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Título Original:

Dama de Prata

REVISÃO:
Lucas Inácio

PREPARAÇÃO:
Cristina Machado

DIAGRAMAÇÃO:
Eduarda S. Augusto.

CAPA:
Giulia Rebouças (@gialuidesing)

Copyright 2022 by Duda Ross


Todos os direitos reservados.

Esta obra foi revisada segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
É proibida a reprodução de total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio
eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo o uso de internet, sem
permissão expressa do autor (Lei 9.610. de 19/02/0998)

Impresso no Brasil

ISBN 978-65-00-57939-0

Atendimento e venda direta ao leitor:

revnaliteraria@gmail.com
Sumário
Aviso
Capítulo 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
Cohen Archer
Agradecimentos

Aviso
Esta é uma releitura não fiel do clássico Cinderella, destinada a
maiores de 18 anos, em uma perspectiva real, no entanto, ainda é uma
ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

A representação tem como referência o convívio real com um


deficiente auditivo, portanto, trejeitos, adaptações de comunicação e
manias, são particulares de um familiar que passou por uma tímpanoplastia,
e podem ou não ser iguais a um deficiente auditivo de nascença. Qualquer
assunto relacionado passou por uma leitura sensível.

Também são abordados temas como: capacitismo, pressão psicológica,


palavras de baixo calão, conteúdo sexual, e depressão.
Cuidado com gatilhos! Não leia se não se sentir confortável com isso.
A releitura é do filme 1 ao 3, sendo assim, dividida em três partes e
dois livros.

1° A trama até a descoberta (Cinderella 1) Livro 1


2° Os deveres que afastam os dois. (Cinderella 2) Livro 1
3° Ele se reapaixona por ela, sem saber que era ela. (Cinderella 3)
Livro 2

Muito importante: É uma duologia! Muitas perguntas serão


esclarecidas na continuação, sendo o segundo livro inteiro uma releitura do
terceiro filme.
Antes de Ler

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 Este livro custa menos de 8 reais na Amazon, e está
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nacional, independente (sem editora ou investimento) e precisa
receber por seu trabalho. Se você recebeu esse arquivo de sites
ou grupos de pirataria, saiba que está cometendo um crime.

https://www.instagram.com/autoradudaross/

Um adendo especial contra a pirataria: Se eu encontrar meu livro


em qualquer site, seja em qualquer formato, o site vai cair!
Para quem eu prometi voltar.
E para quem eu nem pude prometer nada.
“O maior risco que correremos, é sermos vistos
Pelo que realmente somos”
Cinderella
Parte 1
Gata Borralheira
Capítulo 01
Quebrando todas as regras porque eram apenas hábitos
Cinderela está morta agora,
Você pensou que o sapato serviu, mas eu
Eu esqueci que eu era uma vadia má
Cinderella's Dead – Emeline

Anya Amstrong
Cohen vai ganhar uma aposta.
Foi só o que consegui pensar quando entrei na cafeteria e vi uma
fila quilométrica para fazer o pedido, isso porque eu saí exatamente dez
minutos atrasada, e faltavam apenas oito para dar o meu horário de entrada.
Vou me atrasar e perder a aposta se tiver que enfrentar essa fila. Não
importa se meu pedido era para o dono daquele prédio, eu não tenho passe
livre, mas eu tenho Joe, o atendente que acenou para mim com um sorriso,
mostrando-me o pedido já pronto no balcão de espera.
— Joe, você acaba de salvar a minha vida! — disse entregando meu
crachá a ele.
A cafeteria é conveniada à empresa, todos que frequentam aqui são
funcionários da Archer, e claro, convidados e estudantes que visitam os
polos todos os dias. Portanto, eu não precisava pagar em dinheiro, bastava
que Joe encostasse meu crachá naquela maquininha, e os dois copos diários
de café extraforte com ⅔ de leite cremoso adoçado com calda de caramelo e
salpicado com canela, eram descontados diretamente do meu salário.
Ah, eu disse dois. Bem... isso porque o segundo é a porcaria de um
café descafeinado.
Qual a lógica de beber cafeína... sem cafeína? Eu também não sei
dizer.
Na minha cabeça é a mesma coisa que pedir água gaseificada, sem
gás.
— Estão prontos desde às sete e quarenta e cinco em ponto.
Finalizei quando vi você entrar correndo pelo saguão. — Brincou com um
sorriso tímido de canto devolvendo-me o crachá.
— Te devo mais um dia invicta.
— Ele deve estar em contagem regressiva.
— Planejando o que vai fazer com minha folga de domingo. —
Completo com uma risadinha tirana.
Não vai ser dessa vez, Cohen!
— Sabe... Anya, eu estava pensando se...
— Tenho menos de cinco minutos para chegar lá em cima —
interrompo às pressas, pegando o combo de dois copos bem lacrados para
aguentar a corrida. — Desculpe Joe, muito obrigado. Nos falamos depois?
Deixei o loiro de cabelos desgrenhados dentro da boina com a
logomarca marrom para trás.
Ele sorriu rendido.
— Legal.
Agradeci o meu atraso, se não fosse isso eu teria que — mais uma
vez — explicar por que motivo não posso me envolver com ninguém
agora.
O motivo estava longe de ser algo relacionado a ele, pois admitia
constantemente para Holly que Joe tem seu charme.
Tudo bem, admito, um pouco mais do que isso. Não é à toa que
vejo boa parte das mulheres que frequentam aquela cafeteria lançando
olhares nada discretos a ele, mas seu estranho interesse em mim veio em
uma época inoportuna.
Estou no último ano da faculdade, minha vida está uma loucura
com as penúltimas provas se aproximando e um TCC corrompendo todo
meu tempo ocioso, e com esse tempo todo estou me referindo às minhas
poucas horas livres, já que, na maior parte do meu dia eu me encontro aqui,
dedicando minha disposição e tempo para organizar — e ser uma agenda
viva. —, de Cohen Archer.
Ninguém menos que a mente brilhante que move essa corporação
iniciada pelo seu aposentado pai, que viu seu império multiplicar em
incontáveis dezenas, talvez centenas de vezes, depois que Cohen começou a
administrar tudo. Não é um fato incomum saber disso, sua vida está
estampada em todas as colunas e tabloides de fofoca, sejam elas com
manchetes de "Bilionário solteiro mais cobiçado de Washington." a "CEO
implacável inova mais uma vez no mercado de softwares"
Ele está em todas!
No começo foi estranho ver o rosto do meu chefe em todas as
esquinas e páginas de fofoca que surgiam no meu feed. Era só abrir uma
rede social e ele estava lá, ao lado de grandes empresários, modelos e até
mesmo os donos das redes, já que a corporação Archer atua diretamente na
evolução e manutenção desses aplicativos.
Tudo bem que parte dessa exibição constante e exagerada tem a ver
com os algoritmos, devido às minhas pesquisas em todos os meios possíveis
para estar por dentro dos planos de lançamento e expectativas de eventos,
que sim, eu precisava marcar presença, sempre consultando sua equipe de
relações públicas. Pessoas que basicamente controlam seus passos e
maquiam sua vida pessoal da mídia.
São esses pequenos detalhes que garantem minha permanência
irrevogável na vaga de secretária pessoal de Cohen Archer, há quase dois
anos, graças ao meu orientador da faculdade que me agenciou na empresa
terceirizada que emprega os funcionários da corporação. Uma vaga nada
planejada, e confesso, até um pouco movida pela sorte, já que de última
hora, tiveram que mandar alguém para cobrir a última secretária demitida
por ele, e eu coincidentemente estava na sala do gestor, preenchendo os
requisitos para um estágio bem longe daqui.
Sinceramente, eu não sei o que Archer viu em mim, pois meu
primeiro dia foi um completo desastre, afinal, o que uma estudante de
publicidade sabia sobre software? Nada! Mas, eu tinha um copo de café
extremamente doce na mão quando ele reclamou que o seu estava amargo, e
consegui por suficientes quinze minutos melhorar seu humor, até entender
que minha única obrigação naquele dia, era não deixar ninguém entrar
naquela sala, fato que eu impeço com meu próprio corpo e vida, há quase
dois anos. E minha principal ameaça a perder esse feito invicto estava bem
ali, prestes a entrar na sala dele quando pisei meus pés no hall do andar
presidencial.
Drizella Hummer, a modelo capa de todos os eventos de
lançamento da Archer, e claro, a vida pessoal de Cohen Archer.
Corri equilibrando os copos de café como se minha vida dependesse
disso, e barrei a loira antes que ela conseguisse colocar seus dedos
compridos e finos na maçaneta lustrada.
— Mas... de onde você saiu? — Sua voz estridente ecoa nos meus
pesadelos às vezes.
— Do útero da minha mãe, há vinte e três anos. — Drizella
contorce seu rosto magro em uma careta. — Agora dá meia volta, pois nem
eu entrei nessa sala ainda.
— Não até falar com o Cowl. — Retorci meu rosto enojada com o
apelido. — O Evento de lançamento da Archer está chegando e ele ainda
não decidiu a paleta de cores, sabe o que isso significa? Que meu vestido
ainda não está sendo confeccionado, e se por um acaso eu não estiver na
paleta de cores da festa, a culpa será sua!
— Nossa... — Dramatizo minha entonação. — Acontece que nem
eu sei qual é, então garanto que o Sr. Archer sabe menos ainda.
— Como você é cínica! — Ela passa seus olhos pelo meu cabelo
com a mesma expressão contorcida. Olhei pelo espelho do elevador
minutos atrás, sei que ele nem está em seu pior dia. Nada comparado ao
brilho sedoso do loiro dela, na verdade, o meu é completamente o oposto,
longo, castanho escuro e em seus melhores dias, com um ondulado natural
pesado até as pontas, mas sei que esse olhar não tem a ver com meu cabelo,
simplesmente tem a ver comigo, e com o jeito que ela acha que pode olhar
para alguém, apenas por ser filha de um dos acionistas braço direito do
Cohen. — Sai da minha frente!
— Não! Ninguém chega no Cohen se não passar por mim. Já barrei
muitos marmanjos, não vão ser seus um e setenta e seis de altura que vão
conseguir. Volta mais tarde, Drizella. O café dele está esfriando e se eu não
estiver dentro da sala em cinquenta segundos, garanto que a paleta de cores
vai ser bem fúnebre. Você não vai querer ir de pretinho básico, vai?
Como se aquilo realmente fosse a maior preocupação da sua vida, a
loira bufou e deu as costas, mas antes de entrar no elevador virou-se de
volta para mim.
— Você é muito específica com números e isso é assustador!
— Sabe o que é mais específico? Os centavos no boleto do hospital,
e eu gosto de ver os zeros no saldo devedor do mês depois que eu pago, faz
os dezenove segundos que faltam para eu estar dentro da sala valerem a
pena.
Drizella bufou mais uma vez e finalmente sumiu do meu alcance de
vista.
Suspirei recuperando a postura e finalmente me vi de frente para a
porta exageradamente grande, e assustadoramente preta com cinza espacial,
e um único detalhe de recorte da curva de Hipérbole que brilhava tanto
quando lustrado, que mais parecia um espelho. Esse mesmo design está nos
logotipos espalhados pelo prédio inteiro e qualquer coisa que tem como
criador e desenvolvedor, o nome Archer.
— É o seu recorde de quase atraso — Cohen diz assim que entro.
Ele estava digitando algo em seu computador, o qual eu apelidei
gentilmente de Jarvis. Os olhos nem se deram o trabalho de me fitar.
Agradeci, pois eu ainda estava acelerada pela corrida nada habitual de uma
sedentária assumida.
— Não seria, se não tivesse que barrar a entrada da senhorita pavor
por cálculos — Respondo caminhando diretamente para o bar da sua
gigantesca sala, onde abro seu copo térmico e despejo o pobre do café
descafeinado em uma xícara, grata por ainda estar quente.
Em seguida, abri o meu e com a ajuda de uma colher descartável,
misturei uma única colher no seu e caminhei com uma habilidade
aprimorada de andar enquanto equilibrava uma xícara cheia até a boca.
— Eu ouvi. Isso me lembra de pedir para colocar acústico na porta.
Odeio aquele apelido! — Murmurou pegando o café da minha mão.
Cohen olhou por cima dos cílios e piscou sorrindo depois de provar,
ainda que seus lábios estivessem novamente encobertos pela porcelana
branca.
Não preciso dizer que já tive sonhos bem quentes com esse mesmo
sorriso prazeroso encoberto por outra coisa, mas neste caso só significa que
ele gostou do café mesmo.
Sacudi meus pensamentos começando a recolher os papéis
espalhados pela sua mesa e enfileirado do seu lado. Separei o que era lixo
do que eu precisaria para ser lançado, dado baixa e agendado.
O fato é que a fama de Cohen não dependia somente do seu império
e nome, ainda que ele não tivesse esses bônus, continuaria sendo um dos
homens mais bonitos que já vi pessoalmente.
Tudo bem, talvez ele lidere esse ranking também.
Lembro da primeira vez que dei de cara com ele. Vergonhoso é
pouco para resumir esse encontro, pois pela primeira vez na vida, eu
esqueci como se fala. Eu esqueci meu nome. Esqueci como andar e respirar.
Tudo o que eu via, eram incríveis íris em um azul opaco, quase cinza, que
me observava debaixo de linhas endurecidas.
O que esperar de um gênio da programação?
Eu fiz essa pergunta de frente para o espelho no meu primeiro dia, e
o caminho todo eu o imaginei com uma camiseta de algum jogo,
sobrepondo uma camiseta de manga longa, cercado por telas de
computador, no mínimo. Sheldon Cooper era minha referência, mas, o cara
estava mais para um Tony Stark da vida, e o computador tem apenas uma
tela, mas eu sei que pessoas morreriam para ter acesso a ele.
Geralmente um arsenal como o dele vem acompanhado daquele
brilho no olhar capaz de tirar o fôlego, mas eu lembro de me pegar
pensando no quanto aqueles olhos refletiam o peso de seu sobrenome.
Eu só não sabia que aquele era o Cohen que todos conheciam.
Propositalmente intimidador.
Com a convivência, conheci aos poucos um homem ainda jovem
que precisava usar suas artimanhas ao seu favor, e para somente alguns, ele
mostrava sua veia de humor atrás desse sorriso que nem todos tinham
acesso.
É claro que também não me lembro de como o conquistei, mas
creio que foi quando admiti para mim mesma, que Cohen Archer era meu
chefe, e uma linha invisível que limitava meus interesses foi estabelecida.
Bem, pelo menos era nisso que eu acreditava, me comparando com as
mulheres que davam em cima dele, e o tratamento que elas recebiam.
Cohen é maleável, e como disse, até sarcástico quando quer, mas é
preciso saber que quando envolve trabalho, seu fodido profissionalismo era
quem respondia por ele.
— Não é tão ruim, se não fosse pelo fato de que seu nome é curto
suficiente para não ser apelidado — falo. E continuo organizando aquela
bagunça interminável em sua mesa.
— Engraçado ouvir isso de quem tem uma letra a menos que a
minha no nome, e mesmo assim consegue ser apelidada — ele disse,
voltando a digitar sem tirar os olhos cinzentos da tela.
— E depois me perguntam por que sou tão específica com números
— murmurei empurrando algumas bolinhas de papéis para a lata de lixo.
A mesa dele pela manhã é uma completa e inexplicável bagunça.
— Ser de exatas, não significa que você precisa viver de exatas.
— Eu ouvi isso de um engenheiro de Software? — ironizei,
arrancando uma risada gostosa, abafada mais uma vez pela xícara de café
na sua boca.
Me estiquei para pegar alguns papéis perto do teclado enquanto
isso, tomando cuidado para não tocar em Jarvis. Tenho a sensação de que
um botão errado e eu posso vazar algum dado ou cortar a comunicação
global.
Eu não estou exagerando se disser que já tive pesadelos com isso.
Em um deles, o prédio inteiro era invadido pela segurança nacional, e a
culpa era minha.
— Anya, nem eu sabia que o desenho da porta era uma curva da
matemática. — Cohen se levantou de repente.
Odeio quando ele faz isso, geralmente estou quase debruçada para
alcançar os papéis na ponta da mesa, e é como se ele me lembrasse de que
eu não pedi licença.
Exprimia os lábios enquanto ele caminha até o bar onde meu copo
ainda intocado de café descansava.
— Ainda quero saber que mistura é essa. Uma colher disso adoça o
meu café. Como você consegue tomar isso? — Pergunta pegando meu copo
na mão.
Abracei as pastas empilhadas de trabalho que me ocupariam por
uma manhã inteira e caminhei diretamente até ele, tomando minha bebida
da sua mão.
— Não vai saber. Ainda acho que é essa mistura que segura meu
emprego, e não o fato de eu saber que o logotipo da sua empresa, é uma
Hipérbole — Abro a porta com dificuldade, mas ainda antes de sair, Cohen
chamou minha atenção novamente.
— Anya... — Virei-me equilibrando as pastas e o copo de café com
uma mão só, já que a outra segurava a maçaneta. — Quem é Joe?
Ele forçava sua vista para ler algo no copo que eu jurava ter jogado
no lixo. Quando ele finalmente me mostrou, vi uma inscrição em
manuscrito do que parecia ser um número de telefone.
— Deve estar pedindo emprego. Ele sabe que esse café é seu. —
Mais uma vez ele riu, jogando o copo de volta no lixo, recostando-se no bar
enquanto eu me esforçava para fechar a porta. — Eu vou matar o Joe!
— Agenda com o cara do acústico.
A voz dele chegou abafada até mim, mas chegou.
Forcei os lábios e larguei a pilha de pastas na mesa, dando
finalmente uma golada no meu café perfeitamente doce, mas não doce
melado, doce na medida certa, pois o gosto predominante era do leite
cremoso caramelizado, o café mesmo que ainda forte, apenas saboreava
minha bebida.
Meu dia não foi muito diferente de uma quarta-feira qualquer.
Aprovei compromissos, confirmei presença em alguns eventos; Reuniões;
Palestras; até reiterar mais uma vez, que essa vida no cotidiano tem muito
mais contras do que prós, afinal, do que adianta tanto dinheiro e status se
não se tem tempo para aproveitá-lo de alguma maneira? A verdade seja
dita, faz dois anos que estou aqui e já tive mais férias que o próprio Cohen.
Bem, deve ser por isso que ele é um bilionário e não eu. É claro que
isso também abre brecha para um bom discurso sobre meritocracia, mas
qual é, o cara simplesmente não tem vida, se tem, parabéns a equipe de
relações públicas, nunca vazou uma foto mais íntima do que uma mão na
cintura de socialites, e por Deus, até eu sei que é jogada de interesses.
Alguns dizem que Cohen não mede esforços para ter o que quer,
custe o que for preciso. Já eu digo que o homem, na verdade, é
competitivo!
O último evento que ele compareceu, por exemplo, foi logo depois
de sair em uma coluna de um jornalista crítico, que seus negócios se
limitavam a mídias superficiais e comunicativas, dizendo que a Archer já
foi muito mais do que isso. Como engenheiro de software, ele desenvolveu
um sistema de proteção de dados bancários que foi vendido para vários
países.
Este é o ponto, tudo para ele é um desafio, e ele gosta de provar o
quanto é bom nisso.
Minha cabeça estava prestes a escorregar da mão, já que eu apoiava
o peso da mesma sobre os cotovelos, quando meu computador brilhou em
um e-mail que ficava sempre em primeira tela. Era Cohen, e o assunto
principal tinha como título "Caso ela volte". Quando abri o e-mail, avistei a
paleta de cores que eu deveria entregar a Drizella caso ela voltasse. Não
tive tempo de dizer que estava curiosa, pois neste momento eu estava mais
surpresa e horrorizada do que qualquer coisa.

— Fúnebre? — Perguntou Holly boquiaberta, olhando a paleta de


cores que Cohen me enviou para enviar aos organizadores do evento.
Eu tinha acabado de chegar em casa após mais um dia de aulas
noturnas, o único horário que me sobrava para frequentar a faculdade. Holly
geralmente já estava dormindo nesse horário, mas hoje em questão, ela me
esperava para uma noite regada a pizza e vinho.
Dividimos apartamento em um bairro próximo ao campus e longe
do meu trabalho.
Não tive tempo de contar a ela como foi meu dia, tampouco
ressaltar um detalhe sobre o Baile de Máscaras que a corporação daria para
celebrar seu próximo lançamento, mas acontece que Holly trabalha como
assistente em um ateliê da Stella Valêncio, uma estilista Inglesa famosa,
com um único ateliê fora de seu país, e que estaria na cidade somente por
causa da alta procura devido ao evento anual da Archer. Ela foi uma das
estilistas entre as grandes marcas da alta costura que receberam a paleta de
cores para preparar a coleção dessa temporada.
— Não é o tema do baile, Holly, só a paleta de cores entre cinza e
preto — respondi bebericando meu vinho, enquanto minha mão livre
pescava outro pedaço de pizza no chão da sala onde estávamos jogadas.
— Mas você mesma disse que ele te enviou a paleta dizendo que
adorou a ideia do fúnebre.
— Não peça que eu entenda um cara que toma café descafeinado —
resmunguei, já me sentindo lenta pelas duas taças de vinho. — Deve ser
algum tipo de conceito. Tipo moda de passarela, você estuda e trabalha com
isso, deveria saber.
— É, faz sentido se ele quiser enterrar algum segmento ou produto.
Vai entender. — Foi sua vez de dar uma longa golada no vinho depois de
dar ombros. — Mas, e você vai usar o quê?
— Pijama — respondi, sabendo que ela tornaria a insistir pelo
segundo ano consecutivo que eu deveria ir. — No conforto da minha cama,
aguardando pelo próximo dia útil caótico em que todos da empresa vão
estar de ressaca.
— Para de ser velha, Anya. Todos do seu trabalho vão estar lá,
menos você, Gata Borralheira. — Tirei a almofada do meu colo e lancei em
direção a ela.
— Todos os funcionários da Archer vão estar, mas eu não sou uma
funcionária da Archer, sou terceirizada pela agência, portanto não tenho a
obrigação de ir. — Declarei triunfante, brindando com uma taça no ar.
— Essa sua aversão a festas me mata.
— Falou a pessoa que vai dormir até onze horas amanhã, pois só
trabalha meio período. Experimenta passar dezesseis horas do dia fora de
casa, dormir apenas seis, e ainda ter uma amiga cobrando vida social.
— Depois não diga que não aproveitou nada da sua vida. Festas em
fraternidade? Nunca nem chegou perto. Estou avisando, Anya, é seu último
ano na faculdade. Vai se formar para provavelmente enriquecer os bolsos de
outra pessoa, igual você faz todos os dias facilitando a vida do seu chefe
gostoso enquanto perde a sua.
— Previsões motivadoras, Holly, motivadoras!
— Quero te assustar mesmo. É seu último ano na faculdade,
consequentemente é seu último ano como secretária do Cohen Gostoso
Archer. Sabe aquele lance de livros que você precisa ler antes de morrer?
Então, você tem uma pequena lista de coisas para fazer antes de se formar, e
isso inclui ir a uma festa da fraternidade, participar de um evento no qual
você nunca mais terá oportunidade de ir, porque nunca vai ser convidada
e… dar para o seu chefe.
Me engasguei com o último tópico da sua lista. Senti o vinho saindo
pelo meu nariz.
— Holly!
— Tá legal, posso ter sido extrema na lista. Esquece a fraternidade,
coisa de calouros.
Gargalhei desacreditada.
— Eu não vou dar para o meu chefe! — Declaro enfática.
— Tá, tá… Que seja! Mas você vai nessa festa!
Não, eu não iria, mas fiz o que ela mesmo me aconselhou e resolvi
não discutir com o teor alcoólico. Na vida real, a minha vida, não é um
baile que acaba à meia noite, e ainda que acabasse, eu tenho muito mais a
perder do que um sapatinho de cristal.
CAPÍTULO 02
É um sentimento desconhecido, mas eu o conheço tão bem.
Você sabe a verdade, eu prefiro te abraçar, do que este celular na minha mão.
Car’s Outside – James Arthur

— Uma curiosidade, Anya. — Joe começa enquanto preparava meu


café atrás do balcão.
Eu estava me perguntando como se tira a cafeína do café olhando
para o nada.
Para não correr o risco de repetir o atraso de ontem, cheguei um
pouco mais cedo, mesmo lutando contra uma dor de cabeça terrível graças à
última taça de vinho. Acabei pegando Joe em seu horário mais tranquilo,
pouco antes desse lugar virar uma loucura com a chegada dos funcionários.
Ele se tornou a primeira pessoa com quem tenho contato dentro da
empresa. Assim como eu, Joe não é funcionário direto da Archer, portanto
podíamos falar mal sem correr o risco de sermos pegos por algum
supervisor ou responsável. Bem, não tinha muito o que falar, já que a
remuneração é ótima e os benefícios são vários. — Minha saúde bucal que
o diga. — Então, nosso único assunto da manhã era falar mal de Cohen
Archer.
Especialmente o Joe.
Ele adora ressaltar diariamente que apesar de todos os requisitos
físicos, Cohen é uma péssima escolha.
— Ele ressarce os cafés que caem no seu salário? — Perguntou,
passando meu crachá no leitor de comandas. Meu cérebro não estava a todo
vapor, por isso demorei um pouco para raciocinar sua pergunta.
— Joe, depois de todo esse tempo, você me diz agora que passa os
dois cafés na minha comanda, sabendo que um deles é para o dono deste
prédio inteiro?! — Ele sorriu, mas não de um jeito animado.
— Eu preciso lançar de alguma forma, e você nunca me deu outra
comanda senão a sua. — Explicou-se receoso. Outros longos segundos
antecederam meus cálculos mentais de quanta grana eu perdia para alguém
que pode ter uma cafeteria inteira por dia.
— Ele nunca me deu um crachá, ele só me deu uma ordem, e eu
achei que ser o dono fosse suficiente para você descontar em sei lá... no
aluguel?
— Ele pode ser o dono, mas eu não.
Riu depois de me empurrar dois cafés e meu crachá de volta.
— Eu vou pedir o ressarcimento. Joe, são quase dois anos bancando
o café diário de um cara que ainda precisa de uma colher do meu café, para
ter o seu adoçado. — Mais uma vez ele sorriu, riscando algo que eu sabia
ser seu número de telefone na luva de copo.
Ele faz isso todos os dias.
— Veja pelo lado bom, você fez uma economia.
— Tem razão. Se ele me devolver com juros e correção monetária,
eu ainda posso pagar pela minha formatura. — Acrescentei com falso
entusiasmo.
— Você não vai pedir de volta, não é?
Neguei com um sorriso tímido.
— Preciso desse trabalho. É bem capaz dele dizer, tudo bem, aqui
está seu ressarcimento e suas prestações de contas. — Tentei imitar seu
jeito presunçoso de dizer que não precisava das pessoas.
— Até parece. — Desdenhou, apoiando seus cotovelos no balcão
entre nós. — O cara lá de cima não vive mais sem você.
Era assim que nós o chamávamos, quase como um código secreto.
— Com o dinheiro dele, ele paga dez secretarias simultâneas se
quiser.
— Mas... ele ainda não paga pelo seu café. — Seus olhos
esverdeados simularam uma malicia triunfante.
— É por isso que você precisa prometer que jamais vai vender a
minha mistura exclusiva para outra pessoa. Esse vai ser o castigo do Cohen
por tomar café às minhas custas.
— Eu prometo. — Garantiu, com a mesma entonação dramatizada
que a minha. — Mas, como você disse, com a grana dele, o cara pode
contratar todos os baristas da cidade até descobrirem que não passa de um
Latte Macchiato quente.
Relaxei os ombros, contraindo os lábios.
— É, ele pode. Ele consegue qualquer coisa.
Joe gesticulou convencido, agora colocando seu nome no canto
inferior do copo, perto do número.
— Nem tudo. — Respondeu empurrando o copo na minha
direção.
Os funcionários começam a formar fila e eu percebo que é a minha
deixa.
— Está na minha hora. Até mais tarde, Joe. — Me despedi
descendo da banqueta sob o olhar atento do barista.
— Até mais tarde... Anya.
Fitei o número enquanto saia da cafeteria.
Não precisei correr dessa vez, estava com tempo livre, portanto
meu caminho até o andar presidencial foi tranquilo, ou, teria sido se eu não
tivesse dividido elevador com umas secretarias pomposas dos andares
inferiores que invadiram o mesmo, em uma conversa nada discreta. Parecia
ser um trio sob encomenda, sendo uma ruiva, uma morena e uma loira.
— Estou falando, a fonte é confiável, o evento vai ser sabotado! —
A loira diz.
— Quem é a fonte, Ruby? Seu chefe? — A morena desdenhou
enquanto se olhava no espelho.
— Bill disse que ouviu do Winter. Estranho mesmo é você que
trabalha com ele não ter ouvido os murmurinhos. — A morena revirou os
olhos entediados para o que a loira disse.
— É, eu ouvi alguma coisa assim, mas não dá para acreditar em
tudo o que esses homens dizem. Eles querem mais é a cabeça do Cohen em
uma bandeja, querem isso desde que ele assumiu — A morena diz,
convicta.
Sentia que minha orelha tinha dobrado de tamanho para a conversa
alheia.
— Você também deveria querer. Pelo que ele fez com você. — A
ruiva se pronuncia. Franzi a testa tentando olhar pelo canto do olho.
— Vocês se importam mais do que eu, pelo visto.
As três olhavam e arrumavam alguma parte do corpo no espelho.
Me empertiguei discretamente para o lado, encolhendo mais ao canto do
elevador enquanto elas conversavam como se eu nem estivesse ali.
— Você deveria dar para o Winter, só para o irmão dele ficar
sabendo. — A ruiva diz e a morena faz uma careta enojada.
— Não vou arriscar meu emprego. Além do mais, o cara é um
velho que fica olhando para minha bunda. — Protestou a garota
Eu sabia quem eram as três. Mesmo que meu contato com os
funcionários seja um pouco limitado, por falta de tempo e disposição.
Andrea, Hannah e Ruby são conhecidas por serem as ratinhas dessa
empresa. As que tudo sabem, e as que tudo veem.
— Quer que ele olhe para onde? Seu rostinho lindo? É óbvio que
ele vai olhar para sua bunda, ainda mais nessa saia justa. — Estreitei meus
olhos, expulsando o desejo repentino, quase incontrolável, de olhar para
minha própria bunda. — Você é realmente gostosa, amiga.
— Olhar para bunda é uma obrigação universal dos homens, mas
você sabe que existe interesse somente quando eles olham para o seu
decote. — Diz Andrea, a ruiva.
Inconscientemente olhei para o meu decote inexistente, e sem
querer funguei com deboche, atraindo olhares do trio.
— Está com alergia, docinho? — Perguntou Ruby, a loira mais alta
entre elas.
Neguei, apenas porque eu não tinha coragem de falar sobre
machismo enraizado em mulheres. Não com elas.
— Gata, é a realidade. — Rebateu a ruiva, Andrea.
— Meu chefe não olha para minha bunda, tampouco para o meu
decote.
Dessa vez elas reprimiram uma risadinha me encarando.
— Deve ser porque não tem muito o que olhar. — Disse a morena,
Hannah, me olhando dos pés à cabeça.
Me encolhi e apertei a bolsa debaixo do braço.
— Não tem a ver com minha aparência, tem a ver com integridade.
Péssima escolha, Anya.
Atrair a atenção delas era uma péssima escolha. Elas me notariam,
eu deixaria de ser invisível e em breve os olhares acerca das fofocas que
surgiram depois desse comentário se espalhariam.
— Não estou falando da sua aparência, mas do jeito como você não
ressalta ela.
Soltei uma risada nasal forçada.
— Será que é por que estou em um ambiente de trabalho?! —
Sugeri o óbvio.
— Escuta, leva isso como um conselho de amiga, tá? — Disse
Ruby. — Assim como nós, você não vai ficar nessa empresa a vida toda. Se
quisesse crescer de cargo estaria aqui como estagiária. Sabe qual vai ser a
sua chance de transar com alguém como o seu chefe? Nenhuma, sua única
oportunidade de ter a melhor foda da sua vida está dentro daquela sala, e
você desperdiça isso com esse monte de pano que esconde o que você tem
aí embaixo. Não tenha medo de perder o emprego, quando ele pensar em te
demitir é só oferecer umas coisinhas. Me diz, para quem você trabalha?
Nesse momento, a porta do elevador se abriu no andar presidencial,
e por algum motivo, as expressões das três mulheres cederam. Horrorizada,
saí do elevador abraçando ainda mais a bolsa contra meu corpo, sabendo
que isso bastava como resposta.
É claro que eu não guardei uma só palavra do que elas me disseram.
Muito embora aquele discurso seja coincidentemente parecido com o
conceito da Holly de aproveitar a vida antes de realmente começá-la.
Conselhos que com toda certeza não serviam para mim, nem se aplicavam a
minha realidade.
Meu chefe ser um pedaço de mal caminho, não diminui meu senso
de juízo e integridade. Eu jamais arriscaria meu emprego por uma transa,
principalmente porque conheço Cohen, sei o que ele pode fazer com quem
arrisca manchar a sua imagem, é inclusive o motivo de demissão da última
funcionária.
Os rumores são de que a coitada hoje trabalha em uma lanchonete,
pois teve a ficha manchada no mercado de trabalho corporativo. É por esses
e outros motivos que eu mantenho minha admiração por Cohen Archer no
mais profundo devaneio, sonhos eróticos que eu sequer tinha controle, pois,
estando em sã consciência, não há nada mais importante do que me formar
para poder voltar para minha cidade.
Antes mesmo de entrar na sala do Cohen, senti meu celular vibrar
em uma mensagem da Holly, dizendo estar eufórica com a chegada de
Stella Valêncio no ateliê onde trabalha. Desejei boa sorte e, como sempre,
dei duas batidinhas na porta do Cohen antes de entrar.
O avistei de relance no mesmo lugar de sempre, em seu contraste
com a vidraça atrás da sua cadeira de frente para o Jarvis.
O cumprimentei de longe, mas não percebi que continuei na mira
do seu olhar intrigado enquanto eu adoçava o seu café, com uma colher do
meu misturado, que logo após dei uma grande golada, pois uma dor de
cabeça irritante estava começando a latejar, indicando uma leve ressaca.
Merda, foram apenas algumas taças!
Com meu copo em uma mão, e a xícara do Cohen na outra,
caminhei até sua mesa fitando aquela bagunça. A pior delas. A que me dava
vertigem só de olhar, pois boa parte eram anotações de códigos. Uma
infinidade de símbolos, letras e sequências que eu teria que dar um jeito de
não desembaralhar.
Deixei a xícara sobre a superfície na sua frente e comecei a recolher
os papéis bagunçados como todos os dias. Me perguntei quanto tempo antes
ele chegava para conseguir fazer isso, dado que antes de ir embora, logo
depois que ele também se vai, eu confiro e deixo tudo em ordem.
A pasta que eu levo todas as manhãs para minha mesa estava
debaixo de uma pilha de códigos.
Ele só pode fazer de propósito.
Não percebi que no meio do meu mapeamento mental para deixar
tudo em ordem, Cohen pescou meu copo para ler a inscrição, até que sua
voz chega em mim com um tom debochado.
— Desta vez ele acertou o copo. — Fitei rapidamente meu café
entre seus dedos. O peguei, arrancando a luva de copo com o número do
Joe e joguei no lixo, junto com as bolinhas de papéis que juntei em cima da
mesa.
— Ele erra de propósito. Já disse, ofereça um emprego dentro da
Archer. — Cohen riu, empilhando mais uma pasta na pilha que eu deveria
levar para minha mesa.
— Joe, Joe, Joe... Não lembro desse nome. Ele é contratado?
— Barista.
— O barista que risca o número todos os dias?
— Quem mais seria?
Senti que Cohen deu ombros.
— Deveria ligar. Ele me parece bem empenhado. — Parei de
manusear as pastas para observá-lo de escanteio com o olhar semicerrado.
Não me lembro de quando nossa relação patrão e funcionária
ganhou uma nota subjacente de amizade para ele opinar na minha vida
pessoal dessa forma. Quando eu digo que estabeleci limites, estou dizendo
que Cohen também só conhece uma única versão da Anya, a profissional,
ainda que vez ou outra trocássemos piadinhas de trabalho, ironias e
sarcasmo… nunca ultrapassamos esses limites.
— Você tem uma reunião em dez minutos na sala de conferência
com a equipe de marketing. — Mudei descaradamente o assunto. — A
pauta é sobre o evento de lançamento da Archer.
Uma linha apareceu no canto da sua boca, quando ele a puxou em
um sorriso de lado.
— Bem lembrado. Por que não chama o cara do número para ir
com você?
Finalmente parei o que estava fazendo para encará-lo. Mais do que
meter o bedelho, Cohen parecia querer desafiar a personagem que eu
sustentava todos os dias diante dele, a versão da Anya que jamais falaria de
assuntos pessoais.
Não é a primeira vez que ele faz isso, parecia testar meu
profissionalismo quebrando a barreira da amizade que não deveria existir
entre nós, me deixando sempre insegura acerca da sua confiança, e
consequentemente, minha estabilidade nessa vaga, algo que eu prezava com
minha própria vida.
— Eu não vou. Acho que isso responde às duas perguntas. —
Respondi apenas, notando seu meio sorriso sumir, dando lugar a um vinco
intrigado entre as sobrancelhas.
— Pensei ter sido claro, quando disse que queria presente todos os
funcionários da Archer.
— Acontece que eu não sou funcionária da Archer, sou agenciada.
E não se preocupe que seja lá qual for seu lançamento, eu vou estudar
sobre.
Eu fiz isso ano passado.
— Tudo bem — disse depois de longos segundos. — Não vou
perguntar por que, e correr o risco de ouvir que sua vida pessoal não me diz
respeito.
— Eu jamais lhe daria uma resposta dessas. — Brinquei.
— Então por que não vai ao lançamento? — Desafiou-me sério,
esperando mais do que alguém como ele geralmente esperava para uma
resposta.
Esses eventos não são para mim. Meu tempo anda curto demais
para perder sagradas horas de uma folga, que poderia ser usada para o
meu trabalho final da faculdade. Não tenho o que vestir, e não gastaria um
centavo sem poder apenas para me encaixar à altura do que as pessoas
estarão vestindo.
— Não posso. — Respondi apenas, ainda listando mentalmente
todos os motivos, que para mim, são bem aceitáveis.
Voltei ao que eu estava fazendo, torcendo para ele não perguntar
mais sobre. Deixar subentendido é uma coisa, mentir é completamente
outra, e digamos que eu não sou muito boa nisso. Falar da minha vida
pessoal não era uma possibilidade.
Cohen escondeu seu semblante com a xícara, e levantou-se indo
deixar a mesma já vazia sobre o bar entre algumas garrafas de Whisky,
onde todos os dias a faxineira do andar presidencial sabia que haveria uma.
Terminei de pegar as pastas e deixei sua sala abraçando-as. Larguei
tudo sobre minha mesa e me sentei pronta para começar meu dia, se não
fosse pelo Cohen versão profissional saindo daquela sala.
— Você vem comigo, Anya. — Anunciou passando por mim.
— Aonde? — Perguntei ainda sentada.
— A reunião. Sinto muito se está de mau humor, mas preciso de
você naquela sala. — Chamou fechando o blazer.
Bufei discretamente e pesquei minha agenda, tablet e caneta na
mesa para acompanhar Cohen, prestes a atravessar sua própria empresa.
Odiava quando tinha que acompanhá-lo até uma dessas salas.
Geralmente ele me avisa antes que necessitaria da minha presença, e eu já o
aguardava nelas, mas como não tenho bola de cristal aqui estou eu, andando
com a cara colada no tablet, fazendo anotações que ele me pedia, enquanto
pela minha visão panorâmica notava os olhares sobre Cohen, alguns
cumprimentos e até pessoas desviando do seu caminho para não ficar no
dele.
Eu costumo dizer que esse é o ápice da minha rotina. Com Cohen
ao meu lado, eu deixava de ser uma insignificante e invisível assistente,
para ser a única pessoa com quem ele realmente falava enquanto andava.
Isso era atrair atenção demais, olhares demais e um excesso de
autossabotagem, quando penso que estão se perguntando: O que fiz para
ser, como eles dizem, a agenda viva de Cohen Archer?
Estar dentro de uma sala repleta de subordinados dele só piorava,
pois, ele literalmente só me trazia para ser sua anotação ambulante. Nessa
tarefa não dava para selecionar o que era ou não importante, eu precisava
anotar tudo o que era mencionado e somente depois, quando precisasse de
alguma destas informações é que eu deveria estar preparada.
Até tentei ser mais seletiva em uma época, mas o que parecia ser
importante para mim, não era para ele, então decidi que era mais fácil ter
tudo do que ter metade.
O assunto resumiu-se no baile de máscaras que seria em preto e
cinza devido ao lançamento de algum projeto que já estava sendo testado
por algumas empresas, e a tabela de cores é realmente um conceito fúnebre
de enterrar os antigos para o nascimento do novo.
Uma era digital mais rápida, eficiente, interativa e...
Isso podia ser interessante aos outros, mas para mim parecia ser
sempre a mesma coisa com um 2.0 ou upgrade na frente.
No fim daquela reunião, eu já não era mais a única com dor de
cabeça aparentemente, e isso aconteceu porque Cohen foi questionado
sobre os burburinhos entre os funcionários, a respeito do evento ser
sabotado. Ele teve que responder mais de uma vez que não passavam de
boatos de alguém que não tinha o que fazer, também desejou que saísse
daquela sala sua insatisfação com esses comentários, e que se chegasse a
ele mais uma vez, não seria tão educado.
Cohen deixou a sala com um péssimo humor, dispensou mais de
uma pessoa que tentou abordá-lo, mas segurou a porta para eu entrar
primeiro no elevador, então concluí que sua impaciência não tinha chegado
a mim. Nunca chegou, na verdade.
Antigamente as pessoas me olhavam com pena ao ver Cohen nesse
estado, como se presumissem que, se estava ruim para quem somente
cruzava seu caminho, imagine para quem fosse ter que passar o resto da
tarde com ele, mas estavam enganados.
Em todo esse tempo, Cohen nunca me tratou mal. Hoje, as pessoas
me olham como uma espécie de intermediadora. Quando, de fato, era algo
muito importante, elas me abordavam, como se eu fosse a única que ele
ouviria mesmo estando tão estressado.
Cohen passou a tarde toda no silêncio da sua sala, me deixando
sozinha com uma pilha de pastas acumuladas e algumas visitas para recusar.
Pensei que teria um minuto de paz, mas um trio de mulheres entraram no
hall a minha procura no fim da tarde.
— Você é a Anya Amstrong, não é? — Perguntou a ruiva,
apoiando-se no balcão que limitava o acesso à minha mesa. As três estavam
com suas expressões exasperadas.
— Sim. — Ponderei em confirmar.
— Ah, minha nossa. Sabe, aquilo que você ouviu no elevador,
amiga, esqueça completamente. — Pediu ela, com uma entonação
conselheira. Então Ruby continuou:
— Olha, não é que você não tenha requisitos para ser uma de nós,
mas o problema aqui é o seu chefe, que vem a ser o chefe de todas nós.
Entende o que eu digo?
À medida que eu me lembrava, sentia meu rosto esquentar,
enquanto elas tratavam daquilo com uma importância desnecessária.
— Aqueles conselhos são válidos para qualquer pessoa, menos
Cohen Archer. — Completou a morena, Hannah. — A última pobre coitada
que tentou usá-los, acabou demitida e seu nome foi para um banco de más
recomendações.
— Eu não considerei...
— Escuta! — ela me interrompe. — Algumas pessoas dizem que
ele é gay.
Meu queixo despencou.
A conversa ficava cada vez mais estranha, e eu já não sabia o que
responder ou como sair disso.
— Mas a verdade é que nós sabemos que ele só não se envolve com
a ralé. E com ralé eu quero dizer, nós... ratinhas secretárias.
— Acredite, nós somos os olhos e ouvidos da Archer, então, por
favor, continue sendo exatamente quem você é, porque os nossos conselhos
não são válidos para quem só come magrelas da alta sociedade.
— Olha essa conversa está bem inapropriada. — Me desesperei, e
até me atrapalhei com o porta canetas, que nem vi ter esbarrado. — A vida
pessoal do meu chefe não me diz respeito, e esses conselhos, se é que posso
chamar isso de conselho, não servem para mim, ainda que ele não fosse o
Cohen.
— Claro que servem!
— Servem mesmo!
— Menos para ele.
— É, menos para ele. — Certo, uma falava e a outra completava.
— Esqueça que ele é homem! — Hannah concluiu.
— Mesmo não tendo como esquecer.
— Aliás, como você consegue?
Com o rosto queimando tento dizer:
— Eu…
— Você gosta de homem? — Ruby indaga me calando.
— Mulher também não é problema aqui na Archer.
— Hannah mesmo, não tem preferência. — A morena sorri depois
que Andrea aponta para ela.
— Não! Quer dizer… eu gosto de homem…
— Viu, eu disse que ela deveria ser casada.
— Não, Andrea, você disse que ela gosta de mulher, eu disse que
ela deveria ser casada.
— Não, eu disse que ela poderia gostar de mulher, Andrea disse que
ela devia ter um namorado e você disse que ela era casada.
— Eu não sou casada!
— Nós também não.
— Vamos juntas no lançamento então — sugeriu Ruby animada.
— Combinado. Nos vemos na festa, Anya, lá sim nós vamos
encontrar alguém pra você.
— Eu não... — Tentei dizer que não ia, mas elas não me deram
oportunidade.
Deram meia volta conversando entre si como se eu fosse uma
experiência a ser testada e comprovada. Passei bons minutos estática,
tentando assimilar a conversa mais estranha que eu não participei.
Espero que em publicidade não tenha tanta gente bizarra.
Levei outro susto quando a porta do Cohen se abriu. Seus olhos
caíram sobre mim, não sabia exatamente o motivo, portanto não ousei
perguntar, o que não precisou pois ele logo disse, dando a entender que
tinha ouvido absolutamente tudo:
— Ligou para o cara do acústico?
— Eu vou ligar. — Garanti sem reação.
De uma coisa eu sabia, não tentaria explicar!
CAPÍTULO 03
Os segredos que você esconde, nos controlam e isso não é justo.
Eu te conheço!
I Know You – Skylar Gray

A lua já despontava no céu escuro, enquanto uma garoa fina caía.


Eu estava de frente para a enorme porta giratória do paredão de
vidro fumê que compunham a fachada da Archer, protegida no canto da
extensão de lona preta que cobria o manobrista dos carros, mas ainda assim
fui golpeada por uma rajada de vento que trouxe a garoa quase vaporizada e
embaçou meus óculos. Eu não os uso com frequência, apenas em dias como
esse em que sentia minhas vistas cansadas. Quando o limpei e coloquei
novamente, percebi que a luz não era da lua, e sim do poste.
Ri sozinha me dando conta disso, não percebendo que bem ao meu
lado passou Cohen Archer, direto para o seu carro que o manobrista estava
estacionando. Quando ele finalmente pegou suas chaves, prestes a entrar no
carro, seus olhos me encontraram, e pude jurar que ele diria alguma coisa se
uma buzina familiar não tivesse me assustado. Era Holly, seu carro estava
há alguns metros de distância e uma corridinha foi necessária para chegar
até ela e entrar com pressa no seu automóvel preto.
— O ateliê está uma loucura! — Se explicou, me pegando em
frente ao prédio da empresa. Era caminho para ela vir me buscar no fim do
seu expediente e assim irmos juntas para a faculdade. — Desculpa pelo
atraso, trouxe sua janta.
Apontou para o embrulho de um restaurante mexicano, e pelo
cheiro eu presumia que fosse taco.
— Tudo bem, acabei de descer, pelo mesmo motivo. Meu trabalho
dobrou igual ao ano passado agora que estamos na semana do evento. —
Murmurei saboreando a primeira mordida. Quando me dei conta, Holly me
olhava de escanteio reprimindo um sorrisinho. — O que foi?
— O que foi que eu tenho uma novidade, e não vou aguentar você
terminar de comer para contar, então segura esse taco na boca, porque sua
melhor amiga recebeu uma oferta de produção da Stella Valêncio.
Não cuspir tudo foi quase uma missão, e a surpresa boa me fez
esquecer como engolia.
— Holly! — grunhi de boca cheia. — Isso é incrível!
E eu sabia o quanto minha amiga estava esperando por essa
oportunidade.
— Eu sei! — Concordou com um gritinho estridente.
Se não estivéssemos as duas presas por cintos de segurança, uma
com a atenção na estrada e a outra em não morrer engasgada, estaríamos
agora gritando, pulando e comemorando.
— Como aconteceu? — Inquiri após engolir com dificuldade.
— Bem, ela passou no ateliê mais cedo, e acabou encontrando um
modelo em que estou trabalhando. Ela quer vê-lo pronto em alguns dias,
disse que tinha uma proposta e se seu feeling não falhar, aquele modelo
seria perfeito
— Proposta?
— Sim, e pasme, tem a ver com o baile de máscaras preto e cinza
da Archer — disse, ganhando totalmente minha atenção. — Basicamente,
ela quer consignar o modelo a uma pessoa oculta, visando enaltecer
somente o vestido e o poder da figura de uma mulher sexy dentro dele. O
conceito de baile de máscaras era, na verdade, o que ela estava esperando
para a temporada depois que a Archer divulgou o tema. Modelos que fazem
uma mulher se sentir desejada e ser dentro dele, quem ela quiser, como se
sua identidade não importasse. E é nesse momento que eu conto que preciso
da sua ajuda.
Prestei atenção enquanto devorava um taco que seria então minha
última refeição do dia.
— Quer que eu consiga alguém que aceite o consignado pra você?
— Perguntei de boca cheia.
Não seria muito difícil, já que eu tenho a lista de contato inteiro da
Archer no computador da empresa.
— Na verdade, eu disse a Stella que tinha a pessoa perfeita —
Holly diz. — Digamos que todos os convidados vão estar mascarados,
então algumas identidades vão ficar ocultas, a menos é claro, por
celebridades inconfundíveis. Como eu disse, ela quer uma pessoa anônima,
convidada, porém, que ninguém cogite sua identidade por baixo da
máscara. Alguém que faça parte do vestido, que seja o vestido, e não um
nome usando uma marca. — Ainda com a boca cheia, comecei a listar
umas dezenas de funcionárias da Archer que topariam fazer isso. — E essa
pessoa é você.
Me engasguei com pedaços de tomate que desceram pela minha
garganta sem minha autorização. E foi após longas tossidas nada femininas
que me recuperei com os olhos cheios de lágrimas.
— Eu? Usar aquele vestido? Nunca, Holly, essas coisas não são
para mim não. — Vi os ombros da minha melhor amiga cederem.
— Anya, por favor, você é a única pessoa que conheço que toparia
fazer isso por mim, e quando a Stella explicou o que queria, eu
imediatamente pensei em você.
— É loucura, Holly. Eu disse que não queria ir. Aquele lugar não é
pra mim, só vai ter aquele tipo de gente e eu… olha pra mim! — Holly me
fitou rapidamente, os olhos entediados.
— Não é loucura quando absolutamente todos os funcionários e
parceiros da Archer foram convidados. E é justamente por isso que você é
tão perfeita, ninguém nem espera mais que você apareça, tem alguém mais
improvável e oculta que você?
— Olha, eu prometo pensar, tá legal? Mas, por favor procura outra
pessoa porque se você tiver um plano b, eu não vou me importar. — Ela me
olhou com um sorriso sem graça.
— Eu disse a Stella que seria difícil te convencer, mas não
impossível!

— Alguém improvável, Joe, qualquer pessoa. Você conhece


praticamente todos dessa empresa… todos que gostam de café, pelo
menos.
— São as melhores pessoas — Ele pontua depois de ouvir meu
pedido na manhã seguinte.
Encontrar alguém para Holly.
Mesmo ela tendo me pedido para não contar a ninguém. Eu confio
no Joe, e ele é a única pessoa aqui dentro que poderia me ajudar com isso,
pois apesar de conversar com todo mundo, ele é apenas um bom ouvinte.
— Eu prometi a Holly que a ajudaria.
— Ela não parece que vai desistir tão fácil de você.
— Ela está sem opção, só isso.
— E você?
— Também. — Ele sorriu convencido.
— Eu vou tentar pensar em alguém. Embora eu também seja do
time que acha que você deveria ir — Ele diz, colocando a tampa nos copos
térmicos.
— Você também não vai.
— É diferente. — Ele deu ombros.
— Ah é? E por quê?
Joe desliza os copos para mim antes de apoiar seus braços no
balcão.
— Eu sou só um barista que trabalha em uma cafeteria dentro do
edifício da Archer. — Seus olhos esverdeados se fixaram em mim. — Você
é a assistente pessoal do Cohen. Acho que nem você se dá conta disso.
— É exatamente por isso! Veja bem, aqui eu sou só a Anya.
Invisível, insignificante, nada atraente, mas irrelevante. Agora, já me viu do
lado dele? Isso é triplicado em proporções exorbitantes, é tipo… Plutão
tentando ser planeta ao lado de Júpiter.
— Eu não acredito que falou uma coisa dessas.
— Eu sei, a analogia foi péssima.
Joe riu.
— Também, mas, estou falando sobre você ser invisível,
insignificante e nada atraente.
Meu rosto corou e senti minha pele tão quente quanto o copo
térmico na minha frente, no qual eu sabia que havia um número, e só isso
era suficiente para agravar ainda mais minha situação.
— De qualquer maneira, eu entendi o que você quis dizer. Não quer
ir porque vai ter que ficar do lado dele. — Eu assenti e por um momento
Joe ficou pensativo. — A menos que vá acompanhada.
Franzi o cenho encurralada.
Isso foi um convite?
— Vou continuar procurando alguém para ir em meu lugar. — Foi
sua vez de assentir, dando ombros novamente.
— Como preferir.
Com duas batidinhas no balcão ele se ajeitou, então não me restou
outra coisa senão me despedir.
Encarei aquela luva de copo o caminho todo, mas a primeira coisa
que fiz quando cheguei na sala do Cohen foi jogá-la no lixo.
Holly nem desconfia que Joe faz isso, se desconfiasse, era bem
capaz de já ter feito minha cabeça com uma lista enumerada de motivos
para mandar uma mensagem de texto, e conhecendo-a como eu conheço,
ela começaria com o fato dele ser simplesmente bonito.
Certo… ela não seria tão sutil.
O barista gostoso, ela certamente o definiria assim.
Quando me virei para a mesa do Cohen, percebi que ele observava
meu ato com um semblante inexpressivo. Havia uma pontada de
curiosidade ali, algo que eu preferi ignorar quando pigarreei para ir até ele.
— Bom dia — Cumprimentei antes de deixar a xícara na sua frente,
e ainda ignorando seu olhar sobre mim, comecei a recolher a papelada toda.
— Desculpe.
Ele elevou as sobrancelhas.
— Não precisa provar o café todos os dias se é tão ruim. — Um
quase sorriso nasceu em mim. Meus pensamentos há pouco não tinham
nada a ver com isso.
— É tão horrível que o gosto amarga minha boca pelo resto do dia.
— Duvido que aquela bomba glicêmica não tire e… você sabe que
eu posso fazer isso sozinho, é só você pedir para o barista… como é mesmo
o nome dele?
— Joe.
— Joe! — repetiu — Você pode pedir que ele deixe seu café pronto
e eu mesmo pego antes de subir.
Seu olhar para a lixeira me fez questionar se ele falava de provar
seu café, algo que eu fazia de modo automático todas as manhãs quando
misturava, ou do número.
— Esquece, não vou entregar a receita. — Ele sorriu, se rendendo à
sua falha tentativa.
— Então vai continuar fingindo que não vê o recado no copo todos
os dias? — Dessa vez me obriguei a contrair o lábio para não encontrar uma
resposta afiada a respeito disso. — Cruzou a linha de novo, Cohen, volte
uma casa. — Ele fala sozinho.
Me pareceu ousado quando arqueei uma sobrancelha de modo
desafiador.
Um silêncio curioso se estendeu, havia diversão e algo mais. Como
se ele estivesse adivinhando o que se passava pela minha cabeça, quando
ponderei realmente se deveria responder que eu não falaria sobre minha
vida pessoal com ele.
— Se precisar de mais alguma coisa, estou na minha mesa.
Foi tudo o que eu disse, antes de deixar sua sala definitivamente.

Minha quinta-feira não foi muito diferente dos dias anteriores,


exceto pelo fato de que logo quando cheguei, depois de deixar a sala do
Cohen, Winter Hummer, simplesmente o braço direito dele aqui dentro e
um dos acionistas mais antigos surgiu, pedindo que eu cancelasse todos os
compromissos do Cohen pela manhã, sem sequer direcionar o olhar a mim.
Não sei quando começou, mas sua autoridade está abaixo somente
da palavra final que é do Cohen, no entanto, todos aqui sabem que ele
exerce alguma influência nas decisões dele, e só isso faz com que as
pessoas achem que Winter deve ser tão temido quanto.
Um homem que deve ter idade para ser pai dele, e levando em
consideração seu passe livre para dominar uma manhã inteira com alguma
conversa aparentemente importante pelo olhar quando entrou, suponho que
exista uma consideração, se não igual, ao menos parecida.
Fiz o que ele pediu e depois foquei minha atenção no meu trabalho,
preocupada com as horas que se estendia sem que aquela porta se abrisse,
mas minha preocupação nada tinha a ver com a conversa realmente séria
que deveria estar acontecendo lá dentro, mas com o horário de almoço se
aproximando.
Holly me pediu ajuda com a prova do vestido hoje, e como ainda
não tinha encontrado ninguém para vesti-lo, eu não podia negar uma ajuda
tão simples.
Portanto, quando deu a hora, adicionei uma nota compartilhada
informando ao Cohen que eu tinha ido almoçar, mas que já tinha cancelado
seus compromissos da tarde também, pois eu bem sabia como ele saía
dessas reuniões longas e não havia nada de tão importante depois para
ocupar ainda mais sua cabeça.
Já ouvi que eu ganharia um espaço especial no céu por
provavelmente ser a única pessoa que deve ter compaixão por ele, mas a
bem da verdade era que eu tinha compaixão pelas pessoas que cruzaram seu
caminho depois disso.
Conferi a hora no relógio antes de atravessar a rua, onde acenei para
um táxi que me levaria até o ateliê.
Senti meu ventre apertando só de pensar em entrar nele.
Não era falta de vontade, eu faria qualquer coisa para ajudar minha
melhor amiga. Devo muito a Holly, não só por ter me convidado a vir com
ela quando decidiu sair da nossa cidade com o dinheiro da venda da casa de
seus pais, mas todo o apoio depois disso.
Era o nosso sonho de menina, e eu não teria vindo se não fosse por
ela, mesmo sendo aceita na faculdade, somente Holly sabe o que abandonei,
e o que me custava estar aqui. Este custo é o que me faz zelar pelos
benefícios de trabalhar na Archer, mesmo que não seja na minha área, é o
que me faz proteger tanto meu emprego sabendo que ele é o mais perto que
cheguei de proporcionar algo melhor para quem deixei.
Quando eu mais precisei, Holly sempre esteve ali, então por ela,
somente por ela, eu estava aqui, recebendo olhares de escanteio ao entrar
em uma loja de alta costura que claramente não tinha nada a ver comigo.
Nunca me senti tão aliviada quando vi Holly com um sorriso
misterioso vindo em minha direção.
Ela ainda me agradecia por ter vindo quando me carregou para
alguns andares acima, enquanto me apresentava rapidamente todo o
processo de produção, até finalmente chegarmos no que ela chamou de
Santuário Criativo.
Uma sala repleta de manequins, ao redor de um enorme mezanino e
moldes espalhados por todos os cantos.
— Você trabalha aqui sozinha? Quer dizer… essa sala toda só pra
você?
— A maioria dos designers da marca tem seu próprio estúdio. Eu
sou só a assistente criativa de uma delas, não posso sair do ateliê, porque
meio que sou eu quem tiro as medidas dessas bonequinhas que vem atrás de
um exclusivo. Então sim, essa sala é tecnicamente minha.
— E foi aqui que ela encontrou seu modelo?
Holly assentiu, abrindo na mesa praticamente um kit de
sobrevivência para estilistas, repleto de alfinetes, agulhas, rolos de linhas e
amostras de tecido.
— Na verdade, minha chefe não sabe que estou trabalhando nele. Já
tentei mostrar o croqui uma vez, mas ela… enfim, eu achei melhor mostrar
só quando estivesse pronto — Ela disse enquanto fazia uma seleção das
melhores linhas.
Observei seu semblante se contraindo por um segundo que quase
passou batido. Só tinha uma coisa que fazia Holly estremecer daquele jeito
e era o medo da crítica. Especialmente com seu trabalho, para não dizer
exclusivamente com ele.
— Eu estava trabalhando nele quando a Stella apareceu aqui em
cima. E eu só estava fazendo isso porque todos disseram que estariam
ocupados demais com a chegada dela no ateliê.
— Nem pense em dizer que foi sorte.
— Não, foi azar mesmo. Eu não estava pronta, Anya, nem estou,
mas ela quis ver e agora estou correndo contra o tempo para deixar o
vestido pronto antes do evento da Archer. Agora… se você quiser chamar
isso de destino, eu acredito.
Ela me lançou uma piscadela antes de trazer uma capa preta que
escondia o vestido.
Quando me vi dentro dele, foi inevitável não me sentir tentada,
principalmente com uma máscara adornada em arabescos cobrindo meus
olhos e metade da face.
Pela primeira vez na vida, me senti outra pessoa, ainda que o
vestido não estivesse pronto, eu podia admirar seu tecido cintilante e o
caimento perfeito que valorizava minhas curvas.
— Holly… é lindo! — Minha voz saiu macia. — Digno de um
conto de fadas.
— Erótico. — Ela mesmo acrescentou. Não dava para discordar,
pois, marcando meus seios e as costas nuas, eu me sentia realmente sexy.
Estranhamente sensual.
O mundo dentro dele parecia girar mais lentamente, como se ele
pedisse para ser apreciado. Já o tinha visto diversas vezes. Ela sempre me
atualizava por fotos ou amostras de tecido, mas nada se comparava com
provar e ver pessoalmente.
O toque do tecido prata não parecia ser digno da minha pele. Ele
me acariciava e o movimento era tão sublime, que eu me sentia excitada. A
iluminação ajudava, pois ela quis simular o salão de festas que eu sabia que
estaria em baixa luz fria com uma fumaça predominante deixando o
ambiente ainda mais obscuro e atraente.
— A Stella quer ver. — Estalei meus olhos observando minha
amiga com o semblante apreensivo. Ela roía uma unha enquanto uma fita
métrica circundava seu pescoço e uma pulseira de alfinetes abraçava seu
pulso.
— Stella Valêncio? Ela está aqui? — Perguntei boquiaberta.
— Desculpe, eu deveria ter te avisado.
— Você… você disse que era só para ajustar, não me usar como
manequim.
— Anya é a chance da minha vida. Se ela decidir etiquetar um
design meu, vai ser o dia mais feliz da minha existência. — Seus olhos
esverdeados se encheram de expectativa.
Podia ter uma lista extensa que fervilhava em minha mente com os
lembretes de que eu não iria para essa festa, mas nada me faria tirar aquele
brilho dos olhos dela, e mesmo que eu tivesse coragem de fazer isso, não
tive tempo, pois a cortina da sala de ajustes foi aberta, e ninguém menos
que a estilista Stella Valêncio adentrou, detendo seu olhar sobre o vestido,
analisando-o dos meus pés à cabeça.
Uma mulher de cabelos grisalhos e expressão altiva. A elegância
era sobrepujante, somente sua presença foi capaz de mudar o clima daquela
sala. Uma das maiores referências para Holly, estava bem ali, admirando
um trabalho dela.
Seu olhar foi indecifrável, o silêncio deixava tudo mais agonizante.
A testa de Holly suava enquanto Stella, com as chaves principais da porta
do seu futuro, me circundava.
Sem dizer nada, Stella foi até uma mesa de apoio, onde pescou um
palito de cabelo e o trouxe até estar atrás de mim, dividindo o reflexo do
espelho comigo. Ela juntou meu cabelo em um coque despojado e o
prendeu no alto da minha cabeça, deixando meu colo livre.
Eu não estava esperando por isso.
— Sabe o poder que esse vestido tem? — Perguntou com a voz no
meu ouvido, olhando fixamente em meus olhos através do espelho.
Estremeci negando.
Pela visão no canto do olho vi Holly reduzindo suas emoções em
um único sorriso.
— O poder de deixar qualquer homem de joelhos, implorando para
proporcioná-la prazer dentro dele.
Esvaziei o ar dos meus pulmões pela boca.
Stella, conhecida por seus modelos exuberantes e sensuais, sorriu
ao dar um passo para o lado.
— Eu etiqueto seu vestido, Holly. Quero sua assinatura nessa
temporada como design desse modelo na Valêncio. — Anunciou cruzando
os braços, ainda namorando o vestido. — Mas quero que ela o esteja
usando no evento.
— O quê?

Não pude esperar para comemorar com a Holly como ela merecia,
mas prometi me render ao seu pedido de comemoração em um bar depois
do trabalho, já que hoje não teríamos aula na faculdade
Meu cabelo se manteve preso como Stella havia deixado, e
confesso que eu estava até animada para sair mais tarde depois da dose de
autoestima que ganhei no ateliê. Eu me sentia bem, de uma forma diferente.
Um pouco mais confiante, até considerando realmente usar aquele vestido
contradizendo minha vontade, mas tudo caiu por terra quando cheguei
novamente no andar presidencial e dei de cara com Drizella aguardando
sentada no sofá de couro preto à espera.
Ela notou quando me aproximei, e se levantou com uma risadinha.
— A porta está trancada. E antes que impeça minha passagem,
coloquei meu nome na agenda, ou seja, você deve me anunciar ao Cohen —
disse andando em passos precisos e irritantemente lentos em minha
direção.
— Anunciar é uma coisa, se ele vai permitir sua entrada é outra —
falei, dando a volta no balcão discando o ramal da sala do Cohen. Longos
segundos se passaram sem que ninguém respondesse. — Ele deve ter ido
embora, ninguém atende.
— Fala a verdade, Gata borralheira, você nem ligou. Meu pai
estava com ele ainda há pouco.
Ela deu a volta no balcão tentando discar ela mesma, mas soquei o
telefone no gancho.
— Não me chama assim! — ralhei, olhando no fundo dos seus
olhos azuis, que eu morreria sem saber se eram lentes.
Drizella soltou uma risada forçada ficando praticamente cara a cara
comigo.
— E como você quer ser chamada?
— Ele não está! Vai embora, Drizella. — Pedi, engolindo seu olhar
autossuficiente.
— Prendeu o cabelo e está se sentindo gente? — Zombou, puxando
do meu cabelo o palito personalizado do ateliê Stella Valêncio, e por ler sua
inscrição, a loira riu enquanto meu coque se desmanchava nos ombros. —
Isso aqui não é pra gentinha como você, Anya, mas... guarda de recordação
— disse colocando o prendedor palito no meu porta canetas. — É tudo o
que seus valiosos centavos que sobram no fim do mês podem comprar.
Fechei os olhos quando uma ardência indicou que em breve
estariam turvos de raiva. Mordia meu próprio maxilar para não revidar suas
provocações, e ela sabe o quanto estou segurando e parecia querer testar até
onde eu aguentava
— Vou deixar você trabalhar, essa é a parte em que você anota um
recado. Diz ao Cohen que eu volto de noite para bagunçarmos a mesa que
você arruma todos os dias.
A palma da minha mão ardeu para esfolar aquela cara pálida.
Seu olhar debochado não ajudava.
— Anotado. — Declarei apenas, apertando o telefone contra o
gancho com ainda mais força ao vê-la sumir do hall com seu andar
apelativo e um sorriso fino que por si só me reduzia a nada.
Dessa vez, não controlei a vontade de me olhar pelo reflexo da
vidraça, e encarar uma temporária fracassada que vivia em prol dos outros.
Me sentei sem vontade na cadeira, espalhando meu cabelo pelo
ombro até que caísse totalmente em seu comprimento abaixo do meio das
costas. Fitei o visor do meu celular acendendo sobre minha mesa com a foto
da minha família e sorri, mesmo que muito desanimada.
Era por eles, sempre foi e sempre vai ser.
Mamãe, papai e Tom, meu irmão caçula de apenas 9 anos de idade
que estava sendo beneficiado com o plano de saúde da Archer.
Com o tratamento avançado, em breve meu garotinho teria a
oportunidade de escutar pela primeira vez, e era por ele que eu saía da cama
todos os dias, sabendo que a cada passo mais perto de me formar, mais
perto eu ficava de voltar para Minnesota, e cuidar de todos eles.
Estava pronta para me entregar a lágrimas frustradas quando o
aparelho do ramal tocou, acendendo em uma luz que indicava estar vindo
de dentro daquela sala.
— Só pode estar de brincadeira com a minha cara!
Me levantei movida pela raiva, abri a porta gigantesca agora
destrancada, e dei de cara com Cohen sentado em sua cadeira de frente para
a porcaria do computador.
— Com todo respeito, Sr. Archer, mas eu não sou paga para levar
esporro das suas amantes enquanto você finge que não tem ninguém na
sala. — Despejei sob o olhar opaco de Cohen Archer e sua postura
impassível. — Adoraria dizer que sou paga para anotar recado, mas graças
à sua porta sem acústico, suponho que isso não seja necessário, o que me
livra da vergonha de dizer que sua amante, incapaz de me chamar pelo meu
curto nome com apenas quatro letras, dispensável de apelidos como os que
ela me batiza, marcou presença em cima dos relatórios que eu organizo e
folheio todos os dias.
Um silêncio perdurou por longos minutos enquanto eu me
recuperava e criava consciência do que tinha feito.
Descontei no meu chefe, minha fodida vida.
Não me importei com sua expressão que dizia que ele teve um
péssimo dia. Que sua conversa de horas com Winter o deixou em sua pior
versão possível, e era perceptível, não só pela sua cara, mas pelas luzes
baixas que mal iluminavam sua sala propositalmente, como se ele tivesse
escolhido ficar na companhia do escuro.
— Anya — Começou testando meu nome. — Não atendi a
senhorita Hummer, porque eu posso sim, fingir que não tem ninguém na
sala, e eu faria isso pelo resto da tarde, se não tivesse acabado de receber
uma resposta da agência que você trabalha.
Falhei um passo para trás, apreensiva com seu tom sério e o
semblante rígido.
— Uma resposta... — Repito, agora dez tons abaixo de quando
entrei nessa sala. — Para qual pergunta?
Meu coração tamborilava contra as costelas em um aviso.
— Não sou o cara que pergunta, sou o cara que pede. E eu pedi para
que você fosse desligada da agência.
Disse assim, com tamanha frieza e calmaria, arrancando todo o
calor do meu sangue, que eu já nem sentia.
A única coisa que consegui pensar, foi no meu último ano da
faculdade. Eu estava no meu fodido último semestre, com os pés na minha
formatura, recebendo praticamente a notícia de que tinha ferrado com tudo.
Mais uma vez. E mais uma vez a culpa era minha, mas prejudicava mais de
uma pessoa, pessoas por quem eu morreria.
CAPÍTULO 04
Você é um fantasma da vida real, mas você está se movendo com tanto cuidado.
Vamos começar a viver perigosamente.
Cake By The Ocean - DNCE

Presa em pensamentos vazios e desconexos, eu jurei que minhas


pernas falhariam a qualquer momento, se eu não fizesse alguma coisa para
reverter minha situação. Não que eu estivesse acomodada com meu
emprego, mas ele é quem garante minha permanência na faculdade, e por
Deus, eu não podia perdê-lo agora, não quando até meus pais também
dependem daquele dinheiro para o tratamento do meu irmão.
E os benefícios…
Toda a dívida do hospital.
E o tratamento do Tom.
Mais alguns meses e ele poderia ouvir normalmente com a ajuda do
aparelho, mas para isso acontecer eu precisava me manter aqui, justamente
por causa do convênio e a quantia que eu podia mandar para eles.
Não agora, faltando alguns meses para me formar.
Com isso em mente, cheguei à conclusão de que meu diploma valia
minha humilhação e eu imploraria para Cohen não me demitir se fosse
necessário.
— Olha... Se isso é o que eu disse agora, peço mil desculpas, é que
realmente não estou no meu melhor dia. Já aguentei essa mulher milhares
de vezes, mas esses apelidos me tiram do sério e eu não queria descontar no
senhor, nem na sua vida pessoal que nada tem a ver comigo… — Me
desesperei quando Cohen finalmente se levantou e caminhou
preguiçosamente até a porta.
Passou por mim enquanto eu ainda falava, e não se deu o trabalho
de me responder ou ao menos me direcionar o olhar. A minha vontade era
de grudar nesse homem, lhe dar uns chacoalhões e dizer todos os motivos
pelo qual ele não podia me demitir.
Entendi que aquilo era sua palavra final e tomei como um desaforo.
— Sério? Mesmo? Não vai nem me ouvir? Não vai se dar o
trabalho de gastar seu tempo comigo… — Estava boquiaberta, isso não era
possível. — Muito bem então, mas eu vou dizer o que eu gastei com você
por dois anos consecutivos, quinze dólares semanais do seu precioso café
que é descontado do meu salário, e a porcaria do meu paladar infantil com
aquela coisa horrível!
Terminei de falar justamente quando Cohen alcançou a porta e me
olhou com a testa franzida.
Estava sendo ridícula.
Eu nem tenho arsenal para sequer dizer que ele estava sendo
injusto.
Cohen fechou a porta olhando pra mim, e eu só posso estar muito
louca, porque tive a impressão de que ele escondia uma risada ali.
— Anya... — Meu nome saiu dos seus lábios enquanto ele fitava o
chão, e a sombra de um sorriso surgia em seus olhos. — Eu não disse que
você estava demitida.
Tudo que enxerguei foi uma tela azul de pane no sistema de um
Windows 98. Jarvis nem deve saber o que é isso.
— Não? — Ele negou com um menear de cabeça.
— Disse apenas que pedi para desligarem você. Isso significa que
agora você não é mais terceirizada pela agência, você é uma contratada
direta da Archer.
— Depois de quase dois anos? — Quando vi já tinha escapado. —
Quer dizer... Caramba, eu pensei que…
— Você precisa escutar antes de qualquer coisa.
— E o senhor precisa ser um pouquinho mais direto e não contar as
coisas pela metade.
Cohen riu voltando para sua mesa, me indicando a poltrona em
frente a ela para me sentar, e fiz isso avaliando o ambiente cautelosamente.
Sua presença em uma sala fechada era de certa forma... sufocante.
Intimidadora também, pelo fato dele saber como deixar uma pessoa
desconfortável usando apenas o olhar. É como se Cohen medisse os
cenários dignos da sua atenção, e quando este é direcionado a mim, sinto
como se minha pele fosse descolar do corpo lentamente.
— Preciso que assine sua contratação e depois leve isso até o
departamento pessoal — disse, entregando minhas novas cláusulas
contratuais e o aumento considerável no meu salário que eu não estava
esperando.
Sobrariam muito mais do que centavos no fim do mês.
Meus olhos brilharam ao vislumbrar minha formatura paga, algo
que eu já estava cada vez mais certa de que não seria possível.
Caramba! Para o Tom isso seria incrível. Para os meus pais seria
um respiro, e tudo isso eu podia vislumbrar apenas encarando aquela folha
entre meus dedos trêmulos pela comoção interna que eu estava
vivenciando.
Lutei contra o ímpeto de comemorar e me emocionar em frente ao
Cohen, pois sentia seus olhos fixos em mim, não ousei procurá-los, mas eu
os sentia.
Ia apoiar a ficha na mesa quando empurrei meus pensamentos para
o lado, mas observei os poucos papeis que ali restavam e me recordei do
que Drizella disse, então apoiei a ficha sobre a perna e assinei ali mesmo,
ouvindo uma risada abafada do Cohen.
Ao assinar, coloquei em um envelope e com um sorriso no rosto
perguntei:
— Era só isso? — Cohen anuiu tranquilo. — Nossa, acho que eu
não estava esperando. Me desculpe mais uma vez Sr. Archer, eu não deveria
ter falado daquele jeito...
— Se me chamar de senhor mais uma vez, serei obrigado a chamá-
la de senhora. — Interrompeu-me, reforçando um pedido que há muito
tempo vem sendo feito.
Cohen parece de certa forma se divertir tentando quebrar a barreira
profissional que eu mesma criei contra ele. Diante dos outros ele não se
opunha, mas através de suaves brincadeiras e comentários descontraídos,
ele buscava por uma Anya que eu não permitia ser encontrada, e uma das
coisas que eu raramente abria mão, era romper essa barreira me referindo a
ele com tamanha intimidade.
— Desculpe, mais uma vez eu... não vai se repetir. — Garanto,
sentindo o ar ao meu redor ficar estranhamente pesado ao fitar por tempo
demais seu sorriso repuxado para o lado enquanto Cohen me olhava
fixamente.
— Veremos.
Senti meus músculos faciais tencionando pela confusão diante
daquela simples e inexplicável expressão.
Eu não soube o que ele quis dizer com aquilo, pois ao mesmo
tempo que pareceu uma ameaça, minha mente traiçoeira reconheceu uma
espécie de desafio.
— Eu vou voltar ao meu trabalho. — Falo me levantando, reagindo
contra um repentino nervosismo, me dando conta da luz ainda baixa
daquela sala.
Não tinha necessidade alguma, mas quando dei por mim, Cohen
estava me acompanhando até a porta, fazendo questão de abrir, e ainda
esperou que eu passasse, reprimindo um sorriso triunfante que curva seu
lábio no canto.
— Te vejo na festa de lançamento, funcionária da Archer.

De noite, Holly e eu estávamos sentadas no balcão de uma


cervejaria que ela frequenta com colegas da Academia de Moda.
Comemoramos o fato de que ela estava produzindo uma peça assinada por
ela para o ateliê, onde era apenas auxiliar de uma estilista, e eu minha quase
promoção.
Todavia, no momento, Holly gargalhava sozinha depois de ouvir
que Cohen me desligou da agência para que eu fosse à festa de lançamento
da Archer, convocação quase obrigatória para todos os funcionários. Antes
de estar com raiva, eu estava frustrada comigo mesma, por ter acreditado
que isso tinha a ver com reconhecimento. Não, essa é a forma do intitulado
poderoso, Cohen Archer, mostrar como consegue as coisas.
— Me lembra de pedir desculpas a ele por todas as vezes que esse
trabalho já ferrou com sua saúde mental. — Disse em meio a risadas. —
Gosto de pessoas que resolvam meus dilemas.
— Nem por um segundo eu cogitei a possibilidade... de que ele
estava fazendo isso só pelo que eu disse. Como se eu realmente o tivesse
desafiado.
— O cara faz um anúncio de que quer toda sua equipe de
funcionários no evento e você solta que não trabalha para ele, até eu me
senti desafiada.
— Eu não disse que não trabalho para ele, disse que sou contratada
pela agência.
— Era! — pontuou. — Agora você é contratada da Archer e está
convidadíssima, pelo Cohen, Stella Valêncio e euzinha. Sua melhor amiga,
Fada Madrinha, e design em ascensão. Não tem para onde correr. Sabe o
que isso significa, Anya? Sabe o que é você entrar em um ateliê da Stella
Valêncio e ter um cabide só meu lá?
— Eu sei, eu sei... — me admiro com sua empolgação e brilho nos
olhos. — E estou muito feliz por você, mesmo, mas eu ainda acho que não
sou a pessoa ideal para usar algo com essa importância.
Seu semblante endureceu.
— Ah, nada disso! Já fiz todos os ajustes e Cohen Archer, sem
saber, me deu a resposta que eu queria. Você vai àquela festa, e vai vestindo
alta costura, para provar àquela sebosa descascada que você não escolheu
Stella Valêncio, ela é quem te escolheu. Anda, beba, eu quero minha amiga
do ensino médio de volta.
Holly me empurra uma dose de tequila.
— Ela era uma inconsequente.
— Ela era feliz! E eu entendo que esteja se esforçando tanto por
eles, mas está se esquecendo de você. — Disse Holly, apoiando sua mão
sobre a minha no balcão, a tatuagem de ramo que fez há alguns anos
circundando seu pulso delicadamente, apesar disso, ressalta o traço forte da
personalidade marcante dela.
Eu diria que Holly consegue ser única em tudo o que faz. Nós
sempre fomos completamente opostas, mas antigamente eu conseguia ver
minha neutralidade gritante em comparação a ela.
Holly dizia que no mundo da moda, ela era uma jaqueta preta e eu,
um vestido de renda fina. Ela continua sendo uma jaqueta, mas eu não
passo de um pijama flanelado.
Confesso que me sinto perdida desde o nascimento do Tom,
seguido do acidente do meu pai que o tirou da usina onde trabalhava para
sobreviver de uma pequena oficina na garagem da nossa própria casa.
As coisas mudaram da noite para o dia, eu me vi como a única
pessoa capaz de melhorar nossas condições e essa vaga na Archer tem sido,
desde então, a melhor coisa que nos aconteceu, pois ela me permitiu
trabalhar e estudar enquanto eu ainda ajudo, mesmo que longe de casa.
Sair de Minnesota não foi nada fácil, mas eu sei que se tivesse
ficado, ainda estaria trocando meu futuro para apenas sobreviver enquanto
trabalhava em um escritório local, para um velho que não gosto nem de
lembrar. De certa forma, agradeço passar pelo que passei, ele foi o estopim
final para me fazer sair daquela cidade, e eu só vou voltar para lá, quando
estiver formada e com minha família estável.
— Pelo contrário, Holly. Tudo o que eu aprendi trabalhando na
Archer, vendo o Cohen trabalhar, todo conhecimento que aquele lugar me
proporcionou, só vão me acrescentar quando me formar. Prefiro pensar que
são anos dedicados ao meu futuro e ao futuro da minha família. O Tom
precisa de mim agora, mas vai precisar muito mais e eu quero garantir o
mesmo que meu pai sempre me garantiu, se matando de trabalhar naquela
porcaria de usina.
Quando percebi que estava falando sem parar, foi quando notei os
olhos da Holly brilharem.
— Ah Any... — choramingou. — Quando eu crescer quero ser
igualzinha a você.
Sorri envergonhada.
— Desculpa. Saímos para comemorar e eu estou aqui te enchendo
com minhas ladainhas.
— Não! Não... Anya, você é a minha maior inspiração. Eu só me
preocupo com você, é por isso que cobro tanto. Você é nova, deveria se
permitir mais. — Diz com sinceridade.
Anui, concordando cabisbaixa.
— Você tem razão! Eu nunca disse que não tinha, só tenho medo de
que certos tipos de regalias me tirem do foco — Confesso.
— Me promete uma coisa! — Disse buscando novamente minha
mão, para então olhar no fundo dos meus olhos. — Você vai nessa festa, já
que agora é quase uma obrigação, mas você vai fazer dessa obrigação a
chance de viver por uma noite o que você não vive a anos, Anya, você vai
aproveitar como se o mundo fosse acabar à meia noite.
Reprimi uma risada, por mais que eu soubesse que ela estava
falando sério.
— E meia noite e um, eu faço o quê? Saio correndo com um único
sapatinho de cristal?
— Não. À meia noite e um você vai estar louca, bêbada, chapada
ou até nua na cama de um mascarado, não interessa, você vai estar se
permitindo. Sabe que se eu pudesse estaria lá para garantir que isso
aconteça, mas eu sou só a Fada Madrinha, e como sua fada madrinha, eu
vou fazer você estar tão linda, que estar nua depois da meia noite vai ser um
fato imutável, e vai ser com quem você quiser, porque eles vão cair aos seus
pés!
Um arrepio percorreu meu corpo enquanto eu escutava com atenção
o que eu podia descrever como afirmação, pois Holly estava convicta da
sua promessa.
CAPÍTULO 05
Eu já passei pela sua cabeça como você já passou pela minha?
Cross Your Mind – Calum Scott

Comemorações como as de ontem à noite sempre me custaram um


pouco caro, por mais singelas que fossem, como somente os dois copos de
cerveja e uma dose de Vodka que ingeri, as horas de sono eram cobradas, e
por isso eu me encontrava bocejando sem parar enquanto esperava pelo
meu café no dia que antecede o evento de lançamento da Archer, quando
em contrapartida, todos ao meu redor ou em um raio de visão e conversação
audível, só falavam nessa festa.
Meu espírito astral, ânimo, empolgação e disposição, estavam na
direção oposta a todos que passavam por mim, e a diferença só não era
escandalosa, pois eu não passava de um ponto inerte no canto do balcão
daquela cafeteria, esperando Joe preparar os dois cafés.
— Está tudo bem? — Joe pergunta — Você parece meio...
esgotada.
— Um pouco cansada. Holly, acabou me arrastando para um bar e
hoje estou pagando penitência.
— Ressaca?
— Por sorte não, apenas cansaço... — pondero pensativa — Um
pouco mais mental do que físico — Pontuei.
— Nada que um bom café não resolva.
— Acho que hoje eu prefiro um chá de sumiço.
Joe riu, balançando a cabeça negativamente.
— Tenta o café. — Sugeriu com uma piscadela, seguido de um fino
sorriso, todavia, esse mesmo sorriso sumiu quando ele tentou passar meu
crachá como comanda. — Que estranho, não está aceitando. — Disse Joe,
tentando passar uma segunda vez.
— Não? — Perguntei me escorando no balcão para ver a tela do
computador. Pela segunda vez apareceu "Crachá não identificado". — Só o
que me faltava! — Resmunguei colocando minha bolsa sobre o balcão para
procurar minha carteira.
— Relaxa. — Falou colocando sua mão sobre a minha, impedindo-
me de continuar procurando o dinheiro. — Mas, acho bom você questionar
isso, parece até que você foi demitida.
Minha ficha caiu quando ele me lembrou do acontecido.
— Ah droga… eu fui. Quer dizer, mais ou menos... Cohen me
desligou da agência, não sou mais terceirizada, trabalho diretamente para
Archer. — Joe sorriu como se eu tivesse dito algo engraçado.
— Não me diga que agora você precisa ir ao evento.
Bufei com a lembrança daquele sorrisinho presunçoso.
— Não tem graça. Eu tinha planos, até comprei um pijama novo.
— Não estou surpreso.
— Não? Pois Holly diz que eu só tenho um pijama.
— Estou falando do Cohen. — Disse rabiscando na luva de copo
antes de encaixá-lo em um deles. — Ele não desiste.
Recebo os copos térmicos no suporte de papelão, sentindo pela
primeira vez meu rosto corar por não ter conseguido fugir ou fingir que não
tinha percebido.
Reprimi um sorriso assim como ele, que me fitava com seus olhos
esverdeados. Joe nunca foi invasivo, e o fato dele nunca ter desistido de
esperar uma ligação minha, chegava a ser fofo.
Para não dizer romântico.
Estive pensando nisso enquanto subia pelo elevador, encarando
aquela escrita rabiscada na luva de copo que outra vez, estava no de Cohen.
As palavras da Holly na noite passada ecoavam como uma
lembrança recente, e uma promessa brindada antes do meu último copo de
cerveja. Se eu tivesse realmente que aproveitar uma noite como há muito
tempo não fazia, me permitindo e dando uma chance para mim mesma,
seria injusto que essa chance não fosse concedida a quem também há muito
tempo espera por uma.
Eu não tinha nada a perder. Joe é, antes de qualquer coisa, um dos
caras mais legais que já tive o prazer de conhecer. Seu carisma e sorriso
sincero brilham tanto quanto suas orbes castanho-esverdeadas que me
fitavam todas as manhãs com uma singela admiração. Joe me enxerga, se
importa comigo, e ainda que eu esteja romantizando algo que não é para ser
romantizado como, estar nua na cama de alguém depois da meia noite,
considerei que esse era o melhor caminho, pois, se tínhamos que começar
de algum lugar, seria pela parte mais difícil.
Se haveria perguntas ou cobranças ao amanhecer, eu não sei. Tinha
grandes chances de me arrepender. Não estou dizendo que esse é o final
imutável da minha noite, mas estar na companhia dele realmente seria
muito melhor do que cortejar Cohen, sempre que ele se lembrar que sua
secretária está ali.
Se esse é o discurso covarde de alguém que tem medo de se
envolver com qualquer outra pessoa que vá estar presente nessa festa?
Talvez.
A única forma de viver essa noite como Holly desenhou, é com
alguém que já demonstra interesse pelo que sou, não por uma personagem
como a que Stella quer criar, seria mais fácil.
Desci do elevador com uma certeza eminente, mas ao entrar na sala
do Cohen, após duas batidas anunciando minha chegada, fui surpreendida
pela sua presença próximo a porta, encostado no balcão do bar, meu
primeiro destino de todos os dias quando entro nesta sala, e não sentado
atrás da sua mesa como em todas as manhãs.
— Bom dia. — Cumprimentei, fechando a porta atrás de mim. —
Algum problema? — Questionei, pois o fato dele estar de pé, significava
que Cohen estava inquieto.
— Possivelmente, mas que pretendo resolver. — Respondeu, sem
me cumprimentar de volta. Ignorei isso e deixei os copos térmicos sobre o
balcão, pegando a habitual xícara, bem ao lado dele.
Me senti retraída, tomando cuidado para não encostar nele, mas
Cohen não moveu um músculo, mesmo sabendo que eu precisava abrir a
gaveta que ele estava encostado.
— Se é um possível problema, então evite. — Falei, despejando o
café na xícara, abrindo meu copo logo em seguida para, como sempre,
adoçar o seu.
Mas eu precisava abrir a gaveta.
Cohen avaliou onde estava encostado e deu um passo para frente,
então pude abrir, mas ele a fechou assim que pesquei uma colher e voltou
para a mesma posição de antes, cruzando os braços dessa vez.
Ele soprou uma risada nasal quando levei a colher usada para mexer
até a boca, provando do sabor familiar que eu tanto odiava. Estava no
ponto, ainda amargo pra mim, mas levemente doce para ele.
Cohen ainda observava meus movimentos, fitando a colher na
minha boca, antes de subir para os meus olhos, pegando a xícara da minha
mão que aguardava estendida no ar.
Seu gole degustativo foi dado enquanto Cohen ainda me olhava, e
provavelmente por ainda estar quente, o deixou de lado, perto do meu copo
destampado.
— Me ocorreu que fiz você mudar de ideia um pouco em cima da
hora sobre o evento de lançamento da Archer, enquanto todos estão se
planejando há um bom tempo. Então suponho que eu a tenha pegado um
pouco desprevenida, e como você sabe, é um evento acima do padrão...
— Você pressupôs que eu não tenho o que vestir. — O interrompi.
Cohen pareceu surpreso, mas ainda assim concordou. — Você acertou, mas
isso eu já resolvi.
Mais uma vez ele anuiu, buscando seu café no balcão ao lado do
corpo.
— E vai ter como ir?
Foi minha vez de soprar uma risada sem som, incomodada por sua
incoerente curiosidade.
— Estava pensando em alugar uma carruagem, já que aqui por
perto não passa metrô. — Quando dei por mim já tinha falado. — Sim, Sr.
Archer, eu já tenho como ir.
Nesse momento, do copo vazio que eu geralmente jogava no lixo,
arranquei a luva de proteção com o número do Joe e discretamente o dobrei
na palma da mão, ou pelo menos tentei, pois Cohen acompanhou meus
movimentos.
Um vinco surgiu entre suas sobrancelhas, antes de arquear uma
delas em um questionamento quase duvidoso.
É claro que eu não estava chamando Joe para ir comigo por conta
disso, já que esse projeto de figura anônima da Stella Valêncio, também
incluía me levar e buscar no local do evento, pois seu principal intuito é
levantar especulações e pesquisas de quem o estava usando.
— Vai ligar para ele, senhorita Amstrong? — Sorri, lembrando da
sua promessa de devolver a formalidade.
— Talvez. Não decidi ainda.
— Deu esperanças a ele? — Neguei com a cabeça, tentando
compreender o tom sério e sem emoção vindo dele. — Então devia
surpreender. Manda uma mensagem.
— Mensagem?
— É, assim você cria um suspense, e se demorar alguns minutos
para responder, pode até surtir um efeito tremedeira, ansiedade, suadouro
nas mãos.
— E isso é bom?
— Ah, é sim, deixar esperando é muito mais... — Ele buscou meus
olhos novamente enquanto procurava por uma palavra. — Intrigante.
— Mas... ele já está esperando há meses.
— Vai por mim.
— Isso não deve funcionar com o Joe. Além do mais, eu sou do
tempo das ligações. E eu só quero saber se ele quer me fazer companhia na
festa, sabe, como amigo, nada demais... — Parei de falar no instante em que
me dei conta do que estava fazendo. — Ah meu Deus, eu não deveria estar
falando sobre isso com você.
— Por que não? Já passamos dessa fase de imposição, não vejo
nada demais em ajudar uma amiga!
— Não é certo.
— Sabe o que eu realmente acho? — Por algum motivo esperei
pela sua opinião. — Você não tem coragem.
— Claro que eu tenho.
— Prova! Manda uma mensagem. — Me desafia.
— Eu vou mandar. — Declarei, sacando meu celular. — Não agora,
pois estou em horário de trabalho e isso pode muito bem ser um teste,
mas… eu vou mandar. — Pela primeira vez vi Cohen gargalhar.
Caramba…
Algo falhou quando vi seu sorriso, quando vi… seus olhos
encolhidos com aquele sorriso.
Como se ele nem fosse quem fosse.
Como se essa realmente fosse uma conversa de amigos.
— Isso não é um teste — garantiu. — Então você está me
garantindo que ele vai receber uma mensagem sua no horário de almoço?
— É... no horário de almoço.
— Não senti firmeza.
— Eu garanto! — Pigarreei, concordando com algo apenas para me
trazer de volta à órbita. — Agora me deixa trabalhar!
Finalmente vou para sua mesa recolher as pastas da manhã e
organizá-la, mas... por incrível que pareça, ela estava exatamente do jeito
que eu deixei.
Perfeitamente arrumada.
Ainda intrigada, mas sem coragem de perguntar, peguei apenas o
que era necessário levar para minha mesa e me retirei da sua sala,
devolvendo um último olhar.
As horas seguintes foram se passando mais rápido do que eu queria.
Talvez pelo excesso de coisas a se fazer, ou pela ansiedade inquietante que
se acumulava em meus pensamentos cada vez que eu fitava o relógio e
percebia o horário de almoço de aproximando, onde eu teria que mandar
mensagem ao Joe. Mas, o que realmente estava me deixando nesse estado,
era a lembrança da breve conversa com Cohen, no qual o permiti falar da
minha vida pessoal e até opinar nela.
Isso era muito errado. E mais errado ainda foi eu ter gostado. De
certa forma é claro, pois, foi bom ter alguém além da Holly me
incentivando, melhor ainda essa pessoa ser meu próprio chefe, como se isso
reiterasse tudo que minha melhor amiga tentava me dizer: Não tem nada de
errado me permitir viver enquanto ainda busco pelo meu diploma e
trabalho.
Se o próprio Cohen que vive pelo seu trabalho me aconselhou a
pensar nessa parte esquecida da minha vida, significa que em algum
momento, ele também se esquece de quem é, e apenas vive. Era isso ou
pensar que ele estava pateticamente entediado com sua vida para desejar o
mesmo ao ver no que eu estava me transformando.
Uma máquina de trabalhar.
Quando eu já estava no restaurante que fica dentro do próprio
edifício da Archer, onde eu almoço todos os dias como a maioria dos
funcionários, deixei de lado a insegurança e peguei meu celular em cima da
mesa.
Eu já o encarava há algum tempo, mas decidi terminar logo com
isso. Adicionei o número do Joe à minha agenda e lhe mandei um oi
apenas. Muito seca, será? Acho que eu deveria ter dito olá, ou pelo menos,
um oi mais elaborado.
Meu celular vibrando na minha mão, segundos depois
impossibilitou de corrigir.

“Quem é?”

Veio em uma só mensagem.

“Anya.”
Respondi, esquecendo-me daqueles segundos de espera que Cohen
me aconselhou dar em nome do suspense, em contrapartida, quem me
deixou esperando foi o próprio Joe.

“Isso não tem graça, Cas.”

Cas? Ele está achando que estou brincando com a cara dele?
E por que essa Cas faria isso?
Para isso ela teria que saber sobre mim, o que me leva a mais uma
pergunta mental: Será que ele já falou de mim para alguém?

“Joe, sou eu, Anya!”

Outros segundos intermináveis antecederam sua resposta, e apesar


de intrigada, curiosa, eu também queria ser uma mosquinha para ver se
realmente não estava acreditando.

“Prova!”

Soltei uma risada abafada, declarando esse o dia oficial dos


desafios. Olhei em volta pensando de que maneira o faria acreditar que era
eu. Cogitei mandar uma foto, mas em nome do suspense eu fitei meu prato
ainda intocado e lembrei que também não consegui pagá-lo usando meu
crachá, portanto contei algo que somente ele sabia.

“Estou devendo dois cafés,


pois minha comanda não foi
aceita hoje de manhã.”

Jurei que sua resposta seria imediata, pois, é óbvio que ele se
lembraria disso, a menos que tenha contado para alguém que também
poderia ser essa Cas.
Joe não me respondeu.
Deixei meu celular de lado e me concentrei em comer. Minhas
considerações finais acerca dos conselhos do Cohen, é que essa coisa de
esperar ou fazer esperar por suspense é uma tortura.
Só quero perguntar se ele topa mudar de ideia e me fazer
companhia amanhã, mas já estava considerando uma má ideia.
Ok, talvez esteja exagerando. O que são alguns minutos para
alguém que esperou meses? Foi quando meu celular vibrou.

“É você mesma!”

“Sim, sou eu.”

“Desculpe, achei que você era do


tempo das ligações. Não estava esperando...
Bem, na verdade, eu estava sim, há meses.”

Sorri, tentando me lembrar da primeira vez que Joe deixou seu


número na luva de copo.

“Verdade, eu sou, mas estou me


familiarizando com esses emojis.”

Embora eu estivesse achando divertido esse lado mais misterioso da


conversa, sem ver ou ouvir a voz dele do outro lado, eu só podia presumir
que Joe estava sorrindo nesse momento.

“É por isso que me mandou mensagem?


Para testar emojis?”

“Na verdade, queria saber se você está


disposto a mudar de ideia para ir comigo?
Mas posso usar essas coisinhas se for preciso.”

“Isso por um acaso é um convite?”

“Tecnicamente não, pois todos estão


convidados, mas seria legal se você fosse,
para falarmos mal da comida juntos.”

“Pensei em fazer esse mesmo convite


várias vezes. Me lembre de agradecer
ao Cohen, por ter feito você mudar de ideia.”

“Quando fizer isso por favor


cobre o café.”

“Não se preocupe, ele já resolveu.


Se prepare, pois, enfrentaremos
tempos difíceis. Prevejo queda na bolsa
amanhã, pois Cohen Archer vai deixar
de investir quinze dólares semanais para
pagar o próprio café, acho que isso vai ter
impacto direto nas ações da empresa.”

Gargalhei sozinha na mesa do restaurante, atraindo alguns olhares


para mim.

“Como assim ele já resolveu?”

“Recebi uma ligação há pouco, do


próprio Cohen dizendo que a partir
de hoje, ele é quem paga seu café.”
CAPÍTULO 06
É difícil para mim comunicar os pensamentos que tenho.
Mas esta noite, eu vou deixar você saber
Deixe-me dizer a verdade.
Die For You – The Weeknd, Ariana Grande

— Suba um pouco mais o coque! — Ordenou Stella, analisando


minha imagem pelo reflexo do espelho.
Estou há horas no seu ateliê onde já tive praticamente um dia de
spa. Estava nesse exato momento envolvida por um roupão macio enquanto
um cabeleireiro mexia no meu cabelo e a maquiadora dava os últimos
retoques na minha maquiagem.
Com tantas massagens e fluidos corporais para deixar minha pele
com um viço solar e um brilho hidratante, eu me sentia flutuar. Nunca tirei
tanto tempo para ser cuidada, e ao ver tudo finalizando, um brilho intenso
não sai dos meus olhos. Eu me sentia bem, me sentia bonita e me arrisco
dizer, empoderada!
Meu cabelo estava preso em um coque despojado enquanto poucos
fios propositais caiam contornando meu rosto. Minha maquiagem não era
muito pesada, mas ainda assim, é muito mais do que já usei. Meus olhos
foram evidenciados e mesmo que nem sejam claros, ganharam um tom
amêndoa pelo contorno em um delineado lindo, que a maquiadora explicou
ser sua técnica de fox eyes, deixavam meus olhos naturalmente sexys,
felinos e com a lentidão da piscada, Stella os definiu como fatais.
— Prontinho, Querida. — Finalizou a maquiadora guardando seu
gloss.
— Obrigada. — Agradeci, voltando a encarar minha imagem pelo
espelho.
Nunca me senti tão bonita.
— Está perfeita! — Disse Stella, erguendo meu queixo com
delicadeza. — Não finalize o cabelo ainda, Beni, a fita da máscara deve
ficar presa dentro dos fios por questões de segurança.
Beni, o cabeleireiro, assentiu torcendo mais uma mecha de cabelo
para prendê-lo.
A máscara estava no meu alcance de visão. Estava ainda mais
bonita do que quando provei, pois mais pontos de luz em pedrarias foram
adicionados, e quando Beni a colocou em mim, não conseguia me
reconhecer no meu próprio reflexo, pois como Stella garantiu, eu só
enxergava poder.
Não sei por quanto tempo me admirei diante dele, só desviei meu
olhar quando Holly passou por mim com o vestido. Já estava na hora de me
vestir.
— Disse a ele que vai estar de prata? — Perguntou enquanto me
ajudava a se livrar do roupão. Eu não usaria sutiã essa noite, pois o vestido
não permite, apenas uma calcinha de renda fina era considerada como
lingerie, e o toque da minha pele estava tão suave, que a minha vontade era
eu mesma me sentir.
— Sim. Ele pediu para avisar quando chegar — respondi.
Holly estava mais ansiosa do que eu depois que contei sobre meu
quase encontro com Joe, e me permitiu dizer somente para ele a cor do
vestido que eu usaria.
— Anya, você vai dar tanto hoje que eu quero vê-la chegar em casa
descabaçada!
— Holly! — A repreendi por tanto.
— Cuidado com a bunda.
— Holly! — Protestei exasperada.
— Não nesse sentido, eu vou subir o zíper. Se não parar quieta vai
beliscar. — Explicou rindo, para então puxar o zíper até o limite da minha
lombar. — Prontinho.
Ela se afastou para admirar, no mesmo momento que Stella voltou
para dentro do camarim improvisado.
— Holly o que vou dizer é com muita franqueza. — Começou
circundando-me para analisar o vestido. — Nem eu faria uma obra de arte
tão linda!
Os olhos da minha amiga se encheram de lágrimas, e um sorriso
amplo nasceu.
— Obrigado, Stella. Sabe que isso é um sonho se realizando e eu
serei eternamente grata pela oportunidade.
— Seremos uma dupla e tanto garota, Muito em breve, seu nome
estará no topo da lista de desejos, a começar por esse vestido. — Eu
também estava emocionada, era o sonho da pessoa que mais me ajudou na
vida. — Anya, seu carro já está aí fora. Lembre-se, vai ter um fotógrafo na
entrada do hotel exclusivamente para mim, então não economize nos
ângulos.
— Pode deixar.
Desço do palanque de prova. Os últimos instantes naquele ateliê
foram de instruções e lembretes que eu de forma alguma poderia esquecer,
como tirar a máscara. A parte mais importante dessa jogada de marketing
de Stella, é que minha identidade permanecesse oculta. Holly me desejou
boa sorte e uma ótima noite pós festa, garantindo que ela também teria uma,
em uma balada no centro da cidade.
Não muito tempo depois eu já estava a caminho do hotel onde
aconteceria o evento. Meu nervosismo não era evidente, mas eu o sentia
dentro de mim. Talvez, se eu tivesse vindo apenas como Anya, não estaria
me sentindo assim.
Sustentando essa mulher misteriosa que Stella quis apresentar, eu
me via em uma posição de atuar uma personagem. Uma mulher a altura
desse vestido. E foi uma escolha minha concordar com essa postura, no
momento em que o motorista estacionou de frente para o hotel.
Uma nuvem de fotógrafos apontou suas câmeras para mim. Meus
passos foram minimamente pensados e entre uma parada e outra, meu nome
era perguntado. Uma segurança me guiou até a entrada principal com a
fachada temporária da Archer, onde apenas fotógrafos credenciados podiam
estar. Dentre eles, avistei a identificação do ateliê e como ela pediu, não
economizei nos ângulos.
A pergunta que mais me fizeram foi o que eu estava vestindo, e
com orgulho anunciei a alta costura da nova estilista da Stella Valêncio.
Como uma convidada qualquer, continuei meu caminho sendo
guiada pela mesma segurança até a entrada do evento no salão de festas, e
quando cheguei, atenta aos olhares sobre mim nos corredores em que
andava, saquei rapidamente meu celular e avisei ao Joe que estava
entrando.
Não esperei pela sua resposta, pois de fundo já ouvia uma música
ambiente e os cenários ficando cada vez mais escuros. Todos, com exceção
aos seguranças, estavam de máscaras. As vestimentas variavam em uma
tabela entre o cinza e o preto, dominados por brilho e pedrarias nas
mulheres.
Prata é uma composição variável das duas cores, enquanto o cinza
recebe o branco e o preto é a ausência de luz, a prata reluz a composição
exata entre um e outro, antes da completa fusão, formando assim sua
cintilação. E sim, eu me gabava por saber disso, sendo até agora, a única
que escolhera essa cor.
Deve ser por isso que Stella o considerou perfeito.
Antes de atravessar o último ambiente que escondia o som
envolvente, na voz de The Weeknd, suspirei e arrumei minha postura. Um
rapaz estendeu sua mão para mim quando meus pés alcançaram a nuvem de
fumaça artificial que pairava na superfície do chão, um gesto simplório e
cavalheiro até o primeiro degrau da escadaria que eu teria de descer.
Agradeci em um manear de cabeça e desci prevendo cada passo
visualmente.
Ergui meu olhar quase no fim dos degraus, onde encontrei dezenas
deles sobre mim. Foi difícil fingir que eles não me afetavam, mas o fato de
não saber quem estava me olhando era reconfortante, para mim, eles
também eram desconhecidos, tudo o que eu via eram máscaras direcionadas
na minha direção, enquanto a cada passo eu adentrava mais a multidão,
conhecendo o ambiente.
A decoração foi completamente alterada. Capturei o conceito
fúnebre, pois tudo remetia a uma obscuridade intrigante, sem muitos
preceitos tecnológicos como eu me lembro de ter sido no último evento da
Archer, por fotos é claro. Nada de futurista ou ostensivo, senão pelas
pessoas que exibiam alta costura e joias em máscaras.
Passou por mim um garçom, oferecendo-me uma taça de
champanhe e eu aceitei, continuando sem deixar de admirar a quantidade de
flores brancas em todos os ambientes por onde passava, abrindo caminho
nos grupos de pessoas que entre si conversavam. Tentava em vão procurar
Joe, e penso que já posso até ter passado por ele, e não o ter reconhecido.
Uma loira de preto e máscara de renda surgiu no meu campo de
visão. Drizella era facilmente reconhecida, e cumprimentava quem passava
por ela como se fosse anfitriã da festa. Era evidente que ela procurava por
alguém, e vendo que estava vindo diretamente na minha direção, não
desviei meu caminho.
Ao mesmo tempo, uma onda de nervosismo embrulhou meu
estômago, encolhi os ombros involuntariamente.
Isso aqui não é pra gentinha como você…
Era sua voz na minha cabeça tentando me diminuir, mas um sorriso
surgiu em seus lábios fitando-me de cima a baixo, mesmo que eu estivesse
barrando seu caminho, então percebi que ela não me reconheceu e o mesmo
sorriso surgiu em mim. Drizella não parou, e ao contrário do que pensei, ela
mesmo desviou.
— Finalmente! — Disse passando por mim.
Meus olhos a seguiram e olhando por cima dos meus ombros,
encontrei a figura de um homem caminhando em passos elegantes.
Um arrepio subiu pela minha espinha quando seus olhos
encontraram os meus.
Não sei se por delírio ou sorte, mas mais fumaça artificial chegou
até nós, enquanto o homem andava na minha direção. Sem hesitar. Seu
olhar fixo. Os ombros largos e a postura intimidante arrancando todo o ar
do meu pulmão, enquanto meu peito subia lentamente, meus pés pareciam
presos ao chão.
Parecia um anjo da morte vindo ao meu encontro, poderoso e
imponente.
Não precisou mais do que alguns segundos para que eu
reconhecesse o maxilar marcante e a boca em uma linha dura.
Cohen!
Drizella o alcançou no meio do caminho, deixando-me em dúvida
se ele realmente estava olhando para mim. Ela entrou no meu campo de
visão, seu cabelo escondendo o rosto dele, quando tudo o que vi foram suas
mãos a segurando pelo braço, como se a quisesse desviá-la do seu caminho
sem parecer rude, foi quando obriguei meus pés obedecer a meus
comandos, e me levar para o lado oposto ao dele.
Ninguém me reconheceu. Talvez pelo fato de eu não passar de uma
ratinha invisível perambulando poucas vezes pelo edifício. Na maior parte
do tempo eu estava na sombra de Cohen, sendo nada mais que sua agenda
viva, sendo assim, ele é o único nessa noite que pode me reconhecer,
mesmo estando tão diferente.
Olhando uma única vez para trás, encontrei novamente seus olhos,
enquanto Drizella tentava chamar sua atenção.
Depois que me vi longe, e mais misturada aos convidados, comecei
a vagar pelo salão a procura do Joe. Me distraia com uma exposição ou
outra nos corredores adjacentes, todas contando um pouco da trajetória da
Archer. Quadros, fotos, os primeiros negócios, a manchete do ano em que o
pai do Cohen se aposentou, deixando tudo aos cuidados dele.
Na foto ele estava alguns anos mais novo, e eu quase sorri com a
constatação de que o maldito sempre foi incrivelmente bonito, os olhos, no
entanto, eram os mesmos azul-opaco sem vida, carregado demais para
alguém tão jovem, profundo o bastante para me fazer fixar naquela foto por
um tempo.
Eu ainda morava em Minnesota quando ela foi publicada.
Lembro do meu pai falando sobre suas expectativas pessoais.
Naquela época, nenhum de nós tinha a menor esperança de um dia eu virar
secretária pessoal do Cohen. E ao contrário das previsões pessimistas, ele
ergueu um império em cima do que foi deixado pelo seu pai.
— Eu gosto de exibir essas manchetes. — Me assusto com a voz
grave perto de mim.
Olhando para o lado encontrei ninguém menos que Cohen,
admirando seu perfil debaixo da máscara preta enquanto ele fitava a mesma
matéria que eu. Seu maxilar marcado estava bem delineado, e uma covinha
era evidente próximo a sua boca.
O smoking completamente preto, sem nenhuma nuance, mas
perfeitamente ajustado em seu corpo, que as vezes eu me pegava pensando,
quando é que ele tira tempo para cuidar dele? Cohen claramente mantém
uma rotina de exercícios em dia. Ninguém menos disciplinado conseguiria
manter um arsenal como o dele.
Eu não sabia o que dizer, tampouco se deveria dizer alguma coisa.
Afinal, ele foi contra tudo o que esperavam. Os resultados expostos
eram como troféus e uma risada de triunfo, uma provocação para quem um
dia o subestimou.
Da mesma forma que ele fez comigo.
Estou aqui, não estou? Como mais um troféu em seu corredor de
conquistas.
Aproveitando que ele estava no seu momento de admirar a breve
exposição no corredor, eu me direcionei para a próxima matéria do outro
lado, contando sobre o sucesso na administração e expansão.
Então me dei conta de que nada do que era relatado ali eu já não
sabia.
Uma foto da capa da Forbes, seu primeiro de muitos
reconhecimentos, ao lado de centenas de matérias com tema em tecnologia
e desenvolvimento, como a parceria da Archer com os maiores
desenvolvedores.
Exceto, por uma mulher que aparecia em algumas fotos, muitas
delas na verdade, como se fosse uma funcionária que estava sendo
exaltada.
— Prata é uma escolha interessante para um evento cinza e preto.
— Suspirei ouvindo-o novamente, não vislumbrei sua sombra pela visão
panorâmica, apenas sentia sua presença atrás de mim, enquanto eu
admirava o semblante familiar da mulher que aparecia nas fotos.
Alguém, certamente, que já passou por aqui e merecia tamanho
reconhecimento.
— Interessante ou inteligente? — Questionei curiosa.
— Inteligente é um termo bem específico. — Deixou no ar.
— Tem razão, eu não sei nada sobre calorimetria, exceto que o
prata é uma variável entre as duas cores, e eu decorei isso.
Senti que ele sorriu.
— Interessante — murmurou, e eu deixei um sorriso nascer em
mim. — Não vai descobrir muita coisa olhando essas matérias. São
meramente exibicionistas. — Como se eu já não soubesse quem ele é.
Então ponderei sobre a possibilidade de ele não saber quem eu sou,
e de certa forma me incomodei, pois no mesmo lugar, o reconheceria até de
olhos vendados.
Talvez eu esteja muito, mas muito diferente. Ou talvez Cohen não
me conheça tanto assim.
— Eu já sei o suficiente. — Respondi apenas.
Quando ia sair, o toque na minha pele desnuda das costas causou
um calafrio quase paralisador.
Um arrepio violento subiu pela minha coluna lentamente, ouriçando
minha nuca, fazendo até eu me esquecer quem sou.
Com a ponta dos dedos, ele cuidou para quem passava atrás de mim
não me tocasse, como se previsse que iriam esbarrar quando passavam por
aquele corredor admirando as imagens.
Uma linha intensa de calafrio gelou meu ventre, e meus olhos se
encontraram com os dele, lento e demoradamente, enquanto sua mão ainda
permanecia apoiada na base das minhas costas.
O toque me desarmou por inteira. Eu o sentia. Sentia o calor
invadindo e percorrendo minha pele como uma eletricidade abrasiva. Meus
olhos nunca estiveram tão fixos nos dele.
Tive que reforçar a lembrança de quem eu era, e de quem nós
somos fora daqui. Cohen jamais me tocaria dessa forma, não com esse olhar
tão incisivo, então acredito que mais um minuto perto dele seria um risco de
descobrir, e consequentemente meu emprego já era, pois, a linha de
profissionalismo foi mais do que invadida, ela foi quebrada e erotizada,
porque aquelas pessoas já tinham passado e seus dedos continuam no
mesmo lugar.
Pigarreei dando um passo para o lado, ainda sentindo o local que
sua mão tocou quente.
— Essas coisas são só o que os outros dizem de mim. — Sua voz
ressoou como antes.
Dei ombros desdenhando. Não sei como encontrei forças para dizer
isso, mas disse.
— Eu me contento.
— Mas eu não — disse firme, atraindo meu olhar para o dele. —
Na verdade, me incomoda o fato de não saber muito sobre a mulher que
desceu aquelas escadas enlouquecendo cada maldito.
Conheci em primeira mão, a sensação de me sentir tão aliviada e
frustrada ao mesmo tempo, como se isso fosse realmente possível.
— Também me incomoda não saber nada sobre a mulher nas fotos.
Acho que isso se chama ego ferido, porque eu jurava que sabia tudo.
Ele fitou as imagens em um gesto único, incapaz de transparecer
qualquer emoção.
— Pensei que soubesse o suficiente.
— Também pensei que prata era uma escolha interessante, mas
estou começando a achar que estou atraindo muita atenção. Isso piora se eu
ficar ao lado do anfitrião da noite, com licença.
Cohen não é o tipo de homem que leva um fora, tampouco um
homem que aguenta ser alfinetado e não fazer nada, portanto me apressei
em procurar pelo Joe.
Concentrei minhas energias em somente andar sempre ao lado
oposto ao dele, quando por um descuido me esbarrei com um rapaz.
— Desculpe. — Pedi educadamente. Vi sua expressão endurecida
relaxar gradativamente ao me fitar mais apurado.
— Não foi nada. — Sua postura mudou, seu peito largo estufou e
um sorriso discreto surgiu. Uma máscara cinza me impedia de ver melhor
seu rosto, mas sua beleza era indiscutível, pois somente a imensidão escura
dos seus olhos me prenderam ali. — Na verdade, eu acho que fui atingido
em cheio.
Ironizou com um sorriso galanteador.
— Eu sinto muito.
— E eu sinto que já nos conhecemos. — Disse ele, virando
finalmente todo seu corpo para mim.
— Eu sinto isso de todos por quem já passei, mas descobri que não
tenho uma memória fotográfica tão boa assim.
— Posso ajudá-la com isso. Aqui vai uma dica: Você certamente
sabe quem sou. — A voz é realmente familiar, lembro vagamente de já ter
esses mesmos olhos sobre mim, mas a máscara me confunde.
— Esse é um jogo que hoje não posso participar.
— Ah vamos, vai ser interessante ser tratado como um qualquer.
— Qualquer? — inquiri rindo. — Desculpe, mas mesmo com o uso
das máscaras eu consigo distinguir convidados de funcionários.
A diferença estava na postura, modo de conversar e agir, de comer e
até nas vestimentas. O trio que dançava na pista de dança próximo a nós
nem precisava dizer, Hannah, Andrea e Ruby.
E era para elas que ele olhava quando nos esbarramos.
— Se for assim, você só pode ser alguma acionista ou socialite. —
Foi inevitável não rir. — Por que está rindo? Não me diga que você é
mesmo a mulher mais importante da noite?!
— Porque hoje me disseram que eu poderia ser quem eu quiser.
— Maravilha, eu não sou ninguém para você, e você está na minha
falha memória distante, sendo assim, aceita dançar com um desconhecido?
— Estou procurando uma pessoa — respondo.
— E quem garante que essa pessoa não seja eu?
— Quem eu procuro é loiro e tem os olhos claros como o dia, seu
completo oposto. — Outro sorriso nasceu no canto dos seus lábios.
Tive a mais plena certeza de que eu já o tinha visto antes.
— Gostei da minha definição, mas senti ciúmes da descrição do
outro. E já que não temos nada em comum, eu me declaro seu oponente
mais perigoso.
É porque ele não conhece o Cohen.
Meu celular vibrou.
“Se eu não a encontrar em alguns minutos,
vou anunciar seu nome no palco como uma
criança perdida.”

