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OLHAR DE DESEJO

Janice Kaiser
Título original: The Texan

Ele queria vingança.


Ela buscava o amor.
Juntos, conheceram a febre da paixão!

Brady Coleman — atraente, sedutor, porém rude e solitário. Ninguém


conseguia desviá-lo de seu objetivo: vingar a morte da irmã.

Jane Stewart — médica. Linda. Vencedora. Exceto no amor: seu coração era
presa fácil. Vulnerável

Obcecado por fazer justiça, Brady dava as costas para as outras paixões. Até
que o destino lhe fez conhecer Jane, a mais doce e sensual mulher que ele jamais
vira. Era a última chance de Brady ser feliz...

Digitalização: Simone Ribeiro


Revisão: Tina
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

PRÓLOGO

Sombras de grandes carvalhos cresciam sob o tardio sol de inverno. A


paisagem apresentava vestígios de fortes tempestades, comuns àquela época do ano
no centro sul do Estado do Texas.
A terra ressecada, agora úmida, absorvia ansiosa as copiosas águas do inverno.
Brady Coleman, amargurado, pensou na terra ao redor da sepultura de sua
irmã.
Não pretendia passar o dia ao lado de sua mãe no cemitério. A visita ao
túmulo lhe parecia inútil e só o tornava mais irritado e amargo. Além disso,
reprovava a atitude materna no que dizia respeito à morte de Leigh. Havia coisas
que não poderiam e não deveriam ser aceitas como obra da fatalidade.
— Sei que está ansioso para terminar isso, querido — disse sua mãe —, mas,
por favor, um pouco de paciência. Não dirija tão depressa, que fico nervosa.
Brady diminuiu a marcha sem nada dizer. Estavam no Lincoln Continental, o
carro dela, e aquele era o seu dia. Esforçava-se por fazer tudo para confortá-la, até
mesmo dirigir a trinta quilômetros por hora. Loretta Channing era uma mulher
sensível, e não havia por que não respeitar seus sentimentos. Especialmente num
dia como aquele.
Decidiu ligar o rádio, evitar discussões e ignorar os próprios sentimentos.
Aturaria passivamente a visita ao cemitério, o jantar em família, e tudo estaria bem
até o próximo ano. Cada um para seu lado e não mais questionariam os incidentes
que envolveram a morte de Leigh.
— Espero que, passado um ano, tudo seja mais fácil — comentou Loretta com
ansiedade.
Brady manteve silêncio. Nada tinha a dizer ou a acrescentar.
— E você, meu filho, o que acha? Não sente algo dentro do peito?
A triste e sombria senhora de porte orgulhoso e vestida de negro sentiu os
brancos lírios tremerem em sua mão. Ajeitou o chapéu e perguntou, suspirando:

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— Brady... você não sente a perda?


— Lógico que sim. Sofro pelo que aconteceu com minha irmã.
— Sei disso, querido, mas acho que temos que encarar essa ferida...
— Escute, mamãe, a senhora pode conviver com essa dor à sua maneira. Eu
tenho meu tempo, meu modo de enfrentá-la.
— Uma família deve compartilhar momentos de sofrimento, querido.
Especialmente em situações como essa.
— E é por isso que estou aqui, levando-a para visitar o túmulo de Leigh, como
você pediu.
— Mas, Brady, não gosto de vê-lo tão rancoroso. Nem todo o ódio do mundo
nos trará sua irmã de volta. A realidade é que ela nos deixou. A todos chega esse
momento. Não é saudável alimentar sentimentos de"ódio e vingança, Brady...
— Mamãe, não vamos começar tudo de novo.
— Desculpe. Sinto ter mencionado... Esqueça. Sei que não quer ouvir essas
verdades.
— Mamãe...
Loretta ficou em silêncio. Mas era tarde demais. O estômago de Brady revirou-
se. A mandíbula cerrou. Sentiu ímpetos destrutivos e raivosos como se Jeremy Trent
subitamente aparecesse a seu lado. Vingança. Era em que pensava.
— Dane-se, mamãe! Dane-se!
Esquecer era impossível. Jamais esqueceria. A morte de sua irmã exigia
vingança.
— Ora, meu filho, não deixe que o ódio cegue seu coração. O que precisa é de
uma mulher em sua vida. Dedicou-se totalmente a Leigh, e ela se foi, Brady. Já é o
momento de encontrar uma companheira. Se abrisse seu coração para alguém,
talvez conseguisse se libertar do amargor que lhe envenena a existência.
— Mas, mamãe! Mais problemas, mais angústias? Acaso não as temos
suficientes? Além disso, nada vejo de errado em ser solteiro.

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— Não é isso o que estou dizendo, meu filho. Não há nada errado em ser
solteiro. O problema é que não consegue sequer conceber a idéia de compartilhar
sua vida com alguém.
— Pois saiba de uma coisa, mamãe, há muito mais mulheres em minha vida do
que o tempo de que disponho para atendê-las. Jamais pretendi envolver-me
seriamente. Você conhece as razões. Quer que repita alguns detalhes?
— Não me refiro a essa espécie de mulher, Brady Coleman. Estou falando de
um verdadeiro amor, uma garota meiga e apaixonada. Quando isso ocorrer em sua
vida, certamente poderá esquecer sua irmã e os tristes acontecimentos que
envolveram sua morte. Com relação às mulheres atuais, não é da minha conta. Você
é um homem de trinta e cinco anos e não cabe a mim criticar sua vida amorosa. O
fato, querido, é que o ódio que traz dentro de si está corroendo-lhe as entranhas.
Não percebe?
Brady tentou controlar-se e diminuiu a velocidade. Todas as vezes que visitava
San Antônio tinha que finalizar a discussão com sua mãe com uma velha frase de
advertência:
— Está na hora de mudarmos de assunto antes que diga algo de que possa
arrepender-me, mamãe.
— Pois diga logo o que pensa, meu filho. No caso de arrependimento, o
mínimo que pode acontecer é que se verá obrigado a refletir sobre suas próprias
palavras.
Entraram em Alamo Heights, setor residencial da cidade. O Sunset Memorial
Park não estava longe, e Brady sentia o bater do coração mais forte do que nunca.
Esforçava-se para controlar a ira.
— Não vejo em que me ajudaria reafirmar minha opinião sobre Jeremy Trent.
— Não sei, meu filho, não sei. Nunca discutiu seus sentimentos com alguém?
— A única pessoa com quem gostaria realmente de conversar sobre esse
assunto é o próprio Jeremy — ameaçou.
— Pois esse é o ponto que queria ressaltar. Um homem precisa de alguém para
dividir suas angústias e mágoas. Uma mulher jovem e bonita o faria esquecer o lado

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escuro da vida. Eu o conheço. Você é como seu pai, impetuoso, capaz de amar e
odiar com a mesma intensidade.
— Não quero desapontá-la, mas casar-me com uma pobre garota e despejar
sobre ela meus próprios problemas não me parece nobre ou justo. E, além disso, por
mais que as respeite, não acho que a principal missão das mulheres seja salvar um
rapaz problemático de ímpetos violentos ou suicidas. E, para encerrar o assunto,
mesmo sabendo de sua contrariedade, quero advertir-lhe de que estou bem
satisfeito com meu modo de vida.
— Ora, Brady, não quero interferir em suas decisões. Tentava apenas indicar
um caminho para superar essa obsessão desencadeada pela tragédia de Leigh.
Ele permaneceu em silêncio por um instante.
— Posso aceitar que tenha morrido. Essa é uma triste realidade. Mas não posso
admitir que aquele assassino esteja livre. Não deixarei de alentar a esperança de
fazer alguma coisa para que a justiça se cumpra.
— Não lhe compete vingar a morte de sua irmã. Não esqueça de que temos
pleno conhecimento dos fatos.
— Sei perfeitamente o que aconteceu.
— Meu filho, você pensa que Jeremy é responsável pela morte de Leigh, mas o
fato é que a polícia não concorda com sua interpretação das circunstâncias.
— O que lhes falta são evidências materiais para incriminar esse bastardo. Isso
é outra coisa. Já conversamos a respeito. Você não aceita o fato de Leigh ter
cometido um erro ao casar-se com esse canalha.
— Mas você não percebe que já não faz mais nenhuma diferença? Sua irmã
está morta. Quero que a justiça seja feita, mas não posso permitir que a vingança
cega corroa nossas almas e nos destrua. Esqueça esses sentimentos. Nossa tragédia
familiar tem sido longa e dolorida. Nossas feridas precisam cicatrizar-se. Por favor,
Brady...
Ele estacionou o carro no Sunset Memorial Park.
—Vemos essa questão de forma diferente, minha mãe. Assim, deixemos a
discussão e pensemos em Leigh.

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Com certo alívio, Loretta não o contestou. Não seria correto conversar sobre o
tema diante da sepultura da irmã.
Avistaram as intermináveis ruas do cemitério. Entre os túmulos perfilados
olharam o grande mausoléu de onde o cortejo fúnebre partira em fevereiro passado.
O tempo estava bem diferente. Céu azul, claro e forte, brisa inquieta e morna.
Brady esperava que o esplendor do dia lhes iluminasse os espíritos. No entanto, sua
mãe lhe parecia atolada em passiva aceitação do destino.
Saiu do carro e ajudou a mãe segurando as flores. Caminharam lado a lado
entre túmulos e árvores frondosas.
Ao chegar, Loretta Channing parou por um instante, a fitar absorta a
sepultura.
— Fico contente ao ver que está limpa e em ordem — disse com suavidade. —
Fizeram um bom trabalho...
Brady não disse a ela que estivera havia dois dias no cemitério. Contratara dois
funcionários para polir o granito e aparar a grama do túmulo. Sabia que Loretta se
preocupava com aparências e pretendeu com isso trazer-lhe um pouco de paz e
tranqüilidade.
— Aqui estão as flores, filho. Disponha-as da melhor forma. Minhas costas
doem um pouco...
Carinhoso, Brady pousou as flores no túmulo e afastou-se para observar o
efeito. A brisa soprou, fazendo-as tremular. Loretta apoiou-se em seu braço e caiu
em pranto silente. Brady, com os olhos marejados pelas lágrimas, emprestou-lhe o
lenço.
Fixou o olhar na sepultura, tentando entender como a laje sobre o corpo da
irmã o separava de ternas lembranças. O nome gravado na pedra logo evocou-lhe a
ira: Leigh Channing Trent. Trent... O ódio era maior que a tristeza da perda. Muitas
vezes imaginava-se apertando o pescoço de Jeremy até esganá-lo.
Um ano antes, ao sair do cemitério, manifestara sua inconformidade de ver o
nome Trent junto ao de Leigh, como a profanar-lhe a sepultura.

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— Se dependesse de mim, arrancaria a lápide e trocaria a inscrição. Leigh


Channing, esse era o nome de minha irmã. Era o que deveria estar escrito.
— No entanto, Jeremy Trent era seu marido, e isso deve ser respeitado, meu
filho.
Brady não estava convencido. O casamento de Leigh fora problemático. Brady
conhecia as dificuldades, mas não chegou a perceber as implicações do
envolvimento de Leigh com Jeremy Trent.
Tinha a convicção de que poderia ter feito alguma coisa para evitar-lhe a
morte. Foi o último da família a conversar com Leigh e não tomara nenhuma
atitude. Falhara miseravelmente. Sentia-se culpado e responsável por não ter
podido evitar o desenrolar dos trágicos acontecimentos. Recompunha e
reconsiderava todos os aspectos daquela última conversa numa vã tentativa de
perceber o que Leigh havia tentado lhe dizer.
Fortes vínculos afetivos os uniam. Leigh era nove anos mais nova, filha de Arlo
Channing, o segundo marido de Loretta. Ele e Brady não se davam muito bem.
Eram brigas e mais brigas. Anos depois, Brady foi estudar geologia em outro
Estado.
Arlo Channing não via com bons olhos as afinidades entre Leigh e o irmão.
Todos no bairro sabiam que Brady Coleman era um rapaz rebelde como o próprio
pai, velho caixeiro viajante inconstante, arruaceiro e sedutor como poucos.
Brady também era admirado pelas mulheres. Como seu pai, tinha quase dois
metros de altura, ombros largos, cabelos pretos ondulados, olhos azuis e sorriso
irreverente.
— Sabe, meu filho — o pai lhe dissera um dia —, nossa venturosa alma
irlandesa resistiu ao sol escaldante do Texas.
O fato de Brady ter deixado a universidade antes de terminar os estudos não
fora uma surpresa. Envolveu-se em um negócio de distribuição de óleos vegetais e
passou a percorrer as mesmas trilhas e caminhos do velho irlandês. Jake Coleman,
sonhador e sem dinheiro, terminou seus dias em um hospital nos arredores de
Houston. Ao voltar do funeral, Brady levou Leigh para dançar, obedecendo a um

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desejo do pai que lhe dissera um dia que a melhor maneira de recordá-lo seria
dançar em um baile com a mais linda garota do Texas.
Leigh sempre teve muito orgulho do irmão. Uma vez perguntou-lhe por que
perdia tanto tempo e atenções consigo quando a metade das mulheres da cidade
vivia louca para estar em seus braços.
— É a melhor forma de mantê-las sempre à minha volta... — Brady lhe
respondera, com uma piscada.
Três anos depois, Leigh casou-se com Jeremy Trent, um homem vaidoso e
detestável, recém-chegado de Nova York. Um sujeito tão desagradável e insípido
que Brady não conseguia entender como Leigh pudera se apaixonar.
Loretta soluçava forte. Brady ofereceu-lhe o ombro, segurando-a com o braço.
As lágrimas brotaram copiosas de seus olhos e o nome da irmã cintilou sobre o
mármore. Ele mordeu o lábio.
— Maldito. Maldito Jeremy Trent.
— Não diga isso, querido. Por favor, Brady...
Ele silenciou, e as lágrimas rolaram. Limpou-as com as costas da mão, irritado
com a própria impotência. Recordou as últimas palavras da irmã: "Brady... Não sei
o que fazer. Estou a ponto de perder o juízo. Jeremy está de deixando louca. Preciso
de sua ajuda".
Já haviam conversado muitas vezes sobre ele. Brady sempre lhe aconselhara o
divórcio. Não havia razão para suportar os caprichos daquele infeliz. Por sorte, não
tinham filhos, e a separação seria menos traumática.
Mas Leigh não fizera caso de seus conselhos. Recusava-se a ouvir. Pretendia
que Jeremy fosse com ela a um psiquiatra, um conselheiro para casais, mas ele se
recusava.
— Tentei tudo, Brady, mas ele não quer.
— Pois então, caia fora enquanto é tempo.
— Mas eu gosto dele. Ele é maravilhoso para mim. Mas às vezes...
— O quê?

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— Os detalhes não importam. O problema é que Jeremy precisa de ajuda


profissional, mas se recusa.
— A ajuda profissional de que esse cara precisa é uma boa surra. Posso
começar agora mesmo, Leigh. É só me dizer, e quebro a cara dele.
— Não Brady. Não é isso. Se fosse, eu mesma poderia fazê-lo. Imaginei que
você, como homem, talvez tivesse alguma sugestão para convencê-lo a procurar
ajuda.
— Tudo bem, Leigh, mas, para que eu possa dar uma sugestão, você precisa
dizer-me o que ele tem feito de errado. Afinal, o que é?
— O que ele faz não tem importância.
— Olhe, se quer minha ajuda, terá de dizer o que está acontecendo.
— Ah! Então, é melhor esquecer o assunto.
— Ele bate em você? Eu arrebento esse sujeitinho! Responda!
Leigh não conteve o pranto.
— Maldito! Não queria vê-la chorar por causa dele.
— Tudo bem, Brady. Desculpe tê-lo chamado em horário de trabalho.
Continuarei sendo carinhosa com Jeremy. Talvez entenda meu amor e decida
procurar um médico.
— Deixe disso, minha irmã. Melhor cair fora. Jeremy Trent não serve para
você.
Leigh desligou, soluçando.
Dias depois dessa conversa, Brady Coleman reconheceu a irmã estendida
numa das gavetas do necrotério. Fora assassinada em sua cama. Jeremy Trent
chamou a polícia e admitiu ter estado deitado e inconsciente a seu lado enquanto
ela fora morta por um intruso. A polícia não conseguiu relacioná-lo com o crime.
Um ano de investigações e até agora muitas questões estavam sem resposta.
Nesse período o intruso morreu.
Jeremy ficou livre como um pássaro. Não havia como provar que a história não
passava de uma grande mentira.

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— Se pelo menos tivesse ido em busca de Jeremy e dado a surra que o


desgraçado merecia, talvez Leigh ainda estivesse viva — remoía.
Loretta Channing levou o lenço aos olhos.
— Minha garotinha — murmurou, curvando-se sobre o túmulo e colocando
uma das mãos sobre a lápide, como a acariciar os sedosos cabelos da filha.
Brady a observava, tenso, sem conter o pranto. Depois de alguns minutos, ela
retirou-se.
— Vou até o carro, meu filho. Talvez tenha algo em particular para dizer à sua
irmã.
Quase sem pensar, Brady fez menção de acompanhar a mãe. Olhou as flores e
ajoelhou-se. Suspirou. Foi dominado por uma estranha tranqüilidade e percebeu a
presença de Leigh. Sentiu que havia algo a ser dito. Algo que pela primeira vez
brotava de seu coração ferido.
— Eu a quero muito, Button — murmurou, recordando-lhe o apelido. — Não
deixarei que tudo acabe desse jeito. Não descansarei até ver o maldito pendurado
na forca.
Enxugou os olhos e respirou forte.
— E isso é uma promessa. Uma promessa para você, Button. Minha solene
promessa.

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CAPÍTULO UM

Três anos depois

Jane Stewart brincava nervosamente com os dedos. Na verdade, durante as


últimas semanas surpreendera-se várias vezes roendo as unhas e mordendo o lábio,
hábitos esquecidos da adolescência. Sentia-se outra.
Nem mesmo a bela vista panorâmica dos jardins a acalmava. Suspirou
profundamente e lançou o olhar sobre as verdes águas e as areias de Pebble Beach.
O campo de golfe, sereno, estendia-se no horizonte. Tempos atrás costumava passar
longos momentos observando a placidez e o encanto da paisagem. Ocasionalmente
um copo de vinho da Califórnia a acompanhava no devaneio diante da exuberante
natureza. Mas, depois do acidente, as coisas mudaram. Podia ficar horas e horas
observando o mar, as ondas e o verde sinuoso. A antiga sensação de paz e
integração com as coisas não aparecia. Agora eram apenas pensamentos sombrios e
preocupações com o futuro incerto.
Jane olhou para seu corpo. Vestia um fino conjunto branco de malha e trazia
nos ombros um alegre abrigo, presente de sua irmã Margareth. Os cabelos loiros,
presos à nuca, emolduravam belíssimo par de brincos de pérola e diamante,
herança de sua mãe. Um bracelete de ouro enfeitava-lhe o pulso.
Durante a recuperação, Jane ainda tentou usar peças de seu elegante guarda
roupa, mas as finas sedas e a alta-costura apenas emprestavam irônico aspecto à sua
tragédia. Roupas leves de algodão e fina lã eram muito mais práticas e confortáveis.
Comprou várias, em coloridos e alegres tons.
Mas naquela manhã, Jane Stewart queria sentir-se especial, afinar-se com as
cores e nuances do dia. Um apelo angustiante aos tempos anteriores ao acidente
que a deixara entre a vida e a morte. Seus dias se passaram entre escolher o que
comer no almoço ou no jantar, a cor da roupa a vestir, que livro ler ou a que

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programa de televisão assistir. Sentiu a vida estagnada, sem cores ou brilho,


apegada apenas à tênue e distante possibilidade de cura.
— Tudo bem, doutora? Deseja alguma coisa?
Ela virou-se ao ouvir a voz de Manuela. A pequena senhora de cabelos
grisalhos aproximou-se com um doce sorriso.
— Que horas são, Manuela?
— Vinte para as seis — disse, consultando o relógio.
— Bem... acho que terei tempo para um copo de vinho antes que ele chegue.
Um Chardonay cairia muito bem.
— Sim, senhorita. Vou providenciar — respondeu Manuela, dirigindo-se à
cozinha.
— Não me sirva muito. Meia taça é suficiente.
Jane olhou novamente a paisagem. Sentia-se ansiosa como uma adolescente à
espera de seu primeiro namorado. Manuela regressou com o vinho e, dirigindo-se à
mesa de canto, acendeu o abajur.
— Obrigada, Manuela — agradeceu Jane Stewart, aproximando-se com a
cadeira de rodas.
A velha senhora serviu-a e, afastando-se alguns passos depois de tocar-lhe
carinhosamente os ombros, comentou:
— A senhorita está muito bem...
Jane provou o vinho e dirigiu o olhar a Manuela. Ela trabalhava com a família
desde que a bela mansão fora construída. O dr. Wedon Stewart, seu pai, faleceu
acometido de inesperada doença. A mulher não resistiu à perda e morreu dois anos
depois. Jane Stewart herdou casa e fortuna. Manuela ficou e era vista pela patroa
como um parente querido, muito próximo de suas alegrias e tragédias familiares. .
— Pareço nervosa?
Manuela sorriu.
— Um pouco pálida, mas o vinho se encarregará de trazer cores à sua face.
Não se preocupe. Está linda. Mais linda do que a primeira vez em que ele esteve
nesta casa.

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— Gostaria de acreditar em suas palavras, Manuela — respondeu Jane,


tomando mais um gole de vinho.
— Você se preocupa muito, doutora. O sr. Trent lhe tem profunda admiração.
É evidente em seu olhar. A cada dia a admira mais. Sei que é assim.
— Manuela... você quer apenas me animar.
— Não, senhorita. Essa é a pura verdade.
— O que vê nos olhos de Jeremy deve ser compaixão, pena. Ele é um homem
sensível.
— Nada disso, doutora. Compaixão é um sentimento que a senhorita está
alentando por si mesma. Já falamos sobre isso. Você está a espera de que sua
vivacidade retorne e não está lutando por isso. Um grande erro, senhorita, um
grande erro.
— Bem... eu sei que não aprova minha postura.
— O fato de eu não aprovar não vem ao caso. O que importa é que você retome
a confiança que sempre teve em si mesma. Nada houve com sua mente ou com a
beleza de seu rosto.
— Tenho que encarar o fato de que sou apenas meia mulher. Sou uma
inválida.
— Mas, doutora, falar isso não tem sentido. Você diria uma coisa dessas a um
paciente? Jamais apoiaria essas palavras.
— Ora, você está me fazendo recordar o dr. Mark Krinski.
— E o dr. Krinski tem toda a razão. Estou de acordo com ele. Mesmo antes,
sempre achei que deveria voltar ao consultório. Tratar das crianças lhe faria um
bem enorme.
— Não devo propor-me coisas para as quais não tenho mais capacidade. Não
conseguiria clinicar. Não posso fazer as coisas pela metade: ou as faço bem ou não
as faço.
O tom de voz alterou-se, tornando-se cáustico. Mas Jane sabia que Manuela
estava apenas interessando-se por seu bem-estar e não queria magoá-la.
— Desculpe, Manuela. Não quis ser rude. Estou nervosa,

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— E por que nervosa, doutora? O sr. Trent é amável e gosta muito de você.
Tempos atrás não conseguia sequer atender seus pretendentes. Todos os rapazes de
Monterey queriam levá-la a festas, e você, tão ocupada com estudos e com a clínica,
os ignorava. Certamente por não achar nenhum deles especial a ponto de interessar-
se. Mas agora a coisa é outra. Não há razão nenhuma para ficar nervosa.
Jane levantou a taça e observou Manuela através do cristal.
— Cada um enfrenta seus dissabores como pode. Talvez eu não seja tão forte e
disposta como os demais.
Manuela olhou-a fixamente:
— Isso não faz sentido, doutora. Já falamos muitas vezes. O problema é que
você é a doutora, e eu, a empregada doméstica. Talvez o sr. Trent a convença. Quer
um pouco mais de vinho?
— Não obrigada. Aqui tem a taça. Pode levá-la.
— Pois saiba, senhorita, que depois desses goles de vinho suas cores são as de
uma mulher apaixonada. Um sorriso, isso apenas é o que lhe falta.
Jane sorriu com embaraço.
— Obrigada pelo carinho, Manuela — respondeu, tomando-lhe a mão.
— Está apaixonada por ele? Verdadeiramente apaixonada?
— Não sei.
— É bem verdade que o sr. Trent freqüenta esta casa há apenas dois meses...
Pouco tempo, doutora.
— Jeremy é carinhoso e compreensivo. Gosto dele, mas, quando tento analisar
meus sentimentos, percebo que estou vulnerável e insegura. Questiono todos os
meus sentimentos.
— E ele? Disse ou insinuou alguma coisa? Algo romântico?
— Até agora, não diretamente. Mas sinto que há um certo envolvimento. Acho
que tem sido cauteloso devido à minha condição.
— Ou ele é um cavalheiro.
— Sim, Manuela. Gentil e generoso como poucos.

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— Bem, vou até a cozinha preparar o jantar para o romântico casal. Disse à
minha irmã que iria visitá-la esta noite. Assim que acabar de servir e arrumar a
cozinha, devo sair. Volto amanhã para servir o café — completou com um sorriso
de cúmplice.
Jane não havia dito a Manuela por que desejava estar a sós com o convidado
naquela noite. Mas não era difícil adivinhar. Apesar de nenhum convite ou
insinuação direta, era evidente o interesse de Jeremy em uma aproximação mais
íntima. Já haviam trocado beijos e carícias, e ele demonstrava envolvimento. Jane
tinha certeza. Ele entendia suas necessidades e acompanhava seus progressos na
fisioterapia. Não a pressionava e tratava-a com carinho e compreensão.
Jane Stewart fora uma profissional ativa, nunca dispondo de tempo para si.
Agora poderia aproveitar a convalescença para avaliar e viver outros aspectos que a
vida lhe oferecia. Sabia que esses conselhos eram sábios, mas era difícil levá-los à
prática. As horas se arrastavam quando Jeremy estava ausente. Pela primeira vez
Jane volta-se para a própria felicidade. Esses momentos a faziam valorizar a
cumplicidade e o afeto e perceber a antiga aridez de sua vida pessoal.
Ele era afetuoso e jamais forçou uma aproximação íntima. Algumas vezes sua
paixão tornava-se evidente. Isso excitava a fantasia de ser desejada e possuída como
mulher. Passadas algumas semanas, Jane tomou coragem e o convidou para um
jantar a dois. Ele tomou suas mãos e respondeu comovido:
— Jane, não imagina como estou feliz com o convite. Não poderia sugerir nada
melhor.
Não estava muito certa de que ele havia percebido que pretendia criar uma
atmosfera romântica e íntima que lhe permitisse tomá-la em seus braços e talvez até
levá-la para a cama. A incerteza a deixava muito nervosa.
O velho relógio de pêndulo anunciou as seis da tarde. Jane sentiu calafrios pelo
corpo. Talvez fosse uma tolice imaginar que Jeremy a desejasse. Fazer amor com
uma inválida não deveria ser excitante para um homem. Fechou os olhos, respirou
fundo e censurou-se por tão negativos pensamentos.

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Se um ano atrás alguém lhe dissesse que um dia ficaria nesse estado só por
causa de um jantar romântico, cairia em sonora gargalhada. Sua vida era demasiado
agitada para tais preocupações. Mas o acidente mudou tudo. Ficara entre a vida e a
morte devido a imprudência do motorista embriagado que provocou o desastre.
Depois de superar os críticos momentos, a preocupação dos médicos era saber se
algum dia voltaria a andar. Depois, era imaginar se poderia retomar a carreira de
médica e levar uma vida normal.
Os médicos estavam otimistas. Com o passar das semanas as melhoras
tornavam-se evidentes. E uma coisa ficou clara: a recuperação do movimento das
pernas seria um processo longo, envolvendo tratamento fisioterápico e exercícios. A
perspectiva era alentadora, mas Jane não conseguia ver o lado positivo. Sentia-se
deprimida e triste.
Foi quando surgiu Jeremy Trent. Sensível, ele percebeu seu estado de espírito e
com palavras alentadoras e sinceras conseguiu conduzi-la a uma posição mais
otimista com relação ao processo de cura. O homem certo, no momento certo. Uma
dádiva dos céus, pensava. E Jane sentia-se envolvida. No começo resistiu à idéia de
manter relações íntimas com Jeremy, mas, depois de consultar o dr. Mark Krinski, o
médico que a atendia, soube que relações sexuais não comprometeriam o
tratamento.
— Sexo? — perguntara o doutor, tentando disfarçar a surpresa.
— Minha sensualidade não desapareceu. Posso estar inválida, mas sinto
desejo.
Mark Krinski tentou brincar, provocante:
— E você iria a um motel? Talvez devesse treinar um pouco...
— Não se preocupe, Mark. Eu encontrarei com quem, como e onde. Quero
simplesmente que me diga se há riscos para a minha saúde e para o tratamento.
O médico corou.
— Desculpe, Jane, mas você me pegou de surpresa. Não quis ser irônico ou
magoá-la. Vou lhe dizer uma coisa muito séria: envolver-se com a vida é a melhor
coisa que poderia fazer mental e emocionalmente. E sexo é vida.

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— E fisicamente? Você falou-me em treinamento e exercícios. É sério?


