhando-o com uma irritação
crescente.
— Quero ir para o aeroporto — tentou novamente.
— Mude o disco. Você já expôs seu ponto de vista e eu já lhe expliquei por que
não pode pegar um avião agora para Londres.
— Para onde está me levando? Não tem o direito de fazer isso, sr. Tyrell. Pare
já esse carro e deixe-me descer. — Tentou alcançar a maçaneta.
— Está trancada e é automática — Mateus informou gentilmente. Débora
começou a xingá-lo.
— Quando fica furiosa, aparecem uns pontos vermelhos no fundo de seus olhos
— Mateus falou, muito calmo. — Eu tinha um rato de estimação quando menino que
fazia assim.
Débora respirou fundo, com as mãos crispadas.
— Não me bata. Preciso dos dois braços — Mateus zombou.
Antes que ela pudesse empurrá-lo ou protestar, ele demonstrou de maneira
muito prática o que dizia, abraçando-a com força. O motorista olhou-os pelo
retrovisor, rindo.
Com a mão livre, ele levantou o queixo de Débora e acariciou seu rosto. Ela o
encarou, indignada, antes que a boca de Mateus cobrisse seus lábios.
Ele se divertiu com suas tentativas de se libertar. Débora sentia-se dividida
entre o ódio e o tremor emocionado e involuntário que aqueles lábios cálidos
provocavam. Talvez esquecesse a raiva, se Mateus não risse dela. Ainda estava
sensível por ele ter descoberto seu caso com Robert. Nenhum homem tinha rido dela
daquele jeito, e achou que estava fazendo pouco por ter sido abandonada pelo outro. O
pensamento deixou-a furiosa. Tentou chutá-lo, mas encontrou a resistência do joelho
de Mateus que a escorava sobre o banco. Era uma luta indigna e inútil, que terminou
finalmente quando ele perdeu o bom humor.
A mão que segurava o queixo de Débora passou a apertar feito uma chave
inglesa, e então Mateus começou a beijá-la, sem nenhuma piedade. Durante algum
tempo, ela resistiu. Depois... Não entendia o que estava se passando: toda a
resistência deu lugar a uma entrega total. Sua pele parecia queimar e corresponder
aos beijos violentos com sofreguidão. Quando Débora percebeu, estava acariciando
aquele cabelo claro e grosso, atraindo-o para si.
Mateus largou-a e recuou. Foi um gesto tão brusco e inesperado que Débora
sentiu como se a tivesse esbofeteado. Abriu os olhos, envergonhada.
Ele estava completamente diferente. Havia um lampejo estranho em seu olhar.
Débora não teve nenhuma dificuldade para reconhecer aquela expressão: excitação,
triunfo, autoconfiança... tudo estava ali, bem claro para que ela lesse.
Mateus Tyrell era um homem perigoso. Qualquer homem que podia esconder
violência e determinação sob uma fachada de indiferença era perigoso.
Sua fraqueza, ela pensou, é o caráter. Era a única falha na fachada. Tinha duas
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caras: uma muito fria, para o público, e outra charmosa, para as mulheres. Devia ter
um monte de amigas, mas também ser respeitado e até temido pelos homens.
Principalmente, os que trabalhavam com ele.
Olhou-o com raiva, e gritou:
— Não gosto de ser agarrada, sr. Tyrell!
— Sou seu noivo, lembra?
— Gostaria que parasse de dizer isso. Não é verdade, e quero que deixe toda
essa história ridícula cair no esquecimento.
— No tempo certo — murmurou, recostando-se no assento, com as pernas
esticadas para frente, sorridente.
― Devo ter ficado louca, para me deixar levar até esse ponto.
— Sou muito perseverante — Mateus comentou, ainda sorrindo, e ela não
gostou de seu jeito.
— Só não comece a ter idéias, sr. Tyrell!
— Muito tarde; já estou com elas. Sempre fui fascinado por louras de grandes
olhos castanhos, principalmente quando têm o corpo que você tem. Realmente, devia
ter sido modelo: tem um andar bastante sedutor.
Débora ficou corada novamente e respondeu, furiosa:
— Pode esquecer essas idéias, não estou interessada.
— Tanto melhor. Nunca tive experiência de caçar animais selvagens.
— Você está me deixando furiosa, sr. Tyrell.
— Estou vendo. Gosto das fagulhas no seu olhar, quando fica
enraivecida. Não posso nem esperar para senti-la derreter nos meus braços.
Débora respirou fundo. Contou até dez, antes, de responder, com calma
fingida:
— Entendo. Então, é isso que vou fazer, não é? Que amável por ter me avisado!
Gosto de ter uma idéia do que vai dentro da cabeça de um homem, quando ele me
agarra como se eu fosse uma boneca numa loja de brinquedos.
Os olhos de Mateus brilhavam, divertidos.
— Quer dizer que não sabia? Então, já é hora de descobrir. Está perdendo
tempo.
— Não, no meu ponto de vista.
Como ele ousava? Que topete tinham os homens!
— Para onde vamos? — ela perguntou, olhando para os vinhedos por onde
passavam.
— Um amigo tem uma vila nos Dolomitas. Ele me emprestou por uns dois dias.
— Oh, não! Você não quer dizer... Não vou passar dois dias com você numa vila
que fica sei lá onde. Portanto, pode esquecer o assunto.
— Aqui é Trevira. Bassano está a meia hora daqui e a vila fica a poucos
quilômetros de Bassano.
— Não estou precisando de uma aula de geografia. Só quero voltar para
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CAPÍTULO VII
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— Não sou teimoso. Apenas acho que o meu jeito de fazer as coisas é o
correto. Há uma grande diferença.
