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"I waited here tonight for you to come

But your love just disappeared


I'm waiting in the dark for miracles
But miracles don't happen here."
Miracles - Stone Sour

IMPORTANTE: É necessário ter lido o capítulo 33 de Bite Me.

null’s POV

(N/a: Música da fic: Wicked Game, versão do Adam Gontier, do Three


Days Grace)

Eu nunca entendi o Natal.

Deve ser divertido para quem tem uma grande família que se reúne na noite
do dia 24 de dezembro ou algo do tipo. Quero dizer, comida, presentes... Não
é que eu não entenda da onde deve vir a empolgação com a data, apenas
desconheço essa empolgação. É realmente por causa da comida e dos
presentes? Ou é algo mais? Filmes e especiais de Natal parecem se esforçar
bastante para vender a ideia de que o que realmente importa é a família, os
amigos, a sensação de pertencer a algum lugar, de estar rodeado por aqueles
que te amam e te entendem. E, embora eu tivesse algumas pessoas que me
amavam, era diferente. Eu era diferente. Nunca me senti capaz de estampar
um sorriso no rosto e comemorar algo que pra mim não fazia sentido. Eu não
conseguia tomar parte na “magia” do Natal, seu amor, sua paz... Seus
milagres. Resumindo, eu realmente não conseguia entender a graça daquela
data.

Talvez porque o Natal na Organização fosse algo esquisito.

Pra começar, nós não tínhamos a típica ceia em família. Como o prédio
funcionava como residência para todos, éramos forçados a passar a data
juntos. Colocar centenas de pessoas em volta de uma mesa não era algo
possível, então ao invés disso tínhamos uma “Festa de Natal”, que só se
diferenciava de uma festa normal pelo cardápio e a decoração natalina.
Tínhamos algumas árvores espalhadas pelo salão, guirlandas, papais noéis
nas mais diversas formas, velas, estrelas, renas...

E viscos1. Malditos, horrorosos viscos.

Ele a havia beijado. Paris. null havia beijado Paris.


Não beijado de verdade, mas mesmo assim. Os viscos estavam por toda a
parte e os dois haviam ficado embaixo de um. Eu tinha certeza que ela havia
armado a situação de alguma forma, mas não havia visto como. Os perdera de
vista por um segundo e quando os achei já era tarde demais.
Sim, eu os estava observando, escondida no meu canto como uma boa
perseguidora. Não era minha culpa, eu só não era capaz de me controlar. Não
havia planejado aquilo, mas quando ele apareceu... Foi mais forte que eu.
Parte de mim acreditou realmente que null não iria se dar ao trabalho de vir,
mas eu estava enganada. Ele estava na festa e eu odiava isso. Dessa vez,
porém, o que eu odiava não era a presença dele, e sim o fato de ele ter
conversado com ela, dançado com
ela... E, mais do que tudo, eu odiava a
forma como ela o fizera rir. null nunca havia rido daquele jeito comigo. Saber o
motivo daquilo não fazia a situação me incomodar menos.
Eu estava com ciúmes. Claro que estava com ciúmes, ele era meu. Exceto
pelo fato de não ser mais, porém parte de mim parecia estar ignorando
totalmente o fato. Eu havia dado um fim ao que tínhamos, mas não conseguia
parar de vê-lo como se pertencendo a mim. Era totalmente irracional, mas era
a verdade. Eu não gostava de vê-lo com outra. Não gostava que tocassem no
que era meu.
O beijo não havia sido um beijo de verdade. Quando ele viu o visco, apenas
sorriu para ela e beijou o canto de seus lábios. Não havia sido nada demais,
mas eu preferia não ter visto aquilo. A raiva e o embrulho no estômago que a
cena me causou não eram uma boa combinação.
- Gostando da festa? – perguntou Tara, aproximando-se de mim. Eu estava
embaixo da escada que levava ao andar superior do salão, recostada contra
uma das pilastras que a apoiavam. No começo havia me sentido um pouco
mal por estar isolada e evitando meus amigos, mas eu não era uma boa
companhia no Natal. Ou em qualquer outra data, se você quiser ser
brutalmente honesto.
- Tendo o pior Natal da minha vida, na verdade. E você? – eu perguntei, dando
um longo gole na minha taça de vinho. Para meu extremo desespero, não
estavam servindo nada mais forte que aquilo. Não tinha problema, no entanto.
Eu estava disposta a me embebedar com aquilo mesmo, se fosse preciso.
- Já tive piores. – disse ela, tomando um gole de sua própria taça. Algo
naquela cena parecia muito, muito errado.
- Você não pode beber. – eu disse, franzindo as sobrancelhas.
- Por que diabos não? – perguntou ela e eu arregalei os olhos. Aquela garota
parecia com Tara, mas definitivamente não falava como Tara.
- Porque você é você. – eu disse, sendo o epítome da lógica e dos bons
argumentos, como o de costume – Você é... Fofa. Gente fofa não bebe. O
álcool não deixa as pessoas serem boazinhas.
- Não passa pela sua cabeça que esse talvez seja meu ponto? – perguntou
ela, sorrindo um pouco – Não é legal ser boazinha o tempo todo. As pessoas
começam a assumir coisas sobre sua personalidade, como você acabou de
fazer. Aí você desenvolve essa ideia idiota de que tem que se conformar com
as expectativas dos outros e perde a capacidade de fazer o que bem entende.
Aí pra ter coragem de dizer tudo o que pensa, precisa beber. É um ciclo
vicioso.
Eu assenti, entendendo bem o que ela queria dizer. Meu problema nunca
havia sido ser boazinha demais, mas eu sabia o que era se conformar às
expectativas alheias e sabia como era bom ter uma desculpa para fugir daquilo
de vez em quando. Com isso em mente, voltei a encarar meu antigo
mecanismo de fuga da realidade.
- Ele não gosta dela, sabe. – disse Tara, de repente, seguindo a direção do
meu olhar. null agora estava conversando com os Cromwell, porém Paris
continuava por perto, como uma cobra o cercando – Não de alguma forma
especial.
- E por que você acha que eu me importo? – eu perguntei, desviando meu
olhar imediatamente.
- Você não precisa mentir pra mim, null. Acho que nos últimos tempos tivemos
conversas o suficiente sobre isso para você ter percebido que eu sei de algo. –
disse Tara, encarando-me como quem não tem tempo para bobagens. Estava
começando a achar que a coragem líquida da garota não seria algo bom para
mim – Há alguma coisa entre vocês dois, eu sei. Sei dos sentimentos de null.
Sei da falta dos seus. Mas você não precisa me explicar nada. Não quero
detalhes, não preciso entender exatamente no que a relação de vocês
consiste ou consistia. Se quiser, inclusive, posso seguir em frente fingindo que
não sei de nada. Não precisamos falar sobre isso se você não quiser. Eu só
acho que... Bom, você parece mal. E meu palpite é que null é a pessoa que
poderia te deixar melhor, se você permitisse. Estou certa?
Em qualquer outra noite eu não teria respondido. Aquela, porém, era diferente.
Eu não conhecia a empolgação do Natal, mas conhecia sua melancolia.
- Ele é ruim pra mim, Tara. – eu disse, suspirando. Talvez fosse o álcool, talvez
fosse a solidão, mas eu senti vontade de desabafar com alguém e sabia que
podia confiar em Tara. Não iria dizer muito, mas precisava dizer aquilo – E eu
definitivamente sou ruim pra ele. A coisa toda não é saudável.
- Talvez o que é ruim não passe do modo como vocês estão lidando com a
situação. – disse ela – Eu acho que vocês poderiam ser ótimos um para o
outro se fizessem tudo certo. Se respeitassem um ao outro. Mas ele não luta
por isso e você não deixa que aconteça. Você tem medo, não tem? Medo de
que se abaixar a armadura em volta do seu coração null vai dar um jeito de
invadi-lo?
- Meu coração não tem uma armadura, Tara. Ele é uma armadura. E faz muito
tempo que não é capaz de nada a não ser de bater. – certo, o vinho devia
estar começando a adiantar mesmo. Se eu já havia sucumbido àquele tipo de
drama barato, já estava além da sobriedade.
- Não seja tão pessimista. – disse Tara – Você passa tanto tempo vendo o pior
em tudo que é incapaz de reconhecer as coisas boas que aparecem na sua
vida.
Eu não devia estar dando todo aquele espaço à garota. Era sobre mim que
estávamos falando e eu não fazia aquilo. Não deixava que os outros me
analisassem, não me expunha para ninguém. Mas era Tara. Doce, inocente
Tara. A garota que nunca julgava ninguém por nada.