Ri sozinha dando ao Joe a vantagem de ser engraçado mesmo


quando não queria.
— É ele.
— Aposto que é. — Encarei aquele sorriso fino procurando em
todos os lugares da minha mente.
— Eu preciso ir, mas prometo continuar tentando lembrar — falei,
enquanto me afastava dele. O homem colocou as mãos no bolso,
endireitando a postura.
— Se lembrar, vai saber onde me encontrar. — Assenti em um
último sorriso, sentindo o olhar dele me seguir.

Minutos se passaram depois que deixei a figura do homem familiar


para trás, quando me deparei com a cena de quatro adolescentes
conversando em língua de sinais. Um grupo pequeno no canto do salão ao
lado de um palco e um gigantesco telão. Foi inevitável não me lembrar de
Tomas.
Me vi ali, presa naquela cena reconhecendo suas conversas em
gestos íntimos do grupo alheio a tudo e a todos. Eles estavam comentando
sobre a frequência do som, e as diferentes ondas sentidas por cada um.
Foi então que as luzes de todo ambiente baixaram, colocando o
palco em evidência e seu gigantesco telão, onde segundos depois o nome
Cohen Archer foi anunciado.
Meu celular vibrou na bolsa de mão, e não precisei abrir a
mensagem para ler na barra de notificação, Joe, perguntando onde eu
estava.

“Perto do palco.”
Respondi. E aguardando pela sua resposta foi que as luzes de todo
salão se apagaram de vez, e uma frequência sonora vibrou dentro de mim.
Uma onda proposital, emocionante, sentida e entorpecente.
Um misto de sensações com a pouca visão e somente aquela
frequência vibrando no peito, uma voz ecoou, seguido de uma presença no
palco com luz limitada a sua silhueta masculina.
— Para alguns, isso é tudo! — Reconheci a voz de Cohen, calando
todos os comentários e atraindo a atenção para o palco, onde a luz sobre ele
se intensificava. — Isso que vocês estão sentindo é somente a frequência
sonora de uma música que tocou há pouco. Falar de tecnologia e
desenvolvimento é arcaico, quando tanto poder em nossas mãos não é
acessível para todos. Nos limitamos quando o que conhecemos por
desenvolvimento, não opera com igualdade e acessibilidade.
Me arrepiei dos pés à cabeça, e aos poucos o som foi voltando.
Entendi que ele havia começado seu discurso de lançamento.
— Vocês devem estar achando tudo bem diferente do que a Archer
já proporcionou em lançamentos anteriores. Luxo, avanços..., mas, o evento
da Archer esse ano não é um lançamento, mas sim o fim de uma era arcaica
e banalizada. É o nascimento de uma era acessível a todos.
O telão atrás dele se acendeu como em um clarão, surpreendendo
todos os convidados com o novo logotipo da Archer. Um teaser com mais
frequências sonoras do que sons, ondulações futuristas formando pontos em
Braille no cinza espacial e as novas funções sendo reveladas ao público,
com um guia de libras e saliências de acessibilidade, que se uniram
formando diversos aparelhos. Celulares, Notebooks, Tabletes... todos se
unindo em um único buraco negro, atravessando a luz como uma explosão,
simbolizando o nascimento de tudo, tal como a nova corporação Archer, e
seus sistemas de acessibilidade que se conectavam a praticamente tudo.
Esse sistema de integração, assim como os outros que a Archer
desenvolvia seria vendido a grandes empresas que associadas a ela,
iniciavam uma nova era para usuários com algum tipo de portabilidade,
visual e auditiva.
Os aplausos eram incessantes a cada fala, até que um dos
representantes dessas empresas que já adquiriram esse sistema e plano
operacional, anunciaram seu preço final.
Eu estava impressionada até o momento, mas isso se desfez quando
tocaram em meu ponto mais sensível.
Os sensores auditivos que essa empresa produzia para trabalhar
junto com o sistema de inteligência da Archer, tinham números exorbitantes
no telão e, em meio ao silêncio atencioso para ouvir o homem ao lado de
Cohen, eu ecoei minha indignação em um murmuro irônico.
Quando notei que minha voz interrompeu a fala do homem, e que
nesse momento todas as cabeças se empertigaram para procurar o protesto
involuntário — Em minha defesa, sincero e incontrolável —, foi que os
olhos de Cohen caíram sobre mim, e seguindo seu olhar intrigado, todos os
convidados torceram seu pescoço e atenção para onde eu estava.
— Desculpe, senhorita? — Disse o homem sem reação.
Senhorita...
Eu não era Anya, eu não era a secretária do Cohen.
Eu era, debaixo de uma máscara e alta costura, uma convidada com
voz ativa e opinião respeitada, e que seria ouvida.
Sem temer ou hesitar, caminhei em passos lentos, surgindo na parte
iluminada como uma protestante enviada, causando cada vez mais um
silêncio ensurdecedor e atraindo toda a atenção.
— Desculpe, Sr. Archer. — Falei diretamente com ele. — Mas você
acha mesmo que esses números são acessíveis?
Cohen tirou a máscara, e em completo estado de ultraje e
indignação, aquele vinco no meio das sobrancelhas se fizeram presentes,
desafiando-me a seguir com meu protesto.
Eu não seguiria adiante, se não estivesse protegida pela evidência
do seu desconhecimento acerca da minha identidade.
O que eu vi ao meu redor, foram apenas milhares de olhares de
desentendimento.
Nada, aqueles números não representavam nada para essas pessoas.
Foi então que dei mais um passo para frente.
— Falar de acessibilidade, é falar de uma minoria injustiçada pela
infeliz falta de interesse que as grandes marcas têm de introduzi-los numa
sociedade com proporções, não iguais, mas minimamente semelhantes,
pois, para oferecer o que nós temos a eles, é preciso entender que avanços
particulares precisam ser implantados. Cada deficiência necessita de um
estudo próprio e soluções práticas para o mesmo direito.
— E não é exatamente o que eu estou fazendo? — Inquiriu Cohen,
aproximando-se em passos lentos de onde eu estava.
Uma luz reluzia sobre meu corpo, dando-me ainda mais
importância. A essa altura, dezenas de fotógrafos apontam suas câmeras
para mim, como se aquilo fosse realmente uma represália.
Ri com nervosismo do julgamento estampado no rosto de tantas
pessoas, ignorantes diante da desigualdade.
— Acessibilidade deveria ser um direito de todos, Sr. Archer. Olhe
para esses números, acha mesmo que isso é acessível? Pode até ser para
alguns, mas uma minoria, dentro de uma parcela já pequena de pessoas.
Isso... — Apontei para o telão. — É afunilar ainda mais a desigualdade
entre elas. É dizer para uma criança que está há anos na fila de um aparelho
auditivo que custa milhares de dólares, que ela precisa escolher entre ter a
chance de ouvir novamente, ou esperar mais alguns anos se quiser um
aparelho que promete conectar ela a nossa tecnologia. Facilitar a vida
dessas pessoas deveria ser um dever, com o que já é possível, não fazer
disso mais um produto. Do que adianta ter tecnologia inclusiva, se ela é
acessível apenas pela minoria? Volte atrás nos seus conceitos, desenterre a
Archer e lance isso como um produto, visando lucrar e não incluir. É
melhor do que vender uma nova era. Afinal, o que tem de novo ao
escancarar que somente quem tem poder pode usufruir de certas regalias?
Um murmuro uníssono foi manifestado, e o que não poderia ficar
pior, ficou, pois as palmas se generalizaram até se misturarem com os
murmúrios de indignação.
Classes divididas de pessoas que por causa dele estavam
misturados.
Detendo seu olhar em brasa e chamas sobre mim, Cohen entregou o
microfone para o homem ao seu lado e pediu para que continuasse de onde
parou.
Acreditei que aquilo era somente um ato de superioridade,
ignorando minha manifestação, até vê-lo descer pelo outro lado do palco.
Meu coração disparou.
As pessoas ainda me olhavam quando retenho alguns passos.
Aproveitando a vantagem que eu tinha estando do outro lado do
salão, me esgueirei pelas pessoas, ignorando os comentários e olhares na
minha direção, fugindo descaradamente pela segunda vez de Cohen. Olhei
para trás uma ou duas vezes, respirando aliviada por não o ver atrás de
mim, e tomei alguns corredores para longe.
Não pude me controlar, foi mais forte do que eu. Vendo aquele
valor no telão eu só consegui pensar no meu irmão que jamais poderia ter
um se dependesse das nossas condições, e ele não precisava se sentir ainda
mais inferior por isso.
Sua condição não deve ser um instrumento para gananciosos que se
dizem visionários. Vender inclusão não deveria ser um bônus.
Incluir é integrar, unir, facilitar.
Meu pequeno Tom merece o mundo, e me corrói saber que o
mundo custa caro demais para ambiciosos como Cohen encarecer ainda
mais, em nome de uma nova era a qual pessoas como minha família e
especialmente Tom, não podem ter acesso.
Meu celular vibrou na minha mão e, ansiosa, procurando pela saída
mais próxima, foi que lembrei do Joe e somente por isso parei em um canto,
abrindo sua mensagem atrás de um corredor de incontáveis pilastras que
davam no saguão da escadaria para saída.

“Onde você está? O que foi aquilo???”

Ele me viu! Joe sabia que eu estava ali, me reconheceu muito


provavelmente pelo fato de eu ter descrito a cor do vestido que eu estava
usando naquela noite, e deve estar espantado com o modo com que
confrontei Cohen.

“Perdi o controle, estou indo embora.”

“Não!” Chegou imediatamente.

“Me diga onde você está!”

Encarando aquela mensagem, decidi que não acabaria com minha


noite por causa de Cohen, eu tinha uma promessa para cumprir, e ainda
estava sob efeito da adrenalina quando especifiquei a ele para onde eu
estava indo, Joe garantiu que me encontraria, mas mais rápido do que meus
dedos foram de responder, enquanto eu saia de trás da pilastra, surge uma
muralha humana diante de mim.
Dei de cara com Cohen.
Senti minha alma congelar bem ali.
Em um segundo, eu estava tentando passar por ele, no outro,
minhas costas se chocaram com a parede gelada daquela mesma pilastra, e
então encontrei seus olhos na baixa luz, colocando-se em minha frente.
— Não tenho problema em ouvir opiniões, mas me expor ao
ridículo para ganhar manchetes pela manhã, não vai pagar esse vestido! —
Sua voz rouca arranhou meus sentidos.
Meu coração tamborilava contra as costelas e então eu soube pelo
seu maxilar trincado que minha vida já era.
Todos os meus sonhos foram reduzidos a pó, quando me dei conta
de que estávamos frente a frente, sozinhos, no canto onde nem a fumaça
artificial que formava uma neblina no salão chegava.
Nossa diferença corporal nunca esteve tão evidente.
Lutei contra a vontade de me encolher, estufando o peito em uma
tentativa de não demonstrar medo. Uma tentativa inútil já que minha
própria respiração me entregava. Intensa e descompassada.
— Me solta! — Grunhi olhando em seus olhos.
— Só depois que disser que sabe o suficiente sobre mim de novo,
porque eu espero que você saiba mesmo o grande erro que cometeu essa
noite.
— E eu espero que depois disso você fique no seu lugar de fala.
Senti quando seu corpo tencionou com raiva, e o meu se encostou
por completo contra a parede, para onde ele se inclinou.
— Não vai querer saber o que deve esperar de mim a partir de
agora. — O canto de seus lábios se repuxou.
Se eu não o conhecesse tanto, até poderia chamar isso de sorriso,
mas este era seu gesto mais ardiloso. Uma ameaça velada. A garantia do
que ele faria com minha vida.
Eu já não conseguia esconder o medo, sentia minha boca
semiaberta, o ar entrava trepidante por ela.
Seu corpo era como uma muralha na minha frente, e ele não parecia
aplicar muito esforço para me manter assim.
Os olhos cinzentos opacos, mas cheios de raiva, se prenderam aos
meus por muito tempo. Os meus batiam na altura de seu queixo com o
salto, ainda assim não ousei desviá-los. Sustentei o nevoeiro que cobria
suas vistas e podia jurar que ele pensava em mil e uma maneiras de acabar
com minha vida.
— Me avisaram que isso aconteceria, mas você… logo você. —
disse com uma certa incredulidade. E todo aquele ódio era por mim. Eu
estava muito, muito fodida, e não conseguia esconder o quanto seu tom de
voz rouco e potente me aterrorizava. — Quem mandou você aqui?
Estreitei meus olhos com confusão.
Como assim quem me enviou?
— Está achando que eu te interrompi porque alguém mandou? Eu
tenho opinião própria, sabia? — E era muito bom poder dizer isso quando
na maior parte do tempo, eu as guardo pra mim.
— Decorou isso também?
Tentei me mover com raiva, e nesse gesto Cohen usou o próprio
corpo contra mim, chegando ainda mais perto.
Um arrepio violento eriçou os pelos da nuca, subindo pela minha
espinha. Meu ventre se contorceu e uma parte de mim estremeceu quando
senti sua respiração forte.
Uma tensão excitante surgiu quando percebi seus olhos descendo
pelo meu pescoço, traçando uma linha lenta, sendo atraído para o meu colo
com minha respiração intensa, movida pelo medo, sobretudo, pelo corpo
quente e duro prensando-me contra a parede fria.
— Eu vi você chegando — Falou perto de mim, subindo o olhar
novamente. Me arrepiei com sua voz agora mais baixa. De repente passei a
sentir meus seios pesarem com seu tórax também os pressionando, fazendo
meu colo ganhar uma saliência ainda maior. Eu estava sem sutiã. Isso foi
lembrado quando senti o calor do seu corpo neles. — Vi você descendo as
escadas e eu vi, todos aqueles malditos olhares sobre você. Muitos
desejariam tirar esse vestido do seu corpo hoje, e eu me incluo nisso.
Para meu completo estado de alerta, o polegar dele tocou meu lábio
inferior. Não era mais somente o medo que me dominava, havia algo tão
denso entre nós, que o ar parecia cada vez mais pesado.
Seus olhos ardiam. Tentei dizer para mim mesma que não era
desejo.
Não podia ser.
— Nem que você fosse o único.
Cohen semicerrou os olhos.
— Para quem diz que sabe o suficiente, deveria saber que sou bem
conhecido por conseguir o que quero.
Cohen não me queria, queria acabar com minha vida, isso sim.
— Você faz questão de exibir esse tipo de matéria também?
— O que mais andou lendo sobre mim?
— Parei quando começaram a dizer que você era inteligente.
— Eu disse que inteligência era um termo muito específico. Prefiro
estratégico e pragmático. Hoje, por exemplo, soube que alguém seria
enviado para sabotar o evento, foi pura estratégia não impedir, e eu
aguardei ansiosamente que fizessem logo, para poder ir atrás de você. Sabe,
eu tinha planos para essa noite, mas você acaba de tornar tudo mais
interessante, e para ser sincero, estou gostando desse jogo.
— Não sei do que está falando.
— Você nega ter sido enviada por alguém? — Senti meu corpo
paralisando. A sensação no meu ventre se contorceu em nervosismo.
Neguei, porque era justamente o motivo de estar vestindo esse vestido hoje.
— Teve muita coragem...
Cohen ergueu o queixo altivo, como se já não me olhasse de cima.
Evitei me encolher, e para minha sorte ou não, o desenho de sua boca
também atraiu minha atenção por um segundo.
— Eu quero nomes!
— Esqueça. — Respondi no mesmo segundo, fixando meu olhar de
volta ao dele.
— De todos os envolvidos.
— Descubra sozinho!
— Tenho você.
— E eu não vou dizer! — Falo firme. O medo era de que tudo isso
prejudicasse Stella, mas principalmente, Holly.
Seus lábios se curvaram com impaciência. Cohen apoiou uma mão
na parede, por cima do meu ombro, bem ao lado da minha cabeça.
— Ah, você vai. — Sua voz continha um timbre malicioso.
Não sei como, nem o que exatamente, mas Cohen pareceu travar
uma batalha consigo mesmo, oscilando por um momento, a expressão dura
vacilando.
Aquele mesmo desejo ressurgindo como se controlasse seus
anseios.
Desejo...
Quase tão forte que mesmo que eu continuasse negando, estaria
mentindo.
Somente o olhar me queimava por dentro.
— Pode começar pelo meu se quiser. — Sugeriu finalmente, se
inclinando aos poucos.
Eu nunca senti nada parecido antes.
A excitação brilhando em sua íris me tirou de órbita um pouco.
Simplesmente paralisei com o som da sua voz tão excitante.
— O que está fazendo? — Tentei recuar, mas só seria possível se eu
atravessasse paredes.
— Não sei... é o jeito que você está me olhando. — Eu
malditamente esperei aquele olhar me consumir gradativamente. Tão forte e
intenso. — Está me enlouquecendo!
Foi o que bastou para eu fechar os olhos com a sensação da sua voz
passeando pelo meu corpo inteiro.
— Não pode... — Ele grunhiu roucamente.
Arqueei por instinto quando senti a ponta do seu nariz roçando a
linha do meu maxilar, descendo tortuosamente para o meu pescoço.
Subitamente toquei seus ombros, mas no mesmo momento Cohen
fechou os dedos em meus pulsos e os segurou contra parede, prevendo que
eu ainda tentaria impedir.
— Não posso? — Desafiou com ultraje.
Então veio o primeiro toque dos seus lábios na minha pele. Meu
ventre contraiu, em seguida o primeiro beijo, foi de longe o toque mais
íntimo que tenho em muito tempo, mas sem dúvida o mais insano.
Seu peito afastou-se do meu, e logo meus seios pesavam mais do
que antes.
— Posso sim, e vou! Prometo que serei eu quem vou tirar esse
vestido de você hoje. E prometo, que você vai estar gemendo meu nome
enquanto isso.
Maldita voz, maldito olhar, maldito seja meu corpo em chamas,
implorando, esperando e ansiando por essa sensação, por mais e ao mesmo
tempo, pelo fim que resultava na sua promessa se cumprindo.
Eu não aguentaria por muito mais tempo, em breve estaria pedindo
para que ele me dominasse bem aqui, sem me importar com mais nada. Mas
algo dentro de mim gritava para que eu não deixasse acontecer. Ele se
afastou apenas para observar meus lábios, e parou, esperando para ver
minha reação com o que viria a seguir.
Sua mão grande e quente deixou meu pulso, e circundou minha
cintura, trazendo meu quadril para si.
— Cohen! — Resmunguei, estufando meu peito como se eles
pudessem se tocar sozinhos. Meu íntimo quente pulsou com a sensação
rasgadora que foi senti-lo, enquanto com a outra mão entrelaçou seus dedos
nos meus. — Por favor.
Estava latejando. Estava queimando de tão insuportável, eu
precisava muito senti-lo.
— Peça e eu te dou! — Rosnou próximo a minha boca. — Se
quiser ir, pode ir, mas saiba que eu vou atrás de você. Eu vou te caçar, e vou
fazer questão que você me conheça.
Seus lábios roçaram os meus enquanto ele falava, e só isso me fez
ignorar qualquer palavra, qualquer sentimento parecido com o medo,
mesmo que agora ele estivesse se preparando para se afastar
definitivamente, mas eu o segurei.
Eu malditamente o segurei, e nesse gesto Cohen entendeu qual era
minha escolha.
Dane-se, dane-se tudo! Quem eu sou, quem ele é, o que nós somos
e o que nunca poderemos ser
Em um ato impensado, movido pela luxúria, Cohen procurou meus
lábios com os seus, me tomando em um beijo.
E eu retribui.
Deixei que invadisse e explorasse cada centímetro grunhindo com
satisfação, como se fosse a única coisa que queria ter feito desde que
cheguei.
Minha mão livre caiu sobre os ombros dele, então senti a sua em
minha coxa. Não resisti ao toque firme erguendo-me aos poucos e
deliberadamente me movi. Foi quando arranquei pela primeira vez um
gemido grosso de Cohen, me levando ao ápice da loucura, pois passei a
sentir seu membro duro tocar em mim
— Merda! — rosnou ruidosamente.
Meu corpo foi erguido e sustentado pelo seu quadril pressionando
tudo o que tinha em mim.
Sua voz no meu ouvido pareceu ser o estopim. Um incentivo
inebriante de prazer. Me movi, atiçando sua virilidade, arranhando sua
nuca, causando nele um desespero visível, apertando-me cada vez mais,
trazendo-me ainda mais para si, como se isso fosse possível.
Gemi alucinada com seu sabor. Amoleci cada vez mais, me
entreguei lançando cada ínfimo pensamento para longe. Seus dedos
cravavam na pele exposta da minha coxa, eu me movia para atiçar sua
virilidade, gostando mais do que deveria, da sensação de tê-lo cada vez
mais duro, respondendo a mim.
Poderia ter sido o fim, minha bandeira branca. Minha vontade era a
de arrancar essa máscara e fazê-lo me possuir.
Eu não estava pensando direito.
Não estava pensando em porra nenhuma!
Precisava sair daqui o mais rápido possível, mas simplesmente não
conseguia. Eu queria mesmo gemer seu nome, queria mesmo que fosse ele
a tirar esse vestido de mim.
Cohen Archer.
Era simplesmente meu chefe, o homem que já invadiu meus sonhos
e me deixou molhada, pulsando em uma madrugada sozinha. Eu estava
completamente molhada agora e a sensação é completamente diferente,
talvez pelo fato de que na noite em questão, eu resolvi com um brinquedo
sexual.
Hoje, aparentemente, eu resolveria com ele mesmo. Isso até ele tirar
a minha máscara e se dar conta do que está fazendo.
— Não. — Interrompi por impulso, por um único suspiro de juízo
que ainda me invadiu.
Ele sorriu mordendo meu lábio inferior. Chupando meu sabor e
cada gota de sanidade, obrigando meu corpo a se mover contra o seu, e era
nesses momentos que ele estremecia um pouco.
— Faz de novo...
Seus dedos conseguiram embolar no meu cabelo, onde ele
aproveitou para puxar levemente, deixando meu pescoço exposto. E eu me
movi, uma parte de mim dizendo não, mas a grande maioria gritava sim.
Cohen lambeu e chupou, e eu não tive como deixar de imaginar
essa mesma sensação em meus seios.
Um calor infernal se concentrou em meu sexo quando me movi
outra vez, e dessa, ele me ajudou, imprensando seu quadril, oferecendo sua
dureza para o meu reles prazer.
Ali eu declarei para mim mesma que não tinha chances. Minha
vontade se tornou quase uma necessidade primitiva e sem pensar em mais
nada eu apenas aceitei o fato de que hoje, eu me entregaria ao Cohen.
Quando por uma infeliz sorte, ouvimos um segurança reverberar
algo que foi impossível ignorar ao passar pelo corredor das pilastras que
nos escondia.
— Eu não entendo o que você quer dizer, só me acompanhe!
Algo em mim, parecido com o sentimento que tive de defender os
direitos do meu pequeno Tom na frente de todos, despertou como um
instinto de proteção, me fazendo parar o beijo.
— Garota, para de gesticular, eu não te entendo! Apenas me
acompanhe para fora daqui! — Disse a voz masculina com ainda mais
imposição.
Imediatamente me desprendi do quadril de Cohen, e empurrei seu
peito para sair dali. Ele não dificultou quando percebeu que eu estava
preocupada com o que estava acontecendo. Soltou um longo suspiro
lidando com a própria ereção antes de me seguir.
Encontrei um dos adolescentes que antes conversava por sinais,
tentando se comunicar com um garçom e um segurança, ela parecia agitada
e com pressa, mas o maldito não a entendia, eu sim.
— Me espera aqui — pedi, tentando me livrar de Cohen, mas ele
apertou minha mão, até perceber que eu estava inquieta e olhando para
aquela situação. Então cedeu.
Andei em passos largos a tempo de entender que a garota precisava
de uma toalete urgente, pois se sentia enjoada e queria vomitar ali mesmo.
—"Por aqui" — Eu disse em sinais, tentando guiar a garota.
— Graças à Deus, senhorita, essa garota é penetra e estou tentando
dizer a ela que precisa sair daqui antes de causar algum problema.
— Tentando dizer? — Inquiri com uma raiva crescente à sua
ignorância.
—"Eu estou passando mal"
Disse a garota desesperada.
— "Vem" — A chamei por voz e gestos.
— Precisamos guiá-la para fora do evento.
— Ela precisa de um banheiro! — Praticamente gritei.
— Deixem ela! — A voz de Cohen rasgou o ambiente. Os dois
funcionários se aquietaram e assentiram saindo de perto.
Toquei o ombro da garota, que realmente estava bem diferente em
questão de vestimenta dos outros convidados e a guiei sem olhar para trás,
procurando por um banheiro, até que ela entrou em uma saída de
emergência.
—"O que está fazendo?" — perguntei parando em sua frente.
—"Não estou passando mal, vi aquele homem te puxando e atrai a
atenção do segurança, agora só não quero me meter em encrenca. Obrigado
pela ajuda, mas só preciso cair fora daqui".
Um sorriso amplo ocupou minha face com sua inocência, se eu
quisesse acreditar em conto de fadas, a hora era agora.
Minha consciência do que estava prestes a acontecer minutos atrás
me açoitou, e eu só poderia agradecer a garota por ter evitado o pior erro de
toda minha vida.
—"Obrigado! Também preciso cair fora daqui, posso te seguir?"
Intrigada, ela olhou para os dois lados daquele corredor vazio, ainda
atrás da porta corta-fogo, para então dar os ombros e tocar meu braço para
segui-la. Subimos uma escadaria interna, até estar de frente para uma
segunda porta, que deu direto na saída do hotel, onde me esgueirei até o
manobrista pedindo para anunciar meu motorista.
—"Precisa de carona?" — Perguntei antes de me despedir da
garota.
—"Não seria ruim". — Respondeu em um sorriso.
— "Entra". — Pedi em desespero. Nós duas pulamos para dentro do
carro e eu finalizei aquele dia, rindo sem acreditar em absolutamente nada
do que fiz.
E sem me dar conta de que tinha perdido algo.
CAPÍTULO 07
Agora nada pode tirar você de mim.
Já tivemos nessa estrada antes, mas isso acabou agora.
Heaven - Julia Michaels

Uma onda de calor eletrizante estava aprisionada em meu ventre. A


garota do meu lado ainda olhava para trás, enquanto o carro se afastava do
hotel.
—"Por que estava fugindo?" — Perguntei, quando ela finalmente
retirou sua máscara de e a deixou pendurada no seu pescoço. O cabelo
cacheado preso no alto da cabeça, e a aparência simples da penetra
evidenciava seu medo por estar onde não deveria.
— "Eu não podia ser pega. Vi o que você fez, fiz leitura labial. Você
acabou com eles. É por isso que está fugindo também?". — Também
perguntou em língua de sinais.
— "Eu também não podia ser pega. Trabalho para ele. Só falei
aquelas coisas porque fiquei com raiva".
—"Você não parece ter muito o que perder".
—"Mas eu tenho! E você apareceu na hora certa".
—"Não posso dizer o mesmo. Invadi a festa para tentar falar com o
Cohen, e talvez teria conseguido se ele não tivesse ido atrás de você depois
do discurso". — Ela sorriu sem graça. Me desculpei em um meio sorriso,
interessada pela coragem da garota.
—"O que você queria com o Cohen?"
—"Fui convidada pela escola, mas cancelaram a participação dos
alunos, quem me ajudou a entrar foi um amigo que o pai trabalha na Archer.
Eu acredito que Cohen nem saiba disso, tinha esperanças em conseguir
participar como convidada, mas como você mesma disse, esse projeto está
longe de ser acessível."
Lembro rapidamente de quando Cohen recebeu uma assistente
social na sua sala, em uma reunião sobre o projeto envolvendo os alunos
das escolas conveniadas.
—"Eu trabalho diretamente para o Cohen, posso fazer você falar
com ele, mas... Em hipótese alguma ele pode saber que sou eu".
—"Moça, eu não sei quem você é". — Disse rindo. Concordei
assentindo e prossegui, verbalizando para o motorista o caminho que ela
tinha me explicado.
Anotei meu número em seu celular e garanti que ela poderia me
mandar mensagem para que eu pudesse ajudá-la como forma de retribuição,
e pela vontade de fazer por ela, o mesmo que eu gostaria de estar fazendo
pelo meu irmão.
Não diria a ela que eu sou tão próxima de Cohen. Se os dois iriam
conversar, tudo o que ele supostamente podia saber, é que a mulher que
fugiu com ela essa noite, foi quem a ajudou.
—"Obrigado pela carona". — Agradeceu quando o carro parou de
frente para um prédio simples, em um bairro afastado da cidade.
—"Não tem de quê". — Ela acenou, correndo para dentro do prédio
como se não pudesse ser vista, então me lembrei que eu sequer perguntei
seu nome.
Pensei na garota o caminho todo de volta para casa. Me peguei
sorrindo pela noite mais insana da minha vida, e só quando adentrei meu
apartamento é que a dura realidade me atingiu.
Eu havia me esquecido do Joe.
Eu havia exposto Cohen, confrontado e contestado seu discurso de
lançamento.
E por último, mas não menos importante, eu me entreguei
deliberadamente a ele. Provei do seu beijo, senti seu sabor e permiti que ele
me tocasse.
Não, eu não tinha cumprido minha promessa de terminar essa noite
nua em uma cama, e agradeci o fato de a Holly não estar em casa para me
perguntar o porquê de ter voltado cedo.
Mas uma coisa eu não podia dizer que não fiz... Ter feito coisas que
a Anya jamais faria.
Ri sozinha levando minha mão a boca, estava incrédula.
As sensações ainda estavam vivas na minha pele. O toque lascivo
de Cohen queimava como se eu ainda os sentisse. O medo por trás de todas
as minhas atitudes impensadas foi esquecido, e reduzidos a nada, sem
importância, já que esta noite, eu não passei de uma desconhecida.
Eu não passei de um símbolo de poder e feminilidade sem temor ao
Cohen Archer, que minutos depois me proporcionava prazer e uma das
sensações mais inesquecíveis em sua forma mais primitiva.
De frente para o espelho do meu quarto, tirei a máscara e meu
cabelo caiu em cascata. Foi como se a magia tivesse acabado.
O vestido caiu sob meus pés, e me olhando no espelho, encontrei
marcas suaves do toque dele em minha pele, nas coxas e bunda. Meus seios
no mesmo momento pesaram.
Tomei um banho demorado, livrando-me dos vestígios de uma noite
memorável. Coloquei um pijama confortável, abracei todos os travesseiros
da minha cama, e busquei ainda com um sorriso no rosto, o meu sono mais
pesado, admirando até o último segundo meus olhos sob o vestido na
cadeira onde eu geralmente estudava.

Acordei em um sobressalto, como se alguém estivesse invadindo


minha casa. A porta foi escancarada de tal forma que causou um estrondo,
antes do meu nome ser gritado.
— Anya! — Vociferou Holly com desespero. Seus pés batiam no
assoalho. — Anya Amstrong!!!
Gritou invadindo meu quarto, ela estava ofegante, segurando um
par de saltos em uma mão e o celular aceso em outra. Seu cabelo preso de
qualquer jeito no alto da cabeça, e o vestido de balada preto em lantejoulas
parecia aberto, como se ela nem tivesse se preocupado em fechá-lo.
— O que foi? — Preocupei-me principalmente quando vi o seu
estado. A maquiagem borrada, o batom sujo em volta da boca. Eu pensei no
pior, e por isso saltei da cama com o coração disparado, mesmo bêbada de
sono, mesmo com minha alma ainda estava na cama.
— Olha isso! — Ordenou apontando com o salto para o celular. —
É você aqui...
Minha visão ainda embaçada, brigou com o brilho do celular, até
reconhecer minha foto, com o título de uma manchete. "Dama de Prata
desbanca lançamento da Archer" E não era a única.
Quanto mais Holly dedilhava a tela do celular, mais notícias iam
surgindo. Fotos minhas por todas as partes. Ângulos e títulos diferentes,
dentre eles o sucesso do vestido, sabia que tinha dedo da
Stella nisso. Para promover a própria marca ela contratou um
fotógrafo de passarela, que espalhou seu trabalho por todos os perfis de
fofoca. Todavia, minha afronta ao Cohen no meio do seu discurso era o
assunto principal, estampando minha foto como a polêmica da noite.
— Isso não é nada bom! — grunhi, pegando o celular da mão da
Holly, passando de notícia em notícia.
— Isso é ótimo! — Afirmou Holly. — A Stella me acordou
comemorando. Disse que eu tinha razão. Não param de ligar no ateliê em
busca de informações.
— Não, não, não, não, Holly! — Me desesperei. — Isso pode
custar o meu emprego.
— Você não pensou nisso ao falar aquelas coisas. Você causou
rebuliço no mercado da moda, mas muito mais no mercado publicitário. Fez
o maior evento de lançamento da Archer, parecer uma piada.
Estava difícil manter um diálogo sério com a Holly em um estado
deplorável. Eu posso imaginar que sua noite foi regada a bebidas, pista de
dança e um pós-festa com idade classificatória.
— E agora estão todos querendo saber quem é essa louca — falei,
levando Holly a uma gargalhada.
— Sempre achei que você não estava na área certa, Anya, você
nasceu para o marketing. — Irritada, joguei um travesseiro na minha amiga
que não cessou as risadas.
— Eu vou ser demitida! — Essa era a única certeza da minha vida.
— Não, não vai. Cohen não faz ideia de que era você.
A verdade me açoitou como um tapa na cara. De repente me vi
estática relembrando cada segundo naquele espaço pequeno e escuro
escondido por pilastras.
Ele só aconteceu, porque naquele momento, para o Cohen, aquela
não era eu.
Não contei a Holly o que aconteceu, não tive coragem. Sequer me
olhei no espelho o restante do dia, sofrendo antecipadamente por uma
ansiedade arrebatadora esperando pelo que viria, como se fosse o dia da
minha condenação.
Holly ria a cada nova notícia, gargalhava a cada comentário, muito
deles, concordando com minha atitude e usando minhas palavras para
levantar pautas. E foi no meio da tarde, quando minha amiga estava
preparando o vestido para devolver ao Ateliê, que ela me interrogou sobre a
promessa.
Eu disse que tinha cumprido em partes. Não fiquei nua, tampouco
em uma cama, e o motivo era óbvio, estava estampado em todos os lugares.
Disse a ela que depois do acontecido, eu tive que sair vazada, e de certa
forma eu não estava mentindo.
E na manhã seguinte, jurei que minhas tripas tinham virado um
grande emaranhado de nós, de tanto que meu ventre se revirava. Um
calafrio incessante, e um suadouro nas mãos que não acabava.
Ele se intensificou quando pisei meus pés naquele edifício. Não se
falava em outra coisa. O assunto principal era a mulher que confrontou
Cohen. A essa altura eu já tinha ouvido de tudo, e o nervosismo só
aumentava.
No momento eu não era ninguém, passava pelas pessoas sem atrair
atenção, completamente diferente da noite retrasada. Não demorou muito
tempo para descobrir que o teto sob minha cabeça estava quase
desmoronando.
Grupos pequenos se aglomeravam para fofocar sobre os efeitos das
notícias, outros ainda não tinham superado as falas, e o que mais se falava é
que a represália parecia ter sido mandada, e o maior suspeito foi visto
conversando com ela na festa.
Casper Archer.
Quando ouvi isso meu queixo foi ao chão.
A informação veio de duas mulheres que passaram sem notar que
eu estava ali, e eu me sentia tão invisível que sequer se preocuparam
quando esbarraram em mim. Muito embora o indivíduo não tenha culpa, já
que fui eu quem parou no meio do hall próximo a grande recepção.
Só então percebi o quanto estava atordoada, enquanto as
lembranças da noite que eu denominei como a mais inesquecível da minha
vida, se tornavam as mais pavorosas.
Eu queria esquecer tudo o que aconteceu. Queria passar uma grande
e definitiva borracha.
Casper, o irmão que vivia em pé de guerra com Cohen, o que desde
que me entendo por gente tenta ocupar o lugar dele, e que sem muito
esforço me veio em mente como o rapaz que me esbarrei.
Eu sabia que já o conhecia. Só não sabia que ele estava mais perto
do que eu imaginava, pois, como gerente, coordenador e correspondente da
Archer, Casper estava apenas um andar abaixo do meu, e vivia fazendo
visitas inesperadas ao Cohen. Ele é, inclusive, um dos brutamontes que já
tive que barrar passagem.
"Quando lembrar, você vai saber onde me encontrar"
Adentrei o café secando a palma da minha mão na roupa, enquanto
a outra segurava a alça da bolsa. A cafeteria estava cheia. Como sempre Joe
estava no canto do balcão, mas minha vergonha por tê-lo deixado esperando
chegou primeiro.
Pigarreei vendo-o trabalhar de costas, e quando ele notou que eu
estava do outro lado do balcão, veio até mim com pressa.
— Viu como esse lugar está pegando fogo hoje? — Indagou antes
mesmo do "bom dia".
— Vi. — Despejei enjoada. Meu estômago estava embrulhado,
definitivamente não queria mais vir trabalhar. Eu queria esquecer aquela
noite, queria esquecer que estive com Cohen e principalmente, queria
esquecer que abandonei os dois lá. — Joe...
Tentei começar com minha desculpa ensaiada, muito embora ele
sabia o que estava acontecendo, mesmo assim não anulava nem isentava
meu pedido de desculpas.
— Cohen esteve aqui. — Disse de repente. — E já levou seu café.
Pude jurar que minha alma saiu do corpo...
— Como é? — Perguntei me escorando no balcão.
— Foi uma surpresa pra mim também, aliás, para o café inteiro. Ele
entrou como um demônio pela porta e pediu pelos dois cafés. Você sabe que
eu sempre deixo pronto, nem tive como dizer não, estava bem na frente
dele. Acho melhor você correr.
— Vou ser demitida! — Declarei convicta.
— Qualquer um que ficar no caminho dele hoje vai ser. — Franzi
minha testa contrariada. Esperava ouvir palavras de conforto.
— E-ele, ele falou alguma coisa? — Joe deu ombros.
— Apenas pediu o café e mandou você subir o mais rápido que
puder.
— Acho que eu preferia ouvir que ele mandou eu voltar para casa
daqui mesmo. — Disse deixando meus ombros caírem.
— Eu só posso te desejar boa sorte. Mas, me prometa uma coisa. —
Pediu com olhar aflito. — Nunca mais permita que ele fique tão zangado à
ponto de vir buscar seu próprio café, porque Anya, aquele cara me olhou
como se eu fosse a causa dos problemas dele.
Pude jurar que Joe espantou um calafrio de medo. Eu sorri sem
conseguir me conter.
— Imagine quando ele me vir. — Eu não tinha o que esconder dele.
Joe era o único que sabia o que eu fiz.
— Sério, aquela promessa que eu te fiz sobre não passar a receita
do café, esqueça, se ele me olhar daquele jeito novamente eu batizo a
bebida com o nome dele se quiser. — Agradeci internamente por mais uma
risada.
— É, eu não tenho dúvidas de que era o Cohen. — Afinal, ele
consegue o que quiser com aquele olhar.
Meu caminho até o elevador foi tortuoso. Pela primeira vez eu não
carregava nas mãos o par de copos térmicos para o último andar. E cada
andar acima, correspondia ao meu nível de nervosismo que só aumentava.
De frente para a porta de Cohen, percebi que eu nem respirava, e
quando fiz foi em um lufar de coragem único, usado para também bater na
mesma, batidas receosas que entregavam meu estado.
— Entra! — Sua voz chegou abafada como se estivesse embalada a
vácuo. Meu coração parece que se trincou ao meio, enquanto acelerava.
Engoli seco abrindo a porta sem pressa, meus dedos tremiam ao
tocar na maçaneta.
O ar estava pesado naquela sala. Cohen estava de frente para a
vidraça atrás da sua mesa, olhando para além dos prédios altos com os
braços cruzados em frente ao peito. Eu não conseguia ver seu rosto, mas
percebi seu semblante endurecido ao virar levemente seu queixo por cima
dos ombros, como se estivesse reconhecendo meus passos.
— Bom dia. — Disse me aproximando devagar. A porta se fechou
sozinha ecoando um estalo, foi somente o tempo de olhar para trás
conferindo a mesma, quando voltei, Cohen já estava com seus olhos em
mim.
Senti cada terminação nervosa paralisar. Eu entendi o que Joe quis
dizer, nesse momento ele também me olhava como se eu fosse a causa dos
seus problemas. Apenas uma coisa diferenciava o medo do Joe, do meu.
Eu realmente era a causa dos problemas dele.
— Está atrasada! — anunciou, arrancando-me do mais profundo
torpor.
— Como? — Olhei em meu relógio de pulso o desmentindo. —
Estou no meu horário.
— Não, não está! Está atrasada, se não estivesse, saberia que a
última coisa que deveria me desejar hoje, é um bom dia.
Fiquei completamente sem reação. Não sabia o que dizer, não sabia
como agir. Eu não sabia sequer se Cohen já sabia que a mascarada era eu.
Lembrando disso, decidi que agiria normalmente.
Cohen nunca descontou em mim algum problema pessoal dele.
Cohen nunca passou por mim despejando seu mau humor como até eu
mesma fazia.
Eu sabia quando ele não estava em um bom dia, e eu mesma o
evitava, sobretudo respeitava, principalmente por saber que eu não tinha
nada a ver com seus problemas, portanto forcei minha mente a viajar pelos
seus piores dias, buscando uma reação mais coerente de ser, diante de uma
situação que expondo meu cinismo, não era eu, então não podia permitir
que ele me tratasse como se fosse.
Se ele souber da verdade, minha demissão é certa, mas enquanto ela
não for anunciada, Cohen estava diante da sua secretária. Nada mais que
isso.
— Desculpe. — Juntei minhas mãos lentamente em frente ao
corpo.
Cohen respirava pesadamente. Ele descruzou seus braços e enfiou
as mãos no bolso da calça, andou friamente sem tirar seus olhos de mim.
Tentei controlar meu peito que agora subia com mais afinco. Minha pele
parecia sentir sua proximidade, e meus olhos não conseguiam desviar do
cinza opaco e tenebroso que contornava sua íris.
O maxilar nunca esteve tão desenhado, evidenciando o quanto ele o
tencionava.
Cohen passou por mim, deixando-me cada vez mais aflita. Meu
nervosismo estava tão bem guardado que quando engoli seco mais uma vez,
tive a impressão de que poderia explodir, se ficasse mais um segundo
encarando seus olhos.
Senti seus passos se afastarem, olhei por cima dos ombros e o vi
servindo do seu próprio café, misturando uma colher do meu para adoçar.
— O lançamento da Archer foi um fiasco. — Despejou, mas longe
de esperar por uma resposta, ele parecia estar só começando. — Fui pego
de surpresa e tive que lidar com um protesto inesperado. Apenas me diga
que você sabe do que estou falando.
Anui, cravando minhas unhas na palma das mãos. Afinal, qualquer
um a essa altura já estava sabendo.
— Sim.
— Ótimo. — Disse apenas, atiçando a minha curiosidade, me
obrigando a procurá-lo com os olhos. Cohen estava recostado no balcão do
bar, bebericando seu café enquanto me encarava. — Então você
compreende meu mau humor, pois você sabe o que fiz para fazer esse
lançamento dar certo. O que não é uma surpresa, eu geralmente consigo o
que quero, você é prova disso.
Meu coração parecia que a qualquer momento saltaria do peito. O
calor e o suadouro nas mãos, beiravam os sintomas de um infarto. Eu só
não sabia se isso era uma ansiedade inquietante ou medo.
Não medo dele em si, ou do seu olhar sobre mim, não era medo do
meu futuro nem do que poderia acontecer comigo dali em diante... Eu tinha
medo do poder que ele exercia sobre mim, pois, olhando fixamente em seus
olhos, minha mente viaja para o momento em que ele me tinha em seu
domínio de prazer, então atribui o calor que crescia por dentro à excitação.
A mesma que senti naquela noite.
Disse a mim mesma que tudo voltaria a ser como era antes, eu só
não sabia que ao vê-lo novamente, meu corpo reagiria dessa forma.
Me perguntei se a mesma tensão que crescia dentro de mim era
sentida por ele, se esse olhar lascivo era o mesmo que ele lançava a ela,
digo... a mim. Se o desejo era incontestável e avassalador como o que eu
estava sentindo, pois se for... aquilo bastava, Cohen sabia que éramos a
mesma pessoa.
— Sou? — Um sorriso cínico surgiu no canto dos seus lábios.
— Eu a demiti, e a contratei de novo, só para garantir que estivesse
presente na festa. — Relembrou. — Ah, Anya, se eu pudesse voltar no
passado, eu não teria feito isso.
Eu não tinha dúvidas que ele nesse momento escutava as batidas do
meu coração, a pele do meu rosto queimava. Eu só queria ouvir que estava
demitida e que podia nunca mais voltar aqui, mas antes disso eu entendi que
teria que lidar com a ira de Cohen.
— Está arrependido? — Outra vez ele sorriu, mas não continha
felicidade. Sua expressão era apenas raiva e um sarcasmo ácido.
— Eu não disse que estava arrependido. Eu disse que não teria feito
isso, da forma que foi. — Ele olhou para o meu café ao lado do seu corpo,
como se eu não o tivesse notado.
Buscando agir naturalmente, mesmo que por dentro eu esteja uma
tremedeira vergonhosa fundida ao desespero, eu fui até ele e peguei meu
copo, sentindo a pele da minha bochecha queimar ao perceber seu olhar em
mim.
Concentrei-me na bebida quente entre meus dedos, livre de
qualquer rabisco pela primeira vez.
Conclui que se eu tivesse me encontrado com Joe desde o início,
tudo teria sido diferente.
— Eu não teria pedido a presença de todos os funcionários, teria
tido menos repercussão. E se era na sua presença que eu estava interessado,
deveria ter pedido pessoalmente, pois, mesmo fazendo tudo o que fiz...
Você não foi!
Por pouco não deixei o copo térmico escapar da minha mão, uma
confusão se fez dentro de mim.
Eu tentava compreender a raiva do Cohen, e mais do que nunca, sua
última declaração.
CAPÍTULO 08
Eu não quero deixar você me esperando, é por isso que você me culpa.
Você acabou de me dar seus segredos.
Feel It - Michelle Morrone

Eu não fui?
Como assim eu não fui? Ele realmente pensa que eu não fui!
Que a mulher que o expôs na frente de todos os convidados e
depois praticamente se pegou com ele as escondidas, de repente, foi
agraciada com uma benção dos deuses, dos astros, da união das forças
cósmicas.
Eu deveria estar furiosa com isso, mas a minha vontade era de
comemorar.
Um sorriso incontrolável surgiu, mais forte do que eu, mais forte do
que tudo o que já fui capaz de suportar um dia, tanto quanto o que me fez
retribuir aquele beijo, sem que eu ao menos pensasse duas vezes.
Cohen olhou para minha boca, encarando aquilo como um
desaforo, um ultraje a tudo o que ele acabou de me dizer. Eu não
gargalhava, não emitia um som sequer, mas não pude evitar de sorrir e ele
estava perto demais para não perceber.
— Está sorrindo?! — Mordi meu próprio lábio como se pudesse
desfazer o que fiz.
Se eu não vou ser demitida pelo fato de Cohen não saber que era eu,
eu certamente vou ser por ter feito pouco caso da sua indignação.
— Desculpe, eu... eu acabei de... eu rio quando estou nervosa. E o
senhor está me deixando nervosa. — Gaguejei.
Eu malditamente, gaguejei!
Não sei se foi delírio ou um vislumbre distante, mas pude jurar que
vi a sombra de um sorriso em Cohen também. Como se houvesse alguma
nota de diversão.
— E a senhorita, Anya, mentiu pra mim!
Ponderei sobre dizer que eu estava sim no evento, Joe poderia
comprovar isso, mas mentir me livraria de qualquer possível suspeita. Eu
seria a pessoa menos provável na culpa, se eu nem tivesse pisado os pés
naquela festa. Se eu dissesse que estava, Cohen me faria perguntas. Com
quem eu estava, que roupa eu usava, como e por que não nos vimos...
Então de uma forma ou de outra eu precisaria mentir.
E uma mentira é melhor que muitas, daqui alguns dias ele se
esqueceria de tudo isso e tudo o que eu precisaria fazer é me redimir.
— Desculpe. — Pedi por tê-lo chamado de Senhor.
Nunca estive tão confusa.
Voltar a ser Anya não estava sendo nada fácil, fingir que a linha de
profissionalismo entre Cohen e eu nunca foi ultrapassada, menos ainda.
Uma coisa me passou em branco, apenas uma. Enquanto minha
alegria ultrapassava a confusão, não me atentei ao que Cohen acabou de
dizer.
E se era na sua presença que eu estava interessado, deveria ter
pedido pessoalmente...
Por que a minha presença lhe interessava tanto? Bom, eu não estava
lá para descobrir.
— Não é o suficiente, preciso de respostas. — Uma mentira bem
elaborada, eu entendi.
— Como no ano passado, eu passei o dia inteiro estudando sobre o
lançamento. Eu sei tudo o que aconteceu. — Um vinco surgiu entre suas
sobrancelhas.
Eu não menti!
Eu não disse que não estava lá, não inventei uma desculpa qualquer.
Tudo o que eu fiz foi deixar a interpretação livre, já que no ano passado eu
não fui realmente para o evento, mas passei o dia estudando sobre o
lançamento para não ficar alheia a agenda de Cohen.
— Sabe mesmo? — Perguntou estufando o peito, como se me
desafiasse. — Então você viu o que aconteceu durante o discurso de um
parceiro meu.
Assenti, sabendo que ele estava se referindo a minha interrupção.
— Imagino como esteja furioso, eu sinto muito.
— E qual sua opinião sobre isso?
— Sobre o que ela disse, ou sobre o lançamento?
— Sobre o que aconteceu, você acha que teve necessidade?
— Olha, sinceramente eu achei um pouco demais, mas... sendo bem
sincera eu acho que você já viu que a suma maioria concorda com o que ela
falou.
Era tão estranho falar de mim na terceira pessoa, defendendo minha
opinião parecendo ser a de outra. Vi nisso uma oportunidade de amenizar o
que eu fiz.
— Você estuda publicidade, Anya. Por um lado, eu agradeço não
ter ido, queria mesmo uma opinião sincera de quem está de fora. Eu quero
saber se posso contar com a sua ajuda.
Ok, isso sim me pegou desprevenida.
A única vez em que mencionei algo relacionado ao meu estudo com
Cohen, foi há quase um ano, quando tive que negociar meus horários com
ele e explicar, torcendo para compreender, o porquê eu precisaria chegar
depois de todos os funcionários, sem me importar de sair depois, somente
para conseguir ir direto para faculdade e otimizar tempo, e ainda me sobrar
poucas horas pela manhã para me dedicar aos trabalhos acadêmicos.
Cohen não viu problema, mas ele também não perguntou nada
sobre meu curso.
Uma informação aqui é outra ali, não deve ter sido base para de
repente, ele querer minha opinião profissional nisso.
Mais do que isso, minha ajuda, a ajuda de uma publicitária.
— Claro, o que eu puder fazer, eu vou fazer.
— Preciso reverter o que ela fez, os acionistas estão me cobrando
uma posição e isso graças a maioria das opiniões que apoiam o discurso
dela!
— Você está em pauta, está entre os assuntos mais discutidos nas
redes sociais, seu nome está em todos os lugares. Eu acho que você poderia
usar isso ao seu favor.
Cohen caminhou perdido em seus próprios pensamentos até sua
mesa. Seu blazer preto estava no encosto da sua cadeira, lembrei que eu
geralmente o tirava dali, e o pendurava, mas hoje isso não ia acontecer.
Ele deixou sua xícara em cima da mesa, e ainda em silêncio
arregaçou as mangas da camisa preta, deixando parte do seu antebraço de
fora.
Me amaldiçoei por lembrar daquelas mãos segurando meus braços
para cima, e uma linha de arrepios me lembrou de cada trajeto que ela
percorreu. Então admiti que admirar Cohen, nunca será como antes, pois,
quando acontece, meu corpo automaticamente responde ansiando pelas
sensações.
— É por isso que preciso da sua ajuda! — disse, tirando-me do
meu estado de transe, dando a volta na sua mesa para abrir uma gaveta,
onde pegou algo que coube na palma da sua mão.
Suspirei discretamente tentando espantar o calor, e as batidas mais
intensas do meu coração. Foi por muito pouco que não comprimi as minhas
coxas, só não fiz isso pois seu olhar caiu sobre mim. Então meu coração
pareceu falhar umas batidas, enquanto meu rosto esquentava
gradativamente, era como se ele soubesse o que estava acontecendo, o que é
impossível, já que tudo isso é fruto do meu psicológico traiçoeiro, que me
leva até a noite da festa.
É isso, eu precisava trabalhar a minha mente, e agir como Cohen
estava agindo nesse momento. Frio e calculista. Duvido que essas
lembranças ganhem espaço sabendo ele que está diante da sua secretária de
sempre. E ainda que ele fale dela pra mim, eu só consigo sentir raiva, é isso
o que ele sente por ela, e é exatamente por isso, que essa raiva não pode ser
direcionada a mim.
Com a mascarada ele se viu de mãos atadas, o único poder que ele
exerceu, e ainda exerce, sobre ela é o prazer, e isso jamais voltará a
acontecer, então certamente essa é uma situação que fere muito mais o seu
ego, do que seu nome na mídia.
Com a postura menos ereta e tensa, Cohen parecia mais relaxado e
mais próximo do que eu conhecia. Ele veio até mim em passos lentos, o
tempo que eu agradeci ter, para me recompor internamente, e no meio dessa
batalha que eu travava com meus próprios pensamentos, não me atentei a
etiqueta que ele segurava propositalmente entre os dedos como uma carta
de baralho, ou cigarro aceso.
— Ninguém sabe nada sobre ela. Estão chamando-a de Dama de
Prata. Eu quero encontrá-la! E você vai me ajudar com isso!
Por um momento eu perdi a força sobre meus comandos faciais.
Minha expressão cedeu, todos os meus músculos relaxaram.
Só então olhei para a etiqueta entre seus dedos e vi que era do
vestido.
Ateliê Stella Valêncio, por Holly Price.
Uma simples etiqueta, que dava a ele os primeiros passos por onde
começar a procurar. De repente minha vida ganhou uma contagem
regressiva.
Ele ia saber mais cedo ou mais tarde, isso era um fato.
E não é profissionalmente falando, que ele precisa da minha ajuda.
Nada tem a ver com meus conhecimentos na área.
Minha vida e minhas expectativas, isso se desfez assim, do nada.
— Encontrá-la? — Cohen assentiu.
— Nós vamos achar essa mulher. Essa é a única pista que eu tenho.
Não queira saber como conquistei, isso ultrapassa nossos limites
profissionais, mas... como amigo, eu posso te garantir que não foi pedindo.
Minha mente me traiu, e mais uma vez as imagens daquela noite
surgiram como um único flash e gemidos roucos. E foi muito pior, tendo os
olhos de Cohen diante de mim.
— Eu sou só uma assistente, não detetive. Não tenho ideia do que
fazer para ajudar.
— Vai saber. Por hora, eu sei que ela usou um vestido consignado
desse Ateliê de alta costura. Não fica muito longe daqui, assim que essa
pressão é falação infernal na empresa diminuir, nós vamos até lá.
Acabe logo com isso, Anya! Mais cedo ou mais tarde ele vai
descobrir e além de ter que lidar com minha vida desmoronando, também
vou ter que tratar desse incômodo entre as pernas cada vez mais ardente.
— Como quiser. — Foi tudo o que eu consegui dizer. Foi o melhor
que consegui, levando em consideração que eu nem pensei pra falar.
A sombra de um sorriso semicerrou seus olhos, como se Cohen
esperasse por mais do que apenas isso.
— A propósito, não sei se o tal Joe falou, mas a partir de hoje eu
pago nosso café, então você não precisa mais passar na cafeteria quando
chega.
Só pode ser brincadeira!

Passei o resto da manhã pensando de que maneira eu ia sair dessa.


Me perguntei freneticamente por que eu simplesmente não fiquei quieta, ou
porque Joe não me encontrou antes de tudo.
Como que eu vim parar nessa? Por Deus, por que minha vida não
podia simplesmente seguir pelos últimos meses somente até eu conseguir
me formar e nunca mais ter que lidar com nada disso?
Parece que cada dia mais próximo do meu diploma, mais longe ele
fica, mais impossível. O problema é que agora eu não só ferrei com a minha
vida, eu coloquei tudo em jogo.
Entendam que se o Cohen descobrir tudo, será o fim de qualquer
carreira que eu possa ter. Seu nome é mais do que respeitado no mercado de
trabalho, ninguém passa por ele e sai com uma carta de recomendação
negativa à toa, isso eu carregaria para o resto da minha vida.
A última secretária não consegue nada mais que um emprego em
uma lanchonete, por simplesmente ter tentado algo com Cohen. Eu fiz
muito mais do que isso. Eu praticamente o ridicularizei no projeto da sua
vida e depois deixei que ele me beijasse e praticamente resolvi em seu colo
desavergonhadamente. Extrai prazer, ele me proporcionou prazer.
Pior do que isso, ele sentiu prazer e quando pediu por mais, eu
fugi.
A minha vontade agora era de desistir, encerrar por aqui e voltar
para Minnesota de onde parei, arrumar uma vaga qualquer em um escritório
ou em uma lanchonete, ou até mesmo ajudar meu pai na oficina, qualquer
coisa que me tirasse daqui.
E quando eu estava prestes a tomar uma decisão movida pelo medo,
vi meu celular vibrando em cima da mesa em uma chamada de vídeo. Era a
mamãe.
Respirei fundo, engoli o choro preso na minha garganta e coloquei
um sorriso no meu rosto. O mesmo se ampliou quando quem apareceu no
visor foi o Tom, com um sorriso de orelha a orelha.
—"Tenho uma novidade". — Ele disse em sinais, com uma
empolgação aparente. Pulava feito um sapo no asfalto quente, a imagem
ficava trêmula mesmo que apoiada em alguma superfície, para que ele
pudesse usar as mãos. Também apoiei meu celular na mesa para ficar com
minhas mãos livres. Seu cabelo tigelinha estava uma completa bagunça,
alguns fios castanhos colavam na sua testa suada, como se ele já estivesse
pulando há um tempo.
— "Me conta". — Pedi, com minhas energias renovadas. Ou quase
isso, às vezes, quando não estou em um dia bom, também visto uma
máscara, para que ninguém que esteja em casa perceba.
—"Fui chamado para testar o aparelho". — Arfei cobrindo minha
boca com as mãos. Meus olhos no mesmo momento se encheram de
lágrimas, tamanha foi minha surpresa.
Tom pulava de felicidade, e eu não conseguia dizer nada, queria
apenas chorar e pular também, mas me contive para não chamar a atenção
de Cohen.
Estamos na fila de espera há mais de dois anos. Tom passou por um
longo tratamento depois da cirurgia para conseguir usar o aparelho que
talvez, o faria ouvir pela primeira vez. Essa é a notícia que estamos
esperando por muito, muito tempo, e talvez a melhor da minha vida. Tão
boa quanto receber a minha aprovação na faculdade, o que eu estava
sentindo agora, nem se compara.
— Oi filha. — Ouvi a voz da minha mãe, ela acabara de pegar o
celular na mão. Como se deixasse Tom me dar a boa notícia estando esse
tempo todo bem ali do lado.
— Quando? — Perguntei emocionada, seu sorriso também era
gigantesco, mas sumiu gradativamente, conforme ela se afastava do
ambiente onde estava, provavelmente se afastando do meu irmão.
— Na semana que vem.
— Mas... — Sua cara dizia que tinha um.
— Não depende só do exame não é, querida? O Tom vai ouvir pela
primeira vez na vida e... eu tenho medo de não conseguirmos.
— Mãe, não, por favor não pensa nisso. Vamos dar um jeito, eu
prometo. Eu tenho algumas economias, não importa quanto seja, vamos dar
um jeito! — Lágrimas inundaram sua vista enquanto ela assentia.
— Pena que não vai estar aqui, ele ia adorar ouvir o som da sua
voz.
— E eu ia adorar presenciar isso. — Me imaginei vendo meu irmão
ouvir pela primeira vez, e me emocionei.
— Ah, seu pai está precisando de ajuda na oficina. Ele aprendeu a
fazer essas ligações e agora liga para Deus e o mundo. — Comentou rindo.
Pensei que se não fosse pelas chamadas de vídeo, Tom e eu não
conseguiríamos matar a saudade um do outro.
— Deixa ele ligar, mãe. — Pensei automaticamente no projeto da
Archer e o sistema de inteligência para deficientes auditivos com fones
especiais e tradutores visuais simultâneos.
A vida é mais fácil com tecnologia, mas essa facilidade custa muito
caro para quem tem necessidades próprias como Tom. E prioridades.
— Não quero que se preocupe, eu e o seu pai estamos fazendo de
tudo. Tom está ficando com a vizinha para que eu possa pegar umas casas
como diarista, nós vamos dar um jeito disso eu tenho certeza.
Olhei a aparência da minha mãe tão cansada, e me odiei por não
poder fazer nada. Ela estava vivendo uma jornada integral, ajudando papai
na oficina em meio às suas dores na coluna, Tom e agora além da sua casa,
cuidando da casa de outros.
— É assim que se fala.
Me despedi da minha mãe com lágrima nos olhos, foi a lufada de
coragem que eu precisava para não desistir agora. Tom precisa de mim,
meus pais precisam.
Para minha surpresa Cohen abre a porta, e foi mais rápido do que
eu em enxugar as lágrimas, em questão de segundos ele estava próximo a
mim, com um bolo de papel nas mãos enquanto eu me virava na cadeira
para ficar de costas para ele.
— Está tudo bem? — Balancei a cabeça, limpando a bochecha com
a manga da blusa, e focando minha atenção na tela do computador.
— Anya, você estava chorando?
— Não é nada. Eu vou ficar bem!
— Se não fosse nada não estaria chorando!
— Saudade de casa, apenas isso. — Resumi, voltando minha
atenção ao computador. Pela visão panorâmica percebi Cohen me
observando por algum tempo.
Franzi a testa pelo fato de que... ele não precisava ter vindo até aqui
para me chamar, e também não parecia muito seguro.
Holly uma vez me disse que fica sem reação quando vê uma pessoa
chorar, presumo que Cohen não seja muito diferente, além do mais, ele não
tinha nada a ver com isso.
Inspirei uma ou duas vezes quando a porta se fechou. Esperei o
bolo dolorido em minha garganta sumir para me preparar para mais uma
dose de nervosismo e coração na boca, mas me peguei mordendo o próprio
lábio enquanto admitia que essa história de ajudar a procurar a mim mesma,
era a pior das ciladas em que eu poderia me enfiar.
Cohen vai atrás dela.
Cohen vai acabar com a vida dela.
Ele vai exterminar qualquer rastro dessa pessoa.
E essa pessoa está mais perto do que ele imagina.
Só tenho duas escolhas. Penso olhando para o celular como se ainda
pudesse ver meu irmão. Pedir demissão e tirar do Tom a possibilidade de ter
acesso ao convênio da Archer que o ajudaria com o aparelho. Ou segurar
Cohen por, pelo menos, uma semana.
Uma semana é só o que separa Tom do seu aparelho auditivo.
Eu só preciso atrapalhar essa busca por uma semana, mais do que
isso se for muito necessário, mas uma semana era o suficiente.
O que pode acontecer em uma semana?
Se ninguém me reconheceu até agora, o que apenas mais alguns
dias poderiam fazer?
— Cohen está? — Uma voz grossa me tira com força dos
devaneios. Ele sorriu assim que percebeu que eu estava em qualquer lugar,
menos em órbita.
O irmão do Cohen.
O homem com quem me esbarrei naquela noite.
— Desculpe, não quis te assustar.
— Não... eu, eu estava longe.
Ele sorriu. O mesmo sorriso que eu lutei para me lembrar debaixo
daquela máscara, os olhos, no entanto, agora assumiam o mesmo azul
acinzentado do irmão.
— Percebi. Mas então, Cohen está?
— Sim. — Minha respiração estava intensa. Eu estava
pateticamente surpresa e assustada.
— Essa é a parte em que você liga pra ele e pergunta se posso
entrar.
Franzi novamente a testa, pois Casper é uma das pessoas que não
precisam ser anunciadas, ele entra e sai daquela sala quando bem entende.
Casper sorriu como se reconhecesse que nunca precisou pedir uma
coisa dessas.
— Perdi meu passe livre ontem. Sabe o que é, ele tem um certo
problema em ouvir verdades. — Ele pondera pensativo. — Ah, ele também
não gosta que fiquem mandando todas as notícias de uma certa mulher que
arruinou um certo evento.
Senti meu rosto esquentar, apenas ao imaginar Cohen recebendo
cada uma delas. Engoli seco sob o olhar atento do homem. Eu sabia que já
o tinha visto antes.
Meus dedos estavam trêmulos quando disquei para sua sala, sentia
a palma da minha mão soar frio.
Um mísero olhar de volta e percebi que Casper semicerrava seus
olhos brevemente, fixos em mim enquanto eu ouvia a voz do Cohen em
meu ouvido.
— Ele pediu para dizer que não está.
Ele riu de algo.
— Diga a ele... — Falou alto, sabendo que Cohen estava ouvindo.
— Que é sobre a garota. Ele vai gostar.
A linha ficou muda.
Casper sorriu fino vendo que eu ainda segurava o telefone no
ouvido.
— Descobri que ele está disposto a qualquer coisa para achar essa
mulher, então não me julgue, mas é hora de me aproveitar.
— Você também está procurando?
— Não. Ahn... Anya, não é? Desculpe, sou péssimo com a
memória. —Balancei a cabeça confirmando. — Certo, Any, não. Eu não
estou
procurando. Eu disse que é hora de me aproveitar...
— É hora de você calar a boca e deixar a Anya em paz.
Cohen surgiu na porta, e Casper sorriu.
— Não conte a ele nosso segredinho. — Casper piscou antes de se
virar para ele. — Tenho informações valiosas pra você, mas vai ter um
preço. E pode me desbloquear se quiser ouvir!
Cohen ainda me fitou como se pudesse pedir desculpas quando seu
irmão passou para dentro. E os dois se trancaram depois disso.
Uma semana, Anya.
Apenas sobreviva.
CAPÍTULO 09
Se eu tivesse apenas sentido o calor em seu toque. Se eu tivesse visto como você sorri quando fica

vermelha, ou como faz biquinho quando está muito concentrada.


Eu saberia pelo que eu estava vivendo esse tempo todo.
Pelo que eu estava vivendo.
Turning Page – Sleeping At Last

Quando foi que minha vida começou a dar tão errado assim?
Em um momento eu era apenas uma secretaria responsável, com
trabalho estável, futuro certo, estudo em dia e agora... estou no banco do
passageiro do carro do Cohen a caminho do Ateliê, rezando para que Holly
não me entregue, nem ela nem ninguém que esteja lá.
O caminho até o carro já foi absurdamente humilhante. As pessoas
abriram espaço para o Cohen como se a qualquer mínimo olhar, elas fossem
se desintegrar.
— Desculpe pelo meu irmão. — Cohen diz de repente. Perdida em
pensamentos, eu mal digeri sua voz.
— O que disse?
— Casper, ontem. Ele nunca sabe a hora de parar, e pode ser bem
desagradável às vezes.
— Ah, sim. Estou acostumada com o humor dele. Apesar de nunca
saber quando ele está brincando ou falando a verdade.
— Como eu disse.
Assenti suspirando por um momento. E voltamos aquele silêncio. A
sensação era a de que eu não tinha aguentado um dia completo.
Estava a caminho do ateliê, então Casper Archer é a menor das
minhas preocupações.
Estar em um carro sozinha com Cohen, também não deveria ser
grande coisa comparado ao que estávamos indo fazer, no entanto, parecia
faltar aquela distância segura, e ar fresco.
— Algum problema com sua família? — Cohen irrompeu o silêncio
novamente.
— Como?
— Sua família. Longe de me intrometer, mas a porta ainda não tem
acústico. Ouvi você chorando e achei que pudesse ter algum problema. —
Não tive muito tempo para pensar se deveria ou não responder.
— Nada que eu consiga resolver. — Ele buscou meu olhar
rapidamente. — Era um choro de… saudade e raiva.
— Raiva de quem? — Ignorei a quase preocupação na sua voz.
— De mim mesma. — Fui sincera, direcionando meus pensamentos
na voz cansada e aparência exausta da minha mãe. Nas dores que papai
sentia no fim do dia, e na empolgação do Tom que eu morreria se alguém
ousasse tirar aquele brilho esperançoso dos seus olhos. — A impotência é
uma merda… desculpe!
— Não precisa se desculpar! — Disse em um sorriso franco. — Eu
sei exatamente como é!
Anui reprimindo o ímpeto de debochar. Cohen não faz ideia do que
é se sentir impotente diante de uma situação como essa. Não quando, para
começo de conversa, ser quem ele é, elimina qualquer chance de passar por
problemas como os que minha família estava enfrentando.
— Que cara é essa? — inquiriu ofendido, mas um sorriso de canto
nasceu ali. Na minha tentativa de esconder o que estava sentindo, devo ter
criado uma careta que dizia por si só. — Acha que eu não sei o que é se
sentir impotente?
— Não é isso. Quem sou eu pra dizer o que o que já sentiu ou não,
mas… as situações são bem diferentes, acredite.
— Então você acha que alguém como eu não tem o direito de se
sentir impotente?
— Me diga o que o seu dinheiro não compra, Archer. — O desafiei.
Um silêncio perdurou por longos minutos, ele perdeu seus olhos na estrada,
calando-se sem pretensão alguma de me dar uma resposta.
Ele não tinha uma resposta.
Foi isso que pensei quando também desviei meu olhar para além da
janela, mas sua voz chegou tão fria quanto a chuva de uma madrugada
escura.
— Tem muitas coisas que meu dinheiro não compra. — Duvidei se
eu realmente tinha escutado aquilo, quando ele mesmo continuou. — O que
você tem, por exemplo.
Fixei meus olhos nos seus lábios que provaram de um sorriso sem
calor algum, sem vontade.
Estranhamente eu entendi o que ele quis dizer com isso. O vazio
dentro do carro me fez questionar se Cohen realmente conhecia o amor de
uma mãe ou de um pai, e ao julgar pelo seu relacionamento conturbado com
o irmão, não sei dizer se ele sente por Casper o mesmo que eu sinto pelo
Tom.
Isso era frustrante. É errado pensar que a vida dá um jeito de ser
justa? Pois, o que parecia é que pessoas como ele, realmente não podiam ter
tudo. Que o dinheiro tem sim seu preço, ele é distante para uns, e te torna
distante para outros.
— Não, não compra. — Repeti concordando.
No meu caso, eu tinha todo amor do mundo, mas não conseguia
comprar a distância que me separava da minha família, nem o tempo que eu
não tinha para estar com eles, tampouco a saúde que eles mereciam, e se
estou nesse carro agora, é para garantir o mínimo que eu ainda conseguia.
Meu coração falhou algumas batidas quando paramos de frente para
o Ateliê da Stella. Engoli seco antes de descer do carro atrás de Cohen. Ele
foi o primeiro a entrar pela porta de vidro, que na verdade, foi aberta como
se ele fosse incapaz de tocar a maçaneta por conta própria.
A primeira imagem que tive foi da Holly atrás do balcão,
conferindo algo alheia às vendedoras. Uma delas veio imediatamente ao
encontro de Cohen, e ao pronunciar seu nome em alto e bom tom, todos
direcionaram seu olhar para ele. Holly foi uma delas, arregalando os olhos
com espanto ao me encontrar junto com Cohen, há apenas um passo para
trás.
Balancei minha cabeça discretamente de forma negativa, esperando
que ela compreendesse.
— Estou procurando por Stella Valêncio. — Ele disse à vendedora.
— Ela está no Ateliê, vou mandar chamá-la. — Disse a vendedora.
— Enquanto isso, com quem posso falar a respeito dessa etiqueta?
— perguntou, tirando a mesma do bolso.
A vendedora fina e elegante, observou mais atentamente antes de se
virar para o balcão, onde Holly fingiu que não estava trocando olhares
comigo.
— Holly Price é a designer que assinou essa peça. Algum
problema? — inquiriu devolvendo a etiqueta ao Cohen.
— Quero saber quem comprou?! — O olhar da moça ficou perdido.
Foi quando Holly se aproximou disfarçadamente.
— Posso olhar a etiqueta? — Como se aquele não fosse o primeiro
e único modelo que ela já assinou para a marca.
— Eu acho que você sabe de qual peça estou falando. — Minha
amiga me fitou brevemente, apenas para capturar minhas caretas
gesticulando o incompreensível, pegando a maldita etiqueta.
Um pedaço de papel do tamanho de um cartão de visita, que
acompanha todos os modelos emprestados que saem da loja.
Cohen também procurou meus olhos, consegui conter meu
semblante a tempo, então ele voltou sua atenção a Holly.
— Todos sabem. — Holly não conteve um meio sorriso, muito
provavelmente devolvendo a forma como ele falou com ela. — E ele não
foi vendido. Foi consignado na noite de sábado, e sim, já foi devolvido. —
Disse com naturalidade.
— Eu posso ver? — Seu pedido me fez saltar os olhos. Holly
soprou um sorriso.
— Por acaso ele é evidência de algum crime? — A voz que chegou
de surpresa era de ninguém menos que Stella Valêncio, sustentando um
sorriso presunçoso, elegante como sempre.
— Quase isso. — Cohen responde. — Cohen Archer. — Disse
estendendo o braço para cumprimentá-la.
— Eu sei. E sei também por que está aqui. Por aqui, por favor. —
Ela pede, esperando Cohen passar antes de me lançar uma piscadela
cúmplice.
Holly segurava uma risada pavorosa, e eu segurava a minha
vontade de gritar e sair correndo.
Embora, sair de fininho não seja uma péssima ideia.
Chegamos a um cômodo reservado para clientes, algo mais íntimo e
exclusivo, e foi impossível não paralisar ali mesmo, depois da porta, pois o
único modelo que estava exposto em um manequim, era o bendito, bem de
frente para a vidraça exuberante de vidro, dando ao mesmo ainda mais
brilho.
O ar me faltou por alguns segundos, principalmente ao ver Cohen
circundando o manequim lentamente, como um predador espreitando sua
presa. Eu pude me imaginar dentro daquele vestido novamente, e ainda que
seu olhar não estivesse direcionado a mim, eu sentia a intensidade dele.
Cohen parou de frente para o vestido, sua respiração também
parecia mais pesada, enquanto algo se revirava dentro de mim. Queria saber
o que se passava na sua cabeça. Se as mesmas lembranças que me
invadiam, também dominavam seus pensamentos.
— Modestamente, uma das peças mais lindas que já saíram do meu
Studio. — Stella quebrou o silêncio.
— Estou atrás da pessoa que alugou esse vestido na noite de
sábado. — Declarou sem tirar seus olhos dele.
Holly me cutucou discretamente, enquanto Stella apenas sorria.
— Ninguém alugou esse vestido, Sr. Archer. — Respondeu ela, de
forma branda, ganhando a atenção de Cohen. — Essa peça é um modelo
único de Holly Price, minha mais nova desingner do Ateliê. E sua criação
fez parte de um projeto que eu mesma lancei. A Dama que estava usando-o
na noite de sábado, é na verdade uma convidada minha, e em hipótese
alguma, sua identidade será revelada.
Cohen estremeceu, provavelmente tentando controlar seu ego
ferido.
— Foi uma ótima jogada de marketing, admito, e ela com certeza
tem seu preço. Me diga o seu.
Stella sorriu.
— Não se trata apenas de mim. Ela não quer ser exposta, e está
enganado Sr. Archer, esse vestido tem um preço, não a minha palavra.
Principalmente agora, que eu sei para que fim quer encontrá-la.
— Sabe mesmo? — Ele a desafiou.
— Vingança. Pelo que ela fez com você na festa. Estou certa?
Foi a vez de ele sorrir.
— Não, não está! — Cohen olhou rapidamente para a quantidade
limitada de pessoas naquela sala. Apenas Holly, eu e Stella. Holly apenas
me encarava exasperada. — Não estou atrás de vingança, ela e eu... apenas
temos assuntos inacabados.
— Eu posso tentar uma conversa, talvez, com a garantia de que ela
não será procurada, pois esse foi o nosso acordo.
— Então você sabe onde ela está. — Concluiu Cohen.
— Certamente.
— Então diga que eu vou encontrá-la! E isso não é uma escolha que
cabe a ela. Por ora, vou me contentar com a proposta e dar a ela um prazo,
mas sugiro que não teste minha paciência. — Sua voz fria e pesada
arrancou meu medo mais profundo, sendo ele uma mistura de ansiedade e
excitação, pela promessa disfarçada.
— Espero que isso não seja uma ameaça, caso contrário essa
mensagem nunca chegará a ela.
— Não sou de fazer ameaças, eu apenas cumpro promessas, ao
contrário dela. — Engoli seco sentindo cada terminação nervosa
estremecer, e o sangue que corria em minhas veias borbulhar.
— Engraçado, você parece saber mais coisas sobre ela do que eu.
— Brincou Stella. Nesse momento eu quis dar um chacoalhão nessa mulher
e mandá-la ficar quieta.
— Ela também pareceu saber muito sobre mim. O suficiente, na
verdade. — Soltei o ar em uma fechada rápida de olhos. — Quando
perguntei quem a enviou na festa, ela se recusou a me dar nomes, me diga
que ela estava se referindo a vocês.
Stella suspirou tranquilamente.
— A única pessoa que enviou aquela mulher à sua festa, está em
sua frente, e não, não houve intenção alguma senão a visibilidade da minha
marca. Presumo eu, Sr. Archer, que o senhor tocou em um assunto delicado
para ela.
E agradeço ter contado esse detalhe, porque em momento algum eu
pedi que ela preservasse a autoria.
O modo como Cohen suspirou, mesmo que discretamente, não se
parecia com nada exceto alívio, e então ele ficou pensativo.
— Isso me preocupava. Mas, meu desejo de encontrá-la nada tem a
ver com seu discurso. — Estreitei meus olhos com ultraje.
Quase não acredito nas suas palavras.
— Ah, eu duvido, e é por isso que estou preservando a sua
identidade. No mínimo alguma proposta tem aí, Sr. Archer. E já vou
avisando que a imagem da Dama de Prata é de uso exclusivo.
Era uma disputa por poder. Cohen não intimidava Stella. Talvez
pelo mesmo motivo que ele não conseguiu me intimidar dentro daquele
vestido, muito embora os impérios sejam de pesos com diferenças
exorbitantes, cada um é considerado imperadores em seu nicho.
— Minha proposta é de cunho extremamente pessoal e nada
decente.
O sorriso de Stella aumentou gradativamente, enquanto ela entendia
o que ele queria dizer.
— Acho que ela não ganhou qualquer visibilidade. Está encantado
com a moça!
— Não vou me expor mais do que já fui exposto. Como você disse,
esse vestido tem um preço e eu quero saber qual é.
— Vai comprá-lo?
Cohen observou o vestido por um bom tempo com um sorriso
traiçoeiro de canto. Não sei se por delírio do nervosismo ou visão de ótica,
mas pelo reflexo do vidro da janela, eu encontrei seus olhos, e meu coração
tamborilou contra as costelas. Quem me visse agora, saberia que o
desconforto é evidente, ele molhava minha testa com gotículas de
desespero.

No caminho de volta para a empresa, eu evitei ao máximo olhar


para o banco de trás, onde uma caixa branca e como estampa, a logomarca
da Stella Valêncio, em um design minimalista e sofisticado.
Mas não resisti.
Olhei tão discretamente que duvidei seriamente que Cohen pudesse
perceber. Chegava a parecer piada e eu não gostava de pensar na bola de
neve que me meti em tão pouco tempo.
Talvez eu devesse culpar a Holly, isso é claro se eu não quiser
enlouquecer de tanto pensar.
O pior de tudo é que uma parte de mim estava com raiva, a outra,
preocupada, mas em nenhuma das partes eu me via arrependida. Quando
penso naquela noite e tento mudar algo, eu aceito tudo, menos o momento
que eu tive com Cohen. Me arrisco dizer que nunca me senti tão viva, em
toda minha vida.
É como se ele fosse uma droga ilícita. Proibido para mim, viciante,
e por mais que eu saiba o quanto é nocivo, eu ainda queria ter mais.
E depois da visita ao Ateliê, eu descobri que Cohen também queria,
e precisava me convencer de que ele falou aquilo apenas para facilitar sua
busca.
— Por que comprou o vestido?
Não conheço uma pessoa mais idiota do que eu. Nenhuma resposta
para sanar minha curiosidade, amenizaria essa confusão dentro de mim
agora. Pelo contrário, eu sabia que corria sérios riscos de piorar.
— Não vou permitir que ele pertença a outra pessoa. — Cohen me
olhou muito brevemente, mas com uma intensidade quase tenebrosa. Ele
estava silencioso desde saímos da loja.
— E o que pretende fazer, sair buscando por todas as damas com
um vestido de cristal? — Ele riu disfarçando sua voz olhando pela janela.
— Não vou buscar por ela mais, ela vai vir até mim. — Mais uma
vez me senti desafiada.
— Como tem tanta certeza?
— Eu apenas tenho.
— E se estiver errado?
Cohen ficou sério, mas a sombra de um sorriso ainda pairava sobre
seu semblante. Ele demorou mais que alguns segundos, para então parar o
carro no semáforo e me olhar com um sarcasmo presunçoso.
— Se tem algo maior que o seu profissionalismo, é a sua
curiosidade, Anya. Sabe aquela linha que você mesma criou, e que nunca
ultrapassou? Eu a admiro, mas trabalhamos tanto tempo juntos que eu a
vejo como alguém da minha confiança, e no momento, a única pessoa com
quem posso me abrir, porque eu confio na sua índole. Então, eu ultrapasso a
minha se ultrapassar a sua.
Minha respiração falhou vergonhosamente, como em um suspiro
derretido, no entanto eu estava mais surpresa e sem saber como prosseguir
do que qualquer coisa.
— Como assim?
— Você mandou mensagem para o Joe? — Então entendi.
Quando ele tentou falar sobre minha vida pessoal comigo, eu não
permiti, e agora eu estou querendo saber sobre a sua, porque na minha
cabeça a sua também me dizia respeito, e isso de alguma forma não faz
sentido algum.
— Entendi. — Me rendo. — É, eu enviei, mas duvido que ele vá
querer falar comigo agora.
— Por quê?
— Porque combinamos de nos encontrar na festa.
Ele sorriu, como se não acreditasse.
— Ele vai falar com você! — Garantiu.
— Ele ia falar comigo, querendo ou não, mesmo que fosse só pelo
café.
— Eu quase senti que você está me culpando. — Foi minha vez de
sorrir. — Você ao menos tentou explicar o porquê de ter deixado ele
plantado te esperando?
— Não, acha que eu deveria?
— Não custa tentar. — Anui considerando pela segunda vez sua
opinião sobre minha vida pessoal. — Ele me parece ser um cara legal, e
bem, é você quem deve desculpas então não espere que venha atrás de
você.
— Talvez eu passe lá na hora do almoço, não garanto. — Só pela
careta vi que Cohen não aprovou. — O que foi?
Perguntei quando o sinal abriu e ele voltou sua atenção para a
estrada, se aproximando do edifício da Archer.
— Não defendo contato humano primitivo. Os celulares estão aí pra
isso, sou defensor das mensagens de texto, torna tudo tão interessante e ao
mesmo tempo fantasioso. Sabe, o frio na barriga, a ansiedade, a
antecipação.
— É claro que você vai defender as mensagens, você ganha com
isso! — Cohen gargalhou lindamente, tão contagiante que quando dei por
mim estávamos os dois rindo.
— Você me pegou. É, eu ganho, mas o que falei não deixa de ser
verdade. Além do mais, ia surtir uma certa revolta nele, no sentido de...
você sabe onde encontrá-lo.
— Isso é tipo aquele lance de demorar para responder?
— Quase. Também rola um mistério, é intrigante. Homens gostam
de mulheres intrigantes. — Assenti balançando a cabeça negativamente em
meio a um sorriso.
Estou aceitando conselhos do meu chefe. Conselhos amorosos, de
alguém que alguns dias atrás estava me proporcionando prazer. E que
continuava sendo meu chefe.
— Sua vez de responder. — Falei quando ele entrou com o carro no
estacionamento subterrâneo do prédio. Cohen estacionou o carro em sua
vaga reservada de frente para o elevador que dava direto no seu andar
presidencial, quando ele mesmo finalmente me respondeu.
— Eu não estou errado, Anya. Digamos que essa mulher também
ganhou minha atenção, e eu sei que você deve imaginar o que rolou para eu
estar com a etiqueta do seu vestido.
Imaginar? Merda Cohen, eu me lembro!
— Eu não estou pensando em nada do que ela disse, ou fez, eu só
estou pensando no gosto do seu beijo, no seu perfume, na maciez da sua
pele. Cada detalhe faz do pouco tempo que tivemos juntos, horas. Ela está
em cada pensamento obsceno, e eu não me conformo com a sensação de
que tudo não passou de um vislumbre ou coisa da minha cabeça. Eu sei que
aconteceu, eu sei que foi real, e tenho certeza de que ela sabe também,
porque eu vi nos seus olhos o mesmo desejo e a mesma entrega. Eu espero
muito que isso seja uma questão de ego ferido, porque cada hora que passa
sem que eu tenha essa mulher no meu colo de novo, é uma hora mais perto
da minha loucura. Eu a quero, apenas isso, e vou deixar que ela venha até
mim, porque eu gosto desse jogo.
CAPÍTULO 10
Quando você disse meu nome, eu sabia que não podia esperar muito tempo. Eu quero ficar? Quem
sabe?
Eu sei que você gosta de jogar.
Eu vi isso no seu jogo.
OT – Niykee Heaton

— Olha eu até aceito o fato de você ter dado para o seu chefe, ele é
o tremendo de um gostoso. O que não dá para aceitar é você não ter me
falado nada! — Insistiu Holly enquanto almoçamos juntas a algumas
quadras da Archer.
— Eu não dei! Nós só nos pegamos! — Corrigi, confusa se ela
estava feliz ou irritada por isso.
— Defina pegar para você, porque ele está te procurando até
debaixo do tapete. Anya, ele quer você, isso ficou mais do que claro.
Holly não me deixou em paz, desde que deixei o Ateliê. Quando
cheguei no escritório meu celular estava repleto de chamadas perdidas e
uma amiga em cólicas para saber todos os mínimos detalhes, e agora ela
insiste que Cohen precisa saber da verdade. Os dez primeiros minutos no
restaurante foram ouvindo seus protestos por eu não ter dito nada.
Eu não disse justamente por saber que ela surtaria, e começaria a
fantasiar situações e um futuro menos caótico do que a dura realidade.
— Não, ele quer a mulher que estava naquele vestido, não a Anya.
E ele está tão certo de que ela virá, que eu quero estar por perto quando os
dias se passarem e ele não tiver nenhuma notícia. Vai ser no mínimo
engraçado ver o ego dele sendo ferido dia após dia. — Comentei rindo
antes de dar uma garfada generosa. Afinal, Cohen disse que estava
gostando daquele jogo, o que significa que eu posso me divertir também,
pois uma coisa é certa, todos as convicções dele sobre a Dama de Prata,
cairão por terra.
— Enquanto isso vai bancar a secretária amiga? Pelo amor que eu
tenho a seda, você está brincando com perigo. Quando ele ligar os pontos, e
isso não vai demorar de acontecer, Cohen vai te foder com tanta força que
você nunca mais vai conseguir andar reta outra vez.
— Holly! — Quase me engasguei com a boca cheia. Isso me obriga
a dizer que nenhuma das suas fantasias são de classificação livre.
— Ah, não vem bancar a samaritana aqui não, Anya. Você perdeu
sua auréola enquanto rebolava no colo do Cohen.
— Por que ainda me surpreendo com você? — Me rendi largando
os talheres.
— Porque eu não escondo nem meus brinquedos eróticos de você,
quem dirá o que penso.
— Não quero pensar nisso enquanto como.
— Anda, confessa, você não pensa mesmo em dizer a verdade a
ele?
— Não, isso custaria meu emprego, minha carreira, meu futuro e,
dada a situação, meus direitos trabalhistas também.
— Isso é tão emocionante! Eu nem sei o que faria no seu lugar... —
Ela parou para pensar de boca cheia. — Bem, eu sei sim, eu já teria dado
para o Cohen há muito tempo.
Ri sozinha imaginando que Holly e as três secretárias se dariam
muito bem. Desmioladas, sem grandes responsabilidades que priorizam
seus desejos sexuais.
— Minha vida não se resume a sexo, Holly. Estou muito perto de
me formar, Tom está há dias de ouvir pela primeira vez e...
— Eu sei. Você se sente responsável por isso. — Completou, sem
desdenhar ou fazer pouco caso. Ela apenas já tinha ouvido essa mesma
desculpa milhares de vezes.
— Sou a única chance que meu irmão tem. Quanto mais tempo
passa as chances dele diminuem e... Holly minha família não consegue sem
mim. — Conclui caindo na realidade.
— Está sendo pessimista.
— Realista! Conto de fadas não existe! Minha única fada madrinha
me aconselha a transar com dois ao mesmo tempo, e o sapatinho de cristal é
só um vestido que me rendeu uma única noite. Uma noite que jamais vai
acontecer outra vez.
— Você não sabe o que está perdendo. — Disse apertando os
lábios. A expressão travessa.
— Sei sim, o ego inflado e a obsessão de Cohen.
— Não, estou falando do trisal mesmo.
Revirei os olhos desistindo de contra-argumentar, ela sequer me
olhava nesse momento, estava de olho em um cara próximo a nossa mesa.
Foi nesse momento que meu celular vibrou, era uma mensagem de alguém
que eu não estava esperando, e por algum motivo despertou-me algo bom.
Algo que é sólido e seguro, como Joe.

"Oi, não a vi hoje. Como foi com o Cohen?"

Meu coração acelerou em umas batidas. Pensei que ele não me


mandaria mensagem, pensei que nem quisesse falar comigo, por isso fui
pega de surpresa.

"Não fui demitida então...


Acho que até agora está tudo bem.
Pelo menos, enquanto ele não souber de nada."

Respondi bloqueando minha tela e deixando o celular na mesa, não


esperava que sua resposta viria tão rápido.

"Ele não sabe?"

"Não. E se depender de mim nem vai saber."

Respondi mordendo o lábio inferior, pensando nas palavras do


Cohen.

"Joe, eu queria me desculpar por


tê-lo deixado esperando naquela noite."

Mandei tudo de uma vez, não soltei meu lábio enquanto Joe não me
respondeu.

"Depois de algumas horas plantado


no mesmo lugar, eu percebi que tinha
ido embora. Isso nem foi tão frustrante
quanto esperar por uma mensagem sua.
Achei que tinha superado, até ver você."

"Me ver? Sério? Não pareceu.


Você praticamente me expulsou da cafeteria
com medo de que Cohen viesse atrás de mim".

Ri sozinha e ao levantar meu olhar, encontrei Holly me encarando.


— Está falando com quem? — Perguntou arqueando uma
sobrancelha.
— Joe. Ele é um fofo! — Respondi deixando o celular de lado
novamente. Um sorriso bobo não saia dos meus lábios.
— Fofo demais para o meu gosto. Vem cá, ele sabe sobre você e o
Cohen?
— Não, claro que não. Estamos nos conhecendo e, de verdade, o
evento nem era o lugar adequado para um encontro.
— Encontro? Tipo um relacionamento? — Resmungou em uma
careta aversiva. — Está mesmo querendo embarcar nisso?
— Essa sua aversão por relacionamento soa quase como minha
aversão por aventuras que colocam minha estabilidade em perigo. E mais
do que uma transa de uma única noite, eu sinto algo próximo de estável
falando com ele. Gosto disso.

"É impressionante a facilidade que você


tem de me fazer rir em momentos inapropriados".

Chegou enquanto eu sorria da expressão de desespero da Holly.

"Espero não o ter colocado em uma situação agora".

"Eu geralmente não sorrio tão facilmente


assim, e isso me coloca em uma posição,
na qual minhas desculpas não apagam o
que homens engravatados de frente para
mim acabaram de ver".

Gargalhei imaginando a cena, contrariando apenas o fato dele não


sorrir facilmente, pois Joe sempre estava sorrindo quando eu chegava na
cafeteria.

"Então não envie mensagens enquanto trabalha".


"Não estou trabalhando.
Estou almoçando, e você?"

Com homens engravatados? Talvez de frente para eles, talvez


sozinho, por isso a estranheza em rir alto dependendo do ambiente.

"Também".

Respondi apenas.
Joe não respondeu mais nada depois. E meu almoço encerrou com
minha amiga trocando números com o rapaz da mesa ao lado. O que
significava que ela provavelmente não dormiria em casa hoje.

Voltei ao meu trabalho muito antes de Cohen, ele não me avisou


que permaneceria fora então fui obrigada a desmarcar alguns compromissos
de última hora. Reuniões de pequena importância, e visitas que deram de
cara com uma porta fechada.
Uma delas me pegou de surpresa, completamente inesperada e
indesejada, como sempre, Drizella surgiu batendo seus saltos irritantes no
mármore.
Ela parou de frente para mim com seu nariz empinado e a postura
irritantemente superior.
— Cohen me pediu para vir buscar algumas coisas na sua sala. —
Despejou sem um mísero oi.
— Ele não deixou nada avisado. — Ela revirou os olhos e
vasculhou seu celular.
— Ele previu que você diria isso, e me mandou mostrar a
mensagem. — Disse virando o celular para mim. Ela tinha o nome do
Cohen salvo e algumas instruções do que ela precisaria fazer na sua sala,
pontuando no final, que deveria mostrar essas mensagens a mim, caso eu
barrasse sua passagem.
— Tudo bem. — Falei, levantando-me para abrir a porta. Drizella
estava estranha, mais irritada do que o habitual. Andou em passos firmes e
barulhentos para dentro da sala enquanto eu segurava a porta, e foi direto
para a mesa de Cohen, procurar seja lá o que for, mas parou no meio do
caminho, avistando assim como eu, a caixa branca do vestido sobre a mesa
de centro, na sala de estar.
— O que é isso? — Perguntou mudando seu caminho em direção a
caixa.
— Não foi isso que ele pediu.
— Para de ser chata, só vou olhar. É um Stella Valêncio. — A nota
esperançosa em sua voz fez nascer em um interior bem profundo, algo
parecido com ciúmes.
— Drizella! — Tentei avisar, mas ali estava ela, abrindo a caixa e se
deparando com o vestido. Sua expressão mudou para uma fúria colossal.
Sua pele de tão pálida ficou incrivelmente vermelha.
— Vadia! — Resmungou.
— Como é?
— Você não, a vadia que estava usando esse vestido na festa! —
Então me senti duplamente ofendida. — Como ela ousa mandar isso aqui?
Que tipo de provocação é essa? Cohen já viu esse absurdo?
Um sorriso cínico surgiu em mim. Nunca fui vingativa, mas por
Deus, Drizella merecia.
— Já sim, foi ele quem comprou. — Falei, como quem não queria
nada
— Como é que é?
— Cohen comprou esse vestido. Ele está atrás da mulher que usou
ele no evento da Archer.
— Por que ele faria isso?
— Olha, não sou de fazer fofoca, você sabe, mas parece que ele
está obcecado. Cohen jurou que encontraria ela para terminar o que
começou, eu acho... — Cochichei propositalmente. — Que eles quase...
— Impossível! — Me interrompeu. — Você só pode estar ficando
maluca.
— Não estou não. Ele até me pediu ajuda, mas, tudo o que sei é que
ela está mais perto do que ele imagina. — Provoco.
— Isso não pode acontecer. Essa vadia não vai colocar as mãos no
Cohen!
— As mãos? — Indaguei com ironia, lembrando que a última coisa
que Cohen me deixou usar naquela noite foram as mãos. — Acho que ela
colocou muito mais que isso nele, ou ele nela, não sei direito.
— O que foi que ele te disse? — Perguntou em desespero.
— Que não vai parar, até tê-la de novo dentro desse vestido... —
Foi minha vez de baixar o tom de voz, até estar brandamente superior. —
Para então poder ele mesmo tirar.
— Isso não vai acontecer. — Cruzei os braços com um sorriso
vitorioso de canto.
— Acho melhor você nem tocar nisso, ele mal deixou eu ver. —
Era meu instinto de posse falando.
— Eu não tenho medo dele. Você deve ter, e com razão, assim
como essa vadia deveria ter também. Eu pensei que ele estava vendo
sangue e bebendo ódio por ela.
— Infelizmente eu só respondo por mim. — Dou ombros
dissimuladamente.
Sua risada foi quase triunfal, se não estivesse tão nervosa
— Cohen não vai encontrá-la. — Nunca apoiei tanto Drizella em
toda minha vida. — Não se quem eu acabei de ver, encontrar primeiro.
— Como é? — Perguntei inexpressiva.
Outra risada.
— Cohen não é o único procurando pela vadia de prata, e quando
encontrarem primeiro, Cohen nem vai lembrar que já esteve duro por ela.
— E eu que pensei que Holly fosse escrota. — Pensei alto.
— Grave essas palavras, Anya, essa vadia vai sumir do mesmo jeito
que apareceu, entre fumaças!
Esperei que ela saísse logo após pescar algumas pastas em cima da
mesa de Cohen, para então me sentar ao lado da maldita caixa branca
encarando o vestido causador de todos os meus problemas.
Bufei jogando minha cabeça para trás, assumindo minha
impaciência e exaustão emocional. Não aguentava mais toda essa pressão.
Essa corrida contra o tempo. Só queria que seis meses passasse em um dia,
para eu poder me formar, voltar pra casa e finalmente começar minha vida.
Sem mentiras, sem se esconder de ninguém. Quero apenas ser Anya
e verbalizar o quanto eu amo meu irmão, sabendo que ele escutaria minha
voz. Sabendo que eu poderia proporcionar descanso aos meus pais, e um
futuro melhor para Tom.
Eu queria muito, e me dói saber que esse muito... é o mínimo!
Não era novidade que havia mais de uma pessoa em busca da
minha identidade, mas confesso que Drizella conseguiu me deixar pensativa
pelo resto do dia.
Perdi as contas somente hoje, de quantas vezes tomei a decisão de
contar tudo ao Cohen. Até perceber que já não era mais somente medo que
me dominava. Havia a certeza de que ele nunca mais me olharia daquela
maneira.
O que ele disse sobre ela... sobre mim. Essas palavras soavam
muito mais alto do que qualquer coisa na minha cabeça.
“cada hora que passa sem que eu tenha essa mulher no meu colo
de novo, é uma hora mais perto da minha loucura. Eu a quero, apenas
isso...”
Ela, não sua secretária. A mulher que sabe cada passo e cada hora
do seu dia dentro daquela empresa.
Havia algo que me dizia, que doeria ver a incredulidade em seus
olhos. Esse mesmo desejo se desfazendo com repulsa ao se dar conta do
erro que cometeu.
Eu sei que foi um erro.
Mas também havia algo bem no fundo que desejava.
Desejava não ser quem sou e ser apenas a mulher que ele espera
encontrar.
No fundo, no fundo, eu queria mesmo isso. Admiti no silêncio do
meu quarto, enquanto lembrava do jeito com que ele me olhava dentro do
carro, como se pudesse prometer a ela cada maldita palavra.
E quando fechei meus olhos, era como se sentisse o gosto da sua
promessa na minha boca. Seu sorriso brincando com minha pele, e o jeito
como ele prometeu que eu seria dele e de mais ninguém. Isso estava
crescendo dentro de mim em proporções incontroláveis, porque eu jurei que
tudo ficaria mais fácil, mas cada parte minha lembrava da sensação que era
estar tão perto. Mais do que perto, unidos como uma coisa só.
O beijo que nunca deveria ter acontecido.
Meu quadril se movendo contra o pau dele...
Ofeguei violentamente quando meu próprio celular vibrou, me
tirando desse abismo em uma notificação. Percebi meus seios doloridos e o
que eu estava prestes a fazer pensando nele. Minha respiração estava forte,
meu peito descia descompassado.

“Está acordada?”

Era Joe, e não só agradeci mentalmente como também me senti


envergonhada.
Me ajeito na cama e começo a responder.

“Estou.”
“Bem acordada, na verdade.”

“Que bom, isto é bom. Porque não consigo


parar de pensar em você!”

Meu coração pareceu dar um tranco. O mundo ficou em silêncio.


Eu sequer sabia o que responder, mas gostei do calor tranquilo que aqueceu
meu ventre, completamente diferente da tensão avassaladora que falava
mais alto minutos antes.

“Desculpe.”

Eu estava sorrindo quando decidi responder.

“Não, tudo bem.


Estou só um pouco surpresa.
Não sei o que dizer.”

“Não precisa dizer nada.


Estou acostumado com seu
silêncio mesmo.”

Ri sozinha cobrindo minha boca com os dedos. Me encostei na


cabeceira e dobrei os joelhos. Meu coração estava acelerando abobado.
“Sempre pensei que minha
vida podia esperar um pouco.
Fugir nem é uma alternativa
É só o modo como evito
lidar com mais coisas.”

“Eu entendo. Mesmo!


E vou entender se não quiser
lidar comigo agora.”

“Se eu não quisesse, não teria


finalmente te mandado mensagem.”

Não, ele não precisa saber que foi Cohen quem me incentivou, e eu
não precisava admitir que foi a melhor coisa que fiz graças a ele.
Imagens do seu beijo invadiram minha cabeça, quase como se
pudesse me corrigir.
Beijá-lo foi a melhor coisa que fiz.
Encarei a tela do celular por algum tempo, quase desistindo de
esperá-lo responder.

“Sei que você está odiando o evento


da Archer tanto quanto já odiava.
Mas eu fico feliz que ele tenha feito
você mudar de ideia.”

“Por favor, não me lembre dessa festa.


Ela me assombra agora, todos os dias.”

“Foi tão ruim assim?”

Caramba, Joe não me faça lembrar dele.

“Para ser sincera...


Foi a melhor noite da minha vida!”
Ele deve imaginar que foi por tudo o que eu disse na frente de
todos, e de fato era, mas meus pensamentos ultimamente andam bem
traiçoeiros, e minha pele arrepiou por um momento, só por lembrar do seu
gemido rouco contra a pele do meu pescoço.
A conversa durou horas, me peguei sorrindo diversas vezes, por
motivos bem diferentes.
Nós falamos sobre nós mesmos. Sobre nossas vidas e interesses.
Não fui tão específica, tampouco ele, pois nossas superficialidades
pareciam ser menos dramáticas e por isso mantemos a conversa assim,
nessa linha segura, calma e divertida.
Combinações de comida e estação preferida. O último livro que
lemos por vontade própria e até sobre o zelador da Archer que estava com
um problema de saúde, e mesmo assim continuava sorrindo. Joe revelou
que as vezes faz suas refeições com ele na zeladoria e foi assim que ele
ficou sabendo de toda sua vida.
Acho que foi aqui que comecei a realmente me encantar por ele.
Aparentemente o zelador também era sua fonte. Joe disse que ele
sabe absolutamente tudo sobre aquela empresa.
Não sei em que momento, ou quem mandou a última mensagem,
mas acabei adormecendo quando o céu já estava chamuscado de laranja,
lembro apenas de ter respirado como uma boba, sentindo-me como uma
adolescente depois de ter virado a noite conversando com aquela pessoa.
Acordei sendo sacudida e demorei mais do que o normal para focar
no rosto da Holly, que parecia estar chegando agora.
— Está viva, graças a Deus. — Ela realmente suspirou aliviada. —
Você foi demitida?
— Não... — Olhei ao redor, para a janela, e para a luz do sol. —
Que horas são?
— Melhor você nem saber.
— Merda!
Não me arrumei em tempo recorde, pois desci as escadas do prédio
com meus sapatos nas mãos.
Holly me emprestou o carro e testei cortar caminho várias vezes.
Seria tão prático jogá-lo contra um muro e ter uma desculpa
descente para tanto atraso, mas o carro não era meu e não estou podendo
receber multa.
Não passei perto da cafeteria, mas me pergunto se Joe conseguiu
chegar no horário depois de praticamente ter passado a noite em claro
conversando comigo. Por sorte ele estava rodeado de cafeína, já eu, tive que
ir direto para o andar presidencial, com um discurso de desculpas decorado
em minha mente, mas quando entrei na sala do Cohen... não tinha
ninguém.
Foi quando respirei novamente, libertando todo o ar do meu
pulmão.
Qual a probabilidade de ele não ter chegado ainda? Pouca, mas
possível.
Volto em passos lentos para minha mesa. Pelo meu corpo parece
que havia passado um caminhão, e minha mente ainda estava em modo
letárgico quando me sentei.
Perdi a conta de quantas vezes bocejei só nos últimos dez minutos,
mas foi exatamente esse o tempo que demorei para sentir meus olhos
pesados. Tentei esfregar meu rosto algumas vezes, mas fui vencida.
A sensação foi de um piscar de olhos, quando abri os abri
novamente, Cohen estava bem ali, de pé ao meu lado, com o quadril
apoiado em minha mesa, de braços cruzados e os olhos sob a sombra de um
sorriso inexistente.
— Merda! — murmurei bufando só pra mim.
Ele arqueou uma sobrancelha. Era loucura, mas parecia que estava
se divertindo.
Fiquei ainda mais preocupada com meu corpo menos cansado do
que quando cheguei. Isso só pode significar que eu dormi por pelo menos
uma hora inteira.
— Já demiti alguém por muito menos.
Apoiei meu queixo na mão e o observei por algum tempo. Não
tinha nada de ameaçador nele. Nada que fizesse das suas palavras um aviso.
— Você não vai me demitir... — falo estreitando os olhos. —
Precisa de mim.
Seu rosto iluminou e Cohen não conteve um meio sorriso.
— Está convivendo muito comigo. Se isso tivesse saído da minha
boca, você teria me chamado de convencido.
Assenti dramaticamente.
— E eu não estaria mentindo.
— Estou criando um monstro. — Foi minha vez de sorrir, e notei
quando ele reparou nisso.
Olhei para o balcão e encontrei um copo de café me esperando.
— Há quanto tempo está aí? — Cohen deu ombros.
— Não muito. Só o suficiente para saber que atrasou. E não precisa
se preocupar com qualquer que seja a desculpa que tenha decorado, porque
eu já sei o motivo.
Franzi a testa arrumando a postura da minha coluna.
— Quem me delatou?
— Eu estava saindo quando você deveria estar chegando. Sabe o
que isso significa?
— Um domingo da minha folga. — Lembro com desânimo.
— Estava esperando você dizer que perdeu.
— Eu não daria esse gostinho.
Um domingo perdido, uma folga que eu zelo com tanto carinho, por
uma porcaria de aposta que fizemos em uma brincadeira.
— Você tem sorte. Estou tão satisfeito por ter ganhado que nem vou
me importar por ter pegado você dormindo.
— Olha, a minha desculpa é muito boa, se eu fosse você ouviria. —
Cohen finalmente riu por completo.
Alguma coisa me diz que ele sabe o efeito que esse sorriso sincero
causa nas pessoas, e por isso passa tanto tempo sério.
— Aposto que sim, mas guarda para a próxima.
— Não vai ter próxima.
— Não me faça apostar de novo.
— Nunca mais, prometo!
— Ótimo, porque você perderia outra vez. E eu não gosto de ver
você tentar mentir para mim.
— Puf... — desviei meu olhar dissimuladamente. — Eu não faria
isso, não minto, eu induzo uma verdade. O pneu da minha melhor amiga
está realmente furado. Posso provar.
Cohen me olhou de um jeito que não deveria ter olhado.
— Anya... não precisava ter furado o pneu dela, porque alguém
deixou uma mensagem no seu café dizendo que adorou ter passado a noite
toda em claro com você.
Ele simplesmente virou meu copo, e a mensagem manuscrita estava
ali. Meu rosto ferveu... Vergonha pura e simples.
— Eu... preciso de uma borracharia.
Cohen riu tão lindamente ao se desencostar da minha mesa que eu
custei para não gravar aquela risada rouca e gostosa na minha mente.
— Alguma novidade sobre ela? — Ele pareceu ter lembrado de
perguntar e eu não percebi que demorei mais do que normalmente
demoraria para pensar em uma resposta.
— Não! — Disse apenas. Cohen não exigiu mais do que isso.
— Certo. Não precisa ir a reunião da tarde comigo. — Disse
parando na soleira da sua porta. — Não sei se você sabe, mas temos um
espaço só para descanso.
— Aparecer lá seria como dizer a todos que estou prestes a pedir
demissão.
Ele arqueou uma sobrancelha pensativo. Era apenas um comentário
bobo que circulava entre os funcionários. Talvez seja coincidência, mas
todos que tiram algumas horas para descansar é porque estão pensando se
vale a pena aguentar tanta pressão.
— Obrigado pela dica.
CAPÍTULO 11
Eu sou seu futuro
E eu sou seu passado.
Nunca se esqueça, nós fomos feitos para durar.
Take On The World – You Me At Six.

