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Copyright © 2020 Cinthia Basso

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Margareth Antequera


Capa: Layce Design
Diagramação Digital: Layce Design

Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição digital | Criado no Brasil.


Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Contato
Notas
Nota da autora: Esse livro se passa dois anos após os
acontecimentos narrados no livro O rei do petróleo.
As pessoas dizem que você ficará bem, mas,
não é isso que quer ouvir e, sim que é
normal ficar mal às vezes.
Para ouvir a playlist de “O Beijo de Inverno” no Spotify, abra o app no seu
celular, selecione buscar, clique na câmera e posicione sobre o code abaixo.

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Doze anos antes

— Cara, você precisa conhecer alguém! — Meu irmão tenta me


animar, mas a única coisa que detém minha atenção é a mulher no lado
oposto do salão.
Não sei o seu nome.
Só enxergo seu sorriso sem jeito, envergonhada toda vez que alguém
fala com ela.
É tão delicada e atraente que minha atenção flutua em sua direção como
se eu fosse um sonhador, preso no mundo dos sonhos. Seu olhar cruza com o
meu a cada poucos instantes e, sinto que temos uma conexão imediata. Por
isso, meu irmão tentando conversar comigo significa a mesma coisa que
nada, não consigo focar nele.
Não quando um anjo caiu do céu direto na mansão Kingston.
Basta só alguns minutos, para verificar se ela realmente está
interessada, que então caminharei sem falha até onde está. Nem que eu tenha
que passar por cima de Dale, que aliás, cutuca minhas costelas com o
cotovelo.
— Você não respondeu! Em que caralho de mundo está? E aí, topa ou
não conhecer alguém?
Interrompo a minha apreciação por instantes para fitar o infeliz do meu
irmão. Ele nota a minha irritação, mas escolhe ignorar. Algo que todos os
Kingston fazem com maestria.
— Acho que não.
— É sério. Ela é só dois anos mais velha do que você e é muito
interessante. De verdade. Tem as mesmas conversas, sobre pintura, Etta
James e um monte de baboseira que eu não faço questão de memorizar. Juro,
irmão, é perfeita para um cara tão irritante e extremamente sarcástico como
você. A mulher é de exatas, fez intercâmbio até esquecer onde nasceu, tem
um pai bacana, a mamãe o conhece e caramba, já te falei que ela é divertida
ao extremo? Juro que vai se apaixonar por ela! O nome é Can... —
Interrompo-o.
Não estou interessado em conhecer ninguém além da mulher no lado
oposto do salão.
Sinto-me terrivelmente bem em ser o caçador e ela a presa.
— Apresente para o Lane.
Falo, mas sou bem ciente de que ele está comandando a Kingston
Company e em suas palavras, exatas inclusive “não tem tempo para romance,
quando precisa reerguer uma empresa atolada em areia movediça”. Lane é o
mais perigoso de nós, que venderia qualquer pessoa se isso significasse lucro
a ele, um homem absolutamente focado em sua tarefa.
Nada o tira do prumo.
Ou o faz titubear acerca de dinheiro.
— Lane não, porra! Eu quero meu irmão feliz. E sério, eu estou saindo
com a amiga dela, e seria muito legal se você pudesse ir com a gente em um
encontro duplo. Mamãe a conhece por nome, o que não surpreende uma vez
que a gente praticamente conhece todo mundo por aqui. Ser um Kingston às
vezes soa como uma maldição, temos que ficar sendo simpáticos com gente
que é insuportável.
Ainda nesse assunto? — Tenho vontade de dizer a ele, mas para não o
chatear fico quieto.
— Faça como eu e Lane, ignore.
— Vocês têm essa coisa de assustar os outros com cara feia, mas eu
não consigo. Sinto-me culpado se eu achar que estou magoando alguém.
Reviro meus olhos para o sentimentalismo do meu irmão. Dale tende a
ser muito emotivo e isso só piora quando as mulheres percebem e o
manipulam, usando da sua qualidade — que no meu caso seria um enorme
defeito — para fazê-lo ficar com a consciência pesada. Apenas ele que não
percebe. E se eu levar em conta essa informação, sabendo que ele está saindo
com a amiga da mulher a qual quer me apresentar, não sei se estaria tão
interessado em conhecê-la assim. Com certeza não faz meu tipo.
— Então, cumprimente e finja interesse nas conversas estúpidas da
maioria deles.
— O que tanto discutem? — pergunta Lane se aproximando de nós
dois.
— Dale quer que eu conheça alguém e eu falei para ele apresentar a
você.
— Não quero conhecer ninguém, não tenho tempo. — Exatamente
como eu disse.
Seu semblante está tão tenso e angustiado por estar aqui, quanto o de
todos nós. Nenhum Kingston da terceira geração quer vir para estas festas
enormes e suntuosas. Nenhum. Prova disso é que minhas primas estão
bebendo uma taça de champanhe seguida da outra, enquanto sorriem fingindo
interesse, assim como mandei Dale fazer.
Somos em sete.
Eu, Dale, Lane, Kendrick, Jenna, Bessie e Casey.
Com idades aterrorizantemente próximas. A diferença não passa de
meses em alguns casos. Minto, na verdade Lane é quase cinco anos mais
velho que eu. Porém, além dele, o restante nasceu com pouco tempo de
diferença, o que torna as coisas muito complicadas ou descomplicadas,
porque passamos pela puberdade juntos e frequentamos as mesmas escolas, o
que foi uma infelicidade visto o sobrenome que funcionava como um
chamariz. Por sorte, cada um escolheu uma graduação, em um lugar bem
distante da tão confortável Dallas.
— Quem quer sair correndo até o jardim? Acho que temos tempo antes
da vovó aparecer. — Jenna se une a nós no círculo dos carrancudos e dá uma
ideia tentadora... se eu não estivesse interessado em alguém que está no salão.
— Podem ir.
— Damon recusando um alívio de socializar? — Espanta-se ela.
Indico com um olhar a direção na qual estou interessado.
— Agora entendo — murmura Lane — Mas, se quiser, Jenna, eu aceito
a escapada, porque não aguento mais ficar aqui, escutando parabenizações
pela presidência da companhia e por estar alavancando as ações na Bolsa de
Valores. Acredita que o velho Paxton teve a deselegância de dizer
diretamente a mim que estava comprando um montante de ações apenas
porque confiava na minha capacidade e que eu não posso decepcioná-lo ou
ele perderia milhões? Esse é o aniversário da vovó, pelo amor de Deus, as
pessoas deveriam ter mais consideração.
— Ele sempre foi inconveniente. No último 4 de julho, bem no meio do
desfile, ele parou o carro com o qual desfilava, que aliás estávamos eu e
Bessie e saiu para ir ao banheiro, deixando nós duas sem saber o que fazer,
fantasiadas e com penteados que pesavam quilos. Se eu mexesse a minha
cabeça, juro que o meu pescoço não aguentaria. Ainda não entendo por que
vovó teima em manter essa porcaria de tradição. O que ela quisesse, juro que
era só dizer, para eu fazer e me livrar dessa coisa toda. É humilhante. E
quando junho se encerra eu já começo a me coçar inteira, com alergia de
julho. É o pior mês do ano para mim.
— E o Natal? — pergunto.
Porque ninguém gosta de tricotar suéteres e participar de uma
competição sem nenhum prêmio interessante em vista. Nada pode ser pior, ao
menos para mim, nem mesmo o 4 de julho. Prefiro uma dezena de dias como
esses, do que participar de uma competição tonta que tem como juíza a vovó.
Ela nunca é imparcial.
— Eu não acho o Natal tão ruim quanto o 4 de julho — agora é Bessie
que se junta a nós.
Somos oficialmente a roda dos primos desgostosos com as festas e, as
tentativas das pessoas de nos bajular. É irritante.
— Nem eu — Casey se aproxima também e aparenta ter bebido mais
do que aguenta, porque soluça a cada poucos segundos, com as pálpebras
baixas e não conseguindo se equilibrar sem mexer um dos pés.
Lane nota os mesmos detalhes que eu e trocamos olhares repletos de
significados. Alguém precisa levar Casey para o seu quarto. Ela tende a
querer chamar atenção, batendo nas taças com talheres e contando os podres
de todos os presentes. Da última vez, ela disse alto e claro para uma das
amigas da minha mãe que o marido dela mantém uma segunda família. Não
sei como a mulher nunca desconfiou, porque o fato é que todo mundo sempre
soube. A briga foi garantida, dele ralhando com a minha prima e todos nós
ficando estupidamente irritados, dispostos a usar de violência se ele não
parasse de insultá-la.
Ninguém mexe com a nossa família.
Nós podemos nos xingar, na maior parte do tempo, mas ninguém tem
esse direito. Princípios passados com veemência por vovó Pearl.
“Defendam aos seus, são família, são Kingston.”
— Você vai levá-la para o quarto dela? — pergunto a Lane.
Não vemos problemas em ela ficar assim, é até bom para extravasar, a
questão é que preferimos evitar nos envolver em polêmicas, porque depois as
revistas de fofocas não nos deixam em paz.
— Vou, aproveito e pego minhas coisas no quarto ao lado. Preciso ir
até o aeroporto daqui algumas horas, para uma reunião com alguns
investidores no Japão. Quero uma tecnologia inovadora que eles possuem e
não vou medir esforços para tê-la.
— Não vai dormir? — pergunta Jenna.
Lane acena negativamente, sem se estender no assunto.
Ainda não entendo por que Jenna teima em perguntar. Nosso primo
tenta disfarçar, mas a verdade é que ele sofre de insônia desde que assumiu a
companhia. Como o mais velho de nós, busca proteger a todos, algo que me
faz discutir com ele a cada passar de semana. Lane precisa parar de querer
carregar o mundo nas costas. E todos devem parar de gastar o dinheiro
desenfreadamente, cobrando dele altos dividendos das ações. Até meus pais
fazem isso, o que eu recrimino veemente. E meus tios, bem, eles não têm
qualquer pingo de juízo na cabeça.
Como a terceira geração saiu tão diferente da segunda? Uma questão
fácil de responder, uma vez que o maior motivo foi vovó e sua bengala que
surgiu para nos educar. Tudo após perceber a inversão de valores dos filhos,
o que a deixou com medo que nós seguíssemos pelo mesmo caminho
mesquinho, decidindo então que ficaríamos debaixo da sua asa e que se
ferrasse o resto.
Só tenho a agradecer.
Por isso todos a amamos sinceramente e incontestavelmente. Por mais
que ela nos castigue com a bengala.
— Já contratou um assistente executivo? Lembro que você disse que
não confiava naquele que era do vovô. — Decido mudar de assunto, porque
sobre a pauta insônia, ele não dirá nada de qualquer forma.
— Sim. Ele é inexperiente, mas o bom é que podemos aprender juntos
e formar um belo time, que trabalhe em sintonia.
— Aquele que falou? Hayden, não é? — Kendrick surge próximo a
nós, segurando uma taça de champanhe nas mãos.
Ainda não bebeu e Lane é rápido em tirá-la da sua mão. Tecnicamente,
de acordo com a lei, ele não pode beber ainda, não tem vinte e um anos e
sempre tenta driblar o sistema, achando que nós não vemos. Vovó vive dando
pancadas com a bengala nele por esse motivo. Faltam poucos meses para ele
poder fazer isso e, não precisa se apressar. Envelhecer nem é tão bom assim.
— Esse mesmo e, não adianta tentar beber escondido — diz Lane antes
de tomar um gole da taça que pegou do irmão.
Volto a olhar na direção da mulher e a pego em flagrante, admirando-
me. Vira o rosto rapidamente, envergonhada. Decido que é esse o momento
para tentar alguma coisa. Porém, quando dou o primeiro passo, vovó aparece,
com a sua bengala e semblante totalmente maquiavélico.
— Aonde vocês pensam que estão indo? Precisamos fazer o brinde. —
Apoia a bengala em um dos meus pés e eu arregalo os olhos, engolindo a dor.
Solto o ar com força, assim que ela se dá por satisfeita em ser maldosa
e me liberta.
— Vovó, eu perguntei para o Damon se ele não quer conhecer a filha
do Makai e ele me disse para apresentar para o Lane — resmoneia Dale.
— Aquele homem ama demais a filha, e tem um orgulho desmedido
dela. Estava conversando com ele semana passada sobre algo assim. Seria
fantástico.
Ela apoia o cotovelo no seu instrumento de tortura preferido enquanto
eu tento descobrir se conseguiria sair sem que perceba. Acredito que não,
quando seus olhos pousam em mim e ela os estreita em duas fendas finas,
avaliando o meu nível de coragem. Aposto que vovó lê pensamentos, não
existe outra explicação.
— Também queria apresentá-la para o Damon? Eles não ficariam
perfeitos juntos?
— Não conheço a menina, e como ela chegou há duas semanas, achei
melhor dar um tempo. Ela é o quê? Um par de anos mais velha que o
Damon?
— Exatamente! E é tão inteligente quanto ele ou Lane! Eu me assustei
quando conversei com ela. Não é o tipo de mulher para mim, mas é perfeita
para meu irmão, já que ela ama Etta James no mesmo nível que ele.
Vovó aparenta surpresa com a revelação, balançando a cabeça em uma
aprovação sutil. Noto as engrenagens funcionando em sua mente e tenho
medo do que ela pensa em fazer. Nunca é uma boa coisa.
— Por essa eu não esperava.
— A conversa está muito boa, mas eu preciso mesmo ir, vovó — Lane
se apressa até nossa avó e deposita um beijo no topo da sua cabeça. Para o
restante de nós, um simples aceno de despedida basta e ele não demora a
desaparecer por entre os convidados, levando uma Casey extremamente
alterada com ele.
— Esse menino só trabalha, depois que assumiu a empresa.
— Vovô a deixou ferrada o bastante para ele ser obrigado a isso.
Vovó emite um “rum” inconformado e se vira na minha direção.
— Vai ou não conhecer a filha do Makai?
— Não sei por que vocês insistem tanto nisso. Não quero conhecer
ninguém. Estou bem sozinho.
Não aguento mais o assunto deles sobre quem eu gostaria ou não de
conhecer. É incompreensível para mim a necessidade que todos veem de
encontrar pares para os outros.
— Bem, é, certo — duvida ela — e não se esqueçam do brinde. Nada
de tentar fugir até o jardim pensando que eu não vou encontrar vocês. — Ela
nos abandona e eu consigo enxergar em cada semblante a vontade
desesperada por escapar.
Ninguém gosta do brinde.
Ficamos expostos, um ao lado do outro, em uma situação visivelmente
constrangedora, com todos os convidados olhando para nossas caras feias.
Alguns até analisando que roupa vestimos, só para poder terem assunto
quando vierem falar conosco.
É péssimo.
Excessivamente péssimo.
Pior que isso, são os leilões. No entanto, tivemos sorte de a tradição se
iniciar apenas com as mulheres. Não gosto de imaginar como seria funesto
ser leiloado entre um monte de mulheres, que só querem me levar até o altar.
— Não acredito que ela não me ajudou! — protesta Dale.
— Para você ver como a ideia é absurda.
— Claro que não! — defende-se ele — Mas, se não quer, tudo bem. O
problema é seu. Eu vou... — Seu olhar cruza com o de alguém no salão e não
preciso ser um gênio para descobrir o motivo para ele engolir em seco. —
Desaparecer um pouco antes do brinde.
— Não engravide ninguém — falo mais alto enquanto ele se afasta
descontando o tempo em que ficou falando sobre a tal filha do Makai — sabe
como vovó te faria se casar imediatamente se isso acontecesse — meu irmão
mostra o dedo do meio para mim e abre caminho por entre os convidados
esnobes.
Acaba parando para cumprimentar alguns, incapaz de ignorá-los, como
eu e Lane fazemos. Algum dia ele aprenderá a técnica, sem dúvida. Até as
garotas já estão aprendendo. Sorrio sozinho, com a sua clara infelicidade, em
tentar dar atenção, mesmo sem querer. E nesta apreciação da sua enfadonha
vida, topo novamente com os olhos grandes e esperançosos me fitando.
Decido que é agora, não tem como mais ninguém me atrapalhar.
— Com licença, eu também preciso fazer algo — falo para Kendrick,
Jenna e Bessie.
Todos erguem uma das sobrancelhas em um gesto provocativo. Sabem
muito bem o que irei fazer.
— Estava me perguntando quando você finalmente iria até lá.
— Como? Se só estava sendo interrompido.
Dou mais um passo, mas sou parado pelo meu irmão que está de volta.
Xingo-o tanto mentalmente que ainda não sei como ele não caiu para trás
com a força do meu ódio. Será que é o destino me dando um sinal? Mas que
merda! Acredito que se ele não me liberar, em breve serei considerado filho
único, porque vou matar o infeliz.
— Damon, aquela mulher que eu te falei, ela está aqui, cara! — fala
efusivamente — Acabou de chegar com o pai, vamos até lá para eu
apresentá-la a você. Sei que pensou que estivesse livre de mim, mas não custa
nada e juro que será bem rápido, só para você entender o que eu estava
falando — termina e começa a me arrastar contra a minha vontade.
Desvencilho-me dele da maneira mais cortês que consigo.
— Dale, não. Se acha ela tão bacana assim, fique com ela você. Que
merda!
E não dou tempo de ele me impedir, distanciando-me o mais rápido que
consigo, abrindo caminho por entre os convidados com o meu semblante
carrancudo e lançando apenas olhares enviesados a quem tenta me barrar para
falar alguma coisa, ou simplesmente tentar me bajular. Não estou com uma
mínima porcentagem de paciência para isso, fui interrompido vezes demais
de seguir com a minha vontade de conhecer o anjo que agora me contempla
espantada por eu ter tomado uma atitude.
É assim que nós fazemos por aqui, querida! Se queremos algo,
corremos atrás.
Quando finalmente consigo chegar bem próximo a ela, sinto-me
incapaz de acreditar que uma beleza tão estonteante e singela exista. É
incrível, com os cabelos pretos ondulados e curtos, os olhos incrivelmente
castanhos e os lábios tão rosados que eu rapidamente os associo a morangos
suculentos.
— Olá, eu sou o Damon. — Aproximo-me mais e alço a sua mão, para
depositar um beijo; sentindo a suavidade da pele — Estive te olhando por um
bom tempo e posso dizer com absoluta convicção, que você é a mulher mais
linda e encantadora presente aqui.
O sorriso que ela abre me faz parar de respirar em resposta. É
deslumbrante.
— Olá, Damon, eu sou a Dolores.
“O inverno é reconfortante, porque não sinto o frio que paira em
minha vida. Sou como ele, uma estação que muitos odeiam, mas
que é verdadeiramente amada pelos que dela retiram algo bom.”

Atualmente

Tudo no que você acredita pode ruir em um segundo, um curto espaço


de tempo que passa a possuir a sua versão anterior e a posterior. Sendo que
nenhuma das duas está preparada para a verdade predominante: a realidade é
dolorosa.
E é por esta tão temida verdade em minha vida, que eu escolhi me
esconder de qualquer coisa que pudesse me machucar, ciente de que quem
causa a maior ferida, sou eu mesmo, relembrando, recordando... incapaz de
esquecer por minutos que sejam.
Fé?
Uma palavra, com um significado imenso que não está mais presente
em meus dias.
Como eu terei fé se tudo o que me foi dado, foi tirado? Toda a
esperança, felicidade e as chances de continuar amando?
Vovó vive me dizendo que preciso parar de remoer o luto, para que ele
doa menos com o passar dos dias. Indaguei a ela como se sentiria se vovô
morresse, sua resposta foi o silêncio. Todos respondem com o silêncio
quando a tragédia vem à tona, aquela quietude traiçoeira, que dura poucos
segundos e contém toda a verdade antes que comecem a dizer coisas do tipo
“sinto muito”, “não posso imaginar a dor que está sentindo.”
Lembro como se fosse hoje quando comecei a terapia, algum tempo
depois da tragédia. Foram longos sete meses apenas me sentando no divã,
olhando para a psicóloga sem nada dizer. Quatro vezes ao mês em que eu me
deslocava até o seu consultório e passava uma sessão inteira em silêncio.
Eu simplesmente não sabia o que dizer. Nada parecia externar com a
profundidade que eu sentia.
Por isso, não me relacionar com ninguém por um bom tempo é uma
dádiva que eu garanto a mim mesmo. E uma cabana inóspita, em um lugar do
qual as pessoas não querem se aproximar, por conter um resort cinco estrelas
não muito longe — praticamente o sonho invernal de muita gente — foi a
minha escolha. Vovó deu um jeito de arrumar a moradia, na verdade, quando
eu decidi embarcar nessa jornada. Não perguntei quem era o dono, ciente de
que ela providenciaria o que fosse necessário. Nunca tive tanto sossego e,
também liberdade para ser o que eu quiser, sem precisar fingir que ainda
permaneço o mesmo Damon Kingston de anos antes, um que fazia piadas de
tudo e tinha sempre tiradas sarcásticas. Sinceramente, esse no qual me
transformei, odeia confraternizar e, detesta com todas as forças ter que
aguentar bajulação. Não que eu suportasse antes, mas acredite em mim, essas
coisas ultimamente têm sido insuportáveis.
E por ter me tornado essa pedra de gelo, eu odeio quando tenho que
repor meu estoque de comida, porque isso significa conversar com outras
pessoas e ter que parecer menos “irritado”.
Pois é, e preciso fingir hoje.
Para ser sincero, se a comida aparecesse sem que eu precisasse mover
minha bunda e descer a montanha com a minha cara carrancuda de sempre e
meu humor questionável, agradeceria e muito. Tremendamente.
Entro no antigo SUV que comprei há um ano, e me remexo no assento
do motorista, perguntando se me prestar a ter que conversar é realmente
necessário. Snow, um pastor-alemão que eu encontrei na rua há um tempo
está no banco do passageiro, fitando-me e sabendo que eu não quero
realmente fazer isso. Ele foi abandonado no meio do inverno congelante das
montanhas rochosas, e provavelmente teria morrido de fome, sede ou frio se
eu não o encontrasse. O homem é incontestavelmente o animal mais perigoso
do mundo. Se alguém é capaz de fazer isso a um ser indefeso e com amor em
cada olhar, não me espantaria se fizesse coisas piores aos seus semelhantes.
Acaricio o focinho do meu único amigo.
Ele fica contente e balança o rabo, de um lado a outro, provocando um
som oco ao bater no banco vez ou outra.
Sorrio e dou partida no motor potente e robusto.
Um carro de luxo, esportivo, ou os que eu costumava manter quando
ainda morava em Dallas não serviriam de nada aqui. Assim como o montante
de dinheiro que eu tenho por ser um Kingston, também não faz tanta
diferença. A cabana em que moro é modesta, nada como as mansões ao pé da
montanha com centenas de metros quadrados que se sobressaem em alguns
condados. Admito que viver longe do luxo, preso em uma bolha que eu
mesmo criei em torno de mim, tem sido estranho, porém, libertador. Eu não
conseguiria lidar com o luto em meio a todos perguntando como estou,
nutrindo piedade ou quem sabe, tentando me fazer casar novamente. Porque é
fato: um Kingston solteiro atrai todas as atenções e todas as mães em um raio
de cem metros, na tentativa de garantir um casamento para suas filhas.
Dolores me dizia que elas agem como a senhora Bennett quando
Bingley chegou à vila de sua família. Uma verdadeira teia de armadilhas para
laçarem um homem realmente afortunado.
Como ela citava?
Ah claro!
“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, em
posse de grande fortuna, deve estar procurando uma esposa.”
A frase ficou marcada em minhas lembranças, uma vez que Dolores a
falava com tanta frequência que eu revirava os olhos sempre que ouvia.
Sem levar em conta inclusive a maneira com a qual ela costumava me
chamar, de Darcy, porque segundo ela éramos muito parecidos em
personalidade e até mesmo no nome. Sempre dei risada, porque para mim
não fazia muito sentido as suas elucidações e comparações literárias. Mal
sabia eu que depois de tudo, leria cada obra da famosa autora, mais de cinco
vezes cada, para encontrar em cada linha o conforto da mulher que perdi.
Dolores amava Jane Austen.
E frequentemente eu a via se excluir nas festas com pequenos livros em
mãos. Sua inteligência, sutileza e delicadeza conquistaram meu coração com
tanta veemência que eu sabia que não me casaria com ninguém além dela. E
estava certo. Subimos ao altar algum tempo depois de nos conhecermos, no
dia mais feliz da minha vida, um no qual eu disse sim para a mulher que eu
amo. Amava. Amo. Não sei mais como me referir. Ela partiu, mas a sua
presença ainda se encontra impregnada em cada poro meu.
Apoio a cabeça por segundos no volante, perdido em meu próprio
mundo.
Por quê?
Por que as coisas tinham que acontecer assim?
Não consigo e jamais entenderei como uma pessoa tão boa e pura como
minha mulher, pôde partir por culpa de alguém irresponsável.
Esforço-me para erguer a cabeça antes que eu comece a chorar,
revivendo a cena daquele fatídico dia. O buraco aberto em meu coração está
longe de se fechar. Cicatrizes? Como elas podem existir sem que a ferida ao
menos sare?
Ergo a cabeça e fito a neve que forma um manto bem fino de gelo sobre
a estrada. A longa descida sinuosa é perigosa, mas não tanto quanto será
daqui uns dias.
Em breve, descer será impossível.
No entanto, apenas eu serei privado de contato humano, já que moro
em uma das cabanas que há ali, a outra está vazia, desde muito tempo. Fico
contente com essa situação, de verdade, não sou o cara mais simpático do
mundo. Não depois de tudo, ao menos. O tempo em que eu costumava ser o
mais irreverente dos Kingston passou e deu lugar a essa névoa obscura que
me acompanha aonde eu vá.
Não muito longe de onde estou, seguindo após a cidade e subindo as
montanhas a noroeste, se encontra um dos maiores resorts de esqui do estado.
Talvez, por este motivo eu também evite ir até a vila, porque sei que terei que
lidar com turistas eufóricos por adrenalina.
O que está falando, Damon? Eles ainda fazem alguma coisa e você? O
que você faz além de se isolar em uma das montanhas e torcer para não ver
um rosto conhecido por meses? Isso é hipocrisia.
Mando esses pensamentos para longe, ciente de que não tenho nada que
cuidar da vida das pessoas.
Olho para meu companheiro, já impaciente por não estarmos em
movimento e respeito a sua vontade, manobrando o veículo poderoso, e
rumando para a estrada, serpenteando por entre os Pinus exuberantes, com as
suas folhas começando a se tornarem esbranquiçadas. Snow parece perdido
em seus próprios pensamentos caninos ao meu lado, enquanto a paisagem
passa vagarosa do lado de fora. Às vezes me arrepio com o quanto ele parece
humano, refletindo em quietude.
— Vamos comprar bastante petiscos para você, garotão — converso
com ele.
Demoro cerca de vinte minutos para descer a encosta e mais de
quarenta para parar na primeira mercearia nos arredores de Ennis.
Deixo Snow no aquecedor do carro e saio no frio congelante,
certificando-me de que meu casaco está muito bem fechado. Corro para a
porta de madeira e a abro, fazendo com que o pequeno sino acima dela soe
avisando a minha presença.
Alguns moradores se encontram fazendo o mesmo que eu, suas
compras para passar o inverno no conforto de suas casas, sem precisar sair
em meio à nevasca para buscar alimento.
Esfrego minhas mãos, incomodado com os olhares sobre mim.
Ouço um cochicho entre duas senhoras.
— Esse moço sempre desce a montanha quando precisa comprar
coisas. Será que ele é um assassino fugindo da polícia, deveríamos denunciá-
lo? Passa tanto tempo longe de todo mundo, não pode ser boa coisa. Meu
Jude contou que ele está em uma daquelas cabanas no alto da montanha.
Sabe, aquelas que todo mundo diz serem mal-assombradas? Ficam a uma
hora daqui e me pergunto o que um homem como ele faz sozinho em um
lugar daquele. — A senhora faz o sinal da cruz e eu controlo o riso por causa
do seu medo sincero.
A outra concorda com um aceno, olhando-me de esguelha. Nem me
importo, na verdade, só me pergunto como o tal Jude sabe tanto de mim.
Jamais devo subestimar as fofocas em cidades pequenas, elas parecem se
espalhar com uma rapidez assustadora.
— Eu não aguentaria um dia naquele lugar. Por que ele não foge de lá e
se hospeda aqui?
Contenho o riso. Elas perceberiam que eu escutei o que disseram.
— Ma’ams — cumprimento imperativo, e quando elas notam que eu
ouvi a conversa sussurrada, tratam de se mover para o caixa a fim de pagarem
suas compras e saírem de perto de mim o mais rápido possível.
Uma mulher percebe o que acabei de fazer e abre um sorriso de canto.
Finjo não ver. Não quero ter que ser simpático com ninguém.
Movo-me para os itens essenciais e pego uma dezena de cada,
enchendo a minha cesta de compras. Deixo-a em um canto conforme pego
mais duas, que rapidamente estarão cheias também. É uma pena que o lugar
não tenha carrinho, mas com o tamanho, acredito que só caberia um cliente
por vez se tivesse. Loto a segunda, com coisas para o Snow e depois encho a
terceira com alguns mimos para mim. Chocolate, massas prontas para bolo e
afins. Decido pegar uma quarta cesta para itens de higiene e sem demora
empurro as quatro em fileira até o caixa, não muito longe de onde estou.
Permaneço concentrado na minha tarefa e quando ergo a cabeça,
deparo-me com os olhos castanho claros e esperançosos da mulher que
trabalha ali. Ela não tem qualquer intenção de disfarçar o seu interesse por
mim, desde a primeira vez em que me viu. Acredito que seja a única que
repara no homem barbudo perambulando em raros dias pelo lugar sem nutrir
qualquer traço de medo. Passo a mão em meu queixo e a barba
consideravelmente grande torna-se áspera em contato com a minha palma.
Devo parecer um neandertal.
E qual o problema? Não estou aqui para conquistar ninguém.
Abro um sorriso amarelo, sem querer dar a entender que gosto dos seus
avanços.
— A nevasca será ruim este ano. Deve tomar cuidado, caso contrário
não conseguirá sair da montanha por várias semanas — diz ela.
Indico a pilha de coisas que estou pegando.
— Por isso peguei um pouco a mais desta vez — falo sem rodeios.
— O que acha de tomar um café antes disso acontecer?
A mulher se inclina por sobre o balcão. Movo o peso do meu corpo de
um pé a outro, sentindo-me incomodado.
— Gosto de ficar sozinho.
— E como está seu cachorro?
Ela desiste de tentar me fazer titubear com a proximidade e muda de
assunto. Agradeço mentalmente por isso. Falar sobre ele é muito mais fácil,
do que tentar me livrar de um encontro.
— Muito bem, obrigado.
— Quer companhia no inverno? Posso ficar lá em cima com você se
quiser.
Engulo em seco, tentando encontrar uma forma de não ser grosseiro ao
mesmo tempo em que preciso ser direto e inquestionável.
— Vim até aqui para encontrar a solidão, sinto muito.
— É — ela pende a cabeça para um lado — uma pena que um homem
tão interessante quanto você esteja tão empenhado em ficar sozinho. Se
mudar de ideia já sabe onde me encontrar, só não venha tarde demais.
Não sorrio dessa vez. Permaneço sério. Eu nem me dei ao trabalho de
perguntar o nome dela, desde que cheguei à cidade e fiz minha primeira
compra, isso há muito tempo! Não entendo o motivo para ela achar que estou
à procura de romance quando ajo de maneira tão evasiva.
Finalmente o último item da minha compra é passado e a pago,
tencionando voltar para o meu refúgio o quanto antes. Snow também já deve
estar maluco no carro, achando que eu o abandonei. Esforço-me para carregar
todas as sacolas pardas de uma vez e quando chego ao automóvel, estou
esbaforido. Guardo tudo prontamente no porta-malas e movo-me depressa até
o lado do motorista. Ao abrir a porta, o pastor-alemão pula do banco onde
estava para o meu, com agilidade.
— Preciso que saia, se não como vou entrar?
Meu pedido suave o faz balançar a cabeça indignado, enquanto retorna
para o seu lugar.
Lambe a minha cara, demonstrando a sua alegria, assim que fecho a
porta e me ajeito no banco. Faço uma careta ao sentir a baba escorrendo pela
minha bochecha, mas o gesto não tarda a me provocar um sorriso.
— Está agradecendo antes de ver o que eu comprei? — pergunto — E
se eu não tiver comprado nada?
Soa maluquice, mas é como se ele entendesse o que digo, quando
percebo que não está mais tão feliz como quando entrei.
— Estou brincando! — Acarinho o seu focinho — Comprei uma cesta
inteira de coisas para você!
Ele volta a abanar o rabo e olha para frente, premeditando que já
estamos de partida.
Algumas pessoas na rua me olham conforme eu sigo para a
ramificação. Parecem na dúvida se sou uma boa pessoa ou não, assim como
as senhoras na pequena mercearia. Sei que não sou a criatura mais entrosada
do mundo, porém, o que eu fiz para eles, para que pensem coisas tão ruins?
Uma voz em minha mente profere as respostas:
Ignora quase todos, sem cumprimentá-los de volta.
Está sempre emburrado.
Foi visto pegando um cachorro enquanto vociferava xingamentos —
sendo esses destinados a quem o deixou sozinho, mas as pessoas próximas
não tinham como saber.
E também desaparece por quase todo o rigoroso inverno, mantendo-se
afastado da civilização e qualquer tipo de emoção humana, no alto de uma
montanha mergulhada em neve.
É, talvez eles tenham razão em imaginar os piores cenários sobre a
minha vida.
Pena que as coisas são mais simples do que imaginam e muito mais
trágicas também.
Quando finalmente chego à cabana, carrego as compras para dentro e
desabo na poltrona em frente à lareira, torcendo para que o inverno desta vez
congele meu cérebro, tornando-o incapaz de remoer o passado e se lembrar
de tudo o que tive e perdi.
Porque me lembrar a cada minuto... é pior do que não ter lembrança
alguma.
“Casamento? Nunca mais! Quando se tem uma péssima
experiência na vida, o risco de passar por algo sequer semelhante,
soa como o pior dos pesadelos.”

Os caubóis de romances de banca me estragaram para o mundo.


Não tenho o que dizer, é isso. Porque olhando para a festa, onde vários
empresários ostentam seus “Stetson”, suas botas e os cintos de couro, percebo
que aquela realidade a qual leio, pode ser uma alternativa, que eu nunca
encontrarei de verdade. Eles são sexys? Ah, são sim. Mas, alguns ignorantes
demais, sisudos demais, e até... velhos demais.
Onde estão aqueles com o abdômen trincado, suados, enquanto
carregam feno nas costas?
Nem nas fazendas que já fui, os vi.
Acredito que não passam de ilusão.
Tomo um gole de vinho, observando as pessoas que desfilam na
mansão do meu pai. Algumas nem sabem por que estão aqui. Elas passam por
mim, me cumprimentam e seguem seus caminhos.
Mantenho-me apoiada no balcão provisório montado em um dos cantos
da sala, para servir as bebidas. Estamos eu e Trust — amiga de longa data,
recentemente sócia também — afogadas em amargor, sem muitas
perspectivas de nos divertimos durante esta festa, na qual papai comemora o
início de um novo empreendimento, que poderá alçar o nome da sua
construtora.
— Precisamos ver aquela questão, com as peças da nova coleção —
exclamo.
— Não fale de trabalho agora. Estou no meu momento social. Você
quase não me deixa ter nenhum. É uma droga as vezes ser amiga da minha
sócia.
Ficamos quietas por alguns segundos.
É oficial, somos duas mulheres com mais de trinta anos — quase
quarenta, mas prefiro não ressaltar essa parte — com uma vida pessoal de
merda, se mantendo firme apenas pela profissional, um sucesso aliás; o que
faz com que vários homens se sintam pressionados perto da gente e tornem a
parte amorosa de nossa existência, quase inexistente.
Porque a verdade é que: quando você percebe que pode se divertir o
bastante sozinha, ou na companhia de uma amiga, homens acabam se
tornando dispensáveis. Não em um momento mais quente, claro. Porém, eles
mais atrapalham do que ajudam, sabe?
Superestimados demais.
Tenho alguns brinquedos que fazem um trabalho melhor do que a
maioria dos homens com os quais fiquei.
— Ryder tem dado muito trabalho ultimamente?
— O de sempre — dou de ombros — ele fica bêbado como um gambá
e aparece na frente de casa, implorando por uma nova chance. Já faz quatro
anos que estamos divorciados e ele está casado há alguns meses. Como pode
ser tão idiota assim? Para falar a verdade — repenso minha fala — não ser
idiota é que deve ser um desafio para ele.
O infeliz me abandonou no pior momento da minha vida, porque não
conseguiu lidar com a pressão junto comigo.
Eu já disse que homens são um saco? Pois eles são.
— O que mulheres tão lindas fazem sozinhas? — e por falar em
desgosto, um coloca-se ao meu lado, com a mesma conversa de sempre.
Posso ver que ele está com um amigo, que se mantém em pé e olha para
Trust com os olhos brilhando, pensando que se darão bem esta noite.
Coitados!
— Cai fora! — resmungo.
Se eu quisesse homem eu mesma teria procurado algum, por minha
própria conta.
— Não querem ao menos conversar?
— Se eu quisesse conversar, diria, pode ficar tranquilo.
— Nossa, as mulheres estão cada vez mais difíceis — cicia ele, se
afastando de onde estamos, gargalhando com o amigo de alguma piada
interna e chego à conclusão que é exatamente por isso que os dois estão
sozinhos.
Pensam que o problema somos nós?
Não temos culpa se eles se aproximam sempre com a mesma história de
sempre, sem qualquer conhecimento sobre como puxar assunto e se fazer
interessante. Acreditam que só um “oi, linda, o que faz sozinha?” é atrativo?
— Homens e a mania de acharem que um “linda” resolve tudo —
comenta minha amiga, um reflexo dos meus pensamentos.
— Preferimos ficar sozinhas a ter companhias patéticas à noite.
— Exatamente — concorda ela, mas fita um ponto atrás de mim.
Quando me viro e acompanho seu olhar, vejo Dale Kingston
cumprimentando algumas pessoas. Não sei qual foi o milagre que aconteceu
para ele surgir aqui, depois de tanto tempo longe. Mas, minha amiga parece
bem mexida ao vê-lo. Estreito os olhos em sua direção, porém ela ignora
minha avaliação.
— Nem todos são patéticos, pelo visto.
— Realmente. Mas, não é nada demais. Homens interessantes são
geralmente os que mais fogem de relacionamentos. Também fodem bem,
para tristeza geral da nação feminina, que sabe que é apenas uma noite e mais
nada.
— O que foi que você disse sobre ele há mais de dez anos? — finjo
pensar — Ah, claro, que o pau dele era enorme e que na cama, a última coisa
na qual pensavam era dormir. Desculpa, mas isso é o que fica marcado na
mente de uma mulher, não como ele sabe meditar ou coisa assim...
— Não posso te culpar. Naquela época, ele queria te apresentar para o
irmão, que deve ter o mesmo talento, mas você como estraga prazeres que é,
decidiu que não queria conhecer ninguém — interrompo a fala da minha
amiga erguendo o dedo indicador.
Não quero saber de irmão de ninguém. Geralmente essas coisas
terminam em um problema colossal.
— Não vamos falar do passado — sinalizo que não quero ouvir mais
nada sobre o assunto.
— Tudo bem, então, você quem saiu perdendo — Trust dá de ombros e
nossa atenção vagueia por alguns segundos, até os homens que acabaram de
chegar.
Vestem ternos e usam chapéu.
O que é comum por aqui, na verdade.
Não são lindos como outros que eu e Trust já vimos, mas são
apresentáveis.
Eu e ela trocamos olhares e decidimos que não vale a pena tentar puxar
assunto com um deles na festa de papai.
No mesmo instante, vejo que Dale olha em nossa direção, ou para ser
certeira, seu olhar pousa em minha amiga, que abre um sorriso de canto e
sorve um gole da sua taça, deixando claro que talvez as coisas entre eles
voltem a acontecer. Ainda não entendo qual o seu fascínio por esse homem,
sequer entendo o deslumbramento de todas as mulheres que conheço com os
tais Kingston. Nem ao menos sei o nome de todos, apenas de Dale, porque
minha amiga não para de falar.
— Isso porque você disse que ele é do tipo: apenas uma noite.
— Complicado — profere ela.
— Sempre que dizem essa palavra, é sinal de perigo. — E eu tenho
razão, aliás — Oh — murmuro assim que vejo Dale caminhando até nós — e
lá vem o seu perigo.
O olhar no semblante do indivíduo é decidido e Trust ao meu lado,
emana tensão.
Dou sinais de que vou me afastar, mas minha amiga barra o avanço.
— Se sair, eu juro que te mato — sibila.
Maravilha. Terei que ficar no meio da conversa de dois ex-amantes.
Tudo o que eu queria para hoje.
— Trust, que surpresa te ver aqui — diz ele.
— A surpresa é você estar aqui. Não eu.
— Claro, tem razão. — Ele sorri divertido, envergando os cantos da
boca perfeitamente desenhada, enquanto fita minha amiga com olhar
especulativo.
Até que se volta a mim, balançando o indicador em minha direção.
— Eu me lembro de você, é a mulher que eu apresentaria ao meu
irmão.
— Não, obrigada.
— Apresentaria, eu disse — inclina-se um pouco ostentando o sorriso
irritante e presunçoso — Mas, o tempo passou, infelizmente. E nós não
somos mais as mesmas pessoas de antigamente.
— Se queria apenas dizer um oi, ou coisa parecida. Tudo certo, já o fez.
Pode nos deixar sozinhas agora?
Não sei o que dizer. Acho melhor ficar quieta.
— Ah, Trust, você fica muito irresistível quando fala assim comigo.
— Não estou tentando ser irresistível.
Dale cruza os braços na altura do peito, sem se afetar. Percebo que
através do tecido da sua camisa os músculos são firmes e proeminentes. Não
posso julgar minha amiga por cair na teia de alguém como ele. Céus, agora
me arrependo por não ter conhecido o irmão quando a oportunidade surgiu
para mim. Será que ainda dá tempo?
Ou será que o irmão mais velho dele não é tão quente quanto?
Se for, juro que vou me estapear por não ter dado tanta importância a
princípio!
— Isso é o que te deixa encantadora. Como brilha mesmo sem se
esforçar.
Certo. Ele tem uma boa conversa, preciso admitir.
— Você não tem mais o que fazer?
— Não, quando estou na companhia das duas mulheres mais bonitas da
festa. Sou o mais sortudo, pode ter certeza.
— Como é cínico — resmunga ela.
Meus olhos viajam de um para outro, enquanto acompanho a discussão
inútil que travam. Eles não fazem qualquer questão de disfarçar. Um saco!
Em determinado momento, juro que a batalha infinita me irrita e tenho
vontade de gritar como uma louca, para que eles parem.
Por sorte, para me salvar do sofrimento, assisto uma senhora com os
cabelos absurdamente pretos, olhar tão azul quanto o céu, e um caminhar
elegante movimentando-se até nós. Conheço-a de longe, como uma das
pessoas do círculo de amigos de papai.
— Olá — ela estende a mão repleta de anéis até mim — sou Elena
Kingston, é um prazer finalmente conhecer você, uma vez que seu pai fala
tanto sobre a filha prodígio. — Abre um sorriso enorme, evidenciando os
dentes brancos e perfeitos.
Ela não parece falsa como as demais, então decido ser educada.
— O prazer é meu.
— Candy, certo? — Aceno em concordância — Quem de nós
imaginaria que Makai colocaria um nome tão perfeito na filha? Você está
radiante, querida! De verdade. Por acaso já foi à mansão Kingston? Deveria ir
lá qualquer dia, para conversar comigo e com minha sogra. Pearl sempre fica
curiosa quando seu pai a cita.
A temida vovó Kingston. Não preciso conhecê-la para ter medo dela.
Todos os rumores que correm pela alta sociedade já fazem um trabalho
excelente em me amedrontar. Desde que retornei à Dallas tenho evitado a tão
temida visita, — e voltei há pouco mais de cinco anos — inventando
compromissos, mal-estar e até dor de barriga. Aposto que a senhora sabe que
em todas as vezes eu minto descaradamente, com medo de visitá-la. Mas, no
fundo deve me achar muito esperta, por ter conseguido fugir com tanta
maestria.
— Com vovó? — Dale parece aterrorizado. — Mamãe, a senhora está
tentando levar Candy direto para o inferno? Como pode ser tão sem alma
assim?
A mulher sorri sem graça.
— Filho, não diga essas coisas da sua avó. E pare de perturbar Trust,
ela não parece feliz com você por perto.
— Até que enfim, alguém para me salvar! — Já disse que Trust
costuma ser exagerada? Pois ela é!
— Eu sei como ele pode ser insistente às vezes. Mas, basta ignorar —
diz Elena em tom de confidência, como se o filho nem estivesse ali.
— Ah, agora estou percebendo como nem minha própria mãe me ama!
Que mundo cruel! Vou procurar o que fazer, uma vez que ficar aqui sendo
recriminado não é meu conceito de noite agradável.
Dale se distancia e Elena volta a me fitar, esperando uma resposta para
a pergunta que fez.
— Quem sabe um dia? — desconverso.
Todo mundo sabe que “quem sabe um dia” significa nunca. Não
precisamos disfarçar, é a verdade.
Ela entende a minha falta de vontade em conversar e sorri, formando
rugas debaixo dos olhos. Não se sente ofendida, apenas sabe que não estou
contente para manter conversas longas.
— Acredito que preciso procurar meu marido. Até mais, Trust e Candy.
Espero vê-las em breve.
Assisto-a se afastar da mesma maneira com a qual surgiu. Estonteante,
olhando para as pessoas com um sorriso no rosto. Observo até que um
homem aparentando ser da sua idade, passa a mão em sua cintura e a conduz
para um canto afastado, juntando-se a outras pessoas que possuem parentesco
com eles. Todos fazem parte do clã Kingston, que é tipo o suprassumo da
riqueza em Dallas. Não tem como evitá-los, estão em toda parte, a não ser
que você seja uma pessoa como eu, completamente antissocial quando quer.
Papai começou essa amizade com a tal família, logo que nos mudamos
de El Paso, devido aos negócios. Eu era adolescente, mas, não demorei a sair
do país, para estudar, então nunca me relacionei de fato com os seus amigos
tão importantes, a não ser em algumas festas nas quais nem me importei em
cumprimentar a todos — acreditem em mim, são muitos, e desconfio
cegamente que se reproduzem mais que coelhos. Eles são os detentores da
maior produção de petróleo nos Estados Unidos e isso nem em sonho é pouca
coisa. Sequer consigo imaginar a quantidade de dinheiro que possuem.
Passo a chance de me envolver.
A não ser Dale, mas ele não vem ao caso, uma vez que parece
interessado em minha amiga.
Porém, acho que o mais sociável deles começa e termina justamente
nele e não quero ter que abrir sorrisos falsos e, entrar em conversas sem
qualquer sentido.
Por causa disso não faço parte do clube de elite, no qual as pessoas
endinheiradas de Dallas correm para contar sobre traições, joias e os carros
absurdamente caros que adquiriram. Não tenho sangue de barata para ouvir
coisas preconceituosas e simplesmente ignorar, então prefiro evitar a dor de
cabeça. Gasto meu dinheiro com mais sabedoria, em coisas que me fazem
bem, ao invés de usá-lo só para me enturmar. Acho engraçada a necessidade
de ricos de parecerem ainda mais ricos diante dos outros. Na semana passada,
uma das amigas de papai foi acusada, por uma revista famosa, que quantifica
o patrimônio dos super-ricos por forjar documentos que a colocariam na
categoria de bilionária.
Qual a necessidade de uma merda dessa?
Como se as pessoas fossem achá-la superior por possuir tanto dinheiro.
Agora, todos acham que ela é apenas uma mentirosa.
— Você vai ficar por aqui? — inquere Trust, tirando-me do momento
reflexivo.
— Sim. Nem que me paguem arrisco ir para o meio da festa.
Ela ri ao depositar a taça vazia na superfície lustrada do balcão.
— Preciso fazer uma coisa. Me espera.
— Que coisa? — perscruto.
— Hmm, nada demais.
Trust trata de fugir da minha avaliação o mais rápido que consegue,
sem querer dizer o que irá fazer. Não que eu não tenha ideia, uma vez que
Dale não parece estar por perto.
Penso que ficaria sozinha por alguns instantes, porém, acho que
conseguir ficar só, nesta festa, é o sinônimo da palavra impossível.
— Elena estava falando com você? — Endireito o corpo quando papai
surge à minha frente.
— Sim.
— Convidando para passar um tempo na mansão Kingston, aposto.
— Mais uma vez, sim.
— Deveria ir até lá, filha. Eles são pessoas legais e, vovó Pearl é a
senhora mais sincera e honesta que já tive o prazer de conhecer. Além do
mais, Elena tem filhos quase da sua idade, Dale, que você já conhece e
Damon. Eles são bons homens sulistas, que podem te fazer feliz.
Reviro os olhos.
Desde que me separei, papai não mede esforços para que eu encontre
meu príncipe encantado. Pena que ele não sabe que com trinta e sete anos,
como eu, eles não surgem assim aos montes. A maioria dos que conheci,
prefere mulheres mais novas, as quais eles poderiam enrolar na conversa e
acabar traindo-as sem que percebessem.
— Não quero mais me envolver dessa forma. Uma vez já foi o bastante,
cometer o mesmo erro de novo seria idiotice. Já percebeu, papai, como alguns
homens só retardam a evolução das mulheres? É agonizante perceber isso e
não poder interceder. Tenho primas que vivem assim, uma lástima. Não
quero o mesmo para mim. Não de novo, ao menos. Agora que me encontrei,
em uma idade madura o bastante para aproveitar a vida e, também fazer meu
próprio dinheiro, não deixarei que ninguém me faça acreditar que é mais
importante que minha carreira, ou minha paz de espírito.
— Meu Deus, filha, não sabia que estava neste nível.
Emito um tsc.
Claro que ele sabe.
Por isso tenta me mostrar que o amor ainda está por aí, em algum lugar
— suas palavras, não minhas, claro.
— Se me manter firme à realidade é atingir um nível ruim, sinto muito,
papai. Mas a verdade é que deveriam ensinar as crianças desde cedo que esse
negócio de contos de fadas não existe e que o príncipe é provavelmente um
ogro.
— Não sei quando foi que cresceu tanto assim.
— Crescer eu não cresci — falo porque não sou tão alta assim, uma
coisa da vida, infelizmente —,mas amadurecer, amadureci muito.
— Precisa de um clima mais tranquilo, para poder acreditar em
recomeços.
— Que tipo de clima tranquilo? Não acredito que vou encontrar isso em
Dallas, com você querendo que eu frequente cada festa que faz ou vai, para
poder me enturmar. É desanimador.
— Montana, talvez? — Meu coração propaga uma batida
descompassada ao ouvir o nome do estado e eu não entendo o motivo, mas
levo a mão ao peito em um gesto rápido e que papai não percebe — Conheço
uma pessoa que tem propriedades lá. Dizem que o lugar é fantástico. Deveria
ir. Nas montanhas rochosas, cercadas por neve no inverno, deve ser perfeito.
Montana...
Montana?
Uma espécie de memória que não consigo acessar ondula por minha
mente, como uma lembrança de algo que não vivi, não nesta vida. Não sou o
tipo de pessoa que acredita em vidas passadas, mas a experiência realmente
me assusta, porque é o que sinto. Que já quis muito ir para esse lugar um dia,
por mais que até hoje, eu nunca tivesse desejado com tanta força essa
mudança de ares.
O que está acontecendo?
E por que é como se uma força interna me empurrasse veemente até
essa ideia? Impelindo-me a achá-la genial e imperdível?
— Será que consigo ligar de um lugar tão inóspito? — falo, tentando
retomar o controle das minhas emoções, necessitando ser racional.
Papai dá de ombros.
Não gosto do seu gesto, mas decido ignorar.
— Não sei. Nunca fui para lá.
— Então como posso ir, papai? Eu preciso me manter conectada, para
saber das coisas que acontecem na minha empresa! Além do mais, se eu
quisesse congelar minha bunda, eu abaixaria minhas calças e a colocaria no
congelador!
Mais uma vez a sensação estranha.
— Você poderia esquiar! Há várias estações de esqui no lugar. E Trust
não é capaz de cuidar das coisas por um tempo? Aposto que essa sua mania
de controlar como tudo ao seu redor se desenrola está te prendendo. Além do
mais, depois do que passou, querida, seria excelente que pudesse desacelerar.
Seu discurso é efusivo demais para quem não guarda um sentido oculto
nessa clara necessidade de me fazer afundar em meio à neve. Estreito minhas
pálpebras procurando por algum indicativo em sua pose, papai sempre se
derrete em suor quando mente. No entanto, seu disfarce é bom dessa vez, ele
nem mesmo evita contato direto para não ser pego, como se estivesse de fato
sendo sincero.
— Por que quer tanto que eu vá? — pergunto, mas, tenho a atenção
desviada com o burburinho que toma o ambiente.
Olho para a entrada e crispo meus lábios. Lá está um ser desprezível
que passou pela minha vida, com toda a sua pompa e uma mulher bem mais
nova que eu. Para ajudar, ela parece uma modelo, o que me irrita um pouco, e
sobe minha irritação ao máximo em me lembrar de como fui apunhalada
pelas costas.
— Acho que seria melhor para você se afastar um pouco. Nem acredito
que ele teve a audácia de aparecer na minha festa, depois do que fez a você.
Preciso ir até lá e garantir que não surja mais onde não foi convidado. As
pessoas estão fartas de saber que um Sinclair não esquece o dano aos seus.
Papai ameaça ir até onde meu ex-marido está, de braços dados com a
beldade; quando eu o impeço, em apenas um toque no cotovelo. Não
precisamos de mais exposição. Já basta os vídeos íntimos que ele vazou de
mim. Não tenho provas, claro que não, mas nós dois sabemos quem foi que
fez aquilo e, mesmo eu pagando um absurdo para investigarem, ainda não
conseguiram nada que ligasse o crime ao desgraçado, a polícia então, não
teve resultado melhor. Lembro-me da sensação ultrajante, humilhante e
outras definições horríveis que senti quando vi o que tinha acontecido. Foi
um dia terrível e, eu passei a semana seguinte ao ocorrido vivendo à base de
sorvete de chocolate e baunilha, chorando e vendo comédias românticas. Ao
menos elas tinham um final feliz, ao contrário de mim. Vários dias sem
dormir, ou querer viver minha vida. Tinha acabado de passar por uma
situação traumática e então lá vinha mais uma, ambas de cunho doloroso.
Travo minha mandíbula ao me lembrar. A vontade que tenho é de
chutar novamente as bolas do filho da puta!
— Deixe para lá. O pai dele é seu sócio, sabe que não tem como evitar
a sua presença nos lugares.
Prova disso é que meu antigo sogro adentra no ambiente segundos
depois do filho, deixando claro para nós como foi que o nada bem-vindo
entrou. Ao sentir nosso olhar, eles se viram e noto como dois rostos parecem
arrependidos, o do pai e o da mãe, enquanto outros dois são vitoriosos.
Aperto a taça de cristal entre meus dedos, contendo a vontade de caminhar
até lá e dar uns socos naquele infeliz do meu ex-marido.
— Mas, eu já conversei com ele e disse que não tolero a presença do
seu filho em minha casa. Eu escolho quem entra aqui, não ele.
— Papai — murmuro — não precisa fazer uma cena para as pessoas
fofocarem, eu sou bem grandinha para lidar com essas coisas.
— Para mim será sempre minha princesinha.
— Eu sei, e te amo por isso! — Trato de acalmá-lo, depositando um
beijo em sua bochecha.
Ele parece momentaneamente melhor.
— Odeio como você me leva no papo, Candy.
— Sou um doce, assim como meu nome.
— Eu até compraria essa sua ideia se não te conhecesse desde que
nasceu, querida. Esse nome é muito displicente.
— Não tenho culpa, o culpado é você.
— Realmente. E sobre Montana, promete pensar?
Meu ex-marido maravilhoso, puxa a atual esposa em um abraço e a
devora pela boca, para tentar me atingir. Meu semblante permanece neutro,
mas lá no fundo, bem naquela parte rasa do coração, onde as rachaduras
ainda se mantém pulsando em dor, sinto que me machuca. Ser usada, trocada
e, também abandonada, como se nunca tivesse passado de um estepe faz esse
tipo de coisa com a gente. Ter a noção de que ele é incrivelmente lindo e
sedutor, torna tudo mil vezes pior. Pois, quando ele foi embora, fez questão
de estilhaçar e, destruir, minha autoestima.
— Prometo — digo por fim e papai não se importa com a pausa que
dei, emaranhada em meus pensamentos.
— Juro que não vai se arrepender.
— Fala como se tivesse algum plano escondido em seu comentário.
— Claro que não! Como pode pensar uma coisa tão ruim assim de
mim, filha?! Eu só quero o seu bem!
— Sei disso.
— Olha só, preciso cumprimentar um amigo de longa data que chegou.
Mais tarde conversamos, querida — ele deposita um beijo em minha testa e
trata de desaparecer da minha linha de visão.
Noto que ninguém além do idiota entrou.
E a atitude evasiva de papai só me deixa em alerta, indicando que ele
está aprontando algo e que esse algo, me envolve. Porém, permaneço no
mesmo lugar, respondendo a alguns cumprimentos e evitando me aventurar
no salão. Não quero conversar com ninguém e sentir seus olhares piedosos
por verem meu ex-marido com outra mulher. Como se essa fosse a pior coisa
que ele me fez: arrumar outra.
Desisto de ficar ali, parada no lugar como uma estátua, exposta para
avaliação e me encaminho para o jardim. Minha falecida mãe amava flores e
quando ela ainda estava viva e morávamos em El Paso, papai fez questão de
ter um jardim enorme para que ela pudesse descansar e apreciar a beleza de
tudo o que amava. Acredito que ele manteve esse seu desejo, e comprou uma
casa aqui também com um jardim imenso, para que toda vez que olhasse pela
janela do seu quarto, se lembrasse de mamãe.
Contudo, hoje não é meu dia de sorte.
Assim que avanço o bastante no jardim, escuto sons sensuais, não
muito longe de onde estou. E o pior de tudo, identifico exatamente quem os
faz.
Droga!
— Mais fundo, seu gostoso!
Eles se movimentam com o sexo e passo a assistir de camarote meu ex-
marido se afundar completamente na beldade, enquanto ela se mantém
apoiada em um dos arbustos. Seu rosto está transfigurado pelo prazer e ela
sibila a cada investida, enquanto ele entra e sai com força, ritmadamente.
Sinto o meio das minhas pernas estremecer e se aquecer com a visão, é
involuntário. Aperto uma à outra, tentando me manter imóvel, para não
denunciar minha localização.
Se eu não me mexer eles não me descobrirão, praticamente faço parte
da vegetação tamanha a minha estática.
Ambos se viram de costas para mim e noto que é o momento perfeito
para sair. O problema, é que na minha tentativa desesperada de escapar,
dando passos cuidadosos para trás, piso em um maldito graveto. O som
espirala por todo o espaço aberto e encolho meus ombros, prevendo o que
está prestes a me atingir. No mesmo instante, duas cabeças se voltam em
minha direção. Sinto o sangue se acumular em minhas bochechas, com a
vergonha.
Ryder abre um sorriso predatório e caçoador.
A mulher não aparenta nada além de desgosto, por terem sido
atrapalhados em um momento como esse.
— Quer participar, Candy? — inquere ele — A gente pode ignorar que
não é lá essas coisas e só pensar no prazer.
Reteso minha mandíbula.
Como eu pude me casar com ele?
— Não, obrigada. Já tive sexo o bastante com você, para saber que dar
orgasmos a uma mulher não é seu foco.
Ele arregala os olhos com a minha fala e a sua esposa segura o riso.
Trato de escapar enquanto ainda estou na vantagem. Sendo que a cada
passo, o vexame penetra mais fundo no meu ser.
Quando imaginei que passaria por algo assim?
Não temos mais nada a ver um com o outro, mas o mínimo que peço é
respeito. Contudo, sou burra por acreditar que Ryder é capaz disso, uma vez
que sequer me respeitou quando ainda éramos casados.
Por que justo ali?
Por que Ryder precisava transar com a atual esposa no jardim da casa
do meu pai?
Não consigo definir quão humilhante isto é.
Apenas finjo que nada vi e volto para o interior, onde a festa continua
em larga escala, conforme meu coração bate desamparado. É estranho, eu não
o amo mais, no entanto, sinto-me desrespeitada, principalmente por ele ter
ignorado tudo e estar ali, assim como pelo que faz para me provocar. Porque
ambos sabemos que ele não pode seguir com a sua vida sem atrapalhar a
minha.
Até que a morte nos separe...
Deus me livre!
Ainda bem que ele mostrou sua verdadeira personalidade antes, porque
eu teria ficado louca se seguisse a promessa feita.
Acho, inclusive, que essa frase deveria ser reformulada, no entanto, é
apenas uma opinião. Até que as traições nos separem, a indiferença e,
também o desrespeito. Porque em muitos casos, senão na maioria deles, todas
essas merdas chegam bem antes do que a tão temida morte.
Finalmente, quando alcanço o salão, já estou recuperada do choque, ou
finjo estar. Caminho a passos largos até onde papai se encontra e decido que
tomar um chá quente enquanto vejo a neve desabar do céu, apenas eu e mais
ninguém, me parece uma ótima ideia para superar tudo o que ainda não
consegui. Esse tempo de autodescoberta, em que passarei momentos na
companhia mais importante, — a minha — pode me trazer paz de espírito e,
também expandir a camada de autodefesa em torno do meu coração,
enquanto busco aprender a nunca mais cair em conversas traiçoeiras de
homem.
Além do mais, o que eu faria senão me encontrar?
Porque algo que eu ouvi uma vez, no hospital, é que só sabemos o que
procuramos quando encontramos.
Aquela coisa que senti quando ouvi Montana retorna e desta vez é tão
forte que eu arquejo, com as batidas do meu coração disparando e se
emaranhando em minhas crenças, forçando meu corpo a parar prontamente,
para absorver o impulso potente. Recupero-me alguns segundos depois, ainda
sentindo o fio daquela comoção controlando as cordas tal como uma
marionete.
— Pai — chamo a sua atenção e quando ele se vira, pedindo desculpa
de maneira baixa ao homem com o qual conversava — passe o endereço.
Acho que preciso me distanciar um pouco. — Ele aparenta surpresa com meu
pedido súbito.
Sinto que é o lugar onde devo estar.
Não sei de onde essa coisa inquietante surgiu, mas ela está aqui...
dentro de mim.
Papai acena com a cabeça e entende — acha que entende — o motivo
para a minha decisão assim que Ryder volta com a sua companhia, e entra no
espaço da festa, totalmente desajustado.
— Vai dar tudo certo, querida, eu já tenho meus planos para algumas
questões.
Seus olhos brilham, irradiando segredos.
— Que questões? — inquiro.
— No momento certo, descobrirá.
“Por que diabos eu não fiquei no resort? Tinha que ser em um
lugar tão inabitado?! Dou uma hora para a minha bunda estar
totalmente congelada!”

Eu absolutamente, irrevogavelmente, inquestionavelmente, odeio o


inverno.
E não, não detesto qualquer inverno, na verdade, eu odeio invernos tão
rigorosos como o das montanhas rochosas. Pelo amor de Deus! Se eu
estivesse na Europa, em qualquer país do leste europeu, um frio como este
seria bem-vindo, porque a paisagem fala por si só e o que custa, passar alguns
dias com casacos espessos enquanto tiro fotos em cenários incríveis?
Contudo, passar a temporada de graus negativos neste lugar que não
tem nada, abarrotado com nada, é de me fazer trincar a mandíbula em raiva,
perguntando-me se aquela sensação angustiante e colérica deveria mesmo ter
sido seguida por mim. Porém, eu tenho certeza de que me sentiria péssima,
tentando desvendá-la, e arrependida por ter perdido a oportunidade. Mas, não
posso disfarçar que mal cheguei e já sinto uma falta imensa de Dallas.
Das flores selvagens e dos homens com chapéus andando nas ruas
rodeadas por arranha-céus, em uma perfeita mescla da vida sulista em uma
metrópole.
Suspiro sozinha.
Após rodar sem saber ao certo onde estava por algumas horas, com o
GPS perdendo sinal a cada poucos minutos, exaspero aliviada assim que
encontro uma alma viva caminhando em uma pequena vila à beira da estrada.
Paro o carro ao seu lado para obter informações. O semblante da senhora
torna-se terno quando ela percebe o quão perdida e desesperada estou.
Caso ela não saiba me indicar o caminho, desistirei desta aventura e
terei que conviver com a curiosidade sobre aquela impressão, que causa uma
comichão no lado esquerdo do peito e faz a cicatriz no meio do meu tórax
fervilhar, espalhando pontadas agudas em minhas terminações.
— Desculpe por incomodá-la, senhora. — Ela acena silenciosamente
— Mas, pode me informar como chego até — pego meu celular e indico o
mapa, com o endereço nada certeiro que papai me passou — aqui? Estou
rodando há horas e não consigo encontrar.
Segundo soube, quase ninguém fica no lugar e seja qual for o motivo,
acabarei descobrindo. A mulher olha a tela do meu celular por instantes e
leva os dedos enluvados ao queixo, enquanto ela pensa, abandono o aparelho
em meu colo e esfrego as mãos, frias mesmo com a luva.
Péssima ideia vir aqui.
Péssima ao extremo.
O ar gelado ondula pelo carro devido a fresta que abri do vidro para
perguntar.
— Você vai seguir a estrada por várias milhas até chegar a duas
ramificações — indica a pessoa — você pegará a da esquerda e então é só
subir, não tem erro. Cuidado com a neve, na montanha ela está começando a
se amontoar, pode ser perigoso dirigir por lá.
Sorrio agradecida, pensando ironicamente que não é só na montanha,
uma vez que os telhados das poucas casas que vejo estão sofrendo com o
peso extra. Mas, nada digo.
— Muito obrigada pela ajuda!
A senhora baixa e de pele castigada pelo tempo frio, retorna meu
sorriso.
Acelero o carro, olhando pelo retrovisor e vendo-a chacoalhar a cabeça,
desacreditada. O motivo seria a minha chegada? As coisas são tão paradas
assim por aqui? Que estranho! Noto outras pessoas na rua um pouco mais à
frente, a maioria carregando sacolas de compras. Nada se assemelha com o
clima central de Dallas. Todos parecem antissociais. Acredito que tenha sido
um milagre encontrar alguém prestativa o bastante para me iluminar o
caminho.
— Tudo está estranho, Candy, inclusive essa sua decisão precipitada de
vir para cá — sussurro para mim mesma.
Continuo na estrada sem enxergar nenhuma ramificação e passado
algum tempo, começo a me perguntar se eu não tive um momento de
distração e perdi o acesso. No entanto, quando estou prestes a entrar em
colapso mental novamente, imaginando que vou acabar morrendo, em um
lugar no qual ninguém conseguirá me encontrar, visualizo as benditas
ramificações que a senhora pontuou. Acesso a da esquerda, como ela disse e
não demoro a observar a sinuosidade da estrada subindo a montanha. A neve
impede que eu veja com perfeição, porém, é notável a necessidade de cuidado
e o longo caminho que tenho pela frente, dada a dificuldade de avanço.
Os flocos gelados escolhem justamente este momento para voltarem a
cair de maneira teatral, ondulando e dançando na corrente de ar frio. Não sou
idiota, sei que se não conseguir chegar ao topo logo, as coisas podem acabar
complicadas, dada a velocidade com que uma nevasca terrível pode se iniciar.
Talvez por este motivo, na pequena vila não tivesse muitas pessoas na rua.
Elas evitam sair de casa em um tempo como esse e estão totalmente certas.
Eu que sou a imbecil por ter decidido vir para cá.

— Será bom, docinho, que vá para um lugar tão inóspito!


— Inabitável o senhor quer dizer, papai.
— Claro que não. Poderá respirar ar puro e aproveitar a beleza da
vida. Não deveria se prender apenas às cidades com centenas de milhares de
habitantes. Surpresas agradáveis podem surgir.
— O que o senhor quer dizer com isso? Está me escondendo alguma
coisa? — Desde o dia da festa sinto que é exatamente isso que ele faz, me
mantém à sombra de algum plano estranho.
— De forma alguma.

Agora, cá estou. Em um jipe com pneus para neve, tentando transpassar


a camada branca, sem sofrer um acidente.
Sigo colina acima, visualizando as árvores com as suas copas
esbranquiçadas. A escuridão que começa a recobrir a montanha é tenebrosa e
tenho a certeza de que se desligar os faróis não conseguirei enxergar mais
nada. Ou melhor, nada além de uma pequena luz, bem distinta, no meu
destino final.
Não sabia que outra pessoa ficava no local, espero que seja hospitaleira.
Não tenho tendência a gostar da solidão. Pelo contrário, acredito que posso
enlouquecer caso não tenha com quem conversar.
Então, por que maldição você achou que se isolar daria certo, Candy?
Ah, incógnitas, incógnitas...
Milhares de pensamentos giram em minha cabeça, sendo a maioria
deles carregados de arrependimento por eu ter vindo parar neste fim de
mundo. Preocupo-me com a empresa, no entanto, Trust me garantiu que não
havia motivos para me preocupar. Pelo contrário, segundo ela, eu precisava
tirar férias o quanto antes ou enlouqueceria. Acredito no contrário, é bem
capaz que eu enlouqueça diminuindo o ritmo.
Os pneus derrapam vez ou outra ao longo do caminho.
Nunca fui uma mulher de rezar demais, mas decido começar nessa
jornada. Nunca saberemos quando encontraremos a luz no fim do túnel.
Finalmente, passo por uma espécie de entrada e consigo enxergar com
clareza a origem da luz que vi lá em baixo. É outra cabana. Esta parece
ocupada e sinto inveja dessa pessoa que já está perfeitamente instalada. Eu
ainda terei que arrumar tudo, para apenas depois sentar e comer alguma coisa.
Meu estômago protesta com essa ideia. O que eu não faria por um chocolate
quente? Ou alguns biscoitos e talvez depois, uma massa?
A saliva escorre por minha língua, enquanto imagino o sabor divino
inundando minhas papilas gustativas.
Aperto meus dedos em torno do volante quando o carro acaba
deslizando em uma pequena curva. A direção faz pressão para a esquerda e
eu travo meus dentes na tentativa de mantê-lo no caminho. Meu coração
acelera por alguns segundos, enquanto eu sinto as suas batidas ecoarem
depressa no meu tórax. Suspiro aliviada quando retomo o controle. Por
instantes, um tempo muito curto, cheguei a pensar que sofreria um acidente.
O gelo se espalha por mim com o medo e rapidamente se dissipa, enquanto
eu inspiro e expiro sofregamente.
— Foi só um susto, Candy. Só um susto, garota. — Cantarolo para
tentar manter a calma.
Não deixo de olhar pelo retrovisor a cabana contrária à minha. Apenas
uma luz está acesa, e a quietude é assustadora.
Que eu não tenha vindo morar ao lado de um psicopata, meu Deus! É
só o que me falta!
Estaciono e demoro apenas o tempo de criar coragem para enfrentar o
frio a sair do jipe. Sei que alguns graus negativos me brindarão e não estou
preparada para eles. Assim que abro a porta, a rajada de vento gélido me
perpassa e domina todo o ambiente interno. Assopro e minha respiração
condensa imediatamente em contato com o frio, formando um pequeno
espiral de fumaça. Corro até o porta-malas, contendo a vontade de gritar em
frustração, já sabendo que minhas malas não estão nada leves.
Por que eu tive que trazer tanta coisa para um lugar como este?
Inferno!
Arranco uma delas e a arrasto, formando uma trilha na neve, enquanto
me debato para colocá-la na entrada da pequena cabana. O ar se impõe gelado
em meus pulmões e me deixa ainda mais cansada e fraca, porém, com muito
custo alcanço meu objetivo. Paro por longos minutos, com as mãos na
cintura, fitando o porta-malas e me amaldiçoando por não ter agido de
maneira ponderada. Preciso arrastar, com extrema dificuldade, mais três
malas. Meus traços faciais se contraem em desgosto e meus ombros desabam
em derrota. Contudo, quanto antes eu me desprender desta tarefa laboriosa,
mais rápido poderei arrumar tudo e me instalar com conforto e praticidade.
Ao fim, estou exausta, totalmente podre, sentindo meus músculos
arderem em protesto ao esforço.
Travo o veículo, não sei a índole do meu vizinho, ou vizinhos, enfim,
prefiro me precaver, o grande automóvel, com pneus para neve e correntes, é
a única coisa capaz de me ajudar na fuga, caso seja preciso. Entro na pequena
cabana, arrastando as malas e me apressando para barrar os flocos de neve e
deixá-los apenas do lado de fora. Assim que a madeira bate contra o batente,
arrasto minhas costas por ela e desabo a bunda no chão imundo.
O que eu estou fazendo aqui?!
Olho em volta e vejo que a cabana está mobiliada. Para a minha sorte.
Mesmo com a escuridão é possível ver que o lugar como um todo é
aconchegante. Vou até o quadro de força e ligo, imaginando que apenas isso
será o suficiente, e é. Graças a Deus! A luz da cozinha se acende
instantaneamente, como se a tivessem deixado ligada antes de desligar a
chave geral, então eu volto para a sala e acendo a luz também. Ela ilumina
rapidamente e enxergo uma lareira parecendo ter sido usada há muito tempo,
mas, que pode ser a minha salvação.
Escuto um som ao longe e imagino que seja do aquecedor, nada
moderno pelo visto. Agradeço mentalmente por ele estar funcionando, ou as
coisas poderiam ficar muito feias para mim.
Mantenho-me perdida, pesando minhas opções quando um estouro me
assusta e me tira do entorpecimento.
Só tenho tempo de colocar os braços acima da cabeça, antes que a
lâmpada se espatife e alguns cacos caiam sobre mim. A sala volta a se
obscurecer parcialmente e eu grito para aliviar a raiva.
Porra! Por que isso aconteceu justo comigo?!
Uma voz bem irritante brada em meus pensamentos que eu não deveria
querer milagres de um lugar tão antigo e que claramente, como qualquer
pessoa poderia imaginar, há problemas nas fiações. Ou, a lâmpada pode ser
velha demais. Torcendo para que seja apenas isso, vou até uma porta
escondida no canto da cozinha, ao lado do quadro de energia, imaginando
que possa ser uma espécie de depósito.
Acerto em cheio.
O lugar está repleto de quinquilharias e dou pulos de alegria quando
entre a bagunça encontro uma lâmpada.
Por favor, Senhor, que seja nova e que a coisa na sala não seja nada
grave. Só te peço isso, mais nada. Apenas isso!
Corro de volta para o cômodo, empurrando uma das banquetas até o
centro, onde se encontra o ponto de luz. Esforço-me, esticando o corpo ao
máximo até que alcanço a lâmpada arruinada, giro e a retiro rapidamente,
dando um beijo na outra que está em minhas mãos, nova, para que ela não me
deixe a ver navios. Encaixo-a no bocal, desço da banqueta, ligo novamente o
interruptor e se faz luz!
Dou tapinhas nas minhas costas, me parabenizando pelo feito.
Porém, uma rajada de vento corre pelo interior da construção e me faz
arrepiar da cabeça aos pés, mesmo estufada por vestir tantos casacos,
mandando embora a minha alegria por ter conseguido a pequena vitória.
Aposto que meu dedo do pé está congelado e não tem mais salvação, porque
sinceramente, eu nem o sinto mais.
Procuro pela lenha para poder acender a lareira, imaginando que
demorará um pouco para o aquecedor fazer seu trabalho e não a encontro em
lugar algum.
Contemplo repetidamente a coisa toda, perguntando-me se ela não é de
um modelo elétrico, ultrapassado, porém elétrico. Mas, não tenho essa sorte.
Será que deixaram do lado de fora?
Não, com a neve e o frio, deixariam no interior, é o que faz mais
sentido.
Quem seria maluco de sair em um tempo como esse, para pegar lenha?
Eu que não!
Ando por todos os cômodos, desbravo os quartos e travo sob meus pés
quando vejo o principal, porque ele é bem grande na verdade, com uma cama
majestosa e uma lareira lateral, em frente a uma janela de vidro imensa que
deixa visível a paisagem. É mágico. A cena que se desenrola à minha frente,
com os flocos de neve despencando do céu, acumulando-se no chão e,
também no topo das árvores próximas, assim como as colinas ao longe, meio
que espalham paz pela minha decepção com os últimos acontecimentos. O
lugar é lindo, não tenho como refutar essa verdade. E se eu estivesse em um
hotel cinco estrelas, tranquila e confortável, não me importaria de pagar uma
fortuna por uma vista idêntica.
Meus braços desabam ao lado do corpo, enquanto fico por segundos
admirando, embasbacada.
Papai não descreveu isso quando me falou para vir até este local tão...
inóspito, também não me mostrou fotos que ressaltariam até mesmo a vista
panorâmica em uma das laterais da sala. Deveria. Acredito que eu teria
acatado o seu pedido bem mais depressa.
A vista quase me distrai do que realmente estou procurando.
Lenha!
Isso!
Volto para os outros ambientes e resmungo sozinha quando percebo
que estou muito fodida. Como inferno vou me aquecer?!
Um reflexo chama a minha atenção através da janela da sala e é então
que tenho a ideia de atravessar a neve abundante, reclamando do frio a cada
passo, para bater na porta do meu vizinho e perguntar se ele poderia ser gentil
o bastante para me arrumar um pouco de lenha. Em minha cabeça, ele
responderá “claro, de quanto precisa?”. É o dever de pessoas nas mesmas
situações sentirem empatia, não?
Coitada de mim.
Torço a cada segundo para que ele não seja hostil.
Rezo, seria a palavra mais certa para definir o quanto estou temerosa,
ao mesmo tempo em que sei ser a minha única saída.
No momento em que alcanço seu alpendre, bato diversas vezes na porta
e nada. Um terrível e silencioso nada! Bato de novo com toda a força e apoio
meu ouvido na madeira quando não escuto sons no interior, de alguém vindo
ao meu socorro. Não tenho tempo de ver a vergonha chegando, só sei que
segundos depois estou despencando aos pés de alguém, com a minha
dignidade pisoteada como as formigas ao redor do mundo.
Demoro para me levantar.
Cogito se realmente vale a pena.
Talvez não.
Morrer congelada pode ser tão ruim?
Deve ser uma morte horrível, não quero passar por isso. Vergonha não
é nada perto desta realidade que me aflige.
Levanto-me, batendo com a mão na minha roupa, quando me viro e
deparo com um homem tão lindo quanto alguns galãs de Hollywood.
Arregalo os olhos de espanto e meu coração faz questão de demonstrar o
quanto ele está mexido, batendo com força e aptidão, enquanto eu abro e
fecho a boca, várias vezes, emudecida pela presença poderosa e marcante do
outro.
Observo-o involuntariamente e suas íris... Porcaria! São incríveis!
Comparando-se em beleza com a cor e profundidade do misterioso oceano.
Suas pálpebras transformam-se em duas fendas desconfiadas, conforme
me avaliam assim como eu faço, com uma única pergunta pairando em minha
mente: como maldição um homem desse veio parar em um lugar como este?!
“É minha lenha! Minha paz! Minha solidão!”

Admiro o branco que se estende por entre as colinas.


Inverno é a época do ano menos “dolorosa” para mim, — se é que
alguma pode ser definida dessa maneira. Uma vez que ele se distanciou o
bastante da pior, do mês em que eu ao menos consigo respirar com
normalidade.
Odeio julho.
De maneira aterradora.
No dia da independência, ela completaria trinta e um anos.
Eu falava: Dolores, todo mundo comemora o seu aniversário.
E ela respondia: Para mim só importa você!
Pena que não sabíamos que essa piada seria tão estúpida. O terrível
acidente aconteceu há quatro anos. Chegar a tempo de encontrá-la parecendo
lutar pela própria vida e ainda ter o sangue frio de pegar seu celular para ligar
para a emergência, foi a coisa mais corajosa e medrosa que já fiz.
Conheci a mulher com quem fui casado quando eu tinha vinte e três
anos.
Perdi essa mesma mulher com trinta e um.
E passei a temer o Dia da Independência com uma intensidade
abrasadora.
Damon, querido, eu amo chocolate, poderia trazer algum para mim?
Escuto a voz de Dolores, tão presente quanto a neve que se amontoa do
lado de fora da cabana, ecoando por entre as paredes da construção rústica,
sendo que ela nunca sequer pisou aqui em vida. Imagens da sua morte, da
lataria tão esmagada quanto uma lata de sardinha, dos seus olhos fechados,
além da mão involuntária próxima a barriga não me deixam dormir à noite.
Convivo com a insônia há tanto tempo que já nos tornamos melhores amigos.
O fogo na lareira antiga crepita e o grande pastor-alemão deitado aos
meus pés, ronrona com o calor.
— Está com fome? — pergunto a ele.
A sua maneira de responder é erguer a cabeça, o que não o faz.
Creio que está aproveitando o calor gostoso, assim como eu.
Levanto o livro de suspense que toma a vez por tentar me distrair,
suspirando profundamente ao perceber que nada seria capaz de me
transportar para a felicidade que eu costumava sentir.
Ou trazer aqueles risos frouxos.
Piadas sem graça.
Alegria em aproveitar um dia em que a névoa branca transcende a
barreira da janela de vidro, embaçando-a e cristalizando devido ao calor no
interior, atingindo diretamente meu coração, espalhando o frio por todo ele.
Falta um pedaço do órgão em meu peito, um que nunca será reposto.
Pego meu celular em cima da mesa lateral ao lado da poltrona, e vejo
pela décima vez as mensagens de vovó, tentando entender como ela não
desiste de mim, depois de tanta grosseria de minha parte, e silêncio ante suas
preocupações. Onde estou não há sinal de celular, somente na cidade,
contudo, quando fiz minha viagem no último dia, não respondi aos seus
questionamentos, acovardado.
Ela tem uma mania peculiar de ficar tentando me resgatar da merda de
cabana na neve que mantenho, como diz ela. É infrutífero. Odeio socializar e
detesto principalmente lidar com a piedade das pessoas quando descobrem a
trágica história do Kingston fodido.
“Ele perdeu a esposa grávida, uma terrível tragédia!”
“Eu ouvi que ele a atropelou, seria verdade? Não me surpreenderia, os
Kingston têm dinheiro o suficiente para acobertar até mesmo crimes.”
A maneira como as pessoas tentam presumir o que aconteceu me deixa
em estado de desespero, querendo desaparecer das rodas de confraternização.
Todavia, sou obrigado ainda a sorrir diante do drama familiar que a senhora
Pearl Kingston não tarda em usar, se isso dissolver os corações “horríveis” de
seus netos. O meu, principalmente.

Bengala assassina: você é meu neto mais insensível, juro que é!


Por que não me responde e alivia minha preocupação?

Bengala assassina: Infeliz! Só para não perder o costume.

Sei que estou em falta com a família, mas, eles me entendem e sabem
que ainda travo minhas próprias batalhas, sem imaginar o resultado delas.
Deposito o celular onde ele estava, e volto a prestar atenção na chama
ondulante à minha frente. Algumas faíscas se desprendem vez ou outra e
mantém aquele barulho gostoso de crepitar. Uma coruja chirria do lado de
fora da cabana, e imagino que a tarde já esteja se transformando em noite,
correndo em direção ao sol, para destacar a lua majestosa em seu lugar. De
onde estou, consigo ficar imóvel o bastante por muito tempo até enxergar a
escuridão rastejando por entre a copa das árvores, a luz do dia fugindo dela
como se fosse a caça de um predador, assim como alguns olhos iluminados
de animais que são primariamente noturnos.
Esses mesmos olhos brilhantes desaparecem a cada poucos segundos,
retornando mais próximos da cabana, averiguando com curiosidade a
construção em meio ao seu lugar predominante.
Não tenho medo.
Eu estou invadindo o habitat deles e basta que eu fique quieto para as
coisas darem certo.
Contemplo os flocos de neve se amontoando uns sobre os outros. Não
demorará muito para a pequena estrada que sobe a colina, se tornar
inacessível por semanas. Poderei ficar em paz por muito tempo. Eu e outra
cabana, um pouco mais à frente da minha, que não é ocupada há meses.
A sua única ocupação é a solidão, como a minha.
Claro que Snow me faz companhia, porém ser humano? Para eu ter
uma conversa verdadeiramente interessante? Não me lembro quando foi a
última vez. Faz tempo demais e, a única companheira da cela que chamo de
vida é minha dor.
De qualquer forma, se alguém decidir enfrentar a nevasca neste
momento, passará por maus bocados, uma vez que precisará pegar lenha para
a fogueira e neste tempo? Boa sorte para ela. Logo, se for esperta, sem dúvida
alguma ficará na vila, esperando que a neve comece a derreter.
Contudo, em minha eremita admiração da estrada, noto o inimaginável.
Duas luzes se estendem, refletindo o amarelo através da neve, conforme o
automóvel sobe a encosta. Sei que ele ainda está longe, algumas milhas
talvez, no entanto, não deixo de pensar quão burra a pessoa é. Os fachos
ondulam cintilantes, aumentando aos poucos, enquanto o veículo diminui a
distância. Fico feliz que a altura da neve já esteja considerável, porque então
posso me esconder e fingir que não quero contato com ninguém.
Fingir?
Ora, Damon, você realmente não quer contato com ninguém!
O carro, que agora consigo enxergar ser um desses jipes capazes de
tudo, indestrutíveis ao extremo, desponta no acesso das pequenas cabanas,
que segue em linha reta propriedade adentro e cascateia, se dividindo.
Alguns Pinus recobertos com branco se debatem com a força do vento.
A nevasca ficará ainda mais forte em um ou dois dias e, tornará impossível o
acesso às cabanas. A pessoa corajosa trouxe estoque de comida, não seria
idiota a ponto de subir sem isso, certo?
Para sua sorte, espero que sim.
Volto a ler quando os faróis atingem em cheio minha janela, conforme
o automóvel avança. Vejo que ele derrapa um pouco em meio ao monte de
neve e me sobressalto na poltrona, fazendo com que o cachorro dormindo aos
meus pés desperte e erga a cabeça, apontando as orelhas para o céu. Ele se
concentra nos fachos de luz assim como eu, tentando entender por que estou
tão enevoado.
Segundos após a perda de controle parcial, a pessoa ao volante recupera
a estabilidade e estaciona de qualquer jeito ao lado da sua cabana. Demora
um pouco para que desça do jipe, aproveitando enquanto pode o aquecedor.
Deve estar mil vezes melhor do que a temperatura do lado de fora, que atinge
rigorosos graus negativos, — realmente rigorosos, sendo que em alguns
momentos a temperatura surpreende até quem já está acostumado com as
variações dela — tornando as coisas impossíveis sem um aquecimento
potente.
Estamos nas montanhas rochosas, e não seria diferente.
Essa localização é sinal de frio para qualquer desavisado.
Finalmente sou tirado dos meus pensamentos, quando uma pessoa abre
a porta e coloca a perna para fora. Está com uma bota para neve, e é só o que
consigo ver com o tempo ruindo.
Sua jaqueta parece grossa o bastante para suportar a baixa temperatura
conforme ela se ajeita, apertando os braços em torno do corpo e depois
puxando um pouco mais o capuz. Corre em direção ao porta-malas, abrindo-o
e puxando diversas malas pesadas, por sinal, uma vez que a pessoa arrasta
cada uma delas por toda a neve até o alpendre. Fica parada por um tempo se
recuperando do esforço e tento decifrar se é homem ou mulher, estou
realmente curioso. Mas, não tão interessado assim.
Porque sei que em algum momento, vou acabar tendo que responder a
alguma pergunta do desavisado.
Snow corre em direção à janela e apoia as duas patas no peitoril,
fitando a mesma cena que eu.
E é então que noto que a pessoa olha na minha direção. Não sei se me
enxerga, prefiro acreditar que não. Minha curiosidade se mantém, não dá para
saber como é ou quem é, devido às suas roupas e a maneira com a qual o
branco desce enviesado. Não sei o que o tal ser humano está fazendo, mas
posso apostar que tenta ver através do vidro embaçado. Parece desistir, trava
o carro — o que acho desnecessário, uma vez que quem roubaria um carro
com o céu despencando em forma de gelo como está? — Ademais, abre a
porta e arrasta com dificuldade as peças para o interior.
Não tardo a ver algumas luzes iluminarem a pequena cabana.
Deve estar frio pra cacete lá dentro.
Coitada da pessoa.
Decido ignorar o ocorrido e retomo minha leitura. Snow também
abandona a observação e volta a se deitar aos meus pés, com o focinho
apoiado sobre um deles, enquanto resmunga com a minha falta de atenção.
Levanto da poltrona pouco tempo depois, com fome, indo até a cozinha
para preparar um sanduíche e chocolate quente de aquecer até o polo Norte.
O leite fervendo provoca ondas de fumaça em minha caneca. Inalo uma
parte da névoa aquecida, sentindo meu peito se expandir com o calor. O
cheiro também é muito bom.
Existem pessoas e pessoas, as que amam ficar rodeadas de gente, com
conversas infindáveis e bem... existe eu, que amo o silêncio, a solidão e,
também o inverno.
Criatura peculiar um Kingston como você, era a forma de Dolores se
referir às minhas particularidades.
Droga, lá estou eu novamente flutuando em torno dela.
Queria apenas por um dia, ou uma hora sequer, superar a falta que ela
faz em minha vida.
A escassez de ar começa a me sufocar com a ausência, quando escuto
um som abafado, que parece distante e próximo ao mesmo tempo. Snow
levanta em um rompante e se move até a porta, abanando o rabo, eufórico.
Decifro a qual situação terei que me submeter antes de escolher ignorar
a pessoa. Não estou nem um pouco a fim de ser bom samaritano hoje. Mas,
quem quer que esteja do outro lado não desiste e desata a bater uma vez
seguida à outra contra a porta de madeira.
— Tem alguém aí?! — Escuto a voz bem baixa, camuflada pelo som do
vento contra a construção.
Fico momentaneamente surpreso.
A pessoa, que eu carinhosamente apelidei de “maluco corajoso” em
minha mente, é uma mulher?
Maluca corajosa, então, conserto.
Há alguma diferença ser uma mulher a passar por apertos durante uma
nevasca, em detrimento se fosse um homem? Esforço-me a imprensar em
minha cabeça que não faz diferença alguma, no entanto, a minha educação
diz o contrário.
Luto contra meu cavalheirismo.
A parte antissocial começa a ganhar a batalha, quando fito Snow que
corre até mim, com os olhos pedintes, implorando para que eu abra a porta.
Cachorro folgado. Pensei que seria excelente eu ter um cão de guarda, não
poderia estar mais errado.
Deposito a caneca com força contra a madeira da mesa e saio a passos
pesados e apressados em direção à porta. Estou profundamente irritado, de
verdade, por ter que abandonar o meu exílio para auxiliar alguém. Puxo a
maçaneta com tanta brusquidão que quando a porta se escancara, a mulher
desaba aos meus pés, como uma fruta madura, tão dura quanto pedra quando
percebe a vergonha que acaba de passar. Não ousa erguer a cabeça por vários
segundos, puxando a touca para cobri-la com mãos enluvadas, resmungando
sozinha.
Demora um pouco para se aprumar e percebo que é vários centímetros
mais baixa que eu, mesmo ao empertigar o corpo. Está de costas para mim e
eu me pergunto se foi sábio de minha parte permitir a entrada de alguém na
minha caverna masculina, que eu ao menos pude ver o semblante.
Sou bom em ler as pessoas de acordo com as suas expressões.
Dolores dizia que foi assim que me apaixonei por ela. Por saber que seu
coração seria meu, logo que nossos olhares se encontraram. Deus! Arfo com
a memória, perguntando-me quando pararei de ter essas recordações e,
principalmente ansiando por saber quando elas irão parar de machucar.
A desconhecida escolhe justo esse momento para se virar e topo com
um olhar preto e indecifrável, assim como uma pele tão negra e cintilante
quanto. Alguns pontos dourados reluzem dela, como se fosse o próprio Sol.
Enquanto avalio minhas reações, um incômodo fantasmagórico paira
em mim, espalhando uma batida forte e inegável através do meu peito
conforme eu absorvo detalhes tão importantes.
Expiro o ar involuntariamente, o que provoca uma queimação em meus
pulmões ao inalar seu perfume doce.
— Não vai sair da frente da porta para eu poder fechá-la? Ou prefere
matar a nós dois de frio? — Sibilo, com a necessidade assustadora de
espantar os pensamentos insanos pairando em minha mente.
— Quanta ignorância! — Sua voz combina com ela.
Tem um tom rouco, mas é profunda e feminina.
Travo minha mandíbula ao perceber que estou prestando atenção em
coisas desnecessárias.
— Não é educado da sua parte bater na casa de um desconhecido
durante uma nevasca. Não me culpe por ser ignorante — resmungo.
— Era isso ou congelar de frio naquela cabana dos infernos! — fala e
aponta para a sua — Por isso, vim aqui humildemente, pedir que se possível,
caso não vá te atrapalhar — seus olhos encontram a pilha bem grande de
lenha que eu cortei a não mais do que algumas semanas, empilhada
perfeitamente em um dos cantos da sala — puder me emprestar um pouco de
lenha para eu acender a lareira.
— Não — minha resposta é direta.
Ela coloca as mãos na cintura, irritada com meu egoísmo.
— Como assim, não?
— Deveria ter pensado nessa questão antes de subir a montanha. Acha
que lenha cai do céu? — inquiro retoricamente — Com uma nevasca destas,
só Deus sabe quando poderei pegar mais e não quero morrer congelado por
sua culpa.
Seus pés começam a batucar contra o chão, demonstrando a sua raiva
por eu dar um argumento mais do que válido para minha negativa.
— Não quero que você morra congelado, só estou pedindo para que
compartilhe um pouco! Só um pouco!
— A neve só vai se amontoar mais e mais daqui por diante e ficaremos
sem acesso a civilização por um bom tempo. Então, não será apenas um
pouco, vá por mim, você está ferrada sem lenha.
Uma lamúria nada singela escapa de seus lábios.
A ponta de seu nariz está ressecada com o frio, observo, assim como
sua boca se encontra rachada, com pequenos pontos de sangue se
sobressaindo às fissuras. As pessoas não entendem como é frio, até que
chegam aqui.
— Droga! Por que eu quis escapar e vim parar nessa porcaria de lugar?!
— Como? — pergunta minha curiosidade.
— Nada, esquece. Vou voltar para a minha cabana e ver qual roupa
posso começar a queimar.
— Eu faria mesmo isso se fosse você.
Ela não se dá ao trabalho de me responder antes de abrir a porta e sumir
em meio ao manto branco. Não observo se ela consegue alcançar seu destino,
também pouco me importo, só quero me manter sozinho pela quantidade de
tempo que for possível, porque sinto, como uma pulga que se embrenha em
meu corpo inteiro espalhando coceira, que não terei a sorte de permanecer
sem outra visita da intrusa por muito tempo.
“O psicopata da cabana ao lado – episódio 1, o ataque da
motosserra!”

Volto irritada para a minha cabana. Um pouco de neve entra por minha
bota com os meus passos furiosos e quando fecho a porta, tiro-a como se
tivesse sido queimada, tamanho o gelo que se impregna nos meus dedos dos
pés.
E eu nem tenho lenha para acender a lareira e me aquecer! Só pode ser
uma piada divina!
Como se minha situação pudesse piorar, percebo que o aquecedor não
está fazendo seu trabalho como deveria. Maravilha. Perfeito! Esplêndido!
Subo até o quarto e pego todos os edredons que encontro, assim como
as cobertas. Lanço-os em cima da cama e me coloco debaixo deles, na
tentativa de me manter aquecida. Trouxe comida, muita comida, inclusive
chocolate e ingredientes para fazer bolos — acho que a ideia de ficar sozinha
em uma cabana, ferrou com meus neurônios — além dos livros, dezenas
deles, para passar meu tempo, mas, como eu não pensei que devido à
escassez de visitantes este lugar não fosse dos melhores?
Sou esperta em determinados momentos e ingênua em todo o restante.
E que a porcaria do fogão funcione, ou estarei duplamente ferrada.
Posso caminhar pela casa parecendo uma assombração com trezentos
cobertas, claro que posso, mas ficar sem comer já é um pedido complicado
demais. Pelo menos eu trouxe chocolate, certo? Essas barras milagrosas
podem me ajudar a esquecer a má sorte na qual me enfiei.
Enrolo-me no monte de edredons e desço cambaleante a escada, até
encontrar a mala da porcaria. Abro o zíper e pesco uma das barras, a de
chocolate ao leite, porque de amargo já basta a minha vida.
Está um pouco dura, mas Deus não seria tão ruim comigo a ponto de
me fazer quebrar o dente na atual situação em que me encontro.
Sento-me desajeitada no degrau que separa os ambientes e balanço meu
corpo para frente e para trás, dando mordidelas no pedaço de doce.
Fico um tempo assim, tentando esquecer todo o meu azar, com vontade
de chorar e segurando ao máximo as lágrimas. Não sei o que acontece, mas
em certo momento, sinto a sonolência se embrenhar por entre meus
pensamentos e fico mole conforme o passar de tempo, precisando tirar uma
soneca. Inclino-me e apoio em uma das pilastras, mantendo-me assim, em um
estado de sono manipulável. Falo isso porque eu poderia acordar se quisesse,
mas não quero. Dá para entender? É, naquele estágio em que a gente está
meio desperto, meio dormindo, e os sonhos parecem moldáveis, uma loucura!
O mais engraçado é que meu sonho, o que se desenvolve aos poucos,
começa com olhos azuis como o oceano e tão frios como o inverno. O queixo
marcado, visível mesmo com a barba grande e espessa o deixa ainda mais
enigmático, assim como a linha perfeita do nariz é indescritível, de um
magnetismo considerável, enquanto a intensidade do olhar, ansiando por me
mandar embora a qualquer custo provoca ondas catastróficas de calor bem no
meio das minhas pernas.
O vizinho de cabana, um homem recôndito, irritado ao extremo e que
está prestes a me beijar.
Abro a boca, formando um biquinho, esperando que ele ultrapasse
meus lábios com a sua língua e descubra no interior da minha boca um céu
estrelado. Uma de suas mãos escorrega pela minha cintura, enquanto a outra
aperta de maneira firme e prazerosa o meu pescoço. Ele inclina minha
cabeça, deixando-me a seu dispor e permito que faça o que quiser comigo.
Sinto as minhas bochechas pegarem fogo, com o fluxo constante de sangue,
ansiando por espalhar o calor conforme as carícias se intensificam.
Contudo, antes que eu passe a mão pelo abdômen trincado, absorvendo
as sensações, sou retirada do meu sonho com batidas firmes na porta da
cabana.
Quem será?
O que está acontecendo?
Demoro alguns minutos a entender onde estou, por qual motivo estou e
em que situação estou.
Molhada e com tesão por causa da droga de um sonho!

Levanto-me desengonçada e dou um jeito de prender firmemente o


enxoval contra o meu corpo, premeditando a rajada de vento congelante que
entrará no espaço assim que eu abrir a porta. Por ínfimos segundos, cogito
ignorar a pessoa na soleira, para poder preservar o meu calor, porém, e se for
alguém da cidade, disposto a me ajudar? Correr o risco de morrer congelada
torna-se um mero detalhe diante da imagem que minha imaginação forma.
Uma lareira com lenha, aquecendo toda a cabana, enquanto eu tomo meu tão
precioso chá e admiro a neve. Porque sinceramente, com o frio que está na
sala, não consigo ao menos admirar a vista, de tanto ódio por estar passando
por esta situação.
Por minha própria escolha!
Sou muito idiota.
Caminho com dificuldade, devido à resistência que o peso extra
provoca e quando finalmente abro a porta, deparo-me com o protagonista do
meu sonho, em carne e osso, aparentando estar tão irritado quanto estava
minutos antes de me beijar. Ops, digo expulsar. Beijar apenas na minha
imaginação, claro.
Engulo em seco.
De repente, aquela sensação calorosa no meio das minhas pernas pulsa
com força total, lembrando-me de que ela está ali, aguardando pelo desfecho.
Aposto que você não se arrependeria e conseguiria se aquecer de
maneira enlouquecedora! Para que um monte de cobertas quando se pode
ter sexo, pele contra a pele?!
É como se eu a ouvisse dizer.
O homem pigarreia diante do meu silêncio e sacudo a cabeça, buscando
me desvencilhar das imagens quentes e prazerosas que se formam as centenas
enquanto relembro o meu devaneio.
O frio adentra no ambiente, exatamente como previ e meu corpo inteiro
treme, fazendo com que eu bata os dentes pela baixa temperatura.
— Fale logo, ou vou acabar con-con-con-gelando — murmuro,
encontrando dificuldade para pronunciar a frase, enquanto minha mandíbula
trepida como uma britadeira.
Noto que a frase sai ríspida, sem que eu tenha como evitar. Ele que lide
com isso então, pela grosseria de mais cedo e egoísmo também. Homem
odioso!
Gostoso! — grita minha mente.
Claro que não, tedioso e horroroso.
Ele aponta a pilha de lenha atrás de si e eu arregalo meus olhos. Há no
mínimo duas dezenas e imagino que ele não tenha conseguido trazer tudo em
apenas uma leva, o que o fez enfrentar o frio algumas vezes, para poder me
aquecer. Sei que isso não representa nada, talvez seja por puro peso na
consciência, mas o fato é que ele acaba de me salvar.
Emito um murmuro e irreconhecível de fascinação.
O homem se incomoda e coça a barba. Acompanho o seu gesto,
desejando com uma força que me assusta, vê-lo sem ela. Como será o
formato de seu rosto? Quadrado como presumi? Perfeitamente delineado?
Sexy como o inferno? Ah, sem dúvida será sexy como o inferno, porque os
olhos dele já são e o conjunto deve ser igualmente avassalador.
— Trouxe lenha. E se economizar, conseguirá passar com ela até que a
neve comece a derreter.
Sua voz rouca e imperiosa quase me faz esquecer o detalhe principal: a
sua maneira de falar como se essa montanha de neve fosse perdurar por muito
tempo, mais do que estou disposta a ficar presa aqui.
— Como assim até que a neve comece a derreter?
Seu semblante torna-se curioso, enquanto um sorriso de meio canto
brota em seus lábios parcialmente escondidos.
— Veio até aqui sem saber o que te esperava? Se isso não é loucura eu
não sei o que é. Demorará no mínimo algumas semanas para que você
consiga descer a montanha em segurança, até lá, ficará presa aqui no topo,
com a camada de neve tornando-se cada vez mais alta. — Ele aponta para o
meu carro, com o gelo na altura da metade dos pneus. Fico estarrecida, como
assim as coisas acontecem tão rápido aqui? — Se conseguir manobrar o Jipe
já será uma vitória e tanto.
Uma fresta do meu mar de edredons se abre e esforço-me para fechar,
enquanto fito estarrecida o veículo.
— Meu Deus! E como eu vou sobreviver? Não me falaram isso quando
me propuseram vir até aqui.
— Quem foi? — sua pergunta é baixa e eu não preciso responder,
afinal não devo satisfações a ele, mas acabo respondendo.
— Meu pai. Ele disse que seria bom para mim me afastar um pouco da
civilização.
— Ele provavelmente está certo, mas deveria ter te avisado das
dificuldades de ficar presa aqui no inverno. Agora ma’am, — noto o sotaque,
mas sei que se eu perguntar ele não irá responder — se me permite colocar a
lenha na sua sala, vou me apressar para poder voltar à minha cabana.
Movo-me centímetros para o lado e ele começa a empilhar as toras em
seus ombros, entrando e saindo, sem fazer muito esforço para carregar o
material. Contemplo embasbacada a cena, com a masculinidade pungente no
simples ato de carregar lenha, com aquela barba que começo a gostar, assim
como pelos músculos que ele deve esconder debaixo do grosso casaco.
Divago sobre a infinidade de horas que temos adiante, apenas nós dois,
no topo da montanha, separados do restante da humanidade.
— Você é caçador? — inquiro, quando ele está na penúltima leva.
Acena negativamente.
— Não sou capaz de fazer mal a um esquilo, quem dirá caçar.
— Então como mantém sua dispensa abastecida?
Eu estou ouvindo o que pergunto? Como posso ser tão besta a ponto de
falar o que penso sem qualquer filtro?
— Não sou um homem das cavernas! Eu faço compras na cidade
enquanto a neve não me impede e abasteço meu estoque de mantimentos.
É prático. Muito mais fácil do que caçar, suponho, e eu deveria ter
pensado nisto antes de fazer uma pergunta tão idiota.
— Claro.
Ele retorna e pega as últimas toras do chão, carregando para dentro e
empilhando ao lado da lareira. Vira-se para mim e como se soubesse que
estou incapacitada de fazer alguma coisa, pega algumas e coloca na lareira,
tendo o cuidado de se apoderar do acendedor e aguardar até que o fogo
crepite.
Sinto o calor ondulando pela pequena sala, espalhando aquela alegria
que eu senti ao imaginar meu chá fumegante, olhando para a parede
panorâmica e contemplando as montanhas ao longe, aconchegada e
confortável.
— Obrigada. — Caio em mim ao perceber que ao menos agradeci.
Fiquei irritada com a sua negação por um pouco de lenha quando fui
até sua cabana? Muito, terrivelmente irritada. No entanto, sou plenamente
ciente de que ele não tinha a obrigação de me ajudar, sequer me atender se
não quisesse. Por isso, agradeço sinceramente, sabendo que caso não tivesse
voltado atrás na sua decisão, eu teria morrido congelada.
— Não precisa — sua resposta soa vaga e incômoda.
Percebo pela sua postura ao se empertigar, após acender a lareira e pela
forma com a qual ele evita o contato dos nossos olhares, que não se sente à
vontade fazendo gentilezas. Talvez, seja tão rústico e antissocial como a
montanha na qual habita. Incrivelmente rude e frio como o inverno.
— Preciso sim. Me salvou, sem ter a obrigação de o fazer.
O homem passa por mim e seu ombro esbarra no meu. Sinto uma onda
eletrizante percorrer todo o meu corpo. Acredito que ele também tenha
sentido porque estaca sob seus pés, mas não se vira, ainda evitando me olhar.
— Não queria carregar a culpa, simples assim.
Sua fala me deixa parada, em estado catatônico, assistindo-o sair, e
bater à porta atrás de si. Movo-me até a janela quando saio do torpor a tempo
de vê-lo lutando contra o branco, passo por passo, até alcançar a sua cabana,
minutos depois. Assim que ele abre a porta, vejo o cachorro que o aguarda do
lado de dentro e pasmem, seu vislumbre na minha direção pouco antes de se
trancar em sua caverna masculina. Noto que nem perguntei seu nome, ou ele
ao meu. Somos completos estranhos sendo obrigados a ficar próximos por
um longo período de tempo e ainda assim ele me ajudou, sem qualquer
obrigação aparente.
Não compreendo seus motivos.
Só sei que agradeço seu peso na consciência porque agora, sem sombra
de dúvidas, estou aquecida o bastante para abandonar meu casulo de
edredons e cobertores, e ficar à frente da lareira, absorvendo a paisagem
pitoresca e esbranquiçada.
Movo-me até o sofá, e me encolho, apoiando meu calcanhar no tecido
macio do móvel, prendendo meus joelhos ao tórax. Não deixo de relancear o
olhar na direção do meu vizinho, com apenas uma das luzes acesas. Penso
que ele pode parecer intocável e desagradável, mas que tem um coração
escondido nessa camada, caso contrário me deixaria à minha própria sorte e
pouco se importaria.
Agradeço. De verdade. Principalmente quando o ar quente atinge meu
rosto. Inalo o oxigênio, sentindo meus pulmões se aliviarem com a névoa
quente. Respiro profundamente e permaneço olhando para o interior da
cabana, imaginando que, se eu não ler todos os livros que quero, durante todo
esse tempo, sem internet ou outra coisa para passar o tempo, não lerei nunca
mais.
Aquele papo de “você passaria tantos dias em um lugar isolado, apenas
com seus livros?” parece ser incrível, no entanto, olhando de um panorama
geral, e passando por essa situação, acredito que seja bom na mesma medida
em que soe terrível.
E o que o estranho disse volta a retumbar em minha mente.
Ficaremos semanas presos, sozinhos, no alto da montanha.
Semanas.
Sozinhos.
Sem que eu possa ao menos pedir ajuda se alguma coisa acontecer.
Ou semanas que levarão para encontrar meu corpo caso ele decida me
matar.
Cubro a minha boca com a mão e engulo o grito que me assombra.
Céus!
Por que inferno eu vim parar aqui?
E agora, o que posso fazer?
Será que ele veio trazer a lenha para se certificar de que estou indefesa,
sem qualquer tipo de contato com o mundo exterior?
O terror me petrifica e começo a suar frio, mesmo que esteja um gelo
do caramba do lado de fora e aqui dentro, uma temperatura gostosa e
agradável. O pânico, a ansiedade, ameaçam me afundar. O que eu farei se ele
me ameaçar?!
Tomara que papai se sinta culpado, porque toda essa merda é
literalmente sua culpa.
Mas, ele não teria feito alguma coisa ao invés de me trazer lenha? Nem
todo mundo é ruim, Candy! — rebate minha mente.
Meu medo rivaliza com o bom senso e capacidade de distinção. Estou
exagerando ou apenas sendo coerente? O fato é que preciso arrumar
instrumentos para me defender caso ele tente fazer alguma coisa,
principalmente na calada da noite, que deve ser uma escuridão sem fim em
um lugar como este. Levanto-me depressa, não tardando a colocar minhas
ideias em prática. Movo-me furtivamente até o lugar em que encontrei a
lâmpada e procuro por itens de defesa.
Aposto que caçadores já ficaram por aqui e podem ter deixado algum
tipo de arma.
Vasculho todos os cantos, despejando as coisas para fora, fazendo um
barulho colossal ecoar nas paredes de madeira, barulho esse que tenta se
sobressair ao da nevasca e, do vento frio assobiando quando é cortado pela
construção. O uuuuuuh, uuuuh, que ecoa ao lado de fora é aterrorizante, mas
não fico assustada com ele, até gosto, na verdade.
Encontro uma enorme chave de fenda. É, pode servir.
Uma motosserra, acreditem, daquelas antigas, estilo filmes de terror,
que com certeza poderão me matar ao invés de servir em minha defesa.
Um cenário nada animador se desenrola em minha cabeça.
Corro por entre a neve, caindo mais do que fugindo para ser sincera,
enquanto o estranho da cabana ao lado me persegue, com a maldita coisa
ligada, ecoando aquele som aterrorizante pela floresta, as corujas chirriando
diante do perigo e eu lá, firme e plena, tentando me salvar. Daria um filme de
terror e tanto, O psicopata da cabana ao lado.
Soa como um exagero da minha parte, então, a deixo no canto, como
uma das opções. Não posso ser muito exigente, afinal, se eu o fizer, a morte
pode ser certeira.
Lanço as coisas para fora, totalmente inúteis e fico me perguntando o
motivo para alguém guardar todos esses itens desnecessários.
Finalmente, meus olhos batem em algo que pode ser tremendamente
útil. Um martelo. E não é qualquer martelo, ele é bem grande na verdade e,
pode causar um estrago insano. Lanço-o contente na direção das coisas a
serem usadas, encolhendo-me com o som poderoso que ele provoca ao se
chocar com a madeira. Volto a guardar a tralha de qualquer jeito no pequeno
cômodo, torcendo para conseguir enfiar tudo ali, sem que a pilha despenque
sobre minha cabeça.
Ao fechar a porta, respirando com dificuldade, sinto que corri no
mínimo umas seis milhas, tamanho o meu esforço para conter a avalanche de
porcarias. Em meio à minha busca por instrumentos mortais, também
procurei por itens que pudesse usar no dia a dia e ironicamente, não encontrei
nada. Apenas algumas anotações, livros de receitas, máquinas quebradas, que
eu nem sei para que servem, e algumas lâmpadas queimadas em uma caixa.
Passo a mão na testa para secar o suor pelo esforço.
— É, acho que isso pode servir — digo olhando para as três coisas que
separei.
Não que eu pense em ligar a motosserra de verdade, mas apenas de a
ver, pode assustar o homem se ele tentar invadir a cabana. Acredito,
desacreditando, uma vez que seu corpo parece muito mais treinado e forte
que o meu, sendo capaz de me subjugar com facilidade, caso queira.
Torço para que tudo não passe de paranoia da minha cabeça e que ele
seja — contrariando todas as coisas que acontecem no mundo — uma pessoa
de bom coração.
Suspiro consternada.
Deixo as coisas onde estão por ora e decido colocar água para ferver e
tomar um chá, com o intuito de me acalmar — e fico feliz de uma maneira
que nem sei descrever ao constatar que sim, o fogão funciona.
Quando a água ferve e coloco o saquinho, esperando o sabor se
espalhar pela caneca e o aroma perfumar a pequena cozinha, paro e observo
através da janela, uma que deixa a cabana vizinha totalmente visível, com
todas as luzes acesas desta vez. Contemplo a construção singela e sinto meu
coração se acalmar. Um pouco.
O homem é estranho.
Mas, não me deixou congelar.
Devo a ele o benefício da dúvida por isso.
“Pare antes que seja tarde demais, Damon. Volte a viver sua vida
de dor baseada em memórias.”