Ele sorriu.
— É sério e importante, mas envolveria também seu parceiro. Devem ter bom
senso. E se ele for gentil e carinhoso, já deve pensar numa gravidez de sete meses.
— Gravidez não está em meus planos, Mark. E entendo que devo encontrar o
homem certo.
A conversa com o médico fora duas semanas atrás. E o momento da verdade se
aproximava.
A voz melodiosa de Manuela em seus afazeres na cozinha foi interrompida
pelo barulho do motor de um carro estacionando. Jane sentiu um frio no estômago.
"Jeremy vai ser capaz de entender-me. Tudo vai sair bem", pensou.
Ao som da campainha, Manuela dirigiu-se à porta:
— Um momento.
De onde estava, Jane não conseguia ver o vestíbulo. Na grande sala, sofás
confortáveis rodeavam a lareira. Mais adiante, o piano de cauda em que sua mãe
costumava tocar suaves melodias. Sólidas cadeiras e pequenas mesas distribuíam-se
pelo salão que anos atrás fora palco de animadas e concorridas festas. A lenha
crepitava ao fogo, trazendo calor e aconchego ao ambiente.
Jeremy Trent, alegre, saudou a cozinheira:
— Que cheiro maravilhoso, Manuela! O que teremos para jantar?
— Já verá, sr. Trent, já verá. Entre, a srta. Jane o espera.
Jeremy era amável e carinhoso com as pessoas. Todos que o conheciam o
admiravam. Mas certo mistério envolvia sua vida. Chegara havia pouco tempo da
Nova Inglaterra, e Jane o conhecera através de relações familiares. Seu cunhado
Peter o conheceu na Universidade da Califórnia. Quando Peter soube que Jeremy
pretendia instalar-se na região de Monterey, decidiu apresentá-lo. Trouxe-o à sua
casa. No início inquietou-se pelo fato de Peter haver trazido um perfeito estranho
para vê-la naquele estado. Mas o forasteiro fora tão amável no dia seguinte pelo
telefone, que Jane decidiu convidá-lo para um chá. Na outra semana ele voltou e
logo tornou-se freqüentador habitual da casa.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Jeremy entrou na sala portando um enorme ramo de rosas vermelhas. Era um


belo homem. Os cabelos castanho-claros, um tanto compridos, impecavelmente
penteados. O paletó de lã azul com um bordado no bolso superior esquerdo e calça
cinza-clara combinavam perfeitamente com a gravata do uniforme da Universidade
da Califórnia. Sorrindo, ele se aproximou:
— Jane, você está absolutamente maravilhosa!
— Gentileza sua, Jeremy. É que não está acostumado a ver-me vestida assim.
Ele ajoelhou-se diante da cadeira de rodas e pousou o ramo de flores em seu
colo. Seus olhos castanhos fitaram-na ternamente:
— Chegará logo o dia em que poderá estar vestida como uma rainha e dançar
como uma princesa. A cadeira de rodas será apenas uma lembrança.
— Você é muito carinhoso — disse ela, afagando-lhe o rosto. — Sempre ouvi
dizer que os nortistas são frios e reservados. Como você foi me sair tão romântico?
Ele beijou-lhe os dedos:
— Você é quem desperta minha inspiração.
Jane sorriu feliz.
— Calma, Jeremy, ou pode perder a credibilidade...
— Imagine.
— Sabe, você me trata com tantos mimos que temo às vezes estar me portando
como uma criança.
— Bobagem.
— Sei que tem sido generoso alentando-me nessa minha convalescença. Mas
acho que o aborreço com minhas dificuldades e misérias.
— Por favor, Jane, não fale assim. Você tem lutado bravamente e tenho
acompanhado de perto seus avanços. Respeito e reconheço seu esforço.
— E por que? Por que sente assim?
— Bem, se quer conversar sobre isso, melhor nos aproximarmos da lareira.
— Está bem.
Jeremy guiou a cadeira de rodas até as proximidades do fogo. Sentou-se no
sofá ao lado e cruzou as pernas.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Compartilhamos bons momentos nestes últimos meses, Jane. E quanto mais


a conheço, mais a respeito. Enfrenta com valentia a adversidade. Tenho certeza de
que logo estará andando novamente. Precisará de apoio moral, e saiba que estou
disposto a fazer minha parte.
Ela sentia o já familiar perfume da colônia que Jeremy usava. Observava o
mover das sombras projetadas pelas chamas em seu rosto.
— E se minhas pernas não corresponderem? E se eu nunca mais tornar a
andar?
— Você há de conseguir.
— E se não der? Ficarei nesta cadeira de rodas por toda a vida.
— Nós lutaremos juntos.
— Nós?
— Se você me permitir, estaremos juntos, lado a lado. Você há de curar-se.
Jeremy falava inspirando certezas absolutas. Como poderia ele estar tão seguro
diante de sua fragilidade? Jane fitou as rosas em seu colo.
— Melhor arrumá-las em um vaso.
— Deixe. Eu as levo até a cozinha.
— Tudo bem. Manuela as colocará em um vaso. Diga a ela que quero vê-las no
aparador da sala de jantar.
Jeremy Trent dirigiu-se à cozinha. Uma vez mais conseguira tranqüilizá-la.
Jane sentia-se insegura com relação ao futuro, e ele lhe devolvera a confiança. Era
como se conhecesse seus mais íntimos sentimentos, seus mais secretos desejos.
Ela sorriu olhando as chamas. Jeremy os conhecia e talvez também a desejasse.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO DOIS

Jeremy regressou da cozinha com o balde de gelo e a garrafa de champanhe.


Sobre o linho branco da bandeja equilibravam-se duas taças.
— Manuela insistiu em servir-nos, mas decidi adiantar-me. Que bela idéia,
Jane.
— A ocasião feliz o merece.
— Alegre e especial por estarmos juntos — acrescentou Jeremy,
Ao vê-lo pousar a bandeja sobre a mesa e servir as taças, Jane imaginou como
ele seria quando estivesse de mau humor. Ninguém pode ser alegre e exuberante o
tempo todo.
— Em que está pensando? — perguntou Jeremy.
— Em nada. Estava divagando.
— Ora, Jane, você me parece tão distante. Está preocupada com alguma coisa?
— Quer dizer que também consegue ler pensamentos?
Jeremy passou-lhe a taça de champanhe.
— Quando se gosta de alguém é fácil compreender e perceber-lhe o humor.
— Ah! É assim?
Ele estendeu a taça e brindou:
— Por esta noite encantadora.
Jane sorriu, tocando os cristais.
— E então? Pode-se saber o que se passa em sua linda cabecinha? — ele
indagou, sorrindo.
— A verdade é que estava pensando que você é uma pessoa admirável.
— Obrigado, mas isso não deve ser motivo de preocupação.
Ela fitou-o longamente e perguntou:
— Você é sempre assim? Tão gentil, tão amável?
— Será uma crítica?
— Claro que não. Apenas tento descobrir por que você me faz tão bem.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— A explicação é simples: eu a amo. Gostei de você no momento em que a vi.


Essa é a realidade. Tento disfarçar um pouco, mas não consigo.
A declaração inesperada a emocionou. Duas lágrimas rolaram.
— Que palavras lindas de se ouvir — Jane disse, mordendo o lábio para evitar
o pranto.
Jeremy inclinou-se e beijou-a gentilmente.
— Espero que essas lágrimas sejam de alegria — sussurrou.
— Sim. Emoção e alegria.
Ele não escondeu o fascínio:
— Saiba que estou muito feliz.
— Eu também.
Jeremy envolveu-a nos braços. Uma das mãos ergueu novamente a taça de
champanhe:
— A mais bela e inesquecível mulher vista por meus olhos.
Tomaram um gole. Jane estava feliz, mas o sentimento de insegurança não a
abandonava.
Desejaria sentir-me inesquecível, mas na verdade sinto-me estranha. Não
pensei que pudesse ter um envolvimento tão forte. Desde meu acidente não me
sinto eu mesma...
Jeremy acariciou-lhe as mãos.
— Você é uma bela mulher. Tenho muitos defeitos, mas meu gosto é
impecável. E parece ser essa a minha maior virtude.
— Suas virtudes, querido Jeremy, são evidentes. Fale-me sobre seus defeitos.
Quero conhecê-los.
— Quer mesmo correr esse risco?
— Sim. Preciso conhecer seus mais sombrios segredos. Isso, se estiver disposto
a contar-me.
A noite chegava. As luzes das casas vizinhas e dos prédios ao longe
pontilhavam o horizonte. O verde se fazia cinzento.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Na verdade há algumas coisas que desejo lhe contar — ponderou Jeremy,


com inesperada seriedade. — Arrasto alguns fardos do passado.
Tomada de surpresa, Jane sentiu o coração disparar.
— Jeremy, por favor... O que quer dizer com isso?
— Estive casado até muito pouco tempo, Jane. Os papéis do divórcio ficaram
em ordem há apenas quatro meses, pouco antes de vir para Carmel.
— E por que não me disse nada antes? — perguntou Jane, refazendo-se do
choque.
— Porque à primeira vista parece que se trata de uma situação complicada.
Assim, preferi que me conhecesse melhor para julgar o assunto com mais
elementos.
Ela suspirou, mal conseguindo conter o tremor que lhe percorria o corpo.
— Oh, Jeremy, veja, estou tremendo... Que acontece comigo?
— Deve estar com medo, querida.
— E há motivo para eu me sentir assim?
— Nenhum, desde que confie em mim.
— Por favor, seja mais claro.
— Há três anos, casei-me com uma pessoa sem conhecê-la o suficiente. Não
estava a par de seus problemas. Ela possuía o especial talento de escondê-los,
camuflá-los. Dava a impressão de ser estável e segura si Mas tratava-se de uma
criatura frágil e infantil. Eu havia perdido minha mulher há apenas um ano e estava
mais vulnerável do que supunha. Cedi a meus impulsos e pedi Vitória em
casamento.
— Esse parece ter sido um grave erro — comentou ela — mas todos estamos
sujeitos a avaliar mal certas situações.
— Sim. Concordo, mas o pior não é isso.
Ansiosa ela engoliu em seco e esperou.
— Bem... Uma semana após o casamento, Vitória passou a exagerar no álcool e
nos barbitúricos. Entrou em coma profundo e assim permanece desde então.
— Oh! Sinto muito.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Ele baixou o olhar e continuou:


— Os filhos de Vitória tentaram responsabilizar-me, mas eu não tinha controle
sobre seus atos. Sempre me pergunto onde falhei e se na verdade teria havido
alguma coisa a meu alcance para evitar essa tragédia.
— Bem, Jeremy, eu diria que foi apenas um grave erro de avaliação. Ninguém
pode censurá-lo por terminar um casamento diante de tais circunstâncias. Além
disso, parece que não houve razões sólidas para iniciar seu relacionamento com
essa moça.
— Talvez tenha razão, mas o fato é que ela tornou-se minha mulher. Não
queria deixá-la nesse estado, mas os filhos forçaram-me a tomar a decisão. Foram à
Justiça para anular o casamento. Alegaram fraude e má intenção. Foi terrível.
Cabisbaixo, Jeremy tomou um gole de champanhe.
— Que horror! O que os levou a tratá-lo assim? Ciúme?
— Nada disso: cobiça. Vitória era uma mulher rica. Eu tinha recursos, mas
nada comparável com sua fortuna. Jamais quis seu dinheiro, mas os filhos sim. O
problema todo foi esse.
— E o que aconteceu?
— Quando percebi que essa era a questão, decidi engolir meu orgulho e
abandonar minha mulher. Concordei com o divórcio e um ajuste financeiro que
garantiu que todos os seus bens ficassem para os filhos. Vitória jamais saberá de
minha atitude.
Jane tremeu, sentindo um calafrio percorrer-lhe a espinha. Apertou a mão de
Jeremy:
— Você não tem motivos para sentir-se culpado. Sua atitude foi correta e
nobre.
--— É maravilhoso ouvir essas palavras. Mas não consigo sentir-me bem diante
desses acontecimentos. Poderia ter evitado muitas coisas se fosse mais maduro,
compreensivo e generoso.
— Isso é tolice, Jeremy. Você não tirou proveito da situação. Na verdade
sofreu, e muito — comentou Jane, acariciando-lhe a face. — Mas, apesar de sua

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

atitude positiva, sinto que há alguma coisa mais que o fere e magoa em toda essa
triste história.
— Você é mais intuitiva do que pensei.
— Como você mesmo disse, quando se gosta de alguém, é mais fácil perceber-
lhe os sentimentos.
— E não se sente desiludida por minha história?
— Pelo contrário. Penso em nós mais do que nunca.
— E espero que entenda meus cuidados. Não quis apressar-me. Queria estar
bem seguro antes de ir em frente e saber se você era emocionalmente forte e capaz
de enfrentar nosso relacionamento.
— E o que acha?
— Que você é muito corajosa. Tem muito a me ensinar.
— Isso não é verdade, mas agradeço por suas palavras.
Jeremy serviu-lhe mais uma taça de champanhe e, aproximando-se da
fogueira, atiçou o fogo. Jane observava o crepitar das chamas.
— Há alguma coisa que quero agora, e que antes não queria — comentou Jane,
acrescentando, sombria: — Não sei como dizer-lhe.
— O que é, Jane?
Ela suspirou, tomando coragem:
— Preciso ser tratada como uma mulher, e não como uma inválida carente de
cuidados e atenções médicas.
Jeremy franziu a testa:
— Não entendi bem o que quis dizer.
Ela mordeu o lábio, incapaz de encará-lo:
— Bem... Gostaria que fizesse amor comigo — murmurou.
O fogo na lareira estalava, soltando faíscas.
Jane levantou a cabeça, ansiosa pela reação dele. Os olhos brilhavam. Jeremy
inclinou-se e beijou-a apaixonadamente.
— Eu a amo, Jane.
Fitaram-se por um longo tempo. Jeremy acarinhou-lhe a face.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— E podemos fazer amor?


— Meu médico disse que sim, se fosse cautelosa. Você teria que ser muito
delicado. Mas se a idéia não o agradar, melhor nem tentarmos.
— Não seja tola — disse Jeremy, afogando-a em beijos.
— Gosto muito de você, muito mesmo.
Ele tomou-lhe as mãos e, silenciosamente, serviu-lhe mais champanhe.
— Pensava esperar a hora do jantar, mas acho que o momento é agora —
anunciou Jeremy, tirando do bolso um estojo de veludo. — Talvez seja prematuro,
mas quero que conheça minhas intenções.
Ele abriu cerimoniosamente o estojo de veludo. Surgiu um belíssimo anel de
diamante.
— Quero que se case comigo, Jane — desabafou com voz carregada de emoção.
Surpresa, ela mal conseguia respirar.
Ao ver-lhe os olhos assustados, Jeremy se adiantou:
— Não precisa responder-me agora. Gostaria apenas que acalentasse a idéia,
avaliasse seus sentimentos.
— Jeremy, não tenho palavras — sussurrou, atordoada.
— Desculpe se estou sendo precipitado, mas não consegui esperar — disse ele,
colocando o brilhante em seu dedo. — Use-o, nem que seja apenas durante o jantar.
Se decidir não usá-lo mais nunca, serei capaz de entender.
Jane moveu a cabeça, a cabeça rodando.
— Não sei o que dizer...
Ele encolheu os ombros, sorrindo:
— Como vê, posso ser imprevisível.. Espero não tê-la decepcionado.
Jane olhou o anel.
— É lindo, Jeremy. Muito lindo. Está muito bem.
— Então não se sente infeliz.
— Claro que não. Simplesmente estou achando inacreditável.
— E encontrará em mim um homem de muitas surpresas.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Jane não queria dizer, mas essa não era a espécie de envolvimento que
desejava. Sempre encarara o casamento como um risco pouco recomendável. Mas
havia um ponto positivo. As intenções de Jeremy pareciam louváveis.
A brisa entrando pela janela refrescava-lhe a pele suada. Sentia-se bem ao ver
os dedos de Laureline moverem-se sobre seu corpo. Brady adorava quando ela
passava as mãos em suas costas, fitando-o com o olhar maroto.
— Não vai me dizer que ainda quer mais... — comentou ele com voz rouca.
Laureline pousou a cabeça sobre o braço musculoso e beijou-o, lasciva:
— Brady, querido, eu sempre quero mais. E, além disso, não dirigi cem milhas
esta noite apenas para namorar um pouquinho.
— Namorar um pouquinho?! E assim que você chama o que julgo ser uma de
minhas melhores atuações?
— Foi bom, querido, foi muito bom. Você é bárbaro, mas quero mais...
Brady olhou a janela aberta e brincou com seus cabelos. Laureline encaixou as
pernas entre as dele.
Ao longe avistava a Via Láctea e milhares de estrelas em volta da Lua. A névoa
ainda pairava sobre os campos de Edwards Plateau. Pedras calcárias preenchiam o
grande e inóspito vazio. Aqui e ali áridos desfiladeiros albergavam pinheiros e
carvalhos verdes a acompanhar agitados e tortuosos riachos.
Eram quase dois mil acres de terra entre ribanceiras, até os limites de Pullian
Creek. A fazenda de Brady tinha pouco valor comercial. Um vizinho criava gado
em parte das terras, e um poço de gás lhe rendia o suficiente para pagar os impostos
e o seguro da propriedade. A renda permitia algumas noites divertidas em Dallas,
Houston ou Nova Orleans. Pouco, na verdade. Não conservara a fazenda por razões
econômicas. Gostava da beleza da terra, dos cervos que desciam as encostas, dos
pássaros matutinos e dos ventos gelados do inverno e frescos do verão. A pequena
casa rústica era seu refúgio. Gostava de ler junto à lareira. Amava os livros. Tinha
mais de três mil volumes. A coleção abrangia todos os assuntos. Mas Brady tinha
preferência por biografias célebres, história da humanidade e da natureza.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Laureline tudo fazia para seduzi-lo. Afagava-lhe as pernas e apertava-se contra


seu corpo. Era uma mulher sensual. Gostava de sexo, e não era vulgar. Insistente,
era difícil satisfazê-la. Fora mulher de seu amigo Jerry Branson, um conquistador
irrecuperável. Quando divorciou-se, decidiu procurar Brady para vingar-se.
— Deveria ter me casado com você. Não sei como escolhi Jerry. Você é muito
mais homem, Brady — dissera-lhe certa vez.
Ele respondera com cinismo:
— Casou-se com Jerry porque ele pediu. Eu não, nunca pedi nada.
Laureline ficou sentida com o comentário, mas conhecia Brady o suficiente
para saber que a queria.
Durante algum tempo, Brady tentou deixar claro que fazer sexo com ela era
bom e divertido e que não pretendia um envolvimento mais sério. Na verdade,
aquele relacionamento não tinha por que continuar ou terminar. Seria bom
enquanto durasse.
— O que está havendo, querido? Estou exigindo demais? Está cansado?
— Não, nada disso. É que esperava uma chamada.
— A esta hora da noite? São mais de dez.
— Uma chamada da Califórnia, Laureline.
— De tão longe? Já sei. Uma mulher — resmungou, amuada.
— Não, não se trata disso. Um detetive deve chamar-me. Contratei seus
serviços.
— Ah! — suspirou, aliviada, beijando-lhe o ombro. — É sobre Leigh, não é? Sei
que sofre muito pelas circunstâncias e por sua tragédia.
— Isso mesmo. E quero ver na cadeia o desgraçado que provocou sua morte.
— Olhe, Brady, não quero meter-me em seus assuntos, mas seria bom que
tentasse voltar a ser o que sempre foi. Essa história o tem amargurado. Jerry
comentou outro dia que isso tudo o devora como uma doença.
— Laureline, o desgraçado é um bandido, um predador. Tentou matar a
segunda mulher em Connecticut e agora está na Califórnia escolhendo outra vítima.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Consegui algum dinheiro e estive em Zavala County para contratar alguém que
acompanhasse os passos de Jeremy Trent.
— E para que fazer isso, Brady? Acha que vai adiantar alguma coisa? Sua irmã
infelizmente está morta.
— Se constatar que outra família corre o risco de passar o que passamos com
aquele canalha, vou agir. Tenho que conseguir processar o miserável.
— Brady, você está investindo dinheiro e empenhando a vida nessa busca. O
ódio o tem impulsionado, querido. Isso é loucura. Você se transforma em outro ser
quando se refere a Jeremy Trent e à sua irmã.
— Sinto aborrecê-la com isso, mas um homem faz o que tem de fazer.
Brady suspirou fundo e acariciou a fina penugem do vente de Laureline,
imaginando que talvez ela tivesse razão. Passava horas e horas pensando em matá-
lo, destruí-lo, uma obsessão que o desviava dos caminhos da vida.
— Uma lástima vê-lo assim. O ódio corrói-lhe as entranhas. Prefiro-o sensual e
brincalhão como sempre — instigou Laureline, fazendo-lhe cócegas.
Brady empurrou-lhe as mãos, dizendo em tom sério:
— Ora, Laureline, deixe-me em paz. Estou passando momentos difíceis.
Ela acomodou-se e afirmou:
— Quer saber? Não suporto mais os homens. Estou cansada. Exausta. São
cabeçudos e egoístas. E vou lhe dizer algo mais. Ia contar amanhã, mas é bom ir
sabendo que vou embora daqui. Decidi deixar San Antônio.
— E vai para onde?
— Não sei. Talvez Houston, Nova Orleans. Qualquer lugar. Quero começar de
novo.
Brady sentiu uma pontada no peito. Um pouco de tristeza, culpa talvez.
— Entendo o que quer, querida. Está certo.
— Você não entende é nada.
— Espero não tê-la desapontado.
— Evidente que estou decepcionada, seu tolo. Mas você não tem culpa. Nunca
me fez promessa alguma. Não como Jerry...

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Desconcertado, Brady alisou-lhe a perna.


— Vai aparecer alguém que a queira e a ame de verdade.
Ela começou a chorar baixinho. Brady gostaria de amá-la. Na verdade, gostaria
de amar alguém, mas nunca conseguira. Sua mãe e Leigh eram as únicas, mas o
amor que sentia era de outro tipo.
O telefone tocou, fazendo-o saltar.
— É minha chamada. Desculpe, querida.
— Alô?
— Sr. Coleman, aqui é Warren Nuckols. Sinto chamá-lo tão tarde.
— Sem problemas, Warren. O que conseguiu?
— Não foi muito fácil, mas localizei nosso homem em Monterey, na costa de
San Francisco. Está instalado e parece ter algo em mente.
— Quer dizer que já ligou-se a alguma mulher?
— Isso mesmo. Tudo indica que estão envolvidos.
Brady sacudiu a cabeça, amargurado e enojado.
— Bem, parece que os talentos do canalha evoluem com o tempo. Como é ela,
Warren?
— Como era de se esperar: uma mulher rica. Dinheiro de família, muitos
dólares. Trata-se de uma médica chamada Jane Stewart.
— E é velha? Uma viúva rica, talvez?
— Não. Deve ter uns trinta anos. Solteira. Bastante atraente. Vi seu retrato na
sala da diretoria do hospital.
— Quer dizer que o louco continua agindo.
— É. Está indo em frente. Se conhecesse seu segredo, deixaria de ser detetive.
— Vi como seduziu minha irmã. O desgraçado é esperto. E olhe que Leigh
pouco tinha de boba. O bandido encontra um ponto frágil e ataca sem piedade.
Qual seria o ponto frágil dessa médica?
— É, sr. Coleman. O senhor tem razão. Jane Stewart é uma mulher com uma
séria debilidade. Está confinada a uma cadeira de rodas.
— Céus! Uma paralítica?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Ainda não tenho pormenores, mas ela não tem saído de casa nem para
trabalhar. Não consegui vê-la pessoalmente.
Brady esfregou o queixo.
— Continue investigando, Warren. Vá atrás de tudo que possa ser suspeito.
Talvez seja esse o momento de tomar um avião para ver as coisas de perto.
— Pois essa também é minha opinião. Jeremy Trent casou-se com a herdeira de
Connecticut três meses depois de conhecê-la. Verifico avanços com a médica. Saiba
que já lhe deu um belíssimo anel de presente.
— Como descobriu isso?
— Estive seguindo seus passos para descobrir onde morava. Na noite passada,
antes de visitar a médica, passou numa joalheria. E parece que dormiu em sua casa.
— Então nosso homem começou a agir. Safado! Sedutor!
— Nada tenho a dizer com relação a eventuais intimidades.
— Tudo bem, Warren.
— Alem disso, sr. Coleman, ele passou a tarde em San Francisco com uma
garota de programa.
— Talvez não tenha feito nada com a médica.
— Pode ser que goste de variar. Quem vai saber?
— Com relação à variedade, nada contra. Não posso criticá-lo por gostar de
garotas de programa — comentou Brady com um suspiro.
— Mas não esqueça, sr. Coleman: tudo indica que Jeremy Trent tem o hábito
de transformar esposas em defuntos.
— Hei de pegar esse desgraçado, Warren. Ele não perde por esperar. Gostaria
de fazê-lo em pedaços.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO TRÊS

O avião pousou em San Francisco numa tarde cinzenta e cheia de nuvens. A


garoa constante impediu-lhe a vista da baía, dos edifícios e da grande ponte, cartão
postal da bela cidade.
Brady aproximou-se do balcão da empresa de aluguel de carros. A atraente
recepcionista oriental atendeu-o com um sorriso. Perguntou-lhe sobre o trânsito
entre o aeroporto e Monterey. A garota advertiu-o de que encontraria dificuldades
no trajeto através da península e San José. Sugeriu-lhe que aguardasse algum tempo
no aeroporto até que passasse o momento de pico.
— Por que o senhor não aproveita para jantar? Talvez seja um pouco cedo, mas
o trânsito a essa hora é insuportável.
— Alguma sugestão?
Ela sorriu e indicou-lhe o restaurante que costumava freqüentar.
— E gostaria de acompanhar-me? — insinuou Brady.
— Meu marido não gostaria de ver-me jantando com um estranho.
Ele reparou que não havia aliança em seu dedo.
— Homem feliz... E ele sabe que você costuma tirar os anéis quando sai para o
trabalho?
— Infelizmente sou alérgica a metais. Não posso usar jóias.
Brady sorriu:
— Todos sonhamos com mulheres alérgicas a jóias.
— Tenha bom um apetite, sr. Coleman — respondeu a recepcionista,
entregando-lhe os documentos do automóvel.
Ao entrar no restaurante pensou em pedir um bom bife acebolado. Desistiu.
Era muito cedo e não tinha fome. Dirigiu-se ao balcão e pediu café. Passeou algum
tempo pelas lojas e instalações e logo foi buscar a bagagem deixada nos armários do
aeroporto.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Minutos depois estava no estacionamento diante do funcionário da empresa


locadora de automóveis. O rapaz de origem asiática indicou-lhe no mapa o trajeto
para Monterey. Cem quilômetros em direção sul, pela autovia. Pouco menos que a
distância entre San Antônio e Austin.
Brady dirigia devagar em direção a San José. O horário de pico chegava ao fim,
mas o trânsito se mantinha lento na estrada molhada. A garoa e o crepúsculo
impediam que observasse a paisagem. De todas as formas o norte da Califórnia não
lhe parecia muito diferente do sul do Estado, onde estivera algumas vezes.
Ao dirigir -absorto, veio-lhe à mente a imagem de Jeremy Trent. O mesmo
ocorria quando dirigia sua caminhonete ou cavalgava entre os vales e montanhas de
Pullian Creek. Não conseguia tirá-lo do pensamento. Era uma obsessão terrível, que
lhe apertava o peito e pressionava-lhe as têmporas. Um sentimento de ódio e de
vingança tomava conta de todo o seu ser. Brady sabia que aquilo era loucura. Não
era razoável manter a mente todo o tempo ocupada com a miserável criatura. Mas
estava além de suas forças. Não conseguia esquecê-lo.
Algumas vezes uma companhia feminina o fazia esquecer do tormento. Outras
vezes buscava alívio em doces lembranças do tempo em que sua irmã Leigh era
viva.
Tentou concentrar-se nos dias passados na Califórnia. Cinco anos atrás visitara
a região para encontrar-se com Harley Orman, um texano que morava em Newport
Beach interessado na exploração de petróleo em suas terras. Divertiu-se muito
naquela época. Passeou por Los Angeles, viu palmeiras e lindas garotas em belos
carros conversíveis. Esteve em Malibu e visitou o J. Paul Getty Museum, ficando
fascinado com as obras de arte gregas e romanas. Mas o sensacional dessa viagem
ocorreu depois de fechado o negócio. Harley conseguiu duas garotas belíssimas, e
foram até Las Vegas. A sorte lhe sorriu, e Brady ganhou mais de cinco mil dólares
na roleta. Deu de presente dois mil e quinhentos para Tammy, a moça loira que o
acompanhava, pagou as despesas de todos e ainda sobrou o bastante para divertir-
se a valer em Los Angeles.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Imaginava que o norte da Califórnia fosse diferente. A chuva e o vento


continuavam. Brady saiu da autovia em Morgan Hill e parou no MacDonald's para
um rápido café. Acomodado junto à janela, observou uma família mexicana com
quatro crianças devorando ávidas seus sanduíches e sorvetes. Ao vê-las, pensou nos
sobrinhos que sua irmã Leigh poderia ter lhe dado, caso tivesse se casado com
Tommy Bradshaw ou com algum dos bons rapazes que foram apaixonados por ela.
Seria um tio carinhoso, feliz por sair com três ou quatro guris pendurados no
pescoço. Em vez disso, lá estava ele amargurado e triste, em busca do desgraçado
responsável pela morte de Leigh.
Algumas pessoas talvez o considerassem maluco. Deixara seu aprazível rancho
para tentar salvar a vida de uma mulher que certamente não queria ser salva. Nem
mesmo Leigh lhe dera atenção. O que o fazia pensar que aquela estranha o ouviria?
Mas Brady tinha consciência de que seu objetivo não era apenas salvar uma
linda médica presa a uma cadeira de rodas. O que desejava era levar à Justiça o
sujeito que a seduzira e que provavelmente a levaria à morte. Não se perdoava por
não ter conseguido salvar Leigh das garras do assassino.
Terminou o café e retomou a autovia mergulhado em lúgubres pensamentos.
Chegou a Monterey às nove e meia da noite e dirigiu-se ao motel para encontrar-se
com o detetive Warren Nuckols.
Ao descer do automóvel, pela primeira vez sentiu o cheio de mar. Suspirou
profundo e dirigiu-se à portaria. Ninguém o esperava. A Califórnia não era
hospitaleira como o Texas. De qualquer modo, aquele poderia ser o lugar onde
Jeremy Trent seria finalmente desmascarado. Essa era sua esperança.
Jane passava manteiga na torrada ouvindo os acordes de uma sonata de
Beethoven. Serviu-se de leite e café. Surpreendeu-se admirando o anel de brilhantes
que lhe enfeitava o dedo. Sentia-se lisonjeada.
Jeremy foi correto ao referir-se a uma possível precipitação de sua parte. Mas
acrescentou que não desejava uma resposta imediata. Queria apenas que pensasse
sobre o assunto. Uma estratégia sedutora. Passara a noite com ele, mas não fizeram
amor. Simplesmente a acariciou e se manteve a seu lado, despertando-lhe mais