— Para mim, parece teimosia pura.
— Isso também. Meu quarto, você vai gostar de saber, é do outro lado do hall.
— Ótimo. Fique nele.
— Depende de você. Débora olhou para seu rosto zombeteiro e sentiu o
coração bater acelerado. O que será que queria dizer com aquilo? Será que achava que
ia convidá-lo? Sim, era isso que achava. Pois podia continuar achando!
— Estou faminta. Há alguma comida por aqui?
— Por que acha que não?
— Onde está, então?
— Onde é que geralmente se encontra comida? — Olhou para ela, irritado. —
Tente na cozinha!
— Quem vai cozinhar?
— Bem, não sou eu. Você está com fome; Então, faça você. Débora foi até a
cozinha. Achou-a grande, espaçosa, ensolarada e muito bem equipada. Pensou em qual
seria a utilidade daquela vila. Será que os Scalatio iam lá com freqüência? Muito
dinheiro tinha sido gasto para transformar aquele lugar isolado num lar luxuoso,
apesar de aparentemente desabitado e sem calor. Provavelmente, conservavam a casa
para as férias.
Que desperdício!, pensou, abrindo o freezer que ocupava um bom espaço numa
das paredes.
Não tinha tempo para esperar pelo cozimento da carne; então, escolheu uma
comida congelada que poderia ser assada imediatamente. O fogão era elétrico.
Passados cinco minutos, um cheirinho gostoso tomava conta da cozinha.
Mateus chegou quinze minutos depois, quando ela chamou.
— Meu Deus, você trabalha rápido! — comentou, observando a mesa.
— Sente-se para comer enquanto está quente.
Estava corada pelo calor do fogão, mas também era devido ao crescente
nervosismo de estar sozinha naquele lugar com Mateus.
Sentaram-se um em frente ao outro, na enorme mesa de carvalho da cozinha.
— Não é a espécie de comida refinada a que está habituado, mas foi a melhor
que pude fazer nas circunstâncias.
— Cheira muito bem — ele falou, começando a Comer. — Scalatio me disse que
tinha vinho na adega, mas vamos deixar para mais tarde.
— Vamos deixar para sempre.
— Você tem medo de que isso leve a uma cena de sedução?
— Não comigo...
— E muito otimista. Seu rubor aumentou.
— Se você acha que...
— Sim, e daí? — Ele ria, olhando para ela.
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isso. Jogou-se inteira naquele amor, sem saber onde a levaria. Tinha o hábito de se
apressar. Amara Robert, porque achava que nunca mais saberia como era amar e ser
amada. No entanto, as mulheres têm uma intuição muito profunda sobre o amor. Ele é
o segredo da vida, e as mulheres nascem sabendo disso.
Se Robert não passara de ilusão, então aquela dor não era de coração partido,
e sim de orgulho ferido, uma coisa bem diferente. Apenas tinha ficado humilhada, ao
perceber que amara o homem errado. Que havia sido feita de boba. Ela própria criou o
homem que dizia amar. Estava apaixonada pelo amor, e não por Robert.
Uma pedrinha caiu perto dela, fazendo-a estremecer. Mateus tinha se
aproximado, sem que notasse. Olhou-a, calmamente, com uma das mãos apoiadas na
árvore. Seu corpo todo era um arco elegante; a linha do peito, da cintura, do quadril...
— Eu me desculpo. Mereci aquele sermão. Considere-me devidamente castrado.
Por alguma razão, isso fez com que ela se sentisse pior. Virou-se, tentando
abafar um soluço.
— Não... — Mateus disse, aproximando-se mais.
Débora precisava chorar. Seus sentimentos estavam todos confusos;
precisavam se liberar através das lágrimas.
— Oh, inferno! — ele falou, puxando-a contra o peito. — Lágrimas de novo, não!
Já lhe disse que não consigo ver mulheres chorarem.
— Não as faça chorar, então... — ela soluçou. Sentia-se tão protegida dentro
daqueles braços musculosos! E tão frágil, quando ele acariciava seus cabelos!
— Sou um cachorro. Vamos, diga!
— Você é um cachorro — Débora murmurou.
— Você me leva muito ao pé da letra...
— Não quero isso, em absoluto.
Sentia-se mais forte, agora. Ele parecia transmitir-lhe sua força e confiança.
Dava-lhe mais vida. Levantou a cabeça e tentou afastar-se.
— Fique aí. Gosto quando você se apóia em mim. Você é uma mistura de
profissional independente e garotinha assustada. Nunca sei se vai cair em cima de mim
como a mulher-maravilha ou se desmanchar em lágrimas.
Débora não pôde deixar de rir.
— Isso faz parte do meu charme.
— Fico contente que concordamos em alguma coisa.
Tirou um lenço do bolso e começou a enxugar o rosto de Débora. Ela deixou-o
fazer isso, com prazer. Quando ele terminou, beijou-lhe o nariz.
— Perdoado?
— Tenho a sua palavra de que não vai mais falar daquele jeito comigo?
— Tenho que jurar? Concordo, mas será que não pode tentar ver a coisa do
meu ponto de vista? Sou homem, e quando vejo algo que quero, o meu instinto é tentar
pegar.
— Tente controlar seus instintos.
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Imaginou que depois de Robert e de toda a desilusão que teve, era impossível
reagir assim a qualquer outro homem, mas talvez sua própria infelicidade tivesse
despertado aquele desejo sexual crescente dentro de si.