Quando deu meu horário, juntei minhas coisas da universidade e


deixei minha mesa em ordem, antes de deixar a empresa pelos corredores
vazios.
Meu acordo com Cohen era entrar uma hora depois de todos os
funcionários, para que eu pudesse sair uma hora mais tarde e assim poder ir
direto para faculdade. Portanto, sempre que eu ia embora, restavam poucos
funcionários do setor corporativo, a menos é claro pelos setores de
desenvolvimento e toda a parte integral da tecnologia, esses eu sabia que
funcionava vinte e quatro horas por dia, mas eu sequer passava perto.
O edifício e toda a extensão da corporação Archer são
imensuráveis. Inúmeros polos estão espalhados pelo país e pelo mundo,
mas a matriz é sem sombra de dúvidas a mais deslumbrante.
Às vezes eu me esquecia do que Cohen representava, ou até mesmo
quem ele era. Quando ando por esses corredores infinitos e lembro que esse
tal Cohen que eles tanto temem é meu chefe que nada parecia com a
imagem que os funcionários desenham dele, me sinto privilegiada.
Talvez esse sentimento tenha sido o responsável por me encorajar
na festa. Esse privilégio que eu tinha de ter acesso a um Cohen menos
arrogante e implacável me colocou em uma zona de conforto perigosa. Eu
tinha medo de conhecer o Cohen que todos conheciam.
Uma voz gritava dentro de mim para me proteger, porque agora um
turbilhão de sentimentos era acumulado. Me lembro daquela noite e algo
entra em erupção. Me lembro dos fatos e um grande iceberg congela essa
excitação esperançosa por uma promessa que eu não poderia deixar Cohen
cumprir, até porque quando ele souber a verdade, meu destino será certo, e
por ter mentido para ele eu sei que todo esse ego ferido mascarado de
desejo será revertido.
Não há melhor das hipóteses quando eu sei o quanto ele pode ser
vingativo. Cohen acabaria com tudo pelo que luto todos os dias em um
piscar de olhos.
Ele pode fazer isso!
Passando pela cafeteria já fechada, que me impossibilitava de ver
Joe na saída, mandei uma mensagem para Holly dizendo que eu já estava
saindo, e com os olhos presos no celular, não percebi o grupo de
engravatados que se despediam perto da escada.
Quando todos eles passaram pela catraca que dividia o hall das
portas de vidro giratória, encontrei o olhar de Cohen em mim. Continuei
meu caminho concentrada em não tropeçar nos meus próprios passos. Por
algum motivo ele me esperou alcançá-lo.
— Boa noite. — Ele me cumprimentou. Só então percebi o grande
emaranhado de nós que embrulham meu estômago. Parecia que fui pega no
flagra, estava diante de mim o homem que segundos atrás estava nos meus
pensamentos.
Nem o gênio da lâmpada faria essa proeza.
Não que ele seja um dos meus três desejos de vida, muito embora,
se eu pudesse desejar alguém por uma noite, ele certamente teria os traços
do Cohen. Seu corpo e todas as atribuições.
— Boa noite. Você sumiu pela tarde inteira, deixei e-mails na sua
caixa de mensagem. Como foi com os acionistas? — Tentei demonstrar
naturalidade.
— Um saco. Alguns do exterior chegaram antes do combinado e
me alugaram pela tarde inteira. — Percebi que além de exausto, Cohen não
parecia estar em seu melhor estado. — Mas eu vi suas mensagens. —
Completou.
— Está tudo bem? — Não, não estava, e me belisquei internamente
porque eu o conhecia ao ponto de saber quando ele estava mais do que
apenas preocupado.
— Estão me pressionando, apenas isso. — Disse com olhos fixos
em mim, franzindo a testa como se obrigasse suas pálpebras parecerem
menos pesadas.
Ele não sabia o quanto ficava ainda mais atraente assim.
— Isso tem a ver com...
— O lançamento da Archer? — Me interrompeu colocando o
próprio crachá no leitor da catraca para liberar minha saída. Passei por ela,
ficando no mesmo metro quadrado que Cohen, lidando com o perigo de a
qualquer momento fitar seus lábios enrijecidos, mas por sorte ele
finalmente me deu passagem. — Tem. Esses caras investiram muito
dinheiro para estarem diante de uma mídia tão negativa.
Nunca me senti tão idiota e tão... ridiculamente responsável.
— Isso não é bom, né? — Inquiri caminhando ao lado dele para a
saída.
— Não é de todo ruim. — Ele disse em um tom cansado.
— Cohen, essa sua obsessão por essa mulher está te fazendo agir
com a cabeça de... — Me parei antes de concluir. Cohen quase falhou um
passo. Isso que dá conviver demais com Holly Price. — Desculpa, eu não
ia dizer isso, eu ia dizendo que você está se esquecendo de como costuma
resolver as coisas.
Falava do Cohen implacável e imperdoável que lidava com
assuntos que o consumiam de forma prática e fria.
— Garanto a você que eles não se esqueceram. — Ele ainda buscou
seu lado egocêntrico meio ao cansaço.
— Esqueça isso e concentre-se nos prejuízos que ela te trouxe.
— Esse é só mais um motivo para encontrá-la, porque eu não
consigo pensar em mais nada. — Arfei, tentando melhorar uma situação
usando disso para me esquivar e até convencê-lo, mas o que parecia é que
eu estava cavando essa obsessão dele cada vez mais fundo, de modo que
somente essa maldita personagem que Holly e Stella inventaram poderia
tirá-lo.
Então considerei que talvez meus problemas não cheguem aos pés
dos problemas do Cohen. Eram tão pequenos comparados aos prejuízos
reais que ele poderia ter, que eu cogitei acabar de uma vez por todas com
isso e assumir as consequências.
E quando eu penso nisso, eu penso no alívio que eu teria de não
precisar mais lidar com a presença dele todos os dias, ou nas mentiras que
eu estava constantemente contando a mim mesma. É óbvio que ele vai
descobrir. E seria, talvez, menos ruim se fosse pela minha boca.
— Ah minha nossa. — Arfei quando vi Holly além da vidraça.
Ela veio me encontrar pois estou com seu carro. Mas Cohen não
podia me ver com ela. Eu estava ponderando sobre a verdade, mas acabei
de descobrir que o momento não era agora.
— O que foi?
— Acabei de lembrar que o pneu ainda está furado. — Falei a
primeira coisa que veio na minha cabeça. — O que me faz lembrar também,
que é uma boa ideia pedir ajuda ao Joe... o que você acha?
Cohen olhou para trás, para além das catracas.
— O que eu acho... é que ele já foi embora.
— É... é verdade.
Cohen riu me acompanhando até a porta giratória, recebendo alguns
cumprimentos de despedida dos seguranças e do zelador que nos lançou um
sorriso. Devolvi o aceno e por um infortúnio, entramos no mesmo gomo de
saída.
— Então você furou mesmo o pneu? — Sua voz soou embalada
pela caixa de vidro.
— Sim. — Respondi apenas, empurrando a folha de vidro sabendo
que Cohen estava bem atrás de mim.
— Estou me sentindo culpado. — Ignorei a ironia na sua voz.
— Mas a culpa realmente foi sua — falo olhando por cima dos
ombros. — Por muito menos já demiti alguém. — O imito descaradamente.
— Estou realmente criando um monstro, veja só você. — Parei de
empurrar a porta por segundos, sabendo que Cohen também parou de andar.
— É o que acontece quando você chama uma funcionária de
amiga. — Ele sorriu negando.
— Não, não. Isso aí tem a ver com outra coisa. Seu humor está
ótimo e eu ouvi você cantarolando enquanto revisava uma pilha de
orçamentos. Esse sorrisinho só pode ser consequência daquela mensagem
no seu copo hoje cedo.
Dei ombros ainda sorrindo, intercalando entre suas orbes
acinzentadas. Era completamente insano dar a ele a oportunidade de
reconhecer qualquer mísera semelhança, mas eu simplesmente não
conseguia desviar meus olhos dos dele.
— Talvez. — A boca transformou-se numa linha dura. Seus olhos
arderam em um brilho sombrio, por um momento eu vaguei pela noite em
que esses mesmos olhos me fitaram com prazer e ódio.
O ar naquele ambiente ficou pesado.
— Prefiro você assim. — Ele disse.
Pigarreando, obriguei meus pés a girarem sobre o calcanhar e
empurrei a folha de vidro até estar respirando ar puro do lado de fora. O
vento me golpeou e vi que Holly já não estava mais ali, agradeci
internamente por isso.
— Eu também. — Murmurei enquanto abraçava meus braços para
me proteger do frio. Não tinha certeza se ele ouviu.
— Onde deixou o carro? — Perguntou depois de um tempo.
— Na rua ao lado.
— Vamos, eu te ajudo. — Meu semblante todo se desfez.
— Não, não precisa. — Deixei óbvio em meu tom de voz o quão
era absurdo a hipótese de ele sujar as mãos comigo.
— Você está sozinha.
— Acha que não sei trocar um pneu?
— Eu não disse isso, só estou oferecendo ajuda.
— Obrigado, mas não preciso. — Cohen me olhou como se eu
fosse louca. Loucura mesmo era aceitar a ajuda dele.
— Você ia pedir ao Joe — justificou apontando com o polegar para
dentro da Archer.
— Ah, isso é aquela coisa que nós fazemos, sabe? Se fingir de
frágil só para o cara se sentir mais útil do que é.
Cohen soprou um sorriso desacreditado.
— Então... ele pode te ajudar e eu não?
— Eu disse que queria a ajuda dele, não que precisava.
— E agora você acabou de dizer que não quer.
— Não disse que não quero...
— Então você quer.
Apenas o encarei boquiaberta.
— Trabalho aqui há quase dois anos, Cohen. — Fiz questão de
dizer seu nome, arqueando uma sobrancelha. — Não é porque aceitei seus
conselhos amorosos que vou passar a aceitar esse tipo de ajuda.
— Você também não precisava deles. — Ele sorriu triunfante
passando por mim. Fiquei parada no lugar digerindo o último olhar
presunçoso que me lançou, como se ele tivesse alguma coisa a ver com meu
bom-humor hoje, e o pior é que indiretamente, ele tinha! Afinal, se não
fosse por ele eu jamais teria passado a noite conversando com Joe.
Não me restou outra coisa senão segui-lo, e o mais improvável
aconteceu. Uma esquina depois, Cohen estava comigo, procurando por um
macaco hidráulico no porta-malas do carro.
— Quem anda por aí com um estepe sem macaco hidráulico? —
Ele pareceu irritado.
Holly. Eu quase disse Holly.
— Se disser que só podia ser coisa de mulher, eu juro que solto essa
porta.
Ele me olhou desafiado, pois era exatamente o que eu estava
fazendo, segurando a porta para não cair em sua cabeça enquanto ele
procurava. A essa altura, Cohen realmente achou necessário tirar o blazer e
estava com a camisa social preta arregaçada no antebraço, onde meus olhos
vez ou outra se prendiam.
— Eu sei onde achar um — disse desistindo de procurar.
— Não me diga que vai tirar o plástico de proteção do seu kit
novinho?
— Engraçadinha... — debochou assumindo o peso da porta por
precaução, para então fechá-la. — Mas você tem razão, eu não troco pneu,
eu troco de carro.
Desdenhei bufando.
— Achei que ia dizer que tinha pessoas pra isso, mas essa foi
melhor.
— Vem! — Me chama arrastado.
O quarteirão inteiro era da Archer, então mesmo estando na rua do
lado, ainda tínhamos acesso às demais entradas, e Cohen escolheu uma
delas que deu direto no almoxarifado.
Somente alguns seguranças rondavam e depois de caminhar por um
longo corredor com portas para depósitos de limpeza e copa para
funcionários, nós entramos na zeladoria, onde o mesmo senhor estava
jantando e foi pego de surpresa.
— Opa, Menino, uma hora dessas. — Ele levanta limpando as mãos
na roupa.
— Desculpe, cheguei em péssima hora, mas é que estou com um
probleminha. Lembra que uma vez o senhor me arrumou um macaco
hidráulico?
— Lembro, lembro. Até hoje não achamos o seu, eu procurei saber
depois e nem lembrei de contar pro senhor, que essas empresas de
importados, escondem a mala do estepe em um fundo falso.
Cohen me olhou pelo canto dos olhos, como se dissesse que eu
estava errada a seu respeito.
— É por isso que prefiro nacionais.
— Nunca que a gente ia encontrar. — Cohen concorda, me dando a
entender que não é a primeira vez que ele precisa da ajuda do zelador, ou de
um macaco hidráulico.
— Então, eu preciso dele de novo. Dessa vez para a mocinha aqui
que anda sem um de fato. Coisa de mulher. — Me provoca, e ganha um
cutucão na costela.
E eu ganho uma risada, dele e do senhor.
— Está por aqui, sempre deixo fácil. — O gentil senhor revira uma
prateleira de ferro. — Onde está o carro? Eu posso trocar.
— Ah, ela não precisa de ajuda. Não se preocupe.
— Ela vai trocar?
— Não ia, se eu não soubesse onde encontrar um macaco. — Fui
obrigada a revirar os olhos.
— Meu pai tem uma oficina. — Respondo ao senhor, ignorando as
provocações de Cohen. — Aprendi uma coisa ou duas.
Ele sorriu, como se pudesse sentir o orgulho em minha voz. Então
entregou o macaco ao Cohen, que me olhava.
— Minhas filhas também não pedem mais ajuda para trocar a
lâmpada. Nem mexer na parte elétrica. — Acabei sorrindo, me perguntando
se meu pai também sabia disso, quando eu pedia sua ajuda mesmo assim.
— Obrigado...
— Myles. John Myles.
— Anya. — Ele ponderou antes de aceitar meu cumprimento, e
ainda limpou a mão no macacão antes disso. E foi só quando sorriu que
pareceu ter gravado meu nome.
— Anya... — experimentou olhando para Cohen, que pigarreou do
meu lado. John sorriu. — Bonito nome. Bonito mesmo.
— Obrigado. — Cohen limpou a garganta outra vez.
— Vamos? — Assenti me despedindo do Sr. Myles. Cohen fez o
mesmo, se encarregando de fechar a porta enquanto ainda trocava olhares
com ele.
Fiquei com algo me incomodando enquanto caminhava ao lado dele
no corredor.
— Ele trabalha no período da noite?
— Sim. As vezes de dia, mas eu o proibi de fazer horas extras.
Assenti, seguindo Cohen até a saída.
Ele certamente também sabe que o zelador tem problemas de saúde,
e é uma pena que Joe não vai mais poder fazer companhia, pois os dois nem
se veriam mais aparentemente, e ele realmente me parece ser uma ótima
pessoa.
Não muito tempo depois, Cohen estava de braços cruzados após me
ajudar a levantar o carro.
Não tinha por que tentar impressioná-lo, porque eu realmente sabia
trocar, mas ele revirou os olhos quando pedi a chave de roda.
— Anya... as pessoas estão me julgando. — Ele disse depois de um
bocejo.
— Cohen Archer assiste sua secretária trocar um pneu e não faz
nada. Quanto você acha que pagam por uma fofoca dessas?
— Se tiver foto você deve ganhar uma boa grana, mas está falando
com alguém que manipula algoritmos, a notícia não alcançaria mais do que
meia dúzia de pessoas.
Ele não limita sua presunção apesar de falar com naturalidade.
— Por que você não faz cara de dor? Ninguém vai te olhar feio por
ter se machucado.
Senti seu sorriso nascer discretamente, mas ele decidiu olhar para o
lado.
Fiquei pensando no que ele mesmo falou, e não segurei minha
maldita curiosidade na boca.
— Posso te fazer uma pergunta? — Tive que olhar para cima, pois
estava encaixando os parafusos na roda. Cohen deu ombros. — Se você
manipula o que quer que as pessoas vejam a seu respeito, por que deixou
que a repercussão da festa tomasse essas proporções?
Cohen me encarou por um longo período, ao ponto de achar que o
seja lá o que ele esteja pensando, resolveu guardar para ele, até que outro
jogar de ombros desinteressado antecedeu sua resposta.
— Porque nada do que foi dito é mentira. — Me calo para ouvir ele
falando o que achava pela primeira vez. — Não sou o único que comanda
esse projeto. Existem pessoas... pessoas grandes que investiram muito nele,
e querem seu retorno de volta, o mais rápido possível. Eu desenvolvi o
sistema, mas ele foi vendido para empresas que dão seu próprio preço. Não
há nada que possa fazer por isso. Deixei que repercutisse naturalmente, não
houve manipulação alguma, como eu disse, não é de todo ruim, porque as
pessoas realmente concordam com o que foi dito, estão falando sobre isso,
discutindo outros projetos, empresas estão revendo seus conceitos de
inclusão.
Cohen me deixou sem fala. O que não era difícil de acontecer, mas
isso...
Me peguei pensando quem realmente o conhece de verdade?
Porque para um empresário arrogante, ele não se importou nem um pouco
com o quanto apenas seu nome seria atingido, para de voz a algo mais
relevante.
Outra vez, me senti envergonhada por tê-lo prejudicado tanto.
— De alguma forma isso é bem íntegro da sua parte. — Cohen
sorriu.
— Quem diria que algum dia, alguém me chamaria de íntegro.
— Você é! E não precisa disso para provar algo. — Agora ele
realmente pareceu ter sido desarmado. — Mesmo que apenas poucas
pessoas vejam, ou ninguém.
— Obrigado. Por ver... eu acho. — Foi tudo o que ele respondeu,
enquanto desviava o olhar desconfortável.
Cohen Archer desconfortável.
Quando eu parei para imaginar uma cena dessas?
Me obriguei a continuar o que estava fazendo.
Na última etapa, enquanto eu apertava os parafusos subindo em
cima da chave, potencializei minha força xingando a mim mesma, pois só
estava passando por isso por completa idiotice.
— Da próxima vez... — Resmungo apertando a chave com o pé,
subindo em cima. — Eu minto na cara dura. Acredite você ou não.
— Você prometeu que não teria próxima vez. — Desdenhou do
meu lado.
Soprei o cabelo que estava na frente da minha boca e o encarei.
— Estou começando a me arrepender de...
A chave escapou comigo em cima e o tombo seria vergonhoso se
Cohen não tivesse me segurado.
Jurei que nunca mais sentiria seu corpo tão perto do meu outra vez,
mas sua mão segurava meu braço, e seu olhar desenhava meus traços
visualmente.
Talvez eu estivesse ofegante pelo susto, mas senti meu coração
mais do que acelerado. Parecia que ia explodir ou sair pela minha boca.
Pigarreei me desvencilhando dele.
Cohen não disse nada, piscou algumas vezes antes de retomar o
semblante sarcástico.
— Você não precisa se fazer de frágil só para que eu me sinta mais
útil. — Reviro os olhos pegando a chave no chão.
— Engraçadinho... — Notei que eu ainda respirava pela boca, meu
coração desacelerando. — Estou atrasada para a faculdade.
— Se você for tão rigorosa, devem estar preocupados.
Nós nos olhamos por um tempo, parecíamos tentar reestabelecer
alguma coisa. — Nem um obrigado? — Sorri, quase rendida.
— É por isso que não deixei que fizesse o trabalho difícil. Você
leva fama de negociar favores prestados.
— Esperta, mas não sei se percebeu... eu fui útil.
— É, você foi. Obrigado, Cohen. — Ele anui satisfeito.
— De nada... — Ele deu um passo, sua postura ergueu e toda
aquela arrogância corporal parou bem do meu lado, quando ele se
aproximou sarcástico. — Fica me devendo uma.
Rolei os olhos quando ele se abaixou para terminar de apertar os
que faltaram e mais uma vez me peguei olhando para as veias do seu
antebraço.
Os dedos firmes que eram cravados na minha pele, e nem
precisavam de muito para aplicar a mesma força que meu corpo todo
precisava para apertar a chave.
Lembrei do punho ao lado da minha cabeça, e seus dedos por
dentro do meu cabelo...
Sacudi meus pensamentos antes que ele me pegasse no flagra.
Precisei me afastar um pouco pois já havia um desconforto entre
minhas pernas.
Quando finalizou, Cohen recolheu as coisas do chão e me ajudou a
colocar no porta-malas, dizendo que deixaria o macaco ali por precaução.
Limpamos as mãos em um pano qualquer que não faltava no carro
da Holly, de certa alguma amostra de tecido que eu espero que ela não
precise, e então me lembro que ela deveria estar em algum lugar torcendo
para que eu não a tivesse esquecido.
— Até amanhã, Anya. — Ele disse quando entrei no carro.
— Até amanhã, Cohen. — Desviei meu olhar do dele antes de
finalmente dar partida.
Ele ficou com as mãos no bolso esperando eu ir embora, como se
fosse realmente necessário.
Só quando fiquei sozinha pude respirar normalmente.
E a alguns quarteirões à frente, encontrei Holly. Ela acenou
freneticamente como se eu fosse um táxi, e quando entrou, sua expressão
dizia que ela viu tudo o que estava acontecendo.
— O que foi aquilo? — disparou a pergunta. Eu apenas neguei com
a cabeça, ignorando a nota esperançosa em sua voz.
— O que pareceu. — Respondi soltando o ar dos pulmões deixando
meus ombros caírem. Meu coração ainda estava acelerado, e meu
psicológico já estava dando indícios de que precisa de cuidados. — Acho
que preciso de uma bebida.
Pela primeira vez, Holly não me respondeu, continuou me
observando e pela visão panorâmica, eu via preocupação em suas linhas
expressivas.
— Quando precisar de uma desculpa, finge um desmaio, mas não
toca mais no meu carro! — Ri sozinha, ela não precisava saber que eu
considerei jogá-lo contra um muro.
Ela balançou a cabeça negativamente, como se eu fosse um caso
pedido.
Me arrastei até a sala para a primeira aula, sabendo que hoje meu
cérebro teria que pegar no tranco. E assim arrastei as horas seguintes
também, aulas com minutos que mais pareciam horas, me empenhando ao
máximo para prestar atenção, mas confesso que divaguei diversas vezes, até
ser puxada para a realidade quando o assunto se virou para mim, na aula do
professor Leeson.
— Vimos isso recentemente na prática, estabelecido na jogada de
marketing da corporação Archer, com a exposição de um problema na voz
da ilustre Dama de Prata. — Franzi a testa, assumindo o peso do meu
pescoço que antes estava apoiando na mão, lentamente erguendo minha
cabeça.
Exposição de um problema para conversão de vendas quando você
mesmo é a solução.
Uma lâmpada acendeu como um clarão na minha cabeça. Eu não
estava prestando atenção no debate daquela aula, justamente por já ter sido
uma matéria que eu dominei no semestre passado. Portanto, eu sabia
exatamente do que ele estava falando, e essa teoria por mais errônea e
equivocada que seja, é tão coerente que de fato parece ter sido planejada.
Leeson olhou para mim enquanto falava, pois ele sabe que eu
trabalho na própria Archer, era um dos professores, inclusive, que me
pressionava por conta dos estágios obrigatórios da faculdade que eu não
cumpria, isso porque eles mal pagavam meus estudos, e por decorrer disso,
eu precisava participar de todos os seminários e palestras como voluntária
para não ficar devendo nada na grade de horários.
— Estudando um pouco o histórico dos grandes lançamentos que
foram padronizados anualmente, vemos que essa questão da nova era
digital já existe, mas para inovar e convencer seu público de que isso não é
só mais um lançamento de produto, e sim um sistema operacional
necessário, eles precisaram gerar um problema. — Leeson contava com
empolgação. — Alguém sabe qual é esse problema?
Quando vi que ninguém levantou o braço, ousei me prontificar,
reprimindo um sorriso. Ele me passou a fala como se já esperasse pela
minha resposta. Afinal, eu deveria estar por dentro de todo plano de
marketing, mesmo nunca nem tendo acesso a ele, só sabia que a fala da
Dama de Prata, a minha fala, nada tinha a ver com jogada proposital, e sim
uma revolta real.
— O custo exorbitante que as empresas que adquirem o sistema
repassam para o consumidor final. — E com consumidor final estou me
referindo a pessoas como meu irmão.
— Exatamente! — Disse ele quase como em uma comemoração. —
A Archer sabe que o custo final é realmente muito grande, e essa jogada foi
tão inteligente, que invés de convencer o público final que eles precisavam
dos produtos, como uma empresa nos convence a comprar um celular novo
só porque ele é o celular do momento, eles geraram um problema, com o
perdão da palavra… se comovendo com a causa para apenas implementar e
não repassar esses valores. Então é muito provável que nos próximos dias,
enquanto a polêmica alavanca a mídia gratuita que eles ganharam de forma
orgânica, as empresas que adquirirem esses sistemas, irão anunciar algum
projeto de inclusão para financiá-los. Bum, eles não vão pagar nada por
isso. E quem mais lucra? Os malditos manipuladores da Archer!
Estava ali, bem diante de mim, a forma de fazer Cohen reverter essa
situação a favor dele.
Se eu pudesse, daria um beijo na testa de Leeson e agradeceria, mas
isso me entregaria então me contive em admiração pelo gênio que eu tinha
como professor.
Leeson me chamou quando a aula acabou, se despedindo dos
alunos, mas pedindo que eu esperasse um pouco enquanto recolhia meus
livros. Abracei tudo em frente ao meu corpo e desci a arquibancada das
cadeiras até sua mesa, quando a sala já tinha esvaziado um pouco. Leeson,
que não deve ser muito mais velho do que eu, estava sentado literalmente
na sua mesa, fazendo alguma anotação antes de pescar um panfleto e me
entregar, esperando que eu lesse.
— Precisamos complementar sua grade, de novo. Ou vai ficar
devendo horas, e eu não admito que minha aluna mais aplicada reprove. —
Disse enquanto eu lia o panfleto. É de um seminário para multinacionais
que aconteceria em dois dias.
— Nesse horário eu ainda estarei trabalhando. — Comuniquei
receosa. Leeson suspirou pesaroso.
— Anya, você não faz estágio, não atua na sua área, precisamos
entregar suas horas de alguma forma, e você sabe que essa é a única
maneira de burlar a faculdade. Isso porque eu ainda coloco você como
colaboradora. Tudo o que estou pedindo é para que compareça e não me
coloque como mentiroso para os coordenadores.
— Eu sei, eu sei, eu jamais arriscaria sua credibilidade, o que você
faz por mim é impagável. Vou tentar sair mais cedo, eu prometo, imagina.
— Não precisaria da nossa ajuda se pagasse essas horas com
estágio. Estamos entrando no último semestre, você já deveria estar
trabalhando na sua área. — Falou do que eu já sabia. Já tivemos essa
mesma conversa inúmeras vezes. Ele é todo o conselho de professores. —
O estágio não paga o que preciso, além do mais, a experiência que eu ganho
na Archer é imensuravelmente maior do que qualquer escritório de
publicidade me proporcionaria, você sabe disso, tem as referências e…
— O convênio da Archer, eu sei. — Me interrompeu rendido em
um sorriso. — Eu vejo os resultados no seu empenho. Sabe disso, o que
faço por você eu não faria por nenhum outro por menos do que isso.
— É por isso que você pode contar comigo no seminário, me
mande tudo o que preciso fazer. — Leeson riu ruidosamente.
— Nada de novo, apenas auxiliar os calouros nas apresentações de
seminários e acompanhar os stands que estarão apresentando suas
campanhas publicitárias.
— Moleza. Já fiz isso inúmeras vezes.
— E sempre sai com umas dez propostas de emprego. — Gargalhei
concordando.
— É o personagem da Anya publicitária para nem você, nem os
coordenadores pensarem que o estágio me faz falta. — Leeson semicerrou
os olhos fingindo ter sido atingido.
— Obrigado pela consideração, mas essa Anya publicitária, é a
profissional que está escondida atrás da mesa de um bilionário. — Relaxei
meus músculos faciais com tédio.
— Até você? — Ele deu ombros com a postura presunçosa.
— Se eu não sou o único, é sinal de que precisa rever sua decisão.
— Eu faço isso todos os dias, mas os motivos que me fazem seguir
dessa forma, são os mesmos que sofreriam caso eu pensasse somente em
mim.
Leeson estreitou seus lábios em um sorriso fino.
— Eu te admiro, Anya. Admiro mesmo.
— Obrigado. — Agradeci, afastando-me com o panfleto em mãos.
— Boa noite, professor.
CAPÍTULO 12
Você tenta me empurrar para fora, mas eu sempre acabo encontrando o caminho de volta.
Cinnamon Girl – Lana Del Rey

Mal dormi pela segunda noite seguida.


Como presumi, Holly estava comemorando o aniversário de alguma
amiga e não voltou, o vazio do apartamento foi preenchido pelos meus
passos e pensamentos incessantes que não me deixavam dormir.
Entre um chá e outro, conversei comigo mesma o tempo todo,
bolando uma boa estratégia para solucionar o problema que eu mesma tinha
gerado. Leeson não faz ideia que me deu uma ótima ideia, mas seu erro era
achar que algum plano estava previamente arquitetado. Eu teria que
encontrar uma solução para poder ajudar o Cohen com o que o mercado já
espera, o anúncio de uma segunda proposta ainda mais viável que a
primeira.
Pesquisei por horas sobre os lançamentos mais geniais de uma
marca, e do jeito que tudo estava encaminhado, tem tudo para ser como
Leeson falou, uma contraproposta que faça algum órgão ou instituição
financiar os custos do sistema inteligente para essas empresas que
comprarem da Archer. E no final das contas, pelos cálculos e estatísticas, a
Archer só teria a ganhar no fim das contas.
Estou mentindo se disser que não rolei por horas tentando dormir
antes de resolver ocupar minha cabeça com qualquer coisa que não fosse as
lembranças do dia anterior ou até mesmo daquela noite.
Cogitei chamar o Joe, mas me recusei a admitir que eu o usaria
como distração, ou substituto para tirar Cohen dos meus pensamentos.
De frente para a tela do meu notebook, avistei uma aba aberta dos
e-mails do Cohen que eu geralmente me encarregava de responder. Os mais
importantes, encaminhava para o e-mail pessoal dele, a qualquer hora, a
qualquer lugar, por isso sempre estava aberto no meu próprio celular ou em
qualquer tela de computador que eu tenha acesso, portanto, era muito difícil
acumular tantas mensagens não lidas como mostrava a notificação
vermelha.
Por curiosidade abri, e ao rolar cada vez mais os e-mails pendentes,
eu encontrei dezenas, centenas de propostas de empreendedores que
gostariam de adquirir o sistema operacional da Archer, como
patrocinadores.
Eu não precisava abri-los para verificar, estava no assunto, estava
no corpo principal, eram muitas, tantas que me perguntei por que Cohen
não abriu nenhuma delas? Aquilo era a solução para os nossos problemas…
digo, para os problemas dele! Por que eu não vi isso antes?
Não precisaríamos ir atrás de instituição alguma, estavam todas ali,
e não era uma, ou duas, eram tantas que desisti de contar. Vendo o sol
nascer eu corri para o banho e me arrumei mais cedo do que o habitual,
tomada por uma onda de adrenalina que eu não sabia de onde vinha.
Sabia que meu corpo cobraria, mas no momento eu só pensava em
agir! Precisava conversar com o Cohen, precisava explicar para ele de
forma prática como tudo podia se resolver. E quando me vi pronta e
agitada, Holly entrou pela porta com um copo de café nas mãos e uma
expressão embotada segurando um blazer no braço.
— Ué… já está pronta?
— Bom dia para você também. Como foi a noite? — Perguntei
parando na sua frente para roubar um gole do seu café.
— Já tive melhores. — Deu ombros. — Anya, são seis horas da
manhã. — Informou com a testa franzida e incredulidade na voz.
— Vou chegar junto com o Cohen! Tenho que falar com ele e
adiantar umas horas que vou precisar para sair mais cedo. — Expliquei de
modo pragmático, vendo-a desaprovar em uma careta.
— Você não dormiu de novo, né?
— Por motivos bem diferentes, mas não, não dormi.
— Você vai cair dura!
— Isso é do Cohen? — Franzi a testa reconhecendo.
— Me diz você. Estava no meu carro e eu sei que não peguei
ninguém que estava usando um William Fioravanti.
— Quem é esse?
— Alguém que faz ternos para pessoas como o Cohen. — Explicou
me entregando. — Leva!
— Obrigado. Beijos, não tem nada na geladeira. — Me apressei
pescando a bolsa na poltrona da sala para então sair aos seus chamados e
protestos sobre sair sem comer nada.
Eu estava agitada, e uma parte dentro de mim até empolgada para
tirar aquela preocupação dos olhos do Cohen. Tenho certeza de que ele vai
me agradecer no final das contas. E não o julgo não ter pensado nisso antes,
pois ele está obcecado além de estar sendo pressionado por todos os lados.
Chegando no edifício, vi rostos que eu não estava acostumada a ver,
pessoas saindo e outras chegando, e um movimento evidentemente muito
maior sendo esse o principal horário de entrada dos funcionários.
A cafeteria estava a todo vapor. Sei que é o Cohen quem pega
nossos cafés agora, mas tecnicamente, ele só faz isso algumas horas mais
tarde e não espera que eu chegue tão cedo, portanto não pensei duas vezes
antes de entrar no estabelecimento para levá-lo, além de uma boa notícia,
um café descafeinado, horripilante de amargo, do jeito que ele gosta.
Tudo bem, confesso, também usei como desculpa para ver o Joe.
Ele estava distraído no canto do balcão fazendo seus cafés especiais
com alguns fios de cabelo loiro caídos na testa que davam um charme no
seu visual de barista.
Parei na sua frente chamando a atenção com um pigarrear baixinho,
e todo seu rosto se iluminou com o lindo sorriso que abriu em surpresa.
— Anya. — Me cumprimentou se aproximando do balcão, ao
fechar um copo térmico e entregar para a atendente. — Pensei que não te
veria mais aqui cedo. Caiu da cama? — Perguntou olhando no relógio de
parede.
— Entrei mais cedo. Prepara o de sempre, por favor, o meu com
dose extra de café. Vou precisar de energia para aguentar o dia de hoje
depois de mais uma noite em claro.
— Nem me fale, estou com sono atrasado. — Comentou com tom
malicioso. — E você, a noite rendeu?
— Quem me dera. — Falei sem pensar. — Quer dizer, não, não
nesse sentido, quem me dera eu ter passado a noite por outros motivos que
não fosse o que passei…
— Tudo bem eu entendi. — Me interrompeu ao ver que me
embolei. Sua risada me tirou do eixo e de certa forma, me deixou um pouco
confusa, intrigada… — De quem é o blazer então?
Joe apontou com o olhar enquanto manuseava meu café na mão.
— Ah, isso. É do Cohen, ele esqueceu no carro ontem. — Me
arrependi no mesmo momento que disse, pois Joe ficou sério. — Não é
nada do que está pensando. Ele... o que aconteceu foi que meu pneu furou e
ele me ajudou.
Joe continuou me observando, até finalmente franzir a testa.
— Sabe, Anya, eu esperava mais de você.
— O quê? — Não acreditei no que estava ouvindo.
— Achei que você era a única pessoa que simplesmente ignorava o
nome e todo o contexto. — Joe me fitou por cima dos cílios. — Se é que
você me entende.
— Não tem como ignorá-lo, eu meio que trabalho pra ele.
— Está mesmo caindo na dele? — Joe parou tudo o que estava
fazendo.
— Caindo?
— É, caindo. Esqueceu o blazer, sério mesmo? Ele começa a pegar
seu café todos os dias, oferece ajuda e...
— Isso é por causa de um blazer?
— Ah, você ainda está na defensiva. Não sinto nada por ele; não
passou de uma ajuda, isso é coisa da minha cabeça... Depois não diga que
eu não avisei. — Sacudi meus pensamentos ao imaginar minha expressão
horrorizada agora.
— Joe, dois capuccinos médios. — Pediu a mesma atendente. Ele
assentiu e imediatamente começou a prepará-lo, enquanto eu ainda detinha
meus olhos nele. Não muito tempo depois, como se fosse a mistura mais
simples do mundo ele a entregou, ganhando um sorrisinho.
Foi inevitável não reparar na troca de olhar. E... aquele era o meu
sorriso. O que ele lançava a mim todos os dias.
Quando a ruiva se virou para atender o próximo cliente eu me atrevi
perguntar:
— Ela é nova aqui?
— Na verdade não, mas sempre está no intervalo quando você
chega. — Respondeu normalmente. A garota fez um novo pedido enquanto
ele finalizava o meu, ao perceber que ele estava ocupado, ela sorriu pedindo
desculpas, e eu retribui, sem conseguir sustentar o mesmo por muito
tempo.
Joe empurrou os dois copos pra mim e fiz questão de pagar.
Eu não consigo descrever o que senti ao querer deixar a cafeteria o
mais rápido possível. Algo como vergonha e incômodo comigo mesma.
Algo semelhante ao sentimento de quando te contam que fadas de dente e
coelhinho da Páscoa não existem.
Eu me senti iludida, e ao mesmo tempo idiota conforme aquele
brilho e calor interno que eu sentia ao lembrar do Joe se esvaia, como uma
criança que perde a magia dos contos.
Tudo isso por um mísero sorriso. Apenas uma troca de olhares que
me fez perceber que… quando direcionado a mim, não era exclusivo. Ou
talvez, tinha deixado de ser, e ele quis que eu visse isso.
Minha despedida foi breve e a empolgação que eu sentia antes
sumiu gradativamente, talvez pelo excesso de pensamentos que pesava na
minha mente. Quando cheguei ao andar presidencial, toquei duas vezes na
porta e esperei Cohen pedir para entrar, mas ao invés disso, para minha
surpresa, ele mesmo a abriu, supondo talvez que pudesse ser outra pessoa.
— Anya? O que faz aqui tão… — Sua pergunta morreu quando
seus olhos pousaram nos copos de café.
— Cheguei mais cedo, precisava falar com você. — Respondi sem
esperá-lo terminar de formular sua pergunta. Entrei e fui direto para o bar,
se eu tivesse com o sono em dia ou menos pensativa, teria pedido permissão
para isso. — Ah, isso é seu.
Deixo o paletó na poltrona mais próxima.
— Não disse que eu pegaria nossos cafés a partir de hoje? — Não
entendi a fúria em sua voz, nem me esforcei para isso, afinal era o Cohen e
eu não estava em meu melhor estado.
— Disse, mas como cheguei mais cedo e estava precisando de
cafeína com urgência, resolvi passar lá. Foi a pior decisão que tomei no
meu dia. Acho que bati meu recorde, não são nem oito horas ainda. —
Contei, enquanto despejava seu café em uma xícara. Adocei com uma
colher do meu e virei oferecendo.
Cohen não pegou, estava na mesma posição de quando passei por
ele, segurando a porta inexpressivo.
— Por quê? — Perguntou receoso. Olhei para o paletó remoendo o
que Joe disse.
— Não foi bem como eu esperava. — Pisquei trazendo meu olhar
de volta para a xícara ainda estendida no ar. — Parece que estou te
culpando, mas não, a culpa é toda minha. Foi eu quem me iludi com
mensagens. Não importa. Estou aqui para falar de outra coisa, já olhou seus
e-mails hoje? — Forcei um sorriso em busca da empolgação de momentos
mais cedo.
Ele apenas negou com a cabeça e finalmente fechou a porta,
caminhando com certa apreensão até mim, pegando finalmente a xícara da
minha mão.
Beberiquei meu café e grata pela cafeína correndo como sangue em
minha corrente sanguínea.
— Não, eu não olhei. E também não pedi para chegar mais cedo,
ainda que tenha feito isso para flertar com o barista de sorriso frouxo.
Murchei levemente com sua entonação.
— Eu não cheguei mais cedo pra isso. — Odiei meu tom de voz por
não ter sido tão firme quanto eu gostaria, mas mesmo me sentindo um
pouco insegura de continuar, continuei. — Na verdade, eu quase não dormi
tentando pensar em alguma maneira de te ajudar, e acho que posso...
— Não. — Cohen me interrompeu de repente. — Não, não pode.
Eu não controlei meus músculos faciais se desfazendo aos poucos. Eu não
controlei minha postura caindo nem meu olhar perdido no maxilar retesado
de Cohen.
De repente me senti tão minúscula diante dele, que nada, nem a
caixa branca ainda aberta na sala de estar me fizeram reagir.
Eu só conseguia me sentir um grande pedaço de confusão
frustrante. Como alguém que tem sua capacidade colocada à prova.
— Desculpa, mas não. Se isso é por ontem, saiba que você não está
me devendo nada. Eu já consultei vários especialistas, e não quero você
envolvida nisso.
Pisquei sentindo cada minuto da minha noite em claro ser reduzida
a nada. Toda minha empolgação se transformou em cinzas.
Pelo visto, minhas sugestões só eram bem-vindas quando
solicitadas. Ele sequer ouviu minha ideia, apenas a ignorou pelo fato de
estar vindo de mim.
Eu realmente estava preocupada com o caos que gerou a partir da
minha fala descontrolada durante o discurso do seu parceiro, eu juro que eu
não sabia que repercutiria tanto, e após vê-lo tão exausto ontem, eu me vi
na obrigação de tentar algo.
— Tudo bem.
Pois bem, esse é o Cohen!
Anui tão fracamente que duvidei realmente ter feito isso. Deixei a
xícara de lado com o ar preso em meus pulmões e a vontade de sumir do
mapa.
A respiração dele acelerou profundamente atrás de mim e quando
finalmente obriguei meus pés saírem do lugar, senti os dedos do Cohen em
volta dos pulsos, e seu toque me trouxe para uma realidade assustadora. Tão
rápido quanto puxei minha mão de volta, senti minhas vistas arderem.
— Eu volto no meu horário! — comuniquei rapidamente. Não
busquei seus olhos, apenas ouvi sua respiração bruta e o rugido que
arranhou sua garganta como se quisesse me parar, mas eu não parei até sair
da sua sala sufocante, e sem rumo, sentindo minha visão cada vez mais
turva.
Não sabia o que podia ser pior, meu estado ou as lembranças
humilhantes acumuladas que fizeram me trancar em uma cabine de
banheiro feminino onde algumas lágrimas de raiva rolaram. Não estava aos
prantos, era um choro silencioso, lágrimas pesadas de um sentimento
horrível que me quebrava por dentro. Nunca senti nada igual. Elas
simplesmente não paravam.
Alguns toques, repetidos toques, tão bagunçados que me fizeram ter
a certeza de que eram mais de um, me obrigou abrir a porta e encontrar o
trio Hannah, Andrea e Ruby com seus olhares compadecidos.
— Vimos você passar naquele estado — disse Hannah. Se
abaixando até ficar da minha altura. Eu estava sentada na tampa do vaso
sanitário e desejei não me olhar no espelho pelo resto do dia.
— O que aconteceu? Foi o Cohen que fez isso com você? —
Perguntou Ruby com a voz melodiosa.
— Me surpreende nunca ter te encontrado aqui antes, como você
aguentou por tanto tempo? — Andrea disparou indelicada.
— Dia ruim, apenas isso. — Falei fungando de cabeça baixa.
— Conta pra gente. Juntas somos mais fortes! — Incentivou
Andrea. — Não é esse o lema?
Eu não sei o quão fundo do poço eu cheguei, só sei que quando dei
por mim, estava xingando o Joe, amaldiçoando o Cohen e digitando
mensagens de ódio e enviando com os incentivos das três.
— Você foi... um tremendo de um babaca! — Completou Ruby
digitando enquanto falava.
Tomei o celular dela em um ato de coragem, após contar tudo o que
aconteceu.
— E seu… café… é… horrível! Exclamação, exclamação,
exclamação!
— Agora enxugue essas lágrimas e volta para sua mesa.
— E nunca mais, repito, nunca mais permita que ele faça você se
sentir assim novamente. — Anui, aceitando as palavras motivadoras da
Hannah. — Chorar… só quando o pau desce pra garganta. — Anui e só me
dei conta das suas palavras quando já estava concordando. — E esse pau
nem pode ser do Cohen, porque você sabe, né?
— Hannah! — Ruby a repreendeu. — Você tem mais poder contra
ele do que ele contra você. E só precisa saber disso. — Disse Ruby,
erguendo meu queixo com a ponta dos dedos.
Concordei com um aceno, muito mais congruente do que elas
imaginavam, pois no final das contas, era a mais absoluta verdade. Eu
estava lidando com Cohen como se o codinome que ele tanto procura não
fosse eu mesma, mas é! A mulher daquela noite, que perturba seus
pensamentos, sou eu! E se ela tem algum poder contra o egocêntrico Cohen
Archer, significa que eu também tenho.
— Ruby tem razão. Esse olhar baixo não, jamais. É ele quem não
levanta a bunda da cadeira, enquanto quem olha de cima é você. A menos
que esteja fazendo você sabe o quê.
— Para de ser pervertida Hannah, não vê que a menina está
sensível. — Repreendeu Ruby novamente.
— Pobrezinha! Poderia levar o homem à loucura se quisesse. Se ele
não fosse quem é. Seria uma ótima forma de vingança.
Ruby então riu sozinha.
— Parece que ninguém é boa o suficiente para o Archer certo.
— O errado faz um estrago. — Comentou Hannah com malícia, me
trazendo o irmão de Cohen a mente, conhecido por todos como o Archer
errado.
— Você é secretária do Casper?
— Já fui, agora estou com o palerma do Winter, mas ainda dou
umas escapadinhas, se quiser eu divido, mas já vou avisando, tem que ser
comigo.
— Ela é sempre assim? — Perguntei finalmente sorrindo. Ruby e
Andrea assentiram.
Me levanto do vaso para então fitar meu reflexo de frente para o
espelho. Meu rosto estava inchado, a ponta do meu nariz vermelho, mas eu
não estava no meu pior estado. Quando prendi meu cabelo para lavar o
rosto, Hannah surgiu atrás de mim, apoiando suas mãos em meus ombros.
— Eu sei que você tem um lado pervertido também! Só precisa
deixar que ela te possua. Não passe despercebida, não deixe que homem
nenhum te olhe sem se perder. Só você sabe o estrago que pode fazer
quando reconhece isso.
Um arrepio eriçou os poros da minha pele e nuca.

Devidamente recomposta, prendi meu cabelo no alto da cabeça e


voltei para o andar presidencial como se estivesse chegando agora.
Não cheguei perto da sua porta.
Me sentei na cadeira e comecei a trabalhar mais concentrada do que
nunca. Respondi e-mails, refiz agenda, marquei presença, organizei
documentos e tudo mais que uma secretária deve fazer.
O que deveria ter ocupado meu tempo pela manhã inteira, durou
apenas pouco mais de uma hora, e mesmo quando a porta se abriu,
revelando vozes masculinas, não ousei me virar na cadeira. Não quis saber
quem era, e através da agenda presumi que fosse senhor da zeladoria que
Cohen solicitou para ver a porta.
— Agora está lacradinha. — Reconheço a voz dele, entusiasmado
em sua simplicidade. Cohen, no entanto, sequer o respondeu.
Sentia os olhos dele em mim, queria negar que fosse verdade, mas
sentia, eu apenas sentia. Só não conseguia decifrar o que ele estava sentindo
ou achando naquele momento, então agi indiferentemente.
— Fez um ótimo trabalho. Obrigado — Ouvi a voz forte
finalmente.
Me distraia com intermináveis planilhas para preencher, quando o
senhor com macacão azul da zeladoria me cumprimentou. Não era da
minha índole não retribuir, e seu aceno foi tão genuíno que me fez sorrir.
Um silêncio perdurou depois que a porta do elevador de serviço se
fechou. Sabia que Cohen continuava ali, perto da porta, estava no limite da
minha visão panorâmica.
— Ele arrumou a porta.
— Hum. — Murmurei.
Ótimo, agora eu posso xingá-lo em voz alta quando bem entender,
mas fingi que a declaração de direitos de imagem que eu precisava mandar
para o jurídico era mais importante. Cohen suspirou impacientemente.
— Anya eu…
— O senhor tem uma reunião em dez minutos. — Disparei,
levantando e recolhendo alguns papéis junto ao corpo, para então sair de
trás da mesa.
— Aonde vai? — Perguntou depressa, sem conseguir esconder seu
receio, quase como se fosse medo.
Medo do que afinal? De que eu fosse levantar e nunca mais voltar?
Eu voltei, não voltei?
Já engoli muita coisa nessa vida, e pela minha família aguentaria
muitas mais. O fato de me sentir uma idiota se dá pelos dias que permiti me
aproximar de Cohen, me esquecendo de quem realmente éramos.
A verdade é que pra ele, a mulher naquela noite ainda não foi
encontrada, e ele conta com a ajuda da sua secretária para isso. Querer
consertar os estragos só mostra que a única pessoa que realmente está
confundindo alguma coisa, sou eu mesma.
— Fazer o que uma secretária faz, preparar a sala de conferência!
— Respondi secamente, chamando o elevador logo em seguida.
Me orgulhei dos meus passos firmes até a sala. Me orgulhei do meu
queixo erguido enquanto caminhava. Me orgulhei até, dos olhares que
foram direcionados a mim, somente com a atribuição de uma postura
confiante.
Na sala, arrumei tudo em cima da extensa mesa preta, baixei as
luzes para verem melhor o telão de plasma e espalhei a pauta da reunião
para todos os lugares dispostos ao lado de seus copos com água.
Os executivos logo chegaram ocupando seus lugares e conferindo
no relógio, avistei Hannah adentrar a sala, mostrando algo na pasta para o
rapaz do seu lado. O homem que prendeu minha atenção por alguns
segundos. Casper Archer.
Hannah sorriu de canto e me lançou uma piscadela, eu quase a
amaldiçoei por isso, pois Casper seguiu seu olhar e segundos depois, estava
me olhando por cima dos ombros.
Fingi que nunca tinha o visto antes, continuei o que estava fazendo.
Terminei de distribuir as pautas e coloquei por último o tablet na cadeira do
Cohen, que chegou no mesmo momento.
Vi que ele estava vindo por um lado da mesa, então decidi sair pelo
outro, onde Casper já se acomodava. Senti seu olhar em mim e até depois,
quando passei pelas suas costas. Hannah fez questão de morder o lábio
inferior quando a alcancei. Ocupei ao lado dela meu lugar na mesa.
Estávamos ali apenas para fazer anotações, chaveirinhos dos nossos
superiores, auxiliares que não poderiam negar favores se solicitado.
A reunião se estendeu por horas, e o que realmente me incomodou,
é que eram propostas ridículas para um novo lançamento da Archer como
se o último não fosse um fiasco. Foi inevitável não sorrir com desdém do
que era falado. Perdi as contas de quantas vezes revirei meus olhos, e de
quantas não quis gargalhar de tão inúteis que eram.
Cohen não tirava os olhos de mim, e eu não precisava encará-lo
para perceber isso, portanto não economizava nas expressões entediadas.
Algo me diz que ele realmente só ouviu todas aquelas pessoas, porque
sequer estava prestando atenção de fato.
Além dele, pelo canto do olho, percebi que uma outra pessoa me
olhava, e eu evitava olhar de volta, Casper parecia sempre estar escondendo
algo, como um tirano que leva uma carta na manga e espera o momento
certo para usar.
Ainda na baixa luz daquela sala, senti meu celular vibrar no bolso, e
por baixo da mesa encontrei um número desconhecido mandando
mensagem.
Ao abrir, vi que a pessoa digitava, e logo se apresentou como a
garota que me ajudou na noite de lançamento da Archer. A mesma que
perdeu sua chance de falar com Cohen, mas que ganhou uma carona e a
promessa de que poderia me procurar.
Um sorriso cínico surgiu no canto dos meus lábios, e um
pensamento ardiloso de querer cutucar Cohen com o que mais estava
ocupando seus pensamentos.
Como se uma força magnética nos atraísse, meu olhar se encontrou
com o dele, que foi pego no flagra me encarando fixamente do outro lado
da mesa. Sustentei por pouco tempo, antes de voltar minha atenção ao
celular e decidir agendar uma visita com a garota enviada pela Dama de
Prata.
Eu só queria ver a reação dele ao saber que ela estava por perto.
Quando finalmente a reunião terminou, deixei a sala ao lado de
Hannah, que resmungava sobre a fome e a vontade gritante de tomar café,
obviamente para me provocar e querer me fazer ir até a cafeteria, mas eu
não conseguia sequer pensar na hipótese de ver o Joe, ainda mais sabendo
que Hannah faria de tudo para provocá-lo depois de ter sido um idiota
comigo.
Não voltei para o andar presidencial pois já havia passado do meu
horário de almoço, ao contrário da Hannah, que mesmo reclamando sua
fome, disse que tinha algo mais importante aguardando-a na sala do Casper.
Não precisei mais do que segundos para imaginar o que era.
Vi Cohen apenas duas vezes depois disso, em ambas tentou dizer
algo além do que era necessário, mas eu impedi, com informativos e
lembretes dos seus próximos compromissos.
Como previ meu corpo cobrava a noite não dormida, e no fim da
tarde eu me vi explodindo em dor de cabeça e um sono quase insuportável.
Saí exatamente no meu horário, nem um minuto a mais, nem um
minuto a menos. Encontrei com Holly no mesmo local de sempre e
atendendo ao meu pedido, ela me trouxe um café, e enquanto bebericava
minha bebida que servia como um energético em minhas veias, contei a ela
o que aconteceu. Tive como resposta suas reações exageradas, juras de ódio
para Cohen Archer e desejos de impotência sexual para o Joe.
Percebi que eu realmente estava exausta quando olhei para Holly e
ela estava com a testa franzida, a expressão de quem tinha se dado conta de
algo, mas não consegui decifrar o que era. Fui vencida pelo cansaço e não
fui para a faculdade nesse dia.
Na manhã seguinte, passei direto sem sequer olhar para dentro da
cafeteria, e agradeci o fato de o Cohen não estar na sua sala quando
cheguei, mas estranhei a porta aberta.
Recolhi todos os relatórios da sua mesa que ocupariam meu tempo
pelas próximas horas, e quando ia saindo, avistei dois copos de café ainda
quente pela fumaça que subia dos mesmos. Reconhecia o meu somente pelo
cheiro adocicado e apesar de atraente, não ousei tocar, pois é certo que
estava ali somente porque Cohen o usava como adoçante.
Alguns minutos depois que me sentei, Cohen chegou, para minha
surpresa, carregando mais um combo de dois cafés idênticos na mão,
deixando que seu olhar caísse sob mim com um certo alívio.
— O café de hoje estava horrível, algo que eu tenho a absoluta
certeza, ter a ver com a minha presença e não a sua. — Sorri de canto
imaginando que Joe deve ter usado os cafés para me mandar um recado.
— Dizem que não é recomendado mesmo trabalhar de mau humor.
— Comentei sem tirar meus olhos do computador. Percebi a sombra de
Cohen do meu lado, deixando meu café sobre a mesa, esperando que eu o
notasse.
— Soube que trocou seu horário de almoço ontem para ficar na sala
de descanso, quer me contar alguma coisa? — Ignorei a vontade de rir, pelo
jeito ele levou a sério os boatos.
— Pensei que ela servia para isso.
— Assim como o horário de almoço serve para você se alimentar
direito. — Franzi a testa tentando não reparar na quase preocupação em sua
voz.
— Mais alguma coisa? — Cohen bufou com impaciência.
— Sobre ontem…
— Alguma coisa que já não exista alguém qualificado, é claro. —
Surpreso pela minha interrupção, ele procurou meus olhos com a testa
franzida. Suas expressões cada vez mais endurecidas, como se eu estivesse
extraindo seu pior.
— Sobre o Joe. — Insistiu sério, no tom que eu bem conhecia, ou
ao menos me lembrava, e essa lembrança me levava a uma única noite que
jamais deveria ter acontecido.
— Não quero falar da minha vida pessoal.
— O que ele disse para te deixar assim?
— Ele foi um idiota! — Como eu também estava sendo por não
conseguir controlar a minha língua ao ser obrigada pensar no que Joe disse.
— Será que é muito difícil para você perceber que foi ciúmes?
O encarei inexpressiva. Por um momento Cohen conseguiu atrair
minha atenção.
— Ciúmes?
— Alguma outra razão para o meu café ter vindo com gosto de
requentado?
— Pode ter sido um acidente.
— Acidente foi ter esquecido meu paletó no carro. Acontece que se
eu quisesse mesmo mandar um recado, não usaria de um truque antigo
desses. Se eu quisesse mesmo, Anya, isso já teria acabado sem o Joe nem
ter chances.
E ele disse isso olhando fixamente em meus olhos, antes de entrar
finalmente.
Minha alma parecia que tinha saído do corpo, pois continuei na
mesma posição por um longo período. Precisei respirar fundo para não
voltar naquela sala e fazer esse homem pelo menos terminar o que começou
naquela noite, porque certo como o inferno, os dias estavam cada vez mais
quentes do seu lado.
Algumas horas se passaram e enquanto eu estava entretida com
meu trabalho, a porta do elevador social se abriu, e os saltos de Hannah
chamaram minha atenção. Ela caminhava em minha direção com um
sorriso travesso, e parou debruçando-se sobre o balcão em frente à minha
mesa. Seus olhos brilhavam em expectativa.
— Pausa para o café, pensei, por que não fazer uma visita a Anya e
contar como quem não quer nada, que alguém perguntou sobre ela? — Ela
forçou um sorriso misterioso.
— Joe? — Perguntei estranhamente esperançosa.
— Passou longe. Casper Archer! — Franzi minha testa ao mesmo
tempo que tinha a breve sensação de ter sido desmascarada. Quase em
sentido literal.
Olhei para a porta fechada do Cohen instintivamente.
— Perguntou o quê?
— Coisas como: há quanto tempo nos conhecemos, se eu sabia
onde você estava na noite da festa da Archer… — Deixou no ar arqueando
uma única sobrancelha.
— Por que ele perguntaria isso? — Um nervosismo começou a me
corroer por dentro. Como se ela precisasse apenas de uma confirmação. E a
ideia de que Casper possa ter me reconhecido aterrorizou meus
pensamentos.
— Bem, essa é a parte boa da fofoca, porque Casper já me falou
algo sobre a obsessão de um certo alguém… — Olhou para a porta do
Cohen. — Em uma certa pessoa. — Voltou seu olhar pra mim.
— Eu sei muito bem quem é essa pessoa. Não fale em códigos.
— Humm… então você admite que escondeu algo importante da
gente. Algo que explica o possível ataque de ciúmes do seu chefe ao saber
que você procurou pelo Joe.
Deixei minhas expressões cederem, e a ausência de um alívio que
deveria ter me preenchido, mas nem passou perto disso.
— O que? Não, claro que não! Estou falando da Dama de Prata. Por
que você achou que eu estava falando de mim?
— Porque foi o seu nome que Casper usou ao dizer que queria
conhecer para provocar o irmão.
Ri forçadamente e em nervosismo.
— Isso não faz sentido.
— Sabe o que não faz sentido? Cohen não ter tirado os olhos de
você na reunião. — Disse como uma tirana experiente. — O que você não
está me contando, Anya?
Então era das teorias de Hannah que eu deveria temer! Mas é claro,
ela é ardilosa e uma rata bem desconfiada, difícil de convencer, e bem, meu
histórico de mentiras não era dos melhores, estava praticamente vivendo
duas vidas e é óbvio, que uma hora ou outra alguém ia perceber,
principalmente se tratando de uma mulher.
Todavia, eu não sairia da minha posição de defensiva.
— Eu não vou embarcar nessa loucura. Se tem algo a dizer, diz
logo.
— Sei tudo o que se passa nessa empresa. Minhas fontes são quase
tão confiáveis quanto as do seu chefe, e elas me disseram que ele esteve na
cafeteria para saber o que o Joe tinha dito a você.
— O quê? — Foi logo pela manhã… Mas, nem é sobre isso que
eu vim falar. Amanhã iremos a um pub aqui perto, você podia vir com a
gente.
Agradeci internamente sua mudança de assunto, ainda que seus
olhos desconfiados não me deixassem por um só segundo, encarando-me
com afinco.
— Não sei não, geralmente essas saídas acabam comigo.
— Ah, qual é Anya. Vamos, vai ser legal. — Hannah se debruçou
sobre o balcão com uma cara de cachorro pidão. — Todo mundo vai.
— Eu vou pensar. — Falei, apenas para que ela me deixasse em
paz. Afinal, amanhã nem aqui vou estar, e me manter longe dos meus
colegas de trabalho agora é uma questão de sobrevivência.
E isso me fez lembrar de que preciso comunicar o Cohen, então
levantando avistei o sorriso de Hannah crescer, satisfeita por provavelmente
imaginar que iria conseguir me convencer.
Percebendo que eu entraria na sala dele, ela me mandou um beijo
no ar e saiu com seu rebolado natural.
Dei dois toques na porta aguardando Cohen me autorizar, e quando
entrei, ele estava sentado de modo desleixado em sua cadeira, com as costas
completamente recostada e o cotovelo apoiado no braço da mesma,
enquanto sua mão cobria sua boca em um gesto pensativo, ao mesmo tempo
em que seu olhar acompanhou meus passos sem hesitar, sério, inexpressivo.
Eu não fazia a menor ideia do que se passava na sua cabeça.
— Preciso que assine algumas coisas. — Falei caminhando até sua
mesa, aproveitando para deixar alguns relatórios dos departamentos
também. Parei do seu lado, indicando onde ele deveria assinar, mas não
obtive nenhuma reação, Cohen continuava me olhando, agora por cima dos
cílios.
Suspirando preguiçosamente, ele trouxe seu corpo para frente,
capturando a caneta na mesa como se estivesse sendo forçado a isso.
— A propósito, amanhã vou precisar sair mais cedo. — Disparei, e
Cohen não completou o que estava fazendo.
— Está pedindo permissão? — De todas as formas que Cohen
poderia me deixar sem reação, essa foi a mais inesperada, porque eu nunca
precisei sair mais cedo, nunca pedi nada parecido. E pensei que meu
histórico exemplar fosse me ajudar de algo.
Cohen rabiscou a folha de qualquer jeito, e voltou para sua posição
desleixada, procurando meu olhar segundos depois enquanto eu ainda
mantinha a mesma expressão estarrecida.
— Eu preciso. Não é uma folga, são apenas algumas horas.
— Apenas algumas horas suas e do resto pelo visto. — Meu queixo
despencou, olhei para a porta, presumindo que ouviu toda a conversa com
Hannah.
— Você não mandou colocar acústico? — Indaguei irritada.
— Não, foi um problema na fechadura.
Ri sem vontade alguma, lembrando das palavras de Hannah, sobre
estar olhando por cima nesse exato momento, sobre exercer mais poder
sobre ele, e eu sei disso.
— Vamos deixar as coisas bem claras, Sr. Archer. — Falei firme,
com uma educação forçada. Minha raiva controlada — O que faço depois
do nosso horário combinado não te diz respeito, mas, se estou pedindo para
sair mais cedo, pode ter certeza de que não tem nada a ver com isso. É para
a feira publicitária que eu preciso estar presente. Agradeceria se pudesse
compreender, caso contrário, amanhã você me pedindo ou não, eu estarei
aqui mais cedo, e vou sair no mesmo horário que todos os outros.
Cohen travou o maxilar, e eu não percebi estar olhando-o tão
presunçosamente de cima.
Pode parecer loucura da minha cabeça, mas o ultraje que eu esperei
vir em forma de surpresa nas linhas expressivas dele, não veio. Por um
momento eu pude jurar que a sombra de um sorriso o deixou ligeiramente
ameaçado.
Acontece que Cohen não é um tipo de pessoa que se sente
ameaçada, ele geralmente enxerga isso como um desafio, e eu posso dizer
com todas as letras, que sou a prova viva.
— Obrigado por entender. — É claro que eu estava brincando com
perigo. Abusando da sorte, mas a sensação de poder realmente é
revigorante. E cada vez que eu o provava, queria sentir mais. Eu que jamais
imaginaria ter Cohen cedendo a mim, obtive um aceno positivo, sem saber
se aquele meio sorriso que surgiu significava que o meu estava na reta, ou
que ele gostou de me vê-lo enfrentando.
Não importa, a partir de hoje, se ele realmente gosta desse jogo, vai
ter que lidar comigo, jogando. Coisa que eu não estava fazendo, até o
momento.
CAPÍTULO 13
Eu não posso acreditar que deixei você tão perto
Não posso acreditar que eu te dei o controle.
Ghost – Zoe Wees

Reiterando o que eu falei, e sem deixar brechas para o Cohen me


impedir de sair, na manhã de sexta-feira eu cheguei ainda mais cedo que o
habitual da maioria. Pouquíssimas pessoas estavam na cafeteria, passei
direto, claramente sem ter coragem alguma de encarar o Joe ainda.
Cheguei inclusive, antes do Cohen, que arqueou uma sobrancelha
quando chegou e já me viu trabalhando.
— Não precisava chegar tão cedo.
— Eu cumpro com minha palavra! — Falei sem olhá-lo. Cohen riu
como se desdenhasse.
Estávamos em uma troca perigosa de farpas.
Não nos falamos pelo resto do dia, ignorei-o até quando ele saiu e
voltou com nossos cafés, deixando o meu na minha mesa.
Só olhei de esguelha porque havia algo escrito.
“Desculpa”
— Não foi ele, fui eu. — Revirei os olhos quando ouvi sua voz
explicando.
Pelo segundo dia consecutivo não tomei, esfriou como no dia
anterior e isso pareceu incomodá-lo, pois claramente era uma resposta para
seu pedido de desculpas.
Quando Cohen viu o copo cheio na minha mesa, pude jurar que
viria mais um, depois do seu suspiro impaciente, mas não dei abertura, pois
já estava no meu horário.
Juntei minhas coisas e deixei a empresa, pedindo um táxi direto
para casa, onde me troquei e assumi o que eu chamava de Anya
Publicitária.
Era como vestir uma personagem.
Optei por um conjunto preto de shorts alfaiataria de cintura alta e
um cropped social que deixava apenas uma fina linha da minha pele
abdominal a mostra, e por fim, um blazer acentuado no mesmo
comprimento dos shorts, finalizando com acessórios dourados em um mix
de colares finos, scarpin preto e o cabelo solto que ganhou um leve
modulado. Não pesei na maquiagem, mas o pouco já me agradava já que
era mais do que usava no dia a dia.
Pedi novamente um táxi seguindo as orientações do professor
Leeson por mensagem, chegando em uma locação da universidade para a
feira repleta de estudantes e telões para todos os lados.
Dei uma olhada nos stands e nos grupos de alunos preparando suas
apresentações, quando meu nome foi chamado.
— Aí está você! — Era Leeson, vindo em minha direção com um
enorme sorriso no rosto. Ele também estava todo pomposo em um terno
social, e pela sua agitação, já estava na ativa há um bom tempo.
— Eu disse que não o deixaria na mão. — Brinquei quando ele já
estava me alcançando.
— Eu sabia que podia contar com você. — Disse colocando a mão
no meu ombro, guiando-me para andar ao seu lado. — A feira está sendo
um sucesso. Os alunos estão bem empolgados, e já tivemos a visita de
muitos empresários. Mais um grupo está agendado para chegar daqui há
pouco, queria que desse uma olhada no trabalho da minha turma para ajudá-
los.
Juntos nós caminhamos até o stand da turma do primeiro ano de
Lee, onde fui apresentada como publicitária experiente do ramo, uma
mentira boba segundo Lee, para passar mais credibilidade e segurança a
eles.
Ficaram eufóricos ao saber que eu trabalho na corporação Archer.
Como eu sempre disse, tê-la em seu currículo abre portas, e você vira onde
quer que esteja, referência. Naquele momento eu omiti não trabalhar na
minha área, seria como tirar aquela luz esperançosa que brilhava nos olhos
dos calouros.
— São as vagas de estágio mais concorridas. — Comentou uma
aluna, entusiasmada ao saber que uma estagiária tinha chances de ser
efetivada, como provavelmente presumiram.
Não nego que eu sou completamente apaixonada por publicidade,
não é algo que estabeleci como sonho ou meta de vida, mas me encontrei e
confesso, sem modéstia alguma, que sou boa no que faço. Seria ótimo
poder estar vivendo disso, mas eu tenho outras prioridades.
Conheci um pouco do projeto e da proposta que eles criaram, os
alunos e no decorrer da conversa, fui dando algumas dicas. Uma
coordenadora trazia até nós os grupos de empresários, e as apresentações se
repetiam como em seminários.
O grupo acanhado de sete pessoas começava e eu complementava,
depois de algumas delas, eu já havia decorado e me encarreguei de
responder as perguntas por eles com mais firmeza, muita das vezes dando
minha opinião e sugestão para algum nicho específico. A coordenadora
soltou em um cochicho que o grupo liderava nos interesses dos
empresários, e que ela estava ouvindo elogios sobre mim.
Lee chegou e me colocou um cordão com um crachá, ajudando-me
a tirar o cabelo preso debaixo da fita.
— Lembro da sua primeira apresentação na feira. Ganhou nota
máxima pelo conselho. — Comentou me deixando ler o crachá de
voluntária.
— A universidade vendeu nosso projeto para uma empresa de
startup, eu juro que não tenho boas recordações dessa feira. — Comentei
com raiva, bem menos do que na época, é claro.
— Você sabe que esses projetos são para isso, experiência e em
troca, ideias de graça. — Disse Lee cruzando os braços de frente pra mim.
— Os estudantes acreditam na ideia de que podem conseguir um
bom estágio caso se destaquem.
— O que também não é impossível. Algumas pessoas têm visão
para… diamantes não lapidados. — Se inclinou dando ênfase em sua frase
direcionada a mim.
Quando por um milésimo de segundo olhei para o lado, duvidei do
que meus olhos estavam vendo.
Cohen Archer, em um stand não muito longe olhando por cima dos
ombros. Ao lado dele estava Casper, seu irmão, e um grupo de três
empresários que reconheci como os mesmos acionistas que o seguraram até
tarde na noite em que ele me ajudou.
— O que ele faz aqui? — Perguntei para ninguém ao certo. Leeson
acompanhou meu olhar e respondeu, pegando-me de surpresa.
— Ah, então é por isso que os alunos ficaram tão nervosos. Cohen
Archer está na feira! — Meus dedos começaram a soar frio. Cohen não
desviou seu olhar do meu e a ideia de encontrá-lo no meu ambiente, fora do
trabalho, estava me atingindo mais do que eu gostaria. — Eu preciso
recepcioná-los, consegue acompanhar a apresentação da turma pra mim? —
Assenti, sem ter muita escolha ao ver Leeson se afastando em direção aos
homens.
A presença dele aqui não estava confirmada!
Eu posso afirmar isso com absoluta certeza, pois tenho todos os
passos de Cohen cronometrados na tela do meu computador, e saberia se a
feira publicitária estivesse na sua agenda.
Não consegui concentrar minha ajuda aos universitários, entre um
segundo e outro eu olhava para o grupo cada vez mais perto do nosso stand,
na companhia do professor Leeson. Eu me esconderia se pudesse.
— Anya, você conhece um deles pessoalmente? — Perguntou o
garoto da turma, olhando sorrateiramente para o maior grupo de
empresários que agora percorria os corredores.
Cohen estava rodeado de executivos engravatados e cumprimentos
de todos os lados.
— Dali, somente os irmãos Archer. — Respondi, limpando as mãos
no tecido da minha roupa.
— Somente? — Ironizou uma outra aluna.
— O que acha que eles estão fazendo aqui? — Não prestei atenção
em quem perguntou, somente ouvi, enquanto olhava na direção deles
quando Casper comentava algo com Cohen, ambos olhando na minha
direção.
Imediatamente arrumei algo para fazer, me distraindo, obrigando-
me a não olhar mais para o lado.
— Devem estar desesperados! — Respondi.
Mas o inevitável aconteceu, Cohen chegou no exato momento em
que eu falava com um grupo de investidores que tiravam suas dúvidas sobre
o projeto dos alunos. Vi pelo canto do olho que os mesmos começaram uma
nova apresentação, e me distraí com as perguntas que recebia de modo
particular em um canto mais afastado. Lee me chamou, e naquele momento
eu não sei se o agradecia ou amaldiçoava, pois tive que me juntar a eles.
Cumprimentei Cohen com um aceno. Um sorriso de canto surgiu
nele. Casper parecia de algum modo se divertir com a situação, apesar das
suas expressões serem indecifráveis, ele intercalava seu olhar
constantemente entre nós dois. Queria saber o que tanto cochichava a ponto
de — da última vez —, ter feito Cohen revirar os olhos.
— Estes são acionistas da corporação Archer e os irmãos, Cohen e
Casper que você já deve conhecer. — Disse Leeson sem cerimônia. — Eu
estava justamente falando para eles sobre minha aluna mais exemplar e sua
visão para a redação publicitária.
— Você tem um admirador, senhorita Amstrong. — Comentou
Casper, se referindo a Leeson, que sim, na maioria das vezes se empolga ao
fazer minha propaganda. Evitei o olhar de Cohen, mas percebi uma certa
tensão.
— Assumido e declarado. — Completou Leeson. — Estava
contando a eles sobre nossa teoria dos fundamentos de copy que
conversamos na aula passada.
Enrijeci, não estava acreditando naquilo. Não consegui esconder
meu olhar desesperador ao encarar o sorriso de Leeson e ver que ele não
estava mentindo.
— Uma teoria sua. Evidentemente. — Minha voz saiu trepidada,
naquele momento, eu só queria que ele entendesse meu olhar e confirmasse
que eu não tinha os créditos.
— Baseada nos avanços do seu trabalho de conclusão de curso.
— Fale um pouco sobre, Senhorita Amstrong, o professor nos
deixou curioso! — Pediu um dos acionistas, extraindo até a gota mais
profunda do meu desespero.
Leeson me faria dizer sobre algo que o próprio Cohen disse que não
estava interessado. A minha vontade agora era de mandá-lo procurar um
especialista, mas me contive, tomando fôlego para assumir uma Anya muito
diferente do que Cohen estava acostumado. Mesmo que ele não quisesse
ouvir, afinal, meu orientador estava aqui e isso poderia sim, valer muito.
Falei sobre a teoria e contei qual seria inclusive minha sugestão
para uma saída estratégica, aquela na qual a Archer só teria a ganhar com os
patrocinadores que queriam de certa forma se aproveitar do alcance e
repercussão que toda a polêmica tomou após o lançamento.
— E você não acha que essas empresas, patrocinadores por assim
dizer, estão mais interessadas na própria campanha e autopromoção, do que
em oferecer um produto de qualidade? — Perguntou um deles.
Cohen manteve seus olhos fixos em mim, trocando o peso das
pernas uma vez ou outra, como se houvesse alguma nota de
constrangimento.
— Independente da finalidade ou qualidade, o que importa é que
eles estarão adquirindo o sistema inteligente da Archer, sendo assim,
estamos falando finalmente de um sistema imparcial, já que do mais baixo
ao mais alto produto lançado daqui pra frente, terá em seu sistema a
acessibilidade desenvolvida pela Archer. Será quase como um sistema
obrigatório, quem não o tiver então em seus produtos, estarão em
desvantagens. — Agora eu falava mais confortável.
Vi que durante alguns segundos, houve uma troca de olhares. Como
se uma lâmpada acendesse na cabeça de cada um dos homens que fitaram
Cohen com cobrança. A solução dos problemas que ninguém havia
pensado, e o olhar de Cohen para mim, me dizia que ele estava sim, de certa
forma desconfortável, pois se tivesse me escutado dias antes, não precisaria
ter vindo procurar ajuda em uma feira publicitária, para ouvir sua secretária
nada especialista, dizer diretamente para seus acionistas, o que ele não
deveria ter ignorado.
— Parabéns, é realmente uma ótima alternativa. — Me parabenizou
Casper. — Ouviu isso Cohen? Sua secretária encontrou uma saída.
— Perdão. — Chamei sua atenção. — Publicitária.
O corrigi ao mesmo tempo em que cutuquei Cohen.
— Eu disse que ela é extraordinária! Muito obrigado, Anya. —
Disse Leeson me lançando um sorriso. — Vamos continuar senhores? O
próximo stand é da turma do professor Rarvin, nosso economista da
universidade…
Leeson e os acionistas se direcionaram para o próximo stand, me
deixando a dúvida do porquê Cohen não os ter acompanhado, e a certeza
quando já estavam longe o suficiente, que ele esperou propositalmente.
— Anya…
— Isso não muda nada, eu sei! Não se preocupe que eu sei o meu
lugar na sua empresa. — Completei movida pela frustração de ter que
conversar com Cohen, mesmo contra minha vontade.
— Sua ideia é excepcional! — Disparou, fazendo-me parar no
lugar. — Não quis dizer aquilo.
— Mas disse. E agora que me ouviu faça o que achar que tiver que
fazer, você pode contratar os melhores especialistas para isso. — Cutuquei
outra vez, querendo somente sair dali o mais rápido possível.
— Você não está me dando a chance de me explicar. Eu não posso
colocar você nisso...
— Eu tenho que ver os alunos! — Interrompi. Não precisava passar
por isso novamente.
— Está fugindo!
— Não, é você quem está me seguindo quando eu não posso
conversar. Não estou te pedindo uma promoção, Cohen, só estava querendo
ajudar, e você claramente está desesperado para ter que vir até uma feira
estudantil. Precisa de ideias? Leeson, ele é ótimo no que faz, um verdadeiro
especialista, fique à vontade!
— Não preciso de ideias!
— E desde quando você frequenta feira publicitária de
universidades?
— Desde que não sei mais o que fazer para pedir desculpas. — O
encarei tão perplexa que os segundos pareceram horas.
— Vir até aqui foi seu pedido de desculpas... — Repeti incrédula.
— Sabe ao menos o que significa minha presença aqui para esta
feira?
— Ah, nossa... você veio me agraciar com sua presença.
— Não. Para sua sorte eu já faço isso todos os dias. Os executivos
vão abrir algumas vagas de estágio para os alunos.
Paralisei onde estava, olhei ao redor, para todos os stands.
— Só pode ser brincadeira.
Mais uma vez tento passar por ele, após deixar seus olhos me
fitando com uma vontade inflamável.
— Hoje você não vai fugir de mim! — Disse parando na minha
frente, obrigando-me a parar. E sinceramente, mesmo que ele nem estivesse
me barrando agora, eu teria parado, porque nesse momento estou
impossibilitada de reagir a sua fala. Era como se ele não estivesse falando
comigo, mas com a mulher que o deixou para trás naquela noite. — Os
alunos já estão indo embora, não me faça esperar muito.
Não sei o que ele quis dizer com aquilo. Uma certeza de que
iríamos conversar era iminente, e pela forma como Cohen falou, talvez ele
já saiba de toda a verdade.
Minha nossa, enquanto eu falava, nem sequer passou pela minha
cabeça que ele pudesse me comparar.
Isso era perfeitamente possível.
Me esquivei do seu olhar até o fim da feira, e quando os alunos
foram embora, vi que ele realmente me aguardava enquanto fingia uma
conversa com os coordenadores. Cohen estava sendo a atração dos
universitários. Até fotógrafos vieram registrar o momento que
provavelmente seria importante para o site da universidade.
— A feira foi um sucesso! — Anunciou Leeson animado, se
aproximando ao lado de uma senhora. — Quero que conheça uma pessoa.
— Falou colocando uma mão em meu braço.
— Você deve ser Anya Amstrong. — Disse a mulher me
cumprimentando. Por volta de seus cinquenta anos e muito bem-vestida, era
claramente uma empresária. — Leeson falou muito sobre você. Meu nome
é Penélope Carter, diretora da maior agência publicitária de Seattle.
— Phoenix? — Inquiri surpresa e admirada, um pouco ansiosa por
vê-la confirmar. — Ah, minha nossa, eu sou uma grande admiradora do seu
trabalho. — Confessei cumprimentando-a.
— Eu sei. Leeson me enviou seu projeto usando meu trabalho como
base, a reciclagem que você fez de uma campanha minha foi impecável,
uma visão muito moderna e pragmática. Eu adorei!
— Nossa, acho que eu não estava preparada para ouvir isso. —
Suspirei sem graça. Fitando Leeson por um momento, ele não desmentiu,
me deixando ainda mais nervosa. — Por Deus eu não estava criticando seu
trabalho, apenas fui desafiada a reformular uma ideia que deu certo e hoje
não daria mais, e bem, o mundo hoje está muito objetivo e visual. — Tentei
me justificar, muito embora ela não tenha parecido incomodada.
— O impacto deve ser maior. Eu sei disso, quer dizer, agora eu sei.
Andei olhando seu histórico, preciso admitir que você é promissora na
carreira de redatora publicitária. Adoraria te receber na agência uma hora
dessas.
Leeson apertou meu braço como se me encorajasse, era realmente
uma grande oportunidade, mas inadequada para o momento. Ingressar no
ramo é necessário muito foco e tempo, algo que a própria universidade me
limitava, e sem falar nos ganhos que ao se agenciar como freelancer, ou
seja, nada garantido.
— Ah, eu adoraria, adoraria mesmo, mas eu já trabalho no
momento, preciso de algo sólido.
— Eu imagino que sim, e a agência deve ser muito sortuda de ter
você como colaboradora, então me diga Anya, com quem eu preciso
disputar para ter você na minha equipe?
— Cohen Archer! — A resposta ressoou nas minhas costas. Vi
Penélope se surpreender, olhando para além de mim. No momento que
olhei para trás, Cohen surgiu, parando do meu lado com um sorriso
presunçoso nos lábios, sorriso esse que sumiu quando trocou olhares com
Leeson.
Confiante, ele olhou rapidamente para mim, antes de voltar sua
atenção a ela.
— Não é para menos, sempre os melhores não é, Senhor Archer?!
Infelizmente essa é uma disputa que eu não estou preparada para vencer.
— Eu faço questão. Visto que minha aluna não está trabalhando na
sua área, tenho certeza de que ela irá pensar na proposta. — Leeson
respondeu por mim, atraindo o olhar desafiador de Cohen.
— Minhas portas estão escancaradas, Anya, adoraria ter o Sr.
Archer como cliente após contratá-la. — Falou como se tivesse pegado algo
no ar, já que o sorriso escondia um comentário travesso.
— Eu vou pensar com carinho. Muito obrigada. — Respondi
sincera, recebendo um sorriso gratificante de Penélope, que se despediu de
todos com um único aceno.
Leeson me olhou empolgado, parecia uma conquista mais dele do
que minha, enquanto uma sombra pesada se fazia presente, fulminando nós
dois com o maxilar trincado.
— Enviou meus projetos a ela? — Indaguei desacreditada.
— Sim, já disse que a profissional escondida atrás de uma mesa
precisa ser libertada, e eu ficarei feliz de ser seu pontapé inicial. —
Respondeu Leeson sem mais delongas, como se Cohen nem estivesse ali.
— Pode ter certeza de que você foi, mas como ouviu, ela já
trabalha, e eu não costumo perder bons profissionais. — Respondeu Cohen.
Leeson o ignorou como se o pobre não passasse de um fantasma.
— Pensa com carinho Anya, Penélope não costuma fazer a mesma
proposta duas vezes. — Cohen bufou indiscretamente, desdenhando de
modo irritadiço. O lancei um olhar repreensível como se eu tivesse
autoridade para isso, e voltei minha atenção para meu professor.
— Eu vou pensar com calma. — Olhei ao redor vendo a feira
chegando ao fim. — No que precisa de mim agora?
— Como assim? Os alunos já estão indo embora. — As perguntas
pareciam ser mais rápidas que os pensamentos de Cohen.
— Não estou aqui como aluna. — Respondi educadamente.
— Para trabalhar como secretária na sua corporação, minha aluna
deixa de cumprir a grade de estágios da universidade, e precisa repor como
voluntária. — Completou Leeson como se isso realmente fosse atacar o
Cohen. Eu não sabia mais como reagir e apenas encarei o vazio na minha
frente. Aquilo parecia uma batalha inútil que eu não estava disposta a
levantar minha torcida. — Mas, não Anya, você está liberada, me ajudou
muito hoje.
— Obrigado, professor.
— Nos vemos na próxima aula. — Ele saiu sorrindo, tocando meu
braço uma última vez. Nos despedimos em olhares, e quando finalmente
olhei para o Cohen, ele ainda olhava fixamente para o lugar onde Leeson
tocou.
— O que pensa que está fazendo? — Inquiri sem cerimônia. Aqui
ele não é meu superior, ainda que pudesse me mandar embora a qualquer
hora e a qualquer lugar do mundo, isso não lhe dava o direito de intervir nas
minhas decisões pessoais. — Desculpa Sr. Archer, mas não pode vir aqui e
dizer ao meu professor que eu não posso considerar as sugestões dele, eu
dependo das notas…
— Então isso é um aviso prévio, Srta. Amstrong? — Me
interrompeu colocando-se de frente para mim.
— Me diga você, porque se for, eu tenho uma porta escancarada
bem ali como você mesmo ouviu. — Apontei para onde Penélope sumiu há
pouco.
— Se acha que ela vai te oferecer uma oportunidade melhor que a
minha, fique à vontade, mas se quer um conselho, Penélope teria oferecido
algo fixo se realmente estivesse interessada no seu trabalho, e não nas suas
ideias pelo preço de uma estagiária.
— Eu não quero os seus conselhos! O que eu realmente acho é que
não tem o direito de ter confrontado meu professor, minha carta de
recomendação depende dele. Tenho trabalhado duro para não perder horas
de estágio e isso, Sr. Archer, é um fator obrigatório, então se por um acaso
ele decidir não me colocar mais nesses eventos, eu não terei mais escolha.
— Ei, ei, ei... O que é isso? — Casper chega até nós, rindo da
situação. — Vocês estão brigando?
Cohen se recompôs forçadamente, enquanto eu detive meu olhar
nele. Milhares de pensamentos pareciam atormentá-lo.
— Só estou dizendo que não estou na empresa. E mesmo que
estivesse, isso não te dá o direito de decidir algo pelo meu futuro. — Cohen
me olhou com o maxilar relaxado, mas a testa franzida como se o medo
estivesse fundido a surpresa desagradável das minhas palavras.
— Está pensando mesmo em sair? Cohen morreria sem você!
— Casper! — ralhou. Seu irmão sorriu despreocupado e olhou para
mim novamente.
— Ele anda mais mal-humorado que o normal. Soube que vai ao
pub com a Hannah mais tarde. — Mudou de assunto drasticamente.
Expirei o ar dos meus pulmões me dando por vencida.
— Ela me chamou.
— Se eu disser que está aqui, ela vem te buscar, aquela ali não
desiste fácil, se é que você me entende. — A lembrança de dividir me veio
à mente — Se eu faria isso? Faria sim. Com certeza irritaria meu irmão e eu
não gosto de perder uma oportunidade de irritá-lo.
Pareceu que ele estava lendo meus pensamentos e só por esse
motivo eu ofeguei, até entender que ele falava de avisar Hannah, e não do
trisal.
— Nós vamos sair para conversar! — Cohen respondeu por mim.
— Ela acabou de falar que não é você quem decide. Vamos, Any,
diz que não, eu vou adorar ver ele ser desbancado. — Casper cochichou
mesmo sabendo que Cohen estava ouvindo.
Foi inevitável não sorrir. Eu não entendia muito bem a relação dos
dois, mas não me pareceu nada tão ruim quanto pintam. Enquanto eu sorria,
Casper franziu uma sobrancelha intrigado, então me lembrei que estive de
frente para ele na noite da festa e virei levemente o rosto.
— Na verdade, Cohen, eu combinei com a Hannah. — A verdade é
que eu estava protelando uma conversa com ele.
Casper sorriu vitorioso, e virou-se para capturar a expressão
desafiada do irmão.
— Você iria mesmo? Não é o seu ambiente. — Disse Casper como
se conhecesse demais seu irmão para saber o que aquela expressão
significava. — Isso vai ser interessante.
Meu sorriu sumiu.
Se eu não fosse, Cohen insistiria em uma conversa que eu não
estava preparada para ter, não consigo me imaginar de frente para ele sem
uma máscara, encarando a mesma pessoa que se atracou comigo em um
canto escuro e escondido como dois funcionários irresponsáveis em horário
de trabalho.
Decidi ir para o pub somente para fugir de Cohen, mas algo naquele
olhar me dizia que sua promessa hoje iria se cumprir, e ele não me deixaria
fugir.
CAPÍTULO 14
Você me deu algo que eu não posso mais viver sem.
Love In The Dark - Adele

Muitas vezes na minha vida já me peguei pensando em como vim


parar em determinado lugar. Isso aconteceu quando estava em um trabalho
exaustivo em dois períodos de uma lanchonete pequena em Minnesota.
Papai sofreu o acidente na usina e teve que passar alguns meses
recuperando sua coluna em casa, Tom tinha meses de vida, então tive que
assumir as despesas de casa.
Logo depois veio a descoberta da sua deficiência auditiva,
consequência de uma grave inflamação que comprometeu seu tímpano, e
praticamente toda sua audição. Dediquei todo meu tempo e esforço a ajudar
minha mãe nos afazeres de casa, conciliando entre trabalhar, estudar e
cuidar do Tom, até que meu pai pudesse andar novamente e tocar a oficina.
Quando as coisas finalmente começaram a fluir, recebi a notícia de
que tinha sido aceita na universidade de Seattle, e fui praticamente
chantageada emocionalmente pelo meu pai, que disse que jamais se
perdoaria se eu não viesse. Me comprometi com um emprego temporário
para custear meus próprios gastos, e claro, tudo o que sobrava eu mandava
para casa.
Eu estava na hora certa e no lugar exato, quando o reitor da agência
foi requisitado para enviar uma substituta à Cohen imediatamente. Ele
apenas me deu o endereço e desejou-me boa sorte. Então chego à
conclusão de que tudo na minha vida é baseado em consequência. Minha
única escolha realmente, foi ter levantado minha voz diante de todos para
defender uma causa que prometia acessibilidade para uma minoria, minoria
essa que não incluía meu pequeno Tom. Tudo depois disso foi
consequência.
Chegar em um Pub abarrotado de rostos conhecidos ao lado de
Cohen Archer, era uma delas!
Preferi ignorar os olhares surpresos, intrigados, e até mesmo
descrentes. Segui Casper que fazia questão de se esgueirar pelos lugares
mais concentrados de pessoas, como se quisesse provocar Cohen.
— Eu disse que esse não era seu ambiente. — Comentou olhando
por cima dos ombros em um sorriso debochado para o seu irmão. Cohen
estava apenas um passo atrás de mim, e bufou, ignorando Casper.
Eu não sei o que era mais inusitado naquela cena. Casper e Cohen
saindo juntos; Cohen em um pub frequentado pelos funcionários; ou eu,
frequentando um pub ao lado de Cohen e Casper.
— Cas! — Ouvi Hannah gritar quando nos aproximamos da mesa,
ela ainda não tinha me visto. E quando seus olhos caíram em mim, ela se
levantou empolgada. — Anya, você veio!
Ela passou direto enquanto Casper esperou por um cumprimento, ri
da sua reação ao olhá-la de costas como se não acreditasse que foi
ignorado.
— Por pura espontânea pressão. — Só agora ela olhou em volta
boquiaberta, se dando conta de que Cohen estava junto.
— Gente, acho que eu bebi demais. Há quanto tempo estou aqui?
— Hannah perguntou a Ruby, que riu de fundo ao lado de Andrea. A mesa
em que elas estavam sentadas estava repleta de funcionários da Archer, com
suas gravatas frouxas, mangas arregaçadas e os primeiros botões abertos.
Eu não sei como reagiriam ao ver Cohen e Casper se juntarem a eles, mas
pelo teor alcoólico evidente nas risadas altas, presumi que eles já não
estavam muito confiantes no que viam mesmo.
— É bom esclarecer as coisas, Cohen, ninguém aqui trabalha para
você. — Disse Ruby vindo até nós com duas doses de Vodka pura, uma
para mim, e outra para Cohen, que riu aceitando.
Após ele ingerir a bebida, seus olhos pararam em um canto do pub.
Acompanhei seu olhar de testa franzida e encontrei uma capa de revista
com a sua foto servindo de tiro ao alvo. Não segurei a risada, me contendo
em tampar a boca para abafar o barulho, e quando olhei para Cohen, ele
reprimia um olhar desafiado.
— Já estava ali quando chegamos. — Alguém disse. Casper
gargalhou, tirando seu paletó para também afrouxar a gravata.
— Vem Anya, eu te convidei, então você é toda minha. — Hannah
me puxa passando seu braço pela minha cintura.
Meu último olhar foi para Cohen, e só pude agradecer mentalmente,
pois eu realmente queria manter uma distância segura.
Hannah me apresentou rapidamente algumas pessoas que estavam
na mesa. Funcionários e amigos, mulheres e homens, alguns rostos já tinha
visto antes, outros certamente eram da equipe de desenvolvedores, pois eu
nunca os tinha visto antes, mas eram os mais íntimos de Cohen. Os únicos
que o chamaram para perto.
Provavelmente a equipe com que ele mais tem contato entre todos.
— Estão falando de Phyton. — Ruby comenta com a boca em um
copo de bebida e a testa franzida.
— Isso não é uma cobra? — Andrea pergunta.
— É uma linguagem. — Hannah responde naturalmente, servindo
uma dose para mim. Ela riu quando percebeu que estávamos olhando para
ela. — Eles são os Dev, trabalham no núcleo de desenvolvimento da
Archer. Especialistas Phyton, Java, RPA, e DevOps. Já entraram lá? Tem
tantas telas de computador, que mais parece uma organização secreta. É
como uma sala de cinema, sem janelas e sem nenhuma luz sem ser a dos
códigos subindo pelas telas escuras. Eu os apelidei carinhosamente de
Morceguinhos da Archer, eles não veem a luz do dia.
Ruby e eu nos entreolhamos surpresas.
— E como você conhece todos?
— Dizem que sou uma ratinha que perambula pelos corredores
mais estreitos. — Responde em um sorriso. Então baixou seu tom de voz e
se inclinou para a mesa. — Nós poderíamos invadir lá um dia desses e
apagar uma letrinha ou duas, vocês precisam ver como eles ficam doidos
atrás do bug nos códigos. Sempre sobra para o rapaz de óculos, ele é da
front-end.
— Da pra parar de falar em códigos? — Ruby pede estremecendo.
Hannah riu sozinha. Eu a acompanhei aceitando o copo de bebida
sem nem perguntar o que era.
— Cohen parece se dar bem com eles. — Comento olhando
brevemente. Hannah também olhou, Cohen ouvia um dos rapazes que
falava com ele, e não entendi por que ela bufou.
— Cohen é como um deus da programação pra eles. Antes de
assumir a Archer, ele também era um Morceguinho Dev. É um dos maiores
engenheiros de software que a Archer já teve.
Andrea olhou para eles e se perguntou:
— Será que ele é sapiossexual? — Me engasguei com a bebida na
metade da garganta. Hannah me olhou misteriosamente, guardando um
sorriso.
— Ele faz mais o tipo obcecado em segredo.
— E eu faço o tipo de qualquer um que me olhe por mais de três
segundos hoje. — Andrea diz antes de virar um copo cheio.
— E você, Anya? Só gosta de barista? Porque o barman daqui é
uma graça. — Ruby me pergunta.
— Estou bem. — Respondi, mas foi Hannah quem desdenhou com
os olhos, e os fixou em mim.
— Posso testar uma coisa? — Perguntou estreitando os olhos.
Respondi dando ombros, a morena deu a volta na mesa e ficou atrás de
mim, posicionando o queixo em meu ombro, os lábios perto da minha
orelha ainda sem tirar o semblante malicioso.
— O que está fazendo? — Perguntei olhando em seus olhos
verdes.
— Olhe para minha boca.
— O quê?
— Ela vai fazer de novo. — Ruby comentou cumplice. Somente
pela curiosidade eu fiz como ela pediu. A ponta do seu nariz quase tocava o
meu, e o olhar de Hannah parece com os de uma felina.
— Como esvaziar a mente de uma mesa cheia de Morceguinhos
Dev. — Foi Andrea quem disse, disfarçando um sorrisinho.
— Escute o silêncio. — Hannah sussurra, e de fato toda a falação
da mesa ao lado estava cada vez menor, e bastou que eu sorrisse para sumir
completamente.
— Anya, se você continuar me olhando assim, vão sonhar com a
gente essa noite.
— Vamos jogar! — Casper aparece espalhando os dardos e Hannah
revira os olhos. Gargalhei quando percebi que de fato a mesa inteira dos
desenvolvedores olhava para ela.
— Ela adora fazer isso. — Ruby comenta também rindo, enquanto
eles tentavam retomar a compostura.
Eu ainda sorria quando Cohen se juntou a nós, e ele me olhava de
um jeito indecifrável.
— Se acertar, Cohen bebe mais uma. — Disse o irmão traiçoeiro,
arregaçando as mangas, enquanto me chamava com o olhar, no mesmo
momento em que Cohen parou do meu lado.
— Se errar, você bebe! — Cohen disse ao irmão. Acompanhei
Casper até tirar os dardos presos na parede. A maioria ali se empolgou e
urrou comemorando. Cohen me entregou os que estavam na mesa com uma
sobrancelha arqueada e se distanciou, para observar de longe.
— Ele quer mesmo te surpreender. — Comentou Casper antes de
fazer seu primeiro remeço, acertando o alvo na orelha. Hannah
imediatamente entregou uma dose ao Cohen, aguardando meu lançamento.
— Se redimir é a palavra certa. — Falei, mirando na figura do
Cohen e jogando o dardo que acertou seu queixo. Comemorei olhando para
ele, que se rendeu em tomar uma dose. — Por que ele bebe e você não?
Casper sorriu de lado olhando para o irmão.
— Porque é ele quem precisa de coragem. E uma pessoa não se
redime cancelando todos os seus compromissos para ir em uma feira
estudantil. Nem frequentando lugares que nunca frequentaria. Eu chamo
isso de tentar surpreender. — Atirou um dardo que pegou fora do alvo
finalizando em uma careta, ao ter que beber sua primeira dose.
Pensei nos motivos que ele teria para mobilizar toda uma equipe de
acionistas com a desculpa de que uma feira publicitária pudesse ajudá-los
em algo, e não, ter feito isso somente porque eu estaria lá, estava longe de
ser uma possibilidade. Muito embora, conheço Cohen há um bom tempo
para saber que como o CEO que todos conhecem, ele faria isso sim, se
quisesse me provar alguma coisa.
— Sabe... — continuou depois da careta. — Cohen nunca soube
lidar muito bem com garotas. Achei que isso tivesse mudado, mas não. Ele
continua sendo um gêniozinho da informática que sabe fazer um
computador trabalhar para ele, mas não sabe como convidar uma mulher
para acompanhá-lo.
— Cohen não gosta de ser desafiado, apenas isso. — Arranquei
outra risada enfadonha de Casper, atirando e acertando a bochecha de
Cohen colada na parede.
— Ele não gosta de ser desafiado por pessoas que o intimidam. —
Disse curvando sua cabeça. — O único que podia fazer isso era meu pai,
mas agora, qualquer um que tente te tirar dele.
Foi minha vez de rir, pois Casper provavelmente não faz ideia de
que minha aproximação excessiva com Cohen era graças a Dama de Prata,
no qual nós dois estávamos trabalhando juntos para encontrar.
— Não é nada do que parece. — Falei na sua vez de jogar. Foi
inevitável não lembrar do Joe dizendo que eu estava em fase de negação.
Casper acertou o alvo. Em seguida me entregou um dardo liso e
frio.
— Eu sei que não, por isso está tão divertido. — Baixou o tom de
voz quando mirei em Cohen. Só então percebi que o que havia em minha
mão era o palito de cabelo branco com a logo da Stella Valêncio. A mesma
que estava em meu pote de canetas. — E vai ser ainda mais, quando ele
descobrir que era você naquela festa.
A voz de Casper arranhou arrastadamente próximo a mim, com um
sarcasmo evidente no seu sorriso de lado.
— Não vai jogar? — Perguntou Cohen chegando até mim com uma
dose de bebida e um sorriso no canto dos lábios.
— Sua vez, preciso de uma bebida de verdade. — Resmungou
Casper entregando os dardos ao irmão, saindo ao me lançar um olhar
vitorioso e cheio de promessas, que eu ainda não sabia dizer se estava
disfarçado de ameaça.
Somente as batidas do meu coração me entregavam, eu estava em
um completo estado de nervosismo interno, escondendo o palito na palma
da mão.
Engoli seco tentando não demonstrar isso ao Cohen, pois ele já
estava bem do meu lado e desconfiaria se percebesse que eu estava tão
amedrontada.
— Mais uma rodada e vou pedir um aumento sem você perceber.
— Brinquei virando o copo sem cerimônia. Quase não senti a queimação na
minha garganta. Talvez eu também estivesse precisando de uma bebida
mais forte.
Cohen tirou os dardos da parede e os acumulou na mesa de tripé
alto, assim como também arrancou a capa de revista colada no tabuleiro de
tiro ao alvo, e o jogou de lado em uma careta.
— Mais uma rodada e você pode pedir o que quiser. — Falou
inclinando-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Travamos uma
batalha visual com sua voz agora mais risonha e engrossada ecoando em
meus pensamentos.
Endireitei os ombros e engoli seco para disfarçar, e atirar pela
primeira vez, para então encher uma dose e entregá-lo. Olhei para trás e vi
Hannah de costas quando Casper a alcançou e a abraçou por trás, beijando
seu pescoço em livre acesso. Ela olhou para trás insinuando algo em uma
piscadela.
A pergunta era, por que Casper não contou nada ao Cohen? E se
estava guardando isso, era para provavelmente usar. E uma segunda questão
era levantada: contra mim ou contra o irmão?
Cohen acertou seu alvo, e comemorou com um sorriso ao encher
meu copo. Sua postura estava relaxada, seu cabelo já nem estava mais tão
alinhado e alguns fios se curvavam na testa, um charme desgrenhado que o
deixava ainda mais atraente.
A sombra do divertimento não deixava seus olhos, serrados em um
brilho intenso. Não percebi em que momento ele também tirou seu paletó,
mas percebi as veias saltadas no seu antebraço e me peguei engolindo
minha própria saliva ao lembrar do mesmo bem ao lado da minha cabeça
enquanto segurava minhas mãos na parede.
— Então você admite que não tem intenção de sair da Archer? —
Perguntou, trazendo minha atenção de volta para nosso jogo. Suspirei ao
entender que ele levou minha brincadeira como uma garantia.
— Tem tanto medo de que eu saia assim? — Inquiri com as
palavras de Casper me atormentando mentalmente.
— Está mudando de assunto, eu perguntei primeiro. — Foi minha
vez de atirar, e acertei precisamente, mostrando o copo para Cohen logo em
seguida, que virou olhando em meus olhos.
— Não pretendo sair da Archer até me formar. — Respondi com
sinceridade, me dando conta de que as coisas poderiam não sair como eu
pretendo, não mais.
De repente minha vida tão estável parecia estar nas mãos de Casper,
e eu ainda não sabia o que isso custaria.
— E depois? — Dei ombros.
— Voltar para Minnesota, trabalhar a distância como publicitária ou
em alguma agência, futuramente eu posso até pensar em ter uma, mas esse
é um sonho bem distante. Tenho que cuidar da minha família primeiro. —
Sua expressão endureceu, como se algo em meus planos futuros não o
agradasse.
— Você nunca me disse isso.
Uma parte profunda do meu consciente, sabia que boa parte da
minha língua solta, era por consequência da bebida.
Nunca que eu falaria da minha vida pessoal tão abertamente com
Cohen.
— Você nunca perguntou.
— Se eu tivesse perguntado, você teria dito que não é da minha
conta.
— Não, eu apenas teria desviado do assunto.
— Isso é um jeito educado de dizer que não é da minha conta.
— Prefere que eu seja mais direta?
— Mais? Você disse com todas as letras que não queria falar sobre
sua vida.
— E você disse com todas as letras que só queria saber o que te
interessa.
Cohen forçou a própria mandíbula, intercalando meus olhos como
se houvesse argumentos para se defender, mas não usou.
— Eu disse que não quero você envolvida nisso. — Olhei para a
mesa brincando com os dardos em cima.
— Claro, afinal, você viu o que acontece quando perco o foco na
Archer. Chego atrasada, durmo na mesa, não compareço as suas reuniões
por estar cansada demais, e você está certo. Por isso eu mesma admito, não
posso, não dou conta, pegue a porcaria da ideia e dê nas mãos de outra
pessoa.
— Eu não disse nada disso! E você está mais irritada comigo sem
ao menos me ouvir do que com o barista que diz que esperava mais de
você?
— Então você realmente foi atrás da fofoca inteira.
— Eu fui atrás de quem tinha te deixado daquele jeito!
— Por que, Cohen? Por que você se importa?
Cohen encheu o pulmão para responder, mas Ruby gritou:
— Pararam de jogar?
E quando olhei, não soube dizer se quem eu estava vendo chegar no
pub também era consequência da bebida, pois o próprio Joe entrava
acompanhado da ruiva balconista, com sorriso solto e uma aparência bem
diferente da que eu conhecia.
— Ah droga! — Murmurei usando o corpo de Cohen para me
esconder.
— O que foi? — Perguntou tentando olhar para trás.
Em um gesto impensado segurei seu rosto, evitando que virasse o
pescoço.
— Joe está aqui.
Cohen não se moveu enquanto eu também segurava seu braço, em
um misto de receio e dejá vù, sentia a dureza do seu músculo bem na palma
da minha mão. Calculei o curto espaço vago entre nós, a distância com
menos de um palmo. O olhar dele tão intenso que me fez arrepender no
mesmo instante de ter me colocado em sua frente.
Tento sair, mas Cohen segura em meu braço e o que percorreu sob a
superfície da minha pele era quente..., mas meu ventre estava gelado.
— Qual o problema?
— O problema é que ele está certo! — Confessei, porque sabia que
ele não fazia a menor ideia do que eu estava falando, já eu, estava
admitindo para mim mesma o efeito estrondoso que Cohen causa em mim,
e que eu poderia negar, mas estava sim cedendo, ao ponto de a qualquer
momento não responder mais por mim mesma.
— E você vai fugir?
— Eu disse que o café dele era horrível!
Cohen riu.
— Isso não é desculpa.
— Ah é sim, só eu sei como é ruim desacreditarem do seu trabalho.
— Sem querer cutuquei, e aquele sorriso no rosto dele sumiu.
— Anya, eu cometi um erro...
Percebi Joe se aproximando e ignorei complemente o que Cohen
estava dizendo.
— Ele está vindo.
No momento em que falei isso, o olhar de Joe se encontrou com o
meu, o reconhecimento despontou em seu rosto, e antes de qualquer
emoção tomar sua face, ele se mostrou intrigado, surpreso por me ver.
— Cohen, faz alguma coisa!
Quando pedi isso, eu não estava esperando de fato que ele fizesse
algo, mas sem que meus reflexos fossem avisados, e sem que eu pudesse ter
qualquer reação para impedir, senti os lábios dele se chocarem com os
meus.
Senti cada partícula viva do meu corpo ficando imóvel, congelando,
como uma pausa no tempo.
Por um momento senti apenas sua boca pressionando a minha,
meus sentimentos estavam em um completo turbilhão, meus pensamentos
sequer eram ordenados, e tudo se intensificava com o efeito da bebida,
pulsando nas minhas veias, aquecendo toda minha pele e acelerando as
batidas do meu coração, que eu podia ouvir.
Cada batida era uma parte de mim que se encaixava, um segundo
no tempo que voltava para o seu lugar de origem.
Por fora eu estava imóvel, sentindo sua mão na minha bochecha e a
pressão dos seus lábios nos meus me tirando de órbita. De repente esse
toque foi para minha nuca, debaixo do meu cabelo, segurando-me contra
sua boca em um gesto mais do que possessivo.
Um grunhido satisfatório escapou em um ofego. Por um momento
éramos só nós dois. Permiti sentir e apreciar o sabor da sua língua na
minha.
Eu sentia seus lábios como na -+noite em que eles me levaram à
loucura. As lembranças me invadiram junto com seu perfume, a sensação
era tão intensa que eu tive a impressão de estarmos lembrando das mesmas
coisas.
Não resisti e minha mão que já estava em seu rosto não saiu dali.
Foi como se tudo perdesse o sentido em nossa volta, e o beijo ficou cada
vez mais profundo.
Por uma única vez ficou mais lento, quase parou, como se ele
estivesse associando alguma coisa, e desde então suas mãos me prenderam,
inclinando a cabeça para ajustar e firmar o ritmo intenso.
Inconfundível era o beijo do Cohen. Embora nada se parecesse com
o beijo selvagem daquela noite, eu torcia para que ele não estivesse
sentindo o mesmo, pois ainda que estivéssemos em frente a todos, naquele
momento, com olhos fechados, eu sentia como se estivéssemos sozinhos.
Em frente a todos…
Me dar conta disso me fez interromper o beijo, encontrando suas
íris inebriadas olhando tão fixamente para mim, que a sensação era de que
minha alma estava sendo conectada à dele.
Cohen parecia estar tão surpreso quanto eu, seu peito subia e descia
intensamente, e os lábios entreabertos pareciam duvidar do que aconteceu.
Enquanto uma linha invisível nos unia, meus pensamentos vagavam
pelo momento que o tive tão próximo quanto estava agora. Sua respiração
era como um mantra hipnótico. Um delírio fantasioso e real ao mesmo
tempo, o endurecimento na sua face me deu a impressão de que mais um
segundo compartilhando do mesmo ar que ele, outro beijo aconteceria.
Saí dali o mais rápido que pude. Cohen parecia paralisado, perdido
em pensamentos. Passei pelas meninas e depois por Joe. Não parei nem
mesmo quando ouvi Ruby me chamando, continuei até atravessar a porta do
bar e ser atingida pela noite fria.
Minhas pernas estavam amolecidas, pura adrenalina e nervosismo
tomava conta, e sem me importar com mais nada, apenas me permiti
respirar fundo, antes de surtar de uma vez por todas.
Eu estava ferrada, fodida e com meus dias contados.
— Anya! — Arfei ao ouvir a voz de Cohen se aproximando.
— Não! — Vociferei apontando minha mão no ar para que ele
parasse. Cohen estava ofegante, tanto quanto eu. — Temos limites, Cohen,
e você ultrapassou todos eles.
— Você pediu que fizesse alguma coisa. — Ri nervosamente, pois
para mim isso estava longe de ser uma justificativa.
— Qualquer coisa menos… — Apontei para o lado de dentro sem
conseguir verbalizar o beijo que eu ainda sentia formigar de tão recente. —
Isso!
Eu só queria entender o tamanho do meu desespero agora, porque
tudo parecia partir de um medo do que eu podia perder, quando na verdade
esse beijo só me mostrou que eu estava com medo do que poderia acontecer
entre nós uma hora ou outra, e o quanto eu o queria.
— Está com raiva porque sentiu o mesmo que eu. — Deduziu
ignorando meu pedido e caminhou na minha direção. Meus músculos
começaram a tensionar com sua proximidade.
Eu estava com raiva pois sabia o que estava envolvido. O que eu
senti nem podia ser colocado à mesa, e mesmo sem conseguir pensar de
fato nas consequências agora, sei que elas existem, e é disso que eu tenho
medo. Que o que eu estou sentindo fale mais alto, que eu dance sem prestar
atenção na música, assinando uma sentença para minha vida e meu coração
junto.
Contos de fadas estavam bem longe de existir, e o que me impede
de simplesmente me entregar ao Cohen agora é o mesmo que me impediu
naquela noite, com um peso ainda mais decisivo.
— O que eu senti foi a bebida confundindo seus pensamentos,
aquilo foi um erro, e amanhã quando você estiver em sã consciência vai se
arrepender e nada, nada vai mudar isso. — Disse a ele o que eu queria dizer
a mim mesma, como se pudesse me convencer.
— Não estou bêbado.
— Você está… obcecado! — Na minha cabeça ele sabia
exatamente do que eu estava falando. Logo, por um instante de clareza eu
enxerguei que o que ele acha que sentiu podia não ser desejo, mas seus
instintos se recordando de uma sensação que já viveu. — E eu só peço que
saiba separar as coisas porque, Cohen eu tenho uma família que depende de
mim, eu tenho responsabilidades que vão muito além do seu entendimento
e, fazer parte desse seu joguinho não é uma opção.
— Então é por isso? — Perguntou exasperado. — Por ter pedido
sua ajuda? Podemos parar agora mesmo, acha que isso me confundiu de
alguma forma? Não Anya! Eu sei muito bem o que senti e posso afirmar
que foi por você. Foi você quem eu beijei essa noite, e você me beijou, não
foi ele, fui eu!
Cada palavra tinha um duplo sentido, a minha vontade era de gritar
para que ele fosse claro no que estava tentando dizer, pois nesse momento,
eu já não tinha certeza, e queria gritar e poder simplesmente acabar com
tudo.
— Esse é o problema! — Isso pareceu desarmá-lo — Eu entendo
meu lugar na sua vida, sempre entendi. Quem ultrapassou essa linha foi
você, ao me envolver nessa busca obsessiva como se fossemos íntimos.
Quem veio com essa ideia de amizade e ajuda mútua foi você, e quero que
lembre que na primeira oportunidade você me colocou no lugar novamente
e eu nunca mais vou passar por isso. Nunca mais vou permitir que me
trate... como se eu estivesse invadindo seu espaço pessoal, como se eu
estivesse confundindo as coisas.
— Tá legal! Então estou confundindo, talvez tenha feito isso há
algum tempo, talvez... eu tenha feito você olhar para ele e me dei conta de
que cometi um erro.
— E isso muda o quê? — Um silêncio perdurou por quase um
minuto inteiro.
— Me diz você. O que muda saber que eu não quero mais te ouvir
falando dele? — Perguntou avançando, até estar no mesmo metro quadrado
que o meu, intercalando nossos olhos. — O que muda se eu quiser você?
Fui baqueada de todas as formas possíveis. O chão pareceu se
mover aos meus pés.
No fundo ele sabe, no fundo esse desejo parte do mesmo princípio.
Já o meu desde o primeiro momento pertenceu a ele, e talvez o que o atrai
em mim agora, esteja ligado a mulher naquela noite, nas suas lembranças
mais distantes, e nos comparar deve ser inevitável, e isso vai durar até ele
ter a mais absoluta certeza de que o beijo é o mesmo, o toque, os gemidos e
tudo o vivemos as escondidas. Permitir isso seria questão de tempo.
Eu até poderia deixar de ser a Dama de Prata para ser apenas, Anya.
Mas, ele jamais deixaria de ser o Cohen, sempre foi, e sempre vai ser a
pessoa que pode acabar com meu futuro, e ainda que não exista vingança no
seu coração agora, ela surgirá quando ele cogitar que foi proposital, pois
ninguém sabe mais sobre sua empresa senão a pessoa que tem acesso a
todos os seus planos de negócios e decisões.
Eu passaria a ser sim, uma ameaça e isso bastaria para ele me
mandar para bem longe.
— Estou apaixonada pelo Joe.
Eu não quis admitir ali, e agora, mas era a coisa mais errada que eu
já tinha dito em toda minha vida. Não se encaixou, não fez sentido.
Cohen não só pareceu baqueado, como também foi dominado por
algo que nem eu soube dizer o que era. Um misto de raiva e mágoa, em um
olhar que jamais sairia da minha cabeça.
— Então isso não muda nada, Cohen. — Completei, e foi o que
bastou para ele não me impedir de chamar um táxi.
Foi difícil respirar normalmente com meus lábios ainda
formigando. Com o fato de que desejei nunca o ter sentido, pois assim
como o primeiro, não se parecia com algo que eu aprenderia a viver sem,
sabendo que já o tive um dia.
Seria com certeza a noite mais longa da minha vida, e a mais
decisiva.
CAPÍTULO 15
No momento em que te ouvi dizer meu nome. É a primeira vez em muito tempo em que não estou

com medo. Não estou com medo;


It’s Always Been You – Phil Wickham

— Ainda acordada? — Holly me surpreendeu ao aparecer na sala


escura. Eu estava perdida em devaneios encarando o nada, enquanto da
minha xícara de chá nem fumaça saía, pois já havia esfriado.
— Não consigo dormir. — Confessei suspirando, deixando de lado
o chá que sequer tomei. Holly desistiu do seu caminho até a cozinha para
vir se sentar ao meu lado, encolhida no sofá com o olhar penoso para o meu
estado.
— Ainda por causa do Cohen?
— Não sei onde eu estava com minha cabeça em pensar que
poderia levar isso adiante. Não consigo parar de pensar nisso, não consigo
parar de pensar no que aconteceu naquela noite. E pela primeira vez na
minha vida, eu não consigo pensar no que pode acontecer.
Queria dizer que era somente por causa do beijo, mas algo em mim,
grita para que eu assuma o medo que eu tenho de ver a decepção nos olhos
dele.
Algo em mim… se apega ao beijo sem máscara alguma. Quando
ele descobrir, eu não vou poder fingir ser outra pessoa.
Holly sorriu diante do meu desespero.
— Está apaixonada por ele. — Concluiu.
— E ele está apaixonado pela ideia de uma pessoa que não existe.
Podia ser eu naquela noite, Holly, mas não sou eu quem ele procura. —
Admiti com decepção. — Ele me incentivou, me ajudou com o Joe, e
quando finalmente começo a sentir algo, ele...
— Você não sente nada pelo Joe, e confesso, estava bem
preocupada porque eu sabia que de certo modo você estava usando disso
para se esquivar do Cohen. Anya, você tentou, eu sei que tentou, mas no
fundo era por ele que você estava se apaixonando. Não pode culpá-lo se no
processo, ele acabou sendo atraído de novo. Não percebe o quanto é inútil
lutar contra você mesma? O que ele sentiu naquela noite é exatamente o
mesmo que o fez te beijar hoje, então sim, é você quem ele procura. Por que
não diz a verdade?
— Tom. — Respondi apenas, deixando meus ombros caírem. —
Não consigo imaginar o que eu faria se Cohen não me perdoasse, mas eu
sei o que aconteceria com o Tom se eu falhasse agora. Não tem ideia do
quanto eu me culparia.
Os ombros de Holly caíram também, e sua expressão foi de tristeza
e compreensão.
— A culpa é toda minha.
— A culpa não é sua. Tudo o que você fez foi me colocar um
vestido. Eu é quem falei aquelas coisas. Eu é quem estraguei tudo e agora
que o Casper sabe, é questão de tempo.
E enquanto eu encarava minha xícara de chá, eu vislumbrava uma
balança, tentando imaginar qual erro pesava mais, e o beijo estava longe de
ser o maior deles.
No fundo eu fugi para me proteger, e adiar o inadiável. Cohen vai
descobrir em breve e tudo será usado contra mim, até mesmo um beijo que
eu não previ.
— Casper já teria usado isso se fosse sua intenção. Não acho que
ele seja uma ameaça pra você, se for, então eu serei uma ameaça pra ele.
— Eu não o conheço. Não sei do que ele é capaz, sinto que estou na
mão dele e minha única saída é contar toda verdade, mas não enquanto não
passar os exames do Tom. Eu cheguei à conclusão de que só preciso de
tempo.
— Anya… — Suspirou meu nome em uma linha de pensamento.
— Então por que não pede ajuda ao Casper?
— Ficou maluca? Cohen já vai me odiar quando ligar os pontos e
presumir que eu fiz tudo pensado desde o início. O que acha que pode
acontecer se ele souber que Casper tem alguma coisa a ver com isso?
— Então por que demônios ele iria manter seu segredo?
— Eu não sei. — Verbalizei em desespero, esvaziando meus
pulmões com lágrimas nos olhos. — E sinceramente… não quero descobrir.
Eu só quero paz, entende? Quero que passe logo esses exames do Tom para
poder voltar para a casa e retomar minha vida de onde parei. — Suas
expressões foram de pavor
— Agora eu é quem te pergunto, ficou maluca? Você está a meses
de se formar, não pode abandonar tudo.
— Minha única preocupação é meu irmão.
— E o seu futuro?
— Eu não estou aguentando mais, Holly. — Meus olhos
transbordaram. Meu maxilar tremeu então percebi que eu estava a ponto de
desmoronar. — Estou acostumada a abrir mão de mim pelas pessoas que
amo, não vai ser a primeira vez.
— Tudo isso só para fugir do Cohen?
Não consegui responder. Eu era uma completa confusão e sem
saber o que dizer apenas desabei. Deitei minha cabeça no colo da minha
amiga e chorei, enquanto ela acariciava meu cabelo.
Sempre foi eu no lugar dela, acolhendo em silêncio, escutando seu
choro, recuperando Holly do estado que ela chegava em casa.
— Estou com medo. — Admiti, resumindo tudo o que eu estava
sentindo nesse momento.
— Shiii… — Me tranquilizou. — Sabe o que eu acho? Que o
Cohen está sim apaixonado por você, e nada faria ele abrir mão disso.
Não ficou claro?
Neguei com a cabeça.
— Eu já o vi com raiva, já vi seus olhos cobertos de algo que eu
não conhecia, e eu não quero vê-los novamente ao saber que o enganei esse
tempo todo. Me odeio por conhecê-lo tão bem, ao ponto de saber que ele
vai se sentir um idiota.
— Todos os seus medos se resumem em teorias, e a única certeza
que tem é de que vocês não conseguem mais resistir a isso. — Funguei
sentindo finalmente o sono pesar em meus olhos.
— A única certeza que eu tenho é de que armei uma bomba e estou
só esperando explodir, bem diante de mim! — Falei enxugando parte do
meu rosto com a manga da blusa. — Eu só queria voltar a ser invisível!
— Não se culpe, por ter se permitido. Se culpe por não ter a mesma
coragem da mulher que confrontou Cohen na frente de todos. — Falou
acariciando meus cabelos, apaziguando o tormento dentro de mim. — Quer
um conselho de quem não entende nada sobre o que está aconselhando?
Sorri assentindo.
— Qualquer ajuda é bem-vinda. — Ela me beliscou se fingindo
ofendida.
— Deixa essa bomba explodir. Tira essa máscara e enfrente. O
maior risco que você está correndo é ser vista pelo que realmente é, e Anya
você é incrível! Se ele fizer algo contra você vai se ver comigo, e com a
família Amstrong também, porque o que você fez é o que você faz todos os
dias, lutar pela sua família em silêncio. E eu te admiro demais por isso.
Você não está sozinha!
Me sentei no sofá novamente para olhar dentro dos seus olhos.
Holly não faz ideia do quanto eu precisava ouvir isso.

