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Capítulo 05 - Um Abraço

Quando eu cheguei em casa, minha irmã já estava dormindo.


Eram duas horas da manhã. Entrei devagar, passei pela sala, subi as
escadas para o meu quarto, deixei minha mochila no pé da cama,
depois desci e tomei banho no banheiro de baixo do lado da cozinha
para não acordar ninguém.

Mas eu estava tão leve que eu parecia estar flutuando no vapor


dentro do box. Eu não conseguia parar de repassar a noite na minha
cabeça.

Quando deitei para dormir, não consegui acreditar que pregaria


o olho com a adrenalina que corria no meu corpo. Eu estava naquele
êxtase do primeiro encontro, onde tudo é perfeito e você guarda uma
excelente lembrança. É uma sensação tão boa que você até pensa que
nada de ruim pode acontecer. Talvez fosse por essa consciência que
ainda me fizesse resistir ao que estava acontecendo. Pois, no passado
senti essa mesma sensação e anos depois eu me encontrava na outra
ponta e os términos para mim eram os piores.

Felipe era um cara engraçado e tínhamos muitos gostos em


comum. A música do piano ainda estava na minha mente, depois que
pedimos a pizza de muçarela de búfala ele me perguntava sobre a
minha vida. Ele perguntou a minha idade, então perguntei a dele, ele
estava com 29. Brinquei se ele estava passando pela crise dos 30.

Ele me contou que trabalhava com comunicação, mas no


momento tinha se dado umas férias. Ele contou que trabalhava desde
os 15 e que nunca tirou férias, disse que era a primeira da vida dele e
que aproveitaria bastante.

Eu contei que já fazia um ano que eu trabalhava na livraria.

- Você ama ler?


- Que pergunta, Felipe. É óbvio. Eu tenho três livros preferidos. -
Era um pouco estranho ter aquela conversa com ele, tentei abstrair do
pré-julgamento que eu estava fazendo da sua aparência. - Eu amo a
saga Harry Potter e o meu livro preferido é o Prisioneiro de Azkaban...

- Por quê? - Ele ficou curioso, até arqueou uma sobrancelha com
aquele sorriso brincalhão no rosto.

- Pela viagem no tempo. Viagens no tempo me fascinam. Adoro


como a Rowling construiu a viagem no tempo com o Vira-Tempo para
salvar o Sirius, gosto de pensar que meus problemas seriam resolvidos
dessa forma.

- Ela poderia ter escrito de um jeito que realmente desse para


salvar o Sirius  e não deixado o Pedro fugir. - Devo ter feito uma
pequena cara de espanto. - Eu também li Harry Potter, isso não é
exclusividade de jovens, magrelos que usam óculos.

- Somos a maioria.

- Sou a exceção. - E ele piscou para mim. - E só para constar, amo


o Cálice de Fogo.

- Por quê? - Era a minha vez de questionar.

- Por causa do Torneio Tribruxo. Gosto de todo o jogo e dos


mistérios, como eles quebravam a cabeça para decifrar os enigmas para
a próxima tarefa.

[•••]

-... foi com 17 anos, - ele agora contava como foi se assumir para
a família - primeiro foi para o meu irmão que é um ano e meio mais
velho que eu, somos bem amigos. Quando eu lhe contei, ele me falou
que já sabia, pelo jeito como eu olhava para os amigos dele, mas ele
disse que começou a desconfiar quando as meninas queriam ficar
comigo e eu não queria ficar com elas. Meu pai finge que eu sou hétero,
principalmente por ter meu irmão para ocupar o papel de "filho
homem" - achei engraçado como ele colocou as aspas no assunto - e
minha mãe leva numa boa, mas é evidente que ela não queria isso.
Minha família me ama, mas meus pais vivem sua individualidade, por
isso que conto apenas com meu irmão. E você, como foi se assumir
para a sua família?

- Como foi contar para a minha família?

- Sim. Como foi a reação deles ao descobrir que você era gay?

- Mas eu não sou gay. - Foi engraçado ao ver ele arregalar os


olhos e me olhar surpreso. - Brincadeira. Foi com 12 anos.

- Que cedo.