Uma coisa, porém, estava clara: gostava de Mateus Tyrell. Ele era muito
atraente. Sentia-se desperta e viva em sua companhia. Eram estimulantes um para o
outro. Agora, tinha que admitir que não eram só suas mentes que ficavam excitadas.
Estava fisicamente desperta também, e sabia muito bem que Mateus também se
sentia assim.
Tudo aquilo não queria dizer amor. Era muito mais simples e prosaico: Mateus
gostou dela, e tinha dito.
Olhou-se no espelho da penteadeira e percebeu que o cabelo estava
despenteado, seu nariz brilhava e o batom quase desaparecera. Só Deus sabia por que
Mateus tinha se encantado com ela. Os homens eram criaturas estranhas. Robert
teria lhe dado mais valor, se ela começasse fugindo dele. E Mateus tinha perdido a
paciência porque pensou que o estava desafiando. O ego masculino era muito instável.
Mateus tinha sido razoável, até descobrir que ela era uma jornalista e
imaginar que queria fazê-lo de bobo. Agora, já sabia. No futuro, iria conservar-se mais
calma, nem tanto por ele, mas por si própria.
Deitou-se, subitamente exausta. Tinha sido um dia cansativo e tenso. Mateus
conseguira dormir no carro, mas ela tinha a impressão de estar acordada há uma
semana.
Fechou os olhos, espreguiçando-se. Talvez no ano que vem nem se lembrasse
mais de como Robert era. O tempo apaga tudo. Estava fazendo o seu trabalho agora:
fechando a ferida que Robert deixara aberta. Mateus tinha ajudado bastante,
naturalmente. De uma coisa pelo menos não podia se queixar: ele nunca se tornava
enfadonho.
Quando abriu os olhos, percebeu que tinha anoitecido. As sombras já invadiam
o quarto. Um som atrás dela fez com que pulasse. Depois, notou que havia alguém
batendo à janela. Ouviu a batida novamente, e viu um rosto colado na vidraça, o nariz
espremido e os olhos bem abertos.
Ainda tonta de sono, Débora foi até lá.
— Oh, meu Deus! — murmurou, reconhecendo aquele rosto. Devia ter previsto.
Levantou o vidro, e ele entrou, resmungando:
— Ei, cuidado! Você quase me decapitou!
— Não me provoque! O que faz por aqui, Rodney?
— Me dê uma mão. Tyrell está no jardim, e não quero que ele me veja.
— Tenho uma boa voz e posso gritar por ele — Débora ameaçou.
— Saia do caminho! — Ele levantou a persiana para poder pular para dentro do
quarto.
— Como nos encontrou?
— Entrei em contato com alguém que conheci voltando para Veneza.
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CAPÍTULO VIII
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— Que você tenha pescado um cara desses. É até bem bonitinha, claro. Aliás,
eu sempre me senti atraído por esses seus olhos castanhos. Mas você não é tão
espetacular para que um cara como Tyrell fique caído. Ele é muito especial e... com
todo aquele dinheiro. Posso imaginar por que você o queria, mas Tyrell pode escolher a
mulher que desejar. O que foi que o fez escolher você?
— Eu o enfeiticei.
Débora tinha vontade de partir para cima dele novamente, mas apenas olhou-o
com desprezo.
— Hal manda lembranças e congratulações. Ele disse que espera que você não
se esqueça dos amigos pobres, agora que vai ser uma esposa milionária.
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interrompido por uma batida na porta. Rodney olhou para lá, de boca aberta. Antes
que pudesse dizer qualquer coisa, Mateus arrancou-o da cama.
— Olhe... — murmurou — você não pode.
Mateus despachou-o pela janela, sem ouvir o que tinha a dizer. Débora viu-o
todo sujo de terra e encolhido. Tyrell virou-se então para ela, com o rosto cheio de
ódio.
— Imagino que esse é o patife que tem feito você chorar ultimamente.
— Seu gosto é um tanto suspeito, srta. Linton. Esperava por coisa melhor.
Apanhada de surpresa, ela quis explicar, mas ele não lhe deu chance
— Espero que não tenha dito nada a ele de que possa se arrepender porque
senão vou fazer você se arrepender. Ouvi vozes aqui e pensei quê você fosse
ventríloqua; mas, só para checar, dei um giro pela casa Felizmente fiz isso. Se você
desmentiu o nosso noivado, vai fazer papel de idiota para desmentir novamente. Ele
também estava naquele complô do Probe?
— Já lhe disse: não houve complô. Você sabe que Teresa mandou aquele
fotógrafo atrás de nós.
— Oh, sim, mas você resolveu tirar vantagem do caso, não foi? Você e o Probe
querem acabar comigo, desde aquele caso, quatro anos atrás. Mas não vão conseguir
nada comigo. Se eu encontrar mais um desses furões por aqui, quebro o pescoço do
desgraçado! — Virou para olhar pela janela. — O seu amiguinho está fugindo como o
diabo da cruz. Acho que ele entendeu o recado.
— Ele não é meu amiguinho; apenas trabalha comigo.
— Eu vi que era isso. — Olhou-a com desprezo. — Não é de se espantar que as
notícias dos jornais estejam tão mal escritas, se é assim que vocês se comportam!
Rolando nas camas, rindo e se beijando. Acha que sou imbecil? O homem é seu amante!
Débora fervia de raiva e embaraço.
— Oh, pense o que quiser!
— Não preciso de sua permissão para fazer isso.
— Não. Está precisando é de uma operação no cérebro.
— É isso mesmo, rebaixe-se ao insulto infantil, quando não encontra nada mais
adequado para dizer.
— Vou me rebaixar a dar um soco na sua boca se falar comigo assim
novamente!
— Moça, está começando a me aborrecer — disse, caminhando até ela.
