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Material Extra

Roteiro: do começo
ao fim, passando pelo
meio
com Jorge Furtado
_ Trechos de Roteiros
_ Textos Adicionais
_ Filmografia
_ Bibliografia
TRECHOS DE ROTEIROS
Trecho do Primeiro Capítulo da Minissérie “Agosto”, roteiro e
adaptação de Jorge Furtado e Giba Assis Brasil, sobre romance
de Rubem Fonseca.

CENA 1-1 - EXT/NOITE - RUAS


Um Mercedes preto roda na noite. Reflexos da cidade passam pelo seu
capô. Um letreiro sobreposto indica:
1o DE AGOSTO DE 1954
0 HORA E 15 MINUTOS
O carro sobe numa entrada de garagem e para. Buzina duas vezes.

CENA 1-2 - EXT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: FRENTE


O Mercedes está parado em frente à garagem do edifício, com os
faróis acesos, em luz alta. RAIMUNDO, um pernambucano magro de
testa pequena, meio ofuscado pela luz, passa pela frente do carro e
abre o portão. O carro entra na garagem. Raimundo aperta os olhos,
ainda sem enxergar direito, e acena discretamente para o motorista,
sem ter certeza de tê-lo reconhecido. Depois, torna a fechar o portão.

CENA 1-3 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM


O Mercedes pára na garagem, no subsolo do edifício, onde há outros
carros. Apaga os faróis. A porta do motorista abre, uma pessoa desce.
Em seguida, a outra porta também abre.

CENA 1-4 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA


Raimundo entra pela porta envidraçada do edifício. Olha rapidamente
para fora, para os dois lados da rua. Tranca a porta e entra.

CENA 1-5 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM


PAULO Gomes Aguiar, 40 anos, grande, musculoso, magro, elegante,
aproxima-se do elevador, no interior da garagem, e aperta o botão.
Há uma outra pessoa com ele, nunca mostrada. Paulo olha para esta
pessoa com uma ponta de desejo.
CENA 1-6 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA
Raimundo, sentando-se em seu posto na portaria, olha o ponteiro do
mostrador do elevador, que marcava a Garagem, começando a se
mover. Quando o elevador passa pelo andar da Portaria, Raimundo
pode ver, pela portinhola, o rosto risonho e levemente embriagado do
Dr. Paulo Gomes Aguiar.
TEREZA, uma morena baixinha, 25 anos, vestida de forma simples,
surge dos fundos da portaria.
TEREZA
Então, Raimundo?
RAIMUNDO
Vamos esperar um pouco.
TEREZA
Não vai chegar mais ninguém. Tá todo mundo
dormindo.
RAIMUNDO
Mais uma hora, Tereza. Mais uma hora.
TEREZA
Amanhã eu tenho que acordar cedo.
Raimundo levanta-se cautelosamente, vai até a porta, abre-a e olha para
os dois lados.
RAIMUNDO
Tá bem. Mas eu não posso demorar.
Raimundo e Tereza caminham até os fundos da portaria. Tereza abraça
Raimundo, enquanto os dois desaparecem atrás da porta do quarto
de Raimundo, na continuação do corredor. Em seguida, Raimundo
entreabre a porta.
RAIMUNDO
Tem que deixar um pouco aberta. Alguém pode
chegar.
Tereza continua abraçando e beijando Raimundo. Ele, aos poucos, vai
entrando no clima.
Sob os sons da trepada de Raimundo e Tereza, recuamos pelo
corredor, de volta à portaria, enquanto sobem os acordes iniciais de
O INVERNO, de Vivaldi. O ponteiro do elevador está parado no oitavo
andar.

CENA 1-7 - INT/NOITE - APTO DE PAULO: QUARTO/BANHEIRO


A música de Vivaldi se mistura com os sons de uma trepada. O quarto
de Paulo é espaçoso e cheio de detalhes luxuosos em estilo art
nouveau, tudo de muito bom gosto. Sobre a mesa de cabeceira, um
jornal com a manchete MAR DE LAMA NO PORãO DO CATETE. Sobre o
jornal, dois copos de uísque quase vazios, um cinzeiro cheio. Roupas
espalhadas pelo chão.
De repente, ouve-se um grito de gozo. Sobre a cama, a mão crispada
de Paulo. A mão relaxa e fica imóvel. O braço, imóvel. O rosto
contraído, olhos e boca abertos, língua para fora entre os dentes,
marcas de esganadura no pescoço. Paulo está morto. O colchão se
move: a outra pessoa levanta-se da cama. A música é interrompida.
Som de agulha de vitrola sendo levantada sem cuidado, arranhando
um pouco o disco.
Por trás da cortina do box, formas indefinidas de alguém tomando
banho. Em seguida, o chuveiro é desligado. A cortina do box se abre
e revela o peito musculoso de um HOMEM negro, com uma marca de
dentada, pouco abaixo do mamilo esquerdo. O homem passa a mão no
ferimento, que sangra. Ele tem um grande anel dourado. Tira o anel e
examina o sangue em sua mão. Vai até a pia, coloca o anel ao lado do
sabonete e lava as mãos. O sangue escorre pela pia.

CENA 1-8 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: QUARTO DE RAIMUNDO


O encanamento desce, aparente, pelo quarto de Raimundo, um
cubículo sem janelas, com uma cama estreita e um pequeno armário
sem porta. Raimundo e Tereza estão deitados na cama. Ouve-se o
som da casa de máquinas do elevador. Raimundo se ergue, apressado.
Abotoa a calça e a camisa.
RAIMUNDO
Vem descendo alguém. Fica aqui.
Raimundo apaga a luz do quarto e sai, deixando a porta entreaberta.

CENA 1-9 - INT/NOITE - EDIFíCIO DEAUVILLE: PORTARIA


Raimundo chega apressado à portaria e olha para o ponteiro do
elevador que vem descendo. Raimundo senta em seu posto e fica
olhando para o ponteiro. Não consegue ver ninguém pela portinhola. O
elevador passa direto para a garagem.
RAIMUNDO
(com expressão de tédio) Garagem...
Raimundo se levanta e vai abrir o portão da garagem. A portaria fica
deserta.

CENA 1-10 - EXT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: FRENTE


Raimundo abre o portão da garagem. Fica esperando algum carro sair.
Nada acontece. Ele olha a garagem. Nenhum movimento.

CENA 1-11 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA


Pés de um homem na portaria do prédio. Ele pára no saguão, como se
olhasse em torno, e sai do prédio.

CENA 1-12 - INT/NOITE - CATETE: CORREDOR/QUARTO DE GETúLIO


Interior do palácio do Catete, na penumbra. No fundo do corredor,
abre-se a porta de um pequeno elevador. Um homem sai do elevador
e aproxima-se. Letreiro sobreposto indica:
PALáCIO DO CATETE
1 HORA E 40 MINUTOS
O homem é GREGÓRIO Fortunato, 50 anos, negro, forte, corpo
volumoso. Veste paletó e gravata.
Obs: atenção ao figurino: o público deve acreditar que se trata do
mesmo homem que saiu do Deauville na cena 1-11.
Gregório vem pelo corredor até parar em frente a uma porta fechada.
Escuta. Abre uma fresta na porta. GETÚLIO Vargas está de costas,
sentado na cama, de pijama. Gregório fica um tempo parado, olhando
para o presidente, com um ar de quase devoção. De repente, ouve
uma voz às suas costas.
MANUEL
Tenente Gregório?
Gregório volta-se, calmo, com uma ponta de ódio no olhar. Vê MANUEL,
um negro franzino, 25 anos, com uma bandeja na mão.
GREGóRIO
(encostando a porta) O que foi, Manuel? Não vê
que o presidente está tentando dormir?
MANUEL
O senhor precisa de alguma coisa?
Gregório fica olhando fixo para Manuel.
MANUEL
(assustado) É que eu pensei que o senhor...
GREGóRIO
(autoritário) Volta pra cozinha, Manuel.
Manuel sai. Gregório dá mais uma olhada para o interior do quarto de
Getúlio e fecha a porta. Afasta-se lentamente.
ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DE UM ROTEIRO: HOUVE
UMA VEZ DOIS VERÕES
Trecho de primeira anotação para o roteiro do longa-metragem

(sexta-feira, 3 de março de 2000, 16:53:00)


X
Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar
com ele. Juca e Chico ensaiam o encontro. Escolhem a roupa dele.
Encontro de Chico e Roza. Ela informa que está grávida.
Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não
pode pedir dinheiro para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.
Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais.
Juca empresta 500. Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro.
Ela dá um beijo nele e desaparece.
Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico
finalmente consegue ficar entre os dez melhores escores da máquina
e vai escrever seu nome na lista. E vê que o primeiro, segundo, quarto
e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos
records são anteriores ao primeiro encontro dos dois.
Chico passa o resto do verão procurando por ela, em outras praias.
Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no fliper,
estava mentindo para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta
garotos no verão passado, ganhou uma grana. Ela pergunta o que ele
vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.
Transam, ele vai embora.
X
Primeiro tratamento do roteiro:
terça-feira, 26 de dezembro de 2000, 10:54:20
terça-feira, 26 de dezembro de 2000, 10:54:20

CENA QUARTO DE CHICO, DIA


Chico em seu quarto, estudando e ouvindo música. Para de ler e tira do
bolso a ficha do flíper. Fica rodando a ficha na mesa.
CHICO (OFF)
Voltei para Porto Alegre e tinha prova de química
orgânica, um saco. Eu podia descobrir as
impressões digitais dela na ficha, se eu já não
tivesse segurado e esfregado esta ficha mil vezes.
Ligações covalentes, pra que eu vou usar isso na
vida? Talvez ela já esteja na Austrália.
Toca o telefone. Ele atende.
CHICO
Alô?
CHICO
É.
CHICO
Claro.
CHICO
Tudo.
CHICO
Como é que tu conseguiu meu telefone?
CHICO
Sei.
CHICO
Não, estava estudando.
CHICO
Química orgânica.
CHICO
Quero, claro.
CHICO
Sei. Que horas?
CHICO
Tudo bem.
CHICO
Tá.
CHICO
Outro.
Chico desliga o telefone, fica parado alguns
segundos e dá um grito.

CENA QUARTO DE CHICO, NOITE


Chico fala olhando para si mesmo no espelho enquanto experimenta
várias camisetas. Juca vai alcançando camisetas e jogando as já
experimentadas na gaveta.
CHICO
Ela disse alô, eu disse alô, já achando que era ela
mas não podia ser ela. Ela disse é o Chico? e eu
disse é, aí já achando que era ela mesmo. Aí ela
disse é a Roza. Com z, lembra? Eu disse, claro. Ela
disse, tudo bom?, eu disse tudo. Aí ela disse que
queria me ligar mas não tinha o meu
número. Eu perguntei como ela conseguiu. Ela
disse que encontrou uma amiga da praia que
tinha, deve ser a Violeta.
JUCA
Argh.
CHICO
Eu disse sei e ela perguntou se estava
interrompendo alguma coisa, eu disse não, eu
estava estudando química orgânica. Aí ela
perguntou se eu queria encontrar com ela, eu
disse que sim, claro, é lógico. Não, eu acho que
eu só disse quero, claro. Aí ela perguntou se eu
sabia de um bar na Nilópolis, um que tem umas
mesinhas brancas e um toldo amarelo, perto do
posto.
JUCA
O Coquinho.
Camiseta azul, gola redonda.
CHICO
O Coquinho. Eu disse sei e perguntei que horas.
Ela disse oito, oito e meia. Eu disse tudo bem, ela
disse então a gente se vê lá. Eu disse tá. Ela disse
um beijo. Eu disse outro.
JUCA
Vai com a azul. No Coquinho só tem moinhos, a
azul é mais moinhos. O que tu vai dizer? Tem
camisinha?
Camiseta preta, gola vê.
CHICO
A gente não vai trepar no Coquinho.
JUCA
(dá uma camisinha para Chico) Leva camisinha.
CHICO
Uma só?
JUCA
Ué? Não ia trepar e agora quer duas?
CHICO
Só se der algum problema. Tudo bem, uma chega, a
gente não vai trepar.
JUCA
Tu sabe o que vai dizer para ela?
CHICO
Sei.