- Eu tenho pais excelentes. Meu pai sentou para conversar sobre


sexo comigo, eu pensei que seria algo constrangedor, mas não foi. Meu
pai é uma das melhores pessoas do mundo. Ele antes de mais nada,
perguntou se eu gostava de meninas ou de meninos. Falou que eu não
precisava ter vergonha e que poderia confiar nele, sempre. Eu já sabia
que eu olhava diferente para os meninos do que para as meninas.
Lembro como se fosse ontem, meu pai me abraçou e falou que estava
tudo bem e disse que tinha uma ideia e já que eu estava na dúvida, ele
iria me contar como era a vida sexual entre dois homens. Primeiro ele
falou sobre o amor, como é se apaixonar, como o coração acelera e a
gente não consegue parar de pensar na pessoa, como é algo bom. Ele
falou sobre como é bom amar e é melhor ser amado. Ele falou que um
dia eu ia encontrar um cara que merecesse o meu amor.

- Seu pai é uma pessoa incrível.

- Sim, ele é. Depois que ele falou do amor, aí ele falou de sexo.
Explicou muito bem como dois homens transam. Eu poderia ter
dúvidas sobre mim, mas meu pai não tinha e felizmente eu tive uma
sorte que muitos não tiveram.

- Sim. Seria tão bom se todos tivessem um pai como o seu.


[•••]

- Ah, já me sinto realizado pelo menos profissionalmente. Já


trabalhei em campanhas publicitárias que circularam o país, comecei
cedo na área. Eu com vinte e cinco, já tinha estabilidade, então decidi
tirar umas férias indeterminadas, pensar mais em mim e espero que
você esteja comigo nesse tempo.

Eu não soube o que responder, ele estava fazendo de novo.


Acelerando o tempo, essa pressa de tudo.

- Semana que vem começam as minhas férias, não tinha


planejado nada além de Netflix e ler. Preciso pôr algumas séries em dia
e ler alguns livros que comprei e estão lá na minha estante.

- Passe essas férias comigo.

- Podemos planejar algo. - E pela quarta ou quinta vez precisei


colocar o pé no freio para ele. Depois de uma pizza deliciosa e uma
noite agradável ele disse que me levaria pra casa. A cara dele quando
falei que morava em São Miguel Paulista foi engraçada, disse que não
sabia onde ficava, pensei,  pobre menino rico da zona sul, mas nada que
um GPS não resolvesse. E como era de madrugada não levamos mais
que 40 minutos até lá.

Ele estacionou o carro na frente da minha casa, agradeci pela


noite, percebi que ele queria dar um passo a mais, algo além de uma
breve despedida, senti o calor que emanava do seu corpo mesmo
aquela distância. Talvez tivesse o beijado, se a voz da Bruna não me
chamasse dentro da minha cabeça "Luiz Estevão!". Então estendi a
minha mão para ele.

- Obrigado pela noite, Felipe.

- Um abraço? - Ele suplicou e pensei, por que não? Acho que foi aí


que me senti um balão se enchendo de hélio. Quando ele me envolveu
com os seus braços me senti pequeno, pude ouvir o couro dos bancos
ranger com o nosso movimento, todos os meus sentidos se afloraram
naquele instante. Ele não deu um simples abraço, senti seus músculos
me envolvendo, meu queixo se encaixou perfeitamente no seu ombro,
seu cheiro foi a coisa mais deliciosa que senti em toda a minha vida,
seu cheiro era alucinógeno, me perdi totalmente e a única coisa que eu
queria era aquele aroma outra vez entrando em mim. O cheiro dele fez
meu corpo pegar fogo e perder a noção da realidade e mesmo que eu
tentasse, não seria capaz de descrever o quão inebriante era, então foi a
vez dele de agradecer com um sussurro no meu ouvido.

- Obrigado pela noite, Luiz.

Ele se desfez do abraço e não me restou alternativa nenhuma


senão sair daquele carro. Então entrei em casa perdido, sem saber se
conseguiria dormir aquela noite, mas o seu abraço e o perfume do seu
corpo apagou todo o meu passado e talvez eu só quisesse esse futuro e
provavelmente quem quisesse tirar o pé do freio fosse eu, era o
controle que eu estava perdendo com a cabeça no travesseiro.

Oi pra você que chegou aqui, obrigado por


acreditar nessa história que escrevo.
Não é fácil ser escritor no Brasil, mas quero
proporcionar uma história inesquecível.
Enquanto esse livro não virar filme, você pode
me seguir no Instagram: @livro_encontre_me.
O próximo capítulo é ‘A Blusa’, espero que
você goste.

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