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Atualmente
Sei que estou em falta com a família, mas, eles me entendem e sabem
que ainda travo minhas próprias batalhas, sem imaginar o resultado delas.
Deposito o celular onde ele estava, e volto a prestar atenção na chama
ondulante à minha frente. Algumas faíscas se desprendem vez ou outra e
mantém aquele barulho gostoso de crepitar. Uma coruja chirria do lado de
fora da cabana, e imagino que a tarde já esteja se transformando em noite,
correndo em direção ao sol, para destacar a lua majestosa em seu lugar. De
onde estou, consigo ficar imóvel o bastante por muito tempo até enxergar a
escuridão rastejando por entre a copa das árvores, a luz do dia fugindo dela
como se fosse a caça de um predador, assim como alguns olhos iluminados
de animais que são primariamente noturnos.
Esses mesmos olhos brilhantes desaparecem a cada poucos segundos,
retornando mais próximos da cabana, averiguando com curiosidade a
construção em meio ao seu lugar predominante.
Não tenho medo.
Eu estou invadindo o habitat deles e basta que eu fique quieto para as
coisas darem certo.
Contemplo os flocos de neve se amontoando uns sobre os outros. Não
demorará muito para a pequena estrada que sobe a colina, se tornar
inacessível por semanas. Poderei ficar em paz por muito tempo. Eu e outra
cabana, um pouco mais à frente da minha, que não é ocupada há meses.
A sua única ocupação é a solidão, como a minha.
Claro que Snow me faz companhia, porém ser humano? Para eu ter
uma conversa verdadeiramente interessante? Não me lembro quando foi a
última vez. Faz tempo demais e, a única companheira da cela que chamo de
vida é minha dor.
De qualquer forma, se alguém decidir enfrentar a nevasca neste
momento, passará por maus bocados, uma vez que precisará pegar lenha para
a fogueira e neste tempo? Boa sorte para ela. Logo, se for esperta, sem dúvida
alguma ficará na vila, esperando que a neve comece a derreter.
Contudo, em minha eremita admiração da estrada, noto o inimaginável.
Duas luzes se estendem, refletindo o amarelo através da neve, conforme o
automóvel sobe a encosta. Sei que ele ainda está longe, algumas milhas
talvez, no entanto, não deixo de pensar quão burra a pessoa é. Os fachos
ondulam cintilantes, aumentando aos poucos, enquanto o veículo diminui a
distância. Fico feliz que a altura da neve já esteja considerável, porque então
posso me esconder e fingir que não quero contato com ninguém.
Fingir?
Ora, Damon, você realmente não quer contato com ninguém!
O carro, que agora consigo enxergar ser um desses jipes capazes de
tudo, indestrutíveis ao extremo, desponta no acesso das pequenas cabanas,
que segue em linha reta propriedade adentro e cascateia, se dividindo.
Alguns Pinus recobertos com branco se debatem com a força do vento.
A nevasca ficará ainda mais forte em um ou dois dias e, tornará impossível o
acesso às cabanas. A pessoa corajosa trouxe estoque de comida, não seria
idiota a ponto de subir sem isso, certo?
Para sua sorte, espero que sim.
Volto a ler quando os faróis atingem em cheio minha janela, conforme
o automóvel avança. Vejo que ele derrapa um pouco em meio ao monte de
neve e me sobressalto na poltrona, fazendo com que o cachorro dormindo aos
meus pés desperte e erga a cabeça, apontando as orelhas para o céu. Ele se
concentra nos fachos de luz assim como eu, tentando entender por que estou
tão enevoado.
Segundos após a perda de controle parcial, a pessoa ao volante recupera
a estabilidade e estaciona de qualquer jeito ao lado da sua cabana. Demora
um pouco para que desça do jipe, aproveitando enquanto pode o aquecedor.
Deve estar mil vezes melhor do que a temperatura do lado de fora, que atinge
rigorosos graus negativos, — realmente rigorosos, sendo que em alguns
momentos a temperatura surpreende até quem já está acostumado com as
variações dela — tornando as coisas impossíveis sem um aquecimento
potente.
Estamos nas montanhas rochosas, e não seria diferente.
Essa localização é sinal de frio para qualquer desavisado.
Finalmente sou tirado dos meus pensamentos, quando uma pessoa abre
a porta e coloca a perna para fora. Está com uma bota para neve, e é só o que
consigo ver com o tempo ruindo.
Sua jaqueta parece grossa o bastante para suportar a baixa temperatura
conforme ela se ajeita, apertando os braços em torno do corpo e depois
puxando um pouco mais o capuz. Corre em direção ao porta-malas, abrindo-o
e puxando diversas malas pesadas, por sinal, uma vez que a pessoa arrasta
cada uma delas por toda a neve até o alpendre. Fica parada por um tempo se
recuperando do esforço e tento decifrar se é homem ou mulher, estou
realmente curioso. Mas, não tão interessado assim.
Porque sei que em algum momento, vou acabar tendo que responder a
alguma pergunta do desavisado.
Snow corre em direção à janela e apoia as duas patas no peitoril,
fitando a mesma cena que eu.
E é então que noto que a pessoa olha na minha direção. Não sei se me
enxerga, prefiro acreditar que não. Minha curiosidade se mantém, não dá para
saber como é ou quem é, devido às suas roupas e a maneira com a qual o
branco desce enviesado. Não sei o que o tal ser humano está fazendo, mas
posso apostar que tenta ver através do vidro embaçado. Parece desistir, trava
o carro — o que acho desnecessário, uma vez que quem roubaria um carro
com o céu despencando em forma de gelo como está? — Ademais, abre a
porta e arrasta com dificuldade as peças para o interior.
Não tardo a ver algumas luzes iluminarem a pequena cabana.
Deve estar frio pra cacete lá dentro.
Coitada da pessoa.
Decido ignorar o ocorrido e retomo minha leitura. Snow também
abandona a observação e volta a se deitar aos meus pés, com o focinho
apoiado sobre um deles, enquanto resmunga com a minha falta de atenção.
Levanto da poltrona pouco tempo depois, com fome, indo até a cozinha
para preparar um sanduíche e chocolate quente de aquecer até o polo Norte.
O leite fervendo provoca ondas de fumaça em minha caneca. Inalo uma
parte da névoa aquecida, sentindo meu peito se expandir com o calor. O
cheiro também é muito bom.
Existem pessoas e pessoas, as que amam ficar rodeadas de gente, com
conversas infindáveis e bem... existe eu, que amo o silêncio, a solidão e,
também o inverno.
Criatura peculiar um Kingston como você, era a forma de Dolores se
referir às minhas particularidades.
Droga, lá estou eu novamente flutuando em torno dela.
Queria apenas por um dia, ou uma hora sequer, superar a falta que ela
faz em minha vida.
A escassez de ar começa a me sufocar com a ausência, quando escuto
um som abafado, que parece distante e próximo ao mesmo tempo. Snow
levanta em um rompante e se move até a porta, abanando o rabo, eufórico.
Decifro a qual situação terei que me submeter antes de escolher ignorar
a pessoa. Não estou nem um pouco a fim de ser bom samaritano hoje. Mas,
quem quer que esteja do outro lado não desiste e desata a bater uma vez
seguida à outra contra a porta de madeira.
— Tem alguém aí?! — Escuto a voz bem baixa, camuflada pelo som do
vento contra a construção.
Fico momentaneamente surpreso.
A pessoa, que eu carinhosamente apelidei de “maluco corajoso” em
minha mente, é uma mulher?
Maluca corajosa, então, conserto.
Há alguma diferença ser uma mulher a passar por apertos durante uma
nevasca, em detrimento se fosse um homem? Esforço-me a imprensar em
minha cabeça que não faz diferença alguma, no entanto, a minha educação
diz o contrário.
Luto contra meu cavalheirismo.
A parte antissocial começa a ganhar a batalha, quando fito Snow que
corre até mim, com os olhos pedintes, implorando para que eu abra a porta.
Cachorro folgado. Pensei que seria excelente eu ter um cão de guarda, não
poderia estar mais errado.
Deposito a caneca com força contra a madeira da mesa e saio a passos
pesados e apressados em direção à porta. Estou profundamente irritado, de
verdade, por ter que abandonar o meu exílio para auxiliar alguém. Puxo a
maçaneta com tanta brusquidão que quando a porta se escancara, a mulher
desaba aos meus pés, como uma fruta madura, tão dura quanto pedra quando
percebe a vergonha que acaba de passar. Não ousa erguer a cabeça por vários
segundos, puxando a touca para cobri-la com mãos enluvadas, resmungando
sozinha.
Demora um pouco para se aprumar e percebo que é vários centímetros
mais baixa que eu, mesmo ao empertigar o corpo. Está de costas para mim e
eu me pergunto se foi sábio de minha parte permitir a entrada de alguém na
minha caverna masculina, que eu ao menos pude ver o semblante.
Sou bom em ler as pessoas de acordo com as suas expressões.
Dolores dizia que foi assim que me apaixonei por ela. Por saber que seu
coração seria meu, logo que nossos olhares se encontraram. Deus! Arfo com
a memória, perguntando-me quando pararei de ter essas recordações e,
principalmente ansiando por saber quando elas irão parar de machucar.
A desconhecida escolhe justo esse momento para se virar e topo com
um olhar preto e indecifrável, assim como uma pele tão negra e cintilante
quanto. Alguns pontos dourados reluzem dela, como se fosse o próprio Sol.
Enquanto avalio minhas reações, um incômodo fantasmagórico paira
em mim, espalhando uma batida forte e inegável através do meu peito
conforme eu absorvo detalhes tão importantes.
Expiro o ar involuntariamente, o que provoca uma queimação em meus
pulmões ao inalar seu perfume doce.
— Não vai sair da frente da porta para eu poder fechá-la? Ou prefere
matar a nós dois de frio? — Sibilo, com a necessidade assustadora de
espantar os pensamentos insanos pairando em minha mente.
— Quanta ignorância! — Sua voz combina com ela.
Tem um tom rouco, mas é profunda e feminina.
Travo minha mandíbula ao perceber que estou prestando atenção em
coisas desnecessárias.
— Não é educado da sua parte bater na casa de um desconhecido
durante uma nevasca. Não me culpe por ser ignorante — resmungo.
— Era isso ou congelar de frio naquela cabana dos infernos! — fala e
aponta para a sua — Por isso, vim aqui humildemente, pedir que se possível,
caso não vá te atrapalhar — seus olhos encontram a pilha bem grande de
lenha que eu cortei a não mais do que algumas semanas, empilhada
perfeitamente em um dos cantos da sala — puder me emprestar um pouco de
lenha para eu acender a lareira.
— Não — minha resposta é direta.
Ela coloca as mãos na cintura, irritada com meu egoísmo.
— Como assim, não?
— Deveria ter pensado nessa questão antes de subir a montanha. Acha
que lenha cai do céu? — inquiro retoricamente — Com uma nevasca destas,
só Deus sabe quando poderei pegar mais e não quero morrer congelado por
sua culpa.
Seus pés começam a batucar contra o chão, demonstrando a sua raiva
por eu dar um argumento mais do que válido para minha negativa.
— Não quero que você morra congelado, só estou pedindo para que
compartilhe um pouco! Só um pouco!
— A neve só vai se amontoar mais e mais daqui por diante e ficaremos
sem acesso a civilização por um bom tempo. Então, não será apenas um
pouco, vá por mim, você está ferrada sem lenha.
Uma lamúria nada singela escapa de seus lábios.
A ponta de seu nariz está ressecada com o frio, observo, assim como
sua boca se encontra rachada, com pequenos pontos de sangue se
sobressaindo às fissuras. As pessoas não entendem como é frio, até que
chegam aqui.
— Droga! Por que eu quis escapar e vim parar nessa porcaria de lugar?!
— Como? — pergunta minha curiosidade.
— Nada, esquece. Vou voltar para a minha cabana e ver qual roupa
posso começar a queimar.
— Eu faria mesmo isso se fosse você.
Ela não se dá ao trabalho de me responder antes de abrir a porta e sumir
em meio ao manto branco. Não observo se ela consegue alcançar seu destino,
também pouco me importo, só quero me manter sozinho pela quantidade de
tempo que for possível, porque sinto, como uma pulga que se embrenha em
meu corpo inteiro espalhando coceira, que não terei a sorte de permanecer
sem outra visita da intrusa por muito tempo.
“O psicopata da cabana ao lado – episódio 1, o ataque da
motosserra!”
Volto irritada para a minha cabana. Um pouco de neve entra por minha
bota com os meus passos furiosos e quando fecho a porta, tiro-a como se
tivesse sido queimada, tamanho o gelo que se impregna nos meus dedos dos
pés.
E eu nem tenho lenha para acender a lareira e me aquecer! Só pode ser
uma piada divina!
Como se minha situação pudesse piorar, percebo que o aquecedor não
está fazendo seu trabalho como deveria. Maravilha. Perfeito! Esplêndido!
Subo até o quarto e pego todos os edredons que encontro, assim como
as cobertas. Lanço-os em cima da cama e me coloco debaixo deles, na
tentativa de me manter aquecida. Trouxe comida, muita comida, inclusive
chocolate e ingredientes para fazer bolos — acho que a ideia de ficar sozinha
em uma cabana, ferrou com meus neurônios — além dos livros, dezenas
deles, para passar meu tempo, mas, como eu não pensei que devido à
escassez de visitantes este lugar não fosse dos melhores?
Sou esperta em determinados momentos e ingênua em todo o restante.
E que a porcaria do fogão funcione, ou estarei duplamente ferrada.
Posso caminhar pela casa parecendo uma assombração com trezentos
cobertas, claro que posso, mas ficar sem comer já é um pedido complicado
demais. Pelo menos eu trouxe chocolate, certo? Essas barras milagrosas
podem me ajudar a esquecer a má sorte na qual me enfiei.
Enrolo-me no monte de edredons e desço cambaleante a escada, até
encontrar a mala da porcaria. Abro o zíper e pesco uma das barras, a de
chocolate ao leite, porque de amargo já basta a minha vida.
Está um pouco dura, mas Deus não seria tão ruim comigo a ponto de
me fazer quebrar o dente na atual situação em que me encontro.
Sento-me desajeitada no degrau que separa os ambientes e balanço meu
corpo para frente e para trás, dando mordidelas no pedaço de doce.
Fico um tempo assim, tentando esquecer todo o meu azar, com vontade
de chorar e segurando ao máximo as lágrimas. Não sei o que acontece, mas
em certo momento, sinto a sonolência se embrenhar por entre meus
pensamentos e fico mole conforme o passar de tempo, precisando tirar uma
soneca. Inclino-me e apoio em uma das pilastras, mantendo-me assim, em um
estado de sono manipulável. Falo isso porque eu poderia acordar se quisesse,
mas não quero. Dá para entender? É, naquele estágio em que a gente está
meio desperto, meio dormindo, e os sonhos parecem moldáveis, uma loucura!
O mais engraçado é que meu sonho, o que se desenvolve aos poucos,
começa com olhos azuis como o oceano e tão frios como o inverno. O queixo
marcado, visível mesmo com a barba grande e espessa o deixa ainda mais
enigmático, assim como a linha perfeita do nariz é indescritível, de um
magnetismo considerável, enquanto a intensidade do olhar, ansiando por me
mandar embora a qualquer custo provoca ondas catastróficas de calor bem no
meio das minhas pernas.
O vizinho de cabana, um homem recôndito, irritado ao extremo e que
está prestes a me beijar.
Abro a boca, formando um biquinho, esperando que ele ultrapasse
meus lábios com a sua língua e descubra no interior da minha boca um céu
estrelado. Uma de suas mãos escorrega pela minha cintura, enquanto a outra
aperta de maneira firme e prazerosa o meu pescoço. Ele inclina minha
cabeça, deixando-me a seu dispor e permito que faça o que quiser comigo.
Sinto as minhas bochechas pegarem fogo, com o fluxo constante de sangue,
ansiando por espalhar o calor conforme as carícias se intensificam.
Contudo, antes que eu passe a mão pelo abdômen trincado, absorvendo
as sensações, sou retirada do meu sonho com batidas firmes na porta da
cabana.
Quem será?
O que está acontecendo?
Demoro alguns minutos a entender onde estou, por qual motivo estou e
em que situação estou.
Molhada e com tesão por causa da droga de um sonho!
— Leia, Candy. Você pode não estar feliz com a sua realidade quando
alguma coisa não sair como quer, mas nos livros, minha querida, você
poderá ler tantas vidas que em um momento entenderá a sua.
— Para me entender, eu preciso ler?
— Exatamente. Como seria diferente, se quando você lê entrega uma
parte do seu tempo e, também do seu coração?
Ainda estou resmungando de raiva quando ela chega à sua cabana. Fico
observando para ver se nada de ruim acontecerá, é maior do que eu. Depois
que fecha a porta, volto-me para a travessa em cima da pequena mesa
retangular e retiro a tampa, sentindo o cheiro de bolo recém-feito, viajar até o
meu nariz e então se infiltrar em meu peito.
Dolores fazia bolos como ninguém.
Apoio as mãos na mesa, irritado com a lembrança, furioso por não ter
passado ao menos poucas horas sem me lembrar dela. Toda vez é dolorido,
palpável. Já faz quatro anos, quando tudo se amenizará? Quando eu vou olhar
para as coisas sem lembrar do que ela gostava ou não? Sinceramente, parece
piorar a cada passar de dia. Não consigo dizer adeus, não consigo deixá-la
seguir, porque a falta e, a saudade agem como uma pedra amarrada aos meus
tornozelos, tragando-me até o fundo do oceano. Estico minhas mãos, na
tentativa de me salvar, mas não há ninguém lá para segurá-las.
Tento decifrar o que senti quando ele tocou minha pele. Uma espécie
de calor transferiu-se de seus dedos diretamente para mim, que rastejou e fez
seu caminho, ondulando até a parte que vibrou no meio das minhas pernas.
Sei que pode soar estranha essa constatação, mas é a verdade, me senti quente
e disposta a ver se o beijo desse homem poderia derreter a neve que se
encontra do lado de fora. Agora, estou saboreando a sopa que ele fez,
comendo o pão caseiro que ele também fez e me perguntando se é possível
existir um ser humano assim, tão recluso e receptivo ao mesmo tempo.
Infelizmente, não tenho muitos parâmetros com o qual comparar.
O fato mais engraçado nesta noite, é que jantar, com outra pessoa,
mesmo no silêncio confortável que estamos — sim, eu não estou falando
muito, porque ainda tento entender aquele choque estranho — tem sido
agradável e instigante, uma vez que relanceio meu olhar na direção do
barbudo mal-humorado a cada poucos segundos sentindo que ele também faz
o mesmo comigo.
Presto tanta atenção nele que vejo quando suja um pouco da barba
espessa e absolutamente preta com a sopa. É involuntário o que faço a seguir,
estico meu braço por sobre a mesa e limpo a sujeira sutilmente. Ambos
travamos mais uma vez ao perceber o que eu fiz e acabo retrocedendo minha
mão, empertigando meu corpo na cadeira, torcendo para que ele não pense
que sou uma maluca. Finalizo a tigela que estou saboreando, como se uma
pedra estivesse entalada em minha garganta.
Ele é o único que foi capaz de me fazer ficar quieta, sem querer dizer
nada.
Apreciá-lo é o bastante, assim como as minhas tentativas em imaginar
como ele é por debaixo da barba. Céus! Eu não vou me esquecer disso?
Desde que cheguei e o vi estou com esse pensamento.
— O que está pensando?
Espanto-me com a voz grossa que corta o silêncio.
— Nada.
— Deve estar pensando em alguma coisa, Candy — ele fala meu nome
e droga, soa muito bem em seu tom de voz — É impossível que nada esteja
passando pela sua mente.
— Só me pergunto como você seria por debaixo de toda essa barba.
Minha fala o deixa atônito, abrindo e fechando a boca, como se
procurasse um lugar para enfiar a cabeça e não responder ao meu comentário.
— Entendo, é uma brincadeira — diz por fim, pigarreando e olhando
para todas as partes menos para mim.
— Não, não é — enfatizo — de verdade, essa barba não combina com
você, toda desgrenhada e grande demais. Falta cuidado. Por isso fico
imaginando como você é por debaixo dela. Deve usar essa camada para se
proteger e parecer mais arredio do que eventualmente é. Não te culpo, por
muito tempo eu usei roupas largas demais, porque meu ex-marido falou que
eu estava acima do peso e que não deveria ficar usando — abro aspas —
roupas de mulheres magras. Fiquei me sentindo tão mal que passei um bom
tempo me camuflando até fazer terapia e entender verdadeiramente que não
devo me privar do que gosto por causa do que as pessoas pensarão, além do
mais, ele que era cego, porque eu sou linda. Cada mulher é à sua maneira.
Noto que ele aperta o cabo da colher firmemente entre seus dedos e
uma nuvem obscura paira em seu olhar.
— Já foi casada. Eu também já fui casado. E sinto te dizer, mas, seu ex-
marido é um idiota e não sei como alguém como você ficou com um cara que
fala coisas como a que ele te disse. Jamais falaria isso para a minha esposa.
Eu amava cada centímetro dela, assim como a sua alma e o exterior nunca me
interessou tanto quanto a sua personalidade incrível.
Percebo o quão mal julguei o homem à minha frente.
Alguém que fala com tanto carinho da ex-esposa, não faria mal a outra
pessoa, certo? Claro que há casos e casos e talvez eu esteja baixando a guarda
rápido demais para meu próprio bem. Porém, não consigo mais ficar tão
alerta quando estou perto dele, porque inconscientemente quero conhecê-lo
melhor.
— Ela teve sorte por se casar com você então. No mínimo metade das
mulheres no mundo não tem essa mesma sorte e se casam com crápulas
disfarçados de príncipes. A ilusão engana e quando a verdade vem, já é tarde
demais, entende?
A percepção torna-se evidente em seu semblante e ele acena em
compreensão.
— Sinto muito pelo que passou.
— Eu também. — Decido mudar de assunto — Enfim, como você
cozinhou, a louça é minha, certo? Essa é a regra. — Levanto-me e pego meu
prato fundo, colocando o seu logo acima, ao ver que ele já havia terminado
de comer.
Deixo a louça organizada na cuba e começo a lavar, sem olhar para trás
ou, sequer aparentar interesse no que ele faz, enquanto limpo tudo, em sinal
de cortesia. Mas, me assusto quando sinto sua presença próxima pouco antes
de ele se encostar no balcão, bem ao meu lado, com os braços cruzados no
peito e o corpo tenso devido a nossa proximidade.
— Por que falou aquilo pra mim?
Pego o primeiro prato e começo a lavar.
— É mais fácil falar com estranhos do que com conhecidos. Eles não te
julgarão, apenas vão ouvir o que diz. Claro que não qualquer estranho, mas
como ficaremos presos aqui por um tempo, achei que seria interessante
conhecer um pouco sobre mim e acabei descobrindo um pouco sobre você.
Acredito que foi o preço que paguei para poder ultrapassar a sua armadura.
— Não conseguiu nada do que falou. Ainda sou imune a sua tentativa
absurda de obter informações. Com que intuito? — Ele divaga — não tenho
ideia, uma vez que não sou tão interessante quanto pareço ser. Só tenho uma
história, que se quebrou e perfurou tudo no que eu acreditava, as cicatrizes
ficaram e é assim que tudo termina.
— O que aconteceu? Você a traiu? Ela fugiu com o amante? — Tento
adivinhar o que houve para que decidisse se manter isolado em uma
montanha afogada em neve.
Percebo que fui para o lado muito errado da adivinhação quando
Damon prende seus dedos no mármore da bancada, colérico. Deixo que o
prato que eu enxaguava despenque na pia e escuto o som da louça se
quebrando em vários pedaços, ainda vidrada na aura perigosa que ele emite.
Eu deveria ter ficado quieta.
Calado a porra da minha boca.
Viro-me temerosa, encostando minhas costas na pia molhada, olhando
para o homem que agora está à minha frente, com os lábios firmes um ao
outro, fitando-me como se eu fosse seu inferno pessoal na terra. O corpo forte
e imperativo prensa o meu contra o móvel e eu me sinto enclausurada, presa
em sua névoa de ameaças. Meu coração pula algumas batidas, com medo do
que está por vir, para em seguida bater acelerado, antecipando o terror. Não
sei como sou capaz, mas fico excitada com o cheiro másculo se impregnando
em cada parte minha e a sua determinação em me assustar. Eu deveria correr,
como uma gazela indefesa, ou coisa assim, mas eu não sou uma gazela e
muito menos indefesa.
Empino o queixo e percebo que ele engole em seco, lutando contra a
vontade de ceder ao seu desejo, assim como eu tento fazer.
Seus olhos passam de furiosos para enevoados quando ele fita meus
lábios, assistindo-me os entreabrir, maluca para que me beije.
Segundos transitam entre a tensão, até que ele volte à realidade, se
afaste um pouco, respirando com dificuldade ao tentar recobrar seu bom
senso.
Foi por pouco, muito pouco.
— Nunca mais fale da minha esposa, ou tente presumir o que
aconteceu. Nunca mais, escutou bem? — diz, mas ainda está abalado pela
atração inesperada.
— Sim, me desculpe, não sabia que esse assunto era um limite para
você.
— Mas é — praticamente rosna antes de se virar — e já sabe onde fica
a saída, não quero mais te ver aqui por hoje — vocifera e dispara pelo
corredor, batendo uma porta segundos depois.
Olho para o cachorro, que me encara de volta, aparentando não
entender tanto quanto eu, o rompante de raiva do seu dono. E entre essas
olhadas, percebo um detalhe que me deixa irada justamente por eu tê-lo
percebido ou por dar alguma importância a ele. Damon disse hoje, que não
queria me ver mais por hoje. Ou seja, se eu aparecer amanhã, ele terá voltado
a me tratar com revolta ou simplesmente descaso como nas vezes anteriores?
Em que merda de realidade você acha que descaso é melhor do que
revolta, Candy?!
Decido que no momento minha consciência tem razão, então visto meu
pesado casaco, preparando-me para ir embora. Porém, antes que eu saia de
verdade em meio ao gelo, fito de relance a estante recheada de livros e me
apresso até lá, para pegar alguns que possam me entreter por um tempo. Olho
para o longo corredor, conferindo se não serei pega no flagra e quando
finalizo, corro até a porta, saindo sem olhar para trás, após aconchegar os
diversos mundos dentro do meu casaco.
Mantenho-me tão absorta em meio aos questionamentos que não sinto a
temperatura baixa, ou a resistência da neve contra as minhas botas, só
percebo que estive longe do meu corpo, quando alcanço o alpendre da cabana
na qual estou e afundo em seu interior, não tardando a depositar os livros em
uma poltrona puída e acender a lareira para aquecer todo o lugar.
Infelizmente logo que me sento no sofá, tudo no que consigo pensar é
nele sem a maldita barba.
Damon cozinhando para mim de cueca.
Ou ele tirando peça por peça, despindo-se enquanto eu o observo.
— Ah, meu Deus, eu estou ficando maluca! — Chuto minhas botas
para longe, ficando apenas com a meia grossa, desejando que outra coisa
além do fogo cintilante na lareira estivesse a me aquecer.
Um corpo nu, quem sabe.
Fontes confiáveis, no caso eu e Trust, alegam que quando há um fogo
bem servido na cama, aquecedores ou qualquer outra forma de aquecimento
se tornam meros detalhes. Ao menos, tenho os livros que tanto quis pegar e
ele nem me viu no meu ato de empréstimo.
O que mais eu poderia fazer no meio do nada, com nada além de nada,
cercada por uma imensidão de branco, enquanto espero o inverno passar? Ler
parece a resposta mais coerente. Transar também, mas o homem na cabana ao
lado não parece nada disposto a ceder a esse tipo de intimidade. Uma pena,
realmente. Todo aquele monte de roupas aparenta esconder um corpo de
matar qualquer mulher do coração.
Tento controlar a vontade de ir à janela e olhar até lá, só para ter um
vislumbre dele, mas não consigo, caminhando pé ante pé, como se Damon
fosse ouvir da sua cabana a minha movimentação furtiva. Afasto a pesada e
antiga cortina, para enxergar do outro lado. Apenas a luz do quarto está
acesa, deixando todo o restante em completa escuridão. Permaneço alguns
minutos, como uma espiã, uma intrusa em sua privacidade, no entanto, nada
visualizo, é como se ele fosse um fantasma, que aparece quando bem entende
e que ajuda quando quer.
Retorno até a poltrona e abro um dos livros. As primeiras páginas se
tornam uma leitura maçante, com a minha necessidade de voltar a cada
parágrafo para reler, de tanto divagar e pensar no estranho que mora do outro
lado. Porém, quando engreno na trama, nada é capaz de me parar, nem
mesmo meus pensamentos indecentes acerca de um homem que eu nunca
veria na vida se não viesse parar aqui. E essa constatação me deixa com
aquela sensação estranha de novo, como se eu quisesse ficar perto dele, sem
saber explicar o porquê.
Mando essa ideia para longe e retomo a concentração.
Depois de passar a madrugada inteira vidrada na leitura, naquela
síndrome de “só mais um capítulo e eu vou dormir”, assisto o sol raiar por
sobre o monte de neve que recobre toda a cadeia de montanhas.
Nem que eu passasse a vida inteira tentando descrever, conseguiria.
Nunca vi um nascer de sol tão lindo e mágico como este. Minhas
energias se renovam automaticamente e respiro profundamente, inalando
calmaria.
Já não me importa mais que estou impossibilitada de ir embora.
Também não me sinto irritada pelos percalços que me trouxeram até
aqui.
Sinto-me agradecida.
Grata por ter presenciado uma cena tão incrível e inenarrável.
É neste instante, em que um raio de sol tímido, ondula e flutua até a
minha janela, sem espalhar calor devido ao frio, apenas a luz, que eu
aproveito o cenário para repensar algumas coisas em minha vida. Se o
homem que é meu vizinho não tem esposa e também não é um psicopata, —
depois de todas as oportunidades que ele teve de dar um fim a minha
existência e não o fez, merece o benefício da dúvida — ele pode muito bem
me ajudar a tornar esse nosso exílio em algo muito proveitoso e
extremamente agradável.
Damon possui uma aura controversa que faz a centelha do desejo
crescer em mim. Sei que meu ponto de vista é questionável, contudo, só
estamos nós dois neste lugar e por que não aproveitar?
Quanto mais eu penso na possibilidade, melhor ela me soa.
Devo ser a pior pessoa do universo, com certeza, pensando em seduzir
um homem que não quer ao menos a minha presença por perto.
Possivelmente, esse pode ser um dos vários motivos pelos quais meus
pensamentos acabam viajando sempre até ele.
Nós ambicionamos o que não temos, é um fato.
Levanto-me, e me espreguiço, sentindo o sono se apoderar da minha
coerência, seguindo cambaleante até o quarto.
Meus olhos pesam e eu caio nas mãos de Orfeu, que me dá uma ideia
perfeita para poder conseguir o que quero.
“Conversar com alguém, não foi tão ruim como eu esperava.
Deveria repetir isso mais vezes.”
A primeira coisa que faço quando acordo é espiar pela janela. Uma
atitude horrível da minha parte, mas é o que faço. O sol está nascendo, e
todas as vezes parecem diferentes, por mais que eu veja essa ascensão do
astro todos os dias. Contemplo não apenas a coloração alaranjada por entre os
picos nevados, mas também a cabana à frente da minha, que se ilumina aos
poucos, sutilmente, conforme a hora se estende. Noto que a cortina da sala
desta vez está fechada e solto um murmúrio desolado por não poder ter um
vislumbre do que Candy faz.
Cupcakes?
Ensaiando frases para me irritar?
Ou hidratando aqueles lábios que me fazem engolir em seco?
Deixo de lado essas suposições e vou até a sala. Assim que olho para
minha estante percebo a falta de alguns livros e, não preciso ser um gênio
para adivinhar quem os tirou do lugar. O que responde a minha charada
anterior, ela deve estar lendo.
Há algumas semanas, se fosse qualquer outra pessoa, eu ficaria irritado
com a situação, contudo, apenas um sorriso leve e compreensivo brota em
meus lábios e se arrasta, esparramando seu efeito até meu humor.
Candy, Candy...
Preparo meu café da manhã, ovos com bacon e tomo o café em goladas
enquanto saboreio a refeição. Logo que termino e lavo a louça, ouço batidas à
porta. Sei quem é, e essa noção me provoca uma onda de ansiedade
incontrolável. Enxugo minhas mãos no guardanapo e quando estou prestes a
tocar a maçaneta, ela gira depressa.
É impossível disfarçar o meu espanto.
— Como...? — pergunto, mas Candy ergue a mão em um gesto, para
que eu fique quieto.
— Eu saí daqui ontem à noite e pressenti que você não tinha trancado a
porta já que foi para o quarto dormir. Mas, tudo bem, não é como se alguém
fosse escalar a neve e correr perigo de vida para roubar um ermitão como
você. Principalmente, porque não deve ter nada de muito valor aqui.
— Não interessa como sabia que a porta estava aberta, a questão é que
não podia entrar assim aqui! — exclamo indignado.
Mais por estar pensando nela com frequência, do que pelo que ela fez.
— Eu só queria te trazer algo, e como sei que gostou dos cupcakes, fiz
mais. — Ergue a travessa na altura dos olhos e eu inalo o ar bruscamente,
porque sinto meu estômago protestar, mesmo eu tendo comido, após sentir o
cheiro que perfuma o ambiente.
Maldita mulher e suas mãos de fada!
Dou passos na sua direção e pego a travessa com brusquidão, deixando
claro que não estou nada feliz com ela aqui. Levo os cupcakes para a cozinha
e ouço seus passos me seguindo.
— Preciso te dizer que... — interrompo-a.
— Pegou alguns livros, eu sei.
— Como?
Desta vez sou eu quem a surpreende por alguma coisa assim como ela
fez comigo desde o início.
— Organizo minha estante por cor, e havia lacunas nas tonalidades em
diferentes prateleiras. Uma vez que só você me atormenta, porque mora ao
lado, não foi difícil adivinhar o que tinha feito.
— Em casa, eu costumo separar de acordo com meu amor por eles —
ela diz sem fazer muito caso disso.
Por que não separa por amor, querido? Há livros que você gosta mais.
Eles deveriam ficar em destaque.
Ficar em destaque.
Ficar em destaque.
Ficar em destaque.
Apoio na pequena mesa de jantar e busco o ar que escapou dos meus
pulmões.
— Está tudo bem? — dedos me auxiliam e quando fito os olhos escuros
e profundos, percebo que estive perdido em meu próprio mundo de dor
novamente.
Isso acontece mais do que sou capaz de aguentar.
Principalmente pelo fato de eu lidar sozinho com o luto e me corroer
nele. Prendo toda as dores dentro de mim para não machucar mais ninguém e
todas as vezes em que tenho que socializar, finjo ser aquele antigo Damon,
que fazia piada de tudo e que divertia a todos, quando na verdade, ele está
quebrado, afogado em suas próprias tristezas.
E por mais que as pessoas digam: ei, você tem que superar, já faz
quatro anos!
Dolores gostaria que você seguisse em frente.
Precisa aproveitar a vida, ela está passando.
Eu não tenho como controlar meu coração, que ainda luta na tentativa
de remendar os pedaços que se separaram quando perdi o amor da minha
vida. Não é só falar que as coisas ficarão bem. São anos vividos, e que me
deixam bem ciente do que tive e não tenho mais.
— Eeeei — Candy tenta chamar minha atenção — está ou não bem?
O ar acessa meus pulmões com dificuldade e eu ainda não sei definir se
estou bem. Sequer sei se ficarei totalmente bem um dia.
— Estou — é a única coisa que falo.
A mulher diante de mim não parece convencida com minha fala e seus
grandes olhos imploram por uma explicação. Não me dou ao trabalho de
comentar. Quero ficar quieto por alguns segundos, para poder me recuperar
da enxurrada de memórias.
— Posso ficar por perto e quando quiser conversar, eu vou ouvir.
Ela se afasta de mim e se senta na poltrona. Assisto impotente, Snow se
aconchegar próximo a ela em busca de carinho, enquanto Candy esparrama-
se confortável na minha caverna masculina. Ela não pertence a esse lugar e
ela não deveria estar aqui, não quando eu me recuso a ficar envolvido por
alguma mulher depois de Dolores. Não seria justo, eu não estaria honrando a
sua memória. A maneira trágica e repentina com a qual ela foi tirada de mim,
também reforça a ideia de que não posso ser feliz depois de tudo, que seria
uma espécie de traição que apenas eu entendo. Porém, em contrapartida,
outro pensamento me assola: e se realmente ela ficasse feliz por eu estar
dando uma chance de me sentir vivo depois de tanto tempo sentindo-me
culpado por coisas as quais eu não tinha controle?
— Precisa ir embora, eu não quero que fique aqui. — Sentencio.
Com medo.
Um terror assustador de que outra pessoa comece a ter tanto poder
sobre mim, de me deixar devastado, quando partir também. E Candy irá, ela
está aqui por engano, e quando puder ir embora, esta será a primeira coisa
que ela fará.
— Por quê? Você falou que não é mais casado, eu também não sou. E
para fortificar meu ponto, não estamos fazendo nada demais. Não precisa agir
como se eu quisesse te forçar a ter relações sexuais comigo, porque eu não
estou.
— Eu não entendo a sua motivação. Qual a razão para insistir em se
manter perto de alguém como eu, Candy? Que claramente não se sente à
vontade com a sua presença?
— Tenho a tendência de tentar consertar coisas quebradas. Sou assim
desde criança. Uma vez, deixa eu te contar — ela se levanta e bate com a
palma na poltrona, para que eu me sente no lugar — vem logo, eu deixei
aquecido para você! — caminho contrariado até lá e me sento, a mulher
coloca-se aos meus pés em posição de lótus, animada por narrar uma história
que não quero ouvir — então, como eu estava dizendo, quando era criança,
encontrei um cãozinho que tinha acabado de ser atropelado na frente de casa.
Corri com ele para o papai e pedi que o levasse ao médico. Naquela idade eu
acreditava que os médicos atendiam cachorros também. Enfim, implorei para
ele levar e papai foi o caminho inteiro falando que o cachorro já estava sem
vida. Quando chegamos ao veterinário, ele foi resoluto em afirmar que se
demorássemos mais um pouco, não teria como salvar a vida do bichinho.
Logo, tomei essa como uma das situações de aprendizado, que nenhum caso
que parece realmente sem solução, é. Depois de três semanas se recuperando,
o cachorro, que eu dei o nome de Fighter, foi embora com a gente e se tornou
meu animal de estimação. Amei com todo o meu coração aquele peludo e
sempre que penso que finais felizes não existem, lembro-me dele.
— Eu sou seu caso perdido, agora entendo.
Tapas leves são depositados na minha coxa e eu me encolho com o
toque íntimo.
— Não veja por esse lado. Eu só quero que esse tempo não seja
enfadonho. Que tal discutirmos nossas leituras? Ou fazermos coisas mais
interessantes? Não podemos mesmo andar na neve, nem que seja para subir
até um ponto onde a cadeia de montanhas seja totalmente visível? Você não
tem nenhuma moto de neve? Nada?
O que eu faço para essa mulher parar de falar?
Ela começa e não para mais! Deus, isso é provação!
— Se eu não quero contato com a civilização durante todo o inverno
por que diabos eu teria uma moto de neve?
— Para poder dar uma volta pela paisagem? Fazer alguma coisa que
não ficar enclausurado em uma cabana no meio do nada?
E não foi exatamente por este motivo que eu vim para cá? Ficar isolado
no meio do nada? Candy não entende minhas motivações e não entenderia
mesmo que eu explicasse.
— Eu gosto de ficar enclausurado.
— Nossa, como você é chato. Quando reparei que tem uma espécie de
garagem anexa à cabana, pensei que tivesse uma moto de neve guardada.
Há apenas um limpa-neve Huter pequeno, com o motor quebrado que
eu posso facilmente consertar, mas, prefiro não o fazer, uma vez que ele
seria, enfim, inútil no cenário atual.
— Se quiser verificar pode ir em frente — exclamo sabendo que se eu
disser para ela não entrar, fará justamente o contrário — mas, não irá
encontrar nada de interessante. Só um limpa-neve pequeno, que não
adiantaria muito dado o volume de neve da encosta.
— Tudo bem, — estranho quando ela concorda depressa, porém me
abstenho de opinar — então o que acha de discutirmos alguns livros? Como
eu disse? Eu posso ser legal quando quero.
— Sobre qual quer debater?
Ela diz o nome e eu arqueio as sobrancelhas, admirado, notando que ela
leu um livro grande e complexo em apenas uma noite. Imagino que tenha
passado a madrugada devorando as páginas, assim como eu fiz da primeira
vez que li.
— Não gostou? — Dúvida paira em seus traços.
— Na verdade, estou espantado. Você leu de madrugada e não dormiu,
não foi? A primeira vez que eu li não consegui largá-lo por nada.
— É espetacular! Sempre quis lê-lo, mas aparecia algumas coisas que
eu precisava fazer e acabava deixando para um outro dia. Quando eu
imaginaria que precisaria ficar presa em uma montanha em Montana, com um
estranho, para poder finalmente o fazer? O destino toma caminhos estranhos
para chegar onde quer.
— Por que veio parar aqui? — sua fala me deixa curioso e decido
perguntar.
Não acredito que ela tenha vindo pelas mesmas razões que eu.
— Vi meu ex-marido fodendo a atual dele, no jardim da casa do meu
pai, enquanto ele dava uma festa. Nada demais. Coisas que acontecem no dia
a dia. E o problema é que eu nem o amo mais, sabe? Só senti como se
quisesse me atingir.
