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Produzido no Brasil.
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Agradecimentos
“Me destrua a hora que quiser.”
Colton Reed | Broken Love
“Prazer em te conhecer, qual é o seu nome?
Deixe-me te pagar uma bebida.”
Nice To Meet Ya | Niall Horan
Para Heráclito de Éfeso, a única coisa que não muda é que tudo muda.
E era a partir daí que surgira o meu questionamento, quando Heráclito
aparecera pela primeira vez em um dos meus livros de filosofia: se tudo
muda, como pode haver algo que nunca muda?
Contradições.
Eu vivia em um mundo de contradições e sabia disso.
Mas, da mesma forma que sua filosofia era um misto de incoerências e
desencontros, eu ainda sim o entendia. O que Heráclito de Éfeso tentava me
dizer era que não havia mal que durasse para sempre e bem que nunca se
acabasse.
Em outras palavras, nada era permanente. E, para que nada seja
permanente, algo precisa ser constante: a mudança.
E era exatamente ali que eu me encontrava: na mudança.
De Bridgeport para Nova York. Da Housatonic Community College à
New York University.
O ano havia começado uma loucura após o anúncio de que minha
faculdade em Bridgeport havia falido. Cinco mil alunos. Cinco malditos mil
alunos desesperados para uma transferência após aquele comunicado que nos
fora enviado via e-mail.
“Não temos mais condições de manter a HCC funcionando. Se virem.”
— Era praticamente o que dizia.
Eu fervi em raiva por um momento. Depois, em desespero. As
universidades em Bridgeport estavam incomunicáveis, os telefones todos
ocupados à medida que estas tinham que lidar com as cagadas da HCC e
acolher os diversos alunos que estavam sem rumo uma semana antes do
início das aulas.
Bem, eu era um destes alunos sem rumo. Uma entre cinco mil pessoas.
0,02% do caos total.
E embora eu não quisesse abandonar a vida que eu tinha em Bridgeport
— ao menos, parte dela —, estava na hora de pensar além.
Além dos amigos que eu construíra naquela cidade e muito além da
minha boa vida enquanto morava debaixo do teto dos meus pais.
Estava na hora de aceitar os pensamentos filosóficos de Heráclito de
Éfeso e me conformar de que tudo mudava e que eu não poderia me agarrar
às tentativas falhas da imutabilidade.
Foi então que eu liguei para a secretaria geral da NYU.
Nova York não era tão longe assim da minha cidade natal e as
universidades de lá eram ótimas. Bem melhores que as universidades em
Bridgeport, inclusive. Heráclito me ensinara e me incentivara a agarrar a
mudança que estava prestes a fazer e tentar a sorte em uma das melhores
universidades da cidade. Não que eu tivesse feito isso da forma correta, pois
me passar pela reitora da Universidade de Bridgeport para que eu pudesse
falar com o reitor da NYU e praticamente implorar de joelhos por uma bolsa
— mesmo que estivéssemos por telefone —, poderia facilmente ter me
colocado em muita encrenca.
Mas não fora o caso e, no final das contas, o que importava era apenas
aquilo. Com o meu histórico escolar e universitário, somado ao meu currículo
bem-conceituado para uma garota de vinte anos que está indo para o quarto
período de Psicologia, eu havia conseguido a bolsa.
Eu estava ali.
Duas semanas atrasada, mas eu estava ali.
E, bem... Algo estava errado.
Meus olhos baixaram para o papel na minha mão, o qual continha
minha grade curricular, meus horários e as salas nas quais cada aula
ocorreria.
Sala 57B.
Subi minha atenção para a porta. Depois, voltei para o papel. E, mais
uma vez, para a porta.
Sala 57B.
A vasta sala estava completamente vazia. Não havia uma alma viva
sequer ali, além de mim. Eu também não estava exatamente adiantada. Na
verdade, eu havia corrido até aqui porque longe de mim querer chegar
atrasada no meu primeiro dia em uma nova universidade.
Eu estava prestes a girar pelos calcanhares e sair pela porta a qual eu
havia entrado quando uma garota surgiu ali e travou seus pés na entrada,
parecendo tão surpresa quanto eu com o fato de não haver ninguém ali. Ela
era baixa, mas isso era algo do qual eu já havia me acostumado considerando
meus 1,75m de altura. Os cabelos eram compridos e lisos, mas o que mais
chamou minha atenção era aquela única mecha branca em meio aos fios
castanhos.
Seus olhos, enfim, vieram aos meus e eu notei o exato momento em
que ela franziu o cenho.
— Você... — Seu dedo indicador agora estava apontado na minha
direção. — Nunca te vi por aqui. Onde diabos está todo mundo? —
perguntou, mas antes que eu pudesse abrir minha boca para lhe responder, os
olhos escuros arregalaram-se e ela prosseguiu, agora em pavor: — Ah, meu
Deus! Isso é algum tipo de universo paralelo, não é? A sala da sra. Sofrey
jamais estaria vazia dessa forma se eu estivesse no meu universo de sempre.
Foi minha vez de franzir o cenho.
Desviando meus olhos dela até o papel que eu tinha em mãos, notei que
o meu nome seguia como Aubree Kate Evans. O que, segundo a um artigo
que eu havia lido em algum momento da minha vida, era o necessário para
que eu soubesse se estava no mesmo universo de sempre, ou não (visto que
uma das consequências de um possível universo paralelo seria a mudança de
identidade, embora eu não soubesse até que ponto aquilo era algo real ou
apenas bulhufas da internet).
Então, pigarreei e voltei a observá-la.
— Até onde eu sei, seguimos no nosso universo de costume.
Ela me analisou dos pés à cabeça.
— E como você saberia se o meu universo de costume é o mesmo que
o seu?
Touché.
Eu não sabia. Portanto, optei por ignorar sua pergunta.
— Onde estão todos? — questionei, olhando em volta mais uma vez.
No entanto, antes que a garota pudesse me responder algo que eu tinha
certeza de que não seria a informação correta, um rapaz, que parecia um
pouco mais velho que eu, surgiu na porta. A julgar pela idade e pelo crachá
pendurado no pescoço, ele só poderia ser algum tipo de monitor.
O que apenas se confirmou quando ele nos avisou que deveríamos ir ao
auditório principal da NYU para um comunicado geral.
— Foi uma boa pergunta — eu disse, enquanto seguíamos em direção
ao auditório.
A garota me encarou. Ao lado dela, eu parecia bem mais alta que o
usual. Os olhos recaíram sobre as minhas feições por um momento, um ponto
de interrogação começando a se formar em seus traços assim que eu tratei de
explicar:
— A pergunta sobre o seu universo de costume ser o mesmo que o
meu. — Fiz uma pausa. — Foi uma ótima pergunta, na verdade. É quase
como questionar se o meu conceito sobre a cor vermelha é o mesmo que o
seu. Já parou para pensar que, talvez, o seu vermelho seja o meu azul?
Seu cenho se franziu.
— Você é tão estranha.
Eu dei de ombros.
— As pessoas costumam dizer isso.
— E novata, aparentemente. Nunca te vi por aqui.
Um sorriso se abriu em meu rosto e eu estendi minha mão para ela.
— Aubree Evans.
— Marie Anne Ladwey — apresentou-se, apertando minha mão.
Depois, voltou seus olhos para o campus coberto por uma fina camada de
neve quando nossos pés nos levaram para fora do prédio. — Você foi
transferida ou algo do tipo?
Fechei meu casaco assim que o vento gelado chicoteou meu corpo e
nós passamos a seguir o fluxo de alunos em direção a outro prédio.
— Na verdade, minha faculdade faliu. — Suspirei. — Sou de
Bridgeport.
— Bridgeport, huh? — Marie arqueou uma sobrancelha na minha
direção. — Bem... Seja bem-vinda à NYU, Aubree. Tenho certeza de que
essa universidade está longe da falência.
— Você está aqui desde o primeiro semestre?
A garota balançou a cabeça, confirmando.
— Você teve sorte de não ter entrado semestre passado. A professora
de Antropologia Cultural era o próprio satã. Nós tínhamos quatro
fichamentos de textos enormes e cansativos por mês para fazer e um
seminário após a finalização de cada assunto. — Ela soltou um suspiro
exausto só de lembrar-se. — Até hoje não tenho ideia de como passei. Mas o
que importa é que estamos no quarto semestre de Psicologia e a maioria dos
professores... Hm... Ao menos passam longe de serem entediantes.
— Isso não necessariamente significa que são bons — observei.
Marie abriu um sorriso e pendeu a cabeça para o lado, ponderando.
Depois, disse:
— Não. Alguns são mais loucos que Wilhelm Reich.
Tive que engolir em seco, pois Wilhelm Reich era claramente um dos
psicanalistas que pendiam entre a genialidade e a loucura.
Oh Céus.
Porém, antes que eu pudesse falar algo, nós adentramos o auditório
principal da universidade, o qual estava tão lotado que precisamos lutar para
encontrar um espaço colado à entrada no intuito de ficar de pé sem que
atrapalhássemos alguém. Depois disso, Marie Anne não demorou a encontrar
alguns amigos ali por perto, dizendo que voltava logo.
As luzes, então, tornaram-se mais fracas e os alunos calaram-se no
momento em que uma senhora surgiu no palco com um sorriso radiante e um
microfone em mãos. Não demorou a apresentar-se como Clerity Horghe, uma
das embaixadoras de um projeto voluntário que, segundo ela, poderia mudar
vidas.
Era algo sobre uma espécie de parceria que a NYU havia feito com
diversos orfanatos espalhados por Nova York, a fim de incentivar seus alunos
a voluntariarem-se para trabalhos que envolveriam crianças órfãs de todas as
idades. Os voluntários passariam todas as suas manhãs de sábado entretendo
essas crianças ou ajudando com algumas funções dentro do orfanato.
Estava sendo explicado as vantagens do trabalho voluntário —
ressaltando algumas vezes a informação de que o trabalho não era tão
voluntário assim, a julgar pelas horas complementares que ele valeria para
aqueles que se inscrevessem no projeto —, quando a porta do auditório se
abriu ao meu lado.
Um aluno entrou e espremeu-se próximo a mim, o que fez com que eu
me remexesse desconfortavelmente. Analisei o cômodo, incomodada diante
da quantidade de pessoas que ali encontravam-se. Não era o momento, mas
minha mente já havia disparado em direção às possíveis tragédias que
poderiam ocorrer dentro daquele auditório, calculando quantas pessoas
morreriam pisoteadas enquanto estivessem tentando sair pelas únicas três
saídas de emergência espalhadas aleatoriamente pelo local.
Ao meu lado, senti quando o rapaz se curvou para mais perto de mim, e
então disse em um sussurro:
— Caralho, seu perfume é ainda melhor do que imaginei.
Automaticamente, franzi o cenho e, virando meu rosto apenas o
suficiente para observá-lo com mais atenção em meio à escuridão do local,
reconheci-o como o vizinho barulhento de duas noites atrás.
Ah, ótimo.
— Você imaginou o cheiro do meu perfume? — indaguei, em um misto
de indignação e curiosidade, baixo o bastante para impedir que as pessoas ao
nosso redor tivessem o desprazer de ouvir àquela loucura.
Notei o instante que um sorriso se esgueirou pelos seus lábios.
— Na verdade, imaginei muito mais que isso — ele disse, e fui
obrigada a soltar um riso nasalar em resposta.
— Por favor, não me diga que você é algum tipo de stalker.
Colton deu de ombros.
— Até onde eu sei, foi você que mudou para o apartamento ao lado do
meu. — Suas palavras eram acompanhadas de um tom inocente, mas eu senti
a provocação em cada uma delas.
— Bem... Foi você que passou a noite imaginando o perfume da sua
vizinha — rebati.
Com um sorriso no rosto, ele me observou por um longo momento,
antes de dizer:
— Você está na minha universidade. Stalker.
Arqueei minhas sobrancelhas na sua direção.
— E desde quando essa universidade é sua?
Antes que o rapaz pudesse me responder, alguém próximo a nós
pigarreou em um pedido claro para que calássemos a boca. Eu assim o fiz,
voltando minha atenção para a senhora alta e esguia sobre o enorme palco do
auditório, que mostrava no telão algumas das atividades que poderíamos
escolher participar enquanto estivéssemos trabalhando nos orfanatos.
Senti seu braço tocar o meu, mas não ousei encará-lo. Colton era alto.
Alto o suficiente para que eu me sentisse baixa demais próximo a ele, algo
que raramente acontecia.
Seu perfume era gostoso. Gostoso e invasivo. Estava invadindo a
porcaria do meu espaço pessoal e impedindo que eu me concentrasse nas
palavras que saíam da boca daquela senhorinha.
E seu braço... Bem, ele com toda a certeza ultrapassava seus limites
porque bem queria. O que também estava começando a atrapalhar a minha
linha de raciocínio.
Notei quando este remexeu-se ao meu lado. Afinal, seria impossível
não notar diante da proximidade dos nossos corpos. Puxando seu celular do
bolso, o nome de alguém piscava na tela com o brilho ajustado no máximo.
— Vou dar o fora — anunciou ele, antes de voltar a guardar o aparelho
na calça. — Quer vir?
Precisei de alguns segundos para entender que ele estava falando
comigo e, quando enfim o fiz, estreitei meus olhos até os seus em reprovação.
— Estamos no meio de uma palestra sobre crianças órfãs, Colton.
Ele não pareceu dar muita importância.
— É, eu sei. — Deu de ombros. — Orfanato, trabalho voluntário e todo
esse blá-blá-blá.
“Todo esse blá-blá-bla”.
Inacreditável.
Fechando os olhos por um momento, busquei algum psicanalista,
filósofo ou sociólogo que pudesse amenizar suas palavras na minha mente.
Então, Platão surgiu para impedir que meus hormônios de cortisol se
elevassem, ao dizer: “É preferível a ignorância absoluta a o conhecimento em
mãos inadequadas”.
Em outras palavras, era melhor que Colton visse este trabalho
voluntário como “todo esse blá-blá-blá”, a optar por aceitá-lo e então
destratar crianças órfãs por má vontade da sua parte.
Bem, pelo menos era assim que eu estava preferindo analisar a situação
para não mandá-lo ao inferno com todo o seu blá-blá-blá.
— E aí? Você vem? — indagou ele, trazendo-me de volta à realidade.
Eu pisquei um par de vezes.
— Para aonde?
— Fumar um beck no terraço — explicou ao apontar para a porta atrás
de si. — Comigo e com uns amigos. Será ótimo para expandir seu círculo de
amizades.
— E fazer amizade com seus amigos barulhentos de duas noites atrás?
Acho que passo.
O garoto trocou o peso entre os pés diante da minha recusa. Então,
tentou mais uma vez:
— Certo. E o que você acha de nos encontrarmos na hora do almoço
para que eu te apresente o campus? Você é nova aqui. Tenho certeza de que
ainda não conhece muita coisa.
No mesmo instante, meus olhos esquadrinharam seu rosto e por um
momento tive vontade de rir.
Eu sabia o que ele estava fazendo. Poucos encontros haviam sido o
suficiente para ter quase certeza do que aquilo se tratava diante da sua
linguagem corporal e das tentativas de encontrar uma forma de passar mais
tempo comigo.
— Está tentando me levar para a cama?
Ele engasgou-se com a sua própria saliva; as tosses chamando a
atenção daqueles que estavam à nossa volta.
— Eu? — Colton riu em seguida. E, embora eu não pudesse identificar
ao certo o tom da sua risada, julguei ser algo entre o nervosismo e a
incredulidade. — Não mesmo. Sou apenas uma alma caridosa.
— Claro. Tão caridosa que está mais interessado no seu beck do que no
projeto voluntário que pode lhe dar horas complementares na faculdade.
De repente, seus olhos ganharam um novo brilho.
— Horas complementares? — questionou, subitamente interessado no
assunto.
Ah, meu Deus.
Eu havia acabado de colocar as bundas daquelas crianças no radar dele.
Não consegui evitar levar minha mão até minha testa, xingando-me por
isso.
Malditas horas complementares.
Com um sorriso insolente no rosto, Colton disse:
— Acho que o beck pode ficar para mais tarde.
“Eles dizem: Todos os garotos bons vão para o céu
Mas os garotos maus trazem o céu até você.”
Heaven | Julia Michaels
Marie Anne não havia mentido quando disse que alguns professores
eram mais loucos que Wilhelm Reich. Depois de duas horas e meia de
Psicologia Social com o senhor Truel falando mal sobre a sociedade e a
forma desprezível como ela influencia o ser humano, com exemplos dos
quais eu preferia não me lembrar, nós finalmente havíamos sido liberados
para o almoço.
— Estou te dizendo que ele é louco — disse Marie, referindo-se ao
senhor Truel, enquanto enchia seu prato de salada para compensar a
montanha de macarrão com queijo que ocupava metade dele. — Dizem que a
mulher dele, a ex-senhora Truel, que antes lecionava aqui na NYU também, o
deixou pelo treinador dos Violets. Os burburinhos foram tantos nessa época
que o reitor pediu gentilmente que ela se afastasse das aulas e parasse de
lecionar no campus. Desde então, nunca mais a vimos.
— E o treinador? — questionei, despejando o suco de tangerina no meu
copo.
Marie deu de ombros.
