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AGRADECIMENTO

À Célia Tapety pela “força maior”, mas principalmente pela amizade.


À Manuela Neves pela paciência e maravilhosa parceria.
À Carla Gentil pela bela e gentil apresentação.
A toda leitora e leitor que, pessoalmente ou pelas redes sociais, incentivaram essa publicação.
À Diedra Roiz, meu amor, por sonhar, planejar, concretizar... Ao meu lado (às vezes, à frente, me
puxando).
APRESENTAÇÃO
Por Carla Gentil
Tão pregada na parede, tão sufocada, tão... Sem saída. Como se em um quarto onde as
paredes vão se movendo, apertando e não há para onde fugir, tudo o que Carmen precisava era
uma janela, uma alternativa para fugir de sua vida tão sombria quanto o uniforme que vestia
diariamente.
Vestido escuro, como os abusos que sofria nas mãos de um erro da juventude e que a
perseguiriam para sempre. Avental branco, paradisíaco, como o idílio dos quartos onde entrava.
Atrás de cada porta, uma vida que em nada ela reconhecia, o rodízio frequente dos hóspedes
tornava tudo ainda mais impessoal, ela limpava banheiros com perfumes inacessíveis e arrumava
camas que embalavam sonhos impossíveis.
Como uma valsa, do lado oposto do salão, a vida de Andréa fluía ao ritmo do vasto mundo dos
abastados, um universo de oportunidades, de brilho, de fausto, que nada mais pode exigir do que
uma parte ínfima do ser.
O vazio de Andréa, o excesso de Carmen, os opostos que se atraem e que se completam,
tirando a realidade de tudo, tornando todas as coisas diferentes. Nada mais é reconhecível, tudo
parece possível, nem que seja apenas por um instante.
Mas a realidade cobra seu preço, exige seu espaço e o que pede pode estar muito além das
forças.
CAPÍTULO I
Os vidros embaçados não permitiam que eu enxergasse onde estava. Tentava em vão olhar
para fora e reconhecer os prédios, até que consegui identificar o imponente hotel ao longe.
Rapidamente puxei a corda para o motorista parar e fui abrindo caminho entre os passageiros.
Desci do ônibus debaixo de uma chuva torrencial. Atravessei a rua correndo e entrei no hotel.
Passei pela entrada de serviço e fui imediatamente trocar de roupa no vestiário. Encontrei Marta e
Cíntia, camareiras como eu, já uniformizadas e saindo em direção à cozinha.
– Atrasada de novo! Não sei não, senhorita Carmem... Assim não vai durar muito. O senhor
Joaquim é muito exigente, principalmente quanto aos horários. Já esteve aqui duas vezes
perguntando por você.
– Você não dá folga, Marta... Dá um tempo para ela – falou Cíntia, antes que eu pudesse me
justificar de forma rápida e contrariada:
– Droga! Dona Marta, perdi o ônibus... Não foi culpa minha e, além do mais... – Não terminei a
frase, pois a parte “a senhora não tem nada com isso” ficou engasgada quando o senhor Joaquim,
um dos subgerentes do hotel, interrompeu de forma imponente:
– Ah! Muito bem... Chegou, senhorita? Qual a desculpa desta vez? Convença-me!
Mudei o tom e o olhar, precisava daquele emprego.
– Desculpe-me, senhor... Perdi o ônibus e, com essa chuva e o congestionamento, não consegui
chegar. Por favor...
Meu olhar e minhas palavras foram de súplica:
– Eu não posso perder esse emprego e...
Meus olhos ficaram úmidos e, antes que eu terminasse a frase, ele interrompeu sem paciência:
– Está certo, está certo... Também precisamos de você, o hotel está lotado. Mas que seja a última
vez! – Saiu batendo a porta.
Apesar de demonstrar uma autoridade exagerada, era compreensivo. Já havia mostrado isso
em outras situações.
***
Em uma das suítes no décimo andar, Andréa abriu as cortinas que davam acesso à ampla
varanda, com uma das vistas mais lindas da cidade de Florianópolis. Sentiu a brisa do mar em seu
rosto e uma alegria imensa a invadiu. Nem a chuva poderia apagar o brilho daquele dia.
Estava de volta à cidade que amava. Fora nela que passara e vivera grande parte dos
melhores momentos da vida... Estudou, fez amigos, encontrou Fernanda, seu primeiro amor... Depois
vieram outros e outros e mais outros, pois sempre acreditou em amores eternos enquanto duram.
Um suspiro e um sorriso a trouxeram de volta ao quarto onde, na cama, uma linda loura
bronzeada a olhava sonolenta.
– Bom dia... Senhora Andréa, já está de pé? Cansou de mim? – zombou.
– Não... Quero dar uma volta na cidade, combinei com Paula – respondeu carinhosamente para
a mulher que a provocava deslizando o lençol no corpo e reclamava por mais atenção de forma
rouca e sensual:
– Paula? Terá tempo pra ela... Desde que chegou vocês não se desgrudam... É cedo... A Paula
espera, vem aqui...
Andréa olhou para ela sorrindo, com a certeza que não devia e tampouco iria resistir:
– Vou... Mas antes vou pedir um café, espera? Assim como está...
– Não vou a lugar algum.
***
– Senhorita Carmem, por favor, leve o café da manhã na suíte da senhora Andréa Alcântara...
Ela solicitou que seja servido na varanda. Você pode entrar, servir e sair, entendeu?
– Claro, senhor Joaquim... Estou indo – respondi e me dirigi, rapidamente, à cozinha.
Parei na porta da suíte e a abri devagar, não queria perturbá-la caso estivesse dormindo. Entrei
sem fazer barulho e empurrei o carrinho até a varanda. Coloquei-o próximo à mesa e, aos poucos,
fui organizando o farto café da manhã. Dirigi-me à porta... Mas algo me deteve.
Ouvi sussurros e vozes vindos do quarto, a porta estava apenas encostada. Tive a clara
impressão de ouvir mulheres... Gemidos.
Não devia ter feito isso, mas foi mais forte que eu. Fui me aproximando, minha razão me
mandava sair imediatamente dali, mas alguma força maior me fazia caminhar em direção àquela
porta.
Olhei através do pequeno espaço aberto e vi o enorme espelho na parede. Refletido nele, a
cena mais linda que meus olhos já viram.
Senti um arrepio percorrer minhas costas, a excitação imediatamente tomou meu corpo, minhas
mãos, minha nuca... Fiquei imóvel, não sei por quanto tempo. Saí do transe no momento em que elas
se afastavam uma da outra, exaustas. Dei um passo para trás, depois outro e outro... Até chegar à
porta, abri e saí. Esqueci o carrinho...
Durante aquele dia, não consegui tirar a cena de minha mente. Nunca imaginei que ficaria tão...
Excitada? Vendo duas mulheres na cama. Lindas... A loura, de cabelos compridos, sobre a outra.
Cavalgando, esfregando-se de forma sedutora. A morena segurando-a pela cintura, dando ritmo
ao movimento, trazendo-a para si... Depois, ela tomou um dos seios com os lábios e continuou a
puxá-la mais para si. Penetrou-a. Os movimentos se intensificaram até que as duas...
“Como vou esquecer isso? Nunca!”, pensava durante o trajeto para casa, no ônibus. Qual delas
será Andréa?
Em casa, me deparei com minha realidade. Henrique dormindo embriagado e a casa em estado
deplorável: a pia cheia de louças, garrafas vazias na mesa, no chão. Não aguentava mais aquela
situação, precisava resolver isso o mais rápido possível.
Fazia muito tempo que o amor que eu um dia senti por ele se transformara em outra coisa. Todo
o romantismo, a paixão, as promessas... Tudo aquilo que um dia sonhei em viver ao lado dele havia
ficado pelo caminho. Vivíamos juntos havia cinco anos e, nos últimos dois, tive que conviver com
traficantes, bêbados, viciados, bandidos e ainda aguentar suas agressões.
Tinha que dar um basta! E esse emprego seria a salvação, logo teria condições de ir embora.
Estava trabalhando no hotel havia quatro meses. Depois de passar por diversas lojas e
empregos temporários, tinha conseguido algo razoavelmente melhor... O salário não era ruim e
gostava do trabalho, embora fosse cansativo.
Até os dezoito anos, vivi em um orfanato. Meus pais morreram quando eu ainda era criança.
Depois, morei durante um ano com uma senhora idosa. Eu prestava serviços de acompanhante e
cuidava da casa.
Nessa época, conheci Henrique, cheio de planos e promessas... Apaixonei-me e decidimos morar
juntos. Foi meu primeiro namorado.
Estava agora com vinte e quatro anos, e então percebi que minha vida não tinha sentido, já tinha
dedicado muito tempo àquela relação vazia.
Olhei para ele, para a casa... Suspirei.
Resolvi tomar um banho e ir para a cama... Deixei para arrumar e limpar a casa no outro dia,
pois seria minha folga semanal. Fui deitar me lembrando daquelas imagens que havia presenciado.
Meus pensamentos reproduziram em detalhes aquela cena inusitada e logo adormeci.
CAPÍTULO II
Naquele dia, Andréa encontrou-se com sua amiga Paula. Passaram o dia caminhando pela
cidade. Mercado público, calçadão, entraram em algumas livrarias, conversaram sobre os últimos
acontecimentos na vida de cada uma.
Durante o almoço, Paula contou-lhe que estava bem com Lilian, estavam felizes e planejando
morar juntas. Isso deixou Andréa feliz, pois ela sabia que a amiga havia passado por situações
muito difíceis em sua última relação.
Conheciam-se há muito tempo, e mesmo distantes acompanhavam a vida uma da outra. No meio
da tarde, despediram-se e combinaram de sair durante a semana e, também, de se encontrarem
na festa que aconteceria no sábado.
Andréa retornou para o hotel. Ao chegar, recebeu diversos recados de amigos que queriam
dar-lhe as boas vindas e confirmar presença na festa para comemorar a sua volta. Retornou a
ligação para alguns.
Tinha em mente mudar-se para uma casa. Pretendia ficar muito tempo na cidade e conseguira
convencer sua mãe a nomeá-la vice-presidente das empresas na região sul, o que lhe daria
possibilidades de se fixar em Florianópolis.
Desde a morte do pai, quatro anos antes, a mãe tinha assumido as empresas – que eram
constituídas de lojas, hotéis e filiais em todo país. Andréa ficara por três anos nos EUA,
especializando-se em Administração e Marketing. Filha única, estava com vinte e oito anos e sabia
que estava pronta para assumir a responsabilidade.
Estava há dois dias na cidade quando ligou para alguns amigos e ex-colegas da universidade
com quem nunca perdera contato. Combinaram diversos programas e, no primeiro deles, encontrou
Sabrina, uma antiga namorada. Em nome dos velhos tempos, resolveram matar as saudades. Foi
com ela que Andréa havia acordado naquela manhã.
***
Na sexta-feira, acordei com Henrique gritando ao telefone com alguém:
– Já disse. Não tenho dinheiro. Assim que tiver, pago!
Assim que ele desligou, perguntei assustada:
– Henrique, você está devendo pra eles?
Sabia que o tipo de gente com quem ele mantinha negócios era muito perigosa.
– Não enche você também! – respondeu sem me olhar. Fui atrás dele e continuei tentando
conversar:
– Henrique... Não aguento mais isso. Por que não arranja um emprego como todo mundo? Desde
que se envolveu com essa gente, você mudou. Nossa vida é um inferno – falei com calma.
– Que emprego, Carmem? Desses que você tem? Não... Dispenso! Não nasci pra servir de
capacho pra ninguém! – respondeu irritado.
– Você quem sabe. Eu cansei. Não aguento mais essa vida Henrique, não aguento mais essas
pessoas aqui em casa, esses telefonemas... Não dá mais!
– O que quer dizer? Quer me deixar? Nunca! Enten-deu? – Segurou em meu braço e me puxou
para ele.
– Você está me machucando...
– E vou te machucar mais. Nem pense em me deixar, ouviu? – Empurrou-me.
Bati as costas no armário. Não falei mais nada e ele saiu batendo a porta.
Sabia que não seria fácil, mas já havia decidido: iria procurar um lugar, sairia dali. Nem que
tivesse que fugir.
Passei meu dia de folga arrumando e limpando a casa. Ele não retornou, o que foi um alívio.
Assim não teríamos brigas e discussões.
À noite, liguei a TV e deitei no sofá. Estava cansada. Adormeci lembrando das cenas que havia
presenciado naquela suíte. Por alguns momentos, quis ser aquela loura e imaginei todo o restante,
refiz os caminhos que aquela morena conduzira.
Acordei com Henrique me beijando e tirando minha camisola. Senti o cheiro de bebida e cigarro,
senti nojo.
– Não... Não quero...
– Tô com vontade de você, minha morena. Deixa...
– Henrique... Por favor, não. – Tentei sair debaixo dele.
– Você nunca quer! Pois agora eu quero!
Segurou meus braços com força e, com uma das mãos, os prendeu acima de minha cabeça. Com
a outra, arrancou minha calcinha, rasgando-a e me machucando.
Resolvi ceder. Percebi que não teria como evitar, sabia que ele faria, eu querendo ou não.
Senti a invasão em meu corpo... A dor. E lembrei das vezes que fizemos amor e de como era
bom. Lembrei que só me entreguei a ele quando tive certeza que o amava, pois sempre acreditei
que o sexo tinha que ser acompanhado de um sentimento maior. Ele teve paciência, foi carinhoso,
preocupava-se com o que eu sentia.
Agora ele estava ali, em cima de mim... E eu queria que terminasse logo. Chorei...
Fez o que queria e senti seu corpo pesar sobre o meu. Saí debaixo dele e fui para o banheiro.
Sentia-me péssima, agredida, violada. Tomei um banho, passei na sala e o vi dormindo no sofá, do
mesmo jeito que o tinha deixado. Senti raiva, ódio e fui para cama.
No sábado, saí de casa mais cedo que habitualmente. Não queria que ele acordasse antes. Não
queria falar com ele, tampouco vê-lo. Estava com ódio dele e pena de mim. O que me motivava a
querer resolver logo minha situação. Não seria vítima, não me colocaria nesse lugar.
Cheguei ao hotel meia hora antes do meu horário, estava terminando de prender meu cabelo
quando Cíntia entrou e se surpreendeu:
– Puxa, chegou cedo hoje!
– Pois é, quanto menos ficar em casa melhor – foi minha resposta, pois ela acompanhava meu
pesadelo com Henrique.
– Você tem que resolver isso, Carmem! Esse cara tá te fazendo mal. Já disse que você pode ir lá
pra casa a hora que quiser.
– Obrigada, Cíntia. Eu sei, mas quero fazer com calma. Não vou me precipitar. Tenho medo das
reações de Henrique. – Assim que terminei de falar a porta abriu e por ela passaram mais alguns
funcionários, o que fez com que mudássemos de assunto.
Próximo das dez horas da manhã, o senhor Joaquim me chamou pelo interfone para ir até a
cozinha. Atendi prontamente.
– Senhorita Carmem, leve o café para a suíte da Sra. Andréa – falou e se dirigiu para a
recepção.
Senti minhas pernas tremerem. Meu corpo inteiro reagiu à ideia de retornar àquele quarto. Um
misto de medo e ansiedade fazia com que eu quase ouvisse as batidas rápidas dentro do meu
peito. Empurrei o carrinho respirando profundamente pelo longo corredor até a porta dela.
Desta vez não tinha a orientação para entrar. Bati, esperei. Bati novamente, esperei até que a
porta abriu. Uma ruiva atendeu. “Outra?”, pensei. Ao mesmo tempo, me censurei. “Não tenho nada
com isso”.
– Ah! O café! Entra. – De forma imperativa, virou as costas. Vestia um robe de seda branco
preso apenas por um laço mal feito, deixando à mostra parte do corpo escultural.
– Bom dia! Senhora, onde posso servir? – perguntei enquanto minha mente organizava as
personagens. Agora já sabia quem era Andréa e sabia também que não repetia.
Antes que ela respondesse, a morena, que segundo minha organização mental de personagens
era Andréa, surgiu do quarto vestindo também um robe, porém preto e bem amarrado, o que
naquele momento me decepcionava e fazia com que mais uma vez eu me censurasse.
E, naquela confusão entre decepção e autocensura, meus olhos se fixaram naquela imagem. Se
a outra era bonita... Não saberia como defini-la. Linda! Deslumbrante! Os cabelos levemente
cacheados, longos, a pele bronzeada, os olhos negros pararam em mim... Uma boca de lábios
cheios... Parei ali. Senti seu olhar me analisar, sorriu e indicou o local que eu deveria olhar.
– Pode colocar na varanda – falou e se dirigiu para onde havia indicado.
Empurrei o carrinho. Sentia minhas pernas tremerem. Minha imaginação me traía.
Ela debruçou-se no parapeito e ficou de costas, a ruiva aproximou-se e colocou a mão em suas
costas, fazendo um movimento de cima para baixo... E parando em sua cintura, puxando-a para
si... Me sentia invadindo, uma intrusa... Excitada.
– Posso servir? – Não reconheci minha voz, achei que não havia conseguido falar.
– Claro. Estou morta de fome – ela respondeu virando-se e caminhando em direção à mesa.
A ruiva sorriu e a acompanhou, sentou-se ao seu lado. Bem próximo.
– O que acha de darmos uma volta na Lagoa? – perguntou a ruiva.
– Hoje não. Quero ir até o escritório, preciso começar logo. Dona Maria Alice é exigente, tenho
que dar retorno, senão ela me manda voltar pra casa – falou sorrindo, gentil. Não saberia definir
o meu encantamento... Apenas desejei aquele sorriso para mim.
– Andréa... Hoje é sábado! Vai trabalhar? E à noite temos uma festa, esqueceu? – a outra falou
de forma enfática.
– Claro que não esqueci. Mas à tarde vou ao escritório, preciso fazer isso, linda! – pronunciou as
palavras de forma carinhosa colocando a mão na perna da ruiva
Quando vi a cena, perdi o controle das mãos e o café saiu da xícara e esparramou-se na
toalha. A ruiva deu um pulo da cadeira e me olhou furiosa.
– Sua idiota! – gritou
– Desculpa... Me perdoa... Droga! – falei tentando limpar e completamente atrapalhada.
– Sua incompetente! Olha o que fez... Podia ter me queimado! – A ruiva continuou enquanto
tentava limpar as poucas gotas que caíram em seu robe.
– Desculpa... Não sei o que houve... Desculpa... – Não sabia mais o que dizer e minhas mãos
tentavam em vão arrumar o estrago na mesa. Senti a umidade em meus olhos. Ia perder o
emprego... Estava em pânico.
Senti a mão firme em meu braço.
– Calma... Tudo bem... Calma! – Andréa falou me olhando fixamente.
A ruiva saiu em direção ao quarto esbravejando... E tirando o robe.
– Andréa... Não quero mais essa mulher aqui! Se você não falar com a gerência eu falo! Essa...
Essa... Sua tonta! – E bateu a porta.
Coloquei as mãos no rosto, dei alguns passos para trás. Chorei...
– Olha, tudo bem, foi um acidente – ela disse tentando me acalmar.
Olhei para ela com os olhos cheios... Por alguns momentos, nossos olhares ficaram presos, ela me
olhava intensamente e eu... Retribui. Assim que percebi a estranha ligação, me afastei em direção à
porta, abri-a e saí correndo de lá. Entrei no vestiário e me escondi no reservado por um longo
tempo.
Chorei... Não pelo fato em si, mas por tudo que estava passando, por Henrique, pelas agressões,
pela vida infeliz que tinha. Pela possibilidade de perder o emprego, de não poder vê-la.
Fiquei ali até o interfone tocar. Era o senhor Joaquim me chamando para ir até sua sala. Sabia o
que aconteceria.
***
– Por favor, aqui é Andréa Alcântara, quero falar com a gerência, peça para vir até a minha
suíte com urgência.
– Sim, senhora.
O recepcionista desligou e saiu às pressas para atender o chamado.
Menos de dez minutos depois, o gerente geral do hotel, senhor Alfredo da Fonseca, estava na
sala da suíte, na frente de Andréa.
– Senhor Alfredo, hoje ocorreu um fato em minha suíte, acredito que minha amiga já deva ter
relatado ao senhor.
– Claro... A senhorita Sandra Mendonça esteve na minha sala antes de ir embora há meia hora
e me relatou tudo o que aconteceu. Quero pedir desculpas em nome da administração e informar
que as providências já foram tomadas – falou tendo certeza que ela aprovaria sua decisão.
– Posso saber quais?
– A funcionária Carmem, neste momento, deve estar assinando sua demissão, pois o ocorrido foi
imperdoável. Não podemos admitir a falta de... – Não conseguiu terminar.
– Pois eu quero que reconsidere. Não quero que a demita. Foi um acidente, ela não teve culpa
nenhuma.
– Desculpa, mas... Não podemos aceitar... Sua mãe não iria... – Não concluiu novamente.
– Acho que o senhor não entendeu...
– Senhora Andréa, isso depõe contra nosso serviço. Sua amiga deixou claro que ela foi
ineficiente, relapsa e... – Antes que ele terminasse a frase, ela se aproximou. Seu olhar
demonstrava que não se tratava de um pedido.
– Quem está aqui agora, senhor Alfredo? – falou baixo, firme e sem nenhuma paciência.
– Han... É... É...
– Sim! Sou eu e não minha mãe. O que ocorreu hoje foi uma falha sim... Mas não da moça... Isso
denota uma falha sua, vejo somente a falta de treinamento do seu pessoal.
– Eu faço o melhor. – Ele tentou se defender.
– Tenho certeza, mas acidentes podem ser prevenidos e caso aconteçam o que temos que saber
é como lidar com eles. Portanto, faça o que estou mandando.
– Claro. Desculpe... Eu só queria prezar pelo... Desculpe...
– Pode ir. – E virou as costas em direção ao quarto.
Pela primeira vez, ele sentiu na pele os motivos pelos quais os funcionários tinham medo dela.
Objetiva, sem rodeios. Percebeu que estava diante de uma mulher fria. Só não entendeu o porquê
da preocupação com uma “simples camareira”, como pensou. Aliás, uma bela camareira. Talvez
esse fosse o motivo. Sabia das preferências de Andréa Alcântara.
***
Bati levemente na porta. Ouvi a voz do senhor Joaquim autorizando a minha entrada.
– Sente-se, senhorita Carmem. – Não me olhou. Eu sabia que para ele era difícil.
– Pois não, senhor? – respondi com um fio de voz. Meus olhos vermelhos, meu rosto inchado.
– Você sabe que sou obrigado a cumprir ordens e... Bem, se tratando de Andréa Alcântara, as
coisas ficam muito complicadas. A reclamação partiu de sua suíte.
Sabia que isso aconteceria, mas não esperava que ela própria fosse reclamar. Afinal, havia se
mostrado tão compreensiva. Como sou idiota! É claro que ela iria reclamar. A namorada exigiu!
Namorada? Uma das mulheres que usa para se satisfazer. Não devia me preocupar com isso
agora. Ia perder o emprego...
– Eu... Eu... Não sei o que houve, fiquei nervosa... Perdi o controle... E... – Não falei mais. Não
queria me humilhar. Se aquela metida, esnobe e aproveitadora achava que eu iria implorar pelo
emprego, estava enganada.
– Não tenho outra saída. Pois a reclamação somada a seus atrasos... Bem, aqui está a sua
rescisão contratual e todos os seus direitos – falou com a voz embargada.
Não iria chorar. Peguei aquele papel e comecei a ler. O telefone tocou, ele atendeu.
– Sim, senhor Alfredo, já estamos assinando. – Ouviu por alguns momentos e perguntou:
– Como? – Silêncio novamente. Respondeu ao seu interlocutor, olhando para mim:
– Claro que entendi. Sim. Não há problemas.
Desligou o telefone, me olhou com uma expressão de incredulidade e falou:
– Esquece, menina. Devolva-me aqui, não será necessário isso.
Pegou o papel e sorriu de forma aliviada, quem não entendeu fui eu.
– Não serei demitida? – perguntei.
– Não. Pode voltar ao trabalho. E, da próxima vez, tome mais cuidado. Pode ir. – Olhou para o
papel e rasgou.
Não sabia se ficava feliz ou triste. Afinal, entendi o olhar dela para mim. Era de pena, uma vez
que dei um show de fragilidade, chorei e depois saí correndo.
***
No almoço, contei tudo à Cíntia, que me olhava com cara de espanto.
– Você teve sorte! Dizem que ela é terrível! Todos aqui têm medo dela. Acho que ela gostou de
você – falou e riu.
– Foi pena, Cíntia. Só isso. Vi no olhar dela – disse olhando para o prato com tristeza.
– Carmem! – Cíntia quase gritou, olhei para ela com espanto – Pare de se sentir como vítima de
tudo! E você não gostou de manter seu emprego? Parece que ficou triste com isso!
Suspirei.
– Claro que gostei! Mas... Me senti... Sei lá... Nada a ver... Claro que gostei.
– Xi! Não consigo te entender
– Esquece. – Levantei.
***
Andréa retornou do escritório no final da tarde. Ao entrar no hotel, viu alguns funcionários na
recepção, mas seu olhar procurava outra pessoa.
Sorriu internamente ao perceber-se procurando a camareira... “O que estou fazendo?”,
perguntou-se.
Subiu para o seu quarto, fez algumas ligações, olhou o mar, tentou por alguns momentos se
distrair, mas não resistiu. Ligou para a recepção:
– Por favor, peçam para a camareira... Acho que é... Carmem vir até a minha suíte.
– Claro! Um momento, vou localizá-la.
Dez minutos depois...
– Senhora Andréa, sinto muito, ela já saiu. Seu horário é até as dezoito horas. Posso mandar
outra pessoa?
– Não, obrigada. – Desligou. Havia ficado com a cena do café da manhã o dia todo em sua
mente. Olhando-se no espelho, pensou:
“Tô ficando maluca? Que camareira... Naquele uniforme, a pele morena, olhos quase verdes...
Quando chorou, ficaram verdes... Senti vontade de abraçá-la naquele momento. Como serão seus
cabelos soltos? Um tesão... Chega, Andréa! Nem pense nisso!”
Resolveu pensar na roupa que usaria à noite, na festa...
***
No domingo de manhã, saí cedo novamente. Henrique não dormiu em casa. Melhor assim, pensei,
sabendo que não poderia evitá-lo por muito tempo.
A manhã transcorreu sem grandes acontecimentos. Apesar de meu pensamento estar naquela
suíte, consegui me dedicar ao trabalho. Próximo ao meio dia, estava saindo da lavanderia quando
o senhor Joaquim veio em minha direção e disse:
– Senhorita Carmem, a senhorita Andréa pediu o café da manhã. Leve, por favor.
Apesar de querer correr para atender, minha razão gritou:
– Desculpa, senhor Joaquim, mas será que não seria melhor outra pessoa servi-la? – falei
temendo a resposta, pois qualquer que fosse seria um desafio. Ele respondeu calmamente:
– Ela solicitou você. – E me olhou de forma desconfiada.
Pela primeira vez, não tinha usado o “senhorita” na frente. Estava me dirigindo à cozinha
quando ele me chamou novamente. Olhei para ele.
– Tenha cuidado! – falou.
Não entendi muito bem. Será que ele estava falando com relação ao serviço? Ou a ela?
Novamente, o caminho até aquela suíte foi um embate interno entre o “eu desejo” e o “eu
castradora”. Bati e ela abriu sem demora, como se estivesse próxima à porta.
– Bom dia! Seu café – Tentei controlar minha ansiedade e falei sem olhá-la.
– Pode entrar. Coloque na varanda. – E afastou-se o suficiente para que eu passasse.
Tive que me espremer para não a tocar. Embora quisesse... Muito! “Nossa, que cheiro
maravilhoso!” Tentei desviar o pensamento dela e pensar em acertar a porta da varanda.
Podia ouvir as batidas do meu coração. Sentia seu olhar em meu corpo, me sentia nua, exposta,
como se ela soubesse tudo que naquele momento eu sentia e queria... Perguntei ainda sem olhá-la:
– Quer que a sirva?
– Quero. – Caminhou em direção à mesa e sentou-se. Continuei dispondo as xícaras. Ela falou de
forma provocativa:
– Vai tomar café comigo?
Olhei assustada. Sem entender. Ela sorria, lindamente... Para mim.
– Desculpa, senhora... Nã... Não entendi.
– Perguntei se vai tomar café comigo.
– Acho que seria... Seria impróprio. – Parei de fazer o que estava fazendo e olhei-a.
– Então por que duas xícaras? – disse ainda sorrindo.
Percebi a gafe imediatamente.
– Desculpa... É que achei... Achei que... Desculpa... – Baixei os olhos e comecei a recolher a outra
xícara.
– Pare de se desculpar, por favor... Achou que havia mais alguém? – E riu como se tivesse
contado uma piada. Continuou. – Não... Não tem ninguém... Mas não seria má ideia...
Olhei para ela incrédula, sem entender e arrisquei a pergunta:
– Não seria má ideia ter alguém aqui? – Ela ouviu minha pergunta com seus olhos presos aos
meus e não respondeu imediatamente. O sorriso sumiu e ela respondeu de forma suave, porém
firme:
– Não seria má ideia você tomar café comigo.
O silêncio que se seguiu foi o suficiente para ela deixar clara sua mensagem e eu demonstrar
que havia entendido... E que também queria.
Fiquei gelada, embora meu corpo estivesse suando. Dei um passo para trás, precisava resistir a
esse impulso avassalador que me tomava... Me movia decidida a sair dali o mais rápido possível.
Falei qualquer coisa para dar sentido aos meus movimentos:
– Se precisar, é só chamar... Com licença... – E me virei em direção à porta.
Ela se levantou e segurou meu braço impedindo que eu me movesse. Fiquei a centímetros de seu
rosto... Não conseguia mais pensar... A última coisa que ouvi foi:
– Estou chamando...
Vi seus lábios se aproximarem, encostaram nos meus... Fechei os olhos e senti a leve carícia. Um
suave roçar que me deixou embriagada de desejo. Ela me puxou pela cintura, meu corpo grudou
ao dela. Soltei um suspiro ou um gemido. Com a outra mão arrancou o grampo que prendia meu
cabelo, que caiu sobre meus ombros... Ela se afastou sem me soltar... Olhou para mim...
– Linda... Você é linda!
Puxou-me novamente em direção à sua boca, desta vez me tomou com força. Entreguei-me
àquela boca que me sugava os lábios, àquela língua que invadia, me tomava... Correspondi de
forma intensa. Nunca havia sentido tamanho tesão com um beijo. Segurei-a pelos cabelos, senti o
desejo, a umidade, necessidade. Suas mãos desceram pela minha cintura, pernas e começaram a
levantar a saia buscando mais contato... Percebi naquele momento minha fraqueza... Eu não podia,
não devia... Empurrei-a.
Minha mente racional perguntava à outra parte alucinada de desejo “O que estou fazendo? Eu
não posso!”
Ela se afastou o suficiente para nossos olhares se encontrarem. Seu olhar negro refletia desejo,
dela... Meu. Não falou nada.
Tentou se aproximar novamente. Coloquei minhas mãos entre nós, apoiei-as em seus ombros e
olhei em seus olhos. Percebi que eu estava cometendo um erro, ela me olhava sem entender. Sem
nenhuma palavra. Nem minha, nem dela... Saí do quarto e fechei a porta.
Desci rapidamente para o vestiário. Tive a sorte de não encontrar ninguém nos corredores.
Tentava prender meu cabelo, mas minhas mãos não me obedeciam.
“Meu Deus! Como deixei isso acontecer... Droga! Droga!”
As palavras saíam baixinho, mas meu pensamento estava preso naquela boca, naqueles lábios...
A sensação de que meu coração sairia pela boca, um êxtase incontrolável... Ir até o fim com ela
seria... Seria... “Tô ficando louca”!
Lavei o rosto, consegui arrumar meu cabelo e fui em direção à cozinha. Passei por Cíntia, que me
olhou e percebeu algo estranho.
– Carmem? O que houve? Você está branca! – Segurou-me pelo braço
– Nada, Cíntia... Nada... Só estou com um pouco de dor de cabeça, mais nada – menti e segui
meu caminho.
Não tinha condições de falar sobre o que tinha acontecido. Na verdade, não sabia o que tinha
acontecido, estava em choque.
****
Andréa viu a porta fechar e ficou atônita. Levou a mão à boca, passou os dedos nos lábios...
“O que eu fiz? Que beijo é esse? Ataquei a camareira, mas ela queria também... Ela quis... Por
que saiu correndo? Louca!”
CAPÍTULO III
O dia passou sem que eu percebesse, pois meus pensamentos estavam como um turbilhão. Fiquei
com receio de que ela me chamasse novamente, eu não saberia como agir, o que dizer, o que
fazer. Mas ela não chamou.
No final do expediente, saí do hotel sem olhar para os lados, não saberia o que fazer se a
visse. No ônibus, não conseguia pensar em outra coisa, fiquei imaginando como teria sido fazer
amor com ela, suas mãos me tocando, sua boca. Tentei desviar o pensamento para outro local,
para os meus problemas... Henrique... Tenho que resolver minha vida.
Mas em segundos meus pensamentos voltaram para ela. Sabia que para ela eu era somente um
capricho, mais uma. A lembrança dela com a loura na cama, depois a ruiva quase nua. O
julgamento que fiz, sem querer, de Andréa Alcântara não era dos melhores, era o pior possível. Ela
queria me usar, eu era sua funcionária, devia um favor a ela... Achou que seria fácil. E quase foi.
Cheguei à minha rua e, ao dobrar a esquina, já estava decidida a evitar Andréa. Conjecturei
tudo que ela queria comigo e encerrei minha decisão falando baixinho para mim mesma: “O que
essa mulher pensa? Já demonstrou que pega o quer, a hora que quer... Mas não vai me usar. Ah,
não vai mesmo! Posso processá-la por assédio”.
Passei pelo portão de casa imaginado os motivos pelos quais ela intercedera por mim. Teria
achado que assim eu deveria algo a ela? Será?
Antes de entrar, percebi o movimento e luzes na sala. Pensei em fazer a volta e entrar pela
cozinha, mas resolvi entrar pela porta da frente que estava aberta. Vi que os amigos de Henrique
estavam lá. Senti calafrios no corpo.
– Oi, minha morena. – Henrique se aproximou e me beijou. Disfarcei e virei o rosto.
– Olha, Henrique, se eu tivesse uma mulher dessas, não deixava sair de casa – um de seus
amigos, muito mal encarado, falou rindo.
Passei rapidamente pela sala, não ouvi a resposta de Henrique. Depois de algum tempo, ele
entrou na cozinha, onde eu preparava algo para comer, e segurou meu braço. Estava furioso.
– Já falei pra você não entrar pela sala quando meus amigos estiverem aqui!
– Amigos? Henrique, você chama de amigos aqueles marginais? – respondi no mesmo tom.
Percebi que estava drogado.
– Você adora provocar, não é? Adora chamar atenção! – Continuou segurando meu braço,
agora com mais força. Senti medo.
– Me solta! Não quis provocar ninguém. E não tenho culpa se você não se faz respeitar por
seus... Amigos – falei com ironia.
– Quem não se dá ao respeito é você! – ele falou me empurrando com força.
Caí, derrubando uma cadeira. A dor que senti no corpo não foi nada perto do ódio que sentia
dele. Levantei e fui em direção ao quarto. Ele me puxou pelos cabelos, me virou e disse:
– Não quero mais você desfilando pela sala quando tiver alguém aqui. Entendeu? Agora vou
sair e não sei se volto essa noite!
Ele me soltou, corri e bati a porta do quarto. Me joguei na cama e chorei... Nunca imaginei que
chegaríamos a esse ponto. As agressões estavam cada dia piores. Ele estava cada dia pior e eu
mais fragilizada. Precisava reagir.
Adormeci e sonhei com uma linda mulher nua. Ela se virou... Vi seus olhos negros.
***
Andréa não acreditava no tinha acontecido, passou o dia pensando nela e se deveria ou não
chamá-la para conversar. Pela primeira vez em sua vida, não sabia como agir com uma mulher.
À noite, saiu com Paula e Lilian para jantar. Bebeu e acabou contando a elas o que havia
acontecido naquela manhã.
