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Copyright © 2020 Bruna Garret

Capa: Larissa Chagas


Revisão: Lily Duncan
Diagramação Digital: AK Diagramação

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Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes
são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, eventos ou estabelecimentos é mera coincidência.
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Produzido no Brasil.
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Agradecimentos
“Me destrua a hora que quiser.”
Colton Reed | Broken Love
“Prazer em te conhecer, qual é o seu nome?
Deixe-me te pagar uma bebida.”
Nice To Meet Ya | Niall Horan

Aquilo não havia sido uma boa ideia.


Não. Havia sido uma péssima ideia.
Talvez a pior de todas desde que o ano havia se iniciado. E a julgar
pelo fato de que ainda estávamos em janeiro, eu sequer podia imaginar aonde
eu iria parar até o final de dezembro.
Talvez na cadeia?
Bem, não pareceria uma realidade tão distante. Pelo menos, não depois
do incêndio no laboratório de química durante uma festa secreta e proibida no
campus da NYU para comemorar a volta às aulas.
E o que eu tinha a ver com isso? Coisa pra caralho.
Além do fato da Broken Crown Band ter sido a organizadora dessa
festa clandestina que acabara por envolver as autoridades – embora eles ainda
não tivessem a mínima ideia de quem havia sido o responsável por isso –, eu,
como integrante da banda, também havia sido o autor da ideia e executor do
plano de invadir a NYU em pleno feriado de inverno.
Portanto, eu não duvidava mais de porra nenhuma.
Muito menos agora que metade dos estudantes da NYU pareciam estar
ocupando cada metro quadrado do meu apartamento.
Eu não me lembrava ao certo de como eles haviam parado aqui, mas
sabia que, mais uma vez, a brilhante ideia havia sido minha, após algumas
doses de tequila no bar 171 em comemoração à vitória dos Violets vs. Tigers
no amistoso do campeonato de futebol americano.
— Aí, cara. — Um garoto que eu nunca havia visto em toda a minha
vida tocou o meu ombro, e meus olhos automaticamente foram aos seus.
Com o polegar apontando para algo atrás de si, ele continuou: — Abby e Paul
acabaram de quebrar sua máquina de lavar.
O quê?
Só podia ser brincadeira.
Eu não agradeci o aviso. Apenas girei nos calcanhares em direção à
área de serviço, parando no meio do percurso para encher meu copo
vermelho com qualquer coisa que tivesse álcool o suficiente para que eu
conseguisse lidar com aquela merda.
De repente, a festa havia perdido a graça. Poucos minutos antes, eu
havia flagrado Alec Austin, baixista da banda Broken Crown, trepando com
uma loira do curso de Odontologia na porra do meu quarto, e eu não
duvidava que Abby e Paul também estivessem se comendo quando
quebraram a merda da minha máquina de lavar.
— Estou prestes a me jogar da sacada — eu murmurei, após virar a
vodca inteira do meu copo, quando Layken Reed se aproximou.
Minha irmã, no entanto, parecia muito mais tranquila com o fato de
estarem destroçando a porra do nosso apartamento do que eu estava.
E eu tinha plena certeza de que aquilo se dava por dois fatores:
O primeiro seria que, provavelmente, seu quarto estava intocável.
Layken não era burra. Ela claramente o havia trancado, impedindo, assim, a
entrada de bêbados sedentos por sexo. O segundo, com toda a certeza, era o
fato de que ela já havia deixado bem claro que não ajudaria na limpeza, no
momento em que as palavras “after na minha casa” e o meu endereço foram
berrados por mim no bar 171.
— Por favor, não. Preciso de você vivo para limpar toda essa merda
amanhã — disse ela, passando os olhos cinzentos pelo ambiente.
Eu balancei a cabeça e enchi meu copo com vodca mais uma vez.
— Vai se foder.
Sua atenção agora se voltou até a minha. As sobrancelhas quase batiam
no teto quando um sorriso sacana abriu-se em seu rosto.
— Preciso te lembrar de que a ideia foi sua?
Eu não respondi porque, não, eu não precisava ser lembrado daquela
porra. Já estava martirizando-me o suficiente com a tomada bêbada de
decisão de algumas horas atrás. Dessa forma, apenas lhe lancei o dedo do
meio e dirigi-me à varanda, deixando para ver o estrago da máquina de lavar
para depois. Precisava tomar a porra de um ar antes que começasse a
enlouquecer e mandasse todos à merda, acabando com a reputação que eu
havia construído com carinho e persistência — talvez não tanta — nos
últimos dois anos de NYU.
Chegando lá, expulsei os fumantes de plantão porque a casa era minha
e eu fazia a porra que eu quisesse. E se estivessem achando ruim, eles que
fossem embora. Finalmente só, finquei meus cotovelos na sacada e olhei para
baixo. Bem, era alto o bastante para que eu quebrasse no mínimo uns três
ossos, mas não o necessário para que eu apagasse pela próxima semana e
deixasse a bagunça para a minha irmã e seu namorado, vulgo meu melhor
amigo e vocalista da nossa banda: Mason Callahan.
Estávamos na metade de janeiro e, surpreendentemente, a temperatura
estava beirando algo acima dos seis graus. O que, para uns, poderia ser frio
para cacete, mas considerando que estávamos lidando com estas baixas
temperaturas desde novembro, já não me parecia tão ruim assim.
Eu soltei um longo suspiro e tomei um gole da bebida. A música estava
alta o suficiente para que até mesmo os moradores da cobertura estivessem
no seu direito de reclamar, embora eu não desse a mínima. Talvez, com a
aparição da polícia, as pessoas dariam o fora sem que eu fosse obrigado a
expulsá-las. E, talvez, eu fosse preso por uma noite ou duas devido ao fato de
menores de vinte e um estarem consumindo bebidas alcoólicas e drogas
ilícitas.
Bem, pelo menos a bagunça no apartamento ficaria por conta da
minha irmã.
Eu estava seriamente considerando ligar para a polícia e reclamar da
minha própria festa quando algo chamou a minha atenção. Na varanda ao
lado da minha, onde costumava morar um solteirão de uns cinquenta anos
que não batia muito bem da cabeça, uma garota falava ao telefone de costas
para mim.
E, a julgar pelo papo, ela não parecia exatamente... feliz.
— Sim, pai. — Bufou. — Estou aqui há mais ou menos umas duas
horas e já pude chegar a algumas conclusões. A maior delas? O meu vizinho
aparentemente é o famoso babaca que curte festas e músicas explodindo nas
caixas de som, o que significa que, durante os próximos meses, ele
provavelmente será o motivo da elevação dos meus hormônios de cortisol. —
Fez uma pausa antes de bufar novamente. — Estresse, pai. O motivo do meu
estresse.
Não pude evitar um sorriso. As varandas eram suficientemente
próximas para que eu pudesse escutar cada um dos seus suspiros frustrados,
mesmo com a música alta tocando na parte de dentro do meu apartamento.
E o comentário que saiu pela minha boca no momento seguinte foi
inevitável:
— Calma lá, princesa, o babaca do seu vizinho não vai deixar seus
hormônios de cortisol se elevarem. Vou pedir para abaixarem a música.
Ela se virou no mesmo instante. O celular agora estava levemente
afastado da orelha, e os olhos grandes, arregalados na minha direção em um
misto de surpresa e choque. O cabelo volumoso e encaracolado foi a primeira
coisa que me chamou a atenção, juntamente aos lábios carnudos preenchidos
por uma cor de vermelho que, mesmo em meio à luz do luar, destacava-se em
contraste com a pele negra.
E, por mais que eu estivesse tentando ser um cavalheiro ali — em uma
tentativa clara de evitar que seus hormônios de cortisol se elevassem —, não
pude controlar quando meus olhos desceram pelo corpo alto e esguio, para
avaliá-la por completo.
Um sorriso cresceu no meu rosto ao perdurar minha atenção nos seios
cobertos apenas por uma regata, e eu salivei ao notar os mamilos marcados
por trás do tecido branco.
Alguns segundos depois, ela se virou mais uma vez, agora de costas
para mim. E que homem eu seria se não aproveitasse aquela oportunidade
para avaliar sua bunda por trás da calça de moletom que parecia modelar as
nádegas perfeitamente?
Porra. Era uma bela bunda.
Murmurando ao seu pai que precisava desligar, a garota não demorou a
voltar a me encarar. Os braços agora estavam cruzados sobre os seios e os
lábios, apertados em algo que eu acreditava ser reprovação.
— Sabia que é feio escutar a conversa dos outros?
Automaticamente, minhas sobrancelhas ergueram-se.
— Tão feio quanto as suas suposições impulsivas? — rebati, mas ela
não pareceu afetada. Suas sobrancelhas fizeram o mesmo movimento que as
minhas, em desaforo, mas antes que ela pudesse retrucar, aproximei-me da
lateral mais próxima da sua varanda e apoiei meu braço ali, continuando: —
Julgar sem conhecer não parece combinar com uma garota como você.
Uma risada sem humor vibrou entre nós no segundo em que ela jogou
sua cabeça para trás, antes de voltar a me encarar. Em passos lentos, mais
uma vez, ela fez o mesmo movimento que eu, aproximando-se o bastante
para que eu observasse seus traços com mais detalhes de onde estava.
— Uma garota como eu, huh? — Uma sobrancelha se arqueou
novamente para mim. — Bem, se é assim que vamos jogar, ser um babaca
parece combinar bastante com um cara como você.
Não pude evitar um sorriso e um dar de ombros.
— Nunca fui muito bom com primeiras impressões, de qualquer forma.
Em meio à luz do luar, identifiquei o esboço de um sorriso nos seus
lábios avermelhados.
— Sou Aubree Evans.
— Colton Reed. — Eu levantei meu copo na altura dos olhos,
brindando no ar. — Seja bem-vinda às redondezas, Aubree. Já é melhor que
saiba que o cara que mora um andar abaixo de nós costuma acordar às quatro
horas da manhã para ouvir música clássica. E, no andar acima de nós, mora
um casal que parece ter um certo tesão em pedir divórcio. Falo sério. Nunca
vi algo tão surreal. É só um dos dois gritar “eu quero o divórcio” que
segundos depois estão trepando como loucos.
Aubree jogou a cabeça para trás e seu riso reverberou no ambiente.
Depois, sua atenção voltou à minha, os olhos ainda contendo um brilho
divertido.
— E você, o vizinho festeiro — concluiu.
Eu dei de ombros.
— Algo do tipo.
Após um longo gole da minha bebida, voltei a minha atenção ao céu
nublado por um instante. O início de janeiro em Nova York era uma grande
merda para aqueles que curtiam um sol ou noites estreladas. A sensação que
eu tinha era que não via o céu azul ou as estrelas há semanas.
Um suspiro chegou até meus ouvidos e, de soslaio, notei quando a
garota puxou um cigarro do bolso, acendendo-o e dando uma tragada em
seguida. Sua atenção parecia tão distante quanto a minha, nos prédios à nossa
frente. Após terminar de tragar, ela soltou a fumaça dos pulmões que
desvaneceu junto ao vento gelado.
— Então parece que teremos problemas de agora em diante — disse
ela, referindo-se ao fato de eu ser o seu mais novo vizinho babaca e festeiro.
Eu não pude evitar um sorrisinho e, após matar a bebida em meu copo,
enfiei minhas mãos no bolso do casaco e voltei minha atenção a ela.
— Não se você passar a frequentar as minhas festas.
Aubree riu.
— Valeu, mas passo.
— Qual é, gata? Vai me dizer que não curte um som, bebida de graça e
um beck?
Sua boca curvou-se à medida que ela parecia ponderar. Após alguns
segundos, os dedos finos levaram o cigarro de volta aos lábios. O vento
balançava os cabelos encaracolados e volumosos. De onde eu estava, podia
ter certeza de que ela era alta. Mais alta que a maioria das garotas com quem
eu estava acostumado a conviver, ao menos.
— Não vou mentir, às vezes uma festa cai bem, mas definitivamente
sou do tipo que prefere uma cama e alguns livros.
Isso aumentou o meu sorriso.
— Bem, isso é porque você ainda não veio à minha festa.
Dessa vez, Aubree soltou um riso nasalar e os olhos voltaram ao meus.
— Acredite, me sinto nela daqui mesmo. — Fez uma pausa. — Meu
apartamento está parecendo uma discoteca.
O comentário me fez querer rir.
— Você pode ligar para a polícia.
Aubree enrugou o nariz com a sugestão. O dedo indicador dando leves
batidinhas no cigarro para afastar as cinzas antes que ela o levasse à boca
mais uma vez.
— Está mesmo me pedindo para denunciar sua própria festa?
Eu retorci a boca por um momento e voltei meu foco à festa que
acontecia dentro da minha casa. Emily Garcia e Karol Hope estavam
dançando em cima da mesa de centro na sala; os caras sentados nos sofás
faziam uma sessão de maconha com um bong e um baseado; e Logan Lewis
estava a um passo de esbarrar e quebrar meu abajur enquanto praticamente
engolia uma garota com a boca.
Soltei um longo suspiro.
— Estou pedindo para que você seja a vizinha chata e me dê um
motivo para expulsar essa galera daqui sem que eu pareça a porra de um pau
no cu.
Balançando a cabeça negativamente, ela riu e apagou o cigarro no
cinzeiro apoiado no parapeito. Depois, subiu seus olhos até o meus e olhou-
me com um brilho de diversão ali.
— Foi mal, cara. Acho que vou deixar essa tarefa pro dono da casa —
disse ela, ao aproximar-se da porta que a levaria para dentro de seu
apartamento. — Foi bom te conhecer, Colton.
Por um instante, desejei que ela ficasse mais um pouco, nem que fosse
para que eu lhe dissesse sobre cada um dos moradores daquele prédio.
Aubree estava sendo a minha única diversão naquele momento, e agora eu
voltaria à festa para lidar com a minha máquina de lavar e o bando de
universitários bêbados caídos pelo chão do meu apartamento.
Que ótima noite.
Forcei um sorriso para ela.
— A gente se vê por aí, Aubree.
Dito isso, ela sumiu apartamento adentro.
Eu continuei ali por um momento, fitando a sua varanda vazia.
Após um minuto ou dois, girei o corpo para voltar à cova dos leões.
“Eu teria ficado em casa
Porque eu estava melhor sozinha
Mas quando você disse: Olá
Eu sabia que era o fim de tudo.”
Break My Heart | Dua Lipa

Para Heráclito de Éfeso, a única coisa que não muda é que tudo muda.
E era a partir daí que surgira o meu questionamento, quando Heráclito
aparecera pela primeira vez em um dos meus livros de filosofia: se tudo
muda, como pode haver algo que nunca muda?
Contradições.
Eu vivia em um mundo de contradições e sabia disso.
Mas, da mesma forma que sua filosofia era um misto de incoerências e
desencontros, eu ainda sim o entendia. O que Heráclito de Éfeso tentava me
dizer era que não havia mal que durasse para sempre e bem que nunca se
acabasse.
Em outras palavras, nada era permanente. E, para que nada seja
permanente, algo precisa ser constante: a mudança.
E era exatamente ali que eu me encontrava: na mudança.
De Bridgeport para Nova York. Da Housatonic Community College à
New York University.
O ano havia começado uma loucura após o anúncio de que minha
faculdade em Bridgeport havia falido. Cinco mil alunos. Cinco malditos mil
alunos desesperados para uma transferência após aquele comunicado que nos
fora enviado via e-mail.
“Não temos mais condições de manter a HCC funcionando. Se virem.”
— Era praticamente o que dizia.
Eu fervi em raiva por um momento. Depois, em desespero. As
universidades em Bridgeport estavam incomunicáveis, os telefones todos
ocupados à medida que estas tinham que lidar com as cagadas da HCC e
acolher os diversos alunos que estavam sem rumo uma semana antes do
início das aulas.
Bem, eu era um destes alunos sem rumo. Uma entre cinco mil pessoas.
0,02% do caos total.
E embora eu não quisesse abandonar a vida que eu tinha em Bridgeport
— ao menos, parte dela —, estava na hora de pensar além.
Além dos amigos que eu construíra naquela cidade e muito além da
minha boa vida enquanto morava debaixo do teto dos meus pais.
Estava na hora de aceitar os pensamentos filosóficos de Heráclito de
Éfeso e me conformar de que tudo mudava e que eu não poderia me agarrar
às tentativas falhas da imutabilidade.
Foi então que eu liguei para a secretaria geral da NYU.
Nova York não era tão longe assim da minha cidade natal e as
universidades de lá eram ótimas. Bem melhores que as universidades em
Bridgeport, inclusive. Heráclito me ensinara e me incentivara a agarrar a
mudança que estava prestes a fazer e tentar a sorte em uma das melhores
universidades da cidade. Não que eu tivesse feito isso da forma correta, pois
me passar pela reitora da Universidade de Bridgeport para que eu pudesse
falar com o reitor da NYU e praticamente implorar de joelhos por uma bolsa
— mesmo que estivéssemos por telefone —, poderia facilmente ter me
colocado em muita encrenca.
Mas não fora o caso e, no final das contas, o que importava era apenas
aquilo. Com o meu histórico escolar e universitário, somado ao meu currículo
bem-conceituado para uma garota de vinte anos que está indo para o quarto
período de Psicologia, eu havia conseguido a bolsa.
Eu estava ali.
Duas semanas atrasada, mas eu estava ali.
E, bem... Algo estava errado.
Meus olhos baixaram para o papel na minha mão, o qual continha
minha grade curricular, meus horários e as salas nas quais cada aula
ocorreria.
Sala 57B.
Subi minha atenção para a porta. Depois, voltei para o papel. E, mais
uma vez, para a porta.
Sala 57B.
A vasta sala estava completamente vazia. Não havia uma alma viva
sequer ali, além de mim. Eu também não estava exatamente adiantada. Na
verdade, eu havia corrido até aqui porque longe de mim querer chegar
atrasada no meu primeiro dia em uma nova universidade.
Eu estava prestes a girar pelos calcanhares e sair pela porta a qual eu
havia entrado quando uma garota surgiu ali e travou seus pés na entrada,
parecendo tão surpresa quanto eu com o fato de não haver ninguém ali. Ela
era baixa, mas isso era algo do qual eu já havia me acostumado considerando
meus 1,75m de altura. Os cabelos eram compridos e lisos, mas o que mais
chamou minha atenção era aquela única mecha branca em meio aos fios
castanhos.
Seus olhos, enfim, vieram aos meus e eu notei o exato momento em
que ela franziu o cenho.
— Você... — Seu dedo indicador agora estava apontado na minha
direção. — Nunca te vi por aqui. Onde diabos está todo mundo? —
perguntou, mas antes que eu pudesse abrir minha boca para lhe responder, os
olhos escuros arregalaram-se e ela prosseguiu, agora em pavor: — Ah, meu
Deus! Isso é algum tipo de universo paralelo, não é? A sala da sra. Sofrey
jamais estaria vazia dessa forma se eu estivesse no meu universo de sempre.
Foi minha vez de franzir o cenho.
Desviando meus olhos dela até o papel que eu tinha em mãos, notei que
o meu nome seguia como Aubree Kate Evans. O que, segundo a um artigo
que eu havia lido em algum momento da minha vida, era o necessário para
que eu soubesse se estava no mesmo universo de sempre, ou não (visto que
uma das consequências de um possível universo paralelo seria a mudança de
identidade, embora eu não soubesse até que ponto aquilo era algo real ou
apenas bulhufas da internet).
Então, pigarreei e voltei a observá-la.
— Até onde eu sei, seguimos no nosso universo de costume.
Ela me analisou dos pés à cabeça.
— E como você saberia se o meu universo de costume é o mesmo que
o seu?
Touché.
Eu não sabia. Portanto, optei por ignorar sua pergunta.
— Onde estão todos? — questionei, olhando em volta mais uma vez.
No entanto, antes que a garota pudesse me responder algo que eu tinha
certeza de que não seria a informação correta, um rapaz, que parecia um
pouco mais velho que eu, surgiu na porta. A julgar pela idade e pelo crachá
pendurado no pescoço, ele só poderia ser algum tipo de monitor.
O que apenas se confirmou quando ele nos avisou que deveríamos ir ao
auditório principal da NYU para um comunicado geral.
— Foi uma boa pergunta — eu disse, enquanto seguíamos em direção
ao auditório.
A garota me encarou. Ao lado dela, eu parecia bem mais alta que o
usual. Os olhos recaíram sobre as minhas feições por um momento, um ponto
de interrogação começando a se formar em seus traços assim que eu tratei de
explicar:
— A pergunta sobre o seu universo de costume ser o mesmo que o
meu. — Fiz uma pausa. — Foi uma ótima pergunta, na verdade. É quase
como questionar se o meu conceito sobre a cor vermelha é o mesmo que o
seu. Já parou para pensar que, talvez, o seu vermelho seja o meu azul?
Seu cenho se franziu.
— Você é tão estranha.
Eu dei de ombros.
— As pessoas costumam dizer isso.
— E novata, aparentemente. Nunca te vi por aqui.
Um sorriso se abriu em meu rosto e eu estendi minha mão para ela.
— Aubree Evans.
— Marie Anne Ladwey — apresentou-se, apertando minha mão.
Depois, voltou seus olhos para o campus coberto por uma fina camada de
neve quando nossos pés nos levaram para fora do prédio. — Você foi
transferida ou algo do tipo?
Fechei meu casaco assim que o vento gelado chicoteou meu corpo e
nós passamos a seguir o fluxo de alunos em direção a outro prédio.
— Na verdade, minha faculdade faliu. — Suspirei. — Sou de
Bridgeport.
— Bridgeport, huh? — Marie arqueou uma sobrancelha na minha
direção. — Bem... Seja bem-vinda à NYU, Aubree. Tenho certeza de que
essa universidade está longe da falência.
— Você está aqui desde o primeiro semestre?
A garota balançou a cabeça, confirmando.
— Você teve sorte de não ter entrado semestre passado. A professora
de Antropologia Cultural era o próprio satã. Nós tínhamos quatro
fichamentos de textos enormes e cansativos por mês para fazer e um
seminário após a finalização de cada assunto. — Ela soltou um suspiro
exausto só de lembrar-se. — Até hoje não tenho ideia de como passei. Mas o
que importa é que estamos no quarto semestre de Psicologia e a maioria dos
professores... Hm... Ao menos passam longe de serem entediantes.
— Isso não necessariamente significa que são bons — observei.
Marie abriu um sorriso e pendeu a cabeça para o lado, ponderando.
Depois, disse:
— Não. Alguns são mais loucos que Wilhelm Reich.
Tive que engolir em seco, pois Wilhelm Reich era claramente um dos
psicanalistas que pendiam entre a genialidade e a loucura.
Oh Céus.
Porém, antes que eu pudesse falar algo, nós adentramos o auditório
principal da universidade, o qual estava tão lotado que precisamos lutar para
encontrar um espaço colado à entrada no intuito de ficar de pé sem que
atrapalhássemos alguém. Depois disso, Marie Anne não demorou a encontrar
alguns amigos ali por perto, dizendo que voltava logo.
As luzes, então, tornaram-se mais fracas e os alunos calaram-se no
momento em que uma senhora surgiu no palco com um sorriso radiante e um
microfone em mãos. Não demorou a apresentar-se como Clerity Horghe, uma
das embaixadoras de um projeto voluntário que, segundo ela, poderia mudar
vidas.
Era algo sobre uma espécie de parceria que a NYU havia feito com
diversos orfanatos espalhados por Nova York, a fim de incentivar seus alunos
a voluntariarem-se para trabalhos que envolveriam crianças órfãs de todas as
idades. Os voluntários passariam todas as suas manhãs de sábado entretendo
essas crianças ou ajudando com algumas funções dentro do orfanato.
Estava sendo explicado as vantagens do trabalho voluntário —
ressaltando algumas vezes a informação de que o trabalho não era tão
voluntário assim, a julgar pelas horas complementares que ele valeria para
aqueles que se inscrevessem no projeto —, quando a porta do auditório se
abriu ao meu lado.
Um aluno entrou e espremeu-se próximo a mim, o que fez com que eu
me remexesse desconfortavelmente. Analisei o cômodo, incomodada diante
da quantidade de pessoas que ali encontravam-se. Não era o momento, mas
minha mente já havia disparado em direção às possíveis tragédias que
poderiam ocorrer dentro daquele auditório, calculando quantas pessoas
morreriam pisoteadas enquanto estivessem tentando sair pelas únicas três
saídas de emergência espalhadas aleatoriamente pelo local.
Ao meu lado, senti quando o rapaz se curvou para mais perto de mim, e
então disse em um sussurro:
— Caralho, seu perfume é ainda melhor do que imaginei.
Automaticamente, franzi o cenho e, virando meu rosto apenas o
suficiente para observá-lo com mais atenção em meio à escuridão do local,
reconheci-o como o vizinho barulhento de duas noites atrás.
Ah, ótimo.
— Você imaginou o cheiro do meu perfume? — indaguei, em um misto
de indignação e curiosidade, baixo o bastante para impedir que as pessoas ao
nosso redor tivessem o desprazer de ouvir àquela loucura.
Notei o instante que um sorriso se esgueirou pelos seus lábios.
— Na verdade, imaginei muito mais que isso — ele disse, e fui
obrigada a soltar um riso nasalar em resposta.
— Por favor, não me diga que você é algum tipo de stalker.
Colton deu de ombros.
— Até onde eu sei, foi você que mudou para o apartamento ao lado do
meu. — Suas palavras eram acompanhadas de um tom inocente, mas eu senti
a provocação em cada uma delas.
— Bem... Foi você que passou a noite imaginando o perfume da sua
vizinha — rebati.
Com um sorriso no rosto, ele me observou por um longo momento,
antes de dizer:
— Você está na minha universidade. Stalker.
Arqueei minhas sobrancelhas na sua direção.
— E desde quando essa universidade é sua?
Antes que o rapaz pudesse me responder, alguém próximo a nós
pigarreou em um pedido claro para que calássemos a boca. Eu assim o fiz,
voltando minha atenção para a senhora alta e esguia sobre o enorme palco do
auditório, que mostrava no telão algumas das atividades que poderíamos
escolher participar enquanto estivéssemos trabalhando nos orfanatos.
Senti seu braço tocar o meu, mas não ousei encará-lo. Colton era alto.
Alto o suficiente para que eu me sentisse baixa demais próximo a ele, algo
que raramente acontecia.
Seu perfume era gostoso. Gostoso e invasivo. Estava invadindo a
porcaria do meu espaço pessoal e impedindo que eu me concentrasse nas
palavras que saíam da boca daquela senhorinha.
E seu braço... Bem, ele com toda a certeza ultrapassava seus limites
porque bem queria. O que também estava começando a atrapalhar a minha
linha de raciocínio.
Notei quando este remexeu-se ao meu lado. Afinal, seria impossível
não notar diante da proximidade dos nossos corpos. Puxando seu celular do
bolso, o nome de alguém piscava na tela com o brilho ajustado no máximo.
— Vou dar o fora — anunciou ele, antes de voltar a guardar o aparelho
na calça. — Quer vir?
Precisei de alguns segundos para entender que ele estava falando
comigo e, quando enfim o fiz, estreitei meus olhos até os seus em reprovação.
— Estamos no meio de uma palestra sobre crianças órfãs, Colton.
Ele não pareceu dar muita importância.
— É, eu sei. — Deu de ombros. — Orfanato, trabalho voluntário e todo
esse blá-blá-blá.
“Todo esse blá-blá-bla”.
Inacreditável.
Fechando os olhos por um momento, busquei algum psicanalista,
filósofo ou sociólogo que pudesse amenizar suas palavras na minha mente.
Então, Platão surgiu para impedir que meus hormônios de cortisol se
elevassem, ao dizer: “É preferível a ignorância absoluta a o conhecimento em
mãos inadequadas”.
Em outras palavras, era melhor que Colton visse este trabalho
voluntário como “todo esse blá-blá-blá”, a optar por aceitá-lo e então
destratar crianças órfãs por má vontade da sua parte.
Bem, pelo menos era assim que eu estava preferindo analisar a situação
para não mandá-lo ao inferno com todo o seu blá-blá-blá.
— E aí? Você vem? — indagou ele, trazendo-me de volta à realidade.
Eu pisquei um par de vezes.
— Para aonde?
— Fumar um beck no terraço — explicou ao apontar para a porta atrás
de si. — Comigo e com uns amigos. Será ótimo para expandir seu círculo de
amizades.
— E fazer amizade com seus amigos barulhentos de duas noites atrás?
Acho que passo.
O garoto trocou o peso entre os pés diante da minha recusa. Então,
tentou mais uma vez:
— Certo. E o que você acha de nos encontrarmos na hora do almoço
para que eu te apresente o campus? Você é nova aqui. Tenho certeza de que
ainda não conhece muita coisa.
No mesmo instante, meus olhos esquadrinharam seu rosto e por um
momento tive vontade de rir.
Eu sabia o que ele estava fazendo. Poucos encontros haviam sido o
suficiente para ter quase certeza do que aquilo se tratava diante da sua
linguagem corporal e das tentativas de encontrar uma forma de passar mais
tempo comigo.
— Está tentando me levar para a cama?
Ele engasgou-se com a sua própria saliva; as tosses chamando a
atenção daqueles que estavam à nossa volta.
— Eu? — Colton riu em seguida. E, embora eu não pudesse identificar
ao certo o tom da sua risada, julguei ser algo entre o nervosismo e a
incredulidade. — Não mesmo. Sou apenas uma alma caridosa.
— Claro. Tão caridosa que está mais interessado no seu beck do que no
projeto voluntário que pode lhe dar horas complementares na faculdade.
De repente, seus olhos ganharam um novo brilho.
— Horas complementares? — questionou, subitamente interessado no
assunto.
Ah, meu Deus.
Eu havia acabado de colocar as bundas daquelas crianças no radar dele.
Não consegui evitar levar minha mão até minha testa, xingando-me por
isso.
Malditas horas complementares.
Com um sorriso insolente no rosto, Colton disse:
— Acho que o beck pode ficar para mais tarde.
“Eles dizem: Todos os garotos bons vão para o céu
Mas os garotos maus trazem o céu até você.”
Heaven | Julia Michaels

Marie Anne não havia mentido quando disse que alguns professores
eram mais loucos que Wilhelm Reich. Depois de duas horas e meia de
Psicologia Social com o senhor Truel falando mal sobre a sociedade e a
forma desprezível como ela influencia o ser humano, com exemplos dos
quais eu preferia não me lembrar, nós finalmente havíamos sido liberados
para o almoço.
— Estou te dizendo que ele é louco — disse Marie, referindo-se ao
senhor Truel, enquanto enchia seu prato de salada para compensar a
montanha de macarrão com queijo que ocupava metade dele. — Dizem que a
mulher dele, a ex-senhora Truel, que antes lecionava aqui na NYU também, o
deixou pelo treinador dos Violets. Os burburinhos foram tantos nessa época
que o reitor pediu gentilmente que ela se afastasse das aulas e parasse de
lecionar no campus. Desde então, nunca mais a vimos.
— E o treinador? — questionei, despejando o suco de tangerina no meu
copo.
Marie deu de ombros.
— Ele segue treinando os Violets normalmente — explicou no meu
encalço, à medida que seguíamos em direção à uma mesa vazia. — Isso já
tem mais de um ano.
Não pude evitar revirar os olhos. O fato de apenas a mulher se dar mal
em uma situação que envolvia dois homens além dela, irritava-me. Eu não
precisava perguntar a Marie sobre como o treinador havia sido tachado, para
ter certeza de que muitos alunos teriam o idolatrado por ter “comido a mulher
do senhor Truel”. Ao mesmo tempo em que a ex-senhora Truel
provavelmente havia sido chamada de nomes terríveis.
Coitada.
— Odeio essa sociedade machista — murmurei.
Marie concordou com a cabeça assim que nos sentamos, e enrolou o
espaguete no garfo.
— Pois é. — Enfiou a comida na boca, sem se importar em continuar
sua explicação de boca cheia: — O fato é que, desde então, o senhor Truel
acredita piamente que sua mulher foi corrompida pela sociedade e que traí-lo
com outro cara não tem nada a ver com a índole dela.
Aquilo era triste.
Subitamente, a imagem do senhor Truel mais enlouquecido que
Wilhelm Reich transformou-se em Carl Fredicksen; o senhor solitário do
filme de Up – Altas Aventuras.
Mexendo o macarrão no meu prato, tentei ignorar a sensação de pena
que se instaurou em meu peito por um momento, e então eu disse:
— Se isso o faz dormir melhor à noite, não vejo nada de errado.
— Bem, eu também não veria nada de errado se ele não jogasse todo o
seu ódio e sua frustração em cima dos alunos.
Marie tinha razão. Embora o senhor Truel fosse um revoltado com a
vida, aquilo não lhe dava o direito de lecionar exalando ódio e frustração. Era
sufocante até mesmo para mim.
Eu estava prestes a concordar com a garota no momento em que meus
olhos focaram em alguém sentado duas mesas atrás dela. Os cabelos
castanhos estavam bagunçados, como se ele não houvesse feito questão de
arrumá-los essa manhã, e o queixo agora estava livre da barba rala que até
ontem estava por fazer.
Nós não havíamos nos visto desde o episódio do auditório, no dia
anterior — o que parecia um milagre considerando que morávamos lado a
lado e minha varanda era praticamente colada a sua.
Na mesma mesa que Colton, havia mais três garotos. Ele ainda ria de
algo dito pelo cara sentado ao seu lado esquerdo quando seus olhos esbarram
nos meus e ali ficaram. Um, dois, três segundos. Queimando em cada parte
do meu corpo e rosto, até que um dos seus amigos chamasse sua atenção para
algo em seu celular. Ainda assim, Colton demorou mais um instante para
desviar seus orbes cinza dos meus.
Marie estava dizendo algo, mas logo notou que eu não ouvia uma
palavra sequer que saía pela sua boca. Virando a cabeça apenas o suficiente
para observar por sobre o ombro, seguindo o meu olhar, a garota voltou
rapidamente a me encarar, agora em reprovação.
— Nem pense nisso — disse ela, forçando minha atenção de volta a
sua.
— O quê? — indaguei, confusa.
Marie estreitou seus olhos na minha direção. “Acha que sou idiota?”,
era o que suas feições diziam.
Então meneou com a cabeça em direção ao garoto atrás de si e disse:
— Colton Reed.
Pisquei.
— Eu não... O quê? — Fiz uma pausa. — Eu não estou pensando em
nada.
Espetando o garfo na salada, ainda sustentando meu olhar com o seu,
Marie arqueou uma sobrancelha.
— Vi vocês conversando no auditório ontem.
— Ele é meu vizinho — expliquei. — Estava enchendo meu saco.
— Ele também é encrenca, Aubree. Melhor ficar longe.
Largando meu talher no prato, semicerrei meus olhos para ela.
— Ok, qual é o seu problema com ele?
Marie não demorou a apoiar os cotovelos na mesa. Depois, limpou sua
garganta como se estivesse preparando-se para um discurso. A mão direita,
de repente, estava levantada e o punho, cerrado na altura do seu rosto quando
ela ergueu o dedo indicador e começou a numerar:
— Primeiro, ele namora. Então é melhor tirar o olho antes que a
Maddison faça um vodu especialmente para você e comece a lhe torturar pelo
simples fato de estar trocando olhares com ele. Segundo — Marie levantou o
dedo médio agora, indicando o número dois —, ele é famoso. — Parou um
instante, antes de esclarecer: — Bem, pelo menos na NYU. Ele tem uma
banda. Está vendo os três garotos sentados na mesma mesa que ele?
Voltei minha atenção para sua mesa por um instante e assenti, ainda
tentando processar as palavras da minha amiga.
— Eles são a banda Broken Crown — continuou ela. — Se eles
peidarem, no dia seguinte estarão todos falando sobre. Estou falando sério.
Honestamente? Acho isso ridículo. — Marie fez uma careta. — Além disso, a
fila de garotas que está esperando Colton Reed terminar para sentar naquela
pica é surreal. E, por último, mas não menos importante... — Marie impediu-
se de prosseguir. A boca abriu e fechou um par de vezes até que ela
desistisse. — Só... Fique longe.
Certo.
Meus ouvidos haviam acompanhado cada uma das palavras dela, mas
meu cérebro ainda estava tentando processar a primeira frase.
Colton namorava?
Aquilo não fazia sentido algum. Eu não era tão péssima assim a ponto
de me enganar em relação aos flertes implícitos dele durante nossas duas
únicas interações. Não que eu estivesse interessada em ir para a cama com
Colton, mas estava mais que claro para mim que havia um interesse por parte
dele.
— Ele namora?
— Uh-hum. — Marie confirmou com a cabeça enquanto mastigava.
Se aquilo fosse, de fato, verdade — o que eu não duvidava nem um
pouco, já que não havia motivos pelo qual Marie Anne poderia estar
mentindo —, então Colton era um idiota.
— Que babaca — murmurei, ainda em um misto de choque e
indignação.
— Foi o que eu disse...
— E uma banda?! — Meu tom saiu mais alto do que eu havia
esperado. — Ai, Deus. Não tenho um histórico muito bom com músicos.
Marie assentiu, balançando sua cabeça sem parar.
— Claramente este é o universo te enviando sinais para ficar longe.
— Me colocando para morar no apartamento ao lado do dele?! — eu
indaguei, confusa e completamente descrente com os sinais do universo.
A garota não hesitou em apresentar sua teoria:
— Ele está te testando.
E talvez estivesse mesmo.
Um teste do universo. Exatamente como a história de Eros e Psiquê,
depois que o vento a levou para um belo castelo e a fez vagar pelo mundo em
meio a testes e desafios sofridos impostos por Afrodite.
Ponderei por um momento.
Em seguida, dei de ombros.
Quem eu estava querendo enganar? Era mais provável que aquilo fosse
apenas mais algum tipo de karma por algum ato imprudente que eu
provavelmente cometera em uma vida passada.
— Não se deixe levar — reforçou Marie.
E eu assenti.
Se aquilo fosse mesmo um teste do universo, eu me recusaria a cair nas
tentações impostas por ele.
A vista da minha varanda não parecia algo tão interessante na maior
parte do tempo. Contudo, a partir do momento em que o relógio beirava às
cinco horas da tarde, as coisas mudavam. O sol se punha entre uma fresta de
dois prédios espelhados e, em dias azuis, aquilo tornava-se um grande
espetáculo.
Eu havia comprado duas cadeiras e uma pequena mesa para deixá-las
na sacada, embora uma das cadeiras apenas servisse de apoio para os meus
pés, já que eu ainda não havia recebido nenhum tipo de visita. De qualquer
forma, até então, aquele definitivamente foi o meu melhor investimento. Do
lado de fora do meu apartamento, eu podia apreciar o fim de tarde ao mesmo
tempo em que fumava meu cigarro na companhia de Romeu e Julieta por
entre as páginas do pequeno livro que eu tinha em mãos.
Era tranquilizante.
O caos da cidade se tornava algo espantosamente poético. Era quase
como uma pintura renascentista, na qual se salientava com melancolia e
emoção a vida terrena. Os prédios espelhados eram um belo contraste com a
mistura de tons pastéis de amarelo, laranja, rosa e azul.
— Você, por acaso, está tentando me impressionar pagando de culta?
— Subitamente, uma voz masculina interrompeu o meu momento, e eu não
precisei olhar para o lado para ter certeza de quem estava na varanda próxima
à minha.
O comentário idiota era o suficiente para que eu soubesse exatamente
de quem se tratava.
Soltando um suspiro, apenas virei a página do meu livro.
— Eu não preciso pagar de culta para impressionar alguém —
murmurei, finalmente subindo meus olhos das pequenas letras estampadas
nas páginas amareladas até ele. — Não quero impressionar alguém.
Principalmente se este alguém for você.
Um idiota e comprometido, quis completar, mas me contive.
De pé, ao lado mais próximo da minha sacada, Colton colocou a mão
no peito como se tivesse sido atingido em cheio por minhas palavras. Ele
estava usando uma regata, mesmo em meio ao frio intenso de Nova York, e
eu não consegui evitar que meus olhos percorressem toda a extensão da sua
pele, avaliando os músculos divinamente esculpidos.
— Conheço esse tom — disse ele ao apoiar os cotovelos na sacada,
deixando seus braços ainda mais visíveis aos meus olhos. — O que
aconteceu?
Desviando minha atenção dele, suspirei. Depois, fechei meu livro,
dando uma última tragada no cigarro antes de esmagá-lo no cinzeiro. Eu
ainda estava considerando se deveria dizer algo quando Colton continuou:
— Problemas familiares? — Tentou adivinhar. — Financeiros? Não. Já
sei. Problemas universitários? — Meus lábios franziram-se, dando-lhe algum
tipo de pista, porque segundos mais tarde, ele já havia chegado a uma
conclusão: — Meu Deus, garota, você está há dois dias na NYU e já arranjou
problemas?
Por um momento, agradeci a Colton por ter decidido ir para o caminho
da música. Ele seria um péssimo profissional se tentasse se graduar em algo
que envolvesse a linguagem corporal de outra pessoa. Como era possível que
ele ainda não houvesse notado meus traços repressivos direcionados
intencionalmente a ele?
— Você não me disse que era conhecido na NYU. — Eu deixei
escapar, antes que pudesse me impedir.
Automaticamente, Colton se calou por um instante e um vinco se
formou entre as sobrancelhas.
— Eu deveria? Pensei que isso faria de mim uma pessoa arrogante.
Soltando um suspiro, pressionei minhas têmporas ao sentir uma dor de
cabeça começando a se fazer presente.
— Por que não me disse que tem uma banda?
Colton deu de ombros. Os lábios curvaram-se para baixo em uma
tentativa de não demonstrar importância àquilo, mas eu notei um certo
incômodo por trás da sua postura.
— Não sabia que deveria ter dito algo — comentou. Era quase como
uma forma educada de dizer que não se lembrava de me dever qualquer tipo
de satisfação.
E, realmente, ele não devia.
— Não. — Balancei a cabeça. — Você não deveria. Só estou surpresa.
Não imaginei que fosse músico.
Colton parou por um momento. Os olhos desceram dos meus até meu
corpo e então subiram, analisando-me atentamente à procura de algo.
Um brilho duvidoso brilhava em suas íris cinzas assim que ele
questionou:
— Algum problema, Aubree?
Bem... Sim. Mais do quê você imagina, na verdade, pensei.
No entanto, tudo o que saiu pela minha boca após dar de ombros foi:
— Não costumo me dar bem com músicos.
Por um instante, o silêncio estendeu-se entre nós.
— Ter uma banda não define quem eu sou.
— É claro que não, eu só... — Forcei-me a parar de falar, apertando os
lábios porque ele jamais entenderia. — Deveria ter me dito, ao menos, que é
um cara comprometido.
No mesmo instante, o brilho em seus olhos mudou. Agora era algo
entre a curiosidade e a diversão.
— É impressão minha ou você está interessada no seu vizinho?
— O quê?! — praticamente berrei. — Não!
Talvez.
A verdade era que Colton era um cara bastante atraente. Tão atraente
que deveria ser algum tipo de pecado no mundo em que vivíamos. Ele tinha
ganhado pontos comigo no momento em que se colocou ao meu lado naquele
auditório, fazendo-me notar uma diferença significativa de altura entre nós.
Além disso, seu corpo era como a porra de uma escultura. Sarado na
medida certa. Notei aquilo ainda na primeira vez em que o encontrei neste
mesmo lugar. Os ombros eram largos e os braços, malhados.
Por um instante, imaginei-o sem camisa. E então, sem calça.
Céus, Aubree.
Controle-se, garota.
— Bem... Teria mudado algo na sua vida, caso soubesse disso? —
perguntou Colton, trazendo-me de volta à realidade.
Joguei a imagem dele nu para o fundo da minha mente e tratei de focar
no fato de que Colton, acima de um cara gostoso com músculos esculpidos e
um sorriso de canto, era um cara gostoso com músculos esculpidos e um
sorriso de canto que não prestava.
— Não — respondi —, mas você não age como se tivesse uma
namorada. Deveria ser mais respeitoso com ela.
Ele riu. No entanto, o tom que reverberou no ambiente não era um tom
divertido.
— Você deveria começar a questionar mais a sua fonte de informação.
Nunca assumi namoro algum com ninguém.
— Mas você tem alguém — rebati. — As pessoas não estariam falando
esse tipo de coisa à toa. E, pelo o que entendi, ela não parece pensar da
mesma forma que você.
Dito aquilo, Colton se calou, fazendo-me presumir que eu estava certa.
O clima entre nós, de repente, pareceu mais tenso e eu decidi que estava na
hora de levar minha bunda para longe daquela varanda e, acima disso, para
longe dele. Portanto, não demorei a me colocar de pé e abrir a porta de vidro.
— Aubree — ouvi Colton chamar por mim antes que eu pudesse me
retirar. Contra a minha vontade, levei meus olhos aos seus, que
esquadrinharam meu rosto por um longo momento. — Quando quiser saber
algo sobre mim, fale diretamente comigo. As pessoas só sabem o que eu
mostro e, mesmo assim, distorcem grande parte das informações. Você, que
tanto aparenta gostar de ler, deveria saber mais que ninguém que não se deve
julgar um livro pela capa.
Eu não disse nada.
Tudo o que fiz foi assentir, sumindo da varanda em seguida.
“Eles realmente não percebem como vejo as coisas
Essas garotas, elas vêm e vão entre meus lençóis.”
Into It | Chase Atlantic

— Porra, Maddy — eu grunhi, com a voz rouca, contra o vão do seu


pescoço.
Ela estava por cima de mim. As mãos no travesseiro em que eu apoiava
minha cabeça enquanto ela quicava com força no meu pau. Os peitos grandes
e siliconados roçavam contra o meu peitoral, para cima e para baixo,
acompanhando o ritmo do seu corpo. Era uma visão dos deuses, mas eu não
pude evitar fechar os olhos ao perceber que estava prestes a gozar.
O gemido alto, quase escandaloso, que saiu pelos lábios de Maddy e
preencheu o ambiente em que estávamos, fez minhas bolas doerem de tesão.
Eu apertei sua bunda com força quando ela quicou mais uma vez, e grunhi de
novo ao sentir toda a minha tensão se esvair pelo pau.
Puta merda.
Maddison caiu ao lado vazio da cama de casal. Sua respiração estava
acelerada e a pele brilhava em uma camada fina de suor. Um sorrisinho
satisfeito pendia em seus lábios quando eu me virei para olhá-la.
— Gostosa — murmurei ao apertar sua coxa com vontade, e então me
estiquei para alcançar meu celular na mesa de cabeceira.
Havia seis mensagens não lidas. Cinco delas completamente
ignoráveis, mas uma em específico carregava um convite interessante.

Alec Austin:
Bar Belly hoje?

Maddy estava dizendo algo ao meu lado no instante em que comecei a


digitar.

Colton Reed:
Tô dentro.

Nem meio segundo depois, Alec já havia respondido.

Alec Austin:
Blz.

— Colton? — Maddison chamou minha atenção.


— Hm? — questionei, distraído, ao bloquear meu celular e me levantar
da cama.
— Jade ficou chateada que você não a chamou para a festa deste último
fim de semana no seu apartamento — comentou ela, enquanto eu me dirigia
ao banheiro para jogar a camisinha fora e lavar meu pau.
Eu não pude evitar revirar meus olhos ao dar de costas para ela. Maddy
era uma garota legal, mas suas amigas eram tão fúteis e superficiais que eu
tinha vontade de vomitar toda vez que ela mencionava qualquer uma delas.
— Foi uma festa de última hora, Maddison — murmurei, tentando
conter o tom irritadiço. — Ela teria sido convidada se tivesse ido à
comemoração do jogo dos Violets no bar 171.
Do quarto, pude ouvi-la suspirar. Eu surgi por entre a porta novamente,
apenas para vê-la de pé, escorregando a camisola de seda pela sua pele, até
que sua boceta e seus peitos estivessem escondidos pelo tecido brilhoso.
Uma pena.
— Estou indo para o Belly com os caras. — Minha voz se deformou
assim que me agachei para pegar minha cueca e minha calça jogadas no canto
do quarto.
De pé, ao lado da cama, Maddy apenas deu de ombros sem se importar
muito.
Analisei por um momento a forma como ambos nos tratávamos e
cheguei à conclusão de que estávamos longe de ser um casal. Se fôssemos, de
fato, um casal como a NYU havia nos rotulado, eu não hesitaria em chamá-la
para me acompanhar no bar — exatamente como Mason costumava fazer
com a minha irmã —, e Maddy ao menos faria um esforço de fingir se
importar.
O que não era o caso. Nunca havia sido o caso.
A questão era: por que diabos eu parecia tão incomodado com aquela
merda?
Até a semana anterior àquela, eu estava pouco me fodendo com o que
diziam pelos corredores da NYU. Eu gostava de trepar com Maddy. Gostava
pra caralho.
Ela tinha peitos grandes que enchiam minhas mãos com vontade. E
quando ela fazia espanhola... Puta que pariu. Minhas bolas doíam só de
lembrar do meu pau duro feito pedra friccionando entre seus seios
empinados.
Mas, talvez, meu incômodo se desse por um único motivo.
E este motivo tinha nome e sobrenome.
Aubree Evans.
Porque eu estaria mentindo se dissesse que não me perguntei como
seria beijar aqueles lábios cheios, sempre preenchidos pela cor vermelha
chamativa. Ou como seria ter aquela mesma boca em volta do meu pau. Ou
meu pau dentro dela. Será que Aubree era apertada? Por um momento,
perguntei-me se o som do seu gemido seria escandaloso como o de Maddy,
ou algo mais suave.
Independentemente de qual tipo de gemido fosse o dela, tinha certeza
de que me faria gemer junto de tesão.
Ah, merda.
Meu pau havia ido a meio mastro apenas ao imaginar a cena. A sorte
era que eu já estava abotoando minha calça quando senti meu saco apertar
diante do pensamento.
Aquilo estava longe de ser um bom sinal.
O que me deixava ainda mais frustrado era saber que, se Aubree já
estava se fazendo de difícil antes, a tarefa de levá-la para cama havia sido
inviabilizada infinitas vezes mais depois da sua descoberta sobre o que quer
que fosse que Maddy e eu tínhamos. Afinal, não foram precisos muitos
diálogos para que eu notasse que Aubree era uma garota de boa índole que
jamais ficaria com um cara o qual ela pensava ser comprometido.
Porém, também me recusaria a descartar Maddy só para poder transar
com outra garota que eu sequer tinha ideia se algum dia conseguiria transar
de fato. Maddy e eu estávamos nos divertindo e eu não precisava acabar com
nossas trepadas enquanto aquilo me fizesse bem.
A última coisa que eu queria naquele momento era acabar com Maddy,
não conseguir nada com Aubree e ser obrigado a ficar apenas na punheta,
chupando o dedo o dia todo.
Tive vontade de grunhir em frustração no segundo em que o
pensamento de ter Aubree ao outro lado da parede enquanto eu batia um
punheta tornou a vontade de jogá-la na minha cama algo ainda mais tentador.
— Colton? — A voz de Maddy me trouxe de volta à realidade.
Meus olhos encontraram os seus e não evitaram descer por seu corpo
parcialmente coberto pela camisola. Seus pés se moviam graciosamente na
minha direção, quase como um felino pronto para o ataque, o que fez com
que eu me obrigasse a jogar os pensamentos de Aubree para o fundo da
minha mente.
Por um momento, a vontade de arrancar aquele pedaço minúsculo de
tecido do corpo de Maddison e foder com ela a noite toda me consumiu. Fui
obrigado a puxar o ar com força no instante em que suas unhas compridas
roçaram minha nuca assim que ela envolveu seus braços ao meu redor. Seu
rosto estava próximo ao meu. Os olhos grandes e castanhos me analisavam
com um brilho de malícia.
— Tem certeza de que não quer ficar? — sussurrou, manhosa.
E por mais que meu pau estivesse dando indícios de que sim, eu queria
pra caralho ficar, eu neguei com a cabeça, ciente de que já havia marcado
com os caras.
— Não posso.
Maddy apertou seus lábios.
— Temos um churrasco domingo da fraternidade Kappa às duas da
tarde. Você passa aqui para me buscar?
Tive que forçar um sorriso.
Aquela era uma das coisas em Maddy que me deixava puto da vida.
Desde que começamos a trepar com frequência, Maddison nunca me
perguntava se eu queria ou poderia ir a algum evento que ela havia planejado
para nós. Era sempre algo do tipo: “Vamos para a casa da Fulana. Me busca
às oito horas?” ou “marquei de nos encontrarmos na sexta à noite com não-
sei-quem. Esteja pronto às dez da noite”.
De qualquer forma, ignorei a fagulha de irritação que percorreu meu
corpo e assenti com a cabeça, porque pelo menos aquele churrasco não me
parecia uma ideia tão ruim.
— Passo aqui às duas e meia.
Sorrindo, ela deixou um selinho nos meus lábios e eu dei um tapa fraco
na sua bunda antes de me afastar para colocar minha camiseta e, então, meu
casaco e touca, pronto para enfrentar o frio de Nova York.
— Divirta-se no Belly — foi a última coisa que ela disse, antes que eu
desse o fora do seu quarto e, em seguida, da enorme casa da fraternidade Zeta
Psi.
O Belly não era muito longe dali, portanto, quinze minutos depois, eu
já estava empurrando a porta para entrar no ambiente abafado e cheio demais
para uma quarta-feira.
Encontrei Alec e Chase sentados em uma mesa mais ao canto do bar.
Eles estavam rindo de algo quando escorreguei para o pequeno sofá vermelho
e os cumprimentei com um toque de mão. Logo após aquilo, não demorou
mais que cinco segundos para que eu estranhasse a ausência de Mason,
procurando-o pelo ambiente lotado.
— Onde está Callahan?
— Foi foder sua irmã no banheiro — respondeu Chase Mitchell, o
baterista da nossa banda, após tomar um gole do grande copo de cerveja à sua
frente.
Automaticamente, fiz uma careta, porque por mais que eu não me
importasse com o meu melhor amigo transando com a minha irmã, imaginar
aquela cena era algo perturbador demais até mesmo para mim. E encontrá-los
quase trepando no sofá do apartamento que dividíamos pelo menos uma vez
por semana não diminuía a vontade que eu tinha de ao menos quebrar o nariz
do cara.
Alec revirou os olhos ao lado de Chase.
— Ele foi pegar uma breja com a Lake.
Puxando meu celular do bolso, digitei uma mensagem rápida para
Mason, pedindo para que ele aproveitasse e me trouxesse uma Budweiser.
Sua resposta veio meio segundo depois:

Mason Callahan:
Tenho cara de barman?
Colton Reed:
Vc tem cara de quem tá devendo pontos comigo pelo resto da sua vida por
foder minha irmã todas as noites no quarto ao lado do meu, fdp.

Olhando para a tela, vi os pontinhos dançarem abaixo da minha


mensagem e depois sumirem. Então, voltaram a aparecer.

Mason Callahan:
Chupa minha bola.

Mas quando Mason surgiu com Lake, ele estava com a minha Bud em
mãos, exatamente como eu sabia que aconteceria. Sentando-se no banco
posicionado na ponta da mesa, Mason agarrou minha irmã pela cintura e a
encaixou em uma das suas pernas, o que me fez intercalar os olhos entre os
dois e a posição em que eles estavam agora.
— Não tem banco não? — perguntei, intencionalmente a fim de puxar
o saco deles.
Layken arrastou seus olhos aos meus. “De novo essa merda?”, era
praticamente o que suas íris diziam.
— Tem, mas você e sua bunda imensa ocuparam todo o espaço —
minha irmã rebateu, embora claramente houvesse espaço para ela ao meu
lado. — Então precisei improvisar.
Pensei em responder. Pensei muito. Mas decidi que o melhor para
aquela noite seria ignorar. Caso o contrário, ficaríamos trocando farpas até
que um dos caras ficasse puto da vida e decidisse nos mandar à merda.
Portanto, apenas desviei meus olhos dela e olhei para os meus amigos.
Estava prestes a lhes perguntar se iriam para a festa do Kappa no domingo,
no instante em que um sorriso malicioso se esgueirou na boca de Mason e o
indicador veio até meu pescoço, apertando minha pele.
— O que é isso aqui, huh? — perguntou ele, com o tom de voz
banhado de zombaria, o que não demorou a atrair os olhares de todos na
mesa.
Ele sabia o que era aquilo. Todos nós sabíamos o que era.
Mas era claro que o filho da puta não deixaria o chupão no meu
pescoço passar sem se aproveitar da oportunidade de tirar sarro da minha
cara.
— Uau. Maddison Hilton decidiu começar a te marcar agora? —
zombou Alec e eu tive vontade de revirar meus olhos.
Como se já não bastasse deixar claro à NYU inteira que estamos
exclusivamente juntos, pensei em dizer, mas decidi que aquele não era o
momento ideal para um monólogo centrado nas pequenas coisas que me
irritavam em Maddy.
Dessa forma, apenas dei um longo gole na minha cerveja e tratei de
mudar de assunto:
— Vocês vão para o churrasco do Kappa neste domingo?
— Festa de domingo para ter uma ressaca daquelas na segunda e um
motivo além da minha preguiça pra não ir à aula? — questionou Chase, com
um sorriso de canto no rosto. Então, balançou a cabeça positivamente, como
se estivesse curtindo aquela ideia. — Tô dentro.
Ao seu lado, Alec soltou um suspiro exausto.
— Bem que eu queria, mas vou precisar ir para Bridgeport esse fim de
semana para cuidar das minhas irmãs.
— Sua mãe vai estar de plantão no hospital? — indagou Mason para
ele.
Alec apenas balançou a cabeça, confirmando. Os ombros murchos em
pesar.
Alec Austin não era um cara que costumava falar muito sobre a sua
vida. Eu o conheci no meu primeiro semestre na NYU, há mais ou menos
dois anos e meio, e desde então tudo o que eu sabia era que ele sempre esteve
cercado de mulheres. Além das garotas com quem ele costumava ficar —
sempre de forma descompromissada —, Alec tinha que lidar com quatro
irmãs mais novas e uma mãe ocupada pra caralho que aparentava nunca sair
daquele hospital em Bridgeport, a cidade onde sua família morava. Também
sabia que seus pais eram ricos, mas que, por algum motivo, ultimamente
vinham passando por uma situação de aperto.
Ele costumava ir para Bridgeport durante os fins de semana com uma
frequência até que considerável, mas de uns tempos para cá, suas idas à
cidade haviam se tornado quase constantes — o que, diga-se de passagem,
passara a interferir um pouco na nossa rotina de ensaios e nos sobrecarregado
bastante durante a semana. Quando tínhamos shows aos sábados, Alec dirigia
quase duas horas de Bridgeport até Nova York apenas para tocar e voltar à
sua cidade natal logo em seguida. Minha teoria era que o cara devia ser
algum tipo de vampiro que nunca dormia, ou um idiota que injetava
energético nas veias para ter toda a energia que aparentava ter.
— Que merda, cara — eu disse, desanimado com o fato de que não
teria sua presença esse fim de semana. De novo. — Bem, pense pelo lado
positivo: Não é você que terá que cuidar do bostão do Chase no final da
noite.
Um sorriso sacana se abriu no meu rosto, porque depois da última festa
em que Chase casou com um bong e acabou dando um PT-conha, era
inevitável não tirar sarro com o cara.
Chase revirou os olhos à minha frente.
— Me aposentei da maconha, beleza?
Subitamente, a mesa explodiu em risadas.
— Por favor, Chase, conta outra — disse Mason, que recebeu um dedo
do meio do garoto em resposta.
— Terry me ligou hoje. — Alec mudou de assunto após um pigarreio.
— Arranjou uma abertura de um show pra gente na sexta, das onze da noite à
meia-noite.
— Essa sexta? — indagou Chase.
O garoto negou com a cabeça.
— A próxima.
Não pude evitar bufar com a resposta.
— Maravilha. Estou na merda.
E, como o esperado, os quatro pares de olhos voaram até mim,
curiosos.
Tratei de explicar:
— Me voluntariei para o projeto da NYU em parceria com os orfanatos
da cidade. O serviço comunitário começa no sábado da semana que vem —
eu disse, e repensar naquilo fez com que eu quisesse me jogar na frente de
um caminhão. — Vou ter que estar lá todos os sábados às oito da manhã.
O que significava que eu dormiria mais ou menos umas quatro horas, a
julgar pelas minhas experiências em que eu costumava demorar umas três
horas entre o percurso do show até a minha cama, com uma pausa para
cumprimentar algumas pessoas e discutir com os caras no camarim onde era
que podíamos melhorar.
Acordar às sete da manhã me quebraria. Mas, acima disso, acordar às
sete da manhã para lidar com pirralhos apenas porque eu precisava das horas
extras fazia com que eu quisesse morrer de todas as formas possíveis.
Porra. Quantos cachorros eu torturei na minha vida passada para
merecer aquilo?
Após a minha explicação, tudo o que eu vi foram olhos piscando para
mim, chocados. Segundos mais tarde, Lake balançou a cabeça.
— Calma aí... Parei de ouvir depois da parte em que você disse que se
voluntariou para um trabalho voluntário.
— Em um orfanato — ressaltou Mason. — Não se esqueça que é um
trabalho voluntário em um orfanato.
— Vale horas complementares. — Com os dentes trincados, fui
obrigado a contextualizar de onde tinha surgido toda a minha boa vontade. —
Semestre passado quase perdi a porra da minha bolsa por conta dessas horas.
O reitor disse que, se eu vacilar esse semestre com as horas, perco a bolsa de
vez. E vocês sabem o quanto eu ainda preciso dessa merda até a minha
graduação.
— Ok, mas trabalhar com crianças? — Chase estava tão chocado
quanto os outros. — Estou quase me voluntariando também só para ver de
camarote Colton Reed lidando com crianças catarrentas.
— Aposto que ele não vai durar dois sábados lá — disse Alec.
— Acho que ele sai no primeiro dia — palpitou Mason.
Lake soltou uma risada irônica. “Por favor, caras...”, era o que dizia.
— Eu chuto na primeira hora.
— Acho que ele nem vai. — Chase deu de ombros, recostando-se na
cadeira.
Puxando o ar por entre os meus dentes, mordi a língua e tomei um
gigantesco gole da minha Bud.
— A forma como vocês acreditam no meu potencial, me emociona —
eu disse, ao cruzar os braços sobre o peito. — De qualquer forma, não me
importo com a falta de motivação de vocês, idiotas. Sei que vou durar mais
que isso.
Então, forcei um sorriso confiante, porque eu precisava durar mais que
isso.
“Com a cabeça nas nuvens
Não há nenhum peso nos meus ombros
Eu deveria ser mais sábia
E perceber que eu tenho
Um problema a menos sem você.”
Problem | Ariana Grande

Eu estava me contorcendo para segurar os três sacos de papelão do


supermercado enquanto prendia meu celular entre meu ombro e a orelha, para
ouvir a voz de Becca Lockhart ao outro lado da linha.
— Devo confessar que não imaginei que fosse sentir tanto a sua falta.
Pensei que fosse ser só um tiquinho de nada, mas quem virá aqui em casa
para acabar com três garrafas de vinho enquanto comemos pipoca e vemos
alguma série ridícula? — admitiu ela, com um suspiro frustrado.
Fechando a porta do carro com o pé, eu soltei uma risada.
— Você é tão ridícula — eu disse, referindo-me à parte em que ela
pensara que não sentiria minha falta, à medida em que seguia aos elevadores
do meu prédio.
Com o cotovelo, consegui clicar o botão do elevador.
— É sério, A!
— Você sabia que sentiria minha falta desde o início, Becca —
resmunguei, entrando no pequeno cubículo assim que as portas abriram-se e
tocando o botão do meu andar com o nariz. — Você mesma disse enquanto
colocávamos minhas malas no carro.
— Era só pra você não ficar chateada.
E, por mais que Becca não estivesse vendo, eu abri minha boca em um
perfeito “o”.
— Você chorou, B!
Ao outro lado da linha, pude escutar uma risadinha.
— Eram lágrimas de crocodilo. A verdade é que eu era uma falsa — ela
disse, fazendo-me suspirar. — Mas agora não sou mais. Realmente sinto sua
falta. Não tenho ninguém para me impedir das minhas dietas malucas. — Fez
uma pausa. — Agora mesmo estou fazendo uma. Dieta do ovo cozido. Já
ouviu falar?
Neguei com um murmúrio, dando um pulinho para que as compras
deixassem de escorregar pelos meus braços.
Becca continuou a tagarelar no meu ouvido:
— Roubei da Nicole Kidman — explicou. — Você come um ovo no
café, e dois ou três no almoço e no jantar.
Automaticamente, tive que torcer o nariz.
— Você sabe que isso ultrapassa o limite saudável de gordura de
colesterol diário, não sabe? — questionei, atravessando o corredor quando as
portas do elevador finalmente se abriram.
— O quê?! — Escutei um barulho ao outro lado da linha, como se
Becca tivesse acabado de jogar-se em algum lugar. — Mais uma dieta que se
vai buraco a baixo. Aparentemente, você consegue acabar com elas mesmo
longe.
Eu ri e, com muito esforço, encontrei a chave do meu apartamento.
— Estou te salvando de um possível infarto, B. Quer um conselho para
a vida? Não siga dietas malucas de celebridades. Elas têm dinheiro — franzi
a boca à medida que tentava destrancar a porta de casa — para serem tratadas
da melhor forma possível. Já nós, não. — Rodei a maçaneta como pude,
quase fazendo um contorcionismo, mas nada aconteceu. — Porcaria de porta.
— Está precisando de uma mãozinha aí? — Uma voz grossa fez com
que eu desse um pulo de susto, e minhas compras quase foram ao chão.
Ao meu lado, Colton havia acabado de sair do seu apartamento, com
um casaco pesado e uma calça jeans que parecia valorizar bastante sua bunda.
No rosto, havia um sorrisinho de canto que fez meu coração galopar por um
breve instante. Tão breve que eu tive certeza ser coisa da minha cabeça.
Eu esperava que fosse coisa da minha cabeça.
Em uma de suas mãos, notei a carteira, o celular e as chaves do carro,
enquanto a outra trancava a sua porta. Os olhos estavam grudados em mim e
brilhavam divertidamente diante do meu contorcionismo para segurar o
celular e as compras ao mesmo tempo em que tentava entrar no meu
apartamento.
— B, vou desligar — eu disse, em um sussurro.
Ao outro lado da linha, ouvi-a exalar em espanto.
— Não me diga que o vizinho gostoso está aí!
Bem, talvez eu tivesse mencionado algo sobre Colton para ela. O que,
diga-se de passagem, estava longe de ser um bom sinal.
Muito longe de ser um bom sinal. Quilômetros de distância de ser um
bom sinal.
Porque as palavras que acompanharam o nome Colton Reed quando eu
o mencionei para minha melhor amiga foram exatamente: o vizinho mais
gostoso que os próprios deuses da beleza da mitologia grega.
E, acima disso:
Músico.
E.
Comprometido.
Ou... Enrolado?
O anjo em um dos meus ombros gritava para que eu mantivesse
distância. O diabo, no entanto, sussurrava que a tentação era deliciosa.
— Adeuuuuus, B — cantarolei, ignorando-a.
— Espera aí! Aubree, não ouse desligar na minha...
Com muito esforço, consegui alcançar o celular sem deixar que as
compras caíssem, e encerrei a ligação.
Minha atenção, então, voltou a Colton, que continuava de pé ao meu
lado, observando-me atentamente. Ele estava com o ombro apoiado na parede
e os braços, cruzados sobre o peito. Os cabelos estavam penteados e sua
presença era desconcertante. Embora nada fosse mais desconcertante que o
cheiro do seu perfume importado que parecia querer penetrar cada célula do
meu corpo.
— Então? — questionou mais uma vez. — Quer uma ajuda com isso
aí?
— Por favor — praticamente implorei, soltando um suspiro de alívio
quando ele pegou duas das sacolas beges, deixando-me apenas com uma,
finalmente livre para destrancar a porta. — Pode deixar as coisas na bancada
da cozinha — eu disse, assim que me coloquei dentro do apartamento.
Colton hesitou por um momento, mas então finalmente deu um passo
adentro, passando por mim para seguir na direção em que eu apontava. Seu
perfume o acompanhou, o que fez com que eu fechasse meus olhos por um
momento para conter os hormônios que o seu cheiro parecia aflorar em mim.
Pigarreei para espantar seu encanto para o fundo da minha mente, e em
passos lentos, acompanhei-o até a ilha da cozinha americana, agradecendo o
instante em que ele retirou a última sacola bege dos meus braços para colocá-
la na bancada.
— E então? Como está sendo sua adaptação na NYU? — questionou
ele, curioso.
Eu dei de ombros.
— Ainda estou tentando me acostumar com a quantidade de alunos que
a universidade suporta. — Fui sincera.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Ah, é? Não pensei que esse fosse ser o maior dos seus problemas.
Não era.
O meu maior problema, no momento, era ele.
Ele e o que acontecia quando ele estava por perto.
E por que ele estava sempre por perto?
— Bem... — Comecei, em um pigarreio para que minha mente deixasse
de fazer tantos questionamentos que jamais teriam respostas. — A
Housatonic Community College tinha apenas cinco mil estudantes. Já a NYU
tem quase sessenta mil.
Os olhos de Colton se arregalaram por um momento, em espanto, como
se ele nunca tivesse parado para pensar naquela quantia, e eu não pude evitar
soltar uma risadinha diante da sua reação.
— Housatonic Community College? — Ele franziu o cenho. — Você é
de onde, garota?
— Bridgeport.
— Bridgeport? — repetiu, surpreso. — Tenho um amigo que morou lá
a vida inteira. Talvez você o conheça.
Apoiei meu quadril na bancada e cruzei os braços, curiosa.
— Quem?
— Alec Austin.
Então, semicerrei meus olhos e apertei a boca, esperando que o nome
soasse familiar, mas Bridgeport não era uma cidade tão pequena assim.
Bem, comparado a Nova York, talvez fosse (outro detalhe que eu
estava demorando a me acostumar). Mas não o suficiente para que eu fosse
capaz de conhecer absolutamente todos os habitantes, embora eu, de fato,
conhecesse uma grande maioria.
— Acho que não.
Colton fez um biquinho.
— Que pena, ele é um cara legal. — Deu de ombros. — Você teria o
conhecido se tivesse topado aquele beck durante a palestra sobre crianças
órfãs. Teria tornado seu dia bem mais divertido.
Automaticamente, levantei minha sobrancelha na sua direção. “Está
mesmo voltando nesse assunto?”, era o que eu tentava dizer. E Colton
pareceu entender, pois não insistiu na conversa. Ao invés disso, seus olhos
cinza passaram de mim até a sala de estar compartida com o ambiente em que
estávamos, em uma clara avaliação do local.
Depois de um ou dois segundos, ele finalmente voltou sua atenção à
minha e então perguntou:
— Qual é o seu lance com caixas?
Foi minha vez de olhar em volta. A sala estava uma bagunça. Tudo que
eu havia montado até então havia sido o meu sofá. Nem mesmo a mesa para
que a TV, que eu trouxe de Bridgeport, fosse apoiada havia sido montada.
Por ora, ela estava em cima de uma das inúmeras caixas das quais eu vinha
enrolando para desempacotar.
Soltei um longo suspiro assim que voltei a encará-lo.
— Ainda não tive tempo de arrumar tudo — expliquei, vendo-o
analisar mais uma vez a sala em silêncio, antes de apertar os lábios e balançar
a cabeça.
— Ainda tem bastante coisa, huh?
— É... — Dei de ombros e cocei minha nuca. Depois, forcei um sorriso
na sua direção. — De qualquer forma, obrigada pela ajuda com as sacolas.
Voltando seus olhos aos meus, ele piscou algumas vezes e sorriu de
canto.
— Não foi nada — disse, antes que o som de uma mensagem no seu
celular o interrompesse. Colton voltou sua atenção ao aparelho e suspirou.
Levantando-o na altura da cabeça, com a tela virada para mim, ele continuou:
— Bem, acho que essa é a minha deixa.
Automaticamente, assenti e o acompanhei até a porta. Assim que
Colton colocou seu grande corpo para fora do meu apartamento, agradeci
mais uma vez.
Comecei a fechar a porta quando o garoto girou nos calcanhares para
voltar a me olhar.
— Aubree? — ele chamou por mim. Então, voltei a puxar a maçaneta
apenas o suficiente para que tivesse uma visão inteira dele.
— Hm?
— Amanhã estou livre — ele disse, apenas, e não demorou para que
um ponto de interrogação se formasse em meus traços. Minha vontade era de
dizer algo do tipo “ah, bacana”, mas então Colton apontou com o dedo
indicador para o apartamento atrás de mim e tratou de explicar: — Se quiser
ajuda com as caixas.
Eu estreitei meus olhos para ele.
Não era boba. Conhecia aquela jogada melhor do que gostaria e,
diferente do que Colton alegava, sabia que ele não estava nem próximo de ser
uma boa alma.
Poderia ter deixado quieto. Deveria ter deixado quieto. Mas a vontade
de lhe questionar sobre seu joguinho falou mais alto que eu, e não demorei a
responder-lhe em um misto de desconfiança e zombaria:
— Primeiro as sacolas, agora as caixas — analisei. — O que você está
tentando provar aqui?
Colton sorriu. Um sorriso inocente que escondia palavras sujas e
joguinhos dos quais eu não estava disposta a jogar com ele.
Pelo menos, era o que eu estava tentando me convencer desde que
descobrira pequenos detalhes sobre ele que sobressaíam mais que o perfume
importado e a altura chamativa.
Com os olhos brilhando em diversão, ele deu alguns passos para trás,
afastando-se lentamente.
Então, em um claro tom de ironia, disse:
— Você instiga a bondade em mim, Aubree.
E, sem esperar por uma resposta, Colton girou o corpo para dar o fora.
“Não seja cauteloso, não seja gentil
Você está comprometido, eu sou seu crime
Me encha o saco quando quiser
Você está com o dedo no gatilho, mas o seu dedo no gatilho é meu.”
Copycat | Billie Eilish

A varanda do meu apartamento havia se tornado meu novo lugar


favorito. Bem, ao menos em dias bonitos como o que fazia hoje. Mais uma
vez, o céu estava limpo e o clima em Nova York parecia estar, aos poucos,
encaminhando-se para a primavera. O sol das onze da manhã aparentava ser o
suficiente para que eu pudesse ficar ao lado de fora sem um casaco. Então, lá
estava eu, com os pés apoiados na cadeira desocupada e os olhos grudados
nas palavras do livro que eu tinha em mãos.
Eu devia estar naquela posição há quase duas horas, o que era bastante
surpreendente, porque eu não me considerava uma pessoa que costumava
ficar tanto tempo focada em uma tarefa só. Mas eu estaria mentindo se não
dissesse que aquele livro não estava me prendendo com correntes de aço que
apenas foram quebradas quando o som da campainha chamou minha atenção.
Saltando de onde estava, apaguei o cigarro no cinzeiro e atravessei
minha sala de estar, não sem antes deixar o livro em cima da bancada da
cozinha. Vasculhei em minha mente algum motivo para estarem tocando à
minha campainha, mas não encontrei nada além daquilo que eu já esperava:
Colton Reed.
E, quando abri a porta de entrada para dar de cara com as íris cinza do
rapaz, meu palpite concretizou-se. Diferentemente de ontem, hoje Colton
trajava uma calça de moletom e uma camiseta branca levemente transparente.
Por um momento, tive certeza de que se estreitasse bem meus olhos na
direção do seu peitoral malhado, eu seria capaz de notar os mamilos por trás
do tecido, mas minha ousadia ainda não era o suficiente para que tentasse
comprovar aquilo.
— Pronta para desempacotar caixas? — perguntou ele, e eu
automaticamente torci o nariz.
— Não me lembro de ter concordado com isso — eu disse, mas Colton
já estava entrando sem sequer pedir licença. — Colton? O que você...?
— Relaxa, Aubree, não vim espiar suas calcinhas.
— O quê? — Franzi o cenho. — Eu não...
— Trouxe nosso almoço — ele me cortou ao erguer uma sacola de
papelão que carregava consigo —, já que provavelmente vamos demorar
horas pra arrumar essa — seus olhos analisaram o ambiente — bagunça.
Eu ainda estava levemente chocada com seu atrevimento para
responder-lhe qualquer coisa. E ele percebeu.
Era claro que percebeu.
Porque assim que seus olhos voltaram para mim, o esboço de um
sorriso abriu-se em seus lábios.
— O que foi, Bree? O gato comeu sua língua?
Bree?
Tive vontade de rir, mas apenas pisquei, inconformada.
Almoço?
Passar mais de horas do meu sábado com Colton Reed?
Quando foi que a minha vida tornou-se isso?
Não foi exatamente assim que eu havia imaginado que ela seria quando
vim a Nova York.
— Bree? — finalmente consegui dizer algo. — Estamos mesmo usando
apelidos agora?
Colton estava prestes a responder quando seus olhos focaram no livro
da bancada. Ele o pegou e franziu o cenho, antes que uma expressão divertida
começasse a formar-se em seu rosto.
Ah, merda.
Prepare-se para as piadinhas, Bree, minha mente debochou, e eu
precisei respirar fundo no instante em que ele levantou o livro na altura do
rosto e voltou sua atenção até mim.
— Cinquenta Tons de Cinza? — Um sorriso abriu-se em seus lábios
assim que ele começou a folhear as páginas. Então, com um pigarreio para
engrossar a voz, Colton leu uma passagem: — “Quero machucar você, baby.
Cada vez que se mexer amanhã, quero que se lembre que estive aí. Só eu.
Você é minha”. — Seus lábios apertaram-se para conter uma risada, e sua
próxima frase veio em uma entonação feminina; uma imitação fajuta da
Anastasia: — “Por favor, Christian”.
Automaticamente, um incômodo aflorou em meu peito. Não por ler
Cinquenta Tons de Cinza, mas por pensar o que exatamente a mente estúpida
de um cara como Colton estaria imaginando que eu fazia enquanto lia aquele
livro.
Em passos irritados, andei até ele e tirei o livro das suas mãos antes que
ele continuasse com aquela merda. Seus olhos arregalaram-se diante da
minha agressividade, e ele pôs uma mão no peito, chocado.
— Meu Deus, Bree. Isso foi pior do que eu tinha imaginado que seria.
— Franziu o cenho. — Está brincando que vocês, mulheres, sentem tesão por
esse tipo de baboseira.
Eu não respondi à sua provocação. Ao invés disso, apenas murmurei:
— Não só de livros clássicos se vive uma bela dama, Colton.
Seu sorriso cresceu, escorrendo em malícia.
— Claro, o que seria de uma bela dama sem um pornô literário, huh?
— ele disse, sugestivo, e eu precisei revirar meus olhos ao concluir que seus
pensamentos realmente sugeriam aquilo que eu havia imaginado.
Homens. Por que tão previsíveis?
— Você tem seus meios de diversão, e eu tenho os meus.
Ele riu e, balançando a cabeça, puxou o livro novamente para folheá-lo.
— Não adianta negar, Aubr... — começou, mas então suas mãos
congelaram em uma página qualquer e eu notei o momento em que seus
olhos arregalaram-se, como se finalmente houvesse processado o que eu
havia dito. — Espera, o quê?
Soltei uma risada baixa e me agachei para abrir uma das dezenas de
caixas.
— Vamos começar logo com isso — eu disse.
Colton soltou um suspiro, ainda tentando entender se havia escutado
direito o que eu havia dito, e sentou-se no chão do meu apartamento, puxando
uma caixa para si.
— Acho que estou começando a cogitar espiar suas calcinhas agora —
comentou, e eu não pude evitar rir.
E, bem... talvez, passar algumas horas do meu sábado com Colton não
fosse tão ruim quanto eu havia imaginado.
Depois disso, começamos a desempacotar as caixas e montar os móveis
que eu havia comprado. Montamos duas poltronas, a mesa em que a TV
ficaria e a mesinha de centro. Após pouco mais de duas horas, deixei que
Colton continuasse montando o restante enquanto eu guardava talheres,
pratos e travessas, que até então eu vinha procrastinando guardar, em seus
devidos lugares.
Naquele meio tempo, o garoto havia sugerido que colocássemos
alguma música e correu até seu apartamento para pegar sua caixinha de som.
Foi apenas ali que notei que Colton era bastante eclético nas músicas. Seu
gosto musical parecia ir desde Metallica e ACDC até Frank Sinatra. E eu
pude jurar que, entre uma música e outra, escutei os primeiros acordes de
algo que me lembrava One Direction, antes que ele voasse na direção do seu
celular para mudar o som, mas optei por não comentar nada a respeito.
Agora estávamos ambos sentados no chão mais uma vez. Eu estava
acabando de tirar alguns dos livros de Psicologia que trouxera de Bridgeport
enquanto Colton cuidava da caixa com os porta-retratos, sem deixar de fazer
piadinhas sobre a minha altura anormal quando criança, se comparado aos
meus outros amigos de infância.
Ser mais alta que a maioria das minhas amigas e, até mesmo que alguns
amigos, sempre havia sido algo que costumava afetar bastante minha
autoestima. Durante minha infância e adolescência, eu nunca havia me dado
bem com aquele fato e, como se o universo estivesse tentando me castigar
mais ainda, eu sempre fui bastante magra — o que transmitia aos outros a
sensação de que eu era ainda mais alta que o normal. Durante a época da
escola, comentários como “Aubree, a nova Olivia Palito”, incomodavam-me
profundamente, embora nada parecesse me incomodar mais que o cabelo
cacheado e volumoso que eu sempre tive.
Hoje, no entanto, eu havia aprendido que nada daquilo importava.
Eu era uma mulher de 1,75m de altura, negra e com cabelos cacheados
e volumosos, e aquilo jamais deveria ser motivo para que eu me achasse
menos mulher ou menos bonita que qualquer outra garota. Na verdade, todas
nós éramos perfeitas da forma como éramos e nada nem ninguém deveria nos
fazer pensar o contrário.
— Uau, Bree. Você sempre foi concorrida pelos coroas? — caçoou
Colton, avaliando um dos porta-retratos nas suas mãos. Um sorriso divertido
pendia em seu rosto quando ele levantou seus olhos aos meus. — Eu deveria
ter imaginado que você tinha um tipo.
Soltando uma risada, estiquei-me para puxar o retrato dele e observar a
imagem. Era uma selfie que tiramos no dia de Ação de Graças do ano
retrasado, na qual meus pais beijavam minhas bochechas, um de cada lado.
Um ar nostálgico me invadiu por um momento. Definitivamente, eram eles as
pessoas que eu vinha sentindo mais falta desde que eu chegara em Nova
York.
— São meus pais, seu idiota — eu disse, rindo.
Colton franziu o cenho e roubou a foto de volta.
— Pais? — indagou, parecendo levemente confuso ao analisar os dois
homens da foto com atenção. — Do tipo... Seu pai biológico e o cara com
quem sua mãe se casou?
Neguei com a cabeça.
— Não tenho uma mãe, Colton — expliquei, em um tom de voz suave.
— Bem, eu até tenho, mas nunca a conheci.
Ele piscou. Uma, duas, três vezes. Parecia confuso e chocado demais
com a informação para conseguir processá-la numa velocidade normal ou
dizer algo a respeito.
— Calma. Então... — Seus lábios apertaram-se por um momento. Eu
quase podia ver as engrenagens da sua cabeça funcionando com mais
intensidade que o normal para ligar os pontos. — Estes são seus pais? Você é
adotada?
— Uhum.
— E eles são...
— Casados? — completei por ele. O choque em sua expressão me fazia
querer rir, embora eu já estivesse mais que acostumada com aquele tipo de
situação sempre que eu, por qualquer motivo, precisava explicar aquilo a
alguém. — Sim.
O garoto subiu seus olhos aos meus e, como se finalmente tivesse
ligado os pontos, questionou:
— Cacete, Bree. Você tem dois pais?
Balancei a cabeça em confirmação.
Colton expirou diante da minha resposta e repousou o porta-retrato no
colo para passar as mãos nos cabelos escuros. Eu apenas o observei, com um
sorrisinho em meu rosto ao vê-lo ter sido pego tão de surpresa.
— Estou me sentindo um tremendo babaca pelo pouco caso que fiz
com a palestra de crianças órfãs agora — admitiu ele, após relaxar os braços
ao lado do corpo.
Eu não consegui evitar rir.
— Bem, você deveria. — Levantei-me com aquela foto para deixar o
porta-retrato ao lado da TV, e sorri. — Foi uma atitude bem egoísta.
E, quando o olhei de soslaio, Colton estava com a boca aberta em um
perfeito “o” e uma mão no peito, como se a ofensa tivesse o atingido em
cheio.
Ótimo.
— Você deveria me consolar, Aubree.
Eu arqueei uma sobrancelha.
— Você prefere que eu faça isso com um chute ou um soco?
Colton não perdeu tempo ao rebater com um sorriso malicioso
pendendo nos lábios:
— Desde que estejamos dividindo uma mesma cama, a decisão é toda
sua, Bree.
Precisei de um momento para processar suas palavras e compreender
que eu não as havia entendido equivocadamente. Seria Colton o tipo de cara
que gostava de uma maior intensidade na cama?
Bem, aquilo definitivamente era algo que eu estava longe de querer
descobrir.
Jogando os pensamentos para o fundo da minha mente, eu pigarreei e
forcei-me a mudar de assunto, enquanto meus pés me levavam ao balcão da
cozinha.
— Acho que está na hora do almoço, huh? O que você trouxe para a
gente?