Perto do que me faz ficar preso todo inverno, sentindo piedade de mim
mesmo, realmente, não parece nada demais. Porém, eu não estou na pele dela
para saber o quanto dói o que aconteceu. Não é justo de minha parte julgá-la
por procurar refúgio na solidão.
— Ele não pode se chamar de homem se fez algo assim. Sorte a dele
não fazer parte da mesma família que eu, minha avó o picotaria, assaria e
serviria no jantar, sem remorso! Vovó é terrível e tem um senso de certo e
errado de causar inveja.
— Ela deve ser uma senhora incrível — sussurra Candy.
— Realmente é. Ou, na maior parte das vezes, quando não está
tentando casar os netos, ou apenas nos fazendo ser leiloados para a caridade
— falo, sentindo-me leve por comentar sobre as pessoas que amo. — E
acredite em mim quando digo que ela faz isso com todo mundo, sem titubear!
Leiloou a esposa do meu primo certa vez, e eles eram recém-casados. Quase
fez o homem ficar louco!
— Não brinca!
Candy gargalha com a minha admissão e eu sorrio junto, por saber que
a coisa toda é mesmo muito engraçada.
— Estou falando sério. Até você tremeria de medo se visse vovó frente
a frente.
— Aposto que são covardes. Impossível uma senhora que deve ser
amável causar tanto alvoroço dessa forma.
Emito um tsc.
Ela diz isso porque não conhece a matriarca mais diabólica de todas as
famílias sulistas.
— Amável não definiria aquela lá e digo isso com carinho porque a
amo, mas ela não é a mais santa das avós, pelo contrário, deve ser a pior, uma
vez que nos manipula tanto e depois finge que nada aconteceu.
— Então é sensata.
— Sensata? — Bufo em sinal de descrença.
— O que ela pensa de você se trancar aqui?
— Não gosta muito, mas também não me incomoda. Ela sabe, assim
como todos, que não devem me empurrar contra um limite que não estou
disposto a ultrapassar. Estou aqui por um motivo e não sairei tão cedo. Até
gosto do lugar, na verdade — olho em volta — traz uma sensação de paz, que
ser obrigado a conviver com as pessoas nunca trouxe.
Continuamos conversando por muito tempo, falando sobre o livro,
alternando para coisas mais leves e que não me impelem a caminhar na corda
bamba em cima do grande desfiladeiro do meu passado. Candy é uma boa
companhia, sou obrigado a admitir e possui um sorriso encantador. Todas as
vezes em que ela percebe que começo a ficar tenso, trata de mudar o assunto,
tornando-o mais leve e agradável.
Agradeço-a internamente por essa sensibilidade.
E estamos tão envolvidos na conversa, sorrindo vez ou outra, ou apenas
lidando com o silêncio, que quando ela se levanta e diz que precisa ir, sinto
que a ausência começa a pesar no lado esquerdo do meu peito. Não sou o
único, já que Snow se levanta e abana o rabo, chorando para a mulher em pé.
Ela acarinha seu focinho e então se move até onde seu casaco está pendurado.
Quando para em frente à porta, acena se despedindo e eu não consigo fazer
nada além de retribuir o gesto.
No segundo seguinte, após um piscar de olhos, ela já foi embora.
Observo-a caminhar com dificuldade na neve e tomo uma decisão.
Preciso ir para a garagem, nem que eu tenha que ficar congelando por
lá, para consertar aquela coisa.
Coloco meu pesado casaco, minhas luvas e espero que ela entre em sua
cabana, saindo furtivo, para que não perceba o que irei fazer. Poderia
interpretar de maneira errada. No entanto, assim que abro a porta de metal e
fito o limpa-neve pequeno, percebo o motivo para estar fazendo isso. Pego
um dos banquinhos que há ali, a caixa de ferramentas guardada em um canto
e sento-me em frente à máquina, investigando como retirar o motor dela para
consertar. Assim que compreendo o mecanismo, começo a trabalhar e passo
muito, muito tempo compenetrado na tarefa.
“Oh, oh, minha lenha acabou Damon. Posso ficar aqui até a neve
nos deixar ir embora?!
Sou muito manipuladora. Pior que a avó dele, aposto!”
Juro que quando vejo Candy e sua pose de coitada, em frente à minha
porta, até penso em aceitar que ela fique. Porém, segundos antes de
concordar, um verdadeiro filme passa por minha cabeça e é aí que percebo o
erro que iria cometer. Não há como ficar em um lugar apertado com ela tão
próxima de mim. As coisas podem dar tremendamente errado em pouco
tempo e serem impossíveis de reverter até que a neve parta. Por isso, não
demoro a fechar a porta e voltar para a minha leitura, tentando esquecer os
lábios tentadores e os olhos grandes que imploravam por empatia.
Snow late para atrair minha atenção e eu afago sua cabeça, sorrindo
com a carência do cachorro, até que... todas as luzes de casa se apagam assim
que ouço um som que se assemelha a uma pequena explosão do lado de fora
da cabana. Não consigo imaginar o que tenha sido, mas sou sensato o
bastante para pegar a minha lanterna, em cima do aparador da sala e sair de
casa em busca do motivo da falta de energia. Não tardo a encontrar quando
vejo a fiação que sai da cabana de Candy irradiando faíscas. A minha é
interligada com a sua, ou seja, se ela está sem energia, eu tenho a má sorte de
estar também.
Dou passos irritados até a sua porta e bato diversas vezes. Nada de
resposta. Desisto de esperar e testo a maçaneta, que gira prontamente. Entro
no lugar e não paro para contemplar nada, com o único intuito de encontrar
aquela mulher e falar tanta coisa para ela, que decidirá descer a encosta
mesmo com a neve quase atingindo seus joelhos. Com o estrago que fez à
rede elétrica não demoro a presumir onde ela se encontra, deparar-me com a
porta do porão aberta apenas reforça essa ideia. Assim que surjo no vão e
aponto a lanterna para a escuridão lá embaixo, os mesmos olhos pedintes que
me fitaram mais cedo, agora estão voltados para a bagunça que ela aprontou.
— Que porra você fez, Candy? — Soo austero.
Não bastasse ela surgir quando eu imaginei que passaria mais um
inverno sozinho, agora ela insiste em transformar a minha reclusão em uma
merda? Essa mulher é o demônio, não encontro outra explicação.
— Foi um acidente... — Olha para mim e diz.
Acidente!
Acidente é tropeçar em uma pedra que não viu, ou mesmo esquecer a
água na chaleira e se lembrar quando ela já quase se evaporou totalmente.
Aumentar a potência da porra de um sistema de aquecimento — é o que
presumo que ela fez diante do acontecido — obsoleto há no mínimo uns vinte
anos e com a fiação toda bagunçada é pedir para que uma tragédia aconteça!
Ela ao menos tem noção de que se um fogo começasse ali, a cabana
rapidamente seria consumida em chamas? Não, claro que ela não tem noção,
é alguém que veio parar em um lugar no pior momento possível, sem
qualquer tipo de conhecimento sobre.
Travo meus dentes e sibilo em ódio.
— Você poderia incendiar essa cabana inteira, Candy! Droga! — desço
os degraus rapidamente e trato de puxar a alavanca para baixo, tentando
desligar o enorme monstro.
A mulher ao meu lado nada diz, mas sinto a sua presença espalhando
calor humano próxima a mim. A alavanca demora a descer, mas quando o
faz, um som de vida voltando ao seu ritmo normal permeia o enorme
maquinário, até que apenas um ruído baixo abandone seu interior.
— Vá até minha cabana e pegue minha caixa de ferramentas, ela está
debaixo da cama — digo.
Candy não responde ao meu pedido.
— Pegue.a.minha.caixa.de.ferramentas, por favor, mulher! — falo
pausadamente para ver se desta vez ela entende.
Desata a correr em busca do que pedi e volta minutos depois,
segurando com dificuldade a pesada maleta.
Eu a contemplo, avaliativo, me perguntando se ela fez isso de propósito
para me infernizar ainda mais.
— Você quem deveria ter ido buscar, não sou sua empregada.
— Não fui eu quem quase provocou um incêndio — rebato.
Mas, não foi por esse motivo que eu pedi para que ela buscasse. A
verdade é que tremo com a simples ideia de deixá-la sozinha diante do
maquinário prestes a pegar fogo. Só tivemos sorte de não haver uma explosão
porque aposto que há um Deus olhando com fervor pela gente, caso
contrário, as coisas seriam desastrosas e mil vezes mais trágicas.
E se alguém tivesse que morrer ali, que fosse eu.
Passo a mão na testa, enxugando o suor frio devido ao medo. Suspiro
ruidosamente, cansado pelo excesso de preocupação.
Retiro a maleta das suas mãos e procuro pelas ferramentas para tentar
abrir a portinhola do motor do sistema de aquecimento. O da minha cabana,
eu troquei assim que decidi passar um tempo longo por aqui e fiz algumas
reformas no lugar, para ficar mais confortável. Candy deu o azar de vir parar
justo na acomodação mais obsoleta de todos os tempos.
É apenas essa noção, forço-me a acreditar, que me impele a tentar
tornar a “estadia” — se é que podemos dizer assim — um pouco mais fácil
para ela. Abro a tampa do motor e começo a trabalhar, trocando algumas
peças que por sorte eu guardei quando substituí o meu. Tento também
encontrar o motivo para ele não suportar a potência mediana. Troco outros
componentes imaginando que consegui encontrar a razão e erro feio.
Não vou conseguir testar o equipamento se tudo não estiver
funcionando.
— Me desculpa.
Olho para ela, e noto que está encolhida, com os ombros baixos devido
ao que fez. Sabe tão bem quanto eu o perigo que correu, não é idiota.
Isso porque eu imaginei que teria sossego durante semanas!
Agora, a única coisa que peço é que elas passem rápido para eu me ver
livre de Candy.
— Cupcakes não irão te safar desta vez — digo baixo, ameaçador.
— Eu só estava tentando deixar o ambiente mais quente e então
imaginei que pudesse aumentar a potência do sistema de aquecimento, só não
pensei que ele estaria tão velho que seria perigoso. Sei que preciso pedir
desculpas, de verdade, e eu estou pedindo pelo que fiz, mas não pela minha
ignorância em agir conforme a necessidade. Se quer saber, acho que o frio
congelou meus neurônios e a culpa é sua por me deixar assustada pensando
que a lenha acabará em breve e então eu vou morrer de frio se depender de
você.
Franzo minhas sobrancelhas.
— Sua lenha já não tinha acabado?
Ela nota o furo que cometeu e abre e fecha a boca, procurando por
desculpas.
Eu na cabana, pensando que sou egoísta demais por não permitir que
ela fique comigo durante o inverno e essa mulher manipuladora criando
situações para me enganar.
— Bem, é que... — interrompo-a sem deixar que invente uma desculpa
para esse gesto tão estúpido.
— Não acredito que fez isso! Por quê? O que tanto você quer comigo?
Já não basta ter acabado com a minha busca pela paz, agora quer me
atormentar todos os dias, no mesmo ambiente?
— Só não quero ficar sozinha aqui.
— Pensasse nisso antes de vir para cá! — Levo as mãos à cabeça
indignado e viro-me de costas para ela, incapaz de ficar olhando para o seu
rosto arrependido.
— Damon, é verdade. E sabe que a lenha não vai ser suficiente para
todo esse tempo, então eu só antecipei os fatos. Não pode ver isso como uma
mentira.
— AHHHHH — grito para extravasar a frustração.
Essa mulher está me deixando maluco. De verdade. Daqui uns dias irei
correr pelado na neve, só para me ver longe dela. Então poderá ficar com a
lenha, com os livros, com o cachorro, a cabana e o que mais ela quiser,
enquanto eu, obterei paz!
Fecho os olhos e coloco o indicador e o dedão na ponte do nariz,
inspirando e expirando, clamando por paciência.
— Está tudo bem? — sinto um cutucão no meu peito.
Nem ao menos posso tentar me acalmar!
É muito mais do que eu posso aguentar, um peso infinitamente maior
do que consigo suportar.
Abro os olhos e fito Candy, de forma impaciente.
— Claro que não! Você está me deixando louco, Candy! Por Deus, que
eu só queria um pouco de paz para poder lamber minhas feridas sozinho e
sem — faço questão de contemplá-la diretamente — ninguém para me
atrapalhar.
— Acha que eu queria cruzar com um homem como você?
Aproximo-me dela, cortando a distância ínfima que nos separa. O
sangue corre furioso em minhas veias enquanto o oxigênio acessa ferozmente
minhas narinas. Meu peito se movimenta dolorido, subindo e descendo,
conforme sou envolvido pelo seu cheiro doce e atroz.
Cometo o erro de pousar os olhos em seus lábios no exato instante em
que ela os umedece, aguardando que a tensão entre nós se dissipe. No
entanto, faz muito tempo, muito tempo de verdade que eu não beijo uma
mulher e mal consigo me conter quando desço minha cabeça em um
movimento rápido e colo minha boca à sua, apreciando a textura macia e
sensual se entreabrir para que minha língua explore o interior e decifre cada
nota de seu sabor, ansiando por saber se ela é mesmo tão doce quanto seu
nome ou cheiro.
Ao descobrir, ouço um som grotesco e selvagem escapar de minha
garganta enquanto eu a empurro até a parede mais próxima, para apreciar
com tranquilidade e avidez ao mesmo tempo, tudo o que ela está disposta a
me dar.
É doce.
É irresistível.
É estranho.
É arrependido.
Errado demais.
E conforme eu avanço e me envolvo, apertando sua cintura com uma
das mãos, inclinando sua cabeça para que eu a saboreie mais, sinto que o
arrependimento também se envereda em minha libido e com a mesma
velocidade a qual o incêndio começou, ele se esvai, centelha por centelha,
como senão tivesse existido.
Afasto-me depressa, sentindo a culpa corroer minha alma, sem
conseguir fitar Candy nos olhos, por saber que agi errado. Por saber que errei
também com Dolores. Como eu posso seguir em frente quando as coisas
ainda estão tão recentes em minha memória?
Como
posso
seguir
em frente?
Quando minha memória só me faz retroceder ao entender que eu jamais
terei novamente o que tive com a minha esposa?
Não consigo respirar direito, tamanha a minha raiva comigo mesmo por
ter cedido ao desejo.
— Bem, isso foi... inesperado.
Candy consegue minha atenção com a fala e noto como ela se esmaga
contra a parede ao olhar em meus olhos. Não sei o que eles passam, mas se
externarem uma exígua parte do caos que destrói minha mente, as coisas não
devem ser nada boas para quem vê.
Sou um homem trucidado pela tragédia.
Dilacerado pela dor.
E não tenho qualquer intenção de melhorar, porque sei que melhorar
significará esquecer o que vivi, algo que eu não farei nunca. Por isso,
continuo existindo, com as minhas lembranças boas e, também as ruins,
vendo cada passar de dia como se fosse um péssimo filme, com um enredo
digno de dar pena. Eu sou digno de pena.
— Esqueça o que aconteceu aqui — falo, furioso por não conseguir me
controlar perto dela — foi um maldito erro. E vou consertar a porcaria da
fiação, faça o favor para nós dois de não aprontar mais nada que coloque em
risco a sua vida e a minha, e se possível for, fique — falo — longe —
pausadamente — da minha cabana.
A cada palavra que eu disse, não percebi, mas me aproximei mais dela,
estando agora com meu corpo quase colado ao seu novamente, ameaçando
prendê-la contra a parede de novo. Sinto sua respiração flutuar em torno de
nós e não sei se estou irritado pelo que ela fez, ou por eu ter perdido todo o
fio de coerência que há em mim, louco por beijá-la.
Louco por querer mais.
Por ansiar prender meus lábios novamente aos seus.
E por sentir que eu não vou conseguir me conter se ela ficar pairando a
minha volta, como uma promessa para o pecado.
— Você está com medo! — diz ela.
— Medo? — sibilo.
— Medo de se envolver comigo, sabendo que se eu ficar próxima a
você, vai me beijar de novo como acabou de fazer agora e, também vai sentir
vontade de fazer mais, assim como eu estou sentindo. Me deixou quente e se
apavora por perceber que está pegando fogo também.
Eu a odeio.
Do fundo do coração.
Por acertar em cada palavra e aumentar a devastação que já se alastra
em meu interior.
— Não sabe do que está falando.
— Não sei? Eu não sei — ironiza, colocando-se à frente, colando seu
corpo ao meu, lançando cada parte minha para um vulcão em erupção — Por
que você faz questão de parecer um ser abominável que não se importa com
nada, quando traz lenha para mim porque sabe que eu estou sem? O que eu
também não entendo é como você pode ser tão interessante em alguns
momentos e tão ignorante nos demais. Compreendo menos ainda, Damon,
como você se abre a novas sensações para se fechar no segundo seguinte.
Então acredito que está travando uma guerra aqui. — Ela bate com o
indicador em meu peito — consigo mesmo.
Fico em choque.
Sem saber o que fazer.
Porque ela está absolutamente e incontestavelmente certa.
— É maluca se pensa que depois de dias você pode entender todos os
tormentos de alguém.
— Eu não entendi todos os seus tormentos, mas percebi que há alguma
coisa que te trava para o mundo e não precisei ser uma expert para adivinhar.
Está tão claro assim?
Sei que não sou o maior sinônimo de simpatia, porém, não imaginei
que meu sofrimento fosse tão claro para as pessoas. E como um idiota, a
única coisa que penso em fazer é escapar de Candy e da sua maneira de me
olhar, tentando decifrar todos os meus segredos.
Fito-a por vários segundos, que correm desenfreados, consumindo
nosso tempo e a única coisa que faço é dar meia-volta e fugir como o idiota
que sou. Sem me preocupar em respondê-la ou sequer dizer que mesmo
sendo errado, o beijo foi uma das melhores coisas que me aconteceu nos
últimos tempos, porque com ele, eu me esqueci das lembranças terríveis por
segundos, que foram tão doces quanto mel.
“Seu beijo foi a coisa mais quente que eu já provei, e mesmo que
eu o compare ao sol escaldante da Flórida, seu patamar continuará
o mesmo.”
Sei que eu não deveria me preocupar com o que Candy sente. Mas, foi
muito rude da minha parte verbalizar que a vida dela não importa para mim.
Quando é justamente o contrário, se ela morresse, quem seria o principal
suspeito, pelo amor de Deus?
Exatamente!
Eu!
Então, por que inferno eu iria querer que ela morresse?
A mulher é maluca. Só isso que sei.
Fico remoendo a nossa conversa, girando em meus próprios
pensamentos. Não peguei um livro para ler desta vez, permaneço quieto,
esperando que os minutos corram e as horas devorem o tempo que tenho.
Não demora a anoitecer totalmente, e sem querer, meu olhar vagueia na
direção da janela, em busca de uma luz para me confortar. Não enxergo nada.
Quero pensar coisas positivas, mas, depois do que ela disse fico em estado de
alerta. Por qual maldito motivo ela tocaria em um assunto como esse?
Merda, ela pretende fazer alguma coisa para findar a própria vida?
Levanto-me da poltrona no mesmo instante.
Sacudo a cabeça ao pensar coerentemente.
Não, Candy não faria isso. Ela é feliz e liberta demais para algo assim.
Mas, você por acaso a conhece bem, Damon?
Até as pessoas mais felizes do mundo carregam problemas que as
demais supõem não existir por causa de um sorriso.
Olho para Snow e ele parece me repreender também, o que me impele a
abandonar a porra da minha cabana quente para mover minha bunda até a
dela e pedir desculpas por algo que eu nem sei ao certo se errei. Dá para
entender a loucura? Enfim, o fato é que saio de casa e vou até a sua, a passos
apressados. Bato diversas vezes na porta, para então testar a maçaneta, que se
abre facilmente.
Não estranho isso, afinal, somos apenas eu e ela perdidos aqui. O que
realmente me deixa encafifado é o silêncio que impera majestoso no seu
ambiente. Nem mesmo uma música, ela cantarolando ou qualquer coisa.
Aguardo na sala por via das dúvidas, tenho receio de ir até o quarto e acabar
em uma situação constrangedora. Minha paciência se finda logo que meia
hora se passa e nada dela. Saio à sua busca por todos os cômodos do pequeno
lugar, ciente de que a cada um que eu vejo e não a encontro, o sabor do
desespero se alastra cobrindo toda a minha boca, deixando-me bem ciente
que eu sou o culpado pela sua atitude e por ela ter desaparecido. Eu não
deveria ter sido tão ignorante, Candy não tem culpa das coisas que
aconteceram comigo e não merece que eu as desconte nela.
Respiro sofregamente, abrindo as portas e me deparando com cômodos
terrivelmente vazios.
Paro no seu quarto, tomando coragem para lidar com o que verei. Mas,
ao escancarar a porta, encontro mais um local vazio. Algumas malas estão
abertas em um canto, sendo que duas delas estão repletas de livros pequenos
e gastos, mas além disso, nada, nem sinal de Candy.
Onde inferno essa mulher foi parar?
Ela saiu em meio a uma nevasca, sem senso de direção ou
equipamentos adequados?
Não, ela não seria tão louca a esse ponto, a não ser que quisesse morrer
por hipotermia. Uma coisa é ficar poucos minutos em contato com o frio
congelante, outra totalmente diferente são horas durante a noite. À noite!
Céus! Minha respiração torna-se subitamente acelerada em resposta ao meu
desespero e ataque de preocupação iminente. Grito seu nome diversas vezes,
apenas por precaução e para obter a certeza esmagadora de que ela não está
aqui. Em lugar nenhum.
Volto para minha cabana com o coração batendo na boca e pronto para
enfrentar o tempo hostil, em busca de uma mulher que nem deveria estar
aqui.
Quando eu me imaginaria fazendo isso durante os únicos meses nos
quais eu tenho a paz de ficar em minha própria companhia?
Pego duas lanternas, mais um casaco, alguns itens como comida, uma
espingarda e, também vários metros de linha. Snow uiva quando abro a porta,
sei o que ele dá a entender.
— Não, é perigoso demais para você, amigão, fique aqui.
Mais um uivo seu e eu o deixo ali, antes que ele tente a todo custo me
seguir.
Fito todas as direções, com a paisagem parecendo a mesma de qualquer
ponto que eu olhe, sem saber por qual maldito lado começar. Para se perder
em uma área como esta é mais rápido do que dar um passo e aposto meu
braço que Candy não presumiu isso antes de desaparecer, imaginando que
conseguiria retornar facilmente quando quisesse.
— Droga, Candy, olha só o que estou fazendo! — Levanto a perna com
dificuldade e a desço novamente, trincando os dentes.
Era para eu estar sozinho.
Em paz.
Discutindo comigo mesmo.
Ou brincando com meu cachorro.
Mas, não, claro que meus planos seriam arruinados por alguém
inesperado.
— CANDY! — grito, na esperança de que ela responda para me guiar.
A única coisa que escuto é o som do vento e, a sua promessa de que
morrerei congelado hoje.
O sussurro é tão funesto que eu tremo da cabeça aos pés, aterrorizado,
não posso mentir. Até o homem mais corajoso do mundo se sentiria
desconfortável.
Escuto o som de vários lobos uivando ao longe e isso nunca é um bom
sinal. Nós somos os intrusos em seu habitat. E eles possuem os sentidos sei lá
quantas vezes mais aguçados que os nossos. Somos presas neste espaço e o
quanto antes eu a encontrar e voltar, melhor.
— CANDY! — brado mais uma vez — DROGA DE MULHER
MALUCA! — Complemento sabendo que ela não ouvirá, porque a filha da
mãe literalmente brincou com a própria vida.
Dou mais alguns passos com dificuldade e olho para trás, vendo as
construções em madeira ficando distantes e quase invisíveis. Pelo menos
deixei minha lareira acesa, para enxergar a fumaça que abandona a chaminé,
com o intuito de me localizar. Além do barbante, claro, não sou idiota. Saber
como voltar é o primordial. E não se desesperar, mas merda, eu acredito que
estou atingindo o ápice do desespero, conforme me afasto mais e nada de a
encontrar. Chego a cogitar que ela poderia estar na minha casa, porém não
tem como, eu saí de lá, e não havia nenhum sinal de vida além de mim e
Snow, que aliás, entregaria Candy caso ela estivesse em uma brincadeira
idiota só para me fazer amargar o arrependimento.
Travo o maxilar e sigo em frente.
Minha roupa já não barra tanto o frio e sinto-o corroer até meus ossos.
Acho que vou acabar me ferrando na tentativa de salvá-la e então
seremos nós dois totalmente fodidos.
Por que dei uma de anjo salvador?
Ela que lidasse com a consequência das suas escolhas!
— CANDY!
Assim que eu brado a plenos pulmões, escuto a sua voz em um tom
mais baixo. Fraco e quase imperceptível.
— Aqui!
Aqui onde?
Por acaso ela não percebe que não é assim que as coisas funcionam?
— Grita! — peço.
Ela faz o que eu digo e me apresso a seguir na direção da qual o som
vem. Demoro alguns minutos para alcançá-la e o que eu vejo faz as batidas
do meu coração ecoarem furiosas em meus tímpanos?
Está ferida?
Todo aquele sangue é dela?
Puta merda, o que está acontecendo?
Ah, meu Deus, eu acho que estou de taquicardia!
Será que vou morrer também?
Só por favor, Senhor, me permita levar essa maluca de volta com vida
antes!
— Eu queria ajudar ele, Damon. Passou na frente da cabana, sofrendo e
eu não consigo ver um bicho sofrendo. Eu poderia ajudá-lo, não é?
Sua fala desarma toda a raiva que eu senti por ela ter saído de um lugar
seguro para desbravar algo que não estava preparada, ao mesmo tempo em
que a eleva segundos depois com uma intensidade inigualável.
Um lobo repousa em seus braços. Ele está com uma faixa de curativo
atravessando o abdômen e o sofrimento do animal é nítido, assim como o de
Candy, que não chora, mas faz uma careta toda vez que escuta a lamúria do
outro.
— Que inferno! Você não consegue ficar longe de confusão um
segundo que seja? Está achando que faz parte de um filme de conto de fadas
onde pode conversar e cantar com os animais? — Solto irado — porra,
Candy! Só... porra! Sua sorte é que ele deve estar tão fraco que nem pensou
em te morder, poderia perder a mão e talvez a vida, garota! Como consegue
ser tão ingênua? CARALHO! AH, DESGRAÇA DO MEU INFERNO!
Seus olhos tremulam e noto o passar de diversas emoções em seu rosto,
sendo a pior delas; tristeza.
Perfeito.
Agora fico mal.
Principalmente quando a minha mente faz questão de lançar em minha
direção a história que ela me contou do cachorro atropelado e sinto algo
estranho em meu peito, como se meu coração batesse de novo à vida, depois
de muito tempo adormecido, congelado. Por fim, abro um sorriso condolente.
Seu semblante procura por apoio e eu não consigo dizer nada de ruim à
Candy, ela só está sendo doce em contraste com o sabor amargo que eu
irradio.
Nossos papéis não poderiam ser mais inversos, por isto, trato de
reiterar:
— Não sei se ele vai sobreviver. — Olho dela para o animal, que luta
contra a morte, respirando com dificuldade.
Claro que ele não vai sobreviver, se ele não te mordeu, não vai
sobreviver. — É o que penso, mas não digo em voz alta.
— Eu tentei cuidar dele, mas não sou veterinária e não conseguiremos
encontrar alguém para cuidar dele se estamos presos aqui. — Ela o abraça e o
balança, juntamente com seu corpo, tentando aquecer o animal, que parece se
acalmar com o carinho que ela lhe dedica. — Os cachorros surgiram assim,
sabia? Com a aproximação dos lobos nas vilas dos humanos, há milhares de
anos. Eu sei que esse garoto não vai me morder, ele só está com medo, assim
como todos nós sentimos antes de morrer.
Não sei há quanto tempo ela está tentando salvá-lo.
Mas, acredito que muito.
Está escuro e a única coisa iluminando diretamente a nós, é a lanterna.
— Candy. — Vou até ela e apoio a mão em seu ombro.
— Eu queria ajudá-lo.
— Eu sei. Eu sei disso, querida. — A palavra sai antes que eu consiga
combatê-la, contudo já é tarde demais e solto o ar em alívio quando Candy
não nota meu deslize. — Ele também sabe, fique tranquila. Mas, algumas
feridas são impossíveis de serem curadas. Não sem os cuidados certos.
— E se a gente o levar? — pergunta esperançosa.
Como fazê-la entender que ele já... está morrendo?
Pior, como fazer isso sem soar rude e sem coração?
E como caralho colocar na cabeça dela, que ele é um animal selvagem e
que ela nem deveria estar ali?
Ah porra, já faz muito tempo que nem tato para situações como essa eu
tenho mais. Candy está testando meus limites.
— Candy...
— Ele não está morrendo. Eu consigo sentir a respiração.
Olho para a barriga do animal e vejo a cadência com que ela sobe
diminuindo. É claro que ele está lutando, mas perdendo a batalha.
Infelizmente. Algum outro animal deve tê-lo ferido, é a lei da vida selvagem,
não temos como fazer nada quanto a isso. Pelo menos, ele está partindo nos
braços de alguém que tentou amenizar seu sofrimento. É mais do que muitos
têm.
Não demora para que o corpo peludo fique inerte, assim como o de
Candy que tenta raciocinar o que acaba de acontecer.
Ela para de se balançar. Só agarra o lobo com mais força, tentando
revivê-lo.
Visualizar sua dor pela perda de um animal que nunca viu antes, deixa
meu coração em frangalhos, desejando ser um deus para poder recuperar a
vida e trazer felicidade ao semblante da mulher à minha frente.
— Acho que precisamos voltar, ou coisas piores podem acontecer. Não
deveria ter feito o que fez, por mais que ele estivesse ferido. Tem sorte por
ainda estar viva — falo, sinceramente, com o maior cuidado que consigo. —
Nunca mais faça isso.
— Ele vai ficar aqui sozinho? — Seus olhos estão brilhando de temor e
eu me sinto mal por parecer insensível em um momento como este.
Porém, se postergarmos, acabaremos acompanhando o pobre animal.
— Se não voltarmos agora, nós dois vamos acabar congelando. Por
favor, me escute só desta vez. O lobo soube que tentou salvá-lo, não se
preocupe e com esse coração, você provavelmente salvaria o mundo se
conseguisse, mas infelizmente, as coisas não estão do nosso lado aqui, então,
podemos voltar antes que eu acabe morrendo por tentar te encontrar?
— Não precisava vir.
— Precisava sim.
— Fez questão de deixar claro que minha vida não importa para você
— resmunga ela.
— Claro que importa, eu estava sendo um idiota. Mas, podemos
discutir isso no calor da minha cabana? Acho que minha bunda congelará de
verdade se demorarmos demais.
Ela não sorri. Só acena, colocando o “cachorro grande” com cuidado
sobre a neve e olhando para ele uma última vez, com os olhos inundados
como represas.
— Não podemos enterrá-lo? — Sua voz chorosa me desarma e de
repente, vejo-me amontoando neve para cobrir o corpo encharcado de
vermelho.
Quando Candy dá indícios de que quer ajudar, eu nego com um aceno.
Apenas um de nós com as mãos congeladas já é o bastante. Sinto as pontas
dos meus dedos protestarem com essa ideia e os arrepios involuntários que
me percorrem a cada vez que eu afundo a mão na neve.
Deveria ter deixado que ela ajudasse.
Não foi ela que inventou de sair desbravando a montanha por causa de
um lobo ferido?
Pois ela que lide com tudo!
No entanto, aquela parte em mim, que foi educada pela minha avó,
reluta em descontar nela o que meus dedos sofrem. Deve ser uma crise de
arrependimento por ter dito coisas horríveis para ela.
— Certeza que não quer ajuda?
— Não — enfatizo.
Quando me dou por satisfeito com o trabalho, fito Candy e observo por
tempo demais seus lábios tremulando de tristeza, como se o animal fosse um
amigo de longa data que infelizmente partiu. Como ela pode ser tão feroz em
alguns momentos e tão doce em outros? Franzo minhas sobrancelhas,
sentindo minha pele da testa protestar, com as queimaduras pelo frio, sem me
importar.
Fecho minha boca ao perceber a intimidade do momento.
— Desculpe por não poder ajudar — fala ela.
Levanto-me e puxo para o alto o barbante quase recoberto pela neve.
Minha sorte é que eu o amarrei em um dos pilares de sustentação na varanda
da cabana e agora só nos resta seguir o caminho. Candy nota o que fiz e me
segue calada, embalando meus passos pesados e sofríveis com a sua
respiração próxima à minha nuca.
— Eu iria voltar — diz por fim.
Ela pensa dessa forma. A camada de neve a essa altura, é mais
traiçoeira do que imagina. Se eu que vivo neste lugar há tanto tempo não sei
ao certo me localizar em momentos como este, como ela pensa que
conseguiria, sem qualquer experiência? Guias e exploradores veteranos, já se
desorientaram por muito menos e acabaram perdendo não apenas o caminho
seguro, como também a vida. Não quero que o mesmo aconteça a mim ou a
ela.
Noto que me preocupo mais do que deveria.
Porém, esse pode ser o efeito de não ter muito convívio humano
recentemente, e o único que cai em meu colo, acaba por se tornar um que se
autossabota. Depois as pessoas na pequena cidade ainda me perguntam por
que eu prefiro a companhia do Snow? Eles me entenderiam completamente
se fossem obrigados a passar um dia inteiro na presença de Candy.
— Acabaria se perdendo — demoro demais para responder.
— Não. Eu tenho certeza.
— Você conta demais com a sorte. — Sibilo baixo.
Não é uma coisa que ela escolheria, isso é fato. Mas, acabaria ficando
desnorteada mesmo assim e entrar em desespero faz coisas com a nossa
mente que não tem explicação. O caos se instaura e tudo tende a piorar,
porque os lugares se tornam parecidos e as direções nos confundem. Sei por
experiência própria, quando quase me perdi no verão. No verão! No inverno
seria mil vezes pior.
Passei um dia inteiro, tentando encontrar a cabana.
Só consegui me localizar depois de subir a muito custo em um pinheiro
altíssimo e olhar de lá.
A linha de meus pensamentos é interrompida logo que escutamos o
som de diversos uivos. Acredito que a alcateia se aproxima de onde
moramos, provavelmente sentindo o cheiro do companheiro. Se nos
encontrarem tão próximos, as coisas não ficarão nada boas. Não quero saber
quão forte é a mordida de um deles. Olho para Candy de relance e ela está
com os olhos arregalados, assustada ao perceber a mesma coisa que eu.
— Será que eles fariam alguma coisa? — Inquire.
— Acho melhor não ficarmos para descobrir, principalmente se o
número for grande demais. Essa região costuma ter muitos animais selvagens
e por isso nunca deixo Snow sair comigo. Ursos pardos são ferozes e
enormes, nem mesmo eu arrisco me distanciar demais e me deparar com eles.
Apesar que no último verão, ouvi algo parecido com o som que emitem, há
alguns metros da cabana durante a noite. Por sorte, não precisei confirmar
nada. E graças a Deus eles hibernam durante o inverno, caso contrário, nós
estaríamos muito fodidos.
— Pensei que fosse corajoso. — brinca ela.
— Diante de ursos pardos? Sinto muito, mas até o homem mais
corajoso tremeria de medo. Já viu algum pessoalmente? — pergunto.
— Adivinha?
— Só em fotos na internet, aposto.
Continuamos um passo após o outro e minutos depois, escutando som
dos uivos cada vez mais próximos, alcançamos as cabanas. Não paro Candy
quando ela se move comigo até a minha, com a ciência de que devo ao menos
uma sopa quente de desculpas pelo que disse.
Apesar quê...
Eu a salvei e não tinha obrigação nenhuma de fazê-lo, certo?
Logo, não devo nada.
Somado ao fato de que enterrei o animal correndo o risco de congelar
os dedos, chego à conclusão de que ela me deve uma refeição quente pelo
ocorrido.
— Por que está vindo comigo até minha cabana? — pergunto irônico.
— Pensei que fosse — coloca as mãos à frente do corpo — fazer
alguma coisa para a gente comer.
— Dado o risco que corri indo atrás de você, depois quase congelando
minhas mãos para enterrar um lobo que você tentou ajudar, acredito que o
mínimo que eu mereço é: não precisar cozinhar e sim apenas comer.
Ela nota que tenho um bom ponto e sem dizer mais nada, gira o corpo e
volta para a sua cabana. Sigo-a, presumindo ser um convite. Logo que
passamos pela porta, retiro meu casaco e acompanho Candy até a cozinha,
observando como ela olha para as coisas com certa relutância. Não tardo a
adivinhar o que se passa.
— Você não sabe cozinhar?
— Não é que eu não saiba — ela defende-se — é só que cozinho coisas
muito específicas, mas fazer uma sopa como aquela que tomei na sua casa, eu
não consigo. Prefiro ser sincera a me gabar por algo que eu não sou capaz de
fazer.
Alço uma sobrancelha, ironizando sua fala.
— Tudo bem então, ma’am, verei o que podemos providenciar. Se
quiser aprender, eu estou disposto a ensinar — falo, percebendo segundos
depois como a frase conotou duplo sentido.
Não a retiro.
Há muito tempo não falo com ninguém em tom de flerte e
sinceramente, sinto-me melhor do que esperava.
— Você é — ela une as sobrancelhas — texano.
— Foi uma afirmação, não é?
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— O sotaque sulista fica difícil de disfarçar quando você se irrita. Eu
já tinha percebido antes, só pensei que não iria responder.
— O que mudou?
— A gente tem conversado bastante — ela dá de ombros — Moro em
Dallas, mas sou de El Paso, e você, de onde é?
Agora desta vez quem ostenta surpresa sou eu. De Dallas?
Será que foi mesmo coincidência ela ter vindo aqui?
Não conhece vovó, não tem como conhecer. Vive em uma metrópole,
qual seria a probabilidade?
— Vai achar que estou mentindo, mas, sou de Dallas.
— Nossos destinos estavam traçados a se cruzarem, então — ela
brinca, batendo com o ombro contra o meu braço.
— Não me leve a mal, mas — apoio as costas na bancada para olhá-la
diretamente, com os braços apoiados em meu peito — você não tem sotaque
de uma mulher sulista. — Mas, reitero em minha mente que a personalidade é
bem semelhante, corajosa para determinadas coisas e totalmente emotiva para
outras. — Ou se veste como uma. — Repenso o que eu falei — Desculpe
pelo que disse, não sou esse tipo de homem, que fica rotulando as pessoas
pelo que vestem, é só que...
— Vestidos floridos, saias rodadas, sapatos comportados e sorrisos
enfeitando sempre o rosto, eu sei como é. Roupas sempre engomadas e tudo o
mais. — Ela revira os olhos e eu só me lembro de Dolores, que se vestia
exatamente como ela descreveu. Como posso me sentir atraído por duas
pessoas tão diferentes? — Acredito que eu seja um pouco de todas as culturas
que experimentei. Desde que completei idade para viajar e fazer intercâmbios
ao redor do mundo, foi justamente isso que fiz.
— Interessante.
Mudo de posição, para uma menos defensiva e começo a arrumar os
ingredientes que usarei na sopa. Candy observa tudo o que faço com extrema
atenção, inclusive quando dobro os punhos da minha camisa, para que eles
não me atrapalhem.
— Qual seu sobrenome? Seria engraçado se eu conhecesse a sua
família, não?
Paro de cortar alguns condimentos, para olhar para ela e deixar claro
que não me sinto confortável a ponto de passar essa informação. É tão
gostoso conversar com alguém que não sabe o peso do sobrenome que
carrego. Posso ser apenas eu, Damon, ao invés de um dos intocáveis
“Kingston de Dallas”. Não há uma pessoa no Texas e talvez na América toda
que não conheça a minha família como uma das mais ricas do mundo, devido
a Kingston Company, pioneira no seguimento de extração de petróleo.
— Acho que podemos ser apenas Damon e Candy enquanto
convivemos, não acha?
— Tudo bem por mim. — A mulher não fica desconfortável com a
minha evasiva, pelo contrário, parece lidar muito bem com ela.
— O que estava pensando quando saiu atrás daquele lobo? — pergunto
o que tem me deixado pensativo sobre as suas ações.
— Ele pareceu tão ferido e sozinho, como eu me sinto na maior parte
do tempo.
Ela não estende a sua fala e nem precisa, eu a entendo completamente.
Sentimos empatia por criaturas que passam pelo mesmo que nós, porque
sabemos o quanto ela está sofrendo. É normal.
— Foi uma morte rápida. — Tento diminuir o sofrimento do animal
para que Candy não se sinta pior.
Porque, na verdade, acho que ele sofreu bastante, porém, ela não
precisa saber.
— O que acha que aconteceu com ele?
— Acredito que outro animal o tenha atacado. Essas coisas acontecem.
Mal consigo imaginar quantos acabam morrendo da mesma forma.
Noto que soei insensível quando ela começa a chorar ao ouvir que
“muitos” outros lobos morrem por causa do mesmo motivo. Não tenho a
menor condição para lidar com isso. O problema é que percebi tarde demais
essa verdade, deveria ter ficado quieto.
Abandono as coisas na bancada e passo meus braços em torno do seu
corpo, tentando acalentá-la. O calor que se transfere dela para mim é gostoso,
acolhedor, com gosto de saudade e de uma realidade tão distante que vivi,
que me permito esse pequeno momento de disparidade. Acaricio suas costas
suavemente, esperando que ela se acalme.