Na manhã que sucedeu o domingo mais pensativo da minha vida,


eu acordei com uma certeza gritando em minha mente.
Isso acaba hoje.
Eu assumiria meus erros e colocaria finalmente um ponto final
nessa tortura. Não queria mais viver com medo, não queria mais viver dia
após dia correndo riscos, riscos que eu nunca pedi para acontecer.
Eu estava tão certa da minha decisão, que ao pisar os pés naquele
edifício e ver alguns olhares na minha direção, eu acelerei meus passos,
mas travei quando cheguei próximo a catraca e avistei a mesma menina
daquela noite na recepção, ela tentava dizer algo em sinais para as
recepcionistas, que cogitaram dar a ela um papel para entenderem.
Sem conseguir outra vez ignorar aquela cena, eu me vi indo em sua
direção, até estar de frente para ela e entender que havia marcado um
horário com Cohen.
Puta merda!
Eu a coloquei na agenda dele!
Toquei seu ombro e disse oi, trocando olhares com a primeira
recepcionista. A garota prendeu seus olhos em mim, antes de se sentir
confortável para gesticular.
— "Posso ajudar?" — Perguntei em voz e gestos.
Ela anuiu receosa.
— "Tenho um horário com Cohen, pediram para falar com Anya."
— "Sou eu." — A garota sorriu. Perdida entre não permitir
continuar ou ajudar a garota, pensei no meu irmão e acenei para a
recepcionista. — Pode liberar a entrada dela. — Pedi, ajudando a repassar
alguns dados cadastrais, então descobri que seu nome é Dakota.
Subimos juntas para o andar mais alto do edifício, à medida que
meu coração apertava por estar adiando uma conversa importante com
Cohen, eu também me vi receosa sob o olhar atento da menina.
— "Eu sei que é você!" — Disse de repente, fazendo meu queixo
cair ao me sentir uma tola achando que estava enganando todo mundo.
— "Como você…"
Ela circundou sua boca, querendo indicar, na verdade, a minha.
— "Eu presto muita atenção nas bocas, para leitura labial." —
Assenti, suspirando com a sensação de que aquilo nem importava mais. —
"Não se preocupe, seu segredo está guardado comigo."
Sorri, achando nobre seu gesto, não estava com medo, mesmo
assim, achei importante mostrar que acreditava nela!
A porta do elevador abriu, e juntas nos encaminhamos até a sala do
Cohen.
— "Me espera aqui. Vou te anunciar".
Foi sua vez de concordar. Dakota se sentou no sofá de espera e eu
deixei minha bolsa na mesa, antes de bater na porta do Cohen, aguardando
que ele me liberasse.
Seus olhos caíram com alívio sobre mim, e ele fez menção em se
levantar. Espantei todo meu nervosismo e ignorei as batidas aceleradas do
meu coração.
— Tem alguém querendo ver você. — Anunciei. E pelo visto, nem
só eu tive uma péssima noite. Seu semblante estava exaurido, não havia
nada fora do lugar, e ao mesmo tempo, tinha.
— Desmarca, precisamos conversar. — Suspirei olhando para sua
mesa e depois para o bar, não encontrando seu copo de café diário. — Eu
não tinha certeza se apareceria. — Falou como se estivesse lendo meus
pensamentos.
— Nossa conversa fica para depois, posso chamá-la? — Perguntei
ignorando-o.
— Eu já disse que não.
— Ela diz que é em nome da Dama de Prata. — Disparei, vendo
todas as linhas expressivas de Cohen cederem.
Com isso concluí duas coisas.
Uma… ela ainda tinha poder sobre ele.
E… ela vem primeiro que eu.
— Mande entrar. — Era tão ridículo admitir que doeu. Como se a
porra daquela mulher não fosse eu mesma.
Chamei a garota com os olhos e abri passagem com a porta, Cohen
estava agitado e não tirou seus olhos de mim, até ver Dakota entrar receosa,
admirando tudo à sua volta.
A testa de Cohen franziu, ele intercalou seu olhar entre ela e eu,
para então pedir explicações.
— “O nome dela é Dakota, e veio para conversar com o senhor.” —
Traduzi o que ela dizia em sinais. Naquele momento me dei conta de que
teria que participar da conversa.
Por esse motivo, Cohen não tirou os olhos de mim e a cada palavra
minha em gestos, eu ignorava o fato de que ele poderia estar me
comparando.
— O projeto das escolas que iriam participar do evento foi
cancelado, ela queria saber o porquê, já que estava na lista de voluntários.
— Não foi fácil dizer aquilo, pois a todo momento eu me lembrava do meu
irmão, e do quanto ele estava ansioso pelos seus exames ainda essa semana.
Tirar esse sonho dele sem mais nem menos, seria algo que me faria invadir
uma festa também.
Eu não sei se esse foi realmente seu motivo, mas doeu.
— Cancelado? O projeto não foi cancelado! As crianças testaram os
aparelhos, e todas as famílias que se voluntariaram, vão ser beneficiadas!
— Se explicou Cohen, eu traduzi tudo para Dakota, que começou a
gesticular como se Cohen a entendesse. Esperei ela terminar para
verbalizar, após acalmá-la com o olhar.
— Não… Cohen, eles não estão com os aparelhos. Só na escola
dela são seis alunos, e nenhum deles recebeu o novo aparelho para se
conectar com o sistema inteligente da Archer. A resposta que tiveram
depois dos testes é que o projeto foi cancelado! — Fiz da tristeza dela a
minha.
Cohen começou a ficar agitado, olhando para o chão e para todos os
lados, sem sequer estar olhando algo.
— Anya, convoca uma reunião com todos os envolvidos. Eu vou
estudar pessoalmente o que aconteceu. — Assenti, imaginando que essa
poderia ser a última coisa que eu faria como funcionária. Cohen olhou para
Dakota e por um momento o vi intrigado. — Você disse que alguém a
enviou aqui.
O encarei com ultraje.
— Cohen, eu me recuso. — Protestei, imaginando que ele seria
capaz de me usar para intermediar uma conversa, talvez até um
questionário.
Dakota sorriu, e aproveitou para dizer algo que só eu entenderia.
— "Quando disse que era próxima dele, eu não sabia que era
tanto."
— O que ela disse? — Perguntou Cohen.
— Que você deveria usar o próprio sistema na recepção da Archer.
Sabia que não tem nenhuma intérprete lá embaixo? Para uma empresa de
tecnologia, Cohen, se comunicar com papelzinho foi a coisa mais
deplorável que eu vi na vida.
Então olhei para ela, sentindo uma decepção quase perfurante em
meu peito.
— "Eu te acompanho." — A chamei com o olhar, enquanto Cohen
me encarava fixamente.
— Eu disse que ela viria. — Falou nas minhas costas, me enchendo
de ódio e certeza, quase tão forte quanto a decepção ao sentir sua presunção
no que podia apostar estar acompanhado daquele maldito sorriso.
— "Acha mesmo que ele vai atrás do que aconteceu?" — Perguntou
Dakota dentro do elevador.
— "Nem que essa seja a última que eu faça aqui.” — Ela assentiu,
inquieta com a grandeza do edifício. Parecia disfarçar sua admiração. —
"Você tem meu número, entre em contato se precisar de alguma coisa. Eu te
aviso assim que tudo isso for resolvido."
A tranquilizei tocando em seu ombro. A garota simples me deu uma
lição de coragem e otimismo vindo até aqui. E algo nela também me
encorajava a prosseguir com minha decisão, porque para os outros eu
sempre dava um jeito de jogar meus receios para um canto, como se eles
nem existissem.
Então estava na hora de fazer algo por mim.
Acompanhei Dakota até a saída, e pedi um táxi já deixando pago
até sua casa sabendo o quão é distante.
Ao voltar para dentro, avistei a cafeteira e encarei o movimento por
alguns segundos, me encorajando a começar, pelo começo.
Entrei recebendo alguns olhares, não muitos. Acredito que ninguém
estava tão sóbrio para acreditar no que viram, se é que viram Cohen e eu
nos beijando.
Esperei na fila alguns instantes, Joe estava mais ocupado do que
nunca, e duvido que eu ainda tenha algum privilégio para ocupar meu lugar
no balcão.
Quem me atendeu foi a ruiva, mas para minha surpresa, Joe assim
que me viu acenou para que eu me sentasse no lugar de sempre. Meu rosto
esquentou de vergonha, e odiava o fato de só eu demonstrar o quanto estava
constrangida.
— O de sempre? — Perguntou tentando um sorriso. Anui
pigarreando após me sentar de frente para ele enquanto manuseava os
copos, em seu último preparo antes do meu pedido.
Joe me olhou por cima dos cílios com um sorriso travesso,
esperando que eu dissesse alguma coisa, enquanto eu, perdida em
pensamentos, buscava palavras para começar me desculpando, e maldita
hora em que olhei para a caneta na sua mão rabiscando seu nome na luva de
copo, como fazia comigo, mas entregando para uma outra pessoa.
— Esqueceu de colocar seu número. — Foi a primeira vez que vi
Joe sem reação, ficando vermelho como um pimentão enquanto a garota
ainda segurava o copo com o braço estendido.
Ela sorriu envergonhada e foi embora, deixando apenas um Joe
vermelho.
— Por que você disse isso? — Perguntou envergonhado.
— Porque você só colocou seu nome, esqueceu do número. — De
todas as malditas coisas que eu tinha para dizer, comecei cutucando como
se eu realmente estivesse com ciúmes.
Não se tratava disso, era raiva mesmo, por já ter achado que ele só
fazia isso comigo.
— O café é uma obra de arte… — começou com o semblante
divertido. —, e eu sou o artista. Eu apenas assino.
— Ah… — Foi minha vez de sentir o rubor se espalhando
gradativamente pela minha face em chamas, enquanto me xingava
mentalmente. — Desculpe. — Tentei um sorriso.
— De onde você tirou isso? — Ele finalmente riu depois do
acontecido.
— Sei lá eu só… disse. — Expliquei vendo-o pescar dois copos e
assinar propositalmente na minha frente antes de começar as misturas.
Outra vez Joe sorriu, e me olhou de forma desconfiada, admitindo
algo para si mesmo em um único lufar de entendimento.
— Vamos fazer assim, eu vou fingir que não vi nada, que nada
aconteceu, e você me diz por que está tão destruída?! — Sugeriu me
pegando de surpresa. Deixei meu maxilar relaxar, também suspirando.
— Estou tão ruim assim?
— Quer mesmo que eu responda? — Sorri agradecendo
internamente sua amizade capaz de colocar uma pedra no que aconteceu
para dar atenção ao que eu estava sentindo. E foi inevitável não me sentir
ainda pior por isso.
— Por onde começo? — Balbuciei gesticulando nervosamente. —
Eu não tomo seu café há dias, estou sem dormir, fugindo de um buraco em
círculos sabendo que uma hora ou outra, eu vou cair!
— Belo uso das palavras. A parte do café ficou tocante. — Mordi
meu lábio inferior, buscando uma explicação mais objetiva.
— Tudo isso para dizer que eu estou perdida. — Admiti, buscando
seus olhos com sinceridade.
— Eu sempre disse que seu chefe era problema. Você não quis me
ouvir. — Cutucou.
— É assim que você finge? — Joe riu, evidenciando o brilho de
suas íris ao se comprimir genuinamente.
— Algumas coisas não dão para ignorar, não é mesmo?
— Não, não dá. É por isso que eu queria te pedir desculpas. Aquilo
que você viu foi… Eu não sei dizer o que foi. — Pensei até em colocar a
culpa no Cohen, mas eu não tinha muito por onde correr.
— Foi um beijo, Anya. — Disse irônico. — Tudo bem, não precisa
ficar estranha por causa disso, pode confiar em mim. Não se preocupe, eu
entendo. Não é como se eu já não esperasse por isso.
— Isso o quê? — Inquiri confusa.
— Vocês... juntos.
— Não estamos juntos! Tem razão foi um beijo, mas que não
deveria ter acontecido. Assim como eu não deveria ter dito que seu café é
horrível.
— Disse que meu café é horrível?
— Na mensagem... — O lembro. E agora eu estava me sentindo um
professor de mandarim, porque ele não parecia compreender o que eu digo.
— Que mensagem?
— Depois de ter dito que foi um babaca. — Elucido.
— Ah, e você disse isso pra quem? Cohen? Agora eu sei por que
ele desceu no dia seguinte querendo saber o que eu te disse. Desculpe, não
está mais aqui em falou. E se quer saber o café era mesmo do dia anterior.
— Não é possível, isso é algum tipo de brincadeira? — Tentei
buscar algo que não fosse confusão e surpresa nos seus olhos, mas não
encontrei.
— Só achei que éramos amigos. Quer dizer que eu posso bancar o
pombo correio entre vocês, mas não posso dizer o que acho, mesmo
sabendo que você estava mentindo.
— Eu não menti.
— Então você também não passou a noite com ele?
— Acha que eu faria isso no mesmo dia em passo a noite
conversando por mensagem com você?
— Anya, Anya… para! — Me interrompeu empalidecido. — Eu
nunca troquei mensagens com você. Como poderia eu nem tenho seu
número?!
O mundo parou de girar e a gravidade eu nem sentia. A realidade
pareceu estar rindo da minha cara, e nesse momento, a confusão tomava
conta de cada um dos meus. Não é possível.
Saquei meu celular imediatamente e abri as mensagens, procurando
alguma explicação plausível. Encarei a tela e o balcão ao redor de mim,
perdida em pensamentos que não faziam sentido algum.
— Joe… de quem era o número que você deixava na luva de copo?
— Perguntei apontando para a tela do celular.
Joe provavelmente avistou seu nome ali, e sua expressão foi de um
espanto incrédulo.
— Aquele desgraçado se passou por mim? Meus olhos quase
saltaram ao ouvir isso.
— Joe…
— Filho da puta! — Xingou pegando o celular da minha mão,
lendo muito brevemente as mensagens. — Uou! Tem conversa pra caramba
aqui!
— Joe... de quem era a porra do número? — Me exaltei, e um
segundo antecedeu o único nome que eu não queria ter ouvido.
— Do Cohen!
Se eu já não estivesse sentada teria caído nesse exato momento,
pois senti minhas pernas amolecerem, e esqueci até mesmo como se
respira.
O mundo só parou de girar, enquanto merda nenhuma fazia sentido,
ao mesmo tempo, em que tudo se encaixava de uma maneira absurda.
Parte 2
Cinderella
CAPÍTULO 16
Eu tenho que viver com o dano causado.
Mas eu não posso deixar você ir.
Cross Your Mind – Callum Scott

Muitos olhares nos perfuraram quando Joe falou alto. Quase a


cafeteria inteira olhando para o canto do balcão onde eu me encontrava
boquiaberta, sem cor e paralisada.
Só percebi que estava prendendo o ar nos meus pulmões quando ele
protestou, então arfei voltando a realidade assustadora que me açoitava,
limitando meus movimentos entre piscar e encarar o balcão amadeirado,
sem de fato estar vendo mais do que a verdade perturbadora diante dos
meus olhos.
— Eu pensei que você soubesse! — Se defendeu Joe, ainda com
meu celular em mãos, enquanto eu me encontrava exatamente na mesma
posição de quando ouvi o nome do Cohen.
Eu ia dizer que Joe demonstrou sim um repentino interesse na
minha vida pessoal, no qual várias vezes eu expliquei quais motivos me
impediam de entrar em um relacionamento, mas como eu disse, as respostas
vinham automaticamente, nesse caso, ao me lembrar que ele nunca se
referiu a ele mesmo. Eram apenas especulações, muito provavelmente, a
pedido de terceiros.
Inexplicável? Não, não era!
Eu não era a única que sustentava uma personagem, não era a única
que vivia com uma identidade dupla, usando um outro nome para um jogo
que ele mesmo escolheu como jogar.
— Devia mandar mensagem.
Bufei lembrando da sua voz na minha cabeça.
— Sabe o que eu acho? Você não tem coragem.
Estava ali, bem na minha cara, explícito, e eu não vou tirar essa
culpa do Joe, pois no momento eu me sentia usada como a simples peça de
um jogo, um jogo que ele também participou.
Foi inevitável lidar com um filme na minha cabeça, visualizando
todos os momentos em sequência cronológica, desde o dia em que ele me
incentivou mandar mensagem.
— Ih, eu lembro desse dia! — Comentou Joe novamente, me
mostrando nossa primeira conversa. Digo, a primeira conversa que tive com
Cohen. — Ele ligou na cafeteria perguntando o que tinha acontecido com
seu crachá.
Finalmente engoli minha saliva sentindo o amargor da realidade em
minha boca.
— Como eu pude ser tão burra? — Inquiri pela primeira vez. Inerte,
só conseguia pensar em todas as vezes que eu sorri pensando que estava
falando com outra pessoa.
Se eu estava arrependida? Por um momento sim, mas a cada minuto
que se passava, mais e mais lembranças dos dias subsequentes invadiam
minha cabeça, dando lugar a uma raiva crescente, principalmente de mim,
por ter sido tão ingênua.
Passamos a noite toda conversando, e aquela mensagem no copo na
manhã seguinte... Era dele.
Cohen brincou comigo esse tempo todo.
Eu sou uma completa tola, isso sim, por cogitar em algum momento
que ele era a vítima dessa história toda. Lembrar das vezes que me senti
culpada tornou tudo pior. Não queria me olhar no espelho agora, mas pela
expressão de Joe, eu deveria estar em completo estado de torpor.
— Não, vai… seu único erro foi não ter percebido o quanto esse
homem tentou de tudo para fazer você ir naquela festa. — Tentou amenizar.
— Já as mensagens não teriam como saber. Você confundiu e ele viu nisso
uma oportunidade de se aproximar, saber o que você, sei lá… pensava
sobre o Cohen, ou no caso, dele mesmo. — Disse receoso, levando sua mão
à nuca, talvez pensando que poderia ter escolhido palavras melhores.
— Não... Essa é a forma dele mostrar que consegue tudo o que
quer.
— Então você admite que ele te quer. — Disse arqueando uma
sobrancelha convencido. — Olha isso aqui… — Apontou para o aparelho.
— Acho que até eu estou me apaixonando por mim mesmo! — Virou o
celular para me mostrar o senso de humor escondido de Cohen, que eu
sempre achei pertencer ao Joe.
Fulminei o loiro desacreditada e tentei tomar meu celular, mas seu
maxilar caiu em uma determinada parte da conversa a ponto de deixá-lo
com os olhos arregalados.
— Você é… — Balbuciou espantado. Sem conseguir completar sua
frase naquele mesmo tom de voz, ele apontou para a tela do celular, cada
vez mais pálido. — Era você?
Suspirei assentindo para confirmar sua mais nova descoberta. Que
eu era a Dama que estava de Prata, a maluca que confrontou Cohen na
frente de todos e que graças a isso, me transformei na mulher que fez do seu
evento um fiasco.
— Um nome, Joe, só precisava de um nome no maldito copo! —
Resmunguei, começando a sentir algo borbulhar dentro de mim.
Joe levou sua mão a boca, digerindo a informação por longos
segundos, intercalando seus olhos entre mim e a porcaria da conversa que
ele não parava de ler.
— Parei de colocar quando você decorou qual era o seu e qual era o
dele. E não é por nada não, Anya, mas eu pegaria o Cohen tanto quanto
você. — Sorriu quando me viu abrir a boca, e meu rosto se transformou em
uma máscara de surpresa inacreditável. Ele nunca me falou!
— Mas a ruiva...
— Clare? — Joe riu olhando para a balconista. — Vai por mim, ela
também não curte.
— Mas que... porra.
— Foram mais de três meses esperando, ele já chegou a me acusar
de não estar colocando, por isso eu riscava no copo dele. No começo achei
que fosse uma brincadeira de irmão, mas Cohen continuou insistindo e
pediu para o Casper não ficar sabendo, apenas que eu continuasse até que
ele mesmo me pedisse pra parar.
— Espera aí, o que você disse? — Perguntei em um estalo. — O
que o Casper tem a ver com isso?
— Ele foi o primeiro a me pedir que eu colocasse o número do
Cohen no seu copo.
Nesse momento lembrei da primeira mensagem que troquei com
Cohen, em que ele me chamou de Cas.
— Casper! — Balbuciei reflexiva. — Ele também sabia!
— Não só sabia como foi quem começou. Sabe, eu não tenho um
tipo, mas se eu tivesse... seria ele.
Me lembro da noite da festa, em que Casper disse que quando eu
me lembrasse, saberia onde encontrá-lo. O convite para dançar e ao se
intitular oponente de Joe naquele momento, era para apenas pirraçar o
irmão, presumo, como ele fez na feira.
— Aonde você vai? — Perguntou Joe quando me viu levantando e
falando sozinha.
— Acabar com isso! — Pesquei os dois copos de café e sai da
cafeteria, ignorando os olhares já existentes dos comentários que
provavelmente já se espalhavam.
Cohen me beijou em público, em um bar cheio de funcionários. É
óbvio que essa notícia correria.
Caminhei em passos largos tomada por ódio e um arrependimento
quase palpável. A única certeza era a de que eu tinha falhado. Falhei com
Tom e com minha família. Falhei com todos que dependiam de mim, até
mesmo a própria Anya. Já nem conseguia vislumbrar um futuro sabendo
que amanhã eu não precisarei mais colocar os pés aqui.
Quero juntar o que tenho, voltar para casa, pedir desculpas ao Tom,
aos meus pais, e fazer o impossível para nunca mais ver decepção em seus
olhos. No momento eu não recusaria nada, pois o que me movia era o
desespero de cuidar deles e ver meu irmão escutando pela primeira vez após
a cirurgia.
— Anya! — Ouvi Joe me chamar, e percebi que ele dava a volta no
balcão, arrancando a boina da cafeteria e em seguida seu avental. Nesse
momento eu encarei meu celular ainda aceso na minha mão, andando em
passos firmes com os olhos em brasa, fixos na conversa mais recente que
tive com Cohen. — Não é bom você se acalmar um pouco e depois
conversar com mais clareza? — Perguntou Joe me alcançando, a caminho
dos elevadores.
A raiva que eu sentia de Cohen era maior do que qualquer coisa.
Maior do que qualquer alerta interno que me mandava sumir. Eu até
poderia, mas não sem fazer um acerto de contas. Não sem retribuir todo o
medo que ele me fez vivenciar, medo dele descobrir o que já sabia.
— Não, não quando eu quero que ele sinta como realmente estou. E
não, quando o que me faz ter coragem na maioria das vezes é a própria
raiva.
— É exatamente por isso que eu quero evitar que você vá. — Me
barrou, se colocando em minha frente com as mãos nos meus ombros. Olhei
dentro dos seus olhos e encontrei a mesma preocupação de Holly ao me
aconselhar, a diferença, é que geralmente os conselhos dela vêm
acompanhados de vantagens próprias que eu deveria priorizar. — Veja bem,
você falou aquelas coisas na frente de todos, você teve a coragem de dizer
que meu café era horrível!
Justificou como se isso fosse pior do que as ofensas anteriores. E
claro, eu também me lembrei de outros momentos que me coloquei em
situações difíceis sendo movida pela raiva. Nenhuma delas se comparava
com o que eu estava sentindo agora, e me dar conta disso serviu como
gasolina para as labaredas de ódio que eu já estava queimando enquanto eu
encarava nossa conversa aberta entre meus dedos.
Meu maxilar trincou, e a minha vontade era a de despejar
novamente tudo o que eu estava querendo dizer a ele, mas então uma
notificação surgiu tampando parte da conversa com Cohen.
Minha testa franziu, parecia ser uma mensagem do além, uma força
que me impediu de escrever qualquer coisa para o Cohen, enquanto eu me
decidia se deveria abrir a mensagem da minha mãe ou não, mas novamente
o celular vibrou, e agora dizia que ela estava me enviando um vídeo.
Cliquei na mensagem e esperei carregar, meu semblante cedeu
quando eu percebi do que se tratava.
Em uma sala típica de clínica, meu pequeno Tom estava sentado em
uma poltrona, enquanto uma moça de jaleco branco mexia na região da sua
orelha sentada em um banco sem apoio, apenas para se posicionar ao lado
dele. Meu coração imediatamente apertou, e mais ainda quando a câmera
apontou para o meu pai, que no seu jeito simples abraçava um boné, o
esmagando entre os dedos para aliviar a ansiedade, mas a mesma estava
prestes a transbordar em seus olhos cheios de lágrimas.
Os meus alagaram instantaneamente, e uma emoção avassaladora
tomou conta, ao entender o que estava acontecendo.
Quem não aparecia no vídeo era a mamãe, provavelmente
segurando a câmera, e quando a apontou novamente para o meu irmão, ele
mandou um joinha, balançando as pernas em completa antecipação.
— Vamos lá! Eu vou ligar e pode ser que ele sinta um incômodo,
não se preocupem. — Disse a médica olhando para acima da câmera,
escutei minha mãe fungar, e lágrimas escorrerem pela minha face, pisquei
somente para desobstruir minha visão, e foi o tempo de ver meu irmão
fazendo uma careta de incômodo, se assustando em um movimento como se
quisesse arrancar o que estava lhe causando dor.
Parei de respirar no mesmo momento, apertando o celular na minha
mão a ponto dos meus dedos ficarem brancos.
— Calma, calma, calma, vou abaixar um pouquinho, os ruídos
incomodam bastante.
— O que está acontecendo? — Perguntou papai preocupado. Sua
voz estava tão angustiada, e mais sofrida do que eu me lembrava.
— Ruídos? — Era a voz da minha mãe. Eu queria estar ali para
tranquilizá-los, queria estar ali para esquecer as batidas falhadas do meu
coração e abraçá-los.
Ainda que não fosse para dizer que vai dar tudo certo, mesmo
temendo internamente, pois agora meu futuro é tão incerto, que meu medo
mais profundo se tornou interferir na conclusão do tratamento do meu
irmão, principalmente agora que estávamos tão perto.
Tom arregalou os olhos e ficou estático, olhou para meus pais sem
expressar absolutamente nada. A médica olhou sorridente para o rosto da
minha mãe acima da câmera, e assentiu, enquanto seus olhinhos passeavam
por todo ambiente.
Naquele momento eu compreendi que o mundo do Tom, passou a
ter som.
— Seu filho está ouvindo, mãe. — Tom abriu um sorriso tão largo e
genuíno, surpreso com tudo a sua volta que todos ali tiveram a mesma
reação, se debulhando em lágrimas emotivas.
Papai se aproximou tão vagarosamente de Tom, que eu pude ver
seu corpo todo trêmulo, ignorando as dores da sua coluna para ficar na
altura dele.
Eu me desmanchava, engolindo os sons para prestar atenção em
cada palavra, até ver e escutar, o que pareceu ser a alegria mais dolorida
que me preencheu, pois ela quebrava tudo o que eu estava sentindo em
partículas sem importância alguma.
— Oi filho. — A voz do meu pai saiu tão receosa, que somente
quando Tom riu abertamente, é que tive a certeza de que ele tinha escutado,
e agora se continha para não sair pulando como em todas as vezes.
A imagem depois virou um completo borrão, mamãe se emocionou
e deixou-a em qualquer lugar. Eu ouvia apenas as comemorações contidas,
antes do vídeo encerrar.
Percebi que eu estava com minha mão na boca, muitas lágrimas
saiam sem minha permissão, fiquei estática ainda encarando a conversa
aberta da minha mãe enquanto aparecia que ela estava digitando.
"Ele quer ouvir a sua voz"
Cedi todos os meus músculos tencionados. A maior alegria que já
senti na vida estava bem diante dos meus olhos. Olhei para cima e percebi
que Joe também estava emocionado, assistiu tudo em um ângulo precário,
mas não se aguentou.
— Meu irmão está ouvindo, Joe. — Falei em meio às lágrimas,
minha voz extremamente baixa.
Ele sorriu enxugando a sua e sustentando meu olhar no seu. Então
em um gesto de comemoração eu o abracei, sendo tirada do chão recebida
em um abraço apertado que pareceu ser tudo o que eu estava precisando,
após receber a melhor notícia da minha vida.
Meu irmão está ouvindo. Isso significa que a cirurgia foi um
sucesso, que o tratamento que ele recebeu também, e que nada,
absolutamente nada do que eu passei até hoje foi em vão, pois algo em mim
se orgulhava de cada esforço para manter e poder proporcionar isso a ele.
De repente tudo perdeu valor ao meu redor. E naquele abraço, ao
me dar conta do que eu estava comemorando, tive a certeza de que faria
tudo de novo se fosse preciso, sem pensar duas vezes.
Joe me colocou no chão ainda emotivo, e foi no sorriso mais
genuíno que eu encontrei os olhos de Cohen na minha direção, a metros de
distância, encarando aquela cena sem ter o que comemorar, detendo seus
olhos com uma frieza indecifrável.
Eu enxerguei, um pedaço de si preso no lugar estático, carregando
seu semblante em um misto de mágoa e incredulidade. Suas linhas
expressivas endurecidas, estarrecido, ele sequer piscava.
Segundos intermináveis pareceram desfocar todos a nossa volta,
antecedendo o momento em que meu coração se aqueceu ao lembrar do
meu irmão, ocupando mais espaço do que a raiva que eu sentia dele
minutos atrás.
CAPÍTULO 17
Deixe-me pegar sua mão, vou consertar.
Eu juro te amar toda a minha vida.
Espere, eu ainda preciso de você.
Hold On – Chord Overstreet

Cohen só faltava me ferir com os olhos. Mesmo a metros de


distância eu podia sentir a intensidade da sua respiração e o peso dos seus
lábios tencionados.
A sensação de machucar alguém não era algo que eu havia
experimentado antes, e por mais que eu tentasse admitir para mim mesma
que ele merecia, que é inclusive o culpado por esse abraço amigável, uma
parte de mim se sentia desconfortável, desejando até mesmo explicar um
gesto tão espontâneo dada a situação, que dispensa ser explicado.
Ele não estava sozinho, e sua atenção foi chamada por um dos
homens bem-vestidos que ele acompanhava, Winter. Cohen pareceu ter sido
obrigado a sair do transe, tentando se desprender dos meus olhos, retesando
o maxilar uma ou duas vezes, encarando a realidade.
Ele assentiu para o chamado de um deles, e o acompanhou para
além das catracas, a caminho da saída. Só me dei conta de que estava
sustentando sua presença visualmente quando o perdi de vista, ficando
apenas os questionamentos do que aquele olhar fixo significava.
Eu queria confrontá-lo. Queria ir até ele e perguntar tudo o que
estava entalado, mas me contive, porque eu estava com meu celular
vibrando em mãos, com a melhor notícia que eu poderia receber na vida. Eu
tive que fazer uma escolha.
E eu sabia que essa escolha teria um preço, algo ainda incalculável,
e adoraria dizer que minha decisão foi baseada no que era mais importante,
mas eu estaria mentindo.
O que muda saber que era ele esse tempo todo? Isso muda muita
coisa!
Não deveria querer atingir Cohen dessa forma, eu não poderia
gostar de saber que aquele olhar pode ter respostas para muitas perguntas
acerca dos seus sentimentos. Eu não poderia acreditar, sobretudo, que exista
realmente algum, capaz de fazê-lo tomar atitudes como esperar por uma
ligação minha ou até mesmo uma mensagem por meses! Eu me recuso a
romantizar algo, pois o fato dele ter transformado isso em um jogo, tem
muito mais a ver com ego ferido, do que com qualquer coisa.
A Anya racional — Sendo ela uma voz irritante no meu consciente.
—, me lembrou que Cohen Archer é incapaz de nutrir alguma coisa que não
seja seu orgulho possivelmente afetado por qualquer que tenha sido o
motivo. Provocação entre irmãos como disse o Joe.
Acontece que minhas prioridades sempre foram bem maiores, e eu
não me conformo que manter uma linha segura de convivência pode ter
feito de mim um teste. E é exatamente o que me faz gostar ainda mais
daquele olhar, porque por mais que eu esteja completamente fodida, ainda
me sinto no controle, e eu jamais vou entregar isso a ele.
Só de imaginar eu consigo vislumbrá-lo comemorando o feito,
debochando presunçoso ao lado de Casper, e eu prefiro vê-lo acreditar que
está me intimidando enquanto, dessa vez, sou eu quem vai estar rindo de
cada esforço seu para achar alguém que nunca mais vai aparecer, mas que
vai infernizá-lo.
E foi lembrando dos comentários de duplo sentido de Casper, que
desviei meus olhos para o elevador, decidindo que era minha vez de jogar.
— Vamos ver se vai ser divertido agora, Palhaço.
— Anya! — Joe pegou no meu braço me lançando um olhar
preocupado. — Não vai fazer besteira, tá? Seus pais precisam de você mais
do que nunca.
Sorri fraco assentindo, tentando passar confiança com sua
preocupação genuína. O que Joe não sabe, é que tudo na minha vida é
movido pelo meu lado racional, enquanto meu emotivo está todo na minha
família, apenas fortalecendo minhas decisões para benefício deles. Tudo
bem que está tudo um completo caos, desde que Cohen começou invadir
um espaço que não foi concedido a ele, mas isso havia mudado.
Quando me vi sozinha novamente, alvo de olhares pelo rabo do
olho e comentários inaudíveis uns com os outros, eu ergui minha cabeça e
caminhei despreocupadamente até o hall dos elevadores. Sei que se eu
andasse cabisbaixa agora seria motivo para falarem ainda mais, e então o
boato de que Cohen me beijou não se espalharia como uma virose, mas sim
como uma pandemia.
Não desci no andar presidencial. O elevador se abriu no andar de
baixo, e em passos firmes, passei por algumas salas avistando Ruby, Andrea
e por último, Hannah me olhando intrigada, ao sair do hall do Winter para
me seguir até a sala mais imponente daquele andar, a de Casper, mas
cheguei à porta antes mesmo dela me alcançar.
— Cohen disse que era urgente! — Foi só o que eu disse a sua
secretária como justificativa plausível e suficiente para ela não me impedir
de entrar por aquela porta, invadindo sua sala.
Casper estava distraído e se surpreendeu ao me ver ali pela primeira
vez, trancando a porta antes de me virar, apoiando o peso do corpo em uma
perna, cruzando os braços com o olhar sobre ele semicerrado em desafio.
A vidraça atrás da sua mesa não era muito diferente da de Cohen,
mas o contraste de tons é evidente, visto que a de Cohen se mostra muito
mais moderna e ostensiva, já a de Casper, parece que se mantém intacta em
móveis cor de mogno do primeiro projeto, como se ele nem se importasse
com isso.
Saber disso me fez odiar até mesmo o fato de ser tão empenhada em
saber tudo sobre aquele edifício. Em saber que a porra do logotipo é uma
Hipérbole quando nem o CEO atual sabia disso. Sobre a história da
empresa desde o dia de seu nascimento, passando pela sua reforma quando
o herdeiro assumiu e as mudanças significativas que ele fez. Sempre me
dediquei a estar um passo à frente, sempre me dediquei em ser para o
Cohen a profissional moldada que ele precisava, tudo para manter a
porcaria de um emprego.
Tudo em nome da experiência que a Archer me proporcionava, me
esquecendo do que eu realmente gostava de fazer, do que realmente escolhi
estudar.
O que eu ganhei com isso?
Dias de medo e angústia, em prol de uma vingança que ele chama
de jogo. Focando apenas no fato dele saber que era eu usando aquele
vestido enquanto falava pela primeira vez o que eu achei de um
lançamento, dando minha opinião sem ser pedida, enquanto ele esperava
pelo momento de me colocar no lugar como fez no dia em que eu também
me dediquei em procurar uma solução para o erro que tinha cometido.
Eu que nunca tive nada do que me arrepender na vida, de repente
estava repleta deles, e o primeiro foi ter aceitado seu conselho.
Portanto não, eu não estava romantizando uma só tentativa dele me
conhecer melhor, porque nos momentos em que eu enlouquecidamente
pensei nele sendo alguém diferente do que era, forcei a voltar para minha
realidade. Isso aconteceu desde o primeiro segundo em que coloquei meus
olhos em Cohen, e esqueci até como falava. Ignorei as batidas do meu
coração e as vezes que ele invadia meus sonhos de uma forma fantasiosa e
inocente.
Todas as vezes em que me coloquei em segundo plano seja para
benefício da Archer, ou da minha permanência enquanto minha estabilidade
familiar e básica era mantida, foram reduzidas a nada.
E em meios a esses pensamentos, Casper sorriu vitorioso, relaxando
na cadeira ao também cruzar seus braços em frente ao corpo, tomando uma
lufada de ar.
— Deixa eu adivinhar… A mulher que se esbarrou comigo naquela
noite. — Arqueei uma sobrancelha em resposta. — Eu disse que você ia se
lembrar.
— Você sabia, não é? — Disparei do mesmo lugar. Casper assentiu
encurralado, mas sorriu.
Eu falava ríspida e autoritária. Algo que eu jamais faria se não fosse
movida pela raiva. Casper bufou antes de se render, se levantando da
cadeira para andar despreocupadamente pela sala, circundando sua mesa até
estar de frente para ela.
— Ele já sabe que você descobriu?
— Não! — Respondi apenas, sem alterar meu tom de voz. Seu
sorriso alargou. — Eu só quero saber, Casper, se isso é entre vocês?
Ele negou preguiçosamente, franzindo a testa como se eu tivesse
passado longe.
— Meu irmão sempre teve uma admiração por você, Anya. —
Começou por uma direção que eu não esperava, muito cuidadoso com as
palavras. — Mas percebi os olhares, a forma cada vez mais constante e
minuciosa com que ele se referia e claro, aquele brilho, estava tão óbvio.
Cohen perde a linha muito fácil quando se trata de você, e sua indiferença
sempre foi meu maior entretenimento.
Revirei os olhos impaciente com uma história que eu não pedi para
ouvir.
— Entretenimento, então é sobre isso? — Inquiri com ironia. Não
ficaria surpresa se a resposta fosse sim.
— Não. É sobre o dia em que eu resolvi dar uma forcinha e pedi
para colocarem o número no seu copo. Você precisava ver a reação dele
quando soube disso. Ficou apavorado, disse que você jamais se envolveria
com alguém do trabalho por seja lá qual motivo, sua família né? É, ele
também falou sobre isso.
— Cohen não sabe nada sobre minha família! — Meu instinto
protetor sempre agia rápido quando eu precisava defender os meus.
— O ponto aqui é que... você não mandou mensagem. E por mais
que o Cohen já esperasse por isso, foi frustrante. Eu só soube depois de um
tempo que ele continuou insistindo.
— Isso é ridículo! — Bufei. — Eu jamais teria mandado mensagem
se soubesse que era ele. Mais ridículo ainda é ter mandado porque ele me
encorajou a fazer isso!
— Então você descobre que Cohen é manipulador. — Brincou com
as palavras de um modo reflexivo. Casper me observou por longos
segundos, parecendo estudar e digerir minha presença, enquanto colocava
suas mãos no bolso da calça, se encostando na mesa ainda me analisando
pensativo. — Teria coragem de prejudicar o meu irmão, Anya, ou está
somente com raiva dele? — Perguntou inquisitivo, assim, de repente.
Era como se ele tentasse presumir minhas intenções ao procurá-lo.
Longe de procurar por vingança ou algo do tipo, eu estava ali por
respostas.
— Quer mesmo que eu responda? — Perguntei dando um passo à
frente — A minha vontade agora é de voltar pra casa e fingir que eu não
perdi dois anos da minha vida para, de repente, ser peça de um jogo, mas eu
estou aqui porque estou com raiva e quero uma explicação, a começar por
você, porque eu sei que teve participação nisso. — Esbravejei apontando o
dedo sem mensurar o tom da minha voz.
— Não pode considerar relevante minha participação, foi só um
empurrãozinho. Só estava tentando ajudar meu irmão.
— Infernizando a minha vida?
Casper uniu as sobrancelhas intrigado.
— Acredite, não recebi autorização para fazer isso, se não as coisas
estariam bem mais interessantes.
Ele deu a volta novamente na sua mesa, parando agora atrás da sua
cadeira, apoiando os cotovelos no encosto.
— Fala como se a última palavra fosse dele.
— No que diz respeito a você, sim. E me sinto responsável por isso,
acredite, não tem ninguém mais decepcionado com você do que eu.
— Sinto muito se não correspondi com suas expectativas, mas eu
nunca quis prejudicar o Cohen, nem a Archer. Não planejei nada disso!
— E é bom que esteja falando a verdade. — Seus olhos castanhos
escuros pareciam minuciosos, não deixando transparecer uma vírgula do
que se passava pela sua cabeça
— Isso foi uma ameaça? — Enrijeci meu tom de voz.
— Ainda não. — Ele disse, enquanto me encarava. — Eu não
estava brincando quando disse que Cohen se intimida com qualquer
possibilidade de te perder, isso faz de você o ponto fraco dele. Então você
deve presumir que eu sou a única pessoa que o intimida no momento, e não
quero que mais ninguém usufrua desse poder.
As coisas ficaram claras diante de mim, e por mais que eu quisesse
acreditar em um Casper diferente do que falam, ele não se esforça nada para
mudar.
— Isso é contra mim ou contra o Cohen?
— Contra tudo isso! — Ele abriu os braços generalizando todo o
edifício Archer.
Poucos segundos foram necessários para minha mente pensar na
possibilidade das atitudes do Cohen ser mais que uma brincadeira, talvez
uma consequência, algo que o obrigue a agir de tal maneira.
— Está me usando para ameaçar o Cohen?
— Vocês insistem que eu sou o vilão dessa história. — Sorriu
triunfante, então tudo o que eu já tinha reunido até agora se desfez. Se
Casper não estava contra o Cohen, então por que me ameaçaria? — Você
já deve ter ouvido falar que o Cohen tirou meu pai da Archer.
Demorei mais do que alguns segundos, mas assenti.
— Ele não conseguiu isso sendo o melhor filho, por isso recebeu o
apoio dos acionistas. Meu pai falhou, e o mesmo aconteceria se o Cohen
falhasse agora. Pediriam a cabeça dele numa bandeja. Para limpar sua
imagem ele teria que tomar providencias com qualquer um que ameace sua
autoridade aqui dentro, contra a mulher que o confrontou naquela noite, por
exemplo.
Minha respiração era precária, eu mal sentia o ar preencher meus
pulmões. Sua ameaça velada a princípio não fazia sentido algum na minha
cabeça, senão pelo fato de entender que Cohen não quer que descubram que
era eu naquela noite, para não ter que agir como esperam que ele o faça.
— Cohen só quer te proteger, por que ele sabe o que aconteceria se
mais alguém soubesse que foi você quem interrompeu o discurso dele. Sabe
aquela sua proposta? Ele não te escutou porque simplesmente não quer uma
saída, não se isso for custar te envolver. Só quero que lembre que Cohen
não está sozinho nisso, mas eu vou deixar que ele faça as coisas do jeito
dele, Anya, e está na hora de decidir um lado também. Fique com Cohen
até que a poeira abaixe e parem de cobrar uma posição, ou se coloque na
linha de fogo e aguente o peso de todos os acionistas em cima de você
sozinha, porque não vou deixar meu irmão perder a única coisa pelo qual já
lutou, graças a um erro seu.
Meu corpo estremeceu e sinto que eu teria questões de segundos
para tomar a decisão que poderia mudar toda minha vida.
CAPÍTULO 18
Se você me perguntar, não sei por onde começar.
Raiva. Amor. Confusão.
Estradas que não levam a lugar nenhum.
Take Me Home – Jess Glinne

A nuvem obscura daquela sala de uma hora para outra se desfez.


Bastou que eu abrisse a porta para que toda a ameaça silenciosa no
olhar de Casper fosse embalada a vácuo.
A pior parte de receber um aviso disfarçado como o dele, é saber
que eu tenho muito mais a perder do que o Cohen, principalmente quando
eu não sei do que Casper é capaz de fazer, ou do que ele está disposto para
me afastar do irmão dele, e garantir que eu seja a única prejudicada nessa
história toda.
As horas se passaram como uma tortura, a cada minuto eu
imaginava Cohen saindo do elevador e minha ansiedade me martirizava.
Perdi a conta de quantas vezes andei de um lado para o outro sem conseguir
pensar no que faria, e chegando próximo ao meu horário de almoço,
combinei com Holly de me encontrar e almoçarmos juntas, grata por Cohen
não ter aparecido, pois eu precisava de uma segunda voz elucidando minhas
alternativas.
Mal consegui comer. Minha principal preocupação era desabafar e
pedir ajuda, mesmo já sabendo que eu ouviria algo relacionado a cama, mas
Holly me surpreendeu.
— Eu disse que se aquele maldito fosse uma ameaça pra você, eu
seria uma ameaça pra ele! — Declarou irada. Holly só faltava espumar pela
boca de tanta raiva, chegava a ficar vermelha, encarando um ponto
inexistente enquanto parecia vislumbrar sua própria ira.
— Você está ignorando o que o Cohen fez? Era ele esse tempo
todo, não era o Joe, Holly, era o Cohen! — Enfatizei, querendo que ela
sentisse o mesmo que eu estava sentindo para que me desse uma saída.
— Não estou surpresa. Não depois dos últimos dias. Ainda resta
alguma dúvida? O que está esperando para vestir meu vestido novamente e
aparecer pra ele como uma assombração erótica? — Me engasguei com a
água na boca.
Eu não disse?
— Para de fazer isso quando estou correndo risco de morrer
engasgada!
— Eu é que vou morrer de nervoso com esse enviado do capeta que
te ameaçou! — ralhou batendo o punho na mesa. Nunca vi Holly desse
jeito, nunca imaginei que ela pudesse ficar tão nervosa, muito mais do que
eu.
É claro que não me sobra espaço para isso agora, pois todo minha
sanidade está sendo consumida pela preocupação, primeiro com meu
trabalho, com meu diploma, mas principalmente com meu irmão, agora que
estamos tão perto.
Isso é tão pouco diante de tudo que tivemos que passar até aqui.
Todo o período de tratamento graças ao plano de saúde oferecido pela
Archer, todos os anos que dedicamos na sua recuperação após sabermos
que havia uma possibilidade de ele voltar a ouvir.
A sensação é de ter corrido uma maratona e a alguns metros da
linha de chegada, minhas pernas começarem a falhar.
Nossa maior dívida agora é da cirurgia de Tom, que eu pago
mensalmente com a ajuda da minha família. Para concluir e poder pegar o
aparelho que ele tanto espera, temos que quitar a dívida que ficou do
hospital.
Eu recebi a notícia há pouco e ainda não tive tempo de me dedicar
emocionalmente e verdadeiramente nisso. Eu tenho talvez no máximo dias,
se não quiser ver o Tom ter que devolver o aparelho após o período de teste.
Seria essa a pior derrota da minha vida, então eu não hesitei em ganhar
tempo, pois, apesar do aviso de Casper ter camuflado uma ameaça, ele
também me deu uma desculpa para continuar sendo uma covarde que
prefere trocar o agora pela garantia de um amanhã, e eu faria tudo de novo,
sabendo que esse amanhã pertence ao Tom.
— Era para ser o dia mais feliz da minha vida hoje. Se não fosse
por eles. — Murmurei pensativa. Eu estava morrendo de vontade de ligar
para casa, falar com Tom e ver sua reação ao me ouvir pela primeira vez
desde a perca da sua audição.
Mas o dia de hoje simplesmente parecia não ter fim, e eu não posso
aparecer sem poder me entregar cem por cento a emoção de falar com meu
irmão. Se tem uma pessoa que me conhece bem, é ele mesmo, talvez pelo
mesmo motivo da Dakota ter me reconhecido tão rapidamente. Tom se
atenta aos olhares, aos pequenos sinais de que ninguém mais tem tempo ou
não se importa em se atentar, e bastaria uma ruga de preocupação para ele
se culpar, e questionar o que há de errado comigo.
Sabe aquela chave que vira quando você está prestes a chorar e
alguém pergunta se está tudo bem? Minha família é essa chave, e eu não
posso, simplesmente não posso desabar na frente deles. Eu tenho que ser
fortaleza. No mísero sinal de fraqueza eles se esforçariam para depender
menos de mim, e só eu sei o quanto isso custaria. Dores insuportáveis ao
meu pai, esgotamento da minha mãe e o emocional abalado de Tom, meu
pequeno raio de luz e pureza que ilumina nossos dias e me dá motivos para
fingir que sou esperta aos olhos de Casper, garantindo que se Cohen
soubesse, não seria por mim.
Deixei bem claro que na primeira oportunidade sairia da Archer, e
nem ele, nem Cohen, nem ninguém poderia evitar isso.
— Nós ainda vamos comemorar, não se preocupe! Mas esse
maldito tem razão, tem que ser realista, Anya, esses caras bebem poder no
lugar de café. É briga de gente grande, eu não quero você envolvida nisso.
Acha que Casper se daria o trabalho se não soubesse do risco eu Cohen está
evitando? Claro que não! Aposto que comer você é mais importante para o
Cohen do que qualquer coisa no mundo, então pode ter certeza, Cohen
realmente tem motivos maiores. — Disparou Holly, me deixando
pensativa.
Sua crueldade e insensibilidade nas palavras não é algo que me
surpreende mais. Holly é incapaz de esconder o que pensa e talvez seja isso
que faz dela minha melhor amiga. Evitar pedir conselho a ela está mais
relacionado ao fato de não querer ouvir a verdade sempre, e isso é o que ela
faz de melhor, dizer a verdade, mesmo quando eu não estou pronta para
ouvir.
— Eu não tinha pensado nisso.
— Como não? Enquanto você estava desbancando Cohen na frente
de todo mundo, ele estava era ficando de pau...
— Holly! — A Interrompi com os olhos arregalados. Ela precisa de
limites. — Estou falando do que Casper disse.
— Ah. — Murmurou se ajeitando na cadeira. — Nem me lembra
disso! Só de pensar eu tenho vontade de contatar algumas pessoas que eu
não me orgulho de conhecer. — Grunhiu, provavelmente se lembrando do
histórico de caras com quem já dormiu.
— Você disse que nunca se arrependeria de transa alguma.
— Meu senso seletivo, apesar de amplo, não falha, mas nem por
isso eu me orgulho. Chefe da máfia só em livros. — Ri da sua careta
amedrontada me fazendo distrair de todo caos por um momento.
Foi inevitável a lembrança ainda viva de Cohen atrás de uma
pilastra comigo, e agora essa lembrança vem acompanhada da certeza de
que ele sabia exatamente quem estava debaixo da máscara.
“Eu a quero, apenas isso, e vou deixar que ela venha até mim,
porque eu gosto desse jogo...” Cohen seu desgraçado!
Murmurei em pensamentos, mordendo meu lábio inferior
lembrando do seu olhar direcionado para minha boca, e todas as vezes que
isso se repetiu.
“Não foi ele. Fui eu.”
Um sorriso incontrolável surgiu no canto dos meus lábios, estava
nos pequenos detalhes e eu não fui capaz de ver.
“Para ser sincera, foi a melhor noite da minha vida”
E nisso ele conseguiu todas as respostas que precisava de mim, e eu
tão ingenuamente entreguei.
— Cohen brincou comigo, devolver na mesma moeda seria o
mínimo.
Holly se empolgou, alargando seu sorriso ao me fitar com malícia.
— Nem queira saber o que eu faria no seu lugar. — Holly disse. —
Garanto que ele nem andaria mais, sofreria constantemente com bolas
roxas.
— Se essa fosse minha maior preocupação... — Deixo no ar. —
Cohen disse que os acionistas estavam pressionando. Se souberem que sou
eu, provavelmente vão esperar por uma atitude dele. Acho que é isso que
Casper quis dizer com perder você, porque Cohen não poderia ignorar que
sua própria secretária ridicularizou um evento de lançamento.
Segundos intermináveis acompanhou meu olhar fixo em um ponto
da mesa e os de Holly em sua taça de vinho, para então concluir:
— Querem você do lado deles.
— E se não for só minha demissão em jogo? E se eles quiserem me
processar ou…
— Ei, calma! — Pediu pegando minha mão em cima da mesa. —
Temos a Stella, esqueceu? E você uma multidão de defensores da causa.
Você não está por trás de nenhuma sabotagem como o maldito do irmão
dele pensa que está, não precisa ser ameaçada para ficar quieta ou escolher
um lado, tampouco ter medo desses idiotas engravatados. A hora que o
Cohen se cansar de jogar, vai se levantar da cadeira e dizer, chega de
falarem da minha mulher.
Sorri balançando a cabeça negativamente. Holly é boa quando o
assunto é clarear as coisas, mesmo que seja em sua perspectiva.
— Você anda lendo muito. — Suspirei derrotada, olhei a hora no
celular e me encolhi ainda mais, sabendo que precisaria voltar. Então meus
olhos caíram na entrada do restaurante e eu avistei Casper Archer entrando,
sendo guiado pelo maître até uma mesa.
Não consegui esconder minha surpresa em vê-lo ali. Meus olhos
saltaram e senti quando o calor deixou a minha face.
— O que foi? Que cara é essa? — Holly seguiu virando o pescoço e
arregalou os olhos quando o viu.
O homem é grande, e tão bonito quanto Cohen, Casper tem a
presença intimidante, o que deixava o cenário ainda mais dramático,
quando algumas mesas ao nosso redor reconheceu que era um Archer.
Eu vi quando o tom avermelhado ocupou o rosto de Holly por
inteiro. Ela soltou minha mão e quando dei por mim já era tarde.
Holly se levantou pegando sua taça de vinho na mesa e marchou até
lá. Ninguém esperou ou previu o que viria a seguir, houve apenas uma
reação única em coro, quando ela despejou o líquido carmesim na camisa
branca.
— Mas que… — Ele rugiu em estado de choque, ficando de pé em
um rompante. Fiquei completamente imóvel no lugar sem reação alguma,
meu queixo caído, enquanto os dois atraíam a atenção de todos.
O restaurante ficou um completo silêncio. A camisa molhada de
vinho ficou colada no corpo dele, e se não fosse pela raiva eminente,
emanando na postura nada intimidada ou arrependida de Holly, Casper já
teria surtado, mas a dúvida de o porquê ter sido alvo de uma maluca dividia
espaço com seu olhar mortal o deixando perplexo.
— Então você é o canalha que ameaçou minha melhor amiga? —
Holly perguntou fria, e no meio do restaurante inteiro, ela tinha a completa
atenção de Casper em seu estado de fúria estarrecida. — Quem está sozinho
agora?
— Holly! — Corri até lá do jeito que pude, grudando no braço dela
tentando impedi-la de piorar ainda mais as coisas, mas acho que eu cheguei
um pouco tarde pra isso.
Casper ainda estava em choque, me encarou boquiaberto e voltou
com suas sobrancelhas franzidas para Holly.
— Ela não está sozinha, Casper Archer! — Falou seu nome
pausadamente, enquanto avançava sem medo da sua diferença de tamanho
comparada a ele. — E se tiver que cair eu caio com ela, mas não sem antes
te mandar para o buraco do inferno, seu infeliz, desgraçado! — Tive que
usar toda minha força para segurá-la, enquanto tentava se desvencilhar. —
Ela parece sozinha pra você?
— Isso não vai ficar assim! — Declarou entredentes, fulminando a
com os olhos, vergonhosamente exposto após um banho de vinho.
— Fica longe dela, está entendendo? — Ameaçou sem abaixar o
dedo. — Quem é que está sozinho agora?
— Seguranças...
— Ah, isso, chama! Pode chamar quem você quiser. Sabe qual o
nome disso? Síndrome de inferioridade! Um inferiorizado bem
pequenininho…
De tudo o que ela disse, me neguei a acreditar que o gesto de
centímetros entre seu dedo polegar e indicativo, pudesse ofender tanto
Casper, a ponto de deixá-lo fora de si.
Com toda sua postura, ele não poderia se deixar ofender por algo
tão fútil e baixo assim, algo que somente Holly Price teria coragem de dizer
no meio de uma discussão.
— Já chega! — Bradei puxando-a para fora, mas não consegui
evitar os gestos obscenos que ela lançava para ele. Os seguranças nos
acompanharam enquanto eu a arrastava para fora do restaurante.
— Ficou maluca? Não basta a minha, quer ter sua vida ferrada
também? — Perguntei enquanto ela tentava colocar em ordem os fios de
cabelo desgrenhados que se rebelavam na frente do seu rosto.
— Não me importo, não tenho medo! E se eu vir esse idiota na
minha frente de novo, vou fazer pior.
— Holly, por favor! — Implorei, pois ela realmente parecia estar
surtando, totalmente fora de si, gritando de modo que quem estivesse dentro
do restaurante ainda pudesse ouvir.
— Por culpa minha você está nessa! E eu não vou me perdoar, se
alguma coisa acontecer com você ou com sua família. Então se quiserem
foder você, vai ter que me foder primeiro! — Eu tive certeza de que ele
escutou. A rua inteira estava ouvindo. — Agora me escuta aqui, você vai
voltar para aquele escritório, e vai acabar com essa palhaçada. — Foi a
primeira vez que vi Holly tão séria, e agora ela falava apenas comigo. —
Você vive sua vida em função de ajudar sua família, não vai ser um Archer
que vai te colocar medo. Tom precisa de você mais do que nunca, Anya, e
vai ser por ele!
Naquele momento, mesmo que eu tivesse mais motivos para sentir
medo, eu cheguei à conclusão de que ninguém no mundo poderia ocupar o
lugar da minha melhor amiga, e por mais que eu quisesse matá-la, eu
também senti a necessidade de dizer o quanto eu amo essa garota, e o
quanto eu era grata por cada gota de coragem da sua espontaneidade que eu
jamais teria, e Holly tem em dobro. Apenas por isso cobri minha boca sem
conseguir conter o riso, pela situação e por concluir que agora sim, eu estou
fodida!
Encorajada pela minha melhor amiga da maneira mais inesperada,
eu me vi voltando para o edifício Archer convicta. Não sabia o que
encontraria atrás daquela porta, mas sabia que Cohen se arrependeria de ter
decidido simplesmente não terminar o que começou naquela noite.
— Entra! — A voz dele atravessou a porta depois que bati. Só
precisei de um segundo para respirar fundo e fazer a única coisa que eu
fazia todos os dias, mesmo com tudo o que estava entalado em um bolo
espinhoso na garganta.
As palavras queriam sair antes mesmo de ter Cohen a minha vista e
chegava a ser sufocante o acúmulo de tudo o que eu tinha para dizer, mas
quando meus olhos caíram na mulher ao dele, sentada na beira da sua mesa,
olhando por cima dos ombros com o sorriso fino de lábios vermelhos,
apenas aguardando eu aparecer, foi que as palavras sumiram.
Mais forte do que qualquer coisa que eu achei que já senti um dia,
punhos de ferro esmagaram meu coração dentro do peito, e doeu… de
modo que eu nem sabia que podia doer nessa parte do corpo.
Eu senti cada músculo facial se desfazendo. Senti meus pés
grudarem no chão e o ar sumir do meu pulmão, tão lento quanto foram os
olhos de Cohen me pedindo algo silenciosamente.
CAPÍTULO 19
Me faz sentir como uma mulher perigosa. Algo sobre você me faz querer coisas que eu não deveria.
Dangerous Woman – Ariana Grande.

— Anya! — Cohen me olhava como se esperasse que eu dissesse


alguma coisa, o motivo de estar ali provavelmente. Era o que eu deveria ter,
um motivo para estar olhando os dois depois de, obviamente, ter
interrompido algo.
Não controlei meus músculos tensionando, me paralisando no lugar
em uma força quase magnética. Não controlei minha respiração dolorida
que a cada preenchimento dos meus pulmões, mais daquela sensação me
invadia.
— Desculpe, eu volto depois.
Por uma grande estupidez recuei. Foi quando Cohen, franziu a testa
buscando por respostas. Qualquer coisa que explicasse minha reação.
— Estávamos falando de você. — Foi a voz de Drizella ecoando
com uma nota de diversão e falso constrangimento. Cohen tentou me dizer
alguma coisa com o olhar, e me odiei por ter entendido sua expressão. —
Você ouviu os boatos?
Era como se Cohen me implorasse para negar o que quer que fosse,
olhando-me fixamente, em uma conexão que eu quase conseguia enxergar.
Uma energia que parecia emanar ligando nossos corpos, e interrompê-la foi
como aproximar dois ímãs com lados iguais.
Drizella desceu da mesa, e caminhou preguiçosamente até estar na
mesma posição que Casper ficou, parada em frente a ela, como se a
pertencesse, como se eu estivesse vendo a mesma cena.
— Estão falando que vocês se beijaram. — Foi inevitável não
buscar os olhos do Cohen novamente, nada diferente de um segundo atrás.
Ele queria que eu negasse. E me dar conta disso fez doer ainda mais.
— Não tenho tempo para boatos! — Cohen disse, e Drizella
sorriu.
— Nunca tem! Eu só estou questionando mesmo, porque também
falaram que a Dama de Prata trabalha na Archer e agora sabemos que isso é
verdade.
Aquele mesmo entendimento esmagou a parte de mim que ainda
tinha esperanças dele não estar me pedindo para negar, quando em um
movimento muito tênue de seus lábios, ele reiterou seu pedido quase
apelativo.
— Anya e eu estamos trabalhando nisso. — Ele disse ao perceber
que eu não diria nada.
Quando Cohen se levantou, foi como se eu acordasse de um
pesadelo, e me obriguei engolir duramente a realidade.
— Eu estava justamente falando para o Cohen, Anya, que os
acionistas estão pressionando. É bom que ele encontre logo essa mulher,
pois os prejuízos podem ser ainda maiores, principalmente agora que
sabemos que os aparelhos destinados às crianças nunca foram entregues.
— Como sabe disso? — Inquiri, em uma indignação por esse fato
que quase superou o que acabei de viver.
— Eu não sou apenas um rostinho bonito, Anya. Sei tudo o que se
passa aqui dentro. Meu pai é acionista, e foi ele quem detectou um desvio,
junto de sua secretária, Hannah. Ela é agora, inclusive, minha principal
suspeita!
— Suspeita? Do quê? — Não escondi minha surpresa, intercalando
meus olhos entre Cohen e Drizella.
— Bobinha. — Caminhou na minha direção rindo, parando bem na
minha frente, sendo ela mais alta do que eu, me olhando inevitavelmente de
cima, como se já nem gostasse de ser superior. — A Dama de Prata, só
pode ser ela! Quem mais ia querer expor um escândalo desses?
Meus olhos saltaram novamente, na medida em que eu presumia o
teor e assunto da conversa deles, antes de entrar aqui.
— Hannah? — Minha voz oscilou. Drizella murmurou que sim.
— Interrompeu o discurso do principal cliente da Archer. Depois da
repercussão, enviou a criança até aqui para te procurar. Não está claro? Ela
quer expor tudo isso, como se a Archer nunca tivesse comprado lote de
aparelho nenhum, que foi tudo para promover o evento. Uma falsa caridade
custa muito, mas muito caro, Cohen, você deveria saber disso. — A atenção
da loira voltou pra mim. — Ela é quem pediu para o meu pai jogar no
ventilador, no final das contas, somente quem está aqui dentro sabe que a
compra foi sim realizada, e quem liberou a verba? Cohen, logo, quem sairá
como culpado por ter supostamente roubado de seus próprios acionistas?
Busquei os olhos de Cohen imediatamente, mas ele já não me
olhava, detinha os olhos no chão com o maxilar trincado.
De repente o que Casper disse ganhou um sentido. Ele já teria me
exposto se quisesse realmente prejudicar alguém, mas estava protegendo
mais de uma pessoa.
Meu único intuito trazendo Dakota até aqui foi ajudá-la.
Desencadear a descoberta de um desvio de aparelhos é apenas uma
consequência que poderia vir à tona a qualquer momento, mas ter
interrompido o discurso de lançamento associou a imagem da Dama de
Prata com o que estavam escondendo naquela noite, com quem realmente
estavam esperando. Alguém que sabia dos desvios antes mesmo do Cohen,
e estava lá para expor isso.
Presumo que Hannah esteja tentando ajudar, ou simplesmente
querendo impressionar Winter, mas acabou atraindo atenção para ela
mesma.
— Isso é loucura. Eu vi a Hannah... — Parei de falar percebendo o
olhar atento de Cohen, mesmo fixado nos dela, por pouco não dizendo que
vi Hannah naquela festa, sendo que tecnicamente eu não estava.
Drizella me questionou com um arquear de sobrancelha, já Cohen
fixou seus olhos nos meus outra vez.
Meu semblante se desfez, quando eu finalmente entendi a gravidade
do que eles conversavam.
— Viu a Hannah...
— Todos esses dias. Ela, ela não é, eu tenho certeza que não. —
Senti o medo e a covardia me desesperar. Eu jamais deixaria outra pessoa
ser prejudicada no meu lugar, e eu juro que já teria dito a verdade se não
tivesse o olhar de Cohen pronto para me parar se eu começasse.
— Meu pai tem certeza que é. Ele avisou ao Cohen que isso
aconteceria. — Ela encarou Cohen por fim. — Você sabe que poderia ter
evitado, e não mudo minha opinião, ela não agiu sozinha.
— Se insinuar de novo que meu irmão planejou alguma coisa, nem
você, nem seu pai entram mais nessa sala!
— Está se revoltando contra as pessoas erradas, Cohen. Meu pai
não tem por que querer você fora da Archer. Já o Casper...
— Chega! — Cohen praticamente rosnou. — Se era só isso, por
favor... — Ele apontou para a porta.
Eu vi quando os olhos dela perderam parte daquela arrogância
presunçosa. Drizella ainda me fitou antes de pegar sua bolsa, soprando um
sorriso como se tivesse se rendido a algum pensamento óbvio.
— Boa sorte, Anya! — Disse meu nome como se fosse algo errado.
Meu olhar de repente ficou perdido, preso ao nada, cada vez mais
pesado. Eu estava tão submersa nesse limbo que cheguei a me assustar,
quando a porta bateu atrás de mim.
Só então o ar saiu dos meus pulmões e senti finalmente a presença
de Cohen ao meu lado.
— Temos uma...
— Não é ela223, Cohen! — Garanti, interrompendo-o aflita,
procurando seus olhos presa a mensura do tamanho do prejuízo que eu
trouxe, e agora mesmo que eu queira, não posso dizer a verdade.
— Como sabe? — Retesei meu semblante indignada. Como eu sei,
porra? Sua risada nasalar me fez ter a impressão de que Cohen finalmente
tinha se cansado desse jogo, mas eu estava errada. — Eu sei que não é,
Anya. Eu saberia se fosse.
— Ah, você saberia? — O desafiei, detendo meu olhar nele. Suas
feições estavam bem diferentes das minhas, pois enquanto eu estava
visivelmente apavorada, Cohen continha a sombra de um divertimento,
despontando em um sorriso de canto que estava me tirando do sério.
— Saberia! — Disse, passando por mim sem pressa alguma,
rodeando-me como se eu fosse uma presa, capturando qualquer mísera
reação minha. — No instante em que ela ficasse diante de mim, eu saberia.
— Sussurrou na minha nuca. Sua voz passeou pelo meu corpo, me levando
a lugares que eu bem conhecia. Arfei retesando minha postura em calafrio,
quando senti o toque no meu braço, foi como se uma corrente elétrica de
força inexplicável passeasse do seu corpo para o meu, em um gesto
proposital, traçando uma linha invisível que me arrepiou por inteira. Senti
seu sorriso na minha nuca como uma brisa suave e quente, deixando em
alerta todos os meus poros que ansiavam pelo mesmo que ele. — Eu saberia
pelo toque, pelo perfume, pelo jeito de andar, pelo jeito que ela me olha
quando não está gostando de algo. Eu saberia até pelo jeito que ela respira
quando está excitada...
Fechei meus olhos quando sua voz não passou de um sussurro na
minha orelha. Cada palavra se transformava em uma cena na minha cabeça.
Cada segundo tão parecido com os que contaram nossos poucos minutos
juntos naquela noite.
Sua respiração tocou meu ombro intensamente, pesada, quase tão
densa quanto o ar que nos envolvia naquele momento.
O olhei por cima dos ombros, encontrando sua presunção em forma
de divertimento, dando continuidade a uma situação que não tinha mais
cabimento.
— Torça para quando ela aparecer, você não estar igualmente
ocupado. — Passei por ele a fim de sair daquela sala para poder respirar
normalmente, sem a interferência ardente do seu olhar na minha pele, me
intimidando, brincando com o quanto meu corpo respondia sem meu
consentimento, mas Cohen segurou meu braço e se pôs novamente na
minha frente, dessa vez sem qualquer resquício de sarcasmo. Seus olhos se
transformaram em algo nebuloso, sua expressão fechada, ressaltando a
linha do seu maxilar endurecido.
— Ocupado, como você estava com o barista? — Franzi minha
testa, sentindo meus lábios se curvarem em um sorriso, sentindo pela
primeira vez, o quanto eu também tenho efeito sobre ele.
E eu malditamente gostei disso.
— Nem tanto. — Cohen mordeu a própria mandíbula.
— Estávamos falando apenas sobre assuntos profissionais. — Se
justificou.
— Ótimo, eu vim fazer o mesmo. — E foi sua gota d’água.
— Não percebe que é inútil tentar reestabelecer um limite que já
ultrapassamos com aquele beijo? — Disparou por fim, enquanto eu sentia o
ar triunfante preencher meu semblante, propositalmente, encarei seus lábios
tensionados, umedecendo os meus em um gesto provocativo, também
atraindo os olhos de Cohen a centímetros.
— Que beijo, Cohen? São apenas boatos!
Percebi seu peito estufando para rebater, mas nesse momento sua
porta foi aberta, e a imagem de Casper invadindo a sala com sua camisa
manchada de vinho causou a mesma reação em ambos.
Nos afastamos no mesmo momento, mas ele percebeu e intercalou
seu olhar entre a gente, enquanto a surpresa por vê-lo naquele estado ainda
ocupava as feições do Cohen.
— Atrapalho alguma coisa? — Perguntou, apontando para nós dois.
Cohen franziu a testa encarando seu irmão de cima a baixo.
— Precisa de um babador, Casper? — Cohen provoca, e Casper se
agita trocando o peso das pernas com a respiração pesada, bufando de raiva.
— Preciso de uma camisa! — Reprimi uma risada ao lembrar da
cena que ele provavelmente não se atreveria a contar. Cohen riu, indo
buscar uma em seu armário onde deixava algumas de reserva.
Nesse meio tempo Casper me fulminou, e eu sorri porque não havia
mais resquício do olhar ameaçador de mais cedo. Ele estava com raiva, e eu
posso apostar que nesse momento pensa em como irá fazer Holly pagar
pelo constrangimento.
— Não vai ficar assim! — Murmurou em uma promessa.
Cohen voltou e entregou a camisa a ele, limitando-se em rir ao
invés de fazer piada. Casper grunhiu coisas inaudíveis, algo como aquela
maldita me paga, enquanto arrancava a própria gravata.
— Conseguiu o que eu pedi? — Cohen perguntou, enquanto eu me
distraia com o copo de café esquecido de mais cedo na sua mesa,
discretamente eu o empurrei para o lixo, sabendo que aquele jogo ainda não
terminou.
— Hannah não foi! Na verdade, eu tive que sair do restaurante
antes dela chegar. — Sua resposta me chamou a atenção. Ele apontava para
o seu próprio corpo como se a evidência já explicasse.
Então Casper realmente sabe que estão suspeitando da Hannah, e
em seu olhar mortal eu entendi que os dois já estavam trabalhando nisso.
Casper sabe que Hannah está sendo apontada no meu lugar, e pelo
que entendi, Cohen está permitindo isso, para simplesmente não me
envolver, enquanto também buscava por respostas. Me manter do lado do
Cohen não era uma ameaça de Casper contra mim, mas a única forma de
ganhar tempo.
Eu não sabia pelo que temer no momento, pois da mesma forma
que não sei do que Casper é capaz, eu também sei que ele está sendo
cuidadoso a pedido do Cohen.
Não se trata da minha identidade ser revelada, mas da Dama de
Prata continuar sendo um mistério, até Cohen descobrir o que realmente
aconteceu com o projeto, pois independente de quem seja, Hannah ou eu,
no final das contas é o Cohen quem mais será prejudicado.
— Contou pra ela? — Casper perguntou, apontando com o queixo.
Cohen me fitou rapidamente e negou.
— Ainda não. — Arquejou desconfortável, coçando uma das
sobrancelhas.
— Contou o quê? — Quis saber.
— O cliente que estava no palco com Cohen, o maior atingido pela
repercussão até agora, aguarda na sala de reunião e espera por uma posição
nossa. Como você encontrou a solução, os acionistas pediram que estivesse
presente. — Foi Casper quem respondeu.
— Eu sempre estou. — Comentei na defensiva. Os dois me
olharam por tempo suficiente, até entender que eu realmente deveria estar
presente, não apenas acompanhando Cohen. E graças a essa conclusão meu
coração disparou com a possibilidade de ter que falar na frente de todos, e
do que Cohen estava prestes a pedir que eu fizesse.
Qual a probabilidade de reconhecem meu modo de falar ou
comparar as semelhanças? Muitas, incontáveis, tão grandes que seria menos
óbvio se eu estivesse mascarada novamente.
— Ainda está disposta a me ajudar? — Pediu Cohen meio ao meu
estado estático.
— Disposta não é a palavra que eu usaria agora.
— Então talvez eu devesse cobrar aquele favor de volta. — Meu
semblante relaxou com tédio.
— É só pedir educadamente! — Cohen arqueou uma sobrancelha.
Cruzei meus braços esperando, colocando o peso do corpo em uma só
perna.
Ele então riu nervosamente, colocou uma mão na cintura afastando
o blazer e umedeceu somente o lábio de baixo, arfando uma última vez,
encarando o nada desafiado.
— Anya, eu... — Começou sem jeito, praticamente obrigado a fazer
aquilo, até que seus olhos se transformarem em algo sincero. — De todos
os especialistas que eu consultei, ninguém foi tão brilhante quanto você. Eu
preciso da sua ajuda... por favor.
Sustentei seu olhar fixo em mim por um longo tempo, lembrando
que suas palavras já não me machucavam tanto, não agora que eu sei do
enorme problema que ele estava evitando.
— Eu devia ter gravado! — Cohen e eu reviramos os olhos com o
comentário. — Deixa eu te explicar uma coisa, Anya, esse olhar diz que ele
está desesperado, se quer uma dica, é nesse momento que você consegue o
que quiser de um Archer.
CAPÍTULO 20
Sim, eu serei o que você quiser quando disser que está pronto.
Sim, eu serei sua mulher, para sempre sua Dama.
Hey Mama – Nicki Minaj

Se fosse colocar em gráfico o pico de sentimentos que eu estava


vivenciando em um único dia, seria como estar ouvindo um rock metal
pesado nas batidas mais insanas, ou como estar lendo um cardiograma
vascular de uma pessoa cardíaca.
Eu não escondia meu nervosismo estalando todos os dedos da
minha mão e trocando o peso das pernas enquanto esperava o elevador ao
lado de Cohen. Falar em público não era o problema, assumir a postura da
Anya publicitária menos ainda. O que estava sendo insustentável no
momento era o medo de me reconhecerem e ferrar com tudo de uma vez.
Casper tinha razão, e a sensação era a de que eu estava sozinha,
indo direto para a boca dos leões.
Eu não descartaria uma possível briga entre os irmãos se Cohen
permitir que Hannah seja realmente colocada à mesa como suspeita, e não
me sobraria escolha a não ser dizer a verdade e, com isso, acabar
prejudicando o próprio Cohen que agora corria contra o tempo para
descobrir o que aconteceu com o projeto das crianças, um desvio de verba e
aparelhos, que ninguém sabe o paradeiro.
E essa bomba veio estourar hoje, horas antes da reunião com os
parceiros de Cohen que estavam esperando por uma resposta definitiva do
que aconteceria com o lançamento da Archer e seus investimentos nele.
Estava tão ansiosa que senti uma palpitação falhar quando a porta
do elevador se abriu. Suspirei acompanhando Cohen para dentro, e no ápice
do meu nervosismo ao ver as portas se fechando sabendo que não teria mais
volta, eu quis desistir.
— Eu não vou conseguir! — Disparei soltando o ar dos meus
pulmões. Parecia que a qualquer momento eu teria uma crise de pânico.
Comecei a respirar fundo e experimentei fechar os olhos para
amenizar a sensação, até sentir a presença de Cohen muito próximo a
minha.
— Do que está com medo? — Senti sua mão no meu cabelo e
minha respiração falhou. Sempre que eu o sentia, algo me levava para as
lembranças daquela noite, e elas estavam cada vez mais insustentáveis, para
não dizer irresistíveis. — Você já fez isso antes.
Meu corpo paralisou.
Abri meus olhos imediatamente, procurando os seus, esperando
uma só certeza de que ele estava disposto a acabar com isso para me ver
livre.
— Na feira, lembra? Você falou de uma forma como eu nunca vi
antes. — O fato de enxergar uma certa provocação no seu semblante fazia
uma faísca de ódio crescer dentro de mim.
E o problema é que depois de descobrir que era Cohen nas
mensagens, eu me tornei inflamável, e bastava uma só gracinha para
também querer tirá-lo do eixo.
— Foi diferente. — Admiti.
— Diferente por quê?
Endireitei minha postura e fiquei de frente para ele, sentindo todo
seu corpo tensionar, e um peso atmosférico parecia ter caído sobre seus
ombros.
— Porque eu estava com raiva, não queria falar na sua frente, mas
eu também estava na frente do meu professor, alguém que me deixa
confortável.
A expressão dele mudou completamente.
— Então eu preciso te deixar confortável e com raiva, é isso?
— Você não pode ser duas pessoas ao mesmo tempo — provoquei.
Cohen riu, de uma forma gostosa e contagiante, mesmo sarcástico ainda
continha felicidade, e quando dei por mim estava sorrindo também.
— Eu posso tentar. — É tão explícito a ambiguidade em nossas
palavras que chegava a ser ridículo não podermos confessar tudo.
— Como? — Desafiei.
— Da mesma forma que você. — Outra vez uma batida falhou. —
A Anya publicitária por exemplo, é bem diferente da Anya que eu vejo
todos os dias.
E ele tem razão.
Seus olhos fixos em mim não me deram espaço para refletir sobre
isso, mas eu sei que deixei muito do que eu já fui um dia para ser a
profissional perfeita. Tudo para manter uma vaga que hoje escapa pelos
meus dedos, resumindo meus esforços a nada. Como se tudo fosse em vão.
A quem eu queria enganar? Não estava tentando recuperar minha
imagem, ou o convívio que eu tinha com Cohen antes daquela noite. A
noite em que eu me permiti, em que fiz coisas que somente a Anya
inconsequente que viveu no meu passado seria capaz de fazer.
O que eu estou fazendo agora é apenas protelar o inevitável. A
bomba vai explodir uma hora ou outra, cabe a mim garantir que eu seja a
única prejudicada, e é horrível pensar que há algumas semanas atrás eu
tinha medo do que Cohen podia fazer com meu currículo se fosse
manchado por más referências. Medo de um futuro que agora eu pouco
visualizava.
— Eu me moldo com facilidade, deve ser por isso que você está
comigo até hoje. — Tentei um meio sorriso, mas algo na expressão dele me
fez perceber que eu divaguei por tempo demais, enquanto meus sentimentos
provavelmente ficavam visíveis.
— Está errada. — Franzi a testa com a segurança em sua voz. —
Você é a melhor que já esteve comigo, sem sombra de dúvida, mas eu gosto
de quando você não percebe que ultrapassou a linha e mesmo assim
continua fingindo. Como quando você se faz de frágil só para que eu me
sinta mais útil. Como quando você chega com os cafés, se esquece de me
dar bom dia, coloca minha colher na boca e faz uma careta horrível. Como
quando você para do meu lado, me obriga a interromper tudo o que estou
fazendo para arrumar minha mesa, seu cabelo geralmente está solto e você
nem percebe que ele bate no meu rosto e eu penso, como alguém consegue
ter um cabelo tão cheiroso? Então eu sinto vontade de elogiar, mas eu não
elogio, porque eu sei que se eu fizer isso você o prenderia no dia seguinte,
porque é isso que você faz, Anya... você me limita a migalhas e eu
malditamente me acostumei com elas.
A porta do elevador se abrindo foi como uma salvação divina. Um
banho de água fria, um choque de realidade o forçando a sair primeiro
como sempre fazia, mas não antes me olhar com chama nos olhos, tirando
de mim qualquer resquício de ansiedade ou qualquer outro sentimento.
Nesse momento eu só existia. Não acharia ruim se alguém tentasse me tirar
de um transe.
Nunca fui uma pessoa fã de álcool, mas tudo o que eu desejava era
uma dose de aguardente, ou qualquer coisa que me trouxesse de volta a
realidade, e eu só fiz isso quando percebi ter prendido o ar no meu pulmão.
— Pra eu fingir um desmaio agora, é só cair. — Resmunguei
forçando meus pés a saírem daquele cubículo.
Chegamos juntos na sala repleta de homens e mulheres
preenchendo a mesa oval de laca preta. Eu que sempre me sentei na cadeira
mais próxima a porta, tentei fazer o mesmo, mas Cohen tocou no meu braço
me guiando ao lado dele até estar ao lado da sua cadeira. Eu não entendi a
princípio, até vê-lo puxar o assento e me fitar rapidamente, a sala ficando
completamente silenciosa.
— Do meu lado! — Ordenou com o olhar, a voz tão firme que me
dei ao luxo de suspirar antes de engolir a própria saliva.
Segundos intermináveis antecederam uma migalha de coragem para
tirar os olhos da mesa e sustentar os incontáveis pares de olhos na direção
do Cohen, mas eram como se estivessem olhando para mim.
Reconheci o homem que eu interrompi o discurso, o que dividia
palco com Cohen naquela noite, ele estava próximo, praticamente de frente
pra mim, e me amaldiçoei por ter detido meu olhar nele por tempo
suficiente de sentir-se atraído, pois no momento em que ele me olhou, senti
uma pontada de reconhecimento. Uma linha tênue de expressão na sua testa
já franzida, fizeram os olhos azuis do homem se fixarem em mim até que
todos estivessem prontos para começarem.
— E Casper? — Indagou um deles baixinho, somente para Cohen
ouvir, e claro, quem estivesse tão próxima dele quanto eu, algo que não
aconteceria se eu estivesse do outro lado da mesa como sempre.
— Teve um imprevisto, mas já está chegando. — O imprevisto no
caso foi a passada no banheiro para se limpar e trocar de camisa antes de vir
para a reunião. Estranhei que Hannah não estava ali, apesar de Winter estar,
e depois de mais algum tempo, questionei se eles realmente iriam aparecer.
— Vamos direto ao assunto, Cohen, essa repercussão já nos trouxe
muitos prejuízos, eu preciso de uma posição sua. — Disparou o homem,
tomando a frente de quem dava início às reuniões, que não escondeu seu
descontentamento endurecendo sua expressão, se tornando em questão de
segundos, o Cohen que todos conheciam.
Era como se uma nuvem obscura tivesse preenchido o ambiente, e
lembrei que apesar de parceiros, estavam ambos em uma disputa por poder.
Ele só precisava saber que esse território é do Cohen, e algo no seu olhar
constantemente furtivo a mim estava me dando nos nervos.
— Eu também preciso de uma posição sua, Bryce. Os aparelhos
que trocamos pela cota de sistemas da Archer, foram entregues a quem? —
Perguntou Cohen com a voz gélida, gerando uma agitação nos
organizadores do projeto.
— Com a incerteza dos nossos negócios, eu não liberei a
quantidade que você solicitou, apenas os que já foram testados pelas
crianças do projeto. — Ele respondeu.
— Mas eu liberei a verba para a distribuidora, e nenhum dos
beneficiários recebeu um só aparelho. — Rebateu Cohen.
— Impossível! Eu cumpri com minha parte do acordo, as crianças
testaram os aparelhos, todas cumpriram as exigências e eu liberei de uma só
vez a cota necessária para distribuição, diferente de vocês que até agora não
deram continuidade no sistema para os meus sensores.
— Não posso disponibilizar meu produto com a incerteza do seu.
— Com licença, Sr. Archer. — Se pronunciou uma mulher da
diretoria. — Desculpe a interrupção, mas... Os aparelhos foram barrados.
Nós te enviamos a documentação detalhada do processo para avaliação.
Como não sabíamos como proceder com o lançamento, todos os projetos
vinculados foram afetados, e bloqueamos a distribuição por precaução.
— Barrados? Não tenho conhecimento desses documentos. —
Disse Cohen.
— Vou averiguar seu paradeiro. — Garantiu a mulher. Recebendo
um aceno do Cohen maneando a cabeça.
— Viram só? Aquela mulher agitou o mercado. Temos um
problema a ser resolvido, Sr. Archer, porque eu investi nos sensores criados
especialmente para receber seu sistema, e até agora não consegui dar
prosseguimento. — Disse o mesmo homem.
Não evitei me encolher por um momento. Senti até meus ossos se
culpando. Me peguei pensando por um momento, se Cohen me poupou de
todas essas reuniões justamente por isso. Os comentários concordando com
o que Bryce disse tornou ainda pior, mas no meio do meu desconforto, algo
me paralisou.
Senti a mão de Cohen na minha perna. Tudo em mim congelou,
mesmo que um calor inflamável atingisse a região da minha coxa onde ele a
posicionou.
— Não vou vincular a imagem dela a minha empresa e peço que
não insistam nisso.
— Mas ela movimentou uma mídia completamente negativa...
— É a minha palavra final! — Cohen declarou friamente.
Bryce se empertigou na cadeira irritadiço, e muitos trocaram
olhares uns com os outros.
A minha vontade era de sair correndo, eu só queria que esse
pesadelo acabasse de uma vez por todas, mas no momento eu só conseguia
sentir a mão dele na minha perna.
— E por quanto tempo pretende nos deixar no prejuízo? — Bryce
tentou receoso.
— Até eu ter contrato firmado com todos os patrocinadores.
Meu queixo caiu em uma tortura entre sentir sua mão firme na
minha coxa e o olhar de esguelha de Cohen para mim.
— Patrocinadores? Como assim? — Perguntou intercalando seu
olhar entre Cohen e eu, já que ele ainda me olhava pelo canto do olho.
— A Srta. Amstrong poderá explicar melhor. É uma proposta que
ela sugeriu, de desviar a atenção da mídia para empresas que querem
visibilidade em cima de uma causa, são essas marcas que vão patrocinar o
meu produto, para empresas como a sua, Bryce, de aparelhos sensoriais,
implementar e não comercializar.
Cohen passou a fala pra mim, e quando vi tinham inúmeros olhares
na minha direção esperando minha iniciativa, alguns mais confortáveis do
que outros, pois já tinham me ouvido falar na feira.
Um aperto quente na minha coxa me incentivou a falar, e Cohen
deveria saber que seu toque era o que estava me tirando do foco, e não o
medo dos olhares.
Após contextualizar a proposta e deixar claro como o conceito se
aplicaria, observei alguns olhares de aprovação e esperei que os
comentários entre diretoria, parceiros e acionistas cessassem, muito embora
não me esforcei para isso, pois desviavam o foco inteiramente voltado a
mim.
Olhei para o polegar acariciando minha pele e me prendi àquela
imagem. Sua mão pousada na minha perna, alheia ao seu olhar concentrado
nas pessoas a nossa frente. Senti meu peito subindo e descendo
intensamente, principalmente quando a testa de Cohen franziu, olhando
para minha perna discretamente, parando de acariciá-la e se prendendo a
alguma memória recente.
Eu observei seus traços se comprimindo, e o toque se intensificando
à medida que sua respiração também ficava pesada. Eu sabia o que ele
estava sentindo, porque eu também senti.
A mesma mão que toca minha perna, é a mão que me tocou por
baixo daquele vestido, e as lembranças mais inoportunas invadiam meus
pensamentos sem que eu pudesse evitar. Ainda assim, eu tinha que me
forçar a falar, espantando as imagens, tentando manter uma linha de
explicação coerente sem poder pedir para ele parar.
— Então com as propostas de patrocínio que nós já recebemos, o
caso é revertido financeiramente, e como conclusão da repercussão, a
Archer só teve a ganhar com isso, assim como seus consumidores finais. —
A cada milímetro que sua mão subia ou massageava minha pele, minha voz
ficava ainda mais insegura, nada parecida com a firmeza com que o
confrontei na frente de todos. E cada vez que eu me via mais nervosa, uma
teoria se firmava internamente.
— Na opinião do público hoje, é o que realmente importa, graças a
militância daquela mulherzinha. — Bryce comentou. Minha postura se
enrijeceu na hora, e no momento em que estufei o peito para rebater seu
jeito tosco de falar, senti a mão de Cohen apertando minha coxa.
Cogitei por um momento, que era proposital, pois eu estava diante
das mesmas pessoas. E via o esforço que ele fazia para me desestabilizar
enquanto falava, coisa que jamais Cohen faria.
Era fato, quem estava diante de mim jamais compararia essa Anya
insegura e receosa, graças a mão de Cohen me levando a lugares que eu
bem conhecia, com a Dama misteriosa, segura e firme que falou na frente
de todos.
Observei um pequeno sorriso no canto dos seus lábios, enquanto
com sua outra mão ele apoiava o queixo, em sua indiferença.
— O intuito é justamente resolver o problema que ela criou —
Falei. — Não para ter a imagem limpa outra vez, mas para se mobilizar e
usar dessa repercussão para mostrar que todos estão abertos a qualquer
reformulação.
— Não estamos falando de mobilização, senhorita. Isso aqui não é
uma instituição beneficente. Então contanto que todos saiam lucrando em
cima disso, não importa mais como aconteceu. — Cohen previu minha
vontade de rebater e desceu sua mão para dentro da minha coxa, me
impedindo de falar tudo o que vinha em defesa dos meus. Ali ele apertou
como se pudesse me segurar. Tive certeza de que ele estava evitando que eu
fizesse o mesmo que fiz no dia do evento — Adorei a sua ideia! Sr. Archer,
essa mulher merece uma promoção.
Seu sorriso e tom irônico me fizeram ferver de ódio por dentro. Me
amaldiçoei, para depois amaldiçoar Cohen por estar com sua mão
segurando firmemente minha perna, lembrando-me de tudo o que aconteceu
quando deixei essa mesma raiva falar por mim.
Admiti para mim mesma que só não explodi, pois não vi
concordância da sua parte.
No fim daquela tarde, eu fiquei sozinha com Cohen em uma sala
imensa e vazia, digerindo o fato de que todos acharam uma estratégia
inteligente e viável, e que tinha todas as autorizações possíveis para ser
colocada em prática.
Eu estava me importando com isso? Nem um pouco, só o que ardia
em mim era a lembrança do nervosismo que Cohen me fez passar durante a
reunião toda.
— Se saiu muito bem. — Ele disse rasgando o silêncio depois que a
última pessoa deixou a sala.
— Não me saí melhor porque tinha alguém me alisando. Tem
outros meios de me distrair sabia?
— Te distrair? Não, eu queria que você se sentisse encurralada.
Para trabalhar comigo é preciso aprender a lidar com a pressão que vem de
todos os lados, e se vale uma pequena observação, você precisa controlar
um pouquinho sua ansiedade, Anya.
Deixei meu queixo cair com sua ironia discrepante. Perguntei como
ainda podia me surpreender com alguém que usou outra pessoa para flertar
comigo.
— Você não me deixou encurralada, Cohen!
— Então como eu te deixei? — Perguntou com a voz baixa, mas
seus olhos estavam grudados em algo a sua frente, do meu lado ele apenas
sorria maliciosamente. — Porque eu sei que você ri quando fica nervosa,
não cruzando as pernas.
Descruzei minhas pernas na mesma hora.
Havia sensações vivas e quentes demais em lugares que não era
seguro sentir agora.
Cada milímetro entre a gente, mesmo estando relativamente
distantes, pareciam ser demais, e ao mesmo tempo parecia pouco.
O olhar dele subiu, se encontrou com o meu e sorriu.
Um sorriso enigmático, excitante e carregado de presunção, em sua
forma mais sarcástica e misteriosa possível.
— A menos que esteja com raiva e confortável ao mesmo tempo.
— Senti a pele do meu rosto esquentar com aquele meio sorrisinho. Cohen
se inclinou um pouco, parte do seu semblante ficou sério, e genuinamente
sincero. — Obrigado!
Fiquei sem reação. De tudo o que ele poderia dizer, um obrigado
era o que eu menos esperava no momento.
— Não é como se tivéssemos muita escolha. — Seus olhos
perderam o brilho, mas também vi uma linha curiosa surgir, ao perceber que
eu falei de nós como uma unidade. — A propósito, eu não te devo mais
nada.
Cohen não sorriu quando disse:
— Está enganada.
CAPÍTULO 21
Você não faz ideia de que é minha obsessão?
Sonhei com você quase todas as noites essa semana.
Do I Wanna Know – Artic Monkeys

Me encontrei com Holly na saída, seu carro estava estacionado na


esquina, como se ainda tivéssemos algo a esconder. Meu coração ainda
estava na boca quando entrei e avistei uma cabeleira preta, lisa escorrida.
Me assustei com a mudança repentina de comprimento e cor, que nada
parecia com o ondulado volumoso da minha amiga.
— O que aconteceu com seu cabelo? — Perguntei surpresa. Ela se
olhou no espelho ajeitando as madeixas.
— É lace. Está todo mundo usando.
— Está levando a sério essa coisa de se esconder... — De repente as
lembranças do restaurante me invadiram e eu comecei a rir. — Espera aí,
isso tem alguma coisa a ver com o que você fez hoje?
— Está insinuando que eu estou com medo do maldito que te
ameaçou? Ele é quem deveria ter medo de mim! — Ela disse firme. —
Talvez eu tenha exagerado um pouco, mas não significa que eu esteja com
medo.
Eu gargalhei balançando a cabeça negativamente, enquanto olhava
no relógio de pulso o quanto ainda faltava para acabar esse dia de horas
infinitas.
Eu fui do céu ao inferno, e ainda teria que enfrentar aulas
cansativas. Adoraria dizer que pelo menos isso foi produtivo no meu dia,
mas minha mente vagava pelas memórias mais recentes de um dia em que
Cohen conseguiu ocupar a maioria dos meus pensamentos. Minuto por
minuto.
Nunca pensei que minha vida fosse mudar tão radicalmente, e
aquela estabilidade de que eu tanto me orgulhava e prezava, já não valia
mais nada.
Eu me vi tendo que fazer escolhas impulsivas, tomar decisões
imediatistas, sempre correndo, sempre fugindo e me escondendo, como se
eu realmente tivesse feito algo de errado.
Se levantar a minha voz for considerado um erro, então eu aceitaria
ser condenada. Eu não estava reclamando o preço de uma Prada. É uma
conquista que hoje eu comemoro, mas só eu sei o quanto me custou, os
anos que perdurou.
Quanto do mundo, meu irmão foi ocultado. Nossa primeira ida a
cachoeira, os sons da natureza, até mesmo o som da sua própria risada que é
a coisa mais gostosa do mundo. Saber que meu irmão poderia voltar a
escutar parcialmente com a ajuda de um aparelho após uma cirurgia, me fez
fechar os olhos para tudo à minha volta. Eu tive isso como meta, porque
muito além de tempo, isso exigiu muito dinheiro, e teria exigido muito mais
se o plano de saúde da Archer não cobrisse o tratamento.
Um projeto que tive conhecimento logo quando entrei, era esse o
tão sonhado lançamento da Nova Era de acessibilidade da empresa. Algo
em que eu acredito ter sido sim, um trabalho árduo de Cohen, mas um
trabalho que faltou sensibilidade. Descer alguns degraus para atender quem
realmente precisa e eu nunca, jamais vou me arrepender de ter sido a voz
dessa minoria.
Ao chegar em casa, praticamente me arrastando de tão exausta, eu
notei meu celular tocando e vi o nome da minha mãe brilhando. Claramente
não pude ignorar, e mais uma vez meu coração se encheu de alegria ao ver
seu sorriso no rosto cheio de linhas expressivas de uma vida exaustiva.
Conversamos por pouco tempo. Tom estava dormindo e
provavelmente sonhava, pois estava sorrindo.
— O aparelho dele chega em poucas semanas. Tom passou em
todos os testes, filha. Estamos tão felizes.
— É a melhor notícia da minha vida, mãe.
— Sem você não conseguiríamos. Confesso que eu mesma estou
acostumada a duvidar das coisas, mas sua esperança sempre brilhou por nós
todos. — Sua voz saiu embargada.
— Eu vou fazer o meu melhor por vocês, sempre.
— Não queria me sentir culpada por isso, mas eu me sinto. — Vi
quando uma lágrima escorreu no canto do seu olho.
— Não faça isso, por favor mãe. Eu preciso de vocês, preciso saber
que vocês estão bem para eu ficar também, lembra? Vocês são as únicas
pessoas no mundo capazes de me desestabilizar. Eu morreria, mentiria e
mataria por vocês, e eu só não vou dizer que roubaria, porque o maior bem
que você e o papai me deixaram foi meu caráter.
E eu sou extremamente grata por isso.
Ela riu lindamente.
— Matar e mentir não fere seu caráter? — Uma pergunta boba,
ingênua meio a sua felicidade, mas que por algum motivo me desarmou.
Eu menti tanto nesses últimos dias.
Algo que meus pais sempre diziam: Quando uma mentira é contada
muitas e muitas vezes, ela se torna uma verdade.
Sempre foi tão fácil mentir para mim mesma, que talvez eu tenha
acreditado.
— Então nesse caso eu roubaria também. Família em primeiro
lugar, lembra? — Seu sorriu abrandou, mas não sumiu dos olhos.
— Vocês são os maiores orgulhos da minha vida! Meu amor, eu te
amo tanto, tanto. Eu só queria poder te dar um abraço agora.
— Eu também. — Enxuguei meu rosto com a manga da blusa. —
Preciso dormir, amanhã acordo cedo. Amo vocês!
Respirei fundo quando encarei uma tela escura, e capturei uma
última lágrima silenciosa.
Uma imensa saudade me apertou.
Às vezes sinto falta de ser apenas filha, sem grandes
responsabilidades.
Sinto falta do colo da minha mãe, do abraço do meu pai, do sorriso
do meu irmão.
E isso dói demais.
Todavia, eu não me sentia menos orgulhosa. Carrego uma bagagem
simples de sonhos alcançáveis e metas nem tão distantes assim, que tinham
como único fardo depender de mim.