— Ele segue treinando os Violets normalmente — explicou no meu
encalço, à medida que seguíamos em direção à uma mesa vazia. — Isso já
tem mais de um ano.
Não pude evitar revirar os olhos. O fato de apenas a mulher se dar mal
em uma situação que envolvia dois homens além dela, irritava-me. Eu não
precisava perguntar a Marie sobre como o treinador havia sido tachado, para
ter certeza de que muitos alunos teriam o idolatrado por ter “comido a mulher
do senhor Truel”. Ao mesmo tempo em que a ex-senhora Truel
provavelmente havia sido chamada de nomes terríveis.
Coitada.
— Odeio essa sociedade machista — murmurei.
Marie concordou com a cabeça assim que nos sentamos, e enrolou o
espaguete no garfo.
— Pois é. — Enfiou a comida na boca, sem se importar em continuar
sua explicação de boca cheia: — O fato é que, desde então, o senhor Truel
acredita piamente que sua mulher foi corrompida pela sociedade e que traí-lo
com outro cara não tem nada a ver com a índole dela.
Aquilo era triste.
Subitamente, a imagem do senhor Truel mais enlouquecido que
Wilhelm Reich transformou-se em Carl Fredicksen; o senhor solitário do
filme de Up – Altas Aventuras.
Mexendo o macarrão no meu prato, tentei ignorar a sensação de pena
que se instaurou em meu peito por um momento, e então eu disse:
— Se isso o faz dormir melhor à noite, não vejo nada de errado.
— Bem, eu também não veria nada de errado se ele não jogasse todo o
seu ódio e sua frustração em cima dos alunos.
Marie tinha razão. Embora o senhor Truel fosse um revoltado com a
vida, aquilo não lhe dava o direito de lecionar exalando ódio e frustração. Era
sufocante até mesmo para mim.
Eu estava prestes a concordar com a garota no momento em que meus
olhos focaram em alguém sentado duas mesas atrás dela. Os cabelos
castanhos estavam bagunçados, como se ele não houvesse feito questão de
arrumá-los essa manhã, e o queixo agora estava livre da barba rala que até
ontem estava por fazer.
Nós não havíamos nos visto desde o episódio do auditório, no dia
anterior — o que parecia um milagre considerando que morávamos lado a
lado e minha varanda era praticamente colada a sua.
Na mesma mesa que Colton, havia mais três garotos. Ele ainda ria de
algo dito pelo cara sentado ao seu lado esquerdo quando seus olhos esbarram
nos meus e ali ficaram. Um, dois, três segundos. Queimando em cada parte
do meu corpo e rosto, até que um dos seus amigos chamasse sua atenção para
algo em seu celular. Ainda assim, Colton demorou mais um instante para
desviar seus orbes cinza dos meus.
Marie estava dizendo algo, mas logo notou que eu não ouvia uma
palavra sequer que saía pela sua boca. Virando a cabeça apenas o suficiente
para observar por sobre o ombro, seguindo o meu olhar, a garota voltou
rapidamente a me encarar, agora em reprovação.
— Nem pense nisso — disse ela, forçando minha atenção de volta a
sua.
— O quê? — indaguei, confusa.
Marie estreitou seus olhos na minha direção. “Acha que sou idiota?”,
era o que suas feições diziam.
Então meneou com a cabeça em direção ao garoto atrás de si e disse:
— Colton Reed.
Pisquei.
— Eu não... O quê? — Fiz uma pausa. — Eu não estou pensando em
nada.
Espetando o garfo na salada, ainda sustentando meu olhar com o seu,
Marie arqueou uma sobrancelha.
— Vi vocês conversando no auditório ontem.
— Ele é meu vizinho — expliquei. — Estava enchendo meu saco.
— Ele também é encrenca, Aubree. Melhor ficar longe.
Largando meu talher no prato, semicerrei meus olhos para ela.
— Ok, qual é o seu problema com ele?
Marie não demorou a apoiar os cotovelos na mesa. Depois, limpou sua
garganta como se estivesse preparando-se para um discurso. A mão direita,
de repente, estava levantada e o punho, cerrado na altura do seu rosto quando
ela ergueu o dedo indicador e começou a numerar:
— Primeiro, ele namora. Então é melhor tirar o olho antes que a
Maddison faça um vodu especialmente para você e comece a lhe torturar pelo
simples fato de estar trocando olhares com ele. Segundo — Marie levantou o
dedo médio agora, indicando o número dois —, ele é famoso. — Parou um
instante, antes de esclarecer: — Bem, pelo menos na NYU. Ele tem uma
banda. Está vendo os três garotos sentados na mesma mesa que ele?
Voltei minha atenção para sua mesa por um instante e assenti, ainda
tentando processar as palavras da minha amiga.
— Eles são a banda Broken Crown — continuou ela. — Se eles
peidarem, no dia seguinte estarão todos falando sobre. Estou falando sério.
Honestamente? Acho isso ridículo. — Marie fez uma careta. — Além disso, a
fila de garotas que está esperando Colton Reed terminar para sentar naquela
pica é surreal. E, por último, mas não menos importante... — Marie impediu-
se de prosseguir. A boca abriu e fechou um par de vezes até que ela
desistisse. — Só... Fique longe.
Certo.
Meus ouvidos haviam acompanhado cada uma das palavras dela, mas
meu cérebro ainda estava tentando processar a primeira frase.
Colton namorava?
Aquilo não fazia sentido algum. Eu não era tão péssima assim a ponto
de me enganar em relação aos flertes implícitos dele durante nossas duas
únicas interações. Não que eu estivesse interessada em ir para a cama com
Colton, mas estava mais que claro para mim que havia um interesse por parte
dele.
— Ele namora?
— Uh-hum. — Marie confirmou com a cabeça enquanto mastigava.
Se aquilo fosse, de fato, verdade — o que eu não duvidava nem um
pouco, já que não havia motivos pelo qual Marie Anne poderia estar
mentindo —, então Colton era um idiota.
— Que babaca — murmurei, ainda em um misto de choque e
indignação.
— Foi o que eu disse...
— E uma banda?! — Meu tom saiu mais alto do que eu havia
esperado. — Ai, Deus. Não tenho um histórico muito bom com músicos.
Marie assentiu, balançando sua cabeça sem parar.
— Claramente este é o universo te enviando sinais para ficar longe.
— Me colocando para morar no apartamento ao lado do dele?! — eu
indaguei, confusa e completamente descrente com os sinais do universo.
A garota não hesitou em apresentar sua teoria:
— Ele está te testando.
E talvez estivesse mesmo.
Um teste do universo. Exatamente como a história de Eros e Psiquê,
depois que o vento a levou para um belo castelo e a fez vagar pelo mundo em
meio a testes e desafios sofridos impostos por Afrodite.
Ponderei por um momento.
Em seguida, dei de ombros.
Quem eu estava querendo enganar? Era mais provável que aquilo fosse
apenas mais algum tipo de karma por algum ato imprudente que eu
provavelmente cometera em uma vida passada.
— Não se deixe levar — reforçou Marie.
E eu assenti.
Se aquilo fosse mesmo um teste do universo, eu me recusaria a cair nas
tentações impostas por ele.
A vista da minha varanda não parecia algo tão interessante na maior
parte do tempo. Contudo, a partir do momento em que o relógio beirava às
cinco horas da tarde, as coisas mudavam. O sol se punha entre uma fresta de
dois prédios espelhados e, em dias azuis, aquilo tornava-se um grande
espetáculo.
Eu havia comprado duas cadeiras e uma pequena mesa para deixá-las
na sacada, embora uma das cadeiras apenas servisse de apoio para os meus
pés, já que eu ainda não havia recebido nenhum tipo de visita. De qualquer
forma, até então, aquele definitivamente foi o meu melhor investimento. Do
lado de fora do meu apartamento, eu podia apreciar o fim de tarde ao mesmo
tempo em que fumava meu cigarro na companhia de Romeu e Julieta por
entre as páginas do pequeno livro que eu tinha em mãos.
Era tranquilizante.
O caos da cidade se tornava algo espantosamente poético. Era quase
como uma pintura renascentista, na qual se salientava com melancolia e
emoção a vida terrena. Os prédios espelhados eram um belo contraste com a
mistura de tons pastéis de amarelo, laranja, rosa e azul.
— Você, por acaso, está tentando me impressionar pagando de culta?
— Subitamente, uma voz masculina interrompeu o meu momento, e eu não
precisei olhar para o lado para ter certeza de quem estava na varanda próxima
à minha.
O comentário idiota era o suficiente para que eu soubesse exatamente
de quem se tratava.
Soltando um suspiro, apenas virei a página do meu livro.
— Eu não preciso pagar de culta para impressionar alguém —
murmurei, finalmente subindo meus olhos das pequenas letras estampadas
nas páginas amareladas até ele. — Não quero impressionar alguém.
Principalmente se este alguém for você.
Um idiota e comprometido, quis completar, mas me contive.
De pé, ao lado mais próximo da minha sacada, Colton colocou a mão
no peito como se tivesse sido atingido em cheio por minhas palavras. Ele
estava usando uma regata, mesmo em meio ao frio intenso de Nova York, e
eu não consegui evitar que meus olhos percorressem toda a extensão da sua
pele, avaliando os músculos divinamente esculpidos.
— Conheço esse tom — disse ele ao apoiar os cotovelos na sacada,
deixando seus braços ainda mais visíveis aos meus olhos. — O que
aconteceu?
Desviando minha atenção dele, suspirei. Depois, fechei meu livro,
dando uma última tragada no cigarro antes de esmagá-lo no cinzeiro. Eu
ainda estava considerando se deveria dizer algo quando Colton continuou:
— Problemas familiares? — Tentou adivinhar. — Financeiros? Não. Já
sei. Problemas universitários? — Meus lábios franziram-se, dando-lhe algum
tipo de pista, porque segundos mais tarde, ele já havia chegado a uma
conclusão: — Meu Deus, garota, você está há dois dias na NYU e já arranjou
problemas?
Por um momento, agradeci a Colton por ter decidido ir para o caminho
da música. Ele seria um péssimo profissional se tentasse se graduar em algo
que envolvesse a linguagem corporal de outra pessoa. Como era possível que
ele ainda não houvesse notado meus traços repressivos direcionados
intencionalmente a ele?
— Você não me disse que era conhecido na NYU. — Eu deixei
escapar, antes que pudesse me impedir.
Automaticamente, Colton se calou por um instante e um vinco se
formou entre as sobrancelhas.
— Eu deveria? Pensei que isso faria de mim uma pessoa arrogante.
Soltando um suspiro, pressionei minhas têmporas ao sentir uma dor de
cabeça começando a se fazer presente.
— Por que não me disse que tem uma banda?
Colton deu de ombros. Os lábios curvaram-se para baixo em uma
tentativa de não demonstrar importância àquilo, mas eu notei um certo
incômodo por trás da sua postura.
— Não sabia que deveria ter dito algo — comentou. Era quase como
uma forma educada de dizer que não se lembrava de me dever qualquer tipo
de satisfação.
E, realmente, ele não devia.
— Não. — Balancei a cabeça. — Você não deveria. Só estou surpresa.
Não imaginei que fosse músico.
Colton parou por um momento. Os olhos desceram dos meus até meu
corpo e então subiram, analisando-me atentamente à procura de algo.
Um brilho duvidoso brilhava em suas íris cinzas assim que ele
questionou:
— Algum problema, Aubree?
Bem... Sim. Mais do quê você imagina, na verdade, pensei.
No entanto, tudo o que saiu pela minha boca após dar de ombros foi:
— Não costumo me dar bem com músicos.
Por um instante, o silêncio estendeu-se entre nós.
— Ter uma banda não define quem eu sou.
— É claro que não, eu só... — Forcei-me a parar de falar, apertando os
lábios porque ele jamais entenderia. — Deveria ter me dito, ao menos, que é
um cara comprometido.
No mesmo instante, o brilho em seus olhos mudou. Agora era algo
entre a curiosidade e a diversão.
— É impressão minha ou você está interessada no seu vizinho?
— O quê?! — praticamente berrei. — Não!
Talvez.
A verdade era que Colton era um cara bastante atraente. Tão atraente
que deveria ser algum tipo de pecado no mundo em que vivíamos. Ele tinha
ganhado pontos comigo no momento em que se colocou ao meu lado naquele
auditório, fazendo-me notar uma diferença significativa de altura entre nós.
Além disso, seu corpo era como a porra de uma escultura. Sarado na
medida certa. Notei aquilo ainda na primeira vez em que o encontrei neste
mesmo lugar. Os ombros eram largos e os braços, malhados.
Por um instante, imaginei-o sem camisa. E então, sem calça.
Céus, Aubree.
Controle-se, garota.
— Bem... Teria mudado algo na sua vida, caso soubesse disso? —
perguntou Colton, trazendo-me de volta à realidade.
Joguei a imagem dele nu para o fundo da minha mente e tratei de focar
no fato de que Colton, acima de um cara gostoso com músculos esculpidos e
um sorriso de canto, era um cara gostoso com músculos esculpidos e um
sorriso de canto que não prestava.
— Não — respondi —, mas você não age como se tivesse uma
namorada. Deveria ser mais respeitoso com ela.
Ele riu. No entanto, o tom que reverberou no ambiente não era um tom
divertido.
— Você deveria começar a questionar mais a sua fonte de informação.
Nunca assumi namoro algum com ninguém.
— Mas você tem alguém — rebati. — As pessoas não estariam falando
esse tipo de coisa à toa. E, pelo o que entendi, ela não parece pensar da
mesma forma que você.
Dito aquilo, Colton se calou, fazendo-me presumir que eu estava certa.
O clima entre nós, de repente, pareceu mais tenso e eu decidi que estava na
hora de levar minha bunda para longe daquela varanda e, acima disso, para
longe dele. Portanto, não demorei a me colocar de pé e abrir a porta de vidro.
— Aubree — ouvi Colton chamar por mim antes que eu pudesse me
retirar. Contra a minha vontade, levei meus olhos aos seus, que
esquadrinharam meu rosto por um longo momento. — Quando quiser saber
algo sobre mim, fale diretamente comigo. As pessoas só sabem o que eu
mostro e, mesmo assim, distorcem grande parte das informações. Você, que
tanto aparenta gostar de ler, deveria saber mais que ninguém que não se deve
julgar um livro pela capa.
Eu não disse nada.
Tudo o que fiz foi assentir, sumindo da varanda em seguida.
“Eles realmente não percebem como vejo as coisas
Essas garotas, elas vêm e vão entre meus lençóis.”
Into It | Chase Atlantic
Alec Austin:
Bar Belly hoje?
Colton Reed:
Tô dentro.
Alec Austin:
Blz.
Mason Callahan:
Tenho cara de barman?
Colton Reed:
Vc tem cara de quem tá devendo pontos comigo pelo resto da sua vida por
foder minha irmã todas as noites no quarto ao lado do meu, fdp.
Mason Callahan:
Chupa minha bola.
Mas quando Mason surgiu com Lake, ele estava com a minha Bud em
mãos, exatamente como eu sabia que aconteceria. Sentando-se no banco
posicionado na ponta da mesa, Mason agarrou minha irmã pela cintura e a
encaixou em uma das suas pernas, o que me fez intercalar os olhos entre os
dois e a posição em que eles estavam agora.
— Não tem banco não? — perguntei, intencionalmente a fim de puxar
o saco deles.
Layken arrastou seus olhos aos meus. “De novo essa merda?”, era
praticamente o que suas íris diziam.
— Tem, mas você e sua bunda imensa ocuparam todo o espaço —
minha irmã rebateu, embora claramente houvesse espaço para ela ao meu
lado. — Então precisei improvisar.
Pensei em responder. Pensei muito. Mas decidi que o melhor para
aquela noite seria ignorar. Caso o contrário, ficaríamos trocando farpas até
que um dos caras ficasse puto da vida e decidisse nos mandar à merda.
Portanto, apenas desviei meus olhos dela e olhei para os meus amigos.
Estava prestes a lhes perguntar se iriam para a festa do Kappa no domingo,
no instante em que um sorriso malicioso se esgueirou na boca de Mason e o
indicador veio até meu pescoço, apertando minha pele.
— O que é isso aqui, huh? — perguntou ele, com o tom de voz
banhado de zombaria, o que não demorou a atrair os olhares de todos na
mesa.
Ele sabia o que era aquilo. Todos nós sabíamos o que era.
Mas era claro que o filho da puta não deixaria o chupão no meu
pescoço passar sem se aproveitar da oportunidade de tirar sarro da minha
cara.
— Uau. Maddison Hilton decidiu começar a te marcar agora? —
zombou Alec e eu tive vontade de revirar meus olhos.
Como se já não bastasse deixar claro à NYU inteira que estamos
exclusivamente juntos, pensei em dizer, mas decidi que aquele não era o
momento ideal para um monólogo centrado nas pequenas coisas que me
irritavam em Maddy.
Dessa forma, apenas dei um longo gole na minha cerveja e tratei de
mudar de assunto:
— Vocês vão para o churrasco do Kappa neste domingo?
— Festa de domingo para ter uma ressaca daquelas na segunda e um
motivo além da minha preguiça pra não ir à aula? — questionou Chase, com
um sorriso de canto no rosto. Então, balançou a cabeça positivamente, como
se estivesse curtindo aquela ideia. — Tô dentro.