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

ainda o desejo. Jane percebeu que aquele amor se transformava num elixir mágico,
numa promessa de vida. No entanto, a idéia de casamento não a seduzia.
Jeremy fora capaz de entendê-la desde o começo. Um homem inteligente, bom,
preparado. Descobriu seus pontos vulneráveis e chegou ao âmago de seus desejos.
Jogava com a curiosidade feminina e se apresentava envolto em uma nuvem de
mistério. Jane gostava disso. Não era tola para cair em pequenas armadilhas de
sedutores, mas o fato é que gostava daquele jeito dele.
A história parecia perfeita, menos suas dúvidas com relação às verdadeiras
razões que motivavam o envolvimento de Jeremy Trent. Ele evitava expor seus
sonhos e desejos. Jane não sabia ainda o que fazia para viver, e ele mantinha-se
reticente com relação ao assunto. Parecia que seus interesses eram mais sociais do
que financeiros. Quando expressou desejo de contribuir com o atendimento
hospitalar de pessoas carentes ela o pôs em contato com Marian Montross, a
responsável pelos planos assistenciais da entidade. Algum tempo depois, Marian
disse que Jeremy passara a ser um elemento ativo da comunidade. Ele nunca
comentou o fato, dando-lhe a impressão de enigmática modéstia.
Peter nada lhe adiantara sobre a vida de Jeremy, mas tudo indicava tratar-se
de um homem preocupado com a vida em sociedade. E Jane Stewart era pessoa
expressiva em seu meio social. Seu nome abria portas e salões. Sua avó, Elsa
Stewart, fora uma grande dama da sociedade de Monterey nos anos vinte e trinta.
Tinha vínculos sociais e econômicos na região e freqüentava jantares e reuniões de
industriais e artistas de Hollywood. Os pais de Jane tiveram uma vida socialmente
mais recatada, centrada especialmente em Pebble Beach e no clube de campo da
cidade. Também destacavam-se nas atividades assistenciais. Assim, o nome Stewart
tinha certo encanto. Jane imaginava se esse fato representaria algum atrativo para
Jeremy.
Desde que recebera o anel, não deixou de imaginar como seria estar casada
com ele. Um marido amável e atraente seria um ponto altamente positivo para sua
carreira de médica. Por outro lado, seus dotes pessoais e familiares também

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

poderiam representar muito para o futuro profissional de Jeremy Trent. Talvez ele
fosse o homem adequado para aquele momento de sua vida.
Quem sabe?
O sol continuava a lutar contra a neblina. A manhã, preguiçosa, levantava-se.
Manuela cantarolava na cozinha. Depois de arrumar a cozinha a velha empregada
tinha planos de ir para a casa da irmã em Gilroy. Antes, nessas ocasiões, Jane
providenciava uma enfermeira para estar a seu lado. Mas agora sentia-se forte, e
esses cuidados não eram mais necessários.
Jeremy não poderia vê-la nesses dias. Disse que teria que viajar para encontrar-
se com seu advogado. Ficaria uns três dias fora da cidade.
Jane sentiu-se um tanto aliviada com a notícia. Queria dispor de tempo para
pensar em sua proposta. Não se sentia pressionada, mas, como mulher madura que
era, preferia tomar decisões cautelosas, o mais possível independentes de emoções.
— Quero estar com você em igualdade de condições — advertira-lhe Jane sem
saber ao certo se algum dia se libertaria da cadeira de rodas.
— E então, doutora? Necessita de alguma coisa mais? — perguntou-lhe
Manuela.
— Não, tudo bem. Pode ir. Lembranças à sua irmã.
— E o telefone sem fio? Está a seu lado?
— Não. Acho que ficou no quarto.
— Um momento. Vou buscá-lo.
Ao voltar, Manuela despediu-se. Jane percebeu quando a empregada e amiga
saía pela porta dos fundos. A casa ficou em silêncio. Os últimos acordes da quinta
sinfonia perderam-se no ar. Dirigiu a cadeira de rodas até o grande móvel da sala,
pensando se iria escolher outro disco ou desfrutar do silêncio. Ao olhar a janela, viu
que não havia mais neblina. No entanto, o sol estava encoberto por negras nuvens
trazidas do Pacífico. Mais um daqueles imprevisíveis dias de San Francisco.
Observou o mar furioso contra as rochas ao longe. Sentiu-se cansada. Sua vida
introspectiva e solitária começava a mudar.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

A campainha da porta soou. Imaginou que talvez Manuela tivesse esquecido


alguma coisa. Mas ela não tocaria à porta. Tinha a chave. Jeremy viajara. Amigos e
conhecidos jamais a visitariam sem antes avisar por telefone.
Decidiu ignorar o novo toque. Algum pedinte, talvez. De todo modo, Jane não
estava disposta a atender visitas inesperadas.
No entanto, a insistência despertou-lhe a curiosidade. Talvez fosse algum
ladrão querendo saber se havia alguém em casa. Nesse caso, o melhor era dar sinal
de vida. Dirigiu a cadeira até o interfone ao ouvir o quarto toque de campainha.
— Quem é?
O visitante demorou alguns segundos para responder.
— Brady Coleman. Gostaria de falar com a dra. Jane Stewart.
— Sr. Coleman, acho que não o conheço.
— É verdade, doutora, mas acho que deveria.
— E posso saber o que deseja?
— Conversar alguns minutos.
— Sinto muito, mas estou indisposta.
— Não entendi...
— Escute, sr. Coleman — disse Jane, elevando a voz —, não tenho o hábito de
abrir minha porta para estranhos.
— Talvez eu devesse ter avisado antes.
Jane percebeu o sotaque sulista. Não conseguia imaginar quem seria o
estranho e estava decidida a não abrir a porta.
— Uma pessoa educada teria feito isso. Assim poderia ter me falado de que se
trata.
— Na verdade, dra. Stewart, eu o teria feito se soubesse o número do seu
telefone. Não está na lista.
Jane pensou em chamar a polícia para espantar o estranho. No entanto, decidiu
dar-lhe o número.
— Obrigado, doutora. Devo ligar-lhe em seguida. Até logo.
Enquanto Jane dirigia a cadeira de rodas para a sala, o telefone tocou.

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— Alô?
— Brady Coleman, doutora. Desculpe se a incomodo.
Espantada, ela perguntou:
— O mesmo sr. Coleman que há pouco tocou em minha porta?
— Ele mesmo, dra. Stewart.
— Mas como?
— Telefone celular, doutora. Uma das maravilhas da tecnologia moderna.
Espero que me ouça melhor do que pelo interfone.
— Mas, sr. Coleman, afinal, o que deseja? Não tenho tempo para brincadeiras.
E saiba que não pretendo comprar nada, caso seja um vendedor.
— Nada disso. Na verdade, vim de San Antônio para falar-lhe.
— E sobre que assunto?
— Não quero assustá-la, mas devo adverti-la de que se trata de uma questão
de vida ou morte.
Jane olhou a porta e o telefone tentando perceber com que tipo de louco estava
lidando.
— Trata-se de uma brincadeira de mau gosto? Quem é o senhor?
—Sou o cunhado de Jeremy Trent — Brady respondeu, acrescentando. — Ou
era, até o momento em que minha irmã foi assassinada e ele fugiu para Connecticut.
E é sobre ele que quero conversar com a senhora, dra. Stewart.
O coração de Jane disparou enquanto conduzia apressadamente a cadeira de
rodas para a porta. Ao abri-la, deparou-se com Brady Coleman postado no portal
com o telefone celular no ouvido. Ele fitou-a longamente, guardando o aparelho no
bolso do fino paletó de lã inglesa. A calça de brim azul mal escondiam o cano das
botas texanas. Saudou-a com um gesto típico de vaqueiro.
— Bom dia, dra. Stewart. Sinto-me aliviado por perceber que o assunto lhe
interessa.
— Pois bem. Diga logo. O que houve entre sua irmã e Jeremy Trent?
— Não me diga que ele omitiu o fato de ser viúvo e de sua mulher ter sido
morta em sua cama em circunstâncias misteriosas.

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— Soube que morreu de forma trágica.


— Sim. Ela foi assassinada.
— E o senhor está sugerindo que Jeremy foi responsável, é isso?
— Posso saber o que ele lhe disse sobre a morte de minha irmã?
— Nada de especial. Supõe-se que foi um triste acidente — respondeu Jane,
atordoada, com a sensação de estar sonhando. Tudo parecia tão irreal.
— E a senhora está informada de que a outra mulher dele está em coma
profundo devido a uma forte dose de barbitúricos?
— Jeremy contou que ela tinha problemas com álcool e drogas e referiu-se ao
lamentável acidente.
— Tem certeza de que ele lhe contou tudo? Tenho minhas dúvidas.
Jane irritou-se com o sarcasmo do estranho.
— Se o senhor veio aqui para acusar Jeremy, deveria ao menos ter a dignidade
de fazê-lo em sua presença, face a face.
— Ora, ele sabe exatamente o que penso. Ouviu-me muitas vezes. Creia-me,
dra. Stewart. Nesse ponto, a senhora não tem por que criticar-me.
— Se é assim, devo pedir-lhe desculpas — ela respondeu, sentindo a triagem e
o vento que entravam pela porta aberta.
— Está com frio? A senhora me permitiria entrar? Poderíamos conversar mais
tranqüilamente.
— Duvido que tenhamos alguma coisa a mais a nos dizer. Se o senhor tem
problemas com Jeremy, esse assunto não me diz respeito.
— Sinto discordar. Estou aqui para adverti-la dos perigos que corre. Ouviu a
versão de Jeremy. Por que recusar-se a ouvir a minha?
— No que me diz respeito, estou satisfeita com o que já sei.
— Como pode estar tão certa?
Jane apertou os braços contra o peito, tal era o frio e a ansiedade.
— Sr. Coleman, acha que pareço uma garota ingênua?
— Com todo o respeito, dra. Stewart, minha irmã Leigh nada tinha de tola e,
no entanto, caiu na armadilha. O mesmo ocorreu com a mulher de Connecticut.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

O estranho continuava a tecer acusações terríveis contra Jeremy, e estava


disposto a continuar e dar pormenores dos fatos.
— Eu lhe agradeço a preocupação e terei em conta suas advertências. Creio
que nada mais temos a falar. Conversarei com Jeremy sobre sua visita. E agora, se
me permite... — concluiu Jane, manifestando sua intenção de fechar a porta.
—Doutora — exclamou Brady, como em um último apelo —, por favor, escute
o que tenho a lhe dizer. Deve ouvir-me. É para o seu bem.
— Sinto muito, mas acho desnecessário.
— Tem medo de conhecer a verdade?
— Ora, lógico que não temo a verdade.
— Então o que tem a perder? Deixe-me entrar. Ouça a minha versão. Se não
acreditar em mim, pelo menos terei cumprido minha obrigação de tentar salvá-la.
— O senhor praticamente já disse tudo, sr. Coleman. É o suficiente.
— O que ouviu é apenas o começo.
Jane vacilou. O sensato era despedi-lo e fechar a porta. Mas a insistência, a
aparente sinceridade e os apelos emocionados venceram-lhe as resistências.
— Está bem, sr. Coleman, entre. Vou ouvi-lo por alguns minutos. Seja breve.

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CAPÍTULO QUATRO

Jane conduziu a cadeira de rodas para trás, dando-lhe passagem.


— Sr. Coleman, quero adverti-lo de que quando eu lhe disser que saia, espero
que o faça.
— Doutora, apesar de falar como um vaqueiro e usar calça de brim, sou um
cavalheiro. Estou diante de si motivado pela tragédia que se abateu sobre minha
família. Não tenho interesse algum, a não ser honrar a memória de minha irmã.
— Está bem. Entre.
Jane o observou detidamente. Deveria ter trinta e seis anos. Fechou a porta
com cuidado e dirigiu-lhe um sorriso amável.
— Bela casa, sra. Stewart. Ou prefere que a chame de dra. Stewart? — indagou,
tentando descontraí-la.
— Pode me tratar por Jane. Não vejo sentido manter esse tipo de cerimônia.
— Quando estou sendo sincero, sou tentado a usar uma linguagem mais
familiar — desculpou-se o texano.
— Não é necessário se desculpar, sr. Coleman.
— Pois creio que seria melhor se me tratasse por Brady.
— Muito bem, Brady. Estou disposta a ouvi-lo. Deve saber, no entanto, que o
tema de sua visita me parece bastante impróprio.
— Compreendo perfeitamente, Jane. Deve ser desagradável receber um
estranho que se propõe a denegrir a imagem de seu noivo.
— Você parece saber muito sobre meu relacionamento com Jeremy. Como foi
isso?
— Contratei um detetive particular para acompanhar os passos dele. Trabalho
com poços de petróleo, e sempre que me sobram alguns dólares, os gasto para
investigar a vida desse sujeito. Uma obsessão, como dizem alguns.
— Parece que sim...

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Brady desabotoou o paletó, expondo a camisa xadrez e o largo cinto com fivela
de prata. Era agressivo e atraente. Cabelos ondulados, incríveis olhos azuis e traços
viris e angulosos. Um verdadeiro vaqueiro do velho Oeste.
— Bem, Brady, o que tem a dizer tomaria muito tempo?
— Tentarei ser breve e não tomar-lhe mais que quinze ou vinte minutos.
Jane ignorou a brincadeira e olhou o relógio, indicando que seu tempo era
limitado.
— Pois bem. Por que não tira o paletó e fica mais à vontade? Conversaremos
na sala.
Brady seguiu-a.
— Posso ajudá-la?
— Agradeço, mas tento ser auto-suficiente.
Ele não lhe deu ouvidos e a ajudou com a cadeira de rodas.
— Sinto, mas não é de minha natureza deixar que uma dama passe
dificuldades.
— Vejo que realmente estou diante de um cavalheiro.
— Talvez seja uma forma de reafirmar minha masculinidade.
Ele parou a cadeira de rodas e posicionou-se onde Jane pudesse vê-lo.
— Que linda vista. Esse campo deve ter recebido muitos campeões. Você
jogava golfe, Jane?
— Sempre gostei do esporte. Mas algumas partidas de fins de semana não
formam um golfista. Isso é o que dizem.
— Eu também gosto, mas não costumo jogar — comentou Brady, firmando o
olhar entre a grama e as árvores do campo. Os ombros largos e a cintura fina
delineavam um perfil rude e atraente. — Sabe, eu moro nas montanhas, em Hill
County, de modo que prefiro caçar veados ou coelhos a golpear bolinhas brancas
em campos bem comportados. Você não gosta de caçar? Não me diga que é dessas
que pretendem salvar crocodilos, macacos e baleias.
— Na verdade, não, mas não suporto matar animais ou agredir a natureza.

Projeto Revisoras 41
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Brady arrependeu-se de haver tocado no assunto. Como homem do campo que


era, tinha uma visão bem diferente dos ativistas "politicamente corretos". Tentou
corrigir-se:
— Saiba que jamais atiraria num animal pelo simples prazer de matá-lo. Na
verdade, o homem caça para alimentar-se. Fazemos parte de uma cadeia biológica.
Mas, mudando totalmente de assunto, diga-me uma coisa, doutora: sua invalidez é
permanente? Quer dizer... existe possibilidade de recuperação? O detetive não foi
capaz de dar-me informação precisa sobre seu estado.
Jane fitou-o, incrédula.
— Eu deveria estar muito aborrecida, Brady. Afinal você chega à minha casa e
com a maior tranqüilidade me conta que está investigando o meu... meu amigo —
comentou, tocando o anel de brilhante.
Brady Coleman sorriu.
— Pensei tratar-se de um anel de noivado. Jeremy Trent deu-lhe de presente
algumas noites antes de ir para San Francisco, não é verdade?
Ela arrepiou-se.
— Isso é invasão de privacidade. Esteve bisbilhotando. Estou ofendida, sr.
Coleman.
— Sinto muito. Não era essa a minha intenção.
— E o que você tem na cabeça? Confessa que paga alguém para investigar
minha vida e, além disso, ainda acusa uma pessoa de minhas relações de ser um
assassino. Como espera que me sinta?
— Vamos com calma. Em primeiro lugar, Warren Nuckols, o detetive que
contratei, esteve investigando Jeremy Trent. Estou aqui apenas porque o miserável
manifesta intenção de casar-se com você. Vim adverti-la por mera solidariedade.
— Talvez eu não esteja interessada em ser salva — Jane replicou.
— Impossível que uma pessoa culta e preparada como você não seja capaz de
ouvir-me e entender-me. Basta de teimosia, Jane.
— Quer saber, sr. Coleman? Mal o conheço e, portanto, tenho todos os motivos
do mundo para encarar com cautela as suas intenções.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Desculpe, Jane. Acho que passei dos limites. Sempre que penso em minha
irmã, saio de mim ao imaginar que o mesmo pode acontecer com outra pessoa. Não
deveria ter sido tão deselegante.
— Quanto a isso, Brady, evidentemente, estamos de acordo.
— Talvez devesse começar tudo outra vez. Tentarei ser menos agressivo.
— Na verdade, gostaria que abreviasse o mais possível a nossa entrevista.
Ele moveu a cabeça, assentindo. Fitou-a longamente.
— Que tanto me olha, sr. Coleman? — perguntou Jane, incomodada.
— Por nada. Apenas percebi que estou diante de uma bela mulher. Minha
irmã Leigh também era linda. Jeremy Trent sempre teve bom gosto.
Jane, entre lisonjeada e ofendida, surpreendeu-se com o comentário. Não
encontrou resposta.
Depois de breve silêncio, Brady retomou o assunto:
— Mas, como lhe havia perguntado, você tem chances de se libertar da cadeira
de rodas?
— Meu médico é otimista. Tenho registrado avanços. Só o tempo dirá.
— E conheceu Jeremy depois de ficar inválida?
— Sim. Algo de mal nisso?
— Céus! Essa circunstância se ajusta perfeitamente ao seu modo de agir.
— Afinal, de que está falando?
— Ele tem um faro especial para mulheres vulneráveis. Leigh apaixonou-se à
primeira vista. Jeremy tinha elementos para atingir seu ponto fraco. A segunda
mulher era reconhecidamente neurótica.
Jane revoltou-se com o comentário.
— Pois saiba, sr. Coleman, que ele é delicado e compreensivo.
— Por favor, prefiro que continue chamando-me por Brady.
— Pois bem. Já lhe passou pela cabeça que quem tem problemas é você
mesmo? Vê o mal e o demônio em todas as partes.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— E verdade, sra. Stewart. Tenho rancor e nojo de Jeremy Trent. Nunca gostei
dele, mas depois da morte de minha irmã passei a odiá-lo. Admito. Isso tem sido
um problema para mim.
— E jamais imaginou que poderia estar fazendo um julgamento errado sobre
ele?
— Tenho certeza do que sinto e do que estou lhe dizendo, Jane. Acredite.
Ela suspirou, impressionada com as certezas inflexíveis de Brady. Talvez
estivesse diante de um psicótico.
— Mas, então, vamos aos fatos. Estou disposta a ouvi-lo.
— Minha pasta está no carro. Um momento, e irei buscá-la. Tenho relatórios de
três anos sobre a vida de Jeremy Trent. Quero ser preciso.
Jane o observou dirigindo-se à porta. Parecia convencido de suas verdades. Por
que não ouvi-lo? Por um momento o anel de brilhante passou-lhe uma terrível
sensação de perigo e incerteza. Jeremy, poucas noites atrás, havia dormido em sua
cama. Agora aquele homem, ali à sua frente, exalando ódio e agressividade,
afirmava que ela compartilhara o leito com um dissimulado e perigoso assassino.
Brady regressou a passos largos, com a pasta de couro nas mãos.
— O lugar é realmente lindo, Jane. Pertence à sua família?
— Meu avô teve algumas terras na península, mas a maior parte foi vendida
anos atrás. A família ainda conserva algumas propriedades, mas a casa e os
arredores são meus.
— Não sei se me acostumaria a viver tão perto do mar. Sentiria falta de minhas
montanhas do Texas — comentou Brady ao sentar-se e abrir uma das pastas.
— E você cria gado? Parece um caubói dos velhos tempos. Posso até imaginá-
lo tocando boiadas por vales e desfiladeiros. Ou talvez até em um rodeio...
— Na verdade gosto da lida com animais, mas não tenho criação. Minha
atividade econômica é outra.
— E o que você faz?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Petróleo. Já lhe falei sobre isso. Prospecção e locação de poços em atividade.


Tenho vários em plena exploração em Zavala County. Deve ter ouvido falar dos
campos de Austin Chalk...
— Não, nunca ouvi falar.
— Estão extraindo centenas de milhões de barris nessa região.
— Imagino que seja um negócio lucrativo.
— Depende da forma de arrendamento e da locação.
Um pouco de sorte também ajuda.
— Parece uma ocupação fascinante.
— Pois saiba que tive fortes emoções nesse negócio de petróleo. Alguns dos
poços que arrendei trouxeram-me gratas surpresas. Perseguir petróleo é como
procurar a fonte da juventude — comentou Brady, folheando alguns papéis de sua
pasta.
— Fonte da juventude? Isso me interessa — Jane brincou, observando-o.
— E qual sua especialidade médica, doutora?
— Pediatria. Sempre gostei de crianças.
— E por que não se casou?
— Oportunidades não faltaram, mas sempre fui muito dedicada à profissão.
Brady escolheu um dos papéis de seu arquivo. Olhou-o com sobriedade.
— Aqui está. O Estado versus Jeremy Wells Trent.
— Não será Brady Coleman versus Jeremy Trent? — perguntou Jane com
ironia.
— Tem razão. Não consigo ser imparcial num tema que envolve a morte de
minha irmã. Mas vou apresentar-lhe evidências que vão permitir-lhe um justo
julgamento.
— Pois vamos a elas.
Brady olhou o documento com expressão severa.
— Leigh e Jeremy tinham problemas no casamento. Dois dias antes de ser
assassinada telefonou-me preocupada pelas estranhas atitudes do marido. Não quis
contar-me que atitudes eram essas. Pensei tratar-se de violência ou abuso sexual.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Ela não confirmou. Pediu que eu o convencesse a procurar um psiquiatra. Disse que
o marido necessitava desse tipo de ajuda.
— Bem, até agora, nada tão sério. Casais costumam ter problemas.
— Continuemos com os fatos. Minha irmã foi assassinada na própria cama.
Estrangulada perto das dez horas da noite. Ficaram sinais de violenta luta. Técnicos
da polícia encontraram pedaços da pele de Jeremy nas unhas de Leigh.
Constataram-se arranhões nas costas do marido. Há fotos que mostram isso.
Impressionada, Jane perguntou:
— Isso é verdade?
— Veja, leia você mesma.
— E por que não formalizaram a denúncia e o prenderam por assassinato?
— Porque o desgraçado preparou um álibi. Uma história de tal forma
convincente que o promotor público decidiu não indiciá-lo como suspeito. Seu
envolvimento no crime ficou apenas como uma dúvida razoável.
— E o que Jeremy declarou?
— Disse que naquela noite fizeram sexo intenso e dormiram cedo. Foram
despertados por um assaltante que invadiu o quarto. Lutou com ele alguns
instantes. Recebeu um golpe e desmaiou. Quando voltou a si, viu o bandido
tentando estrangular Leigh. Pegou a pistola da gaveta e matou-o com dois tiros.
Verificou que era tarde demais. Leigh estava morta. Chamou imediatamente a
polícia. Essa é a história que Jeremy contou.
Espantada com o relato, Jane perguntou:
— E por que essa versão poderia ser mentirosa?
— Nesse caso, o assassino seria Spike Adamson, um delinqüente comum. Teria
matado Leigh enquanto Jeremy estava inconsciente.
— E daí? A história parece coerente.
— A polícia confirmou que o meliante entrou pela janela. Suas pegadas foram
detectadas em seu percurso no quarto até a cama. E morreu com dois tiros de
pistola. Não foram encontrados traços de sua pele ou de carne nas unhas de minha
irmã; mas ela trazia nas unhas vestígios de tecidos de Jeremy.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Mas, Brady, ele contou que fizeram sexo intenso. Isso é normal, não é?
— Sabe, Jane, com todo o respeito, não perguntaria como se porta na cama.
Mas eu conhecia muito bem minha irmã. Não aceito essa história de sexo intenso. A
menos que isso signifique estupro.
Jane sacudiu a cabeça.
— Aí parece que há um engano. Jeremy é uma pessoa amável e afetuosa.
Estupro não se encaixa ao seu perfil. Nada vejo de patológico em seu ex-cunhado.
— Quem falou em sexo intenso foi o próprio Jeremy. Pode ler nos autos.
Jane tremeu, intuindo que algo andava errado. Para aceitar as considerações de
Brady teria que concluir que Jeremy era esquizofrênico.
— Há outro fator que o incrimina — continuou Brady. — A perícia indicou que
a morte de Leigh ocorreu bem depois de Spike Adamson ter sido atingido pelos
tiros. Ela morreu quase meia hora depois do assaltante.
— E o que disse o promotor sobre isso?
— Alegou que esse era o único indício que poderia fazê-lo duvidar da versão
apresentada por Jeremy. Acrescentou que intrusos misteriosos sempre foram
explicações habituais de réus no caso de morte entre casais. Nesse caso, disse o
promotor, o corpo do assassino transformou-se em forte evidência em apoio à
história de Jeremy.
Jane sentiu um certo alívio.
— Parece que a história dele é bem razoável. Ele matou o assassino de sua
irmã. Seu problema, Brady, é que insiste na culpabilidade de seu cunhado. Isso é
doentio.
— E como você explica o relatório da perícia sobre os horários das mortes?
— Se os promotores não pautaram a decisão a partir do relatório da perícia,
certamente é porque o consideraram pouco consistente. Há uma boa margem de
erro nessas avaliações. Lembre-se, Brady... meia hora.
— Vou lhe dizer uma coisa. O problema é que as autoridades sempre tiveram
muitas dúvidas. A promotoria necessitava de uma evidência mais forte do que o
relatório da perícia.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Mas Jeremy abateu o assassino com dois tiros. E ele ficou morto no chão.
— Minha irmã lutou por sua vida contra um homem que pretendia estrangulá-
la. Não lhe soa estranho que não lhe tivesse deixado uma marca sequer? Nenhum
vestígio da pele do assassino em suas unhas. Você acredita nisso?
— Olhe, pelo que relatou, Jeremy não foi responsabilizado pela morte de sua
irmã. Ficou livre de qualquer acusação.
— E você se casaria com esse sujeito, mesmo sabendo tudo o que ouviu?
— Você está obcecado, Brady. Quer de todas as formas acreditar que Jeremy é
um assassino. Basta. O assunto está encerrado.
Ele fitou-a com rancor. Respirava forte, mal contendo a ira.
— Tenho certeza de que o desgraçado matou minha irmã. Acho que contratou
Adamson para aparecer na casa sob um pretexto qualquer: fraude de seguro,
perversão sexual, sei lá o que.
— Acalme-se. São apenas suposições.
— Sei perfeitamente disso. Se eu pudesse comprovar o que sei que aconteceu,
ele já estaria morto.
Jane empalideceu.
— Tenho consciência de que não lhe apresento um quadro muito agradável —
Brady continuou, num tom mais ameno. — Que mulher gostaria de ouvir que as
duas esposas de seu noivo tiveram fins trágicos? Estrangulamento... overdose de
álcool e drogas...
Jane respirou fundo para acalmar-se.
— Respeito seus sentimentos com relação à sua irmã, Brady. Mas percebe que
pretende que eu o julgue culpado quando as próprias autoridades judiciárias não o
responsabilizaram pelo crime? Não faz sentido.
— E o que faz sentido?
— Qual seria o motivo que teria levado Jeremy a assassinar sua irmã? Diga-me.
Loucura simplesmente?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Nada disso. Talvez lhe faltem alguns parafusos, mas esse Jeremy Trent tem
uma ambição sem limites. Minha irmã era uma mulher rica. Herdou uma bela
fortuna do pai, e o desgraçado caiu fora com boa parte do dinheiro.
— Jeremy é de boa família. Sempre teve dinheiro. Freqüentou boas escolas.
Deve ter ficado com o que lhe tocava legalmente — Jane o contrariou.
— E o que a faz supor que tudo isso seja verdade? Foi ele quem lhe contou?
— Jeremy é discreto, mas seus modos indicam que tem berço.
— Um ator de categoria, apenas isso.
— Suponho que agora você vai dizer-me que ele é um impostor, uma fraude
total, alguém sem família, sem dinheiro, sem cultura, sem traquejo social. É isso?
— Sabe, acho que há uma diferença fundamental entre ser o que se é e
pretender ser o que não é. Devo assegurar-lhe que boa parte de seus bens foram
obtidos através de casamentos convenientes.
— E seu ódio que fala por você, Brady. Devo admitir que talvez eu tenha
superestimado as possibilidades econômicas de Jeremy. Mas isso não tem muita
importância.
— Não consigo entender como deixou-se envolver pela conversa desse sujeito.
Jane olhou para o relógio.
— Bem, parece que nosso tempo se esgotou. E o assunto também.
— Um texano percebe quando é hora de dizer adeus.
Ela concluíra que Brady era boa pessoa e que estava muito perturbado com a
perda da irmã. Olhou-o com certa simpatia, apesar de tê-la aborrecido bastante. A
irritação e a energia negativa dissiparam-se.
Ele levantou-se e se dirigiu à porta, acrescentando:
— Suponho que não entrará em pormenores de nossa conversa quando estiver
com Jeremy. De todo modo, faça-lhe algumas perguntas. Ele conhece perfeitamente
minha opinião. Eu realmente temo que você tenha o mesmo destino de suas outras
mulheres. Espero que não.
— Não se preocupe. Entendi a boa intenção de sua visita, mas me reservo o
direito de tirar minhas próprias conclusões.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Brady vestiu o paletó.