— Não me toque!
— E eu, que estava começando a acreditar naquela sua história sobre o amor
ser sério demais para que se brinque com ele. Devia estar maluco para acreditar na
palavra de uma mulher; principalmente, sendo jornalista. Se você pode rolar na cama
com um verme como aquele, pode muito bem fazer isso comigo também!
Mateus estava uma fera, e Débora achou mais prudente ficar calada.
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— Não suporto ser passado para trás... — Pegou-a pelos braços e jogou-a sobre
a cama, prendendo-a sob o peso de seu corpo.
Débora lutou, até que ele encontrou sua boca. A força opressora daquele beijo
quebrou sua resistência. Não estava tentando mais afastá-lo. Involuntariamente, ela
passou os braços pelo pescoço dele e sentiu que já não a beijava com tanta raiva.
Mateus a acariciava suavemente, e Débora ficou horrorizada ao perceber que
gemia de prazer e, em vez de lutar, ela o puxava para mais e mais perto.
Pela primeira vez, não queria que ele parasse. Seu corpo ardia num convite
involuntário, e os beijos se tornaram mais ardentes e excitados.
Ela_ começou a duvidar se devia se deixar envolver, mas foram interrompidos
pelo estouro de um flah do lado de fora da janela.
— Oh, inferno! — Mateus gritou.
Foi até a janela e Débora continuou deitada, trêmula.
Ouviu que ele pulou para o jardim e depois correu. Houve um ruído seco e
palavrões. Ela não foi até a janela, mas podia adivinhar o que estava acontecendo:
Mateus tinha tropeçado numa daquelas raízes expostas devido ao solo seco da região.
Saindo da cama, foi lavar-se na pia. Pouco tempo depois, Mateus estava de
volta por onde tinha saído.
— Há uma porta, sabia? — Débora falou, quando o viu pular a janela.
— Você vai ficar contente de saber que o seu amante conseguiu a foto.
— Ele não é meu amante!
— Sei o que vi. Vocês estavam se divertindo às minhas custas. Que espécie de
sujeito ele é, tirando fotos de sua garota com outro homem?
— Não sou a garota dele. — Débora enxugou o rosto e pendurou a toalha. — A
verdade é...
— Verdade? Que palavra engraçada para você dizer.
— Pare de usar esse tom comigo...
— Lembre-se bem: se eu o pegar novamente com você, acabo com ele.
Portanto, não o deixe entrar novamente nesta casa.
Débora suspirou; ele estava novamente de mau humor. Era melhor deixá-lo
esfriar.
— Precisa escovar sua roupa: está coberta de pó por causa do tombo que levou
há pouco.
As observações de Rodney sobre o passado de Mateus Tyrell tinham ficado em
sua mente. Sabia que era um perito na arte de despertar as mulheres e ela se deixara
levar por aquelas carícias sutis e excitantes por um bom tempo. Se fosse escrever
algo sobre ele, descreveria Mateus como playboy internacional, magnata e amante da
vida noturna. Hal sempre lhe dizia:
— As pessoas não têm tempo para ler romance, querida; elas querem os fatos
da maneira mais suscinta possível. Uma notícia objetiva poupa tempo e energia. Quanto
mais tempo você passar enfeitando suas frases, mais rápido os leitores vão esquecê-
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própria vida.
— Seus irmãos são mais velhos ou mais moços?
— Tenho duas irmãs mais velhas e uma mais moça. São todas casadas e têm
filhos. Tenho um irmão mais novo também. Agora está casado e a mulher espera bebê
para o Natal. Fora eles, tenho uma porção de tias, tios e primos. Os que moram na
Inglaterra são os piores. Ficam de olho em mim o tempo todo. Passo a vida me
escondendo deles.
— Você não parece o tipo de homem que tem essa formação.
— O que eu pareço, então? — Inclinou-se sobre a mesa, com uma expressão
interessada, o queixo apoiado nas mãos, como uma criança que gosta de ser o centro
das atenções.
— Não tinha pensado no assunto.
— Pense agora — pediu, sorrindo.
Débora ficou alarmada. Não queria chegar a tal intimidade com ele,-mas
durante a refeição tinham se aproximado, e estava preocupada com a .„ maneira como
ele a olhava. Mateus Tyrell era hábil com as pessoas... percebia cada vez mais isso. Era
um manipulador nato, ameaçando sutilmente e provocando as pessoas, até elas
fazerem o que ele queria. Todo aquele charme surtia efeito, apesar das tentativas que
ela fazia para ignorá-lo.
— Ainda não conheço você o suficiente — respondeu, evasiva.
— Covarde! Agora, você me decepcionou. Dentro dessa embalagem maravilhosa,
ninguém diria que existe um cérebro tão capaz. Enquanto um homem está ocupado
admirando você, você é bem capaz de lhe cortar a cabeça, sem que o infeliz perceba a
sua intenção.
— Alguns bem que merecem isso — Débora falou, esforçando-se para não rir.
— Viu? Você é muito perigosa.
Débora não gostou do comentário. Mateus percebeu e parecia ainda mais
divertido.
— Como ele era? Esse seu Robert?
Lá vinha ele novamente. Será que nunca desistia? Olhando para o copo de
vinho, respondeu:
— Atraente.
— O que o tornava tão especial? Pelo menos, acredito que fosse. Senão, você
não teria caído por ele. Tenho certeza de que foi a primeira vez que se apaixonou.
— Acho que eu estava pronta para esse tipo de erro. Durante anos, meu
trabalho era a única coisa que me importava, mas, quando o conheci, comecei a ficar
cansada de viajar pelo mundo. Acho que queria me apaixonar.
