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Uma odiadora…
Três semanas atrás, a esposa de James Maxwell morreu em um
acidente de carro, mas ele não conseguiu contar à filha de cinco anos a
verdade comovente por trás da morte de sua mãe. Em vez disso, ele faz
as malas e parte para um resort de verão no estado de Nova York para
passar algumas semanas tranquilas e aos poucos dar a notícia. Mas uma
camareira espirituosa e sincera do resort descobriu seu segredo.
Um beijo proibido...
Mas Madison não espera achar essa escuridão irresistível. Afogado
em culpa e recordações, nem James espera ser atraído pela mulher
perspicaz que tornou sua vida um inferno. Quando seus temperamentos
explodem, um beijo brutal desencadeia uma necessidade que misturam
os limites de ódio e desejo. À medida que a sua luxúria fica fora de
controle, eles devem decidir se vale a pena lutar por sua atração ou se o
amor é o verdadeiro inimigo.
Ao meu marido, que me ensinou que lágrimas derramadas por sua
verdadeira paixão não são lágrimas.
E aos meus pais, que acreditaram na minha paixão mesmo quando
não havia razão para isso.
Eu era uma odiadora. Eu não queria ser – tentei não ser – mas esse
era o meu tipo de coisa.
Quando eu era criança, eu odiava a escola. Bem, que criança não
odiava? Eu odiava ter que ir e assistir às aulas quando podia estar do
lado de fora fumando maconha. Odiava quando os professores falavam
comigo sobre as minhas notas baixas. Eu queria ser uma traficante de
maconha um dia. Quantos traficantes de maconha você conhecia que
tinham um diploma?
Eu odiava o casal que morava na próxima van do trailer. Eles
fodiam tão alto que seu bebê de dois anos nunca conseguia dormir. Nem
eu, aliás. Eu tentei roubá-lo uma vez, o bebê, quero dizer, para que ele
pudesse pelo menos ter uma boa noite de sono. Mas eles me pegaram.
Não foi uma interação agradável. As palavras "polícia" e "prisão" foram
ditas ao redor.
Mas acima de tudo, eu odiava que minha mãe fosse uma romântica,
uma crente no amor verdadeiro. Toda a minha vida eu tinha visto minha
mãe se apaixonar por homens que a maltratavam, a traíam, roubavam
dinheiro dela e deixavam seu corpo e seu coração partidos. Eu odiava
que na maioria das vezes ela voltava para casa de seus encontros,
marcada com hematomas roxos e vermelhos. Contusões, cortesia dos
homens que ela alegava que “a amavam mais do que a vida”. Mas ela
nunca aprendeu.
É isso, Maddy, ela dizia. Ele é o homem certo. Ele vai cuidar de
nós. Ele vai nos salvar, nos tirar dessa pocilga.
Ela estava errada todas as vezes.
À medida que cresci, os garotos começaram a me notar. Eles me
davam olhares sedutores, olhando para minhas pernas nuas em uma saia
ou para meus seios volumosos sob as minhas camisetas apertadas. Eu
detestava tanto que usava essas roupas de propósito, para brincar com
eles, para fazer com que me quisessem. Toda vez que isso acontecia, eu
queria correr para minha mãe e dizer a ela, olha, mãe. Os homens não
são tão inteligentes. Eles são estúpidos pra caralho. Perca a esperança,
mãe. Olhe para mim. Estou aqui.
Mas para minha mãe, eu era invisível.
Então, um dia, ela se foi, morta, assassinada, tirada de mim. Por um
homem. Ele matou minha mãe, e na noite de seu funeral, em sua névoa
de embriaguez, ele me matou também.
****
Todos os dias, por volta das quatro da manhã, eu corria da minha
casa até o único parque da nossa pequena cidade de Hedge Lake.
Enquanto corria pelas ruas tranquilas e escuras, me imaginava
sentada em uma cadeira de plástico – um plástico branco amarelado –
com dez pessoas sem rosto sentadas em círculo ao meu redor. Imaginei
que estávamos todos reunidos em um porão, sujo e molhado com pisos
de cimento. À nossa direita havia uma longa mesa com uma toalha
branca engomada e torres de xícaras de café. Então, eu me imaginava de
pé ou talvez levantando minha mão – eu não estava preparada para essa
parte – e dizendo: “Olá, meu nome é Madison Smith e sou uma viciada”.
Em minha mente, ouvi aquelas dez pessoas murmurando, me dando
sorrisos de solidariedade e tudo mais. Uma irmandade de viciados. Por
alguma razão, nunca imaginei nenhum homem no meu círculo
imaginário de amigos viciados. Eu também, nunca dei um nome ao
nosso grupo, como Alcoólicos Anônimos ou Associação de Viciados em
Drogas ou qualquer outra coisa.
Porque, verdade seja dita, nosso vício era estranho. Não tinha nome.
Naquela manhã, cheguei ao parque em tempo recorde, menos do
que os habituais vinte minutos. O parque se estendia diante dos meus
olhos como um tapete verde com uma trilha sinuosa. Estava deserto, e a
trilha cercada de arbustos parecia abandonada, iluminada apenas pela luz
amarela dos postes de luz.
O lago – o homônimo de nossa cidade – surgiu à frente, escuro e
calmo. Já havia feito esse caminho tantas vezes que podia percorrê-lo de
olhos fechados. Os arbustos se transformaram em árvores altas,
principalmente zimbros, enquanto a trilha abria caminho ao longo do
lago.
No meu caminho, passei por um chalé com vista para a água. A
parte inferior de suas paredes bege estava úmida, com a pintura
descascando com bolhas. Seu telhado era invadido por hera que pendia
sobre as janelas quadriculadas. Este chalé fazia parte do Hedge Lake
Resort, onde trabalhava na equipe. Havia onze chalés no total que foram
alugados para o verão. Mas este, chalé 11, era meu favorito. Era longe
de ser perfeito, com os seus cantos rachados e defeituosos nas paredes
externas. Naquela manhã, pensei ter visto uma sombra se movendo na
janela da cozinha, mas ela desapareceu antes que eu pudesse ter certeza.
Depois de mais dez minutos, cheguei ao meu destino – uma alcova
feita de três arbustos altos, situado em um banco, escondendo-o da vista.
O banco dava para o lago e uma mistura de folhagem. A madeira estava
quente ao toque, e me joguei sobre ela, ofegante, tentando não desmaiar
de exaustão.
Sentei-me por alguns segundos, piscando, e então tão natural quanto
respirar, meu nariz formigava e meus olhos ardiam. As lágrimas vieram,
silenciosas e quentes. Nem precisei tentar. Elas estavam lá como sempre
estiveram - escorrendo, entupindo minha garganta. A primeira torrente
de lágrimas pareceu um alívio, uma vitória.
Mas um segundo depois, o alívio desapareceu e outra coisa tomou
seu lugar. Algo sombrio, beirando o desespero. Como se meu cérebro
finalmente percebesse que chorar sozinha, escondido do mundo, não
poderia ser uma coisa boa.
Por que eu estava chorando? Bem, porque era viciada nisso. Viu,
totalmente estranho.
Gostaria de poder dizer a você que eu estava deprimida ou até
mesmo com tendências suicidas. Mas não, isso seria muito fácil. O que
eu tinha era mais do que depressão. Chamava-se tristeza. E a tristeza não
pode ser domada como a depressão, mesmo que você tome o remédio
certo ou consulte o médico certo. A tristeza não tinha cura. Não era
possível diagnosticar. Ela vivia ao seu lado, alimentando-se de você, e
sim, isso fazia você chorar.
Então essa era minha novidade agora. Correndo para o parque e
chorando sozinha todos os dias. Isso era um saco. Confie em mim, eu
ainda rezava por bulimia ou vício em cocaína ou algo igualmente
comum e horrível. As irmãs viciadas suspiraram na minha cabeça em
solidariedade, mais uma vez. Elas odiavam esse vício bizarro também.
Eu não sabia quanto tempo fiquei sentada lá com o mundo ao meu
redor embaçado pelos meus olhos lacrimejantes, mas, eventualmente,
tive o suficiente para o dia. Limpei a garganta e limpei o ranho e as
lágrimas com minha camisa. Agora calma, fiquei sentada ali, imóvel e
sem pensar, até o sol nascer no céu. Hora de voltar.
O ar estava abafado, enquanto eu caminhava para casa. As ruas não
estavam mais desertas, com algumas pessoas circulando, regando as
plantas, passeando com os cachorros.
Hedge Lake, Nova York. Eu tinha me mudado para cá da
Pensilvânia quando a minha mãe morreu há quatro anos. Tinha uma
população de... bem, quem se importava? De qualquer forma, acho que
com base no que li em algum lugar uma vez, era simplesmente chamado
de cidade, não grande ou pequena, apenas cidade.
As pessoas a chamavam de pitoresca, com minúsculos prédios em
estilo chalé, ou mesmo panorâmicos, com caminhos de paralelepípedos
fluindo entre prédios anões. Quando as flores estavam em plena floração
e as árvores esparramadas com vida, e quando os raios do sol atingiam o
lago na medida certa, esta cidade parecia viva. Mesmo assim eu não via
isso. Coisas bonitas eram chatas, não eram? Tudo limpinho e perfeito.
Chegando em casa, destranquei a porta e a empurrei. Lá no sofá
estava uma mulher - minha namorada, Julia. Seu cabelo loiro estava
despenteado por causa do sono, e ela estava tomando seu café. Ela sorriu
ao me ver. — Ei, você voltou. Como foi sua corrida?
— Foi boa. Está quente pra caralho hoje, queimando mesmo.
Ela caminhou até a cozinha, logo depois da sala de estar. — Você
quer tomar café da manhã?
Eu a segui. — Você pode me dar água?
— Claro. – ela abriu a geladeira de aço inoxidável e tirou uma
garrafa de água.
Julia estendeu para mim, mas não soltou. Ela olhou para meu rosto
com seus olhos verdes, e uma ruga de preocupação apareceu em sua
testa. Olhei seus olhos diretamente. Eu sabia que ela sabia. Ela sabia há
muito tempo sobre minhas crises de choro, mas nunca perguntou.
Lentamente, seus dedos desviaram e ela deu um sorriso falso. —
Acho que um pepino funcionará melhor, não é? – ela se virou e
vasculhou dentro da geladeira, procurando por pepinos, eu presumi. Ela
colocou um na bancada de granito junto com os ovos e olhou para mim.
— Estou preocupada com você, Madison. Sei que você não está
dormindo bem. E olhe para seus olhos inchados. Você parece muito
cansada. Você está tomando aquelas pílulas para dormir que comprei
para você?
Julia e suas pílulas. Não, eu não estava tomando aquelas pílulas para
dormir. Se ela pudesse, ela me faria tomar pílulas no meu aniversário
também. Ela era uma devoradora de pílulas. Até seu hálito cheirava a
hospital.
— Sim, eu estou, e não se preocupe comigo. Estou bem. Só estou
com fome.
Ela deu um suspiro aliviado e a tensão em seus ombros desapareceu.
— Então, você quer ovos? – ela pegou um ovo na palma da mão,
sorrindo como se não tivéssemos acabado de mentir uma para a outra.
— Vou fazê-los extra salgados, do jeito que você gosta. Embora,
particularmente, eu não saiba como você pode comer tanto sal.
— Isso é um talento. Obrigada. Vou tomar um banho. – Inclinei-me
para beijá-la nos lábios e o cheiro enjoativo de pílulas fez meu nariz
coçar.
Se eu tivesse que descrever Julia em uma palavra, eu a chamaria de
heroína, ou talvez uma salvadora. Ela se sentia atraída por pessoas como
eu, pessoas que estavam quebradas, para que pudesse consertá-las. Mas
a diferença era que realmente não queria que elas fossem consertadas. Se
fossem consertadas, não precisariam mais dela. E ela vivia para ser
necessária, apreciada. Então ela acariciou meu cabelo quando eu não
conseguia dormir, mas nunca me perguntou o motivo por trás disso. Ela
cortou pepino para meus olhos inchados, mas nunca tinha dado conta
que eles estavam inchados porque eu chorava todos os dias.
E se eu tivesse que descrever nosso relacionamento, diria que era
parasitário. Imagine um parasita pegando e se alimentando de um
hospedeiro para sobreviver. Não, nada dramático como presas e chupar
sangue, mas perto. Esse era o nosso relacionamento. Eu, o parasita;
Julia, a hospedeira. Só que, neste caso, a hospedeira não se importou.
Ela adorava isso.
No banheiro, joguei água no rosto e olhei para o espelho antigo. O
vidro estava cheio de gotas secas de água e respingos de pasta de dente.
Os riscos e arranhões na moldura de madeira falavam de anos de uso e
abuso.
Estendi a mão e enfiei dois dedos na boca, esticando-a em um
sorriso distorcido, com os dentes aparecendo. Belisquei as minhas
bochechas, arregalei meus olhos, qualquer coisa que pudesse mudar meu
rosto. Mas não, eu parecia a mesma, apenas uma versão de palhaça feia
de mim mesma.
Não importa o que eu fizesse, parecia exatamente com minha mãe -
cabelos castanhos opacos, olhos castanhos, nariz atarracado e rosto
redondo. Assustou-me o quanto me parecia com ela. Eu odiava espelhos.
Depois do meu banho rápido, Julia e eu tomamos café juntas. Antes
de sair para o trabalho às sete e meia da manhã em ponto, Julia me
lembrou de tomar minhas pílulas anticoncepcionais. Esta eu tomava,
para dores menstruais intensas. Às vezes, a propensão de Julia por
pílulas funcionava; eu tendia a esquecer as coisas que eu precisava.