Ao seu lado, Alec soltou um suspiro exausto.
— Bem que eu queria, mas vou precisar ir para Bridgeport esse fim de
semana para cuidar das minhas irmãs.
— Sua mãe vai estar de plantão no hospital? — indagou Mason para
ele.
Alec apenas balançou a cabeça, confirmando. Os ombros murchos em
pesar.
Alec Austin não era um cara que costumava falar muito sobre a sua
vida. Eu o conheci no meu primeiro semestre na NYU, há mais ou menos
dois anos e meio, e desde então tudo o que eu sabia era que ele sempre esteve
cercado de mulheres. Além das garotas com quem ele costumava ficar —
sempre de forma descompromissada —, Alec tinha que lidar com quatro
irmãs mais novas e uma mãe ocupada pra caralho que aparentava nunca sair
daquele hospital em Bridgeport, a cidade onde sua família morava. Também
sabia que seus pais eram ricos, mas que, por algum motivo, ultimamente
vinham passando por uma situação de aperto.
Ele costumava ir para Bridgeport durante os fins de semana com uma
frequência até que considerável, mas de uns tempos para cá, suas idas à
cidade haviam se tornado quase constantes — o que, diga-se de passagem,
passara a interferir um pouco na nossa rotina de ensaios e nos sobrecarregado
bastante durante a semana. Quando tínhamos shows aos sábados, Alec dirigia
quase duas horas de Bridgeport até Nova York apenas para tocar e voltar à
sua cidade natal logo em seguida. Minha teoria era que o cara devia ser
algum tipo de vampiro que nunca dormia, ou um idiota que injetava
energético nas veias para ter toda a energia que aparentava ter.
— Que merda, cara — eu disse, desanimado com o fato de que não
teria sua presença esse fim de semana. De novo. — Bem, pense pelo lado
positivo: Não é você que terá que cuidar do bostão do Chase no final da
noite.
Um sorriso sacana se abriu no meu rosto, porque depois da última festa
em que Chase casou com um bong e acabou dando um PT-conha, era
inevitável não tirar sarro com o cara.
Chase revirou os olhos à minha frente.
— Me aposentei da maconha, beleza?
Subitamente, a mesa explodiu em risadas.
— Por favor, Chase, conta outra — disse Mason, que recebeu um dedo
do meio do garoto em resposta.
— Terry me ligou hoje. — Alec mudou de assunto após um pigarreio.
— Arranjou uma abertura de um show pra gente na sexta, das onze da noite à
meia-noite.
— Essa sexta? — indagou Chase.
O garoto negou com a cabeça.
— A próxima.
Não pude evitar bufar com a resposta.
— Maravilha. Estou na merda.
E, como o esperado, os quatro pares de olhos voaram até mim,
curiosos.
Tratei de explicar:
— Me voluntariei para o projeto da NYU em parceria com os orfanatos
da cidade. O serviço comunitário começa no sábado da semana que vem —
eu disse, e repensar naquilo fez com que eu quisesse me jogar na frente de
um caminhão. — Vou ter que estar lá todos os sábados às oito da manhã.
O que significava que eu dormiria mais ou menos umas quatro horas, a
julgar pelas minhas experiências em que eu costumava demorar umas três
horas entre o percurso do show até a minha cama, com uma pausa para
cumprimentar algumas pessoas e discutir com os caras no camarim onde era
que podíamos melhorar.
Acordar às sete da manhã me quebraria. Mas, acima disso, acordar às
sete da manhã para lidar com pirralhos apenas porque eu precisava das horas
extras fazia com que eu quisesse morrer de todas as formas possíveis.
Porra. Quantos cachorros eu torturei na minha vida passada para
merecer aquilo?
Após a minha explicação, tudo o que eu vi foram olhos piscando para
mim, chocados. Segundos mais tarde, Lake balançou a cabeça.
— Calma aí... Parei de ouvir depois da parte em que você disse que se
voluntariou para um trabalho voluntário.
— Em um orfanato — ressaltou Mason. — Não se esqueça que é um
trabalho voluntário em um orfanato.
— Vale horas complementares. — Com os dentes trincados, fui
obrigado a contextualizar de onde tinha surgido toda a minha boa vontade. —
Semestre passado quase perdi a porra da minha bolsa por conta dessas horas.
O reitor disse que, se eu vacilar esse semestre com as horas, perco a bolsa de
vez. E vocês sabem o quanto eu ainda preciso dessa merda até a minha
graduação.
— Ok, mas trabalhar com crianças? — Chase estava tão chocado
quanto os outros. — Estou quase me voluntariando também só para ver de
camarote Colton Reed lidando com crianças catarrentas.
— Aposto que ele não vai durar dois sábados lá — disse Alec.
— Acho que ele sai no primeiro dia — palpitou Mason.
Lake soltou uma risada irônica. “Por favor, caras...”, era o que dizia.
— Eu chuto na primeira hora.
— Acho que ele nem vai. — Chase deu de ombros, recostando-se na
cadeira.
Puxando o ar por entre os meus dentes, mordi a língua e tomei um
gigantesco gole da minha Bud.
— A forma como vocês acreditam no meu potencial, me emociona —
eu disse, ao cruzar os braços sobre o peito. — De qualquer forma, não me
importo com a falta de motivação de vocês, idiotas. Sei que vou durar mais
que isso.
Então, forcei um sorriso confiante, porque eu precisava durar mais que
isso.
“Com a cabeça nas nuvens
Não há nenhum peso nos meus ombros
Eu deveria ser mais sábia
E perceber que eu tenho
Um problema a menos sem você.”
Problem | Ariana Grande
Chase Mitchell:
Churras do Kappa tá uma loucura.
Cadê vc?
Colton Reed:
Esperando a Maddy se arrumar.
Viver é sofrer.
Aquelas eram as palavras de um filósofo alemão chamado Arthur
Schopenhauer, bastante conhecido por suas ideias pessimistas. Eu não
costumava concordar muito com as suas ideologias, mas se me pedissem para
descrever o meu dia em três palavras hoje, eu diria exatamente estas.
Viver é sofrer.
Porque viver com a ressaca que eu estava tendo desde que acordara era
sinônimo do pior dos sofrimentos. Eu já havia colocado todo o meu estômago
e minhas tripas para fora no mínimo umas três vezes, e escovado meus dentes
o triplo de vezes que vomitara, mas nada parecia superar a dor que tomava
conta da minha cabeça.
Era como se alguém estivesse martelando meu crânio sem parar desde
o início dessa manhã. E, para melhorar, eu não me lembrava de ter algum
remédio para enxaqueca na minha mini-farmácia.
Fantástico.
Com uma xícara de café em uma mão e um maço de cigarros na outra,
me dirigi à minha varanda, onde o sol batia com intensidade, ciente de que
um pouco de vitamina D faria com que eu me sentisse nem que fosse um
pouquinho melhor.
Não me surpreendi ao encontrar a figura esbelta de Colton Reed na
varanda ao lado da minha, os cotovelos apoiados sobre o corrimão, com os
olhos fechados e o queixo levemente erguido, como se estivesse tão
desesperado quanto eu para receber um pouco dos raios solares. A falta de
uma camiseta no seu corpo malhado me incomodou, porque não demorou
mais que meio segundo para que eu permitisse que meus olhos escorregassem
por todos os músculos que ele expunha e, enfim, chegasse à conclusão
frustrante de que ele realmente era mais gostoso do que eu havia imaginado
que seria sem camisa.
O que apenas tornava a tentação infinitas vezes mais difícil de ser
contida.
Pisquei, em uma tentativa de espantar a imagem da minha língua
descendo pelos gomos do seu abdome, em direção ao caminho da felicidade,
e pigarreei antes que minha imaginação fosse além.
Após o barulho que escapou do meu corpo em uma clara repreensão a
mim mesma, Colton finalmente pareceu notar minha presença. Os olhos
cinzentos agora estavam abertos, e um sorriso começou a surgir nos lábios à
medida que ele me observava puxar a cadeira para que eu pudesse me sentar.
— Pensei que fosse estar na aula, gata — ele disse, e eu soltei um longo
suspiro, jogando minha cabeça para trás quando o enjoo voltou. — Ressaca?
— Morte — corrigi-o, após tomar um longo gole do meu café.
Colton riu em resposta.
— Pelo menos você é uma bêbada sociável — brincou, e eu fui
obrigada a grunhir no momento em que flashes de uma Aubree bêbada
fazendo amizade até com a árvore irromperam na minha mente. — Tão
sociável que até dançou...
— Em cima da mesa, eu sei — cortei-o, escondendo o rosto com as
minhas mãos. — Será que podemos não falar sobre isso? Acho que minha
cabeça não precisa de mais um motivo para explodir em dor.
— Já tomou algum remédio?
Neguei.
— Estou precisando urgentemente de um novo estoque.
— Acho que tenho alguns aqui, se quiser — ofereceu ele.
Em circunstâncias normais, eu recusaria e diria que ainda hoje iria à
farmácia para comprar o que estava em falta aqui em casa, mas aquela estava
longe de ser uma circunstância normal. A verdade era que eu estava a um
passo de recorrer a Marie Anne e pedir que ela arranjasse algum comprimido
que pudesse acabar com as marteladas na minha cabeça, mas Colton, de fato,
parecia um caminho mais prático e rápido, a julgar pelo fato de que ele estava
a apenas três metros de distância de mim.
Portanto, não hesitei em tirar minha bunda da cadeira e ir até lá, quando
ele disse que sua porta estaria destrancada. Parando em frente à madeira,
hesitei por meio segundo, antes de girar a maçaneta e entrar no seu
apartamento.
A primeira coisa que notei foi o fato da sua cozinha não ser
compartilhada como a minha. Havia uma extensa parede cinza que a separava
do restante da sala, dando a sensação de que o apartamento era infinitas vezes
menor que o meu, embora, mesmo assim, fosse grande o bastante para
comportar muito mais que quatro pessoas.
Quando meus pais optaram por um apartamento naquele prédio, eles
estavam contando com o fato de que viriam com bastante frequência passar
um fim de semana ou outro em Nova York. No entanto, eu sabia que, na
prática, as coisas seriam diferentes. Os dois trabalhavam arduamente e,
quando eu ainda morava em Bridgeport, mal conseguíamos ir direito ao
cinema, quanto mais uma viagem de fim de semana.
De qualquer forma, espantei aqueles pensamentos que me deixavam
saudosa e passei meus olhos pelo cômodo, à procura de Colton. Quando não
o encontrei, chamei por seu nome:
— Colton?
— Aqui! — ouvi-o gritar de algum canto, e fechei a porta atrás de mim.
Dando alguns passos para dentro do local, observei o extenso corredor
idêntico ao meu, e encontrei sua figura na última porta, vasculhando um
armário no banheiro que, no meu apartamento, seria o banheiro de visitas.
Meus pés, no entanto, continuaram grudados ao chão, aguardando por ele ao
lado da sua mesa de jantar.
— Achei! Remédio para dor de cabeça e também antiácidos para ajudar
com o mal-estar no estômago — disse ele, atravessando o corredor apenas em
sua calça de moletom, com duas caixinhas em mãos.
Eu soltei um suspiro de alívio, pronta para pegar os comprimidos de
suas mãos e agradecê-lo por ser minha salvação no dia de hoje, mas Colton
não me entregou de primeira. Ao invés disso, o rapaz arqueou uma
sobrancelha grossa na minha direção, sugestivamente, fazendo com que eu
respirasse fundo.
Deveria ter imaginado que não seria tão fácil assim.
— O que eu vou ganhar em troca?
— Acho que um obrigado basta — eu disse, ao tentar tirar os remédios
de sua mão, mas ele foi mais rápido, puxando a caixa para longe de mim.
Gemi em frustração. — Vai mesmo fazer isso agora? Minha situação já não é
deplorável o bastante?
Colton soltou um risinho como resposta, e eu notei o momento em que
seus dentes morderam o lábio inferior à medida em que seus olhos
esquadrinhavam todo o meu rosto.
— Você podia ficar de joelhos... — Colton sugeriu.
— E implorar? — praticamente cuspi, descrente. Então, deixei que uma
risada irônica escapasse do fundo da minha garganta. — Nem fodendo.
O sorriso em seu rosto cresceu e um brilho divertido irrompeu em seus
olhos cinzentos.
— Ah, Bree... Eu nunca falei em implorar.
Precisei de alguns segundos para processar a sugestão por trás das suas
palavras, mas quando finalmente o fiz, minha paciência foi buraco a baixo, e
eu me coloquei na ponta dos pés para alcançar o remédio que ele estendia
acima da sua cabeça. No entanto, antes que pudesse alcançar as caixinhas,
senti seu braço livre se enganchar na minha cintura e me tirar do chão apenas
para me colocar sentada na mesa de jantar próxima a nós.
Assim que minha bunda foi de encontro ao vidro, um arquejo escapou
da minha boca, de repente tensa demais com o fato do seu corpo estar colado
ao meu e o rosto, mais próximo do que eu gostaria. Nossas testas estavam
quase se tocando. A respiração pesada de Colton chocava-se contra a maçã
do meu rosto com força.
Meus olhos estavam grudados aos seus. A risca preta que atravessava
sua íris direita estava completamente visível da distância em que eu estava
dele, mas eu notei algo a mais ali. Os olhos estavam nebulosos e escurecidos.
O sorriso em seus lábios havia desaparecido.
Eu sentia cada célula minha pegar fogo e, novamente, seu perfume
estava invadindo minhas veias e causando um torpor delicioso em meu
corpo.
A ponta do seu nariz roçou no meu e puta merda, a parte interior das
minhas coxas pareceu se contrair em resposta. Seu olhar incendiava cada
milímetro de mim quando ele permitiu que os olhos escorregassem
lentamente para a minha boca.
As mãos agora estavam repousadas na minha cintura, os dedos grossos
apertando-me com delicadeza.
Eu estava em chamas.
Pegando fogo da cabeça aos pés diante da sua proximidade. E, naquele
momento, Colton Reed era a única pessoa que poderia fazer algo a respeito.
Estava quase implorando para que ele fizesse algo a respeito.
Mas então, a razão me veio à mente, e eu me lembrei do dia anterior.
Lembrei-me de Maddison e da forma como ela o tratava como se estivessem
juntos. Lembrei-me da garota sentada em seu colo quando cheguei e de
Colton acariciando sua perna. Acima disso, lembrei-me da lista que havia
feito mentalmente sobre o porquê eu jamais deveria deixar-me cair em
tentação por alguém como ele:
Comprometido, músico, hétero top.
Finalmente voltando a mim, coloquei a cabeça no lugar e roubei os
remédios que agora estavam repousados ao nosso lado, na mesa. Depois, pus-
me de pé e disparei para fora do seu apartamento.
Um misto de emoções estava sufocando o meu peito, porque eu queria
aquilo. Queria tanto aquilo, mas jamais seria capaz de conviver comigo
mesma ciente de que o fiz sabendo que aquilo poderia de alguma forma
machucar outra mulher.
— Bree... — Colton chamou por meu nome, mas eu não respondi. —
Aubree, o que…?
— Você não pode fazer isso — cortei-o, assim que seus dedos tocaram
meu pulso com delicadeza para que meus olhos encarassem os seus.
Colton piscou, genuinamente confuso.
— Fazer o quê?
— Isso, Colton. — Minhas mãos apontaram para mim e depois para
ele, em um movimento vaivém. — Me fazer querer te beijar enquanto...
— Então você quer me beijar? — ele me interrompeu, dando um passo
à frente, e apenas então eu notei o que havia acabado de dizer.
Muito bem, Aubree. Que ótima forma de mandá-lo à merda com as
tentativas dele de te levar para a cama, minha mente sussurrou.
Olhando para ele, incrédula, concluí diante do esboço de um sorriso
malicioso em seus lábios que tudo o que ele havia escutado e, de fato,
processado, fora a minha última frase.
Então, soltei um longo suspiro.
— Não está óbvio, porra?
Seu sorriso cresceu.
— Pensei que músicos não fizessem o seu tipo.
Fui obrigada a revirar os olhos em resposta.
— Você é patético.
— Bem... Não sou eu que estou fugindo do que quero.
Tive vontade de rir, porque aquilo só podia ser algum tipo de
brincadeira.
— Preciso relembrar que você é comprometido, Colton? — Arqueei
uma sobrancelha, dando um passo à frente.
O rapaz sequer pareceu vacilar ao rebater com:
— Eu e Maddy não temos nada sério.
— Mas vocês têm alguma coisa — reafirmei. — E isso pra mim é o
suficiente. Além do mais, já parou para pensar em como Maddison se sentiria
se soubesse de todas as suas investidas e seus comentários engraçadinhos? —
Fiz uma pausa, esperando por uma resposta, mas voltei a prosseguir ao
perceber que ele não tinha pretensão algum de responder: — Não estou
pedindo para que pare de falar comigo, Colton. Te acho um cara bacana e
tudo mais, mas todas essas suas tentativas de me levar para a cama precisam
parar agora. Eu e você, não vai rolar. — Fui firme. — Não dessa forma.
Dito isso, girei nos calcanhares e abri minha porta com força apenas
para batê-la atrás de mim com uma certa brutalidade. Depois, desabei no meu
sofá com um suspiro cansado e encarei o teto branco, refletindo sobre o que
havia acabado de acontecer.