— Então, você se apaixonou e escolheu o homem errado.
— O que quer dizer com isso?
— O que me contou sobre esse Robert me faz pensar que escolheu o mesmo
tipo de homem de seu pai... um sujeito que foge de responsabilidades. Nós tendemos a
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procurar pessoas parecidas com as que nos afetaram profundamente na infância. Sem
perceber, talvez você reconhecesse em Robert o mesmo comportamento que tinha
aprendido a esperar dos homens.
Débora ficou surpresa demais para responder. Esvaziou o copo de vinho de um
só gole.
— Estou sendo muito indiscreto? Ela olhou para a mesa desarrumada.
— É melhor tirar a mesa e lavar a louça.
— Isso eu posso fazer — Mateus disse, levantando-se. Não comentou
absolutamente nada sobre a recusa de Débora em continuar o assunto.
CAPÍTULO IX
Depois de arrumarem a cozinha, foram jogar cartas. Mas Débora não conseguia
se concentrar. As moscas voavam em torno das lâmpadas, fazendo barulho com as
asas. O vento lá fora soprava sobre as oliveiras e o céu escuro estava cheio de nuvens.
A lua, quando aparecia, delineava os contornos das montanhas.
— Você está jogando, ou está com a cabeça a quilômetros daqui? Débora voltou
a si, desculpando-se.
— Já é a minha vez?
Jogou uma carta, meio ausente, e Mateus a olhou, compreensivo.
— Sua mente não está aqui nesta mesa — disse, recolhendo o baralho.
— Quem ganhou?
— Eu. Você nem notou. Parece cansada. Por que não vai para a cama? Débora
ficou em pé, bocejando.
— Desculpe. Estou cansada, sim. Boa noite.
— Bons sonhos.
Ela não gostou da maneira como ele disse isso.
Trancando a porta, aprontou-se para deitar. Mal tocou no travesseiro, já
estava dormindo profundamente.
De manhã, batidas na porta a acordaram.
— Vamos, bela adormecida, quer café ou não quer?
Débora pulou da cama e vestiu o robe. Quando abriu a porta, ele entrou com a
bandeja do café. Ela sentia-se ótima naquela manhã: tinha dormido bem a noite toda,
pela primeira vez em muito tempo.
Mateus puxou as cortinas. Enquanto andava pelo quarto, Débora percebeu com
que familiaridade eles se tratavam. Ficou confusa, ao pensar que se conheciam há
poucos dias; parecia que já fazia anos.
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Tiveram que engatinhar por entre as oliveiras, até poder correr de verdade. A
todo instante, Débora esperava ouvir o grito de Mateus atrás deles. Não ousou olhar
para trás. Cada passo parecia custar um sacrifício enorme.
Quando alcançaram o muro da casa, Rodney jogou a mala, dando a mão a
Débora, para que pulasse o muro também.
O carro dele estava a mais ou menos duzentos metros de distância, e só
quando deu partida é que ela respirou aliviada. Observou a casa afastar-se,
rapidamente.
— Ninguém veio atrás de nós — disse Rodney, diminuindo a velocidade. — O
que está acontecendo?
— Meta-se com a sua vida!
— Vamos, você está fugindo de Tyrell. Por quê? Briga?
— Não tenho nada a dizer. — Depois, falou com ironia: — Sem comentários. —
Nunca pensou que um dia diria aquelas palavras, as favoritas de muitos de seus
entrevistados. Riu da ironia da situação e repetiu: — Sem comentários. Não faça mais
perguntas.
Era a mesma coisa que pedir para a maré parar. Rodney a bombardeou com
dezenas de perguntas íntimas e indiscretas.
Quando Débora se recusou a responder, ele comentou que Mateus tinha a vila
devidamente vigiada durante todo o tempo que eles estavam lá. Havia homens
patrulhando cada canto dos jardins.
— Cada vez que tentávamos chegar perto, eles botavam a gente para correr.
— Bom. Pena que eu não vi isso.
— Você esqueceu de que lado está? As mulheres são tão emocionais! Um animal
sexual como Tyrell realmente sabe como chegar às mulheres, não é? Pensei que você
fosse uma profissional!
Débora preferiu ignorar. Sentia-se cansada demais para discutir. Ainda mais
aquele assunto.
— Aonde vamos? — Rodney perguntou. — Ou também não posso perguntar
isso?
— O quê?
— Vamos voltar para Veneza?
— Não, ele mandaria vigiar o aeroporto. Leve-me para Roma.
— O que está acontecendo? — Rodney implorava. — Vamos, Deb, seja amiga...
fale!
— Apenas dirija.
— Você está ficando um bocado egoísta!
— Egoísta?
— Eu sei que a história é sua, mas pensei que éramos amigos.
— O que no mundo fez você pensar isso?
— Bem, trabalhamos juntos no passado. Se você conseguiu algo importante com
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Tyrell, podia me deixar entrar nessa. Precisou da minha ajuda para escapar. Não vou
ter nenhuma recompensa?
— Você merece é um soco no olho.
— Sabia que você era uma lutadora inteligente. Eu disse isso a Hal. Falei que
você voltaria com algo importante. Os homens não têm chance com você: é um bloco de
gelo. Tyrell deve ter voado em cima de você, mas você não voou em cima dele.
Débora lembrou os momentos que tinham passado na encosta da montanha e o
que sentira.
— Você é muito gentil, Rodney. Estou profundamente tocada pelo
cumprimento. Agora, por favor, não diminua a velocidade até Roma.
Sabia que, quando Mateus descobrisse sua fuga, sairia atrás dela.