CENA MESA, NOITE


Chico, de camiseta vermelha, toma um gole de guaraná.
CHICO
Eu pensei muito naquela noite. Claro que eu nunca
vou esquecer, tu sabe disso. Talvez tenha sido
mais importante para mim do que para ti, deve ter
sido. Mas eu queria que fosse importante para ti
também. Queria não, eu quero. Eu não quero que
aquela seja nossa única noite. Quero que seja a
primeira.
Juca olha para Chico.
JUCA
Tá legal. Gostei do “queria não, quero”. Parece que
tu errou e corrigiu na hora. Mas a camiseta azul é
melhor.
CENA COQUINHO, NOITE
Chico, de camisa azul, está sentado numa mesa de rua no Coquinho.
Bebe um guaraná, de canudo. O guaraná tem aquele gelos furados,
Chico espeta um gelo e larga o canudo sobre o copo, com o gelo
pendurado como um anel.
Chico fica olhando o gelo derreter pendurado no canudo. O gelo pinga
magicamente no exato ritmo da música “Bird on the wire”.
O anel de gelo está quase se partindo. Chico passa os olhos pelo bar,
nada de Roza. O anel de gelo se movimenta, vai cair. O gelo cai no
copo.
ROZA
Oi.
CHICO
Oi.
Chico se levanta. Beijam-se de maneira meio atrapalhada. Sentam.
Chico sorri, Roza também.
CHICO
Bom te ver.
ROZA
Também queria te ver.
CHICO
Eu pensei muito naquela noite.
ROZA
Eu não pensei nada, acho que estava louca. A
gente nem usou
camisinha.
CHICO
Não, eu quero dizer que eu pensei muito sobre
aquela noite. Claro que eu nunca vou esquecer, tu
sabe disso.
ROZA
Nem eu vou esquecer. Eu estou grávida.
Chico fica olhando para Roza. Ela sorri.

CENA PRAÇA, NOITE


Roza mostra a Chico uma tabela de cores de um teste de gravidez.
ROZA
Olha aqui. Se ficar vermelho, ou cor de rosa, é
porque tu não tá. Se der verde, ou azul, é porque
tu tá. Quanto mais azul, mais é certo que tu tá
grávida.
CHICO
E aí?
Ela mostra, numa agenda, uma tirinha de papel, metade branca,
metade verde, bem clarinho. Chico examina a tirinha na luz.
CHICO
É meio verde mesmo.
ROZA
Essa foi a primeira que eu fiz, semana passada.
Esta eu fiz ontem. Ela mostra uma tirinha metade
branca e metade muito azul.
CHICO
E tu fez mais de uma vez?
Ela mostra a ele um folha da agenda com várias tirinhas, todas muito
azuis.
Uma PAI e uma MÃE com seu TRÊS FILHOS estão comprando pipocas.
Chico olha para as crianças enquanto fala com Roza.
ROZA
Eu vou tirar.
CHICO
Como?
ROZA
Vou abortar.
CHICO
Mas como?
ROZA
Numa clínica. Uma amiga minha conhece.
CHICO
Não é perigoso?
ROZA
Sempre é, um pouco. Ela disse que é um lugar
chique, sala de espera, cheio de gente, na zona
sul.
CHICO
Como é que faz?
ROZA
É uma máquina, um tubo, tipo um aspirador. O cara
enfia o tubo, liga a máquina e pronto.
ROZA
É uma máquina, um tubo, tipo um aspirador. O cara
enfia o tubo, liga a máquina e pronto.
CHICO
Pode ser perigoso.
ROZA
Se eu fizer logo, não é tanto, quanto mais cedo,
menos perigoso.
CHICO
Eu posso te ajudar?
ROZA
Não sei. Tu tem mil reais?
CHICO
Mil reais? Custa mil reais?
ROZA
Custa dois mil reais. Eu acho que consigo mil, já
tenho seiscentos.
CHICO
Mil reais?
ROZA
Mil reais. Eu posso conseguir mais um pouco se
vender o celular.
CHICO
Tu tem celular?
ROZA
Tenho, mas é de cartão. (anota o número, dá o
papel a ele) Me liga. Se eu conseguir mais que mil,
te aviso. Se tu me ligar e outra pessoa atender é
porque eu vendi o celular.
CHICO
Tá.
CHICO
Eu acho que ia ser legal ter um filho contigo.
ROZA
É. Quem sabe, mais tarde.
CHICO
É.

CENA BRIC, DIA


Chico entrega um aplificador para um VENDEDOR, num bric. O cara
testa o amplificador.
CHICO (OFF)
O filho que eu não vou ter com Roza nunca vai
mentir para a mãe que o amplificador estragou
para poder vender por seiscentos um
amplificador que vale mil e juntar com o dinheiro da
poupança para pagar um aborto.

CENA COQUINHO, DIA


Chico e Roza numa mesa do bar. Ela chora, ele conta o dinheiro.
Termina de contar, põe o dinheiro na agenda dela.
CHICO
Falta duzentos. Vou pedir para o Juca, talvez ele tenha.
ROZA
Melhor não dizer para ninguém. Eu consigo.
CHICO
Quer que eu vá contigo?
ROZA
Não precisa. A minha amiga vai, ela tem carro.
CHICO
Quando tu vai?
ROZA
Logo que der. Eu te ligo.
CHICO
Liga?
ROZA
Ligo.
Ela dá um beijo nele, enxuga as lágrimas e sai.

CENA QUARTO DE CHICO, DIA


Chico em sua casa, sentado, olha o telefone. Ele pega o telefone e
confere o botão que regula a altura do toque, põe no volume máximo.
Larga o telefone.
Levanta-se, caminha pelo quarto, pega um game-boy, liga. Fica
jogando game-boy alguns segundos. Desliga o jogo e vai até o
telefone. Confere o fio do telefone, verifica se está bem conectado na
parede. Pega o fone e escuta rapidamente. Desliga e fica olhando para
o telefone.
Pega o telefone e disca.
CHICO
Roza?
CHICO
Marcos? Tu tá com a Roza?
CHICO
Ah, é? Quando?
CHICO
E... tu conhece a Roza de onde?
CHICO
Ah, é?
CHICO
Ah, é?
CHICO
Não, ela me falou que ia vender o celular, mas não
pensei que fosse tão rápido. Ela não te deixou
nenhum número?
CHICO
Bom, se ela ligar tu podia dar um recado?
CHICO
Tudo bem, eu sei que ela não vai ligar, mas SE ela
ligar, tu pode dizer que o Chico telefonou?
CHICO
Tá bom, obrigado.

CENA QUARTO DE CHICO, NOITE


Juca está jogando tetris. Chico está na cama.
JUCA
Quem disse que o filho era teu?
CHICO
Não enche o saco.
JUCA
Tô falando sério. Quem disse que era teu?
Juca tem um espaço certinho para uma pedra comprida de quatro,
vermelha. Mas ela não vem.
CHICO
Eu sei que era meu. Ela sabia.
JUCA
Sabia que precisava de mil reais, isso é que ela
sabia. Pode ter pedido pro outro cara, ele não deu,
ela te procurou.
CHICO
Era meu. Eu sei que era.
O espaço da pedra de quatro continua vago, Juca empilha as outras
pedras nos cantos.
JUCA
Ela vendeu o celular.
CHICO
Ela disse que ia vender.
Surge uma pedra vermelha. Cai e se encaixa na buraco.
JUCA
Ela não te ligou, não te deu endereço. Tu não acha
estranho?
Quatro fileiras desaparecem.

CENA COQUINHO, NOITE


Chico no bar, sozinho. Olha entre as mesas.
CHICO (OFF)
Achei estranho. Passou uma semana e eu achei
muito estranho. Passou um mês e eu tive certeza
que ela estava na Austrália, rindo da cara do idiota
que pagou o aborto para ela.

CENA PLAYWORLD, NOITE


Chico joga pimbal.
CHICO (OFF)
Passou um ano e eu estava no mesmo flíper,
jogando na mesma
máquina, na mesma praia, a maior e pior do mundo.
Felizmente era dezembro, o meu pai juntou uma
grana este ano. Prometeu que no ano que vem
nós vamos tirar férias em janeiro. Meu recorde no
pimbal era quarenta e oito mil e eu já estava com
cinqüenta e seis. Sessenta! Sessenta e dois mil.
Sessenta e quatro!
CHICO
Setenta mil!
Juca se aproxima.
JUCA
Setenta mil?
CHICO
Setenta e dois!
A bola passa. Game over.
CHICO
Merda!
Acende-se o placar dos recordes.
JUCA
Recorde da máquina!
O cursor do placar dos recordes está piscando no décimo lugar. O
primeiro, segundo, terceiro, quinto e sétimo lugares estão ocupados
por Roza, com z. O placar também indica as datas dos recordes.
Chico e Juca ficam olhando para o placar.

CENA RODOVIÁRIA, DIA


Chico, de mochila, na fila para comprar passagens da rodoviária.
CHICO
Ela sabia jogar, sabia jogar muito bem. Ela fingiu
que não sabia para eu ajudar.
JUCA
Talvez o filho fosse teu.
CHICO
Que filho? Ela nem tava grávida.
JUCA
Tu disse que viu o exame.
CHICO
Vi umas tirinhas de papel, podia ser qualquer coisa.
Ela me fez vender meu pioneer. Eu vou matar
aquela guria.
JUCA
Esquece.
CHICO
Esquece um cacete.
Chico embarca no ônibus interpraias.
JUCA
Ela deve estar na Austrália.
CHICO
Eu encontro.

CENA ÔNIBUS, DIA


O ônibus passa pela estrada entre dunas e lagoas. Chico, com a cara
grudada o vidro, olha os fios que correm ao lado da estrada. Parece
que é o fio que se move, descendo e subindo, uma linha preta
embarrigando sobre um céu azul e nuvens ralas.
Música: (das cenas ...)
Música: (das cenas ...)
http://www.dailymotion.com/video/x1qv08_the-band-the-weight_
music
http://www.youtube.com/watch?v=sjCw3-YTffo
O Peso
(versão de “The Weight”, do The Band)
Fui parar em Nazaré, sozinho e quase sem dinheiro. Só preciso de um
café, uma cama e um banheiro.
“Ei moço, por favor, sabe onde eu posso achar um hotel”? Ele sorriu e
me abanou e sumiu por trás de um carrossel.

(Chorus:)
Larga essa mochila. Não tem nada aí.
Larga essa mochila, e volta pra Tramandaí.

Cheguei na praça de Imbé, me lavei num chafariz.


Vi a Graça e o Pierre, num treiler comendo um xiz.
“Ei, Graça, larga isso. Maionese pode te matar”.
Ela disse, “o cigarro também, nem por isso eu paro de fumar”

(Chorus:)
Larga essa mochila. Não tem nada aí.
Larga essa mochila, e vamos pra Tramandaí.

Capão Velho, Capão Novo, deixei vinte reais num flíper. Só comi arroz
com ovo e a mochila já não tem mais zíper. “Ei, cara, dá um cigarro! Tu
não viu a Roza por aí?” “Sai de cima do meu carro e diz pra Roza que
eu morri”.

CENA KOMBI, DIA


Chico, com uma cara de enjôo, tenta sorrir para suas companheiras de
viagem, 6 freiras. Chico passa mal e vomita.