Por que raios eu fui até lá levar a droga da lenha?


Não tenho a nada a ver com ela. Muito menos devo alguma coisa. O
fato é que saber que estaria congelando, não muito longe de onde permaneço,
completamente quente, fez com que uma bigorna fosse largada acima da
minha consciência. Snow me olhando como se julgasse minha atitude
egoísta, também não ajudou em nada. Espio pela quinta vez através da janela,
depois que retornei para minha cabana, em busca de vislumbres da mulher
misteriosa. Não sei o que quero ver, talvez busque só me certificar de que ela
está tão aquecida quanto eu.
Coloco mais um pouco de chocolate quente em minha caneca e tomo
alguns goles, sendo que nos primeiros, esqueço-me de esfriar a temperatura e
queimo minha língua com maestria. Ela ainda está dormente no momento.
Porém, sigo tomando a bebida, com o sabor doce e irresistível diminuindo o
amargor dos meus pensamentos. Vejo o vulto que corre de uma janela à outra
da minha vizinha e tento adivinhar o que ela está fazendo.
Alguma comida?
Tentando identificar se sou uma ameaça ou não?
Eu, no seu lugar ficaria no mínimo temeroso.
O que será que está pensando neste momento?
Em como poderia sobreviver, acredito.
Trouxe comida o suficiente para as próximas semanas?
Sabe qual a quantidade perfeita de lenha a utilizar para racionar e
preservá-la, certo?
Ou que não deve, em hipótese alguma, sair em busca de lenha em meio
a uma nevasca, uma vez que a neve torna a localização uma tarefa árdua e a
fará se perder no caminho e ficar embrenhada em um ambiente totalmente
hostil?
Droga!
Pare de se preocupar Damon, ela não é sua responsabilidade!
Um sibilo baixo abandona meus lábios quando percebo que estou mais
interessado na intrusa do que deveria estar. Não interessado de maneira
erótica, apenas... preocupado demais.
Finalizo o chocolate e volto para a minha poltrona, onde o livro que
estou lendo, repousa aberto sobre o braço do móvel. Estou na metade, quase
desvendando o enigma. O grande problema, é que ele já não me parece mais
tão interessante, com a minha necessidade famigerada por saber se minha
vizinha está se dando bem com a sua nova casa temporária.
Quer saber?
Ela que lide com seus problemas.
Pego o livro entre minhas mãos e volto a me concentrar na leitura.
Termino horas depois, e precisamente, duzentas e oitenta páginas
adiante. O mistério não me pareceu mistério ao todo e o assassino, descobri
no começo do livro, e só continuei lendo para confirmar minha teoria.
Acredito que com o meu passatempo sendo a leitura, tenho treinado meu
cérebro mais do que gostaria para resolver esses problemas e algumas tramas
acabam por se resolverem em minha cabeça cedo demais.
Guardo o livro na estante abarrotada deles e procuro pela próxima
leitura. São poucos os que ainda não li e pelo visto, terei que reler vários
durante o inverno, torcendo para que a pequena livraria da cidade tenha
títulos novos quando eu for abastecer meu entretenimento. Deveria ter
pegado alguns na última vez em que desci a montanha, porém, acabei me
esquecendo, uma lástima.
Mas, não faz mal, quando a neve começar a derreter e o inverno ceder
lugar às temperaturas não tão altas da primavera, então posso me dar ao gosto
de buscar livros e retornar tão logo seja possível ao meu confinamento por
livre e espontânea vontade. E o melhor de tudo: a intrusa poderá ir embora,
porque eu tenho certeza de que depois de semanas sem contato humano, ela
ficará maluca para fugir deste lugar e eu terei a montanha inteira para mim
novamente.
Ah, o gostoso sabor da solidão.
Apoio os pés em um pufe e permaneço absorto em meus pensamentos,
olhando para a lareira.
A noite corre em direção à madrugada, enquanto escuto o barulho de
alguns animais selvagens ao lado de fora da cabana. O que me faz por
reflexo, contemplar a janela em busca do outro lado. Apenas a luz da cozinha
está acesa e aparentemente tudo permanece como tem de estar.
Decido dormir, ciente de que não há mais muito o que fazer.
Abro a porta do quarto e flashes com imagens de Dolores caminhando,
arrumando suas roupas e sorrindo para mim, me fazem cambalear sobre meus
pés. Sei que não são memórias deste lugar, mas elas estão eternamente
marcadas em minha mente e não consigo fugir.
— Querido, como foi no trabalho hoje? — pergunta ela.
Dolores tem um jeito único de caminhar, sem apoiar o calcanhar no
chão, o que parece fazê-la flutuar. O vestido azul rodado que ela usa,
rodopia ao seu redor, enquanto continua com suas tarefas extremamente
animada.
— Excelente.
— Preciso que venha comigo até o quintal, para eu te contar uma
coisa.
— E não pode falar dentro de casa? — brinco.
Ela sacode efusivamente a cabeça, fazendo com que seu cabelo
balance em demasia. Passa por mim rapidamente e então segue até o
quintal.
Acompanho seus passos, ansioso para descobrir qual o seu segredo.
Acesso a área externa da casa do rancho e me deparo com a profusão
de balões e um conjunto de sapatos de bebê, sentindo meu coração parar de
bater, enquanto assimilo o que aquilo significa. Abro a boca e nada sai,
estou emocionado ao extremo, coisa que nunca aconteceu desde que ela
disse sim no altar. Abro e fecho a boca, dezenas de vezes. Não sei o que
dizer, de tão feliz.
— Você será papai, Damon Kingston! — dá um gritinho e um pequeno
pulo, eufórica.
O sorriso que se estende em meu rosto é genuíno e caloroso.
Não foi planejado, mas sem sombra de dúvidas é algo comemorado.
Corro até Dolores, que abre os braços esperando pelo meu aconchego.
Assim que a prendo contra meu corpo, tiro-a do chão, girando-a em meu
próprio eixo, contente demais para dizer uma palavra, tão exultante que não
consigo fazer nada além de admirá-la, absorvendo a notícia.
Eu serei pai.
Pai.
Não existe vida mais plena que a minha.
Continuo girando-a no ar, até que sinto seus membros ficarem gélidos
e sua pele dura ao toque.
Em um passar de segundo, a alegria que eu sentia transforma-se em
medo. Pavor em ter que olhar no que ela se transformou, e o mais latente
pânico pela última imagem que tive dela estampada em uma de minhas
memórias mais felizes.
Seu corpo para de se mexer e sou levado de volta à cena dela no banco
do motorista, inconsciente.
— Dolores! Dolores! — grito, desesperado.
Mas, meus protestos não mudam a verdade. Quando retorno ao
presente, fugindo de todos os meus pesadelos, estou com a mão apoiada no
batente da porta, arquejando com a dolorosa lembrança. Arfo em busca de ar
e tento fazer aquela dor que rasga meu peito ao meio, parar. Sempre que isso
acontece, seja acordado ou quando estou dormindo, sinto o chão sob meus
pés se abrir novamente e me tragar para as profundezas do inferno,
exatamente como naquele dia em que eu vi a massa de metal disforme, a
lataria dividida, e a mulher que eu amava em meio as ferragens.
Queria ter uma última imagem diferente dela, dos seus sorrisos, dos
seus vestidos estupidamente floridos, no entanto, quando começo a recordar
as memórias doces, a lembrança do fatídico dia toma à frente e termino
assim, como agora, despedaçado e sem qualquer perspectiva de futuro.
Decidi vir para Montana como uma forma de me redimir por não ter
realizado seu sonho assim que me falou sobre ele. Tento honrar a memória
dela todos os dias, mas alguns são melhores que outros, e não me orgulho de
dizer, que em vários deles, questionei o motivo para eu estar vivo ao passo
que ela não.
Qual a vantagem em continuar?
As coisas acontecem como tem de acontecer, é o que eu cansei de ouvir
depois do acidente.
Sinceramente, eu escolheria a eles se pudesse. Se eu tivesse a opção,
preferiria mil vezes que Dolores e nosso filho, ou filha continuassem vivos
enquanto eu...
Mordo o lábio inferior, com tanta força que sinto o gosto metálico e
enferrujado do sangue ondular por minha língua. As lágrimas de tristeza não
demoram a trilhar seu caminho para fora dos meus olhos, descendo e
externando o sentimento que há tanto tempo me corrói.
Sei que se não fosse minha família servir como apoio, que se eles não
tivessem interferido quando eu pensei em fazer loucuras, não estaria aqui,
sofrendo, e consequentemente, não estaria de alguma maneira vivendo. Eles
disseram que Dolores não queria isso para mim, que o seu objetivo sempre
foi me ver feliz e ficaria decepcionada se soubesse os absurdos que já pensei.
Mas, eu sou humano, e como tal, erro muito e talvez mais do que
acerto.
Prova desta verdade é que até hoje não agradeci à minha mãe por ter
ficado comigo durante alguns meses depois que Dolores morreu, ou a vovó
por não ter desistido de mim e por ter arranjado esta cabana, após eu lhe dizer
o sonho da minha falecida mulher. Foi o gesto mais singelo e importante que
alguém fez por mim. E entendi que não podia continuar perto deles
lembrando-me do que perdi, que precisava me encontrar primeiro e cicatrizar
as feridas abertas e sangrentas em minha vida.
Porque a cada festa e reunião alegre da família, eu recordaria de
Dolores, em como ela se misturava aos meus primos e encantava qualquer
pessoa que conversasse com ela. Era o sol que iluminava minhas manhãs
nubladas. Nossa conexão foi tão real desde sempre que depois dela não
cogitei nenhuma outra. O que torna a tarefa de visualizar meu futuro, às vezes
acompanhado de alguma pessoa, tão difícil e impensável.
Deito-me na cama, com esses pensamentos martelando firmemente,
mandando todo o meu sono embora. Algumas noites eu consigo dormir, em
outras, apenas finjo que tento descansar enquanto o luto me consome.
Já faz quatro anos.
Mas, sempre que me lembro parece ter acontecido há horas.
A dor é a mesma.
A falta, pungente.
O amor, descomunal.
E a perda, sem precedentes.
Só quem passou por coisa semelhante sabe quantificar o sentimento que
me aflige.
Contemplo o guarda-roupa tentando escapar das teias insanas da minha
própria cabeça. Eu seria pai, e agora o que eu sou? Viúvo perante a sociedade
e alguém com o coração arrancado, vivendo sua própria bolha de sofrimento.
É, de fato, alguns dias melhores do que outros.
E hoje não é um dos bons.
“Esse homem... tem algo nele, algo que eu gosto muito.”

Comprimo minhas pálpebras. A claridade me faz protestar em um


murmuro. Que horas são? Abro um olho e contemplo a luz. Ao tatear na
mesa de cabeceira ao meu lado, acabo derrubando algumas coisas, acredito
que meus hidratantes, para só então encontrar meu celular. Assim que
observo a tela de bloqueio, noto que ainda são 8h da manhã. E eu não vou
poder correr, como costumo fazer quando estou em casa, ou frequentar a aula
de Hot Yoga. A qual sem dúvidas me deixa energizada.
Agora, pesando as mudanças drásticas que eu ao menos cogitei, chego
à conclusão de que eu vim totalmente perdida até esse lugar. Desorientada ao
extremo.
Droga!
Pelo menos trouxe meu tapete para a ioga normal.
Remexo-me incomodada na cama e decido levantar quando percebo
que nem se eu quisesse conseguiria voltar a dormir. Observo o sinal do
celular, tentando inutilmente ligar para Trust.
Mais uma vez, droga!
Por sorte, o único ponto positivo no momento é que o quarto está
quentinho, com temperatura muito agradável. E agradeço aos meus exercícios
físicos por ter conseguido carregar alguns pedaços de lenha, — a muito custo
— para acender a pequena lareira que há aqui, o que me manteve aquecida
durante a madrugada inteira.
Minha mente vagueia até o vizinho e preciso agradecer por ele ter
compartilhado algo que deve ter passado o outono inteiro recolhendo. Não sei
o que fazer para expressar que estou agradecida, talvez um bolo — um dos
pontos positivos por eu ter feito um curso de confeitaria, quando ainda não
sabia qual profissão seguir — ou brownies e quem sabe, cupcakes. Creio que
pode funcionar. Ele deve gostar de doces, certo? E como deixa, posso
perguntar qual o nome do meu cavalheiro de armadura dourada, um que nem
ao menos tentou invadir meu lugar durante a madrugada.
Porque eu teria notado, tenho o sono leve e uma arma de prontidão para
quebrar a sua cabeça-dura se necessário. Olho debaixo da cama só para
conferir se o martelo ainda está ali e suspiro aliviada ao vê-lo. Como se o
homem fosse entrar na cabana, e ir direto até o lugar em que escondi a
ferramenta, sem me fazer mal algum inclusive. Só eu e minha mente
paranoica para pensar algo assim.
Desço a contragosto do colchão e vou para a cozinha, tropeçando em
meus próprios pés ao longo do caminho. Ainda sonolenta, coloco a água na
chaleira e a deposito sobre uma das bocas do fogão.
Olho pela janela e percebo que a nevasca deu uma trégua ao já tão
castigado clima. Com isso, é possível ver claramente a cabana vizinha, com
uma das janelas sendo iluminada diretamente pelo sol. A chaleira apita
minutos depois, porém, quando estou prestes a retirá-la do fogo, vejo o
homem me fitar em retorno. Não é possível enxergar seus traços devido a
distância e as janelas levemente embaçadas, mas sei que olha na minha
direção.
Não tenho ideia do que está pensando.
E ao mesmo tempo em que uma faísca de medo se alastra pelo meu
corpo, a centelha de algo mais também brota, irradiando uma comichão
através da minha pele.
Ele está sorrindo?
Ou tão curioso sobre o que penso quanto eu acerca dele?
Vislumbro sua caneca e ele a ergue em cumprimento. Abro a boca
espantada ao perceber que pode ser uma provocação e um aviso do que está
por vir. Esse gesto soa totalmente psicopata. Desisto de tentar entender o
ocorrido e retorno a atenção para a chaleira gritante. Retiro o envelope de chá
da embalagem e o afundo na caneca, derramando a água em seguida. Fico
esperando um tempo e sem querer, volto a olhar na direção daquela caverna
misteriosa. O homem já desapareceu e procuro por um sinal seu, nas demais
janelas que estão ao alcance dos meus olhos. Nada. É como se ele tivesse
evaporado de um instante para outro. Mas, por que estou tão interessada em
saber onde ele está? Não é como se pudesse sair correndo montanha abaixo
na atual situação em que estamos.
Preciso encontrar uma distração nessa cabana, ou posso, literalmente,
bater na porta vizinha sem qualquer senso de autopreservação e perguntar
qual o seu problema e porque em alguns momentos é cordial, enquanto nos
demais é absolutamente rude.
Ele pode ser maluco, penso. É uma hipótese.
Mas, não tenho nada que tentar presumir qual o problema dele, afinal,
não nos conhecemos e, também não passamos de dois estranhos dividindo
uma montanha em um momento de necessidade.
Coisas normais do dia a dia, realmente.
Quase nem acredito quando ligo a torneira e a água sai quente. Após
constatar que o aquecedor não é lá essas coisas, mais antigo do que eu, pensei
que fosse ter que tomar banho uma vez por semana, depressa, torcendo para
não morrer congelada. Faz um dia completo que estou aqui e, é possível notar
como a temperatura cai bruscamente em um curto espaço de tempo, e só
consigo torcer para que eu não acabe descobrindo o quanto o inverno neste
lugar consegue ser cruel.
Deslizo a esponja pela minha pele, observando a imensa parede em
vidro, ao lado da banheira. Essa cabana mesmo sendo rústica e antiga, tem
alguns detalhes que a tornam única e mágica de forma peculiar. E é
absolutamente incrível, tomar banho enquanto assisto os flocos caindo
suavemente. Começo a sentir que pode ter sido uma boa escolha vir até aqui e
irei esperar o próximo problema ocorrer para eu me arrepender de novo.
Assopro a espuma que se forma em meu braço, e agradeço a mim
mesma por ter lembrado de trazer meus sais de banho.
Apoio a cabeça no encosto da banheira e fecho os olhos por instantes,
absorvendo a tranquilidade e o silêncio. As coisas aqui não funcionam como
em Dallas, não tenho hora para tomar banho e muito menos preciso sair
correndo, para não me atrasar. Na verdade, sinto paz e não me lembro de tê-la
sentido há muito tempo. Permaneço inerte, com a água perfumada em torno
de mim tornando-se morna com o passar dos minutos. Saio apenas quando sei
que passarei frio se insistir em ficar mais um pouco.
Decido ir até a cozinha depois de me trocar, para preparar o prato de
agradecimento ao estranho.
Pego os ingredientes para cupcakes — papai disse que seria inútil trazer
essas coisas, mas, eu dei sorte e, não foram — sem tardar a prepará-los.
Fuligem voou para todos os lados, principalmente em meu rosto, assim que
abri a porta do forno, que pareceu não ser usado há muito tempo. Após isso,
muita coragem e falta de vergonha na cara, eu arrumo os bolinhos em um
arranjo bonito e que ressalta a beleza de cada um, cubro com uma tampa, me
embrulho em roupas térmicas e saio no frio estupidamente congelante.
A cada passada percebo o quanto fica mais difícil caminhar, mesmo
que, por uma curta distância. Travo meus dentes para não expressar o
cansaço que essa pequena luta contra a resistência do gelo provoca. Ergo uma
das pernas e meu joelho fica em um ângulo de noventa graus em comparação
com o chão, quando o desço novamente, sinto que será difícil levantá-lo. Paro
por instantes na vã tentativa de me recuperar e, fico na dúvida do real motivo
para estar fazendo isso. Aposto que não é pela regra da boa vizinhança, de
forma alguma. Nunca fiz bolos para entregar aos meus vizinhos, e por qual
motivo estou fazendo para esse?
Por que ele parece lindo debaixo daquela barba toda?
Não posso negar que há um certo... interesse por descobrir.
Só percebo que estou parada em meio à neve, com dois terços do
caminho percorrido quando minhas bochechas começam a queimar com o
frio. Respiro fundo antes de prosseguir. Sempre tive coragem de lidar com as
coisas e não será um homem rude que me impedirá de continuar sendo
corajosa.
Ao finalmente alcançar a soleira, ergo a mão para bater na porta, mas
ela se abre antes que meu punho faça barulho. Um rosto obstruído pela barba
bagunçada torna-se visível, com olhos inescrutáveis me avaliando em
contrapartida.
Engulo em seco.
Acho que estou ficando muda demais diante dele.
— O que você quer?
Assusto-me com seu rompante.
Deveria ter trazido um dos meus instrumentos de defesa?
Provavelmente sim.
— Só te entregar um agradecimento por ter me levado a lenha — ergo a
travessa fechada e embrulhada em um cobertor para não sofrer com a
temperatura.
Não que tenha funcionado.
Escuto um resmungo irritado em resposta.
— Não precisaria que eu levasse se você não tivesse vindo até aqui.
O homem fecha a porta e eu fico parada, como uma idiota, tentando
entender qual o problema dele comigo. O que eu fiz para ele? Não me
recordo de já ter causado tamanha repulsa em algum homem durante toda a
minha vida. Ele nem parece humano! Se me dissesse que é um alienígena eu
não demoraria muito a acreditar. Porém, como sou uma pessoa extremamente
decidida, não demoro a bater na porta. Uma, duas, três e quantas vezes forem
necessárias. Torço para que ele decida me atender em um futuro próximo,
porque eu sem sombra de dúvidas não desistirei de bater.
Tornou-se questão de honra, eu diria.
Ninguém me deixa plantada como uma árvore, enquanto tento ser
gentil.
— Você pode por caralho de um inferno parar de socar a porra da
minha porta? — brada em um rompante após abrir novamente.
Não deixo que sua cara carrancuda me assuste.
— Só se aceitar o meu agradecimento.
Ergo o embrulho acima dos meus olhos, esperando que esse gesto tenha
sido delicado. Não sou uma mulher que costuma ser delicada.
— Pode estar envenenado.
Abaixo a barreira, para poder olhá-lo nos olhos. Por que eu o
envenenaria? Nunca ouvi coisa tão absurda!
— E por que eu iria querer te envenenar?
— Medo. Por estar presa na montanha comigo, sem ser capaz de
chamar ajuda. Sabe o que eu poderia tentar fazer. Talvez te picar em
pedacinhos e dar para o meu cachorro, logo, decidiu agir antes e me matar,
para quando puder descer até a cidade mais próxima, alegar legítima defesa.
— Sua fala sai como um rosnado e eu tremeria se não entendesse que só está
dizendo isso para me assustar.
Se fosse de sua vontade fazer tudo o que disse, não teria perdido tempo
e correria até a minha cabana na escuridão da madrugada, para poder me
picotar. Essa noção me faz empurrá-lo sutilmente e entrar em sua toca, sem
muito temor. Tem alguma coisa em seus olhos que me passa a impressão de
animal ferido, nada além disso. Raiva? Não, ele tenta me manter longe para
poder se preservar, acredito. E as suas palavras anteriores, somadas àquele
gesto de levar lenha para mim, só mostram que ele não consegue desejar mal
a ninguém, nem mesmo a uma desconhecida.
Como não percebi isso antes?
Se bem que pessoas que pensamos conhecer a vida inteira, fazem coisas
inacreditáveis. Então minha consciência grita que ainda devo tomar cuidado,
mesmo que o meu sexto sentido avise que nada de ruim pode sair daqui.
Opto por não o responder e dou de ombros quando ele pergunta
silenciosamente se estou maluca.
O cachorro enorme e feliz vem até mim, pulando e apoiando as patas
dianteiras em minhas pernas, para que eu faça carinho em sua cabeça. Late
alegre quando ganha afagos, lambendo minhas mãos e quando me abaixo um
pouco mais, meu rosto também. Parece contente ao extremo pela companhia
de outro humano. Imagino o quanto deve ser difícil para ele, tendo que
conviver com alguém tão resmungão quanto o zangado que nos encara
perplexo.
— Qual o nome dele?
— Snow — rosna sem paciência.
— Não combina com as cores dele — digo alisando a pelagem em cor
preta e amarela.
— Você é muito inconveniente. Já aceitei seu agradecimento, agora
saia da minha casa e não volte mais. Que congele naquela cabana! Pouco me
importo!
Faço uma careta com a sua ignorância e antes de rebater o que disse,
vejo uma estante, repleta de livros de ficção. Ele fica lendo? Caramba, isso é
interessante! Movo-me sem esperar convite até as fileiras e passo os dedos
por cada lombada, lendo os títulos com intensa curiosidade. São raros os
homens que leem hoje em dia, na verdade, o número de pessoas que lê em si,
se comparada com a população total do mundo, é bem ínfimo.
— Um homem que gosta de mistério e romances policiais. Interessante.
Você se tranca aqui e fica lendo, um livro após o outro? — pergunto e me
viro, deparando-me com seu semblante sisudo — agora entendo como
consegue ficar isolado por tanto tempo e se sentir bem com isso. Se eu tivesse
essa quantidade de livros na minha cabana, também ficaria extasiada. Pelo
menos, trouxe algumas dezenas de romances de banca e meu e-reader, caso
contrário enlouqueceria.
Seus traços fechados não se alteram. É quase como se eu não tivesse
dito nada de interessante. Meus lábios crispam-se em pesar.
— Precisa ir embora. Não gosto de visitas.
— Dá para perceber, dado o lugar onde mora.
— É sempre irritante assim? Posso cumprir a ameaça se não me deixar
em paz.
— E você? É sempre tão rabugento e sisudo assim? Céus, aposto que
fica preso aqui porque não sabe como lidar com humanos, só com animais —
olho o cachorro que agora está deitado no único sofá no ambiente — sem
ofensas, amigão.
— Não sabe nada de mim e vá embora antes que seja tarde demais. —
Observo seus punhos se fecharem ao lado do corpo enquanto sua postura se
mantém tensa, na defensiva.
Não, ele não é um assassino.
Ou psicopata.
Ou qualquer coisa do tipo.
Eles não agem assim, como se estivessem com mais medo de mim, do
que eu deles. Olhando diretamente para o homem, acredito que ele seja uma
barata, porque aposto que elas têm mais medo de mim do que eu delas, e
ficam naquela de voar, sem saber que direção, só para fugir. Se esse homem
tivesse asas como as baratas, ele voaria para longe da minha pessoa.
— A forma com a qual tenta me assustar é patética, só para avisar.
Parece uma barata.
— E quem garante que eu não vou cumprir minhas ameaças?
Ele ignora a parte da ofensa, sinalizando que parece um inseto. Que
pena, eu adoraria explicar minha teoria.
— Sua postura. Não gosta de mim, mas se quisesse fazer alguma coisa,
já teria feito. E para te avisar, eu sei me defender, então se vier para cima,
pode acabar apanhando tanto que precisará ir ao hospital. — Blefo, mas ele
não tem como saber — Contudo, como estamos isolados, imagino que não
queira isso, uma vez que só poderá conseguir atendimento médico na
primavera.
Ele rosna de raiva. Acredito que de tanto conviver com o cachorro,
esteja agindo como um.
— Ainda se acha a inteligente.
— Como você, eu amo ler. E ler exercita o cérebro sim.
— Não conseguirá minha empatia por gostar de ler como eu. Só quero
que vá embora, e não volte mais. Se eu quisesse visitas, ou fazer amizade,
moraria na porra de uma metrópole!
Que homem mais malvado e sexy!
Sim, porque não há nada mais sexy que um homem malvado.
— Eu sei, não precisa ficar repetindo — ironizo — não quer visitas,
qualquer companhia humana e blá, blá, blá.
— Se entendeu por que continua aqui?
— Não vai provar meus cupcakes?
— Ah, então são cupcakes? Não tinha falado ainda, preocupada demais
em me tirar o juízo.
— Não tenho culpa se você fica irritado por causa de qualquer coisa.
Claramente não estou fazendo nada demais, só vim agradecer ao meu vizinho
por não ter me deixado congelando. Você que está se alterando por nada.
Ele une as sobrancelhas ao perceber que tenho razão. Não estou
fazendo nada demais.
— Nada — sibila.
— Esse livro! — Puxo um que encontro com tremenda euforia — eu
estava louca para ler este livro! Você me empresta?
— Não.
— Por favor?
— Não.
— Não, é só o que você sabe dizer, estranho? E para não ficar esse
clima rude entre a gente pode me dizer seu nome? Sempre que penso em
você quando estou na minha cabana, me refiro como “aquele homem”, “o
estranho”, essas coisas. Seria muito melhor saber seu nome.
Uma ruga de preocupação perpassa seu rosto e percebo a falha que
cometi, admitindo que penso nele. Infelizmente. Opto por não me estender no
assunto, posso piorar a situação. Então, fico quieta e espero pela sua resposta,
com uma ansiedade nova para mim.
— É Damon.
Engraçado, já ouvi esse nome antes. Estranho por um momento o fato
de outro Damon estar me tirando o juízo, uma vez que o primeiro eu nem
quis conhecer.
— Quase demônio. Entendo. — Se já não estava contente com o meu
comentário anterior, essa frase o faz arregalar os olhos de irritação.
— Só vá embora e leve a droga do livro!
Ao me afastar, meu humor se torna excelente, porque tenho um nome e
um livro que tanto queria ler. Acredito que essa missão de reconhecimento
nem foi tão ruim assim. Na verdade, proveitosa a definiria melhor.
Porém, assim que fecho a porta, percebo que ele nem se interessou em
perguntar o meu. Que droga! Por que é tão arredio assim?
Contudo, passados minutos, deixo de me importar, abraçando o livro
contra o peito. Meu primeiro contato com a leitura, foi através da minha mãe
e desde que ela morreu, é como se eu a estivesse abraçando cada vez que levo
um livro contra o peito.

— Leia, Candy. Você pode não estar feliz com a sua realidade quando
alguma coisa não sair como quer, mas nos livros, minha querida, você
poderá ler tantas vidas que em um momento entenderá a sua.
— Para me entender, eu preciso ler?
— Exatamente. Como seria diferente, se quando você lê entrega uma
parte do seu tempo e, também do seu coração?

Sua fala, quando eu estava entrando na adolescência, não poderia fazer


mais sentido do que faz agora. Ler refugia a alma. E a minha precisa muito
desse alento. Um verdadeiro combustível para fugir da realidade desastrosa
do meu casamento, de como me deixei levar por Ryder e sua conversa fácil,
assim como, por toda a sucessão de coisas que viraram meu mundo de cabeça
para baixo.
Em um momento eu era Candy Sinclair, uma mulher feliz e realizada.
No outro, bem, não gosto de pensar nesse outro momento.
Guardo o livro que peguei emprestado de Damon. — Que nome forte e
sexy! — E recorro a uma das duas malas, onde eu trouxe os romances de
banca preferidos da minha mãe. Quando ela me deixou uma carta, antes da
sua partida, eu me emocionei com o que li, com o seu amor direcionado a
mim. E foi bem específica em dizer que eu deveria ficar com os seus
romances para sentir o lado Candy da vida.
Infinitamente doce.
Ela não poderia ter me deixado nada mais perfeito.
Seus livros eram suas joias e eu aprendi a apreciar a preciosidade da
leitura com ela. Então, além de me tirar do mundo real, a leitura também me
faz lembrar dela, como se eu estivesse em seu colo, enquanto ela lia para mim
um livro infantil diferente a cada dia.
E por causa dessa saudade que me consome, pego um dos que reli
dezenas de vezes, só para sentir o mesmo alento.
Não demora para que eu esteja lendo a última página, com uma
sensação agridoce de que eu nunca viverei um amor tão incrível, como o que
as autoras escrevem.
Mas, por quê?
Em minha total ignorância sempre acreditei que elas dão vida aos seus
personagens e colocam tanta intensidade em seus romances baseadas em
alguma experiência boa em suas vidas. No entanto, acho que sou defeituosa,
porque nunca tive ou senti nada similarmente parecido.
Um amor que arranca o fôlego e desperta uma vontade enlouquecedora
de ficar junto à pessoa.
Tal coisa existe?
Desconfio que não.
Se bem que papai e mamãe se amaram a esse ponto, então sim, deve
existir, mas, é muito raro e tão valioso quanto a joia mais preciosa em todo o
mundo.
Pego o próximo livro da fila, disposta a me iludir novamente quando
acabo relanceando o olhar para a janela, involuntariamente, buscando ver
alguém que eu sequer conhecia antes de vir parar neste fim do mundo.
Damon...
Por que todas as vezes em que meus olhos encontram os dele é como se
os planetas do meu universo se alinhassem em um momento raro e incrível?
Não sei explicar ao certo o que acontece quando estou perto daquele
homem, mas é como se eu precisasse estar aqui. E ter essa sensação me deixa
ainda mais angustiada do que a princípio, porque sinto que vou acabar me
decepcionando com expectativas que eu mesma crio, sozinha, com o passar
dos minutos.
Decido abraçar de novo o livro e desta vez, as lágrimas não demoram a
surgir.
“Cupcakes acabam de se tornar meu ponto fraco”

Ainda estou resmungando de raiva quando ela chega à sua cabana. Fico
observando para ver se nada de ruim acontecerá, é maior do que eu. Depois
que fecha a porta, volto-me para a travessa em cima da pequena mesa
retangular e retiro a tampa, sentindo o cheiro de bolo recém-feito, viajar até o
meu nariz e então se infiltrar em meu peito.
Dolores fazia bolos como ninguém.
Apoio as mãos na mesa, irritado com a lembrança, furioso por não ter
passado ao menos poucas horas sem me lembrar dela. Toda vez é dolorido,
palpável. Já faz quatro anos, quando tudo se amenizará? Quando eu vou olhar
para as coisas sem lembrar do que ela gostava ou não? Sinceramente, parece
piorar a cada passar de dia. Não consigo dizer adeus, não consigo deixá-la
seguir, porque a falta e, a saudade agem como uma pedra amarrada aos meus
tornozelos, tragando-me até o fundo do oceano. Estico minhas mãos, na
tentativa de me salvar, mas não há ninguém lá para segurá-las.

— Se eu morrer antes de você, quero que siga em frente, Damon.


Odeio quando fala isso, é como se pressentisse as coisas. Não consigo
me ver sem ela e a mera possibilidade me machuca tanto que opto por não
imaginar um futuro assim.
— Pare de falar essas besteiras. — Ralho, irritado por Dolores tocar
em um assunto como esse.
— Só falei por falar.

Recordo-me da conversa, uma semana antes da tragédia. Uma maldita


semana antes. E então, algo no qual eu não queria nem pensar, tornou-se
minha realidade. Divago por muito tempo antes de voltar ao presente, fitando
os cupcakes que irradiam o aroma excelente por todo o cômodo. Até Snow
apoia as patas na mesa, sentindo o cheiro e querendo um pedaço de algo que
ele nem sabe o que é.
— Não pode comer isso. É tóxico pra você.
Ele resmunga com a minha fala e volta a se deitar no tapete em frente à
lareira.
Minha mente paira entre a vontade de provar e a de jogar tudo fora,
para não ter que lidar com o que, o simples fato de olhar para eles causa em
todas as minhas memórias.
Mas, a mulher não tinha má intenção quando os fez, o mínimo que
devo é provar um que seja. Pego um dos pequenos bolos, com cobertura de
chocolate, como se ele fosse uma bomba prestes a explodir. Admiro-o por um
longo segundo, antes de dar uma mordida consideravelmente grande. O sabor
inunda minha língua e eu gemo inconscientemente.
É... porra!
Que delícia!
Fazia tanto tempo que eu não comia um cupcake, que sinto meu
estômago protestar. O chocolate derrete em minha boca e não demoro a
terminar o primeiro deles, antes de partir para o segundo, depois o terceiro e
assim por diante, até notar que devorei todos.
Por que eu comi tão rápido?
Ainda estou mastigando o último pedaço e tento fazer isso devagar,
saboreando até que eu não consiga mais.
Quando engulo, desejo com tudo de mim que tivesse mais. E então me
sinto mal por ter sido tão grosseiro com a mulher. Nem ao menos perguntei
seu nome após dizer o meu, porque não me interessava. Agora, é como se eu
fosse um ogro estúpido, enquanto ela só tenta fazer o bem e eu atrapalho.
Nem me lembro da última vez em que senti arrependimento e estranho
conforme ele me corrói aos poucos.
Penso em maneiras de me desculpar pela ignorância sem sair da
cabana. Não estou nada animado a enfrentar o frio e bater na sua porta, sem
saber ao certo o que dizer, é muito mais seguro fazer isso da segurança do
meu lar.
Tenho um vislumbre genial alguns minutos depois.
Vou até o quarto, apanho um caderno e uma caneta permanente. Em
seguida, encontro a minha lanterna e escrevo uma frase na folha, torcendo
para que ela enxergue do outro lado, mesmo com nossas janelas embaçadas.
Ergo o facho de luz na direção da sua sala, desligo e ligo mantendo-a acesa
por alguns segundos, três vezes e depois apenas dois pontos, ligando e
desligando rapidamente a luz, formando a palavra OI em Código Morse. Não
que eu acredite que ela saiba ou entenderá, mas posso chamar a sua atenção
com isso.
Vejo uma sombra através do vidro e estou prestes a desistir quando um
facho de luz é apontado na minha direção e ela faz os mesmos sinais que eu.
Não sei o que mais me espanta, ela ter decidido responder a minha mensagem
ou o fato de ela a entender. Eu mesmo só aprendi por causa das longas
excursões de acampamento que fazia com meus primos. Nós precisávamos de
códigos para caso algo desse errado e meio que gostávamos da aventura
selvagem, de ficar longe da modernidade. Nunca pensei que teria outra
utilidade para essa forma de comunicação além das nossas viagens malucas.
Não demora a outra palavra surgir com a iluminação.
IGNORANTE.
E ela tem razão, então eu decido responder tentando amenizar um
pouco a sua primeira impressão.
QUAL SEU NOME?
Demora um pouco para que eu elabore a frase uma vez que cada letra
possui vários sinais para defini-la, então novamente me surpreendo ao
constatar que ela entende, o que evidencia seu excelente conhecimento na
forma de comunicação.
CANDY.
Candy, um nome tão doce quanto seus cupcakes.
Prontamente peço desculpas, limitando-me a essa palavra, ela saberá o
que quero dizer. E como obtive sua atenção, decido erguer a folha de caderno
para que ela veja, torcendo para que consiga ler. Na folha, escrevi em minha
letra não tão compreensível assim que sinto muito pelo arroubo de fúria.
Candy pisca a sua lanterna, afirmando não conseguir ler o que escrevi.
Claro, Damon, o que imaginou que fosse acontecer?!
Por mais que ela esteja iluminando com a lanterna, já é noite e seria
meio que impossível distinguir alguma coisa. Foi idiotice de minha parte.
Solto um suspiro aliviado, as coisas acontecem como tem de acontecer.
Acredito que tudo o que eu queria falar já disse, então volto para a minha
poltrona, quando um facho de luz irrompe pela janela da sala. Corro até lá,
mais animado do que gostaria de estar. Apresso-me a pegar o caderno
novamente, para anotar o que ela está dizendo. A frase parece ser grande e se
eu tentar memorizar as letras uma por vez irei me perder. Assim que finaliza
a mensagem, olho para a folha de caderno e leio o que anotei.
VOCÊ GOSTOU DOS CUPCAKES?
Pego minha lanterna e centenas de convites passam por minha mente,
inclusive um jantar qualquer dia, para poder agradecer, mas então percebo
que as coisas podem ficar estranhas e em um looping infinito de
agradecimentos. Não sei se estou preparado para interagir com um ser
humano por muitas horas seguidas normalmente. Claro que converso com a
minha família, mas as situações são totalmente diferentes, em nada se
comparam. Por isso, respondo apenas um sim, direto e sem delongas.
Candy também não tenta mais chamar minha atenção e eu me pergunto
o que ela pode estar fazendo.
Não te interessa!
Aquela parte minha que odeia ter que socializar brada.
Por que nutrir essa curiosidade infundada? Não tem sentido.
Fico desconfortável por não conseguir tirar Candy de meus
pensamentos e decido preparar o jantar, para me distrair.
Estou quase finalizando, quando escuto batidas na porta. Olho para a
janela à minha frente, e a neve caindo me deixa em dúvida se Candy foi
realmente corajosa a ponto de atravessar tudo para vir até aqui e tentar
conversar. Aposto que só fez isso porque sou a única pessoa próxima neste
momento e que se fosse de sua escolha, ela passaria bem longe de mim e da
minha cara de poucos amigos.
Movo-me até lá para abrir, contrariado.
Topo com a mulher que vem infernizando a minha quietude, ostentando
um sorriso astuto de quem me venceu com cupcakes, o que não deixa de ser
verdade.
— Não falei aquilo para que viesse até aqui.
— Eu sei. Mas decidi vir porque odeio ficar sozinha. Argh — protesta
ela — é entediante. E queria pegar outro de seus livros emprestado para
passar o tempo. Desculpe se te perturbei, mas acho que o mínimo que posso
ganhar por ter atravessado a neve, é um pouco de simpatia.
— Não precisaria atravessar se não viesse.
— Meu Deus, nem os doces mudaram o seu humor?
— Como mudar o que já nasceu assim?
Ela se coloca à minha frente, empinando o queixo e se mantendo na
ponta dos pés, fitando-me de igual para igual, sem se abalar com a nossa
diferença de altura ou com o meu péssimo temperamento.
— Você não nasceu assim, foi moldado. Consigo enxergar isso através
dos seus olhos. Eu também fui moldada, Damon, e é por isso que acredito
que nós dois podemos tornar esse tempo menos — faz um sinal de aspas com
a mão — “deprimente” e conversar um pouco, compartilhar histórias de vida.
Livros lidos. As leituras que pretende dar uma chance. — Candy dá de
ombros.
A mulher se move despretensiosa pela minha sala, até que suas narinas
se inflam e ela gira sobre seus próprios pés tentando adivinhar a origem do
aroma gostoso.
— Estou cozinhando. Não gosto de companhia enquanto cozinho.
— Excelente, ainda não jantei!
Mais cedo, eu pensei em convidá-la. Porém, não imaginava que ela se
convidaria.
— Não te convidei.
— Não sou o tipo de pessoa que fica esperando as coisas. E
sinceramente, nada que eu cozinhar será tão bom quanto esse cheiro!
Desculpe, mas preciso provar!
Ela caminha até a cozinha como se essa fosse a sua cabana e tira a
tampa das panelas, inalando o cheiro gostoso direto da fonte. Fico estarrecido
quando a vejo pegar uma colher, enfiar na minha panela de sopa com o
intuito de provar um pouco. Como pode existir criatura tão irritante? Mas que
merda!
Apresso-me em ir até ela e retiro a colher da sua mão, depositando na
pia, fazendo questão de soar aborrecido.
— Pare de mexer nas minhas coisas! Que inferno!
— Está divino! Você cozinha bem demais! E como pode deixar que
uma mulher presa à própria sorte passe fome em sua casa fria e sem calor
humano? — Seus olhos tornam-se pidões e eu travo meus dentes.
— Não quer ouvir a resposta.
— Seria ríspida, sem dúvida. — Adivinha ela.
Sua resiliência me incomoda, e troco o peso de perna, tentando me
sentir confortável com a situação, vislumbrando um possível jantar na sua
companhia.
— Pode jantar aqui com uma condição.
Seus olhos se estreitam e ela para de provar minha comida, para me
olhar com tamanha atenção que sinto meus poros congelarem e meu sangue
correr desvairado por minhas veias.
— Que você fique calada e não diga nada muito direto.
Candy faz uma careta e se afasta da cozinha, sem me dizer nada,
caminhado até a porta de saída, como se estivesse prestes a ser brindada pelo
sol do verão ou os campos floridos do Texas. Feliz e saltitante. Odeio como a
sua atitude desperta um alerta em mim, para impedi-la de sair.
— O que está fazendo? — Sondo.
— Não consigo ficar calada por muito tempo. Infelizmente. Então,
prefiro ir embora e cozinhar alguma coisa, a ter que ficar aqui brincando de
quem aguenta ficar mais tempo sem conversar.
Vou me arrepender pela decisão, mas agora que a possibilidade de ter
uma companhia pela primeira vez em tanto tempo surge diante de mim, sem
cobranças ou qualquer insinuação sexual, me soa melhor do que eu poderia
querer. Por isso, não penso no que estou fazendo, mas movo-me até ela e
fecho meus dedos em torno do seu braço, cuidadosamente, evitando que ela
saia da cabana.
Não estava preparado para o que esse toque causaria.
Nunca estaria preparado, acredito.
Mas, quando minha pele toca a sua, nós dois travamos em nossos
lugares, após sentir o choque e a corrente elétrica que correu de mim para ela,
pela segunda vez, porque quando nos esbarramos, assim que eu levei a lenha,
também senti algo similar. Abro a boca para falar alguma coisa, no entanto,
nada sai, como se o tempo tivesse parado e o momento não fosse passar
nunca. Puxo minha mão rapidamente, quando a noção do que está
acontecendo cai em mim. Candy parece igualmente estupefata com o gesto e
ficamos em silêncio por mais tempo do que seria aconselhável.
Pigarreio para cortar o clima estranho e ela recolhe o braço, olhando
para o ponto onde a toquei. Não aparenta estar irritada, magoada ou qualquer
coisa assim, mas intrigada... como eu.
De repente, não sei o que falar, como agir ou sequer consigo pensar
coerentemente. Porque o contato desperta uma vontade muito maior e mais
difícil de conter em mim, a de puxá-la para um beijo e sentir a textura macia
dos seus lábios carnudos. Tal desejo me faz arquejar, pelo simples fato de eu
não fazer algo assim desde aquela manhã tenebrosa, em que dei adeus a
Dolores antes de sair para o trabalho. Pode ser tesão reprimido. Vovó vive me
dizendo que preciso encontrar uma mulher para transar loucamente e sem
compromisso, mas ela não entende pelo que eu passei e, a dificuldade que
tenho de me envolver novamente com alguém depois de ter vivenciado algo
tão maravilhoso.
Não é um botão que eu aperto e: bom, vamos transar!
Não funciona assim.
E para não deixar alguém mal, achando que o problema é com ela,
prefiro me abster de sequer tentar.
— Desculpe — falo baixo, ainda afetado — eu não deveria ter feito
isso.
Candy demora a responder e quando o faz, abre um sorriso de orelha a
orelha, hipnotizando-me com os seus olhos brilhantes.
Apenas se eu fosse cego não veria a sua beleza.
— Não tem problema. Mas, posso jantar aqui? — Ela soa esperançosa
em sua pergunta e fico sem graça de negar, logo, afirmo que sim — Falando
bastante e tudo o mais? — Aceno mais uma vez, o que a faz pular de
felicidade.
A única coisa que fico sem entender, de verdade, é o motivo para ter
sentido uma pontada estranha e indecifrável no lado esquerdo do peito
quando ela retorna alegre para a cozinha e abre a minha geladeira como uma
enxerida. Contudo, afasto esse pensamento antes que ele me corroa demais.
“Eu quero desvendar seus segredos e essa vontade é intensa
demais para eu ignorá-la.”

Tento decifrar o que senti quando ele tocou minha pele. Uma espécie
de calor transferiu-se de seus dedos diretamente para mim, que rastejou e fez
seu caminho, ondulando até a parte que vibrou no meio das minhas pernas.
Sei que pode soar estranha essa constatação, mas é a verdade, me senti quente
e disposta a ver se o beijo desse homem poderia derreter a neve que se
encontra do lado de fora. Agora, estou saboreando a sopa que ele fez,
comendo o pão caseiro que ele também fez e me perguntando se é possível
existir um ser humano assim, tão recluso e receptivo ao mesmo tempo.
Infelizmente, não tenho muitos parâmetros com o qual comparar.
O fato mais engraçado nesta noite, é que jantar, com outra pessoa,
mesmo no silêncio confortável que estamos — sim, eu não estou falando
muito, porque ainda tento entender aquele choque estranho — tem sido
agradável e instigante, uma vez que relanceio meu olhar na direção do
barbudo mal-humorado a cada poucos segundos sentindo que ele também faz
o mesmo comigo.
Presto tanta atenção nele que vejo quando suja um pouco da barba
espessa e absolutamente preta com a sopa. É involuntário o que faço a seguir,
estico meu braço por sobre a mesa e limpo a sujeira sutilmente. Ambos
travamos mais uma vez ao perceber o que eu fiz e acabo retrocedendo minha
mão, empertigando meu corpo na cadeira, torcendo para que ele não pense
que sou uma maluca. Finalizo a tigela que estou saboreando, como se uma
pedra estivesse entalada em minha garganta.
Ele é o único que foi capaz de me fazer ficar quieta, sem querer dizer
nada.
Apreciá-lo é o bastante, assim como as minhas tentativas em imaginar
como ele é por debaixo da barba. Céus! Eu não vou me esquecer disso?
Desde que cheguei e o vi estou com esse pensamento.
— O que está pensando?
Espanto-me com a voz grossa que corta o silêncio.
— Nada.
— Deve estar pensando em alguma coisa, Candy — ele fala meu nome
e droga, soa muito bem em seu tom de voz — É impossível que nada esteja
passando pela sua mente.
— Só me pergunto como você seria por debaixo de toda essa barba.
Minha fala o deixa atônito, abrindo e fechando a boca, como se
procurasse um lugar para enfiar a cabeça e não responder ao meu comentário.
— Entendo, é uma brincadeira — diz por fim, pigarreando e olhando
para todas as partes menos para mim.
— Não, não é — enfatizo — de verdade, essa barba não combina com
você, toda desgrenhada e grande demais. Falta cuidado. Por isso fico
imaginando como você é por debaixo dela. Deve usar essa camada para se
proteger e parecer mais arredio do que eventualmente é. Não te culpo, por
muito tempo eu usei roupas largas demais, porque meu ex-marido falou que
eu estava acima do peso e que não deveria ficar usando — abro aspas —
roupas de mulheres magras. Fiquei me sentindo tão mal que passei um bom
tempo me camuflando até fazer terapia e entender verdadeiramente que não
devo me privar do que gosto por causa do que as pessoas pensarão, além do
mais, ele que era cego, porque eu sou linda. Cada mulher é à sua maneira.
Noto que ele aperta o cabo da colher firmemente entre seus dedos e
uma nuvem obscura paira em seu olhar.
— Já foi casada. Eu também já fui casado. E sinto te dizer, mas, seu ex-
marido é um idiota e não sei como alguém como você ficou com um cara que
fala coisas como a que ele te disse. Jamais falaria isso para a minha esposa.
Eu amava cada centímetro dela, assim como a sua alma e o exterior nunca me
interessou tanto quanto a sua personalidade incrível.
Percebo o quão mal julguei o homem à minha frente.
Alguém que fala com tanto carinho da ex-esposa, não faria mal a outra
pessoa, certo? Claro que há casos e casos e talvez eu esteja baixando a guarda
rápido demais para meu próprio bem. Porém, não consigo mais ficar tão
alerta quando estou perto dele, porque inconscientemente quero conhecê-lo
melhor.
— Ela teve sorte por se casar com você então. No mínimo metade das
mulheres no mundo não tem essa mesma sorte e se casam com crápulas
disfarçados de príncipes. A ilusão engana e quando a verdade vem, já é tarde
demais, entende?
A percepção torna-se evidente em seu semblante e ele acena em
compreensão.
— Sinto muito pelo que passou.
— Eu também. — Decido mudar de assunto — Enfim, como você
cozinhou, a louça é minha, certo? Essa é a regra. — Levanto-me e pego meu
prato fundo, colocando o seu logo acima, ao ver que ele já havia terminado
de comer.
Deixo a louça organizada na cuba e começo a lavar, sem olhar para trás
ou, sequer aparentar interesse no que ele faz, enquanto limpo tudo, em sinal
de cortesia. Mas, me assusto quando sinto sua presença próxima pouco antes
de ele se encostar no balcão, bem ao meu lado, com os braços cruzados no
peito e o corpo tenso devido a nossa proximidade.
— Por que falou aquilo pra mim?
Pego o primeiro prato e começo a lavar.
— É mais fácil falar com estranhos do que com conhecidos. Eles não te
julgarão, apenas vão ouvir o que diz. Claro que não qualquer estranho, mas
como ficaremos presos aqui por um tempo, achei que seria interessante
conhecer um pouco sobre mim e acabei descobrindo um pouco sobre você.
Acredito que foi o preço que paguei para poder ultrapassar a sua armadura.
— Não conseguiu nada do que falou. Ainda sou imune a sua tentativa
absurda de obter informações. Com que intuito? — Ele divaga — não tenho
ideia, uma vez que não sou tão interessante quanto pareço ser. Só tenho uma
história, que se quebrou e perfurou tudo no que eu acreditava, as cicatrizes
ficaram e é assim que tudo termina.
— O que aconteceu? Você a traiu? Ela fugiu com o amante? — Tento
adivinhar o que houve para que decidisse se manter isolado em uma
montanha afogada em neve.
Percebo que fui para o lado muito errado da adivinhação quando
Damon prende seus dedos no mármore da bancada, colérico. Deixo que o
prato que eu enxaguava despenque na pia e escuto o som da louça se
quebrando em vários pedaços, ainda vidrada na aura perigosa que ele emite.
Eu deveria ter ficado quieta.
Calado a porra da minha boca.
Viro-me temerosa, encostando minhas costas na pia molhada, olhando
para o homem que agora está à minha frente, com os lábios firmes um ao
outro, fitando-me como se eu fosse seu inferno pessoal na terra. O corpo forte
e imperativo prensa o meu contra o móvel e eu me sinto enclausurada, presa
em sua névoa de ameaças. Meu coração pula algumas batidas, com medo do
que está por vir, para em seguida bater acelerado, antecipando o terror. Não
sei como sou capaz, mas fico excitada com o cheiro másculo se impregnando
em cada parte minha e a sua determinação em me assustar. Eu deveria correr,
como uma gazela indefesa, ou coisa assim, mas eu não sou uma gazela e
muito menos indefesa.
Empino o queixo e percebo que ele engole em seco, lutando contra a
vontade de ceder ao seu desejo, assim como eu tento fazer.
Seus olhos passam de furiosos para enevoados quando ele fita meus
lábios, assistindo-me os entreabrir, maluca para que me beije.
Segundos transitam entre a tensão, até que ele volte à realidade, se
afaste um pouco, respirando com dificuldade ao tentar recobrar seu bom
senso.
Foi por pouco, muito pouco.
— Nunca mais fale da minha esposa, ou tente presumir o que
aconteceu. Nunca mais, escutou bem? — diz, mas ainda está abalado pela
atração inesperada.
— Sim, me desculpe, não sabia que esse assunto era um limite para
você.
— Mas é — praticamente rosna antes de se virar — e já sabe onde fica
a saída, não quero mais te ver aqui por hoje — vocifera e dispara pelo
corredor, batendo uma porta segundos depois.
Olho para o cachorro, que me encara de volta, aparentando não
entender tanto quanto eu, o rompante de raiva do seu dono. E entre essas
olhadas, percebo um detalhe que me deixa irada justamente por eu tê-lo
percebido ou por dar alguma importância a ele. Damon disse hoje, que não
queria me ver mais por hoje. Ou seja, se eu aparecer amanhã, ele terá voltado
a me tratar com revolta ou simplesmente descaso como nas vezes anteriores?
Em que merda de realidade você acha que descaso é melhor do que
revolta, Candy?!
Decido que no momento minha consciência tem razão, então visto meu
pesado casaco, preparando-me para ir embora. Porém, antes que eu saia de
verdade em meio ao gelo, fito de relance a estante recheada de livros e me
apresso até lá, para pegar alguns que possam me entreter por um tempo. Olho
para o longo corredor, conferindo se não serei pega no flagra e quando
finalizo, corro até a porta, saindo sem olhar para trás, após aconchegar os
diversos mundos dentro do meu casaco.
Mantenho-me tão absorta em meio aos questionamentos que não sinto a
temperatura baixa, ou a resistência da neve contra as minhas botas, só
percebo que estive longe do meu corpo, quando alcanço o alpendre da cabana
na qual estou e afundo em seu interior, não tardando a depositar os livros em
uma poltrona puída e acender a lareira para aquecer todo o lugar.
Infelizmente logo que me sento no sofá, tudo no que consigo pensar é
nele sem a maldita barba.
Damon cozinhando para mim de cueca.
Ou ele tirando peça por peça, despindo-se enquanto eu o observo.
— Ah, meu Deus, eu estou ficando maluca! — Chuto minhas botas
para longe, ficando apenas com a meia grossa, desejando que outra coisa
além do fogo cintilante na lareira estivesse a me aquecer.
Um corpo nu, quem sabe.
Fontes confiáveis, no caso eu e Trust, alegam que quando há um fogo
bem servido na cama, aquecedores ou qualquer outra forma de aquecimento
se tornam meros detalhes. Ao menos, tenho os livros que tanto quis pegar e
ele nem me viu no meu ato de empréstimo.
O que mais eu poderia fazer no meio do nada, com nada além de nada,
cercada por uma imensidão de branco, enquanto espero o inverno passar? Ler
parece a resposta mais coerente. Transar também, mas o homem na cabana ao
lado não parece nada disposto a ceder a esse tipo de intimidade. Uma pena,
realmente. Todo aquele monte de roupas aparenta esconder um corpo de
matar qualquer mulher do coração.
Tento controlar a vontade de ir à janela e olhar até lá, só para ter um
vislumbre dele, mas não consigo, caminhando pé ante pé, como se Damon
fosse ouvir da sua cabana a minha movimentação furtiva. Afasto a pesada e
antiga cortina, para enxergar do outro lado. Apenas a luz do quarto está
acesa, deixando todo o restante em completa escuridão. Permaneço alguns
minutos, como uma espiã, uma intrusa em sua privacidade, no entanto, nada
visualizo, é como se ele fosse um fantasma, que aparece quando bem entende
e que ajuda quando quer.
Retorno até a poltrona e abro um dos livros. As primeiras páginas se
tornam uma leitura maçante, com a minha necessidade de voltar a cada
parágrafo para reler, de tanto divagar e pensar no estranho que mora do outro
lado. Porém, quando engreno na trama, nada é capaz de me parar, nem
mesmo meus pensamentos indecentes acerca de um homem que eu nunca
veria na vida se não viesse parar aqui. E essa constatação me deixa com
aquela sensação estranha de novo, como se eu quisesse ficar perto dele, sem
saber explicar o porquê.
Mando essa ideia para longe e retomo a concentração.
Depois de passar a madrugada inteira vidrada na leitura, naquela
síndrome de “só mais um capítulo e eu vou dormir”, assisto o sol raiar por
sobre o monte de neve que recobre toda a cadeia de montanhas.
Nem que eu passasse a vida inteira tentando descrever, conseguiria.
Nunca vi um nascer de sol tão lindo e mágico como este. Minhas
energias se renovam automaticamente e respiro profundamente, inalando
calmaria.
Já não me importa mais que estou impossibilitada de ir embora.
Também não me sinto irritada pelos percalços que me trouxeram até
aqui.
Sinto-me agradecida.
Grata por ter presenciado uma cena tão incrível e inenarrável.
É neste instante, em que um raio de sol tímido, ondula e flutua até a
minha janela, sem espalhar calor devido ao frio, apenas a luz, que eu
aproveito o cenário para repensar algumas coisas em minha vida. Se o
homem que é meu vizinho não tem esposa e também não é um psicopata, —
depois de todas as oportunidades que ele teve de dar um fim a minha
existência e não o fez, merece o benefício da dúvida — ele pode muito bem
me ajudar a tornar esse nosso exílio em algo muito proveitoso e
extremamente agradável.
Damon possui uma aura controversa que faz a centelha do desejo
crescer em mim. Sei que meu ponto de vista é questionável, contudo, só
estamos nós dois neste lugar e por que não aproveitar?
Quanto mais eu penso na possibilidade, melhor ela me soa.
Devo ser a pior pessoa do universo, com certeza, pensando em seduzir
um homem que não quer ao menos a minha presença por perto.
Possivelmente, esse pode ser um dos vários motivos pelos quais meus
pensamentos acabam viajando sempre até ele.
Nós ambicionamos o que não temos, é um fato.
Levanto-me, e me espreguiço, sentindo o sono se apoderar da minha
coerência, seguindo cambaleante até o quarto.
Meus olhos pesam e eu caio nas mãos de Orfeu, que me dá uma ideia
perfeita para poder conseguir o que quero.
“Conversar com alguém, não foi tão ruim como eu esperava.
Deveria repetir isso mais vezes.”

A primeira coisa que faço quando acordo é espiar pela janela. Uma
atitude horrível da minha parte, mas é o que faço. O sol está nascendo, e
todas as vezes parecem diferentes, por mais que eu veja essa ascensão do
astro todos os dias. Contemplo não apenas a coloração alaranjada por entre os
picos nevados, mas também a cabana à frente da minha, que se ilumina aos
poucos, sutilmente, conforme a hora se estende. Noto que a cortina da sala
desta vez está fechada e solto um murmúrio desolado por não poder ter um
vislumbre do que Candy faz.
Cupcakes?
Ensaiando frases para me irritar?
Ou hidratando aqueles lábios que me fazem engolir em seco?
Deixo de lado essas suposições e vou até a sala. Assim que olho para
minha estante percebo a falta de alguns livros e, não preciso ser um gênio
para adivinhar quem os tirou do lugar. O que responde a minha charada
anterior, ela deve estar lendo.
Há algumas semanas, se fosse qualquer outra pessoa, eu ficaria irritado
com a situação, contudo, apenas um sorriso leve e compreensivo brota em
meus lábios e se arrasta, esparramando seu efeito até meu humor.
Candy, Candy...
Preparo meu café da manhã, ovos com bacon e tomo o café em goladas
enquanto saboreio a refeição. Logo que termino e lavo a louça, ouço batidas à
porta. Sei quem é, e essa noção me provoca uma onda de ansiedade
incontrolável. Enxugo minhas mãos no guardanapo e quando estou prestes a
tocar a maçaneta, ela gira depressa.
É impossível disfarçar o meu espanto.
— Como...? — pergunto, mas Candy ergue a mão em um gesto, para
que eu fique quieto.
— Eu saí daqui ontem à noite e pressenti que você não tinha trancado a
porta já que foi para o quarto dormir. Mas, tudo bem, não é como se alguém
fosse escalar a neve e correr perigo de vida para roubar um ermitão como
você. Principalmente, porque não deve ter nada de muito valor aqui.
— Não interessa como sabia que a porta estava aberta, a questão é que
não podia entrar assim aqui! — exclamo indignado.
Mais por estar pensando nela com frequência, do que pelo que ela fez.
— Eu só queria te trazer algo, e como sei que gostou dos cupcakes, fiz
mais. — Ergue a travessa na altura dos olhos e eu inalo o ar bruscamente,
porque sinto meu estômago protestar, mesmo eu tendo comido, após sentir o
cheiro que perfuma o ambiente.
Maldita mulher e suas mãos de fada!
Dou passos na sua direção e pego a travessa com brusquidão, deixando
claro que não estou nada feliz com ela aqui. Levo os cupcakes para a cozinha
e ouço seus passos me seguindo.
— Preciso te dizer que... — interrompo-a.
— Pegou alguns livros, eu sei.
— Como?
Desta vez sou eu quem a surpreende por alguma coisa assim como ela
fez comigo desde o início.
— Organizo minha estante por cor, e havia lacunas nas tonalidades em
diferentes prateleiras. Uma vez que só você me atormenta, porque mora ao
lado, não foi difícil adivinhar o que tinha feito.
— Em casa, eu costumo separar de acordo com meu amor por eles —
ela diz sem fazer muito caso disso.
Por que não separa por amor, querido? Há livros que você gosta mais.
Eles deveriam ficar em destaque.
Ficar em destaque.
Ficar em destaque.
Ficar em destaque.
Apoio na pequena mesa de jantar e busco o ar que escapou dos meus
pulmões.
— Está tudo bem? — dedos me auxiliam e quando fito os olhos escuros
e profundos, percebo que estive perdido em meu próprio mundo de dor
novamente.
Isso acontece mais do que sou capaz de aguentar.
Principalmente pelo fato de eu lidar sozinho com o luto e me corroer
nele. Prendo toda as dores dentro de mim para não machucar mais ninguém e
todas as vezes em que tenho que socializar, finjo ser aquele antigo Damon,
que fazia piada de tudo e que divertia a todos, quando na verdade, ele está
quebrado, afogado em suas próprias tristezas.
E por mais que as pessoas digam: ei, você tem que superar, já faz
quatro anos!
Dolores gostaria que você seguisse em frente.
Precisa aproveitar a vida, ela está passando.
Eu não tenho como controlar meu coração, que ainda luta na tentativa
de remendar os pedaços que se separaram quando perdi o amor da minha
vida. Não é só falar que as coisas ficarão bem. São anos vividos, e que me
deixam bem ciente do que tive e não tenho mais.
— Eeeei — Candy tenta chamar minha atenção — está ou não bem?
O ar acessa meus pulmões com dificuldade e eu ainda não sei definir se
estou bem. Sequer sei se ficarei totalmente bem um dia.
— Estou — é a única coisa que falo.
A mulher diante de mim não parece convencida com minha fala e seus
grandes olhos imploram por uma explicação. Não me dou ao trabalho de
comentar. Quero ficar quieto por alguns segundos, para poder me recuperar
da enxurrada de memórias.
— Posso ficar por perto e quando quiser conversar, eu vou ouvir.
Ela se afasta de mim e se senta na poltrona. Assisto impotente, Snow se
aconchegar próximo a ela em busca de carinho, enquanto Candy esparrama-
se confortável na minha caverna masculina. Ela não pertence a esse lugar e
ela não deveria estar aqui, não quando eu me recuso a ficar envolvido por
alguma mulher depois de Dolores. Não seria justo, eu não estaria honrando a
sua memória. A maneira trágica e repentina com a qual ela foi tirada de mim,
também reforça a ideia de que não posso ser feliz depois de tudo, que seria
uma espécie de traição que apenas eu entendo. Porém, em contrapartida,
outro pensamento me assola: e se realmente ela ficasse feliz por eu estar
dando uma chance de me sentir vivo depois de tanto tempo sentindo-me
culpado por coisas as quais eu não tinha controle?
— Precisa ir embora, eu não quero que fique aqui. — Sentencio.
Com medo.
Um terror assustador de que outra pessoa comece a ter tanto poder
sobre mim, de me deixar devastado, quando partir também. E Candy irá, ela
está aqui por engano, e quando puder ir embora, esta será a primeira coisa
que ela fará.
— Por quê? Você falou que não é mais casado, eu também não sou. E
para fortificar meu ponto, não estamos fazendo nada demais. Não precisa agir
como se eu quisesse te forçar a ter relações sexuais comigo, porque eu não
estou.
— Eu não entendo a sua motivação. Qual a razão para insistir em se
manter perto de alguém como eu, Candy? Que claramente não se sente à
vontade com a sua presença?
— Tenho a tendência de tentar consertar coisas quebradas. Sou assim
desde criança. Uma vez, deixa eu te contar — ela se levanta e bate com a
palma na poltrona, para que eu me sente no lugar — vem logo, eu deixei
aquecido para você! — caminho contrariado até lá e me sento, a mulher
coloca-se aos meus pés em posição de lótus, animada por narrar uma história
que não quero ouvir — então, como eu estava dizendo, quando era criança,
encontrei um cãozinho que tinha acabado de ser atropelado na frente de casa.
Corri com ele para o papai e pedi que o levasse ao médico. Naquela idade eu
acreditava que os médicos atendiam cachorros também. Enfim, implorei para
ele levar e papai foi o caminho inteiro falando que o cachorro já estava sem
vida. Quando chegamos ao veterinário, ele foi resoluto em afirmar que se
demorássemos mais um pouco, não teria como salvar a vida do bichinho.
Logo, tomei essa como uma das situações de aprendizado, que nenhum caso
que parece realmente sem solução, é. Depois de três semanas se recuperando,
o cachorro, que eu dei o nome de Fighter, foi embora com a gente e se tornou
meu animal de estimação. Amei com todo o meu coração aquele peludo e
sempre que penso que finais felizes não existem, lembro-me dele.
— Eu sou seu caso perdido, agora entendo.
Tapas leves são depositados na minha coxa e eu me encolho com o
toque íntimo.
— Não veja por esse lado. Eu só quero que esse tempo não seja
enfadonho. Que tal discutirmos nossas leituras? Ou fazermos coisas mais
interessantes? Não podemos mesmo andar na neve, nem que seja para subir
até um ponto onde a cadeia de montanhas seja totalmente visível? Você não
tem nenhuma moto de neve? Nada?
O que eu faço para essa mulher parar de falar?
Ela começa e não para mais! Deus, isso é provação!
— Se eu não quero contato com a civilização durante todo o inverno
por que diabos eu teria uma moto de neve?
— Para poder dar uma volta pela paisagem? Fazer alguma coisa que
não ficar enclausurado em uma cabana no meio do nada?
E não foi exatamente por este motivo que eu vim para cá? Ficar isolado
no meio do nada? Candy não entende minhas motivações e não entenderia
mesmo que eu explicasse.
— Eu gosto de ficar enclausurado.
— Nossa, como você é chato. Quando reparei que tem uma espécie de
garagem anexa à cabana, pensei que tivesse uma moto de neve guardada.
Há apenas um limpa-neve Huter pequeno, com o motor quebrado que
eu posso facilmente consertar, mas, prefiro não o fazer, uma vez que ele
seria, enfim, inútil no cenário atual.
— Se quiser verificar pode ir em frente — exclamo sabendo que se eu
disser para ela não entrar, fará justamente o contrário — mas, não irá
encontrar nada de interessante. Só um limpa-neve pequeno, que não
adiantaria muito dado o volume de neve da encosta.
— Tudo bem, — estranho quando ela concorda depressa, porém me
abstenho de opinar — então o que acha de discutirmos alguns livros? Como
eu disse? Eu posso ser legal quando quero.
— Sobre qual quer debater?
Ela diz o nome e eu arqueio as sobrancelhas, admirado, notando que ela
leu um livro grande e complexo em apenas uma noite. Imagino que tenha
passado a madrugada devorando as páginas, assim como eu fiz da primeira
vez que li.
— Não gostou? — Dúvida paira em seus traços.
— Na verdade, estou espantado. Você leu de madrugada e não dormiu,
não foi? A primeira vez que eu li não consegui largá-lo por nada.
— É espetacular! Sempre quis lê-lo, mas aparecia algumas coisas que
eu precisava fazer e acabava deixando para um outro dia. Quando eu
imaginaria que precisaria ficar presa em uma montanha em Montana, com um
estranho, para poder finalmente o fazer? O destino toma caminhos estranhos
para chegar onde quer.
— Por que veio parar aqui? — sua fala me deixa curioso e decido
perguntar.
Não acredito que ela tenha vindo pelas mesmas razões que eu.
— Vi meu ex-marido fodendo a atual dele, no jardim da casa do meu
pai, enquanto ele dava uma festa. Nada demais. Coisas que acontecem no dia
a dia. E o problema é que eu nem o amo mais, sabe? Só senti como se
quisesse me atingir.
Perto do que me faz ficar preso todo inverno, sentindo piedade de mim
mesmo, realmente, não parece nada demais. Porém, eu não estou na pele dela
para saber o quanto dói o que aconteceu. Não é justo de minha parte julgá-la
por procurar refúgio na solidão.
— Ele não pode se chamar de homem se fez algo assim. Sorte a dele
não fazer parte da mesma família que eu, minha avó o picotaria, assaria e
serviria no jantar, sem remorso! Vovó é terrível e tem um senso de certo e
errado de causar inveja.
— Ela deve ser uma senhora incrível — sussurra Candy.
— Realmente é. Ou, na maior parte das vezes, quando não está
tentando casar os netos, ou apenas nos fazendo ser leiloados para a caridade
— falo, sentindo-me leve por comentar sobre as pessoas que amo. — E
acredite em mim quando digo que ela faz isso com todo mundo, sem titubear!
Leiloou a esposa do meu primo certa vez, e eles eram recém-casados. Quase
fez o homem ficar louco!
— Não brinca!
Candy gargalha com a minha admissão e eu sorrio junto, por saber que
a coisa toda é mesmo muito engraçada.
— Estou falando sério. Até você tremeria de medo se visse vovó frente
a frente.
— Aposto que são covardes. Impossível uma senhora que deve ser
amável causar tanto alvoroço dessa forma.
Emito um tsc.
Ela diz isso porque não conhece a matriarca mais diabólica de todas as
famílias sulistas.
— Amável não definiria aquela lá e digo isso com carinho porque a
amo, mas ela não é a mais santa das avós, pelo contrário, deve ser a pior, uma
vez que nos manipula tanto e depois finge que nada aconteceu.
— Então é sensata.
— Sensata? — Bufo em sinal de descrença.
— O que ela pensa de você se trancar aqui?
— Não gosta muito, mas também não me incomoda. Ela sabe, assim
como todos, que não devem me empurrar contra um limite que não estou
disposto a ultrapassar. Estou aqui por um motivo e não sairei tão cedo. Até
gosto do lugar, na verdade — olho em volta — traz uma sensação de paz, que
ser obrigado a conviver com as pessoas nunca trouxe.
Continuamos conversando por muito tempo, falando sobre o livro,
alternando para coisas mais leves e que não me impelem a caminhar na corda
bamba em cima do grande desfiladeiro do meu passado. Candy é uma boa
companhia, sou obrigado a admitir e possui um sorriso encantador. Todas as
vezes em que ela percebe que começo a ficar tenso, trata de mudar o assunto,
tornando-o mais leve e agradável.
Agradeço-a internamente por essa sensibilidade.
E estamos tão envolvidos na conversa, sorrindo vez ou outra, ou apenas
lidando com o silêncio, que quando ela se levanta e diz que precisa ir, sinto
que a ausência começa a pesar no lado esquerdo do meu peito. Não sou o
único, já que Snow se levanta e abana o rabo, chorando para a mulher em pé.
Ela acarinha seu focinho e então se move até onde seu casaco está pendurado.
Quando para em frente à porta, acena se despedindo e eu não consigo fazer
nada além de retribuir o gesto.
No segundo seguinte, após um piscar de olhos, ela já foi embora.
Observo-a caminhar com dificuldade na neve e tomo uma decisão.
Preciso ir para a garagem, nem que eu tenha que ficar congelando por
lá, para consertar aquela coisa.
Coloco meu pesado casaco, minhas luvas e espero que ela entre em sua
cabana, saindo furtivo, para que não perceba o que irei fazer. Poderia
interpretar de maneira errada. No entanto, assim que abro a porta de metal e
fito o limpa-neve pequeno, percebo o motivo para estar fazendo isso. Pego
um dos banquinhos que há ali, a caixa de ferramentas guardada em um canto
e sento-me em frente à máquina, investigando como retirar o motor dela para
consertar. Assim que compreendo o mecanismo, começo a trabalhar e passo
muito, muito tempo compenetrado na tarefa.
“Oh, oh, minha lenha acabou Damon. Posso ficar aqui até a neve
nos deixar ir embora?!
Sou muito manipuladora. Pior que a avó dele, aposto!”

Com perseverança eu consigo!


Repito para mim mesma.
O primeiro passo foi dado.
Ele está sentindo a minha falta neste instante? Deus, por favor, que ele
esteja!
Faço figas como se isso adiantasse de alguma coisa. Então, peço em
pensamento que ele não se encontre tão ranzinza hoje, assim como ontem, ou
pode me chutar da sua cabana sem se importar com a minha bunda prestes a
congelar — o que não é verdade, óbvio, mas eu preciso de alguns artifícios
para chamar a sua atenção.
Sou uma mulher de trinta e sete anos, empreendedora, com uma
empresa em ascensão no ramo de roupas íntimas, divorciada — ou seja,
afundada na merda no quesito romance — e que acabou por se interessar por
um homem igualmente fodido. Acredito que esse seja um excelente resumo
das coisas. Claro que o interesse não é mútuo, mas pode ser se eu lançar todo
o meu charme nele.
Transar até a neve ir embora?
Seria difícil demais para Damon, não?
Nossa, que dó.
Conheço os homens e se ele for um homem comum, basta eu dizer o
que quero e ele ficará muito contente em me dar. Por isso, o plano de mentir
“ah, minha lenha acabou, salve-me do congelamento, oh príncipe encantado
das neves!”.
Muito falso? Preciso de uma frase de vitimismo melhor.
“Você pode por favor, me foder até eu esquentar?!” — Essa foi direta
demais, ele não lida muito bem quando eu vou ao ponto sem rodeios.
“Bom, o seu coração é mesmo tão frio a ponto de me deixar congelar,
quando pode simplesmente abrir a porta da sua cabana e me deixar ficar um
pouquinho com você? Em um cantinho aquecido, tomando um chocolate
quente e quem sabe ficando pelado, ou coisa assim?” — Essa parece repleta
de informações que eu não direi.
“O negócio é o seguinte, quero você, mas é só para fazer sexo mesmo.
Já que estamos apenas nós dois aqui e ninguém pode nos julgar. Que tal
passarmos nosso tempo transando? Isso aí, sem compromisso, prazer pra
mim e pra você também!”.
Não, nada disso está bom. É mais aconselhável eu começar contando
sobre a falta de lenha e como morrerei congelada durante o inverno se ele não
for bonzinho e me deixar ficar na sua casa. Então, nós poderemos aproveitar
e aquecer duas pessoas de uma vez só!
Fantástico!
Claro que ele irá surtar, primeiramente, dizendo que não fui esperta ao
utilizar o combustível para o meu aquecimento e posso admitir que ele tem
total razão, se essa fala carregada de culpa o fizer me deixar ficar. Não
preciso manter meu orgulho, não aqui, com apenas mais um humano por
perto.
Sabe aquela coisa de “ah, se só tivesse você e ele no mundo, o que
faria?”; estou tendo a resposta para essa pergunta exatamente neste momento:
me mataria de transar! Mas, para que isto aconteça, ele precisa querer
também, o que é uma merda das grandes eu não conseguir identificar traço de
qualquer desejo humano nele, além do dia em que quase me beijou.
Foi quase. Muito quase de verdade!!
Ele conseguir resistir e se manter neutro à nossa tensão foi
desanimador.
Desabo na minha poltrona percebendo que há uma grande falha no meu
plano: Damon vai fugir de mim como o diabo foge da cruz. Por mais que ele
aceite dividir seu espaço comigo, nada garante que irá diminuir o gelo que
contorna seu coração e me deixar aquecê-lo ao menos um pouquinho.
Dou um pulo sob meus pés e decido que só saberei o que ele vai dizer
se eu tentar.
Não demoro muito tempo para estar perfeitamente agasalhada e abrindo
a porta nesta nova manhã, uma tão gelada quanto a anterior. Porém, estaco no
lugar, surpresa com o que enxergo.
Há um caminho, com a neve bem baixa que leva da minha cabana até a
sua. Não é tão largo, mas o suficiente para que eu passe tranquilamente, sem
esforços, até alcançar a sua porta. Ele usou o limpa-neve?! Por minha causa?
Como eu vou evitar ter esperança quando ele faz coisas desse tipo?
É muita injustiça!
Ralho comigo mesma ao perceber como sou idiota. Contudo, sigo em
frente e só paro de divagar sobre o que preciso dizer quando estou parada no
seu alpendre, escutando os latidos. Pelo menos ele parece animado ao me ver.
Bato à porta diversas vezes, ciente de que Damon sabe que estou aqui,
seu cachorro teve o trabalho de avisar. Porém, ele demora para abrir e surgir
diante de mim, com sua cara de poucos amigos; característica. E aquela barba
monstruosa que eu queria tanto que não existisse, mas tudo bem, um passo
por vez.
— O que você quer, Candy?
— É que sabe o que acontece? — balanço meu corpo de um lado a
outro, ficando sem jeito ao perceber a estupidez que estou fazendo — Eu
acabei acendendo a lareira no quarto também, na hora de dormir e a da sala
durante o dia e a lenha meio que...
— Não me diga que usou toda a maldita lenha? — Ele me corta,
presumindo o que direi.
— Eu acho que sim — falo baixo.
Consigo escutar o som irado da sua respiração abandonando seus
lábios. O homem está a ponto de se tornar um animal selvagem com o que
ouviu de mim e, por mais que eu ache essa pose de mal, sexy, fico temerosa e
me encolho ao imaginar o que ouvirei quando ele pensar no que isso implica.
— E agora, que merda pretende fazer?
— Eu posso — arregalo meus olhos, garantindo-me que eles estão
grandes e brilhantes o bastante para despertar a sua empatia — ficar aqui com
você, até a neve começar a ir embora? Juro que vou me comportar e
precisamos ser práticos, lenha para aquecer dois é muito melhor do que para
aquecer apenas um! — não digo nada do que tramei minutos antes em minha
cabana.
Sua ira deixa claro que qualquer indicação a sexo seria um erro
grotesco da minha parte.
— Só pode estar sonhando se achou que eu diria sim para uma porra
dessas.
Sua ironia é letal.
Sinto minha humilde autoestima despencar neve abaixo, sendo
congelada ao longo de toda a montanha. E acredito veementemente que meus
neurônios foram todos reduzidos a cubos de gelo quando imaginei que essa
mentira daria certo com um homem como ele.
— É, talvez eu esteja sonhando mesmo — respondo a fala de Damon,
mas na verdade estou respondendo ao meu pensamento controverso.
— Então volte para sua cabana.
— Vai deixar uma pobre mulher morrer congelada por que não quer
partilhar sua casa com ela? — finjo tristeza e nem mesmo isso o faz dissolver
a carranca.
Esse homem tem doutorado em ignorar drama feminino, não é
possível!
— Coitada de você, não é? — debocha ele — Não tenho culpa se mal
conseguiu racionar um item necessário para a sua sobrevivência. Então, não
preciso fazer nada além do que já fiz, e tem sorte por eu ter sido bonzinho e
pela criação que tive, qualquer outro não faria o mesmo em meu lugar.
— Nossa, é cruel.
— Só quando as pessoas me atrapalham.
— O que eu atrapalhei? Sua reflexão de quantos flocos de neve
consegue coletar, enquanto eles caem do céu durante um dia?
— Você é insuportável — ralha ele antes de fechar a porta, sem
qualquer remorso.
Volto para minha cabana pisando duro e o xingando de todos os
palavrões que tenho conhecimento. Entro e fecho a porta com força,
desejando do fundo do coração que Damon precise de mim durante esses dias
e que eu possa enxotá-lo da minha soleira assim como ele faz constantemente
comigo.
Cara louco!
Em um dia conversa normalmente sobre livros.
No outro, volta a ser ignorante ao extremo e totalmente insociável.
É um abominável homem das neves, sem dúvida e, maldito dia em que
vim parar aqui com ele, presa durante uma nevasca! No próximo ano, eu irei
passar bem longe de Montana quando o inverno chegar. Sinto-me
traumatizada o bastante.
Ah, papai!
Ah, papai!
Se eu ao menos tivesse sinal, no celular, para poder reclamar com ele
até que ficasse surdo, seria um bálsamo para a minha alma.
Fico com raiva por Damon ter tão pouca solidariedade em seu corpo e
mais estressada ainda por essa maldita cabana não ter um sistema de
aquecimento decente. Se eu soubesse que ela era do tipo bem obsoleta antes
de vir, provavelmente teria garantido que lareiras elétricas fossem instaladas.
Ou que eu ficasse naquele resort ao longe que parece estar com o interior
quentinho, nada comparado as temperaturas que atingem minha cabana
quando as lareiras não estão acesas e o pior de tudo é que mesmo que eu
tenha mentido para ele anteriormente, a verdade é que a lenha pode não ser o
suficiente até o fim do inverno e começo a me desesperar sobre o que farei
até lá.
Consigo prever as manchetes:
“Empresária é encontrada morta devido ao frio, em uma cabana
inóspita nas proximidades de Ennis.”
Volto a lembrar do motivo para fingir que minha lenha acabou e sinto-
me patética.
Coloco a mão na testa e medito por alguns segundos, pensando que se
eu não fizer alguma coisa substancial logo, vou surtar como nunca surtei
antes. Por isso, decido ir até o porão, um lugar que eu não me arrisquei a
visitar, com medo de que algum animal selvagem estivesse fazendo de lá a
sua morada. O que não é impossível, dado o lugar que estou. Abro a porta do
porão e aperto o interruptor. A escuridão ali é claustrofóbica e o meu nervoso
aflora assim que a luz se faz presente, tremula e então morre da mesma forma
que nasceu. Fico apertando o interruptor diversas vezes, como se o problema
fosse ali quando eu sei que não é. Pego meu celular e ligo a lanterna — a
única coisa para a qual eu o uso ultimamente, uma vez que ter sinal nesta
montanha é a mesma coisa que pedir para que chovam doces no inferno.
Ilumino meu caminho e começo a descer a escada velha, que range
conforme firmo meus pés nela. Tenho medo em certo momento de que ela
quebre e eu não consiga ao menos voltar para a parte habitável da cabana.
Arrepio com a ideia. Não sou uma das pessoas mais corajosas no mundo.
Mas, engolindo o temor, sigo em frente e quando finalmente os degraus
param de ranger, percebo que atingi o ponto mais baixo e que estou envolta
por um monte de coisas, enfeitadas com teias de aranhas e totalmente
assustadoras. Não me importo com aranhas, mas se elas forem muito grandes
ninguém pode me julgar por sentir medo, certo?
Tento ver se alguma coisa é útil por entre as montanhas de lixo e meus
olhos se arregalam quando eu vejo o sistema antigo de aquecimento,
enferrujado, cadavérico, funcionando com lentidão, o que sem dúvida explica
a temperatura baixíssima na cabana.
Paro em frente ao monte de ferro e observo as dezenas de botões e uma
espécie de medidor da potência. Também pudera eu estar sentindo frio, o
negócio está na potência mínima. Jamais ele conseguiria aquecer a cabana
inteira combatendo esse frio desgraçado. Nem ao menos paro e penso no
motivo pelo qual ele está assim, em minha cabeça, eu não preciso mais de
lenha e posso aproveitar para andar com roupas normais pela casa, totalmente
confortável.
— Por favor, que você aumente a potência!
Empurro a pesada alavanca para baixo e solto um gritinho quando
escuto um chiado de motor trabalhando a pleno vapor, — não tão potente, ele
parece ter dificuldade para continuar — porém, após alguns minutos, as
coisas começam a pender a meu favor e escuto o som das engrenagens se
movimentando depressa, com estalidos estranhos, todavia funcionando.
Observo o trabalhar da monstruosidade por vários minutos até que tudo
começa a dar errado. O estridor aumenta e então torna-se insuportável, sou
obrigada a cobrir meus ouvidos com ambas as mãos. Penso em correr para a
escada, mas então lembro-me que se eu não desligar o barulho continuará. E
é então... que tudo acontece.
Merda!
Algumas faíscas escapam dos fios antigos e o barulho no motor
aumenta, enquanto eu tento a todo custo abaixar a alavanca para voltar a
potência anterior, percebendo tarde demais que ela se encontra emperrada e
que qualquer tentativa minha será em vão.
Sons de pequenas explosões flutuam a minha volta.
Coloco as mãos na boca, ciente de que fiz merda e que não tenho como
voltar atrás.
Após mais algumas luzes e faíscas, um som estridente ecoa desde o
sistema de aquecimento até o lado de fora. Noto que a iluminação que
acessava o porão, bem fraca e quase imperceptível, se apaga no andar de
cima e o que eu mais temia pode ter acontecido.
Fiquei sem energia.
Não tarda para que uma figura apareça na porta do porão, com uma
lanterna e a feição totalmente furiosa.
— Que porra você fez, Candy? — brada Damon, possuído pelo espírito
da raiva.
— Foi um acidente...
“Eu não sei o que fiz para merecer um castigo desse!”

Juro que quando vejo Candy e sua pose de coitada, em frente à minha
porta, até penso em aceitar que ela fique. Porém, segundos antes de
concordar, um verdadeiro filme passa por minha cabeça e é aí que percebo o
erro que iria cometer. Não há como ficar em um lugar apertado com ela tão
próxima de mim. As coisas podem dar tremendamente errado em pouco
tempo e serem impossíveis de reverter até que a neve parta. Por isso, não
demoro a fechar a porta e voltar para a minha leitura, tentando esquecer os
lábios tentadores e os olhos grandes que imploravam por empatia.
Snow late para atrair minha atenção e eu afago sua cabeça, sorrindo
com a carência do cachorro, até que... todas as luzes de casa se apagam assim
que ouço um som que se assemelha a uma pequena explosão do lado de fora
da cabana. Não consigo imaginar o que tenha sido, mas sou sensato o
bastante para pegar a minha lanterna, em cima do aparador da sala e sair de
casa em busca do motivo da falta de energia. Não tardo a encontrar quando
vejo a fiação que sai da cabana de Candy irradiando faíscas. A minha é
interligada com a sua, ou seja, se ela está sem energia, eu tenho a má sorte de
estar também.
Dou passos irritados até a sua porta e bato diversas vezes. Nada de
resposta. Desisto de esperar e testo a maçaneta, que gira prontamente. Entro
no lugar e não paro para contemplar nada, com o único intuito de encontrar
aquela mulher e falar tanta coisa para ela, que decidirá descer a encosta
mesmo com a neve quase atingindo seus joelhos. Com o estrago que fez à
rede elétrica não demoro a presumir onde ela se encontra, deparar-me com a
porta do porão aberta apenas reforça essa ideia. Assim que surjo no vão e
aponto a lanterna para a escuridão lá embaixo, os mesmos olhos pedintes que
me fitaram mais cedo, agora estão voltados para a bagunça que ela aprontou.
— Que porra você fez, Candy? — Soo austero.
Não bastasse ela surgir quando eu imaginei que passaria mais um
inverno sozinho, agora ela insiste em transformar a minha reclusão em uma
merda? Essa mulher é o demônio, não encontro outra explicação.
— Foi um acidente... — Olha para mim e diz.
Acidente!
Acidente é tropeçar em uma pedra que não viu, ou mesmo esquecer a
água na chaleira e se lembrar quando ela já quase se evaporou totalmente.
Aumentar a potência da porra de um sistema de aquecimento — é o que
presumo que ela fez diante do acontecido — obsoleto há no mínimo uns vinte
anos e com a fiação toda bagunçada é pedir para que uma tragédia aconteça!
Ela ao menos tem noção de que se um fogo começasse ali, a cabana
rapidamente seria consumida em chamas? Não, claro que ela não tem noção,
é alguém que veio parar em um lugar no pior momento possível, sem
qualquer tipo de conhecimento sobre.
Travo meus dentes e sibilo em ódio.
— Você poderia incendiar essa cabana inteira, Candy! Droga! — desço
os degraus rapidamente e trato de puxar a alavanca para baixo, tentando
desligar o enorme monstro.
A mulher ao meu lado nada diz, mas sinto a sua presença espalhando
calor humano próxima a mim. A alavanca demora a descer, mas quando o
faz, um som de vida voltando ao seu ritmo normal permeia o enorme
maquinário, até que apenas um ruído baixo abandone seu interior.
— Vá até minha cabana e pegue minha caixa de ferramentas, ela está
debaixo da cama — digo.
Candy não responde ao meu pedido.
— Pegue.a.minha.caixa.de.ferramentas, por favor, mulher! — falo
pausadamente para ver se desta vez ela entende.
Desata a correr em busca do que pedi e volta minutos depois,
segurando com dificuldade a pesada maleta.
Eu a contemplo, avaliativo, me perguntando se ela fez isso de propósito
para me infernizar ainda mais.
— Você quem deveria ter ido buscar, não sou sua empregada.
— Não fui eu quem quase provocou um incêndio — rebato.
Mas, não foi por esse motivo que eu pedi para que ela buscasse. A
verdade é que tremo com a simples ideia de deixá-la sozinha diante do
maquinário prestes a pegar fogo. Só tivemos sorte de não haver uma explosão
porque aposto que há um Deus olhando com fervor pela gente, caso
contrário, as coisas seriam desastrosas e mil vezes mais trágicas.
E se alguém tivesse que morrer ali, que fosse eu.
Passo a mão na testa, enxugando o suor frio devido ao medo. Suspiro
ruidosamente, cansado pelo excesso de preocupação.
Retiro a maleta das suas mãos e procuro pelas ferramentas para tentar
abrir a portinhola do motor do sistema de aquecimento. O da minha cabana,
eu troquei assim que decidi passar um tempo longo por aqui e fiz algumas
reformas no lugar, para ficar mais confortável. Candy deu o azar de vir parar
justo na acomodação mais obsoleta de todos os tempos.
É apenas essa noção, forço-me a acreditar, que me impele a tentar
tornar a “estadia” — se é que podemos dizer assim — um pouco mais fácil
para ela. Abro a tampa do motor e começo a trabalhar, trocando algumas
peças que por sorte eu guardei quando substituí o meu. Tento também
encontrar o motivo para ele não suportar a potência mediana. Troco outros
componentes imaginando que consegui encontrar a razão e erro feio.
Não vou conseguir testar o equipamento se tudo não estiver
funcionando.
— Me desculpa.
Olho para ela, e noto que está encolhida, com os ombros baixos devido
ao que fez. Sabe tão bem quanto eu o perigo que correu, não é idiota.
Isso porque eu imaginei que teria sossego durante semanas!
Agora, a única coisa que peço é que elas passem rápido para eu me ver
livre de Candy.
— Cupcakes não irão te safar desta vez — digo baixo, ameaçador.
— Eu só estava tentando deixar o ambiente mais quente e então
imaginei que pudesse aumentar a potência do sistema de aquecimento, só não
pensei que ele estaria tão velho que seria perigoso. Sei que preciso pedir
desculpas, de verdade, e eu estou pedindo pelo que fiz, mas não pela minha
ignorância em agir conforme a necessidade. Se quer saber, acho que o frio
congelou meus neurônios e a culpa é sua por me deixar assustada pensando
que a lenha acabará em breve e então eu vou morrer de frio se depender de
você.
Franzo minhas sobrancelhas.
— Sua lenha já não tinha acabado?
Ela nota o furo que cometeu e abre e fecha a boca, procurando por
desculpas.
Eu na cabana, pensando que sou egoísta demais por não permitir que
ela fique comigo durante o inverno e essa mulher manipuladora criando
situações para me enganar.
— Bem, é que... — interrompo-a sem deixar que invente uma desculpa
para esse gesto tão estúpido.
— Não acredito que fez isso! Por quê? O que tanto você quer comigo?
Já não basta ter acabado com a minha busca pela paz, agora quer me
atormentar todos os dias, no mesmo ambiente?
— Só não quero ficar sozinha aqui.
— Pensasse nisso antes de vir para cá! — Levo as mãos à cabeça
indignado e viro-me de costas para ela, incapaz de ficar olhando para o seu
rosto arrependido.
— Damon, é verdade. E sabe que a lenha não vai ser suficiente para
todo esse tempo, então eu só antecipei os fatos. Não pode ver isso como uma
mentira.
— AHHHHH — grito para extravasar a frustração.
Essa mulher está me deixando maluco. De verdade. Daqui uns dias irei
correr pelado na neve, só para me ver longe dela. Então poderá ficar com a
lenha, com os livros, com o cachorro, a cabana e o que mais ela quiser,
enquanto eu, obterei paz!
Fecho os olhos e coloco o indicador e o dedão na ponte do nariz,
inspirando e expirando, clamando por paciência.
— Está tudo bem? — sinto um cutucão no meu peito.
Nem ao menos posso tentar me acalmar!
É muito mais do que eu posso aguentar, um peso infinitamente maior
do que consigo suportar.
Abro os olhos e fito Candy, de forma impaciente.
— Claro que não! Você está me deixando louco, Candy! Por Deus, que
eu só queria um pouco de paz para poder lamber minhas feridas sozinho e
sem — faço questão de contemplá-la diretamente — ninguém para me
atrapalhar.
— Acha que eu queria cruzar com um homem como você?
Aproximo-me dela, cortando a distância ínfima que nos separa. O
sangue corre furioso em minhas veias enquanto o oxigênio acessa ferozmente
minhas narinas. Meu peito se movimenta dolorido, subindo e descendo,
conforme sou envolvido pelo seu cheiro doce e atroz.
Cometo o erro de pousar os olhos em seus lábios no exato instante em
que ela os umedece, aguardando que a tensão entre nós se dissipe. No
entanto, faz muito tempo, muito tempo de verdade que eu não beijo uma
mulher e mal consigo me conter quando desço minha cabeça em um
movimento rápido e colo minha boca à sua, apreciando a textura macia e
sensual se entreabrir para que minha língua explore o interior e decifre cada
nota de seu sabor, ansiando por saber se ela é mesmo tão doce quanto seu
nome ou cheiro.
Ao descobrir, ouço um som grotesco e selvagem escapar de minha
garganta enquanto eu a empurro até a parede mais próxima, para apreciar
com tranquilidade e avidez ao mesmo tempo, tudo o que ela está disposta a
me dar.
É doce.
É irresistível.
É estranho.
É arrependido.
Errado demais.
E conforme eu avanço e me envolvo, apertando sua cintura com uma
das mãos, inclinando sua cabeça para que eu a saboreie mais, sinto que o
arrependimento também se envereda em minha libido e com a mesma
velocidade a qual o incêndio começou, ele se esvai, centelha por centelha,
como senão tivesse existido.
Afasto-me depressa, sentindo a culpa corroer minha alma, sem
conseguir fitar Candy nos olhos, por saber que agi errado. Por saber que errei
também com Dolores. Como eu posso seguir em frente quando as coisas
ainda estão tão recentes em minha memória?
Como
posso
seguir
em frente?
Quando minha memória só me faz retroceder ao entender que eu jamais
terei novamente o que tive com a minha esposa?
Não consigo respirar direito, tamanha a minha raiva comigo mesmo por
ter cedido ao desejo.
— Bem, isso foi... inesperado.
Candy consegue minha atenção com a fala e noto como ela se esmaga
contra a parede ao olhar em meus olhos. Não sei o que eles passam, mas se
externarem uma exígua parte do caos que destrói minha mente, as coisas não
devem ser nada boas para quem vê.
Sou um homem trucidado pela tragédia.
Dilacerado pela dor.
E não tenho qualquer intenção de melhorar, porque sei que melhorar
significará esquecer o que vivi, algo que eu não farei nunca. Por isso,
continuo existindo, com as minhas lembranças boas e, também as ruins,
vendo cada passar de dia como se fosse um péssimo filme, com um enredo
digno de dar pena. Eu sou digno de pena.
— Esqueça o que aconteceu aqui — falo, furioso por não conseguir me
controlar perto dela — foi um maldito erro. E vou consertar a porcaria da
fiação, faça o favor para nós dois de não aprontar mais nada que coloque em
risco a sua vida e a minha, e se possível for, fique — falo — longe —
pausadamente — da minha cabana.
A cada palavra que eu disse, não percebi, mas me aproximei mais dela,
estando agora com meu corpo quase colado ao seu novamente, ameaçando
prendê-la contra a parede de novo. Sinto sua respiração flutuar em torno de
nós e não sei se estou irritado pelo que ela fez, ou por eu ter perdido todo o
fio de coerência que há em mim, louco por beijá-la.
Louco por querer mais.
Por ansiar prender meus lábios novamente aos seus.
E por sentir que eu não vou conseguir me conter se ela ficar pairando a
minha volta, como uma promessa para o pecado.
— Você está com medo! — diz ela.
— Medo? — sibilo.
— Medo de se envolver comigo, sabendo que se eu ficar próxima a
você, vai me beijar de novo como acabou de fazer agora e, também vai sentir
vontade de fazer mais, assim como eu estou sentindo. Me deixou quente e se
apavora por perceber que está pegando fogo também.
Eu a odeio.
Do fundo do coração.
Por acertar em cada palavra e aumentar a devastação que já se alastra
em meu interior.
— Não sabe do que está falando.
— Não sei? Eu não sei — ironiza, colocando-se à frente, colando seu
corpo ao meu, lançando cada parte minha para um vulcão em erupção — Por
que você faz questão de parecer um ser abominável que não se importa com
nada, quando traz lenha para mim porque sabe que eu estou sem? O que eu
também não entendo é como você pode ser tão interessante em alguns
momentos e tão ignorante nos demais. Compreendo menos ainda, Damon,
como você se abre a novas sensações para se fechar no segundo seguinte.
Então acredito que está travando uma guerra aqui. — Ela bate com o
indicador em meu peito — consigo mesmo.
Fico em choque.
Sem saber o que fazer.
Porque ela está absolutamente e incontestavelmente certa.
— É maluca se pensa que depois de dias você pode entender todos os
tormentos de alguém.
— Eu não entendi todos os seus tormentos, mas percebi que há alguma
coisa que te trava para o mundo e não precisei ser uma expert para adivinhar.
Está tão claro assim?
Sei que não sou o maior sinônimo de simpatia, porém, não imaginei
que meu sofrimento fosse tão claro para as pessoas. E como um idiota, a
única coisa que penso em fazer é escapar de Candy e da sua maneira de me
olhar, tentando decifrar todos os meus segredos.
Fito-a por vários segundos, que correm desenfreados, consumindo
nosso tempo e a única coisa que faço é dar meia-volta e fugir como o idiota
que sou. Sem me preocupar em respondê-la ou sequer dizer que mesmo
sendo errado, o beijo foi uma das melhores coisas que me aconteceu nos
últimos tempos, porque com ele, eu me esqueci das lembranças terríveis por
segundos, que foram tão doces quanto mel.
“Seu beijo foi a coisa mais quente que eu já provei, e mesmo que
eu o compare ao sol escaldante da Flórida, seu patamar continuará
o mesmo.”

Damon não me surpreende ao virar-se de costas e se afastar de mim tão


rápido quanto conseguiu. Eu já imaginava que ele faria isso, simplesmente
pela sua pose defensiva e, o semblante de quem travava uma batalha interna a
cada passar de minuto. Porém, o que me surpreendeu foi o que eu fiz assim
que ele sumiu de vista, levando meus dedos até os lábios, incapaz de acreditar
que ele realmente havia me beijado. Não só beijou, mas devorou, com uma
fome que me fez ceder a ele, como se não estivéssemos discutindo
fervorosamente momentos antes.
Foi incrível, demorado, gelado, assim como o inverno. E, contrariando
tudo o que eu pensei antes, foi também o beijo mais quente que eu já
experimentei em minha vida.
Sua barba roçou meu queixo e provocou uma carícia diferente e surreal.
Até dela eu gostei. Como isso é possível?
Senti que poderia beijá-lo para sempre, sem me importar com ela ou
qualquer outra coisa: minha empresa em Dallas, ou as centenas de cursos que
comprei e ainda não tive tempo de fazer. Nada parece ser tão importante
assim.
Meus lábios ainda formigam quando desço os dedos lentamente e
minha mente flutua em torno da memória do momento inesperado.
Posso ter de volta?
Deus, eu quero tanto!
Olho de relance para o maquinário antigo, perguntando-me se consigo
fodê-lo mais uma vez depois do que aconteceu, só para que Damon volte, se
irrite comigo, e me beije até ambos perdermos o ar.
Não sei nada sobre a vida dele, não tenho ideia de quem seja, mas o
quero demais para me importar com essas coisas. E o que eu quero
geralmente eu consigo. Por meio de perseverança, inteligência ou esforço.
Tento lê-lo sempre que o vejo, a potência dos seus sentimentos, de fúria,
raiva e autoproteção, sem chegar à conclusão alguma todas as vezes. É como
se eu olhasse para os seus olhos e enxergasse um oceano que eu não sou
capaz de atravessar para entender.
Paro de viajar em meus próprios pensamentos e subo os degraus do
porão, encontrando a cabana tão vazia como quando cheguei. Damon não
exala perfume, mas possui um cheiro característico de frescor, o qual não sei
explicar ao certo e, que se estende desde o corredor até a porta de saída.
Como que para me provocar, ele colocou alguns pedaços de lenha na lareira e
empilhou as demais ao lado, para deixar claro que sabe a quantia que tenho e
que uma mentira não o enganará mais.
Droga.
Perdi meu trunfo.
Corro até a janela, para ver se ainda consigo observá-lo retornando para
seu lar. Infelizmente não, a única coisa que sou capaz de enxergar é a luz na
sala, e mais nada. Mas, antes que eu desista, vejo-o saindo novamente com a
bendita maleta. Está com o semblante fechado e dá passos duros em minha
direção, ou eu que sou iludida demais pensando que ele está se aproximando
para repetir a dose, uma vez que toma um caminho diferente, distante da
minha porta. Damon alça a cabeça e tenho certeza de que me viu, mas fingiu
o contrário. Para na lateral da cabana e desaparece do meu campo de visão
por alguns minutos, sendo que logo em seguida surge caminhando até a
porta. Passa a pouca distância da minha janela e o menor vislumbre dos seus
lábios é capaz de me fazer desejá-los novamente.
Como vou lidar com ele tão perto e tão longe emocionalmente; um
mistério.
Abre a porta sem ao menos bater. Sem olhar na minha direção ou dizer
alguma coisa, caminha pelo corredor e desaparece nele. Não demoro a segui-
lo e vê-lo descendo até o porão, com a lanterna na boca, enquanto trabalha
em uma chave de energia, próximo ao maquinário que eu quase explodi.
Percebo que ele desliga a coisa e depois vai até uma caixa, para trocar algo.
Ele trabalha com agilidade, como se já tivesse feito isso uma centena de
vezes.
Suor escorre devido o esforço, mesmo com a baixa temperatura — que
nada se assemelha a do lado de fora, mas ainda assim é fria — e ele fica
quente demais dessa forma. Pena que a blusa de frio que use, me impeça de
ver os músculos trabalhando.
Será que ele é tão forte quanto aparenta?
Deus, minha libido não diminui ao imaginá-lo de regata, sujo de graxa
enquanto mexe em algum motor, daquela maneira sexy que a maioria das
mulheres no mundo imaginam homens bonitos e rústicos trabalhando. Aposto
que não preciso dar muitos detalhes que quem imagina sabe a que me refiro.
Sou obrigada a comprimir minhas pernas com a visão que se entranha e
devora meus pensamentos mais obscenos.
Damon ainda está com a lanterna na boca, iluminando na direção em
que mexe.
Acompanho seus movimentos como uma sedenta, no calor, olhando
uma jarra de água suando, mas, sem poder beber do seu líquido. Como pode
ter tanto sex appeal sem a menor intenção de usá-lo a seu favor? Porque é
impossível que ele não saiba que é um homem sexy. E geralmente, homens
com essa noção, tendem a ser mulherengos ao extremo, incapazes de perder
qualquer oportunidade que signifique sexo fácil.
— Quer ajuda? — pergunto, tentando dizimar a obscenidade em minha
mente.
Ele não responde, então estendo meu braço até a lanterna e a pego.
Encosto em seu lábio inferior por segundos e sinto a descarga de
corrente elétrica me varrer, desde a mão até os pés. Meus pelos se arrepiam
ao longo do corpo e invoco toda a minha força para não demonstrar como o
simples toque me afetou. Odeio como aparenta ter saído ileso dessa coisa
estúpida, porque na verdade, estou parecendo uma adolescente, flertando,
com frio na barriga e se arrepiando com um toque sem qualquer segunda
intenção.
— Sempre atrapalha ao invés de ajudar, por isso prefiro que fique
longe. — Resmoneia.
Ignoro a sua fala, mantendo-me próxima, iluminando onde suas mãos
trabalham e imaginando dezenas de cenários diferentes, onde elas labutariam
em uma parte muito mais viva do que aquela caixa de energia. Mordo o lábio
inferior com os pensamentos obscenos.
Percebo que o som que ele fazia com suas ferramentas cessa e seus
olhos ficam presos em mim, ou melhor... na minha boca.
— O que foi? — pergunto.
Mas me faço de trouxa porque sei bem o que o atormenta. Isso é bom,
ao menos não sofro sozinha.
— Tenho medo de perguntar o que está pensando. — Chacoalha a
cabeça e retoma o que fazia.
Ficamos quietos, durante o tempo em que ele se dedica a consertar as
coisas que eu arruinei. Não posso nem reclamar, não é sua obrigação fazer
isso e se ficássemos sem energia até o fim do inverno a culpa seria totalmente
minha. Sou uma mulher madura o suficiente para admitir meu erro.
— Como consegue saber lidar com tudo? Você é uma espécie de expert
em coisas de sobrevivência? Daquele tipo que aparece nos canais, de pessoas
sobrevivendo a ambientes hostis, como selvas, cadeia de montanhas e afins?
Já comeu minhoca, vermes, e fez da bexiga de animais um reservatório para
guardar água potável?
Os dedos hábeis param novamente, mas ele não me fita. Aposto que
está com medo. Eu também teria medo de mim, porque sou extremamente
inoportuna.
— É maluca, parece até a esposa do meu primo. Vocês se dariam muito
bem.
— Deve ser um elogio, aposto que ela é incrível.
— Não me atrevo a dizer isso, mas tem razão, ela é mesmo o par
perfeito para aquele resmungão cara de bunda.
Solto um riso baixo com o seu afeto disfarçado de insulto.
— Vocês, que resmungam demais precisam de pessoas esfuziantes,
caso contrário continuarão sendo merdas ambulantes — explano e ele finge
não ouvir — Tem muitos primos? — Adiciono à sentença, para que a
primeira parte não se torne íntima demais.
O cheiro de madeira úmida paira a nossa volta e eu imagino que nos
dias chuvosos, este porão não tem muitas chances contra a água. Uma pena.
Essas cabanas precisam ser reconstruídas com urgência e eu não acho que o
dono disponha de tanta atenção assim a elas, já que são tão obsoletas.
Aliás, quem é o dono?
Papai arrumou tudo para que eu viesse e não me disse como conseguiu.
Será um conhecido seu? Conhecido também do abominável homem das
neves?
— Alguns. Não há tanta diferença de idade entre a gente, o que nos
aproximou muito. Desde pequenos.
— Quantos anos você tem? — pergunto, porque é uma curiosidade
válida.
Chuto mais de trinta anos, bem mais, mas pode ser apenas impressão
devido a barba mal cuidada.
— Por que a pergunta?
— Não pode dizer? Só estamos nós dois e acho que não é um crime
contra a humanidade se me disser algumas coisas, e eu contar outras, assim
como fizemos nos últimos dias.
— Trinta e cinco.
Meu palpite não passou tão longe, afinal.
— Eu tenho trinta e sete — falo sem que ele pergunte — e precisa me
respeitar, porque sou mais velha.
Ele solta uma gargalhada profundamente rouca, que reverbera pelas
paredes. Sinto-me mais próxima dele do que quando nos beijamos, porque
aos poucos, ele se soltar evidencia que se sente à vontade na minha presença.
Há coisas mais íntimas, no mundo, do que o simples contato físico, como:
abrir seu coração para alguém e contar seus piores medos, seus sonhos e até
fazer gestos que só se permite quando conhece o outro.
Logo, sua risada meio que se torna especial.
— Parece ter bem menos.
— Por causa da minha beleza inalterada desde que eu fiz vinte anos? —
brinco.
— Não, não é isso — ele olha para mim de relance e noto uma sombra
de sorriso nos lábios recobertos por fios desgrenhados — é pela forma que
age. Muito livre. Não me leve a mal, não estou te rotulando, mas as mulheres
que conheci não costumam ser assim, tão tranquilas e dispostas a superar as
barreiras. Fiquei irritado por você ter tentado aumentar a potência desse
sistema antigo — aponta para a imensa máquina próxima a nós — mas,
também impressionado por você sequer ter tentado. Qualquer outra sentaria
no chão da sala e choraria pelo restante da noite, tomando um chocolate
quente ao invés de procurar resolver o problema. Ou, faria um escândalo em
frente à minha cabana. Você é tão diferente da... — ele continuaria a falar,
mas então se cala e murmura um — esquece, não quero falar sobre.
Ele está me parabenizando por ter fodido com tudo?
Ora, ora, que surpresa!
— Presumo que eu ferrei com tudo, mas foi com louvor por ter
tentando me livrar do problema causando um outro maior?
Mais uma gargalhada.
Deus!
Eu posso me acostumar com elas fácil, fácil!
É um som poderoso, cadente e gostoso de ouvir.
— Ficou estranho, não é?
— Demais.
— Candy, não se deve mexer onde não se conhece. E isso vale para os
dois pontos que você demonstrou curiosidade.
Ele quer dizer quanto ao sistema de aquecimento e a... ele?
— É um campo proibido eu querer saber o motivo para ser tão evasivo?
— Exatamente. Basta ficarmos cada um em sua bolha que não teremos
problema algum.
— Não tenho qualquer tipo de problema com você — explico — a não
ser que você tenha comigo. Se a resposta for positiva precisamos trabalhar
essa coisa, porque odeio desavenças e ficar presa em uma montanha por
muitos dias pode se tornar uma tortura para nós dois.
— Você já disse algo parecido.
— Apenas para reiterar.
— É desnecessário.
Ele termina o que está fazendo, para e olha para a coisa toda, com as
mãos nos quadris, aparentando orgulho pela sua habilidade. Se eu precisasse
fazer o mesmo que ele, nós ficaríamos no escuro até que alguém pudesse vir
ao nosso socorro. Damon me olha por alguns segundos e então pega a
lanterna da minha mão, subindo a escada em seguida. Não tarda para que eu
veja a luz na parte habitável da cabana. Ele conseguiu, não é que o homem
conseguiu?
Sigo-o depressa, a tempo de vê-lo mexendo em alguma coisa na
cozinha.
— Estava ligando a chave do disjuntor, que caiu quando a máquina
puxou energia. Se você ficar sem energia, eu fico sem também, porque ela
passa pela sua cabana e depois vai para a minha, as duas são interligadas
neste quesito.
— Só por isso ajudou — presumo.
— Eu teria ajudado de qualquer forma se me pedisse.
— Com relutância e apenas se esse pedido não envolvesse ficar sozinho
comigo.
A careta em seu rosto conota que acertei em meu ponto. Ele me
ajudaria, desde que essa ajuda não o fizesse passar por uma situação com a
qual não consegue lidar.
— Eu não entendo o porquê de querer tanto isso, Candy. De verdade, e
entendo menos ainda como uma mulher linda como você, alegre e aberta às
possibilidades da vida decidiu passar um inverno inteiro enfiada em uma
cabana no meio do nada, sendo que poderia aproveitar muito mais em outros
lugares. Claro que aqui é lindo, mas acredito que seu estilo seja condizente
com o — ele aponta para algumas luzes visíveis ao longe, ou melhor, um
conjunto delas — resort cinco estrelas de esqui. Pense quão incrível seria
ficar rodeada por gente ao invés de presa aqui comigo, torcendo para que
tudo dê certo?
Ele tem um ponto.
Mas, podemos chamar o motivo que me fez vir parar aqui de
pressentimento? Porque foi mais ou menos isso, com um dedo de culpa do
meu pai, claro.
— Cada qual com seus problemas.
— Realmente. Então deveria me deixar em paz.
— Aposto que se eu morresse de frio ou de solidão você não iria se
importar — digo.
Não de maneira dramática, somente constatando uma verdade. Damon
não faz questão de que eu pense o contrário, me escorraçando sempre que
possível.
— Você não é nada minha, não teria motivo para me importar — noto
que uma sombra passa através de seus olhos, com o assunto, e a minha
curiosidade só aumenta com esses sinais singelos de que um trauma colossal
comanda todas as suas falas — sou um desconhecido, estranho, por mais que
já esteja aqui há alguns dias e, eu more bem ao seu lado. Não abaixe as suas
defesas comigo, pensando que me conhece, porque está bem longe disso.
— Fico lisonjeada por saber que se eu morrer não faria diferença
nenhuma na sua vida. Obrigada pela informação. Sinto-me tão protegida
agora que eu poderia dormir tranquilamente e acordar só quando o sol for
capaz de derreter a neve.
Certo, desta vez eu soei dramática. Ou seria irônica?
Mas, é que Damon me irrita na mesma proporção em que me fascina.
— Fez um comentário e eu apenas o complementei.
— Lá fora está um frio de congelar, mas aí no seu coração a coisa é mil
vezes pior. — Assumo.
— Tem uma forma sutil de insultar, como senão estivesse fazendo nada
demais.
— Assim como você gentilmente me disse que minha vida é como uma
pena na sua balança de importâncias. — Não digo mais nada, olhando para
além dele, acompanhando um floco de neve que ondula de um lado a outro
com o vento.
A verdade é que estou desanimada e com preguiça para discutir com
ele.
Quase causar uma explosão me deixou com o humor terrível, sentindo-
me culpada e burra.
— Deixe para lá, tudo o que eu disser só piorará as coisas — Damon
diz por fim.
Aceno sutilmente, respondendo positivamente a sua constatação.
Ele não demora a sair da cabana, sem se despedir, ou olhar para trás
uma vez sequer. Pelo menos ele tem a decência de dizer coisas idiotas,
entender o que fez e não se estender nessa merda.
Movo-me inconformada com a sua habilidade em me ignorar até a
parede em vidro de frente para a montanha, reclamando com a paisagem
como se ela fosse a culpada pelos meus infortúnios. Passo diversos minutos
decorando o número de árvores próximas a mim, perguntando-me como elas
são quando o verão deixa o verde vívido e visível.
Abro um sorriso, com a imagem tranquilizante que permeia minha
idealização.
Eu queria de verdade ver como são as coisas com as temperaturas mais
altas.
E me empenho em acreditar que a maior motivação é apenas esta e não
Damon cortando troncos, para guardar lenha, esperando o inverno rigoroso.
Um filme se forma em câmera lenta enquanto ele desce o machado, para um
instante e enxuga o suor, para depois erguer o antebraço poderoso novamente
e descer com força.
Força.
Força.
Essa palavra fica se repetindo enquanto peço justamente isso, com mais
força.
Eu preciso focar em outra coisa que não tenha a ver com aquele
homem. No mesmo instante em que penso isso, um animal surge no meu
campo de visão, com uma marca de sangue brilhante em sua costela e o olhar
tão perdido quanto o meu. O lobo não é tão grande, parece até pequeno de
onde estou e assim que ele me vê é como se pedisse ajuda, muita ajuda.
Ergue a cabeça e uiva, de uma maneira dolorida e que me faz encolher,
imaginando o quanto ele está sofrendo. Sua pelagem é branca, com uma
mistura de cinza nas costelas e coluna, algo que nunca vi. Não que eu já tenha
visto lobos tão de perto assim no geral. E seus olhos, estes ostentam o mais
absoluto tom de rubi. Fico hipnotizada por eles e espalmo minhas mãos no
vidro gelado, tão próxima da superfície que minha respiração quente embaça
uma pequena parte por instantes.
Sou atraída pela sua vulnerabilidade devido ao machucado e não penso
no que estou fazendo antes que minhas mãos estejam de posse do kit de
primeiros socorros e também quando coloco o pesado casaco para ir em
busca do pobre animal que sofre com um ferimento que drena a sua vida aos
poucos.
Ele está tão machucado quanto eu já estive um dia e precisa de ajuda.
“E mais uma vez você me surpreende.”