— Não é triste isso? Saber que eles morrem assim?
Triste?
Sim.
Mas, o que podemos fazer?
— É a lei da natureza.
— Tem razão.
Candy se move vagarosa até a imensa parede translúcida, que a permite
ver o pico das montanhas rochosas. Na minha cabana, eu tenho a visão
contrária à dela e vejo uma parte das instalações do imenso resort de esqui e
montanhas mais baixas do que essa. Paro ao seu lado, em contemplação e
admito que a sua vista, com a neve caindo cadenciada, soa bem mais
interessante e mágica também.
— Esse clima combina com Etta James, não é? — sussurro.
Mais para mim do que com o intuito de ela ouvir.
O sorriso que se estende em seu rosto tira meu chão.
— É um cara de sorte, meu caro Damon, porque eu meio que amo essa
cantora e tenho várias músicas em meu celular. Posso colocar para tocar
enquanto cozinha para mim.
Gargalho com a sua audácia, vendo-a correr até o quarto e voltar
instantes depois segurando o aparelho na mão, sacudindo-o feliz. Não posso
mentir dizendo que essa imagem não me traz paz. Porque sinto-me
estranhamente inundado dela, principalmente ao perceber que esse gosto
musical é mais uma das coisas que temos em comum.
Candy procura pelas músicas e quando a primeira começa, evoca
lembranças dolorosas em mim. Dolores amava At Last e me fazia dançar com
ela todos os dias, durante a noite antes de dormir, para provar que ainda
éramos o mesmo casal de quando nos conhecemos e nos apaixonamos.
Sempre achei essa sua ideia meio sem nexo, no entanto, agora que ela se foi,
sinto-me abençoado por ter a lembrança desses momentos tão incríveis.
Lágrimas inundam meus olhos, carregadas de saudade e eu as enxugo
rapidamente, torcendo para Candy não as ter visto. Contudo, quando nos
fitamos, ela entende que tem algo muito mais profundo do que apenas uma
música e acaba por aliviar o clima de uma maneira a qual eu não esperava.
— Damon, eu nunca imaginaria que você é o tipo de homem que chora
ouvindo uma música romântica. Claro que é Etta James, e eu tenho que te dar
um desconto, mas chorar? Caramba, homem, desse jeito eu vou me apaixonar
perdidamente por você.
Solto uma risada.
Pela primeira vez em quatro anos, solto uma risada confortável, mesmo
com as memórias de Dolores.
É... acho que as coisas estão mudando.
Fito Candy e percebo que ela é o motivo para isso.
Que ela tem sido o motivo para minhas lutas silenciosas desde que
surgiu na minha porta.
No mesmo momento, como se lesse meus pensamentos, Etta canta:
Meu coração ficou coberto de tranquilidade, na noite em que eu olhei
para você.
“Admito que meu rosto se congelou em uma expressão de espanto
eterna ao ver a quantidade de músculos que esse homem tem.”
Sei que não tem nada a ver com a música, mas sinto a necessidade de
aliviar o clima para não estragar nosso entrosamento e, para que ele não volte
a ser o homem preso em seus próprios temores. Por isso, digo algo estúpido,
ansiosa por ver seus dentes brancos e alinhados, mais uma vez. Seu sorriso é
tão lindo, não sei por que ele o contém e principalmente, o cobre com a
barba.
É um crime.
— Só você diria algo assim.
— E sinto te avisar, mas logo será preso. — Volto para a cozinha
enquanto nossa cantora favorita, em comum, canta e preenche a cabana com
as batidas envolventes e inesquecíveis.
Atemporais, acima de tudo.
— Como assim?
— Por cometer o crime de esconder seu sorriso do mundo.
Ele gargalha para valer, com a mão na barriga, um som que se sobressai
até mesmo em relação à música. Não entendo o motivo para ele achar tanta
graça assim, fui totalmente sincera.
— Nunca tinha ouvido essa.
— Claro que não, eu acabei de inventar meu querido, lide com isso —
lanço uma piscadela na sua direção. — E quanto você quer para poder me
deixar vê-lo sem barba? Ela é sexy, não tanto quanto o sorriso, mas admito
que estou curiosa para saber como é por debaixo dessa camada que usa para
se esconder — digo, pensando que ele irá se prender de novo em sua própria
bolha, no entanto Damon dá de ombros.
Ele dá de ombros!
Damon, o abominável homem das neves, o príncipe do inverno, dá de
ombros!
— Acha que pode me comprar, Candy? — Ele não percebe, mas eu
percebo que arrasta meu nome de uma maneira sensual e que provoca uma
consequência bem no meio das minhas pernas.
Será que ele entende que eu sou uma mulher no auge da vida adulta e
que não pode ouvir um flerte mais insinuante que já quer logo tirar a roupa?
Porque sem brincadeira, eu não confio em mim mesma perto desse homem.
— Uma mulher sempre pode tentar, não acha?
Continuo cortando o que ele cortava antes de abandonar a tarefa,
casualmente, como se fôssemos um casal prestes a preparar o jantar juntos.
— Tem o direito — ele se aproxima e me empurra para o lado
gentilmente com o corpo e só responde quando nota que eu o fito, indignada
— você é devagar demais. Nesse ritmo, a sopa ficaria pronta para o jantar de
amanhã.
E ele tem razão, porque suas mãos ágeis terminam em questão de
segundos e logo lidam com outra tarefa. Não deixo de notar que elas são
grandes, com os dedos compridos e elegantes, do tipo que levam as mulheres
à loucura. Ou, que me leva a loucura, porque balanço a cabeça minutos
depois de ficar fissurada nos dedos de alguém.
Que horror!
Quando finalmente coloca todos os ingredientes na panela com água
fervente, assim como o tempero, volta-se para mim, com um olhar
especulador, tentando decidir se me interroga, ou apenas deixa passar a
ocasião. Devo ter soado patética enquanto tentava salvar um animal com os
segundos de vida contados, mas eu não poderia deixá-lo sozinho.
— Pode me falar. Acha que sou idiota por tentar salvar aquele lobo. Eu
sei que é isso que está pensando. — Assumo.
Damon acena sutilmente negando.
— Claro que não. Acho que você foi irresponsável por sair sozinha,
com certeza. Sem qualquer plano para conseguir voltar? Absolutamente.
Idiota por não ver que estava ficando escuro? Sem dúvida. Porém, o motivo
foi muito altruísta e válido, então fico feliz por ter ido atrás de você e a
trazido de volta em segurança.
— Estamos evoluindo. — Expresso orgulhosa.
— Não da maneira que imagina. Só achei que era justo eu ser sincero
com você.
— Então, pode me dizer o que te fez se isolar aqui? — Sondo.
Damon retira a tampa da panela para olhar a sopa e a coloca de volta,
encostando na bancada, com as mãos apoiadas atrás de si, olhando para
frente.
— Uma tragédia aconteceu na minha vida. E esse era um sonho de
alguém muito importante para mim. Não consegui realizá-lo a tempo e o
decidi fazer depois, como uma prova de amor.
— Gesto bonito da sua parte.
— Queria não o ter feito sozinho, mas a vida prepara surpresas das
quais não gostamos. Por isso ela se chama vida. Não sabemos o que esperar,
não prevemos a profundidade das cicatrizes e, em um momento você acha
que durará para sempre quando no dia seguinte, todas as suas visões de futuro
mudam drasticamente.
— Verdade.
— Você veio por causa do seu ex-marido mesmo?
Foi uma desculpa.
Agora entendo.
— Ainda não sei se foi por ele, pelas pessoas ou por pura vontade de
me encontrar. Estava sentindo que me perdi em minha própria vida. Faz
sentido?
— Os motivos mudam de acordo com a perspectiva a qual você olha.
Ontem você achava uma coisa, hoje você pensa outra. É um sinal que mostra
a sua evolução e provavelmente, o que você sentir quando for embora, e
retornar para a sua rotina será o verdadeiro motivo. Nossos pensamentos são
confusos na maior parte das vezes e seu coração, ciente do que é o certo,
manda que tome uma decisão antes do mais racional dos dois. No fim, a
vontade dele prevalece e você finalmente compreende seus anseios.
Assobio, impressionada com a sua fala, porque ela soa maluca e sagaz
ao mesmo tempo.
— Vou levar em conta esse comentário quando eu chegar em casa.
— Leve. — Damon sorri de canto e eu sinto meu coração parar por um
instante, errando uma batida e a perdendo para sempre.
Algum dia eu a encontrarei?
Acredito que não.
Foi tragada pelos seus olhos azuis e o temperamento maluco.
— Nós vamos acabar comemorando o Natal aqui, não é? — pergunto
algo que tem passado bastante pela minha mente, mudando totalmente de
assunto — Então, acredito que deveríamos dar uma trégua na nossa troca de
farpas e celebrar a data especial. Claro que ainda falta bastante tempo, mas é
que discutimos tanto que eu nunca sei quando estamos bem de fato.
Ele alça uma das sobrancelhas, pensando sobre o que eu disse.
— Comemorar como, você diz? — Ele alça uma das sobrancelhas,
pensando sobre o que eu disse.
Se quiser de forma sexual, não me oponho. Posso me voluntariar,
inclusive.
— Estamos rodeados por pinheiros. Você poderia usar sua força para
cortar um para a gente, eu monto aqui e coloco alguns enfeites que encontrei
em um armário de serviço. Antigos, mas ainda úteis. Só não temos presentes
para trocar, ou suéteres de Natal — noto que ele faz uma careta com essa
palavra, mas não me atenho a isso — mas, podemos garantir uma boa
refeição, com chocolate quente, bastante Etta James e músicas natalinas.
Melhor do que ficarmos sozinhos, cada um em seu lugar.
Faltam vários dias para o Natal, mas nada me impede de deixar claro o
que quero fazer.
— Não, obrigado.
— Prefere ficar sozinho com o Snow?
— Não quis dizer sozinho com ele, mas na minha cabana, em paz —
Apressa-se a dizer.
— Então, reformulando, podemos ficar na sua cabana, já que ela é
muito mais habitável que a minha e ainda possui televisão e um aparelho de
DVD, no qual podemos ver filmes antigos. Tem pipoca lá? Eu me esqueci de
trazer, então se possível, nós vamos comer toda a sua pipoca, sinto muito.
Prometo ficar quieta, e talvez não chorar se for algum filme triste. A última
vez em que fui ao cinema, assistir um filme com temática natalina, eu chorei
demais, porque o protagonista sempre esteve morto e mesmo assim
enganaram a todos, nos fazendo acreditar que ele estava vivo. Foi horrível!
— Demonstro minha frustração — Como podem fazer um filme tão triste em
uma época dessas?
— É emotiva demais — a careta em seu rosto provoca uma gargalhada
em mim. — E ainda falta muito tempo para essa data.
— Quando você assistir o mesmo filme que eu, vai compreender. E
sobre o Natal, não tem como fugir de mim, eu moro ao seu lado.
Damon não parece muito confiante na minha constatação, mas, onde
mais estaríamos além de aqui?
— Não gosto de filmes românticos, principalmente os dessa época.
Prefiro cortar minhas bolas.
Coloco a mão na boca, animada com o que ele disse. O ogro que bateu
com a porta diversas vezes na minha cara, jamais diria uma coisa tão casual.
Damon nota o que disse, e volta a mexer na sopa, sem que precise disso,
apenas para disfarçar.
— Aos poucos, está se soltando comigo. Assim que gosto.
Ele profere um som irritado, que se assemelha a um rosnado. Não me
deixo abater, de grão em grão, eu estou construindo uma montanha. Nossa
montanha.
— Minha nossa, você está horrível! — falo assim que ele abre a porta.
Esperei um dia inteiro se passar para poder falar com Damon. Sei que
ele tem tormentos que não quer compartilhar ou não se sente preparado ainda.
Durante a madrugada, enquanto dormíamos, gritos me acordaram e ao olhar
para o lado, assisti ele se remexendo na coberta, empapado de suor, com os
traços de seu semblante comprimidos em uma dor tão profunda que eu
apenas consegui olhar, tentando decifrar seus machucados.
Em meio à desconcertante cena, apenas um nome abandonava seus
lábios, a cada poucos segundos, fazendo-o ecoar pela sala como um suspiro
fantasmagórico.
Dolores.
— Vai embora, não estou com ânimo para lidar com você.
Retiro a cesta de cupcakes detrás do meu corpo e abro um sorriso de
orelha a orelha, esperando que isso amoleça seu coração.
— Nem mesmo um doce pode te ajudar a me aturar?
— Qual o seu problema? De verdade? Não entende que eu não estou
interessado?
Se ele não está interessado porque eu senti o desejo pairar em seus
olhos na última noite, antes que dormisse? Estava fantasiando coisas? Não,
acredito que não, eu posso ser devagar em alguns pontos, mas jamais
enxergaria vontade onde não existe nenhuma.
— Só acho que você precisa de companhia. Não sou eu quem está
presumindo coisas. — Empurro-o para o lado, sabendo que Damon não me
repeliria e invado sua caverna masculina.
— Nunca consegue respeitar um não?
— Só tenho dificuldade de entender um que não quer ser proferido.
Então, vamos ficar aqui, quietos, só para passar o tempo. — Deixo os
cupcakes em cima da sua pequena mesa e movo-me até a visão deslumbrante
que ele tem da montanha.
Aos poucos, estou desbravando cada camada sua, com afinco, deixando
nas demais a minha marca, torcendo para que ele entenda que não quero o
seu mal. Na verdade, nem mesmo eu estou entendendo o que quero neste
momento. Será que é apenas sexo, como eu acreditei anteriormente?
A realidade é que estou encantada com seu autocontrole e com a sua
força em lutar contra algo que apenas ele sabe, sozinho. É estranha a minha
vontade de me aproximar e ajudá-lo a curar as suas feridas, contudo, ela
existe e é inegável. Principalmente, que com a cada gesto seu, Damon só
demonstra a preocupação comigo, mesmo que ele tente combatê-la com tanta
grosseria que se eu fosse uma mulher menos decidida já teria corrido e rolado
montanha abaixo, transformando-me em uma bola de neve.
Observo perdida em meus pensamentos, a visão do resort e as centenas
de luzes que partem dele.
— Demorou para vir, pensei que fosse aparecer antes, sendo
intrometida como é — comenta.
Para ao meu lado, e a cena do último dia, de nós dois fazendo isso na
minha cabana, toma a minha mente.
— Precisei fazer doce para ludibriar o abominável, e, também foi difícil
chegar aqui com essa quantidade absurda de neve despencando. Quase me
perdi novamente. — Solto rapidamente.
O silêncio me espanta, e quando me viro para ver o que ele faz, deparo-
me com seus olhos azuis tão gelados e repletos de ira que um arrepio percorre
meu corpo.
— NUNCA. MAIS. DIGA. ISSO — vocifera.
— Não tem responsabilidade por mim. Se acontecer, aconteceu —falo
a verdade.
A cicatriz no meio do meu peito queima, como se estivesse avisando
que eu não posso ser leviana com uma vida que ganhei por misericórdia
divina. Alguém em algum momento, se bom ou ruim da sua existência eu não
sei, morreu para poder me doar sua vitalidade. E eu sempre serei agradecida a
ela. Em parte, sinto que busco me encontrar porque depois do que aconteceu,
eu me perdi. Sentia como se eu não fosse eu mesma. Como se tivesse outra
pessoa em meu corpo, impelindo-me a abdicar do comando dele.
As batidas que irradiavam no lado esquerdo representavam uma
confusão de pensamentos e uma vontade maluca de abandonar minha própria
alma. Não sei explicar ao certo, mas eu não era eu.
— Sou maluco, eu sei, uma hora estou irritado, na outra envolvido por
você e no restante, fugindo, mas sinto que não posso deixar nada te
acontecer. — Sua fala me deixa embasbacada.
Continuo fitando-o, contudo, Damon olha para a neve à sua frente, com
os traços impassíveis ao fingir que o que disse não muda várias coisas entre
nós.
— Acho que fico contente com isso. Sinto-me segura perto de você e
nem é só pelos seus — gesticulo e atraio a sua atenção — músculos definidos
que faz questão de esconder por debaixo da roupa como se não fossem nada
demais. Sério, quando for ficar com uma mulher, avise-a antes que é um galã
com corpo de arrancar o fôlego para não matar a coitada antes mesmo do
finalmente.
Ele abre um sorriso contido, fitando-me com descrença.
— Não pode ser real. Acho que eu fiquei sozinho tempo demais aqui e
estou idealizando uma mulher para me fazer companhia.
Deposito um beijo em sua bochecha sem que ele espere. Pego o homem
de surpresa e ainda assim, sentimos as faíscas, que se alastram por nós dois
com um gesto tão bobo.
— Só para provar que eu estou aqui de carne e osso.
— Foi um comentário retórico.
— Eu sei, mas gosto de te provocar.
— Imagino que tenha escutado alguma coisa... — ele pigarreia — quer
dizer, eu tive um pesadelo e costumo falar sozinho durante eles.
— Não vou tornar o momento constrangedor para você, fique tranquilo.
O que eu ouvi vai ficar para mim e não precisamos ter essa conversa, sobre
seus medos, ou o que aconteceu, não agora, por se sentir pressionado. Espero
que quando quiser falar com alguém, abrir seu coração, eu esteja por perto
para poder ouvir e ajudar.
— Quem sabe não faça isso também e me conte o motivo para estar
sempre levando a mão ao coração?
Porcaria!
Tão perceptível assim?
Tenho vontade de dizer a ele que é porque toda vez que o vejo, meu
coração sofre um solavanco tão grande que eu preciso lembrá-lo da
necessidade de seus batimentos. É como se eu o conhecesse de outro lugar e
após a sua fala sobre Dallas, presumi que pudesse tê-lo visto de relance. Mas,
ainda assim é maluco, tão insano que se torna inexplicável.
— Talvez em um outro momento, meu caro.
É nítido que estou escondendo alguma coisa, no entanto, Damon releva.
Afinal, ele também se esconde, ansiando que ninguém faça as perguntas que
não quer responder.
— Tudo bem por mim.
— Vai comer os cupcakes?
— Eu não perderia por nada, meu doce.
Ele me deixa pasma, olhando para seu corpo elegante se afastando
enquanto me pergunto o que diabos mordeu esse homem, para ele ter mudado
do dia para a noite e ficar passeando nessa linha tênue da loucura, misturada à
indecisão, deixando-me maluca também.
Não demoro para segui-lo, preciso entender. De verdade. Mesmo
usando todos os meus neurônios, não consigo compreender.
— Por que essa mudança drástica de ações? — paro em frente à mesa e
pergunto.
Damon ergue a cabeça, ainda mastigando um pedaço do pequeno bolo,
repleto de açúcar no queixo e na bochecha, contemplando-me com os olhos
arregalados como se não entendesse o motivo para a pergunta que fiz. Não
penso no que estou fazendo, mas passo meu dedo nos lugares sujos, e em
seguida o chupo, absorvendo todo o açúcar.
Sua mão congela no ar, sem que ele dê a próxima mordida.
Engulo em seco por causa da intimidade do gesto, sentindo que estou
sendo comandada novamente pelo meu coração emotivo.
Ficamos segundos, parados, totalmente pasmos com o que acabou de
acontecer.
Nem eu sei ao certo o motivo para ter agido tão espontaneamente.
Porém, antes que eu perceba o que está acontecendo, Damon desce o
olhar para a minha boca e sinto o calor se avolumar em um único ponto e
espalhar formigamento por toda a minha pele, querendo que ele toque cada
ínfima parte dela.
Não sou nem doida de interromper o clima tão latente quanto uma
queimadura que se instaurou entre a gente. Porque porra, ele vai me beijar de
novo, definitivamente vai e eu quero, quero mais do que é recomendável que
ele me beije.
Estamos próximos.
Excruciantemente próximos.
Damon manda a distância para o espaço em um segundo, colocando-se
à minha frente e me esmagando contra a bancada. Seu corpo é tão firme
quanto rocha e eu sinto que minha calcinha está prestes a ser arruinada.
Sua respiração move alguns fios do meu cabelo e o escuto inspirar o
perfume do meu xampu. Juro que estou perdendo todas as batidas do meu
coração. Elas já não existem mais. É como se ele estivesse me degustando,
usando de minha essência para saciar sua fome.
— Você é tão cheirosa, Candy. Exala um aroma doce que me faz andar
na corda bamba acima da lava. Eu tento a todo custo esquecer como é estar
envolvido por uma mulher, mas você torna essa tarefa algo tão difícil para
mim, que eu sinto a razão se esvair do meu corpo.
Preciso de coerência!
Preciso voltar a respirar!
Deus, eu preciso do pau dele! — grita em contrapartida minha garota.
Tento manter uma discussão com ela, apenas mental, para que não seja
tão impulsiva a ponto de fazer as coisas e se arrepender logo depois. Nós não
entramos no acordo de ultrapassar pouco a pouco as barreiras do homem?
Sim, exatamente. E eu não quero transar com ele para depois ser chutada da
sua cabana sem dó, nem piedade. Por isso os cupcakes! Eu não poderia
chegar de mãos vazias e agora ele indica que quer me comer? Depois de ter
fugido e me tratado tão mal desde que eu surgi em sua vida?
Deus, eu não sou tão forte a esse ponto! De verdade, se essa for uma
provação, que o Senhor seja compreensivo e entenda as necessidades desta
mulher!
— Não me respondeu — respiro profundamente, ainda sentindo seu
corpo em cada parte do meu, mesmo com o tecido cobrindo toda minha pele
— por que essa mudança?
Escuto o seu suspiro de derrota.
— Estou duelando com meu lado impulsivo e a razão para não
continuar com isso. O problema, é que sempre aparece quando eu estou quase
me recuperando da sua presença marcante e me joga de novo para os meus
dilemas mais controversos. Eu não sei o que pensar, ou na pessoa que me
transformo quando estou com você. Há muito tempo deixei de ser ela, depois
de traumas tão profundos sempre perdemos o melhor que há na gente e se
torna uma tarefa árdua buscar o que ficou para trás. Por isso desisti, mas
então você apareceu e é tão irritante que eu me culpo por tudo o que estou
pensando.
— Queria te entender, mas falando assim fica cada vez mais
complicado.
Ele se afasta um pouco, para me olhar diretamente nos olhos. Sinto
todo seu medo e, também sua força.
— Eu não sei explicar, Candy, droga eu não sei! Só que desde a
primeira vez que te vi, senti como se fôssemos para estar aqui, juntos. É
inexplicável, de verdade. E por mais que eu tente, você vai me achar um
maluco, o que eu provavelmente sou. — Aumenta a distância entre a gente e
eu imploro em silêncio para que não faça isso.
Seu calor é uma droga que me deixou viciada e eu nem provei as
melhores partes ainda.
— Tente — peço, espalmando minhas mãos em seu peito.
Damon leva as suas às minhas e as cobre com carinho. É tão terno que
eu me assusto. Onde ele guardou este homem?
— Não estou pronto, Candy, acho que não ainda. Mas, eu queria muito
estar para poder voltar a viver.
Voltar a viver.
Ele me faz lembrar de quando eu achei que não estava vivendo e sinto
uma vontade imensa de abraçá-lo e o levar para longe de tudo o que aflige
sua alma. Por isso, passo meus braços em torno do seu corpo e aperto
bastante, para ele sentir o calor e entender que precisa dar valor à sua vida,
que ela é passageira e imprevisível.
Tomo a atitude primeiro, pensando que isso pode ajudá-lo. Passo as
mãos em torno do seu rosto e o beijo languidamente, sentindo o sabor de
cupcake e os fios da sua barba pinicarem de uma maneira gostosa o meu
queixo. É uma carícia com o objetivo de apagar uma dor, nublá-la a ponto de
o fazer esquecê-la por segundos que seja. Sua língua se entrelaça a minha e
sinto meu corpo ser alçado até a madeira da mesa, que está ridiculamente fria.
Porém, quando suas mãos se fecham em minha bunda, eu perco qualquer
sentido ligado ao lugar, presa em seu toque, com minha libido flutuando em
suas mãos e seu beijo de tremer todas as minhas vontades.
Que porra de homem é esse?!
Ele desce sua boca por meu pescoço, beijando cada parte, subindo os
dedos até minha nuca e me dominando de uma maneira única. Sensação essa
que me destrói, a cada mordida pungente em meu ombro.
Sua língua desliza sobre minha pele sensível e me faz inclinar em sua
direção, entregando-me ao castigo excitante.
Suspiro.
Exalto-me.
Lamento.
Sussurro.
Arfo.
Cobiço.
Passo minhas unhas ao longo de toda a rigidez do seu corpo.
Ele é duro. Forte. Rude. Sincero. Intenso. Poderoso. Sensual.
Charmoso. E me faz sentir tão reverenciada como eu nunca me senti antes.
Quero esse homem para mim. Só para mim.
É pecado ansiar ser feliz ao menos por minutos? Sem me preocupar
com mais nada, além de entregar meu cor... digo, tesão?
— Isso é bom — murmuro — fantasticamente bom.
— Quer sentir prazer, se sentir desejada — Damon sussurra em meu
ouvido — ninguém pode te culpar por isso.
A temperatura do meu corpo sobe mais rápido do que um avião em
decolagem e começo a suar com a quantidade de roupas que estou usando.
Como se ele lesse meus pensamentos, experimento seus dedos trabalharem
no zíper da jaqueta e logo depois, sou obrigada a soltá-lo para que a peça
escape pelos meus braços. Muita roupa ainda nos separa e fico irritada por ter
que usar tanta coisa assim, só dará margem para que ele desista no meio do
caminho. Porém, não é o que acontece.
Em uma bagunça por necessidade, levo meus dedos à barra da sua
camisa de lã e a puxo pela cabeça, enquanto Damon retira rapidamente e
volta a me beijar com uma fome de assustar qualquer pessoa mais contida.
Seu beijo é tão forte, seus lábios tão duros contra os meus que pequenas
sensações se espalham pela minha boca, que formiga devido ao inesperado.
É tentador e irresistível.
Empurro meu quadril contra seu abdômen e sinto suas pernas se
encaixarem no meio das minhas, com a dureza se esfregando contra o centro
do meu prazer, um volume grande e grosso, muito mais do que esperava.
Uma grata surpresa. A parte de baixo das minhas roupas desaparece e noto
que estou prestes a enlouquecer quando os seus olhos de oceano prendem os
meus e a sua boca se retorce em um sorriso safado e predatório.
Um arrepio percorre minha coluna.
Quando eu imaginaria que me sentiria tão necessitada e eufórica com a
simples possibilidade do que está prestes a acontecer?
— O jeito que você me olha provoca coisas em mim.
— Boas, espero.
— Ah — solto um riso baixo e excitado — muito melhores do que
boas.
Seus dedos firmes se fecham em torno da barra da minha segunda pele,
eu os barro. Não quero tirá-la. Não quero que ele veja a cicatriz horrenda e
fria que divide o meu peito, não estou preparada para isso ainda. Podemos
fazer qualquer coisa, no entanto, não quero que ele a toque, que sinta pena de
mim pelo que passei. A linha sobressalente por causa do queloide é a prova
de que eu vi a morte de frente e acabei escapando dela.
— Tudo bem, Candy, eu não vou tirá-la, pode libertar meus dedos —
fala baixo, com a intensidade da rouquidão em sua voz se sobressaindo.
Mordo o canto da minha boca e permito que ele continue. Damon não
olha mais nenhuma vez para a blusa, iniciando sua descida lenta e cadente,
desabando sobre seus joelhos, bem à minha frente como um homem rendido.
— Não imagina o quanto eu quis fazer isso a cada maldita vez que a
via.
Desata o nó da minha calcinha. Uma que Trust e eu pensamos ser
excelente para momentos como esse quando a colocamos na nova linha e sem
dúvida, ela é.
Pega a peça e inspira profundamente, provocando ondas catastróficas
de desejo em meu corpo.
Como uma atitude tão simples pode ser tão excitante?
Seu olhar encontra o meu, notando a minha avaliação e um sorriso
lascivo entorta o canto de seus lábios.
— Gosto do seu cheiro.
Ele a guarda em um dos bolsos da sua calça e me impede de protestar,
assim que afunda a cabeça no meio das minhas pernas. A primeira pincelada
da sua língua em meu clitóris lança-me para um universo de pontos
brilhantes, enquanto eu pendo minha cabeça para trás, empurro sua boca
contra a minha boceta e contenho os gritos de prazer que ameaçam escapar de
minhas cordas vocais.
Damon suga com vontade, como se não fizesse isso há anos e eu me
permito aproveitar o momento, deixando que todas as sensações prazerosas
consumam meu corpo em puro fogo.
— Ca... — diria um palavrão, mas, sou interrompida no exato momento
em que ele começa a chupar e lamber desenfreadamente o ponto pulsante.
Contorço-me em cima da mesa, com um dos orgasmos mais
avassaladores que já senti se formando e espalhando ondas imensuráveis de
prazer por toda minha carne. É como se eu estivesse em chamas, de dentro
para fora e quisesse continuar assim para sempre.
Sou devorada. Consumida. Abocanhada, por um homem que eu nunca
imaginei que faria isso, sentindo a sua barba espalhar sensações gostosas no
meio das minhas pernas, pinicando de uma maneira tão incrível que eu estou
alcançando o clímax só ao pensar em como essa porra é sexy!
Remexo-me, tentando aplacar a volúpia, e suas mãos firmam meu
quadril no lugar, com aspereza.
— Quietinha, enquanto eu devoro você.
Não ouso contrariá-lo.
Até porque meu corpo passa a não responder meus comandos,
aproveitando cada resvalar de seus lábios em minha intimidade.
— É uma delícia, tão doce quanto seu nome — sussurra e eu puxo o ar
com força, tentando segurar mais um pouco o arrebatamento que me levará
direto para um lugar inesquecível.
Porém, sou incapaz de postergar.
Meu corpo inteiro drapeja, com os espasmos lascivos.
Mas, Damon não para; ele continua e com isso, aumenta o tesão com a
sensibilidade que estou sentindo na região castigada por sua boca. É uma
mistura de quente com o gelado da sua língua que me faz revirar os olhos, me
contraindo com a simples respiração dele contra minha boceta.
O homem só se dá por satisfeito quando percebe que meu corpo inteiro
amoleceu e que eu não consigo mais lidar com o prazer que continua me
proporcionando.
Uma corrente de ar fria, glacial, passa a me castigar assim que ele se
levanta e pousa os olhos azuis e brilhantes nos meus, passando a língua
obscenamente no lábio inferior e depois no superior. Não parece arrependido,
o que agradeço. Acabaria comigo se ele se sentisse assim, após essa loucura
perfeita.
Mais perfeito que isso, apenas se... pulo da mesa em um segundo e
ajoelho no chão frio, prendendo meus dedos na braguilha da sua calça, mas,
sua mão me impede de continuar.
Desabo os ombros em derrota e olho para cima, temerosa, apenas para
vê-lo com um sorriso relaxado.
— Não precisa fazer isso, Candy. Não foi para receber na mesma
moeda, foi porque eu achei que você precisava e não posso mentir, também
queria sentir seu gosto — admite e eu quase desfaleço.
— Mas...
— Nada. Eu não estou preparado para nada mais profundo ainda.
Não deixo de focar no “ainda” porque é ele que contém toda a minha
esperança. E só dessa vez, nesse dia, em meio a uma paisagem linda e depois
de um orgasmo fenomenal, sinto-me desejada, por quem sou.
— Não vai me devolver a calcinha?
Ele sacode a cabeça.
— Sério que vai me fazer vestir a calça, sem a peça de baixo?
— Aposto que eu guardar algo tão íntimo seu te excita mais, do que
odeia a ideia de usar a calça sem ela.
Damon está certo.
Contenho o sorriso malicioso e desisto de debater.
Visto a parte de baixo das minhas roupas, sentindo que posso
convencê-lo de que seria bom para nós dois que eu corresse a minha língua
através da sua extensão, venerando as veias que devem...
Preciso focar em outra coisa! Outra coisa!
Ele não quer, beleza, não quer. Não posso ser pedinte a ponto de
implorar para colocar seu cacete em minha boca
— É péssimo, Damon. De verdade.
SEXY! — grita minha mente.
Ele se aproxima para sussurrar em meu ouvido: — A cada vez que a
sua calça roçar contra sua boceta, vai se lembrar do que estive fazendo aí
embaixo e me agradecer cada segundo pela recordação. E péssimo será
definitivamente a última palavra na qual irá pensar.
“Eu não deveria ter feito isso, mas fiz, porque você é irresistível.”
— Bem que você poderia me deixar te chupar, não acha? — Ela retorna
a esse ponto, agora totalmente vestida, o que é uma pena.
— Não no momento.
— Por quê? Pensei que quisesse.
Sei que se vê tão envolvida quanto eu, estamos pegando fogo e coitada
da cabana, seria apenas alimento para as chamas se eu cedesse. Mas,
mantenho minha decisão, pois não quero conduzir o início de um possível
relacionamento de maneira tão desastrosa.
Não posso enganá-la, ou usá-la.
— Eu queria te dar prazer, Candy. Mas, não quero que se envolva
demais, quando ainda restam dúvidas. Tenho meus próprios fantasmas para
carregar e só vou dar um passo adiante quando eu finalmente me sentir bem.
Sempre fui sincero, Dolores dizia que essa era minha maior qualidade.
Me entender. Mas, em alguns momentos, quando estou com Candy, admito
que eu não me entendo tão bem assim.
— Damon... — ela fala meu nome pausadamente e respira de forma
profunda — entenda que dar um passo maior que sua perna caracteriza como
dois passos, e mesmo que você erre, e tenha que retroceder um passo, ainda
significa que você avançou por um. Está caminhando para frente,
independente do que pense. Devagar e sempre.
Nenhuma fala me tocou tanto. Porque faz todo o sentido.
Mesmo que eu retroceda em alguns momentos, ainda estou seguindo,
no meu ritmo, não é?
— Eu só preciso me entender antes, e isso — indico a ela e a mim —
foi uma coisa de adultos que rolou. Então estou pedindo para você não fazer
muito caso, afinal, estou há muito tempo sem me envolver com uma mulher
de maneira sexual. Tanto, que foi impossível conter a atração quando ela me
atingiu de maneira incrivelmente forte a ponto de cambalear.
Noto que a palavra tempo irradia dúvida no seu semblante. Droga, ela
está curiosa. Ela quer saber quanto, posso sentir. E foi minha culpa, por ter
ido com sede demais, como um sedento caminhando no deserto.
— Só para saber com o que estou lidando aqui. Quanto tempo, mais ou
menos?
Como eu presumi.
Engulo em seco, criando coragem para contar, afinal, ela está aqui e eu
não posso simplesmente chutá-la da cabana depois do que fiz. Não adiantaria
nada, dada a força da natureza que é Candy e só a deixaria mais e mais
interessada em tudo sobre a minha vida.
Ela tem o tipo de determinação que moveria o mundo, se a desafiassem
a fazê-lo.
E eu estou me tornando um desafio para ela. Um mistério o qual se
empenha mais e mais em desvendar.
A grande questão é que ainda não defini se gosto disso ou não.
— Cerca de quatro anos — falo e faço uma careta ao perceber como
isso soa ruim.
Mas, ela não sabe a merda na qual me afundei depois que Dolores
morreu, muito menos o quanto minha família ficou preocupada e tentou me
ajudar de todas as maneiras, tentando lidar com a minha aversão a qualquer
tipo de ajuda. Foram tempos difíceis e vovó nem tinha coragem de me bater
com a bengala, acredito que ela pensava que eu tiraria minha vida e não vou
mentir, depois do enterro, essa foi a vontade que me corroeu em todos os
malditos segundos do dia. Não sei como passei por ele e não sei se
conseguiria passar de novo pela mesma situação. Minha força não é tão
grande.
— Quatro — ela pausa, arregala os olhos e abre a boca
fantasmagoricamente — anos? Sem transar?
Quatro anos sem amar. Sem sorrir verdadeiramente. Sem viver.
— Sim, ma’am.
— E como aguentou?
Ergo minha mão com cara de obviedade e já que estou sendo patético,
decido incorporar o humor para tudo se tornar menos vergonhoso.
— Pode ter certeza de que sou ambidestro, porque as duas mãos
trabalharam muito bem.
Ela tenta segurar a gargalhada, em vão, e lança o corpo para trás se
divertindo com a minha fala.
— Não pensei que você fosse o tipo de homem divertido — diz,
enxugando os olhos de tanto rir.
Não sei por que ela viu tanta graça assim.
— Perguntou e eu respondi.
— Agora eu entendo o motivo para seus antebraços estarem tão firmes!
— Ela bate em cada um deles e eu sou obrigado a abrir um sorriso.
Gosto do seu humor, da sua maneira incrível de ver o mundo.
— A prática leva à perfeição.
— Ah — fita-me maliciosa — aposto que sim! E pelo que acabou de
fazer, só posso pensar que praticou bastante ao longo da vida.
Meu coração acelera seu ritmo e me pergunto se é assim que eu me
sentia quando flertava antigamente, porque tudo parece novo e único demais,
nada parecido com as minhas memórias de conquistas ocasionais e, de
mulheres com as quais eu me envolvi.
— Um homem sempre tem o direito de permanecer calado, certo? Até
quando é pego no flagra.
Ela gosta da minha resposta perspicaz.
— Seu nome tem muito a ver com você, Damon, porque se trocarmos
apenas uma letra você se torna um demônio, que seduz mulheres divorciadas
e vulneráveis como eu, disposto a levá-las como uma de suas conquistas até o
fogo intenso. Gosto disso e céus, — ela exalta — eu não deveria, mas eu
gosto e tenho vontade de abraçar cada mistério que eu vejo brilhando no seu
olhar.
— Já me ofenderam com nomes grotescos, mas nunca dessa forma —
brinco, ignorando propositalmente a parte em que ela fala sobre meus
mistérios.
Candy é um perigo.
Uma lufada de brisa fresca no calor.
Um campo de flores silvestres na primavera.
Um sonho que eu não sei se posso alimentar.
— Não foi uma ofensa. — Deposita um beijo na ponta do meu nariz,
erguendo os pés teatralmente para o fazer.
Eu a fito diretamente e fecho meus olhos por instantes,
momentaneamente cego pelo brilho que é em uma vida tão escura quanto
uma noite sem lua e estrelas.
— Essa é uma surpresa.
Candy estreita os olhos e em seguida olha em volta, buscando alguma
coisa, ou melhor, uma criatura carinhosa e extremamente comportada.
— Onde está Snow? Eu ainda não o vi hoje.
— Deixei-o no quarto.
— Por quê?
— Quando eu olhei pela janela e a vi bem próxima da minha porta,
imaginei que fosse querer conversar sem qualquer desvio de atenção. Ele não
liga, gosta de deitar na minha cama e tirar um cochilo lá. Fiquei me sentindo
culpado pela maneira que a deixei, porque eu estava vivendo um conflito
interno complicado demais.
— Então me espiou pela janela? Estava ansioso para que eu viesse?
— Prefiro exercer meu direito de ficar calado, após ser pego no flagra.
Ela ri com a minha inteligência em sair pela tangente.
— Te odeio por isso. Mas, tudo bem, lidarei com a resposta para a
pergunta usando minha imaginação. E sobre você ficar me espiando pela
janela, não entendo como conseguiu enxergar muita coisa, já que eu mesma,
não estava enxergando nada e me questiono se esse ataque sexual foi
planejado desde o começo para que amenizasse minha raiva e eu não
destilasse minha fúria em você.
Decido entrar na sua brincadeira e continuar com a conversa sem
sentido.
— Funcionou?
— Como funcionou.
— Era uma brincadeira. Não planejei nada do que aconteceu, mas fico
feliz que tenha acontecido.
— Eu também, Damon. Eu também.
Decido mudar de assunto antes que as coisas fiquem mais íntimas. A
tensão sexual ainda paira no ar, não sou um tapado para não a perceber,
Candy muito menos, então opto por tentar seguir para um caminho mais
seguro. Deus, eu estou muito enferrujado em lidar com mulheres, claro que
com minhas primas é totalmente diferente, estou desacostumado a querer
ficar com alguém, ou gostar de verdade da sua companhia.
O mais irônico em tudo é que antes de conhecer a minha esposa, eu
nunca ficava sozinho. Cada final de semana uma mulher diferente, as vezes
duas ou três e nunca as decepcionava. Elas me procuravam buscando algo e
eu ficava feliz em dar o que queriam. Flerte? Corria em minhas veias e em
alguns momentos apenas um olhar bastava. Então, por que me sinto tão
inseguro em sequer dizer:
“Ei, Candy, eu quero trepar com você, mas estou confuso com algumas
coisas, topa tornar isso só sexual? Bem cru e bom para nós dois?”.
Na verdade, a insegurança não é exatamente sobre falar, mas fazer,
porque ainda não sei como meu corpo reagirá após tanto tempo amando uma
única mulher.
— Não precisa ficar nessa batalha interna. Eu entendo, de verdade.
Assusto-me ao perceber que ela tranquiliza meus pensamentos como se
os tivesse lido em sua totalidade.
— Mas, não sabe o motivo.
— E não preciso saber se você não quiser. Nós estamos aqui, sozinhos,
você é um homem, eu sou uma mulher, é normal que nos sintamos atraídos.
Somos a única opção um do outro, quem pode nos culpar?
Sinto um balde de água fria — congelante — ser despejado sobre
minha cabeça.
Sou só um estepe para ela e não há motivos para ficar tão confuso, sem
saber como agir.
— É, você tem razão.