Acordei no dia seguinte revigorada, pronta para encarar o que quer


que fosse, mesmo que para isso eu precisasse aguentar pancada. Meus dias
se resumiam a isso agora. Me preparar para uma guerra, dia após dia.
O único ponto é que minha maior batalha agora estava em resistir
Cohen Archer, o homem que fica apenas atrás de uma porta o dia inteiro,
mas que domina meus pensamentos a ponto de considerar que é apenas uma
porta que nos separa.
Minhas recentes descobertas fizeram as lombrigas no meu ventre
ganharem vida, e lembrar da sua respiração tocando minha pele,
acariciando meu corpo e sorrindo como se soubesse tudo o que estou
sentindo, faziam essas mesmas lombrigas serem confundidas com
borboletas.
Me peguei em um certo momento ainda enrolada na toalha após sair
do banho em meio a uma nuvem de fumaça, revendo as mensagens que
troquei com ele esse tempo todo, enquanto um sorriso bobo despontava na
minha face.
Só você sabe o estrago que pode fazer.
Lembro do que Hannah me disse, ele fez isso comigo. Se eu tivesse
que resistir Cohen Archer, por que ele também não teria que fazer o
mesmo?
Com esse pensamento em mente, eu optei por deixar meus óculos
de lado. Coloquei minhas lentes de contato para também não sair
tropeçando ou confundir a luz do poste com a lua. Fiz uma maquiagem
básica e pela primeira vez na vida, usei algo que não estivesse na linha do
invisível aos olhos dos outros. Me sentia bonita e isso bastava.
Deixaria meu cabelo solto, mas pelo ímpeto da provocação que
nasceu dentro de mim eu o prendi, pois se eu iria parar do seu lado para
arrumar sua mesa hoje, meu cabelo não tocaria seu rosto, como se o seu
maior erro foi tê-lo elogiado, e não o fato de que me conhecia.
Holly ainda estava de roupão por cima do seu pijama e pantufas,
quando exagerou na reação ao me ver saindo do quarto. A tigela de cereal
na sua mão respingou e a máscara verde de argila no seu rosto rachou
quando ela esticou sua pele.
— Vai a outro evento da faculdade?
— Não, vou trabalhar.
— Vai deixá-lo de bola roxa, né? — Ela riu limpando o leite
escorrendo no canto da sua boca.
— Seus métodos são os meus preferidos, Holly. Sabe disso.
— Quem é você e o que você fez com minha melhor amiga? —
Perguntou enquanto eu roubava uma colherada do seu cereal.
— Hum. — Resmunguei de boca cheia. — Não precisa ir me
buscar hoje, acumulei matéria, estou com a noite livre.
— Podemos sair então? Comemorar a conquista do Tom? —
Ponderei sobre o convite, um convite que eu geralmente recusava.
— Não é uma má ideia!
— Estou ficando com medo. Vou escovar a minha lace. — Ri do
seu exagero.
Deixei o apartamento ainda sorrindo.
Chegar na empresa com olhares espetados em cima de mim foi
estranho. Ter alguém abrindo a porta de vidro da entrada sem eu pedir foi
novidade, e me encontrar com Joe na cafeteria pela primeira vez, sabendo
que sorrir facilmente é seu trejeito natural e que suas segundas intenções
estavam direcionadas ao sexo oposto ao meu, me fez ter dele uma imagem
mais próxima de intimidade que eu tinha com qualquer um naquela
empresa.
— Uau. — Ele comentou quando parei no balcão a sua frente. —
Eu estava louco pra saber tudo o que aconteceu depois que você voltou do
almoço ontem, mas pela sua aparência eu descarto a possibilidade de estar
um caco. Eu já te vi destruída, Anya Amstrong, e isso aí só pode ser pós
noitada ou um convite para;
— Um convite! Admito que estou em um bom dia. Holly e eu
vamos sair hoje, se você quiser vir junto eu te conto tudo.
— Vamos sair hoje? Pra onde? — A voz atrás de mim era de
Hannah, e junto com ela estava Ruby e Andrea. Sorridentes elas me
cumprimentaram, e Joe riu, pois vivia dizendo que a adorava.
Prendi meu olhar na morena alto astral de sorriso enigmático e
assenti.
Eu ainda não tive tempo para conversar com Hannah. Não sei se ela
sabe que era eu naquela festa, ou ela apenas sabe que Cohen era quem me
mandava mensagens.
Lembro da sua indireta quando apareceu no meu andar me
convidando para o bar onde aconteceu o tão falado beijo, mas até então eu
não sabia ao que ela estava se referindo.
— Conheço uma boate aqui perto muito bem frequentada. Bill é
sócio, ele consegue nos colocar na lista VIP. — Disse Ruby se sentando ao
meu lado. Hannah parou atrás de mim, e abraçou meus ombros com
intimidade. Já Andrea tentou trocar olhares com Joe, e ele ficou
visivelmente envergonhado.
— Muitíssimo bem frequentada. Cas já me levou algumas vezes. É
inclusive a única boate que Cohen frequenta, sabia Anya? — Me provocou
soltando alguns fios do meu cabelo no contorno da minha face.
— Então podemos achar outra. — Sugeri.
— Não faça isso comigo, não comigo! — Pediu Hannah me
encarando fixamente. Eu sabia que seu sorriso escondia a vontade dela me
dizer o que também já sabia sobre Cohen e eu, e sua provocação é
claramente uma insinuação.
— Quer saber, eu não ligo. Nós vamos! — Anunciei convencida.
— Joe, você vai também? — Perguntou Andrea. Ele sorriu tímido.
— Eu vou com a Anya. — O encarei entediada. Ele não poderia
fazer aquilo comigo.
— Ah. — Murmurou a ruiva dando ombros.
— Estamos quites! — Ele sussurrou discretamente. Semicerrei
meus olhos desacreditada. Cohen é quem devia a ele, não eu, e lembrando
dele eu pedi com um sorriso maquiavélico:
— Um café descafeinado bem amargo.
— Não vai querer o seu hoje?
— Vou tomar o meu aqui. Quero apenas o do Cohen para viagem!
— Ele deu ombros preparando meu pedido.
Por alguma razão as três me seguiram até o elevador, e enquanto
aguardávamos o mesmo no hall, Andrea olhou em direção a cafeteria
suspirando.
— Esse Joe é uma gracinha. Pensei que ele tinha desistido de você
depois daquele dia no banheiro.
— Somos amigos. — Expliquei indiferente, sentindo meus dedos
quentes graças ao copo de café fino, ironicamente com a assinatura do Joe.
— Acho que ele ficou mais interessante depois de disputar você
com o próprio Cohen. — Disse Ruby me pegando de surpresa.
— Eu não sou um objeto, então ninguém está me disputando.
— E eu não vi o fora que ele me deu só porque vão sair juntos? —
A ruiva debocha de si mesma. Eu ri, me preparando para dizer a ela que
Joe, na verdade é gay, quando um grunhido masculino me fez dar conta de
que tinha mais alguém entre nós.
— Hum... então quer dizer que a Anya tem um encontro? — A voz
eu bem conhecia, e chegou até mim como um zombeteiro curioso. Nós
quatro viramos ao mesmo tempo, e para minha surpresa, estavam ali
ninguém menos que Cohen Archer e seu irmão, que ainda sorria por ter
ouvido nossa conversa.
Eu também sorria quando seus olhos se encontraram com os meus,
uma imensidão gélida de frieza. Esse mesmo olhar foi absolutamente
indiscreto ao me fitar de cima para baixo, subindo novamente com
exatidão. Primeiro o copo, depois meu cabelo preso em um rabo de cavalo,
por fim meus olhos acentuadamente.
A boca transformou-se em uma linha dura, suas sobrancelhas
franzidas, uma tensão marcada por um vinco entre elas, pesando seu
semblante com uma ponta de reconhecimento, a mensagem tinha sido
entregue aparentemente.
Casper o completo oposto. O divertimento era exposto em um
sorriso fino e seus olhos brilhavam como um pirralho arteiro que encontrou
o que queria.
Mais um motivo para provocar o Cohen.
— Senhor Archer! — As meninas cumprimentaram, atropelando
umas às outras sem que eu pudesse reconhecer quem falou primeiro.
— Casper. — Sibilou Hannah com um sorriso íntimo. Ele piscou
um olho para a morena depois voltou seus olhos para mim. Cohen não
passava de uma sombra fria entre nós. Uma parede sombria e carregada de
uma busca por controle veemente. — Estão subindo?
Somente Casper assentiu. Cohen não tirava os olhos de mim.
— Ah... chegou o outro. Vamos, Ruby? — Andrea a puxou para o
elevador que realmente se abriu ao nosso lado. Eu, todavia, não podia
seguir o mesmo rumo, já que esse é o único elevador do hall que chega até
o andar presidencial.
As duas saíram em risadinhas quando a porta atrás de mim se abriu.
Esperei algumas pessoas saírem tentando ignorar a presença de Cohen ali,
mas um dos homens que desceram do elevador parou quando intercalou
seus olhos entre Hannah e logo em seguida, Cohen.
— Ah, Hannah. Aí está você. — Era Winter Hummer, o atual chefe
de Hannah, pai de Drizella. — Cohen, Casper. — Continuou seu
cumprimento, ignorando minha existência.
Winter e o único que se refere ao Cohen como se fosse alguém da
sua família. Deve ser por isso que ninguém contesta sua autoridade.
— Sr. Winter. Eu já estava subindo. — Ele anuiu, deixando
finalmente seus olhos caírem sobre mim, em minha reles insignificância. Se
ele soubesse...
Percebi pela visão panorâmica Casper mudar sua postura da água
para o vinho, e quando Winter nos deixou, ele foi o primeiro a entrar, e
quem o visse agora, jamais compararia este semblante com o sorriso solto
que ele tinha pouco antes.
Espantei a vontade de me encolher por isso. Entrei no elevador e
Cohen logo atrás mim. Quieto e pesado como um espírito de cem anos, e
agora que Casper ficou de mau humor também, o ambiente naquela caixa
de aço não poderia ficar mais constrangedor e se assim posso dizer,
sufocante.
Hannah me fitou tentando um meio sorriso, como se a mudança
repentina de Casper tivesse a ver com algo entre eles, mas eu presumo que
se trata muito mais da situação que a coloca como alvo dos meus
problemas, e é somente por isso que eu o compreendo. E nem ligaria talvez,
se ele dissesse tudo o que disse para mim outra vez, já que ambos estamos
defendendo quem amamos.
Os minutos naquele espaço foram sufocantes. A primeira parada foi
no andar de Casper, que sem querer ser discreto circundou a cintura de
Hannah a guiando para fora. Nos despedimos com um olhar desconcertante,
e quando vi o cinza espacial da porta a minha frente, soube que o ambiente
ficaria ainda menor.
Dois segundos.
O silêncio durou apenas dois segundos, foi o tempo até Cohen
pigarrear atraindo meu olhar por cima dos ombros.
— Desculpe, já estava me esquecendo. — Ergui o copo
cinicamente, esperando que ele o pegasse.
Cohen bufou e o pegou, rolando os olhos com inúmeras perguntas
que eu o sentia querer fazer.
— E o seu?
— Já tomei na cafeteria com o Joe. — Respondi quando as portas
se abriram. Desci escutando sua respiração profunda.
Ignorando completamente seu estado, eu deixei minha bolsa na
minha mesa e fui direto para sua sala, sentindo seus passos lentos enquanto
eu me via ativa.
Esperei Cohen se sentar na sua cadeira, reprimindo uma risada
interna, ao me posicionar ao seu lado e recolher tudo o que precisava da sua
mesa, sabendo que meu cabelo está fortemente preso no alto da minha
cabeça.
Cohen bebericando seu café foi algo impagável, ato que se
transformou em uma careta. Estava sem açúcar, digo, estava sem meu café
misturado. Eu ri internamente, mesmo no meio daquele desespero, porque
se dependesse de mim ele beberia café amargo para o resto da vida
É claro que ele notou, e travou sua mandíbula firmemente,
respirando fundo como se buscasse por controle.
— Está horrível. — Disse seco.
— Sério? Tenho quase certeza de que pedi para o Joe adoçar. —
Cohen riu amargamente, umedecendo os lábios deixando seu copo de lado,
cedendo a uma pergunta que eu já esperava.
— E por que não fez isso aqui, como todos os dias? — Foi minha
vez de sorrir triunfante.
Olhei no fundo dos seus olhos escuros fixos a mim, sem esconder
meu sarcasmo pouco utilizado dentro dessa sala.
Foram muitas as vezes que me peguei olhando de canto para Cohen
quando o via estressado com algo não saindo como ele esperava. E em
todas essas vezes eu sussurrei para mim mesma o quanto era um absurdo
esse homem ser lindo até com raiva.
Dessa vez não foi diferente.
Ele consegue ser ainda mais bonito, quando eu sou o motivo dela.
— Porque você está muito mal-acostumado. — Respondi
finalmente.
Deixei sua sala com uma vontade febril de comemorar, mas me
contive reprimindo uma risada sentindo seu olhar nas minhas costas.
E a partir desse momento, a julgar pelo olhar desafiado de Cohen,
eu previ que já podia esperar sua jogada. Afinal ele fez disso um jogo, e eu
sou a Dama.
CAPÍTULO 22
Você diz que vai. Eu sei que você se foi. Eu tenho sido muito controlador.
Eu sei que acabou, porque eu perdi o jogo.
Lost The Game – Two Feet

O que eu menos esperava daquele dia, é que Cohen fosse ficar


isolado. O que foi bom de certa forma, pois me permitiu resolver muitas
coisas atrasadas, mas algo me alertava que sua reclusão estava um tanto
quanto estranha.
Se tem uma coisa que eu sei sobre Cohen, é que ele não aceita ser
desafiado.
No meio do dia, Hannah, Ruby e Andrea vieram me buscar para
almoçar, e elas já chegaram tagarelando que nossa noite na boate em que o
chefe da Ruby é sócio estava garantida.
Almoçamos no restaurante do edifício Archer, enquanto elas,
empolgadíssimas, combinavam como iriam, o que vestiriam e até onde
iríamos nos encontrar.
Minha tarde não foi muito diferente, Cohen esteve ocupado e nos
vimos poucas vezes, somente quando eu precisava da sua assinatura em
algum documento ou um recado inadiável. E era nesses momentos que ele
me olhava de cima a baixo, sem querer ou tentar ser discreto.
Me vi suspirando uma ou duas vezes quando ele não estava
olhando, porque sua postura relaxada em combinação com seu olhar
impetuoso direcionado a mim, era sim motivo suficiente para qualquer uma
ficar derretida.
Mas não é como se eu não estivesse acostumada. São quase dois
anos ao lado desse homem, já perdi a conta de quantas vezes suspirei para
recobrar a consciência de quem nós éramos, e o quão errado era olhar para
qualquer abaixo de seus olhos, mesmo que isso fosse impossível.
Cohen é um convite ambulante, uma palpitação para cardíacas
desavisadas, e esse clima entre nós estava ficando insuportável. Ele tinha
razão, não dá para voltar atrás e sermos o que éramos, mas o único caminho
parece ser o da redenção e eu tenho medo do quanto isso nem me assusta
mais. O beijo, as mensagens, o toque na minha perna, tudo isso era pra
mim, não para uma mulher debaixo de uma máscara.
— Estou indo. Precisa de mim ainda? — Perguntei pela última vez
antes de deixar definitivamente sua sala.
Quase um minuto inteiro antecedeu sua resposta. Sua expressão
fechada nada se parecia com raiva.
— Não. Pode ir! — Hesitei sob o som da sua voz nebulosa, mas
assenti. Não queria admitir, mas era como se uma decepção despontasse
dentro de mim.
O que eu estava esperando? Que ele dissesse que precisava ou que
me fizesse ficar?
É, talvez uma parte de mim tenha desejado isso. A outra teria
aceitado, e por fim, admito que só precisaria de mais um olhar como o de
ontem, enquanto ele segurava meu braço para justificar o latejar entre
minhas pernas. Estava sentindo tudo isso fervilhar enquanto caminhava até
a porta.
— Anya... — Virei-me imediatamente quando Cohen me chamou, e
esperei por poucos, mas longos segundos o que quer que fosse, sentindo
umas batidas acelerarem em uma nota esperançosa. — Divirta-se!
Soou como uma ordem inflamada, cheia de palavras não ditas.
Maldita hora em que fui dizer que estava apaixonada. Maldita hora em que
ele me viu com Joe. Maldita e estúpida hora em que ouviu que nós teríamos
um encontro hoje, e não fez nada para impedir.
Anui, deixando a Archer com um vazio sublime.
Mas meu humor logo foi restabelecido ao chegar em casa e
encontrar Holly escovando sua lace enquanto no seu rosto uma máscara
verde estava secando.
Ela parecia ter tirado o dia para se cuidar, um dos seus rituais
frequentes com velas aromáticas, skin care e roupões pesados, mas a cena
de vê-la com o cabelo preso em um coque frouxo com orelhas de pelúcia
enquanto um segundo cabelo era alinhado fora da sua cabeça, não deixava
de ser hilário.
— Nem acredito que conseguiu lista VIP na Teto-7. — Comentou
quando me joguei no sofá, roubando um pepino cortado para mastigar,
conferindo se nele não havia vestígio de creme.
— Ruby trabalha com o sócio. — Expliquei.
— Que sorte. — Ele se levantou em um estalo. — Olha o que eu
separei pra você!
Rolei meus olhos quando ela veio com um cabide e um vestido
curto pendurado, dessa vez preto.
— A última vez que usei um vestido seu, as coisas desandaram pra
mim. — Ela gargalhou.
— É do Cohen Archer que estamos falando, quem está vendo por
outra perspectiva é você! Se isso é desandar na vida... — Foi minha vez de
sorrir. — De qualquer forma, esse não é um modelo meu. A próxima vez
que você vestir um Holly Price exclusivo da sua fada madrinha, ele não será
prata tampouco preto. — Deixou subentendido.
De todos os sonhos que eu já enxerguei como distantes, véu e
grinalda é o mais longe deles.
— Quando isso acontecer, se acontecer, você já vai estar tão famosa
e requisitada que nem vai lembrar da sua antiga colega de quarto
— Colega de quarto? — Repetiu ofendida. — Nós éramos colegas
de quarto quando eu fugia das brigas de casa pra dormir no chão do seu
quarto. Hoje nós dividimos um apartamento em Seattle, Anya, para muitos
isso já é uma conquista.
— Uma conquista sua, eu apenas tiro proveito. — Ela rolou os
olhos, deixando seus ombros caírem.
— Onde você acha que eu estaria com pais como os meus? Amiga,
eu devo toda minha adolescência problemática a vocês. Acreditar e querer
ter um dia, uma família como a sua, vem do exemplo que seus pais me
deram. Era pra eu ser uma fodida e eu estou aqui, concluindo minha
faculdade de moda, em um apartamento em Seattle, trabalhando em um dos
melhores ateliês do país porque a minha melhor amiga do ensino médio, me
acolhia quando eu precisava.
Fiz beicinho forçando umas piscadelas emotivas. Apenas uma
maneira de não entrar nesse assunto, por mais que Holly fale com
naturalidade dessa época conturbada de sua vida, só eu sei como ela
chegava na minha casa. Seu corpo ainda carrega algumas marcas.
— Você fica tão fofa de TPM. — Declarei.
— Eu sei, chorei hoje duas vezes porque queimei meu almoço. Não
tinha nada escrito sobre retirar o plástico de cima. — Disse choramingando,
eu continuei mastigando o pepino, até Holly desistir de esperar por uma
resposta. — Sei que amanhã vou estar um porre de tão estressada, então eu
preciso beber para ficar brava comigo mesma, ou vou descontar em você.
— Concordei, sabendo que eu mais do que ninguém conheço os estágios da
sua variação de humor.
— Vamos, não quero voltar muito tarde.
— Até meia noite ainda é dia.
Dito isso nós começamos a nos arrumar. Foram poucas horas de
cuidados pessoais que resultaram na melhor versão de nós mesmas.
Holly me fez usar seus melhores cremes e óleos corporais. Antes
disso tomei um banho demorado e ela se encarregou de fazer minha
maquiagem.
Holly escolheu um vestido azul escuro, com pequenos pontos de
luz reluzentes ao movimento com manga única levemente bufante,
desenhando suas curvas perfeitamente.
O meu não era menos justo, o brilho discreto caia sobre o tecido
como chuva. As mangas ombro a ombro, em um tule diferente do corpo que
deixava a cor da minha pele aparente, um modelo sexy, mas delicado graças
ao decote romântico.
Meu cabelo ficou solto, assim como o de Holly, mas diferente do
seu liso, o meu ganhava um leve ondulado caindo como ondas suaves.
Não lembro a última vez que usei um decote tão bonito, mas admiti
que a sugestão para essa noite foi definitivamente o que eu esperava, mas
para falar a verdade minha única escolha foi não pesar na maquiagem, pois
até a sandália de tira preta nos meus pés foi Holly quem decidiu, e eu
confiava de olhos fechados.
Se tem uma pessoa que nasceu para a profissão que escolheu, essa
pessoa é a Holly.
Fomos de táxi até a boate no bairro mais movimentado da cidade,
onde pelo que eu me lembro, nunca nem pisei os pés. Grandes boates,
hotéis e bares ocupam uma avenida larga de prédios imensos. Carros de
luxo desfilavam casualmente e não havia uma só entrada que não formasse
fila.
Não entendi o porquê no meio de monumentos tão movimentados,
a entrada da Teto-7 fosse tão discreta, até dar nossos nomes e sermos
guiadas para dentro de um hall escuro, exuberantemente lindo, com suas
paredes chumbo e leds vermelho formando um labirinto.
Entendi o conceito somente quando tivemos que subir em um
elevador todo espelhado com iluminação baixa e os mesmos leds criando
formas abstratas. A boate fica nos últimos andares daquele prédio, e chegar
lá sem a ajuda de Holly teria sido uma missão impossível.
Não estava abarrotado de pessoas, era explícito a alta classe seletiva
que entrava naquela boate, e eu me forçava a não olhar tão admirada, muito
embora fosse impossível não me ver impressionada.
Uma música de batidas envolventes permitia que todos no andar do
lounge pudessem conversar. O teto é em formato oval e todo de vidro,
sendo possível ver o céu escuro em nossas cabeças. No centro daquele
ambiente era possível ver um lustre gigante caindo em cascata, e como em
um navio, a pista de dança ficava no andar de baixo, sendo visível a nós
graças ao parapeito.
— Anya! — Ouvi meu nome ser chamado por uma voz conhecida,
e encontrei em uma mesa reservada de estofados marsala, Hannah acenando
para mim. Ruby, Andrea, e até o Joe também estavam ali.
Holly me seguiu até eles que já entornavam algumas taças de drinks
finos, seja lá do quê, mas devia ser caro.
— Você está incrível! — Disse Ruby animada. Todas elas estavam,
inclusive Joe, completamente diferente do barista de uniforme que eu
conheço.
— Produção da Holly, minha melhor amiga. Holly, essas são
Hannah, Ruby e Andrea. — Apresentei respectivamente. — E esse é o
amigo de quem tanto falo, Joe.
— O barista. — Completou sorrindo. Ele retribuiu lindamente.
Aquele mesmo sorriso de sempre, de fato um charme natural para
enganar pobres iludidas que não sabem da sua preferência sexual.
— Se é amiga da Anya, é nossa amiga também. É ela que mora
com você? — Assenti para Andrea, me sentando ao lado de Joe quando ele
abriu espaço, e Holly de frente para mim, ao lado da Hannah.
— Da última vez que morei com uma amiga não deu muito certo.
— Comentou Hannah, que estava deslumbrante em um vestido também
preto, este de cetim, e seu cabelo preso no alto da cabeça em um rabo liso,
tão escuro quanto o de Holly hoje. E se for comparar, na verdade, são bem
parecidos. Eu poderia facilmente confundi-las de costas.
— Não tenho problemas com a Anya, para falar a verdade é como
morar sozinha, ela só usa para dormir.
Hannah sorriu maliciosamente.
— Minha antiga colega de quarto não gostava de me deixar dormir.
— Respondeu com um sorriso malicioso. Holly compreendeu e arqueou
uma sobrancelha. Foi a primeira vez que vi minha amiga sem ter o que
dizer.
Não demorou muito para mais garçons passarem com drinks
prontos, e em pouco tempo Holly já estava enturmada com as três. Sempre
soube que elas se dariam muito bem, e as ideias eram tão parecidas que
cada minuto era convertido em anos.
Alheios a conversa delas, Joe me fez cumprir com minha promessa
e contar realmente tudo o que aconteceu comigo em um único dia, graças
ao teor alcoólico subindo em nossas veias, não sobrou espaço para medo ou
preocupação, a cada relato ele esbanjava uma expressão de espanto, para
então rir, momento a momento, fazendo inclusive piadas com minha sorte
discrepante.
— Você não disse que o Bill não viria, Ruby? — Hannah
questionou olhando para um ponto além de mim, onde fica a entrada do
lounge.
Olhei para trás e o encontrei cumprimentando algumas pessoas.
Como sócio o homem deve ser bem conhecido. Já me encontrei com ele
diversas vezes na Archer, está em quase todas as reuniões de suma
importância ao lado de Cohen, assim como Winter, Casper e o chefe da
Andrea, Zack.
— Ele só vem quando alguém importante confirma presença. Até
então não tinha comentado nada. — Respondeu ela dando ombros.
— Acha que ele vai vir falar com você? — Perguntou Andrea
indiscretamente.
— Sinceramente não estou preocupada com isso. Eu vim por vocês,
quero mais é dançar e beber até esquecer meu nome.
— E como que esquece com seu próprio chefe bem ali? — Foi
Holly quem perguntou.
— Nesse caso, é ele quem precisa esquecer que aqui não manda em
mim. E eu adoro repetir isso, até mudar de opinião, se ele me mandar fazer
certas coisas. — Nós rimos do seu tom malicioso.
— Escuta, Anya. — Andrea me chamou. — Já que você abriu
caminho, mas está com o Joe, se importa se uma de nós investirmos no
Cohen?
Não tive tempo para absorver sua pergunta com o álcool
impregnando nos meus neurônios, mas as meninas logo protestaram por
mim.
— Isso é pergunta que se faça na frente do Joe? — Ruby me
defendeu. Senti que Joe me olhava, certamente imaginando que todas elas
já sabiam.
— Não me inclua nessa! — Disse Hannah quase que em tom
ofendido.
Holly não gostou do que ouviu, e nem precisou dizer nada, sua
expressão falava por si só.
— O que é, gente? Se ela não quer, pode ao menos abrir mão.
— Cohen não é propriedade minha, Andrea. Não cabe a mim
conceder uma permissão. — Respondi friamente. Ela sorriu como se isso
fosse exatamente uma.
Holly me encarou com uma sobrancelha erguida, rolando os olhos
logo em seguida.
— Quer saber, nós viemos aqui para beber e dançar. — Declarou
Ruby.
— Tem razão, temos que comemorar! — Foi a vez de Holly se
levantar. Seu semblante ainda fechado com uma nota de escárnio, seu
instinto protetor reagindo em minha defesa. — Vamos Anya, vamos dançar
como dançávamos nas nossas férias de verão.
Deixei minha amiga pegar na minha mão, abraçando minha cintura
ao seu lado, me guiando para a escadaria que dava no andar de baixo. Olhei
para trás por um momento, chamando Joe com um olhar.
Ele sorriu como se me dissesse que já ia apontando para sua bebida
talvez a fim de terminá-la. Andrea por outro lado não nos acompanhou, mas
também não ficou na mesa.
Nossa primeira parada ao pisarmos no andar de baixo foi o bar
luxuoso onde Hannah pediu quatro doses de algo que desceu queimando
minha garganta. Parecia coragem engarrafada, pois mais duas daquelas, e
eu já estava levemente alterada.
A pista de dança estava cheia, e no centro dela as batidas eram
muito mais intensas, corriam por nossas veias. Holly dançava com Hannah,
as duas sorridentes e alegres como se conhecessem há anos, e os
movimentos compartilhados se completavam em gestos sensuais.
Estávamos muito próximas umas das outras, Ruby atrás de mim
enquanto eu deixava o ritmo da música alta me guiar. Os garçons ali
circulavam com as bandejas repletas de tequila e limão, algo que depois da
quarta ou quinta rodada, descia como limonada em uma tarde ensolarada.
Minha risada estava solta, meus movimentos nem era eu quem
comandava, e agora, Hannah, Ruby, Holly e eu dançávamos juntas sob as
luzes cada vez mais conturbadas. Vultos, flashes e fumaça nos envolviam.
A batida da música parecia vir de dentro da nossa caixa torácica, e eu sentia
livremente as mãos soltas das minhas amigas deslizando sempre que nossos
corpos se encaixavam.
Mais tequila.
Mais limonada.
Depois algo que eu nem sabia o nome, mas saía fumaça. Gelou
minha boca e fluiu como se eu tivesse tragado um cigarro. Lindo e sedutor
de se ver, nem era tão gostoso, mas a sensação fez com que repetíssemos
algumas vezes, brincando com a névoa que saía dos nossos lábios, até que
ela se tornasse a melhor coisa que já provamos na vida.
Holly soprava a mesma na boca da Hannah e vice-versa, as duas em
uma sintonia perfeita e provocante. Ouvi Ruby sussurrar algo no meu
ouvido, mas não escutei direito, ele está aqui ou algo do tipo, e depois o
nome da Andrea.
Não me importei, fui atrás de mais bebida.
— Posso dançar com você? — Alguém perguntou ao pé do ouvido.
Um homem que eu nem percebi ter chegado até mim, em meio às pessoas
aglomeradas.
Antes que eu pudesse responder, um braço passou pelo meu
pescoço, circundando meus ombros com intimidade.
— Ela está comigo, cara!
Era Joe.
Eu reconheceria sua voz em qualquer lugar, era até mais fácil do
que reconhecer seu louro bagunçado dos cabelos que estavam embaçados.
Percebi a sombra do homem se afastar após pedir desculpas, e Joe
me abraçou ainda mais.
— É a última vez que me passo por hétero para te ajudar. — Ele
precisou falar bem próximo a minha orelha por conta da música alta.
Sorridente, eu também passei meus braços por cima dos seus ombros.
— Eu vou lembrar disso quando quiser dar um fora em alguém! —
Juro que na minha cabeça eu consegui dizer isso, mas minha língua pesada
me fazia duvidar. — Mentira, eu não vou lembrar. — Joe riu afastando uma
mecha do meu cabelo que estava grudado em meu gloss labial.
— Aquele cara estava te rondando há tempos. Eu teria me dado
muito bem agora com o barman se você não tivesse ido para o lado oposto
ao das meninas. — Olhei em volta, pois eu sequer notei ter me afastado
delas.
— Desculpa. Eu daria um jeito de recompensar, mas não acho que
você não se interessaria. — Foi minha vez de rir da sua expressão enojada.
— Olha, você é linda e dentro desse vestido consegue o homem que
quiser essa noite. Se quer mesmo me recompensar, arrume alguém que
tenha um amigo para me apresentar.
— Da última vez que me disseram isso, eu acabei atrás de uma
pilastra com o Cohen.
— Os detalhes sórdidos deveriam te fazer ir atrás de outro feito
desses! — Gargalhei olhando em volta. Maldita hora.
Eu só podia estar muito bêbada, para minha mente estar me
pregando uma peça dessas, pois no alto do parapeito, como uma energia me
atraindo diretamente para os seus olhos escuros, mesmo diante de dezenas
de pessoas, eu o senti me olhar.
Cohen me encarava friamente, enquanto apoiava suas mãos no
parapeito. Não havia nada mais sombrio e ameaçador do que seus olhos se
detendo em mim. Por um relance também vi Casper ali, ele sorria. Os dois
pareciam ser a maior autoridade daquele lugar.
— Ele está aqui! — Escapou de mim, então olhei para o Joe que
parecia não ter ouvido nada e repeti. — Cohen está aqui! — Mas Joe não
pareceu surpreso.
— Sobre isso, a gente precisa conversar. — Afastei um pouco para
ver seu rosto, minhas sobrancelhas franzidas.
— Por que não me disse? — Joe suspirou engolindo a própria
saliva.
— Cohen me procurou quando eu estava saindo da cafeteria.
Senti meus músculos faciais congelando.
— Ele o quê? — Joe me respondeu arqueando as duas sobrancelhas
para confirmar.
— Disse que eu não encontraria nada meu aqui. Sabe... eu acho que
ele estava pedindo para eu não vir. — Ele semicerrou os olhos, isso porque
o coitado estava totalmente alheio ao fato de que Cohen achava que isso era
um encontro, e talvez... só talvez, eu não tenha me dado ao trabalho de
desmentir. — Tem algo que eu deva saber? Porque Anya, assim, acho que
eu não entendi muito bem o recado quando eu deveria ter entendido, e
agora Cohen Archer está me encarando como se eu tivesse passado por
cima do aviso dele.
Quando ele terminou de falar, eu já estava com meu semblante
endurecido.
— Eu já volto!
— Aonde vai?
— Ao banheiro, mandar uma mensagem para o Joe.
— Como é que é? — Joe perguntou como se eu fosse louca, mas
então relaxou com entendimento. — Ahhh...
Me aproximei do seu ouvido para dizer:
— E o barman ainda está te olhando. — Com isso, ele finalmente
me deixou sair.
Senti o olhar de Joe nas minhas costas quando o deixei.
Decidida a encontrar Holly, enquanto me esgueirava pelas pessoas,
praticamente podia sentir o olhar dele me acompanhar no alto, até saber que
eu estava fora de vista. Torcia para que Holly não tivesse visto Casper
ainda, não com medo por ela, mas da sua promessa de fazer pior caso o
visse novamente.
Holly movida pela bebida é ainda pior.
Não entrei no banheiro, fiz o caminho oposto, para o mesmo
labirinto de paredes escuras e leds que agora não tinham formato algum,
onde mandei uma mensagem para o número que ainda estava salvo com o
nome do Joe.

“Estou esperando.”

Guardei o celular e esperei, olhando em volta a movimentação das


pessoas que entravam e saíam do elevador, decidi voltar para o hall onde eu
estava, mas meu corpo paralisou em um arquejo quando virei o último
corredor antes do hall e encontrei Cohen.
As mãos dentro dos bolsos da calça, a postura relaxada, mas em
uma arrogância só dele, em contraste com a luz vermelha que refletia e
comprometia todo aquele corredor estreito.
— Ele não vem!
CAPÍTULO 23
Você está na minha mente.
Esteve lá a noite toda.
Eu tenho saudades de ver minha rainha da meia-noite.
I Want To – Rosenfeld

Sua voz nebulosa invadiu meus sentidos, deixando meu corpo


apreensivo, todas as minhas terminações nervosas reconhecendo sua
presença, e misturando o frio na barriga com uma satisfação repentina que
quase curvou meus lábios em um sorriso triunfante.
Cohen, entretanto, estava sério. Irrevogavelmente atraente em uma
camisa preta que marcava cada músculo do seu corpo, com as mangas
arregaçadas no antebraço chamando minha atenção para suas mãos nos
bolsos da calça, como quem realmente estava me esperando.
— Então quer dizer que você abriu caminho para pessoas próximas
a você tentar algo comigo?! — Ele obrigou parte de mim voltar para a
realidade, como um café forte e um banho gelado. Sentia algo amargando
sua voz, um tom descrente e perverso.
— Eu o quê? — Não fazia ideia do que ele estava falando, mas a
possibilidade de ter alguém próximo a mim tentando algo com Cohen, foi
destroçante, inaceitável!
— Está alterada. — Observou desagradável. Olhei para o meu
próprio corpo como se pudesse encontrar o que me entregava, mas
aparentemente não havia nada, a menos, que lá de cima ele estivesse
contando todas as doses que virei e que agora deixavam meu corpo em
chamas. Eu só não sabia se esse calor realmente era por consequência
dessas doses, pois minha mente parecia bem lúcida e ciente do sorriso
cínico que ofereci a ele.
— Você disse para me divertir, é o que estou fazendo.
— Chama isso de diversão? Não era bem isso que eu estava
desejando. — Ele disse dando um passo à frente, normalmente eu teria
recuado, mas permiti, ciente de cada passo.
— Eu também não. O que está fazendo aqui?
— Nesse momento? Tentando esquecer a imagem que vi há pouco.
— Cada traço do seu rosto estava delineado por sombras do reflexo
vermelho que nos manchava. De fundo, o som parecia estar embalado e
mais distante, mas a música nos alcançava e preenchia.
— Não venha me dizer que não gostou? — Me surpreendo com
minha ironia ácida. — Eu te tornei acessível, Cohen Archer, a tendência
agora é ter milhares de olhares investindo, tentando já que... você me beijou
então, por que não beijaria alguma delas?
Sussurrei quando ele parou bem em minha frente, eu me deliciava
com a imagem do seu maxilar marcado, seus olhos pesados de modo que
pareciam até semicerrados.
— Eu não estou falando da Andrea, nem nenhuma outra. — Franzi
o cenho tentando sustentar seu olhar ardente e frio ao mesmo tempo, ao ter
a confirmação de que foi realmente Andrea que o procurou, e isso me
corroeu de uma forma desconhecida. De uma forma que parecia muito
errada, mas olhando para ele, eu queria saber exatamente onde ela tocou, e
se conseguiu o que tanto queria. — Eu tentei dizer a mim mesmo que você
merecia alguém como o Joe. — Cohen olhou para os meus lábios e não
desviou. — Mas vai estar cometendo um grande erro!
A mesma sensação daquela noite me corrompeu, naquele ambiente
escuro que simulava o espaço pequeno que dividimos atrás daquela pilastra,
seu perfume se misturando com o meu se transformou em um só, o mesmo
aroma envolvente e inebriante.
Minha mente divagou entre todos os jeitos que ele poderia ter me
feito ficar se quisesse, e algo íntimo em mim pulsou, ao lembrar das mãos
dele sobre minha coxa. Minha pele queimava enquanto minhas lembranças
refaziam o caminho, dizendo para mim mesma que a maior tolice da minha
vida, foi ter pensado que algum dia eu esqueceria daquela noite.
Ela ainda está viva, queimando como chama e brasa, e agora todos
os meus sentidos cobram pelas sensações que deixei de viver. Pelo prazer
que neguei a mim mesma.
— Por quê? — Enxerguei seu sorriso em uma linha fina.
— Porque você não olha pra ele como está olhando pra mim! —
Sua voz não passou de um grave incrivelmente doce.
Então me deixei ser preenchida pela mesma raiva que me dominou
quando Joe me disse que ele o procurou.
— Sabe... — Sussurrei aveludada, com uma provocação iminente
que eu sabia partir do teor da bebida em minha corrente sanguínea. Ele
pareceu ter gostado da minha aproximação repentina, apesar de ter ficado
tenso. — Tem hora que não dá para ter duas coisas ao mesmo tempo. Você
se acha tão melhor que o Joe, mas se realmente quisesse, não teria tirado
sua mão da minha perna ontem, nem me deixaria sair hoje. Você teve tantas
oportunidades, Cohen, mas no fundo é só isso que eu sou pra você, mais um
jogo. E você usa as pessoas que estão ao meu redor como peças no seu
tabuleiro.
— Isso não é sobre mim, Anya! — Ele rosnou impaciente.
— Nunca é! É sobre mentir, manipular, jogar como você mesmo
diz, enquanto não se conforma de que quem você realmente quer, nunca vai
ter. — Os olhos de Cohen queimaram ao me ver falando dela novamente na
terceira pessoa.
— Está cometendo um erro! — Afirmou unindo as sobrancelhas,
no mais profundo fragmento de desespero.
— Que erro, Cohen? — Perguntei firme, deixando que ele visse o
verdadeiro motivo de nós dois estarmos ali. — Tudo bem pra você me
aconselhar a ficar com o Joe esse tempo todo, mas quando você decide que
não quer mais, isso se torna um erro? — Seu semblante se transformou em
uma obscuridade infinda graças à lembrança recente. — É você quem
cometeu um erro... não tem nada seu aqui.
Um instante depois eu estava prensada na parede atrás de mim com
os lábios de Cohen a centímetros dos meus.
Meu peito subia e descia profundamente, enquanto uma pressão
avassaladora tomava conta. Seu corpo todo estava em contato com o meu,
eu sentia cada maldita parte dele.
Seja lá o que o dominou, ele também deixou que eu visse.
— Eu estou tentando esquecer aquele beijo! Estou implorando para
você sair da minha cabeça, mas você se recusa. E se fosse só o beijo, mas
não... eu lembro daquele maldito professor te olhando, te tocando,
elogiando o que eu nunca tive permissão para fazer, graças a você!
Sua voz dura em arrependimento e ódio irradiante. Meu corpo
reagiu. Senti minha intimidade pulsando, simplesmente porque era isso que
eu esperei o dia inteiro.
— Cohen...
— Isso! — Disse emaranhado seus dedos por baixo do meu cabelo
e quase gemi. Senti sua respiração muito próxima, seus olhos tinham a
mesma profundidade infinda daquela noite. — Gosto de ouvir meu nome
saindo da sua boca. E você está certa, eu não quero mais ouvir você falar
dele, eu não quero mais fazer parte disso. O que eu quero é arrancar da
minha mente que vi você nos braços dele, que ouvi você dizer que estava
apaixonada, se você soubesse o quanto isso me fez sentir patético. — Eu
sorri porque imaginei, já que eram suas mensagens não do Joe, logo, se Joe
não fosse quem fosse, seria como se Cohen tivesse facilitado o caminho
para ele. — Eu tiraria até os olhos daquele cara te olhando como se você
estivesse se movendo pra ele, e a voz do maldito na sua orelha sussurrando
o quê? Que você é dele?
Tentei negar, com uma ligeira vontade de rir ao lembrar das
palavras do Joe, mas Cohen tinha razão. A parte de mim que gosta disso, é
a parte em que gosta de exercer poder sobre ele, desde o início.
— Isso está mais para algo que você diria! — Provoquei e Cohen
reagiu, erguendo sua postura arrogante e cheio de tensão e ódio.
— É isso que você quer ouvir, não é? — Fraquejei sentindo seus
dedos firmes por dentro do meu cabelo, o punho fechado bem ao lado da
minha cabeça, me encurralando. Eu ridiculamente me entregava, nem
minha respiração disfarçava o quanto cada toque dele me afetava.
Uma linha apareceu entre suas sobrancelhas quando ele encolheu os
olhos em uma observação intrigante. Cohen me olhou por mais tempo que
eu demoraria para chegar a chegar a uma conclusão.
— Não estava esperando por ele!
Ele sorriu, me olhando daquele jeito profundo e carregado de
presunção, sendo esse o meu limite.
— Não... — Respondi enfiando meus dedos na sua nuca, por dentro
do seu cabelo. Gostei de a sensação do meu toque parecer também ter efeito
sobre ele, e quando experimentei arranhá-lo, eu tive a mais bela imagem
dos seus ombros retesando. — Quero você, Cohen.
Ofeguei quando ele respirou forte, como se ainda buscasse por
controle.
— Repete. — Ordenou olhando fixamente para minha boca. Eu não
tinha mais controle sobre a excitação, podia ver o delinear sobressaltado
dos meus seios subindo e descendo com minha respiração profunda.
— Eu preciso de você, agora! — Cohen ainda com uma mão no
meu cabelo, inclinou minha cabeça para trás, usurpando do livre acesso ao
meu pescoço.
— Se você soubesse de quantas formas eu imaginei te convencer.
Quantas vezes eu quis pedir para que não viesse.
— Por que não pediu? — Foi vergonhoso como minha voz não
passou de um sussurro desesperador.
— Porque você me perguntaria o motivo, e eu simplesmente não
queria. — Foi inevitável não sorrir, e ele sabe que isso não seria suficiente,
e eu sei que ele estava pensando nisso enquanto me olhava nos segundos
que antecederam sua voz mais firme. — Porque você estava absurdamente
deliciosa hoje, e não teve uma só maldita vez que eu te olhei, e não pensei
em acabar com isso. Em fazer o barista ficar esperando porque... Anya... eu
queria você pra mim, e eu quero que só isso seja suficiente para mudar
alguma coisa.
— Cohen... — O chamei balançando a cabeça inacreditada.
Eu não via mais nada na minha frente, exceto a distância até sua
boca, e eu a cortei chocando meus lábios nos dele.
Cohen me tomou de uma vez por todas em um beijo sedento.
Estávamos famintos um pelo outro.
Gemi com o sabor alucinante da sua língua na minha, enquanto
arranhava sua nuca.
Cada segundo mais intenso que o outro.
Cada minuto uma certeza de que eu me entregaria.
Então senti sua mão grande na lateral da minha coxa, me erguendo
com facilidade como se meu peso não fosse nada, até minhas pernas
estarem envolvendo seu quadril, sentindo de uma vez por todas sua dureza.
Era apenas eu, sendo tomada por suas mãos pesadas agarrando e
espalmando minha pele enquanto minha feminilidade roçava seu membro
deliberadamente. Era delicioso ver sua reação quando eu me movia desse
jeito.
Sem censura ou sensatez.
Sem pensamentos perturbadores.
Apenas uma chama que crescia em intensidades imensuráveis. Uma
vontade fervorosa de me unir a ele, sendo sua promessa incansável de
prazer.
Eu não era Anya, nem Dama, era apenas a parte que sempre
pertenceu ao Cohen. Meu desejo mais oculto e ignorado desde o dia em que
pus meus olhos nele.
Cada imaginação boba não fazia jus da verdadeira sensação de tê-lo
me beijando, tocando e venerando cada centímetro que estivesse ao alcance
da sua boca, enquanto suas mãos se preocupavam em me ajudar nos
movimentos, trazendo meu quadril para ele, como se quisesse sentir da
mesma chama que aquecia meu baixo ventre.
Eu gemia em sua boca. Cohen grunhia de prazer, descontando seu
desejo insano em minha carne, apertando a lateral da minha coxa como se
quisesse garantir que fosse real, juntando nossos corpos, arrancando ofegos
sempre que seu membro pressionava o meio das minhas pernas, cada vez
mais duro.
Seu beijo era a coisa mais certa no momento. Meus anseios agiam
com a certeza arrebatadora de que ele me teria, me preencheria em algum
momento, mas então veio o vazio e ao abrir meus olhos, estávamos
ofegantes e a um passo de distância um do outro.
Um movimento rápido e chocante. Eu senti o frio, senti o ar me
tocando a ponto de doer com sua ausência repentina.
Ele não deu continuidade e eu o odiei por isso. Me odiei ainda mais
por desejar que ele tivesse seguido adiante.
Cohen não domina mais somente meus pensamentos. Meu corpo
corresponde ao dele.
E seria burrice negar isso.
Então Cohen Archer só pode ser muito burro, por ter me negado o
mesmo que eu neguei a ele, pois se o que ele queria com isso era o doce
sabor da vingança, ele teria agora o sabor amargo da minha insensatez.
Ainda ofegante, eu vi um sorriso cínico despontar em seus lábios
inchados. Seu peito subia e descia tão rápido quanto o meu.
Jurei que ele estava fazendo aquilo de propósito, até ouvir vozes de
um grupo que passou por nós à procura do elevador. Se dependesse de mim
eles teriam nos visto ali e eu estaria pouco me importando, no momento só
queria mais daquele fogo que me consumia de dentro para fora.
— Vem! — Cohen me chamou, estendendo sua mão em uma
piscadela silenciosa.
Sua aparência desgrenhada foi o ápice do meu vislumbre mais
perfeito. A boca entreaberta respirando ofegantemente sob a sombra de um
sorriso travesso.
Aceitei sua mão e só então percebi ser puxada, eu estava apoiada na
parede e meu vestido a ponto de subir pela minha bunda. O sorriso de
Cohen se iluminou ao me fitar de cima a baixo. Me puxou de modo que
meu corpo se chocasse contra o dele, e sorrindo maliciosamente ele se
inclinou, seus olhos na altura dos meus, espalmando para o meu desespero,
suas mãos na parte de trás na minha coxa.
Arquejei apoiando minhas mãos em seus ombros largos, minha
boca semiaberta facilitou para ele puxar entre os dentes meu lábio de baixo,
olhando fixamente em meus olhos, sem deixar por um só instante o brilho
do cinismo desaparecer, para então enfiar seus dedos por debaixo do meu
vestido, me obrigando a soltar o ar dos meus pulmões em expectativa e
surpresa ao sentir seu toque na minha carne, e toda essa tensão me
desprender, ao simplesmente agarrar a barra do meu vestido e descer,
ajeitando-o no meu corpo.
Outra piscadela.
Um selinho rápido.
Um sorriso travesso.
— Eu te odeio! — Minha voz não passou de um sussurro
desapontado.
— Já é alguma coisa. Vamos sair daqui! — Anunciou abraçando
minha cintura, me guiando para fora em um gesto possessivo.
— A Holly. — Lembrei por um flash da minha melhor amiga, ao
mesmo tempo do seu nome exposto naquela etiqueta e o encontro de Cohen
com ela no ateliê. — Minha amiga! Não posso deixá-la aqui.
Cohen seguiu rolando os olhos.
— Eu resolvo isso. — Refazendo o caminho de volta para o andar
mais cheio da boate, com a música parecendo ainda mais alta, foi que
Cohen me guiou sempre atento ao meu redor, como se escolhesse os cantos
mais vazios e seguros para prosseguir.
Tive que tolerar olhares femininos e nada discretos na sua direção,
não sei como fui me atentar a isso, nem porque estavam me incomodando
tanto, mas uma coisa é certa, o homem chama atenção.
Subimos a escadaria com minhas pernas fraquejando, meu coração
tão acelerado quanto a música, e só quando me vi novamente no andar
lounge, é que percebi os passos certeiros de Cohen até seu irmão.
Ele estava bebendo junto a mais dois homens, Bill e alguém que
desconheço. Seus olhos me encontraram, e ao ver Cohen com seus dedos
entrelaçados aos meus, ele incrivelmente... sorriu.
Veio até nós, antes que alcançássemos a sua mesa, e brindou
solitário.
— Finalmente.
— Casper, não! — Cohen o interrompeu, impedindo que ele de fato
comemorasse.
Fosse qual fosse a comemoração.
Cohen se aproximou e disse algo somente para Casper ouvir, e sua
expressão não foi das melhores.
— Não sou babá! Não pode me pedir uma coisa dessas. — Não sei
se por delírio da bebida ou algo assim, mas somente o olhar apelativo de
Cohen, foi suficiente para fazer os ombros de Casper cederem.
Como se ele fosse simplesmente incapaz de negar algo ao irmão,
por pura e simplesmente irmandade, ou uma espécie de lealdade de sangue.
Algo contraditório com tudo o que já ouvi falar dos dois, mas a
bebida ainda embaralhava meus pensamentos para conseguir refletir sobre
isso.
— Fico te devendo essa! — Cohen garantiu tocando o ombro de
Casper. Ele bufou e me encarou, então me dei conta de que Cohen pediu
para que ele cuidasse da Holly.
Da Holly!
— Vamos! — Ele me puxou antes que eu pudesse dizer alguma
coisa. E por todo o caminho de volta até o elevador, eu tentei encontrar
sinal de uma cabeleira preta que pertencia temporariamente a minha melhor
amiga.
Ela vai me matar! Era só isso que eu sabia.
— Que horas são? — Perguntei, pois sempre marcamos de nos
encontrar em um ponto específico caso estejamos separadas sem aviso, na
dezena inteira de cada minuto. Esse ponto hoje é o bar perto da pista.
E foi procurando Holly por ali que eu paralisei no meio do
caminho, ao me deparar com uma cena que a essa altura, sabia que Cohen
já tinha visto.
Joe e um rapaz se beijando no nosso campo de visão.
Trazendo à tona um nervosismo em mim que poderia muito bem ser
confundido com o choque de realidade ou ciúmes, mas não, ao sentir o
sorriso de Cohen atrás de mim, eu percebi que a verdade tinha nos
atingido.
Não dava para fugir do inevitável, sabia que finalmente aquela
bomba havia explodido, pelo simples sorriso debochado de Cohen Archer.
Procurei seus olhos com o semblante inexpressivo, ele recarregou
seu sorriso mais cínico e me olhou lentamente, sem pressa e incisivo.
— É meia noite... Dama de Preto.
Parte 3
Depois da Meia Noite
CAPÍTULO 24
Sussurre seus segredos sujos enquanto eu estou puxando seu cabelo.
Veneno em nossas veias, mas nem estamos nos importando.
Ride – SoMo

Ele ainda detinha seu olhar sarcástico sobre mim.


De todas as vezes que eu parei para pensar como seria a reação de
Cohen, em nenhuma delas eu imaginei ver tanta satisfação por seu ego
possivelmente alimentado com o sabor do triunfo.
Talvez pela neblina turva da bebida em minha corrente sanguínea,
ou do momento que tivemos há pouco que me deixaram em expectativa, só
sei que quando Cohen se inclinou a mim, seus olhos traçaram uma linha no
meu colo desnudo, acima do meu decote, até o limite da minha mandíbula,
enviando estímulos de excitação pelo que viria a seguir.
Não havia espaço para nenhum pensamento perturbador acerca do
que ele poderia fazer comigo, apenas uma excitação brilhante de promessas
ocultas em seus olhos, que me fitavam com ardor.
— Fim de jogo. — Estremeci escutando sua voz tocando minha
orelha, sentindo um calafrio que acabava em uma queimadura latente em
minha região mais íntima.
— Fim de jogo. — Rebati usando meu último resquício de
sanidade, ou a total falta dela. O mesmo se desfez quando Cohen se
inclinou até estar com os lábios roçando meu ouvido. Sua mão pesada
repousando na curva acima da minha bunda, cravando seus dedos de modo
que eu podia sentir o tecido do meu vestido subindo.
— Espero que lembre de cada promessa que fiz olhando no seu
olho! — Estremeci com sua voz livre de toda aquela ambiguidade que antes
nos envolvia.
Eu sorri com sua voz rouca parecendo ecoar de dentro de mim.
Cada arrepio mais forte do que o anterior, então vi minha dose de coragem
passando diante dos meus olhos e capturei um copinho da bandeja
fumegante.
Entornei sentindo os olhos de Cohen em mim, e sua mão ainda
mais firme me segurando contra ele.
Aproximei olhando para sua boca e sem precisar pedir, Cohen
aceitou a fumaça que saia dos meus lábios para os seus.
O senti sedento em expectativa, provando do efeito que minha
aproximação também causava nele.
Apertou-me ainda mais quando eu recuei com o olhar felino até
também conseguir sussurrar em seu ombro tenso.
— Principalmente a primeira!
Cohen curvou-se ainda mais quando percebeu que eu olhava
fixamente para sua boca. Meu peito subindo e caindo com o desejo
explícito.
Meu corpo é simplesmente incapaz de não reagir a aproximação
dele.
— Ah... Anya. — Ronronou intencionalmente.
Ele apenas roçou nossos lábios, atiçando-me, provocando um
arrepio por todo meu corpo que já queimava por conta da bebida.
Senti meus lábios serem tocados, sugados em um beijo lânguido,
sorvendo o mínimo, como uma lenta tortura voluptuosa.
Nesse momento todos os meus sentidos entraram em uma
combustão excitante. A bebida doce começando a queimar tudo por dentro,
e eu já nem sabia se tudo era por consequência dela ou do desejo
alucinante.
Embalada pela música alta guiando Cohen a aprofundar o beijo,
após parecer provar do meu sabor. As pessoas dançando ao nosso redor não
passavam de meros figurantes.
Um caminho foi feito entre sombras e flashes a um destino que
Cohen bem conhecia. A cada oportunidade nossos corpos se chocavam
contra alguma coluna ou parede, se entregando a tentação arrebatadora que
só aumentava.
Enfim chegamos ao estacionamento subterrâneo, onde um carro
esportivo que eu nem sabia pertencer ao Cohen estava nos esperando. Não
sei como fui parar dentro dele, pois até o último segundo antes de me ver
sozinha, eu sentia as mãos ávidas percorrendo todo meu corpo, como se
fosse incapaz de separar nosso momento, como fizemos naquela noite.
Como se não quisesse me deixar sozinha com meus próprios
pensamentos.
Se ele soubesse que por mim eu ainda estaria no colo dele,
atendendo ao desejo entorpecente, responsável por me impedir de pensar
em qualquer outra coisa que não fosse minha intimidade pesada e pulsante.
Chegava a ser dolorido a forma como eu o desejava, a cada toque
meu ele rosnava, e seus gemidos roucos eram a mais doce tortura.
Me empoderavam de um controle que eu não sabia ter sobre Cohen.
Ele reagia ao meu toque e isso só me incentivava a levá-lo à beira da
loucura.
Cohen deixou um selinho demorado em minha boca, abrindo os
olhos lentamente, sem pressa, fitando meus lábios que deveriam estar
inchados, antes dele mesmo me passar o cinto de segurança.
— Onde está me levando? — Perguntei quando ele arrancou do
estacionamento.
— Você já vai saber. — Respondeu me fitando brevemente.
Sua mão repousou na minha perna, onde ele acariciou por todo o
caminho desconhecido. Apenas prédios enormes ocupavam aquele bairro,
mas eu estava mais interessada nos lábios de Cohen, na sua respiração
intensa, e em cada detalhe que o deixava diferente do que eu conhecia.
Cohen me olha livre de todo mistério. Eu o enxergava diferente,
algo mudou, como se tudo tivesse se tornado real a partir de agora, e sei que
se não fosse pela linha tênue entre a ciência e embriaguez, eu estaria
apavorada.
— Eu devia estar furiosa com você! — Ele sorriu lindamente, uma
covinha na sua bochecha ficou evidente.
— Deveria. — Disse com seus olhos brilhando em um sorriso. —
Agora você sabe como eu me senti. Com tantos motivos para questionar
você, eu só consegui pensar no quanto estava me torturando não poder te
tocar novamente. — Arfei sentindo sua mão apertando minha pele exposta,
avançando cada vez mais para o interior da minha coxa. — Eu pensei tanto
em ir com calma, Anya, tantas e tantas vezes eu disse a mim mesmo que
teria que ser paciente com você, mas você em uma só noite me entregou
tudo o que eu sempre quis, e agora eu não aceito menos que isso.
Paralisei encarando-o mesmo que ele não retribuísse. Seus olhos
estavam presos na estrada e cada vez mais ele acelerava, como se cada
segundo dentro daquele carro fosse um tempo perdido.
Uma coisa eu tive certeza... Não estava acostumada com sua
transparência, com a falta de censura ou filtro. Era apenas o Cohen agora, e
isso me encantava, de todas as formas possíveis.
Até agora eu duvidava da hipótese de Cohen em algum momento
ter nutrido algo por mim, e mesmo que eu tivesse todas as provas, ouvir da
sua boca não deixava de ser impressionante. Primeiro pelo fato de entender
que ele fez muito para tentar chegar até mim, da forma mais delicada
possível, quebrando barreira por barreira, ultrapassando todos os meus
limites pacientemente.
Isso só me mostra o quanto minha covardia me fazia cega. O medo
de simplesmente cogitar não me permitia enxergar, e precisou de uma
máscara para libertar a parte em mim que por pelo menos um momento se
permitiu entregar. Ser invadida com a desculpa de que nada mudaria um
instante depois.
Cohen me conhece mais do que eu pensei. Nossa convivência o
mostrou que quanto mais me enxergavam, mais eu me escondia.
E isso mudou quando ele entendeu que para ter acesso, precisaria
lidar com uma máscara invisível. Minha casca defensiva, a parte em mim,
que me defendia de mim mesma, porque quando sou exposta eu não
enxergo o depois, apenas o momento.
Como eu estava fazendo agora.
É assim com Holly também. Nossa amizade só funciona porque ela
é a pura insanidade e não censura que eu me privo de ser, o vislumbre de
quando eu era essa Anya que muitos procuram, e apenas Cohen encontrou.
Esta é a Anya inconsequente, momentânea e sem máscaras!
Mas eu sei que uma hora eu enxergo as responsabilidades
novamente, e o peso de lidar com minhas escolhas impulsivas recai sobre
mim.
— E se isso for tudo o que eu tenho a oferecer? — Ele me fitou
brevemente, mas foi como se me encarasse por um longo tempo.
Talvez porque agora eu o sentia me enxergar verdadeiramente.
— Não é! E eu vou te mostrar de uma vez por todas como eu queria
que você aproveitasse essa noite!
— Então você confessa que planejou me seguir? — Brinquei,
esperando seu sorriso cínico desaparecer, mas ele só aumentou.
— Seguir é um pouco pejorativo. Eu desejei que se divertisse, e
para aproveitar como eu desejei a você, só seria possível se fosse comigo.
— Respondeu presunçoso. — Eu não te desejaria menos que isso.
— Como você é convencido.
— Eu cumpro com minhas promessas! Apenas isso.
— Não lembro de ter tirado meu vestido. — Provoquei, recordando
da sua primeira e única promessa naquela noite.
Seus dedos cravaram na pele interna da minha coxa, quase tocando
minha intimidade, tensionando meu corpo por inteiro.
— Então você lembra. — Sorri assentindo.
— Você disse muitas coisas, inclusive que eu viria até você, mas foi
você que veio até mim. — Provoquei de novo.
— Você armou pra mim! E não pense que vai sair impune por isso.
Você vai pagar cada segundo que me fez ficar esperando, cada vez que eu
tive que ver um sorriso seu depois de dizer o nome de outro, cada vez que
sorriu discretamente me vendo procurar por alguém que estava bem na
minha frente esse tempo todo.
Eu ri baixinho enumerando cada uma delas.
— É você quem me deve, Cohen, por me fazer sentir ciúmes de
mim mesma dentro de um vestido, por me fazer acreditar que sua obsessão
era por ela e não por mim. — Não desejei ser tão ácida nas palavras, mas
não foi possível.
— Como pode dizer isso sabendo que era eu desde o dia em que um
número apareceu no seu copo? Sabe o quanto eu esperei por você? Sabe o
quanto você deu motivos para o Casper usar isso contra mim?
Usar isso contra mim...
O termo pareceu tão banal visto que os dois viviam se provocando
como irmãos sempre faziam.
— Eu só soube depois que me despedi da Dakota. — Deixei claro
para que ele não concluísse erroneamente minhas intenções com o Joe. — E
se não fosse por isso, Cohen, eu teria me demitido. — Deixei que a bebida
falasse por mim.
— Por quê? — Ele perguntou com a testa franzida.
— Porque eu não aguentava mais, me esconder de você. Não
aguentei a possibilidade de a Hannah ser alvo de um erro que eu cometi,
nem conseguiria lidar com isso, se não fosse pelo fato de descobrir, que
você mesmo estava permitindo. — Confessei.
— Quem te disse isso? — Ele intercalou com frequência
desesperadora, seus olhos da estrada para mim.
— Não importa! — Ocultei o nome de Casper em minha mente.
— Anya, entenda uma coisa. Tem alguma coisa de errado dentro da
minha empresa, e eu não suporto não saber o que é. Casper está me
ajudando, e ter Hannah como principal suspeita foi algo que nem ele, nem
eu consegui evitar, mas eu fui bem claro quando disse que não vou te expor,
está me entendendo?
Mesmo que breve, Cohen foi incisivo. Ele me passava segurança,
ainda que suas palavras fossem autoritárias.
— Você deve me achar uma covarde.
— Eu sou o covarde da história, porque meu maior medo esse
tempo todo foi te perder! — Paralisei outra vez ao ouvir isso da sua própria
boca. — E acredite, meu irmão também não quer que isso aconteça. Ele
sabe que você é importante. Assim como eu, ele também está te
preservando, mesmo que seja por mim!
— Você fala como se eu fosse. — Insisti teimosa.
— Não, não é isso. — Garantiu. — É o medo de saber, que pelo
simples fato de eu não ter a mínima ideia de como estão agindo, ainda que
estejam debaixo do meu nariz, significa que não é um desvio tão bobo
assim. Não são apenas aparelhos, Anya, isso se trata de uma movimentação
estelionatária gigantesca, não é a primeira e é por isso que eu não aceito ter
sua imagem envolvida nisso.
Não sei quão perturbadora foi minha expressão agora. No momento
eu só conseguia temer pela preocupação nos olhos dele.
Minha demissão estava bem longe de ser o pior que poderia me
acontecer. Holly tinha razão. É briga de gente grande. Qualquer um que
esteja com o menor envolvimento possível sofreria as consequências, e de
tão graves eu não consigo mensurar qual seria o pior cenário pra mim.
Me defender judicialmente?
Ou ficar na mira de poderosos que saberiam exatamente quem sou,
onde minha família mora.
Muito além de expor tudo isso, minha represália barrou um desvio e
atraiu a atenção de todos, inclusive de Cohen que sequer tinha ciência do
acontecido.
Eles estão por um tris de serem descobertos e só o que Cohen
precisa é tempo. É exatamente isso que Casper me pediu, tempo, mesmo
que sua preocupação com o irmão tenha se parecido com uma ameaça. Ou
talvez tenha cogitado que seria a única forma de me fazer ficar quieta. Não
importa. Isso não deveria amenizar o fato, mas me confortava saber que ele
então não estava contra mim, ainda que não esteja a meu favor.
Parei para pensar na sua reação esperançosa e comemorativa ao ver
Cohen e eu juntos. No pedido prontamente atendido.
Eu estava tão atordoada que sequer conseguia me preocupar com
minha melhor amiga se deparando com Casper na sua cola.
— Hey! — Cohen chamou, acariciando minha coxa com mais
ternura. — Eu quero que me deixe resolver. Quando acabar, não vai mais
ter do que se esconder. Isso vale pra mim também. Nunca mais quero que
haja como se eu fosse um estranho pra você. — Disse estacionando seu
carro em uma vaga subterrânea que eu nem percebi ter adentrado. Estava
com minha cabeça longe.
— Você não é um estranho, Cohen, se fosse eu não teria fugido.
— Sua testa franziu, virando seu corpo em busca de mais
explicações.
— Está dizendo que se não fosse eu naquela noite, você não teria
fugido?
— Eu não sei, ao menos se fosse o Joe, não. — Completei. Cohen
riu.
— Ele nem estava na festa. — Senti meus músculos faciais
cederem, não deveria estar surpresa, e não estou, é mais uma questão de
incredulidade, ainda digerindo tudo o que aconteceu. — E mesmo se
tivesse, acho que é você quem deveria se preocupar.
Rolei os olhos ao lembrar que meu único aliado não surtia mais
efeito em Cohen.
Ele destravou meu cinto de segurança, antes de sair do carro para
então abrir a porta por mim.
— Onde estamos? — Ele sorriu me abraçando pela cintura.
— Eu amo a sua curiosidade. Amo responder cada uma das suas
perguntas, mas dessa vez vou te mostrar!
Ele me guiou até o elevador não muito longe do carro. Um elevador
residencial, exclusivo. Confirmei isso quando ele se abriu dentro de um
apartamento gigantesco e mais luxuoso do que meus olhos um dia já
tiveram a oportunidade de testemunhar.
Cohen sorriu atento ao meu olhar disperso e admirado. De todos os
lugares que já imaginei Cohen morando, desde a cavernas escuras a uma
casa de vidro completamente robotizada e monitorada por uma inteligência
artificial que o recebia pelo nome, um apartamento com a maioria da sua
mobília em preto fosco e detalhes em madeira era o que mais se parecia
com ele.
— Você mora sozinho? — Ele confirmou com um aceno de cabeça
sutil.
— Estou decepcionado. Pensei que soubesse tudo sobre mim.
— O suficiente. — Brinquei dando ombros. Percebi que ele sorriu.
Nenhum robô ou comando por voz?
Cohen franziu a testa curioso.
— Tipo uma Alexa?
— Tipo o Jarvis.
Cohen gargalhou negando.
— Não. Nenhuma inteligência artificial ou armaduras saindo do
chão. É uma casa como tantas outras. — Curiosamente o som de uma
notificação chegou até nós, e eu arqueei uma sobrancelha duvidando. —
Isso foi só a lava louça.
Cohen estendeu sua mão apontando visualmente para um degrau,
me puxando enquanto ainda sorria, me surpreendendo ao me levantar como
se meu peso não fosse nada.
Soltei um gritinho abafado, surpresa e risonha pela atitude
inesperada. Seus braços abraçaram minha cintura e nossos olhos se
encontraram.
Nos olhamos por um momento que pareceu interminável. Eu
admirei cada traço esculpido em seu rosto perfeito. Os cabelos
desalinhados, bem menos imponente do Cohen de todos os dias, mas não
menos atraente. Pelo contrário, ele parecia a própria personificação do
pecado. Um anjo caído que usa da sua beleza viril para atrair mulheres que
se encantam por cada pedaço do seu corpo bruto e ao mesmo tempo
refinado.
Seus olhos semicerrados com o brilho do sorriso travesso,
repuxando seus lábios e evidenciando sua covinha.
Eu admiti que uma grande barreira foi quebrada em mim, de dentro
para fora, quando eu mesma não consegui resistir e avancei tocando seus
lábios.
Ele me recebeu sutilmente, um beijo lento e brando, sorvendo o
gosto suave e gostoso, macio em nosso encaixe.
Sua respiração ofegante me trouxe para perto, sendo que mais perto
do que isso nos tornaríamos um.
— Anya... — Cohen grunhiu entre o beijo, em busca de um
controle que não existia mais, se foi, no exato momento em que ele decidiu
tomar minha boca de vez.
Um instante depois ele me apoiou em uma bancada gelada de
mármore. Minhas pernas entrelaçaram seu quadril e para o meu desespero,
Cohen invadiu meu vestido, cravando seus dedos na minha bunda,
espalmando sua mão ali, até garantir que nossas intimidades se tocavam
quando se encaixou entre minhas pernas.
Minha feminilidade roçando seu membro duro dentro da sua calça.
Seus dedos emaranhados na minha nuca, forçando-me a inclinar cada vez
mais a cabeça, dando a ele livre acesso ao meu pescoço, beijando e
mordiscando tudo por onde passava.
Ofeguei e seus lábios desceram.
Meus dedos emaranhavam-se no seu cabelo também, passeavam
pela sua mandíbula quando Cohen buscava minha boca. Senti o mármore
atrás de mim praticamente me deitando em cima dele.
Ele subia cada vez mais sua mão agora na minha costela, subindo o
tecido, abrindo passagem sem espaço para gentileza, era uma urgência por
ambas das partes.
Eu tive a mais bela visão quando o vi tirar a própria camisa,
deleitando-me da perfeição que era Cohen na baixa luz, como se fosse de
propósito. Seus músculos ressaltados, cada traço marcando a minha visão
com sua pele quente e vibrante.
Então percebi que nenhum dos sonhos que já tive com Cohen nessa
situação fazia jus a sua presença dominante.
Era isso.
Ele sabia exatamente o que estava fazendo.
Onde me tocar e como me levar a loucura.
— Diz agora que você cometeu um erro! — Eu ainda estava
olhando para seu abdômen quando ele disse. Pensei que estava se referindo
ao evento. — Diz que nunca esteve apaixonada por ele! Porque era comigo
que você falava o tempo todo.
Pisquei inebriada quando ele se inclinou apoiando um braço de
cada lado, os olhos fixos em mim. Toda sua estrutura me espreitando. Não
conseguia desviar meus olhos dele.
— Não cometi um erro, você cometeu! — Falei e fui surpreendida
quando Cohen me puxou pelo quadril.
Gemi satisfeita quando seus lábios novamente me buscaram,
primeiro minha boca, descendo pelo meu pescoço, até a depressão da minha
clavícula, arrancando um ofego profundo.
— Isso acabaria na noite do evento. — Ele disse sem deixar de
fazer o que estava fazendo. Meu corpo inteiro arrepiava, e se inclinava me
expondo a ele da forma mais deliberada e instintiva possível. — Eu tinha
planos, Anya, e depois de tudo, eu sabia que me evitaria, mas foi
exatamente isso que acabou nos aproximando.
Seus grunhidos de prazer e deleite era o ponto alto do pulsar no
meu baixo ventre, e quando seus lábios desceram ainda mais, traçando uma
linha pela minha barriga chegando ao limite da minha calcinha, Cohen
esperou que eu o olhasse, como se soubesse que eu faria aquilo, para então
sorrir e piscar como piscava quando bebericava a porcaria do café, mas
agora não era uma xícara encobrindo sua boca, e ter seus dedos invadindo
aquele fino tecido e o tirando sem dificuldade alguma, me fizeram cravar os
olhos ali e não tirar.
— Se quer saber, aquela também foi a melhor noite da minha vida.
Mas isso vai mudar a partir de hoje, e isso é só o começo, Anya. — Algo
muito intenso se acumulou em meu sexo. Quando senti seus lábios me
tocando, foi que meu corpo fraquejou por inteiro.
Senti seu beijo de devoção, admirando meu sexo como se fosse
tudo o que ele mais desejou na vida.
E eu que achei que sabia como me tocar, não fazia ideia do que era
a ter a boca dele ali.
Foi a sensação mais prazerosa que eu já senti. Foi como relaxar e
ebulir ao mesmo tempo. Gemidos incontroláveis e um desejo insano de
cravar minha unha em alguma coisa e não poder, porque eu estava em uma
superfície gelada e lisa.
Caramba, eu não aguentaria! Tinha vontade de me desmanchar de
uma só vez, cada vez que sua língua circulava meu clitóris, cada vez que o
sentia ali, chupando e beijando, com um único objetivo de me ver
arqueando de prazer.
Minhas pernas já nem limitavam seu acesso, ele as colocou por
cima dos seus ombros e dançou com seus lábios e língua pelos pontos mais
sensíveis da minha intimidade.
Cohen arrancou de mim todos os suspiros e espasmos de prazer em
uma sintonia alucinante.
Imensurável
— Cohen... — arfei ao sentir meu corpo se preparar para o mais
absoluto prazer, e isso alimentou seus estímulos.
Cravando minha pele como se pudesse me marcar, como se pudesse
reafirmar que era eu gemendo na sua boca.
Que era eu sendo punida pelo meu próprio desejo. Pelo anseio de
um longo período, sendo atendido da forma mais impetuosa e foraz, me
levando a lugares que nunca conheci.
— Ah, meu Deus! — Gemi jogando minha cabeça para trás quando
o que senti se tornou absoluto.
Deixei meu corpo arquejar sem comando, mover-se por puro
estímulo, enquanto Cohen me fazia de banquete.
— Deliciosa porra... — rosnou impaciente consigo mesmo, como
se pudesse me ter mais, em minha forma mais deliberada.
Parou por milésimos de segundos, para admirar meu ponto pulsante
enquanto se esquecia de que eu estava a ponto de explodir em expectativa.
— Por favor... — Implorei. Ele sorriu me olhando por cima dos
cílios. Foi o tempo de sentir seu polegar massageando a mesma região, um
movimento inesperado, explodindo meu ventre com o desejo acumulado,
reprimido, por segundos que pareceram anos.
Talvez uma vida.
Cohen puxou meu corpo todo para si, e me olhou de cima, como se
quisesse me ver chegando ao ápice da minha tortura.
— Cohen! — Bradei, meu corpo tensionando por inteiro, para então
explodir se libertando de uma chama arrebatadora.
Convertendo meus gemidos a um grito ecoado de prazer
reverenciado.
Foram minutos intermináveis respirando com profundidade,
procurando a realidade em uma linha tênue entre o deleitamento aprazível,
em uma sensação de prostração ainda que aquela chama estivesse acessa
em mim, insaciável.
Os olhos dele me idolatravam, e obstinado esperou que meu corpo
se acalmasse, para buscar meus lábios novamente.
Senti suas mãos nas minhas costelas, subindo meu vestido até
passar pela minha cabeça, onde apenas um sutiã sem alça sustentava meus
seios em copa.
A respiração de Cohen ainda mais profunda, deslumbrado, seus
lábios entreabertos em uma excitação evidente.
— Perfeita... você é perfeita! — Ronronou apetitoso. Buscando
minha boca, ali ele roçou, esfregando seus lábios meio a lubricidade.
Eu estava pronta outra vez.
— Você é bom com promessas. — Arranquei um sorriso sincero,
sendo erguida por ele, até estar literalmente em seu colo com nossas testas
coladas, entrelacei meus braços acima dos seus ombros, ainda sentindo
minha respiração normalizar com dificuldade.
— Você acha? — Perguntou em um sorriso, deixando alguns
selinhos intensos em meus lábios e queixo, onde mordiscou antes de descer
para o meu pescoço — Espera até estar dentro daquele vestido de novo.
— O quê? — Perguntei franzindo o cenho. Cohen riu, e me colocou
no chão evidenciando nossa diferença de tamanho.
Ainda que eu estivesse de salto, uma sensação nova, ao mesmo
tempo excitante.
Penso que todas as mulheres deveriam sentir o poder de estar em
uma lingerie e salto alto um dia, nos eleva a um patamar erótico de
autoridade que espanta nossas inseguranças.
Cohen me guiou até um cômodo distante. E me fitou emblemático
antes de abrir a porta do que entendi ser seu quarto, não precisei perguntar o
motivo do seu mistério, pois ao olhar para a cama no meio de todos aqueles
móveis modernos, minimalistas e até exóticos eu diria, me deparei com o
vestido, colocado na beira da cama como um cobre leito, esperando
propositalmente a chegada da sua dona.
— Sou bom com promessas, mas sou melhor com juramento, e eu
jurei que te veria de novo dentro dele!
CAPÍTULO 25
Eu devo ter perdido a noção, do que você quer, e das suas necessidades. Mas eu cansei de fugir,
daquilo que eu sei que posso fazer.
Make Up Sex - SoMo

Cohen estava sentado na beira da sua cama relaxadamente,


apoiando seu tronco nos cotovelos, enquanto eu ainda fechava o vestido.
Com um sorriso cínico no canto dos lábios, ele aguardou pelo momento em
que eu fosse pedir ajuda com o zíper. E eu fiz isso após prender meu cabelo
em um coque frouxo, de frente para o espelho, olhando-o fixamente pelo
reflexo.
Ele mordia seu lábio inferior com um divertimento explícito, talvez
pela minha relutância, ou talvez pela minha expressão de tédio e teimosia
ao vestir, sem erotizar uma cena que ele queria apenas para inflar seu
próprio ego.
Não é como se fosse um sapatinho de Crystal, mas entrou como
uma luva, o tecido pesado modelando meu corpo perfeitamente, como se já
tivesse decorado minhas curvas em sua costura sob medida.
O sorriso de Cohen se iluminou quando veio até mim e parou a
centímetros de encostar nossos corpos, e para minha surpresa, antes de
fechar o zíper completamente ele desabotoou o fecho do meu sutiã.
— Você não estava usando isso aquele dia. — Protestou
incomodado, mas não deixou por um só segundo a sombra da sagacidade
que deixava seu semblante leve sumir enquanto eu revirava os olhos.
Não precisei me cobrir pois o copo do vestido abraçou meus seios
quando Cohen terminou de subir o zíper, sorrindo irritantemente satisfeito.
Sua testa franziu quando fitou meu cabelo, e então desfez o coque
também, deixando-o cair.
— Meu cabelo estava preso. — Lembrei estreitando os olhos.
— Mas eu gosto assim.
Ele tinha algo com meu cabelo.
Me rendi a sua expressão de agora sim, antes de encontrar meu
olhar novamente através do espelho, com um brilho maravilhado.
— Satisfeito? — Perguntei colocando as mãos na cintura,
arqueando uma sobrancelha para provocá-lo.
— Ainda é atrevida. — Rosnou me abraçando por trás. O olhar
ainda concentrado no meu reflexo do espelho, sua mão repousou aberta,
espalmada na minha barriga.
A visão ficaria na minha memória, eu não tinha dúvidas, pois
enquanto Cohen desenhava minhas curvas visualmente, eu admirava seu
reflexo grande atrás de mim. Seus ombros largos desnudos e o braço
musculoso circundando minha cintura, formando uma imagem agradável e
muito bonita.
Uma imagem impossível de se esquecer.
O ar quente estava agradável, uma calmaria nos envolvia. Sereno,
tão certo que por um momento eu me desliguei do mundo.
Parecia ser a coisa mais certa do mundo.
Havia uma tensão excitante em seu toque e no olhar fixo.
Penetrante e ao mesmo tempo tão límpido.
Cohen é perfeito. Não é a primeira vez que eu o admiro desse jeito,
e sua presença confortável o faz ciente disso.
— Você é linda! — De todas as coisas que eu o esperei dizer em
tom de brincadeira, fui pega desprevenida, e um sorriso despontou nele. —
Mais linda ainda ficando vermelha.
— Cohen… — Suspirei desconfortável, mas ele me segurou ainda
mais firme.
— Você deveria ouvir isso todos os dias. Eu deveria te dizer isso
todos os dias. — Sorriu como se tivesse lembrado de algo que só fazia
sentido pra ele. — Engraçado como eu sempre tive medo de você fugir, e
foi exatamente o que você fez.
— Se você não gostasse tanto do mistério intrigante por trás de uma
mensagem, não teria terminado assim.
Cohen ficou sério, mas não inóspito, a sombra do divertimento
continuava ali.
— Olha pra nós agora, Anya. Você acha que eu me arrependo?
Quantas vezes você supostamente trocou mensagens com o Joe? E quantas
vezes esteve comigo por causa disso? — Forçou minha mente a recordar
dos nossos últimos dias. — Então não, eu não me arrependo de ter feito o
que fiz para me aproximar de você. Nós dois tivemos alguém responsável
por aquele beijo, mas eu sabia exatamente quem eu estava beijando.
Um longo silêncio perdurou entre nós. Acima de qualquer
sentimento voluptuoso, o que revirava meu ventre agora era um calor
brando e profundo, capaz de me fazer entender que Cohen ocupava mais
espaço dentro de mim do que eu mesma permiti ocupar.
Sua voz aquecendo cada partícula que antes era imperceptível, e
hoje se acumulam para reagir de uma forma nada elegante aos seus
estímulos, a sua transparência acerca do que estava sentindo.
Ele estava certo afinal, e de alguma forma eu sei que me apeguei ao
Joe, que a meu ver parecia muito mais estável do que essa explosão de
sentimentos que Cohen despertava em mim, para simplesmente fugir.
Eu procurava inconscientemente a calmaria enquanto ele me
penetrava com sua intensidade, e eu caí em uma armadilha, pois, quanto
mais eu achava que estava indo na direção oposta ao Cohen, mais perto dele
eu chegava.
Aconteceu enquanto nos falamos sem eu saber que era ele, mas
principalmente, enquanto eu o ajudava a chegar a mim mesma.
Só me restava rir nesse momento, pois até isso tínhamos em
comum. Cohen também me deixou com o ego ferido, e agora não tínhamos
mais para onde correr. Explodiu quando nenhum dos dois mais suportava,
ainda que negassemos um para o outro, nossos corpos se entregavam
reagindo, correspondendo.
No entanto, o que estava acontecendo aqui era ainda mais sublime.
Ultrapassava qualquer coisa que já senti na vida. Algo semelhante com a
segurança de um lar tranquilo, a quietude de um pôr do sol visto de um
monte, e a serenidade de uma tarde à beira mar.
A mesma tranquilidade de quando conversamos a noite toda. E
aquela felicidade sem motivo que eu senti no dia seguinte, ela irradiava
dentro de mim agora, ao lembrar as suas mensagens no copo e daquele
sorriso sacana. Das especulações, dizendo ele mesmo que eu estava
diferente e que preferia aquela Anya...
Ele sabia exatamente que era o responsável por isso.
— Está apaixonada por ele! — Pude ouvir a voz da Holly ecoando
no meu íntimo, e todos os meus receios pareciam ter se esvaído quando
tudo o que eu quis foi me entregar. E eu que já senti medo de muitas coisas
na vida, experimentei pela primeira vez o medo de sentir mais do que isso.
Não percebi que estava sustentando seu olhar até vê-lo afagar meu
cabelo, interrompendo nossa troca silenciosa.
E foi como se ele entendesse cada segundo dentro desse remanso,
pelo simples fato de não me pressionar. Como se quisesse que eu me
acostumasse com a imagem.
— Não precisa dizer nada. — Cohen aproximou sua boca da minha
orelha. Puxando meu cabelo para o lado enquanto eu lhe dava o acesso a
curva do meu pescoço. Sentir sua respiração me tocando foi suficiente para
arrepiar cada poro da minha pele. — Só me deixa fazer com você tudo o
que eu queria fazer naquela noite…
Com a respiração ficando cada vez mais pesada eu fechei meus
olhos, me entregando a sensação de ter sua voz passeando por mim tão
íntima, sedutora e segura.
— Continuar de onde paramos...
Senti sua mão subindo pela minha barriga até estar segurando meu
seio em concha. Senti-os pesando no mesmo momento, assim como a
pressão avassaladora no meu baixo ventre.
Ele já tinha a resposta que precisava, e seus lábios idolatrando
minha pele foram o ápice.
A minha vontade era de também implorar para que ele acabasse
logo com isso, que me entregasse tudo o que meu corpo queria sentir. Em
contrapartida eu mesma me castigava, concentrando-me nos mínimos
estímulos como se pontuasse tudo o que eu me privei de sentir.
Fraquejei ao sentir um beijo úmido no meu pescoço.
— Continua… — Senti seu sorriso na minha pele, onde ele
mordiscou antes de grunhir.
— Deixa eu ver… — Ronronou apetitoso. E então Cohen me virou,
chocando minhas costas contra a parede mais próxima, enquanto puxava
minha perna para poder encaixar seu quadril, a outra mão por dentro do
meu cabelo. Um extinto de proteção e posse, obtendo domínio para fazer o
que quiser comigo, nossas respirações a milímetros, o hálito quente de
Cohen tocando minha bochecha, e seu corpo imprensando o meu
exatamente como naquela noite. — Paramos com você rebolando no meu
colo. Não tínhamos uma cama, Anya, e eu queria você naquele momento!
Senti sua dureza me tocando e gemi involuntariamente. A fenda do
meu vestido se abrindo, mas nenhum tecido agora me protegia, Cohen
havia me deixado exposta a ele.
Meu corpo ansiava, sabendo que a qualquer momento poderia ser
invadido da forma mais primitiva.
— Eu também queria. — Admiti, subindo minhas mãos pelos seus
ombros. Cohen respirou forte, absorvendo o toque.
— Eu sei que queria. Você não faz ideia do que fez comigo naquela
noite. Não faz ideia do que senti quando soube que você tinha fugido.
Achei que eu estava com raiva, mas Anya... eu só conseguia pensar no
quanto queria ter fodido você ali mesmo.
Ofeguei rebolando deliberadamente, enquanto Cohen cravava seus
dedos em minha carne, puxando minha coxa para cima, até estar
completamente encaixada, sentindo seu membro duro pressionando
enquanto eu me movia.
— Isso... — ele grunhiu olhando para o encaixe perfeito dos nossos
sexos. — Foi assim mesmo que você me deixou obcecado.
Sua voz tão rouca disparava ondas de calor pelo meu corpo todo.
Mas era meu sexo que pulsava... queimava.
— Não para! — Ordenou quando ajustei meu corpo. Nem a calça
mais escondia o volume duro pelo qual eu me esfregava.
— Preciso de você, Cohen. Agora! — Sussurrei completamente
mole de tão excitada.
Ele sorriu antes de buscar minha boca. Gemi no mesmo instante
que sua língua me invadiu. O beijo se tornou insaciável e urgentemente
necessitado. Enquanto meu corpo enrijecia em expectativa, escutei a fivela
do seu cinto se abrindo.
Ele se movia para se ver livre da sua roupa, e mais eu me movia
para senti-lo dentro de mim.
Mas Cohen não queria facilitar as coisas.
Não bastava estar pronta, ele parecia me querer febril da forma
mais deliberada possível.
Minha intimidade pulsava dolorosamente, queimava meio a
lubricidade aprazível. Meus seios também doíam, e só aliviou quando ele
apalpou sem cordialidade alguma.
Arrastou o tecido para o lado e brincou com meu mamilo
enrijecido, pesado e dolorido de tanta excitação.
Gemi dentro da sua boca, e sem aviso prévio Cohen a deixou,
puxando meu corpo todo para cima, abocanhando meu seio faminto, me
dando o primeiro choque de prazer absoluto.
Enlouquecedor.
Mais um gemido me escapou, dessa vez trepidante, rasgando todo o
ambiente com meu desejo, e a sensação arrebatadora que era ter seus lábios
saboreando-me.
Eu estava sensível, nunca senti tanto prazer em um toque tão
superficial quanto o que eu estava ansiando.
Ele parecia se deliciar e não escondia o quanto estava duro.
Meu peito subia e descia profundamente, sem frequência, sem
constância. Cada toque era uma queimadura latente.
Arfei quando sua boca deixou meu mamilo, e traçou um caminho
até minha mandíbula, segurando meu maxilar entre os dedos, obrigando-me
olhar para ele.
Seus olhos se fixaram nos meus.
Uma imensidão obscura de luxúria.
Uma promessa antecipada de prazer. Seus lábios inchados e
deslumbrados, o maxilar trincado atento a minha reação.
E eu soube que era exatamente isso que ele queria.
Meu corpo todo se preparou.
Senti o membro quente tocar minha entrada. Eu estava tão molhada
que ele sorriu, sagaz, o mais cruel deles, pois não havia mais ressalvas do
quanto eu o queria dentro de mim.
E foi olhando nos meus olhos que ele me penetrou.
Preenchendo-me integralmente, conectando nossos corpos em um
encaixe perfeito, meu corpo todo arqueou, houve um momento generoso
para me acostumar com o tamanho, antes de me penetrar outra vez.
E de novo.
E de novo.
Até que seus movimentos construíram nosso prazer.
Arquejei alucinada, respirando com uma dificuldade rasgadora.
Ora com os olhos fechados, descendo e subindo em sua extensão
privilegiada. Me entregando sem nenhuma ressalva ao máximo que eu
podia sentir. Sua língua passeando pelo meu pescoço e seios, me expondo
ao mais absoluto do prazer.
Ora com os olhos fixos nos dele. Quando os movimentos letargiam,
era Cohen me pedindo para olhar pra ele, e eu os buscava como uma
viciada insaciável pedindo por mais.
Ofegava vertiginosa em sua penetração intensa. Estocando de uma
só vez, ministrando o prazer que ele tinha de me olhar, enquanto eu me
entregava libidinosamente.
E tudo se intensificou quando me preparei para explodir no êxtase
final.
Meu corpo se apossou dos movimentos, subindo e descendo
rapidamente, acompanhando Cohen em seus rosnados roucos de prazer.
— Cohen...
Ele me assistia chegar lá.
E eu entreguei tudo o que ele precisava para me idolatrar.
Quando eu meu corpo tensionou, em um ímpeto cruel, Cohen
segurou meu maxilar e prendeu meu rugido de prazer contido em um beijo,
enquanto espasmos tomavam conta de mim.
Segundos intermináveis de deleite.
Meu corpo todo amoleceu.
Suada, quente como se estivesse às margens de um vulcão, sentia
meu interior queimando.
Ele deu o tempo que eu precisava para respirar minimamente mais
frequente, para então me presentear com seus beijos úmidos na minha pele.
E como se tudo o que eu já senti não passasse de um vislumbre, Cohen
sorriu preparando-me para mais.
— Minha vez! — Anunciou no meu ouvindo.
Um instante depois eu estava na sua cama com ele realizando seu
desejo de abrir aquele maldito zíper enquanto eu ainda estava de bruços,
distribuindo beijos por todo caminho.
Traçando uma rota úmida e quente por toda minha coluna.
Arrepiando-me profundamente.
Meu quadril empinando para recebê-lo.
Minha respiração trepidada enquanto Cohen desenhava minhas
curvas com as mãos.
Percorrendo meu corpo, massageando minha pele tentadoramente.
Não vi onde foi parar o vestido. Quando ele me virou eu já estava
sem nada, e me sobrou apenas um arfar violento ao sentir sua boca
novamente nos meus seios, dividindo sua atenção intercalada.
Um último beijo voraz.
Cohen se posicionou outra vez, e então penetrou.
Meu gemido rasgado ecoou junto ao dele.
E eu que achei ter chegado ao ápice do prazer, não fazia ideia do
que estava por vir.
Foram estocadas precisas e frenéticas.
Eu não escondia minha fascinação pelos seus olhos me fitando com
uma chama perfurante.
Contemplava seu corpo viril em cima de mim em contraste com a
baixa luz, ressaltando o brilho da sua pele ardente e abrasadora.
— Cohen por favor! — Implorei manhosa quando seu membro me
deixou, eu o queria... Incansavelmente! — Isso é tortura! — O sorriso
safado dominou seu semblante.
De bruços outra vez ele empinou meu quadril, sua mão fez um
caminho lento em toda minha coluna, até seus dedos adentrarem meu
cabelo pela nuca, emaranhado meus fios em volta do seu punho, puxando
meu tronco para si, seu peito colado atrás de mim.
Sua outra mão subiu lentamente pela minha barriga, circundando
com a ponta dos dedos meu mamilo, antes de espalmar todo meu seio
massageando-o.
Gemi sentindo meu sexo pulsar implorando.
— Isso é tortura! — Grunhiu rouco corrigindo-me, referindo-se a
preliminar antecedente.
Então eu o senti por inteiro.
Penetrando-me impiedosamente forte.
E foi naquela posição que Cohen acelerou suas estocadas, me
levando ao prazer imensurável.
— Isso é prazer! — Debruçou-me novamente no colchão.
E continuou arrancando meus gemidos mais intensos, até chegar ao
seu clímax retirando seu membro rapidamente de dentro de mim para gozar
na minha bunda, enquanto eu explodia em mais um orgasmo vertiginoso.
Apenas o primeiro de uma noite em claro. Intervalos de devoção,
aproveitando a companhia um do outro até estarmos prontos novamente.
Na cama, no chuveiro, registrando na minha mente o momento em
que ele prendeu meu cabelo no alto em um coque malfeito, deixando um
beijo estalado no meu ombro antes de me foder de frente para o espelho.
Depois novamente no mármore da sua antessala, e na bancada da sua
cozinha enquanto atendíamos às nossas necessidades.
Para não dizer vergonhosa, pois Cohen riu quando meu estômago
roncou, e não sossegou até eu estar alimentada.
Bastava Cohen aprofundar um beijo e meu corpo inteiro entrava em
combustão. Até chegar ao esgotamento, ainda com meu cabelo molhado,
pois de nada adiantou o coque que se desfez enquanto ele me penetrava
debaixo do chuveiro.
Enquanto eu repousava minha cabeça no peito dele, coberta apenas
por um lençol branco e extremamente macio, Cohen acariciava o mesmo.
Pensei até meus últimos segundos de lucidez no calor que já não
habitava somente no meu ventre, ocupava um grande espaço no meu peito,
resumindo meu sorriso a um batimento lento de tranquilidade.
Fascinada pelo som das batidas do seu coração. Aquecida pelo calor
do seu corpo grande abaixo do meu. Estranhamente acostumada com a
frequência da sua respiração. Não sei se Cohen já dormia, mas eu o sentia
sorrir e não sei se era coisa da minha cabeça.
Queria por tudo nessa vida não me entregar ao torpor de um sono
profundo. Tinha medo de acordar e ele não estar ali.
Medo de tudo não ter passado de um sonho ou uma alucinação. E
isso não chegava perto do medo que eu sentia de acordar, e perceber que
fim de jogo significa que essa é nossa linha final. Que isso é tudo no que
esse jogo resultaria, e que não perduraria por mais de uma noite.
Pode ser que eu já esteja tão sóbria quanto cheguei, e que agora
tudo o que adiei para pensar depois, esteja vindo com força.
Quase pude ouvir a voz da Holly na minha cabeça, pedindo para
apenas deixar acontecer, e é exatamente isso que eu faria agora.
Forcei meu coração a não bater tão esperançosamente, pois certo
como o dia de amanhã chegaria, nossas vidas continuariam, e elas são
assustadoramente opostas.
CAPÍTULO 26
Eu te coloquei no topo. Eu te assumi tão orgulhoso e abertamente. E quando os tempos eram difíceis.
Eu me certifiquei de te manter perto de mim.
Call Out My Name – The Weeknd

Acordar com a sensação de que você teve o melhor sonho da sua


vida é algo extraordinário. Da vontade de voltar a dormir e sonhar tudo de
novo, ou continuar de onde parou, mas acordar e perceber que a melhor
noite da sua vida aconteceu de verdade, é surreal. Inacreditável! Me fez
querer abrir os olhos por mais pesados de sono que estivessem, e até cogitei
me beliscar, mas senti que o que me puxava para a realidade era um
acariciar no meu cabelo.
Senti a claridade tocando meu rosto, forcei minhas pálpebras
lentamente até me deparar com os olhos cinzentos de Cohen, me fitando
com um sorriso brando nos lábios.
Estávamos tão perto um do outro.
Seu cabelo escuro em uma bagunça desgrenhada, que por Deus, o
deixa tão lindo quanto quando está penteado socialmente, e eu o prefiro
assim.
— Bom dia. — A voz matinal rasgou o ambiente, em uma
rouquidão linda.
Então um estalo mental me acordou em um rompante. Franzi a
sobrancelha fitando Cohen com confusão.
— Que horas são? — Ele sorriu preguiçosamente.
— Algo entre não quero sair daqui, mas estou com fome. —
Respondeu tranquilo, com um humor matinal que eu não tenho.
Deve ser porque pessoas como Cohen não tem que se preocupar
com horários, mesmo sabendo que ele mantém uma rotina rigorosa com os
seus.
São tão raras as vezes que chego no escritório e ele não está, que eu
posso contar nos dedos.
— Cohen, já devíamos estar na Archer! — Seu olhar inflamado
desceu para o meu corpo, serpenteando maliciosamente minha pele
desnuda. Só então me lembrei que ainda estava nua, e puxei o lençol branco
para cobrir meus seios, desviando seu olhar dali.
— É, deveríamos. — Concordou com a voz grave, suspirando sem
pressa alguma. Estávamos em sintonias diferentes. — Acho que você vai
ter que inventar uma boa desculpa. — Ele me puxou até estar em cima de
mim com um sorriso travesso. Seu semblante divertido em combinação
com seus cabelos desgrenhados caindo para frente.
— O que?
— Inventa uma desculpa. — Ordenou como se fosse a coisa mais
importante da sua vida.
— Desculpa do… — Deixou um beijo estalado nos meus lábios, se
divertindo com minha relutância. — Cohen…
Outro beijo.
— Inventa uma desculpa. O que você estava fazendo para não ir
trabalhar hoje? — Me irritei, de certa forma encantada com um Cohen
imaturo que ainda não conhecia.
Ele juntou meus pulsos acima da minha cabeça e me desafiou com
a ameaça de dedilhar minha costela, onde eu mais tenho sensibilidade a
cócegas.
— Eu não minto, induzo uma verdade que antes não existia. —
Cedi, falando a primeira coisa que me veio à cabeça, tentando fugir em
espasmos cada vez que seus dedos me tocavam. Cohen riu lindamente,
exibindo seu sorriso perfeito de covinha aparente.
Por pouco não suspirei, mas eram incontroláveis meus olhos
desenhando seus traços tão maravilhosamente marcantes.
— Hum — murmurou. — Da última vez foi um pneu furado. E
hoje, Anya? Qual é a sua verdade? Porque você está com cara de quem
transou a noite toda.
Arqueei uma sobrancelha dubitável.
— E isso são modos de falar com sua funcionária, Sr. Archer? Não
acha que está sendo invasivo?
— Não... — Murmurou roucamente, tombando para o lado, me
puxando com facilidade ao abraçar minha barriga, colando nossos corpos
de forma acolhedora. O seu muito maior em comparação ao meu, me sentia
protegida. — Eu gosto de invadir você.
Eu ri, me perguntando se seria sempre assim?! Segundas intenções
e palavras de duplo sentido.
Ainda é cedo para dizer.
O silêncio nos abrangeu confortável outra vez, e tudo o que eu senti
foi a ponta dos seus dedos acariciando meu braço acima do seu. Seu corpo
grande me abraçando, minha visão era para a cortina branca, levemente
transparente, me permitindo ver o dia através da porta de uma sacada
majestosa.
E droga, eu não queria fazer tantas perguntas, mas foi inevitável
não me perguntar até quando aquela paz perduraria?
— Não vamos trabalhar hoje, quero passar o dia com você! —
Anunciou no meu ouvido.
Ah, Cohen, como queria que você fosse um babaca agora. Seria
mais fácil convencer a mim mesma de que preciso cair na realidade, mas
você não facilita as coisas.
— Não posso. — Ele procurou meus olhos imediatamente. Só então
eu percebi que falei em voz alta, enquanto admitia para mim mesma que já
tenho problemas demais na minha vida.
— O que tem de errado?
Seus olhos são a coisa mais perfeita desse mundo. Eles sempre
foram meu vislumbre de uma noite tranquila, mesmo em um dia
ensolarado, e agora estavam marcados na minha memória como os olhos
que me fitaram da forma mais cru e visceral possível.
E não havia limites para os olhos que já enxergaram quem eu
realmente era, a sensação é de que sou incapaz de esconder qualquer coisa
dele agora.
— Nada. — Respondi apenas. — Preciso encontrar meu celular. —
Falei tentando me desvencilhar. Ele permitiu, levando seu braço atrás da
cabeça, me deixando com a imagem do seu corpo grande em contraste com
a cama branca.
Semicerrei meus olhos, acusando-o de ser tão lindo na cama,
quanto era nas manhãs dentro de um terno sob medida.
Procurei o banheiro que eu sabia ficar logo depois do seu closet,
ocupado por uma maioria monocromática de preto.
Ele havia me cedido uma escova dental na última vez que
estivemos no banheiro, e flashes da noite passada me invadiram enquanto
eu olhava meu reflexo no espelho cheio de marcas.
Minha pele estava bonita.
Um viço natural e perceptível.
Meus lábios avermelhados, rubros como o rubor nas maçãs do meu
rosto, e o brilho inconfundível nos meus olhos.
Um misto de sensações dançava no meu ventre, calor e frio ao
mesmo tempo. Algo que parecia ser tão leve quanto uma brisa, e perfurante
como a força do ar comprimido.
Ah, Anya... Você está tão fodida!
Joguei uma água gelada no meu rosto e tentei dar um jeito no meu
cabelo, que tinha tudo para estar um ninho de embaraços agora, mas até ele
tinha sua maciez e brilho. Somente por isso o deixei solto após pentear com
os dedos, admirando através do espelho as marcas de uma noite espalhadas
pelo meu corpo.
Eu era a prova viva de que foi real, e ter a sombra de Cohen
encostado no batente da porta, esperando ser notado, foi o auge dos meus
pensamentos indecentes.
— Eu sei o que está fazendo. — Sua voz preencheu o ambiente, e
eu senti sua presença ainda mais intensa.
Ele estava de braços cruzados, segurando uma camiseta dobrada,
usando agora uma bermuda de moletom, e o semblante opressivo.
Cohen veio até mim e eu o acompanhei, ficando de frente pra ele,
encostada na pia quando me alcançou.
A testa franzida, carregando seu rosto duramente.
— Pode tentar, mas não vai conseguir. — Disparou amargo,
preparando a camiseta para colocar em mim, afirmando com veemência
como se quisesse, na verdade, negar o que estava acontecendo. Um tecido
de algodão com uma única logomarca pequena no canto superior na cor
preta passou pela minha cabeça, e eu mesma terminei o processo, sentindo
as mãos dele no meu pescoço, por baixo do meu cabelo para então tirá-lo de
dentro da camiseta. — Não me jogue em uma posição de ter que quebrar
uma barreira por dia, porque eu vou fazer isso se for preciso.
Não tive coragem de olhá-lo. Me odiei por ser tão transparente, me
odiei por ter tanta insegurança dentro de mim e me odiei ainda mais, por
estar negando isso a mim mesma.
Longe de não me achar merecedora de alguém como Cohen. Só
queria ter estruturas para poder me acostumar com alguém me fazendo tão
bem assim.
Sempre foi eu, sempre sendo o pilar de outra pessoa, de uma
família. Eu simplesmente não consigo não temer a possibilidade de
estremecer um dia.
Meu pai era esse pilar antigamente, nossa coluna mais estável e
irrompível, e eu vi o que aconteceu quando o mais forte de nós cedeu.
Portanto é inevitável não pensar que se eu fraquejar agora, posso levar
todos comigo, e eu sei que só estou reagindo dessa maneira, pois o pouco
que carrego dentro de mim com relação ao Cohen, é suficiente para me
desestabilizar inteira.
E eu sinto que isso só tende a crescer.
— Só quero me proteger. — Admiti, com os olhos baixos,
observando o cumprimento da camiseta cobrindo satisfatoriamente parte da
minha coxa.
— Eu posso fazer isso por mim e por você. — Afirmou com os
olhos fixos em mim. Eu apenas o sentia.
— Me proteger de você, Cohen. — Confessei, dessa vez
sustentando seu olhar cortante. — Eu dou conta do resto, de você não.
Seus ombros tencionaram, à medida que seus olhos ficavam cada
vez mais nebulosos.
Eu não vivo em um conto de fadas. Eu sei exatamente o risco que
corro entregando meus sentimentos para alguém como Cohen. O tipo de
pessoa que deixa a marca mais profunda na sua vida. O tipo de pessoa que
não passa por ela como uma onda quebradiça. É uma avalanche
devastadora!
Ele pode ser a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, assim
como também pode ser a mais destrutiva, e a proporção é assustadoramente
a mesma. Em intensidades iguais.
— Pode se proteger. Você está no seu direito, eu já te machuquei
uma vez e tive que enfrentar uma Anya rigorosa, quase perdi tudo o que já
havia conquistado. — Falou tocando meu rosto. Aproximando nossos
corpos até que seu perfume natural invadisse meus sentidos. — Mas não se
defenda de mim. Por mais que você fique irresistível com essa armadura,
não faz ideia do quanto é cansativo começar do zero toda vez. Quero ter a
chance ao menos… de continuarmos onde paramos. Pode fazer isso por
mim?
Sustentei seu olhar profundo o tempo todo, o sentia cada vez mais
perto, ou era eu sendo atraída naturalmente.
Assenti finalmente, atendendo as batidas rápidas do meu coração,
que se aqueceu em uma espécie de segurança. Nesse momento não havia
nada que ele me pedisse e eu não aceitasse. E isso era o mínimo.
Suas intensão não eram claras, mas me apeguei ao que senti de
seguro, e acreditei que mais do que isso eu já não tinha como me
comprometer, apenas segui com a linha já ultrapassada, permitindo a nós
dois não regredir.
— Isso não é mais um jogo, Cohen. Eu só estou te pedindo que não
me machuque. Pode parar quando quiser.
Cohen segurou meu rosto entre as mãos e deixou um beijo casto,
demorado nos meus lábios. Fechei os olhos, aproveitando da sensação
maravilhosa que era ter seus lábios me tocando, e sorri quando senti os
mesmos na minha testa.
— É só o começo.
Nesse momento outras partes dentro de mim se fragmentaram.
Rachaduras irreparáveis se abriram, e senti que a qualquer momento iam
ceder, porque o calor que me preenchia, parecia ser forte suficiente para
estufar meu peito, e o que eu achava ser somente uma chama quente,
transformou-se em uma labaredas incandescente, pronta para entrar em
erupção.
— Confia em mim! — Sussurrou rente a minha pele. E de todas as
formas de alerta que meu consciente emitiu, eu só consegui pensar no
quanto aquilo era bom! — Preciso buscar meu irmão, eu te deixo em casa,
você se arruma e eu volto para te buscar, então passamos o resto do dia
juntos. Mais uma noite se você quiser também.
Neguei sorrindo amenamente.
— Vida real, Cohen, eu tenho que ir pra faculdade, todo mundo
deve estar louco atrás da gente e… — Travei ao me atentar no que ele
falou. — Meu Deus a Holly deve estar subindo pelas paredes. Eu nunca
passei a noite fora assim antes.
— Hum... — Um sorriso sarcástico despontou em seus lábios
quando seu braço circundou minha cintura para si. — Sou um maldito por
ter gostado dessa parte.
— É sério. Eu preciso dar sinal de vida.
— Não se preocupa, já falei com o Casper hoje. Ele deixou sua
amiga em casa pela manhã. — Arregalei meus olhos ao ouvir. — Ele
também disse algo sobre ela estar bêbada tentando ligar pra você, e da briga
que ela se meteu.
— Teve briga? Holly está bem? — A situação só piorava.
— Ela está, Casper por outro lado parece que foi atingido. Ele ainda
está com sua amiga, temos que liberá-lo do castigo. — Soprou um sorriso
travesso.
Levei minha mão na testa imaginando o quão caótico deve ter sido
o restante da noite. Eu deveria ter avisado que Casper e Holly não daria em
boa coisa.

Após comer alguma coisa, Cohen apareceu vestido casualmente, e


eu não disfarcei ao olhá-lo de cima a baixo. Seu sorriso estava mais leve e
ele parecia ser incapaz de escondê-lo, assim como também não perdia uma
única oportunidade de me puxar para si, principalmente quando eu menos
esperava. Seja para iniciar um beijo quente, ou deixar pequenos deles pelo
meu pescoço, ombros, e qualquer parte da minha pele que estivesse ao seu
alcance.
Deixamos seu apartamento juntos. Ele sobrepôs um casaco seu em
mim por conta do tempo, a composição não ficou tão ruim. Embora seja de
um estilo despojado que eu não estava acostumada a usar, me senti bem.
Já no carro sua mão procurou a minha, dando um jeito de entrelaçar
nossos dedos enquanto repousava a mesma na minha coxa, como se fosse
sua parte preferida do meu corpo. Cohen me procurava com o olhar sempre
que possível, e seu polegar acariciava o dorso da minha mão quando
distraído.
Ele contou há quanto tempo eu morava da sua casa, e não acreditei
quando me dei conta de que ele realmente estava atrás de mim, enquanto eu
procurava a chave da minha porta depois de ter subido as escadas,
brincando com o fato de que ele nem devia saber que apartamentos sem
elevadores ainda existiam. No fim do sexto lance, ele estava sim ofegante, e
brincou dizendo que agora sabia o segredo das minhas pernas, sendo que eu
era uma preguiçosa assumida.
Eu ainda sorria quando abri a porta, e a primeira cena que vi me fez
paralisar ainda na entrada.
Casper Archer com um bife cru no canto da sua boca, sentado com
as pernas para o alto, na ilha da cozinha.
— Anya Amstrong! — A voz de Holly ecoou por todo
apartamento, surgindo no corredor dos quartos, atraindo a atenção de
Casper para onde estávamos, e a cena bizarra da minha melhor amiga com a
maquiagem borrada, a cara amassada, e o cabelo natural preso no alto da
cabeça, com o mesmo vestido da noite passada, me fizeram criar vários
cenários e possibilidades na minha cabeça.
Ela nem dormiu, isso é obvio. Mas o que realmente me chamou a
atenção foi o saco de ervilhas congeladas no dorso da sua mão.
— O que está acontecendo aqui? — Ouvi a porta atrás de mim se
fechar. Holly intercalando seu olhar entre Cohen e eu, visivelmente
irritada.
— Primeiramente, isso são horas? — Indagou furiosa. — Eu te
liguei mais de cem vezes! Eu parei uma balada por sua causa. Eu enfrentei
pessoas, eu destruí coisas, e eu nem sei se mexi com alguém da máfia, eu
desconfio que sim. Eu gritei seu nome pela balada inteira, parecia aquele
filme do peixinho, todo mundo me ajudando a procurar.
— Alguém te machucou? — Perguntei exasperada, olhando para
Casper de cara fechada e novamente para ela.
— O que… isso? — Ergueu sua mão machucada. — Não, isso aqui
é a segunda parte. Um idiota me confundiu e tentou me agarrar. Meti um
soco na boca dele. Quando eu me viro, advinha, o cujo indivíduo que me
carregou pra fora da balada a mando de quem? Do cara que raptou minha
melhor amiga!
— Eu só pedi pra você ficar de olho nela! — Se pronunciou Cohen,
recebendo o olhar mortífero do irmão. — Você não disse que tinha se
metido em uma briga?
— Não, eu disse que ela tinha se metido em uma briga, e que eu
levei um soco. — Ele corrigiu impaciente. — Só não disse de quem.
— Bem lembrado. — Acrescentou Holly, e apontou para Casper.
— Você me deve seis dólares pela picanha.
— Isso não é picanha! — Rebateu tirando o bife do machucado.
E eu me neguei acreditar que Holly fez aquilo.
— Quem comprou fui eu, e eu vendo com o nome que eu quiser. E
você lá entende de carne? Confundiu a bunda da sua amante com a minha.
— Holly! — Chamei sua atenção. Procurei Cohen com o olhar, mas
ele parecia se divertir com tudo aquilo, enquanto eu assistia boquiaberta.
— Devo te lembrar que você manchou minha camisa de vinho?
— Quer que eu cobre pelo vinho também? — Desafiou cruzando os
braços, irredutível.
— Isso é ridículo. — Casper se levantou irado. — Você me paga,
Cohen, isso vai te custar muito caro, você sabe disso.
Cohen riu despreocupado.
— Ah, mas é claro que sim. Aos dois! Eu não preciso de uma babá,
da próxima vez é só me avisar.
— Estávamos com pressa. — Cohen disse reprimido um sorriso no
meu ombro.
Holly olhou para nós dois por um momento e cedeu, averiguando
sua mão.
— Vamos embora, Cohen. — Casper chamou.
— Graças a Deus! — Comemorou Holly.
Casper a olhou irritadiço.
Cohen suspirou derrotado e abriu a porta novamente, esperou seu
irmão passar por mim, antes de enlaçar minha cintura, surpreendendo-me
com um beijo a ponto de me curvar inteira.
Foi inesperado e espontâneo, e a sensação de ter o olhar de Holly e
Casper sobre nós tornou tudo real. De uma vez por todas.
— Até mais tarde. — Eu sorri feito uma boba.
— Te espero. — Falei com meu ventre se contorcendo em um
friozinho de expectativa.
Os dois deixaram nosso apartamento. Cohen com um sorriso lindo
no canto dos lábios. Casper com um bife no canto dos seus, e uma carranca
de cansaço e tédio misturado.
— Desgraçado, levou meu bife! — Resmungou Holly.
Bastou que a porta se fechasse para encontrar Holly com o queixo
caído e o semblante completamente diferente.
— Começa, eu quero detalhes!
Eu ri mordendo meu lábio de baixo como uma boba emocionada.
— Passamos a noite juntos. — Disparei.
— Isso está na sua cara. Meu Deus, você está radiante. — Ela disse
deslumbrada.
O auge da minha tarde foi suspirar olhando para o teto, sem saber
como dizer a minha melhor amiga, que eu tive a noite mais incrível da
minha vida.
— Ele é perfeito, Holly. — Me encolhi no sofá sem conseguir
conter o sorriso e as lembranças que aqueciam meu ventre.
Senti Holly se sentando ao meu lado, mas sua resposta demorou de
vir, sabia que ela estava me olhando há um bom tempo. A essa altura eu já
esperava tê-la gritado e comemorando, mas parece que nós trocamos de
lugar afinal.
— Vai com calma, tá? — Procurei razão para o seu pedido
inesperado, que nada tinha a ver com minha melhor amiga. É
provavelmente algo que eu pediria a ela, e eu nem precisei perguntar por
quê?! — Porque você está apaixonada. E corações apaixonados se quebram
com facilidade, principalmente quando achamos que alguém é perfeito.
Acho que é meu dever te dizer isso já que sua mãe não está aqui.
Suspirei me ajeitando até ficar de frente para ela. Sua expressão
fantasmagórica, eu sei que Holly é cética para questões de relacionamento,
e completamente anti sentimentos, mas eu também sei que isso é
preocupação e sim, é provavelmente algo que minha mãe me diria.
— Não tem ninguém mais pé no chão do que eu, mas parece que
estou me enganando. Quanto mais eu falo que preciso me proteger dele,
mais eu me entrego. — Confessei, sob seu olhar atento.
— A quem eu estou tentando enganar? Só sua mãe mesmo. —
Novamente aquele sorriso ocupou seu semblante. — Juro por esse saco de
ervilha, que enquanto esse sorriso existir, eu vou estar feliz por você! Me
diz, como é que você está andando?
Senti meu rosto esquentando, pronta para resumir o que aconteceu
depois que nós nos separamos, pois tentar me esquivar dessa conversa seria
como pedir para ser atormentada para o resto da minha vida.
E Holly riu tanto comigo que no final, parecíamos duas
adolescentes imaginando como seria daqui pra frente. Tudo parecia tão real
e ao mesmo tempo tão distante, mas eu estava tão fascinada que por um
momento, acreditei que isso seria sim possível, e que responder ao que eu
estava sentindo não seria um problema, e se fosse, Cohen saberia como
resolver.
Ele me garantiu isso.
E eu confiei nele!
CAPÍTULO 27
Querida, eu quebraria meu coração, se isso fosse tornar o seu inteiro.
Break My Heart – Matt Hansen

Meu último tempo na faculdade estava perto de terminar, mas


minha cabeça estava longe. Eu pensava com frequência na noite que tive
com Cohen.
Em seus olhos.
E até mesmo na sua risada gostosa.
Me peguei sorrindo sozinha antes de tentar me concentrar, mas
estava tão recente e tão vivo, que se eu fechasse os olhos, podia senti-lo me
tocando, como uma espécie de eletricidade percorrendo por baixo da minha
pele.
Podia sentir o seu perfume. No corpo restava os vestígios, e os
efeitos do beijo que ainda faziam a minha boca formigar
Viajei com minha respiração se intensificando. Toquei meu cabelo e
o senti sedoso.
Eu podia senti-lo em cada fio também. Afagando, puxando,
emaranhado em seu punho enquanto me declinava ao prazer. Me
preenchia... Fisicamente e emocionalmente, como se algo dentro de mim
arrebentasse e dessa passagem para um sentimento novo.
Aquela linha estabelecida se perdeu há muito tempo. Tudo o que eu
conseguia fazer era respirar enquanto ainda podia, pois, a sensação era de
que Cohen é um oceano turbulento e a pressão me puxa para baixo. Em alto
mar eu sei que é impossível não me afundar, mergulhar em tudo o que ele
me proporciona, mesmo tendo uma parte ainda consciente dizendo que vou
me afogar.
Apertei minhas pernas como se pudesse aliviar a tensão dolorida no
meio delas, e mais imagens dominaram minha mente.
O corpo suado.
Quente...
O sorriso indecente.
Do momento em que Cohen me deixou até o atual, eu não consegui
deixar de pensar nele. Parecia que tudo em mim era saudade. Eu a sentia
nos meus lábios, na minha pele, no meu íntimo, e em cada centímetro que
ele tocou, e que deixou uma marca, mais do que isso, ele deixou a promessa
de que muito em breve se repetiria, e a cada minuto que se arrastava, meu
corpo se enchia de expectativa.
— Anya? — Praticamente pulei na cadeira ao ouvir meu nome.
Encontrei Leeson próximo a mim no auditório. Senti meu rosto
esquentando com a sensação de ter sido pega, como se ele realmente
pudesse ver meus pensamentos libidinosos.
— Professor Leeson. — Minhas batidas estavam aceleradas, minha
voz saiu vergonhosamente trêmula.
— Percebi você um pouco distante hoje. Está tudo bem? —
Perguntou me olhando atentamente. Serpenteei meus olhos pela sala e vi
que a maioria dos estudantes já se retiravam, enquanto buscava me
recompor internamente.
Eu estava realmente longe.
— Tudo. Eu estou bem! Só... um pouco distante como você mesmo
disse.
Deus, que situação constrangedora.
— Entendo. — Respondeu apenas. — Bem, eu queria conversar um
pouco sobre seu trabalho de conclusão de curso. Eu tenho acompanhado seu
projeto, soube que está usando a Archer como cliente.
Não foi difícil me recordar, difícil mesmo foi espantar as imagens
recentes para fazer meu rosto esfriar.
Para o meu TCC, meu grupo precisava de um cliente real, e o que
mais me pediram foi tentar ter a Archer colaborando, e desde que eu
consegui a autorização do uso de dados, meus professores têm comentado
com expectativa.
— Ah, sim. Na verdade, foi meu grupo que pediu para conseguir.
— Respondi me levantando, jogando a bolsa no ombro. Leeson apontou
para a saída e desceu os degraus do auditório comigo.
Não sei se pela queda brusca na realidade ou os pensamentos
anteriores, mas senti minhas pernas moles.
— Isso é ótimo. Muitas bancas tentaram entrar em contato com a
equipe de marketing deles anteriormente, mas nunca tiveram sucesso. —
Comentou ao meu lado em direção à saída. — Sempre tão misteriosos, vai
ser um trabalho muito esperado. Os professores estão ansiosos, e claro, a
universidade se promove com o filho pródigo.
Nós rimos juntos. Não sabia que meu trabalho havia tomado essa
proporção e reconhecimento.
— Isso foi para nos deixar ainda mais nervosos? — Brinquei
quando já estávamos deixando os pavilhões, próximo ao campus. — Com
as expectativas elevadas, receio que vamos ter que nos esforçar em dobro.
— É exatamente esse o ponto. Portanto, que fique só entre nós, não
que eu esteja favorecendo seu grupo ou algo assim, mas... se vale uma
sugestão, eu tentaria trazer a falha sensitiva do público-alvo na última
campanha. — Ele pareceu analítico, esperando minha reação. — É apenas
uma dica!
— É genial. — Salientei. — Talvez, recriando todo o processo de
desenvolvimento.
— Sugerindo alternativas. — Ele completou. De certa forma eu me
empolguei, pois uma das minhas preocupações estava sendo a pressão nos
meses finais da faculdade. — Morreu aqui, você sabe...
— Claro, não se preocupe! — Garanti. — Muito obrigado.
— Considere uma retribuição pelo que fez na feira. Meu stand
ganhou destaque, e meus alunos foram muito elogiados. Ganhei até uma
proposta de consultoria.
— Olha só... — Fiquei de fato surpresa com a boa notícia.
Estávamos na mesma sintonia, ele continha o mesmo sorriso gratificante.
— Não foi nada. Também ganhei visibilidade graças a ela. Minha ideia foi
colocada em prática, estão fechando com os patrocinadores.
— Que maravilha, Anya. Então você está oficialmente atuando na
sua área?! — Ele comemorou.
— Participando. — Pontuei. — Mas é um começo, não?
— Um ótimo começo. Eu disse, minhas apostas em você são bem
altas, e não adianta, quando as empresas lutarem por você e seu rosto
estiver nos principais sites de publicidade e propaganda eu vou dizer,
aquela ali foi minha melhor aluna! — Mais uma vez eu ri, ruborizando
envergonhada.
— Eu disse que os estágios estavam sendo compensados.
— Eu nunca disse que não, por isso fui um dos que te ajudaram até
aqui, mas também não consigo deixar de pensar que se estivesse em uma
agência talvez, estaria tendo o mesmo sucesso.
— Estou começando a achar que seu problema com a Archer é
pessoal. — Comentei rindo. Leeson me acompanhou de certo modo
constrangido.
— Eu não goste mesmo dos degraus que eles usam para se
autopromover.
De repente, me veio a curiosidade de saber a opinião sincera de
quem estava por fora a respeito do último lançamento.
— Então você deve ter adorado o que aconteceu no lançamento da
nova era acessível. — Tentei, ele me olhou taciturno.
— Não. Causar uma controvérsia com algo tão delicado?! Tudo
bem, confesso, geraram um problema e levantaram muitas pautas em cima
disso, mas... eu acho que as pessoas poderiam simplesmente fazer sua parte,
sabe?
— Entendo. Então você realmente acha que foi proposital.
— Você não? — Devolveu, e eu neguei com a cabeça.
— Acho que cada um tem o direito de defender os seus. Mais do
que isso, acho que todos deveriam defender sua opinião, principalmente
diante de uma situação que desmerece uma causa.
— É exatamente desse degrau que eu estava falando. — Elucidou,
me fazendo parar de andar para prestar atenção. — Veja bem, a falta de
sensibilidade é um mal necessário? Não. Existem pessoas para serem
ouvidas, opiniões a ser consideradas, tudo isso é resolvido apenas com um
estudo mais apurado, decidir fechar o olho para essas questões, é uma
escolha! O que me faz pensar que, talvez, atingir essas pessoas que estão ali
prontas para levantarem sua voz é uma ação premeditada.
Chocada, era como eu me encontrava. Eu adorava as palestras de
Leeson, ele é brilhante e sua opinião sempre é muito embasada, mas nunca
pensei que conversar com ele fosse tão esclarecedor para outras
perspectivas.
Não tive tempo de digeri-la, entretanto. Senti um olhar queimando
na minha pele, percorrendo extensamente com um reconhecimento
sublime.
Então eu o vi.
Cohen estava encostado em um carro com os braços cruzados,
usando uma camisa de manga longa preta que não disfarçava a
grandiosidade daquele homem. Meu coração deu um tranco, pois ele estava
inacreditável de tão lindo.
Um calafrio se instaurou no meu ventre. Senti nos meus lábios a
vontade de sorrir, mas eu ainda estava embasbacada.
— É o Sr. Archer? — Leeson perguntou, olhou para mim e depois
para o Cohen, provavelmente presumindo o óbvio.
— Cohen. — Sibilei. Meu coração pareceu saltar diretamente para
o meu ventre. — Sim.
Ele me olhou interrogativo, um pouco sem graça, assim como eu.
De repente eu pensei em todos os elogios que Leeson me fez há
pouco, e eu não queria reduzi-los a uma suposição de que minha facilidade
se dava por meio de um preço.
Eu não me submeti a isso, não tive regalias.
Como uma aluna qualquer eu entrei em contato com a equipe de
marketing para conseguir a autorização de uso de imagem e dados para meu
projeto final. Meu único privilégio foi poder ter feito isso pessoalmente
— Ahn... ele precisa da chave de segurança do meu computador. —
E dessa vez eu estava mentindo.
— A essa hora? — Leeson pareceu de certa forma preocupado, e eu
achei compreensível, por isso respondi.
— Estou acostumada. Na verdade, qualquer um que trabalhe para
ele deve estar preparado para atendê-lo até de madrugada se for preciso. O
homem não para.
— Compreendo. — Anuiu penoso. — Bom, eu vou indo nessa
então. Tenha uma boa noite, boa sorte também. — Se despediu tocando em
meu ombro. — Nos vemos amanhã, Anya.
— Para o senhor também, professor. — Esperei que ele se
afastasse, observando-o olhar para Cohen de modo inexorável a caminho do
estacionamento, e foi recíproco, todavia o de Cohen conseguia ser
implacável.
Caminhei até ele esperando que cortasse aquele contato visual, e ele
o fez com uma risada desgostosa, imoral.
— Ele me olha como se eu fosse uma puta barata. — Comentou,
transbordando um sarcasmo inflamado na sua voz.
— E você o olha como se pudesse desintegrá-lo. — Falei,
recebendo finalmente seu olhar com uma certa frieza.
— Ele tocou em você outra vez. — Rolei meus olhos impaciente.
— Quer uma lista de todos que encostaram em mim hoje?
— Engraçadinha... — Ele enlaçou minha cintura e me puxou para
si. Sorri sentindo sua mão apertando a lateral da minha barriga, abaixo da
minha costela. Nossas bocas muito próximas, a ponta do meu nariz quase o
tocava. — Só dos que querem tirar você de mim.
— Cohen! — Arqueei uma sobrancelha. Um sorriso ardiloso
repuxou o canto da sua boca, o lado em que evidenciava sua covinha.
Ele buscou a minha, me beijando de modo que fritou me cérebro,
mordiscando meu lábio de baixo. Quase derreti ao senti-lo descer para o
meu pescoço, onde ele enterrou seu rosto, puxando-me ainda mais,
deixando escapar um ruído rouco de satisfação.
— Ninguém seria louco! — Sua voz soou rouca, e eu já sentia
aquela mesma eletricidade viva em minha pele de novo, e me arrepiei por
inteira quando ele mordiscou. — Você é minha!
Ofeguei quando seus olhos me encontraram, umedecendo os lábios
como se meu gosto ainda estivesse ali.
— Adoraria argumentar refutando.
— Eu ficaria duro só de ouvir você de novo. — Senti algumas
partes essenciais se desfazendo. Com esse olhar, ele poderia simplesmente
repetir que sou dele e eu confirmaria. — Não consegui deixar de pensar em
você o dia todo. — Seus olhos estremeceram e seu polegar acariciou minha
pele, tocando o canto dos meus lábios entreabertos. — O que você está
fazendo comigo, Anya?
Senti cada terminação nervosa aquecer, imaginando-o na mesma
situação que a minha ao longo do dia.
Senti ainda mais, quando os segundos se tornaram um momento de
troca profunda, um outro tipo de comunicação estava acontecendo aqui,
muito mais elementar. Seu olhar parecia me perfurar e eu permitia sem
ressalvas, que ele visse o quanto era recíproco, como se nesse momento,
uma parte se desprendesse de mim e fosse para ele.
— Acredite, também me fiz essa pergunta.
— Eu já me considero um caso perdido. Porra, Anya, eu pensei que
fosse mais fácil. — Fez uma careta.
— Não seja bobo. — Sorri tocando seu rosto com a barba por fazer,
que por Deus, o deixa ainda mais lindo. Eu sinceramente não saberia
escolher qual versão é mais irresistível, mas gosto quando sua aparência
está menos séria e ostensiva.
Ele fez silêncio, eu também, nossos olhares presos um no outro.
Não parecia ser real, não parecia estar acontecendo. Não poderia ser tão
bom assim, eu não poderia estar sentindo a sensação de pertencer a um lar,
mesmo estando tão longe de casa.
— Vamos sair daqui, alguém pode nos ver.
Algo dentro de mim se contraiu.
Algo pequeno, talvez reparável, mas estremeceu, e temo que não
tenha conseguido esconder isso em meu semblante, pois o senti ceder.
Apenas agradeci por ele estar serpenteando seu olhar pelo campus, como se
estivesse garantindo que ninguém estivesse nos vendo.
Engoli seco disfarçando, e entrei. É tolice eu sei, assim como eu sei
que vai ter que ser assim agora, pelo menos por um tempo. E por mais que
eu saiba que Cohen esteja fazendo isso pela minha proteção, por não querer
me expor como ele mesmo disse, ponderei sobre o tempo em que teríamos
que agir dessa maneira, como se fosse algo errado estarmos juntos.
Pode ser minha insegurança, eu não duvido, como se a pessoa que
não se julgava merecedora daquele vestido, também não se julgasse
merecedora de tudo o que está acontecendo.
Espantei esses pensamentos quando ele entrou e buscou minha mão
da forma mais carinhosa possível. Cohen parece saber sempre como
quebrar barreiras em mim que eu sequer me lembro de ter erguido, como a
apreensão constante de um futuro próximo.
Era necessária essa omissão, por mim e, sobretudo, por ele!
Havia muito mais em jogo do que uma simples insegurança interna
era capaz de nutrir. Tudo o que me restava era confiar nele e assumir os
sentimentos que eu sabia crescer cada vez mais dentro de mim, de maneira
segura e, de preferência, sem medo!
Sei que ele está evitando tudo o que falei naquela noite, ignorando
esse momento que lhe trouxe tanto problema como se não tivesse sido eu,
justamente para resolver do seu jeito e deixar as coisas mais fáceis para nós
dois, mas eu não podia ignorar, então o mínimo que deveria fazer era seguir
o mesmo ritmo!
— Sabe que não vou te deixar essa noite, não sabe? — Ele
perguntou, me puxando do mais profundo devaneio.
— Eu não quero que deixe! — Espantei a insegurança de uma só
vez, quando seu sorriso cresceu satisfeito.
— Então tente não me deixar também. — Pediu me deixando tonta
com o entendimento. — Pensei que teria que ir com calma e suavemente,
mas parece que não posso te deixar sozinha com seus próprios
pensamentos.
— É que...
— Eu sei que poderia ser diferente, mas não me arrependo. E eu
gosto de pensar que tentando fugir, é que você veio pra mim.
— Você me cercou, Cohen. — Cutuquei.
— Mas foi você quem me aprisionou. — Fiquei tonta outra vez,
sem saber o que dizer ou como reagir.
Não estava acostumada com seu lado tão transparente de ser, e isso
sempre me corrompia, me assustava, confesso. Eu sinto que estou
caminhando por uma estrada irreversível.
Mais do que tomar tudo de mim para si, ele também me preenchia
com sensações rasgadoras de acolhimento. Sendo para mim, um ponto de
equilíbrio diante de todo o caos, que pela primeira vez, não era eu quem
precisava aguentar o peso.
— Vamos nos acertando, eu prometo. — Desviou seu olhar da
estrada por um momento. — Confia em mim!
— Eu confio!
E depois de assumir isso, e reafirmar inúmeras vezes até acreditar
no que eu estava dizendo, foi que as coisas ficaram mais fáceis, e até
divertidas de certo modo.
No dia subsequente por exemplo, havia pessoas aguardando a
chegada de Cohen na sala de espera de frente para minha mesa, mas ao
chegar, ele me olhou seriamente e pediu com autoridade que o
acompanhasse. Nem parecia que horas mais cedo estávamos nos
despedindo depois de mais uma noite juntos. Em outros tempos eu teria
estremecido inteira, acharia que minha cabeça rolaria a qualquer momento.
Tentei dizer que eram visitas importantes, mas bastou que sua porta
se fechasse para ele me puxar para o seu colo e dizer que não havia nada
mais importante do que a saudade que o corroía como uma necessidade
infernal de me ter por alguns instantes. E eu não escondi meu sorriso
entregando mais um pouco de mim para ele.
A primeira coisa que eu fiz ao sair da sala, foi procurar uma
empresa especializada em acústico.
Nesse mesmo dia, nos encontramos por acaso no elevador e antes
de sair, sobrando apenas nós dois, ainda que com destinos diferentes, ele me
puxou para um beijo, travando o elevador por exatos cinco minutos. Eu não
tive horário de almoço. Cohen por outro lado teve, e sim, eu fui o banquete.
Na sua mesa, tão enlouquecedor como da primeira vez, me levando ao
desespero por não poder urrar a cada estocada de prazer. Abafando meus
gemidos em sua boca, tomando-me em um beijo faminto.
Foi difícil voltar ao trabalho depois disso, mas eu consegui. Tive
que deixar sua sala a contragosto, pois ele não queria me deixar sair. E a
cena se repetiu na noite do dia seguinte. Cohen me buscou e me levou
novamente para seu apartamento.
Quase não dormimos. E quando dormimos foi tão sublime que eu
senti — Com seu polegar acariciando minha pele —, que não havia mais
nada me protegendo dele mesmo.
E nesse mesmo ritmo os dias se passaram. Eu cada vez mais
ocupada me dividindo em duas, a Anya publicitária que agora estava
envolvida em uma campanha gigantesca para contornar toda a situação, e a
secretária que aos poucos Cohen foi substituindo por outras duas pessoas
para cobrir a minha ausência. Meu tempo ocioso era sempre preenchido por
ele.
Andrea estava me evitando, me olhava de soslaio sempre que me
via passando. Hannah e Ruby desconfiavam, mas eu não confirmei nada,
elas apenas riam e de vez em quando, me pegavam em situações
comprometedoras, como quando apareci para almoçar com elas com a
camisa do lado avesso.
Holly estava recebendo suas encomendas e preferências no ateliê.
Passou a chegar tarde em casa por conta do trabalho. Disse que trocamos de
lugar, pois ela sequer estava tendo tempo para suas fodas casuais, e isso a
deixava mau humorada. Por isso eu estava evitando o nome de Casper
dentro de casa, ela sempre surtava.
Meus dias começavam com uma mensagem no café, e Joe ria
sempre que recebia em seu celular o que deveria escrever, isso quando não
ficava vermelho feito um pimentão, mostrando-me o que Cohen queria que
ele rabiscasse.
“Quero você!"
"Estou esperando!"
"Desmarquei meu primeiro compromisso, preciso de você!”
"Esqueceu sua calcinha na minha cama."
No começo me pareceu uma provocação, uma espécie de castigo
pelo Joe ter me ajudado. Depois eu entendi que Cohen o via como nosso
único aliado amigável, a ponte confiável entre nós dois. E eu claro, o
respondia em seu café. Deixava as mais provocantes para quando eu sabia
que ele estaria acompanhado. Era divertido a forma como ele se endireitava
para não perder a postura, e um único olhar era necessário, como se me
dissesse: Me espera!
E nesse mesmo dia, sem de fato estar esperando, enquanto eu
atravessava todo o Polo de desenvolvimento da Archer, é que ele me
surpreendeu, me puxando quando ninguém mais estava vendo.
— Cohen! — Sussurrei no corredor sem poder falar muito alto, pois
estávamos passando por uma colmeia inteira do departamento de relações
públicas, todos concentrados, enquanto Cohen me arrastava.
— Cohen estou atrasada.
— Você não me pareceu atrasada quando deixou aquilo no copo.
— Você disse que eu esqueci minha calcinha na sua cama, e eu só
quis que soubesse que não estou usando uma.
— Vamos ver se é verdade. — Havia um sorriso travesso em seus
lábios quando abriu uma porta no fim do corredor, sequer deu tempo de
olhar em volta. Ele fechou a porta e me beijou.
Me beijou como se fosse a primeira vez. Como se sua saudade
fosse carregada ao extremo por uma simples mensagem indecente que
deixei na sua frente. E isso foi há horas.
— Quase encerrei aquela visita, mas o cara atravessou o oceano
para uma mentoria comigo, e agora você me deve cada segundo que ficou
na minha mente enquanto eu falava sobre a porra da minha vida.
Ri imaginando, a verdade é que era fácil demais sorrir com ele,
sendo Cohen ou o Joe das mensagens.
Esse mesmo sorriso se transformou quando Cohen abriu o zíper da
minha saia, e seus dedos desceram, massageando meu sexo, brincando com
minha intimidade até que eu estivesse molhada e pulsando, latejando
enquanto eu implorava para que não parasse.
Cohen realmente me castigou com movimentos lentos enquanto
sussurrava em minha orelha, mordiscava meus lábios e serpenteava sua
língua na minha, chupando sorrindo quando um gemido me escapava.
— Goza pra mim, Anya. — E essa foi uma de muitas.
Sempre eu primeiro, depois ele, como se me aliviar fosse
prioridade, ou me ver chegando ao ápice pela sua boca ou dedos ágeis fosse
o que ele precisava primordialmente.
Depois de chegar uma ou duas vezes ao clímax, era sua vez de se
enterrar em mim.
Era engraçado como nossos olhares sempre se encontravam, o dele
sempre preso em admiração ou promessas silenciosas. Inexplicável, era
forma como nossos corpos conversavam. Fui surpreendida diversas vezes
da mesma forma. Seus toques chegavam desavisados e quando eu menos
esperava, lá estava ele, me lançando uma piscadela na qual eu tinha que
disfarçar o sorriso, me acostumando com as mãos bobas, e os beijos
repentinos.
— Porra, Anya... Você é meu vício! — Me perdi quando nesse
momento, deixando-me levar por sua voz rouca, cheia de prazer e
sofrimento, ele não resistiu, e um instante depois estávamos nós dois,
atracados em um canto de novo. Meu coração estava passando por uma
prova de fogo constantemente, e me assustava a forma como eu me
acostumei com esses pequenos solavancos.
O calor no meu ventre e todas essas borboletas alvoroçadas,
esperando pela melhor parte do meu dia, ou mais uma noite ao seu lado,
mais um amanhecer em seus braços e a clima aprazível que nos envolvia.
Olhando Cohen pela manhã eu sabia, lá no fundo da minha alma que algo
havia mudado. Transcendeu, ultrapassando todo medo e receio, atropelando
meus sentimentos sem nenhuma válvula que abortasse ou freasse o que eu
estava nutrindo.
Eu só não conseguia nomear, mas no fundo eu sabia.
E chegou a ser sufocante a vontade que tive de verbalizar, e foi
ouvindo as batidas do meu próprio coração enquanto o observava dormir
sereno, livre de qualquer preocupação ou malícia, que eu sussurrei quase
inaudível.
— Te amar vai ser como cair de um precipício. Por favor não me
solta, Cohen!
CAPÍTULO 28
Pode ser tão doce. Pode ser tão amargo. Se o futuro que sonhamos está escurecendo.
Eu vou te amar de qualquer maneira.
It’ll Be Okay – Shawn Mendes

Ele cobrou o domingo.