— O caminho é longo. — Ele se queixou. — Vai ser muito mais rápido se
voarmos.
— Já falei que ele vai vigiar o aeroporto, no momento em que perceber que
fugi.
— O que você quis fazer? Que história é essa, Deb? Não pode guardar só para
você.
— Continue dirigindo — ela insistiu, com os olhos no espelho retrovisor. — Ele
é rápido como um raio. Se pegar você, desta vez pode até quebrar seu pescoço.
Rodney parecia um coelho acuado. Pisou fundo no acelerador.
— Por que o meu pescoço? Isso me espanta, já que ele está atrás é de você.
Débora sentiu um frio na espinha. Como ele está certo, pensou. Não tinha
admitido até agora essa evidência. Mateus viria atrás dela, e tremia só de pensar no
que poderia acontecer, se a alcançasse. Tentou se convencer de que ele apenas daria
de ombros, quando percebesse que ela tinha fugido. Por que persegui-la?
Cruzou as mãos no colo. Estavam trêmulas. Sabia por que Mateus viria atrás
dela. Durante aqueles momentos de amor que tinham passado no topo da montanha,
suas intenções ficaram bastantes claras. E ela o conhecia o suficiente para saber que
não desistia do que queria. Aquela fuga não o faria esquecer. Mateus Tyrell estava
atrás dela.
CAPÍTULO X
— O que você quer dizer com isso? — Andréa a fitava, incrédula e impaciente.
— Como é que aquelas fotos foram um engano? — Kerry brincava com um caminhão
enorme pelo chão, fazendo um terrível barulho. Andréa baixou a voz e continuou: — Eu
não queria acreditar no que via. Deb, como você pôde?
— Não aconteceu absolutamente nada. Será que não consegue meter isso na
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— Eu só não entendo por que ele falou que vocês estavam noivos, se não
estavam.
— Já lhe disse: para calar o Probe.
— Não acredito. Não faz nenhum sentido. Um homem desses? Com todo o
dinheiro que tem?
E um temperamento como o Vesúvio, Débora pensou. Quando Mateus se
zangava, era melhor sair da frente. Mas não ia explicar tudo aquilo para sua irmã.
— Ele deve ter ficado encantado por você. Débora corou, diante do olhar
insistente da irmã.
— Eu sabia! — a outra falou, triunfante.
Débora preferiu ignorar. Não queria mais se expor: Andréa era muito
observadora, e ela podia se trair.
— Robert telefonou várias vezes.
— O que foi que ele disse?
— Queria saber o que estava acontecendo com você. O que esperava? Ele
parecia tão desconcertado como eu.
Sem dúvida. Devia ter ficado com as notícias engasgadas, imaginando que havia
sido passado para trás. Mateus tinha dado a impressão de que eles já se conheciam
secretamente há algum tempo. Podia imaginar a surpresa e o choque de Robert. Que
golpe em seu orgulho!
Aquilo não a desagradou. Deu-lhe vida nova. Recuperou um pouco do amor-
próprio perdido.
— Você deve telefonar para ele — Andréa falou. — Prometi que lhe daria o
recado.
Débora preferiu não responder. Não ia ligar para Robert; ele estava
enterrado, junto com o passado. Mateus tinha conseguido isso. Fez com que ela
vencesse a fase mais dolorosa de sua vida. Apesar dos pesares, aquela confusão toda
servira para alguma coisa.
Kerry abriu a porta, e a mãe deu-lhe um olhar feroz.
— Pensei que tinha mandado você ficar no jardim.
— Tem um carro enorme lá fora e um homem vem vindo para cá. O coração de
Débora pulou. Levantou-se, com o rosto em chamas.
— É ele! Eu não estou em casa e você não sabe onde estou — disse para
Andréa.
— De que você está falando? — Boquiaberta, a irmã olhava, sem saber o que
fazer. —Oh, quer dizer que é Mateus Tyrell?
— É claro que é. — A campainha tocou uma vez, e depois várias vezes seguidas.
— Não o deixe entrar! — Débora implorou.
Andréa ficou tensa.
— Está com medo dele? — Seu rosto tinha assumido a expressão combativa de
alguém que se prepara para uma guerra.
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— Aterrorizada — Débora falou, sem fôlego. Andréa olhou para a irmã, com
firmeza e decisão.
— Bem, eu não estou — falou, com o queixo levantado.
— Não o deixe entrar — Débora implorou, recuando, como se Mateus fosse
irromper sala adentro.
A campainha continuou a tocar, insistente.
— Não se preocupe, não vou — Andréa a acalmou, dirigindo-se para a porta.
— Você não o conhece. Ele parece um bate-estaca.
— Bem, mesmo assim, não vai bater em mim — disse e saiu. Kerry apareceu na
porta, com o rostinho excitado.
— Ele tem um carro incrível. Posso ir até lá, para olhar? É vermelho. Tenho
certeza de que ele voa. Papai não dirige rápido porque a mamãe não gosta. Você viu o
meu dente? Ele caiu quando eu estava almoçando na escola. Acho que engoli. Se eu
ficar com dois dentes faltando, vou poder assobiar. Você sabe assobiar, tia Deb?
— Sei — respondeu, ausente.
— Peter sabe assobiar. Ele não tem dois dentes. O que você sabe assobiar, tia
Deb? Uma música? Deixe ver, faça isso para mim!
A atenção de Débora tinha sido desviada para as vozes na entrada, mas fez um
grande esforço para prestar atenção no rostinho sério de Kerry. Ele era um garoto
saudável e magrela, com sardas no nariz e olhos redondos e muito vivos. Ela olhou para
ele afetuosamente.