Candy não percebe o mau humor súbito no qual me afundou e dá as
costas, caminhando pelo corredor até o quarto, para verificar Snow. Luto com
a minha vontade de cerrar os dentes ao notar que estou pensando demais,
quando ela está pensando de menos.
E não é justamente isso que quero?
Saciar o tesão, sem qualquer envolvimento emocional?
Meu consciente hesita em dar a sua resposta e, esse por si só já é um
problema.
Depois do que passei eu deveria cuidar bem do meu coração. Não ficar
bebendo álcool como se ele fosse necessário, ou qualquer outra merda que
não seja saudável. Porém, ainda estou presa em uma profunda crise de
autodescoberta. Beber com Damon não parece tão errado, mesmo que eu
saiba que é, e se ele descobrisse o que me aconteceu, também acharia.
Contudo, já faz um tempo desde que coloquei álcool na boca e não pretendo
beber muito de qualquer forma. Acho que mereço ao menos essa colher de
chá por ora.
Porém, quando ele abre um dos armários da cozinha e carrega até a
mesa algo que segura com extremo cuidado, acredito que tomar alguma coisa
com ele foi uma ideia sábia da minha parte. Reconheço a caixa que ele trata
com tanto zelo, é a porra de um conhaque que custa em média cinco mil
dólares!
O que me faz questionar se ele não está ocultando alguma parte
fundamental acerca da sua identidade.
Como alguém como ele, em um lugar como este, pode ter esse tipo de
coisa? Eu esperava no máximo um Martell ou coisa assim.
— Está me olhando estranho — profere.
É insegurança que eu enxergo através dos seus olhos astutamente
azuis?
Antes que eu fique entretida demais neles e esqueça do que eu diria,
apresso-me a perguntar:
— Você roubou um banco ou participa de alguma espécie de
contrabando? — Vou direto ao ponto. — É um mafioso, se escondendo de
algum inimigo o que me coloca automaticamente em perigo também? Um
assassino? Daqueles bem pagos?
Seu rosto se retorce em pontos de indignação. E sua repulsa é tão
verdadeira que eu suspiro aliviada e relaxo minha postura, apoiando as costas
no encosto da cadeira de madeira. Até que noto a sua tentativa em controlar o
riso, com os absurdos que eu disse. É, eu sei, tornei-me paranoica, mas
qualquer pessoa estaria com as mesmas desconfianças em meu lugar.
— Claro que não! Nunca ouvi coisa tão ridícula em minha vida! — E
se põe a gargalhar. — Tudo isso por causa do preço desta garrafa?
O infeliz gargalha por minutos ininterruptos, enquanto eu abro a boca
em uma fenda indignada.
Ele nem ao menos disse como tem uma bebida tão valiosa! O que deixa
a minha teoria bem plausível, para ser sincera.
— Seria um crime! — interrompo-o efusivamente, mudando de opinião
rápido demais, e... tsc, claro que ele não seria criminoso, debocho
mentalmente da minha própria ideia ridícula. — E você sabe, essa coisa —
aponto para a garrafa que ele segura — custa muito dinheiro.
— Você é a única que poderia me acusar de coisas tão horríveis e ainda
assim me fazer gargalhar. E nunca pensei que fosse beber esse conhaque, eu
estava cogitando deixá-lo guardado até que alguém o recebesse de herança —
noto que não é o que ele pensa quando franze as sobrancelhas — no entanto,
aqui estamos nós, enquanto eu sou facilmente manipulável por você a fazer
coisas impensadas. — Noto que ele escolhe ignorar o meu questionamento e
penso que talvez não seja uma boa hora para pressioná-lo.
Seus olhos brilham.
— É uma caixa de mistérios.
— Todos somos, principalmente você que sabe o valor de uma garrafa
de conhaque.
— Papai me ensinou a ter bom gosto.
Damon sorri satisfeito.
— Posso perceber. Então, o que acha de provarmos essa belezinha? —
sua voz ainda aparenta um incômodo que ele se esforça para esconder —
nunca pensei que fosse abrir por sua causa, quando a vi pela primeira vez,
mas vale a pena. A companhia é o que importa.
Uma pontada de animação ameaça tomar a frente ao ouvir o que ele diz
sobre minha companhia, entretanto, me recuso a criar esperança por algo sem
sentido.
Observo Damon com seu corpo másculo e elegante sentar-se à minha
frente, depositando com todo o cuidado a preciosidade no tampo. E me
impressiono sobre como o estou achando incrível, até a sua barba mal feita
possui certo charme.
O que está acontecendo com você, Candy?
Merda! Só pode ser essas frases e a sua maneira de dizer qualquer coisa
com a voz rouca e sexy, entoando um duplo sentido carregado de lascívia.
— Essas suas frases me fazem desconfiar se você não tenta colocar um
sentido sexual em cada palavra, para depois fingir que é um homem que não
faz esse tipo de coisa.
E ele é muito bom nisso, de verdade. Aposto que em outras ocasiões,
ele seria do tipo que teria qualquer mulher aos seus pés. Talvez não aqui, com
esse descaso com a aparência, porém, o típico rústico e rude, com um coração
imenso também não é irresistível? E na verdade, se assemelha e muito aos
peculiares homens dos romances de banca que já li muito em minha vida.
Finalmente Deus atendeu aos meus pedidos?
Tomara que sim.
Tomara com força, que sim.
— Eu não disse que não era.
Clássica resposta de um homem safado nas histórias!
Percebo apenas com a sua fala que ambos inclinamos nossos corpos por
sobre a mesa e estamos com as cabeças muito próximas, em uma distância
tão ínfima que eu sinto seu hálito quente acariciar minhas narinas e o desejo
reacender o fogo que havia se extinguido, após o momento sexual de mais
cedo.
— Vamos ou não beber? — Decido ser a primeira a ceder.
Não adiantará nada ficar empurrando-o contra o limite, quando ele
mesmo falou que precisa de um tempo para se entender. Achei digno de sua
parte.
— Sempre há um momento para enfrentar os medos — a sua fala é
enigmática, mas ele não se prende a ela, colocando os dois copos pequenos
na madeira.
Uma vez que Damon não completa o seu imediatamente, eu o faço e
sou a primeira a tomar um gole. Não bebo tudo de uma vez, esse conhaque
precisa ser degustado. Como o homem que paira à minha frente, esperando
ansioso que eu diga alguma coisa sobre o sabor sublime. O eremita do
inverno pega o copo entre os dedos, sacode o líquido âmbar e olha para ele
como se contivesse todos os pecados que queimam no fogo do inferno. É
perceptível o olhar amargo que ele direciona ao líquido. Deixando-me sem
entender nada do que está acontecendo.
Estamos bebendo para nos divertir ou ficarmos deprimidos?
Ele sorve com brusquidão e contenho a vontade de arregalar os olhos
ao ouvir o sibilo que solta com a queimação. Damon passa as costas da mão
na boca e então preenche seu copo novamente, com aptidão. Não deixo de
olhar tudo pasma com a atitude e tremendamente preocupada.
Não parece estar bem. É como se alguma coisa o estivesse deixando
louco.
— Vai com calma, abominável, eu não vou beber todo o seu conhaque
caríssimo, não! — Esforço-me em conotar o tom de brincadeira.
Damon não me diz nada e enche novamente o copo, bebendo sem
titubear.
— Abominável? — ele ergue a cabeça para perguntar e eu percebo a
curiosidade brilhando em seus olhos.
A maneira perdida com a qual me fita, aparentando estar bem longe
daqui me deixa em alerta, disposta a cuidar dele se preciso for.
— Quando eu cheguei me tratou tão mal que eu te apelidei de
“abominável homem das neves”. Primeiro, eu te chamei de príncipe, mas
acho que me equivoquei por um momento, porque eu estava morrendo de
vontade de transar com você.
Sua cabeça pende um pouco para baixo e acredito que seja por causa do
álcool.
— Eu quis te beijar assim que abri a porta, então não pense que está
errada. Não há como explicar a atração física. Muito menos repreendê-la. Se
tem uma coisa que eu aprendi há muito tempo, é que transar quando duas
pessoas têm vontade, não faz e nunca fez mal a ninguém. Pelo contrário, nos
faz ficar de bem com a vida.
— Então sinto muito te dizer, meu querido, mas você precisa
urgentemente fazer sexo. — Assumo corajosamente.
Damon ri baixo de uma maneira sensual e toma mais um gole da
bebida.
— É do mesmo sabor que eu me lembro. Incrível — diz.
— Sempre me disseram que o sabor da bebida melhora de acordo com
a companhia. E — Sorvo um gole — essa está excelente, porque você
também é interessante, Damon.
— Para falar a verdade, essa é a primeira vez que eu coloco álcool na
boca em muito tempo, é libertador. E sobre a companhia, admito que a sua
também, não é nada mau.
Contenho a vontade de pressioná-lo. Se eu o fizer, ele vai se calar,
assim como nas demais vezes e eu não posso arriscar.
— Nada mau não é um elogio, acredite em mim.
— Para mim, é.
Claro, para ele. Um homem carrancudo que se isolou do mundo em
uma montanha, disposto a tornar a própria vida um inferno solitário e sem
qualquer calor humano. Hipócrita, isso que sou. O que estou falando dele? Se
ele não estivesse aqui fazendo exatamente isso, eu quem teria me ferrado,
muito inclusive, tendo que sobreviver sozinha em um lugar tão inóspito. Sem
lenha! Sem a maldita lenha! Então, bem, e com o álcool cruzando meus fios
de raciocínio, acredito que eu deva minha vida a ele e essa noção me faz
remexer na cadeira, desconfortável, em partes, porque ela é dura e minha
bunda está doendo pelo tempo em que passei sem me movimentar.
Tomamos mais uma dose. Depois outra. E mais uma. A essa altura já
sorrimos deliberadamente um para o outro, cientes de que ficamos mais
alegres do que deveríamos estar. Porém, por que precisamos permanecer
sóbrios? Estamos no fim do mundo, sendo soterrados por neve, nada mais
justo do que sair do prumo por uma noite.
Minha cabeça começa a girar, no entanto coloco mais um gole do
conhaque no pequeno copo de cristal e não demoro a virar. Minha boca fica
dormente, e minha língua estranha. Acho que não estou conseguindo usá-la
para me comunicar com clareza.
— Faaaaz muito tempo que eu não fico com ninguém, Candy.
— Você zá me disse!
— Depois que Dolorres — ele arrasta o r — morreu, eu não consegui
me envolver com ninguém, porque droga eu a amo tanto, ou amava, não sei,
é tudo tão confuso — Damon começa a chorar e eu levanto da cadeira meio
mole e cambaleante, indo ao seu auxílio, para abraçá-lo e mostrar que hoje
não está sozinho — e a visão dela no carro, volta e volta toda vez. Eu só
queria que as coisas pudesse ser diferentes — ele soluça, chorando
copiosamente — e eu queria poder ser o que a minha família esperra de mim,
voltar a ser eu, mas eu não sou mais eu, está tudo muito bagunçado na minha
vida — ele emenda várias palavras umas às outras, mas minha mente alterada
o entende completamente.
— Sua esposa?
Ele acena exageradamente, espalhando as lágrimas em minha roupa.
Elas estão geladas, assim como seus braços em volta de mim, tentando se
firmarem em algum ponto seguro. Acaricio seus cabelos negros e sedosos,
apertando-o ao encontro do meu peito.
Então é por isso que ele ficava bravo toda vez que eu tentava presumir
o que aconteceu.
Ela morreu.
De maneira trágica, imagino.
Empatia se apossa de mim e me vejo tentando reconfortá-lo.
— Ela era tudo para mim. A gente era feeeliz.
— Imagino que sim — falo verdadeiramente, presumindo que ele
deveria ser um marido muito diferente do homem que é hoje.
— Eu jurei nunca mais beber depois daquele dia, mas eu acho que em
cherto momento eu cansei. — Ele se desprende de mim, com os olhos
tremulantes e aponta o dedo na minha direção, quase o enfiando dentro da
minha boca. — Cansei de guardar só para mim e soube que se eu bebesse
poderia contar a outra pessoa.
Agora entendo. O conhaque guardado, a sua clara falta de resistência à
bebida, enquanto eu sinto-me cada vez mais sã, ouvindo as suas lamúrias e
tentando confortar cada uma delas. Deveria ter bebido mais, prontamente
penso, para ouvi-lo e depois não guardar na memória a sua admissão.
Fito a garrafa de conhaque e lamento que ela esteja vazia.
— Vai ficar tudo bem — sussurro palavras de conforto.
Elas de nada adiantam.
— Não, não vai, porque ela não está aqui. Ela nunca mais estará aqui. E
meu filho ou filha também não.
Agora temos um filho na equação?
Ele morreu também?
Minha mente se embola em dúvidas e vejo-me perguntando:
— Filho ou filha?
— Ela estava gráaaavida, de trrês meses.
Puta merda.
Só... puta merda!
Busco palavras para tentar ajudá-lo, porém admito que elas parecem
não querer vir diante do que ouvi.
Paro de julgá-lo, de odiá-lo, de me sentir mal por ele me tratar de
maneira tão rude. Damon é forte, corajoso, e sofreu uma rasteira imensa da
vida.
Não consigo sequer imaginar como eu ficaria em seu lugar.
— Eu não sei se você quer ouvir isso, ou se eu posso ser sincera. Mas,
infelizmente aconteceu e só quem se machuca com essa dor sabe o quanto ela
fere, porém, se ficar revivendo todo dia a mesma coisa, você vai se destruir.
— Eu queria esquecer aquele dia, eu só queria que ele nunca tivesse
existido e que eu não tivesse deixado o maldito celular em casa — e volta a
chorar tão intensamente, se agarrando a minha cintura com tanta violência
que eu sinto toda a sua dor como se ela fosse minha. Meu peito passa a pesar
uma tonelada e meus olhos se enchem de água ao vivenciar o seu tormento.
Pelo que esse homem tem passado durante todos esses anos?
Acredito que o maior inimigo da sua vida seja a sua própria
consciência, que o força a acreditar que tudo aconteceu por sua única e
exclusiva culpa.
— Não foi sua culpa — não sei ao certo o que aconteceu, mas acho que
é isso que ele precisa ouvir por ora — não foi.
Passo meus dedos gentilmente em seu cabelo e quando ele não dá
resposta por um tempo longo demais, checo seu rosto e percebo que ele está
dormindo, sentado, apoiado em mim, totalmente apagado. Até sua respiração
se tornou mais pesada do que o normal e, eu consigo escutar claramente o
som passando por entre seus lábios toda vez que ele expira.
Snow, que até então ficou quieto, vendo os humanos irresponsáveis se
embebedarem, me olha, como se dissesse que eu sou forte o bastante para
carregar seu dono até a cama.
Não custa tentar.
Puxo o brutamontes para fora da cadeira e ele começa a despencar
assim que perde a sustentação do meu tronco. Esforço-me, trincando os
dentes, buscando forças, só Deus sabe de onde, para tentar fazê-lo ficar em
pé. Damon murmura algumas coisas, que me ama, que sente minha falta, mas
eu sei que não é de mim que ele está falando, mas de uma outra mulher, que
ele perdeu sem qualquer chance de ter de volta. Invoco toda a minha calma
de espírito para não o abandonar ali, e deixar que ele lide com sua dor de
cabeça amanhã, porém, fui eu quem o convenceu a beber para esquecer os
problemas, logo, a culpa de essa merda estar acontecendo é minha.
Finalmente consigo alçá-lo, sendo que a cada passo que dou, tombo
para um dos lados, com o peso do homem alto que tento apoiar. Ele desperta,
mais ou menos, embriagado, e não sei se entende o que está fazendo, mas por
sorte ele me ajuda... um pouco. Todo o restante ele apenas atrapalha. Um dos
seus pés fica à frente do meu e eu piso nele, tropeçando logo em seguida e
caindo como uma idiota, levando-o junto comigo. Assisto com uma careta
seu ombro ir de encontro ao chão e pouco depois sua cabeça. Não sei se ele
acordará normal depois do som oco que ela provoca e na verdade, eu terei
sorte se ele acordar.
— Vamos, Damon, precisamos ir para o seu quarto — digo baixo,
recobrando a força para tentar levantá-lo novamente.
E, para minha infelicidade, ele decide que este é o momento perfeito,
não apenas para alçar as pálpebras e me olhar com os olhos petrificados,
como para limpar seu estômago que deve estar tão ruim quanto comida
podre. Não sei como não esperei por isso, mas o fato é que não demora muito
para ele começar a ter pequenas convulsões e logo em seguida o jato meio
verde-amarelado vir direto até meu rosto, peito e troncos, escorrendo
inclusive pelas minhas calças. O odor é insuportável e eu agradeço a Deus
por estar com a boca fechada no momento do impacto, caso contrário, não, eu
não gosto nem de pensar nisso.
Eu tentava o ajudar, agora tento a todo custo controlar a minha vontade
de vomitar, ao me ver toda coberta por vômito e fedendo como um gambá.
Coitados, na verdade acho que eles provavelmente cheirem melhor do que eu
agora. Aposto que sentiriam náuseas se eu me aproximasse.
Seguro nos braços do homem e meus dedos deslizam escorregadios.
Sacudo-os para tentar me livrar mesmo que um pouco da gosma nojenta.
Caminhamos juntos, vacilando, até seu quarto e eu quase não acredito
quando consigo colocá-lo na cama, de qualquer jeito, mas consigo. A sua
roupa está suja e eu retiro a parte de cima, que foi a mais atingida pelo jato
fedorento, fazendo uma careta a cada peça que sai. Mesmo com o odor, acabo
admirando por mais tempo do que seria certo seu tórax despido e arfo ao
contar cada gomo definido de seu abdômen.
Sacudo a cabeça para voltar a ser coerente e empurro os pés que
pendem para fora do colchão, cobrindo-o com diversas cobertas, esperando
que o cheiro forte se dissipe em algum momento. Dou-me por satisfeita ao
assistir seu peito subindo e descendo e os sons de seu ronco embriagado
repercutindo pelo quarto.
Retorno para onde o desastre aconteceu e limpo, cogitando que se ele
acordar durante a madrugada, alterado, pode acabar sofrendo um acidente na
parte escorregadia da gosma. Inalo o cheiro que exala de mim e meu
estômago se contorce. Decido que não seria tão horrível assim pegar roupas
limpas para passar a noite e, colocar as sujas na máquina. Ele deveria me
agradecer por tê-lo ajudado.
Retorno para o quarto, pego as peças masculinas caídas no chão,
vasculho seu armário e me contento com uma blusa de frio que pode muito
bem cobrir até meus joelhos e uma calça cargo larga, com uma corda
ajustável na cintura. Movo-me até a lavandeira, e coloco tanto as dele, quanto
as minhas roupas sujas na máquina.
Além de claro, lavar meu rosto, meus braços e até onde posso da
calamidade que sofri.
Assinalo meu status da situação.
Sem roupa, sem calcinha, fedendo demais.
Visto a blusa e a calça rapidamente, sentindo o frio me massacrar e
volto para o quarto, se estarrecida ou tranquila com a situação ainda não sei.
Acendo a lareira e varro o cômodo com o olhar, procurando por algo
que possa me cobrir, não encontro, acho que todas as cobertas estão com
Damon na cama.
Sequer penso que isso é loucura, mas, me aconchego ao seu lado,
tomando o cuidado de ficar de costas para ele, sem encostar em sua pele.
Compreendo-o melhor depois de tudo o que me disse.
E ao mesmo tempo em que sei o que sinto, ainda estou confusa. Ele
desperta sentimentos ambíguos em mim, e sempre que o vejo tenho a
sensação de que preciso conhecê-lo mais, deixar as coisas se desenvolverem,
contudo, também pressinto que eu vou me machucar, muito. Que ele será
outro homem que quebrará meu coração. E não da maneira que outro fez,
muito pior.
A sonolência causada pelo álcool me atinge em cheio, barrando meus
pensamentos, e não demoro a dormir, embolada, completamente encolhida e
fria por dentro.
“Você me olha e coisas estranhas acontecem comigo, bem no
fundo do meu peito.”
Ela é deslumbrante.
Linda de uma forma única e devastadora.
E outros caras a fizeram se sentir mal por algo que ela deveria ter
orgulho?
Não sou capaz de entender a maioria dos homens, e eu sou um! É
imperdoável que façam mulheres se sentirem assim. Modero os sentimentos
que demonstro. Não quero que ela os entenda erroneamente. E volto a minha
atenção para a sua pele brilhante e irresistível. Deus! Tenho vontade de
lambê-la inteira e mostrar que é mais linda que a lua cheia em uma
madrugada sem qualquer estrela.
Aquele tipo de beleza que transforma todo o restante em mero detalhe.
— Por que está me olhando assim? — pergunta ela.
Não consigo deixar de olhar. Meu coração vê o que os olhos não
querem descobrir.
— Nada.
Decido lançar qualquer ressalva que eu nutria para o alto e aproveitar
um momento, com uma mulher, em muito tempo, com a consciência
tranquila, ciente de que não estou traindo ninguém. Porque eu de fato não
estou.
Meus joelhos protestam, eu os ignoro.
Só consigo pensar no tesouro que é a mulher que está comigo.
Em como desejo tratar, não apenas seu corpo da maneira como ela
merece, mas de forma terna seu coração.
Candy vale ouro.
Tão boa e brilhante quanto.
Corro meus dedos pela sua perna submersa, apreciando a suavidade e
maciez há tanto esquecida por mim, que a simples sensação de tocar em
alguém, por puro tesão me causa calafrios descrentes e ansiosos.
Deslizo ao longo de toda a extensão brilhante.
Suspiro excitado ao vê-la fechar os olhos para apreciar o que eu causo
nela. A espuma se espalha entre nós dois e a cena inteira, olhando através do
reflexo na janela de vidro ao nosso lado, torna as coisas tão magníficas, que
eu suspiro deslumbrado.
É como se queimar com o calor do sol, enquanto do lado de fora o frio
castiga. Um contraste tão bem-vindo que nos transporta para outro mundo,
um no qual só nós existimos e essa lascívia palpável que provoca pequenos
choques todas as vezes em que encostamos um no outro.
Não pode ser apenas fascínio.
Não tem como.
Aproximo-me dela, avançando aos poucos, queimando a distância até
que nossos lábios se chocam. Não é brutal, muito menos selvagem. O começo
de tudo é sensível e com gosto de desafios. Estamos cedendo. Ambos. Ela,
por me mostrar o que considera a pior parte de si e eu por diversos motivos
que não quero citar. Assim que sinto seu gosto de novo, gemo de prazer.
Esmago a cintura delgada que se molda aos meus dedos.
Candy arqueia o corpo ao encontro do meu e sinto a parte baixa, no
meio de suas pernas, se encaixar com meu pau duro como metal, conforme
nos esfregamos em um beijo que não quero que termine.
O mero resvalar me faz revirar os olhos.
Faz tanto, mas, tanto tempo, que eu perco a coerência e começo a
apertá-la cada vez mais, mordendo a pele delicada e lisa de seu pescoço,
descendo em uma velocidade frenética para prender os bicos intumescidos
entre meus dentes e sugar como se minha vida dependesse disso.
A mulher debaixo de mim, se contorce e eu rosno como um animal
orgulhoso.
Escuto o som da água se movimentando e caindo como uma cascata
para fora da banheira.
Ligo o foda-se para isso.
Só quero possuir Candy, em cada canto da maldita cabana, com
voracidade e uma necessidade, até então desconhecida.
Movo-me de um mamilo a outro, saboreando seu gosto afrodisíaco.
Sinto como se eu fosse explodir, com o sangue sendo bombeado todo para a
parte baixa do meu corpo.
— Você é linda, Candy.
Ela abre um sorriso lânguido, de quem acredita estar vivendo um
sonho.
Mas, sou eu que estou realizando todas as minhas fantasias.
De repente, a ideia de ficar sozinho, sem ela, me soa desesperadora.
Assim como a noção de que não podemos finalizar o sexo, em um encaixe
perfeito, me deixa querendo descer a montanha escorregando em uma
prancha, só para ver se consigo encontrar alguma proteção para finalmente
nos unirmos completamente.
Conforme nos movimentamos, em uma bagunça de membros, sinto
tudo ao meu redor desaparecer.
Seus dedos percorrem meu peito, parando em cada reentrância,
memorizando a dureza de anos trabalhando como um verdadeiro homem das
montanhas. Firmo-me nas bordas da banheira para que ela consiga continuar
sua exploração e crispo os lábios assim que Candy começa a descer, em uma
ameaça velada de volúpia, forçando-me a travar a mandíbula, engolindo um
silvo de prazer ao mínimo contato de seus dedos ao longo da minha dureza.
Já não sou mais capaz de me lembrar de nada. NADA. Absolutamente
nada importa tanto, quanto ela me levar à loucura.
— Você é gostoso demais. Do tipo de fazer qualquer mulher
enlouquecer.
Solto um riso baixo.
— Enlouquecer você é o suficiente para mim. E sabe no que estou
pensando?
Ela sobe e desce os dedos, instigando-me a fechar os olhos, incapaz de
dizer qualquer coisa. Se Candy me pedisse algo impossível, eu
provavelmente concordaria em um aceno de cabeça, com a sua manipulação
sexual poderosa e latente.
Porém, apenas profere um pedido silencioso para que eu me levante.
Assim que o faço, ela contempla meu corpo inteiro, apreciando o que vê,
parando por minutos excruciantes no meu pau, à frente do seu rosto.
— Que eu estou em dívida com você, delícia, — interrompe-me sem
rodeios — por isso, fica parado — seu comando é imperioso e obedeço
prontamente, empertigando o corpo, ficando à sua disposição.
Sei o que significa e meu membro está babando, esperando que a boca
feminina se feche ao longo de sua extensão e suba deslizando desde a base
até a glande. Solto um assovio entredentes, com a visão que minha
imaginação desenrola à frente dos meus olhos antes mesmo que a realidade
aconteça.
Candy ajoelha-se na banheira, expondo aqueles seios fantásticos e me
olha, como se estivesse prestes a me mostrar como é se jogar em um vulcão
em erupção.
— Não precisa fazer se não quiser.
Sua única resposta é passar a língua pelos lábios.
— Não faço nada que não quero e estou ansiosa para provar o gosto do
seu pau.
A safadeza explícita em seu semblante, somada às suas palavras
afogadas em luxúria são o bastante para que eu tensione meus músculos,
esperando e torcendo para não gozar rápido demais, devido aos tantos anos
que passei sem ter contato mais íntimo com uma mulher. Não quero que
acabe rápido, mas também não sei se tenho controle sobre alguma coisa
assim que ela fecha os lábios em torno da minha extensão.
Só o que consigo pensar é...
CARALHO!
Não sou capaz de enxergar mais nada, cego pelas luzes de um prazer
absurdo e esquecido.
Levo minha mão à sua nuca e acompanho os movimentos da sua
cabeça, tentando pensar nas coisas mais idiotas possíveis, para esquecer o que
está acontecendo.
Se eu tinha qualquer esperança de aguentar mais do que poucos
minutos, essa esperança se esvai logo que sua língua circula a base e segue
contornando as veias.
Ela me degusta como o doce mais saboroso do mundo.
Minha língua se enrola no céu da boca, e meus olhos reviram.
Só quero que ela continue me castigando porque fui um mau menino e
estou louco para que me mostre qual punição mereço por isso.
A minha força de vontade torna-se inútil ao sentir seus lábios
massacrando minhas bolas, enquanto ela continua me masturbando com os
dedos longos e finos, dando-me demais no que pensar, simplesmente dois
lugares sendo prontamente castigados. Mordo o lábio inferior com força e
escuto a sua voz rouca e desejosa flutuando a minha volta.
— Vai gozar na minha boca, Damon? Estou doida para saber que gosto
sua porra tem.
— Porra! Sim!
Candy volta a prender os lábios ao longo do meu pau, deslizando seus
dentes com cuidado, estimulando o tesão. O membro rígido se expande, em
uma dureza absurda e não demora para que eu sinta meu corpo inteiro vibrar
com um orgasmo de derreter o gelo à nossa volta e transformar todo o
restante em pó.
Gozo na boca de Candy, rosnando um som gutural e primitivo. Uma
mistura do seu nome, implorando para que tenha piedade e pare de me lançar
para o inferno com tanta veemência.
Sua boca é o paraíso.
Simplesmente o paraíso.
Olho para baixo a tempo de vê-la passando o dedo no queixo, limpando
meu gozo, após engolir tudo, saboreando e punindo minha libido, que ainda
está alta, elevada em seu ápice, com os espasmos que destroem minhas
terminações em uma miríade de prazeres indescritíveis.
Ajoelho-me.
Mas, vejo-me jogado aos seus pés.
Com as pernas trêmulas demais para me manter de pé diante do
vendaval que é essa mulher.
Candy me olha vitoriosa, como se tivesse realizado todos os seus
desejos obscuros e mais nada importasse. Porém, não sou um homem dado a
receber sem me importar em fazê-la delirar. Por isso, sento-me na banheira e
a fito por demorados segundos, absorvendo a urgência com a qual quero
afogar minha língua em sua boceta e massacrá-la com meus dedos, para que
ela atinja o mesmo lugar que eu atingi com a sua língua habilidosa e boca
voluptuosa.
Aliso a camada de pelos ralos que recobre seu peito definido, com um
sorriso esticando meus lábios. Nunca imaginei que mesmo que não houvesse
penetração seria possível uma conexão tão intensa como a que sinto quando
estou com Damon. Indagações curiosas percorrem meus pensamentos e eu
evito suas respostas.
Não preciso de definições.
Apenas de sentimentos.
Ficamos um tempo juntos, cobertos e aquecidos. Há uma certa carga de
erotismo no ato de simplesmente ficar lado a lado, com as mãos unidas,
enquanto o silêncio confortável flutua ao redor, calmo e tranquilizante.
— Acha que se eu não tivesse vindo parar justo aqui, nós teríamos nos
encontrado e as coisas seriam diferentes?
Seus dedos sobem e descem, acalentadores em minhas costas.
— Quem pode dizer? Mas, acredito que não. Quase não saio daqui. Só
vou para Dallas quando há algum evento da família que julgo importante
demais para perder.
— Uma pena.
— Não para mim.
— E por qual motivo os exclui da sua dor?
Calo-me depressa ao perceber que dei um indicativo de que eu não
estava bêbada enquanto ele abria seu coração. Droga. Às vezes é melhor ficar
quieta.
— Sei que não estava bêbada. Lembrei-me de alguns flashes e do meu
tórrido desabafo. Eu precisava disso na verdade, e respondendo à sua
pergunta, nós nos importamos muito uns com os outros e não quero deixá-los
mal por não conseguir olhar para frente e enxergar um futuro feliz. Não
merecem carregar minhas dores junto comigo.
Ele não entende que não é questão de merecer, mas sim do que pessoas
que se amam, fazem.
— Nunca ouvi tanta baboseira na vida! — debocho — E se for como
diz, se eles te amam tanto assim, o que você falou não passa de desculpas
para não enfrentar as suas lembranças.
Damon se remexe desconfortável na cama para se sentar logo em
seguida, com as costas largas e definidas voltadas para mim. Seu corpo
inteiro fica tenso, e a longa pausa antes que responda, me faz estremecer.
Assunto mais do que delicado, percebo.
— Não pense que porque ouviu o que me aconteceu que entende a
minha dor. Ninguém entende. Eu deveria ter percebido desde o começo que
você estar aqui não seria bom para nada. Mas, lógico que tentaria reverter o
não em um sim, certo Candy? Você tem esse tipo de personalidade.
O.k.
Agora há uma muralha de gelo nos separando.
E não faço ideia de como transpô-la.
Só não entendo por que ele reluta em perceber que conversar e discutir
sobre algo que tanto o atormenta é um processo normal e necessário para a
superação. Não que algo assim se supere, mas que passe a doer menos.
— Ei, não comece a agir como um imbecil só porque eu toquei na sua
ferida.
— Fala como se soubesse de alguma coisa.
— Não é o único com uma história deprimente.
— Posso não ser, mas, eu não fico me intrometendo nos seus
problemas, achando que tenho todas as soluções para eles. Isso nos coloca em
um ponto bem diferente aqui e eu só pedi por silêncio e compreensão quando,
você entendeu que eu estava pedindo por ajuda. Não quero ajuda, Candy,
nem sua, nem de ninguém — brada a última parte, em um acesso de raiva que
me deixa pasma — e não pense que porque fizemos o que fizemos, isso a
torna alguém importante.
Ele consegue ser cruel quando quer.
Porque o ar escapa de meus pulmões e a sensação que tenho é de que
jamais irei recuperar essa respiração perdida, fruto de uma mágoa que acaba
de se formar.
— É um imbecil. E me falou tanto para parar de sair com idiotas,
quando bastou que as coisas não acontecessem como esperava para que se
tornasse um! — Lanço a verdade na sua direção.
A minha verdade.
Porque todos sabem que na realidade, há várias delas de acordo com o
ponto de vista de quem opinar.
Damon se vira e seu olhar encontra o meu de maneira abrasadora,
prendendo-me em todas as suas nuances.
— Não seria a primeira vez que se engana, aposto. — Sua boca se
contrai em um sorriso presunçoso e com a clara intenção de me ferir.
Emocionalmente.
Bem naquela parte que eu luto constantemente para superar.
Ele fez de propósito. Ele usa o meu casamento fracassado, minha
história estúpida, com outro homem, para machucar. Quase nem acredito no
que escuto e ainda tenho o impulso idiota de perguntar novamente, só para
escutar uma segunda vez. Devo ter problemas sérios.
— O que disse? — faço questão de aparentar descrença.
Foi horrível da sua parte.
— O que ouviu. Que não seria a primeira vez que se engana. E se está
se perguntando se eu quis dizer o que falei, saiba que foi exatamente isto.
Levanto depressa da cama e começo a me vestir, — Graças a Deus
minhas roupas ficaram limpas. — Irritada por ele ser tão filho da puta a ponto
de usar minha fraqueza contra mim dessa forma. Eu jamais faria o mesmo e
descubro, depois de me envolver mais do que gostaria, que esse homem não é
melhor do que a maioria, um monte de escória que não serve para nada.
— Como pode ser tão cruel? Você é horrível. De verdade. E merece
cada grama de solidão que tem aqui.
— Não sabe de nada! — Ele se exalta e levanta-se da cama também,
fitando-me com labaredas de cólera abandonando seus olhos.
— Claro que não sei. Ainda estou tentando entender como fui cair na
sua maldita lábia de pobre coitado. Homens e suas artimanhas. — Exaspero,
sem dar tempo para ele dizer mais nada, abandonando o quarto sem olhar
para trás.
Meus passos soam pesados pelo corredor e Snow fica curioso para
saber o motivo da minha raiva. Aproxima-se de mim abanando o rabo, mas
não dou muita atenção para ele. Infelizmente eu estou irada com o seu dono,
de uma maneira que será impossível sequer cogitar conversar com ele, nem
mesmo que a porcaria da minha lenha acabe e eu corra o risco de morrer
congelada durante os próximos dias.
O orgulho é mais importante. Claro que sim. Quem ele pensa que é
para explodir dessa forma, por eu tentar ajudar, e nem sequer se arrepender?
Pergunto-me a essa altura quem era o homem ao lado da mulher na foto
e como ele pôde escrever uma mensagem tão linda para ela, se esse, que se
apresenta diante de mim não passa de um ogro estúpido e sem qualquer
educação. Mas, a culpa é minha, claro que é. Por querer manter uma
conversação com um homem que desaprendeu a conviver em sociedade há
muito tempo.
— Se eu soubesse que era só tocar nesse assunto que você iria embora,
teria feito isso antes! — grita ele, enquanto eu escuto seus passos ecoarem
atrás dos meus, não muito distantes.
— Vai se foder, seu infeliz! — rebato sua fala.
Como o que sinto por alguém pode mudar em tão pouco tempo? É, essa
é uma boa pergunta, dada a repercussão dos acontecimentos.
— Agora você acha bacana ficar me ofendendo, na minha casa?
Pego meu casaco, tentando fechar o zíper que escolheu justamente esta
hora para emperrar. Empurro com força, enraivecida por ele ter parado no
meio do caminho e sem dar qualquer sinal de que me ajudará.
Poxa, zíper, ajuda aí!
Estou no meio de uma discussão e não posso perder por causa de uma
coisa tão idiota. Decido que se ele não subir na última tentativa, então vou
arriscar sair em meio a neve com metade do casaco aberto e que uma
entidade divina me ajude a completar o trajeto. Contenho o suspiro de alívio
quando escuto o som agradável do objeto subindo em disparada até o topo do
meu pescoço. Coloco o protetor de ouvidos e prendo a touca em minha
cabeça.
Por que não posso ser mais rápida?
Assim que toco a maçaneta da porta, sinto uma presença atrás de mim e
a respiração forte e descompassada que vem com ela.
Não tardo a girar e sair em meio a neve, incapaz de sequer ver Damon
novamente sem sentir uma vontade imensa e claustrofóbica de dar um soco
na sua cara. Arrogante e linda, para minha tristeza.
A cada passo que eu afundo, sinto o frio congelante que vem com ele.
A nevasca já passou e resta apenas uma manhã, até que bonita, com o sol
parcialmente coberto e a brisa fria com sussurros ininteligíveis. Demoro
demais até conseguir chegar no alpendre da minha cabana e controlo a
vontade excruciante que ameaça me tragar de olhar para trás e conferir se
Damon estava acompanhando toda a minha labuta. Porém, abro a porta e
entro sem pestanejar, ciente que é o certo a ser feito.
Eu não tenho culpa se ele não sabe lidar com uma simples conversa
sem surtar.
Contemplo minha cabana, sentindo que falta alguma coisa nela. E sei o
que é, mas não dou meu braço a torcer, movendo-me depressa para acender a
lareira e tratando de tirar o casaco quando sinto que o ambiente já está
consideravelmente quente. Ao enfim, sentar-me no sofá e admirar a paisagem
ao longe, sinto meu coração vazio e estritamente apertado. Não sei o que
fazer, para mim estava mais do que suficiente ficar conversando com Damon,
sem pressa, só aproveitando nossos momentos.
Acredito que depois que foquei na Allgerie, a empresa especializada
em lingerie para todos os tipos de mulheres, junto com Trust, não tive sequer
um minuto de sossego para me aproveitar, como tive durante esses dias e por
mais que eles pareçam solitários, a verdade é que ele meio que mudou essa
minha ideia.
Olho de relance pela janela lateral, enxergando uma figura distinta
espionando-me em retorno. Sabia que ele assim como eu não conseguiria se
conter. Por isso, quando vejo a sua porta se abrir, absorvo o frio no estômago
com uma inspiração profunda. Damon dá alguns passos na neve e depois
retorna. Faz isso uma sequência de vezes, indo e voltando, perdido em suas
próprias decisões. Sei o que está acontecendo com ele e pouco me importo.
Ninguém mandou ele ser tão imbecil comigo, agora que fique se corroendo
de arrependimento.
Em um último momento ele avança mais passos e chega à metade do
caminho. Não consigo enxergar seu rosto, mas aposto que ele está deformado
em dúvidas. Decide retornar para seu lar e não surge desde então em meu
campo de visão.
Já faz duas horas que isso aconteceu, não que eu esteja contando, claro.
Decido colocar Etta James para tocar e passo a hora seguinte ouvindo a
mulher cantar e espalhar calma em minha alma. As letras de suas músicas
tocam o meu coração e compreendo que Damon está assim, se sentindo como
um animal acuado, por não conseguir entender o que está sentindo e, não que
eu vá perdoar as suas grosserias por saber o que ocorre, apenas acho que ele
não deve lidar com as coisas desta maneira.
Ele acha que não precisa de ninguém?
A verdade é que todos precisamos de alguém.
Fico remoendo o que penso dele, furiosa comigo mesma por não ter
lembrado de tudo para jogar na sua cara enquanto discutíamos. No momento
da discussão em si, eu só me irritei e falei qualquer coisa que me veio à
mente, necessitando sair de lá o mais rápido possível.
E sabe o que me deixa mais irada?
Por que ele tem que ser tão bom com a língua e tão ruim com ela ao
mesmo tempo? Soa impossível e totalmente sem sentido o que eu digo, mas
deixe-me explicar:
O cara é tremendamente bom em usá-la para chupar coisas.
E ruim demais no que diz respeito às conversas.
Demônio.
Com uma capacidade assustadora em me seduzir, mas ainda assim um
demônio.
Espero que Lane desça para demonstrar o quanto estou irritado. Mas,
surpreendo-me ao notar que não é ele, mas Kendrick que o faz. Não aparenta
estar muito feliz por ter vindo parar aqui, poucos dias antes do Natal. Claro
que a perspectiva de ficar em Aspen, aturando vovó e sua bengala não deve
ter soado nada animadora também.
Tricotar suéteres, ter que mostrar a todos a obra de arte, e ainda os
deixar no quarto da vergonha como uma relíquia soa como o pior dos
infortúnios para qualquer Kingston.
Vovó e suas tradições.
Sempre nos lançando ao purgatório.
— Não vou — afirmo antes que ele se dê ao trabalho.
— Nem esperou que eu perguntasse! — fala e continua se
aproximando, como se não tivesse escutado o que eu falei — e para constar,
você está horrível com essa barba. Se acontecesse algo comigo e precisasse
me resgatar, eu fugiria. Precisa dar um jeito nessa merda, Damon. Ou todos
vão pensar que é um maluco! — Aproxima-se ignorando meus olhares de
advertência.
— Perdeu o seu tempo vindo até aqui.
— Será, meu querido primo? E — Seu olhar pousa em Candy, e noto o
exato momento em que Kendrick percebe como ela é incrivelmente linda.