Julia e eu trabalhávamos no mesmo resort; ela era a gerente e,
portanto, a minha chefe. Eu era uma dos membros da equipe que às
vezes recolhia as roupas para a lavanderia ou cuidava da recepção ou até
cuidava dos filhos dos hóspedes e assim por diante. Era tudo baseado em
um turno. Na maioria dos dias eu fazia as rondas de limpeza ou assumia
o serviço de recepção. Mas nos piores dias, me colocam no comando das
crianças. Eu não era muito boa com elas. Meu grande plano era vender
maconha, que nunca deu certo, não trocar fraldas.
Peguei meu uniforme - uma camiseta azul-celeste com o logotipo
em cursiva preto Hedge Lake Resorts no bolso da frente e short jeans –
porque não queria ficar suada enquanto caminhava no calor. Prendi meu
cabelo em um coque no topo da cabeça, guardei meu celular no bolso,
pendurei meu crachá no pescoço e saí pela porta.
Vinte minutos depois, o mesmo caminho que havia tomado naquela
manhã me levou ao resort. Ele ocupava metade do parque e era cercado
por altos zimbros. Uma grande placa branca com Hedge Lake Resorts
escrito em vermelho estava na extremidade da propriedade. Os chalés,
com telhados marrons em arco e paredes externas beges, semicirculou o
lago. Uma pequena área de jardim se estendia na frente de cada chalé
com margaridas, jacintos e rosas.
Em frente à área de chalés estava a área principal da recepção,
também construída como um chalé, embora maior. Uma fonte de água
alta com peixes de pedra com coroa estava diante dela, e uma árvore
jamaicana se inclinava sobre o telhado. Flores cor-de-rosa estavam
espalhadas pela entrada de vidro.
Abri a porta de vidro da recepção. O chalé da recepção abrigava
uma área de jantar com buffet e um bar às vezes gratuito, além da
cozinha, academia, área de recreação para crianças, espaço para ioga,
pilates e outras aulas de ginástica sofisticadas e o escritório de Julia.
O piso de azulejos brilhantes brilhava, e um toque de limão pairava
no ar enquanto eu caminhava até a mesa de mogno da recepção para
acessar. Encolhendo-me, vi que fui atribuída a aula de pintura a dedo no
horário. Sério. Por que eles continuaram me dando as crianças?
— Ei, Madison. – Lily olhou para mim distraidamente por trás da
mesa. Ela estava digitando furiosamente em seu celular. Sem olhar para
cima, ela disse: — Deus fez o céu e o inferno. E você sabe quem fez o
resto do mundo?
Passei meu cartão no compartimento preto ao lado do computador
para acessar. — Os chineses.
Finalmente, ela olhou para cima, franzindo a testa. — O que? Como
você sabe dessa piada?
— Porque você me contou.
Ela colocou o celular na mesa e se levantou, emergindo com sua
barriga montanhosa de grávida. — Ah, não! Nunca repito as minhas
piadas. Estou enlouquecendo. É oficial. Tenho um cérebro de mãe agora.
Eu tentei parar meu sorriso. — Há um nome para isso?
Ela estreitou os olhos. — Hilário.
Eu estreitei meus olhos também. — De qualquer forma, tenho uma
nova para você.
— Tudo bem. Diga-me. – Lily disse com suspeita em sua voz.
Coloquei os meus cotovelos sobre a mesa e me inclinei. — Uma
mulher, vai ao médico porque ela tem cólicas estomacais. Ela acha que
finalmente está grávida. Então, quando o médico diz: “Você sabe como
trocar fraldas e outras coisas?” Ela diz: “Sim, claro. Isso significa que
estou grávida?”
Lily arregalou os olhos. — Tenho a sensação de que não vou gostar
da resposta.
— Pode ser.
— Diga-me de qualquer maneira.
— Lembre-se que você quis saber. – eu a avisei antes de continuar
com a piada. — Então, o médico disse: “Hum, não. Você está com
diarreia.”
— Ai credo! Isso é nojento. – retrucou Lily. — Primeiro, vá se
foder por me contar uma piada de gravidez. Segundo, isso não é uma
piada, Madison. As piadas devem fazer você rir. Isso é apenas... ugh. Eu
nem sei o que foi isso.
— Ei, não mate o mensageiro. Não criei a piada. Peguei na internet.
— Você sabe usar a internet?
— Sim. Não sou tão retardada quando se trata de tecnologia, sabe.
— Sim, você é. Você ainda usa um celular de flip.
— E daí? Isso não significa nada. – eu revirei os olhos. — E como
você acha que vejo pornografia?
Isso despertou seu interesse quando ela se inclinou para mim. —
Você assiste pornografia? O que você assiste, sexo entre mulheres?
Inclinei-me mais perto. — Você quer assistir sexo entre mulheres?
Que tal eu te dar um show? Você pode até estrelar nele. – eu sorri
quando ela franziu o nariz. Ela era muito fácil de irritar.
— Credo! Pare de dar em cima de mim. – ela levantou a mão,
mostrando-me sua aliança de casamento. — Eu sou casada.
As mangas cumpridas de seu vestido maxi deslizaram para cima,
revelando seus pulsos delicados. E, por sua vez, a queimadura de cigarro
em sua pele. Sim, de um casamento. Olhei fixamente para a marca
enquanto raiva e repulsa reviravam meu estômago. Por que as mulheres
tinham que se apaixonar pelos caras abusivos? Eles tinham charme extra
para compensar sua estupidez?
Conheci o marido de Lily, Josh, uma vez no ano passado. Cara
encantador. Se você gostasse do tipo de cara robusto, arrotando com
muitas asas de frango e com a mão pesada. Cinco minutos com ele, e eu
soube que ele mataria a Lily um dia. Assim como aquele homem
assassinou a minha mãe.
Lily puxou a manga para baixo e cobriu o abuso, assim como ela fez
com suas piadas sem graça. Baixei meu olhar para a agenda na minha
frente, e ela se sentou na cadeira, se ocupando com o celular. Seu abuso
era o segredo que nós duas sabíamos, mas nunca conversamos, mas hoje
eu não consegui me conter.
— Sabe, eu...
— Você não tem crianças para aterrorizar? – Os olhos de Lily ainda
estavam em seu celular.
Recebi a mensagem. Ela não queria falar sobre isso, e eu não sabia o
que me deu para falar.
— Sim, eu sou muito aterrorizante. – murmurei, pegando um tubo
de pomada para queimaduras da minha bolsa. Coloquei-o sob a agenda e
deslizei sobre a mesa em direção a Lily. Ela ainda estava ocupada com
seu celular, e eu estava grata por isso. Eu não queria que ela visse o que
eu estava fazendo enquanto eu estava fazendo.
Por trás disso eu fingia que não estava bancando a babá novamente
para ninguém. Não depois da minha mãe. Não depois de cuidar dela por
anos, fazer curativos em suas feridas, limpar o vômito e irritá-la apenas
para que ela pudesse voltar para os homens que abusaram dela para
começar.
Não. Depois da minha mãe, não queria me importar com ninguém.
Mas me perguntei por que me incomodava ver a Lily machucada quando
afirmei que não me importava.
Eu estava morta; mortos não devem sentir as coisas. Por que eu
deveria?
Depois de deixar Lily na mesa, caminhei até o banheiro feminino, e
o cheiro de alvejante e urina invadiu meu nariz. Bleach alertou que tinha
acabado de ser limpo, mas não importa quantas vezes e quanto bem um
banheiro público fosse limpo, o cheiro de urina sempre perdurava.
Depois de vestir meu uniforme em um dos cubículos, saí, coloquei
minha bolsa no balcão com tampo de mármore e joguei água no rosto.
A porta se abriu e uma garotinha com um rabo de cavalo preto e
short rosa entrou correndo. Ela olhou para cima, e eu vi seu narizinho
empinado e grandes olhos cinza. Ela era uma coisinha fofa, mas meu
olhar pousou em seus lábios, que estavam cobertos de batom vermelho.
Parecia estranho em seu rosto jovem, incomum.
Ela sorriu para mim. — Oi.
Algo sobre ela me fez sorrir também. — Oi pra você também.
Por que ela tinha batom no rosto? Parecia errado, mal colocado, de
alguma forma. Ela não podia ter mais do que quatro ou cinco anos. Ela
estava brincando de adulta ou algo assim, usando a maquiagem de sua
mãe? As meninas tendiam a fazer isso, não é? Mas não parecia certo.
A garota não fechou totalmente a porta do cubículo em que entrou, e
eu a vi lutar com os botões do short. Ela estava pulando, se mexendo em
seus pés. Meu olhar virou para a porta, esperando ver sua mãe entrar a
qualquer segundo, mas isso não aconteceu.
— Você precisa de ajuda com isso? – eu falei com a garota no
espelho.
Ela olhou para cima com seus grandes olhos cinza enquanto puxava
o botão. — Sim. Por favor.
Fui até ela e me ajoelhei para abrir seu botão. — Onde está sua
mãe?
— Ela está no oceano, com os peixes. – disse ela animadamente,
então franziu o nariz enquanto olhava ao redor. — Está fedendo.
Dei uma gargalhada de surpresa. Normalmente, as pessoas não
conseguiam sentir o cheiro fraco. Eu estava feliz que ela conseguia. —
Sim, fede.
Ela fez uma careta. — Que nojo.
— Seus lábios estão lindos. De quem é esse batom? – eu não pude
deixar de perguntar.
Seus olhos brilharam. — Da minha mãe. Peguei na bolsa dela. Meu
pai gritou comigo por usá-lo. Eu chorei, e então ele me abraçou, mas eu
disse a ele que não vou tirar porque quero ser bonita como ela. Ele ficou
chateado, mas disse que tudo bem.
— Uhum. – eu não sabia mais o que dizer ou pensar, exceto que
pelo menos o pai era inteligente. — Pronto. – eu disse quando terminei
com seu botão emperrado.
— Obrigada. – ela disse docemente.
— De nada. – eu sorri e saí do cubículo, pensando em sua mãe.
Que tipo de mãe deixa sua filha durante as férias? A raiva –
repentina e injustificada – da mãe dela me surpreendeu, seguida por uma
ponta de pena por seu pai. Hum. Pena de um homem. Talvez o mundo
estivesse acabando.
A garota abriu a porta um centímetro e ficou mordendo os lábios. —
Não sei como dar descarga. E você pode fechar o botão para mim
novamente? Por favor?
— Claro.
Eu a ajudei a dar descarga, fechei seu botão, e então a levei até a
pia. Ela ficou na ponta dos pés para alcançar a torneira, então eu a
levantei e a sentei no balcão, com suas pernas curtas balançando.
— Então, o que sua mãe está fazendo no oceano?
Ela jogou água no meu pulso e riu. — Ela foi estudar a água e os
peixes. Ela é uma cientista. Também quero ser cientista quando crescer.
Meu pai faz remédios para pessoas que têm câncer. – ela sacudiu o pulso
novamente e jogou mais água na minha mão, rindo. — Não gosto muito
do trabalho dele. Suas roupas cheiram a hospital, e ele nunca volta para
casa para jantar. Mas não posso perder o jantar. Eu amo comida demais.
Vou alimentar peixes como minha mãe.
Ela estava prestes a jogar mais água em mim quando assumi o
comando e joguei um pouco nela. Ela riu, e me ocorreu que eu tinha
visto aquele sorriso, ouvido aquela risada em algum lugar. Foi há muito
tempo, em outra vida, quando eu ainda era criança.
Quando terminou, ela cheirou as palmas das mãos. — Ah! Tem um
cheiro bom. Como rosas.
Eu nunca tinha notado isso, mas assenti. — Sim, cheira. – eu
rasguei um pedaço de papel toalha e enxuguei as mãos dela. — Qual o
seu nome?
— Katie. Qual é o seu? – ela sorriu, e notei que ela tinha uma
mancha de batom na ponta do nariz.
Molhei meu dedo e o esfreguei. — Madison.
Joguei a toalha fora na lata de lixo embaixo da pia e observei o rosto
de Katie, o batom mal aplicado e a franja crescida, e me peguei
pensando nela. Eu gostava dela. Talvez as crianças não fossem tão más,
afinal. Quem diria?
— Eu já vou. Meu pai está esperando lá fora com a minha flor.
Tchau, Madison.
Bem, isso era uma coisa peculiar de se dizer. Peguei minha bolsa
enquanto ela corria para fora da porta, e saí atrás dela.
Katie acabara de colidir com a perna de um homem alto, encostado
na parede oposta. Ela esticou as mãos para cima. — Cheire-as, papai.
O homem se curvou, devagar, com dificuldade, como se seu corpo
estivesse enferrujado. Ele cheirou as mãos dela e assentiu. Os cachos
pretos em sua cabeça tocavam sua camiseta azul marinho. — Bom.
Sua voz soava áspera, como teia de aranha.
Katie se virou, como se me sentisse atrás dela, e apontou para mim.
— Madison me ajudou com o botão e eu não consegui alcançar a água,
então ela lavou minhas mãos também.
O homem olhou para cima e me notou pela primeira vez. —
Obrigado. – disse ele com uma respiração aliviada. Então, como se eu
não soubesse do que ele estava falando, ele acrescentou: — Por ajudá-la.
Toda a minha vida eu quis odiar minha mãe por nunca me amar o
suficiente, por não estar lá para mim quando eu precisava dela. Não
quando eu estava menstruada e presumi que tinha câncer porque eu não
sabia que a natureza fazia as mulheres sangrarem. Não quando perdi
minha virgindade aos treze anos para ver se o sexo me faria apaixonar,
mas só me trouxe dor e uma vagina com o hímen rompido.