Palavras do escritor Marquês de Sade vieram-me à mente:
“Não há paixão mais egoísta do que a luxúria”.
E, diante dos comportamentos de Colton, eu, surpreendentemente,
passei a concordar com Marquês de Sade.
Afinal, não era à toa que a luxúria era listada como um dos sete
pecados capitais.
Talvez, o pior deles.
“Chamando minha atenção como eu nunca imaginaria
Eu tento entender, mas eu sabia desde o começo
Você funciona um pouco diferente do que qualquer uma que eu já conheci
Espero que este pequeno momento me faça te seguir por quilômetros
Abro a janela só para ver se você está por perto
Eu queria poder te mostrar todos esses sentimentos que senti.”
Head First | Christian French
Landon Klirg:
Da próxima vez, invente que você precisa de ajuda para carregar seu
cachorro até o apartamento e me leva junto, fdp.
Colton Reed:
Ele é um yorkshire, cara.
Acho que consigo dar conta sozinho.
Landon Klirg:
Vai tomar no cu.
Vou falar para o sr. Hendrick que não existe cachorro nenhum.
Colton Reed:
Tente, e esta será a última vez que vc vai falar algo.
Em resposta, Landon apenas me enviou um emoji do dedo do meio e
um breve “vai se foder”. Eu ri mais uma vez, voltando a guardar o celular no
bolso, e encontrei a figura solitária de Alec Austin sentado em um banco no
campus.
Os olhos verdes pareciam distantes quando me aproximei, apenas
fugindo do gramado na minha direção no exato instante em que tapei o sol
que batia em seu rosto com a minha sombra.
— E aí? — eu disse, sentando-me ao seu lado.
— E aí? — repetiu ele com um suspiro.
Alec parecia exausto. Mais exausto que o normal. Havia bolsas escuras
debaixo dos olhos claros e o cabelo desgrenhado me dizia que ele não o
penteava há dias. Mas o que mais me surpreendeu foi o cigarro que ele
segurava entre o dedo médio e indicador.
Alec não costumava fumar. Não mesmo. Às vezes antes de shows,
quando estava estressado, mas eram raras exceções.
— Qual é a do cigarro? — Meneei com o queixo na direção da sua
mão.
Ele desviou seus olhos até os meus. Depois, soltou um longo suspiro e
tragou com força a nicotina.
— Estressado — a princípio, foi tudo o que ele disse, soltando a
fumaça lentamente. Continuei em silêncio, à medida em que aguardava seu
desabafo. Conhecia-o bem o suficiente para saber quando ele precisava
colocar as coisas para fora do peito, e, com toda a certeza, aquele era um
daqueles momentos. — Não sei, cara. Estou cansado.
— Do quê? — indaguei, genuinamente preocupado. — Faculdade?
Banda? Vida?
Alec deu de ombros.
— Acho que de tudo. — Fez uma pausa e voltou a me encarar. —
Estou cansado de precisar ir para Bridgeport quase todos os fins de semana.
Essa rotina está acabando comigo.
— Você não pode simplesmente pedir para que sua mãe contrate
alguém para cuidar das suas irmãs mais novas? — perguntei, mas Alec
começou a negar com a cabeça antes mesmo que eu chegasse na metade da
minha frase. De qualquer forma, continuei: — Não deve ser tão difícil assim.
Elas sempre tiveram uma babá. O que aconteceu?
— É complicado, cara — murmurou, voltando a tragar o cigarro. —
Não sei se quero falar sobre isso.
Eu apertei meus lábios, levemente frustrado. Não gostava de vê-lo para
baixo e odiava vê-lo exausto daquela forma. Era quase como se Alec não
dormisse há semanas.
Eu sabia que ele estava levando uma vida agitada de uns tempos para
cá, com coisas da faculdade, banda e sua família. A semana já era exaustiva
com o tanto de trabalho e ensaios que tínhamos, mas o momento mais
cansativo para Alec aparentava ser nos finais de semana.
Sabia que sua família estava passando por um momento de crise
financeira, e que sua mãe dava plantões aos fins de semana no hospital,
sobrando para Alec a tarefa de cuidar das quatro irmãs mais novas durante
aquele meio tempo, mas deveria haver alguma forma em que ele pudesse
descansar. Uma babá não parecia ser algo tão caro.
Será que a situação financeira de sua família estava tão ruim assim?
De qualquer forma, deixei aquilo de lado. Se Alec quisesse conversar,
ele sabia que podia contar comigo a qualquer instante. Não precisava reforçar
aquilo para que ele tivesse certeza.
Ele sabia.
— Mas e você, cara? — indagou ele.
Respirei fundo.
— Meus problemas não chegam nem aos pés dos seus.
— Não estamos competindo — murmurou Alec. — Desembucha.
Demorei alguns segundos para refletir se deveria ou não falar algo. Por
mais que eu e os caras da banda fôssemos muito amigos, nós não
costumávamos desabafar sobre os nossos problemas. Era sempre algo do tipo
“tá tudo uma merda, mas tudo bem, não quero falar sobre isso” ou um breve
“não” quando um de nós perguntava se o outro estava bem. Raramente
passava disso, embora soubéssemos que podíamos contar uns com os outros
sempre.
Soltei um longo suspiro.
— Tem uma garota... — comecei, mas fui interrompido por uma
risadinha por parte dele.
— É claro que tem — disse, e eu revirei meus olhos para a sua
provocação.
— Não consigo tirá-la da cabeça.
Alec arregalou seus olhos para mim, surpreso.
— Vocês treparam?
Bem que eu queria.
— Não.
— Não?! — ele praticamente gritou, em choque. — E você não
consegue tirá-la da cabeça? Meu Deus, cara, o que foi que aconteceu com
você?
— A questão é: ela sabe que sou um idiota.
— Todos nós sabemos.
Bombardeei-o com o olhar, silenciosamente mandando-o calar a porra
da boca. Alec comprimiu os lábios e arqueou as mãos acima da cabeça, uma
tentativa de deixar claro que iria manter-se calado até que eu explicasse a
situação.
Soltei um suspiro, frustrado.
— Ela sabe que sou um idiota e sabe que o que eu tenho com Maddy
não é só sexo. — Fiz uma pausa. — Bem, pelo menos não para Maddison. E
eu estou louco para levá-la para cama. Sério, cara. Quero foder com ela até
meu pau cair. O que é uma merda, porque Maddison aparentemente se
importa. E Bree aparentemente se importa com Maddison. Ou, pelo menos,
se importa o suficiente para não dar o braço a torcer comigo.
Grunhi em frustração e larguei as mãos sobre o colo, derrotado.
Alec continuava me encarando. Os olhos verdes analisando cada
detalhe do meu rosto em silêncio, sem dizer uma palavra.
— Você pode falar agora — resmunguei, de repente irritado com toda
aquela situação.
— Você é um babaca — ele disse, de imediato. — Não há como negar,
Colton. Se você sabe que Maddy acredita que são exclusivos e sabe que
essa... hm... Como é mesmo o nome dela?
— Aubree.
— Aubree — concordou. — E sabe que Aubree não vai dar o braço a
torcer enquanto você ainda estiver com Maddison, por que diabos você ainda
não conversou com sua garota? Se não quer exclusividade, fale com ela. As
coisas só funcionam na base de um diálogo, seu idiota.
Retorci os lábios, ponderando.
Alec tinha razão. Era claro que ele tinha razão. Era um dos únicos que
realmente dava bons conselhos, o que fazia com que eu me perguntasse por
que vivia sozinho. Ele, definitivamente, seria a melhor opção de um cara
ideal, entre os quatro integrantes da Broken Crown.
De qualquer forma, aquilo não era problema meu.
— Você tem razão.
— É claro que tenho razão.
Ignorando sua enorme presunção, puxei o celular do meu bolso para
mandar uma mensagem a Maddy.
Colton Reed:
Passo no seu quarto mais tarde?
Maddison Hilton:
Estava contando com isso. ;)
Aubree Evans:
Curtindo uma música clássica.
Colton Reed:
O prédio inteiro tá, pelo visto.
Aubree Evans:
Eu ñ estaria me importando, se ñ tivesse aula 08h30 amanhã.
Colton Reed:
Aula, sexta, 08h30 da manhã?
Q vida triste.
Bufei só de lembrar.
Colton Reed:
Seria babaca da minha parte dizer que preciso chegar lá só às 11h00?
Aubree Evans:
Muito.
Colton Reed:
Anotado.
Nd de falar sobre poder dormir até às 10h30 nas sextas.
Aubree Evans:
Vc já tá falando.
Colton Reed:
Tô?
Aubree Evans:
Ele tá msm escutando Tchaikovsky ou é impressão minha?!
Colton Reed:
?
Eu deveria saber o que caralhos é Tchaifvkjfngr?
Aubree Evans:
É quem compôs o ballet “Quebra-Nozes”.
Pensei que vc fosse o músico aq.
Honestamente, tô quase me juntando a ele agora pra curtir o som.
Colton Reed:
Melhor ñ. Tenho ctz que ele bate uma punheta enquanto escuta essas
músicas.
Aubree Evans:
FDP.
Vc acabou de estragar Tchaikovsky pra mim.
Como vou para outra apresentação de Quebra-Nozes sem pensar no meu
vizinho do andar de baixo batendo uma punheta agr?
Colton Reed:
Tá com fome?
Aubree Evans:
Sempre.
Pq?
Meu pai vivia dizendo que o destino era uma cadela impiedosa. Mas,
até então, eu não via a veracidade naquela frase.
O destino nunca havia sido uma cadela impiedosa comigo. Sempre tive
dois homens incríveis que me adotaram e me deram o melhor lar que
puderam, a melhor educação e todo o amor do mundo. Nem mesmo quando o
destino tentava de fato ser um maldito filho da puta, como quando a minha
antiga faculdade foi à falência, ele conseguira (levando em conta que —
graças a isso — eu agora estava em uma das melhores universidades do país).
“Um dia você irá entender, A.” — Era o que meu pai dizia, toda vez
que eu o questionava por que diabos sua relação com o destino parecia não
ser uma das melhores.
E, bem, agora eu estava prestes a mandar-lhe uma mensagem dizendo
“eu entendi”.
Lurion Orphanage e recreação?
Ou Colton Reed estava me perseguindo, ou o destino realmente era
uma cadela impiedosa.
— O que está pensando? — Sua voz interrompeu os meus
pensamentos, e eu o olhei de canto de olho antes de voltar a me concentrar na
borboleta que eu desenhava no rosto de Trinny.
Ou era Trinity?
Ah, Deus.
Mesmo em meio ao inverno, o clima hoje, com a temperatura acima
dos dez graus e o céu azulado, permitiu-nos brincar com as crianças ao lado
de fora, apesar da presença de Colton estar sendo um empecilho diante da
minha tarefa de me concentrar nas crianças e apenas nas crianças. Nós
brincamos de esconde-esconde, mímica, e agora estávamos pintando os
rostos de crianças entre quatro a oito anos de idade, mas tudo o que minha
mente parecia pensar desde que coloquei meus pés naquele orfanato era em
Colton Reed e o quanto ele brincando com crianças era a coisa mais sexy que
eu já havia presenciado em toda a minha maldita vida.
Sério. Aquilo só podia ser algum tipo de absurdo.
Ele estava desenhando um Batman horrível no rosto de um garotinho e
tudo o que eu queria era agarrá-lo bem ali, enlaçar minhas pernas na sua
cintura e permitir que ele fizesse o que bem quisesse comigo.
Mais um motivo pelo qual eu estava destinada a ir ao inferno.
Merda.
Eu sabia que Colton Reed somado às crianças seria meu ponto fraco.
Como se já não bastasse o penhasco que eu fingia não ter pelo cara, o
universo ainda me lançava uma dessas?
Inacreditável.
— Estou parecido com o Batman, tio? — a criança indagou, antes que
eu pudesse responder à pergunta de Colton.
Ele retorceu seus lábios e avaliou bem o desenho que estava fazendo.
— Ãhn... — Colton pensou por um instante. — Está ficando...
Igualzinho.
No mesmo instante, precisei conter a vontade de rir diante da sua
resposta, apenas para que o garoto não se chateasse, e voltei a focar minha
atenção no meu desenho.
— Só preciso ajeitar um pouco essa... Asa de morcego — ele
continuou, e, pelo canto do olho, notei que tentava desengonçadamente
ajeitar o desenho terrível, o que apenas o piorou. Então desistiu e largou o
pincel no copo de plástico. — Pronto. Magnifique.
Dito aquilo, o garotinho pôs-se de pé e bateu na mão de Colton com o
punho cerrado, em uma espécie de toque desengonçado, antes de sair
gritando em direção ao escorrega onde o restante das crianças estava.
Eu soltei um riso nasalar e balancei a cabeça negativamente, atraindo
os olhos acinzentados de Colton até mim.
— Do que você está rindo? — perguntou ele, embora já soubesse a
resposta.
— Estou rindo de como o seu Batman estava horroroso.
— A minha brabuleta está horrorosa? — Trinny/Trinity arregalou seus
enormes olhos para mim, e eu me apressei em explicar:
— Não, querida. Sua borboleta está divina — garanti, porque era
verdade. Bem, ao menos estava melhor que o morcego horrível que Colton
desenhara no rosto do coitado.
Trinny/Trinity soltou um suspiro de alívio acompanhado de um “ufa”
baixinho que quase me fez apertar suas bochechas enormes.
Ela deveria ter por volta dos cinco anos. Os cabelos eram loiros, quase
brancos, e estavam presos com enormes presilhas prateadas e brilhantes. Os
olhos eram de uma cor âmbar. Gigantescos. O que apenas a tornava ainda
mais fofa.
— Não seria mais fácil comprarmos uma porcaria de máscara? —
Bufou Colton ao meu lado, jogando seu enorme corpo no gramado verde para
encarar o céu azulado.
Contive a vontade de revirar os olhos.
— Vá lá, então, garanhão — eu disse, voltando minha atenção à cor
azul que preenchia a asa da borboleta de Trinny/Trinity. — Compre mais de
trezentas máscaras para todas as crianças desse orfanato.
— O tio falou uma palavla feia! — exclamou a criancinha à minha
frente.
— Tio Colton! Você não pode falar uma coisa dessas. — Acompanhei
o tom dela, olhando para o rapaz ainda jogado na grama.
Automaticamente, Colton ergueu apenas o seu rosto em direção a
Trinny/Trinity, e franziu o cenho.
— Porcaria? — indagou ele, confuso, e ao ver as feições de choque da
menina, soltou um riso nasalar. — Porcaria não é uma palavra feia, Trinity.
Agora, não posso dizer o mesmo de porr...
— Okay! — interrompi-o, forçando um sorriso na direção da garota, e
coloquei-a imediatamente de pé, antes de virá-la em direção ao extenso
gramado verde onde as crianças brincavam. — Acabei de fazer sua borboleta.
Voe!
Dei um tapinha fraco em suas costas para incentivá-la a sair correndo
antes que Colton a ensinasse a falar “porra” por aí. Depois, voltei meus olhos
a ele em reprovação.
— Porra?
Ele deu de ombros.
— O que foi? — perguntou, inocentemente, voltando a deitar no
gramado para encarar o céu sem nuvens.
Eu fiz o mesmo que ele, repousando minhas mãos na barriga ao me
deitar ao seu lado.
— Não fale palavrão perto de crianças, Colton.
— Eu não estava falando! Só estava explicando para Trinity que...
— Trinity não quer saber se “porra” é uma palavra mais ou menos feia
que “porcaria” — expliquei, cortando-o. — Ela só quer saber qual palavra é
interessante o suficiente pra sair dizendo por aí, sem contexto algum, até que
sejamos expulsos do trabalho voluntário por sermos péssimas influências.
O som da sua risada alcançou meus ouvidos, fazendo meu corpo
arrepiar sem a minha permissão.
— Meu pai nunca se importou em falar palavrões na minha frente.
— É por isso que sua boca é tão suja — eu disse, em um tom divertido,
e recebi um cutucão na costela em seguida, que me fez contorcer e lhe dar um
tapa na sua mão, para que se afastasse. — Sua mãe nunca disse nada? Digo,
sobre seu pai não se importar com os palavrões na frente de uma criança?
Colton inspirou fundo ao meu lado, o peito inflando diante da força em
que puxou o ar para dentro.
— Acho que minha mãe nunca teve muita voz nesse relacionamento —
foi tudo o que ele disse.
Imediatamente, fiz uma nota mental sobre aquilo, e me virei de lado na
grama para encará-lo. Seus olhos, no entanto, continuaram grudados ao céu.
Não imaginava o quão difícil era para Colton falar sobre seus pais, e
surpreendia-me que ele havia escolhido justamente a mim para falar coisas
como aquelas. Embora não fossem grandes confissões sobre seus problemas
com seus pais ou sobre seus sentimentos, eu já considerava um grande passo.
