Você está na página 1de 7

Livro Lilith & Mia

Page 1 of 7
Prólogo
Honestamente, eu odeio pessoas. Mas no momento eu não odeio ninguém mais do que odeio a
mim mesma, não sei o que deu em mim quando, por breves segundos, achei que daria certo e que
ele seria diferente.

Contextualizando, semana passada um carinha da minha faculdade me chamou pra sair nessa
sexta, e depois de alguns instantes debatendo se aceitaria ou não, eu decidi que não tinha como
ser tão ruim. Vejo agora que estava enganada. Estou em um restaurante, sentada sozinha em uma
mesa para dois, há mais de 45 minutos, tendo que aturar os olhares de pena vindo de outros
clientes, além de já ter pedido para o garçom "voltar daqui a pouco" umas 7 vezes. Eu sabia que
não deveria ter aceito o convite, e me odeio por isso.

Enquanto me odeio internamente noto que uma garota entra sozinha no estabelecimento e senta
na cadeira vazia posta do lado oposto à minha, sem entender nada, olho em volta tentando
absorver a informação, as pessoas parecem menos tristes por mim, mas continuo confusa. No
que parecem horas, apesar de serem poucos segundos, a menina na minha frente decide falar.
"Oi, desculpa a demora, peguei um super trânsito no caminho pra cá." Ela me olha e fala comigo
como se nós de fato nos conhecêssemos, e logo em seguida sussurra mexendo o menos possível
a boca. "Meu nome é Olivia, só entra no jogo!"

"Oi, não se preocupa, quer ir pedindo algo pra beber enquanto decide o que vai comer?" Entro no
jogo, afinal, não tem como a noite ficar pior e gastei tempo demais escolhendo minha roupa para
simplesmente ir pra casa sem nem jantar decentemente.

A menina, que só agora noto, tem cabelos ondulados na altura dos ombros e de um castanho
claro, exceto pelas pontas roxas e rosas, chama o garçom e pede dois cardápios, quando ele dá as
costas ela vira em minha direção e volta a falar.

"'Tô pensando em pedir só uma água, e você?" Ela pergunta como se a situação fosse
completamente cotidiana na vida dela.

"Acho que vou só na água também, obrigado." Falo sem muita certeza.
Ela acena e assim que o garçom chega com os cardápios ela me entrega um e volta a atenção
para o funcionário.
"Me vê duas águas da casa, moço?" O garçom assente e vai buscar o pedido. Eu apenas observo
ele se retirar, ainda me questionando se isso tudo é real ou se desmaiei de fome e é tudo um
sonho, quando ela volta a falar comigo. "Sabia que é lei? Os estabelecimentos são obrigados a
proporcionar água filtrada de graça para os clientes"

"Não...?”falo, soando mais como uma pergunta do que qualquer outra coisa. "É bom saber, na
verdade, 4 reais em uma garrafinha de 500ml de água com plástico é um roubo."

Page 2 of 7
"Exatamente!" Exclama animada com o preço cobrado em uma das maiores necessidades básicas
do ser humano. "Mas e aí, já decidiu o que vai pedir? O idiota que te largou aqui esperando deve
ter te deixado com fome." Rio da forma que ela fala, quase amarguradamente, como se realmente
estivesse brava com o moleque.

Depois que fizemos o pedido, FINALMENTE, decido perguntar o que vem me importunando
pelos últimos dez minutos.

"Então... sem querer ser mal agradecida ou algo do tipo... mas assim, quem é você? E por que
decidiu que seria interessante sentar na mesa de uma completa estranha?"

"Ah, um amigo meu trabalha aqui então janto aqui quase sempre, aí te vi e pensei "Nossa, quem
seria burro o suficiente pra deixar uma tchutchuca dessa jantar sozinha?". Então decidi vir ver se
de fato vc tinha levado um bolo, o que aparentemente aconteceu. E já disse, yo soy Olivia"

Demoro alguns segundos para digerir todas as informações já que Olivia, que fez questão de
lembrar com o pior sotaque espanhol possível, jogou uma enxurrada de informações em alguns
segundos.
"Espera, tchutchuca? Quem fala isso?" Pergunto morando agora o adjetivo usado para se referir a
mim e querendo, de fato, saber quem usa essa expressão no dia a dia. Principalmente com
alguém que acabou de conhecer.