Queria odiar a minha mãe por me colocar nesse caminho de
insatisfação e inquietação. Mas eu não podia; não era uma tarefa fácil
odiar uma mãe. Esse tipo de ódio era contaminado pelo amor. Não era
tão satisfatório. Pelo menos, não para mim.
Então eu escolhi direcionar o ódio puro para os homens. Eu odiava
os homens, os detestava. Achei que fossem animais. Toda vez que eu
entrava em contato com um, sentia a aversão cravando no meu
estômago. Não era nada evidente. Tinha certeza de que não transparecia
no meu rosto, mas era aquela animosidade profunda que era tão natural
quanto o ódio por baratas ou lagartos.
Esperei que a raiva familiar crescesse dentro de mim, quase ansiosa
por isso. Mas não veio. Eu me senti perdida. Por que não sentia raiva
desse homem quando senti isso por todo o sexo dele?
Balancei a cabeça para ele como um reconhecimento de seu
"obrigado", e então comecei a observar seu rosto cuidadosamente. Ele
era esquelético, com suas bochechas ocas e marcadas com contornos
nítidos de osso. Sua mandíbula era quadrada e com barba por fazer. A
única característica suave em seu rosto era o queixo com covinhas. A
mecha rebelde de seu cabelo preto pendia solitária em sua testa,
descendo até as sobrancelhas. Ele parecia um prédio antigo que uma vez
teria sido magnífico, mas agora era só uma pilha de escombros por
negligência.
Mas sua característica mais interessante eram seus olhos cinza.
Eu conhecia esse olhar - às vezes vazio, às vezes doloroso, e outras
vezes ambos, como o dele agora. Eu costumava ter esse olhar muitas
vezes quando a dor era nova. Sua dor também era nova, uma ferida
recente - rosa e frágil. Dê uma cutucada com o dedo e ela se abrirá.
Só havia uma situação que aquela agonia poderia vir. Vinha da
morte. Quando você perdeu a pessoa mais importante da sua vida. Eu
conhecia muito bem a morte. A morte cheirava a café e alvejante durante
a semana e a azaléia aos domingos. A morte cheirava a minha mãe.
Ele se endireitou. — Vamos, Katie. Vamos lá. É hora da aula.
— Onde está minha flor? – Katie acenou com a mão, pedindo.
Ele parecia ter esquecido disso quando levantou a mão que segurava
a flor. Era uma flor rosa da árvore jamaicana. — Aqui.
Ela se virou e lhe deu as costas. — Não. Coloque no meu cabelo,
papai.
Ele olhou para Katie e depois para a flor, franzindo a testa, inseguro.
— Eu não... Talvez seja melhor se você fizer isso sozinha.
— Não sei como. Por favor, faça isso rápido. Não quero me atrasar
para a aula. Enfie ela no meu cabelo como a mamãe faz. – ela se virou
de costas.
Sua mandíbula contraiu, quase imperceptível. Eu poderia ter
perdido se não estivesse prestando atenção neles ao lado do banheiro.
Ele parecia pronto para fugir, com a maneira como ele olhou para a
cabeça de Katie e agarrou a flor.
Ele engoliu em seco quando seus dedos grossos puxaram o rabo de
cavalo, fazendo Katie gemer. — Papaiiiiiii.
Pedindo desculpas, ele tentou enfiar a flor no rabo de cavalo dela,
com as suas mãos grandes e calejadas quase cobrindo todo o círculo de
sua cabeça. Ele conseguiu colocar a flor, mas ela caiu para o lado.
— Papai! – Katie gemeu novamente.
Ele acenou com a mão em frustração. — Katie, não sou especialista.
Eu... seria melhor se você fizesse isso sozinha.
— Não. Mamãe faz isso todas as vezes.
— Ela não está aqui.
Havia raiva em seu tom? Aconteceu alguma coisa com a esposa?
Ela tinha acabado de morrer?
Ele contraiu os lábios e beliscou a ponta do nariz – uma imagem de
vergonha e arrependimento. E derrota. Havia algo a ser dito sobre um
homem adulto ser derrotado por uma mísera flor e uma menininha. Tive
pena dele então e me aproximei deles.
Sem dizer uma palavra, estendi minha mão para ele colocar a flor.
Ele suspirou e colocou a flor abusada no meio da minha palma. Prendi-a
no grosso do rabo de cavalo de Katie e usei o elástico para prendê-la no
lugar para que não caísse.
Dei um tapinha no ombro de Katie. — Pronto.
Ela se virou e tocou a flor em seu cabelo. — Viva! Obrigada,
Madison. Viu, papai, é fácil.
Ele coçou a nuca. — Sim. É sim. – Seu olhar se moveu para mim.
— Obrigado, mais uma vez.
Eu encolhi os ombros. — É apenas uma flor. E, você sabe, como
Katie disse, é fácil.
Assentindo, ele abaixou a sua cabeça. — Coisas fáceis são
particularmente difíceis para mim. Então eu agradeço a ajuda.
Com isso, ele conduziu Katie pelo corredor em direção aos fundos
da recepção, e observei as suas costas indo embora. Eu me perguntava
como seria a morte para ele. Eu me perguntei sobre a maneira como ele
sangraria se eu cutucasse sua ferida com os dedos.
Lembrando que tinha que gerenciar ou co-gerenciar uma turma, eu
os segui, virei o corredor e entrei em um espaço aberto cheio de crianças
e adultos. A sala tinha um piso plano aberto em estilo loft - metade era
ocupada pela área de recreação para crianças, com portas deslizantes à
esquerda, com vista para as fileiras de árvores e a água, enquanto a outra
continha a academia. Além das paredes de vidro que separavam as duas
metades, vi pessoas correndo em esteiras, batendo os pés no percurso
sinuoso.
Eu estava trabalhando com Carly hoje. Ela era uma das instrutoras
de pintura a dedo aqui no resort. Normalmente, trabalhávamos bem
juntas. Ela me dizia onde colocar as coisas, e eu fazia isso. O resto do
tempo, eu olhava para o espaço, esperando a aula acabar.
Mas hoje, meus olhos focaram em Katie que estava sentada no chão
com outras crianças, com uma folha de desenho e tintas espalhadas na
frente dela.
Por mais que eu tente, não poderia esquecer a coisa do oceano. Era
um eufemismo para a morte? Eu zombei. Pais. As crianças eram muito
mais fortes do que as pessoas acreditavam. Elas tinham espíritos
brilhantes e resilientes, principalmente porque ainda não haviam sido
destruídos pela a vida muitas vezes. Elas poderiam lidar com mais do
que poderíamos imaginar.
Aproximei-me e me sentei ao lado dela. — Ei, o que você está
fazendo?
Ela olhou para mim desviando o olhar de seu desenho. — Estou
fazendo peixes, água e um barco. Minha mãe está no maior barco de
todos os tempos. Estou fazendo centenas de milhares de desenhos para
que ela possa escolher seu favorito quando voltar.
— Uau, esse é um número muito grande.
Ela apontou para sua pintura com dedos de pontas azuis. — Você
gosta deste?
Linhas azuis ziguezagueavam na parte inferior da página, e nela
estava o contorno preto de um barco, contornos vermelhos e amarelos de
peixes misturados com as ondas. Houve um nó repentino na minha
garganta, irregular e cravando. — Sim. É lindo.
Katie sorriu e me pediu para ajudá-la a colorir o barco. Fiquei
atordoada. Nenhuma das crianças nunca me pediu nada. Eu era a
mocinha estranha no canto. Eu recusei, pronta para fugir. Eu não pude
ajudá-la; Eu não sabia como, mas ela insistiu e eu concordei, embora
soubesse que estragaria o desenho dela. Peguei o giz de cera azul e
comecei a pintar de um lado. Katie mergulhou os dedos na aquarela azul
e os pressionou entre as ondas para preencher os espaços em branco.
Pintamos lado a lado por um tempo antes de eu quebrar o silêncio.
— Sua mãe... Quando ela partiu para o oceano?
— Ela saiu há muito tempo atrás. – ela levantou a mão, abriu bem
os dedos manchados de tinta e disse com uma voz triste: — Como há
muitos dias atrás.
O nó na minha garganta cresceu, e eu olhei para o desenho. — Onde
está este oceano? Aposto que você fala com ela todos os dias, certo?
— Ela está na Flórida. Mamãe me disse que a Flórida tem o Oceano
Atlântico. É enorme. Ela disse que haveria tantos peixes lá que ela
estaria ocupada alimentando-os. Então ela poderia não ser capaz de ligar
muito. – ela franziu a testa. — Ela nem ligou uma vez. Eu me sinto tão
brava. Eu chorei hoje também, mas então papai me abraçou e ficou tudo
bem. – ela mordeu os lábios e sussurrou: — Acha que ela se esqueceu de
mim?
Suas palavras tristes ecoaram em meu coração, batendo contra as
paredes grossas até que ouvi minha própria voz, baixa e infantil, Mamãe
não me ama mais? Balancei minha cabeça para espantar o pensamento.
— Não, eu não acho que ela tenha. Tenho certeza de que ela está apenas
ocupada. – eu mordi o interior da minha bochecha. — Mas quando ela
voltar e ver tudo isso, aposto que ela não conseguirá escolher apenas um
favorito.
— Sério? – Katie se alegrou.
— Ei, quer ouvir uma piada?
Katie sorriu e assentiu.
Canalizei a minha Lily interior e sorri. — Por que os piratas não
conseguem terminar seus alfabetos? – Diante de sua expressão curiosa,
continuei: — Porque eles ficaram encalhados no C.
Katie parecia confusa, mas então ela deu uma risadinha. — Isso foi
incrível. Você tem mais?
Eu a presenteava com as piadas recicladas de Lily, e toda vez que
Katie ria, eu ouvia os sons perdidos da minha própria risada de muito
tempo atrás. Eu me senti leve e pesada ao mesmo tempo.
Depois de um tempo, deixei Katie com seu desenho e caminhei em
direção à longa mesa nos fundos. Meu olhar pousou sobre o pai de Katie
do outro lado da divisória de vidro. Ele estava na academia, em um
canto, com um saco de boxe preto pendurado no teto na frente dele. Ele
estava no processo de amarrar as luvas de boxe. Fiz uma pausa no meio
do caminho e olhei para ele mais uma vez. Eu nunca o considerei um
boxeador. Bem, o que eu sabia? Acabei de conhecer o cara.
Os músculos de suas costas se contraíram e se moveram enquanto
ele pegava o saco com as mãos e o observava, talvez memorizando os
arranhões no tecido desbotado.
Bata nele. Havia essa ansiedade repentina dentro de mim, essa coisa
emocional no meu estômago que queria vê-lo bater naquele saco. Eu
queria que ele batesse, socasse, batesse com uma força violenta. Uma
força que eu podia sentir através do vidro grosso.
Ele respirou fundo e deu um passo para trás. A emoção dentro de
mim subiu, até ao meu peito. Ele moveu o braço para trás e deu seu
primeiro soco. Nada de especial aconteceu, infelizmente. O saco
simplesmente balançou em seu lugar. Eu me senti insatisfeita. Eu queria
mais. Mais violência. Mais ferocidade. A humana dentro de mim
ansiava pela emoção sombria. Perca o controle.
Depois de alguns segundos, ele desferiu um soco novamente. Este
mais forte, menos controlado. Então ele bateu de novo e de novo sem
parar. Seus lábios contraíram, mostrando os dentes. Seu rosto se
contorceu com a força de seus golpes. Eu não estava perto o suficiente
para ouvir os sons, mas eu podia imaginá-lo soltando um alento.
Seus socos eram frenéticos, sem prática agora, como se ele não se
importasse com a arte disso, mas apenas com a libertação que lhe dava.
Ele pulou. Seus ombros giraram e o suor escorreu dele.
Ele era de tirar o fôlego.
Fiquei violenta e pressionei a palma da mão no estômago. Estava
tremendo, vibrando, e percebi que realmente podia sentir sua ferocidade
através do espaço que nos separava. Parecia estranho, não desagradável,
mas muito estranho. Nada tinha atraído minha atenção assim em tanto
tempo.
A cada soco dele, eu pensava em sua história. Sobre sua esposa.
Ah, e qual era o nome dele?
Eu tinha oito anos quando passei a acreditar que a magia existia.
Magia da mentira. Era um sábado, e eu estava sentado na cozinha
comendo Froot Loops1. Minha mãe chegou quando eu estava
terminando o meu cereal, com o cabelo preso em um coque apertado e
óculos de aro de tartaruga em seu nariz, pronta para passar o dia no
escritório, corrigindo trabalhos. Ela ficou me olhando com olhos
inexpressivos, e eu sabia que algo estava acontecendo. Normalmente, ela
quase nunca olhava para mim.
— O... o que há de errado, mamãe? – perguntei. Seus olhos sem
vida brilharam de raiva com a palavra mamãe, e eu gaguejei: — Des...
desculpe, Ma...mãe.
— Seu pai se foi. – disse ela, com um tom severo.
— Foi para onde?
Era uma vez, uma mulher muito bonita. O nome dela era Alice.
Todos os caras da cidade a amavam. Mas ela amava apenas um garoto.
Seu nome era Michael, e ele nunca a notou. Mas em uma noite de
bebedeira em uma festa do ensino médio, eles ficaram juntos e nove
meses depois nasceu um bebê. O nome dela era Maddy.
O garoto não se importou e foi para a faculdade. Alice teve que se
virar sozinha. Seu pai era um bêbado que mal conseguia ficar
acordado. Ela conseguiu um emprego como garçonete em um
restaurante da região, onde procurou por um homem. Um homem que a
amaria, cuidaria dela e de sua filha, um homem que poria fim à sua vida
sem amor e sem saída. Ela era uma romântica, você sabe. Ela viu
bondade em todos os lugares.