– Você agarrou a camareira? – Paula perguntou incrédula.
Lilian ria. Conhecia muito bem a fama de Andréa. E falou logo depois de Paula:
– Nem a camareira escapou...
– Por favor! Não contei pra ficar ouvindo piadinhas – falou demostrando que estava chateada.
– Desculpa, não foi essa intenção. Mas você há de convir comigo, Andréa... É engraçado! Você e
a camareira? – Soltou uma risada que imediatamente foi abafada pelo olhar censurador de Paula.
– Peça desculpas, Andréa. Simples – Paula falou com carinho.
– Ou come ela de uma vez – Lilian soltou sem controle, apesar dos olhares de Paula, que
percebeu algo nos olhos de Andréa que Lilian não viu.
– Se soubesse não tinha contado – Andréa falou olhando para as duas.
– Desculpa, me perdoa! Mas não resisti, não falo mais nada – Lilian terminou a frase e colocou
as mãos em cima das de Andréa, enquanto Paula falava:
– Acho que você deveria conversar com ela, Andréa. E como você falou, ela não é nenhuma
criança e correspondeu... Não foi?
– Foi, Paula... Foi! Mas... Assim que percebeu, ou sei lá o que pensou, saiu correndo. Ela é... É... –
Não conseguiu terminar, pois Lilian completou:
– Gostosa? – As duas olharam para ela com olhar de reprovação. – Ok! Ok! Vou ao banheiro. –
E saiu, deixando as duas na mesa.
– Ela demonstra uma fragilidade que me comove. Sinto vontade de abraçá-la, segurá-la bem
forte, protegê-la... E, além de tudo, é... É... Linda! – Andréa disse a última palavra para si mesma.
– Andréa... Não sei o que te dizer. Faça o que deve ser feito, peça desculpas. A não ser que...
Que queira algo – falou esperando para ver a reação da outra.
– Por favor, Paula! Claro que não!
O jantar terminou sem conclusões. A única foi a que Lilian falou para Paula, depois que já
haviam deixado Andréa no hotel e estavam sozinhas no carro:
– Acho que a poderosa Andréa Alcântara foi finalmente fisgada... Pela camareira. Nunca vi
Andréa se sentir assim, culpada. Temos que conhecê-la. – Desta vez Lilian não sorriu. Paula foi
obrigada a concordar.
***
Saí antes de Henrique acordar. Não vi a hora que ele chegou, pois dormiu na sala.
“Tudo bem! Melhor assim!”, pensei com raiva.
Estava decidida, sairia de casa naquela semana. Procuraria algo que pudesse pagar, não
estava mais aguentando viver com ele, tampouco suas agressões.
Cheguei ao hotel novamente antes de todos e encontrei o senhor Alfredo, gerente geral, no
corredor. Ele me chamou para conversar. Fiquei tensa, pois ele nunca conversava com os
funcionários que, segundo ele, eram “de baixo escalão”, como eu.
– Sente-se – falou gentilmente. Seu olhar me analisava.
– Obrigada. – Fui séria.
Ele foi direto ao assunto.
– Fiquei curioso para saber o que fez para contar com a proteção da senhorita Andréa.
Me movi na cadeira ao ouvir o nome dela, tentei ganhar tempo para pensar:
– Não entendi, senhor Alfredo... Proteção? – perguntei demonstrando ingenuidade.
Ele sorriu... Maliciosamente. Levantou-se, parou atrás de mim. Senti seu olhar.
– Você é bem espertinha. Mas cuidado – falou bem próximo ao meu ouvido, o suficiente para eu
sentir o seu cheiro nauseante de colônia.
Tentei levantar. Ele segurou meu ombro e me forçou a ficar sentada. Continuou falando.
– Ela vai cobrar, se já não cobrou. Tome cuidado. Quando ela cansar, vai demiti-la pessoalmente.
Portanto, aproveite. – Afastou-se. Olhei para ele e senti nojo... Raiva. Levantei da cadeira.
– Não sei do que está falando. Posso ir?
Sentia-me humilhada, queria jogar aquele empreguinho na cara dele... Dela... De todos. Mas
precisava. Era a única maneira que tinha de me livrar de Henrique.
– Pode ir sim, mas preste atenção: se sua intenção é ganhar algum dinheiro fácil com ela, desista
– ele falou sem tirar os olhos de meu corpo e finalizou com um sorriso insinuante: – Tem jeito mais
fácil de ganhar dinheiro.
– Não entendo qual sua intenção ao me falar essas coisas, mas exijo que o senhor me respeite –
falei tentando ser firme e saí me sentindo péssima. Imaginei se ela havia mandado ele me dar
algum recado, se estava preocupada pelo fato de eu não ceder e querer processá-la. Muitos
pensamentos passavam pela minha cabeça.
Naquele dia não a vi. Ouvi quando o senhor Joaquim chamou Margareth, outra camareira, para
levar o café para ela. E, depois, ouvi o comentário dela com Marta.
– Essa dona Andréa é uma antipática! Grossa! Reclamou quando fui servi-la. Disse que não
precisava ser servida e me mandou sair, acredita? Deixei o carrinho lá e saí.
– Que ninguém ouça você falando dela. Acabará na rua – completou Marta.
O dia passou sem que tivesse notícias dela. A terça-feira foi igual. Cíntia levou o café para ela,
e logo depois veio falar comigo.
– Estive na suíte da senhora Andréa e sabe o que vi? – perguntou baixinho. Olhei para ela, mas
não respondi. Ela completou:
– Tinha uma mulher com ela, uma morena, bonita... Acho que dormiu aqui. Nossa! Mas também,
com uma mulher como essa Andréa... Eu nem pensava, ia até o fundo. – Fiquei chocada com o
comentário e falei sem pensar:
– Nem pense nisso! Quero dizer... Você é o quê? Você é lésbica? – Ela me olhou rindo, mas
surpresa, e respondeu:
– Não. Pelo menos até agora. Mas se ela quisesse...
Disfarcei meu descontentamento com o comentário, continuei dobrando as toalhas e pensando.
“Tinha outra com ela?” Suspirei. “Ela não vale nada mesmo, uma vadia... Isso que ela é!”
Fiquei o resto do dia de mau humor e tentando achar a resposta da pergunta: “Por que ela não
me chamou mais?”
Na quarta, não fui ao hotel, pois era minha folga. Tirei o dia para procurar um local para
morar. Nos últimos dias, quase não tinha visto Henrique, que chegava tarde e, de manhã quando eu
saía, estava dormindo. Evitei ao máximo encontrá-lo.
Passei o dia andando pelas imobiliárias e vendo anúncios de jornais. Percebi que seria difícil, no
máximo conseguiria pagar um pequeno apartamento, mas seria o suficiente para mim. Reservei um,
cuja localização não era distante do centro nem do hotel. Poderia ir andando se quisesse. E ainda
tinha alguns móveis, o que facilitaria, pois não pretendia tirar nada da casa, apenas minhas roupas
e coisas pessoais. Fiquei de providenciar os documentos.
***
Naquela quarta, Andréa estava impaciente. Sabia que Carmem não estava trabalhando, pois
havia passado a manhã na sala do gerente Alfredo, conversando sobre a administração do hotel,
e aproveitara para ver as escalas das folgas que estavam em cima de sua mesa.
À tarde, foi para o escritório, que não era distante do hotel. Pensou muito no que havia
acontecido, tinha decidido se afastar o máximo possível da camareira, mas estava sendo difícil,
não conseguia parar de pensar nela... Naqueles lábios macios... No beijo... Andréa a queria, estava
louca de desejo por ela...
Tinha procurado, em vão, encontrar alguém que a fizesse esquecer. Na segunda foi a um bar,
junto com Paula e Lilian, e encontrou Janaína, uma morena bonita, amiga de Lilian e que não tirava
os olhos dela. Acabou levando a morena para a cama. Na terça foi ao cinema com Sandra e,
apesar das investidas, resistiu, não quis levá-la para o hotel. Não estava com vontade.
Decidiu que ficaria no hotel naquele dia. Iria dormir cedo e no outro dia chamaria Carmem para
conversar. Ainda não sabia o quê, mas queria vê-la. Antes de dormir, conversou por muito tempo
por telefone com sua mãe, que queria informações sobre andamento de tudo.
***
No outro dia, no vestiário, encontrei algumas camareiras ainda do período da noite, que
comentavam sobre o movimento intenso do hotel. Assim que saí, o senhor Joaquim passou
rapidamente por mim e disse:
– Senhora Carmem, por favor. Café na suíte da senhorita Andréa. Agora!
– Sim, senhor. – Corri para a cozinha sem pensar em nada, apenas precisava vê-la.
Suspirei profundamente ao começar a andar naquele corredor em direção à porta dela. Bati.
Silêncio... Esperei, bati novamente.
Depois de longos minutos, ela abriu. Estava linda! Vestia uma saia larga comprida marrom de um
tecido leve, uma blusa branca do mesmo tecido – uma das alças caía deixando o ombro nu. Fiquei
admirando aquela imagem até que ela se moveu, me dando espaço para entrar. Empurrei o
carrinho para dentro e perguntei:
– Onde quer, senhora? – Ela não respondeu.
Ficou me olhando, tentei disfarçar meu embaraço. Insisti:
– O café.
Ela sorriu e respondeu:
– Onde? Aqui mesmo – disse apontando para a mesa na sala. Lembrei do que Margareth falou
e perguntei:
– Quer que sirva?
– Quero – respondeu sem tirar os olhos dos meus, que também não conseguiam se desviar dos
dela...
– Sim, senhora – falei e comecei a organizar a mesa.
– Carmem... Hmm, é esse seu nome, não é? Eu queria... Queria... – Imediatamente olhei para ela
ansiosa, nervosa.
– Si... Sim, senhora – respondi e ela deu dois passos em minha direção.
Senti seu cheiro delicioso... Ela se aproximou mais. Percebi que ela fechou os olhos e respirou
fundo. Estava a centímetros de meu rosto...
– Na verdade, ia dizer uma coisa... Mas desisti.
Puxou-me com uma das mãos e me beijou. Novamente senti sua língua invadir minha boca.
Permiti e retribui... Com vontade. Suas mãos nas minhas costas, as minhas na dela. Puxamo-nos num
beijo alucinado de desejo. Novamente senti meu cabelo cair. Ela o tirou do meu rosto e o segurou
atrás...
Começou a me conduzir em direção ao sofá. Resisti, não deixei meu corpo cair, ela não insistiu.
Virou-se e me puxou para cima dela. Caímos juntas.
Não sei por quanto tempo nos beijamos, nos tocamos. Só percebi que existia um mundo quando o
telefone da suíte tocou.
Ela me puxou, eu tentei me afastar. Ela tentou me segurar, eu levantei. Ela também. Olhou para
mim querendo dizer algo... Mas não disse. Nem eu.
Arrumei minha roupa. Ela fechou os olhos, respirou profundamente... Eu saí correndo.
Corri para o banheiro e lavei o rosto, a nuca, os pulsos... Se pudesse, entrava na pia.
***
Andréa não atendeu o telefone. Deixou-se cair no sofá e olhou para o teto... Respirou
profundamente... Fechou os olhos...
CAPÍTULO IV
Naquele dia, resolvi ir andando para casa, pois precisava pensar. Recapitulei todos os detalhes,
desde o primeiro dia que a vi transando com aquela loura. Os beijos, os olhares...
“O que está acontecendo comigo? Estou louca por ela! Uma mulher... Que é dona do hotel em
que trabalho. E já tive provas que ela não vale nada. Não posso sentir isso por alguém com quem...
Sequer troquei duas palavras... Na verdade nunca pensei que o silêncio falasse tanto... Será que
ela sente o mesmo? Ora, Carmem, não seja tonta, ela quer se satisfazer, quer te usar, como faz
com as outras”.
Lembrei das palavras do senhor Alfredo: “Quando ela cansar, vai demiti-la pessoalmente”.
“Estou perdida. Preciso do emprego. Preciso dela”.
Cheguei em casa e tive uma surpresa. Uma cena que me deixou assustada: Henrique deitado no
sofá, cheio de hematomas no rosto e sangrando. Corri em direção a ele, que me abraçou
chorando.
– Me perdoa, meu anjo! Estraguei tudo, me perdoa! – falava aos prantos. Segurei-o e coloquei
sua cabeça em meu colo.
– O que aconteceu, Henrique? Você está todo machucado... Quem fez isso? Vamos ao hospital –
tentei convencê-lo.
– Não... Não. Eles chamariam a polícia. Não posso, meu amor! E... E... Levaram nosso carro... –
Conseguiu dizer.
– Como, Henrique? Por quê? Nem terminou de pagar! Como permitiu?
– Queriam o dinheiro... Não consegui o valor que queriam e... Levaram o carro. Na verdade
ainda falta... Mas vou dar um jeito. Tenho alguns trabalhos pra fazer e vou conseguir me livrar
deles. E daí vamos embora daqui. Eu e você.
– Ah, Henrique! Como você deixou isso acontecer? Por favor, vamos à polícia. Eles darão um jeito
se você os entregar, não vai adiantar você pagar, eles sempre vão querer mais. E, também, não
quero ir embora daqui. Não precisamos fazer isso.
– Não posso ir à polícia, Carmem! Vou resolver isso, não se preocupe... Só me abraça.
Suspirei e o abracei. Olhei para ele e vi que estava com medo também.
– Vem, vamos cuidar desses machucados. – Levantei e o ajudei a caminhar até o quarto.
Limpei seu rosto e coloquei algumas bandagens para diminuir os hematomas. Dormiu abraçado a
mim. Fiquei ali pensando...
Toda aquela barbárie que via pela TV, pelos jornais... Estava dentro de minha casa! Às vezes
achamos que determinadas violências não nos atingem e, quando menos esperamos, elas entram
pela porta da sala. Estamos fazendo parte. Acabei adormecendo assim.
Na sexta-feira, deixei-o na cama dormindo e saí. Ao chegar ao hotel, já percebi a
movimentação intensa. A senhora Maria Alice estava para chegar, todos estavam apreensivos, pois,
se Andréa causava temor, dona Maria Alice causava pavor.
Segundo Marta e Cíntia, que já a conheciam, quando ela chegava, todos deveriam se deitar
para ela passar em cima. Percebi o exagero, pois nada do que falavam de Andréa se confirmava,
pelo menos para mim.
Passei pela cozinha diversas vezes para ver se havia algum pedido para a suíte de Andréa,
mas nada. Não sabia mais como controlar meus sentimentos. Queria que ela me chamasse, mas ao
mesmo tempo não podia ceder à vontade dela. Meu desejo por ela era insano. Minha razão
mandava eu me afastar.
Perto das duas da tarde, fiquei sabendo por Cíntia que ela havia saído cedo para o escritório,
pois as camareiras do turno anterior haviam reclamado dela quando foram servir-lhe o café.
No final da tarde, estava me preparando para sair quando vi o movimento na recepção. Fui até
a porta e dei uma olhada, não resisti. Fiquei escondida atrás de Felipe, um dos recepcionistas.
Vi quando Andréa entrou – maravilhosa, com um conjunto de saia e blusa azul, salto alto –
acompanhada de uma senhora, também muito bem vestida. Percebi pelos traços que era sua mãe.
Entraram no hotel e foram recebidas pelo senhor Alfredo. Andréa nem olhou para ele. A senhora o
cumprimentou, estendendo-lhe a mão. Ouvi quando ela disse:
– Senhor Alfredo, temos muito que conversar, mas amanhã, pois estou cansada e quero
conversar com minha filha. Pode mandar servir o jantar mais tarde, na suíte dela, por favor.
Dirigiu-se para o elevador e, com um movimento de cabeça, cumprimentou os outros funcionários
que estavam por ali. Andréa não levantou os olhos para ninguém.
***
– Andréa, minha filha, o que você tem? Veio calada do aeroporto até aqui. O que está
acontecendo com você?
– Nada. Está tudo bem. Que ideia!
Dona Maria Alice se aproximou, segurou o rosto de Andréa e a fez olhá-la.
– Você não me engana. Conheço-a muito bem. Aconteceu alguma coisa por aqui e você não
quer me contar? Quem é a mulher que deixou você assim?
A última frase falou sorrindo. Andréa desvencilhou-se das mãos da mãe e se afastou, respondeu
de costas:
– Do que está falando? Não há ninguém, ora! Cheguei aqui ontem e já acha que estou envolvida
com alguém! Que é isso, mamãe?
Maria Alice deu uma gargalhada.
– Andréa... Se existe alguém que não precisa de muito tempo para se encantar por alguém é
você! Não quer contar para sua mãe, não precisa, mais saiba que vou descobrir. Sabe que
descubro tudo.
Ameaçou brincando, mas Andréa não deu risada.
– Você veio de São Paulo pra isso?
Dona Maria Alice respondeu de forma séria:
– Não! Vim porque percebi que você precisa de mim. Pensei que eram os negócios, mas agora
estou vendo que é mais que isso!
Andréa caminhou até o bar, serviu-se de uma bebida e respondeu sem paciência:
– Por favor! Quer parar?
– Está certo. Vou parar... Por enquanto. Vou tomar um banho. Ah! Convide Paula para vir tomar
café da manhã conosco, e que traga a famosa Lilian... Não vejo a hora de conhecê-la. – Deu um
beijo na testa da filha e se dirigiu à sua suíte.
Andréa ficou ali, vendo sua mãe fechar a porta.
“Como vou dizer a ela que meu encantamento é pela camareira do hotel?”
Riu da situação e ligou para Paula.
– Claro que vou. Não consigo desobedecer uma ordem da senhora Maria Alice – brincou Paula.
– E traga Lilian – completou Andréa.
– Ok! Ela vai adorar! Beijos!
***
Cheguei em casa e encontrei Henrique na cozinha.
– Preparei um jantar pra gente – disse vindo ao meu encontro e me dando um beijo.
Fazia algum tempo que não fazia isso, por muito tempo esperei que ele voltasse a ser assim.
Mas agora não importava mais.
– Como você está? – perguntei para sair do abraço.
– Melhor. Graças à você – falou sorrindo.
– Henrique... Precisamos conversar...
– Carmem... Por favor, hoje não. Estou me sentindo péssimo, perdi nosso carro e ainda estou
devendo para aqueles caras... Não quero ouvir você me mandar procurar emprego. Não hoje, por
favor. – E me abraçou de novo.
– Tudo bem, Henrique... Mas amanhã vamos conversar, ok? – Só eu sabia que a conversa não
seria sobre emprego.
Tomei um banho, jantamos e fomos pra cama. Ele quis fazer amor, me beijou, foi gentil. Mas o
afastei. Ele insistiu. Cedi... Meu pensamento foi nela. Dormi com uma sensação de culpa.
No outro dia, cheguei ao hotel e vi o senhor Alfredo recebendo duas mulheres. Uma alta, magra,
cabelos curtos e escuros com algumas luzes, bonita. A outra um pouco mais baixa, cabelos
compridos lisos, morena, também bonita. Entraram juntos no hotel.
Fui direto para o vestiário e, ao sair, encontrei Cíntia, que veio ao meu encontro com olhar
apreensivo. Falou, depois de um suspiro:
– Bom dia! Vem comigo, temos uma missão...
– O que houve? – perguntei rindo da expressão dela.
– Acho que alguém lá em cima quer nos castigar – falou apontando para o céu e continuou: –
Nos chamaram pra levar o café da manhã na suíte principal do Feudo.
Dei risada do comentário. Já sabia do que ela falava.
– Então balança a poeira e vamos! – falei para descontrair, mas fiquei nervosa.
Estranhei. Café para quatro? Cíntia logo explicou:
– Estão recebendo umas amigas para acompanhá-las. Já não basta duas, agora são quatro.
Lembrei das mulheres que vi com o senhor Alfredo.
Estava feliz que ia vê-la. Cíntia bateu na porta e a senhora Maria Alice abriu. Sorriu.
– Bom dia, meninas. Entrem, estamos famintas! – disse ao nos dar espaço para entrar.
Tentei não olhar para Andréa, mas não resisti. Ela estava na varanda, conversando com a
mulher mais alta. A outra estava sentada no sofá.
– Onde servimos, senhora? – perguntou Cíntia.
– Onde querem, meninas? – perguntou a senhora olhando para Andréa e a outra na varanda.
– Vocês que sabem. Pode ser aí mesmo – respondeu Andréa, que me olhou e desviou o olhar
rapidamente.
Começamos a servir na mesa da sala. Sentia o olhar de Andréa em mim e o das outras também.
A que estava sentada na sofá levantou-se e veio até a mesa.
– Como se chamam? – perguntou.
Cíntia sorriu para ela e respondeu.
– Meu nome é Cíntia, senhora, e está é Carmem – percebi seu olhar avaliador em mim.
– Parabéns, meninas. Vocês são muito atenciosas e simpáticas – terminou de falar e ouvimos a
outra chamá-la da varanda.
– Lilian, vem aqui... Por favor!
Percebi que não foi um chamado, mas quase uma ordem. Ela atendeu e não olhei mais na
direção delas. Terminamos e a senhora Maria Alice agradeceu e disse que elas próprias se
serviriam.
– Podem ir. Obrigada! – falou já abrindo a porta. Saímos.
No corredor, respiramos fundo e rimos.
– Espero que chamem outras para recolher – falou Cíntia.
Olhei para ela querendo o contrário.
***
– Andréa me falou que vocês estão pensando em casar, é isso? – perguntou sorrindo Maria
Alice, deixando Paula embaraçada. Lilian respondeu, também sorrindo.
– Sim, é verdade. Não é bem casar a palavra. Mas é como se fosse.
– Se conheceram na Universidade? – perguntou.
– Que interrogatório, mamãe! – criticou Andréa. Elas riram e Paula respondeu:
– Na verdade, não. Nos conhecemos na Inglaterra, fui fazer um aperfeiçoamento e Lilian
terminava o doutorado. Voltamos juntas para o Brasil, eu já estava dando aulas na universidade e
Lilian entrou no último concurso, daí...
– Satisfeita? – Andréa perguntou para a mãe, que se fez de desentendida e continuou, olhando
para Lilian:
– Espero que sejam muito felizes. Gosto muito de Paula, é como se fosse minha filha. Conheço-a
desde menina e os pais dela são meus vizinhos em São Paulo, espero que cuide bem dela –
completou.
Elas riram e Andréa respondeu:
– Acho que é o contrário, mamãe.
Lilian respondeu como se estivesse ofendida, brincando:
– Vocês me acham maluca, né? Mas pelo menos sou sincera, admito meus sentimentos, coloco o
que penso e o que sinto pra fora – falou, encarando Andréa.
Paula a beliscou por baixo da mesa e mudou o assunto.
– Quantos dias a senhora pretende ficar?
– Não posso ficar mais que dois dias, amanhã vou embora. Andréa precisa resolver as coisas
por aqui sozinha – falou olhando para a filha, preocupada, pois sabia que algo a incomodava, e
esse algo não era a empresa.
Terminaram o café e saíram todas juntas. Despediram-se na portaria. Ao beijar a face de
Andréa, Lilian falou baixinho:
– Ela é linda! – Andréa sorriu e balançou a cabeça, como se dissesse à Lilian: “Você não tem
jeito.”
Andréa e a mãe foram em direção ao escritório. Paula e Lilian para casa de Paula, pois era
sábado e não trabalhavam.
***
Fomos chamadas para recolher a mesa, mas já não havia ninguém na suíte, para alívio de Cíntia
e decepção minha. Não vi mais Andréa naquele dia, nem no outro. Fiquei sabendo, na segunda-
feira, que sua mãe havia ido embora no domingo à tarde e que ela não voltara para o hotel à
noite. As dúvidas me atormentavam: “Onde ela dormiu? Com quem?”
Fui vê-la novamente na quarta à tarde, quando eu estava recolhendo os copos na recepção. Ela
chegou, me viu e veio em minha direção. Segurei firme a bandeja, achei que ia derrubar.
– Você pode ir até meu quarto daqui a pouco? – falou baixinho.
– Sim, senhora, posso – respondi no mesmo tom.
– Esperarei por você. – Virou-se e caminhou em direção ao elevador.
Fiquei olhando a porta fechar sem conseguir me mover, a forma imperativa como falou, ao
mesmo tempo que me causou um furor, me deixou indignada.
“Afinal! O que ela quer? E se ela quiser me beijar de novo? Não posso ceder às vontades dela.
Ela não vai me usar... E se eu quiser?” Em menos de meia hora, bati na porta da suíte. Ela abriu.
– Demorou – falou calmamente.
– Desculpa, é que... Precisei atender um cliente e... – Interrompeu:
– Pare de se desculpar, por favor! Entre. – Saiu da frente e me deu passagem. Entrei.
– Pois não, senhora – falei olhando para ela.
– Pare com isso! – Puxou-me para ela e senti seus lábios no meu pescoço.
Tentei empurrá-la e afastá-la:
– Por favor... Não! – consegui dizer, mas ela não me ouviu.
Beijou-me. Tentei afastá-la, porém minha boca correspondia. Ela riu lindamente:
– Afinal, decida-se: ou me empurra, ou me beija – falou sem me soltar. Empurrei-a e perguntei:
– Por que está fazendo isso?
– Pelo mesmo motivo que você! – Tentou se aproximar novamente, me afastei.
– Por quem me toma, senhora Andréa? – falei decidida.
Ela balançou a cabeça como se negasse, como se as minhas palavras não fizessem sentido para
ela e falou dando um passo em minha direção:
– Não consegue ver que queremos a mesma coisa? Por que negar? Sentimos desejo uma pela
outra, não consigo parar de pensar em você e sei que você também me deseja. Vem aqui... –
Aproximou-se, tentou me tocar. – Vamos resolver isso logo, quero você nem que seja uma vez só... –
Colocou a mão em minha cintura, empurrei-a com força.
– Me solta! É assim que você vê as pessoas, senhora Andréa? Vem cá, resolve meu problema,
depois pode ir embora? Assim? Pois saiba que não sou como essas vagabundas que você está
acostumada a levar pra sua cama! – Estava com raiva. Ela queria me usar.
– Que é isso, garota? Não desrespeitei você! Não te dei o direito de falar assim comigo! – Ela
demonstrava uma alteração que eu ainda não tinha visto.
– Ah, me deu algum? – respondi sem medo.
– Não fiz nada que você não quisesse. Não admito que fale assim comigo. Quem você pensa
que é? Você é... É... – Não completou.
– Sua empregada?
– Devia ter deixado te colocarem na rua!
Respondeu furiosa. Ela já não era mais a mesma pessoa. E eu fui direta e já não estava mais
preocupada com meu emprego, falei sem constrangimento:
– Não pedi nada pra você! Não te devo nada! Achou que eu iria pra cama com você só porque
não me mandou embora, pra garantir meu emprego? Engana-se! Aliás, por motivo algum iria pra
cama com você!
– Saia daqui agora! – Foi em direção à porta e a abriu.
– Por mim, eu não estaria aqui. Foi você quem me chamou, lembra?
– Sai! – Ela gritou. Passei pela porta e senti a batida nas minhas costas. Corri para o banheiro,
me tranquei no reservado e chorei.
***
Andréa deu um soco na porta. E machucou a mão...
CAPÍTULO V
Fui para casa com a certeza de que no outro dia minha demissão estaria assinada por ela.
Estava arrasada.
Ela queria resolver isso logo, foi isso que disse. Definitivamente vi quem era Andréa Alcântara.
Mas não conseguia odiá-la. Queria. Mas não conseguia...
Fiquei triste só em pensar que não a veria mais.
Antes de chegar em casa, vi luzes na frente. Era a polícia, fiquei assustada e corri. Ao chegar
ao portão, percebi que estavam dentro de casa, revirando tudo. Estava uma bagunça, móveis
virados, sofá rasgado, gavetas pelo chão. Entrei e o policial na porta me viu e segurou meu braço,
me empurrando contra a parede. Uma mulher se aproximou e me revistou.
– O que está acontecendo? O que é isso? – Estava aflita.
– Temos um mandado de busca para sua casa, senhora – respondeu a mulher e me mostrou o
papel.
– O quê? Como assim? Onde está Henrique?
– Preso. A senhora deve nos acompanhar até a DP, lá o delegado vai explicar. A senhora
precisa depor – falou já me levando para o carro.
– Mas como? Eu... Eu... Estou sendo presa?
– Não, senhora – respondeu ao fechar a porta.
Cheguei à delegacia e me conduziram diretamente para a sala do delegado. Respondi a
inúmeras perguntas sobre minha vida e a de Henrique. Não menti, pois não sabia muita coisa do
que ele fazia.
Depois de duas horas, o delegado me disse que ele havia sido preso em flagrante por tráfico
de drogas. O carro que dirigia era roubado e estava cheio de cocaína e maconha. Ele faria uma
entrega e houve uma denúncia, a polícia interceptou e o prendeu.
Minhas lágrimas escorriam, não conseguia imaginar Henrique preso. E sabia o que significava
ser preso por tráfico.
Próximo à meia noite, eles me levaram para casa. Não consegui entrar, liguei para um táxi e fui
para a casa de Cíntia, que me recebeu assustada:
– Eu disse pra você sair de lá. Olha só o que houve! Você quase foi presa! – Abraçou-me. Eu
chorava. – Amanhã à noite vamos buscar suas coisas, você não pode mais ficar lá. – Concordei.
Tomei um banho e Cíntia me emprestou roupas para dormir. Adormeci no sofá e então me
lembrei que, talvez, no dia seguinte já não tivesse mais emprego.
***
Naquela noite, Andréa não atendeu aos telefonemas de ninguém. Nem de Paula, que ligou
quatro vezes, nem de sua mãe. Tomou duas garrafas de vinho e dormiu no tapete da sala.
Acordou no outro dia dolorida, sua cabeça latejava e o cheiro de vinho derramado no tapete
era insuportável. O telefone tocava insistentemente. Atendeu.
– Senhora Andréa, a senhorita Paula está na recepção. Pode subir?
– Pode! Droga!
Caminhou até a porta, abriu-a e foi para o banheiro. Tirou a roupa e entrou no chuveiro. Paula
entrou e, ao olhar ao redor, não acreditou. As garrafas jogadas no chão, o cheiro de cigarro...
“O que aconteceu aqui?”, pensou.
Foi até o quarto e entrou no banheiro. Viu Andréa com a testa encostada na parede, olhando
para o chão, a água caindo...
– O que aconteceu com você? – perguntou assustada.
– Nada! – respondeu sem forças.
– Ah! Não pense que vou me contentar com isso, vou sentar aqui e você vai me contar. Vou pedir
o café!
– Não quero aquela mulher aqui! – Andréa gritou do banheiro.
– Nossa!
Paula pediu o café, e pediu para que Cíntia o levasse. Juntou as garrafas e viu as enormes
manchas de vinho no tapete. Levou os cinzeiros para a varanda e sentou para esperar Andréa.
– Então, Andréa? Com quem você fez essa festinha ontem? Não me diga que foi com Sandra
novamente. Já falei pra você que ela está namorando a...
– Ninguém veio aqui ontem, Paula. Por favor!
– Você fez tudo isso sozinha? – perguntou sem acreditar.
Andréa suspirou e começou a contar a ela o que havia acontecido. Foram interrompidas por
Cíntia, que levou o café. Pediram que o deixasse e saísse. Andréa continuou. Paula ouviu e, no final
do relato...
– Andréa... E você ficou assim porque ela te rejeitou? Não acredito que um “não” te deixou
assim! – Levantou-se de onde estava e sentou ao lado de Andréa. – Você está apaixonada por
ela, Andréa?
– Apaixonada? Tá louca? Nem a conheço Paula, ela é... – Silêncio.
– Sua funcionária? Uma camareira? Pobre? Qual dessas palavras vai usar, Andréa?
– Todas elas! Mas ia dizer que ela é casada. Vi na sua ficha de admissão – falou, levantou e foi
até a porta da varanda.
– Você foi vasculhar a vida da moça? – Andréa não respondeu. Paula continuou. – E agora? Vai
demiti-la?
– Não! Ela vai engolir as palavras que disse, vai ter que me pedir desculpas. Ah, vai sim!
Paula suspirou e levantou.
– Desculpas pelo quê? Por resistir a você? Não seria mais fácil demiti-la, Andréa?
– Jamais! Ela vai ver com quem se meteu. Quero fazê-la sofrer. – Virou-se para Paula e
completou: – E vai começar hoje! – Caminhou em direção ao telefone e ligou para a recepção. –
Peça para a camareira Carmem vir até minha suíte, e que traga material de limpeza. Agora! –
Desligou e olhou para Paula, que balançou a cabeça.
– Você quer humilhá-la, Andréa? Pra quê isso? – Andréa não respondeu e Paula se dirigiu à
porta. Olhou mais uma vez para ela. – Não vou ficar aqui para ver isso... Quando quiser
conversar, me liga. Tchau!
***
Eu e Cíntia chegamos alguns minutos atrasadas. O senhor Joaquim olhou para nós, mas não disse
nada. Pediu que nos dirigíssemos à cozinha, pois tínhamos muitos pedidos de clientes para atender.
Eu estava passando as camisas de um cliente e pensando no motivo pelo qual estavam demorando
para me chamar e me mandar embora... E o que faria, com Henrique preso...
Meus pensamentos foram interrompidos por Marta.
– Carmem, recebemos um pedido da suíte da senhora Andréa. Ela solicitou que você fosse até lá
com material de limpeza agora. Deixa que continuo aqui.
– Ela pediu o quê? Mas eu não faço a limpeza dos quartos...
– Falei que eu iria, mas ela pediu você. Não sei o que houve, menina. O senhor Joaquim disse
que ela está com pressa, acho melhor você ir. – Olhou-me com ternura.
Suspirei. “O que ela quer agora? Já não basta me torturar com aqueles beijos”.
Empurrei o carrinho de limpeza até a suíte e fiquei alguns minutos parada na porta. Respirei
fundo e bati, já imaginava que ela não deixaria barato o que eu havia dito a ela. Provavelmente
me faria ver quem eu era e depois me mandaria embora... Eu estava resignada com os últimos
acontecimentos, a única coisa que eu lamentava era ter me deixado envolver por ela. Ela abriu
rapidamente e me olhou. Quase não conseguia ver as pupilas naquele olhar. Seus olhos estavam
mais escuros. Virou as costas e eu entrei.
– Quero que você limpe esse tapete e tire as manchas. Derramei vinho ontem – falou e se dirigiu
ao quarto, sem me olhar.
Empurrei o carrinho até o tapete e olhei para as manchas.
“Como vou tirar isso? Vou ter que esfregar o dia todo...”
Era mais fácil mandar lavar o tapete, mas não tive coragem de falar.
Comecei e, depois de alguns minutos, ela saiu do quarto com uma pasta. Olhou para mim. Eu
estava de joelhos no chão. Levantei os olhos, ela desviou o olhar e foi em direção à varanda.
Entendi o que ela queria, me mostrar meu lugar, me humilhar. Estava conseguindo. Senti vontade
de chorar, não porque estava limpando, nunca tive vergonha disso, mas por me sentir inferiorizada
por ela. Vi a distância enorme que existia entre nós. Era o que ela queria.
Segurei as lágrimas, mas uma insistiu em cair... Sequei-a rapidamente, não podia chorar ali, mas
meus olhos insistiam em encher.
Com o canto dos olhos, percebia que ela me olhava. Seus olhos iam da tela do celular para mim.
Depois de um tempo, meus joelhos doíam. Ela levantou e veio em minha direção, pensei em levantar,
mas ela chegou antes e parou na minha frente. Fiquei olhando para seus sapatos.
– Vou almoçar agora, e você pode ir depois que terminar. Quero isso limpo logo, pois à noite
vou receber uma pessoa.
Ficou ali parada. Acho que era o que ela queria, me ver assim, de joelhos, a seus pés. Devagar
levantei os olhos, não me importei se ela os visse marejados. Sentia raiva e respondi com ironia:
– Sim, senhora – e continuei.
Ela hesitou, deu um passo para trás. Achei que ia falar algo, mas saiu em direção à porta. Ouvi
a porta bater e longos segundos se passaram até que ouvi seus passos seguindo em direção ao
elevador. Deixei as lagrimas caírem.
Estava limpando para ela receber alguma das suas convidadas, com certeza! Isso doeu mais do
que qualquer outra coisa.