— Espero que avalie bem todos os aspectos de nossa conversa. Vou deixar-lhe
este cartão. É de Bob Dalton, procurador assistente de Bexar County. Ele confirmará
tudo o que lhe disse. Pode telefonar a qualquer hora.
O coração de Jane disparou. Brady guardara para o final o seu derradeiro
trunfo.
— Pensarei sobre o que disse — respondeu ela, examinando o cartão de visita.
— Também conversarei com Jeremy. Espero que tenha respostas satisfatórias para
suas acusações, Brady.
— Tudo bem — respondeu, arrumando a pasta. — Na verdade, não gostaria
de vê-la terminar como Leigh ou a mulher de Connecticut. A propósito, você sabe
que Vitória, a mulher de Jeremy, foi sufocada também?
— Mas o problema dela foi overdose de barbitúricos e álcool.
— É verdade. Havia sinais de drogas nos exames de laboratório, mas também
de traumatismos na garganta. Os médicos legistas não sabem a que atribuir as
lesões cerebrais: se à falta de oxigênio ou ao excesso de drogas e álcool.
— Jeremy não me falou nada sobre isso.
— Não me surpreende. Está tudo registrado nos boletins policiais.
— E como conseguiu essa informação?
— Nuckols, o detetive, conversou com o técnico do laboratório da polícia. Não
consegui cópias originais, mas alguns dólares me valeram um resumo do que há
nos arquivos.
— Jeremy, então, deve ter sido interrogado pela polícia...
— Sem dúvida. E a explicação foi a mesma: sexo intenso. Coincidência
interessante, não? Vitória não morreu, mas está em estado de coma.
Jane sentiu um calafrio percorrendo-lhe o corpo.
— Sei que não está interessada em conversar mais sobre isso. Talvez outro dia.
Aqui tem meu telefone e endereço.
Ela olhou o cartão. Trazia seu nome sublinhado com o título "presidente". Mais
abaixo, Coleman Petróleo, o endereço em San Antônio e o número do telefone.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Ah! Além de presidente, sou o faxineiro e o zelador.


— Meu avô também começou modestamente, Brady. Obrigada.
— Pois vou lhe mostrar algo — disse ele, tirando uma fotografia desgastada da
carteira. Mostrava o jovem Brady Coleman de calça de brim, botas texanas e chapéu
diante de uma caminhonete. Segurava um cartaz que dizia "Os dólares começam
aqui". — Esse sou eu, diante do escritório da então recém-criada Coleman Petróleo.
— Pelo menos vejo que continua no ramo e com certo sucesso. Parabéns.
— Fale baixo para que meus credores não a ouçam.
Jane riu. Não estava mais zangada. Brady, afinal, era um homem interessante e
de bons sentimentos que chegou à sua porta.
— Fora essa angústia que o atormenta, você me parece um homem tranqüilo,
ajustado.
— Aprendi a ser indiferente a certas coisas do mundo. Quando se vive nas
montanhas ou você caça, cria ou vê satélites passarem entre as estrelas. Eu prefiro
ler.
— É surpreendente, também...
— A verdade é que fui longe demais descarregando toda essa triste história
sobre você, Jane. Poderia ter sido mais sutil, mais reservado e respeitador, talvez.
— Ora, não se preocupe.
— E você? Ficará bem? Percebi que está só em casa. Preocupo-me em deixá-la.
— Tudo bem. Estou acostumada.
— Posso vê-la amanhã?
A pergunta surpreendeu-a.
— Bem... não sei.
— Eu me sentiria melhor constatando que está segura. Talvez aceite receber-
me se prometer conversar sobre assuntos mais leves.
— Faça o seguinte: telefone amanhã cedo.
Ele estendeu-lhe a mão.
— Jane, você tem um sorriso muito doce.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Ela reparou na profundidade daqueles incríveis olhos azuis. Em certo sentido,


Brady a perturbava. Fisicamente e de uma forma difícil de entender.
Ele apertou-lhe a mão com suavidade e caminhou até a porta.
Jane, solitária no meio da sala, tentava recuperar-se do choque provocado
pelas advertências de Brady. Avaliou o anel que ganhara de Jeremy sob outro
ângulos. Duas mulheres. Uma assassinada, outra em coma profundo.
Como, em menos de meia hora, seu mundo ideal parecia desabar
irremediavelmente?
Não lhe bastava estar presa àquela cadeira de rodas, paralisada talvez por toda
a vida?
Seria o homem de seus sonhos um aproveitador e um cruel assassino?

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CAPÍTULO CINCO

— Sinto muito, mas o sr. Dalton não pode atendê-la no momento. Está no
tribunal. Só deve voltar amanhã — respondeu a funcionária, acrescentando: —
Quer deixar algum recado?
— Talvez ele possa retornar a chamada. Estou falando da Califórnia — Jane
pediu, frustrada, passando-lhe o número de seu telefone. — O sr. Dalton poderia
fazer a chamada a cobrar. Eu aguardo.
Acalentava a esperança de que a conversa com o procurador a ajudasse a
avaliar melhor seu relacionamento com Jeremy Trent. A visita de Brady Coleman
despertara ansiedade e incertezas. O principal agora era saber se as afirmações do
visitante tinham base na realidade. Tudo indicava que as palavras de Brady faziam
sentido e que ele não se tratava de um personagem psicótico. Apenas um homem
determinado. Nada tinha de louco. O desejo de vingança lhe entorpecia o
julgamento, mas parecia bem intencionado e sincero. As acusações careciam de
provas concretas, mas havia indícios preocupantes. A opinião do promotor Danton
era, sem dúvida, fundamental. Teria que esperar até o dia seguinte para falar-lhe.
Jeremy telefonaria pela tarde, e Jane estava ansiosa para conversar sobre a
visita de seu ex-cunhado. Talvez o próprio acusado pudesse esclarecer suas
dúvidas. As histórias e acusações de Brady eram terríveis.
Imersa em pensamentos, Jane dirigiu a cadeira de rodas até o aparelho de som.
Selecionou uma música suave e dispôs-se a continuar a leitura do romance policial
cuja trama a envolvera nos últimos dias. Mas não conseguiu fixar a atenção nos
personagens ou na história. Os pensamentos voltavam-se ao drama da irmã de
Brady. Tomada pela fantasia e angústia, Jane imaginava cenas da intimidade do
casamento de Jeremy. Sexo intenso, como diziam, não era crime se houvesse
anuência dos parceiros. No entanto a idéia a assustava. Considerava-se uma pessoa
sexualmente normal e tais extravagâncias não a seduziam. Teria Jeremy um lado

Projeto Revisoras 53
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

obscuro e lascivo não detectado por ela? Ou seria um perigoso farsante, como
indicavam as palavras de Brady Coleman?
Jane desejou que Manuela estivesse a seu lado. Como em várias ocasiões,
desabafaria nos ombros dela, que sempre fora muito mais que uma empregada,
tendo se tornado amiga da família. As acusações de Brady tornaram-na insegura
quanto a seus sentimentos e suas esperanças. Teria ele razão?
O telefone soou. Atendeu-o, sobressaltada. Era Juddy, a fisioterapeuta, que
pretendia transferir a sessão do dia seguinte para aquela mesma tarde. Aliviada,
Jane concordou. A presença de Juddy seria bem-vinda e a ajudaria a tirar do
pensamento as desagradáveis sensações alentadas por suas suspeitas. Voltou à
leitura.
Perto do meio-dia colocou no microondas a refeição feita por Manuela.
Enquanto preparava-se para almoçar, percebeu que tanto a imagem de Brady
Coleman quanto suas palavras contra Jeremy Trent não lhe haviam deixado em paz
um só minuto.
Foi com certo alívio que ouviu a campainha.
Juddy saudou-a com um sorriso:
— Grandes progressos, Jane. Fico contente ao vê-la capaz de permanecer em
casa sozinha — saudou a fisioterapeuta, tirando o agasalho esportivo e
pendurando-o no cabide da ante-sala.
— Wayne me contou que você vai indo muito bem. Ele deve voltar na próxima
semana.
— Espero que esteja aproveitando as férias — comentou Jane.
— Os aparelhos ainda estão em seu quarto? — indagou Juddy, conduzindo a
cadeira de rodas. — Os registros indicam melhoras, Jane. O relatório de Wayne diz
que o próximo passo é fortalecer os músculos das pernas. A flexibilidade tem se
demonstrado satisfatória.
— É verdade. Quase não tenho sentido dores.
— Parece que poderemos aumentar a carga de exercícios para as pernas.
— Wayne já começou a fazê-lo.

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— E se sentiu mais forte?


— Talvez um pouco mais forte, Juddy.
— Ótimo.
Entraram no quarto. A fisioterapeuta dispôs-se a ajudar Jane a acomodar-se na
mesa de massagem.
— Vamos, doutora, eu ajudo. O dr. Krinski disse que deve impor-se desafios.
Ânimo, querida. Tente ficar de pé. — Deixou que Jane se agarrasse a seu pescoço. —
Pronto. E agora tente manter-se apoiada nas próprias pernas... Isso.
O esforço foi grande. Ofegante, Jane exclamou:
— Minhas pernas parecem de borracha! Não agüento mais, Juddy...
— Elas estão suportando muito mais peso do que imagina. Você vai indo
muito bem.
— Talvez tenha razão, mas acho que ainda não dá para dançar — ironizou a
paciente.
— E se estivesse nos braços do homem de seus sonhos, doutora? Tem certeza
de que não seria capaz de se entregar a tangos e boleros até o amanhecer? —
brincou a Juddy.
Jane sorriu e sobressaltou-se ao perceber que fantasiava dançar com Brady
Coleman.
"Que estranho", pensou. "Por que Brady, e não Jeremy?" Juddy finalmente
acomodou-a diante da mesa de massagens de tal forma que Jane se viu obrigada a
suportar parte do peso de seu corpo nas próprias pernas.
— Muito bem, doutora. Aposto que dentro de um mês vai conseguir ficar de
pé.
— Acha mesmo isso?
— Claro.
Quando Jane se cansou, a terapeuta deitou-a sobre a mesa.
— Já está bem. Na próxima semana vamos passar às barras paralelas.
— E no mês que vem vou direto para o salão de baile — comentou Jane com
ironia.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— E quem vai levá-la? Alguém especial?


Jane sentiu um nó na garganta. Não conseguiu responder.
— Desculpe-me, doutora. Não queria intrometer-me em sua vida pessoal.
— Tudo bem, querida. Eu simplesmente percebi que nada tinha a dizer. Até
hoje pela manhã poderia afirmar que existe alguém especial.
Juddy manteve-se em silêncio, mas Jane percebeu que a massagista admirava
seu anel de brilhante. Não contendo o impulso, tirou-o do dedo:
— Você poderia fazer o favor de guardá-lo na gaveta de meu criado-mudo?
— Claro. Como é lindo!
— Presente de um amigo.
— Quer dizer que existe um alguém...
Jane foi tomada por um surto de ansiedade. As próprias palavras ecoaram-lhe
nos ouvidos. Amigo? Depois de tudo o que soube e ouviu, poderia dizer que
Jeremy era um amigo?
A tarde se estendeu, tediosa. Jane passou horas de tensão e cansaço. O
relacionamento com Jeremy transformara-se em constante preocupação. E se ele
fosse mesmo um frio assassino? Não teria percebido? Estaria tão vulnerável a ponto
de não reconhecer um farsante? Seria Brady um homem que, cego pelo ódio e pela
inveja, inventara aquelas histórias terríveis?
Nas semanas anteriores o vínculo com Jeremy lhe parecia leve e estimulante.
As expectativas tomaram outro rumo a partir do momento em que ele lhe fizera a
proposta de noivado. Estaria Jeremy interessado em seu dinheiro? Jane constatou
que lhe faltavam muitas informações. Convenceu-se de que precisava de ajuda
profissional.
Havia alguns anos, quando processada pela mãe de um de seus pacientes, Jane
contou com os serviços da dra. Melissa Krun. A advogada fora brilhante. A partir
de então, todas as vezes em que esteve diante de problemas legais, a consultou.
Sendo assim, decidiu telefonar à amiga.
— Jane, como vai? Espero que esteja melhor. Soube que seu tratamento está
progredindo muito bem — saudou-a Melissa Krun.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Sim, estou bem melhor, obrigada. Mas, Melissa, gostaria de consultá-la


sobre um assunto que me preocupa. Para mim seria difícil ir até seu escritório.
Poderíamos falar por telefone?
— Claro, de que se trata?
Jane contou tudo o que ocorrera desde o momento em que conhecera Jeremy
Trent até a recente visita de Brady Coleman. A advogada ouviu-a atentamente. Ao
finalizar, comentou:
— Parece que estamos no meio de uma briga entre inimigos poderosos e cheios
de rancor...
— Faz sentido, Melissa. E que faria uma pessoa sensata numa situação dessas?
— Poderíamos começar tentando descobrir os reais objetivos de Jeremy.
Quando encontrá-lo, diga que pensou muito no pedido de casamento e proponha
um acordo pré-nupcial que garanta a separação de bens e outros pontos de seu
interesse. A reação dele poderá indicar o que pretende.
— Parece uma sugestão excelente.
— E de qualquer forma, mesmo se decidir casar-se, um acordo pré-nupcial é o
instrumento legal adequado para preservar seus bens.
— De acordo. E o que acha de Brady?
— O problema dele parece ser outro. Não lhe exige nada, apenas quer adverti-
la contra quem supostamente assassinou sua irmã. Ou talvez queira eliminar
Jeremy por estar apaixonado por você...
— Não. Não me parece ser esse o caso.
— Se é assim, talvez Brady seja um homem movido pela boa intenção e o
irrefreável desejo de vingança. Recomendo que faça uma investigação dos
antecedentes de Brady Coleman e Jeremy Trent. Isso seria um bom começo. Não lhe
sairá tão caro, e além disso poderá tirar suas próprias conclusões em bases mais
realistas.
— A questão do preço, no caso, é secundária. Não há por que pensar em
economias tolas numa situação dessas. A advogada concordou.
— Logo saberemos se esse Jeremy Trent é mesmo um lobo em pele de cordeiro.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— E então, Melissa, poderia tratar do assunto para mim?


— Sim, claro.
— Devo enviar-lhe algum adiantamento?
— Seria útil.
— Quanto?
— Uns dois mil dólares serão suficientes nesta etapa.
— Tudo bem, Melissa. Fico agradecida.
Jane estava diante da mesa da cozinha. Terminava de jantar quando Manuela
entrou pela porta dos fundos.
— Ora, doutora... deveria ter esperado por mim. Pensava preparar-lhe um belo
jantar! Veja: trouxe cenouras, tomates e couve-flor.
— Deixe os legumes para amanhã. Lidar com o microondas é fácil e, afinal,
você deixou muita comida pronta. Já jantou?
— Sim. Jantei com minha irmã e meus quatro sobrinhos. Gosto de estar com
eles, mas chega um momento em que o que desejo é o sossego desta casa.
— Acontecia o mesmo comigo depois de oito horas no hospital. Agora a
solidão me entristece.
— Oh, doutora, eu não deveria ter saído... Não é mesmo saudável para a
senhora passar tanto tempo a sós.
— Desta vez não foi a solidão quem me atormentou.
— E que foi então?
O telefone tocou quando Jane tentava expor-lhe os acontecimentos do dia.
— Um momento, Manuela.
Era Jeremy. O coração de Jane bateu apressadamente. Estava ansiosa à espera
daquele telefonema. Ensaiara tanto a forma de conduzir a conversa que não sabia o
que dizer.
— Que bom que ligou, Jeremy — respondeu ela, tentando esconder o
nervosismo. — Como foi a viagem?
— Horrível, Jane, Sinto muito sua falta. Mal dormi pensando no anel que lhe
dei de presente.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Arrependimento?
Ele riu.
— Pelo contrário. Eu a amo, mas não falei de meus sinceros e profundos
sentimentos ao oferecer-lhe o anel. Espero apenas que tenha compreendido o gesto
e minhas intenções.
Jane respirou fundo antes de responder:
— Bem, Jeremy, devo adiantar que pensei bastante em sua proposta.
— E posso alimentar esperanças?
— A verdade é que pouco falamos sobre planos futuros. Talvez seja o
momento de avaliar nossas possibilidades.
— Estou de acordo.
— Sabe, Jeremy, somos pessoas de posição e economicamente independentes.
Que acha de fazermos um acordo pré-nupcial, de tal forma a garantir uma clara
separação de bens?
Houve um estranho silêncio. Ela teve o pressentimento de que o pior
prognóstico se confirmava.
— Bem, Jane... se essa é sua posição, não vejo razão para não falarmos sobre
esse acordo.
— Meu pai ficaria feliz ao saber que, apesar de não ter tido netos, minha parte
da herança foi destinada às obras assistenciais.
Outro longo silêncio. Ela retomou o assunto:
— Estou certa de que você também tem planos com relação à pessoa a quem
deixar seus bens, Jeremy.
— Sabe, nunca pensei nesse assunto. Em meus dois casamentos anteriores a
questão nem sequer foi levantada.
— Quer dizer que não houve acordos pré-nupciais?
— Não. Como disse, não pensamos no assunto. Romantismo de minha parte,
suponho.
— Ora, tenho a impressão de que romances podem florescer mais facilmente
sem a intermediação de bens ou dinheiro.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Talvez tenha razão, Jane.


— Você disse que fez um acordo após seu segundo casamento atendendo a
interesses da família de sua ex-mulher. No entanto, nada me disse com relação a seu
primeiro casamento. Sua primeira mulher deixou-lhe alguma herança?
— Várias centenas de milhares de dólares. A família Channing tinha muitas
terras. Arlo Channing, meu ex-sogro, organizou as coisas de tal forma que os bens
passassem para a mulher e a filha, Leigh, deixando um enteado fora da partilha.
— Enteado?
— Sim, filho do primeiro casamento de minha sogra, um tal Brady Coleman.
Não cheguei a conhecer Arlo Channing, mas entendi perfeitamente as medidas que
tomou para evitar que sua fortuna chegasse às mãos de Brady.
— Sim? E daí?
— Acontece que esse Brady é um maluco, um mulherengo irresponsável que
imagina ser um magnata do petróleo. Minha mulher, Leigh, era muito dependente
dele e, no fim das contas, ele conseguiu o que queria.
— Como assim?
— Leigh concedeu-lhe o arrendamento do rancho.
— E você quer dizer que, no caso da morte da mãe, a fortuna dos Channing
passará totalmente para as mãos de Brady?
— Exatamente.
— Mas sua mulher lhe deixou herança, não é?
— Sim, fiquei com uma quantia razoável. Mas nunca estive ligado a essas
questões. O que me importava era o amor de Leigh.
Jane ouvia, pensativa e surpresa com as novas informações. Brady se tornaria
um homem rico após a morte de sua mãe. Era evidente que ele ficara em situação
extremamente favorável e cômoda com a morte da irmã. Do ponto de vista material,
foi muito mais beneficiado com a morte de Leigh do que o próprio Jeremy.
— O falecimento de Leigh deve ter sido um golpe terrível — provocou Jane. —
Mas você nunca me falou sobre as circunstâncias de sua morte. Houve um longo
silêncio.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Ela foi morta por um assaltante. Uma história terrível. Não gosto de falar
sobre isso.
— Sinto muito, não queria revolver tristes recordações.
— Você é carinhosa e atenciosa, Jane. Gostaria de tê-la em meus braços neste
momento.
— Eu também — Jane respondeu com pouca convicção.
— Dentro de alguns dias estarei de volta.
— Estarei esperando.
Jane despediu-se e desligou o telefone sem saber em que pensar. Jeremy
reagira muito mal ao tema do acordo pré-nupcial. Logo depois, mostrou-se mais
maleável. Estaria fingindo?
Brady portara-se como um alguém sem muitos recursos e, no entanto, era
herdeiro de grande fortuna. Talvez o ressentimento entre ambos se devesse ao fato
de Leigh ter deixado algum dinheiro a Jeremy, e Brady ter ficado com o
arrendamento do rancho. Melissa tinha razão. Estava no meio de uma briga entre
inimigos poderosos.
Manuela interrompeu seus pensamentos:
— Gostaria que acendesse a lareira, senhorita? E que tal um bom café?
— Ótima idéia, Manuela.
— E o sr. Trent? Como vai ele? Boas notícias?
— Jeremy vai bem. Eu é que ando um pouco confusa.
— Afinal, o que houve?
— Bem que estou precisando desse café e do calor da lareira.
— Se é só isso, estará feliz num minuto... — comentou Manuela
encaminhando-se para a cozinha.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO SEIS

A brisa marítima fazia seus cabelos esvoaçarem. Sentada à beira do barco, Jane
sentia o sol através do fino tecido do biquíni rosado. Jeremy a envolveu e sussurrou
em seu ouvido:
— Jane, eu a amo. — E a empurrou bruscamente para o mar azul.
Ao sentir o cálido contato das ondas, não teve medo. Fechou os olhos e tentou
relaxar. Foi surpreendida pelo forte abraço de Brady, que emergia das profundezas.
— Ei, Jane. Parece que precisa de ajuda...
Ele apertou-a contra si, e ela percebeu que estavam nus. Jeremy e o barco
sumiram no horizonte.
Jane sabia que Brady sempre estivera à espreita. Sentia-se segura. A água
brincava entre os seios expostos. O ar era frio, mas agradável. Quando pernas
tocaram-lhe a cintura, Jane sentiu-o insinuar-se entre suas coxas, num clima erótico
e sedutor. Afastou-se um pouco e passou a massageá-la ritmicamente entre as
pernas, mantendo-a enlaçada em seu braço. Os olhos eram de azul profundo, e
gotas de água salgada reluziam-lhe sobre o rosto. Beijou-a apaixonadamente. Jane
gemeu de prazer. Delicadamente, Brady penetrou-a em movimentos ritmados, Jane
sentiu que queria mais. Ele compreendeu seu desejo e passou a movimentar-se cada
vez mais depressa até se confundirem numa descarga de cores e sensações
indescritíveis. Jane acordou sobressaltada, o coração batendo descompassado,
impressionada com a intensidade das sensações que em sonho a arrebataram.
Aos poucos, retornou à penumbra do quarto, intrigada pelo fato de ter
sonhado com Brady Coleman, o desconhecido que, ao surgir diante de sua porta,
trouxera-lhe apenas angústia e preocupações.
Não era comum ter sonhos eróticos. Refletiu algum tempo. Como era possível
Brady Coleman lhe surgir em sonhos e fantasias sexuais? Um homem bonito e
atraente, nada mais que isso.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Suspirou fundo e fez soar a campainha para que Manuela lhe trouxesse o café
da manhã. Não demorou muito e a senhora idosa irrompeu no quarto com suco de
laranja, presunto, pão fresco, manteiga e geléia.
— Bom dia! Quer levantar-se agora? Veja que linda manhã! — exclamou
Manuela alegremente, abrindo as janelas.
O aroma de café espalhou-se por todo o aposento.
— Quer que a sirva agora ou prefere tomar banho primeiro? — indagou a
empregada, abrindo as torneiras do banheiro e escolhendo entre os vários frascos
de sais de banho cuidadosamente organizados na prateleira.
— Sim, Manuela, vamos ao banho primeiro... Essa era uma situação que
sempre a incomodava.
Sentia-se frágil e dependente. Naquela manhã, Jane sentiu-se mais
constrangida.
Por quanto tempo necessitaria de ajuda para as mais simples tarefas do
cotidiano? Que situação amarga, pensava. Por que o destino a lançara em tão triste
situação?
Tudo por causa de um adolescente estúpido que, bêbado, tomou a direção de
uma caminhonete e saíra pelas ruas como um louco. Jamais esqueceria daqueles
faróis terríveis voando em sua direção naquela curva da estrada. Voltava de um
jantar com um dos diretores do hospital em Coast Highway. Dirigia pela via
tortuosa entre precipícios e penhascos. Não houve como escapar do impacto. O
rapaz morreu na hora. Uma destruição total. Meses de vida perdidos.
Não fora aquele terrível acidente, Jeremy não haveria se impressionado com
sua frustração e vulnerabilidade. E Brady não a teria sensibilizado a ponto de
evocar-lhe eróticas fantasias. Estaria ocupada com as crianças do hospital e levando
uma vida comum.
Imersa na tépida banheira, Jane ensaboava os braços e o peito, tentando decidir
o que fazer com Jeremy Trent. Não estava mais segura sobre os próprios
sentimentos. O encanto e a magia despertados por ele esvaíam-se como espuma.

Projeto Revisoras 63
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Manuela ajudou-a a vestir-se. Quando preparava-se para tomar um copo de


laranjada, o telefone tocou.
— Srta. Stewart, aqui é Bob Dalton, da promotoria de Bexar County, Texas,
retornando sua chamada.
— Bom dia. Que bom que ligou. Tenho um problema e gostaria de consultá-lo.
— Se puder ajudar, estou às ordens. Manuela dirigiu-se à cozinha.
— Bem, sr. Dalton. Estou noiva de um homem chamado Jeremy Trent. Acho
que o conhece, não? Hã pouco tempo soube da trágica morte da mulher dele em
San Antônio. Falaram-me sobre certas suspeitas a respeito do incidente... sobre seu
envolvimento. A polícia o interrogou e parece que as coisas não ficaram muito
claras.
— Quem lhe deu essas informações?
— Brady Coleman. Na verdade foi ele quem sugeriu que lhe telefonasse.
— Eu deveria ter imaginado.
— Algum problema?
— Brady tem o direito de dizer o que quiser, mas não está autorizado a falar
pelo departamento de polícia de San Antônio ou pela promotoria. Devo adiantar-
lhe também que não podemos comentar sobre investigações e processos concluídos
ou em andamento.
— Entendo que não lhe é permitido entrar em por-menores de investigações.
Na verdade, tudo o que desejo saber é se hã algum fundamento nas suspeitas que
envolvem Jeremy Trent.
— Com todo o respeito, senhorita, não cabe a mim dar-lhe esse tipo de opinião.
O que posso assegurar é que não pesa nenhum tipo de acusação contra ele.
— Compreendo, sr. Dalton, mas eu queria saber se em algum momento o
senhor duvidou da história. Quero saber se tenho motivos para preocupar-me,
entende?
— Veja, srta. Stewart, não seria correto expor-lhe minha opinião sobre o caso.
Não tenho condições éticas ou legais para fazer um comentário formal ou informal
sobre o caso Jeremy Trent.

Projeto Revisoras 64
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Está bem. Já que não podemos falar sobre ele, poderíamos falar sobre Brady
Coleman? Ele nem sequer foi indiciado... Ou foi?
— Não.. Brady não foi indiciado.
— E o conhece, não?
— Sim. Há quase vinte anos. Jogamos bola juntos nos tempos da universidade.
— E então, diga-me: é um homem confiável?
Bob Dalton hesitou.
— A senhorita sabe que a falecida sra. Trent era irmã de Brady, não é?
— Sim, claro.
— Então pode imaginar como têm sido as relações entra ambos, ele e Jeremy.
— Sei que há desconfiança, inimizade e ódio entre. Mas diga-me uma coisa:
Brady Coleman é um louco a ponto de não raciocinar quando se refere à morte de
sua irmã?
O promotor manteve-se em silêncio. Jane aguardou.
— Olhe, senhorita, Brady é um espírito rebelde e independente. Algumas
vezes é tomado por impulsos... mas eu não diria que é louco.
— Devo entender então que suas acusações têm alguma base?
— Eu não disse isso. Apenas comentei sobre o caráter de Brady. Na verdade,
eu o admiro. No Texas, o homem que persegue o assassino da irmã é visto com
bons olhos. Cumpre seu papel.
— Mas pode estar mal informado, pode basear-se em premissas erradas.
— Esse é um assunto a ser avaliado.
— Sr. Dalton, o senhor não está facilitando as coisas...
— Não cabe a mim opinar sobre a culpabilidade ou inocência de pessoas. Isso
só o faço no exercício de minhas obrigações profissionais. Lamento não poder
ajudá-la. Sugiro que discuta esse assunto com Jeremy Trent.
— Eu pretendo fazê-lo.
— Algo mais?
— Não, sr. Dalton. Já tomei bastante seu tempo. Agradeço-lhe a atenção.

Projeto Revisoras 65
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Jane despediu-se e desligou. Nada havia descoberto, a não ser o fato de Brady
não ser um homem ensandecido pelo sofrimento. Percebeu que o promotor
demonstrou respeito por ele. Certamente sentia-se responsável pela tragédia da
irmã, e o ódio que destilava contra Jeremy era uma forma de redimir-se. Jane sentia-
se frustrada. O promotor omitira qualquer palpite sobre suas conjecturas.
Manuela serviu-lhe o café e trouxe um alegre xale bordado para que passeasse
pelos jardins. Passou longos momentos podando galhos e colhendo flores. Admirou
a linda coleção de plantas exóticas japonesas deixadas por seu pai dispostas em um
canto especial do jardim. A brisa e o canto dos pássaros mergulharam-na num
mundo de sonhos. O telefone sem fio a fez voltar à realidade. Quem seria agora?
— Bom dia. Aqui é Brady. Tudo bem?
Jane ficou feliz ao ouvi-lo.
— Alô, Brady. Não esperava sua chamada.
— Espero que tenha dormido bem.
Jane sobressaltou-se imaginando que ele já soubesse de seu sonho erótico.
Respondeu envergonhada:
— Sim, Brady. Eu dormi muito bem.
— Estava preocupado. Temi ter-lhe estragado o dia de ontem.
— Pois saiba que sobrevivi.
— Fico contente — ele respondeu, acrescentando: — Gostaria que fosse vê-la
hoje?
— Muita amabilidade sua, Brady. Mas não vejo por que ver-nos. Ouvi sua
opinião sobre Jeremy. Mesmo que não a aceite, estou grata. Você conseguiu abrir-
me os olhos para certas possibilidades.
— Isso quer dizer que vai investigar a vida dele?
— É isso mesmo. Tenho que fazê-lo.
— Bem, sinto-me melhor. Sei que chegará ao centro da questão.
— Consideremos então que cumpriu seu dever e pode voltar para casa. Viaja
hoje para o Texas?

