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Capítulo 03 - Te Odeio

Felipe pediu para me levar para jantar depois do trabalho, mas


eu recusei, fui para casa. Falei que podíamos ir no dia seguinte.
Ficamos conversando até dar a minha hora de entrar no trabalho.
Perguntei se ele não trabalhava, mas ele estava de férias e eu comentei
que em uma semana também sairia de férias e ele se empolgou muito
com a ideia.

Foi inevitável não pensar nele durante todo o dia. A cada cliente
que me abordava em busca de um livro, era nele que eu pensava. Eu
buscava caixas de livros e repunha as prateleiras, separava pedidos e
ele estava na minha mente.

Saí da livraria as 22:00 como todos os dias e fui direto para a


entrada do metrô Brigadeiro. Estava muito absorto com a música no
fone.

Eu passei pela catraca, desci a escada rolante, andei apressado


pela plataforma da linha verde até onde pararia o primeiro vagão no
sentido Vila Madalena, senti o vento se deslocando e em seguida o
trem chegou, quando as portas se abriram apenas entrei e observei as
pessoas no vagão, absortas nos celulares. Quando o trem parou na
Consolação saí de frente com o túnel que ligava a linha verde com a
amarela. Quando pisei na esteira, reparei que não havia nenhuma
propaganda. Nenhum anúncio de uma série da Netflix, que parecia ser
a maior anunciante daquele espaço, apenas a parede de concreto cinza.
Em todo o percurso que fui levado pela esteira, era apenas o concreto e
eu. E a única mensagem que eu recebia daquela falta de propaganda
era que por apenas um dia ninguém iria anunciar para milhares de
pessoas que cruzavam aquele túnel. Mas aquele anúncio estava sendo
o melhor de todos. Minha vida estava soterrada por concreto de uma
cidade que não sabia que eu existia e provavelmente decidiu me
pregar uma grande peça com esse Felipe.

Eu lhe dei o benefício da dúvida. Talvez ele realmente não


quisesse me fazer mal. Acho que ele deve ser uma ótima pessoa. No
segundo túnel antes de chegar na plataforma da linha amarela, ele me
roubou o primeiro sorriso. Não lhe daria esse crédito, mas por um
segundo toda essa ironia parecia compreensível.

Quando cheguei em casa, finalmente resolvi quebrar o silêncio,


nunca guardei tanto tempo um segredo assim da minha irmã.

Nossa diferença de idade é de apenas dois minutos e quarenta


segundos.

- Bruna aconteceu algo. - Ela estava deitada na cama, com o tablet


na mão, o fone no ouvido e parecia bem concentrada no que ela estava
vendo. Mas respondeu sem olhar para mim.

- Isso eu já sabia, você está bem estranho há alguns dias.

- Eu sei. - Ela ainda não olhava para mim. - Eu conheci alguém. -


Eu vi o seu olho desviar vagarosamente da tela e em resposta devo ter
erguido uma sobrancelha pelo seu desinteresse. - O que você está
assistindo?

Ela clicou com o dedo a tela da tablet, tirou o fone e se sentou na


cama, olhando para mim.

- Rogue One. Mas me diga, o que aconteceu?

- Eu conheci um cara, o nome dele é Felipe.

- Hum.

- Por que você está agindo assim? O que aconteceu?

- Nada, Lui. Pode falar. - É óbvio que tinha acontecido algo. Por
um segundo tentei repassar na minha mente se eu tinha dado alguma
mancada com ela, mas não me veio nada em mente. Resolvi passar por
cima, se ela não fazia questão de falar eu também não faria questão de
saber.
- Imagina o cara mais lindo que você conseguir idealizar na sua
cabeça.

- Você sabe o meu tipo.

- Okay. Imagina aqueles galãs de Hollywood bonitos, com belos


sorrisos e corpos musculosos.

- Tudo bem. - Como já era previsível, ela era bem difícil de se


impressionar, cética.

- Então, tem uns dez dias que esse cara me parou saindo do
trabalho e disse que me amava.

- Sério isso? Como assim? Um cara muito bonito te parou no


meio da rua e disse que te amava? - Isso pareceu quebrar um pouco o
gelo dela.

- Sim, eu sei. Parece mentira, um absurdo e difícil de acreditar.