Quando terminei, já passavam das duas horas da tarde. Não almocei, tampouco sentia fome.
Meus joelhos doíam, a saia não os cobria, estavam vermelhos pelo atrito com o tapete. Passei por
Cíntia, que me olhou e falou:
– A Marta me falou. Nossa, seus joelhos! Por que ela fez isso? Você não trabalha na limpeza dos
quartos...Você chorou? – Estava sem entender nada.
– Cíntia, tem algumas coisas que preciso te contar. À noite conversaremos. – Precisava falar com
alguém sobre o que estava acontecendo.
À tarde, liguei para a delegacia para saber de Henrique. Não me deram muitas informações.
“Minha vida se transformou num inferno”, pensava enquanto me dirigia à lavanderia.
Não vi quando Andréa voltou, mas no final da tarde estava indo ao vestiário para trocar de
roupa quando o senhor Joaquim me chamou.
– Carmem, antes de sair leve o pedido da senhora Andréa até sua suíte. – Ouvi e não acreditei.
“Por que não manda outra pessoa?”, pensei.
Mas já sabia a resposta, ela queria que eu visse. Eu iria.
Fui até a cozinha e me indicaram o carrinho. Olhei e senti uma dor no peito: champanhe, duas
taças, morangos e uvas. Empurrei o carrinho até o elevador de serviço e fiquei olhando os números
passarem. A porta abriu e eu saí do elevador. Olhei aquele corredor... Nunca o senti tão frio!
Caminhei até a porta da suíte, bati e, quando a porta abriu, reconheci a loura. Era a mesma que
tinha visto com ela na cama. Entrei, a loura sorria. Ela surgiu na porta do quarto, nossos olhos se
encontraram por alguns momentos. Ela desviou seu olhar para meus joelhos, o meu foi para o chão.
Não queria que visse minha decepção. Na verdade, eu apenas confirmava o que pensava sobre
ela.
– Coloque na varanda – falou friamente. Fiz o que mandou e, quando ia sair, ela completou: –
Antes de sair, recolha aqueles papéis no chão – falou apontando para o tapete que eu havia
limpado e que estava com diversos papéis espalhados.
Comecei a fazer o que ela pediu – na verdade, mandou. Vi quando foram para a varanda,
quando ela segurou a loura por trás e beijou-a no pescoço. Virou-se para mim e percebeu que eu
a olhava.
– Por que está demorando tanto? – perguntou e caminhou em direção à sala. Ficou parada me
olhando.
– Desculpa, onde quer que coloque? – perguntei com os olhos nos papéis. Havia decidido
aguentar, logo ela cansaria e acharia outra diversão e eu manteria meu emprego.
– Em cima da mesa. – Fiz o que disse e caminhei em direção a porta.
Não olhei para ela. Saí e fechei a porta suavemente, imaginando o que aconteceria naquele
quarto.
– Metida! Insuportável! Vadia! – falei baixinho enquanto caminhava em direção ao elevador.
CAPÍTULO VI
– Andréa, por que falou assim com ela? Coitada! – Sabrina tirou Andréa do transe. Estava
parada ainda no mesmo lugar, de costas para ela, com os olhos fechados. Virou-se e tentou sorrir.
– Esquece. Vem, vamos sentar na varanda. – Sabrina estranhou a reação de Andréa. Sabia que
ela era dura com os funcionários, mas nunca a tinha visto ser deselegante e agir dessa forma.
***
Cíntia me esperou para sairmos juntas. Fomos até a minha casa, pegamos minhas roupas e
alguns pertences pessoais e saímos.
– Tenho que pensar no que vou fazer agora, não quero morar mais aqui. Vou agilizar os
documentos para alugar aquele apartamento – falei para Cíntia, enquanto fechava a casa.
– Terá tempo para pensar. Pode ficar lá em casa o tempo que quiser, sabe disso – Cíntia
respondeu.
Pegamos um táxi e fomos embora.
Chegamos, arrumamos minhas coisas e nos sentamos na sala. O apartamento era pequeno, de
um quarto, mas aconchegante. Cíntia resolveu tocar no assunto:
– Sou toda ouvidos, fala logo... O que está acontecendo entre você e Andréa Alcântara?
Respirei fundo, olhei para ela e comecei a contar desde o dia que a vi com a loura, pela
primeira vez. Cíntia ouvia a tudo sem interromper, mas de vez em quando dizia: “Meu Deus!”
– Você... Você está gostando dela, Carmem?
– Não sei, mas não posso! Nem a conheço. Aliás, a conheço sim, ela é... É...
– É o que, Carmem? Uma mulher linda e está agindo assim com você porque também não é
indiferente a você...
– Eu sei o que ela quer de mim. Não posso ceder a isso, se tivesse condições... Eu me demitia
amanhã mesmo. Mas e daí? Vou fazer o quê? Henrique está preso, tenho que ajudá-lo. Não posso
abandoná-lo agora.
– Carmem, você já devia ter se separado dele há tempos, e também não pode mais fazer nada
por ele, pense em você! – Suspirou.
Dormimos tarde. Na verdade, acho que não dormi.
Chegamos ao hotel de manhã e já havia uma solicitação para que eu me encaminhasse à suíte
de Andréa com o material de limpeza. A determinação era limpeza geral.
– Por que ela está fazendo isso? – perguntei-me baixinho. Imaginei qual seria a próxima
humilhação. A informação que recebi era de que ela já havia saído.
Entrei, fechei a porta e olhei ao redor. Percebi que teria muito trabalho, fizeram uma festa ali.
Imaginei-a na cama com aquela loura. Depois de terminar a sala, fui até o quarto e me senti pior
ainda. A cama desfeita, com os lençóis amarfanhados... Duas taças no criado-mudo, manchas de
champanhe no chão, nos lençóis.
“Era isso que ela queria que eu visse?” Percebi que ela me dava um recado:
– Você não é nada!
A dor que senti ao limpar aquele quarto foi indescritível. Não chorei, estava com raiva.
Raiva daquela loura, dela, de mim por estar com ciúmes...
Recolhi as garrafas, as taças, troquei os lençóis, abri as janelas e limpei o quarto, o banheiro.
Enfim havia terminado e me dirigia para sair quando ouvi o barulho da porta se abrindo. Ela
entrou e me olhou. Baixei os olhos, não queria ver o sorriso estampado em seu rosto.
– Ainda não terminou?
– Já, senhora, estava saindo.
– Espera, vou ver como ficou.
Foi em direção ao quarto e eu não me mexi.
“Não acredito que está fazendo isso!”
Ela voltou.
– É, ficou razoável. – Parou na minha frente. – Acho que vou solicitar ao senhor Joaquim que
transfira você para a limpeza, estamos reformulando o quadro – falou me olhando de forma...
Não consegui decifrar... Ameaçadora?
Respondi desafiadoramente:
– Como achar melhor senhora. – Utilizei todas as letras das palavras bem devagar e a
encarando.
– Não se importa de ser transferida para a limpeza?
Seu tom era jocoso, percebi que ela estava me provocando. Aceitei:
– Não tenho problemas em limpar. Na verdade, as vezes, é melhor limpar o chão do que...
Percebi seu olhar fulminante. Fiquei com receio de completar e, então, ela se aproximou.
– Complete! Diga! Perdeu a coragem? – Estava brava.
– Farei o que quiser, senhora Andréa! Limpo! Posso servi-la! Mas... Nunca na sua cama! – gritei.
Ela se aproximou mais, seu olhos negros me queimaram. Respondeu baixo, com a voz
entrecortada de raiva:
– Quem disse que quero você na minha cama? Olhe para você!
Seu olhar me percorreu. Terminou a frase:
– Agora pegue seu material de limpeza e saia da minha frente!
Suas palavras me atingiram como um soco no estômago. Baixei os olhos e empurrei o carrinho.
Quase a empurrei. Mas não aguentei e virei-me para ela. Falei com raiva:
– Por que não me demite? Está com medo que eu a processe? Fique tranquila... Pode se livrar do
problema.
Ela deu um passo à frente e parou, achei que ia esbravejar, mas falou pausadamente:
– Não tenho problemas aqui... Se está insatisfeita com seu trabalho, se demita.
Resolvi encerrar o embate, virei-me e não olhei mais para ela, abri a porta e saí. No corredor,
ouvi uma batida forte na porta. Desci rapidamente, larguei o carrinho na lavanderia e corri para o
vestiário. Não conseguia mais me controlar. Fechei a porta e explodi em choro. Escorreguei para o
chão com as costas na parede. Fiquei ali por muito tempo. Tentava em vão compreender o que
havia nos levado àquela situação. Tinha plena consciência da atração que sentia por ela e do
quanto eu devia evitá-la, mas não conseguia entender a necessidade que ela tinha de me humilhar.
***
Andréa viu a porta fechar e se virou, pegou o cinzeiro em cima da mesa e o jogou com todas as
forças em direção à porta. Os vidros espatifaram-se no chão. Mais tarde, ela mesma limpou.
***
À noite, contei a Cíntia tudo o que tinha acontecido. Com lágrimas nos olhos, falei:
– Não estou mais suportando! Se pudesse, se tivesse outra alternativa de trabalho...
– Calma, Carmem. Você a feriu mais do que ela a você. Imagina o que deve ser para uma
mulher como ela ser rejeitada pela camareira?
– Ela me torturou, humilhou... Poderia processá-la. Deveria! – As lágrimas escorriam.
– Carmem, ela está louca por você! Será que não percebe? Acha que Andréa Alcântara ia se
dar ao trabalho de discutir com funcionários? Pensa bem! Ela se acha superior a todos.
– Não consigo mais pensar... Conheci as duas faces de Andréa. Primeiro ela intercedeu por mim,
demonstrou ter um coração... Agora... Faz tudo para me humilhar! – Respirei fundo.
– Olha, vamos fazer o seguinte: amanhã é minha folga, mas vamos trocar. Eu vou e você fica em
casa. Explico para o senhor Joaquim que você passou mal, sei lá. O que acha?
Concordei. Precisava colocar minha vida em ordem e me afastar um pouco dela. Não aguentava
mais chorar.
***
Naquela noite, Paula e Lilian não convenceram Andréa a sair, então decidiram ir até o hotel e
arrancaram dela os últimos acontecimentos. Ouviram em silêncio e desta vez Lilian não fez nenhuma
piada. Paula falou primeiro:
– Andréa, tenho que te dizer isso: você errou, não devia ter humilhado a moça desse jeito. E,
além do mais, como você disse, ela é casada. Esquece!
– Vou esquecer, Paula. Cometi um erro ao me aproximar dela dessa forma. Só preciso de um
tempo. Tenho que sair daqui, vou procurar uma casa. Preciso sair deste hotel!
– Eu te ajudo. Quando você quiser, podemos visitar algumas imobiliárias, construtoras... –
completou Paula. Lilian continuou em silêncio.
– Acho que vou começar na semana que vem. Já vi alguns anúncios. Quero alguma coisa
próximo ao escritório, assim evitarei o trânsito. – Olhou para Lilian, Paula também.
– Lilian? Não vai dizer nada? Faz quase uma hora que você não fala nada! Isso é inédito! –
brincou Paula.
Lilian olhou para Paula e depois para Andréa.
– É que isso é... É inacreditável! Você teve todas as mulheres que quis até hoje. Mas nunca se
apaixonou por nenhuma e, quando isso acontece, é justamente por uma que você não pode ter! –
falou.
– Podia ter sido mais sutil, Lilian – Paula a repreendeu.
Andréa se calou. Suspirou e, enfim, respondeu:
– Já disse que não estou apaixonada! Parem com isso! – falou irritada.
Foi a vez das duas suspirarem...
Antes de irem embora, combinaram de jantar no dia seguinte. Despediram-se e Andréa apagou
as luzes e jogou-se no sofá. Não conseguia esquecer as palavras de Carmem:
– Prefiro limpar o chão do que...
“Na certa ia dizer que prefere isso do que fazer qualquer coisa para mim. Ela me odeia. Mas
por que correspondeu?”
Decidiu que se afastaria dela, mas a chamaria pela última vez em sua suíte, sabia que havia
exagerado, deveria pedir desculpas e daria a ela a possibilidade de algum acordo ou algo
parecido caso ela preferisse sair do hotel. Até a indicaria para outro hotel ou empresa, caso ela
quisesse.
***
No outro dia, Cíntia chegou ao hotel e foi diretamente para a sala do senhor Joaquim. Explicou
a ele que Carmem não estava se sentindo bem e que haviam trocado a folga. Ele compreendeu e
completou:
– Se ela precisar de algo, me avise. – Cíntia agradeceu e saiu.
Chegou à cozinha e viu que havia um pedido para que Carmem levasse o café na suíte de
Andréa. Ela avisou na cozinha que atenderia o pedido, pois Carmem não estava trabalhando.
Pegou o carrinho e se dirigiu ao elevador. Na porta, bateu e Andréa abriu. Percebeu o olhar de
decepção e resolveu falar:
– Bom dia, senhora Andréa! – Hesitou, mas continuou: – Carmem não está trabalhando hoje, por
isso não pôde atender seu pedido.
Andréa não resistiu:
– Aconteceu alguma coisa com ela? – perguntou querendo demonstrar indiferença, mas Cíntia
percebeu o disfarce e sentiu-se segura para falar:
– Sim, senhora. – Não completou, queria que Andréa perguntasse mais. Começou a organizar a
mesa lentamente.
Andréa sentou-se e esperou que ela continuasse. Como ela não falou, foi quase ríspida:
– O que houve afinal?
Cíntia conteve o sorriso e começou a contar:
– Ela está com problemas com... Com o marido. – Lançou e ficou esperando, olhando de canto.
Andréa se mexeu na cadeira. A menção da palavra “marido” a deixou inquieta. Sentiu algo que
a fez respirar fundo. Precisava de ar. Levantou-se e foi até a varanda, queria perguntar mais, mas
se conteve. Cíntia terminou e perguntou:
– Posso fazer mais alguma coisa pela senhora?
Andréa respondeu sem olhá-la:
– Obrigada!
Cíntia saiu no corredor e riu sozinha.
“Ela ficou... Abalada.”
Andréa não tomou café. Sentou-se na varanda e ficou olhando o mar.
“Ela tem um marido e não veio trabalhar por causa dele. Dorme todo dia com ele, faz amor! Sou
uma idiota!”
Tinha que tirá-la do pensamento! Não a chamaria mais, precisava se afastar.
Resolveu ir para o escritório, mas antes passou na sala do senhor Alfredo e pediu a senha para
entrar no arquivo dos funcionários do hotel. Ele atendeu prontamente.
Não durou muito a vontade de se afastar... Andréa queria detalhes da vida de Carmem que não
estavam na ficha dela.
Chegou ao escritório e entrou no programa, digitou o nome dela e apareceram todas as
informações referentes à Carmem de Souza. Viu que não tinha família, era órfã. Viveu até os
dezoito anos em um orfanato. Sentiu-se incomodada com isso. Vivia com Henrique Farias há cinco
anos, não eram casados. Viu que tinha vinte e quatro anos. E viu também o endereço.
À noite saiu para jantar com Paula e Lilian.
– Se era para ficarmos assim, caladas, por que não ficamos em casa? – perguntou Lilian
olhando para as duas. Andréa respondeu:
– Desculpa, não estou sendo uma boa companhia. Eu avisei, mas vocês insistiram...
– Andréa, por que não diz o que está sentindo? Somos suas amigas, nunca vi você assim. Nem
quando terminou com Fernanda.
Andréa suspirou.
– Se eu soubesse... Também não sei o que está acontecendo comigo.
– Eu sei – falou Lilian. – Você está apaixonada, Andréa. Pela primeira vez você sente algo por
alguém, diferente de atração física.
– Como sabe? Quem disse que não é só uma atração? – rebateu, jogando-se para trás na
cadeira.
– Andréa! Olha pra você! Tenho que concordar com Lilian. Tá sofrendo porque ela não te quer.
De repente, daqui a pouco você vê que não é nada disso, mas agora vejo nos seus olhos o que
sente – completou Paula.
– Você tem que se aproximar dela, Andréa. Conquiste-a – falou Lilian.
Andréa riu.
– Depois do que fiz, ela deve sentir raiva ou ódio... E, além do mais, ela é casada.
Paula respondeu segura:
– Essa informação já basta. Afaste-se então. Esqueça!
– Ah! Entendi – falou Lilian. – Está com ciúmes! Depois diz que não está apaixonada?
– Lilian, não piora as coisas – pediu Paula.
Andréa não respondeu, limitou-se a serviu-se de mais vinho.
Terminaram o jantar em silêncio.
***
Acordei tarde, aproveitei o dia livre e arrumei o apartamento de Cíntia. Almocei e resolvi ir até
a imobiliária confirmar se o que eu queria alugar estava disponível. Fiquei feliz que estava e dei
entrada nos papéis, queria me mudar na próxima semana.
Cíntia era uma ótima amiga, mas não podia invadir seu espaço dessa forma. Depois fui até a
minha antiga casa e arrumei a bagunça que havia ficado desde a batida da polícia. Separei os
móveis que levaria e os que venderia. Resolvi voltar depois para encaixotar algumas coisas e
devolver as chaves ao proprietário.
Arrumei as roupas de Henrique e coloquei algumas peças em uma sacola. Fui até a delegacia,
haviam dito que ele não poderia receber visitas, mas que eu poderia deixar algumas roupas. Logo
ele seria transferido para o presídio e aguardaria o julgamento. Haviam designado um advogado
público para fazer a defesa, uma vez que não tínhamos como pagar um, mas eu sabia que
Henrique não sairia tão cedo.
No final do dia, voltei para a casa de Cíntia. O ônibus passou na frente do hotel e senti uma dor
no peito e vontade de ver Andréa.
“Como consigo sentir falta dela? Me humilha, esfrega na minha cara que pode ter a mulher que
quiser e, ainda assim, quero vê-la? Deveria dar o que quer... Ou, o que eu quero. Quem sabe assim
ela me deixa em paz. Ou quem sabe consigo tirá-la de dentro de mim...”
Esse pensamento me assustou.
“Ceder aos desejos dela? E, claro, aos meus! Mas nem sei se ela quer mesmo. Depois do que
disse...”
Eu não via a hora de chegar o outro dia. Mesmo com o sofrimento que ela me impunha, queria
ficar perto dela.
À noite, contei a Cíntia o que fiz durante o dia. E ouvi dela o que tinha acontecido na suíte de
Andréa.
– Eu vi que ela ficou abalada! Tenho certeza!
– Você vê demais, Cíntia. Ora... Andréa Alcântara com ciúmes e, ainda, por minha causa?
Imagina! – falei... Mas gostaria imensamente que fosse verdade.
De manhã, acordamos cedo e fomos para o hotel. Assim que chegamos, nos encaminhamos para
o vestiário.
– Vamos ver qual a tortura que ela vai me impor hoje – falei baixinho para Cíntia.
– Dar banho nela! Gostaria? Daí não seria tortura, né? – falou e caiu na risada. Olhei-a com
censura e respondi:
– Prefiro passar o dia de quatro limpando o chão.
– Poderia passar de quatro sim, mas limpando o chão só porque quer... – falou e saiu, rindo
sozinha, antes da resposta.
Na cozinha, vimos os pedidos e fiquei surpresa. Andréa não informou o nome de ninguém para
servi-la, apenas pediu que levassem. Cíntia me olhou e, antes que Margareth pegasse o carrinho
para levar, me adiantei:
– Pode deixar, você não gosta mesmo, né? – falei olhando para Margareth.
– Você é louca? Por mim pode ir – respondeu e pegou outro.
– Vai – Cíntia disse para mim.
– Acha que não devo? – respondi.
– Deixa de ser burra. Anda logo! – falou empurrando o carrinho para minha frente. Fui.
Estava pronta para ser novamente humilhada. Mas a vontade de olhar para ela era maior do
que qualquer tortura que ela me impusesse, queria vê-la. Precisava. Parei na porta, bati e esperei.
Ela abriu. Não se moveu. Ficou me olhando.
– Bom dia... Se... Seu café, senhora. – Não se mexeu. – Quer que deixe aqui? – Perguntei sem
entender seu olhar.
– Pode entrar... E deixar na sala. – Afastou-se.
Comecei a arrumar a mesa. Sabia que ela me olhava e então levantei os olhos e a vi parada no
mesmo lugar. Seus olhos me fitavam intensamente, não desviei o olhar. Ela se aproximou e, à
medida que se aproximava, eu me afastava. Parei quando senti a parede em minhas costas.
Seu corpo se encostou no meu... Sua boca a centímetros da minha. Quase a beijei. Ela falou com
voz rouca:
– Não consegue imaginar a vontade que estou de você... De beijar você... Mas não vou.
Encarei aquele olhar que me tirava o fôlego. Fechei os olhos e baixei a cabeça. Ela segurou meu
queixo e me fez olhar para ela. Continuou:
– Só faria isso novamente se você quisesse. Me perdoa, tenho agido de forma estranha
ultimamente. – Ficou por alguns segundos me olhando intensamente.
Eu queria entrar naquele abismo escuro...
Afastou-se. Senti vontade de puxá-la de volta, mas não o fiz. Não esperava esta reação dela,
estava preparada para outra coisa, nunca isso!
“Idiota, fala alguma coisa!”
– Posso... Posso ir, senhora? – perguntei já próxima à porta.
Ela me olhou e moveu os ombros. Sorriu...
– Se quiser mesmo ir...
– Com licença.
Saí e respirei diversas vezes. Acho que fiquei muito tempo sem respirar. Meu coração ia sair
pela boca.
“Quê isso? Num dia diz que sou a última das mulheres, hoje faz isso? E eu não consegui dizer
nada!”
CAPÍTULO VII
O hotel estava lotado. Todas as vezes que eu passava por Cíntia, ela me olhava com
curiosidade. Fazia sinal para ela: “depois, depois”.
O dia passou rápido, não vi mais Andréa, mas sabia que ela não tinha saído. Ficou no hotel o
dia todo, pois vi quando as cozinheiras falaram que ela havia solicitado uma salada. Não sei quem
levou.
À noite, contei à Cíntia o que aconteceu. Ela vibrou.
– Não falei?
– O que, Cíntia? Isso só significa que ela desistiu.
– Você é ingênua mesmo ou tá se fazendo?
Olhei para ela com cara de desentendida. Não conseguia assimilar a ideia de que Andréa
ainda queria algo comigo, depois de tudo... Mas sabia que eu queria.
No dia seguinte, a mesma situação. No pedido de café não havia solicitação por nenhum nome e
Cíntia insistiu que eu fosse. Não quis, sabia que não tinha forças para resistir a ela.
Não a vi, tampouco soube algo dela. Passaram-se mais três dias e sequer houve solicitação para
sua suíte. A única coisa que ouvi referente a ela foi de Carlos, recepcionista da noite. Segundo ele,
ela andava circulando no hotel à noite somente, olhando o trabalho de todos. Parecia que estava
procurando falhas para depois cair em cima.
Ouvi e tive certeza: ela estava me evitando.
Tive problemas com a documentação do apartamento. Por duas vezes tive que sair mais cedo
para passar na imobiliária. Dariam a resposta ainda naquela semana.
Fui também à delegacia saber de Henrique. Não podia vê-lo, mas conversei com o advogado
que me disse que logo ele seria transferido para um presídio e, então, poderia receber visitas.
Na verdade, não queria vê-lo, mas sentia pena do estado em que estava. Sabia que ele
precisaria de mim, afinal também não tinha mais ninguém. Não podia abandoná-lo agora, mas
precisava me libertar, dizer a ele que estaria ao seu lado como amiga.
Cada dia no hotel era um martírio. A vontade de vê-la me corroía o coração, ansiava por ela.
“Por que ela está me evitando?”
Cíntia me chamava de tonta, não sabia o que pensar. Mais um dia e nada...
Estava ansiosa para vê-la. Não me contive e perguntei na recepção se ela estava no hotel.
Felipe olhou-me e respondeu:
– A senhora Andréa saiu cedo hoje, ainda não voltou. – Fiquei desapontada.
Estava retornado para a lavanderia quando Felipe, o recepcionista, me chamou novamente e
retornei.
– Carmem, eu soube o que aconteceu com Henrique – falou num tom amigável.
Imaginei que ele soubesse, pois sua mãe morava na mesma rua que eu e Henrique.
– É, foi horrível! – respondi da mesma forma.
– Olha, Carmem... Sei que Henrique se meteu em coisas pesadas, e... Se você precisar de alguma
coisa, por favor, me procure, ok? – falou com carinho.
– Obrigada, Felipe – Beijei-o na face e fui para a lavanderia.
***
Naqueles últimos dias, Andréa tentou se dedicar ao máximo ao trabalho. Saía cedo e voltava
tarde, não queria encontrar Carmem, mas, na verdade, era tudo o que mais queria. Porém, tinha
que evitar. Além de não ser correto colocar o emprego dela em risco, ela era casada. Diversas
vezes chegava ao hotel e, com a desculpa de ver o andamento do serviço, circulava pela área
reservada aos funcionários. Ela nunca estava.
Almoçou com Paula duas vezes, mas não quis tocar no assunto e Paula a respeitou.
***
Numa manhã, vi que havia uma solicitação para a suíte dela, café da manhã. Desta vez, não me
controlei e resolvi atender, diante do olhar malicioso de Cíntia.
Bati suavemente na porta, ela abriu, sorriu e eu entrei.
– Bom dia, senhora.
Não perguntei onde queria, empurrei o carrinho até a mesa da sala e coloquei ao lado. Percebi
que ela havia levantado da cama há pouco, estava de robe. Ela se aproximou, pegou o jornal e
virou-se de costas, caminhou até a sacada.
Não resisti e a olhei inteiramente... Ela se virou e se deparou com meu olhar em seu corpo.
Desviei o olhar. Ela caminhou até perto da mesa. Estávamos muito próximas, fiz um movimento
nervoso para afastar a cadeira e, com o braço, bati no jornal em sua mão, que ela deixou cair.
Abaixei-me rapidamente para pegar... Ela também.
– Deixa que eu apanho – falei ainda com minha mão sobre a dela.
– Não quero mais ver você de joelhos na minha frente – respondeu devagar.
Vi em seu olhar que estava se desculpando pelo que tinha feito. Levantamos juntas. Com uma
das mãos tirei o jornal dela e com a outra continuei segurando sua mão. Aproximei-me o suficiente
para ela entender o que eu queria. Imediatamente ela me puxou para si. Uma das mãos na minha
cintura, a outra em minhas costas. Aproximou-se e senti seus lábios em meu pescoço, próximo ao
meu ouvido. Senti um arrepio percorrer-me o corpo quando ela falou baixinho:
– Se é isso que quer, peça. – E me olhou.
– Me beija... – falei buscando a segurança que eu não tinha. Ela sorriu.
Encostou seus lábios nos meus, lentamente. Roçou devagar, mordeu, não suportei... Segurei-a pela
nuca e a puxei com firmeza. Grudei minha boca nela, suguei seus lábios, busquei sua língua com a
minha... Sentia necessidade daquele beijo.
Começou a se mover me empurrando com ela. Só parei quando a mesa interrompeu meus
passos. Abri seu robe no mesmo momento que meus cabelos caíram. Ela estava nua...
Fui à loucura com o que vi. Ela abriu minha blusa rapidamente. Senti seus dedos nas minhas
costas, soltou o sutiã. Senti seu corpo grudado no meu.
Eu não tinha ideia do que tinha que fazer, mas segui minha vontade. Passei os lábios, a língua,
senti o gosto, o cheiro... Sua boca me tomou o seio. Não sei como, mas minha saia caiu aos meus
pés.
Segurei-me na mesa. Ela foi descendo... E desceu junto minha calcinha. Não esperou, sua vontade
era urgente. Afastou minhas pernas, sua língua percorreu-me. Gemi alto...
Fechei meus dedos na mesa, minha perna se alojou no seu ombro, dei a ela o controle sobre os
meus sentidos. Virei meu rosto para o teto e fechei os olhos. Sua língua me preencheu, sua boca me
tomou inteira...
Ali, de pé, segurando na mesa em que muitas vezes a servi, dei a ela o maior e melhor prazer
que eu já senti na vida. Ela impediu que eu caísse, me segurou, me beijou, fez com que meu corpo,
aos poucos, voltasse a ter vontade própria. Olhou-me... Seus olhos negros brilhavam. Sabia que os
meus também. Encostou seus lábios no meu ouvido:
– Deliciosa... – Sussurrou. – Quero mais.
Tirou as duas peças que eu ainda vestia, a blusa aberta e o sutiã, também aberto. Beijei-a e ela
entendeu minha resposta.
Afastou e, sem dizer nada, pegou minha mão e me puxou para o quarto. Bateu a porta.
Chegamos à imensa cama. Não sei se ela me empurrou ou se eu a puxei. Ela deitou-se em cima de
mim e finalmente mergulhei naquele abismo negro que me atraia.
Provavelmente, era uma passagem para outra dimensão, pois perdemos a noção do tempo, do
espaço, da realidade. Nossos corpos se encaixaram. Ela se movimentou sobre mim, me deixando
alucinada de desejo. Segurei-a com força contra meu corpo. Seus lábios deslizavam em meu
pescoço, busquei sua boca, ela me deu... No momento em que me penetrou.
Gemi na sua boca, ela também saiu do beijo e me olhou... Mordeu meu queixo, desceu sua boca
até meus seios, sugou, lambeu... Cravei minhas unhas em suas costas, ela gemeu, tirei seus dedos de
dentro de mim e me virei, fiquei em cima dela.
– Quero ver você gozar pra mim – falei, olhando dentro do seu olhar.
Tomei sua boca e fui levantando meu corpo, abri as pernas e fiquei sentada em cima dela,
roçando, esfregando... Ela gemeu. Adorei.
Desci até seu ouvido e falei:
– Me mostra.
Ela me calou com um beijo. Levantou-se, me levando junto, e colocou-se em meu colo, de frente.
Sem afastar a boca, pegou minha mão e me fez tocá-la. Fiquei louca de desejo. Penetrei-a e com
a outra mão puxei-a para mim. Ouvi quando ela disse:
– Assim...
Meus lábios deslizaram em sua pele, deixei que ela me mostrasse o ritmo. Cavalgou em meus
dedos enquanto me deliciava em seus seios, percebi o momento quando me segurou forte e tremeu
em meus braços. Gemeu alto, segurei-a colada ao meu corpo. Senti suas unhas em minhas costas.
Gozou lindamente.
Lentamente, Andréa foi se deitando e me puxou com ela. Deitou-se ao meu lado e um longo
beijo nos acendeu. Novamente, me entreguei a ela e a senti minha.
Deitadas com os corpos colados, ficamos ali, nos olhando em silêncio. Naquele momento, passou
em minha mente tudo que havia ocorrido até então. Acho que com ela acontecia o mesmo.
Sabíamos que a qualquer momento o encanto se quebraria e cairíamos, novamente, na realidade.
Eu via a dela: rica, poderosa, com muitas mulheres a seus pés... Distante! Ela via a minha: casada...
Impossível!
O telefone foi a passagem. Vi quando ela fechou os olhos e um “não” baixinho saiu de seus
lábios. Eu me levantei com pressa, abri a porta do quarto e olhei para ela. Ela sentou-se e atendeu
o telefone, caminhei em direção às minhas roupas e me vesti. Ouvia o que ela dizia no telefone:
– Sim, ela está aqui. Precisei de... – Percebi que ela não sabia o que dizer, completou: – Logo
ela descerá... – desligou.
Entendi imediatamente. Ela saiu do quarto enrolada no lençol. Percebi que meu sofrimento estava
apenas começando. Ela veio em minha direção e falou:
– Precisamos conversar, Carmem, esclarecer algumas coisas. – Nunca a vi falar naquele tom,
acho que... Receio?
Olhei para ela terminando de levantar meu cabelo.
– Não se preocupe. – Não sabia mais como me referir a ela. – Não há o que esclarecer. Como
disse, resolvemos logo isso. Era o que queríamos, não é? Sigo meu caminho e... E a senhora o seu. –
Fui em direção à porta, abri e completei: – Seu café foi servido, senhora. – E saí.
***
– Carmem, espera... – Ela tentou, mas a porta fechou antes.
CAPÍTULO VIII
Fui direto ao banheiro, mas na verdade não queria tirar o cheiro dela de minha pele. Antes de
abrir a torneira, inspirei em minhas mãos. Queria guardar aquele cheiro na minha memória.
Cheguei à lavanderia e já havia diversas atividades me esperando. Tentei me concentrar nas
tarefas, mas as lembranças da mulher que tivera em meus braços há pouco não me deixavam. A
pele, a boca, o gosto, o olhar...
“Como vou viver sem isso?”
De noite, contei à Cíntia o que havia acontecido. Ela me olhava com cara de boba.
– Diz alguma coisa, por favor! – implorei.
– Você... Você transou com ela? – A única coisa que conseguiu dizer.
– Acabei de falar pra você que fiz a maior burrada da minha vida e você me pergunta o que
já contei?
– Desculpa, mas é que... Meu Deus! E como foi?
Suspirei.
– Maravilhoso...
– E agora? Como vai ser, Carmem?
– Não vai ser. Ou melhor, vou sofrer. Muito! Cada vez que enxergá-la...
– Carmem, você está sendo pessimista. Ela pode querer tanto quanto você.
– Ora, Cíntia, não sou ingênua. Uma mulher como Andréa jamais se envolveria com uma
camareira pobre. E mesmo... Mesmo que quisesse, tenho Henrique, mais do que nunca ele precisa
de mim, sou a única pessoa que ele tem e... Agora que ela conseguiu o que queria, vai me
esquecer rapidinho – deslanchei a falar com toda tristeza em meu coração.
– Você gosta dela – Cíntia falou com toda certeza. Não foi uma pergunta, mas respondi, acho
que para mim mesma:
– Muito.
Fui para o banho, mas antes olhei minhas costas pelo espelho e vi, pelas marcas vermelhas, o
caminho que suas unhas percorreram em mim.
“É, senhora Andréa... Deixou marcas profundas...”
***
No restante do dia, Andréa não conseguiu pensar em mais nada a não ser em Carmem. Foi para
o escritório, mas foi em vão. Resolveu caminhar na beira-mar, sentou em um dos bancos e ficou por
um longo tempo lembrando da mulher que havia bagunçado sua vida. Chegou derrubando café e
todas as barreiras possíveis, agora ocupava todos os espaços.
Teve que admitir para si mesma que estava apaixonada por ela. Não sabia como lidar com isso,
nunca sentira nada parecido por ninguém. E justo por ela, como disse Lilian, uma mulher que não
poderia ter. Era casada e completamente fora do seu mundo.
Voltou para o escritório no final da tarde. Havia diversos recados, alguns de sua mãe, outros de
Paula, mas não retornou nenhum.
Chegou ao hotel à noite e pediu ao recepcionista que não transferisse nenhuma ligação, não
estava para ninguém. Olhou para a cama e sentiu uma vontade imensa de que ela estivesse ali...
***
No dia seguinte, eu estava de folga. Aproveitei para ir na imobiliária e assinar o contrato de
locação. Peguei as chaves e fui até o apartamento. Fiz uma limpeza e me programei para fazer a
mudança no decorrer dos dias seguintes. Fui à outra imobiliária e informei que entregaria a casa
assim que estivesse desocupada, para efetuarem a rescisão do contrato.
As inúmeras atividades me distraíram o pensamento por momentos, mas logo lembrava...
“O que será que ela está fazendo?”
O toque do celular me despertou. Era o advogado avisando que Henrique seria transferido
ainda naquela semana. Eu poderia visitá-lo. A ideia de ir ao presídio me deixava tensa.
À noite, encontrei Cíntia e contei a ela sobre meu dia. Disse que pretendia me mudar logo, ela
insistiu que eu não tivesse pressa. Perguntei por Andréa e ela disse que não a tinha visto, mas
soube pelo recepcionista que ela passou o dia no escritório, pois ligou algumas vezes para falar
com o senhor Alfredo. Resolvi mudar de assunto. Conversamos sobre Henrique, jantamos e fomos
dormir.