— Meus pais até hoje se recusam a falar qualquer palavrão na minha
frente — eu disse, aproveitando o momento para deixá-lo mais à vontade ao
compartilhar coisas sobre a minha família também. — A primeira vez que um
deles me ouviu falar palavrão, eu estava no carro, voltando da faculdade —
prossegui, e mordi meu lábio inferior quando seu rosto virou o suficiente para
me observar. — Era fim do semestre e eu estava tão estressada com a
quantidade de trabalhos que deixei escapar um “porra” no final do meu
desabafo sobre uma professora demoníaca do primeiro semestre. Meu pai
ficou tão chocado que bateu o carro na parede da nossa garagem sem querer.
— Tá brincando? — Colton soltou uma gargalhada, e eu neguei com a
cabeça.
— Queria estar. — Acompanhei-o na risada. — Mas infelizmente o
estrago na parede está lá até hoje.
Nós rimos durante mais alguns segundos, antes que o silêncio tomasse
conta do ambiente ao nosso redor. Meus olhos encaravam seu rosto que, de
repente, passara a adquirir feições sérias, quase melancólicas. Então, Colton
girou seu corpo na grama para ficar de frente para mim e disse:
— Seus pais parecem bons pais.
Sorri.
— Eles são. — Sem desviar o castanho dos meus olhos da cor
acinzentada dos seus, eu soprei.
Colton apertou os lábios e depois sorriu. Seus dedos vieram em direção
ao meu rosto, afastando alguns fios do meu cabelo para longe da minha vista.
Após isso, o garoto dobrou seu braço e apoiou o rosto na mão, à medida que
esquadrinhava cada um dos meus traços com atenção.
Eu apenas continuei exatamente onde estava, aproveitando a visão que
tinha dele. As sombras dançavam pelas feições masculinas enquanto nós
continuávamos ali, imóveis, observando um ao outro como se fôssemos as
únicas obras que restaram de um museu. Somente eu e ele.
— Quer comer algo lá em casa depois daqui? — indagou Colton,
suavemente.
Pensei por um instante, porque era claro que eu queria, mas até que
ponto aquilo podia ser considerado algo seguro? Meu corpo já havia deixado
claro há dias que tinha um fraco por Colton Reed. Cada movimento, sorriso
de canto ou piadinha com um duplo sentido fazia minhas coxas contraírem-se
e os meus pulmões perderem o fôlego à medida em que eu tentava, de todas
as formas, policiar minha mente a não pensar no cara em qualquer situação
comprometedora.
Afinal, ele estava com Maddison Hilton.
E, mesmo se não estivesse, ele era o típico cara que nascera para foder
com o psicológico de qualquer garota. Eu, contudo, não estava disposta a
permitir que ele fodesse com o meu.
No entanto, comer algo na casa dele não me parecia uma situação
alarmante.
Colton e eu estávamos criando uma espécie de vínculo. Era quase como
se estivéssemos tornando-nos amigos, e eu não via nada de errado em comer
um sanduíche ou os restos de uma pizza antes de voltar ao meu apartamento.
— Tenho que acabar uns trabalhos da faculdade hoje, mas que tal uma
janta? — propus.
Ele sorriu em resposta.
— Acho uma ótima ideia.
— Combinado, então — eu disse.
— Combinado — repetiu Colton, antes de voltar a jogar-se na grama e
encarar o céu, agora com um sorriso no rosto.
“Não há verdade que estamos adivinhando
Não adianta não confessar
Nunca está certo, mas esta noite
Acho que podemos estar ficando mais quentes.”
Warmer | Bea Miller
Assim que Aubree Evans sumiu pela porta pela qual Mason e Lake
haviam surgido minutos antes, eu voltei a desabar no sofá, derrotado.
Derrotado porque, como eu havia previsto, estava sendo consumido
pelos sintomas da ressaca mais filha da puta de todos os tempos.
Obrigado, Tequila.
Derrotado porque, como eu meio que havia previsto, Aubree tinha
ficado tão envergonhada com o que havíamos feito na noite passada que eu
decidi que a melhor coisa a se fazer seria fingir indiferença para que nossa
relação não mudasse para pior. Embora tudo o que mais quisesse, quando a vi
parada em frente ao sofá, era arrancar sua roupa, enfiar minha língua na sua
goela e trepar com ela, agora que finalmente estávamos sóbrios.
Não foi o que acontecera.
E, por último, mas não menos importante: derrotado porque, como eu
não havia previsto, Lake e Mason haviam causado a bolha de
constrangimento entre Aubree e eu ainda pior do que já estava.
— Bem... — Começou Lake, desviando seus olhos da porta pela qual
Bree havia acabado de dar o fora, até mim. — Aquela definitivamente não
era Maddison Hilton.
— Não me diga. — Eu bufei, ironicamente, com minha atenção
grudada na TV, na qual um jogo de hóquei entre Boston Bruins e Detroit Red
Wings estava acirrado pra caralho.
Puxei o ar com força entre os dentes quando Chad Johnson, o goleiro
do Bruins, defendeu uma tacada sensacional, e passei as mãos pelos cabelos,
impressionado. Segundos mais tarde, o sofá afundou-se ao meu lado e não foi
preciso que eu olhasse de esguelha para ter certeza de que era Callahan.
— Não vai explicar o que acabou de acontecer aqui? — indagou ele,
curioso.
Layken acomodou-se na poltrona da sala. Os olhos cinzas tão
bisbilhoteiros quanto os do meu amigo.
— Hm... — Apertei os lábios, fingindo pensar. Depois tirei minha
atenção do jogo para encará-los ao dizer: — É. Acho que não.
— O que aconteceu com Maddison? — questionou Lake, ignorando o
que acabara de ser dito por mim.
Eu inspirei profundamente, antes de suspirar da forma mais dramática
possível para deixar claro que estava de saco cheio daquela porra de
interrogatório e que eles deveriam me deixar em paz antes que eu os
mandasse à merda.
Quando nenhum dos dois fez menção de respeitar o meu espaço, revirei
meus olhos.
— O que vocês acham que aconteceu com Maddy?
Mason e Layken entreolharam-se, tirando conclusões óbvias de serem
tiradas.
Após isso, Callahan pigarreou e ajeitou-se no sofá.
— Então, você e a nova vizinha...
— Aubree — corrigi-o no mesmo instante.
— Claro. Aubree. — Mason fez uma pausa. — Você e Aubree... hm...
— Não — respondi imediatamente, com os olhos grudados na TV e o
meu pau murchando ainda mais de tristeza ao dizer em voz alta que não, não
havia transado com Aubree Evans.
Infelizmente, eu quis acrescentar, mas não o fiz.
— Não? — Mason parecia decepcionado. — Nem a cabecinha?
Então meus olhos arrastaram-se até ele, em um misto de choque e terror
com a pergunta descarada. Layken parecia tão chocada quanto eu, porque não
demorou a fazer uma careta e levantar-se da poltrona, dizendo:
— Ok. Essa é a minha deixa. Estou indo para o quarto.
Mas antes que ela pudesse sumir pelo corredor, eu a chamei, forçando-a
girar nos calcanhares e observar-me, aguardando que eu dissesse algo.
— Como foi em Boston? — indaguei, genuinamente curioso.
No entanto, foi apenas uma questão de segundos até que o desconforto
voltasse a tomar conta de mim, assim que seus olhos arregalaram-se, surpresa
com a pergunta. Eu não a culpava por isso. Durante anos, eu me recusei
sequer a pronunciar o nome da cidade em que crescera, e agora estava
perguntando à minha irmã como havia sido com os meus pais? Era algo que
surpreendia até mesmo a mim, mas ver a expressão de choque no rosto de
Mason e Lake tornava tudo pior.
A parede que separava-me de todo o meu passado com minha família, a
qual meu inconsciente parecia vir tentando derrubar aos poucos,
automaticamente reerguia-se com a falta de naturalidade da minha irmã e do
meu melhor amigo diante das minhas atitudes, embora eu não os culpasse por
aquilo.
— Ãhn... — Lake coçou a nuca. — É, foi legal.
Eu concordei com a cabeça, e então disse:
— Legal.
— Legal — repetiu Mason.
— Vou tomar um banho — anunciou minha irmã, fazendo com que
meu amigo se levantasse, quase como se estivesse fugindo daquela conversa
tanto quanto ela.
— E eu vou tirar as coisas das malas — disse Callahan, embora eles
não houvessem levado nada mais que duas mudas de roupas.
Contive a vontade de revirar os olhos e bufei quando os dois deram o
pé como duas crianças assustadas, mudando o canal da TV ao notar que o
jogo entre Boston Bruins e Detroit Red Wings havia acabado.
Depois de alguns segundos inquieto no sofá, estiquei-me para alcançar
meu celular na mesinha de centro. Sem que eu pudesse pensar no que estava
fazendo, meus dedos buscaram pelo nome de Aubree.
“Pelo visto, a única pessoa que tem bolas o suficiente pra falar cmg
sobre os meus pais é vc.” – digitei e pensei por um longo instante, com o
meu polegar suspenso no botão de enviar.
Não enviei.
Com um suspiro frustrado, apaguei a mensagem e joguei o celular de
volta à mesa.
— Serviço de quarto?
Meus olhos foram do moço bem vestido, passando por seu crachá com
o nome Paul grafado em letras elegantes, até um enorme carro bandeja
coberto por uma toalha de mesa que parecia bastante cara. Em cima da
toalha, havia dois pratos tampados pelo cloche e um pequeno cooler com uma
garrafa de espumante, juntamente a taças provavelmente mais caras que o
meu apartamento.
Abri um sorriso satisfeito porque porra, era exatamente daquilo que eu
precisava depois de quatro horas de estrada e um confronto direto com
Howard Reed.
— Você é o cara. — Eu praticamente gemi, abrindo um pouco mais a
porta para lhe dar passagem para entrar no quarto, e notei um risinho
escapando dele.
A porta próxima à entrada estava fechada e o som do chuveiro sendo
desligado me dizia que Bree estava a um passo de sair dali para se deparar
com aquele jantar que eu esperava ser tão delicioso quanto diziam por aí.
Paul estava estendendo uma nova toalha na pequena mesa posicionada
próximo a um canto do quarto, para colocar os pratos, no momento em que
ouvi a tranca do banheiro e o giro da maçaneta.
Aubree parou exatamente onde estava. Os olhos castanhos levemente
arregalados e surpresos ao se deparar com a presença de Paul ali. Tudo que
envolvia seu corpo era um roupão felpudo. Também era a segunda vez que
via seus cabelos encaracolados úmidos. Na verdade, era a segunda vez que a
via recém-saída do banho, mas daquela vez apenas com uma maldita peça
que eu sabia que podia ser facilmente tirada do seu corpo.
Ah, porra. Eu conseguia ver o vão dos seus seios entre o roupão
levemente frouxo na parte da frente. A pele ainda estava úmida, com
pequenas gotículas ali e puta que pariu. Meu pau estava começando a dar
sinal de vida apenas com a ideia daquelas gotículas percorrendo seu corpo
lentamente, passando por todos os centímetros que eu gostaria de estar
passando. E o quão constrangedor era notar que Paul também estava ali para
presenciar uma semi ereção minha diante da visão de Aubree de roupão?
Porra. De roupão.
Aquilo não deveria ser um grande evento, mas minha mente traiçoeira e
suja já havia pensado em, pelo menos, cinco formas diferentes daquele
roupão acabar no chão e Aubree acabar por cima de mim.
— O que é isso? — Sua voz me trouxe de volta à realidade e fui
obrigado a pigarrear para espantar os pensamentos sujos.
— O quê?
Aubree meneou com o queixo para a mesa.
— Isso, Colton.
Dei de ombros.
— Pensei que seria interessante se comemorássemos o dia de hoje.
Ela abriu a boca para responder, mas nada saiu por ali. Segundos mais
tarde, seus lábios voltaram a se fechar à medida em que a garota ainda
alternava seu olhar entre a mesa, Paul e eu.
Não consegui dizer se aquilo era uma reação boa ou ruim.
Ultimamente, as atitudes e reações de Aubree vinham me transmitindo
sensações e sentimentos confusos. Uma hora, eu tinha certeza de que ela
estava totalmente na minha, mas, nem meio segundo depois, era como se ela
houvesse construído um muro entre nós, estampado com letras maiúsculas e
chamativas nos tijolos a palavra FRIENDZONE.
Um pigarreio ao meu lado esquerdo tirou-me dos meus devaneios e eu
voltei minha atenção ao funcionário quando este disse:
— Os senhores gostariam de mais alguma coisa?
Neguei com a cabeça, mas Aubree logo se prontificou.
— Na verdade, sim. — Um sorriso divertido abriu-se em seus lábios
quando meus olhos voltaram a ela, confusos. — Vocês têm tequila?
E eu não pude evitar sorrir.
Na verdade, o sorriso que instantaneamente surgiu em meu rosto era
tão grande e divertido que eu estava começando a senti-lo rasgar as minhas
bochechas.
Essa era minha garota.
— El Jimador ou Jose Cuervo? — indagou Paul, puxando um pequeno
bloco de notas do bolso traseiro, juntamente à uma caneta.
Os olhos de Aubree vieram até os meus, aguardando a minha decisão.
Olhei para Paul e engoli em seco, lentamente, em uma tentativa de
disfarçar a vontade que eu estava de simplesmente jogá-la naquela cama e
sentir o gosto dos seus lábios nos meus mais uma vez, assim como eu vinha
fazendo todos aqueles últimos dias.
— Jose Cuervo — eu disse, retribuindo o sorriso que ele me lançara ao
assentir e pedir licença para retirar-se do quarto atrás da garrafa de tequila.
Continuei exatamente onde estava, voltando a encarar Aubree quando a
porta da frente foi fechada. Ela sorriu para mim e aproximou-se curiosamente
da mesa na qual os pratos seguiam tampados pelo cloche, sentando-se.
— Hm... Espaguete ao molho de funghi? — Aubree passou a língua
pelo lábio superior, após retirar a tampa de aço de um dos pratos, e soltou um
gemido satisfeito que me fez arrepiar da cabeça aos pés. — Como você
adivinhou? Esse prato é maravilhoso.
— Só liguei para a recepção e pedi a opção mais deliciosa e vegetariana
do cardápio. — Dei de ombros.
Aubree voltou sua atenção a mim e franziu o cenho.
— Vai ficar aí? — O dedo indicador apontava para mim. — Melhor vir
logo, antes que eu coma o seu prato também.
— Você jamais faria isso — eu disse, forçando meus pés a se moverem
em direção à mesa. Sentando-me na cadeira de frente a ela, abri o espumante
para despejá-lo em sua taça. Aubree, então, levantou uma sobrancelha para
mim, como quem dizia “vai mesmo duvidar de mim?”, o que fez com que eu
não demorasse levantar o cloche do meu prato e acrescentasse com um
sorriso: — A não ser que esteja disposta a comer carne.
Suas feições não demoraram a formar uma careta ao perceber o pedaço
suculento de picanha ali.
— Acho que vou me contentar com o meu espaguete e esses — ela
esticou-se para alcançar a pequena cesta com pães, mas antes que conseguisse
roubar todos para si, agarrei dois deles e puxei o pote de manteiga para mim
—... pães. Espera, Colton, o quê...?
Suas mãos tentaram puxar o potinho de manteiga para si, o que apenas
me deixou ainda mais na defensiva, trazendo a manteiga para junto do meu
peito.
Que porra era aquela? Se ela iria roubar os malditos pães, então eu
iria roubar a porcaria da manteiga.
Eu sabia que aquele era só o meu lado infantil querendo importuná-la,
mas aquilo não me impediu de pegar a faca para passar a manteiga no pão.
Antes que eu pudesse fazê-lo, no entanto, Aubree praticamente gritou com a
mão ainda esticada na minha direção como se eu estivesse prestes a cometer
um crime:
— Espera!
E minha mão, a qual segurava a faca, pairou no ar para que eu pudesse
encará-la.
Então, ela se debruçou na mesa apenas o suficiente para que eu pudesse
ver quase todos os seus peitos e aproveitou a minha distração para roubar o
pequeno pote de manteiga de mim.
Maldita.
Ela tinha suas armas.
Ou ela simplesmente estava tentando alcançar o pote de manteiga,
Colton, minha mente fez questão de pronunciar-se.
Eu não tinha o costume de debater muito com o meu consciente, mas,
ultimamente, quando tratava-se de Aubree Evans, era quase como se
houvessem dois lados de mim: um que tentava de todas as formas convencer-
me de que Aubree me daria abertura para tentar algo a mais com ela, e outro
que já havia se conformado que eu estava naquele local tão temido por
muitos caras; a maldita friendzone.
— As iniciais do hotel estão na manteiga, Colton! — Bree exclamou,
como se houvesse acabado de descobrir o mundo, e eu apenas consegui
encará-la com um ponto de interrogação enorme em meu rosto, o que fez
com que ela repetisse aquilo que já vinha estado bastante claro para mim
desde que Paul colocara a manteiga na mesa: — As iniciais do hotel estão
esculpidas na manteiga. Que hotel tem as iniciais esculpidas em uma droga
de uma manteiga? Meu Deus. Quanto você gastou com uma noite de
hospedagem, Colton? Não posso deixar você pagar essa noite sozinho.
Eu estava prestes a começar a discutir com ela pela segunda vez no dia
que não a deixaria dividir a hospedagem comigo, porque eu praticamente a
arrastei até Boston, quando ela levantou-se.
Calei a boca antes mesmo de falar alguma coisa, e a segui com meus
olhos pelo quarto.