Sei que eu não deveria me preocupar com o que Candy sente. Mas, foi
muito rude da minha parte verbalizar que a vida dela não importa para mim.
Quando é justamente o contrário, se ela morresse, quem seria o principal
suspeito, pelo amor de Deus?
Exatamente!
Eu!
Então, por que inferno eu iria querer que ela morresse?
A mulher é maluca. Só isso que sei.
Fico remoendo a nossa conversa, girando em meus próprios
pensamentos. Não peguei um livro para ler desta vez, permaneço quieto,
esperando que os minutos corram e as horas devorem o tempo que tenho.
Não demora a anoitecer totalmente, e sem querer, meu olhar vagueia na
direção da janela, em busca de uma luz para me confortar. Não enxergo nada.
Quero pensar coisas positivas, mas, depois do que ela disse fico em estado de
alerta. Por qual maldito motivo ela tocaria em um assunto como esse?
Merda, ela pretende fazer alguma coisa para findar a própria vida?
Levanto-me da poltrona no mesmo instante.
Sacudo a cabeça ao pensar coerentemente.
Não, Candy não faria isso. Ela é feliz e liberta demais para algo assim.
Mas, você por acaso a conhece bem, Damon?
Até as pessoas mais felizes do mundo carregam problemas que as
demais supõem não existir por causa de um sorriso.
Olho para Snow e ele parece me repreender também, o que me impele a
abandonar a porra da minha cabana quente para mover minha bunda até a
dela e pedir desculpas por algo que eu nem sei ao certo se errei. Dá para
entender a loucura? Enfim, o fato é que saio de casa e vou até a sua, a passos
apressados. Bato diversas vezes na porta, para então testar a maçaneta, que se
abre facilmente.
Não estranho isso, afinal, somos apenas eu e ela perdidos aqui. O que
realmente me deixa encafifado é o silêncio que impera majestoso no seu
ambiente. Nem mesmo uma música, ela cantarolando ou qualquer coisa.
Aguardo na sala por via das dúvidas, tenho receio de ir até o quarto e acabar
em uma situação constrangedora. Minha paciência se finda logo que meia
hora se passa e nada dela. Saio à sua busca por todos os cômodos do pequeno
lugar, ciente de que a cada um que eu vejo e não a encontro, o sabor do
desespero se alastra cobrindo toda a minha boca, deixando-me bem ciente
que eu sou o culpado pela sua atitude e por ela ter desaparecido. Eu não
deveria ter sido tão ignorante, Candy não tem culpa das coisas que
aconteceram comigo e não merece que eu as desconte nela.
Respiro sofregamente, abrindo as portas e me deparando com cômodos
terrivelmente vazios.
Paro no seu quarto, tomando coragem para lidar com o que verei. Mas,
ao escancarar a porta, encontro mais um local vazio. Algumas malas estão
abertas em um canto, sendo que duas delas estão repletas de livros pequenos
e gastos, mas além disso, nada, nem sinal de Candy.
Onde inferno essa mulher foi parar?
Ela saiu em meio a uma nevasca, sem senso de direção ou
equipamentos adequados?
Não, ela não seria tão louca a esse ponto, a não ser que quisesse morrer
por hipotermia. Uma coisa é ficar poucos minutos em contato com o frio
congelante, outra totalmente diferente são horas durante a noite. À noite!
Céus! Minha respiração torna-se subitamente acelerada em resposta ao meu
desespero e ataque de preocupação iminente. Grito seu nome diversas vezes,
apenas por precaução e para obter a certeza esmagadora de que ela não está
aqui. Em lugar nenhum.
Volto para minha cabana com o coração batendo na boca e pronto para
enfrentar o tempo hostil, em busca de uma mulher que nem deveria estar
aqui.
Quando eu me imaginaria fazendo isso durante os únicos meses nos
quais eu tenho a paz de ficar em minha própria companhia?
Pego duas lanternas, mais um casaco, alguns itens como comida, uma
espingarda e, também vários metros de linha. Snow uiva quando abro a porta,
sei o que ele dá a entender.
— Não, é perigoso demais para você, amigão, fique aqui.
Mais um uivo seu e eu o deixo ali, antes que ele tente a todo custo me
seguir.
Fito todas as direções, com a paisagem parecendo a mesma de qualquer
ponto que eu olhe, sem saber por qual maldito lado começar. Para se perder
em uma área como esta é mais rápido do que dar um passo e aposto meu
braço que Candy não presumiu isso antes de desaparecer, imaginando que
conseguiria retornar facilmente quando quisesse.
— Droga, Candy, olha só o que estou fazendo! — Levanto a perna com
dificuldade e a desço novamente, trincando os dentes.
Era para eu estar sozinho.
Em paz.
Discutindo comigo mesmo.
Ou brincando com meu cachorro.
Mas, não, claro que meus planos seriam arruinados por alguém
inesperado.
— CANDY! — grito, na esperança de que ela responda para me guiar.
A única coisa que escuto é o som do vento e, a sua promessa de que
morrerei congelado hoje.
O sussurro é tão funesto que eu tremo da cabeça aos pés, aterrorizado,
não posso mentir. Até o homem mais corajoso do mundo se sentiria
desconfortável.
Escuto o som de vários lobos uivando ao longe e isso nunca é um bom
sinal. Nós somos os intrusos em seu habitat. E eles possuem os sentidos sei lá
quantas vezes mais aguçados que os nossos. Somos presas neste espaço e o
quanto antes eu a encontrar e voltar, melhor.
— CANDY! — brado mais uma vez — DROGA DE MULHER
MALUCA! — Complemento sabendo que ela não ouvirá, porque a filha da
mãe literalmente brincou com a própria vida.
Dou mais alguns passos com dificuldade e olho para trás, vendo as
construções em madeira ficando distantes e quase invisíveis. Pelo menos
deixei minha lareira acesa, para enxergar a fumaça que abandona a chaminé,
com o intuito de me localizar. Além do barbante, claro, não sou idiota. Saber
como voltar é o primordial. E não se desesperar, mas merda, eu acredito que
estou atingindo o ápice do desespero, conforme me afasto mais e nada de a
encontrar. Chego a cogitar que ela poderia estar na minha casa, porém não
tem como, eu saí de lá, e não havia nenhum sinal de vida além de mim e
Snow, que aliás, entregaria Candy caso ela estivesse em uma brincadeira
idiota só para me fazer amargar o arrependimento.
Travo o maxilar e sigo em frente.
Minha roupa já não barra tanto o frio e sinto-o corroer até meus ossos.
Acho que vou acabar me ferrando na tentativa de salvá-la e então
seremos nós dois totalmente fodidos.
Por que dei uma de anjo salvador?
Ela que lidasse com a consequência das suas escolhas!
— CANDY!
Assim que eu brado a plenos pulmões, escuto a sua voz em um tom
mais baixo. Fraco e quase imperceptível.
— Aqui!
Aqui onde?
Por acaso ela não percebe que não é assim que as coisas funcionam?
— Grita! — peço.
Ela faz o que eu digo e me apresso a seguir na direção da qual o som
vem. Demoro alguns minutos para alcançá-la e o que eu vejo faz as batidas
do meu coração ecoarem furiosas em meus tímpanos?
Está ferida?
Todo aquele sangue é dela?
Puta merda, o que está acontecendo?
Ah, meu Deus, eu acho que estou de taquicardia!
Será que vou morrer também?
Só por favor, Senhor, me permita levar essa maluca de volta com vida
antes!
— Eu queria ajudar ele, Damon. Passou na frente da cabana, sofrendo e
eu não consigo ver um bicho sofrendo. Eu poderia ajudá-lo, não é?
Sua fala desarma toda a raiva que eu senti por ela ter saído de um lugar
seguro para desbravar algo que não estava preparada, ao mesmo tempo em
que a eleva segundos depois com uma intensidade inigualável.
Um lobo repousa em seus braços. Ele está com uma faixa de curativo
atravessando o abdômen e o sofrimento do animal é nítido, assim como o de
Candy, que não chora, mas faz uma careta toda vez que escuta a lamúria do
outro.
— Que inferno! Você não consegue ficar longe de confusão um
segundo que seja? Está achando que faz parte de um filme de conto de fadas
onde pode conversar e cantar com os animais? — Solto irado — porra,
Candy! Só... porra! Sua sorte é que ele deve estar tão fraco que nem pensou
em te morder, poderia perder a mão e talvez a vida, garota! Como consegue
ser tão ingênua? CARALHO! AH, DESGRAÇA DO MEU INFERNO!
Seus olhos tremulam e noto o passar de diversas emoções em seu rosto,
sendo a pior delas; tristeza.
Perfeito.
Agora fico mal.
Principalmente quando a minha mente faz questão de lançar em minha
direção a história que ela me contou do cachorro atropelado e sinto algo
estranho em meu peito, como se meu coração batesse de novo à vida, depois
de muito tempo adormecido, congelado. Por fim, abro um sorriso condolente.
Seu semblante procura por apoio e eu não consigo dizer nada de ruim à
Candy, ela só está sendo doce em contraste com o sabor amargo que eu
irradio.
Nossos papéis não poderiam ser mais inversos, por isto, trato de
reiterar:
— Não sei se ele vai sobreviver. — Olho dela para o animal, que luta
contra a morte, respirando com dificuldade.
Claro que ele não vai sobreviver, se ele não te mordeu, não vai
sobreviver. — É o que penso, mas não digo em voz alta.
— Eu tentei cuidar dele, mas não sou veterinária e não conseguiremos
encontrar alguém para cuidar dele se estamos presos aqui. — Ela o abraça e o
balança, juntamente com seu corpo, tentando aquecer o animal, que parece se
acalmar com o carinho que ela lhe dedica. — Os cachorros surgiram assim,
sabia? Com a aproximação dos lobos nas vilas dos humanos, há milhares de
anos. Eu sei que esse garoto não vai me morder, ele só está com medo, assim
como todos nós sentimos antes de morrer.
Não sei há quanto tempo ela está tentando salvá-lo.
Mas, acredito que muito.
Está escuro e a única coisa iluminando diretamente a nós, é a lanterna.
— Candy. — Vou até ela e apoio a mão em seu ombro.
— Eu queria ajudá-lo.
— Eu sei. Eu sei disso, querida. — A palavra sai antes que eu consiga
combatê-la, contudo já é tarde demais e solto o ar em alívio quando Candy
não nota meu deslize. — Ele também sabe, fique tranquila. Mas, algumas
feridas são impossíveis de serem curadas. Não sem os cuidados certos.
— E se a gente o levar? — pergunta esperançosa.
Como fazê-la entender que ele já... está morrendo?
Pior, como fazer isso sem soar rude e sem coração?
E como caralho colocar na cabeça dela, que ele é um animal selvagem e
que ela nem deveria estar ali?
Ah porra, já faz muito tempo que nem tato para situações como essa eu
tenho mais. Candy está testando meus limites.
— Candy...
— Ele não está morrendo. Eu consigo sentir a respiração.
Olho para a barriga do animal e vejo a cadência com que ela sobe
diminuindo. É claro que ele está lutando, mas perdendo a batalha.
Infelizmente. Algum outro animal deve tê-lo ferido, é a lei da vida selvagem,
não temos como fazer nada quanto a isso. Pelo menos, ele está partindo nos
braços de alguém que tentou amenizar seu sofrimento. É mais do que muitos
têm.
Não demora para que o corpo peludo fique inerte, assim como o de
Candy que tenta raciocinar o que acaba de acontecer.
Ela para de se balançar. Só agarra o lobo com mais força, tentando
revivê-lo.
Visualizar sua dor pela perda de um animal que nunca viu antes, deixa
meu coração em frangalhos, desejando ser um deus para poder recuperar a
vida e trazer felicidade ao semblante da mulher à minha frente.
— Acho que precisamos voltar, ou coisas piores podem acontecer. Não
deveria ter feito o que fez, por mais que ele estivesse ferido. Tem sorte por
ainda estar viva — falo, sinceramente, com o maior cuidado que consigo. —
Nunca mais faça isso.
— Ele vai ficar aqui sozinho? — Seus olhos estão brilhando de temor e
eu me sinto mal por parecer insensível em um momento como este.
Porém, se postergarmos, acabaremos acompanhando o pobre animal.
— Se não voltarmos agora, nós dois vamos acabar congelando. Por
favor, me escute só desta vez. O lobo soube que tentou salvá-lo, não se
preocupe e com esse coração, você provavelmente salvaria o mundo se
conseguisse, mas infelizmente, as coisas não estão do nosso lado aqui, então,
podemos voltar antes que eu acabe morrendo por tentar te encontrar?
— Não precisava vir.
— Precisava sim.
— Fez questão de deixar claro que minha vida não importa para você
— resmunga ela.
— Claro que importa, eu estava sendo um idiota. Mas, podemos
discutir isso no calor da minha cabana? Acho que minha bunda congelará de
verdade se demorarmos demais.
Ela não sorri. Só acena, colocando o “cachorro grande” com cuidado
sobre a neve e olhando para ele uma última vez, com os olhos inundados
como represas.
— Não podemos enterrá-lo? — Sua voz chorosa me desarma e de
repente, vejo-me amontoando neve para cobrir o corpo encharcado de
vermelho.
Quando Candy dá indícios de que quer ajudar, eu nego com um aceno.
Apenas um de nós com as mãos congeladas já é o bastante. Sinto as pontas
dos meus dedos protestarem com essa ideia e os arrepios involuntários que
me percorrem a cada vez que eu afundo a mão na neve.
Deveria ter deixado que ela ajudasse.
Não foi ela que inventou de sair desbravando a montanha por causa de
um lobo ferido?
Pois ela que lide com tudo!
No entanto, aquela parte em mim, que foi educada pela minha avó,
reluta em descontar nela o que meus dedos sofrem. Deve ser uma crise de
arrependimento por ter dito coisas horríveis para ela.
— Certeza que não quer ajuda?
— Não — enfatizo.
Quando me dou por satisfeito com o trabalho, fito Candy e observo por
tempo demais seus lábios tremulando de tristeza, como se o animal fosse um
amigo de longa data que infelizmente partiu. Como ela pode ser tão feroz em
alguns momentos e tão doce em outros? Franzo minhas sobrancelhas,
sentindo minha pele da testa protestar, com as queimaduras pelo frio, sem me
importar.
Fecho minha boca ao perceber a intimidade do momento.
— Desculpe por não poder ajudar — fala ela.
Levanto-me e puxo para o alto o barbante quase recoberto pela neve.
Minha sorte é que eu o amarrei em um dos pilares de sustentação na varanda
da cabana e agora só nos resta seguir o caminho. Candy nota o que fiz e me
segue calada, embalando meus passos pesados e sofríveis com a sua
respiração próxima à minha nuca.
— Eu iria voltar — diz por fim.
Ela pensa dessa forma. A camada de neve a essa altura, é mais
traiçoeira do que imagina. Se eu que vivo neste lugar há tanto tempo não sei
ao certo me localizar em momentos como este, como ela pensa que
conseguiria, sem qualquer experiência? Guias e exploradores veteranos, já se
desorientaram por muito menos e acabaram perdendo não apenas o caminho
seguro, como também a vida. Não quero que o mesmo aconteça a mim ou a
ela.
Noto que me preocupo mais do que deveria.
Porém, esse pode ser o efeito de não ter muito convívio humano
recentemente, e o único que cai em meu colo, acaba por se tornar um que se
autossabota. Depois as pessoas na pequena cidade ainda me perguntam por
que eu prefiro a companhia do Snow? Eles me entenderiam completamente
se fossem obrigados a passar um dia inteiro na presença de Candy.
— Acabaria se perdendo — demoro demais para responder.
— Não. Eu tenho certeza.
— Você conta demais com a sorte. — Sibilo baixo.
Não é uma coisa que ela escolheria, isso é fato. Mas, acabaria ficando
desnorteada mesmo assim e entrar em desespero faz coisas com a nossa
mente que não tem explicação. O caos se instaura e tudo tende a piorar,
porque os lugares se tornam parecidos e as direções nos confundem. Sei por
experiência própria, quando quase me perdi no verão. No verão! No inverno
seria mil vezes pior.
Passei um dia inteiro, tentando encontrar a cabana.
Só consegui me localizar depois de subir a muito custo em um pinheiro
altíssimo e olhar de lá.
A linha de meus pensamentos é interrompida logo que escutamos o
som de diversos uivos. Acredito que a alcateia se aproxima de onde
moramos, provavelmente sentindo o cheiro do companheiro. Se nos
encontrarem tão próximos, as coisas não ficarão nada boas. Não quero saber
quão forte é a mordida de um deles. Olho para Candy de relance e ela está
com os olhos arregalados, assustada ao perceber a mesma coisa que eu.
— Será que eles fariam alguma coisa? — Inquire.
— Acho melhor não ficarmos para descobrir, principalmente se o
número for grande demais. Essa região costuma ter muitos animais selvagens
e por isso nunca deixo Snow sair comigo. Ursos pardos são ferozes e
enormes, nem mesmo eu arrisco me distanciar demais e me deparar com eles.
Apesar que no último verão, ouvi algo parecido com o som que emitem, há
alguns metros da cabana durante a noite. Por sorte, não precisei confirmar
nada. E graças a Deus eles hibernam durante o inverno, caso contrário, nós
estaríamos muito fodidos.
— Pensei que fosse corajoso. — brinca ela.
— Diante de ursos pardos? Sinto muito, mas até o homem mais
corajoso tremeria de medo. Já viu algum pessoalmente? — pergunto.
— Adivinha?
— Só em fotos na internet, aposto.
Continuamos um passo após o outro e minutos depois, escutando som
dos uivos cada vez mais próximos, alcançamos as cabanas. Não paro Candy
quando ela se move comigo até a minha, com a ciência de que devo ao menos
uma sopa quente de desculpas pelo que disse.
Apesar quê...
Eu a salvei e não tinha obrigação nenhuma de fazê-lo, certo?
Logo, não devo nada.
Somado ao fato de que enterrei o animal correndo o risco de congelar
os dedos, chego à conclusão de que ela me deve uma refeição quente pelo
ocorrido.
— Por que está vindo comigo até minha cabana? — pergunto irônico.
— Pensei que fosse — coloca as mãos à frente do corpo — fazer
alguma coisa para a gente comer.
— Dado o risco que corri indo atrás de você, depois quase congelando
minhas mãos para enterrar um lobo que você tentou ajudar, acredito que o
mínimo que eu mereço é: não precisar cozinhar e sim apenas comer.
Ela nota que tenho um bom ponto e sem dizer mais nada, gira o corpo e
volta para a sua cabana. Sigo-a, presumindo ser um convite. Logo que
passamos pela porta, retiro meu casaco e acompanho Candy até a cozinha,
observando como ela olha para as coisas com certa relutância. Não tardo a
adivinhar o que se passa.
— Você não sabe cozinhar?
— Não é que eu não saiba — ela defende-se — é só que cozinho coisas
muito específicas, mas fazer uma sopa como aquela que tomei na sua casa, eu
não consigo. Prefiro ser sincera a me gabar por algo que eu não sou capaz de
fazer.
Alço uma sobrancelha, ironizando sua fala.
— Tudo bem então, ma’am, verei o que podemos providenciar. Se
quiser aprender, eu estou disposto a ensinar — falo, percebendo segundos
depois como a frase conotou duplo sentido.
Não a retiro.
Há muito tempo não falo com ninguém em tom de flerte e
sinceramente, sinto-me melhor do que esperava.
— Você é — ela une as sobrancelhas — texano.
— Foi uma afirmação, não é?
1
— O sotaque sulista fica difícil de disfarçar quando você se irrita. Eu
já tinha percebido antes, só pensei que não iria responder.
— O que mudou?
— A gente tem conversado bastante — ela dá de ombros — Moro em
Dallas, mas sou de El Paso, e você, de onde é?
Agora desta vez quem ostenta surpresa sou eu. De Dallas?
Será que foi mesmo coincidência ela ter vindo aqui?
Não conhece vovó, não tem como conhecer. Vive em uma metrópole,
qual seria a probabilidade?
— Vai achar que estou mentindo, mas, sou de Dallas.
— Nossos destinos estavam traçados a se cruzarem, então — ela
brinca, batendo com o ombro contra o meu braço.
— Não me leve a mal, mas — apoio as costas na bancada para olhá-la
diretamente, com os braços apoiados em meu peito — você não tem sotaque
de uma mulher sulista. — Mas, reitero em minha mente que a personalidade é
bem semelhante, corajosa para determinadas coisas e totalmente emotiva para
outras. — Ou se veste como uma. — Repenso o que eu falei — Desculpe
pelo que disse, não sou esse tipo de homem, que fica rotulando as pessoas
pelo que vestem, é só que...
— Vestidos floridos, saias rodadas, sapatos comportados e sorrisos
enfeitando sempre o rosto, eu sei como é. Roupas sempre engomadas e tudo o
mais. — Ela revira os olhos e eu só me lembro de Dolores, que se vestia
exatamente como ela descreveu. Como posso me sentir atraído por duas
pessoas tão diferentes? — Acredito que eu seja um pouco de todas as culturas
que experimentei. Desde que completei idade para viajar e fazer intercâmbios
ao redor do mundo, foi justamente isso que fiz.
— Interessante.
Mudo de posição, para uma menos defensiva e começo a arrumar os
ingredientes que usarei na sopa. Candy observa tudo o que faço com extrema
atenção, inclusive quando dobro os punhos da minha camisa, para que eles
não me atrapalhem.
— Qual seu sobrenome? Seria engraçado se eu conhecesse a sua
família, não?
Paro de cortar alguns condimentos, para olhar para ela e deixar claro
que não me sinto confortável a ponto de passar essa informação. É tão
gostoso conversar com alguém que não sabe o peso do sobrenome que
carrego. Posso ser apenas eu, Damon, ao invés de um dos intocáveis
“Kingston de Dallas”. Não há uma pessoa no Texas e talvez na América toda
que não conheça a minha família como uma das mais ricas do mundo, devido
a Kingston Company, pioneira no seguimento de extração de petróleo.
— Acho que podemos ser apenas Damon e Candy enquanto
convivemos, não acha?
— Tudo bem por mim. — A mulher não fica desconfortável com a
minha evasiva, pelo contrário, parece lidar muito bem com ela.
— O que estava pensando quando saiu atrás daquele lobo? — pergunto
o que tem me deixado pensativo sobre as suas ações.
— Ele pareceu tão ferido e sozinho, como eu me sinto na maior parte
do tempo.
Ela não estende a sua fala e nem precisa, eu a entendo completamente.
Sentimos empatia por criaturas que passam pelo mesmo que nós, porque
sabemos o quanto ela está sofrendo. É normal.
— Foi uma morte rápida. — Tento diminuir o sofrimento do animal
para que Candy não se sinta pior.
Porque, na verdade, acho que ele sofreu bastante, porém, ela não
precisa saber.
— O que acha que aconteceu com ele?
— Acredito que outro animal o tenha atacado. Essas coisas acontecem.
Mal consigo imaginar quantos acabam morrendo da mesma forma.
Noto que soei insensível quando ela começa a chorar ao ouvir que
“muitos” outros lobos morrem por causa do mesmo motivo. Não tenho a
menor condição para lidar com isso. O problema é que percebi tarde demais
essa verdade, deveria ter ficado quieto.
Abandono as coisas na bancada e passo meus braços em torno do seu
corpo, tentando acalentá-la. O calor que se transfere dela para mim é gostoso,
acolhedor, com gosto de saudade e de uma realidade tão distante que vivi,
que me permito esse pequeno momento de disparidade. Acaricio suas costas
suavemente, esperando que ela se acalme.
— Não é triste isso? Saber que eles morrem assim?
Triste?
Sim.
Mas, o que podemos fazer?
— É a lei da natureza.
— Tem razão.
Candy se move vagarosa até a imensa parede translúcida, que a permite
ver o pico das montanhas rochosas. Na minha cabana, eu tenho a visão
contrária à dela e vejo uma parte das instalações do imenso resort de esqui e
montanhas mais baixas do que essa. Paro ao seu lado, em contemplação e
admito que a sua vista, com a neve caindo cadenciada, soa bem mais
interessante e mágica também.
— Esse clima combina com Etta James, não é? — sussurro.
Mais para mim do que com o intuito de ela ouvir.
O sorriso que se estende em seu rosto tira meu chão.
— É um cara de sorte, meu caro Damon, porque eu meio que amo essa
cantora e tenho várias músicas em meu celular. Posso colocar para tocar
enquanto cozinha para mim.
Gargalho com a sua audácia, vendo-a correr até o quarto e voltar
instantes depois segurando o aparelho na mão, sacudindo-o feliz. Não posso
mentir dizendo que essa imagem não me traz paz. Porque sinto-me
estranhamente inundado dela, principalmente ao perceber que esse gosto
musical é mais uma das coisas que temos em comum.
Candy procura pelas músicas e quando a primeira começa, evoca
lembranças dolorosas em mim. Dolores amava At Last e me fazia dançar com
ela todos os dias, durante a noite antes de dormir, para provar que ainda
éramos o mesmo casal de quando nos conhecemos e nos apaixonamos.
Sempre achei essa sua ideia meio sem nexo, no entanto, agora que ela se foi,
sinto-me abençoado por ter a lembrança desses momentos tão incríveis.
Lágrimas inundam meus olhos, carregadas de saudade e eu as enxugo
rapidamente, torcendo para Candy não as ter visto. Contudo, quando nos
fitamos, ela entende que tem algo muito mais profundo do que apenas uma
música e acaba por aliviar o clima de uma maneira a qual eu não esperava.
— Damon, eu nunca imaginaria que você é o tipo de homem que chora
ouvindo uma música romântica. Claro que é Etta James, e eu tenho que te dar
um desconto, mas chorar? Caramba, homem, desse jeito eu vou me apaixonar
perdidamente por você.
Solto uma risada.
Pela primeira vez em quatro anos, solto uma risada confortável, mesmo
com as memórias de Dolores.
É... acho que as coisas estão mudando.
Fito Candy e percebo que ela é o motivo para isso.
Que ela tem sido o motivo para minhas lutas silenciosas desde que
surgiu na minha porta.
No mesmo momento, como se lesse meus pensamentos, Etta canta:
Meu coração ficou coberto de tranquilidade, na noite em que eu olhei
para você.
“Admito que meu rosto se congelou em uma expressão de espanto
eterna ao ver a quantidade de músculos que esse homem tem.”

Sei que não tem nada a ver com a música, mas sinto a necessidade de
aliviar o clima para não estragar nosso entrosamento e, para que ele não volte
a ser o homem preso em seus próprios temores. Por isso, digo algo estúpido,
ansiosa por ver seus dentes brancos e alinhados, mais uma vez. Seu sorriso é
tão lindo, não sei por que ele o contém e principalmente, o cobre com a
barba.
É um crime.
— Só você diria algo assim.
— E sinto te avisar, mas logo será preso. — Volto para a cozinha
enquanto nossa cantora favorita, em comum, canta e preenche a cabana com
as batidas envolventes e inesquecíveis.
Atemporais, acima de tudo.
— Como assim?
— Por cometer o crime de esconder seu sorriso do mundo.
Ele gargalha para valer, com a mão na barriga, um som que se sobressai
até mesmo em relação à música. Não entendo o motivo para ele achar tanta
graça assim, fui totalmente sincera.
— Nunca tinha ouvido essa.
— Claro que não, eu acabei de inventar meu querido, lide com isso —
lanço uma piscadela na sua direção. — E quanto você quer para poder me
deixar vê-lo sem barba? Ela é sexy, não tanto quanto o sorriso, mas admito
que estou curiosa para saber como é por debaixo dessa camada que usa para
se esconder — digo, pensando que ele irá se prender de novo em sua própria
bolha, no entanto Damon dá de ombros.
Ele dá de ombros!
Damon, o abominável homem das neves, o príncipe do inverno, dá de
ombros!
— Acha que pode me comprar, Candy? — Ele não percebe, mas eu
percebo que arrasta meu nome de uma maneira sensual e que provoca uma
consequência bem no meio das minhas pernas.
Será que ele entende que eu sou uma mulher no auge da vida adulta e
que não pode ouvir um flerte mais insinuante que já quer logo tirar a roupa?
Porque sem brincadeira, eu não confio em mim mesma perto desse homem.
— Uma mulher sempre pode tentar, não acha?
Continuo cortando o que ele cortava antes de abandonar a tarefa,
casualmente, como se fôssemos um casal prestes a preparar o jantar juntos.
— Tem o direito — ele se aproxima e me empurra para o lado
gentilmente com o corpo e só responde quando nota que eu o fito, indignada
— você é devagar demais. Nesse ritmo, a sopa ficaria pronta para o jantar de
amanhã.
E ele tem razão, porque suas mãos ágeis terminam em questão de
segundos e logo lidam com outra tarefa. Não deixo de notar que elas são
grandes, com os dedos compridos e elegantes, do tipo que levam as mulheres
à loucura. Ou, que me leva a loucura, porque balanço a cabeça minutos
depois de ficar fissurada nos dedos de alguém.
Que horror!
Quando finalmente coloca todos os ingredientes na panela com água
fervente, assim como o tempero, volta-se para mim, com um olhar
especulador, tentando decidir se me interroga, ou apenas deixa passar a
ocasião. Devo ter soado patética enquanto tentava salvar um animal com os
segundos de vida contados, mas eu não poderia deixá-lo sozinho.
— Pode me falar. Acha que sou idiota por tentar salvar aquele lobo. Eu
sei que é isso que está pensando. — Assumo.
Damon acena sutilmente negando.
— Claro que não. Acho que você foi irresponsável por sair sozinha,
com certeza. Sem qualquer plano para conseguir voltar? Absolutamente.
Idiota por não ver que estava ficando escuro? Sem dúvida. Porém, o motivo
foi muito altruísta e válido, então fico feliz por ter ido atrás de você e a
trazido de volta em segurança.
— Estamos evoluindo. — Expresso orgulhosa.
— Não da maneira que imagina. Só achei que era justo eu ser sincero
com você.
— Então, pode me dizer o que te fez se isolar aqui? — Sondo.
Damon retira a tampa da panela para olhar a sopa e a coloca de volta,
encostando na bancada, com as mãos apoiadas atrás de si, olhando para
frente.
— Uma tragédia aconteceu na minha vida. E esse era um sonho de
alguém muito importante para mim. Não consegui realizá-lo a tempo e o
decidi fazer depois, como uma prova de amor.
— Gesto bonito da sua parte.
— Queria não o ter feito sozinho, mas a vida prepara surpresas das
quais não gostamos. Por isso ela se chama vida. Não sabemos o que esperar,
não prevemos a profundidade das cicatrizes e, em um momento você acha
que durará para sempre quando no dia seguinte, todas as suas visões de futuro
mudam drasticamente.
— Verdade.
— Você veio por causa do seu ex-marido mesmo?
Foi uma desculpa.
Agora entendo.
— Ainda não sei se foi por ele, pelas pessoas ou por pura vontade de
me encontrar. Estava sentindo que me perdi em minha própria vida. Faz
sentido?
— Os motivos mudam de acordo com a perspectiva a qual você olha.
Ontem você achava uma coisa, hoje você pensa outra. É um sinal que mostra
a sua evolução e provavelmente, o que você sentir quando for embora, e
retornar para a sua rotina será o verdadeiro motivo. Nossos pensamentos são
confusos na maior parte das vezes e seu coração, ciente do que é o certo,
manda que tome uma decisão antes do mais racional dos dois. No fim, a
vontade dele prevalece e você finalmente compreende seus anseios.
Assobio, impressionada com a sua fala, porque ela soa maluca e sagaz
ao mesmo tempo.
— Vou levar em conta esse comentário quando eu chegar em casa.
— Leve. — Damon sorri de canto e eu sinto meu coração parar por um
instante, errando uma batida e a perdendo para sempre.
Algum dia eu a encontrarei?
Acredito que não.
Foi tragada pelos seus olhos azuis e o temperamento maluco.
— Nós vamos acabar comemorando o Natal aqui, não é? — pergunto
algo que tem passado bastante pela minha mente, mudando totalmente de
assunto — Então, acredito que deveríamos dar uma trégua na nossa troca de
farpas e celebrar a data especial. Claro que ainda falta bastante tempo, mas é
que discutimos tanto que eu nunca sei quando estamos bem de fato.
Ele alça uma das sobrancelhas, pensando sobre o que eu disse.
— Comemorar como, você diz? — Ele alça uma das sobrancelhas,
pensando sobre o que eu disse.
Se quiser de forma sexual, não me oponho. Posso me voluntariar,
inclusive.
— Estamos rodeados por pinheiros. Você poderia usar sua força para
cortar um para a gente, eu monto aqui e coloco alguns enfeites que encontrei
em um armário de serviço. Antigos, mas ainda úteis. Só não temos presentes
para trocar, ou suéteres de Natal — noto que ele faz uma careta com essa
palavra, mas não me atenho a isso — mas, podemos garantir uma boa
refeição, com chocolate quente, bastante Etta James e músicas natalinas.
Melhor do que ficarmos sozinhos, cada um em seu lugar.
Faltam vários dias para o Natal, mas nada me impede de deixar claro o
que quero fazer.
— Não, obrigado.
— Prefere ficar sozinho com o Snow?
— Não quis dizer sozinho com ele, mas na minha cabana, em paz —
Apressa-se a dizer.
— Então, reformulando, podemos ficar na sua cabana, já que ela é
muito mais habitável que a minha e ainda possui televisão e um aparelho de
DVD, no qual podemos ver filmes antigos. Tem pipoca lá? Eu me esqueci de
trazer, então se possível, nós vamos comer toda a sua pipoca, sinto muito.
Prometo ficar quieta, e talvez não chorar se for algum filme triste. A última
vez em que fui ao cinema, assistir um filme com temática natalina, eu chorei
demais, porque o protagonista sempre esteve morto e mesmo assim
enganaram a todos, nos fazendo acreditar que ele estava vivo. Foi horrível!
— Demonstro minha frustração — Como podem fazer um filme tão triste em
uma época dessas?
— É emotiva demais — a careta em seu rosto provoca uma gargalhada
em mim. — E ainda falta muito tempo para essa data.
— Quando você assistir o mesmo filme que eu, vai compreender. E
sobre o Natal, não tem como fugir de mim, eu moro ao seu lado.
Damon não parece muito confiante na minha constatação, mas, onde
mais estaríamos além de aqui?
— Não gosto de filmes românticos, principalmente os dessa época.
Prefiro cortar minhas bolas.
Coloco a mão na boca, animada com o que ele disse. O ogro que bateu
com a porta diversas vezes na minha cara, jamais diria uma coisa tão casual.
Damon nota o que disse, e volta a mexer na sopa, sem que precise disso,
apenas para disfarçar.
— Aos poucos, está se soltando comigo. Assim que gosto.
Ele profere um som irritado, que se assemelha a um rosnado. Não me
deixo abater, de grão em grão, eu estou construindo uma montanha. Nossa
montanha.

— Você já vai? — pergunto.


A lua está alta no céu, e a contemplo da parede panorâmica, enquanto a
imensa bola prateada irradia luz e ilumina parcialmente a sala. Um lobo uiva
ao longe e eu me pergunto se ele é um dos integrantes da matilha que se
aproximou de nós mais cedo. Acredito que sim, porque alguns minutos após
eu escutar o primeiro uivo, um maior e mais alto irrompe o silêncio da noite.
Ele encontrou o corpo do outro. Escutamos uma sequência de uivos, não
apenas de um, mas de vários e dada a proximidade, não há outra explicação a
não ser o que pensei.
— Acho que vou esperar um pouco, para garantir que você não saia de
novo.
— Não preciso que seja a minha babá.
— Claro que não. Só acho mais prudente ficar aqui e me certificar.
— A nevasca vai piorar e você não vai conseguir voltar para a sua
cabana.
Damon não parece afetado com a minha explicação. A tensão que eu
sempre vejo em seu corpo, quando está próximo a mim, não existe agora e a
esperança começa a operar pensamentos nada bons em minha cabeça.
— Tudo bem. Posso ficar por aqui hoje?
— E o Snow? — pergunto.
Droga, por que eu fui perguntar? Agora, a possibilidade de ele voltar
correndo para sua cabana é enorme.
— Deixei comida para ele e bastante água antes de sair. Snow ficará
bem algumas horas sozinho. Assim que amanhecer, eu volto para lá. Não se
preocupe.
— Aqui só tem um quarto — falo o óbvio.
A dele é um espelho da minha, claro que ele saberia disso.
— Eu sei, Candy. Vou ficar no sofá, em frente à lareira que aposto ser o
lugar mais quente da casa.
Ouço imediatamente um barulho de falha em meu cérebro, depois de
todas as suas expectativas serem massacradas. Ele ficará na sala, sozinho?
Enquanto eu amargo as possibilidades que não deram certo, na cama? Não,
claro que não. Eu preciso de uma desculpa para ficar aqui com ele. Uma
desculpa urgente, inclusive.
Percevejos?
Pulgas?
Não, essas coisas não funcionariam e ele entenderia onde quero chegar
antes que eu sequer continuasse a dizer mais alguma coisa.
Porém, um animal morreu em meus braços e por mais que eu esteja
usando esse fator a meu favor, ao dizer o que direi, não deixa de ser uma
verdade que eu fiquei psicologicamente abalada por não poder ajudá-lo.
Oh, coitada de mim!
Eu bem que poderia ganhar um sexo quente de consolo!
Quem não melhora com um sexo bem feito?
— Mas, — encolho minhas pálpebras e me esforço para criar uma
expressão convincente — eu não quero ficar sozinha lá. Eu não consegui
ajudá-lo e tenho certeza de que terei pesadelos com o animal e seus olhos
incrivelmente vermelhos, me olhando, repletos de julgamentos por eu não o
ter salvado.
Movo-me devagar para o lado e apoio minha cabeça no seu ombro,
esperando que ele tenha empatia por meu pobre coração emotivo.
— Está fingindo para ficar na sala comigo?
DROGA!
— Claro que não. Não se lembra da história que te contei? Tenho uma
ligação muito forte com animais.
— Algo me diz que você está me enganando.
— Juro que não. Pelo que quiser.
— Tudo bem então, é até melhor para você economizar lenha e não ir
bater à minha porta, pedindo para morar comigo. Isso será bom para nós dois.
Contenho a vontade de pular em felicidade, por ter recebido uma
resposta favorável. Sei que não é a mesma coisa que ele me pedir para ficar
com ele, porém, não me farei de rogada e aceito qualquer mínima atenção
que quiser dispensar a mim. Por isso, vou até meu quarto e pego os dois
travesseiros em cima da cama, assim como os cobertores que consigo
carregar. Tropeço em um deles enquanto caminho pelo corredor e antes de
desabar no chão, mãos fortes me seguram e uma risada rouca preenche meus
tímpanos, comandando o frio que se instaura em minha barriga.
O lugar em que suas mãos sustentam meus braços me aquece mais do
que se eu estivesse colada à lareira.
— Imaginei que precisasse de ajuda. É pequena demais para carregar
tantas coisas assim.
É pequena demais...
Mal sabe ele o trabalho que essa pequena daria se tivesse uma chance.
— Eu te daria um trabalho desproporcional ao meu tamanho —
resmungo.
Falo tão baixo, que Damon não escuta, e continua a retirar o monte de
cobertas de cima de mim.
— Achou! — brinco quando meus olhos ficam visíveis.
— Daria um trabalho desproporcional, é? — Ele sorri antes de se
distanciar com as coisas, rumo à sala.
Não sei onde enfiar a minha cara!
Sei o que quero, e não corro da ideia de dizer a verdade, mas o
comentário foi apenas um pouco audacioso demais.
Apresso-me a ver se ele está alterado pelo que ouviu e deparo-me com
Damon na sala, forrando um cobertor sobre o tapete velho e deixando outro
para se cobrir, sem aparentar nada. Nada.
Como isso é possível?
Ele termina e coloca mais lenha na lareira, cutucando-a com o atiçador.
Pigarreio para chamar a sua atenção.
Damon está com o corpo levemente curvado em direção ao calor, com
um joelho apoiado no carpete e outro acima, formando um ângulo reto em
relação ao chão. Demora para se virar na minha direção, após a minha
tentativa patética de chamar a sua atenção, mas quando o faz, assusto-me com
a leveza que transpassa o seu semblante e os lábios sutilmente curvados,
formando um sorriso tranquilo e preguiçoso.
— Está tudo bem. Eu vou fingir que não escutei aquilo.
Não era bem isso que eu queria, mas sou obrigada a me contentar com
essa merda.
Escolho ater-me à minha insignificância e caminho até onde ele está,
deitando no sofá, que ele gentilmente arrumou para mim. Não consigo evitar
de olhá-lo retirando mais um de seus casacos, ficando apenas com uma
segunda pele que se agarra a... SANTO DEUS! Cada maldito e perfeito gomo
da sua barriga! E os braços? Começo a hiperventilar, sentindo todo o
oxigênio escapulir de meus pulmões e minha boca se tornar subitamente seca,
com a saliva evaporando devido à alta temperatura do meu corpo.
É diretamente proporcional.
A velocidade com a qual ele retira as peças pesadas de roupa e o tesão
que começa a se avolumar em mim.
Damon termina o espetáculo e eu sinto a tristeza se apoderar do meu
ser. Foi rápido demais, quase não apreciei direito. Contenho a vontade de
pedir para que ele faça o processo inverso, só para tirar tudo de novo, ele me
acharia louca, se é que já não pensa algo parecido.
Estou tão embasbacada, prestando atenção nas definições de cada
músculo que quem precisa chamar a atenção com um pigarro desta vez é ele.
— Vamos dormir?
Aceno afirmativamente.
Não sou nem louca de querer deixar à mostra a longa cicatriz que tenho
no meio do peito, com medo de que ele me ache estranha demais para o seu
corpo incrível.
— Por favor.
— E Candy... — ele começa e eu me preparo para alguma frase que
congelará metaforicamente o clima — obrigado pela noite, foi muito
agradável.
“São nos pesadelos que nossos medos ganham vida.”

Dolores deposita um prato com panquecas na mesa à minha frente,


outro com bacon e mais um com ovos. Seguro o garfo e a faca, sentindo meu
estômago roncar com o cheiro divino que permeia a nossa pequena cozinha
e flutua até meu nariz.
— Você sempre se supera, parece uma delícia! — elogio.
— Queria ter essa mesma sensação que você. Porque nosso filho ou
filha não suporta bacon. Sempre que tento comer eu vomito horrores. Essa
coisa de gravidez deveria vir com um manual, porque não é tão fácil como
fazem parecer.
Ela se encaminha até a janela e a abre, para purificar o ambiente. Usa
um vestido vermelho, com flores brancas, que ondula até a altura de seus
joelhos. O cabelo castanho escuro que eu tanto amo, está preso em um coque
e o sorriso tão radiante e quente quanto os raios de sol, enfeita seu rosto já
perfeito.
— Eu faço uma massagem em seus pés quando voltar.
O sorriso branco se alarga.
— É muito fácil amar você, Damon Kingston.
— Por isso sempre fui amado pelas mulheres.
Dolores atira o guardanapo que estava em seu ombro diretamente em
minha cabeça, o que aumenta a intensidade da minha risada.
— É a única em meu coração, não se preocupe.
Seus traços se enternecem e eu sei que atingi meu objetivo.
— Odeio como consegue transformar qualquer conversa em uma
declaração. E acho que te amo pelo mesmo motivo.
Ela se volta para a janela e analisa o céu limpo. Tão azul que poderia
fazer parte de uma caixa de lápis de cor.
— O que foi?
— Acho que vai chover. Será uma tempestade das grandes.
— Claro que não, o céu está limpo.
— Daqui um tempo irá chover. Acredite em mim.
— Certo. Então descanse no quarto e leia algum livro. Deixe que eu
faço os serviços domésticos quando voltar. Não pode ficar estressada ou se
cansar.
Ela caminha até mim e passa os braços em torno dos meus ombros,
com afeição.
— É o melhor marido do mundo.
— Só faço o que todos deveriam fazer, é o mínimo ajudar a esposa nas
tarefas, isso não me torna o melhor, mas o mais comprometido com o
casamento. Porém, — Abro um sorriso travesso. — Não vou negar se quiser
me surpreender mais tarde.
— Ando lendo uns livros bem interessantes quanto a isso. Pode deixar
que serei bem criativa.
Abraço sua barriga, apoiando minha cabeça na protuberância
pequena de três meses. Juro que quando escutei as batidas do coração no
primeiro ultrassom, foi como se as batidas do meu tivessem se adequado as
de um feto pouco maior do que um limão. Como eu posso amar com tanta
força alguém do tamanho de um limão? Foi o que me perguntei. A resposta é
que o amor é um sentimento inexplicável e que surge nos momentos mais
inesperados.
— Mal posso esperar.
— E, querido. — Somos interrompidos pelo som do toque do seu
celular. Dolores vai até onde ele está e atende à ligação — Ei, vovó, quanta
saudade! Imagina, juro que vou levar seu neto nem que seja arrastado pelas
orelhas — seu olhar cruza com o meu e eu faço um gesto apreensivo
negando o que quer que seja. Não posso enfrentar a ira de vovó por termos
saído de Dallas — Claro, claro que sim. Podemos ir até aí e passar uma
semana inteira paparicando a senhora. — Dolores arregala os olhos e
pressinto o que está por vir. — Certo, vou passar para ele.
Nego com o dedo indicador, mas não adianta nada. Segundos depois o
aparelho pressiona minha orelha.
— Neto mais ingrato!
— O que você deseja, grande vovó, rainha da sabedoria Kingston.
— Saber como vocês estão! Oras, o que eu desejo!
— Estamos bem, obrigado.
— Precisam de alguma coisa?
— Nada.
— Por favor, não me deixem fora da vida do meu bisneto!
— Só a deixaremos fazer parte da vida dele se aposentar a sua bengala
assassina. Acredito que é uma troca justa. E então, vovó, de quem gosta
mais? Do seu bisneto que ainda não nasceu ou da sua bengala possuída por
espíritos malignos?
— Você não seria tão maldoso assim comigo, Damon Kingston!
— Claro que não, estou brincando. E além do mais, eu e Dolores
podemos ir aí para o quatro de julho, o que acha?
Ela se emociona. Seus soluços ao chorar de felicidade ultrapassam a
ligação e penetram em minha consciência. Preciso ver vovó mais vezes, sei o
quanto ela ama seus netos.
— Seria perfeito — murmura em um som anasalado.
— Está emocionada, Pearl Kingston?
— E eu lá sou mulher de me emocionar? Vou desligar para poder ver
como está o quarto de vocês aqui na mansão.
Não demora muito para que ela encerre a ligação, com medo de que eu
perceba o quanto a emocionei. Vovó é uma mulher tipicamente sulista, que
finge não ter sentimentos, quando na verdade é repleta deles. Sorrio sozinho
para o aparelho ao constatar em como aquela senhora traiçoeira consegue
tudo o que quer.
— Você nunca diz não para ela.
— Se importa de passarmos seu aniversário lá? Você sabe,
participando do desfile que vovó sempre organiza em comemoração ao seu
aniversário — Dolores acena que não, sorrindo por saber que não é para o
aniversário dela, mas para o 4 de julho.
Ela deu muita falta de sorte de nascer bem nessa data.
— Estar com você é o que importa.
— Obrigado.
Volto a atenção para a minha comida, desejando ter mais do que um
estômago para poder comer tudo.
— Precisa se apressar querido, ou acabará se atrasando para o
trabalho.
Olho para o relógio e percebo que ela tem razão. Limpo a minha boca
com um guardanapo e vou até nosso quarto para terminar de me arrumar e
escovar os dentes. Quando retorno à cozinha, com a minha pasta na mão e
minha roupa totalmente alinhada. Dolores me devora com o olhar e abre um
sorriso malicioso.
— Não vejo a hora que volte.
— É só tirar uma soneca que o tempo passará mais rápido.
— Essa é uma excelente ideia. Talvez eu leia um livro também.
— Como não imaginei que faria isso? — Inquiro e ela gargalha.
Abre a porta para mim e espera que eu passe. Novamente, ela olha
para o céu, unindo as sobrancelhas e formando um vinco na ponta de seu
nariz.
— Tome cuidado, irá cair o mundo, hoje.
Olho para cima e vejo algumas nuvens se aproximando, sendo
arrastadas pelo vento. Mas, elas não parecem pesadas a ponto de conter
uma tromba d’água. Decido não a contrariar, ventando do jeito que está, ela
pode ter razão, afinal.
— Jamais como eu caí aos seus pés. Se as coisas ficarem muito difíceis,
basta me ligar, que eu dou um jeito de voltar.
Ela tem medo de tempestades. Um terror absoluto.
— Pode ficar tranquilo e leve um guarda-chuva!
Dolores afunda-se em nossa casa novamente e quando retorna, segura
um em sua mão. Ela me entrega e eu deposito um beijo em sua testa e na sua
boca, em despedida.
Saio do rancho e aceno para a minha esposa, que acompanha meu
caminho de onde permanece parada, no vão da porta. Continuo a dar passos
para longe e quando já estou andando há alguns minutos ouço sons acima da
minha cabeça. Barulhos altos, estampidos, como se o céu fosse desabar a
qualquer instante. Olho para o alto e contemplo as nuvens cinza chumbo,
parecendo pesadas e incapazes de conter a água que ameaça descer. A cada
poucos segundos, a luz prateada as ilumina, espalhando a claridade obscura.
Como o tempo mudou assim tão depressa?
Paro de caminhar, cogitando se volto ou sigo em frente.
Posso inventar uma desculpa por chegar atrasado, não posso?
— Tome cuidado, querido, irá cair o mundo, hoje.
Recordo a conversa que tive com Dolores pouco antes de sair,
perguntando-me como ela prevê o tempo com tamanha perícia. Só pode ser
um superpoder.
Preciso mandar uma mensagem, e perguntar como faz isso. Minhas
mãos vão automaticamente aos meus bolsos, em busca do celular. Estou
quase chegando ao trabalho, após uma caminhada de vinte minutos e respiro
profundamente ao perceber que o deixei no quarto.
Droga!
Não posso sair de casa sem o aparelho, não com Dolores grávida, se
algo acontecer, como ela se comunicará rapidamente comigo? Ambos
sabemos como as coisas são frenéticas no único banco da cidade. Então, as
atendentes acabam anotando recado quando ligam em um dos telefones fixos
e comumente se esquecem de falar sobre. Só confio no celular para poder
trocar mensagens com ela o dia inteiro, conferindo se está tudo bem.
Sou paranoico?
Um pouco.
Mas, quando se faz parte de uma família como a minha, não dar sorte
ao azar é o mínimo que podemos fazer.
Apresso meus passos de volta ao pequeno rancho que adquirimos. É
um lugar tranquilo, onde segundo ela, nosso filho ou filha poderá ter contato
com a natureza e crescer com uma vida simples.
Nós nos mudamos para Lockhart na tentativa de viver sem
interferências. Não posso reclamar, o clima da cidade é perfeito e eu respiro
felicidade. Contudo, o verdadeiro sonho de Dolores é viver no estado de
Montana, segundo ela, o cenário todo é mágico, no entanto, eu como um
homem do Texas, meio que não quis levar a sua ideia a sério, principalmente
por causa do clima de congelar as bolas do lugar. Convenci-a a passarmos
um tempo antes em um lugar tão incrível quanto, prometendo que em um
futuro não tão distante podemos ir até o estado das Montanhas Rochosas.
Que Deus nos ajude!
Mas, sou capaz de qualquer coisa para deixá-la feliz. É raro encontrar
alguém interessada de verdade nas pessoas que somos, principalmente
quando se é um Kingston e já que a encontrei, não darei motivos para que
ela vá embora.
Viro à primeira esquerda, e seguindo reto por esta rua da cidade, ao
final, chegarei a casa.
Porém, meus pés travam com o que vejo.
As nuvens escolhem exatamente este momento para despejar sobre a
cidade, a sua carga. Gotas inchadas e geladas despencam, atingindo-me em
cheio, enquanto permaneço congelado sobre meus pés. Sou capaz de me
mover? Sinceramente, não sei. Sinto minhas roupas se encharcarem e se
colarem ao meu corpo. Segundos se passam, enquanto eu tento compreender
o que estou vendo.
Solto o guarda-chuva involuntariamente contra o chão.
Uma fumaça sobe ondulante até o céu, sendo que a chuva a torna fina,
enquanto várias gotas dissipam grande parte da sua névoa.
É o meu carro que vejo?
Não, não pode ser.
Só neste momento tenho o rompante de sair correndo até o local,
enquanto o ar acessa meus pulmões, queimando por todo o seu caminho,
tornando a minha corrida, tão extensa quanto meu desespero. A cada
pequena distância que percorro, sinto meu coração tornando-se menor,
automaticamente pisoteado pelo som dos meus pés em contanto com o
cascalho que recobre a pacata rua.
Ninguém se encontra do lado de fora.
É como se o lugar não existisse. Meus olhos enxergam apenas o
acidente à minha frente e as batidas incontroláveis em meu peito, são
corroídas pelo mais sincero pavor.
Forço meu corpo a ir mais rápido.
Os músculos das minhas pernas querem ceder e a força do meu terror
os impele a continuar, pois falta pouco. Muito pouco para eu ver que não é o
que estou imaginando. Que Dolores está bem em casa, enquanto outra
pessoa se acidentou. Penso quão horrível este pensamento é, pois, desejo
com toda a minha vontade que outro ser humano tenha sofrido o acidente,
não a minha esposa. Ela está no rancho, provavelmente encolhida em nosso
quarto, lendo um de seus romances pela enésima vez. Talvez Orgulho e
Preconceito, um o qual ela decorou a maior parte das falas.
Claro.
Não é ela em meio às ferragens.
Não é ela com a cabeça apoiada no volante.
Não é ela que está no nosso carro.
Um dividido, que parece ter sido cortado ao meio com a violência do
impacto.
Não pode ser ela.
Eu não aceito que seja ela.
Como a vida poderia ser tão má e perversa a este ponto?
— DOLORES! — o grito abandona minha garganta com dor pairando
em cada sílaba.
Não, mais uma vez a negativa domina meus pensamentos, conforme os
sons da minha corrida tornam-se claustrofóbicos prendendo-me em minha
própria cabeça, que gira em espirais infinitos de descrenças.
— DOLORES! — Sigo repetindo, torcendo para que tudo não passe de
uma loucura.
Por favor, Deus, se existe algum ser divino, ou qualquer entidade que
possa me ajudar, faça com que não seja Dolores.
O tempo torna-se lento. Extenuante. Horripilante. Um verdadeiro
pesadelo. E quando finalmente ele me liberta, ao me aproximar da colisão, o
fôlego me abandona e eu paro de respirar por longos segundos. Meus olhos
transformam-se em represas sobrecarregadas, tentando conter o alto volume
de lágrimas que ameaça me abandonar.
Vejo os fios escuros pendendo sob o volante, e sua cabeça apoiada de
uma maneira estranha. Ela está presa pela porta do passageiro, que foi até
seu lado com a força do impacto. O outro carro bateu na lateral do nosso, e
parece uma massa desfigurada de metal, transformando toda a colisão em
um só emaranhado. Levo a mão à boca sem saber o que fazer, pedindo que
seja apenas um pesadelo.
Vou acordar em breve.
Isso não terá acontecido de verdade.
Dolores estará dormindo ao meu lado.
É um pesadelo. Tem de ser.
Abro e fecho os olhos, mas a cena diante de mim é a mesma.
— DOLORES! DOLORES! AH MEU DEUS, DOLORES!
Contorno o acidente, sentindo as lágrimas descerem pela minha pele,
quentes em contraste com a chuva. Um frio destrói meu peito e me rasga ao
meio.
Arfo, e grito visceralmente.
— Dolores — desta vez, não é mais um grito, apenas um silvo baixo,
repleto de dor e agonia.
Sacudo a cabeça de um lado a outro, querendo que essa cena
desapareça.
É o cérebro quem comanda as dores no corpo, não?
Mas, por que eu as sinto partirem do meu coração e não dele?
Vejo um filete de sangue que trilhou caminho por entre seu vestido
florido e alegre, sem conseguir identificar o ferimento, quando minha
atenção viaja até o aparelho celular que se encontra caído no interior do
carro. Pego-o, sentindo o cheiro metálico e pungente do líquido carmim se
infiltrar em minhas narinas. Disco o número da emergência e falo de
maneira trêmula e incrédula o endereço de onde estamos. Somente após isso,
é que vejo algumas pessoas saindo de suas casas e se assustando com o
acidente.
Não sei há quanto tempo aconteceu, mas tenho a ciência de que isso
não importa mais, a tragédia é real e o que de mais precioso eu tinha na vida
me foi tirado.
Para que viver?
Para que continuar com uma vida vazia e sem calor?
Meu sol foi embora.
Não há mais vida.
Nem da mulher que eu amo, muito menos do desconhecido que
arrancou de mim tudo o que me importava.
Sou ruim por ficar feliz que ele também tenha perdido algo?
Porque a raiva misturada ao luto, me transformou em alguém novo e
amargurado. Com centenas de pensamentos suicidas transitando em minha
mente. Esmago o celular entre meus dedos, com os dentes travados e minha
mandíbula cerrada. Ouço ao longe o som das sirenes da ambulância, ciente
de que é tarde demais.
De hoje em diante sempre será tarde demais.
— Meu Deus, o que aconteceu aqui? — alguém fala ao longe — Pensei
que a origem do barulho fosse os trovões.
Não tenho forças para responder.
A pessoa não consegue notar por si só que a morte paira ao nosso
redor?
Dois anjos.
Meus anjos.
Dois corações que batiam em sintonia com o meu, pararam, e nunca
mais voltarão à vida. Sinto o mesmo acontecer em meu peito, irradiando
inverno, o frio tenebroso da despedida em cada veia.
As coisas tornam-se frenéticas ao meu redor, mas não me importo.
Estou preso à minha própria ferida, enquanto cavo ainda mais, sentindo a
dor funcionar como um bálsamo.
— Não é a mulher dele? — cochicham próximos a mim.
— É, sim, uma moça tão nova e grávida ainda por cima. Parece uma
pena que sua vida tenha sido ceifada tão cedo. Principalmente pelo Jerry,
um bêbado inveterado. Em plena segunda de manhã, louco de bebida? A
tragédia estava fadada a acontecer. Tenho pena desse pobre homem que
agora terá que conviver com uma imagem tão triste em sua mente.
— Tem razão. Em um momento estamos vivos e no outro...
— Terrível. Terrível.
A aglomeração de pessoas se dispersa quando a ambulância
finalmente chega. Parece ter demorado uma vida. Juntamente com ela, o
carro de polícia da cidade também para, com o intuito de realizar a
ocorrência do acidente.
Tome cuidado, irá cair um mundo hoje.
E realmente caiu.
O meu.

Acordo suando, respirando com dificuldade depois do pesadelo.


Não há nada pior do que lembrar de cada detalhe, com cada grama do
meu desespero. Ainda não amanheceu e topo com olhares atenciosos e fixos
em mim. Candy aparenta preocupação e o problema é que eu não sei se estou
bem para lidar com ela e sua curiosidade.
Meu humor despencou ao me lembrar com vivacidade do que perdi.
Levanto-me depressa do chão, lançando o cobertor para o lado e
vestindo o casaco rápido demais, tão rápido que eu mal consigo subir o zíper
na primeira tentativa, com as minhas mãos tremendo de nervoso.
— Damon... — Candy tenta falar comigo, mas estou fora de mim,
mergulhado em um passado não tão distante.
Ignoro-a com perícia e abandono a sua cabana antes que eu me veja
obrigado a abrir meu coração para ela, antes de perceber que aos poucos é
exatamente isso que estou fazendo.
Quase caí no erro.
Um com olhos grandes, corpo sedutor, tamanho perfeito para se
encaixar em meus braços e, uma quantidade de perspicácia que jamais vi.
“Deus, eu preciso do pau dele! Não sei se uma frase com ‘Deus’ e
‘pau’ pode ser a melhor definição”.

— Minha nossa, você está horrível! — falo assim que ele abre a porta.
Esperei um dia inteiro se passar para poder falar com Damon. Sei que
ele tem tormentos que não quer compartilhar ou não se sente preparado ainda.
Durante a madrugada, enquanto dormíamos, gritos me acordaram e ao olhar
para o lado, assisti ele se remexendo na coberta, empapado de suor, com os
traços de seu semblante comprimidos em uma dor tão profunda que eu
apenas consegui olhar, tentando decifrar seus machucados.
Em meio à desconcertante cena, apenas um nome abandonava seus
lábios, a cada poucos segundos, fazendo-o ecoar pela sala como um suspiro
fantasmagórico.
Dolores.
— Vai embora, não estou com ânimo para lidar com você.
Retiro a cesta de cupcakes detrás do meu corpo e abro um sorriso de
orelha a orelha, esperando que isso amoleça seu coração.
— Nem mesmo um doce pode te ajudar a me aturar?
— Qual o seu problema? De verdade? Não entende que eu não estou
interessado?
Se ele não está interessado porque eu senti o desejo pairar em seus
olhos na última noite, antes que dormisse? Estava fantasiando coisas? Não,
acredito que não, eu posso ser devagar em alguns pontos, mas jamais
enxergaria vontade onde não existe nenhuma.
— Só acho que você precisa de companhia. Não sou eu quem está
presumindo coisas. — Empurro-o para o lado, sabendo que Damon não me
repeliria e invado sua caverna masculina.
— Nunca consegue respeitar um não?
— Só tenho dificuldade de entender um que não quer ser proferido.
Então, vamos ficar aqui, quietos, só para passar o tempo. — Deixo os
cupcakes em cima da sua pequena mesa e movo-me até a visão deslumbrante
que ele tem da montanha.
Aos poucos, estou desbravando cada camada sua, com afinco, deixando
nas demais a minha marca, torcendo para que ele entenda que não quero o
seu mal. Na verdade, nem mesmo eu estou entendendo o que quero neste
momento. Será que é apenas sexo, como eu acreditei anteriormente?
A realidade é que estou encantada com seu autocontrole e com a sua
força em lutar contra algo que apenas ele sabe, sozinho. É estranha a minha
vontade de me aproximar e ajudá-lo a curar as suas feridas, contudo, ela
existe e é inegável. Principalmente, que com a cada gesto seu, Damon só
demonstra a preocupação comigo, mesmo que ele tente combatê-la com tanta
grosseria que se eu fosse uma mulher menos decidida já teria corrido e rolado
montanha abaixo, transformando-me em uma bola de neve.
Observo perdida em meus pensamentos, a visão do resort e as centenas
de luzes que partem dele.
— Demorou para vir, pensei que fosse aparecer antes, sendo
intrometida como é — comenta.
Para ao meu lado, e a cena do último dia, de nós dois fazendo isso na
minha cabana, toma a minha mente.
— Precisei fazer doce para ludibriar o abominável, e, também foi difícil
chegar aqui com essa quantidade absurda de neve despencando. Quase me
perdi novamente. — Solto rapidamente.
O silêncio me espanta, e quando me viro para ver o que ele faz, deparo-
me com seus olhos azuis tão gelados e repletos de ira que um arrepio percorre
meu corpo.
— NUNCA. MAIS. DIGA. ISSO — vocifera.
— Não tem responsabilidade por mim. Se acontecer, aconteceu —falo
a verdade.
A cicatriz no meio do meu peito queima, como se estivesse avisando
que eu não posso ser leviana com uma vida que ganhei por misericórdia
divina. Alguém em algum momento, se bom ou ruim da sua existência eu não
sei, morreu para poder me doar sua vitalidade. E eu sempre serei agradecida a
ela. Em parte, sinto que busco me encontrar porque depois do que aconteceu,
eu me perdi. Sentia como se eu não fosse eu mesma. Como se tivesse outra
pessoa em meu corpo, impelindo-me a abdicar do comando dele.
As batidas que irradiavam no lado esquerdo representavam uma
confusão de pensamentos e uma vontade maluca de abandonar minha própria
alma. Não sei explicar ao certo, mas eu não era eu.
— Sou maluco, eu sei, uma hora estou irritado, na outra envolvido por
você e no restante, fugindo, mas sinto que não posso deixar nada te
acontecer. — Sua fala me deixa embasbacada.
Continuo fitando-o, contudo, Damon olha para a neve à sua frente, com
os traços impassíveis ao fingir que o que disse não muda várias coisas entre
nós.
— Acho que fico contente com isso. Sinto-me segura perto de você e
nem é só pelos seus — gesticulo e atraio a sua atenção — músculos definidos
que faz questão de esconder por debaixo da roupa como se não fossem nada
demais. Sério, quando for ficar com uma mulher, avise-a antes que é um galã
com corpo de arrancar o fôlego para não matar a coitada antes mesmo do
finalmente.
Ele abre um sorriso contido, fitando-me com descrença.
— Não pode ser real. Acho que eu fiquei sozinho tempo demais aqui e
estou idealizando uma mulher para me fazer companhia.
Deposito um beijo em sua bochecha sem que ele espere. Pego o homem
de surpresa e ainda assim, sentimos as faíscas, que se alastram por nós dois
com um gesto tão bobo.
— Só para provar que eu estou aqui de carne e osso.
— Foi um comentário retórico.
— Eu sei, mas gosto de te provocar.
— Imagino que tenha escutado alguma coisa... — ele pigarreia — quer
dizer, eu tive um pesadelo e costumo falar sozinho durante eles.
— Não vou tornar o momento constrangedor para você, fique tranquilo.
O que eu ouvi vai ficar para mim e não precisamos ter essa conversa, sobre
seus medos, ou o que aconteceu, não agora, por se sentir pressionado. Espero
que quando quiser falar com alguém, abrir seu coração, eu esteja por perto
para poder ouvir e ajudar.
— Quem sabe não faça isso também e me conte o motivo para estar
sempre levando a mão ao coração?
Porcaria!
Tão perceptível assim?
Tenho vontade de dizer a ele que é porque toda vez que o vejo, meu
coração sofre um solavanco tão grande que eu preciso lembrá-lo da
necessidade de seus batimentos. É como se eu o conhecesse de outro lugar e
após a sua fala sobre Dallas, presumi que pudesse tê-lo visto de relance. Mas,
ainda assim é maluco, tão insano que se torna inexplicável.
— Talvez em um outro momento, meu caro.
É nítido que estou escondendo alguma coisa, no entanto, Damon releva.
Afinal, ele também se esconde, ansiando que ninguém faça as perguntas que
não quer responder.
— Tudo bem por mim.
— Vai comer os cupcakes?
— Eu não perderia por nada, meu doce.
Ele me deixa pasma, olhando para seu corpo elegante se afastando
enquanto me pergunto o que diabos mordeu esse homem, para ele ter mudado
do dia para a noite e ficar passeando nessa linha tênue da loucura, misturada à
indecisão, deixando-me maluca também.
Não demoro para segui-lo, preciso entender. De verdade. Mesmo
usando todos os meus neurônios, não consigo compreender.
— Por que essa mudança drástica de ações? — paro em frente à mesa e
pergunto.
Damon ergue a cabeça, ainda mastigando um pedaço do pequeno bolo,
repleto de açúcar no queixo e na bochecha, contemplando-me com os olhos
arregalados como se não entendesse o motivo para a pergunta que fiz. Não
penso no que estou fazendo, mas passo meu dedo nos lugares sujos, e em
seguida o chupo, absorvendo todo o açúcar.
Sua mão congela no ar, sem que ele dê a próxima mordida.
Engulo em seco por causa da intimidade do gesto, sentindo que estou
sendo comandada novamente pelo meu coração emotivo.
Ficamos segundos, parados, totalmente pasmos com o que acabou de
acontecer.
Nem eu sei ao certo o motivo para ter agido tão espontaneamente.
Porém, antes que eu perceba o que está acontecendo, Damon desce o
olhar para a minha boca e sinto o calor se avolumar em um único ponto e
espalhar formigamento por toda a minha pele, querendo que ele toque cada
ínfima parte dela.
Não sou nem doida de interromper o clima tão latente quanto uma
queimadura que se instaurou entre a gente. Porque porra, ele vai me beijar de
novo, definitivamente vai e eu quero, quero mais do que é recomendável que
ele me beije.
Estamos próximos.
Excruciantemente próximos.
Damon manda a distância para o espaço em um segundo, colocando-se
à minha frente e me esmagando contra a bancada. Seu corpo é tão firme
quanto rocha e eu sinto que minha calcinha está prestes a ser arruinada.
Sua respiração move alguns fios do meu cabelo e o escuto inspirar o
perfume do meu xampu. Juro que estou perdendo todas as batidas do meu
coração. Elas já não existem mais. É como se ele estivesse me degustando,
usando de minha essência para saciar sua fome.
— Você é tão cheirosa, Candy. Exala um aroma doce que me faz andar
na corda bamba acima da lava. Eu tento a todo custo esquecer como é estar
envolvido por uma mulher, mas você torna essa tarefa algo tão difícil para
mim, que eu sinto a razão se esvair do meu corpo.
Preciso de coerência!
Preciso voltar a respirar!
Deus, eu preciso do pau dele! — grita em contrapartida minha garota.
Tento manter uma discussão com ela, apenas mental, para que não seja
tão impulsiva a ponto de fazer as coisas e se arrepender logo depois. Nós não
entramos no acordo de ultrapassar pouco a pouco as barreiras do homem?
Sim, exatamente. E eu não quero transar com ele para depois ser chutada da
sua cabana sem dó, nem piedade. Por isso os cupcakes! Eu não poderia
chegar de mãos vazias e agora ele indica que quer me comer? Depois de ter
fugido e me tratado tão mal desde que eu surgi em sua vida?
Deus, eu não sou tão forte a esse ponto! De verdade, se essa for uma
provação, que o Senhor seja compreensivo e entenda as necessidades desta
mulher!
— Não me respondeu — respiro profundamente, ainda sentindo seu
corpo em cada parte do meu, mesmo com o tecido cobrindo toda minha pele
— por que essa mudança?
Escuto o seu suspiro de derrota.
— Estou duelando com meu lado impulsivo e a razão para não
continuar com isso. O problema, é que sempre aparece quando eu estou quase
me recuperando da sua presença marcante e me joga de novo para os meus
dilemas mais controversos. Eu não sei o que pensar, ou na pessoa que me
transformo quando estou com você. Há muito tempo deixei de ser ela, depois
de traumas tão profundos sempre perdemos o melhor que há na gente e se
torna uma tarefa árdua buscar o que ficou para trás. Por isso desisti, mas
então você apareceu e é tão irritante que eu me culpo por tudo o que estou
pensando.
— Queria te entender, mas falando assim fica cada vez mais
complicado.
Ele se afasta um pouco, para me olhar diretamente nos olhos. Sinto
todo seu medo e, também sua força.
— Eu não sei explicar, Candy, droga eu não sei! Só que desde a
primeira vez que te vi, senti como se fôssemos para estar aqui, juntos. É
inexplicável, de verdade. E por mais que eu tente, você vai me achar um
maluco, o que eu provavelmente sou. — Aumenta a distância entre a gente e
eu imploro em silêncio para que não faça isso.
Seu calor é uma droga que me deixou viciada e eu nem provei as
melhores partes ainda.
— Tente — peço, espalmando minhas mãos em seu peito.
Damon leva as suas às minhas e as cobre com carinho. É tão terno que
eu me assusto. Onde ele guardou este homem?
— Não estou pronto, Candy, acho que não ainda. Mas, eu queria muito
estar para poder voltar a viver.
Voltar a viver.
Ele me faz lembrar de quando eu achei que não estava vivendo e sinto
uma vontade imensa de abraçá-lo e o levar para longe de tudo o que aflige
sua alma. Por isso, passo meus braços em torno do seu corpo e aperto
bastante, para ele sentir o calor e entender que precisa dar valor à sua vida,
que ela é passageira e imprevisível.
Tomo a atitude primeiro, pensando que isso pode ajudá-lo. Passo as
mãos em torno do seu rosto e o beijo languidamente, sentindo o sabor de
cupcake e os fios da sua barba pinicarem de uma maneira gostosa o meu
queixo. É uma carícia com o objetivo de apagar uma dor, nublá-la a ponto de
o fazer esquecê-la por segundos que seja. Sua língua se entrelaça a minha e
sinto meu corpo ser alçado até a madeira da mesa, que está ridiculamente fria.
Porém, quando suas mãos se fecham em minha bunda, eu perco qualquer
sentido ligado ao lugar, presa em seu toque, com minha libido flutuando em
suas mãos e seu beijo de tremer todas as minhas vontades.
Que porra de homem é esse?!
Ele desce sua boca por meu pescoço, beijando cada parte, subindo os
dedos até minha nuca e me dominando de uma maneira única. Sensação essa
que me destrói, a cada mordida pungente em meu ombro.
Sua língua desliza sobre minha pele sensível e me faz inclinar em sua
direção, entregando-me ao castigo excitante.
Suspiro.
Exalto-me.
Lamento.
Sussurro.
Arfo.
Cobiço.
Passo minhas unhas ao longo de toda a rigidez do seu corpo.
Ele é duro. Forte. Rude. Sincero. Intenso. Poderoso. Sensual.
Charmoso. E me faz sentir tão reverenciada como eu nunca me senti antes.
Quero esse homem para mim. Só para mim.
É pecado ansiar ser feliz ao menos por minutos? Sem me preocupar
com mais nada, além de entregar meu cor... digo, tesão?
— Isso é bom — murmuro — fantasticamente bom.
— Quer sentir prazer, se sentir desejada — Damon sussurra em meu
ouvido — ninguém pode te culpar por isso.
A temperatura do meu corpo sobe mais rápido do que um avião em
decolagem e começo a suar com a quantidade de roupas que estou usando.
Como se ele lesse meus pensamentos, experimento seus dedos trabalharem
no zíper da jaqueta e logo depois, sou obrigada a soltá-lo para que a peça
escape pelos meus braços. Muita roupa ainda nos separa e fico irritada por ter
que usar tanta coisa assim, só dará margem para que ele desista no meio do
caminho. Porém, não é o que acontece.
Em uma bagunça por necessidade, levo meus dedos à barra da sua
camisa de lã e a puxo pela cabeça, enquanto Damon retira rapidamente e
volta a me beijar com uma fome de assustar qualquer pessoa mais contida.
Seu beijo é tão forte, seus lábios tão duros contra os meus que pequenas
sensações se espalham pela minha boca, que formiga devido ao inesperado.
É tentador e irresistível.
Empurro meu quadril contra seu abdômen e sinto suas pernas se
encaixarem no meio das minhas, com a dureza se esfregando contra o centro
do meu prazer, um volume grande e grosso, muito mais do que esperava.
Uma grata surpresa. A parte de baixo das minhas roupas desaparece e noto
que estou prestes a enlouquecer quando os seus olhos de oceano prendem os
meus e a sua boca se retorce em um sorriso safado e predatório.
Um arrepio percorre minha coluna.
Quando eu imaginaria que me sentiria tão necessitada e eufórica com a
simples possibilidade do que está prestes a acontecer?
— O jeito que você me olha provoca coisas em mim.
— Boas, espero.
— Ah — solto um riso baixo e excitado — muito melhores do que
boas.
Seus dedos firmes se fecham em torno da barra da minha segunda pele,
eu os barro. Não quero tirá-la. Não quero que ele veja a cicatriz horrenda e
fria que divide o meu peito, não estou preparada para isso ainda. Podemos
fazer qualquer coisa, no entanto, não quero que ele a toque, que sinta pena de
mim pelo que passei. A linha sobressalente por causa do queloide é a prova
de que eu vi a morte de frente e acabei escapando dela.
— Tudo bem, Candy, eu não vou tirá-la, pode libertar meus dedos —
fala baixo, com a intensidade da rouquidão em sua voz se sobressaindo.
Mordo o canto da minha boca e permito que ele continue. Damon não
olha mais nenhuma vez para a blusa, iniciando sua descida lenta e cadente,
desabando sobre seus joelhos, bem à minha frente como um homem rendido.
— Não imagina o quanto eu quis fazer isso a cada maldita vez que a
via.
Desata o nó da minha calcinha. Uma que Trust e eu pensamos ser
excelente para momentos como esse quando a colocamos na nova linha e sem
dúvida, ela é.
Pega a peça e inspira profundamente, provocando ondas catastróficas
de desejo em meu corpo.
Como uma atitude tão simples pode ser tão excitante?
Seu olhar encontra o meu, notando a minha avaliação e um sorriso
lascivo entorta o canto de seus lábios.
— Gosto do seu cheiro.
Ele a guarda em um dos bolsos da sua calça e me impede de protestar,
assim que afunda a cabeça no meio das minhas pernas. A primeira pincelada
da sua língua em meu clitóris lança-me para um universo de pontos
brilhantes, enquanto eu pendo minha cabeça para trás, empurro sua boca
contra a minha boceta e contenho os gritos de prazer que ameaçam escapar de
minhas cordas vocais.
Damon suga com vontade, como se não fizesse isso há anos e eu me
permito aproveitar o momento, deixando que todas as sensações prazerosas
consumam meu corpo em puro fogo.
— Ca... — diria um palavrão, mas, sou interrompida no exato momento
em que ele começa a chupar e lamber desenfreadamente o ponto pulsante.
Contorço-me em cima da mesa, com um dos orgasmos mais
avassaladores que já senti se formando e espalhando ondas imensuráveis de
prazer por toda minha carne. É como se eu estivesse em chamas, de dentro
para fora e quisesse continuar assim para sempre.
Sou devorada. Consumida. Abocanhada, por um homem que eu nunca
imaginei que faria isso, sentindo a sua barba espalhar sensações gostosas no
meio das minhas pernas, pinicando de uma maneira tão incrível que eu estou
alcançando o clímax só ao pensar em como essa porra é sexy!
Remexo-me, tentando aplacar a volúpia, e suas mãos firmam meu
quadril no lugar, com aspereza.
— Quietinha, enquanto eu devoro você.
Não ouso contrariá-lo.
Até porque meu corpo passa a não responder meus comandos,
aproveitando cada resvalar de seus lábios em minha intimidade.
— É uma delícia, tão doce quanto seu nome — sussurra e eu puxo o ar
com força, tentando segurar mais um pouco o arrebatamento que me levará
direto para um lugar inesquecível.
Porém, sou incapaz de postergar.
Meu corpo inteiro drapeja, com os espasmos lascivos.
Mas, Damon não para; ele continua e com isso, aumenta o tesão com a
sensibilidade que estou sentindo na região castigada por sua boca. É uma
mistura de quente com o gelado da sua língua que me faz revirar os olhos, me
contraindo com a simples respiração dele contra minha boceta.
O homem só se dá por satisfeito quando percebe que meu corpo inteiro
amoleceu e que eu não consigo mais lidar com o prazer que continua me
proporcionando.
Uma corrente de ar fria, glacial, passa a me castigar assim que ele se
levanta e pousa os olhos azuis e brilhantes nos meus, passando a língua
obscenamente no lábio inferior e depois no superior. Não parece arrependido,
o que agradeço. Acabaria comigo se ele se sentisse assim, após essa loucura
perfeita.
Mais perfeito que isso, apenas se... pulo da mesa em um segundo e
ajoelho no chão frio, prendendo meus dedos na braguilha da sua calça, mas,
sua mão me impede de continuar.
Desabo os ombros em derrota e olho para cima, temerosa, apenas para
vê-lo com um sorriso relaxado.
— Não precisa fazer isso, Candy. Não foi para receber na mesma
moeda, foi porque eu achei que você precisava e não posso mentir, também
queria sentir seu gosto — admite e eu quase desfaleço.
— Mas...
— Nada. Eu não estou preparado para nada mais profundo ainda.
Não deixo de focar no “ainda” porque é ele que contém toda a minha
esperança. E só dessa vez, nesse dia, em meio a uma paisagem linda e depois
de um orgasmo fenomenal, sinto-me desejada, por quem sou.
— Não vai me devolver a calcinha?
Ele sacode a cabeça.
— Sério que vai me fazer vestir a calça, sem a peça de baixo?
— Aposto que eu guardar algo tão íntimo seu te excita mais, do que
odeia a ideia de usar a calça sem ela.
Damon está certo.
Contenho o sorriso malicioso e desisto de debater.
Visto a parte de baixo das minhas roupas, sentindo que posso
convencê-lo de que seria bom para nós dois que eu corresse a minha língua
através da sua extensão, venerando as veias que devem...
Preciso focar em outra coisa! Outra coisa!
Ele não quer, beleza, não quer. Não posso ser pedinte a ponto de
implorar para colocar seu cacete em minha boca
— É péssimo, Damon. De verdade.
SEXY! — grita minha mente.
Ele se aproxima para sussurrar em meu ouvido: — A cada vez que a
sua calça roçar contra sua boceta, vai se lembrar do que estive fazendo aí
embaixo e me agradecer cada segundo pela recordação. E péssimo será
definitivamente a última palavra na qual irá pensar.
“Eu não deveria ter feito isso, mas fiz, porque você é irresistível.”

— Bem que você poderia me deixar te chupar, não acha? — Ela retorna
a esse ponto, agora totalmente vestida, o que é uma pena.
— Não no momento.
— Por quê? Pensei que quisesse.
Sei que se vê tão envolvida quanto eu, estamos pegando fogo e coitada
da cabana, seria apenas alimento para as chamas se eu cedesse. Mas,
mantenho minha decisão, pois não quero conduzir o início de um possível
relacionamento de maneira tão desastrosa.
Não posso enganá-la, ou usá-la.
— Eu queria te dar prazer, Candy. Mas, não quero que se envolva
demais, quando ainda restam dúvidas. Tenho meus próprios fantasmas para
carregar e só vou dar um passo adiante quando eu finalmente me sentir bem.
Sempre fui sincero, Dolores dizia que essa era minha maior qualidade.
Me entender. Mas, em alguns momentos, quando estou com Candy, admito
que eu não me entendo tão bem assim.
— Damon... — ela fala meu nome pausadamente e respira de forma
profunda — entenda que dar um passo maior que sua perna caracteriza como
dois passos, e mesmo que você erre, e tenha que retroceder um passo, ainda
significa que você avançou por um. Está caminhando para frente,
independente do que pense. Devagar e sempre.
Nenhuma fala me tocou tanto. Porque faz todo o sentido.
Mesmo que eu retroceda em alguns momentos, ainda estou seguindo,
no meu ritmo, não é?
— Eu só preciso me entender antes, e isso — indico a ela e a mim —
foi uma coisa de adultos que rolou. Então estou pedindo para você não fazer
muito caso, afinal, estou há muito tempo sem me envolver com uma mulher
de maneira sexual. Tanto, que foi impossível conter a atração quando ela me
atingiu de maneira incrivelmente forte a ponto de cambalear.
Noto que a palavra tempo irradia dúvida no seu semblante. Droga, ela
está curiosa. Ela quer saber quanto, posso sentir. E foi minha culpa, por ter
ido com sede demais, como um sedento caminhando no deserto.
— Só para saber com o que estou lidando aqui. Quanto tempo, mais ou
menos?
Como eu presumi.
Engulo em seco, criando coragem para contar, afinal, ela está aqui e eu
não posso simplesmente chutá-la da cabana depois do que fiz. Não adiantaria
nada, dada a força da natureza que é Candy e só a deixaria mais e mais
interessada em tudo sobre a minha vida.
Ela tem o tipo de determinação que moveria o mundo, se a desafiassem
a fazê-lo.
E eu estou me tornando um desafio para ela. Um mistério o qual se
empenha mais e mais em desvendar.
A grande questão é que ainda não defini se gosto disso ou não.
— Cerca de quatro anos — falo e faço uma careta ao perceber como
isso soa ruim.
Mas, ela não sabe a merda na qual me afundei depois que Dolores
morreu, muito menos o quanto minha família ficou preocupada e tentou me
ajudar de todas as maneiras, tentando lidar com a minha aversão a qualquer
tipo de ajuda. Foram tempos difíceis e vovó nem tinha coragem de me bater
com a bengala, acredito que ela pensava que eu tiraria minha vida e não vou
mentir, depois do enterro, essa foi a vontade que me corroeu em todos os
malditos segundos do dia. Não sei como passei por ele e não sei se
conseguiria passar de novo pela mesma situação. Minha força não é tão
grande.
— Quatro — ela pausa, arregala os olhos e abre a boca
fantasmagoricamente — anos? Sem transar?
Quatro anos sem amar. Sem sorrir verdadeiramente. Sem viver.
— Sim, ma’am.
— E como aguentou?
Ergo minha mão com cara de obviedade e já que estou sendo patético,
decido incorporar o humor para tudo se tornar menos vergonhoso.
— Pode ter certeza de que sou ambidestro, porque as duas mãos
trabalharam muito bem.
Ela tenta segurar a gargalhada, em vão, e lança o corpo para trás se
divertindo com a minha fala.
— Não pensei que você fosse o tipo de homem divertido — diz,
enxugando os olhos de tanto rir.
Não sei por que ela viu tanta graça assim.
— Perguntou e eu respondi.
— Agora eu entendo o motivo para seus antebraços estarem tão firmes!
— Ela bate em cada um deles e eu sou obrigado a abrir um sorriso.
Gosto do seu humor, da sua maneira incrível de ver o mundo.
— A prática leva à perfeição.
— Ah — fita-me maliciosa — aposto que sim! E pelo que acabou de
fazer, só posso pensar que praticou bastante ao longo da vida.
Meu coração acelera seu ritmo e me pergunto se é assim que eu me
sentia quando flertava antigamente, porque tudo parece novo e único demais,
nada parecido com as minhas memórias de conquistas ocasionais e, de
mulheres com as quais eu me envolvi.
— Um homem sempre tem o direito de permanecer calado, certo? Até
quando é pego no flagra.
Ela gosta da minha resposta perspicaz.
— Seu nome tem muito a ver com você, Damon, porque se trocarmos
apenas uma letra você se torna um demônio, que seduz mulheres divorciadas
e vulneráveis como eu, disposto a levá-las como uma de suas conquistas até o
fogo intenso. Gosto disso e céus, — ela exalta — eu não deveria, mas eu
gosto e tenho vontade de abraçar cada mistério que eu vejo brilhando no seu
olhar.
— Já me ofenderam com nomes grotescos, mas nunca dessa forma —
brinco, ignorando propositalmente a parte em que ela fala sobre meus
mistérios.
Candy é um perigo.
Uma lufada de brisa fresca no calor.
Um campo de flores silvestres na primavera.
Um sonho que eu não sei se posso alimentar.
— Não foi uma ofensa. — Deposita um beijo na ponta do meu nariz,
erguendo os pés teatralmente para o fazer.
Eu a fito diretamente e fecho meus olhos por instantes,
momentaneamente cego pelo brilho que é em uma vida tão escura quanto
uma noite sem lua e estrelas.
— Essa é uma surpresa.
Candy estreita os olhos e em seguida olha em volta, buscando alguma
coisa, ou melhor, uma criatura carinhosa e extremamente comportada.
— Onde está Snow? Eu ainda não o vi hoje.
— Deixei-o no quarto.
— Por quê?
— Quando eu olhei pela janela e a vi bem próxima da minha porta,
imaginei que fosse querer conversar sem qualquer desvio de atenção. Ele não
liga, gosta de deitar na minha cama e tirar um cochilo lá. Fiquei me sentindo
culpado pela maneira que a deixei, porque eu estava vivendo um conflito
interno complicado demais.
— Então me espiou pela janela? Estava ansioso para que eu viesse?
— Prefiro exercer meu direito de ficar calado, após ser pego no flagra.
Ela ri com a minha inteligência em sair pela tangente.
— Te odeio por isso. Mas, tudo bem, lidarei com a resposta para a
pergunta usando minha imaginação. E sobre você ficar me espiando pela
janela, não entendo como conseguiu enxergar muita coisa, já que eu mesma,
não estava enxergando nada e me questiono se esse ataque sexual foi
planejado desde o começo para que amenizasse minha raiva e eu não
destilasse minha fúria em você.
Decido entrar na sua brincadeira e continuar com a conversa sem
sentido.
— Funcionou?
— Como funcionou.
— Era uma brincadeira. Não planejei nada do que aconteceu, mas fico
feliz que tenha acontecido.
— Eu também, Damon. Eu também.
Decido mudar de assunto antes que as coisas fiquem mais íntimas. A
tensão sexual ainda paira no ar, não sou um tapado para não a perceber,
Candy muito menos, então opto por tentar seguir para um caminho mais
seguro. Deus, eu estou muito enferrujado em lidar com mulheres, claro que
com minhas primas é totalmente diferente, estou desacostumado a querer
ficar com alguém, ou gostar de verdade da sua companhia.
O mais irônico em tudo é que antes de conhecer a minha esposa, eu
nunca ficava sozinho. Cada final de semana uma mulher diferente, as vezes
duas ou três e nunca as decepcionava. Elas me procuravam buscando algo e
eu ficava feliz em dar o que queriam. Flerte? Corria em minhas veias e em
alguns momentos apenas um olhar bastava. Então, por que me sinto tão
inseguro em sequer dizer:
“Ei, Candy, eu quero trepar com você, mas estou confuso com algumas
coisas, topa tornar isso só sexual? Bem cru e bom para nós dois?”.
Na verdade, a insegurança não é exatamente sobre falar, mas fazer,
porque ainda não sei como meu corpo reagirá após tanto tempo amando uma
única mulher.
— Não precisa ficar nessa batalha interna. Eu entendo, de verdade.
Assusto-me ao perceber que ela tranquiliza meus pensamentos como se
os tivesse lido em sua totalidade.
— Mas, não sabe o motivo.
— E não preciso saber se você não quiser. Nós estamos aqui, sozinhos,
você é um homem, eu sou uma mulher, é normal que nos sintamos atraídos.
Somos a única opção um do outro, quem pode nos culpar?
Sinto um balde de água fria — congelante — ser despejado sobre
minha cabeça.
Sou só um estepe para ela e não há motivos para ficar tão confuso, sem
saber como agir.
— É, você tem razão.
Candy não percebe o mau humor súbito no qual me afundou e dá as
costas, caminhando pelo corredor até o quarto, para verificar Snow. Luto com
a minha vontade de cerrar os dentes ao notar que estou pensando demais,
quando ela está pensando de menos.
E não é justamente isso que quero?
Saciar o tesão, sem qualquer envolvimento emocional?
Meu consciente hesita em dar a sua resposta e, esse por si só já é um
problema.

— Céus, eu realmente queria ver você sem barba! — fala, passando os


dedos languidamente pelos fios disformes.
Constato que ela está pronta para ir embora, após termos jantado e visto
um filme qualquer, como se a cena tremendamente erótica que se desenrolou
na mesa não tivesse acontecido. Em outro momento, eu ou ela teríamos
ficado estranhos, como se aquilo fosse um elefante entre nós dois. Porém,
com a maturidade, se tornou apenas algo que aconteceu e não posso mentir
dizendo que estou feliz com a sua forma de lidar, assim como um pouco
desapontado por ela não ter expressado se quer mais ou se prefere manter as
coisas no campo amigável.
Ao contemplar Candy, noto rapidamente que na verdade eu quero
conversar com ela. Que eu preciso que fique comigo, nem que seja sem
proferir uma única palavra para eu me sentir menos sozinho. Essa constatação
me aterroriza, porque em todos esses anos que passei revezando a minha vida
entre Montana e indo para Dallas visitar vovó — sem muitas interações nos
círculos sociais — é a primeira vez que eu de fato não quero abraçar a
solidão.
Viajo tanto em minhas próprias descobertas que percebo depois de
poucos minutos que não respondi a sua fala e decido não o fazer, rebatendo
com uma pergunta que pode soar tão estranho para ela, como soa para mim.
— Por que não fica aqui, hoje? Está escuro e eu não quero que vá até lá
sozinha.
— Poderia ir comigo — Candy responde efusivamente, sem se abalar
com o tom sério que flutua em minha voz.
Abro um sorriso.
— Então nós ficaríamos em uma ida e vinda infinita, porque você
também não me deixaria voltar sozinho, ou me convenceria com a sua lábia
colossal que eu ficasse por lá, o que só tornaria o nosso deslocamento nesse
frio de congelar desnecessário, uma vez que podemos ficar aqui, juntos, já
que você teve coragem e veio até mim antes.
Ela arqueia uma das sobrancelhas e arrasta seus lábios carnudos para o
lado, em um sorriso presunçoso.
Merda!
Dei material para que ela jogue pesado comigo até que eu ceda.
E uma voz bem irritante em minha cabeça faz questão de deixar claro
que eu irei amar jogar com ela.
— Se eu não soubesse que você é eremita, e totalmente rude quando
quer, poderia acreditar que está tentando passar um bom tempo comigo.
— Não confunda as coisas, — ela está totalmente certa em sua
constatação — só não acho que seja prudente, dado o seu histórico de
coração doce com animais feridos — me incluo nessa categoria — ficar
caminhando por aí, em meio ao escuro. Até chegar à sua cabana, poderia se
perder dezenas de vezes. — E isso me desespera.
Provocando uma agonia tão imensa que eu prendo a respiração por
instantes, ao imaginar coisas horríveis, que me aterrorizam.
— Não sei se devo confiar em você, é mais lobo do que muitos, eu
tenho certeza. Só está deprimido demais. Mas, bem — ela pendura a jaqueta
novamente no gancho e não parece nem um pouco preocupada em ficar
comigo, sozinha, ou melhor, na companhia de Snow, deitado no tapete e
acompanhando com atenção a nossa conversa como se entendesse cada
palavra — já que você insiste tanto, e não consegue lidar com a possibilidade
de me ver atravessando esse monte de gelo até a minha cabana, eu fico aqui
sim, sem problemas. E ainda economizamos lenha, o que para mim é
excelente.
Fui manipulado.
Absorvendo a vitória que emana de seus olhos negros, noto como ela
controlou meus pensamentos de maneira magistral.
— Você me manipulou.
Ela faz uma careta.
— Essa palavra é muito forte. Eu apenas construí uma sequência de
coisas que o impeliria a me deixar ficar aqui, inclusive me fazer de mulher
indefesa.
Ela não tem nada de indefesa.
Eu estou indefeso e totalmente moldável nas suas mãos.
— O inferno não seria capaz de te conter.
— Claro que não, sou divorciada e sei muito bem o que quero e o que
preciso absurdamente evitar. Só não tenho tamanho, mas de que importa, não
é?
Ela é na medida perfeita, para se aconchegar junto ao meu peito.
Porém, não externo essa verdade.
— O que quer fazer?
— Pensei que dormisse cedo.
— Porque eu sempre estou sozinho, mas hoje você está aqui.
— Tem alguma bebida alcoólica? Conhaque ou qualquer outra que
esquente de preferência?
— Sim.
Mas, não consigo conter a careta que perpassa meu semblante. Há
apenas uma bebida alcoólica na cabana e a guardei porque foi presente de
Dolores, quando eu ainda amava conhaque. Não tive coragem de me desfazer
da garrafa.
E, talvez, esse tenha sido um dos motivos para ainda não ter superado.
Ficar guardando coisas, revivendo memórias, que não fazem mais sentido.
Devido meu sofrimento, e principalmente ao motorista bêbado que
perdeu o controle, a bebida passou a se tornar o meu pior inimigo.
O que me fez retorcer de angústia, todas as vezes em que vi alguém
bebendo em minha presença.
Não é algo que se possa explicar, apenas sentir, uma repulsa tão grande
que eu me calava e vivenciava aquele fatídico dia. Só eu sei o que vi, o que a
bebida causou. Porém, como vovó se esforçou para me dizer uma vez, eu não
faria o mesmo e nenhum de nossos familiares também, eles apenas estavam
bebendo em um momento de confraternização. Mas a repulsa insistia em se
infiltrar em cada pensamento e aos poucos eu fui me tornando totalmente
rancoroso e sem amor.
Mas, eu preciso seguir em frente. E qualquer evolução, parafraseando
Candy, é considerada como uma evolução por mais que eu retroceda um
pouco. Por isso, dada a sua felicidade, eu acabo cedendo.
Afinal, não é uma coisa tão grande assim, é?
Eu sei a resposta para esta pergunta e não gosto nada dela.
Fito a mulher que tenta me resgatar por segundos lentos e importantes.
Digo, realmente observo cada detalhe dela e sua postura esperançosa,
aguardando por um momento de descontração e percebo que estou disposto a
fazer isso, ultrapassar meus limites porque é ela aqui comigo.
O mais engraçado é que não disse nada, esperando que eu fique
tranquilo, provavelmente. Esse é o ponto interessante entre a gente, eu não
preciso explicar tudo para que ela entenda. Candy me dá silêncio, quando eu
mais preciso dele.
— Vamos nessa.
— Jura? Topa beber um pouco para esquecermos os problemas?
— Estou dentro, ma’am.
— Por que sinto que essa é uma grande decisão para você?
— Como sempre, me desvenda sem que eu diga nada. Algum dia, você
vai saber tanto sobre mim que vai me conhecer melhor do que eu mesmo.
— Mal posso esperar.
“Desculpe por não estar tão fora de mim e escutar o seu segredo.
Você não teve culpa e é um homem incrível. Mas, tudo bem, eu vou
fingir que não disse nada, é o mínimo que posso fazer.”

Depois do que passei eu deveria cuidar bem do meu coração. Não ficar
bebendo álcool como se ele fosse necessário, ou qualquer outra merda que
não seja saudável. Porém, ainda estou presa em uma profunda crise de
autodescoberta. Beber com Damon não parece tão errado, mesmo que eu
saiba que é, e se ele descobrisse o que me aconteceu, também acharia.
Contudo, já faz um tempo desde que coloquei álcool na boca e não pretendo
beber muito de qualquer forma. Acho que mereço ao menos essa colher de
chá por ora.
Porém, quando ele abre um dos armários da cozinha e carrega até a
mesa algo que segura com extremo cuidado, acredito que tomar alguma coisa
com ele foi uma ideia sábia da minha parte. Reconheço a caixa que ele trata
com tanto zelo, é a porra de um conhaque que custa em média cinco mil
dólares!
O que me faz questionar se ele não está ocultando alguma parte
fundamental acerca da sua identidade.
Como alguém como ele, em um lugar como este, pode ter esse tipo de
coisa? Eu esperava no máximo um Martell ou coisa assim.
— Está me olhando estranho — profere.
É insegurança que eu enxergo através dos seus olhos astutamente
azuis?
Antes que eu fique entretida demais neles e esqueça do que eu diria,
apresso-me a perguntar:
— Você roubou um banco ou participa de alguma espécie de
contrabando? — Vou direto ao ponto. — É um mafioso, se escondendo de
algum inimigo o que me coloca automaticamente em perigo também? Um
assassino? Daqueles bem pagos?
Seu rosto se retorce em pontos de indignação. E sua repulsa é tão
verdadeira que eu suspiro aliviada e relaxo minha postura, apoiando as costas
no encosto da cadeira de madeira. Até que noto a sua tentativa em controlar o
riso, com os absurdos que eu disse. É, eu sei, tornei-me paranoica, mas
qualquer pessoa estaria com as mesmas desconfianças em meu lugar.
— Claro que não! Nunca ouvi coisa tão ridícula em minha vida! — E
se põe a gargalhar. — Tudo isso por causa do preço desta garrafa?
O infeliz gargalha por minutos ininterruptos, enquanto eu abro a boca
em uma fenda indignada.
Ele nem ao menos disse como tem uma bebida tão valiosa! O que deixa
a minha teoria bem plausível, para ser sincera.
— Seria um crime! — interrompo-o efusivamente, mudando de opinião
rápido demais, e... tsc, claro que ele não seria criminoso, debocho
mentalmente da minha própria ideia ridícula. — E você sabe, essa coisa —
aponto para a garrafa que ele segura — custa muito dinheiro.
— Você é a única que poderia me acusar de coisas tão horríveis e ainda
assim me fazer gargalhar. E nunca pensei que fosse beber esse conhaque, eu
estava cogitando deixá-lo guardado até que alguém o recebesse de herança —
noto que não é o que ele pensa quando franze as sobrancelhas — no entanto,
aqui estamos nós, enquanto eu sou facilmente manipulável por você a fazer
coisas impensadas. — Noto que ele escolhe ignorar o meu questionamento e
penso que talvez não seja uma boa hora para pressioná-lo.
Seus olhos brilham.
— É uma caixa de mistérios.
— Todos somos, principalmente você que sabe o valor de uma garrafa
de conhaque.
— Papai me ensinou a ter bom gosto.
Damon sorri satisfeito.
— Posso perceber. Então, o que acha de provarmos essa belezinha? —
sua voz ainda aparenta um incômodo que ele se esforça para esconder —
nunca pensei que fosse abrir por sua causa, quando a vi pela primeira vez,
mas vale a pena. A companhia é o que importa.
Uma pontada de animação ameaça tomar a frente ao ouvir o que ele diz
sobre minha companhia, entretanto, me recuso a criar esperança por algo sem
sentido.
Observo Damon com seu corpo másculo e elegante sentar-se à minha
frente, depositando com todo o cuidado a preciosidade no tampo. E me
impressiono sobre como o estou achando incrível, até a sua barba mal feita
possui certo charme.
O que está acontecendo com você, Candy?
Merda! Só pode ser essas frases e a sua maneira de dizer qualquer coisa
com a voz rouca e sexy, entoando um duplo sentido carregado de lascívia.
— Essas suas frases me fazem desconfiar se você não tenta colocar um
sentido sexual em cada palavra, para depois fingir que é um homem que não
faz esse tipo de coisa.
E ele é muito bom nisso, de verdade. Aposto que em outras ocasiões,
ele seria do tipo que teria qualquer mulher aos seus pés. Talvez não aqui, com
esse descaso com a aparência, porém, o típico rústico e rude, com um coração
imenso também não é irresistível? E na verdade, se assemelha e muito aos
peculiares homens dos romances de banca que já li muito em minha vida.
Finalmente Deus atendeu aos meus pedidos?
Tomara que sim.
Tomara com força, que sim.
— Eu não disse que não era.
Clássica resposta de um homem safado nas histórias!
Percebo apenas com a sua fala que ambos inclinamos nossos corpos por
sobre a mesa e estamos com as cabeças muito próximas, em uma distância
tão ínfima que eu sinto seu hálito quente acariciar minhas narinas e o desejo
reacender o fogo que havia se extinguido, após o momento sexual de mais
cedo.
— Vamos ou não beber? — Decido ser a primeira a ceder.
Não adiantará nada ficar empurrando-o contra o limite, quando ele
mesmo falou que precisa de um tempo para se entender. Achei digno de sua
parte.
— Sempre há um momento para enfrentar os medos — a sua fala é
enigmática, mas ele não se prende a ela, colocando os dois copos pequenos
na madeira.
Uma vez que Damon não completa o seu imediatamente, eu o faço e
sou a primeira a tomar um gole. Não bebo tudo de uma vez, esse conhaque
precisa ser degustado. Como o homem que paira à minha frente, esperando
ansioso que eu diga alguma coisa sobre o sabor sublime. O eremita do
inverno pega o copo entre os dedos, sacode o líquido âmbar e olha para ele
como se contivesse todos os pecados que queimam no fogo do inferno. É
perceptível o olhar amargo que ele direciona ao líquido. Deixando-me sem
entender nada do que está acontecendo.
Estamos bebendo para nos divertir ou ficarmos deprimidos?
Ele sorve com brusquidão e contenho a vontade de arregalar os olhos
ao ouvir o sibilo que solta com a queimação. Damon passa as costas da mão
na boca e então preenche seu copo novamente, com aptidão. Não deixo de
olhar tudo pasma com a atitude e tremendamente preocupada.
Não parece estar bem. É como se alguma coisa o estivesse deixando
louco.
— Vai com calma, abominável, eu não vou beber todo o seu conhaque
caríssimo, não! — Esforço-me em conotar o tom de brincadeira.
Damon não me diz nada e enche novamente o copo, bebendo sem
titubear.
— Abominável? — ele ergue a cabeça para perguntar e eu percebo a
curiosidade brilhando em seus olhos.
A maneira perdida com a qual me fita, aparentando estar bem longe
daqui me deixa em alerta, disposta a cuidar dele se preciso for.
— Quando eu cheguei me tratou tão mal que eu te apelidei de
“abominável homem das neves”. Primeiro, eu te chamei de príncipe, mas
acho que me equivoquei por um momento, porque eu estava morrendo de
vontade de transar com você.
Sua cabeça pende um pouco para baixo e acredito que seja por causa do
álcool.
— Eu quis te beijar assim que abri a porta, então não pense que está
errada. Não há como explicar a atração física. Muito menos repreendê-la. Se
tem uma coisa que eu aprendi há muito tempo, é que transar quando duas
pessoas têm vontade, não faz e nunca fez mal a ninguém. Pelo contrário, nos
faz ficar de bem com a vida.
— Então sinto muito te dizer, meu querido, mas você precisa
urgentemente fazer sexo. — Assumo corajosamente.
Damon ri baixo de uma maneira sensual e toma mais um gole da
bebida.
— É do mesmo sabor que eu me lembro. Incrível — diz.
— Sempre me disseram que o sabor da bebida melhora de acordo com
a companhia. E — Sorvo um gole — essa está excelente, porque você
também é interessante, Damon.
— Para falar a verdade, essa é a primeira vez que eu coloco álcool na
boca em muito tempo, é libertador. E sobre a companhia, admito que a sua
também, não é nada mau.
Contenho a vontade de pressioná-lo. Se eu o fizer, ele vai se calar,
assim como nas demais vezes e eu não posso arriscar.
— Nada mau não é um elogio, acredite em mim.
— Para mim, é.
Claro, para ele. Um homem carrancudo que se isolou do mundo em
uma montanha, disposto a tornar a própria vida um inferno solitário e sem
qualquer calor humano. Hipócrita, isso que sou. O que estou falando dele? Se
ele não estivesse aqui fazendo exatamente isso, eu quem teria me ferrado,
muito inclusive, tendo que sobreviver sozinha em um lugar tão inóspito. Sem
lenha! Sem a maldita lenha! Então, bem, e com o álcool cruzando meus fios
de raciocínio, acredito que eu deva minha vida a ele e essa noção me faz
remexer na cadeira, desconfortável, em partes, porque ela é dura e minha
bunda está doendo pelo tempo em que passei sem me movimentar.
Tomamos mais uma dose. Depois outra. E mais uma. A essa altura já
sorrimos deliberadamente um para o outro, cientes de que ficamos mais
alegres do que deveríamos estar. Porém, por que precisamos permanecer
sóbrios? Estamos no fim do mundo, sendo soterrados por neve, nada mais
justo do que sair do prumo por uma noite.
Minha cabeça começa a girar, no entanto coloco mais um gole do
conhaque no pequeno copo de cristal e não demoro a virar. Minha boca fica
dormente, e minha língua estranha. Acho que não estou conseguindo usá-la
para me comunicar com clareza.
— Faaaaz muito tempo que eu não fico com ninguém, Candy.
— Você zá me disse!
— Depois que Dolorres — ele arrasta o r — morreu, eu não consegui
me envolver com ninguém, porque droga eu a amo tanto, ou amava, não sei,
é tudo tão confuso — Damon começa a chorar e eu levanto da cadeira meio
mole e cambaleante, indo ao seu auxílio, para abraçá-lo e mostrar que hoje
não está sozinho — e a visão dela no carro, volta e volta toda vez. Eu só
queria que as coisas pudesse ser diferentes — ele soluça, chorando
copiosamente — e eu queria poder ser o que a minha família esperra de mim,
voltar a ser eu, mas eu não sou mais eu, está tudo muito bagunçado na minha
vida — ele emenda várias palavras umas às outras, mas minha mente alterada
o entende completamente.
— Sua esposa?
Ele acena exageradamente, espalhando as lágrimas em minha roupa.
Elas estão geladas, assim como seus braços em volta de mim, tentando se
firmarem em algum ponto seguro. Acaricio seus cabelos negros e sedosos,
apertando-o ao encontro do meu peito.
Então é por isso que ele ficava bravo toda vez que eu tentava presumir
o que aconteceu.
Ela morreu.
De maneira trágica, imagino.
Empatia se apossa de mim e me vejo tentando reconfortá-lo.
— Ela era tudo para mim. A gente era feeeliz.
— Imagino que sim — falo verdadeiramente, presumindo que ele
deveria ser um marido muito diferente do homem que é hoje.
— Eu jurei nunca mais beber depois daquele dia, mas eu acho que em
cherto momento eu cansei. — Ele se desprende de mim, com os olhos
tremulantes e aponta o dedo na minha direção, quase o enfiando dentro da
minha boca. — Cansei de guardar só para mim e soube que se eu bebesse
poderia contar a outra pessoa.
Agora entendo. O conhaque guardado, a sua clara falta de resistência à
bebida, enquanto eu sinto-me cada vez mais sã, ouvindo as suas lamúrias e
tentando confortar cada uma delas. Deveria ter bebido mais, prontamente
penso, para ouvi-lo e depois não guardar na memória a sua admissão.
Fito a garrafa de conhaque e lamento que ela esteja vazia.
— Vai ficar tudo bem — sussurro palavras de conforto.
Elas de nada adiantam.
— Não, não vai, porque ela não está aqui. Ela nunca mais estará aqui. E
meu filho ou filha também não.
Agora temos um filho na equação?
Ele morreu também?
Minha mente se embola em dúvidas e vejo-me perguntando:
— Filho ou filha?
— Ela estava gráaaavida, de trrês meses.
Puta merda.
Só... puta merda!
Busco palavras para tentar ajudá-lo, porém admito que elas parecem
não querer vir diante do que ouvi.
Paro de julgá-lo, de odiá-lo, de me sentir mal por ele me tratar de
maneira tão rude. Damon é forte, corajoso, e sofreu uma rasteira imensa da
vida.
Não consigo sequer imaginar como eu ficaria em seu lugar.
— Eu não sei se você quer ouvir isso, ou se eu posso ser sincera. Mas,
infelizmente aconteceu e só quem se machuca com essa dor sabe o quanto ela
fere, porém, se ficar revivendo todo dia a mesma coisa, você vai se destruir.
— Eu queria esquecer aquele dia, eu só queria que ele nunca tivesse
existido e que eu não tivesse deixado o maldito celular em casa — e volta a
chorar tão intensamente, se agarrando a minha cintura com tanta violência
que eu sinto toda a sua dor como se ela fosse minha. Meu peito passa a pesar
uma tonelada e meus olhos se enchem de água ao vivenciar o seu tormento.
Pelo que esse homem tem passado durante todos esses anos?
Acredito que o maior inimigo da sua vida seja a sua própria
consciência, que o força a acreditar que tudo aconteceu por sua única e
exclusiva culpa.
— Não foi sua culpa — não sei ao certo o que aconteceu, mas acho que
é isso que ele precisa ouvir por ora — não foi.
Passo meus dedos gentilmente em seu cabelo e quando ele não dá
resposta por um tempo longo demais, checo seu rosto e percebo que ele está
dormindo, sentado, apoiado em mim, totalmente apagado. Até sua respiração
se tornou mais pesada do que o normal e, eu consigo escutar claramente o
som passando por entre seus lábios toda vez que ele expira.
Snow, que até então ficou quieto, vendo os humanos irresponsáveis se
embebedarem, me olha, como se dissesse que eu sou forte o bastante para
carregar seu dono até a cama.
Não custa tentar.
Puxo o brutamontes para fora da cadeira e ele começa a despencar
assim que perde a sustentação do meu tronco. Esforço-me, trincando os
dentes, buscando forças, só Deus sabe de onde, para tentar fazê-lo ficar em
pé. Damon murmura algumas coisas, que me ama, que sente minha falta, mas
eu sei que não é de mim que ele está falando, mas de uma outra mulher, que
ele perdeu sem qualquer chance de ter de volta. Invoco toda a minha calma
de espírito para não o abandonar ali, e deixar que ele lide com sua dor de
cabeça amanhã, porém, fui eu quem o convenceu a beber para esquecer os
problemas, logo, a culpa de essa merda estar acontecendo é minha.
Finalmente consigo alçá-lo, sendo que a cada passo que dou, tombo
para um dos lados, com o peso do homem alto que tento apoiar. Ele desperta,
mais ou menos, embriagado, e não sei se entende o que está fazendo, mas por
sorte ele me ajuda... um pouco. Todo o restante ele apenas atrapalha. Um dos
seus pés fica à frente do meu e eu piso nele, tropeçando logo em seguida e
caindo como uma idiota, levando-o junto comigo. Assisto com uma careta
seu ombro ir de encontro ao chão e pouco depois sua cabeça. Não sei se ele
acordará normal depois do som oco que ela provoca e na verdade, eu terei
sorte se ele acordar.
— Vamos, Damon, precisamos ir para o seu quarto — digo baixo,
recobrando a força para tentar levantá-lo novamente.
E, para minha infelicidade, ele decide que este é o momento perfeito,
não apenas para alçar as pálpebras e me olhar com os olhos petrificados,
como para limpar seu estômago que deve estar tão ruim quanto comida
podre. Não sei como não esperei por isso, mas o fato é que não demora muito
para ele começar a ter pequenas convulsões e logo em seguida o jato meio
verde-amarelado vir direto até meu rosto, peito e troncos, escorrendo
inclusive pelas minhas calças. O odor é insuportável e eu agradeço a Deus
por estar com a boca fechada no momento do impacto, caso contrário, não, eu
não gosto nem de pensar nisso.
Eu tentava o ajudar, agora tento a todo custo controlar a minha vontade
de vomitar, ao me ver toda coberta por vômito e fedendo como um gambá.
Coitados, na verdade acho que eles provavelmente cheirem melhor do que eu
agora. Aposto que sentiriam náuseas se eu me aproximasse.
Seguro nos braços do homem e meus dedos deslizam escorregadios.
Sacudo-os para tentar me livrar mesmo que um pouco da gosma nojenta.
Caminhamos juntos, vacilando, até seu quarto e eu quase não acredito
quando consigo colocá-lo na cama, de qualquer jeito, mas consigo. A sua
roupa está suja e eu retiro a parte de cima, que foi a mais atingida pelo jato
fedorento, fazendo uma careta a cada peça que sai. Mesmo com o odor, acabo
admirando por mais tempo do que seria certo seu tórax despido e arfo ao
contar cada gomo definido de seu abdômen.
Sacudo a cabeça para voltar a ser coerente e empurro os pés que
pendem para fora do colchão, cobrindo-o com diversas cobertas, esperando
que o cheiro forte se dissipe em algum momento. Dou-me por satisfeita ao
assistir seu peito subindo e descendo e os sons de seu ronco embriagado
repercutindo pelo quarto.
Retorno para onde o desastre aconteceu e limpo, cogitando que se ele
acordar durante a madrugada, alterado, pode acabar sofrendo um acidente na
parte escorregadia da gosma. Inalo o cheiro que exala de mim e meu
estômago se contorce. Decido que não seria tão horrível assim pegar roupas
limpas para passar a noite e, colocar as sujas na máquina. Ele deveria me
agradecer por tê-lo ajudado.
Retorno para o quarto, pego as peças masculinas caídas no chão,
vasculho seu armário e me contento com uma blusa de frio que pode muito
bem cobrir até meus joelhos e uma calça cargo larga, com uma corda
ajustável na cintura. Movo-me até a lavandeira, e coloco tanto as dele, quanto
as minhas roupas sujas na máquina.
Além de claro, lavar meu rosto, meus braços e até onde posso da
calamidade que sofri.
Assinalo meu status da situação.
Sem roupa, sem calcinha, fedendo demais.
Visto a blusa e a calça rapidamente, sentindo o frio me massacrar e
volto para o quarto, se estarrecida ou tranquila com a situação ainda não sei.
Acendo a lareira e varro o cômodo com o olhar, procurando por algo
que possa me cobrir, não encontro, acho que todas as cobertas estão com
Damon na cama.
Sequer penso que isso é loucura, mas, me aconchego ao seu lado,
tomando o cuidado de ficar de costas para ele, sem encostar em sua pele.
Compreendo-o melhor depois de tudo o que me disse.
E ao mesmo tempo em que sei o que sinto, ainda estou confusa. Ele
desperta sentimentos ambíguos em mim, e sempre que o vejo tenho a
sensação de que preciso conhecê-lo mais, deixar as coisas se desenvolverem,
contudo, também pressinto que eu vou me machucar, muito. Que ele será
outro homem que quebrará meu coração. E não da maneira que outro fez,
muito pior.
A sonolência causada pelo álcool me atinge em cheio, barrando meus
pensamentos, e não demoro a dormir, embolada, completamente encolhida e
fria por dentro.
“Você me olha e coisas estranhas acontecem comigo, bem no
fundo do meu peito.”