Eu estava um pouco bêbada e bastante triste. Por que não aceitar a ajuda da
única pessoa que realmente queria me ajudar?

- Tara, se você acha que ter null na minha vida é algo positivo... Você
realmente não sabe muito sobre nós. – eu declarei, revendo em minha mente
vários dos meus “melhores” momentos com null. O que tivéramos, e de certa
forma ainda tínhamos, não era algo bonito. A essência de nossa relação era
uma competição para ver quem conseguia machucar mais o outro. Tudo o que
fazíamos quando estávamos juntos era brigar e depois usar um ao outro para
fugir da realidade. Eu usava o corpo dele para esquecer que eu não me
amava. Ele usava o meu para esquecer que eu não o amava.
O que tínhamos era envolvente, sim, porém doentio, e eu não queria me ver
arrastada para aquilo novamente. Mas ao pensar no modo como eu o havia
observado de longe a noite inteira, precisava admitir que eu talvez nunca
tivesse realmente conseguido rastejar para fora daquele lamaçal.
- Como eu disse, tudo depende do modo como vocês lidam com a situação.
Vocês só estão se machucando porque ele é um idiota e você se recusa a
abrir seu coração. Não quer arriscar, não quer se aproximar dele, então só vê
o lado ruim da situação. Boa parte disso tudo depende apenas da sua
vontade. – ela suspirou, enquanto contemplava a taça que segurava – Imagine
uma vela. Você pode usá-la para iluminar um quarto ou incendiar uma casa.
Não é culpa do fogo, entende? O que determina se ele é bom ou ruim é o uso
que você faz dele. É a forma como o enxerga e trata.
- Já disse que odeio metáforas? – foi minha única resposta, enquanto eu
virava outro gole de vinho, inutilmente. Nem todo o álcool do mundo deixaria
aquela noite mais agradável. Engraçado, eu sempre pensei que era a bêbada
feliz, não a deprimida.
- Não. Mas vou adicionar isso à infinita lista de coisas que você odeia. – disse
Tara, com um sorriso. Se esse comentário tivesse vindo de qualquer outra
pessoa, o infeliz em questão não teria sido capaz de manter os dentes colados
à gengiva. Tara, porém, era uma exceção. Eu não conseguia me irritar de
verdade com aquela garota.
- Touché. – eu disse, rindo e voltando a observar o resto da festa. Avistei Paris
rapidamente, conversando com um grupo de pessoas que eu nunca me
interessara em conhecer. null, porém, parecia ter sumido.
Dependendo do ponto de vista, alguém poderia dizer que a festa estava ou no
seu ponto alto ou no seu ponto baixo. Quando as primeiras pessoas haviam
começado a chegar, cerca de cinco horas atrás, o local havia sido a definição
de elegância. Todos arrumados, trocando cumprimentos e personificando as
noções hipócritas de amor a todos e paz na terra que a data parecia trazer.
Agora, porém, já passavam das duas da manhã e a maioria dos presentes
havia se embebedado e se esfregavam uns nos outros na pista de dança.

Oh, o espírito natalino.

Não que eu pudesse dizer muita coisa, claro, já que também não estava no
momento mais sóbrio da minha vida. “Bêbada”, no entanto, era uma palavra
forte. Eu ainda não havia matado Paris nem me jogado para cima de null,
como na última vez, então podia dizer com segurança que estava sobre total
comando de minhas faculdades mentais. Havia, porém, bebido o suficiente
para ficar emburrada em um canto julgando as pessoas e revelando a Tara
coisas que devia guardar para mim. Enquanto a primeira parte era algo que eu
talvez me visse inclinada a fazer mesmo sóbria, a segunda era a prova de que
o álcool estava sim tendo certo efeito sobre mim.
Aproveitei alguns segundos de silêncio confortável com Tara enquanto
procurava pelo vampiro desgraçado. O que eu mais gostava naquela garota
era o fato de que ela não parecia ter aquela necessidade irritante que algumas
pessoas têm de preencher o silêncio com conversas estúpidas. Tara só falava
quando tinha algo importante para dizer. O problema é que esse “algo”
geralmente tinha o poder de me deixar desconfortável.
- Ah, não. – eu disse, quando no segundo seguinte os primeiros acordes de
Seven Nation Army, do White Stripes, começaram a vir da caixa de som – Não
essa música.
- Não gosta? – Tara perguntou.
- Pelo contrário. Essa porcaria sempre me deixa meio excitada. – eu revelei.
Já havia falado tanta idiotice naquela noite, por que não aquilo?
- Isso certamente é interessante. – uma voz respondeu, mas não foi a de Tara.

null havia chegado por trás de mim, na direção oposta a da loira.

Eu odeio a minha vida.

- Só o que eu precisava para melhorar minha noite. – eu disse, olhando na


direção de Tara apenas para constatar que a loira havia sumido de vista.
Traidora. Era pedir demais que alguém que se dizia minha amiga não me
largasse sozinha com aquele projeto de demônio?
Eu demorei um pouco para voltar meu olhar novamente para null. Parte de
mim torcia para que quando eu me virasse novamente, ele tivesse
desaparecido. Eu não teria aquela sorte, é claro. null não era um fantasma e
sua presença não podia ser simplesmente ignorada. Ele era real, de carne e
osso, e por mais que eu às vezes acreditasse que seria mais fácil, não podia
fingir que ele não existia.
null havia sido surpreendentemente cooperativo nos últimos dias. Mesmo com
tudo que eu havia dito e feito em nossa última conversa, havia me convencido
de que ele não desistiria tão fácil. O vampiro provou que eu estava errada, no
entanto. Nos últimos dias ele havia me dado mais espaço do que eu esperava
ter. Não que ele estivesse me ignorando, só não andava fazendo avanços
indesejados. Algumas semanas atrás aquilo teria me perturbado e me
ofendido, mas agora eu me sentia grata por ele respeitar meu pedido. Da
última vez a distância dele havia me parecido indiferença. Dessa vez eu sabia
ser necessidade e aquilo me dava forças para me manter afastada.
Não estava sendo fácil. Como eu disse, null não estava fugindo de mim. Eu
ainda o via o tempo todo, como nos treinos da equipe e nas análises dos
resultados de pesquisas sobre o Mestre. A diferença é que agora nunca
ficávamos a sós. Ele havia me surpreendido ao tomar a iniciativa e, na noite
seguinte a nossa conversa, ter começado a patrulhar com Aramis. Por mais
que eu soubesse que a escolha daquele Cromwell em particular havia sido um
modo de evitar que eu passasse mais tempo em presença de Aramis, aquilo
havia facilitado bastante a minha vida e eu realmente me sentia grata. Athos e
Porthos haviam parecido bem confusos com o rearranjo de equipes, mas não
comentaram nada.
Eu respirei fundo, encarando o vampiro a minha frente e tentando transmitir
uma coragem que eu não tinha. Eu podia contar nos dedos as palavras que
trocamos desde a noite em meu quarto. Evitávamos nos dirigir diretamente um
ao outro quase tanto quanto evitávamos ficar a sós. Não estávamos nos
ignorando, exatamente... Apenas mantínhamos o mínimo de contato possível.
Eu não sabia o porquê de ele ter resolvido me procurar agora, mas esperava
que fosse algo que justificasse todo aquele desconforto.
- Posso falar com você? – perguntou ele.
- Não. – eu respondi, de forma abrupta, me arrependendo em seguida. Levei
uma mão a cabeça, respirando fundo antes de continuar – Desculpa, não era
pra soar assim. Eu só não to no clima pra discutir mais.
- Não quero discutir. – disse ele, em um tom gentil que por algum motivo
machucou meu coração – Não é sobre nós que eu quero falar. É sobre...
Sobre a Irlanda.
Eu suspirei, desejando poder aliviar minha mente. Eu não estava em um bom
momento para pensar em coisas sérias como aquela, mas sabia que o
assunto era importante demais pra fugir.
Eu havia entregado a carta para Miles na noite seguinte à minha conversa com
null. Com um pouco de esforço, consegui convencê-lo de que eu havia a
encontrado no bolso de um vampiro que matei. Meu chefe havia tomado
algumas providências, porém nada que eu e null não tivéssemos previsto. A
Organização irlandesa havia sido avisada, nossos caçadores estavam todos
mobilizados e buscas estavam sendo feitas por prováveis locais de embarque
do Mestre no avião que o levaria a Siobhan. Não estávamos, porém,
conseguindo nada, e aquilo não era surpreendente. Por conta disso,
estávamos focando nosso planejamento em controle de danos. O Mestre com
certeza conseguiria embarcar em dois dias, de forma que precisaríamos
arranjar um modo de descobrir o resultado daquele encontro.
Eu já havia perdido as esperanças de parar o Mestre antes que ele chegasse
à Irlanda, mas aquilo não me impedia de continuar tentando. Na última
semana eu havia trabalhado o dobro do tempo, cumprindo minha rota com
Athos e Porthos, porém em seguida fazendo algumas buscas independentes.
Eu passava a noite inteira fora e às vezes boa parte da manhã, apenas para
dormir por toda a tarde. Só havia treinado minha equipe brevemente em dois
dias daquela semana e quase não havia estudado os resultados das
pesquisas internacionais sobre o Mestre. Andava concentrando todas as
minhas energias na parte prática do meu trabalho, caçando até a exaustão,
mantendo “encontrar o Mestre” como o foco absoluto de todas as minhas
ações. Aquilo não era vida, mas de certa forma estava me ajudando bastante.
Era mais fácil me manter longe de null com minha mente ocupada e minhas
energias esgotadas. Eu não me dava tempo para sentir a falta dele e, embora
ainda sentisse aquela vontade de me atirar em seus braços quando ele estava
por perto, era mais fácil não me render à paz que ele podia me fornecer se eu
mantivesse minha mente focada na guerra. Eu sabia que estava passando dos
limites, mas se acabasse me matando de trabalhar, não estaria perdendo
muita coisa. A triste verdade era que eu não tinha muitos motivos pra desejar
curtir minha vida. Não tinha muito nela que valesse à pena.