Não acreditei quando Cohen me obrigou a aparecer no mesmo
horário de sempre, em uma manhã de domingo!
Ele devia saber que eu não estaria de bom humor, todavia, bastou
que eu visse seu olhar travesso se divertindo quando me viu chegar com
desânimo, para saber que Cohen estava aprontando.
— Quanta disposição. — Brincou quando parei no meio da sua
sala, cruzando os braços com o olhar entediado.
— É domingo. Eu não trabalho no domingo, se quer saber eu ainda
estaria dormindo.
— Mas você perdeu uma aposta e me deve um dia comigo.
— É por isso que eu vim reivindicar. — Larguei minha bolsa na
poltrona antes de ir até ele
Em seu semblante havia a sombra de um sorriso. Cohen estava mais
lindo a cada dia, ou eu estava cada vez mais perdida.
— Devia ter feito isso ontem.
— Eu não estava plena em meus pensamentos.
— Mas estava bem plena fazendo outras coisas. — Parei do seu
lado, tentando não demonstrar estar afetada com a lembrança. Pigarreei
cruzando os braços.
— Se estou lembrada, Sr. Archer... — Provoco. — Apostamos que
eu viria trabalhar um domingo caso me atrasasse, mas isso só aconteceu
porque eu passei a noite conversando amenidades com você mesmo. Logo,
você é o culpado pelo meu atrasado.
Arqueei uma sobrancelha dubitável.
— Você induz uma verdade e eu induzo uma vitória.
— Isso é trapaça.
— Isso é um atalho!
Semicerrei os olhos, tentando não me render a sua arrogância.
— Um atalho para o quê?
— A Archer está vazia. — Franzi a testa desconfiando. — Os que
trabalham hoje, foram dispensados. Eu disse que o núcleo passaria por
manutenção, quero te mostrar algumas coisas.
— Ah, então eu vou ganhar um tour?
— Quase isso. — Respondeu se levantando, parando em minha
frente. — Prometo que entrego você em um pijama confortável ainda antes
do fim da tarde. Mas, se preferir, também posso te oferecer algo confortável
sem envolver muita roupa. Você escolhe.
— Melhor do que passar o domingo inteiro trabalhando. — Ganhei
um beijo lento e demorado.
— Eu disse que você passaria o dia comigo, não trabalhando.
Só me restou acompanhá-lo pelos corredores vazios da Archer.
Departamentos inteiros em completo silêncio. Não é como se eu já
não conhecesse grande parte desse edifício, mas parece que Cohen
adivinhou o único lugar que eu ainda não tinha ido antes.
O núcleo de desenvolvimento.
Eu não descreveria como uma sala de cinema como Hannah
descreveu, apesar de realmente ser tão escura quanto, e o chão ser
antirruído em um carpete maciço, com poucos pontos de led indicando o
caminho até as mesas. Uma infinidade de telas pretas com pequenas ondas
que simulavam o logotipo da Archer, e passeava por todas elas,
mergulhando de tela em tela, como se tudo ao nosso redor fosse parte delas
e a ilusão era certamente coisa de algum gêniozinho que gostava de brincar
com interfaces.
— Cuidado com o chão. — A voz de Cohen ecoa abafada, aquela
sala imensa realmente tinha o acústico de um cinema.
Mas eu não descreveria como um, porque mais parecia um
planetário, coisa de outro mundo. Ou como Hannah disse, parte de alguma
organização secreta. O sonho de todo desenvolvedor.
— Você achou que tinha alguma coisa extraordinária na minha
casa, acho que você estava esperando algo como isso. — Sorri escutando
sua voz, quando ele se apoiou em uma cadeira estofada.
— É aqui que você trabalha quando não está bancando o CEO
implacável lá em cima?
— Lá eu preciso ser um Archer, aqui eu sou parte da equipe.
— E no que você está trabalhando agora?
Cohen deu ombros, a sala tinha a visão precária. Agora eu entendo
por que Hannah os apelidou, é realmente muito escuro. Eu não conseguia
enxergar onde as fileiras incontáveis de mesa começavam ou terminavam.
— Em algo que alguém começou e eu quero terminar. — Anui
enquanto Cohen se distraia com a tela acendendo na sua frente. — Olha
isso...
O teto que até então estava um completo breu, ascendeu como um
projetor de última geração que o transformou em uma grande galáxia.
O formato oval, parecia o de um observatório. Era a coisa mais
surreal que eu já tinha visto, pois se não estivesse apagado segundos antes,
eu duvidaria que eram projetores fazendo isso.
— É em tempo real.
— O quê? — Me surpreendo olhando para ele. — Isso é real?
— As imagens, sim. — Cohen continuava digitando algo que nem
me atrevi perguntar o que era, pois letras e símbolos coloridos subiam e se
enfileiravam. Era notável, Cohen dominava aquilo. — No evento da Archer
você me perguntou sobre a mulher que aparecia nas fotos. O nome dela é
Sarah Mayer. Ela trabalhava nessa mesa, e todo o núcleo dev era dela. O
nome dela está nas entrelinhas entre os maiores desenvolvedores da época.
A Archer... só é o que é, porque ela colaborou com tudo o que você conhece
por tecnologia hoje.
Ele não me olhou enquanto falava, tinha seus olhos fixos no
teclado, e cada vez que uma fileira de códigos subia pela tela preta, uma
outra tela em algum lugar daquela sala que agora eu podia ver o quanto era
enorme, se acendia.
— E isso foi ideia dela?
Cohen sorriu, parecia de algum modo, por muito louco que seja,
tímido.
— Eu gostava de Guerra nas Estrelas. — O observei por um tempo,
Cohen era uma caixinha de surpresas. Ele então pegou na minha mão e me
puxou para sentar em sua perna.
— Me enganei com Sheldon Cooper. — Comentei sozinha,
lembrando das minhas referências. Sheldon estaria ofendido agora. Ou
questionaria Cohen já que Jornada nas Estrelas é muito melhor. Percebi seu
semblante franzindo com curiosidade. — É coisa minha.
Cohen riu apertando meu corpo em cima dele. De repente aquele
computador já não tinha mais sua atenção e ele capturou meus lábios
enquanto ainda sorria.
Perdemos a noção do tempo ali.
Pedi ao Cohen que me ensinasse um pouco do que eram aqueles
códigos, e escutei com atenção, encantada com o que podia fazer com uma
combinação de letras e coordenadas. Mas era só isso, eu não aprendi nada.
Mesmo assim continuei quando ele disse que estava finalizando, e o
que surgiu depois que ele concluiu, arrancou dele uma gargalhada e grande
ponto de interrogação na minha cabeça, porque a tela ficou verde e mais
nada.
— O que eu fiz de errado? — Ele se recostou na cadeira enquanto
eu ainda encarada aquela tela.
— Vai ter que conferir todos os códigos para descobrir.
— Todos? — Esse assentiu e eu desisti.
Me encostei nele e olhamos para o teto oval, para aquele planetário
artificialmente estrelado.
Conversamos amenidades, estrelas e planetas, junções e teorias que
ele não acreditava, mas eu disse que minhas fontes eram confiáveis. Tal
como as doze temporadas de The Big Bang Theory.
Quanto mais o tempo passava, mais dele eu conhecia, pequenos
detalhes e manias, que nos transportava para várias épocas das nossas
vidas.
Cohen acabou revelando que já tinha falado de mim para o zelador
Myles, e que depois daquele dia, ele tem perguntado com frequência.
— Há quanto tempo ele trabalha aqui? — Perguntei enquanto
Cohen enrolava uma mecha da ponta do meu cabelo em seu dedo.
— Vinte ou mais.
— Nossa! — Sopesei surpresa. — Cohen, isso é uma vida.
— Eu sei. O conheço desde menino. Ele nunca trocou o apelido.
— Você vinha aqui quando era criança?
— Às vezes. Na verdade, eu sou de São Francisco. Cresci e morei
lá boa parte da minha vida. — Disse e eu senti seu sorriso. — Mas eu
vinha sim.
— Não sei como não percebi. — Comento me lembrando do jeito
que John falava com ele. O olhar cúmplice. — Você disse que gosta de
jantar com ele. Com que frequência você fica até o período da noite?
— Antes era mais. As vezes virava a noite trabalhando, as vezes eu
só ficava para jantar com ele mesmo.
Observei aquela imensidão sob nossas cabeças com meus
pensamentos voltados a ele. Ao quanto eu não me cansava de conhecê-lo,
ao quanto cada parte dele me encantava.
— John é o único que lembra da minha mãe. — Sua voz não
mudou, mas havia algo diferente nele.
O dedo que brincava com meu cabelo quase parou, e eu não sabia
muito o que dizer.
— Ela trabalhava aqui também? — Cohen murmurou que sim.
Então algumas coisas se assimilaram dentro de mim.
— Era ela nas fotos, não era?
Cohen não disse nada, apenas anuiu, seus dedos entrelaçaram nos
meus, e o silêncio confortável nos abrangeu.
Sarah Mayer. A mulher por quem ele estava dando continuidade a
alguma coisa. A mesma que aparecia em algumas fotos, das quais Cohen
expos para que todos vissem.
Pensei que ele tinha ficado mal com a pergunta, mas senti que
sorriu, como se fosse dominado por alguma lembrança.
— John me encontrava nos corredores com um capacete do Darth
Vader. Ele sempre dizia que minha mãe estava doida me procurando.
Foi minha vez de sorrir. E terminei aquele dia ouvindo outras
histórias como essa.
Me apaixonando pouco a pouco por cada sorriso e cada beijo que
ganhava quando ele decidia que estava falando muito e simplesmente
parava para me admirar, mal sabia ele que eu fazia o mesmo enquanto ele
falava.
Quando estávamos juntos era tão simples. A sensação a mesma de
estar nesse edifício vazio. Era como se não existisse mais nada. Nenhum
problema, nenhuma vírgula ou reticencias, éramos só nós dois e ponto
final.
CAPÍTULO 29
Este é você. Este sou eu. Isso é tudo que precisamos.
Hold Me While You Wait – Lewis Capaldi

Eu estava completamente exposta e livre de armaduras.


Nenhuma barreira ou pensamentos perturbadores. Esses nem eram
possíveis, pois, as notícias que vinham de casa eram as melhores. Tom
estava radiante, e como presumi, ele viu isso em mim também. Disse que
estava bonita, sorridente. Disse que eu parecia feliz!
E ele não errou.
Meus olhos transbordaram quando meus pais apareceram e
admitimos nossa saudade. Eles estavam tão felizes, todavia, algo ainda nos
assombrava e eu tinha que resolver. Tom passou por todos os testes e agora
só estava esperando a chegada do seu aparelho, e eu evidentemente,
precisava agilizar a dívida que ficou no hospital.
Lembro como se fosse hoje quando soube que o convênio da
Archer era associado a uma clínica de Minnesota, e que cobriria todo o
tratamento do meu irmão. Logo, eu também me lembro de quando surgiu a
possibilidade de ele escutar novamente com a ajuda de um aparelho após
uma cirurgia. Foi nosso único gasto de fato, e agora precisávamos pagá-lo,
e só ainda não fizemos, pois eu ainda pagava os custos hospitalares do meu
pai.
Eu tenho minhas economias. Papai também guardou parte do
dinheiro que eu mandava, essa nem era minha maior preocupação, mas era
a do meus pais e eu sabia que precisava tranquilizá-los. Muito embora eu
entendia a aflição. Tom conheceu um mundo novo, uma possibilidade que
se tornou nosso sonho de vida e era responsabilidade nossa realizá-lo.
Ainda mais minha.
Me surpreendi depois de falar com meus pais, quando Cohen
percebeu que eu estava estranha. Nem eu notei que deixei meus
pensamentos longe. Um misto de saudade e cobrança interna que eu
precisava controlar perto dele.
Cohen não é do tipo de pessoa que aceita muito bem questões em
aberto, e entendi que alcançamos um patamar em que eu estar minimamente
preocupada, já era um problema para ele. E ele não sabe passar por um sem
conseguir resolver. Isso ficou claro pra mim quando cheguei no outro dia e
nem precisei entrar pela porta para ouvir Cohen e Casper discutindo. Cohen
tinha razão, eu era curiosa, mas duvidei que alguém não fosse ao entender o
cunho pejorativo daquela conversa.
Ouço a voz de Cohen, e não ouso dar mais um passo sequer. Travei
antes de tocar a maçaneta.
— Você não percebe que cai em contradição todos os dias? —
Reverberou Casper. Sua voz ecoava pelo andar inteiro. — Não me peça
para ser paciente ou compreensível, porque não é você do outro lado!
Nunca foi!
Senti umas batidas falharem, eles estavam discutindo.
— Mas agora é! E não sei se está lembrado, mas eu arrisquei tudo
por você quando me pediu um voto de confiança. Acha que está sendo fácil
para mim agora?
Casper bufou.
— Você é incapaz de assumir que errou confiando naquele verme!
Incapaz de ver o quanto ele te manipulou. As coisas mudaram, Cohen.
— E você quer que eu faça o quê?
— Acaba logo com isso!
— Eu não consigo!!! — Um silêncio ensurdecedor perdurou
segundos após seu grito. — Eu não consigo, Cas! Estou desesperado é isso
que você quer ouvir? Que eu preciso da sua ajuda?!
— A minha ajuda você teve, e eu provei que estava certo, agora
deixe ela fora disso, ou vai se arrepender para o resto da sua vida!
Eu estremeci no lugar e pulei, sentindo meu coração vir parar na
boca quando alguém tocou meu ombro.
Era Hannah.
Seu olhar estava caído e ela me chamou em um manear com a
cabeça. Longe de querer me tirar dali, parecia mais um pedido de ajuda,
como se ela entendesse exatamente o que estava acontecendo lá dentro.
Ela tentou sorrir, mas foi tão falho, que seus olhos foram mais
rápidos e alagaram em um brilho intenso.
Meu coração ainda batia freneticamente. Eu sentia o desespero na
voz do Cohen. Era como se doesse em mim seu apelo, doía ainda mais
porque eu sabia que Casper não era obrigado a ajudá-lo.
Descemos até a cafeteria, onde Joe me cumprimentou com um
aceno ao perceber que nos sentamos em uma mesa de canto. Como eu
nunca fiz isso, foi evidente que estávamos ali para conversarmos em
particular.
— O que aconteceu? — Perguntei deixando minha bolsa de lado.
— Quer um conselho? — Hannah começa depois de um longo
suspiro. — Faça como eu, não fique no meio dos dois. São irmãos, Anya,
eles são prioridade, nós não. Eles estavam brigando porque o pai deles
acabou de deixar a empresa, teve uma conversa particular com Cohen.
Seu olhar era quase apelativo, como uma voz da experiência,
falando do que sabia.
— Sobre?
— Quem sabe? Foi rápido. Casper estava comigo quando ficou
sabendo, ele atravessou a Archer em segundos e acabou pegando parte da
conversa. E pelo que ouvi da discussão agora, parece que o pai deles já está
sabendo que houve um desvio dentro da empresa, e que tem alguém
tentando expor esses crimes.
Me atentei a sua voz melancólica com uma nota enraivecida, uma
indignação continua e imutável.
— A imagem da Archer sempre vem primeiro. — Não parecia ela
falando. — Não se esqueça disso.
Entendi aquilo como uma indireta. E eu não tinha mais o que
esconder, pelo menos, não dela.
— Casper estava pedindo para te deixarem fora. — Falo, avistando
pela visão panorâmica Joe digitando em seu celular, após me fitar por cima
dos cílios.
Ela sopra um sorriso sem vida.
— Pelo que eu entendi, Cohen tem direito de estar apaixonado, mas
Casper não sabe o que sente segundo o irmão. E agora que o pai dele sabe
sobre mim, ele não vai fazer nada mais que pedir. E eu não estou dizendo
que Cohen é o errado, já entendi que ele não tem escolha, não cabe a ele me
deixar fora, não é ele que está desconfiando de mim.
— Hannah...
— Ele não teve coragem de dizer ao Cohen que eu estive com ele a
noite toda no evento. — Despeja me interrompendo.
Paralisei.
Hannah estava cada vez mais afetada e eu me culpei, por
simplesmente estar vivendo os dias mais felizes da minha vida enquanto
outra pessoa sofria no meu lugar.
Eu não via mais aquela mulher forte diante dos meus olhos. Por um
momento, ela me permitiu ver o que estava sentindo de fato, e eu me odiei
por não ter visto isso antes.
— Ele deixou que o Cohen acreditasse que pode ter sido eu. Ele
deixou que o Cohen acreditasse que eu disse aquelas coisas e que ainda
quero prejudicá-lo. — Ela ri sem emoção, então me dou conta de que
Hannah não sabe nada sobre mim, senão o que Casper já deve ter contado
ainda antes do evento. — Logo eu que só estava fazendo o meu trabalho,
que só estava fazendo o que Winter me pediu.
Desviei meu olhar para a mesa, respirando imperceptivelmente,
tonta com seu desabafo, atropelada pelas consequências que eu ignorei.
Cohen sabe de toda a verdade.
Casper também.
E a única coisa no qual Hannah estava certa, era que ele estava
omitindo para não prejudicar o irmão, só não sabia que também a mim, a
pedido do mesmo.
Não pareceu ser uma ordem.
Eu senti no sorriso satisfeito de Casper daquela noite na Teto-7, que
ele estava fazendo por consideração.
Como eu pensava, os boatos e a realidade, pelo menos a realidade
que eu presenciei, não coincidem.
Eu acreditei, que as palavras do Casper a mim foram de puro
desespero, como se por um momento, eu realmente fosse essa pessoa
enviada propositalmente, sua ameaça me manteria ao lado do seu irmão. E
finalmente, pode ter sido uma comemoração interna, um momento que
talvez ele estivesse esperando para comemorar a própria liberdade, uma vez
que Cohen e eu estejamos juntos, ele sabe da minha parte, não tem mais o
que temer.
Portanto, eu posso apostar que Casper estava pedindo para ele
acabar logo com isso lá em cima, para deixar Hannah fora de uma vez por
todas, como se fosse a vez do Cohen retribuir a ajuda.
O que me faz ter certeza de que, em partes, Hannah está certa.
Casper o tem como autoridade máxima, uma vez que abriu mão dela para
ajudá-lo.
— Acho que você também está sendo influenciada pelo que falam
dos dois. Acredite, Hannah, Casper estar te defendendo só significa que ele
está lutando por vocês.
— Não Anya. — Ela ri sem vontade. — Ele está esperando uma
autorização.
Por um momento, tive vontade de contar tudo a ela, para pelo
menos, fazê-la enxergar que Casper realmente estava fazendo, mas Joe
chegou com um café para cada, mesmo que eu não tivesse pedido.
Passei meus olhos pelo copo com uma inscrição chamando minha
atenção.
"Suba. Precisamos conversar."
Não precisei perguntar quem era.
Hannah sorriu, mas não havia nada que remetesse felicidade.
— O Archer certo — Disse com o olhar vago. — Você teve sorte, o
errado fez um estrago na minha vida, bem maior do que na minha cama.
Ela se levantou e me deixou ali, sem tocar no café ou se despedir.
Eu via a mágoa estampada em seu semblante quase nunca afetado. Longe
de ser inveja, ou qualquer coisa parecida. Hannah estava quebrada, e eu a
admirava por saber esconder tão bem.
Talvez fosse sua maneira de lidar com a decepção.
Ela é do tipo de pessoa que não se permite ser magoada por um
homem. Holly é idêntica a ela nesse quesito, mas eu sei que minha amiga
também já foi muito machucada na sua família, a ponto de alguém ter que
se esforçar muito para magoá-la, fato que só aconteceria se ela permitisse.
Talvez Hannah fosse assim.
Mas era a inverdade dos fatos que não a permitia saber o que
realmente estava acontecendo, e eu me odiei por isso.
— Ela está bem? — Joe pergunta. Eu ainda a observava se afastar
tentando manter a cabeça erguida, e neguei sentindo-me culpada. — Ele
perguntou de você. — Joe apontou para o copo.
— E você virou um pombo correio, fofoqueiro!
— Você me ensinou a não o contrariar.
Ele sorriu voltando ao seu trabalho, e eu subi para começar o meu.
Cheguei ao andar novamente, mas dessa vez em um completo silêncio. As
palavras da Hannah não me abandonaram. Se repetiam na minha memória
recente, sem se encaixar com o Cohen que eu conhecia.
Afinal, o que ele tinha contra o relacionamento do irmão?
Toquei na porta semiaberta e a abri com cautela.
Cohen estava de costas para sua mesa, encarando a cidade através
da vidraça, mas virou-se assim que me ouviu entrar.
— Onde estava? — Pergunta preocupado. Tão aflito que mesmo se
eu não tivesse escutado a discussão, saberia que algo nele estava errado.
— Na cafeteria, mas não é como se você já não soubesse. —
Respondo fechando a porta vagarosamente. Me aproximei em passos
lentos, receosos, apertando o copo na minha mão. O deixei no bar ainda
intocado, e suspirei sem coragem de olhá-lo. — Ouvi vocês discutindo.
Senti Cohen tensionando. Seu semblante dolorido, como se tivesse
se dado conta de que não poderia fugir da conversa comigo.
— O que exatamente?
— Sobre a Hannah... — Eu o olhei no exato momento em que um
vinco franziu sua testa. — Quando isso vai acabar, Cohen?
Ele pareceu procurar por respostas, retesando seu maxilar e
encarando o chão com a expressão dura.
Eu por outro lado, sentia um misto de constrangimento, medo do
invisível, e culpa, uma grande culpa que me colocava em uma situação de
profundo arrependimento.
— Eu não sei. — Percebo o quanto ele está aflito, um nervosismo
evidente. — De verdade, eu não sei! Meu pai ficou sabendo e isso é a pior
coisa que poderia ter acontecido.
Seus olhos cravaram nos meus, por tempo demais, como se ele
tentasse se livrar das palavras enquanto lutava contra uma vontade de não
falar.
— Você diz que está resolvendo, mas só está protelando. Não pode
continuar pedindo para o Casper ser compreensível, isso é como fingir que
nada está acontecendo.
— A única maneira de tirar a Hannah disso é expondo você, e isso
não vai acontecer. — Penso no tempo em que passamos juntos, e todos os
dias em que eu sorri, enquanto Casper e Hannah seguram o que nós
deveríamos estar enfrentando. Era tão compreensível o ódio de Casper
agora.
— Por quê?
— Não consigo parar de pensar que a cada dia você está mais e
mais envolvida e eu só quero deixar claro que... Eu deveria estar mais forte,
mas parece que está ainda mais difícil, Anya, porque eu não consigo deixar
de pensar que posso te perder e isso é... Inadmissível!
— Não vai.
Ele encarou o chão, como se aquela fosse a única maneira
minimamente corajosa de dizer, rápido, soltando o ar dos seus pulmões com
perturbação.
— Você recebeu os relatórios que detalham o bloqueio da
distribuição dos aparelhos. — Despejou dolorosamente. — Tem sua
assinatura no recibo.
Por um momento, Cohen pareceu mais desapontado do que
qualquer coisa, e seus olhos voltaram-se para mim inflamados, prestes a
explodir.
— E então? — Indago com frio na barriga devido ao silêncio.
— Está dizendo que você recebeu. — Retesei fitando o papel em
sua mão. — Tem sua assinatura aqui, e o Casper sabe disso.
— Se eu recebi, deve estar na sua mesa, onde eu sempre deixo. —
Respondo com alívio, até perceber que ele não considerou.
— Anya... — Meus olhos se encontraram novamente com os dele.
— Não está na minha mesa. Estou atrás desses papéis há dias.
— Como não? Deve ter uma explicação.
— Casper sugeriu que... — Ele engole duramente. — É a única que
tem acesso a minha sala.
Meu mundo se ruiu.
Senti como se geleiras desabassem em cima de mim. Eu sabia que
estava fundo, eu só não sabia que doeria tanto quando fosse tentar respirar.
— O que está insinuando? — Ele tomou um suspiro encorajador e
ligeiramente deixei escapar uma risada sufocada. — Está desconfiando de
mim?
— Não, eu confio em você, eu só quero saber dos papéis. —
Enxerguei o nervosismo que o consumiu, o deixando agitado.
— Se eu recebi, deveriam estar na sua mesa! — Afirmei, tentando
esconder a incredulidade que me consumia.
— Por favor, me desculpa eu não estou...
— Sim você está! — Completei interrompendo seu quase
desespero, senti minhas vistas arderem. — Eu me responsabilizo por eles!
Tem minha assinatura aí, então são responsabilidade minha!
— Isso quem está dizendo é o Casper, ele está com raiva.
Assenti com a decepção. Com ele, mas principalmente,
decepcionada comigo mesma.
— E com razão. — Não consigo esconder o bolo dolorido que se
formou na minha voz. Não aguentei olhar em seus olhos por muito mais
tempo, parecia que Cohen estava se odiando por ter me dito o motivo da
discussão.
Não disse mais nada quando deixei sua sala, mas fui surpreendida
no momento em que abri a porta e me deparei com Casper.
Seus olhos não passavam de uma sombra pesada sob mim.
Ouvimos juntos quando Cohen destruiu algo e não fiz mais do que engolir
duramente passando por ele, lidando sozinha, com tudo o que eu precisava
digerir.
— Não fique no meio dos dois. — Foi só o que me lembrei, as
palavras da Hannah ecoando em minha mente.
— Anya. — O ouvi me chamar, e não consegui conter a lágrima
que escorreu pesadamente.
— Eu posso ter recebido sim, mas não foi eu, Casper! — Parei de
andar ainda no hall, o encarando com frieza.
Eu deveria entender, eu causei tudo isso, e o mais afetado no
momento é ele, e por mais absurdamente compreensível que seja, não deixa
de doer.
Eu queria conhecer menos o Cohen para não estar tão decepcionada
comigo mesma, porque por mais dolorido que seja, eu sei que ele não
queria estar fazendo isso. Parecia ser algo que ele devia ao irmão.
— Então por quais motivos você disse tudo aquilo no discurso de
lançamento da Archer?
Mais do que decepção, a raiva me consumiu, a mesma que fez eu
defender o meu irmão.
— Isso é algo que você nunca vai saber. — Despejei ficando de
frente para ele. — E quer saber da verdade? Eu é que não sei mais em quem
acreditar, porque dizem que o Cohen te manipula, mas o que eu vi foi
completamente o contrário. Na sua maneira de defender a Hannah, você
está colocando ele contra mim, e eu nunca vou te perdoar por isso!
— Hannah? — Ele devolveu, com a mesma incredulidade do
irmão, franzindo a testa.
— Era o que você queria ouvir? Pois bem, eu nunca quis prejudicar
o Cohen, e nunca seria capaz de fazer isso! Eu sinto muito, se as
consequências tomaram esse rumo, Casper, mas eu não estava lá para
sabotar o evento! — A minha maior decepção foi ver se concretizar, tudo
aquilo de ruim que falavam dele. Porque agora tudo o que eu vejo é o que já
viram antes. — Você ao menos teve coragem de contar ao seu irmão que
me ameaçou? É isso que está fazendo agora? Me usando... sendo como
você mesmo disse, a pessoa que mais o intimida no momento? Acha que é
assim que vai tirar a Hannah dessa história?
Casper me encarou por um longo momento.
— Seja qual for os seus motivos, só fica fora disso!
Eu não queria me decepcionar tanto, eu não queria esperar tanto de
alguém. Foram segundos intermináveis de torpor. Eu o via sem de fato ver,
e escutava, sem de fato ouvir.
Assenti profundamente.
— Eu também tenho minhas prioridades, Casper. Eu também tenho
uma família, e luto todos os dias para preservá-la. Queria acreditar que você
está fazendo o mesmo.
Mordi meu lábio tentando conter as lágrimas que se acumulavam.
Enxerguei falsamente um vinco de arrependimento, mas
sinceramente eu já não podia confiar no que estava vendo.
CAPÍTULO 30
Me leve de volta para a noite em que nos conhecemos.
The Nigth We Met – Lord Huron

Eu não me considerava forte, mas me surpreendi ao respirar


profundamente e encarar um dia extenso e inacabável.
Eu não ia fugir.
Prometi dar o meu melhor, mesmo que uma onda arrasadora
estivesse tentando me derrubar. Eu aguentaria firme. Prometi a mim mesma
não desabar, por mais que sentisse punhos de ferro me puxando, junto a
uma pressão rasgadora que tentava me fazer chorar.
Respirei uma, duas, três, e quantas mais fossem necessárias, sempre
que me lembrava das palavras de Cohen, Casper e até Hannah. Elas vieram
como uma avalanche.
Algo em mim ruía minuto a minuto, pensando nos dias anteriores,
nos sorrisos e nos olhos que ao me encontrarem novamente, não brilharam.
Pelo contrário, não continham vida.
Neguei a mim mesma que estivesse vendo arrependimento na sua
face. Cohen me encarou dolorosamente e eu tive que me concentrar no que
era passado na tela de um computador, enquanto entregava tudo de mim
naquela campanha.
Mesmo não estando em condições de entregar nada.
O clima ficou pesado quando Casper surgiu naquela mesma reunião
de ajustes e nos pegou em flagrante. Ignorei o semblante de Cohen pesando
e a sensação de que ele queria me dizer alguma coisa, apenas pigarreei e
voltei ao que estava fazendo, sendo por horas intermináveis a mesma
tortura.
Sentia seu olhar sobre mim.
Respirava fundo, me livrava de todo ar acumulado em meus
pulmões, que desinflavam com fragilidade, enquanto eu por vezes era
obrigada a sorrir.
Meu celular vibrou com uma resposta que eu aguardava desde antes
de entrar aqui, confirmando internamente o que eu já previa, deixando meu
semblante cair.
Usando o número do escritório de Cohen que ficava na minha
responsabilidade, marquei um almoço com Drizella Hummer.
Não, eu ainda não estou louca.
Ela me mostrou o celular no dia em que entrou na sala de Cohen
quando ele não estava presente, logo, ela deveria ao menos desconfiar do
contato com o número diferente, mas ela caiu direitinho, me fazendo
acreditar que não partiu dele a mensagem naquele dia.
Eu não conseguia deixar de pensar nos papeis que ela levou,
tampouco no que me disse naquele dia. Alguém a mandou ali, e eu presumo
que seja a mesma pessoa que a encontrou momentos antes de se deparar
com o vestido.
Agradeci estar perto suficiente do horário de almoço, e como já
havia enviado o endereço a ela, decidi me adiantar.
— Continuamos depois. — Falei a coordenadora de marketing que
também se preparava para o almoço. Ela assentiu e me liberou.
Pesquei minha bolsa e sai dali com o coração acelerando.
Percebi como uma força gravitacional tocando minha pele, Cohen
se preparar para me seguir, e pedindo internamente que ele não o fizesse,
acelerei os passos, sentindo seu olhar fixo em mim.
Deixei a sala respondendo a mensagem, em passos acelerados até o
elevador daquele andar, tocando o botão freneticamente, ansiosa e
desesperada por respostas.
— Anya... — Meu coração falhou uma batida ao ouvi-lo me
chamar. Evitei por tudo nessa vida procurá-lo, até senti-lo tão próximo que
todos os poros do meu corpo ficaram sensíveis com sua presença. — Por
favor, não faz isso.
Senti a súplica em sua voz e seu olhar caído.
Eu não tinha como intensão machucá-lo. Eu não seria capaz de
fazer isso, mas a decepção dentro de mim era algo dolorido. Machucava.
Sentia vontade de correr na direção contraria, eu sentia vontade de me
proteger, mas já era tarde.
Senti seu dedo mindinho tocar minha mão, e recuei como se aquele
mísero toque fosse capaz de me ferir.
— Tem gente olhando. — Ele recuou, por mais difícil que tenha
parecido, ele recuou, e eu anui tristemente.
Estávamos sozinhos.
Então o deixei.
O deixei porque eu preferia respirar com dificuldade a não respirar
nada. Disse para mim mesma que eu não precisava mergulhar na bagunça
que é sua vida. Eu realmente não precisava estar no meio desse fogo
cruzado entre ele e o irmão.
Mas eu cansei de ser atraída, cansei de ser cercada e não, eu não
estava fugindo, muito pelo contrário, eu estava indo para o olho do furacão,
porque estar no meio disso não foi uma escolha minha, mas era uma
escolha minha continuar escondida ou não. Deixei que Cohen tentasse
resolver as coisas do seu jeito, por nós, mas descobri que só estava
pensando no que era mais conveniente para ele.
Eu fiz e agora vou consertar.
Longe de querer agir pelo bem da Archer, Cohen já estava fazendo
isso.
Eu agiria por mim.

Avistei Drizella surgir por uma porta de vidro, caminhando a


procura do Cohen com um sorriso e um olhar esperançoso. A loira
serpenteou seus olhos por todo restaurante, e o mesmo se desfez ao me ver
sentada.
— Anya?
Talvez meu olhar incisivo tenha entregado minhas intensões ali.
Drizella se aproximou cautelosamente, e engoliu seco tentando sustentar
minha afronta quando indiquei que se sentasse.
— Fui eu que marquei com você, sente, porque eu quero ser
rápida.
Engolindo seco ela aceitou, e sentou-se ainda receosa. Nada
parecida com a mulher que eu conhecia. Ela cheirava a medo e eu nem
precisei de muito para ver que escondia algo.
— Você entrou na sala do Cohen naquele dia, disse que ele te
autorizou, mas eu já sei que é mentira! — Despejo. — Os papeis, Drizella,
quem pediu e onde estão?
Seus olhos quase saltaram para fora, e naquele momento eu tive
certeza de que eram lentes.
— Eu não...
— Acho que eu não fui direta o suficiente. — Interrompi. — Você
pegou os relatórios na mesa do Cohen, o que me leva a acreditar que seu
pai, acionista da Archer, senhor Winter Hummer foi quem pediu, então me
diga o contrário ou eu conto o que sei para o Cohen!
Ela gaguejou.
— Ele não acreditaria em você! — Doeu, doeu ainda mais por saber
que tinha grandes chances de isso acontecer, mas ela não sabia disso.
— Drizella, não tem nada agora que eu não peça e ele não faça.
Você sabe que ele acreditaria. — Me odiei por querer machucá-la, me odiei
por querer ferir os sentimentos de alguém como um dia os meus foram
feridos.
— Você não entendeu, Anya. — Ah, agora ela sabe meu nome. —
Não foi meu pai quem pediu!
— Então quem fez você ir até lá naquele dia?
— Cohen, eu juro.
Um longo silêncio perdurou entre nós, eu tentava assimilar e no
fundo, admiti que já esperava por isso.
— E para quem você entregou?
— Ele pediu que eu entregasse para o meu pai.
— E você entregou? — Ela negou.
— Deixei com Hannah.
Suspirei tentando pensar rápido, acreditando nas suas palavras.
Drizella podia ser uma vadia, mas eu a considerava assim por
sempre falar a verdade, mesmo que essa verdade seja apenas dela, e
geralmente, elas ofendiam!
— Não era o Cohen. Quem quer que tenha feito você pegar esses
papeis, sabia que você tinha acesso àquela sala, e eu vou ser bem clara, se
esses papeis não aparecerem, seu pai vai estar encrencado.
A loira balbuciou, ainda mais amedrontada.
— Hannah. — Lembrou astuta. — Só pode ter sido ela. É por isso
que meu pai e eu desconfiamos. Faz todo sentido, Anya, ela pediu em nome
dele, e agora quer expor a Archer.
— Era eu naquela noite! — Anunciei sem delongas. Seu semblante
mudou de um estarrecimento profundo para um rubor violento, acredito eu,
movido pela raiva. — Eu falei aquelas coisas.
— Vadia! — Sua mandíbula travou. — Você... você manipulou o
Cohen, você arruinou o projeto da vida dele, e ainda deixou a Hannah ser
apontada como suspeita.
— Cohen sabe disso. — Eu disse, e ela congelou no tempo. —
Você disse que tinha alguém me procurando. E que esse alguém queria me
encontrar antes do Cohen. — Sinceramente, não estava me importando com
o que ela faria com essa informação.
Não sei ao menos, se acharia ruim que ela me delatasse.
Um longo período foi necessário para que ela digerisse, e se
lembrasse, como se isso ultrapassasse seu ultraje pela recente descoberta.
— Meu pai... e ele tinha certeza de que era a Hannah. Antes mesmo
do evento, ele avisou ao Cohen que isso aconteceria. Que ela tentaria
sabotar a festa e queria que ele se livrasse dela antes, mas Casper não
deixou.
“Eu arrisquei tudo quando me pediu um voto de confiança.”
Era disso que Cohen estava falando. No entanto, Winter ainda
desconfiava da Hannah.
— Eu preciso desses papéis! — Ela riu debochada.
— E espera que eu pegue pra você?
— Para o Cohen! — Me inclinei por cima da mesa. — Graças ao
que eu falei naquela noite, é que o desvio foi barrado. Esses documentos só
existem porque eu levei a criança até o Cohen. A essa altura, todos os
acionistas já teriam caído em um golpe estelionatário, inclusive seu pai.
Esses papeis detalham minuciosamente para quais empresas os aparelhos
foram barrados. Ou esses papeis aparecem, ou seu querido pai também
estará envolvido.
— Meu pai não tem nada a ver com isso. — Seu tom de voz
mudou.
— Então me traga esses papeis antes que ele mesmo explique o
porquê, seja lá quem tenha mandado você, mandou diretamente para ele.
— Não é óbvio? — Ela se alterou. — Hannah queria para provar
que era inocente. Para o bem da Archer é bom que esse desvio seja
solucionado em silêncio. Pelo que eu ouvi, quem fez isso, fez de uma forma
legal. Não tem como saber o responsável, apenas que a Archer desviou um
projeto milionário, tem a assinatura do Cohen, é ele quem vai se
responsabilizar pelo crime. E o único que tinha motivos para fazer isso é o
irmão dele!
— Desviou para onde? É isso que preciso saber. — Também me
alterei quando formulei as hipóteses.
— Eu não sei, sou apenas a filha de um empresário. Vai continuar
ameaçando meu pai Sherlock Amstrong, ou já posso ir embora? —
Perguntou estridente.
— Eu quero os papéis, ou Cohen vai pedir ao seu pai pessoalmente,
então ele mesmo explica o que faz com eles.
— Não me pressiona! — Pediu exasperada. — O que estamos
fazendo é certo? Olha se você estiver me fazendo cometer um crime
executivo eu juro que digo que estava sendo coagida.
— Crime executivo? — franzi minha testa indignada. — Sabe
quantas pessoas foram prejudicadas? Sabe quantas crianças estão esperando
por um projeto fantasma?
— Está falando igualzinho a vadia de Prata. — De repente seu
maxilar cedeu. — E se você se entregar? E se disser que era você naquela
noite? Hannah vai ser inocentada.
— Não posso. — Cruzei os braços rendida.
Ela negou com uma expressão amarga, de repente seu maxilar
travou, e ela desviou seus olhos como se negasse.
— Deve ser horrível, né? Ter que andar sempre escondida, se
esgueirando pelas beiras sem poder ser vista. Cohen não poderia desejar um
relacionamento melhor. — Murmurou sozinha. Engoli sendo infelizmente
atingida por suas palavras, que eram a mais pura realidade. — Sem
precisar se pronunciar ou se explicar, é conveniente pra ele. Era assim
comigo também, a filha do sócio dele, não posso me comprometer com seu
pai, não cairia bem para a empresa...
— Já chega.
— É a verdade, Anya. — Seus olhos me encontraram. — Acha que
eu nunca reparei no modo como ele olha pra você? Sabe o que me
confortava? Saber que ele jamais teria coragem de ser visto com a própria
secretária. Não é bom para a imagem da empresa, e você deveria saber, que
antes de qualquer coisa, vem a Archer. Por isso eu tenho pena, porque de
alguma forma, eu ainda fazia parte dela, mas e você?
— Eu já sei de tudo isso. — Tentei não parecer tão frágil, mas
sentia minhas vistas queimarem e o peso das lágrimas se acumulavam
contra minha vontade.
— Então sabe que Cohen é sim uma casca, oco e inquebrável. Você
se acha diferente, se acha privilegiada, mas não se engane, e estou falando
isso como mulher. Você nunca vai me ver se humilhando por homem, eu já
tive o que queria dele, agora faça como eu, e saiba onde a disposição
termina, se não quiser sair machucada.
Uma lágrima solitária desceu, eu só não sabia dizer se era mágoa ou
raiva. Talvez os dois.
— Ele é o imbecil, não eu. Sei que não está chorando por minha
causa, é porque você sabe que eu falo a verdade.
— Eu preciso voltar. — Espantei tudo que me forçava a ceder e
juntei minhas coisas, preparando-me para sair.
— Vou pegar os papéis de volta! — Garantiu. — Vou entregá-los na
sua mão, e você vai ver como o jogo perde a graça, quando nada mais
impedir vocês de ficarem juntos.
Senti lágrimas de fogo descerem como lava por minha face. Uma
decepção quebrantável, junto com um pedido interno de que ela estivesse
errada.
CAPÍTULO 31
Me mata saber como sua mente pode fazer você se sentir tão insuficiente.
Before You Go – Lewis Capaldi.

Uma semana depois...

— Então é isso? Você vai ignorá-lo?


— Como se estivesse preocupado. — Bufei, sem me dar o trabalho
de encarar Casper naquele momento. Meus olhos estavam vidrados no
computador, e eu apenas agradecia o fato de estar trabalhando com a equipe
de marketing da empresa, bem longe da sala do Cohen.
— Preocupado? Não, ele não está preocupado, ele está é ficando
louco! — Não entendia sua insistência
Casper não deveria estar ajudando-o, não deveria estar, nesse exato
momento, sentado na minha mesa implorando.
— E você nem está gostando, né? — O imaginei dizendo que
avisou.
— É a minha sanidade em jogo também.
— Sinto muito, ele é seu irmão, não posso fazer nada.
— Até quando vai ficar assim? — Parei o que estava fazendo e
suspirei, como se eu realmente tivesse um prazo. — Só pra saber.
— Estou fazendo o que me pediu, ficando fora disso.
— Sim, mas... você não precisa exatamente, ignorar Cohen
completamente. Pode até se divertir fazendo com que ele beije seus pés
enquanto pede perdão.
— Você faria isso? — Ele desviou o olhar dando ombros.
— Se eu tivesse ofendido alguém que amo. — Paralisei com meus
olhos nele.
— Então por que não está beijando os pés da Hannah?
Ele se cala.
Sorri forçadamente e voltei ao que estava fazendo.
— Foi só uma sugestão.
— O que você quer, hein? Por acaso veio revirar as minhas coisas?
Casper revirou os olhos.
— Você pega pesado, sabia?
— É a única coisa que eu pego dos outros, pode apostar sua vida
nisso.
— Olha, se quiser eu posso pedir desculpas.
— Está tão desesperado assim? — Houve uma pausa sincera.
— Eu não sabia que ele ia ficar assim. — Admitiu.
— Foi ele quem desconfiou de mim e não o contrário.
— A culpa foi minha.
— Cohen mandou você aqui?
— Não... — Ele se agitou exasperado. — Ele está bem conformado,
na verdade. E com isso eu quero dizer que ele está horrível. Deplorável.
Olhei para Casper finalmente. A imagem nem se formava na minha
cabeça, e eu não fazia ideia do que ele quer tentar dizer com deplorável.
Meu dia parecia não andar, estava estupidamente lento, angustiante. Cada
minuto parecia ser pior que o anterior.
Eu sofria pela saudade e a vontade de ver o Cohen, e sofria pela
ansiedade em saber que a qualquer momento poderíamos nos encontrar.
Estava completamente dividida. Orgulho e sentimento, minhas duas
partes mais decisivas travando uma batalha interna.
Não foi fácil encontrá-lo, mesmo que poucas vezes. Quando nossos
olhos se esbarravam, meu coração acelerava. Sentia uma energia percorrer
como se quisesse impulsionar minhas pernas a dar o primeiro passo até ele,
e era ainda pior, sentir seu olhar pesaroso sobre mim, mas ele também não
cedia. Não sei se respeitando minha decisão ou ganhando tempo para agir
sozinho, mas era isso, nos acostumamos.
Com o passar dos dias, a empresa ganhou uma sobriedade obscura,
é como se todos estivessem em alerta, sabendo que Cohen estava em seus
piores dias. O mau humor se espalhou rápido, com os boatos mais absurdos,
distorcendo a verdadeira realidade.
Não sei de onde partiam, ou quem os inventava, mas confesso que
me assustei com o quanto Casper, no fim, sempre se responsabilizava.
Eu estava perto demais do Cohen para ver, sempre do lado oposto
às conversas, e me perguntava como as pessoas realmente acreditavam
naquilo. E por que Casper sempre era visto como culpado? Será que
ninguém enxerga o que ele faz pelo Cohen?
Nesse mesmo dia, ainda tive que enfrentar uma dor de cabeça
horrível, que nada facilitou minhas aulas, obrigando-me até ter que sair
antes do último tempo para ir pra casa, onde despejei minha bolsa em
qualquer canto e demorei todos os minutos de uma hora inacabável com a
água quente caindo no meu couro cabeludo, aliviando momentaneamente
aquela dor, que parecia vir da alma.
Era só mais um dia como tantos outros.
Holly me aguardava com uma xícara de chá e algumas gotas de
remédio para enxaqueca.
— Está exausta, né? — Ela pergunta, acariciando meu cabelo de
modo que me dava sono.
Eu estava com a cabeça deitada na sua perna, sentia-me pequena,
frágil, queria estar assim com minha mãe, e se não fosse pela Holly, estaria
me sentindo sozinha.
— Física e, principalmente, emocionalmente. — Respondo de
olhos fechados.
— Se eu pudesse, juro que trocaria de lugar um pouquinho, mas
acredite, você também não ia querer estar no meu lugar carregando as
merdas da minha família na memória. — Comenta com boa intensão.
— É tão estranho estar na pior e não conseguir se arrepender de
nada. — Falo. — Se fosse há alguns dias, talvez sim, mas agora não. Estou
decepcionada, triste, magoada, mas não trocaria esse sentimento pela
hipótese de não ter vivido tudo isso com o Cohen.
— O nome disso é saudade.
— Eu sei. — Choraminguei. — Será que meu carma é conviver
com ela? Saudade da minha família, da pessoa que eu fui um dia, de casa, e
agora dele.
— Carma e um fardo do destino, e nós só o seguramos quando não
estamos fugindo dele. — Sorrio sem esperança.
— Então talvez meu carma seja fugir.
— Também não, boba. Carma significa enfrentar algo na mesma
intensidade que você um dia emanou, Cohen não está fugindo de você, ele
só te decepcionou.
— Então o certo é dizer que é um fardo do passado. — Ela dá
ombros.
— Se eu tiver que gostar de alguém que não gosta de mim, eu te
digo se essa coisa é verdade. — Ela comenta, levando seu olhar para longe,
como se estivesse recordando da época em que fugia de casa para não ver
seu pai com outra mulher, enquanto sua mãe estava fora.
Infelizmente o pai de Hannah foi um péssimo pai, mas um esposo
ainda pior. Ela viu de perto todo sofrimento da sua mãe, o que fez com que
Holly crescesse sem conseguir confiar em homem nenhum. Usa-os como
um objeto sem valor, e ao mínimo sinal de apego, humilha.
Algo que já foi trabalhado em terapias, pois, foi uma forma dela se
vingar da figura que conheceu por pai. Talvez fosse isso o que ela desejou
que um dia sua mãe fizesse, retribuísse todo sofrimento e não ajudasse,
quando ele mais precisou, pois mesmo ajudando-o, ele a abandonou, para
cuidar de outra família.
Holly não aguentou morar muito tempo com sua mãe alcoólatra
depois disso, e se envolveu com vários caras, até vender a única casa que
ela morava, dependendo totalmente da filha. Ela não a julga, seu pai acabou
com sua família.
— Seu carma é não conseguir confiar em ninguém, veja pelo lado
bom, pelo menos você não se decepciona.
— Eu confio em você, amiga. Confio na sua família, confio em
qualquer pessoa que diga que o amor ainda exista, porque vocês são prova
disso, mas eu também sei o quanto esse amor é perigoso, por isso eu prefiro
proteger invés de sentir. É isso o que uma boa fada madrinha faz. Oferece
colo, chocolate, chá, remédio, um cafuné, uma história triste, palavras
bonitas, mesmo sem realmente acreditar. Você já viu fada madrinha
chorando no colo de alguém?
— Eu não estou chorando, estou com dor de cabeça. — Belisco sua
perna. — De tanto chorar, mas... é só dor de cabeça. Não precisa me
humilhar. Sei que nunca vou consolar você do mesmo jeito.
— Nunca. — Reiterou convicta.
— Afinal, você sabe se defender sozinha. — Provoquei.
Holly é a irmã que eu nunca tive, minha figura feminina oposta,
tudo o que eu não sou e o que eu jamais senti. Sempre foi eu por ela, e amo
saber que agora é ela por mim.
E quando finalmente pude movimentar minha cabeça sem risco do
meu cérebro explodir, foi que eu adormeci, já no silêncio escuro do meu
quarto.
O relógio marcava 02h16min quando senti um tranco me puxando
do sono profundo. Um barulho que se repetiu quando conferi o relógio, e
me assustei, ao comprovar que ainda era noite e eu não estava sonhando,
tinha alguém na porta.
Receosa e ao mesmo tempo acelerada, sai do quarto com as vistas
doloridas pela claridade repentina. Holly acendeu a luz do corredor ao
também sair do seu quarto, com uma expressão horrorizada, esperando as
próximas batidas, olhando-me sem precisar perguntar se era realmente
aqui.
— Que porra é essa? — Ela resmunga caminhando até a porta,
acendendo todas as luzes. Eu a segui, esperando minha amiga que sequer se
importou em colocar um roupão como eu, estando apenas com um baby
doll e pés descalço, com o cabelo desgrenhado em um coque dormido,
quando olhou no olho mágico, seu queixo caiu. — É o Cohen!
Sussurrou de olhos arregalados.
Meu peito inflou, ansiedade e preocupação, medo e angústia, tudo
misturado.
— Cohen? — Ela assentiu e eu me desesperei. — Aqui?
— Abre, vê o que ele quer. — Eu neguei no mesmo momento,
arriscando-me olhar também pelo olho mágico, vi que ele não estava
sozinho.
— Casper também está aqui! — Holly fez uma careta.
— Não abre não. Vamos ignorar e voltar a dormir.
— Anya! — Pulei no lugar quando sua voz arrastada chega até
mim. — Eu sei que você está aí!
— É claro que sabe, qualquer um sabe, são duas da manhã! —
Casper responde entediado.
— Você precisa me ouvir! — Cohen falou.
— O prédio inteiro está te ouvindo, Cohen.
— Você vai me ajudar ou não? — Ouvi Casper rindo.
Meu olhar para Holly foi de completa aflição, um pedido de ajuda
já que eu não sabia o que fazer.
— Ele está bêbado! — Ela concluiu.
— Eu não vou sair daqui! — Ele disse.
— Se você não abrir ele vai soprar e soprar...
Ouvi uma espécie de rosnado, um ruído tenebroso que Cohen
soltou, fazendo Casper rir novamente.
— Eu vou pegar meu taco de beisebol! — Holly anunciou.
Voltou para o seu quarto enquanto eu fiquei completamente estática
no lugar, na dúvida de que aquilo realmente estava acontecendo, foi então
que ouvi algo cair do lado de fora, e um tilintar estridente de algo se
quebrando
Meu coração saltou na hora, e tão rápido quanto, eu abri a porta.
Encontrei Cohen segurando o aparador da senhora Susan, minha vizinha de
porta, e seu vazo de planta completamente destruído no chão.
— Eu vou pagar! — Cohen disse preocupado, ainda não tinha me
visto ali, ao contrário de Casper que me lançou um tchauzinho e um
sorrisinho cínico.
Quando Cohen notou que eu abri a porta, seu olhar finalmente se
encontrou com o meu, seus ombros caíram aliviados, nitidamente ele não
estava em seu melhor estado. Olheiras fundas, pálpebras pesadas, mas seu
olhar não estava menos flamejante, desceu por todo meu corpo e voltou,
ficando ainda mais intenso, seu sorriso cresceu, mas não durou muito
tempo, logo se desfez como se olhar para mim fosse sua atual penitência.
— Any...
— Minha nossa! — A porta da vizinha se abriu. A coitada ainda
estava em seus trajes de dormir. — Seus vândalos, arruaceiros e viciados.
Quase ri com a expressão de Cas, Cohen por outro lado não
assimilava muito bem as coisas, prova disso foi que ainda arrumou o
aparador e limpou o restante de terra que havia nele.
— Isso era seu? Eu vou pagar.
Boquiaberta, eu olhei para a escada escura imaginando-o subir por
ela naquele estado. Olhei para sua camisa completamente amassada e agora
suja, enquanto Casper não estava lá muito diferente de todos os dias,
parecia sóbrio.
— Ele me obrigou! — Ele disse na defensiva, apontando para o
irmão. A senhora ainda resmungava, sobre o preço e o valor emocional do
vazo, enquanto Cohen tateava o próprio bolso.
— Cadê minha carteira?
— Eu tirei de você depois que quis doar todo seu dinheiro para o
garçom que nos atendeu. — Explicou. — E esse vazo não custa seiscentos
dólares senhora, ele está bêbado, não eu!
— Ele era uma boa pessoa! — Comentou Cohen com os olhos no
chão.
— É claro, você estava pagando bebida para todas as mesas.
— Eles já foram? — Holly surge com seu taco, e paralisou ao ver a
cena toda. — Que porra é essa?
— Casper me empurrou! — Responde Cohen.
— Ele não sabe o que está dizendo! — Casper diz pagando a
senhora com algumas notas. Ela resmunga e se recolhe.
— Agora saiam da minha porta ou vou chamar a polícia!
— Ouviram o que ela falou. — Cohen se senta no chão.
— Casper, o que é isso? — Estendi os braços ainda pálida e
assustada com o estado de Cohen.
— Isso, minha querida Anya, é um coração machucado. Nada mais
justo que a autora se responsabilize.
— Ela não vai chegar perto dele nesse estado! — Anunciou Holly,
com a voz fria e firme.
Eu sei dos seus medos, sei dos seus traumas, os vi nítidos bem ali,
na minha frente, enquanto a tranquilizava com um aceno.
— Não posso deixá-lo ir embora desse jeito.
— Você não pode me deixar ir embora de jeito nenhum! — Cohen
me corrige, e algumas batidas minhas falham.
— Ih, vai começar. — Bufou Casper. Outro vizinho depois da
escadaria esmurra sua porta, então entendemos o recado.
Holly me encarou preocupada, mas então cedeu.
— Ele vai direto para o banho gelado! E vou te avisar uma coisa...
— Apontou o taco para ele. — Você é grande, mas está bêbado. Se encostar
um dedo nela eu juro que te arregaço, você não vai nem ter tempo de se
defender!
Parecia extremo, mas compreensível devido as cenas que deveriam
estar vindo sem sua permissão à mente. Holly não tem boas lembranças
com cenas semelhantes.
— Eu jamais... — Cohen tentou se levantar, parecia ofendido, mas
quando se viu de pé, cambaleou, precisando ser amparado por Cas.
— Isso é deplorável para alguém como você, mas eu avisei!
—Você me empurrou! — Cohen acusou.
— Funcionou, não funcionou?
— Somos uma boa dupla. — Casper concordou rindo.
— Anda logo! — Holly abriu passagem, e Casper entrou nosso
apartamento com Cohen. Ela fechou a porta e cruzou os braços sem deixar
seu taco.
Nesse momento todos os sóbrios ali se entreolharam.
— Não olhem pra mim. — Casper disse rendendo suas mãos para o
alto. Então olhamos para o bêbado. Ele sorriu.
— Se eu tiver que dar banho nesse aí, não me responsabilizo por
afogá-lo. — Holly diz, ainda de braços cruzados.
— Vem, Cohen! — O chamei após um suspiro. — Vocês dois,
tentem não se matar enquanto isso.
— Já pode baixar essa coisa. — Ouvi Casper enquanto, com
dificuldade acompanhei Cohen até o banheiro dentro do meu quarto.
Tranquei a porta e ele se sentou na tampa do vazo sanitário.
— Bem... — Suspirei ofegante, encarando-o antes de qualquer
coisa, não acreditava no que estava vendo. — Vamos lá.
Me certifiquei de que ele estava seguro, liguei o chuveiro no frio e
deixei a água correr.
Fui surpreendida quando voltei minha atenção a ele e Cohen apoiou
suas mãos no meu quadril, uma de cada lado, e depois deitou seu rosto
acima dos meus seios.
Ergui minhas mãos sem reação, um nervosismo comprimia meu
ventre.
O medo de saber que meu corpo respondia ao dele era ainda maior,
e era a única prova de que ele tem total controle sobre mim, principalmente
estando tão perto. Sua respiração se misturava com a minha, o cheiro de
álcool não me embrulhava o estômago, mas não conseguia esconder o
quanto estava assustada.
Ele cheirava a bebida, mas também tinha seu perfume misturado. A
imagem era degradante, seu cabelo uma bagunça e as roupas arregaçadas,
mesmo assim o infeliz continuava lindo.
— Está... tudo girando. — Ele resmungou, afundando seu rosto ali.
— Imagino que sim. Vamos, me ajude a tirar essa roupa. — Pedi, e
ele sorriu maliciosamente.
— Tudo bem! — Quando menos esperei, suas mãos entraram
debaixo da minha blusa tentando puxá-la para cima.
— A minha não, Cohen. A sua roupa! — Ele rosnou desaprovando,
enquanto eu ainda sentia minha pele queimando pelo toque repentino.
Apesar do seu estado, ele conseguiu puxar de uma só vez sua
camisa, mas se atrapalhou nos braços, então terminei o processo.
Engoli seco admirando descaradamente seu corpo malditamente
bem definido, sua beleza dura, bruta e viril, debaixo da capa da civilidade.
— O que você foi fazer, hein? — Perguntei, mais para mim do que
para ele.
— Tentar tirar você da minha cabeça. Não funcionou, e isso quase
me enlouqueceu. — Meu coração pareceu dar um tranco. Ele falava com
naturalidade, mas sua voz não passava de uma rouquidão ecoando no
espaço. — A água ainda está gelada.
— E vai continuar. Segura aqui. — O ajudei se apoiar no box, tirei
seus sapatos rapidamente e juntei tudo em um canto. Ao voltar minha
atenção para ele, arfei surpresa.
Ele já estava sem calça, apenas de cueca boxer preta.
Fiquei tão sem reação, que esqueci do bêbado. Ele quase cai ao
tentar entrar sozinho.
— Ah porra, está gelada! — E ele xingou de todos os nomes
possíveis sem conseguir fugir da água, parecia tonto demais para se arriscar,
até provavelmente se acostumar.
Ele apoiou seus dois braços na parede, deixando a água cair sobre
suas costas. Senti o calor surgindo como uma onda arrasadora, passando
meu olhar pelos seus ombros largos. Todos os músculos saltados.
Sacudi minha cabeça e espantei a saudade que formigava em
minhas mãos por tocá-lo.
— É só para acordar seu corpo, vamos, não demora para não pegar
um resfriado. — Falei, entregando o sabonete.
Cohen me olhou por cima dos ombros antes de deixar a água cair
em seu rosto de olhos fechados.
Eu morreria feliz se essa fosse a imagem, no meu último segundo
de vida.
— Tira o restante da roupa e termina seu banho, vou esperar do
lado de fora.
— Pensei que ia me ajudar. Não tem nada aqui que já não tenha
visto.
— Se eu te ajudar, quem me ajuda? — Devolvi sem filtro.
— Eu, obviamente! Se você ainda me quiser é claro.
Sorri, engolindo seco quando ele se livrou da sua última peça, e
todos os meus sentidos morais foram para o espaço. Agradeci o box estar
embaçado, e toda minha mente se encarregou de gravar a visão da sua
silhueta grande e máscula. O entreguei uma toalha e esperei que ele saísse
enrolando a mesma no quadril. Foi inevitável não reparar no volume
protuberante marcado pelo tecido felpudo.
Caramba, estava quente!
Ainda zonzo ele se sentou novamente, então pesquei outra toalha
para enxugar seu cabelo molhado. Parei de frente para ele, sua expressão
indicava que estava mal, sequei seu cabelo completamente rendida. Deixei
a toalha cair em seus ombros e acariciei os fios, aproveitando do mais puro
silêncio confortável.
Ele respirou fundo como se apreciasse o toque, inclinando sua
cabeça para o lado relaxadamente.
Ficamos assim por um longo tempo, em silêncio, nada foi dito. Em
certo momento, ele fechou seus olhos acostumado com meu carinho e,
apenas um segundo em que parei, seus olhos se abriram a minha procura.
Fui atingida pelo brilho intenso, ao mesmo tempo, pelo sofrimento
em suas pálpebras pesadas.
— Eu preciso de você!
Meu coração doeu, pois, de certa forma eu também sentia que
precisava dele. Estava além de capricho, era quase uma necessidade.
— Estou aqui. — Ele negou com a cabeça.
— Não acredito. Você está em tantos lugares, a todo momento, mas
nunca comigo. Isso está... me rasgando por dentro, de tanta saudade.
— Cohen, estou aqui! — Seu olhar estava pesado, ele o fechou
novamente para apreciar meu toque em seu rosto, roçando sua barba por
fazer na palma da minha mão.
— Eu fui um maldito! É uma tortura não poder tocar você, e se
soubesse... — A voz potente ainda que arrastada, ecoava pelo banheiro, e
entrava como agulhas através dos meus poros.
— Você pediu que eu confiasse em você, e eu confiei, mas você não
fez o mesmo.
Cohen negou freneticamente.
— Não é isso, eu não sei amar alguém, não sou bom como você, e
por saber disso eu te desejei alguém melhor, mas dói tanto, tanto que eu não
suporto. É incontrolável, não consigo te perder, eu viro isso.
Abriu os braços como se aquela fosse sua pior versão.
Segurei seu rosto entre as mãos, profundamente comovida,
quebradiça, eu não queria me sentir responsável. Pensei que nós dois juntos
seria algo bom, eu não queria nunca, ser sua ruína.
— E eu não quero te ver nesse estado.
— Eu sou só um homem apaixonado, que nunca sentiu nada
parecido na vida.
Paralisei ouvindo as batidas do meu próprio coração. Eu
simplesmente me esqueci como respirar. Sabia que ele estava bêbado
demais para estar falando aquilo. Sabia que não se lembraria de nada assim
que retomasse a consciência.
Então eu decidi que simplesmente não estava disposta a me
machucar ainda mais, todavia, não resisti e enfiei meus dedos em seu
cabelo, aproveitando daquele momento sublime.
Minha garganta doeu, um bolo sufocante de tudo o que eu queria
dizer a ele, mas não disse.
— Não faça mais isso, Cohen. — Supliquei olhando no mais
profundo dos seus olhos. — Vou preparar um café bem forte pra você.
— Anota seu número nele? — Sorri me dando por vencida, então o
ajudei ficar de pé.
— Você tem meu número.
Adorava nossa diferença de tamanho, e tive que ser resistente para
não o tocar, mas ele fazia isso por mim, pois uma força que parecia
controlá-lo o aproximava, e eu gostava disso.
— Eu quero um que me responda
Guiei Cohen para fora, não era meu destino, mas a tontura que lhe
açoitou teve como minha cama o amparo mais rápido, ali ele se deitou e
esperou alguns minutos, até me confirmar de que não estava mais sentindo
nada.
Sem minha permissão, ele se deitou de bruços, puxando vários
travesseiros para abraçar. Antes de protestar, admirei aquela cena. O quanto
ele estava maior, mais bruto, diria até selvagem.
— Argh, inferno! — Rosnou irritado, esmurrando meus
travesseiros.
— Algum problema? — Cruzei os braços arqueando uma
sobrancelha.
— Tem seu cheiro... por todos os lados. — Suspirei um sorriso, ao
vê-lo se debater para se livrar deles.
— Claro que tem, é minha cama! — Ele olhou ao redor como se
ainda não tivesse reparado.
— Então por que não está deitada nela?
— Porque estou cuidando de você, mas não se acostuma, você não
vai dormir aí, seu irmão vai te levar pra casa quando estiver melhor.
Sorri, vendo-o fechar os olhos e suspirar lindamente.
— Tem seu cheiro lá também!
Um homem grandalhão desses abraçando uma almofada lilás em
uma cama de solteiro, é algo que eu não deveria presenciar.
Temo que seu cheiro fique na minha cama também.
CAPÍTULO 32
Adeus para viver uma mentira
Porque isso não me levou a lugar nenhum na vida
Não tente me acalmar
Loud – Sofia Carson

Voltei para a cozinha e dali avistei Holly sentada na ilha com seu
taco ao lado, sua expressão fechada, como quem aguardava atentamente
qualquer movimentação para atacar.
Disse, sem dizer nada, que estava tudo bem. Cohen é inofensivo
nesse estado, diferente das pessoas que ela conhecia sob o efeito da bebida.
Do outro lado da casa, sentado preguiçosamente em um sofá estava
Casper, mexendo em seu celular. Ele notou minha presença e arqueou uma
sobrancelha, como quem tentava se livrar da culpa.
— Ele vai ficar bem. — Falei, preparando as coisas para fazer um
café. — Por que o deixou beber tanto?
— Ele não larga o copo de Whisky desde que você deixou a sala,
mas dessa vez exagerou. Acha que está ruim bêbado? É porque você não o
viu sóbrio.
Tentei imaginar o cenário e meu estômago embrulhou, mas o que
eu podia fazer? Ele mesmo me afastou.
— Não fale como se fosse culpa minha.
— Eu sei que não é, mas queria que eu fizesse o quê? É a terceira
noite seguida.
— Não vem com essa. — Holly respondeu. — A culpa é toda sua!
— Claro que é. Sempre é. — Holly se inclinou com a ironia na voz
dele.
— Me dê um motivo para não tirar você e o idiota do seu irmão da
minha casa!
— Eu não sabia que ele ficaria desse jeito. — Foi tudo o que ele
disse para se defender.
— Graças a você, Cohen desconfiou dela.
— Ele nunca desconfiou dela. — Rebateu firme.
— Você por outro lado.
— Motivos não faltaram.
— Já chega! — Holly se levantou.
— Holly. — A chamei, tranquilizando com o olhar. Eu não tirava a
razão do Casper. Por outro lado, ele não tinha o direito de colocar contra o
Cohen, e simplesmente aparecer aqui como se eu fosse culpada pelo seu
estado. — Por favor.
Os dois se fulminaram ainda por um tempo. Deixei que os nervos
se acalmassem, enquanto passava o café.
— Você está dentro da minha casa! Se acusar a Anya mais uma vez,
não vai ter picanha no mundo que conserte sua cara.
— Não estou acusando ninguém, e aquilo não era picanha!
— Você não sabe absolutamente nada!
— E o que você sabe?
— O que eu sei? O que eu sei é que a mulher que você defende
mandou pegar aqueles documentos.
Senti o olhar de Casper em mim, e eu quis matar Holly. Suspirei me
encostando na pia. Encarei Holly ainda sentada e depois Casper que se
sentou de frente para ela, do outro lado da ilha.
— Que história é essa? — Ele me questionou.
— Drizella o pegou, no mesmo dia em que eu recebi e os deixei na
mesa.
— Está com ela? — Neguei com a cabeça.
— Não, ela entregou.
Casper me encarou por tanto tempo, que seus lábios
empalideceram.
— Desgraçado! — Casper rosnou. Eu passei a observar seu olhar
cada vez mais distante. — Se ela entregou para o Winter, por que ele ainda
está desconfiando da Hannah? Você tem certeza de que foi a filha dele que
pegou? — Eu assenti. Encaixando mais coisas do que gostaria agora.
— E já pedi de volta... mas eu não falei que ela entregou para o
Winter.
— Eu não disse pra você ficar fora disso? — Até o tom de voz dele
mudou.
— É você disse, depois de ter me acusado de algo que não fiz, e
mesmo assim, trouxe Cohen até aqui. — Cruzei os braços enquanto
encarava Casper, revendo sua reação mentalmente. Algumas coisas ficaram
claras diante de mim. — Foi você que mandou mensagem para Drizella.
Conclui, mas Casper continuou inexpressivo.
— Me acusou porque os papeis nunca chegaram no Winter, para
quem você queria realmente ter mandado. — Ele não precisou dizer mais
nada. Estava nítido.
— Anya tira as ervilhas freezer! Vou precisar delas. — Holly se
levantou e Casper se levantou junto, praticamente se colocando atrás da
cadeira, tentando se explicar em questão de segundos.
— Só queria que ele parasse de desconfiar da Hannah! — Disse
exasperado, barrando Holly no meio do caminho. — Winter a quer fora da
Archer de qualquer jeito, ele inclusive falou dela para o meu pai. Então sim,
eu desconfiei que você tivesse pegado antes dela, tem sua assinatura no
recibo.
— Por que eu faria isso?
— Expor os desvios?
— Você não entendeu ainda que estão confundindo minha irmã
com outra pessoa? — Holly interveio com a voz firme. — Até podia ter
alguém naquele maldito evento que queria fazer isso, mas não era a Anya!
E se quer saber, Hannah já me contou tudo sobre a relação dela com o
chefe. Cansei de ficar assistindo, eu mesma vou resolver isso.
Casper se empertigou atrás da cadeira.
— O que isso tem a ver?
— Hannah e eu temos muito em comum, inclusive um certo apetite
sexual.
Ele pareceu ficar desconfortável, como se entendesse a verdadeira
intensão nas suas palavras.
— Você e ela? — Sua voz estava mais densa, percebi que Casper
estava respirando mais profundamente.
— E o chefe dela! Vai ser um benefício mútuo.
— Holly. — Pigarreei, sem saber como dizer aquilo. Casper não
tirava os olhos dela. — Quando ela te convidou, estava falando do... —
Tentei apontar com olhos.
— Do chefe dela! Você sabe do que estou falando, ela já te
convidou também. Sabe? Aquela história de dividir que você me contou.
Pois bem, eu aceito o convite, nós trepamos e depois convenço ela a parar
de procurar por você.
Pigarreei novamente, enquanto Casper, parecia estar visualizando
mentalmente a cena, pois seus olhos estavam presos nela boquiaberto, havia
um brilho convencido nele.
— Ela trabalha para o Casper. — Despejei, observando seus
neurônios trabalharem.
Holly piscou algumas vezes.
— Não. É esse outro nome, Winter...
Eles se olharam, então minha amiga começou a ficar pálida, ao
mesmo tempo em que um rubor violento ocupou a região da sua maçã.
— Ela apenas trocou de departamento, mas é com ele que ela... —
Deixei subentendido.
Fiquei sem palavras, até porque eu não pedi que ela fizesse nada
disso, mas Holly colocou na cabeça que Hannah escutaria o que ela tinha a
dizer. Não fazia ideia de que ela estava confundindo.
— Eu vou levar um café para o Cohen. — Desviei de seu olhar,
mas não deixei de reparar que provavelmente Casper estava com seus
pensamentos longe. Também pudera, ele acaba de saber que estavam
organizando um ménage com ele.
— Anya! — Ri da sua súplica, ouvindo também a risada nasalar de
Casper, que agora tinha motivos para atormentar Holly como ele fazia com
o irmão.
— Eu não demoro, tenho que despertar um bêbado. — Falei,
voltando para o meu quarto, deixando os dois em uma troca de olhares
perigosa.
Cohen já dormia, foi a cena que tive logo depois de fechar a porta.
Boba, eu acariciei seu cabelo antes de chamá-lo, uma, duas vezes,
até ouvir seu resmungo e seus olhos que se abriram pesados.
O ajudei se sentar, e o obriguei tomar o café forte e amargo, foi
quando reparei que ele estava quente.
— Acho que está com febre. — Toquei seu rosto e nem precisei de
um termômetro. — Cohen, você está queimando!
Percebi que sua letargia não se dava somente pela bebida, mas pelo
corpo chegando ao seu limite. Eu era acostumada com isso, vivia me
automedicando para não ter que ir ao médico, portanto minha gaveta estava
repleta de remédios. Procurei por um antitérmico e o fiz tomar.
— Como se sente? — Perguntei tocando em seu rosto ainda quente
enquanto ainda engolia a água, ele me olhou e sorriu.
— Você fica tão linda preocupada. Se eu soubesse que teria seus
cuidados tinha vindo antes.
— Não brinca com isso, por favor. Me responde, como se sente?
Preciso saber.
— Me sinto o homem mais sortudo do mundo por ter você como
enfermeira, e o mais otário por ter te magoado tanto.
— Cohen! — O repreendi, ganhando mais um sorriso fraco. Ele
pelo menos, não parecia tão fora de si como chegou.
— Estou bem, juro, mas se você sair de perto de mim outra vez,
sinto que posso morrer.
— Não vou sair, seu dramático. Pelo menos não agora.
Me sentei na beira da cama ao lado do travesseiro e apoiei minhas
costas na cabeceira com um pano úmido para encostar em sua testa.
Sem pensar muito bem, apenas me aninhei do seu lado e permiti
que ele me abraçasse. A verdade é que estava morrendo de preocupação.
Nunca nem ouvi falar que Cohen esteve doente. Nesses dois anos, se
alguma vez pegou um resfriado sequer, não deixou que eu percebesse,
nunca se queixou de qualquer coisa que não fosse cansaço.
Ele deitou sua cabeça no meu peito, como se quisesse ouvir as
batidas do meu coração, e abraçou meu corpo com tudo o que podia. O
mais forte que podia, como se eu realmente pudesse ir embora a qualquer
momento, então percebi o quanto estava fraco, pois eu conseguiria sair se
quisesse, muito embora seu braço me envolvia como se só ele tivesse
metade do meu peso todo.
De alguma maneira Cohen estava diferente, sua mudança física,
ainda que pouca, mas considerável para apenas uma semana me fez pensar
na hipótese de ele ter descontado seu emocional em algo mais exaustivo.
Não passou muito tempo até sentir seus dedos rolarem pela minha
barriga, iniciando uma caricia. Sentia seu corpo levemente trêmulo e quis
fazer com que aquilo parasse, eu o queria bem.
— Tem treinado? — Me atrevi a perguntar. Cohen não me
respondeu imediatamente, ponderou por tempo suficiente de considerar que
aquilo era um sim, mas de um modo desconfortável.
— Ocupa minha mente.
Pode ser coisa da minha cabeça, mas não gostei nenhum pouco de
saber disso. Me preocupou mais ainda.
— Não vou melhorar enquanto não tiver você de volta se é o que
quer saber. — Me arrependi de ter permitido que ele estivesse tão próximo,
pois com certeza ouviu meu coração acelerando.
— Vamos conversar quando estiver melhor, pode ser?
— Me diz qualquer coisa, que seja um não, eu vou ser obrigado a
entender e talvez me entregue agora mesmo. — Não sabia que ele podia ser
tão dramático. — Mas se me disser que ainda tenho uma pequena chance,
eu prometo que nada nem ninguém vai estar acima de você.
Eu conheço sua resistência, conheço ainda mais, sua persistência, e
eu posso dizer com todas as letras que sou forte, mas não o bastante para
impedi-lo de entrar novamente na minha vida, se assim ele quisesse.
Mas isso era uma escolha que cabia somente a ele.
— Eu jamais pediria isso. Não quero ficar entre você e seu irmão.
Não percebi em que momento exatamente comecei a acariciar seu
cabelo, imersa em devaneios, meu corpo apenas acalentou o seu. Sabia que
aquela cena ficaria marcada em mim para sempre, pela naturalidade, pelo
modo como aquilo parecia certo, pelo silêncio confortável e por toda
saudade de uma semana acumulada.
Uma semana em que me entreguei aos estudos para ocupar todo
meu tempo. Uma semana trabalhando em modo automático, e parando as
vezes, para pensar que não era mais somente uma porta nos separando, mas
sim um pavilhão inteiro.
Quantas vezes não quis procurá-lo, quantas vezes não senti que ele
estava me olhando e eu sabia... sabia que tinha alguma coisa de muito
errado com ele, mas não me atrevi a chegar perto, justamente por medo
disso, dessa pouca distância que dissolvia qualquer ressentimento.
— Ele sabe que eu te amo! — Pisquei e senti como se tivesse
sofrido uma queda brusca.
Meu corpo todo petrificou.
Duvidei que tivesse ouvido, meu corpo todo duvidou. Parei de
respirar no mesmo momento, achando segundo após segundo que não
passou de um delírio meu.
— Amo desde o dia em que me fez sorrir pela primeira vez, eu senti
que algo mudou, senti que você me acrescentou, algo que eu nunca
experimentei antes. Eu me acostumei com você, me acostumei com suas
nuances no meu dia e não enxerguei, o quanto eu esperava por isso. Mas, eu
não podia, era isso que eu repetia tentando me convencer, só que nem eu
acredito mais, eu posso, eu quero você!
— Cohen...
— Estou ouvindo seu coração acelerando. — Me interrompeu... ou
foi eu que me calei, não lembro. Estava completamente sem chão. — Eu
sei que você sente alguma coisa. Eu sinto isso quando estamos juntos. Eu
não tenho que me afastar pra te proteger, posso fazer isso com você. É
ainda mais fácil.
Se eu pudesse desejar algo, desejaria tirar isso dele, como ele
mesmo implorou.
Sua mão quente subiu pela lateral do meu corpo, deixando um
rastro quente em minha costela.
O mundo parecia tão silencioso e aquele momento tão sublime, que
em certo momento, eu é quem tive que fechar os olhos, para apenas senti-
lo.
— Fala, quero ouvir a sua voz. — Ele pediu.
Desejo transcendia em cada toque. O calor deixou meu peito. Sabia
que ele estava me observando, então o medo de abrir os olhos e sucumbir
ao seu me consumiu. Sua mão continuou um caminho lento, indelicado e ao
mesmo tempo sutil até chegar na linha dos meus seios, ainda por cima da
minha blusa fina.
Seu corpo se moveu na cama, deixando o ar pesado com sua
proximidade.
Eu tinha muito o que dizer.
Pensei em começar pedindo desculpas, pensei em contar a ele sobre
meu irmão. Pensei em dizer o quanto me machucou quando Casper
desconfiou de mim, mas que sobretudo eu compreendia, e não estava com
raiva, apenas decepcionada.
E no final descobri que eu sou incapaz de conviver sabendo o
quanto ele também estava sendo atormentado.
Cohen apenas se precipitou ao dizer que confiávamos um no outro.
Sabemos que não existe confiança em um pilar de mentiras e omissões.
Precisávamos conquistar isso primordialmente, antes de falarmos
de amor.
— Eu me preocupo com você, mas não posso te prometer mais do
que meus sentimentos. Cabe a você acreditar neles ou não e... eu não sei, se
consigo colocar a prova a única coisa que tenho para oferecer. Não duvide
de quem eu sou Cohen, quando estou com você.
— Quem é você, Anya Amstrong? Me deixa te conhecer! É da
minha natureza ser desconfiado, é normal pra mim ter que provar a todo
tempo que sou capaz. Eu convivo com pessoas assim desde que nasci. —
Entendi que ele estava se referindo a pessoas da sua família. — Eu quero
você, eu quero merecer você, me molda se for necessário. Me faça seu e
enquanto isso, seja minha também.
Ele me desarmou por inteira.
Toquei seu rosto como se pudesse tirar aquele desespero inflamável
dos olhos dele.
— Sou sua, Cohen.
Ele cravou seus dedos na pele do meu quadril.
— Me perdoa, por favor. Nunca estive tão louco e tão certo. Não
quero te perder. Não aceito mais um segundo sabendo que te magoei e só
quero saber se podemos reconstruir isso. — A baixa luz me incentivava,
Cohen era apenas uma montanha de músculos em volta de mim, porém sua
saúde ainda estava frágil.
— Primeiro quero que se deite e descanse, você ainda está quente e
não consigo pensar em mais nada além disso! — Ordenei. — Tudo o que
posso prometer agora é que vou estar aqui quando acordar.
A contragosto ele se deitou, o cobri apenas com um lençol até a
febre passar e quando ia me afastando, ele agarrou meu pulso e puxou.
— Não vou dormir na sua cama sem você! — Grunhiu não me
dando escolha.
Me rendi deitando minha cabeça no seu peito, preocupada com sua
pele tão febril.
Cohen dormiu ainda antes que eu, abraçando-me como se eu fosse
um travesseiro. Ou talvez só quisesse garantir que eu não sairia dali. Cada
palavra sua ecoou repetidas vezes em minha mente. Até meu coração
decorou as batidas e continuava acelerando, falhando apenas quando Cohen
estremecia dormindo. Seus leves trancos serviam para conferir se eu ainda
estava com ele e eu era constantemente aninhada mais um pouco.
Não reparei em que momento peguei no sono, mas deve ter sido
apenas um cochilo, pois ainda estava escuro quando percebi o corpo suado
dele embaixo de mim.
Cohen estava completamente molhado de gotículas, seu corpo se
livrando da febre, mas ele não podia ficar assim, ou teria calafrios. Então
ciente da minha jornada de enfermeira particular, o chamei, acordando-o
para novamente levá-lo para um banho quente.
A casa estava silenciosa, então presumi que Casper havia se
acomodado em algum lugar.
No banheiro outra vez, Cohen apenas deixou a toalha cair, não
reclamando quando sentiu a água em uma temperatura agradável.
Aos poucos ele despertou do torpor causado pela febre e seus olhos
não saíram mais de mim, detendo-se em um longo tempo.
— Obrigado por cuidar de mim. — Disse com a voz serena, não
havia preocupação ou qualquer linha expressiva.
— Como se sente? — Quando perguntei isso, tive que segurar o
receio dele dizer que estava bem e que nem se lembrava como foi parar ali.
A ideia de que tudo o que ele disse não passou de um delírio ou coisa assim
cutucou meus pensamentos.
— Como você acha? — Meus olhos foram atraídos para sua mão
no próprio membro, apertando sua ereção. — Minha mulher está me vendo
tomar banho, e ainda pergunta como me sinto? Me sinto duro.
— Cohen! — Tensionei por inteira. Era muito para administrar em
tão pouco tempo. Suas palavras, seu estado, seu olhar e agora isso. A frieza
indecente e sem filtro, que despertava meu corpo em questão de segundos.
— Não vou ser discreto com você! Não vou ser gentil, porque eu
percebi, Anya, que eu preciso ser seu oposto.
Arfei sentindo meu rosto esquentar e o pulsar na minha intimidade
começar a ficar incomodo, vendo seu movimento de vai e vem se exibindo
para mim deliberadamente.
Ele estava duro, de fato, e em combinação com seu corpo
malditamente bem definido, e a água escorrendo por seu abdômen trincado,
me fizeram esquecer meu próprio nome,
Naquele momento eu tive certeza de que ele não se lembrava de
nada do que disse, porque ele prometeu recomeçar paciente, e não se
recomeça desse jeito.
— Acha que estou te torturando? Não, é você quem me tortura
olhando desse jeito.
Juro que nunca senti nada igual antes, era estranho, porque Cohen
já me sentir muitas coisas, mas água na boca, foi a primeira vez.
Mordi meu lábio tentando conter minha respiração forte. A essa
altura eu já estava completamente molhada e pulsante. Meus seios pesaram
dolorosamente. Meu corpo respondia ao dele e jogava meu emocional para
bem longe.
Cohen apoiou sua mão no vidro e sua expressão foi de prazer. O
infeliz estava se tocando enquanto me olhava, provocava sem sequer
oferecer um convite.
Seus olhos desceram e pela espessura da minha blusa fina, eu sabia
o que ele estava olhando. Aquele maldito sorriso de lado surgiu.
— Vai ficar só olhando? — Dei ombros atrevidamente.
— Posso me tocar também. — Sua mão se fechou em punho, e no
mesmo momento em que seu sorriso sumiu o meu nasceu.
— Me deixaria louco. — Meu sexo pulsou com sua voz carregada
de tensão. — Estou pronto, amor. Por favor não me faça terminar isso
sozinho.
Seus movimentos eram lentos e com um simples objetivo de me
deixar latejando de tanto desejo pulsando entre minhas pernas.
Eu precisava dele!
Preciso de tudo aquilo na minha boca o quanto antes.
— Não ouse.
— Minha situação já está irreversível, não ajuda ter você me
assistindo.
Olhei descaradamente para o que ele estava fazendo. Sua mão
deslizando, indo e vindo por todo o membro.
— Posso ficar aqui até você terminar isso. Mas garanto que pode
ter volta, e você vai ter que assistir eu me tocando.
— Porra, Anya. — Cohen grunhiu com seu punho no box de vidro.
— Eu
assistiria, eu assistira feliz, mas te faria implorar para terminar o
serviço.
Meus seios pesaram, e o incômodo entre minhas pernas já estava
latente.
— Que se dane! — Invadi o box e em questão de segundos nossos
lábios estavam se chocando. Ele grunhiu duro, tomando-me também em um
beijo faminto e sedento. Sua língua sugando meu gosto com vontade. Era
urgente, mas sem pressa, profundo e entorpecente, como eu gostava.
Ele agarrou meu cabelo e pressionou minha nuca, cheio de
saudade e desespero, não queria me deixar sair, e por mais gostoso que
estivesse seu beijo, eu me sentia insaciável, um desejo jamais sentido antes,
ou talvez não explorado.
Mais rápido do que meu primeiro arfar longe do seu toque, Cohen
enlaçou minha cintura, imprensando meu corpo contra a parede mais
próxima, onde tomou minha boca novamente com voracidade.
Sua língua agiu rápido, não me deixando escolha, eu me entreguei
tocando seus braços e ombros. Sem dificuldade alguma, ele me tirou do
chão, obrigando nossos corpos a se encaixarem. Abracei seu quadril com as
pernas, sendo completamente dominada por uma chama, desejo, puro e
simples.
Avassalador.
Mais do que isso, era agressivo, severo e brutal. Estava muito além
do nosso controle. E essa chama nos consumiu cada vez mais, até estarmos
totalmente entregues àquele prazer. Explorando enquanto sua dureza
pressionava minha entrada. Todo meu pijama molhado e colado ao corpo.
Meus seios eram pressionados contra seu peito e Cohen se movia me
excitando cada vez mais.
Um beijo repleto de palavras não ditas, repreensão das que já
foram, e do desejo reprimido por tanto tempo, libertado com selvageria.
Era pouco, nossos corpos já se movimentavam e quando o ar nos
faltou, fomos obrigados a cessar o beijo, contudo, ele não se afastou, traçou
uma trilha de beijos, mordidas e arrepios pelo meu pescoço. Movido pela
luxúria, grunhindo e rosnando por um prazer volúvel, perto do que ainda
estava por vir.
Suas mãos passeavam por toda lateral do meu corpo, e quando
agarrou minha bunda, foi minha vez de gemer, ao sentir seu membro duro
em meu ponto pulsante, quente e encharcado.
Ele fez questão de esfregar nossos sexos, me levando à beira da
loucura.
Cravei minhas unhas nas suas costas, gemendo de prazer ao vê-lo
me acompanhando. Não havia delicadeza, sutileza nem cuidado. Somente
luxúria, e a busca pelo prazer que sabemos o quanto um pode proporcionar
ao outro.
Esfreguei deliberadamente, sentindo o pulsar da sua carne quente.
Segurei seu pau entre meus dedos, e ele ofegou, gemendo rouco
entre o beijo.
— Me toca, amor, me faça seu. — Tive a mais bela visão ao
movimentar minha mão e o ver entregando-se ao prazer.
Toda sua virilidade controlada ao meu reles toque, ao meu
comando, e isso era inexplicavelmente revigorante.
Enlouquecedor.
— Cohen...
— Hmn... — grunhiu mordendo meu lábio, suas mãos apertando
minha bunda.
— Quero seu pau na minha boca. — Cohen paralisou, mas seu
membro pulsou entre meus dedos.
Não sei de onde veio à vontade, tampouco a coragem, só sei que vi
seus olhos tomarem um brilho novo.
— Caralho, Anya! — Ele capturou mais um beijo. — Isso não se
faz com um homem em estado de pré morte. Posso muito bem estar
ouvindo coisas.
Sorri enquanto meus pés tocavam o chão. Como ele conseguia ser
tão dramático?
— Não, você não entendeu errado, eu quero! — Mordisquei seu
lábio na ponta do pé. Cohen estremeceu, e eu fiquei plana, apenas para
mordiscar sua pele também, descendo minha mão pelo seu abdômen
contraído. Muito mais delineado.
— É tudo seu, faça o que quiser. Eu não sou louco de negar isso a
você. Não sou louco de negar isso a mim mesmo! — Disse rouco, com o
polegar acariciando meu lábio se baixo, qual eu mordisquei também, e seu
membro pulsou na mesma medida que seus olhos refletiram o desejo
inflamável. — Não me diga que uma semana fez isso com você?
Assenti, e no momento em que me sentei sob meu calcanhar, e
envolvi seu membro entre meus dedos..
Surpreso e inexpressivo, sua boca semiaberta como se não
acreditasse que estava prestes a presenciar aquilo. Eu, todavia, quando
toquei minha língua em sua extensão, tive a certeza de que era exatamente o
que eu queria.
— O que eu quiser?
Cohen tensionou, enrijeceu-se por inteiro. Arquejou quando chupei
o topo do seu membro, e gemeu lindamente quando o coloquei na minha
boca, olhando fixamente em seus olhos. Chupei e saboreei, até sentir que o
poder do seu prazer estava inteiramente comigo.
— Não é possível! — Fraquejou tentando se agarrar a algo.
Abocanhei a extensão do seu membro, e suguei seu sabor por
inteiro, refiz o movimento uma, duas vezes, até me acostumar ao tamanho,
lambendo, chupando, completando-o com meus dedos, que me ajudavam na
busca dos seus grunhidos lindos de prazer.
Ele não escondia o que estava sentindo, jogava sua cabeça para traz
e todos os seus músculos do abdômen se contraíram, olhava em meus olhos
e vibrava.
E era nesse momento que eu me satisfazia, cada vez mais
confortável, cada vez mais insana e insaciável.
Seus gemidos roucos me inspiravam, me preenchiam, o sentia cada
vez maior, cada vez mais duro, como se isso fosse possível.
A água respingava em meu rosto, mas a maior parte nas suas costas.
Escorria pelo seu peito, desenhava seus músculos proeminentes, e todas as
veias do seu corpo saltavam em evidência.
— Anya... vai me matar desse jeito. — Tirei minha boca em um
sorriso, sugando tudo lentamente. — Eu não disse que quero continuar
vivo.
Seus dedos se enroscaram por baixo do meu cabelo, ele me puxou
com sua mão na minha nuca e um sorrisinho desenhou meus lábios
satisfatoriamente.
— É isso que eu quero, Cohen. — O tomei ainda mais voraz, e seu
gemido rouco em combinação com seus dedos emaranhados no meu cabelo
me fizeram intensificar os movimentos.
Eu ouvia sua respiração descompassada, seus ruídos de prazer e
tudo explodiu, quando ele me puxou para um beijo enquanto me
imprensava no box de vidro. Senti seu membro pulsando na minha barriga.
Foram segundos intermináveis até ele se livrar daquilo, o êxtase
inebriado e brutalmente lindo enquanto ele gozava duro.
— Olha o que fez comigo, amor. Olha o que faz, comigo! —
Rosnou com seus lábios pressionando minha boca. Sua respiração estava
ofegante.
— Cohen... — Arfei sentindo sua mão apertando minha bunda,
puxando-me para si, roçando deliberadamente em mim.
Logo eu, que estava tonta.
Por um momento seus olhos cravaram em mim, e ele pareceu ser
preenchido de algo novo. Uma certeza eminente e um brilho lindo ao dizer,
sem nenhuma ressalva.
— Eu te amo... eu te amo pra cacete, Anya!
Meu peito inflou em uma lufada só, e foi mais forte do que eu,
quando percebi estava assentindo, como se meu corpo quisesse que ele
entendesse.
— Eu também! — Seu olhar paralisou em mim, tudo nele se
resumia a sua respiração profunda, e um sorriso satisfeito e tão breve, que
se eu não estivesse tão atenta não teria visto. — Eu também te amo,
Cohen!
— Porra...
O sorriso se amplificou, e no mesmo momento ele me beijou.
Foi languido, profundo, gradativamente enlouquecedor.
— Sua amiga que me perdoe, mas eu vou te comer do meu jeito. —
Franzi minha testa, arquejando quando ele desceu seus lábios para o meu
pescoço enquanto massageava meu seio por cima da camiseta de pijama
completamente colada em meu corpo.
Senti sua mão entrando por baixo dela, em minha barriga, onde ele
praticamente afundou para dentro do cos do meu shorts fino, e o arrancou
de uma só vez, junto com minha calcinha.
Ainda estava com a dúvida interna do porquê ele precisaria pedir
desculpas a Holly, até que sem dificuldade ele me virou de frente para o
vidro, e preparou meu quadril para recebê-lo. Com calma, iniciando em
movimentos lentos para lubrificar a cabeça de seu membro em minha
entrada, arrancando-me ondas que passeavam por todo meu corpo em
expectativa, sentindo Cohen atrás de mim.
— Anya... — rosnou esfregando seu nariz próximo a minha orelha.
Meus seios sentiram sua voz pesando dolorosamente, estava a ponto de
implorar. — Nunca te disse isso, mas sua bunda, era minha visão favorita
de todos os dias.
“Meu chefe não olha para minha bunda”
Canalha!
— Quanta falta de ética! — Cohen riu, então o senti me penetrando.
Sem aviso, de uma só vez.
— Sabe o que mais falta? — Perguntou movendo lentamente para
fora. — Algumas marcas da minha mão nela.
Meu gemido rasgou quando ele estocou ao mesmo tempo que
espalmou minha pele. Foi de longe a melhor sensação que eu já tive. Juntou
a vontade de xingá-lo com o desejo insano de pedir com mais força.
Então entendi.
Ele pediria desculpas por fazê-los escutar o que ele fazia comigo.
Não era sexo, Cohen me fodia!
Me venerava com os lábios enquanto suas mãos estavam firmes em
meus seios, as vezes na minha nuca, as vezes no meu pescoço.
Não tínhamos condições de sair dali. Estávamos com saudades,
estávamos com um sentimento novo, algo mais amplo e profundo, mais
duradouro.
Não consegui me livrar da camiseta de dormir completamente
molhada e colada ao meu corpo, mas Cohen fez isso por mim, em um
processo tortuoso, beijando e sugando cada centímetro da minha pele à
medida que era exposta.
Ele deu atenção aos meus seios com a boca. Sugando e roçando sua
barba por fazer entre eles, devorando um de cada vez, concentrando sua
língua habilidosa em meus mamilos doloridos.
Eu arranhava suas costas apenas para ouvir seu grunhido grosso de
prazer, e seu olhar que prometia me punir, da melhor maneira possível.
— Se estivéssemos em uma cama agora, eu te colocaria de quatro e
você pagaria por isso. — Me arrepiei com sua voz gravemente rouca e
linda, acompanhado do seu olhar fixo enquanto me penetrava.
— Só por isso? — Passei minhas unhas de novo e sorri, quando seu
corpo arquejou. Cohen trincou o maxilar, fechando os olhos para sentir,
depois fixou os mesmos em mim.
— Por uma semana, sem esse seu sorrisinho atrevido. — Não
resisti quando ele diminuiu os movimentos, só para que eu sentisse toda sua
ereção me preenchendo aos poucos, parecia uma tortura. Eu queria muito.
— Uma semana, Anya, para ter certeza de que quero você para minha vida.
Ofeguei com as batidas do meu coração que esqueceu seu ritmo.
— Quero que seja minha. Qualquer coisa, desde que seja.
— Cohen... — Choraminguei quando seu pau me deixou e não
entrou novamente. — Depois que eu gozar você pode me chamar do que
quiser.
E quando finalmente conseguimos terminar aquele banho, Cohen
me secou, enquanto escondia um sorrisinho traiçoeiro.
Fui virada de frente para o espelho, enquanto ele penteava meu
cabelo ainda molhado, nos olhamos através do reflexo, e eu vi o brilho de
um homem apaixonado, com um semblante misterioso.
Olhei para o meu corpo, eu estava toda arrepiada, seus olhos me
procuraram, e ele sorriu quando me pegou no flagra.
— Eu amo seu cabelo. — Sorri genuinamente. — Amo o
cumprimento, a cor, o quanto ele te deixa linda. O quanto eles
Ele se curvou e beijou meu ombro, depois roçou os lábios no lóbulo
da minha orelha. Senti sua mão novamente na minha nuca, subindo
lentamente, tortuosamente me excitando
— Amo mais ainda, quando estão enrolados no meu punho. —
Ofeguei ouvindo sua voz rouca, recebendo o puxão sem dor quando ele fez
o que dizia. — Olha pra mim!
Não percebi ter fechado os olhos, mas abri. Meu peito subia e
descia quando ele empinou meu quadril, roçando seu membro na minha
intimidade molhada, pronta de novo. E ele me penetrou olhando-me através
do espelho.
— Cohen... — Arqueei querendo senti-lo, eu precisava disso tanto
quanto precisava do ar que respiro.
Era incrível vê-lo despido, não só de roupa, mas de toda a capa da
civilidade que o escondia.
Era incrível ver o quanto ele me tinha, o quanto éramos perfeitos
juntos.
Cada estocada era uma onda de prazer. Arqueava meu corpo para
trás e ele apalpava meu seio, enquanto a outra continuava enroscada em
meu cabelo.
E novamente chegamos ao ápice, com ele sussurrando no meu
ouvido o quanto me amava, e que nada depois daquilo nos separaria.
Eu ainda não fazia ideia da força dessas palavras.
CAPÍTULO 33
Eu não estava preparada pra você.
Construí estes muros por toda parte. Você queimou essa merda até o chão.
Not Prepared For You – Diane Warren

Cohen e eu estávamos na cozinha encarando a cena.