Colton havia trazido dois sanduíches enormes da padaria que havia na


esquina do nosso prédio e, surpreendentemente, ele havia acertado em cheio
no sanduíche vegetariano que trouxera para mim. Segundo ele, eu tinha o
perfil de quem não comia animais, o que fez com que eu franzisse o cenho e
lhe questionasse sobre o que seria exatamente um perfil de quem não comia
animais.
“Culta, psicóloga e que gosta de pornô em forma de livro”, foi a
resposta dele, praticamente me forçando a revirar os olhos.
Agora eu estava sentada na bancada da cozinha, com uma taça de vinho
branco que havíamos decidido abrir como forma de recompensa pelo esforço
que fizemos com as caixas da mudança, ao mesmo tempo em que Colton
acabava de lavar nossos pratos.
— Quer saber qual era a história do cara que morava aqui antes de
você? — Colton me olhou de soslaio ao perguntar, e puxou o pano de prato
para secar os pratos que acabara de lavar.
Eu balancei o vinho na taça e tomei mais um longo gole, antes de
afirmar com a cabeça.
— Claro, por que não?
O rapaz sorriu de canto.
— Ele era um solteirão de uns cinquentas e poucos anos. Um cara até
que bem tranquilo. — Fez uma pausa. — Mas toda a quarta-feira, às seis da
tarde em ponto, ele berrava por exatamente cinco minutos sem parar.
— O quê? — Eu quase cuspi o vinho, e joguei a cabeça para trás
apenas para soltar uma gargalhada ao imaginar a cena. Quando me recompus,
perguntei: — Por que diabos ele faria isso?
Colton deu de ombros.
— Não tenho ideia. Talvez fosse o momento de extravasar a raiva dele
pelo fato de ser um solteirão — ponderou. — Só sei que, na primeira vez que
isso aconteceu, chamei a polícia pensando que alguém havia morrido ou que
algo havia acontecido. Quando a polícia chegou, ele estava sentado no sofá
enquanto lia seu jornal, como se não houvesse quase estourado suas cordas
vocais de tanto gritar, quinze minutos antes.
— Não acredito. — Eu estava falhando miseravelmente em segurar
minha risada ao imaginar aquela cena. — Durante quantas quartas-feiras lhe
foi tirado a paz?
Ele apertou seus lábios enquanto pensava a respeito.
— Nós nos mudamos há dois anos e meio para cá e ele já morava aqui.
Acho que ele só deu o fora quando completei um ano de mudança.
— Uau. Um ano são muitas quartas-feiras.
— Nem me fale. — Um suspiro exausto escapou da sua boca. — De
qualquer forma, não era exatamente nisso que eu queria focar. Foque no fato
dele ser um solteirão.
Eu franzi meu cenho.
— Como quer que eu foque no fato dele ser um solteirão quando o cara
tinha horários fixos para berrar como doido?
Colton riu.
— Apenas foque, porque eu tenho uma teoria. Os dois caras antes dele,
também eram solteirões. Fiquei sabendo disso pela conversa das vovós que
moram no primeiro andar.
— Você fica escutando a conversa de senhorinhas, Colton? — eu
indaguei, em reprovação, embora meu tom deixasse claro que não se passava
de uma brincadeira.
— O quê? Não! — ele praticamente gritou. — Eu estava entrando no
prédio e a varanda delas fica de frente para a calçada. Enfim, voltando à
minha teoria. As últimas três pessoas que moravam aqui, antes de você, eram
solteirões frustrados com a vida. Acho que esse apartamento tem algum tipo
de maldição.
— Está com medo de que eu acabe como eles? — Arqueei uma
sobrancelha, curiosa.
— É só uma teoria conspiratória, Bree. — Ele levou seus olhos aos
meus mais uma vez, ao continuar: — A questão é: você está com medo de
acabar como eles?
Limitei-me a dar de ombros.
— Na verdade, eu até prefiro que seja assim. Relacionamentos
definitivamente não são para mim.
Jogando o pano por sobre o ombro, Colton empilhou os pratos agora
secos e aproximou-se de mim. Meu corpo teria reagido normalmente se sua
aproximação não tivesse sido tanta, mas quando ele colocou-se entre as
minhas pernas com um sorriso maroto pendendo nos lábios, minha postura
enrijeceu-se e eu senti minha boca secar.
Seus olhos esquadrinharam todo o meu rosto e eu pude jurar que, por
uma fração de segundo, eles demoraram-se nos meus lábios antes que
subissem até minhas íris. Colton estava tão perto que eu podia sentir o calor
do seu corpo contra o meu. Um calor tão visceral e palpável que me vi
agradecendo mentalmente por estar sentada, caso o contrário, minhas pernas
já teriam virado gelatina. Seu perfume era o mesmo de sempre e,
honestamente, talvez fosse o melhor perfume masculino que eu já havia
sentido em toda a minha vida. O que, diga-se de passagem, era algo
surpreendente, levando em conta que eu havia passado toda a minha vida
vendo a coleção de perfumes dos meus pais aumentar a cada semana.
Eu estava prestes a perguntar o que ele estava fazendo quando seu
sorriso cresceu no rosto, agora com a língua entre os dentes, possivelmente
tornando-o ainda mais belo. Com a mão que não segurava os pratos
empilhados, Colton abriu o armário que havia atrás de mim, posicionado um
pouco acima da minha cabeça, antes de dizer:
— Isso é porque nunca namorou comigo.
Enfim, colocou os pratos no armário e o fechou, mas seu corpo não
afastou-se do meu. Eu apenas continuei a encará-lo, em silêncio. Sequer
havia processado direito as palavras dele e duvidava que fosse fazê-lo
enquanto ele continuasse entre as minhas pernas. Suas íris cinza observavam-
me atentamente. O sorriso, seguia no rosto, e os segundos que ele
permaneceu ali, mais pareceram horas.
Olhando-o mais de perto, cheguei à uma conclusão: se Colton Reed
houvesse nascido no século XVI, eu não duvidaria nem um pouco caso me
dissessem que ele surgira a partir de uma pintura de Michelangelo. Sua
beleza era tanta, que eu podia facilmente compará-lo ao teto da Capela
Sistina; quanto mais se olha, mais fascínio se tem. E mais detalhes surgiam.
Como o pequeno sinal escondido debaixo dos lábios de Colton, ou a quase
imperceptível risca preta atravessando a íris direita dos seus olhos cinza.
Aquela era a única forma que eu via de descrevê-lo fisicamente da
cabeça aos pés e, talvez, fosse por esse motivo que meu corpo não parecia
saber reagir direito ao seu quando ele estava assim, tão próximo a mim.
Ok, Aubree, hora de lembrar-se os motivos pelo qual você não está
disponível para um cara como ele, alertou minha mente.
Número um: comprometido.
Número dois: músico.
Número três: hétero top.
Sim, eu havia acabado de adicionar o número três à minha lista mental
do por que não se deixar levar por Colton Reed, embora aquilo já estivesse
implícito desde o princípio.
Então, ele finalmente deu um passo para trás, e pude finalmente voltar
a soltar o ar que mal notara que havia prendido.
— Amanhã vai rolar um churrasco do Kappa — Colton disse, de
repente, como se os últimos dois minutos nunca houvessem acontecido, e
estendeu o pano no fogão. — Você deveria ir.
Respirando fundo, passei as mãos pelos meus cabelos bagunçados à
medida que tentava processar cada uma das suas palavras e afastar o torpor
em meu corpo provocado por ele. Depois que senti que minhas pernas
haviam voltado ao meu controle, pulei da bancada para encher minha taça
com o restante do vinho, porque aquela era a única forma de lidar com o que
quer que estivesse acontecendo ali.
— Você tem namorada — eu murmurei, após tomar grandes goles da
bebida.
— Maddy não é minha namorada — ele corrigiu. — E eu não estou te
chamando para um encontro, Bree. Estou te chamando para uma festa. Toda a
NYU estará lá.
Apertei meus lábios em uma tentativa de conter minha frustração.
Ah, Deus, por que colocastes este homem na minha vida?
Com toda a certeza, eu havia jogado muitas pedras na cruz em alguma
vida passada.
Eu estava tentada a dizer sim, porque de fato seria uma ótima
oportunidade para que eu conhecesse mais pessoas da universidade, mas me
limitei a curvar os lábios e dar de ombros.
— Preciso consultar minha agenda.
Colton riu com a resposta.
— Tudo bem, senhora sou-ocupada-demais-e-tenho-compromissos-até-
em-um-domingo-à-tarde — ele debochou e, espalmando as mãos uma na
outra, esfregou suas palmas como se estivesse pronto para mais uma rodada
de desempacotar caixas. — Vamos acabar logo com essas caixas?
Respirando fundo, eu assenti. Faltava pouco para que acabássemos tudo
e, por consequência, pouco para que Colton voltasse ao seu apartamento.
A verdade era que ele era um cara legal. Mas estar perto dele, estava
começando a fazer com que eu duvidasse das minhas próprias atitudes. E
odiava quando minhas ações não condiziam com os meus princípios.
Portanto, quanto mais rápido acabássemos com aquilo, mais rápido ele
daria o fora e, então, mais rápido eu colocaria minha mente em ordem
novamente.
Respire fundo, Aubree. São só mais algumas horas.
Honestamente, eu não tinha ideia do que estava acontecendo comigo.
Tudo o que eu sabia era que, a cada minuto que passava ao lado de
Colton Reed, cair em tentação parecia ainda mais prazeroso.
“Ela trilhou seu caminho até um pacote barato de cigarros
Licor forte misturado com um pouco de intelecto
E todos os garotos, eles estavam dizendo que estavam a fim dela
Um rosto tão bonito, em um pescoço bonito
Ela está me deixando louco, mas estou a fim, mas estou a fim
Estou meio que na dela.”
Kiwi | Harry Styles

Eu estava estacionado na frente da casa de fraternidade da Zeta Psi à


espera de Maddison, há no mínimo dez minutos, aguardando pacientemente.
O banco do motorista estava deitado e eu tinha meus joelhos dobrados e os
pés no assento, encarando o teto do carro quando uma mensagem de Chase
chamou a minha atenção.

Chase Mitchell:
Churras do Kappa tá uma loucura.
Cadê vc?

Colton Reed:
Esperando a Maddy se arrumar.

Dois segundos depois, Chase me respondeu com um emoji de olhos


revirando-se exatamente no momento em que mandei o mesmo emoji. Soltei
um riso nasalar em resposta, e finalmente notei um movimento na entrada da
casa de fraternidade que fez com que eu arrumasse o encosto do banco e
bloqueasse meu celular.
Maddison estava gostosa pra caralho enquanto descia as escadas da
entrada. A calça que usava era uma das minhas favoritas. Deixava suas coxas
grossas apertadas e a bunda ainda mais empinada que o normal. Embora o dia
estivesse beirando os dezesseis graus, Maddy tinha um casaco fino pendurado
no braço e usava uma regata com decote V que praticamente fazia seus peitos
grandes saltarem para fora. Quando ela abriu a porta do carro e curvou-se
para escorregar no banco do carona, pude ver a ponta do seu mamilo por um
mísero segundo, fazendo com que minha boca salivasse ao notar a falta de
um sutiã.
Porra, Maddy.
— E aí, gata — cumprimentei-a, no instante em que ela me deu um
beijo estalado na bochecha e ajeitou-se no banco. — Está bonita hoje.
Gostosa pra caralho. O que acha de fodermos no banco de trás antes
de irmos? — Era o que queria dizer, mas estava tentando ser um cavalheiro
ali.
Ela sorriu para mim e baixou o visor do carro, ao puxar um batom da
sua bolsa.
— Eu sei! — exclamou, entusiasmada, pintando seus lábios carnudos
com uma cor meio marrom. — Como foi o ensaio ontem?
Dei de ombros e girei a chave na ignição, rumo à casa de fraternidade
do Kappa.
— Acabou nem rolando. Não estávamos no clima e Alec precisou ir
para Bridgeport.
— Então ficou em casa?
Apertei os lábios por um momento.
Não curtia mentir para Maddy sobre onde eu estava ou o que andava
fazendo. No geral, Maddison era uma garota legal e que não costumava
implicar muito com minhas saídas com os caras ou os ensaios da banda, mas
eu estava ligado que, para ela, nós éramos algo próximo a exclusivos. Nunca
havíamos, de fato, discutido sobre isso, mas aquilo parecia ter sido decidido
implicitamente a partir do momento em que começamos a trepar com uma
frequência descomunal.
Eu gostava dos peitos dela. Gostava da bunda, da boceta e do seu
boquete. E também gostava da garota em um geral, apesar de também
desgostar de algumas coisas. Maddy era gente boa e eu estaria mentindo se
dissesse que não estava acomodado com o que quer que tínhamos, mas aquilo
estava longe de ser algo sério.
Eu definiria como um... caso?
É. Definitivamente era essa palavra.
Caso.
Nós trepávamos o bastante para que tanto eu, quanto ela, ficássemos
satisfeitos um com o outro e não precisássemos sair por aí caçando novos
alvos. Dessa forma, eu acreditava que havia ficado subentendido, ao menos
para ela, que éramos exclusivos. A questão, no entanto, era que até então eu
realmente não estava me importando em trepar apenas com Maddy.
Mas agora as coisas haviam começado a mudar. E, bem, nós nunca
realmente havíamos discutido sobre exclusividade, então...
— Colton? — ela chamou minha atenção, trazendo-me de volta à
realidade.
— Hm? — Pigarreei.
— Ficou em casa?
Limitei-me a dar de ombros.
— Tipo isso. Fiquei fora durante algumas horas, mas nada demais —
finalmente respondi, deixando Aubree de fora da conversa.
A verdade era que, embora Maddy não se importasse com minhas
saídas com os caras e minha rotina de banda, ela parecia importar-se o
suficiente com garotas caindo em cima de mim a ponto de deixar claro à
NYU inteira que aquilo entre nós não era apenas uma ficada. O que nunca
havia me incomodado até agora.
Merda, Aubree.
— Deveria ter me mandado uma mensagem. — Maddy fechou o visor
do carro e virou seu corpo para mim. Olhando-a de soslaio, notei o momento
em que seus lábios esboçaram um sorriso escorrendo em malícia, e seus
cotovelos apoiaram-se no apoio de braço entre nós, curvando seu corpo para
mais perto do meu. — Eu poderia ter feito o seu sábado muito mais
interessante.
Acho que não, Maddy.
Absolutamente nada seria capaz de tornar o meu sábado mais
interessante do que Aubree de regata branca, com os mamilos transparecendo
através do tecido fino, enquanto apertava os lábios ao ler um manual de como
montar uma mesa, com os cabelos volumosos presos em um coque
bagunçado. O que, sinceramente, era algo bastante preocupante a julgar pelo
fato de que eu estava considerando aquilo mais animador do que a boca de
Maddy em volta do meu pau.
Puta merda.
A verdade era que eu sabia que meu tesão não sossegaria enquanto eu
não lambesse a boceta de Aubree. Merda, eu só queria vê-la gemer meu nome
uma vez. Uma única vez e então tudo retornaria ao normal, com o meu
mecanismo lá de baixo voltando a ficar duro apenas com as sugestões sujas
da garota ao meu lado.
O que não era exatamente o que estava acontecendo agora.
Por sorte, chegamos em frente ao Kappa antes que eu precisasse
responder algo a Maddy. A rua estava lotada de carros, mas consegui uma
vaga a poucos metros da entrada, a qual estava preenchida por uma quantia
enorme de pessoas.
— Vai beber hoje? — perguntou Maddy ao meu lado.
Eu mandei um joinha para alguns dos caras da NYU que fumavam no
gramado verde e voltei minha atenção à garota em seguida.
— Uma cerveja ou outra — eu disse.
Maddy contorceu os lábios em uma reprovação clara, mas não disse
nada, pois no momento em que cruzamos a porta de entrada, Jade Scholte,
uma de suas amigas mais próximas, roubou-a de mim como se tivesse algo de
muito interessante para lhe mostrar.
Passando os olhos pela enorme casa de fraternidade, encontrei alguns
caras do meu curso de música próximo à porta de vidro que dava ao quintal, e
me aproximei. Depois de um toque com cada um deles, envolvi meu braço
nos ombros de Landon, abraçando-o de lado.
— Porra, não te vejo desde o ano passado, seu merda — comentei. —
Foi seduzido no meio do caminho por alguma europeia gostosa que te
convenceu a perder as três primeiras semanas de aula?
Landon riu.
— Bem que eu queria — murmurou ele, tomando um gole de algo em
seu copo vermelho. — Fomos esquiar nos Alpes Suíços e o idiota do meu
irmão acabou tendo uma queda feia. Distendeu alguns músculos e quebrou a
perna e o pulso. Alguém precisava ficar com ele até que tivesse condições de
pegar um avião e voltar pra Manhattan.
Puta merda.
Eu conhecia Peter Klirg apenas pelo o que Landon costumava me
contar. Sabia que ele era o tipo de cara que nascera para esportes: curtia um
surf, esqui, escalada e todos esses outros esportes individuais. O que me fazia
questionar o nível de frustração que o garoto deveria estar sentindo por não
poder praticar nenhum exercício físico no momento.
— Que merda, cara — praguejei. — Foi o pulso esquerdo ou direito?
Landon franziu o cenho para a pergunta sem sentido.
— Direito.
— Porra, nem uma punheta, então?
E os caras da rodinha explodiram em risadas.
— Nem uma punheta — refletiu ele, sentido pelo irmão.
— Daqui a pouco ele está pedindo pra você tocar uma pra ele — disse
Steve, um loiro que fazia algumas aulas comigo, para Landon.
— Sua irmã já faz isso por ele — rebateu o amigo, em uma clara
provocação, e eu não consegui evitar uma risada.
Se Steve não fosse tão tranquilo, a reação dos caras naquela roda com
toda a certeza seria outra. Provavelmente estaríamos todos alertas, certos de
que o loiro acertaria ao menos um soco em Landon por jogar na roda, mais
uma vez, o dia em que Kelsey, sua irmã, fora fisgada por Peter em uma das
festas de fraternidade, mais ou menos um ano atrás. Era um acontecimento
que havia ficado no passado para Steve, mas Landon adorava agarrar as
brechas que o cara dava para provocá-lo com aquilo.
— Chupa minha bola esquerda, seu bostinha. Por que não ficou nos
Alpes Suíços, huh? — cuspiu Steve, puto, embora eu tivesse certeza de que
ele também estava contendo-se para não apertar a mão de Landon e admitir
que havia sido uma boa resposta.
Após mais algumas alfinetadas entre os dois, decidi que estava na hora
de procurar pela minha tão querida cerveja. Indo para o quintal da enorme
casa, encontrei a mesa em que as bebidas estavam, a maioria delas já pela
metade.
Ao puxar uma latinha de cerveja do cooler, uma cena próxima à mesa
me chamou a atenção: sentada em um banco alto, minha irmã tinha as pernas
envolvidas na cintura de Mason e sua língua enfiada na boca do cara, o que
automaticamente fez com que meus olhos se revirassem. Então, peguei duas
pedras de gelo do cooler e enfiei na camiseta do meu melhor amigo, que
quebrou automaticamente o beijo e rugiu um palavrão.
— Porra, cara! — Mason exclamou, olhando para o gelo que
atravessou toda a sua coluna antes de espatifar no chão.
— Procurem um quarto — eu disse, e abri um sorriso ao ver os dois
pares de olhos subirem até mim de forma reprovadora. — Não sou obrigado a
ver esse pornô ao vivo.
— Procure outra pessoa pra encher a porra do saco, Colton — Layken
resmungou.
— Na verdade, era exatamente o que eu estava indo fazer antes de
encontrar vocês. — Fiz uma pausa, e o barulho do gás ocupou o meu silêncio
quando eu abri a lata de cerveja. — Viram o Chase?
Mason meneou com o queixo em direção a um canto do quintal onde
havia três enormes sofás e um grupo de pessoas. Chase estava esparramado
em um deles, fumando um cigarro enquanto conversava. Entre as pessoas,
reconheci a bunda gostosa de Maddy, de pé ao lado de uma garota sentada
em uma cadeira.
Voltei meus olhos a Lake e Mason e, antes que eu pudesse me dirigir
até lá, puxei minha carteira do bolso apenas para jogar uma camisinha neles.
— Arranjem a porra de um quarto — reforcei, e dei o fora sem esperar
por uma resposta.
Ao me aproximar da roda em que Chase e Maddy socializavam, notei
que o assunto era sobre as séries que estavam bombando nos últimos tempos.
Bart falava sobre Lost ser uma série insuperável quando eu o cortei:
— Porra, Bart. Por acaso você estagnou em 2010? — caçoei, sentando-
me no braço do sofá e puxando Maddy para que ela se sentasse no meu colo.
— Estamos falando de séries atuais. Game Of Thrones, Stranger Things,
Orange Is The New Black… Já ouviu falar de alguma?
Bart automaticamente me lançou o dedo do meio em resposta, enquanto
tomava um gole da sua cerveja. Eu soltei uma risada, e continuei a
acompanhar a conversa frenética. Meu polegar, no entanto, fazia um carinho
provocante na coxa de Maddy que praticamente dizia por si só que eu estava
louco para fodê-la em algum canto daquela casa, no segundo em que meus
olhos fixaram-se em alguém.
Aubree Evans estava roubando a minha atenção com uma calça de
cintura alta e uma blusa minúscula que deixava parte da sua pele visível. Os
cabelos volumosos e encaracolados estavam soltos e selvagens e... Ah, porra.
A bunda dela estava tão chamativa naquela calça que, por um momento,
perguntei-me se estava usando calcinha. E apenas o pensamento de Aubree
sem um minúsculo pedaço de renda por debaixo do tecido da calça fez meu
pau latejar.
Forcei a focar minha atenção na conversa. James agora numerava em
seus dedos cinco motivos para uma série chamada Chernobyl ser a melhor
série dos tempos atuais, e eu via cabeças balançando em concordância ao
mesmo tempo em que outras pessoas as balançavam em discordância e
tentavam contradizê-lo.
Ainda em meu colo, Maddy disse algo sobre Anne With An E ser a
melhor de todas e, por um momento, eu refleti sobre como eu não sabia porra
nenhuma sobre Maddison Hilton. Já fazia alguns meses que convivíamos
com bastante frequência e, mesmo assim, tudo o que eu lembrava saber sobre
a garota era o tamanho do seu sutiã e o caminho até a sua cama.
Eu até poderia me sentir um maldito filho da puta por isso, senão fosse
pelo fato de Maddy também não saber absolutamente nada sobre mim.
Portanto, apenas joguei aquela observação para o fundo da minha mente e
voltei a focar na conversa.
Meus olhos, contudo, não demoraram a me trair, arrastando-se até
encontrar a figura de Aubree do outro lado do quintal. Ela estava em uma
rodinha, na qual eu rapidamente reconheci dois dos três caras com quem
conversava. Ao seu lado, havia uma garota baixinha, de cabelos castanhos e
uma mecha branca que tornava-a inconfundível. Marie Anne.
É claro.
Tive que conter a vontade de bufar.
Eu já havia a visto uma vez com Marie Anne no refeitório da NYU,
mas não imaginei que fossem ficar, de fato, amigas. Marie Anne Ladwey
aparentemente tinha um ódio mortal por mim, por ter trepado com uma de
suas amigas e nunca mais ter dado as caras depois daquilo. A verdade era que
eu era um babaca. Sempre havia sido e duvidava muito que fosse deixar de
ser um tão cedo, mas jamais, em circunstância alguma, havia iludido a amiga
de Marie Anne como ela dizia. Se soubesse que a garota tinha um penhasco
por mim e não aguentaria lidar com o fato de que aquilo era apenas uma mera
foda, eu jamais a teria levado para a cama.
Meus olhos acompanharam cada movimento de Aubree, enquanto ela
ria de algo que Harry, um cara do curso de Psicologia, havia dito. Então, ela
deu alguns passos para trás e apertou o ombro de sua amiga. O polegar
apontava para a mesa de bebidas onde, antes, Mason e Layken praticamente
se engoliam. Eu quase podia escutá-la dizendo que iria pegar uma bebida e já
voltava.
Antes eu pudesse me conter, pigarreei, tirando Maddy de cima do meu
colo sem sequer saber direito que merda eu estava fazendo, e murmurei algo
sobre ir pegar outra cerveja. Meus pés não hesitaram em me levaram até ela,
e parar ao seu lado.
Minha postura era de quem não queria nada, e eu forcei um sorriso
descontraído no rosto quando a olhei de soslaio, enchendo seu copo vermelho
com licor.
— Decidiu abandonar Christian Grey para me fazer companhia? —
questionei, ao me abaixar para pegar outra lata de cerveja no cooler.
A surpresa em seus olhos castanhos quando ela os direcionou até mim
me dizia que ela não havia notado minha presença até então, embora não
houvesse demorado muito para que aquela expressão fosse substituída por
uma leve carranca.
Diferente da maioria das outras vezes em que havíamos nos esbarrado
por aí, hoje eu havia notado a presença de uma maquiagem. Os cílios estavam
mais chamativos e o canto interno de seus olhos brilhava. Era algo quase
imperceptível, mas eu via, principalmente em contraste com a grande boca
pintada de um vermelho convidativo.
— Como você faz para passar pela porta com um ego do tamanho do
seu? — Aubree indagou, parecendo ligeiramente curiosa.
Eu estreitei meus olhos até os seus, e permiti que meu sorriso crescesse
nos lábios.
— Da mesma forma que você fez para passar essa calça minúscula pela
sua bunda.
Automaticamente, o queixo de Aubree foi ao chão, permitindo que o
queixo fosse ao chão e um vinco se formasse em sua testa.
— Você estava olhando para a minha bunda? — Seu tom de voz era
um misto de surpresa e inconformidade, como se ela fosse ingênua o
suficiente para não imaginar que todos os caras daquele churrasco estivessem
fazendo o mesmo que eu. Mas ela sabia.
E como sabia.
— Gata, eu estou sempre olhando para a sua bunda. — Fui sincero e fiz
uma pausa em seguida. — A propósito, você está sem calcinha ou é
impressão minha?
Aubree não respondeu e eu apenas tomei um longo gole da minha
cerveja para disfarçar o sorriso divertido que meus lábios sustentavam diante
da sua expressão de espanto.
Notei o momento em que ela puxou o ar e a boca se partiu, pronta para
rebater meu comentário com uma resposta afiada, como eu já havia notado
que fazia. No entanto, antes que ela pudesse dizer algo, uma voz familiar a
interrompeu:
— Eu estou com um deseeeeejo daquele uísque com Coca-Cola que
você fez semana passada para a gente. — Maddy surgiu na minha frente,
colocando-se entre Aubree e eu. Sua mão passeava pelas minhas costas
enquanto um sorrisinho angelical pendia em seu rosto. — Você poderia fazer
um desses para mim, né?
Minha postura automaticamente se enrijeceu.
Passei meus olhos de Maddy até Aubree. Então, de Aubree até Maddy.
— Maddy, não estou vendo nenhum uísque aqui — eu finalmente
consegui dizer algo, ao analisar a mesa cheia de bebidas.
A garota à minha frente fez um biquinho em resposta.
— Acho que vi um lá dentro, na cozinha. Vem comigo. — Ela agarrou
minha mão, pronta para me puxar para longe, mas eu não me movi.
Ao invés disso, repreendi-a na frente de Aubree ao dizer:
— Estou no meio de uma conversa, gata.
E aquilo foi o bastante para que a garota arregalasse de leve os seus
olhos e finalmente se desse conta da presença da garota de praticamente vinte
centímetros mais alta que ela, plantada à nossa frente. Seus olhos analisaram-
na minuciosamente da cabeça aos pés, mas Aubree não pareceu nem um
pouco intimidada. Na verdade, ela havia até mesmo apoiado a lateral do seu
quadril na mesa e agora prendia de forma desleixada um cigarro em seus
lábios preenchidos pelo batom vermelho.
— Nunca te vi por aqui — foi tudo o que Maddy disse para a garota.
Aubree, enfim, levou seus olhos até os dela, e eu pude jurar ouvir o
barulho do isqueiro preencher o silêncio inquietante entre nós, mesmo em
meio ao som da festa, quando esta acendeu seu cigarro. Então, a garota puxou
a nicotina com força para os pulmões, e foi apenas após exalar a fumaça
branca que sorriu simpaticamente para Maddy e disse:
— É porque sou nova aqui. — Estendeu sua mão livre para a garota,
após repousar o copo vermelho de plástico na mesa de bebidas. — Aubree
Evans.
Maddy encarou sua mão por um momento, e eu vi o exato instante em
que forçou seu melhor sorriso e apertou-a.
— Maddison Hilton. — Após apresentar-se, ela trouxe seus olhos
castanhos até os meus. — Vocês se conhecem?
Minha boca se abriu. Depois se fechou. Eu ainda estava tenso demais
com o fato de que a garota que eu estava fodendo estava conhecendo a garota
com quem eu pretendia foder para dizer qualquer coisa.
Aubree pareceu perceber minha falta de reação, pois não demorou a
assumir as rédeas.
— Acabei de me mudar para o apartamento ao lado do dele —
explicou. — Somos vizinhos.
— Ah! — Maddy arrastou sua atenção até mim novamente. —
Vizinhos, huh?
E eu notei a entonação em sua voz de quem claramente gostaria de
saber o porquê de não haver sido informada sobre aquilo antes, mas preferi
ignorar, pois eu não me lembrava de dever-lhe qualquer tipo de satisfação.
Após um milésimo de segundo com seus olhos cravados em mim,
Maddison voltou a encará-la.
— Bem, peço perdão por interromper a conversa.
— Imagina. — Aubree gesticulou com a mão um “deixa pra lá” e
pegou seu copo de plástico em seguida. — Na verdade, eu já estava de saída.
Despedindo-se com um “até mais”, ela passou por nós, não sem antes
esbarrar suas íris nas minhas por um único instante que, diga-se de passagem,
fora mais que suficiente para que eu notasse um brilho implícito ali.
Finalmente pareci voltar a respirar fundo, e fui quase que obrigado a
focar em Maddison quando ela colocou-se nas pontas dos pés e envolveu
seus braços no meu pescoço. Em uma reação natural, minhas mãos dirigiram-
se até sua cintura, apertando-a de leve.
— Acho que vou dar uma passada no banheiro, quer me fazer
companhia? — O esboço de um sorriso malicioso deixava mais que claro que
o convite não era apenas acompanhá-la até a porta.
Esperei alguns segundos até que meu pau pudesse ter qualquer tipo de
reação diante daquela proposta, mas nada aconteceu. Absolutamente porra
nenhuma. A ideia de transar com Maddy no banheiro da fraternidade não me
parecia mais tão excitante quanto alguns minutos antes, quando ela estava
sentada no meu colo e meu polegar roçava na sua coxa.
Porra de efeito Bree.
Sim, era assim que eu havia nomeado a minha impotência sexual com
Maddy depois de apenas dois minutos ao lado da mulher de cabelos
cacheados e volumosos.
— Acho que estou bem — recusei o convite, após soltar um longo
suspiro frustrado.
Maddy arregalou seus olhos para a minha recusa.
— Uau — ela disse, surpresa. As sobrancelhas agora estavam
arqueadas na minha direção e o cenho, franzido. — O que deu em você hoje?
Nunca te vi negando uma rapidinha.
Eu dei de ombros e afastei seu corpo do meu, de leve.
— Para tudo se tem uma primeira vez.
Maddison riu, mas ao notar que não a acompanhei na risada, seu riso
transformou-se em uma exalada de ar inconformada.
— Ok, então. Serei obrigada a fazer o trabalho sozinha — murmurou,
mas antes que pudesse se retirar, pegou uma das trezentas garrafas alcoólicas
da mesa e empurrou-a no meu peito até que eu fosse obrigado a segurá-la. —
Veja se isso ajuda no seu humor, Reed.
Dito isso, Maddy entrou na casa e sumiu pelo corredor.
Eu apenas encarei a garrafa de gin e respirei fundo.
Fazer o trabalho sozinha?
Apenas o pensamento de Maddy fazendo o trabalho sozinha deveria
fazer meu pau ir a meio mastro. No entanto, não era exatamente aquilo que
estava acontecendo agora. E, puta merda, eu estava começando a ficar
frustrado pra caralho.
Parado, sozinho, ao lado da mesa de bebidas, travei uma batalha interna
entre ir atrás de Maddy e torcer para que meu amiguinho começasse a dar
algum sinal de vida até lá, ou simplesmente me juntar à roda de amigos na
qual eu estava antes e esperar que alguns goles da garrafa de gin fosse o
suficiente para me consolar.
Optei pela segunda alternativa, já que a primeira não me parecera algo
viável, e, segundos mais tarde, estava me jogando ao lado de Chase no sofá.
Seus olhos vieram de relance até mim e eu notei o sorriso sacana que
ele abriu ali, antes de tragar o cigarro que segurava entre o dedo indicador e o
médio.
— É impressão minha ou sua alma ficou junto à mesa de bebidas e só o
seu corpo voltou? — finalmente comentou, ao expirar a fumaça.
Eu tomei um longo gole do gin, olhando para Aubree ao outro lado do
quintal. Ela conversava animadamente junto à sua rodinha de amigos, e
gesticulava com as mãos como se estivesse contando uma história icônica.
— Não é impressão sua — eu disse.
— O que aconteceu?
Soltei um suspiro como resposta.
— Não sei. — Dei de ombros. — Acho que estou cansado de transar
apenas com a Maddison.
Chase soltou um riso nasalar, o que fez com que eu o olhasse pelo
canto do olho. Com o queixo, meu amigo meneou na direção em que minha
atenção antes estava, e perguntou:
— Quem é a garota?
Voltei a encarar Aubree, e enchi meus pulmões de ar.
— Nova vizinha.
— Solteira? — Seu tom de voz era sugestivo, o que fez com que dessa
vez eu realmente encarasse Chase.
— Nem tente — intimei-o. — Vi primeiro, seu merda. Tire os olhos
dela.
Automaticamente, Chase soltou um risinho.
Quem o conhecia, sabia que ele era o tipo de cara que continha uma
variedade infinitas de risinhos. Cada um deles, com um significado diferente.
E, aquele risinho em específico, praticamente confirmava aquilo que eu
já sabia:
Eu estava completamente na merda.
“Me deixe em paz
Se você é um jogador
Eu não acho que vou jogar com você
Essa merda fica ultrapassada
Se você quer sair com ela
Por que você apenas não fica com ela?”
Casual | Doja Cat

Viver é sofrer.
Aquelas eram as palavras de um filósofo alemão chamado Arthur
Schopenhauer, bastante conhecido por suas ideias pessimistas. Eu não
costumava concordar muito com as suas ideologias, mas se me pedissem para
descrever o meu dia em três palavras hoje, eu diria exatamente estas.
Viver é sofrer.
Porque viver com a ressaca que eu estava tendo desde que acordara era
sinônimo do pior dos sofrimentos. Eu já havia colocado todo o meu estômago
e minhas tripas para fora no mínimo umas três vezes, e escovado meus dentes
o triplo de vezes que vomitara, mas nada parecia superar a dor que tomava
conta da minha cabeça.
Era como se alguém estivesse martelando meu crânio sem parar desde
o início dessa manhã. E, para melhorar, eu não me lembrava de ter algum
remédio para enxaqueca na minha mini-farmácia.
Fantástico.
Com uma xícara de café em uma mão e um maço de cigarros na outra,
me dirigi à minha varanda, onde o sol batia com intensidade, ciente de que
um pouco de vitamina D faria com que eu me sentisse nem que fosse um
pouquinho melhor.
Não me surpreendi ao encontrar a figura esbelta de Colton Reed na
varanda ao lado da minha, os cotovelos apoiados sobre o corrimão, com os
olhos fechados e o queixo levemente erguido, como se estivesse tão
desesperado quanto eu para receber um pouco dos raios solares. A falta de
uma camiseta no seu corpo malhado me incomodou, porque não demorou
mais que meio segundo para que eu permitisse que meus olhos escorregassem
por todos os músculos que ele expunha e, enfim, chegasse à conclusão
frustrante de que ele realmente era mais gostoso do que eu havia imaginado
que seria sem camisa.
O que apenas tornava a tentação infinitas vezes mais difícil de ser
contida.
Pisquei, em uma tentativa de espantar a imagem da minha língua
descendo pelos gomos do seu abdome, em direção ao caminho da felicidade,
e pigarreei antes que minha imaginação fosse além.
Após o barulho que escapou do meu corpo em uma clara repreensão a
mim mesma, Colton finalmente pareceu notar minha presença. Os olhos
cinzentos agora estavam abertos, e um sorriso começou a surgir nos lábios à
medida que ele me observava puxar a cadeira para que eu pudesse me sentar.
— Pensei que fosse estar na aula, gata — ele disse, e eu soltei um longo
suspiro, jogando minha cabeça para trás quando o enjoo voltou. — Ressaca?
— Morte — corrigi-o, após tomar um longo gole do meu café.
Colton riu em resposta.
— Pelo menos você é uma bêbada sociável — brincou, e eu fui
obrigada a grunhir no momento em que flashes de uma Aubree bêbada
fazendo amizade até com a árvore irromperam na minha mente. — Tão
sociável que até dançou...
— Em cima da mesa, eu sei — cortei-o, escondendo o rosto com as
minhas mãos. — Será que podemos não falar sobre isso? Acho que minha
cabeça não precisa de mais um motivo para explodir em dor.
— Já tomou algum remédio?
Neguei.
— Estou precisando urgentemente de um novo estoque.
— Acho que tenho alguns aqui, se quiser — ofereceu ele.
Em circunstâncias normais, eu recusaria e diria que ainda hoje iria à
farmácia para comprar o que estava em falta aqui em casa, mas aquela estava
longe de ser uma circunstância normal. A verdade era que eu estava a um
passo de recorrer a Marie Anne e pedir que ela arranjasse algum comprimido
que pudesse acabar com as marteladas na minha cabeça, mas Colton, de fato,
parecia um caminho mais prático e rápido, a julgar pelo fato de que ele estava
a apenas três metros de distância de mim.
Portanto, não hesitei em tirar minha bunda da cadeira e ir até lá, quando
ele disse que sua porta estaria destrancada. Parando em frente à madeira,
hesitei por meio segundo, antes de girar a maçaneta e entrar no seu
apartamento.
A primeira coisa que notei foi o fato da sua cozinha não ser
compartilhada como a minha. Havia uma extensa parede cinza que a separava
do restante da sala, dando a sensação de que o apartamento era infinitas vezes
menor que o meu, embora, mesmo assim, fosse grande o bastante para
comportar muito mais que quatro pessoas.
Quando meus pais optaram por um apartamento naquele prédio, eles
estavam contando com o fato de que viriam com bastante frequência passar
um fim de semana ou outro em Nova York. No entanto, eu sabia que, na
prática, as coisas seriam diferentes. Os dois trabalhavam arduamente e,
quando eu ainda morava em Bridgeport, mal conseguíamos ir direito ao
cinema, quanto mais uma viagem de fim de semana.
De qualquer forma, espantei aqueles pensamentos que me deixavam
saudosa e passei meus olhos pelo cômodo, à procura de Colton. Quando não
o encontrei, chamei por seu nome:
— Colton?
— Aqui! — ouvi-o gritar de algum canto, e fechei a porta atrás de mim.
Dando alguns passos para dentro do local, observei o extenso corredor
idêntico ao meu, e encontrei sua figura na última porta, vasculhando um
armário no banheiro que, no meu apartamento, seria o banheiro de visitas.
Meus pés, no entanto, continuaram grudados ao chão, aguardando por ele ao
lado da sua mesa de jantar.
— Achei! Remédio para dor de cabeça e também antiácidos para ajudar
com o mal-estar no estômago — disse ele, atravessando o corredor apenas em
sua calça de moletom, com duas caixinhas em mãos.
Eu soltei um suspiro de alívio, pronta para pegar os comprimidos de
suas mãos e agradecê-lo por ser minha salvação no dia de hoje, mas Colton
não me entregou de primeira. Ao invés disso, o rapaz arqueou uma
sobrancelha grossa na minha direção, sugestivamente, fazendo com que eu
respirasse fundo.
Deveria ter imaginado que não seria tão fácil assim.
— O que eu vou ganhar em troca?
— Acho que um obrigado basta — eu disse, ao tentar tirar os remédios
de sua mão, mas ele foi mais rápido, puxando a caixa para longe de mim.
Gemi em frustração. — Vai mesmo fazer isso agora? Minha situação já não é
deplorável o bastante?
Colton soltou um risinho como resposta, e eu notei o momento em que
seus dentes morderam o lábio inferior à medida em que seus olhos
esquadrinhavam todo o meu rosto.
— Você podia ficar de joelhos... — Colton sugeriu.
— E implorar? — praticamente cuspi, descrente. Então, deixei que uma
risada irônica escapasse do fundo da minha garganta. — Nem fodendo.
O sorriso em seu rosto cresceu e um brilho divertido irrompeu em seus
olhos cinzentos.
— Ah, Bree... Eu nunca falei em implorar.
Precisei de alguns segundos para processar a sugestão por trás das suas
palavras, mas quando finalmente o fiz, minha paciência foi buraco a baixo, e
eu me coloquei na ponta dos pés para alcançar o remédio que ele estendia
acima da sua cabeça. No entanto, antes que pudesse alcançar as caixinhas,
senti seu braço livre se enganchar na minha cintura e me tirar do chão apenas
para me colocar sentada na mesa de jantar próxima a nós.
Assim que minha bunda foi de encontro ao vidro, um arquejo escapou
da minha boca, de repente tensa demais com o fato do seu corpo estar colado
ao meu e o rosto, mais próximo do que eu gostaria. Nossas testas estavam
quase se tocando. A respiração pesada de Colton chocava-se contra a maçã
do meu rosto com força.
Meus olhos estavam grudados aos seus. A risca preta que atravessava
sua íris direita estava completamente visível da distância em que eu estava
dele, mas eu notei algo a mais ali. Os olhos estavam nebulosos e escurecidos.
O sorriso em seus lábios havia desaparecido.
Eu sentia cada célula minha pegar fogo e, novamente, seu perfume
estava invadindo minhas veias e causando um torpor delicioso em meu
corpo.
A ponta do seu nariz roçou no meu e puta merda, a parte interior das
minhas coxas pareceu se contrair em resposta. Seu olhar incendiava cada
milímetro de mim quando ele permitiu que os olhos escorregassem
lentamente para a minha boca.
As mãos agora estavam repousadas na minha cintura, os dedos grossos
apertando-me com delicadeza.
Eu estava em chamas.
Pegando fogo da cabeça aos pés diante da sua proximidade. E, naquele
momento, Colton Reed era a única pessoa que poderia fazer algo a respeito.
Estava quase implorando para que ele fizesse algo a respeito.
Mas então, a razão me veio à mente, e eu me lembrei do dia anterior.
Lembrei-me de Maddison e da forma como ela o tratava como se estivessem
juntos. Lembrei-me da garota sentada em seu colo quando cheguei e de
Colton acariciando sua perna. Acima disso, lembrei-me da lista que havia
feito mentalmente sobre o porquê eu jamais deveria deixar-me cair em
tentação por alguém como ele:
Comprometido, músico, hétero top.
Finalmente voltando a mim, coloquei a cabeça no lugar e roubei os
remédios que agora estavam repousados ao nosso lado, na mesa. Depois, pus-
me de pé e disparei para fora do seu apartamento.
Um misto de emoções estava sufocando o meu peito, porque eu queria
aquilo. Queria tanto aquilo, mas jamais seria capaz de conviver comigo
mesma ciente de que o fiz sabendo que aquilo poderia de alguma forma
machucar outra mulher.
— Bree... — Colton chamou por meu nome, mas eu não respondi. —
Aubree, o que…?
— Você não pode fazer isso — cortei-o, assim que seus dedos tocaram
meu pulso com delicadeza para que meus olhos encarassem os seus.
Colton piscou, genuinamente confuso.
— Fazer o quê?
— Isso, Colton. — Minhas mãos apontaram para mim e depois para
ele, em um movimento vaivém. — Me fazer querer te beijar enquanto...
— Então você quer me beijar? — ele me interrompeu, dando um passo
à frente, e apenas então eu notei o que havia acabado de dizer.
Muito bem, Aubree. Que ótima forma de mandá-lo à merda com as
tentativas dele de te levar para a cama, minha mente sussurrou.
Olhando para ele, incrédula, concluí diante do esboço de um sorriso
malicioso em seus lábios que tudo o que ele havia escutado e, de fato,
processado, fora a minha última frase.
Então, soltei um longo suspiro.
— Não está óbvio, porra?
Seu sorriso cresceu.
— Pensei que músicos não fizessem o seu tipo.
Fui obrigada a revirar os olhos em resposta.
— Você é patético.
— Bem... Não sou eu que estou fugindo do que quero.
Tive vontade de rir, porque aquilo só podia ser algum tipo de
brincadeira.
— Preciso relembrar que você é comprometido, Colton? — Arqueei
uma sobrancelha, dando um passo à frente.
O rapaz sequer pareceu vacilar ao rebater com:
— Eu e Maddy não temos nada sério.
— Mas vocês têm alguma coisa — reafirmei. — E isso pra mim é o
suficiente. Além do mais, já parou para pensar em como Maddison se sentiria
se soubesse de todas as suas investidas e seus comentários engraçadinhos? —
Fiz uma pausa, esperando por uma resposta, mas voltei a prosseguir ao
perceber que ele não tinha pretensão algum de responder: — Não estou
pedindo para que pare de falar comigo, Colton. Te acho um cara bacana e
tudo mais, mas todas essas suas tentativas de me levar para a cama precisam
parar agora. Eu e você, não vai rolar. — Fui firme. — Não dessa forma.
Dito isso, girei nos calcanhares e abri minha porta com força apenas
para batê-la atrás de mim com uma certa brutalidade. Depois, desabei no meu
sofá com um suspiro cansado e encarei o teto branco, refletindo sobre o que
havia acabado de acontecer.
Palavras do escritor Marquês de Sade vieram-me à mente:
“Não há paixão mais egoísta do que a luxúria”.
E, diante dos comportamentos de Colton, eu, surpreendentemente,
passei a concordar com Marquês de Sade.
Afinal, não era à toa que a luxúria era listada como um dos sete
pecados capitais.
Talvez, o pior deles.
“Chamando minha atenção como eu nunca imaginaria
Eu tento entender, mas eu sabia desde o começo
Você funciona um pouco diferente do que qualquer uma que eu já conheci
Espero que este pequeno momento me faça te seguir por quilômetros
Abro a janela só para ver se você está por perto
Eu queria poder te mostrar todos esses sentimentos que senti.”
Head First | Christian French

Embora ontem eu estivesse a um passo de vomitar apenas com a ideia


de qualquer tipo de bebida alcoólica surgir diante dos meus olhos, recusar
algumas taças de vinho após o longo dia que havia sido hoje parecia loucura.
A NYU finalmente estava começando a fazer jus à sua reputação
rigorosa, à medida em que nos lotava de trabalhos e fichamentos enquanto ria
na nossa cara sobre como estava prestes a acabar com o psicológico de todos
os alunos diante das datas estreitas de entrega.
Eu não me importava em fazer quinze trabalhos simultaneamente.
Mesmo. Mas o estresse começava a me consumir a partir do momento em que
os professores estipulavam prazos de entregas que, se somados à quantidade
de trabalhos, claramente eram impossíveis de serem cumpridos.
Soltei um suspiro exausto ao me sentar na ponta do meu sofá, e tomei
longos goles do vinho tinto que Marie Anne trouxera consigo. Era uma terça-
feira, mas havíamos combinado que ela passaria a noite ali para que
pudéssemos acabar de fazer um trabalho sobre Freud, o qual passamos o dia
todo falando sobre. Agora, entretanto, estávamos nos dando o luxo de
algumas taças de vinho ao som de Frank Sinatra.
— Você sente falta da sua vida antes de Nova York? — Marie indagou,
olhando-me curiosa. Ela estava sentada na outra ponta do sofá, com os
joelhos dobrados e as coxas coladas ao peito. Nas mãos, balançava a taça de
cristal suavemente, aguardando por uma resposta da minha parte.
Eu respirei fundo, pensando a respeito daquela pergunta. Desde que
chegara a Nova York, nunca havia parado para pensar sobre a mudança
significativa da minha vida. Classificá-la como melhor ou pior do que a vida
que eu possuía em Bridgeport parecia ridículo, pois cada um dos locais e
situações continham seus pontos positivos e seus pontos negativos, ainda que
houvesse algumas coisas impossíveis de serem desconsideradas.
Sentia falta dos meus pais como nunca antes. Não estava acostumada a
ficar tanto tempo longe deles. Longe das risadas e das implicâncias matinais.
E, por mais idiota que aquilo pudesse parecer, sentia falta da comida. Nossa.
Sentia muita falta da comida que eles costumavam fazer. Afinal, eu não tinha
muitos dotes culinários e morar sozinha exigia pelo menos um pouco de
habilidade na cozinha. Como não era o meu caso, durante essas duas semanas
em que estive aqui, minhas jantas consistiram em congelados ou algum
pedido de delivery.
Contudo, eu gostava da privacidade e da liberdade que tinha em Nova
York. Não que aquilo fosse algo que não possuía em Bridgeport. Meus pais
sempre respeitaram meu espaço e nunca me impediram de ir a qualquer lugar
ou deixar de fazer aquilo que eu quisesse, mas estar a pouco mais de cem
quilômetros de distância era diferente.
Também sentia falta dos meus amigos de infância e da minha antiga
faculdade, mas gostava das amizades que vinha fazendo na NYU. Além
disso, poder recomeçar ali, sem um passado ou prejulgamentos sobre mim
“porque fulano ouviu algo por ciclano que mal me conhecia”, era ótimo. Ali
não havia aquilo porque, de fato, ninguém me conhecia.
— Sinto falta de algumas coisas. — Dei de ombros, finalmente
respondendo à sua pergunta. — Mas não acho que seria capaz de voltar a
morar lá algum dia. Gosto de Nova York. E você?
Marie Anne curvou os lábios, enquanto refletia.
A garota já havia me comentado uma vez que vinha da Carolina do
Norte e que sua vida não era uma das melhores por lá. Em uma cidade tão
grande e cheia de oportunidades como Nova York, não me surpreendia que
houvesse pessoas de todos os cantos do país e até mesmo do mundo morando
por ali.
— Às vezes sinto falta do meu ex — admitiu Marie, e minhas
sobrancelhas franziram-se em resposta.
— O quê? — praticamente gritei, antes de soltar uma gargalhada que
não demorou a ser acompanhada por Marie.
— Estou falando sério — disse, após sua risada cessar. Os olhos
estavam distantes, quase melancólicos, à medida em que ela olhava para um
ponto fixo da minha parede. Depois de longos segundos, voltou suas íris
castanhas até mim e prosseguiu: — Melhor transa da minha vida. Nenhuma
supera. Nem mesmo os caras gatos com quem dormi desde que vim à NYU.
— Então você sente falta do pau dele — concluí.
Marie ponderou.
— É, pode-se dizer que sim.
Refleti a respeito por um instante.
— Talvez as suas transas não sejam tão incríveis quanto as transas que
teve com seu ex porque você não tem nenhum tipo de sentimento pelos caras
com quem dorme aqui. — Fiz uma pausa, para tomar um gole de vinho. —
Convenhamos que não há sexo mais gostoso do que aquele com uma pessoa
que você ama.
— Uau. Aubree Evans parece experiente no assunto, huh? — Marie
parecia impressionada. Uma sobrancelha estava arqueada na minha direção e
havia o esboço de um sorriso sugestivo em seus lábios. — Quem foi o cara
responsável pela sua transa insuperável?
Hesitei um pouco, balançando minha taça de vinho.
Depois de longos segundos com os olhos grudados no líquido escuro,
obriguei-me a responder:
— Meu ex. Joshua. — O nome deslizou pela minha língua,
acompanhado de um amargor.
— Uhhh! Joshua? — Marie pareceu animada. — E esse Joshua é
passado? Porque sua postura enrijecida parece dizer o contrário.
Seu comentário me fez rir, e eu forcei meu corpo a relaxar. Não poderia
mais ficar tensa apenas diante do nome dele. Joshua Hayes definitivamente
era passado, e eu estava feliz que minha vinda para Nova York houvesse me
proporcionado aquilo. Nosso relacionamento era um capítulo do meu livro
encerrado, embora aquilo não me impedisse de odiar tocar em assuntos que
remetessem a memórias dele.
Mal me lembrava quando havia sido a última vez em que tivera notícias
dele. Joshua também estudava na HCC quando a faculdade decretara que
havia falido e deveríamos procurar outro instituto de ensino. Eu o via vez ou
outra pelos corredores, mas sempre preferira manter minha distância depois
que terminamos. Não tinha a mínima ideia para onde ele havia tentado uma
transferência, mas esperava que fosse para um lugar bem longe de Nova
York.
Se era que ele já havia sido transferido para algum lugar.
Lembrava-me claramente de que a maioria dos meus amigos ainda
estava tentando uma transferência para outras faculdades quando finalmente
me mudei para cá. Desde então, não tinha a mínima ideia para onde a maioria
deles havia ido.
— Já está treinando seus incríveis dotes na área de psicologia com as
amigas, Marie? Acho que esse curso, de fato, foi feito para você — brinquei,
referindo-me à sua leitura corporal comigo.
Marie riu, após um gole do vinho.
— Vou fingir que não notei sua tentativa de fugir do assunto com uma
clara puxada de saco para me deixar feliz, Aubree Evans.
Foi minha vez de rir.
Eu estava prestes a rebatê-la quando gritos no andar de cima fizeram
com que Marie e eu olhássemos para o teto. Era o casal que Colton
mencionara na noite em que havíamos nos conhecido — aqueles que tinham
tesão em pedir divórcio —. Pensei que ele estivesse brincando quando disse,
pois, diferente do cara abaixo de nós (que já me acordara duas vezes devido à
música clássica estridente às quatro da manhã), aquela era a primeira vez que
aqueles vizinhos manifestavam-se.
— Meu Deus, o que é isso? — indagou Marie, espantada. Os olhos
castanhos fugiram do teto até repousarem em mim, arregalados. — Devemos
chamar a polícia?
— Colton disse que é normal. Assim que um deles gritar a palavra
“divórcio”, eles caem em um looping infinito de sexo pelo restante da noite
— esclareci, ao dar de ombros.
Marie não pareceu achar peculiar a parte em que os vizinhos de cima
possuíam tesão na palavra divórcio. Ao invés disso, ela me observou curiosa.
Os lábios retorcidos me diziam que estava prestes a tocar em um assunto do
qual eu não estava disposta a conversar no momento.
E foi apenas uma questão de segundos até que...
— Colton, é? — indagou, com um tom de voz sugestivo. — O que é
isso? São amigos agora?
Eu travei diante da sua pergunta. Mal havia notado que mencionara seu
nome até então.
Nós não havíamos nos falado desde o episódio no dia anterior e, por
um lado, eu estava grata por isso. Não conseguia pensar direito quando estava
perto dele. Era como se seu perfume e o calor que o seu corpo emanava
interferissem na funcionalidade dos meus neurônios. A única coisa que
conseguia pensar na sua presença, era no quanto ele era um maldito deus
grego de rosto e corpo.
Sem camisa ou com camisa.
De cabelos arrumados ou desgrenhados, como se houvesse acabado de
acordar.
Não importava o momento, ele sempre estava impecável. E aquilo
deveria ser outra coisa da qual eu deveria colocar na minha lista do por que
não me deixar cair em tentação por Colton Reed.
Impecável, mesmo sem tentar = irritante.
Ou era aquilo que eu tentava me convencer.
— Não somos amigos — eu disse, na defensiva. — Ele é meu vizinho.
Infelizmente o encontro mais vezes do que gostaria.
Marie estreitou os olhos para mim.
— Mentirosa.
Claro que era mentira.
Colton era um cara gente boa. Gostava de conversar com ele e,
honestamente, o que eu mais queria era poder me certificar de que sua
experiência sexual fazia jus à minha imaginação. Contudo, eu já havia
cortado qualquer possibilidade daquilo acontecer porque, acima da minha
curiosidade em relação às habilidades de Colton na cama, eu me importava
com a forma como Maddison se sentiria se ele continuasse com aquelas
investidas. E me preocupava ainda mais com as minhas vaciladas que me
diziam que eu estava a um passo de cair no papo furado dele.
O que obviamente não poderia acontecer. Nem hoje, enquanto ele
estivesse com Maddison, nem nunca. Colton era desrespeitoso com a garota
com quem ele ficava, o que significava que nada o impedia de ser
desrespeitoso comigo em um universo paralelo em que talvez viéssemos a ter
algo. E eu havia prometido a mim mesma que nunca, em hipótese alguma,
aceitaria um homem entre as minhas pernas, o qual eu sabia ser um idiota.
— Você está arrancando muitas verdades de mim hoje, Marie Anne —
eu disse, afastando o assunto “Colton” para longe, e me levantei do sofá. —
Hora de dormir.
— O quê? Mal começamos a beber!
— Acabamos com uma garrafa inteira de vinho enquanto
conversávamos sobre nossos ex-amores e pessoas indesejáveis — murmurei,
antes de levantar a garrafa que encontrava-se repousada na mesinha de centro
e balançá-la no ar. — Melhor dormirmos antes que eu te conte os meus
segredos mais obscuros.
— Serei obrigada a ouvi-los, agora que você os mencionou. — Marie
levantou-se do sofá para deixar as taças na pia.
Eu ri em resposta.
— Serei obrigada a te matar, caso os diga. — Minha voz saiu em um
tom mórbido, atraindo os olhos da minha amiga até mim.
— Ok. Agora estou torcendo para que o quarto de visitas tenha uma
tranca — ela disse, e nós duas caímos na gargalhada.
Andando pelo corredor estreito, apaguei as luzes da sala e parei em
frente à minha porta. Marie não demorou a me desejar boa noite e se fechar
no quarto de visitas. Eu, no entanto, continuei na soleira da porta, observando
a sala escura. A luz que atravessava o ambiente vinha da iluminação da
varanda vizinha.
Naquele momento, tive certeza de que ele estava lá, pronto para fazer
um comentário engraçadinho sobre os vizinhos do andar de cima que agora
faziam barulho o suficiente para eu ter mais que certeza de que eles estavam
transando loucamente. Eu estaria mentindo se dissesse que não gostaria de
fingir que o havia encontrado por acaso, apenas para desejar-lhe boa noite.
Ao invés disso, minha razão gritou mais alto e, mais uma vez, forcei-me a
escutá-la.
Conformada, coloquei os pés para dentro do meu quarto e fechei a
porta, afundando na cama segundos depois, com um suspiro frustrado pronto
para escapar pela goela.
“Eu não estou procurando por, procurando por amor
Apenas procurando alguém para foder.”
Valley Girls | Blackbear

A aula de Metodologia da Pesquisa em Música era um porre. Não era à


toa que eu raramente aparecia e, quando aparecia, saía mais cedo com a
desculpa de que precisava levar meu inexistente cachorro que vivia doente ao
veterinário.
Steve e Landon caçoavam da minha cara sempre que eu pegava minhas
coisas e saía uma hora antes do fim da aula. Claramente, eram um bando de
invejosos, porque eu havia inventado a melhor das desculpas e, ainda assim,
levava presença.
Afinal... Pobre Colton.
A culpa não era minha que meu inexistente cachorro estava à beira do
falecimento.
Céus.
Eu era uma pessoa horrível.
De qualquer forma, minha consciência apenas pesava durante um ou
dois minutos.
Uma mensagem vibrou em meu celular no momento em que coloquei
meus pés para fora do prédio da NYU. Eu puxei o aparelho, soltando uma
risada em seguida.

Landon Klirg:
Da próxima vez, invente que você precisa de ajuda para carregar seu
cachorro até o apartamento e me leva junto, fdp.

Colton Reed:
Ele é um yorkshire, cara.
Acho que consigo dar conta sozinho.

Landon não demorou mais que um segundo para responder.

Landon Klirg:
Vai tomar no cu.
Vou falar para o sr. Hendrick que não existe cachorro nenhum.

Colton Reed:
Tente, e esta será a última vez que vc vai falar algo.
Em resposta, Landon apenas me enviou um emoji do dedo do meio e
um breve “vai se foder”. Eu ri mais uma vez, voltando a guardar o celular no
bolso, e encontrei a figura solitária de Alec Austin sentado em um banco no
campus.
Os olhos verdes pareciam distantes quando me aproximei, apenas
fugindo do gramado na minha direção no exato instante em que tapei o sol
que batia em seu rosto com a minha sombra.
— E aí? — eu disse, sentando-me ao seu lado.
— E aí? — repetiu ele com um suspiro.
Alec parecia exausto. Mais exausto que o normal. Havia bolsas escuras
debaixo dos olhos claros e o cabelo desgrenhado me dizia que ele não o
penteava há dias. Mas o que mais me surpreendeu foi o cigarro que ele
segurava entre o dedo médio e indicador.
Alec não costumava fumar. Não mesmo. Às vezes antes de shows,
quando estava estressado, mas eram raras exceções.
— Qual é a do cigarro? — Meneei com o queixo na direção da sua
mão.
Ele desviou seus olhos até os meus. Depois, soltou um longo suspiro e
tragou com força a nicotina.
— Estressado — a princípio, foi tudo o que ele disse, soltando a
fumaça lentamente. Continuei em silêncio, à medida em que aguardava seu
desabafo. Conhecia-o bem o suficiente para saber quando ele precisava
colocar as coisas para fora do peito, e, com toda a certeza, aquele era um
daqueles momentos. — Não sei, cara. Estou cansado.
— Do quê? — indaguei, genuinamente preocupado. — Faculdade?
Banda? Vida?
Alec deu de ombros.
— Acho que de tudo. — Fez uma pausa e voltou a me encarar. —
Estou cansado de precisar ir para Bridgeport quase todos os fins de semana.
Essa rotina está acabando comigo.
— Você não pode simplesmente pedir para que sua mãe contrate
alguém para cuidar das suas irmãs mais novas? — perguntei, mas Alec
começou a negar com a cabeça antes mesmo que eu chegasse na metade da
minha frase. De qualquer forma, continuei: — Não deve ser tão difícil assim.
Elas sempre tiveram uma babá. O que aconteceu?
— É complicado, cara — murmurou, voltando a tragar o cigarro. —
Não sei se quero falar sobre isso.
Eu apertei meus lábios, levemente frustrado. Não gostava de vê-lo para
baixo e odiava vê-lo exausto daquela forma. Era quase como se Alec não
dormisse há semanas.
Eu sabia que ele estava levando uma vida agitada de uns tempos para
cá, com coisas da faculdade, banda e sua família. A semana já era exaustiva
com o tanto de trabalho e ensaios que tínhamos, mas o momento mais
cansativo para Alec aparentava ser nos finais de semana.
Sabia que sua família estava passando por um momento de crise
financeira, e que sua mãe dava plantões aos fins de semana no hospital,
sobrando para Alec a tarefa de cuidar das quatro irmãs mais novas durante
aquele meio tempo, mas deveria haver alguma forma em que ele pudesse
descansar. Uma babá não parecia ser algo tão caro.
Será que a situação financeira de sua família estava tão ruim assim?
De qualquer forma, deixei aquilo de lado. Se Alec quisesse conversar,
ele sabia que podia contar comigo a qualquer instante. Não precisava reforçar
aquilo para que ele tivesse certeza.
Ele sabia.
— Mas e você, cara? — indagou ele.
Respirei fundo.
— Meus problemas não chegam nem aos pés dos seus.
— Não estamos competindo — murmurou Alec. — Desembucha.
Demorei alguns segundos para refletir se deveria ou não falar algo. Por
mais que eu e os caras da banda fôssemos muito amigos, nós não
costumávamos desabafar sobre os nossos problemas. Era sempre algo do tipo
“tá tudo uma merda, mas tudo bem, não quero falar sobre isso” ou um breve
“não” quando um de nós perguntava se o outro estava bem. Raramente
passava disso, embora soubéssemos que podíamos contar uns com os outros
sempre.
Soltei um longo suspiro.
— Tem uma garota... — comecei, mas fui interrompido por uma
risadinha por parte dele.
— É claro que tem — disse, e eu revirei meus olhos para a sua
provocação.
— Não consigo tirá-la da cabeça.
Alec arregalou seus olhos para mim, surpreso.
— Vocês treparam?
Bem que eu queria.
— Não.
— Não?! — ele praticamente gritou, em choque. — E você não
consegue tirá-la da cabeça? Meu Deus, cara, o que foi que aconteceu com
você?
— A questão é: ela sabe que sou um idiota.
— Todos nós sabemos.
Bombardeei-o com o olhar, silenciosamente mandando-o calar a porra
da boca. Alec comprimiu os lábios e arqueou as mãos acima da cabeça, uma
tentativa de deixar claro que iria manter-se calado até que eu explicasse a
situação.
Soltei um suspiro, frustrado.
— Ela sabe que sou um idiota e sabe que o que eu tenho com Maddy
não é só sexo. — Fiz uma pausa. — Bem, pelo menos não para Maddison. E
eu estou louco para levá-la para cama. Sério, cara. Quero foder com ela até
meu pau cair. O que é uma merda, porque Maddison aparentemente se
importa. E Bree aparentemente se importa com Maddison. Ou, pelo menos,
se importa o suficiente para não dar o braço a torcer comigo.
Grunhi em frustração e larguei as mãos sobre o colo, derrotado.
Alec continuava me encarando. Os olhos verdes analisando cada
detalhe do meu rosto em silêncio, sem dizer uma palavra.
— Você pode falar agora — resmunguei, de repente irritado com toda
aquela situação.
— Você é um babaca — ele disse, de imediato. — Não há como negar,
Colton. Se você sabe que Maddy acredita que são exclusivos e sabe que
essa... hm... Como é mesmo o nome dela?
— Aubree.
— Aubree — concordou. — E sabe que Aubree não vai dar o braço a
torcer enquanto você ainda estiver com Maddison, por que diabos você ainda
não conversou com sua garota? Se não quer exclusividade, fale com ela. As
coisas só funcionam na base de um diálogo, seu idiota.
Retorci os lábios, ponderando.
Alec tinha razão. Era claro que ele tinha razão. Era um dos únicos que
realmente dava bons conselhos, o que fazia com que eu me perguntasse por
que vivia sozinho. Ele, definitivamente, seria a melhor opção de um cara
ideal, entre os quatro integrantes da Broken Crown.
De qualquer forma, aquilo não era problema meu.
— Você tem razão.
— É claro que tenho razão.
Ignorando sua enorme presunção, puxei o celular do meu bolso para
mandar uma mensagem a Maddy.

Colton Reed:
Passo no seu quarto mais tarde?

Sua resposta foi imediata.

Maddison Hilton:
Estava contando com isso. ;)

Eu estava parado em frente à porta de entrada da fraternidade de


Maddy, esperando que alguém abrisse, quando a maçaneta finalmente girou e
grandes olhos azuis foram de encontro aos meus. Era Laura, uma das garotas
que morava na mesma casa de Maddison e que sempre revirava os olhos para
a minha presença, porque aquilo automaticamente significava que estava
prestes a ouvir os gemidos escandalosos de Maddy pelas próximas duas
horas, no mínimo.
— Ela está no quarto — disse, ao abrir ainda mais a porta para que eu
pudesse entrar.
Baguncei seus cabelos, embora não tivesse nenhum tipo de intimidade
com a garota, e então disse:
— Valeu, Lory. Você é demais.
— É Laura! — ela exclamou, mas eu já havia a deixado para trás,
subindo as escadas de dois em dois degraus.
Era claro que eu sabia que seu nome era Laura. Só gostava da forma
como ela ficava irritada sempre que eu o errava propositalmente.
Não demorei a abrir a porta e me deparar com Maddison recém-saída
do banho. O cabelo comprido estava molhado e a toalha enrolada no corpo
fez com que uma centelha de calor subisse pela minha espinha, fazendo com
que eu quase me esquecesse o que exatamente havia vindo fazer aqui.
— Você demorou — ela disse, enquanto penteava o cabelo de frente a
um enorme espelho.
— Tive ensaio com os caras depois do almoço. Ficamos até agora
pouco ensaiando. Temos um show nessa sexta e Alec quer que seja perfeito
— expliquei, exausto, após fechar a porta atrás de mim e sentar-me na ponta
da sua cama. — Maddy, queria conversar com você.
Pelo espelho, notei quando seus olhos vieram até os meus, e o
movimento da escova cessou entre uma mecha e outra.
— Sobre...? — Deixando a escova de cabelo na penteadeira, Maddison
girou nos calcanhares e andou em passos lentos na minha direção.
Tive que engolir em seco assim que ela parou na minha frente, de
toalha, e senti meu pau contrair em um aviso de que eu deveria comportar
meus dedos, minha boca e tudo que pudesse provocar qualquer tipo de
incitação sexual em mim.
— Sobre nós — forcei-me a dizer, e os joelhos de Maddy apoiaram-se
na cama quando ela sentou-se em meu colo, de frente para mim.
Sem a porra de uma calcinha.
Apertei meus lábios em resposta e meus olhos se reviraram no
momento em que sua boca beijou meu queixo, descendo para o meu pescoço
lentamente.
— O que foi? — sussurrou ela, manhosa. O timbre da sua voz vibrou
próximo à minha orelha, instigando um arrepio em todo o meu corpo.
Ah, merda. Meu pau já estava duro como pedra quando sua mão
empurrou meu tronco para que eu tombasse contra o colchão macio, e eu
automaticamente agarrei sua cintura por cima da toalha em resposta.
— Por que disse à toda a NYU que somos exclusivos? — consegui
perguntar.
Meus olhos agora estavam fechados, porque olhar para ela apenas de
toalha me desconcentrava. E, mais do que nunca, eu precisava me concentrar
em deixar claro quais eram minhas pretensões com Maddy antes que
estivesse dentro dela.
Ouvi o som de um tecido pesado caindo ao meu lado. Sabia o que era.
Ah, Deus... Sabia muito bem o que era.
— E não somos? — ela indagou, inocentemente, e eu abri meus olhos
para encará-la.
Puta que pariu.
Seus seios grandes e siliconados estavam expostos diante dos meus
olhos como se eu houvesse acabado de chegar no paraíso. Maddy estava
sentada bem em cima do meu pau, coberto pela minha calça. As íris
castanhas me observavam em uma falsa inocência, e ela mal parecia se
importar com o fato de estarmos tendo aquela conversa com ela
completamente nua.
Fechei os olhos mais uma vez.
— Nunca conversamos sobre isso.
Seus lábios foram para a minha boca, beijando-a lentamente. A língua
macia acariciou a minha tão devagar que eu soltei um grunhido rouco sem
querer.
— Por que esse assunto agora? — soprou, com os lábios roçando nos
meus, após separar sua boca da minha. — As coisas estão tão boas como
estão. O que anda te incomodando?
Aubree Evans anda me incomodando.
Mas não em um sentido ruim.
Porra.
— Eu não tenho ficado com ninguém... — comecei, mas minha voz
morreu ao sentir sua mão entrando na minha calça. — Mas... Porra, Maddy.
— Seu nome saiu contra a minha vontade em um gemido no exato instante
em que seu polegar acariciou a cabeça do meu pau completamente rígido.
— Mas...? — instigou-me a continuar, enquanto levantava minha
camisa para passear sua língua por minha pele.
— Mas se acontecer, como seria para você?
Aquilo a fez parar imediatamente. Sua mão saiu de dentro da minha
calça e minhas bolas se contraíram em uma clara reprovação. Seu rosto
levantou-se até que ela ficasse cara a cara comigo. Os orbes me analisando
em dúvida, embora houvesse uma faísca clara de irritação ali.
— Do que você está falando, Colton?
Dei de ombros.
— Nós não somos exclusivos, Maddy — disse, antes que pudesse me
impedir, e observei a faísca de irritação automaticamente transformar-se em
um gigantesco incêndio.
— Quem é ela?
Pisquei, sem entender.
Na verdade, eu estava entendendo muito bem, mas preferia fingir que
não.
— O quê?
Maddison sentou-se no colchão e puxou a toalha jogada ao meu lado
para cobrir seu corpo. Automaticamente, soltei um suspiro de alívio, uma vez
que conversar seriamente com ela enquanto seus peitos gostosos estavam de
fora era quase impossível.
— Não sou idiota, Colton. Nunca falamos sobre exclusividade, porque
deixar de ficar com outras pessoas nunca foi um problema. Então, quem é
ela? — repetiu a pergunta. — A garota que você quer comer?
Minha boca subitamente ficou seca, e eu senti como se tivesse acabado
de engolir um punhado de areia. Apoiando-me sobre os cotovelos, apenas
para levantar meu tronco o suficiente, forcei-me a fazer minha melhor cara de
paisagem.
— Não sei do que você está falando, Maddison. Não existe alguém. Eu
só talvez queira conhecer pessoas novas.
— Vaginas novas — corrigiu-me.
— Você pode conhecer novos paus também — sugeri. — Não quero
necessariamente acabar tudo com você, Maddy. Gosto de você.
— De transar comigo — ela me corrigiu mais uma vez, e eu contive a
vontade de revirar os olhos. — Você quer um relacionamento aberto, entendi.
— Fez uma pausa, antes de negar com a cabeça. — Não vai acontecer,
Colton.
— Por que não?
— Não consigo fazer um boquete sabendo que na noite anterior outra
garota chupou seu pau.
Gemi em frustração ao pensar que teria que dar adeus ao boquete de
Maddy, jogando-me de volta ao colchão.
Então, encarei o teto branco.
— Não mesmo?
— Não — disse ela, convicta. — Agora quero que você dê o fora.
— Maddy...
— Estou falando sério, Colton. Cai fora.
Seu tom de voz era carregado, mas eu não sentia tristeza ali. Ela só
estava puta da vida comigo, algo até que bastante compreensível e ao mesmo
tempo nem tanto.
Soltei um longo suspiro e me obriguei a levantar da cama. Em passos
arrastados, fui até a porta com Maddy no meu encalço. Honestamente? Eu
estava aliviado em terminar as coisas com ela, embora o meu pau estivesse
praticamente chorando ao pensar que eu não teria as trepadas casuais que já
havia me acostumado a ter de uns meses para cá.
Assim que abri sua porta e saí do seu quarto, girei nos calcanhares para
observá-la enrolada novamente na toalha.
— Maddy... — comecei, coçando a nuca, sem graça. — Se mudar de
ideia sobre algumas trepadas casu...
Mas antes que eu pudesse acabar de falar, ela já havia batido a porta na
minha cara com força.
É... Diga adeus ao boquete e olá à sua mão direita, Colton, uma voz
interior me provocou, e eu precisei conter um grunhido de frustração em
resposta.
“Trabalho o dia todo, trabalho a noite toda
Talvez não durma esta noite
Querida, você pode ficar acordada?
Nós poderíamos conversar, nós poderíamos dançar
Não importam as circunstâncias
Nós não deixamos isso nos mudar.”
Big Plans | Why Don’t We

O relógio beirava às quatro e quinze da manhã quando eu bufei,


revirando na cama mais uma vez. Como se já não bastasse o estresse que os
trabalhos da NYU estavam me proporcionando, o vizinho do andar de baixo
parecia mais animado que nunca com suas músicas clássicas.
Perguntei-me por um instante se ele costumava receber muitas multas
pela violação da lei do condomínio, a qual dizia que não se era permitido o
excesso de barulho depois das dez horas da noite. Aparentemente não, a
julgar pelo fato de que ninguém do prédio parecia respeitar muito aquelas
normas.
Inspirei profundamente, tentada a levantar da cama e me dirigir à porta
de seu apartamento para mandá-lo diminuir a porcaria do som, mas não o fiz.
Segundos mais tarde, uma mensagem irrompeu no meu celular, situado em
cima da mesa de cabeceira.
Era uma mensagem de Colton que, involuntariamente, fez-me sorrir.
Nós havíamos trocado telefones no dia em que ele me ajudara com as caixas
da mudança, mas aquela era a primeira vez que o nome dele surgia na minha
tela.
Colton Reed:
Tá acordada?

Rolei no lençol, puxando o celular para perto de mim, após tirá-lo do


carregador.

Aubree Evans:
Curtindo uma música clássica.

Colton Reed:
O prédio inteiro tá, pelo visto.

Aubree Evans:
Eu ñ estaria me importando, se ñ tivesse aula 08h30 amanhã.

Colton Reed:
Aula, sexta, 08h30 da manhã?
Q vida triste.

Bufei só de lembrar.

Colton Reed:
Seria babaca da minha parte dizer que preciso chegar lá só às 11h00?

Aubree Evans:
Muito.

Colton Reed:
Anotado.
Nd de falar sobre poder dormir até às 10h30 nas sextas.

Aubree Evans:
Vc já tá falando.

Colton Reed:
Tô?

E, logo em seguida, um emoji com uma aura de anjo me foi enviado.


Soltei um riso nasalar.
Aquela era a primeira vez que nos falávamos desde a discussão que
havíamos tido na segunda-feira, e eu estava genuinamente feliz pelo fato de
Colton estar agindo como se estivéssemos bem, ao mesmo tempo em que
esperava que ele houvesse levado minhas palavras sobre nós dois a sério.
Antes que eu pudesse digitar uma resposta mal-humorada a ele, uma
música familiar alcançou meus ouvidos, e eu não pude evitar que minha boca
se abrisse em um perfeito “O” em seguida.

Aubree Evans:
Ele tá msm escutando Tchaikovsky ou é impressão minha?!

Os três pontinhos anunciando que Colton estava digitando dançaram na


tela durante longos segundos.

Colton Reed:
?
Eu deveria saber o que caralhos é Tchaifvkjfngr?

Não pude evitar uma gargalhada.

Aubree Evans:
É quem compôs o ballet “Quebra-Nozes”.
Pensei que vc fosse o músico aq.
Honestamente, tô quase me juntando a ele agora pra curtir o som.

Colton Reed:
Melhor ñ. Tenho ctz que ele bate uma punheta enquanto escuta essas
músicas.

Imediatamente, fiz uma careta.

Aubree Evans:
FDP.
Vc acabou de estragar Tchaikovsky pra mim.
Como vou para outra apresentação de Quebra-Nozes sem pensar no meu
vizinho do andar de baixo batendo uma punheta agr?

Em resposta, Colton mandou alguns emojis rindo.


Eu estava prestes a bloquear o celular e tentar voltar a dormir, mesmo
com a música clássica ressoando tão alta quanto alguns minutos antes pelo
ambiente, quando meu celular vibrou mais uma vez.

Colton Reed:
Tá com fome?

Franzi o cenho para a pergunta sem sentindo.

Aubree Evans:
Sempre.
Pq?