Minhas tendências autodestrutivas andavam com força total nos últimos


tempos. Mas ninguém precisava saber disso.

- Você pensou em alguma coisa? – eu perguntei, tomando um último gole de


vinho antes de largar a taça em um canto e deixar a caçadora em mim assumir
a situação.
- Sim. Comecei a pensar nisso há dias, na verdade. Da última vez que
conversamos você não me deu tempo para explicar.
- Ok. – eu comecei, tentando não me sentir culpada. Lembrava-me vagamente
dele dizendo algo do tipo – O que tem em mente?
- Eu acho que sei como descobrir o resultado do encontro do Mestre com
Siobhan. Quero ir até lá.
- O quê? – eu perguntei, surpresa.
- Quero ir para a Irlanda. Não agora, claro. O Mestre embarca em dois dias,
mas provavelmente não passará muito tempo lá. Quero ir no começo de
Janeiro e tentar descobrir algo. Eu sou um vampiro, eles não terão problemas
para me aceitar. Posso fingir que sou apenas um visitante e me infiltrar na
comunidade. Com um pouco de sorte, posso até chegar à rainha. Sei que ela
e seu clã pessoal se encontram em algum lugar próximo à capital.
- E você acha que será levado até ela com facilidade? – eu perguntei, cética –
null, a segurança em torno dela deve ser insana. Você pode até se aproximar
dos “súditos”, mas conseguir chegar perto de Siobhan? Não acha que isso é
presunção demais?
- Eu posso ser extremamente carismático. – disse ele, sorrindo. Eu revirei os
olhos, lutando contra meu próprio sorriso – E de qualquer forma, mesmo que
eu não consiga interagir com a rainha, posso conseguir bastante com a
comunidade. É a nossa melhor chance, então se tiver tudo bem pra você, eu
gostaria de ir.
- Você não precisa da minha autorização, null. – eu disse, sem encará-lo – Só
da de Miles.
- Eu vou falar com ele, mas quis te avisar antes. É só que... – ele parou por um
momento e eu voltei a encará-lo. null parecia estar tentando decidir como
continuar – Eu já agi demais sem te informar sobre nada, e pelo menos no
começo de tudo isso nós éramos uma equipe. Achei que esse tipo de decisão
devia ser tomada em conjunto.
Eu não sabia o que pensar sobre aquilo. Mas só havia uma resposta que eu
poderia dar.
- Tudo bem. – eu disse, sem ter certeza se acreditava mesmo no que dizia –
Acho que é uma boa ideia.
- Certo. Vou começar os preparativos assim que falar com Miles. – ele disse e
eu assenti, sem ter o que responder.
Esperei que ele fosse embora após isso, mas null permaneceu onde estava,
trocando o peso entre os pés e parecendo desconfortável.
- É só isso que você queria falar comigo? – eu perguntei, oferecendo a ele
uma abertura para continuar.
- Não. – null respondeu, de maneira súbita, como se tivesse guardando aquilo
na garganta desde que se aproximara de mim – Eu queria te pedir uma coisa.
Eu precisei engolir a resposta cruel que me veio em mente como reflexo.
Aquele era meu modo habitual de lidar com null e era algo difícil de mudar.
Brigar com ele naquele momento, porém, significaria trazer à tona tudo que
andávamos evitando nos últimos dias.
- Fala. – eu disse, indo contra todos os meus instintos. Era Natal, caramba, e
por mais que aquilo não significasse muito para mim, parecia crueldade
demais tratar alguém mal em uma data na qual todos pareciam tentar mostrar
o melhor de si.
Ele não respondeu imediatamente. Seu olhar pareceu me evitar por alguns
segundos, porém quando voltou a me encarar, null o fez olhando nos meus
olhos.
- Dança comigo. – a voz dele estava calma, como se ele não estivesse me
pedindo nada demais. Como se aquilo fizesse sentido.
- O quê? – eu perguntei, pasma. Dentre os mil possíveis pedidos que me
passaram pela cabeça, nenhum era tão simples e tão bizarro quanto aquele.
- Você ouviu. – disse ele, no mesmo tom gentil de antes – Dança comigo, null.
Respostas variadas me vieram à mente. Não. Você tá louco. Por que eu faria
isso? Esqueceu de tudo o que eu disse da última vez que conversamos? O
quanto você bebeu? Por que quer que eu dance com você? Não tinha nada
mais aleatório para me pedir? Oh, sim, o clima entre nós nunca esteve pior,
mas eu vou dançar com você. Isso faz muito sentido. Curiosamente, no
entanto, de todas as respostas possíveis a que eu vocalizei nem sequer
passou pelo filtro.
- Por quê? Paris está ocupada? – eu disse, de forma desagradável, me
odiando em seguida. Ótimo, null, se exponha dessa maneira para a droga do
vampiro. null nunca deixaria aquela óbvia demonstração de ciúmes passar.

Havia algo de errado com o universo naquela noite, no entanto, porque isso foi
exatamente o que ele fez.

Uau. Talvez milagres de Natal fossem mesmo reais.