Projeto Revisoras 66
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Mas, Jane, temos que nos despedir. Sei que não quer falar mais sobre esse
triste assunto, mas isso não impede que eu vá até aí para apresentar meus
cumprimentos.
— É gentil de sua parte, Brady, mas não vejo por que se incomodar de vir até
minha casa.
— Ora, não me custará nada passar por aí.
Jane riu.
— Fala sério?
— Claro. Sei que não fica bem aparecer sem ser convidado, mas a verdade é
que já estou a caminho.
— Estou aprendendo a conhecê-lo, sr. Coleman — respondeu Jane, assentindo.
— Ótimo.
— Estou no jardim, ocupando-me de flores e plantas. Manuela o fará entrar.
Desligou o telefone e instruiu a governanta, imaginando se Brady apareceria
com uma nova surpresa ou se se tratava apenas de uma visita social. Observou-se
no pequeno espelho e retocou a maquiagem. Desejou estar usando outras roupas e
sonhou poder esperá-lo de pé, à entrada do jardim.
Passados alguns minutos viu-o pela janela da cozinha. Brady conversava
animadamente com Manuela. Logo se aproximaram. Ele falava em espanhol com a
governanta sorridente.
— Aqui está o sr. Coleman, senhorita. Já lhe servi uma xícara de café. Deseja
alguma coisa? Um suco, talvez?
— Não, obrigada, Manuela.
— Então, com licença — despediu-se, sorrindo amável para Brady.
— Você parece saber lidar muito bem com senhoras — Jane comentou ao sentir
as mãos retidas entre as dele, em carinhosa saudação.
— Manuela surpreendeu-se porque disse-lhe algumas palavras em espanhol.
Conversamos um pouco. Conheço bem a região onde nasceu.
— Quer dizer que fala bem sua língua? — indagou, retirando as mãos.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Quando se acampa com vaqueiros ou se passa algum tempo tomando


tequila em um bar, aprende-se a falar como eles.
Jane imaginou-o em um rústico ambiente mexicano rodeado por sedutoras
morenas de longos e negros cabelos lisos.
— Por favor, Brady, sente-se — convidou, movendo a cadeira de rodas e
pousando a tesoura de jardinagem sobre a pequena mesa.
Brady acomodou-se, cruzando as pernas. Vestia a habitual calça de brim azul,
uma camisa estampada e um cinto com fivela grande. A bela aparência, o encanto e
os olhos azuis predominavam como antes. Percebeu que Jane observa-lhe as botas.
— Gosta de minhas botas? São um símbolo do Texas. Para mim, tudo o que
restou de um passado de glória.
— Sua modéstia me soa um pouco falsa, agora que sei a verdade.
— E que verdade é essa?
— Não consta que você seja um homem pobre e esforçado...
Brady fez uma careta.
— Posso saber o que está querendo dizer?
— Ontem você não mencionou que é herdeiro de uma grande fortuna.
— Com quem andou conversando?
— Jeremy contou-me o resto da história.
— Quer dizer então que falou com ele sobre minha visita?
— Na verdade falamos sobre o passado dele ontem à noite. Perguntei-lhe sobre
as conseqüências financeiras da morte de Leigh. Ele contou-me que você ficou com
o arrendamento do rancho da família.
— E imediatamente você concluiu que sou um mentiroso.
— Não. O fato é que se apresenta como sendo uma pessoa, e na verdade é
outra. Isso me fez pensar no que me disse. Todos os bens da família Channing serão
seus no caso da morte de sua mãe.
Jane o observou longamente.
— Sim. É verdade. E espero que isso não ocorra tão cedo. Minha mãe tem
cinqüenta e oito anos. Meus avós maternos todos passaram dos noventa. Acho

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

prematuro pensar nessa herança. Além disso, Leigh era muito mais jovem e sempre
esperei que vivesse bem mais do que eu. Por outro lado, nada impede que minha
mãe faça um testamento... — tentou argumentar Brady, disparando: — Escute, Jane,
você está sugerindo que fui beneficiado com a morte de minha irmã?
— Não disse nada disso. Acho apenas que é essa a questão existente entre você
e Jeremy. Eu nada tenho a ver com seus problemas.
— Acho que está fazendo um julgamento precipitado e sendo superficial.
— Então por que veio até aqui?
— Você não conhece Jeremy Trent...
— E pensa mesmo que se me casasse com ele, correria riscos?
Brady fitou-a em silêncio.
— Acha mesmo que ele me faria algum mal? — ela insistiu.
— Você falou com Bob Dalton?
— Sim. Disse-me polidamente que não poderia conversar sobre o assunto.
— Ele lhe disse isso?! — esbravejou, colocando a xícara sobre a mesa.
— Foi o que disse. Ao que me pareceu, não aprovou sua sugestão de consultá-
lo.
— Covarde! Ele sabe muito bem que não o incomodaria por algo sem
importância.
— A questão não é essa, Brady. Trata-se apenas de um problema ético.
— Malditos advogados e promotores! Falta-lhes cabeça, sentimento, senso
comum — resmungou, pegando seu telefone celular. — Alô? Queria o número do
escritório do promotor de Bexar County. Sim? Obrigado.
Instantes depois, a ligação foi completada.
— Alô! Oi, querida. Aqui é Brady Coleman. Por favor, preciso falar com Bob
Dalton. Tudo bem. Sei que está numa reunião. Para dizer a verdade, eu também
estou, aqui na Califórnia, e fazendo papel de tolo por culpa dele. Diga que é urgente
e que quero falar-lhe agora mesmo. Brady Coleman. Isso mesmo. Eu aguardo.
Jane sorria. Ele tamborilava os dedos sobre a mesa. Passados alguns instantes,
falou em tom enérgico:

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Bob? Por que disse à srta. Stewart que não pode discutir o caso de Leigh?
Nem quero saber de sua postura ética. Trata-se simplesmente de impedir mais um
crime, e suponho que você é pago para isso, não é verdade? Lei? O que me importa?
Sua omissão é que é ilegal. Eu me refiro a uma jovem senhora que necessita de sua
opinião. Sua vida pode depender disso. Portanto, fale com o coração. Vou passar-
lhe o telefone agora mesmo. Diga-lhe o que pensa sobre a morte de Leigh.
Brady inclinou-se e passou o fone para Jane.
— Alô, sr. Dalton? Sinto muito, mas Brady insiste em que tenha essa conversa
consigo.
Bob Dalton riu.
— Srta. Stewart, espero que entenda que nada posso dizer oficialmente. Caso
um dia se refira à nossa conversa a alguém, serei obrigado a desmenti-la. Trata-se,
afinal, de uma conversa particular e entre amigos.
Jane sentiu o sangue gelar-lhe nas veias. Os olhos azuis de Brady a fitavam,
impassíveis.
— Entendo perfeitamente, sr. Dalton.
— Então vamos à minha opinião. Não posso afirmar que Jeremy Trent tenha
assassinado a mulher, mas existe uma série de evidências que me impedem de
assegurar sua inocência. Há questões sem resposta.
Jane ouviu a análise do promotor e concluiu que em nada diferia da opinião de
Brady Coleman.
— Tínhamos um corpo na cama e um delinqüente morto a tiros no quarto do
casal. Havia sinal de luta e de relações sexuais entre marido e mulher. Os exames da
perícia não foram conclusivos. Um verdadeiro pesadelo para a promotoria. Não
havia base sólida para acusar Jeremy, mas alguns indícios que o incriminavam.
O coração de Jane acelerava. Com voz sumida, arriscou a pergunta:
— E por que ele teria assassinado a mulher?
— Não sei. Realmente seria muito difícil levar o caso a um julgamento. Os
argumentos seriam apenas conjecturas. A senhora conversou com ele sobre o
assunto?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Não falamos sobre os pormenores.


— Como lhe disse, seria bom que falassem. Agradeceria se não mencionasse
esta conversa.
— Entendo perfeitamente, sr. Dalton. Fique despreocupado — acrescentou,
preparando para despedir-se.
Brady fez sinal de que desejava dizer algo ao promotor.
— Obrigado, meu velho. Tranqüilize-se. Essa chamada jamais existiu. Vamos
ver se nos encontramos. Um abraço. Falamo-nos depois. Obrigado mais uma vez —
finalizou.
— Assim, devo acreditar em suas advertências. Não houve mentiras ou
alucinações — comentou exausta Jane Stewart, acrescentando: — O promotor
admitiu dúvidas na história de Jeremy, mas destacou que não tem condições de
declará-lo culpado. Acho que devo ter uma longa conversa com ele.
— Sinto-me aliviado ao saber de sua decisão. Gostaria de estar presente.
— Agradeço seu apoio, mas sua presença em nada ajudaria. Jeremy não
gostará de vê-lo.
— Tem razão — respondeu Brady, sorrindo.
— Não quero assistir a um duelo.
— Não se preocupe, Jane. Jeremy prefere vítimas indefesas.
— Você o odeia, não é?
— Talvez seja melhor mudarmos de assunto. Não pretendia falar mais sobre
esse desgraçado.
— Desejam mais café? — interrompeu Manuela, aproximando-se. Sorriu para
Brady Coleman e dirigiu-se à patroa: — Ele fala muito bem espanhol e conhece
minha região. Se precisarem de alguma coisa é só chamar. Estou na cozinha.
— Sua governanta é muito simpática.
— A simpatia parece ser mútua.
— Todos gostam de atenção.
Jane ajeitou o xale sobre os ombros, sentindo-se pouco confortável.
— Sente frio?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Acho que gostaria de entrar. Mas termine o café.


— Posso tomá-lo lá dentro — respondeu Brady, levantando-se.
— Tudo bem. Eu espero.
— Sabe, estive pensando. Você nunca sai de casa?
— Apenas para ir ao médico. Por que pergunta?
— Acho que não vê muita gente...
— Algumas vezes aparecem os amigos. Além disso, me dou muito bem com
Manuela.
— Estou certo de que Jeremy costuma visitá-la com freqüência.
— Sim. Ele tem sido muito gentil. E é sobre isso que deseja falar?
— Não. Apenas acho que não deveria fechar-se em si mesma.
— Também entende de psicologia, Brady?
— Ainda não visitei Monterey. Talvez você pudesse ser minha guia. Convido-a
para almoçar. Que lhe parece?
— Pelo visto não considera a cadeira de rodas um grave impedimento.
— Não vejo por que ficar trancada entre salas e jardins.
— Jeremy não aprovaria a idéia.
— Ora, para esse sujeito o que interessa é vê-la cada vez mais incapacitada e
dependente. Eu gosto de mulheres que lutam, que aceitam desafios. E você traz isso
dentro de si.
— E assim que você me vê?
— Tenho a impressão de estar diante de uma lutadora, independente da
cadeira de rodas. Acho que perdeu muito tempo com Jeremy Trent.
— Talvez você seja tão manipulador como ele...
— Mas há uma diferença. Esse sujeito pensa em si mesmo. Eu penso em seu
bem-estar.
— Você é inteligente.
— Quer dizer que aceita meu convite?
— Está bem. Aceito. Almoçaremos juntos em Monterey. Você é um sedutor
nato, Brady. Aposto que arrebentou corações da metade das garotas do Texas...

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— Se é você quem diz, para que negar?

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CAPÍTULO SETE
Brady olhou através da ampla janela do restaurante. A vista da baía de
Monterey era esplêndida em seus tons azuis e acinzentados. O garçom indicara a
Jane o rumo do lavatório feminino. Na mesa ao lado, um senhor lidava para abrir
uma enorme ostra.
Ela tomara a sério seu papel de guia. Passaram horas bastante agradáveis
juntos. Jane mostrou Carmel a Brady e a missão jesuíta, e percorreram de automóvel
toda a região. Havia muitas lojas turísticas, e ela sugeriu-lhe que comprasse
algumas garrafas do famoso vinho da Califórnia. Manteve-se polida e distante,
recusando-se a descer do carro. Brady ficou intrigado com esse comportamento.
Imaginou que estivesse ainda aborrecida com as advertências que fizera sobre
Jeremy Trent. Portanto, não a pressionou.
Ao deixar Carmel, percorreram a Seventeen Mile Drive ao longo da costa.
Passaram por Cypress Point, Bird Rock, Point Joe e Moss Beach. O cenário era
belíssimo. Ciprestes acompanhavam a rodovia e perdiam-se entre colinas e
penhascos. As ondas lançavam nuvens de branca espuma sobre as rochas. Seguiram
a autovia rumo a Pacific Grove. Monterey era agradável, limpa e saudável.
Recordava-lhe alguns lugares de San Antônio. Durante o passeio, Jane indicou o
edifício de sua clínica.
— Que tal parar um pouco e cumprimentar o pessoal? Poderemos fazer-lhes
uma surpresa — ele sugeriu.
— Não, Brady. Mesmo porque é hora de almoço... Devem ter saído.
Ele insistiu ao saber que desde o acidente Jane não visitara mais seu local de
trabalho. Temia ficar deprimida.
— Ora, vamos visitá-los. Talvez isso a motive. Garanto que será um sucesso.
— Brady, por que não deixa de portar-se como um irmão mais velho?
Ele sorriu ao sentir-lhe a reação.
— Tudo bem, Voltaremos a esse assunto depois do almoço. Promete?

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Dirigiram-se a um restaurante em Cannery Row. Jane não escondeu o


embaraço ao ser ajudada por Brady a acomodar-se na cadeira de rodas. Sentia-se
deslocada e tola. Ao entrar, lhe pareceu que todos os presentes a olhavam. O
garçom, solícito, indicou-lhes acolhedora mesa junto à janela.
— Oh, Brady, você tem sido tão amável... Mas devo dizer-lhe uma coisa. Não
gosto de sentir-me tão dependente. Sempre cuidei de minha vida e me parece
terrível estar nessa situação.
— Querida, acidentes podem acontecer com qualquer pessoa. Deveria alegrar-
se por ter amplas possibilidades de cura. Mas, se é assim que está se sentindo, posso
levá-la para casa agora mesmo.
Ela olhou-o com desalento. Suspirou, limpando uma lágrima.
— Você tem razão. Estou sendo tola e infantil. Desculpe. Acho que posso ver as
coisas por outro ângulo. O lugar é lindo. A vista, encantadora, e a companhia,
excelente.
Não houve mais reclamações. Brady tentou ser divertido e conseguiu arrancar-
lhe alguns sorrisos. No entanto, nos momentos de silêncio, ele percebia que a
decepção provocada pelas revelações sobre a vida de Jeremy Trent permanecia
como uma escura nuvem de tristeza em seus olhos. Isso não o preocupava. Ao
contrário. Trouxera-lhe elementos para julgá-lo. Era evidente que conseguira o
objetivo. A tarefa fora cumprida. Mas, estranhamente, nada o impelia a voltar para
o Texas. Sentia-se bem ao lado de Jane. Gostava de protegê-la, alentá-la em seu
processo de cura. Estranho, mas aquela mulher despertava-lhe uma gama de
sentimentos novos. A imagem de Leigh, tão necessitada de proteção e amparo
diante da ameaça de Jeremy Trent, ocorreu-lhe com força.
Jane tinha grandes possibilidades de cura. Era evidente. Sentia-se frágil e
insegura, mas no fundo era uma mulher auto-suficiente e batalhadora. E, incrível,
esse não era o tipo de mulher que o atraía sensualmente. Brady, no fundo, era um
conservador. No entanto, sabia que vivia um processo interior de mudança e de
busca. Havia muitas garotas tradicionais e certinhas no Texas esperando por ele.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Não conseguia compreender o fascínio que essa doutora da Califórnia exercia sobre
si.
— E então, Brady? O homem das montanhas encantou-se pelas ondas do mar?
Em que está pensando? — perguntou Jane, interrompendo suas divagações.
— Nada em especial. O mar realmente é bonito.
Ela intuía a forma de ser de Brady com as mulheres.
Imaginava-o inflexível e dominador.
Jane falou sobre vários aspectos das relações humanas e destacou a
importância da independência no plano afetivo. Provocou-o com perguntas e riu
bastante com respostas espirituosas e picantes.
Quando veio o garçom, pediram cerveja e vinho californiano. O ambiente era
agradável e acolhedor. Jane comentou, sorrindo:
— Sabe, Brady, você não é o caubói simplório que pretende parecer. Percebi
isso cinco minutos depois que entrou em minha casa.
— Está dizendo que sou um fingido, dra. Stewart?
— Não exatamente, mas sei que estou diante de um texano manhoso.
— É. Talvez eu seja um tanto precavido — concordou.
— E de que tenta defender-se? Ele franziu a testa como se não entendesse a
pergunta.
— Não tem que responder-me — apressou-se Jane.
— Pois tento descobrir por que me sinto motivado a aconchegá-la em meus
braços como uma gatinha.
— Talvez por ser mais generoso e sensível do que realmente se permite.
— Ora, Jane, isso não corresponde à minha forma de ser — respondeu Brady,
intrigado.
Fitaram-se longamente até dirigirem os olhares à paisagem que se
descortinava. Jane tinha traços delicados e lindos olhos azuis. Ele sentia-se
inexplicavelmente envolvido. Seria um célebre caso de opostos que se atraíam? Não
sabia, mas era um forte apelo, um desejo de acarinhá-la e ampará-la. Isso não era
comum em sua vida. As mulheres o motivavam apenas para o jogo sexual. E Brady

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era direto e objetivo: o romance era apenas uma moldura para as suas intenções
eróticas.
— Como era Leigh? — perguntou Jane, interrompendo-lhe os pensamentos.
— Uma linda garota, doce e frágil. Como todas, procurava o amor de sua vida.
— Você a queria muito, não é?
— Minha mãe e eu sempre tivemos fortes vínculos, mas jamais permiti que ela
se intrometesse em minha vida. Quando se casou novamente, surgiu uma barreira
entre nós. Depois, Leigh nasceu. Liguei-me muito a ela. Tornei-me até um pouco
possessivo. Quando se casou com Jeremy Trent, fiquei sentido. E não por ciúme. Na
verdade eu queria sua felicidade e sabia que ela estava cometendo um grande erro,
mas não quis ouvir-me. Fiquei aborrecido e decepcionado. Quando necessitou de
minha ajuda, falhei miseravelmente. Essa é a culpa que tem me atormentado.
— Mas, Brady — disse Jane suavemente —, você não tem por que recriminar-
se. Estou certa de que fez o possível.
— Talvez, mas a dura realidade é que Leigh foi minha única irmã.
Depois do almoço, decidiram passar pelo Aquário. Depois, Brady a levaria
para casa. Subiam a Franklin Street quando ela disse que virasse à direita.
— Por aí não chegaremos à autovia — comentou ele.
— Não. Esse é o caminho para a minha clínica.
Brady dirigiu em silêncio, com um sorriso brincando em seus lábios. Jane
percebeu.
— Uma boa idéia, querida. Vão gostar de sua visita.
— Talvez devêssemos telefonar avisando.
Ele entregou-lhe o telefone celular.
— Você encontra solução para tudo, não? — Ela sorriu.
— Apenas tento ajudar.
Jane tomou o aparelho, pensativa. Esse tipo de atitude nada tinha a ver com
Jeremy Trent. Brady era diferente. Seria essa uma forma de mostrar compaixão por
uma pobre inválida?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Discou o número de clínica e disse a Kelly, a recepcionista, que estava a


caminho. A notícia foi recebida com enorme entusiasmo.
— Ótimo, doutora! Poderá ver suas crianças! E terá que atender a alguns casos
também. O dr. Mackenzie teve que ir às pressas ao hospital, e o dr. Mendez, muito
gripado, foi para casa. O dr. Bosché está sobrecarregado. Adorará sua ajuda, dra.
Stewart!
Jane despediu-se, avaliando que a visita à clinica era realmente uma excelente
idéia. Quando disse a Brady que teria que dar algumas consultas, ele vibrou:
— É isso de que necessita, Jane. Entusiasmo, adrenalina. Muito melhor do que
ficar em casa se lamentando. Animo, suas crianças necessitam de atenção.
— E por que demonstra tanto interesse por meu bem-estar espiritual, Brady?
— Porque parece que todo o mundo a envolve no sentido de ampará-la e isolá-
la do mundo quando o que precisa é atirar-se à vida. Fico feliz por empurrá-la,
incentivando-a a retomar seu ritmo vital.
Jane sorriu.
— Pois saiba que não é o único que me empurra nesse sentido.
— Não me diga que Jeremy faz algum esforço para que você volte a ser uma
pessoa normal.
— Realmente ele não faz, mas meu médico tem sugerido e exigido que eu saia
de casa,
— E para que ouvir a opinião do médico? — perguntou Brady com ironia.
— Mas estou saindo. Fomos almoçar em Monterey e agora vamos visitar a
clínica.
Ele aproximou-se e acariciou-lhe o rosto:
— Acho que nos próximos minutos começarei a conhecer a verdadeira Jane
Stewart.
Ela corou ao perceber que ele se tornara importante. Gostava muito dele. Não
era possível negar.
— É no próximo quarteirão? — perguntou Brady diminuindo a velocidade.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— É ali. Melhor encontrar um lugar para estacionar. Quiseram manter minha


vaga no estacionamento, mas deixei-a à disposição dos outros médicos.
— Deixe ver. Podemos parar na porta — disse ele, tocando-lhe o joelho.
Jane percebeu que sua mão permaneceu algum tempo além do necessário
sobre sua perna. Imaginou que não fosse apenas um afago fraternal e recordou o
sonho erótico da noite anterior. Nunca sentira tal magnetismo e desejo por um
homem. Surpreendeu-se ao perceber que a sensação se tornava a cada momento
mais forte. Diante de seu estado, esses apelos lhe pareciam trágicos. Não
vislumbrava nenhuma possibilidade de ver seus anseios correspondidos. Afinal,
como era possível? Naquela semana recebera um anel de brilhante do homem que
supostamente seria seu marido. Dias depois, sentia-se apaixonada por outro
homem tão diferente de seu noivo. Surpreendente, pensava.
Brady não conseguiu a vaga que esperava. Estacionou mais adiante. Sorrindo,
perguntou:
— Prefere entrar sozinha ou quer que a acompanhe?
Jane surpreendeu-se.
— Pensei que estava interessado em conhecer meu consultório.
— Claro que vou conhecê-lo. Mas talvez queira conduzir-se até lá por seus
próprios meios. Seria muito saudável.
— Sim, desde que me ajude a descer do carro e me acomode na cadeira de
rodas. Há um acesso especial do lado direito. Vou surpreendê-los! — disse Jane com
entusiasmo.
— Tudo bem. Vamos — determinou Brady, passando a mão em seus cabelos.
— Pode vir junto, Brady. Vou conduzir-me sozinha, você verá.
Ele ajudou-a com a cadeira de rodas, carregando-a amorosamente. Jane
percebeu um sugestivo brilho nos olhos de Brady, que suspirou ao senti-la próxima,
entre seus braços. Foi como uma carga de energia vital. Ondas de calor
percorreram-lhe o corpo. Inesperadamente ele beijou seus lábios.
— Nunca havia beijado uma médica — murmurou.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Eu também jamais beijei um vaqueiro. Assim, estamos quites — respondeu


Jane, respirando fundo.
Ao ver-se na calçada, pronta para dirigir-se à clinica, Jane tomou o pequeno
espelho de maquiagem. Arrumou os cabelos e passou um pouco de pó na face
corada.
— Estou bem?
— Linda, Jane. Linda.
Entusiasmada, a doutora encarou feliz o novo desafio.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO OITO

Brady estacionou o carro diante da casa. Jane observava o céu dourado


recostada no banco dianteiro. Ele tomou sua mão.
— Espero que o passeio não a tenha cansado.
— Ah, como estou me sentindo bem. Foi como se voltasse a praticar a
medicina depois de longo tempo. Visitar a clínica me emocionou. Estou cansada,
mas satisfeita. Todas aquelas crianças reconhecendo-me e me abraçando...
Enquanto Jane via seus doentes, Brady fora a uma loja e comprara dezenas de
animais de pelúcia e distribuindo-os entre os pequenos pacientes. Reservou um
grande urso dourado com um laço vermelho para Jane. Ela abraçou o presente
durante todo o percurso para casa, sentindo-se confortada com a cálida sensação de
segurança.
Comoveu-se com as atenções de Brady. A presença daquele homem atraente
foi notada por médicos, enfermeiras e mães de crianças.
— Então, Jane? Hoje demos um passo importante para sua cura. Estou feliz por
ter estado a seu lado.
Ela agora o via por outro ângulo. Perguntou-lhe se sempre seria assim com as
crianças. Brady admitiu que nem sempre.
— Você me parece tão feliz com esse urso nos braços, Jane. Será que ele evoca
recordações de sua infância?
— Sim. É bom lembrar momentos felizes... Sinto-me muito bem, Brady,
— Fico contente.
— E você, por que não se casou? Nunca quis ser pai?
As sombras da tarde mudaram-lhe as feições. Jane percebeu que levou a sério a
pergunta.
— A verdade é que gosto de crianças.
— E até agora não encontrou uma mulher que o amasse o suficiente? Ou estou
diante de um solteirão inveterado?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Sempre fui uma alma livre.


— Longe de compromissos e confusões?
— É. Sempre fui assim. Jamais desejei vida diferente. Meu pai também era
desse jeito.
— Então, trata-se de um problema genético.
— Talvez. Pessoas como eu não combinam com a forma de encarar a vida da
maioria das mulheres.
— Pois acho que você tem muitas e desejáveis qualidades. Não se deprecie.
Jane fitou-o com tristeza ansiosa. Queria algo mais de Brady Coleman.
— Pensa voltar logo para o Texas?
— Assim que estiver seguro de que seus olhos estão suficientemente abertos
para enfrentar Jeremy Trent.
— Acho que estou preparada para essa situação. Sua visita foi fundamental.
— Se é assim, penso que nada mais posso esperar...
Ambos fitaram o horizonte a receber a noite que chegava. Brady sentiu
frustração diante daquele prematuro desligamento. Confusos sentimentos
adensaram a noite. Não trocaram nenhuma palavra por longos minutos.
— Cancelei minha passagem para San Francisco — arriscou Brady. — Que vai
fazer amanhã? Penso aproveitar minha estada na Califórnia.
— Poderia ir para Big Sur. São vinte milhas descendo a costa. Dizem que é
belíssimo. Você gostará.
Jane abraçou com força o urso de pelúcia. Brady olhou-a docemente.
— Bem, aqui estamos. Você deve estar cansada.
— Sim. Estou exausta. Devo jantar e ir direto para a cama.
— Talvez possa deixar de lado o orgulho para permitir que a carregue até lá.
Garanto que será mais confortável do que a cadeira de rodas.
— Já que estou agarrada a um urso, por que não agarrar mais um e ir até o
fim?
Brady soltou uma sonora gargalhada.
— O que é tão engraçado?

Projeto Revisoras 82
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Ir até o fim tem outro significado no Texas — respondeu com malícia.


— Sua mentalidade é tão óbvia quanto suas botas, sr. Coleman — brincou Jane
sorrindo.
— Avisarei a Manuela que já chegamos.
Tocou a campainha. Manuela apareceu, e Brady explicou-lhe que traria Jane
em seus braços. Voltou ao carro e abriu a porta. Ela enlaçou seu pescoço, agarrada
ao urso de pelúcia.
— Pronto?
Levantou-a sem esforço. Parecia gostar de carregá-la. Jane apertou o urso,
satisfeita.
— Olá, senhorita. Como passaram o dia?
— Bem, Manuela, muito bem. Brady levou-me até a clínica e imagine que
atendi vários pacientes — respondeu, animada.
— Que bom, senhorita, que bom!
Jane indicou-lhe o caminho a Brady, que carregou-a pelo interior da casa. Ele
sentiu seu perfume.
— Alguém já lhe disse que você tem o aroma de uma rosa do Texas?
— Não. E a primeira vez. Alem disso, nunca estive lá...
Brady sorriu, fingindo espanto:
— O quê? Pois logo que comece a caminhar vou levá-la a San Antônio.
— Não diga. E o que faríamos nessa terra de rústicos vaqueiros?
— Eu lhe mostraria o Alamo e todos os salões de dança respeitáveis da cidade
— respondeu Brady. — Além disso, há restaurantes mexicanos, e pequenos e lindos
lugares onde são servidos caracóis e comidas exóticas,
Jane sorriu, pensativa.
— Você não é tão fácil de iludir, Jane. Talvez nem aceite fazer uma viagem
como essa.
Ela pensava em Jeremy Trent. Sabia que esse assunto voltaria à baila.
— Sinto-me feliz por tê-la conhecido — disse Brady, acomodando-a na cama.
Manuela os seguia.

Projeto Revisoras 83
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Querem que sirvam o jantar?


— Não, obrigada, Estou cansada e ficarei um pouco na cama.
— Coma alguma coisa antes, doutora... Sei que lhe fará bem.
— Que tal preparar-me uma sopa? Poderia servir-me aqui mesmo no quarto.
— Claro, em um minuto.
Brady observava-a.
— Estou exausta, mas agora sei que posso superar meus limites.
— Não há limites que não possam ser superados por uma mente aberta.
— Mais da sabedoria de seu velho pai?
— Não. Li em um livro. Acho que são palavras de Churchill.
Jane gostou de saber que Brady tinha o hábito da leitura.
— Bem — disse ele, estendendo-lhe a mão —, é hora de dizer boa noite. Vou
pegar a cadeira que está no carro e irei embora.
— Obrigada por este dia, Brady. O presente foi maravilhoso — recordou ela,
agarrando-se ao urso de pelúcia. — Adorei. Você fez muito por mim. Estou
agradecida.
— Começo a sentir que isso é um adeus.
Jane assentiu, meneando a cabeça.
— Um adeus doloroso para tão nova amizade — lamentou Brady.
— E quem pode garantir que não dormirei abraçada a este urso nos próximos
seis meses? — respondeu ela com os olhos brilhando.
— Será esse o seu tempo de se curar e me esquecer?
— Ora, Brady, há momentos que são inesquecíveis.
Lágrimas rolaram sobre sua face corada. Brady as secou com seu lenço
perfumado.
— Acho melhor retirar-me antes que nos tornemos sentimentais — disse ele,
nostálgico, ao beijá-la ternamente.
— Cuide-se, ouviu?
Jane acenou, mordendo o lábio. Brady beliscou-lhe o nariz e levantou-se.
— Mande um cartão postal para o Texas. Quero saber como vão as coisas.