***
Andréa, por sua vez, sabia que Carmem não estaria trabalhando naquele dia, o que não
impediu de tê-la em seus pensamentos. Evitou falar com sua mãe, pois sabia que ela estava
percebendo algo errado, afinal, para sua mãe, ela era transparente. E não estava preparada
para ter essa conversa com ela, mesmo porque não sabia o que dizer, tampouco o que sentia.
No outro dia, Andréa, acordou cedo. Não iria ao escritório, precisava resolver algumas coisas
referentes à administração do hotel. Como o senhor Alfredo ficaria o dia fora, usaria a sala dele.
Sabia que encontraria Carmem, e sabia também que precisava falar com ela. Mas, acima de tudo,
queria vê-la. Entrou na sala e a primeira ligação do dia foi de sua mãe.
– Andréa, tento falar com você há dois dias! Onde se meteu, menina? – Estava zangada.
– Tive algumas coisas pra resolver e... E não pude retornar, desculpa.
– Andréa, alguma coisa está acontecendo com você. Nunca me evitou tanto e, quando falo com
você, é como se estivesse falando sozinha. O que está havendo aí?
– Nada está acontecendo comigo, mamãe. Não há o que falar, não insista nisso, por favor...
– Filha, nós sempre conversamos. Você sempre se abriu comigo. Sei que você não está bem e me
sinto péssima porque não consigo ajudá-la. Se você falar, quem sabe a gente resolve?
– Mamãe, nem tudo na vida tem solução. E não há nada para resolver.
– Tudo bem, Andréa, mas saiba que sou sua mãe e sua amiga. – Desistiu, por enquanto.
Falaram sobre as providências que deveriam ser tomadas com relação ao hotel e a outros
negócios e desligaram.
Depois foi a vez de Paula.
– Por que não retorna minhas ligações?
– Paula, depois conversamos. Passa aqui à noite. – Ela concordou e desligaram.
Mais tarde, próximo ao meio dia, o recepcionista informou a ela que Sandra estava na recepção
para falar com ela.
“Droga! Hoje não!”
Mas pediu que ele a encaminhasse até sua suíte. Não sabia bem por qual razão, mas não
queria que Carmem a encontrasse pelos corredores. Fez mais duas ligações e subiu para sua suíte.
Chegou lá e encontrou Sandra sentada no sofá.
– Por que demorou?
– Estou trabalhando, Sandra – respondeu sem paciência.
– Tomei a liberdade de pedir um suco, está quente demais nessa cidade hoje. Passei pra te levar
à praia.
Andréa riu para ela e balançou a cabeça.
– Você não muda mesmo, né? Por que não vai com sua namorada?
– Ah, Andréa! – Se aproximou, abraçando-a. – Laís está em Curitiba e... Estava me sentindo tão
sozinha... – Tentou beijá-la, Andréa evitou.
– Por favor, Sandra, não... – Afastou-se.
Ao ouvir a batida na porta, temeu que fosse Carmem. Lembrou do episódio do café e do
escândalo de Sandra e, também, não queria que Carmem a visse ali, em sua suíte. Sandra abriu a
porta e viram Margareth. Andréa respirou aliviada.
– Que bom, estava com muita sede – Sandra falou assim que Margareth entrou com a bandeja.
Margareth colocou a bandeja na mesa e pediu licença, mas antes de sair, ouviu quando Sandra
falou:
– Então, Andréa, vamos? O mar deve estar uma delicia. – Andréa esperou Margareth sair e
disse:
– Hoje não, Sandra. Tenho muitas coisas para fazer. Não dá mesmo.
– Não vou implorar sua companhia. Se prefere ficar dentro desse hotel, fique. – Largou o copo
na mesa e se aproximou de Andréa. Deu-lhe um beijo na face e se despediu.
Andréa voltou para a sala de Alfredo, ia chamar Carmem para conversar.
***
Eu tinha acabado de entrar na cozinha quando Margareth entrou falando:
– Como é bom ter dinheiro! Agora ouvi a amiga da senhora Andréa a convidando para ir à
praia. E a gente aqui, derretendo nessa cozinha.
Olhei para ela e não resisti.
– Tinha... Tinha alguém lá com ela?
– Sim, aquela amiga dela que vem de vez em quando, acho que é Sandra o nome... Por quê?
– Por nada – respondi já saindo.
Fui para o banheiro, fechei a porta e me encostei na parede. Encarei-me no espelho.
“O que esperava? Sua tonta!”
Bati na parede, atrás, com os punhos fechados. Estava com raiva.
“Cretina! Vagabunda! Piranha! Agora vou ter que assistir, todo dia, ela desfilar com essas
cadelas. Ainda vai me chamar para levar o café da manhã. Merda!”
Depois de alguns minutos, saí do banheiro e passei na recepção. Felipe me chamou.
– Carmem, a senhora Andréa pediu para você ir até a sala do senhor Alfredo, ela está
aguardando.
Fiquei imaginando o que ela teria para me dizer. Bati duas vezes e abri a porta. Ela estava de
pé, falando ao celular, fez sinal para que eu entrasse e sentasse. Entrei, fechei a porta e fiquei ali,
olhando-a. Ela falava com alguém sobre a compra de móveis para um dos hotéis, e também me
olhava.
A conversa durou alguns minutos, pude observá-la sem me preocupar em disfarçar, pois ela
fazia o mesmo. Estava com uma calça de algodão de cor clara e uma blusa justa de alças bem
fininhas, que deixavam seus ombros praticamente expostos, e um decote profundo, que me fez
sentir vontade de agarrá-la ali mesmo. Desligou e calmamente veio em minha direção, sentou-se na
cadeira ao lado da que eu estava, mas sentou de lado para ficar de frente para mim.
– Carmem, preciso ouvir alguma coisa de você. Quero saber o que você está pensando sobre o
que aconteceu... – Ela me olhava, me deixando confusa.
– O que posso pensar? Fizemos o que queríamos, não foi isso? – falei usando as palavras que
ela havia usado na outra vez. Ainda estava com raiva por ela ter estado com a outra há pouco,
deve ter dormido com a outra.
– S... Sim... – Ela respondeu e desviou o olhar, não entendi. Parece que não gostou do que falei.
– Está preocupada com o quê? – perguntei ainda olhando-a firme.
Ela levantou rapidamente.
– Não queria que isso... Isso que aconteceu interfira no... No seu... Trabalho – completou.
Levantei-me.
– Não se preocupe, não vai interferir em nada. Não precisamos mais tocar nesse assunto. Vamos
esquecer que aconteceu – falei sentindo a dor em meu peito.
Percebi que ela estava incomodada, virou-se para mim e falou:
– É assim? Fácil?
Não pensei antes de responder. Dei dois passos em direção a ela e falei aquilo que me corroía:
– Da mesma forma que é fácil pra você, afinal já trepou com outra hoje! – Cuspi as palavras
com raiva. Ela me olhou com espanto.
– Do que está falando? Acha que... Eu e Sandra... Pois saiba que não!
– Ora! – falei e continuei com todo sarcasmo que fui capaz: – Mas não se preocupe, senhora, sei
que não nos prometemos fidelidade. Aliás, isso não é de sua natureza, não é? – Vi em seus olhos
indignação.
– Então somos iguais, afinal a casada aqui é você! – Acusou. Estava a centímetros de meu rosto.
Olhei para ela sem acreditar. Claro que ela sabia de minha vida.
– Ótimo! Então empatamos. E não me venha com moral, pois você não tem! Usa as pessoas e
descarta!
– Quem disse que descarto? – E me agarrou. Colou sua boca na minha, eu na dela... Afastou-se
o suficiente para falar com a voz carregada de desejo: – Não terminei de usar você.
Ela me empurrou para cima da mesa e, com uma mão, afastou o que tinha em cima, derrubando
tudo. Abriu minha blusa e me sugou por cima do sutiã, lambeu... Acho que meus seios saíram
sozinhos para fora em direção à sua boca. Levantei a dela e não tirei, prendi-a com a blusa no
alto da cabeça e retribuí com prazer. Desvencilhou-se da blusa e levantou minha saia. Baixei sua
calça, ela se colocou no meio das minhas pernas.
Perdi a noção da realidade quando ela deslizou a mão e me penetrou. Fiz o mesmo com ela, e
a melhor palavra para definir o que fizemos em cima da mesa do senhor Alfredo, é: Sexo.
Gozamos juntas.
Se existia a intenção dela de me evitar e a minha de fugir dela, caiu por terra. Ela saiu de cima
de mim, ficou de pé e me fez sentar na ponta da mesa. Colocou-se entre minhas pernas, afastou
meus cabelos e segurou meu rosto com as duas mãos. Eu a mantive presa pela cintura. Nós nos
olhamos e nos beijamos.
Ela falou primeiro:
– Se você se sente usada, sinto o mesmo e não me importo. Me use quantas vezes você quiser –
falou e sorriu.
Respondi pela primeira vez com carinho:
– Andréa, não sei o que está acon...
– Diz de novo – interrompeu-me.
– O quê?
– Meu nome, assim...
Não usei o “senhora” na frente. Sorri.
– Andréa. – Beijou-me... Repeti suavemente – Andréa. – Beijou-me novamente. Começou a me
tocar, impedi-a.
– Não, por favor... Acho que não fica bem a gente fazer isso na mesa do senhor Alfredo – falei
saindo de cima da mesa e arrumando minha roupa completamente amassada. Ela soltou uma
risada gostosa se arrumando também. Olhei para ela e a achei maravilhosa, tive certeza: estava
apaixonada por essa mulher.
– Vou dizer a ele que coloque uma mesa maior aqui, essa é muito pequena, não achou? – falou
ainda rindo.
– Você está brincando! Chega de mesas – falei caminhando até o espelho para arrumar meu
cabelo. Ela me segurou por trás e falou próximo ao meu ouvido:
– Chega, quero você na minha cama. – Virei-me. Nos beijamos apaixonadamente por alguns
momentos e, quando me afastei, nossos olhares comunicavam algo muito intenso.
– Preciso ir, vão estranhar o que tanto a senhora Andréa tem para conversar com a camareira –
falei sorrindo.
– Tenho muito que conversar... – Nos olhamos seriamente.
Suspirei, ela também.
– Mas depois, agora vou.
– Espero você amanhã para tomar café comigo – Aproximou-se novamente, nos beijamos de
novo, me afastei e caminhei em direção à porta. Antes de abrir, me voltei para ela.
– Qual era mesmo o assunto que tinha para falar comigo?
Ela sorriu, eu também. Saí.
CAPÍTULO IX
No caminho para casa, Cíntia perguntou:
– O que aconteceu hoje com você?
Respondi:
– Aconteceu o olhar mais lindo que já vi, as mãos mais macias que já senti, o corpo mais delicioso
que já toquei...
– Não acredito... De novo?
– Uma loucura, Cíntia, ela me tira a razão, nunca me senti assim.
– Me conta... Como foi... Como ela é?
Respondi rindo:
– Esquece, não terá detalhes do que fazemos... Só posso dizer que é maravilhoso. Ela é
maravilhosa!
***
À noite, Paula foi até o hotel jantar com Andréa e teve uma surpresa.
– Duas vezes? Já?
Andréa sorriu.
– A minha vontade é estar com ela... Sempre!
– E o marido?
– Não falamos disso, não quis perguntar nada.
– O que há, Andréa? Sei que você já teve casos com mulheres casadas. O que há desta vez?
Você não me parece tranquila com relação a isso como das outras vezes.
– Paula, você já imaginou... Olha, só imaginação, tá? Já imaginou Lilian com outra pessoa?
– Mato ela... Não! Morreria... É a palavra.
– Pois é assim que me sinto, só de imaginar que agora ela está lá com ele. Sinto que meu
coração vai explodir – Andréa falou triste, Paula riu.
– Andréa... Eu amo a Lilian...
– Não sei o que sinto por ela.
– Pode não ser amor ainda... – E continuou rindo.
– Você está rindo de quê?
– Nunca imaginei que viveria para ver isso!
Andréa jogou a almofada nela.
***
Andréa acordou cedo e ligou para a cozinha. Pediu que, assim que Carmem chegasse, ela
subisse com o café da manhã. Sabia que ela iria, mas fez isso para preservar Carmem de algum
comentário.
Um pouco depois das oito, Andréa ouviu a batida na porta e abriu rapidamente.
***
Entrei e me joguei em seus braços, ela me levou para o quarto. Minha roupa foi ficando pelo
caminho e, desta vez, sem pressa, fizemos amor por duas horas.
Andréa teve o cuidado de ligar para o senhor Joaquim avisando que eu demoraria a descer,
pois estava ajudando com algumas mudanças que ela estava fazendo no quarto. Mentiu.
Estávamos na cama, entre beijos e carícias. Ela me olhou e disse:
– Fica comigo hoje, vamos sair, almoçar em algum lugar.
– Andréa, não posso. Hoje à tarde pedi para o senhor Joaquim dispensa, pois tenho que...
Ia fazer minha mudança, sabia que tinha que falar a ela sobre Henrique, mas não seria assim.
Continuei:
– Tenho que fazer uma coisa e não estarei aqui.
Vi o desapontamento dela.
– Não verei você mais hoje?
– Acho que hoje não... – falei demonstrando tristeza, também.
– A coisa a que se refere é... Com seu marido? – Levantei e sentei. Ela percebeu meu
desconforto, se levantou também e prosseguiu: – Olha... Desculpa, tá? Não precisa me falar nada...
Olhei para ela e a abracei.
– Andréa, tenho que ir agora. Não é certo o que estou fazendo, as meninas estão lá se matando
no meu lugar e eu aqui com você.
Ela riu:
– Está dizendo que trabalhar aqui neste hotel é se matar? – Continuou rindo.
Fiquei constrangida, ela percebeu e me beijou.
– Não foi isso que quis dizer, disse que alguém está fazendo meu trabalho, acho melhor ir.
Ela suspirou...
– Ok! Estarei aqui, esperando você.
Beijei-a, levantei e fui para o banheiro. Ela ficou ali deitada. Terminei de arrumar o uniforme, o
cabelo e me despedi, num longo beijo. Ela não me soltava...
– Por favor, Andréa, é difícil assim...
Sorrimos e ela me soltou, saí.
***
Marquei o frete para as quatorze horas. Eles foram pontuais e rápidos, pois não tinha muitas
coisas para carregar.
Dei alguns móveis para um orfanato. Havia pensado em vender, mas achei melhor ajudar. Sabia
bem a realidade de alguns. Eles buscariam no mesmo dia. Fui até o apartamento novo, recebi a
mudança e voltei para a casa. Fiquei aguardando que alguém do orfanato aparecesse. Não
demoraram muito, carregaram e foram embora. A casa ficou praticamente vazia. Apenas algumas
garrafas, uma pia e um armário.
Estava cansada e já estava escurecendo. Pensei em ir embora, mas antes andei pela casa e me
lembrei dos últimos anos que vivi ali, com Henrique. Fiquei triste por ele. Estava perdida em meus
pensamentos quando ouvi alguém abrindo a porta da sala. Senti um arrepio de medo percorrer
meu corpo.
– Olá, morena bonita! – O amigo mal-encarado de Henrique me olhava e sorria...
– O que quer aqui? – perguntei cheia de receio.
Ele veio em minha direção, dei um passo para trás.
– Vim ver se você precisa de alguma coisa, afinal está sozinha! Tô vendo que vai embora, pra
onde?
– Não... Não preciso, obrigada, já estou saindo.
– Ora, ora... Pra quê a pressa? Não precisa de nada mesmo? Agora que está sem ele, pode
sentir carência de carinho... – Segurou meus braços, tentou me beijar, empurrei.
– Me solta! Sai daqui!
Ele me empurrou contra a parede, segurou meus braços no alto. Tentei gritar, ele me soltou e
senti meu corpo cair para o lado com uma bofetada. O gosto de sangue tomou a minha boca, ele
veio para cima de mim.
– Se gritar de novo, bato mais, você gosta? Gosta de apanhar? – gritou.
– O que quer? – perguntei chorando.
– Quero cobrar uma dívida, seu maridinho me deve ainda.
– Não tenho dinheiro – falei, tentando sair debaixo dele, em vão, pois ele me prendeu.
Começou a passar a mão em meu seio, fiquei desesperada.
– Quem disse que quero dinheiro de você? – Tentava me beijar, mas eu conseguia tirar minha
boca. – Quero de Henrique, mas depois. Agora basta o silêncio, sem nomes ou endereços. Senão
você vai receber uma visitinha todos os dias, minha ou de quem estiver livre. Esse recadinho você
vai levar para ele.
– Se fizer isso, vou na polícia. Sei onde encontrar você! – Menti, não sabia mais o que fazer. Ele
riu.
– Isso! Faça isso e quem paga? Henrique. Mando matá-lo, entendeu? E, pra você, tenho planos
melhores.
Ele já tinha aberto as calças e tentava tirar as minhas.
– Faça o que quiser com ele, não me importo, vou me separar dele – gritei.
– Coitado do meu amigo, já levou chifre então? Mais alguns ele não vai se importar. – E riu alto.
Nesse momento, minhas calças já estavam no joelho.
– Adoraria conhecer seu novo amiguinho. Se ele assumiu a mulher, quem sabe assume as dividas?
Arrancou minha calcinha, gritei, ele me bateu.
– Cala a boca, sua vadia! – gritou.
Quando ele tentou abrir minhas pernas, livrei uma das mãos e alcancei uma garrafa no chão.
Bati em sua cabeça com toda a força que tinha. Ele caiu de lado. Vi o sangue escorrer, levantei
correndo, puxando minha calça para cima. Ele levantou e veio atrás.
– Vagabunda! – gritou.
Fui mais rápida. Consegui sair para a rua e corri em direção a um mercado, entrei. Ele viu, mas
não se aproximou, estava segurando a camisa próximo à cabeça. Entrou no carro e foi embora.
Esperei por mais ou menos meia hora. Estava escuro, fui até a casa, entrei correndo, peguei minha
bolsa, fechei e fui embora rapidamente.
Meu coração parecia que ia saltar pela boca, não sabia mais o que pensar. Tinha planejado
dormir no meu apartamento, mas agora sentia medo de ficar sozinha. Fui para a casa de Cíntia,
cheguei lá transtornada. Ela me viu e ficou assustada, pois meus lábios estavam inchados e eu
estava muito nervosa, quase não conseguia falar. Ela trouxe um copo de água e sentou-se ao meu
lado.
– Meu Deus, Carmem, vamos à polícia, vou com você!
– Não posso, Cíntia! E se ele disse a verdade sobre fazerem algo a Henrique? Não vou me
perdoar, preciso falar com ele antes, contar tudo que aconteceu.
– E se eles te encontrarem, se seguirem você?
– Vou ter cuidado, vou dar um jeito de falar com Henrique logo.
– O que vai dizer se perguntarem sobre esse corte no lábio? Ou melhor, o que vai dizer a ela?
Falava tentando controlar meu nervosismo.
– Não sei, Cíntia... Não sei... A única coisa que sei é que não vou envolvê-la nisso. Vai doer, vou
sofrer muito, mas vou me afastar dela.
– E se ela não concordar ou sei lá, não entender?
– Vou ter que omitir, ela não sabe que Henrique está preso. – Suspirei, sabia que seria muito
difícil o que teria que fazer.
Corria o risco dela me esquecer. Mas tinha que ser assim.
CAPÍTULO X
Naquela noite tive pesadelos. Acordei com meu corpo dolorido, mas sabia que a dor maior
estava por vir.
No hotel, troquei de roupa lentamente, tentando adiar ao máximo o que tinha que fazer: resistir
a ela.
Saí do vestiário e fui direto para a cozinha, peguei o carrinho com o café e fui para a suíte de
Andréa. Bati e ela abriu rapidamente, sorrindo. Mas, ao me ver, mudou a expressão.
– O que aconteceu com você? Seu lábio está... Ele te bateu? – perguntou indignada.
Entrei e fechei a porta.
– Andréa, escuta... Não, ele não me bateu. Foi... Foi um acidente – respondi.
Ela veio em minha direção e me abraçou. Encostou seus lábios suavemente nos meus.
– O que está acontecendo? Me diz... – Ela suplicou, e eu me esforcei para me afastar.
– Precisamos conversar, mas não agora. Virei aqui no final da tarde, pode ser? – Percebi a
interrogação em seu olhos negros.
– Tudo bem. Se quiser... Estarei esperando.
– Agora tenho que ir, volto depois. – Dirigi-me à porta.
– Fica um pouco. Por favor...
– Não, Andréa... Não dá. – Abri a porta sem olhar para ela, pois sabia que não resistiria.
– Tá certo, então retornarei do escritório antes de você sair – ela respondeu contrariada.
Saí e fechei a porta. Não imaginei que seria tão difícil sair dali.
O dia foi péssimo! Minha irritação era visível, várias vezes tive que me controlar para não
mandar tudo pro inferno e procurá-la, mas a imagem daquele homem me impedia.
Ela seria o alvo perfeito para ele. Além de ser linda, tinha dinheiro. Não queria nem imaginar a
possibilidade daquele homem se aproximar dela!
***
Andréa foi para o escritório, mas não se concentrou em nada. Imaginou Carmem apanhando do
marido e sentiu ódio dele. Sabia que não poderia interferir na vida dela.
Estava ansiosa para ir para o hotel. Nunca uma tarde foi tão longa...
***
Olhei no relógio e vi que a hora havia chegado, teria que resolver. Andréa já deveria ter
retornado do escritório. Fui até a cozinha e avisei Cíntia. Caso alguém perguntasse por mim, pedi
que ela dissesse que Andréa chamou. Cíntia desejou boa sorte e coragem.
Ia precisar mesmo de muita coragem. Andréa estava esperando. Entrei, fui em direção ao sofá.
– Senta aqui comigo – pedi e indiquei o lugar ao meu lado.
Andréa atendeu. Olhei em seus olhos e me senti fraca.
– O que você quer me falar? – Percebi a preocupação e o receio no seu tom de voz.
Resolvi ir direto ao ponto, falei olhando para minhas mãos. Não conseguia encará-la:
– Andréa, não posso mais... Encontrar você... Não podemos mais fazer isso.
Silêncio. Levantei meus olhos para ela e por alguns momentos vacilei. Andréa levantou-se e ficou
de costas para mim, como se pensasse no que ia dizer. Virou-se em minha direção e perguntou
calmamente:
– Por causa dele, não é?
Percebi que ela se referia a Henrique. Baixei os olhos:
– Sim.
Ela se aproximou e sentou ao meu lado novamente. Segurou minhas mãos e disse:
– Carmem, olha, já deveríamos ter falado sobre isso antes. Gostaria muito de ter conhecido você
em uma outra situação. O que sinto por você é algo que ainda não consigo definir, mas... Mas... A
única coisa que sei é que não quero que se afaste de mim, posso esperar.
Senti vontade de abraçá-la. Pela primeira vez a senti exposta, mas eu não podia fraquejar
agora.
– Andréa, me perdoa! Não devia ter me envolvido assim com você. Vivemos em mundos
diferentes e... E estou tentando resolver minha vida com... Com Henrique. O que tivemos foi uma
atração, e não pode mais acontecer... Não há o que esperar – falei tentando mostrar segurança
nas palavras, mas estava corroída.
Meu peito ia explodir... Seu olhar se transformou, levantou-se rapidamente. Percebi que se
arrependeu do que havia dito pouco antes, foi fria:
– Se você já tomou essa decisão, não há mais nada pra falar. – Levantei-me e fui em sua
direção. Coloquei minha mão em seu braço com a intenção de fazê-la me olhar, ela puxou o braço
e se afastou mais.
– Andréa, me perdoa – pedi novamente.
– Você o ama? – Encarou-me, desviei o olhar.
– A questão não é essa. Tive problemas com Henrique, e quando você surgiu, eu estava... Estava
carente. E... E agora estamos bem. – Fui cruel, mas precisava. Ela veio em minha direção e me
pegou pelos braços, me fez encará-la.
– Carência? Você diz que aquilo que fez comigo naquela cama foi carência?
– Andréa eu... Eu não disse que não gostei. Eu gostei muito... Mas Henrique... Precisa de mim. –
Não menti. Ela me soltou, quase me empurrou.
– Faça o que achar melhor, Carmem. Não vou competir com seu maridinho. Mas da próxima vez
que ficar carente, passe longe da minha porta! – falou com raiva e foi em direção à varanda.
Percebi que a conversa tinha acabado. Abri a porta. Antes de sair, olhei para ela. Estava de
costas, olhando para o mar. Saí e fechei a porta. A dor que senti foi maior que tudo.
***
Andréa ouviu a porta bater e deixou uma lágrima cair. Secou-a rapidamente e ficou ali até
escurecer, sem saber por quanto tempo.
Ouviu o telefone tocar diversas vezes. Na última delas, virou-se, foi até ele e o pegou com raiva.
Puxou-o, retirando-o da tomada bruscamente e o jogou no espelho da sala. Viu quebrar.
A pequena mesa onde o telefone estava foi parar no meio da sala, depois de bater
violentamente na parede, quebrando um enorme vaso de porcelana e derrubando o quadro.
Procurou a chave do carro por alguns minutos, jogando tudo que estava em seu caminho no
chão. Quando a encontrou, saiu no corredor. Viu um funcionário caminhando diretamente em sua
direção.
– Senhora Andréa, está tudo bem? Recebi a ligação do cliente ao lado de sua suíte, ele falou
que ouviu... – Ela o interrompeu bruscamente.
– Manda ele pro inferno! E você também! Saia do meu caminho! – Entrou no elevador.
O rapaz ficou atônito e correu para o telefone. Ligou para o senhor Alfredo que, imediatamente,
subiu e entrou na suíte de Andréa. Viu o estrago e não pensou duas vezes: ligou para a senhora
Maria Alice, que, por sua vez, desligou preocupada e ligou para Paula.
– Paula, você vai me dizer, agora, o que está acontecendo com minha filha!
A conversa foi longa. Andréa não voltou para o hotel naquela noite. Dirigiu por três horas
seguidas. Dormiu em um motel na estrada.
***
– Por favor, Carmem, acalme-se, pare de chorar...
– Foi horrível, Cíntia! Me senti péssima! Queria morrer.
– Não fala besteira, você vai resolver isso logo, vai ver... Daí procura ela e explica.
– Você não conhece Andréa! Nunca mais vai querer me ver.
Dormi cansada de tanto chorar.
CAPÍTULO XI
Na manhã seguinte, só o que ouvimos no hotel foram os comentários sobre o que tinha
acontecido na noite anterior. Alguns diziam que ela estava drogada, outros que tinha enlouquecido.
Cíntia me olhava, e eu estava muito preocupada com ela. Pensei em procurá-la, mas sabia que
seria pior. Durante a tarde fiquei na lavanderia e vi quando Marta entrou rapidamente e disse:
– A senhora Maria Alice acabou de chegar.
Fiquei nervosa.
***
Na recepção, o senhor Alfredo recebeu-a:
– Fez boa viagem, senhora?
– Ótima! – respondeu com ironia. – Minha filha está?
– Não, ela veio à tarde... Mas já saiu novamente. Quer que ligue no celular ou no escritório?
– Não – respondeu. Sabia que não adiantaria, pois já havia tentado. Antes de entrar no
elevador virou-se e solicitou: – Peça para a camareira Carmem me levar um suco, vou estar na
suíte de minha filha.
– Sim, senhora.
***
Cheguei à porta da suíte com receio, não sabia se Andréa estava. Bati e a senhora Maria Alice
abriu. Ela me olhou por alguns segundos.
– Entre – disse e me deu passagem. Fechou a porta e se sentou no sofá.
Percebi que ficou me olhando, coloquei a bandeja na mesa e servi o copo. Ela acendeu um
cigarro, levei a bandeja até ela, que soltou a fumaça e me olhou da cabeça aos pés. Ela pegou o
copo e perguntou:
– Trabalha há quanto tempo aqui, menina? – Seu olhar era igual ao de Andréa, negro. Só que
gelado e avaliador.
– Há quase cinco meses, senhora.
– Você tem filhos? – Seu olhar me perturbava.
– Não, senhora.
Recolocou o copo na bandeja.
– Obrigada, pode ir.
– Com licença, senhora. – E saí.
Não corri porque ficaria estranho, mas se pudesse...
***
A senhora Maria Alice a viu fechar a porta e pensou:
“O que fez com minha filha?”
Quase perguntou, mas queria falar com Andréa antes, ainda não sabia o que tinha acontecido
na véspera. Esperou, e Andréa demorou. Quando chegou já era noite, abriu a porta e viu sua mãe
sentada no sofá, fumando.
– O que está fazendo aqui? – Foi até ela e a beijou na face. Ficou esperando que ela falasse,
já sabia o que ouviria e ouviu... Tudo de uma vez só:
– Andréa, nem quando você andava com aqueles seus amigos estranhos e ia naqueles guetos
infernais tive que me incomodar em apagar algum incêndio seu. Agora, depois de adulta, tenho
que vir aqui e me desculpar pessoalmente com os clientes do hotel, com os funcionários, com os
vizinhos e sabe-se lá quem mais, para que não nos processem. E tudo porque minha filha teve
alguma decepção e resolveu quebrar o quarto. – Estava brava.
– Desculpa, não queria causar problemas, mas... – Silêncio. Sua mãe ficou em pé.
– Mas o quê, Andréa? – Ficou esperando que ela falasse.
– Não... Não consegui evitar, estou arrependida, me perdoa, ok?
– Ah! Sim, claro! Arrependeu-se de quê? De levar a camareira para a cama?
Andréa corou.
– Quê? Quem te contou? Paula, claro! Droga! Ela não tinha que se meter nisso!
– Isso! Agora desconte sua raiva na sua amiga! Achei que tinha crescido, Andréa, mas vejo que
ainda não! Age como uma criança mimada que perdeu o brinquedinho e a culpa disso é minha!
– Veio aqui pra apagar o incêndio? Já apagou, pode ir.
– Vou sim! E você vai comigo!
Andréa não respondeu, foi em direção ao quarto e fechou a porta estrondosamente. A senhora
Maria Alice foi atrás dela, parou em frente à porta fechada e bateu. Ela não respondeu, a mãe
abriu a porta e viu Andréa de bruços na cama, chorando. Não acreditou. Foi em direção a ela:
– Me fala, filha. Por que não me diz o que está acontecendo?
Andréa a abraçou, deitou-se no seu colo e começou a falar.
***
A expressão da senhora Maria Alice me encarando, analisando, não saía de minha memória.
Percebi que ela sabia de algo, será que Andréa contou? E onde Andréa estava? O que havia
acontecido naquele quarto na noite anterior? Minha cabeça dava voltas e não chegava a lugar
algum.
Queria procurá-la, saber como estava, mas, ao mesmo tempo, me lembrava do risco ao qual a
estaria expondo. Passei a noite pensando, vi o sol nascer.
No hotel, fui direto para a lavanderia, não soube de mais nada naquele dia, apenas que sua
mãe havia embarcado no final da tarde, sozinha.
Antes de sair, perguntei a Felipe se Andréa estava no hotel, ele respondeu que não, as duas
haviam saído cedo e apenas a senhora Maria Alice tinha voltado para pegar sua bagagem e
retornar a São Paulo.
Fui pra casa sem saber de nada, no outro dia seria domingo e teria o dia livre para ir ao
presídio. Tinha esperanças de resolver isso logo.
Cíntia queria ir comigo, pois também tinha o domingo livre, mas não aceitei. Não queria envolvê-
la nisso.
Cheguei ao portão próximo das quatorze horas. Fui encaminhada para uma sala onde passei
por uma constrangedora revista e, logo depois, para outra sala. Estava nervosa. Nunca havia
estado em um presídio antes. Levei para ele roupas, um bolo e outras coisas que sabia que
gostava.
Vi Henrique sentado em um canto, cabeça baixa. Senti pena. Não consegui sentir raiva ou ódio.
Levantou os olhos e me viu. Veio em minha direção, me abraçou e chorou.
– Me perdoa, Carmem, me perdoa...
– Calma, Henrique, vem... Vamos sentar. – Fomos em direção a umas cadeiras, próximo à janela.
Nós nos sentamos de frente um para o outro, ele segurava minhas mãos.
– Carmem, isso aqui é um inferno. Não quero que você venha mais aqui. E... E... O que é isso no
seu lábio? Você se machucou?
– Henrique, precisamos conversar. – Antes de falar, olhei para os agentes. Estavam distantes. –
Você os entregou, Henrique?
– Ainda não. Estou recebendo pressão aqui dentro, acredita? Mas vou, Carmem. Assim que tiver
segurança, vou conversar com o advogado e vou falar tudo. Talvez consiga um acordo. Minha
pena pode ser reduzida se os delatar. – Sorriu.
Fiquei nervosa, não sabia como falar.
– Fui procurada por um deles. – Esperei sua reação.
– Meu Deus! Não! Eles tocaram em você? Te machucaram? Fala, Carmem, eu mato!
– Fala baixo, Henrique! Não... Não fizeram nada, eu... Eu fugi. Mas mandaram um recado.
– Fala logo, Carmem. – Ele apertava minhas mãos.
– Disseram que se você os entregar, vão se vingar em mim ou vão matá-lo!
Ele levantou e segurou na grade da janela.
– Eu conheço muito bem o que fazem, Carmem. Já participei disso. – Olhou para mim e
continuou: – Olha, você tem que ir embora daqui. Pra bem longe. Abandone a casa, não me
procure mais. Não vou me perdoar se acontecer algo a você! – falou chorando. Abracei-o, ele
continuou falando entre soluços:
– Me perdoa Carmem, por tudo que fiz você sofrer. Não volte mais aqui.
– Henrique, não vou embora, mas já saí da casa. Vou procurar a polícia e contar a eles. Terão
que fazer alguma coisa.
– Se fizer isso, estará assinando nossa sentença. Confie em mim, não adianta.
– O que vamos fazer? Não posso viver dessa forma, como se houvesse uma sombra atrás de
mim – falei em desespero.
– Vou ver o que faço por aqui. Vou conversar com eles. Espera, tá? Não se precipite, não conte
nada à polícia.
– Estou com medo!
– Eu também.
Fiquei por mais alguns minutos com ele e me despedi. Fiquei de voltar na outra semana. Ele
tentou me beijar.
– Henrique, não! Não posso mais... – falei enquanto o afastava.
– Entendo. Não posso pedir a você que me espere. Na verdade, o melhor agora é que você se
afaste de mim – falou com tristeza.
Nós nos despedimos e fui embora mais preocupada ainda, pois não havia conseguido resolver
nada.
CAPÍTULO XII
A semana foi uma tortura, não vi mais Andréa. Ela saía cedo e voltava tarde. Tentava saber
dela por Felipe.
Em uma tarde, ele me falou que achava que ela sairia do hotel, pois um corretor havia deixado
para ela alguns papéis da construtora com ofertas de apartamentos e casas. Imaginei que isto
aconteceria.
Sempre que saía do hotel, olhava para todos os lados, tinha medo de ser seguida. Num desses
dias, vi o mesmo homem que me atacou. Estava do outro lado da rua, abanou e mandou um beijo
sorrindo. Fingi que não vi, sabia que eles ficariam me vigiando, mas não fariam nada enquanto
Henrique se mantivesse em silêncio.
Minha folga semanal foi na sexta-feira e decidi que me mudaria para o apartamento que havia
alugado, apesar dos protestos de Cíntia, que temia por minha segurança.
– Vou arriscar, Cíntia. Não posso ficar me escondendo a vida toda, já basta ter me afastado e
desistido de Andréa. Não vou me submeter a eles dessa forma.
Cíntia me olhou com incredulidade:
– Desistiu? Mesmo?
Respirei fundo...
– Não acredito que tenha alguma chance mais com ela. Se é que um dia tive...
Cíntia me abraçou e insistiu:
– Você tem certeza disso, Carmem? Por que não procura ela e conta?
– Não posso fazer isso, tenho medo! Se desconfiarem que me envolvi com ela, iriam procurá-la,
Cíntia. Por dinheiro... A dívida de Henrique passaria para mim. Jamais faria ela correr esse risco.
– Mas vocês só se encontram dentro do hotel. Como vão saber?
Ouvi, balancei a cabeça sorrindo e falei com o peito apertado de saudades:
– Andréa não é o tipo de mulher que se esconde...
Fiz minha mudança. Faltavam somente roupas e objetos pessoais. À tarde, organizei todo o
apartamento. Era pequeno e não tinha muitas coisas, apenas o suficiente para viver.