CENA ESTRADA, DIA


Chico desce da kombi no meio da estrada. As freiras partem, xingando.
Chico volta a pedir carona.

CENA BAR DE CALÇADA, NOITE


Chico senta numa mesa de bar. Come um sanduíche. Ouve o barulho
de um pimbal, alguém jogando muito bem. Chico interrompe a mordida
no meio. Entra no flíper. (últimos acordes da música).

CENA FLÍPER, NOITE


Chico se aproxima por trás da máquina onde há alguém marcando
muitos pontos. Chico, de longe, espia quem está jogando.
É uma criança. Chico morde o sanduíche. Chico pára de mastigar,
parece ter reconhecido a criança. Aproxima-se.
CHICO
Oi.
CRIANÇA
Não atrapalha.
CHICO
Eu te conheço.
CRIANÇA
Sorte tua.
CHICO
A gente não se viu no ano passado?
CRIANÇA
Game-over! Tu me atrapalhou. Tu me fez perder uma ficha!
CHICO
Eu te compro outra.
Chico vai até o caixa. Pede uma ficha a moça do caixa. É Roza.
ROZA
Ó.
CHICO
Ó.

CENA HOTEL, NOITE


A Criança está dormindo no sofá de um pequeno apartamento de
hotel. Roza tira o som de uma televisão portátil. Chico está na sala
Roza vai até o quarto, pega a carteira, tira o talão de cheques. Chico
pára na porta do quarto.
ROZA
Quer os juros da poupança?
CHICO
Quero. Quanto dá?
ROZA
Tu me deu oitocentos, faz um ano. Acho que dá
uns mil.
CHICO
Tá bom.
Ela faz o cheque. Ele entra no quarto, pega o cheque.
CHICO
Esse cheque tem fundo?
ROZA
Vou botar o telefone atrás. Tá bom assim?
Ela entrega o cheque a ele.
CHICO
(ele confere) Outro celular? É teu mesmo?
ROZA
(mostra o celular) Quer conferir?
CHICO
Quero.
Chico senta na cama, pega o telefone do quarto e disca. O celular dela
toca.
ROZA
Quer que eu atenda?
Ele desliga o telefone. Ela guarda o celular.
CHICO
O que tu ganhou com isso?
ROZA
No verão passado? Catorze mil reais. Vinte e dois
caras, quinze caíram. Estou devolvendo mil. Ganhei
catorze mil.
CHICO
Vinte e dois caras?
ROZA
Vinte e três, na verdade. Mas um eu nem procurei,
ele trabalha de office-boy, sustenta a mãe e o
irmão, só descobri depois. Deixei para lá.
Roza pega um vidro de mertiolate, abre. Roza senta numa cadeira e
apía o pé sobre a cama. Começa a passar mertiolate entre os dedos
do pé.
CHICO
Tu não ficou com medo de engravidar de verdade?
ROZA
Eu tomo pílula.
CHICO
E a aids? Se o cara usa camisinha, não funciona.
ROZA
É um risco. Mas eu só escolho caras de pouca
experiência. Ou nenhuma, como tu.
CHICO
Dava para ver assim, de longe?
ROZA
Quase sempre dá. Mais alguma coisa?
Ela troca o pé.
CHICO
Ele é teu filho?
ROZA
Meu irmão.
CHICO
E a tua mãe?
ROZA
Não sei onde anda. Meu pai morreu.
CHICO
Não tem mais ninguém?
ROZA
Onde?
CHICO
Tua família.
ROZA
Tenho um tio. Um idiota.
Ela abaixa o pé e fecha o vidro de mertiolate.
CHICO
Isso tudo não dá muito trabalho? Porque tu não
cobra para transar? É mais prático.
ROZA
E tu acha que alguém ia pagar mil reais para
transar comigo?
Chico olha para ela. Pega o cheque e rasga e pedacinhos. Joga os
pedacinhos do cheque sobre cama. Ela fecha e larga o vidro de
mertiolate.
Chico tira os tênis e joga no chão.
Roza, abrindo a blusa, vai até a porta do quarto e se certifica que a
criança está dormindo na sala. Fecha a porta do quarto.
A blusa de Roza cai no chão, junto aos tênis de Chico. A colcha da
cama cai e provoca uma revoada de pedacinhos de cheque.

CENA MINIGOLFE, DIA


Manhã, quase ninguém na rua. Chico caminha por um campo de
minigolfe. Entra numa das pistas. A pista, de cimento, tem como
obstáculo um grande calombo. Chico chuta uma tampinha, posiciona a
tampinha no centro da pista. Chico observa o trajeto que a tampinha
deverá fazer para chegar no buraco, além do calombo. Chico olha para
a tampinha e dá um chute, seco.
A tampinha sobe e desce o calombo e cai exatamente no buraco.
Chico sorri.
MISTER BRAU
Episódio 1: Seis gê.
Roteiro de Jorge Furtado, Marcelo Gonçalves, Bernardo
Guilherme, Adriana Falcão e Jô Abdu.

CENA 1. CASA DE CONDOMÍNIO - NOITE


Michelle e Brau se aproximam, param diante de uma casa de luxo no
condomínio Montain Hill. Na fachada, uma placa: “Vende-se”.
BRAU
Vamos entrar?
MICHELE
Tá maluco?
BRAU
Por que não, minha rainha?
MICHELE
Como? Está trancada.
BRAU
Alguma janela deve estar aberta.
Brau sai, apressado, na direção da casa, cruza o
jardim.
MICHELE
Brau! Volta aqui!
Ela olha em torno, não há ninguém, casas de luzes apagas, a rua vazia.
Michele sai atrás de Brau.

CENA 2. CASA DOS BRAU – JARDIM - NOITE


Michele caminha pelo jardim.
MICHELE
Brau?
Ela chega nos fundos da casa, olha em torno.
MICHELE
Brau?
Há um homem atrás de uma porta de vidro, ele bate no vidro. Michele
se volta. É Brau, dentro da casa.
MICHELE
Filho da...
Ele abre a porta.
BRAU
Boa noite... Quer entrar?
Ele a puxa para dentro.

CENA 3. CASA DOS BRAUS – INT/NOITE


Brau e Michele, com as lanternas dos seus celulares, caminham pela
casa.
BRAU
Olha esta sala!
MICHELE
Sempre quis uma sala para poder rodar, assim...
Ela roda pela sala.

CENA 4. CASA DOS BRAUS – EXT/NOITE


Eles saem no jardim onde há uma grande piscina.
BRAU
Olha piscina!
Brau acende as luzes da piscina e a cascata da piscina.
MICHELE
Brau, o que é isso?
Brau começa a tirar a roupa.
MICHELE
Você é doido!
Brau fica pelado e se atira na piscina. Michele ri e começa a tirar a
roupa.

CENA 5. CASA DOS VIZINHOS – INT/NOITE


ANDREA acorda com barulho na casa ao lado. Ela sacode HENRIQUE, o
marido.
ANDREA
Henrique! Henrique!
HENRIQUE
O que foi?
ANDREA
Tem gente na casa do lado. Na piscina.
HENRIQUE
Tem certeza?
ANDREA
Não está ouvindo?
Andrea se levanta, vai até a janela, vê a casa com as luzes acesas,
música tocando na piscina.
ANDREA
Olha! As luzes acesas.
HENRIQUE
Quem sabe não compraram?
ANDREA
E resolveram se mudar às 3 da manhã?
Henrique se levanta, vai até a janela, ouve vozes, vê luzes, mas não dá
para ver a piscina. Andrea abre a porta da sacada.
ANDREA
Apaga a luz!
Henrique apaga a luz do abajur, ele e Andrea saem na sacada, se
abaixam para não serem vistos, veem Brau na piscina.
ANDREA
(sussurrando) É um ladrão!
Andrea pega o telefone. Henrique fica na janela, observando Michele
na piscina.
HENRIQUE
(sussurrando) Como você sabe?
ANDREA
Você acha que esse cara pode ser o dono disso
tudo?
Michele entra na piscina. Henrique olha para Michele, maravilhado.
HENRIQUE
Não.
ANDREA
Chamo a polícia direto ou a segurança?
Henrique não prestou muita atenção, continua vidrado em Michele,
que nada pela piscina.
HENRIQUE
Sim.
ANDREA
Sim o quê, Henrique? Polícia ou segurança?
HENRIQUE
Polícia. Não, melhor chamar a segurança primeiro.

CENA 6. CASA DOS VIZINHOS - CASA DOS BRAUS – RUA – EXT/NOITE


Brau e Michele na piscina, MARQUES, o chefe da segurança do
condomínio, com uma poderosa lanterna e uma pistola de choque
(taser), colete à prova de bala, capacete com visor, apontando
sua arma para Brau e Michele, dentro da piscina. Andrea e Henrique
observam por cima da cerca.
MARQUES
Parados aí! Ponham as mãos onde eu as possa vê-
las!
Brau e Michele se assustam, protegem a nudez com as mãos.
MARQUES
(fala no rádio) Dois suspeitos neutralizados,
aparentemente desarmados. Mantenha posição.
(pra Brau e Michele) Mão para cima!
Brau, dentro dágua, põe uma mão para cima.
MICHELE
Eu não vou botar minhas mãos para cima.
BRAU
Ela não vai botar as mão para cima.
MARQUES
Saiam da piscina!
MICHELE
Só se você virar de costas.
Marques fica encarando os dois, olha para os vizinhos, se afasta um
pouco da piscina e vira de costas.
MICHELE
(para Henrique) E você também.
Henrique fica olhando, Andrea o vira de costas. E se vira de costas.
Michele e Brau saem da piscina, pegam suas roupas, se vestem.
BRAU
(para Marques) Quem é o senhor?
Marques volta a apontar a pistola elétrica.
MARQUES
Tenente Marques, chefe da segurança do
condomínio. E o senhor, quem é?
BRAU
Tá de brinca comigo parceiro?
MARQUES
Brincadeira nenhuma, rapaz, eu estou com cara de
quem está brincando?
BRAU
Vocês realmente não sabem quem sou eu?
MARQUES
Não. Deveria? Quem é você?
Faz sinal típico de Brau posando esperando pela foto e pelas reações.
BRAU
Mister Brau.
Silêncio.
Marques, Andrea e Henrique trocam olhares, ninguém conhece nenhum
Mister Brau.
BRAU
(cantarola, para Andrea) Quente, como você...
ANDREA
Desculpe?
BRAU
(canta para Marques) Te dei meu coração, meu
amor é você... A nossa conexão é seis gê..., vocês
não conhecem?
ANDREA
Não.
HENRIQUE
Você é músico?
BRAU
Se eu sou músico? Pelo amor de Deus, onde é que
vocês moram?
HENRIQUE
Aqui, na casa do lado.
MICHELE
Excuse-me, please. Procure na internet: Mister
Brau, seis gê.
BRAU
Brau, marrom em inglês. Bê-erre-a-u.
ANDREA
Em inglês se escreve bê-erre-ó...
BRAU
Em abrasileirei, pra ficar diferente do James e do
Carlinhos.
HENRIQUE
E por que não... marrom?
BRAU
Por que marrom é a Alcione.
MICHELE
Ontem tinha quase dois milhões de páginas. Só
precisa escrever Mister B, ele completa o resto.
Sou o top da lista, passei o Mister Bean em agosto.
Henrique acha o vídeo do show de Brau para 50 mil pessoas, põe para
tocar a música. Ele canta, se dubla.
Henrique, Andrea e Marques olham o vídeo, onde Brau comanda a
multidão e Michele arrasa na dança.
BRAU
(canta)
Te dei meu coração
meu amor é você
a nossa conexão
é seis gê...
Brau dança um pouco, faz parte da coreografia, olha para Michele, ela
não se move, séria.
Brau olha para Henrique, que reconhece o refrão.
HENRIQUE
Claro! (cantarola) Gê de gatinha, gê de gulosa...
BRAU
(canta)
gê de gracinha
gê de gostosa
gê de gostinho
da sua pele
gê de garota
minha Michele...
Henrique dança um pouco, conhece parte da coreografia, Andrea olha
para ele, pasma, Henrique para de dançar. Marques baixa arma.
HENRIQUE
Michele é você?
BRAU
Brau, Michele...
MICHELE
(para Marques) Nós compramos a casa. (para
Henrique e Andrea) Vamos ser vizinhos. Obrigado
pela recepção.
HENRIQUE
Desculpem, a casa estava fechada há tanto tempo,
nós ouvimos o barulho...
BRAU
As aparências enganam! Uma vez dei uma
cadeirada na minha irmã, ela perdeu a chave,
estava entrando em casa pela janela, duas da
manhã... Se a cadeira não fosse de plástico a essa
hora meu sobrinho era órfão! Como é o seu nome,
vizinho?
HENRIQUE
Henrique. Andrea, minha esposa.
ANDREA
Prazer.
BRAU
Tudo bem. Quantos volts tem essa sua pistola
elétrica?
MARQUES
Vinte milhões de volts.
BRAU
Eu tenho uma de 88 milhões de volts, amanhã eu
lhe mostro.
MARQUES
Bem, parece que a situação está esclarecida. Me
desculpem. (para Andrea) A senhora precisa de
mais alguma coisa?
ANDREA
Não, obrigada, seu Marques.
HENRIQUE
Bom, desculpem outra vez. Boa noite! E sejam bem
vindos!
BRAU
Obrigado. E olha, se acostumem: chegamos! Vocês
gostam de moqueca capixaba? A Michele faz uma
moqueca capixaba que é de babar, né amorzinho?
Vamos jantar, um dia desses.
HENRIQUE
Claro, claro.
ANDREA
Boa noite.
MICHELE
Obrigada, querida. X
SOB PRESSÃO
Episódio 4
Roteiro de Jorge Furtado, Lucas Paraízo, Antonio Prata e
Marcio
Alemão Personagens fixos:
EVANDRO, cirurgião.
CAROLINA, cirurgiã.
AMÉRICO, anestesista.
DECIO, enfermeiro.
NORMAN, médico residente, R2.
KEIKO, circulante.
KELLY, instrumentadora.
PAULO, neuro-cirurgião.
SAMUEL, diretor do hospital.
RENATA, diretora da O.S.
DERCILIA, paciente hipocondríaca.
RIVALDO, paciente crônico no corredor.
NOEMIA, vendedora de sanduíches.
CARLOS, policial de plantão.
LILIANA, noiva de Américo.
MARGARIDA, noiva de Américo.