À medida que Maddy crescia, ela viu como os desejos de sua mãe
eram fúteis. Mas Alice nunca a ouvia. Maddy estava indefesa. Ela não
podia fazer nada além de ver o coração e os ossos de sua mãe serem
quebrados repetidamente.
De qualquer forma, anos depois, Alice finalmente conseguiu seu
desejo. Ela conheceu um homem chamado Scott. Ela se apaixonou por
ele, como sempre. “Está acontecendo, Maddy. Finalmente está
acontecendo!” A mãe sorriu. “Ele vai nos tirar daqui, você vai ver. Ele
é um bom homem, meu Scott. Ele vai me amar muito, você vai ver.”
Scott era caminhoneiro, viajava entre as cidades e parecia amar
muito Alice. Após a relutância inicial, Maddy acreditava que sua mãe
tinha o que merecia: um marido amoroso. Scott nunca parecia prestar
muita atenção em Maddy, mas estava tudo bem para ela, desde que sua
mãe estivesse feliz.
Mas, como toda história, essa também azedou. Um ano depois do
casamento, Scott começou a beber muito. Alice começou a brigar com
ele. Scott traiu Alice. Alice jogou coisas ao redor. Ele maltratava Alice
um pouco. Alice jogava mais coisas por aí. Maddy tentava impedi-los de
se matarem, mas ela tinha apenas dezessete anos. Ela não podia fazer
muito. Ela estava indefesa mais uma vez, vendo sua mãe ser maltratada.
Então, um dia, quando Alice estava grávida de sete meses, Scott
chegou em casa bêbado, cheirando a perfume barato. Alice sabia que
ele estava com outra mulher. Essa foi a noite em que eles brigaram
mais. Ela jogou a cafeteira nele. Ele se esquivou, mas tropeçou. Ela
atacou - mais como andou - ele. Ele continuou recuando, mas Maddy
podia ver a raiva em seus olhos, a embriaguez. Antes que ela pudesse
fazer qualquer coisa, os pés inchados de Alice ficaram presos na perna
de madeira arranhada da mesa da cozinha. Seus braços se agitaram,
procurando algo para segurar no ar, e seu corpo desajeitado tremeu
antes de cair direto no piso de linóleo barato. Tudo o que Scott e Maddy
podiam fazer era vê-la cair de barriga e desmaiar. Alice foi levada às
pressas para o hospital, onde morreu onze longas horas depois, junto
com seu bebê ainda não nascido. Era uma menina.
Aos dezessete anos, Maddy não tinha mãe e estava sozinha. Scott
desapareceu na noite, provavelmente para se afogar na mesma bebida
barata que causou a morte de sua mãe.
Dias depois, na noite do funeral, Maddy ouviu alguém andando
pela cozinha vazia, despertando-a de seus devaneios sem dormir.
Finalmente, Scott estava de volta. Agarrada por uma curiosidade
imprudente, Maddy saiu de seu quarto e encontrou Scott derramando
leite na bancada. Como ele estava vivo quando sua mãe e sua irmã
ainda não nascida estavam mortas? Ele não deveria ser punido por seus
crimes? A raiva girou dentro dela até que se tornou um tornado. Ela
deve ter feito barulho porque Scott se virou e então a encarou com olhos
atordoados.
Maddy nunca tinha visto aquele olhar antes. Algo desencadeou
dentro dela - uma inquietação, uma sensação de condenação inevitável.
Mas antes que ela pudesse pensar em qualquer coisa, Scott se lançou
sobre ela. Ela gritou. Ele a esbofeteou, e então, com dedos gentis, ele
acariciou sua bochecha quente e a silenciou. Maddy lutou contra Scott,
mas ele era mais forte em sua névoa de embriaguez. Ele rasgou o decote
cavado de sua camisola. Ele arrancou os botões brancos e perolados,
deixando-os cair no chão da cozinha. Eles saltaram e depois rolaram
para fora de vista.
Scott sussurrou: — Eu sempre amei essa camisola em você, Alice.
O medo de Maddy a transformou em uma pedra. Scott pensou que
ela era Alice.
Ela era quase idêntica à mãe e, naquela noite, estava usando a
camisola de Alice para se sentir mais próxima dela.
Scott colocou sua boca fedorenta sobre ela em uma tentativa de
beijá-la. Maddy gritou, chutou e arranhou, mas não conseguiu se
libertar. Seus olhos estavam selvagens e brilhantes, acordados, mas
adormecidos, conscientes, mas vidrados. Ele empurrou Maddy, e ela
caiu. No segundo seguinte, Scott estava em cima dela.
Ele pressionou seu peso sobre Maddy e disse: “Não brigue comigo,
Alice. Eu sei que você me ama também.” A cada segundo excruciante,
ele ficava repetindo, eu te amo, Alice. Eu te amo. Eu sinto muito. Não
me deixe, Alice.
Ele falou como se de alguma forma fosse salvar sua vida ou talvez
trazer Alice de volta dos mortos. E, de fato, suas palavras desesperadas
tinham algum poder mágico. Porque enquanto ele as repetia, Maddy
parecia acreditar que ela realmente era sua mãe. Ela era Alice, morta,
um fantasma. Ela estava com medo, mas tornou-se destemida. Ela
estava com dor, mas a dor não importava mais.
Maddy fechou os olhos e imaginou a mãe sorrindo. Olha, mãe.
Você conseguiu o que queria. Há um homem que te ama muito, assim
como você sempre sonhou. Ele te ama tanto que te vê em todos os
lugares. Você está feliz agora, não está?
Segundos se passaram, talvez até horas. Maddy não tinha noção de
tempo até Scott terminar. Ela desviou o olhar e olhou para os azulejos
das paredes da cozinha. Ela sentiu as lágrimas escorrerem dos cantos
dos olhos até as orelhas antes de desaparecerem em seu cabelo.
Quando a respiração ficou alta, ela conseguiu mover o peso morto
de Scott e ficar de pé com as pernas dormentes. Com uma calma
estranha ela tomou banho, trocou de roupa, arrumou uma pequena
mochila, roubou dinheiro do esconderijo secreto de sua mãe e saiu
daquela casa para sempre. Ela pegou um ônibus para Hedge Lake, onde
a irmã de Alice e sua única parente viva, Alana, morava.
Enquanto caminhava até o ponto de ônibus, percebeu que Maddy
estava morta. Mas tudo bem porque sua mãe finalmente estava feliz…
****
De volta a casa, engoli o amor de Julia na forma de duas pílulas.
Um esquecimento instantâneo. Mas mesmo enquanto eu me enfiava
debaixo das cobertas, pensamentos confusos giravam dentro da minha
cabeça. A risada da minha mãe ecoou em meus ouvidos. Eu me
perguntava como seria ser amada assim, com tanto abandono e
ferocidade.
Amor que destruía tudo.
Amor que parecia uma guerra.
Carreguei uma Katie se debatendo para dentro do quarto quando a
porta da frente se fechou, alertando-me para a partida de Madison. Seus
olhos castanhos brilharam na minha frente - desafiadores, provocativos,
mas depois vulneráveis e com medo. Meu coração batia contra meu
peito, machucando-o. Restos de excitação de outro mundo formigavam
em minhas veias. O que me levou a reagir daquela maneira? Meu pau
duro e culpa estavam em guerra.
Fui trazido de volta ao momento em que Katie chutou, atingindo os
meus joelhos, fazendo-me colocá-la no chão. — Papai, por favor, eu
quero brincar com a Madison.
— Katie, eu disse a você que Madison tem trabalho a fazer. Ela não
pode brincar com você hoje. – eu estava perto de ficar nervoso. Eu me
sentia tenso, rígido. O que aconteceu ontem à noite? Quando eu decidi
beber? Tudo o que eu lembrava era o corte.
Katie pulou, inquieta. — Mas ela não pode descansar? Por mim?
Ela ia me ajudar a desenhar para a mamãe.
Seu queixo tremeu, fazendo meu coração apertar. O cinza de seus
olhos ficou lacrimejantes, anunciando as suas lágrimas. Com as pernas
trêmulas, me abaixei, precisando fazê-la sorrir novamente.
— E se eu te ajudasse a desenhar para a mamãe? – Minha voz
arranhou minha garganta quando saiu. Isso foi pior. Muito pior do que
mentir.
— Sério? Viva! Fantástico. – Katie bateu palma. — Vamos fazer o
oceano e depois podemos fazer um tubarão. Ah, e o polvo. Podemos
colorir de roxo. – ela riu. — Vou pegar minhas coisas.
— Katie, espere. – eu a parei. — Querida, eu... eu sinto muito. Eu te
assustei esta manhã. Eu... Isso não vai acontecer de novo, ok? Nunca te
deixarei. Você nunca estará sozinha.
— Você ficou doente, papai?
— Eu... ah, sim, de certa forma. Mas prometo a você que eu nunca
vou ficar doente desse jeito. Você é a coisa mais importante da minha
vida, e eu, hum, eu te amo.
Pronto. Eu disse isso.
— Eu também te amo, papai.
Sua fácil aceitação do meu amor me doía e me humilhava.
— Eu também amo a mamãe. Você sente falta dela?
— Sim. Muito. – eu disse, com os olhos ardendo.
Uma memória veio à tona há muito tempo, quando Katie tinha
acabado de nascer. Nat costumava estar muito cansada naqueles dias,
mas ainda assim, ela fez um pequeno gorro para a Katie; ela era uma
excelente tricotadeira. Lembrei-me de que era torto, e Nat ficou chateada
e se trancou em nosso quarto, chorando pelo fato de que ela era uma
mãe inadequada, que Katie era um erro. Essas inseguranças sempre a
fizeram brigar comigo.
— Sabe de uma coisa, quando você era apenas um bebê, mamãe fez
um gorro para você. – eu disse a Katie, querendo compartilhar as partes
boas com ela. — Acho que você não se lembra. Era azul e dizia Mamãe
te ama. Quando voltarmos para casa, você quer procurá-lo?
— Sim. Você acha que ainda temos?
— Sim. – eu esfreguei os seus ombros. — Acho que podemos
encontrá-lo em algum lugar. Agora, vá pegar seus materiais de desenho
e eu vou tomar um banho, ok?
— Ah, você deve. Você cheira muito mal, papai. – Balançando a
cabeça, ela torceu o nariz.
Por alguma razão, sua tentativa de aversão e sua expressão sábia
trouxeram um sorriso, embora triste.
Depois de tomar banho, varri o vidro quebrado do chão. Eu estava
prestes a jogar os cacos no lixo quando os raios de sol entrando pela
janela da cozinha os pegaram. Os cacos tornaram-se pequenos prismas,
brilhando em sete cores. Os feixes de luz que irradiavam deles se
moviam enquanto eu respirava. Olhei para um no centro. Era maior que
os outros, fino e côncavo, com a forma de um triângulo irregular. Eu
guardei aquele pedaço e joguei o resto fora, com a minha pele coçando.
Vários minutos depois, nos encontramos sentados no sofá, caderno
de desenho e giz de cera cobrindo cada centímetro da mesa de centro.
Katie sentou-se na beirada do sofá, curvada sobre a folha de desenho.
Ela me entregou uma caixa de giz de cera e me instruiu a colorir ao lado
dela. — Ok, papai, apenas siga o que estou fazendo. E então, quando
você ficar bom nisso, eu lhe darei uma nova folha de sua preferência.
Uma risada surpresa me escapou. Eu não tinha ideia de que minha
filha era mandona, como Nat. Katie virou a cabeça e me pegou sorrindo.
Sua testa franziu em uma careta de desagrado, e o meu sorriso
desapareceu. — Eu sei.
Ela baixou a cabeça em um aceno e começou a colorir. Pressionei os
lábios para me impedir de sorrir novamente. Estendendo as mãos
trêmulas, peguei o giz de cera azul. Parecia muito pesado em minhas
mãos, um fardo de minha própria autoria.
— Papai, comece a colorir. – Katie cutucou minha perna.
Suspirando, eu assenti. — Desculpe.
Coloquei o giz colorido no papel, sobre as ondas incolores da água,
fiz o primeiro traço azul. Quanto mais eu desenhava, mais tranquilo eu
me sentia. Isso era estranhamente... satisfatório.
Katie mal prestou atenção enquanto continuava a desenhar,
cantarolando baixinho e balançando a cabeça. Junto com a sua canção
cantarolada, giz de cera riscando suavemente o papel encheu o silêncio
do chalé. Em pouco tempo, a imagem sem cor na minha frente ganhou
vida própria, e percebi que era uma réplica do acampamento à beira do
lago que Nat e Katie tinham ido no ano passado. Como sempre, vivi
indiretamente através das fotografias que me mostraram, nunca
participando da viagem propriamente dita.
A foto mostrava uma cabana à beira de um lago e bosques. Elas
tinham ido com vários amigos de Katie e Nat. Uma fogueira foi acesa
com todos eles sentados ao redor.
Quando elas voltaram da viagem, Katie passou dias falando sobre
isso, contando eventos e os nomes de seus novos melhores amigos.
Lembrei-me de cada pequeno detalhe, mas mesmo assim, me peguei
comentando: — Esse é um nariz comprido. – Apontei para uma figura
de palito de uma garotinha com tranças.
Os olhos de Katie se arregalaram quando ela começou sua história.
— Essa é Melanie. Quando ela era pequena, como bebê, seu irmão
puxava seu nariz o tempo todo. Então um dia ele puxou com tanta força
que o nariz dela cresceu e cresceu e cresceu. Então agora ela tem esse
nariz comprido e pontudo. – ela fez uma pausa para respirar e então
continuou em alta velocidade: — Papai, você sabia que ela pode sentir o
cheiro de um cachorro-quente a dezesseis quilômetros de distância?