“Não importa, por que é verdade. Mas é ai? Vai contar quem foi o maluco que te deixou aqui?”
Pergunta em um tom quase impaciente descartando tudo que eu disse. Decido que não vai matar
ninguém jogar a real.

"O nome dele é Thiago, apesar de perecer um babaca, quando me chamou pra sair essa semana
pensei que não fosse tão ruim, parece que julguei errado.”

“Entendo, consigo imaginar ele igualzinho aqueles playboys padrãozinho de ensino médio
americano, sabe? Tipo Archie Andrews” Dou uma das minhas primeiras risadas genuínas da
noite.

“Você deve ser ótima em julgar pessoas sem conhecê-las, por que você descreveu exatamente
com quem ele parece.” Digo ainda rindo da precisão na qual ela descreve o menino. “Espera,
conhece Riverdale!?” Falo com leve empolgação pelo gosto em comum.

“Ah não, não não não não não. Não me diz que gosta desse treco, pelo amor de Deus.”
Rio de novo, dessa vez de seu desespero, como se gostar de Riverdale fosse o maior crime que
alguém poderia cometer. Talvez devesse ser.

“Não, não mais. Mas confesso que gostava há alguns anos atrás. Na época da primeira e segunda
temporada, quando ainda era assistivel. Consegui por algum milagre começar a ver até a quarta
temporada, mas não aguentei nem a metade, via mesmo só pelo amor da minha vida.”

Page 3 of 7
Ela solta um suspiro de alívio. “Amém, por um momento comecei a me arrepender de ter sentado
aqui. Mas é exatamente isso, as duas primeiras temporadas são aturáveis mas depois fica muito
nada a ver.” Ela concorda. “Mas esse tal de amor da sua vida, não me diz que é o Archie, apesar
de justificar você ter aceitado sair com o babaca.”

Percebo como ela simplesmente não vai me deixar esquecer de que levei um pé na bunda e lanço
uma cara de paisagem que descreve exatamente meu humor sobre o assunto.

Ela não parece nem um pouco afetada. Legal. Decido ao menos me defender, ainda tenho algum
orgulho em mim.

“Não, ele nem é tudo isso… o Archie no caso. ‘Tô falando do meu marido dos sonhos, Cole
Perfeito-Sprouse.”

“Okay, justo. Ele é realmente maravilhoso, pelo menos ainda lhe resta um fundo de bom gosto
pra homem.” Assim que ela termina a ofensa fantasiada de elogio, nosso pedido chega.

Faço uma nota mental pra voltar aqui mais vezes, nem comi ainda mas o cheiro vale os 20 reais
de Uber até aqui.

Ao longo do jantar o assunto, surpreendentemente, não morre e nem fica com aquele silêncio
deprimente, sabe? Nos poucos momentos onde a conversa morria ficava um silêncio confortável
que quase sempre era quebrado por algum comentário de Olívia sobre algum cliente do
restaurante (como quando ela disse que o cabelo de uma senhora parecia o pelo de um poodle
velho). De início achei que seria errado rir, mas logo percebi que nenhum comentário era
realmente maldoso então entrei na onda.

Não pedimos sobremesa, já que ficamos tão imersas na conversa que os funcionários quase
tiveram que nos expulsar de lá. Agora, voltando pra casa, percebi o quanto precisava desse
momento e o quão bom ele foi, temos alguns interesses em comum, o que contribuiu bastante
para a conversa não morrer, ela sempre falava de forma entusiasmada sobre tudo, o que achei
quase fofo.