Quando acordo, sinto que estou em uma superfície dura.


Levanto a cabeça apenas para perceber que durante o sono, deitei
contra o peito de Damon e ele passou seu braço ao redor de mim. A posição é
boa demais e fico tentada a continuar dormindo, porém, sei que se ele acordar
e perceber que estamos juntos na cama, pode reagir de forma imprevisível.
Mas, qual o mal em aproveitar só alguns segundos?
Olho pela janela e percebo que ainda está um pouco escuro do lado de
fora, mas é aquela escuridão diurna, que predomina em dias nevados.
Decido levantar e me espreguiço, esperando que meu corpo acorde
assim como minha mente. Ele ainda está meio inconsistente e nada confiável.
Fito Damon, tranquilo em seu sono e não penso no que faço, eu apenas
fico de pé ao lado da cama, contemplando profundamente seus traços duros e
retorcidos pelo sono.
Levo meus dedos delicadamente até a junção das suas sobrancelhas e
tento afastar o vinco que se forma entre elas, de melancolia. Percorro um
caminho de carinho por todo o seu rosto, desde a testa enrugada com o frio,
passando pelas bochechas e parando nos lábios bem desenhados e macios. As
batidas em meu peito transformam-se em uma verdadeira música. Quero
beijá-lo, de verdade, mas carinhosamente, torcendo para que ele receba todos
os sentimentos que entram em conflito dentro de mim. Sinto que o conheço, e
que não consigo seguir em frente sem estar perto dele. A sensação é
avassaladora e me faz tremer da cabeça aos pés.
Damon parece sentir meu toque, comprimindo seu semblante e
alinhando os lábios em uma linha fina. Fico com medo de o acordar e retiro
rapidamente os dedos, afastando-me alguns centímetros da cama, contendo
um grito de susto quando ele se vira para o outro lado.
Foi por pouco.
Passo as mãos nas minhas pernas, nervosa com o que fiz e decido
deixar toda essa coisa de querer beijá-lo para uma outra hora, lembrando de
imediato que ele irá acordar com uma dor de cabeça dos infernos por ter
bebido tão rápido.
Abro a primeira gaveta na sua mesa de cabeceira, procurando por
algum remédio e não encontro, porém quando abro a segunda, uma foto um
pouco antiga chama minha atenção. Nela, Damon — ostenta uma barba de
tamanho considerável, porém bem cuidada e penso que talvez eu nunca o
veja sem ela, assim como tenho a impressão de já ter conhecido alguém
parecido com ele antes, o que só pode ser um delírio de minha parte — está
ao lado de uma mulher um pouco mais baixa do que ele, com os cabelos
pretos descendo em ondas até o ombro. Ambos sorriem abertamente, e
parecem um casal feliz de propaganda. Meu coração já acelerado, passa a
correr uma maratona ao identificar no seu semblante feliz, todas as mudanças
pelas quais passou, tornando-se o homem que eu encontrei. E quando avalio a
mulher — não me orgulho disso, do sentimento de comparação feminina que
emana de mim — sinto que já a vi, que eu tenho uma conexão com ela.
Estranho.
Muito estranho.
Mas, quando viro a foto e vejo onde foi tirada, imagino que tenha
cruzado com ela pela cidade, não é o tipo de rosto do qual alguém se
esqueceria, tamanha a beleza. Uma mensagem em uma caligrafia elegante
atrai toda a minha curiosidade, logo abaixo da data e local.

Porque um homem nunca amará tanto uma mulher como eu te amo.


D & D para sempre, querida.

Uma fisgada de ciúme ameaça me corroer por notar o carinho com o


qual ele escreveu, uma simples mensagem, que carrega tanto amor que me
sinto sufocada, recebendo apenas as suas grosserias e achando que estou
mesmo que um pouco ultrapassando suas barreiras protetoras.
Ingênuo.
É como defino este meu pensamento ao perceber que o verdadeiro
homem, ele foi com ela. Comigo? Não passo de uma estranha que surgiu do
nada e vai para o nada — porque com certeza não o interessa para onde vou e
porque surgi neste lugar tão adverso.
Não entendo o motivo para encontrar-me tão mal ao ler o que ele
escreveu para uma mulher que nem está entre nós, ao mesmo tempo em que
acho linda a sua devoção com a esposa.
Merda!
O
Que
Eu
Estou
Sentindo?
Fecho os olhos, com as lágrimas se represando neles, incapaz de
compreendê-las.
Como posso estar sofrendo por pessoas que não fazem parte da minha
vida?
Uma gota grossa e sentimental despenca do meu rosto, atingindo em
cheio o papel castigado pelo tempo. Noto como ela se espalha rapidamente
pelo rosto retratado de Damon e o deforma completamente. Droga! Se ele
olhar para a foto vai perceber que eu mexi nas suas coisas e ficar furioso. Já
me acha uma total intrometida. Guardo apressadamente a imagem onde a
encontrei, tomando o cuidado de deixá-la da mesma maneira, exceto pela
mancha molhada, claro. Porém, torço para que quando ele note, que já tenha
secado e faça parte das dezenas de pequenas marcas do tempo.
Noto um brilho dourado sutil antes de fechar a gaveta e vejo que é uma
aliança. A mesma que ele usa na foto.
Ele amava Dolores, ama, não sei, demais.
Vislumbro por uma última vez o seu corpo de costas para mim, antes de
sair do quarto para procurar por remédios, sem conseguir lidar com o tumulto
dentro de mim.
Snow está deitado na poltrona do dono e não levanta a cabeça quando
passo, apenas balança o rabo demonstrando felicidade. Abro todas as
portinholas dos armários da cozinha e as gavetas também, até que finalmente
encontro um kit de primeiros socorros, torcendo para que tenha remédio ali.
Solto o ar aliviada quando encontro um perfeito para dor de cabeça. Encho
um copo com água e levo a caixinha do medicamento, até o quarto, não
deixando de notar como Snow está tranquilo, achando a minha presença em
seu lugar algo normal e aceitável.
Adentro no quarto e Damon não se moveu desde que o deixei. Odeio o
que faço, mas a verdade é que dou uma checada na sua bunda, na forma
como a calça se molda às suas nádegas e exalta a dureza delas. Amo bunda
de homem. E controlo a todo custo a vontade de apertar. Porque enfim, não
seria uma boa atitude por nenhum ponto de vista.
Deixo o copo em cima da mesa de cabeceira ao lado do remédio e é
então que sinto o cheiro de vômito podre que exala de mim. Fecho um dos
olhos em uma careta reflexiva. Céus! Eu estou fedendo demais. Como
consegui dormir, cheirando a um monte de lixo?! A sonolência do bêbado
deve ser estudada, porque ela atropela qualquer empecilho em busca do tão
almejado sono pesado.
Prova disso, é que o homem desacordado na cama não faz nada além de
respirar. Controlo aquela vontade diabólica de admirá-lo de novo e decido
que é justo eu tomar um banho em sua casa, não? Afinal, a culpa é dele que
estou fedendo esgoto e, que nem mesmo Snow tenha se aproximado de mim
para me dar bom dia.
Corro os olhos pelo quarto e enxergo a porta do banheiro exatamente na
mesma posição que a do meu e sequer penso corretamente no que estou
fazendo, só preciso livrar meu corpo desse odor insuportável.
Deste modo, sigo na coragem até o banheiro e procuro por toalhas e
escova de dentes limpas. A vozinha irritante na minha mente avisa que eu
estou ultrapassando os limites, mas se estou aqui, por que não ser um pouco
ousada?
Ah, que se foda!
Eu preciso é de um banho para tirar o fedor e escovar os dentes para
mandar o bafo para o inferno, que nem mesma eu aguento! Juro que se o
homem acordasse e viesse falar comigo antes da higiene necessária, ele
capotaria de novo na cama, sendo a culpa desta vez do cheiro tóxico que
exala de mim.
Livro-me da blusa de frio e da calça, ligando um botão que no meu
banheiro não tem. Mal consigo acreditar quando o piso começa a se aquecer e
me pergunto por que a cabana dele tem essas coisas quando a minha mal tem
aquecimento? É injustiça! Mas, então me lembro que ele disse ficar aqui por
um tempo, o que me faz acreditar que durante os dias sozinho, ele deve ter
feito muitas reformas para seu conforto. Abro a torneira de água quente na
banheira e solto um gemido de apreciação assim que coloco minha mão para
testar a temperatura.
Simplesmente perfeita.
PER
FEI
TA!
Quando afundo, derrubando água para fora, desço minhas pálpebras,
apreciando a sensação de limpeza. Claro que Damon não possui os sais de
banho que eu tanto amo, no entanto, seu sabonete, com o cheiro que preenche
meus pulmões sempre que ele está por perto, aquece meu peito. Esfrego-o ao
longo de minha pele, inalando de poucos em poucos segundos o aroma
refrescante. Escovo os dentes e apoio minha cabeça na louça, refletindo sobre
a situação como um todo.
Fico assim por minutos.
Longos e cadentes.
Tempo o bastante para não perceber que já não estou mais sozinha.
A respiração pesada e entrecortada me faz voltar ao lugar em que estou,
apenas para cruzar com o semblante curioso e divertido de Damon. Seus
olhos se transformam em duas fendas hipnóticas e eu sinto a tensão que exala
do seu corpo ao reparar nas “suas” roupas, amontoadas de qualquer jeito no
chão do banheiro. Ele as fita com extrema atenção e nota que estou
totalmente nua não muito longe de onde ele se encontra. Assisto seu pomo de
adão se movimentar, enquanto ele engole em seco.
A água à minha volta está quentíssima, mas meu corpo inteiro cede ao
frio profundo que se esparrama por minhas entranhas e as retorce de desejo.
Damon respira profundamente e vai até a pequena pia para escovar os
dentes. Não sei o que pensar quando ele conota tamanha falta de interesse.
Que homem deixaria uma mulher nua, tomando banho, somente antecipando?
Ele faz a sua higiene sem demonstrar afetação, contudo, quando termina,
apoia as duas mãos na bancada e abaixa a cabeça, lidando com seus conflitos
de maneira silenciosa.
— O que aconteceu ontem? — diz, ainda se escondendo, fitando a pia.
— Você bebeu demais e eu precisei te trazer para o quarto.
— E por que está tomando banho no meu banheiro? E ainda está na
minha casa? — Sério que ele está furioso?
Eu o ajudei e ele ainda me trata assim?
— Vomitou nas minhas roupas e eu estava fedendo. Queria que eu
fizesse o quê? A culpa foi sua, afinal.
Seus olhos finalmente se deparam com os meus e eu me sento ereta na
banheira, desconfortável com a sua ponderação. Sinto minha pele queimar
conforme o olhar avaliativo desce e se prende em meus seios desnudos. E
porcaria. Ele está fitando diretamente a linha fina no meio do meu peito,
como se estivesse compreendendo tudo o que quero esconder. Apresso-me a
passar os braços a frente do corpo, me protegendo dos seus “achismos”.
— Desculpe pelo vômito. E não precisa se cobrir para esconder a
cicatriz. Não tenho a intenção de perguntar como a conseguiu, apenas afirmar
que é linda com ela e se cobrir é desnecessário.
— Não é o que acha.
O azul oceano lança faíscas em minha direção.
— É claro que é.
— Conseguiu se segurar, mesmo ao me ver aqui, sem nada.
— Ah, Candy, não sabe a batalha interna que estou travando para
manter minhas mãos longe de você.
— Deveria tomar banho também, está fedendo.
Um sorriso enfeita seus lábios.
Um sorriso que espalha espasmos ao longo de minha pele.
— Como se você está aí?
Ele fez de propósito? Para receber um convite?
— A banheira é bem grande para mim. Se você vier com jeitinho, pode
caber também. — Lanço uma piscadela.
Damon não responde, não em palavras. Suas mãos viajam até o cós da
calça e ele se livra das camadas de tecido que acobertam a parte de baixo de
seu corpo, uma vez que o tórax já se encontra desnudo.
O calor no banheiro atinge temperaturas altas e excruciantes, assim que
sua cueca fica visível, tão preta quanto seus cabelos.
Não perco a oportunidade de analisar as pernas torneadas e o volume
que se estende desde a base da sua virilha até o cós da peça.
— Tem certeza de que quer minha companhia? — Dá-me o benefício
da dúvida.
Mas, quem em sã consciência seria capaz de dizer não?
Aceno, fracamente.
Ele não demora para descer a única coisa que me impede de vê-lo em
sua glória, com a haste dura, voltada para cima, prometendo coisas que fazem
com que a saliva em minha boca se evapore imediatamente. Não tenho tempo
de formular um pensamento coerente, em questão de segundos ele dá passos
apressados até a banheira e entra no lado contrário ao meu, empurrando meus
pés gentilmente para o lado.
É a primeira vez que estou com um homem, em uma situação tão
sexual e não tenho qualquer coisa a dizer.
— Nada mais justo, já que a banheira é sua.
— Foi o que pensei.
— E gostei do que fez, com o piso, queria que a minha tivesse esse
sistema.
— Trabalhei duro durante três meses inteiros para melhorar as
instalações, evitando que eu sofresse tanto durante o inverno.
— Imaginei justamente isso, quando apertei o botão.
Despencamos em um silêncio aterrador, repleto de incertezas. Eu não
sei o que ele pensa e ele provavelmente não sabe o que eu penso em
contrapartida. Relaxo minha postura e meus pés tocam a lateral da sua coxa.
Antes que eu me pergunte se ele ficou incomodado com o toque, Damon me
deixa em choque ao pegar um de meus pés e o levantar casualmente, para
massagear pontualmente e com atenção. Solto sem querer um gemido alto e
regozijado. Céus! Como esse homem pode ser tão perfeito nessa arte?
— Golpe baixo? — murmura ele, convencido.
Fecho meus olhos e despenco a cabeça para trás.
— Demais.
— Preciso pagar por ter cuidado de mim. Por mais que eu esteja
sentindo alguns pontos doloridos pelo corpo e sofra com uma dor de cabeça
infernal. Também passei a mão em minha testa assim que acordei e me
encolhi com o galo gritante nela. Tenho medo de que me fale o que
aconteceu, acredito que é melhor, para minha própria segurança, não saber. A
ignorância em alguns momentos é uma bênção.
— Você quem está dizendo.
— Candy — a forma com que ele pronuncia meu nome é viciante e
nunca o ouvi soando tão sensual na boca de alguém antes — você decidiu
tomar banho por motivos inocentes ou puramente maliciosos?
Ele se inclina de maneira felina, agitando a água. Seus olhos
semicerrados estão presos nos meus e sua boca rosada parece tão tentadora
como parecia enquanto eu o assistia dormir.
Seu rosto tão próximo me faz prender a respiração.
Damon me come viva, com o vislumbre, e seu corpo recobre o meu,
espalhando uma onda de dominação que provoca ondas inescrupulosas em
minha libido, tão agitadas quanto as bolhas que se formam com a água
turbulenta da banheira.
A tensão sexual é tamanha que eu não consigo formular resposta. Ele
sorri com a minha inabilidade.
— Vamos, meu doce, me diga se você decidiu tomar banho sem
imaginar que eu poderia acordar a qualquer momento e te flagrar totalmente
nua no meu banheiro? Se imaginou que eu perderia a linha e a foderia com a
minha língua de novo, meus dedos e o que mais você quiser. Porque eu sinto
que foi exatamente por esse motivo que você decidiu tomar banho aqui, para
que eu a encontrasse e coisas insanas acontecessem.
Imagino tudo o que ele disse e acabo contraindo minhas pernas, com
Damon atento a cada resposta do meu corpo ao seu estímulo.
Inspiro um momento de coragem.
— Por que eu preciso admitir?
Damon sorri.
— Se não admitir eu não vou fazer nada disso.
Eu pensei que ele poderia me pegar no flagra?
Sim, absolutamente, com toda força, certeza, e desejo que há em mim.
E eu vou admitir?
MAS É CLARO QUE SIM!
— Sim.
— Sim o quê? — insiste ele, correndo o olhar do meu rosto até a parte
parcialmente escondida pela água.
Sei que os bicos intumescidos estão visíveis, assim como minha barriga
e um pouco mais abaixo, coberto por uma pequena porção de espuma, o lugar
onde ele se esbaldou ontem.
— Eu...
— Vamos, querida, me diga o que quer para eu poder te dar.
— Mas, você não — ele me interrompe com um selinho rápido e
inesperado.
— Eu sei o que eu disse e assumo agora todos os riscos. A não ser que
você não queira. Não precisamos transformar o sexo em algo tão carregado
de cobranças. Então, o que acha de perdermos a linha hoje? Eu quero, você
quer, e por mim trato feito.
Como eu não respondo rápido, de acordo com sua espera, Damon passa
o lábio inferior em meu pescoço, diminuindo a distância entre nossos corpos,
deixando claro que está tão afoito quanto eu pelo que pode acontecer entre
nós dois.
— Ahhh — gemo — eu preciso te chupar e que você se ajoelhe e me
chupe de novo, daquele jeito maluco e gostoso — digo em um rompante.
Ele não apresenta espanto com a minha declaração.
— Seu olhar avaliativo não foi coisa da minha imaginação.
— Deixei tão claro?
— Como o céu de Dallas no verão, docinho.
Vários homens já me chamaram de docinho, mas, por que diabos com
ele parece ser diferente? Por qual porcaria de motivo cada gesto dele aparenta
carregar uma dose enorme e colossal de erotismo?
Trejeitos, maneiras, palavras e personalidade totalmente atraentes.
Não passo de massa de modelar em suas mãos e pressinto que vou
acabar entregando meu coração em algum momento para alguém que poderá
quebrá-lo sem qualquer clemência.
— Preciso ser mais misteriosa.
— Não. Não precisa. É perfeita assim. E me deixa curioso para abrir
cada parte que mantém trancada, assim como eu.
— Com sexo?
— Não, o sexo é para nosso próprio bem, para não colocarmos a
cabana em perigo com o fogo e a tensão sexual se não nos fodermos logo.
Eu cederia, mas me lembro de algo importante. Muito importante.
— Mas, eu não tenho proteção aqui e nem pensei em trazer, porque eu
imaginei que não encontraria um homem desgraçado de gostoso para trepar
durante esse tempo.
Minha fala não o desanima como eu imaginei que desanimaria, pelo
contrário. Ele abre um sorriso debochado de quem tem uma carta excelente
na manga e está prestes a conduzir o jogo de sedução.
— Sexo não é apenas penetração. Sexo é aproveitar o corpo do outro
para ter prazer e há tantas formas de eu foder você, Candy — move-se e
sussurra em meu ouvido — que não imagina o quão prazeroso as ameaças
são e vão te saciar mais do que se eu te pegasse contra a porra da parede, no
chão, ou na janela, olhando para a neve caindo. Imagina, querida, quão
especial seria?
Nunca, em toda minha vida, fiquei tão irritada comigo mesma por não
ter pensado em todas as possibilidades. O que custava eu ter colocado ao
menos uma camisinha que fosse em uma de minhas malas? Lembrei-me da
droga dos cremes e do chocolate, mas não de algo tão crucial em um
momento de necessidade?
Eu sou uma péssima quase quarentona.
Uma terrível divorciada, que acaba de tornar o que seria uma foda
magistral, com um homem diferente, em uma situação maravilhosa, em algo
que precisará ser adaptado.
— Odeio como me faz sentir culpada por não ter pensado em tudo, só
ao imaginar meus seios colados contra o vidro gelado enquanto você me pega
com força por trás.
— É essa Candy, que eu quero. A desinibida. Totalmente disposta a
arriscar.
Ele se ajoelha na banheira, à minha frente e desce as mãos pela lateral
do meu corpo, resvalando meus seios e desenhando um caminho de
provocação que me faz arquear as costas, querendo que ele continue com a
tortura por quanto tempo quiser.
É esse o significado da frase venerar um corpo?
Assim que seus dedos retornam, pelo traçado inverso e desenham
minha cicatriz, contenho a vontade de me abraçar feito um escudo. Damon
percebe meu incômodo e ao invés dos dedos, usa a língua e os lábios,
reverenciando minha marca de guerra, como costumo chamar.
— Por que faz isso?
— É parte de você e se eu quero acabar com pudores, essa é uma coisa
importante a se fazer.
E é aí, nesse espaço maluco de tempo, que eu me derreto
inadvertidamente.
— Os homens tendem a fazer uma careta sempre que a veem pela
primeira vez.
— Você deveria parar de sair com idiotas.
Lembro-me de todos os momentos em que saí com algum homem e
eles viram a cicatriz, contendo o asco ou simplesmente se forçando a não
olhar para ela. A hipocrisia da sociedade me fez temer a reação das pessoas,
quando eu deveria entender que elas me avaliam e julgam meu corpo, por se
sentirem problemáticas com os seus próprios. Muita gente prega o amor
próprio e quando uma pessoa se ama, mesmo com suas marcas, é
tremendamente massacrada.
Por sorte eu fui forte o suficiente e engoli cada choro que nasceu em
meu peito e morreu sem vestígios em minha garganta, deixando-me entalada
com palavras não ditas. Porém, sentidas em minha alma.
E noto que Damon realmente tem razão... Eu preciso parar de sair com
idiotas, mas também evitar com toda a força do meu ser, me apaixonar por
ele.
“Quando se aceita que as coisas já estão perdidas, não há
empecilho no mundo capaz de te parar.”

Ela é deslumbrante.
Linda de uma forma única e devastadora.
E outros caras a fizeram se sentir mal por algo que ela deveria ter
orgulho?
Não sou capaz de entender a maioria dos homens, e eu sou um! É
imperdoável que façam mulheres se sentirem assim. Modero os sentimentos
que demonstro. Não quero que ela os entenda erroneamente. E volto a minha
atenção para a sua pele brilhante e irresistível. Deus! Tenho vontade de
lambê-la inteira e mostrar que é mais linda que a lua cheia em uma
madrugada sem qualquer estrela.
Aquele tipo de beleza que transforma todo o restante em mero detalhe.
— Por que está me olhando assim? — pergunta ela.
Não consigo deixar de olhar. Meu coração vê o que os olhos não
querem descobrir.
— Nada.
Decido lançar qualquer ressalva que eu nutria para o alto e aproveitar
um momento, com uma mulher, em muito tempo, com a consciência
tranquila, ciente de que não estou traindo ninguém. Porque eu de fato não
estou.
Meus joelhos protestam, eu os ignoro.
Só consigo pensar no tesouro que é a mulher que está comigo.
Em como desejo tratar, não apenas seu corpo da maneira como ela
merece, mas de forma terna seu coração.
Candy vale ouro.
Tão boa e brilhante quanto.
Corro meus dedos pela sua perna submersa, apreciando a suavidade e
maciez há tanto esquecida por mim, que a simples sensação de tocar em
alguém, por puro tesão me causa calafrios descrentes e ansiosos.
Deslizo ao longo de toda a extensão brilhante.
Suspiro excitado ao vê-la fechar os olhos para apreciar o que eu causo
nela. A espuma se espalha entre nós dois e a cena inteira, olhando através do
reflexo na janela de vidro ao nosso lado, torna as coisas tão magníficas, que
eu suspiro deslumbrado.
É como se queimar com o calor do sol, enquanto do lado de fora o frio
castiga. Um contraste tão bem-vindo que nos transporta para outro mundo,
um no qual só nós existimos e essa lascívia palpável que provoca pequenos
choques todas as vezes em que encostamos um no outro.
Não pode ser apenas fascínio.
Não tem como.
Aproximo-me dela, avançando aos poucos, queimando a distância até
que nossos lábios se chocam. Não é brutal, muito menos selvagem. O começo
de tudo é sensível e com gosto de desafios. Estamos cedendo. Ambos. Ela,
por me mostrar o que considera a pior parte de si e eu por diversos motivos
que não quero citar. Assim que sinto seu gosto de novo, gemo de prazer.
Esmago a cintura delgada que se molda aos meus dedos.
Candy arqueia o corpo ao encontro do meu e sinto a parte baixa, no
meio de suas pernas, se encaixar com meu pau duro como metal, conforme
nos esfregamos em um beijo que não quero que termine.
O mero resvalar me faz revirar os olhos.
Faz tanto, mas, tanto tempo, que eu perco a coerência e começo a
apertá-la cada vez mais, mordendo a pele delicada e lisa de seu pescoço,
descendo em uma velocidade frenética para prender os bicos intumescidos
entre meus dentes e sugar como se minha vida dependesse disso.
A mulher debaixo de mim, se contorce e eu rosno como um animal
orgulhoso.
Escuto o som da água se movimentando e caindo como uma cascata
para fora da banheira.
Ligo o foda-se para isso.
Só quero possuir Candy, em cada canto da maldita cabana, com
voracidade e uma necessidade, até então desconhecida.
Movo-me de um mamilo a outro, saboreando seu gosto afrodisíaco.
Sinto como se eu fosse explodir, com o sangue sendo bombeado todo para a
parte baixa do meu corpo.
— Você é linda, Candy.
Ela abre um sorriso lânguido, de quem acredita estar vivendo um
sonho.
Mas, sou eu que estou realizando todas as minhas fantasias.
De repente, a ideia de ficar sozinho, sem ela, me soa desesperadora.
Assim como a noção de que não podemos finalizar o sexo, em um encaixe
perfeito, me deixa querendo descer a montanha escorregando em uma
prancha, só para ver se consigo encontrar alguma proteção para finalmente
nos unirmos completamente.
Conforme nos movimentamos, em uma bagunça de membros, sinto
tudo ao meu redor desaparecer.
Seus dedos percorrem meu peito, parando em cada reentrância,
memorizando a dureza de anos trabalhando como um verdadeiro homem das
montanhas. Firmo-me nas bordas da banheira para que ela consiga continuar
sua exploração e crispo os lábios assim que Candy começa a descer, em uma
ameaça velada de volúpia, forçando-me a travar a mandíbula, engolindo um
silvo de prazer ao mínimo contato de seus dedos ao longo da minha dureza.
Já não sou mais capaz de me lembrar de nada. NADA. Absolutamente
nada importa tanto, quanto ela me levar à loucura.
— Você é gostoso demais. Do tipo de fazer qualquer mulher
enlouquecer.
Solto um riso baixo.
— Enlouquecer você é o suficiente para mim. E sabe no que estou
pensando?
Ela sobe e desce os dedos, instigando-me a fechar os olhos, incapaz de
dizer qualquer coisa. Se Candy me pedisse algo impossível, eu
provavelmente concordaria em um aceno de cabeça, com a sua manipulação
sexual poderosa e latente.
Porém, apenas profere um pedido silencioso para que eu me levante.
Assim que o faço, ela contempla meu corpo inteiro, apreciando o que vê,
parando por minutos excruciantes no meu pau, à frente do seu rosto.
— Que eu estou em dívida com você, delícia, — interrompe-me sem
rodeios — por isso, fica parado — seu comando é imperioso e obedeço
prontamente, empertigando o corpo, ficando à sua disposição.
Sei o que significa e meu membro está babando, esperando que a boca
feminina se feche ao longo de sua extensão e suba deslizando desde a base
até a glande. Solto um assovio entredentes, com a visão que minha
imaginação desenrola à frente dos meus olhos antes mesmo que a realidade
aconteça.
Candy ajoelha-se na banheira, expondo aqueles seios fantásticos e me
olha, como se estivesse prestes a me mostrar como é se jogar em um vulcão
em erupção.
— Não precisa fazer se não quiser.
Sua única resposta é passar a língua pelos lábios.
— Não faço nada que não quero e estou ansiosa para provar o gosto do
seu pau.
A safadeza explícita em seu semblante, somada às suas palavras
afogadas em luxúria são o bastante para que eu tensione meus músculos,
esperando e torcendo para não gozar rápido demais, devido aos tantos anos
que passei sem ter contato mais íntimo com uma mulher. Não quero que
acabe rápido, mas também não sei se tenho controle sobre alguma coisa
assim que ela fecha os lábios em torno da minha extensão.
Só o que consigo pensar é...
CARALHO!
Não sou capaz de enxergar mais nada, cego pelas luzes de um prazer
absurdo e esquecido.
Levo minha mão à sua nuca e acompanho os movimentos da sua
cabeça, tentando pensar nas coisas mais idiotas possíveis, para esquecer o que
está acontecendo.
Se eu tinha qualquer esperança de aguentar mais do que poucos
minutos, essa esperança se esvai logo que sua língua circula a base e segue
contornando as veias.
Ela me degusta como o doce mais saboroso do mundo.
Minha língua se enrola no céu da boca, e meus olhos reviram.
Só quero que ela continue me castigando porque fui um mau menino e
estou louco para que me mostre qual punição mereço por isso.
A minha força de vontade torna-se inútil ao sentir seus lábios
massacrando minhas bolas, enquanto ela continua me masturbando com os
dedos longos e finos, dando-me demais no que pensar, simplesmente dois
lugares sendo prontamente castigados. Mordo o lábio inferior com força e
escuto a sua voz rouca e desejosa flutuando a minha volta.
— Vai gozar na minha boca, Damon? Estou doida para saber que gosto
sua porra tem.
— Porra! Sim!
Candy volta a prender os lábios ao longo do meu pau, deslizando seus
dentes com cuidado, estimulando o tesão. O membro rígido se expande, em
uma dureza absurda e não demora para que eu sinta meu corpo inteiro vibrar
com um orgasmo de derreter o gelo à nossa volta e transformar todo o
restante em pó.
Gozo na boca de Candy, rosnando um som gutural e primitivo. Uma
mistura do seu nome, implorando para que tenha piedade e pare de me lançar
para o inferno com tanta veemência.
Sua boca é o paraíso.
Simplesmente o paraíso.
Olho para baixo a tempo de vê-la passando o dedo no queixo, limpando
meu gozo, após engolir tudo, saboreando e punindo minha libido, que ainda
está alta, elevada em seu ápice, com os espasmos que destroem minhas
terminações em uma miríade de prazeres indescritíveis.
Ajoelho-me.
Mas, vejo-me jogado aos seus pés.
Com as pernas trêmulas demais para me manter de pé diante do
vendaval que é essa mulher.
Candy me olha vitoriosa, como se tivesse realizado todos os seus
desejos obscuros e mais nada importasse. Porém, não sou um homem dado a
receber sem me importar em fazê-la delirar. Por isso, sento-me na banheira e
a fito por demorados segundos, absorvendo a urgência com a qual quero
afogar minha língua em sua boceta e massacrá-la com meus dedos, para que
ela atinja o mesmo lugar que eu atingi com a sua língua habilidosa e boca
voluptuosa.

— Venha, Candy, sente-se em minha boca. — Inclino o corpo para trás


e apoio a cabeça em uma das extremidades.
Um brilho perverso passa por seus olhos negros como a escuridão.
Deixo meus antebraços descansarem na louça e a assisto se aproximar,
sorrateira como uma gata, tão linda e inesquecível quanto a Aurora Boreal.
Assim que tenho seus grandes lábios tão próximos, enlouqueço e não
demoro a chupar, sugando afoito e sentindo o tesão se avolumar potente no
meio das minhas pernas. Candy desce e sobe em minha boca, enquanto eu a
penetro com a minha língua, apoiando a lateral das suas coxas a cada
arremetida. Não demora para que ela esteja gritando e gemendo
descontrolada, sentando fora de si, afoita para encontrar seu próprio orgasmo
ao passo que eu o transformo em algo agressivamente prazeroso e
incontrolável.
Controlo seu movimento com apenas um braço para poder arremeter
um dedo em seu interior e chupá-la enquanto ela cavalga em minha boca.
Sugo seu clitóris, e a penetro com meus dedos, ouvindo suas lamúrias
de prazer.
Não entendo o porquê quero tanto fazê-la se sentir especial.
E compreendo menos ainda as sensações que ameaçam me engolfar em
um mar que eu mesmo criei. Em meio à profundeza, eu começo a encontrar
uma espécie de salvação.
Incompreensível.
Lançando-me diretamente no olho do furacão.
Mas, por que sinto que ela me cura aos poucos na mesma frequência
em que desperta meus pensamentos mais atormentados?
Minha mente fica bagunçada.
Como se eu estivesse prestes a explodir.
Meus dedos parecem adquirir vida própria e a força das suas pernas não
é páreo para a minha língua e a sensação de me ter em uma posição tão
sensual. Estou dando a ela o poder de comandar o sexo, fazendo o que quiser,
sentando da maneira como deseja e precisa. Provoco-a com os dentes e
assopro a área inchada e excitada. Candy suspira e inclina o corpo, com o
orgasmo se construindo impetuoso em seu baixo ventre.
Acompanho seu semblante tornando-se extasiado, suas pálpebras
descendo e os peitos se movimentando pesarosos, com os mamilos
empinados, enquanto um arrepio de tesão eriça todos os seus pelos.
Percebo que há certo poder em se entregar sem receios para uma
pessoa. Você dá margem a ela de te ferir e ao mesmo tempo te proporcionar
um dos melhores momentos da sua vida. Há certa dose de confiança e,
também loucura implícita nisto. Assim como é preciso dosar e estar ciente do
que quer, para não tornar uma experiência magnífica em algo catastrófico.
— Eu vou gozar! — grita Candy.
Aumento a constância das investidas.
— Bem na minha língua, querida — peço e é isso o que faltava para
que ela travasse sobre as pernas e girasse a cabeça de um lado a outro,
conforme as ondas destruidoras a estragam para qualquer outra pessoa.
Sei bem como é se sentir assim.
Incapaz de formular alguma coisa, sendo devorado por todas as
sensações que varrem seu corpo, deixando única e exclusivamente a ruína em
seu lugar, tal como um tornado envolto por paixão.
Sinto o sabor doce da sua excitação abrir caminho por minha língua, e
continuo devorando o que ela está disposta a me dar. Ao passo que percebo a
sua capacidade de se firmar na posição, levo uma de minhas mãos ao meu
pau, e começo a masturbação, ainda com a visão dela sentada em minha cara,
gozando e gritando como louca, enquanto eu a faço delirar.
Candy poderia se chamar Alice porque sem dúvida acabou de conhecer
o país das maravilhas.
Meus dedos batem contra minha pélvis e volto a punir seu clitóris,
fustigado pelo último orgasmo. Ela se remexe, pega de surpresa, sem esperar
que eu voltasse a chupá-la mesmo depois que inundou minha boca com o
gozo.
— Damon, eu não aguento mais... — diz ela, em um lamento carregado
de tesão e cansaço.
— Quer que eu pare?
— Não, claro que não! Continua, só... continua!
Ela grita com a simples ideia da minha boca ficar longe da sua boceta e
eu sorrio audacioso.
— Consegue gozar de novo?
— Céus! Você não é normal! E — Para de falar assim que eu volto
para a minha tarefa, arrancando suspiros e palavras entrecortadas de seus
lábios.
— Não me respondeu. Enquanto não me responder eu vou te atacar
com força total e meu doce, não vou parar até que desabe e não consiga
distinguir em qual dia estamos ou sua própria idade.
— Acho que estou sensível.
— Bom ou ruim?
Passo mais uma vez a língua para assoprar logo em seguida. Candy
demora segundos para responder, momentos estes em que me parabenizo por
tornar a foda incrível para ela, mesmo que não tenha havido pau estocado até
as bolas em suas dobras macias, e o gradil da cama batendo ferozmente
contra a parede.
Essa imagem que se forma em minha mente faz com que eu volte a
chupá-la com atrocidade, focando na porra da punheta e viajando em uma
possibilidade que soa como o céu para o meu tesão.
— MARAVILHOSO! CARALHO! MARAVILHOSO! — ela começa
a gritar e eu sei que está prestes a gozar de novo assim como eu estou prestes
a encher a água da banheira com porra.
Quente.
Desejosa.
Muita porra.
— Vamos querida, goze de novo cavalgando em minha boca, sim?
Preciso gozar também.
Ela olha para o trabalho excelente que estou fazendo com as mãos e
isso a deixa extremamente animada para continuar me fodendo.
No embalo frenético, não apenas de nossos corpos, mas também das
batidas aceleradas dos nossos corações e das respirações totalmente
descompassadas, ambos gozamos ao mesmo tempo, nos libertando da
necessidade acumulada e criando uma maior, mais assustadora, com a
constante vontade de se afogar no corpo um do outro sempre que possível.
Porque agora é oficial.
Nós deixamos que as coisas rolassem e não vamos mais conseguir
parar.
Esse envolvimento pode nos machucar, mas não estamos nem aí. —
Foi inexplicável — é o que Candy diz.
— Inesquecível — concordo.
— Não querendo te pressionar, mas já que ultrapassamos a linha,
podemos aproveitar essa coisa de sexo sem você sabe... — ela não completa a
sentença e eu entendo, totalmente — já que, meu Deus, foi melhor do que
tudo que já experimentei.
Morde o lábio inferior, esperando pela minha resposta.
Sou horrível por gostar de causar essa sensação de “querer repetir” que
ela tanto exalta?
— Durante quanto tempo quiser.
Percebo com a minha resposta o problema no qual embarcamos.
Porque droga, eu também não tenho nenhum controle sobre as minhas
vontades neste momento e assistir seu rosto suado, e totalmente satisfeito,
empurra a chance de me distanciar depois de apenas “provar” para muito,
muito longe. Não gosto nem de imaginar como será a minha desgraça depois
que eu a foder com toda a força, de quatro, de frente, de pé, de costas contra a
parede, sentada, e de todas as maneiras mais insanas as quais ela nunca teve o
prazer de se satisfazer.
E o pior é compreender que:
Assim como eu, ela quer mais.
Muito mais.
“Fui enganada, é só mais um idiota como centenas mais.”

Aliso a camada de pelos ralos que recobre seu peito definido, com um
sorriso esticando meus lábios. Nunca imaginei que mesmo que não houvesse
penetração seria possível uma conexão tão intensa como a que sinto quando
estou com Damon. Indagações curiosas percorrem meus pensamentos e eu
evito suas respostas.
Não preciso de definições.
Apenas de sentimentos.
Ficamos um tempo juntos, cobertos e aquecidos. Há uma certa carga de
erotismo no ato de simplesmente ficar lado a lado, com as mãos unidas,
enquanto o silêncio confortável flutua ao redor, calmo e tranquilizante.
— Acha que se eu não tivesse vindo parar justo aqui, nós teríamos nos
encontrado e as coisas seriam diferentes?
Seus dedos sobem e descem, acalentadores em minhas costas.
— Quem pode dizer? Mas, acredito que não. Quase não saio daqui. Só
vou para Dallas quando há algum evento da família que julgo importante
demais para perder.
— Uma pena.
— Não para mim.
— E por qual motivo os exclui da sua dor?
Calo-me depressa ao perceber que dei um indicativo de que eu não
estava bêbada enquanto ele abria seu coração. Droga. Às vezes é melhor ficar
quieta.
— Sei que não estava bêbada. Lembrei-me de alguns flashes e do meu
tórrido desabafo. Eu precisava disso na verdade, e respondendo à sua
pergunta, nós nos importamos muito uns com os outros e não quero deixá-los
mal por não conseguir olhar para frente e enxergar um futuro feliz. Não
merecem carregar minhas dores junto comigo.
Ele não entende que não é questão de merecer, mas sim do que pessoas
que se amam, fazem.
— Nunca ouvi tanta baboseira na vida! — debocho — E se for como
diz, se eles te amam tanto assim, o que você falou não passa de desculpas
para não enfrentar as suas lembranças.
Damon se remexe desconfortável na cama para se sentar logo em
seguida, com as costas largas e definidas voltadas para mim. Seu corpo
inteiro fica tenso, e a longa pausa antes que responda, me faz estremecer.
Assunto mais do que delicado, percebo.
— Não pense que porque ouviu o que me aconteceu que entende a
minha dor. Ninguém entende. Eu deveria ter percebido desde o começo que
você estar aqui não seria bom para nada. Mas, lógico que tentaria reverter o
não em um sim, certo Candy? Você tem esse tipo de personalidade.
O.k.
Agora há uma muralha de gelo nos separando.
E não faço ideia de como transpô-la.
Só não entendo por que ele reluta em perceber que conversar e discutir
sobre algo que tanto o atormenta é um processo normal e necessário para a
superação. Não que algo assim se supere, mas que passe a doer menos.
— Ei, não comece a agir como um imbecil só porque eu toquei na sua
ferida.
— Fala como se soubesse de alguma coisa.
— Não é o único com uma história deprimente.
— Posso não ser, mas, eu não fico me intrometendo nos seus
problemas, achando que tenho todas as soluções para eles. Isso nos coloca em
um ponto bem diferente aqui e eu só pedi por silêncio e compreensão quando,
você entendeu que eu estava pedindo por ajuda. Não quero ajuda, Candy,
nem sua, nem de ninguém — brada a última parte, em um acesso de raiva que
me deixa pasma — e não pense que porque fizemos o que fizemos, isso a
torna alguém importante.
Ele consegue ser cruel quando quer.
Porque o ar escapa de meus pulmões e a sensação que tenho é de que
jamais irei recuperar essa respiração perdida, fruto de uma mágoa que acaba
de se formar.
— É um imbecil. E me falou tanto para parar de sair com idiotas,
quando bastou que as coisas não acontecessem como esperava para que se
tornasse um! — Lanço a verdade na sua direção.
A minha verdade.
Porque todos sabem que na realidade, há várias delas de acordo com o
ponto de vista de quem opinar.
Damon se vira e seu olhar encontra o meu de maneira abrasadora,
prendendo-me em todas as suas nuances.
— Não seria a primeira vez que se engana, aposto. — Sua boca se
contrai em um sorriso presunçoso e com a clara intenção de me ferir.
Emocionalmente.
Bem naquela parte que eu luto constantemente para superar.
Ele fez de propósito. Ele usa o meu casamento fracassado, minha
história estúpida, com outro homem, para machucar. Quase nem acredito no
que escuto e ainda tenho o impulso idiota de perguntar novamente, só para
escutar uma segunda vez. Devo ter problemas sérios.
— O que disse? — faço questão de aparentar descrença.
Foi horrível da sua parte.
— O que ouviu. Que não seria a primeira vez que se engana. E se está
se perguntando se eu quis dizer o que falei, saiba que foi exatamente isto.
Levanto depressa da cama e começo a me vestir, — Graças a Deus
minhas roupas ficaram limpas. — Irritada por ele ser tão filho da puta a ponto
de usar minha fraqueza contra mim dessa forma. Eu jamais faria o mesmo e
descubro, depois de me envolver mais do que gostaria, que esse homem não é
melhor do que a maioria, um monte de escória que não serve para nada.
— Como pode ser tão cruel? Você é horrível. De verdade. E merece
cada grama de solidão que tem aqui.
— Não sabe de nada! — Ele se exalta e levanta-se da cama também,
fitando-me com labaredas de cólera abandonando seus olhos.
— Claro que não sei. Ainda estou tentando entender como fui cair na
sua maldita lábia de pobre coitado. Homens e suas artimanhas. — Exaspero,
sem dar tempo para ele dizer mais nada, abandonando o quarto sem olhar
para trás.
Meus passos soam pesados pelo corredor e Snow fica curioso para
saber o motivo da minha raiva. Aproxima-se de mim abanando o rabo, mas
não dou muita atenção para ele. Infelizmente eu estou irada com o seu dono,
de uma maneira que será impossível sequer cogitar conversar com ele, nem
mesmo que a porcaria da minha lenha acabe e eu corra o risco de morrer
congelada durante os próximos dias.
O orgulho é mais importante. Claro que sim. Quem ele pensa que é
para explodir dessa forma, por eu tentar ajudar, e nem sequer se arrepender?
Pergunto-me a essa altura quem era o homem ao lado da mulher na foto
e como ele pôde escrever uma mensagem tão linda para ela, se esse, que se
apresenta diante de mim não passa de um ogro estúpido e sem qualquer
educação. Mas, a culpa é minha, claro que é. Por querer manter uma
conversação com um homem que desaprendeu a conviver em sociedade há
muito tempo.
— Se eu soubesse que era só tocar nesse assunto que você iria embora,
teria feito isso antes! — grita ele, enquanto eu escuto seus passos ecoarem
atrás dos meus, não muito distantes.
— Vai se foder, seu infeliz! — rebato sua fala.
Como o que sinto por alguém pode mudar em tão pouco tempo? É, essa
é uma boa pergunta, dada a repercussão dos acontecimentos.
— Agora você acha bacana ficar me ofendendo, na minha casa?
Pego meu casaco, tentando fechar o zíper que escolheu justamente esta
hora para emperrar. Empurro com força, enraivecida por ele ter parado no
meio do caminho e sem dar qualquer sinal de que me ajudará.
Poxa, zíper, ajuda aí!
Estou no meio de uma discussão e não posso perder por causa de uma
coisa tão idiota. Decido que se ele não subir na última tentativa, então vou
arriscar sair em meio a neve com metade do casaco aberto e que uma
entidade divina me ajude a completar o trajeto. Contenho o suspiro de alívio
quando escuto o som agradável do objeto subindo em disparada até o topo do
meu pescoço. Coloco o protetor de ouvidos e prendo a touca em minha
cabeça.
Por que não posso ser mais rápida?
Assim que toco a maçaneta da porta, sinto uma presença atrás de mim e
a respiração forte e descompassada que vem com ela.
Não tardo a girar e sair em meio a neve, incapaz de sequer ver Damon
novamente sem sentir uma vontade imensa e claustrofóbica de dar um soco
na sua cara. Arrogante e linda, para minha tristeza.
A cada passo que eu afundo, sinto o frio congelante que vem com ele.
A nevasca já passou e resta apenas uma manhã, até que bonita, com o sol
parcialmente coberto e a brisa fria com sussurros ininteligíveis. Demoro
demais até conseguir chegar no alpendre da minha cabana e controlo a
vontade excruciante que ameaça me tragar de olhar para trás e conferir se
Damon estava acompanhando toda a minha labuta. Porém, abro a porta e
entro sem pestanejar, ciente que é o certo a ser feito.
Eu não tenho culpa se ele não sabe lidar com uma simples conversa
sem surtar.
Contemplo minha cabana, sentindo que falta alguma coisa nela. E sei o
que é, mas não dou meu braço a torcer, movendo-me depressa para acender a
lareira e tratando de tirar o casaco quando sinto que o ambiente já está
consideravelmente quente. Ao enfim, sentar-me no sofá e admirar a paisagem
ao longe, sinto meu coração vazio e estritamente apertado. Não sei o que
fazer, para mim estava mais do que suficiente ficar conversando com Damon,
sem pressa, só aproveitando nossos momentos.
Acredito que depois que foquei na Allgerie, a empresa especializada
em lingerie para todos os tipos de mulheres, junto com Trust, não tive sequer
um minuto de sossego para me aproveitar, como tive durante esses dias e por
mais que eles pareçam solitários, a verdade é que ele meio que mudou essa
minha ideia.
Olho de relance pela janela lateral, enxergando uma figura distinta
espionando-me em retorno. Sabia que ele assim como eu não conseguiria se
conter. Por isso, quando vejo a sua porta se abrir, absorvo o frio no estômago
com uma inspiração profunda. Damon dá alguns passos na neve e depois
retorna. Faz isso uma sequência de vezes, indo e voltando, perdido em suas
próprias decisões. Sei o que está acontecendo com ele e pouco me importo.
Ninguém mandou ele ser tão imbecil comigo, agora que fique se corroendo
de arrependimento.
Em um último momento ele avança mais passos e chega à metade do
caminho. Não consigo enxergar seu rosto, mas aposto que ele está deformado
em dúvidas. Decide retornar para seu lar e não surge desde então em meu
campo de visão.
Já faz duas horas que isso aconteceu, não que eu esteja contando, claro.
Decido colocar Etta James para tocar e passo a hora seguinte ouvindo a
mulher cantar e espalhar calma em minha alma. As letras de suas músicas
tocam o meu coração e compreendo que Damon está assim, se sentindo como
um animal acuado, por não conseguir entender o que está sentindo e, não que
eu vá perdoar as suas grosserias por saber o que ocorre, apenas acho que ele
não deve lidar com as coisas desta maneira.
Ele acha que não precisa de ninguém?
A verdade é que todos precisamos de alguém.
Fico remoendo o que penso dele, furiosa comigo mesma por não ter
lembrado de tudo para jogar na sua cara enquanto discutíamos. No momento
da discussão em si, eu só me irritei e falei qualquer coisa que me veio à
mente, necessitando sair de lá o mais rápido possível.
E sabe o que me deixa mais irada?
Por que ele tem que ser tão bom com a língua e tão ruim com ela ao
mesmo tempo? Soa impossível e totalmente sem sentido o que eu digo, mas
deixe-me explicar:
O cara é tremendamente bom em usá-la para chupar coisas.
E ruim demais no que diz respeito às conversas.
Demônio.
Com uma capacidade assustadora em me seduzir, mas ainda assim um
demônio.

Depois do que aconteceu, a vontade de ir até lá e conversar com ele, vai


e volta em minha mente. No entanto já se passaram dias demais nessa
maluquice de ignorar um ao outro. Ele sequer veio até minha cabana, no
entanto, quando eu olho pela janela e esbarro no interruptor da luz externa
sem querer, assusto-me ao reparar que ela se acende. É noite e eu me
pergunto como pode ter se consertado “sozinha”. Logo que cheguei tentei
com afinco acendê-la. E ao olhar para o alto, onde ela se encontra, desisti de
trocar a lâmpada. A não ser que... ele trocou para mim?
É um gesto tão pequeno que deveria ser insignificante, mas não é.
Arrasto a cortina para o lado a tempo de ver a dele balançando
tempestuosa como se estivesse olhando também.
Com certeza foi isso!
Ele trocou a lâmpada depois de eu reclamar que fica escuro demais
durante a noite.
Agora, mais do que nunca, preciso ficar quieta, e esperar que ele venha
conversar. Não posso dar meu braço a torcer.
Se eu passei pelos outros dias, o que serão mais alguns na minha lista?
No primeiro dia eu tive vontade de mandar mensagens xingando-o de
todos as coisas ruins possíveis através de Código Morse.
O que, aliás, eu preciso agradecer meu pai por ter me ensinado. Ele
gostava de estudar sobre o papel do não confirmado Exército Fantasma dos
USA em combater o Nazismo na Segunda Guerra Mundial. Estima-se que
eles salvaram milhares de vidas, sem que o exército alemão tenha confirmado
a sua existência, munidos de diversos elementos de artilharia infláveis para
despistar as tropas alemãs. Foi um grande trabalho de inteligência, na
verdade, e como papai me explicou, a forma mais conhecida de comunicação
nessa época era o Código Morse. A suposta tropa americana conseguia enviar
mensagens semelhantes às dos alemães, para enganá-los. Durante minha
adolescência, essa foi a maneira de Makai Sinclair se conectar comigo depois
do falecimento de mamãe, ensinando uma linguagem de comunicação que
raramente é usada e, explicando fatos históricos que eu nunca aprenderia por
minha própria conta.
Retomando os fatos sobre os dias em que eu tentei inutilmente não
pensar em Damon:
No segundo, eu peguei um romance de banca para ler e o li em poucas
horas. Seguindo então esse fluxo, lendo três seguidos, sem me lembrar do
abominável.
No terceiro, fiz a mesma coisa.
No quarto, também.
No quinto, eu não fiz nada, apenas tomei chá e olhei a paisagem exótica
à minha frente. Vi um lobo também, mas não me atrevi a sair, eu aprendi a
minha lição.
No sexto, li um dos livros que peguei da sua biblioteca improvisada.
No sétimo, passei a contar a quantidade de troncos de madeira usada
para sustentar o telhado da cabana.
No oitavo, comecei a dormir na sala para economizar lenha, o que eu
deveria ter feito desde o princípio e me deixou sentindo uma burra das
maiores.
No nono, eu já estava me perguntando para que servia a minha
televisão em casa, se eu nunca a liguei e aqui ela também não me fez falta.
No décimo dia de isolamento, sem contato algum com Damon, eu
quebrei a minha promessa e saí da cabana, contornando a construção vizinha
à minha para olhar pela sua janela e observar o que ele estava fazendo. Por
sorte, o homem dormia, com um livro sobre seu colo. Snow me viu, porém,
graças a Deus não me dedurou.
No décimo primeiro, eu o vi caminhar até minha porta. Seu olhar
cruzou com o meu e ele percebeu a raiva implícita em minha face. Retornou
para sua cabana pouco tempo depois.
No décimo segundo; esse meu demônio pessoal tentou me contatar
através de Código Morse. Sinceramente? Não me dei ao trabalho de anotar o
que ele estava tentando dizer, minha raiva ainda não tinha passado.
No décimo terceiro, quando anoiteceu, tomei um susto ao ver duas
cortinas de luzes iluminando o caminho da sua cabana até a minha. Tirei uma
foto com meu celular, para poder guardar para sempre e olhar quando eu
retornasse a Dallas. Damon surgiu na porta da sua cabana e me viu na janela,
contemplando seu trabalho. Não sei qual foi o seu intuito, mas admito com
um pouquinho de peso na consciência que esse foi o começo da minha
derrocada.
No décimo quarto, ele bateu na minha porta e quando a abri, enxerguei-
o correndo, ao passo que havia um embrulho em minha soleira. Quando o
levei até a cozinha, meu estômago protestou ao sentir o cheiro da sopa.
Tomei tudo, não minto. O homem é um excelente cozinheiro.
No décimo quinto, ao abrir a porta, decidida a falar com ele e jogá-lo
contra a parede para que admitisse ter sido rude comigo por motivos injustos,
encontro vários pedaços de lenha no primeiro degrau, o que só me motivam a
ir até lá. Pois sei que teremos ainda muito tempo para ficarmos juntos e talvez
não seja tão interessante eu brigar com a única pessoa em um raio de milhas.
E foi por esse motivo, que no décimo quinto dia, — no caso, hoje —
depois de evitar a todo custo falar com ele, decido que preciso dar um fim
nessa palhaçada. Roo todas as minhas unhas. A ponto de sentir a
sensibilidade da carne por debaixo delas. Droga! Por que estou tão
preocupada assim? Por ter a ciência que daqui três dias é Natal e eu estou
sozinha, na companhia de um homem com o qual discuti, sem nenhuma
notícia de casa?
Besteira da minha parte, claro.
E nem é por isso que eu estou me forçando a ser cordial com ele. Claro
que não. Adoraria passar o Natal sozinha, lendo meus romances de banca.
Quem não gostaria?
Solto um suspiro exasperado, e estou tão concentrada em debates
internos sobre ir ou não até Damon, que não percebo o som que reverbera por
toda a montanha, deixando-me assustada, perguntando-me se é uma
avalanche ou coisa do tipo. Assisto Damon sair da sua cabana e olhar para
onde costumava estar a estrada. Suas mãos vão à cabeça e eu acho que não é
motivo para me desesperar. Caso contrário, ele estaria correndo, sem dúvida.
Decido permanecer no aconchego, ao invés de me arriscar ao lado de um
homem que eu sequer suporto.
Se isso te deixa melhor.
Passo a mão na frente do rosto, tentando espantar o pensamento
traiçoeiro. E não deixo de observar desde Damon parado, parecendo
aguardar, sem conseguir enxergar nada.
Desisto de manter o orgulho, devido a curiosidade ser maior e me cubro
com as roupas de inverno para sair e começar a bater os dentes de frio. Meus
passos na neve atraem a atenção do homem que me olha com...
arrependimento? Não, aposto que não, é tudo delírio da minha cabeça.
Damon não me espera aproximar, ele simplesmente dá passos na minha
direção e para antes de nos esbarrarmos. Ao contrário de mim, aparenta estar
perfeitamente bem com a temperatura. Quisera eu ficar assim também.
— O quê — paro um pouco, meus dentes não colaboram — está
acontecendo?
— Não posso afirmar com certeza, mas imagino o que seja.
— E...? — pergunto, esperando que ele conte a sua desconfiança.
Contudo, antes que o faça, acabo vendo um enorme caminhão limpa
neve abrindo caminho, empurrando-a para o lado e se espremendo na linha
fina e estreita da encosta. A pessoa tem que ser muito habilidosa e confiante
para fazer isso.
— Como eu suspeitava — resmunga Damon, sem se dar conta que eu
estou ao seu lado, completamente perdida.
— O que diabos está acontecendo?
— Sua salvação, meu inferno particular.
“Estava demorando para que um de vocês aparecesse.”

Espero que Lane desça para demonstrar o quanto estou irritado. Mas,
surpreendo-me ao notar que não é ele, mas Kendrick que o faz. Não aparenta
estar muito feliz por ter vindo parar aqui, poucos dias antes do Natal. Claro
que a perspectiva de ficar em Aspen, aturando vovó e sua bengala não deve
ter soado nada animadora também.
Tricotar suéteres, ter que mostrar a todos a obra de arte, e ainda os
deixar no quarto da vergonha como uma relíquia soa como o pior dos
infortúnios para qualquer Kingston.
Vovó e suas tradições.
Sempre nos lançando ao purgatório.
— Não vou — afirmo antes que ele se dê ao trabalho.
— Nem esperou que eu perguntasse! — fala e continua se
aproximando, como se não tivesse escutado o que eu falei — e para constar,
você está horrível com essa barba. Se acontecesse algo comigo e precisasse
me resgatar, eu fugiria. Precisa dar um jeito nessa merda, Damon. Ou todos
vão pensar que é um maluco! — Aproxima-se ignorando meus olhares de
advertência.
— Perdeu o seu tempo vindo até aqui.
— Será, meu querido primo? E — Seu olhar pousa em Candy, e noto o
exato momento em que Kendrick percebe como ela é incrivelmente linda.
Deslumbrante de uma forma arrebatadora — quem é essa? Pensei que estaria
sozinho, mas ora, ora, vejo que me enganei. Não o julgo por se isolar, eu faria
o mesmo em seu lugar se pudesse ter tamanho prazer — lança uma piscadela
para a mulher — de uma companhia interessante — Passa a me ignorar
totalmente e se move, um passo custoso após o outro, para se aproximar dela
— Ainda não fomos apresentados, presumo, eu me lembraria se já a tivesse
visto. Qual o seu nome, doçura? E o que faz com o meu primo mais
rabugento e insuportável?
Reteso minha mandíbula ao notar que Candy está deslumbrada com a
sedução barata de Kendrick. Odeio como ele costuma fazer isso com todas,
assistindo-as derreterem de afetação. O que ele tem de tão notável assim?
— Digamos que eu não sabia que ele estaria aqui. Agora, queria muito
não ter vindo — ela sibila a segunda parte, ainda irritada comigo.
Recebo um olhar arregalado do meu primo, que entende as coisas que
pairam à nossa volta. Finge passar um zíper na boca, mas percebo que isso de
nada adianta, porque ninguém consegue controlar a língua de Kendrick e suas
opiniões sobre tudo. Sempre foi assim, sempre será.
— Parece que temos uma tensão aqui. Adoro! Acho incrível que
estejam se conhecendo sem a interferência de ninguém, contudo, vovó
acabaria com meus dedos se eu não te levasse, nem que seja dopado para
Aspen! E... — Ele olha para Candy esperando que ela diga seu nome.
— Candy — fala, com uma voz sedutora que me faz arquear uma das
sobrancelhas.
Ela só pode estar de brincadeira comigo!
— Sou Kendrick! É um prazer conhecê-la. E admito que encontrá-la
aqui muda minhas intenções.
Não.
Não!
Não?!
Entro em colapso mental ao imaginar o que ele irá propor.
— Nem pense nisso! — ralho.
— Qual o problema? — rebate minha fala — vovó amaria e aposto que
Betsy também ficaria feliz por ter alguém com quem conversar sobre a
loucura que é fazer parte da família.
Fazer parte da família.
— Não — enfatizo e caminho até a minha cabana, sem ânimo para ficar
trocando ideias com meu primo, enquanto Candy observa tudo com seu olhar
tão perspicaz quanto o de uma águia.
Escuto som de passos se aproximando e não duvido que seja Kendrick
disposto a me fazer mudar de ideia, com seu poder persuasivo.
Entro e não faço questão de deixar a porta aberta. Para o meu azar, ele
não se importa com isso, abrindo e entrando depressa.
— Deveria repensar. Vai deixar a mulher sozinha aqui?
— Ela mora em Dallas, leve-a para lá.
— Dallas? Que interessante... Ela não me é estranha, só não consigo
lembrar onde a vi. Porém, eu não vou para Dallas, zangado, — diz o apelido
que usa para me definir — eu vou para Aspen. O que acha de deixá-la
decidir? Ou você quer levar bengalada da vovó quando ela souber que foi tão
grosso com uma mulher? Eu não iria querer estar no seu lugar nesse caso.
Acho melhor levar Candy e ela mesma descobrir para onde quer ir.
— Por que a pegou como sua missão particular? — indago.
Vou até a cozinha, sem querer olhar para Kendrick. Ele pode perceber
mais, do que estou disposto a mostrar por ora. Meu primo se faz de idiota,
mas tem muita sabedoria, assim como meu irmão. Deve ser o disfarce de
ambos, aquele que a gente cria para manter as pessoas do lado de fora das
nossas angústias.
— Não é minha missão particular. Está exagerando. Eu só não gosto da
ideia de deixar uma mulher sozinha aqui. Ela claramente tem coisas para lidar
com você. Transar até não aguentar mais também é uma boa opção, porque
claramente se comem vivos, só com olhares. Ainda não fizeram sexo? Depois
de dias sozinhos aqui?
— Como sabe que foram dias? — Viro-me para fitá-lo, desconfiado da
sua conversa
Ele sabe de alguma coisa, aposto. Kendrick tem a mania de enganar a
todos, é uma habilidade que ele adquiriu com o passar dos anos.
— Tive um pressentimento. — Dá de ombros.
Pressentimento.
Não acredito nele. Nem um pouco.
— Conta outra!
— Sério! Eu juro pelo que quiser!
— Eu sei que seus juramentos não valem nada, então não me darei ao
trabalho.
Proclama um tsc de tédio e se apoia na mesa, olhando para Snow com
uma expressão brincalhona.
— Ei, garotão, o que acha de a gente se mandar daqui? Não pensa que
ele já ficou tempo demais isolado, sentindo pena de si mesmo? — Snow uiva
como se concordasse.
Juro que neste momento não sinto tanto amor pelo meu cachorro.
— Está vendo? — Kendrick o indica — Até ele ficou animado em ir
para outro lugar.
— Eu não vou, já disse — reafirmo.
A porta da cabana se abre com brusquidão e tanto meu primo quanto eu
nos viramos abruptamente, para enxergar Candy totalmente preparada para
partir. Claro que ela não vê a hora de me deixar aqui, apodrecendo em minha
própria solidão.
— Nem precisa pedir, eu te tirarei daqui, doçura. Que nome propício
você tem, combina totalmente.
— Pare de dar em cima dela, Kendrick!
Meu primo ergue as mãos.
— Não estou fazendo nada, só ajudando alguém que precisa.
— Eu não me importo — proclama Candy, empinando o queixo
altivamente — na verdade, fico feliz que alguém me ache atraente o bastante
para passar um tempo comigo. E levando em conta que deve ser o mais
educado e cavalheiro da família, eu iria amar.
Sinto a alfinetada e faço uma careta.
A forma com a qual Kendrick avalia a mim e a mulher, rondando por
sinais do que está acontecendo me incomoda. Por isso, lanço algo mais
próximo que encontro diretamente em seu rosto. Um guardanapo, no caso.
Ele não liga, abrindo um sorriso repleto de deduções para mim.
— Estamos entendidos, então?
— Entendidos como? — perguntamos eu e Candy em uníssono.
— Eu posso te levar até Aspen, que é para onde vamos. — Ele se dirige
a ela, sem demonstrar qualquer traço de dúvida.
— Mas, eu estou de carro e só vim me despedir porque você abriu
caminho e preciso que tire aquele caminhão da frente para eu poder passar.
— Que notícia triste. — Lamenta meu primo.
— É o salvador do dia — ironizo — deveria se animar.
— Meu Deus! Parecem adolescentes se irritando! Mas, não vou me
meter em nada disso — exclama ela.
— Isso é coisa antiga — brinca Ken — e fico feliz em poder te ajudar.
Quem sabe a gente não se encontre em Dallas em um futuro próximo?
— Quem sabe — responde.
Observo a interação com desgosto aparente. Por acaso eles se
esqueceram da minha presença?
Candy reluta em dizer mais alguma coisa, quase como se estivesse
ponderando sua partida.
Aguardando que eu diga algo, talvez?
Vira-se de costas e eu não consigo me controlar, abrindo a boca só para
querer voltar atrás no que digo imediatamente.
— Não vai se despedir de mim? Ou agradecer a lenha?
— Lenha? — Kendrick pergunta dando um duplo sentido.
— Por que tudo que você fala acaba em uma entonação debochada? —
indago.
— E agora eu sou o culpado? Esse mundo está mesmo perdido!
— Eu já agradeci. E não quero mais ficar aqui, onde não sou bem-
vinda. Adeus, Damon. — Quando está prestes a sair da cabana é interrompida
pelo meu primo.
— Espera aí, querida — Kendrick fala e eu o fito endiabrado, que não
liga — por quanto tempo ficou aqui? Seu carro ainda está ligando?
— Acha que o motor pode ter congelado? — Candy pergunta com
medo.
— Não se garantiu anticongelantes. A bateria pode apenas ter arriado.
Não me lembro de você ter dado partida durante os dias que ficamos aqui —
resmungo.
Ela não se dá ao trabalho de falar comigo, fitando meu primo como se
apenas ele estivesse no ambiente.
— Eu dei partida sim, em alguns dias — diz, contrariada — mas, você
não perceberia isso nem mesmo que eu fizesse na sua frente, uma vez que
prestar atenção em mim deve ter sido um fardo. — Certo, eu mereci essa, sei
que mereci. — Pode me ajudar com isso, Kendrick?
Ele olha para mim antes de responder.
— Claro. Será um prazer.
Eles saem juntos da cabana e assisto através da janela o entrosamento
dos dois enquanto resolvem o problema. Demoram vários minutos, até que
Kendrick desce o capô do jeep e move-se até o imenso limpa-neves para tirá-
lo do caminho da mulher.
Sinto uma dor inexplicável tomar conta do meu peito quando a vejo
manobrar o veículo e logo em seguida desaparecer. Até Dallas. Partindo
daqui, ela terá no mínimo um dia dirigindo. Ânimo para fazer isso, com o
Natal chegando? Apenas Candy seria tão determinada.
O inconveniente da família retorna, batendo as botas no chão, para tirar
a neve. Olho-o irritado por essa ação.
— Nem acredito que a deixou ir embora sem ao menos dizer algo
interessante. Que desperdício. Em pensar que até ela chegar lá, terá muito
tempo para te odiar, enquanto dirige e aproveita para conhecer homens mais
simpáticos em alguma loja de beira de estrada.
O que ele diz me lança em um profundo estado de insegurança. Porém,
eu fiz o certo. Não posso me envolver com ninguém e, também não quero.
— Pare de ser intrometido, está vendo coisas onde não há nada.
— Sempre a mesma conversa. Eu jamais entenderei como podem ser
tão cegos.
— Falou o guru do amor.
— Obrigado pelo elogio! — Ele estufa o peito, cheio de orgulho para o
apelido.
— Pode ir embora, eu não vou para Aspen.
— Vai sim.
— Não pode me obrigar.
— Mas vovó pode e ela me falou que se você não aceitasse, vai enviar
uma foto sua, abre aspas, que você sabe qual é, para todas as revistas de
fofoca do mundo caso não leve sua bunda fedorenta para lá e tricote um belo
suéter de Natal. Segundo ela, esse ano será recheado de surpresas. E além da
foto, ela jurou que vai fazer seu pé ficar dolorido até o próximo ano. Não sei
se compensa arriscar, ela sempre cumpre as ameaças.
Lembro da foto em questão e sinto um calafrio perpassar meu corpo.
Ela não faria isso...
Repenso e acredito que sim. Isso e muito mais. Vovó não tem nenhum
escrúpulo quanto a manipular seus netos.
— A última surpresa que ela aprontou fez com que eu fosse em um
jantar e acabasse plantado, esperando quem me arrematou no leilão de
caridade e nunca apareceu. Pensei que fosse ser Trust, foi ela que deu o lance,
mas depois Dale me disse que ela o fez para outra pessoa.
— Detalhes, detalhes! — zomba Kendrick.
— Para você.
— Está me enrolando e eu odeio que me enrolem, então arrume suas
coisas logo de uma vez e vamos para Aspen. Precisamos sair agora, senão
chegaremos atrasados.
— Não vou de caminhão. Seria desconfortável.
— Pare de ser burro, Damon. Não pode ir com o seu carro? O
caminhão foi apenas cortesia da vila, um povo muito educado aliás. Mas,
acho que eles têm uma ideia errada sobre você, porque quando disse que é
meu primo os semblantes tornaram-se estranhos. O que andou fazendo nesse
tempo em que ficou hibernando?
Claro, o povo da cidadezinha.
— Para eles, um homem se afastar de tudo por tanto tempo como eu
soa suspeito.
— Ora, ora, não podemos julgá-los! Certo, homem das montanhas?
Essa barba, com alguns fios brancos e desgrenhada está estranha demais.
Entenderia o ponto deles se tivesse a visão de si que todos temos.
— Eu deixo minha barba como eu quiser.
— Esteja ciente de que vovó irá fazê-lo se barbear. Sabe disso tão bem
quanto eu.
Sibilo em resposta.
— Não posso pedir um ano de paz?
— Se te dermos paz, qual tipo de família seremos?
— A melhor?
— Já somos a melhor. Se não acha isso tem algo de muito errado com
você. E sobre o Natal, sabe que nenhum de nós gosta de verdade de tricotar
suéteres, muito menos daquele maldito quarto da vergonha onde eles ficam
expostos. Mas, vovó já tem 82 anos. Quando vai perceber que não poderemos
sempre contar com ela? Não é imortal e esses momentos que você se arrisca a
perder podem se tornar um arrependimento quando for tarde demais. Valorize
o que você tem no hoje, não em um futuro arrependido.
Sua fala me faz sentir péssimo, porque Kendrick tem toda a razão. Eu
estou perdendo momentos incríveis com pessoas que amo por não me sentir
merecedor delas.
— Detesto a sua sabedoria.
— Assim como meu irmão. De verdade, eu não entendo como podem
ser mais velhos, quando a pessoa mais sensata desta família sou eu.
— Menos, muito menos.
— Ser modesto é difícil demais, principalmente quando se sabe o
potencial que tem.
Elevo as sobrancelhas indicando como é difícil lidar com ele. Porém,
ninguém é imune ao passado traumático que possui e Kendrick é uma dessas
pessoas que finge estar bem a todo momento, quando na verdade, dentro de
si, há um mar turbulento.
— Potencial para irritar todo mundo.
— De qualquer forma, potencial.
“A lendária vovó Pearl falando comigo ao telefone, desmascarando
todas as minhas desculpas. E eu pensando que a enganava.”

Entro na minha pequena casa, com todos os meus itens pessoais,


extremamente aquecida e aconchegante, com fotos minhas, de papai e,
também de Trust, contente por ter tomado ao menos uma decisão sábia em
minha vida. Devolvi o carro alugado no aeroporto em Bozeman e comprei a
passagem no voo mais próximo para Dallas. Claro que eu até cogitei dirigir
por um dia inteiro, mas, percebi quão sem sentido seria.
Resultado: cheguei com quase vinte horas de vantagem.
Não que eu esteja competindo com alguém, lógico.
Decido então tirar satisfação com alguém que me lançou diretamente
naquela enrascada.
Assim que passo pelo enorme portão da mansão de papai, noto alguns
olhares especulativos dos funcionários em minha direção. Será que houve
alguma fofoca envolvendo meu nome, enquanto eu estava incomunicável?
Ou alguém morreu? — Sei que não é legal pensar isso, mas, eles estão me
olhando estranho o bastante para que eu pense qualquer coisa.
Contenho a vontade de questionar, imaginando ser mais sensato eu
conversar com papai primeiro. Além de deixar indubitavelmente claro que ir
até Montana foi um erro dos maiores, e que não irei mais ouvir nenhum de
seus conselhos absurdos.
Como de costume, papai libera os funcionários que quiserem passar as
festas de fim de ano com suas respectivas famílias e os dois com os quais
cruzei durante o caminho de pedregulho que corta o jardim, são os poucos
que não gostam ou não possuem parentes com os quais socializarem. Estes,
papai garante que tenham um Natal maravilhoso, e fiquem juntos ali, durante
esse período em que a mansão se torna assustadoramente vazia.
Subo os degraus da entrada e me espanto ao abrir a porta e notar o
silêncio mortal.
Avisei-o através de mensagem que estava chegando e esperava no
mínimo uma recepção mais calorosa, como é de seu costume. Encontro outra
empregada que não quis se afastar e pergunto a ela para onde papai foi e me
diz que ele viajou para...
— Aspen.
— Aspen? — pergunto horrorizada.
Isso não me cheira nada bem.
— Sim, ele me pediu para te avisar se voltasse antes e dizer que vai
passar as festas de fim de ano lá. Falou que se não quisesse passar sozinha,
poderia encontrar um voo e ir também.
Um voo para Aspen, perto do Natal? Ele acha que essa porcaria será
fácil? Bem provável que eu acabe precisando dirigir até lá, uma vez que
encontrar assentos perto dessa data é uma tarefa quase impossível. Os preços
também devem estar beirando o absurdo. Sacudo a cabeça, tentando
encontrar uma solução melhor e admito que estou morrendo de medo de ir e
acabar cruzando com Damon no lugar. Quantos habitantes há em Aspen?
Mais do que o suficiente para que eu não o encontre, espero, e talvez isso
tudo não passe de neuras de uma mente perturbada com os últimos dias.
A mulher me felicita e se afasta, para fazer alguma coisa.
Chego a cogitar ficar sozinha, com eles. Me conhecem há muito tempo
e não seria nada estranho creio eu, passarmos essa época juntos. Mas, ano
passado eu já não consegui ficar com papai e o arrependimento me assoma,
ao perceber que preciso aproveitar mais o tempo que tenho com ele. Além do
mais, por que não ir? Tenho algum motivo sólido que me impede? Não, de
forma alguma. Decido pesquisar as passagens, torcendo para encontrar uma e
não fico chocada quando nada surge.
Suspiro resignada.
Dou passos consternados, de um lado a outro no corredor.
Não é como se não esperasse por isso, Candy.
Prever uma situação hipotética é diferente de vê-la se desenrolando à
sua frente.
Vou até a sala e sento em um dos sofás, aguardando por alguns minutos
e pensando no que fazer. Ficar sozinha não me parece a melhor opção.
Principalmente depois de passar tantos dias em uma cabana, no meio do
nada, com um homem arrogante e tão quente como o inferno — que me fez
sentir bem para logo depois me fazer despencar de uma calota polar.
Por que Damon tinha que ser tão...argh, insuportavelmente rude?
Bato meus pés no tapete, consternada, no entanto antes de perder as
esperanças, recebo uma mensagem de Trust, perguntando o que estou
fazendo; não tardo a responder.
Qualquer coisa é melhor do que ficar sozinha, sentindo-me excluída,
em uma casa tão grande como a do meu pai.
Por que ele precisa disso, aliás?!
Um bom tempo se passa, enquanto contemplo o jardim através das
imensas janelas da sala, até que sons de sapatos de salto ecoam pelo
mármore.
Não demoro a ver minha amiga, sem aparentar qualquer surpresa,
imaginando que ela viria assim que soubesse que voltei.
Em seu rosto um sorriso satisfeito por me ver se abre e eu reviro os
olhos para a sua demonstração de afeto. Não sou muito dada a isso, o que não
significa de maneira alguma que eu não a ame.
— É, vadia, se eu não te mandasse uma mensagem, jamais falaria com
você, não é? Ainda não sei por que sou sua amiga, Candy, se não dá
importância aos meus sentimentos — Trust leva a mão ao peito teatralmente,
com o fingimento no nível máximo.
— O que faz aqui? Pensei que estaria com a sua família.
— Infelizmente ficarei com eles, mas, precisava saber se você está
bem.
Trust caminha com suas pernas longas e esguias, tal como a beldade
que é, e desaba no sofá, ao meu lado, retirando os óculos escuros e soprando
uma mecha de seu cabelo que caiu sobre os olhos. Ela está entediada. Não é
segredo para ninguém que sua família não pensa nela como a integrante
prodígio, o que acontece com a sua irmã e algumas primas. Meio que Trust se
tornou a que é jogada para o lado apenas por não concordar com várias das
coisas que eles pregam. Um motivo forte e muito sincero para que nós duas
sejamos amigas.
— Uma desculpa para passar menos tempo ouvindo baboseiras,
imagino.
— Você me conhece tão bem — proclama ela, inclinando a cabeça de
lado para me olhar. — E acredita que convidaram homens com os quais um
suposto casamento comigo seria vantajoso para a família? Ressaltando para
quem seria bom, claro, porque eu não consigo enxergar algo de bom nisso.
Segundo mamãe, eu já estou ficando velha e meu útero está secando. Teve a
audácia de dizer que não poderei me casar porque em breve nem filhos
conseguirei ter.
A relação de Trust com a mãe é tumultuada. Com o pai também não é
melhor. E minha amiga tem apenas a mim com quem conversar.
— Eles não mandam em você.
— Claro que não. Deixaram bem claro que eu deveria estar lá a este
horário conhecendo minhas opções, mas estou aqui. Ah, essa vida de
solteirona com quase quarenta anos me frustra ao mesmo tempo em que me
faz sentir livre. Ser bem resolvida profissionalmente e financeiramente
melhora tudo ao menos. E nossa — ela olha para fora — eu já disse o quanto
acho o jardim do seu pai lindo? Porque é. Uma verdadeira obra de arte.
Falando nele, onde está? Vocês se amam muito, e me surpreende que não
esteja em sua companhia, com a data mais feliz do ano chegando.
— Em Aspen — falo depressa.
Trust desaba a boca, esticando a ponte entre o nariz e seus lábios, e
esbugalha os imensos olhos verdes, em um esgar de surpresa.
— O que ele foi fazer lá?
— Boa pergunta.
Ela emite um tsc.
— Será que foi com os intocáveis Kingston? Eles geralmente passam as
festas de fim de ano em Aspen. E pelo que eu sei, ou melhor, que minha irmã
e minhas primas disseram, nenhum deles está na cidade. Aposto que seu pai
foi junto, ele não é bastante amigo de um dos filhos da vovó?
Ela tem razão. Mas, em minha defesa eu não pensei nisso antes porque
não sabia que os tais “intocáveis” viajam sempre nesta data.
— Deve ter sido isso.
— Que inveja. Adoraria ficar com aqueles deuses gregos por um
tempinho, com certeza. Em uma cidade tão linda quanto Aspen? Sonho! Pena
que preciso conviver com os meus entes queridos — noto o seu sarcasmo e
solto um pequeno riso.
— Fica comigo? Estou pensando que vou ter que passar o Natal
sozinha.
— E se o seu pai te convidasse? — Trust se anima.
— Como acha que vou conseguir passagens em cima da hora para lá? É
quase impossível.
— É — A animação se evapora tão rapidamente quanto surgiu — você
tem razão, porém sempre teremos a opção de fretar um jatinho ou coisa
similar. Bem que eu poderia ir de penetra, não? Mas, enfim, se ele não fizer
nenhuma chantagem emocional com você, eu fico por aqui sim. Já passou da
hora de eu começar a ignorar quem só procura saber se estou bem quando
precisa de mim. Porém, sinto que vou ser a deprimente amiga que se
entristece por sua sina, mas que torce pela alegria da outra. Deixando claro
que a outra é você, com um daqueles Kingston bonitões.
— Você e essa sua mania de tentar me empurrar para um deles.
— Não um deles. Um em específico. Você combinaria tanto com
Damon, Candy. — Um arrepio se alastra por meu corpo ao ouvir esse nome.
Como posso ouvi-lo tanto nos últimos dias? — Não combinar em si, na
verdade, já que acho que vocês têm mais coisas que destoam do que em
comum. É que não sei, eu sinto que os dois podem se interessar um pelo
outro.
Solto um sopro irritado. Ela não desiste desta ideia?
— Já me disse isso e comprou aquele lance de leilão achando que nos
daríamos bem e um monte de coisas assim. Ainda bem que eu decidi não
aparecer, seria irritante para mim e para ele. E — falo, me lembrando do
aborrecimento da viagem — você não vai acreditar, mas, acho que esse nome
me persegue. Enquanto estive em Montana, conheci um Damon e ele era
insuportável ao extremo. Totalmente rude e indelicado. Vou permanecer
longe de homens que se chamam assim apenas por precaução.
— Montana? — Há uma entonação diferente no tom de voz de Trust.
Uma que eu não sei identificar.
Estreito meus olhos em sua direção e ela sacode os óculos de sol,
fingindo que não aconteceu nada.
— Sabe de alguma coisa?
— Só que você provavelmente dormiu com um bonitão lá em Montana,
enquanto eu aqui pensava que você estava entediada, infinitamente irritada
por ter ido parar em um lugar tão inóspito sem a companhia da sua melhor
amiga da terceira idade?
— Não estamos na terceira idade, pelo amor de Deus, Trust!
— Não, isso foi só para provocar. E você dormiu com ele, como eu
previa, nada de surpresa até aí.
— Aí que se engana. Não chegamos às vias de fato.
— E por que não? — Ela parece escandalizada agora — O homem não
é lindo?
— Lindo? Com certeza sem barba deve ser um escândalo. De barba ele
era interessante, admito. Poderia apará-la, que ficaria muito melhor. No
entanto, não acho que ele esteja se preocupando com isso. Provavelmente
prefere amargar em seu próprio fel, vivendo no passado. Aliás — sondo
minha amiga — como sabe que ele é lindo? — faço questão de enfatizar esse
elogio.
— Imagino que seja — ela dá de ombros — afinal, se você se
interessou por ele, ao menos bonito e atraente aos seus padrões ele deve ser.
E não mude de assunto, Candy, por qual motivo não chegaram às vias de
fato?
Sinto que é ela quem está mudando de assunto, porém decido ignorar.
— Quem pensaria em levar camisinha para um lugar daquele?
— Não! Sem chance! Como você não pensou em uma merda dessa?
— Eu não fui querendo encontrar um pau, Trust! Mas, isso não quer
dizer que nós não tenhamos nos divertido de uma maneira mais segura e
totalmente prazerosa. O homem sabe como usar a língua, eu te garanto.
— Não duvido nem um pouco. Só essa verdade para explicar a sua
raiva e sorriso embevecido ao mesmo tempo.
— Raiva?
— É tão claro como água que você está nesse estado de transtorno
irritadiço porque sabe que não terá o que ele te fez sentir por um bom tempo
com outro cara. É atordoante essa sensação, vai por mim, eu sei.
Contemplo-a estarrecida.
— Claro que — demoro a dizer o que vem a seguir porque é a mais
absoluta mentira — não!
Por sorte ou azar, ainda não sei definir ao certo. Meu celular começa a
tocar no instante em que Trust iria rebater minha fala. Quando olho para a
tela, quase tenho uma síncope.
— Tudo bem, princesinha?
Uma princesinha com quase quarenta anos e uma carga bem grande de
decepção nas costas. Mas, tudo bem, na próxima direi para ele me chamar de
rainha.
— Aspen, papai?
— Qual o problema?
— Pensei que fosse passar as festas de fim de ano comigo.
— Eu não estava certo se voltaria a tempo, querida, sinto muito. Mas,
pode vir para Aspen e ficar comigo.
— Não conseguiria encontrar passagem tão em cima da hora. — Solto
a primeira desculpa que me vem à mente.
— Sei que não, então decidi comprar antes. Abra seu e-mail quando
tiver tempo. Ou se quiser, podemos tomar outra alternativa.
— Decidiu comprar uma passagem, mesmo em dúvida? Isso não soa
como você.
Ah, a manipulação.
Por que sinto que tudo está acontecendo exatamente como tem de
acontecer comigo?
— Foi um golpe de sorte. Tentei te ligar, mas no lugar em que estava
não há sinal.
Então ele sabia quão difícil seria manter contato comigo e por ele tudo
bem?
Quanto mais ouço, mais estranho me soa.
— Tentou me ligar de novo hoje, presumindo que eu já estaria aqui? —
Sondo.
— Pressentimento de pai, acredito.
— Entendi. E está com quem em Aspen?
Papai está aprontando alguma coisa, avisa meu pressentimento, mas,
não sei se quero ficar sozinha e isso muda tudo. Todavia, decido que não
posso dar indícios de que desconfio dele, um homem astuto e que coloca o
meu bem-estar acima de qualquer coisa em sua vida. Olho de relance para
minha amiga e ela tenta disfarçar, sem me fitar nos olhos.
— Com amigos da família.
— Muita gente?
— Depende de quanto considera muito, querida.
— Ficará chateado se eu não for? Trust está comigo e deixá-la aqui
seria péssimo — falo em uma exclamação, exaltando que estou muito triste
pela minha amiga.
Claro que eu quero passar as festas de fim de ano com meu pai, porém,
preciso entender o que ele está planejando antes, para não me sentir
manipulada no final, por mais que seu intuito possa ser única e
exclusivamente minha felicidade.
— Não gosto de perder o Natal com minha filha e se eu tivesse certeza
de que voltaria, não teria vindo para cá, mas a ideia de ficar sozinho, com a
minha idade, me deixou um pouco colérico. Espero que entenda.
— Não pode voltar?
— Seria uma desfeita para o convite. Eles foram tão educados ao me
incluir em seus planos.
Droga!
Senhor Sinclair fala como se realmente estivesse sendo verdadeiro.
Escuto alguém conversando com ele ao fundo “O que está
acontecendo?”
E papai responde: “Minha filha está doida para vir para cá, mas a amiga
está em casa e ela não gostaria de trazê-la sem que permitisse.”
Ouço a mentira e fico em choque, mas nada digo.
“Que amiga?”
“Trust. Acho que conhece Trust, não?” — aposto que ele cobre o
microfone do celular com a mão, porque não consigo escutar nada do que ele
conversa com a pessoa depois disso. Conto alguns minutos, enquanto mordo
o lábio inferior e sou obrigada a aguentar minha amiga avaliando meu
semblante, perguntando silenciosamente o motivo para eu estar apreensiva,
até que ele volta a dizer:
— Querida, tenho uma notícia excelente! Você e Trust estão
oficialmente convidadas.
“Deixe-me falar com ela!” — pede alguém, imperiosa.
— Olá, Candy, eu sou a Pearl, mas se quiser pode me chamar de vovó!
Eu amaria conhecê-la! — a tão temida vovó que todos falam sobre — E se
está se perguntando por que vir até aqui, eu já te digo de antemão menina
que sou uma senhora muito interessante e que posso te mostrar o quanto
somos agradáveis.
— Obrigada, é só que eu acho que não me sentiria a vontade... — sou
prontamente interrompida.
— Todos se sentem à vontade com os Kingston! Principalmente no
Natal em que eu humilho meus netos e os faço tricotar suéteres horrendos e
que dá vontade de queimar! Depois penduro cada um com extremo cuidado
no quarto da vergonha, tranco e escondo a chave. Acredite em mim, eles são
terríveis e manipulariam até o presidente para conseguir se livrarem das
provas do crime.
Parece realmente divertido, tenho de admitir.
— Eu acho que... — sou interrompida de novo.
— Não acha nada! Respeite essa velha e venha fazer companhia ao seu
pai. Ele está ansioso para que eu a conheça e menina — começa a cochichar
— o homem estava tentando te ligar a cada hora, preocupadíssimo. Não
consigo acreditar que irá deixá-lo sozinho para ficar com sua amiga, quando
eu estou convidando-a também. Ah, Trust, gosto tanto dela!
— Mas, não sei se ela gostaria de ir até aí — agora sou interrompida
pela minha amiga.
Acho que até a ligação ser encerrada, eu estou fadada a não conseguir
completar minhas frases.
— Eu não gostaria de ir até onde?
— Está vendo! Ela quer vir! — assume Pearl.
— Aspen.
— MAS É CLARO QUE EU QUERO IR!
Não digo nada e é Pearl quem finaliza a conversa:
— Bom, então estamos acertadas. As duas vem para Aspen. E não se
limitem as passagens, com certeza Trust consegue fazer algum milagre. Essa
garota é cheia dos milagres. Mal posso esperar para tê-las aqui, rindo
comigo das travessuras que eu faço todos passarem! E só para deixar claro,
mocinha, não adianta inventar mais desculpas para não me conhecer, estou
ciente de todas elas e desta vez você não me escapa! — encerra a ligação,
sem devolver a papai ou deixar que ele se despeça.
Ligo de volta, mas a ligação prontamente é desviada para a caixa
postal. O que inferno está acontecendo?
— Ah meu Deus! Ah meu Deus! Nós vamos realmente para Aspen? —
exalta-se Trust.
— Fala como se tivéssemos passagens. E não estou nada tentada a
gastar dinheiro para fretar um jatinho e me encontrar com pessoas que eu
nem gostaria de conhecer. Odeio essas coisas.
— Se você não quer o problema é seu. Eu nem em sonho perderia a
oportunidade!
— Você não seria capaz — sussurro, ciente de que sim, ela seria.
— Preciso concluir uma história e nada melhor do que o clima natalino
para fazê-lo.
— Vai me abandonar por causa de um convite?
— Da vovó Pearl, não é qualquer convite. Se eu recusar, coitados dos
meus dedos dos pés na próxima festa. Então, Candy, eu te amo, é minha
amiga, mas eu tenho mais amor pela minha segurança. E o que está
esperando? — ela pergunta já discando um número no celular e o levando ao
ouvido — vá logo arrumar sua mala, com itens lindos e tudo o mais de
melhor que você tiver, porque nós iremos para Aspen, meu amor!
— Trust...
— Nada de reclamar. Pode agradecer depois, porque aposto que essa
será a viagem da sua vida!
Desconfio que não.
“Não adianta tentar enganar vovó, foi ela quem ensinou Loki, o
deus da trapaça, a trapacear.”

— Para o inferno com isso! Até quando vamos ter que seguir essa
tradição estúpida? Meus dedos estão doendo! — Quando vovó apoia
propositalmente a bengala com força no pé de Kendrick, sinto como se fosse
em mim.
Coitado.
Mas, é melhor que seja nele. Ninguém mandou que reclamasse tanto.
— VOO — ele abandona as coisas no banco ao seu lado e leva as mãos
automaticamente ao pé — VÓOO! — Vejo o grito em câmera lenta,
assistindo a dor corroer o semblante do meu primo.
— Cale a boca ou na próxima vez vou bater nela para você parar de
reclamar.
— Melhor na boca que nas bolas.
Vovó o admira com os olhos brilhando. Juro que às vezes gostaria de
passar fita na boca do Kendrick para que ele pare de dar ideias macabras a
essa velha diabólica que tanto amamos.
— Excelente ideia meu caro neto! — Sacode a cabeça apreciando a
imagem dela nos massacrando, sem dúvida — Só preciso tomar cuidado ou
não teremos uma nova geração Kingston. Apesar que um não teria problema,
não é? Uma vez que já temos nossa pequena Mel e os outros — fita meus
primos e eu — ah, podemos pensar em coisas sórdidas para eles.
Meu irmão se arrepia ao meu lado. Infelizmente, minha situação não é
melhor.
— Por que só eu reclamo e vocês ficam quietos?! — Ralha Kendrick,
olhando para todos nós, não contente com um golpe.
Até parece que ele quer desafiar vovó.
— Eles são espertos, coisa que você não é. E justo eu que pensei que o
mais idiota fosse Dale. Sempre há tempo para errar.
— Vovó! — reclama meu irmão.
— Ora, fique quieto, sabe que é verdade! E vamos logo com isso, quero
que acabem antes do Natal para podermos fazer a exposição.
Gemo frustrado, desanimado e totalmente desolado com essa porcaria.
Não que eu vá dizer em voz alta, amo os meus dedos dos pés.
Vovó sempre disse que para darmos valor em tudo, precisamos colocar
a mão na massa de vez em quando e, parte da sua dedicação em nos mostrar
princípios partiu de ensinar a tricotar, assim como todas as mulheres de sua
família antes dela aprenderam — e segundo o que disse, os homens agora
deveriam aprender também — para entender que todo trabalho e todo esforço
é digno. Não a julgo, mas acho que a esta altura, nós já estejamos educados o
suficiente para ter que ficar fazendo suéteres.
Ao fundo, Jingle Bell Rock toca, porque a velha ardilosa ama entrar no
clima natalino. E nos obriga a ficar ouvindo só músicas com este tema por
malditos dias inteiros! Em algum momento aposto que meu cérebro se
liquefará por tantas repetições.
Ela poderia em consideração aumentar seu repertório para castigar
menos nossos ouvidos. Mas, qualquer coisa que diminua o sofrimento dos
seus netos não é boa o bastante para Pearl Kingston.
— Até que enfim, Casey, você está fazendo um bom trabalho aqui.
Todos esticamos nossos pescoços para ver o suéter dela e entendemos
imediatamente o que vovó está tentando fazer.
Céus!
A peça de Casey está horrível e ela se embolou com as agulhas e a
linha, resultando em um semblante assustado.
— Eu nunca vou aprender essa porcaria! — choraminga.
— Não vai mesmo, já que toda vez que começamos, você faz questão
de se enrolar na linha como um gato!
Lastimável. Para ela, mas é claro. Porque o prêmio de melhor suéter
garante imunidade por um ano contra as bengaladas e no fundo, todos
reclamamos, mas tentamos a todo custo ganhar. É um mal dos Kingston,
somos competitivos demais.
Outra música começa a tocar e eu quase desabo da cadeira sob meus
joelhos, para agradecer quando escuto uma voz diferente das costumeiras.
— Foi a senhora que mudou, vovó? — inquere Lane.
Todos reviramos os olhos. É incontrolável.
Ele é o neto preferido, principalmente depois que sua filha nasceu e
trouxe como diz Pearl: orgulho para a família. Dar um bisneto a essa ranzinza
é quase a mesma coisa que ganhar o torneio de suéter patético do Natal
eternamente.
Maldito.
Conquistou anistia para sempre.
— Acredito que estava sendo muito dura com vocês — resmunga,
caminhando na roda de cadeiras que ela se deu ao trabalho de arrumar
eximiamente para nos observar.
Sua presença e os sons que a bengala provoca quando encontra o chão é
de arrepiar até fantasma.
— Se isso é o que faz para aliviar, tenho até medo — sussurra Bessie.
Ela quase grita premeditando o golpe, mas por incrível que possa
parecer, vovó desiste no meio do caminho. Essa sim é uma surpresa.
Inclusive minha prima aparenta choque, por não acreditar que Pearl refreou
seus instintos assassinos.
— Alguém precisa dar mais bisnetos para vovó — diz Jenna.
Ela tricota como um maestro comanda sua orquestra. Ou seja,
perfeição. É quase como se ela sentisse os movimentos antes de os fazer.
— Você praticou, sua trapaceira! — reclama Casey.
A acusação é o que faltava para que a sala se torne uma mistura de
vozes exaltadas e discussões, usando dos nomes mais baixos possíveis.
Somos primos, não temos qualquer escrúpulo ou piedade no quesito xingar
uns aos outros.
— Isso não era permitido? — pergunta ela, tentando fazer sua voz se
sobressair.
A falsidade em seu tom apenas irrita a todos. Não me dou ao trabalho,
na verdade, gosto de ver a reunião se tornar fervorosa, sem que eu precise
interferir nela.
— CALEM A BOCA TODOS! — brada vovó.
O silêncio no qual o ambiente despenca é categórico.
Sou capaz de escutar apenas a respiração pesada de Pearl, uma vez que
todos, inclusive eu, engolimos em seco e sequer ousamos respirar próximos à
sua irritação. Quando ela grita, acreditem quando digo que até o presidente se
sentiria aterrorizado. Vovó é perigosa a este ponto.
— Mas... — Kendrick ameaça dizer alguma coisa, porém o olhar
mortífero que a senhora lhe lança é o bastante para silenciá-lo.
— Jenna tem razão, eu não disse quais eram as regras e se vocês — nos
contempla com os olhos transformando-se em duas fendas reptilianas —
tivessem sido espertos, teriam feito o mesmo que sua prima. Então estariam
com vantagem, mas como são idiotas, merecem cada momento de
humilhação pelo qual passam.
— Tsc — debocha Lane e ele não poderia ter sido mais infeliz em seu
gesto, visto que vovó estava perto dele e não demorou para que o metal que
recobre a extremidade da bengala o massacrasse.
É possível enxergar em seus olhos pretos o exato momento em que ele
perde o fio da coerência devido a dor por minutos consecutivos.
E também, o olhar vencedor que paira no semblante de cada primo,
com a vitória por ele ter sido trucidado mesmo, após dar a vovó o que ela
tanto nos chantageou para ter; sua primeira bisneta.
— Ui! — Kendrick faz uma careta e se contorce em sua cadeira —
Essa doeu! Foi caprichada!
— Me disse que não faria mais isso comigo! — exalta-se Lane.
— Deveria ter ficado quieto, simples assim. Não estava mesmo
intencionando judiar de você, mas implorou. Aposto que estava com
saudades.
Ele sacode a cabeça veemente em uma negativa, tentando parecer forte
e falhando magistralmente. Seus olhos se enchem de água e meu primo
apenas não chora, por causa da humilhação. Eu em seu lugar acredito que não
teria aguentado.
— Ah, como é bom ver as máscaras caindo — conclama Bessie.
— Fique quieta, ninguém falou com você e agora — vovó perscruta a
todos com seus olhos ameaçadores — tratem de terminar logo! — pausa
dramaticamente — Espero o melhor de vocês. — Ela é interrompida em meio
ao seu discurso com a porta sendo aberta.
— Mamãe, — fala minha tia — suas convidadas chegaram, virá
recebê-las ou terminará as coisas por aqui?
— Vou terminar, lógico. As garotas sabem que não é por mal. Em
breve irei falar com elas. Além do mais, será muito divertido ver as coisas
acontecendo, com aquela pitada de surpresa que só a inigualável Pearl
Kingston é capaz de proporcionar.
— Pronto, ela agora fala de si mesma na terceira pessoa — zomba
Bessie, que por sorte é salva por mim, que atraio a atenção de vovó, curioso
por saber o que ela anda aprontando.
— Quem a senhora convidou? — pergunto.
— Não é da sua conta. A casa é minha, vocês também são meros
convidados aqui.
Algo me diz, um assovio bem irritante no meu cérebro, coberto de
incertezas acerca do constante silêncio da matriarca, que essas tais
convidadas podem ter a ver comigo. Mas, duas? Não, creio que não. Uma
deve ser para outro. Semicerro os olhos na direção de Kendrick e ele luta
contra um ponto barra, tornando seu suéter praticamente um show de horror.
Depois, fito meu irmão, que mantém a língua para fora, enquanto se
concentra magistralmente em criar uma peça da qual todos queiram passar
longe.
— Como Damon tomou a palavra, vovó — não gosto do tom de
Kendrick, sinto que ele está aprontando contra mim — ele deveria pagar
fazendo mais um suéter por não ligar para a senhora durante os últimos
meses. Todos tivemos consideração, menos ele. Além do mais, nem queria
vir, tive que o arrastar, eu juro! Pensa que é mais esperto que a senhora,
aposto.
Lanço uma das bolas de linha direto em sua cabeça, pasmo com a sua
capacidade de foder com a vida dos outros.
— Tem razão, Kendrick. Então, Damon, eu recomendo que você passe
a noite acordado para terminar os dois suéteres — um brilho diabólico
perpassa os olhos da velha e provocam arrepios por meu corpo inteiro — ou
vai acabar recebendo o poder da minha fúria!
Meu primo nem se dá ao trabalho de disfarçar o seu semblante
vitorioso.
— Contente agora, seu infeliz?! — inquiro, não poupando o amargor
em minha voz.
Kendrick nem se altera, fitando-me de volta com o canto dos lábios
recurvados.
— Parem de brigar! Não tenho netos para duelarem entre si!
— Então deveria parar de fomentar o ódio familiar, vovó. Porque isso
— Jenna indica todos nós — é culpa da senhora por ficar elegendo seus netos
preferidos de acordo com os suéteres.
Sacudo a cabeça em uma negativa para minha prima, avisando-a do
perigo.
Lane me fita nesse processo e seus traços se comprimem em diversão,
erguendo as duas agulhas à frente do seu peito, com as linhas vermelhas
descendo por seu ombro, uma de cada lado, enquanto ele tricota
terrivelmente. Estamos todos fadados ao mesmo destino, e não adianta
fugirmos.
Faço o desenho improvisado do Papai Noel, enquanto meus dedos
trabalham agilmente com a linha, dispondo os pontos conforme eu penso
neles. Ficar sozinho em uma cabana, com poucas distrações me fez embarcar
em uma jornada de descobertas com o tricô, não que eu vá admitir isso um
dia.
Sinto olhares estranhos sobre mim e quando ergo a cabeça, meus
primos fitam-me com ódio, enquanto vovó ostenta orgulho com seu peito
estufado e sua pequena estatura, ligeiramente maior com a pose.
— Ah, que maravilha, dois treinaram, enquanto nós ficamos em
desvantagem — reclama Casey.
— Há muito tempo útil em ficar isolado, longe da civilização humana
por semanas consecutivas.
— Não tão longe assim, não é? — declara Kendrick maliciosamente,
lembrando-se de Candy.
Juro que se estivesse perto dele, teria dado um chute na sua canela que
a deixaria inchada por vários dias.
— O que quer dizer com isso? — suspeita vovó.
— Quando o encontrei ele estava com uma mulher.
Novamente o silêncio. Um aterrorizante. O assunto Damon e mulheres
se tornou um tabu na família desde que Dolores morreu e não é culpa deles,
mas minha, por ter uma síncope todas as vezes em que comentam algo do
tipo. Prova disso é que minhas primas estão com as bocas abertas, em fendas
funestas, pasmas com a declaração de Kendrick. Lane encontra-se inabalável,
assim como meu irmão.
— Tempos de mudança, de fato. Primeiro foi Lane, e agora Damon.
Quem será o próximo? — ela analisa cada um na roda, com tremenda
atenção.
— Credo, vovó, a senhora parece o demônio dizendo essas coisas e
olhando para a gente desse jeito! — exclama Kendrick, levando a mão ao
peito, aterrorizado.
— Não sei por que já está contando comigo — digo veemente.
— Ah, criança — ela fala com propriedade — não deveria subestimar o
que uma avó faz para garantir a felicidade dos netos.
Há uma mensagem subliminar em sua fala, e eu a compreendo, sem
imaginar, no entanto, quem ela quer que eu conheça desta vez. Como se
precisasse de mais um problema, Candy me vem à mente, assim como seus
olhos grandes e esperançosos, seus lábios carnudos, e seu gosto afrodisíaco
que me deixou viciado.
Sem me esquecer de exaltar inclusive a sua força, honestidade,
idoneidade e entrega que me deixaram embasbacado. Abro um sorriso
contido ao me lembrar das nossas conversas e também dos momentos em que
eu tentei ser rude com ela e falhei miseravelmente.
É impossível me irritar verdadeiramente com Candy.
E meio que foi isso que me impulsionou a começar a ceder aos seus
avanços.
Ou, seria a minha própria vontade de me sentir vivo novamente,
somada àquela atração brutal, que se apossava de mim todas as vezes em que
eu pousava os olhos nela?
Mas, tanto faz, não sei se algum dia voltarei a vê-la. Lembro-me das
circunstâncias da nossa despedida, sem que eu ao menos tenha a impedido,
sem dizer como aproveitei e como foi incrível nosso tempo juntos e arfo,
decepcionado com as minhas escolhas.
Por que eu fui tão idiota com ela?
Porque você estava com medo.
Medo de se apaixonar por alguém de novo e perdê-la.
— Estou todo arrepiado, olhem só! — conclama Kendrick, estendendo
o braço à frente do corpo, atraindo a minha atenção — Damon com certeza
está se interessando por alguém, ele não sorriria assim se não estivesse.
Sacudo a cabeça para tirar aquela deusa da minha mente e fito todos,
que parecem não acreditar no que acontece. O único que se mantém
inabalável é meu irmão, movimentando as agulhas como se não estivessem
todos aguardando que eu me atrapalhe em minhas próprias desculpas.
— Até os corações mais frios são capazes de sentir amor novamente —
é o que ele diz, sem retirar os olhos de sua tarefa.
— Mais uma prova de que me enganei com a sua mania de fingir não
saber de nada.
— Ah, vovó, eu me faço de burro. A senhora não vai conseguir me
prender nos seus planos como está tentando fazer com todos.
— Isso é um desafio?! — inquere ela, animada ao extremo.
Lane solta uma gargalhada, assim como minhas primas, ao notarem o
impasse travado entre a astuta Pearl e Dale. Ele não entende que não tem
como fugir? Ela está em todos os lugares e consegue enxergar todas as
coisas. Simplesmente impossível escapar das suas teias casamenteiras e por
esse motivo eu tento passar o maior tempo que consigo bem longe, para não
acabar me ferrando também.
— Acho que eu estou fodido — murmura ele quando nota seu erro,
levantando-se depressa e abandonando o suéter pela metade.
— ONDE VOCÊ PENSA QUE VAI? — grita vovó, abalando a
estrutura da casa inteira.
É algo sem explicação, totalmente indecifrável, como uma senhora tão
pequena e de aparência tão frágil consegue gritar com tanta potência.
— Eu não vou conseguir ganhar, meu suéter está uma merda, então
prefiro abandonar a missão antes que eu diga mais coisas das quais me
arrependerei.
Não sei se ele foi esperto, corajoso ou sem noção demais.
Mas, é fato consumado que quando ele fecha a porta, o semblante de
vovó passa de irado para malicioso, conotando o quanto meu irmão irá se
arrepender da sua decisão. Uma de suas sobrancelhas se eleva e ela se perde
em seus próprios planos, para logo em seguida voltar a si e excruciar cada um
de nós com um olhar aguçado, esmiuçando cada entranha de nossos medos
mais perversos.
— Mais alguém querendo me desafiar? — Emudeço e engulo com
tanta pressa o ar que começo a soluçar. — Excelente. Agora terminem logo,
para podermos jantar. Menos você, Damon. Fique aqui tricotando o outro
suéter.
— Mas, vó, eu estou com fome!
— Eu trago a comida para você, fique tranquilo. A não ser que termine
os dois antes do jantar.
Fecho os olhos e desabo os ombros em derrota.
— Bem que podia ser um pouquinho, — aproximo o dedo indicador do
polegar — bem pouco mesmo, mais compreensiva.
— Se eu fosse compreensiva, vocês não seriam metade das pessoas que
se tornaram. E eu sei bem, porque já falhei uma vez, não irei falhar de novo.
Nós precisamos saber no que erramos, para podermos consertar à frente. Eu
estou fazendo justamente isso.
— Deveria nos deixar sozinhos, vovó, para podermos terminar tudo —
diz Jenna, mudando de assunto.
— Porque sinto que você está aprontando, menina?
— A senhora sempre pensa isso da gente.
— E não errei nenhuma vez, ou errei?
Olho para minha prima, ciente do que ela trama. De idiota Jenna não
tem nada e mais cedo, quando me contou seu plano, eu tenho orgulho em
anunciar que eu... aceitei. Porra, é genial!
— Precisa dar atenção para os demais convidados. — Continua minha
prima, enquanto eu faço um sinal para que ela cale a boca ou vovó começará
a desconfiar, mais do que já o faz.
Caso fiquemos desesperados para que ela saia, a manipuladora fará
justamente o contrário.
— Acho que você tem razão. São adultos e podem ficar alguns minutos
sozinhos sem trapacear — estreita os olhos em duas fendas aniquiladoras.
Ela sabe.
Só pode ser isso.
Não há como esconder nada dessa velha astuta e inteligente.
Porém, acredito que ela está nos testando quando sai do quarto,
fechando a porta atrás de si de uma forma suave e que parece indicar que ela
voltará de surpresa. Os olhares assustados se transformam em desesperados,
para que peguemos logo nossas peças antes que o carrasco do diabo retorne.
Jenna se levanta do antigo baú no qual ela está sentada e foi mesmo uma cena
engraçada quando ela afirmou para vovó que queria sentar especificamente
ali.