Ele não me respondeu imediatamente, mas quando o fez, não foi com alguma
piadinha. Não ouvi nenhuma provocação sobre meus ciúmes, nem vi algum
tipo de expressão convencida em seu rosto. Aquele fato, mais do que qualquer
coisa que ele havia dito, me desarmou totalmente.
- Sim, eu dancei com Paris. – disse ele, simplesmente – Com Tara, também, e
com a ruiva do setor de armamentos. Mas no que diz respeito à única garota
que realmente me interessa, eu não tenho nem o direito de chegar perto. –
disse ele, em seguida fechando os olhos e respirando fundo – Eu ando sendo
legal, não ando? Te dei todo espaço que pude te dar, não insisti, não te
cerquei. Eu entendi, null. Entendi tudo o que você quis dizer. Ser expulso do
quarto de uma garota após ouvi-la dizer que ficar com você a destrói é o tipo
de coisa que deixa uma impressão. Mas... É Natal, ok?
- Desde quando vampiros ligam para o Natal? – eu perguntei, me sentindo
meio entorpecida. A sensação, porém, não tinha nada haver com o álcool.
- Esse é o meu ponto. Eu não dou a mínima pra essa data desde que era
humano. Não tenho família, não acredito mais em milagres. Mas eu to aqui
agora e passei a noite inteira vendo todos abraçando quem amam, rindo e
achando a vida maravilhosa, enquanto eu não tenho nada disso. A única
pessoa que eu tenho no mundo não me quer na vida dela. A única pessoa que
eu amo nem acredita nos meus sentimentos. Eu to me sentindo sozinho, null.
– disse ele, rindo sem nem um pingo de humor – Céus, isso tudo soa ridículo,
mas é a verdade. Eu tenho Tara, mas não é a mesma coisa. Os Cromwell e
Paris também não. Eu só quero essa noite, caçadora. Menos que isso, só
quero esse momento. Falei pra você que não estava aqui para discutir sobre
nós, e disse a verdade. Não estou te cobrando nada ou pedindo para que algo
mude... Só quero que você dance comigo. Só uma vez, só pra eu poder fingir
por alguns momentos que não sou patético. – ele suspirou, abaixando a
cabeça – Todas as memórias que eu tenho de você são estragadas por algum
sentimento ruim. Só estou te pedindo um momento para lembrar sem dor.
- Alguém veria... – eu comecei a argumentar, mas ele não me deixou terminar.
- Eu precisei rodar o salão inteiro pra te encontrar aqui. Pode acreditar, seu
esconderijo é bem seguro. Ninguém vai ver nada e eu juro que não vou tentar
nada. Não tenho segundas intenções. Como já disse, só quero um momento
puro para poder levar comigo. Você é importante pra mim, e embora eu não
seja um especialista, acho que o Natal é uma data para se estar com as
pessoas que são importantes para você.
Eu não estava no clima para dançar, e mesmo se estivesse, nunca me
permitiria dançar Seven Nation Army com ele, por questões de segurança e
manutenção da sanidade mental. Antes que eu pudesse abrir a boca para
argumentar, porém, a música mudou de forma repentina e eu pude reconhecer
as notas iniciais mesmo com as vaias do povo na pista de dança. Eu
reconheceria Wicked Game em qualquer lugar do mundo, assim como
reconheceria qualquer outra coisa que o Three Days Grace já tivesse gravado,
original ou cover. Aquela, porém, não era uma música que se tocava em
festas, fato que me fez voltar meu olhar para a área aonde Porthos agia como
DJ. Meus olhos encontraram os de Tara, que caminhava para longe do garoto
e dos aparelhos de som. A loira ergueu uma sobrancelha para mim, sorrindo, e
eu senti a estranha vontade de esganá-la pela primeira vez na vida. Pelo visto
o álcool não só a deixava mais corajosa como a tornava alguém capaz de
convencer um garoto a fim dela a mandar uma mensagem subliminar para
mim através de uma música. Touché novamente, Maclay. Você tem o meu
respeito.
Voltei meu olhar para o vampiro novamente e tomei minha decisão. Parte
daquilo era o vinho agindo por mim, parte era a sensação de culpa que eu
tinha para com null, mas não importava. Como eu disse antes, estava em
pleno controle de minhas faculdades mentais, de modo que a decisão foi
minha quando aceitei a mão de null e deixei que ele me envolvesse em seus
braços.

The world was on fire


(O mundo estava pegando fogo)
No one could save me but you
(Ninguém além de você podia me salvar)
It's strange what desire
(É estranho o que o desejo)
Will make foolish people do
(Leva as pessoas tolas a fazerem)

Era estranho deixar que ele me abraçasse, mas a leve névoa em minha
cabeça estava me permitindo ignorar o fato. Talvez eu me fosse me
arrepender daquilo quando a manhã chegasse e levasse consigo os traços
finais de álcool, mas por hora estava tudo bem. De certa forma era bom estar
ali, com minhas mãos nos ombros dele e minha cabeça contra seu peito,
deixando que null enlaçasse minha cintura e balançasse meu corpo devagar.
Naquele momento eu podia admitir sem medo que ele tinha o melhor abraço
do mundo e, porra, como eu precisava daquilo. Eu entendia o que ele havia
dito sobre solidão. Céus, nos últimos tempos eu me sentia tão só que queria
gritar. Eu gostava de fingir que não precisava de ninguém, mas sofria ao me
isolar. Era impossível explicar a sensação, aquela necessidade insana de se
ter alguém por perto combinada ao vício de afastar qualquer um que se
aproximasse demais. Era como viver em um quarto absolutamente vazio,
gritando, chorando e batendo nas paredes em puro desespero, porém ao
mesmo tempo sem ter a capacidade de ir até a porta e abri-la, por puro medo
do que poderia acabar entrando. Eu era uma pessoa contraditória, e no
momento só queria um pouco de paz. Eu estava exausta, carente, e só o que
desejava era não me sentir como a pessoa triste e miserável que havia sido a
noite inteira. null estava ali e eu não tinha forças para afastá-lo naquele
momento. Ele estava me oferecendo o carinho que eu nunca seria capaz de
dar a ele, e por hora eu o aceitaria. Afinal, por mais que o vampiro não
pudesse remendar meu coração, fazia com que eu me esquecesse do quanto
ele doía.

I never dreamed that I'd meet somebody like you


(Eu nunca sonhei que conheceria uma pessoa como você)
And I never dreamed that I’d lose somebody like you
(E eu nunca sonhei que perderia uma pessoa como você)

- Por que você quer ir? – eu me peguei sussurrando para ele. Sabia que não
precisaria dar muitas explicações sobre ao quê estava me referindo.
- Porque acho que posso ajudar. – respondeu ele, no mesmo tom.
- Tem mais coisa. – eu insisti – Seja honesto comigo.
- Porque é melhor. – ele respondeu novamente – Você não me quer por perto.
Seria bom eu me afastar um pouco. Mas acima de tudo, eu tenho coisas a
provar pra você. Sinto que só poderei me redimir se fizer algo que anule de
certa forma meus erros. – eu senti a cabeça dele encostar-se ao topo da
minha, enquanto ele continuava a me embalar no ritmo da música – Eu não
consigo, null. O jeito como você olhou pra mim no seu quarto... Acho que eu
nunca vou conseguir me esquecer daquilo. Eu senti parte de mim morrendo
naquele momento. Não posso suportar a ideia de ter você me olhando daquele
jeito de novo. Eu preciso consertar as coisas.
Eu não respondi, simplesmente porque não havia o que dizer. A necessidade
que ele parecia sentir de compensar seus erros não era infundada. Eu ainda
estava com raiva dele. Perdão nunca havia sido algo que me viera
naturalmente, de forma que conceder aquilo a null era difícil para mim. Eu não
tinha a capacidade que algumas pessoas pareciam ter de perdoar e esquecer
facilmente. Era rancorosa e desconfiada, defeitos que apenas reforçavam
minha natureza depressiva. null havia traído a pouca confiança que eu tinha
nele e eu não encarava esse tipo de coisa com tranquilidade.
Mas aquilo não significava que ele estava certo. Eu não tinha certeza se o
queria a milhas e milhas de distância. Havia me tornado estranhamente
dependente da presença de null. O vampiro se tornara uma constante em
minha vida e seria horrível não tê-lo por perto por algum tempo. Era uma coisa
me manter afastada dele enquanto ainda podia olhá-lo e manter breves
interações. Seria outra bem diferente ter que aceitar a ideia de que não
poderia vê-lo nem se eu quisesse.

No I don’t wanna fall in love


(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don't wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
With you
(Por você)

Aquela havia sido uma péssima ideia. Havia esquecido o quanto a sensação
do corpo dele contra o meu era boa, o quanto eu gostava do seu cheiro, do
jeito como ele me tocava. Aquele leve latejar de desejo me afligia, me
machucava, e aquilo tornava mais difícil resistir. Dizer não a null era uma das
coisas mais difíceis que eu já havia feito e eu sabia que dentro de poucos
momentos teria que dar as costas a ele novamente. Aquilo era torturante,
porque enquanto eu permanecia em seus braços, era mais fácil fingir.
Eu não o amava, mas era capaz de esquecer aquilo, afastar aquela noção de
mim junto com todo o meu ódio. Naquele momento null era apenas alguém.
Quem ele era, o que já havia feito e o que representava não era importante.
Ele estava fazendo com que eu me esquecesse o quão infeliz eu era e isso o
tornava, por alguns momentos, a pessoa mais importante do mundo.