Estou deitada na minha cama pensando em como nem tudo vem para o mal e quase pulo da cama
quando me dou conta de que esqueci de fazer o óbvio, pegar o número da garota. A noite foi tão
boa e passou tão rápido que esqueci de perguntar pelo menos se ela tinha Instagram, parabéns
Beatriz, você é oficialmente a bissexual mais burra da Terra.

Page 4 of 7
Capítulo 1
É segunda-feira. Ninguém gosta de segundas-feiras. E sabe o que ninguém mais gosta? Primeiro
dia de aula. Pois é, e eu me encontro agora em direção a faculdade para o primeiro dia de aula
em plena segunda-feira, aí você pensa “Nossa! Q horrível!” e eu lhe digo que não.

Apesar de ser predominantemente introvertida, e claramente reclamar de tudo que da


minimamente errado, essa nova época da minha vida vem me deixando animada por qualquer
tipo de coisa, o que é bom já que eu estava completamente estressada até algumas semanas atrás.

(É isso que acontece quando você só ingressa para uma faculdade, você passa nervoso até sair o
resultado, e constantemente tem em mente que dependendo do resultado você pode voltar a
morar com seus pais até chegar aos trinta anos e eles te expulsarem de lá. Tá, não é pra tanto,
mas, deu pra sacar onde quero chegar.)

Há duas sextas-feiras aconteceu uma das situações mais aleatórias e inesperáveis que é possível
imaginar. Conhecer Olivia foi de estranho, para divertido, para frustrante em questão de poucas
horas e estou há 15 dias me perguntando do por que de eu ser assim. O que é mais frustrante
nisso tudo? Saber que não há nenhuma chance, NENHUMA MESMO, da gente se esbarrar por
aí, já que São Paulo é gigante e milhões de pessoas circulam por aqui diariamente.De qualquer
forma, já superei minha burrice (em partes) e o que me resta é seguir a vida apenas com as doces
memórias feitas naquele restaurante (sim, contém ironia, ninguém fala assim). Ao menos, a
lembrança daquele dia me deixa de bom humor sempre que lembro dele.

Quando dou por mim mesma já estou na estação do metrô que tenho que descer e por muito
pouco não fico presa na porta, mas não penso muito nisso, já que não seria a primeira vez que
isso aconteceria no último ano que moro aqui.

Vou começar hoje o segundo ano de administração, em uma universidade qualquer, porque ainda
não faço ideia do que quero para a minha vida aos 21 anos de idade. Quer dizer, o que eu de fato
quero é poder conhecer o mundo sem muita preocupação só que pra isso preciso de dinheiro; e
pra ter dinheiro eu preciso de um emprego que pague minimamente bem; e pra isso, adivinha, eu
preciso de um diploma.

Por isso eu me encontro aqui, começando o segundo de um curso nem tão legal assim em plena
segunda feira.

Quando decido que esse quase monólogo mental não vai me levar a lugar nenhum percebo que já
estou no corredor da sala que preciso estar em… 3 minutos atrás, legal.

Desde que vim pra São Paulo fazer faculdade minha rotina foi aos poucos se tornando típica de
um paulista, faço as coisas por instinto praticamente, porque todo dia faço os mesmos percursos
para os mesmos lugares, para fazer a mesmas coisas. Me acostumei com isso apesar de odiar ter
essa vida parada, se é que da pra chamar assim, já que São Paulo não para (NUNCA!).

~•~

Page 5 of 7
Saio da aula tarde da noite, exausta, só querendo estar na minha humilde caminha quando ouço
alguém me chamar na porta da faculdade.

“Lili! Espera aí!” Infelizmente reconheço a voz do cidadão me chamando, e ela pertence ao
infeliz que me largou no restaurante não muito tempo atrás, tudo bem que foi graças a ele que
tive uma noite super legal e tal, mas ele ainda é um idiota.