— Sinto muito, o que você disse? O que quer que eu faça?
— Assobie — o menino pediu, sem estranhar que ela não tivesse ouvido. Os
adultos sempre faziam isso. Repetiu a história sobre Peter, com paciência, e
novamente perguntou se Débora sabia assobiar.
Ela provou que sabia e disse-lhe que, se tivesse menos dois dentes, poderia
fazê-lo muito melhor. Depois, ele mostrou a falha que tinha na boca.
— Maravilha! Que sorte que você não é um elefante. Os dentes deles são
enormes.
— Presas — Kerry corrigiu, com desprezo. — Eles também têm dentes, mas não
mastigam com as presas.
— Oh, não mesmo? Eu não sabia.
— No meu livro de conhecimentos gerais diz isso. Tem uma foto dos dentes
deles.
Débora pegou-o no colo. O garoto protestou:
— Não me aperte tanto, titia, minha barriga dói.
— Desculpe. — Beijou seu narizinho sardento.
Naquele momento, a porta foi aberta e um homem entrou. Andréa vinha atrás,
dizendo:
— Espere...
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Diante dela, estavam os olhos verdes de Mateus Tyrell. Seus braços ao redor
de Kerry apertavam ainda mais o menino. Ele abriu a boca para reclamar, mas não
conseguiu dizer nada quando viu a expressão da tia.
— Você não tem o direito de forçar passagem dessa maneira! — Andréa estava
indignada.
Débora colocou Kerry no chão e levantou-se. Sabia que a irmã não conseguiria
impedir sua entrada, se ele estava realmente determinado a entrar.
Mateus parou na porta, com Andréa cercando-o e lançando olhares
preocupados para Débora.
— Então, consegui pôr as mãos em você, finalmente! Você me aprontou uma
boa! Não dou a mínima para o seu judô. Agora, vai levar a maior surra dê sua vida. Se
quiser quebrar o meu braço depois, a vontade!
Andréa estava pasma, olhando de um para o outro, com os olhos arregalados.
Kerry ouvia, excitado.
— Se der um passo à frente, vai se arrepender! — Débora avisou, preparando-
se para escapar pela porta aberta que dava no jardim.
— Minha irmã não tem que falar com o senhor, se ela não quer! — Andréa
tentou meter-se. — Sabe que posso chamar a polícia? Esta é a minha casa, e ninguém
tem o direito de invadi-la.
Mateus deu-lhe um olhar de relance.
— Parece que é de família — falou para Débora.
— O que quer dizer? — Andréa perguntou, tremendo de raiva e suspeita.
— Não faça perguntas — Débora aconselhou.
— É muito melhor mesmo — Mateus concordou.
Deu um passo à frente, e Andréa se adiantou para encará-lo.
— O senhor não está lidando com mulheres indefesas.
— Disso eu não tenho a menor dúvida — ele falou, seco.
— Muito engraçado. Meta na sua cabeça que minha irmã não quer vê-lo. Ela não
é do tipo de mulher com quem está acostumado a lidar.
— Eu sei de que espécie ela é — Mateus disse pausadamente. — Ela vai ter que
responder por uma série de coisas. Estou até aqui com a sua irmã e não tenho a menor
intenção de deixá-la fugir de novo.
Andréa abria e fechava a boca, feito um peixe fora d'água. Olhava de Débora
para Mateus, como se assistisse a uma partida de tênis. Acabou esbarrando em Kerry.
— Vá brincar no jardim! — Empurrou-o pela porta, fechando-a. Mateus avançou
até Débora e agarrou-lhe o pulso, com um olhar cheio de ameaça e zombaria.
— Agora, você não me escapa.
— Não me machuque! — Débora lutava para se soltar. — Andréa... Olhou em
volta, mas a irmã tinha desaparecido. Mateus sorriu.
— Vejo que a sua irmã é realista. Espero que você também seja um dia...
Porque, se não for, vai levar uma vida um bocado difícil.
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— Você foi feita para mim — ele murmurou, sorrindo. — Feita de encomenda,
querida. Sinto-me grato ao animal que a mandou para Veneza, aos prantos. Se não
fosse por ele, não teríamos nos encontrado. Vou mesmo convidá-lo para o casamento.
— Casamento?
— Casamento.
Corada e confusa, ela tentou protestar:
— Mateus, você está se apressando! Não pertenço ao seu mundo, e nem você
ao meu.
— Então vamos construir o nosso. Um que nós dois faremos juntos. É a única
dúvida que você tem?
— Eu não me adaptaria.
— Você se adapta a qualquer coisa. É inato em você. Lembra-se do casaco de
vison? O que me diz disso? Minha querida, você não tem outro argumento que me
convença do contrário!
— Oh, Mateus...
— Você adorou usá-lo, confesse.
— Há tantas outras coisas...
— Vou acabar com todas elas. Tenho certeza de que consigo.
— Não seja tão confiante assim!
— Não tenha uma de suas crises, pelo amor de Deus!
— Pare de bancar o mandão. Você não pode simplesmente se apoderar de mim e
comandar a minha vida.
— É justamente isso o que vou fazer.
Débora sentiu que ele se aproximava e falou, ainda sem fôlego:
— Você não pensou direito no que está dizendo.
— Não pensei em mais nada, nos últimos dois dias.
— Dois dias não são o bastante.
— É até demais, para mim.
— Uma semana atrás, pensei estar apaixonada por outro homem! Isso não lhe
diz nada? — Débora estava ficando desesperada. Ele parecia mais obstinado do que
nunca, e ela não tinha um único argumento para lhe dar. Seu coração batia tão forte,
que era impossível falar.