What a wicked game to play


(Que jogo cruel de se jogar)
To make me feel this way
(Pra fazer com que eu me sinta assim)
What a wicked thing to do
(Que coisa cruel a se fazer)
To make me dream of you
(Fazer com que eu sonhe com você)

null estava me segurando contra ele como se nunca mais pretendesse soltar,
mas eu não me importava. Sabia que, como eu, ele estava buscando conforto
onde quer que o encontrasse. Eu percebi naquele momento que entendia sim
o Natal, apenas não o via como os demais. Havia uma razão pela qual eu me
sentia sempre tão mal naquela época: a data celebrava tudo que eu não era e
não tinha. A capacidade de comemorar o fato de ter seus entes queridos por
perto, a ideia de amor, de paz na vida... De esperança. Aquelas eram coisas
que eu havia perdido ao longo dos anos e que, em algum nível, me faziam
falta. Eu nunca havia conseguido ser parte do Natal porque nele não havia
espaço para pessoas como eu e null. Gente solitária com escuridão na alma.
Eu não podia simplesmente relaxar e me juntar aos outros. Não era capaz de
colocar um gorro vermelho na cabeça e rir com os demais e por isso me
refugiava nos cantos, nas sombras, observando as pessoas, tentando
entender de onde elas tiravam aquele amor pela vida. Como seria poder
relaxar daquele jeito, esquecer-se dos problemas? Eu os odiava, tinha
desprezo por eles e céus, daria qualquer coisa para ser como eles. Aquilo doía
como nada no mundo e eu desejava poder mudar aquela situação. Ali, nos
braços de null, eu desejei poder fazer alguma coisa, qualquer coisa para
mudar a ordem das coisas. Naquele momento eu me sentia muito mais
próxima a ele do que a qualquer um dos meus amigos e aquilo me feria
profundamente.

What a wicked thing to say


(Que coisa cruel a se dizer)
You never felt this way
(Que você nunca se sentiu assim)
What a wicked thing to do
(Que coisa cruel a se fazer)
To make me dream of you
(Fazer com que eu sonhe com você)

Com minha cabeça contra o peito de null, eu inspirei fundo, inalando o cheiro
dele, tentando absorver o máximo de sua presença que eu pudesse. Estava
sendo cruel mais uma vez, não estava? Pra mim aquilo seria apenas um
momento, mas e para ele? null era quem havia pedido aquilo, mas não era
aquela a função dele? Era eu quem devia ter forças pra dizer não. Permitir
momentos como aquele e depois deixá-lo de novo era torturá-lo
emocionalmente e eu tinha consciência daquilo. Eu não sabia ao certo o que
ele sentia por mim, mas eu não podia amá-lo e aquele era um dos
relacionamentos nos quais se você não pode investir tudo, é melhor que não
invista nada.
Eu era terrivelmente dependente da presença física de null, porém tinha
milhões de problemas com a pessoa por trás daqueles olhos null. Eu não
podia amá-lo, porém mais do que isso, não queria amá-lo. Se eu ainda fosse
capaz de abrir meu coração para alguém, não seria para ele. Não era seguro
me deixar levar pelo mundo que null me oferecia. Era perigoso, incerto,
intenso e eu tinha medo. Tara estava certa, eu tinha muito medo. Se eu
deixasse que o fogo entre nós me envolvesse de vez, não teria como fazê-lo
parar. Ele me queimaria profundamente até consumir tudo em mim, até me
transformar em cinzas, até me deixar ainda mais vazia. Eu já era destruída
demais para ser capaz de sobreviver àquilo.
Se eu ainda fosse capaz de amar, tentaria amar alguém mais simples, não
uma criatura tão perdida quanto eu. Alguém sem tanta bagagem, sem
tamanha necessidade de ajuda. Alguém como Aramis, talvez. Alguém bom.

No I don’t wanna fall in love


(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don't wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don’t wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don't wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
With you
(Por você)

null não era bom. De algumas formas, ele era bem pior do que eu. Ele era um
vampiro, um assassino. As pessoas a minha volta pareciam estar esquecendo
disso, mas não eu. Talvez se eu também acreditasse no que eles acreditavam,
veria null em uma luz diferente, porém eu conhecia a verdade. null não estava
ali por arrependimento. Não dera as costas à própria espécie para se redimir.
Oh não, seus motivos eram bem mais egoístas.
Ele só queria a mim. Toda aquela farsa era apenas a maneira dele de chegar
até mim. Ele já havia deixado claro que não dava a mínima para tudo que
havia feito. Em mais de um século, não havia como imaginar a quantidade de
dor que ele havia infligido em inocentes e ele nem ao menos se importava. O
que as famílias daqueles que ele matou diriam se o vissem ali agora? Pior
ainda, se o vissem abraçado a uma caçadora? Eu devia está-lo matando, mas
não o fazia. Era tão horrível da minha parte que eu ao menos não o amasse?
Eu podia mesmo ser considerada uma pessoa ruim por não ser capaz de me
apaixonar por um monstro?
Como eu já disse, perdão não era algo que eu concedia facilmente. Eu não
podia esquecer o passado de null naquelas circunstâncias. null havia ao
menos se arrependido, porém null não passava de um cão raivoso que fora
preso em uma coleira. O fato de ele não estar mais aterrorizando inocentes
não era mérito de seu caráter, e sim das forças externas que o restringiam.
Talvez se eu fosse uma pessoa melhor, pudesse ajudá-lo. null, porém, havia
investido seus assim chamados sentimentos na pior mulher possível. Eu não
podia guiá-lo. Só o que sabia fazer era pegar o pouco de bondade que ele me
oferecia e contaminá-la. Eu deixava meu desejo falar por mim e o usava, tirava
o que podia dele, o convencia de que ele apenas uma coisa e nunca seria
melhor do que aquilo. Eu era a única pessoa que podia ajudar null, mas
infelizmente só sabia deixá-lo pior.

The world was on fire


(O mundo estava pegando fogo)
No one would save me but you
(Ninguém além de você me salvaria)
It's strange what desire
(É estranho o que o desejo)
Will make foolish people do
(Leva as pessoas tolas a fazer)

Era por isso que eu não podia ficar com ele. Se havia uma chance para null,
não era comigo. Eu não podia curar nem a mim mesma, então como curaria a
ele? Não podia ser a bússola moral de um vampiro. null precisava de alguém
bom e eu não era boa. Eu transpirava mágoa e ódio e só o que fazia era
espalhar isso à minha volta. Eu não era boa. Não restava quase nada bom em
mim.
Então por que ele me queria? Eu era capaz de admitir que havia algo ali que ia
além do desejo, mas o quê? Por que ele não desistia de mim, por que me
queria por perto, por que estava me abraçando naquele momento? Eu não
tinha nada que justificasse todo aquele esforço. Com a exceção dos meus
poucos amigos, as pessoas geralmente não queriam estar perto de mim.
Gente como eu não serve como companhia, então por quê? O que ele havia
visto em mim? O que podia torná-lo capaz de suportar tudo o que eu fazia com
ele?
Eu afastei minha cabeça do peito de null, precisando olhar no rosto dele, como
se esse fosse me oferecer uma resposta. Ele me encarou com as
sobrancelhas um pouco franzidas, como se pudesse ver a tristeza em meus
olhos. Eu odiava a forma como ele parecia enxergar dentro de mim às vezes e
odiava aquela preocupação no rosto dele. null me olhava como se eu fosse
algo precioso se partindo. Havia tanto calor naqueles olhos null, tanto carinho,
tanto... Sentimento. Aquilo me apavorava, abalava todas as minhas estruturas,
pois eu era incapaz de compreender aquela força que parecia vir de null.
Havia algo na forma como ele me olhava que me parecia maior, mais antigo e
mais bonito do que qualquer coisa no mundo. Ele me olhava como se eu fosse
a pessoa mais importante do planeta. Como se ele gostasse de quem eu era.
Como se...

Não.