Fingi pensar nisso e limpei a garganta. — Eu estou vendo isso.
Depois disso, Katie me contou sobre cada pessoa na foto, e eu a
escutei com muita atenção. Mesmo sabendo do nariz comprido, dos
dentes tortos e do maior peixe que eles haviam capturado, absorvi sua
voz alegre e suas risadas encantadoras.
Em algum lugar no meio de suas histórias, ela começou a bocejar.
Ela piscou os olhos fechando, e a sua voz ficou baixa e arrastada. —
Papai, eu estou com sono.
Isso poderia ser devido à sua falta de sono na noite passada?
Os pesadelos.
Eu tinha esquecido deles até agora. Eu estava tão bêbado que talvez
não tivesse ouvido se Katie tivesse gritado durante o sono. Ela tinha?
Será que ela se lembraria se tivesse?
Coloquei meus braços em volta dela, coloquei-a no meu colo e me
levantei, com os desenhos esquecidos. — Venha, vamos para a cama.
— Ok. – ela murmurou, esfregando o nariz contra o meu peito.
Caminhando para o quarto, eu a coloquei na cama e a cobri com seu
cobertor macio roxo. Katie abriu os olhos, vermelhos de sono. —
Melanie não é mais minha melhor amiga. Ela roubou meu marcador
mágico.
Acariciei o seu cabelo com dedos cansados. — Está tudo bem,
querida. Eu te compro outro. Feche seus olhos. Vá dormir agora.
Katie fechou os olhos, afundando o nariz no travesseiro e
murmurou: — Madison é a minha nova melhor amiga agora. Ela me
contou uma piada sobre... – ela adormeceu então.
Meu coração bateu em minhas costelas com o nome de Madison.
Por que era tão difícil escapar daquela mulher?
Beijei a testa de Katie com meus lábios frios e trêmulos. — Eu sinto
muito, querida. Sinto muito, mesmo. Eu gostaria que fosse eu em vez de
Nat.
Deixando Katie dormir, fui para a cozinha e esvaziei as duas últimas
garrafas de uísque na pia.
****
Na manhã seguinte, Katie e eu fomos até a recepção. Ela não tinha
parado de falar sobre Madison desde que acordou. Depois de ontem, eu
estava mais bravo comigo mesmo do que com Madison. Cada palavra
que saía de sua boca estava certa. Era eu que deveria ter morrido. Passei
a maior parte da noite a esvair-me em culpa.
A área da recepção estava limpa e minimalista, como de costume. A
mulher atrás da mesa era a mesma, Lily. Ela sorriu para mim, e seus
olhos percorreram meu corpo de cima a baixo e, se possível, seu sorriso
ficou mais amplo. Nos últimos dias, eu tinha notado ela dando sorrisos
estranhos em minha direção. Por razões desconhecidas, eles me
deixaram um pouco... desconfortável, corado como se ela estivesse me
analisando ou me secando.
— Ei, pessoal. – Lily falou. — Como vocês estão hoje?
— Ei, Lily. – Katie gritou enquanto caminhava até sua mesa comigo
atrás dela. — Vou para a minha aula de pintura a dedo. Eu vou fazer
uma praia.
— Uau, parece incrível. Eu faria qualquer coisa para ir na praia
agora. Certifique-se de desenhar uma foto minha também - sem minha
barriga de gravidez. – Rindo, ela voltou sua atenção para mim. — E
como você está? Quais são seus planos?
— Não sei. Talvez fazer exercício, acho.
Ela levantou as sobrancelhas. — Exercitar-se, não é? – Seus olhos
se moveram para cima e para baixo no meu corpo novamente, fazendo-
me sentir estranho. — Posso ver isso muito bem. Talvez eu possa ir e
assistir você algum dia.
Dando um passo para trás, enxuguei as minhas mãos nas minhas
coxas. — Acho que não vai ser muito interessante.
Ela se inclinou sobre sua mesa. — Você está brincando comigo?
Observar você será mais do que interessante. Vai ser... você sabe, como
ver doces.
— Lily. – Madison chamou, e eu dei um suspiro de alívio. Lily não
era alguém com quem eu gostaria de ficar sozinho.
Madison estava ao lado da área de recepção, com as mãos cruzadas
sobre o peito. — O que está acontecendo?
— Nada. Falando sobre doces. Você perdeu nossa conversa
fantástica.
— Tem certeza que essa é a palavra certa?
Madison e Lily estreitaram os olhos uma para a outra com Lily
rindo no final. Madison desviou seu olhar e olhou para mim, com nossos
olhares colidindo ao longo da sala. Suas sobrancelhas escuras estavam
levantadas, com os seus cílios grossos lançando sombras em suas
bochechas pálidas, mas levemente coradas. Ainda estava impressionado
com o quanto redondo e inocente seu rosto parecia, quanto jovem.
E eu quase a machuquei ontem. Eu cresci com uma mãe que sempre
me ensinou a respeitar as mulheres, e eu estava perto de fazer algo
drástico. Não sabia o que, mas algo doloroso. Ainda me chamava,
aquela agressão, o desejo de atacar e morder a sua pele. Sua
vulnerabilidade mexeu com minha cabeça já louca. Meu pau endureceu.
Envergonhado de mim mesmo, coloquei minhas mãos no bolso,
manuseando a ponta do pedaço de vidro.
— Ei, Madison! – Katie correu até ela. — Onde você estava ontem?
Procuramos por você em todos os lugares. Desenhei minha viagem de
acampamento para a mamãe. – Katie segurou sua folha de desenho para
Madison.
— Uau, isso parece incrível. Estou com ciúmes. – Madison disse,
manuseando o contorno do desenho. Uma sensação de orgulho estava
presente em sua voz, algo que eu não esperava ouvir dela, algo que
ecoava os meus próprios sentimentos por Katie. Um calor se espalhou
em meu peito.
Madison olhou para mim, arqueando as sobrancelhas. — Eu não
sabia que você sentia tanto a minha falta que você me procurou em
todos os lugares. Se serve de consolo, também senti sua falta. Muito. –
ela fez beicinho.
Alheia à insinuação de Madison, Katie disse: — Papai e eu
passamos o dia inteiro desenhando. Foi tão divertido.
— Sério? – Ainda olhando para mim, Madison estreitou os olhos.
— Papai com certeza é talentoso, não é? Impressionante.
Katie puxou a barra de seu short. — Você vai desenhar comigo
hoje? Por favor? Por favor!
Madison franziu a testa quando a sua expressão de provocação
desapareceu. — Eu... eu não...
Interrompendo-a, eu disse a Katie: — Acho que ela pode. Por que
vocês não correm e encontram um lugar para vocês? Vou ver o que
posso fazer para convencê-la.
— Ok. – Katie gritou e saiu correndo pelo corredor.
Agora sozinha, Madison sorriu para mim, andando para trás, como
se ela soubesse algo que eu não sabia. Observando-a com suspeita, eu a
segui enquanto ela se virava e entrava no corredor, longe da área de
recepção. Ela parou, encostou-se na parede bege perto da foto do lago e
esticou o pescoço para olhar para mim, ainda sorrindo.
— O que? – perguntei.
Seu sorriso se ampliou quando ela balançou a cabeça. — Você não
tem a menor ideia, não é?
— Sobre o que?
Ela suspirou. — Você sabe o que é flertar, James?
— É claro que eu sei o que é flertar.
— Se você diz. – ela acenou com a cabeça, embora eu não achasse
que acreditasse em mim. — Lily estava fazendo isso com você. O flerte.
— Isso é... bem, isso é absurdo. – A minha nuca formigou com o
calor.
— Absurdo? – ela levantou as sobrancelhas, então torceu o nariz em
desgosto. — Não é à toa que você não sabia. Quem diz absurdo quando
você pode dizer fodido?
— A língua inglesa é mais do que fodido, merda e porra, Madison.
– eu disse. — Há uma infinidade de palavras que você pode usar para
descrever uma situação sem ter que dizer palavrão.
— Infinidade? – Seu nariz franziu ainda mais. — O que você é, uma
enciclopédia?
— Não, Merriam-Webster. – Quando ela ficou boquiaberta para
mim, expliquei: — O dicionário. Com palavras, ou melhor, os
significados das palavras. Ele também tem fotos.
— Sério? Isso é sem precedentes. – Madison suspirou. — Eles
também ensinam como identificar o flerte?
Observei seu rosto, tracei os contornos de sua boca franzida e
estreitei os olhos. — Você está... está com ciúmes?
— Do que? De Lily? – ela zombou. — Agora, isso é absurdo e
fodido.
Sem vontade, meus lábios sorriram. Eu não conseguia me lembrar
de ter sentido essa luz.
— Eu não estou. – ela se irritou, me fazendo sorrir mais amplo. —
Você não está se esquecendo de nada? Eu amo a Julia. Eu não me
importo com o que você faz.
Manuseei a ponta do vidro no meu bolso, me sentindo
estranhamente eufórico. — Ela sabe?
— Ela sabe o quê?
— Que você se importa. Que eu era a razão pela qual você a beijou
no outro dia. Ela sabe que enquanto você a beijava, estava pensando em
mim?
Ela piscou por um segundo antes de falar. — Continue dizendo isso
a si mesmo. Continue mentindo. É o que você faz melhor, de qualquer
forma.
Seu golpe, como sempre, acertou em cheio, mas não foi tão cortante
quanto eu esperava que fosse. Era mais... frustrante. Continuamos tendo
a mesma conversa várias vezes. Ela continuou pressionando, e eu
continuei cruzando o limite precário de controle e caos.
Inclinei-me para ela, talvez tentando fazer algo diferente desta vez.
Seus olhos brilharam. Foi um momento de transparência, o tecido do
tempo ficou translúcido, um momento que mostrou sua vulnerabilidade,
calor... necessidade.
— Você me lembra... Stella. – eu observei, com a minha mente
finalmente percebendo algo importante e vital.
Assim que as palavras saíram da minha boca, Madison se recompôs,
a vulnerabilidade desapareceu de sua expressão. — Eu diria que é doce.
Mas sua obsessão por mim está ficando fora de controle, James. Pare.
De pensar. Em. Mim.
— Stella é uma gata.
— Uma gata.
Sua expressão perturbada me fez sorrir mais uma vez. A extensão
dos meus lábios era... estranha, para dizer o mínimo. — Sim, e eu a
odiava. Ela era irritante. Mas costumava cuidar dela para nossa vizinha,
a Sra. Jackson. Eu fazia minha lição de casa e Stella corria. Às vezes, ela
quebrava coisas ou pulava na mesa de centro, enviava meus livros pelos
ares. Achei que ela também me odiasse. Então, um dia, percebi que ela
fazia tudo para chamar minha atenção. Ela não gostava quando eu estava
concentrado em outra coisa. Ela queria que eu olhasse para ela, a visse,
brincasse com ela. Stella era apenas uma gata solitária e raivosa.
Levantei as minhas sobrancelhas para ela, esperando comunicar a
importância desta história.
— Então você está me dizendo que você é a versão masculina da
louca dos gatos?
Abaixando minha cabeça, eu sorri - amplo e livre. Eu a observei
através dos meus cílios. — Estou surpreso que funcione com as pessoas.
Aquele sempre presente sorriso e atitude sarcástica. Talvez elas
simplesmente não saibam o que procurar.
Isso endireitou a sua coluna e afastou qualquer aparência de
brincadeira de seu rosto. — Não há o que procurar. Isto é o que eu sou.
— E o que você é?
— Morta. Eu estou morta. Um fantasma, uma pobre coitada.
Chame-me do que quiser. Na verdade, me chame de todos os piores
nomes que você conhece. Isso me deixa excitada.
Incapaz de me conter, me aproximei dela, tão perto que eu fui
preenchido com o seu cheiro - cítrico azedo. De alguma forma, a grande
quantidade de sardas em sua bochecha e a ponte de seu nariz pequeno
pareciam ainda mais destacadas. Não conseguia me lembrar de quando
isso aconteceu, mas meus dedos conseguiram encontrar o caminho para
fora do meu bolso para ficar em sua clavícula, sobre seu pulso latejante.
— Você sente isso? – sussurrei e fiz uma pausa para ela sentir seu
próprio pulso ecoando na minha pele. — Não está morta. Está batendo.
Forte e rápido. Está muito viva, Madison. Como eu, talvez você esteja
mentindo sobre certas coisas também.
Ela estremeceu, mas sua voz permaneceu firme e de alguma forma
hostil. — Um coração batendo não significa que estou viva.
— Não, isso só significa que você quer estar. É a natureza de todos
os seres vivos. Eles querem viver, se libertar. Eles querem um milagre.
Chama-se esperança. Esperar que um dia algo transforme nossa vida,
nos transforme como a conhecemos.
Ela engoliu em seco, desviando o olhar. Eu poderia dizer que isso a
afetou. — Sim, então no que você quer se transformar?
— Humano. Estou cansado de não ser um.
— Bem, então odeio dizer isso a você, mas você já conseguiu isso.
Você é humano. Defeituoso e quebrado. As pessoas pensam que são os
monstros que fazem coisas más, mas não são. São pessoas como nós.
Tudo o que os monstros fazem é viver em livros de histórias. Ou em
armários. São os humanos que destroem as coisas. A vida não é preto e
branco, James. É tudo cinza pra caralho.
Foi a minha vez de desviar o olhar. — Katie quer brincar com você.
Eu confio em você para não dizer nada a ela.
— Achei que você não queria que eu brincasse com ela.
— Eu não quero. Mas não posso recusar nada a ela.