Deslumbrante de uma forma arrebatadora — quem é essa? Pensei que estaria
sozinho, mas ora, ora, vejo que me enganei. Não o julgo por se isolar, eu faria
o mesmo em seu lugar se pudesse ter tamanho prazer — lança uma piscadela
para a mulher — de uma companhia interessante — Passa a me ignorar
totalmente e se move, um passo custoso após o outro, para se aproximar dela
— Ainda não fomos apresentados, presumo, eu me lembraria se já a tivesse
visto. Qual o seu nome, doçura? E o que faz com o meu primo mais
rabugento e insuportável?
Reteso minha mandíbula ao notar que Candy está deslumbrada com a
sedução barata de Kendrick. Odeio como ele costuma fazer isso com todas,
assistindo-as derreterem de afetação. O que ele tem de tão notável assim?
— Digamos que eu não sabia que ele estaria aqui. Agora, queria muito
não ter vindo — ela sibila a segunda parte, ainda irritada comigo.
Recebo um olhar arregalado do meu primo, que entende as coisas que
pairam à nossa volta. Finge passar um zíper na boca, mas percebo que isso de
nada adianta, porque ninguém consegue controlar a língua de Kendrick e suas
opiniões sobre tudo. Sempre foi assim, sempre será.
— Parece que temos uma tensão aqui. Adoro! Acho incrível que
estejam se conhecendo sem a interferência de ninguém, contudo, vovó
acabaria com meus dedos se eu não te levasse, nem que seja dopado para
Aspen! E... — Ele olha para Candy esperando que ela diga seu nome.
— Candy — fala, com uma voz sedutora que me faz arquear uma das
sobrancelhas.
Ela só pode estar de brincadeira comigo!
— Sou Kendrick! É um prazer conhecê-la. E admito que encontrá-la
aqui muda minhas intenções.
Não.
Não!
Não?!
Entro em colapso mental ao imaginar o que ele irá propor.
— Nem pense nisso! — ralho.
— Qual o problema? — rebate minha fala — vovó amaria e aposto que
Betsy também ficaria feliz por ter alguém com quem conversar sobre a
loucura que é fazer parte da família.
Fazer parte da família.
— Não — enfatizo e caminho até a minha cabana, sem ânimo para ficar
trocando ideias com meu primo, enquanto Candy observa tudo com seu olhar
tão perspicaz quanto o de uma águia.
Escuto som de passos se aproximando e não duvido que seja Kendrick
disposto a me fazer mudar de ideia, com seu poder persuasivo.
Entro e não faço questão de deixar a porta aberta. Para o meu azar, ele
não se importa com isso, abrindo e entrando depressa.
— Deveria repensar. Vai deixar a mulher sozinha aqui?
— Ela mora em Dallas, leve-a para lá.
— Dallas? Que interessante... Ela não me é estranha, só não consigo
lembrar onde a vi. Porém, eu não vou para Dallas, zangado, — diz o apelido
que usa para me definir — eu vou para Aspen. O que acha de deixá-la
decidir? Ou você quer levar bengalada da vovó quando ela souber que foi tão
grosso com uma mulher? Eu não iria querer estar no seu lugar nesse caso.
Acho melhor levar Candy e ela mesma descobrir para onde quer ir.
— Por que a pegou como sua missão particular? — indago.
Vou até a cozinha, sem querer olhar para Kendrick. Ele pode perceber
mais, do que estou disposto a mostrar por ora. Meu primo se faz de idiota,
mas tem muita sabedoria, assim como meu irmão. Deve ser o disfarce de
ambos, aquele que a gente cria para manter as pessoas do lado de fora das
nossas angústias.
— Não é minha missão particular. Está exagerando. Eu só não gosto da
ideia de deixar uma mulher sozinha aqui. Ela claramente tem coisas para lidar
com você. Transar até não aguentar mais também é uma boa opção, porque
claramente se comem vivos, só com olhares. Ainda não fizeram sexo? Depois
de dias sozinhos aqui?
— Como sabe que foram dias? — Viro-me para fitá-lo, desconfiado da
sua conversa
Ele sabe de alguma coisa, aposto. Kendrick tem a mania de enganar a
todos, é uma habilidade que ele adquiriu com o passar dos anos.
— Tive um pressentimento. — Dá de ombros.
Pressentimento.
Não acredito nele. Nem um pouco.
— Conta outra!
— Sério! Eu juro pelo que quiser!
— Eu sei que seus juramentos não valem nada, então não me darei ao
trabalho.
Proclama um tsc de tédio e se apoia na mesa, olhando para Snow com
uma expressão brincalhona.
— Ei, garotão, o que acha de a gente se mandar daqui? Não pensa que
ele já ficou tempo demais isolado, sentindo pena de si mesmo? — Snow uiva
como se concordasse.
Juro que neste momento não sinto tanto amor pelo meu cachorro.
— Está vendo? — Kendrick o indica — Até ele ficou animado em ir
para outro lugar.
— Eu não vou, já disse — reafirmo.
A porta da cabana se abre com brusquidão e tanto meu primo quanto eu
nos viramos abruptamente, para enxergar Candy totalmente preparada para
partir. Claro que ela não vê a hora de me deixar aqui, apodrecendo em minha
própria solidão.
— Nem precisa pedir, eu te tirarei daqui, doçura. Que nome propício
você tem, combina totalmente.
— Pare de dar em cima dela, Kendrick!
Meu primo ergue as mãos.
— Não estou fazendo nada, só ajudando alguém que precisa.
— Eu não me importo — proclama Candy, empinando o queixo
altivamente — na verdade, fico feliz que alguém me ache atraente o bastante
para passar um tempo comigo. E levando em conta que deve ser o mais
educado e cavalheiro da família, eu iria amar.
Sinto a alfinetada e faço uma careta.
A forma com a qual Kendrick avalia a mim e a mulher, rondando por
sinais do que está acontecendo me incomoda. Por isso, lanço algo mais
próximo que encontro diretamente em seu rosto. Um guardanapo, no caso.
Ele não liga, abrindo um sorriso repleto de deduções para mim.
— Estamos entendidos, então?
— Entendidos como? — perguntamos eu e Candy em uníssono.
— Eu posso te levar até Aspen, que é para onde vamos. — Ele se dirige
a ela, sem demonstrar qualquer traço de dúvida.
— Mas, eu estou de carro e só vim me despedir porque você abriu
caminho e preciso que tire aquele caminhão da frente para eu poder passar.
— Que notícia triste. — Lamenta meu primo.
— É o salvador do dia — ironizo — deveria se animar.
— Meu Deus! Parecem adolescentes se irritando! Mas, não vou me
meter em nada disso — exclama ela.
— Isso é coisa antiga — brinca Ken — e fico feliz em poder te ajudar.
Quem sabe a gente não se encontre em Dallas em um futuro próximo?
— Quem sabe — responde.
Observo a interação com desgosto aparente. Por acaso eles se
esqueceram da minha presença?
Candy reluta em dizer mais alguma coisa, quase como se estivesse
ponderando sua partida.
Aguardando que eu diga algo, talvez?
Vira-se de costas e eu não consigo me controlar, abrindo a boca só para
querer voltar atrás no que digo imediatamente.
— Não vai se despedir de mim? Ou agradecer a lenha?
— Lenha? — Kendrick pergunta dando um duplo sentido.
— Por que tudo que você fala acaba em uma entonação debochada? —
indago.
— E agora eu sou o culpado? Esse mundo está mesmo perdido!
— Eu já agradeci. E não quero mais ficar aqui, onde não sou bem-
vinda. Adeus, Damon. — Quando está prestes a sair da cabana é interrompida
pelo meu primo.
— Espera aí, querida — Kendrick fala e eu o fito endiabrado, que não
liga — por quanto tempo ficou aqui? Seu carro ainda está ligando?
— Acha que o motor pode ter congelado? — Candy pergunta com
medo.
— Não se garantiu anticongelantes. A bateria pode apenas ter arriado.
Não me lembro de você ter dado partida durante os dias que ficamos aqui —
resmungo.
Ela não se dá ao trabalho de falar comigo, fitando meu primo como se
apenas ele estivesse no ambiente.
— Eu dei partida sim, em alguns dias — diz, contrariada — mas, você
não perceberia isso nem mesmo que eu fizesse na sua frente, uma vez que
prestar atenção em mim deve ter sido um fardo. — Certo, eu mereci essa, sei
que mereci. — Pode me ajudar com isso, Kendrick?
Ele olha para mim antes de responder.
— Claro. Será um prazer.
Eles saem juntos da cabana e assisto através da janela o entrosamento
dos dois enquanto resolvem o problema. Demoram vários minutos, até que
Kendrick desce o capô do jeep e move-se até o imenso limpa-neves para tirá-
lo do caminho da mulher.
Sinto uma dor inexplicável tomar conta do meu peito quando a vejo
manobrar o veículo e logo em seguida desaparecer. Até Dallas. Partindo
daqui, ela terá no mínimo um dia dirigindo. Ânimo para fazer isso, com o
Natal chegando? Apenas Candy seria tão determinada.
O inconveniente da família retorna, batendo as botas no chão, para tirar
a neve. Olho-o irritado por essa ação.
— Nem acredito que a deixou ir embora sem ao menos dizer algo
interessante. Que desperdício. Em pensar que até ela chegar lá, terá muito
tempo para te odiar, enquanto dirige e aproveita para conhecer homens mais
simpáticos em alguma loja de beira de estrada.
O que ele diz me lança em um profundo estado de insegurança. Porém,
eu fiz o certo. Não posso me envolver com ninguém e, também não quero.
— Pare de ser intrometido, está vendo coisas onde não há nada.
— Sempre a mesma conversa. Eu jamais entenderei como podem ser
tão cegos.
— Falou o guru do amor.
— Obrigado pelo elogio! — Ele estufa o peito, cheio de orgulho para o
apelido.
— Pode ir embora, eu não vou para Aspen.
— Vai sim.
— Não pode me obrigar.
— Mas vovó pode e ela me falou que se você não aceitasse, vai enviar
uma foto sua, abre aspas, que você sabe qual é, para todas as revistas de
fofoca do mundo caso não leve sua bunda fedorenta para lá e tricote um belo
suéter de Natal. Segundo ela, esse ano será recheado de surpresas. E além da
foto, ela jurou que vai fazer seu pé ficar dolorido até o próximo ano. Não sei
se compensa arriscar, ela sempre cumpre as ameaças.
Lembro da foto em questão e sinto um calafrio perpassar meu corpo.
Ela não faria isso...
Repenso e acredito que sim. Isso e muito mais. Vovó não tem nenhum
escrúpulo quanto a manipular seus netos.
— A última surpresa que ela aprontou fez com que eu fosse em um
jantar e acabasse plantado, esperando quem me arrematou no leilão de
caridade e nunca apareceu. Pensei que fosse ser Trust, foi ela que deu o lance,
mas depois Dale me disse que ela o fez para outra pessoa.
— Detalhes, detalhes! — zomba Kendrick.
— Para você.
— Está me enrolando e eu odeio que me enrolem, então arrume suas
coisas logo de uma vez e vamos para Aspen. Precisamos sair agora, senão
chegaremos atrasados.
— Não vou de caminhão. Seria desconfortável.
— Pare de ser burro, Damon. Não pode ir com o seu carro? O
caminhão foi apenas cortesia da vila, um povo muito educado aliás. Mas,
acho que eles têm uma ideia errada sobre você, porque quando disse que é
meu primo os semblantes tornaram-se estranhos. O que andou fazendo nesse
tempo em que ficou hibernando?
Claro, o povo da cidadezinha.
— Para eles, um homem se afastar de tudo por tanto tempo como eu
soa suspeito.
— Ora, ora, não podemos julgá-los! Certo, homem das montanhas?
Essa barba, com alguns fios brancos e desgrenhada está estranha demais.
Entenderia o ponto deles se tivesse a visão de si que todos temos.
— Eu deixo minha barba como eu quiser.
— Esteja ciente de que vovó irá fazê-lo se barbear. Sabe disso tão bem
quanto eu.
Sibilo em resposta.
— Não posso pedir um ano de paz?
— Se te dermos paz, qual tipo de família seremos?
— A melhor?
— Já somos a melhor. Se não acha isso tem algo de muito errado com
você. E sobre o Natal, sabe que nenhum de nós gosta de verdade de tricotar
suéteres, muito menos daquele maldito quarto da vergonha onde eles ficam
expostos. Mas, vovó já tem 82 anos. Quando vai perceber que não poderemos
sempre contar com ela? Não é imortal e esses momentos que você se arrisca a
perder podem se tornar um arrependimento quando for tarde demais. Valorize
o que você tem no hoje, não em um futuro arrependido.
Sua fala me faz sentir péssimo, porque Kendrick tem toda a razão. Eu
estou perdendo momentos incríveis com pessoas que amo por não me sentir
merecedor delas.
— Detesto a sua sabedoria.
— Assim como meu irmão. De verdade, eu não entendo como podem
ser mais velhos, quando a pessoa mais sensata desta família sou eu.
— Menos, muito menos.
— Ser modesto é difícil demais, principalmente quando se sabe o
potencial que tem.
Elevo as sobrancelhas indicando como é difícil lidar com ele. Porém,
ninguém é imune ao passado traumático que possui e Kendrick é uma dessas
pessoas que finge estar bem a todo momento, quando na verdade, dentro de
si, há um mar turbulento.
— Potencial para irritar todo mundo.
— De qualquer forma, potencial.
“A lendária vovó Pearl falando comigo ao telefone, desmascarando
todas as minhas desculpas. E eu pensando que a enganava.”
— Para o inferno com isso! Até quando vamos ter que seguir essa
tradição estúpida? Meus dedos estão doendo! — Quando vovó apoia
propositalmente a bengala com força no pé de Kendrick, sinto como se fosse
em mim.
Coitado.
Mas, é melhor que seja nele. Ninguém mandou que reclamasse tanto.
— VOO — ele abandona as coisas no banco ao seu lado e leva as mãos
automaticamente ao pé — VÓOO! — Vejo o grito em câmera lenta,
assistindo a dor corroer o semblante do meu primo.
— Cale a boca ou na próxima vez vou bater nela para você parar de
reclamar.
— Melhor na boca que nas bolas.
Vovó o admira com os olhos brilhando. Juro que às vezes gostaria de
passar fita na boca do Kendrick para que ele pare de dar ideias macabras a
essa velha diabólica que tanto amamos.
— Excelente ideia meu caro neto! — Sacode a cabeça apreciando a
imagem dela nos massacrando, sem dúvida — Só preciso tomar cuidado ou
não teremos uma nova geração Kingston. Apesar que um não teria problema,
não é? Uma vez que já temos nossa pequena Mel e os outros — fita meus
primos e eu — ah, podemos pensar em coisas sórdidas para eles.
Meu irmão se arrepia ao meu lado. Infelizmente, minha situação não é
melhor.
— Por que só eu reclamo e vocês ficam quietos?! — Ralha Kendrick,
olhando para todos nós, não contente com um golpe.
Até parece que ele quer desafiar vovó.
— Eles são espertos, coisa que você não é. E justo eu que pensei que o
mais idiota fosse Dale. Sempre há tempo para errar.
— Vovó! — reclama meu irmão.
— Ora, fique quieto, sabe que é verdade! E vamos logo com isso, quero
que acabem antes do Natal para podermos fazer a exposição.
Gemo frustrado, desanimado e totalmente desolado com essa porcaria.
Não que eu vá dizer em voz alta, amo os meus dedos dos pés.
Vovó sempre disse que para darmos valor em tudo, precisamos colocar
a mão na massa de vez em quando e, parte da sua dedicação em nos mostrar
princípios partiu de ensinar a tricotar, assim como todas as mulheres de sua
família antes dela aprenderam — e segundo o que disse, os homens agora
deveriam aprender também — para entender que todo trabalho e todo esforço
é digno. Não a julgo, mas acho que a esta altura, nós já estejamos educados o
suficiente para ter que ficar fazendo suéteres.
Ao fundo, Jingle Bell Rock toca, porque a velha ardilosa ama entrar no
clima natalino. E nos obriga a ficar ouvindo só músicas com este tema por
malditos dias inteiros! Em algum momento aposto que meu cérebro se
liquefará por tantas repetições.
Ela poderia em consideração aumentar seu repertório para castigar
menos nossos ouvidos. Mas, qualquer coisa que diminua o sofrimento dos
seus netos não é boa o bastante para Pearl Kingston.
— Até que enfim, Casey, você está fazendo um bom trabalho aqui.
Todos esticamos nossos pescoços para ver o suéter dela e entendemos
imediatamente o que vovó está tentando fazer.
Céus!
A peça de Casey está horrível e ela se embolou com as agulhas e a
linha, resultando em um semblante assustado.
— Eu nunca vou aprender essa porcaria! — choraminga.
— Não vai mesmo, já que toda vez que começamos, você faz questão
de se enrolar na linha como um gato!
Lastimável. Para ela, mas é claro. Porque o prêmio de melhor suéter
garante imunidade por um ano contra as bengaladas e no fundo, todos
reclamamos, mas tentamos a todo custo ganhar. É um mal dos Kingston,
somos competitivos demais.
Outra música começa a tocar e eu quase desabo da cadeira sob meus
joelhos, para agradecer quando escuto uma voz diferente das costumeiras.
— Foi a senhora que mudou, vovó? — inquere Lane.
Todos reviramos os olhos. É incontrolável.
Ele é o neto preferido, principalmente depois que sua filha nasceu e
trouxe como diz Pearl: orgulho para a família. Dar um bisneto a essa ranzinza
é quase a mesma coisa que ganhar o torneio de suéter patético do Natal
eternamente.
Maldito.
Conquistou anistia para sempre.
— Acredito que estava sendo muito dura com vocês — resmunga,
caminhando na roda de cadeiras que ela se deu ao trabalho de arrumar
eximiamente para nos observar.
Sua presença e os sons que a bengala provoca quando encontra o chão é
de arrepiar até fantasma.
— Se isso é o que faz para aliviar, tenho até medo — sussurra Bessie.
Ela quase grita premeditando o golpe, mas por incrível que possa
parecer, vovó desiste no meio do caminho. Essa sim é uma surpresa.
Inclusive minha prima aparenta choque, por não acreditar que Pearl refreou
seus instintos assassinos.
— Alguém precisa dar mais bisnetos para vovó — diz Jenna.
Ela tricota como um maestro comanda sua orquestra. Ou seja,
perfeição. É quase como se ela sentisse os movimentos antes de os fazer.
— Você praticou, sua trapaceira! — reclama Casey.
A acusação é o que faltava para que a sala se torne uma mistura de
vozes exaltadas e discussões, usando dos nomes mais baixos possíveis.
Somos primos, não temos qualquer escrúpulo ou piedade no quesito xingar
uns aos outros.
— Isso não era permitido? — pergunta ela, tentando fazer sua voz se
sobressair.
A falsidade em seu tom apenas irrita a todos. Não me dou ao trabalho,
na verdade, gosto de ver a reunião se tornar fervorosa, sem que eu precise
interferir nela.
— CALEM A BOCA TODOS! — brada vovó.
O silêncio no qual o ambiente despenca é categórico.
Sou capaz de escutar apenas a respiração pesada de Pearl, uma vez que
todos, inclusive eu, engolimos em seco e sequer ousamos respirar próximos à
sua irritação. Quando ela grita, acreditem quando digo que até o presidente se
sentiria aterrorizado. Vovó é perigosa a este ponto.
— Mas... — Kendrick ameaça dizer alguma coisa, porém o olhar
mortífero que a senhora lhe lança é o bastante para silenciá-lo.
— Jenna tem razão, eu não disse quais eram as regras e se vocês — nos
contempla com os olhos transformando-se em duas fendas reptilianas —
tivessem sido espertos, teriam feito o mesmo que sua prima. Então estariam
com vantagem, mas como são idiotas, merecem cada momento de
humilhação pelo qual passam.
— Tsc — debocha Lane e ele não poderia ter sido mais infeliz em seu
gesto, visto que vovó estava perto dele e não demorou para que o metal que
recobre a extremidade da bengala o massacrasse.
É possível enxergar em seus olhos pretos o exato momento em que ele
perde o fio da coerência devido a dor por minutos consecutivos.
E também, o olhar vencedor que paira no semblante de cada primo,
com a vitória por ele ter sido trucidado mesmo, após dar a vovó o que ela
tanto nos chantageou para ter; sua primeira bisneta.
— Ui! — Kendrick faz uma careta e se contorce em sua cadeira —
Essa doeu! Foi caprichada!
— Me disse que não faria mais isso comigo! — exalta-se Lane.
— Deveria ter ficado quieto, simples assim. Não estava mesmo
intencionando judiar de você, mas implorou. Aposto que estava com
saudades.
Ele sacode a cabeça veemente em uma negativa, tentando parecer forte
e falhando magistralmente. Seus olhos se enchem de água e meu primo
apenas não chora, por causa da humilhação. Eu em seu lugar acredito que não
teria aguentado.
— Ah, como é bom ver as máscaras caindo — conclama Bessie.
— Fique quieta, ninguém falou com você e agora — vovó perscruta a
todos com seus olhos ameaçadores — tratem de terminar logo! — pausa
dramaticamente — Espero o melhor de vocês. — Ela é interrompida em meio
ao seu discurso com a porta sendo aberta.
— Mamãe, — fala minha tia — suas convidadas chegaram, virá
recebê-las ou terminará as coisas por aqui?
— Vou terminar, lógico. As garotas sabem que não é por mal. Em
breve irei falar com elas. Além do mais, será muito divertido ver as coisas
acontecendo, com aquela pitada de surpresa que só a inigualável Pearl
Kingston é capaz de proporcionar.
— Pronto, ela agora fala de si mesma na terceira pessoa — zomba
Bessie, que por sorte é salva por mim, que atraio a atenção de vovó, curioso
por saber o que ela anda aprontando.
— Quem a senhora convidou? — pergunto.
— Não é da sua conta. A casa é minha, vocês também são meros
convidados aqui.
Algo me diz, um assovio bem irritante no meu cérebro, coberto de
incertezas acerca do constante silêncio da matriarca, que essas tais
convidadas podem ter a ver comigo. Mas, duas? Não, creio que não. Uma
deve ser para outro. Semicerro os olhos na direção de Kendrick e ele luta
contra um ponto barra, tornando seu suéter praticamente um show de horror.
Depois, fito meu irmão, que mantém a língua para fora, enquanto se
concentra magistralmente em criar uma peça da qual todos queiram passar
longe.
— Como Damon tomou a palavra, vovó — não gosto do tom de
Kendrick, sinto que ele está aprontando contra mim — ele deveria pagar
fazendo mais um suéter por não ligar para a senhora durante os últimos
meses. Todos tivemos consideração, menos ele. Além do mais, nem queria
vir, tive que o arrastar, eu juro! Pensa que é mais esperto que a senhora,
aposto.
Lanço uma das bolas de linha direto em sua cabeça, pasmo com a sua
capacidade de foder com a vida dos outros.
— Tem razão, Kendrick. Então, Damon, eu recomendo que você passe
a noite acordado para terminar os dois suéteres — um brilho diabólico
perpassa os olhos da velha e provocam arrepios por meu corpo inteiro — ou
vai acabar recebendo o poder da minha fúria!
Meu primo nem se dá ao trabalho de disfarçar o seu semblante
vitorioso.
— Contente agora, seu infeliz?! — inquiro, não poupando o amargor
em minha voz.
Kendrick nem se altera, fitando-me de volta com o canto dos lábios
recurvados.
— Parem de brigar! Não tenho netos para duelarem entre si!
— Então deveria parar de fomentar o ódio familiar, vovó. Porque isso
— Jenna indica todos nós — é culpa da senhora por ficar elegendo seus netos
preferidos de acordo com os suéteres.
Sacudo a cabeça em uma negativa para minha prima, avisando-a do
perigo.
Lane me fita nesse processo e seus traços se comprimem em diversão,
erguendo as duas agulhas à frente do seu peito, com as linhas vermelhas
descendo por seu ombro, uma de cada lado, enquanto ele tricota
terrivelmente. Estamos todos fadados ao mesmo destino, e não adianta
fugirmos.
Faço o desenho improvisado do Papai Noel, enquanto meus dedos
trabalham agilmente com a linha, dispondo os pontos conforme eu penso
neles. Ficar sozinho em uma cabana, com poucas distrações me fez embarcar
em uma jornada de descobertas com o tricô, não que eu vá admitir isso um
dia.
Sinto olhares estranhos sobre mim e quando ergo a cabeça, meus
primos fitam-me com ódio, enquanto vovó ostenta orgulho com seu peito
estufado e sua pequena estatura, ligeiramente maior com a pose.
— Ah, que maravilha, dois treinaram, enquanto nós ficamos em
desvantagem — reclama Casey.
— Há muito tempo útil em ficar isolado, longe da civilização humana
por semanas consecutivas.
— Não tão longe assim, não é? — declara Kendrick maliciosamente,
lembrando-se de Candy.
Juro que se estivesse perto dele, teria dado um chute na sua canela que
a deixaria inchada por vários dias.
— O que quer dizer com isso? — suspeita vovó.
— Quando o encontrei ele estava com uma mulher.
Novamente o silêncio. Um aterrorizante. O assunto Damon e mulheres
se tornou um tabu na família desde que Dolores morreu e não é culpa deles,
mas minha, por ter uma síncope todas as vezes em que comentam algo do
tipo. Prova disso é que minhas primas estão com as bocas abertas, em fendas
funestas, pasmas com a declaração de Kendrick. Lane encontra-se inabalável,
assim como meu irmão.
— Tempos de mudança, de fato. Primeiro foi Lane, e agora Damon.
Quem será o próximo? — ela analisa cada um na roda, com tremenda
atenção.
— Credo, vovó, a senhora parece o demônio dizendo essas coisas e
olhando para a gente desse jeito! — exclama Kendrick, levando a mão ao
peito, aterrorizado.
— Não sei por que já está contando comigo — digo veemente.
— Ah, criança — ela fala com propriedade — não deveria subestimar o
que uma avó faz para garantir a felicidade dos netos.
Há uma mensagem subliminar em sua fala, e eu a compreendo, sem
imaginar, no entanto, quem ela quer que eu conheça desta vez. Como se
precisasse de mais um problema, Candy me vem à mente, assim como seus
olhos grandes e esperançosos, seus lábios carnudos, e seu gosto afrodisíaco
que me deixou viciado.
Sem me esquecer de exaltar inclusive a sua força, honestidade,
idoneidade e entrega que me deixaram embasbacado. Abro um sorriso
contido ao me lembrar das nossas conversas e também dos momentos em que
eu tentei ser rude com ela e falhei miseravelmente.
É impossível me irritar verdadeiramente com Candy.
E meio que foi isso que me impulsionou a começar a ceder aos seus
avanços.
Ou, seria a minha própria vontade de me sentir vivo novamente,
somada àquela atração brutal, que se apossava de mim todas as vezes em que
eu pousava os olhos nela?
Mas, tanto faz, não sei se algum dia voltarei a vê-la. Lembro-me das
circunstâncias da nossa despedida, sem que eu ao menos tenha a impedido,
sem dizer como aproveitei e como foi incrível nosso tempo juntos e arfo,
decepcionado com as minhas escolhas.
Por que eu fui tão idiota com ela?
Porque você estava com medo.
Medo de se apaixonar por alguém de novo e perdê-la.
— Estou todo arrepiado, olhem só! — conclama Kendrick, estendendo
o braço à frente do corpo, atraindo a minha atenção — Damon com certeza
está se interessando por alguém, ele não sorriria assim se não estivesse.
Sacudo a cabeça para tirar aquela deusa da minha mente e fito todos,
que parecem não acreditar no que acontece. O único que se mantém
inabalável é meu irmão, movimentando as agulhas como se não estivessem
todos aguardando que eu me atrapalhe em minhas próprias desculpas.
— Até os corações mais frios são capazes de sentir amor novamente —
é o que ele diz, sem retirar os olhos de sua tarefa.
— Mais uma prova de que me enganei com a sua mania de fingir não
saber de nada.
— Ah, vovó, eu me faço de burro. A senhora não vai conseguir me
prender nos seus planos como está tentando fazer com todos.
— Isso é um desafio?! — inquere ela, animada ao extremo.
Lane solta uma gargalhada, assim como minhas primas, ao notarem o
impasse travado entre a astuta Pearl e Dale. Ele não entende que não tem
como fugir? Ela está em todos os lugares e consegue enxergar todas as
coisas. Simplesmente impossível escapar das suas teias casamenteiras e por
esse motivo eu tento passar o maior tempo que consigo bem longe, para não
acabar me ferrando também.
— Acho que eu estou fodido — murmura ele quando nota seu erro,
levantando-se depressa e abandonando o suéter pela metade.
— ONDE VOCÊ PENSA QUE VAI? — grita vovó, abalando a
estrutura da casa inteira.
É algo sem explicação, totalmente indecifrável, como uma senhora tão
pequena e de aparência tão frágil consegue gritar com tanta potência.
— Eu não vou conseguir ganhar, meu suéter está uma merda, então
prefiro abandonar a missão antes que eu diga mais coisas das quais me
arrependerei.
Não sei se ele foi esperto, corajoso ou sem noção demais.
Mas, é fato consumado que quando ele fecha a porta, o semblante de
vovó passa de irado para malicioso, conotando o quanto meu irmão irá se
arrepender da sua decisão. Uma de suas sobrancelhas se eleva e ela se perde
em seus próprios planos, para logo em seguida voltar a si e excruciar cada um
de nós com um olhar aguçado, esmiuçando cada entranha de nossos medos
mais perversos.
— Mais alguém querendo me desafiar? — Emudeço e engulo com
tanta pressa o ar que começo a soluçar. — Excelente. Agora terminem logo,
para podermos jantar. Menos você, Damon. Fique aqui tricotando o outro
suéter.
— Mas, vó, eu estou com fome!
— Eu trago a comida para você, fique tranquilo. A não ser que termine
os dois antes do jantar.
Fecho os olhos e desabo os ombros em derrota.
— Bem que podia ser um pouquinho, — aproximo o dedo indicador do
polegar — bem pouco mesmo, mais compreensiva.
— Se eu fosse compreensiva, vocês não seriam metade das pessoas que
se tornaram. E eu sei bem, porque já falhei uma vez, não irei falhar de novo.
Nós precisamos saber no que erramos, para podermos consertar à frente. Eu
estou fazendo justamente isso.
— Deveria nos deixar sozinhos, vovó, para podermos terminar tudo —
diz Jenna, mudando de assunto.
— Porque sinto que você está aprontando, menina?
— A senhora sempre pensa isso da gente.
— E não errei nenhuma vez, ou errei?
Olho para minha prima, ciente do que ela trama. De idiota Jenna não
tem nada e mais cedo, quando me contou seu plano, eu tenho orgulho em
anunciar que eu... aceitei. Porra, é genial!
— Precisa dar atenção para os demais convidados. — Continua minha
prima, enquanto eu faço um sinal para que ela cale a boca ou vovó começará
a desconfiar, mais do que já o faz.
Caso fiquemos desesperados para que ela saia, a manipuladora fará
justamente o contrário.
— Acho que você tem razão. São adultos e podem ficar alguns minutos
sozinhos sem trapacear — estreita os olhos em duas fendas aniquiladoras.
Ela sabe.
Só pode ser isso.
Não há como esconder nada dessa velha astuta e inteligente.
Porém, acredito que ela está nos testando quando sai do quarto,
fechando a porta atrás de si de uma forma suave e que parece indicar que ela
voltará de surpresa. Os olhares assustados se transformam em desesperados,
para que peguemos logo nossas peças antes que o carrasco do diabo retorne.
Jenna se levanta do antigo baú no qual ela está sentada e foi mesmo uma cena
engraçada quando ela afirmou para vovó que queria sentar especificamente
ali.
— Ah, como eu amo esse baú, vovó! Ele é tão antigo e lindo!
— Lindo e antigo o bastante para você passar bem longe dele com a
sua bunda suja.
— Minha bunda não é suja!
— Se emporcalhar meu baú, eu vou te fazer limpar com a língua!
Agora, Jenna está apavorada, passando para cada um, os suéteres que
ela comprou prontos. Ainda tivemos o cuidado de tricotar da mesma cor a
qual finalizaríamos. Claro que, quando pego a peça, percebo que nós não
conseguiremos enganar vovó nem que ela esteja sem seus óculos para
analisar minuciosamente. Eu, que andei praticando durante os últimos meses,
jamais tricotaria com tanta perfeição como a peça que me é atribuída. Solto
um tsc de desgosto. Estamos fodidos com mérito. Principalmente porque
alguns segundos depois a porta é escancarada e tudo o que posso fazer é
segurar o suéter impecável e ostentar um semblante assustado.
— Peguei vocês! Acha que eu não te vi colocando essas porcarias aí no
baú, Jenna? E por pensarem que poderiam enganar essa velha, o castigo de
vocês será...
“Quando o lugar é mágico, os momentos se tornam
inesquecíveis.”
Candy
Quando volto para o quarto, para tentar dormir, ainda estou tentando
digerir o que descobri.
Damon...
O que me espanta é que eu, uma mulher que se acha tão inteligente, não
percebi a cilada por trás das ações de todos à minha volta.
Começo a tirar a meia calça, que usei para dar charme a um vestido de
moletom com comprimento até a metade das minhas pernas, ainda refletindo
sobre esse acaso imenso que não entra em minha cabeça como uma mera
coincidência, quando batidas à porta me interrompem. Imagino que seja Trust
com alguma fofoca sobre o seu envolvimento bagunçado com Dale e não
vejo a hora de contar para ela quem é meu abominável e sensual homem das
neves. Mas, ao abrir a porta de supetão, me arrependo de imediato.
Aqueles mesmos olhos azuis e machucados que há pouco tempo foram
minha maior perdição, estão fixos em mim e aos poucos, descem por todo o
meu corpo, parando no tecido fino enrolado na metade das minhas coxas,
deixando grande parte delas à mostra. É perceptível quando ele engole em
seco, tentando conter tudo o que a visão causa em seu corpo.
Minha pele exposta.
A atração que emana dela.
— Pensei que fosse uma miragem quando te vi ontem. Digo, — pende
a cabeça para um dos lados, pensativamente — como isso poderia acontecer?
Solto um riso baixo, pois no exato instante em que ele apareceu eu
pensava coisa similar, para só então notar que ele me viu. A ocasião? Não
tenho ideia.
— Me viu? Quando?
— Meu quarto é — ele ergue a mão, com o polegar indicando a sua
esquerda — algumas portas à frente do seu. Acho que foi obra da vovó nos
colocar tão perto um do outro. Por mais que ela não saiba o histórico que
possuímos juntos.
Balanço a cabeça compreendendo o que sua avó aprontou. Imaginei
que estivesse na ala dos hóspedes, mas creio que me enganei.
Uma sombra de desconfiança finca as garras obscuras em meus
pensamentos. Será que vovó realmente não sabe do nosso histórico? Porque o
olhar especulativo que ela me lançou, mais cedo, teima em me provar que
sim, ela sabe. E pode ter manipulado nós dois desde o começo. Porém, isso
deve ser uma alucinação da minha mente criativa demais.
— Histórico que possuímos. Você fala de maneira engraçada sobre o
tempo em que me tratou com desdém enquanto estávamos em Montana,
excluídos do mundo, contando apenas um com o outro.
Dúvida passa por seus olhos ao notar que não estou nada tentada a
amenizar o que ele fez, a maneira com que me tratou.
— Não foi bem assim que as coisas aconteceram. E acredite em mim,
Candy, quando digo que você foi a primeira pessoa em muito tempo que
conseguiu se aproximar e trazer à tona o antigo Damon, um que estava
praticamente esquecido.
Cruzo meus braços à frente do peito e finjo não notar o seu olhar que
vacila segundo a segundo, viajando do meu rosto diretamente para a parte
inferior do meu corpo. Em alguns momentos, incomodado pelo meu silêncio
avaliativo, Damon espia o interior do quarto, parando na mala aberta em cima
da cama e também nas lingeries que eu estava arrumando, espalhadas
desordenadamente pelo lençol de cetim.
Cortesia da linha nova e escandalosamente incrível.
Há algumas ali que mandariam a sanidade de muitos homens para o
espaço.
Vermelhas.
Brancas.
Com transparências que poderiam muito bem não existir já que deixam
tudo o que importa à mostra. Cintas-ligas, o que eu amo e alguns espartilhos
que Trust me convenceu a trazer.
Damon trava por vários segundos, contemplando as peças e me olha de
relance algumas vezes, comprimindo os lábios, sem saber o que dizer, ou se
esquecendo totalmente do que conversávamos.
Excelente.
Vê-lo tão atordoado é tudo o que eu queria para descontar a frustração
que me fez sentir.
— Gosto de você sem barba e por mais que fosse um charme com ela,
sem, é um homem irresistível, Damon — dou uma pausa dramática —
Kingston.
Como criatura esperta que é, ele percebe a alfinetada que dou ao dizer
seu sobrenome.
Confidenciei cada parte quebrada minha, e busquei ajudá-lo, quando
ele em contrapartida, se abriu criteriosamente e me mostrou só o que queria,
mantendo minhas confissões como arma para usá-las contra mim quando lhe
fosse conveniente.
— É, agora você sabe quem eu sou.
— E você, quem eu sou.
— Sim, Candy Sinclair.
— Acho engraçado que tenha omitido essa parte da informação,
imaginando que eu fosse usá-la contra você e me aproveitar da situação.
Como se ser um Kingston o tornasse alguém falso e manipulador.
Ele alça uma das sobrancelhas de maneira desafiadora.
— Sem sentido é você pensar que omiti meu sobrenome por este
motivo. E por acaso, estou errado por querer ser reconhecido como mais do
que apenas um integrante da família? Estou errado por querer que as pessoas
me conheçam como o Damon e que nutram verdadeira amizade por alguém
que elas não sabem ser...
— Poderoso? — interrompo-o ao mesmo passo em que o alfineto.
— É — ele franze as sobrancelhas — podemos dizer assim.
— Não, não está. Mas, por todas as outras ações, ainda estou com raiva
de você.
Um sorriso de canto me deixa desnorteada.
Por que o filho da mãe tem que ser tão lindo?!
— Meu irmão sempre quis me apresentar a você. Ainda estou
embasbacado em como o mundo é pequeno.
— Trust também jurou que formaríamos um ótimo par naquela época,
mas, eu não queria me envolver com ninguém. E, no entanto, depois de tanto
tempo, aqui estamos nós. Sinceramente, Damon — bem sinceramente, de
fato, penso — não acho que teríamos nos saído melhor antes do que como as
coisas aconteceram.
Há uma linha bem tênue entre ódio e amor e tento evitá-la a todo custo.
Agora o odeio, com raiva por ter me tratado como nada, mas, como garantir
que as coisas não ficarão mais difíceis de serem definidas?
— Não a julgo por querer a minha cabeça em uma bandeja.
— Posso ser honesta? — ele acena e estreito minhas pálpebras — Não
é só a sua cabeça que quero em uma bandeja.
Uma careta deforma seu rosto ao entender a que me refiro, pouco antes
de relancear o olhar de um lado a outro do corredor.
— Eu adoraria conversar calorosamente com você, independente do
lugar, mas, se eu puder entrar no seu quarto e discutirmos como adultos,
agradeceria.
Pondero por alguns segundos seu pedido e decido que deixá-lo próximo
às minhas lingeries pode ser configurado como o começo da minha vingança,
porém, sendo expressamente proibido que eu ceda ao desejo que se avoluma
no meio das minhas pernas e grita que não há nada que nos impeça hoje, que
inclusive tenho um estoque de camisinhas que não serão usadas sozinhas.
Abro mais a porta e permito que ele passe.
Seu perfume ondula ao meu redor, com um cheiro másculo e muito
característico seu. Inalar e me hipnotizar pelo aroma é involuntário.
Damon caminha confiante pelo cômodo e para à frente da vista
pitoresca, com as luzes cintilantes evidenciando a montanha Aspen.
Fecho a porta e permaneço à frente dela, incapaz de me aproximar
demais dele.
— O que está achando da cidade? Confesso que tudo se mostra melhor
do que imaginei que seria. — Vira-se de relance e me olha por alguns
instantes antes de retornar à sua contemplação.
Tento decifrar se eu sou o motivo da melhora ou não.
Decido me aproximar dele, que não se move nem um pouco quando
paro ao seu lado.
— Ela é linda. Com o clima natalino fica ainda mais mágica — admito.
— Só não entre no quarto com a porta vermelha, por favor — um
sorriso alarga seus lábios.
— O que tem nele? Me deixou curiosa.
— Nada que valha a pena o seu tempo.
— Está ciente de que acabou de me fazer ficar super interessada para
ver o que não vale meu tempo, certo?
— Estou contando com isso, porque gosto de passar vergonha e no
fundo, quero que veja um pouco de como é o verdadeiro Damon.
Sua fala me desestabiliza e a ira que eu sentia começa a se amenizar
com a sua presença pacificadora e a particularidade de sua personalidade que
o torna tão cativante e ao mesmo tempo sofrido. Sinto que quero dar colo e
cuidar de todas as suas feridas.
Deus...
Por que tenho que ficar tão incoerente perto dele?
— O abominável não era seu eu verdadeiro?
— Ele pode ser o eu lírico, com tantas cicatrizes quanto anos de vida,
uma alta dose de leitura dramática, e inclusive muito tempo em total solidão
capaz de fazê-lo esquecer como lidar com uma mulher interessante e
diferente. Sou dividido em dois homens, Candy, o que tenta esquecer, e o que
se lembra constantemente de coisas incríveis que não teve a chance de viver.