— O que você está fazendo, Bree? — perguntei, confuso pra cacete.
Estava claro que ela estava procurando algo. Revirando os travesseiros
da cama, Aubree sorriu satisfeita ao encontrar seu celular, e então voltou a
sentar-se na mesa.
— Preciso tirar uma foto dessa manteiga — finalmente explicou, antes
que o barulho da foto sendo tirada chegasse aos meus ouvidos. Depois, Bree
digitou alguma coisa para alguém, sorriu e bloqueou seu celular, pegando sua
faca para passar a manteiga no pão como se o que houvesse acabado de
acontecer fosse algo totalmente normal. — Como foi a conversa com o seu
pai, afinal?
Franzi o cenho, ainda alternando minha atenção entre ela, a manteiga, o
celular e o pão que agora Aubree mordia ao mesmo tempo em que aguardava
por uma resposta da minha parte.
— Você acabou de tirar foto da manteiga do hotel? — perguntei, em
dúvida se aquilo havia sido apenas uma alucinação ou se, de fato, havia
acontecido.
Seus olhos vieram aos meus, inocentes.
— Claro que sim. Eles têm a logo do hotel na manteiga, Colton.
Precisei mandar pro meu pai para encher o saco dele sobre o que é realmente
arte — disse Aubree, e eu tive que apertar os lábios para não rir. — Agora
vamos ao que interessa. Estou curiosa. — Fez uma pausa, enrolando o
espaguete no garfo. — Segundo você, estamos comemorando. Então acredito
que a conversa tenha sido boa, mas você não disse nada sobre. Não pode
simplesmente me trazer para Boston, levar-me até a casa dos seus pais com o
único objetivo de enfrentar o seu pai e depois não me atualizar sobre o que
aconteceu dentro daquele escritório.
Apertei meus lábios, sem saber ao certo o que dizer. Não queria fazer
daquela conversa com meu pai um evento histórico. Na verdade, desde que
eu saíra daquele escritório, que mais me parecia com o inferno, eu vinha
tentando ignorar o que houvera sido dito lá dentro. Afinal, duvidava muito
que meu pai fosse considerar uma única palavra do que eu dissera, mas valeu
a tentativa.
— Bem... — Eu comecei a falar, cortando um pedaço da picanha antes
de enfiá-la na boca. — Você não me contou o que estava cochichando com a
minha mãe, então...
Automaticamente, ela olhou-me de baixo a cima e de cima a baixo,
com uma sobrancelha arqueada em impaciência. As feições estavam
suficientemente intimidantes para que eu engolisse o pedaço da carne com
força e desse o braço a torcer.
— Foi... Ok.
Aubree colocou uma garfada de seu macarrão na boca.
— Ok?
Eu dei de ombros, revirando a comida no prato.
— Só disse algumas verdades.
— O que isso quer dizer? Quais verdades? Você está sendo vago.
Inspirando profundamente, larguei o talher sobre o prato e olhei para
ela, sentindo uma fagulha de irritação percorrer o meu corpo, como acontecia
toda vez que Howard Reed tornava-se o assunto principal.
— Não quero falar sobre ele, Bree — respondi, com a voz áspera. —
Tudo o que eu disse foi que, se ele não quer me respeitar como filho, que ao
menos me respeite como pessoa porque não sou mais a porra de uma criança.
E mesmo que fosse, isso não lhe dá o direito de... — Mas me interrompi ali
mesmo, ao perceber que estava começando a fazer daquele jantar todo sobre
Howard mesmo com minha promessa a mim mesmo de que eu não o faria.
Então inspirei e expirei mais uma vez e voltei a pegar meu garfo para espetá-
lo na carne. — Enfim. Só espero que ele tenha entendido o recado.
Parecendo entender que eu não estava disposto a conversar
detalhadamente sobre aquilo, Aubree pigarreou e voltou sua atenção ao seu
prato, em silêncio. O clima entre nós pesou, o que fez com que eu me
remexesse na cadeira, desconfortável, e praticamente soltei um suspiro de
alívio quando uma batida na porta deu-me uma brecha para que levantar e
fugir daquela bolha incômoda que de repente pairara sobre nós.
— Uma Jose Cuervo. — O mesmo funcionário sorriu para mim, assim
que abri a porta, e estendeu-me a garrafa de tequila.
Eu agradeci com um sorriso e fechei a porta, remoendo a culpa que
subitamente pareceu surgir em meu peito pelo meu tom de voz com Aubree.
Então, caminhei até a mesa, deixei a tequila no centro e curvei-me apenas o
suficiente para deixar um beijo rápido nos seus cabelos molhados — algo que
percebi gostar pra caralho de fazer quando se tratava de Bree. Em seguida,
coloquei-me atrás dela e a abracei, apoiando meu queixo em seu ombro
esquerdo.
— Desculpe, ok? — sussurrei. — Só não quero fazer dessa noite algo
sobre ele.
Sua mão delicada soltou o talher e veio até meu antebraço para que seu
polegar fizesse um carinho tão sutil que eu me perguntei por um momento se
ela sequer estava ciente do acariciar do seu dedo contra a minha pele.
— Está tudo bem — ela sussurrou de volta, e seu rosto virou-se apenas
o suficiente para me fazer perder o ar com a proximidade da sua boca com a
minha.
Para ser sincero, eu odiava para cacete a forma como meus pulmões
pareciam perder a função automática quase todas as vezes em que Aubree
estava por perto. Como se já não bastasse todos os pensamentos sujos que
surgiam desde sempre ao lado dela, agora aquilo; aquela merda de falta de
controle das minhas próprias reações.
Ultimamente, não tratava-se somente das minhas bolas se contraindo
com a ideia de explorar cada detalhe no corpo daquela mulher.
Não.
Tratava-se de muito mais que aquilo.
Era quase como se eu houvesse voltado a ser aquela porra de garotinho
de dez anos que não sabia nem qual era o significado de boceta.
— Relaxa, Colton — Aubree voltou a murmurar, puxando-me de volta
à realidade e me forçando a desviar meus olhos da sua boca. — Tá tudo bem.
— Ainda bem. — Eu afastei meus braços que envolviam seu corpo e
tratei de recuperar minha compostura ao me dirigir à cadeira. — Não vendi
meu fígado para passar uma noite nesse hotel de luxo com uma Aubree
emburrada.
Ela soltou um riso nasalar em resposta e balançou a cabeça.
— Seu fígado está podre demais de tanto álcool ao longo dos seus vinte
e um anos pra valer mais que dez centavos, Colton.
Abri a boca, ofendido.
Dez centavos?
Eu diria que no mínimo quinze.
Antes que eu pudesse rebater, no entanto, Aubree recebeu uma
mensagem e não conseguiu conter uma gargalhada alta, jogando a cabeça
para trás, o que me deixou confuso pra caralho e, embora eu odiasse admitir,
até mesmo incomodado.
Nunca tinha parado para pensar na possibilidade de Aubree estar
flertando com outros caras. O que fazia de mim mais ingênuo do que uma
criancinha mimada de cinco anos de idade.
Por que Aubree não estaria flertando?
Ela era a porra do pacote completo:
Inteligente ✓
Bonita ✓
Gostosa ✓
Incrível pra cacete ✓
Seria burrice da parte de todos os caras da NYU e, até mesmo de Nova
York inteira, não tentar algo com aquela garota.
Ela estava flertando.
Que merda.
O sorriso no rosto dela dizia tudo.
E a carranca no meu provavelmente também, porque quando Bree
levantou seus olhos até mim, riu ainda mais. Como se fosse muito divertido
as teorias conspiratórias que estavam dando piruetas no meu cérebro.
Muito divertido, Aubree.
— Estou falando com meu pai — a garota finalmente conseguiu
explicar, quando as risadas cessaram. — Gosto de tirar sarro dele com coisas
relacionadas ao seu trabalho. Ele é um pintor, então mandei foto da manteiga
para ele e coloquei embaixo “isso sim é uma obra de arte”. — Ela virou a
tela do celular para que eu pudesse ler a troca de mensagens. — E ele
respondeu...
Sua risada a impediu de continuar, mas eu estreitei meus olhos para ler
a mensagem de seu pai.
“Lindo. Pode deixar que vou mandar seu dinheiro em forma de
manteiga no fim do mês. Assim você não passa fome.”
Por um instante, senti-me um idiota pelo ciúme estúpido e
completamente desnecessário. Por outro instante, senti um alívio instantâneo
ao saber que era com seu pai que Bree estava falando e, então, fiquei
horrorizado com todas aquelas emoções idiotas. Mas aquilo não durou nem
meio segundo, porque a mensagem de seu pai me fez acompanhar Aubree na
risada e esquecer essa porra de suruba de sensações dentro de mim que,
inclusive, estava longe de ser uma ótima suruba.
— Então seu pai é pintor? — perguntei, quando as risadas cessaram, e
Aubree automaticamente semicerrou seus olhos na minha direção.
— Se eu responder que sim e você disser “agora está explicado...
porque ele fez uma obra de arte”, pego seu carro e volto pra Nova York
agora.
Eu não pude evitar uma risada alta.
— Que tipo de idiota faria uma cantada dessas?
— Acredite... — Aubree tomou mais um gole do seu espumante. —
Muitos idiotas.
Sorri em resposta, e nós voltamos a comer enquanto Bree dizia um
pouco mais sobre seus pais. Oliver era o pintor, e Tan o contador. Também
falou um pouco sobre sua dinâmica com seus pais e como as coisas sempre
pareceram fluir com leveza entre eles.
Era bom ouvi-la falando daquela forma sobre os pais e a infância
incrível que teve. Melhor que isso, apenas a forma como seus olhos
brilhavam em excitação enquanto ela contava episódios divertidos de quando
era criança, como a vez em que saira arrastando um tapete para fora de casa,
dizendo que iria morar com sua avó depois dos seus pais insistirem que ela
deveria ver algo além de “As Meninas Super Poderosas” (que, por sinal,
também era o meu desenho favorito quando mais novo, mas nem morto que
eu admitiria aquilo em voz alta).
A conversa estava ótima, mas não demorou para que nossos pratos se
esvaziassem e nosso foco voltasse inteiramente à tequila.
— O cheiro dessa tequila me traz lembranças — comentou Aubree à
medida em que enchia os copos do hotel, e eu não pude evitar abrir um
sorriso banhado pela malícia no mesmo segundo.
Não tinha a mínima ideia se as suas lembranças daquela bebida eram as
mesmas que as minhas, mas eu esperava que sim, porque tudo o que aquela
bebida dourada me permitia lembrar era da língua deliciosa de Aubree
explorando meu corpo. E depois a minha boca.
Porra.
— Lembranças boas ou ruins? — A pergunta fugiu antes que eu
pudesse me conter.
Aubree automaticamente pareceu surpresa, mas logo tratou de esconder
suas feições atônitas atrás de um sorriso banhado de... malícia?
— Talvez eu deva deixar isso para uma confissão da madrugada —
disse ela, entregando-me um dos copos de tequila e puxando o outro para si.
Contudo, antes que ela o colocasse na boca, eu forcei-a a parar,
gritando um “espera” que fez sua mão congelar com a dose próxima aos
lábios. Os olhos observaram-me, curiosos.
Pigarreando, cocei minha nuca sem jeito.
Não queria que aquela noite fosse uma cópia do que acontecera uma
semana atrás, no seu apartamento. Daquela vez, queria que ela soubesse das
minhas vontades e que dissesse as suas antes que a tequila virasse a
protagonista e responsável pelos nossos atos.
— Preciso fazer uma confissão da madrugada.
Aubree franziu o cenho para mim.
— Ainda são dez horas da noite.
— Eu sei. — Revirei meus olhos. — Mas você fez a sua mais cedo e
agora eu quero fazer a minha.
Soltando um risinho nasalar, Bree voltou a repousar o copo sobre a
mesa, atenta.
— Estou esperando.
Soltei um longo suspiro e meu coração palpitou no peito porque puta
que pariu, eu não tinha a porra da mínima ideia de como ela reagiria àquela
confissão.
E puta que pariu — parte dois: eu estava parecendo a porra de uma
criança, nervoso até o último fio de cabelo ao assumir seus sentimentos por
alguém, apesar de que tudo o que eu estava prestes a assumir ali não tinha
relação nenhuma com o emocional, mas sim com a enorme cama atrás de nós
e com a boca deliciosa de Aubree Evans.
— Bem — comecei, virando a dose de tequila para ver se a bebida me
ajudaria com algum tipo de efeito instantâneo para continuar aquela confissão
estúpida — minha confissão da madrugada é que, ainda essa noite, quero te
beijar, Bree.
Então ela piscou.
Uma.
Duas.
Três vezes.
Os lábios partiram-se.
Depois, fecharam-se.
E, sem dizer uma palavra sequer, ela virou a dose de tequila, chocando
o copo agora vazio contra a mesa de madeira.
Em seguida, levantou-se, vindo em passos lentos até a minha direção,
que fizeram com que as batidas do meu coração acelerassem como se eu
tivesse corrido a porcaria de uma maratona inteira em vinte minutos.
Fui obrigado a prender minha respiração quando Aubree sentou-se no
meu colo, de frente para mim, com o rosto perto demais do meu. As pernas
envolviam o meu corpo, uma em cada lado dele, e, subitamente, meu pau
pareceu acordar quando me lembrei que ela estava de roupão.
De fucking roupão.
Sem nada por baixo.
Com as pernas abertas, sentada na porra do meu colo.
Tudo o que separava meu pau da sua boceta naquele instante era o
tecido da minha calça moletom e nada mais. Nem mesmo uma cueca, o que
tornava aquela situação um pouco preocupante, a julgar pelo fato de que meu
pau logo, logo estaria dando um oi bem perceptível por trás do tecido, caso
ela continuasse ali por mais meio segundo.
Suas mãos envolveram minha nuca. Os dedos longos emaranharam os
meus cabelos e eu não demorei a agarrar sua cintura com força, hesitante em
relação ao o quê diabos Bree estava fazendo.
E, como se ela pudesse ler a dúvida em cada pequena parte do meu
rosto, Aubree pressionou seus lábios nos meus. Lenta e deliberadamente.
A princípio apenas um selinho longo e delicado, que não demorou a
transformar-se em um beijo ainda mais delicioso que a primeira vez em que
nos beijamos, quando minha língua invadira sua boca e um grunhido rouco
escapara da sua garganta.
Minhas mãos a puxaram mais para perto de mim, agora com o único
intuito de que ela realmente pudesse sentir o quanto eu estava duro por conta
dela e o quanto seu beijo mexia comigo de todas as formas possíveis, à
medida que seus lábios moviam-se sobre os meus com firmeza. Seus dedos
pressionavam minha nuca com ainda mais força, esperando nos aproximar
mais. E, porra, Aubree beijava bem pra caralho.
No entanto, antes que a gente pudesse ir além, ela separou sua boca da
minha e sorriu, o que quase me fez gemer em um misto de reprovação e
tesão, ao me deparar com seu cabelo bagunçado e os lábios já levemente
inchados e vermelhos.
— Confissão da madrugada? — Começou ela, trazendo sua boca para
junto da minha orelha em seguida. Com uma mordiscada provocativa no meu
lóbulo e um risinho que fez meu corpo arrepiar e meu saco se contrair em
desejo, ela acrescentou em um sussurro: — Quero ir além dos beijos essa
noite, Colton... O que você acha disso?
E não foi preciso muito mais que um sorriso para que Aubree soubesse
exatamente o que eu pensava sobre aquilo.
“Então, tranque a porta e jogue a chave fora
Não posso mais lutar contra isso, somos apenas você e eu
E não há nada que eu, nada que eu, eu possa fazer
Estou preso a você, preso a você, preso a você
Então, vá em frente e me deixe louco
Querida, fale bobagem, ainda assim eu não mudaria de ideia
Estou sendo preso a você, preso a você, preso a você
(...)
Querida, venha gastar todo o meu tempo
Vá em frente, me faça perder a cabeça
Nós temos tudo o que precisamos essa noite.”
Stuck With U | Ariana Grande ft. Justin Bieber
Mason Callahan:
Lake e eu vamos ao cinema e dps jantar fora.
Lake pediu p/ avisar q tem comida de ontem na geladeira.
Alec Austin:
Vou precisar adiar o ensaio de amanhã pra quarta, caras.
Problemas em Bridgeport. Só volto terça à noite.
Chase Mitchell:
Sua garota tava procurando por vc ontem na festa do Kappa.
Chase Mitchell:
Ops. Ex-garota.
Foi mal. Vacilo meu.
Chase Mitchell:
Ent quer dizer q vai rolar a famosa recaída?
Colton Reed:
Parece q sim.
“Seria escandaloso dizer,
Que ou estamos gritando ou estamos transando
presos em uma fase tempestuosa
É uma pena, e acaba de me ocorrer que nós não podemos voltar
A ser como éramos antes.”
Too Much To Ask | Arctic Monkeys
Aubree Evans:
Já chegou?
Batuquei os dedos na mesa mais ao canto do bar, e olhei mais uma vez
para a porta do Belly, à procura de Alec. Bree e eu havíamos voltado de
Bridgeport no domingo à noite, e assim que pisei no meu apartamento,
mandei uma mensagem a Alec, sugerindo que saíssemos para tomar uma
cerveja. Aquela história toda do seu pai e esclerose múltipla estava me dando
nos nervos há dias, mas Alec se recusara a me encontrar em Bridgeport de
qualquer maneira.