No I don’t wanna fall in love


(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don't wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don’t wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
No I don't wanna fall in love
(Não, eu não quero me apaixonar)
With you
(Por você)

Ele não me amava. Ele não podia me amar. Não havia nada amável em mim.
Ele não era capaz de me amar. Ele não me amava. Ele não me amava.
Eu me soltei de seus braços, cambaleando um pouco para traz, sentindo todo
meu corpo tremer. Ele não me amava. Eu não havia passado todo esse tempo
ferindo alguém que tinha reais sentimentos por mim. Eu não podia acreditar
que ele me amava, porque se me amasse aquilo faria de mim um monstro
ainda pior. Ele não me amava, pois eu não poderia aguentar aquilo. Era
incapaz de suportar a ideia de null me amando.
Ele estava me olhando confuso e eu percebi que balançava minha cabeça em
negação sem parar. Em um momento de desespero, entendi que estava
prestes a chorar.
- Eu preciso ir. – disse com voz trêmula antes de dar as costas e praticamente
correr para fora do salão. Ele não me amava. null não me amava. Não era
verdade, eu sabia que não podia ser verdade. Ele não me amava, não podia
me amar, nunca me amaria. Eu não podia ser amada. Ele não me amava. Por
favor, meu Deus, eu não suportaria aquilo se fosse verdade. Por favor, não
deixe ser verdade.

Não me ame. Por favor, null, não me ame.

Xx

null’s POV

Meus pés haviam me levado quase como se por vontade própria à mesa a
qual Tara se sentava sozinha pela primeira vez na noite. Eu sabia que não
podia ir atrás de null quando ela fugia daquela maneira, já que aquilo sempre
piorava as coisas. Mas eu não queria ficar sozinho.
Eu andava fazendo muito aquilo, na verdade. Na última semana, havia
precisado de alguém para me ouvir e Tara havia estado lá. Eu abusara um
pouco de sua boa vontade e me envergonhava ao pensar no quanto havia
forçado Tara a escutar. Ela nunca reclamava, no entanto, e acabáramos
ficando bem mais próximos. Era bom ter alguém com quem conversar e eu
tinha certeza que, se não fosse por ela, eu não teria tido forças para ficar longe
de null. Foi Tara quem me ajudou a enxergar que o melhor que eu podia fazer
pela caçadora era dar a ela espaço. Se eu tinha lidado com o fim de minha
relação com null com o mínimo de dignidade, devia aquilo a Tara.
- Precisa conversar? – perguntou a loira, assim que me viu. Me senti mal por
um momento.
- Eu realmente só te procuro quando preciso conversar? – perguntei, puxando
uma cadeira e me sentando.
- Não. – disse ela, sorrindo – Mas o Natal parece ter a capacidade de tornar as
pessoas felizes mais felizes e as tristes mais miseráveis. Imaginei que você
fosse acabar precisando de um ombro amigo, e não tem problema. Já encarei
a null hoje e você é peso pena se comparado a ela.
- Você nunca se cansa de tentar ajudar todo mundo? – eu perguntei,
realmente curioso. Nunca antes havia conhecido alguém tão altruísta quanto
Tara.
- Não, eu gosto. – respondeu a garota – Sou muito boa em lidar com as
pessoas, em entendê-las. Queria ser psicóloga quando era criança, mas
digamos que a vida acabou escolhendo outras coisas para mim. – o jeito como
ela disse aquilo me fez querer questioná-la, mas Tara não me deu tempo para
isso – Mas isso não importa no momento. Imagino que as coisas não tenham
se desenrolado muito bem com null.

- E quando se desenrolam? – eu perguntei, pegando a taça de vinho dela e


virando um longo gole. Tara não devia estar bebendo, de qualquer forma.
- Sinto muito.
- Não sinta. – eu disse, em tom resignado – Quem precisa de amor quando se
tem ódio fervente?
- null. – disse Tara, em tom de aviso. Aquilo me confundiu um pouco – Não
começa.
- Começar o quê? – eu perguntei, surpreso com o jeito dela.
- A bancar a vítima. – disse ela, me olhando séria – Desculpa, mas essa noite
eu não vou calar a boca e te deixar reclamar de coisas que você podia muito
bem consertar.
- Tara, o que... – eu comecei a perguntar, totalmente pasmo, mas ela não me
deixou continuar.
- Sinceramente, eu to perdendo a paciência com você. – disse ela, parando
por um segundo e respirando fundo – Você procura minha ajuda, mas não
houve o que eu digo. null, você sofreria muito menos se, ao invés de ficar
reclamando pelos cantos e sentindo pena de si mesmo, tomasse uma atitude e
mudasse a situação. Eu passei essa última semana inteira te ouvindo falar de
tudo que está errado na sua vida, mas reclamar não soluciona porcaria
nenhuma. Você tá ao menos tentando agir com um pouco de respeito por si
mesmo? Tá se dando algum valor? Não! Entenda, se as coisas chegaram
aonde chegaram, a culpa não é só dela.
- Eu sei disso. – eu disse, de forma defensiva – Eu não to culpando apenas
ela, pode acreditar. Eu sei que errei e estou sim tentando consertar as coisas.
- Como? – ela perguntou – Indo pra Irlanda por ela? Caçando por ela? Será
que você não percebe que isso é exatamente o que null detesta? Você não
devia estar fazendo essas coisas para agradá-la, null. Devia estar fazendo-as
por você. – a mão dela encontrou a minha por cima da mesa e seus olhos se
fixaram nos meus – Você age como se amá-la fosse só o que importa. Como
se fosse esse fato maravilhoso que devia ofuscar todo o resto, mas a vida não
é assim. Amar null não é o suficiente. Você precisaria ter um espaço na vida
dela, mas parece que faz questão de tornar isso impossível. Os amigos
significam o mundo pra ela, mas você ao menos tenta ter uma boa relação
com algum deles? Não, você fala comigo e propositalmente se afasta dos
outros. Oh, eles te odeiam, claro, mas nesse caso a culpa é toda sua. É você
quem devia tentar uma aproximação. Não to dizendo que você precisa ser o
melhor amigo da equipe inteira, apenas ser capaz de ficar entre eles de forma
confortável. null precisa deles, null. Nunca seria feliz longe deles, então
quando você tenta trazê-la para o seu mundo, falha miseravelmente. – eu
tentei interromper, mas ela não permitiu – Nem tente negar. No fundo você
quer null só pra você, mas nunca vai conseguir isso. Afastá-la dos amigos
apenas a faria mal. Se você quer ter algum espaço na vida dela, sugiro que
comece a se acostumar a estar com os outros.
- Não é tão fácil assim. – eu reclamei, por mais que visse que ela estava certa.
Até aquele momento, nunca havia percebido que, no fundo, estava sendo
meio egoísta o tempo todo, por mais que tivesse muitas vezes tentado me
convencer do contrário.
- Não é pra ser fácil e esse não é o único problema. Você diz que a ama, mas
só sabe mostrar pra ela que é o tipo de cara que null não poderia nunca amar.
Ela não pode ficar com um monstro, null.
- Mas eu sou um monstro. – eu disse, irritado – Desculpe, Tara, mas eu não
posso simplesmente parar de ser um vampiro.
- O vampiro é o que você é, não quem você é. – disse a garota – null já amou
um vampiro antes e ela não o considerava um monstro. Pelo que eu sei, ele se
esforçou pra mostrar a ela que era mais do que uma criatura amaldiçoada.
Mostrou compaixão por humanos. Você não dá a mínima pra minha espécie,
null. Como você espera que ela se deixe te amar? Seus sentimentos por ela
não são o suficiente.
- Você diz que eu não posso fazer coisas apenas por null, mas está me
aconselhando a mudar quem eu sou por ela.
- Não, não por ela. Não quero que você mude por null. Apenas quero que você
cresça como pessoa. Você sabe, pensar nos outros, cuidar de si mesmo... E
não moldar sua vida inteira ao redor de uma garota que mal consegue ser
responsável pela própria vida, quanto mais pela sua. Vocês está oferecendo a
null algo que ela nunca será capaz de aceitar. – ela apertou minha mão, como
se tentando passar conforto. Funcionou, um pouco – Desculpa se estou sendo
dura com você, mas... Eu já te vejo como família, null, e isso não tem nada a
ver com o fato de você ser meu antepassado. Só não quero que você se
machuque e a machuque.
- Meio tarde pra isso. – eu disse, fechando os olhos – Eu já a machuquei.
Bastante.
- Ok, acho que se colocarmos tudo em uma balança, ela te feriu mais do que
você a feriu. – disse Tara – Mas sim, você a feriu bastante. Pelas coisas que
me contou nesses últimos dias, você tem o péssimo costume de usar a
atração de null para conseguir o que quer. Agarrá-la pelos cantos não é a
melhor forma de conquistá-la e não a fará te dar uma chance. De certa forma,
isso é explorar uma fraqueza dela.
- Eu sei. Mas na maioria das vezes é só assim que ela interage comigo. Eu
não tenho valor pra ela como mais do que um objeto.
- Então mude isso. – insistiu Tara – Faça com que ela te respeite. Tenha
respeito por você mesmo e null não vai ter como pisar em você. Já te disse
isso mais de uma vez.
- Eu sei. – eu virei minha mão, segurando a dela – Obrigada. Por me ouvir, por
tentar me ajudar, por tudo. Eu nunca tive ninguém assim na minha vida. Você
é minha primeira amiga de verdade, e isso significa muito pra mim.
- Fico feliz em poder te ajudar. Você sabe que pode contar comigo, tio. – disse
ela, rindo. Era estranho pensar em meu distante parentesco com ela, mas ao
mesmo tempo era bom. Tara era a coisa mais próxima que eu tinha de uma
família.
- Isso me lembra uma coisa. – eu disse, levando minha mão ao bolso da calça
e pegando o que eu trazia nele – Eu devia ter embrulhado ou algo do tipo, mas
não to acostumado com isso. – um pouco sem jeito, coloquei a pulseira sobre
a palma da mão dela, ainda deitada sobre a mesa – Era da sua tatataravó.
Minha irmã.
- null, é linda. – disse Tara, em tom admirado – Obrigada. Mas você tem
certeza que quer que eu fique com ela?
- Tenho. Eu dei essa pulseira pra minha irmã em seu aniversário de 14 anos.
Já devia estar na sua família há muito tempo, mas quando eu morri, Meredith
a enterrou junto a algumas outras coisas. Algo simbólico, acho.
- Na sua cova? – ela perguntou, em tom cuidadoso.
- No meu memorial, na verdade. Não tive uma cova. Meu corpo nunca foi
encontrado.
Na verdade eu havia tido uma cova, só não quis dizer isso a Tara. Minha
família, porém, não teve nada a ver com isso. Coraline me matou e me
enterrou por uma noite sem que eles nunca soubessem. Era melhor daquele
jeito, claro. Não queria que eles soubessem no que eu havia sido
transformado. Eu havia recebido de braços abertos minha nova natureza, mas
isso não significava que minha família teria feito o mesmo. Não quis arriscar
ver o horror nos olhos deles.
Se Tara tinha algo a dizer sobre aquilo, eu nunca saberia. Meu celular
começou a tocar e, ao ver o nome no visor, eu soube que era hora de
encontrar um lugar calmo. Aquela conversa seria longa.
- Desculpe, vou ter que atender isso. – eu disse, enquanto me levantava –
Alguém acabou de encontrar meu presente de Natal.