— Acha mesmo que nunca mais vai ser feliz? Qual o sentido de viver
então?
— Você também parecia perdida quando chegou na cabana. Acredito
que é o lugar perfeito para pessoas totalmente deslocadas em suas próprias
vidas.
Claro que eu parecia perdida.
Eu vi a morte de perto, ela assoprou uma névoa gelada diretamente em
meu rosto e sussurrou que estava vindo me buscar. Quem não ficaria
desnorteada?
— O que realmente quer aqui, Damon? — pergunto, ciente de que ele
está dando voltas em torno de um mesmo assunto.
— Vim me desculpar pela forma que agi quando você foi embora. Eu
deveria ter feito isso naquele momento, mas fui covarde. Só o que posso fazer
é ser corajoso agora.
— Totalmente desnecessário — claro que não — porque eu sei que
você faria tudo de novo, se ficasse em dúvida, se os seus fantasmas do
passado voltassem para te assombrar. Acho que seria melhor ter agido como
se não me conhecesse e seguíssemos a partir daí.
Tento ignorá-lo e continuo a retirar a meia calça, tarefa esta que ele
interrompeu quando bateu à minha porta.
Damon segue cada movimento meu como se estivesse ávido por ser
dominado pelo prazer. E nós dois sabemos como é ter o gosto um do outro na
boca, o que torna conter a tensão sexual pela minha simples provocação
difícil demais para ele e sem sombra de dúvidas para mim.
Contudo, eu só queria provocar.
Sim, só provocar.
Apenas isso.
A peça despenca sob meus pés e em um gesto impensado, lanço-a para
cima com o intuito de prendê-la entre meus dedos para logo em seguida jogá-
la na direção de Damon, que pega o tecido delicado rapidamente, sem pensar
duas vezes. Fuzila-o com o olhar, enquanto embola e fecha a mão em punho
antes de guardar no bolso da sua calça.
O gesto me deixa embasbacada ao passo em que a excitação que
percorre todas as minhas terminações é inconfundível.
— Fala como se fosse fácil esquecer você.
TUUUUUUUUUUUUUUUM!
Meu coração sofre um solavanco, com uma de suas batidas se
estendendo infinitamente, embalando meus pulmões que se recusam a
receber oxigênio.
Fala como se fosse fácil esquecer você.
Demoro minutos para me recompor e digo da maneira mais controlada
que sou capaz:
— Se eu não tivesse a idade que tenho, com a carga de experiências
que me rondam, eu teria me derretido pela sua fala.
— Não foi para tentar te abrandar que eu disse isso — Damon se
aproxima e toca em meu antebraço, fazendo com que as pontas de seus dedos
se tornem condutoras exímias da eletricidade que frita meus neurônios —
mas, porque é a verdade. Não consegui te tirar dos meus pensamentos desde
que foi embora de lá. E me sinto muito mal pela forma com a qual nos
despedimos. Eu estava perdido em minha amargura e você apareceu, doce
demais, colocando tudo o que mais me assustava à prova. Pensei que nunca
mais a veria e que carregaria o arrependimento de não a ter impedido de
partir daquele jeito pelo restante da vida. Porém, depois de tudo o que passei,
Deus deve ter alguma piedade, afinal.
Levo a mão ao meio do peito, sentindo a dor mesclada à frieza se
espalhar por todo ele. Esfrego repetidamente, para que o calor retorne e me
faça sentir bem, ao invés de péssima como estou agora.
Franzo as sobrancelhas e mordo minha língua, para que essa dor afaste
a outra.
— Está tudo bem? — Pergunta Damon, preocupado.
— Sim, foi só uma sensação estranha.
— Tem certeza? Não quer ir ao médico ou algo assim?
— Perto do Natal, aqui? — indico à nossa frente.
— Se for preciso, eu encontro um.
— Não, está tudo bem. Acho que só preciso me sentar — Damon me
ajuda a manter o equilíbrio enquanto nos movemos até a cama, em sintonia.
Suas mãos firmam minha cintura e sua preocupação me deixa abalada.
Nem mesmo Ryder, no pior momento da minha vida, demonstrou tamanho
cuidado com a esposa, — no caso eu — preferindo me trair enquanto eu
definhava dia após dia no sofá da sala, lendo romances de banca, a única
fonte de alegria momentânea.
— Você se importaria? — pergunta ele, olhando para as minhas peças
íntimas tentando não aparentar afetação.
Aceno negativamente.
Damon retira a mala de cima da cama e coloca com todo o cuidado
cada peça provocante com habilidade e organização na mala aberta aos seus
pés. Espanto-me com o seu controle e foco quando ele está totalmente
concentrado em lidar comigo e me manter bem.
Observo seus traços se alterarem minimamente ao segurar uma calcinha
fio dental entre os dedos.
— Sabe como brincar com um homem, isso é fato — ironiza ele.
Sorrio fracamente.
— Está me imaginando usando cada uma delas?
Ele pausa o que está fazendo e demora instantes para responder:
— Não vou admitir algo que você pode usar contra mim depois.
Sua fala exasperada me provoca uma gargalhada baixa.
— Tem todo o direito de se manter calado — digo, buscando uma sátira
a qual não sinto presente em mim no momento.
Porém, ele finaliza o trabalho, enquanto me mantenho parada, de costas
para a vista, fitando com astúcia Damon arrumar a cama, formando uma
camada com dois edredons felpudos. Seus dedos trabalham agilmente e a
lembrança dele me levando à loucura, torna-se vívida em minha mente,
nublando por poucos segundos o mau pressentimento que teima em me
assolar. Ele termina a tarefa e me olha, com motivações ocultas preenchendo
suas íris profundas como o oceano.
Seu semblante se torna afetuoso e compreensivo.
Sabe aquele momento em que não sabemos ao certo o que sentir?
Caio em um desses assim que Damon retira seu sapato e inclina o corpo
para se deitar na cama, dando tapinhas calorosos para que eu deite ao seu
lado. Meus passos são vacilantes e vagarosos, enquanto tento captar o
máximo de coerência possível, e maturidade para lidar com esse homem sem
querer estar perto dele a todo momento.
Assim que o faço, passa seus braços em torno do meu corpo e qualquer
dor que pudesse se estender, é automaticamente apaziguada, tornando-se sem
importância diante da intimidade e carinho do gesto. A vontade de chorar em
confusão aumenta logo que sinto o beijo terno que ele deposita em minha
nuca.
Viro-me e acabo parando com a cabeça apoiada no seu peito enquanto
ele alisa de maneira confortável minhas costas, criando pequenas fagulhas
dispostas a iniciarem um incêndio a cada vez que seus dedos fazem o
movimento de subir e descer.
— Sei no que está pensando e droga, Candy, eu queria muito. Mas,
sinto que você precisa de alguém que te abrace hoje e é isso que eu quero
fazer. Não vamos atropelar as coisas. Nem imaginava que te encontraria aqui
e agora, só acho que precisamos desse tempo juntos para entender o que
começou a acontecer naquela cabana e que pode evoluir para algo mais.
— Por que é tão intragável em alguns momentos e tão irresistível em
outros? — questiono em um fiapo de voz.
— Não pensei que te veria.
— Isso torna mais fácil me tratar bem?
— Não, mas me faz entender o que eu quero. — Ele se movimenta um
pouco e levanto a minha cabeça para ver o que irá fazer. Damon pega um
controle na mesa de cabeceira e aponta para a lareira no quarto, que
automaticamente ganha vida — Essa é elétrica, muito mais prático, não?
Acho a visão daqui tão linda quanto a de Montana, e somada aos luxos
disponíveis, mais aconchegante também.
Finjo não perceber que ele se incomoda com a sua própria admissão.
Também acredito que ele trava uma batalha imensa pelo simples fato
de estar aqui comigo e de se permitir sentir algo por alguém além da pessoa
que ele tanto amou.
— Tem razão — concordo, com milhares de verdades hipotéticas
roendo meus pensamentos mais confiantes.
Poderia dizer que o entendo.
Mas, a verdade é que quando chego perto, Damon se afasta com
brusquidão, com medo da aproximação e o que ela significará. Ele se remexe
desconfortável com o silêncio, mas não pausa o carinho em minhas costas.
Um som espirala pelo ambiente e percebo que é sua voz rouca e
sensual, cantarolando suavemente uma canção de Etta James.
Damon é afinado e me faz flutuar como se estivesse em um show de
blues, acalmando meu coração com uma sensibilidade conveniente e
harmoniosa.
Reconheço a canção, Sunday kind of love.
Eu quero um amor do tipo domingo.
Um amor para durar depois da noite de sábado.
A voz deliciosa de Etta ressalta.
— Não precisa ficar aqui — assumo.
Ele não precisa fazer mais do que já fez.
— Não, mas eu quero — responde.
Seu aconchego e dedicação me fazem cair no sono, pena que devido a
lembrança de momentos antes, meu sonho não se mostre tão pacífico.
Principalmente porque ele traz à tona todos os medos e as inseguranças que
senti há vários anos.
Um tempo no qual eu acabei destruída e culminou no maior
questionamento de minha identidade.
Quem era Candy Sinclair?
“Droga, agora o assunto do café da manhã sou eu.”
— Fugindo dessa maneira nem parece que temos mais de trinta anos.
— Não importa a nossa idade — respondo meu irmão — nós sempre
fugiremos da vovó. É a lei da vida dos Kingston. Ninguém quer ficar na mira
dela por muito tempo.
Passamos por uma loja rústica e elegante, com a entrada delimitada por
um arco em madeira, contornado por várias luzes natalinas. A neve que a
rodeia reflete os diversos pontos de luz e chama a atenção dos transeuntes
que caminham pela rua principal, absorvendo todos os detalhes que apenas
um lugar como Aspen é capaz de ostentar. É o ápice do luxo e também da
beleza singela e mágica que nos transporta direto para uma realidade
alternativa onde só existe o Natal e a felicidade que nele impera.
Abro um sorriso caloroso assim que escuto o som que escapa baixinho
do interior da loja, em uma prece para que eu me deixe levar e descubra um
dos lugares mais incríveis que terei o prazer de visitar.
Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle all the way…
Travo sob meus pés e forço Dale a fazer o mesmo.
— Não acha melhor andarmos mais um pouquinho e garantir um
presente de grife? — indica um pouco mais à frente — Peças exclusivas e
que custam uma pequena fortuna?
— Se as duas quisessem presentes de grife, elas mesmas comprariam.
Algo mais sóbrio, simples e que carregue um sentido profundo é muito
melhor.
— Você tem certeza disso? — Dale parece descrente — eu
sinceramente prefiro seguir meus instintos e garantir algo que Trust não
poderá reclamar da qualidade.
— Qual será a história bela e interessante por trás do gesto então? E
qualidade pode ser encontrada até nos presentes mais simples, meu caro.
Deveria escutar meus conselhos como irmão mais velho para conseguir
conquistar a garota.
— É só dois anos mais velho! Faça-me o favor! Além do mais, eu não
quero conquistá-la, apenas passar um bom tempo ao lado dela.
Emito um tsc, uma vez que ele nem imagina que é assim que tudo
começa.
— Se você está dizendo, quem sou eu para afirmar o contrário? E aí,
vamos entrar ou não?
— Quer saber? Não estou fazendo nada de qualquer forma e podemos
sair caso não encontremos um presente e procurar nas demais, torcendo para
que não estejam fechadas no momento em que mais precisarmos.
Passo um dos braços em torno do ombro do meu irmão e caminhamos
pelo pequeno caminho demarcado da loja. Logo que entramos, a música se
faz um pouco mais alta, e um Papai Noel começa a dançar desengonçado,
enquanto grita HO-HO-HO!
Percorro o lugar com um olhar e vejo a exuberante decoração, a
tremenda quantidade de itens natalinos, assim como os vários setores pelos
quais a loja é dividida e tenho de admitir que o tamanho dela parece ser muito
menor olhando da perspectiva exterior. Já estava deslumbrado com o que vi
antes, neste momento sinto-me extasiado. É um ambiente acolhedor e que nos
impulsiona a comprar coisas especiais para pessoas importantes.
Noto que Dale também parece tão envolvido pelo lugar quanto eu.
Porém, não demora para que uma mulher apareça à nossa frente, com um
sorriso de orelha a orelha, vestida especificamente para esta época do ano
com um suéter que com certeza ganharia o concurso estúpido da vovó.
— Eu poderia ajudá-los em algo? — diz, solícita.
Meu irmão não profere nada, então tomo a iniciativa.
— Sim, acredito que sim. Nós estamos procurando presentes especiais
para duas mulheres. Algo que elas amem e possam guardar de recordação.
— Ainda acho que dar itens de grife ou chocolates seria um campo
mais seguro — Dale volta a murmurar ao meu lado.
O olhar da mulher relanceia entre nós dois, tornando a suspeita de que
ela ouviu a grosseria dele em algo verdadeiro.
— Cale a boca — sibilo — e se está tão confiante, vá buscar o que
quer.
— Ah, não. Minha curiosidade é maior para saber o que vamos
descobrir aqui.
— Bom, eu acho que tenho as coisas perfeitas para vocês presentearem
quem gostam. Sigam-me por favor, para eu poder mostrar. Dizem que é feito
com magia e que qualquer coração congelado, pode se tornar a mais absoluta
manhã de verão.
— Perfeito para você, Damon, não para Candy.
— Não, querido — a mulher se vira para falar com meu irmão — você
ainda não ouviu a melhor parte: quem faz o pedido não o recebe, mas sim o
parceiro. Incrível como essa lenda funciona, não é?
De que diabos de lenda ela está falando? Porque eu nunca ouvi falar de
coisa parecida. E, sinceramente, você faz um pedido e ele se realiza em outra
pessoa? Que porcaria. Contudo, não expresso meus pensamentos em voz alta.
— Então eu darei o presente para ela, ela vai fazer um pedido e ele se
realizará para mim? Que diabos de presente é esse?! Não faz o menor
sentido! — reclama meu irmão, exclamando o que pensei.
— Não julgue a magia de maneira tão errônea se nem sabe como ela
funciona ao certo! Para o verdadeiro amor nada é impossível, muito menos
sem sentido! — repreende a mulher.
Meu irmão olha para mim de soslaio como se gritasse através do seu
silêncio que ele avisou que essa merda não terminaria bem.
— Ainda teremos as outras lojas, fique tranquilo — esforço-me para
que minha voz saia baixa e que apenas ele escute.
Continuamos caminhando por entre as reentrâncias do estabelecimento,
até que finalmente a mulher para em frente a uma estante, com o vidro em
ambas as portas castigado pelo tempo.
Ela retira uma chave de seu bolso e a insere na fechadura, não consigo
enxergar no que mexe lá dentro, contudo, logo que se vira, com duas caixas
em suas mãos, e algumas particularidades distinguindo uma da outra, entrega
para mim a da esquerda e para Dale a da direita, olhando-nos
esperançosamente aguardando que a gente diga o que achou.
Abro a embalagem, olho o seu interior e retiro um globo de neve de
tamanho mediano, que cabe com certo esforço na palma da minha mão.
Nele, há um casal se beijando em frente a uma cabana, que se encontra
iluminada diretamente pela luz da lua. Ao chacoalhá-lo, neve revoa por todos
os lados, para logo em seguida os flocos caírem cadenciadas em torno do
casal. É possível ver também um pequeno lago congelado e uma floresta em
tamanho mínimo, que compõe a paisagem. Noto a magia a qual a mulher se
refere quando ao apertar um botão debaixo do globo, a lua se acende,
tornando a experiência imponente e indubitável.
Olhando para o de Dale, percebo que as diferenças entre os nossos
globos são muitas, sendo que a principal delas é que a paisagem por debaixo
dos flocos de neve é de uma cidade metropolitana e a luz que ilumina o casal
é a de um poste sobre onde eles estão abraçados.
— Que maluquice isso — solta ele — posso jurar quê... — chacoalha a
cabeça e para de falar.
— Pode dizer — incentiva a mulher.
— Ah, não é nada. Vou levar e — se inclina em minha direção — por
via das dúvidas ainda acho bacana visitarmos as outras lojas, só para o caso
de elas não gostarem dessa coisa. — Ergue o globo com uma das mãos e
quase o derruba, fazendo com que a vendedora arregale os olhos, em total
preocupação.
— Tome cuidado com isso, rapaz! Se quebrar ou ela perder depois de
entregue, vocês nunca ficarão juntos!
O que?
Que merda é essa?
Odeio quando Dale aparenta ter razão e eu sou o errado da equação.
— A senhora está realmente me assustando agora — rebate Dale.
— É apenas uma lenda, claro, não leve minhas ideias tão em conta
assim.
Até parece que ela gostaria de perder a venda. De duas coisas tão
peculiares e com um preço — olho no apoio e agora entendo o seu desespero
se Dale derrubasse — bem significativo. Meu irmão faz o mesmo e alça uma
das sobrancelhas, sem se importar.
— Quer saber? Nós vamos levar — digo — e se puder embalar para
presente, agradecemos.
— Claro, claro que sim — exclama ela, efusivamente.
Assim que se afasta para fazer o que pedimos, inclino-me na direção do
meu irmão para voltar a dizer:
— Você tinha razão e eu me odeio por estar admitindo isso.
— Vamos às compras de sapatos e bolsas?
— Sim — sibilo, sem qualquer mínima vontade.
“Sexo repleto de sentimentos no dia de Natal é pecado? Leia o
capítulo para saber mais e se você se sentir ofendido com a ideia,
saiba que não falei por mal! Desculpe! Esse homem me deixa
pensando coisas malucas!”
Quando acordo, não me espanto por não ver Damon no quarto. Uma
parte em mim meio que já esperava por isso e se surpreenderia caso ele
fizesse o contrário. Então levanto, tomo um banho sem pressa, me arrumo e
parto em busca da porta vermelha que comentou. Após vários minutos e
também cruzar com diversas pessoas, encontro Betsy, a loira sorridente que é
tão simpática quanto aparenta.
— Oi, Betsy, não é?
Ela concorda exageradamente.
— Está perdida, Candy? Céus, eu também demorei para me localizar
nesse lugar, parece um labirinto. A de Dallas não é diferente. Às vezes
mando mensagens para meu marido até hoje, para que ele me busque em
algum cômodo aleatório.
Bom, ela é tão perdida quanto eu, talvez não seja a melhor pessoa para
me indicar direção. Porém, decido arriscar.
— É que alguém — opto por ocultar o nome dele — me disse sobre um
quarto com porta vermelha. E me proibiu de entrar no lugar. Acho que isso
aflorou...
— Sua curiosidade, é eu sei! — ela me interrompe — E se quer saber
onde fica, sorte sua que esse é o único cômodo no qual sei chegar porque
preciso tirar fotos para chantagear Lane vez ou outra. Vem comigo! Segura
em minha mão e me puxa por entre os corredores e escadarias. Não demora
para que alcancemos a tão temida porta. Betsy nem mesmo titubeia ao abri-la
para que eu veja.
— O que é isso tudo? — olho em volta e as paredes estão repletas de
suéteres de Natal de gostos duvidosos.
Um é mais feio que o outro e sinto um arrepio ao me imaginar usando
algum deles.
Também consigo ver várias fotos em prateleiras, do que percebo serem
os primos desde crianças até adultos e outros itens pessoais. É como se esse
lugar fosse o baú de memórias da casa.
— É o quarto da vergonha. Todos os primos queimariam se pudessem.
Eles odeiam tricotar suéteres e a forma com que vovó guarda cada item
vergonhoso da vida deles como se fossem prêmios.
— Ela deve gostar muito de todos.
— Vovó é a melhor do mundo — os olhos de Betsy brilham — e eles
sabem que são tudo para ela.
— Consigo notar.
— Poderia até perguntar quem te falou sobre esse lugar, mas acredito
que já sei. E se ele comentou, acredite em mim, é uma grande coisa. Nenhum
deles sequer ousa tocar nesse assunto com pessoas que não são próximas de
alguma forma.
— Mas, o que eu deveria pensar ao ver essas coisas? — caminho,
observando tudo.
— Talvez não seja o que pensar com as coisas em si, mas, no gesto de
tentar se abrir mais e deixar que você veja o que de mais vergonhoso eles
assumem. Suéteres nunca foram o dom dos Kingston. Como pode ver.
Contemplo depressa cada peça, com o autor e o ano. Como se fossem
souvenirs. Sorrio ao presumir que Betsy está certa e que as mudanças podem
ter começado sutis, de pouco em pouco, sem que eu tenha percebido o peso
delas.
— Obrigada por vir comigo. Nunca encontraria sozinha.
— Imagina, logo você se acostuma! — sua fala é tão natural, que eu
percebo alguns segundos depois que ela considerou que eu terei mais chances
de explorar essa mansão.
Contudo, assim que ela me chama para ir até a sala principal, sigo-a em
silêncio, sem contrariá-la. Porque no fundo, bem naquela rachadura que
começa a desaparecer, a verdade é que eu gostei da forma com a qual ela
disse, como se eu já fosse parte de um todo.
Assim que acessamos o cômodo principal, Betsy se afasta, indo até o
marido e sua filha. Os demais estão se movimentando furtivos, e escuto vovó
bradando com alguém, em tom acusatório.
Não sei por que, mas, pensei que não encontraria Damon tão cedo, com
ele se corroendo de culpa em algum canto da mansão de inverno. No entanto,
ele não só está na sala, como sorri para mim assim que me vê. Conversa com
seu irmão, mas se distrai totalmente com a minha figura, sem ao menos tentar
disfarçar.
Dale olha para trás e ao me ver, lança uma piscadela em cumprimento.
As pessoas estão agitadas na casa, colocando presentes debaixo da
árvore e também terminando os últimos ajustes para o Natal. Talvez seja esse
o motivo para vovó estar tão alterada, sacudindo a bengala e gritando com
qualquer criatura viva. Decido me mover até onde os dois irmãos estão, antes
que ela me veja sozinha e decida que quer continuar com seu teste sem
sentido.
— Ela está fora do normal hoje — sentencia Damon quando eu me
aproximo o bastante para ouvir o que ele diz.
— Pensei que fosse a única que tivesse percebido.
— Olha à sua volta, docinho, todos estão se afastando da vovó como se
fossem algum demônio repelido pela figura divina.
— Inclusive a gente — concorda Dale — Mas, não era sobre ela que
estávamos falando, na verdade, Candy, eu e meu irmão mantínhamos uma
discussão muito interessante e adoraríamos saber a sua opinião.
— Claro — digo rápido.
— Não, nem pensar — Damon rebate furioso a proposta do irmão.
— Ela disse “claro”. Então, o que me diz, transar no Natal é pecado ou,
não é? Acha que as pessoas que fazem isso vão direto para o inferno, ou só
descem alguns degraus em meio as labaredas?
— E o que o Damon acha? — Viro a pergunta para ele que solta um
suspiro exasperado.
Assisto-o sacudir a taça de champanhe em sua mão, tentado fugir da
pergunta.
Porém, notar que ele está bebendo algo que contenha álcool me
surpreende. Tal surpresa não passa despercebida quando ele sorri de canto e
move os lábios, formando as palavras:
“Acho que a culpa é sua.”
Ignoro. Não sei o que pensar.
— Por que eu tenho que achar alguma coisa quanto a isso?
— É só dar a sua opinião nessa discussão saudável — Dale fala
exatamente o que penso.
— Acredito que não tenha nada a ver, várias pessoas nem acreditam no
Natal.
— Se for para se curar e se encontrar no coração de outra pessoa, por
que seria pecado? — digo, olhando diretamente em seus olhos.
Eu sei o que quis dizer.
Damon também sabe.
Há tantas provocações implícitas na minha resposta que ele engole em
seco.
— Essa sim é uma pessoa com opinião forte e bem fundamentada.
Estou com ela nessa, por mais que a ideia me incomode de maneira leve e eu
pense que há outras datas nas quais podemos ser totalmente sujos e
selvagens, com nenhuma outra preocupação em mente além de prazer. —
Fito Dale com curiosidade.
— Nesse ponto você está certo, mas, se surgir a oportunidade, por que
recusar por causa de uma data, quando a verdade é que coisas maravilhosas
estão justamente fadadas a acontecerem nela? — arrisco um olhar na direção
de Damon para tentar identificar o que se passa em sua cabeça, e por
infelicidade, não encontro nada que me deixe alegre em sua expressão.
— O sexo tem que ser incrível então, pense. Se não vai se arrepender
em dobro.
Gargalho da perspicácia de Dale. Ele é bem interessante na verdade,
assim como Trust vive me dizendo.
— Claro — concordo ao me recompor — no entanto, não custa deixar
aberta a possibilidade — falo a última parte da sentença sem retirar os olhos
do seu irmão.
Volto a contemplar Damon e esse é meu erro.
Noto uma sombra de desejo encobrindo o azul turbulento e conforme a
noção do que eu disse atravessa seus traços, seus lábios se entreabrem e sua
postura fica tensa. Percebo que a vontade que ele tem é tão grande quanto a
minha, devastadora e pungente ao ponto de ser tão fluida e natural, quanto a
discussão que estamos tendo.
Lembro-me da intensidade dele. Da maneira como se entrega à paixão e
não consigo desejar outra coisa além do seu corpo pressionado ao meu, de
maneira ainda mais íntima e profunda.
— Candy, você está aqui, filha! — papai chama minha atenção, antes
que eu consiga neutralizar todos os receios do homem à minha frente para
termos um embate sexual. — Preciso te apresentar a alguém. Vamos! — Ele
mal espera a minha resposta e me puxa com ele.
Deixo claro antes que Damon desapareça da minha vista que nossa
batalha ainda não terminou.
Para minha surpresa, ele forma as palavras, sem emitir som:
“Mal posso esperar, Candy Sinclair.”
Vovó dar o suéter que fiz a Candy não me assusta, nem que ele pareça
com o meu. Sei o que ela quer dizer com esse gesto e soaria estranho eu
afirmar que não me incomodou como deveria?
Ou que... ao olhar por minutos muito longos para a família toda
reunida, não me lembrei de Dolores, não com aquela dor a qual costumava
me lembrar, nem uma única vez? E a paz que me assola com essa verdade é
inestimável. Tamanha que eu sorrio sozinho, para ninguém em particular,
preso em minha própria constatação feliz.
Não quero afirmar que eu jamais vou me lembrar dela novamente, pelo
contrário, quando eu o fizer, acredito que a dor não vai ser mais tão profunda
como era.
Fico tenso ao escutar a voz de vovó, uma vez que ela se aproxima
sorrateira.
— Quando você tiver um tempinho, pode pegar uma caixa que deixei
no meu quarto, por favor? Eu preciso tirá-la de lá, mas minhas costas já não
são mais como eram, se é que me entende. E preciso fazer valer a pena esses
músculos que você ganhou cortando lenha no alto da montanha. Não diga
nada aos outros, mas é meu neto mais bonito! — ela se aproxima para
cochichar.
Gargalho movimentando meu peito.
— A senhora diz isso para todos.
— Como pode me caluniar assim?!
— Ninguém cai mais nas suas mentiras.
— Não caem, é? — ironiza ela, com algo embutido em suas palavras.
Atento-me aos sinais sutis de que está me enganando.
— A senhora é muito mais esperta do que parece.
— Ter a aparência de uma senhora idosa, muito fofa, faz com que as
pessoas me subestimem.
— Mas, não eu.
— Não você, claro. — Sua fala me soa mais como um desafio —
preciso dar atenção para toda essa gente e não se esqueça de pegar a caixa
que está em meu quarto, por favor. Sinto que tirá-la de lá será um grande
alívio para mim.
— Precisa ser hoje? Ou amanhã? É Natal, vovó.
— Faça quando se sentir preparado, só não se esqueça de me fazer esse
favor.
Por que eu precisaria me sentir preparado para ajudá-la?
— O que a senhora está dizendo não tem qualquer sentido, mas, tudo
bem, antes que eu vá embora, tiro a caixa para a senhora. Tem algo específico
nela, ou vou saber assim que olhar, qual é? O que faço com ela depois?
— Simplesmente saberá e assim que a pegar, pode fazer o que quiser.
Meu objetivo já terá sido cumprido — diz e se afasta de mim, sem ao menos
olhar para trás.
Nenhuma hipótese do que pode a ter levado a falar comigo de maneira
tão misteriosa passa em minha cabeça. O que maldição contém esta caixa?
— Ela escolheu Candy. E você, também? — indaga Kendrick, ao se
aproximar tão sorrateiro quanto vovó.
Juro que tenho vontade de colocar sininhos em seu pescoço para ser
avisado com antecedência da sua presença.
— Eu não preciso ser o primeiro nessa frase? Digo, se eu não
escolhesse, como vovó poderia fazer alguma diferença?
— Acha que ela não fez? — debocha Kendrick, com um sorriso
brincalhão — cara, você consegue ser ainda mais cego que o Lane quando
quer. Pensei que fosse matar a charada assim que se visse diante dela. Pearl
nunca joga para perder e, eu fico me perguntando quando chegar a minha
vez, porque ela vai chegar, se eu vou ficar tão alheio a essa velha diabólica
mexendo seus pauzinhos pelas minhas costas e se talvez, apenas talvez, eu
acabe ficando tão feliz como Lane, ou vi você ficar. Candy te trouxe de volta
à vida, primo, e todos nós só temos a agradecer.
— Por que está dizendo tudo isso?
— Acredita que eu não sei? Depois dos trinta parece que ficamos mais
melancólicos. E tenho uma sensação tão estranha me corroendo... —
interrompo-o.
— Você está cansado de contar apenas consigo mesmo, e ter uma
mulher a cada semana — Kendrick ergue um dedo para me impedir de
continuar.
— Dia ou fim de semana, uma semana inteira é muito tempo para eu
não diversificar meus encontros. Gosto de dar bastante amor ao máximo de
mulheres que eu puder.
— E não está cansado justamente disso? Não ter alguém que queira
ficar ao seu lado por quem você é?
— Não sei, nunca tive isso.
— Quando encontrar vai entender.
— Aposto que eu vou, senhor — brinca ele — agora, se me permite,
vou perturbar Jenna, Bessie e Casey, porque elas parecem muito entediadas
conversando sozinhas. Ou quem sabe, posso dar um susto no vovô, que está
ali se contendo para não morrer de tédio, assim como nossas primas — diz
Kendrick, indicando nosso avô, um pouco longe do tumulto.
Sempre foi assim.
Vovó o centro das atenções, e ele pairando à sua volta, tomando conta
da esposa sem neutralizá-la. Aposto que este é um arranjo perfeito para ele,
assim como para mim — admito ao olhar Candy interagindo com todos como
se fizesse parte da família há anos.
O que me choca é que na verdade, quero me aproximar deles e
conversar de igual para igual, sem aquela carga de passado que eu carregava,
que me mantinha longe de todos que eu amo.
— Vamos Damon, é sua vez de entregar os presentes! — grita alguém.
Essa é minha deixa para ir até a enorme árvore.
Pego minha pilha de presentes e chamo nome por nome, torcendo para
que eles gostem dos presentes que eu comprei em alguma cidade pelo
caminho. A sequência que sigo não deixa ninguém surpreso, porém, assim
que chamo a última pessoa da família, outro nome abandona meus lábios e
esse sim deixa a todos em estado catatônico.
— E meu último presente vai para Candy — digo imperativo,
segurando uma caixa e dois pacotes.
— Presentes no plural, primo?! — grita Jenna.
— Eu também queria presentes no plural! — completa Bessie.
— Calem a boca! — brada vovó.
— Bom, eu sei que todos estão espantados por esse presente, mas a
verdade é que eu senti a necessidade de presentear alguém querida, além da
família esse ano. Candy surgiu em minha vida de uma maneira estranha e
com coincidências demais — relanceio o olhar na direção de Pearl, que olha
para o teto — mas, se manteve nela por ser geniosa — todos riem quando eu
digo isso — e por não desistir de mim na primeira grosseria, que todo mundo
aqui sabe que eu mando muito bem — gargalhadas preenchem o ambiente —
Também acredito que vocês precisam saber que eu a conheci antes daqui, em
Montana, já que ela ficou na cabana vizinha à minha — agora, escuto sons de
surpresa, porém prossigo — e por ter tornado a vida dela um inferno
enquanto esteve lá, decidi presenteá-la. Espero que goste dos seus presentes,
Candy. — Ela caminha até onde estou e pega os três das minhas mãos, dando
um abraço apertado, passando apenas um braço por minhas costas. Inclino-
me em sua direção para completar — e que nossos acasos continuem
acontecendo.
Ela sorri abertamente.
Com um som baixo emanando de seus lábios.
Encontro meu lar. O lugar onde eu quero estar.
— Tenho certeza que irei amá-los! Obrigada por se lembrar de mim e
eu não comprei nada para você, mas posso te dar outros presentes mais tarde.
— Ficarei feliz com eles, ma’am.
— Parem de monopolizar nosso tempo! Façam o favor de moverem
suas bundas melosas daí para podermos dar andamento as festividades!
Dale corta nosso momento, mas, assim que Candy abrir o presente
principal entenderá que aqueles dias que passamos, em cabanas vizinhas,
tendo apenas um ao outro como companhia, foram fundamentais para me
curarem. Ela foi fundamental no meu processo de evolução. E quero muito
que perceba sem que eu precise externar as palavras, porque se isso for
preciso, é sinal de que não demonstro o quanto ela se tornou importante.
— Acho que precisamos deixar o palco para outra pessoa se apresentar
— minha ironia provoca uma gargalhada em Candy e noto pela primeira vez,
desde que chegamos, que ela também está feliz.
— Não vai abrir os presentes pra gente ver o que é? — zomba
Kendrick.
— Não, nem em sonho! — responde Candy.
— Essa garota é uma autêntica Kingston! Não precisa abrir agora se
não quiser, criança. Ninguém precisa saber o que você ganhou! — exclama
vovô, pela primeira vez se pronunciando sobre ela em meio a todos.
— Ah, eu não acredito nisso! — vovó coloca a mão no peito
teatralmente. — Você tomando partido também?
— O que eu posso fazer? Aprendi com a melhor — diz ele
carinhosamente entrelaçando seus dedos, para em seguida olhar para mim
orgulhoso.
Não interrompo mais a entrega dos presentes, afastando-me, levando
Candy comigo. Ficamos lado a lado, em um canto afastado, observando as
piadas de todos, principalmente Kendrick a cada presente e também sem
deixar de notar os olhares ansiosos de vovó na nossa direção.
Observo que ela segura os três embrulhos e estendo minha mão para
tirar seu peso.
— O que foi? — pergunta, indicando minha mão.
— Quer que eu segure os presentes para você?
— Acho engraçado que há alguns dias você só conseguia ser arrogante.
Inclino-me em sua direção para sussurrar:
— Não conte tudo o que fiz a vovó, ela me massacraria com a bengala.
Candy sorri.
Eu apoio os embrulhos com meu antebraço e entrelaço meus dedos da
mão livre aos dela.
Olho para cima, achando providencial o galho de azevinho da
decoração bem acima de nossas cabeças. Agradeço a quem o colocou ali,
porque puxo Candy para um canto, em que a parede forma uma espécie de
barreira entre a gente e os demais. Abro um sorriso, passo os dedos ao longo
de sua bochecha e a beijo gentilmente. Assim que nossos lábios se separam,
ela me olha curiosa, com uma pergunta tremulando suas pálpebras.
Aponto para cima.
Nenhuma palavra é preciso.
Nós só sentimos.
E nos entendemos em meio ao silêncio.
Arregalo os olhos, sem saber ao certo o que dizer, mas ciente do que
ele está prestes a falar.
— Ela...
— Sim, faleceu. Mas, isso não significa que não possa ajudar. É uma
candidata a doação de órgãos. Coração, rins, fígado, pulmões, córneas,
pele...
Interrompo-o.
Arrumo as minhas coisas, após enviar uma mensagem rápida para papai
dizendo que preciso ir embora. Não sei se ele entendeu a minha vontade de
ficar sozinha no momento, mas o fato é que ele responde afirmando que já
está procurando um voo para mim. Nesta época, com risco de nevascas, é
praticamente impossível, mas torço para que ele consiga porque eu
simplesmente não sou mais capaz de me manter perto dos Kingstons.
Não depois do olhar que eu vi no rosto de Damon.
Ele estava assustado e perdido.
Mas, mesmo em meio a esse tumulto de sentimentos, foi possível
enxergar que eu já não era mais a mesma para ele, que sua atenção se voltou
ao que perdeu, deixando-o atormentado.
Desnorteado.
Enfio tudo de qualquer jeito na mala, com os lábios travados e as
lágrimas caindo desenfreadas sobre as roupas emboladas.
Passo as costas das mãos em meu rosto, e de repente, eu sou novamente
aquela mulher, com um fio de vida, ciente de que morreria em breve. As
memórias do dia começam a me massacrar e eu sento na cama, por instantes,
para suportar tudo o que elas evocam.
O coração.
Um órgão muscular, presente em todos os seres humanos e animais,
cuja função é bombear sangue e nos manter vivos. É a parte central do
sistema circulatório, ou seja, imprescindível. Sabe aquele barulho que
escutamos dos batimentos? Consiste nos movimentos das válvulas, fazendo a
sístole e diástole, — basicamente contraindo e relaxando.
Eis o problema nisso:
Meu coração se recusa a fazer com perícia estes movimentos e essa
contração e relaxamento já não ocorrem mais como deveriam acontecer. A
sua capacidade de me manter viva aos poucos torna-se menor, enquanto eu
morro a cada passar de dia, como uma flor que já nasce com seu destino
fadado.
Por este motivo precisei entrar na fila de transplantes e curiosamente
descobri que se um coração tem oxigênio o suficiente, ele pode continuar
batendo fora do corpo por um tempo, o que possibilita as cirurgias. Precisar
de algo deste tipo nos faz meio que adquirir um conhecimento mórbido sobre
tal ação. E eu fui pesquisar as estatísticas sobre quantas pessoas que
precisavam de “vida” conseguem de fato. Bom, elas não foram animadoras,
o que me deixou em um estado de foda-se constantemente ligado. Pouco me
importando para como as coisas aconteceriam.
Passei pelas seguintes fases:
A negação — na qual eu negava com todas as minhas forças a
situação.
Otimismo — em que eu acreditei que tudo ficaria bem, porém
conforme o tempo passou e nada aconteceu, se iniciou a terceira e última
fase...
Aceitação — onde eu simplesmente me conformei que iria morrer.
Tudo o que senti me atormentou por meses a fio, dias longos e penosos
com nenhuma previsão de futuro, em que eu me sentava no sofá da sala e
contemplava as pessoas vivendo, enquanto a chuva caía fúnebre dentro de
mim. O sol poderia brilhar, mas em meu interior, uma torrente inacabável
descia, lavando toda a minha felicidade, encharcando-a com pensamentos
suicidas e incoerentes.
Deito de costas contra o colchão e olho para o teto, presa em
lembranças dolorosas, que me fortaleceram.
Ao descer as pálpebras, estou novamente na sala de casa, esperando por
meu marido nada presente, perguntando-me até que ponto compensa estar
viva com a data de partida já decidida pelo destino. Não o dia ao certo, mas o
tempo, o que considero muito mais assustador, uma vez que nada poderá ser
deixado para amanhã, porque é uma realidade sua que ele talvez não chegue.
As pessoas dizem: ah, mas ninguém sabe o que dia que vai morrer.
Exato, mas elas também não têm uma definição de tempo pairando
acima das suas cabeças. É mais fácil lidar com a vida assim, sem saber o que
lhe espera. E qualquer um que pensar em refutar, recomendo imaginar que
foram lhe dados trinta dias até que sua vida termine, então tudo o que você
não fez começa a passar rápido demais, como um filme em sua cabeça e
quando percebe que não terá tempo de realizar sequer metade de seus sonhos,
a inutilidade de continuar soa como um incentivo ao caos.
Sua mente se perde em seus próprios medos.
E a coragem para enfrentá-los simplesmente desaparece.
Respiro profundamente.
Não tão profundamente assim, mas o máximo que consigo.
Cardiomiopatia dilatada. O nome da doença que tenho no coração.
Não sei explicar em termos técnicos, mas, como sintomas, eu tenho fadiga,
falta de ar repetidamente e inchaço em várias partes do corpo, o que explica
meu abdômen estufado como se eu tivesse comido demais na última refeição.
Demais mesmo. E como diz Ryder, quando faz questão de voltar para casa:
não sou uma bela visão neste momento, com meus tornozelos parecendo pães
e minha barriga esticada de uma maneira estranha.
— Não é a mulher com a qual me casei e eu não sou obrigado a
conviver com isso. Você vai morrer, Candy, e não adianta que eu tente
disfarçar, a verdade é que não há volta para a morte — disse ele na última
vez em que apareceu, fazendo uma careta, ao contemplar o meu estado
deteriorado, como se eu fosse alguém que ele não conhecesse.
A partir daquele dia passei a conviver com o medo da morte e também
o pensamento de que eu nunca mais seria uma mulher de verdade.
A realidade é que podem se passar anos, décadas e nunca
conheceremos de verdade quem está ao nosso lado. Veremos apenas quem
ele quer que a gente conheça, e nos momentos que forem oportunos. Mas, a
fundo, totalmente? Ninguém. Não conhecemos ninguém desta forma.
Sinto-me absolutamente patética por querer seu apoio em um momento
como este. Humilhada em meu cerne, por estar tão debilitada e ainda assim
me sentir dependente de um canalha.
Por quê?