Ele, no entanto, não respondeu. Sequer havia visualizado a mensagem,


o que fez com que eu bloqueasse meu celular e o deixasse na mesinha de
cabeceira para tentar voltar a dormir.
Contudo, antes que eu pudesse fechar meus olhos, o som da campainha
reverberou por meu apartamento.
Automaticamente, um sorriso brotou em meus lábios contra a minha
permissão.
Oh-oh. Aquilo estava longe de ser um bom sinal.
Jogue o sorriso e a animação para longe, Aubree, repreendeu minha
mente, à medida que meus pés me levaram até a porta principal.
E, por um momento, eu até consegui. Mas assim que a figura de Colton
surgiu diante de mim com uma caixa de pizza em mãos, o maldito sorriso
voltou ao meu rosto.
— Colton, são quatro da manhã — eu comentei, quando ele passou por
mim sem ao menos pedir licença.
Notei que aquela pequena atitude era algum tipo de hábito,
considerando o fato de que não era a primeira vez que ele saía entrando por aí
como se a casa fosse sua.
— Acho que eu sei disso, Bree — disse, divertido, ao sentar-se no meu
sofá e descansar a pizza sobre a mesa de centro.
— Se sabe, o que está fazendo aqui? — perguntei, fechando a porta
pela qual ele havia acabado de passar.
Colton finalmente voltou seus olhos até mim, e os arregalou de leve ao
escorregar por todo o meu corpo e demorar-se nas minhas calças de pijama
do Bob-Esponja. Um sorriso começou a abrir-se nos lábios avermelhados,
como se estivesse achando muito engraçado o fato de uma garota de vinte
anos usar calças de desenhos animados para dormir.
— Você vem? — indagou, forçando-me a dar o braço a torcer e andar
até ele. Assim que sentei ao seu lado, ele disse: — Adorei o pijama.
— Obrigada, comprei na Target. — Sorri. — Tinha um incrível do
Scooby-Doo, mas era três vezes o preço do pijama do Bob-Esponja. —
Franzi o cenho para a minha calça. — E nem curto Bob-Esponja.
Seus ombros tremeram quando ele soltou uma risada.
Colton usava uma regata branca e uma calça de moletom cinza, que
parecia ter um tecido incrivelmente confortável, embora minha ousadia não
fosse o suficiente para que eu o tocasse. Os braços estavam visíveis e
chamativos, e eu me permiti observar seus músculos em funcionamento
quando ele esticou-se para pegar a caixa de pizza e colocá-la no colo.
— São sobras de mais cedo, mas quebra um galho. — Colton abriu a
caixa e eu me deparei com alguns restos de pizza de mussarela. — Minha
irmã acabou com a metade de pepperoni.
Soltei um risinho em resposta, e peguei uma fatia.
— Não sabia que você tinha uma irmã — comentei, recostando no
braço do sofá após me virar de frente para ele.
Colton balançou a cabeça e mordeu um pedaço da pizza.
— Ela mora comigo.
Automaticamente, arregalei os olhos.
— Como assim? Nunca a vi por aí. Pensei que morasse sozinho.
— Não. — Colton riu e engoliu o pedaço que mastigava antes de
esclarecer: — Moro com minha irmã e meu melhor amigo. — Fez uma
pausa. — Que também é meu atual cunhado.
— Seu melhor amigo é seu atual cunhado? — indaguei, curiosa. —
Como foi que isso aconteceu? Pensei que caras tivessem um pacto universal
sobre não pegar a irmã dos amigos.
— Nós meio que tínhamos, mas Layken o seduziu. — Ele deu de
ombros. — Eu já imaginava que isso fosse acontecer em algum momento.
Mason tinha uma queda por ela desde que éramos pirralhos. Teve um dia em
que ele a pediu em casamento com um anel feito de grama. Acho que
tínhamos uns oito anos na época.
— Ela aceitou?
— Claro que não — respondeu Colton, rindo. — Ela jogou o anel no
chão, pisou em cima e gritou um “não!” antes de sair correndo pra contar à
nossa mãe.
Não consegui evitar que uma gargalhada escapasse dos meus lábios.
— Ela é difícil — observei, mordendo mais um pedaço da pizza. —
Gostei.
— Difícil? Layken é... Impossível. — Seus olhos subitamente
pareceram distantes e melancólicos, como se estivesse lembrando-se de algo,
mas não demorou até que ele balançasse a cabeça de leve para afastar as
memórias. Depois, mordeu sua pizza e inspirou fundo.
Não foi difícil perceber que havia algo incomodando-o entre as suas
palavras e a postura meio tensa, mas preferi não comentar nada. Apenas me
calei, observando-o enquanto ele encarava o queijo borrachudo em suas
mãos.
O silêncio que recaiu sobre nós, perpetuou-se por um ou dois minutos.
Era algo estranhamente confortável e bizarramente desconfortável, por isso,
decidi rompê-lo antes que ficasse apenas desconfortável.
— E você? — perguntei, atraindo sua atenção a mim. Um ponto de
interrogação formando-se em seus traços me obrigou a reformular minha
pergunta: — Qual foi a situação mais constrangedora que você passou com
uma garota?
Colton pensou por um instante e esticou-se para deixar a pizza mordida
na caixa de papelão, afastada dos outros pedaços. Depois, sentou-se na
mesma posição que eu: as costas apoiadas no braço do sofá, de frente para
mim, e os joelhos dobrados, com os pés em cima da almofada para assento.
Eu me sentia uma formiguinha perto dele. Seu corpo era enorme, e os
músculos fortes e bem definidos passavam a impressão de que ele era ainda
maior do que realmente era. Na posição em que estávamos, ele ocupava
quase 2/3 do pequeno sofá, e, mesmo assim, parecia levemente apertado.
— Não tive muitas, porque não costumo sair com garotas ou conversar
com elas. Normalmente, nós pulamos esses primeiros passos e vamos direto
pra cama — confessou ele, casualmente. — Tive poucos encontros na minha
vida, mas um deles foi tão constrangedor que o revivo nas minhas memórias
pelo menos uma vez por mês e sinto vergonha alheia.
Permaneci em silêncio, aguardando que ele continuasse, e Colton riu
sozinho antes mesmo de começar a explicar.
— Tinha essa garota. Eu havia acabado de entrar na NYU e nossa, ela
era capitã do time de líderes de torcida dos Violets na época. Gostosa pra
caralho e muito linda. Os caras me disseram que ela não era o tipo que topava
um sexo casual sem antes conhecer o cara melhor. Então, decidi chamá-la
para sair e ela aceitou. — Ele fez uma pausa. — Nós fomos a um restaurante
em Manhattan, e o jantar até que foi bastante divertido, mas quando
chegamos na sobremesa... Pedimos uma torta.
Colton parou por um instante, fazendo suspense.
— Ela odiava tortas? — tentei adivinhar, o que o fez rir e negar com a
cabeça.
— A massa continha amendoim, mas só descobrimos quando ela
começou a sentir falta de ar e seu rosto, inchar. Tive que pegá-la no colo e
enfiá-la no meu carro pra levá-la ao hospital. Nem me lembro se paguei a
conta, mas enfim... Foi constrangedor o suficiente para que alguns amigos
meus toquem no assunto até hoje.
— Meu Deus! — Eu soltei uma gargalhada, e tapei minha boca em
seguida, porque rir daquilo com certeza seria um dos motivos pelo qual eu
estava destinada a ir ao inferno. — Você quase matou a garota!
— Como eu ia saber que a massa da torta tinha amendoim?! — ele
perguntou, na defensiva, enquanto acompanhava a minha risada. — E, acima
disso, como ia saber que ela tinha alergia a amendoim?!
— Não tenho ideia, mas você deveria saber — provoquei.
Colton torceu o nariz.
— Ela deveria ter dito — rebateu. — Não ia chegar para a garota e
perguntar quais são os alimentos que fazem a sua cara inchar. Seria
vergonhoso.
— Quais são os alimentos que fazem a sua cara inchar? — perguntei a
ele, que riu em resposta.
— Nenhum. — Seus olhos claros esquadrinharam o meu rosto e eu
arqueei uma sobrancelha na sua direção.
— Não vai perguntar quais são os meus?
— Você já deveria ter falado.
— Pizza.
— Mentirosa.
— De mussarela — completei.
— Há-há — ele respondeu, mas eu vi uma incerteza em seu olhar que
me fez jogar a cabeça para trás ao rir.
— Estou brincando, mas tenho uma amiga que tem alergia a camarão.
Sempre que saímos pra comer, ela precisa perguntar se os alimentos são
feitos na mesma panela ou óleo em que é feito o camarão. E, se forem, ela
não pode nem cogitar chegar perto de qualquer alimento que seja.
— Que merda — disse Colton, esticando-se no sofá para alcançar meu
pé.
Eu soltei um risinho quando ele o agarrou e puxou para si, fazendo com
que eu escorregasse no sofá para mais perto dele. Agora ele tinha suas pernas
estendidas entre o meu corpo, e o meu pé estava repousado na sua barriga
enquanto ele o massageava como se aquilo fosse algo normal entre nós. Não
protestei, porque honestamente sua massagem era incrível demais para que eu
tivesse a audácia de pedir para que parasse.
— Então você não tem alergia a nada? — indagou ele, analisando-me
com atenção.
Dei de ombros.
— Só a gatos.
— Ah, merda. Serei obrigado a ficar longe agora — brincou, e eu
precisei rir de tão péssimo que aquilo havia soado.
— Meu Deus, Colton! — exclamei, entre risadas. — Depois dessa serei
obrigada a te expulsar daqui.
Apontei para a porta, e Colton soltou uma risadinha antes de morder
seu lábio inferior. Os olhos acinzentados continuaram presos aos meus, em
um brilho inexplicável. Os dedos ainda seguravam meu pé, mas não o
massageava mais. E então seu sorriso amenizou, quase como se ele houvesse
finalmente notado algo que, até então, havia lhe passado despercebido.
— Confissão da madrugada — anunciou ele, depois que nossos risos
cessaram. — Gosto da forma como falar com você me distrai dos meus
problemas.
Eu abri e fechei a boca por um instante, sem saber ao certo como reagir
àquilo. De repente, o ambiente pareceu mudar num nível molecular, como se
Colton houvesse acabado de me contar o maior dos seus segredos. Puxando
meu pé de volta para mim ao dobrar meu joelho, sorri de leve, sem afastar
minhas íris das suas.
— Confissão da madrugada? — comecei, em um sussurro. — Gosto de
saber que conversar comigo te distrai, mas agora, mais do que nunca, estou
curiosa para saber do que exatamente você está tentando se distrair.
Colton soltou uma risadinha e balançou a cabeça. Sua mão foi em
direção às madeixas castanhas, escuras e bagunçadas, como se estivesse
pensando no assunto.
— Mas entendo completamente se não quiser falar sobre —
acrescentei.
Ele inspirou profundamente e levantou a cabeça para encarar o teto.
Depois, expirou todo o ar dos pulmões e permitiu que suas mãos tombassem
no colo, derrotado.
— É aniversário da minha mãe neste sábado.
Eu me estiquei para alcançar outro pedaço de pizza e enfiá-lo na boca,
aguardando que Colton continuasse. Como uma boa estudante de Psicologia,
eu sabia que deveria lhe dar o tempo que fosse necessário para que ele
tomasse coragem o suficiente para se abrir com alguém. Não era fácil. Para
algumas pessoas, falar sobre o que te aflige, era muito mais difícil que para
outras, portanto apenas esperei em silêncio.
— Não vou vê-la.
— Por que não? — indaguei, com cautela.
Ele apenas deu de ombros.
— Ela mora em Boston.
Então, soltei uma risadinha, puxando um pedaço de queijo da fatia que
tinha em mãos para colocar na boca.
— Por favor, Colton, Boston fica a quatro horas daqui. Você pode ir
amanhã à noite e voltar domingo.
Ele balançou a cabeça.
— Tenho show amanhã.
— Então vá no sábado de manhã.
— Não sou bem-vindo — ele confessou, e eu arregalei meus olhos de
leve, ao entender exatamente o que Colton queria dizer com aquilo.
Problemas familiares ✓
Soltei um suspiro e larguei a pizza sobre a caixa, ajeitando-me no sofá.
Então, permiti-me analisá-lo atentamente, o qual parecia estar esforçando-se
ao máximo para focar seus olhos em qualquer outra direção que não fosse a
minha.
— Colton? — chamei por ele, mas sua atenção apenas veio até mim
quando eu repousei uma mão no seu joelho. — Quer conversar sobre isso?
Ele piscou algumas vezes, parecendo surpreso. Logo depois, os lábios
apertaram-se, receosos.
— Não tem muito o que falar, Bree. — Soltou um suspiro, frustrado. —
Meu pai e eu não nos damos bem, e isso acaba afetando minha relação com a
minha mãe.
— Entendo... — Fiz uma pausa, balançando a cabeça positivamente. —
E como você se sente ao saber que os atritos com seu pai te afastam da sua
mãe?
— Não vou para aquela casa esse fim de semana, se é o que você está
tentando me convencer. — Ele foi ríspido na resposta, o que rapidamente me
fez concluir que aquela era uma das suas principais resistências quando o
assunto era seus pais.
— Não estou tentando te convencer a nada — esclareci, de imediato,
porque aquele realmente não era o meu intuito. — Só quero saber como você
se sente em relação a tudo isso.
Mas ele não me respondeu. De repente, um muro surgiu ao seu redor e,
até mesmo sua postura tornou-se mais rígida. Ele não queria falar sobre, e eu
também não insistiria no assunto. Colton estava no direito dele de guardar
aquela raiva e frustração para si, embora eu realmente acreditasse ser
importante que ele desabafasse com alguém sobre aquilo.
— Acho que já está tarde — disse ele, levantando-se do sofá. — E você
precisa acordar em poucas horas. Aproveite que o vizinho se calou para tentar
dormir, Bree.
Apenas então notei que o silêncio voltara a reinar no prédio.
Levantando-me para acompanhá-lo até a porta em silêncio, abri-a e
apertei minha boca assim que Colton voltou a me encarar. Agora havia um
sorriso suave em seu rosto que facilmente seria capaz de me enganar caso eu
não estivesse há dois anos aprendendo e tentando entender o comportamento
humano.
Já havia ficado mais que claro que aquele era um assunto delicado
demais para ele, e que, aparentemente, Colton não era o tipo de cara que
costumava se abrir com ninguém em relação aos seus sentimentos. Aquilo, no
entanto, não me impediu de dizer-lhe algo que eu julgava ser importante no
momento.
— Colton? — chamei por ele, com parte do meu corpo atrás da porta.
Seus olhos fixaram-se nos meus, aguardando que eu continuasse. — “A fuga
é o instrumento mais seguro para se cair prisioneiro daquilo que se deseja
evitar.” — Fiz uma pausa, antes de explicar: — É um pensamento de Freud.
Se continuar fugindo de quaisquer que sejam seus problemas, isso te tornará
um prisioneiro deles para sempre.
Ele continuou a me encarar por longos e incontáveis segundos, antes de
assentir com a cabeça, como se estivesse tentando digerir aquela informação.
Após um silêncio ensurdecedor, Colton deu um passo para trás, e
finalmente disse:
— Boa noite, Bree.
“É apenas humano, você sabe que é real
Então por que você lutaria ou tentaria negar o que você sente?
Oh, querida, você não pode me enganar.”
Only Human | Jonas Brothers

Em geral, aberturas de shows como aquele, em frente a milhares de


pessoas, não era algo do qual eu havia me acostumado. Era surreal — e
arriscava dizer até mesmo engraçado — parar para pensar que alguns meses
atrás nossos únicos públicos eram os universitários da NYU e alguns bêbados
em bares de esquina.
Não que eu me incomodasse com aquilo. Eu era realmente muito grato
por qualquer um que curtisse nosso som, mas nunca em toda a minha vida
imaginaria que um dia abriria um show para milhares de pessoas como
vínhamos fazendo desde o fim do ano passado.
Shows com uma multidão do tamanho daquela costumavam me deixar
elétrico pra caralho. A adrenalina percorria meu corpo desde os dedos do pé
até o meu último fio de cabelo, e demoravam horas até que o meu organismo
voltasse ao normal e me permitisse relaxar.
Hoje, no entanto, eu estava exausto. Não havia dormido porra nenhuma
na noite anterior por conta do vizinho que batia punheta enquanto ouvia
música clássica, embora, antes disso, eu já estivesse acordado, encarando o
teto branco do meu quarto há muito tempo. De qualquer forma, preferi
colocar a culpa no vizinho.
Depois, em Aubree.
E então, em Freud.
Maldito Freud.
Eu não havia parado de pensar um segundo sequer no que Bree havia
dito em relação aos meus problemas, o que fez com que, das cinco da manhã
às dez da manhã, eu me revirasse na cama sem um pingo de sono e com
pensamentos a mil.
O relógio já havia passado da meia-noite quando finalizamos nossa
apresentação e seguimos em direção ao camarim. Meu corpo praticamente
desabou, exausto, no pequeno sofá que deixava meus pés de fora, e eu
suspirei. Logo em seguida, Mason gemeu de satisfação ao jogar-se na
poltrona acolchoada.
Chase veio logo atrás, com um cigarro pendurado nos lábios de forma
desleixada. Antes que pudesse sentar-se, no entanto, ele abriu o pequeno
frigobar próximo à porta e pegou uma cerveja para nós.
— Valeu, cara — agradeci, ao pegá-la no ar assim que Chase jogou
uma lata na minha direção.
Ele estava prestes a pegar uma para Mason quando o garoto o impediu:
— Tô suave, irmão. Mas valeu.
Automaticamente, Chase e eu trocamos olhares confusos.
— Você acabou de recusar uma breja? — perguntei para Mason,
descrente.
Ele apenas deu de ombros.
— Estou dando um tempo na bebida.
— Tempo na bebida, huh? — Chase sorriu, divertido, e empurrou
minhas pernas para fora do sofá para que pudesse se jogar ali. Depois,
prendeu o cigarro novamente na boca e abriu a lata de cerveja. — De zero a
dez, o quanto Layken está envolvida nisso?
Um riso nasalar escapou de Mason em resposta, e não foi preciso mais
que isso para que tirássemos nossas conclusões.
Não era de se surpreender, contudo, que aquilo tivesse relação com a
minha irmã. No final do ano passado, quando Mason e Lake terminaram,
Callahan entupiu tanto o cu de bebida que eu e os caras realmente havíamos
começado a ficar preocupados com ele. Sabíamos que era só uma fase, mas
até que ponto aquela fase deixaria de ser apenas uma fase? Felizmente, ele
pareceu aprender a lição. E, desde que se tornara oficialmente meu cunhado,
Lake vinha ajudando-o a permanecer nos eixos.
— O que uma mulher não faz na vida de um homem? — provoquei-o, e
abri minha cerveja com um risinho divertido, embora realmente estivesse
feliz que Mason houvesse colocado sua cabeça no lugar.
Ele riu.
— Não é nem só pela Lake — disse ele, dando de ombros. — Amanhã
temos que acordar cedão para dirigir até Boston e prefiro estar bem-disposto
durante as quatro horas de estrada.
Antes que eu pudesse me controlar, meus músculos se tensionaram com
a menção de Boston. Quando criança, Mason morava na casa de frente à
minha e praticamente vivíamos juntos. Eu conhecia sua família e ele, a
minha. No entanto, após a morte do seu pai e a mudança de Mason para
NYU, sua mãe dera o fora de Boston para recomeçar a vida no Texas com
um engenheiro. O que significava que, obviamente, ele estava indo para
Boston com Lake para passar o dia com os meus pais.
— Vocês voltam quando? — perguntei, tentando ignorar o incômodo
em meu peito.
Falar sobre aquilo me trazia tanta angústia e mal-estar que era difícil
manter a pose intacta.
Mason me encarou por uma fração de segundo e então disse:
— Domingo de manhã. Temos ensaio depois do almoço, lembra?
Era claro que eu não lembrava, mas apenas assenti, fingindo que sim, e
tomei metade da minha cerveja de uma vez. Nem Chase, nem Mason,
ousaram perguntar se eu tinha mesmo certeza sobre ficar em Nova York
durante o aniversário da minha mãe, embora aquilo não me surpreendesse
nem um pouco.
Depois de tanta insistência para que eu comparecesse ao aniversário do
meu pai, no fim do ano passado, não era de se esperar que nenhum deles
fosse ao menos perguntar se eu cogitava ir para o de minha mãe. A minha
última ida para Boston havia sido tão desastrosa que eu havia prometido a
mim mesmo que nunca mais voltaria a colocar meus pés lá. E, de fato, eu não
planejava voltar.
Felizmente, antes que pudéssemos adentrar muito o assunto, Alec
entrou no camarim e fechou a porta atrás de si com uma certa força, atraindo
nossos olhos até sua figura silenciosa.
Apesar da ideia de criar a Broken Crown ter sido minha, Alec Austin
era quase como o paizão da banda. Era ele quem mais possuía contato com
Terry Albini, nosso produtor musical, e quem tomava conta das datas e
horários dos nossos shows e ensaios. Alec praticamente decidia tudo por nós,
e sabíamos que suas decisões sempre seriam as melhores e mais sábias para o
futuro da Broken Crown, portanto, tudo o que eu, Chase e Mason fazíamos
era obedecer às suas ordens.
Após nossos shows, a banda se reunia no camarim para que Alec
apontasse todos os detalhes que deveríamos melhorar enquanto nós apenas
ouvíamos em silêncio. Observando-o andar de um lado ao outro com seus
olhos verdes encarando o chão, e o polegar e o indicador coçando a barba por
fazer, nós aguardamos silenciosamente.
Dessa vez, contudo, fomos surpreendidos ao ouvi-lo dizer:
— Foi um ótimo show, caras.
Não pude evitar franzir o cenho.
Ótimo show?
Mentira.
Eu achava que havia sido um ótimo show.
Mason achava que havia sido um ótimo show.
Chase achava que havia sido um ótimo show.
Mas Alec?
Não, não.
Alec nunca achava que havia sido um ótimo show, porque ótimos
shows não possuíam nenhum tipo de erro.
E Alec nunca deixava um erro passar em branco.
— Tem certeza de que não errei nenhum acorde? — indaguei,
desconfiado.
— E eu não desafinei na voz? — perguntou Mason.
— Não errei nada na bateria? — Chase parecia tão confuso quanto nós.
Os lábios de Alec curvaram-se em resposta, antes que ele desabasse na
poltrona ao lado daquela em que Mason se encontrava.
— Vocês acham que erraram em algo?
— Não, mas... — comecei, e fui interrompido por Callahan:
— A gente sempre erra alguma merda.
— Se erraram, não reparei. — Alec deu de ombros.
Nós nos entreolhamos, confusos e chocados, mas optamos por deixar
quieto. As exigências do cara normalmente eram chatas pra caralho e
custavam muita paciência da nossa parte. Ser elogiado uma única vez pelo rei
do perfeccionismo não era de todo o ruim. Só... Estranho.
— Bom — falou Mason, levantando-se após dar uma olhadela no
relógio de pulso —, já que hoje nós mandamos bem e não precisamos ouvir
nenhuma bronca do paizão aqui — apertou o ombro de Alec —, vou dar o
fora porque daqui quatro horas estou de pé.
— Serei obrigado a ir também — murmurei, levantando-me para
acompanhar meu cunhamigo.
Não que eu quisesse ficar.
Mason estaria de pé em quatro horas, mas eu parecia tão fodido quanto
ele, porque às sete da manhã estaria sendo forçado a levantar para brincar
com crianças órfãs durante a manhã toda, o que não me parecia muito
excitante.
Obrigado, horas complementares da faculdade.
— Vai cuidar de crianças melequentas amanhã, Reed? — Chase
provocou, lembrando-se do que eu lhes havia dito no Belly, dias atrás, com
um sorriso irritante no rosto que me fez jogar uma almofada na sua direção.
— A aposta de quantos dias Colton dura nesse trabalho voluntário ainda está
de pé? Eu chuto que amanhã ele nem acorda pra ir.
— Apostei dois sábados antes de levar um pé na bunda das próprias
crianças — disse Alec, risonho.
— Já disse que meu palpite é só o primeiro dia — foi a vez de Mason
falar, abrindo a porta do camarim.
Eu revirei os olhos para eles e bufei em seguida.
— Vocês vão quebrar a cara quando eu estiver lá até o fim do projeto,
bando de pau no cu.
— Acho que você está se superestimando, cara — disse Chase, e eu o
lancei o dedo do meio em resposta, antes de bater a porta pela qual havia
acabado de passar, no encalço de Mason.
Meu amigo riu ao meu lado e me olhou de canto de olho, divertido.
— O que foi? — Meu tom era grosso.
Callahan apenas deu de ombros e, então, disse:
— Você vai querer se matar na primeira hora.

Eu estava querendo me matar antes mesmo de levantar da cama. O


despertador havia tocado quinze para às sete, mas eu o adiei até às sete em
ponto, antes de levantar, tomar uma ducha e praticamente engolir uma tigela
de cereal para correr ao orfanato. Durante os próximos sábados, eu deveria
estar lá às oito em ponto, mas ontem recebi um comunicando por e-mail no
qual dizia que, como hoje era meu primeiro dia, eu deveria chegar quinze
minutos mais cedo para a recepção dos voluntariados.
O que significava que eu já estava atrasado, visto que meu relógio
beirava às sete e meia.
Mason e Lake já haviam dado o fora, e, aparentemente, estavam
apressados o suficiente para deixar a cama desarrumada e uma bagunça
gigantesca na cozinha, mas eu não tive tempo de arrumar. Apenas abri a porta
de casa, apressado, e arregalei meus olhos ao dar de cara com uma cabeleira
encaracolada e volumosa trancando a sua porta.
— Voltando da balada essa hora, Colton? — indagou ela, divertida.
Aubree trajava um sobretudo bege que a deixava ainda mais elegante
que o normal. A cor vermelha pintava seus lábios carnudos como sempre e
destacava o sorriso branco com dentes perfeitamente alinhados.
— Estou com uma cara tão ruim assim? — foi minha vez de perguntar,
ao trancar minha porta e enfiar a chave no bolso da minha calça.
Ela riu.
— Você está com cara de quem não dormiu absolutamente nada —
observou, enquanto seguíamos pelo corredor, em direção ao elevador. —
Pensei que tivesse um show ontem.
— Eu tive.
— Ah, teve? — Aubree arqueou uma sobrancelha para mim. — Como
foi?
— Legal. — Dei de ombros ao apertar o botão do elevador. — Nada de
mais.
— E por que está acordado às sete e meia da manhã em pleno sábado?
— Trabalho voluntário.
Aubree soltou uma risada quando adentramos o pequeno cubículo e
apertou o andar que nos levaria à garagem do prédio.
— Tá brincando, né?
Pisquei, sem entender.
— Claro que não.
Seus enormes olhos castanhos automaticamente arrastaram-se até os
meus.
— Não era você que estava querendo furar a palestra sobre “crianças
órfãs e todo esse blá-blá-blá” pra fumar um beck com seus amigos?
— Cacete, Bree. Você não perdoa uma, huh? — Cutuquei seu braço
com meu cotovelo. — Em qual orfanato você se voluntariou?
— Lurion Orphanage — disse ela, e eu precisei apertar meus lábios
para conter um sorriso.
Claro que seria o Lurion.
Quando não disse nada, Aubree voltou a me encarar com os olhos
arregalados e carregados por um brilho horrorizado.
— Não me diga que você também está indo para lá.
Sorri.
— Acho melhor ficar quieto, então — foi tudo o que eu disse, e um riso
escapou dos seus lábios.
— Recreação?
— Claro que sim. — Meu tom estava carregado de obviedade. —
Pensou que eu fosse me voluntariar pra qual área?
— Qualquer área que não fosse a mesma que a minha.
Ela estava puta.
Por que ela estava puta?
— É impressão minha ou você está brava? — questionei, seguindo-a
pelo estacionamento no momento em que as portas dos elevadores se
abriram.
— Não estou brava. Só estou pensando em como vou fazer para te
aguentar todas as manhãs de sábado quando, claramente, ninguém consegue
te aturar por tanto tempo, Colton.
Abri a boca, fingindo estar ofendido, mas eu entendi.
Entendi exatamente o porquê de Aubree, de repente, parecer agitada.
Ela não parou de andar até que estivesse próxima à porta de motorista
do seu carro, mas antes que pudesse abri-la, coloquei minha mão ali e a
encurralei com meu corpo no momento em que Aubree virou-se para ficar
cara a cara comigo.
Seus olhos castanhos arregalaram-se com a nossa proximidade. Os
seios empinados roçavam contra o meu peitoral quando sua respiração pesou,
e eu sorri, ladino.
— O que está fazendo? — Sua voz saiu arfante, mas eu ignorei a
pergunta.
— Já saquei qual é a sua, Bree — soprei para ela e meu sorriso cresceu
antes que eu prosseguisse: — Você está apavorada de passar tanto tempo
comigo e acabar gostando de mim mais do que deveria.
O som da sua risada irônica reverberou contra o meu corpo, falando
diretamente com o meu pau, e eu precisei conter a vontade de descer minha
atenção para seu sorriso maravilhoso.
Aubree balançou a cabeça negativamente, após recuperar-se do que
parecia ser a melhor piada que já havia ouvido, mas meu taco não falhava.
Bree já havia admitido uma vez que queria me beijar, e nossa última conversa
havia sido amigável o suficiente para que ela percebesse que eu poderia ser
muito mais do que um músico que só queria saber de trepar.
Não fazia sentido algum ela estar puta porque teríamos que passar
algumas horas juntos. A não ser, era claro, que me ver brincando com
crianças melequentas fosse seu ponto fraco.
— E sabe qual é a sua? — A boca vermelha agora estava perto demais
da minha, mas os olhos continuavam colados aos meus. — O seu ego é tão
grande que você acha que tudo é sobre você, quando, na verdade, não é.
Então, seu dedo indicador empurrou o meu peito em uma ordem clara
para que eu me afastasse, e eu assim o fiz.
Aubree não deixava de estar certa.
Nem tudo era sobre mim, eu sabia disso.
Mas aquilo era. Tinha certeza que era.
Virando-se, ela abriu a porta do seu carro e escorregou para o banco de
motorista. Antes que pudesse sair, no entanto, eu contornei o automóvel e
sentei no banco do passageiro.
Seus olhos vieram até os meus, revoltados.
— Colton?
— O que foi? — perguntei, com um sorriso divertido, e afivelei o cinto
de segurança.
— Que merda você está fazendo?
— Estou economizando gasolina, princesa.
Aubree continuou a me encarar por longos e incontáveis segundos,
descrente. No entanto, eu notei o sorrisinho que ela tentara esconder com
uma mordida provocante no lábio inferior, antes de revirar seus olhos e girar
a chave na ignição.
— Se você falar um “a” durante o trajeto, encosto na calçada e você
vai andando — ela disse, séria. — Estamos entendidos?
No mesmo instante, assenti com a cabeça e prestei continência.
— Entendido, madame.
“Eu venho fazendo coisas idiotas
Mais selvagem do que eu já fui
Você se tornou o meu pecado favorito
Então deixe eles, deixe eles falarem.”
Bad Decisions | Ariana Grande

Meu pai vivia dizendo que o destino era uma cadela impiedosa. Mas,
até então, eu não via a veracidade naquela frase.
O destino nunca havia sido uma cadela impiedosa comigo. Sempre tive
dois homens incríveis que me adotaram e me deram o melhor lar que
puderam, a melhor educação e todo o amor do mundo. Nem mesmo quando o
destino tentava de fato ser um maldito filho da puta, como quando a minha
antiga faculdade foi à falência, ele conseguira (levando em conta que —
graças a isso — eu agora estava em uma das melhores universidades do país).
“Um dia você irá entender, A.” — Era o que meu pai dizia, toda vez
que eu o questionava por que diabos sua relação com o destino parecia não
ser uma das melhores.
E, bem, agora eu estava prestes a mandar-lhe uma mensagem dizendo
“eu entendi”.
Lurion Orphanage e recreação?
Ou Colton Reed estava me perseguindo, ou o destino realmente era
uma cadela impiedosa.
— O que está pensando? — Sua voz interrompeu os meus
pensamentos, e eu o olhei de canto de olho antes de voltar a me concentrar na
borboleta que eu desenhava no rosto de Trinny.
Ou era Trinity?
Ah, Deus.
Mesmo em meio ao inverno, o clima hoje, com a temperatura acima
dos dez graus e o céu azulado, permitiu-nos brincar com as crianças ao lado
de fora, apesar da presença de Colton estar sendo um empecilho diante da
minha tarefa de me concentrar nas crianças e apenas nas crianças. Nós
brincamos de esconde-esconde, mímica, e agora estávamos pintando os
rostos de crianças entre quatro a oito anos de idade, mas tudo o que minha
mente parecia pensar desde que coloquei meus pés naquele orfanato era em
Colton Reed e o quanto ele brincando com crianças era a coisa mais sexy que
eu já havia presenciado em toda a minha maldita vida.
Sério. Aquilo só podia ser algum tipo de absurdo.
Ele estava desenhando um Batman horrível no rosto de um garotinho e
tudo o que eu queria era agarrá-lo bem ali, enlaçar minhas pernas na sua
cintura e permitir que ele fizesse o que bem quisesse comigo.
Mais um motivo pelo qual eu estava destinada a ir ao inferno.
Merda.
Eu sabia que Colton Reed somado às crianças seria meu ponto fraco.
Como se já não bastasse o penhasco que eu fingia não ter pelo cara, o
universo ainda me lançava uma dessas?
Inacreditável.
— Estou parecido com o Batman, tio? — a criança indagou, antes que
eu pudesse responder à pergunta de Colton.
Ele retorceu seus lábios e avaliou bem o desenho que estava fazendo.
— Ãhn... — Colton pensou por um instante. — Está ficando...
Igualzinho.
No mesmo instante, precisei conter a vontade de rir diante da sua
resposta, apenas para que o garoto não se chateasse, e voltei a focar minha
atenção no meu desenho.
— Só preciso ajeitar um pouco essa... Asa de morcego — ele
continuou, e, pelo canto do olho, notei que tentava desengonçadamente
ajeitar o desenho terrível, o que apenas o piorou. Então desistiu e largou o
pincel no copo de plástico. — Pronto. Magnifique.
Dito aquilo, o garotinho pôs-se de pé e bateu na mão de Colton com o
punho cerrado, em uma espécie de toque desengonçado, antes de sair
gritando em direção ao escorrega onde o restante das crianças estava.
Eu soltei um riso nasalar e balancei a cabeça negativamente, atraindo
os olhos acinzentados de Colton até mim.
— Do que você está rindo? — perguntou ele, embora já soubesse a
resposta.
— Estou rindo de como o seu Batman estava horroroso.
— A minha brabuleta está horrorosa? — Trinny/Trinity arregalou seus
enormes olhos para mim, e eu me apressei em explicar:
— Não, querida. Sua borboleta está divina — garanti, porque era
verdade. Bem, ao menos estava melhor que o morcego horrível que Colton
desenhara no rosto do coitado.
Trinny/Trinity soltou um suspiro de alívio acompanhado de um “ufa”
baixinho que quase me fez apertar suas bochechas enormes.
Ela deveria ter por volta dos cinco anos. Os cabelos eram loiros, quase
brancos, e estavam presos com enormes presilhas prateadas e brilhantes. Os
olhos eram de uma cor âmbar. Gigantescos. O que apenas a tornava ainda
mais fofa.
— Não seria mais fácil comprarmos uma porcaria de máscara? —
Bufou Colton ao meu lado, jogando seu enorme corpo no gramado verde para
encarar o céu azulado.
Contive a vontade de revirar os olhos.
— Vá lá, então, garanhão — eu disse, voltando minha atenção à cor
azul que preenchia a asa da borboleta de Trinny/Trinity. — Compre mais de
trezentas máscaras para todas as crianças desse orfanato.
— O tio falou uma palavla feia! — exclamou a criancinha à minha
frente.
— Tio Colton! Você não pode falar uma coisa dessas. — Acompanhei
o tom dela, olhando para o rapaz ainda jogado na grama.
Automaticamente, Colton ergueu apenas o seu rosto em direção a
Trinny/Trinity, e franziu o cenho.
— Porcaria? — indagou ele, confuso, e ao ver as feições de choque da
menina, soltou um riso nasalar. — Porcaria não é uma palavra feia, Trinity.
Agora, não posso dizer o mesmo de porr...
— Okay! — interrompi-o, forçando um sorriso na direção da garota, e
coloquei-a imediatamente de pé, antes de virá-la em direção ao extenso
gramado verde onde as crianças brincavam. — Acabei de fazer sua borboleta.
Voe!
Dei um tapinha fraco em suas costas para incentivá-la a sair correndo
antes que Colton a ensinasse a falar “porra” por aí. Depois, voltei meus olhos
a ele em reprovação.
— Porra?
Ele deu de ombros.
— O que foi? — perguntou, inocentemente, voltando a deitar no
gramado para encarar o céu sem nuvens.
Eu fiz o mesmo que ele, repousando minhas mãos na barriga ao me
deitar ao seu lado.
— Não fale palavrão perto de crianças, Colton.
— Eu não estava falando! Só estava explicando para Trinity que...
— Trinity não quer saber se “porra” é uma palavra mais ou menos feia
que “porcaria” — expliquei, cortando-o. — Ela só quer saber qual palavra é
interessante o suficiente pra sair dizendo por aí, sem contexto algum, até que
sejamos expulsos do trabalho voluntário por sermos péssimas influências.
O som da sua risada alcançou meus ouvidos, fazendo meu corpo
arrepiar sem a minha permissão.
— Meu pai nunca se importou em falar palavrões na minha frente.
— É por isso que sua boca é tão suja — eu disse, em um tom divertido,
e recebi um cutucão na costela em seguida, que me fez contorcer e lhe dar um
tapa na sua mão, para que se afastasse. — Sua mãe nunca disse nada? Digo,
sobre seu pai não se importar com os palavrões na frente de uma criança?
Colton inspirou fundo ao meu lado, o peito inflando diante da força em
que puxou o ar para dentro.
— Acho que minha mãe nunca teve muita voz nesse relacionamento —
foi tudo o que ele disse.
Imediatamente, fiz uma nota mental sobre aquilo, e me virei de lado na
grama para encará-lo. Seus olhos, no entanto, continuaram grudados ao céu.
Não imaginava o quão difícil era para Colton falar sobre seus pais, e
surpreendia-me que ele havia escolhido justamente a mim para falar coisas
como aquelas. Embora não fossem grandes confissões sobre seus problemas
com seus pais ou sobre seus sentimentos, eu já considerava um grande passo.
— Meus pais até hoje se recusam a falar qualquer palavrão na minha
frente — eu disse, aproveitando o momento para deixá-lo mais à vontade ao
compartilhar coisas sobre a minha família também. — A primeira vez que um
deles me ouviu falar palavrão, eu estava no carro, voltando da faculdade —
prossegui, e mordi meu lábio inferior quando seu rosto virou o suficiente para
me observar. — Era fim do semestre e eu estava tão estressada com a
quantidade de trabalhos que deixei escapar um “porra” no final do meu
desabafo sobre uma professora demoníaca do primeiro semestre. Meu pai
ficou tão chocado que bateu o carro na parede da nossa garagem sem querer.
— Tá brincando? — Colton soltou uma gargalhada, e eu neguei com a
cabeça.
— Queria estar. — Acompanhei-o na risada. — Mas infelizmente o
estrago na parede está lá até hoje.
Nós rimos durante mais alguns segundos, antes que o silêncio tomasse
conta do ambiente ao nosso redor. Meus olhos encaravam seu rosto que, de
repente, passara a adquirir feições sérias, quase melancólicas. Então, Colton
girou seu corpo na grama para ficar de frente para mim e disse:
— Seus pais parecem bons pais.
Sorri.
— Eles são. — Sem desviar o castanho dos meus olhos da cor
acinzentada dos seus, eu soprei.
Colton apertou os lábios e depois sorriu. Seus dedos vieram em direção
ao meu rosto, afastando alguns fios do meu cabelo para longe da minha vista.
Após isso, o garoto dobrou seu braço e apoiou o rosto na mão, à medida que
esquadrinhava cada um dos meus traços com atenção.
Eu apenas continuei exatamente onde estava, aproveitando a visão que
tinha dele. As sombras dançavam pelas feições masculinas enquanto nós
continuávamos ali, imóveis, observando um ao outro como se fôssemos as
únicas obras que restaram de um museu. Somente eu e ele.
— Quer comer algo lá em casa depois daqui? — indagou Colton,
suavemente.
Pensei por um instante, porque era claro que eu queria, mas até que
ponto aquilo podia ser considerado algo seguro? Meu corpo já havia deixado
claro há dias que tinha um fraco por Colton Reed. Cada movimento, sorriso
de canto ou piadinha com um duplo sentido fazia minhas coxas contraírem-se
e os meus pulmões perderem o fôlego à medida em que eu tentava, de todas
as formas, policiar minha mente a não pensar no cara em qualquer situação
comprometedora.
Afinal, ele estava com Maddison Hilton.
E, mesmo se não estivesse, ele era o típico cara que nascera para foder
com o psicológico de qualquer garota. Eu, contudo, não estava disposta a
permitir que ele fodesse com o meu.
No entanto, comer algo na casa dele não me parecia uma situação
alarmante.
Colton e eu estávamos criando uma espécie de vínculo. Era quase como
se estivéssemos tornando-nos amigos, e eu não via nada de errado em comer
um sanduíche ou os restos de uma pizza antes de voltar ao meu apartamento.
— Tenho que acabar uns trabalhos da faculdade hoje, mas que tal uma
janta? — propus.
Ele sorriu em resposta.
— Acho uma ótima ideia.
— Combinado, então — eu disse.
— Combinado — repetiu Colton, antes de voltar a jogar-se na grama e
encarar o céu, agora com um sorriso no rosto.
“Não há verdade que estamos adivinhando
Não adianta não confessar
Nunca está certo, mas esta noite
Acho que podemos estar ficando mais quentes.”
Warmer | Bea Miller

Depois de quase quatro horas lendo sobre a mente humana, eu


finalmente estava plantada em frente à porta de Colton Reed, esperando que
ele abrisse após um “já vai” abafado e distante ter sido gritado do outro lado
da madeira. Perguntei-me se deveria sair entrando, sem sequer pedir por
permissão, como ele costumava fazer, mas antes que eu pudesse chegar à
uma conclusão, a porta de seu apartamento se abriu, revelando um Colton
recém-saído do banho.
Os cabelos escuros estavam molhados e bagunçados, como se ele
houvesse acabado de esfregá-los na toalha, e tudo o que Colton trajava era
uma calça de moletom. Para a minha (in)felicidade, o tronco estava nu, e tão
lindo quanto a última vez em que eu pousara meus olhos ali. O abdome
trincado, o peitoral definido e os ombros largos quase me fizeram babar
exatamente onde estava, e eu precisei usufruir muito do meu autocontrole
para tirar minha atenção da sua pele nua e subi-la para os olhos acinzentados,
embora todos os detalhes já estivessem devidamente guardados na minha
memória.
— E aí? — Colton me cumprimentou casualmente, e abriu a porta para
que eu pudesse passar.
Assim que eu o fiz, minhas narinas captaram um cheiro familiar e
inconfundível de loção pós barba, além do seu perfume de costume.
— O que vamos comer hoje? — perguntei, ao olhar em volta.
O apartamento estava surpreendentemente arrumado e silencioso,
deixando claro que não havia ninguém ali além de nós. Depois, voltei minha
atenção a ele. Na verdade, ao corpo musculoso sem gordura alguma.
Inferno de homem.
Será que ele iria passar a noite toda sem camisa?
Torci para que não, porque eu não tinha ideia de como iria fazer para
prestar atenção no que Colton dizia enquanto ele estivesse praticamente
seminu na minha frente.
Era testar demais o meu autocontrole.
— Pedi um delivery — ele disse, fechando a porta atrás de si. — Um
yakissoba vegetariano e outro misto.
Franzi o cenho.
— Misto?
— Frango e carne.
Balancei a cabeça, fingindo descrença.
— Não acredito que você come animais, Colton Reed.
— E como você acha que eu faço para manter este corpo assim? — Ele
fez um bico, e suas mãos gesticularam em direção ao próprio tronco.
Revirando meus olhos, ignorei o comentário e acompanhei-o até o sofá,
esticando minhas pernas sobre o seu colo como se fôssemos amigos de
longas gerações. Colton não se importou, apenas puxou o celular do bolso
para acompanhar o pedido e então sorriu. Um sorriso que eu já percebi ser do
seu feitio, toda vez que ele estava aprontando algo.
— Por que você está sorrindo como um maníaco? — perguntei,
levemente preocupada, fazendo-o rir.
— Talvez eu tenha pedido uma garrafa de tequila também.
— O quê? — exclamei. — Nós não falamos nada sobre tequila.
— Qual é, Bree? — Seu rosto pendeu levemente para o lado quando
seu sorriso cresceu. — Hoje é sábado, passamos a manhã cuidando de
pirralhos melequentos e você passou a tarde fazendo trabalho da faculdade.
Vai me dizer que uma tequila não cairia bem agora?
Pensei por um instante. Honestamente, eu estava mais para uma taça de
vinho, mas tequila também sempre havia sido uma das minhas bebidas
favoritas. Seria basicamente um pecado com a minha Aubree interior recusar
a ideia de alguns goles.
Então, apontei meu dedo indicador na sua direção e lancei-lhe um olhar
alarmante.
— Se fosse vodca, eu seria obrigada a recusar.
Colton soltou um risinho em resposta e curvou-se para deixar o celular
na mesa de centro. Depois, repousou a mão em meus pés, exatamente como
fizera duas noites atrás, mas não os massageou daquela vez.
— Qual é o seu problema com vodcas e animais?
— Com animais, não tenho problema nenhum. — Fiz uma pausa,
empinando o nariz ao aproveitar a oportunidade para lhe lançar uma indireta:
— Amo-os o suficiente para não comê-los. Agora... Com vodca? Muitos.
Suas sobrancelhas arquearam-se e Colton acomodou-se ainda mais no
sofá.
— Hora de histórias constrangedoras de Aubree Evans. Meu momento
favorito do dia. — Então gesticulou com uma mão para que eu continuasse.
Eu revirei meus olhos, mas continuei:
— A última vez que enchi a cara de vodca, fiquei só de calcinha e sutiã
no telhado de uma casa, com todos me olhando enquanto eu dançava como se
não houvesse amanhã. Tranquei a porta do quarto que eu estava antes de
passar pela janela e ir para o telhado, e depois, pulei do telhado para a piscina
e, aparentemente, foi por pouco que não errei o pulo. Além de quase morrer
de vergonha e de quase literalmente morrer, precisaram arrombar a porta do
quarto que eu havia trancado porque ninguém conseguia subir pelo telhado
para destrancá-lo. — Torci o nariz no momento em que a vergonha alheia
começou a aflorar em meu peito. — Bem, pelo menos é o que minha amiga
diz. Acordei no outro dia sem lembrar de nada.
— Já pensou que sua amiga pode estar tirando uma com a sua cara?
Parei por um instante.
Era a cara de Becca fazer algo assim.
Como eu nunca havia pensado nisso antes?
Mas... Será?
Não, ela nunca seria capaz de sustentar aquela mentira por tanto tempo.
— Ela jamais faria isso — finalmente disse e Colton sorriu, apontando
o indicador na minha direção.
— Mas você pensou sobre.
— Só um pouco — admiti. — De qualquer forma, isso não vem ao
caso.
— Claro que vem.
— Não vem.
— Mentira ou não, não me surpreenda que você seja esse tipo de
bêbada — ele confessou, tirando meus pés do seu colo para levantar-se e
seguir para a cozinha. — Vinte minutos depois que conversamos no
churrasco do Kappa, você estava dançando Ricky Martin em cima da mesa.
Sério. Quem dança Ricky Martin nos dias atuais?
Abri a boca, mostrando que ele havia acabado de tocar no meu ponto
fraco e que eu estava me sentindo completamente insultada, mesmo que
Colton não estivesse vendo. Cinco segundos mais tarde, ele voltou com dois
pratos em mãos e alguns talheres, posicionando-os na mesinha de centro.
— “Livin’ La Vida Loca” é um clássico, ok? — murmurei, sentida,
saindo do sofá apenas para me sentar no tapete e ficar na altura da mesa. Em
resposta, Colton soltou uma risada ao meu lado, após me olhar de canto de
olho, que eu preferi não rotular como deboche pelo bem do nosso jantar. —
Enfim. A questão é; vodca me faz cometer loucuras e depois esquecer delas.
— Ainda bem que hoje vamos tomar tequila, então. — Lançou-me uma
piscadela e, antes que eu pudesse dizer algo, o interfone tocou anunciando
que nossa comida havia chegado.
Nós não demoramos a colocar o yakissoba nos pratos e nos sentarmos
com latas de refrigerante nas mãos assim que decidimos que seria melhor se a
tequila ficasse para depois que estivéssemos devidamente alimentados.
— Onde estão sua irmã e o namorado dela? — perguntei, enquanto
enrolava o macarrão no meu garfo, e olhei-o de soslaio.
Colton enfiou uma quantia enorme de macarrão na boca, e mastigou
lentamente, antes de dar de ombros.
— Boston. — Seu tom era vago.
Ah, era verdade.
Aniversário da mãe.
— Então... Você só me convida para jantar quando tem certeza de que
não irei esbarrar na sua irmã e no seu cunhado? — provoquei, risonha,
embora uma parte de mim realmente estivesse curiosa.
No mesmo instante, seus olhos vieram até os meus. Colton limpou a
boca com um guardanapo e um sorriso sacana começou a abrir-se em seus
lábios no momento em que ele apoiou suas mãos no chão, um pouco atrás do
seu tronco. Eu estava praticamente suando com o esforço que parecia fazer
para manter minha atenção no seu rosto e não descê-la em momento algum
para o corpo esculpido pelas mãos de um deus, quando ele finalmente disse:
— Uau, Bree. Isso me soou como uma indireta, huh? — Fez uma
pausa. Os olhos pareciam brilhar em diversão. — Já estamos no passo em que
você quer conhecer a minha família? Mas a gente ainda nem se pegou.
Imediatamente, joguei a cabeça para trás para soltar uma risada e
amassei meu guardanapo em uma bolinha de papel com a finalidade de
acertar seu rosto.
— Idiota.
Colton riu, voltando a enrolar seu yakissoba no garfo.
— Além do mais, você e Layken juntas seria como ter o próprio
inferno na terra.
Lancei-lhe um olhar curioso.
— O que você quer dizer com isso, Colton Reed?
— Quero dizer que, com toda a certeza, eu te perderia para ela.
— Tenho certeza que sim — brinquei. — Ela deve ser infinitamente
mais divertida que você.
Colton soltou uma risada em resposta, mas não disse nada. Apenas
voltamos a comer em silêncio, antes de engatarmos em uma conversa sobre o
trabalho voluntário de mais cedo e algumas das crianças que mais havíamos
nos encantado.
Depois de comer, ajudei-o com a louça ao som da mesma playlist que
ouvimos no meu apartamento, no dia em que estávamos desempacotando as
caixas. Vez ou outra, ele fazia alguma gracinha — como cantar em um tom
de voz tão agudo que as taças de vinho seriam capazes de estourar durante
algumas músicas de Guns N’ Roses —, que me fazia gargalhar.
Finalmente, Colton pegou dois copos de shot e praticamente me
arrastou até o seu quarto, jogando-se na enorme cama de casal com um
sorriso ladino no rosto. O corpo grande e malhado, no entanto, fazia a cama
parecer minúscula.
O quarto era do mesmo tamanho que o meu, mas a decoração, toda
cinza e preta. Nada muito extravagante — o que me fazia concluir, somado
ao restante de seu apartamento, que Colton não era o tipo de cara que parecia
se importar muito com bens materiais.
— Vai ficar parada aí? — perguntou ele, observando-me na soleira da
porta.
Apenas o analisei deitado na cama com a garrafa de tequila em mãos, e,
puta merda, eu poderia passar o dia observando aquele cara da cabeça aos
pés. A calça moletom, os cabelos despenteados, o tronco nu e o sorriso
maroto. Era quase como se Colton fosse uma maldita obra de arte. Uma
daquelas que dinheiro algum seria capaz de comprar.
— Não é melhor tirar uma foto? — provocou ele, ao perceber que eu
estava encarando mais que o normal e, assim, trazendo-me de volta à
realidade.
Eu pisquei um par de vezes e pigarreei. Meus pés, então, moveram-se
até a cama para que eu me sentasse na beirada, longe o suficiente para que
meus neurônios tivessem uma remota chance de continuar funcionando
diante da sua figura esbelta e dos sorrisinhos que me faziam tremer em
anseio.
— Não é melhor você baixar o seu ego? — rebati, puxando a garrafa de
suas mãos para abri-la.
— Meu Deus, mulher! O que é que você tanto tem contra o meu ego?
Eu ri.
— Não gosto dele.
— Eu gosto.
— Ele é grande demais.
— Ah, Bree... — Um sorriso malicioso esgueirou-se pelos lábios de
Colton. — Você não tem nem ideia do que é grande demais aqui.
Minha atenção subiu até o seu rosto, e eu dei o meu máximo para
camuflar a expressão de choque diante do duplo sentido daquela frase. Uma
hora estávamos falando do seu ego e, um segundo depois, do tamanho do seu
pau?
Meu Deus.
— Você está proibido de fazer esse tipo de comentário comigo —
adverti, apontando um dedo na sua cara.
Colton soltou um risinho.
— Te deixa molhada?
— Colton...
— Aubree...
— Shot — eu disse, em uma tentativa de mudar o percurso daquela
conversa, e estendi um dos copos cheios de tequila para ele, que aceitou,
virando no mesmo instante que eu.
O líquido amarelado desceu rasgando por minha garganta e queimou
meu estômago, acompanhado de um calafrio e um balançar de cabeça em
seguida.
Colton não pareceu reagir muito diferente ao álcool. A careta que
carregava no rosto depois de virar a dose de tequila foi hilária.
— Vamos jogar “Eu Nunca” — propôs ele, enquanto eu preenchia os
pequenos copos com a bebida mais uma vez. — Eu digo algo que nunca fiz e,
se você já tiver feito, você toma uma dose.
Hesitei por um instante, mas, por fim, concordei. Nós provavelmente
iríamos acabar com metade daquela tequila com ou sem jogo. Além do mais,
“Eu Nunca” era um jogo que sempre rendia muitas risadas, então... Por que
não?
— Você começa — eu disse, ajeitando-me na cama.
Colton sorriu e nem sequer pensou antes de falar:
— Eu nunca fiquei de calcinha e sutiã em cima de um telhado durante
uma festa.
Meu queixo foi ao chão.
— Filho da puta — soprei, e virei o shot que me fez tremer, antes de
limpar meus lábios com o dorso da mão. Colton me observava com um brilho
divertido nos olhos, quando eu continuei: — É assim que você quer jogar,
Colton Reed? Então vamos jogar.
— Manda a ver, Aubree Evans. — Seu tom de voz era despreocupado.
— Quero ver se você é uma oponente às alturas.
— Eu nunca fiz um Batman horroroso na cara de uma criança e menti
dizendo que estava... — Procurei pela palavra de Colton havia dito mais cedo
e sorri. — Magnifique.
— Eu não estava mentindo! — disse ele, na defensiva, forçando-me a
soltar uma gargalhada e empurrar o copo de tequila em seu peito.
— Estava mentindo antes e está mentindo agora.
— Eu não...
Lancei-lhe um olhar reprovador.
— Não minta.
Colton deu o braço a torcer e virou a dose. Depois, disse:
— Eu nunca fiz meu pai bater o carro.
— Vou começar a parar de te contar minhas histórias de vida —
murmurei antes de virar meu shot, e ele riu.
— Por favor, não. Elas são o ponto alto dos meus dias.
Balancei a cabeça negativamente, enquanto enchia o copo mais uma
vez e pensava em algo que lhe atingiria em cheio.
— Eu nunca... — comecei, oferecendo-lhe um sorriso ao lhe estender a
garrafa, porque aquela seria merecedora de mais de um shot. — Nunca dei
em cima de uma garota, enquanto estava de rolo com outra.
Colton pareceu levar um susto com o comentário, porque os olhos
arregalaram-se de leve e as sobrancelhas quase foram ao teto. Então, ele
envolveu a garrafa com seus dedos grossos e a levou perto o suficiente da
boca para tomar longos goles.
Após isso, fechou seus olhos com força e balançou a cabeça.
— Para a sua informação — ele disse, com uma careta devido ao
álcool, e o dedo indicador apontado entre nós —, Maddy e eu terminamos.
Foi minha vez de arquear as sobrancelhas, chocada com a notícia, mas
logo tratei de espantar a surpresa com um pigarreio.
— Ela finalmente percebeu que você é meio babaca? — indaguei,
como se não me importasse muito com a informação. Meu tom, no entanto,
deixava claro que eu estava brincando (embora, de fato, houvesse um fundo
de verdade).
Um risinho escapou dos seus lábios, mas minha pergunta não foi
respondida. Ao invés disso, o garoto apenas despejou a tequila no meu
copinho e disse:
— Eu nunca transei em um lugar público.
Nós dois bebemos.
— Onde? — perguntei, curiosa.
Ele pareceu pensar por um instante ao respirar fundo e encarar o teto
branco, fazendo-me concluir que, definitivamente, havia sido mais de um
lugar.
— Bom... Talvez eu tenha transado na biblioteca da NYU. — Fez uma
pausa e meu queixo caiu, mas aquilo não o impediu de continuar: — E no
banheiro de um estádio de futebol. Ah! E teve uma vez que eu transei atrás de
um arbusto no meio de um churrasco. Um dos caras me viu recebendo um
boquete e até hoje toca no assunto quando me vê.
— Meu Deus, Colton! — Eu ri. — Você é nojento.
— Do que você está falando? Acabou de beber também! — Ele me
cutucou. — Onde você transou?
— Bem, não chega nem perto dos seus locais, mas eu já transei na
escada de incêndio de um prédio.
Seus lábios apertaram-se, parecendo impressionado, e eu me obriguei a
continuar o jogo antes que Colton começasse a visualizar aquela cena na sua
cabeça.
— Eu nunca fiz um sexo a três.
E não me surpreendi quando ele bebeu.
— Eu nunca fiquei com alguém do mesmo sexo que eu — rebateu ele.
Àquela altura do campeonato, eu já estava começando a sentir meu
rosto formigar e a cabeça aérea. Mal me lembrava quantos shots havia virado
e duvidava que Colton estivesse muito diferente, mas aquilo não me impediu
de virar mais um.
Voltando meus olhos a ele, lambi o beiço ao repousar o copo no
colchão e não pude evitar soltar uma risada bêbada ao notar o brilho curioso
em suas íris.
— O que foi? — perguntei, confusa.
— Você já pegou uma garota? — questionou, como se fosse algo
completamente novo para ele.
Eu apenas dei de ombros.
— Já fiquei com quase todas as minhas amigas de Bridgeport. Seja em
jogos ou só por ficar. — Ri em seguida. — A gente se diverte.
Então, Colton pegou a garrafa de tequila e tomou direto da boca, e eu
franzi o cenho, em dúvida se aquilo era parte do jogo ou se ele só estava
tentando processar a informação.
Talvez os dois.
No entanto, ao notar o ponto de interrogação estampado no meu rosto,
ele explicou:
— Já peguei o Mason.
— O quê?! — praticamente berrei, e não pude evitar começar a
gargalhar. — O namorado da sua irmã?!
— Foi em uma rodada de verdade ou desafio — ele tratou de explicar
rapidamente. — Nós não falamos sobre isso.
— Vocês... Ai, meu Deus! — Agora eu estava me contorcendo na
cama, com as mãos na barriga que doía de tanto rir, porque aquela confissão
havia sido simplesmente extraordinária e surpreendente. — Vocês se
pegaram mesmo?
Colton não estava me acompanhando na risada, mas eu notei o
sorrisinho divertido que ele tentava esconder nos lábios enquanto me
observava.
— Não acabei de falar que nós não falamos sobre isso?
— Ah, não! Por favor... — Fiz um biquinho, mas ele simplesmente
negou com a cabeça. Então, voltei a me ajeitar no colchão, conformada. —
Ok. Eu tenho uma, então. — Parei por um instante, tentando não cair na
gargalhada novamente. — Eu nunca peguei o namorado da minha irmã.
— Eles não namoravam ainda! — Colton exclamou. — Você está
jogando sujo, Aubree Evans.
— Mas hoje eles namoram, e isso não muda o fato de que você e ele
ficaram. — Arqueei a sobrancelha para ele em desaforo. — Ou seja...
Seus olhos cinza reviraram-se e ele virou o shot, que agora parecia
descer como água para ambos.
— Eu nunca fiquei excitado lendo pornô — Colton retrucou sem
demora.
Dei de ombros.
— Eu não vejo pornô.
Seu sorriso cresceu.
— Eu disse “lendo”, bonita... — ele soprou. — Não minta para mim.
Então, eu apertei meus lábios porque... Ah, merda, quem nunca?
Virei a dose de tequila e, meu Deus, eu estava a um passo de desistir
daquele jogo porque nós já havíamos passado de metade da garrafa e o
sorriso que Colton Reed abriu quando virei aquela dose me fez desejar coisas
que eu não deveria.
— Você estava excitada quando eu cheguei para te ajudar com as
caixas naquele dia? — ele perguntou no mesmo tom que perguntaria como
havia sido o meu dia.
Observei-o, descrente, e tentei contornar a pergunta.
— Isso não faz parte do jogo.
Ele riu.
— Mudamos de jogo. — Colton encheu meu copo. — Responde ou
bebe.
Nem pensei duas vezes ao alcançar a dose de tequila e virar, porque,
por mais que estivesse bêbada, eu me recusava a dizer algo do tipo “sim,
Colton, eu estava excitada lendo Christian Grey em ação quando você bateu
à minha porta”.
— Ah, porra, é por isso que seus mamilos estavam duros! — exclamou,
assim que virei a dose, e meu queixo imediatamente foi ao chão.
— Você estava olhando para os meus peitos?!
É claro que ele estava olhando para os seus peitos, Aubree. Você
estava sem sutiã e com os mamilos marcados, minha mente rebateu, em um
tom quase que entediante, como se aquilo estivesse óbvio desde o início.
— Eles estavam chamando muita atenção, Bree. — Simplesmente deu
de ombros, revirando-se no colchão para se apoiar sobre um cotovelo. As íris
estavam mais escuras quando foram de encontro às minhas, quase nebulosas,
e Colton ergueu uma das mãos até que seu indicador se enrolasse em um dos
meus cachos. — Mas o seu cabelo é a minha parte favorita em você.
Minha boca, de repente, pareceu seca, e eu precisei passar a língua por
ali em uma tentativa de umedecê-la, o que fez com que sua atenção recaísse
ali por um brevíssimo instante. O ar, em uma fração de segundo, pareceu ser
preenchido por uma tensão que eu sabia muito bem de qual tipo era, mas
optava por ignorar.
Afastando-me com um pigarreio, Colton recolheu sua mão para si, mas
antes que eu pudesse virar meu rosto para qualquer outro canto, ele segurou a
ponta do meu queixo em um pedido para que eu não o fizesse. O toque da sua
pele contra a minha fez com que uma corrente elétrica percorresse cada uma
das minhas células.
— Responde ou bebe — ele soprou. — O que você faria se eu dissesse
que quero muito te beijar agora?
Porra.
O universo só podia estar me testando.
Eu não sabia se essa era, de fato, a pergunta mais sexy que eu já havia
escutado em toda a minha vida, ou se era algum efeito do tanto de tequila que
estava transitando por meu sangue, mas seja lá o que fosse, meu corpo
parecia implorar por aquilo.
Implorar como nunca antes.
Minha mente, no entanto, não demorou a me alarmar para que eu não o
fizesse.
Não com ele.
Não com Colton.
— Então eu teria que beber, porque não posso responder — obriguei-
me a encontrar a voz no meu interior para dizer aquilo.
Isso pareceu acordá-lo, pois, um segundo depois, ele já havia afastado
seu rosto do meu e voltado a deitar-se na cama. O tronco estava levemente
apoiado na cabeceira e, por algum motivo, Colton carregava aquele sorriso no
rosto.
Aquele. Maldito. Sorriso.
O tipo de sorriso que me dizia que ele estava prestes a aprontar algo. O
tipo de sorriso que me fazia querer socá-lo para fora do seu rosto, ao mesmo
tempo em que me fazia querer beijá-lo até não poder mais.
— Então você irá beber, Bree. Porque eu estou louco para beijar você
agora. — Sua voz saiu tão rouca que um arrepio me percorreu dos dedinhos
dos pés até o meu último fio de cabelo em resposta.
Contudo, antes que eu pudesse pedir para que ele me passasse a
garrafa, Colton a abriu e despejou um rastro de bebida em seu peitoral, que
percorreu lentamente a pele nua, passando pelo abdome encantador, até
molhar a barra da calça de moletom que ele trajava.
O que você está fazendo? — era a pergunta que estava travada na
minha garganta quando ele voltou seus olhos aos meus e, com um sorriso
sacana no rosto, disse:
— Você terá que beber. Mas, dessa vez, terá que ser em mim.
Ele estava me testando?
Porque, ah, Deus, eu estava longe de confiar no meu autocontrole
naquele momento.
Automaticamente, o ar pareceu fugir dos meus pulmões e uma batalha
interna foi travada em meu peito entre minha emoção e minha razão, mas foi
apenas uma questão de segundos até que eu mandasse minha razão à merda e
me agarrasse à emoção. Afinal, qual seria a próxima vez que eu teria a
oportunidade de lamber seu tanquinho trincado sem parecer uma esquisita?
Maddison e Colton haviam terminado e nós estávamos nos divertindo
ali, caramba. Uma vez na minha vida, eu poderia ignorar o que quer que
minha consciência estivesse berrando no fundo da minha mente, e me deixar
levar por todos os meus sentidos que pareciam implorar por aquilo.
Tomando coragem, coloquei-me em cima dele, com uma perna de cada
lado do seu corpo, e baixei meu tronco o suficiente para aproximar minha
boca do seu abdome.
Colton me olhava em uma mistura de expectativa e desejo, e não
desviou sua atenção de mim nem mesmo quando eu lambi toda a sua pele
nua, lenta e deliberadamente, do cós da sua calça até o peitoral,
acompanhando o rastro de tequila e sorrindo ao notar sua pele se arrepiar em
resposta a mim.
Mas eu não parei ali.
Ao invés disso, arrastei minha boca por seu pescoço lentamente e ouvi
quando um suspiro desesperado escapou dele, até que estivéssemos cara a
cara, com meu rosto tão próximo ao seu que eu quase podia sentir o roçar dos
seus lábios nos meus.
Meus olhos castanhos encontraram a cor acinzentada das suas íris e eu
sorri.
Sorri exatamente da mesma forma que ele costumava fazer, e aquilo foi
o suficiente para que Colton envolvesse minha nuca com os seus dedos e
colasse sua boca à minha em um beijo faminto.
E puta que pariu.
O grunhido rouco que escapou da sua garganta quando nossas línguas
se encontraram fez com que uma onda de calor me percorresse e eu
derretesse em seus braços. A mão, que antes segurava minha cintura com
força, havia acabado de ir em direção ao meu rosto, fazendo um carinho
gentil na minha bochecha com o polegar — um contraste enorme se
comparado ao beijo necessitado.
Seus lábios tinham gosto de tequila, e todos os meus pensamentos
pareceram evaporar diante da forma como sua língua percorria a minha. Era
como se ali, naquele instante, nada mais importasse além de nós. Nada mais,
além do seu toque, do seu beijo, do cabelo sedoso que fazia cócegas na minha
palma e do seu perfume que infiltrava todos os meus sentidos sem pudor.
Freud uma vez disse que nosso inconsciente traía nossa razão e que o
controle sobre nós mesmos era inexistente. Aquilo nunca soara tão real
quanto agora, porque era aquilo que Colton Reed estava fazendo comigo:
Roubando todo o meu autocontrole e infundindo meu corpo com cada
uma das suas particularidades.
Eu não tinha mais controle algum.
Logo eu, uma garota que sempre tivera controle de tudo à minha volta,
estava caindo.
Caindo nas tentações de Colton em queda livre.
E, naquele instante, eu não pretendia parar.
“Você tinha me viciado novamente no momento que se sentou
A maneira como você morde seu lábio
Deixa a minha cabeça girando
Depois de uma ou duas bebidas
Eu estava em suas mãos
Eu não sei se tenho forças para ficar.”
Troublemaker | Olly Murs

Se me dissessem que beijar Aubree Evans seria o meu novo vício, eu


acreditaria.
Se me dissessem que sua boca contra a minha era algum tipo de droga
impossível de se largar depois de utilizada pela primeira vez, eu
definitivamente acreditaria. Porque ali estávamos nós, beijando-nos há mais
tempo do que eu poderia me lembrar, e eu não sabia se seria capaz de parar
tão cedo.
Sua boca carnuda era uma delícia de ser beijada. A língua entrelaçava-
se na minha de uma maneira que nenhuma outra havia feito em toda a minha
vida e, puta que pariu, os gemidos e suspiros que ela dava vez ou outra
faziam minhas bolas se contraírem de tesão.
Minha cabeça estava girando de tanta tequila que nós havíamos
tomado, mas o efeito do álcool parecia deixar tudo ainda mais gostoso. Meus
lábios estavam formigando sobre os seus e suas mãos queimavam em todas
as partes do meu corpo.
Eu estava duro pra caralho.
Tão duro, que quando Aubree pressionou sua boceta contra o meu pau,
propositalmente, eu quase gozei nas calças.
Puta merda.
E quando suas unhas arranharam a pele do meu abdome e os dedos
desceram lentamente até o cós da minha cueca, eu precisei conter um gemido.
Porque, porra, apenas a ideia de imaginá-la segurando o meu pau e batendo
uma para mim, fazia-me enlouquecer. Da mesma maneira que pensar que ela
estava a alguns segundos de tornar aquele pensamento algo real era
simultaneamente tentador e preocupante.
Aubree Evans era uma garota que já me mostrara que suas ações,
quando bêbada, não eram das melhores. Ela era o tipo de bêbada que ligava o
foda-se para o que estava fazendo até que o amanhã chegasse e ela se
martirizasse por isso. E, bem... Eu estava longe de querer que isso
acontecesse comigo. Conosco.
Beijá-la já havia sido ousado demais da minha parte. Ainda mais com
ambos caindo de bêbado e...
Puta que pariu.
Seus dedos estavam invadindo a minha cueca, prestes a agarrar meu
pau.
Contenha-se, Colton.
Caralho.
— Bree... — Minha voz saiu rouca contra os seus lábios e, eu não sei
de onde tirei forças para afastar sua mão dali, mas assim o fiz, querendo
morrer por dentro.
Seus olhos, então, abriram-se para virem de encontro aos meus. As íris
castanhas estavam nebulosas de prazer, mas eu notei um brilho de confusão
pendendo ali. Os traços delicados praticamente formavam um ponto de
interrogação no rosto, como se ela não estivesse entendendo o motivo pelo
qual eu havia arrancado sua mão para longe do meu pau antes que eu pudesse
perder meu autocontrole e deixar que ela fizesse o que bem quisesse comigo.
— O quê? — perguntou, em um tom de voz tão inocente que eu
precisei fechar meus olhos com força por um instante para controlar a merda
do meu tesão.
Nada. Porra, só continue, aquele era meu inconsciente gritando por
mim, mas eu tratei de ignorá-lo.
— Não quero que você se arrependa disso amanhã — eu disse, assim
que voltei a encará-la.
Merda de tequila.
Se ao menos estivéssemos sóbrios... Porra.
De qualquer forma, engoli o nó na garganta, ignorando a voz no meu
interior que me xingava a plenos pulmões por eu mesmo estar me impedindo
de transar, e me forcei a continuar:
— E já notei que você é uma bêbada que costuma se arrepender das
coisas que faz.
Aubree piscou. Uma, duas, três vezes. Então, afastou minimamente seu
rosto do meu, como se houvesse recobrado sua consciência e espantado o
efeito do álcool para longe.
— Ai, droga — ela praguejou, sentando-se no colchão. As mãos foram
em direção aos cabelos completamente bagunçados e um suspiro pesado
escapou dos seus lábios. — Você tem razão.
Queria não ter.
Apertando os lábios, eu apenas concordei com a cabeça.
— Acho melhor a gente dormir — sugeriu ela e, mais uma vez, tudo o
que eu fiz foi concordar.
Estava agitado demais com tudo o que acontecera nos últimos quinze
minutos, e frustrado demais com o que poderia vir a acontecer se não
estivéssemos bêbados pra caralho, para responder algo.
— Se importa se eu dormir aqui?
Então foi minha vez de piscar, processando sua pergunta antes de
engolir em seco.
Dormir aqui?
Depois de termos dado vários amassos e ela ter tentado agarrar o meu
pau?
Péssima ideia.
Aquilo exigiria demais do meu autocontrole.
— Ãhn... Claro. — Minha voz saiu mais fina do que eu havia
planejado, o que me fez pigarrear e levantar da cama, em direção ao meu
armário. — Você pode dormir no quarto da minha irmã.
— Na verdade, estava pensando em dormir aqui. — Sua ênfase no
“aqui” me fez engolir em seco mais uma vez, e não pude evitar arregalar
meus olhos quando ela acrescentou: — Com você. Só... Dormir.
Agradeci por não estar a encarando naquele momento, porque havia um
misto de frustração e preocupação no meu peito que eu tinha certeza que
transpassava pelo meu rosto diante das suas palavras.
O problema não era Aubree dormir ali, comigo. A verdade era que eu
gostava pra caralho daquela ideia. Ainda mais hoje. O problema era Aubree
dormir ali e eu saber que não poderia tocá-la em qualquer sentido da palavra.
Ela no seu canto, e eu no meu.
Se era difícil conter meu tesão com ela a dois metros de distância, mal
imaginava como seria passar a noite ao seu lado.
Contudo, mais uma vez, eu assenti e puxei uma camiseta do meu
armário para que ela pudesse usar de pijama naquela noite. Aubree agradeceu
com um sorriso e não demorou a levantar-se da cama, seguindo ao meu
banheiro.
— As toalhas limpas estão debaixo da pia e tem um pacote de escovas
de dente fechado na segunda gaveta — eu disse, jogando-me na cama
novamente.
Aubree assentiu e fechou a porta em seguida, mas eu não a ouvi girar a
tranca em momento algum, o que, por um segundo, fez-me questionar se ela
estava esperando que eu entrasse no banheiro no meio do seu banho e a
colocasse contra a parede para que pudéssemos foder bem ali.
Honestamente, se estivéssemos sóbrios, era exatamente o que eu estaria
fazendo agora.
Com um suspiro, obriguei-me a ignorar a imagem de Aubree espremida
contra a parede do banheiro, soltando seus gemidos deliciosos, e puxei meu
celular na mesa de cabeceira para me distrair assim que o som do chuveiro
invadiu meus ouvidos.
Na tela repleta de notificações, uma mensagem de Layken, enviada há
algumas horas, chamou a minha atenção. Era uma foto onde minha mãe,
Mason e Lake sorriam para a câmera, com chapeuzinhos de aniversário e um
cupcake cor de rosa com uma vela acesa no meio.
“Faltou vc! S2”, era a mensagem que acompanhava a foto.
Soltando outro longo suspiro, bloqueei o meu celular e voltei a me
jogar no colchão para encarar o teto branco do meu quarto.
Era natural que eu me sentisse uma merda de filho sempre que pensava
em tudo que havia ocorrido pouco mais de dois anos para cá. Eu havia dado o
pé de Boston e prometido a mim mesmo que nunca mais voltaria a dar sinal
de vida para meu pai, o que, consequentemente, significaria ignorar as
mensagens de texto e ligações semanais da minha mãe também.
Já havia me acostumado a ser o cara rejeitado pela família pela sua
opção de curso, e também me acostumara com a culpa que afligia meu peito
toda vez que parava para pensar em minha mãe. Mas quando Lake decidia
dar uma de boa filha, visitá-los em Boston e ser tudo aquilo que eu não era, a
culpa tomava conta de mim com infinitas vezes mais força. Porque era claro
que eu poderia simplesmente pegar o carro e passar pelo menos o aniversário
da minha mãe lá, mas a questão era que eu não queria.
Não queria ter que enfrentar as diversas emoções que tomavam conta
de mim toda vez que eu colocava meus pés ali. Não estava pronto para aquela
merda e, muito provavelmente, jamais estaria. E, por mais que eu soubesse
que minha irmã tivesse a melhor das intenções ao me mandar uma mensagem
daquelas, aquilo apenas fazia com que eu me sentisse a porra de um pau no
cu.
Eu era um péssimo filho.
Uma péssima pessoa.
Quem, em sã consciência, faria a mãe passar por todo o sofrimento que
eu sabia que ela passava apenas por puro orgulho?
— Tudo bem? — A voz de Bree chegou aos meus ouvidos,
rapidamente trazendo-me de volta à realidade, e eu levantei minha cabeça
apenas para observá-la na soleira da porta do banheiro, com uma camiseta
minha que ia até metade das suas coxas e os cabelos umedecidos.
Automaticamente, minha boca ficou seca, mas eu logo me forcei a
responder:
— Tudo — eu disse, levantando-me para tomar a minha ducha e tentar
ignorar o fato de que Aubree Evans estava aninhando-se entre os meus
lençóis, mais sexy que nunca com uma camiseta minha, o que me fazia
querer arrancá-la do seu corpo e fazê-la gritar o meu nome a porra da noite
toda. — Vou tomar um banho rápido.
— Eu estarei exatamente aqui quando você voltar — Bree soprou,
soltando um gemido de alívio assim que deitou sua cabeça no travesseiro e
cobriu-se com o lençol de seda. — Meu Deus, sua cama é deliciosa.
Ignorando a fagulha de calor que percorreu meu corpo diante do
gemido que escapou dos lábios dela, forcei um risinho antes de me trancar no
banheiro para tomar a ducha mais gelada que pude e espantar todo o tesão
que ela provocara a noite toda em mim.
Inferno de mulher.
Nunca pensei que fosse possível alguém mexer tanto com a minha
libido como Aubree Evans fazia. Era só ela respirar perto de mim que a
vontade de beijá-la e envolver suas pernas incrivelmente longas na minha
cintura, tomava conta de todo o meu corpo.
Felizmente, o banho pareceu fazer algum efeito. Quando abri a porta do
banheiro e me deparei com Aubree praticamente capotada na minha cama, eu
estava um pouco menos bêbado e com meu pau um pouco mais controlado.
Tive vontade de rir ao imaginar sua ressaca do dia seguinte. Ao mesmo
tempo em que a tequila havia sido uma ótima ideia, havia sido a pior ideia de
todos os tempos. Não só para ela, mas para mim também, porque eu já estava
imaginando a dor de cabeça e o meu mau-humor durante o ensaio que
teríamos da Broken Crown amanhã.
De qualquer forma, aquilo era um problema para o Colton do futuro. O
Colton do presente estava louco para deitar-se naquela cama — o mais longe
possível de Aubree — e apagar durante as próximas oito horas, no mínimo.
No instante em que me deitei, entretanto, eu parecia mais desperto que
nunca. Meus olhos estavam fixos no teto e os pensamentos voltaram ao dia
de hoje, enquanto eu me perguntava qual teria sido o tamanho da decepção da
minha mãe ao notar que apenas Lake e Mason haviam ido celebrar seu
aniversário.
Talvez ela já estivesse imaginando que aquilo fosse acontecer. Afinal,
depois do último episódio que havíamos tido em Boston, já era de se esperar
que...
— O que está pensando? — A voz sonolenta de Aubree alcançou meus
ouvidos e fez os pelos do meu braço se eriçarem.
Eu virei meu rosto para observá-la no momento em que ela remexeu-se
na cama para focar em mim. Então, balancei a cabeça negativamente e puxei-
a para perto porque... Ah, merda, eu jamais conseguiria ficar mais que dez
minutos na mesma cama que Aubree sem ao menos tê-la, de alguma forma,
contra o meu corpo.
Bree descansou sua cabeça no meu peito nu, e meus dedos
automaticamente foram em direção ao cabelo úmido, enrolando-se nos
cachos em um carinho gentil.
— Nada — soprei, mas ela não pareceu muito satisfeita com a resposta,
forçando-me a melhorá-la: — Só estou feliz por você estar aqui hoje.
Precisava de uma distração.
E era verdade. Não tinha a porra da mínima ideia do que faria se
houvesse passado a noite acompanhado apenas dos meus pensamentos
deprimidos e obscuros.
Aubree não respondeu. Ao menos, não de imediato. O que, por um
breve instante, fez-me concluir que ela havia caído no sono mais uma vez. No
entanto, segundos depois, ela sussurrou com a voz arrastada:
— Você deveria mandar uma mensagem para ela, Colton.
Instantaneamente, meus dedos pararam o carinho que faziam nas
madeixas castanhas, e eu estava prestes a perguntar do que Bree estava
falando quando sua cabeça pesou ainda mais em meu peito e a respiração
desacelerou. Não pude evitar abrir um sorrisinho de leve ao olhar para baixo
e me deparar com uma Aubree de os olhos fechados e a boca levemente
entreaberta.
Depois soltei um suspiro pesado, porque a verdade era que eu sabia
exatamente do que ela estava falando. Tinha certeza.
E, bem... Talvez Bree tivesse razão.
Movendo-me apenas o suficiente para pegar meu celular na mesa de
cabeceira sem acordar a garota, desbloqueei-o e apertei meus lábios ao
encontrar o número da minha mãe. Sua foto de perfil era uma foto antiga, na
qual uma Lake de quinze anos de idade e um Colton de dezessete a
abraçavam em meio a risadas.
Ignorei o aperto no peito diante da foto e, após alguns minutos
cogitando se deveria de fato fazê-lo, digitei:
“Feliz aniversário, mãe. Amo você.”
“Noite passada, eu disse que precisava de você
Essa é a última vez que bebo tequila.”
Last Night | Lucy Spraggan

Eu estava nas nuvens.


Bem, ao menos era isso que parecia enquanto eu me revirava na cama
mais macia na qual eu havia dormido em toda a minha vida. O colchão
parecia me envolver em um abraço fofinho, a seda roçando contra a minhas
pernas desnudas era uma sensação indescritível e o travesseiro em que eu
estava babando... Definitivamente não era meu.
Abrindo os olhos em um pulo, olhei em volta.
Garrafa de tequila, roupas jogadas pelo chão e uma guitarra pendurada
na parede.
— Não — sussurrei, ao ligar os pontos.
Sim, minha mente rebateu e mal me deu tempo de processar o que
estava acontecendo antes de jogar uma avalanche de memórias da noite
passada em cima de mim.
Yakissoba vegetariano, tequila, eu nunca, o tanquinho gostoso de
Colton Reed e nossos amassos na cama.
Puta que pariu, Aubree!
Eu estava prestes a dar pro cara na noite passada.
Se Freud estivesse vivo, ele provavelmente estaria bastante surpreso e
até mesmo um pouco impressionado pela minha ousadia de permitir que meu
Id — local onde, segundo Freud, ficavam os desejos, vontades e pulsões
primitivas — tomasse conta das minhas ações.
Quem não estava vendo aquilo como algo positivo, no entanto, era eu.
Onde estava meu Superego, para me relembrar dos meus princípios e
valores morais quando eu mais precisava dele?
Bom saber que ele fugia toda vez que a tequila adentrava meu
organismo.
— Ah, meu Deus — eu disse em voz alta, girando na cama sem saber
se estava, de fato, pronta para me deparar com Colton Reed deitado ao meu
lado.
No entanto, não foi aquilo que eu encontrei. O que por um lado enchia-
me de alívio, mas, por outro, lotava-me de pânico. Por que Colton não estava
ali? Será que ele havia dado o fora e me deixado sozinha no apartamento para
não ter que lidar com o dia seguinte? Mas nós nem transamos. Aquilo seria
demais. Ou não?
Ou... Pior. E se ele estivesse fazendo um café da manhã dos deuses?
Um café da manhã daqueles que praticamente dizia: “Estou apaixonado por
você. Vamos nos casar?”.
Céus. Esperava que não.
Torci para que não.
Colocando-me de pé, arrastei-me para fora do quarto e franzi os olhos
diante da claridade. Minha cabeça estava me matando, mas eu ainda não
havia entendido se era por conta da bebida ou das memórias da noite anterior.
— Colton? — chamei por ele, ao ouvir o barulho da TV, e não demorei
a encontrá-lo sentado no sofá, sem camisa, com uma tigela de cereal em mãos
enquanto assistia a um jogo de hóquei.
Sem café da manhã dos deuses e sem uma fuga para evitar o dia
seguinte.
Ótimo.
Gostava daquele meio termo.
— E aí, Bree?
— E aí...? — tentei responder no mesmo tom, incerta de como levar
aquilo adiante.
Eu deveria fingir que nada havia acontecido entre nós na noite passada?
Porque ele parecia estar agindo normal demais para alguém que precisara
impedir-me de bater uma punheta para ele algumas horas atrás.
Automaticamente, o calor do constrangimento inundou as minhas
entranhas diante do pensamento, mas Colton não pareceu notar meu
desconforto. Os olhos cinzas estavam grudados no jogo, concentrados na
jogada de um dos caras que errou por pouco a distância do disco no gol.
Eu apenas continuei ali, questionando-me exatamente como reagir a
ele. Deveria pegar minhas coisas e ir embora? Ou eu deveria sentar-me ao seu
lado e assistir ao jogo com ele?
Não sei por quanto tempo continuei ali, imóvel, pensando exatamente
no que fazer a seguir, mas foi o suficiente para que sua atenção voltasse a
mim mais uma vez, agora com o cenho franzido.
— Ressaca? — ele indagou, observando-me parada em frente ao sofá.
Eu assenti lentamente com a cabeça.
— Algo do tipo.
— Moral ou física?
Ah.
Então ele queria tocar no assunto.
Cobrindo o meu rosto com as mãos por um momento, eu respirei
fundo, tomando coragem para falar sobre aquilo, e então forcei-me a encará-
lo mais uma vez.
Vê-lo jogado no sofá, sem camisa e com os olhos ainda levemente
inchados de sono, talvez fosse a cena mais bonita que eu já havia visto em
toda a minha vida, embora eu soubesse que pensava aquilo quase todas as
vezes em que parava para reparar na sua figura esbelta. Meus olhos se
demoraram nos seus lábios, fazendo com que minha mente automaticamente
revivesse o momento em que sua boca estava colada na minha na noite
passada, e o interior das minhas coxas se contraiu de tesão.
No entanto, aquilo não me impediu de sentir ainda mais vergonha.
Onde eu estava com a cabeça? Colton não era o tipo de cara com quem eu
deveria me envolver, e eu não precisava repassar mais uma vez a lista que
havia feito com os motivos pelo qual precisava manter-me bem longe dele
para saber disso.
Então, soltei um suspiro e troquei o peso entre os meus pés,
desconfortável.
— Um pouco dos dois, eu acho. — Fui sincera, coçando minha nuca
sem jeito. — Escuta, Colton, sobre ontem...
— Relaxa, Bree — ele me cortou, antes mesmo que eu pudesse fazer
um discurso sobre como estava bêbada e aquilo não deveria ter acontecido de
forma alguma, e esticou-se para repousar a tigela agora vazia em cima da
mesinha de centro. Uma fração de segundo depois, voltou a encostar-se no
sofá e alinhar suas íris às minhas. — Foi só um amasso entre duas pessoas
muito bêbadas.
Automaticamente, soltei um suspiro de alívio.
— Sem climão, então?
Ele riu e confirmou com a cabeça, como se realmente não desse a
mínima para o que havia acontecido entre nós na noite anterior. Quase como
se ele já estivesse acostumado com aquele tipo de situação.
E, bem, eu não o culpava.
Afinal, ele era Colton Reed.
— Sem climão. — Fez uma pausa, reforçando em seguida: — A noite
de ontem nunca aconteceu.
E, antes que eu pudesse responder àquilo, a porta de entrada já havia
sido escancarada e uma garota entrava no apartamento com um cara duas
cabeças mais alto que ela logo atrás.
— O que nunca acontec... — Ela parou exatamente onde estava ao
repousar seus olhos em mim. Então sorriu, simpática. — Oi.
Eu a encarei por um longo momento, precisando de alguns segundos
para resgatar a informação no fundo da minha mente de que Colton dividia o
apartamento com sua irmã e o namorado dela.
Mas assim que o fiz, forcei um sorriso de volta, sem saber ao certo
como reagir.
— Ãhn... oi — foi tudo o que eu disse após um instante, puxando a
camisa de Colton para baixo em uma tentativa de cobrir ainda mais as minhas
pernas ao me tocar que eu estava praticamente seminua no meio da sala do
meu vizinho com pessoas que eu nunca havia visto em toda a minha vida.
Nem meio segundo depois, Colton já havia se colocado de pé e agora
estava plantado ao meu lado, quase tão em choque quanto eu, como se não
estivesse os esperando tão cedo.
Péssimo momento.
Agora, no entanto, havia dois pares de olhos intercalando entre nós,
confusos. Não pude deixar de notar, porém, o sorrisinho divertido que os dois
tentavam esconder à medida que aguardavam por algum tipo de explicação.
Minha boca abriu. Depois fechou.
Fale alguma coisa, sua idiota, minha mente repreendeu-me, e eu me
apressei em dizer:
— Eu não... Nós não...
Mas como diabos eu iria explicar que nós não havíamos transado,
comigo plantada no meio da sua sala de estar, apenas com a camiseta de
Colton, após ter passado a noite ali justo no dia em que eles haviam dormido
fora?
Não parecia algo do qual eles acreditariam tão facilmente.
— Ela é uma amiga — disse Colton ao meu lado.
Mas ele também não estava ajudando, porque, além de estar sem
camisa e completamente descabelado, havia um chupão enorme em seu
pescoço que eu havia tido a audácia de deixar na noite passada.
Fantástico.
— Amiga... — O garoto de cabelos castanhos, cujo nome eu supunha
ser Mason, estreitou os olhos para nós. O tom estava banhado de uma
suspeita da qual eu não o culpava.
Se eu estivesse no lugar deles, provavelmente estaria imaginando o
mesmo. Ou pior.
— Vizinha — Colton foi rápido na resposta, o que fez com que a
garota, que eu imaginava ser sua irmã, arregalasse seus olhos claros para nós.
— Isso! Vizinha — eu concordei, em uma tentativa de soar natural,
embora minha voz exalasse com clareza o meu nervosismo diante da
situação.
Eu estava praticamente seminua na frente daquelas pessoas, tentando
explicar uma situação que, no momento, parecia impossível de ser explicada.
Contudo, antes que eu pudesse pensar no que estava fazendo, já havia dado
um soquinho no braço de Colton em uma tentativa de demonstrar uma
parceria completamente inexistente entre nós, e continuei:
— A nova vizinha que ficou trancada para fora de casa.
— É. — Assentiu Colton, corroborando com a minha mentira.
Eles continuaram completamente em silêncio, fitando-nos como se
fôssemos dois bichos de sete cabeças, e eu decidi que definitivamente estava
na hora de ir embora.
— Mas agora estou voltando pra casa! — Forcei um sorriso, e comecei
a andar em direção à porta sem sequer pensar em pegar minhas roupas no
quarto antes de dar o fora. — Obrigada por me emprestar o sofá — falei para
Colton, e depois me dirigi a Layken e Mason: — E é um prazer conhecer
vocês. Tchaaaaaau.
— Mas você não estava trancada para...? — começou Mason, antes de
finalmente entender que aquilo era uma mentira muito mal contada. — Ah.
Eu, no entanto, não respondi.
Tudo o que fiz foi andar em passos apressados para fora do
apartamento de Colton e, depois, pelo corredor vazio, apenas voltando a
respirar quando entrei no meu apartamento e fechei a porta atrás de mim.
Encostando as costas na madeira, soltei um suspiro pesado.
Pior. Caminhada. Da. Vergonha.
E nós sequer havíamos transado.
Puta que pariu.
“Eu costumava querer
Viver como se fosse só eu
Mas agora eu passo meu tempo
Pensando em uma maneira de tirar você da minha cabeça.”
Somebody To You | The Vamps

Assim que Aubree Evans sumiu pela porta pela qual Mason e Lake
haviam surgido minutos antes, eu voltei a desabar no sofá, derrotado.
Derrotado porque, como eu havia previsto, estava sendo consumido
pelos sintomas da ressaca mais filha da puta de todos os tempos.
Obrigado, Tequila.
Derrotado porque, como eu meio que havia previsto, Aubree tinha
ficado tão envergonhada com o que havíamos feito na noite passada que eu
decidi que a melhor coisa a se fazer seria fingir indiferença para que nossa
relação não mudasse para pior. Embora tudo o que mais quisesse, quando a vi
parada em frente ao sofá, era arrancar sua roupa, enfiar minha língua na sua
goela e trepar com ela, agora que finalmente estávamos sóbrios.
Não foi o que acontecera.
E, por último, mas não menos importante: derrotado porque, como eu
não havia previsto, Lake e Mason haviam causado a bolha de
constrangimento entre Aubree e eu ainda pior do que já estava.
— Bem... — Começou Lake, desviando seus olhos da porta pela qual
Bree havia acabado de dar o fora, até mim. — Aquela definitivamente não
era Maddison Hilton.
— Não me diga. — Eu bufei, ironicamente, com minha atenção
grudada na TV, na qual um jogo de hóquei entre Boston Bruins e Detroit Red
Wings estava acirrado pra caralho.
Puxei o ar com força entre os dentes quando Chad Johnson, o goleiro
do Bruins, defendeu uma tacada sensacional, e passei as mãos pelos cabelos,
impressionado. Segundos mais tarde, o sofá afundou-se ao meu lado e não foi
preciso que eu olhasse de esguelha para ter certeza de que era Callahan.
— Não vai explicar o que acabou de acontecer aqui? — indagou ele,
curioso.
Layken acomodou-se na poltrona da sala. Os olhos cinzas tão
bisbilhoteiros quanto os do meu amigo.
— Hm... — Apertei os lábios, fingindo pensar. Depois tirei minha
atenção do jogo para encará-los ao dizer: — É. Acho que não.
— O que aconteceu com Maddison? — questionou Lake, ignorando o
que acabara de ser dito por mim.
Eu inspirei profundamente, antes de suspirar da forma mais dramática
possível para deixar claro que estava de saco cheio daquela porra de
interrogatório e que eles deveriam me deixar em paz antes que eu os
mandasse à merda.
Quando nenhum dos dois fez menção de respeitar o meu espaço, revirei
meus olhos.
— O que vocês acham que aconteceu com Maddy?
Mason e Layken entreolharam-se, tirando conclusões óbvias de serem
tiradas.
Após isso, Callahan pigarreou e ajeitou-se no sofá.
— Então, você e a nova vizinha...
— Aubree — corrigi-o no mesmo instante.
— Claro. Aubree. — Mason fez uma pausa. — Você e Aubree... hm...
— Não — respondi imediatamente, com os olhos grudados na TV e o
meu pau murchando ainda mais de tristeza ao dizer em voz alta que não, não
havia transado com Aubree Evans.
Infelizmente, eu quis acrescentar, mas não o fiz.
— Não? — Mason parecia decepcionado. — Nem a cabecinha?
Então meus olhos arrastaram-se até ele, em um misto de choque e terror
com a pergunta descarada. Layken parecia tão chocada quanto eu, porque não
demorou a fazer uma careta e levantar-se da poltrona, dizendo:
— Ok. Essa é a minha deixa. Estou indo para o quarto.
Mas antes que ela pudesse sumir pelo corredor, eu a chamei, forçando-a
girar nos calcanhares e observar-me, aguardando que eu dissesse algo.
— Como foi em Boston? — indaguei, genuinamente curioso.
No entanto, foi apenas uma questão de segundos até que o desconforto
voltasse a tomar conta de mim, assim que seus olhos arregalaram-se, surpresa
com a pergunta. Eu não a culpava por isso. Durante anos, eu me recusei
sequer a pronunciar o nome da cidade em que crescera, e agora estava
perguntando à minha irmã como havia sido com os meus pais? Era algo que
surpreendia até mesmo a mim, mas ver a expressão de choque no rosto de
Mason e Lake tornava tudo pior.
A parede que separava-me de todo o meu passado com minha família, a
qual meu inconsciente parecia vir tentando derrubar aos poucos,
automaticamente reerguia-se com a falta de naturalidade da minha irmã e do
meu melhor amigo diante das minhas atitudes, embora eu não os culpasse por
aquilo.
— Ãhn... — Lake coçou a nuca. — É, foi legal.
Eu concordei com a cabeça, e então disse:
— Legal.
— Legal — repetiu Mason.
— Vou tomar um banho — anunciou minha irmã, fazendo com que
meu amigo se levantasse, quase como se estivesse fugindo daquela conversa
tanto quanto ela.
— E eu vou tirar as coisas das malas — disse Callahan, embora eles
não houvessem levado nada mais que duas mudas de roupas.
Contive a vontade de revirar os olhos e bufei quando os dois deram o
pé como duas crianças assustadas, mudando o canal da TV ao notar que o
jogo entre Boston Bruins e Detroit Red Wings havia acabado.
Depois de alguns segundos inquieto no sofá, estiquei-me para alcançar
meu celular na mesinha de centro. Sem que eu pudesse pensar no que estava
fazendo, meus dedos buscaram pelo nome de Aubree.
“Pelo visto, a única pessoa que tem bolas o suficiente pra falar cmg
sobre os meus pais é vc.” – digitei e pensei por um longo instante, com o
meu polegar suspenso no botão de enviar.
Não enviei.
Com um suspiro frustrado, apaguei a mensagem e joguei o celular de
volta à mesa.