Daquela forma, no momento em que pisei em Nova York, mandei-lhe
uma mensagem. Ele demorou um dia inteiro para me responder e quando,
enfim, o fez, sua resposta foi:
“Só volto quarta. Minha mãe tá precisando de ajuda c/ minhas irmãs.
Emendou 2 dias de plantão. A gnt combina dps.”
Era claro que era apenas mais uma mentira da qual eu cairia facilmente
se não fosse pela descoberta de dias antes, mas eu não o culpava por aquilo.
Não tinha ideia das merdas pelas quais Alec Austin estava passando, mas, de
alguma forma, queria poder lhe demonstrar algum tipo de apoio. Talvez dizer
que sabia de tudo e que aquilo não mudava nada entre a gente.
Portanto, no mesmo dia em que ele disse que voltaria a NY, forcei-o a
ir tomar uma cerveja comigo. Nós costumávamos fazer aquilo no primeiro
ano da faculdade, mas com o passar do tempo, acabamos deixando aquelas
saídas de lado.
E, bem, agora lá estava eu. Sentado em uma mesa no Belly, aguardando
pacientemente Alec há mais de meia hora.
Olhei pela milésima vez o feed do Instagram, procurando algo que
pudesse me distrair enquanto esperava. Por fim, decidi ligar para Bree.
A ligação chamou um par de vezes.
— E aí? Ele chegou? — foi a primeira coisa que ela disse, assim que
atendeu à chamada.
Balancei a cabeça.
— Ainda não.
— Já mandou mensagem?
— Já.
Bree suspirou.
— Nada?
— Nada — eu disse, puxando a cerveja, já pela metade, de encontro à
minha boca. — Acha que ele vai mancar comigo?
— Não! — exclamou ela, mas eu notei a incerteza em seu tom. —
Claro que não. Você acha?
— Não sei. — Fui sincero. — Sinto que ele está me evitando.
Um silêncio estendeu-se na linha por um momento.
— O pai dele está doente, Colton. Não acho que seja tão fácil pra ele,
sabe?
Soltei um longo suspiro, e passei a mão pela testa.
— Tem razão. Só estou estressado. Parece até que essa merda está
acontecendo comigo.
— Segure as pontas, Colton — Aubree soprou. — Ok? Preciso
desligar. Marie Anne está chegando. Vamos comer pipoca e tomar vinho.
Sorri para aquilo e assenti com a cabeça mesmo que ela não estivesse
vendo.
— Tudo bem. — E quando ela estava prestes a desligar, eu falei: —
Bree? — Aubree não disse nada, aguardando que eu continuasse. — Pensei
em sairmos na sexta, só eu e você. O que você acha disso?
Silêncio.
Por um momento, pensei que a ligação tivesse caído, mas assim que
afastei o celular para ver que ela ainda estava na linha, franzi meu cenho.
— Aubree? — chamei por ela.
— Hm? — ela murmurou de volta. — Desculpa. O que foi que você
disse?
— Falei que poderíamos sair na sexta. Tipo um encontro.
— Claro. — Sua resposta veio após uma pausa extensa. — Pode ser.
Balancei a cabeça em confirmação.
— Ok.
— Ok — repetiu, seguido de mais um momento em silêncio. — Preciso
desligar. Conversamos depois, ok?
Dito aquilo, ela desligou. Sequer esperou por uma resposta da minha
parte.
Fiquei encarando a tela, sem saber como reagir àquilo. Tinham alguns
dias que Aubree andava muito esquisita e aquilo estava começando a me
incomodar. Eu não tinha ideia se aquilo se dava devido ao episódio do seu ex,
ou pelo fato de eu ter praticamente admitido que amava aquela mulher.
Talvez os dois. Não sabia dizer ao certo.
Tudo o que eu sabia era que ela não estava normal. Os dias que
sucederam aqueles acontecimentos em Bridgeport foram legais, seus pais
eram incríveis, mas havia algo que vinha a incomodando desde então. Tinha
certeza daquilo.
Eu só não estava entendendo exatamente o quê era e como amenizar a
situação.
Ela também não parecia muito aberta à um diálogo. Toda vez que eu
tentava — da forma mais sútil que conseguia — descobrir o que havia de
errado, Aubree me garantia que era coisa da minha cabeça.
Mas Bree sempre foi uma péssima mentirosa, principalmente quando se
tratava de ocultar os seus próprios sentimentos.
Contudo, antes que eu pudesse adentrar muito afundo naqueles
pensamentos, o banco à minha frente foi puxado para trás, e eu subi meus
olhos para encontrar a figura de Alec escorregando para se sentar ali.
As olheiras tomavam conta do rosto dele e a postura cansada, agora
mais do que nunca, parecia fazer total sentido diante da rotina louca e do
emocional provavelmente fodido que ele guardava apenas para si. Não me
lembrava quando foi que os cabelos de Alec ficaram tão compridos, mas, de
alguma forma, tive certeza de que ele apenas os mantinha assim devido à sua
falta de tempo para ir em uma barbearia e cortá-los.
— Foi mal o atraso, cara. — Ele começou, passando a mão pelos fios
bagunçados. — Acabei de chegar de Bridgeport. Peguei um puta trânsito.
Acredita nisso? Plena quarta-feira à noite e a estrada toda lotada.
— Não foi nada, Alec. Acabei de chegar também, fica tranquilo —
menti, para que ele não se sentisse mal com a demora, porque realmente não
tinha sido nada de mais. — Cerveja? — sugeri, mas ele balançou a cabeça,
negando.
— Acho que preciso de algo mais forte.
— Uísque?
Ele deu de ombros, e eu entendi aquilo como um sim. Virando o
restante do meu copo de cerveja, levantei-me para buscar uma dose de uísque
para nós dois, enquanto Alec aguardava na mesa para que não perdêssemos o
lugar.
Quando voltei, ele tinha os olhos fixos no celular, digitando
compulsivamente. Contudo, assim que a dose foi repousada à sua frente, ele
bloqueou o aparelho e agradeceu, bebericando o uísque quase que
instantaneamente.
Tentei parecer o mais natural possível — por mais que tudo o que eu
quisesse era fazer um maldito interrogatório com o cara —, e perguntei:
— Como foi seu feriado?
Alec apenas deu de ombros mais uma vez.
— Bacana. E o seu?
Imitei o seu gesto.
— Legal — murmurei, bebericando meu uísque. — Uma merda que
não nos encontramos.
— Pois é, cara. Uma merda. — Alec coçou a nuca, parecendo sem
jeito. — Acabou sendo um pouco corrido pra mim.
— Por conta do seu pai? — As palavras saíram em um impulso, e meu
amigo praticamente engasgou com o gole de uísque.
Eu me mantive inerte, encarando-o atentamente em meio às suas tosses.
Alec pegou um guardanapo e limpou sua boca, à medida em que
balançava a cabeça em negação. Mas os olhos não estavam focados em mim
enquanto este processava minhas palavras.
Foi só após um ou dois minutos que ele alinhou suas íris verdes às
minhas e disse:
— Não tenho ideia do que você está falando, Colton.
Precisei erguer minha sobrancelha, quase que em desaforo ao perceber
que ele realmente estava insistindo naquela mentira.
— Não? — minha pergunta saiu banhada de ironia. — Porque os pais
da Bree me pareceram bastante convictos de que Gavey Austin está no
estágio avançado de esclerose múltipla.
Seus olhos esquadrinharam cada centímetro do meu rosto, à procura de
algo que lhe dissesse que aquela conversa era coisa da sua cabeça. Pois bem,
não era. E eu estava puto demais, não só com ele — por ter escondido aquele
tempo todo a enorme bagunça que estava a sua vida —, mas principalmente
comigo, por nunca ter parecido me importar o suficiente para perceber que
Alec estava na merda aquele tempo todo e que era algo muito mais grave do
que apenas cuidar das suas irmãs.
Alec inspirou lentamente, e soltou o ar em seguida, largando o copo
para passar as mãos pelo rosto, derrotado.
— Não queria que vocês soubessem — ele confessou.
— Isso ficou bem nítido — rebati, sem conseguir evitar uma pequena
pontada de sarcasmo. — Só não consigo entender exatamente o porquê, Alec.
Apertando os lábios com força, Alec virou a dose toda de uísque e
deixou o copo sobre a madeira com uma certa violência. Em seguida, curvou-
se para mais perto e fincou os cotovelos na mesa.
— Não suporto o olhar de pena que todos começam a me dirigir depois
que descobrem sobre o estado de saúde do meu pai, Colton. Odeio essa
merda. — Houve uma pausa ali, para que ele inspirasse fundo. — Para todos
que sabem sobre Gavey Austin, eu sou só o cara fodido de vinte e dois anos,
com uma mãe beirando a depressão, quatro irmãs mais novas para cuidar, e
um pai no leito de morte. Mas para vocês… — Ele passou a mão pela barba
por fazer, pensando por um instante. — Para vocês, eu sou o Alec. Só Alec.
Sem essa merda toda que me assombra dia após dia, entende?
Era claro que, por um lado, eu não entendia. Se eu achava que a minha
situação familiar estava uma merda, mal conseguia imaginar como era para
Alec. Contudo, de alguma forma, eu conseguia simpatizar com aquele
pensamento e entender os motivos pelos quais ele não compartilhara nada
conosco. Afinal, eu não era muito diferente quando se tratava do meu pai.
— Você nunca vai deixar de ser quem é, para nós, Alec. — Fui sincero.
Meu tom era duro, para que ele soubesse que minhas palavras estavam
tomadas pela mais genuína verdade. — Mas isso faz parte de você, cara. E
não estamos aqui só para os momentos bons. Seja no paraíso ou na porra do
inferno, estamos com você. Só que não temos como saber e ajudar, se você
não diz merda nenhuma.
— Não há mais como ajudar, Colton — ele falou, sem nem hesitar, e eu
senti um leve tremor na sua voz. — Não tem nada que alguém possa fazer
por meu pai.
— Realmente, não tenho ideia do que posso fazer pelo seu pai, porque
mal o conheço e estou longe de ser um médico — eu disse. — Mas eu estou
falando por você, Alec. Você não pode mais ficar nessa rotina maluca. Eu já
tinha uma ideia de que, de uns meses para cá, essa coisa de Bridgeport e
Nova York, Nova York e Bridgeport, vinha sendo exaustivo pra você. Mas
agora que eu sei que, além da exaustão física, você está emocionalmente na
merda, estou preocupado pra caralho, porra.
Alec me encarou por um longo período, e um vinco se formou entre as
sobrancelhas, ao balançar a cabeça.
— Está vendo? — A mão gesticulou na minha direção. Os lábios
franzidos em desaprovação. — É disso que estou falando, Colton. Dessa
merda. Sem nem perceber, você já está me tratando como todos os outros que
descobrem sobre o estado de saúde do meu pai.
Abri a boca, levemente ofendido, porque aquilo não era verdade.
Ao menos, eu achava que não.
— Estou te tratando como sempre te tratei, Austin.
As sobrancelhas dele quase bateram no teto.
— Palpitando sobre a minha droga de rotina? — A pergunta veio em
desaforo. Abri e fechei a boca, sem saber como responder àquilo, e Alec
suspirou, genuinamente frustrado. — Não quero mais falar sobre essa merda.
— Alec… — Comecei, mas ele sequer hesitou em me parar com o
dedo indicador apontado entre nós, ameaçadoramente.
— Não quero mais falar sobre Gavey Austin ou nada que tenha relação
comigo e com a minha família, Colton. Entendo sua preocupação e sou grato
por isso, mas esse assunto e a forma como eu lido com isso, não tem nada a
ver com você.
A frustração tomou conta do meu peito e eu precisei apertar minha
boca para não mandá-lo à merda com a sua teimosia. Chegava a ser irritante a
forma como ele me via como apenas mais uma pessoa insuportável querendo
palpitar em cima das suas decisões, mas se Alec queria guardar todos os
problemas para si, aquilo era uma opção dele — independentemente do quão
frustrante ou não poderia ser para mim.
— Agora, temos duas alternativas — resmungou, girando o seu copo
vazio. Os olhos verdes subiram até os meus ao prosseguir: — Ou eu saio
dessa merda de bar, puto da vida porque você só me chamou aqui para falar
sobre isso, ou nós bebemos até cair e esquecemos que essa conversa existiu.
Qual vai ser, Colton?
Mantive-me em silêncio por um momento.
Nenhuma das alternativas, porra, era o que eu tinha vontade de
responder, mas não o fiz.
Ao invés disso, puxei a carteira do bolso e a coloquei na mesa com uma
certa violência, em um ato que antecedia a minha decisão forçada. Contendo
um suspiro e obrigando-me a abrir um sorriso para Alec, eu finalmente disse:
— Bebidas por minha conta, então.
Em retorno, Alec sorriu. Um sorriso que selava meu acordo com ele:
Bebidas até cair, e uma conversa da qual eu seria obrigado a esquecer.
Ao menos, por agora.
“Você e eu éramos tão, tão próximos
Talvez seja isso que dói mais
Está fora das minhas mãos
Eu fiz o que pude
Então eu prendo minha respiração.”
Younger | Ruel
Marie Anne:
Alfred Adler poderia enfiar o complexo de inferioridade no cu. Cansada de
estudar sobre esse cara e sua baixo autoestima.
Aubree Evans:
Adivinha quem tá indo no Hill Country?
Marie Anne:
Traidora.
Apertei meus lábios para não rir, e foi apenas tempo de bloquear o
celular e guardá-lo na bolsa para que Colton entrasse no estacionamento do
bar e parasse o carro em uma vaga um pouco mais afastada da entrada.
Não me surpreendi com a quantidade de pessoas que ocupavam bar,
assim que o adentramos. Eram dez horas da noite de uma sexta-feira e o Hill
Country era um local bastante falado, portanto era de se esperar uma
superlotação.
— O que vai querer beber, Bree? — perguntou Colton, quando
finalmente conseguimos dois bancos no balcão do bar, um pouco mais
afastado da multidão. Pousando uma mão na minha coxa, ele perguntou: —
Tequila?
Pensei por um instante, mas então balancei a cabeça, negando.
— Acho que vou querer só uma água mesmo.
Ele piscou para a minha escolha, confuso. Um ponto de interrogação
formou-se em suas feições.
— Você insistiu que viéssemos para um bar, e vai ficar na água?
Foi minha vez de piscar.
Não tinha pensado por aquele lado, e sabia que, se antes não estava
claro, agora estava mais que evidente para Colton que aquela era uma
tentativa de evitar qualquer tipo de encontro romântico entre nós. Algo que,
por um momento, fez com que eu me sentisse mal. Mas, ao longo dos últimos
dez dias, aquela fora a única forma que encontrara de não relacioná-lo às
palavras de Joshua durante nossos momentos juntos.
Vi quando seu maxilar trincou por um momento, e, por mais que seus
olhos se mantivessem suaves, notei que ele tentava conter uma pequena
faísca de irritação.
Portanto, assim que o pedido foi feito e o barman se afastou para pegar
uma cerveja para Colton e uma garrafa d’água para mim, eu tentei amenizar o
clima entre nós.
— Como foi a conversa com Alec? — indaguei, genuinamente curiosa.
Os dois haviam saído duas noites atrás, mas devido à correria da
faculdade e ao ensaio de Colton ontem, ainda não havíamos tido tempo de
conversar sobre aquilo.
Ele deu de ombros.
— Inútil.
Fiz um biquinho.
— Como assim? Alec não disse nada?
— Ele disse. Mas fui basicamente enquadrado e submetido a uma
promessa de que não falaríamos mais sobre aquele assunto. — Colton bufou,
frustrado. — Alec não quer minha ajuda.
Agradeci com um sorriso quando um copo e uma garrafa d’água
pousaram na minha frente.
— Provavelmente nem sua pena — comentei, enchendo meu copo.
Colton bebericou sua cerveja.
— Muito menos minha pena.
— Pelo menos você tentou.
Ele ponderou.
— É.
— E, querendo ou não, a decisão de contar aos outros não é sua —
falei, depois de um longo gole da minha água.
— É.
— Você contou para alguém?
Colton se remexeu no banco, demorando para responder.
— Contei para Mason no dia que descobri. Preferi não contar para o
Chase agora, porque o cara não conhece o significado de segredo ou
privacidade.
Soltei um riso nasalar, obrigada a concordar com aquilo.
— Mason vai tentar falar com ele? — perguntei, e ele negou com a
cabeça rapidamente.
— Alec não sabe que ele sabe.
— Poxa… — Soprei, reflexiva, porque toda aquela situação era
péssima.
— Pois é. — Suspirou ele. — Uma merda.
Voltei meus olhos para Colton.
— Quanto tempo mais você acha que Alec vai aguentar sustentar essa
mentira?
Ele pensou por longos segundos.
— Ele parece bem determinado em ir até o fim com ela.
Apertei meus lábios.
— Espero que ele não surte. — Fui sincera. — Ninguém consegue
aguentar durante tanto tempo esse tipo de merda sozinho.
Colton passou uma mão pelo cabelo e tomou metade da sua cerveja em
seguida.
— Você não está ajudando, Bree — ele disse, ao bater com a garrafa na
mesa.