No outro dia pedi dispensa à tarde, pois queria visitar Henrique novamente.
***
Andréa convenceu sua mãe a não insistir mais em seu retorno para São Paulo, mas prometeu que
sairia logo do hotel. Já estava com algumas possibilidades de apartamentos e casas em vista, iria
decidir logo.
Sua mãe sugeriu despedir a camareira. Fazer um acordo, dar-lhe dinheiro. Andréa descartou
veementemente, falou que seria uma agressão a ela, uma ofensa.
Passou os últimos dias dedicada ao trabalho, tentou tirar Carmem de sua cabeça. Saía quase
todas as noites, às vezes com Lilian e Paula, às vezes sozinha. Mas não se envolvia com ninguém,
sempre voltava sozinha para o hotel. Recusava os convites de Sandra e, à noite, em sua cama,
pensava em Carmem.
Chegou a cogitar a ideia de que estava sofrendo um castigo, pois algumas vezes ouviu de
namoradas a praga “você encontrará alguém que fará isso com você!”. Encontrou. Sentia-se
usada. “Carência”, foi o que ela disse.
Sua mãe a convenceu a ir para Porto Alegre em seu lugar. Alegou ter muitas coisas em São
Paulo e não poder se ausentar agora, e Andréa não pôde recusar. Ficaria uma semana fora, mas,
antes, queria ver Carmem.
Decidiu sair um pouco mais cedo do escritório para dar tempo de encontrá-la antes de ela ir
embora. Chegou diretamente na recepção e falou com Felipe:
– A camareira Carmem está no hotel?
– Não, senhora. Ela saiu ao meio dia.
– Ela está de folga hoje? – Estranhou, pois sempre sabia as folgas de Carmem.
– Não, senhora. Ela solicitou ao senhor Joaquim, que a atendeu. Parece-me que ela foi visitar o
marido – disse, sem saber da importância da informação que estava passando a ela.
Andréa agradeceu e foi em direção ao elevador. Não sabia o que pensar.
“Visitar o marido? Onde? Será que no hospital?”
Ficou com essa dúvida a martirizando.
Ao chegar à sua suíte, ligou para o senhor Joaquim, solicitando que ele fosse até lá.
Alguns minutos depois...
– Senhor Joaquim, quero algumas informações sobre alguns funcionários do hotel. Quero, por
favor, que o senhor faça um relatório atualizando os dados gerais de todos.
– Sim, senhora. Farei esta semana mesmo.
– E, por acaso... Hoje o senhor autorizou a... Camareira Carmem a sair à tarde?
Ele gelou, pois tinha o hábito de encobrir determinadas saídas em dias que não estavam
previstos nas folgas.
– Si... Sim, senhora. Autorizei – respondeu nervoso.
– Por quê? – indagou friamente.
– Ela está com problemas sérios com o marido... Ele... Ele foi preso há poucos dias. E ela está
sofrendo muito com isso. Me comovi, me desculpa, senhora... Não vai mais acontecer.
Ele percebeu a mudança de expressão dela, viu que ela parecia não acreditar no que ouvia.
Achou que estava perdido, seria repreendido... Depois de algum tempo, ela respondeu
calmamente:
– Senhor Joaquim, não estou pedindo que mude sua forma de gerenciar o pessoal, apenas
perguntei o motivo. E se o senhor avaliou a situação e achou por bem dispensá-la, confio na sua
decisão. – Surpreendeu-o e dispensou-o.
Ficou perplexa com a informação.
“Preso!”
Tomou um banho e desceu até o escritório do senhor Alfredo, procurou na pasta de admissão de
Carmem e viu que ela havia alterado o endereço. Anotou e decidiu ir até lá.
***
Naquela tarde, voltei ao presídio. Novamente, passei pela revista e fui encaminhada ao local de
visitas.
Henrique estava abatido. Entreguei a ele as coisas que havia levado e nos sentamos. Disse-me
que as coisas estavam cada dia piores, recebia muita pressão e ameaças de marginais ligados à
quadrilha. Pediu, novamente, que eu fosse embora da cidade, pois temia que eles me procurassem.
Disse a ele que não faria isso. Fiquei de voltar na outra semana, apesar de seus protestos.
– Aqui não é lugar para você, Carmem. Me dói dizer isso, mas quero que me esqueça. Não volte
mais aqui. Vou resolver isso!
Assustei-me com suas palavras, nos despedimos e fui embora.
Cheguei em casa e tomei um banho para tentar relaxar, pois aquelas visitas me desgastavam.
Abri uma garrafa de vinho e, antes do primeiro gole, ouvi a campainha.
Fiquei apreensiva e indignada, pois alguém havia deixado a portaria aberta. Era comum isso,
uma vez que aquele era um prédio onde moravam muitos estudantes e o entra e sai era constante.
Fui em direção à porta e olhei, qualquer dúvida não abriria. Não acreditei... Abri.
– Andréa! O que faz aqui? – perguntei assustada.
– Boa noite! Posso entrar? – ela falou com aquele olhar que me encantava.
– Claro, entra. – Dei espaço a ela. Seu cheiro me preencheu.
Entrou. Olhei para ela, estava de calças jeans surrada e uma camiseta branca, bem justa.
“Me ajuda, Deus!”
Colocou uma mão no bolso e me olhou.
– Mudou-se? – Sorriu...
E me derreteu.
– É, eu... Na verdade, nós... Queríamos alguma coisa mais... Mais... – “Mais o quê? Sua tonta!” –
Barata e próxima ao hotel – consegui falar.
– Nós?
– É... Eu e... E...
– Seu marido?
– É!
Eu estava em pânico. Ela olhou para o chão. Vi que tinha algo para dizer.
– Senta, não é um lugar como os que está acostumada, mas é confortável... – Tentei sorrir e
caminhei em direção ao sofá.
Sentei e ela ficou em pé, me olhando, ainda com a mão no bolso.
– Por que não me falou? – disse rapidamente como se eu soubesse do que ela falava. Levantei
os olhos sem entender.
– O quê, Andréa? – Ela se aproximou, abaixou-se na minha frente e me surpreendeu:.
– Que ele está preso? – Me olhou com ternura.
– Falar para quê? – perguntei e o olhar terno se transformou. Levantou rapidamente de onde
estava.
– É... Para quê? Não tivemos nada mais do que sexo... Não é? Por isso se sentia carente? – Seus
olhos brilharam úmidos.
– Andréa... – falei baixinho, como se implorasse que não fizesse isso.
– Podia ajudá-la, Carmem. Sei lá, advogados... Dinheiro... Se o ama tanto, por que não me pediu
ajuda? Não ia negar isso a você.
Meu peito doía de vontade de abraçá-la, beijá-la... Mas se ela soubesse o real motivo disso, o
perigo que corríamos... Tive medo por ela.
– Por favor, compreenda. Eu não podia contar e, também, não precisamos do seu dinheiro. Nem
de advogados.
Ela deu um passo para trás e falou baixo.
– Não quer nada de mim, não é? – Vi uma lágrima sair daquela imensidão negra. – Desculpa,
não devia ter vindo. Não vou mais perturbá-la. – Caminhou em direção à porta e, antes de sair, me
olhou. Achei que ia dizer algo, mas foi embora...
Fui até a porta. Segurei onde sua mão esteve. Encostei minha testa na porta... Solucei. As
lágrimas vieram em profusão. Deixei-me cair ali.
“Eu não posso!”.
***
Andréa desceu as escadas rapidamente. As lágrimas caíam... Não conseguia enxergar os
degraus. Saiu do prédio, entrou no carro e acelerou. Parou na frente do prédio de Paula.
– Andréa!
– Desculpa, eu não tinha para onde ir... – Segurou-a em um abraço.
– Lilian, traz água! Vem, vamos sentar... – Paula a puxou até o sofá.
– Desculpa, não quero atrapalhar vocês.
– Quê isso, Andréa? Desde quando você atrapalha a gente? – Lilian falou entregando a ela um
copo de água.
Olhou para Paula que respondeu com o mesmo olhar. Entendeu e saiu em direção ao quarto,
deixando-as a sós.
– Tive certeza, Paula. Hoje tive certeza. Ela o ama. – Começou a contar a Paula o que havia
descoberto e o que aconteceu no apartamento, há pouco.
– Andréa, por que foi lá?
– Eu precisava. Queria vê-la... E queria ter certeza que...
– Que ela não quer. Mesmo ele estando preso?
– Vi nos seus olhos que ela está sofrendo. Ela sofre por ele! Vi que eu estava sendo... Sendo
inconveniente... Ela disse que não precisava do meu dinheiro, não precisava de nada... Só não
entendo por que razão ela deixou acontecer.
– Andréa... Precisa esquecer essa mulher.
– Eu vou, Paula! Vou sim. Desculpa... Vim aqui e descarreguei em você. – Paula a olhou e respirou
fundo.
– Andréa, quantas vezes fez isso por mim? Quando Camila me traiu e foi embora, lembra?
Quase morri. Foi você quem me segurou. E fiz pior! Bati seu carro, enchi você de desaforos...
Portanto, isso é o mínimo que uma amiga pode fazer por outra.
– Qual é o máximo?
– Ir lá e quebrar a cara dela, quer? Eu vou.
Riram juntas. Andréa decidiu ir embora, apesar da insistência de Paula para que ela ficasse.
Explicou que iria viajar no outro dia, tinha que acordar cedo. Prometeu que ligaria assim que
chegasse a Porto Alegre.
Paula despediu-se dela na porta e foi em direção ao seu quarto. Viu Lilian embaixo dos lençóis,
dormindo. Vieram em suas lembranças os momentos difíceis que passou. Olhou para ela e sentiu
uma vontade imensa de fazer amor. Tirou a roupa e deitou-se embaixo dos lençóis com ela. Com a
proximidade do corpo nu de sua mulher, Lilian acordou.
– Hmm... Que delicia! É saudade?
– Não... É amor! – Beijou-a.
CAPÍTULO XIII
Aquela semana no hotel foi terrível. Fiquei sabendo que Andréa não estava. A angústia que
sentia em não vê-la só era aplacada quando me lembrava do motivo pelo qual a afastei.
A ideia de que ela sentia por mim o mesmo que eu sentia por ela me motivava a agir assim e,
ao mesmo tempo, me deixava em desespero... Eu a queria muito!
Saía do hotel e ia diretamente para casa, evitava andar à noite sozinha e sentia-me insegura
cada vez que alguém se aproximava. Pensava que era alguém ligado à quadrilha.
Cíntia insistia para que eu fosse à polícia, mas eu sabia que não podia. Não podia colocar a
vida de Henrique em risco dessa forma. Lembrava-me das palavras dele: “vou resolver”. Minha
esperança era que fosse logo, pois não aguentava mais. Minha vida estava nas mãos daqueles
homens, não podia me livrar deles por causa de Henrique e não podia procurar Andréa por causa
deles. Estava vivendo aquilo que eles permitiam, e isso me deixava transtornada.
“Que país é esse, em que as regras são ditadas por bandidos?” Imaginava quanta gente vivia o
mesmo drama que eu.
Na sexta-feira, o senhor Alfredo me chamou em sua sala, fiquei apreensiva.
– Sente-se, senhorita. – Sentei-me e ele, sem disfarçar seu olhar em meu corpo, continuou
falando: – Chamei-a aqui porque gostaria de conversar com você sobre seu marido. – Gelei, ele
continuou: – O senhor Joaquim me contou o drama que está vivendo, sei que ele está preso e
imagino que está sofrendo com isso. – Olhou-me analisando minhas expressões.
“Está me testando”. Continuei ouvindo:
– Quero que saiba que somos solidários. Caso necessite de alguma coisa, pode contar conosco. –
Esperou minha resposta.
– Muito obrigada, senhor, mas estou bem. Agradeço a intenção. O senhor Joaquim tem se
mostrado muito compreensivo.
– Certo, e quero que saiba que... – Silêncio. Levantou-se e parou atrás da cadeira onde eu
estava. – Antes de ser seu gerente, sou seu amigo. Agora que a senhora Andréa não está mais
necessitando de seus serviços, quem sabe... – Colocou sua mão em meu ombro. Levantei-me
imediatamente e o encarei.
– A que serviços se refere? – perguntei indignada.
– Sabe do que estou falando, menina. E sei muito bem que ela não a chama mais em sua suíte.
– Não admito que o senhor... Fale dessa forma comigo! Não lhe dei o direito.
– Ora, ora! – Aproximou-se. – Não precisa se exaltar, menina. Apesar de que... Fica melhor
ainda... – Aproximou-se e eu me afastei. – Posso ajudá-la. É só dizer o que precisa. E não se
preocupe, nada do que falarmos aqui, ou fizermos, vai interferir no seu emprego, pelo contrário,
poderá ajudá-la. – Ele veio novamente em minha direção, caminhei rumo à porta.
– Do senhor... Não quero nada. Aliás, quero sim: distância! E se quiser me mandar embora, não
me importo! Isso que está fazendo é assédio! É crime! – Abri a porta e saí.
Corri para a lavanderia e puxei Cíntia comigo. Contei a ela o que havia acontecido, ela não
ficou surpresa.
– Ele faz isso com muitas aqui, Carmem. É normal para ele. De onde acha que Margareth tira
dinheiro para comprar as roupas que usa?
Olhei incrédula para ela.
– Não acredito nisso! O que ele faz é crime e... Como ela consegue? Ele é... É... Me dá asco! É
uma falta de respeito com todas as mulheres que trabalham aqui!
– Ele sabe onde pisa e tem dinheiro. Esse tipo de enjoo cura-se em provadores de lojas – disse
rindo e continuou. – Muitas se aproveitam dele também.
– Ele já tentou com você também?
– Não. Comigo não! Será que tenho algo errado?
Rimos juntas.
Naquele dia fiquei pensando que enquanto aceitássemos esse tipo de assédio nada mudaria. Ele
deveria ser denunciado.
***
Andréa chegou a Porto Alegre e foi recebida pela gerente geral, que a esperava no aeroporto.
Surpreendeu-se. Joana Teixeira era uma mulher linda, negra de olhos encantadores, e a recebeu
de forma acolhedora.
No hotel, Joana acompanhou-a pessoalmente até sua suíte e a convidou para jantar, uma vez
que tinham muitas coisas para conversar e tinham pouco tempo. Andréa concordou, desde que o
jantar fosse no próprio hotel, pois estava cansada.
Próximo das nove horas, Andréa desceu para o restaurante. Assim que Joana a viu, levantou-se
rapidamente e foi ao seu encontro.
– Vamos sentar aqui, senhora Andréa, perto da piscina, pode ser?
– Claro, pode sim.
No decorrer da noite, Joana mostrou diversos relatórios e gráficos a Andréa, que se mostrou
interessada e a todo momento dava-lhe sugestões do que fazer. De vez em quando, percebia o
olhar de Joana, que por alguns momentos permanecia no dela. Por três vezes, fugiu daquele olhar.
Pela experiência que tinha, percebeu o que significava. Mas manteve a postura profissional
enquanto conseguiu.
– O que achou, senhora?
– Achei que você poderia tirar esse “senhora” da frente – falou encarando-a.
– Desculpa, é habito. Por telefone sempre a tratei assim, então... – Manteve o olhar em Andréa.
– Tá certo. Quanto ao que falamos, preciso analisar esses gráficos que me mostrou, depois
saberemos por onde começar. Uma coisa já é visível: corte de despesas urgente.
– Corte de pessoal?
– Não. Vamos tentar outro caminho.
Mais tarde, despediu-se e foi para sua suíte. Joana ficou olhando-a se afastar. Andréa sentiu o
olhar dela em seu corpo e sorriu.
No decorrer da semana, dedicou-se a resolver algumas pendências e a indicar mudanças na
administração do hotel. Joana estava sempre com ela e, sem perceber, a proximidade se fez
necessária. Andréa gostava da companhia dela e quando não estavam falando de negócios
estavam conversando sobre suas vidas, carreiras, viagens. Algumas vezes saíram para jantar em
restaurantes que Joana fez questão de levar Andréa para conhecer.
– O que há, Andréa? – conversavam numa destas noites. – Às vezes você demonstra estar se
divertindo muito, mas de repente seu sorriso some. É algo que digo?
– Não! Não... É... Desculpa, mas estou numa fase melancólica, é isso.
– Desculpe minha indiscrição, mas é por alguém, não é?
– Não quero falar sobre isso, Joana, me perdoa.
– Tudo bem, mas se precisar, pode confiar em mim.
– Obrigada. – Andréa sorriu para ela.
Perguntava-se por qual razão estava ali, com uma mulher linda, e ainda pensava em Carmem.
Joana tinha tudo que Andréa sempre gostou nas mulheres. Tentou listar as qualidades de Joana:
bonita, inteligente, bem resolvida... E ali, ao alcance de suas mãos.
Pensou em Carmem. Meiga, gentil, às vezes até ingênua. Temperamental! A voz suave, os lábios
macios, boca quente, pele cheirosa... Deliciosa! Mas... Muito distante dela.
– Andréa... Andréa!
– Hmm? Desculpa, acho que deveríamos ir, pode ser?
– Claro, vamos sim...
Um dia antes de voltar para casa, Andréa falou com sua mãe sobre a situação do hotel de
Porto Alegre, e a senhora Maria Alice achou por bem Joana ir com Andréa a Florianópolis
observar por uma semana o funcionamento geral do hotel de lá para implantar, se possível,
medidas padrões com relação à administração. Andréa concordou.
***
Os comentários no hotel, no sábado, eram de que Andréa retornaria no dia seguinte. Assim que
ouvi a notícia, meu coração disparou. Queria vê-la, mas ao mesmo tempo a tristeza de não poder
chegar perto dela me consumia. Fiquei sabendo, também, que a gerente do hotel de Porto Alegre
viria com ela. Essa informação me incomodou.
Minha atenção somente foi desviada quando Felipe me chamou na recepção. Havia um recado
do Doutor Sampaio, advogado de Henrique, solicitando que na segunda-feira sem falta o
procurasse em seu escritório. Fiquei o restante do dia preocupada com o teor dessa conversa. À
noite, a ansiedade de ver Andréa me fez esquecer um pouco o que enfrentaria na segunda.
No domingo à tarde, o senhor Joaquim me entregou uma planilha e solicitou que eu verificasse
nos corredores dos andares a necessidade de trocar as plantas ou colocar novas onde não havia.
Estava no andar abaixo do de Andréa quando vi o elevador abrir-se e dele sair uma mulher muito
bonita. Ela saiu junto com Miguel, um dos recepcionistas, que trouxe sua mala. Vi também Andréa.
Ela não saiu do elevador, ficou segurando a porta e falava com a mulher que estava parada,
ouvindo-a.
– Vamos sair para jantar e depois, nós podemos... – Ouvi a voz de Andréa e nesse momento ela
me viu e interrompeu o que ia falar.
Nossos olhares se cruzaram, olhei para ela e para a mulher, que também me olhava. Sorriu e,
sem tirar os olhos de mim, respondeu para Andréa:
– Sim, Andréa, depois conversamos. – Veio na minha direção seguindo o recepcionista.
Andréa resolveu sair do elevador e caminhou atrás da mulher que, por sua vez, parou na minha
frente e perguntou:
– Como é seu nome?
Olhei para Andréa, que me fuzilava com os olhos. Respondi:
– Carmem, senhora. – Não olhei mais para Andréa.
– Carmem, você pode me trazer um suco, por favor? Essa cidade é muito quente!
– Claro, senhora. Só um momento.
Retirei-me pelo elevador de serviço que, para minha sorte, estava parado naquele andar.
Porém, a porta demorou séculos para abrir. Senti o olhar das duas.
“Mais uma! E, com certeza, Andréa nem lembra mais que eu existo”, pensei com raiva.
***
Andréa entrou no quarto junto com Joana.
– Achei que nos encontraríamos depois. O que aconteceu? – Joana olhou-a sem entender.
– Vou acompanhá-la no suco, pode ser?
– Claro, Andréa, adoraria. – Olhou para Andréa sorrindo sem entender o motivo daquilo.
***
Não demorei muito para retornar, bati na porta e Andréa a abriu. Nossos olhares se
encontraram.
– Entra. – Afastou-se.
– Pode colocar aqui, por favor – falou Joana caminhando em direção à mesa. Servi e perguntei:
– Algo mais, senhoras?
Andréa manteve o olhar em meus olhos, o da outra me analisava, não conseguia me mexer.
Desviei o olhar para Andréa, que me olhava com indignação. Falou num tom ríspido:
– Obrigada, Carmem, pode ir.
Passei por ela e seu olhar me repreendia, mas não sabia o por quê.
***
Quando Carmem saiu, Joana sorriu para Andréa e falou:
– Onde conseguem camareiras assim? Meu Deus! Acho que isso é uma das coisas que estão
faltando por lá. – Riu.
Andréa a olhou séria:
– Não, Joana, acho que o que falta por lá é um pouco de respeito com os funcionários! – falou
demonstrando a Joana um lado de sua personalidade que a outra não conhecia. Imediatamente
Joana ficou séria.
– Andréa, desculpa. Fiz uma brincadeira, não queria desrespeitar a moça, pelo contrário... Achei
ela... – Não conseguiu terminar.
– Sei bem o que achou, Joana! Sei também que tivemos alguns processos de assédio tanto de
pessoal interno como de clientes. Será que podemos mudar esse quadro?
– Desculpa, eu... Na verdade não tinha a intenção... – Joana ficou assustada, nunca tinha visto
Andréa tão brava.
– Olha... Tudo bem, sei que em nenhum dos casos você está envolvida. Esquece, perdi o controle...
Vou subir e passo aqui depois... – Saiu batendo a porta.
***
Eu estava saindo da cozinha quando vi Andréa sair do elevador de serviço. Veio em minha
direção, seu olhar me assustou. Segurou-me pelo braço e me puxou para o depósito ao lado da
lavanderia. Empurrou-me para dentro. Apesar da surpresa, consegui falar:
– O que está fazendo? Eu estava...
Não me deixou terminar, foi logo gritando:
– Eu é que pergunto! O que você pensa que está fazendo?
Não sabia do que ela falava, tentei entender:
– Andréa, eu não... Desculpa, senhora, não estou entendendo...
– Ora, Carmem! Acha que não percebi a forma como olhou para Joana? O que há? A carência
voltou? E não me chame de senhora! – gritou a última frase.
– Você é louca?
– Não! Fui louca em levar você para cama! Agora a lucidez voltou! Você não me engana. Esse
seu jeitinho ingênuo não passa de uma farsa! Sabe muito bem o que quer! Você não passa de uma
vadia! – falou isso a centímetros de meu rosto.
– Sei sim! Sei bem o que quero! Quero você.
Não resisti e a puxei pelo pescoço. Colei meus lábios nos dela e a beijei. Ela deixou que eu
sugasse seus lábios, mordesse... Explorei sua boca com minha língua e a puxei, segurando-a pelos
cabelos.
Minha vontade dela era insuportável! Senti suas mãos em minhas costas, e desta vez eu a
empurrei para trás, com força. Ela caiu sentada em uma cadeira, em cima de umas toalhas.
Caminhei para ela, meu desejo me fez perder a razão. Aproximei-me e levantei minha saia, sentei-
me em seu colo e, com um único movimento, ela abriu minha blusa. Alguns botões saltaram, meu
sutiã, como sempre, saiu sem que eu percebesse. Sua boca me sugou com força, mas continuava a
me xingar:
– Vadia!
A cada palavra lançada, mais eu a puxava, mais eu a queria. Senti suas unhas cravarem em
minhas nádegas, puxando-me com força. Assim coladas, caímos em cima de uma pilha de toalhas
brancas. Arrancamos o restante das roupas e ela rapidamente me fez abrir as pernas, colocando
a sua entre elas.
Com uma das mãos, segurou as minhas acima da minha cabeça e, com a outra, levantou-me a
perna, segurando-me pela coxa. Nós nos encaixamos, entramos no mesmo ritmo e, a cada
movimento, ouvia parte das palavras:
– Vadia... – Às vezes baixinho – Gostosa... – Às vezes mais alto – Sua puta... Quero você!
E a vontade, a saudade, o tesão, a necessidade que sentíamos foi amenizada com um orgasmo
alucinante que não demorou a chegar. Veio junto com mais palavras e xingamentos que eram
jogados sem sentido. Calei-a com um beijo. Ela se afastou o suficiente para me olhar intensamente.
Novamente, aquele brilho negro me preencheu.
Sorriu. Beijei-a. Falei primeiro:
– O seu amplo vocabulário me surpreendeu.
Ela riu.
– Sei outras, quer ouvir? – falou no meu ouvido. Senti minha pele arrepiar, continuou: – Se cada
vez que xingar você, acontecer isso, vou fazer sempre. – Desta vez fui eu que não resisti e dei uma
risada. Novamente me vi completamente entregue a ela.
– Andréa, preciso... Tenho que ir – falei tentando levantar de cima das toalhas. Ela me puxou e
me olhou seriamente, mas com uma ternura que me deixou sem ação.
– Carmem, preciso entender... Por favor!
Suspirei. Sabia que não conseguiria fugir dela. Falei calmamente:
– Eu sei. Você vai, mas preciso de um tempo, nem sei se tenho esse direito, de pedir isso a você.
Mas, Andréa, preciso que acredite em mim. Tenho que resolver algumas coisas, então
conversaremos, certo?
– Seu marido?
– Vou te falar uma coisa e quero que acredite. – Sentei e respirei fundo. – Eu e Henrique não
estamos bem. Jamais aconteceria isso se eu e ele estivéssemos bem. Antes dele ser preso, minha
intenção era me separar dele. Já faz algum tempo e... E... Eu não o amo mais. – Esperei para ter
certeza que ela ouvia.
– Então o que impede da gente tentar? Eu... Eu... – Ela me olhava intensamente. Não completou a
frase, baixou os olhos e fui sincera.
– Andréa, eu não posso... Ainda não! Olha pra mim, por favor! Tenho problemas que preciso
resolver e... E, além do mais, vou ser sincera com você. Somos muito diferentes, vivemos em mundos
completamente diferentes, como acha que seria?
– Não sei, mas quero tentar. Me deixa conhecer o seu mundo, Carmem! E... E quero te mostrar o
meu. Depois a gente vê. – Olhava-me com o olhar mais doce que já vi. Senti vontade de abraçá-la
e nunca mais soltar.
– Preciso que confie em mim. Preciso de um tempo para resolver algumas coisas – supliquei a
ela.
– Vou ter paciência. Eu vou tentar, mas... Mas poderíamos conversar, quem sabe sair de vez em
quando...
– Não, Andréa. Não posso fazer isso. Ainda não. – Fiquei em pé, tentando arrumar minha roupa.
Vi quando ela suspirou.
– Ok, Carmem. Não vou insistir com você. Vou esperar. – Levantou-se e me abraçou. Nós nos
beijamos.
– Andréa, para! Por favor! Preciso ir, olha o que fez com minha blusa! – Ela ria. Tentei achar
outra no armário de roupas, encontrei. Terminamos de nos arrumar e, antes de sairmos, ela me
puxou novamente e falou com falsa fúria:
– Mantenha-se longe de Joana!
Sorri com a ordem dela e provoquei:
– Aquela morena bonita de olhos quentes? Nem tinha percebido ela.
Ela me empurrou contra a parede e me beijou intensamente. Saí do beijo e completei:
– Cuidado, você! Ouviu? – Sorrimos.
Disfarçadamente, saí primeiro e corri para o banheiro.
CAPÍTULO XIV
O dia passou rapidamente. Às vezes me via rindo sozinha...
Tinha certeza do que sentia por ela, mas ainda tinha dúvidas do que ela sentia por mim.
Imaginava se ela teria paciência de esperar que eu resolvesse meus problemas sem querer
saber do que se tratava. Sentia vontade de contar a ela, mas tinha receio.
“Ainda não”.
No final da tarde, saí do hotel e estava caminhando em direção ao ponto de ônibus quando vi
um carro preto, que passou por mim lentamente e parou um pouco mais à frente. Fiquei assustada.
Uma Hilux com vidros escuros. Olhei a placa e tentei decorar.
Quando vi que parou, pensei em voltar. Foi quando percebi o vidro escuro baixar... Meu coração
ia sair pela boca!
– Entra, te dou uma carona.
Respirei aliviada.
– Andréa... Não precisa.
– Por favor, não vou te morder... Se não quiser! – Sorria.
Não resisti àquele olhar, àquele pedido. Antes de entrar, olhei para os lados, fiquei com medo
de que algum deles estivesse por ali.
– Como você está?
– Bem – respondi olhando suas mãos no volante, suas pernas longas... Vontade de tocá-la,
colocar a mão em sua perna. Levantei os olhos e vi seu olhos me encarando.
“Ela percebeu”.
– Carmem, quer dar uma volta comigo? Depois deixo você em casa, pode ser? – perguntou
sorrindo.
“Como dizer não?”
– Tudo bem, onde quer ir? – Sorri pra ela também.
– Surpresa!
Atravessamos o Morro da Lagoa, a Avenida das Rendeiras e, quando achei que ela subiria para
a praia Mole, passou direto. Joaquina, percebi.
Estacionou e me olhou.
– Vem, vamos... – Fez um movimento com o braço e pegou um casaco no banco de trás.
Caminhamos até a praia. O vento àquela hora era forte e, apesar de ainda haver sol, ela
colocou o casaco em minhas costas. Olhei para ela e agradeci com um sorriso. Nós nos olhamos por
alguns minutos.
– Vamos sentar um pouco.
Caminhou até as mesas de pedra e sentou em um dos bancos de frente para o mar, sentei-me
ao seu lado. Eu me sentia muito bem ao lado dela. Ela tinha o poder de me transportar para fora
desse mundo.
Naquele momento esqueci Henrique, aquelas ameaças, a diferença que nos separava...
– Sabe, Carmem, nessa praia aconteceram fatos que me marcaram. Vivi momentos felizes e
tristes aqui – falava olhando para o mar. O vento trazia seus cabelos para o rosto, fazendo com
que tivesse que tirá-los a todo momento, o movimento de suas mãos me hipnotizava... –
Adolescência, depois a universidade... Foram anos de cumplicidade com esse mar. Meu primeiro
beijo... – Ela me olhou. – Dei o fora no meu último namorado ali, naquele banco. – Mostrou com os
olhos. – Conheci minha primeira namorada naquele bar. – Apontou para seu lado direito e me
olhou.
– Por que me trouxe aqui, Andréa?
– Porque aqui aconteceram, posso dizer, coisas importantes na minha vida. – Seu olhar me
encarava intensamente. – Quis trazer você aqui porque queria estar do seu lado neste lugar, sentir
esse vento, olhar para o mar, esse entardecer maravilhoso... Senti vontade de fazer isso com você.
Dividir meu mundo com você. Por isso, nada mais... – Desviou o olhar.
– Andréa, se eu pudesse... Se eu não...
– Se não o quê, Carmem? Tem medo de quê?
– Você não entende! Ele precisa de mim, Andréa!
– Entendo sim. Entendo seu olhar. Mas... Ao mesmo tempo você me deixa confusa! Às vezes sinto
que... Que é o que mais quer, mas suas palavras negam. Por quê? Por que me afasta de você
dessa forma?
– Quem sabe é porque eu... Também não sei! Também estou confusa, Andréa...
– Então vamos descobrir juntas... Me deixa pelo menos ser sua amiga... Podemos conversar, sair,
sei lá...
– Andréa! Sair? Acho que os lugares que eu vou não são os mesmo que você vai – respondi
rindo.
– Pois deixa eu te levar nos meus lugares e você me leva nos seus, o que acha? – Sorriu.
– Vamos ver – respondi, também sorrindo. – Vamos, Andréa?
– Vamos. Que acha de jantar comigo? – Falou enquanto caminhávamos em direção ao carro.
– Olha como estou! Nem pensar! Hoje, no máximo, vou à pastelaria da esquina.
– Adoro pastel! – falou já dentro do carro.
– Tá brincando, né? Não levaria você à pastelaria do Rubens. Nunca! – Dei uma gargalhada.
– Por quê? Não tô bem pra ir lá?
Falou olhando para si mesma.
– Ora, Andréa... Você? Comendo pastel?
– E um chope bem gelado! Adoro.
– Você tá dirigindo, não pode.
Ela me olhou sorrindo e antes de ligar o carro me deu um beijo rápido.
O lugar estava lotado. Escolhemos uma mesa na parte interna, achei melhor. Fiquei com medo de
estarmos sendo observadas. Pegamos o cardápio e escolhemos.
– Quero de queijo. E você? – Ela me olhou.
– Gosto de frango – falei chamando o garçom.
Ela pediu um chope e eu um refrigerante. Comemos. Dei uma mordida no dela, ela no meu... Ela
contou sobre a viagem, o trabalho e os problemas que encontrou, não resisti e perguntei:
– Por que aquela mulher veio com você?
– Joana é gerente geral do hotel. Veio observar o funcionamento do nosso hotel aqui. Por quê?
– Me encarou.
– Nada, só curiosidade. Bonita ela. – Arrependi-me. Ela ficou em silêncio.
Pedi a conta, o garçom trouxe e ela quis pegar, mas não deixei.
– Eu pago. Trouxe você aqui, então é por minha conta.
– Que bobagem, Carmem. Deixa que eu pago, por favor!
– Andréa, posso pagar um pastel pra você! – falei brava. Ela riu.
– Então tá, calma, pode pagar! Mas da próxima vez eu pago!
De onde estávamos, bastava atravessar a rua para chegar em casa. Senti vontade de levá-la
comigo, mas me controlei.
– Amanhã nos encontramos no hotel – falei.
– Tem certeza que tem que ir agora?
Seu olhar sugeria o que eu mais queria, mas resisti.
– Tenho que acordar cedo.
Ela suspirou e aceitou.
– Tá certo. Adorei o pastel. – Seu olhar me deixava nervosa.
– Adorei o passeio. Obrigada!
Dei um beijo em seu rosto. Ela virou um pouquinho e pegou no canto do lábio. Sorri e me afastei.
– Tchau, Andréa.
Atravessei a rua e entrei rapidamente no prédio, mas fiquei cuidando até ela sair... Depois que
vi seu carro longe, subi as escadas. Eu me sentia feliz, mas preocupada.
***
Andréa chegou ao hotel e já havia um recado de sua mãe. Entrou na suíte e ligou para ela.
– Minha filha, onde estava? Falei com Joana há pouco e ela me disse que havia combinado de
jantar com ela, mas não apareceu. Por quê?
Tinha esquecido de Joana.
– Precisei sair, mamãe, vou falar com ela agora.
– Andréa, temos algumas coisas para conversar sobre a loja. Me liga amanhã cedo, ok?
– Ligo sim. Um beijo.
– Boa noite, filha!
Em seguida, ligou pra se desculpar com Joana. Haviam estabelecido uma amizade além da
relação de trabalho. Não poderia falhar assim com ela.
– Desculpa! Me perdoa, precisei resolver um problema e acabei me atrasando. Podemos ir, se
quiser.
– Achei que tinha ficado chateada comigo. Esperei até agora e estou morrendo de fome.
– Vamos então!
Andréa não acreditou que teria que jantar. Resolveu levá-la em um restaurante japonês e quase
não comeu, mas bebeu muito saquê. Disse que estava sem fome. Joana devorou os sushis e sashimis.
No retorno ao hotel, Andréa estava tonta. A mistura do chope – tinha tomado dois – com o
saquê fez um efeito inesperado. Joana teve que dirigir de volta ao hotel. Andréa conseguiu entrar
no elevador com a ajuda de Joana, que a segurou. No elevador, Joana aproximou-se e falou em
seu ouvido:
– Vou te levar pra cama.
– Não precisa, estou bem. Só bebi um pouquinho a mais do que deveria...
– Levo você, sim. Não quero que caia no corredor, não me perdoaria. – Joana estava se
divertindo com a situação.
Andréa se deixou levar.
Joana abriu a porta da suíte de Andréa e a puxou para dentro. Fechou a porta e levou-a até o
quarto. Chegou à cama e, quando foi colocá-la, caíram juntas, Joana em cima dela. Andréa
afastou-a para o lado, tentou sair debaixo de Joana, que a segurou e colou os lábios nela.
Andréa a empurrou de novo.
– O que está fazendo?