— Vocês sabiam que o Colton está namorando outra? — Mason cortou


o silêncio assim que Alec declarou uma pausa de quinze minutos no ensaio, e
eu fui obrigado a bufar em impaciência.
Durante todo o caminho até o ensaio, Callahan havia me importunado
para saber um pouco mais sobre Aubree.
Há quanto tempo vocês se conhecem?
Há quanto tempo estão saindo?
Como nunca a vi no corredor?
Ela é mesmo nossa nova vizinha?
Vocês realmente não transaram?
Não está mentindo para mim, ou está?
Não respondi nada. O que quer que Aubree e eu tivéssemos — se era
que, de fato, tínhamos alguma coisa —, era algo que cabia apenas a mim e a
ela.
Mason Callahan que morresse engasgado nas próprias perguntas. Eu
honestamente não me importaria, desde que aquilo morresse com ele. O que
não era exatamente o que estava acontecendo ali.
Nem meio segundo depois das palavras de Callahan, três pares de olhos
estavam grudados em mim. Um deles, com um brilho claro de provocação, ao
mesmo tempo em que os outros dois pares carregavam uma confusão
evidente.
— Não estou namorando ninguém — tratei de explicar, antes que os
caras caíssem no papo idiota de Mason.
— Ninguém? — perguntou Alec, com um sorrisinho malicioso nos
lábios. — Então você terminou com Maddy?
— Nunca namorei com Maddy.
— Conta outra, Colton. — Riu Chase, gesticulando com a mão como se
não acreditasse no que eu havia acabado de dizer.
Não fiz questão de contrariá-lo porque sabia que aquilo seria uma luta
perdida. Chase Mitchell era o tipo de cara cético demais, que apenas
acreditava nas coisas que lhe convinha, o que tornava impossível discutir
com ele ou tentar convencê-lo do contrário, embora o contrário fosse o
correto a se pensar.
— Será que podemos focar na porra do ensaio e não na merda da minha
vida sexual? — murmurei, irritado.
Mason soltou um risinho, mas não disse nada, porque Alec não
demorou a concordar comigo e puxar o celular para nos mostrar um áudio
que Terry Albini, nosso produtor musical, mandara-lhe meia hora atrás. Nele,
Terry mencionava uma possível turnê em alguns meses pelo país, o que
significaria todo um novo passo para a Broken Crown.
Porra.
Alguns meses atrás nós apenas tocávamos em bares.
Hoje, abríamos alguns shows em Nova York.
Uma turnê pelo país em alguns meses era todo um outro nível do qual
eu não sabia exatamente o que pensar sobre. Era um misto de excitação,
medo e anseio. Não deveríamos ficar tão animados com as palavras de Terry,
principalmente depois do cara ter ressaltado que ainda não era nada
confirmado, mas aquilo não nos impediu de comemorar com algumas latas de
cervejas, abraços e gritos vitoriosos.
Foda-se se não era uma turnê confirmada. De alguma forma, a Broken
Crown estava subindo as escadas da fama e, no final das contas, aquela
sensação de triunfo era tudo o que importava para nós.
“Você está dizendo
Você já passou por isso antes
Você entregou todos os seus segredos
Para alguém que te deixou em pedaços
Eu conheço esse sentimento, acredite em mim.”
Rain | Ben Platt

O termômetro do carro indicava doze graus Celsius e o relógio beirava


às dez e meia da noite quando eu finalmente estacionei-o na garagem do
prédio, soltando um longo suspiro em seguida. O dia havia sido exaustivo em
meio às aulas da faculdade e o ensaio que Alec remarcara de última hora para
hoje — depois de descobrir que precisaria ir para Bridgeport um dia antes do
planejado para cuidar das suas irmãs enquanto sua mãe estivesse de plantão
no hospital —, e meu corpo inteiro parecia implorar por um banho.
Antes que eu pudesse sair do carro, no entanto, o barulho irritante do
meu celular invadiu o ambiente e eu precisei respirar fundo ao ver o nome da
minha mãe piscando na tela. Meu polegar pendeu ali, hesitando entre o botão
verde para aceitar a ligação ou o vermelho para recusá-la.
Sempre havia sido assim. Bem, ao menos as poucas vezes em que ela
ligava, eram assim.
E, todas essas vezes, a ligação caía na caixa postal enquanto uma
batalha interior era travada em meu peito entre atendê-la ou não.
Daquela vez não foi diferente.
Um suspiro de alívio escapou por entre os meus lábios assim que a tela
do celular voltou a escurecer, e o som da chamada cessou. Embora eu me
sentisse a porra de um cuzão por ignorá-la constantemente, sabia que era pelo
meu próprio bem. Falar com minha mãe, principalmente por ligação, era algo
que mexera comigo durante dias nas poucas vezes em que acontecera.
Eu não gostava da forma como a culpa se instalava em mim ao escutá-
la chorar, e somente o ato de pensar naquilo era o suficiente para que eu
começasse a me revirar em remorso e pesar.
Saindo do carro, dirigi-me ao elevador e foi apenas ao entrar no
pequeno cubículo que meu celular voltou a tocar novamente.
Franzi o cenho, porque... Porra.
Grace Reed nunca insistia.
Não quando tratava-se de mim.
O que apenas podia significar que havia algo errado ali. Talvez ela
quisesse me dar algum tipo de notícia? Bom, não fazia muito o feitio dela.
Quem me atualizava de possíveis informações sobre a minha família sempre
havia sido Lake, então por que...?
— Mãe? — finalmente a atendi, forçando-me a deixar meus
questionamentos de lado e descobrir do que aquilo se tratava.
— Ah, filho. — A voz estava trêmula. O suspiro claramente era algo
entre o alívio e a apreensão, e ela não hesitou em ser direta ao questionar: —
Sua irmã está por aí?
Uau.
Não era exatamente aquilo que eu estava esperando.
— Ãhn... Na verdade, não. Lake saiu com Mason para jantar —
respondi, aguardando por uma resposta que não veio de cara. — Mãe? Ainda
está aí?
Após dois ou três segundos, finalmente disse:
— Ah.
Ela parecia decepcionada.
Por que ela parecia decepcionada?
Por que não estava feliz em ouvir minha voz?
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, em um misto de confusão e
desconfiança.
Silêncio.
Embora eu não estivesse a vendo, podia imaginá-la com clareza
encostada no balcão da cozinha, com os olhos fixados na parede enquanto
mordia seu lábio, nervosa. Durante toda a minha vida, eu a havia visto fazer
aquilo quando não sabia responder a perguntas como aquela.
— O que houve? — insisti, colocando-me para fora do elevador no
momento em que as portas se abriram.
— Nada, querido. — Sua voz estava cheia de uma falsa tranquilidade.
— Não quero te preocupar.
— Você queria falar com a Lake — observei. Meus passos agora
pareciam mais irritados à medida em que eu atravessava o corredor em
direção à porta do meu apartamento. — Por quê? O que quer falar com ela,
que não pode falar comigo também?
Seu suspiro indicando exaustão não demorou a alcançar meus ouvidos.
— Colton...
— O que foi?
— Não é nada, meu amor. — Suas palavras tremeram, chorosa. — Seu
pai e eu brigamos, só isso. Ele saiu sem dizer para onde estava indo, depois
de algumas doses de uísque, e não atende mais minhas ligações. Queria que
sua irmã tentasse ligar para ele, para convencê-lo a voltar para casa.
Então, uma fagulha de raiva percorreu meu corpo. Não só porque eu
sabia como meu pai poderia ser quando estava puto e bêbado, mas também
porque ela sequer cogitara falar comigo sobre aquilo. Até mesmo quando me
ligara, era para falar com Lake.
No entanto, quem eu queria enganar, afinal? Desde que saíra de
Boston, tudo o que eu menos fizera havia sido demonstrar qualquer tipo de
apoio a ela. Raramente respondia às suas mensagens de texto, quase nunca
atendia às suas ligações e, quando por algum milagre eu as atendia, fingia que
a chamada estava péssima e que não conseguia escutar o que ela dizia,
principalmente quando sabia que ela estava prestes a cair em prantos e se
debruçar em lágrimas.
Eu ficaria, de fato, surpreso se ela acreditasse que poderia contar
comigo mesmo após dois anos lhe provando o contrário, por mais que nunca
houvesse sido essa a minha intenção.
Aqueles pensamentos fizeram meu estômago se revirar e a culpa voltar
a percorrer meu sangue com vigor, mas eu tratei de ignorar o que estava
sentindo para colocar minha mãe em primeiro lugar pela primeira vez em
alguns anos.
— Ele te machucou? — Minha pergunta saiu com um ranger de dentes.
Agora eu estava parado em frente à porta do meu apartamento, mas não
fiz menção alguma de entrar. Meus pés continuaram cravados ao chão, a mão
livre cerrada com força ao lado do corpo enquanto eu aguardava por uma
resposta.
Quando não a obtive, o sangue subiu à minha cabeça, juntamente ao
sentimento de ódio, e tudo o que eu consegui enxergar foi vermelho.
— Mãe. — Fui duro. — Aquele filho da puta tocou em você?
— Não. — Sua resposta foi um sopro trêmulo, o que claramente não
me convenceu nem um pouco.
— Mãe...
— Ele não fez nada comigo, querido — ela garantiu, dessa vez um
pouco mais convicta.
— Você tem certeza disso?
— Tenho, meu bem. — Fez uma pausa, cansada. — Quando sua irmã
chegar, pode pedir para que ela me ligue?
Apertei meus lábios para a pergunta, incomodado com aquela merda.
Mesmo assim, ela ainda queria que Lake a ajudasse?
Argh.
— Por que não me ligou?
A linha silenciou-se durante poucos segundos, como se aquilo tivesse a
pegado de surpresa.
— Acabei de te ligar, Colton.
Eu inspirei fundo, reformulando a pergunta:
— Por que não me ligou para falar comigo?
E, mais uma vez, ela manteve-se muda durante mais tempo do que eu
podia contar.
— Eu não... — Sua voz morreu no caminho. — Não imaginei que...
— O quê? — persisti.
— Não pensei que fosse se importar.
E embora eu já imaginasse, aquilo não impediu que suas palavras
atingissem meu estômago como um soco e um gosto amargo se instaurasse
na minha boca. Não era novidade que ela pensasse assim. Eu havia lhe dado
todos os motivos para que chegasse àquela conclusão. Mas ouvi-la
confessando que acreditava que eu estava praticamente cagando para ela fazia
com que eu quisesse esmurrar a porra da parede.
Contudo, eu não o fiz. Apenas passei a língua por meus lábios secos e
ignorei a azia que tomou conta de mim diante das suas palavras.
— Mãe?
— Hm?
— É melhor que ele não volte para casa hoje — eu disse, severo. —
Pouco me importa se ele mal encostou em você. Espero que ele durma na
porra de um hotel até estar sóbrio. Você e eu sabemos que ele não é
exatamente um príncipe quando está bêbado.
Nem quando está sóbrio, quis completar, mas não o fiz, porque ela
também sabia daquilo. Não precisava que eu jogasse na sua cara fatos com os
quais ela lidava há mais de vinte e cinco anos naquela merda de casamento.
Ao outro lado da linha, minha mãe soltou um suspiro.
E eu apenas baixei a cabeça e encarei o tapete abaixo dos meus pés, em
silêncio, encostando minha testa de leve na porta de entrada quando tudo que
ela disse, com a voz carregada de tristeza, foi:
— Fique bem, querido. Boa noite.
“Você pode contar comigo como um, dois, três
Eu estarei lá
E sei que quando eu precisar
Posso contar com você como quatro, três, dois
E você estará lá.”
Count On Me | Bruno Mars

— Uau, que surpresa boa. Finalmente se lembrou de que tem pais?


Aquela foi a primeira coisa que meu pai, Oliver, disse ao atender ao
telefone. Eu desabei no sofá, revirando os olhos mesmo que ele não estivesse
vendo, e então encarei o teto ainda com o celular grudado à orelha.
— Você diz isso como se não tivesse visto minha mensagem dizendo
que estava com saudades ontem mais cedo, e simplesmente ignorado.
— Não ignorei — murmurou ele, parecendo levemente ofendido. — Só
esqueci de te responder.
— Bom saber. Da próxima vez em que eu me esquecer de te responder,
espero que não surte de novo e me ligue vinte vezes no meio da minha aula.
E por mais que eu não o estivesse vendo, tive certeza de que seu queixo
foi de encontro ao chão e a boca formou um perfeito “O”, em um misto de
ofensa e reprovação.
— Sou seu pai. Posso fazer isso.
— Ah, cala a boca — eu nem hesitei em responder, acompanhada de
uma risada.
Se me pedissem para numerar três pessoas com quem eu sabia com
toda a certeza de que poderia contar pelo restante da minha vida, Oliver e Tan
definitivamente estariam em primeiro lugar, não como pais, mas sim como os
melhores amigos que eu poderia ter. Nós não éramos o tipo de família que
costumava impor limites entre pai e filho. Éramos o tipo de família que
derrubava quase todas aquelas barreiras para nos tratar como merecíamos
sermos tratados. E aquilo incluía, majoritariamente, momentos de zombarias.
— Acho que seu pai chegou do trabalho. Um minuto — disse papai,
antes que um barulho de cadeira arrastando-se alcançasse os meus ouvidos.
Eu apenas aguardei, observando minhas unhas curtas enquanto
escutava o som de chaves, murmurinhos longe da linha e a porta batendo em
seguida.
— Ei, filha! Quanto tempo. — Agora era Tan na linha, praticamente
berrando próximo demais do microfone, o que fez com que eu tivesse que
afastar um pouco o celular da orelha. — Lembrou que tem pais?
— Foi exatamente o que eu disse — Oliver berrou no fundo da ligação.
Eu revirei meus olhos.
— Vocês combinaram de dizer isso?
A risada de Tan reverberou pela linha.
— Queria dizer que sim, filha, mas aparentemente só passamos tempo
demais juntos. — Então sua voz tornou-se distante ao dizer: — Oliver, deixe
as compras aí. Nós podemos guardá-las amanhã.
Eu torci o nariz para o comentário e afastei meu celular do rosto apenas
para checar o horário.
— São quase onze horas da noite. O quê...? — Fiz uma careta
reprovadora, embora ele não estivesse vendo. — Não acredito que, além de
estar até agora pouco no trabalho, você ainda passou no supermercado.
— E eu não acredito que você já é grande o suficiente para me dar
bronca, A.
— Se eu estivesse aí, você estaria ouvindo muito mais que só um tom
reprovador.
— Ah, nós sabemos. — A voz de Oliver soou distante, como se ele
estivesse do outro lado do ambiente, fazendo-me concluir rapidamente que eu
estava no viva voz.
— E, falando em estar aqui... — Tan fez uma pausa. — Quando vai
arrumar um tempo para os seus velhos? Seu quarto ainda existe, mas não sei
se conseguirei segurar Oliver por muito tempo. Ele está apenas esperando
completar dois meses desde que você se foi para transformar o espaço em um
ateliê.
Meu queixo foi ao chão.
Então era por isso que meu pai parecia ainda mais animado que eu
com a história toda da minha mudança para Nova York.
Ridículo.
Diferente de Tan, que trabalhava como contador em uma empresa
bastante renomada em Bridgeport, Oliver era um artista até que bem
conhecido pelas ruas da cidade, não só pelo seu talento incrível com pinturas,
mas também pelo caráter bondoso. Todos que o conheciam, amavam-no e
faziam questão de comprar até mesmo os quadros abstratos e sem sentido que
ele costumava fazer em poucas horas por um preço exorbitante.
— O quê? Não completaram nem três semanas desde que eu cheguei
aqui, e vocês já querem transformar meu antigo quarto em um ateliê de
pintura?
— Oliver quer.
— Não jogue toda a culpa para mim, Tan. Você está tão ansioso quanto
eu para...
Mas eu não demorei a cortá-los.
— Vocês não vão transformar meu quarto em um ateliê.
— Filha...
— Mudem algo de lugar, e saibam que enfrentarão a minha ira —
ameacei, e quando nenhum dos dois respondeu-me, sentei-me no sofá em um
movimento brusco, permitindo que meu queixo fosse ao chão no momento
em que liguei os pontos diante do silêncio deles. — Não acredito que vocês já
começaram!
— Nós não... — Tentou Tan, mas eu o interrompi.
— Papai? — Era assim que eu chamava Oliver sempre que estava em
busca da verdade.
A ligação voltou a silenciar-se por mais um momento, antes que um
suspiro alcançasse os meus ouvidos.
— Ok, talvez nós já tenhamos tirado a sua cama.
— Oliver!
— O quê?! — praticamente gritei. — Vocês são inacreditáveis. Onde
vou dormir quando for visitar vocês?
— Admita que você sempre preferiu a cama do quarto de visitas —
disse Tan, e eu tinha certeza de que suas sobrancelhas estavam levantadas em
afronta.
Bem, aquilo não deixava de ser verdade.
Desde que deixei de gostar de pôneis cor-de-rosa e bonecas
aterrorizantes, passei a dormir no quarto de visitas pelo simples fato de
morrer de dó de encaixotar todas as coisas que remetiam à minha infância.
Ou seja, o meu quarto inteiro.
Argh.
Já tinham anos que o meu quarto era apenas um museu, cheio de
recordações da minha infância e adolescência, e não era porque eu preferira
dormir no quarto de visitas que deixara de amar meu museu de infância.
Antes que eu pudesse respondê-los com um tom revoltado, no entanto,
alguém tocou à minha porta da frente, e eu franzi o cenho, estranhando o
horário.
— Tenho que desligar — anunciei. — Mas estou planejando visitá-los
durante o spring break, em março. Estarei contando com uma semana inteira
dos meus pratos favoritos como forma de desculpa por terem se livrado da
minha antiga cama sem nem ao menos falarem comigo. — Fiz uma pausa e,
antes de desligar, acrescentei: — Ah! E não ousem tocar nos meus diários.
— Anotado.
— Ok.
Com aquilo, encerrei a ligação e levantei-me do sofá em direção à porta
de entrada.
Não surpreendi-me ao encontrar duas órbitas cinza encarando-me no
momento em que girei a maçaneta, mas definitivamente fui pega de surpresa
com o tom aflitivo que Colton carregava ali.
O moreno passou por mim, com aquele hábito irritante de entrar sem
sequer pedir permissão, e sentou-se no sofá em que eu estava deitada
segundos antes, enterrando o rosto nas mãos largas.
Eu não o via desde a minha caminhada da vergonha, três dias atrás, mas
tratei de fingir naturalidade, pigarreando ao fechar a porta atrás de mim e
observá-lo exatamente de onde estava.
Colton não parecia estar em um bom dia e, a julgar pela forma como
ele passou as mãos pelo rosto, antes de afundá-las no cabelo escuro e fechá-
las com força, pude ter quase certeza de que aquilo tinha algo a ver com seus
pais.
— Sou tão egoísta, Bree — ele disse, de repente. A voz saiu de seus
lábios por um fio tão fino que temi que ele pudesse romper a qualquer
instante, debruçando-se em lágrimas.
Franzi meu cenho em resposta, e me aproximei vagarosamente dele.
— Por que está dizendo isso? Claro que você não é egoísta, Colton. —
Usei o tom de voz mais suave que pude, antes de me sentar ao seu lado e
repousar uma mão em seu ombro. — O que houve?
O garoto não respondeu. Ao menos, não de imediato.
Tudo o que fez foi inspirar profundamente, ainda com o rosto enterrado
nas enormes mãos.
Eu afaguei suas costas em um carinho leve e silencioso, aguardando
pacientemente que ele tivesse seu tempo para processar o que quer que
estivesse acontecendo.
Diferente de mim, Colton não estava de pijama. As calças jeans e o
casaco pesado me diziam que ele provavelmente acabara de chegar de algum
lugar, embora o relógio já beirasse às onze horas da noite de uma quarta-
feira, o que me fez perguntar por um instante se ele devia estar bêbado. Mas
Colton não cheirava a nada além de seu típico perfume masculino que, em
qualquer outro momento, faria-me perder os sentidos.
— Minha mãe me ligou — ele finalmente disse algo, após levantar sua
cabeça para grudar seus olhos nos meus. — Ela estava... Eu tenho certeza que
estava chorando. Parecia... Não sei como explicar. — Respirou fundo
tentando encontrar as palavras. — Ela e o meu pai discutiram. E... porra —
praguejou. — Sei que parece idiotice e besteira minha, mas acho que a merda
da minha ficha finalmente caiu. Ela me ligou, mas não queria falar comigo.
Me ligou para que pudesse pedir ajuda para a minha irmã. Acho que dei todos
os motivos do mundo para que ela acreditasse que não podia contar comigo,
que eu não me importava com ela. E hoje ficou mais que claro que ela
realmente acredita nessa merda. — Colton fez uma pausa, expirando,
frustrado. Depois, focou sua atenção em algum ponto da parede, com os
olhos parecendo distantes. — E talvez ela esteja certa, Bree. Eu ignoro as
suas mensagens e ligações há mais de dois anos. Porra! Eu ignorei até mesmo
a primeira vez em que ela me ligou hoje. Eu não pensaria diferente, se
estivesse no lugar dela. Sou um filho da puta egoísta pra caralho.
— Você não é egoísta, Colton — eu reforcei, daquela vez um pouco
mais dura, e o obriguei a me encarar. — Você só estava focando na sua dor.
E se foram precisos dois anos para que você pudesse recuperar-se de seja lá o
que aconteceu em Boston, então que seja. Isso não te torna egoísta, está me
ouvindo?
— O problema, Bree, não é o que aconteceu em Boston. É quem está
em Boston.
Esperei que ele explicasse, mas ele não o fez, parecendo hesitante
demais apenas com a ideia de adentrar naquele assunto.
— Seu pai? — perguntei, por mais que já soubesse a resposta.
Sabia que estava forçando a barra ali, mas talvez Colton estivesse
precisando daquele empurrãozinho para entender os próprios sentimentos. E,
embora ele nunca tivesse se mostrado realmente aberto para conversar sobre
o assunto, eu tinha certeza de que ele não estaria ali se não se sentisse à
vontade comigo para um possível desabafo.
Ele expirou o ar profundamente, fechando os olhos em seguida, e um
vinco formou-se em sua testa como se apenas a menção daquelas duas
palavras o fizesse sentir algum tipo de dor.
— Não sei se quero falar sobre isso — confessou, levantando-se do
sofá para se afastar de mim, completamente na defensiva.
Eu inspirei fundo e levantei-me, não admitindo que ele voltasse a
levantar aquele muro que o separava de um assunto tão doloroso e o fazia tão
mal.
— Algum dia você terá que falar sobre, Colton. — Soprei,
cuidadosamente envolvendo suas bochechas com minhas mãos, com seu
rosto próximo demais do meu em uma tentativa de fazê-lo entender. —
Desabafar vai te fazer bem, eu prometo. Ninguém consegue aguentar todos os
seus demônios internos em silêncio. Ninguém.
Mas ele não disse nada. Apenas continuou me encarando com a mais
pura incerteza, como se não tivesse a mínima ideia do que fazer em seguida.
Eu sustentei meu olhar ao seu, transmitindo da melhor forma que pude
o sentimento de confiança e parceria.
Então, sussurrei:
— Confie em mim.
Durante incontáveis segundos, seus olhos continuaram grudados aos
meus, angustiados. Eu praticamente podia enxergar a batalha interna que
acontecia em seu peito, entre deixar de lado o escudo que ele parecia
acostumado a carregar consigo, ou continuar fechando-se de tudo e todos
sempre que aquele assunto surgia.
E quando seu corpo relaxou diante do meu toque e um suspiro exausto
escapou dos seus lábios, pude ter certeza de quem havia vencido a batalha.
Colton voltou a cair no sofá, derrotado, e, pelos próximos minutos,
tratou de me explicar tudo que o fizera chegar no ponto em que chegara. Ele
comentou desde pequenas atitudes rudes e agressivas que seu pai tomava
quando ele era mais novo — não só com ele, mas com sua irmã e sua mãe
também —, até o momento em que foi aceito na NYU no curso de Música.
Algo que seu pai jamais aceitara, certo de que ele morreria de fome, falido,
depois de “sugar toda a energia e dinheiro de todos à sua volta como um
maldito parasita”, em suas próprias palavras.
Eu continuei em silêncio, escutando com toda a atenção do mundo cada
uma das palavras de Colton, até que ele finalmente parou, inspirando como se
todo o seu ar houvesse ido embora junto com o que havia dito.
Então, balancei a cabeça, processando aquele bando de informação
antes de chegar à uma conclusão.
— Entendi. Você está...
— Na merda — ele completou por mim, e um gemido exausto escapou
de seus lábios assim que ele desabou seu tronco no sofá.
— Aflito — corrigi, após longos segundos em silêncio. — E continuará
aflito enquanto não colocar um ponto final em tudo que vem te
proporcionando esse sentimento, Colton. Sei que é difícil — fui sincera,
porque eu realmente sabia —, mas a única forma de fazer com que essas
situações deixem de te atormentar, é seguindo seu instinto.
Seus olhos piscaram um par de vezes, absorvendo cada uma das minhas
palavras em silêncio. Após longos segundos, notei que seu pomo de adão
subiu e desceu quando ele engoliu em seco.
— Não sei o que meu instinto diz — admitiu.
— Não? Porque eu sei.
— Sabe? — Seu tom de voz era um misto de curiosidade e dúvida,
assim que eu me ajeitei no sofá, virando meu corpo totalmente para ele.
— Vou te contar sobre um filósofo.
Ele franziu o cenho, como se tivesse entendido errado.
— O quê?
— Vou te contar sobre um filósofo — repeti. — Seu nome era Jean
Paul Sartre. Conhece?
— Por que você ainda pergunta?
Sua resposta fez com que eu soltasse um risinho, antes de prosseguir:
— Sartre, além de filósofo, era um escritor. Ele escrevia romances
desde criança e era incentivado por toda a sua família e professores quando
pequeno. Só havia uma pessoa que não o apoiava naquilo.
— Seu pai? — Ele tentou adivinhar.
Neguei com a cabeça.
— Seu avô. — Soprei, como se aquilo fosse algum tipo de segredo
super secreto. — Ele estava conformado que Sartre não abandonaria a
literatura, mas se recusava a aceitar que seu neto se tornaria um escritor,
então incentivou-o a seguir a carreira de professor de Letras. Mas, o que seu
avô não imaginava era que, tentando tirá-lo do caminho da escrita, ele apenas
consolidou ainda mais Sartre nela.
Colton franziu o cenho para a história, remexendo-se no sofá. Depois
abriu um sorriso divertido no rosto e disse:
— Essa é a sua forma de dizer que quando a vida te dá limões, você
deve fazer uma limonada?
Eu gargalhei em resposta, mas também obriguei-me a revirar os olhos
para ele.
— Claro que não, seu idiota!
— Tem certeza disso? — indagou o garoto, acompanhando-me na
risada. — Porque parece.
Tentando diminuir o sorriso em meu rosto, a fim de manter a seriedade
diante daquela conversa, balancei a cabeça e forcei-me a prosseguir.
— Só contei a história de vida de Sartre porque me lembrou da sua,
mas o foco, na verdade, é outro — expliquei. — Sartre dizia que tudo o que
acontece nas nossas vidas é proveniente do passado e das escolhas que
fizemos nele. Você está como está hoje, porque optou por focar na sua dor
antes de focar na dor de sua mãe, e está tudo bem. Mas, agora, você deve
refletir se escolhas como as que você tem tomado ultimamente farão com que
você encontre paz no seu coração, ou angústia nele.
Colton pensou.
Um, dois, três segundos.
Então, semicerrou os olhos na minha direção, como se eu fosse um
bicho com sete braços, e balançou a cabeça, confuso.
— Bree — começou ele —, que tal falar a nossa língua?
Soltei um suspiro em resposta, tratando de relembrar-me que nem todos
entendiam as analogias malucas que eu costumava fazer. E, por “nem todos”,
eu me referia a quase ninguém. Meus pais olhavam-me da mesma forma que
meus amigos quando eu começava com aquele papo filosófico, que era
exatamente a mesma forma que Colton me olhava agora.
— Você não gosta do resultado das suas escolhas do passado — tratei
de resumir. — Talvez esteja na hora de fazer novas escolhas.
Ele piscou.
— Talvez.
Mas seus traços ainda demonstravam confusão, fazendo com que eu
reformulasse o pensamento pela terceira vez:
— O que eu estou tentando dizer...
— Eu entendi o que você quis dizer — interrompeu-me, balançando a
cabeça afirmativamente. — E acho que cheguei à uma conclusão.
— E qual conclusão seria essa?
Mas Colton não respondeu de imediato, em uma hesitação clara que
logo fora camuflada por palavras decididas quando tomou coragem para
declarar seu próximo passo:
— Preciso dar um basta nessa merda toda com meu pai.
Arqueei minhas sobrancelhas para ele, impressionada.
Contudo, não demorou para que sua insegurança voltasse a assumir o
controle.
— Só não sei como dar esse basta — grunhiu Colton, depois de passar
as mãos pelos cabelos, frustrado. — Nem sei por onde começar.
Abrindo um sorriso prestativo, alcancei sua mão e, no mesmo instante
em que nossas peles se tocaram, uma onda de calor atravessou todo o meu
corpo, mas que me obriguei a ignorar. Colton sequer parecia lembrar-se de
que havíamos ficado na sua cama, aos amassos, no último fim de semana. Ou
lembrava-se e apenas estava fazendo tudo aquilo que nós havíamos
combinado com uma extrema maestria; fingir que nada havia acontecido.
O que, surpreendentemente, pareceu me incomodar por um milésimo
de segundo, antes que eu bloqueasse todos aqueles meus pensamentos para
voltar a focar no que realmente importava ali.
— Você sabe, sim — eu garanti. — É só seguir a sua intuição.
O garoto assentiu, refletindo sobre as minhas palavras em silêncio,
como se estivesse tentando internalizar cada uma delas para o restante de sua
vida.
Quando finalmente pareceu fazê-lo, ele levantou-se do sofá.
— Você é incrível, Bree.
— É claro que sou. — Ri, levantando-me também.
Então, o acompanhei até a porta quando ele mencionou algo sobre estar
tarde e ser melhor que me deixasse dormir.
Forcei-me a concordar, embora tudo o que meu corpo parecia querer
era que ele ficasse para que abríssemos mais uma garrafa de tequila e amanhã
fingíssemos novamente que o que poderia acontecer hoje, jamais houvesse
acontecido.
Pare com isso, Aubree, minha mente me repreendeu. Não é isso que
você quer.
Mas, na verdade, era exatamente aquilo que eu queria.
Pigarreei para os meus pensamentos, quase como uma bronca por
parecerem tão audíveis, o que fez com que os olhos cinzentos de Colton
voltassem para mim, e fosse preciso um sorriso forçado da minha parte para
fingir que eu não estava em um embate acirrado entre minha razão e a minha
emoção dentro da minha mente, naquele mesmo momento.
— Qualquer coisa, estou a uma porta de distância — eu disse, após
girar a maçaneta.
Colton sorriu para mim. Um sorriso genuíno. Exatamente o oposto do
que ele parecera sentir quando surgiu aqui, pouco mais de uma hora atrás.
Fui pega de surpresa no momento em que seus braços voaram na minha
direção, puxando-me para um abraço tão apertado que eu senti o ar escapar
dos meus pulmões involuntariamente, e um ganido sufocado fugiu pela
minha garganta.
Aquilo, no entanto, não foi o suficiente para que ele me largasse e, após
um ou dois segundos, eu também estava longe de querer aquilo. Inclusive, eu
não me importaria em nos grudar com cola extraforte naquela mesma posição
em que estávamos; com a minha cabeça repousada em seu peito e o seu rosto
enterrado no meu cabelo.
— Obrigado — foi tudo o que ele disse, após desvencilhar-se de mim, e
eu precisei conter um suspiro frustrado com a separação dos nossos corpos.
— Mesmo.
— Você não precisa agradecer.
Um sorriso abriu-se em meu rosto, em uma tentativa de fingir
naturalidade, como se meu corpo não parecesse ter saído totalmente do meu
controle naqueles últimos dias, reagindo da forma como bem entendia toda
vez em que Colton Reed estava por perto.
Malditos hormônios.
Pigarreei mais uma vez para espantar o entorpecimento de quase todos
os meus músculos diante do seu toque, e inspirei profundamente, em puro
desespero (embora eu, de fato, parecesse ser uma ótima atriz porque Colton,
em momento algum, aparentou notar a guerra de sensações que explodia
dentro de mim naquele instante).
Pelo menos, eu achava que não.
Mas, para reforçar a minha atuação digna de Oscar, eu acrescentei com
o melhor sorriso que pude:
— Sou sua amiga, estou aqui para isso.
Colton automaticamente retribuiu o sorriso, passando pela porta do
meu apartamento, rumo à sua, o que finalmente fez com que meus pulmões
voltassem a funcionar sem os meus comandos manuais.
Contudo, quando eu estava prestes a voltar para dentro, sua voz
chamou a minha atenção.
— Bree?
Meus olhos correram até os seus e eu esperei.
Então, Colton abriu aquele sorriso, que praticamente estampava em
letras neons que ele tinha algo em mente do qual eu provavelmente não
gostaria.
— Vamos para Boston depois do trabalho voluntário no sábado.
Quase engasguei-me na minha própria saliva.
— Vamos?
Seu sorriso cresceu, antes que uma risada escapasse dos seus lábios.
“Tão ingênua”, era o que parecia dizer.
— Prepare-se para conhecer Boston, Bree. Você vai odiar tanto quanto
eu.
“E, ah, amor
Você sente que está difícil?
Por que é só em você que eu penso?”
Too Much To Ask | Niall Horan

O sol estava começando a se pôr quando Colton anunciou que


estávamos chegando, depois de pouco mais de quatro horas de viagem. Eu já
havia cochilado, devorado um pacote de salgadinhos, esticado as pernas em
cima do painel da forma que pude, e cantado as músicas da playlist de Colton
a plenos pulmões enquanto o garoto seguia firme na direção, com os ombros
tensos e os lábios apertados.
Os olhos cinza estavam grudados na estrada, concentrados. Vez ou
outra, ele olhava-me de soslaio e soltava um risinho ali e um comentário
engraçadinho aqui, mas ainda assim eu podia notar a tensão exalando de seu
corpo com clareza, como se alguém estivesse apontando uma arma na sua
cabeça e o obrigando a dirigir em direção ao inferno.
Colton havia passado o dia todo assim. Quando o encontrei hoje de
manhã no corredor do prédio, ele estava roendo as unhas. No caminho para o
orfanato, ele não escutara uma palavra sequer das coisas que eu havia dito.
Nem mesmo quando eu lhe testei, dizendo algo absurdo sobre um urso polar
ter invadido o meu banheiro mais cedo. Tudo o que Colton dissera em
resposta àquele evento irracional e maluco, no entanto, foi: “Sério? Que
legal”.
Havia sido assim o dia inteiro. O único momento em que, de fato, vi-o
relaxado, foi enquanto divertia-se com as crianças do orfanato.
Hoje Colton havia levado um violão para o trabalho voluntário. Assim
que chegamos, ele sentara-se para tocar alguns acordes e as crianças foram à
loucura. Elas queriam tocar, e ele parecia tão animado quanto para ensiná-las.
E, mais uma vez, a cena de Colton Reed sentado ao chão com um bando de
crianças havia sido a coisa mais sexy que eu já havia visto em toda a minha
vida.
Por um momento, perguntei-me se todas as vezes em que fosse ao
orfanato, seriam assim: Colton divertindo-se com as crianças, e eu prestes a
abrir minhas pernas para ele ali mesmo, diante de imagens como aquela.
Aquele havia sido o segundo dia de trabalho voluntário, e o segundo dia em
que eu precisei me preocupar em fingir não estar babando por um cara
quando, na verdade, deveria me preocupar com crianças babonas.
Honestamente, aquilo estava começando a deixar-me inquieta.
Desde o primeiro instante em que o vi, eu sabia que Colton seria
problema, e não foi preciso mais que dois dias para que eu confirmasse
aquilo. No entanto, até uma semana atrás, Colton Reed era apenas aquilo: um
rostinho bonito, com um corpo ainda mais bonito, e uma lábia da qual eu já
conhecia e não me deixaria cair.
Um teste do universo, como Marie Anne vivia dizendo.
Mas, de uma semana para cá — desde o maldito beijo bêbado que
jamais deveria ter acontecido —, algo parecia ter mudado. Enquanto Colton
aparentava mais desinteressado, como se o que houvesse acontecido no
sábado passado realmente não tivesse significado algum para ele, eu, ou
melhor, o meu corpo parecia ainda mais interessado na ideia dele.
Bastava um olhar para que uma mistura de sensações aflorasse em meu
peito e o meu estômago desse um giro de trezentos e sessenta graus. Pior:
bastava um toque da sua pele na minha ou um simples sorriso daqueles que
deixavam qualquer garota molhada para que algo entre as minhas pernas
acontecesse.
Preocupante.
Aquilo fazia com que eu quisesse vomitar de nervoso. Não gostava da
forma como Colton fazia com que eu me sentisse. Para ser mais clara, eu
odiava a forma como ele me fazia sentir. E, talvez, odiasse ainda mais o fato
dele parecer tão calmo e indiferente àquilo.
Não sei.
Eu estava... Confusa?
Merda de beijo.
Se tivéssemos mantido nossos limites, Colton continuaria sendo apenas
mais um amigo com um rosto bonito.
E com um beijo delicioso, minha mente tratou de acrescentar.
Cala a boca, Aubree, briguei comigo mesma, em pensamentos.
Então, pigarreei, como sempre o fazia em uma forma de repreender a
mim mesma pelos pensamentos inoportunos.
— Preciso fazer uma confissão — admiti, em voz alta, voltando meus
olhos à figura calada de Colton.
Ele demorou a reagir, o que, por um momento, fez-me questionar se ele
sequer havia escutado o que eu havia dito. Antes que eu pudesse repetir,
contudo, seu rosto virou-se ligeiramente na minha direção, dando-me uma
rápida olhadela.
— Nossas confissões são só na madrugada, Bree — disse ele,
novamente com a atenção inteiramente na estrada. — Guarde para mais tarde.
Não pude evitar arquear uma sobrancelha em resposta.
Segundos mais tarde, eu já havia virado todo o meu tronco para ele,
encostando minhas costas na porta do carro. Um dos meus joelhos agora
estava dobrado, apoiado no encosto, com o pé firme no assento.
— Guardar a confissão para mais tarde não vai te deixar nem um pouco
curioso com o que eu tenho a dizer?
Seus lábios apertaram-se, como se ele estivesse pensando a respeito,
seguido de um expirar lento e um dar de ombros.
— Se tiver algo a ver com o quanto eu sou gostoso ou o quanto você
quer me beijar, prefiro que seja em um momento em que eu possa fazer algo
a respeito — disse ele com a maior naturalidade do mundo, embora o sorriso
que atravessara seu rosto fosse o suficiente para esclarecer que ele estava
apenas brincando.
Aquilo, no entanto, não impediu meu queixo de ir ao chão, antes que
uma risada nervosa escapasse dos meus lábios.
— Então tá bom — foi tudo o que eu ousei responder, voltando a
sentar-me de forma adequada no assento do carro.
A estrada estava vazia, o que permitia que Colton andasse livremente
pela faixa da direita e da esquerda, em uma velocidade constante e, arriscava
dizer, até mesmo acima do permitido, mas não seria eu a responsável por
pará-lo. Ao menos, não hoje. Não quando o único motivo pelo qual ele
parecia estar correndo era para acabar logo com algo que lhe atormentara
durante anos.
— Ok — Colton voltou a pronunciar-se, quebrando o silêncio que
instaurou-se no carro. — Agora você vai ter que falar.
Apertei meus lábios para não rir.
— Não foi você que disse agora mesmo que eu deveria esperar até mais
tarde?
— Ah, cala a boca, Bree — disse ele, rindo. — Fala logo.
— Minha confissão não era nada sobre sua gostosura ou o quanto você
acha que quero te beijar — tratei de esclarecer logo e Colton fez um biquinho
triste. — Só iria dizer que, no auditório, quando você se mostrou interessado
pelas horas complementares da faculdade num trabalho voluntário, e não, de
fato, interessado no trabalho e nas crianças, pensei que você seria um desastre
com as crianças. Mas a verdade é que você tem muito jeito com elas.
Ele piscou, aparentando estar levemente sem jeito com a confissão, e
tirou uma das mãos do volante para coçar a nuca.
— Ah. Valeu. — Fez uma pausa. — Eu acho.
Automaticamente, virei-me no banco na mesma posição em que estava
dois minutos atrás, e estudei todo o seu rosto, curiosa.
— Você já pensou em ter filhos?
A pergunta pareceu pegá-lo desprevenido, mas um piscar de olhos
depois, Colton já havia escondido a surpresa com um sorriso divertido.
— A gente nem planejou o casamento e você já está me perguntando
sobre filhos?
Eu revirei os olhos, rindo.
— Não, seu idiota. Eu quis dizer num futuro distante. Quando você
estiver casado com alguma louca que se comprometa a te aturar pelo resto da
sua vida, você pretende ter filhos?
Colton não respondeu de imediato.
A julgar pela forma como seus ombros enrijeceram-se e como suas
mãos apertaram o volante com mais força, aquilo não era um assunto do qual
ele considerava agradável.
— Hm... — Um pigarreio antecedeu as suas palavras. — Até que gosto
de crianças, mas não é a minha praia.
Franzi o cenho para a resposta vaga.
— Como assim não é a sua praia?
Colton soltou um suspiro exausto.
— Gosto da ideia de ter um filho ou dois, mas na prática isso não daria
muito certo — explicou ele.
Contudo, aquilo não foi o suficiente para que o ponto de interrogação
sumisse do meu rosto.
Disserte, era o que eu queria dizer.
No entanto, tudo o que fiz, foi manter-me em silêncio.
— Nunca tive um exemplo de pai, Bree — o garoto voltou a falar. —
Meu pai nunca foi, de fato, um pai. Nunca nos levou para um jogo de
beisebol e muito menos para a escola. Ele nunca esteve presente e, os
momentos em que esteve, eram majoritariamente uma grande bosta. Sempre
foram coisas do tipo: Howard gritando com a minha mãe, Howard me
batendo de cinta. Até mesmo Lake, que é a sua queridinha, já sofreu na mão
dele.
A princípio, limitei-me ao silêncio. Não costumava julgar as pessoas
sem conhecê-las, mas pelo pouco que Colton havia me dito sobre Howard
Reed, ele era um maldito filho da puta que jamais seria merecedor da mínima
migalha de amor que seus filhos pudessem lhe dar.
Então pisquei, processando cada uma daquelas palavras e tentando
relacioná-la de alguma forma à conversa que estávamos tendo.
Eu não era burra. Sabia qual era a relação que Colton fazia ali entre o
péssimo exemplo de pai e o fato de “ter filhos não ser sua praia”, mas aquela
relação estava longe de ser algo correto a se pensar. Era quase tão absurdo
quanto a possibilidade de um coelho casar-se com um elefante.
— Ok... — Concordei com a cabeça, franzindo o cenho em seguida. —
E o que exatamente isso tem a ver com você?
Colton suspirou.
— Eu nunca saberia ser um pai exemplar — admitiu. — Não tenho
nem ideia de por onde começar. E prefiro morrer, do que saber que não sou o
tipo de pai que meus filhos gostariam que eu fosse.
— Você não precisa de um bom pai para tornar-se um ótimo pai,
Colton — eu disse, voltando a sentar-me direito no banco. — Você mesmo
disse que seu pai nunca te levou para a escola ou para um jogo de beisebol.
Você sabe das coisas pelas quais passou e como a ausência de um verdadeiro
pai interferiu na sua vida. E quando você finalmente tiver a chance de se
tornar um pai, leve como exemplo as coisas que você gostaria de ter feito
com o seu e as coisas que você gostaria que ele tivesse feito por você.
Colton abriu a boca para rebater. Então, fechou-a.
Ainda relutante, ele apenas assentiu com a cabeça, ciente de que não
valia a pena o esforço para me contradizer, e entrou em uma saída à direita
onde uma enorme placa com a palavra “Boston te dá às boas vindas” me
dizia que agora estávamos, de fato, chegando.
Os próximos cinco minutos da viagem foram feitos em silêncio. Um
silêncio levemente desconfortável, mas que eu sabia ser necessário para que
ele digerisse a parte importante da nossa conversa.
Já havia notado que Colton tinha muitos pensamentos errôneos,
decorrentes de mais de vinte anos de convivência com um pai problemático.
Muitos daqueles, colocando-se para baixo ou subestimando a si mesmo em
relação a coisas das quais sequer faziam sentido, o que chegava a ser bastante
irônico quando colocados ao lado da imagem presunçosa e confiante que ele
costumava passar diante das suas falas e jeito.
Aquilo fazia-me pensar na teoria de Carl Jung, um psiquiatra e
psicoterapeuta suíço, que comentava sobre o inconsciente coletivo e os
arquétipos, dentre eles, a persona; considerada uma espécie de máscara que
todos utilizávamos para mostrar aquilo que queríamos que a sociedade visse.
No caso de Colton, uma certa confiança em si mesmo e até mesmo
petulância. Algo que, quem o conhecia a fundo, sabia que na verdade era
apenas uma forma de esconder, não só dos outros, mas também de si mesmo,
tudo aquilo pelo qual ele passara sua vida toda.
— Chegamos — o garoto anunciou, tirando-me dos meus devaneios
assim que parou o carro em frente à entrada exuberante de um grande hotel.
Agradeci quando um funcionário abriu a porta do veículo para que eu
pudesse saltar, e puxei minha pequena mochila comigo. Nós ficaríamos
apenas uma noite na cidade, então trouxera comigo apenas o necessário; duas
mudas de roupa e um nécessaire com meus itens de higiene pessoal.
Seguindo Colton hotel adentro, permiti que ele tomasse controle da
situação na recepção. Ele não havia me dito muito sobre onde ficaríamos
quando deixara claro que precisaria de mim em Boston. Tudo o que fez foi
enviar uma breve mensagem na sexta à noite, dizendo que iríamos direto do
orfanato no dia seguinte e que, portanto, eu deveria levar minha mochila ao
trabalho voluntário. E, por mais que eu estivesse de fato surpresa por
estarmos em um hotel, deveria ter passado pela minha mente que a última
coisa que Colton gostaria seria ficar debaixo do teto do responsável por todos
os seus traumas.
— Sétimo andar, quarto 710. — A recepcionista sorriu para nós,
estendendo um pequeno cartão em seguida.
Agradecendo, nós seguimos pelo hotel movimentado. As luzes eram
quentes, o que tornava o ambiente um pouco mais acolhedor.
Definitivamente, era um hotel caro. Talvez não o melhor de Boston, mas algo
bem perto daquilo a julgar pela estrutura e organização do local.
No quarto 710, meu queixo foi ao chão. O cômodo era pequeno, mas
lindo de morrer. A enorme cama de casal comportava quase todo o espaço e
havia uma janela que ia do teto ao chão, proporcionando-nos uma vista da
cidade de Boston juntamente a um grande lago, no fim do seu entardecer.
Não demorei nem meio segundo para largar minha mochila em qualquer
canto daquele quarto e ir em direção à janela para observar com admiração a
vista que mais parecia uma pintura.
— Como pode dizer que vou odiar Boston com uma vista dessas? —
finalmente consegui falar algo, virando-me apenas o suficiente para ver
Colton largando o celular na mesinha de cabeceira e jogando seu corpo largo
na cama, com os cantos da sua boca erguidos.
— Você mora em Nova York e está impressionada com Boston? —
perguntou ele, em um tom divertido, após dobrar seus braços e colocar as
mãos atrás da cabeça, o que fez com que seus bíceps ficassem bastante
visíveis de trás da blusa fina de manga comprida que trajava.
Voltei meu olhar à vista, antes que ficasse tempo demais observando
aquele detalhe, e então disse:
— Não se desvaloriza uma cidade com a beleza de outra, Colton.
Um risinho escapou da sua garganta.
— Que frase clichê, Bree.
Voltei meus olhos até ele, insultada.
— Você é clichê.
Colton arqueou as sobrancelhas.
— Eu?
— Sim. Você — murmurei, aproximando-me da cama. Então, comecei
a contar nos dedos motivos pelo qual Colton Reed era o cara mais clichê que
eu já havia conhecido em toda a minha vida. — Primeiro: você tem uma
banda.
Colton riu.
— E qual seria exatamente o problema em ter uma banda, Bree?
Eu ignorei a sua pergunta, porque a verdade era que não havia
problema nenhum naquilo. Na verdade, era sexy pra caramba saber que
Colton Reed era um guitarrista e possuía uma certa habilidade com seus
dedos. Honestamente, se eu já não houvesse vivido às sombras de um músico
antes, aquela ideia me deixaria até mesmo animada. Contudo, eu sabia como
aquele mundo da música funcionava e aquilo não era um problema geral,
mas era um problema para mim.
— Segundo: você tem problemas familiares. — Continuei a numerar os
fatores pelo qual ele era um maldito clichê que eu tentava com todas as
minhas forças não gostar. — Terceiro: você é bonito. E gostoso. E todas as
garotas te querem. E você tem... — Apontei para o seu rosto, gesticulando
com o indicador. — Tem esse sorriso aí. Esse que está carregando agora. Um
sorriso astuto que molha calcinhas. — Fiz uma pausa, antes de concluir: —
Todos os clichês têm esse sorriso.
Aquilo apenas fez com que o maldito sorriso em seu rosto crescesse.
— Que molha calcinhas? — Ele segurou uma risada.
— Sim — confirmei, mas assim que meus olhos encontraram o brilho
de malícia nos seus, minha mente pareceu despertar. — Quer dizer, não que a
minha esteja molhada agora. Longe disso. Só estou dizendo que...
— Ela já esteve molhada antes — completou ele, sem se importar em
interromper-me, e colocou as longas pernas para fora da cama ao sentar-se na
ponta do colchão mais próxima de mim. Então deu de ombros com uma falsa
ingenuidade. — Caso o contrário, você não teria como saber que meu sorriso
astuto molha calcinhas.
Abri a boca para respondê-lo. Depois, fechei.
Pela primeira vez, não tive argumentos para contradizê-lo porque, sim,
aquele sorriso me dava tesão, mas eu jamais admitiria aquilo em voz alta.
Você acabou de fazer isso, Aubree, minha mente me repreendeu e,
automaticamente, uma onda de calor atravessou todo o meu corpo ao
finalmente processar o que eu havia acabado de falar.
Coltou riu diante do meu silêncio que apenas confirmava aquilo que ele
já sabia. Então, voltou a deitar-se na cama, na mesma posição de antes, e
murmurou em um tom divertido:
— Relaxa, Bree. Você não molha a minha calcinha, mas
definitivamente faz minha calça parecer mais apertada.
Automaticamente minha respiração saiu como um ronco, embora eu
não soubesse dizer ser pela confissão despretensiosa ou pela forma como suas
íris acinzentadas analisaram-me de esguelha, em um brilho malicioso. No
entanto, antes que eu pudesse responder qualquer coisa, o toque do celular na
mesa de cabeceira me fez pular onde estava, e nossa atenção voltou-se ao
aparelho escandaloso.
Colton esticou o braço e suspirou ao ver quem estava ligando.
— Minha mãe — disse ele, gemendo.
E assim que ele atendeu ao telefone, obriguei-me a andar até o pequeno
frigobar para puxar uma água gelada dali e ignorar a conversa absurda que
havíamos acabado de ter.
“Você não pediu por isso
Ninguém nunca pediria
Apanhado no meio dessa disfunção
É sua triste realidade
É a sua árvore genealógica desarrumada
E todos te deixaram com todas essas questões.”
Family Tree | Matthew West

Eu podia sentir a tensão ocupar cada milímetro daquele carro quando


Colton estacionou em frente à uma casa azul acinzentada, com um jardim
extremamente bem cuidado. Era uma casa grande, tipicamente americana, na
qual — se eu estivesse julgando apenas pela aparência — com toda a certeza
diria que ali vivia uma família perfeita saída diretamente de um filme, na qual
o pai cuidava do jardim todos os sábados enquanto a mãe fazia o melhor dos
almoços.
O que definitivamente não era o caso ali.
Desligando o carro, Colton exalou o ar de uma forma tão pesada que
meus olhos logo foram atraídos até ele, que tinha o rosto enterrado entre as
mãos, como se estivesse tentando processar o que caralhos estava fazendo ali.
— Ei. — Eu soprei, ao esticar minha mão em direção à sua coxa, e abri
um sorriso reconfortante, mesmo que ele não estivesse vendo. — Eu estou
aqui, ok? — garanti, enlaçando meus dedos nos seus quando Colton levantou
a cabeça e largou os braços ao lado do corpo, derrotado.
Seu polegar roçou de leve na minha pele. Os olhos cinza procurando os
meus, após assentir com a cabeça, para analisar-me atentamente.
Nós ficamos um tempo ali, apenas nos observando em silêncio, até que
Colton subitamente me puxasse para junto dele, envolvendo seus braços ao
meu redor em um abraço apertado.
Sem saber ao certo como reagir àquilo, congelei por um momento, mas
então retribuí ao seu abraço, aninhando-me junto ao seu peito para que ele
pudesse enterrar seu rosto no topo da minha cabeça e depositar um beijo ali.
E se eu pudesse continuar naquela posição ao menos pelas próximas
horas, com o som do seu coração pulsando em meus ouvidos, eu
definitivamente o faria. O que era mais uma coisa que eu deveria colocar na
minha nova lista de “coisas que eu deveria me preocupar (porque
definitivamente não eram sensações/atitudes casuais) quando estivesse ao
lado de Colton Reed”.
Juntamente àquilo, eu me lembraria de acrescentar a forma como o meu
corpo pareceu reagir negativamente no instante em que ele afastou-se.
— Valeu, Bree. — Colton sorriu para mim. — Por tudo. Por vir comigo
até Boston e por estar nesse inferno que eu costumava chamar de casa.
Retribuí seu sorriso imediatamente e, com um tom divertido, disse:
— Bem, não é como se você tivesse me dado muita escolha —
brinquei, embora houvesse um fundinho de verdade, o que o fez jogar sua
cabeça para trás, soltando uma gargalhada gostosa.
Nós seguimos então pelo caminho de pedras até a porta de entrada. Na
garagem havia apenas um carro, mas nós já esperávamos por aquilo. Colton
mencionara que gostaria de chegar lá antes que seu pai chegasse do trabalho,
para conseguir processar uma coisa e emoção por vez.
Assim que paramos em frente à porta, ele tocou na campainha, inspirou
fundo e trouxe seus olhos aos meus.
— Prepare-se — avisou. — Minha mãe às vezes pode ser meio...
Mas o garoto foi interrompido pelo som da porta abrindo-se e uma
figura bem mais baixa que ele voando para o seu pescoço para abraçá-lo com
força.
— Meu filho, meu Deus, pensei que nunca mais fosse te ver. — Sua
voz era doce, acompanhada de um timbre trêmulo que dizia que a mulher
estava prestes a chorar enquanto abraçava-o.
— ... Emocionada. — Colton conseguiu completar sua frase, em meio a
um sopro, todo curvado para que sua mãe praticamente se pendurasse em seu
pescoço, sufocando-o. Apertei meus lábios para não rir da cena. — Mãe...
— É tão bom te ver aqui de novo. Prometo que dessa vez as coisas
serão...
— Mãe — ele a interrompeu, daquela vez um pouco mais duro, e a
afastou de leve para me apresentar. — Essa é Aubree. Minha amiga. Aquela
de quem te falei mais cedo. — Ele fez uma pausa. — Bree, essa é Grace.
Então os olhos dela, pela primeira vez, vieram até os meus, como se só
agora tivesse se lembrado de que Colton viria acompanhado.
— É um prazer, senhora Reed. — Eu sorri simpaticamente e estendi
minha mão para cumprimentá-la.
Mas Grace não a apertou. Ao invés disso, ela me puxou para um abraço
que eu podia ter certeza ter sido tão apertado quanto o abraço que havia dado
em Colton, fazendo com que o ar escapasse dos meus pulmões
involuntariamente.
— O prazer é todo meu, Aubree — disse ela, acrescentando em um
sussurro em seguida: — Obrigada por trazê-lo de volta, querida.
Olhei para Colton que balançou a cabeça como quem dizia “não ligue,
ela é assim mesmo”, e minha vontade foi de respondê-lo com um “ainda
bem, porque a adorei”. No entanto, apenas voltei a focar em Grace,
retribuindo um sorriso sincero ao seu agradecimento confidencial quando ela
afastou-se e apertou meus braços de leve, carinhosa, após observar-me com
mais calma da cabeça aos pés.
Grace Reed tinha olhos azuis que contrastavam com o cabelo castanho
escuro. Não tinha ideia de quantos anos ela deveria ter, mas a pele era
extremamente bem cuidada e as marcas de expressões eram muito sutis. Era
uma mulher bonita, com um sorriso doce e receptível, e não demorou para
que ela nos convidasse a entrar.
Passando por nós, Grace entrou na casa primeiro, dirigindo-se até a
cozinha, não sem antes dizer a clássica frase de “fiquem à vontade” e “não
reparem na bagunça”. E eu poderia facilmente reparar na bagunça da casa, se
não fosse pela mão de Colton espalmada na base das minhas costas, um
pouco acima da minha bunda, para conduzir-me casa adentro.
Queimando.
Sua mão posicionada ali estava queimando — algo honestamente
ridículo, se considerarmos que nossas peles estavam separadas pelo tecido da
minha blusa e do meu casaco.
— Vocês querem algo para comer? — perguntou a mãe de Colton,
assim que alcançamos a enorme cozinha. — Café? Bolo?
— Não... — Começou o garoto, mas eu logo o interrompi.
— Claro que sim. Eu adoraria.
Os olhos de Colton vieram até os meus, próximos demais, em uma leve
repreensão, porque ele sabia que ficaríamos pouco tempo. E sentar-me para
comer, significaria mais tempo ali.
Embora... Não era como se eu estivesse conseguindo racionalizar
propriamente as minhas ações. Afinal, sua mão ainda estava espalmada ali,
naquele mesmo lugar. O mindinho, no entanto, havia descido ligeiramente e
encontrado uma pequena fresta entre o cós da minha calça e a barra da minha
blusa e casaco, o que significava que agora sim tudo em mim estava
queimando. Ardendo em chamas, porque a ponta de seu dedo roçava
delicadamente contra a minha pele. E eu não tinha ideia se ele sabia o que
aquele pequeno gesto estava causando dentro de mim.
A julgar pelos olhos distraídos que agora avaliavam a cozinha, eu
apostava que não.
Só consegui voltar a respirar no momento em que arrastei um dos
bancos da bancada, fazendo menção de sentar-me. Apenas aí, seu toque
afastou-se do meu para que ele pudesse acomodar-se no banco ao meu lado,
permitindo que meus pulmões voltassem a funcionar por conta própria.
— Vocês vão ficar para o jantar? — perguntou Grace, de costas para
nós, enquanto cortava dois pedaços de bolo.
Eu olhei para Colton, com expectativa de que ele dissesse algo positivo,
mas ele não demorou a balançar a cabeça negativamente.
— Não. Só vim para ver você e falar com Howard. Não pretendo
demorar.
Aquilo pareceu desanimá-la por um instante, mas ela tratou de forçar
um sorriso, aproximando-se da bancada em que estávamos para deixar na
minha frente um prato com uma fatia do que parecia ser um bolo de
chocolate. Eu agradeci, não sem antes reparar em um curativo na palma de
sua mão esquerda que me chamou a atenção. Contudo, mantive-me calada e
sorri assim que Grace puxou um dos bancos para sentar-se à nossa frente, ao
pegar duas xícaras de café; uma para mim e outra para ela.
— Sobre o quê exatamente você pretende falar comigo, Colton? —
Uma voz grossa soou atrás de nós, atraindo meus olhos rapidamente à entrada
da cozinha.
Parado próximo ao batente, estava um homem alto e bem trajado,
segurando uma maleta que deixava mais que evidente que ele acabara de
chegar do trabalho. Seu semblante não era dos melhores. Os lábios apertados
e o olhar frio eram praticamente o oposto das sensações que Grace Reed
transmitira poucos minutos atrás. Eu praticamente podia ler a infelicidade em
seus olhos com a presença de seu filho ali e duvidava que Colton não
conseguisse fazer o mesmo.
O ambiente, subitamente, parecera mudar em um nível quase que
molecular. Toda a positividade e leveza se dissipara em questão de segundos
para que a tensão e o silêncio ensurdecedor tomassem conta do ar à nossa
volta.
Colton agora mantinha cada centímetro de seu corpo rígido, retesado
como um nó, ao mesmo tempo em que fulminava-o com o olhar. Grace
também não parecia muito diferente. Ela observava a situação com extrema
cautela, restando a mim, levantar-me para me apresentar.
Assim que empurrei meu banco para trás, três pares de olhos voaram na
minha direção, estudando atentamente cada um dos meus movimentos à
medida que eu andava em direção a Howard Reed. A sensação que eu tinha
era que carregava um colete com uma bomba, e qualquer mísero movimento
seria capaz de fazê-la explodir. Contudo, não impedi-me de continuar. Um
passo atrás do outro, até que estivesse cara a cara com o homem que fizera da
vida de Colton e, possivelmente de Layken e Grace, um maldito inferno.
— Senhor Reed. — Balancei a cabeça em forma de cumprimento, e
estendi minha mão para apresentar. — Aubree Evans. Sou amiga do seu
filho. É um prazer.
Mentira.
Aquilo estava longe de ser um prazer.
E longe de ser algo confortável.
De qualquer forma, mantive o melhor sorriso que pude em meu rosto
enquanto seus olhos frios analisavam-me atentamente, antes de descerem
lentamente até minha mão estendida.
— Howard Reed — foi tudo o que ele disse, ao apertar minha mão de
forma breve. Depois, voltou sua atenção a Colton e disse: — Pensei que não
voltaria a me ver nem mesmo no meu funeral.
E, com uma única frase, ele já havia me feito odiá-lo.
Contive a vontade de revirar os olhos, e observei o maxilar de Colton
trincar.
— Mudei de ideia. Acho que precisamos conversar. — Seu tom de voz
nunca soara tão amargo, mas Howard parecia bastante acostumado, porque
apenas anuiu com a cabeça.
— No meu escritório.
E, com aquilo, o homem retirou-se da cozinha, sumindo pelo corredor.
Apenas então notei que prendia minha respiração como se minha vida
dependesse daquilo, e forcei-me a voltar a respirar.
Colton levantou-se do banco e veio até mim. Depositando um beijo
rápido na minha testa, ele murmurou algo sobre não demorar, antes de traçar
seu caminho até o escritório do diabo.

Meu pé batia no chão da cozinha de forma inquieta enquanto eu comia


meu terceiro pedaço de bolo em menos de quinze minutos, com a sensação de
que a porradaria começaria a qualquer instante dentro daquele escritório em
que Colton e seu pai estavam. Nós não havíamos ensaiado em momento
algum o que ele diria a Howard, e eu não sabia ao certo se aquilo me fazia
sentir um tremendo orgulho de Colton ou um pavor intenso.
Talvez os dois.
Tudo o que eu esperava era que ele estivesse agindo de forma muito
mais madura que seu pai parecia agir. Só assim, ele conseguiria exigir algum
mísero respeito daquele velho sem coração que jogava baixo pra caralho.
“Pensei que não voltaria a me ver nem mesmo no meu funeral, filho”.
Céus. Quantos anos ele tinha? Cinco?
— Já conhecia Boston, querida? — A voz de Grace rapidamente
tirando-me dos meus devaneios, e eu envolvi a xícara de café nas minhas
mãos, tomando um longo gole após negar com a cabeça.
— É minha primeira vez aqui.
Grace sorriu, embora a apreensão em seus olhos estivesse tão explícita
quanto a minha à medida em que esperávamos qualquer sinal de vida vindo
do escritório.
— O que está achando da cidade?
— É linda. — Fui sincera. — Ainda não tivemos a chance de dar uma
volta, mas, pelo pouco que vi, adorei.
— Quando Colton era mais novo, ele adorava passear por um parque
chamado Public Garden. — Os olhos de Grace pareceram distantes com a
memória e o sorriso não demorou a crescer em seu rosto. — A princípio, eu
achava que era por conta dos patos e esquilos que viviam lá, mas depois
percebi que o que o fazia amar tanto aquele lugar eram as pessoas que
passavam as tardes de sábado tocando quaisquer instrumentos que fosse pelo
parque.
Arqueei as sobrancelhas, surpresa com a informação.
— Então ser músico é algo que ele pensava desde pequeno?
— Desde sempre — disse ela. — Eu sempre soube que ele seguiria
uma área mais artística. E, no fundo, Howard também. — Uma pausa foi feita
em seguida, como se agora Grace estivesse vivenciando uma parte dolorosa
das memórias que guardava consigo. Ela tomou um longo gole de café, antes
de piscar algumas vezes para voltar o foco à realidade. — Howard sempre
foi... Sistemático e rígido. Nunca quis aceitar que seu filho não seguiria uma
carreira... Hm... respeitável, como ele mesmo diz. E sei que parte disso vem
de uma certa preocupação. Ele não quer que seus filhos passem fome e tem
certeza de que todo o artista passa. O que é ridículo. Mas nada que eu diga
jamais o fará mudar de ideia quanto a isso.
— Meu pai é um artista — eu disse, fazendo-a piscar, surpresa com o
que eu acabara de dizer. — Enquanto o meu outro pai, é contador. Howard
Reed ficaria surpreso se eu dissesse que quem mais traz dinheiro para dentro
daquela casa é aquele que vende pinturas?
A mulher soltou uma risada e balançou a cabeça, permitindo que um
semblante triste tomasse conta do seu rosto em seguida.
— Ele não acreditaria.
Eu apenas retorci os lábios em uma tentativa de conter a irritação, e
forcei-me a tomar mais um gole do meu café para esconder o desgosto que
residia em meu peito em relação ao pai de Colton.
Então, Grace soltou um suspiro carregado de sentimentos ao mesmo
tempo em que descascava a tinta da sua caneca, nervosa.
— Colton e ele sempre discutiram muito. Colton era um adolescente
difícil. Não fiquei surpresa quando ele tomou coragem para pegar suas malas
e ir morar em Nova York com um amigo. — Ela soltou um risinho nasalar,
embora parecesse triste. — Ele tinha sido aceito em uma das melhores
universidades do país, afinal. E quando Howard se recusou a pagar a
faculdade pelo fato de Colton ter decidido cursar Música, ele conseguiu uma
bolsa de estudos que cobriria cem por cento dos custos da universidade. Cem
por cento, droga. Howard ficou tão irritado... Eu, por outro lado, fiquei muito
orgulhosa.
— O que ele quis dizer com Colton nunca mais vir, nem mesmo no seu
funeral? — Minha curiosidade falou mais alto, e a pergunta saiu por entre
meus lábios antes que eu pudesse me conter.
Grace demorou a responder, remexendo-se desconfortavelmente no
banco à minha frente.
— A última vez em que ele esteve aqui, alguns meses atrás, Howard
começou a provocá-lo durante o jantar. Falou coisas... — Ela engoliu em
seco. — Coisas horríveis. E depois cuspiu no rosto dele. — Fez uma pausa,
colocando a mão trêmula sobre a boca como se até mesmo dizer aquilo em
voz alta fosse um absurdo. — Cuspiu no rosto de Colton.
Meu queixo agora estava no chão, porque aparentemente a relação
deles era ainda pior do que eu havia imaginado. O que, apesar de me deixar
ainda mais aterrorizada com a ideia de Howard e Colton em um mesmo
ambiente, também deixava-me muito mais orgulhosa do garoto pela sua
coragem de vir até ali, ciente de tudo que ele passara na mão daquele homem.
— Uma parte de mim pareceu morrer naquele dia. — Continuou Grace.
— Aquela era a primeira vez que eu o estava vendo em dois anos, querida.
Dois anos. E foi horrível tentar manter a compostura e não cair no choro.
Simplesmente ficar calada para aquele absurdo, porque, senão... — Ela
forçou-se a parar bem ali.
Então engoliu em seco.
Franzi meu cenho para a atitude.
Senão, o quê?, era o que eu queria perguntá-la, mas não senti que
Grace me dera abertura o suficiente para pressioná-la daquela forma.
Mas...
E se...?
Pergunte logo, Aubree, minha mente respondeu à minha hesitação,
parecendo impaciente comigo mesma, e eu assim o fiz.
— Ele faz algo com você, caso você o contradiga? — perguntei, antes
que pudesse me impedir mais uma vez, e permiti que meus olhos fossem até
o curativo na palma da sua mão.
Grace notou, porque não demorou a puxar suas mãos para debaixo da
bancada. Contudo, o semblante parecia surpreso, como se aquela conversa
houvesse tomado um rumo inesperado.
— Oh, não! — Ela soltou um risinho, mas eu pude jurar ser um riso
nervoso. — Ele nunca... — Pigarreou. — Nunca me bateu, se é o que está
perguntando.
— Tem... certeza? — indaguei da forma mais delicada que pude.
— Tenho. Isso... — Seus olhos desceram para o seu colo, onde suas
mãos agora estavam repousadas. — Só me cortei com vidro.
Daquela vez, a resposta parecia verdadeira, e embora eu não estivesse
totalmente convencida, deixei o detalhe do curativo de lado.
— Você já pensou em visitar Colton em Nova York?
— Claro — Grace não hesitou em responder. — Mas Howard nunca
está disposto a ir.
— Já pensou em ir sem ele?
Ela piscou, refletindo sobre a pergunta. Depois balançou a cabeça
negativamente.
— Ele nunca...
— Deixaria? — indaguei, arqueando a sobrancelha para ela, o que a fez
se calar.
Então olhei em volta à procura de algo em específico. Assim que meus
olhos captaram um bloco de notas e uma caneta próximo ao telefone fixo da
casa, levantei-me e fui até lá. Depois, voltei a sentar-me de frente para ela,
agora com dois números de telefone anotados no pequeno pedaço de papel.
— Não quero insinuar ou desrespeitar seu relacionamento com o
senhor Reed de forma alguma, Grace, mas... — Parei por um instante para
respirar fundo. — Ele pode nunca ter tocado em você, mas um
relacionamento abusivo vai muito além disso. A partir do momento em que
ele não te dá liberdade para que você tome suas próprias decisões ou vá até
Nova York visitar os seus filhos, algo não está certo. — Empurrei o pequeno
pedaço de papel para perto dela. — Aqui está o meu número para o que
precisar. E, logo abaixo, a linha nacional de violência doméstica dos Estados
Unidos, caso em algum momento a senhora precise. Eu realmente espero que
não, mas não custa nada tê-lo com você, tudo bem?
Meus olhos voltaram aos dela, tentando passar toda a confiança e
segurança que pude, e Grace assentiu. Eu estava prestes a puxar minha mão
de volta quando seus dedos repousaram sobre os meus.
— Muito obrigada, querida. — Sua voz era quase um sopro.
Antes que eu pudesse falar algo, um pigarreio surgiu atrás de nós e eu
notei a figura de Colton escorada no batente da porta da cozinha. Sua
expressão, pela primeira vez, parecia extremamente ilegível. Eu não tinha
ideia se a conversa havia saído como ele gostaria, ou se aquilo apenas piorara
a situação toda. E o fato de Howard não estar ali apenas fazia com que eu me
questionasse ainda mais.
— Vamos? — foi tudo o que ele disse, fazendo-nos levantar da
bancada. Em passos lentos, o garoto aproximou-se de nós e puxou sua mãe
para um abraço apertado, beijando o topo da sua cabeça em seguida. —
Vamos combinar de nos ver em breve, ok?
Aquilo fez com que Grace arregalasse seus olhos em um misto de
choque e surpresa, mas Colton não parecia estar brincando. O olhar
transmitia uma segurança tão grande que não pude evitar sorrir.
— Prometo, mãe. — Ele sorriu para ela, após desvencilhar-se do
abraço. — E da próxima vez, me ligue para falar comigo, ok? Não com a
Lake.
Grace riu. A felicidade brilhava nitidamente nos olhos azuis.
Finalmente, Colton trouxe sua atenção até mim.
— Vamos?
Eu assenti com a cabeça, indo até Grace quando ela abriu seus braços
para me envolver em um abraço.
— Obrigada pelo café e pela conversa — sussurrei, apertando-a forte.
— Tem certeza de que vai ficar bem?
— Tenho.
— Certo. — Desvencilhei-me dela. — Qualquer coisa...
— Fique tranquila, querida — Grace garantiu-me com um sorriso
caloroso. — Qualquer coisa, eu sei a quem recorrer.
Retribuí seu sorriso com um na mesma proporção, e acompanhei
Colton, que, àquela altura, já estava de volta ao batente da porta, parecendo
levemente agoniado para dar o fora logo, ao mesmo tempo em que olhava
para a troca de afeto entre sua mãe e eu como se fôssemos dois malditos et’s.
Passando pelo corredor em direção à saída, notei que a porta do
escritório estava entreaberta e Howard ainda encontrava-se sentado atrás da
extensa mesa preta, com a cabeça baixa, reflexivo. Não despedi-me, e Colton
também não.
Apenas saímos pela porta da frente sem sequer olhar para trás, e foi
somente ao nos aproximarmos do seu carro que Colton disse alguma coisa.
— Sobre o que vocês estavam conversando? — perguntou ele, curioso
em relação à minha conversa com sua mãe.
Eu ri e voltei meus olhos a ele.
— Papo de garota, Colton. Não é da sua conta.
Automaticamente, seu queixo foi ao chão.
— Vocês mal se conhecem e já estão guardando segredos de mim? —
Ele observou-me, em um misto de choque, reprovação e brincadeira,
enquanto eu contornava o carro para escorregar no banco do passageiro. Eu
soltei uma gargalhada em resposta.
Abrindo a porta, sentei-me e atei o cinto de segurança, observando de
soslaio enquanto Colton fazia o mesmo, ainda com seus olhos grudados no
meu rosto, indignado.
— O que foi? — Minha voz foi tomada por uma falsa ingenuidade.
— Você realmente não vai me contar?
— Claro que não.
Colton soltou um riso nasalar e fechou sua porta. Eu fiz o mesmo com a
minha. Colocando a mão sobre o volante, ele girou a chave na ignição. Sua
cabeça balançava negativamente, inconformado.
— Já vi que no próximo almoço em família, vou te perder para ela.
Pisquei. Uma, duas, três vezes, em uma tentativa de processar
exatamente o que ele havia tentado insinuar com aquela frase.
Próximo almoço em família?
Eu não sabia que levar amigos para almoços em família era um
costume.
Mas Colton sequer parecia ter notado o que havia acabado de dizer,
portanto tratei de agir da forma mais natural que pude. Abrindo um sorriso
relaxado, pigarreei apenas para garantir que minha voz não falharia na minha
tentativa de entrar no seu jogo, e arqueei uma sobrancelha na sua direção.
— Convenhamos, Colton, você me perdeu para sua mãe no instante em
que ela ofereceu bolo.
Com uma gargalhada, ele pisou no acelerador e então disse:
— Eu tinha certeza.
“Estou tão a fim de você
Que eu mal posso respirar
E tudo que eu quero fazer
É me jogar com tudo
Mas perto não é perto suficiente
Até que cruzemos a linha
Então escolha um jogo
E eu vou jogar os dados, ei.”
Into You | Ariana Grande

— Serviço de quarto?
Meus olhos foram do moço bem vestido, passando por seu crachá com
o nome Paul grafado em letras elegantes, até um enorme carro bandeja
coberto por uma toalha de mesa que parecia bastante cara. Em cima da
toalha, havia dois pratos tampados pelo cloche e um pequeno cooler com uma
garrafa de espumante, juntamente a taças provavelmente mais caras que o
meu apartamento.
Abri um sorriso satisfeito porque porra, era exatamente daquilo que eu
precisava depois de quatro horas de estrada e um confronto direto com
Howard Reed.
— Você é o cara. — Eu praticamente gemi, abrindo um pouco mais a
porta para lhe dar passagem para entrar no quarto, e notei um risinho
escapando dele.
A porta próxima à entrada estava fechada e o som do chuveiro sendo
desligado me dizia que Bree estava a um passo de sair dali para se deparar
com aquele jantar que eu esperava ser tão delicioso quanto diziam por aí.
Paul estava estendendo uma nova toalha na pequena mesa posicionada
próximo a um canto do quarto, para colocar os pratos, no momento em que
ouvi a tranca do banheiro e o giro da maçaneta.
Aubree parou exatamente onde estava. Os olhos castanhos levemente
arregalados e surpresos ao se deparar com a presença de Paul ali. Tudo que
envolvia seu corpo era um roupão felpudo. Também era a segunda vez que
via seus cabelos encaracolados úmidos. Na verdade, era a segunda vez que a
via recém-saída do banho, mas daquela vez apenas com uma maldita peça
que eu sabia que podia ser facilmente tirada do seu corpo.
Ah, porra. Eu conseguia ver o vão dos seus seios entre o roupão
levemente frouxo na parte da frente. A pele ainda estava úmida, com
pequenas gotículas ali e puta que pariu. Meu pau estava começando a dar
sinal de vida apenas com a ideia daquelas gotículas percorrendo seu corpo
lentamente, passando por todos os centímetros que eu gostaria de estar
passando. E o quão constrangedor era notar que Paul também estava ali para
presenciar uma semi ereção minha diante da visão de Aubree de roupão?
Porra. De roupão.
Aquilo não deveria ser um grande evento, mas minha mente traiçoeira e
suja já havia pensado em, pelo menos, cinco formas diferentes daquele
roupão acabar no chão e Aubree acabar por cima de mim.
— O que é isso? — Sua voz me trouxe de volta à realidade e fui
obrigado a pigarrear para espantar os pensamentos sujos.
— O quê?
Aubree meneou com o queixo para a mesa.
— Isso, Colton.
Dei de ombros.
— Pensei que seria interessante se comemorássemos o dia de hoje.
Ela abriu a boca para responder, mas nada saiu por ali. Segundos mais
tarde, seus lábios voltaram a se fechar à medida em que a garota ainda
alternava seu olhar entre a mesa, Paul e eu.
Não consegui dizer se aquilo era uma reação boa ou ruim.
Ultimamente, as atitudes e reações de Aubree vinham me transmitindo
sensações e sentimentos confusos. Uma hora, eu tinha certeza de que ela
estava totalmente na minha, mas, nem meio segundo depois, era como se ela
houvesse construído um muro entre nós, estampado com letras maiúsculas e
chamativas nos tijolos a palavra FRIENDZONE.
Um pigarreio ao meu lado esquerdo tirou-me dos meus devaneios e eu
voltei minha atenção ao funcionário quando este disse:
— Os senhores gostariam de mais alguma coisa?
Neguei com a cabeça, mas Aubree logo se prontificou.
— Na verdade, sim. — Um sorriso divertido abriu-se em seus lábios
quando meus olhos voltaram a ela, confusos. — Vocês têm tequila?
E eu não pude evitar sorrir.
Na verdade, o sorriso que instantaneamente surgiu em meu rosto era
tão grande e divertido que eu estava começando a senti-lo rasgar as minhas
bochechas.
Essa era minha garota.
— El Jimador ou Jose Cuervo? — indagou Paul, puxando um pequeno
bloco de notas do bolso traseiro, juntamente à uma caneta.
Os olhos de Aubree vieram até os meus, aguardando a minha decisão.
Olhei para Paul e engoli em seco, lentamente, em uma tentativa de
disfarçar a vontade que eu estava de simplesmente jogá-la naquela cama e
sentir o gosto dos seus lábios nos meus mais uma vez, assim como eu vinha
fazendo todos aqueles últimos dias.
— Jose Cuervo — eu disse, retribuindo o sorriso que ele me lançara ao
assentir e pedir licença para retirar-se do quarto atrás da garrafa de tequila.
Continuei exatamente onde estava, voltando a encarar Aubree quando a
porta da frente foi fechada. Ela sorriu para mim e aproximou-se curiosamente
da mesa na qual os pratos seguiam tampados pelo cloche, sentando-se.
— Hm... Espaguete ao molho de funghi? — Aubree passou a língua
pelo lábio superior, após retirar a tampa de aço de um dos pratos, e soltou um
gemido satisfeito que me fez arrepiar da cabeça aos pés. — Como você
adivinhou? Esse prato é maravilhoso.
— Só liguei para a recepção e pedi a opção mais deliciosa e vegetariana
do cardápio. — Dei de ombros.
Aubree voltou sua atenção a mim e franziu o cenho.
— Vai ficar aí? — O dedo indicador apontava para mim. — Melhor vir
logo, antes que eu coma o seu prato também.
— Você jamais faria isso — eu disse, forçando meus pés a se moverem
em direção à mesa. Sentando-me na cadeira de frente a ela, abri o espumante
para despejá-lo em sua taça. Aubree, então, levantou uma sobrancelha para
mim, como quem dizia “vai mesmo duvidar de mim?”, o que fez com que eu
não demorasse levantar o cloche do meu prato e acrescentasse com um
sorriso: — A não ser que esteja disposta a comer carne.
Suas feições não demoraram a formar uma careta ao perceber o pedaço
suculento de picanha ali.
— Acho que vou me contentar com o meu espaguete e esses — ela
esticou-se para alcançar a pequena cesta com pães, mas antes que conseguisse
roubar todos para si, agarrei dois deles e puxei o pote de manteiga para mim
—... pães. Espera, Colton, o quê...?
Suas mãos tentaram puxar o potinho de manteiga para si, o que apenas
me deixou ainda mais na defensiva, trazendo a manteiga para junto do meu
peito.
Que porra era aquela? Se ela iria roubar os malditos pães, então eu
iria roubar a porcaria da manteiga.
Eu sabia que aquele era só o meu lado infantil querendo importuná-la,
mas aquilo não me impediu de pegar a faca para passar a manteiga no pão.
Antes que eu pudesse fazê-lo, no entanto, Aubree praticamente gritou com a
mão ainda esticada na minha direção como se eu estivesse prestes a cometer
um crime:
— Espera!
E minha mão, a qual segurava a faca, pairou no ar para que eu pudesse
encará-la.
Então, ela se debruçou na mesa apenas o suficiente para que eu pudesse
ver quase todos os seus peitos e aproveitou a minha distração para roubar o
pequeno pote de manteiga de mim.
Maldita.
Ela tinha suas armas.
Ou ela simplesmente estava tentando alcançar o pote de manteiga,
Colton, minha mente fez questão de pronunciar-se.
Eu não tinha o costume de debater muito com o meu consciente, mas,
ultimamente, quando tratava-se de Aubree Evans, era quase como se
houvessem dois lados de mim: um que tentava de todas as formas convencer-
me de que Aubree me daria abertura para tentar algo a mais com ela, e outro
que já havia se conformado que eu estava naquele local tão temido por
muitos caras; a maldita friendzone.
— As iniciais do hotel estão na manteiga, Colton! — Bree exclamou,
como se houvesse acabado de descobrir o mundo, e eu apenas consegui
encará-la com um ponto de interrogação enorme em meu rosto, o que fez
com que ela repetisse aquilo que já vinha estado bastante claro para mim
desde que Paul colocara a manteiga na mesa: — As iniciais do hotel estão
esculpidas na manteiga. Que hotel tem as iniciais esculpidas em uma droga
de uma manteiga? Meu Deus. Quanto você gastou com uma noite de
hospedagem, Colton? Não posso deixar você pagar essa noite sozinho.
Eu estava prestes a começar a discutir com ela pela segunda vez no dia
que não a deixaria dividir a hospedagem comigo, porque eu praticamente a
arrastei até Boston, quando ela levantou-se.
Calei a boca antes mesmo de falar alguma coisa, e a segui com meus
olhos pelo quarto.
— O que você está fazendo, Bree? — perguntei, confuso pra cacete.
Estava claro que ela estava procurando algo. Revirando os travesseiros
da cama, Aubree sorriu satisfeita ao encontrar seu celular, e então voltou a
sentar-se na mesa.
— Preciso tirar uma foto dessa manteiga — finalmente explicou, antes
que o barulho da foto sendo tirada chegasse aos meus ouvidos. Depois, Bree
digitou alguma coisa para alguém, sorriu e bloqueou seu celular, pegando sua
faca para passar a manteiga no pão como se o que houvesse acabado de
acontecer fosse algo totalmente normal. — Como foi a conversa com o seu
pai, afinal?
Franzi o cenho, ainda alternando minha atenção entre ela, a manteiga, o
celular e o pão que agora Aubree mordia ao mesmo tempo em que aguardava
por uma resposta da minha parte.
— Você acabou de tirar foto da manteiga do hotel? — perguntei, em
dúvida se aquilo havia sido apenas uma alucinação ou se, de fato, havia
acontecido.
Seus olhos vieram aos meus, inocentes.
— Claro que sim. Eles têm a logo do hotel na manteiga, Colton.
Precisei mandar pro meu pai para encher o saco dele sobre o que é realmente
arte — disse Aubree, e eu tive que apertar os lábios para não rir. — Agora
vamos ao que interessa. Estou curiosa. — Fez uma pausa, enrolando o
espaguete no garfo. — Segundo você, estamos comemorando. Então acredito
que a conversa tenha sido boa, mas você não disse nada sobre. Não pode
simplesmente me trazer para Boston, levar-me até a casa dos seus pais com o
único objetivo de enfrentar o seu pai e depois não me atualizar sobre o que
aconteceu dentro daquele escritório.
Apertei meus lábios, sem saber ao certo o que dizer. Não queria fazer
daquela conversa com meu pai um evento histórico. Na verdade, desde que
eu saíra daquele escritório, que mais me parecia com o inferno, eu vinha
tentando ignorar o que houvera sido dito lá dentro. Afinal, duvidava muito
que meu pai fosse considerar uma única palavra do que eu dissera, mas valeu
a tentativa.
— Bem... — Eu comecei a falar, cortando um pedaço da picanha antes
de enfiá-la na boca. — Você não me contou o que estava cochichando com a
minha mãe, então...
Automaticamente, ela olhou-me de baixo a cima e de cima a baixo,
com uma sobrancelha arqueada em impaciência. As feições estavam
suficientemente intimidantes para que eu engolisse o pedaço da carne com
força e desse o braço a torcer.
— Foi... Ok.
Aubree colocou uma garfada de seu macarrão na boca.
— Ok?
Eu dei de ombros, revirando a comida no prato.
— Só disse algumas verdades.
— O que isso quer dizer? Quais verdades? Você está sendo vago.
Inspirando profundamente, larguei o talher sobre o prato e olhei para
ela, sentindo uma fagulha de irritação percorrer o meu corpo, como acontecia
toda vez que Howard Reed tornava-se o assunto principal.
— Não quero falar sobre ele, Bree — respondi, com a voz áspera. —
Tudo o que eu disse foi que, se ele não quer me respeitar como filho, que ao
menos me respeite como pessoa porque não sou mais a porra de uma criança.
E mesmo que fosse, isso não lhe dá o direito de... — Mas me interrompi ali
mesmo, ao perceber que estava começando a fazer daquele jantar todo sobre
Howard mesmo com minha promessa a mim mesmo de que eu não o faria.
Então inspirei e expirei mais uma vez e voltei a pegar meu garfo para espetá-
lo na carne. — Enfim. Só espero que ele tenha entendido o recado.
Parecendo entender que eu não estava disposto a conversar
detalhadamente sobre aquilo, Aubree pigarreou e voltou sua atenção ao seu
prato, em silêncio. O clima entre nós pesou, o que fez com que eu me
remexesse na cadeira, desconfortável, e praticamente soltei um suspiro de
alívio quando uma batida na porta deu-me uma brecha para que levantar e
fugir daquela bolha incômoda que de repente pairara sobre nós.
— Uma Jose Cuervo. — O mesmo funcionário sorriu para mim, assim
que abri a porta, e estendeu-me a garrafa de tequila.
Eu agradeci com um sorriso e fechei a porta, remoendo a culpa que
subitamente pareceu surgir em meu peito pelo meu tom de voz com Aubree.
Então, caminhei até a mesa, deixei a tequila no centro e curvei-me apenas o
suficiente para deixar um beijo rápido nos seus cabelos molhados — algo que
percebi gostar pra caralho de fazer quando se tratava de Bree. Em seguida,
coloquei-me atrás dela e a abracei, apoiando meu queixo em seu ombro
esquerdo.
— Desculpe, ok? — sussurrei. — Só não quero fazer dessa noite algo
sobre ele.
Sua mão delicada soltou o talher e veio até meu antebraço para que seu
polegar fizesse um carinho tão sutil que eu me perguntei por um momento se
ela sequer estava ciente do acariciar do seu dedo contra a minha pele.
— Está tudo bem — ela sussurrou de volta, e seu rosto virou-se apenas
o suficiente para me fazer perder o ar com a proximidade da sua boca com a
minha.
Para ser sincero, eu odiava para cacete a forma como meus pulmões
pareciam perder a função automática quase todas as vezes em que Aubree
estava por perto. Como se já não bastasse todos os pensamentos sujos que
surgiam desde sempre ao lado dela, agora aquilo; aquela merda de falta de
controle das minhas próprias reações.
Ultimamente, não tratava-se somente das minhas bolas se contraindo
com a ideia de explorar cada detalhe no corpo daquela mulher.
Não.
Tratava-se de muito mais que aquilo.
Era quase como se eu houvesse voltado a ser aquela porra de garotinho
de dez anos que não sabia nem qual era o significado de boceta.
— Relaxa, Colton — Aubree voltou a murmurar, puxando-me de volta
à realidade e me forçando a desviar meus olhos da sua boca. — Tá tudo bem.
— Ainda bem. — Eu afastei meus braços que envolviam seu corpo e
tratei de recuperar minha compostura ao me dirigir à cadeira. — Não vendi
meu fígado para passar uma noite nesse hotel de luxo com uma Aubree
emburrada.
Ela soltou um riso nasalar em resposta e balançou a cabeça.
— Seu fígado está podre demais de tanto álcool ao longo dos seus vinte
e um anos pra valer mais que dez centavos, Colton.
Abri a boca, ofendido.
Dez centavos?
Eu diria que no mínimo quinze.
Antes que eu pudesse rebater, no entanto, Aubree recebeu uma
mensagem e não conseguiu conter uma gargalhada alta, jogando a cabeça
para trás, o que me deixou confuso pra caralho e, embora eu odiasse admitir,
até mesmo incomodado.
Nunca tinha parado para pensar na possibilidade de Aubree estar
flertando com outros caras. O que fazia de mim mais ingênuo do que uma
criancinha mimada de cinco anos de idade.
Por que Aubree não estaria flertando?
Ela era a porra do pacote completo:
Inteligente ✓
Bonita ✓
Gostosa ✓
Incrível pra cacete ✓
Seria burrice da parte de todos os caras da NYU e, até mesmo de Nova
York inteira, não tentar algo com aquela garota.
Ela estava flertando.
Que merda.
O sorriso no rosto dela dizia tudo.
E a carranca no meu provavelmente também, porque quando Bree
levantou seus olhos até mim, riu ainda mais. Como se fosse muito divertido
as teorias conspiratórias que estavam dando piruetas no meu cérebro.
Muito divertido, Aubree.
— Estou falando com meu pai — a garota finalmente conseguiu
explicar, quando as risadas cessaram. — Gosto de tirar sarro dele com coisas
relacionadas ao seu trabalho. Ele é um pintor, então mandei foto da manteiga
para ele e coloquei embaixo “isso sim é uma obra de arte”. — Ela virou a
tela do celular para que eu pudesse ler a troca de mensagens. — E ele
respondeu...
Sua risada a impediu de continuar, mas eu estreitei meus olhos para ler
a mensagem de seu pai.
“Lindo. Pode deixar que vou mandar seu dinheiro em forma de
manteiga no fim do mês. Assim você não passa fome.”
Por um instante, senti-me um idiota pelo ciúme estúpido e
completamente desnecessário. Por outro instante, senti um alívio instantâneo
ao saber que era com seu pai que Bree estava falando e, então, fiquei
horrorizado com todas aquelas emoções idiotas. Mas aquilo não durou nem
meio segundo, porque a mensagem de seu pai me fez acompanhar Aubree na
risada e esquecer essa porra de suruba de sensações dentro de mim que,
inclusive, estava longe de ser uma ótima suruba.
— Então seu pai é pintor? — perguntei, quando as risadas cessaram, e
Aubree automaticamente semicerrou seus olhos na minha direção.
— Se eu responder que sim e você disser “agora está explicado...
porque ele fez uma obra de arte”, pego seu carro e volto pra Nova York
agora.
Eu não pude evitar uma risada alta.
— Que tipo de idiota faria uma cantada dessas?
— Acredite... — Aubree tomou mais um gole do seu espumante. —
Muitos idiotas.
Sorri em resposta, e nós voltamos a comer enquanto Bree dizia um
pouco mais sobre seus pais. Oliver era o pintor, e Tan o contador. Também
falou um pouco sobre sua dinâmica com seus pais e como as coisas sempre
pareceram fluir com leveza entre eles.
Era bom ouvi-la falando daquela forma sobre os pais e a infância
incrível que teve. Melhor que isso, apenas a forma como seus olhos
brilhavam em excitação enquanto ela contava episódios divertidos de quando
era criança, como a vez em que saira arrastando um tapete para fora de casa,
dizendo que iria morar com sua avó depois dos seus pais insistirem que ela
deveria ver algo além de “As Meninas Super Poderosas” (que, por sinal,
também era o meu desenho favorito quando mais novo, mas nem morto que
eu admitiria aquilo em voz alta).
A conversa estava ótima, mas não demorou para que nossos pratos se
esvaziassem e nosso foco voltasse inteiramente à tequila.
— O cheiro dessa tequila me traz lembranças — comentou Aubree à
medida em que enchia os copos do hotel, e eu não pude evitar abrir um
sorriso banhado pela malícia no mesmo segundo.
Não tinha a mínima ideia se as suas lembranças daquela bebida eram as
mesmas que as minhas, mas eu esperava que sim, porque tudo o que aquela
bebida dourada me permitia lembrar era da língua deliciosa de Aubree
explorando meu corpo. E depois a minha boca.
Porra.
— Lembranças boas ou ruins? — A pergunta fugiu antes que eu
pudesse me conter.
Aubree automaticamente pareceu surpresa, mas logo tratou de esconder
suas feições atônitas atrás de um sorriso banhado de... malícia?
— Talvez eu deva deixar isso para uma confissão da madrugada —
disse ela, entregando-me um dos copos de tequila e puxando o outro para si.
Contudo, antes que ela o colocasse na boca, eu forcei-a a parar,
gritando um “espera” que fez sua mão congelar com a dose próxima aos
lábios. Os olhos observaram-me, curiosos.
Pigarreando, cocei minha nuca sem jeito.
Não queria que aquela noite fosse uma cópia do que acontecera uma
semana atrás, no seu apartamento. Daquela vez, queria que ela soubesse das
minhas vontades e que dissesse as suas antes que a tequila virasse a
protagonista e responsável pelos nossos atos.
— Preciso fazer uma confissão da madrugada.
Aubree franziu o cenho para mim.
— Ainda são dez horas da noite.
— Eu sei. — Revirei meus olhos. — Mas você fez a sua mais cedo e
agora eu quero fazer a minha.
Soltando um risinho nasalar, Bree voltou a repousar o copo sobre a
mesa, atenta.
— Estou esperando.
Soltei um longo suspiro e meu coração palpitou no peito porque puta
que pariu, eu não tinha a porra da mínima ideia de como ela reagiria àquela
confissão.
E puta que pariu — parte dois: eu estava parecendo a porra de uma
criança, nervoso até o último fio de cabelo ao assumir seus sentimentos por
alguém, apesar de que tudo o que eu estava prestes a assumir ali não tinha
relação nenhuma com o emocional, mas sim com a enorme cama atrás de nós
e com a boca deliciosa de Aubree Evans.
— Bem — comecei, virando a dose de tequila para ver se a bebida me
ajudaria com algum tipo de efeito instantâneo para continuar aquela confissão
estúpida — minha confissão da madrugada é que, ainda essa noite, quero te
beijar, Bree.
Então ela piscou.
Uma.
Duas.
Três vezes.
Os lábios partiram-se.
Depois, fecharam-se.
E, sem dizer uma palavra sequer, ela virou a dose de tequila, chocando
o copo agora vazio contra a mesa de madeira.
Em seguida, levantou-se, vindo em passos lentos até a minha direção,
que fizeram com que as batidas do meu coração acelerassem como se eu
tivesse corrido a porcaria de uma maratona inteira em vinte minutos.
Fui obrigado a prender minha respiração quando Aubree sentou-se no
meu colo, de frente para mim, com o rosto perto demais do meu. As pernas
envolviam o meu corpo, uma em cada lado dele, e, subitamente, meu pau
pareceu acordar quando me lembrei que ela estava de roupão.
De fucking roupão.
Sem nada por baixo.
Com as pernas abertas, sentada na porra do meu colo.
Tudo o que separava meu pau da sua boceta naquele instante era o
tecido da minha calça moletom e nada mais. Nem mesmo uma cueca, o que
tornava aquela situação um pouco preocupante, a julgar pelo fato de que meu
pau logo, logo estaria dando um oi bem perceptível por trás do tecido, caso
ela continuasse ali por mais meio segundo.
Suas mãos envolveram minha nuca. Os dedos longos emaranharam os
meus cabelos e eu não demorei a agarrar sua cintura com força, hesitante em
relação ao o quê diabos Bree estava fazendo.
E, como se ela pudesse ler a dúvida em cada pequena parte do meu
rosto, Aubree pressionou seus lábios nos meus. Lenta e deliberadamente.
A princípio apenas um selinho longo e delicado, que não demorou a
transformar-se em um beijo ainda mais delicioso que a primeira vez em que
nos beijamos, quando minha língua invadira sua boca e um grunhido rouco
escapara da sua garganta.
Minhas mãos a puxaram mais para perto de mim, agora com o único
intuito de que ela realmente pudesse sentir o quanto eu estava duro por conta
dela e o quanto seu beijo mexia comigo de todas as formas possíveis, à
medida que seus lábios moviam-se sobre os meus com firmeza. Seus dedos
pressionavam minha nuca com ainda mais força, esperando nos aproximar
mais. E, porra, Aubree beijava bem pra caralho.
No entanto, antes que a gente pudesse ir além, ela separou sua boca da
minha e sorriu, o que quase me fez gemer em um misto de reprovação e
tesão, ao me deparar com seu cabelo bagunçado e os lábios já levemente
inchados e vermelhos.
— Confissão da madrugada? — Começou ela, trazendo sua boca para
junto da minha orelha em seguida. Com uma mordiscada provocativa no meu
lóbulo e um risinho que fez meu corpo arrepiar e meu saco se contrair em
desejo, ela acrescentou em um sussurro: — Quero ir além dos beijos essa
noite, Colton... O que você acha disso?
E não foi preciso muito mais que um sorriso para que Aubree soubesse
exatamente o que eu pensava sobre aquilo.
“Então, tranque a porta e jogue a chave fora
Não posso mais lutar contra isso, somos apenas você e eu
E não há nada que eu, nada que eu, eu possa fazer
Estou preso a você, preso a você, preso a você
Então, vá em frente e me deixe louco
Querida, fale bobagem, ainda assim eu não mudaria de ideia
Estou sendo preso a você, preso a você, preso a você
(...)
Querida, venha gastar todo o meu tempo
Vá em frente, me faça perder a cabeça
Nós temos tudo o que precisamos essa noite.”
Stuck With U | Ariana Grande ft. Justin Bieber