Encolhi os ombros.
— Foi mal.
Seus olhos me observaram por um longo momento em silêncio. A
expressão em seu rosto deixava claro que ele estava vagueando em
pensamentos e que, daquela vez, provavelmente não tinha relação nenhuma
com Alec.
Mantive-me calada, porque não sabia mais como estender o assunto e
acabar com a tensão entre nós.
Mas Colton pareceu fazê-lo por mim.
Com um pigarreio, ele tomou o restante da sua bebida e arrastou o
banco para trás, anunciando que precisava ir ao banheiro. Eu apenas assenti, e
retribuí seu sorriso assim que um beijo estalado foi deixado em meus lábios,
antes de sumir pela multidão.
Então soltei um suspiro, e voltei a encarar minhas unhas roídas por um
momento. Pegando meu celular, notei que Marie me mandara mais cinco
mensagens: quatro delas xingando Alfred Adler e sua psicologia individual, e
a última mensagem com uma ofensa direcionada sem pudor algum ao nosso
professor.
Eu estava digitando uma resposta pacífica para ela no momento em que
uma voz estranhamente familiar ressoou próximo a mim.
— A?
Instantaneamente, levei meus olhos até o dono dela, e precisei piscar
algumas vezes até processar a figura de Kevin Gorg a meio metro de
distância de mim. Ele estava mais alto do que eu me lembrava, e os cabelos
pareciam bem mais claros, como se os tivesse pintado ou passado muito
tempo exposto ao sol.
— Kevin? — perguntei, ainda sem acreditar naquela coincidência. —
Caramba! Quanto tempo.
Ele sorriu para mim, e, sem pensar duas vezes, sentou-se no banco em
que antes Colton estava sentado.
Kevin havia sido um grande amigo meu durante quase minha vida toda
em Bridgeport, mas de vários meses para cá, nós havíamos nos afastado
consideravelmente. Em parte, devido à distância e à rotina maluca de cada
um de nós, embora o maior motivo fosse muito além daquilo. Kevin havia
acompanhado todo o meu envolvimento com Joshua, e passado comigo por
quase todas as merdas que vivi com meu ex, mas uma hora tornou-se
exaustivo demais até mesmo para ele. Eu não o culpava. Hoje, entendia o
quanto os meus problemas estavam lhe fazendo mal.
— O que está fazendo em Nova York? — ele indagou, com um enorme
sorriso no rosto.
— Estou estudando na NYU agora. E você? Pensei que ainda estivesse
em Bridgeport.
Ele riu.
— Saí de lá na primeira oportunidade, A. Você sabe o quanto eu odiava
aquela cidade.
Sorri, porque me lembrava com clareza daquele detalhe.
— Está estudando onde?
— John Jay College — disse Kevin, com orgulho.
— Uau. — Levantei as sobrancelhas, genuinamente impressionada. —
Justiça Criminal?
Kevin confirmou, e então enganchou seu braço no meu pescoço para
me puxar para um abraço de lado.
— Caralho, A. Senti sua falta. Mesmo. — Ele bagunçou meus cabelos
antes de se desvencilhar de mim. — Nunca te vi pelo Hill Country. Estou
aqui quase todas as sextas.
— É a minha primeira vez aqui — expliquei.
Ele assentiu, e o sorriso em seu rosto cresceu.
— Bem, então para que essa seja uma noite memorável para você,
vamos beber. Esse encontro merece um brinde.
Mas eu tratei de balançar a cabeça no mesmo segundo, negando.
— Valeu, Kevin, mas não estou bebendo hoje.
— Ah, o que é isso? — Seu tom foi algo pendendo entre a
inconformidade e a diversão. — Só uma dose. Como nos velhos tempos. Eu
pago — insistiu ele, mesmo que eu estivesse recusando veementemente, e
sacou uma nota de dez dólares da carteira. A mão livre acenou para o barman
no mesmo instante em que ele espalmou a nota na bancada e disse: — Uma
dose de tequila para essa moça, por favor.
Contudo, antes que o barman pudesse sequer processar aquele pedido,
uma mão que não era pertencente a Kevin espalmou em cima do dinheiro
com tanta agressividade que eu arfei com o susto. Era Colton, com os olhos
cinza tomados por uma raiva contida.
— Acho que ela disse que não está bebendo, cara — disse ele para
Kevin. — Cai fora.
Franzi o cenho para aquela atitude. Já havia visto Colton com ciúmes
uma vez antes daquilo, mas algo na forma como ele parecia furioso, tanto por
dentro quanto por fora, fez meu estômago se revirar. Portanto, tratei de
alcançar sua mão, em uma tentativa de sinalizar que estava tudo bem, mas ele
mal pareceu sentir o meu toque. Os olhos continuavam bombardeando Kevin
como se ele fosse uma enorme ameaça.
— Colton, está tudo bem — garanti.
Gostaria de deduzir que ele não ouvira minha frase, no entanto meu
tom fora alto o suficiente para que chegasse de forma audível aos seus
ouvidos. Mesmo assim, ele nem ao menos olhou para mim. Ao invés disso, o
tronco se curvou ainda mais para perto de Kevin quando ele disse:
— Vou precisar repetir?
Os olhos do meu amigo fugiram de Colton até os meus, e não foi
preciso mais que um segundo para que eu soubesse exatamente o que ele
estava pensando.
Kevin me acompanhara em quase toda a minha luta para conseguir me
desvencilhar do relacionamento completamente abusivo que Joshua havia
criado entre nós. Com Joshua, eu não podia sair com meus amigos, usar
roupas curtas, beber mais que uma lata de cerveja, e, se qualquer cara
chegasse perto de mim, a noite se encerrava com Joshua saindo na porrada
com quem quer que fosse ou berrando a plenos pulmões comigo, como se eu
tivesse culpa de algo.
E eu vi. Nas íris escuras de Kevin, vi tudo aquilo que via quando
Joshua e eu ainda estávamos juntos. Vi um misto de sentimentos como
preocupação, tristeza, mas, principalmente, decepção. Era quase como se seus
olhos gritassem para mim “não acredito que você está nessa roubada mais
uma vez”.
Engoli em seco, sentindo um nó formar-se na minha garganta.
Queria poder gritar de volta que não era nada daquilo que ele estava
pensando, que Colton e Joshua não eram nem um pouco parecidos. Mas o
quanto eu tinha certeza daquilo?
Contudo, eu não disse nada.
Levantando-se em silêncio, Kevin lançou-me uma última olhada antes
de se afastar sem nem contestar.
Colton continuou encarando-o até que ele sumisse da sua vista e, por
fim, sentou-se ao meu lado. Fixei meus olhos na bancada do bar, tentando
assumir as rédeas da minha respiração, que estava começando a ficar
descompassada. E, em algum canto próximo a mim, escutei Colton
murmurando algo para alguém.
— Bree? — ele chamou por mim, puxando-me de volta à realidade. —
Quer mais uma água?
Subi minha atenção até a imensidão cinza que Colton carregava nos
orbes e tratei de manter a compostura. Não havia mais raiva ali. Ele estava
calmo e centrado mais uma vez. A acidez no meu estômago, contudo,
permaneceu intacta, juntamente ao amargor na boca assim que eu a abri para
respondê-lo:
— Na verdade, acho que quero ir pra casa, Colton.
Uma expressão confusa formou-se em seu rosto.
— Acabamos de chegar — foi o que ele disse, e não foi preciso uma
resposta para que ele entendesse que algo não estava de acordo.
Ele piscou, mas não contestou mais.
Arrastando a cadeira para trás em silêncio, Colton foi pagar o que
havíamos consumido enquanto eu esperava sentada. E, menos de cinco
minutos depois, nós já havíamos saído do bar e atravessado o estacionamento
até o carro em silêncio.
Eu não disse uma palavra no caminho de casa, e ele também não, mas
duvidava muito que não fosse insistir no assunto em algum momento. Desde
o episódio com Joshua, algo realmente havia acontecido entre nós, e não em
um sentido exatamente positivo. Algo em mim não estava certo, e talvez
aquilo não tivesse nada a ver com Colton de fato, mas, sim, comigo e com os
traumas que Joshua criara em mim.
Quando entramos no elevador do prédio, eu abracei meus braços. Não
porque estava com frio, mas porque estava me sentindo exposta demais
diante dos olhos de Colton analisando-me atentamente.
Também prendi a respiração, nervosa, voltando a soltá-la somente no
instante em que o barulho do elevador indicou que chegamos ao nosso andar.
As portas se abriram e eu saí de lá em uma passada considerável. Meu peito
estava uma bagunça e, daquela vez, nenhum pensador conseguiria amenizar
ou silenciar os inúmeros pensamentos que rodeavam minha mente de forma
ensurdecedora.
— Bree — Colton chamou por mim antes que eu pudesse pegar a chave
do meu apartamento, e tocou meu pulso para que eu pudesse parar de andar e
olhá-lo por um instante. Eu assim o fiz, encontrando seu olhar banhado por
confusão e preocupação genuína. — O que está acontecendo com você?
Não respondi de imediato.
Apertando meus lábios, esperei que os sentimentos aflitivos
simplesmente sumissem do meu peito, mas, como previsto, aquilo não
aconteceu. Fazia exatamente dez dias. Dez dias que aqueles sentimentos
residiam em mim toda vez que eu pensava em Colton. Toda vez que nós
saíamos, transávamos, conversávamos. Às vezes com mais intensidade, às
vezes com menos. Mas estavam ali. E aquilo estava me matando por dentro,
porque ele não tinha a mínima ideia do quanto sua presença subitamente
passara a me machucar, mesmo que fosse sem intenção alguma.
— Muita coisa. — Fui sincera, sentindo o coração encolher em meu
peito. — Tanta coisa, Colton.
Seus olhos me esquadrinharam por um longo momento, em um misto
de calma e confusão, e seu corpo deu dois passos para mais perto de mim.
Puxando minha mão para envolvê-la com as suas, Colton sussurrou:
— Então converse comigo, Bree. Por favor. Me mata te ver assim e não
poder fazer nada a respeito.
Recolhi minha mão da sua e uma pontada de dor irrompeu em meu
peito. Meus olhos fugiram dos seus, incapaz de encará-lo.
— Isso não tem nada a ver com você, Colton.
E, por mais que eu não estivesse o olhando de fato, tive certeza de que
um vinco formou-se entre suas sobrancelhas.
— Não importa, Aubree. — Houve uma pausa para que ele se
aproximasse consideravelmente de mim e envolvesse meu rosto com suas
mãos, praticamente forçando-me a encará-lo. — Eu amo você. Estou aqui
com você. Então me deixe te ajudar. Converse comigo. Pelo amor de Deus,
Bree.
Parti meus lábios, mas, por um momento, nada saiu por ali. Porque a
verdade era que ele não tinha como me ajudar. Ninguém tinha. Joshua
deixara enormes feridas no meu coração, das quais eu pareci bastante
convicta de que haviam sido curadas até a chegada de Colton na minha vida
me mostrar que estavam longe daquilo. Sequer haviam sido remendadas antes
de Colton, e não havia nada que ele pudesse fazer por mim quanto aquilo.
Senti um amargor em meu estômago. Subindo para os meus pulmões e
esmagando meu coração quando eu cheguei à última conclusão que gostaria
de chegar.
— O problema estava aqui antes de você chegar, Colton. Consertar isso
não é tarefa sua.
Ele piscou, tentando entender. Os olhos assumiram um novo ar, agora
tomados por um quê de pânico.
Colton balançou a cabeça. As mãos antes espalmadas nas minhas
bochechas, recaíram ao lado do seu corpo, mas ele não parecia ter abraçado a
ideia da desistência ainda.
— Isso tem alguma relação com seu ex, Aubree?
Soltei um suspiro trêmulo.
— Eu não sei, Colton.
Fechando seus olhos, ele apertou a ponte do nariz entre os dedos.
— Só me diga como posso ajudar, Bree — praticamente implorou, ao
voltar a alinhar suas íris às minhas.
Uma dor consumiu meu peito, porque vê-lo desesperado daquela forma
apenas me lembrava de tudo que havíamos prometido um ao outro quando
ele deixara os explosivos nas minhas mãos. E saber que eu estava a,
provavelmente, um passo de acioná-los, fez com que uma lágrima
percorresse meu rosto.
— Você não pode — sussurrei em dor. — Esse é um problema que
tenho que resolver sozinha.
Seu maxilar trincou, e o corpo ficou tenso.
Não tinha ideia se ele estava furioso diante da minha resposta, ou
prestes a cair em prantos, mas o que quer que fosse, estava fazendo com que
a agonia tomasse conta de cada centímetro de mim.
— O que você quer dizer com isso?
— Não sei — confessei, encarando o chão.
Colton deu um passo a frente.
— Bree, olhe para mim. — Seu tom foi duro, como uma ordem, mas eu
não o fiz. Não consegui. — Olhe para mim, Aubree — ele repetiu, mais
ríspido que antes, e daquela vez fui obrigada a obedecê-lo.
Alinhando meus olhos aos seus mais uma vez, notei a mágoa neles.
Diferente do tom severo, Colton carregava apenas dor com ele.
Dor, dor, dor.
— Eu disse que os explosivos estavam nas suas mãos — sussurrou ele.
— Todas as decisões são suas. O controle é seu. Mas, por favor, Bree… Não
os acione agora.
Instantaneamente, um nó formou-se na minha garganta.
— Eu não vou — garanti em um sopro, e alcancei sua mão para apertá-
la. — Não agora. Mas preciso disso, Colton. Preciso desse tempo.
Analisando-me por mais incontáveis segundos, ele assentiu.
— Tudo bem. — E colocando minha mão em seu peito, ele disse: —
Mas saiba que meu coração está com você.
Olhei-o no mais fundo dos seus olhos que pude para que ele visse a
certeza em mim quando eu concordei.
— Eu sei.
Um dos cantos dos seus lábios levantou-se em um sorriso doloroso, e
ele puxou-me para perto e me abraçou, depositando um beijo rápido em meu
rosto. Então arrastou sua boca lentamente para mais próximo da minha
orelha.
— A uma porta de distância — sussurrou, antes de se afastar.
Tirando as chaves do meu apartamento do bolso, tentei disfarçar o
choro com um sorriso.
— A uma porta de distância — repeti as palavras dele.
Colton assentiu sutilmente com a cabeça e manteve seus olhos fixos
nos meus.
Foi somente ao entrar em meu apartamento e girar a tranca, que percebi
que talvez o meu coração também estivesse a uma porta de distância.
Quebrado e dolorido, mas, ainda assim, com ele.
“Ok, olha, eu sou honesto.
Garota, eu não posso mentir, eu sinto sua falta
Você e a música eram as únicas com as quais eu me comprometia.”
Shot For Me | Drake
Eram quase quatro horas da manhã quando eu bufei, irritado pra cacete
com os meus pensamentos a mil. A música clássica no andar de baixo havia
começado há mais ou menos meia hora, e desde então, eu não conseguira
mais pregar meus olhos. Parte daquilo se dava pela música irritante, mas eu
sabia que o real motivo ia muito além do som.
Aubree Evans não desgrudava dos meus pensamentos há dias, e, em
meio à situação em que eu me encontrava — com o vizinho ouvindo sua
música clássica de sempre e meus olhos cravados no teto há tempos —, eu
estava começando a ficar nostálgico.
Algo que estava longe de ser um bom sinal.
Soltando um longo suspiro, revirei-me na cama pela milionésima vez e
encarei meu celular, sentindo uma batalha começando a ser travada em meu
peito.
Não, sussurrou minha mente para mim.
Sim, sussurrou a merda do meu coração.
E eu o fiz.
Em um impulso, alcancei meu celular na mesa de cabeceira e procurei
pela conversa de Bree.
Nem pensei duas vezes antes de digitar uma mensagem e apertar o
botão de enviar.
Colton Reed:
Tá acordada?
Aubree Evans:
Curtindo uma música clássica.
Colton Reed:
Que tal uma pizza?
FIM.
Não sou muito boa com as notas de agradecimentos, mas tenho muito a
quem agradecer. Primeiramente, a você, leitor, que chegou até aqui. Obrigada
pela oportunidade de se aventurar na história de Colton e Aubree. Significa
muito para mim, sempre.
Em segundo lugar, gostaria de agradecer a Thailane Vieira, que me
acompanhou durante todo o processo de Broken Love, auxiliando-me não só
com o fato da personagem principal ser negra — já que este não é meu lugar
de fala —, mas também com diversas pesquisas e referências dos
psicanalistas e das teorias citadas ao longo do livro.
Um enorme obrigada também a Mariana Luchessi, Laís Paula,
Stephanie Goulart e LowPoet. Pode estar escrito apenas “Bruna Garret” na
capa, mas esse livro definitivamente não seria o mesmo sem vocês.
Por fim, obrigada a todos que me apoiam como autora. Tanto os
leitores que chegaram agora, quanto os que me acompanham há um tempo.
Serei eternamente grata a vocês.
Com amor,
Bruna Garret.
[1]
Esclerose Múltipla: doença neurológica, crônica, progressiva e autoimune. Isso
significa que as células de defesa do nosso corpo atacam nosso próprio sistema nervoso –
como se ele não pertencesse ao nosso organismo, causando lesões no cérebro e na medula.