— Ah, como eu amo esse baú, vovó! Ele é tão antigo e lindo!
— Lindo e antigo o bastante para você passar bem longe dele com a
sua bunda suja.
— Minha bunda não é suja!
— Se emporcalhar meu baú, eu vou te fazer limpar com a língua!

Agora, Jenna está apavorada, passando para cada um, os suéteres que
ela comprou prontos. Ainda tivemos o cuidado de tricotar da mesma cor a
qual finalizaríamos. Claro que, quando pego a peça, percebo que nós não
conseguiremos enganar vovó nem que ela esteja sem seus óculos para
analisar minuciosamente. Eu, que andei praticando durante os últimos meses,
jamais tricotaria com tanta perfeição como a peça que me é atribuída. Solto
um tsc de desgosto. Estamos fodidos com mérito. Principalmente porque
alguns segundos depois a porta é escancarada e tudo o que posso fazer é
segurar o suéter impecável e ostentar um semblante assustado.
— Peguei vocês! Acha que eu não te vi colocando essas porcarias aí no
baú, Jenna? E por pensarem que poderiam enganar essa velha, o castigo de
vocês será...
“Quando o lugar é mágico, os momentos se tornam
inesquecíveis.”

Quando eu e Trust entramos na casa — segundo Elena, a mulher com a


qual conversei na festa de papai — o que para mim, ela está sendo muito
singela ao se referir ao lugar no centro de Aspen com uma vista exuberante
da montanha de mesmo nome, e detalhes decorativos de fazer qualquer
pessoa chorar de emoção, mal temos tempo para assimilar toda a beleza
arquitetônica da construção e já acessamos a enorme sala.
A cozinha, e as salas de estar e de jantar se unem em conceito aberto,
fluindo caminho até o incrível pátio, onde um pinheiro monstruoso
resplandece, — e quando me refiro a monstruoso, penso em no mínimo uns
cinco metros de verde e decorações puramente natalinas.
Olho para cima e observo com indisfarçável surpresa, o teto abobadado,
do qual um tubo de metal pende desde a sua estrutura até poucos pés do chão
que se transforma em uma lareira de tamanho considerável, embalada pela
vista da montanha; que é tão linda que chega a ser irreal.
Não enxergo nenhuma televisão e acho que com a paisagem exuberante
que nos brinda, seria desnecessária. A ornamentação por si só é algo a ser
admirado, elegante e dramática, destoando na medida certa do piso de pedra
preta belga que complementa todos os itens expostos. Cada parte do design
conota como as pessoas envolvidas no projeto tinham o cuidado de manter o
clima rústico e envolvente de Aspen aliado ao que de melhor o dinheiro
poderia comprar.
Sendo que eu apenas sei de todos estes detalhes devido à empresa de
papai, responsável desde o planejamento até a construção de mansões lindas,
mas nem tão lindas se comparadas a esta. Que ele nunca descubra que eu
pensei algo parecido.
— Ah, meu Deus! Quando me diziam que essa mansão era incrível, eu
não imaginava que conseguiria me surpreender mais do que quando vi a de
Dallas — cicia Trust.
Além de nós, há apenas Elena, que espera a nossa contemplação velada
para poder indicar o caminho até os quartos em que ficaremos.
Todos tem vista.
Todos.
A casa foi construída para fazer parte da natureza e não a modificar, o
que me deixa encantada.
Achei que a visão das montanhas rochosas em Montana era
equiparável, mas nada definitivamente se compara à visão desta mesma
cadeia de montanhas — uma vez que elas se estendem desde a Columbia
Britânica e Alberta no Canadá até vários estados americanos, dentre eles
Montana e Colorado — vistas deste quarto grandioso, equipado com o
melhor que uma pessoa poderia pedir, com a parede lateral à cama, inteira em
vidro, anexa a uma varanda, adornada por mesas rústicas e uma lareira
externa.
Se cada quarto possui isso.
Minha nossa.
Só... minha nossa!
— Bom, meninas, agora que mostrei o quarto para vocês, pedirei para
alguém avisar Pearl que estão aqui. — A mulher se afasta educadamente e eu
não tardo a aliviar a quietude da minha amiga.
— Vamos, Trust, pode falar!
— MEU DEUS! Eu sempre soube que eles eram ricos, tipo muito ricos,
Candy, mas isso é simplesmente demais! E segundo mamãe, eles têm dezenas
de outras mansões como essa espalhadas em outros estados, assim como pela
Europa e uma ilha. Uma ilha! Agora até consigo entender a briga de tapas
que ela sai com as minhas tias, que querem casar as suas filhas com membros
desse clã.
— Petróleo dá muito dinheiro, me espanta que não tenha imaginado.
Minha amiga faz uma careta de obviedade.
— É claro que eu imaginei! Mas, confirmar é diferente de imaginar.
Olha só para isso — ela abre os braços indicando o lugar — não é à toa que
eles vêm para cá para comemorar o Natal e a chegada do Ano Novo. Quem
em sã consciência não faria o mesmo? Passar datas tão incríveis na
companhia da família e em total luxo e conforto, só deve atrair boas energias.
Sinceramente, este lugar tem que ser muito grande, porque eu não passei por
ninguém enquanto ela nos trazia para nossos quartos. Aposto que essa
propriedade tem quase um hectare de área construída, além de espaços
privativos para os membros mais importantes.
— E se você ficar com Dale, talvez essa se torne a sua realidade no
Natal do ano que vem também.
— É apenas uma brincadeira de sexo. Sou sete anos mais velha que ele.
Não sei se gostaria de se envolver profundamente comigo por este motivo.
— O que me disse nem de longe é uma razão para não se envolverem
de maneira mais séria. Aliás, ele não pareceu ser idiota a esse ponto naquele
dia em que falou com a gente na festa do meu pai.
Trust revira os olhos e se joga na cama, com metade do corpo para fora
e os braços estirados de maneira teatral. Ela olha para a montanha, e uma
tristeza até então secreta para mim, desponta em seus traços.
— As pessoas aparentam o que não são quando querem algo.
Sua fala é tão carregada de rancor que eu não me contenho e faço a
pergunta que tanto me deixa curiosa:
— Ele fez algo para você? Baixo e cruel?
— Depende do que você define assim. Mas, acredito que não, ele não
fez. Eu só estou pensando alto.
— Tem certeza? Se fez eu vou matá-lo! Foi muito cortês naquele dia,
mas minha sororidade é muito mais forte!
— Esquece o que eu falei, Candy, nada tem a ver com você e não
deveria ter comigo também se eu fosse esperta e entendesse de uma vez por
todas que nenhum homem vale a minha paz de espírito. Nem mesmo um que
mamãe tenta me empurrar para seus braços.
Deito-me ao seu lado e olhamos para o teto trabalhado em vigas
robustas de madeira.
— Por que os homens se esforçam tanto para não serem merecedores
da gente? — pergunto.
— Eu... — Trust dá uma pausa e depois gargalha — não tenho ideia.
— Poderíamos ficar juntas, não é? — fala ela.
— Queria gostar da fruta que você tem no meio das pernas, facilitaria
minha vida — sou sincera.
— Não, sua maluca! — recebo um soco de brincadeira no braço — Eu
falei no quarto, poderíamos dividir o quarto, como a gente fazia quando era
adolescente e criar todo tipo de brincadeira idiota e imatura para passar o
tempo.
— Soa tentadora a sua proposta, porém, eu sinto que você não vai
querer dividir o quarto comigo por um motivo bem específico que está nesta
casa com a gente — ela entende o que quero dizer.
— Duvido! Se bem que eu trouxe uma coisa para te surpreender. — Ela
se levanta depressa e corre até a sua mala de mão, retirando mais de uma
dezena de algo que eu esqueci da última vez que viajei.
Nesta não.
No fundo, a esperança de que eu pudesse transar com alguém me
deixou em polvorosa.
Sorrio com a felicidade dela, imaginando que me surpreendeu.
Levanto-me também e vou até a minha mala de mão, retirando a
mesma coisa que ela. Trust desaba os ombros em derrota por não ter sido a
mais esperta.
— Cometi o erro uma vez, não cometeria de novo.
— Pensei que fosse precisar também e agora, o que diabos faço com
esse estoque inteiro?
— Usa?! — questiono de forma divertida.
— Vou ficar assada se usar tudo isso. Significa o quê? — ela conta
rapidamente — trepar no mínimo umas quatro vezes por dia?
— Não parece um número tão ruim se o parceiro for interessante. E é
sempre bom ter a margem de segurança.
— Agora só me resta guardar, realmente.
Fito de relance a lareira em uma das paredes e me lembro de Damon.
Céus! Uma agonia massacra o meu peito, sinto-me triste e literalmente com
saudade dele. Como sou capaz de ainda querer ficar perto daquele homem
depois de toda a grosseria e falta de empatia?
Porém, tanto faz.
Nunca mais o verei, uma vez que não cogito voltar, não depois da
maneira com a qual ele me tratou. Relembrar o momento da despedida irradia
a sensação de vazio em meu peito e tento disfarçar quando sinto o olhar da
minha amiga cravar em minha pele.
Gesto inútil, ela me conhece bem demais.
— Está pensando no seu homem da neve? Eu se fosse você ficaria
tranquila, aposto que irá encontrar o que procura aqui. É Aspen, Candy,
coisas mágicas acontecem neste lugar.
— Será que estou procurando alguma coisa? — Externo minha dúvida.
— Todos estamos procurando, até mesmo quando achamos que não.
Reflito sobre sua fala, entretanto, no meio desta reflexão, escutamos
batidas suaves na porta. Movo-me até lá e a abro, imaginando que seja a tal
vovó Kingston, curiosa para conversar comigo e se apresentar
apropriadamente. Contudo, não é ela que vejo, mas Dale, com um sorriso
predador e que foca diretamente em Trust assim que a vê no cômodo.
Cumprimenta-me com um aceno e não espera que eu o convide para
entrar no quarto.
— Mamãe me falou que vocês estavam aqui. É uma bela surpresa e
pode tornar a estadia muito mais interessante do que nos últimos anos. Ao
menos, eu sei que não ficarei entediado — noto uma das suas sobrancelhas se
movimentar de maneira maliciosa, encarando Trust fixamente.
Fico sem saber o que dizer, claramente estou atrapalhando os dois.
— Trust — falo e ela nem me olha, perdida nos olhos de Dale, que
aliás, acredito que eu já vi a mesma tonalidade de azul em outro, o que só
pode ser minha mente pregando peças enlouquecedoras em mim — acho que
vou dar uma volta, conhecer a casa e tal. — Paro de falar assim que noto que
ela não presta atenção no que digo.
Saio silenciosamente, deixando os dois a sós, disposta a demorar o
maior tempo possível perambulando como um fantasma pela mansão.
Desbravo os corredores, sem deixar de prestar atenção em cada detalhe
da decoração de extremo bom gosto. Passo as mãos na textura das paredes,
que acariciam a ponta dos meus dedos. Um sorriso extasiado brota em meu
rosto. Desço algumas escadas, com a certeza de que preciso encontrar alguém
pelo caminho, caso contrário jamais conseguirei retornar ao meu quarto, no
entanto, isso não me impede de adentrar nos cômodos e de apreciar cada
mínima particularidade.
Lembro-me de papai e pego meu celular no bolso da calça para poder
perguntar onde ele está. Quando atende, me diz que se encontra na estação de
esqui, mas que em breve irá retornar para a mansão. Ele pergunta se quero
encontrá-lo e prontamente digo que não. Papai merece um pouco de diversão
longe da filha. Ao desligar, fico animada por ele, porque tinha mesmo razão,
passar as festividades em um lugar tão incrível é fantástico.
Como eu poderia ficar brava por ele ter me manipulado para vir quando
eu nem sabia o que estava perdendo?
Avanço pelos ambientes e estaco no lugar, quando escuto vozes
exaltadas partindo de um cômodo. Eles parecem discutir efusivamente e
quando me aproximo, querendo ouvir o tema central da conversa, assusto-me
com alguém abrindo a porta, despontando pelo vão e me pegando no flagra.
No entanto, a pequena senhora, muito mais baixa do que eu, me olha de cima
a baixo, não de uma maneira avaliativa ruim, e sim conotando curiosidade.
Percebo que ela adivinha quem sou quando seus olhos começam a brilhar.
— Presumo que você seja Candy. Seu pai não fez jus à sua beleza nas
descrições, querida, é deslumbrante.
— A senhora é Pearl Kingston — presumo.
— Me chame de vovó, criança.
— É um prazer conhecer a senhora.
— Não tanto quanto o meu em te conhecer. Agora, se me der licença,
eu preciso dar um susto nestes garotos. Assim que eu terminar a tarefa com
eles, vou até você para conversamos mais, sim?
Aceno, ciente de que ela fará o que diz, mesmo que eu não concorde.
Só não entendo o que ela faz a seguir, afasta-me um pouco da porta,
para que ninguém me veja e a abre de maneira escancarada, exclamando que
as pessoas no interior do cômodo estão trapaceando. Assim que fecha, tento
decifrar se ela gostou realmente de mim como diz, ou se a estratégia foi
apenas para evitar conversar comigo.
Não me prendo muito a este pensamento e continuo meu caminho
avaliativo.
Após percorrer um longo trajeto, consigo avistar os espaços em
conceito aberto da entrada, assim como o enorme pátio. A partir dele sei que
conseguirei voltar ao quarto, uma vez que foi o caminho feito por Elena.
Avanço mais alguns passos e paro em frente a lareira, contemplando os
bancos almofadados ao redor dela. Sento-me ali e por um tempo fico perdida
em meus pensamentos, recordando um beijo tão frio como o inverno e de um
corpo tão quente quanto o verão.
Damon...
E em pensar que entre os Kingston também há um Damon, que veio
para Aspen, mesma cidade a qual o meu homem das neves viria, reforçando
minha ideia de que o destino é um filho da puta. Cheio de garras e que as
finca na nossa pele. Minha cabeça ondula em diversas teorias, mas as recuo,
tal coincidência é impossível. Não tem como acontecer.
Porém, nada afasta a possibilidade de eu tentar encontrá-lo em meio as
ruas, lojas e milhares de pessoas. Será que eu conseguiria?
O que ele pensaria?
O que eu sentiria?
Meu coração afogaria aquela batida que sempre morre em mim quando
o vejo?
Ou meus pelos se eriçariam em antecipação?
Não há como saber.
Sem tirar o fato de que as nuances das ações contraditórias de Damon
ainda me deixam encafifada, querendo desvendá-lo. Vejo-me lamentando
pela chance perdida. E sei, eu profundamente sei que não conseguirei dormir
durante várias madrugadas, ansiando por decifrar os mistérios de um homem
tão trincado quanto um espelho que despenca contra o chão. É como se eu
pudesse enxergar as fissuras, se estendendo ao longo dos seus olhos e
caminhando diretamente até seu coração.
Devido a esse conflito de sentimentos, pergunto-me se eu conseguirei
mesmo me manter tão distante de Montana, após alguns dias. E sou obrigada
a trabalhar com a hipótese do “e se eu não conseguir”? Porque céus, sinto que
estou fadada a não o tirar dos meus pensamentos e não me sinto capaz de
compreender essa necessidade urgente de vê-lo mais uma vez.
Uma única vez.
Nem que seja para eu voltar ao nosso ponto de partida e descobrir que
ele não mora mais lá.
Inspiro o ar agradável em torno de mim, olhando para a montanha
Aspen e automaticamente para além dela, na profundeza de meus
sentimentos.
Qual o nome disto que se manifesta em mim?
Não é paixão, não pode ser, muito menos amor. Eu não fiquei tanto
tempo na companhia desse homem para que me sentisse tão ligada a ele desta
forma. Então, o que é?
— No que tanto você pensa?
Contenho o susto, levando a mão ao coração.
Deparo-me com minha amiga que aparenta uma animação que ela não
ostentava minutos antes de eu deixá-la no quarto sozinha com o Kingston.
Noto que o contorno da sua boca está um pouco vermelho e já imagino o
motivo.
— Em nada, apenas apreciando a paisagem.
— Desbravou muitos cômodos?
Solto um som de deboche.
— Você nem imagina o tamanho desse lugar. Andei por muito tempo e
acredito que ainda não vi tudo. Só dei sorte de vir parar aqui ou caso
contrário, estaria perdida até agora, no meio das entranhas deste labirinto.
— Vai querer ir à estação de esqui mais tarde? Dale me contou que ele
e alguns primos irão, para se divertir. Parece que eles têm acesso exclusivo ao
lugar — Trust assume tom de sarcasmo — O que é óbvio, não? Ao que o
dinheiro deles não tem acesso?!
— Acho que não. Prefiro ficar quieta um pouco, aproveitando o clima
gostoso e admirando as luzes da cidade. São incríveis.
— É, tem razão. Ainda não me decidi, posso ficar com você, sem
problema nenhum.
— Imagina, você deve ir, sei o quanto quer fazer isso — incentivo-a —
eu ficarei mais do que bem, sozinha. Sabe que sim.
— Certeza?
— Eu e meus livros de caubói. Trouxe meu e-reader, então meus
romances estão literalmente ao alcance da minha mão.
— Se está dizendo — ela não parece convencida, mas trato de reforçar
meu ponto.
— Vou ficar bem.
— Caso mude de ideia é só avisar. Ainda temos tempo.
— Certo.
— Trust — volto a falar — o meu Damon — ela estreita os olhos
quando percebe o pronome que usei —viria para Aspen. Ou melhor, escutei o
primo dele dizendo algo do tipo. Então, quais as chances? — pergunto à
minha amiga — Acha que eu poderia encontrá-lo? Talvez, eu saia mais tarde
em uma busca sem propósito, torcendo para vê-lo, mas sem expectativas.
— Quer saber se eu acho isso possível? — aceno concordando — A
resposta é sim. E espere um pouco, descanse. Amanhã a gente pode ir atrás
dele juntas, se não encontrar o que procura antes disso.
— Como assim? — inquiro.
Ela dá de ombros.
— Nunca se sabe.
“Não pode ser... Não, não pode. Como? Acho que estou ficando
louco.”

Quando terminamos, somos obrigados a irmos até o quarto da vergonha


em fila, para podermos pendurar a prova da nossa derrota diante de uma
múmia de oitenta e dois anos. Claro que falando assim pode parecer que não
a amo, mas provoco justamente por amar demais.
Os aterrorizantes dos anos anteriores estão ali e tenho um arrepio de
pavor apenas ao ver os meus. Vovó ainda faz questão de uma longa fileira
com o nome de cada um no topo e o ano no qual foi fabricado ao lado de
cada peça.
Céus!
A sensação é horrível!
Sinto que somos novamente crianças e acreditamos em todas as
histórias de terror que ela contava para nos assustar.
— Depois daqui já podemos nos reunir para jogar banco imobiliário —
reclamo.
— Eu topo a ideia! — Casey quem se pronuncia.
— Ele quis dizer que estamos parecendo crianças, Casey, pelo amor de
Deus, depois o burro sou eu! — proclama meu irmão.
Solto um riso baixo.
Todos olham para mim e chacoalham a cabeça.
— O que foi, é um crime sorrir nesta família e eu não estou sabendo?
— Claro que não! Sorria mais, que desse jeito a vovó vai fazer dois sóis
nascerem amanhã, de tão feliz — incentiva Kendrick.
Eu apenas reviro meus olhos e contenho a gargalhada ao olhar para a
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sua testa. Dopey chama a atenção, escrito em letras garrafais e gigantes.
— Seu dom é a comédia, Ken, por que não foca nisso?
Ele finge rir, sem graça alguma.
Estamos patéticos.
E se soubéssemos que o castigo seria tão humilhante quanto ter o nome
de cada um dos sete anões escrito com caneta permanente em nossas testas,
teríamos pensado muito bem antes de sequer cogitar trapacear.
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— Vamos, Grumpy! — provoca ele, sem moral alguma.
Entretanto, acredito que o pior de todos tenha sido da Jenna, a culpada
por articular esse plano falho contra a mente mais perversa dos Kingston.
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Doc se sobressai em sua testa e todas as vezes em que um de nós olha para
ela, caímos na gargalhada. Não há como controlar. Agradeço por não ter sido
eu a provocar a matriarca.
— Eu nem participei desta porcaria, saí antes, por que tenho que passar
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a vergonha também? — choraminga Dale, ou melhor, o Sneezy entre nós.
Vovó nos faz parar, abruptamente, e acabamos trombando uns nas
costas dos outros. Sua bengala soa desde o começo da fila até que ela para à
minha frente, fitando meu irmão com tamanho desdém que eu controlo o riso
para não acabar sendo alvo da sua fúria também.
Todos se voltam para acompanhar o embate.
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Inclusive Happy , que é o Lane.
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Bessie Sleepy .
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E a Bashful Casey.
— Sabia de tudo?
Dale engole em seco, premeditando ao ponto que ela chegará.
— Sabia — diz e abaixa a cabeça.
— Então é igualmente culpado! — Bate com a bengala na cabeça dele
e contente por amedrontá-lo, volta ao início da fila, encabeçada pela
mandante da trapaça.
Céus, eu não queria ser minha prima neste momento. E levando-se em
conta que vovó nunca esquece os problemas que aprontamos, está claro que
ela irá fazer Jenna se arrepender de tentar enganá-la. Não quero nem imaginar
como. Um arrepio começa na minha espinha e termina congelando meu
cérebro por puro medo.
— Eu deveria ter saído antes para ir até a estação de esqui. Mas, me
atrasei e aqui estou eu. — Resmoneia meu irmão.
Nossos tios e até nossos pais estão lá, aproveitando o clima para descer
a montanha, divertindo-se, enquanto nós sofremos nas mãos de vovó, porque
ela não pode se arriscar esquiando. Claro que não. Ela já não é mais nova e
uma queda, poderia ser fatal. Tremo ao pensar nisto e passo a não me
importar por ficar preso na mansão, enquanto todo o restante se diverte.
Acredito que meus primos pensem o mesmo. Por passarmos tanto tempo com
ela, criamos um vínculo forte e inexplicável.
— Aproveitando o tempo com sua avó. Deveria agradecer a Deus por
ainda ter uma! Quando eu morrer, não adianta chorar no meu caixão, se nem
se importavam comigo em vida. Não é mesmo, Casey? — provoca vovó.
Minha prima comprime seus traços em frustração.
— Eu já disse que te amo, vovó. Não pode ficar jogando a minha — ela
abre aspas — falta de atenção na cara quando eu ligo para a senhora sempre
que consigo um tempo.
— E não faz mais que sua obrigação! — Ralha a velha.
— Lane também não tem tempo e a senhora não fica irritada com ele!
— Casey teima em continuar no assunto.
— Ei! Eu nem fiz nada para você! E eu não tinha tempo, hoje em dia eu
tenho bastante tempo útil, obrigado. Até mesmo para visitar a vovó mais
linda de todo o Texas. — Não sei por que minha prima ainda bate na tecla de
tentar lançar os problemas para ele, sendo que claramente o filho da mãe é
muito bom no improviso.
— Seu... Seu... Seu! — Casey começa a gaguejar e vovó se mantém
impassível.
— Não estou com paciência hoje para as brigas de vocês. Nem parecem
adultos! Então, vamos logo pendurar essas coisas horrorosas no mural, para
eu poder dar atenção às minhas convidadas especiais.
— Quem são suas convidadas especiais? — inquiro de novo.
Não por estar interessado, mas, simplesmente, pelo fato de estar
entediado e cansado de ouvir sempre as mesmas conversas no Natal. Vários
presentes idiotas e parentes intrometidos, tentando me convencer a embarcar
em um casamento, sem amor. Eles sempre dizem conhecer a pessoa perfeita
para mim, quando na verdade nós sabemos que não é assim.
— Eu seeeeei. — Cantarola meu irmão.
Dou um chute em sua canela para ele deixar de ser intrometido.
— Não abra a boca antes da hora senão eu vou dar motivos para trocar
a minha bengala, quebrando-a na sua cabeça! — ameaça vovó.
O que me deixa verdadeiramente intrigado. Por qual motivo eu não
posso saber?
— Por que a senhora me odeia tanto? Já fiz essa pergunta, mas ainda
não respondeu. Sou o seu neto que mais sofre! — digo teatralmente.
— Diabos como eu odeio o drama nesta família! — resmunga ela.
— Para acabarmos com isso é fácil, basta a senhora me dizer quem são
seus convidados — falo, como quem não quer nada.
— Convidadas. E você entenderá quando for a hora certa.
Dale me fita e sacode a cabeça animado, como quem está eufórico para
que isso aconteça. Não entendo tamanha empolgação, quando eu não estou
nada tentado a sair do meu quarto durante as próximas horas.
— Tanto faz. — Resmoneio — não sairei do meu quarto tão cedo.
— Veremos — adverte.
— Vovó — grita Casey — por que precisamos guardar os suéteres se
amanhã precisaremos usá-los? Essas coisas horrorosas e vergonhosas? Para
mim é contraproducente fazer toda essa cena para depois matarmos todos da
família do coração.
— Pare de falar sobre doenças do coração, é coisa séria. — Ralha vovó,
fazendo-nos perceber que tocamos em um assunto delicado que não fazíamos
ideia — e guardam porque eu conheço os netos que tenho, vocês queimariam
a casa só para destruir essas porcarias que fizeram.
O silêncio que se forma na fila indica que todos prestamos atenção na
sua leve exaltação sobre a frase de Casey. E assim como há uma certa tensão,
paira também um medo aterrador de que vovó esteja escondendo alguma
coisa da gente.
Reclamamos, mas, não imaginamos nossa vida sem ela.
E estamos plenamente cientes de que não é mais uma pessoa nova, o
que nos leva a aproveitar cada segundo possível.
— Faz sentido tentarmos destruí-los se tivermos a chance — concordo
por fim.
— Vovó, a senhora está escondendo alguma coisa da gente? Sobre o
coração? — Kendrick explana a dúvida que todos nutrimos, mas não tivemos
coragem o suficiente de perguntar.
Por puro medo da resposta.
Contudo, vovó arregala os olhos como se não tivesse pensado na
interpretação da sua repreensão e vai até ele, batendo com a bengala nos seus
dedos não muito protegidos por uma pantufa. Os olhos dele se tornam pétreos
e sem vida, enquanto a dor se espalha por seu corpo.
E não é um exagero dizer que vovó tem uma força desgraçada no braço.
— AINDA VÃO TER QUE ME ATURAR POR MAIS DE DUAS
DÉCADAS, SEUS INFELIZES!
Afasta-se claramente irritada pela pergunta de Kendrick, que se apoia à
parede, massageando seu pé massacrado; enquanto todos nós suspiramos
aliviados ao perceber que sim, teremos que aturá-la por muito tempo ainda.
Graças a Deus por isso!

Sento em minha cama e fito o horizonte, com a montanha Aspen


atraindo minha total atenção. As diversas luzes amareladas com tons de
laranja refletindo na neve, tornam a paisagem encantadora de uma maneira
única. Elas flutuam e ondulam por entre o branco e o enchem de cor
conforme a noite se estende, tão mágica quanto uma feiticeira. Não preciso
conhecer cada pessoa por trás das luzes distantes, pontos que não consigo
enxergar, para saber que elas estão tendo um bom momento em um destino
tão incrível como esse.
Batidas na porta tiram-me do transe e sou obrigado a levantar
desgostoso para mandar quem quer que seja, embora.
Mas, não poderia fazer isso com quem se encontra no corredor, alguém
que me fita com total dedicação e amor imprensados em seu olhar enrugado e
castigado pelo tempo.
— Querido, eu preciso conversar com você — vovó vai direto ao
assunto.
Sei o que ela quer dizer.
Pearl é tão protetora com os netos que finge amedrontá-los com a
bengala, quando na verdade facilmente daria sua vida para que fôssemos
felizes.
Aumento a fenda da porta para que ela entre e fico quieto, aguardando
que comece a falar.
— Desde que tudo aconteceu — ela não precisa ser mais direta que isso
— eu tenho buscado entender seu luto e sinceramente, também ficaria da
mesma forma se perdesse meu marido de maneira tão trágica e inesperada.
Porém, como uma avó que ama seu neto, não consigo vê-lo se machucar dia
após dia, sendo destruído por lembranças que jamais serão revividas, e ficar
em paz com isso. Quando deito minha cabeça no travesseiro, tudo no que
penso é em um homem incrível, com princípios e muito amor guardado no
coração, sendo alvo da infelicidade por se manter preso a um passado
traumático, ignorando toda e qualquer ajuda de sua família.
— Vovó... — tento interrompê-la, mas ela ergue a mão, pedindo-me
para que a deixe continuar.
— Por isso, quando se der conta do que planejei, espero do fundo do
coração que não fique bravo comigo por ter passado por cima dos seus
pedidos e decidido entrar em ação antes que seja tarde demais. Não estou
querendo apagar Dolores da sua memória, jamais. Até porque eu amei aquela
menina como minha neta e sempre terá um espaço em nossos corações, mas,
chegou a hora de você voltar a viver, e focar apenas nos momentos bons para
deixá-la em paz em sua passagem para o céu. Sei que o acidente acabou com
a nossa família, e principalmente, despedaçou seu coração e o que estou
pedindo, Damon, não é para que a esqueça, mas para que a deixe no passado
e viva sua vida. — Vovó senta-se e dá pequenos tapas na cama para que eu
faça o mesmo, unindo minhas mãos nas suas assim que a obedeço — Me
deixe partir quando chegar a minha hora, contente e em paz por ter
conseguido trazer alegria aos meus netos?
Eu fico sem saber o que dizer.
— Não fico assim porque eu quero, vovó. Na verdade, eu gostaria de
esquecer aquele dia, mas ele fica voltando e voltando em minha cabeça,
aterrorizando minhas noites de sono e me fazendo gritar de dor, como se
estivesse de volta naquele momento. Eu não sei se consigo retornar ao
homem que era, e por mais que eu queira, que eu deseje com todas as minhas
forças pacificar a preocupação da senhora, posso não ser capaz. É impossível
fazer com que uma árvore volte à vida em um solo que se tornou infértil.
— Você sempre foi o meu neto mais animado e que amava aprontar.
Lembro como se fosse hoje quando você decidiu que pintar o cabelo do seu
irmão de roxo, enquanto ele dormia, era uma peça e tanto. — Vovó solta um
riso baixo sacudindo o corpo — Dale saiu gritando pela casa, e eu não sabia
se morria de gargalhar com a sua cara de culpado ou se o colocava de castigo.
Eu adorava quando seus pais tiravam férias porque eu sabia que então teria
meus netos apenas para mim, para poder aproveitar o curto tempo que nos é
dado com nossos entes queridos nesta vida. E foi a pior coisa que já me
aconteceu, vê-lo tão quebrado e irreconhecível, como nos dias que sucederam
a morte de Dolores.
Sinto uma dor sepulcral, apenas ao ouvi-la dizer isso. Há muito tempo
ninguém da família tocava no assunto e tal coisa, meio que me deixou à
vontade para continuar remoendo apenas nos momentos de solidão, ciente de
que quando eu ficasse sozinho, voltaria a sofrer em silêncio, livrando a todos
da minha presença amargurada.
Não contenho a vontade de abraçá-la, virando-me para minha avó e
passando meus braços ao seu redor, de maneira firme.
A ferida está aberta de novo.
Trazer o assunto à tona, revive o pesadelo de quando dei adeus à minha
vida e chorei todas as lágrimas que havia em meu corpo.
— Eu sinto tanto a falta dela — falo, me agarrando a vovó.
Antes que eu combata a tristeza, lágrimas pesadas e carregadas de
arrependimento descem por meu rosto. Arrependimento por não ter
aproveitado mais ao lado da minha mulher, arrependimento pelo maldito
celular, arrependimento pelas discussões que tivemos ao longo do tempo que
ficamos juntos, arrependimento pelos momentos em que passamos sem
conversar, irritados com alguma coisa idiota e que não valia a pena nosso
afastamento. Arrependimento, principalmente por ter tornando a minha vida
tão dispensável, que Dolores seria a primeira a me recriminar se pudesse.
Arrependimento, por não continuar sendo o homem que ela tanto amou.
Arrependimento, por me prender à sua memória e não deixar que ela
descansasse.
Arrependimento, por não viver a minha vida, quando a minha única
obrigação com nosso amor, e ter ficado aqui, é aproveitar cada segundo como
se ela estivesse olhando de cima diretamente para mim.
Arrependimento, por não conseguir lidar com a existência sem ela.
Arrependimento, por me lembrar mais dos piores momentos do que os
felizes que vivemos.
E é graças a essa carga de culpa que eu choro tudo o que mantive para
mim em todos esses anos nos ombros de vovó, molhando sua blusa de lã,
quente e acolhedora, passando minhas mãos pelas suas costas, tentando me
agarrar a alguém que possa me ajudar a conviver comigo mesmo depois de
perder metade da minha alma.
— Todos sentimos, querido, mas, você não tem culpa. Não tem culpa
de nada. — Vovó passa a mão em meu cabelo, alisando os fios como
costumava fazer quando eu era criança e me machucava com alguma coisa.
Seu carinho é tão potente que eu sinto meu estômago revirar.
— Eu a amava tanto, vovó. Tanto.
— Continuará amando, mas não desse jeito que imagina. Precisa amá-
la no passado, e não esquecer dos momentos lindos que viveram juntos, mas,
é essa sua determinação em deixar com que Dolores faça parte da sua vida,
mesmo depois de morta, que está retardando a sua cura. VOCÊ. PRECISA.
SE. CURAR — fala pausadamente, tentando imprensar essa verdade em
minha cabeça. — Nem mesmo se livrou das coisas dela. Precisa deixar que
parta, e parar de ver a sua vida passando à frente dos seus olhos sem que você
esteja vivendo-a.
— Mas, por quê? Por que Dolores?
— Se eu soubesse a resposta para tudo na vida, te diria. Mas, a maioria
das perguntas que nos fazemos, estão longe de possuir uma resposta. Essa é
uma delas. As coisas acontecem sem motivo aparente.
— Não consigo me conformar. Simplesmente não consigo.
— Não só consegue, como deve. Não é algo que você possa escolher
voltar atrás e desfazer tudo, então só lhe cabe lidar, mesmo que sem entender.
— Essas cicatrizes me mudaram.
— Te tornaram mais forte. Aposto que de onde estiver, Dolores está
torcendo por sua felicidade e ficando tão triste quanto todos nós ao perceber
que você — ela cutuca o meu peito com o indicador — a parte mais
importante nessa equação, é que não faz qualquer esforço para sair de um
buraco raso, que com um pulo você conseguiria escapar. Quanto mais tempo
se corrói, é como se estivesse com uma pá, cavando dia e noite, sem parar,
para ficar preso por escolha própria em uma cova invisível e perigosa que
existe apenas bem aqui — indica minha cabeça — na sua mente.
— Queria que fosse tão fácil escapar desse buraco como a senhora faz
parecer.
— Deixe que a família ajude. Permita que o amor abra caminho de
novo em seu peito, que ele te transforme, — ela para um pouco e repensa sua
fala — ou melhor, deixe que ele liberte o homem que eu amo tanto que está
aí, trancafiado em correntes de medo. Tenho certeza de que você irá descobrir
como é libertador permitir que as pessoas façam parte da sua vida e que elas
travem as suas batalhas junto com você. Diminui o peso do fardo dividi-lo
com quem está disposto a te ajudar. Eu tento fazer isso sem carregar peso —
ela se enverga com a mão na coluna — porque céus, minha coluna já não é
mais como costumava ser.
Sorrio em meio às lágrimas, achando incrível a habilidade que vovó
possui de dar os melhores conselhos e ficar totalmente séria em um momento,
para no seguinte bancar a pessoa mais espontânea do mundo.
Não é um choro de solidão ou tristeza, é um choro de desabafo.
Que limpa os caminhos que trilha, retirando do meu organismo toda a
carga de penitência que me fez fugir de todos e me manter trancado em uma
ferida autoimposta, ciente de que eu só poderia seguir em frente se me
permitisse ser ajudado.
É a primeira vez que eu cutuco a ferida para valer.
Eu a deixo sangrar, doer, até que o sangue podre que há nela termine de
jorrar.
A morte não é algo o qual você consegue esquecer, quando ela se
aproxima tanto da sua vida e traga o que de bom há nela. Mas, se eu não
aprender a conviver com isso, qual a diferença de estar vivo para debaixo da
terra?
— Eu amo a senhora — sussurro, voltando a abraçá-la com
intensidade.
— Eu sei, garoto, pode apostar que eu sei. — Deposita tapinhas
calorosos em minhas mãos — E por me amar como diz, quero que prometa
que não ficará irritado quando descobrir tudo e, também que deixará as coisas
seguirem, sem querer atrapalhar imediatamente.
Sinto que me arrependerei de prometer isso, mas ela fez com que o
momento se tornasse propício para uma promessa de minha parte. Não sei se
foi a sua intenção amolecer meu coração para depois apunhalá-lo, contudo
decido acreditar que não.
— Tudo bem, prometo.
Vovó retira então um celular do seu bolso, encerrando a gravação de
voz, com um sorriso ardiloso se esparramando em seu rosto.
— Vovó, o que a senhora fez? — pergunto, imaginando que ela usou
de artifícios para que eu concorde com um absurdo.
— Nada demais — levanta-se, alisando sua roupa — só tenha a sua
resposta em mente e nada de ficar bravo com sua avó quando as coisas
acontecerem.
Salta da cama em uma prontidão que me assusta, fazendo questão de
pescar a bengala ao seu lado para voltar a fingir que precisa dela para manter
sua estabilidade. Abre a porta sem esperar por mim e antes que ela saia, eu a
impeço ao dizer:
— Por que sinto que vou me arrepender?
— Por que você provavelmente vai. — Ela sai assim que termina de
falar.
Vou até a porta para ver se consigo tirar alguma informação dela, mas,
é inútil. A senhora já desapareceu, se movendo tão depressa quanto um
predador atacando sua presa. Porém, algo me faz travar sob meus pés, quando
vejo de relance uma mulher entrar em uma porta, algumas depois da minha,
deixando apenas o vulto em seu rastro.
Eu a conheceria em qualquer lugar.
Mas, não tem como algo assim acontecer.
O que Candy estaria fazendo aqui?
Inspiro o frescor que se apodera do ambiente e meus pulmões se
expandem com o cheiro doce que ela exala.
Busco esquecer essa fantasia, presumindo que a figura só apareceu para
mim porque eu fiquei pensando no que minha avó falou, sendo que a única
mulher que me veio à cabeça, enquanto ela dizia todas aquelas coisas, era
Candy e a sua capacidade de mexer comigo como nenhuma outra antes dela
foi capaz. Eu sequer olhava para o lado, mas quando ela chegou, eu não
apenas olhei, como cobicei seu corpo esguio e sua companhia devastadora.
Como se precisasse dela, como se eu estivesse me apaixonando por ela.
Ou já estou apaixonado e não sei identificar?
Contudo, foi só minha mente pregando peças.
Ela não está aqui.
Mas, eu amaria que estivesse. Para poder me sentir vivo de novo e ter
todas aquelas sensações incríveis fazendo meu sangue entrar em ebulição e
meus neurônios fritarem com a temperatura.
Intenso.
Tão poderoso que é como se uma corda invisível nos unisse.
Acho que estou ficando oficialmente louco.
“Creio que eu me esqueci de respirar.”

— Damon, primo — Lane me cumprimenta com aparente tensão.


Ele sabe que eu não gosto de ficar em ambientes muito cheios. Sendo
que, a maior parte da família, junta em um mesmo lugar, é praticamente meu
inferno pessoal. Como em qualquer outra família, nós sempre temos os que
amamos e os que não fazem muita diferença. O que não ajuda nada, é notar
que este segundo é a maior porcentagem na enorme sala.
— Lane.
— Eu preciso conversar algo com você...
Meu corpo fica tenso. Quando as pessoas começam uma conversa com
essas palavras, significa que a outra ficará incomodada com o assunto, assim
como eu.
— Fala.
— Há um tempo eu estou pensando em fazer essa oferta. Tenho
conversando com vovó sobre o assunto também e perguntei o que ela acha.
Me disse que é a melhor decisão que posso tomar. Mas, de nada adianta
contar com isso sem falar com você antes, a parte mais importante.
— Pare de enrolar e vá direto ao assunto — digo sem rodeios.
Qualquer outro no lugar do meu primo teria se ofendido com a minha
maneira rude, mas, não ele, que gosta de ser prático tanto quanto eu.
— Preciso de ajuda na Kingston Company. E quem melhor do que um
contador e administrador tão capacitado como você? Sei que escolheu se
manter isolado e eu entendo totalmente. Mas, preciso da sua ajuda. — Abro a
boca para recusar e Lane ergue a mão me impedindo, para que eu o espere
terminar de falar — Prometi para a minha mulher que passaria mais tempo
com ela e nossa filha, só que eu não vou conseguir cumprir se não tiver
outras pessoas de confiança trabalhando comigo. E Damon, eu compreendo
de verdade o quanto deve ser difícil para você, principalmente agora que eu
tenho uma filha — travo o maxilar, porque todos começaram a trazer este
assunto à tona — mas, sabe que queremos o seu bem. Nós te amamos e
cansamos de vê-lo desperdiçando a vida. Não pode viver lamentando o que
perdeu, porque isso não muda nada.
Engulo em seco, ingerindo todas as palavras que rondam minha mente.
Se eu disser tudo o que penso, até mesmo Lane pararia de falar comigo.
Como ele quer que eu fique? Tendo tudo o que eu sonhei um dia ter? É tão
fácil falar e pedir para mudar quando não se está na pele do outro. Sou um
homem, com defeitos e sentimentos malucos, dentre eles uma inveja forte e
inexplicável do que ele conseguiu, ao mesmo tempo em que acho louvável a
sua iniciativa de pedir ajuda — algo que ele jamais faria antes de se casar
com Betsy.
E eu?
Preciso pedir ajuda?
Essa pergunta me destrói e me faz duvidar se estou seguindo o caminho
certo.
— Não sei se é uma boa ideia. Sabe que não sou mais tão calmo. Por
que não chama Kendrick?
A atenção de Lane é atraída para um ponto atrás de mim e não preciso
pensar demais para decifrar que ele deve olhar para a sua esposa.
— Estou pensando seriamente em arrastá-lo para os negócios também.
Manter-se ocupado irá ajudar Kendrick e ao mesmo tempo unir ainda mais
nossa família. Estive cogitando a hipótese de todos os primos trabalharem
para dividir o fardo. Não sou mais o mesmo homem e uma mulher muito
sábia me ensinou que eu preciso sempre buscar evoluir, para uma versão
melhor de mim.
— Uma mulher sábia, de fato. — Escuto a voz de Betsy atrás de mim e
me viro para cumprimentá-la.
Ela é o total oposto do meu primo. Vive o momento, é simpática,
radiante e possui uma aura tão gostosa que as pessoas adoram ficar em torno
dela, ouvindo-a falar e divagar. Também, por infelicidade da sua sorte, é a
atual campeã do Kingstone, um jogo original dos Kingston e que ela
conseguiu ganhar sendo que nem sabia ao certo jogar. Uma merda. Os primos
tendem a se tornar selvagens no que diz respeito a este jogo e não gostamos
de perder, é a verdade. Um defeito de todo e qualquer ser humano da terceira
geração da família.
— Betsy — cumprimento-a com um aceno e ela não demora a abrir um
sorriso.
— Pensei ter ouvido a voz do mais recluso de todos. Mas, dou graças a
Deus por você não aparecer tanto quando Kendrick. — Ela revira os olhos e
sei o que quer dizer.
Seu cunhado é muito desnecessário quando quer.
— É um mal de família ser intragável — pisco para ela e finjo não
notar o olhar irado que Lane me lança — e como está Melanie? Aquela
garotinha tem grande parte do meu coração, mesmo que eu quase nunca
apareça. — E todas as vezes que olho para ela sinto como se estivesse diante
de tudo o que perdi.
No entanto, não digo a última parte.
— Vovó está lendo uma história para ela. Apareceu no quarto e me fez
descer, dizendo que eu preciso deixar que conviva com a bisneta, como se eu
fosse um monstro que a impedisse quando a verdade é que Pearl fica mais
com a menina do que qualquer um. Juro que a primeira palavra que Mel vai
proferir será vovó e não mamãe ou papai!
— Tenho certeza disso, Bets, já vá se acostumando — exclama meu
primo.
— Esse sempre foi o sonho dela, ter bisnetos para poder estragá-los. A
gente nunca teve essa sorte — digo e olho para Lane, que ostenta um sorriso
de cumplicidade.
— Ah, tivemos sim. Mas, vovó ainda estava se descobrindo nessa coisa
toda de bengala. Infelizmente fomos as cobaias.
— Acreditam que ela me disse que já demos uma bisneta, mas agora
faltam seis?! Ela quer que a gente — indica o marido — tenha seis filhos?
Lane sorri.
— Não, querida, sete. Se ela disse mais seis, então seremos pais de sete.
— Nem por cima do meu cadáver! Sete?! Sete, Lane? Cuidar de uma já
não é fácil e eu não estou com planos de passar de três, levando em conta
inclusive a pressão da vovó. Ela só pode estar ficando maluca!
Meu primo não se dá ao trabalho de dizer nada. Ele conviveu com vovó
tentando convencê-lo a se casar por mais de uma década. Se existe alguém
capaz de aguentar a pressão de Pearl, esse alguém é Lane.
— Tem razão. Mas a gente ama aquela velha mesmo assim. — Resolve
concordar para evitar maiores contratempos.
Sábia atitude de sua parte.
Sem desentendimentos com vovó e muito menos com a esposa.
— O que seríamos de nós sem seus ensinamentos? — afirmo.
— Nem um terço das pessoas nas quais nos tornamos — rebate ele.
— Mas, isso ainda não me deixa animada para sentir contrações por
mais seis vezes. Amo a Pearl, no entanto, nada de me ameaçar com bengala
por esse motivo.
Olho em volta e Lane faz o mesmo. Ambos com motivos muito sólidos.
— Sorte a nossa que ela está lá em cima — solto um suspiro
prolongado — você levaria bengalada por dizer isso em voz alta — aponto
para Betsy — e eu e Lane sofreríamos simplesmente por termos ouvido. Ela é
terrível e tem um humor do inferno. Acho que o demônio fugiria dela se a
visse! Tive um sonho uma vez, em que vovó era a personagem central dele e
quando foi parar no inferno, para pagar seus pecados, o belzebu a mandou de
volta para o céu, porque não aguentaria lidar com ela. Segura essa carga aí
Deus, que a filha é sua!
Meu primo gargalha, assim como a sua esposa.
— Senti falta desse humor em você, Damon. De verdade — só nós
entendemos as centenas de admissões que permeiam essa frase.
— É, eu também — murmuro, e Lane quase não escuta, porém, seus
traços se tornam compreensivos e eu agradeço por isso.
— Já é o momento para nos escondermos? Sei que isso soa terrível,
mas eu posso odiar algumas pessoas da minha própria família? Ou melhor,
odiar é uma palavra muito forte, mas eu posso ao menos não gostar tanto
assim? — Kendrick se aproxima reclamando, o que ele faz muito, aliás —
Diabos, não aguento mais o tio Pod falando asneiras e humilhando a titia.
Não sei por que ela aceita isso, ciente de que todos sabem das escapadas que
ele dá com mulheres com a metade de sua idade e nem um pingo de juízo na
cabeça. E obrigado, Lane, por proibi-lo de usar o jatinho da empresa, agora
sinto-me menos revoltado ao notar que alguém que merecia se foder foi posto
em seu lugar.
— Quanto ao relacionamento deles não posso fazer nada, mas referente
às questões que afetam diretamente a companhia, é meu dever interferir e
prezar pelo bem de todos os funcionários, assim como dos acionistas. —
Lane é astuto.
— Sei que não temos que nos meter no relacionamento deles e sabe-se
lá se é assim que escolheram seguir o matrimônio — Kendrick troca o peso
de perna e emite um tsc — mas é chato demais ter que ficar no meio dessa
loucura. Vovó nos ensinou a respeitar as mulheres acima de tudo, então meio
que ficamos lutando contra os ensinamentos dela e as ações de um de seus
filhos.
— Sobre o tio Pod? — Jenna se aproxima, com a sua habitual falsa
serenidade.
Cada um de nós esconde segredos e tragédias que escolhemos manter
trancafiados no passado. Há fantasmas que estão mais efetivos em nossas
vidas do que o presente que vivemos.
— O próprio. É insuportável manter sequer alguns minutos de
conversação com ele. E não entendo por que vovó se sente culpada, ele
claramente não mudaria nem com a melhor criação do mundo.
— Não me dou ao trabalho de tentar conversar. É um dos parentes com
o qual eu não nutro nenhuma afinidade. — É Bessie quem fala. — Ainda
bem que ele não teve filhos, caso contrário, tornaria a vida deles um inferno,
imagino.
Pergunto-me se algum dia um de nós conseguirá ficar sozinho,
remoendo suas neuras sem que todos se intrometam como o fazem agora.
— Bessie, por que sua testa está vermelha? — indaga Kendrick,
ignorando a fala dela com perícia.
— A porcaria da caneta permanente que vovó usou. Eu quase tirei toda
a pele para apagar aquele nome patético — exclama Casey se aproximando.
Como eu disse. Ficar sozinho, em um lugar no qual estão todos os
primos é praticamente impossível.
— Acetona tira — digo calmamente.
Todos se voltam para me fitar, curiosos em como sei disso.
— E como descobriu? — Bessie questiona com ligeira curiosidade.
— Pesquisei na internet — exclamo o óbvio.
— Por que não pensei nessa droga?! Merda, me sinto muito burra
agora!
— Quando o desespero toma conta é normal tomarmos atitudes
estúpidas.
— Eu que o diga — afirma Lane.
— Essa foi a frase mais verdadeira que já escutei hoje — concorda
Betsy, sua esposa.
Eles se entreolham e se entendem apenas com esse gesto.
De novo, pela segunda vez na noite, sinto uma pequena centelha de
cobiça por tudo o que eles possuem. No entanto, algo mais me atravessa, uma
sensação de estar sendo observado que me distrai dos pensamentos nada
leais. Vasculho o ambiente, procurando a origem da impressão e topo com
alguém que jamais imaginei encontrar aqui.
Há um julgamento velado por trás de seus olhos.
Nossa troca de olhares é tão intensa que minutos se passam antes que
alguém se pronuncie.
— Por acaso são aquelas as convidadas da vovó? — inquere Bessie,
atraindo nossa atenção.
— Candy! — Dale fala alto demais, atraindo a atenção de vários de
nossos parentes, enquanto caminha de braços abertos até a origem dos meus
questionamentos mais aterradores.
Se não é um sinal divino, é um diabólico.
O mais irônico em tudo é que Dale passa o braço pelos ombros dela e a
arrasta até a nossa roda, eufórico com a possibilidade de me ferrar de vez.
Flexiono meus dedos, detestando meu irmão por ele estar com as mãos
no lugar que as minhas deveriam estar.
Assim que eles se aproximam o bastante, ele para, olha para mim
atentamente. Trato de mandar, sem emitir som “tire a porra das suas mãos
dela.”
Ele dá de ombros e diz:
— Gente, essa é Candy Sinclair, filha do Makai. — Esta última parte,
Dale diz sem disfarçar que está aproveitando o meu momento de percepção.
Candy Sinclair...
A mulher que ele me apresentaria há mais de dez anos, no mesmo dia
em que eu conheci Dolores.
Se essa não é uma brincadeira do destino, o que mais poderia ser?
Minhas pernas falham e apoio uma de minhas mãos no ombro de Lane,
que fica confuso com o gesto, mas nada diz.
É um pesadelo.
E um sonho ao mesmo tempo.
Como posso me enterrar em tamanha controvérsia?!

Candy

Uma voz áspera e ao mesmo tempo divertida flutua até mim. Eu


conheço esse tom, o timbre, a suavidade escondida por detrás da rouquidão.
Aguardo um tempo para verificar se não estou delirando ou coisa parecida.
Dada a minha vontade recente de querer procurar o homem em Aspen, sem
qualquer noção de onde ele está, talvez eu esteja mais maluca do que o
normal.
E escutar o som em meio a tantas pessoas?!
É, só pode ser loucura!
Volto a me mover por entre os Kingston, quando eu escuto de novo a
voz. E sei que ele está aqui, porque meu coração se embola em uma de suas
batidas, o que faz as restantes acelerarem afoitas por um vislumbre seu.
Congelo, incapaz de me mover, procurando nos rostos presentes, um
que eu reconheceria a milhas de distância.
Arfo assim que o encontro.
De onde estou, só consigo enxergar seu perfil, mas eu sei que é ele.
Não existem homens assim em cada esquina. Está sem barba, seu olhar é frio
e descrente, o queixo desponta um pouco à frente da boca e suas mãos estão
nos bolsos da sua calça. A postura sempre tensa, como se ele estivesse
evitando batalhar uma guerra. Esmiúço cada detalhe por longos minutos. Ele
parece tão diferente e tão similar. Minha admiração é totalmente descarada e
não demora para que ele a sinta, virando-se e se deparando comigo.
Contemplo a maldita mandíbula quadrada, bem desenhada, como eu
imaginei.
Suspiro fascinada.
Porcaria!
Por que eu sou tão sem vergonha assim?!
Antes, Damon era um deus nórdico, de beleza rústica e hipnotismo
potente.
Agora, ele se transformou em um deus olímpico de beleza incontestável
e sensualidade avassaladora.
O homem pisca diversas vezes, incrédulo com o que vê.
Noto que ele fecha os olhos por instantes.
Será que pensou em mim tanto quanto eu pensei nele?
Percebe que estou ali de verdade quando ao subir as pálpebras, me
encontra parada no mesmo lugar. Sua boca se entreabre em espanto e ele não
desvia a atenção nem quando alguém fala com ele.
Nesse momento, no espaço de um segundo, com nossos olhares
sustentando um ao outro, a verdade me assola e eu preencho as lacunas que
minha mente lerda decidiu ignorar.
O Damon da família é o mesmo quê...
Ah, céus!
Eu estou muito fodida! De verdade!
O abominável homem das neves, que foi tão grosso comigo, que me
tratou mal para depois me mostrar que essa era apenas a sua maneira de
sofrer, é o homem que perdeu a esposa grávida em um acidente e que se
mantinha tão recluso que nem mesmo os seus familiares o viam com
frequência, tão citado por todos a minha volta. O que explica o outro que vejo
próximo a ele, sorrindo e bebendo alguma coisa; seu primo que foi buscá-lo.
Por que inferno, eu não tentei conhecer a família mais a fundo antes?
Se eu o tivesse feito, nada dessa porcaria estaria acontecendo. Mas, não, claro
que eu os evitaria, pensando que são tão mesquinhos como os demais. Como
eu fui estúpida.
Eu teria percebido antes, bem antes de sentir o choque que se manifesta
estrondosamente em meu corpo.
Não seria mesmo possível que houvesse tantas coincidências assim. Ele
me falando sobre a avó, sobre a criação em Dallas, tudo o que me diziam
sobre o Kingston viúvo e recluso, droga! Como porcaria não fui capaz de
usar a minha inteligência e unir os pontos que estavam todos bem à frente do
meu nariz?
Tropeço em meus próprios pés, curvando o corpo, sentindo uma dor
absurda se esparramar por meu tórax, fazendo com que o ar se torne escasso
em meus pulmões.
Onde inferno eu fui me meter?
E por que me sinto tão... em casa?
“Que mulher mais... não sei nem definir ao certo, só que ela é
demais.”

Olho para Candy durante um tempo extremamente longo, enquanto ela


conversa com meus primos e sorri sem rodeios para Betsy. Ambas parecem
ter se dado muito bem, como imaginei desde o princípio. São duas raposas
traiçoeiras, assim como vovó, o que também não me espantaria se Candy
conquistasse essa também.
— É solteira, doçura? — Kendrick provoca e lança uma piscadela para
ela.
Sei a quem ele está querendo deixar irado e não darei esse gosto de me
ver perdendo a razão.
— Ken e suas conversas previsíveis — lamenta Casey.
— Minhas conversas não são nada previsíveis. Inclusive, a última
mulher que frequentou minha cama achou meu charme irresistível, cara
prima. Você está revirando os olhos porque não encontrou nenhum homem
tão talentoso quanto eu no dom do flerte e fica mal-humorada. Pena que
somos primos.
— Isso é verdade. Mas, nem sempre foi assim! Alguém lembra daquela
menina na escola... — Jenna estala os dedos tentando se lembrar, inutilmente.
— Pandora — falo.
— Ah, essa mesmo! — grita ela de forma exagerada — Como eu
esqueci um nome tão diferente? Mas, enfim, eu lembro que ela era toda
estudiosa e o Kendrick corria atrás dela em um desespero sem fim, mas a
garota jamais olhou para esse cara que tinha acabado de voltar de um
internato, não é? Todo misterioso e metido a menino mau — ela bagunça o
cabelo dele e meu primo não gosta nada. — Mesmo ostentando essa droga de
traços bonitos desde sempre.
— Então Pandora é seu assunto proibido? — inquiro, divertindo-me
com a irritação do mais impertinente de nós.
Finalmente encontramos o assunto sensível em sua vida. É uma vitória!
— Não sei como são capazes de ressuscitar algo tão velho como isso.
Foda-se Pandora. Quem disse que eu gostava dela? Sem chances. Aquela
garota insuportável. E pelo amor de Deus, eu era só um moleque.
— Algumas pessoas se apaixonam na época da escola e continuam
apaixonadas para todo o sempre, que nem conto de fadas, sabe como é —
Bessie continua batendo na tecla.
Quanto mais Kendrick se sente pressionado e incomodado, mais nós
prosseguimos. Para momentos como esse que a família serve.
— Vocês já foram se foder hoje? Que merda! Quando foi que a porra
do assunto virou para o meu lado?
— Ninguém mandou demonstrar incomodo com o nome dela.
Inclusive, sabia que Pandora está trabalhando para o Lane?
Este, que em questão estava conversando com um de nossos tios, vira-
se à menção do seu nome, como uma águia. Betsy que estava ao seu lado,
entretida com a conversa do marido, também é atraída pela perspectiva de um
assunto interessante.
— Quem está trabalhando para mim?
— Pandora — diz Jenna. — A Pandora que o Kendrick vivia correndo
atrás.
— Kendrick interessado tanto assim por uma mulher? — inquere Betsy
— caramba que divertido! Seria bacana ver esse espécime irônico se
dobrando diante de uma mulher, não? — até ela entra com facilidade na
brincadeira.
— Pandora Andrews — divaga Lane — sei que ela tem um nome do
meio, mas não me lembro. É a melhor analista financeira da empresa. Uma
excelente profissional e simplesmente... — ele toma um gole de uísque do
copo que segura — não tem nada em comum com esse cabeça oca do meu
irmão.
Percebo que Kendrick desaba os ombros em derrota, aceitando que essa
brincadeira jamais terminará, uma vez que ninguém sabia seu ponto fraco e
agora que sabemos...
— Merda! Vocês estão dando mais importância a isso do que
necessário.
— Não vai escapar tão cedo. Vamos te perseguir com Pandora
Andrews.
— Eu acho engraçado é que tem alguém aqui muito mais na merda do
que eu, e que vai ceder bem antes, enquanto estão aí presumindo que irei
continuar correndo atrás de Pandora Andrews! Eu já tenho trinta e dois anos,
pelo amor de Deus! Não quinze! E uma lábia que garante a minha cama
aquecida sempre que eu quiser, seria deprimente investir minhas fichas em
uma pessoa que não consideraria a ideia de se soltar um pouco.
Todos arqueamos uma sobrancelha.
É a droga de uma mania Kingston.
Porque simplesmente percebemos que Kendrick tem conversado com a
tal Pandora devido ao seu tom. Ele não falou em um passado distante, mas
como se ela ainda não quisesse experimentar umas sacanagens com ele.
Meu primo engole em seco e estreita as pálpebras arrependido ao
perceber a margem que abriu.
— Pelo visto Pandora não está tão fora da sua vida quanto gostaria.
— O inferno que não está! Eu só a vi da última vez em que fui para a
sede da companhia, nada demais. As pessoas se trombam o tempo inteiro no
mundo, vejam só... — é interrompido pelo salto fino de Candy, que esmaga
os seus dedos, quando estava prestes a falar sobre nós dois.
Mais uma vez desde que chegamos aqui, ele fica vermelho e contém
um grito de dor.
Fito a mulher decidida a não contar a ninguém que já nos conhecemos,
com uma pontada de mágoa pela sua ação. Porém, eu posso culpá-la? Depois
da maneira grosseira com que a tratei? De forma alguma, não sou idiota,
então permaneço em silêncio, saboreando não minto, a dor do meu primo
mais inconveniente.
— PO... — não consegue terminar e prossegue com a voz apenas uma
oitava de sua potência total — nem foi a vovó dessa vez... eu sou um filho da
mãe azarado. — Kendrick segura o pé entre as mãos, enquanto pula
desequilibrado.
“Podemos conversar depois?” — movo meus lábios discretamente para
Candy.
Ela finge que não vê.
Porcaria.
Ainda está aborrecida comigo e não a culpo.
— Desculpe, foi sem querer — desculpa-se falsamente.
— Sua sorte, padaria inteira, é que eu não sou um cara muito vingativo
e se me pedisse eu nem contaria.
— Contaria o quê? — questiona Casey curiosa.
— O que, realmente? — Dale volta para o assunto e sinceramente eu
nem percebi quando ele se afastou da roda.
— Não vou cair nessa de novo. Meu pé não aguentaria um terceiro
golpe em tão pouco tempo. — Kendrick levanta as mãos em sinal de trégua e
se afasta de nós, indo até a área parcialmente aberta, mancando, para apreciar
a vista da lareira em conjunto com a montanha iluminada.
Cogito aproveitar um pouco desta paz com ele, mas me mantenho no
lugar, preso, assim que Candy abre um sorriso enquanto conversa
paralelamente com Betsy.
— O que está acontecendo com Kendrick? Ele nunca levou as
brincadeiras a sério — sentencia Bessie.
Volto meu olhar na direção dele, que pende a cabeça à frente do corpo,
pensando em algo que apenas ele sabe o quanto machuca.
— Talvez não devêssemos ter tocado no assunto “Pandora”, ela pode
ser o “jarro” de Kendrick, uma vez que na mitologia grega Pandora foi a
primeira mulher criada por Zeus e que tinha posse de todos os males do
mundo em seu jarro, comumente conhecido como caixa de Pandora.
Ler tanto e viver em reclusão tem seus pontos fortes.
— Esse homem é um mito de conhecimento! — Casey bate palmas
exaltadas.
Faço uma reverência teatral em agradecimento.
— É verdade — concorda Jenna.
— Ela ainda mexe com ele, é simples — Casey volta a dizer — Para
Kendrick ficar desse jeito, o que aliás eu nunca vi, não existe outra
explicação. Pessoas tão alegres quanto ele, que fazem piada com tudo,
sempre escondem seus verdadeiros sentimentos. Pode parecer feliz e
despreocupado, mas a melancolia que vemos em seus olhos é real ao
contrapasso que o sorriso, não.
Fico verdadeiramente impressionado com a observação de Casey,
porque faz todo o sentido.
— Diferente do Damon que aparenta ser carrancudo e o é. — Apressa-
se Bessie.
— Eu sempre viro o assunto, e sinceramente fico sem entender.
— Porque parece sempre tão mal-humorado que ninguém suporta ficar
ao seu lado. — Alfineta Candy, em um sussurro, para que apenas eu ouça.
Contudo, sinto o olhar de alguém queimar minha pele e deparo-me com
Jenna, fitando curiosa a interação. Não respondo seus questionamentos
silenciosos, optando pelo negligente silêncio.
Por sorte, outra pessoa retoma o assunto adormecido e sou salvo.
— Pandora é bem séria e não tolera gracinhas. Se ele falou alguma
coisa para ela assim que a viu, não duvido que tenha respondido à altura —
fala Lane.
— Aquela de cabelo cacheado, muito bonita, e que se esconde atrás
daqueles óculos imensos? — questiona Betsy, com uma perspicácia que
apenas ela seria capaz.
Consigo imaginar com uma claridade absurda a mulher que ela
descreve, porque Pandora já era assim, estudiosa e contida desde a
adolescência. Além de muito esperta por não cair na conversa de um
Kingston com os hormônios à flor da pele.
— A própria.
Ela sacode a cabeça negativamente.
— Você tem razão, acho que ela jamais se interessaria pelo Kendrick.
— Jamais é uma palavra com um peso muito forte, não acham? —
suspiro.
Falei que jamais me envolveria com outra mulher.
Jamais me sentiria balançado com algum sentimento ligeiramente
parecido com amor.
No entanto, aqui estou eu, sem conseguir tirar os olhos de Candy.
Soltando inclusive essa frase, sem deixar de fitá-la.
Meus primos estreitam os olhos na minha direção e dessa vez o alvo
das sobrancelhas elevadas sou eu. Preciso aprender a disfarçar mais.
— Como já disse vovó, as coisas estão mudando por aqui. — Emite
Dale.
— Não é? — concorda Lane.
— Sou só eu que estou perdida? — inquere Casey — Estávamos
falando até agora da Pandora.
— Você sempre está perdida, Casey! — falamos todos em uníssono.
— Essa é uma verdade indiscutível. — Arrepios perpassam meu corpo
ao ouvir essa voz.
Vovó.
Vovó se aproximando.
Sua bengala ecoa o som pungente mesmo entre as dezenas de parentes
que nos rodeiam. É quase como se ela fosse um fantasma e estivesse presente
em todos os lugares ao mesmo tempo. Um poder incontestável da matriarca.
— Acho que eu deveria ter ido junto com o Kendrick — murmura
Jenna.
Não apenas ela tem este pensamento, como acredito que todos nós.
— Betsy, querida, a garota está dormindo como um anjinho. Ela é tão
linda! Puxou para a vovó, não é? — se intromete na roda, apoiando a
extremidade da bengala em um dos pés de Candy, que sem disfarçar morde o
lábio inferior para conter o grito de dor. — Deixei a babá eletrônica ligada,
como você pediu.
Como se fizesse de propósito — o que eu aposto que é — Pearl se
certifica de que a mulher não está gritando ou esperneando com o ocorrido.
Seu semblante assume conotação vitoriosa e ela finalmente retira a bengala,
fingindo que nada demais aconteceu.
— Ah meu Deus — exclama Candy, olhando para seu pé com uma
expressão sofrida.
— Eu fiz alguma coisa? — A senhora olha com falsa preocupação para
a mulher próxima a mim e prossegue — ah, querida, eu apoiei a bengala em
seu pé? Sinto muito! Muitíssimo mesmo! Não foi minha intenção!
Jenna deixa escapar um som de deboche.
— Não foi a intenção... — ironiza ela.
— Não escute meus netos, eles têm uma tendência muito errada de me
julgar mal.
— Imagino que sim — Candy não parece tão convencida.
Inclino-me um pouco para o lado, aproveitando que meu inferno
particular se aproximou de mim para escapar das garras da vovó e sussurro
em seu ouvido, sendo camuflado pelo som de todos os parentes tilintando os
copos conforme a noite se estende madrugada adentro. É dia 23. Faltam dois
dias para o Natal, sendo que no próximo todos já estarão em correria para
poderem colocar seus presentes debaixo da árvore de Natal imensa no centro
da sala. Não que sejam presentes interessantes no final das contas, sempre
que eu abro os meus, não consigo disfarçar o desgosto.
— Ela fez de propósito para testar você.
Candy franze as sobrancelhas e me olha de esguelha, sem entender por
que minha avó faria uma coisa dessa. Contudo, eu sei o motivo e não posso
afirmar se gosto ou o repudio.
— Vovó, a senhora fez isso para me testar? — Ela abre a boca e eu
engulo em seco com o olhar gélido que recebo da velha, sem deixar de notar,
é claro, a maneira com a qual Candy a chama.
Vovó.
Uma ruga de preocupação se forma em meu rosto ao imaginar que foi a
senhora traiçoeira quem pediu para ser chamada assim.
— Esse safado te contou, não é? E o que você faria se esse fosse o
motivo? — Pearl empina o queixo de forma altiva, passando longe de
aparentar a pouca estatura que possui — Vamos menina, eu não tenho o
tempo todo! Com oitenta e dois anos, se surpreenderia sobre como gosto de
as coisas serem feitas de maneira rápida, afinal, eu não sei quando vou fechar
meus olhos e cair no chão, com a passagem garantida para outra vida.
— Sinceramente, eu nem sei o motivo para esse teste. Então vou ficar
quieta e aguardar os desdobramentos.
Candy é mais esperta que todos nós.
— Vocês já foram apresentadas? — pergunto.
— Pearl Kingston não precisa se apresentar. As pessoas a conhecem de
longe, porque ela é única e nem mesmo precisa de eventos para chamar
atenção, porque ela é o evento — fala de si mesma na terceira pessoa de
novo.
Contenho a vontade de rir.
— Ficou louca de vez. Agora estamos fodidos — debocha Jenna.
Por sorte, a matriarca ignora a sua fala e sorri diabolicamente para mim,
retornando sua avaliação em seguida para Candy novamente.
— Quantos anos você tem mesmo?! — inquere, sem espantar ninguém
com a sua maneira direta.
— Vovó! — repreendo-a.
— O que foi, garoto? Sei que têm mulheres que não gostam de falar a
idade, mas, Candy não é assim, aposto. Além do mais, eu disse a minha, nada
mais educado do que ela me dizer a dela também. Não vejo nenhum mal
nisso.
Faz parte do teste.
Claro que faz.
Pearl nunca dá um ponto sem nó.
— Tenho trinta e sete — afirma Candy.
Vovó balança a cabeça em compreensão, e eu torço mentalmente para
que ela não pergunte nada mais vergonhoso, como o motivo para ela não
estar casada, ou não ter filhos, coisas do gênero que eu também ficaria muito
irritado se perguntassem a mim, porque tocam em partes igualmente sensíveis
para nós dois.
Com este pensamento em mente, percebo o motivo não para ter sido
fácil, mas mais aceitável eu lidar com Candy. Temos várias coisas em comum
e lutamos constantemente contra nós mesmos para que elas não passem a
definir quem somos.
— Uma boa idade, realmente — os olhos contornados por traços de
idade da vovó tornam-se sonhadores e eu agradeço a ela pela sensibilidade
em não levar o assunto para um caminho diferente — ah meus quase quarenta
anos. Que idade boa. Já passei o dobro disso e me sinto afortunada por poder
ter vivido tanto. Sabe, tenho uma bisneta, e muitas pessoas não têm essa
sorte, de passar tantos anos em vida, para ver a felicidade dos que mais ama.
Seu olhar relanceia na minha direção, perspicaz e misterioso.
— Realmente, a senhora já viveu demais, vovó. Conheceu o primeiro
presidente dos Estados Unidos e não duvido que tenha se encontrado com a
rainha para bolar o plano de dominarem o mundo e viverem eternamente —
zomba Jenna.
Porém, vovó parece de extremo bom humor, uma vez que ignora o que
ela diz e apoia a bengala no chão, com as suas duas mãos sobre ela.
— Quando eu morrer não quero ver ninguém chorando no meu caixão,
provando que essa teoria aí é absurda.
— Não acho que seja absurda.
— Não tem que achar nada, Jenna! E o que aconteceu com Kendrick?
Essa peste nunca fica assim, quieto. — Vovó indica com o queixo o lugar em
que meu primo está, à frente da lareira, ainda imóvel e distante.
— Trouxemos um assunto da adolescência à tona.
— Pandora, não duvido — presume.
Não é impressão minha, que a roda de primos se tornou fantasmagórica
tamanha a fenda na qual se abriram nossas bocas.
— Como a senhora sabe? — O espanto evidente de Casey é o mesmo
que assombra todos nós.
— Ora, ora, eu sei de tudo. Quantos problemas acha que eu já precisei
resolver dada a minha idade? Ai, ai, essa juventude que subestima os mais
velhos — e como se não tivesse dito nada demais, vira-se e sai, espalhando o
terror com o som da sua bengala.
— Ela não é desse mundo — exclama minha prima.
— Só perceberam isso agora? — fala meu irmão.
— Será que não ouviu escondida o assunto? — Todos olhamos para
Candy com a sua explicação.
É o que mais faz sentido e algo que vovó totalmente faria com a
desculpa de “é tudo para o bem dos meus netos”.
— Ela pode ter razão... — assumo.
Como se percebesse que estamos falando dela, notamos quando vovó
se vira de soslaio e abre um sorriso torto, meio que comprovando a nossa
teoria, antes de desaparecer por entre os degraus da escada que leva para o
segundo andar.
— É, não tenho dúvidas de que foi exatamente isso e coitado do
Kendrick, mal sabe ele a encrenca na qual se colocou — profere Jenna.
Acenamos.
Mas, a verdade é que muitos corações batem aliviados ao presumirem
que não são as próximas vítimas, inclusive o meu... Ou, exceto o meu?
Fito Candy, prestando atenção em nossa conversa, e a última parte é a
que mais faz sentido para mim.
“Como as coisas em nossa vida podem se entrelaçar e tornar tudo
um emaranhado de desencontros, uma questão sem explicação.”

Quando volto para o quarto, para tentar dormir, ainda estou tentando
digerir o que descobri.
Damon...
O que me espanta é que eu, uma mulher que se acha tão inteligente, não
percebi a cilada por trás das ações de todos à minha volta.
Começo a tirar a meia calça, que usei para dar charme a um vestido de
moletom com comprimento até a metade das minhas pernas, ainda refletindo
sobre esse acaso imenso que não entra em minha cabeça como uma mera
coincidência, quando batidas à porta me interrompem. Imagino que seja Trust
com alguma fofoca sobre o seu envolvimento bagunçado com Dale e não
vejo a hora de contar para ela quem é meu abominável e sensual homem das
neves. Mas, ao abrir a porta de supetão, me arrependo de imediato.
Aqueles mesmos olhos azuis e machucados que há pouco tempo foram
minha maior perdição, estão fixos em mim e aos poucos, descem por todo o
meu corpo, parando no tecido fino enrolado na metade das minhas coxas,
deixando grande parte delas à mostra. É perceptível quando ele engole em
seco, tentando conter tudo o que a visão causa em seu corpo.
Minha pele exposta.
A atração que emana dela.
— Pensei que fosse uma miragem quando te vi ontem. Digo, — pende
a cabeça para um dos lados, pensativamente — como isso poderia acontecer?
Solto um riso baixo, pois no exato instante em que ele apareceu eu
pensava coisa similar, para só então notar que ele me viu. A ocasião? Não
tenho ideia.
— Me viu? Quando?
— Meu quarto é — ele ergue a mão, com o polegar indicando a sua
esquerda — algumas portas à frente do seu. Acho que foi obra da vovó nos
colocar tão perto um do outro. Por mais que ela não saiba o histórico que
possuímos juntos.
Balanço a cabeça compreendendo o que sua avó aprontou. Imaginei
que estivesse na ala dos hóspedes, mas creio que me enganei.
Uma sombra de desconfiança finca as garras obscuras em meus
pensamentos. Será que vovó realmente não sabe do nosso histórico? Porque o
olhar especulativo que ela me lançou, mais cedo, teima em me provar que
sim, ela sabe. E pode ter manipulado nós dois desde o começo. Porém, isso
deve ser uma alucinação da minha mente criativa demais.
— Histórico que possuímos. Você fala de maneira engraçada sobre o
tempo em que me tratou com desdém enquanto estávamos em Montana,
excluídos do mundo, contando apenas um com o outro.
Dúvida passa por seus olhos ao notar que não estou nada tentada a
amenizar o que ele fez, a maneira com que me tratou.
— Não foi bem assim que as coisas aconteceram. E acredite em mim,
Candy, quando digo que você foi a primeira pessoa em muito tempo que
conseguiu se aproximar e trazer à tona o antigo Damon, um que estava
praticamente esquecido.
Cruzo meus braços à frente do peito e finjo não notar o seu olhar que
vacila segundo a segundo, viajando do meu rosto diretamente para a parte
inferior do meu corpo. Em alguns momentos, incomodado pelo meu silêncio
avaliativo, Damon espia o interior do quarto, parando na mala aberta em cima
da cama e também nas lingeries que eu estava arrumando, espalhadas
desordenadamente pelo lençol de cetim.
Cortesia da linha nova e escandalosamente incrível.
Há algumas ali que mandariam a sanidade de muitos homens para o
espaço.
Vermelhas.
Brancas.
Com transparências que poderiam muito bem não existir já que deixam
tudo o que importa à mostra. Cintas-ligas, o que eu amo e alguns espartilhos
que Trust me convenceu a trazer.
Damon trava por vários segundos, contemplando as peças e me olha de
relance algumas vezes, comprimindo os lábios, sem saber o que dizer, ou se
esquecendo totalmente do que conversávamos.
Excelente.
Vê-lo tão atordoado é tudo o que eu queria para descontar a frustração
que me fez sentir.
— Gosto de você sem barba e por mais que fosse um charme com ela,
sem, é um homem irresistível, Damon — dou uma pausa dramática —
Kingston.
Como criatura esperta que é, ele percebe a alfinetada que dou ao dizer
seu sobrenome.
Confidenciei cada parte quebrada minha, e busquei ajudá-lo, quando
ele em contrapartida, se abriu criteriosamente e me mostrou só o que queria,
mantendo minhas confissões como arma para usá-las contra mim quando lhe
fosse conveniente.
— É, agora você sabe quem eu sou.
— E você, quem eu sou.
— Sim, Candy Sinclair.
— Acho engraçado que tenha omitido essa parte da informação,
imaginando que eu fosse usá-la contra você e me aproveitar da situação.
Como se ser um Kingston o tornasse alguém falso e manipulador.
Ele alça uma das sobrancelhas de maneira desafiadora.
— Sem sentido é você pensar que omiti meu sobrenome por este
motivo. E por acaso, estou errado por querer ser reconhecido como mais do
que apenas um integrante da família? Estou errado por querer que as pessoas
me conheçam como o Damon e que nutram verdadeira amizade por alguém
que elas não sabem ser...
— Poderoso? — interrompo-o ao mesmo passo em que o alfineto.
— É — ele franze as sobrancelhas — podemos dizer assim.
— Não, não está. Mas, por todas as outras ações, ainda estou com raiva
de você.
Um sorriso de canto me deixa desnorteada.
Por que o filho da mãe tem que ser tão lindo?!
— Meu irmão sempre quis me apresentar a você. Ainda estou
embasbacado em como o mundo é pequeno.
— Trust também jurou que formaríamos um ótimo par naquela época,
mas, eu não queria me envolver com ninguém. E, no entanto, depois de tanto
tempo, aqui estamos nós. Sinceramente, Damon — bem sinceramente, de
fato, penso — não acho que teríamos nos saído melhor antes do que como as
coisas aconteceram.
Há uma linha bem tênue entre ódio e amor e tento evitá-la a todo custo.
Agora o odeio, com raiva por ter me tratado como nada, mas, como garantir
que as coisas não ficarão mais difíceis de serem definidas?
— Não a julgo por querer a minha cabeça em uma bandeja.
— Posso ser honesta? — ele acena e estreito minhas pálpebras — Não
é só a sua cabeça que quero em uma bandeja.
Uma careta deforma seu rosto ao entender a que me refiro, pouco antes
de relancear o olhar de um lado a outro do corredor.
— Eu adoraria conversar calorosamente com você, independente do
lugar, mas, se eu puder entrar no seu quarto e discutirmos como adultos,
agradeceria.
Pondero por alguns segundos seu pedido e decido que deixá-lo próximo
às minhas lingeries pode ser configurado como o começo da minha vingança,
porém, sendo expressamente proibido que eu ceda ao desejo que se avoluma
no meio das minhas pernas e grita que não há nada que nos impeça hoje, que
inclusive tenho um estoque de camisinhas que não serão usadas sozinhas.
Abro mais a porta e permito que ele passe.
Seu perfume ondula ao meu redor, com um cheiro másculo e muito
característico seu. Inalar e me hipnotizar pelo aroma é involuntário.
Damon caminha confiante pelo cômodo e para à frente da vista
pitoresca, com as luzes cintilantes evidenciando a montanha Aspen.
Fecho a porta e permaneço à frente dela, incapaz de me aproximar
demais dele.
— O que está achando da cidade? Confesso que tudo se mostra melhor
do que imaginei que seria. — Vira-se de relance e me olha por alguns
instantes antes de retornar à sua contemplação.
Tento decifrar se eu sou o motivo da melhora ou não.
Decido me aproximar dele, que não se move nem um pouco quando
paro ao seu lado.
— Ela é linda. Com o clima natalino fica ainda mais mágica — admito.
— Só não entre no quarto com a porta vermelha, por favor — um
sorriso alarga seus lábios.
— O que tem nele? Me deixou curiosa.
— Nada que valha a pena o seu tempo.
— Está ciente de que acabou de me fazer ficar super interessada para
ver o que não vale meu tempo, certo?
— Estou contando com isso, porque gosto de passar vergonha e no
fundo, quero que veja um pouco de como é o verdadeiro Damon.
Sua fala me desestabiliza e a ira que eu sentia começa a se amenizar
com a sua presença pacificadora e a particularidade de sua personalidade que
o torna tão cativante e ao mesmo tempo sofrido. Sinto que quero dar colo e
cuidar de todas as suas feridas.
Deus...
Por que tenho que ficar tão incoerente perto dele?
— O abominável não era seu eu verdadeiro?
— Ele pode ser o eu lírico, com tantas cicatrizes quanto anos de vida,
uma alta dose de leitura dramática, e inclusive muito tempo em total solidão
capaz de fazê-lo esquecer como lidar com uma mulher interessante e
diferente. Sou dividido em dois homens, Candy, o que tenta esquecer, e o que
se lembra constantemente de coisas incríveis que não teve a chance de viver.
— Acha mesmo que nunca mais vai ser feliz? Qual o sentido de viver
então?
— Você também parecia perdida quando chegou na cabana. Acredito
que é o lugar perfeito para pessoas totalmente deslocadas em suas próprias
vidas.
Claro que eu parecia perdida.
Eu vi a morte de perto, ela assoprou uma névoa gelada diretamente em
meu rosto e sussurrou que estava vindo me buscar. Quem não ficaria
desnorteada?
— O que realmente quer aqui, Damon? — pergunto, ciente de que ele
está dando voltas em torno de um mesmo assunto.
— Vim me desculpar pela forma que agi quando você foi embora. Eu
deveria ter feito isso naquele momento, mas fui covarde. Só o que posso fazer
é ser corajoso agora.
— Totalmente desnecessário — claro que não — porque eu sei que
você faria tudo de novo, se ficasse em dúvida, se os seus fantasmas do
passado voltassem para te assombrar. Acho que seria melhor ter agido como
se não me conhecesse e seguíssemos a partir daí.
Tento ignorá-lo e continuo a retirar a meia calça, tarefa esta que ele
interrompeu quando bateu à minha porta.
Damon segue cada movimento meu como se estivesse ávido por ser
dominado pelo prazer. E nós dois sabemos como é ter o gosto um do outro na
boca, o que torna conter a tensão sexual pela minha simples provocação
difícil demais para ele e sem sombra de dúvidas para mim.
Contudo, eu só queria provocar.
Sim, só provocar.
Apenas isso.
A peça despenca sob meus pés e em um gesto impensado, lanço-a para
cima com o intuito de prendê-la entre meus dedos para logo em seguida jogá-
la na direção de Damon, que pega o tecido delicado rapidamente, sem pensar
duas vezes. Fuzila-o com o olhar, enquanto embola e fecha a mão em punho
antes de guardar no bolso da sua calça.
O gesto me deixa embasbacada ao passo em que a excitação que
percorre todas as minhas terminações é inconfundível.
— Fala como se fosse fácil esquecer você.
TUUUUUUUUUUUUUUUM!
Meu coração sofre um solavanco, com uma de suas batidas se
estendendo infinitamente, embalando meus pulmões que se recusam a
receber oxigênio.
Fala como se fosse fácil esquecer você.
Demoro minutos para me recompor e digo da maneira mais controlada
que sou capaz:
— Se eu não tivesse a idade que tenho, com a carga de experiências
que me rondam, eu teria me derretido pela sua fala.
— Não foi para tentar te abrandar que eu disse isso — Damon se
aproxima e toca em meu antebraço, fazendo com que as pontas de seus dedos
se tornem condutoras exímias da eletricidade que frita meus neurônios —
mas, porque é a verdade. Não consegui te tirar dos meus pensamentos desde
que foi embora de lá. E me sinto muito mal pela forma com a qual nos
despedimos. Eu estava perdido em minha amargura e você apareceu, doce
demais, colocando tudo o que mais me assustava à prova. Pensei que nunca
mais a veria e que carregaria o arrependimento de não a ter impedido de
partir daquele jeito pelo restante da vida. Porém, depois de tudo o que passei,
Deus deve ter alguma piedade, afinal.
Levo a mão ao meio do peito, sentindo a dor mesclada à frieza se
espalhar por todo ele. Esfrego repetidamente, para que o calor retorne e me
faça sentir bem, ao invés de péssima como estou agora.
Franzo as sobrancelhas e mordo minha língua, para que essa dor afaste
a outra.
— Está tudo bem? — Pergunta Damon, preocupado.
— Sim, foi só uma sensação estranha.
— Tem certeza? Não quer ir ao médico ou algo assim?
— Perto do Natal, aqui? — indico à nossa frente.
— Se for preciso, eu encontro um.
— Não, está tudo bem. Acho que só preciso me sentar — Damon me
ajuda a manter o equilíbrio enquanto nos movemos até a cama, em sintonia.
Suas mãos firmam minha cintura e sua preocupação me deixa abalada.
Nem mesmo Ryder, no pior momento da minha vida, demonstrou tamanho
cuidado com a esposa, — no caso eu — preferindo me trair enquanto eu
definhava dia após dia no sofá da sala, lendo romances de banca, a única
fonte de alegria momentânea.
— Você se importaria? — pergunta ele, olhando para as minhas peças
íntimas tentando não aparentar afetação.
Aceno negativamente.
Damon retira a mala de cima da cama e coloca com todo o cuidado
cada peça provocante com habilidade e organização na mala aberta aos seus
pés. Espanto-me com o seu controle e foco quando ele está totalmente
concentrado em lidar comigo e me manter bem.
Observo seus traços se alterarem minimamente ao segurar uma calcinha
fio dental entre os dedos.
— Sabe como brincar com um homem, isso é fato — ironiza ele.
Sorrio fracamente.
— Está me imaginando usando cada uma delas?
Ele pausa o que está fazendo e demora instantes para responder:
— Não vou admitir algo que você pode usar contra mim depois.
Sua fala exasperada me provoca uma gargalhada baixa.
— Tem todo o direito de se manter calado — digo, buscando uma sátira
a qual não sinto presente em mim no momento.
Porém, ele finaliza o trabalho, enquanto me mantenho parada, de costas
para a vista, fitando com astúcia Damon arrumar a cama, formando uma
camada com dois edredons felpudos. Seus dedos trabalham agilmente e a
lembrança dele me levando à loucura, torna-se vívida em minha mente,
nublando por poucos segundos o mau pressentimento que teima em me
assolar. Ele termina a tarefa e me olha, com motivações ocultas preenchendo
suas íris profundas como o oceano.
Seu semblante se torna afetuoso e compreensivo.
Sabe aquele momento em que não sabemos ao certo o que sentir?
Caio em um desses assim que Damon retira seu sapato e inclina o corpo
para se deitar na cama, dando tapinhas calorosos para que eu deite ao seu
lado. Meus passos são vacilantes e vagarosos, enquanto tento captar o
máximo de coerência possível, e maturidade para lidar com esse homem sem
querer estar perto dele a todo momento.
Assim que o faço, passa seus braços em torno do meu corpo e qualquer
dor que pudesse se estender, é automaticamente apaziguada, tornando-se sem
importância diante da intimidade e carinho do gesto. A vontade de chorar em
confusão aumenta logo que sinto o beijo terno que ele deposita em minha
nuca.
Viro-me e acabo parando com a cabeça apoiada no seu peito enquanto
ele alisa de maneira confortável minhas costas, criando pequenas fagulhas
dispostas a iniciarem um incêndio a cada vez que seus dedos fazem o
movimento de subir e descer.
— Sei no que está pensando e droga, Candy, eu queria muito. Mas,
sinto que você precisa de alguém que te abrace hoje e é isso que eu quero
fazer. Não vamos atropelar as coisas. Nem imaginava que te encontraria aqui
e agora, só acho que precisamos desse tempo juntos para entender o que
começou a acontecer naquela cabana e que pode evoluir para algo mais.
— Por que é tão intragável em alguns momentos e tão irresistível em
outros? — questiono em um fiapo de voz.
— Não pensei que te veria.
— Isso torna mais fácil me tratar bem?
— Não, mas me faz entender o que eu quero. — Ele se movimenta um
pouco e levanto a minha cabeça para ver o que irá fazer. Damon pega um
controle na mesa de cabeceira e aponta para a lareira no quarto, que
automaticamente ganha vida — Essa é elétrica, muito mais prático, não?
Acho a visão daqui tão linda quanto a de Montana, e somada aos luxos
disponíveis, mais aconchegante também.
Finjo não perceber que ele se incomoda com a sua própria admissão.
Também acredito que ele trava uma batalha imensa pelo simples fato
de estar aqui comigo e de se permitir sentir algo por alguém além da pessoa
que ele tanto amou.
— Tem razão — concordo, com milhares de verdades hipotéticas
roendo meus pensamentos mais confiantes.
Poderia dizer que o entendo.
Mas, a verdade é que quando chego perto, Damon se afasta com
brusquidão, com medo da aproximação e o que ela significará. Ele se remexe
desconfortável com o silêncio, mas não pausa o carinho em minhas costas.
Um som espirala pelo ambiente e percebo que é sua voz rouca e
sensual, cantarolando suavemente uma canção de Etta James.
Damon é afinado e me faz flutuar como se estivesse em um show de
blues, acalmando meu coração com uma sensibilidade conveniente e
harmoniosa.
Reconheço a canção, Sunday kind of love.
Eu quero um amor do tipo domingo.
Um amor para durar depois da noite de sábado.
A voz deliciosa de Etta ressalta.
— Não precisa ficar aqui — assumo.
Ele não precisa fazer mais do que já fez.
— Não, mas eu quero — responde.
Seu aconchego e dedicação me fazem cair no sono, pena que devido a
lembrança de momentos antes, meu sonho não se mostre tão pacífico.
Principalmente porque ele traz à tona todos os medos e as inseguranças que
senti há vários anos.
Um tempo no qual eu acabei destruída e culminou no maior
questionamento de minha identidade.
Quem era Candy Sinclair?
“Droga, agora o assunto do café da manhã sou eu.”

Acordo sentindo um peso sob meu peito. Entreabro um olho e me


lembro imediatamente do que aconteceu na última noite. Decidi vir atrás de
Candy depois de conversar com ela e a filha da mãe fingir que nem me
conhecia, o que só me deixou mais desconfortável ao notar a clara avaliação
no semblante de Kendrick, ao se lembrar dela. Claro que ele lembraria. Para
essas coisas, ele só se faz de idiota, mas é estupidamente esperto.
Contemplo-a por um tempo, enquanto dorme, sem deixar de memorizar
cada detalhe do seu rosto. Discorro a ponta dos meus dedos ao longo de sua
face, sentindo faíscas nascerem e crescerem em meu peito.
Por que eu sinto essa conexão tão forte com ela?
Tal pergunta me assusta e me vejo obrigado a escapar tão rápido seja
possível, com o único objetivo de compreender a miríade de sentimentos que
se estende em mim. Levanto da cama com todo o cuidado que consigo
invocar para não a acordar e abro a porta do quarto com extrema lentidão.
Assim que a fecho atrás de mim, sendo brindado pela luz do sol que atravessa
as imensas janelas do corredor, deparo-me com Lane, Betsy e a pequena
Melanie, — com os olhos grandes e pretos como os do pai — fitando-me
com curiosidade enquanto morde uma de suas mãozinhas, na segurança do
colo da mãe.
Ela é sem dúvida, o bebê mais lindo que eu já vi. E com pouco menos
de um ano, já carrega o coração de todos os Kingston.
— Oi, minha linda, como você está hoje? — pego sua mãozinha entre a
minha e deixo que seu cheiro de bebê se infiltre em meus pulmões.
Sinto olhares sobre mim e tento ignorar.
Lane e Betsy viram de onde saí e já devem tecer milhares de teorias.
— Está vendo, Bets, Damon tentando nos distrair mexendo com a
nossa filha para nos esquecermos do fato de que ele saiu de um quarto que
não o dele, nesta manhã incrível de véspera de Natal?
Noto a troca de olhares indecifráveis entre os dois, ainda focando
atenção na pequena Mel, que agora sorri para mim, mostrando seus primeiros
dentes, pequeninos e fofos. Uma gargalhada irrompe de seu peito assim que
eu escondo meus olhos com as mãos e as retiro rapidamente, tentando
assustá-la.
— É a primeira Kingston da quarta geração, é sim, não é pequena?
— Deveria fazer uma para você, é incrível com crianças — exclama
Betsy.
Empertigo meu corpo no mesmo instante, sentindo uma dor
descomunal retorcer meu coração.
— Betsy — sussurra Lane.
— O que foi? — ela aparenta confusão para logo depois emitir um —
ah, é verdade... Meu Deus, como eu fui desnecessária. Desculpe, Damon, não
foi minha intenção.
— Está tudo bem — sorrio fracamente — de verdade, já faz muito
tempo.
Aceno sutilmente para os dois em despedida e assopro um beijo para a
pequena, afastando-me antes que eles percebam que eu por incrível que
pareça, já não sofro mais tanto assim. É normal? Que as coisas doam menos
com o passar do tempo?
— E Damon, — meu primo fala alto, antes que eu me afaste demais —
ela combina com você. Agora entendo porque Dale queria tanto te apresentar
a ela.
— Apresentar a quem? — indaga Betsy em um murmúrio, mas que eu
acabo escutando.
— Você vai entender quando tudo se resolver, querida.
Distancio-me dos dois seguindo o longo corredor até uma das
escadarias laterais, ignorando com perícia o que Lane falou. Assim que
acesso a enorme sala, com a árvore em seu centro e fito todos os presentes,
noto que comprei presente para todos, menos para Candy. As caixas grandes,
pequenas, de diversas cores me fazem emitir um droga em alto e bom som.
Paro a primeira pessoa que surge à minha frente, odiando que seja meu
irmão.
— Dale, você sabe se tem alguma loja aberta aqui na cidade, hoje?
Ele me avalia antes de responder.
— Para comprar presente pra quem? E é Aspen, irmão, claro que vai
ter.
— Prefiro não dizer.
— Boa sorte, então. — Ele começa a se afastar e eu rapidamente o
impeço, com os dedos se fechando no antebraço.
— É para Candy, tudo bem? Eu não imaginei que ela estaria aqui, então
não comprei nada. Será chato deixá-la sem presente ou algo parecido.
Dale arregala os olhos e eu não entendo a sua reação até que ele diz:
— Porra! Eu esqueci o da Trust também! Mas, você sabe o que a gente
fazer isso vai dar a entender, não sabe? Para nós, — quando ele diz isso
refere-se aos Kingston — presentear alguém no Natal, na frente de todos, é a
mesma coisa que admitir. Está pronto para isso?
Pondero por um instante.
Estou em dúvida, como estava na cabana?
Não. Nem um pouco.
— Estou e você?
— Droga — meu irmão inspira o ar com força — acho que eu também.
— Precisamos ir às compras.
— Odeio.
— Não mais do que eu, irmão.
E apenas ele entende que eu sair da minha bolha, e me mover até um
lugar desse tipo, é um grande sinal de mudança. Há alguns anos, eu sequer
saía do meu quarto ou fazia questão de conversar com eles. Evitando a todo
custo qualquer palavra reconfortante sobre o luto. Eu não o aceitava e não
conseguia lidar com ele.
— Tem razão quanto a isso. E vamos logo, antes que vovó nos arraste
para ajudar nos preparativos e não tenhamos tempo de comprar nem mesmo
um cartão comemorativo.
Como se o tivesse ouvido, escutamos o som da sua bengala ecoando
enquanto ela desce os degraus da escadaria central. Por sorte, escapamos pela
porta de entrada antes que ela sequer entre na nossa linha de visão.

— Fugindo dessa maneira nem parece que temos mais de trinta anos.
— Não importa a nossa idade — respondo meu irmão — nós sempre
fugiremos da vovó. É a lei da vida dos Kingston. Ninguém quer ficar na mira
dela por muito tempo.
Passamos por uma loja rústica e elegante, com a entrada delimitada por
um arco em madeira, contornado por várias luzes natalinas. A neve que a
rodeia reflete os diversos pontos de luz e chama a atenção dos transeuntes
que caminham pela rua principal, absorvendo todos os detalhes que apenas
um lugar como Aspen é capaz de ostentar. É o ápice do luxo e também da
beleza singela e mágica que nos transporta direto para uma realidade
alternativa onde só existe o Natal e a felicidade que nele impera.
Abro um sorriso caloroso assim que escuto o som que escapa baixinho
do interior da loja, em uma prece para que eu me deixe levar e descubra um
dos lugares mais incríveis que terei o prazer de visitar.
Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle all the way…
Travo sob meus pés e forço Dale a fazer o mesmo.
— Não acha melhor andarmos mais um pouquinho e garantir um
presente de grife? — indica um pouco mais à frente — Peças exclusivas e
que custam uma pequena fortuna?
— Se as duas quisessem presentes de grife, elas mesmas comprariam.
Algo mais sóbrio, simples e que carregue um sentido profundo é muito
melhor.
— Você tem certeza disso? — Dale parece descrente — eu
sinceramente prefiro seguir meus instintos e garantir algo que Trust não
poderá reclamar da qualidade.
— Qual será a história bela e interessante por trás do gesto então? E
qualidade pode ser encontrada até nos presentes mais simples, meu caro.
Deveria escutar meus conselhos como irmão mais velho para conseguir
conquistar a garota.
— É só dois anos mais velho! Faça-me o favor! Além do mais, eu não
quero conquistá-la, apenas passar um bom tempo ao lado dela.
Emito um tsc, uma vez que ele nem imagina que é assim que tudo
começa.
— Se você está dizendo, quem sou eu para afirmar o contrário? E aí,
vamos entrar ou não?
— Quer saber? Não estou fazendo nada de qualquer forma e podemos
sair caso não encontremos um presente e procurar nas demais, torcendo para
que não estejam fechadas no momento em que mais precisarmos.
Passo um dos braços em torno do ombro do meu irmão e caminhamos
pelo pequeno caminho demarcado da loja. Logo que entramos, a música se
faz um pouco mais alta, e um Papai Noel começa a dançar desengonçado,
enquanto grita HO-HO-HO!
Percorro o lugar com um olhar e vejo a exuberante decoração, a
tremenda quantidade de itens natalinos, assim como os vários setores pelos
quais a loja é dividida e tenho de admitir que o tamanho dela parece ser muito
menor olhando da perspectiva exterior. Já estava deslumbrado com o que vi
antes, neste momento sinto-me extasiado. É um ambiente acolhedor e que nos
impulsiona a comprar coisas especiais para pessoas importantes.
Noto que Dale também parece tão envolvido pelo lugar quanto eu.
Porém, não demora para que uma mulher apareça à nossa frente, com um
sorriso de orelha a orelha, vestida especificamente para esta época do ano
com um suéter que com certeza ganharia o concurso estúpido da vovó.
— Eu poderia ajudá-los em algo? — diz, solícita.
Meu irmão não profere nada, então tomo a iniciativa.
— Sim, acredito que sim. Nós estamos procurando presentes especiais
para duas mulheres. Algo que elas amem e possam guardar de recordação.
— Ainda acho que dar itens de grife ou chocolates seria um campo
mais seguro — Dale volta a murmurar ao meu lado.
O olhar da mulher relanceia entre nós dois, tornando a suspeita de que
ela ouviu a grosseria dele em algo verdadeiro.
— Cale a boca — sibilo — e se está tão confiante, vá buscar o que
quer.
— Ah, não. Minha curiosidade é maior para saber o que vamos
descobrir aqui.
— Bom, eu acho que tenho as coisas perfeitas para vocês presentearem
quem gostam. Sigam-me por favor, para eu poder mostrar. Dizem que é feito
com magia e que qualquer coração congelado, pode se tornar a mais absoluta
manhã de verão.
— Perfeito para você, Damon, não para Candy.
— Não, querido — a mulher se vira para falar com meu irmão — você
ainda não ouviu a melhor parte: quem faz o pedido não o recebe, mas sim o
parceiro. Incrível como essa lenda funciona, não é?
De que diabos de lenda ela está falando? Porque eu nunca ouvi falar de
coisa parecida. E, sinceramente, você faz um pedido e ele se realiza em outra
pessoa? Que porcaria. Contudo, não expresso meus pensamentos em voz alta.
— Então eu darei o presente para ela, ela vai fazer um pedido e ele se
realizará para mim? Que diabos de presente é esse?! Não faz o menor
sentido! — reclama meu irmão, exclamando o que pensei.
— Não julgue a magia de maneira tão errônea se nem sabe como ela
funciona ao certo! Para o verdadeiro amor nada é impossível, muito menos
sem sentido! — repreende a mulher.
Meu irmão olha para mim de soslaio como se gritasse através do seu
silêncio que ele avisou que essa merda não terminaria bem.
— Ainda teremos as outras lojas, fique tranquilo — esforço-me para
que minha voz saia baixa e que apenas ele escute.
Continuamos caminhando por entre as reentrâncias do estabelecimento,
até que finalmente a mulher para em frente a uma estante, com o vidro em
ambas as portas castigado pelo tempo.
Ela retira uma chave de seu bolso e a insere na fechadura, não consigo
enxergar no que mexe lá dentro, contudo, logo que se vira, com duas caixas
em suas mãos, e algumas particularidades distinguindo uma da outra, entrega
para mim a da esquerda e para Dale a da direita, olhando-nos
esperançosamente aguardando que a gente diga o que achou.
Abro a embalagem, olho o seu interior e retiro um globo de neve de
tamanho mediano, que cabe com certo esforço na palma da minha mão.
Nele, há um casal se beijando em frente a uma cabana, que se encontra
iluminada diretamente pela luz da lua. Ao chacoalhá-lo, neve revoa por todos
os lados, para logo em seguida os flocos caírem cadenciadas em torno do
casal. É possível ver também um pequeno lago congelado e uma floresta em
tamanho mínimo, que compõe a paisagem. Noto a magia a qual a mulher se
refere quando ao apertar um botão debaixo do globo, a lua se acende,
tornando a experiência imponente e indubitável.
Olhando para o de Dale, percebo que as diferenças entre os nossos
globos são muitas, sendo que a principal delas é que a paisagem por debaixo
dos flocos de neve é de uma cidade metropolitana e a luz que ilumina o casal
é a de um poste sobre onde eles estão abraçados.
— Que maluquice isso — solta ele — posso jurar quê... — chacoalha a
cabeça e para de falar.
— Pode dizer — incentiva a mulher.
— Ah, não é nada. Vou levar e — se inclina em minha direção — por
via das dúvidas ainda acho bacana visitarmos as outras lojas, só para o caso
de elas não gostarem dessa coisa. — Ergue o globo com uma das mãos e
quase o derruba, fazendo com que a vendedora arregale os olhos, em total
preocupação.
— Tome cuidado com isso, rapaz! Se quebrar ou ela perder depois de
entregue, vocês nunca ficarão juntos!
O que?
Que merda é essa?
Odeio quando Dale aparenta ter razão e eu sou o errado da equação.
— A senhora está realmente me assustando agora — rebate Dale.
— É apenas uma lenda, claro, não leve minhas ideias tão em conta
assim.
Até parece que ela gostaria de perder a venda. De duas coisas tão
peculiares e com um preço — olho no apoio e agora entendo o seu desespero
se Dale derrubasse — bem significativo. Meu irmão faz o mesmo e alça uma
das sobrancelhas, sem se importar.
— Quer saber? Nós vamos levar — digo — e se puder embalar para
presente, agradecemos.
— Claro, claro que sim — exclama ela, efusivamente.
Assim que se afasta para fazer o que pedimos, inclino-me na direção do
meu irmão para voltar a dizer:
— Você tinha razão e eu me odeio por estar admitindo isso.
— Vamos às compras de sapatos e bolsas?
— Sim — sibilo, sem qualquer mínima vontade.
“Sexo repleto de sentimentos no dia de Natal é pecado? Leia o
capítulo para saber mais e se você se sentir ofendido com a ideia,
saiba que não falei por mal! Desculpe! Esse homem me deixa
pensando coisas malucas!”

Quando acordo, não me espanto por não ver Damon no quarto. Uma
parte em mim meio que já esperava por isso e se surpreenderia caso ele
fizesse o contrário. Então levanto, tomo um banho sem pressa, me arrumo e
parto em busca da porta vermelha que comentou. Após vários minutos e
também cruzar com diversas pessoas, encontro Betsy, a loira sorridente que é
tão simpática quanto aparenta.
— Oi, Betsy, não é?
Ela concorda exageradamente.
— Está perdida, Candy? Céus, eu também demorei para me localizar
nesse lugar, parece um labirinto. A de Dallas não é diferente. Às vezes
mando mensagens para meu marido até hoje, para que ele me busque em
algum cômodo aleatório.
Bom, ela é tão perdida quanto eu, talvez não seja a melhor pessoa para
me indicar direção. Porém, decido arriscar.
— É que alguém — opto por ocultar o nome dele — me disse sobre um
quarto com porta vermelha. E me proibiu de entrar no lugar. Acho que isso
aflorou...
— Sua curiosidade, é eu sei! — ela me interrompe — E se quer saber
onde fica, sorte sua que esse é o único cômodo no qual sei chegar porque
preciso tirar fotos para chantagear Lane vez ou outra. Vem comigo! Segura
em minha mão e me puxa por entre os corredores e escadarias. Não demora
para que alcancemos a tão temida porta. Betsy nem mesmo titubeia ao abri-la
para que eu veja.
— O que é isso tudo? — olho em volta e as paredes estão repletas de
suéteres de Natal de gostos duvidosos.
Um é mais feio que o outro e sinto um arrepio ao me imaginar usando
algum deles.
Também consigo ver várias fotos em prateleiras, do que percebo serem
os primos desde crianças até adultos e outros itens pessoais. É como se esse
lugar fosse o baú de memórias da casa.
— É o quarto da vergonha. Todos os primos queimariam se pudessem.
Eles odeiam tricotar suéteres e a forma com que vovó guarda cada item
vergonhoso da vida deles como se fossem prêmios.
— Ela deve gostar muito de todos.
— Vovó é a melhor do mundo — os olhos de Betsy brilham — e eles
sabem que são tudo para ela.
— Consigo notar.
— Poderia até perguntar quem te falou sobre esse lugar, mas acredito
que já sei. E se ele comentou, acredite em mim, é uma grande coisa. Nenhum
deles sequer ousa tocar nesse assunto com pessoas que não são próximas de
alguma forma.
— Mas, o que eu deveria pensar ao ver essas coisas? — caminho,
observando tudo.
— Talvez não seja o que pensar com as coisas em si, mas, no gesto de
tentar se abrir mais e deixar que você veja o que de mais vergonhoso eles
assumem. Suéteres nunca foram o dom dos Kingston. Como pode ver.
Contemplo depressa cada peça, com o autor e o ano. Como se fossem
souvenirs. Sorrio ao presumir que Betsy está certa e que as mudanças podem
ter começado sutis, de pouco em pouco, sem que eu tenha percebido o peso
delas.
— Obrigada por vir comigo. Nunca encontraria sozinha.
— Imagina, logo você se acostuma! — sua fala é tão natural, que eu
percebo alguns segundos depois que ela considerou que eu terei mais chances
de explorar essa mansão.
Contudo, assim que ela me chama para ir até a sala principal, sigo-a em
silêncio, sem contrariá-la. Porque no fundo, bem naquela rachadura que
começa a desaparecer, a verdade é que eu gostei da forma com a qual ela
disse, como se eu já fosse parte de um todo.
Assim que acessamos o cômodo principal, Betsy se afasta, indo até o
marido e sua filha. Os demais estão se movimentando furtivos, e escuto vovó
bradando com alguém, em tom acusatório.
Não sei por que, mas, pensei que não encontraria Damon tão cedo, com
ele se corroendo de culpa em algum canto da mansão de inverno. No entanto,
ele não só está na sala, como sorri para mim assim que me vê. Conversa com
seu irmão, mas se distrai totalmente com a minha figura, sem ao menos tentar
disfarçar.
Dale olha para trás e ao me ver, lança uma piscadela em cumprimento.
As pessoas estão agitadas na casa, colocando presentes debaixo da
árvore e também terminando os últimos ajustes para o Natal. Talvez seja esse
o motivo para vovó estar tão alterada, sacudindo a bengala e gritando com
qualquer criatura viva. Decido me mover até onde os dois irmãos estão, antes
que ela me veja sozinha e decida que quer continuar com seu teste sem
sentido.
— Ela está fora do normal hoje — sentencia Damon quando eu me
aproximo o bastante para ouvir o que ele diz.
— Pensei que fosse a única que tivesse percebido.
— Olha à sua volta, docinho, todos estão se afastando da vovó como se
fossem algum demônio repelido pela figura divina.
— Inclusive a gente — concorda Dale — Mas, não era sobre ela que
estávamos falando, na verdade, Candy, eu e meu irmão mantínhamos uma
discussão muito interessante e adoraríamos saber a sua opinião.
— Claro — digo rápido.
— Não, nem pensar — Damon rebate furioso a proposta do irmão.
— Ela disse “claro”. Então, o que me diz, transar no Natal é pecado ou,
não é? Acha que as pessoas que fazem isso vão direto para o inferno, ou só
descem alguns degraus em meio as labaredas?
— E o que o Damon acha? — Viro a pergunta para ele que solta um
suspiro exasperado.
Assisto-o sacudir a taça de champanhe em sua mão, tentado fugir da
pergunta.
Porém, notar que ele está bebendo algo que contenha álcool me
surpreende. Tal surpresa não passa despercebida quando ele sorri de canto e
move os lábios, formando as palavras:
“Acho que a culpa é sua.”
Ignoro. Não sei o que pensar.
— Por que eu tenho que achar alguma coisa quanto a isso?
— É só dar a sua opinião nessa discussão saudável — Dale fala
exatamente o que penso.
— Acredito que não tenha nada a ver, várias pessoas nem acreditam no
Natal.
— Se for para se curar e se encontrar no coração de outra pessoa, por
que seria pecado? — digo, olhando diretamente em seus olhos.
Eu sei o que quis dizer.
Damon também sabe.
Há tantas provocações implícitas na minha resposta que ele engole em
seco.
— Essa sim é uma pessoa com opinião forte e bem fundamentada.
Estou com ela nessa, por mais que a ideia me incomode de maneira leve e eu
pense que há outras datas nas quais podemos ser totalmente sujos e
selvagens, com nenhuma outra preocupação em mente além de prazer. —
Fito Dale com curiosidade.
— Nesse ponto você está certo, mas, se surgir a oportunidade, por que
recusar por causa de uma data, quando a verdade é que coisas maravilhosas
estão justamente fadadas a acontecerem nela? — arrisco um olhar na direção
de Damon para tentar identificar o que se passa em sua cabeça, e por
infelicidade, não encontro nada que me deixe alegre em sua expressão.
— O sexo tem que ser incrível então, pense. Se não vai se arrepender
em dobro.
Gargalho da perspicácia de Dale. Ele é bem interessante na verdade,
assim como Trust vive me dizendo.
— Claro — concordo ao me recompor — no entanto, não custa deixar
aberta a possibilidade — falo a última parte da sentença sem retirar os olhos
do seu irmão.
Volto a contemplar Damon e esse é meu erro.
Noto uma sombra de desejo encobrindo o azul turbulento e conforme a
noção do que eu disse atravessa seus traços, seus lábios se entreabrem e sua
postura fica tensa. Percebo que a vontade que ele tem é tão grande quanto a
minha, devastadora e pungente ao ponto de ser tão fluida e natural, quanto a
discussão que estamos tendo.
Lembro-me da intensidade dele. Da maneira como se entrega à paixão e
não consigo desejar outra coisa além do seu corpo pressionado ao meu, de
maneira ainda mais íntima e profunda.
— Candy, você está aqui, filha! — papai chama minha atenção, antes
que eu consiga neutralizar todos os receios do homem à minha frente para
termos um embate sexual. — Preciso te apresentar a alguém. Vamos! — Ele
mal espera a minha resposta e me puxa com ele.
Deixo claro antes que Damon desapareça da minha vista que nossa
batalha ainda não terminou.
Para minha surpresa, ele forma as palavras, sem emitir som:
“Mal posso esperar, Candy Sinclair.”