Neste episódio:
TALITA, 30, mulher vítima de violência.
CHICO, marido de Talita, agressor.
ROMERO, 45, cego atropelado, dono do cachorro.
LÚCIA, 75, esposa de Benedito.
BENEDITO, 78, marido de Lúcia.
TAISON, 35, Assistente do Conselho Federal de Medicina

CENA 1. SALA DE TRAUMA


Talita, uma mulher de 30 anos, com o rosto muito machucado,
claramente em consequência de uma agressão. Evandro examina, ela
tem os olhos vermelhos, um deles quase fechado pelo hematoma, um
braço quebrado, numa prancha, colar cervical.
EVANDRO
O que dói mais?
TALITA
O braço.
EVANDRO
O olho não dói?
TALITA
Um pouco.
Ele cobre o olho menos machucado com uma mão.
EVANDRO
Está enxergando bem com este olho?
TALITA
Meio nublado.
EVANDRO
Acha que tem mais alguma coisa quebrada?
TALITA
Acho que não, só o braço.
EVANDRO
Sente gosto de sangue na boca?
TALITA
Não.
EVANDRO
Abre a boca. Algum dente quebrado? Ou frouxo?
Evandro inspeciona a cavidade oral.
TALITA
Não, acho que não.
Décio entra, se aproxima de um Paciente, um Homem, ele dorme.
EVANDRO
(para Décio) Décio, vamos fazer uma tomografia,
ver se o pescoço está bem.
DÉCIO
Tá bom.
EVANDRO
(para Talita) Eu fiz um analgésico, a dor no braço
deve diminuir.
TALITA
Tá bom. Obrigada.
Pausa, Evandro examina as articulações, os dedos, um deles está
inchado.
EVANDRO
O que foi que aconteceu?
Pausa.
TALITA
Eu caí na escada.
EVANDRO
Caiu na escada?
TALITA
É.
Pausa.
EVANDRO
Seu nome é...
TALITA
Talita.
EVANDRO
Talita. Você conhece o 180?
TALITA
O que é isso?
EVANDRO
É um número de telefone, para você denunciar
violência contra a mulher. Existe um serviço de
atendimento...
TALITA
Eu caí na escada.
EVANDRO
Sei. (pausa) E você cai muito na escada?
TALITA
Não.
EVANDRO
Talita, a violência contra a mulher, a lei já tem
três anos, está na lista dos casos de notificação
compulsória.
TALITA
Não entendi.
EVANDRO
Pelas evidências do seu exame clínico eu devo
denunciar, por lei, que você foi vítima de agressão.
TALITA
É? E o que eu ganho com isso?
EVANDRO
A questão não é só você, muitas mulheres têm
vergonha ou medo de denunciar seus agressores,
que quase sempre são os companheiros, às vezes
os filhos, irmãos. Nós temos que entender e medir
os casos de violência doméstica para enfrentar o
problema.
TALITA
Nós quem?
EVANDRO
Nós. O país.
TALITA
Que país? Doutor, olhe para minha cara: o senhor
acha que eu estou em condições de me preocupar
com o país? Com a lei? Da minha vida cuido eu,
obrigada. Eu caí na escada, é isso que eu vou dizer
para quem me perguntar, o senhor diga o que
quiser.
EVANDRO
Está bem, você é que sabe.
Evandro se afasta.

CENA 2. SALA DOS MÉDICOS


Carolina examina a ficha e exames de Talita, uma radiografia mostra o
braço quebrado. Evandro está comendo algo.
CAROLINA
(lendo) “Declarou ter caído na escada”. (para
Evandro) Você não vai denunciar?
EVANDRO
Não.
CAROLINA
(irritada) Você não acha que ela tem que fazer um
B. O., um exame de corpo de delito?
EVANDRO
Eu? Eu acho. Acontece que toda semana aparece
aqui uma mulher dizendo que caiu na escada,
escorregou na calçada, elas não denunciam os
filhos da puta que batem nelas, sou eu que vou
denunciar?
CAROLINA
Então você acha que o melhor é não fazer nada?
EVANDRO
Carolina, eu já fui testemunha, já saí até na porrada
com um marido...
EVANDRO
... ele batia na mulher e na filha com uma correia
de motor, a filha tinha pouco mais de 10 anos,
denunciei na polícia, a mulher foi lá e retirou a
queixa. O que eu podia fazer pela Talita eu já fiz,
como médico: meu relatório descreve as lesões.
CAROLINA
Que são, evidentemente, resultado de agressão, ela
podia ter morrido.
EVANDRO
Mas não morreu, e o caso dela é o mais simples
de hoje, já atendi dois baleados, um acidente de
trabalho grave, o cara perdeu o dedo. A Talita não
corre risco de vida.
CAROLINA
Corre, se voltar para este bandido.
EVANDRO
Não posso me preocupar com a vida de cada um
fora daqui.
Keiko se aproxima.
KEIKO
Chegou um táxi, com um atropelamento.
EVANDRO
Já vou.
CAROLINA
Você está sendo omisso, a lei diz que você deve
denunciar. Alguém tem que fazer alguma coisa
para evitar que essa mulher volte aqui na semana
que vem, em estado ainda pior.
EVANDRO
Que tal você? Vai lá!
“Saneamento Básico, o filme”
Roteiro de Jorge Furtado

CENA 48 - POUSADA
Fabrício, Silene, Marina e Joaquim assistem ao vídeo. Começa a música.
“It had to be you...”
Fabrício se levanta, pasmo. Silene fica atenta. Joaquim fica paralizado.
FABRÍCIO
O que é isso?
SILENE
Sou eu. Você que filmou.
FABRÍCIO
Como ele conseguiu esta fita?
MARINA
Eu usei a fita, sua fita, para gravar a cena. Uma
parte ficou embaixo.
FABRÍCIO
Que absurdo!
MARINA
A cena é linda.
FABRÍCIO
Eu vou matar esse cara!
MARINA
Você está linda.
FABRÍCIO
Olha só!
MARINA
Ele quer usar a cena.
FABRÍCIO
O quê? Nem pensar.
MARINA
Você nem aparece.
FABRÍCIO
Você vai mostrar isso nas escolas? Para um bando
de pirralhos?
JOAQUIM
Acho que eles vão gostar.
MARINA
Você está linda. Mas a decisão é sua.
Silene fica olhando a cena.
MARINA
Não sei se vai dar para usar a música, tem que
pagar, é caro.
JOAQUIM
Quanto?
MARINA
Três mil reais. É o dinheiro que nós temos. Do
cimento.
FABRÍCIO
Você vai usar o dinheiro do cimento para comprar
essa música?
MARINA
Sem a música, não tem a cena. E a cena é incrível.
É uma metáfora do amor à natureza. É um
investimento. Com o filme a Linha São Marcos
pode ficar famosa, a Silene pode ficar famosa.
A repercussão pode trazer dinheiro, com o
desenvolvimento do turismo. Pode dar dinheiro de
sobra para essa obra e muitas outras. (para Silene)
Mas a decisão é sua.
Silene fica se olhando no vídeo.