Uma parte bem pequenina em minha mente, a que se esforça para
manter a coerência grita que é porque eu estou fragilizada e que com tudo o
que estou vivendo, qualquer coisa se torna algo imensurável e eu apenas
desejo ter alguém para parar todo o seu mundo, e me dizer: Candy, está tudo
bem. Vai ficar tudo bem.
Alguém que não se importe com mais nada, além de ficar ao meu lado,
enquanto aos poucos vou sendo despedaçada.
Contudo, é pedir demais. Demais de alguém como Ryder.
Por isso quando ele decidiu ir embora, eu só confirmei a verdade, que
ele não era homem o bastante para lidar comigo e com nossos problemas, e
que usou a doença como uma forma de se livrar das suas responsabilidades
com facilidade. Covarde e filho da puta ao extremo. Ele se irritou e avançou
em minha direção, mas, por sorte, Trust chegou bem no momento em que
coisas piores aconteceriam e o enxotou da minha casa, um favor que eu
guardei em minha mente para retribuir quando ela precisasse.
Porque naquela época nem para isso eu tinha forças.
Chorei a minha alma.
E quando papai apareceu, um tempo depois, já estava ciente do
acontecido. Ao olhar para minha amiga, ela encolheu seus ombros, sentindo-
se culpada. Foi possível notar os olhos do notório Makai Sinclair se
encherem de lágrimas, com o fato aterrorizante de que ele também perderia
a filha.
Acho que viver se caracteriza em perder as pessoas que amamos ao
longo do caminho.
Basicamente isso.
Agora entendo o motivo para essas memórias irem e virem, porque elas
parecem tão primordiais. Finalmente, eu descobri quem precisou perder a
vida para que eu tivesse uma em seu lugar e porque fiquei tão mexida, como
se sentisse alguém comandando minhas ações.
Esse órgão fundamental, tinha assuntos pendentes. Um amor
interrompido e acabou me levando diretamente até Damon.
Deixando-me aterrorizada por precisar lidar com a bagunça resultante.
Faz sentido? Ou isso tudo é coisa da minha cabeça?
Fecho a mala, depois de jogar o restante das coisas de qualquer jeito,
quando me lembro do presente que ficou do lado de fora durante várias horas.
Tomo o cuidado de sair do quarto sem fazer barulho, arrastando o peso atrás
de mim, agradecendo que as rodinhas deslizem silenciosamente. Porém,
assim que acesso o corredor e começo a caminhar em direção a uma das
saídas, topo com um olhar cheio de rugas, aguçado e aparentando decifrar
cada mistério que lhe é lançando.
Pearl observa desde a minha postura derrotada, até a mala atrás de mim.
Ela entende o que está acontecendo sem que maiores explicações precisem
ser dadas.
— O que Damon fez desta vez? — sua fala é ríspida, no entanto, tal
rispidez não é direcionada a mim.
— Não foi ele, foi o destino. Ninguém pode julgá-lo por estar confuso,
eu também estou perdida.
— Presumo que não queira falar o que aconteceu? — Adivinha ela.
— Não.
— Tudo bem — caminha até mim e passa seus braços em torno do meu
corpo, forçando-me a abaixar, para ficar quase da sua altura.
É um abraço repleto de amor e cuidado, e me lembra demais o da
minha mãe. Antigamente, quando eu me sentia mal por alguma coisa, seu
simples abraço era capaz de me curar e passar a imagem de que tudo ficaria
bem.
— Cuide dele por mim — digo, após muito tempo aproveitando os
braços à minha volta.
— Você precisa de carinho e pede para que eu cuide dele? Damon não
poderia ter feito escolha melhor. É única Candy, e assim como seu pai, eu
terei orgulho em dizer que faz parte da minha família.
— Não farei parte da sua família, Pearl — afasto-me dela para olhar em
seus olhos — sabe disso tão bem quanto eu. E aposto que Damon nunca mais
irá querer me ver, assim como eu estou tentada a chutar aquela carranca
bonita se ele aparecer na minha frente.
— Com razão?
— Talvez, só pode opinar quando souber a verdade.
— Suponho que é ele quem precisa me contar?
— Eu ficaria mais confortável assim, se não se importar.
— De forma alguma, criança. E se está querendo sair sem que ninguém
a veja, tenho um caminho melhor. Continuando por aqui, você irá acabar
passando entre a maioria reunida, o que chamará atenção e só atrasará seus
planos.
Ela me diz como evitar todos e conseguir sair por uma das laterais da
mansão, de maneira discreta, antes que as pessoas percebam e comecem a
perguntar.
Recordo-me dos presentes e que não poderia partir sem resgatá-los. No
fundo, torço para eles não terem estragado devido ao tempo em que ficaram
do lado de fora. É pedir demais? Ter só mais essas lembranças de momentos
perfeitos antes da catástrofe?
Por mais que eu odeie a maneira com a qual Damon reagiu, não adianta
negar que eu não sou louca por ele. Que não quero perder a oportunidade de
ter algo que me deu, para olhar toda vez antes de dormir e pensar nos
momentos bons que passamos juntos.
— É possível chegar até aquelas cadeiras no quintal, sem que ninguém
veja também?
— Claro, basta dar a volta pelos fundos. Não que será rápido, mas,
provavelmente indolor.
— Certo, muito obrigada — agradeço, porém, uma dúvida me impede
de continuar — o que aconteceu que você veio até aqui? Se a família está
toda reunida lá em baixo, não deveria ficar com eles?
Vovó abre um sorriso sincero, com o seu semblante amoroso se
sobressaindo.
— Eu percebi a tensão entre vocês e quando saíram da mesa no meio da
confusão, presumi que algo muito sério estivesse ocorrendo. Bastou um olhar
para seu pai, para eu ter essa confirmação. Que raios de avó eu seria se visse
meus netos sofrendo e não fizesse tudo ao meu alcance para deixá-los felizes?
Ela é a melhor pessoa do mundo.
— A senhora não existe.
— Claro que existo, estou bem na sua frente.
— Ah — digo ao me lembrar de algo importante — quer que eu
devolva o suéter que me deu? Damon me disse ontem que levam os presentes
de Natal e o suéter muito a sério. Acho que passamos uma ideia errada e não
me importaria de devolver.
— Candy — ela pega minhas mãos entre as suas — não se devolvem
presentes, assim como não se devolve um coração — sua fala me pega
desprevenida e eu demoro segundos a compreender que ela não está dizendo
de maneira literal, mas figurada, sobre o amor.
Ao menos, eu espero.
Caso contrário irei pensar que ela tem poderes psíquicos nunca vistos
antes, se bem quê... não seria a primeira vez que eu pensaria isso.
— É, eu entendo — digo por falta de coisa melhor.
— Às vezes nem parece que meus netos já são adultos, deixando que as
coisas que tanto querem escapem por entre seus dedos. Não foi assim que eu
os ensinei, sabe. Mas, o amor é algo tão inexplicável que ele nunca acontece
da mesma forma duas vezes.
Com a sua sabedoria, decido bancar uma maluca e perguntar:
— A senhora... — Pearl me interrompe prontamente.
— Vovó, eu já te disse. Perdoei alguns deslizes seus ao longo desta
conversa, mas, quero deixar claro que gosto de ser chamada de vovó.
— Tudo bem, vovó, enfim, a senhora acha que o coração pode guardar
um amor, ou até mesmo atraí-lo? Digo, não sei se sabe, acho que papai não
gosta de abordar este assunto, em respeito a mim, assim como Trust, mas, eu
passei por um transplante de coração há quatro anos, então o que está comigo
— indico o peito — não é propriamente o meu. A senhora acredita que esse
órgão pode guardar uma ligação com outra pessoa? Digo, quem precisou
morrer para que eu renascesse? Acredita que essas coisas sejam possíveis?
Que eu seja capaz de sentir o amor dela, assim como seus sonhos?
Vovó franze as sobrancelhas por um instante, pensando sobre o que eu
disse. Seus olhos assumem um tom intrigado e sagaz.
— Estamos falando de uma situação hipotética?
— Sim — digo rápido demais.
Ela percebe meu nervosismo, mas, prefere ignorar.
— Olha, querida, eu acredito que as coisas acontecem por um motivo.
E pare de dizer que não é seu coração, é o seu sangue que ele bombeia, e os
seus medos que ele sente. Quando finalmente entender que ele faz parte de
você, de quem é, essas dúvidas sumirão da sua cabeça. Sobre a última parte,
eu sou uma senhora muito velha, que cresceu ouvindo diversas lendas
apaches antes de dormir. Então, eu acredito nas coisas, Candy, que fazem
sentido para mim.
— O que eu disse faz sentido?
— Todo o sentido. Contudo, deve se perguntar até que ponto esses
anseios podem comandar a sua vida. São vontades inegáveis, ou apenas
sensações? Porque se a última for sua resposta, pode ser que o coração esteja
tentando se adequar a você, tanto quanto você tenta entendê-lo. Pense nisso,
querida.
— Deve ter razão.
— Eu sempre tenho.
A conversa está tão interessante e eu me sinto tão cuidada por Pearl que
a súbita vontade que eu tinha de desaparecer o quanto antes torna-se menos
urgente, conforme eu tiro várias de minhas dúvidas com a imensa sabedoria
da senhora. Noto também que ela não está com a bengala, o que é um pouco
estranho, uma vez que sua imagem colocando medo em todos com o
instrumento se consolidou em minha mente.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, é isso o que uma verdadeira família faz,
cuida dos seus. Agora, por falar nisso, preciso levar chocolate para o meu
neto mais rabugento, alguém me disse que eu preciso cuidar dele.
— É, disse mesmo.
— Agora vá, menina, não adianta ficar aqui com a cabeça cheia de
dúvidas. As coisas acontecerão quando elas tiverem que acontecer, não
precisa se apressar ou desistir, apenas dê tempo ao tempo.
— Fala como se soubesse o futuro.
Abre um sorriso radiante.
— Não o futuro, mas, eu conheço muito bem pessoas que se amam e
elas sempre encontram um caminho para ficarem juntas.
Diz e desaparece no longo corredor, sem olhar nenhuma vez para trás.
“Deve ser o dom da vovó, sempre vir ao auxílio dos netos quando
eles não estão bem.”
Fujo para o único lugar da casa em que ninguém irá querer entrar para
me procurar.
O quarto da vergonha.
Também não gosto muito daqui, mas, no momento preciso ficar
sozinho com mais força do que meu ódio pelos suéteres.
Sento na poltrona em frente a janela de vidro e contemplo a neve
caindo, me perguntando por que o destino tinha de ser tão sacana. Ao mesmo
passo que um sentimento de incapacidade domina até as minhas vontades
mais profundas.
Por que Candy?
Por que as coisas tinham de acontecer assim?
Reagi da pior maneira possível à sua revelação e como poderia esperar
o contrário? A surpresa foi tanta que no momento eu me esqueci de respirar e
senti a falta de oxigênio espalhar a queimação em meus pulmões. Agora
entendo o que dizem, sobre a esperança ser a última que morre e a que
primeiro machuca, porque eu senti alegria ao imaginar que poderia
recomeçar, sendo que há poucos minutos, ela foi arrancada brutalmente de
mim.
Lágrimas carregadas descem pela minha face.
— Não pegou a caixa que eu pedi, não é?
Espanto-me com a voz de vovó, já que nem a ouvi entrar. Viro-me
depressa na poltrona. Passo as mãos por meu rosto, na inútil tentativa de
esconder dela que eu estava chorando. Até parece que sou aquele adolescente
de novo, que gostaria de fazer a avó pensar que era o homem mais forte do
mundo.
Uma caixa de lenços aparece na altura dos meus olhos e eu a aceito um
pouco envergonhado.
— Desculpe, eu esqueci.
— Nada de vergonha de chorar na frente da sua avó e sobre a caixa,
presumi que esqueceu mesmo. Não vou perguntar se está tudo bem, porque
imagino que não esteja. E você, como excelente Kingston que é, vai tentar
me enganar.
— Vovó... — respiro profundamente antes de perguntar — Acha que
seria possível eu conhecer a pessoa que recebeu o coração da Dolores e sentir
algo por ela, por este motivo?
Ela se senta com lentidão, próxima a mim. Seus olhos se perdem na
neve, enquanto eu a contemplo em busca de respostas.
— As pessoas estão me questionando demais isso hoje. Até parece que
gostam de estar enganados. A pergunta que deve se fazer é: se sentiria a
mesma coisa que sente por quem recebeu, se quem tivesse recebido o
transplante fosse outra. Não é questão de receber, é de quem. Às vezes, uma
coincidência pode tornar tudo confuso, quando não deveria ser.
— Como assim?
— Amaria outra pessoa que não Candy, se fosse outra quem recebesse
o coração de Dolores?
A resposta vem fácil à minha mente.
— Não.
E nem percebo que vovó cita o nome de Candy como se já soubesse o
que está acontecendo. É tão imperativa em sua pergunta que eu a olho
questionador e ela não se importa.
— Tem a sua resposta, neto. E antes que pense que leio mentes,
encontrei a menina parada no corredor antes de vir para cá. Ela estava toda
cheia de dúvidas, assim como você e acabei percebendo o que aconteceu para
que vocês estivessem assim e abandonassem o almoço de Natal no auge da
diversão. Às vezes o mistério se torna sem graça comigo adivinhando tudo.
Fazer o quê? É o preço por eu ser assim, perspicaz.
— Ainda não entendo como pode ser tão inteligente.
— Acha que puxou essa qualidade de quem? Deveria me agradecer!
— Mas, não sei, seria possível nossos destinos se interligarem tanto a
esse ponto? Quanto mais penso sobre o assunto, mais parece loucura.
— E por que não seria possível?
Opto por ignorar a sua sentença, sem saber o que ela causa em mim.
— Como sabia que eu estaria aqui?
— Quando está chateado não quer conversar e, o único cômodo da casa
no qual ninguém gosta de entrar e evitam a todo custo é aqui. Foi fácil te
encontrar.
Não me espanto em como ela me conhece tão bem.
— Voltar para Montana deve ser o certo a se fazer.
Seu semblante muda para um irritado e eu encolho meu corpo contra o
estofado.
— NEM PENSE EM FAZER ISSO, EU TE PROÍBO! — seu grito é
tão alto e imperioso, que eu acho que fiquei parcialmente surdo — Já passou
da hora de deixar o passado no lugar dele e desde que percebeu que Candy
estava aqui, você fez tanto isso que a menina até entregou o amor dela a
você! Pensa que pode ser covarde sem levar sermão da sua avó?!
Ela mal termina de falar e puxa a minha orelha, com extrema força, me
fazendo gritar de dor, como acontecia quando eu era adolescente e aprontava
alguma.
— Ai, ai, eu não fiz por mal! — choramingo.
— Então vá logo pegar aquela caixa para mim e pare de resmungar
pelos cantos, achando que está com a razão em reclamar. Ninguém escolheu
isso, além de você.
Levanto da poltrona assim que ela solta a minha orelha, passando os
dedos fervorosamente no ponto ardido. Não disfarço a careta em meu rosto
com a dor. Mas, vovó pouco se importa, na verdade, com seu semblante
altivo e inatingível.
— Também acho que precisa saber de uma coisa... — começa ela
quando já estou com a mão na maçaneta.
— O quê?
— Candy está indo embora.
Paro sobre meus pés, sem saber como agir. Seria justo que ela fique
quando estou com tantas dúvidas?
— Escolha sábia por parte dela.
A mulher que ela é, não merece o homem conturbado que eu sou no
momento. Debato internamente por minutos contra a minha vontade de correr
e alcançá-la, implorando para que fique, que eu não me vejo mais seguindo a
vida sem ela. Mas, permaneço no mesmo lugar, com a cabeça baixa,
duelando com as centenas de dúvidas.
Sou um covarde de merda.
Correndo em círculos, sem nunca avançar.
— Não vai atrás do amor da sua vida?
— Ela também não quer me ver, acredite.
— Ninguém jamais disse que seria fácil, Damon. Mas, você está
complicando tudo. Entendo que vocês precisem voltar ao início para não
duvidarem nunca mais do sentimento. Infelizmente. Porém, não venha
reclamar comigo quando ela encontrar alguém que dê valor a ela.
Lembro-me de ter dito isso a alguém.
Falei para Lane que não podia deixar que Betsy desaparecesse da sua
vida, e aqui estou eu, cometendo um erro que falei para ele evitar, cheio de
certezas que se destroem conforme os segundos passam.
— Eu sei — digo e fecho a porta atrás de mim.
Caminho até o quarto da vovó, para fazer o que ela pediu, sentindo
meus pensamentos vaguearem todos em torno de Candy, no olhar sofrido em
seu rosto e na postura desanimada de seu corpo. Sei que em algum momento
eu vou ceder e partir atrás dela, implorando para que me perdoe, mas, a
confusão ainda é um espírito maldoso que me assombra.
Precisa me deixar ir embora.
Por um momento, um momento inacreditável, eu penso que ouvi a voz
de Dolores sussurrar bem próxima ao meu ouvido. Olho para trás, procurando
ao longo corredor, mas não enxergo ninguém. As coisas estão tão quietas que
consigo escutar o som baixo da algazarra de todos na sala de jantar.
Sacudo a cabeça e continuo meu caminho, não seria a primeira vez que
imagino estar ouvindo coisas.
Assim que entro no quarto de vovó, percebo que caixa no singular não
se enquadra bem ao momento, uma vez que há dezenas delas, empilhadas
umas sobre as outras, obstruindo até mesmo a cama. Não sei se ela está
dormindo aqui, mas se está, aquela velha precisa fazer malabarismos para
subir na cama. Movo-me entre as colunas que pendem para os lados e estaco
sobre meus pés quando reconheço a minha caligrafia em uma das que estão
no topo.
São as caixas com as coisas de Dolores, que eu deixei na casa em
Lockhart.
O rancho mal cuidado, depois que eu fugi como um louco das
lembranças, sem, sequer, cogitar me aproximar.
Ofego ao ler todas as anotações, enxergar todas as letras dos membros
da minha família, que me ajudaram na tarefa laboriosa de separar tudo. Por
mais que no fim, eu não tenha tido coragem sequer de movimentar as caixas
de lugar.
Escuto o som da porta se abrir com um rangido e mesmo que eu não
tenha me virado, sei que é vovó.
— Eu não fiz isso antes porque achei que não estava preparado para
enfrentar. Mas, agora, com outra pessoa em sua vida, é hora de deixar o
passado descansar.
— Não sei por que teima em se meter na minha vida.
Minha fala é irritada, mas não demoro a receber outro puxão de orelha,
que dói e arde para um caralho. Sei que fui mal-educado, mas, é que lidar
com as coisas, mesmo ciente de que preciso fazer, é angustiante.
— Se falar comigo assim de novo juro que quebro seus dentes com a
minha bengala! Amanhã, claro, porque hoje Deus não permite que eu a use!
— sua ameaça não é nada vazia.
Minha sorte é que ela decidiu não desfilar com a bengala no Natal,
porque em suas palavras “Deus quer que ela seja uma senhora boazinha nesta
data”.
— Desculpe, não vai se repetir — digo sinceramente, arrependido com
o rompante.
— Eu sei que não vai. Quer minha ajuda? Para poder dividir o fardo
com alguém?
— Pensei que eu tivesse que lidar sozinho.
— Só se não tivesse uma avó que te ama — ela caminha por entre as
caixas, desviando com agilidade inesperada para a sua idade e um sorriso
enorme no rosto. — O que não é o caso. — E senta-se teatralmente na cama,
abrindo a caixa mais próxima sem titubear.
Admiro a senhora por um tempo e agradeço aos céus por todos termos
a ela.
Retornei a Dallas há dois dias, mas a paz que me acalma, faz com que
pareça que eu nunca saí daqui.
Claro que antes de voltar, tive que lidar com Makai e a sua ânsia por
cuidar de Candy. Ele não foi tão ruim quanto achei que seria, talvez por
perceber que eu estava tão mal quanto ela pelo que aconteceu. Além do mais,
prometi encontrar um jeito de consertar as coisas e principalmente de fazer
sua filha feliz.
Conhecendo os Kingstons como ele conhece, soube no exato instante
em que eu proferi as palavras, que não estava brincando.
Foi uma conversa franca, de um pai dedicado, com um homem disposto
a fazer qualquer coisa pelo seu bem mais precioso.
E com isso em mente, o motivo para eu comemorar tanto o sonho e ter
escrito a ideia, antes mesmo de tomar banho de manhã para não esquecer, foi
que não haveria nada mais significativo para mim e Candy do que isso.
Ela não precisa de joias.
Muito menos coisas de grife. — O que aprendi da pior forma possível.
Ela só quer ser amada. Verdadeiramente.
Por esse motivo, entro no site da floricultura que Dale me indicou, —
pois é, também achei estranho que ele tivesse tanto conhecimento sobre o
assunto — e encomendo uma dúzia de lírios durante vários dias, deixando
especificamente claro que na noite anterior a cada envio, irei mandar a
mensagem que quero que vá junto com as flores.
A primeira, que será entregue amanhã, conta um pouco de como foi a
minha reação assim que a vi, parada em frente à cabana, me pedindo lenha. E
porque eu neguei.
As demais seguem essa mesma linha, narrando como me apaixonei
perdidamente por ela. Continuo divagando sobre meu plano até que chego à
mansão.
Assusto-me com o silêncio, reformulando, espanto-me por não ouvir as
gritarias de vovó. Caminho diretamente para a cozinha e a encontro olhando
através da janela, contemplando a imensidão de seu jardim. Ao longe,
algumas montanhas verdes se destacam.
— A vida passa tão rápido, neto. Eu lembro de quando eu vi essa vista
pela primeira vez, há quarenta anos. Parece que foi ontem. Assim como
parece que não passou tempo algum desde a primeira vez que eu peguei cada
um de vocês no colo.
— Crise de sentimentalismo a essa altura?
— Não, só algo em que eu estava pensando. Preparado para começar a
trabalhar? — fala com um entusiasmo de me causar calafrios.
Retiro meu celular do bolso e o coloco em cima da bancada, para me
preparar. Percebo meu erro assim que os olhos dela pousam na tela e acaba
lendo a forma com a qual salvei seu contato.
— Você é um ingrato! Eu te ajudo, movo céus e terras para te ver feliz
e é isso que ganho? — Levanta o celular a altura dos meus olhos.
Só consigo encolher o corpo, esperando pelo golpe.
— Admita que tem originalidade — Tento partir para a piada.
— É cada coisa que eu tenho que aturar — resmunga enquanto pega
alguns ingredientes.
Agradeço aos céus por ela estar de bom humor, porque se não estivesse
eu me ferraria muito, demais. Pergunto-me o que a deixou assim, e estreito
meus olhos em uma avaliação. Vovó se vira e me pega no flagra, fechando o
semblante em questão de segundos.
— Pare de me olhar assim ou juro que você vai desejar nunca ter
nascido!
Ergo as mãos em sinal de paz.
— Na verdade, eu queria muito sua opinião.
Ela me entrega um avental e eu o coloco, sem me ater ao que está
escrito nele.
— Diga.
Conto detalhadamente sobre o meu plano, para amolecer a
determinação de Candy em ficar longe de mim e assisto os olhos de minha
avó, tão azuis quanto o céu de Dallas, brilharem com o romance que se
desenrola aos seus ouvidos.
— Você é horrível nessa coisa de amor, não sei como se casou a
primeira vez e quando reagiu daquela maneira ao que a menina disse, sabe,
eu achei que precisasse sofrer ainda mais para perceber o erro que cometeu,
porém, contrariando tudo o que eu achei que você faria, teve uma ideia
decente e está alguns pontos, — fico animado e ela se apressa a reiterar —
não se anime muito não, porque são bem poucos, a frente do seu primo. Se
essa ideia der certo, talvez eu pense em aumentar a sua pontuação.
— Mas, a senhora acha que dará certo?
— Ela é maluca por você, neto, é possível enxergar o sentimento nos
olhos daquela menina, no entanto, você a fez se sentir desmerecedora do
amor. Sei que jurei que não te golpear mais com a bengala, mas, você
merece! — Ela bate justo com a ponta de ferro na minha canela e eu
literalmente enxergo estrelas.
Inspiro e expiro o ar, tentando controlar a dor.
— Não mede a força que usa com essa porcaria de bengala!
Engulo a vergonha e ergo o meu pé, esfregando a canela agilmente para
espantar a dor. Aposto que vai inchar.
— Fez por merecer!
— Bater cinco bolos seguidos já não é o suficiente?
— Não, não chega nem perto. E sobre a minha opinião. Bom, vamos
ver no que dá, não gosto de me intrometer no assunto de vocês.
Gargalho para valer.
Uma gargalhada mórbida e que pinga ironia.
Ela não quer se intrometer no assunto dos netos?
Quem não a conhece até acreditaria nessa conversa.
— A senhora com certeza ensinou o diabo a mentir.
— Menino, eu não estou nada contente com a sua afronta!
— Pois então somos dois!
Também não estou nada feliz, com farinha até no meu nariz, e um
avental que agora eu percebo ostenta a seguinte frase: “Bato bolo por
punição”. Sim, exatamente, ela fez um avental especial, só para nos fazer
passar vergonha, enquanto somos punidos por ela. Coloco os ingredientes
que vovó me indica no recipiente, giro a colher de pau com extrema força na
bacia e acabo jogando um pouco de massa direto no meu rosto. Apenas para
representar a perfeição.
— É bom para aprender.
— A senhora é estoica demais. Nunca pensou em flexibilizar só um
pouquinho as coisas pra gente?
Ela parece pensar na minha pergunta, mas responde, após poucos
segundos com extrema convicção:
— Se eu não fosse rígida e firme quanto aos princípios e a moral da
terceira geração, só Deus sabe onde estariam agora. A gente comete o erro
uma vez, mas não uma segunda, com as mesmas ações. E você sabe disso.
Todos vocês sabem.
Escuto passos e mal posso acreditar que está chegando outra pessoa
para rir da minha desgraça.
— Ah, eu não perderia isso por nada! NADA!
A voz de Kendrick me provoca um arrepio. Odeio quando é ele, porque
nunca esquece as coisas vergonhosas que acontecem na família, encontrando
os piores momentos possíveis para comentar sobre.
— O que faz aqui? — Viro-me para fitá-lo e o vejo comprimir a boca
tentando segurar a gargalhada, que irrompe um tempo depois, fazendo meu
primo se curvar e colocar as mãos na barriga de tanto rir.
Sei que a visão não deve ser nada favorável para conter o seu ataque de
riso.
Aliás, eu já disse que odeio bater bolos?!
Kendrick massacra a bancada com uma das mãos, exagerando na dose
cômica. Não consigo enxergar a graça que ele tanto vê.
— Pare de rir dele assim ou você será o próximo! — brada vovó.
— A senhora ameaça como ninguém.
— Não é uma ameaça, estou prevendo o futuro. Não irá demorar para
ser você no lugar dele. Acredite em mim.
Meu primo arregala os olhos e enxergo o medo passando por eles.
Desta vez, quem sorri da desgraça alheia sou eu. É impossível não me divertir
com o pavor claro que Kendrick emana. Atitude sábia de sua parte, porque se
não demonstrar temor, vovó pode pegar ainda mais pesado.
Passam-se segundos para ele voltar ao normal, extremamente
debochado.
Ignoro o sorriso de canto que ele me lança, em provocação.
Kendrick mal sabe que sua hora está prestes a chegar também e ele que
lide com vovó espumando de raiva, porque tenho certeza de que vai foder seu
campo amoroso tão plenamente que fará do dia de confeiteiro meu e do Lane,
uma lembrança singela.
Chuto no mínimo dez bolos a bater por dia.
No mínimo.
Eu o avalio, estreitando minhas pálpebras e aumento em dois o número,
apenas em coeficiente de segurança. Quem sabe algumas tortas e cheesecakes
também.
Pandora está em Dallas.
E eu a vi na reunião de mais cedo. Acredito que ambos sejam as
próximas vítimas das traquinices de vovó, porém nada digo.
— Chegamos no momento perfeito!
Desabo meus ombros em derrota.
Como se não bastasse um irmão, agora tenho que aturar o outro. E Lane
deve estar se divertindo muito em ver outro membro da família passando pelo
mesmo calvário que ele.
— Pare de fazer isso, Lane. Deixe seu primo em paz! Até parece que
não está feliz por ele finalmente ter encontrado alguém tão incrível como a
Candy!
Viro-me de relance, perdendo a atenção no bolo, para fitar Betsy
segurando uma Melanie alegre em seu colo.
— Cadê a sobrinha mais linda do titio? — Kendrick se apressa na
direção dos recém-chegados e pega a pequena em seu colo, que gargalha feliz
com a atenção. — Estão vendo, ela gosta de ficar no colo do mais lindo da
família. Não é, amor meu? Ah, eu me derreto todo para essa pequena e essas
mãozinhas? Juro que tenho vontade de morder, Mel.
Assistimos a visão embasbacados. São raros os momentos em que
Kendrick permite que o vejamos assim.
— Você é bom com isso, Ken — admite Betsy, antes que eu diga o
mesmo.
— Sou, não é? Vou pedir um pra Pandora — fala como se não fosse
nada demais.
Contemplo vovó e assisto seus olhos brilharem em expectativa. Ela está
armando o bote, e o golpe virá logo em seguida, sem que Kendrick saiba ao
menos de onde ele veio. A missão de vida da velha é casar todos nós, e ela
vai conseguir isso mais cedo ou mais tarde, com a calma de uma pescadora
em busca do peixe perfeito.
— O que fez para ela, irmão? Juro que se a atrapalhou ou tornou o
trabalho dela ainda mais estressante, terá consequências graves.
Vejo o brilho perspicaz que atravessa o olhar de Kendrick. E o
reconheço. É de um homem que está tentando ter o que sempre sonhou, como
um brinquedo que lhe foi negado há muito tempo.
Não sei se fico feliz ou triste por Pandora.
— Não fiz nada. Só fui à empresa conhecer as instalações que em breve
serão a minha prisão e cruzei com ela. Que aliás, fez questão de expressar seu
ódio gratuito por mim. Não sei o que Pandora acha que fiz, mas — ele inclina
a cabeça de maneira pensativa — eu estou muito fodido se precisar dela para
alguma coisa.
— Não é o único que irá arcar com as responsabilidades, eu já te disse.
Só não coloco tio Pod para trabalhar, porque ele mais atrapalharia do que
ajudaria.
— Esse, pode deixar comigo. A culpa é minha por agir dessa forma, já
que é meu filho.
Vovó não tem culpa de nada. Acredito que mesmo com a melhor
criação do mundo, meu tio não seria uma pessoa com valores morais.
— A senhora não deveria se culpar — falo em um tom confidente.
— Como não? Mas, não podemos manchar a memória desse dia
incrível com assuntos tão pesados!
— Dia incrível — debocho, mas fico quieto quando ela se inclina em
minha direção, empunhando sua bengala.
— Então, Candy já faz parte da família? — inquere Betsy animada —
Não vejo a hora de ter uma amiga para poder desabafar comigo sobre as
loucuras dos Kingstons. Porque vocês sabem que não são normais, certo? Ah,
— ela grita e dá pulos animados, assustando a mim, seu marido e vovó —
Estou tão empolgada!
Kendrick parece alheio a tudo, balançando Melanie em seus braços,
enquanto vovó se apoia na bancada e eu volto a bater a massa de bolo, antes
que acabe estragando e tenha que fazer tudo de novo. Já Lane, olha amoroso
para a esposa. Se eu fito Candy com metade da devoção a qual ele fita Betsy,
caramba, a coisa deve mesmo estar feia e irreversível para mim.
— É isso que você vai ter, basta se esforçar de verdade — vovó
sussurra ao perceber o que estou fitando — Candy já é uma de nós. Vejo nos
seus olhos, Damon, que se não for ela, não será mais ninguém. Vocês
nasceram para ficar juntos e mesmo que eu não tivesse ajudado, o destino
traça seus próprios planos e teriam se encontrado. Eu só dei um empurrão,
porque não aguentava mais a lentidão do processo. — O que ela diz a seguir
é só um sussurro, mas eu escuto mesmo assim — metade dos homens estão
encaminhados, agora acho que preciso partir para as meninas um pouco.
— A senhora é cruel — digo sorrindo, ela entende que eu escutei a sua
última frase, mas nada diz — e só para ter certeza, foi você quem comprou as
cabanas. Por isso me disse o lugar, para poder ficar de olho em mim.
— Sim.
Ela nem se dá ao trabalho de mentir.
— Falou com o pai da Candy para que ela fosse até Montana?
— Droga, sim de novo. Eu sempre tenho a ver com as coisas, vocês
precisam aprender.
Sorrio com a sua fala.
— Odeio como mesmo assim ainda amo a senhora.
— Claro que me ama. Todo mundo tende a me amar, porque sou
incrível — proclama altiva.
Contenho a gargalhada e continuo com minha tarefa, olhando para
vovó de tempos em tempos. Kendrick, Lane e Betsy abandonam a cozinha ao
perceberem que eu já aceitei meu destino e não irei reclamar de bater bolos.
Assim que eles saem, vovó desabafa:
— Chega de bolos por hoje, vamos aproveitar nossa família. É raro
quando Lane também está aqui.
— Depois de Betsy, ele quase sempre está por aqui.
— Poderia dizer o mesmo de certa pessoa, mas, acho que talvez não
seja necessário.
E realmente, não é.
“Choro de felicidade, choro de saudade, choro de desespero, choro
de amor. Eu apenas choro.”
A gente discutiu.
Feio para caramba.
E eu a assisti me deixar sozinho, com razão.
A nona, que eu sou mais forte do que pareço, porque lutei bravamente
com a vontade de ler a mensagem durante a porcaria da manhã inteira, para
ceder na hora do almoço.
Eu fechei meus olhos nesse dia e passei muito tempo com eles assim,
lembrando de você, escutando sua voz e imaginando um futuro que poderia
nunca existir se eu não decidisse logo o que fazer.
Se eu não parasse de ser idiota.
Desculpe por ser idiota. Por te fazer sofrer, não apenas no dia em que
discutimos, mas também quando enfim... você sabe.
Decidi criar coragem nesse dia, e fui até você. Nossos olhares se
cruzaram e eu percebi que ainda estava magoada. Que fique claro, eu fui um
idiota e você tinha toda a razão para se afastar. Voltei para a minha cabana
segundos depois, me sentindo um covarde por não ser capaz de pedir
desculpas e dizer que eu estava sentindo coisas inexplicáveis sobre nós dois.
Tentei falar com você através de Código Morse e fui ignorado com
perícia.
Na vigésima, eu duvidei que seria capaz de ler mais uma mensagem sua
sem me sentir estraçalhada. Mas, eu estava errada, tornei-me uma viciada em
suas palavras e cheguei no escritório antes que todo mundo, só para estar lá
quando as flores fossem entregues.
Fiz sopa e queria dividir com você. Espero que tenha gostado.
— Vem ano, passa ano, e aqui estamos nós, em festas estúpidas que
odiamos — sussurra Kendrick — Sorte sua que é meu primo preferido,
Damon. Acho patética essa coisa de você frequentar todas as festas em
Dallas, só para poder ver Candy se ela vier a alguma? Acho, porém, acredito
que seja louvável. Poucos homens seriam capazes do mesmo.
— Se não queria, devia ter me contado. Eu não diria expressamente
para o anfitrião que quatro Kingstons viriam — sussurra meu irmão.
— Falando em quatro, acabei de chegar! — exalta Jenna.
Ela para um dos garçons, pega uma taça de champanhe e sorve um gole
imediatamente.
— Não deveria estar em algum cruzeiro? Percorrendo o mediterrâneo,
talvez? — resmungo.
— Meu primo mais lindo do universo, só semana que vem darei paz a
vocês. Vou demorar para voltar, ao menos deixe para se casar quando eu
estiver de volta. Não posso perder isso. Infelizmente terei que lidar com
algumas coisas e não verão minha beleza para iluminar seus dias nublados
durante as próximas semanas. — Ela faz uma careta — Meses na verdade.
— O que aconteceu? — Agora ela obtém toda a minha atenção.
Seu desânimo não é comum, assim como a melancolia em demasia de
Kendrick também não é.
— Coisas da vida, nada demais.
— Homens?
— Uma pedra na minha bota, como sempre.
Sorrio.
— Acham que eu deveria ir até lá dizer “oi” para Pandora? — indaga
Kendrick.
Nós acompanhamos a mulher em questão com o olhar assim que ele
pergunta e quando ela se vira em nossa direção, de um lugar bem distante na
outra extremidade da festa e se depara com Kendrick, a sua aversão é tão
nítida que eu encolho meus ombros e respondo:
— NÃO — Dale, Jenna e eu dizemos em uníssono.
— Como se eu quisesse cumprimentá-la.
— Então por que perguntou o que achávamos? — É Jenna quem
desabafa.
— Também não sei. Acho que fiquei meio perturbado depois da nossa
última discussão. — A taça não sai de suas mãos.
Kendrick parece mais desgostoso do que o de costume. Fito-o por
alguns instantes e noto o momento em que suspira profundamente.
Vejo que Pandora conversa com alguém, sorrindo à vontade. Talvez,
ele esteja com tanto ciúme que se corroa internamente por ser outro cara a
estar com ela, quando não pode nem aparecer na frente da mulher sem
receber olhares recriminadores.
No mesmo momento, meu olhar capta Ryder, que passa pela porta de
entrada.
O conheci antes de me mudar de Dallas e nunca gostei dele. É como se
eu adivinhasse o quão mau caráter ele é.
Frente a frente.
Porque fiquei seguindo-a da Allgerie até em casa todos os dias desde
que comecei a enviar as mensagens. Não que ela tenha percebido.
Ah, eu sei disso também, pelo horário em que ela retornava. Decido
mudar de assunto.
— Fico feliz que você esteja usando um vestido decotado. Não pode
esconder quem você é por medo do que as pessoas irão falar.
— Imaginei que fosse te ver aqui.
— E ainda assim você veio.
Surpresa passa rapidamente por seus traços e mais alguma coisa que me
deixa irritado por não compreender de imediato.
— Eu não consigo me entender na maior parte das vezes. — Candy
franze as sobrancelhas e pensa muito antes de perguntar — Tinha me
acostumado a receber suas flores e mensagens... Admito que estranhei o fato
de chegar no escritório nos últimos dias e não as encontrar.
Então, ela estava gostando.
— Eu já disse o que tinha para dizer. A decisão está em suas mãos.
— É uma caixinha de surpresas, Damon Kingston.
Aproximo-me dela devagar, execrando a pouca distância, com medo de
que me aproximar demais possa afastá-la.
— Ah, é uma coisa que eu costumo fazer, correr atrás de uma mulher
tão determinada que me faça rastejar. — O sorriso que eu arranco dela,
mesmo que ele não pegue seu rosto inteiro, faz com que esse sacrifício seja
recompensado em questão de segundos.
— Imagino que sim — concorda, parecendo ponderar se subir a escada
para fugir de mim seria algo inteligente a se fazer, então decido arriscar:
— Não adianta fugir, eu vou atrás de você.
— Por um tempo, isso era tudo o que eu queria ouvir de alguém, que eu
valho qualquer esforço. Mas, sou uma mulher madura e inteligente o bastante
para saber que são poucas as pessoas que nos amam verdadeiramente, por
quem nós somos — sua alfinetada me faz encolher o corpo — e que não
duvidam do sentimento no primeiro teste do destino.
— Eu sei o que fiz, e assumo total culpa. Porém, e se você se colocasse
um pouco em meu lugar?
— Busquei durante todos esses dias te entender.
— E a que conclusão chegou?
Seu suspiro é ruidoso.
— Não quero falar sobre isso. E se toda a minha maneira de te ignorar
não está funcionando, não sei como ser mais clara.
Deixo que um sorriso de escárnio deforme minha boca.
Nunca é tarde demais para até mesmo vovó errar.
As flores e as mensagens não adiantaram de nada. Cogito desistir de
mexer com Candy, mas essa ideia desaparece com a mesma rapidez a qual
surgiu, porque não me imagino com ninguém além dela.
— Você despreza meus sentimentos — digo em deboche.
— Como se flores pudessem funcionar como uma poção de
esquecimento. Todavia, algo me deixou intrigada — ela une as duas
sobrancelhas — como soube que eu gosto de lírios?
— Foi um palpite.
Não.
Quase tive meu pau decepado por Trust, quando pedi que me contasse a
flor favorita de Candy.
— Sei — ela não acredita em mim e está certa.
— Pensei que eles pudessem me ajudar a transpor essa barreira que
você criou entre a gente.
— Desperdiçou-os comigo.
— Os bilhetes também?
Ela se esforça para soar verdadeira, contudo, percebo na sua maneira de
me olhar que não está tão indiferente, quanto quer aparentar.
— Totalmente inúteis — sua voz é fraca.
Em uma mentira indisfarçável.
Corto o restante da distância que nos separa, sentindo a sua respiração
quente acariciar meu rosto, com uma necessidade brutal de tocá-la, só mais
uma vez. Sei que irei continuar sofrendo, sentindo a sua ausência, mas, como
um viciado, posso ao menos ter o meu pedaço do paraíso uma última vez?
Minha atenção desce para seus lábios e assisto com uma animação
selvagem, ela respirar com dificuldade, afetada pela minha presença.
— Se eu te beijar, aqui e agora, o que você vai fazer? — questiono.
Candy abre e fecha a boca diversas vezes, sem conseguir formular uma
frase, sequer uma palavra e, é o sinal de que preciso para avançar como um
louco na sua direção, colando nossos lábios com violência, buscando apagar
da minha memória todos esses dias sem ela, com o simples contato da sua
língua à minha.