Com o clima rigoroso, não tarda a anoitecer. Principalmente com tanta


coisa para fazer, como os Kingston têm. O tempo passa mais rápido do que
eu imaginava, com o dia em si, durando menos de dez horas.
Fico conversando com papai e Kristen — que agora sei ser mãe de
Lane e Kendrick — durante um bom tempo e vejo que todos os primos são
empurrados pela avó para um dos corredores, todos com cara carrancuda e
parecendo estarem indo direto para a forca. Trust encontra meu olhar em uma
extremidade do salão, questionadora, e eu respondo com um dar de ombros.
Aposto que ela logo vai entender, se o que estou imaginando acontecer
de fato.
Ela se aproxima de mim e não tarda a perguntar:
— O que está acontecendo?
Porém, não preciso responder uma vez que segundos depois todos os
primos estão de volta e vestem os suéteres horrendos respectivos a este ano.
Nenhum deles aparenta felicidade, a não ser Pearl, que parece ter ganhado um
Nobel por fazer os netos passarem por essa vergonha. Eles se movem todos
vagarosamente atrás dela, enquanto a matriarca puxa a fila, com a sua
bengala encontrando o chão de tempos em tempos.
Com o desfile da vergonha, noto que se movem para a sala de jantar e
assim como Trust, seguimos a movimentação.
Os netos sentam-se primeiro, rodeando-a, que nos olha, antes que
possamos fugir, com a clara intenção de nos colocar em foco também.
— Candy! Trust! Venham meninas — nos chama — sentem-se ao lado
de Damon e Dale! — cada um está em uma extremidade da mesa, sendo que
não titubeio em provocar o demônio de olhos azuis um pouco.
Logo que me coloco em meu lugar, roço a canela em sua perna. Ele
engole em seco e trava a mandíbula como se estivesse lutando com todas as
suas forças contra o poder que exerço sobre ele.
Sorrio satisfeita em perturbá-lo, quando minha atenção é atraída até a
outra extremidade da mesa, onde enxergo Betsy com a sua filha no colo e ao
seu lado, o marido. Ambos orbitam em torno da menina e não é exagero dizer
que vovó olha para eles com tanto amor que meu coração bate aquecido.
Morro de vontade de ter um filho ou filha, não minto.
Quem sabe até dois.
Sempre quis ter, mas, meu relógio biológico corre contra mim e eu
ainda estou decidindo se farei uma inseminação para realizar esse desejo caso
não encontre ninguém interessante o bastante para mim. E claro, preciso levar
em conta minha idade. As coisas podem se tornar complicadas e repletas de
riscos. Mas, valerá a pena, tenho certeza.
Olho de relance para o lado e percebo que Damon seria interessante.
Muito.
Eu teria um filho com ele e também adoraria desfrutar de sua presença.
Meus pensamentos são interrompidos com a sua voz imperiosa,
tirando-me desses devaneios malucos e sem sentido.
— Espere o jantar terminar, vovó está olhando para a gente — sibila.
— Qual seria a graça, então?
Ele tenta não sorrir com a minha audácia, mas acaba perdendo a luta e
o som da sua risada provoca um tsunami em meu peito.
— Posso admitir?
— O quê? — ele se inclina para perguntar.
Gosto da sua aproximação.
Adoro a presença marcante e intoxicante que ele impõe.
A quem quero enganar?
Acho que estou me envolvendo com ele mais do que seria aconselhável
para nós dois. Duas almas feridas, perdidas no limbo do passado.
— Sua risada é incrível.
— Se estamos admitindo as coisas vou admitir uma também: Você é
absolutamente extraordinária, Candy.
— Damon, Candy, qual o assunto tão interessante que está fazendo
vocês dois ficarem coladinhos assim? — vovó grita de onde está, atraindo a
atenção de todos os presentes, e eu ficaria vermelha se não fosse preta (com
orgulho) o bastante para isso. — Vamos, compartilhem o assunto, criaturas!
Fiquei interessada em saber o que tanto conversam, cheios de sorrisinhos e se
inclinando um para o outro! Damon faltou beijar o seu pescoço, menina! Ah,
se eu não fosse perspicaz até pensaria que vocês dois já se conhecem de outro
lugar!
A sua fala acende uma luz vermelha em minha mente.
ELA SABE!
Vovó pisca na minha direção e só comprova essa minha ideia.
O que ela é? Alguma entidade com poderes sobrenaturais?
Levando em conta que eu e Damon evitamos o assunto “cabanas em
Montana” durante o tempo em que estamos aqui, sem tirar o fato que eu não
sabia que ele estava aqui até pouco tempo, nada além da minha teoria anterior
explica seu conhecimento.
Ele chega a mesma conclusão que eu, já que cutuca a minha canela com
a sua para provar o ponto.
— Acho que ninguém iria gostar vovó, principalmente o pai da Candy!
— dessa vez sou eu que o cutuco.
Onde já se viu falar uma coisa dessas?
Contudo, olho para meu pai e noto que está sorrindo.
Faço uma varredura pela mesa e percebo que seus primos estão
espantados com a fala e todos os tios, assim como seus pais, parecem
curiosos com a interação estranha e inexplicável.
— Eu não queria ser o cara que conta as coisas, até porque sou pai e
isso me faz imaginar que eu vou passar muito nervoso quando a minha filha
crescer, principalmente porque tenho certeza que ela será tão maravilhosa
quanto a mãe, — ele e Betsy trocam olhares apaixonados — mas, eu vi certa
pessoa saindo do quarto de outra certa pessoa hoje de manhã — conta Lane.
— Lane! Isso não tem nada a ver com a gente! — ralha Betsy.
— Quem seria certa pessoa? — indaga Dale, abrindo aspas.
— Chega! Chega! Nada desses assuntos na ceia, seus intrometidos!
Não quero saber de nada agora!
— Mas, vovó, foi a senhora que começou! — exclama Jenna.
— E também estou terminando. Vou agradecer e não quero ouvir
ninguém atrapalhando a minha fala especial!
— A senhora nunca consegue fazer o discurso sem ser interrompida —
fala Casey.
— Mas, vamos tentar fazer as coisas diferentes hoje, não vamos?!
Ninguém na mesa é capaz de refutar o que ela diz, decisões sábias a
meu ver. E por esse motivo quando ela prossegue, o silêncio é seu maior
aliado:
— Estamos todos aqui para celebrar o tempo com a família, o ano
incrível que se passou, o amor, a paz, e todas essas coisas que vocês já sabem
bem! Claro que tenho meus defeitos e infelizmente alguns dos meus filhos
não são as melhores pessoas do mundo, mas, fazer o quê? — o desgosto de
alguns com o que ela diz é nítido — Nos resta amá-los e guiá-los no seu
próprio caminho, que foi o que Deus fez, dando seu único filho ao mundo, o
qual nasceu no dia de amanhã, e tornou essa data tão especial. Por isso, quero
que todos vocês repensem os seus gestos e procurem a sua própria felicidade,
porque um tempo depois, essa mesma pessoa que nasceu hoje, deu a sua vida
para que estivessem aqui, crendo nela e se tornando as melhores versões de si
mesmos — Pearl olha para o marido, ao seu lado, quando ele deposita a mão
esquerda sobre a dela. São o casal de velhinhos mais lindos que já vi. Digo, é
perfeita a cumplicidade que eles possuem — para que não só eu me sinta
orgulhosa, assim como vocês se sintam ao pensarem quando estiverem
velhos, contentes com a forma a qual viveram. Agora, parem de fazer cara de
desespero com a minha fala e fiquem animados, porque em breve teremos a
revelação do ganhador do suéter deste ano! — Ergue sua taça e todos
erguemos a nossa em resposta, brindando em homenagem à época e o que ela
significa.
Presto atenção em cada palavra, mas não consigo deixar de falar com
Damon.
— Esse suéter valorizou seu físico.
O som que emana de sua garganta assemelha-se ao som de um animal
selvagem, irritado ao extremo.
— Tradição idiota.
— Falando sério, eu gosto da ideia de poder desembrulhar meu
presente.
— Não pode falar essas coisas agora e achar que tudo bem. Além do
mais, tem um presente para você na árvore, não vai escapar dessa.
— Presente? Do meu pai?
Novamente aquela sobrancelha elevada dá o ar da graça.
Tudo ao meu redor simplesmente desaparece e apenas eu e Damon
existimos. Há muito tempo não sentia essa sensação e ela é incrível, como se
apenas duas pessoas estivessem ali, quando a verdade é que o caos reina na
mesa. Um caos que eu consigo esquecer, apenas tentando mexer com o
coração dele.
As batidas se aceleram novamente em meu peito e controlo a vontade
de puxá-lo para longe de tudo, querendo ficar somente em sua presença.
Ela é o bastante, sinto que sim.
— Meu, Candy, um presente meu. E quando você vir um deles irá
entender por que eu o peguei afinal de contas. — Ele tarda um pouco para
responder e quando o faz, surpreendo-me.
— Um deles? Tem mais de um?
— Claro que sim.
— Não precisava disso. Eu nem comprei nada para você.
— Já me deu o gosto da liberdade, eu não poderia desejar nada mais.
Sua fala toca uma parte profunda minha e eu não sou capaz de dizer
nada pelos minutos que se seguem. Comendo e saboreando o que está em
meu prato, sem ao menos olhar para os lados. Tento conter a enxurrada de
questionamentos, mas é inevitável. Damon está rastejando, passando através
das mínimas partes em meu coração e se infiltrando nele, quase como se já o
conhecesse. Aquela sensação estranha volta a me assolar e eu contenho a
vontade de levar a mão à cicatriz.
Por que eu sinto isso quase todas as vezes em que ele fala comigo?
Nenhuma palavra parte de nós dois até o término do jantar e, é possível
sentir a tensão palpável que flutua dele até mim. Não uma ruim, mas que
promete coisas intensas para as próximas horas. Tanto que os demais na mesa
conversam e soltam gargalhadas, enquanto ficamos presos em nosso silêncio,
compreendendo a que ele remete.
Damon pousa sua mão em minha coxa, para me confortar, causando
justamente o efeito contrário, deixando-me quente a ponto de meu sangue se
tornar lava. Seus dedos se movem e o formigamento passa a agir diretamente
no meio das minhas pernas, fazendo-me contraí-las em resposta.
Eles percorrem e exploram a parte exposta com a fenda do meu vestido,
levando o toque até a parte interna da minha coxa, aproximando-se da virilha.
Tento não demonstrar, porém é impossível.
Ao relancear à mesa, percebo como todos estão alheios ao que acontece
debaixo da toalha, mas, não vovó, que percebe a tensão e semicerra os olhos.
Desvio meu olhar do seu antes que seja tarde demais.
— Tira a mão da minha perna ou todos vão perceber o que está
acontecendo debaixo da mesa — sibilo entredentes.
— E qual o problema nisso? Não está acontecendo nada demais.
Ele aperta minha coxa, para provocar, contrário ao que sua fala
evidencia, irradiando faíscas vorazes. Cerro a mandíbula buscando disfarçar.
— É idiota assim ou se faz?
— Qual você prefere? E sabe aquela conversa sobre transas e Natal?
Estou muito tentado a pecar um pouco com você hoje. Caso queira que as
coisas aconteçam, deixe a porta destrancada. Já que camisinha, eu vi que
você tem o bastante desta vez.
Olho para ele indignada.
— Como você... — Damon me interrompe.
— Vi na hora em que coloquei sua mala no chão e fiquei me
perguntando com quem pretendia usar, uma vez que não sabia quem eu era.
Odiei esse sentimento que se espreitou em mim e agradeci por ser eu a estar
aqui e poder aproveitar um tempo com você.
Ciúme?
Ele está com ciúme de mim?
Essa percepção me pega desprevenida e causa uma sensação estranha
de felicidade.
— Além de intrometido, agora fica bisbilhotando as coisas das
pessoas?
— Suas coisas, Candy. E foi involuntário. Digo, não tinha como não
ver. Há proteção o bastante ali para você transar por vários dias seguidos, um
monte de vezes em cada. O que não é uma péssima ideia, aliás. Me candidato
como voluntário sem problema algum.
— Não poderia cometer o mesmo erro de novo — falo, frustrada ao me
lembrar da noite em que quase finalizamos essa tensão sensual.
— Esperava transar com qualquer um?
Ele parece ofendido?
Sério?
— Não finja que se importa!
— E se eu me importasse?
— Não faria diferença nenhuma. Eu sei a verdade e você é um exímio
mentiroso. Mentiu para mim em vários momentos nos dias em que ficamos
isolados do mundo.
Isso seria muito errado, depois do que aconteceu em Montana e de
como fui embora. Porque significaria que eu caí na conversa dele novamente
e essa seria uma idiotice das grandes.
Mas, eu quero tanto que dói.
— De forma alguma.
— Correu da tensão sexual até que não aguentou mais — acuso.
— Verdade. Mas, eu estou aqui agora.
— Se quer tanto, porque não fugimos enquanto temos tempo e
deixamos que eles abram os presentes, sem a nossa presença?
Damon estreita os olhos, avaliando o perigo.
— Está me desafiando?
— Não sei, estou?
Ele olha em volta e depois se volta para mim:
— Assim que a ceia terminar, você sobe sem atrair a atenção de
ninguém. Alguns minutos e eu estarei lá.
— Será? — duvido para provocá-lo.
— Espere e verá, querida.
“Não há nada mais natural e inesquecível que nós dois juntos.”

Não demora para Candy fazer exatamente o que pedi.


As pessoas se dispersam, aguardando o início da abertura dos presentes.
E não penso na decisão que tomei, sequer tenho tempo de imaginar o que
passará pelas suas cabeças quando os únicos que não abrirão seus presentes
seremos eu e ela, apenas subo sorrateiro pela escada lateral, aproveitando que
a maioria já se amontoou e vovó não consegue me ver de onde está.
Há gente demais, até chegar na minha vez, temos tempo. Bastante
tempo.
Meu sangue começa a ferver em minhas veias.
A ansiedade se sobressai.
Tudo no que sou capaz de pensar é nos meus dedos correndo pela sua
pele, assim como aquela vez. Com a diferença que desta, não teremos
motivos para parar, ou para nos arrependermos.
Cada degrau que eu transponho arranca um suspiro meu.
Olho para os meus pés ciente de que estou nervoso demais.
Já faz tanto tempo que não sinto algo parecido.
Assim que paro na frente da sua porta, respiro fundo diversas vezes,
com a certeza do que irei fazer. Já não há mais dúvidas, não capazes de me
fazerem vacilar ao menos. Eu quero e se Candy também quiser, serão duas
pessoas adultas aproveitando um tempo juntas. Não significará nada além
disso, não deve significar, certo?
Mas, por que a cada olhar meu na sua direção e sempre que ela
gargalha, sou lançado para um buraco nas profundezas do mar, repleto de
vontades, do qual não consigo escapar, nem mesmo para respirar?
Porque foi ela que fez seu mundo voltar a girar.
O pensamento me acomete e faz os pelos de todo o meu corpo se
eriçarem.
Levanto o braço e bato fracamente na madeira, sabendo que depois
dessa iniciativa não haverá volta. Demoram segundos para que eu veja a
maçaneta se mexer, com o gelo se espalhando pelo meu corpo e o
nervosismo, provocando tremores em minhas pernas. Acho engraçada a
ironia do momento. Na cabana, enquanto isolados, Candy quem foi atrás de
mim, agora, em meio a tanta gente, eu não consigo deixar de rastejar até ela,
implorando para que me devolva a vida que um dia tanto prezei.
Estar com ela é como uma batida solitária, que faz um coração voltar a
vida.
Ou melhor, o meu. Sinto-me como se estivesse congelado, definhando
a cada passar de dia, e ela se aproximou sorrateira, derretendo o gelo à minha
volta, sem me deixar desistir de tudo.
Assim que surge no vão da porta com um robe quase que totalmente
transparente e um sorriso lascivo no rosto, qualquer pensamento que eu
pudesse ter desaparece e sou tragado para a beleza estonteante e o desejo que
passa a comandar todas as minhas ações.
Já não sou mais o Damon atual.
Retorno àquele de mais de uma década antes, que só quer conhecer
uma mulher e se divertir com ela a ponto de ser embebido em prazer.
— Chegou bem a tempo.
Corro o olhar através da pele parcialmente exposta, parando nos
mamilos empinados e clamando por serem chupados. Ela se apoia no batente,
ainda dentro do quarto, com os olhos semicerrados, avaliando meu nível de
coragem.
— Estava ansiosa?
Candy ouviu o desejo explícito na rouquidão?
Porra, parece que eu vou entrar em combustão!
— Se eu dissesse que não, seria mentira.
Olho para os lados, apenas para confirmar que não há ninguém em vista
antes de afundar no quarto de Candy.
Um aroma agradável permeia o ambiente e não é apenas o seu perfume,
que eu amo, mas também uma mistura de sensualidade com volúpia. Passo as
mãos nas laterais da calça. Não sei por que estou assim, só que me sinto
terrivelmente ansioso, como um adolescente prestes a conhecer a arte do
amor pela primeira vez.
E ela percebe. Não é idiota. Tanto que se aproxima sorrateira, passa os
braços pelos meus e crava suas unhas em minha bunda. Sinto-as massacrarem
através do tecido de sarja.
— Relaxa, Damon. Deixe a dança começar que eu te mostro o ritmo.
Abandona o toque e logo em seguida escuto as batidas gostosas e
irresistíveis de Etta James dominarem o quarto, inflando-o com uma névoa
promíscua e irrefreável.
— É golpe baixo.
— Tudo para você parar de ficar tão tenso! Vamos, dance comigo!
I just wanna make love to you faz meu corpo vibrar, tamanho o desejo
que por ele percorre. Candy me puxa para os seus braços e os firma em torno
do meu pescoço, movimentando seu quadril no ritmo da música, de forma
sensual e arrebatadora. Seus seios pressionam meu tórax e cerro os dentes,
respirando com dificuldade, embalando-a em um blues mais potente e
sensorial, do que qualquer coisa que já senti.
A voz inesquecível de Etta comanda as batidas do meu coração e
transpasso com uma das mãos o fino robe, firmando meus dedos na cintura
lisa e delgada. O calor da sua pele acaricia a ponta deles e faz outra parte
minha acordar com potência total, querendo com uma vontade excruciante
ser comprimido pelas contrações da sua boceta enquanto ela goza montada
nele. A visão que formo, me faz arfar. Assim como o giro que ela dá com
meu auxílio e que a faz encaixar a bunda contra minha virilha.
É indecente, lascivo, devasso, sórdido, obsceno.
Dançamos com os corpos unidos, transitando entre a sensualidade e o
tesão insano que expande nossas veias.
Já não há escapatória.
Estou preso no que Candy me faz sentir e não quero ser livre.
A sua prisão é doce, irrefreável.
— Eu não quero que você seja nenhum escravo — cantarola ela, em
uma voz angelical parafraseando a música que acabamos de escutar — eu
não quero trabalhar o dia todo. Mas, eu quero que você seja verdadeiro, e eu
só quero fazer amor com você.
Inalo o cheiro inebriante em seu pescoço e a sinto tremer sob minhas
mãos, enquanto eu as faço passear no interior do seu robe, prendendo os dois
seios em forma de concha enquanto empurro meu pau rígido contra a sua
bunda. Candy o abraça com as duas nádegas e eu exalo o ar com força,
mordendo o lábio inferior, que de nada ajuda a conter o tornado de sensações
que a sua inibição provoca.
Ela se esfrega e eu solto um silvo baixo, que se assemelha a um uivo,
selvagem e faminto. Sua bunda masturbando meu pau, provoca ondas
catastróficas de lascívia.
É indescritível, a forma como eu quero amá-la, trepar insanamente,
fazê-la gritar; longe de qualquer explicação.
O fogo se alastra da minha pélvis até o meu cérebro e eu nem sei ao
certo o que estou pensando, só que quero afundar meu pau até as bolas em
sua boceta gostosa.
— Candy... — recobro forças para sussurrar seu nome.
Ela rebola em resposta e eu engulo o ar a meio caminho de meus
pulmões.
— Sim? — diz provocante.
— Tem certeza de que quer fazer isso? Não nos colocaremos em uma
situação delicada? — pergunto, mas não sei por que fiz isso.
Não sinto a menor vontade de parar o que estamos fazendo, ou diluir o
que sentimos.
Suas mãos cobrem as minhas e ela as aperta contra seus seios, gemendo
com o toque urgente.
— Eu não tenho dúvidas, você tem?
Busco em uma fração bem pequena da minha mente, que tenta ser
racional, mas, a verdade é que não tenho nenhuma dúvida. Eu quero Candy,
tanto que sinto meu peito doer de necessidade.
— Não, nenhuma.
— Então vamos deixar o sexo curar nossas feridas, nem que seja uma
solução temporária.
— Como sabe que é temporária? — pergunto.
Porque o medo que me consome é ser cada vez mais dependente da
carga doce que ela despeja em minha vida, sem saber se Candy está tão
disposta a se descobrir, reinventar, como eu percebo que estou.
Ela se vira, refreando o contato que tanto necessito.
— É essa a questão, Damon, eu não sei.
Sua admissão é tão certeira que eu não me contenho.
Colo meus lábios sofregamente aos seus, faminto, como se fosse a
primeira vez, porque de fato, repleta de certezas do que queremos, essa é a
primeira vez. Deslizo minha língua, entreabrindo suavemente sua boca, me
afundando no interior molhado que me faz gemer. Prendo minhas mãos ao
redor do seu rosto e sinto sua entrega aquecer meu corpo inteiro, como uma
lareira no inverno, da qual é impossível me afastar. Sua língua se entrelaça à
minha e a chupo, impaciente, sentindo o sabor de chocolate passar dela para
mim.
Nada poderia ter deixado o beijo melhor.
Candy e chocolate é uma combinação incrível demais para qualquer um
resistir.
Preciso dela.
A vontade de senti-la ao meu redor é voraz, insaciável.
A nossa pele queimando quando nos chocamos, destruidora.
Nossa vontade no ápice da descoberta, incansável.
As marcas que cada toque provoca, violentas.
Todas as sensações em conflito, somadas a ideia de finalmente unirmos
nossos corpos e conseguirmos prazer, venerando um ao outro, natural.
A cada contato, tenho a certeza de que somos perfeitos juntos e só
retardamos o inegável, sem margem de comparação, enquanto eu a sinto em
cada maldita terminação nervosa do meu corpo.
Levanto Candy, que fecha as suas pernas em torno da minha cintura. O
movimento abre seu robe e deixa visível a calcinha vermelha rendada, cinta
liga, e as meias calças que me fazem arder no fogo do inferno.
É a porra da visão mais linda que já tive.
— Você é perfeita.
Seus olhos absurdamente pretos brilham com a minha fala.
Suas mãos viajam até meu coração, em um encontro profundo de
sentimentos.
— Me faça sentir perfeita.
Implora ela, em um tom baixo. E tomo para mim a tarefa de fazê-la se
sentir a mulher mais amada de todo o mundo.
Uma música nova se inicia e não sei seu nome, mas percebo que
descreve com exatidão o momento, narrando como as coisas ficaram mais
perto do sol, exatamente como agora, conforme me sinto ser tragado para o
calor exorbitante do astro.
Reverencio Candy com sua pele cintilante, incapaz de me ver fazendo
outra coisa que não amando-a.
Deito-a na cama, com suavidade, e retiro o suéter, puxando a camiseta
junto em um rápido movimento, sem retirar os olhos dela. Quando meus
dedos começam a trabalhar no cós da calça, assisto-a abrir totalmente o robe
e empinar os seios na minha direção, descendo as mãos até a calcinha mínima
e que deixa grande parte da sua boceta à mostra.
Passo a língua no lábio inferior, com o meu pau babando de vontade.
Lanço a calça para longe e subo na cama, como um predador rondando
a sua presa, satisfeito em deixar Candy ansiando pela junção de nossos
corpos.
Percebo neste instante, em que me avolumo acima dela, que as coisas
são inexplicáveis entre nós e que assim como a aproximação foi surreal, será
o sexo.
Faz parte da nossa natureza, como se não pudéssemos evitar o contato
assim que nossos olhos se encontram, já cientes de que o desejo não deixará
que nossas peles fiquem distantes demais uma da outra.
Deslizo meus dedos pelas laterais das suas coxas e Candy geme.
Somos arrastados pelas ondas, sem ter como reagir, empurrados até a
parte mais profunda do oceano dessa ligação inenarrável que possuímos.
É como respirar, falar, ou sequer pensar, incapaz de lutarmos contra.
— Por que está me olhando assim? De novo? — pergunta ela.
— Eu já te disse o motivo, é tão linda que parece uma ilusão — falo em
reverência. — Estou sozinho há muito tempo, mas quero que você me ensine
como voltar a amar. Eu sei que é você, Candy, eu sei.
Desço meu pescoço lentamente, enquanto a música embala a
velocidade das minhas ações e prendo um de seus mamilos em minha boca,
sugando-o com intensidade e delicadeza, lançando-a para um furacão de
sensações, conforme eu retiro minha boca dele, assopro e volto a castigá-lo.
Passando de um a outro, venerando seu corpo, cuidando da sua alma, como a
deusa que Candy é.
Paro na sua cicatriz, beijando-a e passando meus dedos sobre ela,
deixando claro que cada parte dela é linda, assim como suas marcas de
batalha.
Candy suspira e eu sorrio com a sua coragem em se mostrar sem
pudores, assim como na vez da cabana, em que me deixou vê-la, inteira, sem
esconder nada.
Sou sortudo demais, é o pensamento que expande meu peito.
Desço pelo vale de seus seios, atravessando seu abdômen, sentindo-a se
contorcer debaixo do meu corpo, curvando as costas, buscando conter a onda
de prazer. Solto as peças que unem as laterais da calcinha à cinta liga e
deslizo-a através de suas pernas, beijando sua panturrilha até a canela, com as
suas lamúrias funcionando como um termômetro de quão perto estou de
deixá-la maluca.
Assim que a renda passa pelos seus pés, jogo-a no canto, voltando pelo
mesmo caminho, com pequenas mordidas e beijos lânguidos.
Paro e suspiro na frente da sua boceta, com a ânsia de tê-la novamente
na minha língua enchendo minha boca de água.
Abro-a para mim, com os dedos e pincelo uma única vez. Alço a
cabeça e a vejo ainda arqueada, com a cabeça para trás. Sua mão viaja até
minha nuca e a empurra de encontro ao seu ponto pulsante. Fico mais do que
feliz em ceder ao seu pedido, prendendo o clitóris entre meus dentes, sugando
e investindo dois dedos na fenda úmida. Sua lubrificação molha meus dedos e
insiro um terceiro, sentindo seu corpo aceitar e se regozijar com a dilatação
extra.
— Isso, Damon, isso... Continua assim! — acelero a penetração,
trabalhando em conjunto com a minha língua — porra, isso! Ahhh!
Sinto que Candy vai gozar e os retiro depressa, escutando um som de
frustração partindo dela.
Nossos olhares ficam presos.
Levo meus dedos à boca, sugando um a um, apreciando o sabor da sua
lubrificação natural.
Ela arfa.
Eu sorrio.
Há uma certa maldade implícita em meus gestos. Uma maldade sexual
e excitante.
Gosto de provocá-la.
Candy desliza a mão até que ela esteja em sua intimidade, trabalhando
com a ponta do dedo em seu clitóris, atraindo toda a minha atenção.
Suspiro profundamente.
Ela gosta de me manter na borda do inferno, prestes a cair no fogo.
— Está molhada para caralho.
Fito sua boceta babando, ansiando por meu pau nela.
— Por você, para você.
Não demoro para me livrar da minha cueca, cobrindo-a com o corpo
em seguida, deixando-a bem quente para o que está prestes a acontecer.
Por sorte, a embalagem que precisamos repousa ao lado da cama, na
mesa de cabeceira. Estendo a mão para pegá-la, enquanto Candy se esfrega
em mim, com seu corpo sedoso ondulando e acariciando meus músculos.
Meu pau entre nós, preso a sua barriga, baba com o pré gozo, inflado,
potente, duro e com as veias saltadas, esperando para morrer enterrado nessa
mulher.
Apoio-me sobre os joelhos, abrindo minhas pernas, uma de cada lado
de seu corpo, para desenrolar o látex ao longo da minha extensão.
Candy observa tudo com um olhar tão poderoso que eu gemo apenas
com ele.
— Você é gostoso demais! Ainda não entendo como pôde se esconder
daquele jeito. É o tipo de homem que as mulheres dariam qualquer coisa para
ter por uma noite — diz e corre seus dedos ao longo dos músculos definidos
do meu abdômen.
Trinco os dentes após puxar todo o ar de que sou capaz. Principalmente
quando decide desbravar um caminho mais baixo, agarrando-se ao meu pau,
masturbando-o, coberto pela fina camada que não ajuda em nada a conter as
milhares de sensações.
— Assim não, eu vou gozar rápido demais — falo, em um silvo.
— Quero que você se esqueça até de quem é, hoje, Damon.
Espalma as duas mãos em meu peito e me empurra bruscamente de
costas contra a cama.
Em um momento sou o predador. No outro sou a presa.
Mas... Porra! Imagino o que ela irá fazer e já sinto as consequências
desse pensamento me deixarem atordoado. Ser a presa pode ser ainda melhor.
Candy escancara as pernas e sobe em mim, montando como se
estivesse prestes a me dominar. O contraste da cinta liga e meia calça com a
sua pele, faz com que eu pragueje bem alto para conter o prazer que ameaça
me deixar quebrado, destruído, incapaz de pensar em outra coisa que não na
imagem que agora se eterniza em minha memória.
Os dedos longos e femininos correm pelo meu pau e eu ofego assim
que ela o encaixa na entrada da sua boceta e senta com força, sem me dar ao
menos tempo para me preparar psicologicamente para o ápice que é sentir
suas paredes macias me comprimindo, enquanto ela rebola e afunda até o
talo, com um sorriso perverso desfigurando seus lábios.
Seu balanço, o gingado do seu quadril, conforme ela engole meu pau e
o faz surgir de tempos em tempos me transformam em uma criatura
selvagem, totalmente incoerente.
— Porra, Candy! Caralho de mulher gostosa! Senta! — ela obedece e
bate com força sua pélvis contra a minha, me fazendo rosnar em resposta —
Senta com força! — dou um tapa estalado em sua bunda, e ela solta um
gritinho excitado.
Acompanho a cena avidamente, contando números desconexos na inútil
tentativa de não gozar rápido demais. Porém, caio na cilada de olhar para
nosso encaixe, meu pau sendo engolido depressa, seus seios empinados na
minha direção e a vontade de chupá-los é tanta que me inclino e começo a
mamar vorazmente, sendo embalado pelos sons do choque de nossos corpos.
A sua boceta me aperta, enquanto ela rebola e me faz urrar com seu
mamilo entre meus dentes.
Massacro sua cintura na medida que ela aumenta o ritmo, transtornada,
em busca de alívio.
O sexo é embalado por uma música que eu sequer escuto, preso no
momento, envolvido pela sensualidade, absorto em prazer, ondulando no
tesão, sendo massacrado e moldado por uma maldita mulher que me faz
delirar de volúpia, conforme senta e se levanta sobre meu pau, cavalgando
como uma amazona desesperada.
— Damon, eu vou... — ela fecha os olhos e não consegue completar a
frase.
Forço sua cintura para baixo, prendendo-a em meu pau, metendo
vorazmente enquanto ela grita desesperada, recebendo as investidas ritmadas
e poderosas, que agora quem comanda sou eu.
Entro e saio com agilidade, força, alcançando pontos cada vez mais
fundos, impulsionando seu corpo para cima, fazendo seus peitos balançarem
deliciosamente.
Bato com força contra a sua bunda, uma, duas, três vezes.
— Vamos safada, goza sentando no meu pau!
Candy cede ao gozo e move o corpo, para frente e para trás, enquanto
mantenho o ritmo e encho a camisinha de porra. Tanta porra que eu a sinto
pesada conforme continuo estocando várias e várias vezes, querendo que o
prazer continue a nos consumir em fogo, que o maldito seja capaz de derreter
toda a neve que recobre o pico da montanha do lado de fora.
Urro e arremeto longamente, aproveitando e prendendo um de seus
bicos em minha boca, novamente, para marcá-la como minha para sempre.
Sinto que não serei mais eu mesmo depois do que aconteceu, que a
necessidade que eu tenho de estar dentro dela só aumentará dia após dia.
Firmo-a contra minha pélvis em uma última vez, praticamente uma promessa
e sinto as ondas do prazer correrem por meu corpo, devastando-me
completamente.
Esparramo-me na cama, apoio a cabeça na colcha macia com os braços
abertos ao meu lado.
— Podemos nos viciar nessa coisa — Candy diz, depositando um beijo
rápido em minha boca.
Abro um sorriso satisfeito e preguiçoso.
Acho que já estou viciado.
— E se eu já estiver?
— Seria uma pena deixar que passe vontade — ela ameaça se levantar
e eu a seguro firmemente.
Seu olhar indagativo me impele a responder:
— Só fica mais um pouco, gosto de te sentir aí, bem onde está. Me faz
querer viver.
Ela gargalha, bela e autêntica.
Eu a observo, totalmente hipnotizado e rendido.
Completamente enveredado em sentimentos intensos e doces, assim
como ela.
— Também gosto de ficar assim, como estou, bem perto de você.
É espetacular.
Sem precedentes.
Tão genuíno estarmos juntos que quando a sua pele abandona a minha é
como se ela ainda estivesse ali.
“A nossa sorte é que ela não decidiu dar um par de alianças.”

Deitamos lado a lado, observando a lareira, deixando que a paisagem


embale os nossos momentos. Damon não é o tipo de cara que parece querer
fugir depois de uma noite de sexo, ao invés disso, ele permanece comigo,
enquanto apoio a cabeça em seu peito e acompanho a sua respiração suave.
Tenho vontade de contar todos os meus medos para ele, apenas pela forma
com a qual olhou para mim e me fez sentir a mulher mais linda do mundo.
Encontrar alguém que te faça ter essa sensação é tão raro quanto
esbarrar no amor da sua vida. E geralmente, ambos colidem no mesmo
indivíduo, o que me faz olhar para ele, realmente parar para fitá-lo e me
perguntar como pude ser tão estúpida a ponto de não ter me interessado em
conhecê-lo quando tivemos a oportunidade.
— Agora sou eu quem pergunta por que me olha assim — brinca ele.
— Só pensando no que aconteceria se isso tivesse acontecido antes, há
muito tempo.
— Não pense nisso. As coisas dão certo quando têm que dar. Acredito
que precisávamos viver tudo o que vivemos para finalmente estarmos aqui,
— ele me aperta ao encontro do seu corpo — onde estamos agora.
Penso sobre sua fala e reflito, acreditando que Damon está certo.
— Quando eu pensei que quase morreria, há quatro anos, não contava
com o futuro. Então é estranho cogitar um — abro aspas — feliz agora.
Lembro que era dia dois de julho, quase o dia da independência e papai não
conseguia mais disfarçar a sua preocupação. As probabilidades de encontrar
um doador de coração, compatível, são raríssimas e meio que já tínhamos
perdido as esperanças. Todos animados para o feriado e eu sentada no sofá do
meu quarto de hotel em San Antonio, uma viagem relativamente curta que eu
e papai decidimos fazer para aproveitar o tempo final juntos, ciente de que
meu marido estava me traindo por não conseguir lidar com a minha “morte”.
Eu nem tinha morrido ainda e ele nem se preocupou em disfarçar que se
importava. Nós nos divorciamos na minha recuperação, eu não aguentava
mais esperar amor, enquanto ele dizia que eu estava deformada, quebrada. No
fim, foi o melhor. Discutimos, falamos coisas horríveis um para o outro e eu
consegui seguir em frente.
— Se livrou de um otário. Sei que machucou, o quanto isso deve ter
mexido com você, por causa da situação que passava, mas ficar com ele seria
pior.
Noto que seu olhar fica vago por instantes, mas Damon se recompõe
rapidamente.
— Claro, claro — concordo depressa — eu estava frágil, carente e seria
pior se ele se aproveitasse disso para me manipular. Há coisas ruins que vêm
para nos trazer o bem, estou plenamente ciente desta verdade — falo
convicta, olhando para ele e externando que é a parte boa de muito tempo em
minha vida.
— Isso mesmo. Faça valer a pena a vida nova que ganhou, poucas
pessoas têm essa chance. — Sua voz se aprofunda e acredito que ele esteja
pensando na sua mulher que morreu. — É até estranho te ouvir falar sobre
dois de julho, porque... — Damon sacode a cabeça, seus olhos petrificam-se
— mas, enfim, é loucura.
Não pergunto a que ele se refere, se quisesse, contaria.
Sinto-me péssima, profundamente egoísta, por nutrir essa felicidade por
estar aqui, quando sei que se ela estivesse viva, jamais ficaria com Damon,
sendo que essa verdade me deixa em estado catatônico.
Como seria tudo se Dolores não tivesse morrido?
Minha nossa, por que eu sou assim?
Uma onda de ódio por estar me sentindo tão confusa perpassa meu
corpo, enquanto o único fiapo de coerência presente em minha cabeça,
reforça a ideia de que eu não posso ficar questionando como as coisas seriam
se isso não mudará nada em meu futuro.
Mas, como me impedir de ter esses arroubos de pensamentos
totalmente inúteis?
A resposta meio que aparece instantaneamente, não em forma de uma
percepção imediata, mas por batidas na porta que me fazem pular da cama,
como se eu estivesse cometendo um crime, enquanto Damon gargalha do
meu semblante em pânico.
— Parabéns a vocês, agora todos sabem o que estão fazendo aqui em
cima! — admito que não consigo identificar um Kingston apenas pela sua
voz, mas o semblante de Damon se transforma, quando ele coloca a cueca e
vai até a porta.
Não a abre antes de olhar para mim e pedir gentilmente:
— Quer ir até o banheiro? Preciso ensinar bons modos ao meu primo.
Aceno afirmativamente, me enrolo no lençol e vou até o banheiro,
deixando a porta entreaberta para escutar o que eles dirão.
— Empata foda do cacete! Mas que merda, Kendrick!
— Eu estava brincando — o outro gargalha — vim avisar porque vovó
enrolou para começar a abrir os presentes e se vocês voltarem agora ninguém
vai perceber. Além de mim, Dale e Trust, claro, que pediu para que eu viesse
avisar para poupar a amiga do vexame de cair ela mesma no que disse para a
outra evitar. Não que eu entenda, deve ser uma piada interna das duas. E
primo, não precisa me agradecer agora, pode ser depois por ter salvado a
bunda de vocês ou melhor, o calcanhar, uma vez que vovó Pearl surtaria se
soubesse o que está acontecendo debaixo do teto dela em plena véspera de
Natal. Isso é pecado, vocês vão direto para o inferno, sabiam, não é?
Ouço uma comoção e ao empurrar um pouco mais a porta, noto Damon
arrastando Kendrick, que sorri ante o desespero do outro. Assim que ele
fecha a porta, topa com meu olhar, através de um espelho ao lado da porta.
— Pronta para descer e fingir que nada aconteceu?
— Só se me prometer que quando fomos dormir você virá aqui de
novo.
— Tem a minha promessa, ma’am.

— Se alguém não fosse avisar vocês, ficariam lá até quando? — Trust


pergunta, mas, minha atenção não está nela, mas sim em Damon, que
relanceia seu olhar até mim enquanto fala com um de seus tios.
Aqueles lagos profundos prometem muito mais safadeza para a
madrugada do que já tivemos, uma vez que testamos o terreno e a nossa
química se provou devastadora.
— Ela não está prestando atenção em absolutamente nada do que está
dizendo. — Volto-me para Dale com o olhar distante, provando seu ponto.
— O quê?
— Como eu disse.
— Seu irmão deve ter feito um belo trabalho lá em cima. — Trust
brinca e eu a cutuco com o cotovelo, para que seja mais discreta quanto a
vida dos outros.
— É de família, Trust.
— Vejo que estamos com assuntos sexuais enquanto abrem os
presentes. Vocês não prestam nem um pouco e depois costumam dizer que eu
sou o mais devasso desta família. Uma ofensa que eu não tolero, pois não
sou. — Kendrick aparenta inocência, e não estou familiarizada o bastante
com ele, porém, sei que de inocente ele não tem nada.
— Não vai abrir os seus? — Seu suéter amarelo é a coisa mais divertida
que já vi e enquanto falo com ele, é impossível não desviar minha atenção
para a cor chamativa.
— Ah, não agora, prima — finjo não ouvir a maneira com que me
chama — preciso me preparar emocionalmente primeiro. Percebi que está
olhando para o meu exclusivo suéter, feito por essas mãos incríveis e
habilidosas — ele as ergue e olha para elas como se fossem o instrumento
mais caro do mundo — caso queira posso fazer para você, se bem que
Damon iria me chutar por isso. Ouvi dizer que têm presentes pra você na
árvore também.
— Sim, do Damon, ele já disse — assumo.
— Hmmm — Kendrick franze as sobrancelhas — pensei que só fosse
ganhar do seu pai e da — faz som de rufando os tambores, o que me faz
sorrir sem parar — grande vovó Kingston. E por mais que eu tenha dó de
você por também estar com a atenção dela em cima, fico agradecido por ser a
carne fresca a sofrer nas mãos enrugadas. Enquanto eu puder respirar o doce
ar da liberdade, vou aproveitar ao máximo.
— Por que ela me daria um presente?
— E eu tenho como saber? Se a curiosidade for demais, pergunte a ela
você mesma. Não vou correr esse risco.
— O que acha que ela poderia me dar?
— Tenho um palpite, o que me fará ter outra certeza. — Kendrick
revira os olhos de maneira pensativa — contudo, só saberemos quando abrir.
Infelizmente. Até lá, fico com a minha imaginação.
— Preciso ter medo do que imagina?
— Sempre, nova integrante, sempre! — ele fala misteriosamente e se
afasta de nós depressa.
Apenas quando ele já está a meio caminho de onde vejo Lane, Betsy e a
filhinha, me pergunto o que ele quis dizer com nova integrante.
— O que ele quis dizer? — Viro-me para Dale, todavia, de nada
adianta, já que ele se encontra em uma conversa acalorada com minha amiga.
Decido não os atrapalhar, olhando para a lareira no centro do lugar,
onde papai conversa com Kristen. Ele está feliz e é a pessoa no mundo que
mais merece estar assim.
Inalo o perfume antes que eu escute sua voz e me preparo para as
reações da sua proximidade em meu corpo.
— Mal saí de perto de você e já quero voltar. O que fez comigo,
Candy?
— Joguei um feitiço.
— Isso te transforma na bruxa má. São elas que lançam feitiços, não as
rainhas ou princesas.
— Ser a bruxa é mais divertido — digo e olho para Damon, com o seu
sorriso alegre me deixando confiante em continuar. — Rainhas e princesas
raramente se permitem momentos de diversão. Talvez porque elas tenham
cobranças demais nas costas. O que acontece comigo, claro, mas eu cheguei
em uma idade que não quero mais perder tempo com coisas que eu não
levarei.
— Cada dia você me impressiona mais. Seu pai me falou que junto com
a Trust fundaram uma empresa de lingerie do zero, conseguindo conquistar
clientes fiéis com itens originais, o que explica — seus olhos transformam-se
em puro fogo — todas aquelas peças, não é? Você é empreendedora, corajosa
e posso afirmar que isso não me surpreende.
— Obrigada! — falo, verdadeiramente tocada com o que ele diz —
Mas, pensou que só por ser um Kingston, que eu me aproximaria de você
para tirar vantagem... por isso não quis me contar seu sobrenome na cabana.
Ah, Damon, você é tão bobinho! — provoco.
Ambos sorrimos.
Nossa ironia faz sentido quando estamos juntos, porque ele sabe que
não falei para irritá-lo e eu sei que ele age assim, porque ele é assim.
Além do mais, é tão bom quando alguém te elogia pelo que você é
capaz e não pela beleza. Demonstra que a pessoa enxerga mais do que apenas
o exterior mostra. Se Damon poderia me deixar mais mexida com ele, acabou
de conseguir esse feito.
Ficamos um momento olhando para o fogo, presos em nosso próprio
silêncio confortável. O caos de conversas à nossa volta não poderia nos afetar
menos. Entramos em uma bolha, feita por nós e nos mantemos nela.
— Eu acho que senti algo a mais, você sabe... — ele dá uma pausa
dramática que esfria a temperatura em meu estômago — mais cedo. De
verdade, Candy, nós já temos o bastante da vida para sabermos exatamente o
que sentimos, não é?
— Acredito que sim. Mas, ninguém nos culparia por ficarmos confusos
depois de tudo. É impossível saber o que se quer o tempo todo.
— Tem um excelente ponto, como sempre — sua risada descontraída
transforma o frio em gelo completo.
— Sei que vai parecer meio invasivo, mas — indico onde seu primo, a
mulher e a filha estão e me viro novamente para ele — como se sente sobre
isso?
Damon acompanha meu olhar e então volta a fitar a lareira, com
milhares de pensamentos fervilhando em sua mente.
— Na verdade, será muito bom desabafar com alguém. E para ser
sincero, Candy, eu me sinto com inveja. Uma inveja dos diabos — sorri
incomodado e eu o acompanho — por querer ter tido o que eles têm hoje.
Porém, aprendi que não adianta pensar essas coisas, o que passou, passou. E
por mais que ter esses pensamentos egoístas me deixe muito revoltado
comigo mesmo, preciso compreender que sou humano e é normal não ser
bom o tempo todo. Ninguém é bom o tempo todo. Entende aonde quero
chegar?
Sua fala atinge exatamente a Candy que pensava milhares de coisas
acerca da sua falecida esposa e se tem algo que posso confirmar é que o
entendo. Perfeitamente.
— Claro, e não te julgo.
— Obrigado por isso — desta vez, o sorriso que ilumina seu rosto é
verdadeiro. — Acredito que tenha sido a única pessoa que me ouviu admitir
essa verdade horrível sobre mim.
— É uma honra.
— Nós conquistamos o direito de fazer parte das vidas das pessoas que
cativamos, e você está cada vez mais embrenhada na minha.
— É uma coisa boa?
Seus olhos prendem o meu antes de ele prosseguir:
— Boa, não. Excelente. Há muito tempo não deixo que ninguém se
aproxime, ou converso tão honestamente. Você me faz bem, Candy, tão bem
que eu sinto que encontrei meu caminho de novo.
— Ei, vocês não virão aqui, seus ingratos? Precisam abrir os presentes
com a gente! — vovó grita, atraindo não apenas a nossa atenção como a de
todos próximos a ela, fazendo com que eles olhem diretamente para nós.
Até mesmo meu pai e Kristen o fazem, sendo que o que vejo no rosto
dele é um... sorriso?
Não preciso perguntar para saber o motivo de ele estar tão feliz.
— Já estamos indo! — Damon grita de volta e tomo um choque,
quando ele encaixa seus dedos nos meus e me arrasta até onde todos estão
reunidos, inclusive Trust e Dale.
É aquele tipo de surpresa interessante e excitante.
— Até que enfim deram a honra de se juntar a nós! — resmunga Jenna,
se eu bem me lembro o nome de todos.
Ela não parece nada feliz com seu suéter, de braços cruzados e uma
carranca no rosto que é semelhante a de Damon, assim como dos demais. Os
primos são mais parecidos do que imaginam. Com os traços bem definidos, a
linha reta do nariz, os lábios e os olhos. Alguns variam de azul para
profundamente pretos, no entanto, ainda assim, é inegável o parentesco.
As mulheres são espetaculares.
E os homens, altos, imponentes, como se tivessem saído das páginas de
um romance.
— Vovóó! Esse suéter está me fazendo pinicar! Aposto que peguei
alergia dele! — a lamúria de Casey não passa despercebida diante da
matriarca.
Ela me parece ser a mais tranquila de todos. E Jenna, a mais esfuziante.
— Cale a boca e se conforme com ele, não vou deixar que troque.
— Não custava nada tentar. — A outra dá de ombros como se nada
tivesse acontecido.
— Vamos logo! Ou a gente vai acabar de revelar só no almoço de Natal
que nem no último ano! — lamenta Lane.
— Vovó, não precisa ter pressa nenhuma. Eu e Mel aqui, respeitamos o
seu tempo — Betsy diz com seu sorriso capaz de encantar até o sol,
balançando a mãozinha rechonchuda da filha.
Movo-me até ela sem que eu perceba, em um gesto involuntário para
alisar a bochecha da garotinha mais fofa do mundo.
— Meu Deus, ela é tão linda!
— Obrigado, Candy — Lane agradece, recebendo um olhar
recriminador da esposa.
— Não ligue para ele, sabe tão bem quanto eu, que Melanie puxou a
mim, por isso é resplandecente.
— Tomara que a modéstia não venha do seu lado da família — elucida
ele.
Desprendo minha atenção dos dois conversando e aceito a pequena,
quando Betsy a entrega. Meu coração se mantém aquecido quando ela me fita
languidamente e sorri, erguendo as mãozinhas para tocar o meu rosto.
Pronuncia um “uba” ou coisa assim que eu não entendo ao certo e se remexe
toda, formando um biquinho e arregalando os olhos.
Sinto uma comichão nascer no meu baixo ventre e a única coisa na qual
penso é que eu quero algo parecido para mim. Uma coisinha pequenina
dessa, tão dependente e que traz tanto amor, para chamar de minha. Estou
pronta, sei que estou. E de repente, ter um pai propriamente dizendo passa a
não importar como importava no princípio e mesmo que eu faça tudo sem
companhia, desde o processo de fertilização até ter o bebê, eu só quero o
sentimento de ser mãe.
Você tem no máximo dezesseis anos pela frente, como pode pensar em
ser mãe?
Sei que tem essa questão do transplante e expectativa de vida, mas, se
eu deixar que essa noção continue me manipulando, minha hora pode nunca
chegar e eu vou perder a oportunidade para sempre.
Quando eu tinha vinte e poucos anos não quis ter filhos porque
simplesmente não era o momento. Estava focada em estudar.
No início dos trinta, estava casada e infeliz. Como poderia ter filhos
com Ryder se nosso casamento já era tão turbulento?
E em meio a tudo isso, eu e Trust decidimos investir nosso dinheiro na
Allgerie, como uma forma de ajudar as mulheres ao redor do mundo.
Depois, a questão passou a ser medo. Medo de não ter tempo o
suficiente, de colocar um anjo no mundo e não continuar aqui para poder
vigiar seus passos. Mas, olhando para Melanie, a felicidade estampada no
semblante de Lane e Betsy, eu percebo que não quero perder a oportunidade
de ser mãe, de sentir esse amor incondicional por medo. E se eu não me
decidir logo, posso nunca ter essa possibilidade.
E todas essas questões também valem para a adoção. Como vou me
comprometer a cuidar de alguém se eu não sei meu futuro?
— Caramba, Candy, você tem jeito com crianças. Ela está muito
tranquila com você — Betsy se aproxima e segura a mão da filha.
— Eu sempre quis ser mãe, sabe... é que as coisas não foram tão
favoráveis assim — desabafo e finjo não notar o olhar especulativo que ela
lança na direção de Damon.
— Se esse é seu sonho, ou um deles, vá em frente. Será uma mãe
incrível.
— É, tenho certeza — vovó se intromete na conversa —, mas, agora, se
me desculpam, preciso atrapalhar esse momento para fazer com que todos
abram seus presentes antes que seja oficialmente o dia 25, é tradição da
família abrir na noite da véspera, ou coisas ruins podem acontecer, já dizia
minha mãe. Eu deveria ter mudado esse costume se soubesse que seria tão
difícil controlar essa família. Algum dia conhecerei Deus, por sequer tentar.
— Aí está seu erro, vovó, deveria parar e ir aproveitar o Havaí. Lá é
muito revigorante, a senhora deveria experimentar — comenta Kendrick.
— Vou aproveitar o Havaí no meio do seu nariz, moleque intrometido.
Não pedi conselho nenhum! E você nem tem idade para me dar conselhos, se
quer saber. Essa velha aqui tem muito ainda o que viver e consegue sim dar
uma canseira em vocês!
— A senhora que falou que qualquer dia conheceria Deus por tentar
nos controlar — fala ele despropositadamente.
— Irei conhecer o Senhor mais cedo ou mais tarde! — Kendrick a
provoca com um riso frouxo, que ela finge ignorar — E quer saber, não tenho
tempo para ficar falando com você! — Ela se move até a árvore e relanceia a
todos — Bom, ninguém aqui além de Candy, Trust e Makai, é ignorante
sobre a nossa tradição. Então, já sabem muito bem o que fazer e esses três
que eu falei, sigam o que os outros fizerem quando for a sua vez de entregar
os presentes ou abri-los. Bom, é isso. A primeira sou eu.
Vovó se agacha ante uma pilha, que eu imagino ser os seus presentes e
chama nome por nome, entregando a cada um, um embrulho diferente. Como
ela consegue se lembrar de todos? Aposto que anota, porque é muita gente.
Cada pessoa que para em frente a ela, recebe um sorriso caloroso que irradia
aconchego. Aos netos, fica claro o seu maior carinho, uma vez que ela passa
a mão em suas bochechas e os faz abaixarem para que ela deposite um beijo
no topo de suas cabeças.
Fico tocada com o respeito deles, em suma brutamontes, conforme se
abaixam à altura da senhora e aguardam pacientemente que ela lhes dê
carinho. Surpreendo-me quando ela termina com eles e olha para mim,
chamando meu nome. Claro que Kendrick já havia me avisado, mas, no
fundo pensei que fosse apenas uma forma sua de me deixar nervosa. Assim
que me aproximo, vovó me pede para abaixar e sussurra em meu ouvido:
— Bem-vinda à família, querida. É um prazer ter você e seu pai
conosco hoje. Obrigada por trazer luz a um coração ausente dela. — Passa a
mão em minha bochecha e então deposita um beijo no topo da minha cabeça.
O respeito é merecido, percebo. Porque ela se esforça para passar o que
acredita ser o certo. Uma matriarca e tanto.
Abro o presente assim que me afasto para que a próxima pessoa
distribuía os seus e fico sorrindo sozinha ao perceber que ela me deu um
suéter tradicional da família, o qual combina com maestria ao do Damon, em
cor e frase natalina.
Mais clara do que Pearl, impossível.
Meu olhar cruza com o dele, que me lança uma piscadela ao mesmo
passo em que sorri satisfeito, movendo os lábios em total silêncio:
“Eu que fiz, docinho”
“Juntos, em meio à neve, sinto o inverno derreter com um sorriso
radiante e doce, tornando meu coração o mais absoluto verão.”

Vovó dar o suéter que fiz a Candy não me assusta, nem que ele pareça
com o meu. Sei o que ela quer dizer com esse gesto e soaria estranho eu
afirmar que não me incomodou como deveria?
Ou que... ao olhar por minutos muito longos para a família toda
reunida, não me lembrei de Dolores, não com aquela dor a qual costumava
me lembrar, nem uma única vez? E a paz que me assola com essa verdade é
inestimável. Tamanha que eu sorrio sozinho, para ninguém em particular,
preso em minha própria constatação feliz.
Não quero afirmar que eu jamais vou me lembrar dela novamente, pelo
contrário, quando eu o fizer, acredito que a dor não vai ser mais tão profunda
como era.
Fico tenso ao escutar a voz de vovó, uma vez que ela se aproxima
sorrateira.
— Quando você tiver um tempinho, pode pegar uma caixa que deixei
no meu quarto, por favor? Eu preciso tirá-la de lá, mas minhas costas já não
são mais como eram, se é que me entende. E preciso fazer valer a pena esses
músculos que você ganhou cortando lenha no alto da montanha. Não diga
nada aos outros, mas é meu neto mais bonito! — ela se aproxima para
cochichar.
Gargalho movimentando meu peito.
— A senhora diz isso para todos.
— Como pode me caluniar assim?!
— Ninguém cai mais nas suas mentiras.
— Não caem, é? — ironiza ela, com algo embutido em suas palavras.
Atento-me aos sinais sutis de que está me enganando.
— A senhora é muito mais esperta do que parece.
— Ter a aparência de uma senhora idosa, muito fofa, faz com que as
pessoas me subestimem.
— Mas, não eu.
— Não você, claro. — Sua fala me soa mais como um desafio —
preciso dar atenção para toda essa gente e não se esqueça de pegar a caixa
que está em meu quarto, por favor. Sinto que tirá-la de lá será um grande
alívio para mim.
— Precisa ser hoje? Ou amanhã? É Natal, vovó.
— Faça quando se sentir preparado, só não se esqueça de me fazer esse
favor.
Por que eu precisaria me sentir preparado para ajudá-la?
— O que a senhora está dizendo não tem qualquer sentido, mas, tudo
bem, antes que eu vá embora, tiro a caixa para a senhora. Tem algo específico
nela, ou vou saber assim que olhar, qual é? O que faço com ela depois?
— Simplesmente saberá e assim que a pegar, pode fazer o que quiser.
Meu objetivo já terá sido cumprido — diz e se afasta de mim, sem ao menos
olhar para trás.
Nenhuma hipótese do que pode a ter levado a falar comigo de maneira
tão misteriosa passa em minha cabeça. O que maldição contém esta caixa?
— Ela escolheu Candy. E você, também? — indaga Kendrick, ao se
aproximar tão sorrateiro quanto vovó.
Juro que tenho vontade de colocar sininhos em seu pescoço para ser
avisado com antecedência da sua presença.
— Eu não preciso ser o primeiro nessa frase? Digo, se eu não
escolhesse, como vovó poderia fazer alguma diferença?
— Acha que ela não fez? — debocha Kendrick, com um sorriso
brincalhão — cara, você consegue ser ainda mais cego que o Lane quando
quer. Pensei que fosse matar a charada assim que se visse diante dela. Pearl
nunca joga para perder e, eu fico me perguntando quando chegar a minha
vez, porque ela vai chegar, se eu vou ficar tão alheio a essa velha diabólica
mexendo seus pauzinhos pelas minhas costas e se talvez, apenas talvez, eu
acabe ficando tão feliz como Lane, ou vi você ficar. Candy te trouxe de volta
à vida, primo, e todos nós só temos a agradecer.
— Por que está dizendo tudo isso?
— Acredita que eu não sei? Depois dos trinta parece que ficamos mais
melancólicos. E tenho uma sensação tão estranha me corroendo... —
interrompo-o.
— Você está cansado de contar apenas consigo mesmo, e ter uma
mulher a cada semana — Kendrick ergue um dedo para me impedir de
continuar.
— Dia ou fim de semana, uma semana inteira é muito tempo para eu
não diversificar meus encontros. Gosto de dar bastante amor ao máximo de
mulheres que eu puder.
— E não está cansado justamente disso? Não ter alguém que queira
ficar ao seu lado por quem você é?
— Não sei, nunca tive isso.
— Quando encontrar vai entender.
— Aposto que eu vou, senhor — brinca ele — agora, se me permite,
vou perturbar Jenna, Bessie e Casey, porque elas parecem muito entediadas
conversando sozinhas. Ou quem sabe, posso dar um susto no vovô, que está
ali se contendo para não morrer de tédio, assim como nossas primas — diz
Kendrick, indicando nosso avô, um pouco longe do tumulto.
Sempre foi assim.
Vovó o centro das atenções, e ele pairando à sua volta, tomando conta
da esposa sem neutralizá-la. Aposto que este é um arranjo perfeito para ele,
assim como para mim — admito ao olhar Candy interagindo com todos como
se fizesse parte da família há anos.
O que me choca é que na verdade, quero me aproximar deles e
conversar de igual para igual, sem aquela carga de passado que eu carregava,
que me mantinha longe de todos que eu amo.
— Vamos Damon, é sua vez de entregar os presentes! — grita alguém.
Essa é minha deixa para ir até a enorme árvore.
Pego minha pilha de presentes e chamo nome por nome, torcendo para
que eles gostem dos presentes que eu comprei em alguma cidade pelo
caminho. A sequência que sigo não deixa ninguém surpreso, porém, assim
que chamo a última pessoa da família, outro nome abandona meus lábios e
esse sim deixa a todos em estado catatônico.
— E meu último presente vai para Candy — digo imperativo,
segurando uma caixa e dois pacotes.
— Presentes no plural, primo?! — grita Jenna.
— Eu também queria presentes no plural! — completa Bessie.
— Calem a boca! — brada vovó.
— Bom, eu sei que todos estão espantados por esse presente, mas a
verdade é que eu senti a necessidade de presentear alguém querida, além da
família esse ano. Candy surgiu em minha vida de uma maneira estranha e
com coincidências demais — relanceio o olhar na direção de Pearl, que olha
para o teto — mas, se manteve nela por ser geniosa — todos riem quando eu
digo isso — e por não desistir de mim na primeira grosseria, que todo mundo
aqui sabe que eu mando muito bem — gargalhadas preenchem o ambiente —
Também acredito que vocês precisam saber que eu a conheci antes daqui, em
Montana, já que ela ficou na cabana vizinha à minha — agora, escuto sons de
surpresa, porém prossigo — e por ter tornado a vida dela um inferno
enquanto esteve lá, decidi presenteá-la. Espero que goste dos seus presentes,
Candy. — Ela caminha até onde estou e pega os três das minhas mãos, dando
um abraço apertado, passando apenas um braço por minhas costas. Inclino-
me em sua direção para completar — e que nossos acasos continuem
acontecendo.
Ela sorri abertamente.
Com um som baixo emanando de seus lábios.
Encontro meu lar. O lugar onde eu quero estar.
— Tenho certeza que irei amá-los! Obrigada por se lembrar de mim e
eu não comprei nada para você, mas posso te dar outros presentes mais tarde.
— Ficarei feliz com eles, ma’am.
— Parem de monopolizar nosso tempo! Façam o favor de moverem
suas bundas melosas daí para podermos dar andamento as festividades!
Dale corta nosso momento, mas, assim que Candy abrir o presente
principal entenderá que aqueles dias que passamos, em cabanas vizinhas,
tendo apenas um ao outro como companhia, foram fundamentais para me
curarem. Ela foi fundamental no meu processo de evolução. E quero muito
que perceba sem que eu precise externar as palavras, porque se isso for
preciso, é sinal de que não demonstro o quanto ela se tornou importante.
— Acho que precisamos deixar o palco para outra pessoa se apresentar
— minha ironia provoca uma gargalhada em Candy e noto pela primeira vez,
desde que chegamos, que ela também está feliz.
— Não vai abrir os presentes pra gente ver o que é? — zomba
Kendrick.
— Não, nem em sonho! — responde Candy.
— Essa garota é uma autêntica Kingston! Não precisa abrir agora se
não quiser, criança. Ninguém precisa saber o que você ganhou! — exclama
vovô, pela primeira vez se pronunciando sobre ela em meio a todos.
— Ah, eu não acredito nisso! — vovó coloca a mão no peito
teatralmente. — Você tomando partido também?
— O que eu posso fazer? Aprendi com a melhor — diz ele
carinhosamente entrelaçando seus dedos, para em seguida olhar para mim
orgulhoso.
Não interrompo mais a entrega dos presentes, afastando-me, levando
Candy comigo. Ficamos lado a lado, em um canto afastado, observando as
piadas de todos, principalmente Kendrick a cada presente e também sem
deixar de notar os olhares ansiosos de vovó na nossa direção.
Observo que ela segura os três embrulhos e estendo minha mão para
tirar seu peso.
— O que foi? — pergunta, indicando minha mão.
— Quer que eu segure os presentes para você?
— Acho engraçado que há alguns dias você só conseguia ser arrogante.
Inclino-me em sua direção para sussurrar:
— Não conte tudo o que fiz a vovó, ela me massacraria com a bengala.
Candy sorri.
Eu apoio os embrulhos com meu antebraço e entrelaço meus dedos da
mão livre aos dela.
Olho para cima, achando providencial o galho de azevinho da
decoração bem acima de nossas cabeças. Agradeço a quem o colocou ali,
porque puxo Candy para um canto, em que a parede forma uma espécie de
barreira entre a gente e os demais. Abro um sorriso, passo os dedos ao longo
de sua bochecha e a beijo gentilmente. Assim que nossos lábios se separam,
ela me olha curiosa, com uma pergunta tremulando suas pálpebras.
Aponto para cima.
Nenhuma palavra é preciso.
Nós só sentimos.
E nos entendemos em meio ao silêncio.

Os flocos de neve caem do lado de fora, em um cenário


predominantemente natalino. No interior da casa, várias pessoas conversam
animadas entre si esperando que o Natal chegue. Os presentes? Já foram
entregues. As demonstrações de amor? Feitas. E todos que estão aqui sabem
que de alguma forma moram nos corações uns dos outros.
É isso que significa família?
Amar as pessoas próximas a nós, sem ressalvas?
O Natal, a verdadeira época feliz, é quando você está com quem deseja
estar. Não por obrigação ou qualquer outro pensamento retrógrado, mas por
querer realmente compartilhar instantes da sua preciosa vida.
— Os presentes foram todos entregues. Tivemos algumas surpresas
nesta noite, mas nada que eu já não esperasse.
— O PACTO COM O DIABO ESTÁ FUNCIONANDO, VOVÓ! —
grita Kendrick.
Vovó retira seu sapato e o lança na direção dele. Acerta em cheio. A
mira dela parece melhorar com a idade.
Kendrick passa a mão em sua testa, onde uma marca vermelha
desponta.
— Era só uma brincadeira! — defende-se ele.
— Brinca mais uma vez para ver só se eu não arremesso a bengala na
sua direção! Vai engolir e fazer ela sair pelo...
— Vovó! — exalta-se Bessie, impedindo que a ofensa se torne clara.
— Pouco me importo com as repreensões de vocês! São crianças ainda!
— Não é o que costumo ouvir das mulheres.
— Claro que não é, neto, aposto que elas dizem já terminou?
— Puta merda! A vovó tirando sarro do Kendrick! Eu nasci para ver ele
sofrendo do próprio mal — provoca meu irmão.
— Só eu que acho que precisamos de uma sessão de exorcismo neste
Natal? Vovó claramente está possuída.
— Ken, você fala como se isso fosse possível! É mais fácil vovó meter
a bengala na cara dos fantasmas! — brinca Bessie.
— Meu Deus, vocês têm problema! — diz Betsy.
— Faz parte da família também, Bets. Isso te coloca como enfermeira
no hospício já que vovó é a diretora.
— Ah, pelo amor de Deus, calem a boca! Quem ganhou a competição
de suéter este ano não foi ninguém! Tentaram me enganar e vão sofrer
durante o ano inteiro para aprenderem a deixar de serem idiotas! Pronto,
falei!
— Ahhhh, vovó, isso não é justo! — lamenta Casey — eu me esforcei!
— Se aquilo é seu esforço, Deus tenha pena de você, criança.
— Casey perde a oportunidade de ficar quieta.
— Como se você fosse o sinônimo de quietude, Kendrick — ela
resmunga em resposta.
— É sempre assim? — Candy se inclina um pouco em minha direção
para sussurrar.
— Vá se acostumando. Essa ainda é uma discussão leve.
— Não brinca! — Ela aparenta descrença.
Mas, em breve entenderá como as coisas com os Kingstons são
caóticas.
— VÃO TODOS DORMIR QUE EU ESTOU SEM PACIÊNCIA! —
Vovó encerra a discussão e caminha com vovô para a escada central,
ignorando as lamentações acerca do resultado do suéter.
— Não acredito que eu vesti essa porcaria à toa! — resmunga Jenna.
— A culpa é sua por ninguém garantir imunidade!
— Pare de me culpar e vá lavar uma louça! — rebate a fala de Dale.
As conversas afiadas, e provocações ficam um pouco distantes em
minha atenção, quando me viro para Candy e ergo as sobrancelhas em uma
pergunta silenciosa.
— Mas, já?
— O que você está pensando que eu quero?
— Ir para o quarto? O meu quarto? — Tenta decifrar meus olhos.
Sinto que quando ela me olha, torno-me translúcido, enquanto enxerga
tudo através de mim com uma clareza absurda e incompreensível.
— Não. Vem comigo!
Seguro firmemente em sua mão, passando por entre as pessoas e
desbravando as portas na mansão, até encontrar a saída que tanto quero. Se eu
bem conheço Candy, ela também irá gostar.
— Para onde está me levando?
— Alguém ficou com muita saudade de você.
Em uma espécie de casa anexa à mansão, fica o canil, para os cachorros
que vovó mantém aqui. Ela ama animais e inclusive vive dando filhotes para
seus netos, porque segundo ela, eles animam a vida e nos mostram o amor
mais puro que existe.
Já disse o quanto minha avó é sábia e maravilhosa?
Porque ela é.
O único para o qual ela não deu, fui eu, porque já tenho Snow e é
exatamente ele que quero mostrar a Candy.
Acessamos o canil — vulgo casa inteira para eles, com tudo o que
precisam — e imediatamente ouvimos a bagunça que os cachorros fazem ao
brincarem entre si.
Qualquer outra pessoa acharia estranho ter um canil meio que
“embutido” na mansão. Contudo, quando vovó quis construí-lo, integrado a
construção original, ninguém sequer pensou em ir contra ela.
— Eu estava mesmo me perguntando onde estaria Snow! — proclama
ela ao notar onde a levo.
— Eles são da família para a gente. Os de todos nós estão aqui.
— Todos?
Seus olhos passam a brilhar, assim que ela enxerga as dezenas de
animais, inclusive os gatos. Nós não deixamos ninguém para trás,
principalmente no Natal.
— Todos temos parentes de quatro patas. E ao levar em conta que
somos em sete, e que alguns têm dois ou três, era de se esperar que essa parte
da mansão ficasse lotada com eles.
— Minha nossa, é incrível!
Deixo os presentes no chão, ao lado de fora e arrasto a porta de vidro
que separa um ambiente do outro. Logo que nos vê, Snow corre na nossa
direção, pulando como louco e abanando o rabo de um lado a outro, animado.
Mais feliz ao ver Candy, acredito.
Claro que eu tenho vindo vê-lo desde que cheguei, mas, o mínimo que
eu esperava era atenção da sua parte.
— Esse traidor, nem se importa comigo quando você está por perto.
Candy aproxima seu rosto do focinho longo e o acarinha.
Pensei que não fosse tão baixo a ponto de sentir ciúmes da maneira
carinhosa com a qual ela lida com ele. Mas, puta merda, eu sinto sim.
— Quem é o cachorro mais fofo do mundo? Você mesmo, meu lindo, é
você!
Permito por um momento absorver o que a visão me causa e aos
poucos, é como se não existisse nenhum outro lugar onde eu preferisse estar.
Sorrindo de um cachorro levado.
Da confusão que todos os animais causam ao nos ver ali, da maneira
com a qual empurram a mim e a Candy, derrubando-nos no chão e
espalhando baba por todo nosso rosto.
Ao fitá-la, tentando se proteger dos ataques de carinho, percebo que
está tão feliz quanto eu.
Íntegra.
Interessante.
Honesta.
Gentil.
E adora animais.
Se essa mulher não é o sinônimo de perfeição, eu não sei mais o que
poderia ser.
— E eu pensando que você queria transar de maneira insana de novo.
— Quem disse que eu não quero?
— Deveria ter me levado para o quarto. Porque agora só quero brincar
com esses lindos — diz, emanando animação conforme dá atenção para os
animais.
— Podemos fazer isso mais tarde. Eu só achei que você amaria ver o
Snow.
— E pensou certo.
— Mas, não era só aqui que eu queria te trazer. Tenho um outro lugar
para te mostrar, mas, vamos precisar de casacos. E traga os presentes, porque
acho que não vou aguentar se não os abrir. Preciso saber se acertei em
alguma coisa.
— Consegue esperar só um pouquinho?
Finjo impaciência e aproximo o indicador do dedão, demonstrando o
tamanho da minha capacidade de aguardar.
— Bem pouco.
Candy gargalha e se levanta, empertigando o corpo e entrelaçando seus
dedos aos meus.
— Eu me perderia se você soltasse a minha mão.
Aliso a sua palma. Ciente de que se ela se perdesse, eu faria de tudo
para encontrá-la.
Minha ansiedade não me deixa esperar muito mais, despedimo-nos de
Snow e dos demais, sem prolongar o momento. Pegamos os presentes de
novo e corremos até o banheiro mais próximo, para tentar limpar um pouco
da baba dos cachorros. Em seguida, buscamos roupas mais pesadas para
podermos sair em meio a neve.
Assim que pisamos na parte lateral da mansão, sentimos a temperatura
fria em contraste com o interior.
Há uma roda com bancos de madeira, em frente a uma lareira externa.
Quando eu e meus primos éramos adolescentes, costumávamos sentar
aqui, e ficar assando marshmallows, conversando sobre coisas totalmente
sem sentido. Era o nosso significado de momento especial, porque juntos não
havia nada capaz de nos abalar.
— Que lugar lindo!
— Eu e meus primos vínhamos para cá e ficávamos assando
marshmallows. Era nosso lugar especial.
— Acho linda a maneira como são unidos.
— Para nós, a família é o mais importante.
“As pessoas vão fingir gostar de vocês por serem quem são, então só
podem confiar totalmente uns nos outros. Meninos, cuidem das meninas.
Principalmente Casey, ela é ingênua, apesar que Jenna não precisa que
ninguém cuide dela, é mais fácil ela tomar conta de todos vocês. Enfim, só
estejam ali quando o outro precisar” — recordo essa fala da vovó, no mesmo
lugar, com um amor absurdo.
— Dá para perceber.
Limpo um pouco de neve com a manga da minha blusa de frio tanto
para mim quanto para Candy, deixando um lugar vago ao lado do meu para
que ela se sente. Deposito os presentes em seu colo assim que se senta,
recebendo um olhar duvidoso em resposta.
Franzo as sobrancelhas, sem entender ao certo por que ela está
postergando abri-los.
— Não está curiosa para ver o que é?
— Claro que sim. É só quê...
— Tem medo que seja algo muito ruim e não consiga disfarçar? — falo
em tom de brincadeira.
— Não — diz ela, mordendo o lábio inferior, o que me faz apoiar uma
das minhas mãos em sua bochecha e beijá-la suavemente para impedi-la de
marcar algo tão incrível quanto seu lábio — é só que uau — diz por fim.
Ambos sorrimos.
As coisas parecem mais fáceis agora, com a evolução de um sentimento
que não sabemos ao certo.
Tudo isso depois de o quê?
Quase trinta dias?
Quão louco tenho que ser para ceder a algo que se expandiu em tão
pouco tempo?
Apenas neste instante me dou conta de que a mulher ao meu lado
conseguiu derrubar todas as minhas barreiras em menos de um mês, tempo
esse que qualquer outra pessoa julgaria impossível para amolecer o coração
de um cara, que passou por tantas coisas devastadoras como eu.
— Acho que atrapalhei a sua linha de raciocínio.
— Com certeza. Mas, eu não costumo me esquecer de coisas
importantes. Achei melhor não abrir naquele momento, com todos na sala,
porque ficariam curiosos demais com o significado do seu presente e para ser
bem sincera e um tanto assim — ela une o indicador do dedão — egoísta,
queria manter a magia do momento para mim.
— Que bom que foi por isso.
— Por qual motivo imaginou que fosse?
— Não conseguir disfarçar que não gostou do presente?
— E como eu saberia sem ao menos ter aberto, seu maluco?
— É, tem razão.
— Claro que tenho! Esse — Candy chacoalha o primeiro na altura dos
ouvidos — vai ser o primeiro e depois eu parto para os outros.
Ela começa a abrir a caixa, com um entusiasmo contagiante, que faz as
batidas do meu coração se assemelharem a uma locomotiva em alta
velocidade. Prende o ar em seus pulmões assim que vê o globo de neve,
representando com tanta similaridade o que vivemos em Montana.
— E aí, o que achou? — pergunto em expectativa — Na loja em que
comprei a vendedora disse que ele é mágico, não que eu acredite nisso,
porém, pode testar e fazer um pedido para o objeto quando quiser — explano
o que escutei quando comprei.
Sentir essa euforia e ansiedade por querer saber o que ela achou é
normal?
— Eu — ela retorce o canto dos lábios em um sorriso e fecha os olhos
momentaneamente — amei de verdade, Damon, muito obrigada. Acho que é
o presente mais lindo e significativo que já recebi.
Assopro o ar dos meus pulmões, em alívio, e ela se diverte com meu
gesto.
— Os demais vão ficar meio sem sentido em comparação com esse. É
que meu irmão meio que me deixou com a consciência pesada por comprar
algo simples e... — Mal termino de falar quando ela finaliza a abertura de
mais um pacote e vê a bolsa de couro que segundo a vendedora era o que
toda mulher queria atualmente.
— Oh, oh, uma bolsa! Eu amei! — ela me fita, não com a mesma
energia de quando viu o globo de neve, mas também não tão ruim.
— Não tão especial, certo? — forço divertimento.
— Eu amei de verdade! — ela parte para o outro embrulho e assim que
nota a carteira, começa a rir desvairadamente — Não acredito que você
comprou isso! Porque na verdade, Damon, eu já tenho exatamente esse
conjunto — e finalmente entendo o motivo do seu riso.
Banquei papel de idiota.
Deveria ter mantido apenas o globo de neve.
— Droga, vou matar Dale! — Solto em um único fôlego.
— Eu adorei — ela me tira do ódio momentâneo, com um beijo
estalado em meus lábios — obrigada por se lembrar de mim.
Candy deposita as coisas ao seu lado e juntos, olhamos para o céu,
escuro com a noite, mas branco com os flocos que caem.
— Estar com quem a gente gosta torna o momento perfeito, não é? —
sua pergunta me pega de surpresa e tardo a responder.
Noto que ela se sente um pouco incomodada com meu silêncio e antes
que eu diga algo verdadeiro, Candy se afasta, e se agacha atrás de uma
cadeira. Levanto-me no mesmo instante para perguntar se ela está bem
quando sinto uma bola gelada se espatifar contra meu tórax. Olho para ela e a
vejo se levantar em um átimo, formando mais uma bola de neve entre seus
dedos, gargalhando da minha cara de surpresa com o golpe inesperado.
Finjo fitá-la com ódio da sua trapaça.
— É guerra que você quer?!
Agacho-me também e recolho um monte de neve, moldando-o
conforme o sorriso nasce em meu rosto.
— Estava tenso demais, lindinho, eu só quis te deixar um pouco
melhor! — lança mais uma bola que se espatifa dessa vez contra a minha
cabeça, obrigando-me a jogar a que tenho em minhas mãos, diretamente nela.
Candy arregala os olhos quando o gelo se infiltra por entre a sua
jaqueta e atinge a roupa de baixo.
— Sou competitivo, docinho!
— Agora consigo ver!
Muitas bolas depois e vários tombos em meio a neve, paramos deitados
um ao lado do outro, no manto gelado, contemplando o céu.
— Estou feliz de ter tido a oportunidade de continuar vivendo para te
conhecer.
— Não consigo imaginar como se sentiu ao saber que tinha pouco
tempo de vida. Acho que ficou devastada.
— Só quem já passou pelo mesmo entenderia.
— É forte, Candy, eu nunca conheci ninguém tão forte como você.
— Você. Simples assim. Perder alguém que amamos nunca é fácil
Damon, mas a verdade é que nada que nós fizermos trará essas pessoas de
volta. Hoje, segurando Melanie em meus braços, eu percebi o motivo para
você ter ficado isolado naquela cabana. Não conseguia enfrentar o paraíso
que pairou a sua frente e foi tirado bruscamente do seu futuro. Te entendo.
De verdade.
— Ganhou uma nova vida em julho, no mesmo dia em que Dolores
morreu. Devem estar interligadas, fadadas a lidarem com alguém tão idiota
como eu. — Sorrio, mas Candy não faz o mesmo.
Lembro-me que ela contou o dia que recebeu a ligação e no momento,
também me recordo de ter pensado em Dolores, no acidente e na maneira
com a qual nossos destinos se uniram por uma linha tênue.
É irônico.
E soa impossível.
Principalmente se eu me perguntar na possibilidade de...
Não, isso jamais aconteceria.
— Não sabia que tinha sido no mesmo dia.
— Foi. Eu tinha acabado de sair para o trabalho, e essa memória ficará
gravada para sempre em minha mente. Eram 8h da manhã, eu estava
atrasado, e acabei esquecendo o celular. Um motorista bêbado atingiu em
cheio o carro. Dolores estava me levando a porra do aparelho. Se eu não
tivesse esquecido, nada teria acontecido.
— Sabe que não foi sua culpa. Você não obrigou o homem a beber e
dirigir alcoolizado. Não pode carregar um fardo que não é seu.
— E tudo o que ela queria era sossego, tanto que abandonamos a
movimentada Dallas e nos mudamos para Lockhart, no condado de Caldwell,
com uma população de pouco mais de doze mil habitantes. Mas, quando
imaginaríamos que nesse pequeno lugar, com pessoas acolhedoras e que
conheciam a todos desde que eram crianças, ela acabaria encontrando sua
própria morte?
— Perdão? — Olho para Candy e percebo que seus olhos estão vagos e
ela já não parece mais tão alegre quanto estava — Qual a cidade em que
moravam?
— Lockhart.
— Damon, eu, eu, — ela começa a gaguejar e eu fico sem entender
nada — preciso entrar, acho que aqui está frio demais e não sei, só... preciso
entrar — Candy se levanta abruptamente enquanto tento compreender a sua
mudança inexplicável de ações.
— Quer que eu vá com você?
— Não, eu acho melhor não. Não hoje, ao menos.
— Mas, Candy! — Apresso-me a acompanhá-la, notando o seu
desnorteamento.
— Sua mulher por acaso era doadora de órgãos? Eu digo, se algo
acontecesse com ela e eles estivessem em condições de serem doados, faria
isso?
Estranho a sua pergunta, mas, não vejo motivos para omitir a verdade
dela.
— Sim, Dolores sempre acreditou na ideia de ajudar as pessoas até o
final. Tanto ela como eu. A princípio eu achei que ela já estivesse morta
quando cheguei no local e, não me julgue por estar em estado de choque e ter
ficado maluco, com mil imagens na cabeça. A gente perde a linha, fica
incoerente. Ela ainda tinha sinais vitais na ambulância, no caminho até o
hospital. Inclusive, tive esperanças, sabe? Esperança de que ela acordaria e
tudo ficaria bem. Chegando lá, foi constatada a morte cerebral. E também a
morte do bebê, ambas, devido a violência da batida — suspiro ao perceber
que precisava falar da minha angústia para alguém. — Não sei como
consegui suportar aquele dia. Até hoje não sei. Céus, os médicos pedindo
minha permissão para arrancar os órgãos da minha mulher, como se ela fosse
só um pedaço de carne que precisava ser cortado. Mas, era o que ela queria e
eu respeitei a sua vontade e também a sua bondade mesmo depois de a ter
perdido. Ela salvou muitas vidas, depois do fim da própria.

Imagens daquele dia tomam-me de sobressalto.


— Senhor Kingston, sua esposa teve morte encefálica. Ou seja...

Arregalo os olhos, sem saber ao certo o que dizer, mas ciente do que
ele está prestes a falar.

— Ela...
— Sim, faleceu. Mas, isso não significa que não possa ajudar. É uma
candidata a doação de órgãos. Coração, rins, fígado, pulmões, córneas,
pele...

Interrompo-o.

— Vocês irão retirar os olhos e a pele dela? A pele?


Ainda não sei o que estou fazendo aqui. Parece um pesadelo.

— É para ajudar outras pessoas.

Apoio meus cotovelos na mesa e passo as mãos nervosamente em meu


cabelo.
— Ela queria fazer isso. Mas, céus! — Começo a chorar.

Quando paro de pensar nisso, assisto Candy sacudir a cabeça e percebo


que está prestes a chorar, porém, quando ergo a mão para acariciar seu rosto,
ela desvia rapidamente e se desprende de meus dedos, saindo correndo pela
porta lateral com tanta pressa que eu demoro um tempo a processar o que está
acontecendo. Sem entender nem um pouco os motivos para as suas perguntas
tão específicas e o olhar de choque que se apoderou de seu semblante.
O que diabos aconteceu com ela?
Foi a porcaria da bolsa e da carteira?
Se foi, se esses presentes trouxeram uma memória incômoda para ela,
juro que vou matar Dale por ter me convencido a comprá-los. Com certeza,
irei.
“Momentos felizes indicam que estamos prestes a passar pelos
piores instantes de nossas vidas. A calmaria que antecede a
tempestade.”

Titubeio sem chão até o interior da mansão.


Escuto os gritos de Damon tentando me acompanhar e os ignoro. Não
estou enxergando nada ao certo. Minha visão se escurece, conforme a ideia
que me atormenta, a possibilidade torna-se vívida e desesperadora.
Olhares me massacram, mas não tenho tempo ou energia de distinguir
cada um deles.
Conforme a fala de Damon é absorvida pelo meu cérebro, percebo que
não tem como existir tantas coincidências, como as que se desdobraram à
minha frente. Lembro-me do dia em que as coisas aconteceram rápido
demais, da ligação, da constatação de que eu estava em San Antonio e não
em Dallas, o que me colocaria em prioridade em relação a pessoa na lista
antes de mim que estava fora do país, por causa da sobrevida do órgão. Os
meses restantes que me faltavam. Talvez até menos. A pressa minha e de
papai de chegarmos ao hospital, o médico responsável pela ala de
transplantes informando que haviam encontrado um doador compatível e que
eu tive sorte de estar onde estava. A agilidade no processo ajudaria com que o
transplante fosse um sucesso.
Agilidade.
Pego meu celular só para confirmar o inevitável.
Quando digito Lockhart no campo de buscas, percebo que a cidade fica
a pouco mais de uma hora de San Antonio. Se existe um Deus, ele deve estar
rindo de mim agora, com a minha lerdeza em ligar os pontos.
Depois, pesquiso em pequenos sites de informações, sobre os acidentes
na cidade há quatro anos. No dia dois de julho. O rosto de Dolores não
demora a aparecer nas manchetes, assim como o culpado por tirar a sua vida.
Ele também morreu, como Damon disse e estava alcoolizado. Confirmo a
hora em que o acidente aconteceu, apenas para perceber que tudo se encaixa
com uma morbidez desgraçada.
Dolores teve morte cerebral.
Ela estava grávida, como Damon disse.
E, subitamente, sinto que estou prestes a morrer de novo, incapaz de
pensar com coerência. Duas vidas foram tiradas para que eu tivesse a minha
de volta. E eu nem merecia viver tanto quanto a mulher sorridente que me
encara da página na internet do jornal local. Eu sequer valho a pena todo o
sofrimento pelo qual Damon passou. Na matéria, sua história é narrada com
rapidez, informando sem muito caso, sobre o viúvo, integrante de uma
família de magnatas do petróleo. Nesta parte, eles dão ênfase, como se seu
sobrenome fosse alçar a fama do jornal. Sinto pena do homem que conheço,
de tudo o que ele passou e agora, flashes começam a voltar em minha mente,
de Ryder comentando sobre o acidente. De como todos os jornais anunciaram
a morte de Dolores Charlotte Kingston, e a sentenciaram como uma tragédia
sem igual.
Não dei muita atenção, porque não o conhecia na época.
Agora, desejo que tudo tivesse sido diferente.
Continuo olhando as matérias que correspondem à minha procura e
vejo as fotos de Damon publicadas em diversos lugares, inclusive dele
enterrando a esposa, rodeado por dezenas de pessoas influentes em seu
círculo social.
Acho uma falta de respeito das maiores as revistas de fofoca lucrando
com o seu sofrimento. As manchetes abusaram de títulos sensacionalistas.
Algumas, exaltaram a ideia de que em breve ele encontraria outra para
ocupar o lugar e que esta seria muito afortunada.
Em determinada matéria, leio os dizeres: “Morre tragicamente esposa
de Damon Kingston, que estava grávida do filho ou filha do herdeiro. Ter se
casado com homem de tamanha influência já seria sorte o bastante.”
Abro a boca em choque com a maldade das pessoas apenas para
conseguirem dinheiro, sem se importar com o sentimento dos outros. Como
ele ficou ao ler tamanha falta de respeito ao seu luto? Como ele superou
aquilo? De repente, passo a entender a sua vontade de se isolar em uma
montanha, esperando que sua vida se findasse assim como a da pessoa que
ele amava.
Sua força passa a ser admirada por mim.
São poucas pessoas que conseguiriam lidar com tamanha pressão da
mídia, ao mesmo tempo em que digere a morte de dois entes queridos.
Porque, ele não conhecia o filho ou filha, que se formava no ventre da sua
mulher, mas definitivamente ele já o amava.
Lágrimas trilham seu caminho pelo meu rosto, conforme uma dor
inexplicável se espalha pelo meu corpo.
Como eu pude achar que finalmente seria feliz?
Todos os detalhes, informações, se encaixam com uma precisão
assustadora e eu tenho a certeza de que não conseguirei mais olhar para
Damon, sabendo que tudo o que aconteceu pode ter sido uma influência
longe do nosso controle. Com a ciência de tudo o que ele perdeu e como isso
quase o matou também.
Aquela sensação de quando meu pai citou Montana, Damon deixando
claro que estava lá porque era o sonho da sua mulher. As batidas do meu
coração — ou seriam dela? — acelerando de forma descomunal todas as
vezes em que eu colocava os olhos nele. Aquela sombra de impressão que eu
já o tinha visto antes. Tudo, absolutamente tudo faz sentido agora.
E eu me sinto perdida.
Confusa.
Sem saber o que pensar.
Desesperada.
Arrependida.
Nutrindo esperanças sobre algo que não tem nada a ver comigo, mas,
com o coração que agora bate em meu peito.
O que ele dirá quando descobrir?
Quando eu elucidar minhas desconfianças?
Coloco a mão na boca, apoiando-me contra a porta, na segurança do
interior do meu quarto, sem ideia de como consegui chegar até aqui, tamanho
o entorpecimento dos meus músculos e a minha desorientação. Choro
copiosamente, sentindo-me uma pecadora por ter continuado com a minha
vida, quando a sua mulher morreu para que eu pudesse vivê-la.
Encontrar justo ele, entender essa ligação, foi uma piada muito cruel do
destino. Achar que poderíamos ser a cura um para o outro torna-se o ponto de
ruptura que me faz levar as mãos à cabeça e me embolar em meu próprio
corpo, com a dor rasgando meu peito ao meio.
A felicidade é uma cilada.
Uma na qual eu sempre caio.
COMO
INFERNO
EU
NÃO
LIGUEI
OS
FATOS?
Eu sei o motivo.
Apaixonei-me por ele e deixei que minha emoção comandasse todo o
restante. Até meus pressentimentos mais sombrios gritavam que essa não era
uma boa ideia.
— Candy, me diz o que está acontecendo. — Escuto sua voz
atravessando a porta e choro mais.
Por que quando encontro o cara que parece ser o certo, eu não posso
ficar com ele? Por que sou enganada e ele só se atrai pelo maldito coração
que bate em meu peito?
Queria com todas as minhas forças que nosso envolvimento fosse
sincero, mas, acredito que não seja.
Damon deve ter sentido aquele impulso em minha direção, assim como
eu senti na dele. Porque ele ama Dolores, não a mim.
Fico em silêncio, achando que ele irá embora. Permaneço assim, por
vários minutos, mas me engano quando penso que ele já desistiu e que estou
sozinha. Batidinhas fracas soam na porta, enquanto ele indica a sua presença.
— Sabe que eu não vou embora até me contar o que aconteceu, não
sabe? E por mais que o Damon da cabana amasse quando você ficava em
silêncio, esse Damon de agora, entra em pânico quando isso acontece. Não é
uma pessoa do silêncio, Candy, e eu só queria saber o que se passa pela sua
cabeça para poder ajudá-la.
— Ninguém pode ajudar — falo por fim.
— Então está acontecendo alguma coisa.
— Acredite em mim quando digo que você não iria querer saber o que
é.
— Tudo o que tem a ver com você é do meu interesse. Quando vai
entender? Que muitas pessoas tentaram me fazer reviver por meses
consecutivos e não conseguiram, mas bastou que você chegasse em minha
vida, que um mês depois aqui estou eu, querendo te abraçar a todo instante e
sofrendo porque sei que aconteceu alguma coisa que eu não tenho ideia do
que é, e que isso está te fazendo ficar assim?
— Você não gosta de mim, só não sabe ainda.
— Viveu o bastante para entender que não temos como saber o que o
outro sente, e mesmo que eu diga, você pode não acreditar. Mas, meus
gestos, minha mudança, não foram o bastante? Não provaram que estamos
sim envolvidos, talvez apaixonados e com uma vontade maluca de ficar perto
do outro? Por que eu faria tudo o que fiz, Candy, na frente da minha família,
depois de tudo o que passei se não tivesse percebido que eu quero você? Não
só para aplacar o prazer que sinto todas as vezes que a vejo, mas para
conversarmos, debatermos sobre livros ou sobre nossos medos. Se isso não
prova nada, de que adianta?
— Damon — sussurro seu nome, ciente de que não posso falar o que
estou pensando, mas que posso cravar ainda mais a faca, até que seu punho
encontre meu tórax, enquanto falo com ele. — Sua esposa doou todos os
órgãos, inclusive o coração?
— Por que estamos falando dela? Diz com bastante frequência que eu
deveria seguir em frente e justo você, a pessoa mais forte e determinada que
conheço, quer que eu fique revivendo esses momentos?
— Só responde, por favor? — Meu pedido sai em um fiapo de voz —
Juro que não vou perguntar mais nada depois disso.
E não tenho ideia do motivo para ele não ter unido os pontos com as
minhas perguntas. Sabe que ela morreu no mesmo dia em que eu recebi o
transplante. Também me ouviu dizer que eu estava em San Antonio, que não
fica tão longe de onde ele morava com a esposa.
Deve estar em negação assim como eu fiquei a cada indício.
Não posso culpá-lo. Nosso cérebro encontra diversas formas de tentar
nos proteger.
— Sim, até o coração. E no começo, eu fiquei com um medo
desgraçado dessa possibilidade. Quer dizer, saber que o coração da pessoa
que você amava está batendo no peito de outra, é estranho, não é? Não sei o
que sentiria se encontrasse alguém que pudesse ter recebido e dou graças a
Deus por não poderem passar essa informação, caso contrário não duvido que
eu faria de tudo para descobrir. Foi uma das coisas que mais me aterrorizou
no ano seguinte ao que tudo aconteceu.
— Por quê? — pergunto, mesmo sabendo sua resposta.
— Eu só ficava me questionando o que eu sentiria se visse a pessoa, se
eu notaria de imediato, se teríamos a conexão que eu costumava sentir com
Dolores. Mas, acho que é uma coisa estúpida de se pensar e totalmente
inverossímil. Eu posso conhecer essa pessoa e nem desconfiar de nada.
Então, me forcei a parar de pensar nessa bobagem.
— E se você tiver conhecido e sentido essa conexão por que ela está
com o coração?
— Candy — Damon fala meu nome quase que aparentando
impaciência — eu saberia se algo assim acontecesse. Acredite em mim. E por
que diabos estamos embarcando nesse assunto? Não tem nada a ver conosco.
Ele mal sabe o quanto está errado.
Tem tudo a ver conosco.
E realmente, a conexão existiu, uma que ele tanto temia e agora me
lançou para uma fenda de medo, que eu não consigo transpor. Porque Damon
já se perguntava sobre isso, então ele chegaria à conclusão de que não sente
nada verdadeiro por mim, assim que ouvisse minhas desconfianças. Qualquer
pessoa em seu lugar faria o mesmo, não?
Até que ponto o que sentimos é real?
— Tem e muito — digo baixo.
— Não entendi...
Graças a Deus, ele não entendeu.
Fico um tempo, abraçando meus joelhos, olhando para a Montanha
Aspen com extremo desgosto.
— Damon, por favor, só me deixe sozinha.
— Não, Candy, você não está mais sozinha, eu estou aqui por você.
Não importa o tempo que decidir ficar trancada aí, quando abrir a porta, vai
me encontrar sentado na frente dela, te esperando para poder te abraçar.
— O que vai dizer se alguém te vir aí? É Natal e as pessoas acordam
cedo nesse dia.
— Acha que me importo com que os meus familiares vão pensar? Se eu
me importasse, não teria me isolado em Montana para começo de conversa.
— Não respondeu a minha pergunta.
— Certo, eu diria que estou esperando você me dizer o que está
acontecendo para podermos conversar.
— Eles achariam estranho. Não somos nada um do outro.
— Dar presente no Natal é algo importante para os Kingstons. Eu não
faria algo assim se eu não estivesse disposto a investir na gente.
Por isso todos ficaram olhando pasmos para a cena quando ela
aconteceu. Jamais imaginaria que era tão importante assim para eles.
— Por que fez isso, então?
— Já pode imaginar, não é? Porque eu — uma pausa comanda as
batidas rebeldes em meu peito — acredito que estou profundamente
apaixonado por você. — Sua admissão faz com que eu respire com
dificuldade, inalando o significado da sua fala.
Pelo coração, Damon.
Você está apaixonado pelo coração da sua falecida esposa.
E esse pensamento me faz começar a chorar novamente, copiosamente.
Tento a todo custo não fazer barulho a ponto que ele escute, mas como
estamos colados na porta, ele não demora a ouvir os meus soluços.
— Por que quer chorar sozinha, se eu posso ficar aí com você? De que
adianta guardar tudo para si? Já fiz muito isso, Candy, por anos seguidos e
essa atitude nunca trouxe a paz que eu procurei.
Ele não entende.
Ele jamais entenderia.
Se eu chorar em seu colo, só vou estar me afeiçoando mais, o que pode
me deixar pior quando eu precisar ir embora. Porque eu sei que vou precisar,
ou minha consciência não me deixará dormir tranquila. Entre contar e fugir,
eu acho que fugir é a coisa certa a se fazer. Uma vez que não vou conseguir
lidar com o seu olhar duvidoso e os milhares de questões que surgirão com a
verdade.
Ficamos em silêncio depois da sua fala.
Durante tanto tempo que meus músculos passam a doer, sem que eu me
mova um centímetro sequer para apaziguar a dor de me manter na mesma
posição durante muito tempo. Entorpecida por toda a sucessão de
acontecimentos desastrosos. Escuto uma batida oca na porta, e ela vibrando
sutilmente em minhas costas.
— Se eu pegar um resfriado a culpa vai ser sua por me fazer dormir no
corredor. — Escuto a tentativa de soar divertido em sua voz.
Presumo que a batida que escutei e, a vibração foram de Damon
apoiando a cabeça na madeira quando eu faço o mesmo e um som similar
reverbera.
— Devia ir embora. Não posso ser culpada por isso também.
— E por que mais seria culpada?
Recuso-me a responder a sua pergunta.
— Eu não sei.
As horas passam, o frio rasteja pelo quarto, sem que eu tenha forças
para ligar a lareira ou me mover até a cama, e me embrenhar em meio aos
edredons.
— Ainda está aí? — pergunta Damon.
Eu não digo nada. Mas, ele sabe que estou. Se sente a minha presença
como eu sinto a sua, ele sabe.
Ouço sussurros do outro lado e imagino que esteja conversando com
alguém. Só consigo escutar com clareza, quando ele diz:
— Vá você, Candy precisa de mim.
Pressiono meu ouvido contra a porta, querendo ouvir com quem ele
está conversando. Assustando-me que o dia está prestes a se iniciar.
Pego meu celular no bolso e me espanto ao notar que Damon e eu
passamos a madrugada inteira, perdidos, sentados no corredor.
— Ela pode querer passar o Natal sozinha, Damon. — Imagino que seja
Lane quem diz.
— Ninguém quer passar o Natal sozinho, por mais que diga isso.
— Já escutei isso de você.
— Por isso que falo com tanta propriedade. Vou ficar com ela, avise
vovó, tudo bem? Ela entenderá.
— Certo.
— E diga que a caixa que ela quer que eu retire terá que ficar para outro
dia.
— Não entendo, ela poderia pedir para qualquer um de nós.
— Ninguém é capaz de entender a vovó. E se ela disse para eu fazer o
serviço, deve ter seus motivos. Só a avise, por favor.
— Claro.
Não consigo escutar os passos se afastando, mas quando Damon
suspira ruidosamente, imagino que ele esteja sozinho novamente. Estamos
presos, em lados opostos, por mais que ele não saiba isso. Eu, de um lado da
porta, e ele do outro, de maneira figurada e real.
— Deveria fazer o que sua avó pediu — falo, consideravelmente alto
para que ele escute.
— Não, eu deveria estar aqui com você. Sabe, Candy, alguém me disse
uma vez que só temos uma vida e que precisamos vivê-la com intensidade.
Consegue se lembrar de quem foi?
Solto um riso em meio ao choro.
— Acho que fui eu.
— É, foi sim. E a sua maneira de enfrentar as coisas fez com que eu
quisesse ser melhor, um homem do qual alguém, como você, se orgulharia.
Então eu te pergunto, o que te fez ficar assim e por que não quer conversar
comigo?
Levanto-me, cambaleante devido ao tempo em que fiquei parada, com
o coração destroçado e uma vontade insana de retroceder no tempo. Eu quero
conversar com ele, ao mesmo tempo em que não quero dizer nada. Sinto
aquele egoísmo adquirir força em minha mente e me questiono se eu seria tão
ruim por manter a informação apenas para mim. Cogito a hipótese de ser
forte o bastante para lidar com a minha consciência durante os dias que virão.
Mas, sei que as coisas não funcionariam dessa forma.
Meu lado racional está em cabo de guerra com o meu lado emocional.
E eu sei muito bem qual dos dois irá ganhar.
Abro a porta e Damon quase cai no interior do quarto.
— Desculpe — peço rapidamente.
— Acho que você fez de propósito, para descontar aquela primeira vez
em que caiu na minha frente.
— Ainda se lembra disso?
— Lembro de cada detalhe desde quando você chegou na minha vida,
Candy. Cada bendito detalhe.
Por que ele torna as coisas tão difíceis para mim, sem ao menos saber?
A vontade de chorar volta com força e o tempo passa mais devagar a
partir do momento em que uma lágrima desaba e as seguintes, seguem seu
caminho, com Damon fechando seus braços ao redor do meu corpo.
Deixo que ele nos afaste um pouco da porta e escuto o som dela se
fechando.
— Você é tão insuportavelmente incrível — digo entre um soluço e
outro.
— Não é o que parece, já que nem queria abrir a porta para mim.
— As coisas que eu descobri, você ficaria perdido se eu contasse. Não
sou tão boa a ponto de te falar, desculpe. Também não sou tão forte a ponto
de esquecer.
— Como assim? Está me deixando confuso.
— Damon, eu acho melhor a gente terminar com tudo aqui, antes que
os machucados fiquem piores e, as feridas que foram cicatrizadas aos poucos,
se abram totalmente.
Ele sacode a cabeça, sem compreender o motivo dessa minha sentença.
Só eu entendo. E apenas eu sei a confusão que se alastra por minha cabeça e
consome todos os pensamentos positivos que um dia já nutri. Corroendo
como ácido, todas as sensações incríveis que o homem à minha frente
despertou, não apenas no meu corpo, mas também em minha alma, uma que
se quebrou há algum tempo e encontrou nele uma razão para se curar.
— Candy, o que está dizendo? Não faz sentido, desculpe, mas não faz.
Abro um sorriso e as lágrimas se infiltram por entre meus lábios. Elas
têm gosto de medo, solidão e tristeza.
— Não precisa entender, certo? — Forço-me a dizer, olhando em seus
olhos de oceano, deixando que eles me acalentem por um segundo.
Não penso no que estou fazendo, só na necessidade de ter Damon mais
uma vez para mim, mesmo com a dúvida pairando como um pensamento
fúnebre sobre as minhas motivações. Colo minha boca na sua, dividindo o
gosto da angústia.
Seus dedos se prendem em minhas costas e ele me inclina, devorando
minha boca com vontade e perícia.
Está se entregando.
Assim como eu.
Mas, essa entrega tem sabor de despedida e, é muito mais do que
carnal.
Continuo beijando-o, tentando me convencer de que estou tomando a
atitude certa quando o órgão em meu peito, se rebela, batendo rapidamente,
para logo em seguida, começar a desacelerar as suas batidas, sentindo a
minha dor.
Nossas línguas se entrelaçam e eu contorno o seu pescoço com meus
braços, enquanto Damon me empurra contra a cama, esmagando meu corpo
com o seu, passeando as mãos ao longo dos meus quadris, apertando-os e
tentando deixar sua marca neles. Mal sabe ele que já está marcado em mim,
que ficará para sempre marcado.
— Candy, por favor, conversa comigo?
— Agora não, mais tarde — imploro.
Damon compreende que eu só quero esquecer o que me machuca.
Então, suas mãos sobem pelo meu corpo e param em meu rosto, com seu
olhar absorvendo todos os detalhes, enquanto ele tenta desvendar meus
medos.
— Eu estou apaixonado e sinto que nada nessa vida seria capaz de me
fazer desistir de você.
Nada.
Controlo a minha vontade de ser sincera, com a de ser feliz só mais
uma vez. A segunda toma totalmente a frente e eu me rendo ao que Damon
provoca em mim, ao que desperta em meu corpo.
— E eu por você — admito em um sussurro.
Ele geme, tragando minha boca na sua, em um beijo avassalador e
desejoso.
As peças de roupa pouco a pouco passam a abandonar nossos corpos e
o que nos deixa em êxtase é o calor que pele contra pele provoca, as
ondulações que cada carícia desperta e a forma com que amar o corpo do
outro, nos faz esquecer totalmente onde estamos e qual o motivo das coisas.
Somente esse sentimento seria capaz de arrumar as coisas?
Sei que não.
— Então me deixe cuidar de você... — suplica ele.
E eu deixo. Permito sem ressalvas, desligando-me de todas as loucuras
que tem passado por minha cabeça. Desligo-me de tudo o que me barra, de
todo o peso e decido carregá-lo em um outro dia.
Damon coloca a camisinha e me venera, me trata como se eu fosse uma
deusa e dessa vez, quando unimos nossos corpos, quando a força da natureza
que somos nós dois juntos se faz presente, há muito mais do que apenas
prazer, há terror e há um sentimento tão potente que controla todo o meu
corpo, para que ele fique em sintonia com o do homem que me cobre com
delicadeza, mas investe com selvageria, buscando me tornar sua tanto, quanto
eu queria que ele fosse meu.
As estocadas potentes, que me fazem flutuar continuam, com Damon
entrando e saindo de mim, preenchendo-me para me deixar vazia logo em
seguida.
Não sei se é a intensidade do momento, do dia, a necessidade de
reafirmarmos coisas que apenas nós sabemos, mas o sexo torna-se diferente,
incrível à sua própria maneira, como se Damon estivesse entregando parte da
sua alma para que eu cuide dela e eu entregasse uma porção minha em
contrapartida.
Há toda uma dedicação desconhecida por mim.
— Não me deixe, Candy. Não quero lidar com as coisas sozinho, eu
quero lutar junto com você.
Seus beijos passam a ter gosto de saudade, sem ele estar ciente de que
em breve é isso que sentiremos um do outro. Uma saudade extenuante e
asfixiadora.
As escolhas que tomamos na vida, acontecem de maneira rápida, as
vezes em apenas um segundo e geralmente elas vêm depois de momentos
felizes e que parecem nunca terem um fim. A minha escolha foi feita no
instante em que com o presente de Natal mais lindo que vi na vida, com um
significado imenso, ainda entre meus dedos, eu descobri que sou a linha que
interliga Damon ao seu passado, um que ele se esforça para superar. Sou
todos os seus pesadelos reunidos, assim como viver esse romance se tornou o
meu.
Encontrei aquele caubói, de romance de banca, que tanto procurei, mas,
eu o perdi depois de poucos dias ao entender que não importa o que eu sinto,
ou o que penso ser o certo. O errado é pressioná-lo e decidir que ele me ama
ao invés de se sentir atraído por parte do que já teve.
— Damon... — seu nome abandona meus lábios como uma prece, com
a estocada lânguida e profunda.
Sinto o prazer ondular por meu baixo ventre, conforme ele continua sua
dança, entrando e saindo, com intensidade, buscando me curar de algo que ao
menos tem conhecimento.
— Candy — pronuncia meu nome como uma resposta — obrigado por
ter aparecido em minha vida.
Continua estocando, me beijando e me amando, até que gozamos
juntos, em uma confusão de gemidos e sussurros sem sentido. Formando algo
digno de ser retratado assim que o sol nasce exuberante através das
montanhas, clareando o novo dia, refletindo centenas de cores nos flocos de
neve que despencam sem descanso desde a última noite.
O peso em meu peito aumenta.
E eu me sinto aos poucos, sendo arrastada pelo arrependimento, por
saber que talvez o golpe que eu dê nele, pode acabar tirando todo o resquício
de esperança que ele se forçou a ter nos últimos dias e que então, a culpada
serei eu.
— Eu nunca fui tão feliz como fui com você. Tenha sempre isso em
mente.
— A forma com a qual você fala, faz parecer que isso é uma despedida
— profere e deposita um beijo suave em minha testa, percorrendo meu rosto
com seus beijos calorosos e cuidadosos.
Porque é — respondo a sua pergunta mentalmente.
Mas, na verdade, o que sai da minha boca é uma máscara da verdade:
— Não há como saber o dia de amanhã.
“Antes eu tivesse ficado na escuridão.”

— Vamos descer para o almoço de Natal?