Projeto Revisoras 84
Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Brady?
— Sim?
— Gostaria de conhecer Big Sur amanhã?
— Parece um belo convite.
— É um convite. Temos um chalé. Quando garota passei muitos verões em Big
Sur. Poderia conhecê-lo, caso esteja disposto a ficar mais um dia comigo e meu urso.
Um grande sorriso iluminou-lhe o rosto.
— Que cavalheiro poderia recusar tal oferta?
— Você quer mesmo ir?
— Claro!
— Então, partiremos bem cedo.
— A que horas?
— Nove da manhã.
— Os galos da Califórnia acordam tão tarde?
— Ora, Brady, eu me levanto bem mais cedo.
— Que tal dez?
— Não sou tão preguiçosa.
— Estarei aqui às nove.
— Pedirei a Manuela que nos prepare algo para levar. Quero ver se estou em
forma para um piquenique.
— Você está em forma para isso e muito mais. Verá! — E se despediu com uma
piscada de olhos.
O quarto estava escuro quando Jane acordou. Olhou para o relógio. Eram oito
e meia, mas parecia mais. Dormira profundamente e sentia uma real satisfação.
Sonhos agradáveis e confusos. Brady manteve-se em seus pensamentos.
Era espantoso como se relacionavam bem, fato raro com suas novas amizades.
Talvez a situação se devesse à sua vulnerabilidade emocional. Tinha sido muito
receptiva com Jeremy e com Brady. Isso talvez explicasse seu comportamento. Mas
por que Brady se portara de forma tão afetiva? Atração sexual? De sua parte, sim.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Havia também certo magnetismo emocional, e Jane fantasiava com relação a certas
palavras e comportamentos do texano. Era uma vibração inegável e inexplicável.
Tentava ser realista considerando que o objetivo da viagem de Brady à
Califórnia era poupar uma pobre inválida de um destino trágico. Talvez a ternura
evidente nada mais fosse que uma projeção de sentimentos com relação à sua
própria irmã Leigh.
Jane suspirou. Era uma ironia, mas cometera o mesmo erro, com Brady e com
Jeremy. Sucumbira às emoções e o convidara a um novo passeio. E estava claro que
era uma tolice envolver-se com um homem que apenas tentava esclarecer confusões
de caráter pessoal e familiar. Jeremy era o problema real. Sua ausência a afetou e ela
permitiu que Brady se aproveitasse disso. A não ser pela segunda conversa com o
procurador Bob Dalton, nada poderia mudar seus conceitos sobre Jeremy. Além
disso, Brady e Bob Dalton eram amigos havia muitos anos. Muitos aspectos ainda
tinham de ser esclarecidos.
A porta abriu-se, trazendo uma réstia de luz. Manuela se aproximou,
cautelosa:
— Senhorita... Está acordada?
— Sim, Manuela, entre.
— Srta. Jane, o sr. Trent acaba de chegar. Está na sala.
— Jeremy está em casa? Como assim?
— Ele mesmo. Disse que estava tão preocupado com a senhora que tomou o
primeiro avião. Parece nervoso e pediu que verificasse se estava acordada.
Surpreendida e amedrontada, Jane ouviu a voz de Jeremy:
— Jane?
— Sim. Estava cochilando e acabo de despertar — respondeu ela, vendo-o ao
lado da porta entreaberta.
— Sinto incomodá-la, querida, mas tinha que vê-la.
— Manuela, por favor, acenda a luz — pediu ela, cobrindo-se.
Jeremy entrou e olhou-a, preocupado:

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Perdoe-me por aparecer assim, a essa hora e sem avisar. Fiquei ansioso
depois que falamos ao telefone e decidi vir imediatamente.
— Não vejo motivo para tanto nervosismo e preocupação — respondeu,
indicando a Manuela que desejava conversar com ele a sós.
— Obrigada, Manuela.
— Deseja alguma coisa, senhorita?
— Não, querida, pode ir-se. Ah! Talvez Jeremy aceite tomar um pouco de chá
comigo.
— Claro, Jane.
Manuela saiu, deixando a porta entreaberta. Jeremy a fechou, aumentando-lhe
a insegurança e a incerteza. Aquele era outro homem.
— Como é bom vê-la de novo, querida.
— Eu também estava saudosa — afirmou, mecanicamente, ao vê-lo aproximar-
se da cama.
Jane percebeu-lhe o ar sério e preocupado.
— Você arranjou um amigo em minha ausência — disse Jeremy com ar solene
apontando o urso de pelúcia em sua cama.
— Sim, este é o meu novo amigo.
— Engraçado. As pessoas sempre nos surpreendem — ironizou ele, sentando-
se à beira da cama e tomando-lhe as mãos.
— Ontem fui ver as crianças de meu consultório. Havia alguns bichinhos de
pelúcia e trouxe este para casa.
— Eu deveria sentir-me enciumado...
— Não. Não é para tanto.
Jeremy abaixou-se para beijá-la. Ela virou a cabeça levemente, oferecendo a
face. Os lábios estavam frios.
— Estou surpreso com a sua decisão de ir ao consultório. Pensei que esperaria
até poder andar de novo.
— Eu precisava sair. Queria fazer apenas uma visita, mas John Bosché estava
só, e a sala, cheia de bebês. Ajudei-o com meus pequenos clientes.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Espero que não tenha exagerado. Sua saúde vem em primeiro lugar. Há
outros médicos na clínica.
Jane aborreceu-se com o comentário pessimista. Intuiu que ele preferia vê-la
dependente e sem iniciativa:
— Não gostou de minhas palavras, não é, Jane?
Não respondeu, recordando momentos em que Jeremy lia em voz alta para ela.
Antes, isso lhe parecia sinal de afetuoso relacionamento. Agora, tinha dúvidas.
Ele acariciava suas mãos, e Jane perguntava-se qual o significado daquele
homem em sua vida. Compaixão? Compreensão? Ou um aventureiro diabólico tal
como advertira Brady Coleman?
— Não gostou de minhas palavras? — repetiu a pergunta.
— Sabe, Jeremy... você sempre se preocupou comigo. Respeito-o por isso.
— É, mas alguma coisa está errada. Eu sinto.
O tom era gentil e superficial. Jeremy estava desconfiado. Se as histórias sobre
ele fossem reais, o perigo de um confronto seria grande. Jane sentia-se frágil e
insegura, e convenceu-se de que ele sabia atuar sobre sua debilidade. Sempre
atingia seu ponto mais vulnerável, desde o começo.
Ela afastou-se, ajeitando um travesseiro na cabeceira da cama, estabelecendo
uma distância entre eles.
— Sim, você está certo. Há algo errado.
— O quê?
Ela respirou fundo, buscando acalmar-se.
— Decidi não usar seu anel. É muito cedo.
— Imaginei... Por isso apressei-me em vir. Você significa muito para mim.
— Tudo bem. É apenas uma questão de tempo — comentou ela, sentindo-se
melhor ao ver que mantinha o controle. — Trata-se apenas de um pequeno passo
para trás.
— Claro — respondeu Jeremy —, mas prometa-me que manterá coração e
mente abertos para o futuro.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Fala como se pedir-me em casamento fosse pecado. Não é bem assim. Fiquei
lisonjeada, mas não tenho sido a mesma desde o acidente. Você não me conhece.
Sou mais forte e decidida do que imagina. Fui ao consultório, retomei o contato com
minha realidade e acho que esse é o caminho.
Jeremy ouviu-a em silêncio. Era difícil imaginar o que ele pensava, mas Jane
percebeu que suas palavras não o entusiasmavam.
— Sabe, Jeremy, você conheceu-me como uma inválida e, a meu ver, se
perturba por eu revelar-me independente e auto-suficiente ao visitar a clínica.
— Ora, isso não é verdade. Quero apenas que seja feliz.
As palavras dele soaram-lhe falsas. Não compreendia por que preferia
acreditar em Brady, um homem que mal conhecia. Como poderia ter sido tão cega
com relação a isso?
Jeremy parecia magoado.
— Mas tem algumas coisas mais, Jane.
— Há um assunto que não mencionou.
— O que é?
Ela apoiou-se no travesseiro e afirmou:
— As trágicas circunstâncias que envolveram seus dois casamentos me
preocupam.
— Talvez eu tenha sido brusco quando perguntou sobre Leigh ao telefone —
replicou Jeremy, acrescentando: — Não achei que fosse o momento para falar sobre
o assunto. Se fui grosseiro, desculpe-me.
— Não se trata de grosseria, Jeremy.
— Então o quê? Ela engoliu em seco e exigiu:
— Diga-me o que aconteceu com Leigh. Quero saber a verdade, nua e crua. Se
há um tempo para a sinceridade, este é o momento.
Quando ele levantou-se e dirigiu-se à janela, Jane percebeu-lhe os traços duros
e retraídos. Nesse momento a governanta bateu à porta trazendo o chá.
— Por favor, Manuela, coloque-o na mesa.
— Alguma coisa mais, senhorita?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Está tudo bem. Pode ir.


Manuela olhou para Jeremy e retirou-se em silêncio. Ele virou-se, voltando das
sombras:
— Meus casamentos terminaram em tragédia. Talvez não lhe tenha
transmitido a grande infelicidade e a culpa que eles representaram para mim.
— Culpa?
— Sim, culpa. Ambas as tragédias não puderam ser evitadas, apesar de minhas
inúteis tentativas. Falhei com Leigh e com Vitória. Essa é a verdade.
— Como assim?
Jeremy caminhava de um lado para outro enquanto falava. Repetiu o relato de
Brady e Bob Dalton, omitindo apenas alguns detalhes.
— Fui eu quem deixou a janela do banheiro aberta, o que permitiu a entrada
do assaltante. Infelizmente o bandido conseguiu pôr-me fora de combate. Isso não
poderia ter acontecido. Com relação a Vitória, não a compreendi e nem me
preocupei com os tranqüilizantes que tomava. Preparei-lhe uma bebida quando o
aconselhável era evitar álcool. Esses foram os meus pecados. Tenho que conviver
com eles.
— E a polícia? — espetou. — Nunca suspeitou de algo errado? Você foi
indiciado?
— Claro. Para a polícia, todos são suspeitos.
— Jeremy — disse ela em tom suave —, meu advogado está verificando alguns
fatos de sua vida. Sabemos dos arranhões e das partículas de sua pele nas unhas de
Leigh.
Ele fitou-a com um ar soturno.
— Então essa conversa é apenas um teste. Você me preparou uma armadilha.
— Estou apenas sendo cautelosa. Uma mulher solitária tem que se cuidar...
Jeremy ficou longo tempo em silêncio, voltando à janela, na penumbra.
— Sabe, Jane, sinto que chegamos a um ponto em que minha reputação e nosso
futuro estão em jogo. Você quer uma conversa sincera. Pois bem. Seu detetive lhe

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disse que Leigh era uma neurótica e que estava sob cuidados de um psiquiatra?
Mencionou as queixas dela sobre mim?
— Não.
— Pois ela não me aceitava como eu era. Estava acostumada à maneira rude
dos texanos e ditava os procedimentos de nossa vida sexual, jogo violento com o
qual nunca estive de acordo. Na noite em que morreu, agrediu-me e unhou-me
durante nossa relação com o objetivo de provocar-me. Quanto a Vitória, creio que já
contei tudo. Era público.
— Jeremy, eu não o acuso de nada...
Ele ignorou-a e continuou:
— Posso não ter sido capaz de administrar essas situações, mas jamais pretendi
ferir ninguém. Se há algum pecado, é o da omissão. Isso eu juro.
Jane notou que ele estava muito perturbado. Decidiu não interrompê-lo.
— Algumas pessoas tentaram incriminar-me. Um deles, o irmão de Leigh. Ele
me odeia e eu também não gosto dele. E possível que o promotor tenha considerado
algumas de suas improváveis acusações. Na verdade, são amigos de infância, e
nesse caso, você sabe... E o que importa para mim é a sua opinião, a sua
sensibilidade. Acha que sou violento?
— Não. Você nunca me pareceu uma pessoa violenta.
— Então confie no homem que conhece. Não posso culpá-la por ser cautelosa,
mas a verdade está comigo. E a lei também. Ela pronunciou-se. Não pretenda agora
condenar-me baseada em boatos e insinuações.
Jane suspirou, constatando a intensidade dos sentimentos dele.
— Você tem razão.
— Então acha que temos chances?
— Sim, mas vamos dar tempo ao tempo. Fique com o anel. E lindo e deve
esperar o momento certo.
— Prefiro que fique com você, mesmo que não o use.
— Não. Tudo a seu tempo. Tome-o.

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Jeremy pegou o anel e guardou-o no bolso. Parecia triste. Jane tinha que
admitir que parecia inocente. No entanto, também acreditava na sinceridade de
Brady. Talvez ele estivesse iludido por sua própria aversão contra o ex-cunhado.
Cada um deles poderia trazer a própria a verdade.
— Manuela disse que estava cansada. Receio que minha visita veio aumentar
seu cansaço. Vou-me embora. Eu amo você. Muito.
Inclinou-se e beijou-a de leve nos lábios. Olhou-a nos olhos, súplice. Mais uma
vez, Jeremy era o homem que viera para salvá-la. Agora, entretanto, olhava-o com
precaução.
Ele tocou sua face e dirigiu-se para a porta.
— Jeremy ?
Ele voltou-se.
— Sim, querida?
— Vitória também gostava de sexo intenso?
Jeremy pareceu chocado com a pergunta. Hesitou:
— Não. Por que pergunta?
— Houve sexo intenso na noite em que ela entrou em coma?
Jeremy ficou muito embaraçado ao responder:
— Quando ela estava drogada e alcoolizada tornava-se irracional e violenta.
Mas não é sobre isso que está falando, é?
Ela sacudiu a cabeça.
— Não. Penso que não seja isso.
— Aonde quer chegar?
— A lugar algum. Apenas curiosidade...
Ele deixou-a, dirigindo-se à porta. Depois de alguns momentos, lágrimas
afloraram e cobriram o rosto de Jane.
Tudo fora muito doloroso. No fundo de sua alma, ela estava assustada como
nunca.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO NOVE

Jane foi despertada durante a madrugada pelo som de árvores e folhas batidas
por fortes ventos que assobiavam no telhado. Entre o sonho e a realidade, pensou
em Jeremy e Brady antes de compreender que estava em busca de seu próprio
destino. Acordou assustada. Uma tempestade de inverno se aproximava. A manhã
não seria própria para o passeio a Big Sur, apesar de a costa e o mar ficarem
majestosos quando acossados pela chuva e os ventos. Brady resolveria se fariam o
passeio em tais condições. Resolveu arrumar-se e esperá-lo. Chamou Manuela e
pediu uma calça de brim e uma camisa de flanela estampada. Havia tempos não
usava calças e sorriu ao pensar que roupas esportivas agradariam a Brady.
Enquanto a governanta a vestia, tentou manter-se de pé, esforçando-se para
recobrar o movimento das pernas.
— E se eu nunca mais conseguir andar, Manuela?
— Conseguirá — respondeu a governanta, incentivando-a. — Talvez demore
um pouco, mas tudo vai dar certo.
Jane sabia que poderia melhorar, mas precisava de apoio. Tinha dúvidas, e
imaginava que talvez elas não dissessem respeito apenas à capacidade de andar.
Talvez representassem algo de mais profundo dentro de seu ser.
Depois do café da manhã, pediu a Manuela que acendesse a lareira para
aquecer o ambiente. Brady estava prestes a chegar. Ficou longos minutos
observando a lenha na fogueira, aguardando ansiosa a chegada do amigo. O
telefone tocou, sobressaltando-a. Era Melissa Krun.
— Jane? Já recebi o primeiro relatório das investigações e decidi mantê-la
informada.
— Ótimo.
— Vamos começar com Jeremy Trent. Meu informante em Connecticut
conversou com a família de Vitória. As referências não foram boas. Disseram que
ele estava interessado no dinheiro dela e revelaram sérias suspeitas com relação ao

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

incidente que a deixou em estado de coma. Asseguraram que foram forçados a um


acordo financeiro com Jeremy, que obrigou-os a usar a influência política da família
para evitar uma investigação policial.
— Meu Deus, Melissa!
— Bem. Essa é a história que eles contam. A verdade é que viam em Jeremy
um sério adversário para seus interesses na herança de Vitória.
— Todas as pessoas com quem falei têm algo contra Jeremy. Será tão difícil
descobrir a verdade?
— Estamos trabalhando nesse sentido. Nossos detetives tentam obter
referências policiais sobre o caso. Dentro de alguns dias teremos o resultado.
— E com relação a Brady? As coisas avançaram?
— O sr. Coleman é outro tipo de pessoa. Viveu folgadamente enquanto os
negócios iam bem. Atualmente tem muitas dívidas na praça.
— Ele me falou sobre isso. Alguma coisa mais?
— Nosso detetive disse que Brady Coleman tem mais sorte com garotas do que
com poços de petróleo.
— Isso não me surpreende.
— Até o momento, é o que temos sobre ele. Um relatório preliminar.
— Obrigada, Melissa. Mantenha-me informada.
Até logo.
E desligou o telefone, decepcionada. Não havia nada de novo, a não ser a
opinião negativa das famílias das duas ex-mulheres de Jeremy.
Afastou-se da lareira, conduzindo a cadeira de rodas para o centro da sala.
Logo ouviu o ruído do carro diante da casa. Ficou feliz ao constatar que era Brady.
Ouviu-o gracejar com Manuela e saudou-o alegre quando entraram sorrindo.
— Bom dia, querida. Você está linda como uma flor primaveril.
— Oh, Brady! Mais flores... — Suspirou ao receber o lindo buquê de rosas
amarelas.
Ele curvou-se para abraçá-la.
— Seu rosto está frio — ela sussurrou, sorrindo.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Esta é a mais perfumada rosa da Califórnia — galanteou Brady.


— Sei que estou diante de um sedutor nato, mas sinto-me lisonjeada.
— Estou sendo sincero.
— A quantas disse o mesmo?
— Você é uma das mais belas mulheres que conheci. Isso não quer dizer que
seja a única...
— Estou sabendo. Sua reputação o precede — comentou Jane, sorrindo.
— Não diga que minha fama já alcança a Califórnia!
Jane sentia-se feliz com a presença afável e alegre de Brady.
— Parece que teremos mau tempo esta manhã — comentou ele, pedindo
licença para tirar o paletó e aproximando-se da lareira.
— Nada como um bom fogo para aquecer uma manhã chuvosa.
— Pois é. Imaginei que talvez não se sentisse animado a ponto de ir a Big Sur
com um tempo desses — considerou Jane.
— E você? Preferiria não sair?
— Farei o que quiser, Brady. Confesso que seria mais sensato ficar aqui ao pé
do fogo, mas minha alma clama por aventura. O mar da Califórnia, quando revolto,
é belíssimo.
— Ótimo. É disso mesmo que precisa. Enfrentaremos a tormenta. Vamos? —
convidou, ajustando o chapéu na cabeça.
— Vamos, mas antes quero falar-lhe.
— Sobre o quê? — perguntou ele, sentando-se novamente.
— Jeremy voltou. Esteve aqui ontem à noite.
Uma nuvem escura se interpôs entre ambos.
— Não me diga.
— É verdade. Ficou preocupado com nossa conversa por telefone e decidiu vir
imediatamente.
Brady não escondeu a contrariedade.
— Eu não disse a Jeremy que estivemos juntos — ela continuou —, mas fiz
algumas perguntas.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— E então?
— Pareceu-me que ele tinha resposta para tudo.
— Isso não me surpreende. Ele é matreiro.
— Devolvi-lhe, o anel, mas não rompi nosso relacionamento. Decidi esperar o
resultado das investigações que mandei fazer.
Brady moveu a cabeça, aprovando-a.
— Fico feliz por saber que tomou medidas sensatas.
— Sou grata por sua sugestão, e é bom que saiba que também estou
investigando sua vida. Espero não deparar-me com desagradáveis surpresas.
— Meu velho pai dizia que quem trapaceia com cartas também o faz com os
negócios e com as mulheres. Mas uma coisa é certa: ninguém consegue burlar a
verdade.
— Sábias palavras.
— Meu pai era pobre, mas não era tolo.
— Parece ter sido um homem feliz.
— Na verdade, sim. Antes de morrer confessou-me que gostaria de ter se
comportado melhor com minha mãe. As mulheres são prazenteiras quando se é
jovem —..dizia ele —, mas, na velhice, se não se tem uma boa companheira, a
liberdade perde totalmente o sentido.
— E o que você pensa sobre essas palavras de seu pai?
— Que ele tem razão, mas a velhice, no momento, ainda está longe. Cada um
tem sua forma de ser, Jane. Não sou rígido, mas sou sincero e direto. Acho que é
assim que as coisas funcionam.
Ela sorriu.
— Espero que realmente seja como diz. Brady levantou-se:
— E então, senhora? Enfrentaremos a mãe natureza?
— Claro. Por que não?
Manuela trouxe uma capa de chuva amarela, e Brady levou Jane nos braços até
o carro. Voltou para buscar a cesta de piquenique e a cadeira de rodas. Os ventos
haviam amainado, mas nuvens escuras toldavam o céu.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

O carro rumou veloz em direção a Carmel, Point Lobos e Notleys Landing.


Logo beiravam a costa. Brady dirigia com cautela pela estrada entre penhascos. Jane
observava, ao longe, a tempestade no mar.
— Você já esteve alguma vez a ponto de casar-se? — ela perguntou, depois de
longo silêncio.
— Não. Ainda não.
— Nunca sentiu desejo de formar uma família? Não amou ninguém o
suficiente para pensar nisso?
— Na verdade nunca me preocupei em encontrar a garota ideal para casar-me.
Acho que as coisas não acontecem dessa forma. E você?
— Talvez não goste de ouvir, mas fique sabendo que Jeremy foi o primeiro
homem que me despertou tais sentimentos. Estava alentando a idéia de casar-me
quando tudo isso aconteceu. E, na verdade, não consigo chegar a conclusão alguma.
— Não posso acreditar que durante toda a vida não se tenha interessado por
pelo menos um de seus pretendentes.
— De fato, cheguei a gostar de alguns, mas o que me importava era a minha
carreira. Desejava ser uma boa e dedicada pediatra. E nenhum deles me pareceu tão
especial a ponto de desviar-me do objetivo.
— Parece que temos alguns pontos em comum. Caminhos paralelos...
— Se tivesse sido acidentado como eu, não lhe pareceria razoável apaixonar-se
pela garota que, com toda a dedicação, cuidasse de você?
— Não havia pensado ainda nesses termos, mas, de certa maneira, também
sofri um acidente terrível — respondeu, atento às perigosas curvas da estrada.
— Não entendi, Brady. Que quer dizer?
— O falecimento de minha irmã Leigh. Foi uma perda terrível.
Jane surpreendeu-se com a comparação.
— Você quer dizer que ambos temos almas feridas.
— Almas feridas a caminho de um piquenique sob a tempestade.
— Bonitas palavras, mas há diferenças. Admita.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Percorriam a estrada serpenteante desfrutando do magnífico azul carregado do


mar e as escuras nuvens atropelando-se no horizonte. A fúria dos elementos
estatelava-se em branca espuma contra os rochedos da costa. Chegaram ao parque
estadual de Point Sur.
— Onde arrumaremos a mesa do piquenique. — brincou Brady.
— Pensaremos num plano alternativo. Alguma idéia.
— Poderíamos ficar dando voltas de carro e comer aqui mesmo quando a fome
chegar.
— Ou — acrescentou Jane — poderíamos ir ao chalé. Faz mais de um ano que
não vou até lá e nem imagino em que condições pode estar.
— E tem vista para o mar?
— Uma vista belíssima, além de lareira e outras comodidades — respondeu
Jane, provocante.
— Você estava pensando nisso quando a encontrei hoje de manhã diante da
lareira. Fale a verdade, Jane.
Ela corou.
— Pode ser. Inconscientemente, talvez.
—Acho que está tentando seduzir-me—brincou Brady.
— Pois então, vamos em frente. Daqui a uns três quilômetros há uma entrada
em direção àquelas colinas. Logo chegaremos.
Brady a olhava de soslaio enquanto dirigia pela estrada vicinal. Sentia-se
íntegro e bem como nunca. Flertava com Jane de forma natural e espontânea. Ela
parecia ser a primeira namorada. Era um relacionamento diferente de suas
anteriores conquistas. Percebia-o claramente. Tentava entender o que acontecia
sentindo o coração em descompasso, na agonia de uma situação em que não havia
muito controle. Era um torvelinho de sentimentos: carinho, sensualidade,
compaixão, companheirismo.
Anos atrás, durante o casamento de Jerry com Laureline, Brady intuiu como as
palavras do pastor caíam em inexplicável vazio: "Na alegria e na tristeza, até que a
morte os separe".

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Como seria com Jane?


Quando Leigh casou-se com Jeremy Trent, ela era apenas uma romântica
sonhadora. Uma criança. Brady sabia que ele era um cínico. Leigh estava cega e não
fez caso de suas advertências. Pensou novamente em Jane. Carinho. Esperança.
Esses eram os fortes sentimentos que o envolviam. Percebeu que vislumbrava o
significado do amor.
— Entre por ali, à direita — ela indicou, tirando-o do devaneio.
O carro subiu a colina. Desde que deixaram a rodovia, haviam percorrido
vários quilômetros sob as árvores da floresta, em íngremes ladeiras. Estavam quase
à altura das nuvens. A chuva caía, inclemente.
— Nos dias de sol, este lugar é maravilhoso — lamentou Jane.
— O que importa em um passeio como o nosso, querida, é a boa companhia —
respondeu Brady, manobrando em direção ao estacionamento.
Ao lado, um caminho de pedra serpenteava. Alguns metros adiante, o
precipício abria-se diretamente sobre o mar.
— Meu pai não permitia que automóveis chegassem até o chalé. Sempre quis
preservar a paisagem. Quando éramos garotas, eu e minha irmã não gostávamos de
carregar as bagagens até lá em cima. Seria tão fácil chegar com o carro. E hoje,
quanto não daria para poder caminhar até lá...
— Logo vai conseguir, Jane.
— Assim espero.
— Há muita lama por aqui. Deixe-me levá-la nas costas, depois virei buscar a
cadeira.
— Vai ser um pouco difícil montar cavalinho na minha situação...
— Vamos. Assim poderemos apreciar juntos a vista.
— Tudo bem, Brady. Tem vezes que você me faz lembrar de meu pai. É meio
autoritário...
Ele desceu do carro, ajeitou o chapéu e abriu-lhe a porta.
— Vamos — disse ele, fitando seus olhos e dispondo-se a ajudá-la a montar em
suas costas.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Espere. Vou tentar.


— Pronto. Segure-se bem. Pode agarrar meu pescoço.
Ele agarrou firmemente suas pernas..
— Tudo- bem? Podemos ir?
— Segure melhor minhas pernas. Estou com um pouco de medo.
A chuva começou a cair com mais força. Ele seguiu a trilha com rapidez e
cautela. Logo chegaram diante do chalé, ao abrigo da chuva.
— Chegamos. Deveríamos ficar pelo menos uns dois dias aqui para justificar o
esforço. Que lhe parece? — ele indagou, acomodando-a no banco do portal. —
Agora, vou buscar nossa bagagem — acrescentou, abrigando-a com o paletó.
Os rostos ficaram muito próximos. Quase sem pensar, Brady beijou-lhe os
lábios com sensualidade e ternura. Assustou-se ao perceber que ardia de desejo. A
chuva tamborilava mais forte no telhado.
— Espere. Já volto, querida.
A chuva piorou. Brady mal enxergava o vulto do carro lá embaixo no
estacionamento.
— Por que não espera a chuva passar?
— Você já está toda molhada e, além de nossa cesta de piquenique, tenho
toalhas na bagagem. A não ser que queira dançar e cantar sob a chuva. Que lhe
parece? Gosta de cantar?
— Eu mal posso manter-me nas pernas, Brady. Ele tomou-a em seus braços, e,
carregando-a, começou a dançar.
— Você é louco! — Jane exclamou, rindo e sentindo a chuva cair em seu rosto.
Brady beijava-lhe o pescoço e volteava com entusiasmo. Ela fitou-o com olhos
tristes.
— Que aconteceu, Jane? Parecia divertir-se.
— Costumava dançar com meu pai. Era um bailarino encantador.
— Não pretendi trazer-lhe recordações melancólicas. O presente deve manter-
se sempre alegre.
Levou-a ao banco do portal e sentou-se a seu lado, tomando-lhe as mãos.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Tudo bem, Jane?


— Tudo. Desculpe-me.
— Então, vou até o carro. Volto em um minuto.
Correu em direção ao estacionamento. A meio caminho, parou para mandar-
lhe um beijo e arrumar o chapéu que, diante do vento e da chuva, quase caiu.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO DEZ

Jane estava deitada na cama do pequeno quarto que se abria para a sala de
estar. A porta permitia-lhe ver Brady acender o fogo. Ele conseguira travesseiros e
uma bela manta estampada para agasalhá-la. Por sorte havia lenha e gravetos ao pé
da lareira de pedra. Brady estava descalço. As botas sujas de lama foram deixadas
na varanda.
Quando a madeira começou a crepitar entre as chamas, Brady dirigiu-se ao
quarto e sentou-se ao lado dela. Ao perceber que a calça estava molhada, comentou:
— Eu deveria ser mais cuidadoso.
— É desagradável ficar com roupas molhadas. Por que não as tira? Prometo
que não olharei.
— Ora, secará mais rápido no corpo. Além disso, um homem só deve andar
sem calça pela casa quando tem alguma intenção... digamos... inconfessável.
Jane riu do comentário e perguntou:
— Algumas vezes todos podemos ficar vulneráveis. Será que não consegue
sequer admitir essa possibilidade? É normal sentir-se fraco, inseguro e carente
algumas vezes. Ou será que seu amor-próprio exige que seja durão o tempo todo?
— O temor do fracasso acompanha todo homem. Desde criança aprendemos
que o importante é vencer. Por isso estamos sempre competindo e lutando uns
contra os outros. Nos negócios é a mesma coisa.
— Sua sensibilidade surpreendeu-me mais uma vez, Brady.
— Logo chegará à conclusão de que, apesar das aparências, não sou uma
pessoa cheia de preconceitos.
Ele tomou a toalha com que secara o cabelo de Jane e, antes de usá-la,
acariciou-lhe gentilmente o rosto. Ela adorava gestos espontâneos. Olhando em seus
olhos, afirmou:
— Nunca pensei em você como um alguém cheio de preconceitos.
— Ah, é?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Um pouco rude, talvez, apenas isso.