Nosso toque é tão urgente e essencial, que eu faço uma careta quando
suas costas batem contra a parede. Paro de beijá-la por segundos só para
notar que não a machuquei, que ela está tão afoita quanto eu. Entreabre a
boca e desce as pálpebras, para sentir o momento. Beijo cada uma delas, com
cuidado e carinho antes de massacrar seus lábios.
Provoco arrepios em sua pele e, a expectativa pelo que está por vir
torna-se descontrolada, transformando meus gestos carinhosos em uma fúria
selvagem de necessidade. É indômita a maneira com a qual eu sinto seu toque
controlar tudo o que há em mim e aumentar a temperatura em tal ponto que
eu não me importo de ser queimado, desde que seja por ela.
Eu preciso sentir Candy.
Devorá-la.
Arrebatá-la.
E mais nada importa.
O lugar em que estamos desaparece.
As nossas questões mal resolvidas evaporam-se.
No momento, somos duas pessoas que só querem se perder no corpo
um do outro.
Sinto suas mãos escorregarem por meu abdômen, abrindo a braguilha
da minha calça, trabalhando com aspereza, enquanto eu a levanto e a prendo
contra a parede, encaixando-me no meio das suas pernas. Nosso beijo não se
finda em momento algum e até mesmo a possibilidade de alguém nos flagrar
agora, torna as coisas mais intensas.
Sinto seus mamilos pressionarem meu peito, duros como rochas.
Não demoro a me abaixar ligeiramente e empurrar o decote, para obter
livre acesso aos pontos intumescidos. Mamo com voracidade, enquanto
Candy geme e tenta fazer com que suas lamúrias de prazer sejam baixas.
Sorrio ao chupar, mordendo e escutando a sua dificuldade em se manter
quieta.
Ela rebola em minhas mãos, contorcendo-se de luxúria.
Seus dedos se movem desesperados entre nossos corpos e respiro
custosamente. Tomo sua atitude como uma permissão para puxar as laterais
da sua calcinha.
— Não precisa tirar, tenho certeza de que consegue meter em mim com
ela onde está.
Mordo o lóbulo da sua orelha antes de sussurrar em seu ouvido:
— E qual a lembrança que vou manter dessa noite?
Ela entende o que quero dizer e permite que eu deslize a peça pelas
suas pernas. Assim que retiro o material delicado e ínfimo, levo-a até o nariz,
inspirando fundo e sentindo seu cheiro me tornar só o reflexo de um ser
pensante. Guardo-a em meu bolso e Candy geme ao observar.
Prenso-a novamente contra a parede, dessa vez, com a sua boceta livre
e pronta para minhas estocadas.
Coloco-me entre suas pernas, subindo o seu vestido o bastante para
firmar minhas mãos em sua bunda, metendo até a base do meu pau, em uma
única vez, depressa e rápido, nos deixando sem pensar por segundos longos e
repletos de tesão.
Ofegamos quando eu saio e estoco novamente com força.
Impiedoso.
Feroz.
Candy geme alto e eu cubro sua boca, beijando-a para que ela não
consiga gritar enquanto eu maltrato sua boceta gostosa e relembro o que tanto
me fez ficar louco.
— Senti tanto a sua falta — afasto os lábios para dizer.
Continuo empurrando minha pélvis contra a sua intimidade, sentindo as
paredes macias me apertarem e minhas bolas baterem contra sua bunda,
grande e provocativa.
Rosno.
Vocifero.
Suspiro.
Choramingo.
Exijo tudo o que ela pode me dar, conforme a cabeça do meu pau
desbrava seu interior. O suor pela atividade se apodera de nós dois, assim
como os gemidos roucos e as lamúrias de volúpia, que ecoam nas paredes e
morrem em algum ponto do corredor.
Minha pele desliza contra a sua de maneira enlouquecedora e eu não
sou forte o bastante para lutar contra a força da gravidade que é Candy, me
derrubando sempre que eu acho que sou capaz de me levantar.
Empurro mais fundo, aumentando o ritmo, sentindo que estou prestes a
gozar quando ela proclama entre gemidos que irá alcançar o ápice também.
Gozar é incrível, uma sensação arrebatadora.
Mas, gozar junto com ela, sentindo as contrações da sua boceta ao
mesmo tempo em que a encho de porra?
É fenomenal.
Sinto minhas pernas tremerem, conforme os espasmos se espalham pelo
meu corpo e as últimas estocadas encontram seu fim. Só nesse instante,
depois de tudo o que aconteceu, ambos notamos o que esquecemos de usar. E
porque pareceu mil vezes melhor e mais intenso do que a última vez.
Sensorial de forma única.
— A camisinha! — falamos em uníssono.
Colo minha testa na sua, implorando mentalmente para que Candy não
fique ainda mais irritada comigo. Não foi proposital.
— Desculpe, eu não estava pensando na hora, eu só queria... — ela me
interrompe antes que eu prossiga.
— Tudo bem, Damon, não foi o único culpado. Isso acontece às vezes.
O tesão foi mais forte que o bom senso.
— Meus pensamentos se tornaram uma confusão assim que eu a vi
aqui, parada, tão linda.
Ela se afasta e eu deixo que meus braços pendam ao lado do meu
corpo, enquanto arruma seu vestido, colocando de volta aquela distância
emocional entre a gente que tanto me incomoda.
— Presumo que não vou conseguir voltar para a festa com a minha
calcinha?
Retiro um lenço do bolso do meu paletó e entrego para ela. Candy
agradece, de maneira rígida.
— Peguei como lembrança.
— Mais uma.
— Nunca é demais.
— Jamais verá esse lenço de novo.
Levanto uma sobrancelha.
— Não sou apenas eu quem está garantindo lembranças hoje.
— Pense assim se isso te deixar feliz. Prefiro não ter que te ver para
devolver.
Sua fala me abala, mas, não deixo transparecer.
— Você ficar com alguma coisa minha me deixa animado sim. Não
retire de um moribundo a sua única esperança de fazer parte do paraíso —
profiro sarcástico.
Ela abre um sorriso enigmático e confere por uma última vez o vestido
antes de começar a se afastar, porém para sobre seus pés e diz, de costas para
mim:
— Isso não muda nada entre nós.
— Talvez — murmuro cabisbaixo. — Mas, antes que você vá embora,
eu preciso admitir que estou morrendo de ciúmes e que pensamentos
horríveis passaram por minha cabeça durante essa maldita noite.
— Ele me encontrou antes de vir, para revisar algumas coisas sobre a
entrevista que dei. Não é nada meu.
Ela para, mantém-se quieta por longos segundos e depois volta a se
mover, aumentando o desfiladeiro que nos separa.
Porém, Candy está errada.
Saio da festa antes que ela termine, abalada com o que Damon me faz
sentir. Enxugo uma lágrima traiçoeira com as costas das mãos e fungo,
tentando me recompor. Quando menos percebo, estou no meio do jardim dos
Kingstons, rodeada por arbustos e cordas repletas de lâmpadas para iluminar
o lugar.
Eu não deveria cogitar seguir meu coração, mas, depois de todas as
mensagens e da maneira com a qual o amo, é impossível continuar com a
ideia de ficar sozinha.
Ela é dolorida.
Suportável, no entanto, irritante.
Porque eu amo Damon e ele me ama também.
Como posso culpá-lo por ter reagido daquela forma, quando eu também
fiquei terrivelmente perturbada?
Meus pelos se eriçam e eu sei que é ele se aproximando. Nosso corpo
percebe a proximidade do outro.
Permaneço presa em um marasmo, com o tempo parado, aguardando
apenas que ele se aproxime.
Seus passos ecoam abafados pela grama e a respiração quente em
contato com minha nuca torna as batidas de meu coração erráticas.
— Não entendo porque ainda vem atrás de mim. Precisamos libertar o
passado.
— No entanto, sabe quem está vivendo nele? Você, Candy, porque eu
aceitei seguir em frente e essa aceitação me trouxe até aqui. De quem recebeu
o transplante não importa para mim e não deveria te importar também.
Porque eu te amo, com todo o meu coração, com minha alma danificada, eu
te amo com cada caco que você conseguiu colar, com cada sorriso que você
despertou. Eu te amo, amo, amo, amo, de uma forma que explicar seria a
coisa mais difícil do mundo. Por isso, enviei as mensagens, para que
finalmente entendesse todos os meus medos e como eu consegui superá-los,
graças a você. Se eu seguiria em frente sem a sua presença em minha vida?
— Uma pausa inquietante comanda o tempo. — Sim, mas eu não quero. Dói
simplesmente pensar na possibilidade.
Viro-me depressa, cambaleando sobre meus pés, sentindo suas mãos
deslizarem pelo meu antebraço para me firmar.
A corrente elétrica que é nossa, apenas nossa, corre por minhas veias ao
passo que respiro com dificuldade.
Damon está fazendo aquela coisa de novo, de tornar o ar entre nós
rarefeito, impossibilitando que eu pense coerentemente.
— Pare de ficar fazendo essa coisa! De tentar me seduzir com palavras
incríveis, que depois você vai pisotear logo que seus medos voltarem a te
atormentar! — Ralho com ele, mas irritada comigo mesma por estar tão
afetada.
— Candy, feche os olhos e me dê a sua mão.
— Por quê?
— Apenas me dê a sua mão.
Vacilante, faço o que ele pede, sem entender o motivo do seu pedido.
— Ainda confia em mim. Nós só estendemos a mão no escuro, quando
acreditamos que seremos amparados. Então, se você confia em mim o
bastante para me entregar sua mão cegamente, confie em mim também para
ficar ao seu lado, quando tudo estiver claro. É o que mais quero.
É assim que as pessoas que amam se sentem?
Então, meu Deus, eu jamais amei Ryder.
Não com essa intensidade.
— É a coisa mais estúpida que já ouvi, já me disseram algo semelhante
uma vez... — Minto, incapaz de lidar com a verdade.
— Eu preciso que entenda uma coisa. Eu não sou seu ex-marido e
nunca serei ele. Jamais a tratarei da forma com que ele tratou.
— Todos falam a mesma coisa.
Damon fica a uma respiração de distância e olha diretamente para meus
olhos.
— Ficamos um tempo separados. E esse tempo foi primordial para eu
perceber que você não ficou magoada pela maneira com a qual eu reagi, já
esperava por ela, ficou mexida com a maneira que você reagiu, Candy. Tudo
se tratou de você, não de mim. Formou uma história na sua cabeça de que eu
não me interessei pela mulher fenomenal que é, e escolheu acreditar nela. No
fundo, não importava o que eu dissesse, você já estava irredutível.
— Desde quando pensa isso?
— Assim que a vi na Allgerie, percebi o seu conflito interno.
— E mesmo sabendo a verdade, escolheu prosseguir com as
mensagens?
— Eu disse que não desistiria de você.
Ele sabia que eu não iria ceder, porque estava com medo e prosseguiu
da mesma forma.
Essa verdade muda tanta coisa, que eu controlo as lágrimas
emocionadas.
— Tudo depende de você. Sempre dependeu de você. Então, se acha
que aquelas mensagens e todos os nossos momentos foram reações a algo
fora do nosso controle, pode ir embora com uma promessa minha de que não
vou mais me aproximar, que será como se nunca houvesse existido um nós.
— E isso não é desistir? — Assopro o ar com força.
Damon balança a cabeça, com um sorriso sem graça.
— Fico contente em poder te amar à distância e assistir a sua felicidade.
Merece ser feliz.
Ele começa a se afastar e eu o impeço.
O carma é inevitável. Ele já me impediu de me afastar diversos
momentos antes, agora é a minha vez.
— Acho que você tem razão. Eu fiquei irritada porque todos os meus
medos se tornaram reais. Reagiu mal? Talvez, mas, foi humano. Se não
reagisse daquela forma, não seria você. O homem que eu amo.
Seu semblante transforma-se na mais completa surpresa com a minha
declaração.
— Isso quer dizer que... — ele indica a mim e a ele, com o indicador,
de olhos arregalados.
Coitado.
Deixei o homem tão perdido que ele reluta em acreditar que finalmente
podemos ficar juntos. Sem que nada nos — barro esse pensamento assim que
me lembro de algo importante a dizer.
Se ele decidir realmente ficar comigo, será ciente de tudo o que me
envolve.
— Mas, Damon, tem algo que precisa saber antes. Uma informação
importante se quer tanto ficar comigo, como disse.
— Estou ouvindo.
— A sobrevida de uma pessoa com transplante de coração é de
geralmente vinte anos, de acordo com estatísticas. Então, como já se
passaram quatro anos, eu só tenho dezesseis. Posso viver normalmente, claro,
como qualquer pessoa, mas achei que você precisava estar ciente. Então,
bom, é isso.
Ele sacode a cabeça como se não acreditasse no que estou dizendo.
Droga, eu sabia que deveria ter contado antes. Que ele não iria querer
arriscar de novo e perder novamente alguém que ama. Não sei se ele
aguentaria isso uma segunda vez.
— Candy, qualquer tempo com você é uma dádiva. Se acredita
fielmente nessa estatística, o que não é o meu caso, mas se você acredita,
vamos fazer com que esses seus dezesseis anos sejam mais incríveis que
poderia viver.
Ele segura em meu braço, de forma terna, e o poder do nosso toque é
indescritível.
Ficamos parados, olhando um para o outro, conforme a brisa arrasta
algumas folhas no jardim, fazendo com que a corrente de luzes acima de
nossas cabeças tremule e transforme tudo em uma cena de romance.
— Acho que eu — começo a chorar se de felicidade ou tristeza ainda é
uma incógnita — estou apavorada.
Damon me puxa para um abraço.
Prendo-me a ele, sentindo o seu perfume me envolver em uma sensação
de segurança.
— Estamos, querida. Estamos. Mas, apavorados no calor de Dallas,
graças a Deus.
A gargalhada que escapa da minha garganta é tão natural quanto me
sentir bem com ele.
Encontrei meu lugar.
Estou a ponto de surtar. Lançar tudo para o alto a cada problema que
surge nos minutos que antecedem o lançamento da nossa nova coleção.
O Beijo de Inverno — será a primeira linha de peças a serem expostas.
O Romance de Verão — a segunda.
A Paixão do Outono — terceira.
O Amor da Primavera — a quarta.
Quando comentei com Damon que ele tinha me inspirado nessa
criação, ele sorriu e elucidou que eu já o inspirei para outras criações, que
envolvem a cama geralmente. Foi meu maior incentivador e passou várias
noites sem dormir, revisando os números comigo, impedindo que eu surtasse.
Foi ali que eu notei que quem gosta da gente passa os melhores
momentos ao nosso lado, e quem nos ama, passa os piores. Porque ele foi
meu pilar quando eu já estava a ponto de desistir das coisas que me predispus
a fazer.
E é lembrar da sua força que me faz respirar fundo, uma, duas, três
vezes para poder continuar com meu sonho. Ou melhor, o sonho de todas as
mulheres da Allgerie.
— Quer que eu chame o Damon para te acalmar? — pergunta Trust.
Olho por entre as cortinas da decoração e o vejo sentado, imponente,
com todos os seus primos próximos, e também vovó e vovô que ostentam
semblantes orgulhosos. Não muito longe de onde estão, vejo meu pai e
Kristen, sorrindo e conversando. Não posso decepcioná-los, simplesmente
não posso.
Sacudo as mãos no ar.
E sinto uma vontade extenuante de vomitar.
Saio em disparada até o banheiro mais próximo e coloco todo o meu
almoço para fora. A cena como um todo é decadente, eu ajoelhada em frente
a privada, prestes a ter o lançamento da coleção para centenas de pessoas, e
com enjoos que vêm e vão. Trust bate na porta do banheiro e solta um suspiro
prolongado.
— Ele já sabe?
— Eu vou contar hoje. — Assumo.
— Como ele não percebeu você vomitando tantas vezes?
— Eu finjo que vou usar o banheiro.
— Prefere que ele pense que você está sempre com dor de barriga ao
invés de contar a verdade?
— Não sei como ele vai reagir, Trust... — admito.
Porque a verdade é que eu realmente não sei. Faz quatro meses e alguns
dias desde que nos conhecemos de verdade e como ele ficaria ao descobrir
que eu estou grávida?! Claro que não fiz nada sozinha, porém, não sei se
Damon reagirá tão feliz quanto eu com a novidade e tenho postergado o
momento para contar, temerosa com a sua reação.
— Esse medo é infundado. Damon é um cara bacana, além do mais, se
ele reagir mal, chute a bunda dele até a divisa do país com o Canadá, o que eu
não acho que vá acontecer dado o que ele irá fazer... — ela começa a divagar
— Caso não queira sujar seus sapatos, eu posso fazer isso por você,
tranquilamente. Não que eu pense que ele se irritará por estar grávida, afinal,
esse trabalho foi em dupla.
— O que ele irá fazer?
— Ah não, não é nada — diz de maneira tão tranquila que acredito.
— Dolores morreu grávida.
É saber disso que aumenta o medo.
— E, no entanto, ele passou quatro anos em luto, sem ficar com
nenhuma mulher, para descobrir em você tudo o que procurava. Em um mês
já estava loucamente apaixonado. Tudo em vocês foi depressa demais, não
tem por que ficar assim.
— Acha mesmo? — duvido.
— Droga se acho, Candy!
Passo a mão na boca, sentindo que não demorará muito para que eu
sinta vontade de vomitar de novo. Basta um cheiro, ou qualquer merda
acontecer, que eu já sinto náuseas. Nem sei se tenho mais alimento em meu
estômago para ele colocar para fora.
Abro a porta do banheiro e me deparo com a minha amiga, parada em
frente à bancada. A sua reação quando me vê é o suficiente para eu saber que
estou uma porcaria ambulante.
— Trouxe escova de dentes, certo? É melhor que tenha trazido porque
você está péssima.
Falo para que ela pegue meu nécessaire, e quando volta, escovo os
dentes rapidamente e retoco a maquiagem.
— Damon perguntou de você quando passei correndo carregando suas
coisas.
— E o que disse?
— Que estava nervosa com o evento.
— Ele acreditou?
— Acho que sim. Se bem que não esboça muita reação perto de mim.
Só com você. Ele — Trust tenta imitar Damon, unindo as sobrancelhas em
um semblante sisudo — fez assim, o que quer dizer?
Gargalho levemente.
— Provavelmente está preocupado.
— Sábio da parte dele.
— Gente, o que vocês estão fazendo aqui? — Hailey adentra apressada
no banheiro, indignada — já vai começar!
Coloco a máscara de inabalável novamente e saio do banheiro, com
Trust e Hailey em meu encalço.
É o momento de discursar e agradecer a todas as pessoas que doaram
seus instantes preciosos para que estivéssemos aqui. Caminho decidida até
onde a passarela está montada e pisco para as funcionárias da linha de
produção que serão as modelos da vez, em sinal de cumplicidade.
— Vocês vão arrasar — sussurro para elas.
A salva de palmas me brinda logo que os holofotes focam em minha
figura e a de Trust, subindo os degraus. Nós entrelaçamos nossos dedos e
caminhamos confiantes até onde o microfone está posicionado.
Paro em frente a ele e abro um sorriso. Meus olhos cruzam com os de
Damon, que me incentiva de onde está.
— Bem, obrigada por todos estarem aqui. E só tenho uma coisa a dizer:
não é que a loucura deu certo? Pensei que não fosse dar — algumas pessoas
gargalham — sempre que me disseram, Candy você é maluca, ou para a Trust
— fito minha amiga — o que você vai fazer da sua vida? Abrir uma fábrica
de lingerie? Sim, é exatamente isso que faremos. Agora, estamos aqui.
Colocamos nosso suor, empenho e todo o nosso dinheiro nisso. Tanto que
estamos falidas, mas realizadas — mais algumas pessoas dão risada — e não,
eu estava brincando, não estamos falidas, mas se vocês — indico os
atacadistas — não comprarem nossas peças, acho interessante já começarmos
a ver qual parente iremos leiloar — faço uma referência ao gesto de Pearl que
prontamente sorri em minha direção.
— Isso porque você disse que seria breve — resmunga minha amiga,
provocando uma onda de riso.
Suspiro profundamente antes de prosseguir:
— Quando tivemos a ideia para esta coleção, eu estava em crise,
comigo, com a minha vida, com o motivo da minha existência. E posso dizer
que eu não seria nada sem as pessoas que me rodeiam, que me amam sem
cobrar nada em troca. Logo, nada mais justo do que elas participarem e
dividirem esse sucesso comigo, tornando-o nosso. Obrigada a Damon
Kingston, a minha amiga — indico Trust — e a todas as pessoas que
trabalharam com afinco para trazerem essa coleção incrível para vocês.
Somos todos Allgerie.
Vejo quando meu namorado leva os dedos à boca e assovia alto,
iniciando uma salva de palmas, e gritos incentivadores por parte de seus
primos, que aparentam felicidade verdadeira por mim. Faço uma mesura
teatral para todos. O salão torna-se uma efusão de sons, enquanto eu e Trust
sorrimos alegremente. Entrego o microfone para ela, uma vez que será a
apresentadora e sigo até onde Damon está na primeira fileira.
— Belas palavras — fala ele antes que eu me sente ao seu lado.
— Obrigada.
Ainda estou tensa por causa do que preciso contar a ele, e Damon
percebe minha tensão. Talvez, ele pense que o motivo seja o desfile, então se
mantém quieto, contemplativo.
Não demora a Trust começar a falar:
— Boa noite, gente, que o show comece! A nossa primeira linha de
peças representa o inverno e toda a sua magia.
Uma música animada se inicia e a primeira garota desfila na passarela,
bem espontânea, sorrindo e dançando.
O nosso principal objetivo é justamente esse, fazer produtos para as
mulheres do dia a dia, de todas as formas e amores. Dando a liberdade para
que elas sejam quem quiserem ser. Por isso, quem melhor para desfilar com
as peças que as mesmas que se empenharam para realizar um trabalho tão
primoroso?
Escuto o “oh” que algumas pessoas soltam e torço para que seja por
uma surpresa boa, ou eu irei começar a discursar sobre como é necessário
sermos reais quanto a questão de “corpo perfeito”. O corpo perfeito é aquele
no qual a pessoa se ama, que reflete uma alma feliz consigo mesma. Somos
lindas exatamente por nossas peculiaridades e marcas das batalhas que
travamos todos os dias.
— A proposta da sua coleção e a maneira com que abordou o que
pensa, foi tão perfeito, que esse evento será comentado durante os próximos
meses, no mínimo — Damon elogia, batendo palmas quando a segunda
mulher entra.
É Hailey.
Ela manda beijos para a plateia e desfila rebolando, lançando o quadril
de um lado a outro. Assim que nossos olhares se cruzam, lanço uma
piscadela.
— Nada melhor para representar as mulheres do que as que fizeram a
coleção.
— Exatamente. Você deveria desfilar também, então.
— Esse momento não é meu, querido. É delas — indico a terceira,
sorridente e confiante.
— Se eu já não te amasse tanto, teria caído de amores aos seus pés.
— Pode me mostrar o quanto me ama quando chegarmos em casa.
— Com certeza vou. Porém, acredito que você vai estar cansada, mas,
não importa, farei um chá para te ajudar a dormir.
Apoio minha cabeça sutilmente em seu ombro e sorrio extasiada.
— Me entende tão bem.
O desfile transcorre como o esperado e quando já estamos na metade,
estranho Damon dizer que precisará se ausentar um pouco, a trabalho. Ele me
falou na última noite que esse dia seria inteiramente meu e quando ele diz
algo assim, não volta atrás. Franzo as sobrancelhas e olho para seu irmão, que
finge não me ver. Fito Kendrick, que também me ignora. Tem algo
acontecendo. Eu simplesmente sei. Olho para suas primas e elas disfarçam
imediatamente. A única que responde meu olhar é vovó, mas ela só parece
estar feliz demais.
E quando digo demais, é demais mesmo. Assemelha-se àquelas avós
possuídas de filmes de terror, tamanho o sorriso que se estende em seu rosto.
Alguns minutos se passam e as meninas continuam desfilando. Volto a
prestar atenção nelas e, decido perguntar a Damon o que aprontou, depois.
Recosto-me na cadeira e assisto as pessoas mais incríveis que já tive o prazer
de conhecer, arrasando, expondo sua confiança com o próprio corpo,
descobrindo-se e percebendo o quão maravilhosas são.
Sinto-me realizada.
O que tanto busquei foi alcançado.
Um olhar atrai minha atenção, é papai, que sussurra um “parabéns”,
sem emitir som. Sorrio de volta.
A surpresa no rosto de todos, e também a fascinação fizeram valer a
pena todas as madrugadas sem dormir, assim como os dias que eu trabalhei
até a exaustão. Acho que preciso de férias de novo. Mas, não antes de
contar... enfim. O nervosismo e preocupação com o que ele dirá volta a me
atormentar.
Esqueci por quanto tempo desta vez? Poucos minutos.
Deveria ter contado na última noite, todavia achei melhor esperar. O
motivo? Não tenho ideia! Estender a paranoia foi muito pior, acredito. Antes
eu tivesse acabado com essa confusão de pensamentos em minha cabeça,
com as hipóteses viajando insanas por entre meus neurônios.
Fico tão perdida, em questões distantes, que demoro a perceber que o
desfile se encaminha para o fim. A penúltima garota entra e assim que a
última começa a desfilar, eu me preparo para levantar e ir até a passarela,
agradecer a presença de todos. No entanto, acabo congelada no lugar, quando
um homem, caminhando pela superfície preta, com as bordas iluminadas em
azul, chama a minha atenção.
Damon está com as mãos nos bolsos e aguarda que as duas últimas
voltem para o camarim, para poder parar ao lado de Trust, que... cede seu
lugar a ele?
O que diabos está acontecendo?
Isso com certeza não estava combinado. Nem um pouco.
Ele pega o microfone e abre um sorriso de derreter qualquer mulher.
Juro que escuto uma suspirando bem na fileira ao lado.
— O momento é seu, querida, — fala, me olhando — mas, eu não
poderia adiar mais o pedido.
— Assim que se fala! — alguém grita ao fundo.
— Cala a boca, Kendrick, não atrapalha! — Reconheço a voz de vovó.
Damon apenas sorri de lado, enquanto eu percebo aos poucos o que ele
irá fazer.
— Gostaria de começar dizendo que eu estava preso, em minha própria
bolha de sofrimento, uma que me afundava mais e mais no oceano dos meus
próprios medos. Há quatro anos eu sofri uma perda que me deixou destruído,
pensando que eu não seria mais capaz de amar, ou sentir qualquer coisa
parecida. Há quatro anos, eu perdi meu chão. E, foi então que em uma teia de
armadilhas do destino, que eu chamo de vovó Pearl e Makai Sinclair —
somente a família ri dessa parte, por entender o que ela significa — um
milagre apareceu na minha porta.
— Coitada da Candy, agora será obrigada a me aguentar chamando-a
de milagre! — provoca Kendrick novamente.
— Fica quieto que eu estou tentando ser romântico?!
— Ela sabe que você a ama.
— Calem a boca, que eu quero escutar o pedido! — viro-me e grito
para Ken, que aparenta surpresa com meu rompante.
— Faça-o ficar quieto mesmo, menina! — Orgulha-se vovó.
— Bom, como vocês podem ver, na nossa família é difícil fazer algo
sem ser interrompido. Vou tentar prosseguir. Onde eu estava mesmo? —
Damon finge pensar e continua — Ela era linda, é linda, e a sua principal
fonte de beleza não é a aparência, por mais que ela seja esplendorosa, o que
espalha sua beleza é a felicidade que ela emana e a vontade de se superar
sempre. Eu me vi preso nos seus imensos olhos esperançosos, tão negros
como uma noite sem estrelas e na sua força, mesmo diante de um homem tão
rabugento como eu. Qualquer outra em seu lugar teria me deixado definhar
com o tempo.
— Ainda estou tentando descobrir de onde Candy tirou tanta paciência
— profere Bessie.
— Finalmente alguém que me entende! — intromete-se Kendrick.
Lanço um olhar irritado para eles, que erguem as mãos em sinal de paz.
— Por esses e outros motivos, eu acho que ela é a mulher perfeita para
mim — proclama divertindo-se. — Candy surgiu na minha vida quando eu
não esperava mais nada dela. Apareceu e aos poucos, transformou um
coração frio no mais absoluto verão. Me ensinou que para ser forte eu não
preciso me afastar, mas sim me aproximar das pessoas que amo e contar
meus piores medos a elas, pedir ajuda para transpor os momentos mais
difíceis. Essa mulher incrível que vocês veem, que criou uma coleção tão
perfeita como essa, que escolheu sair de foco para que todas as outras
tomassem a frente e se destacassem — ele indica as garotas que agora fazem
fila atrás dele, aplaudindo a sua fala — tem sido o motivo pelo qual eu fico
feliz em abrir os olhos todas as manhãs, porque eu sei que a encontrarei
dormindo. Até porque ela sempre perde a hora, mas eu gosto assim, me dá a
oportunidade de a ver dormindo por vários minutos.
Levanto-me, interrompendo-o:
— Damon...
— Não, não me interrompa você também, ou diga não antes da hora —
sua fala arranca gargalhadas de todos — deixa eu terminar?
Ele se ajoelha, e puxa a pequena caixa de veludo preto do bolso. Uma
lágrima desce por meu rosto. Não vejo mais ninguém, não escuto mais
ninguém, enxergo somente Damon e meus ouvidos só captam a sua voz.
— Por estes e todos os outros motivos que apenas nós dois sabemos,
você me daria a honra de se tornar minha esposa, Candy Sinclair? Eu te amo
em cada segundo ao seu lado e te amo principalmente quando não está perto
de mim, porque eu fico agoniado querendo te encontrar o mais rápido
possível. Sei que minha família é insana e você pode não querer fazer parte
dela — escuto todos atrás de mim gritando e xingando-o por isso — mas,
torço para que me ame tanto quanto eu te amo e esteja disposta a fazer parte
da loucura, para sermos fortes juntos.
Caminho até onde ele está ajoelhado, sem vergonha de admitir que me
ama. E subo os degraus laterais com lentidão, torcendo internamente para não
tropeçar na barra do meu vestido com o salto e levar um tombo colossal.
Assim que me aproximo, puxo uma de suas mãos, — a que não segura
a caixa com o anel — e fecho os olhos, apertando sutilmente a junção de
nossos dedos.
Entrego a ele a oportunidade de me machucar se quiser, assim como ele
fez comigo, conforme escuto seu suspiro por saber o que meu gesto significa.
Confio nele sem enxergar o caminho que está tomando.
Um sim silencioso e que é mais profundo que qualquer outro que eu
profira.
Ao levantar minhas pálpebras, vejo que é Damon quem chora desta
vez. Com os olhos vermelhos, semblante emocionado e provavelmente joelho
doendo, por estar assim há alguns minutos.
— Eu aceito, claro que eu aceito, meu abominável homem das neves.
Você é, e sempre será meu beijo de inverno, Damon. Agora eu preciso te
contar uma coisa.
Ele desliza o anel de noivado em meu dedo anelar, levanta-se e passa o
braço pela minha cintura. Inclino-me em sua direção para sussurrar em seu
ouvido, sem querer que as pessoas escutem o que direi a seguir.
Por que eu fiquei temerosa?
Ele é meu sapo desde o começo. Não virará príncipe, mas o tempo
deles passou. Agora são os sapos que fazem as princesas, rainhas e até bruxas
mais felizes.
— Eu estou grávida.
Afasta-me nada sutilmente e me encara de olhos arregalados. Como se
não acreditasse nisso.
— Por favor, me diz que não é uma brincadeira — aceno que não. —
Eu estou tão feliz! Mas tão feliz! — Exalta-se sorrindo sozinho, para logo em
seguida aparentar tensão — Meu Deus do céu! Vovó vai me matar se souber
que eu a engravidei antes de nos casarmos!
— Para segurança do pai do meu bebê, acho melhor mantermos isso em
segredo por enquanto então.
— E casar o mais rápido possível.
— Tem a ver com vovó também?
— Não, mas porque não vejo a hora de a chamar de minha esposa.
Candy Sinclair, em breve Sinclair-Kingston.
“Bem, digamos que tudo tem dado certo!”
Quando contei para Damon e ele falou para vovó, ela proibiu que as
primas de Trust frequentassem a sua casa, assim como seus pais. Foi a coisa
mais linda que ela poderia fazer por mim.
Não que eu não seja capaz de me defender por contra própria. A
verdade é que em uma sociedade onde há a presença confirmada de racismo,
não basta não ser racista, é necessário ser antirracista.
E, claro, meu muito obrigada por você, leitor que se aventurou em cada
página e chegou até aqui, na parte em que eu te agradeço demais por ter dado
uma chance a essa história!
No mais, é isso, nos vemos no próximo livro dessa família maluca do
Texas e que já conquistou nossos corações!
Uma moça do interior, que viu nos livros a oportunidade de viajar sem
sair do lugar. Engenheira civil, que sonha pelas linhas de livros sem ter a
menor vergonha de admitir isso.
Adora Einstein, Tesla e todos os cientistas capazes de criar teorias,
consideradas absurdas, de ideias adversas.
Cria diversas histórias através das mais diferentes inspirações, não
escreve sem ouvir a uma boa música e costuma colocar sempre um pouco de
si nos personagens. Enfim, essa é Cinthia Basso, uma mulher com o
romantismo à flor da pele e que ama criar diversos mundos, para refugiar a si
e às suas leitoras.
O Rei do Petróleo
Família Kingston - Livro 1
Formato e-Book
Amazon
Sinopse
O poder corrompe.
Seria essa uma verdade sobre a família Kingston?
Sinopse
Bonito, rico e agradável. Thom nunca ficava sozinho. Mas o que ele mais
desejava estava fora de seu alcance: Lara. Sua prima adotada que o tratava
como um irmão. Para ele não tinha coisa pior do que amar e não ser amado.
Lara. Inteligente, meiga e querida por toda a família, tinha somente um
segredo, que escondia de tudo e todos. Inclusive de seu primo.
Quando a verdade vier á tona, será que Thom continuará a amá-la? Pode
um amor ser tão forte a ponto de sobreviver a barreiras e crenças? São
perguntas que serão respondidas por si mesmo, em meio a tantos conflitos e
verdades não ditas, emocionando-nos a cada passo dado em busca da
felicidade.
Um império onde riqueza e poder não podem comprar o que há de mais
importante no mundo: o amor.
Te darei o mundo
Trilogia Tudo de Mim II
Formato e-Book
Amazon
Sinopse
Andy é a típica garota texana, que usa botas e chapéus, tem uma
Silverado onde toca somente músicas cowntry, e, claro, como na maioria das
histórias de mulheres sulistas, tem um cowboy!
Hardy é seu sonho adolescente. Uns bons anos mais velho, e muita
experiência na arte de seduzir, ele nem mesmo presta atenção na mulher que
vive a salivar litros por sua causa. E como se já não bastasse isso, após sair
com sua irmã mais velha, Andy pareceu realmente sumir do mapa para ele.
Mas ela cansou de ser ignorada, e esse verdadeiro homem de Dallas mal sabe
o que o espera.
Muitas brigas, ciúmes e umas boas pancadas da vida, vão provar que o
Texas se tornará pequeno para conter o desastre iminente de Hardy e Andy,
prestes a descobrirem o amor.
Sadie e Max
Conto
Amazon
Sinopse
Sadie e Max são duas pessoas que não acreditam no amor. Por motivos
diferentes e realidades opostas. Mas, e se em um olhar tudo mudasse? Eles
estão prestes a se surpreenderem e descobrirem um dos caminhos que levam
ao amor.
Meu astro do basquete
Série Boston Globe, livro 1
Amazon
Sinopse
Lily Currey é uma mulher que sabe exatamente o que quer e nunca
pretendeu ficar à sombra do sucesso do pai. Se tornou uma das modelos mais
conhecidas e desejadas do mundo, guardando segredos e problemas debaixo
de sete chaves, mantendo para si tudo o que poderia destruir a sua carreira.
Collin, seu irmão adotivo, aproveita e muito a vida de solteiro, sem se
importar com o que os outros pensam e sem ligar muito para as mulheres que
dizem amá-lo. É um cara que sabe o efeito que a sua presença causa e, por
isso, prefere ser de todas do que investir suas fichas em apenas uma.
As pessoas pensam nela como a filha do astro. Enquanto ele é o jogador
matador da liga de beisebol.
Lily e Collin... Seria mesmo interessante se não fosse um tanto quanto
impossível!
Ou o impossível é apenas aquilo que nunca foi tentado?
O código do amor
Série Boston Globe, livro 5
Amazon
Sinopse
Suellen Carvalho nasceu em Ventura, mas seu sonho fez com que saísse
da cidade sem olhar para trás, com o intuito de estudar e se tornar a escritora
que tanto queria ser. Agora, com um bloqueio literário, ela está de volta e se
surpreende ao notar que Vince, seu amigo de infância, se transformou de
garoto franzino para um peão sexy, com um sorriso digno de fazê-la delirar.
Vincent D’Ávila é filho do fazendeiro mais conhecido da região, herdeiro
da fazenda Raio de sol e um dos brutos mais cobiçados de Ventura. Com a
volta da única mulher que sempre mexeu com os seus sentidos, Vince terá
que escolher entre se render ao sentimento adormecido, ou trancafiar de vez
tudo o que Suellen lhe desperta, e ela, por sua vez, terá que se decidir entre ir
embora novamente ou atender ao pedido do seu coração.
O tempo os separou.
Mas existiria algo mais forte capaz de uni-los?
Laçando a Lua
Spin-off de Raio de Sol
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Sinopse
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Sinopse
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Sinopse
Erika Albuquerque sempre teve sua vida traçada, com a certeza de que
um futuro glorioso a esperava. No entanto, por que ela não se sentia feliz?
Entre idas e vindas da vida, ela acaba se encontrando na avenida Sentimento,
onde um estúdio de tatuagem se sobressaía ao seu mundo caótico de cores.
Com uma singularidade, Erika conseguia enxergar tudo o que os outros...
não conseguiam ver. E ao colocar seus olhos naquele homem, teve a súbita
certeza que nada seria o mesmo sem ele.
Athos Monteiro, uma pessoa tranquila, que vivia cada dia por vez, não
imaginava que a sessão marcada em uma segunda-feira calma e sem
pretensões mudaria a sua rotina de uma forma tão irreversível. Ele não sabia
o que estava acontecendo, mas tinha a noção de que aquela mulher com
cabelos cacheados e olhos tão verdes, quanto esmeraldas, o deixava
incomodado de uma maneira estranha e sem explicação.
Athos e Erika não deveriam se encontrar, mas, entre uma trama de
mistérios e mentiras, se veem interligados. Correndo contra um sentimento
tão irrefreável quanto uma tempestade e tão inevitável... como o tempo.
A fuga da princesa
Duologia Inimigos Reais, 1
Amazon
Sinopse
Quando Adele Packard Rodwell fugiu do seu próprio casamento, ela não
imaginava que isso desencadearia uma confusão gigantesca. Queria apenas
proteger as pessoas que amava e cuidar para que a verdade fosse revelada. No
entanto, lá estava ela, em uma enrascada digna de nota.
Enquanto ela fugia, Nicholas Henry Baldrick Holloway, o príncipe
herdeiro do trono de Persóvia, tinha noção de que precisava se casar o quanto
antes. Não importava o que sentisse, bastava que aceitasse suas
responsabilidades e honrasse a coroa.
Ambos não sabiam como seriam as coisas, quando finalmente iniciassem
seus reinados; só tinham conhecimento que Hirondelle e Persóvia eram
países inimigos e que assim permaneceriam para sempre.
Uma rivalidade tão antiga quanto as famílias reais.
Uma fuga que mudaria o presente.
E o que era impossível se tornaria apenas... um mero acaso.
Nesta primeira parte, Nicholas e Adele terão que medir e unir forças para
descobrirem algo muito pior do que imaginavam. Algo muito maior do que
esperavam.
A escolha do príncipe
Duologia Inimigos Reais, 2
Amazon
Sinopse
Amor.
Aventura.
Segredos.
As areias do tempo estão correndo contra Adele e Nicholas.
Príncipe e princesa encontrarão problemas que parecem insolúveis,
lidando com uma vingança orquestrada há mais tempo do que imaginam.
Na segunda parte da jornada, a impulsividade de Adele obrigará Nicholas
a fazer uma escolha difícil, levando-os ao limite de tudo o que acreditam, ao
extremo de tudo o que foram criados para confiar.
Prestes a duvidarem de si mesmos e a perderem a batalha contra o
inimigo, só uma coisa poderá salvá-los... As verdades tecidas entre o passado
e o presente, linhas escondidas por séculos que culminaram no começo da
guerra e que podem ou não acabar com ela.
*É necessário ler o primeiro livro da Duologia Inimigos Reais: A fuga da princesa.
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Notas
[←1]
Sotaque mais gutural, no qual o final das sílabas in, en, im e em soam indistintas,
deixando as palavras bem parecidas, como Ben e Bin que podem soar da mesma
forma. Também é característico deste sotaque sílabas com o som de “o” acabarem
por se tornar mais graves.
[←2]
Nome na versão português do Brasil, Dunga.
[←3]
Nome na versão português do Brasil, Zangado.
[←4]
Nome na versão português do Brasil, Mestre.
[←5]
Nome na versão português do Brasil, Atchim.
[←6]
Nome na versão português do Brasil, Feliz.
[←7]
Nome na versão português do Brasil, Soneca.
[←8]
Nome na versão português do Brasil, Dengoso.
[←9]
Chief Financial Officer, em português Diretor Financeiro.
[←10]
Chief Operating Officer. Diretor Operacional.