– Não quer, Andréa?
Andréa sentiu os seios dela comprimindo os seus e o movimento sensual da perna dela entre as
suas. Sabia que se não saísse dali naquele momento, não sairia mais. Tentou soltar-se das mãos de
Joana, que prendiam seu braços. Com uma das mãos, Joana abriu a calça jeans de Andréa e
colocou a mão. Andréa fechou os olhos e se deixou tocar.
– Gosta? Assim? Ou prefere assim? – Joana gemia em seu ouvido.
Não conseguia raciocinar, mas seu pensamento foi até Carmem e a fez resistir.
– Por favor, Joana, não quero.
Joana parou. Suspirou e deu-lhe um beijo nos lábios.
– Ok, Andréa. Não vou insistir, mas saiba que é você quem está perdendo. – Riu, ficando ao
lado de Andréa, que sorriu para ela e disse:
– Desculpa. Você é linda, mas não posso. – Sentou-se, dando a impressão de que não estava
muito bem. Completou: – Acho que vou... – Correu para o banheiro. Joana suspirou e pensou “não
vai ser desta vez”.
Ficou com Andréa, que passou parte da noite caminhando do quarto para o banheiro e vice-
versa, e adormeceu de madrugada. Joana levantou, tomou um banho e achou melhor esperar
Andréa acordar. Não quis ir até seu quarto para pegar roupas, colocou um robe de Andréa e,
próximo às oito horas, pediu o café.
Alguns minutos depois, Andréa acordou e viu Joana abrindo as janelas.
– Bom dia! Como está? – Joana perguntou e sorriu para ela.
– Tirando a dor de cabeça, acho que bem. – Sentou-se e perguntou. – Você ficou aqui?
– Claro, Andréa. Não tive coragem de deixar você sozinha... E, desculpa, acho que também bebi
demais e ultrapassei os limites.
– Não se preocupe... Lidaremos bem com isso.
Sorriu tranquilizando-a, mas sentindo-se um pouco constrangida. Levantou-se e foi em direção ao
banheiro. Entrou no chuveiro ficou por longos minutos. Saiu enrolada na toalha e viu Joana vir da
sala com uma xícara na mão.
– Andréa, pedi café pra gente. Vem, você precisa comer...
Estava abrindo o armário e a frase de Joana foi como um golpe no estômago. Olhou para
Joana, que vestia o seu robe. Bateu a porta do armário e falou rapidamente:
– Você o quê? Café! Droga! Quem trouxe, Joana? – Ficou esperando a resposta. Joana a olhou
com espanto.
– Calma, Andréa. Foi... Foi a camareira – falou.
Andréa veio em sua direção. Foi até a sala, viu a mesa e virou-se para Joana.
– Qual delas?
Perguntou num tom que deixou Joana assustada.
– Foi... Foi aquela menina que... De ontem. Acho que é Carmem, não é?
– Merda!
Andréa passou por Joana rapidamente e pegou a primeira roupa que viu no armário. Não se
importou de ficar nua na frente dela. Vestiu-se.
– Andréa, o que houve? Por que ficou assim? – Joana perguntava sem entender nada.
Andréa não respondeu. Vestiu-se e saiu batendo a porta atrás de si.
CAPÍTULO XV
Saí do quarto de Andréa sem acreditar no que tinha visto. Minha raiva era visível.
“Não acredito que ela dormiu com a outra! Não acredito!”
Quando vi o pedido para a suíte de Andréa, resolvi atender e minha decepção só não foi maior
porque não as peguei na cama. Mas quando aquela mulher abriu a porta, vestindo o robe de
Andréa, fiquei cega. Larguei o café de qualquer jeito na mesa e saí de lá correndo.
Como ela podia fazer isso? Tinha vontade de esmurrá-la!
“Se ela aparecesse na minha frente agora...”, pensei enquanto dobrava umas toalhas, com raiva,
diante do olhar espantado de Cíntia e Marta, que ficaram mais assustadas ainda quando viram
Andréa entrar na lavanderia correndo.
Olhei pra ela com a decepção estampada em meu olhar.
– Precisamos conversar, Carmem.
– Não temos nada pra conversar, senhora Andréa – falei com ironia, olhando para as toalhas e
dobrando-as sem ordem alguma.
Ela se aproximou. Cíntia e Marta observavam Andréa com os olhos esbugalhados, e ela, sem o
menor tato, apontou a porta para a duas e falou:
– Saiam! – As duas jogaram o que tinham nas mãos e saíram com rapidez.
Olhei para ela com mais raiva e esperei a porta fechar para falar:
– É assim que trata as pessoas? Agora entendo por qual razão todos têm medo de você.
– Carmem, me escuta! O que viu hoje foi um engano.
Não deixei ela falar:
– Um engano? Qual parte? Aquela mulher seminua saindo da sua cama enquanto... Você dormia.
Devia estar exausta, não é?
– Por favor... – Tentou se aproximar, colocar a mão em meu braço. Puxei-o.
– Não me toca! Achei que tinha entendido, Andréa. Achei que tinha aceitado esperar um pouco...
Mas vi que sua necessidade é urgente! E também... Não tenho o direito de te cobrar nada.
– Não aconteceu nada. Ela não dormiu comigo, ou melhor, dormiu... Mas não aconteceu o que
está pensando! Acredite!
– O engano foi meu, Andréa, em me apaixonar por você e... E puxar você pra essa merda toda.
Nem sei o que estou fazendo.
Joguei longe a toalha que tinha nas mãos. Deixei uma lágrima cair. Vi seus olhos negros ficarem
úmidos. Aproximou-se, segurou meu rosto e secou a lágrima.
Beijou-me. Empurrei-a.
– Não! Chega, Andréa! Só que desta vez o motivo não são os meus problemas, mas o seu.
Portanto não me cobre, nem diga que não confio em você. Isso que aconteceu agora...
Não me deixou continuar.
– Vamos sair daqui agora, Carmem. Vem comigo.
– Não vou a lugar algum com você. E também, daqui a pouco, tenho um compromisso.
Havia solicitado ao senhor Joaquim me ausentar por algumas horas para conversar com o
advogado de Henrique. Nesse momento a porta se abriu bruscamente e o senhor Joaquim entrou e
se deparou conosco.
– O que quer? – Andréa perguntou rudemente. Ele pediu desculpas e saiu. Olhei para ela.
– Você podia ser um pouquinho mais educada com as pessoas! – Fui atrás dele.
– Espera, Carmem!
– Já falei que tenho um compromisso agora. – Ela segurou-me pelo braço antes que eu passasse
pela porta.
– Tudo bem! Vou deixá-la, ir. Mas à noite vou em sua casa!
– Não vou abrir a porta!
– Eu derrubo!
Eu me livrei de suas mãos e saí.
Cheguei ao escritório do Doutor Sampaio no horário combinado com sua secretária, mas ele
estava terminando de atender um cliente. Fiquei por alguns minutos aguardando na recepção.
Tentava me concentrar na conversa que teria com ele, mas a cena que tinha visto de manhã não
saía de minha cabeça. As palavras de Andréa faziam eco em mim.
“Será que ela pensa que sou tão idiota assim? Ainda negou! Realmente não faz parte do meu
mundo, senhora Andréa...”
Teria que ter sangue de barata.
Meus pensamentos foram interrompidos pela porta se abrindo e pelos dois homens que saíam
por ela, despedindo-se. Um deles foi embora, o outro me olhou e veio em minha direção.
– Como vai? Deve ser Carmem. Entre, por favor. – Ofereceu sua mão e indicou a porta. Entrei. –
Chamei-a aqui porque temos um assunto muito sério a tratar.
Ele era um homem bastante amável. Deveria ter uns quarenta poucos anos e demonstrava
preocupação com o caso de Henrique.
– Entendo, Doutor Sampaio, mas o que posso fazer para ajudar Henrique?
– Na verdade, nada. A nossa preocupação agora é o que podemos fazer para mantê-la em
segurança. – Ele me olhava preocupado.
Senti-me aliviada, pois percebi que ele sabia o que estava acontecendo e das pressões e
ameaças que vínhamos sofrendo.
– Estou assustada, tenho medo até de minha sombra – confidenciei a ele.
– Eu sei. Henrique me contou tudo o que está acontecendo e vamos resolver isso, mas você terá
que colaborar. Está disposta?
– O que tenho que fazer?
– Muito bem, preste atenção. Essa conversa não poderá sair daqui, certo? – Fiz sinal afirmativo
com a cabeça e ele continuou: – Henrique concordou em fazer um acordo, ele vai dar todos os
nomes e endereços que sabe. – Fez uma pausa, me movi na cadeira, fiquei nervosa. – Mas ele
concordou com uma condição.
– O quê? Qual? – Estava ansiosa.
– Que você fosse protegida até que todos estivessem presos. Para isso, você vai ter que sair da
cidade, vai ter que desaparecer por algum tempo.
– Como desaparecer? Eu não posso, tenho emprego! Vou para onde? Não tenho para onde ir! –
Estava em pânico.
– Calma! Temos tudo planejado e tudo deverá ocorrer o mais rápido possível.
– Mas quando? E Henrique? Vão matá-lo!
– Ele será transferido para outro presídio e cumprirá sua pena em isolamento. E ele não está
preocupado consigo, mas com você. Assim que eu confirmar que você foi embora, ele fará o
depoimento, então, quanto antes resolvermos isso, melhor para todos.
– Meu Deus! O que vou fazer? – Comecei a chorar.
Doutor Sampaio pediu água e tentou me acalmar dizendo que seria melhor assim. Eu ficaria em
segurança, e todos esses marginais que nos ameaçavam seriam presos.
Mas minha cabeça dava voltas, não conseguia imaginar... Ir embora! E... E Andréa?
“Por que estou pensando nela? Droga!”.
– Você vai para um lugar onde ninguém vai encontrá-la. Poderá recomeçar sua vida.
– Pra onde?
Não conseguia parar de chorar.
– Vai saber na hora certa. Só tem uma coisa. Não poderá se comunicar com ninguém, entendeu?
Pelo menos por enquanto, até as coisas acalmarem.
– E o meu emprego?
– Não poderá falar nada com eles. Depois que você for embora, resolvo tudo pra você.
– E se... Se eu não quiser. Se eu quiser ficar aqui?
– Estará colocando sua vida em risco. E das pessoas com quem convive.
Entendi o que queria dizer. Não me livraria deles.
– Quando tenho que ir? – Não conseguia controlar as lágrimas.
– Amanhã.
– Meu Deus! Mas não vai dar tempo! Tenho que arrumar minhas coisas e... Pra onde vou?
– Acalme-se. Preste atenção: amanhã, depois que você sair do hotel, faça o que faz todo dia.
Espere no ponto de ônibus. Alguém vai lhe dar uma carona. Não poderá levar muita coisa, na
verdade. Somente o que couber em sua bolsa. Quando chegar ao destino, será providenciado tudo
o que precisa.
– Vou com quem? E como vou saber quem é? Não tenho dinheiro! – Falava as frases com
desespero.
– Será alguém em quem poderá confiar, pode ter certeza. A pessoa chamará você pelo seu
nome, e vão viajar à noite. Será mais seguro. No momento é só o que posso dizer-lhe. Durante a
viagem, saberá de todos os detalhes, inclusive quem está patrocinando isso tudo.
Voltei para o hotel arrasada, minha vida estava de cabeça para baixo. Só de imaginar que não
veria mais Andréa, meu coração doía. E ainda não podia falar nada para ninguém, nem pra
Cíntia.
O senhor Joaquim me chamou assim que me viu entrar no hotel. Queria saber como tinha sido.
Menti. Contei que o Doutor Sampaio chamou-me para me dar informações sobre o processo de
Henrique, somente isso. A tristeza estava estampada em meu rosto.
– Minha filha, se precisar de alguma coisa, pode contar comigo.
– Obrigada, mas não há nada que alguém possa fazer.
Voltei ao trabalho e, no final da tarde, encontrei Cíntia, que queria saber o que tinha acontecido.
Ela me convidou para sair, mas não aceitei. Não queria que depois de meu desaparecimento ela
fosse procurada por acharem que tinha alguma ligação comigo. Contei a ela o mesmo que falei
para o senhor Joaquim.
No final do dia, fui pra casa. Minha cabeça doía.
“Pra onde vão me levar?”
Cheguei em casa, me joguei no sofá e chorei. Chorei por mim, por Henrique, mas principalmente
por Andréa.
“Como vou fazer isso? Como vou ficar longe dela?”
Eu não deveria sofrer assim por ela, afinal, pra ela, eu era apenas mais uma. Tinha que me
convencer disso, seria mais fácil esquecê-la assim.
Lembrei-me de que ela disse que viria à minha casa. Levantei-me e corri para o banheiro.
***
Depois da conversa com Carmem, Andréa voltou à sua suíte e encontrou Joana, que a esperava
preocupada. Porém, imaginava o motivo da apreensão de Andréa. Lembrou-se de como ela ficou
furiosa quando ela falara da camareira. E agora aquilo! Com certeza alguma coisa estava
acontecendo entre elas.
– Andréa, o que aconteceu? Por que ficou assim? Me desculpa se causei algum problema, não
tinha intenção.
Andréa olhou para ela e imaginou o que Carmem pensou, vendo-a vestida com seu robe e,
ainda por cima, na sua suíte.
Suspirou e tranquilizou-a.
– Não causou problema nenhum Joana, não se preocupe. Eu fiz isso sozinha... Vou trocar de
roupa e ir para o escritório. Você deveria fazer o mesmo.
Passaram o dia no escritório. Conversaram diversas vezes com Maria Alice. No final do dia,
Paula as convidou para sair. Apesar dos protestos de Andréa, convenceram-na.
Foram jantar e Joana estava adorando a companhia das amigas de Andréa. Elas, por sua vez,
também gostaram de Joana. Paula aproveitou o momento em que Andréa foi ao banheiro e foi
atrás. Perguntou:
– Como você está? E Carmem?
Viu Andréa suspirar.
– Se eu te contar, não vai acreditar. – Contou rapidamente os últimos acontecimentos para Paula,
que ouviu e não resistiu:
– Você não fez nada? Não fez sexo com ela? – falou alto.
– Claro que não! Fala baixo! – Paula colocou a mão na testa de Andréa.
– Andréa, você está doente!
– Quer parar?
– Andréa, Joana é maravilhosa! Linda! Tudo bem que Carmem também é, mas toda enrolada. E
você nem sabe com o quê. Mas Joana tá aqui, louca por você e você sofrendo por outra? Ainda
por cima essa outra não acreditou em você. Tudo bem que é difícil acreditar, mas, puxa vida!
– Obrigada pelo resumo, Paula.
– Estou brincando, mas agora vou falar sério. Resolve isso logo, vai lá e diz pra ela o que sente,
diz que você a ama! Se você a quer, lute contra qualquer coisa que seja. Não perde essa mulher!
– Eu vou, assim que deixar Joana no hotel, vou lá!
***
Já havia desistido de esperar Andréa. Eram quase onze horas, imaginei que não viesse mais.
“Deve estar com aquela outra.”
No fundo, sabia que seria melhor, pois se ela sentisse algo diferente de uma atração, o que eu
duvidava, iria sofrer. E a última coisa que queria era isso. Bastava o meu sofrimento.
O que me motivava era saber que ela não correria mais riscos com o meu desaparecimento.
Deitei no sofá, e minha mente conduziu-me aos momentos que tivemos juntas. Queria sentir raiva
dela por ter mentido, levado a outra pra cama... Mas não conseguia.
Minha raiva estava concentrada naqueles marginais que me separavam dela.
“Só mais uma vez, Andréa, queria poder tocá-la. Só mais uma vez.”
O interfone interrompeu meus pensamentos, levantei-me rapidamente e fiquei com medo de
atender.
“Mas... E se for ela?”.
– Quem é?
– Sou eu.
Era ela. Meu coração deu pulos de alegria.
Abri a porta, ela entrou e parou no meio da sala. Não consegui desviar meus olhos dos seus.
Fechei a porta.
– Queria ter vindo antes, mas...
Não a deixei falar. Joguei-me em seus braços e a abracei com todas as minhas forças. Ela me
segurou, passei meu rosto no dela suavemente e encostei meus lábios nos seus, como se pedisse. Ela
atendeu imediatamente. Beijou-me. Primeiro com delicadeza, depois com ardor. Buscou minha
língua, ofereci a ela.
Quando conseguiu falar:
– Preciso de você.
– Faz amor comigo, Andréa. Agora.
Conduzi-a até o quarto. Aos poucos, fui tirando sua roupa, ela a minha. Segurou minhas mãos e
falou em meu ouvido:
– Deixa eu amar você?
E começou beijando-me o pescoço, roçando os lábios... Mordeu minha orelha, foi descendo,
esfregando o rosto em minha pele lentamente, buscando o gosto, sentindo os arrepios provocados
por sua respiração quente, nos seios, no ventre...
De joelhos... Foi me tomando, me abrindo, sentindo meu corpo com os lábios, a língua, absorveu o
cheiro, mordeu, roçou os dentes. Com as mãos, agarrou com tesão minhas nádegas por baixo da
calcinha, mas sem tirá-la. Queria me deixar alucinada de desejo. E conseguia.
Puxava-me em direção à sua boca, tentava invadi-la com a língua enquanto ia abrindo por trás.
Desceu os dedos até inundá-los dentro de mim. Preencheu-me. Não resisti e gritei em êxtase. Ao
mesmo tempo, afastou minha calcinha ainda sem tirá-la e, com a língua, com os lábios, me fez
estremecer. Os últimos espasmos foram em sua boca, deixei meu corpo cair em seu colo.
– Eu quero mais, Carmem. Quero você de todas as maneiras.
– Andréa...
– Quero tudo com você, Carmem. Eu quero te ouvir me pedindo “me come”, “me chupa”, quero
ouvir o momento mágico “eu vou gozar pra você”. Quero ouvir todos os teus sussurros, gemidos,
tremores... Depois te segurar... Eu te amo, Carmem!
Nunca pensei que a felicidade poderia ser tão dolorida, cruel. Fui sincera também:
– Me deixa mostrar a você o que sinto.
Sem demora, puxei-a pra cama. Deitei sobre ela e a beijei com toda intensidade do amor que
sentia.
Mordi seu queixo, ela gemeu deliciosamente. Fui descendo pelo pescoço, passei meus lábios,
minha língua, mordendo, chupando sua pele, às vezes com suavidade, às vezes com mais ardor.
Demorei-me em seus seios, ao mesmo tempo em que meus dedos encontraram objetivo e
motivação. Senti sua excitação latente, suguei seus seios com desejo. Desci mais um pouco,
saboreando seu gosto e, no momento que a penetrei, minha boca, minha língua se deliciavam na
pulsação do final eminente. Enlouqueci com os movimentos que ela fazia em direção à minha boca.
Seu corpo pedia mais. E eu atendia.
Puxou-me pelos cabelos, gemeu alto, chamou meu nome. Fui até sua boca e a beijei longamente
até faltar o ar.
– Eu... Também... Amo você, Andréa!
– Me abraça! Quero sentir você assim, Carmem. Não vou deixar você escapar dessa vez.
– Por que está dizendo isso?
– Porque das outras vezes acho que não segurei você com força, assim. – Me apertou em seus
braços. – Não vou soltar mais.
Ela me olhou e sorriu. Percebi que não seria fácil o que tinha pela frente.
Naquele momento, olhando seus olhos negros brilhando, pensei em contar tudo a ela, acabar
com aquela angústia. Mas, ao mesmo tempo, sabia que se fizesse isso estaria colocando em risco a
nossa segurança, pois Andréa não aceitaria tão facilmente ser manipulada por quem quer que
fosse, tampouco aceitaria meu afastamento, mesmo que temporário.
Teria que ser assim. Resolvi entrar em um assunto que me fazia muito mal, mas tinha que saber.
Olhei para ela e perguntei:
– O que aconteceu entre você e... E Joana?
– Nada, Carmem, não aconteceu absolutamente nada. Ontem passei a noite da cama para o
banheiro, passei mal porque depois que deixei você em casa tive que levar Joana para jantar e
acabei bebendo demais. Ela se preocupou e ficou comigo, mas não aconteceu nada. Acredita em
mim?
Balancei a cabeça positivamente. Seu olhos eram sinceros.
– Acredito em você. – Beijei-a.
– Não quero outra mulher na minha vida, só quero você – falou no meio do beijo.
Abracei-a com força. Meu coração doía. Nós nos olhamos por alguns momentos, queria que ela
tivesse certeza do amor que sentia por ela. Queria pedir que me esperasse, que compreendesse o
que eu faria. Queria prometer que voltaria para ela.
– Carmem, quero ficar com você amanhã. Vamos à praia, depois podemos almoçar em algum
lugar, que acha?
Não resisti e dei risada.
– Senhora Andréa, se não sabe, trabalho amanhã o dia todo!
Ela balançou a cabeça negando.
– Está demitida!
– O quê? Teria coragem? E o café da manhã? Como vai ficar? – perguntei rindo.
– Deixa ver... Podemos fazer assim. Eu faço e levo pra você, todo dia, na cama. Pode ser?
Não resisti àquele sorriso. Coloquei-me em cima dela e o beijo intenso denunciou a vontade que
eu estava dela.
Não quis mais pensar no que aconteceria de manhã. Somente aproveitar ao máximo esses
últimos momentos que tinha com ela.
Nós nos amamos novamente, novamente... E a última vez que olhei no relógio eram quatro e meia
da madrugada. Ela dormia, me virei e senti seu corpo colar ao meu.
Abraçou-me e falou baixinho:
– Não vou soltar você nunca mais.
Adormeci com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
CAPÍTULO XVI
Acordei com o despertador. Desliguei-o rapidamente e Andréa me puxou para ela.
– Não... Fica – murmurou.
– Tenho que ir...
– Vou com você – respondeu num gemido. Sorri ao me deparar com aquela cena... Tentei gravá-
la na memória.
– Não... Fica, dorme mais um pouquinho, é cedo. – Beijei-a e me levantei.
Fui para o banheiro e tomei banho, sabendo que a água que escorria em meu corpo levava
junto minha alma.
Saí do banheiro e olhei pra cama, ela dormia. Suas costas nuas, seus cabelos negros sobre os
ombros... Senti vontade de voltar pra cama, mas sabia que tinha que ir, não poderia mudar minha
rotina, principalmente naquele dia.
Seria melhor sair sozinha, fazer tudo como sempre tinha feito, assim não despertaria suspeitas.
Peguei algumas peças de roupas – poucas, pois minha bolsa era pequena – fechei a porta do
quarto, deixando naquela cama minha vida.
No hotel, resolvi ajudar Marta na lavanderia, pois como era próximo à garagem, podia ver
quando Andréa chegasse. Próximo das dez da manhã, vi o carro preto estacionar e Andréa sair
dele. Esperei perto da porta. Ela me viu e sorriu.
– Bom dia – falei retribuindo o sorriso.
Ela me puxou em direção ao elevador de serviço. Entramos, ela acionou o andar da suíte e
trancou, para que o elevador não parasse em nenhum outro andar. Beijou-me intensamente. Me
afastei e olhei para a câmera. Ela sorriu.
– Não se preocupe... Temos uma política de sigilo que vale para todos. Não tem ninguém do
outro lado, somente acessamos a gravação em caso de algum problema.
Me afastei e olhei para ela desconfiada...
– Imagino o que essas câmeras já gravaram.
Ela sorriu lindamente.
– Chegamos – falei, mas ela me segurou e completou.
– Não quero ficar me escondendo com você. Chega de depósitos e elevadores. Temos que
conversar sobre seu trabalho aqui.
– Andréa, depois. Tenho muitas coisas pra fazer hoje. E aquela mulher está na recepção te
esperando.
– Droga! Marquei uma reunião com Joana e com Alfredo, às dez. – Olhou para o relógio.
Sorri para ela.
– Está atrasada, vai! – Destravei o elevador.
– Vou. Mas depois quero conversar com você. – Deu-me um beijo rápido.
Quando ela ia sair, eu a puxei de volta. Queria levar comigo a lembrança de um último beijo.
Colei meus lábios nos dela e a beijei com intensidade, desejo, fome, amor... Ela me olhou.
– Nossa!
– Agora, vai! E não se esqueça: te amo!
A porta do elevador fechou assim que ela falou:
– Eu também amo você.
O elevador desceu. As lágrimas também.
Tentei me controlar, mas não consegui. Saí do elevador e corri para o banheiro, tranquei a porta
e fiquei por longos minutos deixando meu sofrimento extravasar. Depois de algum tempo, um pouco
inchada, voltei para a lavanderia. Evitei olhar para as pessoas. Passei o resto da manhã ali,
arrasada.
A tarde não foi diferente. Passou lenta e dolorida. Minha ansiedade aumentava cada vez que
olhava os ponteiros do relógio. Sabia que teria que sair no horário de sempre, e sabia que não
veria mais Andréa.
Imaginei sua reação ao descobrir o meu desaparecimento. Desejei muito que ela não sofresse, e
se isso dependesse de outra, que assim fosse – apesar de meu coração doer ao imaginá-la com
outra.
Próximo às cinco horas, ouvi Margareth falar que a senhora Maria Alice havia acabado de
entrar no hotel, para espanto de todos, pois ninguém a esperava. Achei estranho, mas ótimo, pelo
menos sabia que ela não estaria sozinha.
Às dezoito horas, fui até a recepção e perguntei para Felipe se Andréa estava no hotel. Ele
respondeu que não. Melhor. Mais fácil controlar meu impulso de desistir de tudo e correr para ela.
Suspirei e fui para o vestiário pela última vez. Tirei meu uniforme, coloquei a roupa e, quando
estava saindo, Cíntia entrou. Olhei para ela com carinho.
– Cíntia, acho que nunca te agradeci por tudo que fez por mim, não é? – Dei-lhe um abraço e
quase chorei.
– Ora, Carmem, quê isso! Sempre que você precisar, pode contar comigo. – Achou estranho, mas
retribuiu o carinho.
Dei um beijo em sua face e saí.
Caminhei em direção ao ponto de ônibus, olhei para os lados e esperei. Vi quando o carro de
Andréa entrou no hotel e tive que me segurar.
– Ei, Carmem? – Olhei para o homem dentro do gol branco. Ele sorria.
– S... Sim.
– Vem, te dou uma carona.
Olhei para as pessoas no ponto de ônibus, todas pareciam alheias à situação, menos o homem
sentado com um jornal. Vi quando ele baixou o jornal e olhou para o homem no carro, depois para
mim. Não pensei duas vezes. Entrei.
CAPÍTULO XVII
Andréa entrou no hotel e foi surpreendida por sua mãe, que saía da sala de Alfredo.
– Oi, filha! – Foi em sua direção sorrindo.
– O... Oi. O que faz aqui?
– Que recepção!
– Desculpa, é que não esperava. – Andréa se aproximou e lhe deu um abraço.
– Resolvi fazer uma surpresa, e também vim ver minha filha, vamos subir? – disse sorrindo.
– Vamos. Vai indo, só vou resolver uma coisa, tá? – Saiu rapidamente em direção ao vestiário,
entrou e encontrou Marta seminua, que levou um susto quando viu Andréa.
– Se... Senhora?
– E Carmem? Já saiu? – perguntou.
– Sim, já faz alguns minutos.
– Droga! – falou baixinho. – Obrigada, Marta. E desculpa – falou olhando-a tentando se cobrir.
Achou engraçado. Balançou a cabeça e saiu.
Entrou na suíte e sua mãe estava ao telefone. Assim que ela entrou, desligou.
– Quero sair pra jantar com você, Andréa. Podemos convidar as meninas, o que acha?
Andréa suspirou. Viu que seus planos de ficar com Carmem haviam ido por água a baixo, pois
sabia que os jantares com sua mãe se estendiam por muito tempo.
– Tudo bem, vou tomar um banho e ligo pra elas. Você fala com Joana?
– Claro, vou fazer isso já.
Escolheram um restaurante na Lagoa que a mãe de Andréa adorava. Riam das conversas
inusitadas de Lilian, que contava como conheceu Paula na Inglaterra. Depois foi a vez de Joana
contar sobre a viagem que fez à Índia e sobre fatos engraçados que ocorreram por lá. Todas
riam, menos Paula. Lilian foi a única que percebeu. Num momento em que a conversa estava
animada, aproximou-se de Paula e perguntou em seu ouvido:
– O que foi amor? Está tensa.
Paula sorriu para ela e passou os dedos em seu rosto.
– Impressão sua, amor. Tô bem. Cansada, só.
– Quer ir embora?
– Não, vamos ficar mais um pouco. Me serve vinho. – Tentou participar das conversas.
Próximo à meia noite, decidiram ir embora. Despediram-se no estacionamento, mas antes de
entrar no carro, Paula falou para Andréa:
– Vou almoçar com vocês amanhã.
– Acho que n... – Andréa ia falar, mas sua mãe respondeu rápido, antes que ela terminasse a
frase:
– Vamos esperá-la.
Andréa tinha pensado em levar Carmem para bem longe do hotel, mas viu que não conseguiria.
***
Assim que entrei no carro, o homem acelerou.
– Já conversarei com você, menina. Agora preciso me concentrar – falou com os olhos atentos ao
espelho retrovisor.
Atendeu o celular e as únicas palavras que disse foram:
– Estamos saindo, tudo certo! – Desligou.
Foi até o final da avenida e fez o retorno. Passamos novamente na frente do hotel e entramos
em um congestionamento. Lentamente saímos da cidade, em direção ao sul. Andamos poucos
quilômetros e ele parou. Estacionou nos fundos de uma igreja de pedra que ficava à margem da
rodovia. Não resisti e perguntei:
– Por que paramos? Vou ficar aqui? – Ele me olhou e sorriu.
– Não, menina, vamos trocar de carro. Vem. – Saiu do carro e eu fiz o mesmo.
Caminhamos alguns passos e ele indicou o outro carro, um Honda prata com placas de Curitiba.
Abriu a porta e entramos.
Ele pareceu mais tranquilo, embora seus olhos estivessem mais no retrovisor do que na estrada, e
começou a falar:
– Meu nome é Frederico, mas pode me chamar de Fred. Vamos ficar juntos por algum tempo.
Quer me fazer alguma pergunta? – Olhou-me com simpatia. Gostei dele, aparentava pelos cabelos
grisalhos ter uns cinquenta anos.
– Nem sei por onde começar, tenho muitas.
– Não sei se terei todas as respostas, mas posso tentar.
Comecei:
– Quem está nos ajudando?
Suspirou.
– Próxima!
Foi minha vez de suspirar, percebi que nem tudo eu descobriria dessa forma.
– Pra onde vamos?
– Primeiro vamos para uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul, depois iremos para
fora do país.
– O quê? Pra onde?
– Vai saber, menina. Vai saber tudo a seu tempo.
– Não quero sair do país! – O meu primeiro pensamento foi Andréa. Mais longe ainda...
– Calma... Esse foi o combinado, tenho que levar você para longe daqui, será mais seguro.
– Mas... Mas... – Já não sabia mais o que dizer, estava atônita.
– Olha, só conseguimos isso porque alguém está ajudando, entende? A polícia não teria como te
dar segurança por muito tempo. Depois que eles efetuassem as prisões, você ficaria à sua sorte. E
sabemos que seria o mesmo que te jogar aos tubarões. Procure ficar calma.
Minha cabeça estava a mil! Cheia de dúvidas, mas estava cansada, queria poder esquecer tudo,
mudar essa história, começar de novo... Impossível!
– Quando Henrique vai prestar depoimento?
– Deve estar fazendo isso nesse momento, já sabem que saímos.
Suspirei e rezei.
Algumas horas mais tarde, paramos em um posto de gasolina. Abastecemos e ele perguntou se
eu estava com fome.
– Fome? Não, mas preciso ir ao banheiro.
– Ok! Vou pegar algo para comermos na estrada.
Seguimos viagem, de madrugada adormeci. Acordei com o sol no rosto, meu corpo doía. Vi que
entramos em uma cidade.
– Onde estamos?
Ele sorriu.
– Longe. Bem longe!
A cidade tinha uma rua apenas. Chegamos a uma praça e ele estacionou na frente de um
prédio, que aparentemente era um hotel.
– Vamos descansar um pouco, um banho e algumas horas de sono em uma cama vão nos fazer
bem.
Descemos e sem problemas pegamos a chave de dois quartos.
– Chamarei você daqui a algumas horas. Descanse e não saia em hipótese alguma, certo?
Concordei e entrei. Tomei um banho e me joguei na cama. Antes de fechar os olhos, vi a hora.
Sete e meia da manhã.
Adormeci, e minha mente só conseguia ver Andréa.
***
– Por que quer sair tão cedo, mamãe? Ainda não são nem oito horas!
– Ora, Andréa, temos muitas coisas pra fazer e à tarde quero estar livre para fazer umas
compras. E você vai comigo.
Andréa suspirou e entrou no elevador contrariada. Queria ver Carmem, mas sabia que ela não
havia chegado ao hotel ainda. Foram para o escritório, sua mãe quis ir caminhando. No caminho,
pararam em uma padaria para tomar café.
– Podíamos ter tomado café no hotel.
– Estou enjoada de café de hotel. Não está bom?
Andréa achou engraçado.
– Está ótimo, mamãe.
– Andréa, me conta. E a camareira?
– O nome dela é Carmem. O que tem ela?
– Você tem se encontrado com ela? Digo, tem... Você entendeu?
– Quer saber se estou transando com ela? – Riu do embaraço de sua mãe.
– Está?
– Não é o melhor momento para falarmos sobre isso. Mas na verdade é um pouco mais que isso,
ou melhor, é muito mais que isso! Não estou somente transando com ela, acho que pela primeira vez
me apaixonei de verdade.
Andréa percebeu o susto que sua mãe levou. Quase engasgou com o café, tossiu.
– Andréa o que está me dizendo? Isso é... Como assim? Você não pode!
– Não posso o quê? Me apaixonar?
– Andréa, com tantas mulheres! Justo a camareira!
– Não acredito que estou ouvindo isso!
– Filha, ela não é pra você, ela é casada.
– Não é mais, e por que não é pra mim?
– Você não pode!
– Não estou entendendo.
Foram interrompidas por Joana.
– Encontrei vocês!
A senhora Maria Alice falou primeiro:
– Bom dia, Joana. Sente aqui conosco.
– Não estou interrompendo nada?
Andréa respondeu:
– Não. Essa conversa acabou. Espero vocês no escritório. – Levantou-se e saiu demonstrando
irritação.
No decorrer da manhã, não tocaram mais no assunto. Andréa estava ansiosa para ver Carmem
e, assim que conseguiu, ligou para o hotel. Felipe informou-a que Carmem não havia aparecido.
Andréa estranhou, mas depois falaria com o senhor Joaquim, provavelmente ele a havia
dispensado.
Próximo às 13 horas, Andréa, Joana e Maria Alice entraram no hotel e foram direto ao
restaurante. Haviam combinado com Paula de almoçaram. Andréa percebeu certa tensão entre
Paula e sua mãe, mas preferiu não perguntar.
Pediram para levarem o café na suíte de Andréa e subiram, menos Joana que precisava
arrumar suas coisas, pois iria embora no final da tarde.
Andréa deixou-as ir na frente e foi até a sala do senhor Joaquim.
– Não, Carmem não justificou, nem mandou nenhum aviso. Nada. Achei estranho, ela nunca fez
isso.
Andréa ficou preocupada. Saiu da sala do senhor Joaquim com o celular na mão, ligou para o
número de Carmem: fora de área. Pensou em ir até sua casa, mas subiu antes para falar com sua
mãe e Paula.
– Filha, temos que resolver algumas coisas sobre o hotel de Porto Alegre – Maria Alice falou,
assim que viu Andréa entrar. Percebeu que ela não ouviu, foi direto ao quarto e saiu com a chave
do carro na mão.
– Preciso sair, já volto – falou, já se encaminhando para a porta, para as duas que estavam
paradas no meio da sala. Paula foi mais rápida e parou em sua frente.
– Onde vai, Andréa? – perguntou seriamente. Seu olhar assustou Andréa, que sorriu.
– Vou resolver um assunto, já volto. O que houve? Por que essa cara?
Paula olhou para Maria Alice que fez sinal a ela com a cabeça.