Holly e Casper estavam lado a lado, de costas pra gente, sentados
no sofá assistindo um filme no celular juntos, enquanto dividiam o par de
fone de ouvido, por isso estavam tão próximos um do outro. E pela altura
duvidei mesmo que estavam ouvindo alguma coisa, já que uma bola de
algodão também tapava o outro ouvido.
Já faz alguns minutos isso. Viemos beber água e nem sinal deles se
mexerem, a cabeça encostada uma na outra, Holly parecia dormir no ombro
de Casper.
Eu estava orgulhosa ao ver o sorriso amplo no rosto de Cohen.
Parecia mais leve, nenhuma linha expressiva de preocupação era visível. E
eu conheço todas.
O dia já estava amanhecendo, precisávamos trabalhar dali poucas
horas, por isso não podíamos nos dar ao luxo de dormir, pois correríamos o
risco de passar direto.
Ninguém diz que Cohen estava bêbado e doente na noite passada. A
ressaca nem parece ter chegado perto, se chegou, ele não demonstrava.
Contudo, eu sei que precisa de descanso, portanto estava me preparando
caso ele precisasse ficar em casa.
Cohen abraçou minha cintura de repente, deixou um beijo no meu
ombro e quando vi já estava sentada em cima do balcão, ficando da altura
de seus olhos.
— Estão ouvindo pelo menos? — Murmurei que não. — Casper, se
estiver me ouvindo, saiba que estou com o humor tão bom, que nesse exato
momento, negociaria meu Impala com você.
Nada. Eles estavam realmente dormindo.
— Você tem um Impala?
— Comprei em um leilão. Casper é apaixonado por ele. É um dos
quarenta carros que usaram na série quando gravaram em Illinois.
— Ah, então você é fã?
— Casper é, por isso comprei o carro. É minha barganha mais
valiosa. — Eu ri com piedade.
— E quando pretende usá-la?
— Não sei, é para emergências, então... quando tiver uma
emergência.
— Algo me diz que ele ainda não sabe disso. — Supus, pois,
imagino que Casper teria negociado em troca de trazê-lo na minha porta de
madrugada.
— Então você deve imaginar, que uma emergência pra mim, é uma
medida de desespero, depois de tentar contra o coração mole do meu
irmão.
O admirei falando dele com tanto afeto. Estava mais do que claro,
as pessoas não sabem o que dizem sobre os dois!
Muito além de irmãos, do sangue e da família, Casper e Cohen são
amigos, e tudo o que eu testemunhei até agora, fora altruísmo e parceria, ao
contrário de tudo que já tinha escutado sobre a relação conturbada.
Nunca vi Casper puxar o tapete do Cohen, ou tentar prejudicá-lo.
Do mesmo modo, nunca vi Cohen falar do seu irmão com menos carinho e
fraternidade.
— Curioso. — Ele franziu sua testa esperando que eu explicasse.
— A música favorita da Holly é Carry On.
— Por que será que não estou surpreso? — Gostei do modo como
olhamos novamente para eles. — Desde quando vocês são tão próximas
assim?
— Desde sempre, eu acho. Não lembro exatamente quando Holly e
eu nos tornamos amigas, ela era minha vizinha, acho que ela se escondia no
meu quintal as vezes. Crescemos juntas. — Expliquei orgulhosa. — Ela é
como se fosse parte da minha família.
Ou uma extensão dela.
— Você fala muito pouco sobre ela.
— Você também não fala muito sobre a sua, exceto pelas histórias.
— Cohen desviou seu olhar para minha coxa, brincando com seu polegar
em círculos.
— Não tem muito o que dizer. Meu irmão é tudo pra mim, e meu
pai, bem, ele é tão familiar pra mim quanto um estranho. — Voltou a me
olhar sem o mesmo brilho de antes.
Eu anuo tristemente, sabendo que aquele não era o melhor
momento para falarmos sobre isso.
— Hum... — Comecei. — Você está bem mesmo? — Ele assentiu
com um sorriso tênue. Os olhos brilhavam. — E, você consegue se lembrar
de quando chegou aqui?
Meu ventre estava retorcido com a curiosidade. Mais ainda quando
ele fez um sinal com a cabeça, dizendo que mais ou menos, ainda que meio
travesso.
— E... consegue se lembrar de alguma coisa depois que eu te
mediquei?
Ele tentou se lembrar, forçando a expressão. Paralisei quando previ
que ele diria não.
— Ah, espera... acho que rolou alguma coisa entre a gente. Não
lembro muito bem, só de ter implorado seu perdão e dito o quanto te amo, o
quanto te quero na minha vida.
Tentei não demonstrar o alívio, mas os nós no meu ventre se
desfizeram imediatamente. Ele riu.
— É claro que eu lembro, engraçadinha. De cada palavra, minha e
sua. — Por fim ele piscou um olho, e eu anui com um sorriso querendo
despontar de felicidade. — Sua barriga estava roncando, se não se
alimentar, nem aqueles fones vão segurar o barulho. — Disse com um
sorriso travesso.
— Vou fazer alguma coisa pra gente — falo. — Do que você gosta
no café da manhã, além de café horripilante, amargo e descafeinado?
Ele riu lindamente, agraciando minha manhã com a visão de seu
olhar despreocupado.
— Na realidade, antes de sair de casa eu geralmente como
panquecas — Confessa.
— Com mel ou geleia?
— Geleia. — Estalo a língua ao perceber que errei o palpite.
— Jurava que era mel. — Comento arqueando uma sobrancelha.
Cohen me olhou com mais afinco.
— Sua vez — Ele fala. — Do que gosta?
— Não curto panquecas logo cedo, me deixam enjoada, acho que é
a combinação ovo e leite da massa. Prefiro torradas com queijo.
— Torradas com queijo — pondera. — Isso sustenta?
— Não, mas dá para chegar no trabalho, então o café do Joe sim,
me sustenta. — Ele semicerra os olhos propositalmente.
— Obrigado, Anya Amstrong. Estou adorando te conhecer de
verdade. — Sorriu antes de mordiscar o meu queixo.
Nesse momento Holly murmurou um palavrão que nos fez olhar
para eles, estavam despertando.
— Não falei pra não encostar? — Sua voz soou mais alta que o
normal devido ao fone, Casper ainda bocejava.
— Foi você quem babou no meu ombro.
— Ih, isso aí já estava! — Ela confere. — Não vem não.
Cohen e eu nos olhamos, tínhamos a mesma expressão cúmplice.
Alcancei um imã de geladeira perdido no balcão e acertei o ombro
da Holly, mas os dois olharam ao mesmo tempo para trás, por cima dos
ombros.
— Musical! — Holly disse apenas, erguendo seu celular. — Você
sabe o quanto eu odeio musical? Imagine assistir um com Casper.
Casper a olhou entediado.
— Era isso ou ouvir os dois. — Ele argumenta. — E você bem que
chorou com lago do cisne.
— Era um cisco. — Ela rebate.
— Cisne.
— Cisco, eu não choro!
— Eles sabem que estão gritando né? — Cohen pergunta divertido.
— Acho que não.
— Sinceramente, eu só posso ter queimado um rolo de seda pura
para merecer isso. — Holly se levanta resmungando. — Já estão nessa
parte?
Cohen me ajudou a descer do móvel, então reparei nas olheiras
fundas da minha amiga, que só piorava com uma só bochecha vermelha e
assada por ter dormido no ombro de Casper.
— Estamos nos conhecendo. — Ele disse orgulhoso, recuando um
passo como se estivesse envergonhado pela noite anterior.
— Conhecendo, sei. — Ela murmurou e logo Casper apareceu. —
Por dentro e por fora?
— Estou morrendo de fome. — Disparou despreocupado.
— E eu estou morrendo de dor no ouvido. — Holly completou. —
Não sei qual está doendo mais, o do algodão ou do Tchaikovsky. —
Reclama, massageando
— O meu também dói, mas prefiro isso do que ter ouvido o Cohen.
— Concordo. É como ouvir um podcast pornô da minha melhor
amiga. — Disse Holly.
Cohen parecia mais constrangido do que eu. Acho que não estava
acostumado com ela ainda.
— Essa é a primeira vez que vocês concordam em alguma coisa. —
Comento.
— E vai ser a última também! — Responde ela, abrindo a geladeira
e retirando tudo que tinha de matinal.
Por um segundo, pude jurar que vi Casper sorrir, mas desfez assim
que seus olhos se encontraram com os meus, e disfarçou descaradamente.
Cohen realmente estava de bom humor, ajudou nas panquecas
enquanto eu fiz o café. Holly colocou a mesa e Casper vez ou outra, era
visto com o rabo de olho nela.
Os dois se uniam quando o assunto era nos perturbar após um
carinho ou um beijo rápido. A verdade é que estávamos sim apaixonados e
tudo estava tão recente que eu me sentia uma adolescente em certos
momentos.
Esse formigamento no ventre, e a felicidade plena, não estava,
definitivamente, acostumada a sorrir tão facilmente.
O mesmo não deixou mais minha face. Holly é durona, mas eu sei
que estava feliz. A peguei sorrindo também quando ouviu Cohen dizer pela
primeira vez que me amava.
Casper por outro lado não foi discreto, comemorou, e tirou com
Cohen até a próxima vida, provocando sem querer, sua oponente em uma
competição de quem juntou quem primeiro.
No meio daquele café da manhã, eu gargalhava, recostada em
Cohen enquanto suas mãos nunca me deixavam, e som da sua risada
também me fazia a pessoa mais feliz desse mundo.
Foi difícil me despedir, quase impossível, nossos momentos
pareciam eternos, mas não eram, e eu tinha medo de quando nos
afastávamos. Lidávamos com a realidade e com a omissão. Isso me
atormentava em pensamentos.
— Está mesmo de bom humor, né? — Casper conferiu depois de se
despedir.
— Estou. — Cohen responde ao lado dele em direção às escadas, os
dois deixavam o apartamento com a mesma roupa da noite passada, muito
mais amassada e com aparência relaxada.
Parecia ter acabado de sair de uma noitada.
— Então que tal conversarmos sobre o carro mofando na sua
garagem? — Ri sozinha, encostada no batendo da porta, esperando-os
sumir de vista.
Holly não falou mais nada depois que eles saíram, apenas se
aproximou de mim, me deu um abraço apertado e disse que gostava do jeito
que Cohen me olhava.
— Mas eu juro pela minha vida, que farei você pagar. — Ela deixou
um beijo no topo da minha cabeça antes de ir dormir e recuperar o sono
atrasado.
Ri sozinha, pensando se deveria provocá-la.
Pensei em ligar para casa naquela hora, gostaria muito de contar a
minha mãe que encontrei alguém e que, estávamos dentro de alguma coisa,
mas eu já estava atrasada então fui me arrumar.
Teríamos uma reunião decisiva com a equipe de marketing, o
projeto estava pronto, a campanha pela qual trabalhei estava finalmente
saindo de seus moldes, e os resultados já começavam surgir, então, é claro
que eu me arrumei por ser um dia atípico pra mim, e não porque Cohen
estaria nessa tarde.
Passei a manhã inteira fazendo os últimos ajustes ao lado da
coordenadora de marketing Archer, Yve, que me guiou todos esses dias e
estava, tanto quanto eu, ansiosa. Fora alguns contratempos e meus
pensamentos direcionados ao Cohen, e as vezes em que me perdia em
lembranças da noite passada, tudo estava perfeito.
Não menos pelo fato de estar pensando nele, mas sim porque eu
queria realmente estar entregando toda minha atenção aos últimos detalhes
antes da apresentação final aos acionistas, coordenadores, executivos e
todos que estariam dentro daquela sala. Todavia era inevitável, afinal, se
estivéssemos falando de uma hierarquia, Cohen está no topo dela, e ele
também estaria presente.
Meu coração falhou algumas batidas quando anunciaram que ele já
aguardava na sala de estruturação. Confesso que estava imaginando outro
cenário para quando esse momento chegasse. Um em que — como na
maioria das vezes —, eu tivesse que sustentar seu olhar furtivo e sorrateiro
sobre mim.
Não queria estar pensando se hoje seria diferente, então me obriguei
a pensar nele como quem ele realmente era aqui dentro, e nada mais que
isso.
No momento em que passei pela porta ao lado de Yve, ela falava
algo, mas eu deixei de ouvir quando o vi na ponta daquela mesa, seus olhos
brilharam com um sorriso de canto.
Não olhei tão fixamente, mas o suficiente para chegar à conclusão
de que não tinha vestígio algum da ressaca ou visível piora. Parece que a
febre veio e não voltou mais, nada lembrava o bêbado febril da outra noite.
Ali, diante de todos, Cohen era apenas a figura de maior autoridade.
O implacável e hostil, que com apenas um olhar calava os murmúrios
desnecessários.
Me sentei ao lado da coordenadora que ainda falava e apontava para
uma pasta infinita, que por Deus, eu já havia decorado, e de repente,
quando eu já nem sentia o olhar de Cohen sobre mim para minha surpresa,
o ouvi me chamar. O procurei na ponta da mesa, encontrando seu sorriso
brando. A sala ficou em completo silêncio, Cohen estava estranho.
— Seu cabelo está lindo! — Ele disse.
Fiquei sem reação.
Senti meu rosto esquentando e balbuciei, quando percebi os olhares
intercalando entre nós dois.
Um silêncio absoluto, e os lábios de Cohen se curvavam em um
sorriso fino, elegante e sensual.
Chegava até ser arrogante de tão predatório.
— Obrigado.
Ele sorriu piscou antes de dar início a reunião.
Eu não sabia como dar início nem aos meus próprios pensamentos.
Foi uma tarde estranha.
Ele me olhava, sorria.
Eu o olhava, ele piscava.
Ah meu Deus, eu estava completamente apaixonada!
Tentei por tudo manter o foco enquanto mostrávamos os resultados
dos patrocinadores e os buracos que já começaram a ser tampados.
No fim daquele dia, estávamos exaustos, Cohen e eu bocejávamos,
as vezes até sincronizados, atraindo olhares furtivos, estando os dois com
sono atrasado.
Chegamos ao fim da reunião e com tudo acertado, sai ao lado de
Yve que falava incansavelmente. Coitada, não podia julgá-la, eu é que já
estava lenta. Ela estava animada, me senti mal por estar em outro ritmo,
outro clima, mas o que podia fazer? Eu estava acabada.
Sofri com enxaqueca até o meio da noite passada, depois tive que
lidar com um bêbado na minha porta, que veio a ser também o doente que
precisou dos meus cuidados, e por fim, para minha recompensa, um tarado
obcecado e insaciável, sugando toda minha energia até que a noite virasse
dia.
Estava tão distraída que não percebi Cohen se aproximar.
— Pode emprestar minha namorada um pouco? — arregalei meus
olhos ao ouvir a voz e duvidei que ele realmente tivesse dito aquilo.
A mulher não ficou muito diferente, gaguejou até assentir.
Como se pudesse impedir.
— Eu, eu não terminei...
— Continuem depois. — Ele me interrompe. — Tenho uma notícia
importante. Desculpe, é realmente importante.
— Cohen.
— Ela adora meu nome. — Ele diz orgulhoso a ela, então sou
surpreendida pelo seu braço na minha cintura. — Vem, não vai dar tempo!
— Tempo pra quê? — Pergunto enquanto ele me guia até o
elevador, sem tirar sua mão da minha cintura.
Não tinha um olhar sequer que não esbugalhasse ao ver aquela
cena.
— Vamos viajar, viagem de negócios, Califórnia. Nosso voo sai
pela manhã.
— Viajar? — Parei no meio do corredor. — Não posso viajar, tenho
aula.
— Serão apenas dois dias, e pelo que sei, você adiantou tantas
matérias semana passada que está com poucas aulas. — Arqueei uma
sobrancelha.
— Cohen eu não posso viajar assim, não estou preparada.
— Engraçado, nos seus termos de contratação diz que deve estar
disposta a viajar se for preciso.
Tentava decifrar sua expressão travessa, mas no momento eu tinha
coisas demais para lidar.
Ele ter me chamado de namorada para uma funcionária, era uma
delas, assim como sua mão e o toque íntimo na minha cintura.
— Trabalho com você há dois anos, você nunca precisou que eu
fosse. — Argumento.
— Eu tinha meu agente de viagem, hoje, ele não vai poder ir.
— Por quê?
— Porque... as mulheres que estão no seu lugar ainda estão se
adaptando e esqueceram de agendar com ele.
Cruzei os braços arqueando uma sobrancelha.
— Pode, por favor, falar a verdade?
Ele sorriu maliciosamente, rendido.
— A verdade é que essa viagem já estava marcada e eu te faria ir
mesmo que não quisesse olhar na minha cara. Não que eu me orgulhe do fiz
ontem, mas, estou com uma vantagem.
Deu ombros de modo despreocupado.
— Sem me consultar. — Acrescentei.
— Eu ainda tenho o fator chefe e... o fator namorado.
— Namorado? — devolvi escondendo o sorriso que ameaça escapar
de mim.
Ele se aproximou, perto suficiente para falar mais baixo.
— Fiz você gozar, lembra? Posso te chamar de qualquer coisa, e
não pega bem sair por aí dizendo que você é minha, então esteja pronta
quando eu te ligar. Está dispensada por hoje, Srta. Amstrong.
E como cereja do bolo, Cohen selou nossas bocas em um beijo
estalado e rápido, continuando seu caminho, deixando-me boquiaberta,
paralisada e com o rosto queimando sendo alvo de tantos olhares.

— Não quero falar sobre isso! — Disse a Ruby, tentando me


esquivar dos seus questionamentos nos meus últimos minutos antes de
deixar o edifício da Archer.
— Você é a única pelo visto. — Ela me diz sorridente. — Você e o
Cohen, estão realmente juntos...
— Ruby, fala baixo. — Pedi, pegando minha bolsa ao lado da
minha mesa provisória no andar da equipe de marketing.
— Não tem mais como se esconder, amiga. Ele praticamente gritou
para os quatro cantos desse edifício. Minha namorada, repete, minha
namorada. Ele disse isso!
— Não lembro de ter muitas pessoas nesse momento, o que me faz
acreditar que Yve é uma fofoqueira. — Provoquei, sabendo que estava com
um risinho estampado na mesa ao lado, fingindo não querer fazer parte
daquela conversa.
Ruby estava eufórica.
— Eu apenas respondi para quem me perguntou, se tinham visto e
ouvido direito. — Yve se defende cinicamente.
— Não adianta mais tentar negar, Anya.
— Não mesmo! — A voz não viera de nenhuma delas. Surgiu
acompanhado de saltos secos no mármore de quem eu bem conhecia,
cortando o ar risonho e exageradamente defensivo.
Virei de costas e encontrei Drizella com os braços cruzados. Ela
segurava uma pasta em uma das mãos, me encarou friamente, antes de me
chamar para um canto mais reservado.
— Como eu disse... — começou estendendo a pasta a mim. — Em
suas mãos!
Peguei a mesma e conferi rapidamente.
Não entendia o aperto que senti, movido por uma insegurança
interna de estragar o que estava só começando.
— Obrigado.
— Não fiz por você. A propósito, sobre sua amiga, Hannah... —
Tirei meus olhos daquela pasta e encarei seus olhos enganosamente
azuis. — Sugiro que fique de olhos bem abertos.
CAPÍTULO 34
Ela é a melhor coisa que você já teve. Ela vai te amar, se você a ama.
Nos dias em que parece que o todo mundo pode desmoronar, fique lado a lado.
If You Love Her – Forest Blakk

— Ela pegou os papeis de volta e você acha que a Hannah não vai
desconfiar de nada? — Holly estava na minha cama e essa já era sua quarta
ou quinta pergunta, que antecedeu um ataque sobre o quanto foi idiota, pois
ela mesmo queria ter falado com a Hannah.
— Eu não sei como Drizella pegou, mas sei que não foi pedindo.
— E por que você acha que eu iria até esse encontro? Eu mesma
conversaria com ela.
— Que ótimo, agora você pode recusar.
— E você pode continuar vivendo sua vida como se não soubesse
que ela está te procurando. — Rebateu com ironia.
— Quem não está? — Repliquei enquanto fechava minha mala.
— Quem garante que essa descascada mesmo não falou pra ela?
Tive que admitir algo para mim mesma antes de suspirar, olhando
para Holly.
— Porque se tem uma coisa que Drizella não faria, é prejudicar o
Cohen. Ela só fez isso por ele.
— É, mas a Hannah prejudicaria. Ela inclusive tem mais um motivo
agora. E o que vocês vão fazer? Viajar como se nada estivesse
acontecendo.
Sorri colocando minha mala no chão.
— Obrigado pela preocupação, mas minha mãe está em Minnesota
e você deveria estar feliz, mas... não vou te cobrar isso porque é uma viajem
a trabalho.
Holly bufou me olhando com tédio.
— Você acredita mesmo nisso? — Ignorei seu olhar e continuei o
que estava fazendo.
— Cohen já deve estar chegando, eu volto em dois dias.
— E a faculdade?
— Enviei uma nota ao Lee, ele vai me passar uma retificação para
repor.
Ela bufou em cima da pilha de roupas que estava na minha cama.
— O cara mal chegou e já está levando minha melhor amiga.
— Está com ciúmes, Holly? Não é você quem disse que eu tinha
que aproveitar mais minha vida? Eu cumpri com quase toda a lista.
Deixei a mala próximo a porta e me olhei uma última vez no
espelho.
— Mas ele está te levando pra longe, e eu não decidi se confio nele
ainda. — Eu ri, olhando para ela por cima dos ombros.
— No começo eu também não concordei, mas quer saber? Não
quero estar aqui quando você for se encontrar com a Hannah, já disse para
desistir dessa ideia. Estão todos sabendo, Holly. Cohen deixou que todos
soubessem.
Holly acredita que Hannah está com mais raiva do Cohen do que de
mim, e tentaria fazê-la parar de querer expor a Dama de Prata aos
executivos e acionistas.
— Ela só precisa parar de procurar a pessoa que estava debaixo
daquela máscara.
— Isso está muito perto de acabar. Cohen vai investigar os
envolvidos e em breve eu deixarei de ser um risco.
— E os papéis?
Travei, me encarando através do espelho. Vislumbrei mentalmente
a pasta dentro da minha gaveta no quarto, e sacudi meus pensamentos.
— Entregue ao Casper, ele sabe o que fazer com eles.
No fundo eu não achava essa atitude sensata, e não é como se eu
estivesse tentando provar alguma coisa, mas se Cohen me colocou como
prioridade, acho justo que ele faça o mesmo com Hannah, e tire ela disso.

Cohen me esperava em frente a portaria, me ajudou com a mala e


juntos embarcamos com destino a Califórnia, San Diego especificamente.
Ele não falou muito sobre o que faríamos lá, nem quem
encontraríamos ou para qual finalidade era essa viagem, só sei que quando
chegamos no hotel, desejei termos um tempo livre, pois era uma das coisas
mais lindas que eu já tinha visto.
O quarto era imenso. A vista privilegiada e só não aproveitamos
mais, pois estávamos exaustos.
Descansamos por algumas horas, depois conhecemos o hotel e
tomamos café da tarde juntos, para então receber a notícia de que
jantaríamos fora em um encontro importante de negócios para o Cohen, e
eu não fazia a mínima ideia do que vestir.
Quando abri a divisória que Holly arrumou, me surpreendi, nada do
que separei estava ali.
— Mas o que... — Puxei um tecido leve como seda entre os dedos
em um branco perolado, onde deveria estar meu conjunto social preto.
— Deveria rever seus aliados. — A voz grossa me assustou. Cohen
estava encostado no batente da porta com um sorriso de lado, estava mais
lindo do que nunca em uma camisa de linho branca realçando sua pele
bronzeada. — Primeiro o Joe, agora a Holly.
— Do que está falando? — Ele veio até mim sustentando seu
sorriso em uma linha fina e misteriosa.
— Pedi para ela escolher algo para o nosso jantar de hoje.
— O que tem de errado com meu senso de escolha? — Ele riu
lindamente.
— Absolutamente nada, eu é que pedi para que ela deixasse
qualquer coisa perto de formal bem longe da mala.
— E espera que eu apareça desse jeito com pessoas do seu
trabalho? — Inquiri com o vestido em frente ao corpo.
— Sua amiga tem bom gosto. — Comentou admirando a peça,
passeando com os olhos pelo meu corpo, e voltando aos meus olhos com
um mistério camuflado. — Mas não chega aos pés do que você usou na
frente de todos.
— Estou feita com minhas amizades. — Bufei rolando os olhos,
caminhando para frente do espelho, onde deixei o roupão cair sob meus pés,
deixando-me apenas de lingerie rendada — que seriam dispensadas se eu
considerasse usar aquela peça clara. —, ponderei sem muitas alternativas e
então deixei que o sutiã também caísse por meus ombros.
Me vesti sob o olhar atento queimando em minha pele, uma
sensação quase viva. Ele me assistiu descaradamente, e eu guardei a
promessa em seus olhos com fogo e brasa.
— Você tem a missão, de tornar minhas horas lá embaixo, uma
tortura interminável. — Falou se aproximando.
A voz grave, atingindo-me como uma força da natureza.
— Você disse que era importante. — Digo, oferecendo as duas tiras
finas que deveriam passar pelas minhas costas em x.
Seus dedos tocando novamente minha pele exposta arrepiaram-me
como da primeira vez. Talvez até mais, agora que não havia limites para o
que podíamos fazer na cama — Não que uma fosse realmente necessária.
— Estou pensando seriamente se executivos promissores, e sócios
em potencial valem as horas que estou deixando de te foder nesse quarto.
Corei com a falta de filtro em suas palavras. Me perguntei quando
me acostumaria, embora, a sensação de frio na barriga é tão gostosa que eu
nem sei se queria.
— Pense nisso como uma preliminar. — Cohen sorriu
maleficamente, antes de beijar meu ombro exposto, enviando-me ondas de
uma sensação que eu já conhecia.
— Foram quase dois anos esperando para poder te tocar, não existe
preliminar. Existe eu... saboreando cada parte sua. — Ofeguei, empinando
inconscientemente meu quadril, enquanto seus lábios traçavam uma linha
na curva do meu pescoço. — Não preciso de mais de meio segundo para
estar pronto, e aposto que você menos ainda.
Sua voz roçou o lóbulo da minha orelha, e o peso em meus seios
tornou-se agulhadas em meus mamilos.
— Se continuar, eu desisto da missão e convenço você, com ou sem
números, de que não importa quem esteja te esperando lá embaixo, não vale
a pena.
Ele sorriu, abraçando novamente minha cintura naquela imagem
que eu desejaria emoldurar em minha mente se pudesse, olhando-me
através do espelho.
— Eu preciso que você me lembre de fazer um mínimo esforço,
porque eu mesmo não quero ir.
— Vamos logo! — Sorri ficando de frente para ele, e deixei um
beijo em seus lábios que pareceu desfazê-lo em frustração e
arrependimento.
No fim do processo, tentei prender meu cabelo por conta do calor,
mas Cohen protestou com um grunhido.
— Deixa solto? — Pediu. Eu neguei maliciosa e terminei de
prendê-lo no alto, como um castigo e provocação. Arqueei uma sobrancelha
atrevidamente, ele sabia qual seria o sinal. — Entendi. — Declarou
rendido.
O jantar não foi dos piores. Cohen me apresentou a seus amigos
executivos, conversei com suas respectivas acompanhantes e até os
deixamos a sós quando a conversa ganhou uma conotação entediante de
números e avanços.
Não que eu me incomodasse. Acho lindo a forma como Cohen fala
do seu trabalho e sua notória dominação e propriedade no assunto, mas
também gostei de ver o tempo passar enquanto ria junto com outras duas
mulheres muito bem vestidas e bem humoradas, uma delas sendo a própria
dona do hotel em que estávamos, enquanto seu marido conversava com
Cohen entre os engravatados, ela principalmente, tinha assuntos mais
relevantes do que bolsas e sapatos de marca, ou reclamações desprovidas de
empatia por suas vidas entediantes em que nada era dificuldade quando se
tratava de financeiro.
Portanto não vi a noite passar, não me importei de estar junto com
Cohen, por estar deslocada ou algo assim, mas encontrei o olhar dele
diversas vezes em mim, e aquele brilho que me comprovava a veracidade
daquelas sensações estava sempre ali, fazendo-me desejar cada vez mais, o
fim daquela negociação entre os homens engravatados, fosse qual fosse.
As borboletas se empertigavam no meu ventre, meu coração era
pego desprevenido e minha pele esquentava ao ver seu olhar descendo,
insinuando seus pensamentos a mim.
Meu cabelo foi solto quando eu já estava alta na bebida, e desejei
ter Cohen só pra mim.
Bastou que ele me visse para se despedir de seus amigos e me
arrastar para o quarto, onde tivemos a melhor noite de nossas vidas.
Fizemos amor, adoramos o corpo um do outro, veneramos nossa
companhia e exaltamos o encaixe perfeito da nossa união.
O encaixe perfeito dos seus dedos em meu cabelo.
O encaixe perfeito do meu coração completando as batidas do seu.
Nossas vozes ecoavam pelo quarto inteiro, e no silêncio absoluto,
seus dedos passeavam pelo meu corpo, acariciava minha pele e amava, com
tudo o que tinha, cada centímetro de mim ao alcance de seus lábios e
devoção.
Foi uma noite sem pressa. Cada beijo era mais longo, profundo e
lento do que o outro. Cada gota de suor que umedecia sua pele, foi
responsável pelo brilho maravilhado em meus olhos.
Não sabia se o calor era somente pelo clima litorâneo. Um calor que
nos envolvia e fervilhava sob meus poros. Sua mão deslizava pelas minhas
costas enquanto ele beijava meu pescoço, e eu mesma era responsável pelo
nosso prazer, me movimentando em cima dele, encaixando nossos corpos
enquanto ele me preenchia lentamente.
E mesmo quando eu estava de bruços no colchão, meus dedos
cravados no lençol, e os seus estavam completamente enroscados em meu
cabelo espalhado pela cama, colados em meu rosto, seus lábios não
deixavam de me tocar...
Beijava, mordiscava e lambia a cada estocada generosa, me
preenchia em um ritmo ditado pela respiração forte na minha orelha, nossos
gemidos intensos se misturavam... o prazer era tanto que as vezes minha
não passava de um ofego intenso.
Nossa sincronia tinha um preço, e as vezes se tornava insuportável,
pouco, quase miserável... era quando esse mesmo calor se acumulava em
meu ventre, seus olhos se tornavam selvagens e nossos movimentos se
intensificavam.
Nós atingíamos o extremo e era insano, o modo como o mundo
parecia entrar em orbitar quando nossos olhares se encontravam novamente,
ainda ofegantes, tentando assimilar a bagunça que fazíamos... Na cama, no
quarto, em nossos corpos marcados, e dentro, com essa coisa que crescia e
nos dizia, que o que estava acontecendo ali ficaria marcado para o resto de
nossas vidas.

Já era dia quando ouvi meu celular tocando na mesinha ao lado da


cama. O sol entrava vivo e poderoso por entre as cortinas esvoaçantes
daquele quarto majestoso e mais claro ainda a luz do dia.
Me desvencilhei dos braços pesados ao redor de mim, e comprimi
meus lábios ao esticar meu braço para capturar meu celular.
Era minha mãe, ligando por chamada de vídeo.
Meu coração aqueceu e meu rosto corou. Vesti um roupão
rapidamente e passei pela porta da varanda, apoiando-me no parapeito com
vista para o mar e a imensidão azul de um céu sem nuvens.
O cheiro da maresia, o calor confortável, tudo estava em harmonia.
— Oi mãe. — Atendi sem conseguir camuflar a felicidade em meus
olhos, eu também me via, e adorava minha nova imagem.
Meu cabelo parecia mais castanho, mais vivo. Minha pele corava
naturalmente e estava macia, meus lábios tingidos naturalmente de um
vermelho inchado, eu me sentia bonita.
— Bom dia, meu bem. Como você... — Ela pareceu notar. — Você
está diferente!
A constatação pareceu ser mais importante do que as perguntas de
praxe.
— Diferente? — Testei.
— É, nem preciso perguntar se está bem. Você está linda, filha!
Meu sorriso alargou-se. Minha mãe também parecia feliz, achei que
seria um bom momento para contar.
— Conheci alguém, mãe. — falei calmamente. Seu rosto todo
iluminou. — Estou feliz, é só isso.
— Anya está apaixonada! — Ela anunciou para a vizinhança inteira
ouvir. Saltou de onde quer que estivesse sentada e disparou a andar pela
casa. — Ben, nossa filha está apaixonada!
A câmera tremia, e eu via entre vultos ao fundo, as paredes da nossa
casa.
— Eu não disse a você, querida? — Ouvi a voz do meu pai e logo
meu sorriso aumentou consideravelmente. — Deixe-me vê-la!
Então ele surgiu.
Seu rosto tão bonito ainda com o cansaço e a idade. Meu herói, meu
melhor amigo.
— Oi pai. — Eu disse casualmente, e vi quando seus olhos
brilharam.
— Oi, Princesa. — Nos encaramos aliviados, por longos segundos.
Um misto de sensações rasgadoras.
Eu nem sempre falava com meu pai, sentia como se eu precisasse
protegê-lo. Era como se um fardo pesasse em nossos ombros, um fardo que
meu pai não podia segurar sozinho. Eu segurava por ele.
— Eu sabia que tinha alguém por trás desse sorriso. Sua mãe não
acreditou, mas eu disse.
— Ele é bonito? Qual o nome dele? Vai nos apresentar? — Mamãe
disparou dividindo espaço na tela do celular com meu pai.
— Ainda é um pouco cedo, ele é lindo e... o nome dele é Cohen.
Eles se olharam cúmplices.
— Cohen, nome forte. — Disse minha mãe.
— Bonito. — Aprovou papai.
— Não é mesmo nome do seu...
Uma preocupação veemente ocupou o semblante da minha mãe.
— Cohen Archer. — Completo. — Sim, mãe.
— Ai, Ben, nossa menina. — Ela olhou para o meu pai com a mão
no coração.
Ele capturou sua preocupação, digeriu a informação e depois me
olhou.
— Você está feliz? — Perguntou papai, como se olhasse em meus
olhos. Anui seguramente. — Ele a faz feliz? — Confirmei com um aceno, e
um breve silêncio antecedeu seu meio sorriso. — Então ele é um homem de
sorte. Ele. Não você, por encontrar alguém como ele, mas ele, por encontrar
alguém como você.
Me senti sortuda por suas palavras. Privilegiada por ter um pai
assim.
— E Tom? — Perguntei, minha mãe não escondia sua
preocupação.
— Na escola. Ele está tão feliz, já contou para todos os amiguinhos.
— Disse papai com orgulho.
Eu declarei, sem sombra de dúvidas, que estávamos a caminho do
momento de plena felicidade em nossas vidas. Que essas sensações era
apenas um prelúdio, de boas novas que estavam por vir.
Uma maré de recompensas por tudo até aqui.
— Ele merece!
— Filha, escute seu pai. — Suspirei, segurando a ardência em meus
olhos. — Lembra quando eu disse que jamais te perdoaria se ficasse aqui?
Assenti emotiva, compartilhávamos da mesma lembrança entre pai
e filha.
— Não era para te fazer lutar por nós, meu bem, era para que você
lutasse por você, e mesmo assim, você nunca se esqueceu da sua família.
Esteja onde estiver, com quem estiver, nós sempre estaremos aqui. Não
temos muito para te oferecer, mas lembre-se de aqui você sempre vai
encontrar...
— Todo o amor do mundo! — Completei com meu pai. — Eu sei.
É o que eu tenho de mais valioso.
Ele suspirou, nossas promessas silenciosas se cumprindo.
— Estou dizendo isso, porque eu sei que seu objetivo era voltar
para cidade e ficar perto de nós ao começar sua vida, mas... você está feliz
aí. Se por um momento, qualquer que seja, você ficar entre nós e esse brilho
que está te deixando tão viva, saiba que estamos bem, e que te criei para
viver a sua vida, não a minha. Estou quebrado, mas continuo sendo o pai
dessa família.
— Você sempre vai ser! — Afirmei, sem saber que precisava tanto
ouvir aquilo. — Eu amo muito, todos vocês.
— Também te amamos, minha eterna princesinha.
O apelido acariciou minhas melhores lembranças.
A última visão que tive foi os olhos amendoados me encarando, os
mesmos que herdei.
Minhas bochechas estavam encharcadas quando desliguei.
Enxuguei meu rosto e só então percebi que não estava sozinha.
Avistei Cohen encostado no batente da porta que separava a
varanda do quarto, entre as cortinas esvoaçantes. Ele estava sem camisa,
sua pele brilhava com a manhã ensolarada que o deixava ainda mais lindo.
Ele caminhou até mim, abraçando-me com muito mais calor e uma
espécie de orgulho no beijo casto no topo do meu cabelo.
Ambos olhamos para a imensidão daquela manhã esplendorosa, e
não dissemos nada por longos segundos.
Fechei os olhos memorizando até a sensação da brisa suave no meu
rosto. O sol tocando minha pele, o cheiro da maresia e tudo aquilo que se
acumulou dentro de mim.
— Vou te confessar uma coisa. — Ele cortou o silêncio, a voz rouca
amanhecido, ao mesmo tempo macia. — Quando eu ouvia você
conversando com seus pais, eu parava tudo o que estava fazendo. Não
importa o que fosse, eu parava para ouvir.
Com um vinco entre as sobrancelhas, eu apenas o olhei, não
precisei perguntar nada, então ele me puxou para sentar-se em seu colo em
uma espreguiçadeira larga de frete para aquela vista.
Me aconcheguei, sentindo-me pequena em cima dele.
— Teve um dia... — continuou. — Que você chegou mau
humorada com alguma coisa da sua faculdade, parecia não ter dormido
direito e seu cabelo estava molhado porque você pegou chuva. Naquele
momento em questão, o mundo estava caindo lá fora, o tempo estava
horroroso, nada estava dando certo pra você, mas eu lembro que seu celular
tocou, e quando eles perguntaram como estavam as coisas por aqui. Você
disse que o dia estava lindo, e que estava tudo bem. Tudo isso com um
sorriso no rosto. Me perguntei por que você queria pintar um mundo melhor
para eles, por que dizer que seu dia estava bom sem estar... hoje eu acho
que entendi.
Foram segundos intermináveis de silêncio. Quando Cohen
finalmente tirou seus olhos do horizonte e me fitou, eu não sabia o que
dizer.
Tomei uma lufada de ar e decidi avançar um passo importante.
— Quando eu fui aceita na universidade, estava pensando em não
vir pra cá, porque eu sabia o quanto eles precisavam de mim. — Falei,
sentindo a brisa suave daquela manhã tocando minha pele, secando minhas
lágrimas, envolvendo-nos em um lençol natural de conexão. — Meu pai
disse que se eu ficasse, ele jamais me perdoaria. Eu sabia que ele se
culparia, mas eu também sei que ele faria o possível para dar conta
enquanto eu estivesse aqui. Quero que ele se orgulhe do seu apoio, não
importa o quanto eu esteja entregando todo meu tempo para continuar
ajudando. Se por um só segundo ele visse o quanto eu estava cansada, eu
sei que ele dobraria seu esforço. E não quero que pense que faço isso por
pena, eu faço isso por ele! Por saber que ele também não me diz que passou
a noite em claro com dores na coluna, mas eu sei. Sei que ele me liga para
ouvir que está tudo bem, e que o dia está lindo, e que ele pode sorrir porque
isso... diante de tudo o que aconteceu... é o que ainda o faz se sentir... útil.
Havia admiração nos olhos dele. Havia um brilho de uma certeza
para qualquer dúvida, qualquer que fosse seus questionamentos.
— Eu sei qual é o peso de ser altruísta. — Confessou com a voz
diferente.
Suspirei orgulhosa, era fácil falar deles.
— Meus pais são incríveis, Cohen. E eu sou muito grata, por ter
tido pais tão presentes. Privilegiada eu diria. Não tínhamos muito, mas... eu
lembro da minha infância como se fosse tanto, tanto. Não me faltou nada,
se faltou, eles não deixavam que eu visse. Não lembro de nenhuma
dificuldade, não lembro de nenhuma vez que eu tenha caído, e meus pais
não estiveram bem ali. — Meus olhos se alagaram. — Minha mãe é... meu
símbolo de fortaleza e resistência. É a pessoa mais forte e adorável que eu
já conheci. Ela foi a pessoa mais presente na minha vida e acredito que a
mais importante na vida da Holly também, acima até mesmo de mim. Ela
dividiu seu amor de mãe e me ensinou tudo, tudo que uma mãe poderia
ensinar. Já meu pai é... o grande amor da minha vida!
Sorri emocionada, Cohen sorria também.
— Pode parecer clichê, mas ele é o meu herói! Ele é, turrão as
vezes, teimoso, gosta das coisas do jeito dele, mas ele é incrível. Foi por um
longo tempo o pilar da nossa família, a estrutura inquebrável, incansável, e
mais apaixonado pelos filhos. É também a pessoa mais honesta que eu já
conheci. Todo meu caráter, minha índole, todos os meus princípios, são
herança dele, e é tudo o que eu mais prezo nessa vida, porque... — minha
voz falhou. — No dia em que eu vi meu pai ceder, por injustiça dos outros,
ele não teve coragem de desejar o mesmo. Ele não teve coragem, de
procurar os seus direitos ou que seja, qualquer amparo por parte dos
responsáveis, não porque ele é um covarde, mas porque meu pai é incapaz,
de tirar de outra pessoa o que não pertence a ele.
Eu já chorava, isso era fato, mas não esperava encontrar os olhos do
Cohen tão marejados.
— O que aconteceu?
— Um acidente na usina que ele trabalhava, quase o deixou sem
andar — Completei. — Ele operou na época, mas nunca mais foi o mesmo.
— Eles são os pais mais sortudos por ter uma filha como você. —
Ele segurou meu rosto com as mãos, obrigando-me olhar para ele. — Eu
não estaria tão apaixonado se não fosse, não estaria tão louco só de pensar
em te perder. Se eu estou tão fodido de orgulho ao ver você falando assim,
imagine eles.
A expressão de Cohen mudou, de repente ele não apareceu mais tão
aberto, e eu entendo.
Respirei fundo enquanto Cohen encarava o nada.
— Meu pai é... — Tentou dizer, mas seu olhar se perdeu em uma
lembrança que transformava sua expressão em nada menos que ódio e dor.
— Se me perguntar sobre Vicent Archer, eu sei te dizer que ele é um fodido
empresário, fundador da Archer e todas as corporações com seu sobrenome.
Mas, esse império nunca foi mérito dele. Minha mãe era a mente brilhante
por trás dos avanços, das corporações. Tudo o que foi construído, era um
sonho dela e do pai dela, não dele. A Archer só é o que é hoje, porque Sarah
Mayer ergueu. Mas ele nunca reconheceu isso, ele carregou seu sobrenome
até o dia em que a perdeu. Ele se aposentou porque sabia que era questão de
tempo. Eu cresci ouvindo que tudo o que ela deixou, um dia, eu iria perder.
Ele já não me olhava, se perdeu em palavras que pareciam aliviá-lo
de um peso imenso.
— Eu sou o mais velho, senti menos sua ausência, já o Casper...
sempre teve mais problemas com atenção. Ele amava meu pai, mesmo
sendo um babaca. Ele era criança não compreendia, mas eu sim, então não
fui um adolescente muito fácil, por isso fui altamente criticado e
subestimado quando meu pai se afastou. Ele mesmo não acreditou, e acho
que se não tivesse duvidado tanto de mim, eu não teria feito o possível para
provar o contrário. Achei que com o tempo as coisas ficariam mais fáceis
entre nós, mas entendi que ele espera dia após dia meu fracasso, para poder
comemorar e dizer que já sabia.
Algo dentro de mim se contraiu. Ter seu pai como um inimigo,
desmotivador, eu não saberia nunca o que é isso.
E desejei não ver a linha de seu maxilar tão trincado amargamente.
— Casper só está naquele lugar por minha causa. Sei que deve ser
difícil de acreditar, mas só temos um ao outro, eu sou o mais velho, Anya,
eu dei a atenção que ele precisava, ele tem a mim como uma figura
responsável. Hoje ele sabe quem realmente foi meu pai. Casper odeia
aquela empresa, ele odeia o fato, de me ver sustentar um império que nos
foi deixado como um fardo para provar do quanto somos incapazes, então
eu o deixo acreditar que eu sou um fodido competitivo que tenta provar
algo para meu pai, só que eu só quero continuar com o que meu avô
começou, só quero poder olhar nos olhos do meu pai e continuar dizendo
que o único incapaz continuar com o sonho dela... é ele mesmo.
Tudo mudou daquele instante em diante. O homem que estava de
frente para mim, sem ressalvas e armaduras, se tornou alguém que eu,
simplesmente me orgulhei de dizer que estava apaixonada.
— O laço que vocês têm é muito além de fraternal.
— Ele é minha única família. — Ele disse. — E a Archer é muito
mais do que uma herança, é tudo pelo que minha mãe lutou, é tudo pelo que
ela merecia ter sido reconhecida e não foi. É um bem que eu preciso zelar e,
principalmente, cuidar para que pessoas como meu pai, não a estraguem.
Puxei o ar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a imensidão
dos olhos opacos e sem brilho de Cohen me atingiram.
— Casper me dizia com frequência que eu estava me parecendo
com ele. Por isso as brigas. Porque em algum momento, eu cuidei tanto
daquilo que não percebi, estar me tornando alguém como ele. Sempre foi
pela Archer, sempre foi pensando e impedindo qualquer erro que
manchasse não só a empresa, mas a memória da minha mãe, que eu não sei
te dizer em que momento me perdi, mas sei dizer quando ouvi a voz dela
dizendo, você falhou.
Esperei que ele continuasse com um bolo dolorido se acumulando
em minha garganta.
— Quando você disse aquelas coisas... Eu vi o quanto estava cego
pensando somente nos lucros e avanços da empresa, que me esqueci de
lutar pelo que ela realmente começou. O projeto com as crianças, não é
meu, Any... é um dos projetos que ela não conseguiu concluir.
Senti cada partícula do meu ser se desfazer, senti meu peito cair
com uma lufada de ar, querendo por tudo nessa vida, não deixar aquela
lágrima solitária no canto dos olhos dele cair.
— Casper estava certo, eu estava igual ao meu pai, eu estava
fazendo tudo, menos orgulhá-la, onde quer que esteja, eu falhei com ela e
com você.
Toquei seu rosto e o envolvi na palma da minha mão, olhando
Cohen com outros olhos, imaginando o quanto tudo aquilo, o desgastou, o
consumiu. O preço alto que aquilo cobrou.
— Você me lembrou. Você me lembrou que é por ela que eu estou
ali, e que é por ela que eu vou conseguir, mas diferente do meu pai, não vou
colocar esse nome à frente das pessoas que são importantes pra mim. Eu
não vou, jamais, colocar a Archer acima de você, ou da felicidade do meu
irmão, porque não importa o que eles dizem, não importa o que meu pai
diz. Ela me pediria para escolher você. Como seu pai acabou de te pedir.
Pisquei e todas as lágrimas acumuladas deslizaram por minha face.
Eu nunca, nunca me senti tão precisamente feliz, mesmo estando
internamente tão quebrada por tudo o que ouvi.
Senti naquele momento como se mais barreiras fossem quebradas.
Como um grande paredão e talvez o último, nos aproximasse ainda mais.
Eu amei Cohen ainda mais, como se isso fosse possível.
Eu o amei, e eu sentia isso pulsar nas minhas veias, nas batidas do
meu coração, e em cada centímetro do meu ser, eu o senti...
Entendi.
Confiei.
Plenamente e abundantemente.
E isso custou qualquer resquício de ressalvas que ainda restava em
mim.
Custou cada lufada de ar orgulhosa e apaixonada, plenamente grata,
por ser a mulher com quem ele se abriu, e se entregou, nas mesmas
proporções.
CAPÍTULO 35
Porque uma chance em um milhão, ainda é uma chance.
Train Wreck- James Arthur.

Estava escurecendo quando ouvi a porta do apartamento se abrir.


Holly entrou distraidamente e pulou de susto quando me viu
sentada na ilha da cozinha, tomando café silenciosamente. Não sabia há
quanto tempo exatamente eu estava ali, Cohen me deixou em casa não tem
muito tempo, e desde então tudo o que sinto é uma sensação gostosa de ter
vivido os melhores dias da minha vida enquanto a calmaria me envolvia no
aconchego do meu lar temporário.
— Ah meu Deus, Anya! Você quase me matou do coração. —
Protesta ofegante, ainda com a mão no coração. — Por que não me avisou
quando chegou?
— Pensei que estaria em casa, não sabia que tinha dormido fora. —
Avaliei Holly de cima a baixo.
Claramente tinha dormido com alguém. O cabelo molhado, o rosto
sem maquiagem indicando que a noite havia sido longa, mas o que justifica
estar chegando só agora? Ela geralmente não fica para um possível café da
manhã. Ela geralmente também não fica para um banho a dois quando quer
voltar para casa logo.
Todavia estava estranha, arisca, os olhos inquietos e com um
nervosismo preocupante ao morder os lábios inferiores.
Deixou seus saltos na sapateira, depois o casaco. A essa altura
Holly já estaria com sua lista de curiosidades acerca do que aconteceu na
viagem, e eu estava pronta para dizer que o que crescia dentro de mim já
nem cabia, era impossível de expandir, mas ela estava atordoada demais
com seus próprios pensamentos.
Então deduzi que ela estava esperando eu perguntar alguma coisa.
— Está tudo bem?
— Não consigo esconder nada de você! — Despejou, já
arrependida, como se soubesse que não aguentaria por muito mais tempo.
As palavras pareciam que iam saltar da sua boca. — Deu tudo errado.
Disparou apenas. Penteou seu cabelo molhado com os dedos e
respirou uma ou duas vezes.
— O que deu errado?
— É só o que você precisa saber. — Respondeu, parecia cada vez
mais sufocada com o que precisava dizer. — Deu tudo errado, e contar a
você, vai fazer se tornar real.
Um silêncio absoluto perdurou. Não acreditei no que acabei de
ouvir, ou simplesmente estava letárgica demais para digerir, e Holly
esperou que eu completasse mentalmente.
Lembrei que ela se aproveitaria da minha ausência para tentar falar
com a Hannah.
Não, nem eu arriscava um chute desses.
— Hannah não quis te ouvir, né? — Não que estivesse surpresa
com isso. — Eu já esperava.
Holly soltou o ar atônito de seus pulmões.
— Não temos intimidade para entrar nesse assunto ainda.
— Ah, então vocês não chegaram a... seja lá o que vocês três iam
fazer.
Ela tentou respirar andando de um lado para o outro.
— Vou ser rápida, ok? — Disse em uma reles fagulha de
encorajamento, com uma raiva que não pertencia a mim. — Você viajou,
Casper disse que a Hannah me chamou para um encontro casual, entre
amigos. Eu fui porque... estava tentando te ajudar, como eu disse que ia
fazer.
— Vocês iam... — Deixei subentendido.
— Eu não sei! — Holly fechou os olhos travando seu maxilar. —
De verdade eu não sei, mas vou estar mentido se disser que não fui
preparada. Mas com ela, não com ele. Pelo menos não só com ele.
Meu maxilar despencou.
— Vocês transaram!
— Ela não apareceu e ele me desafiou. — Falou como se
justificasse. — Disse que apostou que eu não apareceria. Então provoquei,
disse que estava mais interessada nela do que nele, mas ele disse que eu não
me arrependeria, e eu desafiei... eu desafiei. — Holly estava a ponto de
surtar, mas não menos que eu.
Casper e Holly...
— Ah, minha nossa. — Murmurei estarrecida. — Foi tão bom
assim?
— Digamos... que o inferiorizado, não é tão inferior assim. Na
verdade, é até superior.
Uma risada escapou de mim.
Tampei minha boca com os dedos, mas ver o desespero nas
expressões de Holly foi incontrolável, então gargalhei.
— Por que você está rindo?
— Você está se ouvindo? — Indaguei. — Holly!
— Sem sermão, por favor. Foi um erro, eu sei, não vai mais
acontecer — disse como em um mantra. — Não vai acontecer!
— Eu fico fora por dois dias e você transa com Casper Archer?!
— Não. Chame isso de desafio, eu desafiei Casper Archer, e
descobri que ele é competitivo. Nós trepamos, e foi isso.
Assenti, sem saber como reagir.
— Eu vou querer saber que desafio é esse? — Seus olhos saltaram
afoitamente.
— Não.
— Ok. — Disse apenas.
O que Cohen pensaria disso?
Queria que ele estivesse aqui para rir comigo. Queria ao menos
estar por perto quando ele descobrir.
Holly sempre foi casual ao extremo, a ponto de não se deixar
envolver com quem sabia que veria outras vezes, quem dirá praticante
conviver.
— É só isso? Podemos encerrar por aqui? — Eu poderia arrancar
tudo dela, cada mínimo detalhe, mas isso seria como uma tortura.
— Quer saber como foi meu fim de semana? — Ela suspirou
aliviadamente.
— Deixa eu adivinhar... Foi um teaser de Edward e Bella na lua de
mel da cabeça dela?! — Gargalhei rendida. — Vocês estão se prevenindo?
Não quero ser tia. Não do sobrinho de Casper Archer, isso faz de nós
padrinhos?
— Holly. — Interrompi seu nervosismo. — Coito interrompido,
mas prometo que vou procurar algum preventivo.
Ela suspirou novamente, mas eu sabia que não seria sua última
preocupação com relação ao convívio.
E só depois que seu nervosismo amenizou, simplesmente por não
tocar mais no assunto, muito embora eu mesma já estivesse fantasiando
nosso futuro juntas fazendo parte da mesma família, tive que me contentar
com a presença agradável da minha amiga ao contar para ela como foi meus
últimos dias.

Foi o dia mais estranho dentro daquela empresa.


Recebi tantos olhares tortos e abismados e cheios de julgamento,
que após respirar fundo pela milésima vez, tive que me refugiar na sala do
Cohen enquanto ele estava ocupado em qualquer lugar, naquele momento,
eu apenas agradeci e me permiti fugir um pouco. Me esconder.
Por todos os lados eu ouvia, e via sobre as últimas notícias a
respeito da vida pessoal do Cohen.
Eu fazia parte dela.
Nossas fotos percorreram todos os sites de fofoca que os algoritmos
conseguiram me entregar. Logo depois de ver pela primeira vez, assim que
abri minhas redes sociais, uma foto nossa da viagem, com o título "Cohen
Archer é visto em clima de romance".
Depois disso não tive mais paz.
Por um momento até que estava interessante, as fotos eram lindas e
nós tínhamos capturas perfeitas de momentos felizes, risadas espontâneas e
o fato inegável de que Cohen estava sim, apaixonado, eu mais ainda.
Era nítido, era lindo.
Até que os títulos ganharam uma nota de agressividade e
sensacionalismo, desde então parei de abrir.
Cohen também me pediu para ignorar, disse que com o tempo eu
me acostumaria, mas que por hora, seria bom me preservar. Soube até que
sua equipe de relações públicas filtrou as fotos que foram divulgadas.
Até onde eles iriam por uma foto exclusiva? Preferia não pensar
nisso.
Eu só não sabia que seria ainda pior pessoalmente. Odiava ser o
centro das atenções, odiava me sentir observada a cada metro quadrado,
mas como Cohen mesmo disse, eu me acostumaria.
Respirei no silêncio daquela sala, olhando pela primeira vez com
cuidado, através da enorme vidraça que se estendia por uma parede inteira.
A vista para a cidade nada mais é do que prédios mais baixos e um
horizonte de céu nublado, mas lindo!
A beleza urbana é algo singular a ser apreciado, e alguma coisa
nessa vista, faz desse lugar o ponto preferido para organizar os pensamentos
do Cohen. Perdi a conta de quantas vezes o peguei encarando a cidade
abaixo do seu edifício nesse mesmo ponto.
Talvez seja o caos do cotidiano que sabemos não cessar lá embaixo,
pessoas indo e vindo como formigas, incontáveis problemas e rotinas e
preocupações, tão longe que essa vista faz desse lugar uma redoma de
poder e silêncio.
Hoje eu entendo o porquê.
Estava sendo quase sufocante lidar com essa pressão e julgamento,
imagine Cohen que aprendeu tendo que conviver com isso.
Saltos secos no mármore frio atraiu minha atenção para a porta
atrás de mim. Meu semblante tencionou ao ver Drizella atravessar a mesma
com uma certa altivez natural de sua existência, ela carregava uma pasta
preta na mão, então presumi que estava à procura do Cohen.
— Ele não está. — Eu disse, mas não percebi nenhuma surpresa ao
me encontrar no seu lugar.
— Eu sei. A nova secretária me disse que estava aqui, e é com você
mesmo que eu quero falar.
Me olhou dos pés à cabeça antes de estender sua mão a mim, a
pasta preta oferecida como um convite.
— O que é isso?
Ela tomou uma lufada de encorajamento. Sua respiração estava
pesada, e apesar de séria, parecia de certo modo, devastada.
— É, parece que eu estava errada.
— Sobre? — Não sei se realmente queria ouvir a resposta.
— Você não entregou os papéis a ele. Entregou? — Sopesei em um
arquejo. Como ela sabia? O sorriso esganiçado, quase forçado em
frustração entregou sua conclusão. — Você só queria de volta. Me usou.
— Do que está falando, Drizella?
— Acha que eu seria tão burra? — Ela ainda parecia aflita. Um
misto de raiva e rancor e medo.
Os olhos de Drizella marejaram, observei um leve tremor em sua
mandíbula. Um aviso, uma preocupação, não sei dizer.
Peguei a pasta receosa, minha testa franzida, nada do que ela falava
era coerente pra mim, até que um suspiro antecedeu sua explicação.
— Meu pai descobriu sobre o desvio, descobriu também que foi
tudo feito de forma legal. As clínicas que receberam os sensores, aparelhos,
e tudo que aceita o sistema que a Archer desenvolveu, são todas
conveniadas da empresa, foram patrocinados pelos acionistas, e vendidos
como produtos. O projeto aconteceu, de fato, mas as crianças não
receberam os aparelhos, porque eles foram vendidos, Anya.
— Mas foram barrados. — Argumentei. — Sequer saíram da
distribuidora.
— Sabe o que isso significa? — Neguei, esperando. Era tudo o que
eu podia fazer. — Que nesse exato momento, pessoas estão pagando por
aparelhos que não irão receber. Significa que algo muito, muito maior vai
acontecer. Pode ser o fim da Archer, pode ser o fim do Cohen. É uma lama
tão grande que... eu não consigo pensar na hipótese de isso vazar daqui. E
por um momento, eu achei que essa era a sua intenção, mas você me disse
que estava do lado do Cohen e eu pensei... ele sabe o que está fazendo. Ele
não faz ideia do que você fez aqui dentro.
Senti o temor abrindo o chão aos meus pés, e o frio causado pelo
medo gelando meus ossos.
Abri a pasta e não precisei folhear muito para ver que ela fez uma
cópia da lista das clínicas para quais os aparelhos foram barrados, e para
quais foram vendidas, desviados. De um projeto financiado para clínicas
privadas.
— Foi tudo autorizado pela diretoria da Archer. Com isso, Hannah
conseguiria prejudicar o Cohen, e toda a empresa.
Estava aterrorizada com cada passo minucioso que podia acabar
com a carreira do Cohen.
Com tudo o que sua mãe construiu.
Tudo autorizado pela diretoria, isso estava claro, e com diretoria,
estamos falando da autoridade máxima da corporação.
As clínicas venderam os aparelhos, e em breve uma grande bomba
iria explodir, todo o projeto fantasma seria inevitavelmente exposto.
Um crime. Um crime terrível por trás desses desvios, um golpe
gigantesco, aquilo era o fim da Archer e se Cohen não provasse sua
inocência, poderia ser o fim dele também.
— Sempre soube que Casper estava envolvido nisso. Só não sabia
que era com você. — Ela sorriu quando a encarei sem compreender, e me
encarou com ódio nos olhos. — Você só fez aquilo para conseguir barrar os
aparelhos, só você, poderia ter feito o Cohen autorizar todos esses desvios
sem perceber, então assuma, porque quando essa merda explodir, a Archer
vai cair.
— O que? — Eu finalmente compartilhei do mesmo ódio,
consequência da sua acusação.
— Cohen sabe que você entregou os papeis para o irmão dele?
— Se desconfia tanto de mim, por que está me entregando isso?
— Porque Casper deu um jeito disso chegar no meu pai, e eu peguei
antes que ele tivesse conhecimento. Não é só seu nome envolvido nisso, é o
do Cohen também. Se fui eu que te entreguei pessoalmente, então só você
pode ter entregado a ele.
Só soube a partir disso, o quanto de fato Drizella se arriscaria para
não prejudicar o Cohen. Talvez pela amizade ou sentimento, algo forte o
bastante para fazê-la agir antes mesmo do seu pai, mas não é como se eu
pudesse agradecê-la por isso.
O medo e a preocupação faziam minha bile subir.
Eu não passava de um misto de agonia, aflição e desespero
trancafiado.
Drizella me encarou, esperou que eu dissesse alguma coisa, mas
coragem me faltava. Meus pensamentos estavam todos nele. Meu coração
se apertou ao lembrar de cada palavra. De saber o quanto ele trabalhou para
erguer finalmente o império que todos conhecem atualmente, e tudo o que
isso lhe custou.
Eu faria qualquer coisa para protegê-lo, eu faria qualquer coisa para
não deixar Cohen cair.
Para não deixar que ele pensasse por um só segundo que falhou.
Fitei o chão perdidamente, sentindo-me destruída por dentro. Algo
arrebatador me consumia pouco a pouco.
Quando a deixei para trás, eu sabia exatamente para onde estava
indo, mas avistei Cohen no meio do caminho, entrando com seu irmão pelo
saguão térreo, e desde então não enxerguei mais nada na minha frente.
— Anya? — Ouvi a voz do Cohen e meu corpo todo estremeceu,
mas eu estava caminhando com meus olhos presos em seu irmão. Sei que
tudo passou como um borrão e em questão de segundos eu estava de frente
para ele.
— O que você fez?
Praticamente rosnei quando o empurrei, movida pela raiva.
Por um vislumbre vi Cohen. Em outro borrão avistei Ruby e
Andrea, por fim Hannah no meio de rostos desconhecidos enquanto Casper
me encarava pálido, surpreso pelo empurrão que mal o moveu, mas foi
suficiente para atrair toda a atenção.
Todos assistindo, todos malditamente presenciando.
Então eu encarei novamente os olhos dele, e vi tanto medo quanto
havia nos meus.
— Enlouqueceu?
Fui traída pela minha própria mente e jogada contra um paredão de
verdades cruéis demais para digerir. Retesei um passo para trás. Meu corpo
pedindo para que me afastasse dele, me protegesse.
— Você sempre soube que era eu... — Duvidei realmente ter dito,
mas seu semblante enevoado comprovou que ele tinha ouvido.
Casper desconfiou de mim desde o início. Ele sabia que alguém
estaria naquela festa com o mesmo intuito. Ele me pediu silêncio para
erroneamente proteger seu irmão, acreditando que eu o tinha feito autorizar
os desvios.
Ele me calou, sabendo exatamente quem estava debaixo daquela
máscara e o risco que eu era para o Cohen e toda a corporação. Protelou o
inevitável, escondeu a sujeira mesmo sabendo que era errado.
Me senti usada, me senti conivente com tudo, pois quem quer que
tenha sido enviada naquela noite para fazer o que eu fiz, perdeu sua
oportunidade, e Cohen ganhou uma aliada que se escondeu para que a
verdade não viesse à tona graças ao seu irmão.
Você vai cair sozinha, Anya.
E sozinha eu caí, arrastando meu nome para um mal que eu poderia
ter evitado, mas não o fiz.
— Anya... — Ouvi Cohen me chamando novamente. Suas palavras
não estavam tão seguras, mas seus olhos me fitaram como nunca. Foi a
primeira vez que vi um medo real neles, não havia firmeza, só medo.
Outro pedido, outro aviso, outra súplica, envoltos pelo silêncio
ensurdecedor, mas voltei meus olhos ao seu irmão.
— Você não queria só inocentar a Hannah, você estava me
investigando.
O maxilar de Casper trincou, voltando ao terror. Suas expressões
ficaram nebulosas. Cohen parecia estar travando uma batalha de decisões e
pensamentos emergenciais de como agir.
— Do que ela está falando? — Cohen perguntou entredentes,
olhando para o próprio irmão.
— Anya... — Casper me chamou com tanta cautela que algo em
mim explodiu.
— Você ia me entregar para o Winter. É por isso que me ameaçou, é
por isso que pediu os papéis. — Eu vociferava com lágrimas acumuladas
queimando minha vista como se fossem feitas de brasa.
— Não... — Casper negou freneticamente. Ainda tentava conter sua
voz.
— Do que ela está falando, porra? — Cohen encarou seu irmão e
Casper negou covardemente.
— Só estava tentando tirar a Hannah disso.
Algo dilacerante se quebrou dentro de mim, algo tão destruidor que
arrancou forças de onde eu não tinha, para confrontar Casper dessa vez, na
frente de todos.
— Não! Você sabia que o Cohen estava cego, que faria qualquer
coisa para me proteger, mesmo que fosse me escondendo, mesmo que fosse
permitindo que outra pessoa fosse suspeita no meu lugar, e você tentou me
entregar para o único que tem tanta autoridade aqui quanto ele. Mais até do
que você! — Não me odiei por tentar atingi-lo com tudo o que eu sabia a
seu respeito. — Quer que eu continue dizendo para todos que não era eu?
Ou você já descobriu o que queria?
— Tem seu nome nele!
— Holly deu na sua mão, Casper! — Me exaltei, enquanto ele não
passava de uma sombra fria, porém atento ao olhar do Cohen. — Você
mandou pegar aqueles papeis, você investigou. Agora você tem provas. Não
tenha medo de usar isso contra mim, porque eu não tenho medo de admitir
que era eu naquela noite. — Garanti que todos que estivessem ali pudessem
ouvir. — Não tenho medo de dizer que eu falei tudo aquilo, mas você tem
medo de me descobrir que eu nunca, fiz Cohen assinar coisa alguma.
— Então quem é Tomas Amstrong?
Meu mundo parou.
Todo o chão ao meu redor cedeu, e eu só não cai, pois senti Cohen e
o toque dele ainda me mantendo na realidade perturbadora.
Mas duvidei;
Duvidei das batidas falhadas do meu coração; do ar que eu estava
respirando; do mundo cada vez mais silencioso... Distante... Turvo.
O meu mundo estava caindo. Ouvia as rachaduras de completo
pavor tomar conta de mim, então por que tudo ao redor continuava o
mesmo?
— Tem seu nome naqueles papeis, Anya. Alguém da sua própria
família foi beneficiado. Sua amiga só me confirmou.
— É melhor calar a porra da sua boca! — Cohen bradou, antes de
me tocar com cuidado. — Amor... Anya olha pra mim.
Me odiei por, nesse momento, não me importar com ninguém além
do Tom. Eu só conseguia pensar no meu irmão
Eu me sentia minutos mais lenta contra a órbita natural da vida. Eu
me sentia paralisada. Gelada, ainda que meus lábios estivessem
formigando.
Me sentia a beira de um precipício enquanto mãos fortes me
seguravam, mas nesse momento eu só queria cair.
O que eu fiz?
Não disse nada, porque internamente eu gritava para que fosse
mentira.
— Não pode ser... — Foi tudo o que eu disse, criando forças para
sair dali. Minha própria voz machucava minha garganta. — Por favor, não.
Mentira... seja mentira... por favor.
Implorei, enquanto me movia trêmula. Cega em lágrimas
acumuladas. Eu só queria garantir que fosse mentira. Armação, qualquer
coisa que me prejudicasse, mas que jamais prejudicasse o Tom.
Quando dei por mim, meio às lágrimas que escorriam sem minha
permissão enquanto meu rosto continuava inexpressível, meu interior
parecia que entraria em combustão.
— Não é mentira. Fui eu mesmo que barrei os aparelhos. Logo
depois de achar seu nome nele, sua dívida com o hospital, a assinatura do
Cohen na venda dos aparelhos doados para a Clínica. Foi assim que você
tentou pagar sua dívida?
Cohen avançou, e uma grande aglomeração de pessoas nos cercou
para tentar parar os dois.
Eu só ouvi vozes e vi vultos, minha mente já estava muito longe, O
chão já não era algo a que eu confiasse o peso do meu corpo.
Foi a atitude mais egoísta que eu tive em toda minha vida, pois,
enquanto eu via o sofrimento fundido ao desespero estampado no olhar
devastado do Cohen, eu só consegui pensar no quanto aquilo estava doendo
em mim.
Ao finalmente tomar coragem para me virar, encontrei os olhos de
Hannah, era só mais um no meio de tantos outros, mas era o único em que
enxerguei, por trás de todo espanto, arrependimento.
Passei por ela com o mundo ainda desabando sob meus pés.
Não sei como cheguei em casa, não sei como subi aquelas escadas
sem que a força que me obrigava a ceder me puxasse para trás.
Quando entrei no apartamento ouvi Holly me chamar.
— Anya?
Não fazia ideia do meu estado, não me olhei no espelho e sabia que
não teria coragem de olhar tão cedo.
Ela era minha única família aqui, e o medo corroía cada minúsculo
espaço dentro de mim.
Por mais que tudo implosse para que fosse mentira, eu ouvi, ouvi
em alto e bom tom, o nome do meu irmão.
Senti um amargor na boca quando procurei pelos documentos de
quando ainda fui contratada, que conveniavam meu irmão àquela clínica...
Clínica Mayo.
Um dos complexos hospitalares conveniados da Archer, que
receberiam os aparelhos por meio de um projeto parecido com o que
financiou o das crianças.
Então por um momento meu corpo entrou em alerta, algo profundo
me aterrorizava, um medo incabível e ainda inexplicável, eu apenas o
sentia, e não gostava do quão familiar aquele nome me parecia.
Algo dentro de mim já sabia.
Ajoelhei no chão, e senti Holly se aproximar, no exato momento
que folheei a lista de clínicas para quais os aparelhos foram barrados, e um
estalo me fez temer encontrar o nome da minha cidade Natal ali.
Clínica Mayo - Minnesota.
O ar fugiu dos meus pulmões, ao mesmo tempo em que uma
neblina turva embaçou minha vista completamente.
— Não... — Escapou de mim. Meus lábios gelaram. Minha pressão
baixou.
— Anya? — Ouvi Holly chamando.
De repente tudo se tornou pesadelo real.
Um completo borrão.
Uma dor dilacerante pareceu rasgar meu peito em rachaduras lentas,
à medida que respirar... ficava cada vez mais difícil.
— Tom...
— O que aconteceu? — Sua voz era de pura preocupação.
Não tinha espaço em mim para me preocupar. Eu passei os últimos
anos da minha vida preocupada, agora, só o que eu sentia era a certeza de
que o que eu mais temia tinha acontecido.
Eu que já estava ajoelhada no chão, senti o peso do meu corpo ser
impulsionado para trás, uma escuridão ocupando minhas vistas, até sentir os
braços de Holly a minha volta.
— Anya, pelo amor de Deus, você está pálida, o que aconteceu?
Meus dedos estavam trêmulos.
— Não tem aparelho nenhum... — Tentei sustentar o olhar
pavoroso de Holly, minhas lágrimas pesavam, queimavam, era doloroso.
— Meu irmão, Holly.
Eu senti uma dor jamais sentida antes, ao imaginar que meu irmão
estava esperando por algo que não iria acontecer. Meu corpo todo protestou.
As lágrimas escorreram, até a dor em meus pulmões se assemelhar com
uma facada, um golpe letal. Ainda mais forte no meu coração, e eu só
queria poder arrancá-lo do peito. Entrei em pânico
Foi tudo em vão.
Ouvia Holly me chamar, mas eu só conseguia chorar, sem forças
para desenterrar meu rosto de seu ombro, ou aliviar o agarre em seus
braços.
— Any... se acalma, por favor! — Holly também chorava, tentava
me abraçar, beijava o topo da minha cabeça, me puxava para si, mas eu me
entreguei ao terror que me apunhalava.
Acabou
Rasgou tudo e depois sumiu, roubando-me o ar, o fôlego, menos a
dor.
Acabou como o sonho que tiraram do meu irmão.
Do sonho que eu fiz todos eles acreditarem que podia ser real.
Da esperança que eu plantei e agora nos era arrancado.
Eu quis morrer. Quis nunca mais poder respirar, só de pensar que
veria aquele brilho sumir, ao contar que nenhum aparelho seria entregue.
Foram barrados, após um desvio estelionatário que aconteceu dentro da
empresa, desvio esse que entregaria aparelhos fornecidos gratuitamente
para a venda criminosa.
Casper desconfiou esse tempo todo de mim porque meu irmão seria
beneficiado com um desvio criminoso. E ter uma dívida em meu nome com
o hospital só reforçou suas dúvidas. Ele barrou o desvio. Ele quis que
Winter tivesse a mesma sede de me tirar da Archer como tinha com
Hannah, como estava quase conseguindo se Cohen não soubesse quem
estava por baixo daquela máscara o tempo todo.
Não tinha aparelho algum.
Nenhum aparelho saiu ou sairá da distribuidora.
Nenhum aparelho chegou a Clínica Mayo em Minnesota.
Nenhum aparelho estaria esperando Tom quando ele fosse buscar o
seu.
Ele daria de cara com a frustração, com o tempo que estavam
pedindo, mas esse tempo era curto, curto para Cohen, e longo para o
Tom.
CAPÍTULO 36
Eu cometi um erro. Por favor, só olhe para o meu rosto. Me diga que está tudo bem.
Never Be Like You - Flume

— Eu quero vê-la! — A voz dele me despertou. Não percebi em


que momento meu corpo cedeu.
Logo depois que Holly me deu água com açúcar talvez...
Talvez, não fosse só açúcar.
Acho que a assustei, e sentia o mesmo temor na voz dele. Tentei
discernir o que estava acontecendo, mas tudo ainda era um borrão.
— Cohen, ela não está bem, por favor, deixe a Anya descansar. —
A voz dela estava ecoada, como se estivesse embalada a vácuo, em uma
bolha de vidro distante.
— O que ela tem? — Mas a dele parecia vir de dentro do meu
coração.
— Não quero te preocupar, só por favor... O que aconteceu com sua
boca?
Nem mesmo Holly conseguiu conter o tremor choroso em sua voz.
— Vou ver minha mulher, agora! — Segundos bastaram até que a
porta do meu quarto fosse aberta.
Ele foi silencioso. Me viu de costas para a mesma e provavelmente
presumiu que eu estivesse dormindo, por isso não me chamou.
Se aproximou vagarosamente, sentou-se na beira da minha cama, e
acariciou meu cabelo. Eu apenas o sentia.
Apertei meus olhos, sem forças para encará-lo, sem forças para
desenterrar novamente meu pior pesadelo, no momento não havia muito
mais que um enorme vazio.
Um bolo se formou na minha garganta, e com ele veio a vontade de
chorar, então senti algumas lágrimas pesadas escorregarem dos meus olhos,
mas foi o máximo que meu corpo reagiu.
Senti quando tocou minha testa para medir minha temperatura, logo
depois um beijo casto em meu ombro.
— Nós vamos ficar bem! Vai dar tudo certo. — Ele se aconchegou
do meu lado, e novamente, sentindo seu acariciar no meu cabelo. — Não
vou sair daqui! — Sua voz passeou pela minha pele, foi o mais perto que
cheguei de sentir-me outra vez, e desde então eu não senti mais nada.
Horas mais tarde, muitas delas, fui puxada para a realidade.
Balancei a cabeça negativamente, e me obriguei conseguir sentar.
Meus olhos varreram o quarto, vi que os papéis não estavam mais
ali, Holly deveria ter juntado, então novamente cedi, aos poucos, mas cedi,
apenas por encontrar minha melhor amiga encarando o nada em uma
posição precária da minha poltrona de leitura.
Ela usava um roupão em cima da roupa de dormir, e seu cabelo
preso no alto em conjunto com suas olheiras, indicavam que ela não pregou
o olho.
— Minha cabeça dói.
— Hey... — Ela se levantou percebendo que eu estava acordada. —
Pensei que não acordaria mais. Acho que exagerei na dose, me desculpa.
Você me assustou.
Me ajudou a sentar e se abaixou ao lado da minha cama, onde
encheu um copo com água do jarro e me entregou.
Senti minha garganta doer quando a água desceu. Holly me olhava
com pesar, e não aguentou sustentá-lo por muito tempo.
Novamente me veio a vontade de chorar, mas eu não tinha forças.
Me sentia inerte.
— O que aconteceu? Por favor não me esconda nada.
Neguei, respirando profundamente.
— É horrível! — Ela apertou minha mão.
— Eu estou aqui. Sempre vou estar, me diz o que eu tenho que
fazer e eu farei. Quem eu preciso matar?
Meus lábios se curvaram tão sutilmente, que sequer podia chamar
de sorriso. Meus olhos pesavam mais.
Não era mais somente pelo Tom.
Era por Dakota, e por todas as crianças que tiveram essa mesma
esperança arrancada.
Eu sabia que deveria encontrar forças, sabia que teria de procurar
coragem para ligar pra casa e contar o que aconteceu.
Seria eu a ter que desfazer um sonho tão próximo e prestes a ser
realizado.
Voltamos à estaca zero.
O chão pareceu se abrir aos meus pés. Senti estar revivendo um
pesadelo, a dor foi semelhante à de quando ligaram do hospital que papai
foi levado e disseram algo que fez minha mãe cair no chão.
Meu pai tinha se acidentado. Ele estava no hospital, ele tinha se
machucado.
Meu herói, meu amigo e meu pilar incansável, estava internado.
Achei que tinha sido a pior notícia da minha vida, achei que estava
vivendo os piores meses da minha existência ao vê-lo entrevado em uma
cama, e minha mãe com um bebê recém-nascido.
Cuidei de Tom mais do que minha própria mãe cuidou em seus
meses primordiais de vida. Jurei que os choros eram causados pela ausência
do leite materno livremente ofertado ao longo do dia. Ela estava
trabalhando em tempo integral, Tom era minha responsabilidade.
Foram dias, chorando. Só se acalmava quando estava aconchegado
no calor do peito da minha mãe nas poucas noites em que ela voltava pra
casa. Logo ela tinha que passar mais alguns dias na cidade vizinha onde
meu pai estava internado. E foi na última noite depois de uma semana fora
de casa que Holly percebeu que o bebê estava febril e desesperado. Ela
pediu a minha mãe que pegasse uma folga e levasse Tom no mesmo
complexo hospitalar em que meu pai estava.
Uma infecção concentrada, profunda.
Meu irmão não ouvia mais, não respondia mais aos estímulos.
Um bebê.
Ele era apenas um bebê e não sabia dizer ou apontar onde doía...
Tudo pra mim era fome, ou algo relacionado a maternidade. Ele adoeceu
comigo, e eu não percebia.
Aquele sim, foi o pior dia da minha vida, e eu me culparia pelo
resto dela.
Uma chance, uma única chance. Era apenas uma cirurgia necessária
que ele realizou quando completou cinco anos, e agora que seu sistema
auditivo estava completamente formado e amadurecido, ele poderia ouvir,
com a ajuda de um aparelho específico que envia estímulos a Cóclea.
Eu convenci meus pais. Eu procurei o tratamento, eu me
responsabilizei por pagar a cirurgia e eu, apenas eu, prometi que daria tudo
certo.
E deu.
Mas pela segunda vez, meu mundo se ruiu.
E pela segunda vez, a culpa era minha!
Doía como o inferno. Queimava com a certeza de que eu teria que
dizer isso a eles. Que havia esperança e que bastava procurar outra empresa,
outra clínica, mas que esse sonho teria de ser adiado, não por muito tempo
se dependesse de mim, mas também não seria tão rápido, quanto eles já
esperavam.
Faltava apenas dias.
Dias.
Se eu não contar, vão saber mais cedo ou mais tarde.
E as crianças que estão esperando até hoje? E as crianças que não
invadiram uma festa a procura de respostas?
Por Deus, eles simplesmente fizeram promessas e não cumpriram,
como eu fiz. Eu também prometi e não vou conseguir cumprir. Isso fazia de
mim um monstro, porque eu, apenas eu, teria que dizer aos meus pais, ao
Tom, que não seria daquela vez.
Não seria agora.
— Os aparelhos do projeto foram desviados para clínicas
conveniadas. — Ergui meu olhar para encontrar os da minha amiga. —
Tom faz tratamento pelo convênio da Archer, uma das clínicas, que vendeu
os aparelhos que foram barrados.
Eu vi o mesmo temor assombroso ocupar sua face.
— Não... — Arquejou sem forças. Fechou os olhos e então sentiu a
dor, me acompanhou nesse mar de angústia sem fim. Nesse limbo
emocional que parecia não ter saída. Eu sei que tinha, só não conseguia...
ver. Estava doendo e eu sinceramente não sei o que seria de mim se Holly
não estivesse ali.
— Por isso fizeram os testes tão de repente. — Assenti. Foi dias
depois do evento da Archer que Tom foi chamado para testar o aparelho. O
nome do meu irmão estava naquela lista, algo que sequer passou pela minha
cabeça. Achar o nome da clínica que Tom faz tratamento foi uma das piores
quedas da minha vida.
E quando nosso coração sofre, todas as facetas da verdade ficam
visíveis.
— Preciso ligar pra casa.
— Eu falo por você. — Holly se prontificou. Então eu neguei,
embora estivesse grata.
— Tem que ser eu. — Ela esvaziou seus pulmões encarando nossos
dedos. Sua mão por cima da minha, minha melhor amiga apoiando-me
como sempre.
— Cohen esteve aqui. — Paralisei. Achei que tudo pudesse ter sido
apenas um sonho, um delírio ou alucinação. Balancei a cabeça
negativamente, sentindo minhas vistas queimarem com todas as lembranças
invadindo minha mente.
— O evento da Archer, ele sabia que alguém tinha sido enviado ali,
sabia que alguém tentaria fazer alguma coisa, ele estava preparado, Holly,
ele estava esperando.
Ela franziu a testa na defensiva.
— Mas você não foi enviada por ninguém além de mim. Eu te
chamei! Ninguém pediu que você dissesse aquelas coisas, você falou em
defesa do seu irmão!
— E faria de novo. Mas agora é tarde, todos já sabem que era eu.
Vi cada linha expressiva da Holly se desfazer na sombra da
confusão.
— Todos! — Reiterei.
— Anya... Não vou deixar você fazer isso.
— Eu já fiz. — Ela se calou. — Não era isso que a Hannah queria?
Que eu me entregasse, que a mulher daquela noite aparecesse? Agora eu sei
por que o Casper desconfiava de mim, porque um dos beneficiados é da
minha família. Não tenho mais por que me esconder, proteger o Tom? Do
que? O que tinha de acontecer já aconteceu.
Holly suspirou pesadamente, antes de me apoiar
contraditoriamente.
— Mas você é inocente!
— Cohen não pode mais ignorar o que está acontecendo, centenas
de crianças sofreram com isso, a dor que eu estou sentindo a família da
Dakota sentiu também. Vai doer em mim, vai doer nele, mas isso tem que
ter um fim...
Tropecei em meus próprios pensamentos. Um baque.
Não sei se Holly era apenas um reflexo assombroso das minhas
próprias feições, mas desejei arrancar dela aquele sentimento arrasador que
pesava em seus olhos, mas eu só conseguia pensar em uma coisa.
— Dakota... — Sibilei, lembrando do que ela disse sobre ter
invadido a festa para falar com o Cohen.
E se a pessoa que Cohen estava esperando, fosse ela?
E se quem queria realmente expor a Archer colocou Dakota naquela
festa?

Encarei por minutos que pareceram horas o celular em minha mão.


Eu liguei, eu fui forte.
Mas eu menti.
Disse que ainda não tinha conseguido todo o dinheiro da cirurgia,
pois a única coisa até então, que poderia impedir Tom de pegar aquele
aparelho, era se não conseguíssemos quitar o hospital.
Fiz isso com o choro sufocante e o bolo dolorido em minha
garganta, enquanto tinha a difícil conversa com minha mãe.
Uma conversa em que ela disse o quanto meu pai ficou cabisbaixo,
pensativo. Isso de alguma forma me preocupou, mas eu já não conseguia
priorizar o que mais estava me atormentando no momento. Todavia, não
consegui chorar quando desliguei. Sua voz, sua tentativa de não demonstrar
a decepção para que eu não me sentisse culpada, me fez lembrar do dia em
que também recebemos a notícia do Tom.
— Está tudo bem... vai ficar tudo bem!
Não mãe.
Não estava nada bem. Eu estava morrendo por dentro, mas não
podia deixar a culpa me consumir.
Eu tinha que agir.
Precisava ir atrás de outra clínica especializada no caso do Tom. Eu
precisava pagar o hospital e começar de novo.
Dessa vez muito mais à frente de quanto começamos, então eu
precisava acreditar que isso era bom.
Que vai doer, mas passaria.
Vai levar alguns dias a mais, mas meu irmão vai sorrir. Ele vai
ouvir. Não importa que eu abra mão de algumas coisas no caminho.
E foi pensando nisso que eu me obriguei ir até a faculdade naquela
tarde, bem antes do meu horário. Tive uma longa conversa com o professor
Leeson. O único que sabia sobre a situação da minha família. O único que
compreenderia ao me ouvir que precisava adiantar todas as aulas possíveis,
que eu precisava entregar meu TCC o quanto antes, e viraria noites para
conseguir.
Ele me apoiou. Prometeu conversar com os reitores e me procuraria
quando tivesse uma resposta.
Também tive que criar coragem para comparecer a Archer no dia
subsequente. Me retrai com cada maldito olhar, sem conseguir distinguir o
que significavam.
Encerrei minha história ali.
Eu não poderia continuar de qualquer forma.
E se eu não tivesse falado nada naquela noite? O evento não teria
sido um fiasco. Os aparelhos não teriam sido desviados, muito
provavelmente, nem estava sendo fabricado como a clínica disse.
Talvez já estaria com Tom.
Pensei nisso enquanto encarava a mesa a minha frente. Não tinha
ninguém ali, e já fazia quase dez minutos.
As necessidades colocam nosso caráter à prova, mas eu sei que meu
pai jamais as colocaria à frente do que acreditava ser certo. Como ele não
fez ao admitir que foi um acidente, ele não estava devidamente protegido,
então por mais que tenha acontecido em serviço, não lutaria por direito
algum, mesmo que isso nos colocasse em dificuldades.
— Posso falar com você? — Era a voz de Hannah me tirando dos
devaneios.
Meu corpo se enrijeceu enquanto eu aguardava uma assinatura
final. Eu sabia para onde a mulher do departamento pessoal tinha ido, sabia
para quem ela foi informar meu pedido de demissão.
— O que você quer? — Disparei. Seu semblante era inexpressivo,
seus ombros retraídos como nunca.
— Se eu soubesse que era você...
— Que era eu naquela noite ou que era eu trabalhando para quem
quer que esteja querendo prejudicar o Cohen? — Provoquei acidamente.
Hannah retesou, baixou a cabeça e então respirou. Eu não me
reconhecia. Sinto como se algo tivesse se perdido dentro de mim.
Ponderei por segundos em um lugar profundo, que eu jamais
descontaria em alguém o que estava sentindo, mas era muito.
— Eu sei que não foi você. — Disse por fim. Algo dentro de mim
acordando, crescendo. A mesma raiva acompanhada de rancor para comigo;
para com Casper; para com todos que de alguma maneira, mesmo que
indiretamente, fizeram mal ao meu irmão. Hannah apenas deu o azar de ser
ela quando deixei esse sentimento tomar conta.
— Jura? Você tinha tanta certeza de que a mulher que estava
debaixo daquela máscara armou tudo. O que te diferencia do Casper é só o
fato de que você não sabia.
— Não... — sibilou, seus olhos estavam excessivamente brilhantes.
Ela puxou o ar para dizer o que seu olhar pedia, mas outra presença a
impediu.
— Eu não vou assinar isso! — A voz potente invadiu o ambiente.
Cohen surgiu como um demônio, em passos rápidos e tão sombrio que
Hannah, pela primeira vez, recuou imediatamente. — Nos deixe! — Não
consegui saber se era um pedido ou uma ordem.
Mas Hannah só me deixou quando por um manear de cabeça eu
permiti que fosse.
O ar pesou no mesmo instante.
Assim que a porta daquela sala pequena que pertencia a mulher —
que sabe se lá Deus onde estava ou se voltaria — fechou, os olhos de Cohen
caíram inexplicavelmente indecifráveis sob mim.
Ele estava cansado. Cada linha expressiva endurecida e ressaltada,
como o vinco entre as sobrancelhas e o maxilar trincado, mas eu só
conseguia ver o canto da sua boca com um hematoma, e me pergunto se foi
Casper quem fez aquilo?
— Se demitir? — Indagou com crueldade. Uma vontade inflamável
de me atingir, fosse qual fosse as intenções.
— Não posso continuar aqui. — E ele sabia disso.
— Você não pode ou não quer?
— Não posso... — Desviei meu olhar do chão para ele. — E não
quero!
Apenas um passo foi necessário para ele estar bem de frente pra
mim, intimidador, como nunca antes. Tomando para si qualquer luz que
ainda me tocava, tornando nosso pequeno metro quadrado um cubículo de
sombras invisíveis, envolta por sua tensão.
— A única pessoa que pode te impedir sou eu, e eu não vou te
deixar ir. — Sua voz nunca esteve tão dura.
Engoli em um suspiro, sentindo meu peito subir e descer mais
profundamente.
— Essa escolha não é exatamente sua.
— Mas você é! — O encarei sentindo meu rosto ser engolido por
uma queimadura. — Tanto quanto o chão que você pisa, e não vou assinar
esta porcaria, a menos que olhe nos meus olhos e diga que quer ir.
Senti-me encurralada, mesmo que não houvesse nada atrás de mim,
era apenas a presença do Cohen que eu conhecia.
O Cohen que amolecia minhas pernas e roubava meus sentidos. O
Cohen que nesse exato momento beirava seu limite. Não meu, não nosso,
mas o dele.
E foi a primeira vez que eu o vi assim. Não havia fraqueza, nem
sutileza, não chegava perto do homem que apareceu no meu apartamento
bêbado, vulnerável. O homem que estava diante de mim estava determinado
a não me perder.
— Eu não preciso de números ou estatísticas para provar que ficar
aqui agora é burrice. Então não se trata apenas do que eu quero, mas do que
eu tenho que fazer. — Ele riu sem vontade.
Se é que aquilo poderia chamar de sorriso, estava mais para um
rosnado sarcástico e primitivo.
— Prometemos transparência um para o outro, então eu vou ser
transparente com você. — Mais um pequeno passo e já dividíamos o
mesmo ar com nossos corpos quase se tocando. — Eu sabia sim que alguém
seria enviado naquela noite, mas por Deus, Anya, jamais passou pela minha
cabeça que pudesse ser você.
— Não foi eu!
— Não importa. Era você naquele vestido! Era você falando e o que
eu mais temia aconteceu. Eu poderia ter acabado com isso há muito tempo,
mas eu desisti, somente com a hipótese de que para isso eu perderia você! É
seu rosto estampado como a mulher que expôs a Archer que eles queriam,
isso me coloca em uma posição de ter que escolher entre a Archer e você! E
puta merda não me faça dizer que é você, mil vezes você eu só...
— Não queria ter que escolher. — Completei em um ofego, Cohen
era um poço de nervosismo e desespero.
— Eu nunca quis fingir que nada disso estava acontecendo. Eu
nunca quis usar você como provavelmente pensa que eu fiz. Acredita em
mim. Sabe que o caminho até estar de joelho não é problema.
— A Archer agora é um problema pra você. — Falei, vendo o
quanto aquilo de alguma forma o consumiu. — E eu não vou ficar no meio
disso, Cohen, minha família precisa de mim.
— Eu também preciso de você! — Sua voz não passou de um
murmúrio de sofrimento.
Em um ímpeto de saudade e desespero por ver seu rosto se
tranquilizar, eu segurei sua mandíbula na palma da mão e seus olhos se
fecharam por alguns instantes.
Como se aquele simples toque recarregasse de alguma forma suas
energias, e estabilizasse todo o caos dentro dele.
— Você me disse que eu fiz você se recordar pelo que sua mãe
começou, você também me fez lembrar o porquê estou aqui. É pela minha
família, Cohen, e eu falhei com eles. Me dê apenas um tempo para
consertar, eu preciso reunir tudo de mim nisso, como você também precisa
reunir forças para sair desse caos e você sabe, que vai ser pior se eu
continuar aqui.
Era exatamente isso que acionistas e executivos queriam.
Ele anuiu amargamente.
— Só me responde uma coisa! — Pediu, abrindo seus olhos e
fixando sua íris escura intensamente em mim. A sobrancelha baixa, não
havia um resquício do seu rosto lindo e despreocupado daquela viagem.
Nem o sorriso sarcástico e debochado. O olhar opaco, sem brilho. — Você
se arrepende?
Meus músculos faciais tencionaram.
— Se me arrependo?
— De nós, da gente. Quando você saiu ontem, quando foi embora,
em algum momento você pensou, ou desejou não ter deixado isso
acontecer? Se tivesse a chance de voltar atrás, mesmo depois de tudo o que
vivemos, você mudaria isso?
Foi provavelmente a pergunta mais importante que eu mesma
gostaria de me fazer.
E um grande não ressoou na minha mente. Neguei em um aceno
como se a parte mais feliz dos meus últimos anos respondesse por mim.
— Não... — Mas também me lembrei do meu irmão, e a Anya de
antes sim, desejou ter feito diferente.
Todavia essa Anya, nem teria vindo para Seattle. Preferiria a
estabilidade e a certeza de uma vida simples, mas com tudo o que Tom
precisava garantido, porque a responsabilidade que eu tenho com meu
irmão vai muito além de fraternal, eu malditamente me sinto em dívida,
uma dívida de vida, então, se houvesse a chance de voltar no passado, eu
não desejaria ir para tão perto, eu voltaria para o momento em que o choro
dele mudou pela primeira vez. Talvez ainda houvesse tempo.
No entanto, isso era apenas uma hipótese, uma pergunta que Cohen
precisava para provavelmente saber se também cometeu um erro ao se
entregar completamente.
Então busquei minha resposta mais sincera.
— Um categórico e mais certo não, da minha vida. Eu não me
arrependo. A resposta não é a mesma para todo o resto, mas você, Cohen,
não. Você nunca vai ser meu arrependimento.
— Alguns dias. — Mais um pequeno passo e seu corpo embalou o
meu a centímetros dos nossos corpos se tornaram um. Suas mãos seguraram
minha mandíbula em concha, e somente seu toque foi suficiente para me
sentir segura. Cuidada. Protegida. — Alguns dias e eu movo o inferno para
te buscar. Ninguém vai tocar no seu nome duas vezes, ninguém vai te fazer
mal algum. Anya, eu não tenho o menor direito de te pedir isso, mas confia
em mim!
— Eu confio. Com todo meu coração, eu confio em você.
Ele finalmente segurou meu rosto entre as mãos e olhou no mais
profundo dos meus olhos. Suas lágrimas já inundavam os seus. Parecíamos
que estávamos em uma linha fina, um fio intricado que nos unia e parecia
querer se romper, bambeava entre nós, mas resistíamos.
— Eu te amo, lembra disso. Todos os dias, todas as horas, cada
minuto do seu tempo, cada segundo do meu, lembra que eu te amo, e se me
ligar, se me chamar, se me pedir... Anya eu deixo tudo isso ruir e vou atrás
de você.
Encostamos nossas testas, os olhos fechados. Era o nosso momento.
Eu sabia que tudo o que ele mais queria ouvir no momento é que eu ficaria.
Eu sei que ele precisava ouvir.
— Eu vou estar te esperando! — Mas eu também fiz isso por ele.
Porque a bagunça dele está tão imensuravelmente maior, que eu não
me sinto no direito de pedir que me escolha.
Ficar aqui e agora seria como pedir ao Cohen que declarasse a tudo
e a todos que a mulher que expôs a Archer, era mais importe que seu
império. E nada é mais importante que salvar a Archer.
Assim como nesse momento, nada é mais importante pra mim do
que correr contra o tempo e não deixar que nada nem ninguém tire o brilho
dos olhos do meu pequeno Tom. Era responsabilidade minha.
Cohen colocou meu cabelo atrás da orelha e deixou um beijo
demorado na minha têmpora.
Eu o amei ainda mais por respeitar isso, e pensei que por hora, essa
seria nossa despedida, quando inesperadamente ele enfiou sua mão por
baixo do meu cabelo e me puxou. Invadindo minha boca com voracidade.
Sugando até o último resquício de sanidade que eu ainda tinha.
Era aquele beijo com uma promessa gravada, bem ali mesmo, onde
nunca mais vai conseguir tirar.
Um beijo que deixa uma cicatriz linda no coração. Eu a senti
segundo após segundo. Parecia estar inflamado, naquele momento eu
entendi que nosso amor havia nos tornado um só, uma unidade, de modo
que separados seguiríamos como metades.

Holly me pegou ao sair do ateliê, e percebeu que eu já não estava a


mesma de hoje cedo.
E não estava mesmo. Pela primeira vez, ao sair da Archer, eu já não
era uma invisível desconhecida. Eu era a Dama de Prata, e todas aquelas
câmeras me faziam perguntas que eu nunca pensei responder.
Quando paramos no semáforo enquanto minha cabeça recostada no
vidro refletiu uma placa para o oeste da cidade, eu lembrei do caminho da
casa de Dakota, o prédio mais simples daquela rua.
— Holly, entra à direita. — Ela franziu a testa, mas quando o sinal
abriu não questionou, apenas seguiu.
— Aonde estamos indo?
— No final daquela rua. — Aponto. Minutos depois estávamos
parando em frente ao prédio da garota.
— Aqui? — Perguntou estranhando o lugar ao olhar pela janela.
— Vem comigo! — Holly desceu atrás de mim, bombardeando de
perguntas. Correu para me alcançar enquanto eu adentrava a singela
portaria. Não havia para quem perguntar, mas havia um grupo de garotos
encostados em uma rodinha. — Com licença, vocês são daqui? — Um deles
assentiu quando apontei para prédio de cinco andares. — Por acaso vocês
sabem me informar, onde uma garota chamada Dakota mora?
— Terceiro andar, apartamento 28.
— Obrigado! — Holly me acompanhou agora entendendo. Subimos
os seis lances de escada até encontrarmos o apartamento indicado. Todos
padronizados, em um péssimo gosto para verde, mas eu não estava ali para
isso.
Bati na porta e esperei por alguns instantes, por sorte foi a própria
Dakota que abriu, e seus olhos esbugalharam ao me ver ali.
— "Oi" — A cumprimento em sinais. A garota ficou pálida, seu
corpo entregava o nervosismo. — "Podemos conversar"?
Ouvi dois passos forçados contra o assoalho, gesto que eu também
usava quando queria chamar o Tom pela casa, pois ele sentia as vibrações.
Então alguém surgiu dando bronca na garota sem se importar com
quem estava ali.
— "O que já conversamos sobre abrir a porta esse horário?" —
Finalmente seus olhos caíram em mim.
Holly estava igualmente surpresa ao meu lado. Então sem precisar
perguntar, eu entendi.
— Hannah.
CAPÍTULO 37
Eu sabia que te amava então, mas você nunca saberia, porque eu me calei com medo de perder. Eu
sabia que precisava de você, mas nunca mostrei.
São You Won't Let Go – James Arthur.

— Estou tentando expor a Archer há muito tempo. — Hannah disse


enquanto Dakota entregava um copo com suco para Holly e eu.
Estávamos sentadas no sofá do seu apartamento pequeno. Holly no
entanto, quase abria um buraco no chão andando de um lado para o outro.
Aquele assunto estava a tirando sério, talvez partindo do mesmo
sentimento que me fazia sentir assim quando lembrava do meu irmão.
— Minha irmã morreu quando eu tinha dezenove anos, desde então,
somos apenas Dakota e eu. — Hannah suspirou, embora houvesse dor em
sua voz, ela era forte. — Ela me trouxe para Seattle para tentarmos uma
vida melhor.
— "Somos uma boa dupla." — Dakota diz. As duas não tinham
muita semelhança, mas o porta retrato que estava no aparador perto da
janela, ali sim, tinha uma mulher muito parecida com Hannah. Os mesmos
cabelos castanhos, os mesmos traços, principalmente o sorriso, Dakota
ainda era pequena na foto, e sua mãe devia ter por volta de uns 30 anos.
Eu não a julguei, e para ser sincera, não me surpreendi, pois quando
entendi, que quem colocou a Dakota naquela festa foi a própria Hannah,
tudo fez sentido pra mim.
— Por que esperou tanto? — Holly perguntou. E quando os olhos
de Hannah fitaram o chão eu entendi.
Ela não fez nada antes porque se apaixonou.
— Eu só queria que ele pagasse por tudo o que fez. — Sabia de
quem ela estava falando. Sabia que seu rancor pelo Cohen não podia ser
apenas pelo irmão. — Eu tinha certeza, certeza de que o Cohen era o
responsável pelos desvios, que ele sabia de tudo que se passava naquela
empresa. Por isso procurei pela mulher daquela noite, a mulher que sem
querer barrou os desvios, que fez o que eu deveria ter feito.
Senti cada gota do meu sangue ferver. Borbulhar em brasa viva.
Esse tempo todo pensando estar deixando a Hannah ser colocada
como suspeita, quando na verdade era ela quem se escondia.
E pensar que Drizella estava certa. Que errou somente por uma
afirmativa.
— Quem Hannah? — Estridulei.
— Winter me enviou. — Confessou. — Investiguei ao lado dele e
virei suspeita por causa disso. Eu contei a ele sobre os desvios quando ainda
se fazia de amigo, mas foi ele mesmo quem avisou o Cohen. Fui usada e
esperei até o último segundo Casper me defender, mas eu não sabia que ele
estava defendendo você. — Ela suspirou profundamente.
— Você viu o que ele fez por você!
— Vi, mas ele estava errado. Eu sei que não foi você. Sei também
que não foi o Cohen quem autorizou, Anya, tampouco o Casper. Foi o pai
deles, ele se aposentou, mas ainda tem seu nome na diretoria.
De todos os nomes que eu esperei ouvir, o dele, foi o que menos me
surpreendeu. Talvez antes, antes eu resistiria, mas depois do que Cohen me
disse sobre o pai, não.
Me surpreende, na verdade, ninguém nunca ter percebido antes.
— Como...
— Não é o primeiro. — Ela disse friamente. — Aconteceu logo
quando Cohen assumiu a corporação, e está acontecendo de novo. O
primeiro desvio foi de universitários. Uma campanha gigantesca, um
sistema único de alunos espelhados em um programa de bolsas estudantis
brasileiro, mas nenhuma só bolsa foi entregue, a cota foi preenchida e o
financiamento sumiu. Eu fui uma das alunas que passou no processo.
Seus olhos ficaram opacos novamente, e Dakota encarou a foto da
mãe.
— Minha irmã ainda tentou justiça, mas não deu tempo. —
Completou.
A verdade era dura para digerir, mas algo dentro de mim se aliviou
por concretizar que de fato, não foi o Cohen, no entanto, eu não podia
culpar Hannah, nem Casper por querer inocentá-la junto do seu irmão.
Hannah fez o mesmo que eu, em memória da sua irmã, e ainda
mais, pela sua sobrinha. Eu só me pergunto por que ela não conseguiu.
No final das contas, nós três tínhamos um motivo.
— O que o entregou? O pai deles, como você soube?
Afinal, Vicent Archer é tão respeitado pelo império que deixou de
herança, que se o próprio Cohen não tivesse me contado a verdadeira
história, eu diria que não passaria de boatos.
— No início o Cohen não usava o sobrenome do pai, ele assinava
como Cohen Mayer.
— Sobrenome da mãe dele. — Pontuei.
— Sim. Até perder credibilidade e ser obrigado a usar o sobrenome
reconhecido. Quem autorizou esses desvios agora, autorizou há oito anos.
Só pode ter sido o Sr. Archer, pai dos meninos.
— E por que não contou isso ao Winter?
— Porque achei seu nome nele. Tomas Amstrong, Holly me disse
naquela noite da boate que era seu irmão. — Olhei para minha amiga que
confirmou em um aceno, mesmo tendo sido pega desprevenida. — Eu não
podia fazer isso com você.
Esvaziei meus pulmões com a conclusão.
A Dama de Prata expôs, jogou tudo no ventilador, como se alguma
vez eu tivesse ao menos pensado nisso. Reduziram todos os nossos esforços
em proteger aquele lugar a nada. Aos abutres da mídia, eu consegui
exatamente o que queria, mas esse papel nunca foi meu, Hannah tenta
justiça com as próprias mãos desde que surgiu a hipótese de trabalhar
naquela empresa.
Nossa história é tão parecida.
Por amor a minha família eu larguei tudo e fui atrás de um sonho.
Por amor ao meu irmão eu levantei a minha voz e falei naquela
noite, enquanto estava sob a proteção de uma máscara, o que Hannah foi
enviada para fazer.
A mulher que foi enviada pela pessoa que queria expor a podridão
por debaixo dos panos de uma corporação multimilionária. Essa mulher não
era eu.
Apenas uma máscara nos separou, e o plano de Winter deu certo,
até o momento em que achou que Hannah tinha conseguido. Mas não foi
ela, fui eu.
E a figura da Dama de Prata que deveria ter sido apenas uma
exposição, se tornou a única chance do Cohen, e da Archer também, pois a
pedido dele, eu não me pronunciei.
Uma parte de mim porque tinha medo, e a outra porque me
apaixonei, tão perdidamente quanto Hannah ao escolher Casper invés do
rancor que ela nutria por toda corporação, e eu não posso imaginar o quanto
deve ter doído ver que Casper escolheu o irmão.
Eu na mesma situação, não tive coragem de pedir que Cohen fizesse
a escolha. Porque eu o amo tanto que sei que ele me escolheria, meu
coração acreditava nisso com todas as minhas forças.
— Espera aí, vocês estão me dizendo que o safado desse tal de
Winter sabia que a Hannah ia expor a Archer naquela noite, e dedurou para
o Cohen, mesmo sabendo que ele mesmo a enviou lá pra isso?! — Holly se
pronunciou irritadiça. — Qual é, vocês duas só se ferraram e vão ficar em
silêncio porque... a porra da Archer é mais importante?
— Já perdemos muita coisa no caminho. — Hannah diz. — "Se eu
soubesse que era a Anya desde o início, as coisas teriam sido diferentes." —
Hannah encarou Dakota que ficou vermelha.
— "Eu prometi". — Deu ombros apontando para mim. Agradeci em
um sorriso, mas também adicionei uma nota mental de ensinar a ela, que
promessas podem ser quebradas quando é por alguém que amamos.
— Se estava atrás de mim, então por que não foi ao encontro com a
Holly, sabendo que ela é a estilista do vestido que usei naquela noite?
— Que encontro? — Uma outra pausa perturbadora.
Holly parou de andar no mesmo momento. Seu olhar perdeu o
brilho, e a estarrecia paralisou seu corpo.
— Casper... não te avisou do encontro? — Holly perguntou meio a
gagueira, depois de trocar olhares comigo.
Ela apenas negou, tão perdida em olhares quanto eu.
— Escuta, não importa, Casper jamais prejudicaria o Cohen. Não
sei se você sabe, mas o Cohen tirou o próprio pai da empresa. E ele fez isso
por influência do Winter. Com poucos meses de convivência eu percebi que
ele tenta fazer o mesmo com o Casper. Cohen não aprova nosso
relacionamento, porque enquanto estávamos juntos, Winter fez de tudo para
tirar o Cas da Archer, como ele tem feito comigo. Ele não quer saber se está
ou não acontecendo um crime lá dentro, ele só quer garantir que o Cohen
mantenha a imagem da empresa. Cohen até me trocou de departamento por
causa dele. Ele se importava apenas com maldita imagem perfeita da
Archer, mas naquele dia, Anya. Naquele dia eu entendi que isso mudou.
— Ele...
— Ele te ama! — Disse de repente. — Ele colocou você acima da
Archer, acima do Winter, e eu entendi que quando amamos uma pessoa, ela
se torna mais importante do que qualquer outra coisa. Então eu preciso
aceitar, que talvez... Talvez Casper não me ame para fazer o mesmo, mas é
minha obrigação te agradecer pelo que fez. Cohen ameaçou qualquer um
que fizesse mal a você. Quando você se foi depois daquela cena no saguão,
ele enlouqueceu. Mandou Casper para o inferno, os dois brigaram feio, e
todos que atravessaram seu caminho. Disse que a Archer está com os dias
contados e mandou que todos se preparassem porque, a única pessoa que
podia pará-lo tinha acabado de sair pela porta, e que agora em diante ele vai
agir do jeito dele, seja lá o que isso signifique.
Pude imaginar Cohen realmente fazendo isso, no estado em que o
deixei naquela tarde. Mas, hoje foi diferente. Cohen estava metódico e
controlado, parecia que tudo já havia sido previamente decidido e ele só
esperaria acontecer.
Quanto a mim, são apenas dias. Alguns dias para me concentrar no
Tom e nas minhas provas finais da faculdade, agora que eu estava com
tempo para adiantar todas as aulas.
Eu não estava com medo por nós, pois a promessa do Cohen era
uma certeza veemente, mas Hannah, na mesma situação, não tinha uma
promessa para o dia seguinte. Casper não lhe pediu um tempo, ele abriu
mão dela pelo irmão.
— Tudo o que ele fez, foi para manter você longe disso. Pode ser,
que você esteja certa e no fim das contas, os dois só queriam nos proteger,
mas está na hora desses marmanjos descobrirem que sabemos nos cuidar
sozinhas. Você me ensinou isso! — Eu disse, olhando fixamente em seus
olhos brilhantes.
Hannah sorriu tão fracamente, e em seguida pegou minha mão
envolvendo-a com seus dedos.
— Eu fui uma vadia com você.
— Todas somos vadias! — Holly comentou meio ao nervosismo,
revirando um aparador com bebidas. — Qual é a coisa mais forte que você
tem aqui?
— Nunca te culpei. — Eu disse. — Sempre soube que estava
machucada e magoada demais. Tirando é claro, por hoje. — Completo
envergonhadamente.
Ela apenas anuiu.
— Está mesmo indo embora? — Não consegui responder, um peso
se formou em minhas costas.
— Meu irmão precisa de mim. Por ele, e pelo Cohen, não posso
continuar na Archer. Hannah... — Um bolo dolorido em minha garganta me
sufocou. — Sei que não tenho o direito de te pedir isso, mas... conta o que
você sabe ao Cohen.
Ela se aproximou vagarosamente.
— Eu já contei. — Franzi a testa com seu ligeiro divertimento. —
Por que acha que ele deixou que você fosse?
— Por que eu pedi? — Hannah e Holly bufaram, como se
desdenhassem juntas da minha ingenuidade.
— Porque agora que você está fora da Archer, Any... ele vai poder
agir!
— Sério gente, sem frase de efeito final, eu preciso de uma bebida!
— Holly não esqueceria disso tão cedo.
— Pega qualquer coisa amarelada. — Hannah responde. — São os
mais envelhecidos.
— Whisky? Quem bebe Whisky, meu Deus? — Perguntou
encarando uma garrafa.
— Ela nunca sofreu por amor na vida, né?
— Acho que nem vai sofrer. — Garanti com certo orgulho. Holly já
entornava um copo cheio sem ao menos pedir por gelo, nos entregando a
pior careta possível.
— Se sofrer por amor significa gostar de Whisky, eu prefiro
envelhecer sozinha com vinho e uns gatinhos fedidos. — Ela não percebeu
estar dizendo isso enquanto enchia mais um copo do mesmo líquido.
— Não se trata de gostar, mas de saber que Whisky é a coisa mais
forte que tem quando ingerida quente. — Hannah completou, e Holly
largou o copo no mesmo momento.
— Eu estou bem!
CAPÍTULO 38
Eu prometo que algum dia estarei por perto. Eu vou te manter segura. Eu te manterei a salvo.
Never Be Alone - Shawn Mendes

Tempo...
Que palavra miserável, tão miserável quanto a falta dele.
Eu não tenho tempo, eu tenho que agir, eu tenho que novamente
colocar meu irmão no topo da minha lista de problemas e focar todos os
meus esforços nisso.
Visitei clínicas, falei com médicos, especialistas, recebi contatos,
uma lista interminável de pessoas que poderiam lidar com o caso do Tom.
Eu estava com todos os seus exames impressos, fui altamente
orientada e agradeci, por um momento, pelo tempo que Cohen me deu para
pensar antes de qualquer coisa, pois graças a isso eu estava conseguindo me
dedicar ao meu irmão.
Tive que me desligar totalmente da Archer.
Tudo isso, enquanto o caos premeditado se alastrava. A Dama de
Prata ganhou um rosto.
Eu estava estampada novamente em notícias e recebia por meio de
mensagens e visitas inesperadas um Cohen desesperado por um beijo,
qualquer coisa que o lembrasse de nós. Que de alguma forma nosso amor
sobreviveria.
Eu não tinha dúvidas disso.
Passei a noite encarando sua última mensagem com a saudade
cutucando meus olhos, formigando em meus dedos para pedir que venha,
que passe a noite comigo e que por algumas horas esquecêssemos de que
tudo estava acontecendo, mas eu resisti.
Minha vida estava revirada, mas a dele posso dizer que passou um
furacão. Tudo veio à tona. Tudo explodiu como temíamos. A Archer agora
estava sendo atacada e por incrível que pareça, a mulher que a expôs...
Não.
— Certo, quando podemos marcar essa visita? — Indaguei pelo
telefone.
Estava há horas perambulando pelo apartamento sob o olhar da
Holly. A coitada nem unha mais tinha. A cada ligação destroçava seus
dedos e esperava aflita para o resultado de mais uma conversa, mais uma
ligação.
— No fim do próximo mês. — Disse a atendente.
— É muito. — Respondi. — Eu preciso para o quanto antes.
— Sinto muito, o Dr. David só chega em Minnesota no próximo
mês, está com a agenda cheia em Washington.
— Washington? — saltei de onde estava. — Ele está em
Washington?
— Sim, senhora.
— Em que cidade?
— Ele tem uma clínica em Bellevue.
— Pode me passar o endereço?
— Só um minuto. — Esperei, encarando Holly a procura de uma
caneta e um bloco de notas. Anotei o endereço da clínica assim como o
telefone, e bastou que desligasse para Holly disparar perguntas sobre o
médico que o professor Leeson indicou.
— Ele tem uma clínica em Bellevue.
— É a meia hora daqui! — Disse o que eu já sabia.
Não muito depois eu estava ligando para a clínica e anotando os
horários que poderia encontrá-lo.