— Algo me diz que estou certo — Mateus falou calmamente. — Algo me diz que
você é humana e que me quer.
— Preciso de tempo!
— Depois de casados, vai ter o tempo que quiser — ele prometeu, beijando-a
no pescoço, junto da orelha.
— Quer me ouvir um momento, Mateus? — pediu, quando ele a puxou para o
peito, mas sem nenhuma intenção de afastá-lo. — Acho que quer casar comigo num
impulso, só porque tive uma desilusão amorosa há pouco tempo.
Mateus explorou o pescoço de Débora até encontrar seus lábios.
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— Não acredito que você ligasse a mínima para ele... Tudo não passou de um
erro. Acho que me ama, mas ainda não está pronta para confessar. Se insiste, posso
esperar que esteja tão certa como eu. Mas, enquanto isso, não me mande embora,
porque não vou, Débora.
— Você é o homem mais obstinado que já conheci.
— Decidido— ele corrigiu.
— Eu falei obstinado e quis dizer isso mesmo.
— Querida...
Ele a beijou e ela tentou não corresponder, mas não conseguiu. Mateus riu,
satisfeito.
— Vê o que quero dizer?
— Mateus, você não percebe como é ridículo e absurdo tudo isso? Não posso
estar apaixonada por você, logo depois de morrer de amor por Robert.
— Nós concordamos que tudo não tinha passado de uma ilusão. Você estava
inclinada a se apaixonar por qualquer homem que se mostrasse disposto a abandoná-la;
isso foi instintivo em você, sabe disso. Foi condicionada desde a infância a escolher
alguém tão irresponsável quanto seu pai, mas teve juízo suficiente para se afastar
dele assim que percebeu que espécie de homem era.
Ela suspirou.
— Mesmo assim...
— Mesmo assim, nada — Mateus a interrompeu bruscamente. — Não vou
arriscar perder a minha felicidade, só porque você não tem fibra bastante para se
arriscar comigo. Nem que eu tenha que algemar você até o altar. Então, pare de
argumentar e aceite as coisas como são.
— Não force! — Os olhos castanhos faiscavam, furiosos.
— Acho que é o que você precisa. E muito cabeçuda. Precisa de mão firme.
— Tente, para ver o que acontece!
— Tenho o firme propósito de tentar. — Ele parecia divertido.
— Só estou querendo fazer você ver as coisas com mais clareza.
— Engraçado! É exatamente o que eu estou tentando fazer com você. Um de
nós deve estar errado.
— Oh, e é claro que sou eu a errada. Não poderia, por acaso, ser você?
— Não. Sou conhecido pelo meu equilíbrio e senso prático.
— Sem mencionar o seu temperamento explosivo.
— Depois que estivermos casados, espero que você se lembre de não me
provocar. — Riu de um jeito tão provocante que o coração de Débora derreteu
novamente.
— Mateus... — começou, e foi silenciada por um beijo estonteante, que a fez
sentir-se fraca novamente. Agarrou-se a ele, sem querer mais escapar.
— Convencida? — ele perguntou, com um sorriso de vitória. — Ou você precisa
de mais alguma prova?
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— Estou ansioso para ver o encontro de sua irmã com as minhas. Acho que vai
ser uma ocasião memorável.
Puxou Débora até o sofá. Ela o olhava, com dúvida e paixão.
— Você conheceu tantas mulheres... Como pode saber que o que sente por mim
não vai acabar, como aconteceu com as outras?
Ele acariciou o rosto dela.
— Tenho certeza.
— Como pode ter certeza?
— Nunca me senti assim antes — falou, com um olhar significativo e
provocante.
— Oh... — ela murmurou, sem fôlego. — E como é que se sente?
— Não saberia descrever. Já desejei uma mulher antes, com o mesmo ardor,
eu acho. Mas, com você, aconteceu algo diferente... uma reação química que me faz
mudar da extrema raiva até a mais extrema felicidade, num piscar de olhos. Você me
faz sentir vivo. Com as outras, o único elo era o sexo. Com você, é diferente.
Débora não sabia se aquilo era um elogio ou não. Mateus continuou:
— Quando eu a conheci, começava a achar a vida enfadonha. Dia após dia, a
mesma rotina... e sem finalidade, aparentemente. Garotas idênticas, com mentes tipo
máquinas de calcular, faziam fila atrás de mim. Isso acontece, quando se tem dinheiro.
Você sai com elas porque não tem nada melhor a fazer, mas, depois de um certo
tempo, vê que esqueceu o nome de todas, e isso é um péssimo sinal.
— Deve ser mesmo.
— Que menina má que você é, às vezes. Quando a encontrei, as coisas
pareceram mudar. Tornou minha vida muito rica e sem nenhum tempo de
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FIM
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JULIA 43
SEMPRE NO MEU CORAÇÃO
Mary Wibberley
Seria loucura continuar sonhando com Jared de Marais, dois anos depois de
ele ter partido sem uma palavra, sem um adeus? Claro que era! Charlotte devia odiá-lo
por tudo o que tinha sofrido. Mas o fato é que não conseguia esquecer a paixão, tão
linda, que eles tinham vivido em Paris. E agora, de volta ao interior da França, para
trabalhar num castelo, Charlotte o reencontrava. O que estaria Jared fazendo ali, em
pleno campo? Será que também trabalhava no cast Tor. E ela, teria coragem de
encará-lo, sem que seus olhos confessassem que, apesar de desprezada, ainda daria a
vida por ele?
JULIA 44
A PRAIA DAS ILUSÕES
Victoria Gordon
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