- Me conta mais.

Então contei para ela do primeiro encontro, dos subsequentes


com os copos de café e do dia da chuva e de hoje com o café
na Starbucks, contei qual foi o motivo dele de querer me conhecer e
contei sobre as coisas que conversamos até dar a minha hora de entrar
na Livraria. Ela estava relutante em assimilar essa história e estava com
uma cara de preocupada.

- E o perfil dele no Facebook?

- Não tenho.

- Instagram? Foto do perfil do Whats?

- Não tenho nada disso. Não trocamos nada.

- Você não pediu?


- Pedi, mas ele disse que não... precisava.

- Luiz Augusto! - Ela ficou indignada.

- Bruna, eu não me chamo Augusto.

- Você também não é imprudente.

- Nós vamos jantar amanhã depois que eu sair da livraria.

- Nem preciso falar que isso vai ser um erro.

- Por isso que estou te contando, para não ser um erro. Okay?

- Você quem sabe. Só toma cuidado.

- Talvez ele seja uma boa pessoa.

- Nós também achávamos do...

- Não precisamos falar dele. Okay? - Eu a interrompi. Ela sabia o


quanto eu estava desgastado daquele assunto. Me levantei e fui tomar
banho, comer algo e logo ir dormir, pois meu dia seria mais longo que
o normal amanhã, já que iria jantar com o Felipe.

Eu odiava ficar brigado por qualquer motivo que seja com a


Bruna. Sempre fomos bastante companheiros e ela devia ter percebido
todo o meu estranhamento.

Enquanto jantava eu fiquei imaginando se fosse o contrário, se


acontecesse isso com ela. Eu provavelmente seria bem cético, teria todo
tipo de discurso possível para fazê-la mudar de ideia.

Eu estava tomando um copo de suco de laranja e comendo


bisnaguinhas com requeijão quando ela veio e me abraçou por trás.

- Desculpa, Lui.
- O que está acontecendo? - Ela se sentou na minha frente a mesa,
pegou a minha mão e me olhou fundo nos olhos. Tínhamos os mesmos
olhos castanhos, mas o olhar dela era bem mais sagaz, como se eu não
pudesse esconder nada dela.

- Eu só não quero que você sofra. Desejo que você seja feliz. Eu
bem sei o quanto você precisa que coisas boas te aconteçam. Só que o
que você me contou, está errado, talvez esse cara tenha problemas
psicológicos terríveis. Isso não existe de se apaixonar. A gente já leu
livros suficientes para saber que esse lance de amor à primeira vista
não existe.

- Você tem razão. Fique em paz, eu acho que ele não quer me
fazer mal nenhum. Só está confundindo as coisas. Ele foi bem sincero
hoje quando conversamos, resolvi lhe dar o benefício da dúvida.

- Lembra quando nossos pais falavam que não era pra gente
aceitar doce de estranhos?

- Sim.

- Some ao  'quando a esmola é demais o santo desconfia'.

- Fique em paz. - Eu sorri com todo esse cuidado dela.

- Okay, eu vou dormir agora. Te odeio, tá? - E ela me deu um


beijo na bochecha.

- Também te odeio. - Eu sorri. Minha irmã e eu, nunca fomos


dados a firulas, para não chamar de frescura falar eu te amo, te adoro,
te gosto um para o outro. Sempre achamos isso muito cafona. Então,
nós combinamos que trocaríamos todo esse lance de dizer eu te amo
para 'eu te odeio' e assim as pessoas nos olhavam com uma cara de
estranheza, mas na verdade estávamos zombando dos outros trocando
os sentidos das palavras. Por isso, te amo é 'te odeio', 'sua otária' é você
é incrível, 'babaca' é melhor irmã do mundo, 'vai se ferrar' era pode
contar sempre comigo. Talvez tenhamos feito esse pacto ainda na
barriga da nossa mãe, eu odiava muito ela.
*

Oi pra você que chegou aqui, obrigado por


acreditar nessa história que escrevo.
Não é fácil ser escritor no Brasil, mas quero
proporcionar uma história inesquecível.
Enquanto esse livro não virar filme, você pode
me seguir no Instagram:
@denesfernandoescritor.

O próximo capítulo é ‘O Pacto’, espero que


você goste.

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