CENA 49 - GINÁSIO
Ônibus escolares descarregam crianças num ginásio. Prefeito,
autoridades, professoras, vão tomando seu lugar. Há um telão montado
sobre o palco onde acontece um balé infantil.
Joaquim mostar a Marina que seu Otaviano e seu Antonio estão
chegando. Eles sentam lado a lado na platéia. Marina vai falar com eles.
MARINA
Papai?
OTAVIANO
Quer sentar aqui?
MARINA
Não, não... O senhor poderia vir aqui um momento?
Otaviano levanta.
OTAVIANO
O que foi?
MARINA
Papai, é que... Algumas cenas do vídeo, tem cenas
em que a Silene aparece assim, com pouca roupa.
OTAVIANO
Ela e o Fabrício?
MARINA
Não, só ela, sozinha.
OTAVIANO
Ah, então tudo bem. Que calor horrível. Vai
demorar?
MARINA
Não, já vai começar, é depois do balé.
Aplausos. O balé termina. Otaviano vai sentar, Marina volta para a coxia,
fica ao lado de Joaquim. Marcela vai para o palco, pega o microfone.
MARCELA
Eu gostaria de pedir mais uma salva de palmas para
todos os alunos e também para os professores do
grupo de balé da escola de primeiro grau Leonel
Brizola.
Aplausos.
MARCELA
E agora, como parte dos eventos da semana de
cultura da rede municipal, nós vamos assistir a um
vídeo produzido pelos moradores da comunidade
da Vila Nova, antiga Vila Marghera. O vídeo é
financiado pelo programa federal de apoio a
produção audiovisual em municípios de até vinte
mil habitantes e faz parte de um projeto que
pretende enfrentar a questão do tratamento de
esgoto na comunidade. Eu chamo aqui a equipe
que realizou o vídeo, por favor.
Aplausos. Marina, Zico, Fabrício, Joaquim e Silene entram no palco.
MARCELA
A Marina foi a idealizadora do projeto, por favor
Marina.
MARINA
Eu... Obrigado. (olha para Otaviano) Obrigada!
A gente diz obrigado, mas mulher é obrigada,
homem obrigado, varia conforme o... gênero. Bom...
Obrigada. Eu espero que vocês gostem e
que sirva para alertar as pessoas, esse vídeo,
sobre a necessidade de respeitar a natureza,
especialmente as crianças. Obrigada.
Aplausos.
MARINA
Desculpe... Mais uma coisa. Eu esqueci de
agradecer o senhor Leonardo, da Vinhos Leonardo,
que nos apoiou. E a dona Carmem, da “Só
Lindezas”, que forneceu o figurino da atriz, um
vestido muito bonito. Obrigado.
MARCELA
Alguém mais quer falar?
FABRÍCIO
Não, eu não quero falar, só quero agradecer,
como a Marina já fez, aos empresários da iniciativa
privada que participaram, com as suas empresas,
desse empreendimento. Deste vídeo. Obrigado.
ZICO
Eu quero falar, desculpe, mas eu preciso falar. Eu
quero agradecer a iniciativa da prefeitura, inclusive
aqui na presença do senhor prefeito, uma salva de
palmas, por favor.
Aplausos.
ZICO
Porque são iniciativas como esta, de ousadia, de
desconstrução do aparato opressivo audiovisual,
com o surgimento de uma linguagem verdadeira,
ousada e visceral como esta, senhor prefeito.
Muito obrigado, senhor prefeito, e nós
agradecemos ao senhor pela coragem, por
demonstrar que um sujeito, um cidadão, para ser
artista e expressar a sua arte, não precisa ir para
Porto Alegre.
Muito obrigado.
Muitos aplausos.
MARCELA
JOAQUIM
Eu espero que, depois deste filme… ninguém
mais fique na fossa! Nenhum aplauso, ninguém ri,
alguém tosse.
MARCELA
Silvana, quer falar alguma coisa?
SILENE
Quero. O meu nome... é Silene.
Risos e muitos, muitos aplausos.
MARCELA
Silene. Vamos ver o filme então.
Eles descem do palco. Silene senta ao lado do prefeito e depois, na
ordem: Zico, Fabrício, Marina, Joaquim e Marcela. Otaviano e Antonio
estão nas filas de trás. Ao lado de Otaviano, uma FREIRA e, ao lado da
Freira, uma MULHER DE CABELO VERMELHO. O ginásio está bastante
cheio, especialmente de crianças e adolescentes.
As luzes se apagam, as crianças gritam, o vídeo começa. Joaquim,
pega um cigarro, olha para Marina, faz sinal de que vai sair. Joaquim
levanta e sai.

CENA 50 - CORREDOR
Joaquim sai no corredor, põe o cigarro na boca. Procura fogo, não
encontra. Procura alguém, não encontra.
Sai caminhando, em busca de alguém, só vê crianças. Passa por um
GURI, sentado, lendo.
Caminha, cigarro na mão, vai até a calçada. Vê o MOTORISTA do
prefeito, sentado no volante. Se aproxima, vê que o Motorista está
dormindo. E afasta.
Procura alguém, não encontra. Volta a se aproximar do Motorista, pára
ao lado dele. Tosse. Tosse mais. Espira. Espira bem alto. Espira bem alto
e bate com a mão no carro. O Motorista acorda.
JOAQUIM
Oba! Tudo bem?
O Motorista se ajeita.
JOAQUIM
Pois é... Tem fogo?
MOTORISTA
Não.
JOAQUIM
No carro...
MOTORISTA
Não tem. Perdeu o acendedor.
JOAQUIM
Ah... Obrigado.
Joaquim sai caminhando, vê o Guri, com 12 anos no máximo, sentado,
lendo.
Joaquim se aproxima, fica observando.
JOAQUIM
Tem fogo?
O Guri pega um Zipo na mochila. Acende o cigarro.
JOAQUIM
Obrigado.
Joaquim sai fumando, na direção do ginásio. Ouve risos. Se aproxima
mais. Ouve mais risos, aplausos. Apaga o cigarro e entra no ginásio.
CENA 51 - GINÁSIO
Joaquim entra, senta em seu lugar ao lado de Marina. O ginásio está
às gargalhadas, é a cena final, do ataque do Monstro. Todos parecem
muito felizes.
Na tela surge a cena do Cemitério.

CENA 52 - CEMITÉRIO
Fabrício, de terno preto, observa um túmulo. Põe uma rosa branca
sobre o túmulo. Uma lágrima corre em seu rosto.
Na platéia, Fabrício se emociona. Começa a tocar “It Had To Be You”.
Silene surge na tela, na cachoeira. O ginásio silencia. Silene começa a
tomar banho. Silene começa a tirar a roupa.
No ginásio o prefeito e sua esposa, crianças, Seu Antonio, professoras
e freiras, Carmem, Leonardo, todos estão petrificados, de olho na tela.
As imagens de Silene na cachoeira se misturam com imagens da
natureza: flores, regatos, árvores ao vento, nuvens sobre a serra. Sobre
as últimas imagens, ao final da trilha, um lettering surge no vídeo: A
natureza é bela.
Fade final e créditos.
O ginásio explode numa ovação. Gritos e assobios, bravos e aplausos.
O Prefeito se levanta e cumprimenta Silene com um forte abraço.
Joaquim beija Marina. Seu Antonio cumprimenta seu Otaviano. A
Mulher de Cabelo Vermelho vem falar com o Prefeito.

MULHER DE CABELO VERMELHO


Senhor Prefeito, meus parabéns. Sensacional, o
filme. Moderno, ágil, inovador, divertido. Não tem
nada daquelas chatices educativas e ecológicas.
As crianças adoraram e eu vou lhe dizer: eu sou
membro do conselho nacional de educação em
Brasília e eu vou recomendar fortemente que este
filme seja adotado pela rede pública de todo o
Brasil. Meus parabéns!
PREFEITO
Obrigado.
Silene está cercada de rapazes que lhe pedem autógrafos. Leonardo
diz alguma coisa no ouvido dela, ela ri.
FREIRA
Silene, minha filha, meus parabéns. Você está linda,
uma beleza, uma força da natureza mesmo, bem
como diz o filme. Tão bonita, uns seios firmes.
Meus parabéns, minha filha. Seu pai veio?
ZICO
O meu próximo projeto é um curta, né? Eu já
tenho até um pré-roteiro e algumas propostas de
patrocínio. Chama-se “O Sonho do Ovo”. A primeira
cena é um flash-back...
FABRÍCIO
... que nós dominamos inteiramente o segmento de
hotelaria aqui da região. Ah, desculpe, eu nem me
apresentei. Fabrizio... com Z.
ZICO
É uma reflexão, onde o ovo se vê pinto, o pinto se
vê frango e o frango não se vê. Porque eu quero
falar sobre a questão da gente que tá assim...
SILENE
Ah, não, não, não. Quem tirou a roupa foi o
personagem, não fui, entendeu? Quer dizer, pra
fazer um personagem, eu acho que vale tudo. E eu
também não tenho vergonha do meu corpo. Anota
isso aí.
TEXTOS ADICIONAIS
Raymond Chandler, O sono eterno. Tradução de Paulo
Henriques Britto. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1974.
“Naquele exato momento, três tiros soaram dentro da casa. Depois
ouviu-se um ruído como se fosse um suspiro prolongado e áspero.
Depois o desabar desastrado de alguma coisa mole. E então passos
rápidos se afastando lá dentro.
A casa à minha frente estava silenciosa como um túmulo. Não havia
pressa. Fosse o que fosse, o que está dentro dela estava lá dentro.
Pulei a cerca e me debrucei no parapeito de uma janela, com cortinas,
mas sem tela, e tentei olhar pelo intervalo das cortinas. Vi uma parede
iluminada e a ponta de uma estante. (...) Subi na cerca e quebrei a
janela com um chute. Agora é só enfiar a mão e soltar o ferrolho. O
resto foi fácil. Entrei e empurrei as cortinas para longe do meu rosto.
As duas pessoas que estavam na sala ignoraram minha presença,
embora só uma delas estivesse morta.