– Andréa... – Pegou seu braço. – Senta aqui um pouco. – Puxou-a para o sofá.
– Que está acontecendo? – Olhou para as duas. Foi Paula quem respondeu:
– Precisamos conversar sobre... Sobre Carmem – falou e encarou seu olhar, que se transformou
em preocupação. – Senta, por favor.
– Não quero sentar! O que está acontecendo? – gritou com as duas.
Antes de falar novamente, sua mãe pegou o jornal em cima da mesa e largou em cima do sofá:
– Leia, Andréa. A manchete!
Andréa não se moveu. Olhou para o jornal no sofá e leu as letras grandes.
POLÍCIA DA CAPITAL PRENDE
QUADRILHA DE TRAFICANTES
Viu a foto da operação policial.
– Não entendo. – Aproximou-se e pegou o jornal na mão e balançou em direção a Paula. – O
que isso tem a ver com Carmem? Fala!
Foi sua mãe quem respondeu:
– Andréa, tenho algumas coisas pra te contar. – Suspirou ao ver o olhar desesperado da filha.
Sentou-se e fez sinal para que ela também se sentasse.
– Estou bem de pé! Por favor, fala logo. Quero saber o que isso tem a ver com Carmem!
– Há alguns dias, fui procurada em São Paulo pela Policia Federal. Queriam autorização para
grampear os telefones do hotel. Contaram a respeito das ameaças que uma funcionária estava
recebendo de traficantes e queriam tentar pegá-los. – Suspirou.
Andréa se deixou cair na poltrona, e a mãe continuou:
– O marido dela, Andréa, foi preso por tráfico, e usaram Carmem para que ele não os
denunciasse. Ela recebeu ameaças, foi procurada por eles e... E... Inclusive a agrediram... O marido
contou tudo à polícia com a intenção de protegê-la. Disse que faria um acordo, contaria tudo se
eles garantissem a proteção dela.
– Onde ela está? – Conseguiu perguntar.
– Escuta, Andréa. Deixa sua mãe falar. – Paula colocou a mão em seu ombro.
– O advogado de Henrique, o marido dela ou ex, sei lá, conversou comigo. Ele me falou que a
polícia havia colocado um agente vigiando ela. Sabiam que os traficantes também a vigiavam, me
falou da precariedade dessa proteção e me disse que... Que você corria riscos. A qualquer
momento eles perceberiam o seu envolvimento com ela. Viram vocês juntas, ele... Ele sugeriu que
deveríamos afastá-la de vo... Daqui. Seria mais seguro pra ela e pra você.
– O que vocês fizeram? – Deixou as lágrimas caírem. Paula se abaixou e colocou a mão em sua
perna. Andréa levantou-se bruscamente.– Por que não me falaram? – Olhou para Paula. – Você
sabia? – Paula baixou os olhos, sua mãe falou:
– Andréa... Foi a única solução. E... Eu... Eu não sabia que você estava tão envolvida assim! Quis
resolver dois problemas: protegê-la, tirando-a daqui e... E a afastando de você! O advogado me
ligou ontem a noite. Eu estava preocupada, pois o agente informou que você passou a noite com
ela. Isso significa que os traficantes também deviam saber...
– Você resolve tudo com muita facilidade, não é?
Andréa não sabia mais o que pensar. Por que Carmem não contou a ela o que estava passando,
não confiou nela? Olhou para Paula...
– Você devia ter me contado.
– O que faria, Andréa?
– Onde ela está? Pra onde foi? – perguntou olhando de uma para a outra.
Sua mãe respondeu:
– Eu... Eu ainda não sei.
– Como não sabe? – Andréa gritou.
– Eu não sei, Andréa! O advogado de Henrique indicou o nome de um senhor que fazia esse
tipo de serviço de proteção a testemunhas. Falei com ele por telefone e... E... Só disse que ele
precisava afastá-la daqui. Não perguntei aonde iria. Mandei o dinheiro para ele e para garantir
tranquilidade a ela por muito tempo.
Andréa se sentou e levou as mãos ao rosto.
– Filha, eu não sabia... Como podia saber que vocês estavam... Tão...
– Por que ela não me falou? – Andréa não ouvia mais sua mãe. – Ela nunca confiou em mim.
Lembrou-se do beijo no elevador, foi uma despedida. Ela tomou a decisão pelas duas.
Olhou para Paula:
– Deixou ela fazer isso? – Secou as lágrimas com a mão.
– Paula soube ontem a noite. Contei a ela antes do jantar. – Sua mãe defendeu Paula.
Ficaram em silêncio por alguns momentos. Maria Alice não queria acreditar que sua filha estava
sofrendo dessa forma, tinha que fazer algo.
Paula viu a decepção no olhar da amiga, sabia que era maior com Carmem, por ela não ter-lhe
contado.
– Filha, vamos encontrá-la. Vou dar um jeito nisso. Não quero que sofra assim – Andréa olhou
para ela e falou:
– Pra quê? Se ela quisesse que eu soubesse, teria me contado. Vou pra São Paulo com você.
Paula tentou argumentar:
– Ela agiu assim pra... – Não ouviu o final da frase de Paula, entrou no quarto e bateu a porta.
– Proteger você.
CAPÍTULO XVIII
Próximo ao meio dia, acordei. Demorei um pouco para me localizar. “Não foi um pesadelo. Está
acontecendo.”
Levantei, tomei um banho e coloquei a única roupa que havia trazido. Ouvi a batida na porta.
– Olá, menina? Descansou?
Suspirei.
– E agora? O que vai acontecer?
– Vamos continuar a viagem. Chegaremos ainda hoje ao Uruguai.
– É para lá que vamos, então?
– Sim. Lá você ficará bem e terá como viver em paz.
– Paz? Acho que nunca mais...
Peguei minha bolsa e saímos. Almoçamos em um restaurante ao lado do hotel, mas não consegui
comer quase nada. Ele me mostrou o jornal com a notícia da operação policial.
– Agora não tem mais volta – ele falou me olhando com preocupação. – Essas quadrilhas
possuem muitas ligações, tenho certeza que vão te procurar, vão querer se vingar de seu marido.
– Nunca mais poderei voltar... Não é?
Ele suspirou.
– Não seria seguro.
Só consegui pensar em Andréa.
“Ela já deve saber que desapareci. Como será que está?”.
***
Andréa passou o restante do dia trancada no quarto. Não queria falar nem ver ninguém. À
noite, ela abriu a porta para Paula.
– Andréa... Sua mãe agiu pensando na sua segurança.
– Não! Agiu pensando em afastá-la de mim. E você sabe disso.
– Se ela ficasse aqui, estaria correndo sérios riscos.
– Carmem devia ter me contado! Eu teria feito tudo para protegê-la. Teria ido embora com ela,
teria levado ela para qualquer lugar longe daqui.
– Sua mãe vai localizá-la. Ela vai falar com o advogado, talvez ele tenha alguma informação,
afinal ele conhece esse agente... Ou sei lá o que ele é.
– Agora ela está com um estranho. Não sei como preferiu isso a me contar...
– Ela quis proteger você, Andréa! Se afastou pra proteger você. Esse foi o argumento que o
advogado usou para convencê-la. Disse que o risco era para todos que se aproximassem dela. Ela
não teve escolha.
– Ela tinha escolha, Paula! Me falar era uma! Mas... Preferiu outra.
***
No final da tarde, chegamos a uma cidadezinha no litoral do Uruguai. Fomos até uma loja de
roupas, onde comprei algumas poucas peças básicas, e depois nos instalamos em um hotel. Durante
o jantar, tentei tirar dele um pouco mais de informações.
– Mais alguém sabe onde estamos?
– Não, ninguém sabe. Acho mais seguro assim.
– Vamos pra onde?
– Vou te levar para Colônia do Sacramento, uma cidade pequena, mas acolhedora, muito bonita.
– Ficaremos por quanto tempo? Você ficará comigo?
– Não sei, Carmem. É provável que seja nosso destino, não sei se poderá voltar um dia. Quem
sabe daqui algum tempo poderá ligar para... Para ela. Não poderei ficar por muito tempo, mas
não se preocupe, vou deixá-la em boas mãos. – Sorriu e eu olhei pra ele.
– Co... Como sabe dela?
– Vocês não tomaram muito cuidado para esconder.
Suspirei. Realmente ela corria riscos. Pensei nela o restante da noite.
No outro dia, saímos cedo e à tarde entramos em Colônia do Sacramento, uma cidade linda às
margens do Prata – do outro lado era Buenos Aires. A cidade possuía uma parte histórica
deslumbrante, com vestígios de colonização portuguesa e espanhola, casas de pedra e muitos
museus. Paramos na frente de um restaurante na parte histórica da cidade.
– Você vai gostar daqui – ele disse ao entrar. – Vem, este restaurante é de minha irmã, ela está
nos esperando.
Entramos. Nos fundos, vimos duas mulheres que, ao nos verem, vieram rapidamente em nossa
direção. Uma delas, baixinha, morena, cabelos curtos, mais simpática do que bonita, pulou no
pescoço de Fred. A outra, loura, magra, mais alta, bonita, esperou logo atrás e o abraçou assim
que a primeira o soltou.
– Saudades de você, meu irmão! – falou a mulher mais baixa.
– Também senti de vocês.
Afastou-se e virou para mim. Elas me olharam e sorriram, senti-me acolhida no olhar das duas.
– Esta deve ser Carmem? – perguntou a loura me estendendo a mão.
– Sim. Vou apresentá-las. Carmem, está é Elisa, minha irmã. E esta é Marina, elas são sócias e... –
Antes de falar olhou para elas, que consentiram com um olhar afirmativo. – Elas vivem juntas –
completou. Elisa riu e falou em seguida:
– Eu e Marina somos casadas há nove anos.
– Prazer conhecê-las. E obrigada pela ajuda.
– Quê isso! Sabemos do seu problema, Fred nos contou. Vamos fazer tudo para ajudá-la. Agora
vamos almoçar, pois sei que não comeram ainda.
Gostei delas. Sentamos em um local aberto, com uma vista linda para o Prata. Durante o almoço,
contaram um pouco sobre a vida na cidade e depois mostraram a casa que ficava nos fundos do
restaurante.
– Preparamos este quarto pra você. É pequeno, mas confortável – falou Elisa.
– Não sei como agradecer tudo que estão fazendo.
– Não precisa e também vai resolver um problema que temos aqui. Precisamos de alguém no
restaurante e sabemos que trabalhava em um hotel, vai poder nos ajudar. Claro, receberá para
isso – falou rindo.
– Já tenho um emprego? – Retribui o sorriso.
– Pode começar quando quiser, o único problema será adaptar-se ao idioma, mas com o tempo
fica fácil – desta vez, foi Marina quem falou.
– Posso começar amanhã mesmo. – Queria retribuir o que estavam fazendo por mim.
– Não, amanhã vai conhecer a cidade, comprar roupas e descansar. Quem sabe depois de
amanhã? – sentenciou Marina.
Quando fiquei sozinha com Fred, perguntei a ele:
– Não estou atrapalhando a vida delas?
– Não se preocupe, Carmem. Elas já me ajudaram antes. Elisa, no Brasil, trabalhava na polícia,
ela sabe o que significa esse tipo de ajuda.
– Elas moram há muito tempo aqui?
– Há onze anos, desde que Elisa levou um tiro e saiu da polícia, resolveu vir embora. Conheceu
Marina aqui, abriram o restaurante e vivem bem desde então. Sempre que necessito, elas me
ajudam.
Fiquei mais tranquila. Se é que isso era possível. O fato de não poder mais voltar para o país,
não ver Andréa... Não era tão tranquilo assim.
***
Dois dias depois, Andréa foi para São Paulo com sua mãe. Decidiu ficar um tempo longe de
Florianópolis, sabia que não esqueceria Carmem, mas pelo menos estaria longe do hotel e das
lembranças daquela mulher que havia transformado sua vida.
– Minha filha, estamos há uma semana em São Paulo e você não fez nada a não ser ficar
trancada no quarto. Tem que sair, filha. Você tem muitos amigos por aqui, liga para Priscila ou para
o Junior. Por que não os procura?
– Não quero sair, não quero falar com ninguém. Você não queria me ver longe dela? Então... Por
que não fica feliz? – Pegou um copo com água e foi em direção ao quarto.
Maria Alice já havia tentado de tudo para localizar Carmem, mas nada dera resultado. Não
aguentava ver a filha assim, e sabia que ela a culpava.
Os dias passavam e a única preocupação de Andréa era saber se Carmem estava bem, pois
conhecia sua fragilidade. Angustiava-a saber que ela tinha sido agredida, lembrou-se do dia que
ela foi ao seu quarto e estava com um corte no lábio. Lembrou-se das vezes que ela quis se
afastar, imaginou a pressão pela qual ela passou... Queria ter dividido isso com ela, mas ela não
quis. Isso lhe doía. A falta de confiança de Carmem ficou explícita com a fuga.
“Ela fugiu de tudo, inclusive de mim”.
As noites eram longas. Rolava na cama, sentia vontade, saudade dela. E os dias eram mais
longos ainda. Por um tempo não conseguiu dormir, só por alguns momentos, quando o cansaço a
vencia.
Vivia na expectativa de localizá-la, sabia que a mãe não estava poupando esforços nem
dinheiro. Mas não sabia o que faria quando isso acontecesse.
Paula ligava todas as noites, mas nem sempre Andréa estava disposta a atender. Quase sempre
era Maria Alice quem falava com Paula.
– Não sei mais, Paula. Já faz quase um mês, acho que esse homem evaporou! Tem quatro
detetives atrás deles.
– Sinal de que ele é eficiente, não deixou pistas. Como ela está?
– Cada dia que passa ela se fecha mais. Não fala comigo, só quando pergunto algo, e
responde friamente. Não aguento ver minha filha assim. Se soubesse, teria agido de outra forma.
– Eu sei, mas não se esqueça que se não fosse a senhora, talvez Carmem não estivesse viva
hoje. – Maria Alice suspirou.
– Como você e Lilian estão?
– Estamos bem agora. Lilian não gostou que escondi dela o que estava acontecendo, me cobrou
muito, mas agora estamos bem.
– Desculpa, Paula. Envolvi você nisso...
– Não se preocupe, está tudo certo aqui.
Despediram-se e, quando Paula desligou, Lilian se aproximou:
– Como ela está?
– Péssima.
– E você?
– Melhor agora que você me perdoou... – Paula a abraçou. Lilian retribuiu, segurou-a com força.
– Vem amor, vamos pra cama...
***
Depois de um mês, Fred decidiu ir embora. No dia que se despediu, senti como se estivesse
sendo abandonada. Me entregou um envelope com muitos dólares, fiquei curiosa para saber de
onde vinha tanto dinheiro, mas ele se ateve a dizer que era alguém que queria me ver em
segurança. Fiquei curiosa, mas imaginei que Henrique havia conseguido os meios.
Fiquei trise com sua partida. Apesar das meninas serem atenciosas comigo, ele me dava
segurança.
– Cuidem bem dela – ele falou de dentro do carro.
– Pode deixar – Marina respondeu.
Ele foi embora e senti as lágrimas escorrerem. Meus vínculos com o Brasil e com Andréa estavam
terminados.
– Vem, Carmem. Está frio aqui fora. Vamos tomar um café – Elisa me chamou, entrei.
A convivência com elas era ótima. Elas se davam muito bem, se amavam. Muitas vezes as
surpreendia num carinho, num beijo ou caricias mais intimas em algum canto da casa. Sentia uma
pontada angustiante cada vez que as via assim.
Lembrava de Andréa e das vezes que estive em seus braços. A saudade dela era insuportável.
Chorava trancada no quarto. Elas sabiam, tentavam me tirar de lá, convidavam pra sair,
inventavam programas... Mas nada aplacava a dor que sentia.
Conversávamos muito, contei a elas sobre Andréa e elas tentavam me dar esperanças.
– Calma... Você vai encontrá-la novamente – falava Marina docemente.
– Como? Com outra? Melhor não! Prefiro não vê-la nunca mais. Não aguentaria vê-la com outra
novamente.
– Você não sabe se ela está ou não com outra. E se ela ama você, tenho certeza que não está.
Deve estar sofrendo como você – finalizou.
Essa ideia me deixou mais preocupada. Não queria que Andréa estivesse sofrendo da mesma
forma, por minha causa. Sabia que ela era forte, mas sabia, também, de seu temperamento
inconstante, explosivo.
Preferia que ela superasse isso, pois as últimas notícias que tivemos me deram a certeza de que
nunca me libertaria. A polícia prendeu parte da quadrilha, não conseguiu pegar todos. Seria
impossível viver em paz novamente no Brasil, portanto, não veria mais Andréa. Não tinha coragem
de ligar... Nem podia.
O movimento no restaurante era calmo nesta época do ano, só aumentava no verão, com o
turismo. Ajudava em tudo que podia, mas gostava de trabalhar na cozinha auxiliando as duas
cozinheiras. De vez em quando atendia as mesas, mas tinha dificuldade com o idioma, e para não
causar problemas, preferia o trabalho interno. O frio nesta época era implacável.
À noite não abríamos e ficávamos até tarde conversando na beira da lareira.
– O que acha de irmos a Buenos Aires no final de semana? Faz quase dois meses que está aqui
e ainda não conhece – disse Marina.
– Seria ótimo! O movimento está fraco, não sentirão nossa falta. Que acha, Carmem? –
completou Elisa.
– Três horas naquele barco... Não sei não.
Elas riram.
– Você vai adorar! Buenos Aires é lindo! Gosta de tango? Tem uma casa de shows maravilhosa.
– Vou pensar, mas se eu não for, vocês vão. Posso ajudar por aqui também.
– Queremos levar você. Se você não quiser, não vamos. E, também, hoje ainda é segunda. Tem
bastante tempo pra pensar – completou Elisa.
– Ok, vamos ver. – Me despedi delas e fui dormir. Antes de sair da sala, dei uma olhada para
elas. Estavam se beijando. Suspirei.
***
Depois de dois meses de angústia, Andréa resolveu reagir. Pensou em voltar a Florianópolis, ao
trabalho. Quem sabe o vazio que sentia pudesse ser preenchido pelo menos de forma mais útil?
Estava em seu quarto pensando nisso, quando sua mãe bateu na porta. Respirou fundo e se
dirigiu à porta. Estava sendo cruel com ela.
Abriu, viu a umidade no olhar de sua mãe. Ela entrou, olhou para Andréa e lhe estendeu um
papel.
– Está aqui, filha. Sei o que isso pode representar. Mas, agora é com você.
Andréa pegou o papel e leu. Havia um endereço, Uruguai. Suas mãos tremeram, sentiu o suor
frio...
Terminou de ler, olhou para sua mãe e a abraçou. Choraram juntas.
Para Maria Alice, representava ver sua filha partir. Para Andréa, uma escolha a ser feita
CAPÍTULO XIX
A quarta-feira estava cinza, uma garoa fria deixava as ruas vazias e a única coisa que se
ouvia era o silêncio. Nos últimos dias, me habituara a ouvir o silêncio.
O inverno rigoroso propiciava o enclausuramento de todos, não havia movimento no restaurante
e o trabalho se resumia a mandar o almoço para algumas empresas que contratavam o serviço de
entrega aos funcionários. Assim, terminávamos cedo.
Naquele dia, depois de conversar um pouco com Elisa e ajudá-la a organizar alguns documentos
e contas a serem pagas, fui para meu quarto, deitei e me entreguei intensamente àquele vazio.
Adormeci.
***
Andréa estava há algumas horas na cidade. Instalou-se em um hotel, tomou um banho e, apesar
do cansaço que sentia da viagem e das noites não dormidas, resolveu sair.
Deixou o carro algumas ruas antes do endereço indicado – não conhecia os acessos permitidos,
uma vez que não era possível trafegar pelas maioria das ruas, que eram tombadas e de tráfego
proibido. Preferiu ir andando. Assim, também, teria tempo de pensar no que estava fazendo.
Tinha dúvidas sobre a escolha que faria, sabia que não teria muito tempo para decidir, mas a
única certeza que tinha era de que precisava ver Carmem.
Estava perdida nesses pensamentos quando viu o número indicado no restaurante. Parou na
porta e passou as mãos na jaqueta de couro para tirar a umidade. Suas mãos estavam geladas,
mas sabia que não era frio, pois estava suando.
Ia bater, porém a porta estava encostada. Abriu lentamente e entrou. Estava um pouco escuro,
mas pôde ver a figura de uma mulher atrás do balcão, concentrada em uns papéis.
– Hola! Permiso! – falou ao se aproximar do balcão.
Elisa sorriu e respondeu:
– Si. Buenas tardes!
– ¿Puede ayudarme?
– ¿Qué pasa? – perguntou de forma simpática.
– ¿Hablás portugués?
Elisa sorriu.
– Claro, sou brasileira.
– Que bom! Meu vocabulário estava chegando ao fim.
As duas riram. Elisa observou aquela mulher à sua frente. Muito bonita. Na verdade, linda, mas
que demonstrava uma certa inquietação.
– Em que posso ser útil?
– Procuro por uma pessoa e... E... Tenho este endereço como referência... – Percebeu que a outra
mudou a expressão. Demonstrou receio.
Elisa, devagar, sentou no banco alto e colocou a mão embaixo do balcão. Certificou-se de que a
arma estava ali.
– De quem está falando?
– O nome dela é Carmem.
– Quem é você?
– Andréa.
Elisa levou a mão até a boca, conteve o susto. Nesse momento, Marina entrou rapidamente no
restaurante e se deparou com as duas. Elisa saiu rápido de trás do balcão e parou ao lado de
Andréa.
– Marina, esta é Andréa. Ela... Ela está procurando por Carmem.
– Mas como... Como chegou aqui? Quem falou?
Andréa já demonstrava irritação e falou sem paciência:
– Vim de avião até Montevidéu, aluguei um carro, dirigi por algumas horas e quem falou o quê?
Elas se olharam e riram da atitude de Andréa. Lembraram do que Carmem tinha contado sobre
ela.
– Por que estão rindo? Olha, eu preciso encontrá-la. Sei que vocês sabem onde ela está, por
favor me digam! A viagem foi cansativa e... E preciso encontrá-la. Me deem o local e eu vou –
falou quase como uma súplica.
– Calma... Vamos dizer a você onde ela está. Mas antes precisamos saber: como descobriu? Mais
alguém sabe que você veio aqui? – Elisa falou com calma.
– Não. Somente minha mãe. Ninguém sabe, descobrimos por intermédio do advogado que cuida
do caso e ele falou com o homem que a trouxe.
Marina olhou para Elisa.
– Fred contou, então tudo certo.
– Por favor... – Andréa já não aguentava mais. Elisa a olhou e sorriu.
– Tá vendo aquela porta amarela? – Apontou para a porta interna que separava o restaurante
do restante da casa. Andréa olhou na direção indicada. – Passe por ela e encontrará Carmem na
terceira porta à direita. Pode ir. – Andréa as olhou sem acreditar que estava a poucos metros de
Carmem.
– Vai! – confirmou Marina.
Andréa conseguiu se mover, passou pela porta e entrou em um corredor bem decorado, com
vários quadros e uma luminária dando um ar nostálgico. O piso de madeira escura dava um tom
envelhecido ao local.
Caminhou devagar, ouvindo os próprios passos. Passou por duas portas e parou na que Elisa
havia indicado. Ficou ali parada por alguns segundos, encostou a testa e tentou controlar a
respiração. Bateu.
***
Acordei devagar e abri os olhos lentamente. Já tinha me acostumado com aquele silêncio. Sem
levantar, olhei em direção à janela. A garoa continuava.
Fechei os olhos novamente e tentei me transportar para a suíte de Andréa. Tinha me habituado
a isso, a vê-la na sacada, na sala, no banho, na cama, nua...
A suave batida na porta me alertou.
“Deve ser uma das meninas. Não quero sair hoje”.
Já estava preparando a desculpa. Apenas virei a maçaneta:
– Entra. – E me virei em direção a cama novamente, nem olhei para a porta. – Não vou a lugar
algum hoje – já fui falando.
– Nem comigo?
Não me virei. Fechei os olhos. Queria sentir aquela voz dentro de mim, novamente. Ouvi os
passos em minha direção. Virei-me.
– Andréa... – Me joguei em seu braços, ela me segurou.
Não consegui conter as lágrimas, nem ela. Ficamos abraçadas por algum tempo. Me afastei
devagar, meus olhos estavam úmidos, ela segurou meu rosto. Ficou me olhando, parou em minha
boca, lentamente aproximou seus lábios. Não esperei. Tomei sua boca, descarregando nela toda a
saudade que sentia. Fazia pequenas pausas e beijava-lhe o rosto, os olhos, sequei suas lágrimas no
meio dessa profusão de emoções. Ríamos. Mais um beijo. Amor. Desejo...
Ela segurou meu rosto novamente e me olhou:
– Por que fugiu de mim? – A voz embargada.
– Não fugi de você, mas por você.
– Minha vida perdeu o sentido sem você.
– Me perdoa...
Depois de alguns minutos abraçadas, ela se afastou. Olhou ao redor.
– Por que não me contou, Carmem? Só fui descobrir a verdade depois que você fugiu.
Percebi a mágoa nessa pergunta. Eu me aproximei.
– Eu não podia...
– Teria levado você pra qualquer lugar, teríamos resolvido de outra forma. Não precisava fugir
sem me dizer nada.
– O que faria, Andréa? Coloque-se no meu lugar – falei com carinho.
– Faço isso todos os dias, Carmem. A única conclusão a que chego é... É que não confiou em mim,
no que sinto por você...
– Andréa, você há de convir comigo que a confiança não foi a base na nossa relação...
Percebi sua expressão se alterar. Não gostou, baixou o olhar. Me aproximei.
– Olha pra mim. – Segurei seu rosto. – Fiquei com medo quando percebi o perigo que você
corria. Não pensei mais, resolvi aceitar a situação e me afastar. Não podia impor isso a você. –
Encostei meus lábios nos dela. Me abraçou. – O problema era meu, eu tinha que resolvê-lo.
– Tudo que diz respeito a você também é problema meu – disse sem me soltar.
– Como soube, Andréa? Como chegou aqui?
Andréa me olhou, afastou meus cabelos que caíam no rosto.
– É uma longa história, depois eu conto. Agora estou com saudades de você.
Aquele olhar me tirava o chão. Suas mãos entraram embaixo da minha blusa, alcançando meus
seios. Puxei sua jaqueta para trás, caiu no chão.
– Vem para o hotel comigo? – pediu me beijando. Sorri.
– Por quê? Vamos ficar aqui – respondi na sua boca. Subiu suas mãos em minhas costas levando
a blusa junto. Tirou.
– Aqui? Acho estranho. Elas não vão achar ruim se a gente... – Não deixei ela terminar. Colei
meus lábios nela, abri os botões de sua blusa, mordi seus seios por cima do sutiã enquanto o tirava.
– Andréa, quem vai achar ruim sou eu se você não fizer amor comigo agora. – Puxou o cordão
da minha calça. Caiu. Tirei.
– Não imagina a vontade que sentia de ouvir isso novamente. – Abri o zíper de suas calças,
empurrei para baixo. Ela tirou.
– Vai ouvir sempre. – Fez minha calcinha descer lentamente.
– Então pede de novo... – Me levou até a cama. Deitei.
– Vem, Andréa... Faz amor comigo... Me faz sua... – Deitou em cima de mim.
– Pra sempre, amor. – Deslizei minhas mãos naquele corpo maravilhoso, me livrei de sua calcinha.
– Senti... – Senti suas mãos descerem, afastou minhas pernas. Sua mão explorou meu sexo
suavemente. – Saudades...
– Disso? – Gemi em sua boca.
– De você inteira... – Busquei seus seios com a boca. Gemeu.
– Excitada... Assim... Pra mim? – Mordi seu ombro, subi até sua orelha, passei a língua.
– Pra você amor, só pra você. – Me penetrou, gemi sentindo ela se mover dentro de mim.
– Então me mostra... Mostra que você é minha.
Perdi o controle do meu corpo. A cada movimento de sua mão, sentia seu desejo e a umidade
roçando em minha coxa. Segurei-a com força e meu corpo acompanhava o ritmo que ela impôs
com o corpo, com a mão, com o sexo.
E as únicas palavras que conseguia dizer, nesse momento, eram:
– Não para... – Não resisti quando ela pediu:
– Goza pra mim... – Atendi. Gozamos juntas.
Ela continuou deitada sobre meu corpo. Colocou-se um pouco de lado, a cabeça no meu ombro.
Ficamos assim. Abracei-a junto a mim.
Alguns minutos depois, vi que ela adormeceu. Percebi que ela estava exausta. Provavelmente da
longa viagem, da busca incessante, do amor delicioso...
Deixei-a dormir, e o silêncio dentro de mim de repente transformou-se no prazer de ouvir a
chuva bater no vidro da janela, o vento que assoviava vindo do mar...
Uma sensação de preenchimento tomou conta daquele vazio.
Encostei meus lábios nos dela, falei baixinho sem acordá-la:
– Que bom que você me achou! Te amo.
***
O dia amanheceu lindo. Apesar do frio intenso, o sol brilhava forte trazendo consigo um calor
que há muito eu não sentia.
Acordei sentindo o corpo de Andréa colado em minhas costas, ela se moveu se aconchegando
mais em meu corpo. Não me virei, apenas coloquei meu braço para trás e, com a mão, trouxe-a
para mim. Ela colocou a mão em minha cintura e me puxou para ela. Por alguns minutos, ficamos
sentido esse contato delicioso, tentei me virar, ela não deixou.
– Fica assim – sussurrou no meu ouvido, sua boca percorreu meu pescoço, deslizou, dando
pequenas mordidas.
– Que delícia acordar assim – falei baixinho, sentindo sua mão em meu seio.
– Me diz... O quanto gosta?
Sua boca me sugava o ombro, o pescoço, mordia minha orelha. Desceu a mão, levantei um pouco
a perna para ela sentir minha resposta. Gemeu baixinho ao conferir.
– Muito... – Consegui dizer.
Acomodei-me com a perna apoiada na dela, ao mesmo tempo em que sentia seus dedos me
penetrando, ela se esfregava em minhas nádegas. Comecei a fazer um movimento para facilitar o
contato. Na frente seus dedos me preenchiam, atrás sentia o seu desejo. Não demorou muito para
um orgasmo nos fazer gemer juntas. Baixinho ouvi-a sussurrar no meu ouvido enquanto seu corpo
tremia:
– Eu te amo...
Virei-me para ela e ficamos por alguns momentos assim, abraçadas, em silêncio, até que ouvi o
barulho de passos no corredor. Ela falou primeiro:
– Que horas são?
– Acho que passa das nove.
Ela se afastou e me olhou.
– Dormimos tudo isso?
– Não, Andréa, você dormiu – respondi sorrindo – Ontem você apagou e não quis acordá-la,
você parecia muito cansada. Há quanto tempo não dormia, amor?
– Adoro quando me chama assim... Diz novamente...
– Responde, amor... Há quanto tempo?
– Desde que você me deixou – falou seriamente.
Suspirei com a resposta...
– Fome?
– Morrendo... – Sorriu... Linda.
– Vamos comer com as meninas? Ou prefere que eu traga aqui?
– Elas não vão achar estranho?
– Estranho o quê? Você dormir comigo?
– Sei lá. Tudo.
– Andréa, elas sabem da gente e também não vão achar nada estranho. Aliás tenho
presenciado coisas aqui que nem acredito – falei rindo.
– Mesmo? Não percebi, na verdade, não prestei muita atenção nelas. Ontem só queria encontrar
você.
– Não prestou atenção? Isso é ótimo, não tem que prestar atenção mesmo! – Terminei a frase em
sua boca. Nos beijamos.
– Minha atenção é toda sua, sempre. E o que tem presenciado aqui? – ela perguntou sorrindo
de forma provocadora.
– Bem... Na verdade, nada igual ao que presenciei no hotel, mas...
– Como assim? No hotel? O quê? – Afastou-se curiosa. Sorri, pois ela não sabia que a primeira
vez que a vi ela estava nua com outra mulher na cama... Uma imagem que pertencia somente a
mim.
– Ah! Nada que mereça nossa preocupação agora...
Me olhou desconfiada, mas não insistiu, beijei-a novamente.
– Preciso de um banho – ela falou no meio do beijo.
– Eu também.
Levantamos, tomamos um banho demorado o suficiente para nos amarmos mais uma vez. Saímos
do quarto, encontramos Elisa e Marina na cozinha. Com uma mesa de café maravilhosa, estavam
nos esperando.
– Até que enfim! Achamos que não teríamos companhia para o café – Elisa falou, levando a
caneca aos lábios. Marina sorria.
– Estamos com muita fome, que mesa linda – falei com fome.
– Então, é para nós todas, ainda bem que chegaram. Elisa não me deixou tocar em nada – falou
Marina, sentada, já pegando um pão sobre a cesta. Rimos juntas.
Sentamos com elas. A primeira pergunta foi de Elisa:
– E agora? O que vai acontecer? Desculpa perguntar, mas estou preocupada. Carmem, você não
pode voltar, sabe disso, né?
Quem respondeu foi Andréa:
– Sabemos, mas não conversamos ainda sobre isso. – Olhou para mim, fiquei calada, sabia que
esta conversa não seria fácil.
– Certo, mas queremos que saibam que, o que decidirem fazer, vamos apoiá-las – Marina falou
olhando para Andréa. – Gostamos muito de Carmem e nos preocupamos com a segurança dela.
– Eu também – falou Andréa seriamente.
Resolvi falar:
– Olha... – Olhei para Andréa, depois para Marina – Qualquer coisa que decidirmos, vocês
serão as primeiras a saber, ok? Por enquanto, vamos comer em paz. Certo?
Concordaram, mas percebi um clima de inquietação por parte de Andréa.
– Andréa, em que hotel está? Vou pedir para alguém buscar suas coisas, queremos que fique
aqui – falou Elisa.
– Não quero incomodar.
Olhei para ela e completei rapidamente:
– Não quero que fique longe de mim.
Marina riu, olhou para Andréa.
– Acho que já decidiram por você.
Andréa concordou, mas disse que iria pessoalmente até o hotel, pois precisava pegar o carro e
fechar a conta. Concordamos, mas disse que a acompanharia.
Saímos e caminhamos até o hotel, em silêncio. Andréa fechou a conta, pegamos o carro e
estávamos voltando para o restaurante...
– Vamos dar uma volta, Andréa, o dia está lindo! – Sugeri, ela concordou.
Andamos por vários locais, chegamos à avenida às margens do mar. Pedi que ela estacionasse
para que pudéssemos olhar a vista. Ela parou. Me olhou, percebeu meu olhar.
– Sei o que quer saber, vou contar a você, mas antes quero saber como você chegou aqui?
Como foi sua saída?
Suspirei e contei a ela desde o momento que a procurei no hotel, o momento em que Fred me
pegou no ponto de ônibus e da vontade que tive de correr para ela quando chegou ao hotel.
Contei da conversa com o advogado, deixei claro que minha relação com Henrique havia
acabado, não nos encontraríamos mais, falei, também, da pressão que sofri e da vontade que
tinha de contar tudo a ela. Pedi que me perdoasse, pois tive medo.
Ouviu tudo sem interromper. Quando terminei ela falou:
– Não sei o que foi pior. Saber que não veria mais você... Ou a sua falta de confiança em mim.
– Nunca vai me perdoar, não é?
Ela olhou para o mar, respirou fundo.
– A palavra não é essa... Perdão. Acho que é compreensão. Estou tentando compreender seus
motivos... Me colocar no seu lugar, e acho que talvez fizesse o mesmo se soubesse que você corria
perigo.
– Vou esperar que isso aconteça. Agora me conta, como descobriu?
Virou-se para mim.
– Vou te contar.
E começou a falar. Contou tudo que havia acontecido, desde minha saída repentina, o
envolvimento de sua mãe, como descobriu, o seu desespero e o que sua mãe fez para me localizar.
Ouvi sem interromper, fiquei surpresa ao saber do envolvimento da senhora Maria Alice.
– Agora entendo. Fred não quis me dizer, mas pela quantidade de dinheiro que ele recebeu
tinha que ser alguém assim. Fiquei com uma quantia suficiente para não me preocupar por um bom
tempo.