Exceto a verdade. De repente, meus ombros caíram, drenados de
energia. Eu me virei para sair, mas a voz de Madison me parou. — Ela é
louca por você.
Eu a encarei, franzindo a testa.
— Katie, eu quero dizer. – ela engoliu em seco, com uma emoção
desconhecida em seus olhos. — Eu não acho que ela possa... te odiar.
Não importa o que você faça.
Com um suspiro, ela passou por mim no corredor, e eu fiquei ali,
me perguntando se isso era uma espécie de pedido de desculpas pelas
coisas que ela disse ontem.
Fazia dois dias desde que James me pediu para não dizer nada a
Katie. Como se eu fosse. Eu não ia mentir e dizer que não queria. Na
verdade, eu queria. Numerosas vezes. Especialmente quando Katie me
contava histórias sobre sua mãe, sobre o que ela faria quando voltasse.
Como eles retomariam sua tradição de domingo de ir ao parque,
alimentar os patos e depois almoçar juntos. Tudo isso me deixou triste e
furiosa ao mesmo tempo. Maldito James. Foda-se ele por ser um
mentiroso. E foda-se ele por ser culpado e conflitante sobre isso.
Eu me perguntava como ele dormia à noite. Ah, espere. Eu sabia
como fazia isso. Ele ficava muito bêbado e desmaiava. Para ser honesta,
porém, eu não tinha visto nenhum sinal de sua bebedeira nos últimos
dias. Ou ele era muito bom em esconder isso, ou ele não estava bebendo.
Suspeitei que fosse o último. Isso me fez respirar mais fácil de alguma
forma, o que por sua vez me fez querer arrancar seus olhos. Ou tocar sua
pele quente.
James passava suas manhãs lutando boxe na academia. Ele estava
movendo os músculos, o suor escorrendo e respirando com dificuldade.
Ele começou a usar a fita de boxe em vez das luvas. Como se ele
estivesse tentando sentir cada golpe excruciante. Ele tinha ficado muito
bom nisso, também. Aquele careca o ajudou muito. No final de sua
sessão, ele ensanguentava a fita branca perolada e me fazia ter pena
daquela coisa inanimada balançando.
Eu alternava entre me concentrar em Katie e seus desenhos e
observar a ferocidade de James. Eu o peguei olhando para mim também,
e toda vez que ele fazia isso, eu não conseguia parar de fazer beicinho.
Isso lhe dava ainda mais trabalho.
Hoje era o terceiro dia da nossa disputa de encarar, e eu tinha
acabado de colorir com Katie. Fizemos a casa e a rua em que moravam
em Nova York. Isso me fez querer ver por mim mesma – as casas de
tijolos marrons, as ruas arborizadas, os degraus de pedra e grades. Dei
um beijo de despedida em Katie, enquanto observava James através do
vidro grosso. Sua mandíbula apertou enquanto o suor escorria de sua
testa, e seu peito subia e descia com respirações ofegantes.
Virei o corredor, entrando na área de recepção, e parei bruscamente.
Lily estava atrás da mesa da recepção, com sua mão sobre sua barriga
montanhosa enquanto ela discutia com um homem de cabelos escuros,
seu marido, Josh.
Suas mãos levantaram enquanto ele falava em tom agitado. — Eu
não posso acreditar que você faria isso comigo. Se eu não posso confiar
em você, então em quem posso confiar?
Lily se aproximou e colocou a mão em seu braço. — Josh, querido,
você pode confiar em mim. Sinto muito, mas você tem que entender que
eu não tenho nenhum. Eu juro que não. Por que você não vai para casa e
conversamos mais tarde quando eu voltar do trabalho.
Josh empurrou a mão dela, fechando a sua, pronto para socá-la. Mas
no último minuto, ele se conteve. — Não faça isso, Lily. Não traga isso
para si mesma apenas para me culpar mais tarde. Não minta para mim.
Dê-me o dinheiro.
Lily balançou a cabeça, com seus lábios tremendo. — Não tenho
nenhum. Eu juro, Josh. Eu não estou mentindo. Por favor, ouça-me. Vá
para casa. Conversamos depois.
Observei-os discutir, com Lily bancando a pacificadora, com seu
corpo encolhido, e Josh o agressor, com o peito estufado e largo. A cena
era tão familiar, tão intimamente esculpida em meu cérebro que perdi o
fôlego por alguns momentos. Jogada de volta ao tempo em que eu ainda
era uma criança com olhos novos e inocentes, vendo mamãe brigar com
seus namorados por nada e por tudo. Maldito Príncipe Encantado.
Finalmente, Josh surtou, e seu punho acertou a mandíbula de Lily.
Ela gritou, tropeçando para trás. O transe em que eu estava quebrou, e eu
corri.
— Ei, afaste-se dela! – eu andei e o empurrei para o lado, ajudando
Lily a se levantar. — Você está bem? – perguntei, sentando-a na cadeira.
Seu lábio estava aberto, sangrando, e seus olhos estavam molhados de
lágrimas. Ela abriu a boca para dizer algo, mas Josh gritou atrás de mim.
— Quem diabos é você?
Eu me endireitei, furiosa, com meu coração batendo mais rápido a
cada respiração. Eu tinha que salvar Lily. Eu simplesmente precisava.
Não havia outra opção. — O que eu acabei de te dizer? Afaste-se dela.
— E eu perguntei quem diabos você é. Essa é minha esposa.
— Sim, ela é sua esposa e está grávida de seu filho, e você acabou
de dar um soco nela. Então, novamente, fique longe dela.
Josh deu um passo mais perto, de alguma forma ficando mais alto,
mais malvado. Seu cabelo escuro e corpo corpulento me lembravam
tanto de Scott que arrepios surgiram na minha pele.
— Ouça... – Seus olhos escuros foram até o cartão de identificação
entre meus seios e a náusea subiu pela minha garganta. — Madison. Isso
não é da sua conta. Eu não quero machucar seu rosto bonito, então
desapareça.
Lily agarrou meu cotovelo por trás. — Madison... – ela disse com
uma voz rouca. — Vá, por favor. Eu posso lidar com isso.
A mesma coisa que minha mãe costumava dizer. Eu posso lidar
com isso. Posso cuidar de mim mesma. Se fosse verdade, ela não estaria
morta, a sete palmos debaixo da terra. Isso me deixou ainda mais
furiosa, cheio de lava furiosa.
Ignorando Lily, falei com Josh. — Você me acha bonita? O que
mais você acha?
Josh sorriu, me olhando de cima a baixo, fazendo minha pele
arrepiar. — Acho que posso fazer muito com um rosto bonito. Um
inferno de muito.
Lily endureceu atrás de mim. Eu ouvi sua respiração alta.
— Posso fazer um monte de coisas também. – murmurei, olhando-o
de cima a baixo.
Josh se aproximou, elevando minha repulsa as alturas. Um cheiro
distinto enjoativo pairou até meu nariz. Josh estava bêbado? Talvez não
totalmente bêbado, mas ele bebeu um pouco. Sério, o que havia com
homens e álcool? E por que acabei sendo eu quem sofria com isso?
O sorriso de Josh cresceu à medida que ele se aproximava de mim.
Ele estava tão perto que eu podia ver o fiapo na camiseta azul marinho
que ele usava. Olhei em seus olhos escuros e cheios de luxúria, mesmo
quando sua esposa estava assistindo tudo.
Fechei os meus punhos e os movi, tentando me aquecer para algo.
Preparando-me, movi meu punho para cima e bati no Josh sob o queixo.
Ele resmungou quando caiu de costas contra a mesa, derrubando a tela
do computador para o lado. Seguiu-se o estilhaçamento de vidro no
chão.
Uau! Isso foi espetacular. Na verdade, incrível pra caralho. Por que
eu não tinha feito algo assim antes? Como dar cabo de todos os homens
que cruzam o meu caminho. Uma justiceira perversa com problemas
com o padrasto/mamãe, esmagando homens como insetos.
Lily limpou a garganta atrás de mim. Eu me virei para encontrá-la
com os lábios pressionados, com a vergonha clara em seu rosto. Seu
segredo revelado agora. Não que fosse um segredo para mim, mas tudo
bem. Fiquei ainda mais irritada, mas antes que eu pudesse fazer qualquer
coisa, o idiota se recompôs e se lançou em mim.
— Sua puta do caralho! – ele agarrou meu cabelo, puxando meu
coque.
Ele me jogou na parede, e eu caí no meu braço. Uma dor aguda
reverberou em meu crânio, me fazendo estremecer. Eu queria gritar, mas
não lhe daria a satisfação. Lily gritou. Eu mal consegui entender o que
ela disse, já que Josh puxou meu cabelo novamente e me puxou da
parede.
Ok, vamos pausar aqui um segundo. Por que puxar o cabelo,
caramba? Isso machuca. Por que era tão atraente para os homens puxar o
cabelo de uma mulher o tempo todo? Arrancar meu braço teria
funcionado tão bem. Maldito filho da puta.
Josh me pressionou contra a mesa, jogando todo o seu peso em
mim. De alguma forma, dei uma cotovelada em seu estômago, fazendo-
o gritar.
— Quem você pensa que é? – Josh gritou, agarrando meu cotovelo e
cravando os dedos. — Você vai se arrepender disso.
Meus olhos lacrimejaram e meus ouvidos zumbiram. Passos soaram
ao fundo. Vozes distantes estouram a bolha da minha dor, me dando
força para lutar. Abrindo meus olhos, olhando para o mundo borrado
diante de mim, eu me debati contra seu aperto. Eu o chutei na canela
para movê-lo. Mas ele aguentou.
Até que as pessoas invadiram a área de recepção, correndo,
parecendo chocadas. James estava na frente, exibindo uma careta feroz.
Ele deu uma olhada em mim lutando contra Josh antes de atacar.
— Solte-a! – ele atacou, com sua voz alta e cortante. Através de
toda a dor e pânico, James me fez estremecer.
Josh me jogou para frente, e eu arqueei em direção ao chão, caindo
sobre minhas mãos e joelhos. Eu gemi, sentindo o som dos meus joelhos
batendo no chão. Então Lily estava lá comigo, me puxando do chão com
as mãos em volta dos meus braços.
— Você está bem? Ah, meu Deus! Você está sangrando. – ela tocou
minha testa, com seus dedos escorregando no sangue escorrendo da
minha ferida. Agora que eu sabia que estava lá, o corte ardeu. Eu não me
importei com isso embora.
— Você está bem? – perguntei a Lily, e ela assentiu, com seus olhos
ainda na minha testa.
A comoção atrás de nós nos fez olhar para trás. De alguma forma,
Josh e James acabaram em um emaranhado de braços, agarrando os seus
pescoços, puxando golas. Josh deu um soco em James, mas ele se
abaixou, agarrando o punho de Josh em sua mão e dando um soco
também. Ele atingiu Josh no nariz, virando sua cabeça para o lado. Ele
caiu de bunda com James de pé sobre ele, suas pernas separadas. Josh
tentou se levantar, xingando-o, mas vários homens estavam em cima
dele antes mesmo que ele pudesse endireitar as pernas. Depois disso,
isso foi uma série de gritos e farfalhar de roupas enquanto os homens
dominavam Josh e o mantinham longe de James.
Senti Julia se aproximar antes de vê-la. Ela se apressou, parecendo
exausta. Na multidão, seus olhos encontraram os meus onde eu estava
atrás do balcão da recepção. Então ela viu o caos ao redor – o círculo
aleatório de pessoas e vidros quebrados no chão, Josh pressionado
contra a parede, lutando para se libertar dos homens que o subjugavam
e, finalmente, James olhando para Josh.
— O que aconteceu aqui? – ela perguntou, parecendo incapaz de
decidir para quem olhar primeiro. O vidro estalou sob suas sandálias de
salto alto enquanto ela caminhava, parando na beirada da mesa. — Você
está sangrando. – ela exclamou, olhando para mim. — O que aconteceu?
Quem é ele? – ela se virou para olhar para Josh. — O que você fez com
ela?
— O que eu fiz? Ela é a vadia que ficou entre mim e minha esposa.
Ela me deu um soco na cara e soltou esses cachorros em mim. – ele
olhou para os homens segurando ele e James. — Eu não vou deixar isso
passar. Vocês todos vão pagar por essa merda. – Como se quisesse
provar seu ponto de vista, ele debateu seu corpo contra os homens.
— Acho que primeiro você precisa limpar o nariz, idiota. – eu
apontei para seu nariz sangrando e pingando.
Os olhos de Josh brilharam com raiva enquanto ele falava com Lily.
— A culpa disso é sua, Lily. Eu vou fazer da sua vida um inferno, você
me entendeu? A porra de um inferno vivo!
— Ei, você não toque nela, porra...
Lily agarrou meu braço, me impedindo de me lançar no bastardo.
Eu deveria ter dado um soco nele mais algumas vezes.
— Já basta! – Julia interrompeu. — Isso não é um ringue de boxe. –
ela balançou a cabeça para mim antes de olhar fixamente para Josh. —
Este é um resort familiar. Não é lugar para violência. Eu apreciaria se
você se abstivesse de ameaçar minhas funcionárias. – ela olhou para os
homens que o seguravam. — Por favor, leve-o para fora enquanto
chamo a polícia. E todos vocês, por favor, voltem ao trabalho ou
aproveitem seu dia. O drama acabou.
Josh foi carregado para fora, chutando e gritando, por vários
homens. Um deles era o careca que ajudava James no boxe.
Enquanto as pessoas se afastavam, meus olhos encontraram os de
James. Ele estava no canto, escondido ao lado do sofá de couro e da
parede. Quando ele se moveu para lá? Ele estava olhando para mim com
uma intensidade que me fez esquecer o mundo. Toda vez que eu olhava
para ele, ele conseguia me fazer esquecer as coisas que me fizeram quem
eu era. Solitária, egoísta, mesquinha. A vilã.