Não sabia exatamente em que momento nós saímos daquela cadeira


com o intuito de ir até a cama. Tudo o que eu sabia, na verdade, era que me
levantei com Aubree nos braços, mas nós não chegamos a alcançar de fato o
colchão.
Ao invés disso, Bree agora tinha suas costas contra uma das paredes do
quarto e as pernas enlaçadas na minha cintura. Meu corpo estava pressionado
ao seu com firmeza, as mãos segurando sua bunda para mantê-la no lugar
enquanto minha boca praticamente devorava a sua como nunca antes.
Quando mordisquei seu lábio inferior, puxando-o para mim, ela
grunhiu, o que causou uma onda de eletricidade direcionada unicamente ao
meu pau. Eu desci meus beijos por seu queixo, arrastando a boca até que
estivesse no seu pescoço. Forçando-a ainda mais na parede com o meu corpo,
possibilitando assim que apenas a preensão do meu corpo ao seu fosse o
suficiente para mantê-la no lugar, permiti que uma das minhas mãos
deslizasse por cima do seu roupão até alcançar os cachos úmidos e enroscar
meus dedos ali.
A outra mão, no entanto, fez o caminho inverso; fugindo de sua bunda
para acariciar sua coxa de encontro à bainha do roupão. Meus dedos
passaram por baixo do tecido e percorreram lentamente sua coxa lisa em
direção ao paraíso. Mas antes que eu pudesse chegar lá, forcei-me a parar
bem ali e levantei meu rosto para observar Aubree com a cabeça pendendo
levemente para trás. Os olhos antes fechados, logo voltaram a se abrir ao
notar a falta de um avanço por minha parte, e suas íris nebulosas vieram às
minhas.
Eu apertei meus lábios, em um conflito interno entre calar a porra da
minha boca e continuar testando os limites dela, ou expressar a minha
confusão em relação a aqueles mesmos limites.
— O que foi? — Sua voz saiu em um sussurro rouco, parecendo
confusa.
Abri minha boca para dizer algo, mas nada saiu por ali, porque eu não
tinha a merda da mínima ideia do que eu gostaria que saísse dali naquele
momento. Meu tesão e minha razão estavam em um duelo acirradíssimo, mas
não demorou mais que meio segundo para que eu jogasse a toalha e falasse
logo.
— Não sei até onde posso ir com você, Bree.
Aubree pareceu surpresa com a minha confissão. Talvez um pouco
confusa também, porque em um piscar de olhos suas pernas se afrouxaram da
minha cintura, em um pedido silencioso para que eu a colocasse no chão.
Eu assim o fiz, sentindo a frustração começar a tomar conta de mim.
Olhe o que você fez!, aquele era meu pau gritando comigo por dar a
Aubree o benefício da dúvida em relação ao que estávamos fazendo e, mais
uma vez, obrigando-o a se contentar com a minha mão.
Mas eu estava pouco me fodendo para ele.
De forma alguma gostaria de trepar com Aubree sem que ela tivesse
cem por cento de certeza do que estava fazendo e do quanto queria aquilo.
Então meu pau que se conformasse com a minha mão direita, porque eu
estava prestes a murmurar algo à garota sobre ir tomar outro banho para lidar
com ele.
Antes que eu o fizesse, contudo, Aubree agarrou meus ombros e
inverteu as posições entre nós, fazendo com que quem estivesse escorado à
parede agora fosse eu.
Procurei por seus olhos, pela segunda vez na noite, confuso com o que
diabos ela estava pensando, mas minha atenção prendeu-se à sua boca que
sustentava um sorriso escorrendo malícia.
Suas mãos estavam espalmadas no meu peito nu, o rosto perto demais
do meu quando ela se colocou nas pontas dos pés para me beijar
delicadamente. Em seguida fez o mesmo que eu minutos antes; arrastou a
boca por meu queixo e pescoço, e chupou minha pele por um instante antes
de beijar minha clavícula. Após isso beijou o centro do meu peitoral, próximo
ao meu coração.
Assim que seus lábios deslizaram lenta e tortuosamente pelo meu
corpo, passando pelo abdome sem pressa, soltei um grunhido de excitação.
Meu pau estava duro feito pedra escondido atrás da calça, e eu estremeci de
prazer no instante em que entendi para onde sua boca estava indo.
Aubree Evans poderia muito bem ser um anjo. Com seus cachos e
aquele roupão branco começando a pender sobre um dos seus ombros. Mas
algo na maneira em que ela se ajoelhou no chão e deslizou as unhas
suavemente até o cós da minha calça de moletom me disse que não.
Ela não era um anjo.
Porque bem ali, diante de mim, Aubree Evans era o diabo. E quando
seus olhos encontraram os meus e um sorriso sádico se abriu em seu rosto, eu
soube que estava perdido; condenado ao poder que ela tinha sobre mim pelo
que parecia o restante da eternidade.
Não que eu estivesse reclamando. Se Aubree Evans fosse o diabo e o
inferno fosse remotamente parecido com a sua língua quente deslizando por
toda a extensão do meu pau, eu poderia continuar condenado àquilo sem
problema algum.
Olhei para ela e alinhei meus olhos aos seus enquanto Bree me
provocava com a língua, divertindo-se somente com a cabeça do meu pau
como se estivesse apenas esperando que eu praticamente implorasse por algo
além daquela brincadeira.
E eu estava muito perto de implorar quando sua boca úmida me
envolveu lentamente.
Sem conseguir evitar, fechei meus olhos e pendi a cabeça para trás,
apoiando-a contra a parede para aproveitar cada mínimo detalhe e sensação
que a boca de Aubree me proporcionava à medida em que ela chupava
delicadamente a ponta do meu pau e permitia que sua mão se movesse com
firmeza na base, em um movimento de vaivém.
— Puta merda, Bree. — Um gemido rouco escapou da minha garganta
no instante em que ela afastou sua mão para enfiar meu pau quase inteiro na
sua boca. Após isso o tirou dali e voltou a sua mão para espalhar a saliva por
toda a extensão, provocando-me com movimentos circulares com a sua palma
contra a cabeça do meu pau em seguida.
Forcei-me a abrir os olhos e olhar para baixo mais uma vez, para me
deparar com a imagem que me fez concluir que eu não estava no inferno.
Longe daquilo.
Eu estava na porra do paraíso.
Aubree levantou sua atenção até mim e sorriu de forma travessa. Juro
por Deus que quase gozei com a cena, por isso voltei a tombar minha cabeça
para trás e encarar o teto no instante em que sua boca me envolveu
novamente, chupando-me com mais vontade ainda; acelerando o ritmo, com
um misto de gentileza e força que fora responsável por fazer todo o meu
corpo começar a pegar fogo.
O que antes era uma faísca de prazer indescritível, agora havia se
tornado a porra de um incêndio à medida que ela ia e voltava. Aubree gemeu
contra o meu pau e seu som reverberou por todo o meu corpo. Minhas bolas
se contraíram de prazer e eu grunhi, sentindo que estava prestes a explodir.
Quase lá.
Mas Aubree Evans me puxou de volta ao inferno no momento em que
cessou os movimentos e afastou completamente sua boca de mim.
Eu abri os olhos, ao mesmo tempo confuso e sem palavras com a
provocação.
Definitivamente, ela estava querendo me matar.
Cheguei àquela conclusão no exato segundo em que ela se colocou de
pé na minha frente e sorriu para mim de uma forma que eu nunca a havia
visto sorrir. Seus dedos brincaram com a faixa do roupão que o prendia ao
seu corpo, embora naquela altura do campeonato um dos seus ombros já
estivesse completamente descoberto enquanto o tecido pendia para o lado,
quase revelando o seio.
Todo o meu corpo formigou em prazer quando Bree puxou a faixa pra
que o roupão se abrisse e, então, escorregasse por sua pele até ao chão.
De repente, minha boca ficou seca, porque Aubree conseguia ser ainda
mais perfeita nua.
E eu tive quase certeza de que aquilo era apenas mais um dos meus
sonhos eróticos quando ela deu passos confiantes na minha direção, como se
estivesse prestes a devorar todo o meu corpo e alma. Grudando seu corpo ao
meu, sua mão envolveu minha nuca e seus lábios roçaram na minha orelha ao
colocar-se na ponta dos pés para sussurrar:
— Quero que você vá até o final comigo, Colton.
Puta merda.
Aquilo pareceu me trazer de volta à realidade e despertar um impulso
primitivo em mim.
Eu pisquei, enquanto voltava a assumir controle do meu próprio corpo.
E assim que o fiz, automaticamente cobri minha boca com a sua e levei
minhas mãos à sua cintura para guiá-la às cegas até a cama.
Meu corpo tombou por cima dela assim que nós alcançamos a ponta da
cama e Aubree arfou, o que só fez com que meu tesão aumentasse ainda mais
ao imaginar os sons que sairiam por entre seus lábios quando eu estivesse
dentro dela.
Enlaçando meu braço na sua cintura, puxei-a mais para cima para deitá-
la com a cabeça no travesseiro, e voltei a beijar sua boca como se precisasse
daquilo mais do que precisava de oxigênio. Bree enlaçou as pernas ao redor
da minha cintura e meu pau roçando na sua entrada me fez grunhir contra
seus lábios no mesmo instante que ela.
Cortei nosso beijo para descer meus beijos em direção aos seus peitos,
passando rapidamente pelo seu pescoço antes de abocanhar um de seus
mamilos e escutá-la gemer instantaneamente. Minha mão apertou um dos
seus seios enquanto eu chupava, lambia e beijava o outro, não conseguindo
evitar sorrir quando Bree se contorceu debaixo de mim, roçando seu corpo no
meu, praticamente implorando por mais que aquilo em um pedido silencioso.
Deslizando minha mão do mamilo arrepiado até a entrada entre as suas
pernas, levantei meu rosto antes enterrado entre os seus seios para observá-la
se contorcer de prazer assim que dois dos meus dedos foram para dentro dela.
Seus lábios se separaram para que um gemido escapasse do fundo da sua
garganta assim que retirei meus dedos da sua boceta molhada apenas para
enfiá-los mais uma vez, lenta e tortuosamente.
Os olhos fechados e o corpo estremecendo de prazer me fizeram sorrir
satisfeito, antes que eu voltasse à função de beijar seus peitos deliciosos, ao
mesmo tempo em que meus dedos entravam e saíam dela cada vez mais
rápido. Esfreguei seu clitóris delicadamente com o polegar e Aubree soltou
outro gemido acompanhado de um suspiro prazeroso.
E à medida em que meus dedos a proporcionavam todo o prazer que ela
havia me proporcionado minutos antes, minha boca se deliciou com seus
seios mais um pouco, antes de descer mais e mais, para poder lhe dar o
melhor oral de toda a sua vida.
Aubree, contudo, não permitiu que eu chegasse até lá. Agarrando meus
cabelos, ela me puxou para cima e me beijou com força, como se estivesse
desesperada por aquilo.
— Dentro de mim — a garota praticamente ordenou em um sussurro,
após partir o beijo. — Por favor, Colton. Agora.
Não a contrariei.
Alcançando a carteira na mesa de cabeceira, puxei uma camisinha e me
coloquei sobre os joelhos para colocá-la. Aubree apenas continuou deitada na
cama, observando-me com um sorriso preguiçoso no rosto. Os cabelos agora
secos e bagunçados estavam espalhados por todo o travesseiro e, por um
mísero segundo, tentei guardar aquela imagem na minha mente para sempre,
antes de voltar a me posicionar sobre ela.
Meu pau roçou novamente na sua boceta encharcada, e eu soltei um
suspiro de anseio, mas não entrei de imediato. Primeiro, beijei-a novamente,
daquela vez de forma lenta e delicada, como se quisesse degustar de cada
segundo daquele momento antes que entrássemos no ritmo selvagem do qual
eu tinha certeza que entraríamos assim que eu a invadisse. Depois, beijei a
ponta de seu nariz e, então, sua testa.
Meus olhos procuraram os seus.
Não costumava manter qualquer tipo de contato visual com as garotas
com as quais transava, mas com Aubree Evans tudo era diferente. Queria
absorver cada uma das sensações e dos sentimentos que transparecessem
pelas suas íris no momento em que eu entrasse nela.
E foi exatamente o que eu fiz.
Seus olhos continuaram grudados aos meus assim que invadi sua
entrada, mas não demorou para que ela jogasse a cabeça para trás e os
fechasse em puro prazer, enlaçando suas mãos na minha nuca.
— Meu Deus — Bree gemeu, assim que seus músculos internos me
apertaram, e eu grunhi junto a ela.
Precisei de um momento para absorver o calor de seu corpo ao meu,
antes que saísse quase por inteiro somente para entrar mais uma vez em
investidas, a princípio, lentas.
Aubree me puxou ainda mais para si, e eu ergui uma de suas pernas
para encaixá-la no meu quadril e aumentar o ritmo das investidas. Um
gemido alto escapou da sua garganta quando atingi algum ponto dentro dela,
forçando-me a abafar os sons que insistiam em fugir dali com a minha boca
contra a sua.
Nossas línguas se entrelaçaram, ao mesmo tempo em que Bree
encaixou sua outra perna em mim para que eu fosse ainda mais fundo, e eu
parti nosso beijo, ofegante.
Meus lábios roçavam nos seus à medida em que eu me movia.
Suas unhas se afundavam nas minhas costas à medida em que eu
atingia um novo ponto dentro dela.
Nossas respirações mesclavam-se, ofegando em prazer à medida em
que o sexo tornava-se mais e mais bruto e selvagem.
Aubree agora tinha a cabeça jogada levemente para trás, sem se
importar com os gemidos altos enquanto meu corpo ia e vinha, esfregando-se
no dela de forma que até o seu clitóris estava recebendo o estímulo necessário
para que a garota começasse a chegar ao seu limite.
Sua respiração se tornou ainda mais ofegante e Aubree fincou as unhas
com força nas minhas costas ao atingir o orgasmo, fazendo com que seus
músculos internos apertassem ainda mais meu pau contra eles. E tive certeza
de que a forma como gritou meu nome quando atingiu o clímax ficaria
gravada na minha cabeça para sempre, fazendo-me ficar duro toda vez que
chegasse próximo a cogitar pensar nisso.
Continuei movendo-me, porque eu também estava quase lá, e senti as
forças se esvaírem do meu corpo no instante em que minhas bolas se
contraíram e eu explodi em prazer, grunhindo.
Meu corpo instantaneamente pareceu ceder, e eu me permiti cair sobre
Aubree, enterrando o rosto na curva de seu pescoço para inalar seu cheiro.
Sua mão acariciou minhas costas enquanto nós continuávamos exatamente
como estávamos. Fechei meus olhos, sentindo meu coração bater com força
contra as minhas costelas, e levei uma das minhas mãos até os cabelos de
Bree, para acariciá-los em silêncio.
Não sei exatamente quanto tempo ficamos naquela posição, mas
pareceu tempo o suficiente para que a exaustão tomasse conta dos dois e
quase caíssemos no sono. Apenas então, forcei-me a rolar para o lado vazio
da cama e encarar o teto, enquanto tirava o preservativo usado para me
levantar e jogá-lo no lixo mais próximo.
Senti os olhos de Aubree queimarem em mim e sorri assim que voltei à
cama, deitando-me de frente para ela.
Levei minha mão até seu rosto para tirar um cacho dali.
— Onde aprendeu a fazer um boquete desses?
Minha pergunta a fez soltar um riso nasalar e encarar o teto.
— Fiz um curso. Pensei que já tivesse te falado sobre — ela brincou,
olhando-me de soslaio em seguida.
Eu ri e a puxei para perto de mim.
— Eu imaginei. — Entrei na sua brincadeira e enrosquei meus dedos
nos seus cabelos no instante em que Bree deitou sua cabeça no meu peito. —
Ninguém simplesmente nasce com um dom desses.
Outro risinho escapou dela, seguido de um bocejo.
Após isso, nós apenas ficamos em silêncio.
Meus olhos cravaram no teto, repassando tudo o que acabara de
acontecer e o que exatamente seria do amanhã diante do hoje.
Aubree Evans era imprevisível e tinha um histórico considerável de
coisas das quais se arrependera de fazer, segundo às suas histórias de vida. Eu
não tinha a mínima ideia de como ela reagiria amanhã em relação ao que
havíamos feito agora, mas eu estava torcendo para que aquilo não nos
afetasse negativamente.
Na verdade, eu não me importaria se aquele fosse apenas o início do
tanto que poderíamos desfrutar um do outro.
A trepada havia sido ótima. Tanto para mim, quanto para ela; eu tinha
certeza disso. Não via por que não continuarmos com isso se haviam apenas
pontos positivos naquilo.
Pare de pensar, Colton, minha mente resmungou, assim que percebeu
meus devaneios, e eu tratei de parar de pensar naquilo por ora, já que não me
levaria a lugar algum.
Voltando minha atenção a Aubree, notei o instante em que sua
respiração pareceu mais lenta, e o corpo relaxou sobre o meu, indicando que
ela havia pegado no sono.
Então, inspirei profundamente e beijei sua testa, antes de voltar minha
atenção ao teto. Com um suspiro frustrado, vi-me soprando baixinho:
— Espero que você não se arrependa disso amanhã, Bree.
“Eu espero não ser um acidente
Espero que você não se levante e vá embora
Talvez não signifique esse tanto para você
Mas para mim é tudo.”
Truly, Madly, Deeply | One Direction

Ela havia se arrependido.


Estava explícito em seu rosto e em toda a sua mudança súbita de
comportamento que Aubree Evans estava dando o seu máximo para apagar a
noite passada da sua mente.
Desde o momento em que acordei e a vi fumando na janela do quarto,
encarando a vista de Boston em silêncio, eu tive certeza de que algo não
estava certo. Nós tomamos café da manhã em silêncio, fizemos o check-out
do hotel em silêncio, entramos no carro em silêncio e, durante as últimas
quatro horas, trocamos somente meia dúzia de palavras.
Eu sabia que, em algum momento, nós teríamos que conversar sobre o
que havia acontecido. E, de preferência, que aquela conversa acontecesse
antes que chegássemos em casa. Contudo, também não queria ser o primeiro
a tocar no assunto.
Ao mesmo tempo em que Aubree parecia estar ciente de tudo o que
acontecera ontem, ela também aparentava estar fingindo para si mesma que
aquilo não havia passado de um delírio; algo que deveria ser deixado em
Boston, naquele quarto de hotel, e nunca mais ser relembrado.
Meus dedos apertaram o volante com uma força considerável ao
passarmos pela placa que nos informava que havíamos chegado a Nova York,
e eu olhei de canto de olho pra Bree, a qual mantinha os olhos fechados e a
cabeça encostada na janela do carro.
Sabia que ela não estava dormindo. Se a conhecia bem o suficiente,
diria que provavelmente estava se martirizando em silêncio pela merda de
clima que havíamos criado entre nós. Na verdade, que ela havia criado entre
nós quando decidira levar as coisas naquele pé. Diferente dela, tentei soar o
mais casual possível ao acordar, fazendo as mesmas piadinhas de sempre e
agindo da mesma forma como agiria se não tivéssemos trepado, mas Aubree
não estava respondendo como costumava responder. Algo que me deixava
puto da vida, porque era da minha natureza simplesmente levar as coisas
numa boa e ver como elas seriam dali em diante, mas aparentemente aquilo
estava longe de ser da natureza de Aubree Evans.
Analisando seu comportamento, era quase como se ela estivesse
tentando cortar o mal pela raiz; simplesmente me cortar da sua vida sem
sequer explicar a porra dos seus motivos.
Quando estávamos chegando, eu desacelerei o carro o suficiente para
que pudéssemos ter ao menos dez minutos para conversar e, ao me conformar
de que não seria ela a primeira a tocar no assunto, forcei-me a quebrar a porra
do silêncio constrangedor entre nós com um suspiro agitado.
— Não vamos mesmo falar sobre o que aconteceu ontem? — Minha
voz carregava um quê de irritação inevitável, e eu a olhei de soslaio apenas
para vê-la levantando a cabeça do vidro e inspirando profundamente.
Aubree não respondeu de imediato. Ao invés disso, dobrou suas pernas
de encontro ao peito e levou sua mão à boca para roer a unha do seu polegar.
— Não sei o que você espera que eu diga, Colton. — Ela soprou,
parecendo exausta. — Nós transamos. Foi isso.
Apertei meus lábios para não soltar um palavrão e expirei com força.
— Disso eu sei, Bree. — Fiz uma pausa, em uma tentativa de segurar o
comentário sarcástico que estava prestes a sair da minha boca, mas não me
contive. Por fim acrescentei: — Não sei se você se lembra, mas eu estava lá
também. Quero saber o que acontece agora.
Aubree deu de ombros.
— Foi só uma transa, Colton. Não quero fazer disso um grande evento.
Só... — Sua voz morreu, e a garota passou as mãos pelos cabelos, parecendo
estressada. Em seguida largou-as ao lado do corpo, derrotada, e virou seu
rosto para me olhar pela primeira vez em horas. — Vamos fingir que nunca
aconteceu, ok?
Automaticamente, franzi o cenho e tirei minha atenção da rua para
encará-la, indignado.
Inacreditável.
Simplesmente inacreditável.
— Está mesmo me pedindo para esquecer que transamos, Aubree?
Sério?
Seus olhos fugiram dos meus novamente em direção à janela, e eu notei
o instante em que ela engoliu em seco.
Uma fagulha de raiva percorreu todo o meu corpo diante do seu pedido,
parecendo aumentar à medida em que eu dirigia pelas ruas de Nova York.
— Nunca deveria ter acontecido — ela disse em um sopro, mais para si
do que para mim de fato.
Mas aquilo não me impediu de balançar a cabeça, completamente
descrente, e apertar ainda mais as mãos no volante.
Ela estava de brincadeira com a minha cara?
Não era possível.
Inspirei.
Então expirei.
Controle-se, cara, minha mente pediu, enquanto eu apertava minha
boca com força, impedindo-me de sair xingando tudo e todos por aí. Eu
estava irritado pra caralho. Não por ela não querer continuar com seja-lá-o-
que-acontecera-ontem, mas por estar simplesmente colocando uma barreira
entre nós. Entre a porra da nossa amizade e do que havíamos construído nas
últimas semanas. Justificando suas atitudes idiotas de hoje com base no que
me garantira que queria fazer ontem.
O quão ridículo aquilo era?
— Eu perguntei se você tinha certeza, Aubree. — Não consegui me
segurar. — Fui com você até onde você queria que eu fosse. Você não pode
simplesmente me pedir para fingir que nada aconteceu ontem. Você e eu
sabemos o que aconteceu. Não pode fugir disso assim. Isso é ridículo.
Aubree ficou em silêncio, e eu soltei uma das mãos do volante para
fincar o cotovelo na porta do carro e passar meus dedos pela minha testa em
uma tentativa de espantar a irritação.
Inspirando mais uma vez, prossegui:
— Se soubesse que você reagiria dessa forma hoje, eu nunca teria
permitido que chegássemos onde chegamos ontem.
Uma risada inconformada alcançou os meus ouvidos de imediato, e eu
olhei de relance para Aubree, que me observava com uma das sobrancelhas
arqueadas.
— Desculpe, mas você pensou que a minha reação hoje seria
remotamente diferente disso?
Meu Deus. Por que ela estava sendo tão escrota?
— Claro que não, Aubree, só pensei...
— Que eu fosse acordar apaixonada por você? Por seu pau? Pelo sexo?
— Não, porra! — Minha voz aumentou uma oitava, explodindo de
ódio, e virei bruscamente em uma das ruas na qual indicava que em menos de
cinco minutos nós estaríamos em casa. — Só pensei que fosse ser madura o
suficiente para assumir as suas próprias atitudes. Para uma garota que se
mostra madura para o mundo, você não se passa de uma mulher de vinte anos
querendo agir como uma adolescente de quinze ao tentar esconder de si
mesma os erros que você comete.
— Cometemos esse erro juntos.
Tive vontade de rir, porque ela não podia estar falando sério quanto
àquilo. Eu não havia cometido porra de erro nenhum. Sabia muito bem onde
eu estava me metendo.
Literalmente.
Ou, ao menos, pensei que soubesse.
Em momento algum, na noite passada, tive dúvida se deveríamos
seguir em frente com aquilo. Na verdade, a única coisa da qual tinha certeza
era no quanto aquilo não poderia parecer mais certo. No quanto o meu corpo
grudado ao seu era a única coisa no mundo que parecia fazer algum tipo de
sentido. No quanto minhas respiradas ofegantes se mesclando às dela e os
seus lábios devorando os meus, transmitiam-me uma sensação de
pertencimento que eu nunca sentira antes. Quase como se não houvesse outro
lugar no mundo no qual eu gostaria de estar.
Mas a raiva ofuscou todos os meus pensamentos em segundos, depois
do absurdo que acabara de sair pela sua boca, e tudo que eu consegui fazer
foi cutucar a ferida que parecia estar sendo aberta tanto em mim, quanto nela.
— Pois é. Erramos — forcei-me a dizer, com o tom de voz elevado, e
dei graças a Deus que estávamos na rua de casa. — E, acredite, se eu pudesse
voltar atrás e desfazer essa merda, eu o faria sem nem pensar duas vezes. Mas
não podemos e, você querendo ou não, transamos. Mas não sou eu que estou
aqui pedindo para que você se finja de idiota quanto a isso, ou sou?
Dito aquilo, alcançamos o prédio e eu freei na entrada para que Aubree
pudesse pegar suas coisas e dar o fora.
Eu estava pegando fogo de raiva e, aparentemente, ela também.
Suas mãos destravaram o cinto, tremendo de ódio, mas porque ela
sabia que eu estava falando a merda da verdade. Ela se esticou para puxar sua
mochila no banco de trás e abriu a porta do passageiro, colocando uma perna
para fora do carro. Antes que pudesse sair por completo, no entanto, Aubree
virou para mim e alinhou seus olhos aos meus. E embora eles estivessem
fervendo de fúria, eu notei um brilho de mágoa pendendo ali.
— O que aconteceu ontem foi só sexo, Colton — murmurou ela,
entredentes, com a voz embargada. — Não é tão dif...
— Não para mim, Bree — eu a cortei, duro, e encarei-a no mais fundo
das suas íris castanhas que consegui, ao admitir: — Não foi só sexo para
mim.
Imediatamente, ela se calou, adquirindo um semblante confuso.
Sua boca se partiu e logo se fechou, sem saber exatamente como me
responder ou reagir àquilo.
E, honestamente, talvez eu preferisse que ela não dissesse nada. Tudo o
que eu queria era que ela desse o fora do meu carro.
Bem... Foi o que ela fez.
Inspirando fundo, Aubree cortou nosso contato visual e tirou seu corpo
do carro, batendo a porta em seguida.
Eu continuei com o pé no freio, observando-a entrar pelo portão da
frente até que sumisse dentro do prédio sem sequer olhar para trás. E apenas
quando Bree estava fora do meu campo de visão, notei que meus pulmões
prendiam o ar com força. Expirando toda a tensão para fora de mim, fechei os
olhos e fiz movimentos circulares com os meus dedos nas têmporas, em uma
tentativa de controlar a irritação que borbulhava no meu peito.
— Porra! — Bati no volante com força, pressionando a buzina sem
querer, e finquei meu cotovelo na porta do carro para passar a mão pelo
queixo, puto da vida.
Após algum tempo, forcei-me a dar partida e entrar na garagem,
estacionando em uma das vagas do meu apartamento. A outra — onde
costumava ficar o carro de Mason — estava vazia, indicando que muito
provavelmente ele havia saído. E, ainda mais provável que isso, que houvesse
saído com Lake.
Recostando minha cabeça no encosto do carro, tirei o cinto e puxei o
celular para olhar com mais calma as notificações que, desde nossa ida a
Boston, eu não havia me atentado muito.
A mensagem mais recente era de Mason, a qual confirmava as minhas
suspeitas.

Mason Callahan:
Lake e eu vamos ao cinema e dps jantar fora.
Lake pediu p/ avisar q tem comida de ontem na geladeira.

Mandei um joinha em resposta e entrei no grupo da Broken Crown para


ver o que Alec mandara há pouco tempo.

Alec Austin:
Vou precisar adiar o ensaio de amanhã pra quarta, caras.
Problemas em Bridgeport. Só volto terça à noite.

Outro joinha da minha parte, daquela vez no grupo.


Olhando minha caixa de mensagens, minha conversa com Chase
também estava destacada, com uma notificação do lado e uma mensagem
dele de três horas atrás.

Chase Mitchell:
Sua garota tava procurando por vc ontem na festa do Kappa.

Automaticamente franzi o cenho.


Colton Reed:
Minha garota?

Chase respondeu no mesmo segundo.

Chase Mitchell:
Ops. Ex-garota.
Foi mal. Vacilo meu.

O som indicando outra mensagem dele alcançou meus ouvidos, mas


antes que eu pudesse passar meus olhos por ela, meu celular começou a
vibrar, indicando uma ligação, e tudo pareceu fazer sentido quando o nome
de Maddison Hilton piscou na tela.
Meu polegar intercalou entre o botão de aceitar e o de recusar a ligação.
Eu havia visto hoje de manhã que, na noite anterior, havia duas chamadas
suas perdidas, mas não achei o momento ideal para ligá-la de volta enquanto
Aubree ainda estivesse comigo.
Bem, agora ela não estava mais, e duvidava que voltasse a estar tão
cedo. Por isso, forcei-me a aceitar a chamada, curioso com o que Maddy
queria.
— Maddy? — indaguei, incerto, assim que ela atendeu.
— Você esqueceu um casaco aqui, já tem algum tempo. — Sua voz era
despretensiosa, como quem não queria nada, mas eu soube naquele exato
momento qual era o intuito da sua ligação.
Eu poderia não nutrir nenhum tipo de sentimento por ela, mas nós
havíamos passado tempo suficiente juntos para que eu entendesse exatamente
o que aquilo significava.
— Posso passar no seu apartamento para te devolver?
Remexi-me desconfortável no carro, sem saber como reagir àquele seu
convite para uma trepada.
— Hm... Não sei se é uma boa ide...
— Relaxe — ela me cortou, rapidamente. — Não estou atrás de
compromisso.
Apertei a boca em resposta, embora ela não estivesse vendo, e pensei.
Pensei com o pau, era claro, porque eu estava frustrado demais para ser
racional no momento.
Se Maddy queria uma trepada casual, sem compromisso, por que não?
Aubree já havia me chutado de volta para a friendzone mesmo. Pior: para
algo abaixo da friendzone, porque duvidava que depois das últimas vinte e
quatro horas nós pudéssemos voltar a nos considerarmos amigos.
Além disso, eu estava puto. E nada melhor que uma boa trepada para
esquecer minha transa com Bree. Pelo menos, eu torci que fosse uma ótima
forma de esquecer no instante em que respondi:
— Chegue em meia hora.
Maddison não disse nada. Apenas desligou a ligação, o que fez com
que meu celular voltasse automaticamente para a minha conversa com Chase.
Eu soltei um longo suspiro, sem ter ideia do que diabos eu estava
fazendo, mas afastei aquele receio para longe e foquei no que meu amigo
havia mandado antes da ligação de Maddy.
Tive que soltar um riso nasalar com a ironia do destino.

Chase Mitchell:
Ent quer dizer q vai rolar a famosa recaída?

Digitando rapidamente, eu respondi.

Colton Reed:
Parece q sim.
“Seria escandaloso dizer,
Que ou estamos gritando ou estamos transando
presos em uma fase tempestuosa
É uma pena, e acaba de me ocorrer que nós não podemos voltar
A ser como éramos antes.”
Too Much To Ask | Arctic Monkeys

Talvez Colton tivesse razão.


Talvez eu realmente estivesse tentando ocultar de mim mesma a merda
que havia feito.
Você prometeu que não se deixaria cair por ele, minha mente
repreendeu-me mais uma vez, e eu tive que soltar um suspiro em resposta
quando imagens da noite passada voltaram a irromper diante dos meus olhos.
Fazia pouco mais de duas horas que nós havíamos chegado em Nova
York e, desde então, eu não conseguia pensar em outra coisa senão a
discussão do carro ou os momentos que tivemos na noite anterior.
Não conseguia tirar da minha cabeça as sensações dos seus dedos em
mim, da sua boca na minha, do seu corpo no meu.
— Droga de cérebro — resmunguei, para ninguém em específico,
sentada no sofá da minha sala enquanto encarava a parede que separava meu
apartamento do dele.
Droga de tesão, meu cérebro rebateu, defendendo-se, e eu precisei
concordar com ele.
Droga de luxúria.
Agora eu entendia quando Aristóteles dizia que a luxúria era uma força
tão poderosa que, muitas vezes, ia além do poder da razão de conter. Era
aquilo que eu estava passando com Colton desde o instante em que
conversamos pela primeira vez; um conflito entre minha maldita razão e a
droga da minha libido.
A verdade era que eu morria de medo do misto de sensações que
Colton Reed instigava em mim. Morria de medo do que poderia significar o
ar que fugia dos meus pulmões quando seu corpo estava perto do meu, ou do
formigamento da minha pele toda vez que ele me tocava.
Morria de medo porque, embora não quisesse admitir a mim mesma,
sabia o que aquilo significava:
Vulnerabilidade.
E a noite passada tornara aquilo muito claro para mim.
De alguma forma, Colton havia conseguido entrar na minha pele,
percorrer as minhas entranhas e invadir o meu coração para causar
sentimentos dos quais eu prometera a mim mesma que evitaria até o dia da
minha morte.
Mas talvez ele realmente tivesse razão.
Por mais difícil que fosse admitir, eu estava sendo imatura. Transar
com ele havia sido um deslize. Uma pequena recaída. Contudo, seria burrice
deixar que aquilo afetasse na amizade que vínhamos construindo.
Gostava de estar perto dele, assim como sabia que Colton gostava de
estar perto de mim, mas não consegui deixar de me perguntar o quanto
exatamente ele gostava.
“Não para mim, Bree. Não foi só sexo para mim.”
Suas palavras se repetiam na minha mente sem parar, acumulando-se à
bola de neve de coisas ocorridas nas últimas vinte e quatro horas e que meu
cérebro forçava-me a lembrar a cada dois minutos apenas como uma forma
de tortura a mim mesma.
Bem, também não havia sido só sexo para mim, eu sabia disso. Aquele
era um dos motivos pelo qual eu estava tão aterrorizada. Porque tudo o que
eu queria era que Colton não se passasse de uma pequena atração.
Não era o caso.
Eu também sabia daquilo.
Que merda. Eu tinha certeza daquilo.
Mas, acima de o que quer que Colton fosse para mim, ele era um
amigo.
Uma das únicas pessoas em toda a Nova York com quem eu sabia que
podia contar. E seria ridículo de ambas as partes se aquela amizade escapasse
pelos vãos de nossos dedos por conta de um pequeno deslize. De um pequeno
momento de fraqueza no qual deixamos os laços da nossa amizade de lado
para focarmos em um desejo. Um desejo momentâneo.
Algo do qual ambos estávamos precisando naquele instante, mas que
não necessariamente precisaríamos mais agora. Nossa amizade, por outro
lado, sim. Daquilo, nós, com toda a certeza, precisaríamos.
Reunindo o pouco de coragem que encontrei em mim, levantei-me do
sofá, decidida a pôr todas as cartas na mesa em busca de uma reconciliação.
Bem, quase todas. Aquela que dizia sobre o quanto ele me afetava de formas
que nenhum amigo deveria afetar, eu optei por deixar guardada no bolso.
Em passos decididos, abri a porta do meu apartamento e apenas parei
quando meus pés congelaram na entrada do seu. Inspirando profundamente,
bati à porta.
Meu coração palpitou no peito ao ouvi-lo gritar um “já vai” e, instantes
depois, a maçaneta foi girada por um Colton sem camisa e descabelado. Seus
olhos arregalaram-se ao me ver, surpreso, quase como se não nos víssemos
há anos e ele não estivesse esperando pela visita.
Provavelmente estava me achando maluca.
Eu estava me achando maluca.
Mas, aparentemente, aquele era o efeito que Colton Reed causava em
mim.
— Oi — foi tudo o que eu consegui pensar em dizer.
Seu peito desceu e subiu, respirando pesado, parecendo nervoso, à
medida que ele estudava todo o meu rosto com um brilho estranho por trás
das íris cinza.
— O que está fazendo aqui?
Abri e fechei a boca ao perceber que as palavras haviam fugido para
bem longe dali, e meus pulmões clamaram por ar de repente.
— Posso entrar? — indaguei, meneando com o queixo para a sala. —
Acho que precisamos conversar.
Colton olhou por sobre o ombro. Em seguida voltou sua atenção para
mim e coçou a nuca, parecendo... sem jeito?
Foda-se.
A gente precisava conversar.
— Bree, não acho uma boa ide...
Mas antes que ele pudesse acabar de concluir aquela frase, eu já estava
invadindo seu apartamento da mesma forma como ele costumava invadir o
meu.
— Sinto muito. Você está certo, Colton; fui imatura pra cacete. Gosto
de você. Quer dizer, gosto de você como amigo. Ainda acho que não
deveríamos ter transado, porque você realmente é uma pessoa importante pra
mim e não quero que estraguemos tudo. Foi legal, e eu não me arrependeria
se não fosse por... — Apertei meus lábios, reformulando a frase em seguida:
— Quero dizer, me arrependeria, porque não quero perder sua amizade,
entende? Talvez nós estivéssemos precisando daquilo na hora, mas...
— Bree — ele tentou me cortar, aproximando-se em passos rápidos de
mim (que agora já estava no meio da sua sala, vomitando palavras na sua
cara) para me segurar pelos braços. — Será que a gente pode conversar mais
tarde? Agora realmente não é um bom momento.
Suas palavras, no entanto, simplesmente entraram por um dos meus
ouvidos e saíram pelo outro. Eu continuei:
— ... não acho que nós devemos simplesmente jogar no lixo a amizade
que criamos. Então, vim aqui assumir responsabilidade pelos meus atos,
assim como você me pediu para que eu assumisse mais cedo. Não deveria ter
te pedido para simplesmente esquecer a noite de ontem. Acho que nem se
tentássemos, nós conseguiríamos porque... Uau. — Puxei o ar entre os dentes
e levantei minhas sobrancelhas, em uma tentativa de mostrar pelas minhas
feições o que eu havia achado da nossa transa. — Foi intenso. Mas acredito
que poderíamos dar o nosso máximo para não permitir que a noite de ontem
afete em nós. Nem em mim, nem em você, separados. E nem em nós dois,
juntos.
Finalmente, forcei-me a parar por ali e puxar o ar com força para
recuperar o fôlego, enquanto esperava por uma reação da parte dele. Algo do
tipo “tudo bem, Bree, não se preocupe com isso, nós ainda podemos ser
como éramos antes dessa viagem a Boston”.
Tudo que eu recebi, contudo, foi um abrir e fechar de boca ao mesmo
tempo em que seus olhos observavam-me quase que horrorizados.
Por que ele estava horrorizado?
Franzi o cenho, prestes a perguntar se havia dito algo de errado, quando
uma voz feminina vindo do corredor fez com que eu ligasse todos os malditos
pontos.
Ele estava sem camisa, com os cabelos desgrenhados, aflito com a
minha presença e... Meu Deus, como eu não havia notado a vermelhidão em
pontos específicos do seu pescoço?
— Colton? Pare de se fazer de difícil e volte pro quarto. Agora é minha
vez de... — Sua voz morreu no instante em que seus pés alcançaram a sala
para deparar-se comigo ali.
Eu a olhei, boquiaberta.
A única coisa que Maddison Hilton trajava era uma blusa masculina,
que eu sabia exatamente de quem era. Os olhos castanhos me observavam tão
confusos quanto os meus, que intercalavam entre ela e Colton em busca de
uma explicação que não fosse aquela que eu sabia ser.
Sem palavras.
Eu estava sem palavras.
Colton ainda tinha suas mãos em meus braços, segurando-me, aflito,
mas de repente tudo o que eu senti foi nojo. E frustração. E... tristeza? Raiva.
Definitivamente raiva. Embora eu soubesse que, talvez, aquilo me tornasse
uma louca.
Era eu quem havia pedido para que ele esquecesse.
Porém, contudo, todavia, entretanto, Colton se mostrara completamente
contra a ideia de esquecer o que havíamos feito ontem. Ele até mesmo disse
que não havia sido só sexo para ele, pelo amor de Deus!
Oito horas atrás, nós havíamos acordado juntos. Nus.
Seis horas atrás, havíamos pegado a estrada de volta a Nova York.
Duas horas atrás, ele havia me admitido que para ele nossa transa havia
significado algo a mais.
E agora ele estava trepando com outra?
Argh. Homens.
Por um momento, quis me virar na direção de Maddy e lhe implorar
para cair fora da mesma forma que eu estava prestes a fazer. Ele não merecia
nem a mim e nem a ela. Deveria ter escutado os meus instintos desde o início,
quando estes me disseram que Colton Reed não era um homem que prestava.
Não consegui dizer nada.
Mal conseguia respirar, porra.
Afastei suas mãos dos meus braços, dando dois passos para trás, e seus
olhos brilhando em tristeza e algo que eu julgava ser arrependimento,
alinharam-se aos meus.
— Bree... — ele tentou dizer algo, mas eu levantei a palma da minha
mão entre nós, gesticulando para que ele calasse a porra da boca.
Girei nos calcanhares e dei o fora.
Eu sabia que ele estava vindo atrás de mim. Podia ouvir os passos
apressados no meu encalço, mas eu estava à beira de um surto raivoso e eu
não tinha ideia se era por conta dele ou pelo fato de que, provavelmente, o
que o incentivara a fazer aquilo havia sido eu.
— Aubree, espera — Colton pediu, puxando meu pulso para que eu
pudesse falar com ele.
Imediatamente, arranquei minha mão para longe do toque dele e me
virei, sentindo o sangue borbulhar nas veias como nunca antes.
— Para quem disse que a noite de ontem significou algo, você
esqueceu bem rápido, huh? — cuspi as palavras, puta da vida.
Ele piscou, processando cada uma delas, e eu notei quando a frase
causou algo além da frustração e tristeza que eu via em seus olhos;
lentamente, seus traços formaram uma feição raivosa. Os punhos cerraram-se
ao lado do corpo, o maxilar trincou e sua postura tornou-se defensiva.
— Pra quem disse que não significou nada, você parece estar se
importando demais com onde eu coloco meu pau, Aubree — ele rebateu de
imediato e eu calei-me por um segundo.
Meu peito estava carregando tantas emoções ao mesmo tempo que eu
sentia que estava prestes a vomitar. Nenhuma delas, porém, conseguia
ofuscar a raiva que esquentava meu sangue.
— Honestamente, Colton, vai se foder. Mal consigo olhar na sua cara
agora.
Um riso irritado escapou dele em resposta.
— Desculpe, Aubree. Acho que não estou te entendendo. Não foi você
que me pediu para esquecer? — Ele estava puto. As veias no pescoço
praticamente saltaram para fora ao aumentar seu tom de voz para mim: —
Pois bem. Estou esquecendo!
— E que bela forma de esquecer, huh?! — gritei de volta.
Seus olhos queimavam, furiosos, ao passo em que analisavam meu
rosto, e eu estaria suficientemente intimidada se os meus não estivessem tão
furiosos quanto os seus.
Dando dois passos para trás para afastar-se de mim, Colton disse:
— Você me deixa louco, Aubree. Você é simplesmente
enlouquecedora. — Ele balançou a cabeça, descrente. — Não sei lidar com
isso.
— Nunca te pedi para lidar com isso — retruquei ao vê-lo dar as costas.
— Ótimo! — gritou Colton, já entrando no seu apartamento.
Como uma criança, eu berrei de volta:
— Ótimo!
Então, ele bateu sua porta com uma força descomunal, e eu grunhi, com
raiva.
O sangue fervia nas minhas veias assim que voltei para o meu
apartamento e bati a porta da frente com a mesma força que ele.
Foda-se essa merda.
“Bem, você acabou comigo e pode apostar que senti isso
Tentei ficar frio, mas você é tão quente, que derreti
Caí nas rachaduras, agora estou tentando me recompor.”
I’m Yours | Jason Mraz

Embora hoje o dia estivesse extremamente ensolarado, a temperatura


devia estar beirando os três graus e a sensação térmica era de,
definitivamente, menos que aquilo. Fazia um tempo que a temperatura não
descia tanto. Por mais que estivéssemos acostumados com o inverno de Nova
York, dias como aqueles (depois de semanas com temperaturas rondando os
dez a doze graus) doíam na alma. Também era um castigo para aqueles que
tinham o costume de fumar, porque cinco minutos ao lado de fora parecia ser
o suficiente para congelar as bolas de qualquer um.
Ainda assim, nós estávamos lá; no extenso gramado da universidade,
sendo bons amigos enquanto acompanhávamos Chase e Mason com seus
vícios estúpidos. Os dois estavam escorados em uma enorme parede de
tijolos atrás deles, ao mesmo tempo em que Alec e eu continuávamos
trocando o peso entre os pés, movimentando-nos vez ou outra para não
morrermos congelados no mesmo lugar.
— Acho que meu pau diminuiu uns cinco centímetros com esse frio do
caralho — Alec Austin murmurou enquanto esfregava uma mão na outra, em
uma tentativa provavelmente falha de esquentá-las.
Fui obrigado a concordar com um balançar de cabeça.
— Minhas bolas estão congeladas desde que colocamos o pé pra fora
— resmunguei, esperando que Chase e Mason vissem aquilo como uma deixa
para voltarmos ao refeitório da NYU.
Chase, contudo, apenas soltou uma risada em baforadas e balançou a
cabeça em seguida, decepcionado.
— Se houvesse um apocalipse zumbi, vocês seriam os primeiros a
morrer.
Franzi o nariz em resposta.
Bem, pelo menos achava que tinha feito aquilo. Não havia como ter
certeza diante do meu nariz congelado.
— E o que diabos um apocalipse tem a ver com a porra do frio, seu
idiota?
— Nós teríamos que ir para onde neva sempre, seu imbecil — ele
rebateu.
Foi a vez de Mason expressar uma feição confusa.
— O que caralhos o cu tem a ver com as calças, Mitchell?
Chase revirou as íris pretas, como se nós fôssemos um bando de
idiotas. E, talvez, nós realmente fôssemos porque, de uma hora para outra,
estávamos discutindo com toda a seriedade do mundo um possível apocalipse
zumbi na neve.
Bufando, Alec respondeu por ele:
— Na neve, os zumbis andariam mais devagar. Acho que eles podem
acabar até mesmo atolados.
Chase gesticulou na direção do amigo como se dissesse “finalmente
alguém entendeu a lógica”, ao mesmo tempo em que olhava para mim e para
Mason como se fôssemos dois asnos.
— Valeu, Austin. Ao menos alguém nessa roda não é tão estúpido.
Pensei que seria obrigado a desenhar.
Mas eu franzi o cenho, ainda sem dar o braço a torcer, e disse:
— Você está levando quais zumbis em consideração? Porque se for
algo do tipo “Guerra Mundial Z”, quem está sendo estúpido é você —
resmunguei, em um tom de obviedade, antes de acrescentar: — Os zumbis
literalmente escalam muros e você realmente acha que não vão conseguir
lidar com meio metro de neve?
— É óbvio que estamos considerando zumbis realistas estilo “The
Walking Dead”, Colton — Alec murmurou de volta. — Nenhum morto com
carne podre e membros despedaçando escalaria muros.
Bem... Ele tinha um ponto.
E eu não tinha um argumento.
Olhei para Mason, que apenas tragou mais uma vez seu cigarro, dando
de ombros, e suspirei.
— Relembrem-me de como chegamos nesse assunto mesmo?
Callahan sorriu, divertido.
— Você estava falando das suas bolas.
— Ah, sim — concordei. — Elas devem estar me xingando agora.
— Por que estão congeladas? — indagou Alec.
— Óbvio que não, cara. — Chase soltou um riso nasalar, respondendo
antes mesmo que eu pudesse dizer algo. — É porque Maddison Hilton não
faz mais carinho nelas.
Abri minha boca, sem saber se deveria socar sua cara ou mandá-lo à
merda.
Talvez os dois.
— Lake me disse que Maddy está fazendo carinho em outras bolas —
comentou Mason, apagando o cigarro na sola do seu coturno.
Tive que rir, porque aquilo definitivamente só poderia ser algum tipo
de Fake News.
— Claro, porque Lake é a sabe-tudo agora — ironizei.
Mason apenas deu de ombros.
— Ela não, mas o Ben...
Ah.
Ben Peterson era, provavelmente, o maior fofoqueiro de toda a NYU.
Ele era a Wikipédia humana da universidade. Qualquer coisa, qualquer coisa
mesmo, que você gostaria de saber em relação a qualquer estudante da NYU,
Ben Peterson era uma ótima pessoa para se consultar. Ah, e ele também era o
melhor amigo de Lake, o que às vezes tinha suas vantagens.
Às vezes.
— Bem, Ben está errado dessa vez. — Eu arqueei as sobrancelhas em
arrogância. — Trepei com ela no domingo. Não é possível que em quatro
dias ela tenha encontrado outro car...
Mas eu não continuei, porque três pares de olhos observavam-me com
as sobrancelhas erguidas, nem um pouco surpresos com a atitude de Maddy e
o motivo pelo qual ela havia surgido das cinzas para uma trepada; ela havia
me usado. Da mesma forma como eu a havia usado para descontar a
frustração que Aubree causara em mim.
A diferença, no entanto, era que Maddy conquistara o que tanto queria
enquanto a única conquista que eu tive foi gozar batendo uma punheta com a
mão esquerda.
— Bem, pelo menos o plano dela funcionou — eu murmurei, ao
finalmente ligar os pontos, e bufei em seguida.
Os caras se entreolharam e eu notei um sorrisinho irritante começar a se
abrir nos lábios de Chase.
— É impressão minha ou alguém está de coração partido?
Automaticamente, revirei os olhos.
— O que aconteceu com a vizinha? — perguntou Mason.
Olhei para ele, ríspido.
— Nós não falamos dela.
Callahan levantou as palmas das mãos na altura da cabeça,
demonstrando inocência, e algo saiu por entre seus lábios. Alguma resposta
idiota da qual eu não ouvi porque, instantes depois, meus olhos estavam
involuntariamente grudados na porta do refeitório que Aubree Evans acabara
de sair.
Nós vínhamos nos evitando há quatro dias e, por mais que eu estivesse
puto da vida — e com razão —, também sabia que os motivos pelos quais ela
mal conseguia olhar na minha cara eram válidos. Ambos estávamos irritados
e eu diria até mesmo magoados. Aubree provavelmente ainda mais que eu,
porque, se invertêssemos os papéis, eu também estaria fervendo de ódio dos
pés à cabeça com ela.
O que, por consequência, deixava-me em uma enorme encruzilhada.
Por um lado, eu estava longe de querer falar com ela. Por outro, eu sabia que
deveria falar com ela. Enquanto eu, ao menos, não tentasse ter uma conversa
com Bree, nossa amizade continuaria morta e enterrada a sete palmos abaixo
do chão.
Hoje Aubree trajava uma touca vermelha que combinava com a cor do
seu batom, e o frio a deixava ainda mais elegante e bonita atrás daquele
sobretudo bege. Puxando um cigarro do maço, ela o colocou entre os lábios e
levou o isqueiro até lá. Antes que pudesse acender o cigarro, no entanto, seus
olhos se alinharam aos meus e ela travou por um instante, imóvel.
Senti minha garganta ficar seca, como se eu tivesse acabado de enfiar
um punhado de areia na boca. Os caras estavam falando alguma merda ao
meu lado, mas tudo o que minha mente conseguia processar eram as íris
castanhas de Aubree queimando em cada centímetro do meu rosto.
Meu coração palpitou de forma ridícula no meu peito e eu quis socar
meu próprio estômago que deu uma pirueta assim que decidi que aquele seria
um bom momento para tentar falar com ela. Pelo menos, no meio da
universidade, nós seríamos obrigados a manter o tom de voz baixo e agir
como adultos.
Porém, antes que eu pudesse dar um passo sequer na sua direção, a
porta do refeitório voltou a se abrir e Marie Anne Ladwey saiu de lá para se
juntar à garota, acompanhada de dois caras. Automaticamente, Aubree
desviou seus olhos dos meus e sorriu para eles, guardando o isqueiro no bolso
do seu casaco após acender o cigarro. Assentindo com a cabeça e dizendo
algo que eu não conseguia escutar de onde estava, Aubree começou a andar
na direção contrária, não sem antes lançar-me um último olhar.
Soltei minha respiração que mal notara que havia prendido.
Minhas bolas agora não estavam mais congeladas. Meu corpo, na
verdade, de repente estava pegando fogo, e eu sabia que o motivo pelo qual
eu sentia tanto calor era o simples fato da sua presença ali. Não só porque
meu cérebro insistia em resgatar memórias da sua boca em volta do meu pau
ou dela inteiramente nua, mas também porque algo nela fazia com que eu
perdesse total controle das sensações dentro de mim.
Algo que apenas me deixava ainda mais puto da vida.
Argh.
Meus olhos ainda queimavam nas costas dela, observando-a se afastar
lentamente com os amigos, quando a voz de Callahan me trouxe de volta à
realidade:
— Ok. Você-sabe-quem acabou de passar e nosso pequeno Colton está
de queixo caído. — Mason estreitou os olhos para algum canto do meu rosto
e, com o dedo indicador, apontou para o próprio canto da boca, dizendo: —
Tem até uma baba escorrendo aqui.
Soquei seu estômago em resposta.
Não forte o bastante para que ele levasse aquilo para o lado pessoal,
mas o suficiente para que Mason soltasse um grunhido e se contorcesse.
— Filho da puta. — As palavras fugiram da sua boca em um tom de
voz afinado.
Alec e Chase só souberam gargalhar.
Acompanhando a risada dos caras, fiz um carinho no seu cabelo como
um dono acariciaria seu cachorro após este ter feito xixi no lugar certo, e com
um sorriso insolente no rosto, murmurei com ironia:
— Fico feliz que tenha entendido que nós não falamos sobre ela,
Callahan.
“Eu tento me conter mas não posso mentir, não estou bem
Desde que você comprometeu minhas noites
Como posso olhar para o outro lado, se você é justo o meu tipo
Oh, eu tentei, e tentei de todas as formas.”
Turning Red | New Hope Club

Com uma das mãos segurando o celular grudado à orelha, encarei a


mão livre em uma avaliação completa das minhas unhas roídas.
Definitivamente deveria parar de roer, pensei.
Aquilo, no entanto, não me impediu de levar o indicador de volta à
boca em um hábito irritantemente inconsequente.
Suas unhas jamais serão bonitas. Apenas se conforme, Aubree, soprou
minha mente, e eu apenas concordei, porque era verdade. Enquanto não
parasse com aquela mania insuportável, minhas unhas jamais seriam
elegantes.
Mas o fato de eu já estar conformada com aquilo, era o suficiente para
que eu continuasse a roê-las.
Um maldito ciclo vicioso.
Enquanto aquilo, Marie tagarelava ao outro lado da linha. Algo sobre
uma noite com o ex-namorado e um tal de Jonathan.
— E aí acabamos pegando no sono e meu ex, bêbado, é claro, me ligou
no meio da noite. Estou começando a pensar que não sou a única que sinto
falta do sexo. — Ela soltou um longo suspiro. — O problema é que Jonathan
atendeu pensando que fosse o celular dele. E, bom... Meu ex surtou.
Franzi o cenho e larguei minha mão, antes na boca, ao lado do corpo.
Depois, estreitei meus olhos, por mais que Marie não estivesse vendo.
— Relembre-me há quanto tempo mesmo vocês estão separados?
— Terminamos pouco antes de eu me mudar para Nova York, mas
sempre que vou visitar minha família e amigos lá, nós acabamos na cama. —
Ela fez uma pausa, pensativa, e concluiu em seguida: — Definitivamente
nenhum de nós superou o sexo.
— Isso é porque vocês sempre transam, sua idiota. Se tivessem parado
quando terminaram, você não pensaria no pau dele todo mês.
— Duvido.
Revirei meus olhos.
— De qualquer forma, ele surtou. E aí? — incentivei-a a continuar a
história.
— Mandei-o à merda — Marie disse, como se fosse algo óbvio. —
Agora estou irritada. Mas isso é bom, porque vou para a Carolina do Norte
nesse spring break e o sexo de reconciliação é definitivamente o melhor de
todos.
Soltei uma risada diante da empolgação com que ela falou aquilo, e
murmurei algo sobre Marie não prestar, porque, de fato, ela não prestava.
Mas eu simplesmente amava aquilo nela.
O silêncio ocupou a linha por um momento, enquanto minha mente
ainda nadava no que Marie havia acabado de dizer. Uma risadinha escapou
do meu interior e eu balancei a cabeça negativamente. Antes que eu pudesse
dizer algo, no entanto, minha amiga voltou a falar:
— Você não deveria estar no orfanato hoje?
Parei por um instante, processando como lhe responder a respeito
daquilo. Sim, hoje era sábado e eu deveria mesmo estar no orfanato. E por
mais que realmente gostasse de desfrutar das minhas manhãs de sábado com
as crianças, a ideia de encontrar Colton e ser obrigada a interagir com ele,
impediu-me de ir.
Eu sabia que não poderia ser assim para sempre, porém, apenas hoje,
coloquei meus sentimentos como prioridade e liguei para o Lurion
Orphanage alegando estar doente.
— Estou doente — respondi após infinitos segundos, e forcei uma tosse
em seguida.
Automaticamente, uma risada divertida ressoou pela linha telefônica,
mais que claro que Marie sabia a quão péssima mentirosa eu era.
A verdade era que eu havia passado a semana toda evitando o assunto
Colton. Algo que me fez concluir que, por mais que eu fosse ótima em ouvir
e incentivar que os outros se abrissem, eu era péssima em abrir-me aos
outros.
Bem, era aquele ditado, não era mesmo?
“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”
Caía como uma luva diante da situação em que eu me encontrava.
Durante os últimos seis dias, havia guardado todo e qualquer tipo de
frustração que envolvesse “Colton Reed” apenas para mim. Mas eu era uma
péssima atriz e estava mais que evidente durante a semana inteira de que algo
vinha me incomodando. Caso o contrário, Marie Anne não estaria tentando
arrancar alguma informação de mim desde o início da semana, quando
apareci de cara fechada na aula da sra. Sofrey.
— Só lembrou de tossir agora? — Marie caçoou, e eu revirei meus
olhos mesmo que ela não estivesse vendo. Ao outro lado da ligação, ouvi um
movimento que fez-me imaginar a garota revirando-se na cama para ficar de
bruços. — Se não me contar o que anda te incomodando, vou continuar sendo
um dos motivos do que tanto te incomoda, Aubree. E não duvide da minha
capacidade de ser insuportável.
Eu ri e joguei a cabeça para trás para encarar o teto da minha sala de
estar.
— Acredite, eu não duvido nem um pouco.
Um som de descrença por parte dela alcançou meus ouvidos.
— Sinto que você está pedindo para que eu seja insuportável com você,
Bree.
— Espera — parei por um instante, fingindo pensar —, você ainda não
começou a ser?
— Vai se foder, sua ridícula!
Soltei outra risada, daquela vez mais alta, e disse:
— Você nunca me mostrou uma foto do seu ex. Qual é o Instagram
dele? Quero ver se é bonitinho como parece ser na minha cabeça.
— Você está mudando de assunto, garota — murmurou Marie. — Não
vai funcionar comigo. Por que não foi para o orfanato hoje? E se disser que
está doente, juro juradinho que vou até aí com o meu termômetro para enfiá-
lo no seu cu.
— Sua classe me impressiona, Marie.
— Não me teste, Aubree.
Remexendo-me desconfortavelmente no sofá, apertei os lábios para não
rir e logo dei o braço a torcer.
— Estou evitando o Colton. — Suspirei.
Marie Anne não respondeu de imediato. Na verdade, ficou em silêncio
por tanto tempo que cheguei a cogitar que a ligação havia caído, mas antes
que eu pudesse afastar o celular para checar, sua voz se fez presente.
— Finalmente percebeu que você é areia demais para o caminhãozinho
dele?
Soltei um suspiro exausto.
— É. Algo assim.
— Vocês transaram?
A pergunta direta fez com que eu me engasgasse na própria saliva, e eu
precisei de alguns minutos para tossir repetidamente, ao mesmo tempo em
que tentava recuperar o ar.
— O quê? — exclamei, entre as tosses.
— Vocês transaram? — ela repetiu a pergunta com toda a tranquilidade
do mundo. Quando não respondi, Marie suspirou e continuou: — Fizeram
sexo? Sabe? Aquele negócio que acontece quando o pau do cara entr...
— Eu entendi — obriguei-me a interrompê-la.
— E então? Transaram? — Eu podia praticamente visualizá-la de
sobrancelhas erguidas, esperando por uma resposta da minha parte. — Pelo
seu silêncio, posso concluir que sim. A questão é: devo saber o que aconteceu
agora ou prefere me contar depois que a minha TPM acabar? Porque não
garanto que vá conter meus punhos de irem até a cara dele repetidas vezes.
Abri minha boca por um segundo, pensando.
Estava prestes a respondê-la, quando uma batida na porta chamou-me a
atenção. Levantando-me, pigarreei e murmurei para Marie:
— Preciso ir, acho que meu almoço chegou.
— Foi o que eu imaginei — minha amiga resmungou, quase que
ameaçadoramente (embora estivesse claro a pitada de humor em sua voz), e
antes que pudesse desligar, acrescentou rapidamente: — Ah! E não se
esqueça que quarta-feira iremos ver o jogo dos Violets na NYU. E depois
vamos para o bar 171 comemorar.
— Ou afogar as mágoas — ponderei.
Ela bufou e tive quase certeza de que estava revirando seus olhos ao
outro lado da linha.
— Só me ligue quando deixar seu pessimismo de lado, combinado?
— Até nunca, então — brinquei.
Marie murmurou um “há, há, engraçadinha” e desligou em seguida.
Deixando o celular na bancada da cozinha, fui em passos rápidos até a
porta. Meu estômago estava roncando e reclamando de fome, tão ansioso
quanto eu para a salada caesar — sem frango — que eu estava prestes a
devorar.
No entanto, tudo o que vi ao abrir a porta foi um par de olhos cinza que
fez com que meu estômago desse um giro de trezentos e sessenta graus em
um misto de decepção e nervosismo.
— Colton. — Minha voz saiu mais afetada do que eu gostaria, mas eu
tratei de pigarrear para manter a compostura. — O que está fazendo aqui?
— Pensei que fosse te ver hoje no orfanato — disse ele, encostando o
ombro musculoso no batente da porta.
Eu engoli o nó que começou a formar-se na minha garganta e troquei o
peso entre os pés.
— Não acordei me sentindo muito bem — menti, e prendi o ar ao vê-lo
me observar atentamente. Um brilho diferente surgindo nas íris à medida que
ele estudava todo o meu rosto à procura de algo que lhe dissesse que eu
estava mentindo.
Não tive dúvidas de que Colton encontrou o que procurava. A forma
como a mandíbula trincou e ele forçou-se a assentir confirmou explicitamente
que ele sabia tanto quanto eu que havia deixado de ir por conta dele. Ainda
assim, o garoto forçou-se a dizer:
— Você precisa de algo? Algum remédio ou...? — Sua pergunta
morreu no meio da frase, permitindo que o silêncio a completasse.
Balancei a cabeça e forcei um sorriso.
— Estou bem. Obrigada.
Ele assentiu.
Então, deu um passo para trás, indicando que aquilo era toda a
interação que haveria entre nós hoje.
Algo que, por um lado, deixava-me aliviada. Não estava preparada para
ter qualquer tipo de conversa com ele por ora, embora eu estivesse ciente de
que em algum momento conversar sobre o fim de semana passado seria
inevitável.
Eu estava começando a fechar a porta quando Colton voltou a chamar
por meu nome e seus olhos procuraram os meus.
— Será que podemos conv...?
— Hoje não, Colton — cortei-o, bruscamente, mas logo tratei de
amenizar o tom da minha voz: — Agora não. Por favor.
Definitivamente aquele não era o momento. A fagulha de raiva e
frustração ainda percorria cada centímetro do meu peito quando ele estava
por perto. Além disso, se eu realmente estivesse ao menos dez por cento à
vontade para ouvi-lo se explicar, eu teria feito um esforço para comparecer ao
trabalho voluntário hoje.
Não foi o caso. O que consequentemente deixava mais que claro a mim
mesma que eu estava longe de estar pronta para escutar o seu lado e dizer o
meu.
O brilho em seus olhos agora estava tomado por uma emoção que eu
conhecia muito bem: decepção.
Contudo, ele não contestou.
Apenas engoliu em seco e assentiu com a cabeça.
— Tudo bem. — Seus pés deram alguns passos para longe, e o
indicador apontou para sua própria porta ao acrescentar: — Se precisar de
mim, estarei a uma porta de distância.
Forcei um sorriso, embora meu coração houvesse encolhido com a sua
última frase. Era exatamente o que eu lhe dissera pouco mais de uma semana
atrás, antes de irmos a Boston e transformar tudo aquilo em uma tremenda
bola de neve de sentimentos conflituosos.
— É, eu sei. — Soprei.
Assentindo mais uma vez, Colton lançou-me um sorriso triste e girou
nos calcanhares.
Eu bati a porta e encostei-me nela, fechando os olhos em uma tentativa
de forçar minha mente a retomar o controle do meu corpo.
Meus pulmões, aos poucos, voltaram a funcionar.
As pernas, aos poucos, deixaram de tremer.
O nó na minha garganta, aos poucos, desfez-se.
Mas algo no meu peito ficou ali:
A uma porta de distância de mim.
“Me machuque como um brinquedo girando muito rápido
Em todas as direções
Como, como eu poderia ficar quando você acendeu um fósforo para todas as
minhas intenções?”
The Story Never Ends | LAUV

As arquibancadas estavam completamente lotadas quando coloquei


meus pés no local em que aconteceria o tão esperado jogo entre os Violets e
os Panthers. Um lado dela, lotado pela cor azul. O outro — o lado mais
bonito, obviamente —, tomado pela cor roxa.
Aquele seria o primeiro jogo de futebol americano da NYU que eu
veria. Nós estávamos jogando em casa, o que significava que perder para os
Panthers não era uma opção hoje, consequentemente tornando a tensão nos
ombros dos torcedores e dos jogadores infinitamente mais palpável.
Sobretudo porque, pelo que Marie havia me dito, aquele era um dos jogos
decisivos para garantir que estaríamos na final do campeonato.
Olhei em volta, procurando por algum rosto conhecido, e tomei um
gole do enorme copo de cerveja que comprara logo na entrada. Com a outra
mão, tirei o celular do bolso ao não encontrar ninguém e digitei uma
mensagem rápida para Marie.

Aubree Evans:
Já chegou?

Marie não respondeu de imediato, então voltei a guardar o aparelho e


andar pelas arquibancadas à procura de Gabriel ou Harry; dois amigos que
fizera durante as aulas de Psicologia Social.
Nada.
Havia sido uma semana congelante, mas hoje a temperatura parecia
estar mais agradável — embora algumas pessoas ainda estivessem usando
toucas e casacos pesados.
Olhei em volta, completamente perdida. De repente, um mês naquela
faculdade me pareceu tempo de menos para encontrar algum rosto conhecido
em meio a milhares de alunos. Contudo, não demorei a me atentar ao meu
nome sendo exclamado de algum lugar.
Seguindo a voz com meus olhos, encontrei uma garota baixa, de
compridos cabelos castanhos, acenando para mim com um enorme sorriso no
rosto. Assim que a identifiquei como Layken Reed, minha mente me trouxe
de volta ao dia da minha caminhada da vergonha para fora do apartamento de
Colton.
Sorri para ela e forcei meus pés a andarem na sua direção quando ela
gesticulou que eu me aproximasse. Ao seu lado, estava Mason; duas cabeças
mais alto que ela, com os cabelos castanhos estrategicamente bagunçados e
um sorriso tão simpático quanto o da namorada.
Eles formavam um ótimo casal. Eram tão bonitos que chegava a ser
irritante, como se desde sempre estivessem destinados a acontecer.
— Perdida? — perguntou Layken, assim que me aproximei para
cumprimentá-los.
— Um pouco — admiti, notando o seguinte momento em que Layken
empurrou Mason de leve com o quadril para abrir espaço para mim entre as
fileiras, de forma que eu não ficasse no meio da passagem.
— Fique com a gente. Andar perdida por aí sozinha é a pior sensação
— ela disse, sorrindo quando aceitei o convite, ainda relutante. — Também
nos perdemos dos nossos amigos. Agora tenho que aturar um Mason
Callahan se mordendo de ciúmes, sozinha. — Seu tom parecia sério, mas o
timbre mais alto que o necessário foi o suficiente para que eu entendesse que
ela estava o provocando. — Foi bom você aparecer. Assim Mason controla
seus nervos.
Eu apertei meus lábios para não sorrir quando Layken lançou-me uma
piscadela.
Em algum momento entre a fala dela, seu namorado havia estreitado os
olhos para a garota, mais que claro de que estava escutando cada uma das
suas palavras, mas ela já sabia daquilo. Então, ele enganchou o braço no
pescoço de Layken e a trouxe para junto do peito, esfregando os nós dos
dedos da mão livre no seu couro cabeludo em uma tentativa de irritá-la.
— Você se acha a última bolacha do pacote, garota — disse ele, entre
as risadas vindas dos dois, e largou-a em seguida.
Layken sorriu para ele e afundou seu dedo indicador em seu peito largo
ao falar:
— Sou a última bolacha do seu pacote.
Mas Mason fingiu não acreditar; apenas estreitou ainda mais os olhos
na direção de Layken e usou um tom divertido para provocá-la.
— Você diz isso para Logan Lewis quando estão sentados lado a lado
na sala de aula também?
E o queixo de Layken foi ao chão ao mesmo tempo em que as
sobrancelhas foram ao céu.
Ela voltou seus olhos a mim, mas o dedo indicador seguiu apontado
para ele.
— Você viu isso? Acha que consigo aguentar isso sozinha?
Eu ri e franzi o cenho em seguida.
— Quem diabos é Logan? — perguntei, completamente perdida.
Layken ignorou a provocação clara de Mason e aproximou-se de mim,
antes de apontar para um dos jogadores que estava aquecendo-se no campo.
— É aquele cara de camisa dez. Dormi com ele antes de começar a
namorar com Mason e agora somos muito amigos — explicou ela. — Não
costumamos assistir aos jogos, mas esse em específico é importante para
Logan. E por mais que Mason não se dê muito bem com ele — seu tom de
voz aumentou nessa última frase para que o namorado escutasse —, eu me
dou. Então Mason que lute.
Atrás de Layken, Mason revirou os olhos e cutucou-a com o ombro,
mas algo em seu celular parecia ligeiramente mais importante naquele
instante que suas provocações.
— Então vocês estão aqui porque é o jogo decisivo para que os Violets
sejam classificados para a final do campeonato? — indaguei, após um longo
gole da minha cerveja.
Layken sorriu. Quanta ingenuidade, era o que parecia dizer.
— Também — concordou. — Mas Logan está contando com além da
final para alcançar o profissional. Hoje, alguns olheiros vieram analisar os
jogadores. Este é o momento ideal para ele mostrar do que é capaz. O
momento para se destacar e ser colocado no radar destes olheiros. E,
futuramente, ser chamado para algum time profissional.
Balancei a cabeça, finalmente entendendo.
— Ou seja, é um jogo importante para todos no campo — concluí.
Layken deu de ombros.
— Sim. Mas eu vim por ele — disse ela, referindo-se a Logan.
Mason, então, desviou seus olhos do celular e curvou o corpo apenas o
suficiente para entrar na conversa e gesticular com a cabeça na direção da
garota.
— E eu vim por ela — foi tudo o que ele disse, fazendo menção de
voltar à sua posição inicial.
Contudo, antes que ele pudesse, de fato, fazê-lo e continuar digitando
em seu celular, Layken Reed abriu um sorriso de orelha a orelha e agarrou o
rosto de Mason com as duas mãos, tascando um beijo longo e estalado na
boca dele, que riu ao se afastar.
— Amo esse cara — confessou ela, como se eu já não houvesse
percebido aquele pequeno detalhe.
Depois daquilo, o jogo não demorou muito a começar.
Bem lentamente, diga-se de passagem.
Era quase como se os jogadores estivessem sentindo a pegada do outro
time, para saber em qual intensidade os próximos sessenta minutos
ocorreriam. Tedioso o suficiente para que Layken voltasse a puxar assunto
comigo durante a partida.
— Você teve alguma notícia do Colton? — indagou ela, em um tom
genuíno. — Sabe se ele vem?
Sem saber exatamente como responder àquela pergunta, apertei meus
lábios, perguntando-me por um instante se ela imaginava que nós não
estávamos nos falando.
Provavelmente não, a julgar pela pergunta feita.
Pigarreei bem baixo e troquei o peso entre os pés, negando com a
cabeça em seguida.
— Na verdade não. Não estamos conversando.
Seus olhos arregalaram-se de leve, embora, ainda assim, algo na forma
como ela me olhou me dissesse que talvez ela já soubesse que havia algo de
errado entre nós.
— Caramba, sério? Não tinha ideia. — Layken voltou sua atenção ao
campo apenas por um instante, antes que os olhos do mesmo tom que os de
Colton se fixassem novamente nos meus. — Pensei que tivessem viajado
juntos para Boston a... O quê? Dez dias atrás?
— Viajamos — confirmei. — Mas depois disso acabamos nos
desentendendo um pouco.
Layken assentiu com a cabeça.
— Entendo. — Então deu de ombros. — Bem, o meu irmão realmente
pode ser um tapado às vezes. Você se acostuma.
É, acho que não, foi como quis retrucar, mas não o fiz. Ao invés disso,
simplesmente voltei minha atenção ao jogo que definitivamente poderia ser
considerado mais interessante que aquela conversa desagradável.
Contudo, a garota ainda não parecia querer encerrar o assunto.
Curvando-se levemente para mais perto de mim, como se o que estivesse
prestes a dizer fosse um segredo, ela soprou:
— Mas saiba que ele parece gostar bastante de você.
Não pude evitar que uma risada amarga escapasse do fundo da minha
garganta no mesmo instante, e balancei a cabeça, negando.
— Eu não teria tanta certeza disso.
Layken estudou todo o meu rosto enquanto carregava uma expressão
cem por cento neutra no seu. Quando julgou a análise das minhas feições o
suficiente para tirar suas conclusões, um dos cantos da sua boca ergueu-se em
um sorriso quase imperceptível, e ela voltou a atentar-se ao jogo, não
parecendo tão convencida com a minha fala.
De qualquer forma, não fiz questão de insistir na minha alegação. Ela
poderia pensar o que bem quisesse de seu irmão. Aquilo não mudaria minhas
concepções sobre Colton.
Assim que a partida chegou à metade, recebi uma resposta de Marie por
mensagem, que surpreendentemente nos encontrou com mais facilidade do
que eu jamais a encontraria caso invertêssemos os papéis.
Felizmente, ela vinha com dois copos de cerveja. O que significava que
um deles era meu, para repor o meu copo agora vazio.
— O que eu perdi? — perguntou ela, após cumprimentar Mason e
Layken, e colocar-se ao meu lado
Mason se apressou em dizer:
— Estamos nove pontos na frente.
Automaticamente, minha amiga suspirou de alívio e me cutucou na
costela com o cotovelo.
Desviei minha atenção do jogo frenético até ela.
— Te disse que iríamos comemorar. — Marie sorriu para mim ao
constatar aquilo, e eu sorri de volta, porque, daquela vez, eu estava tão
positiva quanto ela em relação ao jogo.
— Um shot de tequila para cada touchdown do Violets depois daqui —
sugeri, estendendo minha mão livre para que ela pudesse apertá-la.
Marie não hesitou. Entrelaçando seus dedos nos meus, nós selamos o
acordo que nos faria voltar cambaleando para casa.
Um instante depois, a aspiração da torcida nos trouxe de volta ao que
acontecia bem ali, diante dos nossos olhos. Todos ao nosso redor estavam
atentos ao jogo e eu logo forcei-me a fazer o mesmo.
Foquei minha atenção no campo, grudando meus olhos no jogador do
Violets que tinha a bola em mãos, correndo e desviando, enquanto os seus
colegas de time davam seu máximo para afastar os jogadores do time
adversário.
Ele correu.
Disparou pelo campo, vez ou outra desviando de jogadores vestidos de
azul.
A velocidade era tanta que era quase como se nem mesmo meus olhos
conseguissem acompanhá-lo.
Mas, então, algo aconteceu.
Em um momento, ele estava sozinho, correndo pelas linhas que
indicavam que ele estava cada vez mais próximo ao touchdown.
Trinta.
Vinte.
Dez.
E quando ele estava perto, perto demais, dois jogadores do time
adversário surgiram, jogando-se em cima dele para impedi-lo de pontuar.
Houve um suspiro coletivo.
Meus olhos arregalaram-se ao ver tamanha violência em campo.
E um grunhido de dor irrompeu no ar. Alto o suficiente para que até
mesmo nós, que estávamos quase ao topo da arquibancada, ouvíssemos.
O jogador do Violets agora estava deitado no gramado. Imóvel.
E, de repente, senti Layken ficando tensa ao meu lado.
— Qual é o número da camisa? — ela indagou, preocupada, mas
ninguém a respondeu.
Tudo aconteceu rápido demais, quase como um flash de várias imagens
confusas.
Eu estreitei meus olhos para tentar identificar o número gravado no
tecido.
— Meu Deus, quem foi? — Layken voltou a perguntar, daquela vez
com um desespero explícito no tom de voz.
O jogador estava se contorcendo no gramado, agora encolhido em
posição fetal. As mãos seguravam uma de suas pernas, indicando que a dor
vinha dali quando o jogo foi parado e paramédicos começaram a cercá-lo.
— Acho que foi o camisa dez — murmurou Marie, ao meu lado, e
assim que ela o fez, meus olhos conseguiram identificar o mesmo número
que ela.
Voltei minha atenção a Layken, que parecia ter acabado de levar um
soco no estômago. Os olhos estavam fixos no campo, banhados em pânico.
— Não parece bom... — comentou Mason, com feições preocupadas
assim que mais dois paramédicos surgiram, correndo com uma maca até o
acidente.
— É o Logan — a garota concluiu com um suspiro, no instante em que
o levantaram do gramado para colocá-lo na maca. — Puta merda, é o Logan.
Olhando de volta ao campo, observei-o, horrorizada. Um dos
paramédicos pressionava seu tornozelo com uma bolsa de gelo enquanto o
garoto cobria seu rosto com o braço. Os ombros tremendo deixavam visível
que ele estava chorando compulsivamente, algo que me fez questionar se era
pela dor em si ou pela frustração e receio do que aconteceria com ele caso a
lesão fosse mais grave que o normal.
A torcida havia ficado em silêncio. Todos os olhares curiosos dirigidos
a ele enquanto o carregavam para fora do campo.
Então alguém começou a aplaudir, como um agradecimento por tudo
que o jogador fizera pelo time até ali, e não demorou para que a torcida
inteira estivesse fazendo o mesmo, transmitindo-lhe o máximo de força e
energia positiva que estava ao nosso alcance.
E assim que Logan saiu de cena, Layken fechou o zíper do seu casaco e
Mason pareceu tão alerta quanto nós ao movimento.
— Lake...
— Preciso ir. Preciso estar lá por ele. Vou com Logan na ambulância,
Mason — anunciou ela, e eu não sei se era apenas impressão minha, ou se ela
realmente estava prestes a chorar como parecia. — Assim que descobrir para
onde estão o levando, mando uma mensagem para que você pegue um táxi e
me encontre lá, ok?
Mason nem hesitou em concordar, e a garota colocou-se na ponta dos
pés para deixar um beijo rápido nos seus lábios e correr. Assim que ela deu as
costas, no entanto, ele a puxou para um abraço e sussurrou algo entre os seus
cabelos.
Ela o beijou mais uma vez e virou-se para me observar. Uma das mãos
foi até o meu braço, apertando-o carinhosamente ao dizer:
— Foi bom falar com você, Aubree.
E eu sequer tive tempo de responder, porque nem meio segundo depois,
Layken já havia sumido por entre a torcida, em direção à saída.
Soltei um suspiro longo, sentindo os ombros pesados diante do que
acontecera nos últimos cinco minutos.
O ambiente, de repente, parecia ter mudado em um nível quase
molecular.
A partida continuou.
Mas por mais que os universitários seguissem na torcida pelo time,
ninguém parecia em clima de jogo depois daquilo.
Era como se todos soubessem que, muito provavelmente, a carreira de
um jogador que estava apenas começando, houvesse acabado bem ali. Diante
dos nossos olhos.