Brady acariciou-a novamente.
— As primeiras impressões é que ficam. Quando a vi achei-a linda e rebelde. É
uma combinação muito atraente, acredite.
— Não me parece ser do tipo que gosta de mulheres rebeldes.
— Gosto muito, se tiverem tanta docilidade como você.
— Pelo que posso ver, os desafios o excitam.
— Você e rápida, Jane. Pela minha experiência, uma ponta de hostilidade
indica profundo desejo. Não sente alguma atração por mim?
Jane pestanejou. Não sabia se Brady gracejava ou se perguntava a sério.
— Está brincando?
— Não.
Ela manteve-se calada.
— Devo encarar seu silêncio como uma resposta afirmativa?
— Ora, Brady, fique tranqüilo. Garanto que não pretendo atacá-lo ou seduzi-lo.
Ele pousou a mão sobre sua perna e alisou-a, absorto.
— Não deveria admitir, mas você me deixa confuso...
— Que está querendo dizer?
— Não sei, mas algo diferente está acontecendo aqui, em meu coração.
Jane fitou aqueles incríveis olhos azuis e, num suspiro, perguntou:
— Você me conheceu há poucos dias. Como pode afirmar que sente algo
especial?
— E um sentimento estranho, diferente. Poucas vezes me senti assim.
— Obrigada. Diz essas coisas a todas as garotas que tenta seduzir?
— Não, Jane. Tenho o curioso hábito de sempre tentar expressar o que sinto.
— Estou aturdida... e feliz — disse, tomando-lhe a mão.
O fogo aquecia o chalé e um clima de suave intimidade pairava no ar. Jane
olhou ao seu redor e foi envolvida por velhas lembranças de infância. Os móveis de
sua mãe foram cuidadosamente escolhidos ao longo dos anos. Antigas e
confortáveis cadeiras que pertenceram à sua avó, a velha mesa de mogno, a cadeira

Projeto Revisoras 104


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

de balanço de seu pai. Além da confortável sala de estar havia o quarto e o sótão.
Da cama ampla e confortável se podia ver o mar. Sua irmã Margareth preferia o
sótão, onde havia duas camas. Costumava ir a Big Sur com os pais todos os fins de
semana durante o verão. Depois que morreram, poucas vezes voltara ao chalé.
Aparecia apenas quando estava triste ou nostálgica.
Brady a observava, absorta em suas lembranças.
— Feliz de estar aqui, Jane?
— Muitas recordações,
— Posso imaginar.
— Gosto de estar aqui com você — admitiu ela, surpreendendo-se com a
declaração.
Olharam-se por um longo tempo.
— Em que pensa, Brady?
— Em como você é agradável e doce.
— E por que diz isso?
— Porque é verdade.
"Será mesmo?", perguntou-se Jane ao ser surpreendida por um beijo. Um
tremor apoderou-se de seu corpo, subitamente excitado. Ela sabia que havia
atração, mas não a imaginou tão forte e arrebatadora. Sentiu o perfume dele, o roçar
da barba bem-feita, o forte aperto de seus braços.
— Isso eu não esperava — suspirou, afastando-se um pouco.
— Não consigo resistir, Jane.
— Você é um homem muito atraente, mas...
— Mas o quê?
— Acho que não devemos. Na realidade...
Ele beijou-a novamente.
— Não estou entendendo o que quer dizer, querida. Explique-se melhor.
— Acho que não estamos fazendo a coisa certa.
— Por quê? Você é uma mulher e eu sou um homem. Homens e mulheres
gostam de fazer esse tipo de coisa.

Projeto Revisoras 105


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Mas...
— Mas o quê, querida?
— Oh, Brady por que você insiste?
— Porque ouvi apenas murmúrios e hesitações.
— Pois saiba que não quero ser seduzida. Entendeu? — afirmou Jane, tentando
demonstrar firmeza.
— Claro que entendo, mas não acredito.
— Como pode dizer isso?
— Não viemos para cá só por causa da vista e do mar. Você também tinha
outras intenções. Nada mais natural. Admita.
— Como pode dizer uma coisa dessas?
— Tudo bem. Por que pensa que viemos até Big Sur?
— Para um piquenique.
— Bem. Isso é parte da verdade. Talvez a menos importante.
— Você está querendo dizer que vim até aqui para ser seduzida? Não posso
acreditar.
— Se espera piedade ou clemência, esqueça. Todos nós temos nossas
dificuldades.
— Que quer dizer com isso?
— Você é uma mulher normal, como qualquer outra, Não posso tratá-la de
outra forma.
— Além disso — ela ironizou —, sou a mulher que tocou seu coração, como
disse há pouco.
— Espero que não esteja brincando comigo. Fui sincero ao confessar-lhe meus
sentimentos.
Jane ficou exasperada.
— Você é o homem mais desconcertante que conheci.
— E serei capaz de sensibilizá-la? — perguntou Brady, beliscando-lhe a perna
sob o cobertor.

Projeto Revisoras 106


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Ela empertigou-se, pronta para dizer-lhe que sexo era a última coisa que lhe
interessava. Mas ele ria, um riso divertido, sem zombaria. Faltava-lhe a palavra
perfeita. Não conseguia repreendê-lo.
Diante do silêncio, Brady beijou-a outra vez. Jane não resistiu e não estava
certa se desejava continuar. Seguindo o impulso, virou-se, agarrando-se àqueles
ombros largos, pressionando seu corpo o mais que pôde. Saboreou a sensualidade
dos lábios dele.
Depois do beijo, apoiou a testa contra a de Brady.
— Você é um bandido.
— Por que diz isso, querida?
— Porque o que quer é apenas uma nova conquista. Seu primeiro caso com
uma inválida. E aqui estou, diante de sua complacência.
— Não gosto de ouvi-la falar desse modo. Está sendo cruel. Será que não
percebe que estou sinceramente envolvido?
Jane não respondeu. Temia acreditar em suas palavras. E estava
envergonhada. Não fora honesta o suficiente para admitir que queria ser seduzida.
— A quem você teme? A Brady Coleman ou a seus próprios sentimentos?
Ela fitou-o, inquieta.
— Você é um homem sensível, mas não fique tão convencido. Jeremy Trent
também sabe ser assim.
Ele não escondeu a irritação provocada pela referência.
— A sensibilidade de Jeremy é voltada para debilidades e fraquezas. Ele as
identifica e ataca. Não tinha entendido esse lado dele até você aparecer, Brady.
— E que acha que comigo é a mesma coisa?
Ela pensou um instante, olhando a chuva através da janela.
— Sei que existe desejo, mas não só isso. Há outras coisas mais.
Brady acariciou-lhe as mãos.
—Talvez este seja o momento de sentir, não o de pensar.
Jane sorriu.

Projeto Revisoras 107


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— E fácil entender por que costuma sair-se tão bem com as mulheres. Aposto
que a maioria quer agradá-lo o tempo todo. Você tem o dom de despertar esses
sentimentos.
— Não entendo...
Ela tocou de leve o. rosto dele, olhando seus olhos ingênuos, sabendo estar
diante de um conquistador capaz de fazer qualquer mulher desmaiar de prazer.
— Você deseja mesmo fazer amor com uma aleijada?
— Não há razão para ter pena de si mesma. Saberemos encontrar o caminho
prazeroso da sensualidade.
— Talvez duvide de minhas possibilidades. Tenho medo, Brady.
— Medo de quê?
— De tudo.
— Não é Jane Stewart quem fala. Posso não tê-la conhecido antes do acidente,
mas sei que estou diante de uma mulher de valor.
— Mas, Brady, mal posso levantar-me e você insiste em fazer amor comigo! É
assustador.
— Querida, Jeremy Trent talvez goste de vê-la enrolada em cobertores e
dependente da cadeira de rodas. Eu quero é vê-la sadia, alegre, disposta, vivendo a
vida como se pode vivê-la, mesmo diante de uma situação passageira que lhe
dificulta os movimentos.
Jane não conteve o pranto.
— Você tem razão. Meu problema tem sido minha atitude diante da vida. O
acidente tolheu-me a iniciativa, deixou-me insegura e frágil. Nunca fui assim.
— E o que vamos fazer sobre isso?
— Quero voltar a andar — ela respondeu. — Quero mesmo.
— A ponto de levantar-se e tentar andar até a mesa da sala?
Jane sorriu com tristeza.
— Vamos. Posso ajudá-la.
— Será um milagre se conseguir manter-me sobre as pernas.
— Esse é o começo. Não há outra forma.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Então vou ficar de pé — ela afirmou, sentindo uma onda de adrenalina a


percorrer-lhe o corpo.
Livrou-se do cobertor e escorregou para a borda da cama, tal como estava
acostumada a fazer com a ajuda de Manuela. Dessa vez, a cadeira de rodas não a
esperava.
A distância até a mesa era de cinco metros. Ela pousou os pés no assoalho,
sorrindo para Brady, que lhe estendeu ambas as mãos. Agarrou-as com firmeza.
— Pronta?
— Pronta. Advirto que nunca tentei...
— Há sempre a primeira vez. Vamos, querida.
Jane suspirou e agarrou-se mais forte. Quando apoiou o peso do corpo,
vacilou. Não conseguia dar passo algum.
— Vamos. Força. Tente levantar as pernas como se pudesse saltar. Isso.
O esforço era enorme. Brady a puxava, segurando-a e levantando-a um pouco
mais.
— Continue, Jane...
— É inútil. Estão insensíveis.
— Insista, insista. Assim.
Ela suava, lutando com afinco.
— Não posso mais! — gritou, sufocando.
— Pode sim, vamos.
Jane estava quase de pé, sustentada pelas mãos de Brady. O corpo tremia, e as
pernas agitavam-se com violência. Sentia os joelhos travados, mas, num esforço
supremo, conseguiu esticá-los. Quando percebeu o que tinha acontecido, a emoção
foi enorme. Os olhos brilhavam.
— Brady! Eu consegui! Consegui ficar de pé!
— Está vendo? Bravos, querida! Conseguiu mesmo.
Ele envolveu-a colando-se contra seu corpo. Lágrimas rolavam dos olhos de
Jane, que, eufórica, gritava de alegria.
— Você está bem? Dói algum lugar?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Ela negou com a cabeça, apertando-lhe o braço. Brady beijou-a docemente.


— Gostaria de tentar dar uma volta pelo quarto?
— Não acho que possa levantar os pés do chão.
— Vamos fazer o seguinte: tente usar meus braços como barras paralelas.
Assim, bem devagar, caminharemos em torno da mesa.
— Será que conseguirei?
— Vamos ver. Venha.
Ele pegou-a pela cintura. Jane agarrou firme em seus ombros. Depois
escorregou as mãos nos braços de Brady até que ficou de pé, apoiando-se nos ante-
braços dele.
— Bem, vamos dar o primeiro passo.
Ela tentou e conseguiu mover os pés. Alguns centímetros apenas, mas
conseguiu.
— Espantoso — disse, sorridente. — Agora, mais um... Moveu o outro pé. As
pernas, no entanto, estavam fracas. Todo o peso era sustentado pelos braços de
Brady. Foram seus primeiros passos depois do acidente.
— Você está se saindo muito bem, Jane.
Conseguiu dar a volta inteira. No final, Brady praticamente a arrastava, mas
ela sentia-se plenamente realizada com o sucesso do esforço. Fitou-o com alegria,
limpando as lágrimas.
— Nem sei como agradecer-lhe, Brady. Você é um companheiro maravilhoso.
— E esse é apenas o começo. Tenho certeza de que logo estará jogando tênis e
arrasando nos salões de baile do Texas.
Manuela lhes preparara uma bela refeição. Havia salmão, vários tipos de
queijo, pães, salada de frutas, pastéis, doces, e uma garrafa de vinho da Califórnia.
Jane achou o vinho e o lanche excelentes. Brady recostou-se na cadeira para contar
de seu rancho e da vida que levava no Texas. Ela o ouvia fascinada, com os
cotovelos sobre a mesa, o queixo pousado nas mãos.
— E o que você faz? — perguntava-lhe Jane. — Sei que não cria gado e não
perfura poços em seu rancho.

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— Há muitas coisas a fazer numa fazenda, mesmo que não haja criação. A mãe
natureza é pródiga em Hill County. E necessário cuidar dos cedros, cortá-los e
empilhá-los. Fazer reparos periódicos na estrada, nas cercas. Algumas vezes
contrato alguns homens para o serviço. Tenho um capataz indiano. Chama-se
Heppo. Um bom trabalhador. Cortar cedros ocupa muitos homens e, além disso,
posso arrendar a terra para pasto.
— Então você não é um caubói de verdade.
— Tenho vários búfalos em meu rancho.
— Espero que não se dedique à caça desses belos animais.
Brady tomou um gole de vinho.
— Não, querida. Gosto de admirá-los. Mas às vezes caço veados ou javalis. E
uma região agreste e linda. Um dia irá conhecê-la — finalizou Brady, fitando-a
seriamente.
— Você gostaria mesmo que eu fosse, não é?
— Sim. Ficaria muito feliz em tê-la em meu rancho.
— Talvez algum dia. Gostaria de ver o pôr-do-sol em Hill County.
— Você gosta de antropologia e história?
— Nunca fui uma leitora dedicada, mas gosto de museus.
— Meu rancho é um verdadeiro museu antropológico. Há muitos anos,
viveram lá tribos indígenas, e é fácil encontrar artefatos de cerâmica e outros
tesouros. Ele fica na rota de imigração de vários povos pré-colombianos. Viajavam
entre o norte do Texas e de Oklahoma, e o norte do México. Adoro escavar a
montanha. E como viajar pelo tempo.
Jane o ouvia, fascinada. Jamais conhecera alguém como ele.
— Estamos tão envolvidos com nossas vidas que esquecemos de nossas
ligações com o passado e com a terra de nossos ancestrais. Fico pensando que justo
em meu rancho amores foram perdidos, lutas foram travadas, lindos bebês vieram à
luz. E tudo isso sob o mesmo sol que nos ilumina.
Ela observou seus olhos brilhantes moverem-se, sonhadores.
— Você é um romântico, Brady.

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Ele sorriu.
— Tento viver com sentimento... e paixão.
— Estou contente por tê-lo conhecido.
— Eu também, querida.
Ela tomou mais um gole do vinho. Brady dividiu o restante da garrafa,
olhando a lareira. Uma tora rolou, soltando faíscas. Levantou-se para ajeitar o fogo,
adicionando mais lenha.
Jane observava, admirando sua estrutura musculosa. Durante todo o almoço
ele esteve seduzindo-a com os olhos.
Brady esteve em completo controle, emitindo vibrações, como um regente de
orquestra a dirigir o ritmo da sedução. O olhar não deixava dúvidas sobre suas
intenções. A atração era forte e inegável. Ambos sabiam o que estava para
acontecer.
Quando retornou para a mesa, ela perguntou docemente:
— Você me leva para a cama, Brady?
— Claro, se é isso o que quer
— E se deitará comigo? Gostaria que me abraçasse enquanto observo a chuva.
— Claro, mas tenho que tirar esta calça molhada.
Jane assentiu.
— Eu sei. Quero você também.
— Sabe de uma coisa, Jane? Desejo-a desde o momento em que me atendeu à
porta.
— Para falar a verdade, acho que eu também. Amor à primeira vista, como
dizem os romances. Não pensei que pudesse existir. Vamos, não me torture mais.
— Querida.... Tenho o pressentimento de que serei feliz por um longo tempo.
Jane ardia em desejo. A paixão era tão forte que chegava a doer.
Brady levantou-se e beijou-lhe as mãos, suavemente. Ela o trouxe para si e
beijaram-se longamente.
— Vamos, Brady. Vamos para a cama...

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO ONZE

O ambiente, aquecido e iluminado pelo tremeluzir das chamas da lareira, era


íntimo e acolhedor.
Jane, deitada na macia cama, observava Brady, que desabotoava a camisa. Alto
e esguio, desvelava vagarosamente os músculos bem definidos do tórax e dos
braços. Um denso manto de pêlos escuros cobriam-lhe o peito.
Jane jamais sentira atração física tão forte por um homem. O poder de sedução
daquela figura esguia, alta e máscula a descontrolava, fazia com que se sentisse
fraca e vulnerável. O mais assustador era reconhecer o prazer de estar à mercê das
vontades e caprichos do companheiro.
Brady aproximou-se, sentando-se a seu lado:
— Você está linda.
— Você também, querido.
— É a primeira vez que me dizem isso — brincou ele.
— Talvez eu o veja de forma diferente das demais...
Ele fitou-a nos olhos e, em suaves toques, começou a acariciar as linhas de seu
colo. Jane sentiu-se arrepiar. As fortes mãos intensificaram as carícias,
massageando-lhe as costas, os ombros, o alto da nuca. Não diziam palavra.
Exalavam apenas rítmicos suspiros. Jane fitava-lhe rosto como a avaliar vibrações
de ternura e sensualidade que fluíam de seus olhos. Os lábios de Brady, retos e
duros, agora abriam-se suaves em cúmplice sorriso. Jane sentia-se feliz e deixava
que ele assumisse o sedutor ritual. Surpreendia-se ao ver que Brady intuía cada
desejo, a modulação e o timbre de seu erotismo. Qual seria o próximo passo?,
perguntava-se, extasiada.
Brady olhou-a longamente, ao mesmo tempo que desabotoava-lhe a blusa. Em
rápido e suave movimento, Jane desfez-se das roupas. O coração batia forte, e o
peito nu arfava em descompasso. Antes de acariciar-lhe os bem moldados seios
duros e expostos, admirou-os com enlevo. Ela sentiu-se única, amada e desejada

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

como nunca. Um leve torpor tomou-lhe o corpo quando ele começou a beijar-lhe o
queixo, a nuca, descendo vagarosamente em direção às suaves linhas de seus seios.
Jane sentiu o rosto amado pousar sôfrego sobre seu colo. Agarrou-lhe os cabelos em
apaixonada carícia.
Brady deslizou a mão até o fecho da calça de brim de Jane. Ao sentir a pressão
ansiosa sobre o ventre, ela estremeceu, excitada.
— Oh, Brady — murmurou, levantando-lhe o rosto e beijando-o.
Foi um beijo prolongado e apaixonado que a deixou sem ar e totalmente fora
de si. Quando afastou-se um pouco para respirar, surpreendeu-se ao ver que Brady,
em movimentos ágeis, a desnudava completamente.
Sem dizer palavra e fitando-lhe o corpo nu sobre a cama, ele levantou-se e
tirou suas roupas, ajeitando-as ao lado do criado-mundo. Em questão de segundos
a abraçava terna e apaixonadamente. Jane gostou de vê-lo despir-se e de sentir
como ele a desnudou. Era algo que evocava rituais atávicos. Ao vê-lo sobre si,
tentou mover as pernas, ajeitando-se para sentir melhor sua pele e seu calor.
Ele acomodou-se a seu lado, moderando os carinhos, prolongando o mais
possível o tempo de delícias. Em um segundo Jane compreendeu que ele se
continha, renunciando à possibilidade do prazer imediato, dispondo-se a procurar o
ritmo de -seu coração feminino. Era uma demonstração de carinho e nobreza que
ela só vira nos romances que lera.
Embalado pelo tamborilar da chuva e o crepitar das chamas, o enlevo durou
longos minutos. Desejo e paixão pairavam no ar quente e úmido do chalé. Lá fora, a
fúria dos elementos acompanhava o ritmo dos amantes.
— Brady... eu o quero tanto... Faça amor comigo. Agora.
— Calma, querida. Beije-me — respondeu ele, acariciando-lhe o ventre.
— Sabe, querido, sempre me disseram que eu tinha lindas pernas.
— E ainda as têm — respondeu ele, afastando-as e insinuando-se entre elas.
— Tenho medo. Não sei se vou conseguir... Vamos, faça amor comigo agora.
— Temos todo o tempo do mundo, Jane. Você conseguirá. Eu prometo.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

As carinhosas palavras a comoveram. Brady moveu-se sobre a cama e


gentilmente acomodou-a sobre o travesseiro, afastando-lhe os joelhos.
— Sente-se confortável, Jane?
— Estou ótima. Apenas gostaria de ser uma parceira à altura de seu carinho e
seu desejo.
— E você é.
Ela sorriu. Brady beijou-lhe suavemente a parte interior das pernas, os joelhos,
e passou um longo tempo brincando com seu umbigo. A carícia delicada e sensual a
excitava; Surpreendeu-se com as sensações provocadas Por rítmicos beijos e fortes
carícias na planta e nos dedos de seus pés. Era uma vertigem, uma vontade de rir,
uma nova comporta que se abria em seu erotismo.
— Brady... Você me deixa louca!
Ele sorriu e, beijando-lhe a boca, mergulhou em seu ventre.
Trovões voltaram a rufar ao longe, prenunciando raios e relâmpagos. As
labaredas dançavam na lareira.
Com todos os sentidos em alerta, Jane percebeu que uma forte descarga de
energia se avolumava nas profundidades de seu ser. Era uma torrente que
pressionava as têmporas, o sexo, os olhos, os mamilos, o rosto afogueado.
Ele penetrou-a suave e docemente. Abraçou-a com força movendo-se no ritmo
do ir e vir das ondas contra as rochas ao fundo dos penhascos. Jane gemia de
prazer. Súbito, fortes relâmpagos iluminaram o quarto, seguidos de trovões, raios e
o cintilar de cores, esvaindo-se em um vórtice de loucura como nunca Jane houvera
imaginado. Ondas de prazer irradiavam-se por todo o seu corpo.
Brady a mantinha firmemente contra si em delirantes movimentos de luxúria.
Abraçados, chegaram ao clímax.
Um longo silêncio. A tempestade amainou. As chamas da fogueira
transformaram-se em rubra brasa cintilante.
— Querido... Como foi bom. E incrível! Nunca imaginei que fosse capaz.
— Eu a amo, Jane. Amo-a como nunca.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Sabe, se posso ter essas sensações a seu lado... quero dizer... mesmo inválida
como estou, imagine quando me curar. Já pensou? Na verdade, se é assim, para que
andar? Fizemos tudo deitados, não foi?
— Não brinque com isso. Logo estaremos dançando e correndo juntos pelas
montanhas do Texas.
Ela sorriu. Jamais imaginara encontrar alguém como Brady. Um. amante
compreensivo e atento, um companheiro, um amigo, um homem cheio de mistérios
e de vida. Ele era tudo isso.
— Quem sabe, Brady? Mas que tal se, antes de viajarmos às montanhas do
Texas, tentássemos outra vez?
Ele olhou-a com malícia.
— Sei que fui um pouco rápido. Talvez pudesse ter prolongado mais um
pouco esses momentos...
— Nem diga isso, Brady. Você foi perfeito. Apenas, quero mais. Nunca me
senti assim.
— Eu também — respondeu ele, sorrindo e tomando-a novamente em seus
braços.
Amaram-se até tempestade amainar e toda a lenha ser consumida pela
fogueira.
Aninhada nos braços de Brady, Jane comentou, sorridente:
— Esses momentos foram absolutamente especiais para mim, Brady.
— Para mim foi uma experiência totalmente nova. Foi a primeira vez que senti
algo mais que sexo. É estranho e fascinante, querida.
Jane não entendeu o que o companheiro queria dizer. Na verdade, Brady não
sabia definir com exatidão seus sentimentos.
— Sabe, Jane, amor e sexo até o dia de hoje eram realidades incompatíveis em
minha vida. Tudo isso é muito novo, e não me envergonho de dizer que estou
extasiado.
— Não confunda compaixão com amor, querido.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Ele engoliu em seco diante da observação. Ajeitou-se entre as cobertas e


abraçou-a. Jane suspiro.:
— Sabe, Brady, eu gostaria que entendesse bem o que quero dizer. Esta foi a
mais tocante e forte experiência sexual de minha vida. A partir disso, as
possibilidades e o desejo de ampliar nosso relacionamento são tão sedutoras, que
me assustam.
Brady fitou-a, sem nada dizer.
— Estou aborrecendo-o?
— Imagine. Como pode perguntar-me uma coisa dessas?
— É que ficou tão quieto... Em que está pensando?
— Pensava que seria ótimo se ficássemos aqui até amanhã. Passaríamos a noite
juntos.
— Parece-me uma boa idéia. Mas por quê?
— Para eu ter certeza de que tudo isso não foi um sonho.
Jane riu.
— Manuela-ficaria preocupada. Deve estar esperando por mim.
— Isso não é problema. Temos o telefone celular.
Jane abraçou-o, sorridente:
— Seria mesmo uma ótima idéia. Como as mulheres podem resistir aos seus
encantos?
— Saiba que você é a única que realmente me importa.
— Depois dessas palavras, o que me resta é avisar Manuela.
Jane tomou o telefone celular e comunicou à governanta que decidira ficar no
chalé até quando amainasse a tormenta. Sentiu que a boa senhora ficou feliz com a
notícia.
A chuva continuava. Os ventos açoitavam as árvores, e o mar bramia. Sentiam-
se seguros e protegidos diante da lareira. Brady foi até a varanda e constatou que a
noite chegava. Aconchegou-se novamente ao lado dela. Jane sentia-se bem. A noção
de tempo e realidade parecia não existir. Imaginou que rumo poderia tomar aquele
relacionamento e assustou-se. Era um episódio marcante. Uma fuga da realidade?

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Um momento de louco prazer? Não. Jane sabia que era mais, muito mais do que
isso.
Exausto, Brady adormeceu em seus braços. Ela ficou desperta, observando as
brasas na lareira e os sons distantes do mar e de esporádicos trovões.
Sentia-se feliz, saciada e completa. Era muito para uma mulher que dias atrás
se considerava infeliz e inválida.

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Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO DOZE

A tempestade deu trégua pela manhã. Jane acordou quando Brady acendia o
fogo da lareira. Da janela viu o céu cinzento a prenunciar mais chuva pela costa.
— Bom dia, Brady.
— Como está a minha rosa da manhã? — gracejou, aproximando-se e
ajeitando-lhe o travesseiro.
Jane encolheu-se, puxando as cobertas, envergonhada de sua aparência ao
despertar. Ele não se barbeara, parecendo-lhe mais rude e másculo com os cabelos
desalinhados. Ela olhou-o de soslaio:
— Não sou uma rosa. Sou apenas uma mulher apaixonada. Veja o que restou
de mim: devo ter olheiras... Credo! Estou completamente nua debaixo dessas
cobertas. Foi uma noite de loucura, Brady. — disse, corando.
"Uma tarde e uma noite de amor. Como isso pode mudar a vida de uma
mulher...", pensava Jane. Não sabia de seu apetite sexual. Era como se tivesse
encontrado dentro de si outra pessoa, lasciva, erótica, surpreendente em suas
fantasias. E essa nova mulher surgira nos braços de Brady Coleman. Um mestre, um
feiticeiro do amor. Sentia-se amada e desejada como nunca.
— Ora, querida, você estava apenas carente de afeição. Encontrou o homem
certo, no momento certo — comentou ele, rindo.
— Nunca me senti assim em toda a minha vida. Foram momentos muito
especiais — afirmou, acarinhando-lhe as costas.
— Também acho que foi tudo extraordinário, Jane. Estou com uma fome do
tamanho do Estado do Texas. Poderíamos fazer uma refeição ligeira, mas um
homem que se preza merece um bom café da manhã. E acho que não temos nada
em casa.
— Pois posso me vestir e procuraremos um restaurante — sugeriu Jane.
— Também pensei nisso. Mas eu poderia ir à mercearia na estrada e trazer
alguma coisa. Gosto de preparar o café da manhã.

Projeto Revisoras 120


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Quanta gentileza! Gostei da idéia. Um tanto paternalista, mas aprovo.


Ele riu.
— Pois venha comigo para meu rancho no Texas. Cozinho para você e garanto
que estará dançando em menos de duas semanas.
— Então vá tratar disso. Quero escovar os dentes e tomar um bom banho.
— Ah! Verifiquei o aquecedor. Estava com alguns problemas, mas já arrumei.
Se quiser, deixo-a no banho enquanto vou à mercearia. Que lhe parece?
— Ótimo.
Brady trouxe a cadeira de rodas para que ela pudesse se locomover pelo chalé.
Escolheu um roupão felpudo no armário e perguntou-lhe se estava disposta a
andar.
— Está determinado a ver-me de pé, não é, querido?
— Quem não anda, nunca vai conseguir dançar. Temos que tentar tudo,
querida. Não vejo outro jeito.
O uso de "nós" com relação ao futuro não lhe passou despercebido, mas Jane
não quis comentar. De certa forma, não estava surpresa. Acreditava que Brady
considerava o relacionamento especial e promissor e suas palavras o confirmavam.
Repetira várias vezes que a amava. Conversaram muito entre beijos e carícias. Ele
falou de sentimentos e intenções. Referiu-se a palavras de singela sabedoria de seu
pai com relação ao amor e às mulheres. No entanto, em certos momentos, sentia-se
insegura, preferindo encarar os acontecimentos como uma aventura maravilhosa.
— E então, o que prefere? Tentar andar ou montar cavalinho?
— Tentarei andar.
— Bravos, garota! — exclamou, iluminando-se.
Jane deslizou da cama e virou as pernas para o lado. Brady ficou diante dela,
oferecendo-lhe as mãos. Agarrou-as com firmeza.
— Levante as pernas o mais que puder — orientou ele. — Vou ajudá-la, mas
tente fazê-lo sozinha. Vamos.
Jane respirou fundo, disposta.
— Lá vou eu.

Projeto Revisoras 121


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

O esforço para manter-se sobre os pés foi enorme. Ele a ajudava. As pernas
estavam frouxas e tremiam um pouco. No entanto, respondiam à sua vontade. Ao
percebê-lo, sentiu-se feliz. Ria como uma menina.
Inclinou-se e esforçou-se o mais que pôde para ficar em pé. No início sentiu-se
fraca e tudo parecia difícil. Quando Brady a ajudou, animada, Jane levantou-se. As
pernas continuavam tremendo, mas ela não se sentia insegura como em vezes
anteriores. Isso a fez muito feliz. Gratidão, amor e um fortes emoções inundavam-
lhe o coração. Espontânea, atirou os braços em volta do pescoço dele. Mais uma
pequena vitória.
— Obrigada, Brady, muito obrigada.
— Não há por quê. Foi você quem se levantou.
A muito custo, chegou ao quarto de banhos. Brady acomodou-a na banheira e
voltou ao quarto para buscar a cadeira de rodas. Deixou-as a seu alcance.
— Venha, querida, vamos. Acomode-se na banheira. Vou abrir a torneira.
A ducha quente molhou-lhe os cabelos. Brady acenou e saiu rápido para a
mercearia. Jane ficou à vontade. Momentos depois, ouviu o barulho do carro de
Brady ao partir.
Jane sentia-se bem. Tudo era loucura, mas ele a fazia muito feliz. Poderia ser
fantasia, mas tivera momentos extraordinários. Gostava de Brady. Era um
sentimento impetuoso, sufocante. Seria amor?
Passou mais de quinze minutos sob a ducha, meditando. A água na banheira
esfriava rapidamente. A mercearia não era longe, e logo Brady estaria de volta.
Decidiu esperá-lo e não arriscar-se a passar para a cadeira de rodas sozinha. Temia
escorregar e ferir-se.
Chuva e vento assobiavam lá fora. Ele iria se molhar muito. Talvez se despisse
para secar as roupas ao fogo, Jane fantasiou.
Ouviu uma batida na porta e estranhou. Brady sabia que não poderia ajudá-lo
com as compras. O barulho continuou. Imaginou que tentava abrir a porta com os
pés. Apurou o ouvido e chamou:
— Brady? É você, querido?