Capítulo 7
Era uma sala larga, com a largura total da casa. Tinha o teto rebaixado,
com vigas, e as paredes de reboco marrons, enfeitadas com bordados
chineses e gravuras chinesas e japonesas em moldura de madeira.
Havia estantes baixas, um tapete chinês rosado tão espesso que
uma marmota poderia passar uma semana nele sem ser vista. Havia
almofadas espalhadas pelo chão, e retalhos de seda, como se a pessoa
que morrase ali precisasse sempre pegar um para ficar passando a
mão. Havia um divã largo e baixo, forrado com uma tapeçaria antiga,
também rosada. Em cima dele, um monte de roupas, entre elas alguma
lingerie de seda lilás. Havia um abajur grande de madeira trabalhada
sobre um pedestal, dois outros abajures de pé com quebra-luz verde e
borlas compridas. Havia também uma escrivaninha preta com gárgulas
nos cantos, e atrás dela uma cadeira preta polida, com braços os
braços e os encostos trabalhados e uma almofada de cetim amarelo.
Havia uma ombinação estranha de cheiros na sala, dos quais o mais
forte no momento era a enjoativa presença do é ter.
Havia uma espécie de plataforma baixa numa das extremidades da
sala, e nela uma cadeira alta, na qual a srta. Carmen Sternwood estava
sentada, sobre um alaranjado xale de franja. Estava toda esticada,
as mãos nos braços da cadeira, os joelhos bem juntos, o corpo
rigidamente ereto numa pose de deusa egípcia, o queixo na horizontal,
seus dentinhos reluzentes brilhando entre os lábios abertos. Os olhos
estavam arregalados. O negro da íris havia devorado as pupilas. Eram
olhos loucos. Ela parecia estar inconsciente, mas sua postura não era
a da inconsciência. Tinha o ar de quem acha que está fazendo uma
coisa muito importante e está se saindo muito bem. De sua boca saía
um barulhinho metálico, era quase um riso, mas não a fazia mudar de
expressão nem sequer mover os lábios.
Usava um par de longos brincos de jade. Eram bonitos, deviam ter
custado uns duzentos dólares. Não estava usando mais nada. Tinha
um belo corpo, pequeno, elástico, compacto, firme, arredondado. À
luz do abajur, sua pele tinha o brilho sedoso de uma pérola. Olhei-a de
alto a baixo sem vergonha nem desejo. Como moça nua, para mim ela
nem estava lá. Era apenas uma pateta. Para mim ela nunca passara de
uma pateta.
Parei de olhar para ela e olhei para Geiger. Ele estava de costas no
chão, perto da franja do tapete chinês, à frente de uma coisa que
parecia um totem. Vista de lado, parecia uma águia, e o olho grande
e redondo era a lente de uma câmera. A lente estava virada para a
moça nua na cadeira. Havia uma lâmpada de flash queimada presa à
lateral do totem. Geiger estava de chinelos chineses de solas grossas
de feltro, suas pernas em um pijama de cetim preto, e o tronco vestia
um casaco chinês bordado, todo ensanguentado na frente. O olho de
vidro brilhava para mim, era de longe a coisa mais viva que havia nele.
À primeira vista pude constatar que nenhum dos três tiros que eu
ouvira tinha errado o alvo. Ele estava mortíssimo.”
Narração inicial de “Sunset Boulevard”, de Billy Wilder, roteiro
de Charles Brackett, Billy Wilder e D.M. Marshman Jr.
“Sim, esta é a Sunset Boulevard, em Los Angeles, Califórnia. São
umas 5:00 da manhã. Esta é a patrulha de homicídios acompanhada
de detetives e jornalistas. Foi noticiado um homicídio numa dessas
mansões no quarteirão dez mil. Tenho certeza de que vão ler esta
notícia em edições posteriores. Vão ouvir na rádio e ver na televisão,
porque
tem a ver com uma antiga estrela de Hollywood, uma das maiores. Mas
antes que a ouçam distorcida e exagerada, antes desses colunistas
de Hollywood lhe porem as mãos em cima, talvez queiram ouvir os
fatos, toda a verdade. Se assim é, vieram ao lugar certo. Estão vendo,
foi encontrado o corpo de um jovem flutuando na piscina de sua
mansão com dois tiros nas costas e um no estômago. Na verdade, não
é ninguém importante. Só um argumentista com alguns filmes de série
B no currículo. Pobre alma. Ele sempre quis uma piscina. Bem, sempre
acabou por tê-la. Só que o preço pago por ela foi bem alto. Recuemos
seis meses até o dia em que tudo começou.”
Aquilo que não é visível ou audível
O Falcão Maltês, de Dashiel Hammet
(trechos de “não-roteiro”, infilmáveis, em itálico): O Pássaro
Preto
A Sra. Wonderly, num vestido justo de crepe de seda verde, abriu
a porta do apartamento 1001 do Hotel Coronet. Seu rosto estava
corado. O cabelo vermelho escuro, dividido do lado esquerdo, penteado
para trás em ondas suaves sobre a fronte, do lado direito, estava um
pouco desarrumado. Spade tirou o chapéu dizendo: - Bom dia.
Seu sorriso trouxe ao rosto dela um reflexo de sorriso, mas os olhos,
de um azul quase violeta, não perderam a expressão perturbada. Ela
abaixou a cabeça e disse numa voz tímida, sussurrante: - Entre, Sr.
Spade.
A moça conduziu-o a uma sala de estar vermelha e creme, passando
pelas portas abertas da cozinha, do banheiro e do quarto, e pedindo
desculpas pela desordem: - Está tudo remexido. Nem acabei de
desarrumar as malas.
Pôs o chapéu dele sobre uma mesa, e sentou-se em um grande sofá
de nogueira. Ele sentou-se numa cadeira de brocado de encosto oval,
na sua frente. A moça olhou para os dedos, trançando-os, e disse: -
Sr. Spade, tenho uma terrível confissão a lhe fazer. - Spade sorriu de
modo educado (ela não levantou os olhos para ele) e não disse nada.
- Essa... essa história que eu lhe contei ontem era só... uma história
- gaguejou, e então levantou o olhar para ele com uma expressão
angustiada, amedrontada. - Oh, quanto a isso... - disse Spade
despreocupado. - Nós não acreditamos muito na sua história.
- Então? - A perplexidade juntava-se agora à angústia e ao receio nos
seus olhos.
- Nós acreditamos nos seus duzentos dólares.
(HAMMET, Dashiel. O Falcão Maltês, pág 36. Editora Brasiliense, Rio de
Janeiro, 1984. Tradução: Cândida Villalva)
(trechos de “não-roteiro”, infilmáveis, em itálico):
DOM CASMURRO, de Machado de Assis - CAPÍTULO 13
CAPITU
De repente, ouvi bradar uma voz de dentro da casa
ao pé: E no quintal:
- Mamãe!
E outra vez na casa:
- Vem cá!
Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam
para a chácara, e caminharam para o quintal vizinho. Era costume
delas, às tardes, e às manhãs também. Que as pernas também são
pessoas, apenas inferiores aos braços, e valem de si mesma, quando a
cabeça não as rege por meio de idéias. As minhas chegaram ao pé do
muro. Havia ali uma porta de comunicação mandada rasgar por minha
mãe, quando Capitu e eu éramos pequenos. A porta não tinha chave
nem taramela - abria-se empurrando de um lado ou puxando de outro,
e fechava-se ao peso de uma pedra pendente o uma corda. Era quase
que exclusivamente nossa. Em crianças, fazíamos visita batendo de
um lado, e sendo recebidos do outro com muitas mesuras. Quando as
bonecas de Capitu adoeciam, o médico era eu. Entrava no quintal dela
com um pau debaixo do braço, para imitar o bengalão do Doutor João
da Costa, tomava o pulso à doente e pedia-lhe que mostrasse a língua.
“É surda, coitada!”, exclamava Capitu. Então eu coçava o queixo, como
o doutor, e acabava mandando aplicar-lhe umas sanguessugas ou dar-
lhe um vomitório: era a terapêutica habitual do médico.
- Capitu!
- Mamãe!
- Deixa de estar esburacando o muro - vem cá.
A voz da mãe era agora mais perto, como se viesse já da porta dos
fundos. Quis passar ao quintal, mas as pernas, há pouco tão andarilhas,
pareciam agora presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a
porta, e entrei. Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para
ele, riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás. ao
dar comigo, encostou-se ao muro, como se quisesse esconder alguma
coisa. Caminhei para ela. naturalmente levava o gesto mudado, porque
ela veio a mim, e perguntou-me inquieta:
- Que é que você tem?
- Eu? Nada.
- Nada, não. você tem alguma coisa.
Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e
coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca
fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta,
forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma
à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos
claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo
largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com
amor, não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com
água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos
de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos.
- Que é que você tem? repetiu.
- Não é nada, balbuciei finalmente.
E emendei logo.
- É uma notícia.
- Notícia de quê?
Pensei em dizer-lhe que ia entrar para o seminário e espreitar a
impressão que lhe faria. Se a consternasse é que realmente gostava de
mim. se não, é que não gostava. Mas todo esse cálculo foi obscuro e
rápido. senti que não poderia falar claramente, tinha agora a vista não
sei como...
- Então?
- Você sabe...
Nisto olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando,
escrevendo ou esburacando, como dissera a mãe. Vi uns riscos abertos
e lembrou-me o gesto que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los
de perto, e dei um passo. Capitu agarrou-me, mas, ou por temer que
eu acabasse fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e
apagou o escrito. Foi o mesmo que acender em mim o desejo de ler o
que era.