— Como se nada tivesse acontecido? — pergunta Candy.
Suas respostas soam estranhas e com um incômodo claro que ela tenta
encobrir com sorrisos nada verdadeiros.
— Minha família não é tão tradicional quanto aparenta e eles na
verdade, ficaram muito felizes ao perceber que eu estou me permitindo ser
feliz novamente. Os Kingston só mostram seu pior lado quando alguém fere
os seus. Caso contrário, somos mais amáveis que pôneis.
Candy faz uma careta que não compreendo.
— Bom saber.
— Vivemos intensamente.
— Isso, eu já percebi, garotão. Além do mais, todos se intrometem no
que não é da conta deles.
— Está assim tão aparente? — falo em um tom brincalhão.
— Demais.
Decido que esse é o momento para ser sincero com ela e contar a
decisão que tomei. Candy ainda não sabe, eu não comentei com ninguém,
após ouvir o pedido de Lane e entender que ele realmente precisa da ajuda e
que minha obrigação e dever como um Kingston é ajudar. Porém, sinto-me
mal por esse não ter sido o principal motivo e sim a possibilidade de ficar na
mesma cidade que ela, para podermos desenvolver essa coisa que rola entre a
gente.
É a primeira vez que decido voltar ao “convívio em sociedade”, que
realmente opto por ficar entre os meus, sem uma sombra do passado pairando
em cima da minha cabeça.
— Candy, Lane me ofereceu o cargo de Diretor Financeiro da Kingston
Company...
— Isso é incrível! — exalta-se ela, pela primeira vez em horas, com
uma animação sincera.
— Mas, eu não aceitei, porque eu teria que ficar em Miami, por causa
da sede administrativa da companhia. Acredito que ele fará uma reunião com
o Conselho e colocará no cargo alguém mais competente.
— Entendo... e por que decidiu dizer isso para mim?
— Eu não aceitei porque teria que ficar longe de você.
Candy ofega e eu não sei se essa é uma excelente ou péssima reação.
— Não pode basear o seu futuro em mim.
— Não estou baseando. Só estou tentando fazer o que meu coração
acha certo. Com alguns problemas que têm surgido na companhia, executivos
do alto escalão se envolvendo em polêmicas e investigações de sonegação
fiscal, Lane achou melhor se reunir com o Conselho e indicar mudanças
administrativas de acordo com os executivos que tiverem sua verdade
contestada. Isso afeta não apenas as ações, o valor de mercado da empresa,
por ela passar a se tornar inconfiável diante de acionistas, assim como Lane e
sua gestão, por ter deixado que tal coisa acontecesse. Ele se retirou um
pouco, para poder cuidar da sua família e abriu brecha para que os demais
acabassem cometendo crimes. Por isso, ele quer ter pessoas de confiança
respondendo diretamente a ele, e...
— Está convocando todos os primos para assumirem seus papéis? —
deduz ela.
Sempre soube que a inteligência de Candy é surreal.
9
— Sim. Eu queria te dizer que não aceitei o cargo de CFO , mas eu
aceitei o cargo de Diretor Operacional, por já ter trabalhado na empresa em
Dallas durante alguns anos e por saber como as coisas funcionam. Como sou
da família, um acionista, e também alguém de confiança, que lucrará com o
sucesso da companhia, assim como alguém experiente e que estudou sobre o
assunto, o Conselho não vai se opor.
— Você vai se mudar para... — interrompo-a.
— Dallas. E por mais que eu me sinta mal por admitir isso, a verdade é
que eu não tomei essa decisão pensando em Lane, mas em você. Podemos
ficar juntos se eu voltar para Dallas, enquanto você segue com a sua empresa
e eu consigo voltar aos poucos a ser o Damon de antigamente, com alguns
traumas sem dúvida, mas o Damon que tem uma garota, e que faz mais da
vida do que cortar lenha e remoer o passado, como se fosse acordar e
descobrir que ele nunca existiu.
Ela se afasta de mim e me olha com uma feição nada boa.
— Por que diabos fez isso por mim?
— Qual o problema em eu querer ficar por perto?
— É que faz tão pouco tempo! Como pode tomar uma decisão dessa
com base em um mês?
— Não pensei que fosse ficar assim. Só quero passar um tempo com
você, não estou te pedindo em casamento. E em Dallas, nós sabemos como as
coisas funcionam. Tenho uma casa lá, a gente pode dividir os finais de
semana, divertindo-se na companhia um do outro. Já sabemos que temos
muito em comum e que relacionamentos já se tornaram duradouros com
muito menos. Quero te provar, Candy, que nem todos os homens são
desprezíveis como seu ex-marido e que vale sim, a pena permitir que seu
coração ame alguém que te trate como merece.
— Damon, eu só acho que é muito cedo para esse avanço.
— Cedo para recomeçar? Nós dois estamos recomeçando, e é isso que
torna as coisas tão incríveis.
— Claro, eu entendo. Mas, você não sabe tudo sobre mim e eu nem
estou sendo sincera sobre uma pancada de coisas. Acha que conseguiremos
evoluir muito além do sexo? Tudo isso — ela indica a cama — funcionou
porque não precisamos nos envolver demais, mas, acho que um
relacionamento, oficial, seria ir muito além para nós dois.
Esconder o desânimo que paira em meu rosto é inevitável.
— Pensei que estivéssemos sentindo mais do que apenas tesão.
— Como pode saber o que eu — ela bate contra o peito com extrema
raiva, o que me deixa sem entender seu gesto — estou sentindo? Como pode
presumir que tudo dará certo, quando nada é tão simples assim?
— Porque o que eu sinto é verdadeiro e a minha vontade de tornar as
coisas possíveis, também. Só que eu preciso saber, Candy, se você está
disposta a enfrentar seus medos comigo, como eu estou disposto a superar os
meus por você. Sei que vale a pena, sei que cada noite que eu passei
remoendo toda a minha angústia, foi porque eu precisava aguardar que
aparecesse em minha vida. E se achar que uma simples esquiva ou covardia
sem sentido vai me afastar de você, está muito enganada. Eu não vou deixar
que vá embora, sem lutar por essa coisa que vem tomando meu coração.
— Palavras muito bonitas para quem não sabe a verdade.
— E eu nunca vou saber se você não me contar.
Ela chacoalha a cabeça, desprendendo seus olhos escuros dos meus,
como se a simples ideia de me olhar fosse torturante.
Candy está ali comigo e ao mesmo tempo se mantém distante.
A maneira com a qual ela lida com as minhas tentativas de me
aproximar, me faz duvidar de tudo o que enxerguei em seus olhos, de todo o
sentimento.
— Tenho medo.
— Do quê?
— Da sua reação, Damon e da indiferença que pode vir com ela.
Lembro muito bem daquele homem preso em seu passado, que me olhava
com fúria por simplesmente estar lá, invadindo seu espaço, que relutou em
me ajudar até o último segundo.
Medo?
Medo de contar alguma coisa para mim?
Por anos tentei ser um caso perdido, assistindo os dias passarem de
forma metódica, relembrando coisas que apenas me machucavam, até que ela
surgiu e me fez ficar feliz em simplesmente abrir os olhos em um novo dia,
com a possibilidade de enxergar seu sorriso.
Ela não precisava de mim.
Mas, eu precisava dela, com cada grama de tristeza que eu alimentei até
ali.
A mulher intrometida enxergou a sombra do homem através da camada
de proteção, atravessou-a com a sua mão e o puxou, salvando-o da
autodestruição.
— Não precisa temer nada. E esse homem do qual tanto fala, foi
resgatado do fundo do poço por sua causa. Sua causa, Candy.
— Entendo. Mas, podemos continuar esse assunto depois? É Natal, e
em breve todos já estarão de pé. Acho melhor nós nos arrumarmos para
descer ou vovó é bem capaz de vir até aqui e nos arrastar pelas orelhas até lá
em baixo.
Concordo em um aceno, remoendo a ideia aterradora de que alguma
coisa está muito errada e que o término dessa conversa pode não chegar tão
depressa quanto eu quero.
Por isso, logo que descemos, aproveito cada segundo na presença de
Candy, com o terrível pressentimento de que as coisas que antes estavam
incríveis entre a gente, estão mais geladas que a temperatura assustadora do
lado de fora. Busco contato visual e ela me ignora todas as vezes, tanto a
ponto de eu receber um olhar interrogativo de vovó e de alguns dos meus
primos, ao perceberem a tensão na mulher.
A sensação que tenho é de que peguei o mais bonito dos flocos de neve,
apenas para assisti-lo derreter em minhas mãos.
No instante em que penso isso, Candy me olha por descuido, e sei disso
porque ela adquire um semblante totalmente arrependido pelo que fez. Não
tardo a mover meus lábios em uma súplica:
“Não fique assim. Precisamos conversar.”
Ela não responde, apenas vira a cabeça e volta a dar atenção para Betsy.
A maior prova da sua ausência é que assim que nos sentamos à mesa,
ela faz questão de se distanciar de mim o mais rápido possível, sentando-se
ao lado de Betsy, na extremidade oposta. Lane me olha inquisitivo, assim
como Kendrick e também Makai que me fita com uma carranca,
provavelmente imaginando que eu feri a sua garotinha.
E eu?
Mantenho minha confusão apenas para mim, porque a verdade é que eu
não sei que merda fiz de errado.
Para ser sincero, pensei que ela ficaria tão feliz quanto eu, com a
oportunidade clara de podermos manter contato, mesmo depois de Montana e
do nosso tempo aqui.
Pior do que a avaliação aterradora de todos, são os meus pensamentos,
conflitando entre si, tentando descobrir o ponto errado para que eu possa
consertar. Eles não parecem me julgar, a não ser o pai dela, claro, porém nem
precisam. Já faço um excelente trabalho eu mesmo.
— O que aconteceu? — pergunta meu irmão, espichando-se para o meu
lado.
— Queria saber para poder te dizer.
— O cara amargo e intratável voltou? Pensei que tivesse deixado isso
no passado.
É, eu também. Mas, a ideia de perder Candy me lança para um
questionamento profundo de: eu aguentaria mais uma vez?
— Odeio ficar no escuro e foi só eu dizer que me mudaria para Dallas,
para ser Diretor Operacional da Companhia, que ela não pareceu nada
contente e decidiu que eu não valho a pena o bastante para mantermos por
mais tempo o relacionamento.
— Vai ser Diretor Operacional da Kingston? — Dale grita alto o
bastante para que a maioria das pessoas na mesa escutem, inclusive vovó e
vovô que ostentam expressões misteriosas acerca da revelação.
Como sou idiota. Não demoro a entender que a ideia partiu deles.
— Vai voltar para Dallas, filho? — pergunta minha mãe, olhando-me
esperançosa.
Fito meu pai que não esboça nada. Nem orgulho, muito menos
decepção. Ele está impassível, como me lembro de ser desde que eu era
criança.
Não tenho uma relação conturbada com ele, mas, também não é das
melhores. Nós, apenas nos amamos, sem uma ligação mais forte. Acredito
que o principal motivo seja a diferença da forma de pensar. Na cabeça dele,
por ser um “Kingston de Dallas” não precisa fazer nada da vida além de
esbanjar.
Eu já penso exatamente o contrário. Mas, isso tudo por causa de vovó.
— É, acho que vou.
— Já passou da hora, Damon. — É vovó quem pronuncia.
— Todos precisam arcar com as suas responsabilidades — vovô chama
a atenção — sei que é Natal, mas se querem continuar gastando dinheiro da
forma que fazem, precisam ajudar também. Lane é apenas um e, não
podemos cobrar dele uma obrigação que é de todos. Comecei essa empresa
há quase cinquenta anos, quando encontrei petróleo na minha fazenda.
Naquela época rezei para que o dinheiro não afetasse as ações da minha
família. Porém, aqui estamos, e meus filhos — ele olha para meu pai e meus
tios com total desgosto — só pensam em dinheiro, enquanto Pearl precisou se
dedicar aos netos para que eles não ficassem como vocês. Deveriam ter
vergonha, porque eu tenho de ter focado na empresa, quando eu deveria ter
dado atenção aos meus filhos também.
Se uma agulha atingisse o chão poderia ser ouvida, tamanho o
desconforto de todos em pleno almoço de Natal.
Vovô não costuma ser tão falante como vovó, mas quando o faz, todos
respeitam, porque sabem o quanto ele pondera sobre seus discursos e eles
nunca são desnecessários.
— Papai — Kristen começa a dizer, mas é prontamente interrompida.
— Todos temos nossos arrependimentos, filha, e sei que os seus são
basicamente a forma como tratou seus dois filhos. Sendo Kendrick — olho
para ele de relance, que faz uma careta ao escutar seu nome — o mais afetado
tanto por mim, quanto por você. E nesse Natal, eu só quero que minha família
permaneça unida, sem que o dinheiro esteja envolvido, porque se tem algo
que Deus sabe é que se eu pudesse voltar atrás e ficar quieto na minha cama
naquela manhã, eu faria exatamente isso. Ser os Kingstons de Dallas têm
mexido com todos vocês, exceto alguns, claro, e isso me deixa aborrecido de
tal forma que me revolta.
— Disse tudo o que penso — vovó concorda com cada palavra — há
muito tempo tenho percebido a inversão de valores e é por esse motivo que
algumas mudanças estão sendo feitas. Em breve todos perceberão que não
toleraremos mais mesquinharia e muito menos pressão sobre os que — seu
olhar se volta para Lane — estão no meio do furacão, sacrificando sua vida
pessoal para o conforto de todos. Todo mundo irá colocar a mão na massa, ou
receberá a minha ira! Tenho uma bisneta a qual dar exemplo — ela olha para
Melanie com seu semblante transbordando amor.
Agora entendo a mudança em vovó e vovô.
Eles estão zelando pela quarta geração, fazendo da segunda um
exemplo e provando para a terceira que o caminho honesto e humilde é certo
a se seguir.
— Assunto pesado para o Natal — exclama Kendrick.
— Sim, exatamente, e você trate de abandonar o Havaí, porque terá
responsabilidades aqui, assim como Dale, Damon e as garotas — fita minhas
primas — sei o quanto se dedicam a outras coisas, mas devem parar de
colocar em jogo o sonho de alguns pelos seus. Ou vendemos grande parte da
companhia e deixamos que outra pessoa assuma os negócios, ou a mantemos
em nossa família, cada um dando um pouco de si para que ela continue a
prosperar. — ISSO É UM ABSURDO! — meu pai grita e eu sinto vergonha
pela sua reação. — EU NÃO VOU ME PRIVAR DOS MEUS PADRÕES
POR CAUSA DA CONSCIÊNCIA DE VOCÊS! — diz ele, revoltado.
— Mamãe, a senhora está maluca, assim como papai, se pensam que
têm razão nisso. — Tio Pod se pronuncia e, tanto eu como Dale assobiamos
durante a sua fala. Ninguém nunca concordou com as ações dele — somos
seus filhos — ele ignora o caos que criamos — e para quem seria tudo senão
nós? Por que trabalharam tanto? Acho um insulto quererem mudar as coisas
justo agora.
— ORA SEU INFELIZ, CALE A BOCA QUE VOCÊ SABE MUITO
BEM QUE EU SOU A PESSOA MAIS SÃ NESTA MESA! SE DISSER
MAIS ALGUMA COISA, EU VOU DESERDAR VOCÊ E TAMBÉM
VOCÊ, DOMINIC POR SIMPLESMENTE CONTESTAREM A MINHA
DECISÃO!
— Nossa, querida. Não tome todos os problemas para si — fala vovô
carinhosamente. — E a mãe de vocês tem razão, se não concordarem com o
que foi imposto, peço que se retirem e façam bom uso do dinheiro que vocês
têm. Porque da Companhia, não verão mais nada.
— Não vai dizer nada, Kristen? — pergunta meu pai para a mãe de
Lane e Kendrick.
Ela não parece abalada, pelo contrário, demonstra satisfação com o que
ouviu.
— Não. Nós merecemos. Estou disposta a pagar pelos meus erros.
Mamãe e papai têm razão em se enfurecerem, nós nunca demos orgulho para
eles, apenas causamos problemas.
— Não foi sua culpa, filha — vovô a defende.
— Eu deveria ter dito para vocês, quando as coisas começaram a dar
errado em meu casamento. Mas, eu me calei, deixei que Lane e também
Kendrick se machucassem. Nada no mundo irá me tornar merecedora dos
filhos incríveis que tenho e só posso agradecer por terem se esforçado tanto
para que eles se tornassem homens dignos. Se preciso abrir mão da minha
herança, ou também trabalhar na Kingston, não vejo motivos para dizer não.
É o mínimo que posso fazer.
— VOCÊ ESTÁ MALUCA! MALUCA! PRIMEIRO FOI ESSE
DESGRAÇADO DO MEU SOBRINHO, ME PRIVANDO DE USAR
TUDO O QUE TENHO DIREITO E AGORA VOCÊ, IRMÃ,
CONCORDANDO COM ESSA MERDA? É O FIM DO MUNDO?!
— Menos, Pod, menos — exclama meu pai, ao ver que a decisão já foi
tomada.
— Também concordam com a nossa mãe, Benji e Logan?
Noto que tanto eu como meus primos acompanhamos a discussão com
extremo interesse e também, uma pontada de diversão por estarmos
finalmente vendo a palhaçada toda ruir.
— Estou com a nossa irmã nessa. Não acho que precisamos criar essa
guerra familiar. Todos sabemos que somos péssimos com negócios — diz o
pai de Casey.
— Não quero me envolver em brigas. E sinceramente, mamãe e papai
demoraram a tomarem essa decisão. Imaginou que fosse continuar levando
suas amantes no jatinho da empresa, aproveitando todas as regalias, sem se
importar com mais nada durante quanto tempo, irmão? Uma hora, o edifício
rui, principalmente se as fundações não forem feitas com atenção e qualidade
— conclama Benjamin.
— É isso aí, pai! — brada Jenna, orgulhosa com o que o pai falou.
— Sempre há tempo para assumir os erros, como disse Kristen —
responde eles.
— EU NÃO VOU ACEITAR! NÃO VOU! — tio Pod joga seu prato
com força contra a parede, fazendo com que eu e Dale tenhamos que desviar
para os lados quando vemos a louça vindo em nossa direção.
Assim que os cacos encontram o chão, ele abandona a mesa, pisando
duro e tremendamente irritado.
— Não foi tão ruim quanto eu imaginava — ronrona vovó.
— Também imaginei que acabaríamos com o Natal — concorda vovô.
— Sempre há uma revelação bombástica nessa época, qual foi a do ano
passado, Ken? — questiona Jenna, tentando amenizar a tensão que paira na
mesa.
Todos sabemos que o problema se tornou enorme, mas não ousamos
dizer nada. Além do mais, se vovó e vovô tomaram essa decisão, é porque
eles ponderaram bastante o que ela implicaria e provavelmente têm a solução
em vista.
— Que vovó e vovô fariam um cruzeiro e ficariam mais de um mês
fora. Juro que tio Pod começou a planejar as festas que faria na mansão
enquanto eles estivessem aproveitando o mediterrâneo.
— O que nunca aconteceu — profere Betsy.
— Exatamente — concorda Kendrick.
— Desculpem — vovó se dirige a Makai, Candy e Trust — por terem
visto tamanha deselegância. É que eu precisava resolver os assuntos hoje ou
não me sentiria em paz comigo mesma.
— De forma alguma, não se preocupe conosco — responde o pai de
Candy.
— As coisas nessa família ainda são civilizadas perto do que acontece
na minha — o murmúrio de Trust arranca gargalhadas nossas.
A única que permanece quieta conforme a balbúrdia de conversas
animadas se estende através da mesa é Candy.
Ela olha para seu prato, incomodada, e se levanta assim que as pessoas
estão presas demais em conversas paralelas, para notarem que ela se
levantou. Apenas seu pai percebe e ela acena para ele de uma maneira que
não consigo identificar. Levanto-me sem titubear, seguindo-a pelos
corredores da mansão, como um maluco, sedento por cada segundo na sua
presença.
— Deveria parar de me seguir — exclama ela sem ao menos se virar.
Seu corpo aparenta tensão, enquanto eu contemplo as suas costas com
milhares de questões não respondidas.
— Está agindo estranho demais.
— É, eu sei.
— Vai me deixar no escuro assim?
Candy vira-se parcialmente, deixando-me apenas absorver sua imagem
de perfil, uma que parece atormentada e irradia preocupação através de mim.
— Sabe como dizem, é melhor arrancar o band-aid de uma vez, para
doer menos. Postergar funciona como tortura.
Dou um passo na sua direção, com a mão estendida, mas ela não se
move, imóvel como se tivesse sido esculpida em mármore.
— Só queria provar que conseguia mexer comigo? Foi isso desde o
começo?
Minha fala a faz contemplar-me avidamente, com os lábios crispados.
— E se for?
— Eu não acredito em você. Já teve sua carga de sofrimento na vida, e
não seria egoísta a ponto de causar isso em outra pessoa propositalmente.
— Damon... Acabou. Entenda. Nunca poderia existir um nós.
— Por algum motivo que eu não sei ou por que você não quer?
Noto que ela vacila e essas suas pequenas ações só me mostram que
Candy trava uma batalha interna e tenta a todo custo me manter do lado de
fora. Agora, mais do que nunca, eu quero ficar ao lado dela e desvendar cada
singela nuance da sua personalidade.
— E faz alguma diferença?
Aqui, em pleno corredor opressor, nossos olhares mantêm-se presos,
enquanto avaliamos a intensidade do querer do outro.
— Toda a diferença. Porque dependendo da resposta eu vou lutar por
você.
— Não deveria se dar ao trabalho.
— Vale a pena.
— Por um motivo que pode acabar com nós dois.
A sua resposta me impele a dar mais alguns passos na sua direção, a
ponto de quase nos tocarmos.
— E qual seria?
Candy inspira profundamente, criando coragem, e percebo que ela dirá
assim que empina seu queixo de maneira altiva, mirando meus olhos como se
eles fossem o alvo da sua raiva. Seus ombros estão eretos, e sua pose
inabalável. Admiro cada detalhe de seu rosto, querendo que esse momento
acabe tão rápido quanto se iniciou.
— Eu acho que recebi o coração da sua falecida mulher.
Retrocedo um passo com a sua admissão.
— Não tem como saber disso e sinceramente, como pode brincar com
algo tão sério assim?
— Eu suspeito — ela troca o peso de perna — porque todas as peças se
encaixam. O dia em que me operaram, a distância de Lockhart para San
Antonio, a hora do acidente, as sensações estranhas que eu tenho toda vez que
vejo você, como se estivéssemos predestinados. E seria muita coincidência eu
receber a ligação sobre um órgão compatível, e sua mulher ser doadora de
órgãos. Ambas estarmos no Texas, até porque pasme, eu sei disso por ter
pesquisado, quando o coração é retirado do corpo ele pode levar no máximo
quatro horas até ser transplantado.
— Não tem como ter certeza. É proibido passar essa informação —
afirmo e involuntariamente, retrocedo diversos passos, com meu semblante
assustado sendo refletido em suas íris escuras e espelhadas.
Um misto de fúria, vergonha e dúvidas se embrenha em meu cérebro e
eu já não consigo definir mais nada.
— Não acha que são coincidências demais?
Sacudo a cabeça, de um lado a outro, lutando contra a probabilidade.
Candy está certa, mas, eu não quero acreditar no que ela está dizendo, não
posso acreditar, porque isso mudaria as coisas. Tornaria tudo muito confuso e
repleto de questões que deveriam ficar no passado.
Não.
É impossível.
Não tem como algo assim acontecer.
Uma voz em mim grita que eu já desconfiava disso, apenas não quis
enxergar.
— As coincidências param no fato de que éramos para termos nos
conhecido há mais de uma década. Qualquer outra é loucura.
— Acha mesmo? Você está se afastando de mim, Damon, com a
simples possibilidade. Por isso eu estava com medo de contar. Imaginei que
as coisas fossem acontecer exatamente como estão acontecendo. E é meio
irônico que eu tenha me apaixonado por você, uma vez que esse coração já
foi todo seu.
Ela está certa.
Eu estou me afastando.
Cada vez mais... em conflito com o que quero e com o que tive.
Mas, estou apaixonado por Candy, não é?
É impossível que essa conexão estranha que sinto com ela seja apenas
porque...
Subitamente não consigo respirar, como se dedos se fechassem com
força em torno do meu pescoço.
Minhas pernas parecem não responder aos meus comandos e uma
sensação horrível toma conta do meu peito.
— Não. Não. Não. Não. — Repito efusivamente, implorando que essa
sequência de negativas mude a verdade.
— Damon... — meu nome sai por entre seus lábios.
No entanto, a única coisa que consigo ver no momento é Dolores,
sorrindo, chorando, caminhando até mim. Ela estende as mãos exatamente
como Candy e a confusão me deixa desnorteado. Fecho os olhos, ansiando
para que o delírio vá embora. Para que eu seja capaz de enxergar através dele.
— Não. não. não! — Continuo em minha própria negação.
— É, como eu imaginei. Agora que você sabe a verdade, eu não tenho
mais o que dizer.
Quando ela se vira, desta vez, caminhando para longe, se afastando do
mar de confusão que eu me tornei; não a impeço.
“Há momentos na vida em que começamos a questionar nossos
atos do passado e temer as ações futuras. Segundos esses que se
tornam importantes demais, dado o conhecimento que não
queremos ter. Uma vez atravessada a linha tênue entre a vida e a
certeza de que irá morrer em breve, a coerência torna-se apenas
um fio de uma mente perdida em seus próprios medos e a
esperança passa a ser temida, por conter a animação e também
tristeza de uma vida.”

Arrumo as minhas coisas, após enviar uma mensagem rápida para papai
dizendo que preciso ir embora. Não sei se ele entendeu a minha vontade de
ficar sozinha no momento, mas o fato é que ele responde afirmando que já
está procurando um voo para mim. Nesta época, com risco de nevascas, é
praticamente impossível, mas torço para que ele consiga porque eu
simplesmente não sou mais capaz de me manter perto dos Kingstons.
Não depois do olhar que eu vi no rosto de Damon.
Ele estava assustado e perdido.
Mas, mesmo em meio a esse tumulto de sentimentos, foi possível
enxergar que eu já não era mais a mesma para ele, que sua atenção se voltou
ao que perdeu, deixando-o atormentado.
Desnorteado.
Enfio tudo de qualquer jeito na mala, com os lábios travados e as
lágrimas caindo desenfreadas sobre as roupas emboladas.
Passo as costas das mãos em meu rosto, e de repente, eu sou novamente
aquela mulher, com um fio de vida, ciente de que morreria em breve. As
memórias do dia começam a me massacrar e eu sento na cama, por instantes,
para suportar tudo o que elas evocam.

O coração.
Um órgão muscular, presente em todos os seres humanos e animais,
cuja função é bombear sangue e nos manter vivos. É a parte central do
sistema circulatório, ou seja, imprescindível. Sabe aquele barulho que
escutamos dos batimentos? Consiste nos movimentos das válvulas, fazendo a
sístole e diástole, — basicamente contraindo e relaxando.
Eis o problema nisso:
Meu coração se recusa a fazer com perícia estes movimentos e essa
contração e relaxamento já não ocorrem mais como deveriam acontecer. A
sua capacidade de me manter viva aos poucos torna-se menor, enquanto eu
morro a cada passar de dia, como uma flor que já nasce com seu destino
fadado.
Por este motivo precisei entrar na fila de transplantes e curiosamente
descobri que se um coração tem oxigênio o suficiente, ele pode continuar
batendo fora do corpo por um tempo, o que possibilita as cirurgias. Precisar
de algo deste tipo nos faz meio que adquirir um conhecimento mórbido sobre
tal ação. E eu fui pesquisar as estatísticas sobre quantas pessoas que
precisavam de “vida” conseguem de fato. Bom, elas não foram animadoras,
o que me deixou em um estado de foda-se constantemente ligado. Pouco me
importando para como as coisas aconteceriam.
Passei pelas seguintes fases:
A negação — na qual eu negava com todas as minhas forças a
situação.
Otimismo — em que eu acreditei que tudo ficaria bem, porém
conforme o tempo passou e nada aconteceu, se iniciou a terceira e última
fase...
Aceitação — onde eu simplesmente me conformei que iria morrer.

Tudo o que senti me atormentou por meses a fio, dias longos e penosos
com nenhuma previsão de futuro, em que eu me sentava no sofá da sala e
contemplava as pessoas vivendo, enquanto a chuva caía fúnebre dentro de
mim. O sol poderia brilhar, mas em meu interior, uma torrente inacabável
descia, lavando toda a minha felicidade, encharcando-a com pensamentos
suicidas e incoerentes.
Deito de costas contra o colchão e olho para o teto, presa em
lembranças dolorosas, que me fortaleceram.
Ao descer as pálpebras, estou novamente na sala de casa, esperando por
meu marido nada presente, perguntando-me até que ponto compensa estar
viva com a data de partida já decidida pelo destino. Não o dia ao certo, mas o
tempo, o que considero muito mais assustador, uma vez que nada poderá ser
deixado para amanhã, porque é uma realidade sua que ele talvez não chegue.
As pessoas dizem: ah, mas ninguém sabe o que dia que vai morrer.
Exato, mas elas também não têm uma definição de tempo pairando
acima das suas cabeças. É mais fácil lidar com a vida assim, sem saber o que
lhe espera. E qualquer um que pensar em refutar, recomendo imaginar que
foram lhe dados trinta dias até que sua vida termine, então tudo o que você
não fez começa a passar rápido demais, como um filme em sua cabeça e
quando percebe que não terá tempo de realizar sequer metade de seus sonhos,
a inutilidade de continuar soa como um incentivo ao caos.
Sua mente se perde em seus próprios medos.
E a coragem para enfrentá-los simplesmente desaparece.

Estima-se que apenas 20% das pessoas com coração transplantado


viva por mais de vinte anos, após a cirurgia. Sua chamada sobrevida.
É uma porcentagem bem pequena, o que me assustou quando li.
Não sei o motivo exato para ter lido revistas e mais revistas sobre
medicina, ou diversos livros sobre o assunto, o problema é que quando você
passa a ter uma perspectiva mais ampla do que pode lhe ocorrer, o medo
também aumenta e crava as garras dele em sua garganta de tal forma que
mesmo que queira, você não consegue respirar.
Porém, todo mundo me olha com expectativa, esperança. Fé em uma
entidade onisciente de que tudo dará certo para mim. E por mais que o
processo tenha passado, angustiante eu diria, ainda é preciso
acompanhamento médico até... bom, sempre. Enquanto eu viver.

Quando recebi o prognóstico estava com trinta e três anos, e


expectativa de vida em no máximo dois. Ou seja, ao completar trinta e cinco
ou antes disso, eu já não estaria mais aqui.

Respiro profundamente.
Não tão profundamente assim, mas o máximo que consigo.
Cardiomiopatia dilatada. O nome da doença que tenho no coração.
Não sei explicar em termos técnicos, mas, como sintomas, eu tenho fadiga,
falta de ar repetidamente e inchaço em várias partes do corpo, o que explica
meu abdômen estufado como se eu tivesse comido demais na última refeição.
Demais mesmo. E como diz Ryder, quando faz questão de voltar para casa:
não sou uma bela visão neste momento, com meus tornozelos parecendo pães
e minha barriga esticada de uma maneira estranha.
— Não é a mulher com a qual me casei e eu não sou obrigado a
conviver com isso. Você vai morrer, Candy, e não adianta que eu tente
disfarçar, a verdade é que não há volta para a morte — disse ele na última
vez em que apareceu, fazendo uma careta, ao contemplar o meu estado
deteriorado, como se eu fosse alguém que ele não conhecesse.
A partir daquele dia passei a conviver com o medo da morte e também
o pensamento de que eu nunca mais seria uma mulher de verdade.
A realidade é que podem se passar anos, décadas e nunca
conheceremos de verdade quem está ao nosso lado. Veremos apenas quem
ele quer que a gente conheça, e nos momentos que forem oportunos. Mas, a
fundo, totalmente? Ninguém. Não conhecemos ninguém desta forma.
Sinto-me absolutamente patética por querer seu apoio em um momento
como este. Humilhada em meu cerne, por estar tão debilitada e ainda assim
me sentir dependente de um canalha.
Por quê?
Uma parte bem pequenina em minha mente, a que se esforça para
manter a coerência grita que é porque eu estou fragilizada e que com tudo o
que estou vivendo, qualquer coisa se torna algo imensurável e eu apenas
desejo ter alguém para parar todo o seu mundo, e me dizer: Candy, está tudo
bem. Vai ficar tudo bem.
Alguém que não se importe com mais nada, além de ficar ao meu lado,
enquanto aos poucos vou sendo despedaçada.
Contudo, é pedir demais. Demais de alguém como Ryder.
Por isso quando ele decidiu ir embora, eu só confirmei a verdade, que
ele não era homem o bastante para lidar comigo e com nossos problemas, e
que usou a doença como uma forma de se livrar das suas responsabilidades
com facilidade. Covarde e filho da puta ao extremo. Ele se irritou e avançou
em minha direção, mas, por sorte, Trust chegou bem no momento em que
coisas piores aconteceriam e o enxotou da minha casa, um favor que eu
guardei em minha mente para retribuir quando ela precisasse.
Porque naquela época nem para isso eu tinha forças.
Chorei a minha alma.
E quando papai apareceu, um tempo depois, já estava ciente do
acontecido. Ao olhar para minha amiga, ela encolheu seus ombros, sentindo-
se culpada. Foi possível notar os olhos do notório Makai Sinclair se
encherem de lágrimas, com o fato aterrorizante de que ele também perderia
a filha.
Acho que viver se caracteriza em perder as pessoas que amamos ao
longo do caminho.
Basicamente isso.

E então estou de volta a Aspen, com todas as minhas dúvidas


fervilhando, meus sentimentos em total conflito.
Com toda a loucura que está acontecendo em minha vida, ficar confusa
é inevitável. Minhas memórias vagueiam por entre espaços de tempo
diferentes e eu me lembro de tantas conversas sem sentido, assim como dos
momentos com Damon. E lembrar dele, de toda a vontade que eu tive de
viver um amor verdadeiro, faz-me recordar do dia em que tudo aconteceu.
Em total incoerência.
Porque eu nem sei ao certo o que estou lembrando, só que flashes de
memória dançam em minha cabeça e me deixam atordoada.

— Filha, nós precisamos ir para o hospital imediatamente.


Encontraram um doador para você.
Foi a fala de papai que marcou o espaço de tempo entre morrer em
breve e morrer mais à frente.
Contudo, não imaginei que alguns dias depois as coisas começassem a
ficar estranhas conforme eu percebia que já não parecia mais eu. Que eu
não me sentia como a Candy Sinclair de antes.
Não de uma forma boa.
Era quase como se meu coração estivesse em conflito com o que minha
mente queria.
Pode parecer estranho afirmar algo assim, mas, só eu sei o que vivi.
Um tempo depois e eu ainda sentia que o órgão fazia o que ele tinha
vontade de fazer. O maior sinal disso, é que por mais que eu quisesse me
envolver com alguém, ele teimava em afirmar que não era a pessoa certa. A
cada encontro só o que eu sentia era um músculo frio e inabitável, como se
estivesse se recusando a viver em um corpo que não o seu.
E caramba, isso levando em conta a pequena porcentagem de eu
sequer viver por mais vinte anos, tornava as perspectivas um tanto quanto
nebulosas. E todas as vezes as quais eu seguia em frente, indo contra uma
sensação estranha dentro de mim, não sentia que a relação me tocava o
mínimo que fosse.
Era vazio.
E aterrador.

Agora entendo o motivo para essas memórias irem e virem, porque elas
parecem tão primordiais. Finalmente, eu descobri quem precisou perder a
vida para que eu tivesse uma em seu lugar e porque fiquei tão mexida, como
se sentisse alguém comandando minhas ações.
Esse órgão fundamental, tinha assuntos pendentes. Um amor
interrompido e acabou me levando diretamente até Damon.
Deixando-me aterrorizada por precisar lidar com a bagunça resultante.
Faz sentido? Ou isso tudo é coisa da minha cabeça?
Fecho a mala, depois de jogar o restante das coisas de qualquer jeito,
quando me lembro do presente que ficou do lado de fora durante várias horas.
Tomo o cuidado de sair do quarto sem fazer barulho, arrastando o peso atrás
de mim, agradecendo que as rodinhas deslizem silenciosamente. Porém,
assim que acesso o corredor e começo a caminhar em direção a uma das
saídas, topo com um olhar cheio de rugas, aguçado e aparentando decifrar
cada mistério que lhe é lançando.
Pearl observa desde a minha postura derrotada, até a mala atrás de mim.
Ela entende o que está acontecendo sem que maiores explicações precisem
ser dadas.
— O que Damon fez desta vez? — sua fala é ríspida, no entanto, tal
rispidez não é direcionada a mim.
— Não foi ele, foi o destino. Ninguém pode julgá-lo por estar confuso,
eu também estou perdida.
— Presumo que não queira falar o que aconteceu? — Adivinha ela.
— Não.
— Tudo bem — caminha até mim e passa seus braços em torno do meu
corpo, forçando-me a abaixar, para ficar quase da sua altura.
É um abraço repleto de amor e cuidado, e me lembra demais o da
minha mãe. Antigamente, quando eu me sentia mal por alguma coisa, seu
simples abraço era capaz de me curar e passar a imagem de que tudo ficaria
bem.
— Cuide dele por mim — digo, após muito tempo aproveitando os
braços à minha volta.
— Você precisa de carinho e pede para que eu cuide dele? Damon não
poderia ter feito escolha melhor. É única Candy, e assim como seu pai, eu
terei orgulho em dizer que faz parte da minha família.
— Não farei parte da sua família, Pearl — afasto-me dela para olhar em
seus olhos — sabe disso tão bem quanto eu. E aposto que Damon nunca mais
irá querer me ver, assim como eu estou tentada a chutar aquela carranca
bonita se ele aparecer na minha frente.
— Com razão?
— Talvez, só pode opinar quando souber a verdade.
— Suponho que é ele quem precisa me contar?
— Eu ficaria mais confortável assim, se não se importar.
— De forma alguma, criança. E se está querendo sair sem que ninguém
a veja, tenho um caminho melhor. Continuando por aqui, você irá acabar
passando entre a maioria reunida, o que chamará atenção e só atrasará seus
planos.
Ela me diz como evitar todos e conseguir sair por uma das laterais da
mansão, de maneira discreta, antes que as pessoas percebam e comecem a
perguntar.
Recordo-me dos presentes e que não poderia partir sem resgatá-los. No
fundo, torço para eles não terem estragado devido ao tempo em que ficaram
do lado de fora. É pedir demais? Ter só mais essas lembranças de momentos
perfeitos antes da catástrofe?
Por mais que eu odeie a maneira com a qual Damon reagiu, não adianta
negar que eu não sou louca por ele. Que não quero perder a oportunidade de
ter algo que me deu, para olhar toda vez antes de dormir e pensar nos
momentos bons que passamos juntos.
— É possível chegar até aquelas cadeiras no quintal, sem que ninguém
veja também?
— Claro, basta dar a volta pelos fundos. Não que será rápido, mas,
provavelmente indolor.
— Certo, muito obrigada — agradeço, porém, uma dúvida me impede
de continuar — o que aconteceu que você veio até aqui? Se a família está
toda reunida lá em baixo, não deveria ficar com eles?
Vovó abre um sorriso sincero, com o seu semblante amoroso se
sobressaindo.
— Eu percebi a tensão entre vocês e quando saíram da mesa no meio da
confusão, presumi que algo muito sério estivesse ocorrendo. Bastou um olhar
para seu pai, para eu ter essa confirmação. Que raios de avó eu seria se visse
meus netos sofrendo e não fizesse tudo ao meu alcance para deixá-los felizes?
Ela é a melhor pessoa do mundo.
— A senhora não existe.
— Claro que existo, estou bem na sua frente.
— Ah — digo ao me lembrar de algo importante — quer que eu
devolva o suéter que me deu? Damon me disse ontem que levam os presentes
de Natal e o suéter muito a sério. Acho que passamos uma ideia errada e não
me importaria de devolver.
— Candy — ela pega minhas mãos entre as suas — não se devolvem
presentes, assim como não se devolve um coração — sua fala me pega
desprevenida e eu demoro segundos a compreender que ela não está dizendo
de maneira literal, mas figurada, sobre o amor.
Ao menos, eu espero.
Caso contrário irei pensar que ela tem poderes psíquicos nunca vistos
antes, se bem quê... não seria a primeira vez que eu pensaria isso.
— É, eu entendo — digo por falta de coisa melhor.
— Às vezes nem parece que meus netos já são adultos, deixando que as
coisas que tanto querem escapem por entre seus dedos. Não foi assim que eu
os ensinei, sabe. Mas, o amor é algo tão inexplicável que ele nunca acontece
da mesma forma duas vezes.
Com a sua sabedoria, decido bancar uma maluca e perguntar:
— A senhora... — Pearl me interrompe prontamente.
— Vovó, eu já te disse. Perdoei alguns deslizes seus ao longo desta
conversa, mas, quero deixar claro que gosto de ser chamada de vovó.
— Tudo bem, vovó, enfim, a senhora acha que o coração pode guardar
um amor, ou até mesmo atraí-lo? Digo, não sei se sabe, acho que papai não
gosta de abordar este assunto, em respeito a mim, assim como Trust, mas, eu
passei por um transplante de coração há quatro anos, então o que está comigo
— indico o peito — não é propriamente o meu. A senhora acredita que esse
órgão pode guardar uma ligação com outra pessoa? Digo, quem precisou
morrer para que eu renascesse? Acredita que essas coisas sejam possíveis?
Que eu seja capaz de sentir o amor dela, assim como seus sonhos?
Vovó franze as sobrancelhas por um instante, pensando sobre o que eu
disse. Seus olhos assumem um tom intrigado e sagaz.
— Estamos falando de uma situação hipotética?
— Sim — digo rápido demais.
Ela percebe meu nervosismo, mas, prefere ignorar.
— Olha, querida, eu acredito que as coisas acontecem por um motivo.
E pare de dizer que não é seu coração, é o seu sangue que ele bombeia, e os
seus medos que ele sente. Quando finalmente entender que ele faz parte de
você, de quem é, essas dúvidas sumirão da sua cabeça. Sobre a última parte,
eu sou uma senhora muito velha, que cresceu ouvindo diversas lendas
apaches antes de dormir. Então, eu acredito nas coisas, Candy, que fazem
sentido para mim.
— O que eu disse faz sentido?
— Todo o sentido. Contudo, deve se perguntar até que ponto esses
anseios podem comandar a sua vida. São vontades inegáveis, ou apenas
sensações? Porque se a última for sua resposta, pode ser que o coração esteja
tentando se adequar a você, tanto quanto você tenta entendê-lo. Pense nisso,
querida.
— Deve ter razão.
— Eu sempre tenho.
A conversa está tão interessante e eu me sinto tão cuidada por Pearl que
a súbita vontade que eu tinha de desaparecer o quanto antes torna-se menos
urgente, conforme eu tiro várias de minhas dúvidas com a imensa sabedoria
da senhora. Noto também que ela não está com a bengala, o que é um pouco
estranho, uma vez que sua imagem colocando medo em todos com o
instrumento se consolidou em minha mente.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, é isso o que uma verdadeira família faz,
cuida dos seus. Agora, por falar nisso, preciso levar chocolate para o meu
neto mais rabugento, alguém me disse que eu preciso cuidar dele.
— É, disse mesmo.
— Agora vá, menina, não adianta ficar aqui com a cabeça cheia de
dúvidas. As coisas acontecerão quando elas tiverem que acontecer, não
precisa se apressar ou desistir, apenas dê tempo ao tempo.
— Fala como se soubesse o futuro.
Abre um sorriso radiante.
— Não o futuro, mas, eu conheço muito bem pessoas que se amam e
elas sempre encontram um caminho para ficarem juntas.
Diz e desaparece no longo corredor, sem olhar nenhuma vez para trás.
“Deve ser o dom da vovó, sempre vir ao auxílio dos netos quando
eles não estão bem.”

Fujo para o único lugar da casa em que ninguém irá querer entrar para
me procurar.
O quarto da vergonha.
Também não gosto muito daqui, mas, no momento preciso ficar
sozinho com mais força do que meu ódio pelos suéteres.
Sento na poltrona em frente a janela de vidro e contemplo a neve
caindo, me perguntando por que o destino tinha de ser tão sacana. Ao mesmo
passo que um sentimento de incapacidade domina até as minhas vontades
mais profundas.
Por que Candy?
Por que as coisas tinham de acontecer assim?
Reagi da pior maneira possível à sua revelação e como poderia esperar
o contrário? A surpresa foi tanta que no momento eu me esqueci de respirar e
senti a falta de oxigênio espalhar a queimação em meus pulmões. Agora
entendo o que dizem, sobre a esperança ser a última que morre e a que
primeiro machuca, porque eu senti alegria ao imaginar que poderia
recomeçar, sendo que há poucos minutos, ela foi arrancada brutalmente de
mim.
Lágrimas carregadas descem pela minha face.
— Não pegou a caixa que eu pedi, não é?
Espanto-me com a voz de vovó, já que nem a ouvi entrar. Viro-me
depressa na poltrona. Passo as mãos por meu rosto, na inútil tentativa de
esconder dela que eu estava chorando. Até parece que sou aquele adolescente
de novo, que gostaria de fazer a avó pensar que era o homem mais forte do
mundo.
Uma caixa de lenços aparece na altura dos meus olhos e eu a aceito um
pouco envergonhado.
— Desculpe, eu esqueci.
— Nada de vergonha de chorar na frente da sua avó e sobre a caixa,
presumi que esqueceu mesmo. Não vou perguntar se está tudo bem, porque
imagino que não esteja. E você, como excelente Kingston que é, vai tentar
me enganar.
— Vovó... — respiro profundamente antes de perguntar — Acha que
seria possível eu conhecer a pessoa que recebeu o coração da Dolores e sentir
algo por ela, por este motivo?
Ela se senta com lentidão, próxima a mim. Seus olhos se perdem na
neve, enquanto eu a contemplo em busca de respostas.
— As pessoas estão me questionando demais isso hoje. Até parece que
gostam de estar enganados. A pergunta que deve se fazer é: se sentiria a
mesma coisa que sente por quem recebeu, se quem tivesse recebido o
transplante fosse outra. Não é questão de receber, é de quem. Às vezes, uma
coincidência pode tornar tudo confuso, quando não deveria ser.
— Como assim?
— Amaria outra pessoa que não Candy, se fosse outra quem recebesse
o coração de Dolores?
A resposta vem fácil à minha mente.
— Não.
E nem percebo que vovó cita o nome de Candy como se já soubesse o
que está acontecendo. É tão imperativa em sua pergunta que eu a olho
questionador e ela não se importa.
— Tem a sua resposta, neto. E antes que pense que leio mentes,
encontrei a menina parada no corredor antes de vir para cá. Ela estava toda
cheia de dúvidas, assim como você e acabei percebendo o que aconteceu para
que vocês estivessem assim e abandonassem o almoço de Natal no auge da
diversão. Às vezes o mistério se torna sem graça comigo adivinhando tudo.
Fazer o quê? É o preço por eu ser assim, perspicaz.
— Ainda não entendo como pode ser tão inteligente.
— Acha que puxou essa qualidade de quem? Deveria me agradecer!
— Mas, não sei, seria possível nossos destinos se interligarem tanto a
esse ponto? Quanto mais penso sobre o assunto, mais parece loucura.
— E por que não seria possível?
Opto por ignorar a sua sentença, sem saber o que ela causa em mim.
— Como sabia que eu estaria aqui?
— Quando está chateado não quer conversar e, o único cômodo da casa
no qual ninguém gosta de entrar e evitam a todo custo é aqui. Foi fácil te
encontrar.
Não me espanto em como ela me conhece tão bem.
— Voltar para Montana deve ser o certo a se fazer.
Seu semblante muda para um irritado e eu encolho meu corpo contra o
estofado.
— NEM PENSE EM FAZER ISSO, EU TE PROÍBO! — seu grito é
tão alto e imperioso, que eu acho que fiquei parcialmente surdo — Já passou
da hora de deixar o passado no lugar dele e desde que percebeu que Candy
estava aqui, você fez tanto isso que a menina até entregou o amor dela a
você! Pensa que pode ser covarde sem levar sermão da sua avó?!
Ela mal termina de falar e puxa a minha orelha, com extrema força, me
fazendo gritar de dor, como acontecia quando eu era adolescente e aprontava
alguma.
— Ai, ai, eu não fiz por mal! — choramingo.
— Então vá logo pegar aquela caixa para mim e pare de resmungar
pelos cantos, achando que está com a razão em reclamar. Ninguém escolheu
isso, além de você.
Levanto da poltrona assim que ela solta a minha orelha, passando os
dedos fervorosamente no ponto ardido. Não disfarço a careta em meu rosto
com a dor. Mas, vovó pouco se importa, na verdade, com seu semblante
altivo e inatingível.
— Também acho que precisa saber de uma coisa... — começa ela
quando já estou com a mão na maçaneta.
— O quê?
— Candy está indo embora.
Paro sobre meus pés, sem saber como agir. Seria justo que ela fique
quando estou com tantas dúvidas?
— Escolha sábia por parte dela.
A mulher que ela é, não merece o homem conturbado que eu sou no
momento. Debato internamente por minutos contra a minha vontade de correr
e alcançá-la, implorando para que fique, que eu não me vejo mais seguindo a
vida sem ela. Mas, permaneço no mesmo lugar, com a cabeça baixa,
duelando com as centenas de dúvidas.
Sou um covarde de merda.
Correndo em círculos, sem nunca avançar.
— Não vai atrás do amor da sua vida?
— Ela também não quer me ver, acredite.
— Ninguém jamais disse que seria fácil, Damon. Mas, você está
complicando tudo. Entendo que vocês precisem voltar ao início para não
duvidarem nunca mais do sentimento. Infelizmente. Porém, não venha
reclamar comigo quando ela encontrar alguém que dê valor a ela.
Lembro-me de ter dito isso a alguém.
Falei para Lane que não podia deixar que Betsy desaparecesse da sua
vida, e aqui estou eu, cometendo um erro que falei para ele evitar, cheio de
certezas que se destroem conforme os segundos passam.
— Eu sei — digo e fecho a porta atrás de mim.
Caminho até o quarto da vovó, para fazer o que ela pediu, sentindo
meus pensamentos vaguearem todos em torno de Candy, no olhar sofrido em
seu rosto e na postura desanimada de seu corpo. Sei que em algum momento
eu vou ceder e partir atrás dela, implorando para que me perdoe, mas, a
confusão ainda é um espírito maldoso que me assombra.
Precisa me deixar ir embora.
Por um momento, um momento inacreditável, eu penso que ouvi a voz
de Dolores sussurrar bem próxima ao meu ouvido. Olho para trás, procurando
ao longo corredor, mas não enxergo ninguém. As coisas estão tão quietas que
consigo escutar o som baixo da algazarra de todos na sala de jantar.
Sacudo a cabeça e continuo meu caminho, não seria a primeira vez que
imagino estar ouvindo coisas.
Assim que entro no quarto de vovó, percebo que caixa no singular não
se enquadra bem ao momento, uma vez que há dezenas delas, empilhadas
umas sobre as outras, obstruindo até mesmo a cama. Não sei se ela está
dormindo aqui, mas se está, aquela velha precisa fazer malabarismos para
subir na cama. Movo-me entre as colunas que pendem para os lados e estaco
sobre meus pés quando reconheço a minha caligrafia em uma das que estão
no topo.
São as caixas com as coisas de Dolores, que eu deixei na casa em
Lockhart.
O rancho mal cuidado, depois que eu fugi como um louco das
lembranças, sem, sequer, cogitar me aproximar.
Ofego ao ler todas as anotações, enxergar todas as letras dos membros
da minha família, que me ajudaram na tarefa laboriosa de separar tudo. Por
mais que no fim, eu não tenha tido coragem sequer de movimentar as caixas
de lugar.
Escuto o som da porta se abrir com um rangido e mesmo que eu não
tenha me virado, sei que é vovó.
— Eu não fiz isso antes porque achei que não estava preparado para
enfrentar. Mas, agora, com outra pessoa em sua vida, é hora de deixar o
passado descansar.
— Não sei por que teima em se meter na minha vida.
Minha fala é irritada, mas não demoro a receber outro puxão de orelha,
que dói e arde para um caralho. Sei que fui mal-educado, mas, é que lidar
com as coisas, mesmo ciente de que preciso fazer, é angustiante.
— Se falar comigo assim de novo juro que quebro seus dentes com a
minha bengala! Amanhã, claro, porque hoje Deus não permite que eu a use!
— sua ameaça não é nada vazia.
Minha sorte é que ela decidiu não desfilar com a bengala no Natal,
porque em suas palavras “Deus quer que ela seja uma senhora boazinha nesta
data”.
— Desculpe, não vai se repetir — digo sinceramente, arrependido com
o rompante.
— Eu sei que não vai. Quer minha ajuda? Para poder dividir o fardo
com alguém?
— Pensei que eu tivesse que lidar sozinho.
— Só se não tivesse uma avó que te ama — ela caminha por entre as
caixas, desviando com agilidade inesperada para a sua idade e um sorriso
enorme no rosto. — O que não é o caso. — E senta-se teatralmente na cama,
abrindo a caixa mais próxima sem titubear.
Admiro a senhora por um tempo e agradeço aos céus por todos termos
a ela.

— Que monte de tralha. Por que continuar guardando isso? Está


cheirando mais velho do que minhas roupas!
— E suas roupas têm motivo para cheirar assim dada a sua idade, não
é?
Ela lança a coisa mais próxima que encontra em minha direção. Sinto o
baque que um abajur velho e puído produz contra minha nuca. Passo a mão
no lugar, tentando amenizar a fisgada de dor.
Pelo visto, hoje é meu dia de apanhar como doido.
Há dois dias foi o Kendrick. Tomara que o próximo seja Dale ou Lane.
— É para você aprender a parar de ficar trazendo ao assunto a idade de
uma mulher!
— Senhora! — Corrijo. — E se bem me lembro, ficou perguntando a
de Candy.
Ela finge que não ouviu a última parte da minha sentença.
— Que vai te fazer perder os dentes da frente, se ficar me chamando de
senhora com esse tom de deboche! — Vovó abre um sorriso inesperado e
consigo escutar as palavras que ela sussurra para si mesma — Ah, como eu
senti saudade. De verdade.
— O que disse? — pergunto apenas para ver se ela admite alguma
coisa.
— Nada, nada.
— Sentiu saudade das minhas provocações, não é? Sei que sou seu neto
mais bonito e também o que mais diverte a senhora.
— Ouviu muito bem, não sei por que queria que eu repetisse. E
sinceramente, está empatado com Kendrick, que teve quatro anos de
vantagem com piadas idiotas em cima de você. Eu no seu caso, lutaria para
recuperar o tempo perdido e ter de volta seu posto de mais debochado nesse
coração enrugado meu.
— Quem disse que eu quero esse posto?
— Se conseguir me fazer gargalhar no minuto seguinte, você vai
ganhar imunidade contra a minha bengala durante dois anos.
— Sem bengalada por motivo nenhum?! Nada?
— Nadinha.
O semblante convencido que toma o rosto de vovó me causa calafrios.
— Isso é contra as regras, me dar chance de ganhar em cima dos outros.
— Quem faz as regras sou eu. Valendo!
Repenso minhas opções e acredito que nenhum dos meus primos me
culparia por aceitar a oferta sem dizer nada a eles, por mais que ela soe
desleal. Qualquer um em meu lugar faria o mesmo.
— Lembra do dia em que Lane bateu o carro do vovô, muito tempo
atrás? — Ela acena e eu continuo — quem bateu o carro fui eu, mas, saí
correndo e deixei Lane lidando com tudo, xingando demais. Encontrei um
amigo do vovô e peguei carona com ele, voltando para a mansão como se
nada tivesse acontecido. Então, quando Lane falou que eu estava junto e que
a ideia de pegar o carro tinha sido minha, para impressionar umas garotas,
fingi que nunca tinha saído de casa. Ele foi o único que se ferrou. Coitado, eu
tive dó a princípio. Mas, antes ele do que eu. Como é mais velho, pensei que
eu poderia me safar um pouquinho. Lane estava no último ano do colégio,
nem ficaria em Dallas por muito tempo, depois de passar em uma
universidade da Ivy League. Também consertei o Dodge com vovô um tempo
depois e caí na sua boa graça. Ninguém jamais ouviu essa admissão saindo da
minha boca.
Vovó gargalha para valer com a história.
— Deveria ser errado eu dar tanta risada por causa disso, mas a verdade
é que sempre desconfiei que você tinha um dedo naquela história! Lane
nunca faria aquilo sozinho, ele era medroso demais para ter a ideia. Mas,
como você estava em casa quando ele nos ligou desesperado por ter acabado
com o carro do seu avô, pensei que o ardiloso estivesse tentando se livrar.
Agora, noto que o astuto é você.
— Acho que Lane ainda nutre uma parcela de rancor por causa do que
eu fiz.
— Céus, ele deveria! E me sinto mal por te dar vantagem por causa da
sua mentira tão boa! Mas, um acordo é um acordo.
— Eu sabia que a senhora iria sorrir com essa, porque não pode ficar
séria diante de um dos netos se ferrando.
— Odeio como me conhece. Em pensar que Lane ficou batendo bolos a
cada dois dias por quatro semanas, é de cortar o coração.
— Duvido!
— Me pegou, mas, já que você mentiu e eu prometi não te bater mais
com a bengala, não farei isso. Porém — percebo que eu deveria ter incluído
outra condição em nosso acordo — não prometi que não bateria bolos, então
quero vê-lo em casa, assim que voltarmos, para me ajudar com isso.
Desabo meus ombros em derrota.
— Esse é o problema de se negociar com o diabo, você sempre sai
perdendo. E que porra faz com tanto bolo? Comer é que não é, talvez quem
devore tudo seja Kendrick.
Vovó abre um sorriso malvado e exclama um tsc.
— Ninguém mandou contar a verdade, poderia ter contado uma piada
que eu daria risada do mesmo jeito, por mais que não tivesse graça. O
objetivo era só te tranquilizar enquanto lida com tudo. Sobre os bolos...
entrego para os funcionários da fazenda, e todas as vezes em que aparecem lá
para serem castigados, eles já ficam esperando, tentando decifrar quem serão
os sortudos da vez.
Percebo só depois de um momento em que ela fica em silêncio, que fui
manipulado.
— A habilidade de manipulação da senhora é assustadora.
— Prefiro pensar como um dom que Deus me deu para controlar esses
netos desnaturados que tenho.
Por me fazer sentir melhor e ajudar tanto a encarar meus próprios
fantasmas, vou até ela e a abraço firme, apoiando minha cabeça em seu
ombro frágil, como se eu fosse novamente um garoto, que busca abrigo no
abraço quente e aconchegante da avó.
— Vó... eu amo a senhora.
Sinto tapinhas fracos em minhas costas.
— Eu sei, garoto, eu sei. Agora me solte antes que alguém entre aqui e
pense que eu sou mais amável do que verdadeiramente sou. Preciso continuar
sendo temida, não pode acabar com a minha reputação. Quem controlaria a
todos, se isso acontecesse?
— Vovô que não.
— Vocês mandam e desmandam naquele velho safado.
Ela prontamente me afasta, como se eu a estivesse incomodando ao
demonstrar carinho tão abertamente.
— Acho que essa é minha deixa para descer e ver o que estão
aprontando. Você ficará bem sozinho?
— Claro que sim.
— Certo então.
Vovó se levanta da cama, com seu jeito cuidadoso e preocupado. Olha-
me profundamente tentando identificar se estou falando sério quanto a estar
bem para lidar com as dezenas de caixas sozinho. Aceno respondendo à
pergunta que ela não profere em voz alta.
Aguardo que ela saia, para me mover em torno de todas as pilhas,
procurando pelo mais difícil. Quando finalmente encontro, paro por um
momento, identificando se estou realmente preparado para enfrentar essas
memórias. Pego a caixa entre minhas mãos e a levo até a cama, sentando com
ela em meu colo, sentindo meus dedos formigarem com a necessidade em
lidar com as coisas de uma vez.
Preciso enfrentar os fantasmas do meu passado.
Na verdade, os anjos que habitaram nele.
Retiro a tampa, onde as palavras “itens pessoais da D.” chamam
atenção na caligrafia horrível de Kendrick. Um bolo se forma em minha
garganta assim que fito as coisas dentro dela.
É necessário.
Eu sei que é.
Somente por isso me forço a encarar os medos de frente para que eles
simplesmente parem de exercer peso sobre minhas decisões. Retiro alguns
papéis de seda de cima e percebo que a maioria das coisas estão manchadas,
devido ao efeito do tempo, mofo e umidade, por ficarem guardadas no sótão
sem que ninguém mexesse nelas durante esses anos.
Há uma centena de fotos, assim como diários e também seus livros
preferidos. Pego algumas entre minhas mãos e um sorriso de recordação se
abre em meu rosto. Não fico surpreso ao perceber que já não dói como antes.
Algumas semanas atrás e a simples ideia de ver tais coisas me deixaria
doente. Porém, tudo o que consigo sentir é meu peito leve, liberando aquela
carga de passado que o deixava tão pesado.
A âncora da lembrança aos poucos se solta do fundo do oceano e eu a
sinto ser empurrada através da água, puxada por alguém até a superfície. De
quem é a mão que a puxa? Provavelmente de todas as pessoas que me amam
e têm tentado me ajudar durante todo esse tempo. Assim como dedos
elegantes, femininos, e um perfume tão doce quanto o próprio nome dela.
Vejo foto por foto.
Cada uma despertando uma sensação diferente.
Quando alcanço a última, que tiramos no dia do casamento, com as
mãos dadas no altar, separo-a e deixo ali. Para que funcione como uma
lembrança de um momento feliz. As demais, acredito que possa não ser a
melhor solução para algumas pessoas, mas eu as separo para queimá-las
depois. Não posso guardar tantos itens do passado, apenas as memórias já são
suficientes. Movo-me até a lareira de vovó, a única dentre os quartos que é
tradicional. Segundo ela, essas coisas muito modernas, como lareiras
elétricas, sempre dão problema e nada aquece como o fogo de verdade.
Empilho a lenha em seu interior e a acendo, assistindo as faíscas se
tornarem labaredas com uma velocidade abrasadora.
A primeira foto lançada nas chamas começa a se deteriorar conforme o
laranja se esparrama pelas suas extremidades e enruga o papel, tornando-o
preto e sem vida. A sensação de fazer isso é libertadora, porque eu sei que
não preciso de foto alguma para levar Dolores em meu coração, como parte
maravilhosa da minha vida. O que estou fazendo é simplesmente seguir em
frente, ciente de que isso não muda o fato de que fui muito feliz com ela.
Por que as coisas não foram assim antes?
A resposta vem sem que eu precise pensar muito... porque eu não me
permitia viver, enclausurado em minhas memórias, achando que me afastar
de todos ajudaria de alguma forma. Agora noto que isso só agravou minha
situação e me afogou em meio ao luto.
Mantenho a próxima foto contra meu peito, uma que ela tirou no
mesmo dia que me contou sobre a gravidez e agradeço por todos os
momentos incríveis que me propiciou.
— Eu amo você e também amo o nosso filho ou filha que nem
chegamos a conhecer — murmuro — mas, acho que eu preciso deixar vocês
partirem em paz.
Assim que jogo essa imagem contra o fogo, a chama aumenta
consideravelmente e desintegra o papel, usando-o de combustível para que
continue crepitando. Uma lágrima desce solitária por minha bochecha, e
outras seguem sua trilha, conforme meu peito se expande e contrai com
minha respiração pesada.
Abaixo-me, sentando no chão.
— Sabe, eu conheci alguém. Uma mulher incrível e que conseguiu me
tirar daquele pesadelo que eu estava vivendo. Não faço ideia se eu
conseguiria me recuperar sozinho, mas fico feliz de ter conhecido Candy e
que ela tenha me ajudado. Você... — engulo em seco e fecho os olhos antes
de prosseguir — ficaria feliz? Por eu estar me permitindo amar novamente?
— Olho em volta como se fosse obter uma resposta e sorrio descrente com a
minha estupidez — É, acho que não pode ouvir ou coisa assim. Eu só queria
que soubesse que você me fez o homem mais feliz do mundo e sempre terá
um lugar no meu coração.
Nesse momento, uma das janelas se abre com força, fazendo com que a
cortina em voil revoe com a rajada de vento frio e as folhas em vidro e
madeira da janela batam contra a parede. Assisto impotente e de boca aberta
um pedaço de uma das fotos queimadas sair espiralando, com suas pontas
corroídas, respeitando apenas o contorno de um rosto. O rosto de Dolores. E
ela está sorrindo, olhando diretamente para mim, como se respondesse da sua
maneira a pergunta que eu fiz para o silêncio.
Sinto como se fosse ouvido e essa noção me impele a continuar e
ignorar a rajada de frio que percorre o quarto.
— Eu aceitei trabalhar em Dallas de novo. Você poderia imaginar isso?
Justo eu que fugi tanto, voltei como um cão arrependido. Candy mora lá —
sinto a necessidade de complementar — e admito que essa última parte teve
um peso enorme em minha decisão, mas, a verdade é que precisamos nos unir
e ajudar uns aos outros.
Mais um sussurro do vento, aparentando responder a minha fala.
— Ainda não sei se sou merecedor da mulher que ela é, principalmente
pela forma com que reagi quando me contou o que estava pensando. Você
sempre me disse que quando a sua hora chegasse, se pudesse, amaria salvar
pessoas, por isso escolheu ser doadora. Bem, — exclamo aliviado conforme
digo tudo o que se passa em minha cabeça — você salvou a vida dela,
Dolores. E foi ela quem me encontrou, para salvar a minha. O destino é
mesmo uma linha estranha que sempre acha a sua forma de nos fazer
acreditar nele. Eu sei que não tive a melhor reação, é só que... eu não sabia o
que pensar naquela hora. Fui pego de surpresa. Quem poderia imaginar que
seu coração salvaria alguém tão merecedora de viver como Candy? Acho que
eu daria o meu, se preciso fosse, só para vê-la sorrir também.
Essa constatação me assusta, porque é totalmente verdade. Já senti isso
antes, sei como funciona, mas, odeio admitir que a intensidade com a qual o
sentimento me derruba dessa vez e me coloca em queda livre, é totalmente
diferente da primeira e muito mais intenso também. Como se fosse para ser
desde o começo e eu só tivesse atrasado a consolidação do destino.
Permaneço sentado no chão, com os braços apoiados nos joelhos,
tentando pensar em uma maneira para fazer Candy conversar comigo, por
mais que eu tenha sido um otário por não entender que eu estava confuso,
mas ela estava muito mais.
Não sou capaz de imaginar o que sentiu ao ter nossos momentos postos
em xeque, sem a certeza de que eu gosto dela de verdade. Para ajudar, o que
eu disse quando me perguntou o que eu faria se encontrasse alguém com o
coração de Dolores, deve estar corroendo cada momento bom e colocando
uma dúvida angustiante em seu lugar.
— Conseguiu? — vovó entreabre a porta para perguntar.
Aceno afirmativamente.
— Acho que agora só precisamos separar todas as roupas para doação.
— Dolores ficaria feliz se te visse assim, recomeçando.
Recordo do papel revoando, com apenas o rosto dela intocável, assim
que fiz a pergunta retórica e abro um sorriso para minha avó.
— É, ela ficaria. Era uma pessoa especial.
“Eu me sinto valiosa, por ter alguém tão decidido a fazer as coisas
darem certo e me provar que o amor vale a pena, assim como cada
luta que travamos para vivê-lo.”

Consigo encontrar por sorte, uma desistência em um voo que parte de


Aspen para Dallas, na noite do dia 25. A atendente da companhia aérea
parece pensar que sou maluca quando desejo com veemência fugir de um
destino tão incrível como Aspen nesta época. Também acho que estou, por
uma razão totalmente diferente.
Quando eu pensei que essa coisa com Damon daria certo?
Só o conheço há pouco mais de um mês, por Deus!
— Tenha um excelente voo — diz com simpatia evidente.
Encaminho-me para o embarque, quando sinto meu celular vibrar em
minha bolsa. Eu o pego, com uma esperança infundada de que seja Damon
ligando para mim. Mas, a verdade é que as coisas entre nós foram tão rápidas
que nem nos preocupamos em pegar o número um do outro. Quando vejo que
é papai, recuso a chamada. Não quero falar com ele agora.
Preciso de tempo.
Para poder entender por que sinto uma dor física tão forte com a
simples ideia de me afastar de alguém que não suporta me ver. Que enxerga
em mim a figura de alguém que perdeu.
Por isso, eu só fujo.
Do que sinto e também do que quero, com tanto empenho que fico
assustada pela minha necessidade de me autopreservar desta vez.

Duas semanas depois

Chego à empresa e cumprimento todas as pessoas pelas quais passo.


Dando bom dia e perguntando como foram as suas festividades. Em suma,
parecem felizes, e a única que está tentando disfarçar a infelicidade sou eu.
Há pouco mais de três anos, eu e Trust decidimos fundar a Allgerie,
empresa que fabrica lingerie para todos os tipos de mulheres. Somos
especializadas em elevar a autoestima delas e também, em provar que somos
lindas e sedutoras independentemente dos estereótipos. Empregamos cerca de
duzentos funcionários, em sua maioria mulheres, que têm a chance de
trabalhar em um ambiente agradável, onde podem ter a certeza de que serão
tratadas com profissionalismo e cordialidade.
Não é à toa que eu Trust, em todas as reuniões, sempre dizemos que
somos uma família.
Porque elas nos ajudaram em nossa empreitada maluca de gerenciar
uma empresa tão focada em algo, assim como nós ajudamos elas a se
encontrarem no mercado de trabalho, em um lugar no qual são tratadas
igualmente e não há qualquer diferença salarial, simplesmente por serem
mulheres — a realidade de muitas empresas que empregam homens e
mulheres, e acabam diferenciando os salários, sendo que tais pessoas
possuem as mesmas funções.
— Candy! — Ouço o grito se espalhar pelos corredores, conflitando
com o som das máquinas de costura, no amplo galpão em anexo.
— Sim. — Viro-me e fito Hailey correndo em minha direção,
sacudindo várias amostras de tecidos em suas mãos, agitada ao extremo.
— O novo fornecedor não vai conseguir entregar o material no prazo e
nós não teremos tempo hábil para produzir as peças da linha nova, o que vai
atrasar tudo. Como poderemos fazer o lançamento na data marcada, se nem
sabemos quando os produtos ficarão prontos? — pergunta em um único
fôlego.
Coloco as mãos em seus ombros e abro um sorriso confortável.
— Respira! — Peço com calma, vendo-a fazer o que peço — Mais uma
vez, Hailey, para garantir. — Ela o faz novamente e parece se acalmar.
— Então, o que vamos fazer?
— Entrar em contato com outros fornecedores e solicitar prazos. Nós
sempre damos um jeito — é Trust quem diz, surgindo em meu campo de
visão, caminhando com a sua confiança característica e felicidade estampada.
— Ah, Trust você chegou! — Hailey suspira aliviada e eu a olho
curiosa.
— Eu não sirvo para nada, é isso?
Para sorte dela, ela parece culpada por ter dado a entender algo do tipo.
— É que a Trust que consegue a mudança de fornecedores em cima da
hora, chefe. Você é especialista em outros setores.
Arqueio uma sobrancelha e assim que o faço, Trust me olha
indagadora. Percebo tarde demais que peguei uma mania daquele Kingston
filho da mãe.
— Certo. Tudo bem. Por favor, vejam isso o quanto antes. E se mesmo
assim ainda não conseguirmos terminar a nova coleção no prazo, irei cancelar
o aluguel do lugar para a festa de lançamento.
Hailey acena em confirmação e sai correndo por entre os corredores.
Ela fará de tudo para conseguir redesenhar com a limitação de novos tecidos,
caso seja necessário, e então enviar para o setor de produção. Foi um achado
essa garota e, grande parte do nosso sucesso se deve aos seus desenhos
inovadores e que buscam passar conforto e sensualidade em uma única peça.
Eu que o diga.
Minhas peças íntimas, em suma, são dessa coleção e como vivo
dizendo para minha amiga, precisamos experimentar antes e se nós
gostarmos, aí teremos uma boa ideia de que a maioria do público irá gostar
também.
— Droga, esqueci de perguntar se já reformularam o material para
costura das laterais. Depois de alguns dias de uso e lavagens, elas tendem a
descosturar. Não é porque o preço é acessível que devemos entregar um
material que não passa confiança para as clientes. Preciso disso com
urgência, Trust. — Ativo o modo empresária, avaliando as mudanças
necessárias nas peças secundárias da coleção.
As principais, por sorte, depois de usar por um mês completo, não
apresentaram problema algum, o que foi um alívio.
— E as cavas, estão boas? Sustentam como a proposta do design
indicava? — indaga Trust, graças a Deus me tirando dos pensamentos
anteriores.
Aceno em confirmação, antes de abrir a porta da minha sala e estacar
sobre meus pés, com quem eu vejo em seu interior. Minha amiga para bem
atrás de mim e ao olhar para ela, noto que está tão surpresa quanto eu.
— Bom, acho que podemos discutir isso mais tarde... — diz e sai,
empurrando-me para fechar a porta em seguida.
— O que faz aqui?
Damon está de costas, como se tivesse sido invocado pelas minhas
lembranças, olhando para a janela que deixa à vista os arranha-céus de
Dallas. Sua postura é rígida, mesmo diante dos raios solares que o iluminam
em um dia tão bonito como este. Veste um terno e esconde as mãos nos
bolsos, totalmente diferente do homem que me lembro. Assim que ele se vira,
não fico surpresa com o salto que meu coração dá, engolindo facilmente
umas cinco batidas em seu caminho, pelo simples fato de vê-lo, contemplar
seu olhar e também a figura imponente. Há uma chama ondulante em seus
olhos, decidida e disposta a me deixar mole e incoerente.
— Oi, Candy. Eu vim te ver, já que vou ficar pela cidade.
— Como conseguiu encontrar minha empresa? — pergunto, mas na
mesma hora me arrependo, porque na era da internet, essa é a coisa mais fácil
do mundo de se fazer. E agora sim — indico a forma como está vestido além
da aura poderosa que ostenta — parece um Kingston de Dallas.
— Pesquisei — ele dá de ombros — E eu teria que voltar mais cedo ou
mais tarde. Ossos do ofício. Gostou? — ergue as mãos e arqueia uma
sobrancelha — Fiz meu melhor para aparecer apresentável aqui hoje.
Eu odeio.
Insuportavelmente detesto, muito mais do que o inverno, o fato de ele
estar gostoso para caralho de terno. Não suporto a sua capacidade de ser
sensual em qualquer ocasião, desde parecendo um lenhador rústico até agora,
quando soa como o executivo que é.
O homem é irresistível.
Um verdadeiro Adônis. Com sorriso avassalador e convencido.
— Não fiquei impressionada — forço-me a responder, impassível.
Damon não se altera. Ele aparenta ler na tensão de meu corpo que eu
não falei o que realmente penso.
— Acho que não adianta eu começar a me desculpar pela forma com
que reagi. É preciso mais, que eu indique em gestos o quanto estou disposto a
te fazer feliz. Sei que não sou um cara bom nessa coisa de amar, depois do
que aconteceu comigo, mas estou aqui, enfrentando meu medo, o de te perder
também, para dizer que a simples possibilidade de não te ver mais, me deixa
angustiado.
— Não deveria ter se dado ao trabalho, é perda de tempo. Eu já segui
em frente, Damon, sinto muito.
Suas pálpebras se estreitam. Caio no erro de engolir em seco e deixo
claro que estou blefando. Qualquer pessoa ouviria a mentira explícita em
minha voz.
— Depois de poucos dias? — duvida ele — preciso melhorar minhas
habilidades de conquista — sinto a ironia na sua voz, porém ela não me irrita
tanto quanto a sensação que se estende pelo meu corpo, aquele formigamento
que anseia por tocá-lo.
A tempo, recupero minha confiança e total força de vontade para
resistir à tentação que é esse homem e me movo, sentindo a saia colada às
minhas coxas, ceder aos poucos, conforme dou passos espaçados até a mesa.
Entretanto, como eu não sou uma pessoa com sorte, assim que ergo uma das
pernas, para sentar na mesa e parecer aquelas mulheres poderosas, em capas
de revistas, as quais os homens rastejam aos pés, implorando perdão, escuto
um som nada agradável e totalmente vergonhoso da costura lateral cedendo.
Por um momento, que passa rápido demais, desejo que seja a costura do sutiã
porque ele está coberto pela minha camisa social, mas, o olhar de Damon
seguindo a linha do meu quadril não me deixa sonhar por muito tempo.
Pondero se devo olhar para o estrago ou fingir que ele nunca existiu.
Mas, antes observo a sua contemplação de cobiça, assim como a
maneira com a qual ele engole em seco e arruma o nó da sua gravata que já
está perfeito.
Paro de fitá-lo, para ver o estrago em minha saia e quando vejo,
gostaria de não ter visto. Uma parte da costura lateral se soltou
completamente e abriu uma fenda considerável até a altura da tira da minha
calcinha. Rendada e transparente. A saia está arruinada. E mesmo que eu
ligue para Trust, pedindo que traga uma linha e agulha para eu costurar,
acredito que não adiantará de nada. Maldita hora em que eu decidi ser fatal e
acabei passando vergonha.
— Quer ajuda? — inquere Damon.
Ainda tento me recuperar do momento constrangedor.
— Não, não precisa. Já me ajudaria bastante se fosse embora.
— O problema, Candy, é que eu não estou nada inclinado a sair da sua
vida. Não antes de lutar por você. Então, vou te dar o espaço que precisa,
para poder lidar com seu — ele indica o rasgo na minha saia — imprevisto,
mas fique ciente de que eu vim aqui para dizer que eu te amo e nós não
desistimos do que amamos.
— É presunçoso demais se acha que... — ele me interrompe.
— Pode ficar, caso precise — entrega-me seu paletó, sem dar tempo
para que eu negue, porém, assim que ele coloca ao meu redor, puxa algo do
bolso e eu fico mortificada ao ver o que é. — Mas, isso não, é meu —
reconheço a calcinha que ele leva até o nariz e funga profundamente,
espalhando aquele calor insaciável no meio das minhas pernas.
É a mesma que pegou no Natal.
— Você é um provocante infeliz!
— Qual é! Achou mesmo que eu não andaria com um pouco de você
por aí? As outras peças também estão muito bem guardadas se quer saber e
estou totalmente disposto a adquirir mais itens para a minha coleção.
— Acha mesmo que depois de tudo o que aconteceu ainda vai ter essa
chance?
— E por que não? Enfim, — ele se move até a porta, como se não fosse
nada demais — preciso ir para você poder trabalhar. E sobre as peças, qual o
problema em ceder com pedaços de pano quando a verdade é que meu
coração você já tem? Me parece uma troca justa. Até mais, Candy, nos vemos
por aí.
Assim que ele desaparece, trago o seu paletó junto ao peito e inspiro o
cheiro másculo de seu perfume, sentindo que aquela saudade, que me deixou
ranzinza durante as duas últimas semanas se aplaca aos poucos, obtendo uma
dose ínfima de seu vício.
E...
Faz surgir a ideia para uma lingerie que irá revolucionar o mercado,
assim como expandir as opções da Allgerie, para criar peças temáticas, que
funcionem como um adendo e presente para todas as mulheres ao redor do
mundo!
Não acredito que o filho da mãe me ajudou com isso!
Uma peça invernal.
Mas, que representará o calor do verão.
Assim como os momentos que passamos a dois, com as pessoas que
amamos.
Saio correndo, vestindo o paletó de Damon, para cobrir a fenda
inesperada em minha saia.
Quando eu imaginaria que ele seria tão fundamental para os negócios?
Corro por entre as salas, chamando todas as meninas para uma reunião
emergencial. Vejo em seus semblantes que elas estão confusas e faz todo o
sentido, porque eu simplesmente estou eufórica demais para conseguir
explicar qualquer coisa, sem que todas estejam reunidas para ouvir de uma
vez.
— Esse paletó é dele? — inquere minha amiga assim que me vê
aprisionada e fortemente agarrada ao tecido.
— Sim. Deu para me salvar e acabou me deixando inspirada.
— Com esse cheiro — ela inspira dramaticamente — quem não ficaria?
— Foi porque eu rasguei a minha saia. Damon só tentou ajudar.
— Voltou a defendê-lo agora, tão rápido?
— Não.
Eu nego, mas a verdade é que estou defendendo realmente. O que é
uma cilada do coração, porque eu sei exatamente o ponto para o qual sou
levada quando as coisas começam a soar assim.
— Tudo bem, vou ignorar a mentira.
— O que está fazendo me perturbando ao invés de chamar todas?
Vamos, me ajude! Antes que a ideia se evapore da minha mente!
Trust ergue as mãos em sinal de paz e faz o que pedi, movendo-se tão
depressa quanto eu. Assim que chego à produção, já estão todas reunidas,
dispostas a prestarem atenção na ideia maluca que surgiu em minha cabeça,
sem muito planejamento.
Não costumo fazer isso sem passar pelo departamento de criação, mas,
acredito que com a confiança que construímos como empresa pode ajudar
todas a entenderem por que eu preciso de agilidade e que elas compreendam
o quanto a ideia pode ser incrível se conseguirmos trabalhá-la. Por isso,
decidi reunir todo mundo, para que todos os setores me digam se são capazes
de embarcar nessa jornada comigo e com Trust.
— Meninas, eu as chamei aqui porque nós somos uma equipe, uma
família que se ajuda sempre e tive uma ideia que pode nos trazer bons frutos,
mesmo que seja tão complicada de executar em um tempo curto como o
nosso para o lançamento. Acredito que — olho para todas — esse atraso com
os fornecedores, a complicação com as últimas peças pode ser um sinal que
estamos indo em um caminho diferente do que planejamos. Por isso, quero
falar para vocês a ideia que acabei de ter — fito Trust, incentivando-me com
um sorriso no rosto — vamos fazer lingeries que combinem com as estações,
que passem a beleza de cada uma delas. O calor do verão, a magia do
inverno, a satisfação do outono e também a beleza da primavera! Quero que
nossas peças tenham detalhes que remetam a cada uma, assim como toques
sutis e singelos, para nos diferenciar das demais marcas e de tudo que elas
têm feito até então. Reuni todas antes de consultar o departamento de
criações — fito as meninas, prestando atenção em cada palavra — porque
antes de desenvolvermos as peças, preciso saber se conseguiremos terminar
no prazo, o qual tínhamos estabelecido para a coleção atual na qual estamos
trabalhando. E como não teremos tempo para muitas mudanças, quero que
assim que fizermos números suficientes, cada uma garanta o seu conjunto e o
teste até encontrar os pontos a serem melhorados, certo? Vou trabalhar junto
com o departamento de criação e em breve vamos começar a produção desses
novos designs.
— E como elas serão? As peças, Candy? Delicadas, sensuais,
confortáveis?
— Nesse ponto que quero chegar, Hailey. Vamos deixar que elas sejam
como as nossas consumidoras sonham. Por exemplo — indico uma das
meninas da produção — o que você gostaria em uma peça de lingerie? O que
chamaria a sua atenção para que a comprasse e a indicasse para todas as
mulheres que conhece? Qual o fator fundamental para a sua felicidade e bem-
estar em usá-la?
— Depende do momento em que eu a usaria, presumo? — ela parece
duvidosa, mas é exatamente isso que quero.
Inovação.
Que olhemos as peças e pensemos: isso só pode ser coisa da Allgerie,
nenhuma outra empresa teria tal coragem e aceitaria tamanho desafio.
— Isso! É isso! Eu quero que cada peça passe as sutilezas da estação
para a qual foram desenvolvidas e para as situações. Cada linha terá sua
designação específica e criaremos até mesmo algo especial para funcionarem
como lembranças sensuais.
— Um presente para nossos parceiros? — é Trust quem pergunta desta
vez, com os braços cruzados a frente do peito, um indicativo de que ela está
pensando como a empreendedora que é, em meu ponto de vista e na
possibilidade de um estouro de vendas com algo tão incomum.
— Quem gastaria dinheiro com uma lingerie que daria de lembrança
para seu parceiro?
— A pergunta é: quem não gastaria? A maioria de nós gasta com
calcinhas comestíveis, o que aliás, é perfeito para momentos a dois. Não acho
que essa ideia em questão seja tão absurda, só acho que precise ser
trabalhada, afinal, o presente seria em conjunto, não é? Nós também nos
sentimos poderosas ao causar reações espontâneas em outra pessoa e é essa a
magia de peças provocantes e inesquecíveis — prossegue Trust, adquirindo
confiança —,mas, as demais, sobre as estações, eu amei e acho que será bem
mais impactante do que as peças que tínhamos em mente. Podemos manter a
linha anterior, para não perder o dinheiro investido, entretanto, dar chance
para essa tentativa de mudança também. Colocamos a coleção na qual
trabalhávamos à venda em nosso site e continuamos com o evento de
lançamento, porém, com as peças temáticas. É, creio que vai funcionar.
Fito a única mulher do nosso departamento jurídico.
— Acha que dará certo? Tão em cima da hora, as providências legais?
— Faremos dar certo, Candy. Desde o começo fizemos isso. Ninguém
solta a mão de ninguém aqui.
— Essa nova etapa da Allgerie será incrível, meninas!
— Ao sucesso! — grita Trust.
Enquanto eu só consigo sorrir, eufórica com o desafio, vendo que
escolhi as melhores pessoas do mundo para trabalhar comigo e formar um
sonho grande demais, capaz de abranger a todas nós.
Com a ideia da coleção em mente e também a minha vida amorosa, ao
chegar à minha casa, a primeira coisa que faço é pegar o globo de neve que
ganhei de presente, entre minhas mãos, escutando a voz de Damon
sussurrando que o objeto era mágico e que bastava eu fazer um pedido para
que ele se realizasse.
Prendo-o entre meus dedos, pensando no homem que conheci, nos
momentos que passamos juntos e também nas dificuldades que posso
enfrentar com a Allgerie por querer inovar com os prazos curtos. Porém,
sinto-me confiante o bastante para arriscar.
— Por favor, por favor. Que eu saiba o caminho que preciso seguir.
Saber o caminho é muito mais do que acertar nele, é ter a certeza de
que eu fiz o melhor que podia e nesse momento, eu tenho essa sensação, de
que as coisas darão certo porque eu estou me esforçando ao máximo e que
mesmo se eu falhar, não irei desanimar.
Por um instante, após ter esse pensamento, acho que vislumbro o casal
retratado no globo de neve se beijar, enquanto os flocos de neve caem ao seu
redor. Mas, isso seria loucura da minha mente, não seria?
Deposito o presente na mesa de cabeceira ao meu lado, onde é seu lugar
cativo e busco dormir, desejando que durante a madrugada, alguma mágica
aconteça.
“Sonho com uma ideia incrível de como provar a ela que o que
sentimos foi real. É real. E a possibilidade de conseguir me redimir
torna meu dia muito melhor.”

— Bom dia, senhoritas, presumo que Lane já esteja aqui? — pergunto


para as recepcionistas.
Elas acenam em concordância.
— Ele o aguarda na sala de reuniões Pearl.
Cada sala de reunião foi batizada com o nome de alguém da família e a
principal não poderia ser nenhuma outra além da de vovó. Ela nos mataria se
fosse diferente.
— Muito obrigado!
Não demoro a subir até o local que eu conheço bem. A verdade é que
depois da faculdade, cheguei a trabalhar aqui para adquirir conhecimento.
Porém, após conhecer Dolores e nos envolvermos tanto, acabei fazendo
alguns sacrifícios em nome do amor e da felicidade da minha esposa. Talvez,
se eu não a tivesse conhecido, nunca teria saído daqui e também não teria a
carga de maturidade necessária para contrabalançar a vida como um
executivo sem precisar atrapalhar a minha vida pessoal primeiro, que foi
exatamente o que aconteceu com meu primo mais velho.
— Lane. — Cumprimento assim que adentro a sala.
Olho para todos, com extrema atenção, não avaliando em si, mas
buscando ver em cada semblante se eles têm a mesma motivação que eu e
acabo topando com um conhecido, de muito tempo.
— Pandora — falo divertido — Não imaginei que fosse te ver aqui.
— Lane me pediu para te ajudar a entender melhor o processo atual na
Kingston Company. Não que eu fique extremamente feliz de retornar para
Dallas, mas é o que temos para hoje.
Noto um pouco de rancor em sua voz, mas não me atrevo a imaginar o
motivo.
— Aposto que é a melhor analista financeira que ele conhece.
— Ah, ela é — concorda meu primo. — E reuni todos os executivos,
para te conhecer e ouvir as suas ideias. Então, Damon, vamos lá, se apresente
e conte um pouco das suas especializações e como poderá trazer melhorias
substanciais a todos que aqui trabalham.
Ele me dá lugar no centro da mesa e assim que eu retiro meu plano de
negócios da pasta, olho para o monte de papéis e acho melhor improvisar.
Soará mais verdadeiro.
— Como sabem, eu sou Damon Kingston e como tal, somos obrigados
a ter uma alta dose de conhecimento sobre o mundo dos negócios. — Todos
sorriem com a piada, principalmente Lane, que a entende melhor do que
ninguém — E por mais que eu tenha fugido desse ambiente durante os
últimos anos, aqui estou eu, para dar o meu melhor e fazer vocês — fito todos
com atenção — darem o melhor também. Esse é o meu principal papel como
Diretor Operacional. Ser o braço direito do CEO e sua pessoa de confiança,
para acompanhar com maior proximidade os processos atuais da empresa.
Olho para a equipe, com a seriedade e o profissionalismo evidentes.
Minhas dezenas de especializações em gestão, me dão embasamento o
bastante e para ser sincero, eu senti falta da vida agitada e sempre repleta de
tarefas.
Narro a trajetória da minha carreira e continuo enumerando todas as
minhas conquistas, com fluidez e prendendo a atenção de todos, assistindo a
maneira com a qual seus semblantes variam de impressionados para
totalmente confiantes.
— Pretende manter o plano anterior, mesmo com a saída do antigo
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COO , ou traçará novos objetivos para a empresa?
É Pandora quem pergunta e eu subitamente, já gosto muito dela. Com
pulso firme e aparentando ser tão profissional quanto eu.
— Se eu estou aqui é para inovar.
Ela assente satisfeita com a minha resposta assim como as demais
pessoas.
Deviam pensar, que por ser da família, as coisas seriam mais fáceis e eu
nem de longe me qualificaria para o cargo, porém, ao analisarem meu vasto
currículo e a gama de conhecimentos, podem ter mudado de opinião... um
pouco, até que finalmente me conheceram e souberam avaliar meus objetivos.
— Sei o problema que pode ser causado à companhia, com executivos
não confiáveis. Mas, não apenas por ser meu primo e também detentor de
grande parcela de ações da Kingston, e sim pela sua habilidade financeira e
de gestão incontestável, eu o indiquei para o cargo. Meu voto ele já tem,
preciso agora levar para o Conselho, para aprovação. No mais, é isso
senhores, acredito que não teremos problemas quanto a isso.
As pessoas se levantam com a fala de Lane e me cumprimentam antes
de sair. Pandora é a última, que fica para conversar um pouco mais.
— Acho que será incrível ter alguém com suas habilidades na
Companhia. Bem-vindo de volta! — é totalmente sincera em sua constatação
e também na felicitação.
— Obrigado.
Também não tarda a abandonar a sala, e resta apenas Lane, que me olha
com o semblante convencido de quem já sabia que daria tudo certo.
— Você nasceu para isso. Só atrasou um pouco as coisas.
— Claro que diria tal coisa.
— Juro, não estou brincando. E Betsy te mandou um beijo em
agradecimento por ter aceitado. Não tinha mais como eu intercalar a empresa,
meu relacionamento, e a minha necessidade de supervisionar a última pessoa
a ocupar esse cargo. Sabe, primo, eu nem pensei em colocar meu casamento
nesse jogo de poder, porque se minha esposa fizesse um ultimato, eu a
escolheria sem pensar duas vezes, por isso estamos aqui. Então, pelo bem da
empresa e da minha família, eu agradeço você, Damon.
— Nunca imaginei que fosse te ver dizendo isso. Que prefere o
casamento ao cargo de CEO.
— Em algum ponto da vida nós aprendemos o que realmente importa.
— Fico feliz que tenha aprendido antes que fosse tarde demais — falo.
— Eu também, primo. Eu também. E vovó mandou que eu te desse um
recado... — Lane faz uma careta e eu já imagino que não seja nada com tom
bom — algo sobre te esperar para bater bolo. Agradeço a você por isso
também, eu já não aguentava mais bater bolo para aquela velha.
Assopro em desgosto. Meu primo apenas ri, sabendo exatamente o
motivo para eu estar tão sem vontade assim.
— Está agradecendo a Deus, aposto — resmungo.
— É um alívio. Acho que ela precisa mesmo dividir a carga de maldade
igualmente entre todos.
Seu celular começa a tocar, interrompendo a nossa conversa. Lane o
atende e acena se despedindo, saindo da sala logo em seguida para resolver as
pendências que seu cargo lhe traz.
Desta vez, quando entro no carro, é até a casa de vovó que vou.
Principalmente depois de ler a seguinte mensagem:

Bengala assassina: vem logo pra cá ou eu vou te fazer bater cinco


bolos a mais!

Retornei a Dallas há dois dias, mas a paz que me acalma, faz com que
pareça que eu nunca saí daqui.
Claro que antes de voltar, tive que lidar com Makai e a sua ânsia por
cuidar de Candy. Ele não foi tão ruim quanto achei que seria, talvez por
perceber que eu estava tão mal quanto ela pelo que aconteceu. Além do mais,
prometi encontrar um jeito de consertar as coisas e principalmente de fazer
sua filha feliz.
Conhecendo os Kingstons como ele conhece, soube no exato instante
em que eu proferi as palavras, que não estava brincando.
Foi uma conversa franca, de um pai dedicado, com um homem disposto
a fazer qualquer coisa pelo seu bem mais precioso.
E com isso em mente, o motivo para eu comemorar tanto o sonho e ter
escrito a ideia, antes mesmo de tomar banho de manhã para não esquecer, foi
que não haveria nada mais significativo para mim e Candy do que isso.
Ela não precisa de joias.
Muito menos coisas de grife. — O que aprendi da pior forma possível.
Ela só quer ser amada. Verdadeiramente.
Por esse motivo, entro no site da floricultura que Dale me indicou, —
pois é, também achei estranho que ele tivesse tanto conhecimento sobre o
assunto — e encomendo uma dúzia de lírios durante vários dias, deixando
especificamente claro que na noite anterior a cada envio, irei mandar a
mensagem que quero que vá junto com as flores.
A primeira, que será entregue amanhã, conta um pouco de como foi a
minha reação assim que a vi, parada em frente à cabana, me pedindo lenha. E
porque eu neguei.
As demais seguem essa mesma linha, narrando como me apaixonei
perdidamente por ela. Continuo divagando sobre meu plano até que chego à
mansão.
Assusto-me com o silêncio, reformulando, espanto-me por não ouvir as
gritarias de vovó. Caminho diretamente para a cozinha e a encontro olhando
através da janela, contemplando a imensidão de seu jardim. Ao longe,
algumas montanhas verdes se destacam.
— A vida passa tão rápido, neto. Eu lembro de quando eu vi essa vista
pela primeira vez, há quarenta anos. Parece que foi ontem. Assim como
parece que não passou tempo algum desde a primeira vez que eu peguei cada
um de vocês no colo.
— Crise de sentimentalismo a essa altura?
— Não, só algo em que eu estava pensando. Preparado para começar a
trabalhar? — fala com um entusiasmo de me causar calafrios.
Retiro meu celular do bolso e o coloco em cima da bancada, para me
preparar. Percebo meu erro assim que os olhos dela pousam na tela e acaba
lendo a forma com a qual salvei seu contato.
— Você é um ingrato! Eu te ajudo, movo céus e terras para te ver feliz
e é isso que ganho? — Levanta o celular a altura dos meus olhos.
Só consigo encolher o corpo, esperando pelo golpe.
— Admita que tem originalidade — Tento partir para a piada.
— É cada coisa que eu tenho que aturar — resmunga enquanto pega
alguns ingredientes.
Agradeço aos céus por ela estar de bom humor, porque se não estivesse
eu me ferraria muito, demais. Pergunto-me o que a deixou assim, e estreito
meus olhos em uma avaliação. Vovó se vira e me pega no flagra, fechando o
semblante em questão de segundos.
— Pare de me olhar assim ou juro que você vai desejar nunca ter
nascido!
Ergo as mãos em sinal de paz.
— Na verdade, eu queria muito sua opinião.
Ela me entrega um avental e eu o coloco, sem me ater ao que está
escrito nele.
— Diga.
Conto detalhadamente sobre o meu plano, para amolecer a
determinação de Candy em ficar longe de mim e assisto os olhos de minha
avó, tão azuis quanto o céu de Dallas, brilharem com o romance que se
desenrola aos seus ouvidos.
— Você é horrível nessa coisa de amor, não sei como se casou a
primeira vez e quando reagiu daquela maneira ao que a menina disse, sabe,
eu achei que precisasse sofrer ainda mais para perceber o erro que cometeu,
porém, contrariando tudo o que eu achei que você faria, teve uma ideia
decente e está alguns pontos, — fico animado e ela se apressa a reiterar —
não se anime muito não, porque são bem poucos, a frente do seu primo. Se
essa ideia der certo, talvez eu pense em aumentar a sua pontuação.
— Mas, a senhora acha que dará certo?
— Ela é maluca por você, neto, é possível enxergar o sentimento nos
olhos daquela menina, no entanto, você a fez se sentir desmerecedora do
amor. Sei que jurei que não te golpear mais com a bengala, mas, você
merece! — Ela bate justo com a ponta de ferro na minha canela e eu
literalmente enxergo estrelas.
Inspiro e expiro o ar, tentando controlar a dor.
— Não mede a força que usa com essa porcaria de bengala!
Engulo a vergonha e ergo o meu pé, esfregando a canela agilmente para
espantar a dor. Aposto que vai inchar.
— Fez por merecer!
— Bater cinco bolos seguidos já não é o suficiente?
— Não, não chega nem perto. E sobre a minha opinião. Bom, vamos
ver no que dá, não gosto de me intrometer no assunto de vocês.
Gargalho para valer.
Uma gargalhada mórbida e que pinga ironia.
Ela não quer se intrometer no assunto dos netos?
Quem não a conhece até acreditaria nessa conversa.
— A senhora com certeza ensinou o diabo a mentir.
— Menino, eu não estou nada contente com a sua afronta!
— Pois então somos dois!
Também não estou nada feliz, com farinha até no meu nariz, e um
avental que agora eu percebo ostenta a seguinte frase: “Bato bolo por
punição”. Sim, exatamente, ela fez um avental especial, só para nos fazer
passar vergonha, enquanto somos punidos por ela. Coloco os ingredientes
que vovó me indica no recipiente, giro a colher de pau com extrema força na
bacia e acabo jogando um pouco de massa direto no meu rosto. Apenas para
representar a perfeição.
— É bom para aprender.
— A senhora é estoica demais. Nunca pensou em flexibilizar só um
pouquinho as coisas pra gente?
Ela parece pensar na minha pergunta, mas responde, após poucos
segundos com extrema convicção:
— Se eu não fosse rígida e firme quanto aos princípios e a moral da
terceira geração, só Deus sabe onde estariam agora. A gente comete o erro
uma vez, mas não uma segunda, com as mesmas ações. E você sabe disso.
Todos vocês sabem.
Escuto passos e mal posso acreditar que está chegando outra pessoa
para rir da minha desgraça.
— Ah, eu não perderia isso por nada! NADA!
A voz de Kendrick me provoca um arrepio. Odeio quando é ele, porque
nunca esquece as coisas vergonhosas que acontecem na família, encontrando
os piores momentos possíveis para comentar sobre.
— O que faz aqui? — Viro-me para fitá-lo e o vejo comprimir a boca
tentando segurar a gargalhada, que irrompe um tempo depois, fazendo meu
primo se curvar e colocar as mãos na barriga de tanto rir.
Sei que a visão não deve ser nada favorável para conter o seu ataque de
riso.
Aliás, eu já disse que odeio bater bolos?!
Kendrick massacra a bancada com uma das mãos, exagerando na dose
cômica. Não consigo enxergar a graça que ele tanto vê.
— Pare de rir dele assim ou você será o próximo! — brada vovó.
— A senhora ameaça como ninguém.
— Não é uma ameaça, estou prevendo o futuro. Não irá demorar para
ser você no lugar dele. Acredite em mim.
Meu primo arregala os olhos e enxergo o medo passando por eles.
Desta vez, quem sorri da desgraça alheia sou eu. É impossível não me divertir
com o pavor claro que Kendrick emana. Atitude sábia de sua parte, porque se
não demonstrar temor, vovó pode pegar ainda mais pesado.
Passam-se segundos para ele voltar ao normal, extremamente
debochado.
Ignoro o sorriso de canto que ele me lança, em provocação.
Kendrick mal sabe que sua hora está prestes a chegar também e ele que
lide com vovó espumando de raiva, porque tenho certeza de que vai foder seu
campo amoroso tão plenamente que fará do dia de confeiteiro meu e do Lane,
uma lembrança singela.
Chuto no mínimo dez bolos a bater por dia.
No mínimo.
Eu o avalio, estreitando minhas pálpebras e aumento em dois o número,
apenas em coeficiente de segurança. Quem sabe algumas tortas e cheesecakes
também.
Pandora está em Dallas.
E eu a vi na reunião de mais cedo. Acredito que ambos sejam as
próximas vítimas das traquinices de vovó, porém nada digo.
— Chegamos no momento perfeito!
Desabo meus ombros em derrota.
Como se não bastasse um irmão, agora tenho que aturar o outro. E Lane
deve estar se divertindo muito em ver outro membro da família passando pelo
mesmo calvário que ele.
— Pare de fazer isso, Lane. Deixe seu primo em paz! Até parece que
não está feliz por ele finalmente ter encontrado alguém tão incrível como a
Candy!
Viro-me de relance, perdendo a atenção no bolo, para fitar Betsy
segurando uma Melanie alegre em seu colo.
— Cadê a sobrinha mais linda do titio? — Kendrick se apressa na
direção dos recém-chegados e pega a pequena em seu colo, que gargalha feliz
com a atenção. — Estão vendo, ela gosta de ficar no colo do mais lindo da
família. Não é, amor meu? Ah, eu me derreto todo para essa pequena e essas
mãozinhas? Juro que tenho vontade de morder, Mel.
Assistimos a visão embasbacados. São raros os momentos em que
Kendrick permite que o vejamos assim.
— Você é bom com isso, Ken — admite Betsy, antes que eu diga o
mesmo.
— Sou, não é? Vou pedir um pra Pandora — fala como se não fosse
nada demais.
Contemplo vovó e assisto seus olhos brilharem em expectativa. Ela está
armando o bote, e o golpe virá logo em seguida, sem que Kendrick saiba ao
menos de onde ele veio. A missão de vida da velha é casar todos nós, e ela
vai conseguir isso mais cedo ou mais tarde, com a calma de uma pescadora
em busca do peixe perfeito.
— O que fez para ela, irmão? Juro que se a atrapalhou ou tornou o
trabalho dela ainda mais estressante, terá consequências graves.
Vejo o brilho perspicaz que atravessa o olhar de Kendrick. E o
reconheço. É de um homem que está tentando ter o que sempre sonhou, como
um brinquedo que lhe foi negado há muito tempo.
Não sei se fico feliz ou triste por Pandora.
— Não fiz nada. Só fui à empresa conhecer as instalações que em breve
serão a minha prisão e cruzei com ela. Que aliás, fez questão de expressar seu
ódio gratuito por mim. Não sei o que Pandora acha que fiz, mas — ele inclina
a cabeça de maneira pensativa — eu estou muito fodido se precisar dela para
alguma coisa.
— Não é o único que irá arcar com as responsabilidades, eu já te disse.
Só não coloco tio Pod para trabalhar, porque ele mais atrapalharia do que
ajudaria.
— Esse, pode deixar comigo. A culpa é minha por agir dessa forma, já
que é meu filho.
Vovó não tem culpa de nada. Acredito que mesmo com a melhor
criação do mundo, meu tio não seria uma pessoa com valores morais.
— A senhora não deveria se culpar — falo em um tom confidente.
— Como não? Mas, não podemos manchar a memória desse dia
incrível com assuntos tão pesados!
— Dia incrível — debocho, mas fico quieto quando ela se inclina em
minha direção, empunhando sua bengala.
— Então, Candy já faz parte da família? — inquere Betsy animada —
Não vejo a hora de ter uma amiga para poder desabafar comigo sobre as
loucuras dos Kingstons. Porque vocês sabem que não são normais, certo? Ah,
— ela grita e dá pulos animados, assustando a mim, seu marido e vovó —
Estou tão empolgada!
Kendrick parece alheio a tudo, balançando Melanie em seus braços,
enquanto vovó se apoia na bancada e eu volto a bater a massa de bolo, antes
que acabe estragando e tenha que fazer tudo de novo. Já Lane, olha amoroso
para a esposa. Se eu fito Candy com metade da devoção a qual ele fita Betsy,
caramba, a coisa deve mesmo estar feia e irreversível para mim.
— É isso que você vai ter, basta se esforçar de verdade — vovó
sussurra ao perceber o que estou fitando — Candy já é uma de nós. Vejo nos
seus olhos, Damon, que se não for ela, não será mais ninguém. Vocês
nasceram para ficar juntos e mesmo que eu não tivesse ajudado, o destino
traça seus próprios planos e teriam se encontrado. Eu só dei um empurrão,
porque não aguentava mais a lentidão do processo. — O que ela diz a seguir
é só um sussurro, mas eu escuto mesmo assim — metade dos homens estão
encaminhados, agora acho que preciso partir para as meninas um pouco.
— A senhora é cruel — digo sorrindo, ela entende que eu escutei a sua
última frase, mas nada diz — e só para ter certeza, foi você quem comprou as
cabanas. Por isso me disse o lugar, para poder ficar de olho em mim.
— Sim.
Ela nem se dá ao trabalho de mentir.
— Falou com o pai da Candy para que ela fosse até Montana?
— Droga, sim de novo. Eu sempre tenho a ver com as coisas, vocês
precisam aprender.
Sorrio com a sua fala.
— Odeio como mesmo assim ainda amo a senhora.
— Claro que me ama. Todo mundo tende a me amar, porque sou
incrível — proclama altiva.
Contenho a gargalhada e continuo com minha tarefa, olhando para
vovó de tempos em tempos. Kendrick, Lane e Betsy abandonam a cozinha ao
perceberem que eu já aceitei meu destino e não irei reclamar de bater bolos.
Assim que eles saem, vovó desabafa:
— Chega de bolos por hoje, vamos aproveitar nossa família. É raro
quando Lane também está aqui.
— Depois de Betsy, ele quase sempre está por aqui.
— Poderia dizer o mesmo de certa pessoa, mas, acho que talvez não
seja necessário.
E realmente, não é.
“Choro de felicidade, choro de saudade, choro de desespero, choro
de amor. Eu apenas choro.”

A cada passar de dia no escritório, eu recebo um buquê de lírios, com


mensagens de Damon, que mexem comigo de uma forma que não sei
quantificar.
Elas representam os dias que passamos juntos, sendo que cada frase é
especial à sua maneira.
A primeira, me desestruturou e me partiu em mil pedacinhos.

Olá, Candy, eu sei que provavelmente sou a última pessoa no mundo


com a qual você quer conversar. Mas, acho que preciso agir de forma
honesta com você e explicar desde o primeiro momento o que causou em
mim. O que você, Candy, como mulher, pessoa incrível que é, causou em
mim. E se entender que tudo o que eu disser indica que amo você por muito
mais do que uma ligação hipotética, estarei te esperando. Para todo o
sempre, querida.
Assim que meus olhos te encontraram, na porta da minha cabana, só o
que consegui pensar foi em como você era linda. A maneira como tudo em
você atraía minha atenção. Recusei-me a te ajudar porque sabia que não
conseguiria parar por aí, que eu correria até você, querendo apenas sentir
aquele calor maluco de estar na presença de alguém que me interessasse.
Voltei atrás, não por me sentir culpado, mas por perceber que eu
queria te ver de novo.

A segunda, me deixou em frangalhos.

Você apareceu com os cupcakes, para agradecer a lenha. E droga, eu


me lembro de ficar confuso com o gesto, querendo ter mais de você ao
mesmo tempo em que meu luto gritava para eu me afastar. Naquele dia foi a
primeira vez que você me surpreendeu de verdade. Digo, de verdade. Nunca
imaginei que fosse saber Morse e algum dia amarei ouvir a história de como
aprendeu, porque tenho certeza de que nós dois ainda iremos conversar
muito. Enfim, lembro-me com clareza de ter te impedido de sair, com um
toque que irradiou uma corrente elétrica excitante pelo meu corpo. E essa,
foi a primeira vez que eu olhei para você e perdi o ar, com a sua beleza e
com o seu sorriso estonteante. Talvez, seus maravilhosos cupcakes tenham
me deixado com a guarda baixa, mas, a verdade é que naquele momento eu
acho que comecei a entregar meu coração a você.

A terceira, me fez suspirar languidamente.

Logo que acordei, a primeira coisa que me recordo de fazer, foi de


espiar pela janela do meu quarto, buscando ver você do outro lado. Assim
que fui para a sala, vi que tinha pegado vários livros e presumi que os
estivesse lendo (aliás, pretende me devolver em algum futuro próximo? Gosto
muito deles).
Sou muito ruim por admitir que eu gostaria de estar ao seu lado
enquanto os lesse? Acho que sim, principalmente porque naquela época (nem
faz tanto tempo assim, mas parece fazer uma eternidade para mim) eu me
forçava a ser rude com você, porque me fazia sentir vivo. E eu não queria me
sentir assim. Falei para ir embora porque estava com medo, desolado,
percebendo o quanto se apoderava de uma parte maluca minha que queria
manter o luto, que achava estar traindo Dolores.
Quando te falei sobre a minha avó, foi o sinal de que começava a
ceder. Tenho a tendência de falar sobre as pessoas que amo com quem me
sinto confortável. E você, Candy, me fazia pensar em voltar a viver.
Essa será a primeira vez e também última que admitirei isso. Mas, eu
comecei a sentir a sua falta quando foi embora e tive que consertar o limpa-
neve que tinha guardado. Ele era pequeno e quando eu terminei, vendo a
dificuldade que você tinha de caminhar com a neve naquela altura, precisei
ficar a madrugada inteira limpando seu caminho. Fiquei uma bosta, com o
corpo ruim por não ter dormido. Porém, valeu a pena, qualquer atitude
minha para te ter por perto, sempre valeu a pena.

A quarta me deixou totalmente emocionada.

Você veio com aquela história de que a lenha acabou e acredite em


mim que quando abri a porta e a vi, coisas indecentes passaram pela minha
cabeça. Insanas de verdade. Enquanto eu me perguntava quantas vezes eu te
foderia antes de você ficar verdadeiramente exausta. E cogitei, céus, cogitei
muito, ficar preso com você, ali, naquele lugar inóspito, só nós dois. Por um
breve momento, a noção soou como o maldito paraíso para mim. Você quase
explodiu a cabana tentando aumentar a potência do aquecedor, e, eu fiquei
tão, mas tão preocupado quando vi as faíscas do lado de fora, que saí
correndo sem colocar luvas. Não sei se reparou na hora, só que eu estava
tremendo, não de raiva, e sim de preocupação. Foi tão pungente que eu só
percebi estar sem luvas depois que me garanti da sua segurança e vi que as
pontas dos meus dedos estavam ficando roxas de frio.
E o beijo, eu já não estava mais suportando conviver com a ideia de
nunca ter experimentado o sabor dos seus lábios. Foi um erro que eu amei
cometer e que me tornou um viciado, doido para devorar sua boca sempre
que te vi depois daquilo.
Acertou quando disse que eu estava com medo, porque te desejava. E
naquele momento eu te odiei por acertar em cada palavra.
Ao anoitecer, várias coisas aconteceram, a sua crise de bondade com o
lobo, nosso jantar e eu me senti mais perto do paraíso, mesmo que por pouco
tempo. E porra, o paraíso jamais foi tão doce.

A quinta me balançou indescritivelmente.

Eu saí correndo da cabana, porque tive um pesadelo, do dia em que


Dolores morreu. Fiquei me sentindo culpado por dar abertura a você, para
que se aproximasse e foi incrível como me deu tempo para ficar sozinho, por
mais que tenha sido apenas um dia. Acho que eu não queria ficar longe de
verdade, então, obrigado por forçar sua presença na vida de um homem tão
idiota como eu e por aparecer no fim do dia e aplacar a minha ansiedade por
te ver. Não preciso falar o que senti quando seu sabor inundou minha boca,
não é? Te chupar foi a melhor coisa que eu fiz naquele dia e se eu soubesse
que seria tão bom e me deixaria tão arrebatado, eu teria continuado a noite
inteira, só para assistir seu olhar embriagado de prazer.
Beber aquele conhaque foi o começo do meu processo de cura e você
nem sabia disso ainda, mas começou a mudar a minha vida
irrevogavelmente, para melhor.
Nunca imaginei que uma garrafa de bebida pudesse se tornar um
degrau para a superação, contudo graças a você, foi exatamente isso que ela
se tornou.

A sexta, me fez respirar com dificuldade no começo e gargalhar ao


final.

Quando te vi na banheira me tornei um homem sem coerência.


Tudo o que eu queria era te fazer gritar.
E foi o que eu fiz, não foi?
Lembro que pensei que você poderia se chamar Alice, pois tinha
acabado de conhecer o país das maravilhas.
Tomara que tenha sorrido ao ler isso. Porque acho que eu me
superestimei.

A sétima, me deixou sem chão.

A gente discutiu.
Feio para caramba.
E eu a assisti me deixar sozinho, com razão.

A oitava, me mostrou o quanto a confusão pode maltratar uma pessoa.