Agradeci a Marie quando ela parou o carro na frente da entrada do meu


prédio e acenei, vendo-a pisar no acelerador e sumir pelas ruas nova
yorkinas. Por mais que houvéssemos ganhado em uma disputa acirrada
(foram apenas três pontos de diferença com os Panthers), ninguém parecia
animado o suficiente para uma comemoração digna de bar e bebedeira.
No trajeto até o elevador, repeti a cena do jogador chorando
compulsivamente na minha cabeça mais uma vez, e senti meu estômago
revirar. Por mais que não o conhecesse, a tristeza escapando de seus olhos e
os ombros tremendo de tanto soluçar haviam me deixado para baixo.
Layken disse que aquele era um dia importante para ele.
Havia olheiros no jogo. Pessoas que podiam ser sua ponte para
embarcar na profissão. Algo que, agora, apenas piorava a situação.
Que tipo de olheiro colocaria Logan Lewis no radar depois de uma
lesão daquelas?
Provavelmente demoraria um tempo para que ele retornasse a jogar
com a mesma habilidade de antes.
Se é que algum dia ele voltaria a jogar com a mesma habilidade de
antes.
Com toda a certeza, ele havia sido descartado no instante em que não se
levantara mais daquele gramado.
Soltei um suspiro e encostei na parede do elevador, aguardando que as
portas se abrissem no meu andar. Queria poder mandar alguma mensagem a
Layken só para saber se já tinham alguma notícia dele, mas não tinha seu
número e definitivamente não o pediria a Colton.
Andando pelo corredor, puxei o molho de chaves do bolso do meu
casaco e meus dedos procuraram pela chave do meu apartamento assim que
meus pés pararam em frente à minha porta.
Antes que eu pudesse colocá-la na fechadura, no entanto, a porta do
lado se abriu e eu me deparei com Colton Reed saindo por ali.
Ele usava um sobretudo pesado e elegante, o que fazia sentido visto
que, de umas horas para cá, a temperatura havia voltado a diminuir
consideravelmente. Os cabelos estavam escondidos debaixo de uma touca
cinza, e os olhos, grudados no celular, carregavam um brilho de angústia
antes que ele os subisse até mim, um pouco surpreso ao me ver ali.
Automaticamente, senti meu coração parar nos pés e o ar fugir dos
meus pulmões como sempre acontecia quando Colton estava por perto.
Forcei-me a desviar minhas íris das dele e foquei na chave que agora tremia
nas minhas mãos, tão desesperada para entrar logo em casa que sequer estava
acertando a droga da fechadura.
Sua presença sufocante pareceu ainda mais próxima enquanto eu lutava
contra a tranca. O perfume, invasivo como sempre, adentrou minhas narinas e
bagunçou meus pensamentos. Mas nada, absolutamente nada, comparava-se
à forma como meu corpo reagia diante do seu toque.
Quando sua mão cobriu a minha para me ajudar com a chave, senti uma
onda de calor percorrer cada mísero centímetro de mim, e fui obrigada a
fechar meus olhos para lidar com o misto de sensações que invadiu o meu
peito e tomou posse do meu coração mais uma vez.
Havia alguns dias que nós não nos víamos, o que fazia com que as
reações do meu corpo diante da sua presença me irritassem ainda mais.
Sempre que eu acreditava estar imune a ele, Colton surgia do quinto dos
infernos para me recordar que eu provavelmente jamais seria imune aquele
cara. Desde o primeiro instante em que o vi, eu soube daquilo.
— Obrigada. — Soprei, forçando-me a olhá-lo nos olhos e abrir um
sorriso educado quando Colton fez o favor de destrancar a porta por mim, já
que mais uma vez eu perdi o controle do meu corpo apenas com o fato de ele
estar respirando em um mesmo ambiente que eu.
Ele assentiu com a cabeça e encostou seu ombro na parede ao lado do
batente, cruzando os braços sobre o peito em seguida, sem tirar seus olhos de
mim.
— Estava no jogo?
— Uhum.
— E como foi?
— Um show de horrores — foi tudo o que consegui responder,
tentando manter um tom de voz normalizado.
Colton apertou seus lábios. Um vinco começou a formar-se entre as
suas sobrancelhas, mostrando um certo desconforto diante da minha fala.
— Imagino. Layken me ligou desesperada — disse ele. — Eles
deixaram o carro aqui, então estou indo buscá-los agora no hospital. Pelo o
que parece, Logan foi encaminhado direto à sala de cirurgia. A situação não é
boa.
Absorvi suas palavras em silêncio, encarando minhas botas,
genuinamente triste pelo cara. Pela forma como Layken falava, jogar futebol
americano ia além de um hobby para Logan.
Eu estava apenas refletindo sobre a situação, mas Colton pareceu levar
meu silêncio para um lado duvidoso, quase como se eu estivesse me
questionando silenciosamente como Layken poderia saber de tudo aquilo,
porque um minuto depois, ele tentou esclarecer ao dizer:
— Layken é muito amiga dele.
Voltei a encará-lo.
— É, eu sei.
Instantaneamente, suas feições demonstraram confusão, e foi minha
vez de esclarecer:
— Assisti o jogo com ela.
— Com a Lake? — A pergunta saiu por seus lábios como se aquilo
fosse algo surreal demais para fazer qualquer tipo de sentido.
Dei de ombros.
— É.
E o silêncio reinou entre nós enquanto Colton parecia processar aquela
informação.
Continuei ali, em frente à porta entreaberta do meu apartamento, sem
saber ao certo se nossa conversa acabaria por ali ou se ele ainda tinha algo a
dizer.
Pensar que as conversas entre nós haviam passado de diálogos
descontraídos em meio a risadas, para uma conversação que pesava em meus
ombros, fazendo-me ter a sensação de que eu estava afundando cada vez mais
no piso sob os meus pés, deixava meu coração apertado. Mas era assim que
seria de agora em diante e, com sorte, eu não demoraria a me acostumar com
aqueles encontros incômodos e desagradáveis.
Desencostando-se da parede do corredor e enfiando as mãos nos bolsos
do sobretudo, ele me estudou por um longo período. Um brilho triste surgiu
nas íris acinzentadas quando ele deu um passo para trás e disse:
— Bem. Aconteceu o que eu disse que iria acontecer, huh? — Houve
uma pausa incômoda ali, antes que ele concluísse: — Te perdi pra ela.
Silêncio.
De repente, minha boca estava seca demais para que eu pudesse dizer
qualquer coisa e, mesmo se não estivesse, eu não tinha a mínima ideia de
como responder àquilo.
Queria poder voltar no tempo e desfazer as últimas duas semanas das
nossas vidas, para que enfim as coisas entre nós voltassem ao normal, mas
aquilo infelizmente jamais ocorreria.
Colton e eu havíamos caído em tentação e não havia mais como fugir
das consequências daquilo. Estaríamos interligados para sempre, porque uma
noite como a que tivemos em Boston não seria facilmente esquecida. Não
quando aquilo ia além do carnal. Além do seu corpo sobre o meu, e dos seus
lábios beijando-me com desejo.
Ia muito além, embora eu ainda não estivesse preparada para admitir
em voz alta.
Apertando os lábios, à procura de uma resposta, precisei conter um
suspiro de alívio no instante em que o barulho do seu celular interrompeu o
que quer que estava acontecendo ali, e eu logo notei de relance o nome de sua
irmã brilhando na tela quando Colton puxou o aparelho do bolso.
— É melhor você ir logo — finalmente consegui dizer alguma coisa,
abrindo a porta do meu apartamento para entrar. — Sua irmã está precisando
de você.
E por mais que seu celular estivesse praticamente gritando nos nossos
ouvidos, ele não atendeu de imediato à ligação. Simplesmente continuou a
encarar-me em silêncio à medida em que eu entrava em casa.
Os olhos grudados nos meus enquanto eu fechava a porta, lentamente.
As íris tristes coladas às minhas até o último instante.
“Ela não me beija mais na boca
Porque é mais íntimo do que ela acha que devíamos ser
Ela não me olha mais nos olhos
Com muito medo do que ela vai ver, alguém me abraçando.”
Strangers | Halsey

Quando meus olhos cravaram na minha próxima presa, sentada ao sofá


enquanto mexia no seu celular, imediatamente me dirigi até ela com o único
intuito de arrancar todas as informações possíveis daquela cabeça de vento.
Jogando-me ao seu lado no extenso sofá do nosso apartamento, estiquei
minhas pernas sobre o colo de Lake e estreitei minha visão até sua figura
concentrada. Tão concentrada que ela sequer pareceu notar minha presença
ou se incomodar com minhas pernas entrelaçadas preguiçosamente nas suas
coxas.
Pigarreei alto o suficiente para chamar sua atenção.
Desviando os olhos da tela brilhosa, Lake me observou, fazendo com
que um sorriso vitorioso surgisse em meus lábios ao finalmente fisgar sua
atenção. No entanto, nem meio segundo depois, ela já havia voltado
completamente sua atenção ao celular, agora com o cenho franzido e feições
que praticamente diziam por si só o que deveria estar passando por seus
pensamentos naquele instante:
Meu Deus, qual é o problema dele?
Ingênua era ela que mal imaginava que estaria prestes a passar por um
questionário de irmão mais velho.
— Que história é essa de que você esteve com a Bree ontem no jogo?
— finalmente perguntei, quebrando o silêncio entre nós, após cruzar os
braços sobre o peito em uma tentativa de fazer com que ela me levasse mais a
sério.
Layken bufou e deixou que suas mãos caíssem sobre minhas pernas,
encarando um ponto fixo na parede à sua frente como se buscasse pela
paciência que todos sabíamos que ela não tinha.
— Mason disse que te avisou que ela estava com a gente — murmurou
minha irmã, voltando a encarar o celular.
— Mentira. Tudo o que Mason mandou foi “você-sabe-quem está
aqui”. — Engrossei a voz o suficiente para fazer uma imitação fajuta do meu
melhor amigo. — Nada sobre ela estar ali com vocês.
— Esqueci que você é mais lento que uma lesma. Da próxima vez,
peço para ele desenhar — disse Lake. — Inclusive... — Um vinco
expressando uma dúvida genuína surgiu em seu rosto. — Você-sabe-quem?
O que diabos...?
Cortei-a bem ali.
— Longa história — murmurei, relembrando-me rapidamente sobre a
censura que havia feito entre os caras em relação ao assunto “Aubree”. — E
desenhar? — Fiz uma careta para aquela ideia estúpida. — Isso só pioraria as
coisas. Mason é um péssimo artista.
Layken revirou os olhos para a minha resposta e bufou mais uma vez.
— O que você quer, Colton? Veio me importunar por puro tédio ou tem
algo específico que queira arrancar de mim? — Ela me encarou, esperando
que eu dissesse algo. Quando eu não o fiz, minha irmã voltou seus olhos para
o celular e disse: — Estou esperando alguma notícia de Logan.
— Ainda não falaram nada? — perguntei, surpreso pra caralho.
O acidente havia acontecido ontem. Já havia passado um maldito dia, e
nada?
— Nada. — Lake balançou a cabeça e largou o celular no sofá,
voltando seus olhos aflitos até os meus. — A fratura no tornozelo foi muito
séria, Colton. Só estou muito triste por ele. Duvido que Logan volte a jogar
tão cedo. Ou que ele sequer volte a jogar. E, céus — ela enterrou seu rosto
nas mãos, frustrada —, isso vai acabar com ele de tantas maneiras.
Apertando os lábios, observei-a atentamente e, com um suspiro, tirei
minhas pernas do seu colo para me sentar direito no sofá e puxá-la para um
abraço apertado.
Layken afundou o rosto no meu peito e eu apoiei minha bochecha no
topo da sua cabeça, apertando-a junto a mim. Nós não costumávamos ter
momentos de afeto como aquele, mas, naquele instante, eu soube que era algo
que ambos precisávamos; um pouco de amor fraternal.
— Ele vai ficar bem, Lake — garanti, por mais que houvesse uma
pontada enorme de incerteza na minha voz.
Nós ficamos mais um tempo ali, em silêncio, até que Lake me
empurrasse para longe, fazendo uma careta ao dizer:
— Não acredito que estamos parecendo dois irmãos melosos que se
amam mais do que se odeiam.
Soltei uma gargalhada alta, jogando a cabeça para trás.
— Não acredito que passei dois minutos te abraçando. Agora vou ter
que tomar outro banho para me desinfetar dos seus germes nojentos. —
Acompanhei-a na brincadeira.
Uma risadinha escapou dela em resposta, que logo voltou a me
observar, desconfiada.
— Agora desembucha, Colton. O que você quer de mim?
Apertando meus lábios, cocei a nuca sem jeito.
— Não sei do que você está falando, garota — eu disse, com toda a
falsa ingenuidade que consegui, e ela automaticamente arqueou suas
sobrancelhas na minha direção.
— Então você não está nem um pouco curioso para saber se Aubree e
eu falamos de você ontem?
— Eu? — Ri, como se aquilo fosse uma insinuação ridícula. — Claro
que não.
Dando de ombros, Lake curvou-se para alcançar o controle e ligar a
TV.
— Ok, então.
Prendi a respiração e estreitei os olhos até ela. Antes que pudesse me
conter, curvei-me para pegar o controle da mesa e desligar a TV.
Ela me observou, em um misto de dúvida e diversão, e eu tentei morder
minha língua para não me entregar.
Não pergunte, não pergunte, não perg...
— Mas vocês falaram?
Layken soltou um riso nasalar e ajeitou-se no sofá, virando seu corpo
todo para mim.
— Onde foi que você pisou na bola, Colton?
Abri a boca, sentindo-me levemente insultado.
— Eu não... Porra. Foi isso que ela disse?
— Não. — Ela balançou a cabeça. — Mas ficou bem claro para mim
que você fez alguma merda.
— Não fiz merda nenhuma, Layken — resmunguei, na defensiva. —
Acho que poderia, sim, ter lidado com a situação de outra forma, mas não fiz
nada de errado. Posso trepar com quem bem entender. Afinal, Aubree e eu
não temos porra de relação nenhuma. Ela fez questão de deixar isso bem
claro enquanto voltávamos de Boston.
Depois daquilo, minha irmã piscou por um momento. Os olhos
acinzentados analisando-me atentamente por trás dos longos cílios escuros.
Inspirei fundo, tentando acalmar meus nervos e apagar a fagulha de
raiva que subitamente se acendeu no meu peito. Era frustrante como, de
repente, o jogo parecia ter virado e eu me tornado o vilão da história.
Poderia ter lidado com os meus sentimentos diante da rejeição de Bree
de outra forma que não fosse com a minha boca entre as pernas de Maddy?
Poderia.
Talvez houvesse sido uma forma imatura de tentar me convencer de
que a noite com Aubree havia sido uma mera foda, assim como fora com
Maddy?
Talvez.
Mas eu não estava de todo errado.
Se Aubree Evans não fosse tão confusa, talvez...
— Ai, meu Deus! — Lake exclamou, automaticamente me puxando de
volta à realidade. O queixo indo ao chão à medida em que ela me analisava
em puro choque. — Você está apaixonado?
Fiz uma careta.
— O quê? Que porra é essa, Layken?
Uma risada divertida fugiu da sua garganta.
— Você está mesmo apaixonado — concluiu ela.
De repente, minha boca ficou seca e eu fiz menção de me levantar pra
acabar com aquela conversa ridícula, mas Lake me agarrou pelo pulso,
forçando-me a afundar mais uma vez no sofá.
— Quer parar com isso? — bufei. — Isso é ridículo. Não estou
apaixonado, só estou... frustrado.
— Frustrado porque Aubree disse que não queria nada sério com você.
Frustrado porque você quer algo sério com ela.
Abri minha boca para retrucar, mas nada, absolutamente nada saiu por
ali.
Por fim revirei os olhos e me forcei a falar alguma coisa.
— Não é verdade — rebati, embora minha voz ligeiramente mais fina
que o normal dissesse exatamente o contrário.
Layken jogou a cabeça para trás, soltando uma gargalhada.
— Sua voz afinou, Colton. Isso só acontece quando você mente.
Mordi o interior da minha boca para não mandá-la à merda por me
conhecer tão bem, e expirei apreensivo.
Ok.
Talvez eu gostasse de Bree um pouco mais do que costumava curtir as
garotas com quem ficava. Mas aquilo se dava porque Aubree era uma pessoa
impossível de não se gostar.
E aquilo ia além do boquete surreal que eu havia recebido naquele
hotel.
Ia além do meu desejo carnal por ela.
Sabia daquilo porque, acima de beijar sua boca gostosa e passar minhas
mãos pelo seu corpo maravilhoso, eu gostava apenas de estar com ela.
Gostava de ouvi-la falando sobre seus micos e situações constrangedoras,
sobre seus pais — que pareciam ser tão divertidos quanto ela —, e até mesmo
ouvi-la falando sobre Freud e outros caras que eu sequer sabia pronunciar o
nome.
Tudo sobre ela era incrível.
Seu sorriso, o seu humor, sua mania idiota de relacionar cada detalhe
da sua vida com filósofos e psicanalistas famosos, seus lábios deliciosos de se
beijar, seus cachos sexys pra caralho. Tudo.
Mas eu jamais admitiria em voz alta a Layken Reed que eu estava
caidinho por uma garota.
Isso nunca havia acontecido antes.
E além de saber que Layken agarraria minha confissão com unhas e
dentes para me importunar pelo restante da minha vida, confessar em voz alta
que Aubree realmente mexia comigo era algo que tornava o sentimento da
rejeição infinitas vezes pior.
— Sabe... — começou Lake, quando o silêncio entre nós voltou a
reinar. Seu cotovelo cutucando minha costela antecedia uma provocação. —
Aubree também te curte. Não sei como, nem onde ela estava com a cabeça
quando decidiu se sentir atraída por você, mas pela forma como reagiu
quando perguntei de você ontem, ficou bem claro. Ela só está magoada e,
honestamente, acredito que com razão, pelo pouco que entendi dessa bagunça
toda. Então pare com esse conformismo deprimente e limpe a merda que fez,
Colton.
Dito aquilo, Lake levantou-se do sofá e sorriu para mim,
provavelmente satisfeita ao ver a ruga entre as minhas sobrancelhas e a forma
como suas palavras haviam causado algo esquisito dentro de mim. Algo do
qual eu sequer conseguia processar ao certo o que significava.
— Agora, se me der licença, vou deixar você sozinho para que você
possa refletir sobre o tamanho da sua estupidez. — Ela começou a se afastar,
mas parou no caminho com um “ah!”, ao lembrar-se de algo. Em seguida
virou para mim e disse: — E não se esqueça que eu te amo, mesmo que às
vezes não pareça.
Eu soltei um riso nasalar.
— Não se preocupe, Lake. Sei que você gosta de demonstrar seu amor
na base do ódio e da agressão. — Fiz uma pausa, permitindo que um
sorrisinho malicioso se abrisse em meus lábios ao dizer: — Só tenho um
pouco de dó do Mason na hora do sexo. Mal consigo imaginar o que ele
passa na cama com alguém como você.
— Ah, vai se foder. — Ela lançou-me o dedo do meio, e sumiu pelo
corredor em meio às risadas.
Antes que eu pudesse ouvir a porta do seu quarto se fechando, eu gritei:
— Também amo você, Lake!
“Eu estava em chamas por você
Você está me destruindo
Não sei o que devo fazer
Quando você passa por aí
Vou embora sem você, amor
Não tenho escolha
Sei que estou sendo enganada
Só preciso de um tempo para
Parar de pensar em você.”
Fire For You | Cannons

Fincando o cotovelo no chão, apoiei o meu queixo na palma da minha


mão esquerda e olhei para o desenho que eu estava fazendo. Eu poderia ser
apaixonada por todo e qualquer tipo de movimento artístico, mas aquilo
definitivamente não era o suficiente para fazer de mim uma artista.
Olhando para o meu desenho e comparando-o aos de algumas crianças
estiradas ao meu redor, agradeci ao meu interesse na mente humana por ter
me salvado de uma tentativa frustrada de seguir um ramo artístico.
Definitivamente eu não teria o mesmo sucesso que o meu pai.
Não mesmo.
Metade das crianças deitadas no chão daquele orfanato, fazendo seus
próprios desenhos, pareciam ter mais habilidade que eu, mesmo que ainda
sequer conseguissem segurar no maldito lápis direito.
Colton também estava ali, com seu enorme corpo esparramado no chão
em contraste àquelas crianças tão pequenas. Ele parecia concentrado no seu
desenho — desenho do qual eu estava dando meu máximo para não avaliar,
em uma tentativa de ignorar sua presença —, embora vez ou outra eu sentisse
seus olhos queimando em mim com clareza.
Nós não havíamos trocado uma palavra sequer, desde que nos
encontramos no orfanato. Eu havia feito questão de sair mais cedo para não
correr o risco de esbarrar com ele no corredor do prédio, no elevador ou no
estacionamento, ainda que soubesse que seria inevitável a convivência
durante o trabalho voluntário.
Porém, eu estaria mentindo se dissesse que não havíamos trocado uma
dúzia de olhares mesmo sem querer. Por mais que eu estivesse tentando de
todas as formas me conter, meus olhos eram atraídos aos dele quase como um
maldito imã, e às vezes justamente quando os seus olhos estavam grudados
em mim.
— Como é ter uma mamãe, tia Aubree? — A pergunta escapou dos
lábios de Katie, uma garotinha de aproximadamente cinco anos, deitada ao
meu lado enquanto desenhava um bando de riscos coloridos na sua folha.
Minha mão direita congelou por um momento na folha, pega
desprevenida pela pergunta complexa demais feita por uma garota órfã que
sequer tinha ainda um bom entendimento das coisas ao seu redor. Então,
levantei minhas íris do papel, pronta para encarar os enormes olhos azuis e
curiosos de Katie. No entanto, antes que eu pudesse de fato fazê-lo, esbarrei
no meio do caminho com os orbes cinza de Colton, que nos observava atento
à conversa. Nem meio segundo depois, obriguei-me a tirar minha atenção
dele para focar em Katie, forçando meus lábios a se abrirem em um sorriso
simpático.
— Na verdade, Katie, eu também não tenho uma mamãe — eu disse,
suavemente.
Ela pareceu surpresa com a informação, os grandes olhos encarando-
me ainda mais curiosa.
— Sua mamãe morreu?
Soltei um risinho nasalar e voltei minha atenção ao meu desenho,
rabiscando a folha sem dar muita importância.
— Não sei. — Fui sincera. — Nunca a conheci, então não sei muito
bem onde ela está.
— Assim como eu? — indagou ela. Os cotovelos agora estavam
fincados no chão e o pequeno queixo apoiado nas palmas das mãos.
Eu sorri.
— Assim como você.
— Você ficou aqui quando tinha cinco anos?
Balancei a cabeça, negando.
— Neste orfanato, não. Mas morei durante um tempo em um lugar
muito parecido com esse. Era cheio de crianças, todas muito legais, assim
como as crianças daqui — contei com um entusiasmo, e toquei a ponta do seu
nariz com o dedo indicador, fazendo-a sorrir. — Depois de um tempo, um
casal decidiu ficar comigo.
As íris azuis, então, ganharam um novo brilho.
— Você acha que algum dia alguém vai querer ficar comigo também?
De repente, um sentimento aflitivo subiu-me à garganta por não poder
lhe garantir aquilo. Eu mesma havia morado durante tempo o bastante para
saber que nem todas as crianças tiveram a mesma sorte que eu de, não só ter
sido adotada, mas ter sido adotada por Tan e Oliver; dois caras incríveis que
me proporcionaram — e ainda me proporcionam — a melhor vida que eu
poderia pedir.
— Katie. — A voz de Colton, de repente, se fez presente na sala,
chamando tanto a atenção de Katie quanto a minha. Olhei para ele que
sustentava um sorriso quase paternal no rosto ao abrir um espaço ao seu lado
e dar batidinhas no chão. — Que tal vir aqui ver o desenho que eu fiz para
você?
Instantaneamente, Katie pareceu se esquecer da conversa que
estávamos tendo e levantou-se animada, correndo para o lado de Colton.
Ele sorriu para ela e enganchou seu braço no pequeno corpo da garota
para trazê-la ainda mais para junto de si e sussurrar algo em seu ouvido,
enquanto apontava para o papel que tinha em mãos.
Tentei desviar os olhos, mas pareceu impossível. Não só pelo fato
daquela cena aquecer meu coração, mas porque, de alguma forma, eu gostaria
de agradecê-lo por ter feito o que fez. Sabia que Colton não havia chamado
Katie por acaso. Ele estava atento à conversa quando o fez, ciente de que a
criança, sem ao menos perceber, havia me colocado em uma saia justa da
qual doía na minha alma não poder lhe garantir tudo que eu gostaria de
garantir.
E, como sempre, o ar fugiu dos meus pulmões quando seus olhos
encontraram os meus. Nós ficamos ali, encarando-nos pelo que pareceram
horas, antes que os cantos dos meus lábios se levantassem o suficiente para
que Colton entendesse aquilo como um agradecimento silencioso.
Como resposta, o garoto me devolveu um sorriso fraco e assentiu
sutilmente com a cabeça. Depois, cortou nosso contato visual para voltar sua
atenção à folha, assim que Katie cutucou seu braço para lhe mostrar algo no
desenho.
Eu soltei um longo suspiro e foquei nos meus próprios rabiscos, em
uma tentativa de ignorar a angústia que se instaurava em meu peito toda vez
que eu me lembrava que jamais conseguiríamos voltar atrás e desfazer nossos
erros em relação a Boston.
O que restava era aceitar aquele fato e conviver com ele.
E era o que eu vinha tentando fazer, por mais difícil que parecesse ser.

O sol estava começando a se pôr quando eu peguei meu casaco de lã


para me dirigir à varanda e fumar um cigarro em silêncio. Marie Anne havia
me chamado para o bar 171, mas preferi recusar o convite para ficar o
restante do meu sábado curtindo uma boa série no meu sofá.
No entanto, ao colocar meus pés na varanda, hesitei. Por um momento,
pensei que fosse Colton com os cotovelos cravados no parapeito da varanda
vizinha, mas logo o reconheci como Mason Callahan.
Com um suspiro de alívio, permiti-me seguir meu caminho e fincar
meus cotovelos no parapeito da mesma forma que o garoto. Puxei um cigarro
do maço e coloquei-o entre os lábios, pegando o isqueiro para acendê-lo em
seguida. Meu polegar girou a roldana para acender o fogo, mas ele sequer deu
indícios de vida.
Tentei mais uma vez.
E então mais outra.
Ah, ótimo.
Bufei ao perceber que o isqueiro estava sem gás e olhei para o céu à
procura de algum tipo de paz. De uns tempos para cá, o meu peito estava tão
carregado de sentimentos e emoções das quais eu não estava acostumada a
sentir, que qualquer mísera coisinha dando errado era o suficiente para me
tirar do sério.
Ao meu lado, notei o instante em que Mason moveu seu rosto apenas o
suficiente para olhar-me de soslaio. Ele tinha um cigarro pendendo entre os
seus lábios e um dos cantos da sua boca ergueu em um divertimento implícito
antes que ele estendesse seu próprio isqueiro para mim.
Nossas varandas eram próximas. Quase coladas, na verdade, tornando
fácil o ato de alcançar o pequeno objeto e acender meu cigarro.
— Valeu — agradeci, ao devolver seu isqueiro e cravar meus cotovelos
no parapeito, tragando a nicotina lentamente.
Mason apenas assentiu com a cabeça, mas não desviou seu olhar de
mim. Continuou estudando cada centímetro do meu rosto como se quisesse
encontrar uma resposta para a pergunta da qual ele não sabia se deveria fazer,
o que fez com que eu o encarasse de volta em uma espécie de confronto.
— Semana difícil, huh? — finalmente indagou, desviando sua atenção
de mim para os prédios à nossa frente.
Eu traguei mais uma vez e soprei a fumaça silenciosamente.
Dei de ombros.
— Como está o amigo da Layken? — perguntei, em uma tentativa de
não fazer daquela conversa algo sobre mim. Além do mais, aquela era a
primeira vez que eu estava tendo a oportunidade de perguntar sobre ele. —
Logan, não é?
Suas íris foram alinhadas às minhas. O brilho que pendia ali me dizia
que ele sabia exatamente o que eu estava tentando fazer. Ainda assim, Mason
não hesitou em responder:
— Internado. O tornozelo está uma merda. Definitivamente ele não
voltará a jogar tão cedo, pelo o que Lake me disse.
Suspirei.
— Que droga.
— Uh-hum. — Ele concordou com a cabeça.
Traguei a nicotina mais uma vez e me atentei a vista à nossa frente em
silêncio. O céu estava começando a escurecer e as janelas dos prédios ao
nosso redor começando a se iluminarem à medida em que as pessoas iam
acendendo suas luzes. Chegava a ser irônico quantas vidas distintas, com
problemas distintos, existiam em meio àquele espaço gigantesco que
chamávamos de mundo. Nós éramos tão minúsculos quando comparados ao
universo enorme em que vivíamos. E, mesmo assim, nossos problemas
pareciam tão grandes a ponto de nos proporcionar uma sensação de sufoco,
quase como se não houvesse mais uma escapatória ao que estávamos
vivenciando.
— Você sabe que ele é um bundão, né? — Mason cortou o silêncio
entre nós e eu o encarei, levemente confusa. — Colton — tratou de explicar.
—Ele é um idiota às vezes.
Soltei um riso nasalar, sendo obrigada a confirmar.
— Ele é mesmo.
— Mas ele é um bundão que parece gostar muito de você.
Troquei o peso entre os pés, e minha mente se agarrou ao dia do jogo
em que Layken me disse algo parecido com aquilo. Um incômodo me
atravessou diante da súbita força de vontade dele e da sua namorada em
insistirem tanto nisso.
— Inacreditável. — Balancei a cabeça, descrente. — Ele pediu para
que você me dissesse isso, huh? — Meu tom soou um pouco mais áspero do
que eu planejara.
Mason piscou em inocência, parecendo genuinamente confuso, e tirou
seus cotovelos do parapeito para endireitar sua postura.
— Claro que não. — Houve uma pausa ali, quando Mason amassou a
bituca do seu cigarro no cinzeiro, lentamente. — Ele não me pediu para que
eu dissesse nada. Só é algo óbvio demais. E eu não tenho ideia da merda que
aconteceu entre vocês, mas moro com o cara e sei que ele não costuma vir
para essa varanda umas dez vezes por dia à toa. — Seus olhos adquiriram um
brilho diferente quando ele deu dois passos para trás e acrescentou: — Então
ao menos escute o que ele tem a dizer. Porque sei que ele tem algo a dizer.
Não respondi.
Não consegui responder.
Mas talvez Mason não estivesse esperando por uma resposta, pois não
demorou para que ele girasse nos calcanhares e sumisse apartamento adentro,
deixando-me acompanhada apenas do mais ensurdecedor silêncio.
“Mas agora eu fui fundo demais
Para cada pedaço meu que te quer
Há um outro que não
Porque você me dá algo
Que me faz sentir medo
Isso poderia não ser nada
Mas estou disposto a tentar
Por favor, me dê algum sinal
Pra que algum dia eu possa conhecer meu coração.”
You Give Me Something | James Morrison

Eu estava me revirando no colchão há mais de duas horas quando notei


que seria inútil continuar tentando pregar meus olhos. Os pensamentos
estavam a mil por hora na minha cabeça, e meu corpo parecia mais ativo que
nunca. Sentia que poderia correr uma maldita maratona agora que, ainda
assim, teria pelo menos metade da minha energia ao cruzar a linha de
chegada.
O relógio beirava as duas da manhã no momento em que coloquei meus
pés para fora da cama atrás de um copo d’água, conformada que passaria a
noite acompanhada da minha querida insônia.
Atravessando o corredor escuro, notei que parte da minha sala escura
estava iluminada pela luz da varanda vizinha, a qual se encontrava acesa,
denunciando a presença de alguém.
E, de alguma forma, eu soube que era ele.
Algo estranho aconteceu dentro de mim. Um frio na barriga que subia
em direção ao meu peito e fazia meu coração bater descompassado apenas
com a ideia de Colton na varanda ao lado da minha. Meu cérebro
automaticamente trazendo à tona a conversa que tivera com Mason na
varanda algumas horas antes, juntamente à uma fagulha de coragem que de
repente surgiu em mim.
Estava na hora de conversarmos. Definitivamente era o momento.
Eu sabia que também tinha errado, e que lhe devia desculpas pela
confusão que causara nele apenas pelo fato de eu estar confusa. Não era justo.
Sendo assim, forcei meus pés a mudarem o percurso da cozinha para a
varanda. Pela porta de vidro, identifiquei a figura de Colton com os cotovelos
apoiados no parapeito, observando, alheio, a vista ao seu redor. Poucas
janelas seguiam acesas nos prédios à nossa frente. Grande parte da cidade já
parecia estar caída em um sono profundo. Algo bastante irônico a julgar pelo
fato de que era uma madrugada de sábado para domingo.
Inspirando fundo, criei coragem e girei a chave para destrancar a
varanda, empurrando a porta em silêncio. Mas assim que o vento gelado de
Nova York lambeu cada centímetro do meu corpo, a coragem pareceu se
esvair e eu amarelei.
Péssima ideia, minha mente gritou.
MAYDAY! MAYDAY!
Antes que eu pudesse processar, dei as costas, voltando para dentro do
meu apartamento em um piscar de olhos, mas já era tarde demais. Em algum
momento entre o meu surto de coragem e o meu surto de covardia, Colton
notou minha presença e agora estava chamando por meu nome da sua
varanda.
— Aubree — ouvi-o chamar por mim enquanto eu xingava a mim
mesma em silêncio. Que merda, Aubree, sua idiota. — Bree, te vi aí, garota.
Você não acha que já passou da hora de conversarmos?
Não respondi.
Quem sabe, se ficasse calada por tempo o suficiente, Colton pudesse
começar a pensar ser alguma loucura da sua cabeça? Algo próximo a um
surto ou uma alucinação. Nunca estive ali.
Não.
Ele não tinha como confirmar, certo? Certo.
Torci para que aquele plano funcionasse.
Mas não foi o que aconteceu.
Meu Deus.
Definitivamente não foi o que aconteceu, porque, segundos mais tarde,
Colton Reed estava na minha varanda.
— Você ficou louco?! — praticamente berrei, no instante em que
Colton simplesmente pulou da sua varanda para a minha.
As varandas eram próximas o suficiente para que ele tivesse mais
chances de sobreviver do que morrer, mas ainda assim havia um risco dele
escorregar, desequilibrar-se e sabe-se lá mais o quê. Mas Colton sequer
pareceu notar a loucura que havia acabado de fazer. Ou o choque nas minhas
palavras. Ou o fato do meu coração parecer estar batendo tão forte contra o
meu peito que eu podia ter a mais absoluta certeza de que o prédio todo era
capaz de ouvir.
Não.
Colton não pareceu notar nada daquilo.
Apenas entrou pela porta de vidro da varanda da mesma forma como
costumava fazer pela porta de entrada, e parou bem à minha frente.
A sala estava escura. Nenhuma luz do meu apartamento havia sido
ligada desde que eu levantara da cama atrás de um copo d’água. As únicas
fontes de luz que atravessavam as janelas para iluminar minimamente o
ambiente em que estávamos eram a luz do luar e a iluminação fraca da sua
varanda.
— Você não pode me ignorar para sempre, Bree.
Abri a boca, atrás da minha voz em algum lugar presa à garganta.
Depois de um ou dois segundos, consegui dizer:
— E você não pode sair por aí pulando a varanda dos seus vizinhos,
Colton!
E apesar da descrença carregada no meu tom, tudo o que ele fez foi dar
de ombros.
— Situações extremas exigem medidas extremas.
Inspirei fundo, à procura do controle que parecia fugir para bem longe
de mim toda vez que Colton Reed estava por perto.
— Não quero falar com você.
Colton sorriu.
— Ah, eu acho que você quer sim.
— Dá o fora, Colton — resmunguei, em uma ordem muito clara.
Àquela altura do campeonato, sequer me lembrava mais da conversa com
Mason ou do motivo que me levara até aquela varanda em primeiro lugar. —
Dessa vez pela porta da frente, por favor.
Seus olhos me analisaram atentamente e os lábios, antes levantados em
um pequeno sorriso, agora estavam apertados em um sentimento indecifrável.
Colton trocou o peso entre os pés. A postura gradativamente tomando uma
posição defensiva, ao mesmo tempo em que um vinco começava a se formar
entre as suas sobrancelhas, demonstrando algo entre a raiva e frustração.
— Qual é a porra do seu problema, Aubree?
Senti um baque diante das suas palavras. Algo semelhante a um soco
no estômago que fez com que meus lábios se partissem, secos.
Eu pisquei, sem entender ao certo se aquela grosseria havia sido algo
real ou apenas coisa da minha cabeça.
— Como? — eu me vi falando, em meio a uma sensação amarga na
boca.
— Qual é a porra do seu problema? — repetiu ele, deixando claro que
não havia sido algo da minha cabeça. Com dois passos para trás, Colton
passou as mãos pelos cabelos, irritado, e continuou: — Não sei lidar com
isso. Não sei lidar com você.
Eu engoli o nó que subitamente formou-se na minha garganta e
sustentei meu olhar ao seu.
— Você já disse isso antes, Colton. E eu honestamente espero que você
não tenha pulado a varanda só para isso.
— Não. — Ele suspirou, exausto, e balançou a cabeça à medida em que
negava veementemente. — Não vim para isso. Mas você não me dá escolhas,
Bree. Quando acho que estou um passo mais próximo de aprender a lidar
com você e com toda essa sua confusão, sou obrigado a dar dez passos para
trás de novo. Estou cansado dessa merda, Aubree.
— E você acha que eu não estou? — rebati.
— Então por que você continua fugindo, porra?
— Porque você me assusta, Colton! — exclamei, alto o suficiente para
que qualquer um naquele prédio escutasse.
Colton parou exatamente onde estava. A respiração ofegante mesclava-
se à minha, mesmo que já não estivéssemos tão próximos. Seus olhos
queimando em cada centímetro do meu corpo e rosto, sem saber ao certo de
que forma interpretar minha confissão.
Eu inspirei fundo, em uma tentativa de acalmar os nervos que nunca
pareciam se acalmar com a presença dele. E era exatamente aquilo que me
assustava tanto. A forma como meu corpo reagia a ele toda a maldita vez. A
forma como uma sensação boa surgia dentro de mim quando ele estava por
perto.
Aquilo não era algo que eu considerava seguro.
Ao menos, não quando se tratava de mim e das coisas pelas quais
passei antes dele.
Não queria aquilo.
Não queria ele.
Ou melhor dizendo: não queria querer ele.
Mas não era algo que eu sentia que possuía controle. Desde o início, eu
tentara me agarrar à razão. Tentara de todas as formas não me deixar levar
por o que quer que fosse que Colton Reed causava em mim.
Mas Benjamin Franklin estaria me mandando para a puta que pariu da
mesma forma como eu mandava aquela sua maldita frase (“se a paixão
conduz, deixe a razão segurar as rédeas”) toda vez que Colton estava por
perto — ainda que contra a minha vontade. Não queria mandar a razão para o
inferno, mas era inevitável. Era como se, àquela altura do campeonato, sequer
existisse uma razão.
Colton afetava todo o meu sistema nervoso com a sua presença e
destruía qualquer tipo de racionalidade da minha parte com um simples
sorriso. Ou um piscar de olhos. Um toque. Uma única palavra.
Qualquer maldita ação.
— Você me assusta — repeti, daquela vez em um sopro. — Não
consigo parar de fugir porque sei que, quando parar, vou me deixar cair por
você, Colton. E isso é assustador pra caramba. Morro de medo disso
acontecer, porque a única pessoa que me fez sentir metade do que sinto
quando estou com você, simplesmente acabou com a minha vida. Essa pessoa
amarrou explosivos no meu peito e sequer hesitou apertar o botão e explodir
o que havia de melhor em mim. Custou muito para chegar onde estou hoje, e
não sei se estou disposta a passar por algo remotamente parecido com o que
passei antes de você aparecer.
Ele me analisou atentamente, quase como se estivesse tentando
processar e internalizar cada uma daquelas palavras de uma forma que eu não
sabia dizer ao certo ser algo positivo ou negativo.
Eu costumava ser muito boa na leitura da linguagem corporal de
pessoas à minha volta. Por mais arrogante que pudesse parecer, na maior
parte das vezes, eu sabia o que essas pessoas com quem convivia queriam
dizer antes mesmo delas abrirem a boca. Sabia o que elas sentiam, antes
mesmo que elas mesmas soubessem.
Porém com Colton tudo era diferente.
Com Colton, eu sentia que não sabia de porra nenhuma.
Não tinha a mínima ideia do que o brilho intenso em seus olhos
significava. Do que o seu pomo de adão subindo e descendo queria dizer. Do
que os lábios apertados e as sobrancelhas franzidas, quase como se sentissem
algum tipo de dor, sugeriam.
Mas, então, Colton deu um passo à frente, aproximando-se não o
bastante para que eu pudesse sentir o roçar do seu corpo ao meu, mas o
suficiente para que seu calor me invadisse sem ao menos tocar um centímetro
sequer da minha pele.
Meus olhos haviam sido desviados do seu há muito tempo, com medo
do que voltaria a encontrar ali caso esbarrasse nas suas íris novamente. Ainda
assim, ele inclinou sua cabeça de leve em um pedido silencioso que eu o
olhasse no fundo dos orbes, e eu então o fiz, cravando meu foco naquela
imensidão cinza.
Não tirei minha atenção dele nem mesmo quando sua mão subiu até
meu rosto e o polegar roçou minha bochecha, permitindo que uma onda de
calor se espalhasse por meu corpo.
Finalmente, com um sussurro quase sofrido, Colton se limitou a dizer:
— Pois saiba, Aubree, que eu acho que já caí por você há muito tempo.
E posso apostar que, dessa vez, vou sair infinitamente mais destruído disso
tudo do que você jamais saiu antes.
Balancei minha cabeça, negando.
— Você não tem ideia das coisas pelas quais passei, Colton.
— E você não tem nem ideia das coisas que está me fazendo passar,
Bree.
Sua voz era quase inaudível, e a mão — antes na minha bochecha —
desceu por meu pescoço e ombro, percorrendo todo o percurso do meu braço
até que seus dedos encontrassem os meus. Então, ele agarrou minha mão e a
posicionou em seu peito, espalmada bem onde estava seu coração.
E com a sua mão praticamente cobrindo a minha, Colton Reed me
permitiu cair em todo o seu primor no segundo em que me concedeu seu
coração.
No exato instante em que, com o brilho mais genuíno pairando em seus
olhos e com o tom de voz mais suave que pôde, ele soprou:
— Estou deixando os explosivos na sua mão agora, Bree. Me destrua a
hora que quiser.
“Cada pequena coisa que você tenha dito e feito
Parece ter ficado dentro de mim
Não importa se você está só de passagem
Parece que isso era pra acontecer.”
As Long As You Love Me | Backstreet Boys

Quando Colton Reed disse aquelas palavras, eu soube que estava


caindo. Era isso. Não havia mais volta.
Embora, honestamente, talvez eu não quisesse que houvesse uma volta.
Em algum momento da minha vida, li que a única forma de nos
livrarmos da tentação, seria cedendo a ela. Eu não sabia se aquilo era, de fato,
real, mas sabia que estava a um passo de descobrir. Porque Colton Reed era o
pior dos pecados, e assim que meus lábios tocaram aos seus, eu soube que
com todo o meu coração, corpo e alma, eu cederia à tentação de tê-lo.
Eu estava caindo em todo o seu encanto. Caindo em todas as suas
singularidades e virtudes. Em todas as suas facetas e minuciosidades. Em
tudo aquilo que, durante todo este tempo, eu evitei me inebriar.
E, pelo visto, Colton também sabia daquilo, porque não demorou mais
que dois segundos para que ele me puxasse com força junto a ele. Suas mãos
desceram para a minha bunda, dando-me um impulso para que eu pudesse
entrelaçar minhas pernas na sua cintura ao mesmo tempo em que nossas
línguas se tocavam, explorando a boca um do outro com vontade.
Meus braços agora estavam ao redor do seu pescoço, os dedos
enroscando nos fios macios dos seus cabelos ao passo que Colton me guiava
às cegas para o local mais próximo que encontrou; o meu sofá.
Ele nos deitou com cuidado ali. Seu corpo forte agora sobre o meu,
com o peso todo sobre um dos cotovelos afundado nas almofadas ao lado da
minha cabeça. Sua boca estava colada à minha novamente, beijando-me com
ainda mais intensidade do que a última vez em que estivemos em uma
posição remotamente parecida com aquela, quase como se precisasse daquilo
mais do que qualquer outra coisa para manter-se vivo.
Eu soltei um suspiro ao sentir Colton mordiscar meu lábio inferior,
puxando-o para si, e descer os beijos pelo meu queixo e pescoço. E no
momento em que sua língua tocou minha pele, uma onda de eletricidade
percorreu toda a minha espinha. Contudo, assim que seus dedos alcançaram a
barra do enorme camisetão que eu trajava como pijama, ele parou.
Abri meus olhos, confusa, apenas para me deparar com um par de íris
cinza e nebulosas encarando-me atentamente.
— Se você me pedir para esquecer isso amanhã, Aubree...
No mesmo instante, agarrei sua blusa pra puxá-lo para perto e o beijei
com tanta firmeza que sequer seria preciso falar algo para que ele entendesse
o que aquele gesto significava. Colton grunhiu contra minha boca. Um som
rouco que fez meu corpo reverberar em resposta a ele e às pequenas coisas
nele que me faziam perder totalmente meu autocontrole.
Ainda assim, encontrei um resquício de controle no fundo da minha
mente que me fez separar os lábios dos dele à procura dos seus olhos.
Quando os encontrei, tratei de dizer em voz alta para que não houvesse
qualquer rastro de dúvida em relação ao que estávamos prestes a fazer:
— Os explosivos estão comigo, mas eu não tenho o menor intuito de te
destruir com eles.
Colton manteve suas íris coladas às minhas, procurando por algo que
dissesse que eu não estava cem por cento segura. E talve eu, de fato, não
estivesse. Mas minhas palavras expressavam a mais genuína verdade. Não
pretendia de forma alguma machucá-lo. Nunca foi a intenção.
Com aquilo, ele voltou a cobrir sua boca com a minha, daquela vez
com ainda mais desejo. Seu toque, necessitado e intenso. As mãos passeando
por todo o meu corpo enquanto nossas bocas se fundiam com tanta força que
meus lábios começaram a formigar.
Seus beijos deslizaram lentamente para o meu queixo e maxilar, até que
alcançassem o lóbulo da minha orelha, a qual Colton mordiscou de leve e
sorriu depois, ao notar o arrepio que ele causara em mim. Os beijos molhados
e famintos seguiram seu caminho, demorando-se no meu pescoço ao passo
que suas mãos subiam a barra do camisetão apenas o suficiente para
encontrar minha calcinha rendada.
Ele passou direto por meus seios; sequer fez questão de jogar para
longe o tecido que cobria a parte de cima do meu corpo. Eu também não
podia estar me importando menos, porque, em um piscar de olhos, Colton
Reed já havia deslizado a calcinha pelas minhas pernas e escorregado sua
boca maravilhosa contra a minha intimidade, percorrendo a língua lentamente
por ali, antes de focar no clitóris como se soubesse exatamente o que fazer
para me ver revirando os olhos de prazer.
E foi o que aconteceu.
Jogando minha cabeça para trás, permiti que um longo gemido
escapasse por meus lábios, sem conseguir conter a excitação que se expandia
por todo o meu corpo à medida em que Colton me explorava como nenhum
outro cara fizera antes. Ele era certeiro. Sabia precisamente qual intensidade
era ideal para mim e como poderia me fazer suspirar de prazer e me torturar
com a sua língua, simultaneamente.
Arfei palavras desconexas, rolando os olhos em desejo no instante em
que suas mãos alcançaram minha cintura para me trazer ainda mais para perto
da sua boca. As ondas de calor e excitação tornavam-se cada vez mais
intensas e eu sentia que estava a um passo de explodir em diferentes
sensações quando Colton parou o que estava fazendo.
Forcei-me a abrir meus olhos e encará-lo, atordoada e confusa, e tudo o
que Colton Reed fez foi sorrir para mim, malicioso, ciente do que acabara de
fazer. Em seguida, colocou-se de pé e agarrou sua camisa pela parte de trás,
puxando-a com uma mão para se livrar dela.
Os cabelos estavam completamente bagunçados, graças à inquietação
das minhas mãos enquanto ele me chupava, e sob a luz do luar, seu corpo
parecia ainda mais deslumbrante que o normal.
Eu ainda estava atônita demais para fazer qualquer coisa além de ficar
naquele sofá, vendo-o desafivelar seu cinto e permitir que este fosse ao chão
junto à calça que eu só notara agora ser jeans. No entanto, não me
surpreendia o fato de que ele provavelmente houvesse chegado de algum dos
seus shows usuais há pouco.
Só de cueca, Colton voltou a deitar seu corpo sobre o meu e me beijar
— daquela vez lenta e deliberadamente. Suas mãos, contudo, passeavam pelo
meu corpo quase na mesma urgência que as minhas passeavam pelo seu.
A ereção pressionada contra a minha intimidade, apenas atrás do tecido
da cueca, fez-me grunhir contra os seus lábios, e eu tratei de tirar aquele
pedaço de tecido inútil dele para que chegássemos logo onde tanto
queríamos. Com a cueca jogada para longe, Colton roçou seu pau na minha
entrada e eu arfei em resposta, praticamente implorando com a minha boca,
mãos e corpo para que ele me invadisse logo. Mas ele não o fez.
Ao invés disso, seu braço se enganchou na minha cintura e nos tirou de
cima do sofá. Deslizando até o chão, Colton apoiou suas costas no sofá,
comigo por cima dele, e sorriu, maroto. Um sorriso que ia além da malícia,
pendendo o suficiente para a diversão.
Eu sorri de volta, porque vê-lo sorrindo sempre me faria querer sorrir
também, e sua mão puxou minha nuca para colar sua boca à minha depressa.
Colton tateou o bolso da sua calça jogada próximo a nós e eu ouvi o barulho
da embalagem de camisinha, mas estava focada demais no quanto sua língua
dançando com a minha parecia certo demais, incrível demais, para sequer me
atentar aos seus dedos fugindo de mim apenas para colocar o preservativo às
cegas.
Finalmente colocado, suas mãos foram à minha bunda, subindo para a
minha cintura e agarrando o tecido do meu camisetão apenas para me ajudar
a tirá-lo com ainda mais urgência. Completamente nua e de frente para ele,
com uma perna de cada lado do seu corpo, parei por um instante para olhá-lo,
e Colton fez o mesmo. Desceu sua atenção por cada centímetro das minhas
curvas como se aquilo fosse o que houvesse de mais bonito no mundo, por
conseguinte me fazendo sentir que eu era tão linda quanto o brilho em seus
olhos cinzentos dizia.
Colton não voltou a me beijar. Suas íris, banhadas por um misto
contrastante de carinho, desejo e agitação, procuraram pelas minhas. Os
dedos apertando a minha cintura em um pedido silencioso para que eu
seguisse em frente, guiando-me lentamente em direção a ele sem desviar sua
imensidão cinza da minha imensidão castanha por um segundo sequer.
Assim que nos encaixamos, eu desci meu quadril vagarosamente,
vendo-o fechar seus olhos e jogar a cabeça para trás, apoiando-a no assento
do sofá no instante em que seu pau me preencheu por completo. Um
grunhido torturante escapou dos seus lábios. As mãos seguiam apoiadas na
minha cintura, mas não me guiavam mais, permitindo que eu estivesse
completamente no comando do seu prazer.
Sorri, atenta às suas reações ao passo que subia meu quadril na mesma
velocidade em que descia, torturando-o um pouco, porque ver o poder que eu
também tinha sobre ele ainda me parecia uma novidade.
— Cacete, Bree... — ele grunhiu, diante dos meus movimentos lentos.
Os olhos estavam fechados, a cabeça tombada para trás como se ele sequer
tivesse forças para sustentá-la diante das sensações que eu estava lhe
proporcionando. Colton exalou fundo, antes de acrescentar: — Puta que
pariu, que merda você está fazendo comigo, garota?
E meu sorriso cresceu.
Não pude evitar.
Os olhos cinza voltaram a se abrir, brilhando em um desejo ardente,
mas não demoraram a fechar novamente quando eu inclinei meu corpo para
mais próximo dele e apoiei minhas mãos no sofá em que Colton estava
encostado, aumentando a intensidade do meu corpo junto ao dele.
Suas mãos subiram pelas minhas costas nuas e uma delas enroscou-se
nos meus cabelos, puxando meu tronco ainda mais para si, quase em um
abraço conforme nossos corpos se tornavam um só; uma sintonia perfeita, um
reflexo ritmado um do outro.
Eu arfei próximo ao seu ouvido, minhas mãos apertando o sofá com
mais força ao sentir seu pau tocando o ponto ideal em algum lugar dentro de
mim. O som do meu gemido fez Colton me apertar ainda mais contra seu
corpo forte, à medida que continuávamos em uma cadência sintonizada.
Meus gemidos tornavam-se cada vez mais altos, acompanhados das
tentativas de grunhidos controlados por parte dele; meu sexo pulsando contra
o seu antes que eu finalmente pudesse explodir numa onda intensa de prazer,
com Colton atingindo seu orgasmo logo após o meu.
O silêncio invadiu o ambiente em seguida. Nossas respirações
entrecortadas era tudo o que ouvíamos quando eu apoiei meu rosto no seu
ombro, em uma mistura de êxtase e exaustão, e me permiti relaxar. Sua mão
fazia um carinho lento na minha pele nua, descendo e subindo pela minha
coluna espinhal tranquilamente até que nossos corações começassem a se
acalmar.
Então, seus lábios procuraram pelos meus, beijando-me com uma
delicadeza imensa, como se estivesse aproveitando cada segundo em que
minha boca estivesse colada à sua.
— Tenho uma confissão a fazer. — Soprou ele, após separar
minimamente seus lábios dos meus.
Sorri para ele, incentivando-o a continuar.
Com o queixo, Colton meneou para a varanda.
— Só tenho como voltar para o meu apartamento se pular a varanda. —
Houve uma pausa para que ele me acompanhasse na risada fraca, a qual não
consegui evitar. — Não pensei na chave na hora do desespero.
— Bem... Situações extremas exigem medidas extremas, huh? — repeti
o que ele havia me dito assim que invadiu meu apartamento, e levantei minha
cabeça para olhá-lo nos olhos. — Não me importo de te ter aqui.
Colton sorriu em resposta e, com a mão repousada em minha nuca,
puxou minha cabeça de leve para deixar um beijo longo na minha testa.
Depois, alinhou seus olhos aos meus mais uma vez e sussurrou:
— Não me importo de ficar aqui.
— Mas com uma condição — acrescentei rapidamente e seus olhos
ganharam um brilho curioso conforme eu me levantava do seu colo e vestia
meu camisetão.
Andando na direção da minha geladeira, puxei de lá uma garrafa e olhei
para ele, que seguia jogado no chão da sala, completamente nu.
E com um sorriso malicioso, uma garrafa de Jose Cuervo e meia dúzia
palavras, determinei o porvir da nossa noite ao dizer:
— O próximo round será com tequila.
“Eu já sabia que te amava naquela época
Mas você nunca saberia
Porque eu me calei com medo de perder
Eu sei que eu precisava de você
Mas eu nunca demonstrei
Mas eu quero ficar com você
Até que nós fiquemos bem velhinhos
Apenas diga que você não vai embora.”
Say You Won’t Let Go | James Arthur

Ao acordar na manhã seguinte, Aubree não estava mais na cama.


Rolei pelo colchão vazio, espreguiçando-me ainda sonolento pra
caralho, e procurei pelo meu celular na mesinha de cabeceira para ver as
horas. Já havia passado do meio-dia, mas ainda assim sentia que não dormira
porra nenhuma. Meu corpo estava pedindo arrego. Não só pela garrafa de
tequila que Aubree e eu tomamos na noite passada, mas pelo fato de termos
transado mais umas duas vezes antes de, de fato, decidirmos que era hora de
dormirmos (com o sol já raiando).
Ao me levantar da cama e vestir minha cueca que, de alguma forma,
acabara parando debaixo da cômoda, senti como se um caminhão houvesse
passado por cima de mim e depois dado ré. Aquilo, no entanto, não me
impediu de abrir um sorriso quando memórias da noite anterior me voltaram
à mente.
Saindo do quarto, segui pelo extenso corredor, escutando o som de
armários batendo e… panelas? Bem, definitivamente havia um palavrão ou
outro em meio àquilo, o que apenas me deixou ainda mais confuso.
No entanto, não demorou muito para que eu finalmente entendesse.
Aubree Evans estava usando a minha camiseta branca, que com toda a
certeza ficava ainda melhor nela do que em mim. Ela estava de costas para
mim, focada em algo no fogão, no instante em que atravessei a sala para me
sentar na bancada da cozinha americana. Seus cachos estavam presos
desajeitadamente — alguns deles soltando do elástico à medida em que ela
mexia em algo que, pelo cheiro, tive quase certeza serem ovos mexidos,
embora ela claramente não tivesse ideia alguma do que estava fazendo.
Fincando meu cotovelo na bancada para apoiar meu queixo na mão,
perguntei:
— Como você faz para sobreviver morando sozinha, se não consegue
nem fazer ovos mexidos sem xingar o universo?
Aquilo a fez se virar com um susto; a espátula que tinha em mãos
respingando pequenos pedaços de ovos pelo ambiente com o seu movimento.
Os olhos arregalados vieram de encontro aos meus por apenas um instante
antes que ela retomasse uma compostura claramente mentirosa de quem tinha
total controle da situação.
— Da mesma forma que você sobrevive todos os dias pedindo pizza —
rebateu, com um sorriso divertindo ameaçando se esgueirar por seu rosto.
Instantaneamente meu queixo foi ao chão, porque por mais que eu me
recusasse a admitir em voz alta, o golpe havia sido certeiro.
— Touché. — Estreitei os olhos para ela, que apenas riu e largou a
espátula na panela. Em seguida ela virou-se para alcançar um dos armários, o
qual eu tinha quase certeza ser onde ficavam os pratos.
Tentei espiar o que estava na outra panela, mas sem nem mesmo
perceber, Aubree bloqueou minha visão com seu corpo para despejar os ovos
no prato e, automaticamente, meu olhar desceu até sua bunda, agora
parcialmente descoberta pela minha camiseta.
— Ai, droga — Bree xingou, largando o prato na bancada da pia ao
notar o que quer que fosse que estivesse sendo feito na outra panela, estava
prestes a queimar.
Voltei minha atenção ao fogão, mas sua visão ainda bloqueava seja lá o
que fosse que ela estava fazendo.
— Quer ajuda? — perguntei, ao chegar à conclusão de que aquele, com
toda a certeza do mundo, não era o habitat natural de Aubree Evans.
Mas ela logo se virou e tratou de tentar esconder seu desespero com
uma máscara de plenitude. Pegando o prato com os ovos que ela praticamente
havia jogado ali do lado, Bree andou em passos tranquilos até mim e o
repousou na bancada entre nós.
Depois, fincou seus cotovelos ali e disse:
— Pareço precisar de ajuda?
Abri a boca para responder, porém minha atenção foi para algo atrás
dela. A frigideira — com o que pareciam ser pães dentro — não aparentava
estar exatamente sob controle. A fumaça escapando dali me obrigou a apertar
os lábios para não rir.
— Na verdade, pelo o que posso ver dos pães virando carvão ali —
meneei com o queixo na direção do fogão —, acredito que sim. Talvez você
precise de ajuda.
Instantaneamente, seus olhos castanhos se arregalaram e Aubree girou
mais uma vez nos calcanhares para tirar a frigideira do fogão, em pânico.
— Como isso aconteceu?! — As íris encararam o alimento
completamente tostado, antes de jogá-lo no lixo, desanimada. — Eu tinha
acabado de virar a droga do pão.
Rindo, levantei-me do banco em que estava sentado e contornei o
balcão, puxando Bree para mim quando ela deixou a frigideira na pia,
completamente derrotada. Seus braços envolveram meu tronco e ela afundou
sua cabeça no vão do meu pescoço, inspirando fundo.
Gostava da altura dela. Diferente das outras garotas com quem estava
acostumado a conviver, Aubree parecia ter a altura ideal para mim. A altura
exata para que eu pudesse repousar minha bochecha no topo da sua cabeça
toda vez que ela enterrava seu rosto no vão do meu pescoço.
— Deixa que eu cuido disso — eu disse, assim que finalmente saímos
do abraço.
Ela suspirou, derrotada, mas não contrariou a minha decisão. Estava
prestes a se arrastar até o banco da bancada quando eu a puxei novamente e
cobri sua boca com a minha, em um selinho demorado. Então desci minhas
mãos pelo seu corpo e apertei sua bunda, fazendo-a pular em um susto e
começar a rir, afastando-se.
Nunca tive muita habilidade na cozinha, devia admitir aquilo. Desde
que saíra da casa dos meus pais e passara a morar sozinho com Mason, nós
vivíamos na base de almoços da NYU e comidas prontas ou delivery’s para o
jantar. Raramente assumíamos o risco de cozinhar algo por contra própria,
porque aquilo também significava assumir o risco de tacar fogo na casa toda.
No entanto, eu tinha total ciência de que conseguia fazer ao menos um pão
sem que ele virasse carvão.
Definitivamente, melhor que Aubree Evans o faria.
Portanto, peguei a panela e passei uma água nela para tirar os restos de
queimado que haviam grudado no fundo. Depois, voltei-a para o fogão e
joguei um pequeno pedaço de manteiga ali, esperando-o derreter.
Naquela altura, Aubree estava recostada no balcão, observando-me
atentamente.
Eu, por outro lado, tentei manter meu foco na panela, embora meus
pensamentos estivessem unicamente nela e no que aconteceria conosco a
partir de agora.
— Então… — Comecei, com um ar despretensiosamente natural,
enquanto espalhava a manteiga derretida com a espátula pela panela. — Qual
é o plano?
Meus olhos inevitavelmente voltaram a ela por um instante, que
pareceu confusa com a minha pergunta. Pegando impulso com as mãos
posicionadas na bancada, ela pulou para se sentar no balcão ao invés do
banco, e puxou uma xícara de café que até então eu não havia notado,
bebericando-a.
— Como assim?
Voltei minha atenção aos pães, jogando quatro fatias na frigideira, e
inspirei fundo.
— Bem, claramente alguém te machucou no passado — eu disse, em
uma observação bastante óbvia diante da conversa que havíamos tido na noite
anterior.
Fui à procura dos seus olhos que seguiam me fitando curiosamente.
Em qualquer outra ocasião, eu cagaria para os pães na frigideira e para
a possível conversa que estaríamos prestes a ter, e focaria apenas no fato de
Aubree Evans estar sentada na porra do balcão, gostosa pra caralho com uma
camiseta minha, enquanto tomava seu café como quem não queria nada. No
entanto, sentia que aquele era um assunto sério; algo do qual precisávamos
conversar, porque, apesar da noite anterior ter deixado mais que claro que
nossos sentimentos um pelo outro iam além da amizade, aquilo não
estabelecia relação alguma entre nós.
Bree remexeu-se desconfortavelmente com o assunto e bebericou seu
café novamente.
— Uh-hum — foi tudo o que ela disse.
Tirei minha atenção dela, voltando à frigideira para virar os pães e
permitir que eles tostassem apenas o suficiente do outro lado.
— E isso te fez ter fobias de relacionamentos. — Continuei, com um
tom suave, pois já notara que aquele parecia ser um assunto que faria Aubree
surtar a qualquer instante.
Quando subi minha atenção a ela mais uma vez, notei que a xícara
havia congelado próximo à sua boca e os olhos começavam a brilhar em um
misto de dúvida e pânico, o que rapidamente fez com que eu me apressasse
em esclarecer as coisas:
— Não estou sugerindo que entremos em um relacionamento, Bree. Só
quero saber como prosseguir agora.
Silêncio.
Aubree continuou imóvel por um momento, antes que ela tomasse um
gole do seu café com tanta força que fui capaz de ouvi-la engolir. A xícara,
por fim, foi repousada à bancada e ela inspirou, lentamente.
Desliguei o fogão ao notar que os pães já estavam no ponto ideal, e
virei meu corpo para observá-la com cem por cento de atenção.
Aubree passou a língua pelos lábios, como se estes estivessem secos, e
soltou todo o ar pesado que parecia carregar no peito. Seus olhos encontraram
os meus, antes que ela dissesse:
— Gosto de você, Colton.
Eu sorri.
— Também gosto de você, Bree.
— E sei que você não é ele, mas… — Sua voz falhou, fazendo com que
ela pigarreasse rapidamente. — Não quero assumir nada. Gosto de você e
gosto de como as coisas serão agora. Só eu e você. Assim. Não acho que
precisamos rotular isso. Acho que podemos só…
— Deixar fluir — completei, vendo-a concordar com a cabeça.
Deixando a espátula de lado, permiti que meus pés descalços me
levassem até ela, e me coloquei à sua frente. Minhas mãos se espalmaram na
bancada em que ela estava sentada, uma em cada lado do seu corpo, e suas
pernas abriram-se involuntariamente para que eu pudesse me colocar entre
elas e me aproximar ainda mais.
— Vou te dar o tempo que você precisar, Bree — prometi, olhando-a
no fundo dos seus olhos para que ela soubesse que eu nunca estive falando
tão sério como agora. — Se quiser dar um passo a mais, então daremos um
passo a mais. Mas se quiser ficar exatamente como estamos agora, saiba que
estou completamente satisfeito com isso.
Em silêncio, Bree esquadrinhou todo o meu rosto, tentando se
convencer se o que eu dizia era de fato verdade. Quando finalmente o fez, ela
sorriu e envolveu meu pescoço com seus braços, beijando-me com vontade.
Sua língua se enroscou na minha por alguns segundos, o que fez meu
pau lá em baixo começar a dar indícios de vida assim que, com os pés, ela me
puxou mais para perto, de forma que o meu corpo estivesse encostado ao seu.
Eu grunhi contra a sua boca, sentindo algo dentro de mim começar a pegar
fogo diante do seu toque, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa a
respeito daquilo, ela separou seus lábios dos meus e disse:
— Você é incrível. Obrigada por isso.
Beijei-a novamente, mas por apenas um instante. Então agarrei todo o
meu autocontrole e me afastei dela para colocar os pães em um prato, antes
que começássemos a trepar ali naquela bancada.
— Eu sei que sou — finalmente disse. — E desde que você tenha em
mente que em algum momento vou te pedir em casamento, não vejo o porquê
das coisas não darem certo — brinquei, fazendo-a soltar uma gargalhada em
resposta.
— Então a história de me dar o tempo que eu preciso é só um papo
furado?
Sorri, maroto.
— Eu diria que é um plano provisório.
Contornei o balcão e sentei-me no banco, depois de colocar o prato de
torradas junto ao prato de ovos mexidos.
Aubree pulou da bancada para se sentar de frente para mim.
— Entendi — murmurou ela, colocando um pouco de ovo em cima da
torrada. — Bom saber que esse plano é apenas algo provisório.
— É um plano provisório com duração de até sessenta anos no contrato
— eu a corrigi, puxando um guardanapo e levantando-me do banco em que
estava sentado para alcançar uma caneta que Bree sempre deixava ao lado do
telefone fixo do seu apartamento.
Quando voltei a me sentar, escrevi no papel nada adequado para a
situação:
“Acordo de casamento para 2080.”
— Desde que, com oitenta anos de idade, eu possa me ajoelhar na sua
frente, e provavelmente continuar no chão depois disso, e te pedir em
casamento… Então temos um acordo — prossegui, fazendo duas linhas
abaixo do que acabara de escrever. Assinei uma delas e empurrei o papel e a
caneta para Bree. — E talvez, até lá você esteja banguela e sua dentadura
pule da sua boca, surpresa com o pedido de casamento, mas eu não me
importo. Desde que você aceite o pedido, temos um acordo.
Ela soltou outra risada alta, jogando a cabeça para trás, e voltou a
encarar o papel.
— Então, se até 2080 eu não tiver decidido dar um próximo passo com
você…
— Aí você terá que casar comigo — concluí seu pensamento, com um
sorriso.
Aubree levantou seus olhos até mim por um momento, e os baixou para
o papel novamente.
— Bem, é um grande passo.
— Enorme — confirmei, observando-a pensar a respeito.
Os lábios apertados enquanto ela pensava… E pensava… E pensava.
Quase lhe avisei que era um guardanapo idiota e que aquilo não valia
porra nenhuma. Que era uma brincadeira e que eu provavelmente o perderia
em menos de uma semana, mas antes que eu pudesse fazê-lo, Bree pegou a
caneta e assinou o papel também.
— Pronto, senhor Colton Reed. — Ela sorriu, empurrando o papel de
volta para mim. — Satisfeito?
— Muito, senhora Reed — brinquei, o que a fez se curvar sobre o
balcão para me dar um tapinha no braço.
Soltei uma risada e aproveitei sua aproximação para agarrar sua nuca e
colar sua boca à minha em um selinho violento e forçado. Tão babado que
Aubree empurrou meu peito para se afastar e limpar sua boca com o dorso da
mão, rindo.
— Céus, Colton. — Ela fez uma careta. — Vai com calma.
— Nunca vou ter calma quando o assunto é você, Bree.
Aubree deu mais uma mordida na sua torrada e disse:
— É bom começar a providenciar sua calma em algum lugar então. —
Houve uma pausa, para que um sorriso malicioso se abrisse em seus lábios.
— Assinamos um contrato. E, bem… Eu diria que sessenta anos pela frente
exige um pouco de paciência, huh?
— Droga. Você tem razão. — Dei um soco fraco na mesa, como se
meu plano houvesse ido buraco abaixo, e o reformulei: — Provavelmente
terei que te conquistar antes disso.
Aubree soltou uma risada em resposta
— Provavelmente sim.
“É como se eu estivesse ouvindo anjos cantando
Como se ela tivesse descido pelo telhado
Quando ela entrou aqui mesmo, eu pensei
Aquela garota é uma em sete bilhões
Todos aqui estão sentindo
Como se houvesse um incêndio nesta construção, tão quente.”
Look What God Gave Her | Thomas Rhett Akins

O toque do celular posicionado na mesa de cabeceira indicou uma


mensagem nova ali, mas nós ignoramos. Aubree soltou um grunhido
baixinho com a sua boca contra a minha no exato momento em que eu mordi
seu lábio inferior e deixei que minha mão percorresse o caminho até sua
calcinha rendada. Eu já estava duro pra caralho; meu pau praticamente
implorando pra entrar naquela garota mais uma vez, quando o celular tocou
de novo.
E de novo.
E de novo.
Partindo nosso beijo, Bree soltou um suspirou e esticou-se para
alcançar a merda do celular, mas eu não me importei em continuar descendo
meus beijos por seus peitos nus, mordiscando um dos seus mamilos que
rapidamente a fez contorcer embaixo de mim.
— Tenho que ir — ela disse, de repente, e eu fui obrigado a desenterrar
minha cabeça dos seus seios para olhá-la nos olhos à procura de algo que
dissesse que aquilo era algum tipo de brincadeira.
Aubree, contudo, começou a se esgueirar para fora da cama e agarrar a
primeira blusa que encontrou pela frente — que, no caso, era minha. No
instante em que seus peitos foram cobertos pelo tecido, eu me joguei no
colchão, derrotado.
— Você vai me deixar louco, Bree. Será que você não pode remarcar o
trabalho da faculdade para outro dia?
Negando com a cabeça, ela vestiu sua calça.
— Não posso, você sabe disso. — Em seguida, agachou-se para
procurar algo debaixo da cama. — Você viu minha blusa? E meu sutiã?
— Tenho quase certeza que fiz questão de arrancar eles de você no
instante em que chegou aqui — comentei, com um sorriso.
Aubree arqueou seu tronco do chão para me encarar.
— Na sala?
Pisquei.
— Claro que foi na sala. Onde é que você estava com a cabeça nessa
hora?
Passando as mãos pelos cabelos bagunçados, ela suspirou, cansada.
Eu sabia que ela estava exausta. Não a culpava. A NYU poderia ser
uma universidade bastante filha da puta quando queria, e era exatamente o
que vinham fazendo nos últimos dias. Já que semana que vem não teríamos
aula graças ao springbreak, a NYU havia botado para foder com avaliações e
trabalhos para entregar até sexta-feira.
Bree e eu mal estávamos nos vendo desde que a semana se iniciara;
cada um focado demais com suas provas e trabalhos. E, diferente da semana
passada — em que havíamos passado nosso tempo livre inteiro ocupado
demais trepando ou simplesmente curtindo a presença um do outro —,
naquela semana nossos horários definitivamente não estavam coincidindo em
porra nenhuma. Quando eu finalmente estava livre, Aubree tinha uma
caralhada de coisas para fazer, e vice-versa.
— Tenho um trabalho importante para apresentar amanhã — ela disse,
soltando um suspiro exausto. — Acho que estava com a cabeça nisso antes de
você me distrair com o seu tanquinho.
Eu soltei um riso nasalar.
— Você precisa relaxar, Bree.
— Terei muito tempo para fazer isso semana que vem. — Aubree
começou a sair do meu quarto, forçando-me a ficar de pé para acompanhá-la
até a porta contra a minha vontade. Não queria que ela fosse embora. Aquela
era a primeira vez que estávamos curtindo a presença um do outro desde que
a semana começara, e sequer havíamos ficado quinze minutos juntos. —
Inclusive, você decidiu se vai para Boston nesse feriado?
Neguei com a cabeça.
— Vou ficar por aqui — respondi, trazendo seus olhos até os meus
enquanto atravessávamos o corredor. — Meus pais estão indo para
Connecticut visitar meu avô.
— E sua irmã? — Bree perguntou, agachando-se para pegar seu sutiã
jogado no início do corredor.
Por um instante, agradeci o fato de que Mason e Lake haviam optado
por estudar para as provas de amanhã na própria universidade
(provavelmente, estudar em um lugar público havia sido a única forma que
encontraram de manter suas roupas no corpo por mais de uma hora). Aubree
e eu estávamos nessa... “amizade colorida” há pouco mais de uma semana, e,
por mais que não estivéssemos escondendo nada de ninguém, também não
estávamos fazendo muita questão de espalhar para todos algo que nem nós
sabíamos explicar ao certo o que era.
— Texas — eu disse, dando de ombros. — A mãe do Mason mora lá.
Aubree concordou, encontrando sua blusa no meio da sala de estar.
— Pensei em ir para Bridgeport ver meus pais — comentou ela,
virando-se para ficar cara a cara comigo.
Eu dei um passo à frente, puxando-a pela cintura para que seu corpo
grudasse ao meu, e sorri.
— Parece bacana.
— Uh-hum — Bree assentiu. Sua boca se abriu para acrescentar algo,
mas outra mensagem em seu celular a chamou a atenção e fez com que ela
descesse seus olhos para encarar a tela, antes de voltá-los aos meus. — Marie
está chegando em dez minutos para resolvermos os últimos detalhes do
trabalho.
Meus dedos apertaram com um pouco mais de intensidade a sua
cintura, e eu permiti que um pequeno sorriso malicioso começasse a se
esgueirar por meus lábios.
— Colton… — Seu tom reprovador alcançou meus ouvidos ao
perceber o que aquele gesto parecia dizer.
Contudo, antes que Aubree tivesse muito tempo para pensar, eu colei a
sua boca na minha com vontade. Um sorriso se abrindo em meus lábios, entre
um beijo e outro, quando Bree simplesmente largou seu sutiã e sua blusa —
que antes estavam nas suas mãos —, permitindo que estas fossem ao chão
novamente para entrelaçar seus braços no meu pescoço.
Com a minha língua enroscando deliciosamente na dela, empurrei-a às
cegas até que tombássemos no sofá, rindo. Finquei um dos cotovelos nas
almofadas, para que meu peso não ficasse todo sobre ela, e permiti que minha
mão livre passeasse pelo seu corpo, invadindo a parte de dentro da camiseta
que ela vestia para deslizar minha palma calejada pela sua pele lisa.
— Colton, eu realmente preciso ir… — Bree murmurou entre beijos,
embora estivesse mais que claro que ela queria ficar ali o mesmo tanto que eu
queria que ela ficasse.
Voltei a calá-la com um beijo lento, aproveitando cada segundo dos
seus lábios esmagados nos meus.
— Só mais cinco minutinhos. — Eu soprei contra a sua boca, e
pressionei meu pau duro contra ela, desejando que sua calça jeans e minha
calça de moletom realmente não fossem um empecilho naquele instante.
Aubree gemeu baixinho com o movimento, partindo o beijo para
suspirar diante daquela provocada. Sua mão, que antes me puxava pela nuca
ainda mais para si, passeou pelos meus braços e então pelo meu tronco nu. Os
dedos descendo, e descendo, e descendo, até agarrar meu pau por fora da
calça.
— Não faz isso comigo, Bree — praticamente implorei, porque sabia
que não iríamos chegar aos finalmentes hoje, e eu seria obrigado a bater uma
punheta assim que ela desse o fora dali.
Mas ela não pareceu se atentar ao quanto aquilo era algo maldoso. Ao
invés daquilo, Aubree sorriu maliciosamente e enfiou a mão dentro da minha
calça, agarrando meu pau em uma provocação clara.
Soltei um grunhido rouco em resposta ao seu toque, mas antes que ela
pudesse tocar uma para mim, algo aconteceu.
A porta da frente se escancarou e, em um piscar de olhos, Aubree havia
tirado a mão de dentro da minha calça e me empurrado com tanta força para
longe que eu rolei do sofá.
Daquela vez, meu grunhido foi claramente voltado à pancada das
minhas costas contra a merda do chão. Meus olhos ainda estavam fechados
em um reflexo da queda, no instante em que a voz de Lake se fez presente em
algum canto do cômodo.
— Aubree. — Seu tom estava banhado pela surpresa, mas eu a
conhecia há vinte anos e tive certeza de que havia uma fagulha de
divertimento ali.
— Perdeu sua chave de novo? — Aquele era Mason, e sua pergunta
estava longe de ser genuína. Ele sabia muito bem que merda estava
acontecendo ali.
Abri os olhos para encarar o teto e, ao levantar meu tronco para ficar
sentado no chão, deparei-me com duas figuras que iam além de Mason e
Lake.
Ah, merda.
Os olhos verdes de Alec brilhavam em pura diversão enquanto ele
tirava seu casaco e os sapatos, sentindo-se em casa.
Ao seu lado, um sorriso babaca começava a se abrir nos lábios de
Chase.
Péssimo momento.
— Acredita que sim? — Aubree finalmente respondeu à pergunta de
Mason, mas a voz mais fina que o normal deixava claro que ela era uma
péssima mentirosa. — Acho que o Colton escondeu de mim.
— E você estava procurando dentro da calça dele? — Chase fez
questão de perguntar, como o idiota que era.
Ainda no sofá, completamente descabelada e com os lábios inchados,
Bree abriu e fechou a boca, sem saber ao certo como reagir àquela pergunta
descarada.
Eu revirei os olhos, levantando-me do chão gelado e duro.
— Pelo amor de Deus… — Suspirei.
Deixando seu casaco e bolsa na mesa de jantar, Layken apontou para
Aubree e disse:
— Chase, Alec… Essa é Aubree Evans, nossa vizinha. — Houve uma
pausa ali, para que os garotos a cumprimentassem com um sorriso. Bree
sorriu de volta, embora eu tivesse certeza de que ela estava morrendo por
dentro naquele exato momento. — Aubree, esses são Chase Mitchell e Alec
Austin.
— Prazer — ela disse, educadamente.
Alec foi o primeiro a sair de perto da entrada, atravessando a sala para
se sentar na poltrona ao lado do sofá.
— Então é você que está deixando meu garoto de quatro? — ele
perguntou, com um sorriso simpático no rosto.
Chase riu da entrada antes que Aubree tivesse a oportunidade de
responder algo, e pendurou seu casaco no cabideiro, junto ao restante.
— De quatro não, né? — Ele se aproximou, e sentou no braço da
poltrona em que Alec estava acomodado, passando suas íris negras de Aubree
até mim, com um brilho audacioso ali que me fazia querer quebrar a porra do
seu nariz. — De seis, de nove, de doze…
— Chase — eu o repreendi, com o meu tom e o meu olhar.
— Só ouvi verdades — comentou Mason, tirando seus coturnos, e Lake
lançou-me um sorriso ao seu lado.
— Relembrem-me que merda vocês estão fazendo aqui? — indaguei.
— Eu moro aqui — rebateu Lake.
— Já ela não mora aqui. — Chase apontou para Aubree, claramente
intencionado a me tirar do sério e deixar a garota mais constrangida do que
ela já estava.
— Você também não, seu imbecil — retruquei, irritado.
— Ela já se explicou, cara — murmurou Mason para Chase. — Não tá
vendo que ela perdeu a chave?
Instantaneamente, Aubree pareceu retomar seu controle e tratou de se
levantar do sofá em um pulo.
— Acho que deu minha hora — anunciou, praticamente voando em
direção à porta. Perto da entrada, no entanto, Aubree se virou para encarar
meus amigos e disse: — Chase, Alec… Foi bom conhecer vocês. Mason e
Layken… É sempre bom ver vocês de novo. — Um sorriso educado foi
aberto na direção deles. — Agora, se vocês me derem licença…
Aubree estava prestes a girar nos calcanhares e dar o fora do
apartamento, que ainda continuava com a porta escancarada, quando algo no
chão me chamou a atenção. E, bem, estava visível o suficiente para que todos
eles também já houvessem notado.
Com um pigarreio rápido, chamei por seu nome antes que ela pudesse
se mandar dali, e seus olhos voltaram aos meus em pânico; mais que evidente
que ela estava louca para simplesmente evaporar.
Pelo amor de Deus, o que foi?, era o que seus orbes castanhos
praticamente gritavam para mim.
— O que foi? — Aubree indagou, agora em voz alta, pressionando-me
a ser rápido.
Eu dei alguns passos à frente e me agachei no chão para pegar sua
blusa e seu sutiã que estavam largados ali.
— Você esqueceu isso aqui — eu disse, estendendo suas roupas para
ela.
Ao meu lado direito, tive certeza de que Chase e Alec estavam a um
milésimo de explodir em gargalhadas. Lake e Mason também tentavam
manter a compostura, embora eu soubesse que, no instante em que ela
sumisse por aquela porta, eu seria bombardeado de comentários irritantes dos
quais nós vínhamos tentando evitar há uns dez dias, quando estabelecemos
que nada seria estabelecido.
Aubree veio até mim em passadas apressadas e praticamente arrancou
as roupas da minha mão. Por fim, preparou-se para sair daquele apartamento,
mas foi impedida pela voz de Alec chamando por ela.
— Você deveria ir no evento beneficente que a NYU está montando
juntamente aos orfanatos que estão fazendo parte do projeto voluntário desse
semestre. É esse sábado. — Ele sorriu para ela. — Aposto que Colton iria
adorar saber que você irá vê-lo tocar.
Ela piscou.
Então desviou os olhos de Alec até mim.
— Você não me disse que ia tocar no evento.
Era verdade. Eu não havia dito, mas definitivamente não havia sido por
mal. Tínhamos recebido o convite para tocar no evento no início daquela
semana, e Aubree e eu sequer tivemos tempo de conversar direito desde
então. Além do mais, a boca dela grudada à minha parecia muito mais
interessante do que uma conversa sobre um evento beneficente que rolaria
naquele fim de semana. Principalmente quando todo o tempo que tivemos
juntos desde segunda-feira foram os últimos trinta minutos. A última coisa
que faria seria gastá-lo falando sobre o convite da NYU.
Portanto, apenas dei de ombros.
— Não tivemos tempo de tocar nesse assunto.
— Claro que não — Chase murmurou da poltrona, colocando um
cigarro entre os lábios e acendendo-o. — Com a sua língua tentando alcançar
a garganta dela o tempo todo, realmente fica difícil falar sobre shows.
— A língua que eles falam é outra — brincou Mason.
Eu revirei os olhos para eles, procurando pelo meu autocontrole para
não chutá-los para fora do meu apartamento, mas Alec se apressou em calar
meus xingamentos com seu jeito educado de ser:
— Seria legal te ver lá.
Aubree sorriu e assentiu com a cabeça.
— Claro — concordou ela. — Eu já estaria lá de qualquer forma. Vai
ser ótimo ver vocês tocando.
— Ótimo. — Mason piscou para ela e, de relance, notei Chase fazendo
um joinha.
Fazendo menção de finalmente voltar ao seu apartamento, Aubree se
virou para mim, por fim, e disse:
— A gente se vê por aí.
Eu assenti com a cabeça.
Na sua cama, hoje à noite, era o que eu queria dizer, mas me contive,
observando-a ir embora.
Quando a porta enfim se fechou, eu me joguei no sofá, completamente
exausto, e bufei alto.
— Eu odeio vocês — declarei.
Todos eles riram, e Lake aproximou-se com Mason no seu encalço para
que pudessem se sentar na ponta livre do sofá.
— Quem diria que eu estaria viva para ver Colton Reed de quatro por
uma garota — Lake provocou.
Automaticamente, puxei a almofada atrás de mim e joguei na sua cara.
Minha irmã me olhou com a boca aberta em um perfeito “o”, chocada
com a agressão.
— Da próxima vez, vou te sufocar com ela — eu disse, referindo-me à
almofada que acabara de jogar nela.
Seu queixo pareceu ir ainda mais ao chão e o dedo indicador apontou
na minha direção, ao mesmo tempo em que as íris cinza foram para os caras.
— Vocês ouviram isso? Colton Reed disse que terá uma próxima vez.
— Ok, já chega.
E depois daquilo, pulei em cima dela, pronto para sufocá-la com a
porra da almofada.
“Eu não sei o que fazer
O que fazer com o seu beijo no meu pescoço
Eu não sei o que parece verdade
Mas isso parece certo, então fique um segundo
Sim, você parece certo, então fique um segundo.”
Hostage | Billie Eilish

— Não — eu disse, sem nem hesitar. — Nem fodendo.