Projeto Revisoras 122


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Não houve resposta, mas tinha certeza de que alguém tinha entrado. Ouviu
passos. Sinistros pensamentos ocorreram-lhe à mente.
— Brady? É você? — gritou mais alto.
Jeremy Trent surgiu na porta.
Assustada, Jane gritou, cruzando os braços sobre o peito.
— Amante errado! Surpresa, querida? — vociferou ele com ironia.
— Jeremy! O que faz aqui? — indagou, tentando recuperar-se do susto.
— Eu é que devo fazer as perguntas, não acha? — respondeu Jeremy com
sarcasmo. — E onde está ele? Por onde anda seu amante para dias chuvosos?
Muda, Jane fitou-o, desafiante.
— Onde está ele?! — gritou Jeremy, sacudindo a água que lhe escorria pelo
rosto e a jaqueta.
— Foi à mercearia e logo estará de volta, se é que isso possa lhe interessar,
Jeremy Trent. Saiba que não há nenhuma justificativa para essa invasão de minha
privacidade.
Ele observou a cadeira de rodas e o roupão perto da banheira.
— Suponho que esse sujeito tenha preparado seu banho antes de sair. E deve
ter lhe prestado também outros serviços — disse ele, agressivo, acrescentando: —
Ou teria sido você quem o atendeu? Brady Coleman deitou com todas as prostitutas
do Texas. Deve estar tentando a sorte na Califórnia. E parece que desta vez
conseguiu algo de certo nível.
— Saia daqui, seu cafajeste! Saia imediatamente! — ela gritou.
Jeremy Trent gargalhou sinistramente.
— Sua indignação não me comove, Jane. Você é mesmo uma prostituta de
luxo.
— Saia desta casa, Jeremy. Saia agora mesmo. Garanto que vai se arrepender.
Ele moveu a cabeça para trás e gargalhou novamente.
— Que há com você? — Jane gritou, — Que deseja? Que espera ganhar com
isso?
A expressão de Jeremy endureceu.

Projeto Revisoras 123


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Que espero ganhar? Quero ganhar o que perdi!


Jane fitou-o, furiosa, sentindo-se muito vulnerável.
Começou a tremer. A tresloucada atitude de Jeremy não prenunciava nada de
bom. Respirou fundo.
— Se está se referindo a mim, Jeremy Trent, você sabe bem que nunca fui sua
— disse ela, tentando parecer calma e razoável.
Ele avançou com olhos esbugalhados e sentou-se na cadeira de rodas.
— Sim, Jane, você foi minha. Minha até aparecer esse desgraçado do Brady
Coleman — vociferou, apontando o dedo contra seu rosto.
Assustada, Jane recuou.
— Pois saiba que Brady Coleman é uma pessoa muito decente e honesta.
— Esse safado não serve nem para limpar os meus sapatos. E você não é muito
melhor do que ele.
Jane enfureceu-se. Teve ímpetos de agredi-lo. No entanto, tinha consciência do
perigo a que estava exposta. Precisava livrar-se do desequilibrado Jeremy o mais
rápido que pudesse.
"E Brady? Por que demora tanto?", pensou.
— Seus sentimentos e sua opinião com relação a mim estão mais do que claros.
Invadiu minha casa, insultou-me e disse o que tinha a dizer. Nada mais temos a
falar. Por que não vai embora?
— Porque estou gostando disso. Estou me divertindo — respondeu Jeremy,
fazendo menção de agarrá-la pelo pescoço.
Num movimento brusco, Jane empurrou-lhe a mão, assustada. Ele sorriu:
— De qualquer modo, tenho negócios a resolver neste lugar. Quero acertar as
contas com Brady Coleman de uma vez por todas.
Os olhos de Jeremy, esbugalhados, fitavam o corpo de Jane. Tremendo, ela
cruzou os braços sobre os seios. Jamais sentira-se tão exposta e desprotegida.
— Estou certa de que Brady fará questão de recebê-lo. Por que não o espera na
sala?

Projeto Revisoras 124


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Jeremy pousou o braço na banheira e mergulhou os dedos na água. Parecia


diabolicamente desequilibrado.
— Na noite em que dormimos juntos, poderia tê-la possuído — murmurou,
perturbado. — Era só eu querer, e você teria sido minha.
Jane endureceu o olhar, mas logo retraiu-se.
— Você está mostrando quem é o verdadeiro Jeremy Trent. Está demonstrando
que tive toda a razão ao rejeitá-lo.
— Você não me rejeitou! Ninguém me rejeita! — Levantou-se Jeremy aos
gritos, com o rosto vermelho. — Fui eu quem não a quis. Você era minha e seu
dinheiro também! Foi ganho por mim, sabia? Ela me amava. Mentiras. Mulheres,
mentiras tolas e cruéis! — berrava ele, andando de um lado para outro.
Jane assustou-se. As palavras não faziam sentido algum. Jeremy Trent estava
completamente fora de si.
— Por que está me olhando assim? Sei que é por causa do dinheiro. Estão
tentando tirar o que é meu! Prostitutas, isso é o que elas são. Todos querem tirar o
meu dinheiro, principalmente esse safado do Brady Coleman.
— Calma, Jeremy. Você precisa de ajuda. Está nervoso, obstinado...
Jeremy arregalou mais ainda os olhos.
— Ajuda por quê? Cuidei de Leigh e de Vitória. As duas não valiam nada.
Ele caminhava de um lado para outro, misturando histórias, em total
desequilíbrio.
— Não, Jane. Você me amou. Amou e não quis casar-se comigo. Não me deu
chance alguma. Tentou roubar-me a fortuna. Todas são assim. Não fui amável e
carinhoso? Não me sacrifiquei?
— Você só pensa em riqueza e dinheiro. Por isso foi que aproximou-se de mim.
Eu nunca o amei. Preciso que sair da banheira. Sinto frio e muito desconforto. Por
favor, vá para a sala.
— Bem, Jane, vou cuidar disso... — respondeu, rindo com sarcasmo e
agarrando a corrente da tampa da banheira. Postou-se de pé, esperando a água
esvair-se.

Projeto Revisoras 125


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Não, Jeremy! — gritou ela enquanto seu corpo emergia das águas que se
escoavam para o ralo.
Jeremy ria ao vê-la tentar esconder o corpo com as mãos, gritando frenética:
— Saia já daqui! Seu cafajeste!
A fisionomia de Jeremy endureceu. Um carro chegava. Era Brady Coleman.
— Agora talvez você se retire — ela soluçou.
— Por um momento, minha querida. Não se preocupe que eu volto para
acabar com essa brincadeira.
Jane assustou-se ao ver que Jeremy Trent tinha um revólver na mão.
Brady ficou pálido quando viu o Dodge branco estacionado diante do acesso
do chalé. Parou o carro logo atrás e correu ansioso caminho acima. "Se o desgraçado
ousou tocá-la, vou matá-lo com minhas próprias mãos", pensou.
O chão estava escorregadio. Aos tropeços, chegou ofegante à porta. Não se
surpreendeu ao ver o riso cínico de Jeremy Trent. Ele o esperava ao lado da lareira.
Tinha uma das mãos no bolso da jaqueta.
— Onde está ela?! — gritou Brady.
— Ela quem? — provocou o intruso.
— Jane. Onde está Jane, seu miserável?
— A última vez que a vi, estava tomando banho. Um espetáculo muito
excitante...
Brady, mal contendo a ira e a preocupação, correu em direção ao banheiro.
Jeremy o deteve, apontando-lhe a pistola automática.
— Pare agora mesmo. Acho que a srta. Stewart prefere resguardar a
privacidade. Além disso, temos que acertar nossas contas, Brady Coleman.
Brady parou, fitando a arma.
— Jane! Você está bem? — ele gritou.
— Sim. Estou bem. Cuidado, Brady. Jeremy está armado!
— O vaqueiro já sabe, querida. Tenho-o sob a mira de minha pistola. Que lhe
parece?

Projeto Revisoras 126


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— O que há, Trent? O que você quer? Atemorizar-me? É muito valente com
uma arma na mão — Brady provocou.
Jeremy montou a pistola em brusco movimento.
— O que eu quero, seu canalha? Quero ver-me livre de você. Não lhe bastou
ficar com o rancho de Leigh? Por que você não desiste do que é meu? O que está
fazendo atrás de Jane? Estou cheio de você, texano do inferno! — rosnou,
encostando a arma na garganta de Brady.
— Assassino!
— Você não sabe de nada.
— Sei que você matou minha irmã e tentou fazer o mesmo com a outra mulher
em Connecticut. Seus dias estão contados, Jeremy. A justiça pode tardar, mas chega.
Ele soltou uma gargalhada.
— Matá-las? Por que deveria? Eram apaixonadas por mim. Ambas me
amavam e eu as amava também — respondeu ele com desequilibrada entonação.
— E por que tirou a vida de Leigh?
A expressão de Jeremy ficou rígida.
— Ela não entendeu... Ela não entendeu... Ela não entendeu.
— Então foi isso. Ela não entendeu o lixo que você é. Assassino!
Jeremy vociferou entre os dentes:
— Ela mereceu. Não pude fazer nada. Ela não entendia. Alegro-me que tenha
morrido. Alegro-me... Alegro-me — respondeu ele, movendo a pistola de um lado
para outro.
— Você estrangulou Leigh antes ou depois de balear Spike? Usou essa mesma
arma contra ele?
— Tive que atirar, vaqueiro. Tive que atirar... Não havia jeito.
— Então matou Leigh, estrangulando-a, e depois saiu às ruas para buscar um
marginal para matá-lo a tiros em seu quarto. O que prometeu a Spike? Dinheiro ou
sua própria mulher? Como você é baixo e perverso!
— Como você é burro. Nem percebeu que lhe fiz um grande favor. Dentro de
poucos anos terá a fazenda de sua mãe e muitos dólares. Transformou-se em

Projeto Revisoras 127


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

herdeiro único de uma bela fortuna. Por que não me deixou em paz? Por que não
ficou no Texas? De que lhe serve uma mulher inválida numa cadeira de rodas? Sexo
por caridade? Esse não é o seu estilo, Brady.
— Você me dá asco, Jeremy.
— Quer mesmo é me destruir, tirar o que é meu. Mas não conseguirá me deter.
Vou eliminá-lo, vaqueiro estúpido — finalizou, apontando-lhe mais uma vez a
pistola.
— Você não teria coragem. Gente da sua laia prefere estrangular uma mulher
na cama a enfrentar qualquer situação realmente perigosa. Nem sei como veio até
aqui.
— Que pena, vaqueiro... você também não entende. Vocês são todos uns
loucos.
— Eu entendo muito bem, Jeremy. Chegou a hora de você pagar por todos os
seus crimes — respondeu Brady, aproximando-se.
— Você está facilitando as coisas — disse Jeremy, com a pistola em riste.
Brady sabia que Jeremy era louco o suficiente par apertar o gatilho. Observava-
lhe todos os movimentos à espera de uma oportunidade de arrebatar-lhe a arma.
— Na verdade, vaqueiro, não vim até aqui para conversar. Adeus. Foi ótimo
conhecê-lo.
— Não, Jeremy, não atire! — gritou Jane, da porta, em sua cadeira de rodas.
Trent desviou o olhar por um segundo, tempo suficiente para que Brady se
lançasse contra ele golpeando-lhe no rosto com um soco poderoso. Jeremy
rodopiou, mas a arma disparou antes de ir ao solo, rolando em direção à lareira.
Jane gritou apavorada ao ver Brady cambalear com o ombro sangrando. Lívido,
apoiou-se no sofá.
Jeremy correu à lareira tentando recuperar a pistola. Foi impossível resgatá-la
das chamas. Brady levantou-se e tentou agarrá-lo. Jeremy o empurrou com força e
saiu correndo rumo à porta.
— Você está ferido!

Projeto Revisoras 128


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Brady sentiu uma pontada de dor no ombro esquerdo. Uma poça de sangue
formava-se a seus pés.
— Brady! Você está baleado! — Jane exclamou, aterrorizada.
— A bala atingiu-me de raspão. Não me parece muito grave — respondeu,
apertando o ferimento com a mão.
— Deixe-me ver... Espere!
— Tenho que pegar esse cara, Jane — respondeu ele, dirigindo-se para a porta.
— Não, Brady! Está sangrando muito!
Ele não ouviu o conselho. Jeremy estava quase chegando ao estacionamento.
Brady entendeu que ele não iria muito longe, pois seu carro impedia que arrancasse
com o Dodge. Olhou para trás e viu Jane. Ela tremia.
— Use o telefone celular para chamar a polícia.
Apertando o ferimento com a mão, correu em direção a Jeremy com um único
pensamento: agarrar de vez o assassino de sua irmã.

Projeto Revisoras 129


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

CAPÍTULO TREZE

Jane estava apavorada. No entanto, seguiu as instruções de Brady. Chamou a


polícia pelo telefone celular e relatou o incidente. O delegado garantiu que a
ambulância e a radiopatrulha chegariam em poucos minutos.
Ansiosa, dirigiu a cadeira de rodas até a varanda, de onde podia vê-los
engalfinhados, trocando socos e pontapés perto da área do estacionamento. Ambos
estavam enlameados. Brady sangrava muito, mas parecia estar levando a melhor. A
chuva continuava, como uma cortina de água a emoldurar o combate. Pareciam
exaustos e a trancos, socos e empurrões aproximavam-se do despenhadeiro. Em
determinado momento, Brady cambaleou, enfraquecido pelos golpes e pela perda
de sangue. Jeremy aproveitou a ocasião para tentar fugir, correndo em direção à
costa. Brady respirou fundo e foi atrás.
— Deixe-o ir! — gritou Jane. —Você está muito ferido!
Ele não a ouviu. Jeremy tomou um caminho que o levava diretamente ao
promontório, um assustador penhasco sobre o mar enfurecido. Não havia outra
saída a não ser o precipício. Brady percebeu que Jeremy teria duas alternativas:
atirar-se às ondas ou enfrentá-lo.
Jane viu-o de pé, diante do abismo, percebendo-se encurralado. Era um lugar
perigoso e escorregadio.
Angustiada, notou Brady aproximar-se do assassino. Preparou-se para
testemunhar o encontro final.
O ferimento sangrava e doía. Brady fazia um esforço sobre-humano para
agarrar Jeremy Trent. Era a hora da vingança. Seu coração batia em descompasso, e
a visão do inimigo cercado como um animal exacerbava-lhe a ira e dava-lhe forças
para alcançá-lo. Esperara vários anos por essa oportunidade. Sua irmã Leigh seria
vingada.
Aproximou-se e viu o pavor estampado na face do assassino, que, com olhos
esbugalhados, a uns dez metros, o fitava. Seria uma luta de vida ou morte.

Projeto Revisoras 130


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Hora da vingança. Você há de pagar pela vida de Leigh, assassino imundo.


Jeremy nada respondeu. Brady avançava, apesar de sentir o braço ferido. O
assassino começou a bufar e a gritar palavras incompreensíveis, procurando pelo
chão algo com que enfrentar o inimigo. Brady sabia que ele procurava uma arma.
Jeremy encontrou uma enorme pedra. Rápido, Brady lançou-se contra ele antes que
pudesse agredi-lo. Caíram na relva escorregadia. Coleman não conseguiu mover-se
com agilidade, pois tombara sobre o ombro ferido. Rápido, Jeremy Trent conseguiu
golpeá-lo com a pedra. Brady desmaiou. No entanto, o assassino, movido por seu
próprio impulso, escorregou, sumindo em direção ao abismo.
Jane, horrorizada, tudo observava, como num filme em câmera lenta. Viu
Brady imóvel e ferido. Teria morrido? Lágrimas brotaram-lhe dos olhos. E Jeremy?
Teria caído ao mar?
Quando chegariam a polícia e ambulância? Estaria Brady muito ferido?
Suportaria até a chegada dos médicos? Todas essas perguntas atribulavam a mente
de Jane. Ela sabia que deveria fazer alguma coisa. O socorro poderia demorar. O
tempo estava horrível e a vida de Brady corria perigo. Deveria pelo menos tentar
estancar a hemorragia.
Dirigiu a cadeira de rodas para dentro do chalé, pegou um cobertor e alguns
panos para usá-los como compressas e torniquetes. Ao voltar à varanda, constatou
que o panorama era o mesmo. Respirou fundo e escorregou da cadeira de rodas,
tocando o chão com os pés. Arrastando-se, foi até o gramado. Apoiou o peito na
relva e, sob a chuva e com muito esforço, tentou locomover-se até Brady. Foi um
longo e acidentado percurso. Exausta, arranhava-se contra o solo e a vegetação.
Quando podia, rolava o corpo na relva. Determinação e vontade a levaram até o
corpo inerte do homem que amava. Assustou-se diante da possibilidade concreta de
haver chegado tarde demais. Sentiu um alívio enorme ao perceber que respirava.
Carinhosamente, cobriu-o com a manta. O pulso era quase imperceptível. Havia
uma horrível ferida no lado direito da cabeça. O ferimento à bala sangrava bastante.
Tentou conter a hemorragia.

Projeto Revisoras 131


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Nada mais havia a fazer senão esperar o socorro. E como demorava. Jane
tremia de frio e sentia-se exausta.
— Querido... os médicos devem estar chegando — murmurou no ouvido de
Brady. — Agüente mais um pouco... Não quero perdê-lo.
Beijou-lhe ternamente o rosto pálido. Passados alguns minutos, ouviu sirenes
ao longe.
— Graças a Deus — suspirou aliviada.
Brady gemeu.
— Ai... minha cabeça!
Jane ouviu um ruído estranho na direção do precipício.
— Tudo bem, querido. Estou a seu lado. O socorro está a caminho. Já ouço as
sirenes da ambulância. Descanse. Não tente mover-se.
Brady olhava sobre os ombros dela. Sua expressão era de horror. Jane
assustou-se e virou-se.
Diante deles estava Jeremy Trent, como um louco desvairado, sujo de barro e
sangue, os olhos injetados, a berrar:
— Vou matá-los, malditos. Os dois vão morrer!
— Não se aproxime, Jeremy. A polícia está chegando. Não se mova. Você
também está ferido, precisa de um médico.
Jeremy avançava, ignorando as advertências.
— Não adianta, Jane, esse sujeito está completamente louco.
— Vou matá-los — dizia ele, agarrando uma enorme pedra.
O assassino aproximava-se.
— Por favor, Jeremy! — gritou Jane.
Ele levantou a pedra acima dos ombros e preparava-se para desferir o golpe
fatal. As vítimas pareciam indefesas.
Jane sentiu que havia uma única possibilidade. O esforço foi enorme. Lutava
pela própria vida e a de seu querido Brady. Milagrosamente conseguiu levantar a
perna esquerda e apoiá-la contra a barriga de Jeremy quando ele, aos berros,
pretendia soltar a enorme pedra. Foi o suficiente para desequilibrá-lo. Os braços do

Projeto Revisoras 132


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

assassino foram para trás e o tombo foi inevitável. Jeremy tentou agarrar-se, mas
escorregou direto em direção ao precipício. Sua fisionomia era de horror. Não
houve gritos. Despencou contra as ondas e as rochas.
A ambulância e a radiopatrulha acabavam de chegar. Em segundos os
enfermeiros ocupavam-se de Brady Coleman. Jane também foi atendida pelos
médicos. Ambos foram levados para o hospital de Monterey. Os médicos elogiaram
a atitude e o esforço dela. Sua dedicação salvara a vida de Brady. Ele havia perdido
muito sangue e se ela não o tivesse atendido a tempo, tudo teria sido inútil.
Brady ficou em estado de choque, mas logo recuperou-se. Jane estava a seu
lado.
— Essa eu fico lhe devendo...
— Brady, eu o amo. Nem sei o que seria de mim se algo pior tivesse
acontecido.
— Mas você salvou-me ao cuidar de meus ferimentos e da fúria daquele
assassino maníaco... E nem pude agradecer-lhe...
— Uma mão lava a outra. Não sei como consegui chegar até lã.
— Mas conseguiu. Pelo visto já deve estar pronta para montar a cavalo em
meu rancho no Texas. Que lhe parece a idéia?
Ela sorriu, satisfeita.
— Eu nunca vi um pôr-do-sol em Hill County, Brady. Deve ser o lugar perfeito
para curar inválidos e feridos.
— Pois pode ir preparando as malas. Os ares do Texas operam milagres.
Garanto que em pouco tempo estará dançando quadrilha.
Jane curvou-se e beijou-o ternamente. Brady correspondeu à carícia com
sensualidade.
— Devagar, vaqueiro. Teremos tempo para isso... Brady sorriu com malícia.
— Sempre é tempo para os que se amam, querida.

Projeto Revisoras 133


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

EPÍLOGO

Brady desceu as escadas da varanda. O dia clareava. Grandes e alvos flocos


desprendiam-se do céu cinzento. Levantou o rosto para sentir a neve molhada sobre
a pele. Era como se fossem suaves beijos de um anjo. Beijos de Leigh, pensou.
O vento frio zunia nos ouvidos, beliscando-lhe as orelhas e o nariz. Levantou a
gola da jaqueta, enterrou o chapéu e meteu ambas as mãos no bolso.
A paisagem nevada parecia-lhe uma terra de fadas. Era raro nevar em Hill
County. Acontecia uma ou duas vezes por ano, suave, acompanhada de
tempestades que rugiam entre desfiladeiros. Um belo espetáculo da natureza.
Caminhou até a cocheira, fitando as montanhas. Havia dois dedos de neve no
chão. Mais tarde tiraria uma foto com Scotty. Sorriu ao pensar que essa seria a
primeira foto do garoto na neve. Lembrou-se de quando viu a neve pela primeira
vez. Era um pouco mais velho. Teria uns três ou quatro anos. Recordou-se de sua
emoção em San Antônio quando seus pais o ajudaram a fazer um boneco branco,
com a cabeça do tamanho de uma melancia. Sua mãe desenhou-lhe o rosto na neve
e o adornou com um velho chapéu. Na manhã seguinte nada mais havia, mas a
lembrança o acompanhou a vida inteira.
"Talvez Scotty fosse muito novo para divertir-se com um boneco de neve.
Dezoito meses... Imagino como vai ser seu sorriso...", pensava, abrindo a porta da
cocheira. A égua relinchou, nervosa, indicando que não havia parido seu potro.
— Nenhum bebê até agora, garota? — brincou ele com o animal.
Ela relinchou outra vez, revolvendo o chão com a pata.
— Você não é a única que está nervosa. Prometi a Jane que iríamos à Califórnia
assim que seu potro nascesse. Assim, apresse-se.
A égua moveu a cabeça, aproximando-se. Parecia entender suas palavras.
— Sei que as mulheres ficam ranzinzas quando estão impacientes — disse,
servindo-lhe um punhado de aveia. O animal lambeu sua mão, satisfeito. — Aqui
tem. É seu desjejum. Vou voltar para a cama. Apresse esse assunto do potro, certo?

Projeto Revisoras 134


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— brincou, deixando a estrebaria e sentindo no rosto os flocos de neve, que


insistiam em desprender-se do céu.
Pensou novamente em Leigh.
— Eu a amo, querida. Como gostaria que estivesse aqui para conhecer minha
família! — orou, fitando o infinito.
Da varanda, olhou a paisagem. O velho rancho transformara-se. Estava
belíssimo. O pasto ao longe parecia um branco e macio tapete. Pensou em acordar
Jane para uma caminhada. Tomou um rápido e café na cozinha antes de ir para o
quarto. Ela reformara a cabana, mantendo a decoração original. Deixou-a mais
confortável. Continuou sendo um espaço de retiro e meditação, em sintonia com a
mãe natureza.
Jane e Scotty quase sempre o acompanhavam em suas visitas ao rancho.
Quando ia só, gostava de caçar.
Sua vida mudara muito naqueles dois anos recentes.
Transformara-se em um homem rico. Era inclusive patrono da Sinfônica de
San Antônio.
Novas tecnologias de prospecção e perfuração de poços fizeram com que o
ouro negro brotasse pródigo de seus arrendamentos. No dia seguinte ao aniversário
de casamento com Jane Stewart, chegou a notícia: o petróleo jorrava abundante dos
poços no sul do Texas. Naquela noite abriram uma garrafa de champanhe. Scotty
nasceu no ano seguinte.
Brady sentia-se imensamente feliz. Sentou-se à beira da cama.
— Como está a égua, querido? — perguntou Jane enquanto ele tirava as botas
na penumbra.
— Desculpe. Não pretendia acordá-la.
— Estava apenas cochilando. Como está o tempo?
— Nevou durante a noite. Os flocos de neve continuam caindo, enormes...
— Verdade?
— Sim. Está lindo lá fora — disse Brady, metendo-se entre as cobertas.
— Ai! Você está gelado!

Projeto Revisoras 135


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Que tal aquecer-me um pouco?


Jane resmungou quando ele agarrou-a, envolvendo-a pela cintura.
— Esquente-se enquanto vou até o banheiro, sr. Coleman.
Envolvido pelas mantas coloridas, Brady admirou-lhe o corpo nu a deslizar
graciosamente pelo quarto. Jane retornou e foi até a janela, afastando um pouco a
cortina.
— Oh, Brady! Como está lindo!
— Depois do café talvez pudéssemos levar Scotty lá fora. Faríamos um boneco
de neve. Que lhe parece a idéia?
— Ótima — respondeu Jane, saltando em direção à cama e envolvendo-se nas
cobertas, aconchegando-se.
Brady sentiu-lhe o suave perfume. Desejou-a ardentemente. Sempre era assim,
fosse no elevador, na cama, no avião. Não conseguia controlar-se. Acariciou-lhe os
seios e o ventre.
— Talvez pudéssemos caminhar pelos campos...
— Sim, Brady. Lá fora está lindo.
Ele passou a mão entre as pernas de Jane, sentindo a maciez de sua pele.
— Depois. Agora não consigo resistir à tentação.
— Então é melhor fazermos algo a respeito. Se sair dessa forma, é capaz de
derreter toda a neve... — respondeu ela, abraçando-o sensualmente.
Brady beijou-a com paixão.
— Uma breve e bela abertura para uma sinfonia de inverno, querida.
— Desde que o maestro seja você. Talvez devêssemos tentar uma ópera.
— Estou interessado apenas na música.
— Então vamos ouvi-lo, maestro — respondeu Jane, beijando-o com ardor.
Fizeram amor com intensidade. Não foi como sempre, às vezes era muito lento
e com muita ternura.
Jane dissera-lhe uma vez que, para fazer amor, gostava de variar.
— Posso ser várias mulheres diferentes. Depende do meu humor.
— Isso é ótimo, dra. Jane Stewart — respondera ele, sorrindo.

Projeto Revisoras 136


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

Sentia-se completo e realizado a seu lado. Brady a conhecia bem e poderia


antecipar-lhe cada desejo.
Mas Jane, criativa e inteligente, o surpreendia em vários aspectos de suas
vidas.
Certa vez, durante o noivado, ao encontrar-se no aeroporto em San Francisco,
depois de voltar de uma viagem de trabalho ao Texas, ela o esperava de pé e sem o
apoio da bengala. Comemoraram o reencontro em uma suíte do Hotel Fairmon,
especialmente reservada por ela.
— Venha, querida, não posso esperar mais... — suspirou ele ao sentir o
torvelinho da paixão aproximar-se.
Chegaram juntos ao clímax. Jane chegou a desfalecer, a respiração quente, o
coração em descompasso.
— Eu o amo, vaqueiro.
Nesse instante ouviram os gritos de Scotty chamando-os do quarto ao lado.
— Bem... Começa um novo dia.
— Metódico o mocinho. Não perde a hora.
— Seu filho, Brady. Quem sai aos seus, não degenera.
— Quem vai buscá-lo? Você ou eu?
— Hoje é a sua vez.
— Você me disse a mesma coisa ontem de manhã.
— Disse... mas ainda é a sua vez, querido.
— É por isso que eu gosto da lógica das doutoras.
— Ande. Já se divertiu muito esta manhã.
Ele saiu. Voltou em um, minuto carregando Scotty nos braços. Acomodou-o ao
lado de Jane, no centro da cama.
O pequenino tagarelava contente, feliz por estar onde mais gostava. Jane
beijou-o e sorriu para Brady com olhos cintilantes.
— Por que esse entusiasmo, esse rosto maroto, senhorita? Escondendo alguma
coisa?
— Para ser franca, estou.

Projeto Revisoras 137


Olhar de desejo – Janice Kaiser Tentação 72

— Não diga. Segredo?


— Tenho novidades. Pensava contá-las no sábado durante o almoço com sua
mãe. Mas, como estou junto dos dois homens de minha vida num maravilhoso dia
de inverno, vou contar-lhes agora mesmo.
— E qual é a novidade?
Ela virou-se e pegou a mão dele.
— Vai haver um outro bebê na família.
— Como assim? Não diga que está grávida! — disse Brady, surpreso. —
Verdade? Tem certeza?
— Absoluta. Fiz testes duas vezes. Confirmado.
Brady beijou-a com ternura. Scotty gritava e esperneava.
— Não seja ciumento — acariciou-o Brady com uns tapinhas no rosto.
— Espero que desta vez seja menina. Vamos chamá-la Leigh — disse Jane.
Os olhos de Brady lacrimejaram.
— Combinado. Mas se for outro homem, também será bem-vindo.
— Sei que adoraria ter outro garoto. Eu preferiria uma menina.
Brady olhou através da janela. Os flocos de neve continuavam a cair como
beijos e bênçãos de sua querida irmã Leigh. Teve o pressentimento de que dessa vez
seria mesmo uma menina. Suspirou convencido de que o destino encontrava
mágicos caminhos para manifestar-se, transformando a vida em uma aventura
digna de ser vivida.

FIM

Projeto Revisoras 138

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