Lily cutucou o meu cotovelo, e eu olhei para ela. Ela arregalou os
olhos para mim, tentando me dizer algo, mas os meus pensamentos
estavam muito fodidos para entender o quê. Julia limpou a garganta, me
fazendo perceber que ela ainda estava aqui. Meus olhos se voltaram para
ela. Pelo jeito, ela estava me encarando o tempo todo enquanto eu
olhava para James.
Excelente. Apenas... excelente. O que estava acontecendo comigo?
Julia estava por perto, e eu não conseguia parar de cobiçar James, um
homem. Um homem. Parecia que eu estava sendo puxada em duas
direções.
— Se importa de me dizer o que aconteceu? Como você acabou
sangrando? Na verdade, vocês duas. – ela olhou para Lily e para mim
antes de se virar para James. — Estou supondo que o Sr. Maxwell teve
algo a ver com o nariz sangrando daquele homem.
— Ele atacou a Madison. – ele resmungou, como se fosse um
homem que vivia em uma caverna, não usava nada e comia folhas.
Porra... Homo sapiens, Neanderthal, ou algo de um livro de biologia que
eu nunca prestei atenção.
— E você o atacou também. – Julia comentou.
James permaneceu em silêncio, ofegante.
— Obrigada por ajudá-la, Sr. Maxwell. – Julia murmurou. —
Madison tem um jeito de se meter em encrencas. – ela deu a volta na
mesa para verificar meu ferimento, acariciando meu rosto, acariciando
meu cabelo, mas sua expressão estava toda errada. Seu rosto parecia
tenso, sério quando ela disse: — Talvez seja por isso que eu a amo tanto.
A atração que senti me obrigou a olhar na direção de James. A
pulsação em sua têmpora aumentou com as palavras de Julia. Ele estava
com ciúmes. Um arrepio percorreu meu núcleo, e esfreguei minhas
coxas para fazê-lo parar. Péssima decisão. Isso se intensificou.
— Desculpe-me. – disse ele e saiu.
Não, não vá. Engoli o pedido com força.
Com uma respiração funda, concentrei-me em Julia. Ela pediu a
Lily para contar a história. Enquanto Lily falava, Julia pegou uma caixa
de primeiros socorros de uma das gavetas de baixo da mesa da recepção
e cuidou do meu ferimento.
Eu queria dizer algo a ela sobre o olhar, mas não sabia o quê. Em
vez disso, me inclinei para frente e dei um beijo em sua testa. —
Obrigada.
— Acho que isso deve bastar. – murmurou Julia, olhando para cima
e sorrindo, mas a seriedade em seu rosto ainda estava lá. — Acho
melhor chamar a polícia. Você vai ficar bem sozinha hoje? – ela
perguntou a Lily.
Não dei a Lily a chance de responder. — Acho que Lily deveria
ficar conosco esta noite.
De onde isso veio? Não faço a mínima ideia. Mas eu queria que ela
estivesse segura mesmo que apenas por esta noite.
Peguei Julia desprevenida com minha oferta, mas ela concordou. —
Sim. Claro. Na verdade, se vocês meninas quiserem, podem tirar o resto
do dia de folga e descansar. Vou providenciar alguém para cobrir seu
turno.
Lily recusou. — Não, está tudo bem. Eu posso trabalhar. estou me
sentindo bem. E não quero me aproveitar a vocês. Agradeço a oferta,
mas ficarei bem.
— Não, não. Você vai ficar conosco. Para minha própria paz de
espírito, ou não vou conseguir dormir esta noite. – Julia sorriu. — Eu
vou sair e verificar as coisas. – ela apertou meus ombros e saiu.
Lily olhou para mim com um sorriso confuso. — Eu odiava
geometria na escola.
— Ok. – eu não tinha ideia do que ela queria dizer com isso. —
Então acho que é bom que tudo que você tem a fazer é checar as pessoas
e responder suas perguntas estranhas sobre onde fazer xixi e onde
comer.
Ela riu. — Eu sei. De qualquer forma, por mais que eu odiasse
geometria, estou amando seu triângulo. Muito mais divertido.
— Que triângulo?
— Você sabe, você, James Dean e Julia. – ela ficou contemplativa.
— Você gosta de trios?
— Você está se oferecendo?
— Pare de dar em cima de mim.
— Pare de gostar tanto.
Nós estreitamos nossos olhos uma para a outra.
Ela cedeu. — Tudo bem.
— Tudo bem.
****
Era crepúsculo, com o céu da cor de laranja queimado. Fiquei na
beira do lago com pessoas circulando. Passei o dia fazendo rondas nos
chalés e verificando esporadicamente como estava Lily. Ela parecia
bem, como sempre, contando piadas, rindo. Eu não acreditei nela. Mas
se ela quisesse manter a fachada, eu deixaria.
Finalmente, encontrei o que estava procurando: James e Katie
saindo do barco que acabara de atracar. Katie tropeçou e estava prestes a
cair, mas James abaixou e a pegou, beijando sua testa. Ele a ergueu,
fazendo-a rir.
— Faça de novo, papai.
Ele fez, e sua própria risada se juntou à de Katie. Sua gargalhada
enferrujada me fez pensar sobre seu riso. Alguma vez ele riu com
abandono, ou ele apenas pensou em seu caminho pela vida? Eu escolho
o último, por razões óbvias.
Os olhos de Katie pousaram em mim, e ela saiu dos braços de
James, pulando.
— Madison! – ela correu até parar na minha frente. — Você viu
como papai deu um soco naquele cara hoje? Ele parecia algum tipo de
super-herói, certo?
James caminhou até nós, com as mãos dentro dos bolsos. Sorri para
Katie. — Sim. Exatamente como um super-herói grande e forte.
Entrando em ação e salvando pessoas.
— Eu sei. – Katie exclamou. — Foi tão incrível. Lembra como você
me disse para socar os garotos se eles fossem malvados comigo? Eu
queria dar um soco naquele homem mau, mas papai me pediu para ficar
parada, então não dei. Mas posso, da próxima vez? Eu vou fazer isso
bem, também. Vê? – ela fechou os dedos com o polegar para dentro.
Eu soltei seu polegar e o trouxe para fora.
— Você não socará ninguém. – disse James para Katie, acariciando
sua cabeça. — Fizemos um acordo, lembra? Se houver um problema,
você me fala.
Katie bateu o pé, mas então uma garota da idade dela com tranças
loiras chamou seu nome e ela correu em sua direção.
James ainda estava observando Katie quando falei. — Obrigada por
me salvar. Mas não sou uma donzela em perigo. Eu sou mais como uma
daquelas super-vilãs malucas, sabe. Como uma daquelas cientistas
insanas.
— Acho que você não tem cabelo para isso.
Eu dei uma gargalhada. — Você também faz piadas. Existe alguma
coisa que você não pode fazer? Agora estou totalmente derretida como
uma donzela em perigo.
— Vou tentar não pisar na sua poça enquanto eu for embora.
Meus lábios se abriram em um sorriso preguiçoso – preguiçoso e
provocante. — Você está com sorte, não é? Sério, você deveria parar. Eu
posso começar a gostar de você. – eu arregalei meus olhos. — Imagine o
horror!
Seus olhos percorreram meu rosto, com algo totalmente triste neles
e suas olheiras tremendo. Mas eu não podia ter certeza. Ele os abaixou
cedo demais. — Certamente me lembrarei disso.
Um desejo estúpido de se aproximar e acariciar os contornos de seu
rosto prendeu a minha respiração. Forçando-me a respirar novamente,
murmurei: — Você deveria ter ficado lá atrás. Eu teria cuidado daquilo,
mesmo que eu não goste de você. – Com o queixo, apontei para as mãos
nos bolsos.
Os olhos de James se voltaram para o hematoma enfaixado na
minha testa. Eu já tinha esquecido que estava lá. Ele franziu a testa
enquanto o observava. Ele estava se lembrando de como Julia se
importava comigo? Ele ainda estava com ciúmes? Uma forte dose de
emoção desceu direto para o meu estômago.
— Acho que você precisava mais. – ele disse finalmente, sem
nenhuma inflexão.
Inclinando minha cabeça para o lado, eu fiz beicinho. — O que é
isso que vejo em seus olhos, James? Você é ciumento? Vamos lá, Julia
estava apenas sendo Julia. Cuidando de mim. Fazendo-me sentir melhor.
Ela é minha namorada, você sabe. É o trabalho dela. Vamos, não fique
com ciúmes. – Por que era tão divertido irritá-lo?
James balançou a cabeça, e o seu cabelo crescido caiu até as
sobrancelhas, fazendo-o parecer um garoto. Não havia nada de garoto
nele, no entanto. Nem mesmo um pouco. Sua voz grave quebrou a ilusão
de que ele era um garoto. — Acho que você deveria consultar um
médico para essa concussão que você tem.
Eu estreitei meus olhos. Por que ele não estava reagindo? Sua calma
estava irritando meus nervos. Endireitei minha coluna e me aproximei
dele, dando um passo de cada vez, com meus tênis fazendo ruído no
chão encharcado de água. Aqui o cheiro do lago era forte, tão forte que
mascarava o cheiro de James. Não gostei nem um pouco.
Parando diante de um James de aparência cautelosa, murmurei: —
Só depois que você me mostrar o seu dano.
Estendi as mãos e tirei suas duas mãos dos bolsos. Seus dedos
estavam vermelhos e com um milhão de arranhões minúsculos. O boxe
estava a cobrar-lhe um preço. As marcas pareciam linhas interrompidas
do destino. Um mapa para sua dor, talvez até mesmo esse grande e
obscuro segredo dele. Nunca fui boa em geografia. Quem se importava
com a direção leste? O sol nasceria, de qualquer maneira. Mas eu queria
estudar o mapa de sua pele.
Circulei meus dedos em torno de suas cascas de feridas. Seu peito se
moveu enquanto eu puxava os pequenos pelos de sua pele. Olhei em
seus olhos, e o cinza foi lentamente substituído pela escuridão da
excitação. Ele gostou. Ele gostou da dor.
— Onde está seu anel de casamento? – perguntei, notando que seu
dedo anelar estava vazio.
Ele enrijeceu enquanto tentava tirar sua mão do meu aperto, mas eu
segurei firme. Não que eu fosse páreo para ele, mas ele desistiu quando
entendeu que eu não deixaria isso passar.
— Usar não parecia mais certo. Não depois... de tudo.
Ele não olhou para mim ao dizer isso, desviando os olhos para além
dos meus ombros, em direção a algo desconhecido. A vergonha estava
estampada em todo o seu rosto, seus ombros estavam curvados e seus
lábios franzidos. Ela morreu por minha causa. Deveria ter sido eu.
— Você gosta, não é? A dor. – eu deliberadamente esfreguei um
dedo avermelhado para chamar sua atenção.
Ele desviou seus olhos de volta para mim, ainda cinza escuro como
aço. — Mais do que deveria.
Mordi meus lábios, e ele contraiu a mandíbula com o meu gesto
provocativo. — Está doente, James. Realmente, muito doente. Mas acho
que já sabia disso. A maneira como você espancou aquele saco de boxe
é reveladora. E intenso.
Nossas respirações estavam altas e hesitantes. Estávamos tão perto
que todo o resto parecia distante. Inacessível. Respirei fundo, enchendo
meus pulmões com seu cheiro característico de terra molhada e grama
cortada.
James engoliu. — Eu nunca tinha socado um homem antes desta
manhã.
— Nunca? – perguntei, chocada. — Nem mesmo no ensino médio?
Nenhuma donzela para salvar? A honra de ninguém para proteger?
Ele me deu um pequeno, embora triste sorriso. — Aparentemente
não.
— É. Então, junto com seu humor, trago à tona o complexo de
super-heróis também? Estou totalmente sem chão.
— Eu não preciso de uma cueca vermelha e uma capa para isso?
Eu rio novamente. — Acho que podemos fazer isso acontecer
contanto que você a use por cima da calça. Então...
— Então? – ele sorriu.
— De que cor é? Sua roupa intima, quero dizer.
Seu peito arfou com a minha pergunta. — Eu... não é...
— Tudo bem, vou te contar a minha. Rosa. Estou usando calcinha
rosa. Agora é sua vez. – eu ri de sua expressão espantada. Jesus! Ele
realmente não sabia como flertar, não é? Pobrezinho.
— Rosa não parece ser a sua cor.
Encolhi os ombros. — Eu sei. Você me pegou. Não estou vestindo
nenhuma. – Obviamente, eu estava. Embora fosse calcinha preta de
algodão. Ele não precisava saber disso. Deixe-o me imaginar em um
maldito baby doll rosa. Isso fez os homens imaginarem. Sem exceções.
James tentou se afastar, mas agarrei suas mãos com força, passando
meus dedos sobre seus dedos machucados. Sua pele estava quente ao
toque, como se estivesse pulsando por dentro. Como se conhecesse meu
toque, a mulher por quem ele deu seu primeiro soco.
— Você não deveria ter desperdiçado seu primeiro soco com uma
mulher que você diz que nem gosta. Vê, você está se afogando em suas
próprias mentiras, James. Você gosta de mim.
A versão tímida e juvenil de James se foi, substituída pela versão
mal controlada e perigosa. Era como se um interruptor fosse acionado
toda vez que eu dizia a palavra mentira. Era sua única fraqueza, o
calcanhar de Aquiles desse super-herói. Ele virou as mãos e agarrou
meus pulsos, me puxando para mais perto dele, apertando meus pequeno
ossos. Rangi os dentes contra a dor repentina.