– Você não vai precisar se preocupar, amor. Vou te mandar dinheiro para o que precisar.
Silêncio. Olhei para ela.
– Mandar, Andréa?
– Carmem, olha pra mim.
– Vamos nos separar? Você vai me deixar?
– Carmem, foi você quem me deixou, tá lembrada? E você não pode voltar, seria incoerência
nossa.
– Andréa... Eu... – Ia dizer que não podia mais viver sem ela, mas interrompi, não podia cobrar
nada dela. – Claro, entendo, você tem sua vida lá – falei baixinho, desviei o olhar para o mar.
– Eu não posso virar as costas para a minha mãe dessa forma, tenho responsabilidades, tenho
que ajudá-la. Não posso abandonar tudo assim, de uma hora para outra.
Não olhei mais para ela.
– Claro, Andréa. Eu entendo.
Silêncio.
– Amor, eu não disse que me separaria de você. Venho ver você sempre que puder.
– Entendi, Andréa. Quando puder... – Sabia que ela estava certa, não tinha como ela
simplesmente abandonar tudo e viver comigo ali, mas não conseguia ser racional.
– Por favor...
– Melhor irmos.
Ela ligou o carro e acelerou, não falou mais. Nem eu.
CAPÍTULO XX
Nos dias que seguiram, tentei esquecer que em breve Andréa teria que partir. Apesar dos meus
protestos, Elisa me dispensou do trabalho enquanto Andréa estivesse conosco.
Ela partiria no domingo, não falamos mais sobre nossa relação. Percebi que ela preferia assim,
já havia decidido de que forma seria.
– Quando puder... – foi o que falou.
Lembrava de suas palavras. Aceitei, pois não tinha outra alternativa.
Pensei em aproveitar ao máximo os momentos que tinha com ela. Saíamos algumas vezes, levei-a
a alguns lugares, restaurantes, museus, mas a maior parte do tempo ficávamos no quarto.
Queríamos prolongar aqueles momentos.
Quando estávamos na cama, os problemas desapareciam. Andréa tinha esse poder. Fazia-me
esquecer de tudo, principalmente da realidade que tínhamos que encarar, o fato de termos que
viver distantes e o pior: a escolha não tinha sido nossa.
Às vezes, depois de nos amarmos, ela me olhava como se quisesse me dizer algo, mas logo seu
olhar se transformava, e aquela sensação se dissipava. Fui eu a sugerir uma solução:
– E se morasse mais perto? Posso tentar viver em alguma cidadezinha do interior, não teria como
me encontrarem – Quase como uma súplica.
– Amor, não dá. Seria arriscado demais, eu não ficaria tranquila nunca.
– O que nos garante que não me acharão aqui? – argumentei.
– Nada. Mas sabemos que no Brasil é muito pior.
– Por que eles viriam atrás de mim, Andréa? Não entendo. Henrique já falou, contou tudo, não
há mais nada para evitar.
– Meu anjo, a ameaça foi contra você. Seu mari... Seu ex-marido falou, agora vão tentar cumprir
o que prometeram, é assim que mantêm o controle sobre as pessoas.
Não tinha argumentos para isso. Ela tinha razão.
Na sexta-feira, resolvemos ir a Buenos Aires com Elisa e Marina. Voltaríamos no sábado, então
reservamos um hotel próximo ao centro.
A noite foi maravilhosa, começando pela travessia. As luzes de Buenos Aires eram um espetáculo
à parte.
Na casa de shows, assistimos a vários números de tango deslumbrantes. A cada passo
executado, sentíamos a sensualidade que extravasava o par e tomava conta de todos.
Foi um desafio ao nosso controle, pois evitamos nos beijar para não chamar atenção de ninguém,
afinal, não sabíamos quem poderia estar ali, embora a vontade fosse latente. Limitamo-nos ao
olhar, ao roçar de pernas embaixo da mesa, mãos deslizando... Marina e Elisa, entretanto, não
foram tão discretas. No final, quando as luzes se acenderam, vimos Marina se afastar do pescoço
de sua mulher e tirar a mão rapidamente de dentro da blusa dela, que tentava fechar os botões.
Não resistimos e caímos na risada durante o jantar.
– Maravilhoso, não acharam? – perguntou Elisa.
Eu e Andréa nos olhamos e sorrimos cúmplices. Ela perguntou:
– Mas vocês viram o show?
– O suficiente – respondeu Marina rindo.
Nos divertimos muito com os comentários sobre a noite. Pela primeira vez, eu e Andréa
estávamos dividindo com outras pessoas o que vivíamos. Estávamos felizes, embora soubéssemos
que seria por pouco tempo.
Chegamos ao hotel e, sem demora, nos despedimos. A urgência era de todas.
Andréa me empurrou contra a parede assim que fechou a porta. Meu vestido foi arrancado, e
seus lábios encontraram os meus. Um beijo tomado de desejo.
O caminho até a cama foi suficiente para livrá-la de suas roupas e, desta vez tenho certeza, eu
a empurrei. Olhei por alguns segundos para ela, me aproximei, ela se ofereceu, e minha boca
tomou posse do que já me pertencia.
Dormimos quando o dia começou a amanhecer.
Acordei com Andréa no celular, falando com sua mãe. Ouvi alguns fragmentos da conversa:
– Claro que voltarei. – Silêncio. – Segunda estarei aí. Acredite. Não, eu não vou fazer isso. Um
beijo, mamãe.
Ela desligou e me olhou. Levantei.
– Vou tomar um banho. – E bati a porta.
Voltamos para Colônia no final da tarde, todas estávamos cansadas. Jantamos, sentamos
próximo à lareira, eu e Andréa em um sofá. Sentei entre suas pernas e um cobertor nos aquecia.
Elisa e Marina no outro, também com cobertor.
– Quero levá-la à Montevidéu amanhã – falei para Andréa.
– Vou achar ótimo, amor. Mas não é preciso.
Marina interrompeu.
– Vamos todas. O seu voo é à tarde, almoçamos no mercado público, que é maravilhoso, e
depois vamos ao aeroporto. O que acham?
Suspirei.
– Vou achar ótimo – falei com ironia. Andréa me beijou, me afastei um pouco. – Vamos pra
cama. Quero ficar sozinha com você – falei baixinho.
– Vamos...
Nossa noite foi de extremos. Amor, lágrimas, raiva.
***
No dia seguinte, providenciamos tudo e saímos cedo. Chegamos a Montevidéu ainda de manhã.
Marina fez um rápido tour na cidade, mostrou alguns lugares, e depois fomos para o mercado
público. Se não fosse a angústia, a tristeza do momento, teria amado estar ali com Andréa. O lugar
acolhedor, uma infinidade de restaurantes, muita alegria, música, pessoas circulando... Marina e
Elisa nos conduziram até um restaurante e nos acomodamos.
– Quando voltará, Andréa? – perguntou Marina.
– O mais rápido possível – respondeu e me olhou.
– Andréa, você tem que tomar cuidado para não despertar suspeitas. Seria perigoso pra você
se eles descobrissem que esteve com Carmem.
– Eu sei, mas isso não vai acontecer. Ninguém sabe que estou aqui, somente minha mãe.
– Me sinto péssima com tudo isso, tantas pessoas envolvidas em problemas que Henrique
causou... Vou ter que fugir, me esconder por quanto tempo ainda? – perguntei.
Ninguém respondeu.
Terminamos nosso almoço e fomos para o aeroporto. No estacionamento, Marina e Elisa saíram
do carro e nos deixaram sozinhas.
– Cuidado, amor – Andréa me falava no meio dos beijos.
– Você também. E... E se puder me ligar...
– Vou ligar sim.
Abracei-me nela.
– Quantas vezes ainda vamos nos separar assim? – perguntei chorando.
– Não sei – respondeu com as lágrimas caindo. Segurou meu rosto, secou as lágrimas com os
dedos. – Não se esqueça: eu te amo! – Beijou-me.
Amor, angústia... Medo.
– Andréa, eu amo você – falei olhando dentro daqueles olhos negros.
Ouvimos a batida no vidro e vimos Elisa mostrando o relógio.
– Sinto muito, meninas, mas... – falou assim que abrimos a porta do carro.
– Ok. Vamos lá – decretou Andréa.
***
Não consegui ver o avião decolar. A última imagem que vi foi quando Andréa sumiu na porta de
acesso ao embarque. Olhou para mim... O olhar negro prometendo retorno breve. Jogou-me um
beijo e foi. Eu me virei e Elisa estava ali, esperando. Abracei-me nela e chorei.
***
A mãe de Andréa a esperava no aeroporto, abraçou-a.
– Como foi, filha?
– Foi ótimo com ela, mas deixá-la foi uma tortura.
Andréa ficou uma semana em São Paulo. Não saía, no máximo ia até o escritório com sua mãe e
retornava para casa.
– Minha filha, você tem que encarar a realidade. Ela não vai poder voltar. O que vai fazer?
Ficar assim a vida toda? Sofrendo por uma mulher que não pode ter?
– Eu posso! Vou vê-la sempre que puder.
– Isso pode ser arriscado! E se seguirem você? Se descobrirem que está se encontrando com ela?
Deveríamos contratar um segurança.
– Nunca! Não andarei com segurança e... E não precisa. Se fossem fazer algo, já teriam feito.
Não se preocupe.
– Como vai ser? Vai viver assim? Se escondendo?
Ela não respondeu. Na verdade, não tinha a resposta.
Andréa retornou ao trabalho em Florianópolis. Depois de uma semana em São Paulo com sua
mãe, decidiu que era hora de recomeçar.
Se é que seria possível entrar naquele hotel, naquela suíte e saber que Carmem não estaria lá.
Seria uma tortura, mas precisava.
Ligou para Carmem duas vezes, conversaram rapidamente. Apenas o suficiente para
confirmarem, uma à outra, o amor que sentiam. Faria isso toda semana. Não via a hora de poder
vê-la novamente.
Na sexta-feira, saiu para jantar com Paula e Lilian.
– Andréa, você deveria ter feito o que sua mãe quer: contratar um segurança.
– Não vou fazer isso, Paula, não há necessidade.
– E como está no hotel?
– Tudo certo. – Andréa baixou o olhar. Paula suspirou e falou.
– Até quando vai fugir, Andréa?
Andréa olhou para ela com espanto.
– Do que está falando?
– Estou falando do que sente por ela, Andréa. Por que tem medo de assumir isso? De fazer a
escolha que quer fazer?
– Não sabe o que está dizendo.
– Sei sim. Sei que você tem medo de encarar essa relação, sei que você se esconde atrás da
desculpa de não poder abandonar Maria Alice, sei que não se importa com nada disso aqui,
Andréa. E sei que sofre por isso.
– Paula, não posso.
– Andréa, você nunca amou alguém como ama Carmem e tem medo disso. O que disse a ela?
Qual a desculpa que deu?
– Ela entende os meus motivos.
– Imagino... Deve ter entendido, sim. Deve ter entendido que sua empresa, os negócios, o
dinheiro, tudo vem em primeiro lugar pra você! O momento que ela mais precisou de você, o que
fez?
– Foi ela que fugiu, Paula. Ela que fez esta escolha sem me falar nada.
– E se ela tivesse falado? Teria feito o quê? Colocaria ela em um avião e mandaria para onde?
Sozinha? Acho que diante do que você fez, ela agiu muito bem. Estaria sozinha onde agora?
– E se não der certo? E se eu for embora com ela para algum lugar? Não poderei mais voltar,
sabe disso. E se não der certo?
– E se der certo, Andréa? A verdade é que você não sabe o que fazer com o sentimento que
está aí dentro de você. Olhe pra você! Está sofrendo...
Andréa colocou as duas mãos no rosto e deixou as lágrimas caírem.
Lilian, que estava em silêncio ao lado de Andréa, falou:
– Chega, Paula. Vamos embora.
Antes de levantar, abraçou Andréa.
Despediram-se na porta do hotel e Andréa, ao entrar na suíte, foi para a sacada e deitou-se na
rede. Ficou olhando para o céu, tentando encontrar uma solução. As palavras de Paula não saíam
de sua cabeça. Sabia que a amiga tinha razão, não aguentaria viver assim, longe dela.
Cada momento com Carmem passou em sua mente, desde o primeiro momento em que a viu...
Ficou ali por muito tempo. Quando saiu, os primeiros raios do sol já anunciavam o dia.
Sua decisão já havia sido tomada. Pegaria o primeiro voo da manhã para falar com Maria
Alice. Ligou pra a recepção e pediu que fizessem a reserva.
***
Já fazia quinze dias que Andréa havia voltado para o Brasil. Tentei retomar minha vida, voltei
ao trabalho e deixava os dias passarem.
A única coisa que me motivava era esperar a próxima ligação dela. Todas as vezes que saía,
por algum motivo qualquer, na volta minha primeira pergunta era se ela havia ligado e a resposta
era quase sempre a mesma:
– Ainda não, meu anjo – dizia Elisa com carinho.
Entrava e me trancava no quarto. Minha vida se resumiu a isso: esperar por ela. Muitas vezes,
sentia raiva de tudo, minha vontade era jogar tudo para o alto e correr para ela, mas a razão
logo retornava e, com ela, a indignação de saber que Andréa fizera uma escolha.
Ela não largaria empresas, negócios por uma relação que começou às avessas e ainda por cima
com a camareira. Por mais que dissesse que me amava, tinha que estar preparada para perdê-la.
Sabia que isso aconteceria.
Em um mês, falamos apenas por três vezes.
– Carmem, vai com a gente, vai ser divertido – Marina tentava me convencer a ir a Buenos Aires
com elas.
– Obrigada, Marina, mas não estou com vontade de sair. E também não vou segurar vela pra
vocês. Vão e divirtam-se! – falei sorrindo.
– Você quem sabe.
Na maioria das vezes, acontecia isso. Elas desistiam e saíam sozinhas.
Os dias passavam, mas minha vida não estava seguindo, ainda. Revivendo a última noite com
ela... Não queria esquecer de nada, como se a lembrança nos aproximasse.
Assim passaram-se mais dois meses, e Andréa não ligou mais. No princípio, achei que ela viria,
que estava fazendo uma surpresa, mas com o passar do tempo, percebi que não. Elisa queria ligar
para ela, diversas vezes me perguntava.
– Pode ter acontecido algo, Carmem, sabemos que ela está bem, senão Fred teria nos avisado,
mas pode ser outra coisa, sei lá.
– Não. Eu sei o que está acontecendo, Elisa. Não se preocupe, conheço Andréa e, no fundo,
sabia que ela não teria estrutura para manter essa relação.
Lembrava da última ligação e de como terminou nossa conversa:
– Amor, lembra do que me disse naquele elevador? Sua última frase? Vou repeti-la pra você...
Nunca se esqueça: amo você! – foi o que ela disse.
Agora sabia. Foi uma despedida.
CAPÍTULO XXI
Acordei naquele sábado decidida a descobrir o que estava acontecendo com Andréa.
A distância e a falta de notícias me angustiavam, preferia saber que tudo havia mudado, que
ela nunca me amou, que nunca mais a veria, do que viver assim. A indiferença me corroía a alma.
Decidi ligar para ela, apesar de saber que poderia ser arriscado. Havia a possibilidade dos
telefones estarem grampeados, dela estar sendo vigiada. Qualquer dessas possibilidades me
preocupava, mas tinha que fazer.
Depois de ouvi-la, quem sabe poderia seguir minha vida. Se é que isso era possível, pois até
aquele dia minha vida era ela.
Avisei Elisa que daria uma volta e que logo voltaria. Ela achou ótimo, pois vivia insistindo para
que saísse de casa, me afastasse daquele quarto.
No inicio da noite, saí. Caminhei até a praia, procurei um telefone público e fiz a ligação.
Reconheci a voz de Felipe, o recepcionista do hotel. Disfarcei a voz:
– Por favor, Andréa Alcântara.
– Sinto muito, senhora, ela não se encontra na cidade, viajou há dois dias para São Paulo.
Agradeci e desliguei. Liguei no celular: mensagem de caixa postal. Respirei fundo e liguei para a
casa da senhora Maria Alice.
– Sim, é a mãe dela. Quem fala?
– Carmem.
Silêncio.
– Você não deveria ter ligado. Andréa não está.
– Desculpe-me, mas eu preciso falar com ela.
Silêncio.
– Olha menina, Andréa saiu com uma amiga e não sei que horas retorna – falou friamente.
Senti minhas pernas tremerem.
“Uma amiga? Por que ela disse isso?”
– Por favor, a... A senhora diz a ela que liguei?
– Sim, eu digo. E por favor... Não ligue mais. Passe bem.
Ouvi o sinal de que ela havia desligado.
Não podia acreditar que ela estava fazendo isso! Não, de novo, não! Uma amiga! Quem?
“Por que não me liga? Por que não foi sincera?”
As dúvidas me deixaram pior. Sentei no degrau que dava acesso à areia e deixei as lágrimas
caírem. Não podia fazer nada, somente tentar esquecê-la. Sentia raiva.
“Não vai ser difícil, senhora Andréa Alcântara, não vai! Odeio você...”
Voltei para casa e contei a Elisa.
– Eu não acredito, Carmem. Deve ter alguma explicação.
– Tem sim! Andréa não presta, nunca prestou, e eu sabia disso. Cansei de ver ela desfilar com
mulheres naquele hotel. Aliás, foi assim que a conheci... Ela as usa e depois descarta. É assim que
faz sempre. Por que mudaria, agora? Ela só ama ela mesma... – Minhas lágrimas escorriam em meu
rosto.
O domingo passou e na segunda-feira de manhã Elisa recebeu a ligação que, novamente,
mudaria minha vida. Foi rapidamente até meu quarto e bateu. Abri e vi sua expressão preocupada
e nervosa.
– Carmem, arrume suas coisas, Fred está vindo pegá-la.
– O quê? Mas... Como? Por quê?
– Eu não sei. Ele ligou e disse que você tem que sair daqui hoje. Vem, eu te ajudo.
Entrou e já começou a colocar as roupas em cima da cama. Não conseguia me mover.
“Tudo de novo... Não vou aguentar!”
– Carmem, vamos! Não temos muito tempo. – Comecei a mover meu corpo.
Próximo ao meio dia, Fred entrou no restaurante e abraçou Elisa e Marina. Veio em minha
direção e também me deu um abraço. Olhei para ele cheia de dúvidas, ele percebeu.
– As coisas ficaram difíceis. Recebi um telefonema do advogado de Henrique. A polícia o
informou que um dos marginais foi localizado pela polícia uruguaia em uma cidadezinha próxima
daqui. Ele foi preso e enviado para o Brasil, mas já sabem que você está no Uruguai. Outro virá.
Temos que sair o mais rápido possível, para segurança sua e das meninas.
Fechei os olhos tentando assimilar a informação.
– Será que um dia vou me livrar disso?
Ele suspirou.
– Tenha esperança. Está pronta?
– Vamos embora! Não quero que Elisa e Marina fiquem expostas dessa forma por minha causa.
A despedida foi dolorosa. Eu as abracei com carinho e agradeci tudo que haviam feito. Fizeram
que eu prometesse manter contato sempre que possível. Choramos.
De dentro do carro, falei:
– Quando forem naquela casa de tango, assistam ao show inteiro, vale a pena! – Rimos em meio
às lágrimas. Fred acelerou, olhei para trás – elas ficaram na calçada acenando.
Depois de algum tempo, consegui parar de chorar. Fred ficou em silêncio, respeitou meu
momento. Quando nos aproximamos de Montevidéu, perguntei a ele:
– Pra onde vamos? Alguém está pagando desta vez?
– Vamos para o aeroporto e não, desta vez não houve pagamento, vamos ter que usar o
dinheiro que nos restou.
– Se não há pagamento, por que aceitou?
– Porque fui contratado para mantê-la fora de perigo, e isso ainda não ocorreu.
– Vamos para onde?
Ele tossiu e respirou fundo.
– Europa.
Deixei minha cabeça escorar no encosto do banco. Fechei os olhos...
No estacionamento do aeroporto, veio em minha memória o dia que me despedi de Andréa.
Uma tristeza sem fim me abateu. Estacionou.
– Carmem, me dê seus documentos.
– O quê? Por quê?
Abri minha bolsa e tirei da carteira.
– Todos, por favor. – Estendi a ele tudo o que tinha. Ele olhou, colocou em um envelope e lacrou.
Colocou dentro de sua pasta e retirou dela outro, que me estendeu. Abri. Olhei. Não entendi.
– Quem é Kamila Santiago?
– A partir de agora é você. Carmem deixará de existir hoje.
Não tinha mais lágrimas. Guardei os novos documentos sem manifestar muita emoção. Isso não
me abalou muito, afinal podia ser Carmem, Maria, Ana ou qualquer outro nome. Isso não me
importava mais.
“Será que será possível deixar toda essa mágoa junto com o nome?”
– Pra que país iremos? E como vai ser? O que vou fazer?
– Portugal. E não se preocupe, tenho contatos lá e estão nos esperando, tudo dará certo – falou
com carinho.
– Confiei em você uma vez, Fred, e continuo confiando.
Descemos, pegamos as malas, e nos dirigimos ao embarque.
Horas depois, estávamos a caminho de Portugal. Não resisti e perguntei a ele:
– Soube algo dela?
Ele respondeu sem me olhar:
– Apenas o que o advogado me disse. A mãe dela colocou seguranças no hotel e próximo a ela
sem ela saber. Eles perceberam que, diversas vezes, ela foi seguida, mas nunca foi abordada por
ninguém.
– Seguida! Meu Deus! Eu não me perdoaria se...
– Não, Car... Kamila. – Ele sorriu e falou baixinho. – Habitue-se a esse nome. Você não precisa
se preocupar, eles não se aproximariam dela, apenas queriam se assegurar, caso ela fosse ao seu
encontro.
– Acho que isso não vai mais acontecer – falei com resignação.
– Então não precisa se preocupar.
A viagem foi cansativa. Fiquei em silêncio, embora Fred tentasse puxar conversa. Meus
pensamentos estavam com ela. Sabia que nunca mais a veria, talvez ela nunca soubesse o que
aconteceu comigo.
Em toda minha vida estive sozinha. Mesmo com Henrique, me sentia sozinha, mas agora a
sensação era de abandono total. Abandono...
Estava me deixando levar sem saber o que viria pela frente. A única certeza era de que meu
futuro não seria ao lado dela. Meus sentimentos oscilavam de saudade imensa para uma raiva
incontida.
“Por que ela fez isso?”
– Menina, estamos chegando. Olha... – Fred me chamou para olhar pela janela. Olhei sem
motivação. Sempre sonhei em viajar, conhecer lugares... Mas não dessa forma.
– A cidade é linda – falei para não decepcioná-lo.
– Presta atenção no que vou te falar. Quando descer deste avião, será para sempre Kamila
Santiago. Carmem morreu, entendeu?
Respirei fundo.
– Sim, entendi – sabia que tinha morrido um pouco a cada dia desde que deixei Andréa
naquele aeroporto. – Sim, Fred, tudo que vivi até aqui morreu.
Ele me olhou com uma expressão de compaixão.
– Não ficará sozinha, não tenha medo. Certo?
– Não tenho medo de mais nada.
Demoramos uma hora para conseguirmos sair do aeroporto. O início do inverno europeu se
mostrava atípico, estava quente. Procuramos um táxi e Fred deu a ele o endereço do hotel.
– Pelo menos não terei problemas com o idioma – falei baixinho para ele.
– Não! Vai gostar daqui, a cidade oferece muitos atrativos.
Respondi com o olhar perdido na paisagem:
– Preciso trabalhar.
– Tudo a seu tempo, menina. Tudo a seu tempo.
Passamos por várias avenidas bem arborizadas, com casas e prédios com arquiteturas lindas,
igrejas maravilhosas.
Chegamos ao hotel e os recepcionistas vieram rapidamente pegar nossa bagagem.
– Vamos tomar algo no restaurante antes de subir. Eles levam nossa bagagem.
– Sim, vamos. Um suco me fará bem.
Sentamos no restaurante e pedimos. Observei o hotel e não pude evitar de perguntar:
– Fred, temos dinheiro para isso? – Ele sorriu.
– Não se preocupe, menina. Temos condições de pagar.
– Mas vamos ficar em hotéis?
– Não. É temporário.
– Você não vai me deixar aqui sozinha e voltar para o Brasil, né? – perguntei preocupada. Deu
uma gargalhada, antes de responder:
– Vou deixá-la em boas mãos, não se preocupe, não ficará sozinha e logo logo não vai mais
precisar de mim. Como da outra vez.
– Mas é diferente! Lá tinha Marina e Elisa. E aqui?
– Calma. Vai conhecer uma pessoa maravilhosa. Tenho certeza que vai gostar muito... Dessa
pessoa.
– Quando vou conhecer?
– Logo. Vamos?
– Vamos. Preciso tomar um banho.
Pegamos o elevador e subimos. Os quartos eram no mesmo andar, ele me acompanhou até a
porta do que estava reservado para mim. Antes que eu abrisse a porta, ele me chamou.
– Vem aqui. – Abraçou-me. Fiquei preocupada.
– O que houve? Por que está me abraçando? Não vai embora e me deixar aqui, não é? – Ele
sorriu carinhosamente.
– Não, menina. Só quero que saiba que eu estou aqui e que tudo vai dar certo. Vai ser muito
feliz aqui, tenho certeza.
Abracei-o.
– Ah, Fred! Você não existe!
– Agora vai! Depois falamos... Carmem... – falou baixinho o meu nome.
Entrei. Percebi que era uma suíte enorme. Uma sala, sacada, uma decoração de muito bom gosto
e uma porta que, provavelmente, dava acesso ao quarto. Imaginei o preço que íamos pagar.
“Fred deve estar louco!”
Não vi minha bagagem ali, deviam ter colocado no quarto. Fui até ele e abri a porta. Uma cama
enorme, aconchegante. Observei ao lado da cama um balde de gelo com uma champanhe.
“Boas vindas...”, pensei e suspirei.
A decoração linda, mais uma sacada. Fui até ela e percebi que não era uma simples sacada. Ao
sair pela porta, olhei para o lado e vi uma piscina. Não acreditei...
“Sim! Fred está louco!”.
Pensei em procurá-lo, mas decidi que faria isso depois. Primeiro precisava tomar um banho,
relaxar. No banheiro, também me surpreendi: uma banheira enorme! Tirei a roupa e entrei embaixo
do chuveiro. A água morna me fez relaxar os músculos, estava tensa, cansada, com saudade dela...
E sem esperanças. Fiquei ali por um bom tempo.
Saí do banheiro nua, pois não havia aberto as malas ainda. Coloquei uma delas em cima do
balcão e quando fui abri-la, levei um susto. Ouvi...
– Assim que imaginava em meus sonhos... Você nua!
Fechei os olhos. Não queria acreditar. Ou queria muito. Quando me virei, ela já estava a
centímetros do meu rosto.
– Andr... – Não terminei de dizer seu nome.
– Amor... – Ela segurou meu rosto e puxou-me em direção à sua boca.
Saudade. Falta. Necessidade. Carinho. Amor...
Raiva...
Chorei, me afastei, bati nela. Acertei seus braços, suas mãos... Ela segurou meus braços com
força, se aproximou.
– Também senti saudades intensas...– falou rindo, tentando segurar meus braços.
– Por que fez isso comigo? Que merda! Você não presta! – Continuei batendo, as lágrimas
caindo.
– Pode bater, xingar... Mas só vai conseguir me deixar mais excitada... – falou sorrindo, olhando
para meu corpo.
– Por que sumiu assim? Por que não me avisou? E que amiga era aquela? – Estava cheia de
perguntas para fazer. Eu a empurrava, ela sorria. E me puxava para ela... E assim foi me
conduzindo para trás.
– Precisava ser assim, me perdoa... – Seu corpo, colado ao meu, me empurrava em direção à
cama. Sua boca em meu pescoço.
– Odeio amar você! – Ainda batia em seus ombros. Ela me segurava com força, senti a cama em
minha perna.
– Me mostra esse ódio todo... – Ela colocou o joelho na cama sem me soltar. Foi deitando em
cima de mim.
– O que vai fazer? Me usar e depois sumir? O que quer? – Deixei-me cair na cama, senti o
corpo dela sobre o meu.
– Agora? Quero comer você, dar pra você, fazer amor com você, ouvir você dizer que quer
mais... Que vai gozar pra mim... – Enquanto sua boca procurou meu seio, puxei sua blusa para
cima. Tirei.
– Morri sem você... – falei puxando seus cabelos. Suas mãos desceram. Abri as pernas.
– Vou viver pra você...
Sua boca me sugava o seio e sua mão acariciava meu sexo. Gemi baixinho, ela também ao ver
meu desejo por ela. Ficou por alguns momentos nessa tortura deliciosa. E me penetrou com vontade,
não controlei minha respiração...
– Isso, geme pra mim, quero ouvir... – Sussurrou no meu ouvido.
– Ah! Não para... – falei baixinho. Começou a movimentar sua mão.
– Não... Não paro, vem comigo, amor... Vem... – Entrei no mesmo ritmo dela. Ou ela entrou no
meu...
Segurei-a, cravei as unhas em suas costas, ela gemeu.
– Doeu? É pouco! – consegui dizer próximo ao seu ouvido.
– Pode arrancar a minha pele, pode me fazer sangrar, vou querer sempre mais de você...
Colou sua boca na minha. Um beijo que mordia, sugava, tomava.
Meu corpo se movia buscando tudo dela.
– Mais... – falei na sua boca.
– Assim... Quero ouvir. Pede mais, pede...
– Quero mais... – Atendeu.
Os movimentos se tornaram mais rápidos, puxei seus cabelos, colei meu corpo ao dela. Sentia
minha perna no meio das dela, nossos corpos se buscavam freneticamente. Ouvi-la assim me
deixava alucinada.
– Andréa, vou...
– Isso... Diz... Diz pra mim.
– Vou gozar... Pra vo... – Tremi nos seus braços.
Senti-a se contraindo nos meus. Um orgasmo intenso, longo, nos atingiu juntas. Abracei-a com
força, até sentir seu corpo relaxar. Não esperei e a virei. Abaixei a calça que ela ainda vestia
rapidamente.
– Preciso sentir você, Andréa. – Me coloquei no meio de suas pernas e tomei-a inteira, completa,
a fiz gozar de novo.
Toda a dor, angustia e raiva que sentia se dissiparam ao ouvi-la falar:
– Sou sua, Carmem...
Aquela noite, entre um orgasmo e outro, repeti diversas vezes os xingamentos. E ela, as
promessas de amor...
***
Os últimos dias estavam sendo os mais felizes da minha vida, toda a mágoa que sentia pelo
abandono havia desaparecido.
Andréa contou-me das palavras rudes de Paula, fazendo-a ver que jamais seria feliz longe de
mim.
Falou de todos os arranjos que precisou fazer para conseguir minha nova identidade e de como
convenceu sua mãe a diversificar os investimentos para Portugal e transferir parte da
administração a ela. Contou também do sofrimento que sentiu de ter que se afastar e não me ligar,
para que seus planos não fossem descobertos. Segundo ela, foi a parte mais difícil.
– Lembre-me de agradecer a sua amiga Paula por isso.
– Terá oportunidade... Em breve, elas devem vir nos visitar.
Falou-me de Henrique e das tentativas de assassinato que ele havia sofrido, mas que estava
bem e que o acordo que fez possibilitou a ele certa segurança. Cumpriria sua pena em um presídio
com segurança e isolamento, para evitar qualquer nova tentativa. Provavelmente sua pena seria
reduzida, mas ainda haveria o julgamento.
Sabíamos que dificilmente voltaríamos para o Brasil, um país que amávamos, mas que
infelizmente vivia uma crise na segurança pública sem precedentes na história. Os casos de
violência e desrespeito à vida se tornaram corriqueiros, e esse era um dos principais problemas: as
pessoas se habituam a ver sem reagir, por medo, ou então fogem. E foi o que fizemos. Pedi a
Andréa que ajudasse Cíntia com o que fosse possível, ela concordou. Contei a ela os assédios que
as meninas sofriam do senhor Alfredo, ela por sua vez contou à sua mãe que providenciou sua
demissão por justa causa e mais um processo. E o senhor Joaquim foi promovido a gerente.
Fazia uma semana que estávamos juntas em Portugal. Eu conheci muito pouco da cidade. Na
verdade, saímos pouco do hotel. Sufocar a saudade que sentíamos foi nossa prioridade.
As poucas vezes que saíamos era para almoçar com Fred, que foi embora três dias depois, em
uma outra choradeira de minha parte. Pedi a ele que contasse a Elisa e Marina o que tinha
acontecido, e que as esperávamos. Queria que viessem nos visitar, Andréa concordou. Falei que
telefonaria para elas logo.
Nós o levamos até o aeroporto.
– Diga a elas que vão adorar os shows daqui! Vamos levá-las para ouvir um Fado e quem sabe,
na Espanha, uma dança Flamenca. – Andréa olhou para mim com cumplicidade, dei risada em meio
às lágrimas.
Nós nos despedimos dele e acenei quando me olhou da porta de embarque.
Estávamos voltando para o hotel, depois de uma manhã cansativa procurando apartamento.
Andréa não queria ficar por muito mais tempo no hotel.
– Cansada? – ela perguntou assim que entramos na suíte.
– Um pouco. Temos que ir à tarde novamente? Tá muito frio – falei tirando o casaco.
– Temos, amor. À tarde que vamos ver aquele que gostei, quero que você o veja.
– Tudo bem, aguento... – Fui até ela e a beijei. – Você me chamou duas vezes de Carmem – falei
sorrindo, com os braços em volta de seu pescoço.
– Eu sei, não vai ser muito fácil acostumar. Acho que não vou mais me referir a você por nome
nenhum. – Riu.
– Ah! E como vai fazer?
– Vou chamar só de amor, pode ser? – Puxou-me pela cintura e beijou meu pescoço.
– Deve! Mas agora quero um banho e estou com fome – falei me afastando dela. Caminhei em
direção ao quarto, ela veio atrás.
– Um banho vai ser ótimo, mas quero na banheira. – Me olhou com segundas intenções.
– Pode ser, mas antes pede alguma coisa pra comer, sei que vou ficar com mais fome do que
estou – respondi rindo.
Andréa foi até a sala e ligou pedindo almoço, mandou deixarem na sala.
Entramos na banheira... Uma delicia! A água morna, o jato em minhas costas, Andréa me
beijando... Não queria mais sair dali, mas fui vencida. Andréa me puxou para a cama e, sem
demora, abriu minhas pernas e se colocou entre elas. Sentia seu corpo, sua respiração, seu
coração.
– Quer ser minha mulher pro resto da sua vida?
– Achei que nunca ia ouvir isso de você...
Ela sorriu. Seus olhos negros me diziam tudo o que precisava saber. Mesmo assim, ela disse:
– Eu amo você.
– Amo você – falei no ouvido dela.
Ela me segurou e, rapidamente, inverteu a posição. Me colocou em cima dela e sentou, levando
meu corpo junto. Sua boca na altura dos meus seios... Não teve piedade, me contrai em sua boca,
segurei seus cabelos. Nossos corpos se encaixavam e nos entregamos àquele momento.
Tínhamos certeza de que estávamos começando uma nova historia em nossas vidas. Muitas
incertezas, muitos medos, mas, sobretudo, muito amor. Nós nos amávamos...
***
Entregues uma à outra, sem perceber que a poucos metros olhos furtivos as observavam...
A jovem camareira por momentos sentiu suas pernas tremerem ao ver a cena, sentiu a umidade
na calcinha, os lábios secos. Molhou-os com a língua. Um instinto desperto a fez morder o lábio, mas
um lampejo de lucidez a fez virar as costas e sair a passos largos.
Não esqueceria aquela imagem, como o expectador que vê na tela o sonho e não acredita que
um dia possa realizar. Não o sexo, mas a felicidade.
Fechou a porta sem fazer ruídos, pensou:
“Se vier na forma de uma mulher como uma delas, não vou reclamar...”
Entrou no elevador sorrindo.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTO
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
A reprodução de parte ou do todo do presente texto, em qualquer meio físico ou eletrônico, é
expressamente proibida sem a autorização prévia por escrito da autora.
***
Editora: Vira Letra
Editora Responsável: Manuela Neves
Produção: DiWind Produções

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