CAPÍTULO 14
A INSCRIÇÃO
Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante.
O que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que
ela raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim
dispostos:
BENTO
CAPITOLINA
Voltei-me para ela. Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo,
devagar, e ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu
valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade,
não falamos nada, o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos
é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se,
apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto.
Devia tê-la marcado, sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma
noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse,
mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o
adolescente. Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do
amar, tinha orgias de latim e era virgem de mulheres.
Não soltamos as mãos, nem elas se deixaram cair de cansadas ou de
esquecidas. Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e depois de vagarem
ao perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro, estava
assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola
e a outra o Evangelho. A boca podia ser o cálix, os lábios a patena.
Faltava dizer a missa nova, por um latim que ninguém aprende e é a
língua católica dos homens. Não me tenhas por sacrilégio, leitora minha
devota a limpeza da intenção lava o que puder haver menos curial no
estilo. Estávamos ali com o céu em nossas mãos, unindo os nervos,
faziam das duas criaturas uma só, uma só criatura seráfica. Os olhos
continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem
tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham...
O que é um roteiro?
Ítalo Calvino, um escritor:
“Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte
da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da imagem visiva
para chegar a expressão verbal. O primeiro processo é o que ocorre
normalmente na leitura: lemos por exemplo a cena de um romance ou
a reportagem de um acontecimento no jornal, e conforme a maior ou
menor eficácia do texto somos levados a ver a cena como se esta se
desenrolasse diante de nossos olhos, se não toda a cena, pelo menos
fragmentos e detalhes que emergem do indistinto.
No cinema, a imagem que vemos na tela também passou por um
texto escrito, foi primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em
seguida reconstruída em sua corporeidade num set, para ser
finalmente fixada em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois,
resultado de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas
quais as imagens tomam forma. Nesse processo, o “cinema mental”
da imaginação desempenha um papel tão importante quanto o das
fases de realização efetiva das sequências, de que a câmera permitirá
o registro e a moviola a montagem. Esse “cinema mental” funciona
continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo antes da
invenção do cinema – e não cessa nunca de projetar imagens em
nossa tela interior”.
Antonio Damásio, um neurologista:
“Os filmes são a representação exterior mais próxima da narrativa
dominante que ocorre em nossa mente. O que acontece em cada
plano, o enquadramento diferente de um assunto que o movimento da
câmera pode mostrar, o que se passa na transição de planos, produto
da edição, e o que ocorre na narrativa construída por uma específica
justaposição de planos é comparável, em alguns aspectos, ao que está
se passando na mente, graças ao mecanismo incumbido de produzir
imagens visuais e auditivas e aos numerosos níveis de atenção e de
memória operacional.
A narrativa sem palavras é natural. A representação imagética de
seqüências de eventos cerebrais, que ocorre em cérebros mais
simples do que o nosso, é o material de que são feitas as histórias.
Uma ocorrência natural de narrativa pré-verbal pode muito bem ser a
razão pela qual acabamos por criar a arte dramática e finalmente os
livros, o que hoje leva boa parte da humanidade a passar tanto tempo
de suas vidas diante das telas de tevê e do cinema”.
O que é uma situação dramática?
Henry James , no prefácio de “Daisy Miller”:
Aconteceu em Roma, no outono de 1877; uma amiga, que então
vivia por lá e que hoje mora no sul, menos carregado de encantos
e memórias, foi quem me contou – o que ela poderia muito bem
não ter feito - que no inverno anterior apareceu por lá uma senhora
americana, simples e pouco instruída, com sua filha, um fruto da
natureza e da liberdade que a acompanhava de hotel em hotel, e que
apanhou pelo caminho, com a mais limpa das consciências, um bem
apessoado romano, de identidade vaga, atônito com sua sorte mas
(tanto quanto poderia ser, por causa da dupla), em total inocência,
tudo serenamente exposto e apresentado: isto pelo menos até que a
ocorrência de um pequeno constrangimento, algum incidente, nada de
grave ou indigno, do qual me esqueci; nunca tinha ouvido falar, antes
daquela conversa, sobre aquelas senhoras amáveis mas de nenhuma
outra forma eminentes, de fato não cheguei a saber seus nomes, eu
acho, cujo caso serviu apenas para defender certa moral familiar; e
deve ter sido exatamente a sua falta de importância que deu margem
a uma pequena marca feita a lápis, habitualmente significando, em tais
contextos, “Dramatize, dramatize!”. O resultado de eu ter reconhecido,
poucos meses depois, o sentido da minha anotação a lápis, foi a breve
história de “Daisy Miller”.
O que são arquétipos e o que são clichês?
(trecho do texto “Casablanca, ou o Renascimento dos Deuses”,
de Umberto Eco, sobre os arquétipos em Casablanca.)
“O filme já começa num lugar mágico de per si, o Marrocos, o Exótico,
inicia com um quê de melodia árabe que se esfuma na Marselhesa.
Quando entra para o ambiente de Rick, ouve-se Gershwin. África,
França, Estados Unidos. A essa altura entra em cena um emaranhado
de Arquétipos Eternos. São situações que presidiram as histórias
de todos os tempos. Mas habitualmente para fazer uma boa história
basta uma única situação arquetípica. E sobra. Por exemplo: O Amor
Infeliz. Ou A Fuga. Casablanca não se contenta: coloca todas. A cidade
é o local de uma Passagem, rumo à Terra Prometida. Para passar,
porém, é necessário submeter-se a uma prova, A Espera (“esperam,
esperam, esperam”, diz a voz off no começo). Para passar do vestíbulo
de espera à Terra Prometida, é preciso uma Chave Mágica: o visto.
Em torno da Conquista desta chave desencadeiam-se as paixões. A
mediação da chave parece ser feita pelo Dinheiro (que aparece em
diversas tomadas, geralmente sob a forma de Jogo Mortal, ou roleta):
mas por fim se descobrirá que a chave somente pode ser dada através
de um Dom (que é o dom do visto, mas é também o dom que Rick
faz de seu Desejo, sacrificando-se). Porque esta é também a história
de um turbilhão de desejos, dos quais apenas dois acabam sendo
satisfeitos: o de Victor Laszlo, o herói puríssimo, e o do casalzinho
búlgaro. Todos aqueles que tem paixões impuras fracassam. E então,
outro arquétipo, triunfa A Pureza. Os impuros não chegam à terra
prometida, somem antes. No entanto realizam a pureza através do
Sacrifício: é a Redenção”. [...]
“Em torno dessa dança de mitos eternos estão os mitos históricos, ou
seja, os mitos do cinema devidamente revisitados. Bogart personifica
pelo menos três deles: o Aventureiro Ambíguo, misto de cinismo e
generosidade. o Asceta por Desilusão Amorosa e ao mesmo tempo o
Alcoólatra Redimido. Ingrid Bergman é a Mulher Enigmática ou a Mulher
Fatal. Em seguida há Ouça Querido a Nossa Canção, o Último Dia em
Paris, a Legião Estrangeira (cada personagem tem uma
nacionalidade diferente) e finalmente o Grande Hotel Gente-Que-
Vai-Gente-Que-Vem. (...) De modo que Casablanca não é um filme,
é muitos filmes, uma antologia. E por isso funciona, a despeito
das teorias estéticas e das teorias filmográficas. Porque nele se
desdobram, em força quase telúrica, as Potências da Narratividade em
estado selvagem, sem que a Arte intervenha para disciplinar.
E então podemos aceitar que as personagens mudem de humor,
de moralidade, de psicologia, de um momento para o outro, que os
conspiradores pigarreiem para interromper a conversa quando se
aproxima um espião, que as mocinhas de vida fácil chorem ao ouvir a
Marselhesa.
Quando todos os arquétipos irrompem sem decência, são atingidas
profundidades homéricas. Dois clichês provocam riso. Cem clichês
comovem. Porque se percebe obscuramente que os clichês falam
entre si e celebram uma festa de reencontro. Como o cúmulo da
dor encontra a volúpia, o cúmulo da banalidade deixa entrever uma
suspeita de sublime”.
“Ninguém é impossível”.
Trecho do prólogo de Jorge Luis Borges para o livro “A Invenção
de Morel”, de Adolfo Bioy Casares.
Stevenson, por volta de 1882, anotou que os leitores britânicos
desdenhavam um pouco as peripécias, opinando que era muito hábil
redigir um romance sem argumento, ou de argumento infinitesimal,
atrofiado. José Ortega y Gasset – La Deshumanización del Arte, 1925
– tenta defender o desdém anotado por Stevenson e estatui, na
página 96, que “é muito difícil hoje inventar uma aventura capaz de
interessar nossa sensibilidade superior”, e, na 97, que essa invenção
“é praticamente impossível”. Em outras páginas, em quase todas as
outras páginas, advoga o romance “psicológico” e opina que o prazer
das aventuras é inexistente ou pueril. Esse é, sem dúvida, o comum
parecer de 1882, de 1925 e mesmo de 1940. Alguns escritores (dentre
os quais aprecio contar Adolfo Bioy Casares) pensam ser razoável
dissentir. Resumirei, aqui, os motivos dessa dissensão.
O primeiro (cujo ar de paradoxo não quero destacar nem atenuar) é o
intrínseco rigor do romance de peripécias. O romance característico,
“psicológico”, tende a ser informe. Os russos e os discípulos dos
russos demonstram até o fastio que ninguém é impossível: suicidas
por felicidade, assassinos por benevolência, pessoas que se adoram
a ponto de separar-se para sempre, delatores por fervor ou por
humildade... Essa liberdade plena acaba por equivaler à plena
desordem. Por outro lado, o romance “psicológico” quer ser também
romance “realista”: prefere que esqueçamos seu caráter de artifício
verbal e faz de toda inútil precisão (ou de toda lânguida vagueza) um
novo traço verossímil. Há páginas, há capítulos de Marcel Proust que
são inaceitáveis como invenções: a eles, sem saber, resignamo-nos
como ao insípido e ao ocioso de cada dia. O romance de aventuras,
por sua vez, não se propõe como transcrição da realidade: é um
objeto artificial que não sofre nenhuma parte injustificada. O temor
de incorrer na mera variedade sucessiva do Asno de Ouro, do Quixote
ou das sete viagens de Simbad impõe-lhe um rigoroso argumento.
Aleguei um motivo de ordem intelectual; há outros, de caráter
empírico. Todos tristemente murmuram que nosso século não é capaz
de tecer tramas interessantes; ninguém se atreve a comprovar que, se
este século tem alguma primazia sobre os anteriores, esta primazia é a
das tramas.
Em “Obras Completas de Jorge Luis Borges, Volume IV”, página 27.
Editora Globo, 2001. Tradução de Josely Vianna Baptista.
“Manter o leitor lendo”.
Entrevista concedida por Kurt Vonnegut Jr.
Pergunta: Acha realmente que a arte de escrever de forma criativa
pode ser ensinada?
VONNEGUT: Mais ou menos da mesma maneira que o golfe pode ser
ensinado. Um profissional pode apontar falhas óbvias no seu modo de
mover o taco. (...) Sei apenas a teoria.
Pergunta: Poderia expor a teoria em poucas palavras?
VONNEGUT: Ela foi formulada por Paul Engle, o fundador da Oficina de
Escritores em Iowa. Ele me disse que, se a oficina um dia arrumasse
um prédio próprio, estas palavras deveriam ser inscritas sobre a
entrada: “Não leve isso tudo a sério”.
Pergunta: E como isso poderia ajudar?
VONNEGUT: Faria os estudantes se lembrarem que estavam aprendendo
a fazer brincadeiras. Se você faz as pessoas rirem ou chorarem por
causa de pequenas marcas negras em folhas de papel branco, o que
é isso a não ser uma brincadeira? Todas as grandes linhas básicas
de histórias são grandes brincadeiras nas quais as pessoas caem
continuamente.
Pergunta: Pode dar um exemplo?
VONNEGUT: O romance gótico. Dezenas de coisas são publicadas todo
ano e todas vendem. Meu amigo Borden escreveu recentemente
um romance gótico apenas por diversão. Eu lhe perguntei qual era
o enredo e ele disse: “Uma jovem arruma um emprego em uma casa
velha e depois fica morrendo de medo lá dentro”.
Pergunta: Mais alguns?
VONNEGUT: Os outros não são tão engraçados de se descrever. Alguém
entra em apuros e depois escapa. Alguém perde alguma coisa e a
recupera. Alguém é enganado e se vinga. Cinderela. Alguém começa a
andar para trás e a sua situação só piora cada vez mais. Duas pessoas
se apaixonam e outras atrapalham. Uma pessoa virtuosa é falsamente
acusada de um delito. Uma pessoa má é julgada virtuosa. Uma pessoa
encara um desafio com bravura e tem sucesso ou não. Uma pessoa
mente, uma pessoa rouba, uma pessoa mata. Uma pessoa pratica
fornicação.
Pergunta: Me desculpe, mas esses são enredos muito antigos.
VONNEGUT: Eu lhe garanto que nenhum esquema de histórias
modernas, mesmo sem enredo, dará a um leitor satisfação genuína,
a menos que um destes enredos antigos seja introduzido em algum
lugar. Não valorizo enredos como representações precisas da vida,
mas como maneiras de manter o leitor lendo. Quando eu ensinava
redação
criativa, dizia aos meus alunos para fazer com que seus personagens
quisessem algo logo, mesmo que fosse apenas um copo d’água. Até
personagens paralisados pela falta de sentido da vida moderna têm