Xx

null’s POV

Três minutos antes.

A corrida até o meu quarto acalmou um pouco meus nervos, mas eu ainda me
sentia abalada. Eu nunca antes havia experimentado aquele tipo de medo. Se
null me amasse, então meu mundo desabaria. Tudo que eu havia feito seria
muito pior. Eu nunca seria capaz de me perdoar se ele me amasse, então não
podia acreditar naquilo. null não estava realmente apaixonado por mim. Aquilo
era impossível.
Eu fechei a porta atrás de mim, só então reparando no envelope no chão.
Alguém provavelmente o empurrara por debaixo da porta em algum ponto da
noite.

De null para null.

A inscrição no envelope quase me fez rir. Obrigada, null. Aquilo era a última
coisa que eu precisava no momento, e por isso me sentia grata. Uma carta de
amor ou um poema me permitiriam ficar irritada com ele. Uma tentativa barata
de expressar seus “sentimentos” tornava mais fácil negá-los.
Eu abri o envelope, sem dar nenhuma atenção ao fato de que aquela grafia
me parecia levemente familiar. Eu estava concentrada demais em meu ódio
por cartas. Cartas estragavam tudo, fossem elas cartas misteriosas que não
podiam ser abertas ou cartas vindas do inimigo. Rascunhos de cartas que
traziam importantes informações ou possíveis cartas de amor capazes apenas
de provocar desprezo. Eu odiava cartas. Se nunca mais na vida recebesse
uma, ainda assim seria cedo demais.
Retirei o papel do envelope e o desdobrei. Um pouco confusa, virei o verso,
apenas para obter o mesmo resultado. Nada. Não havia nada escrito naquela
folha, que parecia ter sido dobrada e desdobrada mais de uma vez.
Que tipo de brincadeira era aquela? O que ele queria, me confundir, me
enlouquecer? Talvez simplesmente me irritar. Se fosse isso, estava
conseguindo.

Peguei meu celular e procurei o número dele, disposta a dizer umas verdades
àquele desgraçado. Ele não podia simplesmente me deixar em paz no meu
canto, podia? Pra que me mandar um papel vazio a não ser que fosse para me
irritar?
- Imagino que não tenha gostado do meu presente. – disse ele, ao atender.
- Que tipo de joguinho estúpido é esse? – eu perguntei – Achei que tínhamos
parado com isso.
- Oh, seria bom acreditar nisso. – disse ele, com um riso abafado e triste –
Mas dessa vez não é jogo nenhum, caçadora. Quis te dar um presente, mas
sabia que você não aceitaria nada que eu comprasse. Eu já tinha feito isso,
então... Bom, parecia lógico entregar a você.
- Feito o quê? Entregar o quê, null? Um papel vazio?
Aquilo o fez rir mais ainda e eu detestei o traço de desespero naquele som.
- Tá vazio mesmo, né? É ridículo, se você parar pra pensar...
- null. – eu interrompi, irritada – Explique-se.
Eu o ouvi suspirando do outro lado da linha, calando a risada. Ele levou alguns
segundos antes de voltar a falar.
- Naquela noite, após você fechar a porta na minha cara, eu... Bom, eu não
estava no melhor momento da minha vida. – começou ele – Estava magoado,
com raiva, confuso, e não sabia o que fazer. Nem sei como cheguei em casa,
mas assim que o fiz, quis sair de novo. Eu queria te punir de alguma forma,
null. Queria te machucar como você havia me machucado. Agora eu entendo
suas intenções, mas naquele momento... Naquele momento só o que eu senti
por você foi ódio. – nunca pensei que ouvir aquilo fosse me machucar tanto
quanto machucou. Praticamente me arrastei até a minha cama, pressentindo
que precisaria estar confortável antes de ouvir o resto – Foi então que eu
comecei a pensar em tudo o que podia fazer para te atingir. Esqueci
totalmente meu acordo com seu chefe e comecei a pensar em tudo o que
podia destruir, todas as pessoas que poderia matar, toda dor que poderia
causar... – ele soltou uma respiração trêmula – Tudo o que eu estava
acostumado a fazer. Mas para o meu desespero, cada ideia que eu tinha era
seguida pela lembrança de você me olhando daquele jeito. E isso era só o que
eu precisava para abandonar qualquer plano. Não pense que eu não vejo o
quanto isso é estúpido. A ideia toda era te fazer sofrer, mas só de pensar em
colocar aquilo em prática... – ele suspirou, exasperado – Eu sabia que você se
sentiria culpada por qualquer coisa que eu fizesse. Você sempre se sente,
como se cada vítima de vampiros fosse uma vítima sua, uma falha sua. Eu
descobri que não suportaria ser a pessoa a te causar esse tipo de sofrimento.
Por sua causa eu não posso mais matar.
- Se você está tentando bancar o coitadinho, está fazendo um péssimo
trabalho. – eu disse, porém sem conseguir colocar veneno nas palavras.
- Não estou tentando nada, caçadora. Será que você não vê? Perceber aquilo
apenas me irritou mais. Eu sinceramente não dou a mínima pros seus
humanos queridos, mas você dá, e isso me impede de machucá-los. Eu me
senti patético. Estava sofrendo e queria descontar aquilo em qualquer um que
cruzasse meu caminho, mas não podia porque me recusava a ferir a pessoa
responsável por todo o meu desespero. Que espécie de vampiro sou eu? – ele
perguntou, e por um momento achei que ele realmente esperava uma resposta
– Naquele momento eu percebi que você estava certa quando me disse que
eu estava perdendo meu orgulho, e aquilo me enfureceu mais do que tudo no
mundo. Por que eu fazia aquilo? Por que fazia de tudo por uma garota que só
me tratava como lixo? Aquilo precisava parar. Precisava haver algo no mundo
que eu não faria por você e então eu resolvi compor uma lista. Deixaria
registradas todas as coisas que eu me recusava a fazer por você. Todas as
coisas que, não importando o quanto você me implorasse, eu nunca me
rebaixaria o suficiente para fazer.
- E? – eu perguntei, com medo da resposta, sentindo meu coração doendo no
peito.
- E você a está segurando. – ele disse, em tom cansado – Tá tudo aí. Toda a
minha frustração. Todas as noites que eu passei segurando esse papel e
tentando pensar em alguma coisa. O resto do meu coração que eu ainda não
havia te dado, junto com o que sobrou das minhas reservas, da minha
dignidade. Tá tudo aí nessa folha. – ele disse, com outra risada seca – “O Que
Eu Não Faria Por null”.