Encostei a poltrona na janela e fiquei olhando para sua cabana. Só


parei quando o cansaço me venceu e eu caí no sono. Senti-me patético por
não ir até você e pedir desculpas, mas, eu não me entendia, ou o que sentia.

A nona, que eu sou mais forte do que pareço, porque lutei bravamente
com a vontade de ler a mensagem durante a porcaria da manhã inteira, para
ceder na hora do almoço.

As horas demoravam a passar.


Eram agoniantes.
Contei os segundos e também a quantidade de vezes em que vi sua
sombra passando através da janela.
Saí de noite várias e várias vezes, só para ver se estava bem.

A décima, o quanto um processo de cura pode ser demorado.

Queimei minha mão enquanto fazia comida, ao pensar nos nossos


momentos. Sabe o que percebi? Que mais ninguém conseguiria lidar comigo
e no que me tornei por causa das minhas cicatrizes na alma a não ser você.
Esse foi o primeiro dia em que povoou todos os meus sonhos. A partir
daí, você fez parte de cada um deles, em diversas situações que eu queria
muito viver.

A décima primeira, que falamos coisas impensadas quando nos


sentimos ameaçados e nos arrependemos amargamente depois.

Acordei sorrindo sozinho depois do que vivemos em meu sonho. Ele se


esvaiu assim que eu olhei para a cama e não a vi. Você não estava ali. O
futuro pareceu sem sentido, quando eu percebi que magoei para valer a
única mulher que conseguiu rastejar no frio do meu coração.
A décima segunda, que um segundo pode mudar toda uma vida.

Dentre todas as pessoas que conheço, você é a única capaz de entender


como a gente fica quando perde alguém muito amado. Eu não estava
preparado para amar de novo, eu sequer queria isso. Até você aparecer...

A décima terceira, que as vezes nós fazemos as pessoas que amamos


sofrerem, porém, isso é algo humano e compreensível.

Eu fechei meus olhos nesse dia e passei muito tempo com eles assim,
lembrando de você, escutando sua voz e imaginando um futuro que poderia
nunca existir se eu não decidisse logo o que fazer.
Se eu não parasse de ser idiota.
Desculpe por ser idiota. Por te fazer sofrer, não apenas no dia em que
discutimos, mas também quando enfim... você sabe.

Na décima quarta, antes mesmo de abrir o cartão eu senti meu coração


acelerado, esperando por ser despedaçado diante de admissões amargadas em
tristezas.

Tentei definir quão fortes eram meus sentimentos e cheguei à


conclusão de que eu seria capaz de atravessar aquele oceano que dividia a
minha cabeça, a minha consciência, para te ver feliz.

Na décima quinta, a resposta foi sim. Eu o perdoaria. Por muito menos,


acredito.

Se eu ajoelhasse e implorasse ela me perdoaria?


Foi o pensamento que me corroeu nesse dia.

Na décima sexta, eu me senti destruída, por imaginar o quanto ele


sofreu em silêncio.

Eu a vi saindo da sua cabana. Para ser sincero eu quase não dormia


ou comia, esperando que aparecesse. Você contornou a cabana e eu
rapidamente fingi que estava dormindo, para que não se sentisse mal.
Na décima sétima, eu desejei com todas as minhas forças ter tomado a
iniciativa, assim como sempre fiz em minha vida. Porque as coisas poderiam
ter se resolvido com uma conversa.

Decidi criar coragem nesse dia, e fui até você. Nossos olhares se
cruzaram e eu percebi que ainda estava magoada. Que fique claro, eu fui um
idiota e você tinha toda a razão para se afastar. Voltei para a minha cabana
segundos depois, me sentindo um covarde por não ser capaz de pedir
desculpas e dizer que eu estava sentindo coisas inexplicáveis sobre nós dois.

Na décima oitava, me senti estúpida mesmo estando certa.

Tentei falar com você através de Código Morse e fui ignorado com
perícia.

Na décima nona, eu chorei assim que terminei de ler a última palavra.


Apoiei a cabeça em minha mesa e apenas chorei... por minutos longos e
ininterruptos.

Ficava muito escuro e eu não conseguia te ver direito depois que


anoitecia. A preocupação me corroía e eu achei melhor iluminar o caminho
inteiro. Como eu queria que fosse uma surpresa, fiz tudo na madrugada
anterior e só acendi quando anoiteceu. Tomara que tenha gostado.

Na vigésima, eu duvidei que seria capaz de ler mais uma mensagem sua
sem me sentir estraçalhada. Mas, eu estava errada, tornei-me uma viciada em
suas palavras e cheguei no escritório antes que todo mundo, só para estar lá
quando as flores fossem entregues.
Fiz sopa e queria dividir com você. Espero que tenha gostado.

Na vigésima primeira, eu tentei voltar à minha rotina normal, sem


ansiar para ler a mensagem do dia, mas falhei, assim como falhei em cada
segundo tentando não pensar em Damon.
Ele ficaria sem lenha.
Ele deixou a maldita lenha toda na minha soleira.
Choro de novo, com milhares de pensamentos angustiantes me
cortando ao meio, ao notar que ele me amou. Da sua maneira, Damon me
amou.

Deixei a lenha na sua soleira, morrendo de medo que estivesse


passando frio. Era tudo o que eu tinha, o que eu levei para você. Acho que no
fundo eu não me importava se morreria congelado, mas a ideia de você
passar frio me corroía.
Para minha sorte, Kendrick apareceu.
Ou seria meu azar?
Eu já estava bolando mil discursos de como fiquei sem lenha e que
precisaríamos ficar no mesmo lugar. Não me culpe por ter essa ideia, já que
a peguei de uma pessoa extremamente inteligente e que me ensinou o
verdadeiro significado da palavra resiliência — até cogitei implorar,
colocando Snow na equação. — Também me preparava para tirar a barba,
porque disse que queria muito me ver sem ela. Torcia para no fundo, ficar
tão surpresa e tocada com o gesto que me perdoaria.
Candy...
Acho que é isso.
Cada mensagem representou um dia que passamos juntos.
Não sei se você parou para contar, mas, eu contei cada um deles, assim
como os segundos em que fiquei com você.
Ao ler a vigésima segunda, eu comecei a sentir falta.

Optei por dividir as mensagens por dias até que eu me apaixonasse.


Por isso, o restante eu irei enviar apenas nesta, porque já sabia que estava
louco por você. Essa é a última, tomara que tenha entendido o que eu quis
passar.
Quando cheguei em Aspen, cogitei inventar todo tipo de desculpa à
minha família para poder voltar e te procurar por toda Dallas, se para
implorar por perdão ou que ficasse comigo, ainda não sabia ao certo. Eu
não tinha ideia do que fazer, mas a noção absurda de que eu te procuraria
até encontrar.
Foi insano ver seu vulto ao lado do meu quarto e pensei que estivesse
ficando maluco.
Por isso, quando nossos olhares se cruzaram, e notei que estava ali de
verdade, tudo o que eu quis foi ir até você e te dar um beijo que a faria
tremular.
A partir daí, foi montanha abaixo. Meu coração passou a ser
totalmente seu e não consegui mais fugir. Então, sim, foram vinte e um dias
para eu me apaixonar enlouquecidamente por você.
E apenas mais algumas horas para que eu a amasse completamente.
Por quem é.
Por quem você me fez ser.
É uma mulher fantástica e eu seria o homem mais feliz do mundo se me
deixasse permanecer na sua vida, sem prazo de validade. Não me peça para
deixar de te amar, porque a verdade é que eu te amo e mesmo que você não
queira, não posso mudar esse sentimento.
Reparou como as coisas aconteceram rápido entre a gente, mas, que
foram tão profundas como se tivéssemos passado anos juntos? Acho que essa
é a magia que todos exaltam no amor, porque eu sinto como se te conhecesse
a minha vida inteira.
Mas, não tenho ideia se algum dia vou deixar de me sentir assim.
Seja feliz.
Com quem for, com quem quiser, sendo quem quiser. Você merece.

Nunca ninguém fez algo tão profundo para mim.


Nunca ninguém me fez sentir tão preciosa.
Permaneço parada durante minutos, olhando para a última mensagem,
com uma sensação de vazio habitando e obscurecendo meu peito.
Vou acabar cedendo.
Eu sei que vou.
E vou sofrer de novo.
Não posso sofrer de novo.
Apoio a testa na mesa e choro copiosamente enquanto o oceano vasto
dentro de mim, se torna confusão.
“Quanto mais ela me afasta, mais eu quero cuidar dela.”

— Vem ano, passa ano, e aqui estamos nós, em festas estúpidas que
odiamos — sussurra Kendrick — Sorte sua que é meu primo preferido,
Damon. Acho patética essa coisa de você frequentar todas as festas em
Dallas, só para poder ver Candy se ela vier a alguma? Acho, porém, acredito
que seja louvável. Poucos homens seriam capazes do mesmo.
— Se não queria, devia ter me contado. Eu não diria expressamente
para o anfitrião que quatro Kingstons viriam — sussurra meu irmão.
— Falando em quatro, acabei de chegar! — exalta Jenna.
Ela para um dos garçons, pega uma taça de champanhe e sorve um gole
imediatamente.
— Não deveria estar em algum cruzeiro? Percorrendo o mediterrâneo,
talvez? — resmungo.
— Meu primo mais lindo do universo, só semana que vem darei paz a
vocês. Vou demorar para voltar, ao menos deixe para se casar quando eu
estiver de volta. Não posso perder isso. Infelizmente terei que lidar com
algumas coisas e não verão minha beleza para iluminar seus dias nublados
durante as próximas semanas. — Ela faz uma careta — Meses na verdade.
— O que aconteceu? — Agora ela obtém toda a minha atenção.
Seu desânimo não é comum, assim como a melancolia em demasia de
Kendrick também não é.
— Coisas da vida, nada demais.
— Homens?
— Uma pedra na minha bota, como sempre.
Sorrio.
— Acham que eu deveria ir até lá dizer “oi” para Pandora? — indaga
Kendrick.
Nós acompanhamos a mulher em questão com o olhar assim que ele
pergunta e quando ela se vira em nossa direção, de um lugar bem distante na
outra extremidade da festa e se depara com Kendrick, a sua aversão é tão
nítida que eu encolho meus ombros e respondo:
— NÃO — Dale, Jenna e eu dizemos em uníssono.
— Como se eu quisesse cumprimentá-la.
— Então por que perguntou o que achávamos? — É Jenna quem
desabafa.
— Também não sei. Acho que fiquei meio perturbado depois da nossa
última discussão. — A taça não sai de suas mãos.
Kendrick parece mais desgostoso do que o de costume. Fito-o por
alguns instantes e noto o momento em que suspira profundamente.
Vejo que Pandora conversa com alguém, sorrindo à vontade. Talvez,
ele esteja com tanto ciúme que se corroa internamente por ser outro cara a
estar com ela, quando não pode nem aparecer na frente da mulher sem
receber olhares recriminadores.
No mesmo momento, meu olhar capta Ryder, que passa pela porta de
entrada.
O conheci antes de me mudar de Dallas e nunca gostei dele. É como se
eu adivinhasse o quão mau caráter ele é.

Ele não está acompanhado da esposa e parece tremendamente alterado,


dando passos cambaleantes, olhando à sua volta, vagamente. Sinto a tensão
se esparramar pelos meus músculos e fico em estado de alerta, aguardando
que ele faça alguma coisa para eu descontar nele toda a fúria que senti ao
ouvir Candy nos dias em que ficamos presos na neve.
— Qual a coisa entre vocês? — pergunta Dale a nosso primo, alheio a
minha raiva.
— Nada — Kendrick apressa-se a responder — nada em cima de nada,
o dobro de nada, um grande monte de nada, misturado a uma merda de nada.
— Vira o restante do conteúdo de sua taça em uma vez e pesca outra na
bandeja de um garçom que eu nem tinha visto até o momento. — Eu já disse
que NADA está acontecendo entre a gente?
— Da forma com que você diz tenho dúvidas quanto a isso — comento.
Não perco mais tempo tentando decifrar a fala de meu primo, uma vez
que vejo Ryder caminhando por entre as pessoas, empurrando algumas de
maneira rude e se aproximando de onde estamos. Observo que está
completamente bêbado, ao invés de apenas alterado como pensei a princípio.
A forma com que me olha, deixa claro que ele não está aqui para
socializar. Avalia-me, medindo se eu sou um oponente à sua altura.
Para com dificuldade em uma roda de pessoas e eu me preparo para o
confronto iminente. Não sei se sou capaz de me manter avesso a sua
presença, muito menos se ele fizer o que imagino que fará.
— É VERDADE! — ele diz alto, sem tato — Candy, aquela puta
desgraçada — travo a mandíbula e antes que eu me mova até o homem para
que engula todas as suas ofensas, sinto uma mão se fechar em meu braço. —
Olho para Dale interrogativo e ele sacode a cabeça, sinalizando que não vale
a pena — me deixou porque agora ela tem um Kingston nas mãos. Quem
ficaria com outra pessoa tendo um Kingston, não é? Esses homens tem um
pau de ouro e as mulheres, uma boceta... — livro-me do aperto em meu
braço, rudemente, e sinto sua presença, assim como de outro me seguindo até
onde o desgraçado está.
O suposto rival nos vê e abre um sorriso provocativo.
Flexiono meus dedos, fechando-os em punho, premeditando que nada
de bom acontecerá a seguir. Enquanto me pergunto como ele sabe sobre mim
e Candy. Porém, na sociedade fofoqueira em que vivemos, alguém deve ter
ouvido falar ou visto quando fui até a empresa, simulando diversas teorias
sobre o ocorrido.
— Damon, o que você pensa que vai fazer? — Cicia Jenna, tentando
me conter.
Não a respondo.
— O que estava falando, Ryder? — pergunto ameaçadoramente.
As pessoas que conversavam se afastam para nos dar mais espaço.
Ninguém ousa sequer respirar.
— O que ouviu seu Kingston de merda. Que aquela puta só está
interessada no seu dinheiro — Ryder não consegue terminar de falar antes
que meus dedos o atinjam com força bruta, potentes e esfomeados, ansiando
para que ele sinta dor.
Meu golpe é tão forte e, ele fica tão desnorteado, que assisto com
prazer mórbido a sua derrocada até o chão. Escutando com extrema ânsia o
som da sua cabeça se chocando contra o piso frio.
Finalmente ele calou a maldita boca.
Finalmente.
Sorrio maléfico e extasiado ao perceber o filete de sangue que escorre
de seu nariz. Uma vingança pequena se comparada a tudo o que ele fez a
Candy. A vontade de bater mais e com mais força passa diante de meus olhos
e quando me aproximo para saciar meu desejo de violência, sinto alguém me
barrar.
Olho com uma névoa vermelha para quem me impediu.
— Primo, ele vai ter o que merece — sussurra Kendrick.
— Claro que vai, só estou garantindo que receba antes — digo ríspido.
— Irmão, deixa isso para lá. Ele mesmo já se fodeu sozinho.
Contemplo Dale por instantes e relanceio o olhar entre ele e o filho da
puta no chão.
— Não custa terminar o que comecei.
— Damon, Candy não gostaria que você se ferrasse tentando defendê-
la. Pare de querer agir como a droga de um vingador.
— Quando for a sua vez, a gente conversa, certo? — digo em um tom
totalmente hostil.
Dale desiste de me trazer um pouco de coerência e se afasta.
Mas, suas palavras giram sem parar em minha cabeça e acabam me
fazendo titubear. Arrasto meus lábios em um sorriso de canto assim que
penso no plano perfeito que se desdobra em minha mente.
Contudo, sou obrigado a barrar minha reflexão ao escutar a
movimentação ao longe. Enxergo o pai de Ryder, olhando para a cena
espantado, de boca aberta, sem saber o que falar. Ele relanceia o olhar entre
mim e seu filho, e pisca diversas vezes, incapaz de acreditar na situação.
— O senhor controle o seu filho, porque se eu o ouvir falando da
Candy de novo, se eu escutar o nome dela nessa boca de bosta dele, as coisas
ficarão muito piores — brado.
— É uma ameaça, Kingston?
— Tome como quiser entender — digo entredentes.
— Vocês estão vendo? — ele se dirige à multidão que agora se forma à
nossa volta — Damon Kingston está ameaçando a mim e ao meu filho! O que
pode ser considerado um crime.
Ninguém se pronuncia.
— Ora, seu infeliz. — Começa Jenna que é prontamente interrompida
por mim.
Kendrick e Dale nem pensam em se envolver. Essa briga é minha e eu
preciso travá-la.
Aproximo-me do homem, para que ele escute meu tom, calmo e
assustador.
— Se me permite dizer, Ryder e o senhor sairão perdendo se decidirem
medir forças. Primeiro, ele criticou e espalhou mentiras sobre Candy,
insultando uma mulher só porque ela percebeu o canalha que ele é. Segundo,
ele ofendeu a nossa família e também as mulheres dela, o que não podemos
relevar. Terceiro, Candy faz parte do nosso clã e como Kingston, me
desculpe dizer isso, mas nós podemos — aproximo-me ainda mais e sibilo —
acabar com você e com tudo o que mais preza. Então cale a maldita boca, dê
meia-volta e leve seu filho com você. Garanta também que ele não se
aproxime mais da gente. — Afasto-me e sorrio para todos teatralmente. —
No mais, muito obrigado pela atenção!
A tensão começa a se dissipar logo que o homem sem fala, arrasta o
filho por entre as pessoas, sem nada dizer.
— Meu Deus, meus pelos estão arrepiados, olha! — Kendrick estende
o braço em minha direção e eu o afasto com um tapa brusco — como você é
grosso e poderoso. Gosto tanto! — Sacode os ombros — agora sim, essa festa
ficou interessante. Vovó teria batido palmas se ouvisse o autêntico Kingston
falando. Essa coisa de poder, de ameaçar os patifes, exalar perigo. Minha
nossa, será que algum dia eu serei assim? Porque você e meu irmão, estão
batalhando lado a lado no pódio dos caras com os melhores blefes, já que
literalmente não fazem mal a ninguém.
Eu não estou tão certo sobre isso.
— Ele que pague para ver.
Kendrick leva a mão ao peito.
— Acho que me emocionei. Não me lembro de ter visto esse homem da
montanha tão irritado assim antes.
— O que as mulheres não fazem com vocês, não é? — Profere Jenna.
— É inadmissível um homem falar daquela maneira de uma mulher. —
Soo irritado apenas ao me lembrar.
— Preciso encontrar alguém com uma avó tão ruim quanto a nossa. Ela
que tornou vocês homens que valem a pena. — Fita Kendrick, que tenta
pegar a azeitona do drinque com a língua. — Talvez não tão a pena assim.
— Eu acho engraçado como as coisas sempre acabam estourando para
o meu lado. — Ele desiste da batalha contra a azeitona e ironiza: — Ninguém
sequer pensou em perguntar ao Damon por que ele está tão confiante que
Candy já é uma de nós, quando ela não quer nem o ver na frente?
— Não seria um Kingston se eu desistisse — assumo — além do mais,
pode ter certeza de que ela está agora mesmo pensando em mim como eu
estou pensando nela.
— Tão româaaaaaantico! — debocha ele — mais um para o time ainda
pequeno dos Kingstons amarrados.
— Em breve será você.
— Ah, não, o destino dele é solitário — provoca meu irmão.
— Sou um lobo perigoso e sem alcateia. Eu e a solidão amorosa
podemos nos tornar um só. — Meu primo volta a sorver um gole da taça e
olhar para as pessoas. — Juro que a sua sorte é que é meu primo predileto,
Damon, senão eu nem teria pensado em vir, passar por esse calvário junto
com você.
— Para de ser mentiroso, veio só porque vovó descobriu que comeu
todos os bolos que ela tinha preparado para o aniversário da Melanie.
— No entanto, estou aqui, não é? E nem sinal de Candy. Nada,
nadinha. Acho que desperdicei um tempo valioso. Deveria ter recebido a ira
de vovó, para depois ver aquela novela mexicana que ela ama. Está incrível, a
gêmea do mal está se passando pela mulher desaparecida do ricaço e jura que
está grávida. São sempre os mesmos enredos ou variações deles.
— E você ainda vê? — pergunto, rindo.
— Só quando estou na cidade.
— Quando ele não está, vovó envia mensagens com os acontecimentos
mais importantes. — Dedura Dale.
— Infeliz. Como vou manter minha moral desse jeito?
— Como se tivesse alguma. Quem você vai fazer que vá dormir na sua
casa hoje? Casey? — Inquire Jenna.
Kendrick fecha o semblante no mesmo instante.
— Não era para você saber disso. E daí que eu tenho medo de filmes de
terror? Vocês deviam parar de cuidar da minha vida para cuidar da de vocês.
Dale só quer conhecer Buda, Damon suspira pelos cantos da mansão bolando
planos para reconquistar Candy e frequentando cada maldita festa só para
poder vê-la e você, Jenna, não pense que me engana! Sei que está fugindo do
trabalho nos cruzeiros por causa daquele capitão amigo do meu irmão. Acha
que eu não observo as coisas se desenrolando à frente dos meus olhos? Ele é
o que, o único na tripulação inteira que sabe que você é uma Kingston de
Dallas?
Nossa prima engole em seco e recebe três pares de olhos, avaliando
cada uma das suas reações.
— E eu que pensei que vir até aqui seria inútil. Estou descobrindo
coisas interessantíssimas — assume meu irmão.
— É — digo olhando para a entrada da casa de uma pessoa que eu nem
conheço ao certo — acho que ela não vai vir para essa. E meu humor
despencou drasticamente depois do que ocorreu.
— É o que acontece quando cruzamos com idiotas — exclama Jenna.
— Agora que percebeu que Candy está te ignorando? Estamos aqui há
malditas duas horas, sorrindo e acenando, sem querer participar de qualquer
assunto. Juro que estou na minha quinta taça e começo a achar que é melhor
retornar para a mansão e aturar vovó — resmunga Kendrick.
— Oi, eu sou — um homem se aproxima da gente, mais
especificamente da minha prima e é espetacularmente barrado, quando ela
ergue a mão.
— Hoje não, por favor! E sinceramente, já estou de saída. — Ela
deposita a taça no aparador mais próximo e volta a dizer — quem quer ir
comigo?
— Não fico aqui nem mais um segundo sequer — reclama Kendrick.
— Vamos? — Meu irmão me olha e eu volto a fitar a entrada,
suspirando ao perceber que isso é inútil.
— É, vamos — murmuro desanimado.
— Ela te ama também, não se preocupe — Ken diz e deposita tapas
calorosos em minhas costas antes de sair.
— Amar não significa que eu tenha chance de ficar com ela.
— Não, mas quer dizer que ela está sofrendo tanto quanto você.
A resposta de meu irmão me surpreende, porque na verdade, eu não
quero que Candy sofra. Eu a quero feliz. E se sou eu quem provoca tristeza
em sua vida, qual o sentido de me manter por perto?
“Eu estou com ciúme. Mordido de ciúme. Cego de ciúme. Com os
olhos vermelhos de ciúme. Espumando de ciúme. Morrendo de
ciúme. Ou, seria morrendo de amor por ela?”

Ver Candy. Digo, realmente ver Candy em toda a sua exuberância


depois de muitos dias longe, causa sensações malucas e irreversíveis em meu
peito. Algumas batidas se prolongam, enquanto outras tornam-se estáticas,
para aproveitar a visão que ela é. Eu a deixei um pouco em paz para pensar
no que queria. E céus, foi horrível. Cada dia longe dela foi como a pior das
torturas.
Engulo o ar com força e o prendo por um segundo infinito.
Eu estava com saudade.
Uma saudade tão forte que vê-la alivia a dor física que eu nem sabia
que sentia. Já faz um tempo que frequento toda e qualquer festa em que acho
que ela poderia comparecer, ansiando por um mínimo vislumbre seu. E não
me orgulho de ter ficado feliz, não pelo aniversário da menina mais linda do
mundo, a Mel, mas porque Candy e o pai seriam convidados e eles não
faltariam a essa festa em particular.
Sou um viciado na sua presença, sem que ela se dê conta.
E ainda tenho vontade de me bater pela forma com a qual reagi ao que
ela disse, como eu a fiz se afastar involuntariamente e aos poucos arrisquei
perder uma das únicas pessoas que me importam de fato.
Eu finalmente a conheci no momento certo, mas fui idiota o bastante
para perdê-la.
— Por que olha para o acompanhante da Candy como se fosse capaz de
arrancar o fígado dele com uma mordida? Não acha o homem bem bonito, na
verdade? E — meu irmão assovia — ela está incrível, não é?
— Vai à merda. Que inferno!
Dale para ao meu lado, enquanto eu tento conter a fúria que me
percorre dos pés à cabeça. Um ódio mortal toma conta das minhas feições e
as pessoas que já estão acostumadas com a minha falta de socialização
parecem assustadas em como minha mandíbula está cerrada.
Levo as mãos aos bolsos, para que eles não me vejam fechá-las em
punho.
— Sinto que eu já vi isso acontecendo. — Lane se aproxima, segurando
uma taça e com a pompa de quem está tão bem casado que sorri para todos,
olhando na mesma direção que eu.
Não mediu esforços para que a festa da sua filha fosse perfeita e
enquanto a parte “adulta” fica no interior da mansão, do lado de fora, um
verdadeiro parque de diversões foi criado para que a pequena, que na
verdade, não entende muita coisa com apenas um ano, aproveite com as
demais crianças.
Vovó deve estar por lá, o que nos salva e nos deixa tranquilos.
— Os homens dessa família são comprovadamente loucos e ciumentos.
— Não estou com ciúmes — rebato a fala do meu irmão.
Os dois gargalham. Odeio eles por isso.
— Claro que não. Presumo então que não esteja pensando em mil
maneiras de decepar aqueles dedos que se fecham na cintura dela?
Por que Dale é tão bom em adivinhar as coisas?
Olho de relance para a espada em cima da cornija, um item de
colecionador que vovô mantém por ali. Seria extremante útil se ela estivesse
afiada.
— Sinto até um arrepio na espinha em imaginar alguém fazendo o
mesmo com Betsy — provoca Lane.
Depois de tudo o que aconteceu entre mim e Candy, tem sido difícil
lidar com o ciúme, admito. Principalmente porque faz mais de um mês que
estou em Dallas e tenho feito de tudo para me aproximar dela.
Sem sucesso.
E não posso julgá-la.
Minha reação a sua desconfiança foi a coisa mais horrível que já fiz.
Agora, olhando de um parâmetro diferente, consigo entender a sua
hesitação, porque eu coloquei em dúvida, se gostava dela por ser ela, ou por
algo sem sentido que seria a hipotética ligação com minha esposa falecida.
No entanto, a verdade é que eu só percebi que precisava viver o futuro,
quando Candy ameaçou se tornar passado também. E droga, eu a entendo por
me ignorar, está se protegendo. Pessoas muito machucadas pela vida, se
veem na necessidade de se manterem a salvo a qualquer custo.
— Aposto que o homem das neves está com ciúmes do acompanhante
da Candy, não é? — exclama Kendrick ao se aproximar, enquanto eu cogito
se ouvir as suas falas estúpidas seja necessário. — Segundo as minhas fontes,
ele é um jornalista que a entrevistou para uma matéria sobre mulheres
influentes da atualidade. Parece ser interessante. Talvez mais do que você,
Damon. Pelo visto perdeu a sua vez.
É cientificamente comprovado: eu odeio Kendrick. Do fundo do
coração.
— É um idiota, Ken — resmungo.
Ele me olha com seus olhos faiscando diversão por me provocar.
— Não posso negar.
— Deveria ir até lá, conversar com ela. Era para vocês terem se
conhecido há muito tempo, mas, acho que eram: a pessoa certa no momento
errado. Agora? Nada te impede — a fala do meu primo me espanta, até
porque ele não costuma ser tão perceptivo, ao menos, não que eu saiba.
— De onde tira essas coisas? — É Lane quem pergunta.
— Do meu coração singelo e inocente.
A sua falsa admissão arranca gargalhadas de nós quatro e assim que
volto a fitar Candy, em uma conexão magnética inevitável, encontro seu
olhar, o que provoca uma faísca de esperança.
Ela mantém a observação velada, ignorando totalmente o seu par,
aumentando minha alegria. Assim que percebe que eu não vou recuar, afasta-
se de forma sútil do círculo de pessoas com o qual conversava.
— Com licença, preciso ir — digo aos meus primos.
Já estou há uma distância considerável quando Dale incentiva. — Não
deixe que ela vá embora sem saber o quanto você a ama!
Eu amo Candy?
Não me viro para confirmar ou negar a constatação do meu irmão,
porque a verdade é que todos sabem que eu amo aquela mulher.
Profundamente. Com uma força que me assusta e me arranca o ar.
Ergo a mão e faço um gesto positivo antes de me embrenhar em meio
as pessoas animadas e, acessar o mesmo corredor no qual eu a vi desaparecer
instantes antes.
A maioria dos convidados se concentra no enorme salão, onde há
bebida e comida disponível, não nos demais cômodos. Até porque vovó não
gosta que segundo ela “fiquem xeretando”. Não sei se Candy sabe como
retornar, mas conforme afundo em meio a mansão, é o seu perfume que me
guia. Sigo o aroma sensual e envolvente até vê-la parada, em frente a uma das
escadas que levam até o andar superior.
Não parece disposta a transpor os degraus, pelo contrário, assim que
escuta meus passos abafados, ela se vira em minha direção, com o semblante
indecifrável. Uma ruga se forma entre as suas sobrancelhas e eu queimo de
vontade de esticar minha mão e tocá-la bem ali, para afastar qualquer receio
que possa sentir. Meus olhos correm desde esse detalhe tão específico até o
vestido dourado, com uma fenda no decote, descendo até seu abdômen e duas
laterais, que deixam as suas pernas delineadas em evidência.
Engulo em seco com o tesão que me faz ter calafrios.
— Fazia algum tempo que não te via...

Frente a frente.
Porque fiquei seguindo-a da Allgerie até em casa todos os dias desde
que comecei a enviar as mensagens. Não que ela tenha percebido.

— Estava trabalhando demais, correndo contra o tempo para entregar


uma coleção no prazo. Quase não tive vida nesses últimos dias, para ser
sincera.

Ah, eu sei disso também, pelo horário em que ela retornava. Decido
mudar de assunto.
— Fico feliz que você esteja usando um vestido decotado. Não pode
esconder quem você é por medo do que as pessoas irão falar.
— Imaginei que fosse te ver aqui.
— E ainda assim você veio.
Surpresa passa rapidamente por seus traços e mais alguma coisa que me
deixa irritado por não compreender de imediato.
— Eu não consigo me entender na maior parte das vezes. — Candy
franze as sobrancelhas e pensa muito antes de perguntar — Tinha me
acostumado a receber suas flores e mensagens... Admito que estranhei o fato
de chegar no escritório nos últimos dias e não as encontrar.
Então, ela estava gostando.
— Eu já disse o que tinha para dizer. A decisão está em suas mãos.
— É uma caixinha de surpresas, Damon Kingston.
Aproximo-me dela devagar, execrando a pouca distância, com medo de
que me aproximar demais possa afastá-la.
— Ah, é uma coisa que eu costumo fazer, correr atrás de uma mulher
tão determinada que me faça rastejar. — O sorriso que eu arranco dela,
mesmo que ele não pegue seu rosto inteiro, faz com que esse sacrifício seja
recompensado em questão de segundos.
— Imagino que sim — concorda, parecendo ponderar se subir a escada
para fugir de mim seria algo inteligente a se fazer, então decido arriscar:
— Não adianta fugir, eu vou atrás de você.
— Por um tempo, isso era tudo o que eu queria ouvir de alguém, que eu
valho qualquer esforço. Mas, sou uma mulher madura e inteligente o bastante
para saber que são poucas as pessoas que nos amam verdadeiramente, por
quem nós somos — sua alfinetada me faz encolher o corpo — e que não
duvidam do sentimento no primeiro teste do destino.
— Eu sei o que fiz, e assumo total culpa. Porém, e se você se colocasse
um pouco em meu lugar?
— Busquei durante todos esses dias te entender.
— E a que conclusão chegou?
Seu suspiro é ruidoso.
— Não quero falar sobre isso. E se toda a minha maneira de te ignorar
não está funcionando, não sei como ser mais clara.
Deixo que um sorriso de escárnio deforme minha boca.
Nunca é tarde demais para até mesmo vovó errar.
As flores e as mensagens não adiantaram de nada. Cogito desistir de
mexer com Candy, mas essa ideia desaparece com a mesma rapidez a qual
surgiu, porque não me imagino com ninguém além dela.
— Você despreza meus sentimentos — digo em deboche.
— Como se flores pudessem funcionar como uma poção de
esquecimento. Todavia, algo me deixou intrigada — ela une as duas
sobrancelhas — como soube que eu gosto de lírios?
— Foi um palpite.
Não.
Quase tive meu pau decepado por Trust, quando pedi que me contasse a
flor favorita de Candy.
— Sei — ela não acredita em mim e está certa.
— Pensei que eles pudessem me ajudar a transpor essa barreira que
você criou entre a gente.
— Desperdiçou-os comigo.
— Os bilhetes também?
Ela se esforça para soar verdadeira, contudo, percebo na sua maneira de
me olhar que não está tão indiferente, quanto quer aparentar.
— Totalmente inúteis — sua voz é fraca.
Em uma mentira indisfarçável.
Corto o restante da distância que nos separa, sentindo a sua respiração
quente acariciar meu rosto, com uma necessidade brutal de tocá-la, só mais
uma vez. Sei que irei continuar sofrendo, sentindo a sua ausência, mas, como
um viciado, posso ao menos ter o meu pedaço do paraíso uma última vez?
Minha atenção desce para seus lábios e assisto com uma animação
selvagem, ela respirar com dificuldade, afetada pela minha presença.
— Se eu te beijar, aqui e agora, o que você vai fazer? — questiono.
Candy abre e fecha a boca diversas vezes, sem conseguir formular uma
frase, sequer uma palavra e, é o sinal de que preciso para avançar como um
louco na sua direção, colando nossos lábios com violência, buscando apagar
da minha memória todos esses dias sem ela, com o simples contato da sua
língua à minha.
Nosso toque é tão urgente e essencial, que eu faço uma careta quando
suas costas batem contra a parede. Paro de beijá-la por segundos só para
notar que não a machuquei, que ela está tão afoita quanto eu. Entreabre a
boca e desce as pálpebras, para sentir o momento. Beijo cada uma delas, com
cuidado e carinho antes de massacrar seus lábios.
Provoco arrepios em sua pele e, a expectativa pelo que está por vir
torna-se descontrolada, transformando meus gestos carinhosos em uma fúria
selvagem de necessidade. É indômita a maneira com a qual eu sinto seu toque
controlar tudo o que há em mim e aumentar a temperatura em tal ponto que
eu não me importo de ser queimado, desde que seja por ela.
Eu preciso sentir Candy.
Devorá-la.
Arrebatá-la.
E mais nada importa.
O lugar em que estamos desaparece.
As nossas questões mal resolvidas evaporam-se.
No momento, somos duas pessoas que só querem se perder no corpo
um do outro.
Sinto suas mãos escorregarem por meu abdômen, abrindo a braguilha
da minha calça, trabalhando com aspereza, enquanto eu a levanto e a prendo
contra a parede, encaixando-me no meio das suas pernas. Nosso beijo não se
finda em momento algum e até mesmo a possibilidade de alguém nos flagrar
agora, torna as coisas mais intensas.
Sinto seus mamilos pressionarem meu peito, duros como rochas.
Não demoro a me abaixar ligeiramente e empurrar o decote, para obter
livre acesso aos pontos intumescidos. Mamo com voracidade, enquanto
Candy geme e tenta fazer com que suas lamúrias de prazer sejam baixas.
Sorrio ao chupar, mordendo e escutando a sua dificuldade em se manter
quieta.
Ela rebola em minhas mãos, contorcendo-se de luxúria.
Seus dedos se movem desesperados entre nossos corpos e respiro
custosamente. Tomo sua atitude como uma permissão para puxar as laterais
da sua calcinha.
— Não precisa tirar, tenho certeza de que consegue meter em mim com
ela onde está.
Mordo o lóbulo da sua orelha antes de sussurrar em seu ouvido:
— E qual a lembrança que vou manter dessa noite?
Ela entende o que quero dizer e permite que eu deslize a peça pelas
suas pernas. Assim que retiro o material delicado e ínfimo, levo-a até o nariz,
inspirando fundo e sentindo seu cheiro me tornar só o reflexo de um ser
pensante. Guardo-a em meu bolso e Candy geme ao observar.
Prenso-a novamente contra a parede, dessa vez, com a sua boceta livre
e pronta para minhas estocadas.
Coloco-me entre suas pernas, subindo o seu vestido o bastante para
firmar minhas mãos em sua bunda, metendo até a base do meu pau, em uma
única vez, depressa e rápido, nos deixando sem pensar por segundos longos e
repletos de tesão.
Ofegamos quando eu saio e estoco novamente com força.
Impiedoso.
Feroz.
Candy geme alto e eu cubro sua boca, beijando-a para que ela não
consiga gritar enquanto eu maltrato sua boceta gostosa e relembro o que tanto
me fez ficar louco.
— Senti tanto a sua falta — afasto os lábios para dizer.
Continuo empurrando minha pélvis contra a sua intimidade, sentindo as
paredes macias me apertarem e minhas bolas baterem contra sua bunda,
grande e provocativa.
Rosno.
Vocifero.
Suspiro.
Choramingo.
Exijo tudo o que ela pode me dar, conforme a cabeça do meu pau
desbrava seu interior. O suor pela atividade se apodera de nós dois, assim
como os gemidos roucos e as lamúrias de volúpia, que ecoam nas paredes e
morrem em algum ponto do corredor.
Minha pele desliza contra a sua de maneira enlouquecedora e eu não
sou forte o bastante para lutar contra a força da gravidade que é Candy, me
derrubando sempre que eu acho que sou capaz de me levantar.
Empurro mais fundo, aumentando o ritmo, sentindo que estou prestes a
gozar quando ela proclama entre gemidos que irá alcançar o ápice também.
Gozar é incrível, uma sensação arrebatadora.
Mas, gozar junto com ela, sentindo as contrações da sua boceta ao
mesmo tempo em que a encho de porra?
É fenomenal.
Sinto minhas pernas tremerem, conforme os espasmos se espalham pelo
meu corpo e as últimas estocadas encontram seu fim. Só nesse instante,
depois de tudo o que aconteceu, ambos notamos o que esquecemos de usar. E
porque pareceu mil vezes melhor e mais intenso do que a última vez.
Sensorial de forma única.
— A camisinha! — falamos em uníssono.
Colo minha testa na sua, implorando mentalmente para que Candy não
fique ainda mais irritada comigo. Não foi proposital.
— Desculpe, eu não estava pensando na hora, eu só queria... — ela me
interrompe antes que eu prossiga.
— Tudo bem, Damon, não foi o único culpado. Isso acontece às vezes.
O tesão foi mais forte que o bom senso.
— Meus pensamentos se tornaram uma confusão assim que eu a vi
aqui, parada, tão linda.
Ela se afasta e eu deixo que meus braços pendam ao lado do meu
corpo, enquanto arruma seu vestido, colocando de volta aquela distância
emocional entre a gente que tanto me incomoda.
— Presumo que não vou conseguir voltar para a festa com a minha
calcinha?
Retiro um lenço do bolso do meu paletó e entrego para ela. Candy
agradece, de maneira rígida.
— Peguei como lembrança.
— Mais uma.
— Nunca é demais.
— Jamais verá esse lenço de novo.
Levanto uma sobrancelha.
— Não sou apenas eu quem está garantindo lembranças hoje.
— Pense assim se isso te deixar feliz. Prefiro não ter que te ver para
devolver.
Sua fala me abala, mas, não deixo transparecer.
— Você ficar com alguma coisa minha me deixa animado sim. Não
retire de um moribundo a sua única esperança de fazer parte do paraíso —
profiro sarcástico.
Ela abre um sorriso enigmático e confere por uma última vez o vestido
antes de começar a se afastar, porém para sobre seus pés e diz, de costas para
mim:
— Isso não muda nada entre nós.
— Talvez — murmuro cabisbaixo. — Mas, antes que você vá embora,
eu preciso admitir que estou morrendo de ciúmes e que pensamentos
horríveis passaram por minha cabeça durante essa maldita noite.
— Ele me encontrou antes de vir, para revisar algumas coisas sobre a
entrevista que dei. Não é nada meu.
Ela para, mantém-se quieta por longos segundos e depois volta a se
mover, aumentando o desfiladeiro que nos separa.
Porém, Candy está errada.

Isso muda tudo. Eu sei e ela também sabe.


Não posso deixar que a separação passe dessa noite e não vou.
“Damon está certo. Eu estou com medo e fiquei mais chateada por
causa da minha reação. Pensei que tivesse a ver com ele, mas tem a
ver comigo. Desde o começo. Desde o momento em que eu abri
meus olhos e percebi que consegui uma segunda chance.”

Saio da festa antes que ela termine, abalada com o que Damon me faz
sentir. Enxugo uma lágrima traiçoeira com as costas das mãos e fungo,
tentando me recompor. Quando menos percebo, estou no meio do jardim dos
Kingstons, rodeada por arbustos e cordas repletas de lâmpadas para iluminar
o lugar.
Eu não deveria cogitar seguir meu coração, mas, depois de todas as
mensagens e da maneira com a qual o amo, é impossível continuar com a
ideia de ficar sozinha.
Ela é dolorida.
Suportável, no entanto, irritante.
Porque eu amo Damon e ele me ama também.
Como posso culpá-lo por ter reagido daquela forma, quando eu também
fiquei terrivelmente perturbada?
Meus pelos se eriçam e eu sei que é ele se aproximando. Nosso corpo
percebe a proximidade do outro.
Permaneço presa em um marasmo, com o tempo parado, aguardando
apenas que ele se aproxime.
Seus passos ecoam abafados pela grama e a respiração quente em
contato com minha nuca torna as batidas de meu coração erráticas.
— Não entendo porque ainda vem atrás de mim. Precisamos libertar o
passado.
— No entanto, sabe quem está vivendo nele? Você, Candy, porque eu
aceitei seguir em frente e essa aceitação me trouxe até aqui. De quem recebeu
o transplante não importa para mim e não deveria te importar também.
Porque eu te amo, com todo o meu coração, com minha alma danificada, eu
te amo com cada caco que você conseguiu colar, com cada sorriso que você
despertou. Eu te amo, amo, amo, amo, de uma forma que explicar seria a
coisa mais difícil do mundo. Por isso, enviei as mensagens, para que
finalmente entendesse todos os meus medos e como eu consegui superá-los,
graças a você. Se eu seguiria em frente sem a sua presença em minha vida?
— Uma pausa inquietante comanda o tempo. — Sim, mas eu não quero. Dói
simplesmente pensar na possibilidade.
Viro-me depressa, cambaleando sobre meus pés, sentindo suas mãos
deslizarem pelo meu antebraço para me firmar.
A corrente elétrica que é nossa, apenas nossa, corre por minhas veias ao
passo que respiro com dificuldade.
Damon está fazendo aquela coisa de novo, de tornar o ar entre nós
rarefeito, impossibilitando que eu pense coerentemente.
— Pare de ficar fazendo essa coisa! De tentar me seduzir com palavras
incríveis, que depois você vai pisotear logo que seus medos voltarem a te
atormentar! — Ralho com ele, mas irritada comigo mesma por estar tão
afetada.
— Candy, feche os olhos e me dê a sua mão.
— Por quê?
— Apenas me dê a sua mão.
Vacilante, faço o que ele pede, sem entender o motivo do seu pedido.
— Ainda confia em mim. Nós só estendemos a mão no escuro, quando
acreditamos que seremos amparados. Então, se você confia em mim o
bastante para me entregar sua mão cegamente, confie em mim também para
ficar ao seu lado, quando tudo estiver claro. É o que mais quero.
É assim que as pessoas que amam se sentem?
Então, meu Deus, eu jamais amei Ryder.
Não com essa intensidade.
— É a coisa mais estúpida que já ouvi, já me disseram algo semelhante
uma vez... — Minto, incapaz de lidar com a verdade.
— Eu preciso que entenda uma coisa. Eu não sou seu ex-marido e
nunca serei ele. Jamais a tratarei da forma com que ele tratou.
— Todos falam a mesma coisa.
Damon fica a uma respiração de distância e olha diretamente para meus
olhos.
— Ficamos um tempo separados. E esse tempo foi primordial para eu
perceber que você não ficou magoada pela maneira com a qual eu reagi, já
esperava por ela, ficou mexida com a maneira que você reagiu, Candy. Tudo
se tratou de você, não de mim. Formou uma história na sua cabeça de que eu
não me interessei pela mulher fenomenal que é, e escolheu acreditar nela. No
fundo, não importava o que eu dissesse, você já estava irredutível.
— Desde quando pensa isso?
— Assim que a vi na Allgerie, percebi o seu conflito interno.
— E mesmo sabendo a verdade, escolheu prosseguir com as
mensagens?
— Eu disse que não desistiria de você.
Ele sabia que eu não iria ceder, porque estava com medo e prosseguiu
da mesma forma.
Essa verdade muda tanta coisa, que eu controlo as lágrimas
emocionadas.
— Tudo depende de você. Sempre dependeu de você. Então, se acha
que aquelas mensagens e todos os nossos momentos foram reações a algo
fora do nosso controle, pode ir embora com uma promessa minha de que não
vou mais me aproximar, que será como se nunca houvesse existido um nós.
— E isso não é desistir? — Assopro o ar com força.
Damon balança a cabeça, com um sorriso sem graça.
— Fico contente em poder te amar à distância e assistir a sua felicidade.
Merece ser feliz.
Ele começa a se afastar e eu o impeço.
O carma é inevitável. Ele já me impediu de me afastar diversos
momentos antes, agora é a minha vez.
— Acho que você tem razão. Eu fiquei irritada porque todos os meus
medos se tornaram reais. Reagiu mal? Talvez, mas, foi humano. Se não
reagisse daquela forma, não seria você. O homem que eu amo.
Seu semblante transforma-se na mais completa surpresa com a minha
declaração.
— Isso quer dizer que... — ele indica a mim e a ele, com o indicador,
de olhos arregalados.
Coitado.
Deixei o homem tão perdido que ele reluta em acreditar que finalmente
podemos ficar juntos. Sem que nada nos — barro esse pensamento assim que
me lembro de algo importante a dizer.
Se ele decidir realmente ficar comigo, será ciente de tudo o que me
envolve.
— Mas, Damon, tem algo que precisa saber antes. Uma informação
importante se quer tanto ficar comigo, como disse.
— Estou ouvindo.
— A sobrevida de uma pessoa com transplante de coração é de
geralmente vinte anos, de acordo com estatísticas. Então, como já se
passaram quatro anos, eu só tenho dezesseis. Posso viver normalmente, claro,
como qualquer pessoa, mas achei que você precisava estar ciente. Então,
bom, é isso.
Ele sacode a cabeça como se não acreditasse no que estou dizendo.
Droga, eu sabia que deveria ter contado antes. Que ele não iria querer
arriscar de novo e perder novamente alguém que ama. Não sei se ele
aguentaria isso uma segunda vez.
— Candy, qualquer tempo com você é uma dádiva. Se acredita
fielmente nessa estatística, o que não é o meu caso, mas se você acredita,
vamos fazer com que esses seus dezesseis anos sejam mais incríveis que
poderia viver.
Ele segura em meu braço, de forma terna, e o poder do nosso toque é
indescritível.
Ficamos parados, olhando um para o outro, conforme a brisa arrasta
algumas folhas no jardim, fazendo com que a corrente de luzes acima de
nossas cabeças tremule e transforme tudo em uma cena de romance.
— Acho que eu — começo a chorar se de felicidade ou tristeza ainda é
uma incógnita — estou apavorada.
Damon me puxa para um abraço.
Prendo-me a ele, sentindo o seu perfume me envolver em uma sensação
de segurança.
— Estamos, querida. Estamos. Mas, apavorados no calor de Dallas,
graças a Deus.
A gargalhada que escapa da minha garganta é tão natural quanto me
sentir bem com ele.
Encontrei meu lugar.

— Por que está me arrastando assim? — pergunto, entre sorrisos.


A ideia de estarmos juntos ainda soa irreal. Não por ele ser um
Kingston, mas, por ser Damon, aquele homem que eu conheci em Montana,
em uma guinada maluca do destino.
— Para não te deixar voltar atrás. Tive um trabalho imenso lutando
para te ter de volta. Se eu bobear, as coisas podem desandar rápido demais.
— Não precisa ficar assim, acho que o destino não nos quer separados.
Digo, quais as chances de acabarmos em cabanas vizinhas em uma cidade tão
remota?
Damon estaca sobre seus pés e eu o escuto rindo tanto a ponto de me
deixar indignada com a sua maneira de não levar a sério o que eu disse. Ele
acha que a possibilidade de algo similar acontecer é grande? Porque eu não
penso dessa forma.
— Sinto muito acabar com seu conto de fadas, porém a verdade é que
minha avó fez um complô com seu pai, e te mandou para lá. As cabanas são
dela, e eu nem sabia disso. Pode me chamar de burro se quiser, por não ter
desconfiado.
— Como sua avó poderia fazer isso?
— Candy... vovó é a pessoa mais tenaz que eu conheço e ela pode
esperar meses, talvez anos para dar o bote final, como uma cobra em tocaia.
De forma alguma acredite na inocência dela quando afirmar que não teve
culpa de nada. Ou acha que a sua presença no Natal também foi sem sentido?
Ou da sua amiga?
— Mas eu que decidi ir até lá.
— Foi manipulada para pensar assim.
— Se eu fui, você também foi.
— Não estou dizendo o contrário.
— Por que não ficou bravo?
— A resposta é tão simples, porque essa é a melhor coisa que ela
poderia fazer por mim. Seria manipulado novamente com prazer, se isso
representasse conhecer você e estarmos aqui, onde estamos agora.
— No quintal imenso da sua avó, com ela rindo em algum lugar da
mansão por ser mais esperta que a gente e nos enganar direitinho? — Inquiro,
provocando um sorriso preguiçoso em seu rosto.
— Há diversos conceitos de felicidade.
— Fazer parte da família mais maluca do Texas não é um deles. Céus,
como eu vou lidar com Kendrick? Ou com a personalidade cortante de
Jenna? O cinismo de Bessie?
— Casey? — ele pergunta divertido.
— Ela é tranquila, acho que não representa um problema.
— Aí que se engana, mas vou te deixar pensar assim. A pergunta mais
importante, como vai lidar com o humor tenebroso da vovó?
— Basta não a contrariar que tudo ficará bem.
— Você é tão ardilosa quanto ela. — Ele estreita os olhos em minha
direção.
— Nunca disse que não era.
— Na minha casa ou na sua? — pergunta e eu arqueio uma
sobrancelha.
Damon desata a rir.
Porque eu, com certeza não arqueava as sobrancelhas antes com tanta
eficácia.
— A convivência passa as manias, não é?
— Trust fica me chamando de nova Kingston agora, só por causa disso.
Sua gargalhada ecoa pelo jardim, potente e vigorosa.
— Uma previsão do futuro?
— Seu passo é maior do que as pernas, Kingston de Dallas.
— Eu acho engraçada essa sua mania de dizer meu sobrenome com
uma entonação maliciosa.
— Respondendo à sua pergunta anterior, minha casa.
— Esperava que você dissesse isso. O que estamos esperando?
Damon volta a me arrastar por entre os arbustos, como se fôssemos
adolescentes cometendo um delito, até a entrada de carros, onde um dos
manobristas fica perdido ao nos ver surgir do meio do mato. Eu gargalharia
se não estivesse desesperada demais para ir embora.
Não me espanto quando ele pede a chave ao homem, falando qual é
meu carro.
Algumas vezes, enquanto eu voltava do trabalho para casa, jurava que
estava sendo seguida. Certa vez ao olhar pelo retrovisor, imaginei ter visto
Damon dirigindo um conversível atrás do meu carro. Pensei que fosse coisa
da minha cabeça, uma consequência da saudade insana. Pelo visto, não era.
Ele abre a porta do passageiro para mim e contorna o carro, sentando-se
no lado do motorista.
— Por que não posso dirigir?
— É para nosso próprio bem.
— Como assim? Eu dirijo muito bem!
— Candy... você dirigindo ao meu lado, do jeito que estou agora, não
seria boa coisa. Acredite em mim quando eu digo que te atacaria e
acabaríamos sofrendo um acidente. Acho melhor que eu dirija para me
distrair.
— Oh, oh — murmuro ao entender.
Ele leva menos tempo para chegar à casa do que eu, cortando caminho
por entre ruas da cidade que nunca passei. Quando olho questionadora para
ele, Damon dá de ombros.
— Eu precisava chegar antes de você, para vê-la entrar em casa. Ficava
geralmente ali — ele indica uma rua pouco à frente — nunca me viu parado
lá.
— Isso é horrível, soa como um perseguidor, sabe, não é?
— Se eu visse alguém com você, não ficaria no caminho, só queria ter
certeza de que estava bem.
Puxo-o para perto de mim assim que saímos do carro. Dando um beijo
arrebatador.
— O que foi... — começa a perguntar, porém o interrompo-o.
— Droga, como eu amo você!
O caminho é tortuoso da porta de entrada até meu quarto, com as
nossas roupas caindo a cada espaço transposto.
Eu já me machuquei antes.
Eu já lutei antes.
Eu já senti prazer antes.
Mas, nunca como o que sinto agora.
E, as memórias anteriores de relacionamentos fracassados são nubladas
pela beleza de me sentir valorizada.
Por isso, quando minhas costas encontram o colchão e o corpo de
Damon cobre o meu, eu entendo que tudo o que vivi me preparou para este
momento.
O medo se evapora e torna-se apenas um dos vários motivos pelos
quais amo loucamente esse homem.

Aperto o botão da secretária eletrônica, vendo que tenho algumas


mensagens, pensando ser Trust. Damon está cozinhando e olha para mim a
cada poucos segundos.

“É uma desgraçada! Esse Kingston infeliz quebrou o nariz de Ryder e


você não fez nada! NADA! O que meu marido fez para você? E ele nem pode
reclamar, já que esses malditos têm a cidade inteira na palma das mãos! É
UMA VADIA EGOÍSTA!”

Reconheço a voz, é da atual mulher de Ryder.


A mensagem acaba e uma nova se inicia.
“ELE VAZOU VÍDEOS DE MOMENTOS ÍNTIMOS DO RYDER!
Juro por Deus, que vocês vão queimar no fogo do inferno juntos! Seus
desgraçados! Sei que você e ele se uniram para fazer meu marido passar
vergonha! E como se não adiantasse, como se isso não fosse o bastante, você
e seu pai conseguiram tirar meu sogro da jogada, da empresa, comprando a
parte dele. É horrível. São uns crápulas!”
Olho para Damon e ele está tenso, com os ombros curvados e as mãos
apoiadas na bancada. Não me fita, admitindo a culpa.
— O que você fez?
— Ouvi Ryder falando de você em uma festa e não poderia deixar ele
se livrar dessa. Trust falou para meu irmão, o que Ryder fez com você — sei
a que ele se refere sem que precise explicar — e achei que seria justo ele
sentir a dor na pele, sofrendo o mesmo para nunca mais pensar em fazer isso
a alguma mulher. Ele deve ter ficado irritado ao ver o — ele se vira para mim
e ergue a mão, aproximando o indicador e o dedão e eu acabo gargalhando
sem querer — em sites e mais sites. Não foi nada difícil encontrar uma
mulher que o odiasse e tivesse algo comprometedor. Homens como ele não
respeitam ninguém e fazem sua própria cama. Sobre a empresa, conversei
com seu pai e me tornei sócio dele, para que se livrasse do pai de Ryder. E
antes que pense que fomos cruéis, a verdade é que ele acobertava o filho e
confessou que o ajudou a vazar seu vídeo a um amigo, que trabalha em uma
revista de fofocas. Pode processar os dois se quiser.
Abro a boca em choque.
— Por que não me disse nada? E se ele tivesse te denunciado por
agressão? Não seria um escândalo para a Kingston?
— Eu estava disposto a pagar esse preço.
— Damon, não precisa me defender assim — aproximo-me dele, que
ainda se encontra tenso — não sou uma princesa.
— Claro que é, a princesa que me conquistou. Ryder mereceu, posso te
garantir. Criatura desprezível. Meu autocontrole ainda me impulsionou a
parar antes, caso contrário, a situação teria ficado muito pior para ele.
Por mais que eu fique feliz que Ryder tenha recebido o que merece,
forço-me a dizer:
— Vamos esquecer esse assunto, essa noite está perfeita demais para
ser estragada, não acha?
— Tem razão.
— Mas, deveria ter me dito.
Damon suspira e se apoia contra a bancada. Os músculos de seu tórax
se evidenciam e não consigo evitar descer meu olhar para o ponto que a
cueca boxer recobre. Quando eu poderia imaginar que aquele meu desejo —
que agora parece ter ficado muito longe, no passado — de o ver cozinhando
apenas de cueca para mim, se realizaria?
Por favor, Deus, se for um sonho, não me acorde!
— Não estávamos em nosso melhor momento, além do mais, eu não
queria te aborrecer com assuntos sem importância.
— Sem importância? Damon, foi uma das coisas mais incríveis que
alguém já fez por mim. Protegendo-me nas sombras, sem ter a necessidade de
me deixar saber. De onde você saiu?
— Ma’am, você sabe muito bem de onde saí.
— Claro, de um romance.
Ele franze as sobrancelhas e eu não o deixo perguntar sobre, ao
depositar um beijo casto em seus lábios e assistir a confusão tomar conta do
seu semblante.
— E não ache estranha a pergunta, por favor, mas, você chegou a fazer
um pedido para aquele presente que eu te dei? E não o perdeu, certo?
Estranho os questionamentos, porém respondo.
— Fiz. E não, eu não perdi.
É impressão minha ou ele suspira aliviado?
— Qual foi?
— Que eu entendesse o caminho que preciso seguir.
— Faz sentido.
— O quê? — indago curiosa.
— Desculpe por te enganar, mas é que a mulher que me vendeu aquele
globo de neve avisou que o pedido iria para a pessoa que a gente ama. Uma
espécie de bondade trocada, acredito. Então, você pediu, mas quem entendeu
o que precisava ser feito fui eu. Quando fez o pedido?
— Quando eu cheguei em casa, depois de te ver na Allgerie.
Damon sorri para caramba, enquanto me olha sem acreditar no que eu
disse. Contenho a vontade de perguntar o motivo para a sua graça, contudo,
ele responde à pergunta que eu nem proferi:
— No dia seguinte eu decidi te enviar as flores, contando por
mensagens o que senti em cada dia que passamos longe da civilização. Se eu
não acreditava em magia e tinha achado loucura o que a mulher disse, acho
que posso acreditar a partir de agora.
Fico quieta ao compreender o que ele está dizendo.
— E pensar que eu quase deixei aquele globo se perder na neve.
— Por que não deixou?
Uma ruga de curiosidade se forma entre suas sobrancelhas.
— Queria algo para me lembrar de você, para me provar que não havia
sido apenas um sonho da minha mente viciada em romances.
— Fico feliz que o buscou de volta. Quem sabe se teríamos encontrado
nosso caminho sem uma ajudinha do destino?
— O que não está me contando? — avalio sua reação.
— No ano que vem, Candy, quando voltarmos para Aspen, eu te conto.
É uma promessa.
— Acha que nós ficaremos juntos por tanto tempo?
— Um ano é muito pouco, minha linda, no que depender de mim vou
passar o restante da minha vida ao seu lado. E terá que aguentar a minha
família durante anos a fio.
Damon ergue uma de minhas mãos e deposita um beijo nela.
Meu coração responde ao toque de seus lábios e não demora muito para
que estejamos nos amando novamente.
“O momento mais feliz da minha vida, com o pedido mais lindo do
mundo. Não teria como ser mais perfeito.”

Dois meses depois

Estou a ponto de surtar. Lançar tudo para o alto a cada problema que
surge nos minutos que antecedem o lançamento da nossa nova coleção.
O Beijo de Inverno — será a primeira linha de peças a serem expostas.
O Romance de Verão — a segunda.
A Paixão do Outono — terceira.
O Amor da Primavera — a quarta.
Quando comentei com Damon que ele tinha me inspirado nessa
criação, ele sorriu e elucidou que eu já o inspirei para outras criações, que
envolvem a cama geralmente. Foi meu maior incentivador e passou várias
noites sem dormir, revisando os números comigo, impedindo que eu surtasse.
Foi ali que eu notei que quem gosta da gente passa os melhores
momentos ao nosso lado, e quem nos ama, passa os piores. Porque ele foi
meu pilar quando eu já estava a ponto de desistir das coisas que me predispus
a fazer.
E é lembrar da sua força que me faz respirar fundo, uma, duas, três
vezes para poder continuar com meu sonho. Ou melhor, o sonho de todas as
mulheres da Allgerie.
— Quer que eu chame o Damon para te acalmar? — pergunta Trust.
Olho por entre as cortinas da decoração e o vejo sentado, imponente,
com todos os seus primos próximos, e também vovó e vovô que ostentam
semblantes orgulhosos. Não muito longe de onde estão, vejo meu pai e
Kristen, sorrindo e conversando. Não posso decepcioná-los, simplesmente
não posso.
Sacudo as mãos no ar.
E sinto uma vontade extenuante de vomitar.
Saio em disparada até o banheiro mais próximo e coloco todo o meu
almoço para fora. A cena como um todo é decadente, eu ajoelhada em frente
a privada, prestes a ter o lançamento da coleção para centenas de pessoas, e
com enjoos que vêm e vão. Trust bate na porta do banheiro e solta um suspiro
prolongado.
— Ele já sabe?
— Eu vou contar hoje. — Assumo.
— Como ele não percebeu você vomitando tantas vezes?
— Eu finjo que vou usar o banheiro.
— Prefere que ele pense que você está sempre com dor de barriga ao
invés de contar a verdade?
— Não sei como ele vai reagir, Trust... — admito.
Porque a verdade é que eu realmente não sei. Faz quatro meses e alguns
dias desde que nos conhecemos de verdade e como ele ficaria ao descobrir
que eu estou grávida?! Claro que não fiz nada sozinha, porém, não sei se
Damon reagirá tão feliz quanto eu com a novidade e tenho postergado o
momento para contar, temerosa com a sua reação.
— Esse medo é infundado. Damon é um cara bacana, além do mais, se
ele reagir mal, chute a bunda dele até a divisa do país com o Canadá, o que eu
não acho que vá acontecer dado o que ele irá fazer... — ela começa a divagar
— Caso não queira sujar seus sapatos, eu posso fazer isso por você,
tranquilamente. Não que eu pense que ele se irritará por estar grávida, afinal,
esse trabalho foi em dupla.
— O que ele irá fazer?
— Ah não, não é nada — diz de maneira tão tranquila que acredito.
— Dolores morreu grávida.
É saber disso que aumenta o medo.
— E, no entanto, ele passou quatro anos em luto, sem ficar com
nenhuma mulher, para descobrir em você tudo o que procurava. Em um mês
já estava loucamente apaixonado. Tudo em vocês foi depressa demais, não
tem por que ficar assim.
— Acha mesmo? — duvido.
— Droga se acho, Candy!
Passo a mão na boca, sentindo que não demorará muito para que eu
sinta vontade de vomitar de novo. Basta um cheiro, ou qualquer merda
acontecer, que eu já sinto náuseas. Nem sei se tenho mais alimento em meu
estômago para ele colocar para fora.
Abro a porta do banheiro e me deparo com a minha amiga, parada em
frente à bancada. A sua reação quando me vê é o suficiente para eu saber que
estou uma porcaria ambulante.
— Trouxe escova de dentes, certo? É melhor que tenha trazido porque
você está péssima.
Falo para que ela pegue meu nécessaire, e quando volta, escovo os
dentes rapidamente e retoco a maquiagem.
— Damon perguntou de você quando passei correndo carregando suas
coisas.
— E o que disse?
— Que estava nervosa com o evento.
— Ele acreditou?
— Acho que sim. Se bem que não esboça muita reação perto de mim.
Só com você. Ele — Trust tenta imitar Damon, unindo as sobrancelhas em
um semblante sisudo — fez assim, o que quer dizer?
Gargalho levemente.
— Provavelmente está preocupado.
— Sábio da parte dele.
— Gente, o que vocês estão fazendo aqui? — Hailey adentra apressada
no banheiro, indignada — já vai começar!
Coloco a máscara de inabalável novamente e saio do banheiro, com
Trust e Hailey em meu encalço.
É o momento de discursar e agradecer a todas as pessoas que doaram
seus instantes preciosos para que estivéssemos aqui. Caminho decidida até
onde a passarela está montada e pisco para as funcionárias da linha de
produção que serão as modelos da vez, em sinal de cumplicidade.
— Vocês vão arrasar — sussurro para elas.
A salva de palmas me brinda logo que os holofotes focam em minha
figura e a de Trust, subindo os degraus. Nós entrelaçamos nossos dedos e
caminhamos confiantes até onde o microfone está posicionado.
Paro em frente a ele e abro um sorriso. Meus olhos cruzam com os de
Damon, que me incentiva de onde está.
— Bem, obrigada por todos estarem aqui. E só tenho uma coisa a dizer:
não é que a loucura deu certo? Pensei que não fosse dar — algumas pessoas
gargalham — sempre que me disseram, Candy você é maluca, ou para a Trust
— fito minha amiga — o que você vai fazer da sua vida? Abrir uma fábrica
de lingerie? Sim, é exatamente isso que faremos. Agora, estamos aqui.
Colocamos nosso suor, empenho e todo o nosso dinheiro nisso. Tanto que
estamos falidas, mas realizadas — mais algumas pessoas dão risada — e não,
eu estava brincando, não estamos falidas, mas se vocês — indico os
atacadistas — não comprarem nossas peças, acho interessante já começarmos
a ver qual parente iremos leiloar — faço uma referência ao gesto de Pearl que
prontamente sorri em minha direção.
— Isso porque você disse que seria breve — resmunga minha amiga,
provocando uma onda de riso.
Suspiro profundamente antes de prosseguir:
— Quando tivemos a ideia para esta coleção, eu estava em crise,
comigo, com a minha vida, com o motivo da minha existência. E posso dizer
que eu não seria nada sem as pessoas que me rodeiam, que me amam sem
cobrar nada em troca. Logo, nada mais justo do que elas participarem e
dividirem esse sucesso comigo, tornando-o nosso. Obrigada a Damon
Kingston, a minha amiga — indico Trust — e a todas as pessoas que
trabalharam com afinco para trazerem essa coleção incrível para vocês.
Somos todos Allgerie.
Vejo quando meu namorado leva os dedos à boca e assovia alto,
iniciando uma salva de palmas, e gritos incentivadores por parte de seus
primos, que aparentam felicidade verdadeira por mim. Faço uma mesura
teatral para todos. O salão torna-se uma efusão de sons, enquanto eu e Trust
sorrimos alegremente. Entrego o microfone para ela, uma vez que será a
apresentadora e sigo até onde Damon está na primeira fileira.
— Belas palavras — fala ele antes que eu me sente ao seu lado.
— Obrigada.
Ainda estou tensa por causa do que preciso contar a ele, e Damon
percebe minha tensão. Talvez, ele pense que o motivo seja o desfile, então se
mantém quieto, contemplativo.
Não demora a Trust começar a falar:
— Boa noite, gente, que o show comece! A nossa primeira linha de
peças representa o inverno e toda a sua magia.
Uma música animada se inicia e a primeira garota desfila na passarela,
bem espontânea, sorrindo e dançando.
O nosso principal objetivo é justamente esse, fazer produtos para as
mulheres do dia a dia, de todas as formas e amores. Dando a liberdade para
que elas sejam quem quiserem ser. Por isso, quem melhor para desfilar com
as peças que as mesmas que se empenharam para realizar um trabalho tão
primoroso?
Escuto o “oh” que algumas pessoas soltam e torço para que seja por
uma surpresa boa, ou eu irei começar a discursar sobre como é necessário
sermos reais quanto a questão de “corpo perfeito”. O corpo perfeito é aquele
no qual a pessoa se ama, que reflete uma alma feliz consigo mesma. Somos
lindas exatamente por nossas peculiaridades e marcas das batalhas que
travamos todos os dias.
— A proposta da sua coleção e a maneira com que abordou o que
pensa, foi tão perfeito, que esse evento será comentado durante os próximos
meses, no mínimo — Damon elogia, batendo palmas quando a segunda
mulher entra.
É Hailey.
Ela manda beijos para a plateia e desfila rebolando, lançando o quadril
de um lado a outro. Assim que nossos olhares se cruzam, lanço uma
piscadela.
— Nada melhor para representar as mulheres do que as que fizeram a
coleção.
— Exatamente. Você deveria desfilar também, então.
— Esse momento não é meu, querido. É delas — indico a terceira,
sorridente e confiante.
— Se eu já não te amasse tanto, teria caído de amores aos seus pés.
— Pode me mostrar o quanto me ama quando chegarmos em casa.
— Com certeza vou. Porém, acredito que você vai estar cansada, mas,
não importa, farei um chá para te ajudar a dormir.
Apoio minha cabeça sutilmente em seu ombro e sorrio extasiada.
— Me entende tão bem.
O desfile transcorre como o esperado e quando já estamos na metade,
estranho Damon dizer que precisará se ausentar um pouco, a trabalho. Ele me
falou na última noite que esse dia seria inteiramente meu e quando ele diz
algo assim, não volta atrás. Franzo as sobrancelhas e olho para seu irmão, que
finge não me ver. Fito Kendrick, que também me ignora. Tem algo
acontecendo. Eu simplesmente sei. Olho para suas primas e elas disfarçam
imediatamente. A única que responde meu olhar é vovó, mas ela só parece
estar feliz demais.
E quando digo demais, é demais mesmo. Assemelha-se àquelas avós
possuídas de filmes de terror, tamanho o sorriso que se estende em seu rosto.
Alguns minutos se passam e as meninas continuam desfilando. Volto a
prestar atenção nelas e, decido perguntar a Damon o que aprontou, depois.
Recosto-me na cadeira e assisto as pessoas mais incríveis que já tive o prazer
de conhecer, arrasando, expondo sua confiança com o próprio corpo,
descobrindo-se e percebendo o quão maravilhosas são.
Sinto-me realizada.
O que tanto busquei foi alcançado.
Um olhar atrai minha atenção, é papai, que sussurra um “parabéns”,
sem emitir som. Sorrio de volta.
A surpresa no rosto de todos, e também a fascinação fizeram valer a
pena todas as madrugadas sem dormir, assim como os dias que eu trabalhei
até a exaustão. Acho que preciso de férias de novo. Mas, não antes de
contar... enfim. O nervosismo e preocupação com o que ele dirá volta a me
atormentar.
Esqueci por quanto tempo desta vez? Poucos minutos.
Deveria ter contado na última noite, todavia achei melhor esperar. O
motivo? Não tenho ideia! Estender a paranoia foi muito pior, acredito. Antes
eu tivesse acabado com essa confusão de pensamentos em minha cabeça,
com as hipóteses viajando insanas por entre meus neurônios.
Fico tão perdida, em questões distantes, que demoro a perceber que o
desfile se encaminha para o fim. A penúltima garota entra e assim que a
última começa a desfilar, eu me preparo para levantar e ir até a passarela,
agradecer a presença de todos. No entanto, acabo congelada no lugar, quando
um homem, caminhando pela superfície preta, com as bordas iluminadas em
azul, chama a minha atenção.
Damon está com as mãos nos bolsos e aguarda que as duas últimas
voltem para o camarim, para poder parar ao lado de Trust, que... cede seu
lugar a ele?
O que diabos está acontecendo?
Isso com certeza não estava combinado. Nem um pouco.
Ele pega o microfone e abre um sorriso de derreter qualquer mulher.
Juro que escuto uma suspirando bem na fileira ao lado.
— O momento é seu, querida, — fala, me olhando — mas, eu não
poderia adiar mais o pedido.
— Assim que se fala! — alguém grita ao fundo.
— Cala a boca, Kendrick, não atrapalha! — Reconheço a voz de vovó.
Damon apenas sorri de lado, enquanto eu percebo aos poucos o que ele
irá fazer.
— Gostaria de começar dizendo que eu estava preso, em minha própria
bolha de sofrimento, uma que me afundava mais e mais no oceano dos meus
próprios medos. Há quatro anos eu sofri uma perda que me deixou destruído,
pensando que eu não seria mais capaz de amar, ou sentir qualquer coisa
parecida. Há quatro anos, eu perdi meu chão. E, foi então que em uma teia de
armadilhas do destino, que eu chamo de vovó Pearl e Makai Sinclair —
somente a família ri dessa parte, por entender o que ela significa — um
milagre apareceu na minha porta.
— Coitada da Candy, agora será obrigada a me aguentar chamando-a
de milagre! — provoca Kendrick novamente.
— Fica quieto que eu estou tentando ser romântico?!
— Ela sabe que você a ama.
— Calem a boca, que eu quero escutar o pedido! — viro-me e grito
para Ken, que aparenta surpresa com meu rompante.
— Faça-o ficar quieto mesmo, menina! — Orgulha-se vovó.
— Bom, como vocês podem ver, na nossa família é difícil fazer algo
sem ser interrompido. Vou tentar prosseguir. Onde eu estava mesmo? —
Damon finge pensar e continua — Ela era linda, é linda, e a sua principal
fonte de beleza não é a aparência, por mais que ela seja esplendorosa, o que
espalha sua beleza é a felicidade que ela emana e a vontade de se superar
sempre. Eu me vi preso nos seus imensos olhos esperançosos, tão negros
como uma noite sem estrelas e na sua força, mesmo diante de um homem tão
rabugento como eu. Qualquer outra em seu lugar teria me deixado definhar
com o tempo.
— Ainda estou tentando descobrir de onde Candy tirou tanta paciência
— profere Bessie.
— Finalmente alguém que me entende! — intromete-se Kendrick.
Lanço um olhar irritado para eles, que erguem as mãos em sinal de paz.
— Por esses e outros motivos, eu acho que ela é a mulher perfeita para
mim — proclama divertindo-se. — Candy surgiu na minha vida quando eu
não esperava mais nada dela. Apareceu e aos poucos, transformou um
coração frio no mais absoluto verão. Me ensinou que para ser forte eu não
preciso me afastar, mas sim me aproximar das pessoas que amo e contar
meus piores medos a elas, pedir ajuda para transpor os momentos mais
difíceis. Essa mulher incrível que vocês veem, que criou uma coleção tão
perfeita como essa, que escolheu sair de foco para que todas as outras
tomassem a frente e se destacassem — ele indica as garotas que agora fazem
fila atrás dele, aplaudindo a sua fala — tem sido o motivo pelo qual eu fico
feliz em abrir os olhos todas as manhãs, porque eu sei que a encontrarei
dormindo. Até porque ela sempre perde a hora, mas eu gosto assim, me dá a
oportunidade de a ver dormindo por vários minutos.
Levanto-me, interrompendo-o:
— Damon...
— Não, não me interrompa você também, ou diga não antes da hora —
sua fala arranca gargalhadas de todos — deixa eu terminar?
Ele se ajoelha, e puxa a pequena caixa de veludo preto do bolso. Uma
lágrima desce por meu rosto. Não vejo mais ninguém, não escuto mais
ninguém, enxergo somente Damon e meus ouvidos só captam a sua voz.
— Por estes e todos os outros motivos que apenas nós dois sabemos,
você me daria a honra de se tornar minha esposa, Candy Sinclair? Eu te amo
em cada segundo ao seu lado e te amo principalmente quando não está perto
de mim, porque eu fico agoniado querendo te encontrar o mais rápido
possível. Sei que minha família é insana e você pode não querer fazer parte
dela — escuto todos atrás de mim gritando e xingando-o por isso — mas,
torço para que me ame tanto quanto eu te amo e esteja disposta a fazer parte
da loucura, para sermos fortes juntos.
Caminho até onde ele está ajoelhado, sem vergonha de admitir que me
ama. E subo os degraus laterais com lentidão, torcendo internamente para não
tropeçar na barra do meu vestido com o salto e levar um tombo colossal.
Assim que me aproximo, puxo uma de suas mãos, — a que não segura
a caixa com o anel — e fecho os olhos, apertando sutilmente a junção de
nossos dedos.
Entrego a ele a oportunidade de me machucar se quiser, assim como ele
fez comigo, conforme escuto seu suspiro por saber o que meu gesto significa.
Confio nele sem enxergar o caminho que está tomando.
Um sim silencioso e que é mais profundo que qualquer outro que eu
profira.
Ao levantar minhas pálpebras, vejo que é Damon quem chora desta
vez. Com os olhos vermelhos, semblante emocionado e provavelmente joelho
doendo, por estar assim há alguns minutos.
— Eu aceito, claro que eu aceito, meu abominável homem das neves.
Você é, e sempre será meu beijo de inverno, Damon. Agora eu preciso te
contar uma coisa.
Ele desliza o anel de noivado em meu dedo anelar, levanta-se e passa o
braço pela minha cintura. Inclino-me em sua direção para sussurrar em seu
ouvido, sem querer que as pessoas escutem o que direi a seguir.
Por que eu fiquei temerosa?
Ele é meu sapo desde o começo. Não virará príncipe, mas o tempo
deles passou. Agora são os sapos que fazem as princesas, rainhas e até bruxas
mais felizes.
— Eu estou grávida.
Afasta-me nada sutilmente e me encara de olhos arregalados. Como se
não acreditasse nisso.
— Por favor, me diz que não é uma brincadeira — aceno que não. —
Eu estou tão feliz! Mas tão feliz! — Exalta-se sorrindo sozinho, para logo em
seguida aparentar tensão — Meu Deus do céu! Vovó vai me matar se souber
que eu a engravidei antes de nos casarmos!
— Para segurança do pai do meu bebê, acho melhor mantermos isso em
segredo por enquanto então.
— E casar o mais rápido possível.
— Tem a ver com vovó também?
— Não, mas porque não vejo a hora de a chamar de minha esposa.
Candy Sinclair, em breve Sinclair-Kingston.
“Bem, digamos que tudo tem dado certo!”

Betsy me falou que ser uma Kingston é abraçar a loucura e que eu


preciso terminar a história como em um filme de comédia romântica, — por
mais que eu ache que foi bem dramático — contando todos os
acontecimentos rapidamente, porque os próximos Kingstons aparecerão em
breve e acabaremos surgindo na história deles também, porque como sabem,
eles são muito unidos.
Pois bem, ela tem toda a razão.
Podemos começar falando sobre a Allgerie?
Ah, Deus, tomara que sim!
Porque estou tremendamente ansiosa para contar a novidade.
Bom, a nova coleção foi um sucesso! Absoluto! Recebemos tantos
pedidos que eu tive que contratar dezenas de pessoas a mais para dar conta da
produção. Nosso nome foi parar na boca das celebridades, que se
perguntavam, por que não usamos essa marca antes?
ALLGERIE É TUDO! — foi um post de rede social que chamou a
atenção de milhares de mulheres ao redor do globo e nos fez até mesmo
exportar algumas peças. Pasmem, as pessoas não se importaram de pagar um
absurdo para conseguirem nossas — quando digo nossas, represento todas as
funcionárias da empresa — criações. Foi incrível! Ver tanto trabalho sendo
recompensado!
Betsy e seu blog sobre moda também foi parte fundamental e nunca
vou me cansar de agradecê-la pela amizade recém-descoberta e que promete
muitas loucuras.
Porém, com a carga alta de trabalho, tive que diminuir um pouco meu
ritmo devido à gravidez. Precisei tomar cuidado, dada a minha idade e
também porque Damon mal me deixava respirar sozinha. Tem a questão
também de ele não ficar muito feliz que eu dirija depois de ter descoberto,
mas estamos lidando com isso como duas pessoas normais, através da terapia.
Não teria como ele superar um trauma como esse do dia para a noite e eu
entendo seu medo. Tanto que tenho evitado deixá-lo nervoso, querendo ir
para todos os lugares como eu fazia antes.
Odeio reclamar disso, mas como seis primos podem paparicar uma
mesma pessoa? Eu não aguento mais todos indo em casa de semana em
semana, revezando para saber se preciso de alguma coisa. Sem deixar de fora
vovó Pearl, que liga no mínimo três vezes por dia.
Garantindo a segurança de seu bisneto, porque segundo ela será um
menino.
Betsy deu graças a Deus, assim Pearl irá parar de mimar apenas
Melanie, para mimar dois. Não sei como isso poderia ser bom, de qualquer
perspectiva por qual olho.
Achei que as coisas fossem passar, após o casamento. Mas, coitada de
mim! Só pioraram!
E SIIIIIM!
Eu e Damon nos casamos!
Enquanto eu ostentava minha barriga singela de cinco meses.
Resplandecente, segundo vovó.
O casamento foi a coisa mais insana que já vivi.
Pensei que tudo fosse correr bem, coitada de mim!
Decidimos nos casar em Montana, — no verão desta vez, não somos
idiotas — e todos os parentes ficaram extremamente irritados por não ser na
maldita ilha da família, a qual todos gostam de ir. Enfim, eles têm uma ilha,
coisa de gente esnobe demais. Deixei expressamente claro que eu não me
casaria lá e Betsy foi a pessoa que mais me deu apoio, porque segundo ela,
seu casamento póstumo aconteceu no lugar e ela quase desistiu da
comemoração.
Sinto pena pelo que ela passou e levo a sua experiência em conta para
não cometer o mesmo erro.
Infelizmente, não segui o seu conselho quanto a sequestrar o maldito
papagaio de um dos parentes. O filho da puta ficou gritando com frequência
que a velha iria casar.
“A VELHA VAI CASAR, VAI! DESENCALHAR! A VELHA! NA
MONTANHA! VELHA DA MONTANHA!”
Quando papai ouviu o que o papagaio falava, o bendito desapareceu
misteriosamente poucos minutos depois. Os donos ficaram olhando estranho
para a gente, mas Betsy garantiu que eles não encontrariam provas, o que me
deixou na dúvida se foi ela ou papai que escondeu o pássaro. Principalmente
porque segundo Kendrick, ele também gritou “A LOIRA BURRA ESTÁ
AQUI! AQUI!”.
Não posso julgá-la.
O casamento foi íntimo, e ao mesmo tempo caótico. Eu chorei
desgostosa quando as coisas começaram a dar errado. Kendrick caiu em cima
do bolo de quatro andares e ficou todo coberto de chantili — há boatos de
que foi Pandora quem o empurrou, mas ela aparentou indiferença demais.
Dale decidiu nadar em um lago nas redondezas e acabou surgindo pelado em
meio a festa, cobrindo a parte de baixo com um galho de árvore.
Acredito que quem roubou a roupa dele foi o Ken, para não passar
vergonha sozinho. Porém, tenho certeza de que ele nunca admitirá tal fato.
Tio Pod não apareceu na cerimônia.
Acho que ele não foi convidado. Lembro de ter visto o convite dele
embaixo de uma planta em casa, contudo, não comentei nada com Damon.
Vovó deve ter agradecido mentalmente, já que o conflito e desgaste foram
evitados.
Mas, sem dúvida o ponto alto do casamento, foi Melanie — eu fiquei
com dó, porém a risada foi maior — surgindo com o cabelo todo picotado
depois de Jenna tê-la fantasiado com uma peruca colorida e ter usado cola ao
invés de grampos para fixar a coisa na cabeça da menina.
Como tirar a bendita peruca depois disso?
Só restou a ela cortar o cabelo da pequena.
Betsy surtou e Lane não sabia se ria ou se consolava a esposa. Jenna
exclamou se sentindo culpada: “FOI UM ACIDENTE! O CABELO DELA
VAI CRESCER DE NOVO! E NÃO ME OLHE ASSIM, BETSY, COMO
SE QUISESSE ME MATAR!” e acabou tendo que cortar seu cabelo bem
curto, quando Betsy passou a tesoura “por acidente” em seus fios também.
Vovó apoiou a ideia.
Com o bolo destruído, Melanie sem cabelo, Jenna com os fios repletos
de falhas, nada poderia ficar pior, certo?
ERRADO!
Snow engoliu as alianças.
Sim, isso mesmo. Ele engoliu as malditas alianças enquanto Damon
tentava ensiná-lo a levá-las até o altar. Por que diabos ele não treinou o
cachorro antes? Deixou tudo para cima da hora? Então tivemos que pegar uns
gravetos de Pinus entrelaçados para usar como o sinal de nosso amor.
Coisa de Tarzan e Jane, não minto.
Agora somos conhecidos na família por esses nomes, além de eu ser
chamada constantemente de “milagre” também. São capazes de adivinhar de
quem parte esse apelido.
Passado o casamento, a noite de núpcias teve que ser adiada, afinal,
precisamos levar o cachorro ao veterinário para retirar os objetos, porque ele
ficou engasgado com uma delas. Não foi a coisa mais linda a se ver, vestida
de noiva, logo depois de me casar, mas foi a mais especial, por que quem iria
contar uma história tão maluca quanto essa para seus filhos?
Depois desse dia eu abracei para valer a loucura de fazer parte da
família mais insana do Texas, talvez do país. Mas, isso fica para os próximos
acontecimentos e talvez, para Kendrick contar um dia, já que ele é sem
dúvida, um dos primos mais malucos que já vi.
Bom, como nem tudo é felicidade.
Ryder voltou a nos perturbar, incapaz de me deixar em paz.
Garanti um processo contra ele, obtendo o direito legal que ele não
poderia me difamar, assim como tirei quase todo o seu dinheiro e doei para a
ONG que Betsy apoia, por conseguir provas que foi ele que cometeu o crime
contra mim, vazando vídeos íntimos sem minha autorização. Foi é pouco. E
não muitos dias depois disso, foi preso por agressão ao atual noivo da sua ex-
esposa. Pois é, ela o largou, antes tarde do que nunca. Não era a melhor
pessoa do mundo, mas não merecia aquele traste a infernizando.
Voltamos para Aspen no Natal seguinte.
Justo eu que imaginei que jamais voltaria para lá! Agora, sou presença
garantida.
Quem diria...
E é nessas reuniões, em que todos estão juntos que eu atesto a verdade:
Os Kingstons de Dallas são as pessoas mais malucas que eu já conheci
e, Betsy estava totalmente certa no dia do casamento quando me falou que eu
deveria me preparar para a vida de casada, como se tivesse um compromisso
com todos eles, porque fazem questão de participar da vida uns dos outros,
ativamente.
O que eu compreendi mesmo sem querer.
Porque depois de me casar com Damon eu vi do que realmente eles são
capazes, principalmente se isso envolver uma partida sanguinária de
Kingstone. É, eu sei, eles são tão ai “somos Kingstons”, não sei o que
“Kingston”, que não poderiam jogar um jogo qualquer como o resto dos
mortais, eles precisaram, para amaciar o ego, inventar um jogo característico
deles, com suas próprias regras e prêmios estúpidos — não que eu tenha dito
isso para os primos fervorosos por ganharem, mas achei a coisa toda meio
estranha.
Não quis jogar muito, e talvez por estar grávida quando fui apresentada
ao tal jogo nem ao menos insistiram. Mas, pelo que descobri, Betsy é a rainha
da coisa, sem perder uma partida desde que conheceu Lane. Não posso dizer
que eu esteja ansiosa para tirar a coroa dela. Acho que posso me juntar a
vovó e ficar conversando sobre sua infância e adolescência. Ela tem histórias
envolventes e engraçadas para contar. Admito que ter que rir das piadas sem
graças de vovô quando ele decide fazê-las não é meu sonho de vida, mas, ele
é mais legal do que aparenta e eu amo aqueles dois como se tivesse sido
sempre neta deles.
Fazer parte de uma família grande e amorosa tem um sabor muito doce.
Eu reclamo e ao mesmo tempo amo.
Fui pega de surpresa no último dia de Ação de Graças, quando vovó me
entregou uma foto do meu marido em uma situação comprometedora ao
extremo.
“Guarde muito bem isso, criança. Ele fará o que você quiser se ameaçar
mostrar isso ao mundo. Foi assim que eu consegui manipulá-lo até aqui.”
Ela entregou o envelope como se fosse uma coisa ilícita e assim que eu
o abri, percebi o motivo. Não vou dizer o que está representado na imagem,
para não perder a graça, quem sabe uma outra vez, mas o fato é que eu optei
por a guardar em um cofre que apenas eu sei a combinação, para Damon não
destruir a coisa antes que eu tenha chance de usar contra ele. Segundo vovó,
ela tem uma arma secreta para cada um dos netos e vai se desfazer delas
completamente assim que todos se casarem.
Maldição.
Eu não queria estar na pele deles, a senhora está decidida.
E, como nenhuma história é sempre feliz, há também momentos tristes
e intragáveis, que nos fazem repensar até onde o ser humano é capaz de ir
com base em seus preconceitos e ideias equivocadas.
Em certas ocasiões, percebi o preconceito implícito em algumas
pessoas da sociedade, até mesmo nas primas de Trust, quando souberam do
casamento através de matérias tendenciosas de revistas de fofoca. E odiei a
maneira com a qual me olharam, como se eu não merecesse estar ali, com
elas se achando melhores do que eu.

Quando contei para Damon e ele falou para vovó, ela proibiu que as
primas de Trust frequentassem a sua casa, assim como seus pais. Foi a coisa
mais linda que ela poderia fazer por mim.
Não que eu não seja capaz de me defender por contra própria. A
verdade é que em uma sociedade onde há a presença confirmada de racismo,
não basta não ser racista, é necessário ser antirracista.

Vidas negras importam.


O assunto ficou sério, destoando do ar cômico anterior, não é?
Mas ele precisava ser dito, uma vez que a realidade é tão cruel que
castiga e precisa ser evidenciada para então ser combatida.
Alguns anos depois, eu e Damon decidimos que adotaríamos uma
criança, com vontade de sermos pais mais uma vez. Até porque eu já estava
bem ciente da dificuldade de engravidar com a minha idade. Tive meu
primeiro filho aos trinta e oito anos. E não foi a mais fácil das gestações. O
médico com o qual Damon e eu passamos a nos consultar, aconselhou que eu
congelasse os óvulos se porventura quisesse ser mãe novamente.
Como eu já queria adotar antes de me envolver com Damon, não foi
difícil conversarmos e tomarmos essa decisão, cientes de que seria
indiferente, uma vez que o amor seria o mesmo. E foi assim, que acabamos
cruzando nossas vidas com dois irmãos órfãos. Quando os vimos, nós
soubemos que eles eram nossos filhos. É inexplicável. Um sentimento
libertador de ter encontrado o que tanto procuramos.
Callahan e Neil passaram a fazer parte da família Kingston e
conseguiram mais um irmão, nosso pequeno Darcy. Uma homenagem a
Dolores, que eu e Damon achamos mais do que incrível.
Maturidade é mesmo uma coisa maluca.
Apesar de que no momento em que decidimos o nome, percebi que
nosso filho ficará muito revoltado quando descobrir sobre o livro. Além do
mais, quem coloca o nome do filho — atualmente — de Darcy?
Céus! Tomara que ele não nos odeie!
Plantamos uma árvore no nosso quintal, em homenagem a ela e ao
pequeno anjo que partiu junto, em uma jornada diferente da nossa. E durante
todas as noites, antes de dormir, nós levamos os meninos para contar como
foi seu dia. E eu sempre agradeço, em pensamento, por ela ter me permitido
viver tudo isso, por ter decidido ser doadora e salvar vidas mesmo depois que
iniciasse outra jornada.
Dolores foi importante para Damon e tornou-se importante para mim
também.
Recapitulando tudo o que aconteceu, desde o dia em que eu pisei
naquela cabana pela primeira vez, até o momento em que pisamos pela
última, para dizermos nossos votos em uma festa de casamento fadada ao
fracasso, contudo repleta de sentimento, só consigo enxergar amor.
Um libertador.
Eu estava precisando me encontrar.
E Damon precisava ser resgatado.
— Eu poderia perguntar por que está me olhando assim? Contudo acho
que seria redundante.
Cruzo os braços e fito meu marido e nossos filhos, da porta da
biblioteca.
— O que é dudundante, papai? — Darcy tem apenas três anos e é tão
curioso quanto eu.
— Algo que foi repetido diversas vezes.
— Tipo você falando o quanto ama a mamãe? — indaga Neil, satisfeito
com sua própria astúcia.
— Exatamente.
Um coração é capaz de pertencer duas vezes a mesma pessoa?
Olho para Damon, sentado na poltrona, lendo uma história para nossos
filhos que pairam à sua volta e deixo que vocês respondam: é possível?
A história nunca termina no ponto final, é a sensação que me acomete a
cada término de projeto. Esse casal foi um dos mais desafiadores que escrevi
por já terem uma carga pesada de vida e mesmo assim buscarem o melhor
dela. Obrigada, Damon e Candy por me contar cada linha e pensamento, por
dividir comigo a história de vocês. Ela foi sensacional!
Como sempre, em todo o processo de escrita, há pessoas que me
ajudaram de forma incrível e que sem elas, nada ficaria tão perfeito como
está. Por isso, um agradecimento especial à Patrícia, Alyne, Faby, Celle,
Luciana, Bianca e Jéssica Marinho; essa jornada não teria sido a mesma sem
vocês!

Também agradeço a cada leitor que passou pelo Wattpad e


acompanhou essa linda história de amor. Não imaginam o quanto sou grata
por ter pessoas tão incríveis acompanhando minhas histórias!

Não posso deixar de ressaltar meu agradecimento a todas as pessoas


envolvidas na preparação deste livro, para que ele chegasse assim, lindo, nas
mãos de vocês! À Margareth Antequera, que revisa cada trabalho meu com
carinho e à Laizy, por dar ao meu trabalho o design que ele merece.

E, claro, meu muito obrigada por você, leitor que se aventurou em cada
página e chegou até aqui, na parte em que eu te agradeço demais por ter dado
uma chance a essa história!
No mais, é isso, nos vemos no próximo livro dessa família maluca do
Texas e que já conquistou nossos corações!
Uma moça do interior, que viu nos livros a oportunidade de viajar sem
sair do lugar. Engenheira civil, que sonha pelas linhas de livros sem ter a
menor vergonha de admitir isso.
Adora Einstein, Tesla e todos os cientistas capazes de criar teorias,
consideradas absurdas, de ideias adversas.
Cria diversas histórias através das mais diferentes inspirações, não
escreve sem ouvir a uma boa música e costuma colocar sempre um pouco de
si nos personagens. Enfim, essa é Cinthia Basso, uma mulher com o
romantismo à flor da pele e que ama criar diversos mundos, para refugiar a si
e às suas leitoras.
O Rei do Petróleo
Família Kingston - Livro 1

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Sinopse
O poder corrompe.
Seria essa uma verdade sobre a família Kingston?

Diante de problemas inesperados, Lane descobre que precisa se casar. A


questão é: com quem? Como um workaholic assumido, ele não tem tempo
para sair à procura de uma mulher, muito menos para viver em matrimônio.
Sua salvação se torna a inesperada Betsy O’Connell, uma blogueira altiva e
esfuziante que curte viver a vida, enfrentando problemas reais que não tiram
o sorriso do seu rosto.

Se eles são tão diferentes, como se encontraram?


Essa é uma pergunta divertida, se pararmos para pensar em quantos
acasos o destino possui. O que de fato importa é que o casamento de fachada
pode não ser a maior preocupação para ambos, que se veem diante de um
problema colossal, com origem em um passado obscuro e distante, colocando
em xeque tudo o que sentem, provando que Lane e Betsy são imperfeitos
separados, mas que juntos; dão um novo significado à palavra perfeição.

*História com conteúdo impróprio para menores de dezoito anos.


Te prometo ser a única
Trilogia Tudo de Mim I
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Sinopse

Bonito, rico e agradável. Thom nunca ficava sozinho. Mas o que ele mais
desejava estava fora de seu alcance: Lara. Sua prima adotada que o tratava
como um irmão. Para ele não tinha coisa pior do que amar e não ser amado.
Lara. Inteligente, meiga e querida por toda a família, tinha somente um
segredo, que escondia de tudo e todos. Inclusive de seu primo.
Quando a verdade vier á tona, será que Thom continuará a amá-la? Pode
um amor ser tão forte a ponto de sobreviver a barreiras e crenças? São
perguntas que serão respondidas por si mesmo, em meio a tantos conflitos e
verdades não ditas, emocionando-nos a cada passo dado em busca da
felicidade.
Um império onde riqueza e poder não podem comprar o que há de mais
importante no mundo: o amor.
Te darei o mundo
Trilogia Tudo de Mim II

Formato e-Book
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Sinopse

Stephen Cooper é um dos homens mais sedutores de Nova Iorque, e pode


ter certeza que ele se aproveitou disso. Ficando com quem ele quisesse e
desejando quem ele pudesse. O grande problema, é que ele amava uma
mulher que não lhe pertencia, e por isso, incentivou-a a viver um amor que
não era o dele. Ficou sozinho e com o coração partido, sem expectativas de
nada melhor para o futuro.
Eva Barnes é uma mulher batalhadora que nunca conheceu coisas fáceis
na vida. Sofreu e sofre nas mãos de um pai bêbado, que se mantêm às suas
custas, enquanto ela ainda cuida da pequena filha de quatro anos. Ela não se
considera uma mulher de futilidades, mas ao conhecer Stephen, pensa duas
vezes na possibilidade de se deixar levar por um homem tão charmoso.
Afinal, ela já caiu nesse truque e saiu despedaçada ao final.
Ambos guardam segredos entre si, mas durante a noite, eles não precisam
ser revelados, precisam?
Dois corações quebrados, duas almas em busca do amor. Podem estes
dois encontrar o que tanto procuram um no outro?
Jamais duvide do destino e jamais subestime o amor.
Te farei minha
Trilogia Tudo de Mim III
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Sinopse

Andy é a típica garota texana, que usa botas e chapéus, tem uma
Silverado onde toca somente músicas cowntry, e, claro, como na maioria das
histórias de mulheres sulistas, tem um cowboy!
Hardy é seu sonho adolescente. Uns bons anos mais velho, e muita
experiência na arte de seduzir, ele nem mesmo presta atenção na mulher que
vive a salivar litros por sua causa. E como se já não bastasse isso, após sair
com sua irmã mais velha, Andy pareceu realmente sumir do mapa para ele.
Mas ela cansou de ser ignorada, e esse verdadeiro homem de Dallas mal sabe
o que o espera.
Muitas brigas, ciúmes e umas boas pancadas da vida, vão provar que o
Texas se tornará pequeno para conter o desastre iminente de Hardy e Andy,
prestes a descobrirem o amor.
Sadie e Max
Conto
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Sinopse

Sadie e Max são duas pessoas que não acreditam no amor. Por motivos
diferentes e realidades opostas. Mas, e se em um olhar tudo mudasse? Eles
estão prestes a se surpreenderem e descobrirem um dos caminhos que levam
ao amor.
Meu astro do basquete
Série Boston Globe, livro 1
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Sinopse

Beatriz é uma bibliotecária simples e maluca, que sonha em ficar frente a


frente com o lendário astro do basquete, Josh Currey. Quando uma
reviravolta acontece e tudo se encaminha para um final desanimador, ela se
surpreende em como o destino pode pregar peças e virar toda a nossa vida de
cabeça para baixo.
Josh por outro lado, está aproveitando seu momento, tanto para se
consagrar, como para ajudar as pessoas as quais tem a oportunidade de
ajudar. É um homem decidido e que sabe a responsabilidade que carrega nas
costas, adorando um bom jogo e aceitando todos os desafios à ele impostos.
Mas, será que ambos se encontrarão em meio a tantos empecilhos, dentre
eles, a fama mundial do jogador?
E se o passado conter tudo o que procura para o futuro?
Nesse jogo da vida ambos descobrirão que um vencendo, os dois se
tornam campeões!
Antes do sucesso
Série Boston Globe, livro 2
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Sinopse

Allan James é um dos jogadores mais famosos da NBA. Todos querem


estar ao seu redor por causa do seu jeito humilde, e o adoram pelo seu bom
humor. No entanto, o que ninguém percebe, é que debaixo de tudo isso, ele
esconde suas mágoas e tristezas, tentando afastar memórias de alguém que
um dia fora insubstituível.
Roselyn Stewart é uma pacata bibliotecária que não se preocupa ou se
interessa por fama nem atenção, mas sua vida vira de pernas para o ar quando
James, o famoso jogador, se infiltra no seu mundo tranquilo, sem ao menos
pedir permissão. Com seu jeito brincalhão e irresistível, ele mexe com seus
sentimentos e a deixa confusa, fazendo-a repensar tudo o que acreditava
sobre os homens.
Ninguém sabe, mas o passado de ambos pode estar mais perto do que
imaginam, e só eles poderão escolher os caminhos para o futuro.
Pode o presente ser mais importante que o passado? E se o passado bater
à sua porta, você o manda embora ou o convida a entrar?
Na marcação do amor
Série Boston Globe, livro 3
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Sinopse

Silas Johnson é um homem tranquilo, que sempre quis encontrar alguém


com quem pudesse contar. Não têm muitas ambições, é o mais romântico dos
seus três amigos e não se importa com as piadas ao seu redor. Afinal, como
dizem, Silas é o Silas e todos sabem o quão romântico ele é capaz de ser.
Diane Kannemberg por outro lado, é uma jornalista esportiva brasileira,
que sabe o que quer e isso inclui se sair bem na sua profissão, sem ficar à
sombra de ninguém. Odeia como os astros acham que podem ficar com todas
as mulheres do planeta e, principalmente, odeia a confiança com a qual eles
falam com ela.
Silas sabe que ela vai ser dele.
Diane só pensa em quão idiota ele é por pensar isso.
Os dois vão acabar perdendo e descobrindo que na marcação do amor, o
que menos importa é vencer.
A filha do astro
Série Boston Globe, livro 4
Amazon
Sinopse

Lily Currey é uma mulher que sabe exatamente o que quer e nunca
pretendeu ficar à sombra do sucesso do pai. Se tornou uma das modelos mais
conhecidas e desejadas do mundo, guardando segredos e problemas debaixo
de sete chaves, mantendo para si tudo o que poderia destruir a sua carreira.
Collin, seu irmão adotivo, aproveita e muito a vida de solteiro, sem se
importar com o que os outros pensam e sem ligar muito para as mulheres que
dizem amá-lo. É um cara que sabe o efeito que a sua presença causa e, por
isso, prefere ser de todas do que investir suas fichas em apenas uma.
As pessoas pensam nela como a filha do astro. Enquanto ele é o jogador
matador da liga de beisebol.
Lily e Collin... Seria mesmo interessante se não fosse um tanto quanto
impossível!
Ou o impossível é apenas aquilo que nunca foi tentado?
O código do amor
Série Boston Globe, livro 5
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Sinopse

Tyler Currey é um cara da tecnologia, com pinta de playboy e um corpo


de fazer salivar até as nerds mais puritanas. Sua inteligência é surpreendente,
assim como a sua capacidade de ter qualquer mulher aos seus pés, com uma
simples conversa. Sua ficha de conquista é maior do que muitas em Boston e
ele não se importa com isso, afinal, por que não aproveitaria?
Mia Roberts é diferente e recatada, adora roupas do Star Wars, assim
como revistas em quadrinhos e tudo o mais baseado em super-heróis. Por que
Marvel ou DC Comics se ela pode gostar das duas? Seus óculos desajustados
e sua falta de jeito com os homens poderiam caracterizá-la como sem graça
para alguns, mas não para alguém com a mesma personalidade que ela.
Máquinas são mais fáceis de se compreender?
E se eles acabarem descobrindo que tem algo bem maior para entender do
que simples linhas de programação?
Cada código tem suas particularidades, e o deles, é repleto delas.
Raio de sol
Formato e-Book
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Sinopse

Suellen Carvalho nasceu em Ventura, mas seu sonho fez com que saísse
da cidade sem olhar para trás, com o intuito de estudar e se tornar a escritora
que tanto queria ser. Agora, com um bloqueio literário, ela está de volta e se
surpreende ao notar que Vince, seu amigo de infância, se transformou de
garoto franzino para um peão sexy, com um sorriso digno de fazê-la delirar.
Vincent D’Ávila é filho do fazendeiro mais conhecido da região, herdeiro
da fazenda Raio de sol e um dos brutos mais cobiçados de Ventura. Com a
volta da única mulher que sempre mexeu com os seus sentidos, Vince terá
que escolher entre se render ao sentimento adormecido, ou trancafiar de vez
tudo o que Suellen lhe desperta, e ela, por sua vez, terá que se decidir entre ir
embora novamente ou atender ao pedido do seu coração.
O tempo os separou.
Mas existiria algo mais forte capaz de uni-los?
Laçando a Lua
Spin-off de Raio de Sol

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Sinopse

Magnólia Rodrigues é uma mulher de fases, arredia, marcante,


apaixonada e um tanto quanto atrevida. Nunca acreditou que pudesse de fato
ser a protagonista da sua própria vida, mas viu tudo mudar quando aceitou se
casar com um homem que na verdade, não conhecia.
Rodrigo Sanches é herdeiro de um império poderoso, um verdadeiro
executivo que renegou tudo o que tinha direito, fugindo para Ventura,
abandonando todas as pessoas que o sufocavam, sem ao menos olhar para
trás. Não tinha perspectivas e não ansiava por nada, até o dia que conheceu
Mag... A mulher mais insuportável e atraente com a qual ele poderia cruzar.
Ela é a lua e ele se tornou um caubói.
Poderia então laçar o impossível e domar seu coração?
Um novo livro está sendo escrito e uma nova história será contada.
Beijando o chão
Duologia Inimigos Reais, 2

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Sinopse

Bruta, rústica, sistemática e perigosa. Muito, muito perigosa. Marcela


Delgado não é o tipo de mulher com a qual um homem brincaria. Ela é
determinada e sabe bem o que quer, mas, tudo está prestes a mudar quando
percebe quem é o recém-chegado em Ventura.
Pedro Alcântara. Um caubói quente como o inferno, com um único
objetivo em mente: conquistar Marcela. Para alcançar essa façanha ele está
disposto a beijar o chão e mostrar que voltou para ficar, deixando claro que
mulher alguma além dela terá o seu coração.
Ela insiste em fugir dele.
Ele teima em correr atrás dela.
Uma mulher bem resolvida.
Um homem decidido.
Quando finalmente se entregarem ao amor, a confusão será colossal e
irresistível.
KALEL
Trilogia Implacáveis, livro 1

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Sinopse

Kalel “Destruidor” Haucke, o capitão do time de hóquei Boston Red Ice,


vive uma vida regada a sexo, sem muitas preocupações além da sua devoção
pelo esporte. É insuportável, convencido e charmoso ao extremo, usando
desses artifícios para ficar com as mulheres que deseja, sem se importar em
como elas se sentirão depois.
Mas poderia tudo mudar quando coloca os olhos no maior desafio que já
enfrentou?
Lindsay Campbell é destemida, uma tenista que não mede forças para
conquistar todos os seus sonhos. Guarda segredos que esconde de todas as
pessoas, segredos que podem acabar com a sua carreira, assim como, a de
quem se aproximar dela.
Ambos vão se encontrar e então tudo será posto à prova.
Uma escolha terá que ser feita.
Uma decisão respeitada.
O esporte é a solução ou a causa dos problemas?
Uma pergunta, que infelizmente, parece não ter resposta.
AIDAN
Trilogia Implacáveis, livro 2

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Sinopse

Aidan Campbell para todos os efeitos é um jogador de beisebol


excepcional, e um dos homens mais interessantes da Major League Baseball.
De uma família conhecida por ser influente e absurdamente rica, é definido
pelo seu dinheiro, não pelo seu caráter. Quem é Aidan? Alguém o conhece de
verdade?
Gwendolyn Simmons é uma mulher independente, com o coração partido,
em busca de si própria e de um lugar para curar suas feridas. Decide então
mudar de ares, ansiando por passar uma temporada com a mãe. Só não
esperava encontrar alguém do seu passado em tão boa... forma.
Aidan pode ser o único capaz de ajudá-la a esquecer seu coração partido,
mas também pode ser a causa de uma nova rachadura.
Os papéis serão invertidos e quem será a caça e quem será o caçador, uma
incógnita.
CRAIG
Trilogia Implacáveis, livro 3

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Sinopse

Craig Monroe é o último cara no mundo com o qual Madison O’Connell


gostaria de trabalhar. Entretanto, lá estava ela, na porta de um dos maiores
jogadores de futebol americano de todos os tempos. O confiante quarterback
do Miami Green Dolphins.
Se ela pudesse escolher, se as contas não viessem para lembrá-la todo fim de
mês, ela de fato, optaria por não lidar com um homem egocêntrico, que não
se importava com nada além dos seus próprios problemas.
Madison previa uma catástrofe, mas não desistiria.
Craig só queria continuar com a sua vida de regalias e... se livrar dela.
A determinação de Madison.
O humor insuportável de Craig.
Uma combinação explosiva e que pode causar estragos.
No desfecho da trilogia Implacáveis, você irá perceber que o pior... fica
sempre para o final.
TUDO QUE POSSO VER
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Sinopse

Erika Albuquerque sempre teve sua vida traçada, com a certeza de que
um futuro glorioso a esperava. No entanto, por que ela não se sentia feliz?
Entre idas e vindas da vida, ela acaba se encontrando na avenida Sentimento,
onde um estúdio de tatuagem se sobressaía ao seu mundo caótico de cores.
Com uma singularidade, Erika conseguia enxergar tudo o que os outros...
não conseguiam ver. E ao colocar seus olhos naquele homem, teve a súbita
certeza que nada seria o mesmo sem ele.
Athos Monteiro, uma pessoa tranquila, que vivia cada dia por vez, não
imaginava que a sessão marcada em uma segunda-feira calma e sem
pretensões mudaria a sua rotina de uma forma tão irreversível. Ele não sabia
o que estava acontecendo, mas tinha a noção de que aquela mulher com
cabelos cacheados e olhos tão verdes, quanto esmeraldas, o deixava
incomodado de uma maneira estranha e sem explicação.
Athos e Erika não deveriam se encontrar, mas, entre uma trama de
mistérios e mentiras, se veem interligados. Correndo contra um sentimento
tão irrefreável quanto uma tempestade e tão inevitável... como o tempo.
A fuga da princesa
Duologia Inimigos Reais, 1

Amazon
Sinopse

Quando Adele Packard Rodwell fugiu do seu próprio casamento, ela não
imaginava que isso desencadearia uma confusão gigantesca. Queria apenas
proteger as pessoas que amava e cuidar para que a verdade fosse revelada. No
entanto, lá estava ela, em uma enrascada digna de nota.
Enquanto ela fugia, Nicholas Henry Baldrick Holloway, o príncipe
herdeiro do trono de Persóvia, tinha noção de que precisava se casar o quanto
antes. Não importava o que sentisse, bastava que aceitasse suas
responsabilidades e honrasse a coroa.
Ambos não sabiam como seriam as coisas, quando finalmente iniciassem
seus reinados; só tinham conhecimento que Hirondelle e Persóvia eram
países inimigos e que assim permaneceriam para sempre.
Uma rivalidade tão antiga quanto as famílias reais.
Uma fuga que mudaria o presente.
E o que era impossível se tornaria apenas... um mero acaso.
Nesta primeira parte, Nicholas e Adele terão que medir e unir forças para
descobrirem algo muito pior do que imaginavam. Algo muito maior do que
esperavam.
A escolha do príncipe
Duologia Inimigos Reais, 2

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Sinopse

Amor.
Aventura.
Segredos.
As areias do tempo estão correndo contra Adele e Nicholas.
Príncipe e princesa encontrarão problemas que parecem insolúveis,
lidando com uma vingança orquestrada há mais tempo do que imaginam.
Na segunda parte da jornada, a impulsividade de Adele obrigará Nicholas
a fazer uma escolha difícil, levando-os ao limite de tudo o que acreditam, ao
extremo de tudo o que foram criados para confiar.
Prestes a duvidarem de si mesmos e a perderem a batalha contra o
inimigo, só uma coisa poderá salvá-los... As verdades tecidas entre o passado
e o presente, linhas escondidas por séculos que culminaram no começo da
guerra e que podem ou não acabar com ela.
*É necessário ler o primeiro livro da Duologia Inimigos Reais: A fuga da princesa.
Entre em contato com a autora em suas redes sociais:
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Notas

[←1]
Sotaque mais gutural, no qual o final das sílabas in, en, im e em soam indistintas,
deixando as palavras bem parecidas, como Ben e Bin que podem soar da mesma
forma. Também é característico deste sotaque sílabas com o som de “o” acabarem
por se tornar mais graves.

[←2]
Nome na versão português do Brasil, Dunga.

[←3]
Nome na versão português do Brasil, Zangado.

[←4]
Nome na versão português do Brasil, Mestre.

[←5]
Nome na versão português do Brasil, Atchim.

[←6]
Nome na versão português do Brasil, Feliz.

[←7]
Nome na versão português do Brasil, Soneca.

[←8]
Nome na versão português do Brasil, Dengoso.

[←9]
Chief Financial Officer, em português Diretor Financeiro.

[←10]
Chief Operating Officer. Diretor Operacional.

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