Vinícius é um pouco mais alto que eu com seus 1,80 de altura, então tenho que olhar levemente
pra cima pra falar com ele, o que me tira do sério mais do que necessário, além daquele cabelo
castanho claro que é bagunçado demais pra ser por acaso (na minha cabeça ele fica pelo menos
15 minutos arrumando ele todo dia). Sem contar aquele par de olhos verde escuro que estão ali
só pra completar o pacote de "menino padrão mimado bancado pelo pai".

“Pode fazer o favor de não me chamar assim, a gente mal se falou duas vezes. E o que você
quer? Me chamar pra outro jantar e me largar plantada em outro restaurante?” Minha voz exala
irritação e imagino que Vinícius tenha neurônios suficientes pra notar isso.

“Calma gatinha! Só quero conversar sobre o que aconteceu aquele dia.” Ok, talvez eu tenha
superestimado a quantidade de neurônios presentes na cabeça vazia do guri. Sem contar que esse
apelido escroto só me faz querer morrer. “Não pude ir aquele dia porque meu voo de volta
atrasou e não consegui te mandar mensagem avisando porque meu celular caiu no mar. Quem
derruba o celular no mar, meu?”Ah não, o sotaque paulista já é demais pra mim.

“Idiotas, Vinícius pepperoni, idiotas derrubam o celular no mar.” Volto a liberar minha falta de
paciência. Mesmo que, talvez, eu já tenha feito coisas bem piores antes (como perder o celular
dentro de um tênis, pós dias), mas nada que ele saiba ou precise saber.

“Meu sobrenome é Tartaglione! Nem ao menos parece com pepperoni!” Parece sim, ele só é
orgulhoso demais para admitir que isso que ele acabou de falar quase rimou. “E você tá me
chamando de idiota? Qual a necessidade disso cara? Não te fiz nada.”

“Não, realmente, só me largou plantada num restaurante lotado por quase uma hora, sozinha e
sem nenhuma notícia se estava vivo ou morto. Faz assim, me erra guri, antes que tu fique sem os
quatro dentes da frente. Fui!”

“Awww então você tava preocupada se estava tudo bem, sabia que essa dureza toda era só
fachada!” Enquanto fala ele decide que é uma boa ideia se aproximar e tocar meu braço, como se
tivesse o mínimo de intimidade para tal ato.

E essa é a gota d’água. Sem responder coloco o fone de ouvido e continuo andando antes que ele
seja capaz de pensar em me gritar, de novo, no meio da rua e vou pra casa. Achei que o dia seria
pacífico, e até foi até certo ponto, mas é aquilo né, alegria de pobre dura pouco.

~•~

Page 6 of 7
Nesses últimos tempos venho me questionando, mais refletindo, se sou honesta. A vida coloca
pessoas na nossa vida em momentos que a gente menos espera, seja em um encontro por acaso,
seja em um lapso de coragem na qual você nunca descobre de onde veio. Mas, seja qual for a
forma e a razão dessas pessoas caírem de paraquedas na nossa vida, elas sempre passam e
deixam um marco para trás. Independentemente se for um relacionamento amoroso ou não, se
durou muitos anos ou poucas horas e se foi bom ou ruim. Todo mundo tem, pelo menos uma,
história de alguém que surgiu de uma hora pra outra na vida e que hoje pode nem fazer mais
parte dela, que seja uma mísera história na qual você nem mesmo se recorda o nome do
indivíduo.

Se você chutou que a causa dessa reflexão super profunda e repentina foi a Olívia, você está
absolutamente certo. Vim pensar sobre isso depois de aceitar que nós duas nunca mais nos
veremos. Parece pessimista da minha parte, mas só estou sendo realista (as chances são mínimas,
pra não dizer nulas). E, mesmo que eu nunca mais a veja, ela deixou uma marca, uma memória
que não vou esquecer tão facilmente e uma história maluca que vai ser contada em todas as
oportunidades que aparecerem. Assim como todas as histórias dos encontros imprevisíveis que
todo mundo já teve em algum momento.

Page 7 of 7

Você também pode gostar