Senti o ar me faltar como se tivesse recebido um soco no peito.

Inicialmente eu não entendi. Acho que o entorpecimento que geralmente


dominava meus sentimentos havia atingido meu raciocínio. Olhei para o papel
em minhas mãos, observando algumas gotas de água se espalharem por eles.
Lágrimas. Minhas lágrimas? Deviam ser. Não tinha mais ninguém naquele
quarto.
Eu segurava o papel e o celular em choque. Não conseguia me mover. Mal
conseguia pensar enquanto a verdade se espalhava por mim e torturava cada
célula do meu corpo. Não dava mais pra fugir, dava? Céus, eu me sentia
doente, enjoada, sem conseguir desviar os olhos daquele maldito papel. Ele
não estava vazio. A única coisa vazia naquele quarto era eu.
Naquele momento uma realização assustadora se fez presente em mim. Algo
que eu nunca antes daquela noite havia considerado. Algo que eu havia
negado com muita certeza por muito tempo.

null me amava.

Não era só uma obsessão. Ele não apenas pensava me amar, ele... Ele me
amava. Me amava tanto que me assustava. Todas as ações, todas as palavras
dele até aquele momento subitamente passaram a ter outro sentido para mim.
Oh meu Deus. Por todo esse tempo... Como ele podia? null já havia visto o
pior de mim, como podia me amar?
Não fazia sentido. Era tão mais fácil acreditar que ele era incapaz de reais
sentimentos. Acreditar que ele era como eu. Como uma criatura que já havia
feito tudo que ele fez podia ser capaz de sentir mais do que eu? Ele me amava
e eu não era capaz nem de começar a compreender a intensidade do
sentimento que eu havia visto estampado em seus olhos poucos minutos
atrás. E as coisas que eu havia feito com ele...
Eu comecei a chorar de verdade, sem conseguir me controlar. Quis desligar o
telefone, mas não pude. Oh, meu Deus, eu havia torturado alguém que me
amava. Havia usado alguém capaz de sentir. De uma hora para a outra, tudo
se tornara real. Se null tinha sentimentos, ele era real. Não era uma coisa que
podia ser usada, era uma pessoa. Uma pessoa da qual eu havia abusado.

E ainda assim, ele me amava.

Como? Por quê? Não fazia o menor sentido. Se os sentimentos de null eram
reais, como eu não havia conseguido matá-los? Eu não havia sido nada além
de horrível com ele. Como ele podia me amar? O que havia visto em mim que
considerara digno de amor?
Eu queria perguntar tudo isso, mas não consegui. Não sabia o que dizer ou
como dizer. Não era boa com as palavras e nada que eu dissesse mudaria a
situação. Ele me amava e eu era um monstro. Não havia o que fazer.
- Eu não sei... – eu consegui dizer, finalmente. Sabia que ele podia me ouvir
chorando – Não sei o que você quer que eu diga.
- Nada. – ele disse, e eu quase podia ver o sorriso triste em seus lábios – Não
quero que você diga nada, null. Só o que eu sempre quis foi que você
entendesse. Nada além disso. – ele parou por um segundo, me deixando
entender que ele sabia que eu finalmente entendera – Sinto muito se isso te
machuca, mas eu to cansado de sofrer sozinho. Por isso te mandei a lista.
Minhas palavras nunca foram capazes de te convencer, então imaginei que a
ausência delas fosse. – ele suspirou mais uma vez antes de continuar – Amor
pode parecer um presente sem valor, mas talvez algum dia ele signifique mais
pra você do que dor e culpa. Acho que ainda não desisti de acreditar em
milagres, afinal de contas. – abaixando levemente o tom de voz, ele concluiu –
Feliz Natal, null.

E então ele desligou, me deixando sozinha entre os cacos do que costumava


ser meu mundo.
1
– Em algumas culturas, como na americana, viscos são pregados no teto ou em cima
de portas no Natal, e segundo a tradição um casal que por algum motivo pare embaixo
de um visco deve se beijar.

Nota da autora (24/11/12): FELIZ NATAL/ANIVERSÁRIO DO FFOBS!!!! *-*

Ok, ao contrário do que essa fic possa fazer parecer, eu amo o Natal. Isso
provavelmente é o motivo pelo qual eu sempre imaginei a caçadora o
detestando xD
Eu sei que fics de natal deviam ser felizes, mas dá pra imaginar um daqueles
dois feliz no natal? Principalmente depois do drama mexicano do capítulo 33...
Tive que estender o drama pra essa fic, mas foi extremamente necessário. Eu
precisava que ela finalmente reconhecesse os sentimentos dele, e a cena
simplesmente não podia ser feliz.
Mais uma vez usei a Tara pra dar bronca nos personagens... xD Eu não
resisto. Sempre que fico irritada com eles, uso a garota pra adminstrar o
choque de realidade. Dessa vez mais com o vampiro do que com a caçadora.
Não me entendam mal, eu adoro esse personagem e AMO a forma como
vocês gostam dele. Mas nos últimos tempos ando tentando ver as coisas pelo
lado da caçadora, e a verdade é que esse vampiro tá MUITO longe de ser
perfeito. Ela não é a única responsável pelo fracasso da relação, gente. Ele
também tem muita coisa a aprender ainda. Precisa evoluir bastante antes de
realmente merecer a relação que quer ter com ela.
Sobre a música da fic, já fazia um bom tempo que eu tava procurando uma
boa desculpa para usá-la. Acho que já deu pra perceber que eu tenho um
sério problema com o Three Days Grace. Esperem mais músicas deles no
futuro de Bite Me!
É isso, estrelinhas! Espero que tenham gostado! Quero desejar parabéns ao
FFOBS por mais um ano fazendo milhares de fangirls felizes <3 E agradecer a
Lara, por ter betado esse especial, e a Carol Fletcher, minha shipper favorita,
que deu VÁRIAS idéias pra essa fic!

Feliz Natal e até a próxima!

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Montagem com os personagens fixos
twitter: @bitemefic
formspring:
http://www.formspring.me/ChaosBiteMe
msn: chaosbelle@hotmail.com
e-mail: luh_thomaz@yahoo.com.br ou luuh.thomaz@gmail.com

Outras fics:
Bite Me [Restritas/Em andamento]
The Cake [Especiais/Contos]
Sexual Healing (Sem pseudônimo) [Restritas/Finalizadas]
Down With Love |HIATUS| (Sem pseudônimo) [Restritas/Andamento]

Nota da Beta: Qualquer erro nessa fanfic é meu, então me avise por email ou mesmo no twitter.
Obrigada. Xx.

ALSO ON FANFIC OBSESSION

Contratempo de
Primeira (Vez), por Sial TAXI, por ANA LI\I 01. Tok

2 meses atrás • 3 comentários 2 meses atrás • 1 comentário um mês a

Um jantar surpresa era tudo Relacionamentos podem … "Encont


que Liza planejava para o complicados, podem ser mais um
primeiro tempo livre com difíceis e podem ser para Tae

133 Comentários 
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Ordenar por Mais recentes  101 ⥅

val • 2 anos atrás


em pleno 2020 e no meio de uma pandemia eu continuo lendo
essa fanfic, provavelmente é a 5ª vez que leio tudo! sério, que
saudadessss, uma história com tanto potencial! me pergunto o
que aconteceu até hoje, tipo, caramba, mais de 7 anos sem
atualização!

se um dia você ler isso, por favor, CONTINUA essa história nem
que seja por livro que a gente compra sim! É MUITO ORIGINAL
pra deixar passa assim
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