Seu aperto aumentou. — Talvez eu tenha te salvado porque eu
mesmo queria te machucar.
O calor do sol me atingia, espalhando-se pela a minha pele,
misturando-se com o meu sangue, aquecendo-me da cabeça aos pés.
Aperte com mais força. Faça doer. A dor era boa, tão boa que um pouco
mais, e eu me perderia nela.
Recompondo-me, eu disse: — Mas um monstro não vai salvar
alguém para começar. Eu te disse, você é humano. – Meu polegar fez o
seu caminho para a junção de seu dedo e palma, e eu arranhei a pele
delicada com minha unha. James gemeu, a primeira reação externa de
sua parte. Suspirei de prazer.
— E você ainda é uma gata. – ele sussurrou, com os seus olhos
olhando a minha boca, deixando os meus lábios pesados e formigando,
parte de mim que parecia separada, carente e morrendo de vontade de
ser tocada. Eu queria que ele me tocasse, me beijasse.
Ficando na ponta dos pés, me aproximei, com os nossos lábios
entreabertos e nossos peitos quase se tocando. Beije-me, eu queria dizer.
Porque nada mais importava naquele momento. Eu não conseguia pensar
em uma única razão pela qual não deveria fazer isso.
Mas então ele se afastou, parecendo horrorizado. Passando a mão
pela bagunça descuidada de seu cabelo, seus olhos pousaram no lago um
pouco demais antes de desviar para mim. Eles estavam adulterados pela
raiva, não com o aço escuro da excitação.
Sem uma palavra, ele se afastou. Fechei minha mão em decepção
raivosa.
Maldito James.
****
Julia e eu nunca recebemos convidados. Ela estava muito ocupada
com o trabalho, e eu estava muito ocupada com... você sabe, alguma
coisa. Então, ser a anfitriã da Lily foi estranho para mim. Um pouco
assustador também.
Como Julia ainda não estava em casa, pedi pizza. Estávamos em
casa há uma hora, nos revezando no banho, vestindo pijamas. Lily não
tinha nenhuma de suas roupas com ela, então eu emprestei as minhas.
Bem, as que eu comprei em brechós, as folgadas que eu nunca usei. Eu
só as comprei para me sentir mais perto de mamãe, do jeito que ela
esteve em seus últimos dias, grávida e exausta. Eu negaria por fora, mas
eu tinha um lado sentimental.
Na sala, encontrei Lily sentada no sofá com uma tigela de cereal na
barriga enquanto trocava os canais na TV. Sem saber o que fazer, sentei
na outra ponta do sofá.
— Ei, me servi de alguns cereais enquanto você estava no chuveiro.
Espero que você não se importe. – ela disse, em torno da colher do dito
cereal.
Encolhendo os ombros, eu disse: — Está tudo bem. – Não era o
meu cereal de qualquer maneira. Eu nunca toquei nessas coisas.
Lily desligou a TV e se virou no sofá para me encarar.
— O que?
— Me conte algo. – ela deu uma colherada no seu cereal, me dando
um aceno encorajador.
— O que?
— Qualquer coisa. Conte-me sobre a chefe.
Eu coloquei minhas pernas em cima no sofá e envolvi meus braços
em volta dos joelhos, o tempo todo olhando para ela como se ela tivesse
enlouquecido. Talvez ela tivesse depois do que aconteceu nessa manhã.
— O que tem ela? Não há nada para contar.
— Diga-me como vocês se conheceram. Amor à primeira vista?
— Você bateu a cabeça com muita força? Que perguntas estranhas
são essas?
Ela riu. — Não são estranhas. Estou apenas conversando. O que
mais há para fazer?
— Eu não sei, assistir TV talvez.
Lily ergueu a mão, me impedindo de falar mais. Colocando a outra
mão na barriga, ela disse com voz grave: — Lindsey falou. Ela diz que
precisamos jogar um jogo. – Fechando os olhos, ela esfregou a mão na
barriga inchada por alguns segundos. — Ah, tudo bem. Ela diz que
precisamos jogar verdade ou desafio.
— Eu realmente não acho que Lindsey possa falar daí.
— Ah, cale a boca. Ela pode falar. Eu a ouço o tempo todo. Agora
vamos jogar. Quanto difícil isso pode ser? Vamos brincar até a comida
chegar.
— Tudo bem.
— Perfeito. – ela se aproximou de mim. — Você já jogou este jogo
antes, certo?
— Sim. Mas ficar chapada e dar uns amassos costumava ser muito
mais divertido do que contar verdades.
— Você está dando em cima de mim de novo? É por isso que você
me convidou esta noite.
— Como desejar. – eu sorri. — Mas certamente podemos fazer isso
se é isso que você quer. Deixe o amasso começar.
Rindo e revirando os olhos, Lily se acomodou no sofá, com seus
pequenos pés espreitando sob seu corpo grande. — Ok. Então, primeira
pergunta, como vocês se conheceram e se apaixonaram?
Eu me sentei no meu lugar e a encarei. — Por que é a minha vez? E
eu nem consegui escolher entre verdade e desafio.
— Ah, cala a boca! Escolha desafio para a próxima vez. – ela
esfregou a barriga novamente. — Então continue com a história.
Balancei minha cabeça para ela. — Nos conhecemos no salão onde
eu trabalhava. Eu não sei, nós apenas nos vimos e foi isso. Fomos em
alguns encontros, e então acabei indo morar com ela depois de algumas
semanas. Fim da história.
— Uau. Isso foi chato. – disse ela. — E daí, você sabia que estava
apaixonada depois de apenas alguns encontros?
Apaixonada. Eu não sabia o que era isso. — Não. Eu sabia que
precisava dela para sobreviver e ela precisava de mim também. Era mais
do que amor ou desejo. Era uma necessidade. Ainda é.
Lily ficou séria. O brilho falso em seus olhos desapareceu,
deixando-os vazios. Assim como a da minha mãe. Ele atravessou meu
peito.
— De qualquer forma, agora é a minha vez. – disse Lily, tentando
soar alegre. — E eu escolho... ou melhor, Lindsey escolhe... a verdade.
Só havia uma pergunta para a qual eu queria saber a resposta. —
Por que você fica com ele?
Lily se acalmou. Esta foi a primeira vez que qualquer uma de nós
reconheceu que algo estava errado em seu casamento. Alguns segundos
depois, ela disse: — Sabe, quando começamos a namorar, no ensino
médio, as mãos dele estavam sempre quentes. Eu pegava suas mãos e as
pressionava contra minhas bochechas. Era estranho. As pessoas olhavam
para nós de forma engraçada, mas eu não me importava. E nem ele. – ela
riu. — Lembro-me de deslizar suas mãos nas minhas quando ele me
pediu em casamento. Esse calor respondeu minhas perguntas sobre o
futuro. Talvez fosse algum vodu ou algo assim. Quem sabe? Mas me
senti segura. Mas agora, suas mãos estão sempre frias. Mesmo no verão.
Mas às vezes no meio da noite ou em algum momento totalmente
aleatório, suas mãos aquecem novamente. – ela suspirou. — Acho que
fico por isso. Por aquele calor vodu.
Seus olhos ficaram vidrados e os meus também. Um caroço
irregular pressionou contra minha garganta. Bem, merda. Não deveria
ter perguntado a ela se eu ia ficar mole. Mas não sabia como me conter.
Eu nunca poderia, realmente.
Por que você fica com ele, mãe?
Porque o amo. Você vai entender algum dia, Maddy. Eu prometo.
Eu pensei neste momento, eu entendi. O amor era tóxico, brutal. Ele
machuca. Ele destruía. Prefiro ter um gato e depois esquecer de
alimentá-lo. Ou eu passaria minha vida com Julia e me tornaria uma
viciada em pílulas.
Uma sensação estranha envolveu meu coração e apertou com o
pensamento de não amar.
Lily limpou a garganta. — Então... sua vez. Lindsey diz que escolhe
desafio desta vez.
Piscando os olhos, limpei a umidade neles. — Acho que seu bebê
está manipulando o jogo.
Ela riu e começou a me desafiar.
Cerca de meia hora depois, nós duas estávamos encharcadas da
cabeça aos pés em água com sabão, a cozinha estava uma bagunça de
poças, e a abertura da porta da frente soou acima de nossas risadinhas
bobas. Eu não podia acreditar que estava usando “risadas bobas” e eu na
mesma frase. A vida era estranha pra caralho.
Julia apareceu na entrada da cozinha, onde Lily e eu estávamos
perto da bancada. Ela observou nossas aparências com uma leve careta.
— Olá senhoras. Suponho que haja uma razão para estar encharcadas?
Lily sorriu. — Oi, Julia! Estávamos apenas, você sabe, sendo
estúpidas. Sinto muito por arruinar sua cozinha. Vou limpá-la mais
tarde, prometo.
Julia acenou com a mão. — Não há necessidade. Está tudo bem.
Mas como você se sente? Alguma dor?
— Não, eu me sinto bem. E eu agradeço por você me deixar ficar
aqui. – ela cutucou meu braço. — Estou me divertindo com Madison. Eu
gostaria que pudéssemos fazer isso com mais frequência.
Eu ri e caminhei até Julia, me abaixei e beijei sua bochecha com
lábios frios e úmidos. — Bem-vinda. – eu queria um beijo forte e
obsceno, mas com Lily por perto, me contentei com um pequenino.
— Obrigada. – ela sussurrou com a mesma expressão séria que ela
tinha mais cedo nessa manhã. — Não ouço sua risada há... uma
eternidade, eu acho. É legal.
Era estranho, mas o descontentamento dela me deixou com mais
tesão. Talvez eu quisesse convencê-la da minha lealdade depois que ela
me pegou olhando para James. Porra. Eu não queria pensar nele quando
minha namorada estava se sentindo insegura.
— Então, pedimos pizza. Você quer se juntar a nós? – eu sorri,
tornando minha voz suave. Parecia que as mesas estavam viradas. Fui eu
que me certificava de que ela estava bem, como ela havia feito tantas
vezes comigo. Parecia... sim, estranho. Essa foi a única palavra que
consegui pensar.
— Não posso. Eu sinto muito. Preciso ir à cidade para uma reunião
com a diretoria. Estarei de volta amanhã à tarde a tempo para o encontro
de sábado. Mas vocês devem continuar. Voltei para fazer as malas. – ela
me deu um pequeno beijo nos lábios e caminhou até o quarto.
Eu a observei ir embora, desapontada.
— Ok, você pode me ver? – O olhar de coruja de Brandon piscou na
tela.
— Não. – eu disse a ele.
— O que? – ele franziu a testa, olhando para o que assumi ser o
teclado de seu computador e instantaneamente começou a clicar nos
botões. — Qual o problema, cara?
Meus lábios se contraíram em um sorriso. — Eu posso te ver bem,
Brandon.
Ele me encarou, chocado. — Sério, Dr. M, às vezes me assusta o
quanto sério você parece enquanto brinca. É bizarro, acredite em mim.
Balançando a cabeça, eu sorri. — Onde está Mason?
— Aqui. – gritou Mason enquanto corria para o computador e se
sentava, com seu jaleco mais amarelo do que branco. O que esses caras
fizeram com essas coisas?
— Então você tem os resultados da PCR? – perguntei, me mexendo
na banqueta na bancada da cozinha.
Sempre senti um tipo de nervosismo antes de olhar para os
resultados. Mais ainda desde que o Mase e o Brandon começaram a
trabalhar comigo. Eu queria que eles vissem a ciência e o trabalho duro
de uma forma positiva, em vez das lutas que enfrentei no início da
minha carreira. Eu sabia que não poderia protegê-los de decepções. A
ciência não funcionava assim. Mas eu certamente tentaria.
Eles exibiram uma imagem dos resultados na tela e eu perguntei: —
Então, o que estamos vendo?
Brandon destacou as áreas de interesse na tela antes de dizer: —
Acho que definitivamente temos algo, em algum lugar por aqui.
Ele abriu um sorriso, e depois de analisar os resultados por alguns
segundos, meu sorriso combinava com o dele. — Sim, está aí. Eu
definitivamente posso ver isso.
Ele riu. — Eu sei, não é? Está tão fodido, Dr. M. Acho que vou
cagar nas calças.
Eu ri. — Vou deixar isso porque... – eu balancei minha cabeça, mal
acreditando. — Vocês fizeram isso.
— Você acha que podemos colocar isso em experimentos clínicos?
— Isso está muito longe no futuro. – eu ri. — Primeiro, precisamos
executar novamente este teste.
— Já estou tratando disso. – disse Brandon.
Olhei para Mason, que estava sentado em silêncio, olhando para a
tela. — O que está acontecendo, Mason? O que há de errado?
— Nada. – ele murmurou.
Brandon deu uma cotovelada nas costelas. — Ele brigou com a
namorada. E pergunte a ele por quê.
Eu fiz uma careta. — Por quê?
Brandon não deu a Mason a chance de explicar. — Porque ele a
traiu. Com uma garota que ele pegou em uma festa, e quando sua
namorada o viu mandando ver3, ela gritou e saiu. Ele deveria estar
agradecido por ela não ter quebrado seus ossos ou algo assim. Tara é
faixa preta.
Levantando meus óculos com o dedo indicador, tentei entender isso.
— Não sei nem por onde começar. Primeiro, você pegou uma garota em
uma festa e fez sexo casual. Você traiu sua namorada. Por que você faria
isso?
— Estava bravo com Tara. Tivemos uma briga. – explicou Mason.
Esfreguei minha testa, sentindo-me mais aborrecido a cada segundo.
— Você, hum, você sabe, você usou proteção?
Mason ficou vermelho. — Sim.