que beber água de tempos em tempos. (...) Quando você exclui o
enredo, quando exclui alguém que deseje alguma coisa, você exclui
o leitor, o que é uma atitude mesquinha. Você também pode excluir
o leitor não contando imediatamente onde a história se desenrola e
quem são estas pessoas. E você pode fazê-lo dormir se não colocar
os personagens em confronto uns com os outros. Estudantes gostam
de dizer que não apresentam confrontos em seus textos porque
as pessoas evitam confrontos na vida moderna. “A vida moderna é
tão solitária...”. Isso é preguiça. É o trabalho do escritor apresentar
confrontos, para que os personagens digam coisas surpreendentes e
reveladoras, eduquem e divirtam a todos nós. Se um escritor não sabe
ou não quer fazer isso, deveria retirar-se do negócio.
. VONNEGUT, Kurt. Entrevista (in “Os Escritores, Vol. 2”), Companhia das
Letras, São Paulo, 1989.
FILMOGRAFIA
Trezentos filmes com grandes roteiros, em ordem alfabética
pelo sobrenome do diretor:
1. Memórias do subdsenvolvimento Alea, Tomas Gutierrez 2.
Guantanamera (Alea, com J. C. Tabió)
3. Annie Hall Allen, Woody
4. Manhattan
5. Hannah e suas irmãs
6. Crimes e pecados
7. Tiros sobre a Broadway
8. A rosa púrpura do Cairo
9. Memórias
10. Zelig
11. Fale com elaAlmodóvar, Pedro
12. Mulheres à beira de um ataque de nervos
13. Tudo sobre minha mãe
14. Que fiz eu para merecer isto?
15. O jogador Altman, Robert
16. Exército inútil
17. Cerimônia de casamento
18. Short Cuts
19. Nashville
20. MASH
21. Magnolia Anderson, Paul Thomas
22. Macunaíma Andrade, Joaquim Pedro
23. Profissão: repórter Antonioni, Michelangelo
24. Blow-up
25. Segunda-feira ao sol Aranoa, Fernando Leon de 26. Muito além do
jardim Ashby, Hal
27. Deu pra ti anos setenta Assis Brasil Giba / Nadotti, Nelson 28. Pixote
Babenco, Hector
29. Minha mãe é uma sereia Benjamim, Richard 30. Morangos silvestres
Bergman, Ingmar 31. O sétimo selo
32. Fanny e Alexander
33. Cenas de um casamento
34. O último tango em Paris Bertolucci, Bernardo 35. 1900
36. A última sessão de cinema Bogdanovich, Peter 37. Impróprio para
menores
38. Esperança e glória Boorman, John
39. O jovem Frankenstein Brooks, Mel
40. Banzé no oeste
41. Este obscuro objeto do desejo Buñuel, Luis 42. O discreto charme
da burguesia
43. Viridiana
44. O anjo extreminador
45. O filho da noiva Campanela, Juan José
46. A felicidade não se compra Capra, Frank
47. O Boulervard do Crime Carné, Marcel
48. A corrida do ouro Chaplin, Charles
49. Luzes da cidade
50. Tempos modernos
51. O garoto
52. Fargo Coen, Joel e Ethan
53. Gosto de Sangue
53. Gosto de Sangue
54. A roda da fortuna
55. O poderoso chefão I Coppola, Francis 56. O poderoso chefão II
57. Apocalypse now
58. A conversação
59. Peggy Sue
60. Drácula
61. Z Costa-Gavras
62. Music box
63. Cabra marcado para morrer Coutinho, Eduardo 64. My fair lady
Cukor, George
65. Casablanca Curtiz, Michael
66. As horas Daldry, Stephen
67. Os dez mandamentos De Mille, Cecil
68. Carrie, a estranha De Palma, Brian
69. Vestida para matar
70. Ladrões de bicicletas De Sica, Vittorio 71. O silêncio dos inocentes
Demme, Jonathan 72. Vivendo no abandono Dicillo, Tom
73. Branca de Neve e os sete anões Disney, Walt 74. Pinocchio
75. Dançando na chuva Donen, Stanley
76. Charada
77. A Vida dos Outros von Donnersmarck, Florian Henckel
78. O pagador de promessas Duarte, Anselmo
79. Os imperdoáveis Eastwood, Clint
80. O encouraçado Potemkin Eisenstein, Sergei 81. Ivan, o terrível
82. Alexandre Nevski
83. O casamento de Maria Braum Fassbinder, Rainer Werner 84. O
desespero de Verônica Voss
85. A estrada Fellini, Federico
86. A doce vida
87. Amarcord
88. Os boas-vidas
89. Noites de Cabíria
90. Entrevista
91. Oito e meio
92. Abismo de um sonho (Sheik Bianco)
93. E o vento levou… Fleming, Victor
94. O mágico de Oz
95. Rastros de ódio Ford, John
96. No tempo das diligências
97. Um estranho no ninho Forman, Milos
98. Amadeus
99. Procura insaciável
100. Os amores de uma loira
101. Cabaret Fosse, Bob
102. All that jazz
103. Lenny
104. Sete dias de maio Frankenheimer, John 105. Herói por acidente
Frears, Stephen
106. A grande família
107. Operação França Friedkin, William
108. O exorcista
109. As aventuras do Barão de Munchausen Gilliam, Terry 110. Monty
Phyton em busca do cálice sagrado 111. Acossado Godard, Jean-Luc
112. Viver a vida
113. Uma mulher é uma mulher
114. Pillow Book Greenway, Peter
115. O nascimento de uma nação Griffith, D.W.
116. Intolerância
117. L.A., cidade proibida Hanson, Curtis
118. Aguirre, a cólera dos deuses Herzog, Werner
119. Fitzcarraldo
120. O enigma de Kaspar Hauser
121. Janela indiscreta Hitchcock, Alfred
122. Um corpo que cai
123. Psicose
124. Intriga internacional
125. Os pássaros
126. Pacto sinistro
127. O homem que sabia demais
128. Butch Cassidy e Sundance Kid Hill, George Roy
129. O golpe de mestre
130. O mundo segundo Garp
131. Eles não usam black-tie Hirshman, Leon
132. Sem destino Hopper, Denis
133. O homem que queria ser rei Huston, John
134. A Noite do Iguana
135. O Falcão Maltês
136. Uma aventura na África
137. O Tesouro de Sierra Madre
138. Cidade das ilusões
139. Mais estranho que o paraíso Jarmush, Jim
140. Down by law
141. Jesus Cristo Superstar Jewinson, Norman
142. A vida de Brian Jones, Terry
143. O Reencontro Kasdan, Lawrence
144. Corpos ardentes
145. Um bonde chamado desejo Kazan, Elia
146. Sindicato de ladrões
147. Zorba, o grego Kazantzakis, Nikos
148. Onde fica a casa do meu amigo? Kiarostami, Abbas
149. Close up
150. Através da oliveiras
151. A vida privada de Henrique VIII Korda, Alexander
152. Dr. Fantástico Kubrick, Stanley
153. 2001, uma odisséia no espaço
154. A Laranja Mecânica
155. O Iluminado
156. Os Sete Samurais Kurosawa, Akira
157. Ran
158. Dodeskaden
159. Rashomon
160. Viver
161. Trono manchado de sangue
162. Derzu Uzala
163. M, o vampiro de Dusseldorf Lang, Fritz
164. Toy Story Lasseter, John
165. Lawrence da Arabia Lean, David
166. A Ponte do rio Kwai
167. Faça a coisa certa Lee, Spike
168. O Bom, o mau e o feio Leone, Sergio
169. Era uma vez no oeste
170. Era uma vez na América
171. Os reis do iê-iê-iê Lester, Richard
172. Vida em família Loach, Ken
173. Ser ou não ser Lubitsch, Ernest
174. O Diabo disse não
175. A loja da esquina
176. Ninotchka
177. O céu pode esperar
178. American graffiti Lucas, George
179. Guerra nas estrelas
180. Rede de intrigas Lumet, Sidney
181. O veredito
182. 12 homens e uma sentença
183. Longa jornada noite adentro
184. Uma história de verdade Lynch, David
185. A embriaguez do sucesso Mackendrick, Alexander
186. Atlantic City Malle, Louis
187. O homem do Sputnik Manga, Carlos
188. A malvada Mankiewicz, Joseph
189. A condessa descalça
190. Salve o cinema Makhmalbaf, Mohsen
191. Um instante de inocência
192. Diabo a quatro Marx (Irmãos, autores, mas não diretores)
193. Um dia nas corridas
194. Uma noite em Casablanca
195. Uma noite na ópera
196. Próxima parada: bairro boêmio Mazursky, Paul
197. Sem fôlego McBride, Jim
198. O incrível exército de Brancaleone Moniccelli, Mario
199. Os companheiros
200. Gaiola das loucas
201. Meu caro diário Moretti, Nani
202. Nada de novo no front Milestone, Lewis
203. Nasce uma estrela Minelli, Vincent
204. Assim estava escrito
205. Nosferatu Murnau, Friedrich
206. A primeira noite de um homem Nichols, Mike
207. Quem tem medo de Virginia Wolf?
208. Todas as mulheres do mundo Oliveira, Domingos
209. O império dos sentidos Oshima, Nagisa
210. A pequena loja dos horrores Oz, Frank
211. Os safados
212. Todos os homens do presidente Pakula, Alan J.
213. Bonnie & Clyde Penn, Arthur
214. Meu ódio será tua herança Peckinpah, Sam
215. Chinatown Polanski, Roman
216. Tootsie Pollack, Sidney
217. A Batalha de Argel Pontecorvo, Gillo
218. Quando Paris alucina Quine, Richard
219. Feitiço do tempo Ramis, Harold
220. Juventude transviada Ray, Nicholas
221. Cliente morto não paga Reiner, Carl
222. Questão de honra Reiner, Rob
223. A regra do jogo Renoir, Jean
224. Meu tio na América Resnais, Alain
225. Hiroshima, meu amor
226. Deus e o diabo na terra do sol Rocha, Glauber
227. Terra em transe
228. A garota do adeus Ross, Herbert
229. Sonhos de um sedutor
230. Adeus, Mr. Chips
231. A grande ilusão Rossen, Robert
232. Nelson Freire Salles, João Moreira
233. Santiago
234. Amuleto de Ogum Santos, Nelson P.
235. Rio quarenta graus
236. Vidas secas
237. O grande momento Santos, Roberto
238. Cria cuervos Saura, Carlos
239. Patton Schaffner, Franklin
240. Perdidos na noite Schlesinger, John
241. O tambor Schlondorff, Wolker
242. Nós que nos amávamos tanto Scola, Ettore
243. Um dia muito especial
244. Feios, sujos e malvados
245. Rocco Papaleo (Chigago story)
246. A viagem do Capitão Tornado
247. O baile
248. A Família
249. O terraço
250. Taxi driver Scorsese, Martin
251. O touro indomável
252. Bons companheiros
253. O rei da comédia
254. Alice não mora mais aqui
255. O último concerto de rock
256. Blade runner Scott, Ridley
257. Dirty Harry Siegel, Dom
258. E.T., o extra-terrestre Spielberg, Steven
259. Tubarão
260. Os caçadores da arca perdida
261. Encurralado
262. Os brutos também amam (Shane) Stevens, George
263. Sete homens e um destino Sturges, John
264. Mephisto Szabó, István
265. Jonas que no ano 2000 fará 25 anos Tanner, Alain
266. Pulp fiction Tarantino, Quentin
267. Cães de aluguel
268. Meu tio Tati, Jacques
269. As férias do Sr. Hulot
270. Andrei Rublev Tarkovski, Andrei
271. A noite de São Lourenço Taviani, Paolo e Vittorio
272. Noite americana Truffaut, François
273. Jules e Jim
274. O homem que amava as mulheres
275. Belíssima Visconti, Luchino
276. Rocco e seus irmãos
277. O leopardo
278. Mamãe é de morte Waters, John
279. Cidadão Kane Welles, Orson
280. O mestre dos mares Weir, Peter
281. Pasqualino Setebelezas Wertmuller, Lina
282. O crepúsculo dos deuses Wilder, Billy
283. Se meu apartamento falasse
284. Cinco covas do Egito
285. Quanto mais quente melhor
286. O pecado mora ao lado
287. Testemunha de acusação
288. Irma la Douce
289. Pacto de Sangue
290. A montanha dos sete abutres
291. A primeira página
292. Sabrina
293. A noviça rebelde Wise, Robert
294. West side story
295. Como roubar um milhão de dólares
296. Ben-Hur Wyler, William
297. Lanternas vermelhas Yimou, Zhang
298. Uma cilada para Roger Rabbit Zemeckis, Robert
299. De volta ao futuro
300. Crumb Zwigoff, Terry
BIBLIOGRAFIA
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. EISENSTEIN, Serguei. O sentido do filme. Jorge Zahar Editor,
apresentação e notas de José Carlos Avelar, 2002.
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apresentação e notas de José Carlos Avelar, 2002.
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. DAMÁSIO, Antônio. O mistério da consciência. Companhia das Letras,
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Outros:
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura
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BLOOM, Harold. Shakespeare, a invenção do humano. Editora Objetiva,
2000. BOORSTIN, Daniel J. Os Criadores. Civilização Brasileira, 1995.
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas. Editora Globo, 2001.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Editora Cultrix / Pensamento,
1997. CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote. Abril Cultural, 1978.
FADIMAN, J. e FRAGER, R. Teorias da Personalidade. Editora Harbra.
GOMBRICH, Ernst Hans. Meditações sobre um cavalinho de pau e
outros ensaios sobre a teoria da arte. São Paulo, Editora da USP, 1999.
HONAM, Park. Shakespeare, uma vida. Companhia das letras, 2001.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Nova Fronteira, sem data.
SHAKESPEARE, William. Teatro completo. Ediouro, 1992.
Referências na internet:
(ativas em fevereiro de 2021)
CASA DE CINEMA DE PORTO ALEGRE
http://www.casacinepoa.com.br
Site da produtora. Conexões para vários sites de cinema. Roteiro
integral, em diferentes versões, de vários longas e curtas. No site da
CCPA, na página de cada filme pode ser encontrado o seu roteiro,
alguns em várias versões. Vários textos sobre cinema.
BIBLIOTECA NACIONAL
Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde
devem ser feitos os registros de roteiros:
https://www.bn.gov.br/servicos/direitos-autorais
https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
ROTEIRO DE CINEMA
editado por Fernando Marés de Souza desde junho de 2002, portal
com muitos links e fontes de pesquisa:
http://www.roteirodecinema.com.br/
Blog de João Nunes, roteirista português:
http://joaonunes.com/
TV TROPES
Site colaborativo com arquétipos e clichês
https://tvtropes.org/
WRITERS GUILD OF AMERICA
Muitos textos, links e ferramentas (páginas de pesquisa) para
roteiristas. Em inglês. http://www.wga.org/
Screenwriting, na Wikipedia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Screenwriting#The_sequence_approach
SCRIPT-O-RAMA
http://www.script-o-rama.com/oldindex.shtml
Site bastante completo com centenas de roteiros disponíveis para
download. Em inglês.
Mais textos de Jorge Furtado sobre cinema ou roteiro:
Sobre adaptações literárias
http://www.casacinepoa.com.br/as-conex%C3%B5es/textos-sobre
cinema/adapta%C3%A7%C3%A3o-liter%C3%A1ria-para-cinema-e-
televis%C3%A3o
Sobre cinema e psicanálise
http://www.casacinepoa.com.br/as-conex%C3%B5es/textos-
sobre cinema/anota%C3%A7%C3%B5es-para-um-debate-sobre-
mem%C3%B3ria-cinema-e psican%C3%A1lise
Sobre documentários
http://www.casacinepoa.com.br/as-conex%C3%B5es/textos-sobre-
cinema/o-sujeito extraordin%C3%A1rio-e-mimesis-camuflada
As oito regras de Kurt Vonnegut para uma história curta:
http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/oito-regras-de-
vonnegut

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