Os ombros de Colton murcharam e a massagem que estava fazendo no
meu pé foi imediatamente interrompida.
— Ah, Bree, vamos lá.
— Eles são horríveis, Colton.
Ele suspirou em resposta. Um vinco começava a se franzir na sua testa
depois do adjetivo usado para classificar seus amigos.
Era fim de tarde de uma sexta-feira e nós estávamos finalmente juntos
após a semana toda tentando encontrar um tempo para curtirmos a presença
um do outro, graças às avaliações e trabalhos que a NYU havia estabelecido
antes de entrarmos no feriado de uma semana de duração de springbreak.
E, bem, Colton queria curtir o início do feriado arrastando-me até um
bar com os mesmos amigos que me fizeram querer cavar um buraco no meio
do apartamento dele, duas noites atrás, e me enterrar inteira lá.
— Eles não são tão ruins assim. — Ele tentou soar convincente, mas eu
sabia que nem ele conseguia defendê-los.
— São sim.
— Prometo que ninguém vai comentar sobre minha língua na sua
garganta ou a sua mão no meu pau.
— Não vão mesmo — eu disse sem nem hesitar. — Nunca mais enfio a
mão dentro da sua calça em qualquer lugar que não seja o meu quarto.
Colton apertou os lábios para não rir.
— Melhor não. Isso seria completamente inadequado da sua parte —
ele disse, como se fosse o protótipo perfeito de uma pessoa disciplinada.
Eu revirei meus olhos.
— Vá sozinho. Vou chamar Marie para vermos um filme — murmurei,
esticando-me para alcançar meu celular na pequena mesa posicionada ao lado
do sofá.
Contudo, antes que eu pudesse alcançar o aparelho, Colton, que estava
sentado de frente para mim, com as minhas pernas entre as pernas dele,
puxou-me pelos pés, fazendo com que eu escorregasse no sofá para mais
perto dele e falhasse na missão de alcançar meu celular.
— Qual é, Bree…
Lancei-o um olhar mortal.
— Não me faça dizer de novo.
Envolvendo seus braços agora na minha cintura, Colton puxou-me
ainda mais para perto de si.
— Eles vão ser legais. Prometo. — Plantou um selinho rápido nos
meus lábios e sorriu. — Com bebida, só o Mason continua insuportável.
Neguei com a cabeça.
— Colton…
— Voltamos a hora que você quiser. — Tentou.
Parei por um instante, considerando um pouco a proposta, mas não
demorou para que voltasse a negar com um balançar sútil de cabeça.
— Isso não é o suficiente.
Automaticamente, o queixo dele foi ao chão e suas sobrancelhas se
franziram, indicando uma certa descrença.
— Apenas o fato de estar comigo deveria ser o suficiente, Bree — ele
murmurou, dramaticamente, e eu soltei um risinho nasalar.
— Posso estar com você em vários outros momentos. Você mora a
literalmente três metros de distância de mim, Colton.
— Você vai passar a semana inteira em Bridgeport, Aubree. Só temos
esse fim de semana para curtirmos juntos.
— Esse fim de semana e todo o restante do ano — rebati.
— Quer parar com isso?
Pisquei, confusa.
— Com o quê?
— Com isso. — Suas mãos gesticularam para algo entre nós,
antecedendo uma explicação: — Acabar com todos os meus argumentos.
Eu soltei uma risada.
— Sinto muito se você é péssimo em defender sua tese.
Colton bufou enquanto revirava seus olhos. Depois apontou o dedo
indicador no meu nariz e disse:
— Cinco shots de tequila.
Franzi o cenho, baixando seu dedo do meu nariz em seguida.
— O quê? — perguntei, confusa.
— Te pago cinco shots de tequila.
— Por que isso de alguma forma me convenceria?
Ele fez um biquinho, como uma criança birrenta.
— Isso é tão injusto, Aubree.
— Isso é injusto? — indaguei, com as sobrancelhas quase batendo no
teto. — Você que está tentando me comprar com cinco shots de tequila.
— Dez — ele disse, de repente, ignorando completamente minha
crítica à sua jogada suja.
Olhei-o, inconformada. Minha boca estava aberta em um perfeito “o”,
mas eu não sabia por quanto tempo conseguiria mantê-la assim, porque uma
fagulha de diversão começava a surgir em meu peito e se esgueirar por meus
lábios.
— Dez shots de tequila — Colton repetiu, diante do meu silêncio.
Tentador.
Portanto, tratei de reconsiderar a proposta de ir ao bar com seus
amigos, e cocei o queixo teatralmente.
— E quem disse que quero beber tequila hoje?
Colton revirou os olhos.
— Você sempre quer beber tequila, Bree — falou ele, como se fosse
algo óbvio demais para sequer pensar a respeito, mas quando eu o lancei
aquele olhar, o garoto deu o braço a torcer. — Ok. Eu banco seus drinks hoje.
Instantaneamente, a conversa pareceu mais interessante.
— Qualquer drink? — indaguei.
— Qualquer drink.
— Quantos drinks eu quiser?
Colton balançou a cabeça, afirmando.
— Quantos drinks você quiser.
E aquilo foi o suficiente para que um sorriso satisfeito se abrisse em
meus lábios.
Curvando-me para lhe dar um beijo rápido, levantei-me para começar a
me arrumar, mas antes que pudesse ir para o meu quarto e deixá-lo esperando
pela próxima uma hora — porque secar meus cachos não era uma tarefa tão
simples quanto ele pensava —, eu disse, divertida:
— Prepare a carteira, então. Conviver com seus amigos vai me exigir
muitos drinks.
Colton suspirou, jogando seu tronco de volta ao sofá em um claro sinal
de derrota.
— Ah, tenho certeza que vai…
Uma hora e meia depois, nós estávamos passando pela porta do Bar
Belly, invadido pelo calor das pessoas e da calefação do local, embora
finalmente estivéssemos caminhando para o final do inverno. O lugar estava
lotado. Definitivamente comportava mais pessoas do que deveria, e eu
precisei me espremer atrás de Colton enquanto ele abria espaço pela
multidão, parando em uma mesa mais ao canto do bar, onde Mason e Layken
estavam sentados, rindo.
Assim que seus olhos encontraram nossas figuras, eles sorriram.
— Finalmente! — exclamou Mason.
— Pensamos que tivessem morrido no meio do caminho — comentou
Layken, e eu apenas sorri, deixando que Colton conduzisse aquela conversa
ao passo que eu tirava meu sobretudo para ficar apenas com o vestido curto
que havia optado para aquela noite.
No instante em que apoiei meu casaco pesado em uma pilha de casacos
— a qual eu imaginava ser deles — amontoada em cima de uma cadeira,
senti três pares de olhos sobre mim, atentos. Levando minha atenção
novamente até eles, senti-me levemente constrangida, e por um momento me
perguntei se o traje havia sido algo inadequado para a situação. Olhando em
volta, no entanto, notei que haviam garotas muito mais arrumadas do que eu.
Layken foi a primeira a falar algo:
— Sorte sua — ela apontou para seu namorado e então para Colton —
e sua, que eu sou hétero. Porque puta que pariu, Aubree. Você está
maravilhosa nesse vestido, garota.
Sorri educadamente, tentando esconder o leve constrangimento.
— Obrigada, Lake.
— Inclusive, onde você comprou? — perguntou ela, cravando o
cotovelo na mesa e o queixo na mão.
Automaticamente, Mason desviou seus olhos de mim até ela.
— Você nem gosta de vestido.
Um sorriso malicioso se expandiu nos lábios de Layken.
— Ah, mas você gosta…
— Não. Eu gosto de tirar o seu vestido — ele disse, como se mal
estivéssemos ouvindo a conversa deles.
Colton pigarreou ao meu lado, e eu olhei para ele.
— Ok, vamos parar por aí. — A repreensão claramente havia sido
direcionada aos pombinhos, mas os olhos não desgrudaram de mim por um
segundo sequer. As íris cinza brilhando em anseio enquanto ele as
escorregava lentamente por meu rosto e corpo, queimando com tanta
intensidade que eu podia sentir o calor dos seus orbes em cada centímetro da
minha pele. — Aubree e eu vamos pegar uma bebida.
Forcei-me a voltar minha atenção ao casal quando a mão de Colton
repousou de leve acima da minha bunda. O tecido do meu vestido era fino o
suficiente para que eu sentisse o carinho que seu polegar fazia ali.
— Talvez vocês esbarrem com Chase e Alec no caminho. Eles foram
atrás de uma Budweiser. Já estamos na quarta — disse Mason para nós.
E quase como se houvessem escutado seus nomes, a voz de um deles se
fez presente ao nosso lado.
— Estamos fazendo encontrinho em casal agora? — caçoou Chase,
assim que as íris quase pretas pairaram em Colton e eu. Um sorriso maroto
pendia em seus lábios ao repousar sua cerveja na mesa e sentar-se no sofá em
formato de “u”. — Mason e Lake, Colton e Aubree, Alec e eu?
— Eu o caralho — disse Alec, dando um peteleco em Chase, antes de
se sentar na ponta mais próxima a Layken, ficando o mais distante que
conseguira do amigo. — Sai pra lá.
Todos nós rimos, e Colton anunciou mais uma vez que iríamos pegar
uma bebida, puxando-me pela cintura em um incentivo para que
começássemos a andar. A música vibrava no chão à medida em que eu abria
caminho entre a multidão, agora em direção ao bar. No ar, havia um misto de
cheiros. Dentre eles, o cheiro de cigarros, bebidas e suor se destacavam.
O trajeto até a enorme bancada de madeira que não custaria nem um
minuto para percorremos, acabou levando quase cinco quando eu finalmente
finquei meus cotovelos ali, apoiando-me na mesa, para pegar um cardápio
largado próximo de onde estávamos.
Colton não se colocou ao meu lado. Ao invés disso, senti seu peito
musculoso contra as minhas costas. As grandes mãos estavam espalmadas na
mesma madeira em que eu estava apoiada, cercando-me com o seu corpo. E,
bem… Seu pau praticamente colado na minha bunda, em uma provocação
explícita, fez-me tirar os olhos do cardápio e virar meu rosto apenas o
suficiente para olhá-lo por sobre o ombro.
— Colton — foi tudo o que eu disse.
Ele piscou, com uma falsa inocência.
— Sim?
— O que você está fazendo? — indaguei, em uma tentativa de conter
um sorriso que parecia querer se esgueirar por meus lábios a qualquer
instante.
Colton deu de ombros de forma descontraída, mas eu notei o esforço
que ele também parecia fazer para não sorrir.
— Esperando você escolher as bebidas.
Girei meu corpo para encará-lo de frente, mas aquilo não o afastou. Na
verdade, agora a sensação era de que ele estava ainda mais próximo de mim.
Minha bunda estava espremida contra a bancada do bar, e suas mãos
continuavam espalmadas no mesmo lugar. O rosto a centímetros do meu fez
com que minha respiração acelerasse de forma instantânea, meu peito
roçando no seu peitoral conforme eu inspirava e expirava com força.
— E você precisa esperar desse jeito? — Arqueei uma sobrancelha para
ele.
— Você achou que eu fosse esperar como? — ele revidou, finalmente
permitindo que o sorriso escorrendo malícia tomasse seus lábios.
Eu pigarreei e empurrei-o apenas o suficiente para nos separar com o
cardápio que tinha em mãos, ciente de que não valeria a pena tentar contrariá-
lo.
Olhando para as inúmeras bebidas, perguntei:
— O que você vai querer? Tequila?
Foi a vez de Colton arquear uma sobrancelha no instante em que subi
meus olhos aos seus novamente.
— Está tentando me provocar? — O questionamento saiu quase como
um rosnado, embora eu não tivesse a mínima do que exatamente ele queria
dizer com aquilo. Mas Colton não demorou a explicar: — Bree, a palavra
“tequila” já virou pretexto para “quero muito transar com você agora”.
Então você que me diz: devo ir na tequila ou na cerveja?
Continuei a encará-lo, sem saber como reagir àquilo.
Honestamente, gostaria muito de poder lhe dizer para irmos na tequila,
mas seus amigos estavam nos esperando e eu definitivamente não iria transar
naquele bar.
Portanto, apenas engoli em seco e voltei a me virar para a bancada.
— Acho que vou precisar de alguma coisa mais forte que tequila —
comentei, finalmente, acenando para o barman que parecia ocupado
atendendo algumas pessoas na outra ponta do bar.
Os lábios de Colton grudaram no meu ouvido, e uma onda de arrepio
percorreu os meus dedos do pé até o meu último fio de cabelo.
— Outro pretexto? — ele perguntou. Eu podia sentir o sorriso
divertido na sua voz. — Dessa vez para um sexo violento?
Soltei uma risada e balancei a cabeça.
— Esquece. — Fiz uma pausa para olhá-lo em reprovação. — Vamos
ficar na cerveja mesmo.
Ele concordou, apertando os lábios para não rir.
— Ótima ideia.
Assim que pegamos nossas cervejas, tentei abrir o caminho entre a
multidão para voltar à mesa, mas fui impedida no meio do caminho por um
garoto que automaticamente reconheci como O.J. Grimp, um dos meus
colegas de turma da universidade. A pele negra fazia um contraste incrível
com os olhos verdes esmeraldas, mesmo em meio à pouca luz do ambiente, e
o sorriso caloroso me chamou a atenção. Ele era bem mais alto que Colton.
Nunca havíamos conversado de fato, mas já o havia visto vez ou outra com a
camiseta do time de basquete da NYU, o que fazia bastante sentido a julgar
pela sua altura.
— Aubree, né? — ele me cumprimentou, ainda no meio do caminho.
Sorri de volta, da forma mais educada que pude, e confirmei com a cabeça.
— Sua apresentação com Marie ontem foi ótima. Vocês mandaram super
bem.
— Obrigada, O.J. Você também não foi nada mal.
Ele soltou uma risada, jogando a cabeça para trás. Em seguida estreitou
os olhos até mim e inclinou levemente o rosto, como se não acreditasse em
uma palavra sequer do que eu havia dito.
— Alguém já te disse que você é uma péssima mentirosa? —
perguntou ele, com um tom de voz bem-humorado. Abri a boca para
responder algo, quando ele continuou: — Será que posso te pagar uma
bebida?
Automaticamente, levantei minha cerveja na altura da minha cabeça
para que ele entendesse e, em algum lugar próximo a mim, senti Colton se
aproximar e colocar sutilmente sua mão na minha lombar.
— Na verdade estou acompanhada. Mas obrigada, O.J.
Dito aquilo, seus orbes verdes moveram-se para a figura de Colton ao
meu lado, com uma leve tensão pairando entre nós.
— Ah — O.J. finalmente conseguiu dizer algo, antes de voltar a me
encarar. — Não sabia que você estava com ele. Foi mal.
Por um instante, franzi o cenho.
Como assim, “com ele”?, quis perguntar, mas O.J. já tinha sumido pela
multidão.
A mão de Colton pressionou minha lombar de leve, incentivando-me a
voltar a andar. Ele não disse nada, mas seu maxilar trincado era o suficiente
para que eu soubesse que os últimos dois minutos não haviam sido
exatamente agradáveis para Colton.
Eu, no entanto, não andei.
Apenas lancei-lhe um olhar e perguntei:
— Algum motivo para O.J. se referir assim a você?
— Eu nunca nem vi esse cara na minha frente, se é para esse lugar que
seu cérebro está te levando — ele disse, meio indelicado.
Pisquei algumas vezes e estreitei ainda mais minha atenção até ele.
— Algum problema, Colton?
Colton parou por um instante, observando-me em silêncio. Por fim,
soltou um suspiro cansado e me puxou para perto para deixar um beijo rápido
na minha boca.
— Não. Nenhum problema, Bree.
Arqueei uma sobrancelha para ele.
— Tem certeza?
Com um sorriso, ele me garantiu que não havia nada de errado e
incentivou-me a continuar andando. Quando finalmente chegamos à mesa,
Colton sentou-se próximo a Alec e abriu espaço para que eu me sentasse ao
seu lado, na ponta do sofá. A discussão na mesa parecia estar rondando em
torno de quais pertences cada um levaria para uma ilha deserta.
— Só podem três? — perguntou Alec, com os lábios franzidos
enquanto pensava.
Chase assentiu com a cabeça.
— Só três, parceiro.
— Bem… Eu levaria meu celular, um violão e um isqueiro.
— Um celular? — Colton franziu o cenho. — O que diabos você faria
com seu celular, sem uma tomada pra recarregar, Alec?
O garoto deu de ombros.
— Tentaria pedir socorro antes da bateria acabar.
— Isso não vale — murmurou Lake.
— Ninguém mencionou regra alguma — rebateu Alec.
— E que merda você faria com um isqueiro? — Foi a vez de Mason
perguntar.
— Fogo? — O garoto revidou como se fosse algo extremamente óbvio.
— Ou você acha que vou ficar que nem um idiota batendo uma pedra na
outra até um milagre acontecer?
Chase riu à minha frente e bebericou sua cerveja.
Ele estava sentado na outra ponta do sofá em “u” e, ao lado dele,
Layken deu de ombros e disse:
— Eu provavelmente levaria uma pizza inteira, água e o pau do Mason.
— Você não pode levar alguém, Lake — contrariou Chase.
Os olhos cinzentos da garota foram até ele, em desaforo.
— Não vou levar alguém, vou levar o pau de alguém.
— E qual seria a utilidade do pau dele sem ele? — indagou Alec.
— Não acredito que estamos falando do meu pau. — Mason revirou os
olhos.
Layken parou por um instante, ponderando, e logo deu o braço a torcer.
— Você tem razão, Alec. Um pau de borracha teria mais utilidade. —
Houve uma pausa enquanto ela refletia. — Mas espera… Eu não posso levar
o Mason e você pode levar seu celular? Isso não é justo.
Alec arqueou as sobrancelhas para ela.
— Você está realmente querendo comparar uma pessoa a um celular?
— Estou comparando Mason a um celular.
— Ei — protestou Mason. — Isso deveria ser incomparável. Nenhum
celular te faz gozar como eu faço.
Colton bufou ao meu lado.
— Ah, pelo amor de Deus…
Aquilo pareceu chamar a atenção de sua irmã, porque nem meio
segundo depois, Layken estreitou seus olhos até ele.
— Ah, para! — ela exclamou. — Você só está com inveja.
Colton apontou seu dedo indicador para o próprio peito.
— Eu? Com inveja do Mason? — Uma risada banhada de ironia fugiu
da sua garganta. — Conta outra.
— Inveja de mim com o Mason — ela o corrigiu, colocando os
cotovelos sobre a mesa em uma provocação clara. — Pode falar. Todos nós
sabemos que você tem uma queda por ele desde o beijo na rodada de verdade
ou desafio.
Quase cuspi a cerveja que estava tomando quando aquelas palavras
saíram da boca de Lake, e então comecei a tossir, acompanhada de Alec, que
tentava disfarçar sua risada com uma tosse descontrolada.
Os olhos de Colton pareciam surpresos ao encararem sua irmã.
— Como você sabe do beijo?
— Achou mesmo que o Chase não iria abrir a boca grande dele, em
algum momento, para me dizer que você pegou meu namorado antes de
mim? — Lake riu. — Você às vezes é tão ingênuo.
— Maldito — sussurrou Colton para o amigo, e eu tive que rir.
Chase, no entanto, não pareceu ouvir. Apenas pigarreou e estreitou seus
olhos até mim.
— E você, Aubree?
— Eu? — questionei, confusa, vendo-o assentir em seguida.
— O que você levaria para uma ilha deserta?
Dei de ombros e tomei mais um gole da minha cerveja para espantar
um pouco da vergonha diante dos cinco pares de olhos grudados em mim,
curiosos.
— Acho que… um kit de primeiros socorros, água e um livro.
— Qual livro? — A pergunta veio de Alec.
Antes que eu pudesse responder, no entanto, Colton fez questão de se
pronunciar:
— Definitivamente “Cinquenta Tons de Cinza”, huh?
Tive vontade de quebrar seus dentes no mesmo instante por me colocar
em uma posição como aquela, e tratei de virar o restante da cerveja.
Felizmente, Lake começou a comentar sobre o filme, levando a atenção de
volta a ela como se soubesse exatamente o quão desconfortável eu estava me
sentindo com aquilo. Mas Chase Mitchell não parecia estar dando brecha. Por
algum motivo, ele havia implicado comigo, ou simplesmente era insuportável
assim mesmo, porque logo seus olhos voltaram aos meus para me perguntar
qual era a minha cena favorita do filme.
Pensei por um instante, sem saber ao certo qual cena dizer. E quando
abri minha boca para mencionar a cena em que Anastasia acaba ligando
bêbada para Christian e ele surge no bar logo em seguida para cuidar dela, a
mão de Colton repousou na minha coxa nua, por baixo da mesa, e meu
cérebro subitamente entrou em pane.
— Provavelmente a cena em que… — Engoli em seco assim que sua
mão começou a deslizar lentamente pela minha pele, em direção à barra do
meu vestido curto. Fechei os olhos por um instante, e apenas uma parte me
veio em mente diante da provocação de Colton. Por fim, abri os olhos
novamente e forcei um sorriso contido: — A cena em que eles estão em um
jantar, e Christian Grey começa a traçar o caminho da sua mão pela coxa da
Anastasia, subindo até… — Sutilmente, Colton invadiu meu vestido e roçou
seu dedo no tecido da minha calcinha. Precisei de um momento para respirar
fundo e não soltar a porcaria de um gemido bem ali. — Subindo até chegar
lá.
Forcei-me a manter minhas feições tranquilas (embora estivesse bem
difícil com o dedo de Colton invadindo minha calcinha e brincando com a
umidade entre as minhas pernas), e finquei um cotovelo em cima da mesa,
apoiando meu queixo na palma da minha mão como se estivesse muito
entretida em algo que Alec me dizia. Então, levei minha outra mão
lentamente para debaixo da mesa, na maior tranquilidade e naturalidade
possível para que nenhum dos amigos de Colton percebesse.
Não precisava olhar para Colton ao meu lado para ter certeza de que
seus lábios estavam apertados para não sorrir, e os olhos brilhavam em algo
entre a malícia e a diversão no segundo em que um de seus dedos encontrou
meu clitóris. Fiquei muito tentada a gemer, mas tudo o que fiz foi apertar seu
pulso em um pedido silencioso para que ele parasse com aquela merda.
À minha frente, Alec me olhava à espera de uma resposta. Uma
resposta a algo que entrara por um ouvido e saíra por outro graças aos dedos
de Colton.
Engoli em seco.
— Oi? — perguntei, com a voz suave.
— Christian não chega lá — repetiu Alec. — A Ana dá uma tapa na
mão dele antes disso acontecer.
Automaticamente, abri um sorriso nervoso e soltei um suspiro quando
consegui afastar a mão de Colton de mim.
— Verdade. Acho que estou confundindo com o livro — murmurei,
embora eu sequer me lembrasse ao certo dos fatos do livro naquele exato
momento.
Layken olhou para Alec logo em seguida.
— Quantas vezes você já viu esse filme, garoto?
E Alec soltou uma risada, sem responder, sendo acompanhado do
restante da mesa.
Aproveitei a brecha para olhar de esguelha para Colton Reed, que agora
sustentava um sorriso que eu sabia muito bem o que significava. Seus olhos
encontraram os meus, quase como se estivessem compartilhando um maldito
segredo comigo, e ele levou a garrafa à boca para tomar um gole da sua
cerveja e esconder o sorriso idiota.
Eu pigarreei, sentindo meu corpo inteiro pegar fogo, e pedi licença para
ir ao banheiro.
Precisava de um momento para acalmar o que quer que Colton
estivesse fazendo comigo. Portanto, atravessei a multidão de pessoas em
passos apressados, e virei no corredor estreito no qual ficavam os banheiros.
Não fui muito longe depois disso, porque, em um piscar de olhos,
minhas costas estavam pressionadas contra a parede e eu não demorei um
segundo sequer para reconhecer seu perfume e os seus lábios, quando estes
foram de encontro aos meus. A sensação que seu toque me causava era
inexplicável. Claramente deixava minha calcinha completamente molhada,
mas eu sabia que ia muito além daquilo. Era um misto de sentimentos que
tomava conta do meu peito e me fazia querer desejá-lo mais e mais e mais.
Colton pressionou seu corpo contra o meu e eu grunhi contra a sua
boca. O volume rígido entre nós me dizia que ele estava me ansiando tanto
quanto eu o ansiava naquele instante.
Sua língua enroscava-se na minha com vontade e uma das suas mãos
subiu para agarrar meus cabelos. Puxando-me ainda mais para ele, Colton
partiu o beijo e enterrou seu rosto no meu pescoço, chupando minha pele em
um misto de delicadeza e selvageria que eu mal sabia explicar.
Eu suspirei, queimando por dentro e por fora. Mal conseguia respirar
diante da forma como ele me tocava e me beijava, e senti que meus mamilos
estavam começando a ficar sensíveis por trás do tecido fino do meu vestido.
Quando Colton puxou um pouco mais meus cabelos e grudou sua boca
na minha orelha, eu senti minhas pernas começando a ceder. Minha única
sorte era que seu corpo prendendo-me à parede era o suficiente para me
manter de pé, caso o contrário, eu mal sabia o que seria de mim no instante
em que ele rosnou no meu ouvido:
— Será que já podemos pular pra parte da tequila, Bree? — Houve uma
pausa ali que tive certeza anteceder um sorriso sujo. — A parte onde eu te
fodo até você não conseguir ficar de pé.
E eu não sabia como resisti àquilo, mas, de alguma forma, afastei-me o
suficiente para olhá-lo nos olhos e dizer:
— Só vamos para a tequila quando eu mandar. — Dito isso, aproximei-
me dele e soprei em uma provocação clara: — Até lá, controle seus dedos.
Com dois tapinhas no seu peitoral malhado, deixei-o sozinho no
corredor, e me dirigi à mesa em que estavam seus amigos.
E em algum momento entre o meu trajeto até a mesa, senti um sorriso
satisfeito se esgueirar por meu rosto.
“Mas se o mundo estivesse acabando, você viria, certo?
Você viria e passaria a noite
Você me amaria só por diversão?
Todos os nossos medos seriam irrelevantes
Se o mundo estivesse acabando, você viria, certo?
O céu estaria caindo e eu te abraçaria forte.”
If The World Was Ending | JP Sage ft. Julia Michaels

— Morango com chocolate? — Marie franziu o cenho quando voltei a


me aproximar, agora com um espetinho de morango em mãos. — Quem
gosta disso?
— Quem não gosta disso? — rebati, como se sua pergunta fosse algum
tipo de absurdo, e então começamos a andar em direção aos bastidores do
palco no qual os garotos da Broken Crown tocavam.
O evento beneficente estava mais lotado do que eu havia imaginado.
Todo o dinheiro arrecadado ali seria doado para os orfanatos que estavam
fazendo parte daquilo. Daquela forma, eu estava gastando meu dinheiro sem
pudor algum, comprando qualquer tipo de comida ou bebida que estivessem
vendendo. De tal maneira que eu sentia estar prestes a explodir, mas recusar
um espetinho de morango com chocolate ainda parecia um absurdo.
— Eu. Morango é péssimo. — Marie fez uma careta. — Além de ser
cheio de agrotóxicos, é azedo. Ugh.
Balancei minha cabeça, acompanhando o ritmo da música da Broken
Crown. Era a primeira vez que eu os via tocando, mas não precisava de mais
que uma música para concluir que o som era bom demais. Eles tinham
talento. E Colton estava excessivamente gostoso em cima daquele palco, com
uma jaqueta de couro que moldava perfeitamente seus ombros largos, e um
sorriso banhado de felicidade genuína, como se aquilo fosse tudo que ele
precisasse para ser feliz.
— Essa é toda a razão pelo qual ele combina perfeitamente com
chocolate — argumentei, enquanto contornávamos o palco e subíamos as
escadas para acessar os bastidores.
Marie disse algo ao meu lado, ainda sobre a droga do morango, mas
não entendi uma palavra sequer do que escapou da sua boca, e
definitivamente não era devido à música alta que escapava das enormes
caixas de som próximas a nós.
Não mesmo.
A funcionalidade da minha audição estava abaixo de zero naquele
instante, porque meus neurônios estavam exigindo demais da minha
capacidade de enxergar e compreender o que estava diante dos meus olhos.
Ou melhor, quem estava diante dos meus olhos.
A poucos metros de nós, Grace e Howard Reed olhavam dos bastidores
para o palco. Os olhos de Grace estavam marejados, e um enorme sorriso
materno praticamente ocupava todas as suas bochechas. O pai de Colton, por
outro lado, não carregava exatamente um sorriso no rosto, mas eu notei o
quase imperceptível balançar de cabeça no ritmo da música.
Não demorou muito para que a mãe de Colton percebesse a minha
presença. Abrindo um sorriso ainda maior — se era que aquilo era possível
—, Grace acenou para mim.
— Aubree! — chamou-me por cima da música, gesticulando para que
eu me aproximasse.
Retribuí seu sorriso.
— Quem são esses? — perguntou Marie, ao meu lado, mas não
respondi.
Desviando meus olhos dos pais do Colton, olhei para a minha amiga e
pedi para que ela me esperasse ali. Depois, fui até eles em passos rápidos e,
assim que me aproximei, Grace me envolveu em um abraço.
— Senhor e senhora Reed! — Meu tom saiu bastante animado,
enquanto eu me desvencilhava dos braços da mãe de Colton. — Não imaginei
que fosse encontrar vocês aqui.
Olhei para Howard, mas obviamente não o abracei. Ele estava longe de
parecer o tipo de cara que gostava de abraços. Ao invés disso, ele estendeu
sua mão para que eu o cumprimentasse com um aperto firme que me fez abrir
um sorriso amarelo.
— Também não imaginei que viéssemos, mas Lake me ligou de última
hora e avisou sobre o evento beneficente — explicou Grace, em um tom
suave. — Howard concordou que seria uma boa ideia virmos. Não é, meu
bem?
Automaticamente, meus olhos arregalaram-se, fingindo uma certa
surpresa, embora duvidasse muito que a parte de Howard concordar ser uma
boa ideia fosse verdade. Encarei o pai de Colton, esperando por uma resposta
de sua parte.
Ele apenas pigarreou, desconfortável, e assentiu com a cabeça.
— Falando em Layken, você a viu por aí? — A pergunta veio de
Howard, os olhos frios cravados em mim de uma forma que tive que engolir
em seco.
Abri a boca, pronta para dizer que não a vi em lugar algum, quando
uma voz feminina surgiu próximo a mim.
— Nem fodendo. — Era Layken, com um sorvete derretendo em mãos.
Quase como se estivéssemos em um desenho animado, uma das bolas de
sorvete escorregou até pingar no chão, praticamente acompanhando o queixo
da garota enquanto ela intercalava seus olhos entre Grace e Howard. — Mãe?
Pai? Como…? O quê…?
Sua mãe sorriu para ela quando Lake se aproximou, e espalmou as
mãos nas laterais do rosto da filha, beijando suas bochechas como se ela
ainda tivesse cinco anos de idade.
— Bom, você nos convidou e pensamos que seria interessante virmos
— disse Grace, enquanto Howard cumprimentava Layken com um beijo
breve no topo da sua cabeça.
— De Boston até aqui? — perguntou ela. A mais velha assentiu,
orgulhosa. Seu pai, contudo, trocou o peso entre os pés, parecendo
incomodado. — Só pra ver um show?
Grace balançou a cabeça mais uma vez, concordando.
— Só pra ver um show dos garotos? Do Colton? — insistiu Layken,
como se aquilo fosse completamente surreal.
Howard pigarreou ao seu lado.
— Algum problema?
Os olhos de Lake foram até seu pai e ela logo tratou de endireitar sua
postura, quase como se finalmente recobrasse a consciência em relação ao
jeito como comportava-se diante dele.
Contive a vontade de franzir o cenho.
Chegava a ser triste a forma como Layken e Colton agiam ao lado do
pai, como se a qualquer momento ele pudesse virar algum tipo de ameaça a
eles e as pessoas à sua volta. Como se, agindo da forma errada ou dizendo
palavras equivocadas, eles estivessem cutucando a fera.
— Não. — A voz de Layken saiu desafinada ao meu lado. — Nenhum
problema. Só estou surpresa. Mas feliz. Definitivamente feliz.
Howard assentiu, aprovando sua resposta.
Àquela altura, os garotos já haviam encerrado o show, e não demorou
mais que dez segundos para que eles estivessem ocupando os bastidores
também.
Colton foi o primeiro a chegar, bagunçando os cabelos de Lake em um
gesto fraternal, antes de envolver seu braço na minha cintura e trazer-me para
perto de si, plantando um beijo demorado no canto da minha boca em
seguida.
Seu cabelo estava bagunçado e o rosto brilhava através de pequenas
gotículas de suor. Ainda assim, seu perfume seguia impregnado na pele,
fazendo-o cheirar incrivelmente bem, mesmo após uma hora toda em cima
daquele palco, tocando para milhares de pessoas.
— E aí, Bree? A Broken Crown está aprovada pra entrar na sua lista do
Spotif… — Ele começou, mas sua voz morreu assim que seus olhos
cravaram nas duas figuras próximas a nós.
As íris cinza intercalaram entre Grace e Howard, como se aquilo fosse
algum tipo de miragem. Como se ele estivesse crente de que era coisa da sua
cabeça.
Eu arriscava dizer que se Michael Jackson estivesse parado bem à sua
frente, vivíssimo e fazendo o famoso moonwalk ao som da Broken Crown,
Colton ficaria menos chocado do que estava agora, diante de seus pais.
Notei o exato instante em que seu pomo de adão subiu e desceu
lentamente, à medida em que ele engolia em seco, com esforço.
— O que é isso? — foi tudo o que conseguiu dizer, antes de Grace
jogar seus braços ao redor dele em um abraço apertado, fazendo com que
Colton desvencilhasse sua mão da minha cintura para retribuir ao abraço.
— Estou tão orgulhosa de você — disse sua mãe, ao afastar-se
minimamente dele. — Todo esse evento, essas pessoas… Isso é surreal,
querido. Estou muito, muito, muito feliz por você, meu bem.
Mas ele não agradeceu. Ao invés disso, indagou, com os olhos
banhados de confusão:
— O que vocês estão fazendo em Nova York?
— Viemos te ver — respondeu Grace, como se fosse algo óbvio.
— Me ver? — A voz carregava uma entonação de descrença. —
Como…? — Começou, mas a frase morreu mais uma vez assim que seus
olhos foram de sua mãe até seu pai.
Os lábios cerraram-se em uma linha tênue.
— Colton — Howard cumprimentou-o, acenando com a cabeça.
Colton repetiu o gesto.
— Howard.
Seu pai deu dois passos à frente para se aproximar consideravelmente
dele.
Automaticamente, notei a postura do garoto se enrijecer com a
aproximação.
Grace e Lake observavam tudo com uma cautela extrema, como se a
qualquer momento uma bomba pudesse explodir bem à nossa frente. Apertei
meus lábios, quase tão agoniada quanto elas diante da interação dos dois, mas
eles sequer pareceram notar a bolha de aflição e temor que nos rodeava.
Bolha esta que estourou no momento em que Howard Reed estendeu
sua palma para Colton, sugerindo um aperto de mão entre eles. Ao lado de
Lake, Grace soltou um suspiro baixinho e eu notei os olhos começando a
marejar, fazendo com que Layken a puxasse para um abraço.
A atenção de Colton desceu para a mão estendida de seu pai, ainda sem
processar ao certo o que ele estava tentando fazer. Com uma afirmação sutil
de cabeça, Howard falou em um tom firme:
— Foi um bom show, filho.
Colton hesitou um pouco, mas enfim estendeu sua palma para apertar a
mão dele. Os lábios não carregavam o sorriso que eu tanto gostava, mas o
brilho nos olhos foi o suficiente para que eu notasse a emoção por trás das íris
cinza quando ele disse:
— Obrigado, pai.
Revirando-me no colchão pela vigésima vez, eu suspirei, inquieta.
Colton estava deitado ao meu lado e, por mais que não tivesse escutado sua
voz nos últimos quinze minutos, tinha mais que a absoluta certeza de que ele
estava tão acordado quanto eu.
Desde o episódio com seu pai no show, algumas horas antes, ele vinha
agindo de forma esquisita. Nada de piadinhas ou de comentários sujos
sussurrados no meu ouvido. Muito menos provocadas durante a volta para
casa. Longe daquilo.
O diálogo entre seu pai e ele — se era que aquilo poderia ser
considerado um diálogo — não durara mais que dois minutos. Foram
algumas trocas de palavras, olhares, um aperto de mão e um ligeiro (e
surpreendente) sorriso por parte de Howard antes que seu pai olhasse para
Grace e anunciasse que era melhor que voltassem logo a Boston antes que
ficasse tarde demais para pegar estrada.
Ninguém o contrapôs.
Na verdade, acho que todos sabiam o tremendo progresso que fora
aquele simples aperto de mão e as duas trocas de frases entre eles para
protestar ou forçar qualquer outra interação.
Contudo, desde então, Colton parecia completamente desnorteado. Se
ele falara meia dúzia de palavras comigo, Lake e Mason no caminho de volta
para casa, havia sido muito.
Virando-me na cama, de frente para ele, encarei seu rosto impassível.
Os traços formavam uma feição completamente apática, mas sob a luz do
luar, eu notei um brilho estranho em seus olhos enquanto estes continuavam
fixos no teto do seu quarto.
— Ei — chamei por ele, e aguardei até que seu rosto estivesse
ligeiramente virado na minha direção. — O que está pensando?
Colton não respondeu. Os orbes acinzentados continuaram fixos aos
meus por alguns segundos, e eu notei o instante em que o canto da sua boca
estremeceu sutilmente. Antes que eu pudesse dizer algo, no entanto, os
braços fortes puxaram-me para si, apertando-me com força, urgência e eu
diria até mesmo desespero, contra o seu corpo.
Congelei por um segundo, sem saber ao certo como reagir, e foi apenas
quando seus ombros começaram a tremer e minha camiseta, a molhar, que eu
notei que ele estava desabando. Enterrando a cabeça no meu pescoço e
estremecendo incontrolavelmente no meu peito enquanto chorava como se
algo de mais terrível houvesse acontecido.
Eu apenas retribuí ao abraço, trazendo-o ainda mais para perto e
afagando silenciosamente seus cabelos, permitindo que ele desmoronasse
durante o tempo que fosse preciso sem dizer uma palavra sequer. Tudo o que
fiz foi seguir acariciando suas costas, afagando seus cabelos e beijando o topo
de sua cabeça em uma tentativa de dizer-lhe através de gestos que eu estava
ali com ele.
Era a primeira vez que o via chorar e nunca pensei que algum dia fosse
vê-lo tão quebrado da forma como ele parecia estar agora. Tão machucado e
vulnerável.
Partia a porra do meu coração.
Colton chorou, e chorou, e chorou.
Durante mais tempo do que eu poderia contar.
Até que, por fim, os soluços se silenciaram e as lágrimas diminuíram
minimamente.
Beijei o topo da sua cabeça mais uma vez.
E depois afastei seu rosto do meu pescoço apenas o suficiente para
beijar suas lágrimas e secar o canto dos seus olhos inchados. Beijando sua
testa, trouxe-o mais para perto de novo.
Colton envolveu minha cintura com seu braço e me apertou forte.
Após longos segundos, finalmente disse, com a voz ainda trêmula:
— Só estou aliviado, Bree.
Não respondi, esperando que ele dissesse mais alguma coisa. Quando
ele não o fez, eu sussurrei:
— Você não deveria guardar tudo o que sente aí dentro pra você,
Colton.
Ele suspirou.
— Eu sei que não. — Houve uma pausa momentânea ali, mas não
demorou para que ele continuasse a falar, em um tom embargado, prestes a
cair em prantos de novo. — Estou aliviado que, pela primeira vez, ele tenha
me tratado com um mínimo de respeito. Depois de tanto tempo, de tantas
coisas… Ver um certo respeito em seus olhos, por menor que tenha sido,
mexeu comigo. Nunca mais pensei que isso fosse voltar a acontecer. — Suas
palavras rasgaram meu coração ainda mais. — Não depois de tudo, pelo
menos.
Remexendo-me na cama, voltei a afastar-me minimamente dele, à
procura dos seus olhos.
— Ele é seu pai, Colton. — Soprei, assim que encontrei seu olhar.
Colton esquadrinhou meu rosto e negou com a cabeça. Puxando-me
para junto dele, apoiou sua cabeça no meu peito.
— Ele nunca agiu como um, Bree. — As palavras saíram tão baixinhas
que eu quase não as escutei.
Limitei-me a soltar um suspiro de pesar e acariciar seus cabelos. O
silêncio voltou a inundar o quarto dele de uma forma quase ensurdecedora,
mas até àquilo, Colton parecia alheio.
Meus dedos continuaram a fazer um carinho reconfortante nos seus fios
curtos e lisos, meus olhos cravados no teto enquanto eu focava unicamente no
som da respiração dele e na forma como seu peito subia e descia junto ao
meu, até que a respiração desacelerasse de leve e as lágrimas finalmente
cessassem.
Durante os próximos três minutos, Colton não moveu um músculo
sequer. Mas antes que eu pudesse confirmar se ele havia pegado no sono, sua
voz voltou a preencher o ambiente, daquela vez com um quê de sonolência:
— Ele me chamou de filho. — Aquilo soou quase como um sussurro
para si mesmo, mas eu ouvi.
Franzindo o cenho, tentei olhar para ele. Contudo, ele não levantou a
cabeça para retribuir meu olhar.
— O quê? — soprei de volta.
Houve mais um momento de silêncio.
— Ele nunca me chama de filho, Bree.
“E eu cairia com satisfação na estrada
Levantaria e iria se soubesse
Que algum dia ela iria me levar de volta pra você
Que algum dia ela iria me levar de volta pra você
Algum dia

Que talvez seja tudo o que preciso
Na escuridão ela é tudo que vejo
Venha e descanse comigo
Dirigindo devagar na manhã de domingo
E eu nunca quero ir embora.”
Sunday Morning | Maroon 5

Um barulho em algum canto próximo a mim me despertou do meu


sono, mas eu me recusei a abrir os olhos. Ao invés daquilo, rolei na cama,
mais que ciente que ainda era cedo demais para que meus neurônios
começassem a funcionar.
Meu corpo estava dolorido do show de ontem, mas nada se comparava
às minhas pálpebras pesadas que eu tinha certeza ainda estarem inchadas
graças à sessão maldita de choro da noite passada. Maldita e ridícula. Não
deveria me deixar afetar tanto com qualquer coisa que envolvesse meu pai —
fosse ela positiva, ou negativa —, mas apenas o fato de que eu estava afetado,
parecia me afetar ainda mais (se era que aquilo fizesse algum tipo de sentido).
Tratei de parar de pensar naquilo antes que fosse tarde demais e foquei
em voltar a dormir, sentindo a exaustão percorrer cada centímetro do meu
corpo.
Eu estava quase pegando no sono novamente quando outro barulho me
chamou a atenção. Vinha de dentro do meu quarto, eu tinha certeza.
Então outro barulho.
E um som inconfundível. Como se algo houvesse acabado de ser
fechado com um zíper.
Mas que porra…?
Forcei-me a abrir meus olhos diante daquela situação anormal, sem ter
a porra da mínima ideia do que poderia estar acontecendo ali.
O quarto ainda estava escuro, porém a pouca iluminação que
atravessava algumas frestas das cortinas me permitia varrer o ambiente com
meus olhos sem que eu precisasse me esticar para ligar o abajur. E não
demorou muito para que eu encontrasse uma figura cacheada no chão,
sentada em cima de uma pequena mala enquanto lutava para fechá-la.
Precisei piscar um par de vezes para ter certeza do que eu estava vendo,
porque definitivamente não era nada do que eu esperava. Mas, ao entender
que, de fato, aquilo não era coisa da minha cabeça, chamei sua atenção:
— Bree? — Meu tom ainda estava rouco e sonolento. A palavra
arrastou-se pela minha língua em uma confusão genuína.
Quase que de imediato, Aubree levantou sua cabeça para alinhar seus
olhos aos meus, e franziu um pouco a boca enquanto usava toda a sua força
para acabar de fechar a mala.
Por que diabos ela estava com uma mala?
— Foi mal, não queria te acordar — disse, saindo de cima da mala e
colocando-a sobre suas rodinhas.
— O que você está fazendo?
Aubree bateu uma palma na outra, como se estivesse limpando suas
mãos, e olhou para mim, ainda de pé próximo à cama.
— Tomei uma decisão.
Eu pisquei novamente, esperando que prosseguisse. Quando ela não o
fez, perguntei:
— Vamos nos mudar?
Foi a vez dela piscar, sem entender.
— O quê?
Dei de ombros.
— É o único motivo lógico que consegui encontrar para você estar
enfiando minhas roupas em uma mala.
Aubree riu e balançou a cabeça negativamente.
— Isso nem é um motivo lógico, Colton — falou e, em passos lentos,
voltou para a cama, engatinhando tortuosamente até mim. Um sorriso maroto
pendia em seus lábios quando ela os aproximou dos meus, para deixar um
beijo rápido ali. — Você vai para Bridgeport comigo.
Não respondi.
Tudo o que fiz foi continuar a encarando, esperando o momento em que
ela iria começar a rir e dizer que era uma brincadeira. Mas aquilo não
aconteceu. Aubree, na verdade, apenas ficou ali, aguardando pacientemente
por uma reação da minha parte.
Minha boca se abriu. Depois se fechou.
Passei uma mão pelos cabelos e a língua pelos lábios à procura das
palavras certas.
— Bree… Não sei se acho isso uma boa ideia. — Finalmente consegui
articular algo, mas assim que ela franziu seu cenho, percebi que minha
resposta poderia ser considerada algum tipo de absurdo pelos olhos e mente
maluca de Aubree Evans.
— Ah, qual é, Colton? — Ela jogou-se ao meu lado, e cravou um
cotovelo no travesseiro. — Mason e Layken foram para o Texas. Seus pais
foram para Connecticut. Seus amigos, até onde eu sei, também não estão por
aqui. — Houve uma pausa ali, precedendo a conclusão do seu raciocínio: —
Não vejo motivo nenhum para você ficar sozinho aqui, se pode ir para
Bridgeport comigo.
Apertei meus lábios por um segundo, pensando em silêncio.
Meus dedos batucaram no lençol, impacientes.
— Quer mesmo que eu conheça seus pais?
A pergunta pareceu pegá-la desprevenida, porque, por um momento,
notei os traços formando uma expressão sutil de surpresa, mas que não
demoraram a voltar à sua expressão usual.
— É, acho que sim — disse.
Eu comecei a negar com a cabeça.
— Não sei, Bree…
— Eles são legais.
— Com você, que é a garotinha deles — rebati. — Mas e com o cara
que transa com a garotinha deles?
Ela riu, e sentou-se no colchão.
— Já avisei que você vem junto. Meu pai, Tan, já está preparando um
risoto de limão siciliano para o almoço. E meu pai, Oliver, preparou o sofá
para você — disse ela, de forma despretensiosamente natural.
Meus ouvidos aguçaram com a menção do risoto, mas não pude deixar
de notar a informação sobre o maldito sofá.
Nunca conheci os pais de nenhuma das garotas com quem já saíra, mas
que história era aquela de que não dormiríamos juntos?
— Péssimo — resmunguei e torci o nariz. — Sofá?
— Não é tão ruim assim. Na verdade, é um sofá até que bem
confortável.
— Ótimo, então não vejo problema nenhum se você dormir comigo
nele.
Aubree jogou a cabeça para trás em uma risada gostosa, e alcançou
minha mão para apertá-la de leve.
— Saímos em uma hora, Colton — anunciou, esgueirando-se para fora
da cama em seguida, em direção à porta do meu quarto. Antes que chegasse
lá, no entanto, parou ao lado da mala fechada e precedeu sua fala com um
tapinha ali. — Sua mala já está pronta. — Houve uma pausa, até que
alcançasse a maçaneta. — Tome um banho e fique bem cheiroso. Meus pais
adoram perfumes.
Dito isso, Aubree passou pela porta e a fechou atrás de si, deixando-me
sozinho no quarto escuro.
Fiquei encarando o local pelo qual ela acabara de passar, em uma
tentativa de processar exatamente o que tinha acabado de acontecer.
Quando foi que conhecer os pais dela se tornou um assunto tão natural
que Bree parecia poder decidir por nós dois?
Então, suspirei e voltei a jogar minha cabeça no travesseiro com um
suspiro. Meus olhos cravados no teto e os pensamentos a mil, não sabiam
como reagir àquilo.
Contudo, nem cinco minutos depois, eu tratei de me levantar e separar
meu melhor perfume.

Comparado a Boston, Bridgeport ficava praticamente colado a Nova


York. O percurso até lá era de mais ou menos duas horas e, por mais que eu
estivesse disposto a ir dirigindo, não contestei quando Aubree sugeriu que ela
fosse no volante. A verdade era que a noite de ontem havia sido exaustiva e
eu tinha dormido mal pra cacete. Duas horinhas de soneca me parecia o
suficiente para que eu chegasse lá ao menos apresentável para conhecer os
pais dela.
Mas assim que sentei no banco do passageiro e Aubree deu partida no
carro, senti que estava mais elétrico do que nunca.
Não tinha a porra da mínima ideia de como agir em frente aos pais dela.
Sequer tinha ideia do que estava fazendo indo conhecer os pais dela. Eu
deveria me apresentar como amigo, ficante ou namorado? Nunca falamos
sobre aquilo, mas não achava que seria normal me apresentar apenas como
amigo. No mínimo, como ficante. Principalmente a julgar pelo fato de que,
pelos próximos dias, eu daria um jeito de dormir na mesma cama que a filha
deles. Ou, pelo menos, arrastá-la para dormir comigo no sofá.
E amigos não faziam aquele tipo de coisa, faziam?
Os questionamentos começaram quando saímos da garagem do prédio e
passamos pela placa que sinalizava que estávamos deixando Nova York;
persistiram durante as próximas duas horas de estrada; e definitivamente não
cessaram nem mesmo quando Aubree estacionou seu carro em frente a uma
pequena casa muito bem-cuidada.
Mal me lembrava de ter desatado o cinto de segurança e tirado minha
mala do carro, mas, de alguma forma, aquilo aconteceu. Apenas pareci voltar
a mim ao alcançamos a porta de entrada. Tratei de respirar fundo e conter a
merda dos meus nervos.
Nunca havia conhecido os pais de nenhuma garota com quem tivesse
ficando antes. Não tinha ideia de como fazer aquilo.
Antes que Aubree pudesse abrir a porta, contudo, meus olhos focaram
em um ponto específico da parede da sua garagem, e eu precisei conter a
vontade de rir ao me lembrar da vez em que Aubree mencionara sobre o
episódio de um dos seus pais ao ouvi-la falando palavrão pela primeira vez.
O estrago da batida realmente seguia lá. Bastante visível para quem
quer que estivesse entrando ou saindo da casa deles.
— Então… Nada de palavrões, huh? — indaguei, gesticulando com o
queixo em direção ao amassado da parede.
Aubree soltou um riso nasalar e negou com a cabeça em seguida.
— Nem um “a”.
— Nem “porra”? — perguntei, em uma nítida provocação.
— Muito menos “porra”.
— Eles consideram “droga” um palavrão? — insisti, apenas para
receber um olhar banhado de reprovação em resposta.
— Se quiser garantir um lugar na minha cama, é melhor você manter
sua boca bem limpa — avisou ela. — Lave ela com sabão, se for preciso.
Antes que meus pais lavem por você.
Eu automaticamente assenti com a cabeça porque, céus, eu correria
uma maratona pelado naquele exato momento se aquilo significasse poder
dormir ao lado dela pelos próximos dias.
— Entendido, madame — respondi, em um tom firme, juntando os pés
e endireitando a postura para prestar continência a ela.
Aubree balançou a cabeça enquanto soltava uma risada.
Deixe de ser idiota, era praticamente o que suas feições diziam antes
que ela pudesse girar a maçaneta e avançar casa adentro, comigo no seu
encalço.
Era uma casa simples, bem menor que a casa em que morei minha vida
toda em Boston, mas infinitamente melhor decorada — ainda que minha mãe
aplicasse bastante esforço na decoração da sua. Por um instante, perguntei-me
se as infinitas variedades de plantas e flores espalhadas pelo ambiente se
davam devido ao fato de estarem recebendo uma visita, ou se sempre fora
assim. Mas antes que eu pudesse explorar com mais clareza o lugar, um
cheiro de queimado interrompeu minha análise minuciosa.
Aubree também pareceu sentir porque, nem um milésimo de segundo
depois, nós já estávamos plantados na cozinha para entender que merda
estava acontecendo ali.
De frente para o fogão, um homem de quase dois metros de altura
estava parado, encarando a panela. A pele negra fazia um contraste bacana
com a camisa azul bebê que trajava. Não tinha ideia se ele havia se arrumado
para aquela ocasião, ou se a camisa sob medida fazia parte do seu cotidiano,
mas torci para que a resposta àquela pergunta fosse a segunda opção. Não
queria, de forma alguma, que conhecer o amigo/ficante/namorado de Bree —
ou seja lá como ela havia me classificado para seus pais — fosse considerado
um grande evento a eles.
— Meu Deus, o que é isso? — A primeira a falar foi Aubree, ao notar a
fumaça que estava infestando o lugar.
No mesmo instante, o homem, que antes mantinha seus olhos na panela
a qual estava a um passo de entrar em combustão, desviou a atenção até nós e
abriu um sorriso enorme. Os dentes eram brancos e alinhados, em um sorriso
tão perfeito que eu não tinha ideia de como nunca havia o visto em algum
comercial de pasta de dente.
— Filha! — ele exclamou, abrindo os braços na nossa direção em pura
receptividade. — Péssimo momento.
— Pois é. Acho que você precisa fazer alguma coisa — comentou ela,
olhando para a panela.
Seu pai coçou a careca por um instante e voltou a atenção ao arroz.
— Eu não tenho ideia do que fazer — admitiu ele, e eu precisei me
curvar para um pouco mais próximo de Aubree com o intuito de tirar uma
com a cara dela.
— Não queria dizer nada, mas… Já sei de onde vem os seus dotes
culinários. — Soprei pra ela, tentando conter a risada.
— Cala a boca — ela sussurrou de volta, com uma cotovelada na
costela que me fez perder o ar por uma fração de segundo. Por fim, olhou
para seu pai e disse: — Onde está Tan? Por que ele te deixaria sozinho na
cozinha?
— Não sei nem por que ainda me pergunta um negócio desses, A. Você
sabe que seu pai não bate bem da cabeça. — O homem encarou a panela. —
Mas acho que está na hora de chamarmos ele.
— Ele vai surtar — comentou Bree.
— Hm… Acho que desligar o fogo seria uma ótima opção — ousei
dizer, tentando esconder o tom divertido na voz com um pigarreio.
O homem trouxe sua atenção até mim e me encarou por mais tempo do
que eu poderia contar. Tanto tempo que pensei que fosse começar a dizer
algo do tipo “acha que eu sou estúpido, garoto?”.
Bem, ainda assim, o fogo estava aceso.
Contudo, tudo o que ele fez foi abrir um sorriso ainda maior que aquele
que abrira para Aubree, e apontar o indicador na minha direção em um gesto
que dizia por si só algo parecido com “você é o cara”.
— É uma ótima ideia, na verdade. Pensei que talvez houvesse alguma
chance desse risoto ainda não estar no ponto — comentou ele, desligando o
fogo em seguida. — Mas acho que isso não é mais uma possibilidade.
— Com toda a certeza, não é — eu concordei, olhando para o arroz
tostado.
Aubree revirou os olhos.
— Pelo amor de Deus, pai. Quanta burrice.
— Nem vem com essa para cima de mim, A. Você sabe que eu sou
péssimo na cozinha — disse ele, puxando-a para um abraço apertado.
Continuei ali, parado próximo a eles, enquanto observava o homem apertá-la
com uma força descomunal. Seus olhos, então, vieram de encontro aos meus.
— Colton, não é?
— Isso — confirmei.
— Sou Oliver. O pai gente boa dela — apresentou-se, e eu soltei uma
risada.
Estava prestes a estender minha mão para cumprimentá-lo, mas Oliver
tratou de me puxar para um abraço caloroso que me deixou sem reação por
um segundo. Por sobre o ombro dele, olhei para Bree, que me lançou um
olhar silencioso que praticamente me dizia que esse era o jeito dele de ser.
Assim que saímos do abraço, ele explicou com um dar de ombros:
— Odeio formalidades. Apertos de mãos são para pessoas entediantes.
— Fez uma pausa e voltou a cravar os olhos na panela. — Agora me ajudem
a dar um jeito nisso aqui, antes que Tan…
— Mas o que diabos é isso? — Uma outra voz se fez presente, antes
mesmo que ele pudesse terminar sua frase, atraindo minha atenção para
entrada da cozinha, na qual um homem um pouco mais baixo que Oliver
havia acabado de passar. Os olhos se arregalaram quando ele os repousou
sobre a panela praticamente carbonizada. — O que você fez, Oliver?!
— Eu não fiz nada.
— Isso eu percebi — o homem, o qual eu supunha ser Tan, rebateu,
ligando o exaustor em uma tentativa de amenizar a fumaça. Depois, trouxe
sua atenção até nós por apenas um momento, e logo voltou a bombardear seu
marido com as íris castanhas. — O que vou fazer pra alimentar esse menino
agora? Olha o tamanho dele, Oliver. — Ele me encarou novamente. —
Inclusive, é um prazer te conhecer, Colton. — Tan apontou para Aubree. —
Sou o pai divertido dela.
Eu soltei uma risada, e o cumprimentei com um aceno de cabeça,
porque ele parecia momentaneamente puto demais para um abraço.
Aubree não conseguiu evitar que um riso nasalar escapasse, seguido de
uma sugestão:
— A gente pode pedir pizza.
Oliver curvou seus lábios, ponderando.
— Sim. — Balançou a cabeça em concordância. — Como dizem por
aí: no final das contas, tudo acaba em pizza.
E eu concordei porque não existia verdade mais absoluta que aquela.
Tan, no entanto, cruzou os braços sobre o peito e discordou. Naquela
altura do campeonato, a pele clara na área das bochechas estava começando a
ruborizar.
— Não deveria acabar em pizza, mas o seu pai não sabe ficar de olho
na panela sem pôr fogo na casa.
— Até onde eu sei, quem entende de cozinha aqui é você — rebateu o
mais alto.
— Eu estava atendendo uma ligação importante do trabalho, Oliver!
— E eu estava cuidando das raspas de limão, Tan!
— Gente… — Bree tentou interferir, mas foi totalmente ignorada.
— Uau. — Tan curvou os lábios em um gesto ironicamente
impressionado. — Realmente, é preciso estar muito mais atento às cascas de
limão do que à panela que está no fogo.
— Olha, pizza não é tão ruim assim. — Tentei amenizar a situação,
coçando a nuca sem jeito. — Eu adoro pizza. Mais do que risotos.
— Isso é porque você nunca comeu o risoto que meu pai faz — disse
Aubree, em um sussurro.
— Você sabe que não sou um cara multitarefas e, ainda assim, insiste
em confiar em mim para esse tipo de coisa — Oliver prosseguiu com a
discussão, mas os lábios levantados em um sorriso contido diziam que ele
estava se divertindo com aquilo.
Tan passou a mão pelos cabelos claros, irritado.
— É pra isso que serve um casamento, Oliver. Para confiarmos um no
outro em qualquer ocasião.
— Que absurdo. Eu jamais confiaria em você para pintar meus quadros.
Os olhos castanhos de Tan piscaram para o marido. As feições
transparecendo tamanho insulto diante daquela confissão.
— Que tipo de marido é você?
— O tipo que preza pela arte e não pela cozinha — murmurou Oliver e,
ao meu lado, notei quando Bree não pôde deixar de concordar.
Aparentemente, não fui o único que notou porque, assim que voltei
minha atenção a Tan, vi um olhar mortal sendo direcionado à sua filha, o qual
me obrigou a apertar os lábios para conter o riso.
Em um reflexo, Bree levantou suas mãos, demonstrando inocência, e
tratou de se explicar:
— Não querendo desmerecer sua comida, pai, mas uma manteiga
esculpida com as iniciais de um hotel jamais seria possível sem a existência
da arte.
Ele franziu o cenho para ela. Então passou seus olhos por nós três e
disse:
— Isso é um motim?
Nem hesitei em negar com a cabeça.
— Eu estou do seu lado — falei. — Prezo pela comida.
Tan sorriu e apontou com o polegar para mim. A atenção, contudo,
estava em Aubree.
— Me diga que já posso chamar ele de genro.
— Desmerecendo a arte dessa forma, isso nunca vai acontecer —
comentou a garota, olhando-me com um brilho divertido nas íris.
Estreitei meus olhos para ela em resposta.
— Aí você me coloca numa saia justa, Bree.
— Você tem uma banda, Colton — disse ela, com um tom notório de
descrença. — Você é a porra de um artista. Como pode defender a comida
antes da arte?
— Simples: sem comida, não tenho como ter uma banda porque, até lá,
já morri de fome — nem hesitei em rebater.
Oliver soltou uma risada diante da minha linha de raciocínio, mas não
deixou de concordar. Tan, entretanto, continuou encarando Bree fixamente,
antes de perguntar com uma entonação de ameaça:
— O que você disse?
Um suspiro escapou dos lábios de Oliver.
— Tan…
Aubree piscou, sem entender.
Eu intercalei meus olhos entre eles, tão confuso quanto ela.
— Eu disse que ele tem uma banda.
Tan balançou a cabeça.
— Não. Depois disso.
Aubree lançou-me um olhar rápido e urgente.
— Que ele é um artista…?
— A palavra com “p”, A — explicou Oliver por Tan.
Bree abriu a boca de leve, como se finalmente houvesse entendido.
Então olhou para mim e reformulou sua frase:
— Você é a porcaria de um artista, Colton.
Instantaneamente, senti o riso subir pela minha garganta, mas usei
todas as minhas forças para contê-lo, porque porra, eles realmente levavam
aquela merda a sério.
Tan empinou um pouco o nariz, satisfeito, e sorriu ao puxá-la para um
abraço de lado.
— Bem melhor. — Ele bagunçou seu cabelo cacheado e plantou um
beijo estalado na sua bochecha. — Senti sua falta, filha.
— Eu também senti a sua, pai.
— E que bom que você trouxe uma visita junto. — Tan abriu um
sorriso receptivo para mim. — Seja muito bem-vindo, Colton.
Oliver balançou a cabeça, concordando.
— Mi casa, su casa.
— É realmente uma pena que não tenhamos conseguido te receber da
melhor forma possível — murmurou Tan, em uma mensagem sublime que
tinha relação direta com o risoto queimado e as péssimas habilidades de seu
marido na cozinha.
Oliver, contudo, fingiu não entender e bateu uma palma da mão na
outra para chamar nossa atenção, esfregando-as em seguida. A tentativa de
esquecer aquele desastre foi irrefutável quando ele perguntou:
— Então… Pizza?
“Meu, meu nome era mais seguro na sua boca
E por que você teve que ir e cuspi-lo?
Oh, sua voz, era o som mais familiar
Mas soa tão perigoso para mim agora.”
I Have Questions | Camila Cabelo

Era nosso terceiro dia em Bridgeport e as coisas estavam indo


maravilhosamente bem. Colton e eu havíamos ido ao parque ontem —
aproveitar o sol e o inverno que se encerrava para, em breve, dar início à
primavera — e andamos de bicicleta pela cidade para que ele pudesse
conhecê-la um pouco mais. Colton e meus pais também estavam se dando
muito bem, mas aquilo eu tinha certeza que ocorreria antes mesmo de
chegarmos em Bridgeport.
Hoje, contudo, estávamos no modo preguiça, estirados na cama desde o
início da manhã enquanto esperávamos pelo almoço que meu pai fazia.
Estávamos descansando o máximo que conseguíamos para aguentar a festa
de fraternidade que aconteceria mais tarde, a qual Becca, minha amiga de
infância, fez questão de nos chamar e nos convencer a ir por pura e
espontânea pressão.
“Ótimo, porque estou doida para conhecer o vizinho gostoso.” — Ela
me respondeu por mensagem, quando eu confirmei nossa presença, e eu não
pude evitar revirar os olhos e soltar uma risada.
Contudo, por mais que estivéssemos no modo preguiça, Colton
mandara uma mensagem para Alec, para que pudéssemos nos encontrar ainda
hoje — já que este também estava passando o feriado em Bridgeport com a
família —, mas ele sequer dera sinal de vida.
Então, por enquanto, continuávamos ali, na minha cama. Eu, aninhada
junto ao corpo de Colton, ao mesmo tempo em que ele parecia entretido
demais nos meus cachos e em Jake Peralta fazendo merda em Brooklyn
Nine-Nine. Meus olhos estavam pesando, e eu permiti que se fechassem em
um cochilo superficial, vez ou outra sendo acordada com as pequenas risadas
de Colton que reverberavam contra o meu corpo.
Mas foi apenas quando Colton realmente se remexeu debaixo de mim,
para deixar um beijo rápido na minha testa, que eu me atentei ao que estava
acontecendo à minha volta. O computador, agora, estava fechado e Colton
tinha um cotovelo apoiado no travesseiro, com o tronco levemente arqueado
ao passo que me observava com um sorriso no rosto.
Pisquei algumas vezes, tentando espantar a sonolência, e foquei em
seus olhos ao perguntar:
— O que foi?
— Você não consegue assistir quinze minutos de uma série sem
dormir, Bree — murmurou, em uma provocação notória.
Eu me revirei no colchão preguiçosamente, dando as costas para ele em
uma tentativa de tentar voltar a cochilar.
— A culpa não é minha se quase não durmo à noite por sua causa —
resmunguei.
— Eu? — Colton parecia inconformado com aquela acusação. —
Quem saiu do banho de toalha ontem e pulou em cima de mim para se atracar
com a minha boca foi você.
Virei meu rosto para encará-lo, descrente.
— Preciso relembrar quem acordou quem de madrugada,
completamente sedento?
— Foi o meu lado sonâmbulo, ok? — defendeu-se ele.
— Seu lado sonâmbulo é um maldito pervertido.
Colton soltou uma gargalhada e se levantou da cama, puxando meu
braço para que eu o acompanhasse. Eu joguei todo o meu peso contra o
colchão, soltando um grunhido em contestação.
— O que você quer, Colton? — resmunguei, como uma criança. — Vá
sozinho.
— Seus pais estão chamando para almoçar, Bree. Você não ouviu
porque estava apagada aí.
Soltei um suspiro em resposta, mas me levantei porque jamais que iria
recusar a comida de Tan Evans. E à medida em que descíamos as escadas
para o primeiro andar, eu me lembrei de perguntar:
— Alec respondeu alguma coisa?
Colton bufou ao meu lado, assim que alcançamos o último degrau.
— Sim. Falou que não vai conseguir hoje. — Fez uma pausa. — Nem
amanhã. — Outra pausa que precedeu um revirar de olhos. — E nem o resto
da semana.
— O quê? — Franzi o cenho. — Por quê?
Ele deu de ombros, puxando a cadeira da sala de jantar para se sentar.
— Ele passa o dia todo cuidando das irmãs — explicou, assim que me
sentei ao seu lado.
— Você sugeriu que fôssemos até a casa dele? — perguntei. —
Podíamos ajudar ele a cuidar delas.
— Sugeri, mas ele não quis. Disse que é melhor não.
Fiz um biquinho triste.
— De quem estão falando? — Meu pai, Oliver, trouxe os olhos
castanhos até nós, brilhando em curiosidade, enquanto servia-se de uma
montanha de macarrão ao molho branco e brócolis.
— Um amigo de Colton que tem família aqui em Bridgeport.
— Quem? — Foi a vez de Tan fazer-se de curioso, ao surgir da cozinha
com uma jarra de limonada em mãos.
Colton agradeceu assim que Oliver lhe passou a tigela de macarrão e
virou seu tronco apenas o suficiente para colocar um pouco no meu prato.
— É um amigo meu da faculdade — disse ele, agora se servindo com
espaguete quando agradeci, julgando ser o suficiente pra mim. — Alec
Austin.
Imediatamente, um barulho de talher chocou-se contra o prato, o que
levou minha atenção até Tan, que tinha os olhos fixos em Colton.
— Austin?
— Você conhece? — perguntei.
— Quem seu pai não conhece, A? — disse Oliver, com um sorriso no
rosto, e eu tive que concordar.
Tan, contanto, não nos acompanhou no sorriso.
— Na verdade, acho que conheço sim. Não sei se estamos falando da
mesma pessoa, mas acredito que já tenha trabalhado com o pai dele. Gavey
Austin.
— Não é ele que tem uns quatro filhos? — indagou Oliver, franzindo
as sobrancelhas em reconhecimento.
— Cinco — Colton e meu pai o corrigiram em uníssono.
Tan apertou os lábios e enrolou o macarrão no garfo.
— É uma fatalidade o que está acontecendo com aquela família —
disse, baixinho, antes de enfiar uma garfada na boca. À minha frente, Oliver
concordou com a cabeça, mastigando também.
Eu automaticamente franzi o cenho para eles e levei minha atenção até
Colton, que parecia tão confuso quanto eu. A mão que levava o garfo à boca
havia congelado por um instante, antes de trazer de volta ao prato.
— Desculpe? — perguntou Colton, com um tom quase que divertido,
como se estivesse levando aquele comentário na brincadeira.
Mas eu conhecia meu pai, e sabia quando ele estava brincando.
E aquele não era um daqueles momentos.
Levantando sua atenção até Colton novamente, com um olhar confuso,
Tan repetiu:
— Eu disse que é uma fatalidade o que está acontecendo com aquela
família.
Colton recostou-se na cadeira e limpou a boca com o guardanapo.
Enfim, balançou a cabeça.
— Não sei mais se estamos falando da mesma pessoa. Não há nada de
errado acontecendo na família de Alec — disse e, por mais que estivesse
tentando soar confiante, eu notei a incerteza em seu tom de voz.
Foi a vez de Tan balançar a cabeça.
— Acho que estamos falando da mesma pessoa, sim. Gavey Austin. O
filho estuda em Nova York. As filhas ainda moram por aqui.
— Desculpe, eu acho que não estou entendendo… — Colton pigarreou.
— O que exatamente é uma fatalidade?
Os olhos do meu pai se arregalaram por um breve segundo, antes que
ele pudesse voltar sua atenção a Oliver. Eles cruzaram o olhar, quase como se
estivessem conversando por telepatia.
Fui obrigada a chamar a atenção dos dois, em um pedido para que
parassem com aquela merda.
— Gente…
Inspirando fundo, Tan limpou sua boca com o guardanapo.
— Ele trabalhava comigo há muitos anos como contador. No fim do
ano passado, foi internado às pressas no hospital. Esclerose Múltipla[1].
Estágio Avançado. Uma tristeza.
Puta merda.
Colton não reagiu de imediato. Ficou encarando meu pai como se
esperasse pela parte em que ele diria ser uma brincadeira, mas ao perceber
que aquilo não ocorreria, negou com a cabeça.
— Não. — Soprou. O vinco na testa era tão profundo que eu suspeitava
que ele estivesse sentindo até mesmo algum tipo de dor. — Alec nunca falou
sobre isso com a gente. Ele vem para Bridgeport sempre para cuidar das
irmãs. A mãe passa dias de plantão no hospital.
— Não, querido — disse Tan, com a maior suavidade na voz que pôde.
— A esposa de Gavey Austin é arquiteta. Me lembro porque quase fechamos
um projeto com ela quando decidimos que iríamos reformar essa casa,
exatamente porque Gavey a havia me recomendado.
Colton continuou a encará-los durante incontáveis segundos, parecendo
processar cada uma daquelas palavras como se fossem pílulas difíceis de
serem engolidas. Eu repousei uma mão na sua coxa, e assim que seus olhos
voltaram até mim, a angústia banhada neles era notória.
O pomo de adão subiu e desceu, antes que ele dissesse:
— Se vocês me derem licença, eu acho que preciso de um momento.
Tan e Oliver assentiram simultaneamente.
— Claro — disse um dos meus pais. — Fique à vontade.
Com isso, Colton levantou-se e sumiu escada acima.
Eu continuei lá, sentada, sem saber ao certo o que fazer naquela
situação. Até que meu pai, Oliver, olhou para mim e gesticulou com as mãos
para que eu fosse atrás dele.
— Está esperando o quê, A? — falou, como se meu próximo
movimento devesse ser óbvio demais até mesmo para mim.
Tratei de me levantar e ir atrás dele.
Subindo as escadas às pressas, entrei no meu quarto para me deparar
com Colton sentado na beirada da cama. Os olhos não desgrudaram do
celular nem mesmo quando chamei por seu nome. Parecia focado demais
procurando por algo através da tela.
— O que está fazendo? — questionei, com passos rápidos em sua
direção.
O garoto sequer olhou para minha cara quando disse:
— Vou ligar para ele.
— Não vai, não — declarei, sem hesitar em puxar o celular da sua mão.
Finalmente, as íris cinza subiram até as minhas, com um brilho
irritadiço. Colton puxou o ar, impaciente, e o soltou em seguida.
— Preciso falar com ele, Bree.
— Por telefone? — Arqueei uma sobrancelha para ele. — Péssima
ideia.
— Céus, Aubree. — Bufou.
— Céus digo eu, Colton — rebati, enquanto colocava seu celular na
cômoda. — Ficou maluco?
— A vida do cara está desmoronando e eu não tinha a mínima ideia. Às
vezes, ficava puto da vida que ele atrasava os ensaios e deixava a minha vida
mais corrida com os imprevistos dele. Que tipo de melhor amigo sou eu? —
Fez uma pausa para inspirar e passar as mãos pelos cabelos. — Estou me
sentindo um cuzão.
Respirando fundo, obriguei meus pés a deslocarem-se até ele, para que
pudesse me sentar em seu colo. Com uma perna em cada lado de seu corpo, e
os joelhos afundados no colchão em que ele estava sentado, envolvi seu rosto
com minhas mãos, forçando-o a alinhar seu olhar ao meu.
— Você não é um merda. E não é um péssimo melhor amigo. Você
nem tinha como saber, Colton. Pelo amor de Deus.
Colton balançou a cabeça.
— Ele estava muito estranho, Bree. Todo esse tempo, ele estava tão…
exausto.
— Você. Não. Tinha. Como. Saber — repeti, pausadamente, no tom
mais rígido que pude para que ele enfiasse aquilo na cabeça. — Agora…
Você não vai falar com ele sobre isso por telefone, Colton. Não se fala sobre
uma coisa dessa magnitude por telefone. Espere encontrá-lo pessoalmente e,
só então, conversem.
Colton manteve-se em silêncio, pensativo, e eu o encarei com ainda
mais intensidade.
— Combinado? — reforcei.
Por fim, ele assentiu com a cabeça.
— Combinado.