No dia seguinte, Holly e Hannah largaram tudo para ir comigo até a


cidade vizinha, com o endereço no GPS e um silêncio absoluto.
— Falou com o Cohen?
— Não. — Respondi olhando a cidade janela a fora. — Hoje não.
— Não suporto te ver assim. — Disse com os olhos presos na
estrada. — Era disso que eu tinha medo. — Murmurou pensativa.
— Que eu me apaixonasse por ele? — Pergunto de maneira
irônica, pois, ela praticamente torcia por isso.
— Que ele machucasse você, que você se visse no meio de uma
guerra dessa gente enquanto é classificada como a menor das preocupações.
Ninguém é perfeito, Anya, mas essa coisa de amor machuca pra cacete!
Havia raiva no seu tom de voz. Na verdade, Holly estava mais
intolerante desde que descobriu sobre Casper ter inventado um encontro a
três, quando na verdade, Hannah sequer foi avisada.
Para mim, era nítido o que estava acontecendo, mas Holly não via
assim. Troquei olhares com Hannah que estava no banco de trás e demos
ombros.
— Cohen não me machucou. Nós fugimos do inevitável e agora
temos que lidar com as consequências, porém, as dele são infinitamente
maiores que a minha então eu me auto classifiquei como menos importante.
O que queria que eu fizesse?
— Não sei, não entendo nada sobre priorizar relacionamento. Mas
acho que seria melhor se estivesse com ele. — Pela primeira vez Holly
defendeu alguém que não fosse eu.
— Seria melhor pra mim também, afinal, eu fiz do sonho dele o
meu e nada me fazia mais feliz do que fazer parte disso.
— É, Anya, as vezes eu só quero que você seja um pouco mais
egoísta então. — Sorri pela primeira vez depois de todo esse tempo.
— O amor é egoísta do começo ao fim. — Hannah comenta sucinta.
— Primeiro ele faz você querer uma pessoa acima de qualquer coisa.
Depois ele faz você não deixar essa pessoa, por puro egoísmo, e no final,
você precisa deixá-la ir... por puro egoísmo!
Tomei suas palavras para mim, completando para que Holly
entendesse.
— Eu sou tão egoísta que não aceito dividir o que estou passando
com ele. Não aceito levá-lo junto porque eu admito, sou egoísta demais
para deixá-lo tomar essa decisão por nós. — Desviei meus olhos para a
janela novamente. — Acha que meu coração não está gritando para que eu
vá atrás dele e ofereça tudo o que estiver ao meu alcance? Mas o melhor
que posso oferecer agora é distância, é isso que todas as pessoas que
convivi esse tempo querem.
Me lembro tão nitidamente de quando Cohen me distraia para que
ninguém percebesse. Quando não relevar minha identidade era quase uma
missão para ele.
Holly se calou depois disso, mas seus pensamentos continuaram
longe. Eu só queria que ela se preocupasse menos comigo.
O GPS anunciou que chegamos ao nosso destino, uma clínica
enorme com uma lista de especializações dentre elas Otorrino, pelo mesmo
médico que tinha seu nome em especialidades como clínico.
Aguardamos uma brecha no horário do médico por horas. Já era
perto do meio-dia e nada ainda.
— Tem certeza? Nenhum encaixe? Não é uma consulta moça, eu só
preciso conversar com ele. — Lá estava eu novamente, perturbando a
recepcionista.
— Sinto muito, a agenda do Dr. David é bem apertada.
— Sônia. — Um homem a cumprimentou do meu lado, e ela se
prontificou para entregar seu crachá, fosse qual fosse.
— Eu vim de Seattle até aqui, cheguei cedo, você viu! Não posso
voltar sem falar com ele.
— Como eu disse, você pode esperar, assim que surgir um encaixe
eu te chamo. Mas precisa pagar pela consulta.
— Eu pago, se eu for atendida. — Debato.
— Sem ficha, sem encaixe.
— É uma conversa! — Rebato
— Tempo é dinheiro senhorita.
— E você acha que eu não sei disso? — Me exalto inclinando meu
corpo para frente, praticamente debruçando-me no balcão.
— Anya... — Holly me segurou. — Amiga. — Pigarreou
apontando com o olhar para onde queria que eu olhasse.
Um homem de jaleco branco estava ao meu lado. O mesmo que
pediu o crachá, o mesmo que acabou de chegar, e que estava nesse
momento, sorrindo desconsertadamente.
Dr. David Kane.
Li o bordado na lapela, e meu rosto enrubesceu.
— Que horas é minha próxima consulta? — Ele perguntou, a voz
suave.
O homem de pele negra e lábios carnudos me encarava com
diversão. Pouco mais alto do que eu, senti-me corar imediatamente.
— Em vinte minutos, Dr. Kane.
— Certo. São os vinte minutos que tenho para almoço. — Ele
apontou para o corredor. — Por aqui.
Ao passar por mim, Holly e Hannah escancararam suas bocas, e
morderam o dedo na mesma sequência.
— Que gato! — Sussurrou inaudível.
Semicerrei os olhos para repreendê-las e por pouco não grunhi. A
recepcionista também as olhava de canto. Péssima ideia tê-las trazido
junto.
Segui o médico até uma sala de funcionários, uma espécie de copa
com apenas uma mesa e micro-ondas. Ele não estava brincando quando
disse que era seu horário de almoço, pois, quando entramos, ele retirou seu
jaleco branco, pendurou e tirou da bolsa térmica uma pequena marmita.
Pouca comida para quem deve precisar de tanta proteína.
A camisa se prendia aos seus braços e me senti minúscula dentro
daquela sala com ele. Acho que eu conseguiria esperar mais um pouco.
— Espero que não se incomode, servida? — Ofereceu calmamente.
Sua personalidade calma e centrada nada combinava com o porte pesado de
quem tem uma saúde e físico de ferro.
Não que ele seja tão grande, digo, é bonito, mas não um bonito
agressivo, e não consigo descrever o que seria uma beleza agressiva. Só sei
que a dele não era. Chegava a ser, pacífico.
— Não, obrigada, por favor fique à vontade. Desculpe pela cena na
recepção. — Peço sem jeito, apertando a pasta cheia de exames na ponta
dos dedos.
— Teve sorte de me encontrar. Pago as recepcionistas para serem
bem controladas com meu horário. Não gosto de deixar meus pacientes
esperando. — Me encolhi ainda mais.
— Obrigado. Por isso também. Não quero tomar muito seu tempo
Dr. Kane, meu nome é Anya e sou de Minnesota...
Pela primeira vez ele me olhou inquisitivo.
— Não disse que era de Seattle? — Indaga ao se sentar, pedindo
para que eu fizesse o mesmo.
— Soube que estava aqui e por isso vim o mais rápido que pude,
mas minha família é de lá. — Explico.
— Minha conterrânea então. — Muitas conclusões e nenhuma
resposta, eu estava ficando ansiosa.
— Sim, sim, o professor Leeson me disse.
— Conhece o professor Leeson? — Seu tom novamente era de
surpresa.
— Ele me indicou o senhor.
— Espera... — Ele franziu a testa recostando-se na cadeira. —
Acho que eu já ouvi falar de você. Você não seria Anya Amstrong, né? —
Assenti recebendo um sorriso curioso.
— Então vocês são amigos. — Deduzo, dando um passo em direção
a mesa.
— De longa data. E você é a tal da aluna incomparável.
— Leeson e seus exageros. — Balbuciei desconcertada, limpando o
suadouro da mão no tecido jeans da calça, desejando tirar a jaqueta, pois o
ar daquela sala estava quente.
— Vai me desculpar, mas meu amigo raramente usa brilhante e
esforçada na mesma sentença, então duvido que seja. Mas, me diga, por que
está aqui?
— Bem... — Finamente me sentei. — Dr. Kane, meu irmão... —
Rapidamente tirei da pasta alguns exames e todo o histórico de alta do Tom,
deixando-os sobre a mesa. — Pode me cobrar por isso, recebi ótimas
recomendações sobre o senhor e queria muito que ao menos, visse o caso
dele.
Avaliei seu olhar como se me dissesse: prossiga.
— Ele teve um rompimento de tímpano aos seis meses de vida,
causado por uma grave inflamação. A infecção generalizou e ele teve perca
de audição profunda. Foram cinco anos de acompanhamento, até
recebermos a notícia de que ele poderia ouvir novamente com a ajuda de
um aparelho específico após uma cirurgia de reconstrução.
Curioso, ou interessado não sei, Dr. Kane pegou um dos históricos
na mão.
— Uma timpanoplastia. — Concluiu segundos depois. — Usaram
enxerto para preencher a membrana timpânica, cartilagem possivelmente,
foi uma perfuração bem profunda, mas o implante coclear foi bem-
sucedido. — Pontuou, esquecendo-se de comer para folhear tudo aquilo.
— Um procedimento sem garantia. — Completo. — Mas como
pode ver, foi bem-sucedido, ele pode ouvir com a ajuda do aparelho.
— Que maravilha!
— É... mas, a clínica que, tecnicamente fabricaria...
— Não entregou aparelho algum. — Me interrompeu com uma
certa indignação. — Não é o primeiro caso que me aparece. — Temi que ele
pudesse estar fazendo pouco caso. — Mas do seu irmão é diferente, ele
passou por um processo cirúrgico mais delicado. As membranas precisam
ser estimuladas ou com o amadurecimento, quanto maior o tempo, maior
precisara ser a amplificação das ondas, ou pior, os estímulos podem nem
mais surtir efeito.
— É por isso que estou aqui. Ele mora em Minnesota, eu quero
saber se há possibilidade de ele passar com o senhor, se pode fazer o pedido
de um novo aparelho como o que iriam disponibilizar. É a primeira vez que
ele corresponde a um teste depois da cirurgia.
— Provável que sim. Seria um prazer ajudar. — Disse como se não
houvesse problemas, então me remexi na cadeira.
— Dr. Kane, eu preciso que seja rápido, o quanto antes, na
verdade.
— Não é preciso se desesperar, leva um bom tempo até perdemos
esse prazo.
— Eu já perdi o prazo. — Me ajeito na cadeira para explicar de
forma resumida nosso caminho até aqui. Não consegui decifrar seu olhar
enquanto eu relatava, mas percebi que ele ouvia com atenção e isso pra
mim já significou muito. — Vou ser sincera, isso é uma questão
completamente pessoal. Por mim, meu irmão não esperaria mais um dia
sequer.
Alguém bate na porta e pede licença.
— Seu paciente já aguarda na sala de espera. — A mulher anuncia
e ele assente, antes de voltar seu olhar a mim quando ela nos deixa.
— Eu estarei em Minnesota em dois dias. Reunião familiar e uma
mãe exigente pedindo mais tempo com a família. Vou ser sincero, é
completamente pessoal e por mais que eu queira, inadiável. — Repetiu para
descontrair o clima pesado que surgiu após minha história com meu irmão.
— Desde que a Senhora Kane não saiba disso, eu posso abrir uma exceção.
Foi por muito pouco que não comemorei, mas foi inevitável minha
comoção.
— Obrigado. — Imensurável era o alívio em meus ombros. —
Muito obrigado.
— Leve ele até a clínica e diga apenas o seu nome, vou pra lá no
mesmo momento. Vai ser uma escapatória difícil, confesso, minha mãe está
mais dramática a cada ano que passa, mas estarei lá, garanto.
Eu sorri completamente grata, então nos despedimos.
Somente quando David saiu da sala é que me dei conta.
Eu precisava estar em Minnesota em dois dias.
— Minnesota? Vamos para Minnesota?
— Eu vou, Holly. Você não pode continuar deixando sua vida para
resolver os meus problemas. — Rebati. Tínhamos acabado de nos estirar no
chão da sala de Hannah com muito vinho e pizza.
Dakota estava lendo no sofá, percebi que ela não usava seu aparelho
auditivo na noite passada, mas hoje resolveu colocar.
Hannah disse que ela prefere ficar sem quando vê que a irmã está
chateada. O que me faz acreditar que Hannah estava bem agora, de certo
modo eu também estava, elas amenizavam todo o resto. Estar com elas
nesse momento estava sendo essencial.
Passei o caminho inteiro ouvindo comentários vulgares sobre a
beleza do médico.
Hannah já estava reclamando de cera no ouvido.
Holly fingiu não ter escutado o que ela disse.
Enfim, duas pervertidas. Eu sempre soube que elas se mereciam, e
só não banquei a chata pois me peguei rindo, mas o assunto voltou quando
expliquei que precisava ir.
— Não tem minha vida se minha família de coração estiver com
problemas. Eu vou com você!
— Posso precisar de você aqui. Alguém tem que entregar os
trabalhos ao Leeson.
— Professor Leeson, quem diria. Esse cara está sendo um anjo na
sua vida. — Comentou admirando sua ajuda e compreensão nos últimos
dias.
— E eu nem sei como agradecer. — Falei antes de entornar toda
minha taça de vinho.
— Acho que você não gostaria de ouvir minhas opções. — Ela diz
maliciosamente. — Cohen menos ainda.
— Receio que não. — Concordei, sentindo aquela fagulha de
esperança renascer dentro de mim. Eu já podia sorrir novamente e devo isso
às minhas amigas.
Hannah virou-se de bruços no tapete para pegar uma fatia de pizza,
ficando cara a cara comigo.
— Lembra daquele dia no elevador?
— Como eu esqueceria? Vocês se uniram para falar da falta do meu
decote e bunda. — Cutuquei bebericando meu vinho.
— Falta de decote, sua bunda é linda! — Corrigiu. — Enfim, eu só
estava provocando a Andrea.
— Por quê? — Eu quis saber.
— Porque ela é uma fura olho que já estava de olho no Cas.
Acontece que ela é uma vadia que alimenta o próprio ego tirando o que é
dos outros, e eu demonstrei interesse no Winter sabendo que ela tentaria
algo com ele.
Eu ri, mas Holly se remexeu desconfortavelmente.
— E tentou? — Perguntei, Hannah riu alto.
— Não só tentou como conseguiu, e veio me dizer que talvez o
problema realmente fosse comigo. — Finalmente nós três rimos.
— Eu deveria ter imaginado isso.
Bons tempos, aquela Anya disse. Em que minha única preocupação
era pagar minha faculdade e cuidar a distância de casa.
Em que eu preferia admirar Cohen de longe e sonhar com o
impossível. Nós dois éramos algo tão, tão distante.
Meu peito apertou. Saudade pura e simples.
— Vai dar tudo certo!
Eu disse mais para mim mesma, quando meu celular tocou.
Era minha mãe. Olhei para Holly por um segundo, como se
roubasse um pouco da sua coragem para atender, não nos falávamos desde
que liguei da última vez.
— Oi mãe. — Minha voz saiu automaticamente, levemente
falhada, mas meu coração se aqueceu ao ouvir sua quase comemoração
antecipada por eu simplesmente ter atendido.
— Oi, querida. Está ocupada?
— Não... — Olhei ao redor, era apenas pizza e vinho e risadas. —
Estou com Holly e uma amiga.
— Ah, que maravilha, manda um beijo para nossa menina.
— Mamãe mandou um beijo pra você. — Eu disse, e ela devolveu
com um beijo no ar. — Holly mandou outro. Qual o motivo da alegria?
— Temos uma notícia. — Ela anuncia empolgada. — Seu pai está
bem aqui. Querida, me ouça.
— Está me deixando ansiosa. — Brinco com o líquido carmesim
girando-o lentamente dentro da taça.
— Escuta, escuta... pode parecer uma medida um pouco
desesperada, mas, seu pai ficou muito mal depois que você ligou e, por
Deus, não quero que se culpe. Nós vamos resolver tudo, ok?
— Do que está falando? — Paro de mexer com o vinho.
— Da dívida do hospital. — Meu corpo estremeceu. — Filha, isso
não é uma obrigação sua. Eu percebi quando me ligou o quanto você estava
desapontada, então, seu pai fez o que já deveria ter feito há algum tempo, e
eu apoiei.
Eu deveria imaginar que ele tentaria algo, que ele se esforçaria para
diminuir o peso das minhas responsabilidades, eu só não conseguia pensar
em nada que não exigisse do seu trabalho braçal comprometido.
— O que vocês fizeram? — Encontrei o olhar de Hannah e Holly.
— Pagamos o hospital. Quitamos a dívida meu bem, do seu pai e do
Tom.
Não acreditei no que acabei de ouvir. Por um momento permiti
meus olhos marejarem de emoção, mas foi inevitável não pensar que ainda
assim, aquilo era a menor das minhas preocupações, que faltava muito
pouco para eu completar o dinheiro do hospital. O que impedia Tom de
pegar seu aparelho era uma mentira que eu inventei para não dizer que não
tinha aparelho algum, que ele foi vítima, tão vítima quanto Dakota e todas
as crianças.
Mas tudo bem, Dr. Kane o avaliaria em dois dias e tudo será
resolvido. E se meus pais pagaram o hospital significa que eu estou com o
dinheiro do aparelho e qualquer eventual custo.
— Mas, como?
Senti a pontada de vergonha no sorriso da mamãe chegar até mim.
Meu coração apertou ao imaginar meu pai fazendo qualquer outra coisa que
exigisse seu esforço físico. Ou minha mãe se comprometendo com outra
casa ou qualquer trabalho que a ocupasse mais tempo. O silêncio foi apenas
o início, um espaço vago no tempo.
Tempo esse que eu não tinha, tempo esse que foi usado para
lembrar tortuosamente de cada lembrança boa que eu tinha dentro daquela
casa.
CAPÍTULO 39
Mesmo que não seja sua intensão me machucar. Você está me destruindo.
Mercy – Shawn Mendes

Acreditar que um dia eu poderia sair desse bolo de mentiras e


acúmulos de histórias mal contadas foi como acreditar que eu poderia voar
quando era criança.
Ao pisar no gramado em frente à minha casa, senti o cheiro doce de
uma dama da noite que mamãe cultivava no jardim. Era simples, mas era
nossa, tão aconchegante que eu pude ouvir o som do vento ao balançar as
folhas das árvores que enfeitavam a rua. Uma rua arbórea e larga, charmosa
em sua simplicidade.
Eu estava em casa.
O dia estava lindo e familiar, mesmo com a ventania que anunciava
o fim da primavera.
Não sei por quanto tempo fiquei parada admirando a casa dos meus
pais desde que o táxi deixou minhas malas na calçada e se despediu, mas
contei cada segundo que o relógio parou de girar desde que avistei meu pai
sair da sua velha garagem.
A perna ainda ruim, a coluna levemente envergada pela dor
constante que não o deixava, — tinha se tornado uma amiga — como ele
dizia. Suas mãos estavam sujas de graxa e o velho pano preto entre os dedos
sofridos. Reparei que estava mais magro.
Ele me viu, e parou no mesmo momento.
Lembrei de quando eu chegava da escola e corria para ele me pegar.
Eu poderia correr agora, tudo o que eu mais queria era que ele me
levantasse e dissesse com toda sua fortaleza.
— Você é a única princesa que pode voar.
Eu acreditava naquilo.
Até que um dia eu percebi que sem meu pai, eu não tinha asas.
Mas, ele sempre estenderia seus braços quando me visse...
Como fez agora.
Senti uma lágrima escorrer e molhar minha face andando até ele,
seus olhos também se alagaram, seu maxilar tremia enquanto eu tentava
oferecer um fino sorriso.
Ele me recebeu em um abraço cuidadoso. Afagou meu cabelo e
disse que tudo ficaria bem. Eu acreditei, mesmo sabendo que não sou capaz
de fazer metade das coisas que ele dizia. Eu não posso voar pai, mas eu
posso acreditar nisso também.
Eu só queria desfazer o momento em que tive que dizer a verdade
aos meus pais. Essa cena ficaria para sempre guardada na minha memória.
O silêncio absoluto, a culpa que me levou ao extremo.
— Olha pra mim, filha, olhe para mim! — Obedeci, forçando
minha vista através da neblina turva, me senti novamente uma menina. —
Nós vamos ficar bem.
Eu não sabia que precisava tanto de um abraço dele, até ter.
Ele estava tão feliz por achar que finalmente fez algo, que tirar isso
dele foi como empunhar estacas em uma ferida aberta.
— Ben, você viu que alguém deixou malas no nosso... — A voz da
minha mãe cortou quando eu ainda assentia para ele. Virei-me e então cedi
completamente.
Meu irmão, meu pequeno Tom estava ao lado dela, de mãos dadas,
provavelmente voltando da escola, seu cabelo tigelinha colado na testa
junto as bochechas vermelhas.
Ele me ofereceu seu sorriso mais bonito antes de correr até mim.
Então cai ajoelhada e esperei meu irmão de braços abertos. Queria
evitar, mas chorei abraçando-o com toda minha força. Chorava de saudade,
de culpa, de desespero, por mais que ele não entendesse, eu precisava
daquilo.
Minutos depois mamãe se aproximou de mim.
Acariciou meu cabelo e me recebeu, como um filho perdido
voltando para o colo depois de muito tempo. Eu podia desabar agora, eles
estavam ali.

Alguns dias depois...

Tom e eu esperávamos na última fileira de cadeiras da clínica do Dr.


Kane quando uma moça nos chamou. Meus pensamentos estavam longe,
mais precisamente na realidade estranha que era estar de volta.
Eu me sentia em casa, sentia o conforto e a familiaridade de um lar,
mas era como se ele já não me pertencesse. É como se aqui não fosse mais
o meu lugar.
É tão estranho porque, o apartamento da Holly não era exatamente
minha casa. Talvez, eu só tenha mudado e a Anya que gostava dos mínimos
detalhes de se morar nessa cidade, não gosta mais. Muito embora não me
sinto deslocada, mas faltava algo. Me faltava uma parte.
Desviei meus pensamentos quando a mulher pediu para que nós a
acompanhássemos. Então eu fui, com meu coração tamborilando nas
costelas e a mão pequena do meu irmão segurando meus dedos.
— Por aqui, por favor. — A moça apontou para uma sala aberta.
Entrei na mesma e dei de cara com o médico sem jaleco.
Estava vestido casualmente como se realmente tivesse saído de uma
reunião familiar da classe média.
— "E não é que você veio mesmo." — Ele disse sorridente, em voz
e gestos, ganhando imediatamente o sorriso de Tom, e minha gratidão.
— "Eu é quem deveria dizer isso." — Limpei o suadouro nas mãos
e o estendi.
—"Eu disse que estaria aqui! Sou um homem de palavra!"
— Muitíssimo obrigado por nos receber. — Ele estalou a língua
como se não fosse tanto.
— "Não sabe o quanto foi difícil fugir dos olhos de águia da minha
mãe. Ela levou a sério esse almoço em família. Espero que eu pelo menos
ganhe um sorriso desse garotão." — Falou interagindo com meu irmão. —
"Isso é um sorriso? Achei que só estava me mostrando seus dentes, se
precisa de um dentista ele está no consultório ao lado." Tom riu ainda mais,
está claro que ele leva jeito com crianças.
Meu coração aqueceu.
— "O último caiu quando eu estava escovando." — O pequeno
disse mostrando sua recente banguela.
— "Será que era o último mesmo? Não sei não, você tem muitos
dentes aí rapaz."
— "Sim, era, tenho vinte dólares de todos que levaram."
— "Levaram? Quem levou?" — Foi sua última pergunta antes de
oferecer uma cadeira ao Tom, começando a examiná-lo sem que aquilo
parecesse de fato uma consulta.
— "Os duendes".
—"Duendes? No meu tempo era fada madrinha."
—"Fada do dente." — Corrigi. Eles me olharam estranho. — "Fada
madrinha faz vestido."
Me senti alheia aos dois, mas David sorriu e foi o bastante para me
sentir menos boba com isso.
—"É, mas elas pagam pouco, se deixar leite e biscoito os duendes
chegam primeiro." — Meu irmão explicou.
— "Espera, são os mesmos que trabalham para o Papai Noel?" —
Tom assentiu com seriedade. — "Rapaz isso é uma máfia mesmo. Ninguém
nunca me contou, e olha que eu já perdi uns trinta dentes, era para estar
rico."
Tom gargalhou dessa vez, e eu pelo resto daquela tarde passei
assim, sorrindo, esperançosa. Encantada pelo atendimento, pela pessoa
carismática que ganhou meu irmão em pouco tempo.
Tomas havia feito um amigo, era isso que ele contava para todos.
Sequer percebeu que o homem era um médico e estava ali justamente para
iniciar um novo acompanhamento.
Ele mesmo contou como foi ouvir aqueles ruídos e disse que teve
até pesadelos com eles. Nesse momento Dr. Kane me olhou e iniciou uma
série de testes cognitivos sob o efeito dos sons nele.
O aparelho não demoraria para ficar pronto, os custos foram todos
pagos com o que restou do empréstimo, pois, meu pai hipotecou a casa,
então não tínhamos muito o que fazer.
Eu já podia respirar novamente, por mais que estivesse fugindo da
conversa difícil com minha mãe, por mais que estivesse fugindo do olhar
cauteloso e preocupado do meu pai, ou das ligações que não cessavam
quando eu estava no canto mais silencioso da casa.
Coloquei Tom como prioridade.
O tempo que eu tinha dediquei ao meu irmão, à esperança que eu
quase tirei dele, ao sonho que sonhávamos juntos e eu quase coloquei tudo
a perder. Sei que poderia ser uma cobrança excessiva, e que o peso de tudo
viria uma hora ou outra, mas garanti a mim mesma que eu estaria preparada
para enfrentar o que viesse quando Tom estivesse me ouvindo. Quando a
preocupação com o dia de amanhã não pesasse tanto em meus ombros.
Quando eu pudesse me encontrar com Cohen novamente e apenas viver o
que estava adiando.
É como se... não houvesse espaço para lidar com nada além disso,
da dívida que agora tínhamos para não perder a casa e tudo que desmoronou
quando eu permiti não ser aquela Anya.
Eu não tenho estruturas para lidar com a mídia que sugava cada
pedaço das minhas energias ao mesmo tempo. As ligações eram da Holly
pedindo atualizações da minha estadia, como ela dizia, afinal, minha
mudança foi muito repentina, ela diz que não teve tempo para se despedir
de mim apropriadamente, gostaria de saber o que ela queria dizer com isso.
Estava morrendo de saudade dela, me acostumei com minha melhor amiga
todos os dias e lembrei que sequer tive tempo de pedir para que não odiasse
Casper pelo que ele fez.
Eu mesma não estava odiando.
Mas, ao julgar pela mudança de assunto quando eu tocava no nome
dele, presumo que não esteja pronta para falar sobre isso, ou como ela
estava lidando com os sentimentos acerca do acontecido.
Holly não imaginaria um mundo ao lado dele, não se imaginaria
sequer, minimamente envolvida com alguém, e agora que sabe que ele
mentiu sobre Hannah tê-la chamado para um encontro, estava se sentindo
péssima com isso, e eu não duvido que vá descontar tudo nele sempre que
for possível.
Eu torço para que um dia alguém quebre todas as suas barreiras,
como Cohen fez comigo, mas talvez fosse meu dever dizer a ele que Holly
não suportava mentiras, muito, muito menos ser enganada. Ele começou por
um caminho difícil. Se tinha alguma intenção além de casual com minha
amiga, creio que esteja perdida.
E lembrar do Cohen fazia meu peito se abrir em rachaduras lentas.
As notícias que vinham eram de que a Archer estava por um tris, ele sim
tinha espaço para minha preocupação.
Eu queria muito não estar no meio disso, queria muito poder fazer
alguma coisa, mas o que eu poderia fazer se todos que rodeavam e podiam,
realmente, ajudar o Cohen, pediram meu afastamento?!
Anya Amstrong agora não passa de uma secretária que expôs a
Archer. Qualquer envolvimento meu não é bem-vindo. Não dentro daquela
empresa.
Fora, entretanto, Holly disse que eu estava recebendo muito apoio.
Pessoas que foram vítimas ainda na época das bolsas estudantis. Famílias
que receberam finalmente os aparelhos pelo patrocínio das empresas,
campanha que Yve e eu finalizamos antes de tudo acontecer. Tinha meu
nome ali, e ainda não entendi muito bem o que está acontecendo e as reais
proporções que isso tomou, mas sabia que de alguma forma, por alguma
razão, as pessoas estavam me agradecendo.
Eu ainda sentia que força nenhuma no mundo seria maior do que o
que conquistamos, mas parece que um grande abismo se abriu entre Cohen
e eu, um abismo que nos deixava distantes. Eu tinha medo de que esse
abismo fosse a realidade pura e simplesmente.
A saudade era uma companhia constante. Estou tentando dar um
passo de cada vez, um dia de cada vez, mesmo tendo a sensação de que as
vezes não saio do lugar. Bastava focar na evolução do Tom que mais um dia
simplesmente acabava, mais um dia esperando esse pesadelo acabar.
É como se faltasse algo. A minha volta tudo tinha se estabilizado,
tudo estava sendo bom e até melhor do que meus pais esperavam, pois
tínhamos David, o médico que se apegou tanto ao Tom, ao ponto de dedicar
seu tempo livre a adaptação do meu irmão, para que esse processo seja o
menos estressante possível, mas percebi que algo não estava certo comigo
quando, no dia em que deveria ser o mais feliz da minha vida, no momento
em que o Dr. Kane trouxe o aparelho, eu apenas observei alheia.
O tempo girou mais devagar, observei atentamente a risada mais
sincera do meu pai, as lágrimas emotivas da mamãe e meu irmão,
esperando ouvir minha voz pela primeira vez, enquanto me ajoelhava de
frente para ele, via expectativa e a felicidade transbordar. Meus olhos
queimavam com o peso das lágrimas acumuladas.
— Missão cumprida! — Pisquei para ele. Foi como respirar pela
primeira vez.
Chorei a noite toda sozinha.

Parada de frente para janela com o lábio preso entre os dentes,


fechei os olhos quando um cansaço emocional me invadiu ao perceber que
era só o vizinho. Senti o olhar do meu pai em mim e decidi sair dali. Passei
por ele tentando retribuir o fino sorriso.
Estava cada vez mais difícil manter a naturalidade com os
sentimentos crescendo dentro de mim.
A presença do Dr. Kane se tornou constante, ele fazia um exercício
com meu irmão quando cheguei na cozinha. Estava ajudando-o na
adaptação do aparelho auditivo que Tom ainda não havia se acostumado.
Sentia dores de cabeça, tontura, mas David explicou que uma nova
atividade cerebral estava sendo estimulada, por isso era normal o
desconforto.
Eu o acompanhava em todas as consultas. Eram os momentos em
que eu me sentia viva meio àquele limbo.

"Desculpe”.

Foi a última mensagem que recebi do Cohen. Acima estavam todas


as nossas trocas de carinho e saudade. Promessas de que tudo estava
terminando.
Ele teria um julgamento, todo seu conselho executivo teria, e eu
quase enlouqueci de ansiedade e nervosismo quando soube disso. As
mesmas pessoas que não permitiam que eu ficasse com ele nesse momento,
estariam se defendendo e em um tribunal, sei que é cada um por si, e eu
tinha medo de que um deles prejudicasse ainda mais o Cohen.
Não há limites para a ambição, sei o quanto todos do conselho,
incluindo seu pai, devem estar furiosos por ter deixado tudo isso acontecer.
Cohen deveria ter evitado ou ao menos, controlado os prejuízos, mas tudo
explodiu de uma só vez. O impacto foi muito maior que o conteúdo das
ações, no momento, as pessoas não queriam saber o que já era feito para
remediar, apenas esperavam para ouvir o nome do verdadeiro responsável
que usou um projeto da Archer para um desvio de verba patrocinada tão
grandioso.
Tudo o que eu podia fazer era esperar. Era só o que ele me pedia
antes de se desculpar, então deduzi que fosse por isso, como se estivesse me
fazendo um pedido difícil. Não era, esperar é o mínimo que eu posso fazer,
pois, sei que enquanto estou aqui, Cohen está garantindo que eu não precise
participar desse julgamento.
Me mantendo fora e segura, como Casper fez com Hannah esse
tempo todo. A diferença é que eu acreditava em um Cohen que viria, e eu
esperava pacientemente tudo isso passar, pois sei que eu apenas prejudicaria
sua imagem junto ao conselho executivo que se dispunha a ajudar. Seria
ainda mais difícil provar que ele não teve nada a ver com os desvios. Aos
olhos dos executivos, Cohen deveria me ver como inimiga.
— Anya, está aqui? — Sopesei quando minha mãe balançou a mão
em frente aos meus olhos.
— Aham.
Ela me observou por longos segundos, guardou algo que queria
dizer, mas não soube esconder.
— Está tudo bem? — Perguntou receosa, olhando muito
brevemente para o celular entre meus dedos. Nenhuma mensagem depois
daquilo. Nada que explicasse seu pedido de desculpas.
— Sim. — Senti o olhar da minha mãe nas minhas costas quando
os deixei ali.

Alguns dias se passaram meio a escuridão e sofrimento em que eu


me encontrava. A dor se misturou com a saudade, e tudo me aprisionava a
uma redoma de vidro cada vez mais solitária.
Pelo terceiro dia consecutivo eu me peguei pensativa, sozinha na
cozinha enquanto fazia coisas básicas como passar um café.
Tudo me lembrava ele. Esperava o dia em que fosse me sentir
pronta para quem sabe, voltar, mas as notícias estavam cada vez piores.
Da última vez que falei com Holly, ela me disse que todos os bens
em nome da família Archer estavam sob investigação criminal, pois até o
caso das bolsas estudantis veio à tona.
A queda tinha sido feia, e eu me sentia observar de longe tudo se
ruir, sem poder fazer nada, continuando me escondendo para que esse caos
jamais chegasse até aqui.
Eu queria poder dizer a ele o quanto estava morrendo dia após dia,
o quanto estava sendo difícil me manter longe. Se não fosse por essas
notícias eu teria ligado há muito tempo e dito a ele o quanto está sendo
horrível. Era só chamar que ele viria.
— Podemos conversar sobre isso? — Ouço a voz da minha mãe e
saio do transe.
— Agora não, Mãe. — Falo amenamente, servindo-me de um
pouco do café.
O volume da TV estava alto, papai assistia o noticiário antes de sair,
e deixou ligado. Falava sobre a queda brusca das ações da Archer, e da
demissão de muitos executivos.
Não consegui esconder minha tristeza ao ouvir aquilo.
— Você realmente gosta dele né, filha? — Pergunta ela, sentando-
se de frente pra mim, enquanto eu encarava o jardim de frente para casa
coberto por grisalhos de gelo e neve fina.
— Eu o amo, Mãe. Eu o amo muito. — Doeu como eu jamais
esperava doer dizer isso.
— E o que te impede de ligar? — Encarei meu celular por um
momento. Nenhuma ligação perdida. Nada que amenizasse a esperança que
parecia enfraquecer todos os dias.
E a resposta era... porque eu sei que ele viria. Ele sabe que estou
bem, sabe que estou segura e dizer o contrário, seria como pedir para ele
fazer uma escolha, porque no mínimo sinal de que essa distância estava nos
fazendo mal, Cohen desistiria.
— "Termina de comer, Tom. O David já deve estar chegando." —
Falo com meu irmão.
— Quando vai parar de nos usar como escudo?
— É por isso que eu disse, agora não. — Bufei descendo do banco.
Coloquei a xícara na pia e servi meu irmão com uma tigela de cereal, sendo
observada com preocupação.
— Agora não, Anya? Você não troca mais do que seis palavras com
a gente desde que chegou, está mudada, está sofrendo e continua dizendo
que é para o nosso bem. Que bem é esse, filha, que eu preciso te ver
definhar emocionalmente?
— Vai passar. — Falo sem pensar. Meu celular vibrou na mesa, mas
não era nada. A cada notificação meu coração falhava, eu só queria que
alguma delas fosse notícias dele. Casper devia estar cansado de tanto
receber mensagens minhas, todas pedindo para que não dissesse ao Cohen o
quanto eu estava preocupada. Apesar de desconfiar, que ele não diria nada.
— Meu Deus, você está esperando por ele. — Ela disse como se
fosse doloroso admitir isso.
— Por favor, Mãe! — Pedi, vendo os olhos do Tom intercalarem
entre nós discretamente.
— Eu sabia que isso aconteceria! Ele acha que os problemas dele
são infinitamente maiores e que é benevolente da parte dele pedir que você
ajude não atrapalhando...
— Nós prometemos. — Disparei, uma revolta há muito reprimida.
Por mim, por ele, por tudo que parecia dificultar nosso caminho. —
Prometemos ajeitar as coisas primeiro. Você não o conhece, sei que está
difícil pra mim, mas deve estar sendo ainda pior pra ele. Eu consigo, mãe,
esperar enquanto ele tira essa nuvem de tempestade que ainda assombra a
empresa. Não entende o quanto aquilo é importante... Não foi ele quem
pediu um tempo, fui eu. Não posso pedir que venha só porque minha parte
foi resolvida, e acredite, eu adoraria estar ao lado dele, mas eu tenho que
estar aqui, porque... veja só, nem temos mais uma casa para chamar de
nossa. Eu estou presa aqui!
Tom em algum momento deixou a tigela tombar com o leite e se
assustou comigo. Vi nos seus olhos o desconhecimento ao me ver falar
daquele jeito com mamãe e deixou a mesa.
Minha mãe me encarava como se estivesse vendo um desconhecido.
— Tom! — Chamo. — Tomas.
Fui atrás dele quando o vi passar pela porta.
— Tomas! — Gritei quando ele já estava no jardim.
— Ele desligou o aparelho. — Minha mãe disse quando eu já estava
no jardim. Sua voz ainda distante.
— O papai checou! — Ele gritou com sua dicção em treinamento.
Um táxi estava estacionando em frente a nossa casa quando o
alcancei, parei de frente para ele cruzando os braços.
— "Não é o papai, é o Doutor Kane." — Afinal meu pai havia saído
de carro. — "Liga o aparelho." — Ele negou. — "Tomas, liga o aparelho!"
— Ele suspirou derrotado.
— "Não gosto de te ouvir gritar."
Dessa vez foi eu quem suspirei.
Esse mundo era muito novo ao meu irmão, e eu estava sendo injusta
com ele. Seu primeiro mês com o aparelho auditivo não deveria ser uma
experiência assim.
Me ajoelhei em sua frente e esperei que ele me olhasse atentamente.
— "Desculpe. Só estou um pouco triste, ok? Mas vai passar."
— "É minha culpa?" — Perguntou ainda em sinais. — "Eu nem
preciso tisso, pote tevolver se te faz ficar triste e, presa."
Senti-me ser golpeada. Uma mula estúpida e arrogante.
— "Nunca, nunca foi e nunca vai ser, eu faria tudo de novo se fosse
preciso. — Fui sincera. — Nossa família já bateu a cota de pessoas
altruístas. Agora liga o aparelho que o Doutor Kane veio conversar com
você."
Ele rolou os olhos e ligou seu aparelho auditivo.
— "Satisfeita?"
— Muito melhor! — Fiquei de pé cruzando os braços novamente.
— "Você é muito persuasiva!"
— Como é? Quem te ensinou isso? — Tomas deu ombros.
— "O Davit tisse" — Revelou antes de sair correndo em direção ao
médico que descia do táxi.
Dr. Kane o recebeu com um abraço e os dois conversavam
animadamente antes do Tom correr para dentro de casa.
— Cuidado! — Grito ao ver que ele quase escorregou pelo chão
molhado.
Eu ainda estava com a mão no coração quando Dr. Kane se
aproximou de mim, estava completamente casual, as roupas pesadas de frio
o deixavam mais próximo de um jogador de Hóquei do que um doutor,
pronto para mais uma visita em casa como disse que faria para acompanhar
o desempenho de Tom.
Achei interessante vê-lo de touca pela primeira vez. Pouquíssimas
pessoas ficam bonitas com uma, talvez seja a cor destacando sua pele negra,
ou apenas o frio, David conseguia estar com o semblante bonito mesmo em
dias cinzentos.
— Persuasiva? — Ele sorriu envergonhado.
— Achei que era um bom momento para descer quando o vi me
delatando. — Nos cumprimentamos com um abraço amigável.
— Me acha persuasiva, Dr. Kane? Me diga em que momento eu o
persuadi?
Ele apenas fitou meus olhos, antes de sorrir desconcertado.
— Eu tenho uma lista, mas falei isso na última consulta quando
você interrompeu nossa conversa para fazê-lo vestir uma blusa de frio.
Olha, não é da minha conta, mas tenho notado que você anda um pouco
rígida com ele. Seja mais maleável, Anya, ele é só uma criança.
— Rígida?
— Como estava sendo agora. Ele tem uma válvula de escape, deixe
que desligue quando não estiver se sentindo confortável. É uma escolha
dele!
Balbuciei completamente surpresa com a represália.
— Vamos, relaxe, ele tem mãe, você não precisa ser superprotetora.
— Brincou tocando em meus ombros. — Está deixando de ser a irmã dele.
Suspirei derrotada e me rendi.
— Eu fui de persuasiva, rígida a superprotetora em um curto espaço
de tempo. — Acabei lhe entregando um sorriso quando o vi sorrir satisfeito
também. Então caminhamos lado a lado para dentro de casa. — Quer
acrescentar mais alguma coisa?
Seu sorriso alargou-se ainda mais. De fato, um homem muito
bonito.
— Não acho que seja o momento.
— Ah, não é o momento. — Repeti com uma sensação estranha
formigando em meu ventre. — A propósito, por que demorou de descer?
David olhou por cima dos ombros muito rapidamente.
— Tinha um carro todo filmado parado do outro lado da rua. Achei
estranho.
Olhei para trás e não encontrei carro algum. Mas é claro que meu
coração apertou, e talvez eu tenha transparecido.
— Está tudo bem? — Sua voz me tirou dos devaneios.
Anui forçando meus pés entrarem finalmente.
CAPÍTULO 40
Eu daria qualquer coisa para ouvir, você dizer mais uma vez que o universo foi feito apenas para ser
visto pelos meus olhos.
Saturn – Sleeping At Last

Chegava a ser irritante a forma como meu estômago embrulhava ao


ver a comida intocada no meu prato. Diante daquele silêncio confortável
durante a janta, apenas o tilintar dos talheres preenchia o ambiente, e meus
olhos estavam presos em Tom enquanto ele comia, admirando seu cabelo
tigelinha caindo nos olhos. Precisava cortar. A fome é de dragãozinho... ele
estava crescendo rápido.
Meu celular tocou em cima da mesa, atendi com o nome da Holly
brilhando no visor e sua voz ecoou antes mesmo de conseguir dizer alguma
coisa.
— Anya, liga a televisão! — Sua voz estava atônita em expectativa.
Senti um solavanco no peito, como se eu já soubesse o motivo da
sua euforia. Arrastei minha cadeira para trás e deixei a mesa. Não disse
nada enquanto andava até a sala ouvindo meus pais chamarem com
preocupação. Todos os músculos do meu corpo relaxaram ao ler o rodapé
da notícia ao vivo. Um sorriso queria nascer em mim, mas a emoção
tomava conta.
Cohen foi inocentado.
Atrás do repórter, uma concentração enorme de pessoas brigando
por um espaço na escadaria, apontando suas câmeras para a saída do
tribunal onde muitas pessoas também saíam.
Nós dois tínhamos conseguido, ele lá e eu aqui. Papai se sentou na
poltrona, minha mãe parou de pé ao meu lado, colocando suas mãos em
meus ombros. Esfreguei meu peito como se pudesse segurar as batidas do
meu coração. Uma grande emoção se acumulava dentro, a sensação é de
que eu poderia explodir.
— Acabou, ele provou que não foi ele. — Holly também estava
feliz. Ela sabe o quanto sofri com a angústia e preocupação todos esses dias.
Me ligou horas depois da discussão com minha mãe, onde desabei ao dizer
o quanto estava sendo difícil. Minha mãe acertou ao cogitar que eu
precisava da minha melhor amiga, e Holly estava certa ao defendê-la e o
quanto eu estava deixando esse medo mudar a relação com minha família
— Mas... — Continuou. — Pelo que entendi, ele não envolveu o pai.
A Archer ainda enfrentaria tempos difíceis, mas Cohen não. Ele
provou sua inocência.
— Não importa, Holly, acabou!
Segundos intermináveis antecederam sua saída do tribunal. Muitas
câmeras e um mar de fotógrafos, repórteres e pessoas levantando cartazes
de protestos esperando por ele.
Não consigo pôr em palavras qual foi a sensação de ver seu rosto,
era como se todo meu ventre envolvesse minha expectativa em um bolo
esperançoso. Um redemoinho de fotógrafos e repórteres que tentavam obter
sua atenção. Incontáveis seguranças o guiavam.
Era ele e ao mesmo tempo... não era.
Havia um cansaço evidente em suas linhas expressivas, exaustão.
Sua barba estava por fazer e um peso recaia em seus olhos sem brilho. Ele
não sorriu em nenhum só momento, nem de vitória nem de alívio.
O terno completamente preto se alinhava perfeitamente ao corpo,
desde a camisa, colete até a gravata. Sabia que ele gostava do
monocromático para dias difíceis, dias em que ele precisava aparentar ser...
imbatível.
Cohen estava maior.
Relaxado em relação ao que eu conhecia, mas não menos
arrebatadoramente lindo.
Meus olhos se prenderam àquela imagem, um misto de saudade e
desespero. Queria poder tocá-lo, queria poder aliviar esse aperto no peito
que me dizia, o quanto ele não estava bem, muito embora para todos, aquele
o era Cohen, o imponente e implacável homem de negócios.
Foi então que me senti recarregada, me permiti apreciar a doce
tortura, se assim podia chamar aquele momento, onde me emocionei de
felicidade e inflei meu peito com euforia.
— Como pretende reerguer a Archer após a perca de tantos
acionistas? — Perguntaram a ele.
— Seu pai depôs a seu favor, você acha que esse foi o fator
decisivo?
— O que explica a saída definitiva do seu irmão da corporação?
— Casper deixou a Archer? — Perguntei sem de fato esperar que
Holly fosse me responder do outro lado da linha.
— Não sei o que o Cohen fez lá dentro, mas as coisas estão
estranhas.
Conforme ele se aproximava, mais perguntas eram despejadas, e eu
percebi que ele pretendia ignorar todas.
Como eu queria tocar seu rosto agora, beijar cada pedacinho de
angústia estampado em sua face. Desfazer o semblante amargo com carinho
até que me presenteasse com a covinha da bochecha esquerda, aquela que
só aparecia quando ele sorria.
Queria ao menos poder lhe abraçar nem que fosse para ficar em
silêncio.
— Senhor Archer, é verdade o que dizem sobre você e Anya
Amstrong? — Meu corpo paralisou, mas ele fez que não escutou.
Um outro repórter se aproveitou do gancho.
— A mulher que expôs todos os crimes da Archer, você sabia disso
quando se envolveram?
Cohen não respondia. Ele apenas era rodeado de segurança para
chegar até o carro.
Simplesmente esqueci-me como respirar.
Pareciam ser os segundos mais longos da minha vida. Uma
antecipação e ansiedade cronometrada, porque a qualquer momento ele
entraria naquele carro e eu o perderia de vista.
Fala Cohen, eu precisava ouvir sua voz. Qualquer coisa!
— Senhor Archer...
— Você e a Dama de Prata...
— Não temos nada! — Ele finalmente respondeu. No momento em
que centenas de flashes dispararam em sua direção. Meu peito abriu
lentamente. — É a última vez que eu falo sobre isso.
Gradativamente, senti a ponta dos meus dedos esfriarem. Eu sentia
tudo dentro de mim, ao mesmo tempo em que não sentia nada.
Mamãe e papai olhavam para mim, quando a matéria se estendeu
pela voz de uma repórter. Meu pai desligou a televisão então os minutos
foram de um silêncio absoluto.
Não sei por quanto tempo fiquei ali. Foi um golpe tão inesperado,
mas ao mesmo tempo, algo me dizia que era necessário. Que ele precisava
fazer aquilo.
Assenti para que todos visse que eu estava bem apesar do baque.
Deixei a sala revivendo seu olhar obscuro mentalmente, somente
quando cheguei no quarto o nó no meu estômago revirou, então liguei, mas
ninguém atendeu.
Os dias se arrastaram depois disso. E cada vez que pegava no
celular ou passava de frente para a televisão, alguma notícia me açoitava,
me pegou completamente desprevenida da primeira vez, eu não esperava.
Cohen Archer é visto em boate na noite badalada.
Apenas deixei meu celular de lado e me deitei, não queria ver as
fotos, ele me explicaria depois.
Em alguns dias talvez...
Cohen Archer aparece em evento elite e vira notícia após ser visto
ao lado de Drizella Hummer. Fãs da modelo especulam.
Mais uma notícia que chegava em um golpe inesperado. Uma no
meio de tantas que mostravam o quanto as coisas para ele tinham
melhorado.
Fechei os olhos e uma lágrima escorreu. Devagar comecei a
caminhar, Tom sorriu, mas eu passei por ele sem dizer nada, em seguida
passei pelo Papai, não o olhei, eu tinha vergonha de mim, de como estava e
de não conseguir sair.
Desisti de tentar ligar, desisti de perguntar ao Casper como estavam
as coisas. Percebi que ele não diria nada de qualquer forma. As notícias
eram boas, tão boas que Cohen precisava comemorar e ser visto.
— Casper... — O chamei antes de desligar. Ouvi seu suspiro
penoso. — Avisa que eu liguei?
Uma eternidade se passou e no seu suspiro profundo eu entendi que
das outras vezes ele também tinha avisado. Acho que comecei a decair
depois dali.
Meus olhos estavam embaçados, sentia um bolo frequente na minha
garganta, um amargo na boca, meu corpo cansado, enjoado. Estava
completamente imóvel enquanto abraçava meus joelhos na varanda de casa.
Sentia-me isolada, meio perdida quando uma das mãos suaves tocou meu
ombro, senti-me encolher, mas então fui puxada para um abraço que não
retribuí.
— Meu amor, por favor, reaja. — O abraço apertou, mas não havia
calor. Só frio. — Olha para mim. — Senti o toque no meu rosto e logo
mamãe entrava em foco. — Está me matando te ver assim.
Minha voz saiu arranhada, ela foi pouco usada ultimamente.
— Ele não sai da minha cabeça. — Falei distante
Os olhos dela encheram de lágrimas, e ela me abraçou de novo. Não
retribuí. Sem calor. Estava frio.
Não consigo esconder o quanto estou morrendo por dentro, e eu não
queria estar levando minha família comigo.
Ela apertou ainda mais o abraço.
Cohen Archer vira alvo de paparazzi em San Diego.
Só mais alguns dias.

Aparentemente eu não passava de um corpo imóvel, cada dia que se


passava, mais uma parte de mim morria. Eu não tinha ideia de como seria
as horas seguintes, planejar um dia então, parecia ser algo muito distante.
Estava sempre rodeada de pessoas enquanto me afundava em
autopiedade, já tinha desistido de tirar o Cohen dos meus pensamentos
constantes. Nosso amor nos transformou em um só, portanto eu jamais me
sentiria inteira novamente. Eu era apenas metade, e com tanto vazio, podia
facilmente ser chamada de resto.
Eu era apenas isso enquanto todos estavam celebrando o Natal na
mesa farta que papai e mamãe decoraram.
Natal...
Quantos dias mesmo?
Todos vieram. Holly trouxe Hannah e Dakota. As duas me
rodeavam há dias. Dakota e Tom se tornaram amigos, foi meu único sorriso,
ainda que muito fraco quando em uma tarde decidi apenas observá-los
brincando.
David também se reuniu a convite do Tom, trouxe até a famosa
senhora Kane, e de fato, ela era um tanto quanto dramática quanto às
expectativas de relacionamento do filho. Já era a segunda vez que
comentava sobre seu desejo por netos. Minha mãe a adorou. Papai e ele não
cessavam os assuntos. Vez ou outra, era sua voz tentando falar comigo junto
ao seu olhar compadecido.
Todos sorriam, vestiam tricôs natalinos, brindavam, comiam...
Enquanto eu, me sentia dentro de uma bolha sufocante, onde nem o som das
risadas invadiam.
Me odiei por isso.
Eu era apenas um corpo imóvel no meio de tanta alegria. Sentia
saudade de mim mesma. E perceber isso foi me sufocando, só movi meus
olhos quando senti Holly me olhando, e os seus estavam completamente
sem vida.
Foi quando tomei coragem de sair da mesa. Arrastei-me até o fundo
da casa e me sentei no balanço molhado e frio.
Foi ali que senti a última parte de mim sem vida.
Meu celular estava entre os dedos quando o coração apertou. Algo
distante ainda lembrando da última coisa que ele me disse.
Todos os dias, todas as horas, cada minuto do seu tempo, cada
segundo do meu, lembra que eu te amo, e se me ligar, se me chamar, se me
pedir...
Coloquei o aparelho no ouvido e prendi a respiração, esperei que
ele atendesse na primeira chamada como sempre fazia; na segunda,
imaginei que ele estivesse vindo; na terceira, pensei que ele só estava longe;
na quarta, que talvez não estivesse ouvindo, mas quando caiu na caixa
postal o ar que estava preso saiu com a decepção.
— Oi, Cohen. — Odiei até o som da minha própria voz. Não se
parecia nada comigo. O vento gelado me causou calafrio. — Desculpa,
você disse que eu poderia ligar, é que... eu já liguei tantas vezes.
Confessei fechando os olhos. Não queria ver aquela neblina branca
saindo da minha boca. Parecia a mesma fumaça que dividimos naquela
noite. — Mas dessa, é só pra saber se você está bem? — Um longo suspiro
me fez pensar que talvez devesse desistir, encerrar e não dizer mais nada,
mas por um momento, duvidei até que ele fosse ouvir, então foi como
confessar para mim mesma. Como se eu estivesse sozinha naquele jardim
coberto por neve. — Eu não estou...
Meus olhos se prenderam ao nada, apenas vazio.
— E não, não estou ligando para dizer que preciso de você. Algo
me diz que você sabe como estou e como me sinto, e deixou acontecer.
Você deixou, a parte mais bonita da gente morrer e eu estou me
perguntando, você viria mesmo? Ou só me prometeu aquilo para doer
menos em você, porque sabe, eu jamais ligaria. Eu jamais faria você vir,
então eu não espero que venha, só...
Não, eu não conseguia dizer adeus. Não conseguia me despedir ou
desejar que ele seja melhor, ou feliz.
— Para ser sincera só queria saber se podia parar de esperar, porque
se de alguma forma, me machucar desse jeito for realmente necessário,
admito pela primeira vez na minha vida, que eu não aguento!
Talvez seja culpa minha, talvez, eu tenha aguentado carga demais
por muito tempo, e o que me desestabilizou foi maior do que tudo que já
aguentei um dia.
Então desliguei.
Sem dor, sem forças. Era apenas vazio.
Não demorou muito para ouvir Holly ali, seus passos afundando na
neve. Tinha vergonha de mim mesma. De saber que eu jamais me vi desse
jeito e que em outra época eu saberia exatamente como sair, mas
simplesmente não conseguia.
Não entendia e queria muito acreditar que ele não sabia que estava
me machucando, mas já se passou tanto tempo, tantas notícias diferentes,
tantas brechas que me cabiam dentro. Eu não queria estar implorando por
tão pouco, por Deus eu não queria estar nessa situação deplorável e
depressiva de tormento.
No fundo eu dizia para mim mesma que a culpa era minha e isso é
tão estúpido.
— Lembra quando a gente era menina? — Desviei meus olhos da
neve, como se quisesse sentir sua presença. Holly estava de pé ao meu lado,
fitando a corrente tencionada do meu acento. — Eu corria pra cá, na
maioria das vezes machucada, e você sentava comigo nesse balanço e
perguntava o que tinha acontecido?
Anui fracamente. Como eu me esqueceria? Na maioria das vezes eu
sabia a resposta. Seu pai alcoólatra provavelmente feito alguma coisa. De
novo. Mas ela nunca contava, então eu apenas oferecia conforto e um colo
silencioso antes de levá-la para dentro.
— Minha mãe me batia. — Disse o que eu jamais esperei ouvir na
vida, prendi meus olhos em suas feições perdidas, isso porque suas palavras
me levaram a lugares que eu não queria. O jeito que Holly chegava aqui...
— Ela descontava tudo em mim, tudo o que meu pai fazia com ela. Todas
as traições, como se eu fosse culpada do casamento dela, sabe... eu deixava.
Eu nem me defendia. Eu justificava aquilo pelo sofrimento dela. Não é
normal uma pessoa machucar a outra quando está sofrendo?
Quando percebi, já encarava minha amiga com profunda tristeza e
uma surpresa tenebrosa enquanto negava inconscientemente.
— Não se machuca quem ama.
— Droga... — Ela forçou um sorriso, nos olhamos por
intermináveis segundos. — Ninguém nunca me disse isso. Se eu soubesse,
não deixaria.
Meu corpo relaxou quando entendi. Um filme de lembranças se
passou pela minha cabeça. Foram tantas e tantas vezes.
Me sentir estilhaçada por dentro não chegava aos pés do que ela
passou machucada, por dentro e por fora. Lembro de ajudá-la cobrir os
hematomas, e nunca vou me esquecer da vez em que um bolo de cabelo
estava enganchado em seus dedos. Eu quis matar o pai dela naquele dia.
Holly ficou em casa por semanas depois disso.
— Ele pode estar sofrendo, mas ele não tem esse direito, Anya.
Porque você está machucada e ele jamais deveria permitir isso. Mas, olha
pra você, está deixando.
— Eu não queria estar sofrendo tanto. — Admiti, depois de muito
tempo. Holly mantinha as sobrancelhas caídas, os olhos verdes marejados e
a expressão angustiante de me ver nesse estado. — Por que ele está fazendo
isso?
Ela negou, fechou os olhos e respirou fundo.
— Olhe ao seu redor. Quando eu olhava para os lados você sempre,
sempre estava lá, sua mãe, seu pai, minha verdadeira família. Seria tão mais
fácil se eu apenas me entregasse e me afundasse como todos os outros, mas
eu percebi que se fizesse isso, eu levaria vocês comigo, então eu decidi que
se não fosse por mim, que fosse ao menos por essa família. Eu sei que é
muito egoísmo pedir isso depois de tudo o que você já abriu mão por causa
deles, mas as pessoas que estão lá dentro, com exceção a mim é claro, são
as únicas pessoas que vão sofrer se você continuar desse jeito. Eu vou
definhar do seu lado, mas não vou viver enquanto você não sair desse
buraco.
Ofeguei, fixando profundamente meu olhar em seu verde alagado.
— Eu disse que esperaria. — Confessei, porque alguma parte
estúpida de mim ainda se apegava em uma versão de que ele simplesmente
não sabia disso, mas ele sabe. Então eu confessei porque, não fazia sentido
Cohen simplesmente ter seguido, não entra na minha cabeça idiota de que
ele pode ter se esquecido de tudo que me disse.
— Eu espero meu pai voltar até hoje. — Foi como um golpe fatal.
Não posso acreditar que mesmo depois de tudo que passou, mesmo depois
de toda sua adolescência ferrada, Holly ainda espere por isso. — Porque
mesmo sendo um bêbado ele era o único que me defendia. Eu me senti
traída. Ele podia ao menos ter me levado. Não vou te pedir que pare, eu sei
que no fundo, não dá. Vou pedir apenas que se acostume com a decepção, e
aprenda viver com a dor. Você pode fazer isso aqui, ou voltar para aquela
mesa e sentir todo o amor que temos pra te oferecer, não precisa sorrir,
apenas sinta. Porque é verdade Any... — Seu queixo tremia enquanto
lágrimas pesadas escorriam pela sua bochecha. — Ali você vai encontrar
todo o amor do mundo! Eu encontrei. E esse é o conselho de alguém que
sabe exatamente como vai ser. Vai doer quando você perceber que está
tentando, talvez doa ainda mais quando perceber que não precisa passar por
isso, deixe doer até você se pegar sorrindo, depois tudo fica mais fácil, eu
prometo.
Assenti, querendo desabar, mas pela primeira vez entendi a Holly
completamente, sabia que teria alguém ali para me segurar caso eu caísse,
mas eu não quero cair mais do que isso. Porque eu estragaria essa noite,
estragaria a troca de presente dos meninos, deixaria de viver com minha
família e amigos algo que não vou querer me lembrar depois.
Não presenteei ninguém naquela noite, mas Holly pensou em mim e
entregou um pacote para cada um em meu nome.
— Fada madrinha faz assim! — Ela disse no meu ouvido. Agradeci,
pois naquele momento, nada pagou o sorriso de Dakota ao me agradecer
pela jaqueta de couro preta personalizada. Tom com seus patins de Hóquei
novo, mamãe com um colar de pingente e papai com uma camisa nova para
usar na minha formatura.
Esse foi o presente de Holly para mim, ver minha família sorrir.
David também me surpreendeu ao me presentear com um livro,
Persuasão de Jane Austen. Ele claramente só se apegou ao título.
Sabia que tinham arrancado propositalmente tudo de mais bonito
que havia dentro de mim, mas quando eu prometi que esperaria, prometi a
mim mesma guardar por nós dois tudo de bom que esse amor nos
proporcionou. Era nessas lembranças que eu me apegava, eram elas que
faziam me sentir viva, mas ainda não conseguia encontrá-las, porque dói.
A saudade dói. Dói quando eu penso em tudo o que poderíamos ter
sido, mas não fomos. Dói ainda mais ver os dias se passando e aos poucos
aquela esperança de ouvir que ele estava vindo se esvair.
É como se eu estivesse caindo e só ele pudesse me salvar. Então o
tombo foi feio.
Eu ainda sinto o frio na barriga, e quando o vejo na TV ou em
alguma foto, parece que vai ser sempre isso.
Mas passou a doer menos, porque as vezes eu camuflava com um
sorriso, como Holly fazia, pela minha família, somente por eles, enquanto
comemorávamos a minha formatura em, provavelmente o dia que eu mais
sorri depois de tudo é que finalmente desisti.
Desisti porque não havia mais nenhuma parte de mim para
machucar.
E foi nesse dia, quando eu finalmente consegui sorrir plenamente é
que meu celular tocou, depois de muito tempo.
Era ele.
Mas eu estava no palco no momento, finalmente mais um sonho se
concretizando. Ponderei realmente se deveria vir. Seattle depois de tanto
tempo? Mas era minha conquista, e minha família estava mais feliz do que
eu. Então não tinha por que deixar de viver isso.
Valeu a pena quando avistei meus pais dali. Foi gratificante o olhar
orgulhoso, sentia que a qualquer momento ele levantaria e gritaria: Ela é
minha filha!
Holly assobiava loucamente, Hannah não parava de me filmar.
Todos que eu realmente precisava estavam ali. Admiti isso quando abracei
um por um após a cerimônia. Estava retirando a beca quando Leeson veio
me parabenizar.
Achei meigo o modo como seu olhar ficou perdido ao me ver com o
vestido de formatura, ele chegou a ruborizar realinhando sua fala.
— Não tenho palavras para agradecer tudo o que fez por mim.
— Deixa disso! — Ele brincou, mas era verdade. Leeson fez muito
por mim. — Sei que deve estar com pressa para comemorar, mas podemos
conversar um momento?
— Claro! Meus pais vão voltar para o hotel com o Tom, na verdade
eu estou pensando seriamente em ir junto. — Confessei, mesmo sabendo
que Hannah e Holly estavam animadas para comemorarmos com o restante
dos formandos no salão de festas do hotel.
— Você é a formanda que mais tem motivos para comemorar, vou
me certificar de que suas amigas te carreguem para a festa. — Eu sorri,
andando ao lado dele com um sorriso no rosto. Meu vestido azul claro em
camadas de tule roçando o chão, o caimento romântico e pouco chamativo,
adornado por um bordado de pequenas flores brancas caindo em minha
cintura, como se tivessem caído de cerejeiras e pousado graciosamente ali,
entre os pontos de luz e transparência.
— Elas estão esperando para poder fazer isso. — Ele também
sorria.
— Eu acredito. — E quando paramos em um canto mais afastado
da multidão que saía da área de fotos dos formandos, ele tomou o ar
iniciando. — Bem, ah, lembra do que você me disse na feira? Sobre não ter
boas recordações da sua participação como aluna, pois a universidade
vendeu seu projeto para uma startup? — Perguntou casualmente, enfiando
as mãos nos bolsos esperando pela minha reação.
— Lembro.
— Pois bem, hum... gostaria de começar dizendo que eu senti muito
pelo que aconteceu. Sobretudo, suas notas finais foram excelentes e, Anya
seu trabalho final ficou surreal de tão bom.
Balbuciei desconcertada. Era gratificante ouvir isso, ainda mais na
minha própria formatura.
— Você já me parabenizou, tipo, na frente de todo mundo. —
Lembro com um sorriso.
— É então, espero que não se incomode, mas eu o vendi.
Bati os cílios umas duas vezes, digerindo a informação.
— O senhor... vendeu o meu trabalho final? Como a universidade
fez? — Esperava ouvir que era uma piada.
— Calma. — Pede em um sorriso passando a mão na barba rala. —
Antes de me odiar por isso, deixe-me explicar. Foi uma venda real, eu fiz
isso, justamente pensando em uma maneira de poder ajudá-la.
Minha testa estava franzida. Parecia uma conversa mal contada.
— Quem compraria os dados de uma empresa em um trabalho de
curso? É uma falsa campanha! — Afinal, os dados são reais e dá muito
mais trabalho alterar do que criar um, desde o início.
— Penélope foi uma das vinte e seis agências que demonstraram
interesse. — Meu queixo caiu. Fiquei boquiaberta com a notícia, ainda mais
com a hipótese de ele estar mobilizando tanta gente em minha ajuda. —
Todos quiseram que você mesma fizesse as alterações e isso eu já não podia
prometer.
— Ah meu Deus! — Sopesei inerte, uma oferta de emprego tão
repentina não estava nos meus planos.
— Vendi sua campanha pronta, mas a oferta de emprego não cabe a
mim responder.
— Professor Leeson, eu não tenho palavras para agradecer! —
Tampei minha boca com as mãos.
— Eu é quem estava em débito com você, principalmente depois de
descobrir o que você fez dentro da Archer. Você deve pressupor que minha
desavença com essa gente vem desde os desvios das bolsas estudantis. Eu
participei do projeto, eu fui um dos publicitários que fez tudo acontecer
como professor. Quando depois de um tempo vi que não teve progresso
algum eu me perguntei onde tinha errado. Até entender que o que eles
queriam na época era apenas exposição. Foi um baque descobrir depois de
tanto tempo que foi um golpe de marketing, desvio de verba e tudo isso.
Anui, de fato, até meu próprio professor nutria um ressentimento, e
isso não era novidade, novidade mesmo era saber que ele já trabalhou para
a Archer como publicitário. Então eu estava certa afinal, era pessoal.
Imagino que tenha negado por vergonha de admitir ou algo assim, hoje ele
sabe que o erro não foi seu.
— Pra mim também, apesar do que estão falando que eu fiz.
— Imagino o quanto. O conselho que eu te dei, foi justamente para
tentar consertar um erro que eu achei ter cometido e poxa Anya, você fez
isso com maestria. Você usou todas as falhas, cada detalhe minucioso,
ficou, extraordinário, simplesmente bom!
— Eu nem sei o que dizer. — Desviei meu olhar enrubescida.
Digerindo sem pretensão alguma, a importância que eles estavam dando
para uma profissional que eu mesma, não sabia como prosseguir.
Leeson me fitou por algum tempo, pareceu receoso quanto a algum
pensamento.
— Enfim. — Retomou soprando um sorriso desconcertado. —
Como já era um trabalho pronto, bem, eu não consegui muito, quer dizer...
pode não parecer muito agora, mas sou um visionário! Sei que isso vai te
trazer muitos retornos futuros.
— Só por ter me ajudado, professor Leeson, isso já tem um valor
inestimável. Quanto a proposta de emprego, é claro que eu aceito. Nunca
imaginei começar pela Phoenix.
— Por favor, me chame apenas de Leeson. Pode até me chamar de
Lee, é como meus amigos me chamam. Não estamos mais na universidade,
me sinto um idoso assim.
— Costume. — Respondi avistando Hannah e Holly me olhando
com cobrança. Pelo visto, elas queriam sair logo dali.
— Bem, eu só sinto por não te repassar o valor agora, porque foi
tudo acertado diretamente na Phoenix.
— Não estou preocupada com isso. Eu provavelmente trocaria meu
trabalho final por uma vaga. — Nós rimos juntos.
E novamente ele ficou pensativo, mas cedeu ao que estava o
deixando assim.
— Anya. Acho que você tem o direito de saber que a Archer
também estava interessada no seu trabalho. — Segundos pareceram uma
eternidade quando Leeson me encarou, pareceu perceber que minha reação
mudou, eu já estava entendendo, mas me forçava a não admitir.
Meu primeiro pensamento foi de que ele estava agindo do jeito
dele. Meu coração acelerou ao imaginar que Cohen estava fazendo algo em
meu nome, como fez esse tempo todo.
Eu me enchi de expectativa, mas estava longe de ser a mesma que
antes aquecia meu interior com algo bom. Leeson me desarmou e percebi o
quanto de medo me consumia por dentro.
— Mas não foi ele. Bem, se fosse eu também não teria cedido. O
interessado nem era diretamente da Archer, mas sim de uma corporação
ainda maior, que comprou as ações de todos os executivos e acionistas que
saíram. Provavelmente por causa dos dados que você usou, já que eles vão
assumir a Archer agora. — Senti cada linha expressiva minha se
desfazendo.
Esse tombo foi ainda maior. Um verdadeiro soco no meu
estômago.
Cohen havia perdido tudo? Esse foi o preço?
— Ah, e a pessoa que me procurou junto com o responsável pelo
Conglomerado, pediu que te entregasse isso. — Leeson tirou do bolso uma
luva de copo.
Uma simples, luva de copo, com uma inscrição pedindo desculpa.
Semicerrei os olhos quando lembrei com melancolia, ao mesmo
tempo em que senti um certo alívio.
— Intrometido. — Comentei quase inaudível. Era a segunda vez
que Casper tentava fazer isso comigo. Um modo inusitado de pedir
desculpa, confesso.
— Ele disse que entenderia se não aceitasse.
— Que bom que não vendeu para eles.
Leeson riu, mesmo não entendendo, e pude jurar que ele se
preparou para dizer mais alguma coisa quando avistei David
cumprimentando as meninas.
— Você veio! — Comemorei, atraindo sua atenção.
— Desculpe, perdi a cerimônia, a clínica estava cheia, acabei me
atrasando. — Leeson retesou um passo permitindo que nos
cumprimentássemos. David trouxe flores, e me parabenizou por estar me
formando. Os dois se cumprimentaram com brincadeiras e mais
comentários sobre David só usar essa desculpa. Ignorei as duas ao fundo,
brincando, se eu não estiver enganada, de uni duni tê. Como se eu quisesse
realmente escolher.
Santo Deus, que vergonha.
Depois de horas me peguei pensando se foi uma boa ideia ter
convidado o David, pois, ele me fez dançar e por algumas horas eu até me
diverti, mas era como se me culpasse por isso. Como se eu estivesse
fazendo o mesmo que o Cohen.
Foi sem dúvidas uma noite divertida. Quando terminou, pelo menos
para mim, só precisei subir o elevador do hotel onde estávamos hospedados.
Meus pais dormiam no quarto ao lado há muito tempo. Eu tinha direito a
um quarto sozinha já que era formanda. A maioria saía da festa
acompanhada, e é deprimente eu sei, mas minha companhia essa noite era
minha melhor amiga, mas ela passou mal depois de tanto beber e precisou
ser carregada pela Hannah. Não quiseram minha ajuda, como se isso fosse
realmente estragar a minha noite.
Não faziam ideia de que eu preferia ter ido junto do que entrar
naquele quarto sozinha, porque no momento em que fiz isso, me deparei
com um enorme buquê de flores.
Lindas petúnias, rosas brancas e tulipas em um arranjo lindo. Eu
ainda sorria, admirando e sentindo o perfume que aromatizava o quarto
inteiro. Não tinha cartão, pensei que poderia ter sido o próprio hotel, ou
alguém da minha família, mas foi deixando meu celular de lado que avistei
uma notificação.
Meu coração falhou várias batidas.
Só percebi que ele havia ligado quando me vi sozinha. Nesse
momento meus dedos tremiam e ficavam cada vez mais frios.
Tinha um recado, e não sei ao certo quanto tempo se passou até que
eu tivesse coragem para escutá-la em meu ouvido.
Ouvir sua voz foi como levar um tiro. A cicatriz estava ali, dali eu
sabia que não ia sair. Ela queimou como da primeira vez, mas dessa... doía.
— Oi... — Ecoou dentro de mim. E um longo tempo se passou até
ouvir sua voz novamente. Era apenas a sua respiração e bem ao fundo, uma
música, como se ele estivesse afastado de alguma multidão. — Eu sei que
provavelmente eu sou a última pessoa que você quer ouvir agora... e eu
entendo. Mas, queria que soubesse que estou feliz por ver você sorrindo.
Apertei o aparelho entre meus dedos, ele não tinha esse direito. É
Cohen, eu estava sorrindo, eu já estava sorrindo outra vez.
— Você está linda nesse vestido! Fico feliz até, de ver seu cabelo
preso, mas sabe que eu teria desfeito se fosse eu dançado com você. É eu
teria feito isso, somente pelo fato de saber, que você o prendeu para não
lembrar do quanto eu gosto dele do meu jeito. — Meus olhos pousaram nas
flores, e todo o ar comprimiu meu coração dilacerado. — Desci ao inferno
desde que se foi, mas alguém me disse que as vezes precisamos quebrar
promessas se for pelo bem de quem amamos. Sinto que quebrei mais do que
isso, mas eu já perdi muito, Anya, não posso perder ainda mais. Só peço
que não se arrependa da gente, e que nunca olhe para ele como você me
olhava, nem sorria como você sorria pra mim. Nunca o limite a migalhas,
nem esconda o amor que você tem por essa família, porque se fizer isso vai
estar cometendo o mesmo erro que cometeu comigo. Vai estar entregando a
ele tudo o que foi meu um dia, e eu peço que nunca, nunca mais, permita
que alguém te machuque como eu fiz.
Sua voz estridulou com raiva antes de desligar sem ao menos se
despedir.
Ele estava lá.
Ele me ligou, porque sabia que eu não atenderia.
Tudo em mim implorou para que eu ligasse de volta. Eu só queria
escutar novamente sua voz. Eu só precisava saber o que fez ele desistir da
gente.
Eu entendo, o quanto ele deve ter perdido e quanto deve estar
sofrendo por tudo isso, mas estar sofrendo não justifica fazer o outro sofrer
e eu não deveria estar permitindo isso porque.... mesmo depois de todo esse
tempo, eu ainda o esperava de algum jeito.
Ele me ligou como se isso fosse me libertar das suas promessas não
cumpridas.
Como se agora eu pudesse seguir.
Enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto, eu me vi de frente
para o espelho com uma tesoura entre os dedos.
Ele é a minha melhor memória e sabe disso, o problema é que agora
tudo que me lembra dele, dói. E eu jamais entregaria isso a outra pessoa.
Cada fio de cabelo caído era uma parte nossa que eu abandonava. Cada
rugido de dor arrancava de mim tudo o que um dia pertenceu a ele, e
quando percebi o que tinha feito doeu ainda mais, porque não tinha como
arrancar meu coração do peito.
Todos os dias
Todas as horas
Cada minuto do seu tempo
Cada segundo do meu, eu lembraria.
Cohen Archer
Um sorriso ensaiado contendo todo o sarcasmo foi o alvo do meu
último olhar, antes de voltar minha atenção para aquela mesa onde, Winter e
todos os malditos do conselho esperavam por uma resposta minha.
Idiotas que me pressionaram esse tempo todo.
A vergonha explicita, dizendo por si só, que admitiam que eu estava
certo. Aterrorizados com o impacto que as notícias tiveram na empresa.
— Reaja, Cohen, estamos no vermelho. Você precisa fazer alguma
coisa! — Zack reforça. Todos eles me olhavam.
O ar pesava diante daquele silêncio absoluto, enquanto eu pensava
na melhor maneira de me posicionar. Não me incomodava ter que deixá-los
esperando. Agonizariam se dependesse de mim.
Durante muito tempo a fachada da sobriedade e desinteresse
criaram o homem que todos conhecem; Distante, frio, arrogante, calculista e
insensível. É assim que eu fui criado, é assim que eu aprendi exercer
controle. Hoje, não era apenas uma fachada.
Minha paciência beirava o limite e testar a deles, tinha se tornado
um jogo frequente.
— Eu estava fazendo. — Falei, arqueando uma sobrancelha. — Da
próxima vez, acreditem quando eu disser que está tudo sob controle. Anya
estava comigo, mas graças ao Senhor Hummer, nosso acionista metido a
detetive... — Pousei meu olhar preguiço no velho. —, ela não está aqui. E
vocês não fazem ideia do quanto tentei impedir que essa mulher saísse da
empresa.
Winter só faltou espumar pela boca. Estava até agora, sustentando
meu olhar com raiva, esperando o momento certo para dizer:
— Nós tínhamos o direito de saber. — Ele disse, fulminando-me
como um maldito. Nossa relação mudou desde ele que percebeu o quanto
estava errado com relação a Hannah. Piorou ainda mais, ao descobrir que,
na verdade, era Anya naquela noite.
— Vocês sabem e ela não está aqui. — Casper soprou uma risada
abafada, ainda havia nele hematomas da nossa briga. O jeito que ele falou
com a Anya lhe custou muito caro, até conseguir dizer que tinha feito
aquilo propositalmente.
— Eu mereci. — Ele disse, enquanto eu ainda assimilava tudo o
que estava acontecendo.
— Não tenho mais como controlar a mídia nem nada do que está
explodindo lá fora! — Encenei irritação, afinal, o responsável por vazar os
detalhes tinha sido eu mesmo, depois que a Anya se foi. Desde então tudo o
que vejo estampado no rosto desses filhos da puta é o desespero.
— Reúna as relações públicas, vamos amenizar as notícias, vamos
intervir de alguma maneira. — Bill tenta, mas já era tarde, ainda que eu
realmente quisesse fazer alguma coisa.
— Tentei de todas as formas proteger a imagem da Archer, mas
graças à saída da Anya desta empresa, a exposição que tinha apenas
levantado uma revolta, contida em boatos sem prova, ganhou um laudo
elaborado, contendo todos os crimes desde que meu pai saiu. — Concluí
com um cinismo mascarado.
— Vocês pediram por isso. — Disse Casper. — E a menos que
alguém aqui tenha algo a temer, vamos apenas esperar que descubram quem
está por trás disso. Meu pai não agiu sozinho, quem quer que tenha usado o
projeto da Nova Era para os desvios, não vai passar pelo pente fino.
Alguns deles se empertigaram, uma mesa repleta de executivos e
acionistas, muitos deles com uma corda enrolada no pescoço.
— A questão não é ter nome sujo, mas sim os prejuízos que estão
por vir. — Winter tentou argumentar. — Podem ser irreversíveis.
— O mercado de ações está aberto para todos que não tem porte
para atravessar uma fase ruim. — Falo sério, inexpressivo, arrancando o
pior de cada um ali.
Estava na hora de retomar o controle.
— Fase ruim? — Um deles se altera. — A Archer vai cair se você
não fizer nada, Cohen!
— Que caia. — Disparo friamente. — A pessoa que estava me
ajudando evitar que isso acontecesse, vocês praticamente caçaram. —
Encarei meu irmão, como se ele fosse tão culpado quanto eles, e seu olhar
repleto de ódio dissimulado deveria ser por conta do soco que levou. —
Então que caia! Querem transparência agora? Então preparem-se, porque a
queda vai ser feia.
— Que garantia nós temos de que isso não será o fim?
— Nenhuma. — Dei ombros. — Agora é cada um por si, depois
que esse pente fino passar pela empresa, veremos quantos restam para
reerguer com o que sobrar da Archer.
E àquela altura, eu sabia que dali sobrariam poucos.
Deixaria a Archer cair, pois sei que cada ação vendida pela micharia
desesperada estava sendo adquirida pelo Conglomerado. Uma corporação
cercando a Archer por todos os lados, aguardando a desistência ou falência
de cada um.
Minha medida mais hostil, mas mentirei se disser que não estava
preparado para isso. A Nova Era foi apenas o início do que está por vir, e,
contudo, não me arrependo de nada até aqui, porque sei que a organização
de corruptos dentro da Archer deram um tiro no pé ao tentarem mais um
desvio, pois, quando a Anya interrompeu meu cliente naquela noite, Casper
barrou os aparelhos que foram vendidos clandestinamente.
O bastardo do meu irmão agiu, precisou pensar rápido, quando
percebeu que ela estava se expondo. Anya jamais poderia sair como
vulnerável.
Eles tinham que acreditar que ela realmente passou dois anos
reunindo provas contra todos. Casper precisava fazer dela a mulher que
todos procuravam, a que estava no evento para sabotar e expor tudo o que
sabia. A única maneira de fazer com que só nisso, metade dos acionistas
vendessem suas ações para a corporação que vinha cercando a Archer,
esperando cada maldito pular fora antes que seja tarde.
Winter me olhou como se tivesse diante da sua ira personificada.
Foi a primeira vez que, de frente para ele, deixei um sorriso desafiado
surgir. Soube que o seu receio não partia apenas do desejo de proteger a
Archer, quando, mesmo eu sabendo que foi a Anya quem falou aquelas
coisas, ele continuava insistindo para me livrar da Hannah.
No fundo algo me diz que ele sabe exatamente minha falta de
interesse em fazer qualquer coisa para salvar a Archer. E isso o irritava
profundamente.
Ele foi inclusive, o último a se levantar quando todos já haviam
deixado aquela sala frustrados, amedrontados e rosnando xingamentos
putos da vida. Ainda me encarando, Winter travou seu maxilar, erguendo o
queixo para me olhar com superioridade.
— Você se acha muito esperto... — Estridulou desprezível. — Seu
pai estava certo. Você não passa de um garoto mimado e arrogante.
— Eu também acho. — Casper concordou me provocando.
— Então por que não o traz de volta, já que você mesmo me fez
tirá-lo? — Perguntei sarcasticamente.
Seu lábio superior tremeu de tão nervoso. Seus dentes rangeram,
aposto que sua mão fechada em punho estava pronta para me acertar se
pudesse.
Casper estava de prontidão para isso, e eu sei que nada impediria
meu irmão de fazer o que ele vem querendo há um bom tempo. Chutar
Winter Hummer para bem longe, garantindo que nunca mais voltasse, mas o
velho não era tão burro, e preferiu sorrir acidamente, encarando-o antes de
deixar a sala.
— Me prometa que ele vai ser o último. — Cas pede, ainda olhando
por onde o velho saiu. — Quero esse verme vendendo sua parte por troca,
ofereça uma barraca de banana, ele vai estar tão desesperadamente fodido
que vai aceitar o que vier.
Eu sorri, porque com Winter não se tratava apenas de agir, era
vingança, por toda sua perseguição com Hannah, devia isso ao Cas.
— E agora? — Ele me questiona.
— Deixa a Archer cair. Continua comprando as ações de todos.
Quero todos eles fora. Só então vou me reerguer de novo.
Uma hora de reunião com os inúteis foi o suficiente para me deixar
com a cabeça fervendo e puto da vida. A máscara de desinteresse
desaparecia quando eu voltava para minha sala e lembrava que ela não
estava mais ali.
Era inevitável pensar a todo momento. Cheguei a desejar até que
tudo voltasse a ser como antes, quando eu não tinha controle sobre nada
relacionado a Anya.
Quando o que mais me intrigava era justamente, pequenas nuances
dela mesma, migalhas, momentos em que ela se mostrava espontaneamente,
quando é claro, esquecia-se de erguer sua barreira.
Começou com um esbarrão no primeiro dia, um dia cheio pra mim,
mas o primeiro que se tornou mais leve por ser invadido pela presença dos
seus olhos castanhos e cílios longos batendo freneticamente ao se dar conta
do seu desastre. O jeito como ela simplesmente despejou o seu café dentro
do meu em um gesto de desespero.
Sorri olhando para minha mesa. Como eu me lembrava disso?
Eu lembro de muito! E odiava que esse muito fosse pouco,
comparado ao que eu estava sentindo. Isso era angustiante, principalmente
para alguém acostumado a ter tudo dentro do radar e agindo conforme o
planejado. Me apaixonar por ela foi o único bem que eu evitei em toda
minha vida, felizmente inevitável.
Doce e verdadeira. Linda e tentadora. Anya se tornou meu desafio
diário, e o desenho dos seus lábios carnudos e rosados se tornaram a
personificação da minha luxúria.
Porra, como eu a desejava.
Tente não olhar tanto. Eu me pegava pensando, e com constância.
Isso se tornou perturbador, porque depois de um tempo, passei a desejar que
ela me olhasse de volta, e chegava a ser idiota como isso me frustrava.
Só podia ser invisível!
Quando foi que aquilo passou a me incomodar? Não lembro, mas
eu lembro quando Casper se incomodou por me ver falando daquele jeito e
confessou ter passado na cafeteria e deixado meu número particular para o
barista colocar no copo dela.
Nunca amaldiçoei tanto meu irmão — mais ainda — por ter ficado
ansioso nas horas que se passavam e depois dias. Foi minha vez de tentar
novamente. Ela não devia ter visto.
A luva de copo foi parar no lixo. E no dia seguinte ela não só jogou
no lixo, como revirou os olhos ao fazer isso.
Ela ocupou ainda mais os meus pensamentos depois disso. Ela tinha
um namorado? Ou simplesmente achava aquilo uma covardia? É, talvez ela
gostasse de caras mais diretos, e se ela não gostava exatamente, de caras? E
se a garota que vinha buscá-la todos os dias fosse mais do que uma amiga?
Tudo nela me intrigava, e me irritava não saber muito sobre a
mulher com quem eu trabalhava.
— Ah, Anya! — Grunhi cobrindo minha boca enquanto apoiava
meu cotovelo na mesa. — Que saudade da porra!
Esfreguei meus olhos lembrando de cada vez que eu mirei o relógio
no canto da tela de manhã e senti meu coração falhar, apenas por saber que
a qualquer momento, ela entraria por aquela porta.
O aperto no meu peito só aliviou quando peguei o meu celular para
tirar do modo avião, e abri nossa conversa.
Li as nossas mensagens mais recentes. Era bom tê-la, ainda que
fosse dessa forma. Diminuía um pouco a saudade e fazia eu sentir que ela
não estava do outro lado da cidade. Todo o inferno que aquele edifício havia
se tornado, não era nada comparado às noites que eu passava sem ter a
Anya comigo.
Sorri, mas essa emoção não chegou aos meus olhos, porque eu a
queria aqui, e isso era combustível para a raiva que tinha de ter escolhido o
caminho mais difícil. Tentei manter a Archer a salvo e a Anya protegida.
Parece que eu não podia ter os dois.
Ela havia se tornado meu vício. E porra, não queria estar nessa
situação de tão flagrante descontrole, mas até sua risada me excitava, pois
parecia uma carícia em meu corpo. Sentia a eletricidade percorrendo-me
por baixo da pele enquanto digitava.

"Eu prometo que isso está acabando!"

Eu estava cansado e estressado com tanta merda sendo


continuamente despejada, mas a segurança dela vinha em primeiro lugar.
Fazer essas pessoas acreditarem que nosso relacionamento não foi abalado
seria como entregar a eles a única coisa que podem usar para me ferir, e eu
não considerava perder a Anya de nenhuma forma possível. A possibilidade
era perturbadora.
Não aceitava que Anya se tornasse a porra de um alvo só porque
estava comigo. Casper elucidou meus pensamentos logo depois que ela se
foi.
— Vão usá-la como moeda de troca. Vão pedir que você escolha.
Cada dia sem ela estava sendo uma carga insuportável. Nunca
imaginei provar de uma saudade enlouquecedora, e isso só fomentava a
certeza de que eu precisava tê-la comigo, o mais rápido possível.
Olhei ao redor e lembrei de todas as vezes que Casper me avisou
que isso aconteceria. De todas as vezes que ele me alertou por saber
exatamente como seria.
A começar pelo meu pai.
Não tínhamos um péssimo relacionamento, apenas uma convivência
distante, cada vez mais ausente, mas tudo mudou quando eu quis retomar os
projetos da minha mãe. Muitos ainda engavetados. Eu já tinha autonomia na
Archer quando os apresentei à diretoria, meu pai considerou uma afronta
por eu ter feito mesmo sem ele ter autorizado.
Logo depois foi obrigado a deixar a Archer, quando descobriram o
que ele tinha feito. Era difícil demais para ele dizer eu avisei. Deixar a
Archer nas mãos do filho despreparado era mais gratificante. E não teve
nada que eu fizesse depois disso, que fosse bom o suficiente.
E eu só queria provar o quanto ele estava enganado.
Foi nesse momento que meu celular vibrou e notificou várias
chamadas perdidas. Eu ainda não tinha percebido, e me amaldiçoei por
imaginar que a Anya tentou falar comigo a manhã inteira. Não pensei duas
vezes em ir até lá.
— Cohen? — Holly se assustou quando abriu a porta e deu de cara
comigo.
— Eu... — Engoli meu próprio orgulho, meu coração desejando que
ela surgisse.
A imagem dela brigando comigo era tão clara na minha cabeça, mas
naquele momento, eu sabia que ela precisava de mim. Com o passar dos
segundos, percebi que pelo tom de voz que a estilista usou, minha mulher já
teria aparecido.
— Ela está? — Holly negou depois de um longo período. Os olhos
estalados, receosa com alguma coisa que eu precisava saber e não sabia.
Todas as coisas dela sumiram.
Foram os segundos mais longos, os mais vazios e perturbadores.
— Ela foi pra casa, Cohen. — Ela disse atrás de mim, o quarto da
Anya vazio, apenas os móveis estavam ali.
— Por quê? — Me odiei por não ter atendido quando ela me ligou.
Havia várias ligações perdidas. Eu vim pra cá assim que vi. A ideia de que
algo estava fugindo do meu controle reverberou dentro de mim, cutucando
como garras onde mais doía.
— Porque é isso que acontece quando alguém da sua gente quer
tirar uma pessoa do caminho. — Ela me olhou como se eu fosse a porra de
um maldito. Percebi o maxilar trincado da Holly e seus olhos brilhando
excessivamente, eram como um pedido de ajuda.
— O que aconteceu? — Perguntei com um aperto no peito, e foi
apenas o começo.
Anya era minha e eu não deixaria que qualquer mal a acontecesse,
pois, eu a amava e não conseguia imaginar o que faria se alguma coisa a
fizesse mal. Estava pronto para caçar qualquer maldito, qualquer um que
tenha se atrevido, mas Holly negou, como se pudesse prever o que
aconteceria se ela me desse um motivo.
O queixo dela começou a tremer, à medida que seus olhos ficavam
cada vez mais distantes.
— Casper me contou tudo. — A voz da garota parecia estar
carregada de um peso opressor. — Na noite em que eu estive com ele
enquanto vocês estavam viajando. Tive que mentir pra Anya, e eu juro, foi a
primeira vez que eu fiz isso na minha vida, então pode imaginar o quanto
doeu em mim vê-la partindo, porque nós prometemos nunca mentirmos
uma para outra, mas algumas promessas podem ser quebradas se for pelo
bem de quem amamos, e Cohen, eu faria qualquer coisa para proteger
aquela família.
Bastou os meus olhos se prenderem em algo sólido para que a raiva
voltasse maciça e ainda pior. Medo gelava até os ossos da minha medula.
Esse mesmo medo parecia justificar o que Holly me dizia.
— Convivi com porcos a minha infância toda, eu sei como é fácil
tirar pessoas como elas do caminho. Apenas me diga que você sabe do que
estou falando.
Fechei os olhos e travei o maxilar duramente, revivendo o mesmo
que antes.
— Holly...
— Hannah passou no processo seletivo, e a irmã dela desapareceu
depois disso...
Paralisei, meu corpo pedindo para ceder enquanto minha mente me
levava a lugares que eu não queria. Já não sentia mais o chão nem o ar
entrando em meus pulmões. A sensação é de que tinha um punho de ferro
apertando meu coração dentro do peito.
— Sinceramente eu não espero que você entenda o que é ter medo
do seu próprio pai.
O olhar dela se mortificou preso a mim, uma ferida profunda foi
cutucada, e Holly não conseguia esconder isso. Era como se
compartilharmos da mesma angústia.
— Eu não queria entender, acredite. — Lágrimas pesadas e
silenciosas escorregaram pela sua face. — Eu não queria entender, Cohen,
que seu irmão tentou de tudo para tirar a Anya da Archer, porque você não
conseguia fazer isso, mesmo sabendo que ela foi ameaçada. Se acontecer
qualquer coisa com aquela família...
— Nem se eu estiver louco! — Interrompi, um calafrio percorrendo
meu corpo.
Eu me sentia desnorteado e gelado por dentro. Imaginar o que
estavam fazendo criava um tipo novo de monstro em meu interior que
nunca imaginei existir.
Eu era refém de um medo descomunal que cravava as garras em
mim, era como se mil facas me cortassem lentamente.
Meu pai apareceu na empresa, eu o vi saindo da sala do Winter. Ele
não tentou disfarçar, tampouco parecia afetado com isso, sequer me dirigiu
a palavra, apenas seguiu para minha própria sala, presumindo que estava
sendo seguido.
— O que veio fazer aqui? — Também não me importei em ser
receptivo. Há muito tempo não tínhamos mais isso.
Ele me olhou amargurado por cima dos ombros, havia desprezo e
frieza em suas feições. O maldito respira altivez e uma superioridade
desprezível.
— Acabo de ser... — Engoliu o amargo que parecia temperar a
palavra, como se que o que estava prestes a dizer fosse minha culpa. —
Ameaçado!
Ele deu a volta na mesa e parou atrás da sua antiga cadeira.
Qualquer poltrona minimamente mais imponente em todos os ambientes de
conselho executivo pertenceu a ele. Era assim que ele demarcava lugar, era
ali, que todos esperavam eu se sentar.
— Eu ando me perguntando quando foi que você perdeu o controle
de tudo isso, mas hoje cheguei à conclusão, de que você nunca o teve!
Ele finalmente ficou de frente para mim.
— Continua tentando me ensinar como administrar algo? Depois
de tudo isso? — Abri meu braço. — Depois do quão longe eu cheguei?
— Aonde você chegou? — Nos olhamos por um momento que
pareceu uma eternidade. Sarcasmo e ódio estampados na sua face.
Eu malditamente me calei. Travei meu maxilar e ele deu um sorriso
triunfante, mas que estava longe de ser algo que remontasse a felicidade,
era apenas desprezo.
— Você é igualzinho a sua mãe.
— Eu não permito que fale dela! — ralhei.
— Ela era boa, Cohen! — Devolveu no mesmo tom de voz,
paralisando-me por um momento. Parecia que o meu cérebro estava
tentando conectar e falhava miseravelmente. — Você é tão inteligente
quanto ela, mas esqueça a parte de ser bom, porque isso não o leva a lugar
algum. A Archer não é uma instituição de caridade. Vermes como Winter
Hummer estão do teu lado e você percebe que perdeu completamente o
controle, quando é ameaçado por alguém como ele.
— Eu nunca vou ser como você se é o que está tentando dizer.
— Então prepare-se para ser ameaçado constantemente, e prepare-
se para usarem aquilo que dói mais. Abutres que tenha participação nas
escolhas de uma corporação como essa, é pedir para amarrarem cordas
nos seus dedos e se deixar ser um fantoche. É isso que você virou na mão
deles. Um fantoche, desde que permitiu que me tirassem. Nada disso teria
acontecido se parasse de se espelhar no passado. Ainda há tempo, Cohen,
espalhe ratoeiras por todos os cantos e limpe todos eles. Prepare-se para
ser odiado, ameaçado, mas não pare, enquanto não arrancar daqui cada
um deles.
Só pude rir, porque ele ainda insiste que sua maneira de mostrar o
quanto minhas decisões podiam ser falhas, só aconteceu porque eu passei
por cima de uma ordem sua.
— Perdeu sua chance de me aconselhar há muito tempo. Quando
usou o projeto da minha mãe para desviar verba como um fodido
estelionatário, corrupto, para ser mais exato.
Ele assentiu finalmente, deixando seus ombros caírem como se
tivesse desistido. No final das contas ele sabe que nunca teria conseguido, e
não suportava que eu estivesse fazendo o que ele era incapaz.
— Bela escolha você tem que fazer. Ela... ou admitir que errou ao
me tirar daqui. — Desdenhou caminhando até a porta, sem se despedir.
Tudo o que venho segurando desde que ele deixou essa mancha na
Archer há oito anos explodiu dentro de mim.
— Eu estou fazendo isso justamente pela minha mãe. Ou acha que
estou aqui por você? Para encobrir um crime que 'você' cometeu? —
Despejei descontrolado. — Acredite, eu não me daria o trabalho.
— Não estou falando da sua mãe. — Retesei vislumbrando o rosto
da Anya.
Foi como levar um soco na boca do estômago.
Imaginar que meu pai já tinha conhecimento sobre ela fez tudo
paralisar por dentro. Desde então Casper tem me implorado para tirar a
Anya da Archer.
Por uma semana, depois disso, eu olhava para Anya e via apenas
decepção, eu vi o mesmo desprezo com que meu pai me olhava e algo me
corroeu até o mais profundo.
Os dias sem ela foram como ecos de risadas provando para mim
mesmo que Casper estava certo. Até o momento eu não admitia, e provei do
mais profundo desespero engarrafado por apenas cogitar passar mais uma
semana como aquela.
Se me ligar, se me chamar, se me pedir... Anya eu deixo tudo isso
ruir e vou atrás de você. E eu vim. Mas ela não está aqui.
E agora saber que Anya está ainda mais longe, despertou o medo
desesperador dentro de mim.
Naquele mesmo dia, ao me reencontrar com Casper novamente
depois de deixar o apartamento, a raiva me consumia, e sem que ele
esperasse, o agarrei pelo colarinho. Imprensei meu próprio irmão contra
parede, com toda a ira que havia dentro de mim, cego pela névoa vermelha
que cobria minha vista.
— O que você fez? — Rugi, forçando meus punhos em seu
pescoço. Estava descontrolado, completamente insano, fora de mim. — O
que você fez Casper?
— Cohen... — Sua voz sai esganiçada pela falta de ar. Sangue
começou escorrer pelo seu nariz.
Saber que ele deu um jeito da Anya voltar para a cidade dela
deveria me confortar, mas eu estava com raiva, e descontei nele tudo o que
eu estava sentindo em relação àqueles que tentavam tirar ela de mim, todos
os dias.
Quando me dei conta do que estava fazendo o soltei, mas o ódio
ainda queimava sob minha pele.
— O que você fez?
— Usei o conglomerado para comprar a casa. — Retesei um passo
sem forças. Reprimindo toda a raiva dentro de mim, enclausurando-a
porque se eu fosse usá-la contra meu irmão, não restaria muita coisa. Me
senti traído, me senti enganado pela pessoa que mais confio. Ele não tinha o
direito de tirá-la de mim, ele não tinha o direito de procurar a Holly para
saber como fazer isso, como se eu não fosse descobrir.
— Cai fora daqui! — Ordenei. Ele nunca quis ocupar qualquer
cargo na Archer para início de conversa, e agora estaria livre. — Vai
embora, Cas!
Ele tocou seu nariz e limpou o que escorria. Me olhou amargurado,
mas não revidou. E no momento eu não conseguia me arrepender do que
fiz.
— Eu fiz o que você deveria ter feito.
— E eu estou fazendo o que você queria que eu fizesse há muito
tempo. Você está fora!

Meu corpo suado, pingando no chão depois que eu tinha


descarregado até o limite a agressividade que corria por minhas veias. Eu
tinha chegado à exaustão, mas parecia pouco. A raiva ainda era uma
companhia traiçoeira. Eu a usei ao meu favor durante muito tempo, mas
hoje sinto que ela é quem está no controle
Meus dedos estavam dormentes e a cada soco, uma imagem
diferente me invadia, à medida que o ar ficava cada vez mais dolorido em
meus pulmões, mais nítidas toda essa merda se fazia real.
Ao abrir meus olhos, suor ainda escorria pela minha fronte, meu
corpo chegando ao limite da exaustão. Estava de volta ao chão maciço da
academia acoplada ao meu apartamento, onde por horas eu descontava tudo
o que estava sentindo.
Eu não vou ser um fantoche, pensei. Odiava dar razão ao meu pai,
odiava me comparar a ele, mas era a mais completa verdade. Quando ele
estava à frente, não era apenas os avanços, ou números que sustentaram
essa empresa, mas seu status. Ele vivia para sustentar o homem frio que
poucos tinham coragem de enfrentar.
Com ou sem minha mãe, Vicent nasceu para ser respeitado e era
isso o que ele mais prezava. Eu tentei superá-lo, eu tentei me sobressair eu
tentei... apenas ser melhor.
Quando recuperei o fôlego, a primeira coisa que fiz virar um copo
de whisky puro sem gelo que desceu rasgando minha garganta, aliviando
internamente o que eu estava sentindo, mesmo que eu tenha descoberto, ao
me olhar no espelho, o que aquela capa de civilidade escondia: Um homem
louco de saudade e tomado pelo medo de que alguma coisa acontecesse
com a Anya. A mulher que tomou meu coração e sem que eu percebesse,
me fez ver que eu experimentava o amor pela primeira vez na vida.
Meu reflexo era deplorável, e imaginei o que a Anya acharia disso,
se ela ainda me olharia daquele jeito.
Meus músculos estavam duros ainda, tensos demais. Não podia
chegar perto dela assim, como um fodido homem primitivo e selvagem,
mas sentia que se ficasse longe demais perderia a Anya para sempre. Eu
queria voltar para ela, prometi e ansiava por isso.
Encarando novamente o saco de areia senti tudo novamente. Não
sabia como tirar aquelas imagens da cabeça. O quarto dela vazio, a notícia
de que meu irmão havia dado um jeito de tirá-la daqui com a ajuda da
Holly. Só sei que vi tudo vermelho e só parei horas depois, no meu limite.
Uma dor lacerante me impedia de abrir os dedos, o ar parecia não
entrar no meu pulmão e eu estava pingando. Me arrastei até achar outra
garrafa de Whisky. Virei novamente sem gelo.
O gosto forte me entorpeceu, e foi apenas o começo.
— Já chega! — Casper arrancou de mim. Há quanto tempo ele
estava ali?
— Devolve! — Pedi, era a última garrafa da adega, perdi a noção
de quantos dias eu estava assim, e ele não devolveu.
Eu não queria conversar, senti-me pronto para golpear o saco de
areia, até que os nódulos dos meus dedos não suportassem mais, mas
quando ergui meus olhos, Casper estava ali.
— O que você está fazendo? — Minhas palavras enroscaram
quando o vi arrancando a camisa.
— Não quero estragar outra. Vamos, como nos velhos tempos. —
Soprei uma risada sem vida.
— Eu não vou lutar com você, porra. — Casper me atingiu com um
soco na boca. Me escorei na parede para não cair. Senti o gosto metálico do
sangue, então o olhei sem acreditar naquilo.
— Isso foi pelo que fez comigo. Sou seu irmão, infeliz, e eu estou
aqui desde que você pediu minha ajuda. Você nunca esteve sozinho, então
para de agir como se estivesse. Ela está segura filho da puta!
Desde então um louco tomou conta de mim. Bloqueei seu murro
deferindo vários outros. Casper se limitava a não me atingir.
— Você não tinha esse direito.
— Eu tinha sim. Porque eu não vou deixar acontecer de novo. —
Disse tentando me acertar com o punho.
Eu precisava daquilo, ele sabia que sim. Sangue escorria pela minha
boca e pela têmpora dele, mas era eu quem estava completamente fodido.
Os nós dos meus dedos estavam abertos. Todos feridos. Eu estava
ofegante e não aguentei mais o peso do meu próprio corpo. Escorreguei
com as costas na parede até o tatame, onde me sentei, dolorido e muito
fodido. O esgotamento me pedindo para desistir.
— Como conseguiu? — Minha voz não passou de um arranhão pela
minha garganta. Casper se recuperava também com um copo de bebida,
mas ficou inexpressivo ao me ouvir. Afinal, Hannah não fala com ele há
muito mais tempo do que Anya estava longe de mim.
— É foda. Só isso que tenho a dizer. — Pegou o copo cheio mais
uma vez e virou. — Isso aqui ajuda, mas quando passa, volta tudo de novo,
então muitas vezes não vale a ressaca. — Tentou ser indiferente, mas dessa
vez não conseguiu, suas expressões falavam por si só.
Ele abaixou a cabeça e pude jurar que seus olhos permaneceram
fechados, naquele silêncio temporário.
Eu sentia que se ficasse longe demais perderia a Anya para sempre.
Isso, com todos aqueles sentimentos dentro de mim, era tão impensável que
chegava a ser um insulto.
Casper sacou seu celular e virou a tela para mim. Jurei ter sentido
meu coração falhar ao vê-la ali.
— Esse é o Tomas Amstrong. — Outro punho de ferro apertou o
meu coração, o tempo pareceu congelar e não vi mais nada na minha
frente.
Na foto aparecia apenas ela é um garoto, de frente para uma casa
simples, mas muito aconchegante. Eu claramente podia imaginar a Anya
vivendo ali. Dava para ver perfeitamente ela conversando em libras com o
menino que tem a metade do seu tamanho.
Então era ele.
Todas as ações dela foram resumidas a um só motivo.
Tudo o que ela disse, tudo o que aconteceu, foi porque ela estava
defendendo ele. E eu, se possível, a amei ainda mais por isso.
— O que ela disse foi por causa desse garoto. E foi com esse garoto
que ele ameaçou nosso pai novamente. Winter tenta se livrar da Hannah
desde o início. Ele mesmo a enviou lá para isso. Se fez de amigo,
manipulou e prometeu a Hannah que você saberia, mas ela desistiu ao saber
que a irmã dela nunca chegou até você. Não foi nosso pai, Cohen. E eu
provavelmente a perdi pra sempre por ter escondido o que sabia, mas não
chega perto do que ela perdeu e do quanto se sente culpada por isso, porque
a irmã dela só queria justiça, enquanto Winter queria nosso pai fora daqui.
Essa culpa eu não posso deixar que você carregue, eu não aguentaria perder
você em vida. A Anya nunca vai ser queima de arquivo, porque ela é a
mulher que te confrontou, Cohen, mas qualquer um que queira te prejudicar
agora é só mexer com algum deles.
O silêncio seguinte foi suficiente para ele saber que o que ouvi, foi
o bastante para me destruir.
Eu só queria mantê-la segura, e comigo. Eu queria proporcionar e
cumprir todas as minhas promessas. Fiz uma merda sem tamanho e agora
revivo a mesma sensação que me colocou a beira do desespero. Tive que
encarar o fato de que algumas coisas eu jamais poderia consertar, e de que
outras sequer tinham concerto.
Eu pensava não estar com raiva de ninguém além de mim mesmo
por ter ouvido apenas a voz da necessidade enlouquecedora, porque ela se
tornou a parte em mim em que mais doía, e é ela quem eles vão usar para
ter o que quiserem. A sensação era de estarem retorcendo minhas entranhas,
pois entendi naquele momento que eu estava em guerra e já havia perdido
demais, desde que tomei a maldita decisão de agir como um filho da puta
egoísta.
— Quem tirou a foto? — Me preocupei. Me aterrorizou o
pensamento de que ele tivesse chegado tão próximo.
— É da equipe do Ace. — Senti o alívio quando disse o nome do
meu chefe de segurança. — Confia em mim. Ela está segura!
Mesmo assim, não consegui agradecer, porque eu morri naquele
instante. Me destroçou de forma quase permanente.
O homem que se levantou depois disso já não era o mesmo. A
fachada da civilidade escondeu o monstro que me corrompia todas as
noites, e internamente, pois ceder e me dobrar a uma ameaça foi como
permitir e vislumbrar a minha mulher ser despedaçada, e eu sabia que culpa
seria minha.
Mesmo destruído tive que comparecer ao julgamento, onde revi
meu pai frente a frente. Ele depôs ao meu favor. Assumiu que eu não tive
nada a ver com o desvio estelionatário dentro da Archer, e apontou o nome
de todos que seriam investigados. E eu claro, com provas que a própria
Hannah havia me entregado, provei minha inocência.
Eu não passava de uma casca fria. Tive que conter o louco que
havia dentro de mim. Encarei meu pai o julgamento inteiro. Horas
intermináveis revivendo o mesmo pesadelo. Ele finalmente podia dizer que
esteve certo o tempo todo. Que eu fui o fim da Archer como ele me avisou
que seria.
Ele queria provar o quanto eu era falho, imaturo e despreparado
para iniciar projetos como aqueles. Porque ele se considerou tão melhor do
que eu um dia, que levar adiante um sobrenome que não fosse o seu era
inadmissível, mas uma pessoa pagou pelo seu erro. E ainda que ele não
tenha sido o responsável, carregaria essa culpa para o resto da vida.
Percebi no seu olhar o quanto se martirizava por isso, mas não
considerei parar como ele previu que eu faria enquanto caminhava em
direção a saída, apenas mantive meus olhos nele com a mesma mágoa e
desprezo, e senti quando sua mão se fechou no meu braço antes de passar
por ele.
— Não deixe um! — Ressoou perto de mim. Travei a mandíbula e
engoli duramente, meu olhar sombrio, fixo no piso. — Ou vai ser você
daqui oito anos também. Sei que estava com raiva de mim quando ficou do
lado dele, jamais vou te culpar por ter acreditado nas palavras de um
manipulador. Winter soube como usar você para me tirar da Archer, ele
queria seus projetos, os projetos da sua mãe, sempre os quis, e infelizmente
precisou tirar pessoas do caminho.
Sorri friamente, sem vida, porque a única coisa que me corroeu
todos esses anos foi pensar que meu pai tinha feito algo contra a mulher que
nos procurou, mas em sua completa covardia, na verdade, tentava transferir
essa culpa a mim. Seus dedos afrouxaram o aperto.
Me desvencilhei dele com remorso, gostaria ao menos de sentir
pena, mas nem isso.
Casper me esperava no saguão depois da sala. Ainda com seus
olhos presos além de mim. Quando o alcancei, uma risada esganiçada nos
atingiu. O maldito Winter surgia e me encarava como se tivesse vencido.
— Gosto de negociar com seu pai. Ele entende bem como
barganhar de verdade. — Ele se aproximou, fechando o blazer ao se
preparar para sair do tribunal.
Foi como ter aberto as portas do inferno que vivia dentro dele. Um
silêncio tenebroso caiu sobre o lugar. Segurei meu irmão porque o conhecia,
e sabia que Winter tinha ido longe demais, e apesar de ter ameaçado minha
mulher e sua família, ele usava Hannah como um exemplo a não repetir e
Casper não conseguiu esconder o terror puro que tomou conta do seu rosto.
— Eu vou acabar com a sua vida! — Casper declarou, e sua voz
não passou de uma promessa assassina. Winter sorriu em uma linha fina,
desafiado, e me encarou.
— Melhor fazer alguma coisa, e rápido. — Se referiu a Archer. —
Considere vender sua parte também. Você não tem mais serventia pra mim.
Minha boca curvou em um sorriso sombrio. Nunca me mostrei
gentil ou educado. Sempre fui quase um tirano naquela fodida empresa e
ainda assim, ele ousou me desafiar da pior forma. Nada mais justo que eu
demonstrasse o gigantesco erro que cometeu.
Sabia exatamente quem estava cercando a Archer esse tempo todo,
sabia exatamente para quem ele queria eu entregasse minha parte. Não disse
nada ao me virar para sair daquele lugar, nem que sim nem que não.
— Soube que ela também tem uma irmã de consideração. — Nem
eu, nem ninguém foi capaz de segurar o Casper naquele momento.
Falar da Holly despertou a ira trancafiada do meu irmão. Naquele
momento eu compreendi que ele usaria o que tivesse ao seu alcance para
conseguir o queria.
E eu desci ao inferno por causa disso.
A ganância dos homens que tinham como parte ações dentro da
Archer despertou em mim o que nenhum outro antes foi capaz. Havia me
tornado um animal fora daquela empresa, cercando a Archer com meus
próprios recursos, retomando pouco a pouco e me livrando, sem piedade, de
todos que fizeram parte disso.
Bill foi o primeiro a vender suas ações, antes de ser investigado e
verem que parte do dinheiro estava investido em uma boate no topo de um
prédio famoso em Seattle.
Eu estive lá em uma noite, como investidor anônimo que havia
oferecido um bom dinheiro pela Teto-7, ele estava desesperado para se
livrar dos rastros que sujaram seu nome, e entendeu que tinha caído quando
percebeu quem era o comprador.
O segundo a cair foi Zack, que vendeu suas ações por micharia,
adquiridas pelo fundo de investimentos do Conglomerado Mayer, o mesmo
que através de suas ramificações, comprou minha parte na Archer.
Anunciando a todos que nenhum Archer estava mais à frente da corporação.
As ações caíram deploravelmente.
Continuei cercando, até que se Winter decidisse ficar, seria por
completa burrice, pois, ao contrário do que pensou que seria, a corporação
que assumiu a Archer não tinha autorização para fazer qualquer tipo de
melhoria, pois tudo ainda estava sob investigação.
Ainda havia muito pela frente, meu pior martírio estava sendo não
poder atender as ligações da Anya, eu sabia que cada toque era um pedido.
Os dias estavam sendo longos e as noites piores ainda.
Compareci ao evento da Drizella depois que ela desfilou para uma
marca elite, onde fiz questão de acompanhá-la sob os olhos atentos do
maldito. Minha presença ali era uma completa afronta. Minha aproximação
com ela foi premeditada e calculista.
Vi o ódio crescendo nos olhos dele quando me viu.
Surpreendia a mim mesmo que estivesse tão calmo. Eu esperava
uma explosão de raiva quando o visse novamente, mas não, saboreava cada
minuto do seu terror. Alimentando-se do seu medo porque àquela altura
mais nada me intimidava senão a próxima noite sem ter a Anya comigo.
— É melhor não começar com esse joguinho de vingança, porque
você tem muito mais a perder e sabe disso. — Ele grunhiu próximo a mim.
— Eu não sou o meu pai, Winter, e você vai descobrir o que
acontecesse quando ameaçam algo que pertence a um homem como eu. —
Esperei que ele devolvesse a encarada, esperei ao menos que sustentasse
meu olhar para que visse o ódio, a loucura e a maldita sede de vingança.
Porque eu teria a minha mulher de volta já ele, um carrasco em seu
encalço.
Algo assombrou sua face, confesso que estava saboreando cada
segundo disso.
No momento, eu concentrava minhas energias em manter esse
verme no lugar dele, até poder desfrutar do dia em que ele não fosse mais
um risco.
Subestimei Winter uma vez e não poderia errar com a pessoa que
amo. Movi o inferno para garantir que ninguém tocasse no nome dela mais
de uma vez.
O estômago embrulhado não era só por causa do excesso de bebida,
era porque não aguentava mais aquela ausência e os dias que se passavam
sem que eu tivesse notícias. Ouvi sua voz fragilizada na noite de Natal,
enquanto sentia o peso das suas palavras sobre meu corpo. Elas
reverberaram em minha mente. Foi o pior dia da minha vida. Se eu
fechasse os olhos poderia imaginá-la aqui. Repeti aquela chamada gravada
centenas de vezes.
Noite adentro, tendo como companhia uma garrafa de bebida e um
buraco no peito. Estava vivendo apenas com metade do que eu era,
quebrando cada vez mais meu coração já tão machucado.
Fechei os olhos ao sentir a queimadura inundando minha vista.
Senti cada pedaço de medo cravado se desfazendo, preenchendo-me
com algo mais nocivo, impetuoso ao ponto de pensar que eu mereci ver
aquela cena.
Ele tocando nela. Minha mulher embalada no abraço do maldito
que olhava para ela como eu olhava quando sua graciosidade me prendia,
quando seu sorriso, aquele mesmo sorriso despontava em seus lábios. Eu
tive medo de perdê-la, eu tive medo de encarar que outra pessoa poderia
ocupar o lugar que ela me prometeu.
Mas eu tinha mais medo de que alguma acontecesse com alguém
daquela família. Com a sua melhor amiga. Porque são muitos agora os que
querem me atingir, e eu sinto que já perdi demais, não suportaria.
Esse pensamento aprofundava uma ferida ainda aberta dentro de
mim. Porque ela estava linda, mas não passou despercebido o quanto estava
mais magra e com tudo o que ouvi, enquanto Casper conversava com ela
nas semanas anteriores, olhando-me pesarosamente, ponderando se diria a
verdade, e a verdade era a que eu também estava morrendo. Meu irmão
esteve ao meu lado nos dias ruins, mas nos piores deles, eu estava sozinho,
vivendo apenas para lembrar do grande amor da minha vida, nem era vivo
de fato.
Me senti como uma pessoa doente, vivendo à custa do que me fazia
mal. Eu vi meu amor tão bonito, recente e esperançoso, sofrer com a
distância. E não adiantava, sei que era o responsável, estava arcando com
peso de ter ignorado todos os avisos.
Ultrapassei todos os meus limites físicos e emocionais.
Não conseguia dormir há dias, não conseguia sequer respirar
profundamente, pois a angústia enraizada em meu peito não permitia,
ouvindo sua voz mais uma vez, quando recebi a notícia de que Winter havia
finalmente vendido suas ações para o Conglomerado.
Ele estava fora.
Era a hora de retomar o que era meu de volta.
— Onde esteve? — Casper me procurou quando cheguei
novamente de San Diego. Meu refúgio nos dias mais impossíveis. O lugar
que mais me lembrava ela. Mais do que minha própria sala no topo do
edifício Archer, porque foi naquele quarto que eu a conheci de verdade. Foi
naquele quarto que eu entreguei uma parte do meu coração e todo o resto
que agora a pertencia.
— Vou comprar o Hotel. — Anunciei com a bebida ainda
fervilhando minha mente. Seu efeito não me deixava mais entorpecido,
pensava que até mais lúcido.
— Mas... Charles disse que não estava à venda. — Despejei os
papéis com o pouco que já tinha adquirido. Iniciei a negociação no dia em
que estive lá com ela. Mais um para o Conglomerado Mayer, e deste eu não
abriria mão.
— Estou comprando o Hotel. — Repeti corrigindo.
Casper bufou, estava desistindo de dialogar comigo nos últimos
tempos. Suspirei sentindo-me estranhamente recarregado.
— Procurei pelo Leeson, mas esqueça, Penélope chegou antes!
Caminhei em passos lentos até estar de frente para a maquete que
sinalizava toda a rede de ramificações empresariais da Mayer.
— Quantas agências publicitárias tem no Conglomerado? —
Perguntei, absorvendo sua informação, uma curiosidade acompanhada de
planos futuros. Um futuro próximo.
— Uma para cada ramificação. — Cas responde desentendido. Eu
sorri ardilosamente, eram muitas então.
— Concentre tudo na Phoenix!
Um longo período de silêncio perdurou por um tempo. Havia
choque e confusão nas expressões do meu irmão. Ainda não tinha
atualizando-o de minhas intenções.
— Você quer... que eu concentre o Conglomerado inteiro na
Phoenix? — Assenti seguramente. — Você não está falando coisa com
coisa.
— Você deve pressupor então, que estou ficando louco. Eu também
acho. E peço desculpas por ter feito o mesmo. — Finalmente o encarei, a
esperança ressurgindo, reascendendo algo em meu interior. — Ela quer a
Archer como cliente.
Penélope tinha deixado isso claro. Presumo que esteja aguardando
uma proposta por ter conseguido o trabalho da Anya. Eu daria o que ela
queria, mas tinha uma condição.
— Eu quero minha mulher trabalhando comigo!
Agradecimentos

Antes de qualquer coisa, gostaria de lembrar que na altura do


capítulo 17 para o 18, eu perdi duas pessoas no mesmo mês. Meu avô,
melhor amigo da vida, e meu sogro, que foi por dez anos como um pai, e o
melhor amigo do meu filho.
Não foi nada fácil voltar. Na época eu estava começando no
wattpad, tinha menos de 5mil visualizações, mas eu lembro que apenas
postei porque já tinha escrito, mas alguns capítulos nem foram revisados,
diante do caos que estava meu sentimental eu acabei me perdendo no
enredo da história e até pedi desculpas por isso. Não confiava mesmo que
conseguiria chegar até o fim. Não estava no clima do final que aguardava
para esse livro. Não fazia mais sentido.
Se vocês repararem, desde então alguns pontos de vista ficaram
mais dramáticos, eu já tinha passado por problemas emocionais durante um
processo de escrita antes, e eu sei o quanto isso impacta na minha maneira
de descrever a vida. Relendo, eu mesma consegui perceber o momento
exato em que essa obra perdeu um pouco da leveza. Pedi desculpas por isso
também.
Foi um processo doloroso, ir e voltar. Passar pelas e reviver tudo de
novo.
Ainda assim, muitas pessoas continuaram e eu realmente agradeço
quem chegou até aqui. Essa obra que era para ser bem levinha acabou
despertando sentimentos em mim mesma que eu senti a necessidade de
trabalhar. Como achar que sua vida vai acabar depois de uma perda, mas ela
não acaba. Como ter que se reerguer nem que seja pelas pessoas à sua volta,
porque de certa forma eles sofrem com isso também.
Não me arrependo de ter tomado esse rumo na história, ainda que
não agrade alguns, porque eu recebi muitas mensagens de pessoas se
identificando com o que a personagens estava sentindo, e quando dizem
isso, estão se identificando com os meus sentimentos também. Sentimentos
que ao longo de comentários, curtidas e pedidos de continuação, me
ajudaram a não desistir e entregar um pouquinho do que passei nos piores
dias da minha vida.
Falo isso porque deixei meu sogro no hospital com meu esposo,
prometi a ele que nós voltaríamos para buscá-lo, e ele nos prometeu que
ficaria bem, mas nenhum de nós cumprimos. Foram 9 dias de espera, 9 dias
recebendo uma notícia pior que a outra. Foram os 9 dias mais longos da
minha vida, hoje lembro deles com um completo vazio. Transitei entre
prometer voltar e ficar esperando.
Menos de um mês depois veio a notícia do meu avô. E isso é muito
foda dizer, porque eu estava com ele na mesma semana, mas puta que pariu,
a última oportunidade de vê-lo eu não cheguei entrar na casa dele. Estive lá,
mas ele não me viu, ele se foi na mesma noite. E eu nunca vou me perdoar
por estar com preguiça de andar mais um pouco para cumprimentá-lo como
eu sempre fazia.
Eu sei que não vivi, me arrastei, até que alguém me tirasse daquele
limbo.
Por isso os agradecimentos, porque acreditem, uma das coisas que
me tiraram daquela situação desesperadora de sofrimento foi abrir o celular
e ver várias pessoas me chamando, mandando mensagens de forças e outras
dizendo que estava amando. Leitoras que nem fazem ideia do quanto me
fizeram bem, do buraco que elas me resgataram.
Concluir essa história, ainda que haja uma continuação pela frente,
é como fechar um ciclo. Eu leio e ainda lembro, revivo, mas já se passaram
seis meses desde que consegui retomar e reescrever com mais carinho. E
eu estou bem, ainda dói, mas eu juro que estou bem, então esse é o tempo
que se passa daqui para o início de Dama de Ouro.
Passaram 6 meses desde o dia do julgamento. Veio o Natal e a
formatura. Agora a Anya está iniciando sua nova vida com a certeza de que
sabe o quanto dói, sabe ainda mais o quanto doeu, mas também sabe que
vai ficando mais fácil com o tempo.
Dama de Ouro se fez muito claro na minha mente, primeiro porque
o desenvolvimento dessa história ficou um pouco longo, e se tornou
impossível descrever tudo pela visão da Anya.
Segundo, porque o nascimento desse enredo já estava pronto. Eu
precisava falar sobre reencontro. Sobre lembranças, sobre culpa e
arrependimento. Sim eu mudaria muitas coisas se pudesse. Talvez não teria
feito promessas, ou pelos, daria mais alguns passos para um último abraço.
Mas a minha perda foi bem diferente, a minha espera é infinita e o único
abraço que eu posso dar, é nos que ficaram. Nos que precisam de mim. Se
eu pudesse abraçaria cada uma de vocês! Todas que foram responsáveis
pelo meu reencontro comigo mesma, e eu espero que vocês se sintam
abraçadas pelo reencontro da Anya com alguém que ela procurou este livro
inteiro, ela mesma.
A Anya que está por vir não vem como uma personagem que
precisa aprender a perdoar, nem confiar, pois isto ela fez ainda em Dama de
Prata. Ela precisa aprender a se amar, a descarregar o peso e viver com o
que restou. Com somente aquilo que ela pode aguentar. A se colocar como
prioridade, a guiar sua vida e não se deixar ser guiada.
E mais do que qualquer coisa, quero que conheçam o Cohen de
verdade.
Eu preciso confessar, amo essa história, com todo meu coração, mas
não tem nada que eu ame mais do que a evolução deles no próximo livro. O
amor incondicional, a empatia e o carinho, o reconhecimento de que a
mágoa pode ser muito grande, mas jamais, conseguiriam fazer mal um para
o outro.
Muito obrigado MESMO!
Com todo amor do mundo. Duda Ross!

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