Mesmo com a notícia que pareceu deixar Colton atordoado pelo


restante do dia, ele ainda assim insistiu que fôssemos à festa da Universidade
de Bridgeport. Eu não contestei. Ainda estava aprendendo a lidar com a
forma como Colton encarava os sentimentos negativos dele para poder dizer
alguma coisa.
Portanto, nós fomos. E eu estava na minha segunda bebida no instante
em que vislumbrei a cabeleira loira de Becca Lockhart espremendo-se por
entre o bando de jovens bêbados e suados, atrás de um rosto familiar. Ela
parou onde estava quando me viu, tentando entender se era mesmo eu ali, e
eu acenei com a mão para que Becca concluísse que aquilo não era uma
miragem.
— Você veio! — exclamou minha melhor amiga, praticamente
correndo para me envolver em um abraço apertado, esmagando-me contra
seus seios robustos.
— É claro que eu vim! — respondi, apertando-a contra o meu corpo
também. — Convenhamos que você não me deu muitas escolhas, huh?
Becca jogou a cabeça para trás em uma gargalhada, enquanto nos
desvencilhávamos do abraço.
— Ah, para — disse ela, gesticulando com a mão. — Não foi bem
assim. — Por fim, tirou seus olhos de mim para levá-los até Colton, em uma
avaliação completa.
— Becca, né? — O indicador de Colton apontava para ela e havia um
sorriso divertido em seus lábios. — A louca das dietas malucas?
Minha amiga confirmou com a cabeça.
— Eu mesma. E você… O famoso vizinho gostoso — concluiu.
Colton permitiu que seu sorriso fosse ocupado por um ainda maior e,
daquela vez, banhado de presunção. Os olhos vieram rapidamente até mim,
as sobrancelhas arqueadas em um questionamento claro, mas ele não
demorou a voltar a atenção até minha amiga mais uma vez.
— Eu mesmo — respondeu, com a postura envolta por puro orgulho e
exibicionismo. — Colton Reed.
Fui obrigada a revirar os olhos para aquele momento.
Becca levantou as sobrancelhas e a boca se curvou, impressionada. A
atenção agora estava em mim, e eu praticamente podia escutá-la dizendo com
o olhar algo do tipo “dessa vez você se superou, A”. Contudo, não demorou
para que ela começasse a tagarelar sobre suas dietas malucas e o cara que
estava doida para pegar naquela noite. Ele já estava na festa, e quando Becca
pediu para que eu olhasse discretamente para ele, Colton e eu viramos nossos
pescoços em um giro próximo a trezentos e sessenta graus, apenas para
concluir por seu olhar de que ele também tinha todas as pretensões do mundo
de pegar ela.
Querendo acelerar o processo, Colton — como o metido que era
quando o assunto era sua lábia —, decidiu que iria falar com ele.
Cinco minutos de papinho aqui, dois minutos de risadinhas ali, e foi
apenas uma questão de quatro músicas até que o tal garoto, que Becca
nomeara como o ator pornô da sua aula de Economia (e que descobrimos
depois chamar-se Phillip), decidisse se juntar a nós.
Depois daquilo, foi um caminho sem volta. Tomamos mais dois ou três
drinks até que Becca e Phillip dessem o famoso sumiço do qual estávamos
todos acostumados.
Acontecia em todas as festas com algum amigo ou conhecido.
Normalmente com Becca.
Era inevitável.
— Vou pegar uma bebida no bar — anunciou Colton, por cima da
música, assim que ficamos sozinhos mais uma vez, e então apontou para o
meu copo. — Vai querer um quinto refil?
Confirmei com um balançar de cabeça, e deixei que ele tirasse o copo
da minha mão. Passando por entre a multidão de pessoas, enfim alcançamos
o bar e Colton se curvou sobre a bancada para fazer nossos pedidos. Eu
esperei um pouco mais afastada, porque a bancada parecia não suportar mais
uma pessoa sequer. Os barman’s estavam enlouquecidos, correndo de um
lado para o outro com três copos em cada mão para dar conta dos pedidos, no
segundo em que meus olhos avistaram uma figura familiar próximo dali.
Automaticamente, meu estômago foi parar nos pés e uma amargura me
veio à boca.
A poucos metros de onde eu estava, Joshua Hayes conversava com dois
caras. O mesmo sorriso presunçoso de sempre acompanhava o seu rosto e,
por mais que fizessem apenas alguns meses que eu não o via, tê-lo no mesmo
ambiente que eu, depois de tanto tempo, fez com que uma angústia
penetrasse minhas entranhas e fizesse com que a bile me subisse à garganta.
Os cabelos estavam mais curtos, exatamente da forma como ele
costumava usar quando ainda estávamos juntos. O corpo aparentava estar
mais forte, como se estivesse malhando. Os olhos, antes focados nos amigos,
pareceram sentir minha presença, porque não demorou para que viessem em
minha direção.
Meu coração galopou em um reflexo, e meus lábios se abriram para que
o ar escapasse por ali, quase que em um susto. Eu estava chocada demais por
vê-lo ali. Tão chocada que o ambiente à minha volta só passou a fazer sentido
novamente quando a visão que eu tinha dele foi interrompida pelo corpo de
Colton, assim que este colocou-se à minha frente.
— Pronto, Piña Colada dessa vez. Uma para você e outra para mim —
anunciou ele, ao me estender um dos copos de bebida.
Senti minha boca seca. Seca demais para que eu sequer conseguisse
agradecer a ele pela bebida. Meus pensamentos ainda estavam em Joshua —
uma luz vermelha piscando lá no fundo da minha mente, indicando sinal de
perigo —, então eu nem processei ao certo o que estava fazendo ao
praticamente virar o meu copo de bebida e pegar o de Colton também.
— Garota? — Colton indagou, confuso e surpreso com a atitude, mas o
sorriso divertido ali quando eu lhe entreguei os dois copos de bebida vazios
me diziam que ele só conseguia achar graça.
Quis lhe dizer que meu sistema motor funcionando sem o
processamento do meu lado consciente não era um bom sinal, mas nenhuma
palavra saiu da minha boca. Em algum lugar distante de mim — embora
Colton estivesse ainda muito próximo —, escutei-o anunciando que iria pegar
outro refil.
Contudo, antes que pudesse sair da minha frente para voltar a dar
abertura aos olhos de Joshua, eu disse:
— Não. — E segurei seu pulso para impedi-lo de ir.
Ele me encarou, confuso.
— Não? — perguntou.
Tratei de engolir em seco e recuperar minha linha de raciocínio.
— Vamos tomar shots de vodca — sugeri, abrindo o melhor sorriso que
pude.
Os shots ficavam em um bar específico para aquilo, distante do bar de
coquetéis, o qual estávamos agora, então era uma ótima desculpa para que eu
me mantivesse o mais longe que conseguisse de Joshua naquele momento,
sem parecer estar, de fato, fugindo.
Além do mais, acreditava piamente que alguns shots de vodca talvez
me fizessem bem. Afinal, encarar a presença de Joshua sempre fora algo
difícil depois do nosso término, mas com bebida, as coisas costumavam ser
um pouco mais suportáveis sempre que o assunto era ele.
Principalmente vodca. Vodca me fazia esquecer das coisas.
Portanto, convenci Colton a virarmos alguns shots. Talvez um pouco
mais do que meu organismo era capaz de aguentar, porque não demorou para
que meus pensamentos demorassem a processar as coisas à minha volta e o
ambiente parecesse mais nebuloso.
Não sabia ao certo como, mas, de alguma forma, Colton e eu havíamos
ido parar na pista de dança ao som de Backstreet Boys, com Colton
reproduzindo com bastante maestria a coreografia de “I Want It That Way”.
Nós estávamos há aproximadamente uns quinze minutos dançando
como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, e só parei ao trombar contra o
tronco de alguém. Eu estava me preparando para pedir desculpas quando
levei meus olhos para cima e encontrei as íris âmbares dele.
Joshua Hayes.
Instantaneamente, meus pés cravaram ao chão.
Meu coração palpitou.
E minha boca, de repente, estava seca. Como se eu houvesse acabado
de enfiar um punhado de areia ali.
Ele me olhou, de cima para baixo, e de baixo para cima.
Um sorriso, que para muitos poderia ser considerado algo suave, mas
que para mim era notório as más intenções por trás, esgueirou-se por seu
rosto ao me reconhecer.
A mão gelada segurava um dos meus braços em um reflexo após o
choque do meu corpo ao seu, mas eu notei o instante em que os dedos
apertaram minha pele um pouco mais, mesmo que por um milésimo de
segundo.
— Aubree — ele disse, em um tom de voz carregado de gentileza e
com um quê de surpresa.
Puxei meu braço para longe do seu toque e, de alguma forma, consegui
engolir em seco e recobrar alguma mínima consciência em meio ao álcool
que atravessava meu corpo.
— Joshua. — Meu tom era o completo oposto do seu. Desprezo e
desespero escorriam dele.
— O que está fazendo aqui?
Eu senti meus pulmões lutarem por ar, por um momento, mas tratei de
manter a compostura.
— Vim passar o feriado com minha família.
— E trouxe um amigo, pelo visto — comentou Joshua, levando seus
olhos âmbares para algo próximo a mim.
Ainda processando o fato de seu corpo estar a vinte centímetros do
meu, sugando meu oxigênio e sufocando meu coração com as mãos, virei
meu rosto apenas o suficiente para ver que Colton também se aproximava.
Sua mão foi discretamente para a minha lombar no instante em que ele se
colocou ao meu lado.
Obriguei-me a me manter firme e, forçando um sorriso, olhei de Colton
para Joshua, gesticulando com as mãos para apresentá-los:
— Colton, este é Joshua — foi tudo o que eu disse.
Era com a tentativa de uma mínima interação direta com Joshua, que eu
estava tentando manter minhas pernas firmes e o coração controlado sob o
peito.
Joshua abriu um sorriso simpático para Colton e, com um cumprimento
de mãos — que quase me fez vomitar de nervoso —, eles se apresentaram.
— Então, vocês se conhecem de onde? — indagou Joshua, passeando
seus olhos curiosamente de Colton até mim.
As íris âmbares brilhavam para mim em um divertimento nítido. Vou
acabar com você, era o que estas pareciam querer dizer por trás do papel de
bom moço.
Eu não soube como reagir. Estava tão atônita que sequer ouvia a
música barulhenta que nos cercava, ou notara a existência das pessoas à nossa
volta. Era como se tudo houvesse simplesmente congelado e o que restara
fora apenas Colton e Joshua.
Maldito Joshua.
— Somos vizinhos — explicou Colton, simpaticamente.
— Vizinhos, huh? — Os olhos de Joshua arregalaram-se, surpresos
com a resposta, e logo direcionaram-se até mim. — Onde você está
estudando mesmo?
Não consegui encontrar a voz no meu interior para respondê-lo.
Naquele instante, tudo o que meus neurônios pareciam proceder era que
Joshua Hayes estava a menos de um metro de distância de mim, e não era
preciso muito mais que aquilo para que ele infiltrasse minha pele e começasse
a me afetar da pior forma que lhe viesse à mente.
— NYU — Colton respondeu. — Nós dois estudamos lá.
— Ah. — Ele sorriu, sem tirar sua atenção do meu rosto. — Nova York.
Bacana.
— E você? Conhece a Bree de onde? — perguntou Colton, e eu tive
quase certeza de que notei um levantar sutil de sobrancelha por parte do meu
ex-namorado, diante do apelido que escapara pelos lábios dele.
— Estudamos juntos — ele foi breve na resposta e, de alguma forma,
vi-me complementando:
— Na escola.
Joshua concordou.
— E também estudávamos na mesma faculdade.
— Uhum — confirmei, ignorando as palmas das minhas mãos que
suavam de forma exagerada. — Antes dela…
— Falir. — Joshua permitiu que o sorriso voltasse ao seu rosto.
Um silêncio constrangedor pareceu nos envolver depois daquilo,
enquanto Colton assentia lentamente, processando os fatos com a boca
apertada em uma linha tênue. Eu engoli em seco pela milésima vez e
intercalei o peso entre os pés, à procura das forças dentro de mim para dar o
fora dali, sem parecer estar fugindo do meu pior inimigo como um
cachorrinho indefeso e abandonado — porque aquele era o último tipo de
vulnerabilidade que eu gostaria que Joshua Hayes visse em mim.
O toque de um celular quebrou a tensão entre nós após um tempo, e
Colton remexeu-se antes de tirar o aparelho do bolso. Pelo canto do olho,
notei o nome de Mason piscando na tela e não demorei a concluir que aquela
ligação tinha relação com a notícia de Alec quando Colton disse:
— Preciso atender. É importante. Volto em cinco minutos, tudo bem?
Forcei-me a assentir, embora estivesse praticamente implorando de
joelhos por dentro para que ele ficasse ali.
Pelo amor de Deus.
Contudo, ele não demorou a acenar para Joshua com a cabeça e dar as
costas, grudando o celular na orelha e sumindo por entre as pessoas, atrás de
um local mais silencioso.
Eu continuei ali, imóvel. Meus pés estavam colados ao chão, pregados
com força, sem nenhum intuito de corresponderem ao meu comando de
correrem para longe do homem à minha frente.
Ele também seguiu ali, como o idiota que era, e ao notar uma risadinha
escapando do fundo da sua garganta, eu soube exatamente o que ele estava
pretendendo fazer.
Ainda assim, fiz questão de perguntar:
— O que foi, Joshua?
Ele deu de ombros, como se não fosse nada de mais.
— Gostei do cara — comentou. — Está com ele agora?
Passei a língua por meus lábios, sentindo tudo seco. Um alerta
vermelho ressoava no fundo da minha mente.
Fuja.
Proteja-se.
Não. Caia. Na. Onda. Dele. Eram algumas das coisas que meu
subconsciente parecia berrar desesperadamente, mas nenhuma outra parte de
mim parecia apta a escutar e obedecer àquilo.
— Isso não é mais da sua conta — murmurei, com um tom amargo na
boca.
Aquilo não pareceu atingi-lo.
Ao invés disso, o sorriso cresceu ainda mais em seu rosto, tão amargo
quanto o meu tom de voz.
— Você realmente tem um tipo, huh? — provocou.
Franzi o cenho.
— Do que está falando?
— Estou falando dele.
E eu entendi exatamente o que Joshua estava insinuando.
Entendi exatamente a merda que ele estava tentando fazer.
Lembrei-me dos joguinhos psicológicos de sempre e da forma como ele
adorava ser um manipulador filho da puta, o qual achava que podia
simplesmente entrar na minha mente e brincar comigo, como fizera todos os
últimos anos em que estive presa a ele.
E a questão ali era que ele podia.
Por mais que houvessem se passado meses, Joshua Hayes podia muito
bem brincar comigo e com os traumas que causara em mim da forma que
bem queria.
— Colton não é nada como você. — Praticamente cuspi aquelas
palavras, com ódio escorrendo por cada uma delas.
Mas tudo o que Joshua fez foi rir.
Jogando a cabeça para trás, ele soltou a gargalhada mais irônica que
conseguiu e, ao voltar sua atenção a mim, indagou:
— Não? — Houve uma pausa calculada ali. — Tem certeza disso,
Bree?
O apelido pronunciado pela pessoa errada causou-me um mal estar.
Subitamente, senti-me tonta e enjoada. A música abafou ainda mais em meus
ouvidos e um sentimento horrível tomou posse do meu peito. Mas antes que
eu pudesse encontrar as forças no meu interior para mandá-lo à merda,
Colton voltou, com os ombros relaxados e os olhos curiosos para a conversa
que estávamos tendo.
Nós, contudo, apenas continuamos em um combate acirrado de olhares
odiosos. Os olhos âmbares, que tanto amedrontavam-me, praticamente me
desafiavam a sustentar meu olhar ao seu. E eu aceitei o desafio.
Colton pareceu notar a tensão, porque não demorou a cortar o silêncio
com uma pergunta.
— Tudo bem por aqui?
Joshua foi o primeiro a desviar a atenção até ele.
Os lábios abriram-se no sorriso mais amigável que pôde, mas eu vi a
maldade e o ceticismo escondidos ali quando ele finalmente disse:
— Tudo maravilhosamente bem. — Então voltou sua atenção a mim.
— É sempre bom te ver, A. — Antes de se retirar, disse, por fim: —
Aproveitem a festa.
“Beijo as lágrimas que caem do seu rosto
Não vou ficar com medo, aquele é o antigo, antigo, antigo eu
Eu estarei lá, hora e lugar
Despeje em mim, tudo que você guarda
Guarda, está guardando
Tempo, o tempo só cura se trabalharmos nisso agora
E eu prometo que vamos resolver isso
Vou pegar sua dor
E colocá-la no meu coração
Eu não hesitarei
Apenas me diga por onde começar
Eu agradeço aos oceanos por me darem você
Você me salvou uma vez e agora eu vou te salvar também
Eu não hesitarei por você.”
Hesitate | Jonas Brothers
Eu não tinha ideia do que exatamente estava acontecendo com Aubree,
mas eu sabia que havia algo errado ali. Não que não fosse do seu costume
exagerar na bebida às vezes, e criar novas histórias constrangedoras para
incluir na sua lista de histórias constrangedoras enquanto bêbada, mas algo
me dizia que ela não estava bem.
O sorriso ainda era genuíno, e ela ainda estava me beijando como se
realmente gostasse muito de mim, mas a sua sugestão sobre shots de vodca e
a insistência em tomar mais doses do que ela, de fato, aguentava, deixavam
bem claro que havia alguma coisa que vinha lhe incomodando.
Eu também não estava para lá de sóbrio, mas definitivamente nem
chegava aos pés da porcentagem de álcool que parecia correr solto pelo corpo
de Bree. E quando seu amigo, Joshua, afastou-se e Aubree me puxou para
mais uma dose, fui obrigado a pará-la.
— Não acho uma boa ideia, Bree — comentei, por sobre a música da
festa, e um vinco formou-se entre suas sobrancelhas, triste. — Acho que você
já bebeu demais.
Ela soltou um riso nasalar.
— Que nada, Colton — disse, jogando seus braços ao redor do meu
pescoço e permitindo que seu peso recaísse quase todo sobre mim. Eu abracei
sua cintura, em uma tentativa de mantê-la de pé, e olhei no fundo dos olhos
que pareciam pesados demais. — Ainda nem cometi uma loucura hoje.
Torci o nariz.
— Ótimo, porque não sei se quero que você cometa uma.
— Por que não? — Uma sobrancelha arqueou-se na minha direção. —
Você adora minhas histórias de bêbada.
Não respondi. Ao invés daquilo, estudei seu rosto atentamente,
analisando cada mínimo detalhe em seus traços, à procura de algo que me
dissesse que ela não estava bem — algo além da quantidade de álcool
ingerida a noite toda. Os olhos castanhos alinhados aos meus brilhavam em
uma emoção que eu não sabia definir ao certo. Tudo o que sabia era que não
gostava do que via ali.
— Bree, está tudo bem?
Aubree piscou um par de vezes e franziu o cenho para a minha
pergunta, desvencilhando seus braços do meu pescoço para afastar-se
minimamente.
— Claro que está tudo bem. — As palavras saíram arrastadas. — Por
que não estaria?
Balancei a cabeça.
— Não sei, você só parece…
— Estou bem, Colton — cortou-me, com a voz agora um pouco mais
firme, mas logo abriu um sorriso suave e garantiu: — Estou bem, ok?
Apertando meus lábios, repousei minha mão na sua lombar e tratei de
começar a andar com ela para a saída daquela festa. Poderia estar sendo uma
ótima forma de me distrair das merdas que tinham a ver com Alec, mas não
estava sendo uma boa forma de distrair Aubree do que quer que estivesse a
incomodando.
Eu não era estúpido. E aquele sorriso suave dela não me convencia. Já a
conhecia por tempo suficiente para saber que tinha algo errado acontecendo.
Aubree, contudo, sequer pareceu notar que estávamos nos dirigindo
para o lado de fora do enorme salão de festas, até atravessarmos a porta de
saída e o vento gelado chocar contra nossas peles. Apenas então, seus olhos
adquiriram um brilho de descontentamento.
— Para onde estamos indo, Colton?
— Para casa, Bree — respondi, descendo a atenção para o celular, em
busca de um táxi. — Acho que já deu por hoje.
— Ah nãoooooo — resmungou ela, como uma criancinha. Sua mão
agarrou a minha em uma tentativa de me levar para dentro da festa, mas meus
pés nem ao menos se moveram. — Vamos beber mais. Preciso de mais vodca
para esquecer as merdas de hoje.
Automaticamente, levei minha atenção a ela, sem entender.
— Do que você está falando?
Aubree piscou, aturdida.
— O quê? — indagou.
— De quais merdas estamos falando aqui, Bree? — reformulei minha
pergunta.
Ela deu de ombros.
— De merdas.
— Merdas do tipo toda essa história com Alec? — indaguei, confuso.
Aubree pareceu pensar um pouco.
— É, acho que isso também.
— Também? — Meu cenho se franziu, e eu tentei vasculhar na minha
mente qualquer outro motivo, acontecimento ou notícia que pudesse ser
classificada como “merda” no dia de hoje, mas não encontrei porra nenhuma.
— Como assim “também”, Bree?
Algo voltou-lhe à memória. Tive certeza daquilo quando as
sobrancelhas uniram-se e ela se calou. Os olhos começando a brilhar como se
estivesse prestes a cair no choro. Mas foi só uma questão de segundos até que
ela os fechasse e balançasse a cabeça em negação. Quando voltou a abri-los,
eu não vi mais o ar choroso que antes ocupava as íris castanhas.
Puta que pariu.
Ela só podia estar mais bêbada do que eu tinha imaginado.
— Nada. — Soprou. — Acho que bebi demais.
Levantei uma sobrancelha na sua direção e abri um pequeno sorriso
para aquilo.
— Ah, você acha? — falei, em um tom divertido, e tratei de puxá-la
para mim em um abraço apertado.
Aubree afundou a cabeça no meu peito e envolveu os braços longos ao
redor do meu tronco. Eu a abracei, praticamente a protegendo com o meu
corpo do vento gelado que nos chicoteava com força enquanto esperávamos
pelo táxi. Senti que ela estava quase dormindo em pé. O corpo balançando
sutilmente de um lado para o outro deixava incontestável o fato de que ela
tinha exagerado até demais na bebida daquela vez.
Quando o táxi, enfim, chegou, eu a ajudei a escorregar para o banco
traseiro do carro e me sentei do seu lado. Bree deitou a cabeça no meu colo e
fechou os olhos, praticamente derrubada pela vodca. Durante os quinze
minutos de percurso até sua casa, fiquei atento a qualquer movimento por
parte dela, como medo de que acordasse passando mal e querendo vomitar
até suas tripas.
Felizmente, não foi o que aconteceu.
Com uma nota de vinte dólares, paguei o taxista — que não parecia
muito feliz com dois jovens bêbados e um deles a um passo de passar mal em
seu carro —, e acordei Aubree para tirá-la dali. Ela piscou algumas vezes, as
pálpebras pesadas indicando que agora sim a parte ruim da bebida parecia ter
batido à porta enquanto nós seguíamos lentamente rumo à entrada da sua
casa.
Havia apenas um abajur aceso ao entrarmos. Oliver e Tan já deveriam
estar apagados há tempos, mas ainda assim não quis correr o risco de acabar
trombando com um deles acidentalmente. Por isso, peguei Bree no colo e
subi as escadas depressa, voltando a respirar somente ao colocá-la sentada na
cama e trancar a porta do seu quarto.
— Cadê seu pijama? — perguntei em um sussurro, olhando em volta.
Aubree balançou a cabeça lentamente.
— Não tenho ideia.
— Porra, Bree. — Não consegui conter a vontade de praguejar,
começando a ficar estressado com o estado no qual ela se encontrava.
Seus olhos vieram aos meus, banhados de arrependimento, e eu me
senti um idiota no exato instante em que ela soprou um pedido baixinho de
desculpas.
Agachei-me à sua frente e me apoiei nos joelhos, para que ela pudesse
me olhar nos olhos.
— Tudo bem. — Minha mão procurou a sua. — Só estou preocupado
com você, droga. Como está se sentindo?
Ela balançou a cabeça.
— Nada bem.
— Quer vomitar?
— Não sei.
— Quer comer? — Tentei mais uma vez.
— Não sei.
Arqueei uma sobrancelha sugestivamente para ela e perguntei:
— Quer mais uma dose de vodca?
Aubree soltou uma risadinha e deu um soco de leve no meu braço, mas
antes que pudesse falar algo, os olhos arregalaram-se e ela levou a mão à
boca por um momento, congelando onde estava.
Imediatamente me coloquei de pé, alerta, já ciente do que aquele
pequeno gesto significava, e Bree logo se levantou para praticamente correr
até o banheiro e abraçar a privada. Eu fui logo atrás, segurando seus cachos e
tirando o elástico de cabelo do seu pulso para prender os fios da forma que
consegui.
Aubree continuou ali por mais uns quinze minutos, enquanto eu
acariciava suas costas e aguardava pacientemente que ela se sentisse melhor.
Quando finalmente pareceu não ter mais nada para colocar para fora, ela
esticou seu braço para dar descarga e se levantou atrás da escova e pasta de
dente.
Eu liguei o chuveiro e a ajudei a tirar a roupa enquanto ela escovava os
dentes, fazendo-a rir assim que arranquei a escova da sua boca para puxar a
blusa que ela trajava pela cabeça. Depois deixei um selinho nos lábios sujos
de pasta de dente e devolvi a escova a ela, abaixando para tirar sua calça
jeans.
— Então… — Comecei, escorregando sua calcinha pelas pernas
também. — Vai me dizer por que deu a louca hoje?
Aubree não respondeu quando me levantei. Tudo o que fez foi cuspir
na pia e bochechar com água ao mesmo tempo em que molhava a escova para
deixá-la desajeitadamente no suporte.
Eu levantei uma sobrancelha para ela.
— Bree?
— Não aconteceu nada — finalmente disse, as palavras ainda
embolando de leve, ao passar por mim para entrar no chuveiro.
Fiquei a encarando de onde estava, no aguardo de uma resposta um
pouco mais elaborada, mas não a obtive. Portanto, comecei a tirar minha
roupa para acompanhá-la na ducha rápida.
— Você não bebe vodca, Bree — observei, olhando fixamente para seu
rosto enquanto ela enxaguava seu cabelo. — Te conheço. Sei que aconteceu
alguma coisa.
Aubree abriu seus olhos e me encarou por um momento. Foi difícil
identificar que estava prestes a cair no choro em meio à água do chuveiro que
escorria por todas as partes dela, mas assim que ela permitiu que um soluço
escapasse por seus lábios, eu a puxei para junto de mim e a abracei com
força.
Imediatamente, Aubree começou a chorar. Nem pensou em conter as
lágrimas. Desabou nos meus braços como se algo terrível houvesse
acontecido e, por mais que eu não estivesse entendendo porra nenhuma do
que estava acontecendo ali, apenas a abracei de volta com toda a força que
pude. Depois, ajudei-a a lavar o cabelo e sair do box.
E ao nos deitarmos na cama, Bree chorou até que a dor em seu coração
fosse transmitida ao meu.
“Querido, você não vai retirar o que disse?
Diga que estava tentando me fazer rir
E nada precisa mudar hoje
Você não queria dizer: Eu te amo.”
I Love You | Billie Eilish

Minha cabeça estava a um passo de explodir ao abrir meus olhos


apenas para fechá-los novamente, devido à claridade. Sentia minha boca seca,
e uma sensação de azia começava a consumir todo o meu corpo à medida em
que eu tentava me acostumar com a luminosidade que transpassava pelas
cortinas entreabertas.
Não foi preciso mais que trinta segundos para que eu concluísse que
aquela era, provavelmente, uma das piores ressacas de toda a minha vida.
E, pior que aquilo, era saber que, mesmo com todo o esforço que fiz
noite passada para apagar a imagem de Joshua da minha cabeça, ele se
manteve firme e forte na minha mente. Mesmo com as infinitas doses de
vodca, cada uma das suas palavras seguia ecoando no meu consciente e
subconsciente, rondando em um ciclo infinito e mexendo com partes terríveis
de mim como ele sempre fizera.
Em uma tentativa de ignorar qualquer pensamento que envolvesse
Joshua Hayes, revirei-me no colchão, desconfortável, e senti meu coração
afundar ainda mais ao peito, como se houvesse um peso de quinhentos quilos
pressionando-o para baixo, ao me deparar com Colton apagado ao meu lado.
Imediatamente, um nó formou-se na minha garganta ao me lembrar da
minha crise de choro e dos braços dele me rodeando como se desejasse que
aquilo fosse o bastante para amenizar minha dor.
Viu só, meu subconsciente sussurrou para mim. Colton não é nada
como Joshua.
Pare de compará-lo com Joshua, meu consciente rebateu, em
reprovação. Compará-los nem deveria ser uma opção.
Mas não era aquilo que eu estava fazendo aquele tempo todo? Desde
que vi Colton pela primeira vez, eu os comparara.
Era inevitável.
Porque eles são iguais, soprou meu subconsciente novamente, e eu tive
vontade de mandá-lo à merda.
Iguais o caralho.
Pare com isso, Aubree, você está pensando demais.
E, no momento em que minha cabeça começou a doer ainda mais,
forcei-me a levantar da cama, em direção ao banheiro do meu quarto.
Céus, eu estava um caco. Lembrava-me claramente de Colton tentando
me ajudar a tirar o rímel durante o banho. Os dedões dele sendo passados
debaixo dos meus olhos com delicadeza, os olhos concentrados e os lábios
cerrados enquanto ele o fazia. Mas, aparentemente, não fora 100% bem-
sucedido naquela missão.
Pegando a escova, escovei meus dentes umas duas vezes, a fim de me
livrar do gosto terrível de ressaca que residia em minha boca. Por fim, prendi
meus cabelos para ensaboar o rosto e tirar os vestígios de maquiagem que
restaram. Tateando o ar à procura da toalha às cegas, com os olhos bem
fechados, sequei meu rosto e voltei a me encarar no espelho, praticamente
pulando de susto ao encontrar a figura de Colton encostada no batente da
porta.
Ele estava sem camisa, apenas com uma calça moletom que pendia na
sua cintura. Os lábios estavam apertados em uma linha tênue, e os olhos me
encaravam através do espelho, carregando um brilho indecifrável nas íris. Eu
me virei de frente para ele e me apoiei na bancada da pia atrás de mim.
Forcei um pequeno sorriso que o fez suspirar e desencostar do batente
para andar na minha direção e envolver-me em um abraço apertado. Com um
beijo no topo da minha cabeça, ele afastou seu rosto apenas o suficiente para
que conseguíssemos nos olhar no olhos.
— Como você está? — perguntou.
Eu inspirei fundo.
— De ressaca. — Fiz uma careta, o que o fez abrir um pequeno sorriso.
— Ah, sério? Essa ideia nem tinha passado pela minha cabeça.
Soltando um riso nasalar, desvencilhei-me dele e fui em passos
exaustos até a cama, permitindo que meu corpo recaísse no colchão
novamente. Colton veio logo atrás, e abriu um pouco mais a cortina antes de
se jogar ao meu lado.
Fincando um cotovelo no colchão, ele apoiou o rosto na sua mão, e me
observou com cautela.
Alinhei meus olhos aos seus e assim ficamos por um tempo, até que sua
mão livre encontrasse a minha para entrelaçar seus dedos nos meus.
Eu sabia que ele queria uma explicação para o que quer que tinha
acontecido ontem, mesmo que em momento algum ele tivesse pedido, de
fato, por uma. Ele merecia saber. Colton e eu nunca havíamos estabelecido
que estávamos oficialmente juntos, mas já era claro para os dois que, de
alguma forma, aquilo acontecera. E, bem, ele passou a maldita madrugada
toda cuidando de mim. O mínimo que eu deveria fazer em troca era lhe
contextualizar sobre os motivos que me levaram a descer naquele nível.
— O garoto que você conheceu ontem, Joshua… — Comecei, em um
sussurro doloroso. O nome deslizou pela minha língua de forma ácida, e eu
precisei de um momento para me recuperar e não perder a estrutura.
— O que tem ele? — Colton incentivou-me a continuar, após um
tempo em silêncio.
Engoli em seco, sentindo as palavras presas à garganta.
— Ele é meu ex-namorado.
E então aguardei pacientemente que ele afastasse sua mão da minha,
puto da vida por não ter lhe dito algo antes.
Não foi o que aconteceu.
Ao invés disso, Colton respirou fundo e deitou a cabeça no travesseiro,
bem ao meu lado. Os olhos cinza me estudaram por longos minutos, antes de
perguntar:
— Foi ele quem amarrou explosivos no seu peito?
Demorei um tempo para assentir, mas assim que o fiz, Colton também
balançou a cabeça, como se estivesse tentando entender.
— E você ainda sente algo por ele?
— Não — nem hesitei em responder. — Quero dizer, não da forma
como você está imaginando. Sinto muita coisa por ele, mas tudo o que sinto
são sentimentos negativos. Ódio, desprezo, nojo, mágoa…
— Então ele mexe com você — concluiu ele.
Apertei meus lábios porque admitir aquilo depois de tanto tempo era
ainda mais frustrante que a primeira vez em que percebi que estaria presa a
ele por, provavelmente, o restante dos meus dias.
— Mexe — eu disse, por fim. — E ele sabe disso. Não gosto dele,
Colton. Tenho medo dele, porque sei o quanto já fui manipulada e me
estressa saber que, de alguma forma, ele ainda tem esse poder sobre mim.
Todas as palavras e atitudes dele são estrategicamente calculadas pra infiltrar
minha mente e plantar a maldita semente da dúvida na minha cabeça. Ele
sabe que tem esse poder sobre mim e eu odeio essa merda.
— E então? — indagou Colton, e um ponto de interrogação formou-se
em meu rosto, o que fez com que ele reformulasse sua pergunta: — O que
aconteceu ontem, Bree? O que ele fez?
Engoli em seco, sem responder.
As palavras vieram-me à mente mais uma vez, e meu estômago se
revirou. Desviando meus olhos dos dele, olhei para o teto, sem saber ao certo
se queria mesmo compartilhar aquilo com ele.
Colton voltou a fincar o cotovelo no colchão para erguer o tronco e me
observar.
— Ele tentou alguma coisa com você, Aubree? Na hora que te deixei
sozinha com aquele cara, ele tentou algo?
Neguei rapidamente com a cabeça.
— Não. — Minha resposta saiu em um sopro. — Não tentou.
— Então o que foi que ele fez, Bree?
Procurei suas íris cinza e dei o braço a torcer, respondendo à sua
pergunta com um suspiro pesado:
— Ele disse coisas sobre você.
Uma ruga se formou na testa dele.
— Sobre mim? Mal conheço o cara.
Dei de ombros.
— Ele só te comparou com ele. Disse que eu tenho um tipo e que,
basicamente, você é o mesmo tipo de cara que ele é.
Colton soltou um riso nasalar.
— E você não acreditou nessa merda, né?
— Não — murmurei em um impulso. Minha voz saiu trêmula, e eu não
senti certeza o bastante nela para convencer nós dois disso, então tratei de
reforçar: — Claro que não. Nunca.
Suas íris me encararam fixamente, como se estivessem procurando pela
veracidade nas minhas palavras. Foi apenas após parecer satisfeito com o que
viu em meus olhos, que Colton suspirou e se curvou para deixar um beijo
rápido nos meus lábios.
— Tudo bem — ele disse, deitando-se e puxando-me para deitar
aninhada a ele, em seu peito.
Então seus dedos foram para os meus cabelos, emaranhando-se nos
meus cachos em um carinho lento. Eu soltei um suspiro, com muito alívio,
mas ainda um pouco de apreensão, e fechei meus olhos para me concentrar
no som do seu coração. O silêncio se estendeu por um longo período, mas
nenhum de nós pareceu se incomodar com aquilo.
Depois de um tempo, Colton levou seu rosto em direção aos meus
cabelos e beijou o topo da minha cabeça.
— Bree? — Soprou.
— Hm?
— Preciso fazer uma confissão da madrugada.
Tive vontade de rir.
— São dez horas da manhã, Colton.
— Desde quando nós respeitamos o horário para confissões da
madrugada? — ele rebateu, e eu soltei um riso em resposta.
Dando de ombros, eu disse:
— Bem, sou toda ouvidos.
Colton não falou de imediato e eu notei a hesitação percorrendo seu
corpo. Foram precisos alguns segundos até que ele finalmente se sentisse
confortável para confessar:
— Acho que amo seus cachos.
Franzi as sobrancelhas, sem esperar por aquilo, mas abri um sorriso em
seguida.
— Gosto dos meus cachos também.
Silêncio.
— Bree?
— Hm?
— Acho que não amo só os cachos.
Instantaneamente, senti meu coração parar sob o peito e a respiração
fugir dos meus pulmões. Precisei de um tempo para processar suas palavras e
entender o que estas significavam, levantando os olhos para encará-lo.
Quando minhas íris castanhas encontram a imensidão cinza que Colton
carregava consigo, ele abriu um pequeno sorriso e disse:
— Acho que amo cada particularidade sua. — Depois, voltou a me
puxar para ele, dando um beijo rápido na minha testa. — Só queria que
soubesse disso.
Deitei minha cabeça sobre o seu peitoral e pisquei.
Uma, duas, três vezes.
Não tinha ideia do que dizer.
Talvez um obrigada?
Entendia o que aquela confissão significava. Mesmo que não fossem
nas palavras diretas, entendi muito bem o que ele quis dizer com aquilo.
Tudo o que eu não entendia era o que sentir diante daquilo. Portanto,
apenas me calei.
Foi só após um extenso silêncio que confessei com sinceridade:
— Você ainda me assusta, Colton.
Ele suspirou.
— Eu sei, Bree. — Fez uma pausa. — É por isso que você ainda tem os
explosivos nas suas mãos.
“Oh irmão, vamos mais profundo do que a tinta
das tatuagens sob nossa pele
Embora não compartilhemos o mesmo sangue
Você é meu irmão e eu te amo, essa é a verdade
Estamos vivendo vidas diferentes
Só Deus sabe se voltaremos a ser como antes
Com todos os nossos dedos
5 anos, 20 anos, de volta
Será sempre do mesmo jeito.”
Brother | Kodaline

Batuquei os dedos na mesa mais ao canto do bar, e olhei mais uma vez
para a porta do Belly, à procura de Alec. Bree e eu havíamos voltado de
Bridgeport no domingo à noite, e assim que pisei no meu apartamento,
mandei uma mensagem a Alec, sugerindo que saíssemos para tomar uma
cerveja. Aquela história toda do seu pai e esclerose múltipla estava me dando
nos nervos há dias, mas Alec se recusara a me encontrar em Bridgeport de
qualquer maneira.
Daquela forma, no momento em que pisei em Nova York, mandei-lhe
uma mensagem. Ele demorou um dia inteiro para me responder e quando,
enfim, o fez, sua resposta foi:
“Só volto quarta. Minha mãe tá precisando de ajuda c/ minhas irmãs.
Emendou 2 dias de plantão. A gnt combina dps.”
Era claro que era apenas mais uma mentira da qual eu cairia facilmente
se não fosse pela descoberta de dias antes, mas eu não o culpava por aquilo.
Não tinha ideia das merdas pelas quais Alec Austin estava passando, mas, de
alguma forma, queria poder lhe demonstrar algum tipo de apoio. Talvez dizer
que sabia de tudo e que aquilo não mudava nada entre a gente.
Portanto, no mesmo dia em que ele disse que voltaria a NY, forcei-o a
ir tomar uma cerveja comigo. Nós costumávamos fazer aquilo no primeiro
ano da faculdade, mas com o passar do tempo, acabamos deixando aquelas
saídas de lado.
E, bem, agora lá estava eu. Sentado em uma mesa no Belly, aguardando
pacientemente Alec há mais de meia hora.
Olhei pela milésima vez o feed do Instagram, procurando algo que
pudesse me distrair enquanto esperava. Por fim, decidi ligar para Bree.
A ligação chamou um par de vezes.
— E aí? Ele chegou? — foi a primeira coisa que ela disse, assim que
atendeu à chamada.
Balancei a cabeça.
— Ainda não.
— Já mandou mensagem?
— Já.
Bree suspirou.
— Nada?
— Nada — eu disse, puxando a cerveja, já pela metade, de encontro à
minha boca. — Acha que ele vai mancar comigo?
— Não! — exclamou ela, mas eu notei a incerteza em seu tom. —
Claro que não. Você acha?
— Não sei. — Fui sincero. — Sinto que ele está me evitando.
Um silêncio estendeu-se na linha por um momento.
— O pai dele está doente, Colton. Não acho que seja tão fácil pra ele,
sabe?
Soltei um longo suspiro, e passei a mão pela testa.
— Tem razão. Só estou estressado. Parece até que essa merda está
acontecendo comigo.
— Segure as pontas, Colton — Aubree soprou. — Ok? Preciso
desligar. Marie Anne está chegando. Vamos comer pipoca e tomar vinho.
Sorri para aquilo e assenti com a cabeça mesmo que ela não estivesse
vendo.
— Tudo bem. — E quando ela estava prestes a desligar, eu falei: —
Bree? — Aubree não disse nada, aguardando que eu continuasse. — Pensei
em sairmos na sexta, só eu e você. O que você acha disso?
Silêncio.
Por um momento, pensei que a ligação tivesse caído, mas assim que
afastei o celular para ver que ela ainda estava na linha, franzi meu cenho.
— Aubree? — chamei por ela.
— Hm? — ela murmurou de volta. — Desculpa. O que foi que você
disse?
— Falei que poderíamos sair na sexta. Tipo um encontro.
— Claro. — Sua resposta veio após uma pausa extensa. — Pode ser.
Balancei a cabeça em confirmação.
— Ok.
— Ok — repetiu, seguido de mais um momento em silêncio. — Preciso
desligar. Conversamos depois, ok?
Dito aquilo, ela desligou. Sequer esperou por uma resposta da minha
parte.
Fiquei encarando a tela, sem saber como reagir àquilo. Tinham alguns
dias que Aubree andava muito esquisita e aquilo estava começando a me
incomodar. Eu não tinha ideia se aquilo se dava devido ao episódio do seu ex,
ou pelo fato de eu ter praticamente admitido que amava aquela mulher.
Talvez os dois. Não sabia dizer ao certo.
Tudo o que eu sabia era que ela não estava normal. Os dias que
sucederam aqueles acontecimentos em Bridgeport foram legais, seus pais
eram incríveis, mas havia algo que vinha a incomodando desde então. Tinha
certeza daquilo.
Eu só não estava entendendo exatamente o quê era e como amenizar a
situação.
Ela também não parecia muito aberta à um diálogo. Toda vez que eu
tentava — da forma mais sútil que conseguia — descobrir o que havia de
errado, Aubree me garantia que era coisa da minha cabeça.
Mas Bree sempre foi uma péssima mentirosa, principalmente quando se
tratava de ocultar os seus próprios sentimentos.
Contudo, antes que eu pudesse adentrar muito afundo naqueles
pensamentos, o banco à minha frente foi puxado para trás, e eu subi meus
olhos para encontrar a figura de Alec escorregando para se sentar ali.
As olheiras tomavam conta do rosto dele e a postura cansada, agora
mais do que nunca, parecia fazer total sentido diante da rotina louca e do
emocional provavelmente fodido que ele guardava apenas para si. Não me
lembrava quando foi que os cabelos de Alec ficaram tão compridos, mas, de
alguma forma, tive certeza de que ele apenas os mantinha assim devido à sua
falta de tempo para ir em uma barbearia e cortá-los.
— Foi mal o atraso, cara. — Ele começou, passando a mão pelos fios
bagunçados. — Acabei de chegar de Bridgeport. Peguei um puta trânsito.
Acredita nisso? Plena quarta-feira à noite e a estrada toda lotada.
— Não foi nada, Alec. Acabei de chegar também, fica tranquilo —
menti, para que ele não se sentisse mal com a demora, porque realmente não
tinha sido nada de mais. — Cerveja? — sugeri, mas ele balançou a cabeça,
negando.
— Acho que preciso de algo mais forte.
— Uísque?
Ele deu de ombros, e eu entendi aquilo como um sim. Virando o
restante do meu copo de cerveja, levantei-me para buscar uma dose de uísque
para nós dois, enquanto Alec aguardava na mesa para que não perdêssemos o
lugar.
Quando voltei, ele tinha os olhos fixos no celular, digitando
compulsivamente. Contudo, assim que a dose foi repousada à sua frente, ele
bloqueou o aparelho e agradeceu, bebericando o uísque quase que
instantaneamente.
Tentei parecer o mais natural possível — por mais que tudo o que eu
quisesse era fazer um maldito interrogatório com o cara —, e perguntei:
— Como foi seu feriado?
Alec apenas deu de ombros mais uma vez.
— Bacana. E o seu?
Imitei o seu gesto.
— Legal — murmurei, bebericando meu uísque. — Uma merda que
não nos encontramos.
— Pois é, cara. Uma merda. — Alec coçou a nuca, parecendo sem
jeito. — Acabou sendo um pouco corrido pra mim.
— Por conta do seu pai? — As palavras saíram em um impulso, e meu
amigo praticamente engasgou com o gole de uísque.
Eu me mantive inerte, encarando-o atentamente em meio às suas tosses.
Alec pegou um guardanapo e limpou sua boca, à medida em que
balançava a cabeça em negação. Mas os olhos não estavam focados em mim
enquanto este processava minhas palavras.
Foi só após um ou dois minutos que ele alinhou suas íris verdes às
minhas e disse:
— Não tenho ideia do que você está falando, Colton.
Precisei erguer minha sobrancelha, quase que em desaforo ao perceber
que ele realmente estava insistindo naquela mentira.
— Não? — minha pergunta saiu banhada de ironia. — Porque os pais
da Bree me pareceram bastante convictos de que Gavey Austin está no
estágio avançado de esclerose múltipla.
Seus olhos esquadrinharam cada centímetro do meu rosto, à procura de
algo que lhe dissesse que aquela conversa era coisa da sua cabeça. Pois bem,
não era. E eu estava puto demais, não só com ele — por ter escondido aquele
tempo todo a enorme bagunça que estava a sua vida —, mas principalmente
comigo, por nunca ter parecido me importar o suficiente para perceber que
Alec estava na merda aquele tempo todo e que era algo muito mais grave do
que apenas cuidar das suas irmãs.
Alec inspirou lentamente, e soltou o ar em seguida, largando o copo
para passar as mãos pelo rosto, derrotado.
— Não queria que vocês soubessem — ele confessou.
— Isso ficou bem nítido — rebati, sem conseguir evitar uma pequena
pontada de sarcasmo. — Só não consigo entender exatamente o porquê, Alec.
Apertando os lábios com força, Alec virou a dose toda de uísque e
deixou o copo sobre a madeira com uma certa violência. Em seguida, curvou-
se para mais perto e fincou os cotovelos na mesa.
— Não suporto o olhar de pena que todos começam a me dirigir depois
que descobrem sobre o estado de saúde do meu pai, Colton. Odeio essa
merda. — Houve uma pausa ali, para que ele inspirasse fundo. — Para todos
que sabem sobre Gavey Austin, eu sou só o cara fodido de vinte e dois anos,
com uma mãe beirando a depressão, quatro irmãs mais novas para cuidar, e
um pai no leito de morte. Mas para vocês… — Ele passou a mão pela barba
por fazer, pensando por um instante. — Para vocês, eu sou o Alec. Só Alec.
Sem essa merda toda que me assombra dia após dia, entende?
Era claro que, por um lado, eu não entendia. Se eu achava que a minha
situação familiar estava uma merda, mal conseguia imaginar como era para
Alec. Contudo, de alguma forma, eu conseguia simpatizar com aquele
pensamento e entender os motivos pelos quais ele não compartilhara nada
conosco. Afinal, eu não era muito diferente quando se tratava do meu pai.
— Você nunca vai deixar de ser quem é, para nós, Alec. — Fui sincero.
Meu tom era duro, para que ele soubesse que minhas palavras estavam
tomadas pela mais genuína verdade. — Mas isso faz parte de você, cara. E
não estamos aqui só para os momentos bons. Seja no paraíso ou na porra do
inferno, estamos com você. Só que não temos como saber e ajudar, se você
não diz merda nenhuma.
— Não há mais como ajudar, Colton — ele falou, sem nem hesitar, e eu
senti um leve tremor na sua voz. — Não tem nada que alguém possa fazer
por meu pai.
— Realmente, não tenho ideia do que posso fazer pelo seu pai, porque
mal o conheço e estou longe de ser um médico — eu disse. — Mas eu estou
falando por você, Alec. Você não pode mais ficar nessa rotina maluca. Eu já
tinha uma ideia de que, de uns meses para cá, essa coisa de Bridgeport e
Nova York, Nova York e Bridgeport, vinha sendo exaustivo pra você. Mas
agora que eu sei que, além da exaustão física, você está emocionalmente na
merda, estou preocupado pra caralho, porra.
Alec me encarou por um longo período, e um vinco se formou entre as
sobrancelhas, ao balançar a cabeça.
— Está vendo? — A mão gesticulou na minha direção. Os lábios
franzidos em desaprovação. — É disso que estou falando, Colton. Dessa
merda. Sem nem perceber, você já está me tratando como todos os outros que
descobrem sobre o estado de saúde do meu pai.
Abri a boca, levemente ofendido, porque aquilo não era verdade.
Ao menos, eu achava que não.
— Estou te tratando como sempre te tratei, Austin.
As sobrancelhas dele quase bateram no teto.
— Palpitando sobre a minha droga de rotina? — A pergunta veio em
desaforo. Abri e fechei a boca, sem saber como responder àquilo, e Alec
suspirou, genuinamente frustrado. — Não quero mais falar sobre essa merda.
— Alec… — Comecei, mas ele sequer hesitou em me parar com o
dedo indicador apontado entre nós, ameaçadoramente.
— Não quero mais falar sobre Gavey Austin ou nada que tenha relação
comigo e com a minha família, Colton. Entendo sua preocupação e sou grato
por isso, mas esse assunto e a forma como eu lido com isso, não tem nada a
ver com você.
A frustração tomou conta do meu peito e eu precisei apertar minha
boca para não mandá-lo à merda com a sua teimosia. Chegava a ser irritante a
forma como ele me via como apenas mais uma pessoa insuportável querendo
palpitar em cima das suas decisões, mas se Alec queria guardar todos os
problemas para si, aquilo era uma opção dele — independentemente do quão
frustrante ou não poderia ser para mim.
— Agora, temos duas alternativas — resmungou, girando o seu copo
vazio. Os olhos verdes subiram até os meus ao prosseguir: — Ou eu saio
dessa merda de bar, puto da vida porque você só me chamou aqui para falar
sobre isso, ou nós bebemos até cair e esquecemos que essa conversa existiu.
Qual vai ser, Colton?
Mantive-me em silêncio por um momento.
Nenhuma das alternativas, porra, era o que eu tinha vontade de
responder, mas não o fiz.
Ao invés disso, puxei a carteira do bolso e a coloquei na mesa com uma
certa violência, em um ato que antecedia a minha decisão forçada. Contendo
um suspiro e obrigando-me a abrir um sorriso para Alec, eu finalmente disse:
— Bebidas por minha conta, então.
Em retorno, Alec sorriu. Um sorriso que selava meu acordo com ele:
Bebidas até cair, e uma conversa da qual eu seria obrigado a esquecer.
Ao menos, por agora.
“Você e eu éramos tão, tão próximos
Talvez seja isso que dói mais
Está fora das minhas mãos
Eu fiz o que pude
Então eu prendo minha respiração.”
Younger | Ruel

Marie Anne:
Alfred Adler poderia enfiar o complexo de inferioridade no cu. Cansada de
estudar sobre esse cara e sua baixo autoestima.

Soltei um risinho silencioso e, em algum lugar próximo a mim, ouvi


Colton falando algo, mas estava concentrava demais digitando uma resposta
para entender exatamente o que ele dissera.
Aubree Evans:
Vc só tá falando isso pq deve estar se identificando com a parte em que ele
menciona pessoas preguiçosas.

— Bree? — Colton chamou minha atenção novamente.


Levei meus olhos até ele e, por mais que ele estivesse concentrado nas
ruas de Nova York, com as duas mãos no volante, entendi que estava
esperando por uma resposta.
— Desculpa, o que foi que você disse?
Ele suspirou.
— Perguntei se tem certeza de que quer mesmo ir ao Belly Bar. Pensei
em fazermos algo mais tranquilo. Talvez um cinema ou comer no Carmine’s.
Eu sabia o que era aquilo. Sabia o quanto ele queria que fôssemos a um
encontro encontro, e não algo mais casual. A diferença era que, ao contrário
de Colton, aquilo era exatamente o que eu estava tentando evitar.
— Acho melhor algum bar. Se não quiser o Belly, podemos ir em outro
— falei, com o tom mais suave que consegui, e sorri para ele.
Também sabia que aquilo estava longe de ser o que ele queria, mas
aquela foi a forma que encontrei de chegarmos em um meio termo. Porque,
honestamente, eu sequer tinha certeza se estava me sentindo a vontade com
aquela saída. Desde a festa que havíamos ido em Bridgeport e meu encontro
com Joshua, sentia que algo na minha relação com Colton havia mudado. Ou
melhor, algo em mim mudara e, seja o que fosse, estava afetando
negativamente na minha relação com ele.
— Vamos no Hill Country então — ele anunciou, mudando
completamente o percurso do carro.
Eu arqueei uma sobrancelha. Lembrava-me claramente de Marie Anne
insistindo para que fôssemos no Hill Country, pelo menos, umas oitenta
vezes desde que nos conhecemos, mas nunca havíamos tido a oportunidade
de ir, de fato.
— Bar Country? — Abri um sorriso.
Colton deu de ombros.
— Acho que precisamos de novos ares.
Seu comentário foi suave, assim como o sorriso que ele carregava no
rosto, mas eu senti uma pequena alfinetada. Tudo o que eu fiz, no entanto, foi
me manter calada.
Puxando o celular, digitei outra mensagem para Marie.

Aubree Evans:
Adivinha quem tá indo no Hill Country?

Nem meio segundo depois, Marie já havia respondido.

Marie Anne:
Traidora.

Apertei meus lábios para não rir, e foi apenas tempo de bloquear o
celular e guardá-lo na bolsa para que Colton entrasse no estacionamento do
bar e parasse o carro em uma vaga um pouco mais afastada da entrada.
Não me surpreendi com a quantidade de pessoas que ocupavam bar,
assim que o adentramos. Eram dez horas da noite de uma sexta-feira e o Hill
Country era um local bastante falado, portanto era de se esperar uma
superlotação.
— O que vai querer beber, Bree? — perguntou Colton, quando
finalmente conseguimos dois bancos no balcão do bar, um pouco mais
afastado da multidão. Pousando uma mão na minha coxa, ele perguntou: —
Tequila?
Pensei por um instante, mas então balancei a cabeça, negando.
— Acho que vou querer só uma água mesmo.
Ele piscou para a minha escolha, confuso. Um ponto de interrogação
formou-se em suas feições.
— Você insistiu que viéssemos para um bar, e vai ficar na água?
Foi minha vez de piscar.
Não tinha pensado por aquele lado, e sabia que, se antes não estava
claro, agora estava mais que evidente para Colton que aquela era uma
tentativa de evitar qualquer tipo de encontro romântico entre nós. Algo que,
por um momento, fez com que eu me sentisse mal. Mas, ao longo dos últimos
dez dias, aquela fora a única forma que encontrara de não relacioná-lo às
palavras de Joshua durante nossos momentos juntos.
Vi quando seu maxilar trincou por um momento, e, por mais que seus
olhos se mantivessem suaves, notei que ele tentava conter uma pequena
faísca de irritação.
Portanto, assim que o pedido foi feito e o barman se afastou para pegar
uma cerveja para Colton e uma garrafa d’água para mim, eu tentei amenizar o
clima entre nós.
— Como foi a conversa com Alec? — indaguei, genuinamente curiosa.
Os dois haviam saído duas noites atrás, mas devido à correria da
faculdade e ao ensaio de Colton ontem, ainda não havíamos tido tempo de
conversar sobre aquilo.
Ele deu de ombros.
— Inútil.
Fiz um biquinho.
— Como assim? Alec não disse nada?
— Ele disse. Mas fui basicamente enquadrado e submetido a uma
promessa de que não falaríamos mais sobre aquele assunto. — Colton bufou,
frustrado. — Alec não quer minha ajuda.
Agradeci com um sorriso quando um copo e uma garrafa d’água
pousaram na minha frente.
— Provavelmente nem sua pena — comentei, enchendo meu copo.
Colton bebericou sua cerveja.
— Muito menos minha pena.
— Pelo menos você tentou.
Ele ponderou.
— É.
— E, querendo ou não, a decisão de contar aos outros não é sua —
falei, depois de um longo gole da minha água.
— É.
— Você contou para alguém?
Colton se remexeu no banco, demorando para responder.
— Contei para Mason no dia que descobri. Preferi não contar para o
Chase agora, porque o cara não conhece o significado de segredo ou
privacidade.
Soltei um riso nasalar, obrigada a concordar com aquilo.
— Mason vai tentar falar com ele? — perguntei, e ele negou com a
cabeça rapidamente.
— Alec não sabe que ele sabe.
— Poxa… — Soprei, reflexiva, porque toda aquela situação era
péssima.
— Pois é. — Suspirou ele. — Uma merda.
Voltei meus olhos para Colton.
— Quanto tempo mais você acha que Alec vai aguentar sustentar essa
mentira?
Ele pensou por longos segundos.
— Ele parece bem determinado em ir até o fim com ela.
Apertei meus lábios.
— Espero que ele não surte. — Fui sincera. — Ninguém consegue
aguentar durante tanto tempo esse tipo de merda sozinho.
Colton passou uma mão pelo cabelo e tomou metade da sua cerveja em
seguida.
— Você não está ajudando, Bree — ele disse, ao bater com a garrafa na
mesa.
Encolhi os ombros.
— Foi mal.
Seus olhos me observaram por um longo momento em silêncio. A
expressão em seu rosto deixava claro que ele estava vagueando em
pensamentos e que, daquela vez, provavelmente não tinha relação nenhuma
com Alec.
Mantive-me calada, porque não sabia mais como estender o assunto e
acabar com a tensão entre nós.
Mas Colton pareceu fazê-lo por mim.
Com um pigarreio, ele tomou o restante da sua bebida e arrastou o
banco para trás, anunciando que precisava ir ao banheiro. Eu apenas assenti, e
retribuí seu sorriso assim que um beijo estalado foi deixado em meus lábios,
antes de sumir pela multidão.
Então soltei um suspiro, e voltei a encarar minhas unhas roídas por um
momento. Pegando meu celular, notei que Marie me mandara mais cinco
mensagens: quatro delas xingando Alfred Adler e sua psicologia individual, e
a última mensagem com uma ofensa direcionada sem pudor algum ao nosso
professor.
Eu estava digitando uma resposta pacífica para ela no momento em que
uma voz estranhamente familiar ressoou próximo a mim.
— A?
Instantaneamente, levei meus olhos até o dono dela, e precisei piscar
algumas vezes até processar a figura de Kevin Gorg a meio metro de
distância de mim. Ele estava mais alto do que eu me lembrava, e os cabelos
pareciam bem mais claros, como se os tivesse pintado ou passado muito
tempo exposto ao sol.
— Kevin? — perguntei, ainda sem acreditar naquela coincidência. —
Caramba! Quanto tempo.
Ele sorriu para mim, e, sem pensar duas vezes, sentou-se no banco em
que antes Colton estava sentado.
Kevin havia sido um grande amigo meu durante quase minha vida toda
em Bridgeport, mas de vários meses para cá, nós havíamos nos afastado
consideravelmente. Em parte, devido à distância e à rotina maluca de cada
um de nós, embora o maior motivo fosse muito além daquilo. Kevin havia
acompanhado todo o meu envolvimento com Joshua, e passado comigo por
quase todas as merdas que vivi com meu ex, mas uma hora tornou-se
exaustivo demais até mesmo para ele. Eu não o culpava. Hoje, entendia o
quanto os meus problemas estavam lhe fazendo mal.
— O que está fazendo em Nova York? — ele indagou, com um enorme
sorriso no rosto.
— Estou estudando na NYU agora. E você? Pensei que ainda estivesse
em Bridgeport.
Ele riu.
— Saí de lá na primeira oportunidade, A. Você sabe o quanto eu odiava
aquela cidade.
Sorri, porque me lembrava com clareza daquele detalhe.
— Está estudando onde?
— John Jay College — disse Kevin, com orgulho.
— Uau. — Levantei as sobrancelhas, genuinamente impressionada. —
Justiça Criminal?
Kevin confirmou, e então enganchou seu braço no meu pescoço para
me puxar para um abraço de lado.
— Caralho, A. Senti sua falta. Mesmo. — Ele bagunçou meus cabelos
antes de se desvencilhar de mim. — Nunca te vi pelo Hill Country. Estou
aqui quase todas as sextas.
— É a minha primeira vez aqui — expliquei.
Ele assentiu, e o sorriso em seu rosto cresceu.
— Bem, então para que essa seja uma noite memorável para você,
vamos beber. Esse encontro merece um brinde.
Mas eu tratei de balançar a cabeça no mesmo segundo, negando.
— Valeu, Kevin, mas não estou bebendo hoje.
— Ah, o que é isso? — Seu tom foi algo pendendo entre a
inconformidade e a diversão. — Só uma dose. Como nos velhos tempos. Eu
pago — insistiu ele, mesmo que eu estivesse recusando veementemente, e
sacou uma nota de dez dólares da carteira. A mão livre acenou para o barman
no mesmo instante em que ele espalmou a nota na bancada e disse: — Uma
dose de tequila para essa moça, por favor.
Contudo, antes que o barman pudesse sequer processar aquele pedido,
uma mão que não era pertencente a Kevin espalmou em cima do dinheiro
com tanta agressividade que eu arfei com o susto. Era Colton, com os olhos
cinza tomados por uma raiva contida.
— Acho que ela disse que não está bebendo, cara — disse ele para
Kevin. — Cai fora.
Franzi o cenho para aquela atitude. Já havia visto Colton com ciúmes
uma vez antes daquilo, mas algo na forma como ele parecia furioso, tanto por
dentro quanto por fora, fez meu estômago se revirar. Portanto, tratei de
alcançar sua mão, em uma tentativa de sinalizar que estava tudo bem, mas ele
mal pareceu sentir o meu toque. Os olhos continuavam bombardeando Kevin
como se ele fosse uma enorme ameaça.
— Colton, está tudo bem — garanti.
Gostaria de deduzir que ele não ouvira minha frase, no entanto meu
tom fora alto o suficiente para que chegasse de forma audível aos seus
ouvidos. Mesmo assim, ele nem ao menos olhou para mim. Ao invés disso, o
tronco se curvou ainda mais para perto de Kevin quando ele disse:
— Vou precisar repetir?
Os olhos do meu amigo fugiram de Colton até os meus, e não foi
preciso mais que um segundo para que eu soubesse exatamente o que ele
estava pensando.
Kevin me acompanhara em quase toda a minha luta para conseguir me
desvencilhar do relacionamento completamente abusivo que Joshua havia
criado entre nós. Com Joshua, eu não podia sair com meus amigos, usar
roupas curtas, beber mais que uma lata de cerveja, e, se qualquer cara
chegasse perto de mim, a noite se encerrava com Joshua saindo na porrada
com quem quer que fosse ou berrando a plenos pulmões comigo, como se eu
tivesse culpa de algo.
E eu vi. Nas íris escuras de Kevin, vi tudo aquilo que via quando
Joshua e eu ainda estávamos juntos. Vi um misto de sentimentos como
preocupação, tristeza, mas, principalmente, decepção. Era quase como se seus
olhos gritassem para mim “não acredito que você está nessa roubada mais
uma vez”.
Engoli em seco, sentindo um nó formar-se na minha garganta.
Queria poder gritar de volta que não era nada daquilo que ele estava
pensando, que Colton e Joshua não eram nem um pouco parecidos. Mas o
quanto eu tinha certeza daquilo?
Contudo, eu não disse nada.
Levantando-se em silêncio, Kevin lançou-me uma última olhada antes
de se afastar sem nem contestar.
Colton continuou encarando-o até que ele sumisse da sua vista e, por
fim, sentou-se ao meu lado. Fixei meus olhos na bancada do bar, tentando
assumir as rédeas da minha respiração, que estava começando a ficar
descompassada. E, em algum canto próximo a mim, escutei Colton
murmurando algo para alguém.
— Bree? — ele chamou por mim, puxando-me de volta à realidade. —
Quer mais uma água?
Subi minha atenção até a imensidão cinza que Colton carregava nos
orbes e tratei de manter a compostura. Não havia mais raiva ali. Ele estava
calmo e centrado mais uma vez. A acidez no meu estômago, contudo,
permaneceu intacta, juntamente ao amargor na boca assim que eu a abri para
respondê-lo:
— Na verdade, acho que quero ir pra casa, Colton.
Uma expressão confusa formou-se em seu rosto.
— Acabamos de chegar — foi o que ele disse, e não foi preciso uma
resposta para que ele entendesse que algo não estava de acordo.
Ele piscou, mas não contestou mais.
Arrastando a cadeira para trás em silêncio, Colton foi pagar o que
havíamos consumido enquanto eu esperava sentada. E, menos de cinco
minutos depois, nós já havíamos saído do bar e atravessado o estacionamento
até o carro em silêncio.
Eu não disse uma palavra no caminho de casa, e ele também não, mas
duvidava muito que não fosse insistir no assunto em algum momento. Desde
o episódio com Joshua, algo realmente havia acontecido entre nós, e não em
um sentido exatamente positivo. Algo em mim não estava certo, e talvez
aquilo não tivesse nada a ver com Colton de fato, mas, sim, comigo e com os
traumas que Joshua criara em mim.
Quando entramos no elevador do prédio, eu abracei meus braços. Não
porque estava com frio, mas porque estava me sentindo exposta demais
diante dos olhos de Colton analisando-me atentamente.
Também prendi a respiração, nervosa, voltando a soltá-la somente no
instante em que o barulho do elevador indicou que chegamos ao nosso andar.
As portas se abriram e eu saí de lá em uma passada considerável. Meu peito
estava uma bagunça e, daquela vez, nenhum pensador conseguiria amenizar
ou silenciar os inúmeros pensamentos que rodeavam minha mente de forma
ensurdecedora.
— Bree — Colton chamou por mim antes que eu pudesse pegar a chave
do meu apartamento, e tocou meu pulso para que eu pudesse parar de andar e
olhá-lo por um instante. Eu assim o fiz, encontrando seu olhar banhado por
confusão e preocupação genuína. — O que está acontecendo com você?
Não respondi de imediato.
Apertando meus lábios, esperei que os sentimentos aflitivos
simplesmente sumissem do meu peito, mas, como previsto, aquilo não
aconteceu. Fazia exatamente dez dias. Dez dias que aqueles sentimentos
residiam em mim toda vez que eu pensava em Colton. Toda vez que nós
saíamos, transávamos, conversávamos. Às vezes com mais intensidade, às
vezes com menos. Mas estavam ali. E aquilo estava me matando por dentro,
porque ele não tinha a mínima ideia do quanto sua presença subitamente
passara a me machucar, mesmo que fosse sem intenção alguma.
— Muita coisa. — Fui sincera, sentindo o coração encolher em meu
peito. — Tanta coisa, Colton.
Seus olhos me esquadrinharam por um longo momento, em um misto
de calma e confusão, e seu corpo deu dois passos para mais perto de mim.
Puxando minha mão para envolvê-la com as suas, Colton sussurrou:
— Então converse comigo, Bree. Por favor. Me mata te ver assim e não
poder fazer nada a respeito.
Recolhi minha mão da sua e uma pontada de dor irrompeu em meu
peito. Meus olhos fugiram dos seus, incapaz de encará-lo.
— Isso não tem nada a ver com você, Colton.
E, por mais que eu não estivesse o olhando de fato, tive certeza de que
um vinco formou-se entre suas sobrancelhas.
— Não importa, Aubree. — Houve uma pausa para que ele se
aproximasse consideravelmente de mim e envolvesse meu rosto com suas
mãos, praticamente forçando-me a encará-lo. — Eu amo você. Estou aqui
com você. Então me deixe te ajudar. Converse comigo. Pelo amor de Deus,
Bree.
Parti meus lábios, mas, por um momento, nada saiu por ali. Porque a
verdade era que ele não tinha como me ajudar. Ninguém tinha. Joshua
deixara enormes feridas no meu coração, das quais eu pareci bastante
convicta de que haviam sido curadas até a chegada de Colton na minha vida
me mostrar que estavam longe daquilo. Sequer haviam sido remendadas antes
de Colton, e não havia nada que ele pudesse fazer por mim quanto aquilo.
Senti um amargor em meu estômago. Subindo para os meus pulmões e
esmagando meu coração quando eu cheguei à última conclusão que gostaria
de chegar.
— O problema estava aqui antes de você chegar, Colton. Consertar isso
não é tarefa sua.
Ele piscou, tentando entender. Os olhos assumiram um novo ar, agora
tomados por um quê de pânico.
Colton balançou a cabeça. As mãos antes espalmadas nas minhas
bochechas, recaíram ao lado do seu corpo, mas ele não parecia ter abraçado a
ideia da desistência ainda.
— Isso tem alguma relação com seu ex, Aubree?
Soltei um suspiro trêmulo.
— Eu não sei, Colton.
Fechando seus olhos, ele apertou a ponte do nariz entre os dedos.
— Só me diga como posso ajudar, Bree — praticamente implorou, ao
voltar a alinhar suas íris às minhas.
Uma dor consumiu meu peito, porque vê-lo desesperado daquela forma
apenas me lembrava de tudo que havíamos prometido um ao outro quando
ele deixara os explosivos nas minhas mãos. E saber que eu estava a,
provavelmente, um passo de acioná-los, fez com que uma lágrima
percorresse meu rosto.
— Você não pode — sussurrei em dor. — Esse é um problema que
tenho que resolver sozinha.
Seu maxilar trincou, e o corpo ficou tenso.
Não tinha ideia se ele estava furioso diante da minha resposta, ou
prestes a cair em prantos, mas o que quer que fosse, estava fazendo com que
a agonia tomasse conta de cada centímetro de mim.
— O que você quer dizer com isso?
— Não sei — confessei, encarando o chão.
Colton deu um passo a frente.
— Bree, olhe para mim. — Seu tom foi duro, como uma ordem, mas eu
não o fiz. Não consegui. — Olhe para mim, Aubree — ele repetiu, mais
ríspido que antes, e daquela vez fui obrigada a obedecê-lo.
Alinhando meus olhos aos seus mais uma vez, notei a mágoa neles.
Diferente do tom severo, Colton carregava apenas dor com ele.
Dor, dor, dor.
— Eu disse que os explosivos estavam nas suas mãos — sussurrou ele.
— Todas as decisões são suas. O controle é seu. Mas, por favor, Bree… Não
os acione agora.
Instantaneamente, um nó formou-se na minha garganta.
— Eu não vou — garanti em um sopro, e alcancei sua mão para apertá-
la. — Não agora. Mas preciso disso, Colton. Preciso desse tempo.
Analisando-me por mais incontáveis segundos, ele assentiu.
— Tudo bem. — E colocando minha mão em seu peito, ele disse: —
Mas saiba que meu coração está com você.
Olhei-o no mais fundo dos seus olhos que pude para que ele visse a
certeza em mim quando eu concordei.
— Eu sei.
Um dos cantos dos seus lábios levantou-se em um sorriso doloroso, e
ele puxou-me para perto e me abraçou, depositando um beijo rápido em meu
rosto. Então arrastou sua boca lentamente para mais próximo da minha
orelha.
— A uma porta de distância — sussurrou, antes de se afastar.
Tirando as chaves do meu apartamento do bolso, tentei disfarçar o
choro com um sorriso.
— A uma porta de distância — repeti as palavras dele.
Colton assentiu sutilmente com a cabeça e manteve seus olhos fixos
nos meus.
Foi somente ao entrar em meu apartamento e girar a tranca, que percebi
que talvez o meu coração também estivesse a uma porta de distância.
Quebrado e dolorido, mas, ainda assim, com ele.
“Ok, olha, eu sou honesto.
Garota, eu não posso mentir, eu sinto sua falta
Você e a música eram as únicas com as quais eu me comprometia.”
Shot For Me | Drake

— Alguma notícia de Terry Albini? — Chase cortou o silêncio entre


nós, esparramado no sofá enquanto jogava continuamente uma bola de tênis
para cima, pegando-a no ar em seguida.
— Quem? — Alec perguntou, da poltrona que estava sentado,
parecendo mais interessado no celular do que na conversa de fato.
Mason e eu trocamos olhares.
— Terry. Albini — disse Chase, pausadamente. — Nosso produtor,
conhece? Aquele que comentou sobre uma possível tour pelo país em alguns
meses.
— Ah. — Alec bloqueou seu celular e levou seus olhos verdes até seu
amigo. — Nada.
— Você não ligou? — indagou Mason para ele, que piscou, confuso.
— Não. — Deu de ombros. — Ele disse que iria nos posicionar caso
tivesse alguma notícia quanto a isso.
Os caras bufaram para a reposta. Eu, contudo, apenas voltei a encarar o
teto branco do meu apartamento em silêncio. Porque, ao mesmo tempo em
que entendia toda a ansiedade por uma confirmação de tour, gostava de saber
que ainda éramos apenas quatro caras, com uma banda qualquer, que faziam
sua grana em meio a pequenas apresentações de bar e aberturas de shows.
Gostava daquilo, da mesma forma como adorava a ideia de uma tour.
Contudo, antes que alguém pudesse falar algo, a porta de entrada se
abriu e Lake passou por lá com Ben Peterson em seu encalço. Os dois riam
de algo que não soube dizer ao certo, mas o fato do melhor amigo de Layken
estar ali no meu apartamento, chamou minha atenção.
Fazia alguns dias que Bree e eu não nos víamos. Eu estava tentando dar
a ela o espaço que ela pedira, mas nem sempre aquilo parecia uma tarefa
fácil. Meus dedos coçavam a cada dez minutos para lhe enviar uma
mensagem, e me peguei na frente de sua porta duas vezes sem nem perceber.
Era quase como um impulso.
O fato dela estar tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe, acabava
comigo.
E, por mais que tivessem se passado apenas cinco dias, queria saber
como ela estava e o que estava fazendo. E nada melhor que a presença de Ben
Peterson — vulgo a Wikipédia humana da NYU — ali para tirar informações
sobre Bree, sem, de fato, perturbá-la.
— Oi, gente. — Ben nos cumprimentou com um aceno, após tirar suas
botas e pendurar seu casaco no cabideiro.
Lake fez o mesmo que ele e, em passos rápidos, veio até nós para
deixar um selinho em Mason e pegar a caixa com os restos de pizza que
repousava na mesinha de centro.
— Ben e eu temos trabalho para fazer — anunciou ela, ao enfiar um
pedaço na boca, e caminhar em direção ao corredor. — Não procurem por
nós.
— Au revoir — cantarolou seu amigo, no encalço de Lake.
Estreitei meus olhos para o corredor pelo qual os dois haviam acabado
de sumir, e pensei na melhor forma de enquadrar Ben e arrancar informações
dele. Não queria saber muito. Num geral, só queria saber se Bree estava bem.
E eu não sabia como, mas não haviam dúvidas de que o melhor amigo de
Lake carregava todas as respostas que eu procurava.
— O que vocês acham de jogarmos alguma coisa? — sugeriu Mason, já
se esticando para alcançar o controle de videogame.
Chase deu de ombros e pegou um controle para si.
Alec, contudo, negou.
— Tenho trabalhos atrasados da faculdade pra entregar — disse ele, e
levantou-se para pegar seu casaco. — Inclusive, temos ensaio amanhã às oito
da noite.
— Ok, pai — disse Chase, mais entretido no jogo que Mason iria
escolher, do que em Alec, de fato.
Os olhos de Alec vieram aos meus, e eu vi a relutância por trás deles.
Tentei ignorar o fato de que eu sabia que, provavelmente, aquela era só
mais uma mentira do meu amigo, e me levantei.
— Também tenho umas coisas pra resolver — murmurei, desviando
minha atenção de Alec, mas notei o instante em que ele suspirou, quase como
se estivesse aliviado pela minha falta de implicância, e deu o fora do
apartamento.
Chase e Mason já estavam em outro mundo quando passei por eles em
direção ao corredor. Contudo, meus pés não me levaram até meu quarto, mas
sim até a porta do quarto da minha irmã.
Nem hesitei entrar.
Instantaneamente, os olhos de Lake e Ben vieram até mim, à medida
em que eu andava até a cama de Layken e me jogava ao seu lado. Ben estava
sentado na cadeira de escrivaninha dela, com um laptop no colo e o cenho
franzido sutilmente diante da minha aparição.
— Qual parte do “não procurem por nós” você não entendeu? — disse
minha irmã, revirando os olhos para mim.
Dei de ombros.
— Só estou tentando ser um bom anfitrião.
— Tarde demais. Ben já sabe que você é um babaca há meses. — Um
sorriso idiota abriu-se nos lábios da garota. — Não é, Ben?
Ben olhou para mim. Então para Lake.
— Não me coloquem no meio disso.
Ela bufou.
— O que você quer, Colton?
— Nada. Só vim encher o saco — respondi, com o maior quê de
ingenuidade que consegui.
Minha irmã, entretanto, não pareceu muito convencida com meu tom,
pois não demorou a estreitar os olhos na minha direção.
— Você definitivamente quer alguma coisa — analisou. — E isso
definitivamente tem a ver com Ben.
— Comigo? — Ele praticamente cuspiu a palavra. O polegar apontava
para seu próprio peito como se aquilo fosse uma espécie de absurdo.
Franzi o cenho para Lake.
— Você é tão convicta de si, Layken — murmurei, em ironia. — Acha
que sabe de tudo, não é?
Ela mal piscou.
— Na verdade, não acho nada disso. Só não sou burra. Vi seus olhos
brilhando quando Ben apareceu na porta de casa.
— Eu? — indagou Ben, mais uma vez.
Eu apertei meus lábios e a estudei. Ao perceber que realmente não teria
como escapar da super-análise de Layken Reed, dei o braço a torcer.
— Tudo bem. — Suspirei, levantando minhas mãos na altura do rosto,
rendendo-me. — Eu realmente vim falar com Ben.
— Arrancar informações de Ben — ela corrigiu.
— De mim? — Ben pronunciou-se mais uma vez, descrente.
No mesmo instante, Lake e eu voltamos a atenção até ele para
responder em uníssono:
— Sim, Ben. De você.
Ele ficou em silêncio por um momento, processando aquela
informação. Assim que o fez, fechou o laptop que estava no seu colo e o
repousou na mesa.
— Não tenho notícias sobre Aubree Evans. — Foi direto ao ponto.
— Impossível. — Eu ri. — Você sempre tem notícias de todos.
— De Aubree não. — Ben deu de ombros. — Talvez fosse mais fácil
se você tentasse arrancar alguma informação de Marie Anne. Não de mim.
— E ser jogado da janela? — Arqueei uma sobrancelha. — Acho que
passo.
Ben abriu a boca, como se finalmente houvesse se recordado de algo.
— Ahhhh, verdade! Foi você que iludiu a melhor amiga dela.
Então foi minha vez de abrir a boca, ofendido porque aquilo
obviamente era uma mentira.
— Ok. Claramente você não é uma fonte confiável — murmurei,
levantando-me da cama para dar o fora. — Pare de espalhar mentiras por aí.
Nunca iludi a amiga de Marie Anne.
— Eu não espalho nada — rebateu Ben. — Só informo.
Dei de ombros e caminhei até a porta.
— Chame como quiser.
Contudo, assim que toquei a maçaneta, Ben voltou a se pronunciar:
— Um dia desses a vi saindo do prédio de Psicologia com Harry
Origon, mas tirando isso, não tenho nenhuma outra notícia. Aubree Evans
parece ser uma garota reservada.
Mas aquilo foi o suficiente para aguçar minha curiosidade e voltar a
girar nos calcanhares.
— Você acha que eles estão saindo? — A pergunta saiu por entre os
meus lábios antes que eu pudesse me conter.
E por mais que meu tom estivesse banhado por um desespero, algo
dentro de mim dizia que Bree jamais faria algo do tipo.
Ben piscou.
— Você não acabou de dizer que não sou uma fonte confiável?
— Mudei de ideia.
Lake revirou os olhos e se ajeitou no colchão, dizendo:
— Pelo amor de Deus, Colton. Você está parecendo um maníaco.
Pensei por um instante, e então fui obrigado a concordar, porque eu de
fato estava parecendo um maldito stalker quando o assunto era Bree, porém
jamais concordaria com Layken Reed em voz alta. Daquela forma, apenas lhe
lancei o dedo do meio e saí do seu quarto, batendo a porta atrás de mim em
seguida.

Eram quase quatro horas da manhã quando eu bufei, irritado pra cacete
com os meus pensamentos a mil. A música clássica no andar de baixo havia
começado há mais ou menos meia hora, e desde então, eu não conseguira
mais pregar meus olhos. Parte daquilo se dava pela música irritante, mas eu
sabia que o real motivo ia muito além do som.
Aubree Evans não desgrudava dos meus pensamentos há dias, e, em
meio à situação em que eu me encontrava — com o vizinho ouvindo sua
música clássica de sempre e meus olhos cravados no teto há tempos —, eu
estava começando a ficar nostálgico.
Algo que estava longe de ser um bom sinal.
Soltando um longo suspiro, revirei-me na cama pela milionésima vez e
encarei meu celular, sentindo uma batalha começando a ser travada em meu
peito.
Não, sussurrou minha mente para mim.
Sim, sussurrou a merda do meu coração.
E eu o fiz.
Em um impulso, alcancei meu celular na mesa de cabeceira e procurei
pela conversa de Bree.
Nem pensei duas vezes antes de digitar uma mensagem e apertar o
botão de enviar.

Colton Reed:
Tá acordada?

Encarei o celular por infinitos minutos, e senti meu coração palpitar no


peito quando três pontinhos começaram a dançar na tela. Um sorriso se
esgueirou por meu rosto ao ver sua resposta, feliz em saber que eu não era o
único nostálgico naquela noite.

Aubree Evans:
Curtindo uma música clássica.

Revirei-me nos lençóis, até ficar sentado.


Pensei.
Digitei.
Apaguei.
Mas logo dei o braço a torcer e voltei a digitar.

Colton Reed:
Que tal uma pizza?

Os três pontinhos dançaram por um milésimo de segundo, e logo


sumiram.
Continuei a encarar a tela fixamente, como se minha vida dependesse
daquele momento. Queria tanto que ela dissesse sim. Só queria vê-la, escutar
sua risada e admirar seu sorriso. Passar meus dedos pelos cachos e ouvi-la
falando sobre os seus momentos mais embaraçosos de vida.
Esperei.
Os pontinhos surgiam e sumiam.
Até que, enfim, uma nova mensagem apareceu em minha tela. Nela,
três pequenas palavras antecediam a dor no meu peito:
Melhor não, Colton.
“É você, é sempre você
Se um dia eu me apaixonar, será por você
É você, é sempre você
Conheci muitas pessoas, mas ninguém é como você
Então, por favor, não quebre meu coração
Não me faça despedaçar
Eu sei como isso começa, confie em mim, eu já me machuquei antes
Não me quebre de novo, sou delicado
Por favor, não quebre meu coração
Confie em mim, eu já me machuquei antes

Eu já me machuquei, sim, eu conheço a sensação
De se abrir e depois descobrir que o amor não era real
Eu ainda estou sofrendo, sim, estou sofrendo por dentro
Estou com tanto medo de me apaixonar, mas se for por você, então vou
tentar.”
It’s You | Ali Gatie
Reli a mesma página do meu livro de Desenvolvimento Humano pela
quarta vez consecutiva, tentando focar no que diabos Erik Erikson tentava
dizer com a tal da teoria do desenvolvimento psicossocial. Não fazia sentido
algum na minha cabeça, mas eu tinha quase certeza de que aquilo só estava
acontecendo devido às minhas noites mal dormidas.
Ao não obter sucesso na quinta tentativa, fechei o livro. O relógio
beirava uma hora da manhã e eu estava exausta.
Que se dane Erik Erikson e o desenvolvimento psicossocial. Minha
cama parecia infinitamente mais interessante naquele momento.
Portanto, tomando o restinho de café que sobrara na xícara, fui até a
cozinha com o intuito de deixá-la nem que fosse um pouquinho mais
organizada antes de me deitar. Meus pés, contudo, mal alcançaram a pia,
porque nem meio segundo depois, batidas na porta fizeram meu coração
palpitar no peito.
Não pelo susto diante do som instantâneo preenchendo o ambiente
silencioso.
Longe daquilo.
Meu coração parecia uma montanha russa porque só havia uma única
pessoa plausível que poderia estar batendo à minha porta em plena
madrugada de terça-feira.
E no instante em que girei a maçaneta, confirmei minha teoria.
À minha frente, estava Colton Reed, com os cabelos despenteados e a
calça moletom que ele costumava usar para dormir. As íris cinza estavam
fixas nas minhas, banhadas por um misto de sentimentos que eu não soube
identificar ao certo. Não o julgava por isso, porque tinha quase certeza de que
minhas feições transpareciam exatamente o mesmo que as dele.
Havia um aperto em meu peito e um nó formando-se na minha garganta
por vê-lo ali, depois de exatamente onze dias do ocorrido no Hill Country.
Mas, acima daquilo, havia uma alegria imensa residindo em meu peito e uma
pitada de nervosismo.
— Oi — eu disse, tentando segurar as pontas.
Diferente de todas as outras vezes, ele não entrou. Apenas recostou seu
ombro no batente da porta e soprou de volta:
— Oi.
Esperei, mas Colton apenas me encarou, como se estivesse me vendo
pela primeira vez em anos. Uma das pontas dos seus lábios estava levantada
em um sorriso sutil.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, desconfiada.
Seu sorriso cresceu.
— Vim te ver.
Contive a vontade de sorrir de volta.
— Você não invadiu minha casa hoje — observei, o que o fez erguer
uma sobrancelha em resposta.
— Sou um cara educado agora — ele brincou, e eu soltei um riso
nasalar, balançando a cabeça sutilmente.
Meu peito apertou em saudade.
— É sério, Colton. O que está fazendo aqui? — indaguei novamente, a
espera de uma resposta concreta daquela vez.
Colton se aprumou, desencostando-se do batente da porta, e procurou
meus olhos com os seus.
— Vim te ajudar a superar os seus traumas da mesma forma que você
ajudou a superar os meus.
Pisquei, em uma tentativa de processar suas palavras.
— Recitando teses malucas de psicanalistas loucos? — perguntei, com
um tom bem humorado, embora parte de mim realmente estivesse curiosa
com o plano aparentemente mirabolante dele.
Colton riu.
— Aí é que está o problema. — Ele apontou um dedo indicador para
mim, antes de deixar a educação de lado e invadir meu apartamento como
sempre fizera. Nem protestei. Grande parte de mim estava extremamente feliz
por tê-lo ali. — Não conheço esses seus psicanalistas malucos e até tentei
estudar sobre, antes de vir falar com você, mas minha noite acabou comigo
babando em cima de um livro sobre os mecanismos de defesa de Freud. —
Colton sentou-se na mesa na qual eu estava estudando antes, e puxou um dos
meus cadernos para si. — Então eu apelei para filmes de romance e umas
lives no Instagram sobre como superar um trauma. Ajudaram, devo confessar.
Mas, então, eu encontrei um livro. “Assinado, Sua”, conhece?
Tentei conter a vontade de rir e balancei a cabeça, negando.
Ele continuou:
— Não li inteiro, devo confessar.
— É claro que não — eu disse, nem um pouco surpresa.
— Mas eu passei o olho. — As sobrancelhas se arquearam, como se
aquilo fosse motivo de muito orgulho.
— Já é alguma coisa — ponderei, sentando-me de frente para ele, na
mesa de jantar.
— E aí que vem a parte incrível disso tudo — continuou Colton, com
os olhos brilhando em empolgação. — Em um certo ponto do livro, ela
escreve uma carta para um cara.
Franzi o cenho, confusa com o rumo daquela conversa. Os pontos
apenas começando a se ligar no instante em que ele abriu meu caderno e
arrancou uma folha em branco, posicionando-a na minha frente em seguida.
— Na carta, algumas coisas me lembraram você.
— Eu? — Arqueei as sobrancelhas, surpresa, e peguei, hesitante, a
caneta que ele estendia para mim. — O que está fazendo, Colton? Como
diabos um papel e uma caneta podem me ajudar em alguma coisa?
Ele demorou para responder.
Os olhos me analisaram atentamente, ao abrir sua mão sobre a mesa,
em um pedido silencioso para que eu a segurasse.
Daquela vez, eu não hesitei.
A onda de eletricidade percorreu minha espinha quando nossas peles se
tocaram, e eu senti meu coração apertar em dor e expandir em ardor diante do
nosso toque.
Seu rosto aproximou-se apenas o suficiente do meu e um sorriso suave
abriu em seus lábios ao dizer:
— Escreva uma carta para Joshua.
Na mesma hora, fiz uma careta, e afastei minha mão da sua.
— O quê? — Minha voz saiu um pouco mais alta que o planejado.
Havia um quê de inconformidade ali. — Nem fodendo.
Colton manteve-se inerte. Os olhos sem desviar dos meus por um
segundo sequer.
— Bree. — Meu nome dançou na sua língua, suavemente. O apelido
fazendo com que meu estômago desse um giro de trezentos e sessenta graus.
— Costure as feridas que ele deixou abertas no seu coração.
Forcei-me a encará-lo de volta, mergulhando na imensidão cinza de
suas íris, à procura de algo que eu mal sabia dizer ao certo o que era.
E eu encontrei.
Atrás dos orbes que brilhavam para mim, encontrei tudo aquilo que eu
precisava: segurança, sinceridade e amor.
Aquilo não tinha relação alguma conosco. Estava claro que Colton não
estava ali por nós. Colton estava ali porque, acima de nós, ele se importava
comigo e queria me ver bem. E não era preciso palavras para que eu chegasse
àquela conclusão.
Seus olhos já diziam tudo.
Então eu inspirei profundamente e dei o braço a torcer.
Minha atenção fixou-se na folha de papel em branco, em uma batalha
interna do que dizer.
Coloque tudo para fora, minha mente soprou.
Bem.. Foi o que eu fiz.
Comecei a escrever até que minha mão estivesse dolorida e meus olhos
marejados. Mal sabia quanto tempo havia ficado ali, mas a carta rendeu a
frente e o verso da folha, antes do último ponto.
Durante todo o tempo em que escrevi, Colton manteve-se em silêncio.
E quando, enfim, acabei, precisei de mais cinco minutos para me
recuperar do que quer que estava acontecendo em meu peito agora.
— Colton? — Quebrei o silêncio com minha voz trêmula. Meus olhos
subiram aos do garoto à minha frente, e eu dei uma última fungada que
antecedia a minha decisão. — Não quero enviar isso para Joshua.
Colton não respondeu de imediato. Ficou pensando, até que balançou a
cabeça e, em relutância, começou:
— Bree…
Mas eu o cortei.
— Quero queimar essa carta.
Imediatamente ele se calou.
O pomo de adão subiu e desceu, à medida em que ele engolia em seco.
— Queimar? — perguntou, como se tivesse ouvido errado.
Eu assenti.
— Só assim vou conseguir derrubar todas as barreiras que Joshua criou
no meu subconsciente — expliquei.
Ponderando, Colton por fim levantou as mãos como se estivesse se
rendendo e disse:
— Bem, você é a psicóloga aqui. Eu sou apenas um mero aprendiz. —
Deu de ombros, levantando-se, e eu não pude evitar rir. — Tem certeza de
que não vai tacar fogo no prédio durante o processo?
Sorri, levantando-me também.
— Tenho.
— Nem acionar o alarme de incêndio?
— Espero que não.
— Qualquer coisa, jogamos a culpa no Mason.
Eu ri e concordei, enquanto fazíamos nosso percurso até a cozinha.
Colocando-me de frente para a pia, inspirei fundo, sentindo meu
coração bater descompassado no peito. Minhas mãos tremiam, e eu não tinha
ideia se era de nervosismo, ansiedade ou medo.
Como se pressentisse minha angústia, Colton envolveu meu corpo por
trás, e apoiou seu queixo no meu ombro em uma tentativa de me mostrar que
eu não estava sozinha naquela.
Funcionou.
Com uma dose de coragem e os olhos marejados, olhei para o papel
com todos os meus traumas, frustrações e medos.
Acendi o isqueiro.
Por fim, permiti que as chamas consumissem tudo aquilo que me
afligia e transformassem meus traumas com Joshua em cinzas.
Que fiquem apenas os aprendizados, soprei para mim mesma.
Meus olhos se fecharam ao ver o fogo se apagar na pia, e tratei de focar
na dor que sumia vagarosamente do meu peito, juntamente às chamas.
Atrás de mim, senti Colton movimentar-se apenas o suficiente para
deixar um beijo delicado na minha clavícula. Os braços ainda me envolviam
e os dedos acariciavam minha pele com cuidado.
E fora ali, em meio ao extenso silêncio e ao seu peito colado às minhas
costas, que eu pude concluir uma única coisa:
Meu coração também era seu.
Sempre foi.
— Preciso fazer uma confissão da madrugada — sussurrei, movendo-
me para alinhar meus olhos aos seus. Colton lançou-me um olhar curioso,
incentivando-me a continuar. Com o coração batendo com força sob o peito,
envolvi minhas mãos nas suas e continuei: — Estou largando os explosivos,
Colton. Não preciso mais deles.
Silêncio.
Seus olhos me analisaram atentamente, com um sorriso se abrindo em
seu rosto. As íris começavam a brilhar em uma felicidade genuína à medida
em que ele processava minhas palavras.
Suas mãos apertaram as minhas.
— Estou tão orgulhoso de você — sussurrou. — Você merece ser feliz,
Bree.
E assim que as palavras saíram da sua boca, eu o beijei com tudo o que
havia em mim, porque não havia mais dúvidas de que eu merecia ser feliz,
sim. Mas preferia que fosse com ele.
A princípio, Colton pareceu um pouco surpreso, mas não demorou para
que ele aprofundasse o beijo com uma certa ternura. Uma das mãos subiu
para a minha nuca e a outra agarrou minha cintura, enquanto seu corpo
pressionava-se ao meu, contra a bancada da pia.
Sorri entre um beijo e outro, e separei minha boca da sua com um
selinho.
— Agora somos só você e eu.
Colton alinhou suas íris às minhas.
— Sem explosivos?
Espalmando minha mão bem acima do seu coração, selei uma promessa
entre nós:
— Sem explosivos.

FIM.
Não sou muito boa com as notas de agradecimentos, mas tenho muito a
quem agradecer. Primeiramente, a você, leitor, que chegou até aqui. Obrigada
pela oportunidade de se aventurar na história de Colton e Aubree. Significa
muito para mim, sempre.
Em segundo lugar, gostaria de agradecer a Thailane Vieira, que me
acompanhou durante todo o processo de Broken Love, auxiliando-me não só
com o fato da personagem principal ser negra — já que este não é meu lugar
de fala —, mas também com diversas pesquisas e referências dos
psicanalistas e das teorias citadas ao longo do livro.
Um enorme obrigada também a Mariana Luchessi, Laís Paula,
Stephanie Goulart e LowPoet. Pode estar escrito apenas “Bruna Garret” na
capa, mas esse livro definitivamente não seria o mesmo sem vocês.
Por fim, obrigada a todos que me apoiam como autora. Tanto os
leitores que chegaram agora, quanto os que me acompanham há um tempo.
Serei eternamente grata a vocês.

Com amor,
Bruna Garret.

[1]
Esclerose Múltipla: doença neurológica, crônica, progressiva e autoimune. Isso
significa que as células de defesa do nosso corpo atacam nosso próprio sistema nervoso –
como se ele não pertencesse ao nosso organismo, causando lesões no cérebro e na medula.

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